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LIA SCHULZ
A CONSTRUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO NA FALA-EM-
INTERAÇÃO DE SALA DE AULA: UM ESTUDO
MICROETNOGRÁFICO SOBRE A PARTICIPAÇÃO EM UMA
ESCOLA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE
PORTO ALEGRE
2007
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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
ÁREA: ESTUDOS DA LINGUAGEM
ESPECIALIDADE: LINGÜÍSTICA APLICADA
LINHA DE PESQUISA: LINGUAGEM NO CONTEXTO SOCIAL
A CONSTRUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO NA FALA-EM-
INTERAÇÃO DE SALA DE AULA: UM ESTUDO
MICROETNOGRÁFICO SOBRE A PARTICIPAÇÃO EM UMA
ESCOLA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE
LIA SCHULZ
ORIENTADOR: PROF. DR. PEDRO DE MORAES GARCEZ
Dissertação de Mestrado em Lingüística
Aplicada, apresentada como requisito parcial para
a obtenção do título de Mestre pelo Programa de
Pós-Graduação em Letras da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
PORTO ALEGRE
2007
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2
Para todos os educadores que transformam
nosso mundo por meio da palavra,
especialmente para os que realizam a dádiva de
dar a palavra.
3
AGRADECIMENTOS
Tenho a honra e a felicidade de ter contado com inúmeras pessoas especiais durante
todo percurso desta pesquisa. Assim, agradeço:
- Aos educadores que possibilitaram esta pesquisa e que, com muita coragem, me
permitiram pesquisá-los e, acima de tudo, aprender com eles;
- Ao Programa de Pós-Graduação em Letras da UFRGS, professores e funcionários,
pelo acolhimento e pelo trabalho conjunto e à CAPES, pela bolsa de pesquisa que me
possibilitou realizar este trabalho com dedicação exclusiva;
- Ao meu orientador, Pedro de Moraes Garcez, por ter me acolhido, me ensinado e
orientado ao longo dos anos, com quem aprendi muito;
- A todos os colegas do grupo de pesquisa ISE – Interação Social e Etnografia – com
os quais compartilhei meu trabalho, minhas ansiedades e minhas descobertas;
- À Letícia Ludwig Loder, grande colega, professora e amiga, que há muitos anos tem
me ensinado a ser melhor como pesquisadora, colega e pessoa, com sua humildade e
amabilidade;
- À Gabriela da Silva Bulla, colega e amiga querida e amada, por me ensinar que tudo
é construído com a ajuda do outro, num constante trabalho colaborativo entre tantos risos e
alegrias que passamos juntas;
- À Patcia Covaleski Gonzalez, uma pessoa surpreendente e à frente do seu tempo,
que com tamanha generosidade e amor compartilha tudo que sabe;
- À Neiva Maria Jung, grande amiga e professora, que me ensinou muito com seu
espírito batalhador e iluminado, com sua calma e força;
- À Paola Guimaraens Salimen, querida e brilhante amiga, que me ensinou, orientou,
revisou, sorriu, brincou e cresceu comigo em todo esse período;
- À Luciana Etchebest da Conceição, grande companheira, por todas as ajudas
possíveis e impossíveis, desde nossa primeira entrada em campo até a leitura do texto;
- À Paloma da Silva Melo, querida colega e amiga, por estar sempre presente para
ajudar, conversar, carregar câmeras, digitalizar e ser um ombro amigo sempre;
- À Luanda Rejane Soares Sito, colega brilhante e cheia de energia, por sua dedicação
e exemplo de luta e posicionamento que comove e ensina;
- À Laura Baumvol, uma pessoa maravilhosa, com quem pude aprender, trocar,
conhecer e ter a honra de compartilhar muitas iias e sonhos;
4
- Às queridas amigas e companheiras Aline Rosa, Caroline Comunello e Daniela
Nascimento, com quem pude dividir muitos momentos de muita alegria e aprendizagem;
- À Ana Luiza Pires de Freitas, colega querida, com quem pude aprender a arte de
debater e crescer muito na troca de iias e no exercio de constante reflexão intelectual;
- Às colegas de mestrado Renata de Sá Bonoto, Letícia Grubert dos Santos e Fernanda
Wasserman, que compartilharam comigo todos os momentos de aprendizagem possível dentro
do curso de pós-graduação;
- À Maria de La O Lopez Abeledo, Mariola querida, que tanto me ensinou em
conversas e leituras interessantes e ajudou na revisão do texto, sempre com muita simpatia;
- Ao amigo Marden Müller, pelas conversas filoficas interessantes e inspiradoras;
- À professora Margarete Schlatter, por tudo que me ensinou, em aula e na vida,
especialmente por sua capacidade de ser conciliadora das diferenças, e por ter me dado a
oportunidade de voltar à sala de aula, e aos novos colegas de grupo de pesquisa, estudo e
trabalho do Programa de Português para Estrangeiros, que me acolheram tão carinhosamente;
- Aos meus alunos, queridos, que me ensinaram mais ainda sobre participação,
aprendizagem, com muito carinho e muita paciência;
- Às amigas Carmen Lílian Hernandez, Patrícia Yurgel e Simone Doro, que mesmo
após a graduação continuam comigo nos mais diversos momentos;
- À Bárbara Vianna, amiga querida, que mal chegada no Brasil já se diss a ajudar e
revisar o texto;
- À Alba Aguirre, Fábio Mentz, Susan Brown, meus junguianos favoritos, e os colegas
do grupo Con-Siderações, que muito me agüentaram atormentada nas aulas;
- Aos amigos César Schirmer dos Santos e Mariana Fernandes, com quem aprendi
sobre ir muito além dos muros acadêmicos em debates filoficos e antropológicos;
- Aos amigos Renato Duarte da Fonseca e Cristina Santos, queridos e amados, que
acompanharam toda a criação deste trabalho, e, em cada linha escrita, comemoraram comigo
esse momento;
- Aos meus pais, cia e Germano Schulz, minhas irs, Maria Luisa e Anelise, meu
sobrinho Yuri, e Betô, por todo o amor, a compreensão das minhas ausências familiares e pelo
apoio para seguir adiante, especialmente por me ensinarem o que é ser parte de algo, com
muito amor;
- Ao meu companheiro Maurício, meu amor e minha vida, que participa comigo de
cada momento sempre, me faz uma pessoa melhor, com fé na vida, no mundo e nas pessoas, e
colore meus dias com seu amor, sorriso e abraço, meu porto seguro.
5
RESUMO
Esta dissertação tem como objetivo analisar as estruturas de participação encontradas na fala-
em-interação de sala de aula de uma escola pública de Porto Alegre. A fundamentação
teórico-metodológica adotada nesta pesquisa está ancorada na Microetnografia Escolar. O
conceito de estruturas de participação apresentado também conta com contribuições trico-
metodológicas advindas da Análise da Conversa Etnometodológica e Sociolingüística
Interacional. A pesquisa foi realizada por meio de um trabalho de campo que envolveu a
geração de dados etnográficos e microetnográficos, com observação participante e geração de
dados audiovisuais. As gravações realizadas foram de interações de sala de aula e do
Conselho de Classe Participativo, que acontece na escola alvo da pesquisa. Na análise dos
dados, foi observado que a construção de participação que é realizada na fala-em-interação de
sala de aula e no conselho de classe está relacionada com a história da escola e com as ações
cotidianas dos educadores que possibilitam a manutenção diária do projeto político-
pedagógico da escola, que prima pela inclusão social. O espaço de participação construído no
conselho de classe, em que todos podem participar e ter a palavra para dizer o que estão
aprendendo e o que está difícil de aprender, possibilita também com que os alunos dessa
escola passem a ser protagonistas de seus processos de aprendizagem. A análise mais de
detida das atividades realizadas no pré-conselho revela diferentes práticas como prestações de
contas, orquestração das falas dos participantes, possibilidades de escolhas e a construção
conjunta de autoria, que constituem o evento como um espaço em que se dá voz e se ratifica a
participação de todos. Além disso, a relão entre participação e aprendizagem construída por
meio das ações dos educadores evidencia que, para que se possa transformar a escola em um
espaço de aprendizagem para todos, é fundamental ter a participação de cada um, fazendo
com que o aprendizado seja parte do engajamento, protagonismo e autoria de todos.
Palavras-chave: participação, fala-em-interação, sala de aula.
6
ABSTRACT
This master thesis is aimed at analyzing participation structures observed in classroom talk-in-
interaction in a public school in Porto Alegre from a microethnographic perspective. The
concept of participation structures adopted has also benefited from theoretical and
methodological contributions of Conversation Analysis and Interactional Sociolinguistics.
Fieldwork research included generation of ethnographic and microethnographic data,
participant observation and audiovisual recordings of classroom interactions and of the
Conselho de Classe Participativo (Participative Class Meeting), which takes place at the
researched school. It was observed that the pupils’ constant participation, fostered during both
classroom talk-in-interaction and the class meetings, was related to the history of the school
and to recurrent actions taken by teachers and educators, which allowed the socially inclusive
political-pedagogical project of the school to be put into practice daily. The arena of
participation constructed in the class meetings, during which anyone could participate and
take the turn to say what s/he was learning and what difficulties s/he was facing, allowed
pupils at this school to be protagonists in their own learning processes. A more detailed
analysis of the activities during a preparatory assembly for the class meetings revealed the
emergence of several practices (such as accounts, orchestration of participants’ turns,
management of the pupils’ choices and construction of collective authorship), characterizing
the class meeting as an event in which opportunity to participate was given to all and
constantly ratified. Furthermore, the observed relationship between participation and learning
promoted by the actions of teachers and educators revealed that, in order to transform the
school into an arena of learning to all, it is crucial that each and every pupil participate, so that
the learning process results from the commitment, participation and authorship of everyone.
Keywords: participation, talk-in-interaction, classroom.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO: A PARTICIPAÇÃO QUE INQUIETA E MOTIVA .......................10
1. PARTICIPAÇÃO E INTERAÇÃO SOCIAL...........................................................15
1.1 Participação, Sociedade e Democracia.....................................................................16
1.2 Participação e Fala-em-Interação.............................................................................21
1.2.1 Estruturas de Participação.....................................................................................22
1.2.2 Piso Conversacional .............................................................................................31
1.3 Participação e Educação ..........................................................................................33
1.3.1 Fala-em-Interação de Sala de Aula: falas de sala de aula.......................................33
1.3.2 Participação e Aprendizagem ...............................................................................40
2. O ENFOQUE TEÓRICO-METODOLÓGICO E O UNIVERSO DA PESQUISA: O
ENCONTRO COM O MUNDO DO OUTRO..............................................................46
2.1 A Metodologia Adotada: a visão do outro como guia ..............................................47
2.2 A Geração de Dados................................................................................................54
2.3 O Universo da Pesquisa: a escola e sua história na comunidade...............................61
2.4 O Conselho de Classe Participativo e o Projeto Político-Pedagógico da Escola........67
3. TODOS PODEM APRENDER, TODOS PODEM PARTICIPAR: A
CONSTRUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO NA FALA-EM-INTERAÇÃO DE SALA DE
AULA .............................................................................................................................72
3.1 A Organização da Participação na Fala-em-Interação de Sala de Aula.....................74
3.1.1 Uma Visão Geral das Aulas: diferentes atividades, diferentes maneiras de participar
da aula..................................................................................................................75
3.1.2 Reciclorio: construção conjunta e gerenciamento da participação......................79
3.1.3 Sacas: correção e perguntas de prova invertendo a ordem do tradicional...............87
3.2 Participação e Aprendizagem no Conselho de Classe Participativo..........................91
3.2.1 Apresentação das Turmas e da Configuração do Conselho de Classe....................92
3.2.2 O Pré-Conselho: a vez e a voz do aluno................................................................96
8
3.2.3 O Conselho de Classe Propriamente Dito: oportunidades para todos, participação e
aprendizagem .....................................................................................................110
3.3 Estruturas de Participação a partir da Análise dos Dados .......................................119
4. UMA ANÁLISE DA “NOSSA” PARTICIPAÇÃO: IMPLICAÇÕES
METODOLÓGICAS E CONTRIBUIÇÕES PEDAGÓGICAS DA PESQUISA......123
4.1 O que é Pesquisa para o Sujeito Pesquisado?..........................................................124
4.2 Implicações Metodológicas: a busca por uma visão êmica desde a presença da câmera
até os formulários de consentimento ......................................................................128
4.3 As Contribuições Pedagógicas do Estudo da Participação......................................130
CONSIDERAÇÕES FINAIS: O QUE É PARTICIPAÇÃO AFINAL E COMO ELA
ACONTECE AQUI?....................................................................................................132
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................139
ANEXOS ......................................................................................................................145
ANEXOAs0..................5...............4612.2(S)-1...............099-9.5(es)I45
ANEXOAs0...........” 1a pa712.2(S)6133.8(..........099-9.5(es))-0.4(I)-1...1......1.......1......” 45
ANEXOAs0..........” 1a pa812.2(S)6133.8(..........099-9.5(es))-0.4(I)-1...1......1.......1......” 45
ANEXOAs0..........” 112.2(S)61....................................................V -147........139
ANEXOS ................5....0...........................S145
ANEXOAs0.............5....1...........................SesI45
9
ÍNDICE DE QUADROS, FIGURAS E SEGMENTOS
Quadro 1: Dados gerados................................................................................................60
Quadro 2: Estudantes da B10 em 2003............................................................................75
Quadro 3: Estudantes da B30 em 2005............................................................................93
Figura 1: Configuração dos grupos na sala na primeira aula ............................................80
Figura 2: Configuração dos grupos na sala segunda metade da terceira aula....................88
Figura 3: Configuração da turma na sala durante a primeira parte do pré-conselho..........97
Figura 4: Direcionamento de olhar para o canto direito da sala......................................103
Figura 5: Direcionamento de olhar para o canto esquerdo da sala..................................104
Segmento I:Reciclonário” ............................................................................................81
Segmento II: “Sacas” .....................................................................................................89
Segmento III: Todo mundo vai falando e eu vou escrevendo.” .....................................98
Segmento IV: “O que vocês preferem?” .........................................................................99
Segmento V: “O que está legal e o queo está legal ..................................................102
Segmento VI: “Isso é da Turma B30” ...........................................................................105
Segmento VII: “Tem que cada um poder falar” ............................................................107
10
INTRODUÇÃO: A PARTICIPAÇÃO QUE INQUIETA E MOTIVA
Era o ano de 2002. Porto Alegre estava contaminada pelas idéias que circulavam em
diferentes nguas em ônibus, praças e auditórios, advindas pelo acontecimento do Fórum
Social Mundial. Junto a ele, a prefeitura da cidade realizou o Fórum Mundial da Educação.
Naquela edição, tive a oportunidade de me emocionar com as palavras do grande educador
Moacir Gadotti. Cheguei atrasada na palestra. Ofegante, me ajeitei na cadeira gelada do
Auditório Araújo Vianna. Gadotti falava sobre a participação das crianças na escola. E não se
tratava apenas de participação em sala de aula, mas em todos os acontecimentos escolares,
como na própria gestão da instituição. Para ele, as crianças deveriam ter maior poder de
decisão em todos os assuntos e processos do qual fazem parte na escola. Fiquei incomodada e,
ao mesmo tempo, instigada. Na realidade, ele estava antecipando questões do OP Criança em
São Paulo
1
. Talvez o que mais tenha me surpreendido em suas palavras foi o que para mim
pareceu muita ousadia: como falar de crianças na gestão da escola enquanto elas mal
conseguiam, no meu entender, participar da aula?
Na minha formão de educadora, tive contato com instituições de ensino tão
retratadas já na nossa história como símbolos de fracasso escolar, em que o aluno
simplesmente não tem voz. Parecia que em qualquer escola estadual que eu entrasse, veria a
mesma cena: o professor é aquele que fala, que diz quem pode falar, que ensina, que sabe, que
determina as atividades, que mostra o que se pode fazer (e o que não se pode), o que se pode
falar (e como falar), escrever, e, mais precisamente, quem diz como se participa de uma aula.
Mas todas as escolas seriam assim? Todos os professores? Todos os alunos?
Mais tarde, inspirada por um grande professor que tive, Cristiano Pörtner, e pela
leitura do texto recomendado por ele, Dar a Palavra, notas para uma dialógica da
transmissão, de Jorge Larrosa, o tema da participação começou a me perseguir. As questões
que eu tinha em mente eram: o que é participar? É ser membro de algo ou fazer parte de algo?
Como participamos de um grupo? Participar é sinônimo de falar? Como demonstramos uns
para os outros que estamos participando? Como nossa participação é modificada em
diferentes cenários e nas diferentes interações das quais fazemos parte diariamente?
As perguntas mais específicas que eu tinha em relação à sala de aula eram: O que é
participar em aula? É falar em aula, ter a palavra? Em que momento o aluno tem a palavra? O
1
Orçamento Participativo Criança, projeto encabeçado pelo Instituto Paulo Freire e implementado em algumas
escolas da Rede Municipal de São Paulo, em 2003 e 2004.
11
professor é quem dá a palavra para o aluno? Quais os momentos e em que atividades de sala
de aula isso acontece? Participar é diferente de aprender ou é a mesma coisa? Como as
diferentes formas de se participar de uma aula estão relacionadas com as diferentes
abordagens pedagógicas?
Minha primeira tentativa de responder algumas dessas perguntas incessantes,
especialmente as quatro primeiras, foi a minha monografia de conclusão do curso de Letras
(SCHULZ, 2004). O trabalho que chamei de A construção da Participação na Fala-em-
Interação de Sala de Aula: a tomada do turno de fala pelo aluno diz respeito à participação
enquanto tomada de turno de fala, isto é, como e quando o aluno tem oportunidades de ter a
palavra, e, quando o professor propicia esse espaço, de que formas ele o faz.
A monografia citada foi resultado de minha atividade como bolsista de iniciação
científica no projeto Reparo, correção e intersubjetividade na organização interacional e
institucional da escola pública cidadã. O projeto tinha como objetivo analisar as formas de
reparo conversacional na fala-em-interação de sala de aula presentes em uma escola
municipal de Porto Alegre, e relacioná-las com o projeto político-pedagógico adotado pela
Escola. Durante meu trabalho como bolsista, tive a oportunidade incrível de conhecer essa
escola, que modificou completamente minha visão de participação e de educação. Tal escola
construiu coletivamente um projeto político-pedagógico que se destacou pela inclusão social,
conforme relatarei adiante. Em nossa pesquisa lá, tivemos evidências para afirmar que as
práticas de sala de aula relacionavam-se firmemente com esse projeto de inclusão. Vimos,
também, práticas de fala-em-interação que podem ser consideradas muito mais democráticas
do que é usualmente associado à fala-em-interação de sala de aula tradicional. Além disso, a
escola reorganizou as atividades do conselho de classe, a partir da década de noventa,
transformando o evento em um conselho de classe participativo, em que todos os alunos
podem participar. Assim, a minha visão de participação em sala de aula foi totalmente
modificada após a vivência que tive no trabalho de pesquisa.
Voltei ao campo em 2005, para realizar nessa mesma escola a pesquisa que envolve a
presente dissertação de mestrado. O projeto se justificou por fazer uma relação entre as
estruturas micro interacionais da fala com os aspectos históricos e sociais mais amplos que
foram constituídos naquele lugar, especialmente no que vimos em relação ao conselho de
classe participativo, que se modificou completamente, passando de um espaço mais formal e
burocrático a um espaço de participação ativa de alunos, professores, equipe diretiva e
comunidade escolar.
12
Assim, o presente trabalho tem como objetivo geral descrever e analisar as estruturas
de participação presentes na fala-em-interação de sala de aula, nessa escola municipal de
Porto Alegre, buscando relacionar as práticas conversacionais constituintes de tais estruturas
com um processo de construção de participação e inclusão social em plano maior, social,
histórico e político.
As perguntas de pesquisa que dirigem este trabalho são:
1. Que práticas conversacionais aparecem na fala-em-interação da sala de aula que
estão relacionados com construção de participação efetiva em sala de aula?
1.1. Quais as estruturas de participação utilizadas por professores e alunos na fala-em-
interação de sala de aula?
1.2. Como a participação está relacionada com o que chamamos de fala-em-interação
de sala de aula tradicional?
2. Como o processo de construção de participação na fala-em-interação acontece no
contexto escolhido como cenário da pesquisa?
2.1. Como tal processo se relaciona com a história da escola e seu projeto político-
pedagógico?
2.2. Qual o papel do Conselho de Classe Participativo na construção da participação?
3. Como a construção de participação na fala-em-interação está relacionada com
inclusão social?
3.1. Qual a relação entre a fala do aluno em sala de aula e o projeto político-
pedagógico da escola?
3.2. O que representa a fala do aluno no Conselho de Classe Participativo?
O tema da participação é abordado neste trabalho a partir de uma perspectiva teórico-
metodológica fundamentada na tradição em pesquisa da Microetnografia Escolar. Também
utilizei noções advindas da Análise da Conversa Etnometodológica, assim como da
Sociolingüística Interacional, que contribuíram em muito para o entendimento da participação
em interação social. Tais contribuições se deram especialmente em relação ao construto
teórico do conceito de estruturas de participação que delineio no trabalho, como também no
uso do conceito de piso conversacional, que será discutido no Capítulo 1.
Parto da premissa de que é possível se entender as questões macro sociais, poticas e
históricas em um universo mais micro, o das interações sociais. Assim, participar de uma
sociedade ou fazer parte dela, pode ser entendido de uma maneira mais global, se olharmos
para o contexto histórico, social e potico do qual os participantes fazem parte, assim como
13
de uma maneira mais local, se analisarmos como se dá a participação por meio do uso da
linguagem em interações sociais.
Os dados utilizados no trabalho o compostos por interões de sala de aula e de
atividades relacionadas ao Conselho de Classe Participativo da escola anteriormente
mencionada. A geração dos dados se deu por meio de trabalho de campo com observação
participante e geração de dados audiovisuais, posteriormente segmentados, transcritos e
analisados. Na alise,o utilizadas transcrições de fala-em-interação, vinhetas narrativas e
citações de notas de campo, para demonstrar como os participantes constroem sua
participação localmente e como tal construção está relacionada com a história da escola e sua
inserção no cenário político e social mais amplo.
A presente dissertação é organizada em quatro capítulos. O primeiro capítulo trata de
participação e interação social e procura dar conta dos conceitos teóricos utilizados na análise.
Parto de uma visão mais ampla da participação, procurando defini-la como ação social que se
configura em um contexto histórico, social e político determinado, para direcionar o seu
entendimento em um foco mais microanalítico, discutindo como as ações que envolvem o
participar de algo” acontecem por meio do uso da linguagem na fala-em-interação.
Apresento os conceitos de estruturas de participação e de piso conversacional para embasar
essa análise da participação.
Ainda no primeiro capítulo, discuto a relação entre participação e educação, tratando
da noção de fala-em-interação de sala de aula e da relação entre participação e aprendizagem,
como processos que podem ser entendidos como muito semelhantes ou muito diferentes,
dependendo do que se quer enfocar. No caso da escola pesquisada, se vê que se tratam de
processos inseparáveis.
O segundo capítulo traz o enfoque teórico-metodológico e o universo da pesquisa e
tem como objetivo apresentar a metodologia utilizada e o cenário da pesquisa. Utilizo a visão
êmica, isto é, o ponto de vista dos participantes tanto para discutir o método de pesquisa
adotado, como para apresentar uma “postura” educacional encontrada no cenário da pesquisa.
Tal postura pode ser vista nas ações dos educadores que tem como princípio saber quem é o
aluno da escola e a que universo cultural e social ele pertence, para, a partir disto, planejar
uma educação possível para cada um, e ao mesmo tempo para todos. Nesse capítulo, narro a
geração dos dados, a história da escola pesquisada e a organização do Conselho de Classe
Participativo realizado na escola.
No terceiro capítulo, todos podem aprender, todos podem participar: a construção da
participação na fala-em-interação de sala de aula, procedo à análise dos dados. Em uma
14
primeira seção, analiso questões relevantes à organização da fala-em-interação de sala de
aula, por meio de segmentos transcritos de interações de aulas observadas e registradas em
2003. Os dados apresentados demonstram como as práticas de sala de aula estão relacionadas
ao projeto político-pedagógico da escola. Na segunda parte do capítulo, apresento dados
relativos ao Conselho de Classe Participativo, acompanhado e filmado em 2005, em que a
participação dos interagentes é construída de modo que todos possam participar, tendo como
fundamento a proposta pedagógica da escola, sintetizada no princípio que diz que “todos
podem aprender”.
O quarto capítulo é uma análise da “nossa” participação e trata das implicações
metodológicas e pedagógicas da pesquisa, assim como das contribuições da pesquisa.
Questões como o que vem a ser pesquisa para os participantes e como a presença de
pesquisadores modifica o cenário pesquisado, especialmente quando estes carregam câmeras
para filmar e registrar o que ali acontece, são colocadas em discussão.
Nas considerações finais, retomo as perguntas de pesquisa para apresentar o
entendimento que foi resultante da análise dos dados. Procuro relacionar o aspecto macro da
história da escola, a construção coletiva do projeto político-pedagógico da escola e a postura
dos educadores com as maneiras de participação constrdas na fala-em-interação presente
nos eventos observados e analisados. Em cada momento em que se toma a palavra, é possível
observar processos de participação, aprendizagem, autoria e protagonismo dos sujeitos
envolvidos.
Este trabalho representa para mim uma maneira de tentar responder às instigantes
questões que há muito me acompanham. Tento, por meio dele, compartilhar minha
inquietação e transformá-la em maneiras de se pensar e refletir sobre educação e
aprendizagem. Essa participação que motiva e inquieta é o que me levou a realizar esta
pesquisa. Além disso, tive o prazer de ter encontrado nesse percurso uma escola muito
especial, em que participação ganhou um sentido concreto, uma participação de fato. Acredito
que essa seja uma das grandes contribuições deste trabalho: a de poder mostrar que outros
mundos e outras participações na escola já são possíveis. Convido o leitor/a leitora a conhecer
esse lugar a partir de agora.
15
1. PARTICIPAÇÃO E INTERAÇÃO SOCIAL
Participar é ser protagonista e solidário
ao mesmo tempo, para mudar a partir do
compartilhar.
César Muñoz
A palavra participação é carregada de cotidiano. Todos os dias, nós participamos de
algo. Participamos de uma conversa, de uma refeição, de pequenos encontros diários com
pessoas conhecidas, familiares, ou completos desconhecidos. Participamos também de
grandes eventos, de espetáculos, de aulas, de audiências de programas de TV ou de rádio,
assim como de filas de ônibus, ou simplesmente de um bate-papo em uma mesa de bar.
Estamos sempre participando de algo porque fazemos parte de algo maior, seja de um grupo,
de uma família, de uma comunidade ou de uma sociedade, se assim preferirmos dizer.
Mesmo sendo um termo tão cotidiano, participação tem várias nuances e diferentes
sentidos quanto ao seu uso. Por isso mesmo, há inúmeras maneiras de defini-la. Este catulo
aborda algumas delas, privilegiando a relação entre participação e interação social. A reflexão
que se quer fazer aqui é a de que participar de uma interação é participar em sociedade. Tendo
como pressupostos que a interação face a face é o cenário primordial de uso da linguagem
(CLARK, 2000) e que as questões macro sociais são constrdas em cada interação, e assim,
podem ser observadas nela, pode-se dizer que as diferentes maneiras de se participar de uma
interação são relações ecológicas de adaptação mútua e trabalho conjunto dos interagentes,
que trazem consigo todas as questões macro sociais e históricas que os envolvem
(ERICKSON, 2004). Tais relações ecológicas, portanto, não estão dissociadas dos processos
sociais maiores; ao contrário, a cada momento em que uma pessoa toma a palavra para
participar de uma conversa, por exemplo, traz com ela inúmeros aspectos que comem sua
formação social, histórica e cultural.
Assim, a noção de participação que será privilegiada neste trabalho é que participação
é algo cotidiano que fazemos (uma ação) com a ajuda do outro (social), conversando (por
meio do uso da linguagem), em cada oportunidade em que temos a palavra (em cada turno de
fala) e em cada momento em que lidamos com o que é dito (com olhares e gestos). Participar
16
é falar e ouv 0 0 12 84.9a Tc0.1112 84.9 é t4.4(e.4(uv 0 12 8a pr)-29.4( e o)-22.-29.4(v)17.4( 0 12 al)15.4e da 0 12 8)15.4a pr e ov 0 12 a. E1.4(9 c9m)3o e ov 0 12 alt4.4(e.-29.4(me o)-2.9 p9de 0 12 8de8)15.4m
17
Assim, pode-se dizer que, pelo menos no dicionário, participação é uma ação social que diz
respeito a ter parte ou fazer parte de algo.
Ampliando essa definição, são encontradas concepções como a de Demo (1988), que
vê esse fazer parte de algo como fazer parte da sociedade em que vivemos. Para ele, a
participação é a base para uma sociedade democrática de fato. Entretanto, a participação não é
algo dado, ou algo pronto; ela é uma conquista,é um processo, no sentido legítimo do termo:
infindável, em constante vir-a-ser, sempre se fazendo” (p. 18). Assim, para se fazer parte da
sociedade de fato é preciso participar de fato.
Bordenave (1994) aborda este participar de fato como tomada de decisão. Segundo
este autor, apesar do tema da participação estar na moda de alguns anos para cá e de haver um
grande interesse das pessoas no Brasil e no mundo pelo tema, isso não significa que haja
participação de fato. Ele chama o momento histórico atual de a “era da participação” (p. 8),
exemplificando tal caracterização com o crescente desejo das pessoas em geral de participar,
seja por meio de associações populares, comunidades, movimentos ecológicos, ou mesmo por
meio de programas de TV e de rádio, que contam com a participação dos telespectadores ou
dos ouvintes. Mas o autor chama a atenção para que se pense, primeiro, qual é a “real
participação” das pessoas, e, segundo, como é o envolvimento nas decisões que são tomadas.
Para este autor, a “Democracia é um estado de participação” (p. 8). Assim, uma sociedade só
pode ser democrática de fato se houver participação real e efetiva das pessoas que fazem parte
dela, com uma intervenção ativa no que diz respeito à tomada de decisões.
Quanto ao conceito propriamente dito de participação, Bordenave (1994) o caracteriza
como uma necessidade humana universal, tão fundamental para o ser humano quanto dormir
ou comer, mas que acontece de fato na intervenção ativa da construção da sociedade. Tal
intervenção se dá por meio da tomada de decisões e das atividades sociais das quais as
pessoas participam em todos os níveis, tanto em um vel micro, como no caso de uma
família, como em um nível macro social, como na história de uma sociedade.
Medeiros e Luce (2006), quando tratam de gestão democrática, retomam o caráter
ativo da participação como o fazer parte da sociedade, tendo como base o conceito de
Bordenave (1994), e apontam para a importância potica da participação. As autoras
ressaltam que, mesmo que as pessoas façam parte de uma sociedade, não basta ser parte de
forma passiva, o que pode acontecer nas diferentes nuances dos regimes democráticos. É
preciso que se avance para níveis de participação mais decisória, que envolvem apropriação
de informações e atuação nas deliberações, com o controle e a avaliação dos processos de
planejamento e execução (MEDEIROS e LUCE, 2006, p. 17).
18
A discussão sobre participação, entendida como participação efetiva com tomada de
decisões na sociedade, e construção de democracia participativa foi fortemente difundida com
a implementação do Orçamento Participativo (doravante OP) pela Administração Popular
2
em Porto Alegre em 1989 (FEDOZZI, 1997; FISCHER e MOLL, 2000). Conforme Moll e
Fischer (2000, p. 154),
“O OP proporcionou à cidade a experiência
da democracia direta, com a própria
população discutindo e deliberando sobre a
utilização dos recursos, o que significa
concretamente a fiscalização e o controle do
Estado por parte da sociedade civil e o fim do
clientelismo na elaboração do orçamento.
Segundo esses autores, além de fazer com que o Estado partilhasse com a população a
tomada de decisões acerca da gestão financeira da cidade, outra grande contribuição da
implementação do OP foi o caráter pedagógico desta forma participativa de organização. A
experiência de participação direta realizada nas assembléias do OP trouxe ensinamentos por
meio das práticas poticas, com a produção de novos conhecimentos e de posturas políticas
diferenciadas dos sujeitos participantes. Ou seja, mais uma vez, se vê que participação não é
algo pronto ou dado, mas construída ativamente, num constante processo de participação, que
é aprendido e que também possibilita que os sujeitos participantes construam conhecimentos e
posturas políticas neste processo.
Em relação à construção de conhecimento por meio do processo de participação direta
do OP, Blasina e Luce (2006) narram a maneira com que o projeto foi estendido às escolas
municipais de Porto Alegre, como exemplo de “construção democrática que tem resultados
evidentes na qualidade do ensino e na educação de toda a comunidade para a convivência e as
decisões coletivas” (p. 117). O OP Escolar
3
, implementado como Decreto Municipal, permitiu
que as escolas da rede municipal de ensino pudessem deliberar sobre a gestão financeira dos
recursos destinados às escolas. As autoras demonstram, em um exemplo concreto, como
escolas e comunidades se envolveram no processo participativo e constrram cidadania, por
meio da participação na organização, discussão e disputa por recursos financeiros.
2
Governo de administração petista da cidade de Porto Alegre, de 1989 a 2004.
3
Para mais informações sobre a implementação, consultar GENRO et al (1999).
19
Conforme discutido pelos autores acima citados, o OP modificou os processos de
participação popular em gestões administrativas. Se a participação de cidadãos comuns em
decisões que dizem respeito à gestão do orçamento da cidade foi um processo constrdo
muito recentemente, a participação infantil em processos decisórios ou em projetos
específicos é uma questão ainda mais recente. Até muito pouco tempo atrás, as crianças não
eram nem mesmo consideradas portadoras de direitos. Em Sanchez (2004), há uma discussão
sobre os direitos da criança e sua inclusão como cidadã. No Brasil, a adoção do Estatuto da
Criança e do Adolescente (doravante ECA), em 1990, foi considerada um grande avanço no
que diz respeito aos direitos de cidadania de crianças e adolescentes. A admissão de que eles
são portadores e sujeitos de direito passou a ser um marco legal para a consagração dos
direitos da criança, modificando, assim, seu status social. A promulgação do ECA no Brasil
aconteceu pouco tempo depois de as Nações Unidas fazerem algo semelhante, com a
Convenção Internacional dos Direitos da Criança
4
. Para Sanchez (2004), a “aprovação do
ECA e da convenção dos direitos da criança são concomitantes à implantação e ao
florescimento de experncias de democracia participativa em governos locais iniciadas com
os orçamentos participativos” (p. 9).
Muñoz (2004), analisando a etimologia da palavra infância, explica o fato de ser muito
recente, e, ao mesmo tempo surpreendente, a idéia da participação das crianças como cidadãs
de fato. A palavra infância vem do latim infalere que significa: “o que não fala” (p. 32). O
autor também discorda da idéia que temos comumente de que as crianças são o futuro. Para
ele, se trata de um embuste, pois elas nunca serão o futuro senão forem ANTES o presente”
(p.33). O autor afirma que é preciso parar de se pensar que a criança está sempre sendo
ensinada ou preparada para viver, já que a escola não prepara para a vida, mas a vida acontece
nela (p.32-33). Muñoz (2004) cita o projeto OP Criança como um exemplo de geração de
oportunidades de participação efetiva da criança na escola e no cotidiano de sua comunidade.
Tal projeto foi implementado nas escolas municipais de São Paulo
5
há alguns anos. Para
Sanchez (2004), o projeto OP Criança foi responsável por criar espaços possíveis para o
protagonismo infanto-juvenil na construção da democracia, que só é possível por meio da
partilha das decisões que afetam a vida das crianças e da sua comunidade.
4
Lei Internacional, de 20 de novembro de 1989, assinada por 192 países. Maiores informações em
http://www.unicef.org/brazil/
, ver Convenção sobre os Direitos da Criança, em Legislação, Normativas,
Documentos e Declarações.
5
Projeto implementado durante a administração petista da cidade de São Paulo, de 2002 a 2004, e coordenado
pelo Instituto Paulo Freire. Mais informações em http://www.paulofreire.org/
.
20
Sánchez (2004) e Muñoz (2004) citam o trabalho de Roger Hart (HART, 1992) como
um marco referencial importante sobre a participação de crianças e adolescentes na sociedade.
Hart (1992) afirma que a construção de uma sociedade democrática está intimamente
relacionada com as oportunidades de participação ativa dos sujeitos envolvidos, pois é um
processo que se consti na sua prática. Por isso, também, a importância de que haja espaços
para que as crianças participem. Conforme Hart (1992, apud. Muñoz, 2004, p. 8),
“Uma sociedade é democrática na medida em
que seus cidadãos participam especialmente
em nível comunitário. A confiança e a
competência para participar devem ser
adquiridas gradativamente com a prática. Por
essa razão deve haver oportunidades
crescentes para que as crianças participem em
qualquer sistema que aspire a ser democrático
e, particularmente, naquelas nações que
acreditam já serem democráticas”.
Projetos como o OP, o OP Escolar e o OP Criança são exemplos de espaços possíveis
para a prática da participação de cidadãos nas escolas e nas suas comunidades. Mais
especificamente sobre participação escolar, Abranches (2003) ressalta o quanto as poticas
educacionais cada vez mais estão voltadas para um processo de descentralização e de
democratização das relações sociais por meio da participação. A autora aborda a criação e a
implementação dos Colegiados Escolares como uma forma de gestão escolar em Minas
Gerais, a partir da década de noventa. Ela analisa como se deu a participação da comunidade
na gestão colegiada, ressaltando o processo de aprendizado potico dos sujeitos envolvidos,
mesmo que tal processo se dê por meio de avanços e recuos.
A partir destas breves observações sobre participação e processos macro sociais e
políticos, como se pode definir, então, participação? Conforme foi apresentado, desde a
definição do dicionário até definições mais sociológicas ou poticas, participação é ação
social. Trata-se de um processo ativo, e não passivo, que exige tomada de decisões e
compartilhamento, partilha das decisões
6
.
6
Para ampliar a discussão , ver Santos (2003), que aprofunda as nões apresentadas até aqui e direciona o tema
para a construção de conhecimento em sala de aula, utilizando boa parte do referencial teórico abordado aqui.
21
Participação também é algo que se aprende. Não é algo pronto ou dado, mas
conquistado. Assim, é preciso que se tenham espaços possíveis de participação, pois a
participação só acontece na prática. Também foi apontado que, mesmo com exemplos de
projetos de participação infantil em algumas escolas, e com avanços no que diz respeito à
legislação vigente no Brasil e no mundo, a participação mais ampla de crianças e adolescentes
na sociedade como um todo ainda é muito pequena e precisa ser expandida. As crianças não
podem ser vistas como sujeitos que estão em preparação para a vida, mas que fazem a própria
vida no seu cotidiano, no dia-a-dia de sua comunidade.
Por meio de alguns exemplos de projetos de participação popular que modificaram
relações sociais e poticas dos sujeitos envolvidos, são geradas relações de protagonismo e de
aprendizagem de novas posturas políticas. A participação então se dá dentro de processos
macro sociais de mudanças históricas, sociais e econômicas. Ela está intimamente relacionada
com a construção de sociedades democráticas. Mas o fazer democrático também diz respeito a
práticas sociais, práticas estas como a de participar de assembléias, de encontros ou de uma
gestão participativa.
Todas as formas de se entender participação abordadas acima se relacionam como um
aspecto macro social desta noção. Entretanto, os autores mencionados também ressaltam o
diálogo como a base fundamental da participação. Bordenave (1994) fala da
microparticipação como base da macroparticipação e define a micro como “associação
voluntária de duas ou mais pessoas em uma atividade comum na qual elas não pretendem
unicamente tirar benefícios pessoais e imediatos” (p. 24). Mesmo que neste trecho o autor não
use a palavra interação, não se pode deixar de perceber que de fato é de interação social que
ele está falando; ou seja, duas ou mais pessoas interagindo umas com as outras em umaão
conjunta e uma atividade comum, na vida cotidiana. E, assim, a visão de participação se
encaminha para uma abordagem mais micro do conceito, que será explorada na próxima
seção. Como base para a discussão, serão utilizadas as contribuições das tradições em
pesquisa Microetnografia Escolar, Sociolingüística Interacional e Análise da Conversa
Etnometodogica.
1.2 Participação e Fala-em-interação
Erickson (2004) apresenta a relação entre os processos macro sociais e históricos e as
práticas discursivas locais por meio de exemplos de interações face a face. Ele argumenta que,
22
embora as interações sociais sejam locais e ocorram em tempo real, elas são profundamente
influenciadas pelos processos históricos e sociais que se dão no decorrer do tempo. Ou seja, a
cada momento em que as pessoas estão interagindo, elas trazem consigo todos os elementos
históricos e sociais de sua formação. Participar de uma conversa, então, pode ser analisado
como algo bem mais complexo do que parece a priori, já que elementos da formação social
de cada um estarão envolvidos a cada momento em que se toma a palavra.
As ações que são realizadas por meio do uso da linguagem são resultado de um
trabalho conjunto dos interagentes de adaptação mútua, que Erickson (2004) chama de
Ecologia Social, já que, a todo o momento, os participantes de uma interação coordenam suas
ações, seus movimentos e suas palavras em função dos demais. Especialmente em relação à
fala, as pessoas o tomam a palavra em qualquer momento ou de qualquer jeito. Há uma
série de aspectos que foram observados e sistematizados por pesquisadores norte-americanos
que demonstram que seguimos uma série de princípios que dizem respeito a uma organização
da fala enquanto conversamos (SACKS, SCHEGLOFF e JEFFERSON, 1974; SCHEGLOFF,
JEFFERSON e SACKS, 1977). Tais pesquisadores foram os fundadores da tradição de
pesquisa em Análise da Conversa Etnometodológica, cujo princípio fundador é o de que a
conversa já é uma organização social em si (DURANTI, 2000).
Segundo Clark (2000), a conversa cotidiana é o cenário básico e primordial a partir do
qual todos os outros usos da linguagem se organizam. É também o cenário em que as crianças
adquirem a linguagem e realizam seu processo inicial de socialização. Por isso é tão
importante se observar o que acontece quando conversamos uns com os outros e como
participamos de uma interação por meio da fala. Para tratar disso, apresento a seguir a noção
de estruturas de participação desenvolvida por diversos autores que abordaram o tema,
relacionando-a com diferentes aspectos interacionais, como a disposição física dos
participantes, as atividades em que estão envolvidos, a situação social em que se encontram, e
a organização da fala. Apresento, ao final da seção, uma síntese do que chamarei aqui de
estrutura de participação para os fins analíticos deste trabalho.
1.2.1 Estruturas de Participação
Em Schulz (2004), demonstrei como Duranti (2000) abordou o tema da participação
como unidade de análise, e tratou de três diferentes noções analíticas, desenvolvidas por
pesquisadores que enfatizaram o uso da linguagem em interações face a face. Nesta seção,
23
retomarei a discussão destas três diferentes visões de participação, para contrastá-las com
mais uma, a de Erickson (1982, 2001, 2004), e propor enfim o que chamarei de estrutura de
participação neste trabalho.
Tomando participação como ação social, por meio da qual se toma parte ou se é parte
de algo, em uma visão macro social se pode analisar como os cidadãos tomam parte e fazem
parte da sociedade, envolvendo questões políticas, sociais e econômicas. Em uma visão que
pode ser considerada mais micro, mas não menos importante, é possível analisar como se dá a
participação por meio da fala-em-interação. Partindo do princípio de que usar a linguagem é
agir no mundo (CLARK, 2000), serão observadas aqui as ações que são realizadas por meio
da fala, e assim, será privilegiada uma visão de uso da linguagem como ação.
De acordo com Duranti (2000), pensar em termos de participação em um vel mais
microanalítico, ou em unidades de participação, é um modo de se conectar a dimensão
lingüística com aspectos maiores como a experiência humana, como as instituições sociais,
que são formadas por meio das práticas sociais que também incluem as práticas lingüísticas.
Para o autor,pensar nos falantes como participantes significa então direcionar-se para além
da fala, e, inclusive, para além da fala como ação, e incorporar a totalidade da experiência do
que significa ser uma comunidade de fala”
7
(DURANTI, 2000, p. 376).
A primeira noção de estrutura de participação apresentada por Duranti (2000) é a da
pesquisadora Susan Philips (PHILIPS, 2001
8
; 2002), cujo trabalho etnográfico na Reserva
Indígena de Warm Springs, nos Estados Unidos, abordou a diferença da participação das
crianças ameríndias na comunidade e na sala de aula, em comparação a comunidades brancas
e de classe média norte-americanas. Philips chamou de estrutura de participação
(participant structure) as diferentes maneiras com que os professores, que na sua maioria
eram de fora da comunidade, gerenciavam as interações verbais com os alunos com o objetivo
de trabalhar com diferentes tipos de materiais ou propostas de ensino, variando, assim, a
apresentação das matérias e mantendo os estudantes interessados. Segundo Duranti (2000), a
noção de Philips seria um “tipo particular de encontro ou de disposição estrutural da
interação” (p. 392).
Philips (2001) definiu quatro estruturas básicas de participação, a partir do cenário
observado e do que os dados etnográficos demonstraram, levando em conta omero de
7
Tradução minha para o original em Espanhol: “Pensar en los hablantes como participantes significa, entonces,
moverse más allá del habla e, incluso, s allá del habla como acción, e incorporar la totalidad de la experiencia
de lo que significa ser miembro de una comunidad de habla”.
8
Utilizamos aqui a versão de 2001, embora o texto original da pesquisa de Philips seja de 1972, publicado em
CAZDEN, C., HYMES, D., e JOHN, V. (eds.). Functions of Language in the Classroom. New York: Teachers
College Press, 1972.
24
estudantes que participam da interação com o professor, os comportamentos não-verbais
envolvidos e os princípios que regulam a tomada dos turnos de fala pelos alunos. O primeiro
tipo de estrutura de participação diz respeito ao professor interagindo com toda a turma. Ele
seleciona um aluno ou a turma inteira para falar. No segundo arranjo, a interação se dá em
pequenos grupos, em que o professor interage com poucos alunos por vez. Na terceira
estrutura, o professor interage apenas com um aluno, normalmente quando os outros estão
trabalhando em suas classes individualmente, e um dos alunos chama a professora em sua
classe, ou vai até ela. O último tipo acontece quando o aluno trabalha sozinho na sua classe e
o interage com nenhum outro.
Por meio dessa descrição, Philips (2001) discutiu como tais estruturas propiciavam ou
não a participação e a aprendizagem dos alunos, especialmente como as diferentes formas de
arranjo interacional influenciavam as relações interculturais entre as criaas índias e os
professores anglo-americanos. Para a autora, um exemplo disto é que as crianças ameríndias,
que eram classificadas como alunos pouco participativos e com desempenhos fracos na
aprendizagem, quando trabalhavam em pequenos grupos modificavam seu comportamento e
se dirigiam muito mais aos colegas do que à professora. Elas não estavam acostumadas, por
exemplo, a serem chamadas individualmente para responder a uma questão diante da turma
inteira, pois, em sua comunidade, operavam com diferentes condições de participação,
resistindo, assim, às propostas de participação dos professores.
Por que o estudo de Philips e sua noção de estrutura de participação são relevantes? A
pesquisadora apontou para a importância da configuração espacial e da disposição sica dos
participantes, assim como das formas de organização propostas para uma interação em função
da atividade que está sendo realizada ali. Como os interagentes se dispõem em um local e
como organizam suas atividades, ou, por exemplo, tarefas de sala de aula, são aspectos
fundamentais para entendermos como a interação se dá e como, assim, a participação dos
interagentes é modificada ou não. Essa seria a grande contribuição da noção de Philips. Tal
aspecto será abordado mais adiante, como algo fundamental a ser observado na visão de
estrutura de participação proposta neste trabalho.
O segundo modo de análise da participação citado por Duranti (2000) é o do sociólogo
canadense Erving Goffman (GOFFMAN, 2002
9
), cujas noções de encontro social” e
participante ratificado”, desenvolvidas po6.1(c)2poo6de vietinvpavi sicado(n)18.4(t)-23.4(i)16l7(p)23.4(i)16za.2(d)-21..2(s)7.6( po)-21.6(6.1(cPh.4(i)16l7(p)23.4(i)16.2(p)-1.2(s)7.)18.4(o6Ncado)-21. des)7.6(a)2u de
25
assumem ao enunciarem suas elocuções e interpretá-las em uma situação social determinada.
Tal alinhamento é percebido pelos participantes justamente quando há mudanças
significativas em relação à orientação dos participantes na interação. Isso acontece por meio
de segmentos prosódicos, pistas visuais e gestos que evidenciam a projão pessoal que os
participantes da interação propõem aos demais, sendo ratificados ou não, e modificados ou
não no decorrer da interação. Assim, Goffman (2002) chama a atenção para a maneira como
cada um se apresenta para si mesmo e para os outros por meio da maneira como lida com o
que é dito e se posiciona nas interações.
Goffman (2002) utiliza a noção de situação social, que é definida comoa arena física
e absoluta na qual as pessoas presentes estão ao alcance visual e auditivo umas das outras” (p.
123), para delimitar em que âmbito fará a discussão sobre os diferentes alinhamentos dos
participantes e demonstrar as diferentes maneiras com que eles gerenciam a sua participação
em uma dada situação. Ele denominou status de participação a relação particular que
qualquer pessoa mantém com o que está dizendo numa situação e estrutura de participação
(participation framework) a relação de todas as pessoas envolvidas na situação social com o
que foi enunciado em um determinado momento de fala.
Embora Goffman (2002) analise de forma diferenciada a participação dos interagentes
que dispõem a palavra em um dado momento dos que estão “ouvindo”, ele desconstrói a
relação clássica de falante e ouvinte muito presente na Linística, derivada do modelo
emissor-receptor, apontando para elementos extralingüísticos que estão presentes na situação
social e mostrando a importância do que fazemos enquanto “falamos” e “ouvimos”.
Para discutir a noção de ouvinte, Goffman (2002) propõe a dinâmica da participação
ratificada. Para ele, em uma determinada situação social, há participantes ratificados (a quem
o falante se dirige, endereça a sua fala e espera passar a palavra) e não-ratificados. Goffman
chama a atenção para o fato de que nem sempre as pessoas presentes em uma interação serão
participantes da mesma. Há, por exemplo, aqueles que são “ouvintes por acaso”, participantes
que apenas têm acesso visual à interação, mas não têm a palavra. E é muito comum, quando
isso acontece, que surja um tipo de interferência perceptível à fala dos participantes
ratificados, geralmente vinculada a quem perdeu a palavra ou não tem acesso a ela, que
Goffman chamou de comunicação subordinada à comunicação dominante. Tal fenômeno é
muito comum em sala de aula, e é conhecido cotidianamente como “conversa paralela”.
Em relação à noção de falante, Goffman (2002) analisa os falantes de acordo com os
diferentes papéis sociais que eles podem assumir: animador, autor e responsável. O animador
é uma noção corporal, física, de quem emite a voz que fala; já o autor é o que faz a seleção
26
das palavras e dos sentimentos que estão sendo expressos por elas. O animador e o autor das
palavras e dos sentimentos que estão sendo expressos por elas. O animador e o autor podem
não necessariamente ser a mesma pessoa, já que se pode animar, ou seja, utilizar palavras de
outra pessoa para “imitá-la”; o responsável é quem assume uma voz de acordo com o que
representa, isto é, com o papel que ocupa como parte de um grupo específico ou de uma
instituição, como, por exemplo, quando um presidente da república fala em nome de uma
nação.
Outro aspecto importante que diz respeito aos participantes quando falam é que eles
modificam o que dizem e se alinham de diferentes modos de acordo com quem estão falando,
a quem endereçam sua fala. Goffman (2002) chamou tal modificação de formato de produção
de uma elocução, que é delineado e construído em função das classes de ouvintes a quem se
refere. Para Goffman (2002), as mudanças de alinhamento (footing) que os participantes
realizam podem ser analisadas a partir das estruturas de participação e dos formatos de
produção. O modo como cada um se posiciona em relação ao que é dito, como modifica sua
fala em relação a quem está se dirigindo e como se alinha em situações sociais específicas diz
respeito ao seu footing, ou em outras palavras, utilizando uma expressão popular, em que pé
se está”, ou “em que pé estamos” em relação aos demais.
Qual a contribuição de Goffman para se pensar participação, então? Goffman traz
elementos para a análise de como as pessoas em interação se posicionam nas diferentes
interações das quais participam, tanto com relação ao que é dito pelos outros, como também
na modificação da sua fala em função do seu interlocutor. A presença física dos
interlocutores, o que fazem enquanto falam, como sinalizam sua participação e ratificam uns
aos outros também são elementos fundamentais para a análise da participação. O conceito de
situação social desenvolvido pelo autor aponta justamente para o monitoramento que os
interlocutores fazem uns dos outros na medida em que estão interagindo, ressaltando o
aspecto de construção conjunta das ações que são realizadas por meio da fala-em-interação.
Para Erickson (2004), o que Goffman chamou de papéis sociais de que os atores
sociais se utilizam foi ampliado para uma discussão muito atual sobre identidades sociais,
pois, a cada momento em que uma pessoa muda o seu alinhamento, novos aspectos de sua
vida e identidade social são revelados. E, mesmo que os conceitos de Goffman não tratem
especificamente de sala de aula, as noções de footing, participação ratificada, status de
participação e estrutura de participação, apresentados por Goffman, são instrumentos
importantes na alise de negociação e de co-construção de identidades sociais que
acontecem em sala de aula (JUNG, 2003). Assim, o principal aspecto da noção de Goffman
27
que será levado em conta é justamente como, a partir dos alinhamentos dos interlocutores com
o que é dito e das modificações do que é dito em relação aos demais interagentes, ratificando
e sendo ratificados como participantes, é possível se construir conjuntamente diferentes
identidades sociais, inclusive a de membro participante.
O último exemplo de noção de participação apresentada por Duranti (2000) diz
respeito ao trabalho de Marjorie H. Goodwin (GOODWIN, 1990). Ela toma como ponto de
partida os conceitos de Goffman, acrescentando a organização seqüencial da fala à análise.
Goodwin (1990) fundamenta-se na tradição em pesquisa da Análise da Conversa
Etnometodogica, que propõe que o modo pelo qual se estrutura a conversa já é em si um
tipo de organização social. A noção de estrutura de participação (participant framework) de
Goodwin aborda tanto as estruturas organizacionais dos turnos de fala, que possibilitam
diferentes organizações sociais na interação face a face, quanto os papéis sociais assumidos
pelos participantes como atores sociais, quando a pesquisadora utiliza, por exemplo, a noção
de animador.
Goodwin (1990) analisa a organização da fala de crianças negras de um bairro da
Filalfia, nos Estados Unidos. As criaas observadas por ela utilizavam diferentes
estratégias verbais para participar das interações e, especialmente, para se confrontarem em
disputas e desafios. Para a autora, os diferentes tipos de organização da fala utilizados pelos
interagentes trazem diferentes conseqüências interacionais. Um exemplo disso seria o uso de
pares de fala ou turnos contrapostos uns aos outros em seqüências de discordâncias entre as
crianças, que pode ser considerado um tipo de organização similar aos pares adjacentes,
descritos pelos analistas da conversa (SACKS, SCHEGLOFF, JEFFERSON, 1974) como
uma organização básica de funcionamento da fala-em-interação. No caso das seqüências de
discordâncias, o que é dito por um determinado interagente em um turno é refutado por outro
no turno seguinte de maneira contraposta. Isso gera um tipo de estrutura de participação que
funciona como um par e tem uma organização de oposição, com um turno de fala se
contrapondo ao outro.
Para Duranti (2000), a noção de estrutura de participação apresentada por Goodwin
(1990) também é um instrumento eficaz para o estudo que envolve questões de gênero e
identidades sociais, por meio da organização da fala-em-interação, já que a pesquisadora
demonstra como meninos e meninas organizam suas disputas de maneira diferenciada. Na
atividade que ela chamou de “ele-disse-que-ela-disse” (He-Said-She-Said), são construídas as
identidades sociais de acusador e defensor. Os participantes da interação também são
animados como personagens. Eles se alinham a favor ou contra outros, formando alianças e
28
negociando suas identidades. Assim, a grande contribuição de Goodwin (1990) para análise
da participação é incluir a organização social presente na organização seqüencial da fala-em-
interação.
A incorporação das ações dos participantes na seqüencialidade da fala no estudo da
participação também pode ser encontrada em Goodwin e Goodwin (2004). Neste artigo, os
autores analisam e criticam as idéias de Goffman sobre o tema e propõem uma noção de
participação como um conceito analítico cujo foco deva ser a ação em que os participantes
estão engajados no trabalho interacional. Embora Goodwin e Goodwin (2004) acreditem que
o trabalho de Goffman (2002) foi fundamental para a desconstrução das noções clássicas de
falante e ouvinte e sirva de base para o trabalho que eles desenvolveram, o modelo de estudo
de participação de Goffman apresentaria, para tais autores, sérias limitações. As críticas são as
seguintes: I) falantes e ouvintes são analisados em instâncias diferenciadas, nos moldes do
formato de produção, que diz respeito aos falantes, e do status e estrutura de participação, que
diz respeito aos ouvintes, assim, não se pode saber como as ações dos participantes estão
coordenadas umas com as outras em tempo real; II) as formas de se olhar a participação por
meio do footing resultam em uma tipologia, com categorias estáticas, que não demonstram
como a interação pode ser dinâmica e como os participantes se ajustam uns aos outros
situadamente; III) parece haver uma assimetria do falante em relação aos demais
participantes, já que há uma ênfase na sua capacidade lingüística e cognitiva em relação aos
demais e uma simplificação dos ouvintes como ouvintes por acaso, participantes ratificados
ou não, etc.; IV) o modelo goffmaniano privilegiaria o que está acontecendo no fluxo da fala,
não considerando outras práticas incorporadas no fluxo da interação, como gestos, por
exemplo, dando ênfase, mais uma vez, ao donio do falante e de suas ações em uma dada
situação social.
Após as críticas, Goodwin e Goodwin (2004) apresentam, então, um modelo de
análise da participação enquanto ação social. Para os autores, o termo participação diz
respeito às ações que evidenciam formas de envolvimento demonstradas pelos interagentes
que abarcam estruturas da fala (p. 222). Tais ações dizem respeito ao trabalho interacional
tanto de falantes como de ouvintes, ou seja, de todos os participantes de uma interação, como
eles se coordenam e se adaptam uns aos outros tanto pela fala como pelo movimento dos
corpos. Os pesquisadores propõem que se examinem atividades situadas para se investigar
como os participantes organizam e ajustam suas falas e seus movimentos para realizarem
ações conjuntamente. Eles ressaltam a importância de se analisar as práticas pelas quais os
participantes constroem a ação por meio da participação estruturada em eventos. Quando
29
analisam uma ação de avaliação (assessment), como ação produzida colaborativamente pelos
participantes, Goodwin e Goodwin (2004) demonstram a importância dos gestos e do que se
está fazendo enquanto se fala, chamando a atenção não apenas para a prosódia e a sintaxe
utilizadas pelos interagentes, mas para todo o mo36.4(o4.s)-s mn5(a8)o o mo36.4-12.2( par)-8-21.46(n5a)18.6(o)-21.4( )nterae2.4(s)-78(s)678(a)-19.6(n)18.6(t)-23.6(es-19.6(n)]TJT*-0.00122Tc0.05232Tw[(esx17.28a)-18.5(m)1-.4(a)15.5(n)1-.2( ao)-22.82(pe)-18.54l)35.56()-22.82()67 a uo r-9.2(t)1(6(s)7.( é o ca)7.()-22.82(p5(aum35.56()-20(mh17.28a)-42.32(m35.56(e-18.5(m)15.56()-20(mc-18.5(m)-22.82()15.56())-18.5(m)10.28a))-13.a)15.5(na1(6(sque sc)-22.82(s)7.()-24.5(or10.28aó-22.82(i15.56()c)-22.82(sj15.5(nu-22.82(s17.28a)-24.5(oa-18.5(m)15.56(e-18.5(ms17.28a)-24.5(o sc)-22.82(m15.5(n)]TJ0 -1.72 TD-0.00121Tc0.05121Tc[(e)-22.81s)6781 de)-1783( )15.5(a)-18.5.a)15.57s)-12.29 par)-9.81a)-24.53(i15.57mc-18.5.a)15.57sp-22.81s)-18.5.as17.29a)-24.53()1(67s)6781 du-22.81s)15.5(a)-18.5.a aão)-22.31 de a67se -19.5.ax17.29a au-22.81s 67sd67s a
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30
a seguir). Para tanto, os pesquisadores usam as terminologias de falante primário, ouvinte
primário, ouvinte secundário, entre outros. Tal modelo de participação também foi adotado
por Jung (2003) para mostrar como meninos e meninas participavam de forma diferenciada
em uma comunidade multilíngüe no interior do Paraná. Esse viés da noção de estrutura de
participação é de extrema importância justamente pelo fato de abranger fatores sociais e
culturais que se dão nas ações de ajustes dos participantes no fluxo da interação.
Em Erickson e Shultz (1982) a noção de estrutura de participação aparece
relacionada com papéis sociais e identidades sociais performadas, ou exibidas pelos
31
e) A ratificação da participação (GOFFMAN, 2002);
f) As identidades sociais dos participantes (GOFFMAN, 2002);
g) A organização seqüencial da fala-em-interação como organização social das ações
dos participantes (GOODWIN, 1990; GOODWIN e GOODWIN, 2004);
h) Os direitos e deveres envolvidos, negociados e assegurados em um determinado
encontro (SHULTZ, FLORIO e ERICKSON, 1982; ERICKSON e SHULTZ, 1982);
i) O caráter local, mas também global das ações dos participantes, isto é, os aspectos
macro sociais e culturais devem ser considerados tanto quanto os microsociais (ERICKSON,
2004).
Assim, a noção de estrutura de participação como conceito analítico que é
proposta neste trabalho diz respeito a todos esses aspectos: dos mais microsociais, como a
organização da fala, a disposição sica dos participantes, as relações de adaptação mútua e de
ajustes das ações dos interagentes em relação aos demais, até os mais macrosociais, como a
relação de todos esses elementos com os aspectos sociais e culturais presentes nas interações,
especialmente com os cenários históricos, sociais e culturais dos quais os participantes fazem
parte.
A seguir, apresento a noção de piso conversacional como outro aspecto importante a
ser observado no estudo da participação, mas que merece uma discussão particular por ser
complementar à noção de estrutura de participação.
1.2.2 Piso Conversacional
Em Schulz (2004), demonstrei como a participação se dava em sala de aula por meio
da tomada da palavra, do turno de fala, pelo aluno. Foi privilegiada uma análise de quando o
aluno falava e de como sua fala era organizada pela professora. Foi observado, porém, que,
além de se analisar quando o aluno tomava a palavra, era necessário também olhar para o que
era feito com essa palavra. Tomar o turno não significa necessariamente ser ouvido. Podemos
falar e não sermos ratificados pelos outros, e assim, nossa fala não será reconhecida como
legítima. Para tratar, então, de participação por meio da fala-em-interação, é preciso observar
a tomada da palavra e a manutenção do piso conversacional, noção analítica que diz respeito
ao que é feito pelos demais participantes com o que é dito.
32
Jones e Thornborrow (2004) apresentam a noção de piso conversacional como um
continuum em que as pessoas se engajam e participam, e relacionam o piso com as atividades
em que os participantes estão engajados e a organização da fala que cada atividade exige. Para
os autores, tal noção é similar à estrutura de participação de Philips (2001), pois também trata
das possibilidades de ter direito à palavra de acordo com diferentes atividades. Segundo os
pesquisadores, em sala de aula, haveria momentos de piso mais restrito, como a hora da
chamada, em que há certa exigência de que se participe um de cada vez, e momentos com
piso mais “solto”, como trabalhos em pequenos grupos, dos quais os interagentes participam
engajando-se em diferentes pisos e múltiplos focos de atenção.
Shultz, Florio e Erickson (1982) abordam o conceito de piso conversacional como um
aspecto da estrutura de participação, que envolve o direito de tomar a palavra e ser ouvido por
outros. Para os autores, o piso é uma prodão interacional, resultado do trabalho conjunto de
falantes e ouvintes, que coordenam suas ações e se ajustam para mantê-lo. Ele é
interacionalmente produzido e mantido, e por isso se relaciona com o foco de atenção dos
participantes.
Cazden (2001), ao tratar da participação em sala de aula, analisa separadamente o
direito à fala, como obtenção do turno de fala, e o dever de escutar, como o acesso ao piso
conversacional. Obter a palavra diz respeito às oportunidades que são geradas para que se fale
e como se pode aproveitá-las ou não, enquanto obter o piso diz respeito ao que os outros
fazem com o que dizemos. Aqui também se percebe a importância do monitoramento que os
participantes fazem de suas ações e de como é necessário estar no mesmo foco de atenção dos
outros para se participar plenamente.
Assim, o piso conversacional é uma noção crucial para a análise da participação, pois
as diferentes formas de participar envolvem a tomada do turno de fala e o acesso ao piso, ou
seja, ser ouvido e estar no mesmo foco de atenção que os demais participantes. Tal obtenção
do foco de atenção dos demais também se relaciona com as formas de se negociar e construir
identidades sociais por meio da legitimação da participação, como demonstram Shultz, Florio
e Erickson (1982). Além disso, é importante relacionar a obtenção do piso com a organização
da atividade em que os participantes estão envolvidos e como tal atividade gera um conjunto
de direitos de participação (JONES e THORNBORROW, 2004).
É preciso ressaltar, no entanto, que, mesmo tendo abordado a noção de piso
conversacional separadamente nesta seção, na realidade, ela está contemplada na noção de
estrutura de participação que proponho aqui. Quando se tratou da ratificação da participação
(GOFFMAN, 2002) e do trabalho conjunto dos participantes em fazer com que os outros
33
sejam participantes legítimos de uma dada interação (GOODWIN e GOODWIN, 2004) como
aspectos a serem observados na análise da participação, tais aspectos diziam respeito
justamente ao acesso e à obtenção do piso conversacional. O que é feito com o que dizemos,
se somos ouvidos e ratificados pelos demais, e como isso aparece na seqüencialidade da
organização da nossa fala pode ser entendido como a maneira com que nos engajamos no piso
conversacional.
Mesmo que o conceito central deste trabalho seja estrutura de participação e que a
noção de piso faça parte desse conceito de certa maneira, é relevante fazer a discussão
separadamente para ressaltar mais uma vez a importância do outro no que fazemos e falamos.
Participar de algo é sempre participar com outros de algo. Nós estamos ajustando e adaptando
nossas ações em relação às ações dos demais o tempo inteiro. Não basta tomar a palavra, mas
é preciso ser ouvido e ratificado como participante. O que é feito com o que dizemos é
trabalho de todos, mesmo que a obtenção da palavra pareça ser algo individual. Como diz
Guimarães Rosa (1979, p. 47), “a colheita é comum, mas o capinar é sozinho”.
Após revisar o que diferentes pesquisadores chamaram de estruturas de participação,
definir tal conceito analítico neste trabalho e relacioná-lo com o conceito de piso
conversacional, apresento, a seguir, uma discussão sobre participação e educação, com ênfase
na fala-em-interação de sala de aula, enquanto modificação da conversa cotidiana, e na
relação dessa fala com as diferentes atividades de sala de aula e com a aprendizagem.
1.3 Participação e Educação
A relação entre participação e educação pode ser discutida de inúmeras formas, tendo
em vista que ambos os temas são extremamente amplos. A opção aqui é por fazê-la partindo
da organização micro da fala-em-interação de sala de aula para posteriormente “abrir o leque”
e discutir a relação entre participação e aprendizagem.
1.3.1 Fala-em-Interação de Sala de Aula: falas de sala de aula
Conforme Markee e Kasper (2004), a fala de sala de aula pode ser vista como uma
conexão entre sistemas de trocas de fala inter-relacionados, e não como um sistema unificado
caracterizado por um conjunto único de práticas de perguntas, respostas e avaliações, como
34
foi considerada durante muito tempo. Para os autores, não existe uma fala-em-interação de
sala de aula, mas falas de sala de aula, pluralizadas pelas diferentes práticas sociais dos
sujeitos que se encontram engajados no trabalho conjunto em que há construção de
conhecimento. No entanto, se pode apontar algumas características que estão relacionadas a
esse fazer conjunto de sala de aula. Apresento, a seguir, alguns desses elementos. São eles: a
institucionalidade; o controle e o gerenciamento das formas de participação; as seqüências de
iniciação, resposta e avaliação; as possibilidades inovadoras da organização da fala, como o
revozeamento; e a modificação da fala e da participação de acordo com as diferentes
atividades propostas para a sala de aula.
Garcez (2006) discute a organização da fala-em-interação de sala de aula tomando
como ponto de partida o contraste deste tipo de organização em relação à conversa cotidiana,
considerada como o cenário básico e primordial de uso da linguagem, a partir do qual outras
formas de organização da fala ou sistemas de troca de fala se organizam (CLARK, 1996).
Diferentemente da conversa cotidiana, a fala-em-interação de sala de aula é institucional, pois
os participantes estão orientados para a realização de tarefas ou metas-fim (DREW e
HERITAGE, 1992). Como Garcez (2006) enfatiza, não são os prédios que fazem as
instituições, mas as ações concretas das pessoas, que podem ser observadas na fala-em-
interação. Logo, as ações de professores e alunos por meio da fala-em-interação formam a
base do que é a instituição escolar. Assim, a fala-em-interação de sala de aula é carregada das
metas específicas do fazer conjunto que é a sala de aula.
A fala-em-interação de sala de aula se caracteriza como uma fala institucional, com
uma organização diferenciada da conversa cotidiana, também pelo fato de o professor ter a
possibilidade de gerenciar e controlar os turnos de fala dos alunos (MEHAN, 1985;
CAZDEN, 2001). Mas o professor não é apenas quem pode, se quiser, gerenciar os turnos de
fala; ele organiza todo o encontro que ali acontece: faz perguntas, propõe atividades, avalia;
ou seja, é o sujeito responsável institucionalmente por possibilitar a construção conjunta de
conhecimento. Para tanto, ele irá valer-se (ou não) de diferentes formas de organizar as
atividades em função da proposta pedagógica em que está engajado.
Para Cazden (2001), os estudantes podem ser legitimados como falantes e
participantes legítimos ou não durante uma atividade organizada pelo professor. Como foi
apontado na seção 1.2.2, essa autora emprega a noção de piso conversacional como algo
diferenciado da tomada de turnos pelos alunos. O fato de um participante tomar o turno de
fala não significa que ele obtenha o piso, ou seja, que ele seja ouvido e ratificado como
35
participante. Para participar de fato, é preciso tomar a palavra e ser ouvido, e assim, estar no
mesmo foco de atenção dos demais.
Quando trata da participação do aluno por meio da tomada de turnos, Cazden (2001)
discute como acontece o gerenciamento dos turnos na sala de aula: o professor pode
selecionar os próximos falantes, assim como pode escolher não fazê-lo. Se não o fizer, abre
uma possibilidade de gerenciamento local da tomada de turnos pelos estudantes no momento
da fala. Tal mudança representaria uma aproximação da fala-em-interação de sala de aula à
conversa cotidiana. Mas, ainda que seja muito próximo de conversa, não se pode considerar
tal tipo de fala-em-interação como conversa cotidiana por haver um grupo potencial de
falantes e a necessidade educacional do professor organizar-se por meio de uma pauta (p. 82-
83). Nota-se ainda que, para Cazden (2001), o professor escolher não gerenciar os turnos de
fala dos alunos representa uma mudança, o até mesmo uma inovação, no que tradicionalmente
se chamou de fala-em-interação de sala de aula, pois para a pesquisadora o “comum de sala
de aula é que o professor gerencie os turnos.
Outra forma de inovação na obtenção dos turnos de fala pelos alunos seria o professor
endereçar questões ao grupo como um todo, e não a um aluno específico, e permitir, assim, a
auto-selão dos alunos para os turnos de fala. Cazden (2001) lembra que, no entanto, tal
movimento também pode gerar novas formas de desigualdade social, pois alguns alunos
podem excluir outros, não possibilitando que tomem a palavra, e assim, a participação efetiva
seria sempre dos mesmos alunos (JUNG, 2003). Para Cazden (2001), o professor deve, então,
refletir a respeito de quando deve interferir e gerenciar os turnos de fala, observando sempre
como se dá a participação do aluno, isto é, quem fala e quem fica em silêncio ou é silenciado
por outros.
Em relação à obtenção do piso conversacional, Cazden (2001) lembra que o direito à
palavra só se refere à chance de se obter o turno no fluxo conversacional. Assim, de nada
adianta se ter o turno de fala se não houver ouvintes. A noção de piso então aparece aqui
como engajar-se em uma conversa, obter um turno, ter o direito à palavra e ser ouvido, ser
ratificado como participante legítimo e até mesmo como membro da comunidade “sala de
aula”. Para a análise do engajamento dos alunos nos pisos, torna-se fundamental a análise da
configuração espacial dos participantes, da disposição dos lugares na sala, assim como do
direcionamento de olhar. Tipicamente, o aluno fala olhando para o professor, considerando-o
como seu interlocutor oficial, e, muitas vezes, haverá disputa pela atenção do professor.
Cazden (2001) também fala da responsabilidade de ouvir. O aluno só tem acesso ao piso se
36
alguém o escuta e responde. O professor precisa ouvir o aluno, não apenas para dar atenção a
ele, mas para ratificá-lo como falante legítimo.
Outro ponto fundamental da organização da fala-em-interação de sala de aula,
segundo Garcez (2006), é a presença de seqüências conversacionais de iniciação, resposta e
avaliação (doravante seqüências IRA). Tal seqüência é considerada canônica de sala de aula
convencional em quase todo o mundo e já foi descrita por inúmeros pesquisadores (MEHAN,
1985; CAZDEN, 2001). A seqüência IRA é uma seqüência de avaliação que inicia com uma
pergunta, normalmente de resposta conhecida para o professor, o que fica evidente no terceiro
turno, em que ele avalia a resposta do aluno, fornecida no segundo turno. Como Garcez
(2006) enfatiza, tal seqüência é reconhecida por ser “sala de aula”, ou ainda, como o normal e
esperado de fala-em-interação neste cenário. O uso da seqüência IRA pode estar a serviço
apenas da reprodução de conhecimento e do disciplinamento, já que é um método eficiente e
econômico de apresentar informações novas e avaliar o desempenho dos alunos.
As conseqüências do uso exclusivo de seqüências IRA para organizar as aulas e os
saberes escolares, conforme discutidas por Garcez (2006), podem ser muito graves. Além de
não propiciar o engajamento dos alunos como sujeitos participantes na construção de
conhecimento, pode causar uma certa “surdez” no professor, que persegue apenas uma
resposta desejada. Muitas vezes isso acaba gerando uma situação de “adivinhação” do que o
professor quer, como aponta Garcez (2006), já que os alunos estão sendo constrangidos a dar
a “resposta certa”. Quando isso não acontece, ou seja, quando a resposta do aluno não é a
esperada pelo professor, as conseqüências podem ser ainda piores. Garcez (2006) retoma o
que Paulo Freire (FREIRE, 2006) chamou de transgressão enquanto desvio ético da conduta
do professor para abordar a correção feita pelo professor à fala do aluno. Como a pergunta é
de resposta conhecida para o professor, a correção de uma resposta não esperada apenas
reforça a hierarquia e a diferença de status informacional entre os participantes. Tal situação
acarreta em controle social e disciplinamento dos alunos. Ainda, como aponta Garcez (2006),
inúmeros autores (BATISTA, 1997; CAZDEN, 2001) consideram a sala de aula como um
ambiente procio para controle social justamente por esse aspecto das conseqüências do uso
das seqüências IRA e do tipo de correção que elas geram: a manutenção da reprodução de
conhecimento, da ordem disciplinar e da autoridade do professor.
O que é o fazer de sala de aula, o que é ser aluno e o que é ser professor não aparece
nos currículos escolares, mas nas práticas cotidianas dos sujeitos envolvidos, que também
foram de uma certa maneira constrdas culturalmente como o “normal” de sala de aula.
Xavier (2003) discute a negação dos processos de disciplinamento no discurso pedagógico,
37
afirmando que, embora as práticas escolares que envolvem a rotina da sala de aula, o uso da
linguagem, o disciplinamento dos corpos dos alunos sejam consideradas aspectos “menores”
do processo de ensino/aprendizagem, tais práticas são fundamentalmente responsáveis pela
construção das identidades dos alunos (p. 52). E, justamente, por meio destas práticas é que se
aprende o que é “ser aluno”. A presença das seqüências IRA pode ser apontada como um
desses aspectos, ao mesmo tempo invisível do currículo, mas muito presente no fazer
cotidiano de sala de aula, fazer este disciplinar e avaliativo. Práticas como o IRA serviram
para construir a escola tradicional que formava cidadãos disciplinados, acríticos e pouco
participativos, mão de obra crucial para o funcionamento da sociedade moderna (GARCEZ,
2006). Trilla (2006), quando discute o surgimento e a formação do que foi chamado de escola
tradicional, também aponta a presença de perguntas de respostas conhecidas pelo professor
como uma das características centrais do que tradicionalmente se chamou de fala de sala de
aula.
Cazden (2001) discute a natureza das perguntas do professor, colocando as seqüências
IRA como um marco divisório entre o que seria uma aula tradicional e uma não tradicional. A
pesquisadora argumenta que as seqüências IRA geram uma estrutura de participação limitada,
em que o professor seleciona um aluno ou a turma inteira, faz uma pergunta, o(s) aluno(s)
responde(m), e o professor comenta. Tal organização é tida como o “natural” de sala de aula a
o ser que alguém proponha uma mudança deliberada. O não-tradicional de sala de aula
pode ser considerado resultado de mudanças nos objetivos educacionais que modificariam
assim, a fala de sala de aula. Mesmo assim, Cazden (2001) relativiza o uso das seqüências
IRA, argumentando que elas devem ser julgadas pelas contribuições que possam trazer ao
aprendizado.
Não se trata de se fazer aqui uma “demonização” de uma determinada seqüência de
fala, até porque não são as estruturas que determinam o que acontece em uma dada interação,
mas as ações dos participantes dela. É importante salientar que mesmo a seqüência IRA é
influenciada pelo contexto social, cultural e histórico dos sujeitos em interação. Candela
(1998) argumenta que os recursos pelos quais o professor exerce poder sobre o aluno por
meio de uma seqüência IRA também estão disponíveis para os estudantes. Ela apresenta uma
análise de uma sala de aula na Cidade do México, em que os alunos se apropriam e usam os
mesmo recursos para se contrapor e defender modos alternativos do que é proposto pelo
professor como aula. Eles contradizem as orientações dos professores por meio de avaliações
e transformam a situação de assimetria de poder. Ou seja, a pesquisadora mostra que não é a
estrutura em si o que define quem tem poder nas interações, mas o uso local e o que se faz por
38
meio do gerenciamento das estruturas. No entanto, é preciso se entender essas inovações no
uso das seqüências IRA como algo situado tanto localmente como globalmente. Não há como
negar a influência de novas pedagogias, propostas e objetivos curriculares, assim como a
mudança nas posturas dos educadores que possibilitaram mudanças na participação dos
estudantes, inclusive na maneira de avaliar os professores.
Novas maneiras de se organizar a construção de conhecimento exigem então novas
práticas de fala-em-interação de sala de aula, conforme Cazden (2001). A autora considera
que os novos objetivos curriculares requerem diferentes organizações da fala, e os professores
devem ter diferentes repertórios e organizar das mais variadas maneiras as aulas para gerar
maiores possibilidades de construção conjunta de conhecimento. Assim, as perguntas que o
professor faz são cruciais para a construção efetiva de conhecimento por meio da
participação. Elas podem ser apenas avaliativas ou podem funcionar como um apoio para que
os alunos construam conceitos, se alinhem, façam circular outras idéias e levem o aluno a
pensar e a refletir, tornando-o sujeito participante na construção de conhecimento.
O’Connor e Michaels (1996) descreveram uma estrutura de participação que pode
ser considerada como alternativa às seqüências IRA, chamada de revozeamento
10
. Nessa
forma de organizar a participação, o professor reformula a fala do aluno e devolve a ele a
palavra, possibilitando a oportunidade de o aluno rever sua fala e contrastá-la com outras
opiniões. Tal prática foi encontrada pelas autoras numa sala de aula de Física, em que os
alunos estavam envolvidos numa atividade de laboratório. As perguntas que eram feitas
pelas educadoras eram abertas, possibilitavam a participação dos alunos e a construção
conjunta de conhecimento por meio de uma organização mais igualitária, em que o
professor não se colocaria interacionalmente em status de conhecimento superior ao do
aluno. Para Cazden (2001), o revozeamento tem duas funções: trabalhar de forma mais
cooperativa com o conteúdo curricular e fortalecer o relacionamento entre os alunos,
discutindo suas iias e contrastando suas contribuições.
É necessário se observar, no entanto, que, mesmo que o revozeamento seja
considerado uma estrutura de participação mais democrática, o professor é quem gerencia os
turnos de fala dos alunos, reformula e contrasta suas opiniões, e escolhe o momento de fazê-
lo. Não se pode dizer que essa estrutura de participação em si é mais inclusiva. É o uso local
das formas de organizar a interação, oquando” do seu uso e por quem o que vai definir a
10
Conceição e Garcez (2005) descrevem uma estrutura de participação muito similar ao revozeamento
encontrada na fala-em-interação de uma turma da mesma escola que escolhemos como cenário da nossa
pesquisa. Voltaremos a esse ponto no capítulo 3.
39
participação como um processo de real inclusão dos interagentes como participantes
legítimos. A fala-em-interação é ação conjunta e situada que acontece em um encontro social.
Mesmo tendo o professor como o sujeito institucionalmente responsável para possibilitar a
construção de conhecimento, é preciso olhar para o local a fim de entender como isto
acontece na prática. Como Erickson (1982) define, a fala-em-interação de sala de aula é uma
improvisação coletiva de significados e de organização social que acontece a cada momento e
pode ser considerada como um meio termo entre eventos de fala ritualizados e espontâneos.
Não se pode perder de vista os improvisos que acontecem em meio ao que já é estabelecido
como sala de aula.
Por último, gostaríamos de salientar que a participação por meio da fala-em-interação
em sala de aula está intimamente ligada às atividades propostas pelo professor, pois o direito à
palavra é algo que pode ser modificado em cada atividade. Determinadas atividades podem ou
não restringir a participação, e por isso, é fundamental se observar como os participantes
lidam com essas restrições e como eles constroem sua forma de participar naquele local. O
professor pode pré-alocar os turnos de fala dos alunos ou pode decidir não exercer tal poder
em outros momentos. A organização da fala-em-interação em sala de aula se dá dentro desse
universo, ou seja, o professor não apenas controla e gerencia os turnos de fala dos alunos, mas
organiza todo o encontro que ali acontece, propõe tarefas e avalia o desempenho dos alunos
assim como a participação dos mesmos.
O trabalho de Philips (2001) já aponta nessa direção, demonstrando como os
estudantes ao trabalharem em grupo dirigiam-se muito mais aos colegas e aumentavam
consideravelmente a sua participação em relação a quando eram constrangidos a responder
questões diante de toda a turma. Relembrando também o que foi discutido em seções
anteriores sobre a relação entre piso conversacional e atividades, Jones e Thornborrow (2004)
enfatizam o quanto as diferentes atividades modificam as formas de participação e a
manutenção de diferentes pisos conversacionais. Atividades como a hora da chamada, ou
momentos mais instrucionais, em que o professor se dirige a toda a turma para explicar ou
detalhar tarefas, envolvem pisos conversacionais mais restritos, com possibilidades menores
de participação dos alunos. As maneiras de se participar por meio da tomada do turno de fala
e da obtenção do piso são, assim, restringidas pela organização das atividades em que os
participantes estão engajados.
Segundo Cazden (2001), as ações que se dão na fala-em-interação de sala de aula estão
inseridas nas atividades que o professor propõe, e essas, por sua vez, são parte de unidades
curriculares maiores (p. 81). A autora salienta a visão heurística que professores e
40
pesquisadores devem ter quando se proem a olhar para os fenômenos da fala-em-interação.
Não se pode isolar as partes para que elas se tornem apenas funcionais em uma determinada
proposta educacional. Assim, quando se fala em participão por meio da fala-em-interação
na sala de aula, não se pode perder de vista todo o encontro social que ali acontece, assim
como o que cada participante negocia e constrói na interação.
Iniciei essa seção afirmando que, embora não se possa conceituar a fala-em-interação
de sala de aula justamente pelo fato de tal fala ser ltipla e apresentar diferentes nuances,
certas características que estão relacionadas a ela que foram apontadas por autores estudiosos
do tema. São elas: a institucionalidade, o gerenciamento dos turnos de fala, a presença e o uso
de seqüências IRA e formas inovadoras, como o revozeamento, e a relação entre participação,
atividade e fala-em-interação de sala de aula. A seguir, apresento uma discussão sobre a
relação entre participação e aprendizagem, dando enfoque a como tais termos podem ser
encontrados na literatura como objetos totalmente diferentes, mas, ao mesmo tempo,
complementares.
1.3.2 Participação e Aprendizagem
O objetivo deste trabalho é tratar da construção da participação na fala-em-interação
de sala de aula. Embora o enfoque tenha sido dado à participação, não se pode deixar de ser
observada a sua relação com a aprendizagem. Na literatura consultada (PUIG ET AL, 2003;
MEHAN, 1985; ERICKSON, 1982), foram encontrados vários autores que analisam
separadamente participação, como habilidade social, e aprendizagem, como habilidade
cognitiva ou intelectual, como será exemplificado a seguir. É possível se compreender que tal
divisão por vezes possa ser necessária, ou até mesmo didática, de acordo com o que se queira
discutir ou enfocar. No entanto, a proposição que é feita aqui é a de que tais noções são
inseparáveis, tendo como argumento a idéia de que participar é aprender, assim como
aprender é participar, e, ainda, de que aprendemos a participar.
Para Puig et al (2003), a escola é um espaço de participação e de formação, e a
educação humana resulta de processos de instrução e de formação. Tais processos também
podem ser enquadrados como educação intelectual e educação moral. A construção da
participação diz respeito à educação moral, que é definida como o aprendizado do significado
das normas que definem a vida social, bem como a construção de novas formas significativas
de vida. Para os autores, a escola pode trabalhar a educação moral em três vias diferentes
41
inter-relacionadas: pessoal (as relações pessoais e diárias entre educadores e estudantes),
curricular (o planejamento e a execução de atividades) e institucional (o conjunto das
atividades que se derivam da organização da escola que tem o pressuposto da participação
democrática). Tais formas de se trabalhar a educação moral estão relacionadas com a
consolidação de uma escola democrática por meio da participação.
Nesse caso, a divisão entre instrução e formação e entre educação intelectual e
educação moral pode ser útil visto que a preocupação central dos autores é a construção de
uma escola democrática, embora Puig et al (2003) reconheçam que há uma transversalidade
entre esses dois aspectos da educação. Para eles, mesmo sendo uma divisão simplória”, ela
se faz necessária justamente por haver um enfoque grande na formação intelectual ou na
instrução, e uma carência no que diz respeito ao trato de valores e normas de convivência.
Encontramos o mesmo argumento em Xavier (2003), quando comenta que as questões
relativas à formação e à educação moral, como a individuação, a socialização e o
disciplinamento, são pouco discutidas justamente por terem um caráter não cognitivo.
Assim, o objetivo de se analisar participação separadamente de aprendizagem seria
enfatizar a necessidade da participação como base da escola democrática. Puig et al (2003)
afirmam que instituições como a escola, por exemplo, não são democráticas por natureza.
Elas têm uma assimetria funcional, pois requerem o trabalho de sujeitos com capacidades,
papéis e responsabilidades muito diferentes. No entanto, tais instituições podem construir uma
simetria no que diz respeito a fornecer a seus membros formas de participação igualitárias e
democráticas. Para os autores, então, “as escolas serão democráticas quando conseguirem um
bom equilíbrio no jogo da assimetria funcional e da simetria democrática (p. 25).
Ainda pensando em participação como construção de uma escola democrática de fato,
outro aspecto importante apontado pelos pesquisadores como fundamental para a
democratização da escola, que envolve a participação de todos, é a discussão da questão
disciplinar. Ela não pode ser negada, mas enfrentada (como também vemos em XAVIER,
2003), especialmente com um trabalho de fazer com que as normas disciplinares sejam
acessíveis a todos. A clareza das regras que são estabelecidas é fundamental para a maior
participação e construção da democracia. Garcia (2005) trabalhou com o conceito de contratos
pedagógicos para examinar as razões pelas quais alguns professores tinham mais “sucesso”
em sala de aula do que outros. Um dos aspectos fundamentais foi justamente esse: a clareza
das regras e das combinações, ou seja, os contratos que eram feitos entre educadores e
estudantes. Para Garcia (2005), os contratos pedagógicos são negociados na interação, por
meio do diálogo, e não resultam de uma fórmula. Entretanto, a autora considera que o sucesso
42
pedagógico estaria ligado ao uso de práticas que envolvem: I) a negociação dos significados
dos saberes trabalhados, ou seja, o quanto eles fazem sentido para o aluno; II) os pactos de
reciprocidade das normas estabelecidas, que devem valer para todos, inclusive para
professores; III) a reciprocidade com relação às sanções disciplinares, que também devem
fazer sentido para os alunos; IV) o respeito às diferenças. Além disso, o professor que pactua
bem com os alunos é aquele que dá visibilidade ao que está sendo realizado em sala de aula,
às ações propostas, às atividades, assim como aos problemas que enfrenta.
Os contratos pedagógicos, conforme caracterizados por Garcia (2006), podem ser
relacionados microanaliticamente com a noção de justificabilidade (accountability), que diz
respeito à prestação de contas que fazemos das nossas ações em nossa fala11 (GARFINKEL,
1967; GARFINKEL, 1984). Tal noção nasce na Etnometodologia e foi utilizada pelos
estudiosos da Análise da Conversa para mostrar como realizamos essas ações na organização
de nossa fala. Tais explicações constantes na fala de professores do que estão fazendo e
propondo a cada momento, além de propiciarem clareza das combinações e dos contratos que
estão sendo estabelecidos ali, geram oportunidades mais democráticas para se aprender a
participar.
Voltando à distinção entre participação e aprendizagem, ou formação e instrução, já
então em um enfoque mais microanalítico, Mehan (1985) também faz a separação entre
conhecimento social e conhecimento acadêmico. O autor considera a participação como uma
habilidade social, e a define como “o que as pessoas precisam saber para operar de maneira
aceitável em sociedade” (p. 119). Para o pesquisador, saber responder questões no momento
certo”, reconhecer certos padrões de fala como aceitáveis ou não em sala de aula, faz parte
do conhecimento social que envolve o trabalho interacional realizado pelos interagentes
durante uma determinada atividade escolar. Nesse mesmo ponto de vista, Erickson (1982)
descreve duas organizações concomitantes na fala-em-interação de sala de aula: a estrutura de
participação social, como um padrão de restrições na alocação de direitos e deveres
interacionais dos vários membros de um grupo, e a estrutura da tarefa acadêmica, ou estrutura
da atividade pedagógica, como um padrão de restrições providas pela seqüência lógica do
conteúdo, da “matéria” da aula. Os dois padrões de conhecimento acerca de procedimentos se
dão simultaneamente e devem ser considerados mutuamente, não podendo ser deslocados um
do outro em qualquer análise. Assim, por meio dessa diferenciação, Erickson (1982) também
11
A noção de justificabilidade, certamente, é muito mais complexa do que aparece nessa tentativa de defini-la.
Loder (2006) apresenta a não como as orientações constantes dos participantes de uma dada interação para a
racionalidade/razoabilidade de suasões e das de seus interlocutores. Trata-se de uma realização contínua ou
um produto da construção situada dos participantes ao longo da interação.
43
demonstra que diferentes tipos de participação serão gerados por diferentes tipos de atividades
pedagógicas, propondo uma análise concomitante desses dois aspectos.
É possível se reconhecer a importância de se abordar separadamente participação e
aprendizagem, tendo em vista que os autores anteriormente citados tinham como objetivo
mostrar que, além de aprender “conteúdos” acadêmicos, também é necessário aprender a
participar. A participação por meio da fala-em-interação é um tipo de aprendizado ou de
habilidade social que se desenvolve. No entanto, Erickson (1982) argumenta que tais aspectos
são indissociáveis e não podem ser analisados separadamente. Se for empregado tal tipo de
análise, enfocando a participação como uma habilidade social, diferenciada das habilidades
acadêmicas ou intelectuais, corre-se o risco de se colocar o “social” como algo menor, tendo
em vista que nossa sociedade privilegia tradicionalmente as questões cognitivas e intelectuais,
por assim dizer.
Conforme já foi apontado anteriormente, a participação não é algo pronto ou dado,
mas algo que se aprende e se constrói, inclusive em sala de aula. O aprender a participar é um
tipo de aprendizado que não pode estar indissociado dos demais aprendizados que fazemos na
vida e na escola. Um exemplo disso pode ser visto em Erickson (2004), na história da menina
de seis anos chamada Angie, que, por ser filha única em uma família de descendentes de
italianos, não competia pelo piso conversacional em casa. Ao iniciar a pré-escola, um dos
grandes aprendizados para ela foi tomar o turno de fala no momento certo. Erickson (2004)
analisa uma interação em que as crianças da turma de pré-escola de Angie participavam da
atividade chamada de “a hora da rodinha”. A professora era quem gerenciava os turnos de fala
das crianças e fazia as perguntas. Angie, na sua vez de falar, não soube responder uma
questão da professora e, quando a palavra já tinha sido passada para outra criança, ela
interrompeu várias vezes na tentativa de receber a atenção. Ela aprendeu que há um momento
certo” para se falar, e que, além de tomar a palavra, é preciso ser ouvido, conseguir o piso e
mantê-lo.
Em Melo (2006), vemos como o professor pode ensinar o momento certo de
participar, gerenciando a participação mesmo em momentos em que há várias crianças se
auto-selecionando para os turnos de fala. A autora analisa um conselho de classe participativo
em que as crianças de uma turma de pré-escola estão apresentando para professores e equipe
diretiva o que aprenderam durante o ano. A professora lida com as interrupções feitas por
outras crianças no momento em que um está apresentando, dando oportunidade para os que
interromperam poderem complementar o que foi dito pelo colega anteriormente. Esses casos
tratam do aprender a participar como algo que está relacionado com o processo de
44
socialização de que acontece na escola. As atividades em que os participantes estão engajados
são atividades de ensino e aprendizagem, e, portanto, o aprender a participar é um
aprendizado inseparável de todos os demais aprendizados que estão acontecendo nesses
contextos e não pode ser analisado separadamente, como já apontava Erickson (1982).
Se aprender a participar é essencial, também se pode dizer que participar é aprender.
Em Santos (2003), vemos como a participação ativa e efetiva do aluno no processo de
construção de conhecimento é fundamental. O autor discute como só é possível que haja
aprendizagem de fato com participação. Ele analisa a fala dos professores, alunos, redações,
aulas e conselhos de classe de uma escola do Mato Grosso para afirmar como o aluno só
consegue dar sentido para o que aprende na medida em que participa em todos os níveis do
processo de construção do conhecimento.
Outro exemplo de que participar é aprender pode ser encontrado em Candela (2005).
A autora comprova que a participação dos estudantes em práticas institucionais escolares faz
com que eles se transformem em co-autores de tais práticas. A pesquisadora analisa interações
de sala de aula de turmas de séries iniciais em aulas de ciências em uma escola mexicana. Ela
demonstra como os estudantes tomavam iniciativas na constituição e na legitimação de
práticas sociais com a finalidade de realizar as tarefas acadêmicas propostas. A participação
dos estudantes mostrou como, ao se portarem como co-autores das práticas, eles negociam
suas identidades sociais, se colocando como participantes legítimos do que estão realizando
em sala de aula. A autora define práticas sociais como as ações de controle social que
determinam o que é o saber legitimado na escola, assim como o que é aprender e as maneiras
certas de fazê-lo, que envolvem momentos adequados para fazê-lo. Na medida em que os
estudantes se apropriam das práticas, decidem como fazer as tarefas e como negociar seus
direitos de participação nelas, há uma transformação no modo de aprender. Eles se tornam
participantes legítimos do seu aprendizado.
Para Rogoff (1998; 2005), aprender é participar. A pesquisadora afirma que todo o
desenvolvimento humano “é um processo de participação variável das pessoas nas atividades
socioculturais de suas comunidades” (ROGOFF, 2005, p. 49). Aprendemos por meio da
participação orientada, ou participação guiada, isto é, com a ajuda do outro nas diversas
interações das quais participamos, assim como em todos os empreendimentos culturais da
comunidade da qual fazemos parte. A pesquisadora critica o modo pelo qual se estudou
desenvolvimento durante muito tempo, pois os estudos tinham como base o indivíduo sozinho
e as etapas de seu desenvolvimento cerebral e cognitivo. Ela enfatiza a centralidade do papel
da cultura e das práticas culturais como essenciais para o desenvolvimento. Os bebês, desde
45
seu nascimento, estão observando e participando das ações realizadas conjuntamente pelos
interagentes. Eles fazem parte dessa ecologia de influência mútua e ajustes das ações que são
realizadas (ERICKSON, 2004). Não há como compreender desenvolvimento e aprendizagem
de maneira isolada do que está acontecendo ao nosso redor e das relações que desenvolvemos
com os outros em interação. Assim, se pode dizer que todo o aprendizado é por excelência
participativo.
Procurei mostrar nessa seção que, embora o foco deste trabalho seja a construção da
participação, não se pode deixar de lado a relação desta com a aprendizagem. Foi apontado
que, apesar de alguns autores analisarem tais temas separadamente, é defendida aqui uma
visão de que um processo não pode ser visto sem o outro, ou seja, que aprender é participar
assim como participar é aprender. Participar também é algo que se aprende e que se constrói
conjuntamente. Mostrarei no capítulo 3, como para os participantes da pesquisa realizada
neste trabalho tais noções também são inseparáveis, pois, para eles, construção de
participação e construção de conhecimento são sinônimos.
Neste capítulo, apresentei as noções teóricas que servirão de base para a alise. A
participação foi delineada como algo que diz respeito a uma ação social, que é feita por meio
do uso da linguagem, cada vez que interagimos com outras pessoas. Mesmo tendo
privilegiado essa visão de participação, relacionei a participação por meio do uso da
linguagem com os processos macro sociais de construção de democracia. Acredito que o que
acontece em termos de macro política têm forte espelhamento nas ações dos participantes em
interações sociais. Além de discutir e apresentar os conceitos de estruturas de participação e
piso conversacional, enfocando a relação entre participação e fala-em-interação como um
universo mais micro, a discussão foi encaminhada para a fala-em-interação de sala de aula,
foco de nosso estudo, tentando defini-la com algo plural e relacioná-la com a aprendizagem.
A seguir, apresento a metodologia utilizada neste estudo, assim como o cenário da pesquisa,
uma escola vivida e pesquisada.
46
2. O ENFOQUE TEÓRICO-METODOLÓGICO E O UNIVESO DA PESQUISA: O
ENCONTRO COM O MUNDO DO OUTRO
“Para participar de um diálogo, a pessoa
precisa tanto escutar quanto falar, precisa se
interessar pelo seu interlocutor, precisa
acreditar que este tem algo a lhe ensinar”.
Claudia Fonseca
As palavras acima citadas são de um artigo em que Claudia Fonseca discute como a
Antropologia pode contribuir para o debate que diz respeito à Educação e à construção de
cidadania (FONSECA, 1994). A autora aponta como é comum se falar em diálogo como base
da participação e da construção de uma sociedade democrática. Ela argumenta que, para haver
diálogo, é preciso haver troca de experiências entre dois sujeitos históricos e sociais. Mas
quando o diálogo é entre professor e aluno, dificilmente é assim que os participanteso
vistos. Se o aluno for tratado como carente ou deficitário, como tendo algo “faltante” a ser
preenchido, não há como se ter diálogo. Isso é o que acontece, segundo a autora, no formato
clássico do processo educativo, pois o aluno é visto como uma tabula rasa. É preciso,
segundo ela, positivar” o aluno, vê-lo como integrante de grupos sociais historicamente
constituídos, com vasta bagagem cultural. Para dialogar realmente é preciso reconhecer esse
universo e tentar entender a visão de mundo do outro, a partir do entendimento do outro.
Dessa maneira, Fonseca (1994) acredita que a grande contribuição da Antropologia para a
Educação é o estranhamento do método antropológico, que nos ensina a relativizar visões de
mundo consideradas “normais” oucertas” para conseguirmos dialogar com o mundo do
outro.
A discussão de Fonseca (1994) sobre diálogo e método etnográfico é relevante tanto
para apresentar a discussão metodológica deste trabalho, como para se entender o cenário e os
participantes de nossa pesquisa. Uma das premissas que guiam a metodologia adotada neste
47
aluno que ali se encontra e como este se relaciona com a escola e com a comunidade. Assim,
é a partir desse viés de diálogo e de encontro com o universo que se inicia este capítulo, que
tem como objetivo apresentar a metodologia adotada nesta pesquisa, assim como, apresentar o
universo em que ela foi realizada: a escola municipal escolhida como cenário, sua história e
sua “caminhada”. O capítulo é dividido em quatro subseções. A primeira tratará da
metodologia e apresenta o enfoque teórico-metodológico adotado; a segunda abordará a
geração dos dados; a terceira apresentará o universo da pesquisa, uma escola vivida e
pesquisada; e a última abordará o conselho de classe participativo que acontece na escola.
2.1 A Metodologia Adotada: a visão do outro como guia
O enfoque teórico-metodológico adotado neste trabalho se sustenta na tradição em
pesquisa chamada de Microetnografia Escolar (ERICKSON, 1984, 1990; GARCEZ, 1997,
2006). Para fundamentar a análise dos dados, também foram utilizadas contribuições de
tradições de pesquisa como a Análise da Conversa Etnometodológica e Sociolingüística
Interacional, especialmente no que diz respeito ao conceito analítico de estrutura de
participação, discutido no capítulo anterior. As abordagens teórico-metodológicas utilizadas
se encontram no campo da pesquisa qualitativa ou interpretativa, já que tais abordagens se
propõem a entender estruturas específicas que ocorrem em determinados cenários e eventos a
partir do ponto de vista dos seus participantes.
A Microetnografia Escolar tem como preocupação central descrever e analisar como a
interação é organizada social e culturalmente no cenário escolar (GARCEZ, 1997). Para tanto,
se faz uso da geração de registros audiovisuais. Erickson (1990) chama atenção para as forças
e limitações do método microetnográfico. Entre as vantagens estão: a capacidade de
completude da análise, devido às oportunidades de se revisitar o instante gravado inúmeras
vezes; o potencial que dados gravados oferecem em reduzir tipificações ou julgamentos
analíticos feitos durante a observação, já que o pesquisador pode reavaliar posteriormente o
quanto categorias tidas como certas em uma primeira observação podem ser relativizadas ou
não; há também a possibilidade de o pesquisador encontrar fenômenos raros e sutis,
imperceptíveis na observação participante. Acrescenta-se a esse último ponto, por exemplo,
uma análise mais detida nos movimentos corporais dos participantes, que, por mais sutis que
sejam, são cruciais para se entender a dinâmica da participação e da ratificação da
participação.
48
Com relação às limitações do método, Erickson (1990) aponta para o fato de haver
duas grandes limitações. A primeira diz respeito à interação indireta que o analista tem com
os participantes e eventos gravados. Ao assistir dados gravados, não há oportunidade de se
participar deles interacionalmente, e, inclusive, de se aprender com tal participação. A
segunda limitação é que, para entender o que está acontecendo nas interações, normalmente o
analista precisa ter acesso a informações do contexto em que os participantes estão
envolvidos, que podem ou não estar presentes nas gravações. No entanto, Erickson (1990)
lembra que os dois aspectos citados como limitantes podem ser superados quando o trabalho
microetnográfico se dá conciliado com a observação participante, isto é, com o uso do método
etnográfico aliado à geração de dados audiovisuais. Neste trabalho, tal opção foi adotada. A
geração de dados audiovisuais foi realizada complementarmente com a observação
participante, o que será explorado mais detalhadamente na próxima seção.
Ao se propor a descrever o que Erickson (2004) chama de relações ecológicas de
ajustes e de adaptação mútua que se dão entre os participantes de uma interação face-a-face, a
Microetnografia Escolar utiliza como ponto de partida a perspectiva êmica, ou o ponto de
vista dos participantes. Para entender o que está acontecendo em uma determinada situação, é
fundamental observar como os participantes se orientam para as ações que estão sendo
realizadas. Neste trabalho, tem-se como objetivo descrever e analisar como professores e
estudantes entendem e constroem a participação na fala-em-interação, a partir do ponto de
vista desses atores sociais. Assim, a perspectiva êmica conduziu todo o trabalho: a entrada em
campo, as primeiras conversas e negociações de entrada, a observação de eventos escolares e
aulas, a geração de dados audiovisuais e a análise dos dados.
O trabalho de campo com orientação etnográfica tem como guia as perguntas que
fundamentam a pesquisa. Segundo Erickson (1990), como umtodo de investigação, o
trabalho de campo envolve a participação do pesquisador intensiva e de longa data no cenário
escolhido como campo, o registro detalhado do que é observado em termos de notas de campo
e coleção de diferentes materiais e documentos, assim como a subseqüente sistematização dos
dados. Trata-se de um diálogo constante entre indução e dedução, fazendo com que muitas
vezes termos específicos da investigação sofram mudanças durante o trabalho de campo. É
fundamental, porém, que não se perca de vista as perguntas guias da pesquisa, que uma
exposição muito longa a um cenário tão rico como o ambiente educacional pode gerar
inúmeras possibilidades de pesquisa.
Fonseca (1999) ressalta que são necessários diversos elementos para caracterizar um
trabalho como etnográfico. São eles: o estranhamento (de algum acontecimento no campo); a
49
esquematização (dos dados empíricos); a desconstrução (dos estereótipos preconcebidos); a
comparação (com exemplos análogos tirados da literatura); e a sistematização do material em
modelos alternativos. A pesquisadora argumenta que é preciso haver cuidados no uso do
método etnográfico já que, de alguns anos para cá, diferentes áreas de estudo passaram a
utilizá-lo, muitas vezes apenas para caracterizar eventos únicos sem a devida sistematização.
A adoção da etnografia como método não deve ser feita apenas para tratar de situações
específicas, que poderiam ser descritas pela expressão popular “cada caso é um caso”. Além
disso, como a autora argumenta, é preciso estranhar, sistematizar e comparar acontecimentos
e situações para fundamentar-se como etnográfico de fato.
Erickson (1990) enfatiza que o trabalho de campo é necessário quando se tem a
necessidade de responder questões como: a) o que está acontecendo especificamente em
termos de ação social em um determinado cenário? b) o que tais ações significam para os
atores sociais envolvidos no momento em que elas são realizadas? c) como os acontecimentos
são dispostos em termos de organização social e princípios culturalmente aprendidos no
decorrer da vida cotidiana? d) como o que está acontecendo em um cenário como um todo se
relaciona com outros níveis do sistema, dentro e fora do cenário observado? e) como os
modos de vida cotidiana estão organizados quando comparados com outros modos de
organização da vida social dentro de uma variedade de cenários? Segundo Erickson (1990),
questões como essas normalmente necessitam de respostas de pesquisas por razões como: a
invisibilidade da vida cotidiana, a necessidade de se ter documentação de detalhes concretos
de práticas específicas, a importância de significados locais que os acontecimentos têm para
as pessoas envolvidas neles, e a necessidade de se ter entendimentos comparados entre os
diferentes cenários sociais, assim como de situações específicas e situadas.
O trabalho de campo e a geração de dados audiovisuais envolvem questões éticas, de
respeito e comprometimento com os sujeitos envolvidos na pesquisa. Para Erickson (1990),
desde a entrada em campo e mesmo durante todo o decorrer da pesquisa é preciso sempre: I)
informar os participantes da melhor forma possível dos objetivos da pesquisa, de como será
realizada, assim como de todos os procedimentos de geração de dados e do tratamento
posterior que estes receberão durante a análise e divulgação da pesquisa; e II) comprometer-se
em proteger a face dos participantes, dando opção para que possam contar com o anonimato.
Dessa forma, é possível evitar que eles sejam expostos a riscos desnecessários, especialmente
participantes que possam ser considerados mais vulneráveis no cerio escolhido. Também se
torna crucial estabelecer vínculos de confiança mútua para que se possa ter sempre em mente
o ponto de vista dos participantes, assim como a contextualização imediata do que está
50
acontecendo ali. Além da responsabilidade ética com os pesquisados, os cuidados
mencionados conferem à investigação a adequação científica necessária.
Para Erickson (1990), a melhor maneira de estabelecer vínculos com os participantes
da pesquisa é envolvê-los diretamente, como colaboradores. Assim, também é possível evitar
grandes desconfortos para os sujeitos pesquisados, como por exemplo, a sensação de estarem
sendo avaliados pelo pesquisador. Embora não se possa negar que a avaliação é inerente a
toda e qualquer teoria, é possível minimizar as conseqüências que isso pode causar aos
sujeitos envolvidos, mantendo a postura ética de informá-los e envolvê-los na pesquisa como
co-autores e não apenas como sujeitos passivos que estão sendo pesquisados, observados e
analisados.
Dentro dessa perspectiva, é fundamental o uso de formulários de consentimento
informado para a gravação, tanto com o objetivo de informar, como o de comprometer-se com
as questões éticas de tratamento dos dados e preservação da face dos participantes. Os
participantes devem consentir a respeito do que pode ser utilizado como dado, assim como o
que pode ser divulgado. Na pesquisa realizada para este trabalho, formulários diferenciados
para educadores e para estudantes foram utilizados, na tentativa de que o texto fosse adaptado
ao possível entendimento e interesse dos diferentes segmentos envolvidos (ver ANEXOS II e
III). Conforme será abordado no Capítulo 4, que trata das implicações metodológicas da
pesquisa, nem sempre houve sucesso na compreensão do que se estava propondo com o
formulário de consentimento na primeira leitura que era feita dele. Considera-se, porém, que o
uso dos formulários deu credibilidade à pesquisa e comprometimento com os participantes
nela envolvidos, sendo fundamental para ampliar também o entendimento da perspectiva
destes sujeitos, inclusive do que eles consideravam ser uma pesquisa.
Durante a observação é necessário, como já foi enfatizado acima, ter-se em mente
desde o início as perguntas que guiam a pesquisa. Elas são fundamentais para organizar e
distinguir o que pode ser considerado relevante durante todo o tempo de observação. Elas
estão sujeitas a mudança à medida que o trabalho é desenvolvido, pois é preciso prestar
atenção ao que os dados estão mostrando. No entanto, é preciso ter cuidado para não perdê-las
de vista, já que elas são fundamentais para guiar o pesquisador nas escolhas que ele deve fazer
em relação ao que é estabelecido como objeto da pesquisa. Para Erickson (1990), no período
de observação participante, o pesquisador deve procurar: a) identificar variações nos modos
formais e informais de organização social (como relações identitárias e perspectivas
significativas para os participantes); b) observar os eventos, como se organizam tipicamente
ou atipicamente no cenário, e como eles atendem as características de organização social que
51
podem ser estabelecidas; e c) olhar para os eventos que ocorrem em diferentes níveis do
sistema (na escola, na sala de aula, pátio, etc.).
Além de ter contato com o que acontece dentro e fora da escola, relacionando locais e
participantes, como Fonseca (1999) já indicava, o pesquisador precisa fazer o exercício de
estranhamento do familiar. Não se pode dar como prontas categorias já consideradas
“naturais” paras, como por exemplo, a de alunos participativos. Quando as ações dos
participantes são analisadas, bem como as maneiras pelas quais eles se orientam e
demonstram seus entendimentos do que está acontecendo em uma determinada situação, é
possível observar como eles constroem e negociam as categorias na interação. Assim, é
preciso olhar para o que os interagentes estão tratando como “ser participativo”, em vez
estabelecer categorias a priori, estranhando o que pode ser familiar para o pesquisador.
O trabalho de campo realizado por meio da observação envolveu os seguintes tipos de
dados: anotações de campo durante as observações, a redação das notas de campo, a coleta de
materiais e documentos diversos obtidos no cenário da pesquisa, a realização de entrevistas
formais e informais e registros audiovisuais. Após a geração dos dados, foi necessária a
organização de todo esse material para que fosse sistematizado e considerado dado de
pesquisa. As etapas de tratamento dos dados abarcaram assim a sistematização de todo o
material para se saber que asserções anaticas podiam ser feitas, a partir das perguntas de
pesquisa e do que os dados evidenciaram. A redação de notas de campo foi feita
posteriormente à observação, algumas horas depois do período em campo, para se ter maior
precisão aos detalhes. As o exame das notas de campo, elas serviram como dados de
pesquisa, citadas diretamente do diário de campo, como também em formas de vinhetas
narrativas, que são maneiras que podem ser consideradas mais literárias e elaboradas de
apresentar os eventos descritos nas notas.
Para o exame e a posterior análise do material audiovisual12, Erickson (1992) sugere
cinco etapas na análise das gravações audiovisuais: (I) rever o evento inteiro, em velocidade
normal, sem parar em um ponto específico, tomando notas como se fosse o diário de campo;
(II) identificar as partes mais importantes do evento, que devem ser observadas em um
segundo visionamento dos dados; (III) identificar segmentos de interesse específico; (IV)
transcrever detalhadamente o comportamento verbal eo-verbal dos participantes dos
12
Cabe lembrar que, após a geração dos dados audiovisuais, as fitas provindas das câmeras de vídeo e de
gravadores portáteis podem ser digitalizadas para propiciar ao analista melhor qualidade e manejo do material
gravado. Neste trabalho, as fitas foram digitalizadas e transformadas em discos de DVD, e só depois submetidas
a sessões de visionamento. Agradeço à Paloma da Silva Melo que realizou a digitalização dos dados. Também
agradeço a Lecia Ludwig Loder pela ajuda nas transcrições.
52
segmentos de interesse específico, focando nas ações dos indivíduos; e (V) comparar as
instâncias de ocorrência no corpus gerado na pesquisa, para concluir que segmentos de
interação são representativos do fenômeno pesquisado.
Assim, o corpus de análise é selecionado de acordo com as perguntas de pesquisa, que
tem como base o fenômeno a ser observado, e com o que os dados mostram de relevante para
os participantes. O corpus pode ser formado por segmentos de fala-em-interação transcritos,
trechos de notas de campo citados diretamente ou em forma de vinhetas narrativas anaticas.
Neste trabalho, todos esses formatos foram utilizados para demonstrar como os sujeitos
envolvidos na pesquisa constroem conjuntamente diferentes maneiras de se participar, ou seja,
estabelecem diferentes estruturas de participação, na sala de aula e no conselho de classe da
escola cenário da pesquisa.
Os segmentos de fala-em-interão podem ser transcritos de diferentes maneiras. A
opção feita neste trabalho é por transcrevê-los conforme as convenções de transcrição
utilizadas em Análise da Conversa Etnometodológica (ver ANEXO I). Além disso, as
transcrições foram complementadas com aspectos multimodais
13
, para dar conta de elementos
não verbais que também se mostraram fundamentais para a análise e representativos da
dinâmica da participação encontrada nos dados. A transcrição pode ser considerada uma parte
constituinte da análise, já que as escolhas que o pesquisador faz ao transcrever, como quando
acontece um novo turno de fala, por exemplo, podem ser consideradas também escolhas
analíticas orientadas por objetivos anaticos, conforme aponta Garcez (2002).
Ainda com relação à contribuição da Análise da Conversa Etnometodológica,
conforme apresentado no capítulo anterior, a noção de estrutura de participação de Goodwin
(1990), também presente em Goodwin & Goodwin (2004), é de grande relevância para a
análise dos dados. Tal visão de participação é importante por incorporar a organização
seqüencial da fala, e mostrar como a organização social se configura em aspectos micro
como, por exemplo, a tomada do turno de fala. Para agregar o aspecto seqüencial de
organização da fala à análise da participação, é necessário utilizar uma transcrição da fala que
dê conta de tais aspectos.
Loder (no prelo) afirma que qualquer modelo de transcrição utilizado está sempre a
serviço dos propósitos teóricos, assim, não há como se obter uma transcrição neutra, ou
“verdadeira”, já que ela está sempre fundamentada pelas escolhas teóricas, metodológicas e
analíticas do transcritor. Assim, as convenções de transcrição advindas da Análise da
13
Agradeço a ajuda valiosa de Gabriela da Silva Bulla, com sua insuperável pacncia e conhecimento nos
programas de computador necessários para se extrair imagens dos arquivos de vídeo.
53
Conversa Etnometodológica podem ser consideradas adequadas para este trabalho por
demonstrarem elementos constituintes da análise, como, por exemplo, as pausas entre turnos
de fala que representam oportunidades em que os participantes podem tomar o turno.
Para analisar gestos e elementos não verbais da interação, transcrições multimodais
foram utilizadas como complemento às transcrições de fala, apresentando segmentos de
imagens dos participantes retirados das interações gravadas. Ainda sobre as imagens dos
participantes, embora elas sejam mostradas nas transcrições, manteve-se a opção por fazer uso
de pseudônimos para a preservação das identidades dos participantes e manutenção da
confidencialidade dos dados. Dessa forma, a preservação da face dos participantes e a
contextualização dos dados foram mantidas durante o tratamento dos dados e a análise.
Também é importante ressaltar que a transcrição da fala de sala de aula é algo
extremamente trabalhoso, em função de ser um cenário com múltiplos participantes. Por isso,
foram feitas escolhas no sentido de transcrever segmentos representativos de estruturas de
participação dominantes. Contudo, isso não significou que, em vários momentos, os demais
participantes, que não estavam tomando o turno de fala, estivessem em sincio ou no mesmo
foco de atenção. Procurou-se apontar esses aspectos antes de cada transcrição apresentada,
assim como informar o leitor acerca de quem visivelmente participava em cada situação. É
preciso, ainda, salientar que, muitas vezes, não foi possível identificar claramente quem
estava falando e quem estava participando de outros focos de atenção devido à limitação do
material de gravação. Quando possível, as transcrições foram complementadas com
informações advindas da observação participante.
Idealmente, para se gravar a fala-em-interação de sala de aula e ter acesso a todos os
múltiplos focos de atenção que acontecem nesse ambiente, seria preciso muitas câmeras e
gravadores de voz. Mas não se quer propor aqui que, para se entender um determinado
fenômeno, seja necessário transformar a sala de aula em um “Big Brother”. É preciso também
pensar nas conseqüências do uso de câmeras em sala de aula. E talvez este seja um aspecto
ainda não discutido em Microetnografia: a importância de se produzir imagens
14
ou de se
“filmar” os estudantes, especialmente quando esses fazem parte de grupos sociais menos
privilegiados, que não estão acostumados com tais eventos, como é o caso desta pesquisa. Na
geração de dados, foram utilizadas no máximo duas câmeras. Mesmo assim, o fato gerou uma
série de perguntas dos estudantes em relação à presença das câmeras, tais como: se o que
14
Embora fuja do escopo teórico e metodológico apresentado nesta dissertação, a discussão provinda do trabalho
de Foucault sobre tecnologias do eu está intimamente relacionada com essa questão. A idéia de Foucault de que
imagens e narrativas sobre o si mesmo são formadoras da subjetividade de cada um também se encontra no
trabalho de Jorge Larrosa (LARROSA, 1994) e pode ser útil para um entendimento mais aprofundado do tema.
54
estava sendo filmado iria passar na televisão, se era um documentário, um filme ou uma
novela, e, especialmente, por que estávamos filmando a sala de aula deles. Para esses
estudantes, as conseqüências de se “filmar” a vida deles em sala de aula e estudá-los foi algo
surpreendente. A experiência concreta desse fato aconteceu quando foi propiciado um
momento para que os estudantes pudessem assistir a um DVD com a gravação de uma aula da
mesma turma filmada anos atrás. O ocorrido será detalhado no Capítulo 4, de implicações
metodológicas. A reflexão que se quer fazer aqui diz respeito a como uma pesquisa pode
transformar também o cenário em que ela é realizada, assim como os sujeitos envolvidos nela,
quando câmeras são levadas para dentro da escola. Não se pode perder isso de vista enquanto
pesquisador, nem acreditar que não se está envolvido diretamente com o que acontece diante
da câmera. Por isso também, destaco a importância de que o trabalho de campo por meio da
observação participante seja anterior à geração de dados audiovisuais, até mesmo para que se
possa identificar que comportamentos e ações dos participantes acontecem devido à presença
dos equipamentos de gravação.
Para encerrar, volto à centralidade da noção êmica. A premissa de analisar o mundo do
outro tendo como guia o seu ponto de vista é uma questão que influencia todas as etapas de
uma pesquisa que se propõe a utilizá-la. A visão êmica deve estar presente na entrada em
campo, na observação participante, na redação de notas de campo, na negocião de
consentimento para a geração de dados audiovisuais, na gravação de imagens e na escolha de
como fazê-lo, na sistematização dos dados e, por fim, na análise que segue. Se o que se quer é
entender o mundo do outro, analisar como determinados femenos acontecem em cenários
específicos e como esses são entendidos pelos sujeitos que os vivem, todas as etapas de
pesquisa devem levar em conta a visão dos sujeitos que ali estão e, inclusive, o entendimento
que tais sujeitos têm de o que é fazer pesquisa.
Tendo discutido as questões de metodologia e o enfoque teórico-metodológico
utilizado na pesquisa, apresento a seguir, dando continuidade à discussão metodológica, a
seção que trata da geração de dados durante a pesquisa.
2.2 A Geração dos Dados
O primeiro contato com a escola pesquisada iniciou em 2001. A aproximação se deu
em função do projeto “Reparo, correção e intersubjetividade na organização interacional e
institucional da escola pública cidadã”, coordenado pelo professor Pedro Garcez, do Instituto
55
de Letras da UFRGS. O projeto buscava analisar as práticas de reparo conversacional em
relação ao projeto político-pedagógico da escola, por meio de orientação microetnográfica.
Iniciamos a negociação de entrada em janeiro de 2003. Em uma reunião com a direção da
escola que foi pesquisada, o coordenador do grupo de pesquisa
15
apresentou o projeto, que foi
entregue para que os educadores pudessem analisá-lo e decidir quanto a nossa presença na
escola. Em seguida, recebemos a resposta afirmativa e iniciamos o planejamento da
observação de várias turmas.
O trabalho de campo na escola se deu de fevereiro a dezembro de 2003. Adotamos o
turno da tarde como preferência para nossa observação. As turmas a que tínhamos acesso
variavam do primeiro ano do primeiro ciclo ao terceiro ano do segundo ciclo, ou seja, na
nomenclatura da escola por ciclo, de A10 até a B30, correspondentes a uma turma de pré-
escola até quinta série, no ensino seriado. Realizamos inicialmente um mapeamento das
turmas, nos dividindo, os três membros do grupo de pesquisa, para observar uma turma de
cada ano. Assim, observamos sete turmas. Foram elas: A10, A20, A30, B10, B20, B30 e BP,
turma de progressão do segundo ciclo. Nosso objetivo era escolher duas ou três turmas para
iniciar a geração de dados audiovisuais. O principal critério para a escolha deu-se em função
de o professor se sentir à vontade com a nossa presença e permitir a gravação. Além das aulas,
realizamos observação de pátio, aulas de educação física, reuniões de professores e equipe
diretiva e eventos da escola. Produzimos a redação de notas de campo para cada observação.
Além da observação participante, realizamos entrevistas formais e informais com
professores, equipe diretiva da escola e alunos. Uma delas foi feita com duas orientadoras da
escola e gravada em áudio. Tal entrevista nos possibilitou conhecer um pouco da hisria do
lugar e dos educadores que ali se encontravam. Também colecionamos diferentes materiais e
documentos obtidos na escola, muitos deles produzidos pelos educadores, como o relatório de
sua pesquisa sócio-antropológica, textos e cartazes que tratavam do projeto político-
pedagógico adotado pela escola, e relatos de autoria dos educadores. Também obtivemos
exemplares do jornal da escola produzido pela professora Sílvia, com textos de autoria de
estudantes, professores e funcionários.
A geração dos dados iniciou em agosto de 2003, quando três professoras que já
estavam sendo observadas por nós consentiram a gravação. As turmas escolhidas foram: a
15
O grupo era formado pelo professor orientador, Pedro de Moraes Garcez, coordenador do projeto, e duas
boslsitas de iniciação cienfica, a autora deste trabalho, com bolsa CNPq/UFRGS, e Luciana Etchebest da
Conceição, bolsista do CNPq. A geração dos dados em 2003 foi realizada pelos três integrantes. Posteriormente,
uniram-se ao projeto e trabalharam com a segmentação, transcrição e análise dos dados, Paola Guimaraens
Salimen, bolsista de iniciação científica CNPq/UFRGS em 2004, e Paloma Silva de Melo, bolsista PIBIC
UFRGS, em 2005 e 2006.
56
B10, com Lívia
16
, a professora referência da turma, e Sílvia, professora de Espanhol; a B30,
com a professora Sílvia, que nesta turma lecionava Português e Espanhol; e a BP, turma de
progressão, com a professora Telma, que lecionava História. Realizamos ainda a gravação de
uma reunião de supervisão com a professora Sílvia e duas representantes da equipe diretiva, a
orientadora, Ivete, e a supervisora escolar, Graça. Nas três turmas, assim como na reunião de
professores, utilizamos formulários de consentimento informado para professores e alunos
autorizarem a gravação, que não foi realizada enquanto todos os participantes não devolveram
o formulário. Anteriormente à filmagem, realizamos um momento de ambientação dos alunos
com câmera em uma das turmas, o que foi fundamental para que os alunos fossem se
acostumando com a presença dela.
Assim, foram gerados dados audiovisuais das três turmas e em uma reunião de
professores. De interação de sala de aula, o total de registros audiovisuais de sala de aula
foram doze horas/aulas, sendo que na B10 foram oito horas/aula, seis com Lívia e duas com
Sílvia, na B30, duas horas/aula com Sílvia, e na CP, duas horas/aula com Telma. Com a
geração dos dados terminada em dezembro de 2003, foi iniciado o processo de segmentação,
transcrição seletiva e análise seqüencial de segmentos de fala-em-interação em 2004. Tais
segmentos formaram um corpus de ocorncias e um banco de dados do projeto. Vários
trabalhos foram produzidos a partir desse corpus (SCHULZ e GARCEZ, 2003; CONCEIÇÃO
e GARCEZ, 2004; SALIMEN e GARCEZ, 2004; SCHULZ, 2004; CONCEIÇÃO e
GARCEZ, 2005; GARCEZ, 2006) e apontaram as relações entre as práticas de sala de aula,
especialmente as práticas de reparo conversacional presentes na fala-em-interação, com o
projeto político-pedagógico da escola.
A conclusão do projeto demonstrou inúmeras evidências de que a proposta pedagógica
da escola que primava pela inclusão e participação de todos os alunos na aprendizagem se
realizava na prática. Uma das questões que mais me chamou a atenção era a participação dos
57
conselhos de classe conhecidos e descritos na literatura
17
, nessa escola, os alunos dizem o que
estão aprendendo e o que não estão, e as questões de aprendizagem são tratadas a partir da
participação e da palavra do aluno.
Com o objetivo de descrever e analisar como se dava a participação do aluno nesta
atividade específica, retornei
18
à escola em 2005 e demos início ao projeto de pesquisa que
hoje toma forma nesta dissertação. Em maio do mesmo ano, fiz minha primeira visita de
negociação da nova entrada na escola. Apresentei o projeto para a diretora e para a
supervisora do turno da tarde, Maristela, que ficou de repassar para os educadores minha
proposta e verificar que professores e turmas estariam dispostos a serem observados e,
posteriormente, gravados. Embora fizessem parte do projeto o acompanhamento e a
observação da turma escolhida em sala de aula, a geração de dados audiovisuais seria apenas
do conselho de classe participativo, pois já tínhamos um número considerável de horas de
interação de sala de aula no banco de dados do projeto anterior. Comuniquei à supervisora
que, se fosse possível, tinha preferência em acompanhar uma das mesmas turmas que já tinha
sido observada e gravada em 2003, assim a análise poderia ser feita tendo em vista o material
anterior da turma, com a contribuição dos dados etnográficos e audiovisuais já gerados sobre
aqueles estudantes.
Maristela entrou em contato comigo por telefone uma semana depois, dizendo que
mais uma vez eu poderia contar com a ajuda da professora Sílvia, que prontamente consentiu
minha presença em suas aulas. A turma escolhida foi a B30, o que facilitou o trabalho, tendo
em vista que, dos trinta alunos que em 2005 formavam a turma, vinte faziam parte da B10 em
2003. Também era a turma na qual tínhamos gravado mais horas anteriormente. Em 2005, a
B30 contava então com trinta estudantes, quinze meninas e quinze meninos. As idades
variavam entre onze e treze anos. Muitos nos reconheceram imediatamente e já nos primeiros
dias de observação perguntavam quando iríamos trazer as câmeras para filmá-los.
A observação teve início em junho e o acompanhamento da turma se deu até
dezembro do mesmo ano. Em termos de atividades em sala de aula, observei no trabalho de
campo: a) aulas de Português e Espanhol, com a professora Sílvia, que lecionava tais matérias
durante os quatro períodos da tarde de sexta-feira; b) atividades que os estudantes realizaram
17
Ver ROCHA (1982), SANTOS (2003), e MATTOS (2005), discutidos mais adiante na última seção deste
capítulo.
18
Contei com a ajuda de Paloma Silva de Melo e Luciana Etchebest da Conceição emrios momentos, como a
preparação dos equipamentos, o acompanhamento durante as filmagens, o transporte de câmeras e tripés em
ônibus lotados, e no trabalho penoso da digitalização dos dados. O trabalho de campo, porém, desde a
negociação da entrada até as observações de sala de aula, foi realizado apenas por mim, diferentemente do
projeto de 2003.
58
no Laboratório de Informática, com a presença do monitor de informática; e c) aulas de
Educaçãosica, com o professor Jorge. Antes da gravação do conselho de classe, o total de
horas de observação foi cerca de dezesseis horas/aula. Além disso, o trabalho de campo
envolveu observação de: d) eventos acontecidos notio da escola e arredores, como os jogos
de futebol e vôlei nos intervalos; e) o trabalho de monitoria feito nos recreios, em que alunos
mais velhos do turno da manhã organizavam brincadeiras com os alunos mais novos do turno
da tarde; e f) reuniões de professores. Também fizeram parte do trabalho de campo a
realização de entrevistas formais e informais com professores, estudantes, funcionários e
equipe diretiva, a coleta de materiais escritos e a redação de notas de campo.
Para a geração dos dados audiovisuais, dois formulários de consentimento informado
foram utilizados, um modelo para professores e outro para estudantes (ver ANEXOS IV e V),
em que a autorização do uso das imagens e do material gravado para a pesquisa era solicitada
de forma diferenciada para educadores e estudantes. Mesmo assim, muitas crianças não
devolveram o formulário em um primeiro momento por não terem conseguido entender,
segundo elas, o que dizia o documento e o que seria feito com tais imagens. Em entrevista
informal, a orientadora da escola, Ivete, afirmou que a escola enfrentava o mesmo problema
com relação aos pareceres descritivos que os pais ou responsáveis recebiam como avaliação
dos seus familiares estudantes da escola. Eles insistiam em perguntar ao professor, mesmo
depois de receberem o documento, nas palavras de Ivete, “como está o meu filho realmente?”.
Quando faltava apenas uma semana para a gravação do conselho, Ivete e Sílvia entraram na
turma comigo para explicar o que era o formulário de consentimento e qual era a sua
utilidade. Muitos estudantes que não tinham entregado até então, trouxeram o documento no
dia da primeira gravação. Apenas uma aluna da turma não consentiu a gravação, afirmando
que sua mãe não queria que ela fosse filmada. As suas aparições nas fitas gravadas foram
desconsideradas e sua imagem apagada dos registros. Esse ponto será discutido mais adiante,
no capítulo 4, quando serão tratadas as implicações pedagógicas e metodológicas da
participação do pesquisador no cenário da pesquisa. Nessa mesma seção, será analisado como
professores e alunos entendiam a presença de pesquisadores na escola, assim como qual o
sentido que eles atribuíam ao que era pesquisa.
Voltando à geração de dados, as atividades do Conselho de Classe que foram
registradas em áudio e vídeo aconteceram em agosto e setembro de 2005. Foram três
momentos distintos que aconteceram em dias diferentes: o pré-conselho, em que a orientadora
trabalhou com a turma as questões a serem discutidas no conselho durante dois períodos; o
conselho de classe propriamente dito, em que se reuniram a turma e todos os professores
59
envolvidos com ela, assim como com a equipe diretiva, durante dois períodos também; e, por
fim, a “devolução” do conselho: momento em que Ivete passou na sala, durante a aula de
Sílvia, e relatou para a turma o que foi discutido posteriormente apenas com os professores.
No total foram quatro horas e trinta minutos de registros audiovisuais.
A geração de dados audiovisuais foi encerrada com a realização de entrevistas com
estudantes. A entrevista tinha como objetivo conhecer melhor os alunos, tendo acesso a
informações como onde moravam, desde quando estudavam na escola e como era a relação
deles com a escola. A participação foi aberta para quem quisesse ser entrevistado. Dez alunos
se ofereceram para participar. Foi esclarecido que as entrevistas estavam sendo feitas com a
finalidade de conhecê-los melhor, já que eles faziam parte da pesquisa que estava sendo
realizada na turma. As perguntas feitas foram: 1) qual o nome completo e a idade; 2) onde
morava; 3) desde quando ou que idade estudava na escola; 4) o que mais gostava de fazer na
escola e o que não gostava; 5) se tinha alguma história de algum acontecimento que lhe
marcou, ou não, que gostaria de contar. As entrevistas levaram cerca de trinta minutos no
total.
Apresentando brevemente as respostas dos estudantes para melhor contextualização
dos sujeitos envolvidos na pesquisa, os dez entrevistados tinham entre onze e doze anos. Com
exceção de dois que necessitavam pegar ônibus para chegar à escola, todos os demais
moravam na comunidade, bem perto dali. Somente três dos dez, estudavam há poucos anos
(entre dois e três) na escola. Os outros sete estudavam ali desde a pré-escola. Em relação ao
que gostavam mais na escola, obtive respostas muito semelhantes às que Garcia (2005)
encontrou: atividades relacionadas com movimento, comunicação e lazer. Sete alunos citaram
o pátio da escola, tanto a cancha como a pracinha, em primeiro lugar. Em segundo, ficou a
informática, e os alunos fizeram referência tanto ao laboratório de informática quanto às
atividades realizadas nesse espaço. Essa resposta foi dada por cinco alunos. Em terceiro, as
aulas de Educação Física e os jogos, tanto de vôlei como de futebol, citados por quatro alunos.
Sobre o que não gostavam na escola, as brigas e as implicâncias no pátio e em sala de aula
apareceram nas respostas de quatro alunos. Os outros responderam que não havia de que eles
não gostassem. Quanto a contar histórias que lhes tinham marcado de fatos que aconteceram
na escola, cinco alunos narraram episódios que consideraram importantes. Quatro alunos,
todos meninos, contaram fatos e histórias relacionados ao futebol. A única menina narrou um
evento acontecido em sala de aula.
As informações obtidas nas entrevistas foram importantes para conhecer melhor os
estudantes da turma escolhida, assim como para se ter um panorama das dinâmicas dos grupos
60
que eles mantinham. Também foram essenciais para o entendimento da relação que tais
alunos tinham com a escola, como, por exemplo, sobre quais eram as atividades preferidas por
eles e que espaços eram mais valorizados. No capítulo três, serão apresentados detalhes
relevantes em relação à turma para a análise das estruturas de participação, conforme as
informações se mostram necessárias para se explicar o ponto de vista dos participantes.
Em 2006, continuei acompanhando o trabalho da escola em relação aos conselhos de
classe. Realizei entrevistas com a equipe diretiva, acompanhei reuniões e fiz observação
participante dos alunos em atividades de pátio e em sala de aula. Minha observação mais
detida, no entanto, foi a do conselho de classe, em função das modificações pelas quais a
atividade estava passando. Ivete, em entrevista informal, contou-me que todo o grupo de
educadores estava discutindo mais uma vez o tema da avaliação e do conselho de classe. Tive
então a oportunidade de acompanhar o pré-conselho e o conselho de classe da B30 de 2006,
em que algumas modificações já tinham sido implementadas. Tais transformações no formato
do conselho serão discutidas na última seção deste capítulo, que trata exclusivamente do
conselho de classe.
Assim, os dados gerados que serão utilizados na alise das estruturas de participação
provêm do trabalho no projeto de pesquisa em 2003, focando na turma B10, na geração de
dados que foi feita em 2005, acompanhando aulas e o conselho de classe da turma B30, e na
observação feita em 2006 de um dos conselhos de classe da B30 daquele ano. A geração de
dados pode ser resumida no seguinte quadro:
Quadro 1: Dados gerados
Ano da
geração
Turma Atividades
observadas
Horas
observadas
Atividades gravadas Horas
gravadas
2003
B10
Aulas com professora
Lívia, aulas de
Educação Física e
Artes, eventos no
pátio e pré-conselho
10
03 aulas com a professora
Lívia e 01 aula com a
professora Sílvia
08
2005
B30
Aulas com a
professora Sílvia,
aulas de Educação
Física, trabalhos no
Laboratório de
Informática e eventos
no pátio
20
Pré-conselho, conselho de
classe, devolução do
conselho e entrevistas.
05
2006
B30
Pré-Conselho e
Conselho de Classe.
Atividades no pátio.
05
_______
__
61
Os dados gerados foram segmentados para a posterior análise, em que são utilizados
elementos etnográficos e microetnográficos. Assim, serão apresentados como dados citações
de notas de campo e de entrevistas, vinhetas narrativas e citações de textos produzidos pelos
educadores, como também segmentos de fala-em-interação transcritos, com a
complementação de transcrições mutlimodais.
Cabe ainda citar que o contato do grupo de pesquisa com a escola não encerrou com
este projeto. Em 2006, o grupo retornou à escola com os seguintes projetos de pesquisa: “Co-
construção justificada de controle social e projeto político-pedagógico em uma escola pública
cidadã”, de Paloma Silva Melo, projeto que resultou na monografia de conclusão do curso de
Letras (MELO, 2006); “A Construção Conjunta de Conhecimento em uma Escola Cidadã”, de
Luciana Etchebest da Conceição, projeto de dissertação de mestrado, que será defendida em
2008; e ainda, “Interação e identidade: a construção de masculinidades na escola”, de
Alexandre do Nascimento Almeida, projeto de tese de doutorado.
Após ter relatado a geração dos dados utilizados nesta pesquisa, apresento detalhes
acerca do universo em que a pesquisa foi realizada na próxima seção. Trata-se de uma escola
municipal de Porto Alegre, cujo grupo de educadores se comprometeu em conhecer o mundo
do outro a partir do trabalho de pesquisa. Eles realizaram uma pesquisa sócio-antropológica
para conhecer quem era o aluno que estudava na escola e como era a comunidade que a
cercava já na década de noventa. Trata-se de uma escola vivida e pesquisada, conforme se
intitula seu relatório de pesquisa, que foi capaz de construir conjuntamente com a comunidade
uma proposta pedagógica que prima pela inclusão social.
2.3 O Cenário da pesquisa: a escola e sua história na comunidade
A Escola Municipal escolhida como cenário da pesquisa tem uma história pedagógica
muito especial. A palavra caminhada” aparece recorrentemente na fala de professores,
supervisores e orientadores escolares que trabalham para fazer referência ao processo de
construção do projeto político-pedagógico que foi elaborado nessa história. O engajamento
com a comunidade e o desejo de fazer uma escola para todos já fizeram com que tal
instituição fosse alvo de inúmeros trabalhos e projetos de pesquisa (MOOJEN ET AL, 1997;
MOLL, 2000; TITTON, 2003).
Conforme Titton (2006), a escola é considerada de pequeno porte e recebe anualmente
cerca de trezentos alunos, distribuídos em turmas de I, II e III ciclos, nos turnos da manhã e
62
tarde. O grupo de professores tem cerca de trinta educadores. A escola foi criada em 1965,
como Escola Estadual, em um morro da zona sul de Porto Alegre. Em 1985, a construção de
um condonio de luxo fez com que a Escola Estadual “descesse” o morro, ou seja, a escola
oficial foi transferida para um prédio novo. Segundo Titton (2003), aconteceu, então, um
processo de luta pela escola, que foi resultado de ações voluntárias e lutas coletivas de toda a
comunidade. Assim, os moradores conseguiram reabrir a escola como um anexo da Escola
Estadual em 1986. No ano seguinte, por pressão da comunidade, houve a municipalização da
escola. No mesmo período, também houve a criação da Associação dos moradores e Clube de
Mães, entidades que contribuíram para que o vínculo escola-comunidade se fortalecesse ainda
mais. Titton (2006) ainda aponta que o fato da escola ser resultado da luta da comunidade fez
com que o engajamento fosse um traço identitário forte dos sujeitos envolvidos com a escola.
Nos anos noventa, os educadores adotam uma serie de medidas para eliminar a evasão
e a repetência, como grupos de estudo e de trabalhos na sistematização de uma proposta
pedagógica. Conforme apontam Titton e Moojen (2006), a preocupação central da escola
passou a ser a inclusão social e a eliminação da evasão escolar, o que já aparecia em
iniciativas que até então tinham sido organizadas por alguns professores de maneira isolada.
Em 1991, tais iniciativas passaram a ser discutidas por todo o grupo, com o apoio da equipe
diretiva, organizando-se em uma proposta pedagógica que abarcasse tanto as queses de
aprendizagem como as de inclusão. Em 1993, foram feitas mudanças nas práticas avaliativas
para dar os primeiros passos no que dizia respeito à nova proposta. Foi constatada pelo grupo
a necessidade de se conhecer melhor a comunidade, isto é, quem era o aluno da escola, para
que as adaptações das práticas pedagógicas fossem mais eficientes. Ainda no mesmo ano,
foram realizadas entrevistas com algumas famílias, ficando evidente para os educadores a
percepção da diferença de concepção em relação a temas como a violência, e como tal
diferença se refletia na relação com a escola. Começou, então, a incursão do grupo de
educadores para conhecer a comunidade em que trabalhavam. Em 1994, o grupo amplia a
relação com a comunidade, oferecendo oficinas e cursos que serviriam de base para o
planejamento do trabalho pedagógico do ano. A oficina cuja a temática foi o tempo, o espaço
e o imaginário da comunidade local foi de grande impacto para os educadores, com fortes
repercussões na visão que eles tinham do universo em que estavam inseridos.
Como Titton e Moojen (2006) narram, em abril de 1994, o grupo procurou o Núcleo
de Estudos, Pesquisa e Assessoria em Educação Popular da UFRGS e iniciou em parceria o
seu projeto de pesquisa. A pesquisa sócio-antropológica tinha como objetivo: “a busca de um
melhor conhecimento das condições de vida dos alunos” (p. 23). Os temas pesquisados foram:
63
família, violência, sexualidade/gravidez na adolescência e relações escola-comunidade. A
pesquisa aconteceu em duas etapas. Na primeira, que ocorreu de março a agosto de 1994, o
grupo decidiu como seria feita a pesquisa, sistematizou e organizou a sua realização. Optou-
se, por exemplo, por uma pesquisa participante. A partir dessa organização, o grupo iniciou
então a pesquisa com visitas a quinze famílias, em que eles realizaram entrevistas, observaram
eventos, e tomaram notas de campo. Na segunda etapa da pesquisa, a partir de setembro de
1994, houve a organização do material gerado.
Em 1994, durante a realização da pesquisa, o grupo dá início à sistematização e à
escrita dos princípios pedagógicos que se tornaram o grande lema da escola. Tais princípios se
encontram até hoje presentes na fala dos professores, alunos, supervisores, assim como nos
diversos murais da escola. São eles:
Todos os alunos podem aprender;
Todos os alunos devem permanecer na escola;
Diferença não é deficiência;
O trabalho de grupo qualifica a aprendizagem;
Aprendizagem e “disciplina” não são aspectos excludentes, mas ocupam espaços
diferentes.
Em 1995, o grupo trabalhou ainda com os dados gerados e organizou o material de
pesquisa, com discussões e debates conjuntos. A pesquisa ficou pronta em 1996 e deu origem
ao relatório “Uma Escola Vivida e Pesquisada” (MOOJEN ET AL, 1997). Para Titton e
Moojen (2006), as principais conclusões da pesquisa foram: 1) O fato de propiciar o
conhecimento sobre a vida do aluno, seu ambiente familiar e reflexo disso nas atitudes e
comportamento dos alunos na escola; 2) a mudança na postura do corpo docente; e 3) o
desenvolvimento de uma postura de olhar para fora dos muros da escola e reformular a visão
sobre o que se chama de “classes populares” (p. 26). Acrescenta-se a isso as mudanças no
cotidiano da escola, nas práticas cotidianas que envolveram todo o grupo, gerando uma
postura de questionamento constante em relão às questões de aprendizagem e de inclusão.
A partir da pesquisa, o curculo da escola foi reformulado tendo as reflexões
resultantes da pesquisa como base. Uma nova pesquisa - com foco na fala do aluno - foi
realizada em 1999 e em 2000, quando o ensino passou a se organizar por projetos
19
.
19
Dados do material “Linha de Tempo da História Pedagógica da Gilberto Jorge”, produzido pela escola em
2005, que se encontra nos murais da escola (no ANEXO VI, apresento um quadro que apresenta as informações
do material em outro formato, já que este não foi possível de ser anexado na versão eletrônica do trabalho).
64
Além da implementação da organização do ensino por ciclos, em 1998, projeto
gerenciado pela Secretaria Municipal da Educação (doravante SMED) para todas as escolas
cidadãs da rede municipal em 1996, outra marca importante da administração petista foi a
implementação do orçamento participativo na comunidade, cujos encontros aconteciam na
escola, o que acabou por reconfigurar o espaço da mesma no bairro. Mesmo assim, a escola
sempre manteve uma relação de independência em relação à Secretaria, procurando reforçar
uma postura de autoria e autonomia frente às propostas da Administração Popular
(SCHLATTER e GARCEZ, 2002).
Outra característica que marca a história da escola é o investimento na formação dos
professores. Há reuniões semanais e noites de formação mensais, sobre os mais diversos
temas. Tal postura não parece ser imposta pela administração da escola ou pela SMED, mas
característico do grupo que se engajou, o que Titton (2003) chama de militância pedagógica e
política do grupo, que construiu uma identidade coletiva por meio dessa militância.
Uma grande conquista da comunidade no OP foi a construção do prédio novo da
escola em 2005, o que era reivindicado há anos. A escola, que antes era organizada em vários
blocos e pequenos prédios de madeira, conta agora com um grande prédio de material em que
fica a maior parte das salas de aula, além dos laboratórios de ciências e de informática e as
salas administrativas como a Secretaria, os gabinetes da equipe diretiva e a sala dos
professores. A mudança estrutural foi grande e apareceu até no imaginário das crianças. A
supervisora do turno da tarde contou-nos, em entrevista informal que os alunos não paravam
de desenhar escadas nos trabalhos que eles fizeram nos primeiros meses após a inauguração
do prédio novo.
Foram lançadas quatro coletâneas (1995, 1997, 2000 e 2006) produzidas pelos
educadores, chamadas de “Relatos de Experiências – um espaço de autoria”. Tais produções
são publicações da experiência pedagógica dos professores e tratam de diferentes temas
relativos à prática pedagógica. Fica evidente em cada texto o engajamento dos professores
enquanto autores e sujeitos produtores de uma nova forma de se pensar educação e
comprometer-se no fazer cotidiano da proposta político-pedagógica. Em 2006, o grupo lançou
um livro contando a sua história (PERSCH ET AL, 2006). Os artigos dizem respeito às
experiências do grupo e à história da escola. São narrados projetos de autoria e protagonismo
como, por exemplo, o dos contadores de história e o da monitoria que acontece no recreio, em
que alunos mais velhos organizam atividades e brincadeiras com os mais novos. Tais projetos
foram responsáveis pela reconfiguração dos espaços da escola. O livro também conta como a
65
relação com a comunidade foi sendo transformada e ampliada pela escola, por meio das
atividades de pesquisa e dos espaços de formação e estudo constate do grupo de educadores.
Em Persch et al (2006) também é notável o quanto as questões que moveram o grupo
de educadores sempre tiveram como base reflexão e prática, envolvimento e ação, ou seja, um
mergulho no mundo do outro e uma forma de colocar-se no mundo do outro para dialogar de
fato. O titulo escolhido para o livro da escolaUma Escola para Todos e uma Escola para
Cada Um – já demonstra o quanto a inclusão pode ser pensada sem que se perca de vista a
singularidade de cada um. Como já fica claro na introdução do livro, para os educadores dessa
escola, inclusão significa aprendizagem para todos, tanto na teoria como na prática. Quando
observada na prática, as ações de inclusão de todos são justamente complementadas
considerando-se a singularidade de cada um; trata-se de ações específicas de acordo com a
história de cada aluno. Conforme será evidenciado no catulo 3, as práticas de fala-em-
interação presentes nessa escola apontam nessa mesma direção, ou seja, elas estão
sedimentadas pelo mesmo objetivo de incluir todos e cada um.
Conforme se já na introdução do livro (PERSCH ET AL, 2006), embora o tema da
inclusão esteja presente em discussões educacionais no cenário mundial em termos de
políticas públicas, a escola já vinha discutindo o tema muito antes e fazendo com que fosse
encarado na prática. A elaboração da proposta educacional da escola que primava por garantir
a aprendizagem para todos é anterior a todo esse movimento de discussão e implementação de
políticas de inclusão social na legislação, como no Estatuto da Criança e do Adolescente, por
exemplo. Isso fica evidente em Monteiro e Pacheco (2006), quando discutem como o
prinpio pedagógico da escola “todos os alunos podem aprender” pode ser expandido de um
princípio filofico a um conjunto de práticas que levam à construção de uma escola inclusiva
de fato. As autoras asseguram que o trabalho de inclusão na prática pode ser difícil e penoso.
Ele envolve vários fatores, como a vontade política, o trabalho com princípios filoficos e
pedagógicos claros, o trabalho em equipe, assim como a reflexão constante dos educadores de
seu poder e responsabilidade. As autoras afirmam ainda que, embora inclusão seja um termo
geralmente associado a discussões relacionadas a pessoas portadoras de necessidades
especiais, nessa escola ele pode ser definido como algo que vai além, descolando-se das
noções de normalidade e homogeneidade, na construção práticas de processos de reflexão e
prática de ações inclusivas.
Em Monteiro e Pacheco (2006) também fica claro que a preocupação do grupo de
educadores com a inclusão e aprendizagem para todos vai desde o seu caráter mais macro,
como a inserção da escola no cenário maior de políticas públicas e projetos que visam à
66
construção de cidadania, como os implementados em Porto Alegre desde 1989, ao mais
micro, como as ações locais dos educadores que têm como objetivo a inclusão na prática. E
para que tais ações sejam impulsionadas, o trabalho da equipe diretiva
20
é fundamental para
dar a viabilidade local desse projeto, agenciando a permanência dos princípios poticos e
pedagógicos da escola. As autoras destacam que outras estratégias e ações locais são
necessárias para se garantir a permancia e a aprendizagem de todos na escola, como o
esforço para se conhecer o aluno e proporcionar condições adequadas para o seu atendimento
e acolhimento pelo grupo de educadores. Tais ações exigem o trabalho conjunto de todo o
grupo. Um exemplo citado pelas autoras de um conjunto de ações bem sucedidas do grupo no
que diz respeito ao acolhimento é a relação que a escola mantém com crianças albergadas na
FASE (Fundação de Atendimento Sócio-Educativo), que, segundo as autoras, reivindicam o
direito de estudar nessa escola devido ao vínculo que os educadores criaram com vários
alunos procedentes da instituição. Outros exemplos citadoso os projetos que estimulam o
protagonismo infanto-juvenil, como a Monitoria do Recreio e os Contadores de História, que
também modificaram a relação de alunos acolhidos com a escola e com o espaço escolar.
Quando tratam da aprendizagem, em especial do princípio pedagógico todos podem
aprender, Monteiro e Pacheco (2006) reafirmam o quanto se trata de um desafio, pois é
preciso que o foco seja colocado no sujeito aprendente, levando-se em conta sua unidade e, ao
mesmo tempo, diversidade. Para tanto, é preciso formação permanente e trabalho coletivo dos
sujeitos ensinantes, com espaços e momentos de estudo. Além disso, é preciso haver
comprometimento do grupo com o projeto, para que as ações coletivas não percam de vista
suas dimensões teóricas e práticas.
A história da escola é muito importante para a construção da memória coletiva do
grupo de educadores, no sentido de se fazer permanecer nas ações práticas a postura
pesquisadora, questionadora e inquietante que sempre acompanhou a caminhada do grupo.
Para Titton (2006), as ações coletivas concretizadas pelo grupo desde 1991 desencadearam
mudanças nas posturas dos educadores, que passaram a olhar para os alunos e enxergá-los
como sujeitos de direitos, sujeitos participantes. Como aponta a autora, o projeto político-
pedagógico da escola acabou se tornando um jeito de ser da escola, um jeito de ser professor,
de ser aluno, de ser educador. Os princípios pedagógicos se tornaram compromissos e foram
traduzidos em concepções e práticas, que moldaram esses “jeitos de ser”. O engajamento dos
educadores da escola é visível no cotidiano escolar. A história de luta pela inclusão e a
20
Conforme Monteiro e Pacheco (2006), a equipe diretiva é composta pela Direção, Serviço de Orientação
Educacional (SOE) e o Serviço de Supervisão Educacional (SSE).
67
manutenção do projeto da escola meio dos princípios pedagógicos não aparecem apenas nos
discursos e nos murais, mas nas ações cotidianas dos sujeitos envolvidos.
Como se vê nos escritos dos educadores a respeito da história da escola e do fazer
cotidiano em que eles estão envolvidos, o eixo teoria/prática é uma constante. É possível se
fazer uma relação do que é narrado pelos educadores com o que vimos e observamos na
prática escolar. Fica evidente, também, que o conceito de participação que está presente nessa
escola abrange o ser parte e fazer parte de algo, ou seja, participar de fato. A participação é
algo pensado e concretizado por esses educadores desde as ações mais micro até as mais
macro sociais e educacionais. Assim se vê na pesquisa realizada pelo grupo para conhecer a
história do lugar e dos sujeitos que ali vivem, das famílias e dos alunos que fazem parte da
escola. A possibilidade de encontro com o mundo do outro se deu tanto em teoria como na
prática e transformou-se em poticas, planejamento e construção de um projeto político-
pedagógico. O entendimento do mundo do aluno foi fundamental para guiar tal projeto, assim
como as práticas de ensino e aprendizagem. A memória presente da “caminhada” do grupo e
os espaços de reflexão e estudo constante fizeram com que tal postura de respeito à
individualidade e a busca por inclusão permanecesse em cada ação cotidiana dos educadores.
Inseridos então, neste contexto de engajamento e de construção conjunto de proposta
pedagógica, é possível entender melhor como surgiu o Conselho de Classe Participativo, já
que tal projeto foi fruto do projeto político-pedagógico da escola, como se vê na próxima
seção.
2.4 O Conselho de Classe Participativo e o Projeto Político-Pedagógico da Escola
Um dos grandes projetos que fizeram da escola pesquisada ser conhecida por suas
políticas de inclusão foi a reconfiguração do conselho de classe. O Conselho de Classe
Participativo construído pelos educadores dessa escola pode ser entendido como um marco da
implementação do projeto potico-pedagógico, assim como um dispositivo instaurador da
participação do aluno como base no seu processo de aprendizagem.
Os conselhos de classe permanecem em sua maioria como um espaço
majoritariamente de professores, em que se discute e avalia o aluno (DALBEN, 1995). Além
disso, encontramos na literatura vários exemplos de conselhos que, am de não contarem
com uma participação ativa dos sujeitos envolvidos, podem ser considerados espaços
meramente burocráticos, ou ainda, de afirmação do fracasso escolar. Santos (2003) descreve
68
um conselho de classe que ele chama de antipedagógico, em que as ações dos educadores
configurariam um exemplo de negação total da participação, de um grande obstáculo para a
possibilidade de se ter uma escola democrática. Mattos (2005) trata de um conselho de classe
em que há uma orquestra-ção das falas dos educadores que ratificam e constroem o fracasso
escolar. Rocha (1982) também apresenta o uso das atividades do conselho de classe como
oportunidades de se burocratizar a avaliação do aluno. Na escola escolhida para esta pesquisa
definitivamente não são esses os papéis do conselho. Ele é mais um dispositivo da proposta
pedagógica de inclusão escolar, sintetizada no eixo que afirma que todos podem aprender. A
modificação da estrutura do conselho de classe aconteceu justamente para abraçar esse
aspecto da proposta: dar voz ao aluno e construir um espaço com a participação de todos para
se ter a aprendizagem de todos.
Nos Relatos de Experiência anteriormente citados, destacam-se os textos que contam a
história dos Conselhos de Classe
21
e narram a mudaa de um conselho mais burocrático para
o Conselho de Classe Participativo. O principal argumento dessa transformação pode ser
encontrado nesses textos: a preocupação da escola com a inclusão de todos os alunos no
processo de aprendizagem, ou seja, o princípio pedagógico todos os alunos podem aprender.
A mudança no que diz respeito ao formato do conselho de classe fez com que ele se tornasse
um espaço de participação de todos nesse evento primordialmente avaliativo. Assim, o
Conselho de Classe Participativo tem como base a implementação do projeto político-
pedagógico da escola e da participação do aluno como protagonista do seu processo de
aprendizagem.
Para Reis, Titton e Boese (1996) a ressignificação do conselho de classe foi resultado
do movimento de mudanças em relação às práticas pedagógicas iniciado pela escola com a
construção do projeto político-pedagógico no início da década de noventa. Se até então o
conselho era um espaço meramente formal de verificação de sucessos e fracasso dos alunos,
com a proposta pedagógica, ele passou a enfocar a aprendizagem e a inclusão de todos os
alunos. Para as autoras, as questões centrais e norteadoras do conselho passaram a ser: Como
o nosso aluno aprende? Quando não aprende, por que isso acontece? Que outras questões
estão ligadas à aprendizagem? O aluno está participando do seu ato de aprender? Qual a
contribuição das intervenções do professor nas aprendizagens do aluno?
21
História dos conselhos de classe na Gilberto Jorge, de Ana Elisabeth Krieger Lopes Reis e Maria Olga
Amadeo Boese, da Primeira Coletânea, e Os Conselhos de Classe Participativos: relato de uma prática coletiva
em permanente construção, de Ana Elisabeth Krieger Lopes Reis, Maria Beatriz Titton e Maria Olga Amadeo
Boese, da Segunda Coletânea de Relatos.
69
A partir de 1991, o tema da participação começou a ser discutido entre equipe diretiva,
orientação, supervisão e professores e, em 1992, decidiu-se pela participação efetiva do aluno
no conselho. Primeiramente, a discussão foi feita a partir de questionários que tratavam do
que estava bom (ou não) na sala de aula, no colégio e no grupo. Representantes de cada turma
participaram então dos conselhos discutindo tais questões. Em 1993, todas as turmas
participaram do conselho com seus representantes, mas em um espaço específico, com a
orientação escolar, discutindo questões para tratarem no conselho e redigindo um material
escrito que respondia as perguntas: O que está bom na escola? O que está ruim na escola? O
que estamos conseguindo aprender? O que está difícil de aprender? O que vamos fazer para
“saber” o que não sabemos? Exceções foram feitas às turmas de primeiras séries, em que os
pais dos alunos foram convidados a trazerem questões, pelo fato de eles ainda não saberem ler
e escrever. Em 1994, todos os pais foram convidados a participar do terceiro conselho de
classe e trabalharam em grupos com as questões que tratavam do que estava bom na escola e
o que estava ruim.
Em 1996, o conselho de classe foi se configurando com a forma que se encontra hoje.
Os educadores discutiram o tema da participação, definindo qual a concepção da noção que
adotariam. Segundo Reis, Titton e Boese (1996), a participação foi definida como o fazer
parte de algo e implementada como possibilidade de se ter a palavra, ser ouvido e respeitado
como membro do grupo escolar. Assim, depois de muita reflexão, os educadores propuseram
mudanças tanto no tipo de representação que havia no conselho quanto na dinâmica: todos os
alunos da escola podiam participar do conselho. Tal participação foi então organizada da
seguinte forma: em um primeiro momento, a orientadora escolar trabalha com a turma,
preparando um material específico para ser apresentado e discutido no conselho, que pode ser
escrito ou registrado com a utilização de outras formas de expressão, como música, por
exemplo. Esse momento de trabalho passou a ser chamado de pré-conselho. As questões
fundamentais tratadas aqui são diretamente ligadas à aprendizagem. São elas: O que estamos
aprendendo? O que está difícil? O que podemos fazer para saber” o que não estamos
conseguindo aprender? Em um segundo momento, o conselho de classe propriamente dito,
turma, professores, orientadora, supervisora e equipe diretiva participam do conselho,
tratando do que os alunos trazem para a discussão. Após o conselho, os professores trabalham
nas avaliações dos alunos, e, mais tarde, a orientadora escolar se reúne novamente com a
turma para discutir a “devolão” do conselho, ou seja, as conseqüências do que foi discutido
nas avaliações dos alunos.
70
A proposta de reformulação do conselho de classe tinha como objetivo maior a
participação efetiva dos alunos para lidar com a aprendizagem e, dessa forma, investigar o
que eles estavam aprendendo e como. A partir disso, era possível, então, se propor
modificações que garantissem a aprendizagem. Assim, o formato participativo do conselho de
classe acontecia apenas nos dois primeiros conselhos do ano para que justamente esse aspecto
de diagnóstico pudesse ser aproveitado para o planejamento do tempo restante de ano letivo.
O último conselho do ano era destinado apenas para professores, supervisão, orientação e
equipe diretiva, que tratavam da avaliação final dos alunos.
Quando chegamos na escola em 2003, encontramos o conselho de classe participativo
nessa configuração. Fizemos observação de um pré-conselho e de conselhos propriamente
ditos. O que mais nos chamou a atenção foi o fato de o aluno dizer o que estava aprendendo e
o que não estava, o que estava difícil, e ainda, como estava aprendendo. Além disso, havia o
trabalho com os “recados” para os professores, em que a orientadora constra conjuntamente
com a turma um texto para cada professor, de autoria da turma, dizendo o que estava legal e o
que não estava legal na sua aula. Conseguimos relacionar plenamente o formato do conselho e
as questões propostas para trabalho com os alunos ao projeto político-pedagógico da escola,
que se evidenciava assim na prática pedagógica que ali era realizada.
Em 2005, na realização da pesquisa para este trabalho, o que me chamou a atenção
particularmente foi a participação do aluno como eixo do seu processo de aprendizagem e o
gerenciamento dessa participação pela orientação escolar, professores, supervisão e direção.
Como foi apontado na seção sobre a geração dos dados, para este projeto, acompanhei uma
turma de terceiro ano do segundo ciclo durante 2005, e gerei dados audiovisuais de um dos
conselhos de classe do ano. No pré-conselho, que aconteceu em agosto, a orientadora
trabalhou com a turma os chamados “recados” para os professores, com a elaboração de um
texto conjunto. Depois, os estudantes trabalharam em grupo e, por meio de cartazes que eles
produziram, responderam as seguintes questões relacionadas à aprendizagem: O que estão
aprendendo? O que está difícil em cada disciplina?
No conselho de classe, com a presença de todos os professores da turma, além da
equipe de supervisão, orientação e direção, os alunos realizaram a leitura do material relativo
aos recados e os cartazes dos grupos. Logo depois, a palavra foi passada aos professores para
que eles pudessem discutir as questões trazidas pelos alunos. Depois do debate, que foi
gerenciado pela orientadora escolar, os estudantes foram convidados a se retirar para os
professores e equipe trabalharem nas avaliações. Alguns dias depois, antes da entrega das
71
avaliações para os pais, a orientadora organizou mais um momento com a turma, em que fez a
devolução” do foi discutido no conselho e as conseqüências da discussão nas avaliações.
Em 2006 acompanhei um conselho de classe de uma turma de terceiro ano de segundo
ciclo, uma nova B30 durante o mês de junho. Foi um ano de mudanças no conselho. De fato,
como aparece na história da escola, o espírito questionador do grupo fez com que o tema da
avaliação fosse discutido novamente pelos educadores. Com isso, o conselho sofreu algumas
modificações, especialmente no que diz respeito à produção dos pareceres descritivos e de
como se organizaria as avaliações dos alunos, assim como o retorno ou a devolão disso para
os pais e os próprios alunos. Foi acrescido ao conselho de classe propriamente dito, um
momento em que cada aluno falaria diretamente com cada professor da turma e discutiria
particularmente com ele os seus trabalhos e seus indicativos de aprendizagem. O professor
fica à disposição do aluno, que recebe a sugestão de conversar com cada um sobre seu
processo de aprendizagem. Um dos questionamentos feitos aos alunos por Ivete, durante o
pré-conselho, que foi discutido também no conselho, foi como eles achavam que eram
avaliados e o que, para eles, poderiam ser critérios de avaliação. Em inúmeros momentos,
Ivete relatou o quanto o grupo estava tomado de incertezas quanto à proposição de diversas
modificações no formato das avaliações e do conselho de classe. Em entrevista informal, ela
ressaltou que, embora ainda não soubessem, naquela altura do ano, como ficaria oficialmente
o “novo” conselho, a discussão estava sendo muito produtiva e necessária. Nas palavras dela,
falar sobre mudanças é estar vivo”. É evidente que o grupo não estava conformado com o
que já tinham construído, questionando, ampliando e rediscutindo, sem se deixar cair na
acomodação das certezas quanto ao funcionamento cotidiano de sua proposta pedagógica.
Neste capítulo, o que chamei de ver o mundo tendo como guia os olhos do outro foi
apresentado como um aspecto crucial tanto da metodologia adotada nesta pesquisa como no
universo em que ela foi realizada. Acredito que nos dois âmbitos, a busca de uma visão êmica
serve como guia. A seguir, apresentarei o capítulo de análise dos dados em que abordo como
se dá a construção da participação na fala-em-interação de sala de aula e no conselho de
classe dessa escola, que sedimentou a participação como algo fundamental no processo de
aprendizagem.
72
3. TODOS PODEM APRENDER, TODOS PODEM PARTICIPAR: A CONSTRUÇÃO
DA PARTICIPAÇÃO NA FALA-EM-INTERAÇÃO DE SALA DE AULA
“A Educação é um encontro. E ele só
acontece se as duas partes estiverem
abertas para que aconteça, e, assim,
participarem de fato da construção do
que é feito nesse encontro”.
Cristiano Pörtner
Neste capítulo, apresento a análise dos dados representativos das estruturas de
participação presentes nas interações observadas e registradas no cenário da pesquisa,
subdividindo-a em duas seções: a organização da participação na fala-em-interação de sala de
aula e participação e aprendizagem no Conselho de Classe Participativo. Serão apresentados
segmentos de fala-em-interação, trechos de notas de campo e de entrevistas e vinhetas
narrativas para mostrar como a participação é construída e ensinada como um dos pilares do
projeto político-pedagógico da escola em que todos podem aprender.
De maneira a ajustar as lentes para a análise da participação, o ponto de partida aqui
será um olhar mais microscópico para se poder, no final, ampliar para uma visão
macroscópica da participação. Assim, o que se quer demonstrar primeiramente é como a
participação acontece na fala-em-interação de sala de aula, para depois relacionar as ações
locais dos participantes que se dão por meio da tomada da palavra e da obtenção do piso
conversacional com o aspecto global do cenário em que tais participantes estão envolvidos.
A primeira seção tem como objetivo demonstrar que práticas conversacionais estão
relacionadas com a construção de participação efetiva na fala-em-interação de sala de aula.
São focos da análise a tomada de turno de fala e a obtenção do piso pelos alunos, o
gerenciamento da participação feito pela professora, como se caracterizam as intervenções
que ela faz, o tipo de perguntas que usa para conduzir a construção de conhecimento e de
participação e para organizar os focos de atenção dos alunos. Para analisar, assim, as questões
apontadas acima são utilizados dois segmentos de fala-em-interação transcritos, como
objetivo de analisar os aspectos mais micro em termos de participação, que se dão por meio
73
do uso da linguagem na fala-em-interação de sala de aula e envolvem as práticas
conversacionais.
A seção é dividida em três subseções. A primeira traça um panorama geral das aulas
analisadas, enfocando as atividades propostas e as suas execuções pelos participantes. Procuro
mostrar que as estruturas de participação utilizadas por professores e alunos também
dependem da atividade em que os participantes estão envolvidos, da organização geral da aula
e da proposta de trabalho. Assim, é possível observar que o gerenciamento local da
participação também varia de acordo com as diferentes atividades propostas e realizadas pelos
participantes.
A segunda subseção aborda a relão entre as estruturas de participação encontradas
na fala-em-interação desta sala de aula em contraste com o que se chamou de fala de sala de
aula tradicional. O tipo de participação que acontece aqui por meio do uso da linguagem pode
ser considerado bastante diferente, por exemplo, daquele que se observa em encontros
encadeados por uso de seqüências IRA, conforme já discutido no Capítulo 1. O
gerenciamento da fala do aluno e o tipo de pergunta que a professora usa demonstram um
propósito claro de construção conjunta de conhecimento. Mesmo sendo por meio de práticas
realizadas de maneira mais custosa, que exigem a manutenção de um foco de atenção
conjunta e do constante gerenciamento dos turnos de fala, tais práticas fazem com que o aluno
seja protagonista de seu processo de aprendizagem, como será evidenciado no primeiro
segmento transcrito de fala-em-interação, que chamei de “Reciclonário”.
A terceira subseção aborda ainda a diferença entre as estruturas de participação
encontradas na escola pesquisada e o que pode ser considerado tradicional em relação à sala
de aula em termos de correção. Isso aparece tanto quando a professora corrige a fala de um
aluno, pela maneira como ela o faz, quanto em um momento em que uma aluna, Laura,
corrige a fala da professora,via, como será demonstrado no segundo segmento, que chamei
de “Sacas”. Laura considerou que a professora tinha escrito a palavra errada no quadro. Lívia
lida com a correção, dizendo que tinha escrito de maneira correta, sim, embora não soubesse a
razão pela qual a palavra deveria ser escrita e falada daquele jeito. Fica evidente que a
maneira com que a professora lida com a correção é muito diferente do que poderia ser
esperado em termos do que tradicionalmente foi instituído como papel do professor. Ainda no
mesmo segmento, um outro aluno aproveita a discussão para topicalizar a queso das
perguntas feitas em prova, tratando assim do fato da professora não saber a resposta de uma
questão específica sobre a palavra que gerou a dúvida inicial.
74
Participação e uso da linguagem no Conselho de Classe Participativo é o título da
segunda seção, que tem como objetivo analisar como a participação de alunos e professores é
construída nesse evento específico. São utilizados na análise dados gerados no trabalho de
campo realizado em 2005 e 2006, que tomam corpo em citações de notas de campo,
observações em forma de vinhetas narrativas e segmentos transcritos de fala-em-interação. A
partir da análise destes dados, procuro demonstrar como a participação de todos é construída e
relacionada com inclusão social e aprendizagem.
A segunda seção é dividida em três subseções. A primeira tem como objetivo
apresentar as turmas acompanhadas em 2005 e 2006, especialmente a B30 de 2005, que era
em boa parte formada por alunos que tinham sido acompanhados na B10 em 2003.
75
foram de aulas com a professora referência da turma, Lívia, e duas com a professora Sílvia,
que lecionava Espanhol para a turma. As aulas foram gravadas em agosto, setembro e
dezembro de 2003. Nessa época, a temática desenvolvida no segundo ciclo era o “Lixo”.
Além de Lívia e Sílvia, a turma tinha aulas com as professoras de Educaçãosica e de Artes.
A B10 era formada por vinte e quatro estudantes, onze meninos e treze meninas. As
idades variavam entre nove e dez anos. Apresento no quadro abaixo o grupo de alunos que
formavam a turma naquele ano. A disposição no quadro foi feita por ordem alfabética, e não
pela forma como se organizavam sala de aula, já que tais formatos variavam muito de aula
para aula.
Quadro 2: Estudantes da turma B10 em 2003
Adriana Eduardo Larissa Paloma
Breno Gisele Laura* Paula
Christian* Isabel (Isabelzinha) Leandro Paulo*
Daniel Isabela Mariana Renata
Daniele João Michael Téo
Diego*lia Noêmia Wilson
* Alunos que não estavam mais na turma em 2005.
A seguir, faço um panorama geral das aulas que serviram de base para a análise, para
discutir como os formatos de participação em aula também se modificam, dependendo da
atividade proposta e realizada em aula. Além disso, a configuração espacial dos participantes
também é apontada como um aspecto relevante para a organização da participação e dos jeitos
de se participar.
3.1.1 Uma visão geral das aulas: diferentes atividades, diferentes maneiras de participar
Conforme apontei na discussão teórica, o estudo da fala-em-interação de sala de aula
tem que partir de um ponto de vista heurístico para entender as ações dos participantes de uma
dada interação (CAZDEN, 2001). O professor organiza o encontro social que se dá em sala de
aula e não apenas os turnos de fala dos alunos. Em cada atividade que ele propõe, novos
direitos à participação e à fala podem ser constituídos e modificados (CAZDEN, 2001;
76
PHILIPS, 2001; JONES & THORNBORROW, 2004). Não se pode perder de vista o manejo
local feito pelos participantes nas formas de organizar sua participação. Assim, as estruturas
de participação, o acesso e a obtenção dos turnos de fala e do piso conversacional não podem
ser vistos como estruturas determinadas ou estanques; eles são co-construídos nas interações,
conforme mostraremos nos segmentos de fala transcritos mais adiante, e estão
contextualizados em atividades maiores com as quais os participantes estão envolvidos.
Na análise mais detida dos registros audiovisuais, procurei observar primeiramente
como foi o andamento das aulas em relação às atividades propostas e, assim, como as
maneiras com que as professoras e os alunos participavam por meio do uso da linguagem da
aula se modificavam ou não. As quatro aulas gravadas e acompanhadas que serviram de base
para a análise foram organizadas nos mais diferentes formatos, tanto em relação à disposição
dos participantes como no que diz respeito às tarefas propostas e seus encaminhamentos. Faço
agora um breve panorama da organização das aulas em função das atividades propostas.
A primeira aula gravada da qual analisei as estruturas de participação foi também a
primeira que filmamos na escola para o projeto de pesquisa do qual fui bolsista de iniciação
científica. Ela aconteceu em agosto de 2003. Nessa aula, a turma trabalhou em grupos
organizados aleatoriamente porvia. Os alunos realizaram tarefas que envolviam um texto
sobre reciclagem de lixo. A professora colocou no quadro questões que cada grupo tinha que
responder. Durante o trabalho de grupo, ela circulava entre os grupos ajudando na execução
da tarefa. Os alunos conversavam muito entre eles e participavam de diversos pisos
conversacionais, muitos participavam de vários ao mesmo tempo. Os únicos momentos de
pisos conversacionais mais restritos foram momentos de instrução das atividades, que tiveram
estruturas de participação mais rígidas, com a professora gerenciando as falas dos alunos e
fazendo com que todos ficassem no mesmo foco de atenção. O primeiro, aconteceu logo no
icio da aula, quando Lívia explicou o trabalho proposto para o dia e como ele deveria ser
feito. O segundo momento, mais instrucional, se desenvolveu a partir de uma dúvida de um
dos grupos.via decidiu explicar uma questão específica do texto, que envolvia o uso de um
outro texto do livro trabalhado como ferramenta para o entendimento do texto principal. Esse
segundo momento será apresentado na próxima seção, no segmento de fala-em-interação
transcrito para a análise das estruturas de participação que chamei de “Reciclonário”.
Na segunda aula, que aconteceu também em agosto de 2003, os participantes estavam
envolvidos com a realização de uma prova de Matemática. Lívia ficou quase o tempo todo em
sua mesa, enquanto os alunos faziam a prova. A turma estava disposta em um semicírculo e,
em muitos momentos, os alunos conversavam entre eles. Em outros, os estudantes tomaram a
77
palavra para fazer perguntas a Lívia, incluindo algumas sobre a resolução de questões da
prova. Essa aula teve estruturas de participação mais rígidas e um piso conversacional bem
mais restrito do que as outras, o que está relacionado diretamente com a atividade em que os
participantes estavam envolvidos. Lívia pediu silêncio inúmeras vezes e chamou a atenção
dos alunos sobre conversas paralelas e sobre a postura dos mesmos na sala, justificando que
estavam em prova. Mesmo assim, os alunos se auto-selecionaram para os turnos de fala e se
engajaram em diferentes pisos conversacionais de tal forma que não ficava evidente que se
tratava de um momento de avaliação formal, como poderia ser imaginado em uma sala de
aula considerada mais tradicional. Houve um momento, inclusive, em que a partir da pergunta
de um aluno, Lívia construiu conjuntamente com a turma a resposta de uma das questões da
prova. A partir das perguntas que ela fez, Lívia foi alinhando toda a turma em um mesmo foco
de atenção e conduzindo os estudantes a partir de novas perguntas que ela fazia para que eles
mesmos pudessem chegar à resposta correta.
A terceira aula, que aconteceu em setembro de 2003, foi dividida em dois momentos.
Na primeira parte, metade da turma ficou na sala de aula em que sempre tinham aula,
enquanto a outra metade foi para uma outra sala, realizar o pré-conselho de classe com a
orientadora escolar. O grupo que ficou tinha como tarefa terminar trabalhos pendentes, ou,
para os que estavam em dia com os trabalhos, resolver problemas de matemática que Lívia
colocou no quadro. Depois de uma hora, os grupos trocaram de lugar: quem estava no pré-
conselho voltou e começou a trabalhar nas tarefas, enquanto os que tinham ficado na primeira
metade da aula na sala foram então para a atividade com a orientadora. Essa terceira aula, em
termos de tomada da palavra pelos alunos é muito rica. Os alunos conversaram o tempo todo,
tanto entre eles como com Lívia. Os tópicos variaram muito, abrangendo desde questões
trabalhadas em aula, dúvidas sobre atividades passadas, até conversas sobre aniversários e
festas na escola e em casa. O segundo segmento de fala-em-interação de sala de aula
transcrito que apresentarei foi selecionado dessa aula e trata de um momento em que uma
aluna corrige Lívia.
A quarta aula analisada em termos de estruturas de participação foi uma aula de
Espanhol com a professora Sílvia, que aconteceu em dezembro de 2003. A análise mais
específica dessa aula pode ser encontrada em Schulz (2004), trabalho em que enfoquei a
tomada do turno de fala pelo aluno como uma característica do que pode ser chamada de
participação efetiva em sala de aula, condizente com o projeto inclusivo da escola pesquisada.
Nesta aula, os participantes têm uma conversa inicial sobre as atividades que eles fizeram no
dia anterior, uma apresentação que os alunos fizeram em função do aniversário da escola, em
78
que os tópicos propostoso trazidos pelos alunos e ratificados como algo importante a ser
tratado por Sílvia. Depois desse momento de fala e discussão sobre a apresentação, em que
Sílvia gerencia a participação dos alunos para que todos possam falar e ser ouvidos, as
atividades desenvolvidas pelos alunos são realizadas em grupos a partir de textos e livros em
Espanhol. No fim da aula, houve ainda uma apresentação oral de trabalhos realizados pelos
alunos na semana anterior, em que cada grupo apresentava um cartaz do material que tinha
organizado sobre direitos humanos.
Analisando as aulas em termos então das atividades propostas e realizadas em aula,
assim como a configuração espacial dos participantes geradas por elas, pode-se dizer que elas
são bem variadas, já que a proposição e a execução das tarefas para cada aula também variam.
É possível perceber, na observação das aulas, que tais atividades diferenciadas geram
diferentes tipos de participação e interlocução, diferentes tipos de intervenções de professores
e alunos, isto é, ações como a auto-seleção dos alunos para os turnos de fala e a proposição
dos tópicos tanto por professor como por alunos. Tais ações podem mostrar o quanto tal sala
de aula é diferente ou contrastante com o que se chamou de sala de aula tradicional
(BATISTA, 1997; TRILLA, 2006; GARCEZ, 2006). Pode-se dizer aqui que há participação
efetiva do aluno em sala de aula como protagonista do seu processo de aprendizagem e tal
participação fica evidente na organização geral das aulas, na proposição e execução de
atividades e nas diversas maneiras com que os participantes se engajam no que estão fazendo.
As atividades propostas pelo professor possibilitam diferentes alinhamentos e modos
de interagir. Nas aulas analisadas, os momentos de piso conversacional mais restrito e de
estruturas de participação mais rígidas aconteceram em momentos de instrução da atividade
da aula. No restante, o acesso ao piso conversacional poderia ser considerado mais “solto” ou
colaborativo. Diferentes atividades geram diferentes possibilidades de participar e obter o
direito à fala, mas tais direitos não são determinados pelas atividades. Como Erickson (1982)
aponta, a fala-em-interação de sala de aula está entre uma fala altamente ritualizada e
altamente espontânea. Sempre há espaço para a improvisação. Por mais restritas que sejam as
atividades propostas para uma aula, há sempre a possibilidade de subverter a ordem e de
utilizar os dispositivos da organização da fala-em-interação para modificar as “estruturas”.
De um modo geral, então, pode-se afirmar que as maneiras de se participar em aula
nessa turma são realizações práticas do projeto potico-pedagógico da escola, já que é
possível se ver a participação efetiva como protagonismo na organização geral das aulas e das
atividades ali realizadas. Mas como isso se dá em termos das práticas conversacionais? No
Capítulo 1, quando se discutiu a fala-em-interação de sala de aula, foi dito que o
79
gerenciamento das formas de participação em sala de aula é feito tradicionalmente pelo
professor, também pelo fato de ser ele o responsável pela organização geral da aula. A
participação na fala-em-interação também pode ser vista a partir da tomada do turno de fala e
da obtenção do piso conversacional, assim como em elementos não-verbais que se dão no uso
da linguagem. Além disso, pode-se caracterizar a fala que ocorre em sala de aula como uma
fala plural, devido à presença de diferentes eventos que ali ocorrem. Tradicionalmente,
porém, se caracterizou a fala de sala de aula com a presença ou não de seqüências
conversacionais IRA como uma organização recorrente de se reproduzir conhecimento, assim
como de se disciplinar e gerenciar a voz do aluno.
Para demonstrar, então, como as estruturas de participação encontradas na fala-em-
interação de sala de aula da turma escolhida se dão no plano das práticas conversacionais e
como elas estão intrinsecamente relacionadas com a proposta inclusiva da escola, utilizo dois
segmentos transcritos de fala-em-interação. O primeiro, chamei de “Reciclonário” e, o
segundo, de “Sacas”, palavras-chaves dos dois momentos interacionais. Os excertos serão
analisados separadamente nas subseções a seguir.
3.1.2 “Reciclonário”: construção conjunta e gerenciamento da participação
No primeiro excerto que será analisado, Lívia constrói conjuntamente com a turma a
resposta de uma questão, tendo um trabalho adicional e custoso. Tais ações são muito
diferentes do poderia ser esperado se ela utilizasse uma seqüência IRA, com resolução rápida
e tradicional e possível correção de respostas erradas e premiação de certas. Nessa ocasião,
vê-se claramente que o propósito do que está sendo feito ali é a construção conjunta de
conhecimento, que é realizada a partir da participação dos alunos como autores e
protagonistas, com a organização das falas dos alunos e o gerenciamento da atenção conjunta
realizadas por Lívia.
Antes de apresentar o segmento transcrito, apresento o momento em que ele acontece,
assim como o andamento da aula. Como foi dito, na primeira aula, os alunos trabalharam
em grupos com um material da Prefeitura Municipal sobre reciclagem de lixo. Logo no icio
da aula, eles estavam sentados em um semicírculo, e Lívia fez a separação dos alunos em
grupos para a atividade com os livros. A separação dos grupos se deu através da numeração
dos alunos de um a cinco. Depois todos que receberam o número um se uniram e formaram
um grupo, os que receberam o número dois formaram outro e assim por diante. Os grupos
80
ficaram com aproximadamente quatro alunos, alguns com mais, outros com menos,
espalhados pela sala.
Após esse período de organização dos grupos, Lívia pediu silêncio para a explicação
da atividade do dia. Nesse momento, ela se dirigiu a toda a turma, fazendo com que todos
compartilhassem do mesmo foco de atenção. Ela estabeleceu um piso conversacional mais
restrito, com uma estrutura de participação em que ela se dirigia a todo o grupo, solicitando
explicitamente que falassem um de cada vez (se todos falarem ao mesmo tempo, euo
entendo nada”, disse ela). A instrução da tarefa era que cada grupo receberia questões
específicas sobre o material da Prefeitura para serem respondidas pelos integrantes. Lívia
copiou as questões no quadro, explicitando quais eram para cada grupo. A configuração dos
grupos na sala era a seguinte:
Figura 1: configuração dos grupos em sala de aula na primeira aula
Lívia Pesquisadores
Quadro
________________________________
Após a instrução da atividade do dia e das tarefas de cada grupo feita por Lívia, os
alunos passaram a trabalhar nos grupos.via transitou pela sala, observando o trabalho e foi
chamada várias vezes pelos alunos, que disputavam sua atenção. Os alunos circulavam na sala
e conversavam entre os grupos também, tomando o turno de fala e se engajando em vários
pisos conversacionais. Eles se sentiam à vontade para chamar a professora e tirar dúvidas
Wilson Laura
Júlia Isabel
Gisele
N
mia Daniel
Isabela Larissa
Téo
Cristian Diego
Breno Eduardo João
Daniele Mariana
Michael Leandro
Adriana Paulo
Paula Paloma
Mesa da Professora
Porta
da
sala
81
assim como para conversarem entre si nos grupos. Quase meia hora depois do início da
atividade, um dos alunos do grupo no fundo da sala à direita chamou Lívia em função de uma
dúvida. Lívia considerou importante para todos na execução da tarefa e pediu a atenção dos
demais para a questão. Ela parou ao lado de Breno e, então, chamou a atenção da turma
novamente, alinhando os alunos no mesmo foco de atenção, como vemos no segmento a
seguir.
Segmento I: Reciclonário” (Fita 01 – 13/08/2003 – 00:27:11)
01 Lívia: ã:: me diz uma coisa
02 (0,5)
03 Lívia: se tem palavras aí que eu não consigo não
04 consigo não consigo saber o que que
05 sign[ifica]
06 Breno: [vamo]s lá no últ[imo].
07 Lívia: [sh]:::
08 (1,2) ((Lívia olha de um lado a outro da sala))
09 Lívia: o quê que tem lá no último,
10 (0,6)
11 ((pega o livro de Breno e mostra para todos))
12 Lívia: tem duas out- duas coisas (.) tem um grupo que
13 já descobriu que lá no último tem o quê:,
14 (1,3) ((olha de um lado a outro da sala))
15 ?: u::
16 (0,3)
17 ?: tem um [°lugar para° (° °)]
18 ?: [cois]a de médico.
19 (.)
20 Lívia: co(h)isa de [m(h)edico ((risos))
21 Breno: [ã há hã hã hã [hh].
22 Lívia: [o quê que é isso que tem
23 aqui no último então vocês que descobriram digam
24 diga[m],
25 Diego: [é]:: não sei o quê.
26 (0,4)
27 Júlia: é lixã:o que apossa no hh[hhh] ((risos))
28 Lívia: [tá] ninguém sabe
29 o que que é isso que tem lá no último,
30 ?: nã::[:o]
31 ?: [l]i[xã]:o
32 Breno: [t]ão falando como é
33 Daniele: r[eci]cloná:rio
34 Wilson: [sora]
35 Wilson: sora
36 (0,7)
37 Daniele: [[Ah:: no último negócio]
38 Wilson: [[no último é uma é uma é uma é] uma
39 é uma uma uma ca:sa tentando derrubar
40 [o lixo] onde perdeu o=
41 Daniele: [recicloná:rio]
42 Wilson: =[(° °)]
43 Lívia: =[como é que é
], ((olhando para Daniele))
44 (.)
82
45 Lívia: só: um pouquinho olha a Daniele disse re,
46 ?: <cicloná:rio>
47 Lívia: o que que é isso reci[clonário],
48 Wilson: [recicla]n[do]
49 Daniele: [<é] uma coisa
50 que a gente faz para reciclar o lixo>.
51 Lívia: é:: será: e quando a gente não sabe o quê que
52 significa uma palavra, Teo senta- depois.
53 Téo: ( )
54 Lívia: Téo
55 ?: [[( )
56 ?: [[( )
57 ?: [[( )
58 Laura: [[( ) olha no dicioná:r[io]
59 Lívia: [AH]::: e quando
60 essa palavra tem a ver com reciclagem onde
61 é que eu procuro,
62 (0,3)
63 Diego: no:: dicioná:rio,
64 Lívia: no::,
65 Laura: material.
66 (1,3)
67 ?: dicio[nário
68 Paula: [no dicionário sora.
69 Lívia: no::,
70 ?: dicioná[rio]
71 Lívia: [no] dicionário.
72 (0,7)
73 Diego: dicionário.
74 (.)
75 Lívia: e o que seria um reciclonário- AI TEM MUITA=
76 CONVERSA e aí é bra:bo. ((olha para Paula))
77 (3,0)
78 Lívia: u- reciclonário e dicionário não tem nenhuma
79 semelhança uma palavra com a ou[tra],
80 Daniele: [te]m
81 Breno: te::::[:m]
82 Lívia: [qua]l é a semelhança entre es[sas °palavras°],
83 Breno: [não] s[e:]i
84 Daniele: [re]
85 ci clo
86 Lívia: então como é que tu diz [que tem], ((para Breno))
87 Breno: [p]orque tá escrito aqui
88 ((ele bate na mesa continuamente))
89 Breno: é que nem- quase que
90 (1,4)
91 Daniel: >o que tá escrito nesse livro tá escrito atrás
92 também.<
93 (1,2)
94 Lívia: a::::::
95 (1,1)
96 Diego: é claro né.
97 Lívia: a:::: não me diga ((para Daniel))
98 (0,3)
99 Lívia:
100 (0,4)
101 Lívia: tudo o que está escrito aqui está escrito aí tem
102 certeza, ((para Daniel))
103 (1,6)
104 ?: não sora.
105 Lívia: °ah°
83
106 (1,9)
107 Lívia: hein gente,
108 (2,5)
109 ((Lívia olha de um lado a outro da sala))
110 Daniele: sora:
111 (4,3)
112 João: sobre o lixo orgânico [(° °)]
113 Daniele: [o sora] ( )
114 (0,3)
115 Lívia: por acaso um desse ó- psiu- é sério isso e
116 importante já que vocês não conseguiram ver.
117 (0,9)
118 Breno: reciclinage[m]
119 Laura: [o] >que que é isso<,
120 (1,0)
121 Lívia: Laura,
122 (0,8)
123 Lívia: [[quer prestar atenção
124 Daniele: [[Ah:: (° °)
125 ?: [[( )
126 (.)
127 Lívia: quem sabe tu lê o que ta escrito a[qui]
128 ((olhando para Daniele))
129 Breno: [clon]e
130 siliclone.
131 (0,5)
132 Lívia: lê o que tá escrito reciclon[ário] ((para Daniele))
133 Daniele: [re]ciclonário é
134 [um °pequeno°]
135 ?: [[( )
136 ?: [[( )
137 Lívia: óh pa- só um pouquinho Daniele sh::
138 (0,4)
139 Lívia: a Daniele está lendo e eu não tô conseguindo
140 ouvir. ((olhando de um lado a outro da turma))
141 (2,4)
142 Lívia: quem sabe tu acompanha a leitura para saber
143 o que é [isso] ((leva o livro para Breno))
144 Breno: [obriga
d]o professora
145 Lívia: Breno não precisa gritar [desse jeito]
146 Breno: [sora mas eu] já li
147 isso sora
148 (0,8)
149 Lívia: então presta atenção que ela vai ler pra ti
150 (0,6)
151 Breno: mas não [precisa]
152 Lívia: [di]z Daniele.
153 (0,5)
154 Daniele: reciclonário é um pe
queno dicionário que reúne
155 palavras
relacionadas a um re- <re sú duos>
156 gerados pela população.
157 (0,9)
158 Lívia: quê que é então um reciclonár[io],
159 Diego: [um] dicioná:rio.
160 Lívia: é u:m,
161 ?: dicioná[rio]
162 ?: dicioná[rio]
163 Lívia: [dic]ionário pequeno dicionário
164 (.)
165 Lívia: então se eu tenho mui
ta dificuldade eu não tô
166 entenden
do uma palavra que tá lá dentro desse
84
167 texto (.) onde é que eu procuro,
168 ((Lívia pega o livro de Breno novamente))
169 Diego: [[no dicioná:[rio]
170 ?: [[no dicioná:[rio]
171 Lívia: [n]o
re-
172 ?: reciclo[°ná:rio°]
173 Breno: [NÁRIO]
174 (0,2)
175 Lívia: se
por um acas- não precisa gritar Breno
176 Breno: ah sora é que
177 Lívia: não precisa gritar °Breno°
178 (.)
179 Breno: (° °)
180 (.)
181 Lívia: se
por um acaso pessoal
182 (0,9)
183 Lívia: se por um acaso a palavra que eu tô achando
184 muito muito muito mu:ito difícil não tá aqui
185 no reciclonário onde é que eu procuro,
186 (0,4)
187 ?: [[dicionári[o].
188 Eduardo: [[dicionári[o].
189 Lívia: [n]um dicionário normal [°vai ali=
190 Breno: [dionário]
191 Lívia: =e pega ali°]
192 ((ela aponta para o armário)) pega ali°]
O segmento transcrito dura o total de três minutos e cinqüenta segundos. São quase
quatro minutos de um trabalho conjunto entre os interagentes para se chegar à resposta de
uma questão que Lívia e um dos grupos já sabem. No entanto, Lívia constrói conjuntamente
com todos os alunos a resposta esperada, tendo um trabalho adicional e custoso. Comofoi
explicado na introdução desta seção, a resolução utilizada por Lívia é muito diferente em
termos de ação do que poderia ser esperado se utilizasse uma seqüência IRA, que
possibilitaria uma resolução rápida da questão central, e ainda, a possibilidade inclusive de
correção de respostas erradas, assim como a premiação das certas.
A decisão de Lívia em estabelecer um piso único, com direitos de participação mais
restritos e a tentativa de que todos fiquem no mesmo foco de atenção tem a ver mais uma vez
com um momento mais instrucional da atividade. Nesse caso, porém, o tópico partiu da
dúvida de um aluno. Para interagir com toda a turma em um único piso, Lívia tem que
manejar a atenção de todos os grupos. É possível ver no início do segmento como ela tem
que lidar com vários interagentes e organizar essa atenção conjunta, como aparece na linha 7,
em que ela pede silêncio e olha de um canto a outro da sala, se dirigindo a todos os alunos.
Além de fazer com que todos fiquem no mesmo foco de atenção e se engajem na
atividade conjunta, Lívia gerencia a participação dos alunos por meio das perguntas que faz.
A pergunta inicial (se tem palavras aí que eu não consigo não consigo saber o
85
quê que significa) e é respondida por Breno na linha 6 (vamos lá no último). A
resposta dele é imediatamente utilizada por Lívia em uma nova pergunta (o quê que tem lá
no último
). Lívia refaz a pergunta duas vezes (linhas 12-13, 22-24), e as pausas posteriores a
seus turnos indicam que ela dá tempo para que os alunos possam tomar o turno e responder a
questão. Os alunos têm de fato várias oportunidades para tomar o turno e se engajar na
atividade conjunta. Várias respostas surgem, mas nenhuma é a esperada por ela, pois ela
continua perguntando. Depois de várias tentativas, Lívia sinaliza nas linhas 43, 45 e 46 que
Daniele já tinha respondido a questão. De (nh)1.a(r)-25.7n, vemos que Daniele já est17.9(av)17.9(17.9(a )-20(s)7.1(e)1.7( au(r)-25.7n)-2.1(-)]TJT*-0.001 Tc0.091 Tw[(s)8.2(e)-17.2(l)16.8(e)2.8(c)-17.2(i)36.87n)-41(n)19(a)-17.2(n)19(do)-21( e r)-8(e)2.8(s)8.2(p)-1(o)-21(n)19(de)-17.2(n)19(d)-1(o)-21( à que)-17.2(s)8.2(t)-23.2(ão)-21( n)19(a)2.8( )-20(li)16.8(nha 3)-21(3)-1( e,)-11( depn)-41(i)36.87s, na linha 41. Novamente, Lívia
aproeita a fal17.93( de )-20(Da)-18.7(ni)15.3(e)-18.7(l)15.3(e e)-18.7( de)-18.7(v)17.5(n)-42.5(l)15.3ave o alua dsse para a turma em ua noa perguta,
como se vê na linha 47 (
o quê que é isso reciclonário,).
Depos de tonar expícitotem sore ol el17-18.7( es)6.7(t)-24.7(a)1.3(v)17.5(a)1.3( per)-9.5(g)-2.5(u)-22.5antando Lívia faz co
que os alunos possam che(ag /F1 .7(e(a).7(9.5(e o)-22(v)19.3527a5(e o)-5rv27a5(ni2a).7(9.58.9(n)1)-22(v)19c3527a5(e o)-5rc3527a5(o)-22.3de)-1837(l)153(a)1.5(.)-12.3( V2a).7(9.e)-18.5(l-22.175(s)6.9z3527a5(a)-18.5(se o)-2d2a).7(9.5-12.3( po)-22po)-222a).7(9.5r)-9.3(a)1.5(da p(g)-2.3.3527a5(e o)-5r2a).7(9.58.92a).7(9.uj)15.5(u)-22.3e)-18.5(4.7(a)1.3(,)7.58-1.74 TD58-10.001 7 )-éov sron co co o93(v)1rars-1 7 ê na .8( )-2s-1 7 rn .co .3527e, n .3527e5 Tw(19(d)-18í)16.8(via)-17.2( )]TJ0 -1.74 TD-0.0025lez d5arcdea 6.7( de t)-24.7gae Dzerpeaotr(d)-2.5(ope)-22.5ana5(t)-24.7(a)1.3(n)17.57(s)6.7(e)-18.7( TcT-22.5a,é18.7(3(n)17.57.5ai)15.8.7( .5ai)15.3(s)6.(g)-2.5(u)-22.5a d)-22.5ai9.e e on9.c0.0725 Tw[(Depo)-22.(u)-22.5eue a .7(a)1.3(,)7.51(-)]TJT**-0.0019(a)-35.7(o)l(ê)2..7(eedepn16.8(e)-3,)-11e n16(ê)2..7iêl elai-8n16(ê)2..7iê 3(depn16252,e22.5162537.254188.9,))2.592.(n)11162Avgun188.9,.8(e)-3,3(mê)2..7v5173(i)16.3(nha 47 ()]TJ/F1 1 Tf476.4nha3.7608 202.32 537.6803JT5-0.0023e slareavrai
86
finalmente respondem, fazendo as relações necessárias esperadas (um dicionário). Para
finalizar, Lívia amplia a pergunta nas linhas 165 a 167. Diego e um aluno não identificado
respondem apenas dicionário e então Lívia, na linha 171, sinaliza que a resposta não estava
correta (no re-), repetindo as iniciais da palavra desejada, que é respondida por outro aluno
na linha 172. Lívia ainda faz mais uma relação entre reciclonário e dicionário nas linhas 183 a
185, perguntando o que se faz quando uma palavra não está no reciclonário. Eduardo e outro
aluno se auto-selecionam e respondem a questão (dicionário). Lívia finaliza ampliando a
resposta (num dicionário normal) e indicando onde eles podem pegar um, se precisarem.
A construção conjunta de conhecimento que pode ser observada no segmento
transcrito acontece de forma custosa, diferentemente do que poderia ser feito por meio do uso
de seqüências de IRAs encadeadas. No entanto, aqui fica evidente a maior participação do
aluno como autor e protagonista. A professora poderia facilmente iniciar a discussão
perguntando o que é um reciclonário e simplesmente avaliar e corrigir as respostas dos alunos.
Embora Lívia utilize perguntas de respostas conhecidas por ela, o propósito com que ela as
utiliza é bem diferente de avaliar o aluno. Ela conduz os alunos com perguntas de apoio
(como nas linhas 51 e 52, 59 a 61, 75, 78 e 79), dá pistas (linhas 45, 64, 69, 169), relaciona as
respostas (linhas 09, 12), fazendo com que eles construam as relações necessárias, cheguem
na resposta e sejam eles os protagonistas de todo o processo.
A organização da atenção conjunta em um único foco deixa ainda esse trabalho
conjunto mais difícil. O uso de seqüências IRA também poderia expor os alunos e dar um
caráter de disciplinamento ao que estava sendo feito ali. Lívia, pom, em meio a inúmeros
pedidos de silêncio, ainda presta contas da necessidade de estarem tentando resolver juntos a
questão (linhas 113 e 114), em meio à resolução de problemas práticos relacionados com a
organização do foco de atenção único. O uso de repetições e de prestações de contas que
aparecem na seqüencialidade do segmento corroboram para se afirmar que o que está
acontecendo nesse momento tem como propósito a construção de conhecimento pelo aluno e
não uma simples avaliação de conteúdo ou de comportamento.
Em termos de estruturas de participação, é possível dizer que Lívia realiza o
gerenciamento da participação do aluno nesse momento da aula. Como a professora considera
uma questão relevante para o andamento do trabalho nos grupos, ela traz a questão para toda a
turma, organizando um único foco de atenção e estabelece, assim, um acesso mais restrito ao
piso conversacional. Lívia conduz a interação por meio de uma série de perguntas. Os alunos
se auto-selecionam para os turnos de fala e respondem na medida em que novas perguntas vão
sendo feitas. É interessante notar que em nenhum momento Lívia seleciona um aluno
87
específico para falar, a não ser, é claro, quando solicita que Daniele leia o significado de
reciclonário, mas, nesse caso, Daniele já tinha se auto-selecionado para responder. Também é
possível notar que não em nenhum momento de correção explícita da fala do aluno. As
respostas não desejadas são ignoradas por Lívia, que apenas repete as perguntas (ou as
reformula e expande, como nos casos das linhas 09, 47, 51 e 52) até que surja a resposta
esperada. Também, como se vê nas linhas 14 e 107, Lívia olha de um lado a outro da sala,
selecionando todos os alunos como interlocutores e ratificando a participação de todos os
alunos como letima, ou seja, as questões que eso sendo feitas podem ser respondidas por
qualquer um deles. Isso também reforça o caráter conjunto e coletivo da atividade. Todos os
alunos podem participar e se engajar para chegar à resposta da questão.
Ainda se pode apontar que o pico em pauta, o reciclonário, e a sua utilidade são de
grande importância para uma melhor realização da atividade da aula, o trabalho com o livro
sobre reciclagem de lixo. O que é feito localmente por meio de práticas conversacionais para
se chegar ao entendimento necessário ao trabalho está ligado com o desenrolar da atividade
maior, e ainda, da temática mais ampla dos trabalhados daquele ano. Assim, vemos que a
construção conjunta de o que é o reciclonário se faz necessária para o plano curricular ainda
maior. Pode-se dizer, assim, que as práticas conversacionais aqui descritas, como o uso de
perguntas, repetições e explicações pela professora, estão servindo para o propósito de
construir conhecimento por meio da participação do aluno como protagonista dessa
construção. Isso pode ser considerado como algo bem diferente de uma sala de aula
tradicional, conforme aponta Garcez (2006), em que as preocupações centrais seriam a
reprodução (e não a construção) de conhecimento e o disciplinamento.
3.1.3 “Sacas”: correção e perguntas de prova invertendo a ordem do tradicional
O segundo segmento analisado também pode ser considerado muito diferente do que
acontece em termos de correção em uma sala de aula tradicional. O excerto trata da correção
feita por uma aluna na escrita da professora e do questionamento que outro aluno faz acerca
do tipo de perguntas que aparecem em provas. Tais fatos aconteceram em meio à terceira aula
observada, que pode ser considerada a mais rica em participação dos alunos, tanto na tomada
dos turnos de fala como na sustentação de pisos conversacionais. Metade da turma saiu para a
atividade do pré-conselho de classe, que foi realizado em outra sala, e os alunos que ficaram
ou estavam terminando trabalhos pendentes, ou faziam as tarefas que a professora colocou no
88
quadro, que se tratavam de problemas mateticos. Os alunos estavam sentados em
semicírculo e a professora passou a maior parte do tempo em sua mesa. Os alunos
conversaram entre eles, circularam na sala. Alguns estudantes foram até a mesa de Lívia pedir
ajuda na resolução das questões.
Os alunos levantaram tópicos de todos os tipos, falaram sobre aniversários, comidas,
assaltos, contaram histórias, chamando a professora algumas vezes como interlocutora oficial
e disputando sua atenção. Esses momentos foram intercalados por momentos em que eles
estavam conversando entre si ou em silêncio, fazendo as atividades propostas. O momento em
que se teve um piso conversacional mais restrito foi novamente o início da aula, quando a
professora explicou as atividades do dia. Em outros momentos, ela pediu silêncio e gerenciou
os turnos de fala dos alunos, mas, na maioria dos tópicos trazidos pelos alunos,via ratificou
a participação com perguntas ou comentários sobre os diferentes tópicos e participou de
vários pisos conversacionais.
Na segunda metade da aula vários alunos começaram a perguntar sobre uma palavra
que não tinham entendido, que aparecia em um dos problemas de matemática. Era usina, que
um dos alunos chegou a chamar de buzina. Lívia leu com eles as questões, explicando o
significado da palavra e qual o seu contexto de emprego. Então, Elias e Wilson começam a
conversar com Lívia sobre o que se fazia em usinas. Nesse momento, a configuração dos
participantes na sala de aula era a seguinte:
Figura 2: configuração dos grupos na sala na segunda metade da terceira aula
________________________________
Lívia Quadro
Pesquisadores
Porta
da
sala
Mesa da Professora
Diego
Mariana
Laura
Breno
Paula Eduardo Téo
Noêmia
Júlia
Larissa
mera
89
O segmento a seguir mostra um momento que pode ser considerado incomum em sala
de aula. Durante a conversa de Lívia com Eduardo e Wilson, Laura toma o turno para dizer
que corrigiu a professora, pois ela considerou que Lívia tinha escrito uma palavra de forma
incorreta no quadro. No entanto, a palavra estava certa. Téo entra na conversa e se alinha com
Laura e, assim, continua com o tópico até sugerir que a palavra que gerou a conversa se torne
questão de prova.
Segmento II: Sacas” (Fita 03 – 02/09/2003 – 01:19:35)
01 Eduardo: daí tem usina de fabricar ro:upa
02 (0,5)
03 Laura: sora eu arrumei lá [porque-]
04 Lívia: [mas aí são fá]bricas não
05 são usinas.
06 Laura: sora eu arrumei lá porque a senhora botou (1,1)
07 se- sa- seis mil e: vinte sa
cas e eu botei
08 sacos.
09 Lívia: é. mas é sacas mesmo.
10 (1,2)
11 Téo: eu botei sacos.
12 (0,8)
13 Lívia: sacas.
14 (1,9)
15 Lívia: porque a gente chama sacas de café, sacas de
16 açúcar, sacas de feijão.
17 (1,4)
18 agora por que
°eu não sei°.
19 (2,5)
20 Téo: sacas de milho.
21 (1,2)
22 Lívia: é. por quê que é- são sacas de grãos e não
23 sacos de grãos eu n-
24 Téo: o sora (° °) não bota um exercício
25 (°na prova°)
26 (.)
27 Lívia: háhá eu posso botar assim o que é uma [saca
?]
28 Téo: [(° °)]
29 exercício nunca cai.
30 Téo: [( )]
31 ?: [( )]
Lívia estava conversando com Eduardo sobre uma dúvida que tinha surgido acerca da
diferença entre usinas e fábricas. Após o comentário de Eduardo na linha 01 sobre usinas de
fabricar roupas, na linha 03, Laura se auto-seleciona para iniciar um novo tópico com a
professora, mas é interrompida porvia, que continua a conversa com Eduardo, corrigindo o
aluno em relação ao emprego da palavra usina ou fábrica. Assim que Lívia termina seu turno
de fala, Laura volta a tomar o turno de fala. Na linha 06, ela afirma que arrumou a palavra
90
“sacas” que a professora escreveu, colocandosacos”. A professora, com calma, responde que
a palavra é “sacas” mesmo, mas que não sabe o por quê. Téo se alinha com Laura para dizer
que também tinha escrito sacos e leva opico adiante, chegando a interromper Lívia na linha
24 para sugerir que ela coloque essa questão em um exercício para a prova. Lívia ri e comenta
como seria a questão sobre saca. Téo entra em sobreposição com Lívia para falar do fato de
que esse tipo de exercício nunca aparece (ou “cai”) em prova. Tal seqüência demonstra a
liberdade que os alunos têm para tomar o turno de fala e engajar-se num piso conversacional
até mesmo para corrigir a professora, e no final ainda, desafiá-la quanto às exigências de
avaliação. Os alunos tomam o turno para tratar de um “conteúdo” formal e inverter a ordem
da sala de aula, corrigindo a professora. Eles utilizam dispositivos clássicos de sala de aula
para constrrem outra forma de participar, conforme apontado por Candela (1998). Além
disso, os estudantes são plenamente ratificados pela professora, como falantes e participantes
legítimos. Ou seja, há uma outra configuração do direito de participar, do direito à fala e uma
alteração no alinhamento dos participantes, que pode ser entendida como uma realização
prática do projeto político-pedagógico da escola.
No final do excerto, Téo comenta que Lívia poderia colocar uma questão sobre esse
assunto na prova (linhas 24 e 25). A professora ri e brinca com o assunto, dizendo que a prova
poderia ter uma pergunta específica sobre o que seria uma saca (linha 27), justamente uma
coisa que ela não soube responder aos alunos. Nas linhas 28 e 29, Téo ainda faz um
comentário sobre a sua sugestão, ressaltando que tipo de pergunta cai em prova, ou melhor,
que nunca cai em prova. É interessante notar que o tópico “o que cai ou não em prova” ou “o
tipo de pergunta de prova” surge imediatamente depois de uma aluna ter corrigido a
professora, Lívia ter discordado da correção e ter admitido que na realidade não sabia explicar
por que tinha razão. Ela admite não saber realmente o motivo pelo qual a palavra empregada é
correta, ou seja, ela presta contas à aluna de sua ação e ao mesmo tempo admite sua
vulnerabilidade, por reconhecer que há coisas que não sabe. O segmento mostra assim como
as práticas locais podem transformar o que historicamente se coloca como papel do professor
e de aluno. A maneira com que Lívia lida com o fato de ser corrigida e com a possibilidade de
não saber a resposta de uma questão também é muito incomum, pois mostra quevia e os
estudantes constrram conjuntamente um espaço de participação plena, já que se sentem à
vontade de corrigir e de admitir o que não sabem, tranilamente.
Então, o que se pode dizer, a partir dos segmentos analisados, em termos de práticas
conversacionais sobre a participação por meio do uso da linguagem na fala-em-interação de
sala de aula? Nos excertos, fica evidente que os alunos tomam os turnos de fala e têm a
91
participação ratificada pela professora, como falantes e participantes legítimos da sala de aula.
Eles obm o direito à fala e têm garantida a audiência da professora. Por meio do
gerenciamento dos turnos de fala em momentos de piso conversacional mais restrito, Lívia
possibilita oportunidades da tomada dos turnos pelos alunos, assim como os encoraja a
reformular suas falas, permitindo também que toda a turma se alinhe no mesmo foco de
atenção para que todos possam se ouvir e serem ouvidos.
A partir dos segmentos analisados, também se pode afirmar que o tipo de perguntas
que a professora faz são como apoios para a construção conjunta de conhecimento. Ela utiliza
perguntas para guiar os estudantes e seguidamente responde queses com novas perguntas,
sem avaliar explicitamente. Tais perguntas são de resposta conhecida para ela, mas, no
entanto, nãoo de caráter puramente avaliador. Elas permitem, assim, uma maior abertura
para o que o aluno traz, embora sirvam de apoio ao aluno e o conduzam na construção da
resposta. Mais uma vez, se vê que as estruturas de participação em si não são democráticas ou
excludentes, mas as ações que estão sendo realizadas na interação por meio das estruturas de
participação e como os participantes estão lidando com o que está sendo feito ali. Nas
seqüências analisadas, há participação e inclusão da fala do aluno e há também improvisação,
como chama Erickson (1982), pois os modos de se participar não estão presos ao caráter mais
ritualizado de sala de aula. Os participantes estão fazendo coisas o tempo todo, inclusive
utilizando os dispositivos que podem ser considerados mais “clássicos” de sala de aula para
subverter essa ordem, conforme afirma Candela (1998).
Na próxima seção, analiso a participação no evento do Conselho de Classe
Participativo. Inicio apresentando as turmas observadas e acompanhadas e a configuração do
conselho de classe em 2005 e 2006, ano da geração dos dados para esta pesquisa. Depois,
analiso como a participação é construída no pré-conselho de classe, durante as atividades que
os estudantes realizam com a orientadora escolar, e dizem o que estão aprendendo e o que não
estão. Na última parte, a análise é feita a partir de citações de notas de campo e vinhetas
narrativas para demonstrar como os participantes lidam com a relação entre participação e
aprendizagem.
3.2 Participação, Aprendizagem e Uso da Linguagem no Conselho de Classe
Esta seção tem como objetivo analisar as estruturas de participação dentro das
atividades que envolvem um evento espefico: o Conselho de Classe Participativo. Como
92
vimos no capítulo 2, a transformação do conselho de classe em um espaço de participação do
aluno está diretamente relacionada ao projeto político-pedagógico da escola, especialmente
em um dos eixos da proposta que diz que todos os alunos podem aprender.
A realização prática da proposta pedagógica da escola pesquisada demonstra o quanto
a participação do aluno faz com que ele seja protagonista do seu processo de aprendizagem.
Ou seja, o espo construído no pré-conselho, assim como no conselho em si, para que o
aluno tenha a palavra e possa dizer o que está aprendendo e o que não está aprendendo,
garante participação efetiva. Ele se sente à vontade para falar, discutir e manter um mesmo
pico, como protagonista da sua aprendizagem. O Conselho de Classe Participativo tem,
então, um papel fundamental em termos de criar espaços de participação ativa de estudantes e
de educadores nos processos de aprendizagem.
São utilizados para a análise dados microetnográficos, como excertos transcritos a
partir de registros audiovisuais, incluindo uma transcrição muldimodal, e dados etnogficos,
como citações de notas de campo e de observações de campo em forma de vinhetas
narrativas. Os dados que dão corpo à análise desta seção foram gerados a partir do trabalho de
campo realizado na escola em 2005, em que acompanhei a realização e gravei a realização de
um Conselho de Classe Participativo e, em 2006, em que apenas acompanhei por meio de
observação participante um dos conselhos. Como já foi detalhado no capítulo 2, em 2005 a
observação e o acompanhamento feito teve como alvo a turma que já tínhamos observado e
gravado em 2003.
Esta seção é dividida em três subseções. A primeira, faz a apresentação das turmas
acompanhadas em 2005 e em 2006 e da configuração do conselho de classe nesse período. A
segunda subseção trata do pré-conselho de classe e enfoca como a construção de participação
é realizada por meio de práticas inclusivas que dão voz ao aluno, gerando o protagonismo
deste em relação à aprendizagem, como, por exemplo, a construção conjunta de autoria. A
terceira e última subseção trata do conselho de classe propriamente dito e discute a relação
entre participação e aprendizagem.
3.2.1 Apresentação das Turmas e do Conselho de Classe
Como foi descrito no capítulo 2, voltei à escola pesquisada em 2005 para realizar um
trabalho de campo que incluísse uma gravação de um conselho de classe participativo. Fiz,
então, o acompanhamento de uma turma de junho a dezembro daquele ano. A turma escolhida
93
foi a B30, boa parte da qual (vinte alunos) era formada por estudantes que faziam parte da
B10 em 2003. O grupo contava no momento da minha nova geração de dados com trinta
alunos, quinze meninos e quinze meninas. Abaixo, apresento a relação dos alunos por ordem
alfabética.
Quadro 3: Estudantes da turma B30 em 2005
Adriana Gisele Mariana
Breno Isabel (Isabelzinha) Michael
Cássio* Isabela Noêmia
Catarina* Jaime* Paloma
Daiane* Joana* Paula
Daniel João Daniel*
Daniele Jonatan* Renata
Denis*lia o
Eduardo Larissa Tiago*
Guilherme* Leandro Wilson
* Alunos novos em 2005, que não estavam em 2003.
No trabalho de campo realizado, conforme narro no capítulo 2, acompanhei a turma
em diversas atividades e diversos espaços. Em sala de aula, observei aulas de Português e
Espanhol, com a professora Sílvia, e aulas de Educação Física, com o professor Jorge.
Também pude observar, em uma das tardes, as atividades que os estudantes realizaram no
Laborario de Informática, com a presença do monitor. Além disso, fiz observação do grupo
no pátio da escola e arredores, como os jogos de futebol e vôlei nos intervalos.
Como impressão geral, posso dizer que se tratava de uma turma bem heterogênea, com
vários grupos diferentes. Era visível uma distinção que faziam com relação à identidade de
gênero. Uma grande questão a esse respeito foi muito discutida naquele ano, porque as
meninas finalmente conseguiram que a única quadra de futebol da escola fosse liberada para
elas jogarem futebol no recreio, uma vez por semana. Naquele ano, esse dia era a sexta-feira.
A conquista das meninas da escola se deu muito em função de um grupo de meninas dessa
turma, liderado por Paula, que jogavam futebol durante os recreios ao lado da quadra. Devido
94
a solicitações constantes feitas à Direção da Escola e ao professor de Educação Física, elas
finalmente tiveram seu pedido atendido.
Também havia na turma várias disputas entre os grupos, assim como disputas internas
pela liderança dos mesmos. Duas meninas que eram novas na escola, Catarina e Daiane, eram
bastante excluídas pelo grupo de Paula. Presenciei em meu trabalho de campo inúmeros
momentos em que Paula e as colegas mais próximas caçoavam de Catarina, que era uma
menina acima do peso, bastante tímida, cuja única amiga era Daiane. O interessante é que em
vários momentos, a questão da exclusão e das diferenças foi topicalizada e discutida em aula.
Em minhas observações, pude presenciar tais discussões tanto na aula de Sílvia como na aula
de Jorge. A exclusão feita por esse grupo especificamente em relação a estas meninas também
acabou aparecendo como tópico no conselho de classe, na fala da diretora da escola, que
salientou que, devido à conquista das meninas da quadra de futebol, da qual sempre foram
excluídas, era difícil conceber que elas estariam excluindo também. O grupo de Paula não
respondeu à crítica da diretora.
Em relação aos meninos, havia grupos bem heterogêneos, que também incluíam ou
excluíam seus integrantes muito em função da participação dos mesmos nos jogos de futebol.
É interessante notar que, nas entrevistas que realizei, boa parte dos alunos citaram, como
histórias importantes que tinham acontecido com eles, eventos relacionados ao futebol.
Conforme já foi mencionado no catulo metodológico, as coisas das quais os alunos
entrevistados mais gostavam na escola eram justamente o que acontecia no pátio, tanto o
recreio como os jogos, o que faziam no laboratório de informática e as aulas de Educação
Física, ou seja, questões estas que também foram observadas em relação à dinâmica dos
grupos da turma.
As atividades do conselho de classe dessa turma, que acompanhei e gravei,
aconteceram em agosto e setembro de 2005. Era o segundo Conselho de Classe Participativo
do ano, que tratava do segundo trimestre de aulas. Foram três momentos distintos,
organizados em dias diferentes: o pré-conselho, em que a turma trabalhou apenas com a
orientadora, Ivete, durante dois períodos; o conselho de classe propriamente dito, em que a
95
No pré-conselho, realizado em agosto, Ivete trabalhou com a turma os chamados
recados” para os professores, com a elaboração de textos conjuntos. Depois, os estudantes
fizeram trabalhos em grupo e, por meio de cartazes que eles produziram, em que responderam
as seguintes questões relacionadas à aprendizagem: O que estão aprendendo? O que está
dicil em cada disciplina?. O que aconteceu nesse momento de pré-conselho será mais
detalhado e analisado na próxima subseção.
No conselho de classe, com a presença de todos os professores da turma, além da
equipe diretiva, os alunos realizaram a leitura do material relativo aos recados e os cartazes
dos grupos. Logo depois, a palavra foi passada aos professores para que eles pudessem
discutir as questões trazidas pelos alunos. Depois do debate, que foi gerenciado pela
orientadora escolar, os estudantes foram convidados a se retirar para que os professores e a
equipe diretiva trabalhassem nas avaliações. Alguns dias depois, antes da entrega das
avaliações para os pais, a orientadora organizou mais um momento com a turma, em que fez a
devolução” do foi discutido no conselho e as conseqüências da discussão nas avaliações.
Em 2006, fui convidada por Ivete para assistir a um dos conselhos de uma outra turma,
da qual eu conhecia apenas um aluno. Era uma nova B30. O objetivo da minha observação
agora não era mais uma olhar detido na turma, até porque não realizei observações de sala de
aula, nem gravações desse grupo, mas acompanhar algumas mudanças sofridas no conselho.
O convite de Ivete aconteceu em função de uma série de modificações que tinham sido
propostas por todo o grupo de educadores por causa de estudos e questionamentos acerca das
avaliações que estavam fazendo. O pré-conselho e o conselho propriamente dito aconteceram
em junho. As o conselho de classe, foi acrescentada uma atividade da qual os estudantes
foram convidados a participar. Os professores ficavam sentados em cantos diferentes da sala
com os materiais diversos produzidos pelos alunos e as avaliações. Os alunos que quisessem,
então, podiam conversar com cada um deles pessoalmente, e discutir com cada professor a
partir de seus trabalhos também como estavam em cada disciplina.
As atividades que acompanhei durante o ano de 2006 foram muito proveitosas.
Mesmo não tendo acompanhado a turma, o que pude observar mais fortemente foi o
engajamento do grupo de educadores e, principalmente, seu inconformismo em relação às
questões práticas de como melhorar a aprendizagem de todos os alunos. Várias questões
interessantes acerca da relação entre participação e aprendizagem vieram à tona nesse
conselho de classe. Elas serão pontuadas na última subseção deste capítulo.
96
Passo agora a examinar mais detidamente as atividades que compõem o pré-conselho
de classe, analisando diferentes práticas geradoras de participação e protagonismo durante a
realização desse momento institucional tão aprimorado e discutido na escola pesquisada.
3.2.2 O Pré-Conselho: a vez e a voz do aluno
O pré-conselho da B30 que acompanhei e filmei em 2005 aconteceu em junho. Como
já foi apontado, a atividade foi dividida em dois momentos. No primeiro, Ivete trabalhou com
a turma os chamados recados para os professores. Ela escreveu o nome de cada professor no
quadro e discutiu com o grupo o que estava legal e o que não estava com esse professor.
Depois de conversarem sobre cada professor, Ivete fez uma síntese no quadro do que foi dito
pela turma, confirmou com eles se todos concordavam com o que tinha escrito e solicitou
então que o aluno responsável por copiar os recados em uma folha finalmente o fizesse.
Na segunda metade da atividade, os alunos trabalharam em grupo fazendo cartazes
com respostas para as seguintes questões: O que estamos aprendendo? E o que está difícil?
Tais perguntas receberam como complemento o nome de cada disciplina que estavam
estudando, por exemplo, o que estamos aprendendo em Português?. Os grupos discutiram
enquanto Ivete circulou pela sala e parou em cada grupo, auxiliando os estudantes a
realizarem a atividade proposta. Os materiais produzidos pelos alunos, tanto a folha com os
recados, como os cartazes foram lidos pelos seus autores no conselho de classe propriamente
dito, no qual discutiram com os professores e com a equipe diretiva as respostas das questões
para cada disciplina e para cada professor.
Os estudantes tiveram várias oportunidades de escolha na produção dos materiais,
97
Figura 3: configuração da turma na sala durante a primeira parte do pré-conselho
________________________________
Quadro
Ivete
Pesquisadores
Inicialmente, o único trio era formado por Guilherme, Téo e Eduardo. Alguns minutos
depois do início, Wilson trocou de lugar e foi se sentar ao lado de Jonatan, formando outro
trio. Catarina também trocou de lugar depois de um tempo, sentando-se atrás de Daiane e
Daniele. Ivete circulou muito pela sala. No momento de recado para os professores, ela
permaneceu na maior parte do tempo, perto do quadro, esquematizando e compondo os textos
com as respostas dos alunos. Mas, em cada momento após as perguntas que fazia, caminhou
muito de um lado a outro da sala. O seu direcionamento de olhar também mostrou isso, pois
seguidamente, após as perguntas, ela se dirigiu a toda a turma, olhando de um canto a outro da
sala, ratificando todo o grupo como possíveis interlocutores. Tal direcionamento de olhar será
analisado a seguir em um segmento transcrito de fala-em-interação.
Analiso agora mais detidamente a organização que se estabeleceu na primeira parte do
pré-conselho: a elaboração dos recados para os professores. Apresento aspectos relevantes
dessa organização e como eles se dão, utilizando trechos de segmentos transcritos de fala-em-
Porta
da
sala
Mesa do Professor
mera
Cássio
Catarina
João
Michael Denis
Wilson Gisele Adriana
Paula
Jaime
Joana
Paloma
Daniel
Breno Jonatan
Mariana Noêmia
Téo Eduardo
Larissa Renata
Daiane Daniele
Guilherme
98
interação. Os segmentos completos encontram-se nos anexos (ver ANEXO VII). As seguintes
características foram observadas nos dados analisados acerca da organização da participação
durante esse momento:
a) As prestações de contas feitas por Ivete.
Durante toda a atividade, há explicações constantes de Ivete a respeito do que está
sendo feito a cada momento e do por que de se fazer, principalmente em relação a como as
atividades irão funcionar. As justificativas que Ivete faz se assemelham e podem ser
99
Nas linhas 01 a 06, Ivete retoma o modo como a turma organizou os recados no pré-
conselho anterior e anuncia como isso será feito naquele dia. Depois, na linha 09, alguém
pergunta se serão todos juntos, e Ivete explica que todos podem falar, e, na medida em que
isso vai acontecendo, ela fica responsável por escrever no quadro o que eles estão trazendo.
No mesmo turno, Ivete ainda fala em como vão combinar quem vai copiar os recados, e
pergunta quem quer fazê-lo. João se voluntaria, e Ivete entrega então a folha para ele
começar, já explicando também o que deve ser escrito inicialmente na folha.
Nesse segmento, então, se como, muito no início da atividade, Ivete explicita
para o grupo como ifuncionar o trabalho com os recados. Já aparece tamm a
possibilidade de escolha dos alunos em relação a como vão participar. É oferecida para todos
a oportunidade de copiar os recados, e João se oferecesse para fazê-lo. Assim, Ivete faz com
que os alunos se auto-selecionem e se voluntariem. Em nenhum momento ela chama um
aluno específico para falar ou encarrega alguém para uma tarefa específica. Isso permite que
eles escolham quando falar e como participar, com também será apontado no segmento a
seguir.
b) A possibilidade de escolha.
Como parte do contrato pedagógico que estabelecem com Ivete, os estudantes têm
inúmeras oportunidades e possibilidades de escolhas nas decisões que tomam. Além de
escolherem quem vai copiar os recados, como foi mostrado no segmento anterior, escolhem
por qual professor querem iniciar a discussão. Há uma abertura para a decisão e a participação
ativa dos alunos nesse processo desde o início da atividade. Tal abertura cria um espaço de
participação e de protagonismo, como vemos no segmento abaixo.
Segmento IV: “O que vocês preferem?”
(DVD 01 – 22/08/2005 – 00:03:30)
01 Ivete: gente eu preciso to
do mu:ndo (0,8) colabora:ndo (1,4)
02 para a gente poder pensa:r (0,4) em cada maté:ria (0,5)
03 o que é que a gente tem para fala::r depois o recado
04 para os professores,
05 (2,6)
06 Ivete: tá,
07 (0,5)
08 Ivete: nós podemos começar pelas maté:
rias ou pelo reca:do o
09 que vocês preferem,
10 (0,5)
11 João: pelo reca:
do ((levantando os braços para cima))
12 (0,2)
100
13 Ivete: pelo reca:do:, ((se dirigindo para a turma e olhando
14 para todos))
15 (0,3)
16 Ivete: todo mundo concorda com o João podemos começa:r,
17 (0,6)
18 Ivete: então vamos lá: ((pegando o giz e se voltando para o
19 quadro)) vamos começar com o nome da Sí:
lvia:,
20 (0,6)
21 ( ): [[si:m=
22 ( ): [[si:m=
23 ( ): =va
mos
24 ( ): SI:[:M
25 Ivete: [reca
dos:, ((escrevendo palavra “recados” no
26 quadro))
27 (0,5)
28 Ivete: João vai copi[a
ndo
29 ( ): [sora Rafae::
la
30 (1,0)
31 ( ): °(hoje )°
32 (1,5)=((Ivete termina de escrever e se vira para a
33 turma))
34 Ivete: ã, ((Ivete olhando para alguém no fundo da sala))
35 (0,5)
36 ( ): ( [ ] á,)
37 Ivete: [Rafae:la,]
38 (0,8)
39 ( ): ( )=
40 ( ): =°Sílvia°
41 ( ): °Sí[llvia°
42 ( ): [°Sílvia°
43 (0,8)((Ivete se volta para quadro e começa a escrever))
44 Ivete: Síl:lvia ((escrevendo no quadro))
No início do segmento, vemos Ivete fazendo uma espécie de convocação à
participação (
gente eu preciso todo mundo colaborando), enfatizando com isso o
caráter coletivo do que está sendo feito ali. Nas linhas 08 e 09, ela pergunta então se o grupo
quer comar pelas matérias ou pelos recados para os professores, dizendo ainda que será
como eles preferirem. João se auto-seleciona e responde que quer comar pelos recados, na
linha 11. Na linha 13, Ivete devolve para a turma o que João falou, perguntando se querem de
fato começar pelos recados. Nesse momento, ela olha de um lado a outro da sala, ratificando a
participação de todos os alunos como possíveis interlocutores e como responsáveis pelo que
está sendo decidido ali. Como ninguém responde, Ivete, na linha 16, reformula e expande a
pergunta (
todo mundo concorda com o João podemos começa:r,), dando assim mais
uma oportunidade para que o grupo possa concordar ou discordar, ou seja, escolher também
ou ratificar a escolha de João. Mais uma vez, ninguém mais se manifesta, e Ivete interpreta
isso como uma concordância com o que João sugeriu, seguindo adiante na linha 17. Na linha
18, Ivete pergunta se eles querem começar pelo nome da professora Sílvia, e, depois de uma
breve pausa (linha 20), quatro alunos respondem que sim (linhas 21 a 24). Ivete então começa
101
a escrever no quadro e pede para João, como combinado, começar a copiar. Enquanto está
escrevendo, alguém no fundo da sala diz “sora Rafaela” (linha 27), em sobreposição com o
que Ivete estava falando para João. Ivete imediatamente pára de escrever e se vira para a
102
Segmento V: “O que está legal e o que não está legal
(DVD 01 – 22/08/2005 – 00:04:56)
01 Ivete: vamos lá: então
02 (0,7)
03 Ivete: o quê
que a gente po:de- a gente tem que pensa:r assi:m
04 (0,5) as coisas que estão lega:is com a Síl:lvia as coisas
05 que nã
o estão lega:is (0,5) o que a gente pode dar de
06 recado para a Sílvia,
07 (3,1)
08 Ivete: vamos lá
09 (0,7)
10 Ivete: vocês vão dize:
ndo (0,3) ((João levanta braço)) as co:isas
11 e daí (0,4) eu escre:
vo vocês me dizem se é assim me:smo
12 daí depo:
is::, (2,5)=((barulho de classe sendo arrastada))
13 tu copi
a
14 (0,6) ((João com braço esticado; Michael joga objeto para
15 Daniel))
16 Ivete: vamos lá
17 (0,6) ((João ainda com braço direito esticado))
18 (João): °sora°
19 (1,1)
20 Ivete: fa:la pode falar
21 João: os ã::- s:- s:- tra::ba:lhos:- (0,6) ã:: os traba:lhos que
22 ela vem faze:ndo
23 (0,3)
24 Ivete: eu não entendi
(0,5) fala mais a:lto para eu te entender
25 (1,8) ((Ivete se aproxima da classe de João e pára com os
26 braços apoiados na primeira classe))
27 João: os traba:lhos que ela, (0,7) que ela tá faze:ndo sora
28 (1,0)°(ã:: mas eu acho que não são )°
29 Ivete: ó o Joã:o tá fala:
ndo que os traba:lhos que vocês estão
30 falan- faze:
ndo com a Sílvia estão lega:is:
31 (0,7)
32 ( ): (<depe[:nde:>)
33 ( ): [(nã::o)
34 ( ): (era )
Nas primeiras linhas, temos um momento mais instrucional da atividade em que Ivete
está combinando com os participantes como vai funcionar a atividade: primeiro, quais são as
questões que eles devem responder nesse momento (linhas 04 a 06); segundo, a retomada das
combinações que ela já tinha feito com eles, que, na medida em que eles vão falando, ela
escreve no quadro e só então é que o aluno responsável por copiar os recados na folha pode
comar a fazê-lo. Antes de Ivete terminar as instruções, João já está solicitando a palavra,
como vemos na linha 15. Nas linhas 21 e 23, Ivete ratifica a participação de João, que em
seguida diz o que está achando legal na aula de Sílvia.
A partir da linha 24, temos então o gerenciamento da participação dos alunos por
Ivete. Assim que João fala pela primeira vez, nas linhas 24 e 25, Ivete já solicita que ele o
103
faça em volume mais alto para que todos possam ouvi-lo. Como os recados para os
professores são transformados em um texto conjunto, de autoria de toda a turma, como é
afirmado várias vezes por Ivete durante a atividade (e será mostrado no próximo segmento), é
importante que todos concordem e entrem em um consenso sobre o que é dito. Vemos que,
assim que João consegue dar sua opinião sobre o que está legal na aula de Sílvia, Ivete
imediatamente volta-se para a turma, reformulando o que Jo disse para ver o que os outros
acham (ó o João está falando que os trabalhos que vocês estão falando-
fazendo com a Sílvia estão legais
), como se vê nas linhas 36 a 38. Nas linhas 39 e 40,
outros alunos falam, um dizendo que depende dos trabalhos, outro discordando, e um terceiro
com uma fala parcialmente inaudível para transcrição.
É interessante notar o direcionamento de olhar que Ivete faz durante esse momento.
Ela ratifica toda turma como participantes legítimos e interlocutores possíveis, sem explicitar
isso em palavras, mas olhando de um lado a outro da sala, conforme vemos nas figuras
abaixo. Para demonstrar essa ratificação da participação de toda a turma, utilizamos como
complemento da transcrição elementos multimodais, com imagens extraídas dos registros
audiovisuais gerados.
29 Ivete: ó o Joã:o tá fala:ndo que os traba:lhos que vocês estão
30 falan- faze:
ndo com a Sílvia estão lega:is:
Figura 4: Direcionamento de olhar para canto direito da sala
Fi
g
ura 5
Fi
g
ura 4
104
Figura 5: Direcionamento de olhar para o canto esquerdo da sala
Na linha 29, então, Ivete inicia seu turno de fala com uma espécie de chamamento da
turma para a participação (
ó), e devolve para a turma a opinião de João (o João está
falando que os trabalhos que vocês estão fazendo com a Sílvia estão legais
).
No início de seu turno de fala, ela coma a girar a cabeça, direcionando o olhar
primeiramente para o canto direito da sala, como se vê na figura 4, enquanto está dizendo a
palavra “falando” e, em seguida, volta o olhar para o outro canto da sala, como vemos na
figura 5. Dessa maneira, pode-se dizer que Ivete está incluindo todos os alunos como
possíveis interlocutores e ratificando a participação de todos com o olhar. Ela faz com que
todos possam opinar e rever a opinião de João.
O que se vê aqui é o gerenciamento da participação dos alunos por Ivete. Ela organiza
a atividade, coordena a discussão por meio das perguntas chaves da proposta, mas,
principalmente, constrói um espaço de participação garantido para o aluno, que toma a
palavra para opinar livremente sobre a aula de cada professor, ou, em outras palavras, o que
está legal e o que não está legal com cada um deles. Ao dar oportunidade para que todos
falem, ouvir cada aluno e devolver o que o aluno disse para a turma, Ivete faz com que todos
tenham a possibilidade de opinar e mesmo de rever suas opiniões, concordar ou discordar. É
um trabalho de autoria conjunta e de protagonismo do aluno no seu processo de
aprendizagem, como também fica evidente no segmento a seguir.
d) Construção conjunta de autoria.
Candela (2005) demonstrou que a participação efetiva dos estudantes em práticas
educacionais institucionais os torna co-autores de tais práticas, como foi discutido no Capítulo
1. Eles passam a se apropriar delas e transformar seus modos de aprender e participar,
tornando-se participantes legítimos do que acontece em sala de aula. No caso do que está
105
acontecendo aqui em termos de pré-conselho, além de terem se apropriado de práticas por
meio da participação efetiva como a tomada de decisões e o engajamento em opinar acerca do
que estão aprendendo e como estão aprendendo, os estudantes também são convidados por
Ivete a constrrem conjuntamente uma autoria coletiva da turma em relação ao que está
sendo dito. Tal construção conjunta de autoria pode ser vista no segmento abaixo.
Após ouvir a opinião de vários alunos sobre qual o recado que dariam para a
professora Rafaela, Ivete escreve um texto no quadro em que tenta organizar o que foi dito
por diversos estudantes. Quando termina de escrever, ela pede para que um dos alunos espere
antes de copiar, pois precisam ver juntos se é isso mesmo que querem dizer em nome da
turma.
Segmento VI: “Isso é da turma B30” (DVD 01 – 22/08/2005 – 00:14:10)
01 Ivete: vê se é isso não copia ainda Cá:ssio=((Ivete
02 terminando de escrever))
03 (0,7)
04 Cássio: não tô copia:
ndo
05 (1,1) ((Ivete se volta para a turma))
06 Ivete: VAMOS LÁ: gente Ó::: TODO MU:NDO AQUI:: ó isso é da
07 tu:
rma bê trinta
08 (0,3)
09 Ivete: vamos lá:
10 (0,4)
11 Ivete: ((lendo do quadro)) Rafae:
la nem to:dos go:stam da
12 a:
ula porque às vezes é difí:cil (1,3) tem ge:nte que
13 não ente:nde mesmo a professora explicando basta:nte
14 às vezes chegas °já braba° ((se vira para a turma)) é
15 i:
sso,
16 (0,8)
17 ( ): [[é:::
18 ( ): [[é:::
19 Gisele: [[exa:
tamente=((polegar erguido, bate punho na mesa))
20 ( ): exa:tamente i:sso
21 Ivete: é i:
sso:, ((olha de um lado a outro da sala))
22 (0,2)
23 Gisele: [[é::
:
24 ( ): [[é::
:
25 ( ): [[é::
:
26 (0,2)
27 Ivete: pode copia:r Cá:
ssio
Ivete começa a falar na linha 01 quando ainda está terminando de escrever no quadro o
texto no qual tentou organizar as várias opiniões ouvidas. Ela avisa para Cássio, que era
responsável por copiar os recados na folha durante esse momento, que, antes disso, era
preciso ver com os outros se o que tinha escrito era aprovado por toda a turma (vê se é
i
sso não copia ainda Cássio), já que os recados estão em nome de todos, contrariamente
106
do trabalho que fazem sobre as disciplinas, onde cada cartaz é assinado por um grupo de
quatro ou cinco alunos.
Na linha 05, Ivete se volta para a turma e chama a atenção de todos, deixando-os no
mesmo foco de atenção, para ressaltar que o que será escrito com recado é da B30, de todos
os alunos da turma (ó isso é da tu:rma bê trinta), como se vê nas linhas 06 e 07. Ivete
então lê o texto que fez com as respostas dos alunos (linhas 11 a 14) e ao final da leitura, se
vira para a turma e pergunta se era isso. Depois de uma pausa na linha 16, vemos que três
estudantes respondem em sobreposição dizendo que sim, seguidos de uma outra resposta
afirmativa ainda. Ivete ainda faz a pergunta mais uma vez, como se vê na linha 21, olhando
novamente de um lado a outro da sala, dando assim mais uma oportunidade para que todos
opinem, concordem ou discordem com o que foi colocado. Gisele e mais dois estudantes
respondem em sobreposição que sim, que era isso mesmo que Ivete escreveu, e só, então, na
linha 27, Ivete solicita a Cássio que comece a copiar.
Aqui, mais uma vez fica evidente a criação de espaços e oportunidades para que os
estudantes participem e se engajem no que está sendo feito, concordando ou discordando do
que foi dito. Mas com um fator a mais: a construção da autoria. Ivete reforça que é importante
que eles prestem a atenção, dêem suas opiniões e, ao final, confiram se o que foi organizado
por ela como texto oficial do recado para o professor é aprovado por todos, já que está em
nome da turma. Ivete enfatiza que é preciso ter a aprovação de todos quando se faz algo em
nome de um grupo. O que se desataca aqui também é o senso de coletivo e de construção
conjunta que estão presentes na forma como Ivete gerencia a participação dos alunos e como
estes se engajam nessa construção.
Mas a construção de espaços de participação, autoria e engajamento dos estudantes
nas práticas realizadas nessa atividade nem sempre é fácil. Como já foi apontado por Erickson
(2004), e discutido por Melo (2005), é preciso aprender a participar, com é evidenciado no
segmento a seguir.
e) A construção da participação e aprendizagem da participação.
Conforme foi discutido no Capítulo 1, a participação não é algo pronto ou dado, mas
algo aprendido. Para isso, é necessário ter espaços de participação garantidos e, mais ainda,
esforço dos participantes para que haja construção conjunta, por meio de ações conjuntas, de
influência tua, conforme afirmou Erickson (2004). Por meio da participação, fazemos parte
e somos parte de algo. E isso se dá por meio de ações concretas, com a ajuda dos outros, pois
é um trabalho de adaptação mútua e constante às ações dos demais.
107
Na fala-em-interação de sala de aula, um dos fatores que faz com que o trabalho
conjunto de participar possa ser constrdo é a construção de um espaço comum. Isso pode ser
feito por meio do gerenciamento dos turnos de fala feito por um dos participantes para que se
fale um de cada vez e que se esteja no mesmo foco de atenção dos demais, para que todos
possam se ouvir. Isso é construção conjunta de participação. E isso também é aprendizagem
porque não é algo pronto, mas construído em um trabalho conjunto que exige muito esforço
dos participantes.
A seqüência a seguir mostra um momento em que Ivete tenta gerenciar e organizar a
participação de todos para que possam estar no mesmo foco de atenção e construir juntos o
que está sendo feito ali. Para isso, todos têm que ouvir o que os outros eso dizendo e falar
um de cada vez. Nesse momento, o grupo estava tratando do que não estava legal na aula da
professora Rafaela. Há muito barulho e conversas paralelas. Ivete tenta então organizar a
participação de todos.
Segmento VII: “Tem que cada um poder falar” (DVD 01 – 22/08/2005 – 00:10:15)
01 Mariana: sora °(as [ )°
02 João: [sora ((erguendo braço))
03 Ivete: peraí só um pouqui:
nho um de cada ve:z
04 fa:
la ((para Mariana))
05 Mariana: °as expressõ:es nu[mé
ricas ( )°
06 ( ): [( )
07 (0,9)
08 Mariana: °( )°
09 (0,7)
10 Ivete: vocês ouvi
ram o que a Mariana tá dize:ndo,=((olhando
11 para toda a turma)) [que as] expressõ:
es numé:ricas=
12 ( ): [nã::o]
13 Ivete =são difí:
ceis
14 (Adriana): [[não sã:o na:
da]
15 (João): [[nã:::::::o] (não sã:o na::
da)]
16 ( ): [[nã:::::o ( )]
17 ( ): [[( )]
18 (0,3)
19 (Téo): [[(qual é o [ )]
20 ( ): [[( [ )]
21 Ivete: [ca:::
lma::: x::
22 (0,2)
23 ( ): ( [ )]
24 ( ): ( [ )]
25 Ivete: [GE:
nte: VOCÊS] SÃO UM MO::nte
26 Guilherme ( ) ((arrasta classe para frente e se agacha
27 para pegar algo do chão))
28 (0,9)
29 Ivete: vocês são um mo:
nte tem que cada u:m poder fala:r
30 fa
la João o que que tu ia dizer,
31 (0,3)
32 João: ô
sora eu a:cho que ela tá:: exigindo mu:ito de
108
33 (nó::s,)
34 (1,1)
35 Ivete: [[tá exigindo] mu:
ito de vo[cê:s:,
36 ( ): [[( sora)]
37 (Eduardo): [eu tam[bé::m] sora:: é
38 ( ): [é:::]
Mariana, na linha 01, toma o turno de fala para dar a sua opinião sobre o que não
estava legal com a professora Rafaela. No meio do seu turno, João toma o turno em
sobreposição, chamando Ivete e erguendo o braço. Ivete então pede que aguarde e explica que
deve ser um de cada vez (peraí só um pouqui:nho um de cada ve:z), ratificando
Mariana como quem estava na vez de falar. Mariana fala algo sobre expressões numéricas na
linha 05, e como se vê na linha 06, antes de terminar, outro aluno entra em sobreposição na
sua fala. Ela então, após uma pausa, volta a dizer algo, mas que é inaudível para se
transcrever. Ivete então chama a atenção da turma (vocês ouviram o que a Mariana tá
dize:
ndo,), se dirigindo novamente a toda a turma também por meio do direcionamento do
olhar. Quando começa a reproduzir a fala de Mariana, um dos estudantes entra em
sobreposição na fala de Ivete para responder que não tinha ouvido Mariana. Logo após Ivete
anunciar o que Mariana considerou que estava difícil na aula de Rafaela (as expressõ:es
numé:
ricas são difí:ceis), três alunos tomam o turno em sobreposão para refutar a
opinião de Mariana (linhas 14 a 16). Outro ainda em sobreposição diz algo inaudível para a
transcrição (linha 17). Há vários alunos falando em sobreposição, e Ivete, na linha 21, pede
calma a todos e silêncio. Como ela não é atendida, na linha 25, Ivete chama a atenção da
turma dizendo queo muitos falando ao mesmo tempo (GE:nte: VOCÊS SÃO UM MO::nte),
e na linha 29, amplia o que disse, explicando que, além de serem vários, tem que haver espaço
para que todos possam falar (tem que cada u:m poder fala:r). Em seguida, Ivete passa a
palavra para João. Segundo ele, o que acontece é que Rafaela estava exigindo muito da turma.
João recebe, em seguida, o apoio de Eduardo, que se alinha com ele, concordando com que
João disse.
Nesse segmento, é possível observar que não basta apenas criar espaços de
participação se isso não for gerenciado em um trabalho conjunto de fala e escuta. Para realizar
uma ação conjunta e ser parte de algo, os participantes precisam se ajustar aos movimentos e
ações dos demais. Em um cenário de múltiplos participantes como a sala de aula, para se
construir algo conjuntamente é preciso estar no mesmo foco de atenção dos demais. Aqui, se
vê que Ivete precisa estabelecer com o grupo um piso conversacional mais restrito, com
109
estruturas de participação mais rígidas em relação à tomada do turno de fala, para que eles
possam falar e ser ouvidos por todos. Quando isso não acontece e alguém não é ouvido, como
no caso de Mariana, Ivete reformula a fala da aluna e devolve para o grupo, fazendo com que
os outros possam opinar a respeito.
Há também, sem dúvida, um aprendizado de participação sendo realizado aqui. Ao
enfatizar que o grupo é formado por muitos alunos (GE:nte: VOCÊS SÃO UM MO::nte), que
muitos estão falando ao mesmo tempo, e que todos tem que poder falar, Ivete está afirmando
110
mostrando que eles costumavam trabalhar dessa forma. Ivete colocou as questões no quadro
sobre o que estavam aprendendo e o que não estavam em cada disciplina. Cada grupo recebeu
um cartaz, folha, réguas e canetinhas. Durante as instruções para a atividade em grupo,
também houve uma tentativa de piso único, mas, como havia múltiplos pisos conversacionais
acontecendo ao mesmo tempo, Ivete acabou instruindo cada grupo individualmente.
Os segmentos analisados de fala-em-interação do pré-conselho demonstram como a
participação a aluno é organizada pela orientadora escolar durante esse evento, fazendo com
que todos tenham a palavra. Ela ouve o que o aluno diz, reformula e faz com que a palavra
retorne para a turma, dando oportunidades para que todos os alunos falem, opinem e discutam
seus aprendizados. Nota-se que, além de o aluno tomar o turno de fala, ele sente-se à vontade
para trazer tópicos e manter o piso conversacional.
Além da organização interacional da maneira de se participar que é constrda aqui,
observa-se que os tópicos tratados pelos participantes retomam a discussão da participação
efetiva – o fazer parte de algo – assim como a preocupação com que todos possam aprender,
da proposta pedagógica da escola. A partir do momento que se sabe o que está difícil e o que
não está legal, há oportunidade para que alunos e professores descubram diferentes
possibilidades de trabalhar os saberes de forma com que todos realmente possam aprender.
Com isso, procurei demonstrar com se dá a construção da participação no pré-
conselho, em que impera a voz do aluno, já que é o momento em que ele é quem diz o que
está legal e o que não está, e o que está aprendendo e como. Na subseção seguinte, demonstro
como professores e alunos lidam com isso no conselho de classe propriamente dito e como a
construção de participação que é feita nesse evento está relacionada com a construção de
conhecimento.
3.2.3 O Conselho de Classe Propriamente Dito: oportunidades para todos, participação e
aprendizagem
Nesta subseção, serão ressaltados dois aspectos em relação ao conselho de classe
propriamente dito. O primeiro diz respeito às oportunidades de participação para professores,
alunos e equipe discutirem o que estão fazendo em sala de aula, o que é realizado a partir do
gerenciamento da relação professor/aluno feito por Ivete. Tal maneira de lidar com a
participação dos diferentes interlocutores durante o conselho é fundamental para que este
111
formato de conselho de classe funcione. O segundo ponto é a relação entre participação e
aprendizagem, tratados pelos participantes praticamente como sinônimos.
A partir da análise do conselho acompanhado e filmado em 2005 e do conselho
observado em 2006, utilizo duas vinhetas narrativas e uma citação de notas de campo para
abordar os pontos acima destacados.
a) Oportunidades de participação para todos e a relação professor/aluno.
Assim como no pré-conselho, em que a palavra é dada ao aluno para que diga o que
está aprendendo em cada disciplina e o que está legal ou não com cada professor, no espaço
do conselho propriamente dito, alunos, professores e equipe diretiva têm a participação
assegurada pelas oportunidades de terem a palavra. Trata-se de um momento muito delicado
em termos de participação, já que, muitas vezes, o que o aluno traz do pré-conselho pode ser
entendido como uma avaliação do professor em sala de aula. As questões de aprendizagem
aqui tratadas estão diretamente ligadas a como professores e alunos estão lidando com o que
ensinam e aprendem conjuntamente.
Em ambos conselhos acompanhados por mim, esse segundo dia de atividade teve a
seguinte estrutura: em um primeiro momento, foi realizada a leitura do material elaborado
pelos grupos de alunos, tanto dos recados para os professores, como dos textos nos cartazes
sobre cada disciplina. Ivete convidou os alunos que quisessem ler para se voluntariarem e
chamou aqueles que se ofereceram para fazê-lo. Ela os ajudou na leitura e nas explicações
sobre o que escreveram, muitas vezes ampliando o que estava escrito no cartaz com fatos
comentados pelos alunos no dia do pré-conselho. Após a leitura, Ivete perguntou se algum
estudante ainda queria falar mais alguma coisa ou tinha algo a acrescentar ao que foi lido.
Depois, cada professor comentou o que achou dos recados e do que os alunos falaram sobre a
aprendizagem. A equipe diretiva também teve a palavra logo em seguida. A atividade se
encerrou quando trataram das avaliações. Apenas no conselho que observei em 2006 um outro
momento foi acrescido ao final do conselho, em que os alunos conversaram diretamente com
cada professor sobre suas avaliações.
Tanto na leitura dos recados para os professores, assim como do material elaborado
nos cartazes, surgiram momentos delicados interacionalmente, em que os participantes
tiveram que lidar com o que foi dito sobre eles em sala de aula, tanto no caso de professores
como de alunos. No que diz respeito aos professores, pode-se dizer que se trata de um
momento ainda mais delicado, já que envolve um tipo de avaliação de sua docência. Quando
os estudantes têm a palavra para dizer o que está legal e o que o está em cada aula, de
112
alguma maneira, o professor acaba sendo avaliado. Muitas vezes, ele tem que prestar contas
do que está fazendo em sala de aula e como está lidando com a turma, inclusive em termos de
relacionamento.
A vinheta narrativa a seguir demonstra um momento em que Rafaela comenta o
recado que os alunos deixaram para ela. O texto dizia o seguinte: Nem todos gostam da aula
porque, às vezes, é difícil. Tem gente que não entende mesmo a professora explicando
bastante. Às vezes, chegas já ‘braba’”.
“Mas de repente, às vezes, eu chegue ‘braba’ mesmo” (DVD 02 – 08/09/2005 – 00:39:11)
Depois de quase quarenta minutos do icio do conselho, Ivete sugeriu
que passassem a lidar com a os recados para os professores. O grupo formava
dois semicírculos na sala. Os alunos sentavam no semicírculo interno, em
cadeiras, e as professoras sentavam em classes em um segundo semicírculo.
Rafaela estava sentada perto da porta e Ivete estava de pé em frente ao quadro.
Até esse momento, os alunos tinham lido apenas os cartazes feitos pelos grupos.
A leitura dos recados foi feita por Paula, que se voluntariou após Ivete ter
perguntado quem gostaria de ler. O cartaz com o texto dos recados estava afixado
no quadro. Paula levantou, foi até a frente da sala e leu. Após leitura, Ivete olhou
para o grupo de professores e disse: “tá gente, os recados estão aí. Agora a fala é
com vocês”. Houve um breve silêncio. Telma, então, tomou a palavra e se
apresentou à turma, já que ainda não tinha dado aula para eles, mas iria começar
em breve. Ela disse que queria aproveitar o momento para se apresentar enquanto
os colegas que já eram professores da turma se organizavam para falar. Após a
sua fala, outra professora nova na turma, Lisiane, pediu a palavra para fazer o
mesmo. Depois de um breve silêncio, Rafaela disse que queria falar. Ela
começou dizendo que estava muita surpresa com o que estava escrito como
recado. E acrescentou: “Mas de repente, às vezes, eu chegue ‘braba’ mesmo”. Ela
ficou olhando para o cartaz dos recados enquanto dizia que, de repente, isso
acontecia por motivos que eram iguais ao que eles mesmos escreveram no recado
para Sílvia, que a aula tinha muitos gritos e falta de educação. Rafaela disse que
isso acontecia em sua aula também. Nesse momento, ela passou a olhar para a
turma e não mais para o cartaz. Ela continuou, dizendo que algumas vezes não
adiantava só conversar; tinha que falar alto, mas que isso, na opinião dela, não
tinha acontecido tantas vezes assim. Olhou de novo para o quadro e disse: “Mas
eu até vou prestar atenção então, que às vezes a gente faz coisas sem nem se dar
conta”.
113
Na interação retratada na vinheta, é possível se observar um momento em que uma
professora responde ao recado que recebeu dos alunos, fazendo uma série de prestações de
conta de suas ações em sala de aula. Rafaela começa se dizendo surpresa pelo que os alunos
apontaram sobre o fato de ela chegar “braba” em aula. Na medida em que se refere ao que foi
dito sobre ela no recado, Rafaela mantém os olhos no cartaz.
Além das explicações de suas ações, outro aspecto relevante dessa interação é que se
trata de um momento em que o professor, que normalmente é o avaliador, especialmente em
conselhos de classe, passa a ser o avaliado. Rafaela teve que lidar com o que foi dito sobre sua
aula, prestou contas, e ainda, reconheceu a possibilidade de os alunos terem uma certa razão,
se colocando como uma pessoa como qualquer outra, que, às vezes, faz coisas sem se dar
conta. Trata-se de um momento extremamente delicado para os participantes, já que também
envolve uma inversão de ações que tradicionalmente estão associadas ao professor. Mesmo
assim, se vê que Rafaela lida bem como que é dito, reconhecendo inclusive, que a outra parte
pode ter razão.
Assim, se vê que dar a palavra ao aluno tem suas conseqüências e é preciso lidar com
elas. Nem sempre, porém, isso foi razoavelmente tranqüilo durante o conselho de classe,
como se vê na reação de Rafaela. Houve momentos em que alguns participantes disseram
coisas a respeito dos outros e a respeito das aulas e sofreram intervenções de Ivete, que
gerenciou, então, a participação dos interlocutores para administrar possíveis tensionamentos
nas relações entre professores e alunos. Além disso, Ivete procurou garantir que todos
pudessem ter a palavra, mas que também lidassem com as conseqüências da obtenção tal
espaço de participação e com as conseqüências do que dizem e como dizem.
A próxima vinheta narrativa mostra o gerenciamento de Ivete faz da participação de
Paula, salientando que, embora os alunos sejam sempre encorajados a dizer tudo que pensam,
há uma maneira de fazer isso, que leva em conta o respeito aos demais. Cabe informar que a
professora Sílvia estava grávida durante aquele trimestre e saiu de licença maternidade alguns
meses depois do conselho. Em vários momentos, durante minha observação de campo,
presenciei brincadeiras dos alunos acerca da barriga de Sílvia. Os alunos costumavam brincar
com o fato de Sílvia estarde barriga” ou “com barriga”. Isso aparece abaixo nas palavras de
Paula, quando está falando de outra professora.
114
“A gente tem que dizer sim tudo o que pensa, mas de que jeito a gente vai dizer” (DVD 02
08/09/2005 – 00:56:12)
Após Rafaela,lvia e Margarida falarem, respondendo aos recados
deixados pela turma, Paula pergunta para Ivete se ainda pode falar. Ivete es
sentada em uma cadeira em frente ao quadro, praticamente do lado oposto ao de
Paula, que está sentada no canto direito ao fundo do semicírculo interior. Ela que
Paula pode falar. Paula começa dizendo que o que quer falar é para a professora
Margarida. Ela acha que a professora não deve ficar esperando todo mundo parar
de conversar para começar a aula. Então diz: “ela deve fazer como a professora
Rafa, mesmo com barriga ou sem barriga , querida”. Ao pronunciar as últimas
palavras em tom de ironia, Paula começa a rir. Ivete e Sílvia se olham. Paula
continua falando, mas nesse momento, suas palavras ficam praticamente
inaudíveis. O que se pode entender é: “com barriga ou sem barriga, com pescoço
ou sem pescoço, para ela não ficar esperando e começar a gritar daí”. Ivete então,
após uma breve pausa, começa falar: “Vamos pensar assim, ó, Paula. A
Margarida vai te responder melhor do que eu, mas eu acho assim, ó, Paula”. Ivete
fala calmamente e pronuncia bem cada palavra. Seu olhar está fixo em Paula. Ela
continua: “vocês podem ver que os professores são pessoas diferentes, assim
como vocês são pessoas diferentes. Se não a professora vai ter que dizer:bom,
Paula, tu vai ter que ficar quieta, né? Respeitar os outros, né?’ Porque a tua
própria fala não está demonstrando respeito”. Ivete pára por um instante e
permanece olhando para Paula, que mexe no cabelo, sem olhar para ninguém.
Ivete continua: “Acho que tuo está entendendo até que ponto a gente pode
falar. Quando a gente, quando eu trabalho com vocês com os recados (Ivete
aponta para o cartaz), o que eu sempre digo para vocês? Que a gente tem que
dizer sim tudo o que pensa, mas de que jeito a gente vai dizer?”. Ela olha para o
fundo da sala de um canto a outro e continua: “Eu quero todo mundo me
ouvindo. Tu está me ouvindo, Paula?”. Paula continua mexendo no cabelo, mas
sinaliza com a cabeça que sim, sem olhar para Ivete. Ivete vai adiante: “Então
assim, ó, eu sempre trabalho com vocês que a gente tem sim que falar das coisas,
porque é importante falar, mas de que jeito a gente fala. Porque a gente não tem o
direito, Paula, de agredir ninguém. Mas a gente tem o direito sim de falar as
coisas que a gente pensa. Então, Paula, tu pode falar, mas tem que ter jeito, ta?”.
Paula sinaliza com a cabeça. E Ivete diz: “Está faltando muito para tu aprender
ainda”. Logo depois de Ivete falar, Paula pede a palavra ainda mais uma vez, para
dizer o que aprendeu no Laboratório de Aprendizagem. Desta vez, ela apenas
elogia a professora do Laboratório, dizendo que aprendeu muito com ela,
inclusive coisas que não tinham ficado claro com a professora Rafaela, como as
expressões numéricas.
115
Na interação retratada na vinheta acima, é possível observar como Ivete lida com a
participação de Paula, que, ao se dirigir a Margarida, acaba fazendo referência à Sílvia, no que
diz respeito ao “com barriga ou sem barriga”, e à Rafaela, explicitamente em “fazer como a
professora Rafa, querida”, ironizando, de certa forma, como estas tratam os alunos em aula.
Ivete toma a palavra e fala durante vários minutos, explicando a Paula a combinação que
sempre fazem quando trabalham os recados, que todos podem e devem falar tudo o que
pensam, mas que há um jeito certo para fazê-lo, que envolve respeitar os outros.
No início de sua fala, Ivete trata da questão das diferenças e de como professores e
alunos são pessoas diferentes e têm jeitos diferentes. Depois, ela enfatiza como o respeito é
importante nas relações que se estabelecem ali, dizendo que um professor poderia cobrar de
Paula que ela ficasse quieta em aula, que respeitasse os outros, já que a fala de Paula não
estava demonstrando isso. A seguir, Ivete retoma a combinação que estabelece com os alunos
quando trabalha os recados, que se pode falar tudo, mas que há um jeito para falar. É
interessante notar que Ivete fala calmamente, com algumas breves pausas entre seus turnos.
Durante quase todo o tempo, ela olha para Paula, que evita olhá-la de volta. Apenas em um
momento, Ivete se dirige a toda a turma, pedindo com que todos ouçam, justamente quando
retoma a combinação do funcionamento dos recados em relação ao jeito de se falar.
Aqui se vê as conseqüências da participação de todos. Quando a palavra é dada ao
aluno para ele dizer o que está aprendendo e como, e o que está legal com cada professor, é
preciso lidar com o que é dito e com a maneira com que é dito. também uma
aprendizagem de participação sendo construída aqui no sentido de saber como se deve falar,
assim como que se deve arcar com as conseqüências disso.
Para que tal formato de conselho de classe funcione, sem virar uma guerra entre
professores e alunos, o gerenciamento e o ensino das maneiras de se dizer e de se participar
que Ivete faz por meio de suas intervenções são fundamentais. Trata-se de aprendizagem de
participação, ou simplesmente de aprendizagem. Quando Ivete diz a Paula que ainda há muito
que esta precisa aprender, ela está falando de aprendizagem da participação e aprendizagem
de uma maneira mais geral, uma aprendizagem para a convivência em grupo. No entanto, em
nenhum momento, se vê os participantes sinalizando que há diferentes tipos de aprendizagem,
como, por exemplo, aprendizagem de participação e aprendizagem de conteúdos curriculares,
como habilidades diferenciadas, sendo uma mais social e outra mais cognitiva. Neste cenário,
trata-se simplesmente de aprender, e isso se faz participando, como será abordado a seguir.
116
b) A Relação entre Participação e Aprendizagem.
No Capítulo 1, foi discutida a relação entre participação e aprendizagem, enfocando
como os termos podem ser quase sinônimos, no sentido em que participar é aprender, já que
os modos com que se participa de algo envolvem um aprendizado, e aprender é participar,
pois só se aprende quando se faz parte de algo, em um envolvimento com o processo de
construção de conhecimento. A partir dos dados analisados, é possível afirmar que, neste
cenário específico, participação e aprendizagem são tratadas como processos inseparáveis.
Quando, no capítulo 2, foi apresentada a história da escola, da construção do seu
projeto político-pedagógico e da transformação do conselho de classe em uma atividade da
qual todos podem participar, foi apontado que um dos objetivos centrais do grupo de
educadores podia ser resumido no eixo da proposta que diz que todos os alunos podem
aprender. A preocupação central da reconfiguração do conselho de classe foi, então, a
inclusão de todos e a aprendizagem de todos. Assim, se vê que participação e aprendizagem
se constroem conjuntamente, uma com a outra.
No andamento do Conselho de Classe Participativo, é possível se observar em
inúmeras vezes que participar é aprender e que aprender é participar. Há, em vários
momentos, uma mistura de “conteúdos” de aprendizagem e discussão de comportamento
social. Os participantes não sinalizam uns para os outros que se tratam de coisas diferentes,
embora haja um eixo da proposta pedagógica da escola que separe aprendizagem de questões
disciplinares (aprendizagem e “disciplina” não são aspectos excludentes, mas ocupam
espaços diferentes). Ambas as questões são tratadas como passíveis de se aprender. Isso faz
com que as ditas habilidades sociais, que envolvem comportamento, não sejam minimizadas
nem desvalorizadas diante de questões que poderiam ser consideradas mais importantes por
lidarem com conteúdos de aprendizagem, sendo assim, habilidades mais cognitivas.
Apresento a seguir duas citações de notas de campo redigidas durante o conselho de
classe acompanhado em 2006, em que em um determinado momento, os participantes tratam
especificamente da questão da aprendizagem e como ela é avaliada. O texto abaixo diz
respeito ao momento posterior à leitura dos cartazes, quando a palavra é dada ao professor.
“Ivete pergunta se mais algum grupo quer falar ou tem mais alguma
questão. Eles não respondem. Ela diz que agora então os professoreso falar.
Jorge toma a palavra assim que Ivete termina. Ele começa elogiando a turma,
dizendo que é uma das de que ele mais gosta. Ele usa quatro adjetivos para B30,
um deles é “participativa”, e fala que, se eles quisessem, poderiam ser a melhor
117
turma da escola. Jorge muda, então, o tom da voz e diz: ‘agora, tem o pessoal
que atrapalha’. E começa a nomear alguns alunos, todos meninos, com quem ele
vai falar pessoalmente depois, já que esse é o momento de falar sobre a turma
como um todo, segundo ele. Jorge diz que os principais problemas da turma são:
as brigas, os ciúmes entre meninos e meninas, o excesso de conversa e de
brincadeiras. Ele ressalta que é justamente o relacionamento entre os alunos que
ele costuma avaliar e diz: ‘a minha avaliação é a capacidade que cada um tem de
se relacionar com o colega, o relacionamento, o respeito, a capacidade de se dar
bem’. Ele diz novamente que a B30 pode ser a melhor turma da escola, se quiser,
e faz mais um elogio: a freqüência. Ele menciona alguns alunos que faltam às
vezes, mas fala o quanto a turma tem freqüência, destacando esse fator como o
mais fundamental para a aprendizagem, segundo ele”.
Assim, segundo Jorge, mesmo na avaliação, questões que poderiam, de alguma forma,
serem consideradas aspectos menores da aprendizagem, conforme foi apontado por Xavier
(2003), são levadas em conta, especialmente o que diz respeito ao relacionamento entre o
grupo. Também aparece no final de sua fala, a freqüência escolar sendo ressaltada como o
aspecto mais importante para a aprendizagem, o que também pode ser pensado como
participação de uma maneira mais geral.
Quando a discussão sobre comportamento vem à tona na fala derios professores
durante o conselho, especialmente porque vários apontam que há um grupo na turma que
118
vou gostar ou não do fulano ou do ciclano. Elisa, a vice-diretora, então toma a
palavra para colocar uma outra questão relacionada a isso: mas não existe uma
aprendizagem de comportamento também? Essas mudanças de atitude que a
gente tá pedindo para vocês, isso não é um aprendizado também? Que tem hora
para tudo, hora para falar, ou para ficar quieto? Isso também não é
comportamento? Não é aprender algo? Há diferentes comportamentos para
diferentes espos. É diferente na Educação Física, que ninguém quer que vocês
fiquem sem se mexer lá na quadra, né, Jorge? E Jorge responde: é, lá é para todo
mundo se mexer. Não é aluno múmia como falaram, mas tem que ter respeito. E
Elisa continua: diferentes comportamentos para a sala, para a informática, né,
aquilo que a Maristela falou.
Ivete faz mais uma lista no quadro e diz: então, coisas para avaliar. O
que pode entrar como indicador de aprendizagem aqui? E escreve: saber ouvir,
saber respeitar. Regina toma a palavra dizendo que principalmente os meninos
deviam respeitar mais as meninas: eu acho que eles estão querendo namorar,
mas têm que cuidar o que vão dizer, porque as meninas não gostam de ouvir
palavrão e nem de ser tratadas assim. Se quiserem namorar, não é com
palavrão. Também tem que ter respeito. E continua para Ivete: e dentro do
respeito aí na lista, tem duas coisas: respeitar o outro e não gritar e não falar
palavrão para as meninas. Ivete escreve o que Regina sugere. Alguns meninos se
revoltam nesse momento e falam (vários ao mesmo tempo) que as meninas
também falam palavrões. Ivete e Elisa dizem então que essas combinações valem
para a turma toda e não só para os meninos. Todos têm que se respeitar. E Ivete
modifica eno a lista, colocando assim: saber respeitar (sem gritos, sem
palavrões). E Jorge complementa: e sem ameaças. Um grande problema dessa
turma é a ameaça. E Ivete inclui as ameaças na lista, como um novo item: não
ameaçar. E Ivete explica olhando para a turma: isso são coisas que queremos ver
avançar e melhorar cada vez mais.
Nesse momento do conselho, vemos que itens que são apontados pelos participantes,
primeiramente pelos alunos, como questões de aprendizagem. A primeira lista diz respeito a
como os alunos acham que os professores sabem que eles aprenderam. As respostaso pelos
trabalhos (em aula), pelo interesse e pelo comportamento. Quando Elisa toma a palavra para
comentar a lista que Ivete escreveu no quadro, ela ressalta que as mudanças de
comportamento que foram discutidas ali também se tratam de aprendizagem. As diferentes
maneiras de participar, e se comportar, em aula, na quadra, na informática, também dizem
respeito à aprendizagem. Ou seja, aqui fica evidente que um critério de aprendizagem é saber
participar, e ainda, saber participar de modos diferentes em cada espaço.
119
Depois, Ivete ainda faz uma outra lista, de indicadores de aprendizagem, ou seja, do
que afinal serão feitas as avaliões. Os itens que entram são os seguintes: saber ouvir, saber
respeitar (sem gritos e palavrões), e não ameaçar. Ivete e Elisa ressaltam que são
combinações, que valem para toda a turma. Essa segunda lista é feita a partir de coisas que os
professores falaram. Nota-se, porém, que a palavra estava aberta a todos. Assim, se vê que
nesse momento, os professores ainda são quem escolhe os critérios de avaliação. Embora não
se possa negar que haja espaço para que os alunos falem a respeito deles.
O que se vê então acerca da relação entre participação e aprendizagem a partir disso?
Que elas estão intimamente relacionadas para os participantes. Aprender é participar, e ainda,
saber participar de modos d1(se) prereetsam dmereetsasaços.ertcipartambam e aprep)3
120
sua aprendizagem. E não bastou apenas ouvir os alunos. A participação destes foi pensada e
organizada. O que é dito por eles tem conseqüência não apenas para a avaliação, mas para
todo o planejamento que é feito a partir dela, na tentativa de que realmente todos possam
aprender.
O protagonismo criado nesse evento é construído nele por meio de práticas inclusivas
e se dá também em cada momento em que o aluno toma a palavra. Como ficou evidente nos
segmentos transcritos, o aluno é ouvido e ratificado como participante legítimo, tal como
Rogoff (2005) demonstra em seu conceito de participação emancipatória. Em muitos
momentos, sua opinião é devolvida à turma, para que todos tenham a oportunidade de
concordar ou discordar com o que é dito. Os participantes constroem conjuntamente no
conselho uma noção de autoria de grupo e de responsabilidade com o que é dito. A maneira
com que Ivete organiza o que é dito torna isso concreto. A partir dos dados analisados, é
possível observar também a realização plena do projeto político-pedagógico da escola. Em
cada tomada de turno e sustentação de pisos conversacionais, os participantes estão
construindo participação, protagonismo e aprendizagem.
Também foi evidenciado, a partir dos dados, que a construção de participação e a
construção de conhecimentoo são processos diferentes, ou ainda, não se dão
separadamente. Quando delimitei como objeto desta dissertação a construção da participação,
tinha como objetivo analisar como a participação era construída pelos participantes neste
cenário, dentro do contexto histórico e social em que a escola está inserida. Ficou evidente, no
entanto, que, a partir do que os dados mostraram, não existia, para os participantes, apenas
construção de participação. O que eles fazem e se propõem a fazer nas práticas de sala de aula
e no conselho de classe, é construção de conhecimento, aprendizagem, e isso só se dá com
participação. Reconheço, então, que a divisão que fiz, foi apenas metodológica. Mas que não
vai ao encontro de divisões que foram discutidas no Capítulo 1, entre participação e
aprendizagem, habilidades sociais e habilidades cognitivas, ou ainda, estrutura de participação
social e estrutura das atividades ou tarefas pedagógicas. Pelo contrário, como uma das
premissas deste trabalho é a visão êmica, o que se quer afirmar aqui é que neste cenário, os
participantes não entendem participação e aprendizagem como processos separados. Eles
constroem conhecimento e lidam com a aprendizagem, que comporta também a aprendizagem
da participação.
A análise dos dados realizada neste capítulo procurou levar em conta também as
características do conceito de estruturas de participação, definido no Capítulo 1. Embora não
tenha sido apontado especificamente, quando apresentei a configuração dos participantes nas
121
salas e nos grupos, assim como a organização que chamei de mais geral das atividades em que
estavam envolvidos, tratei da primeira característica do conceito, a disposição física e a
configuração espacial dos participantes, conforme a contribuição de Philips (2001), assim
como da terceira, a relão das ações dos participantes com o cenário em que se encontram e
com as tarefas em que estão envolvidos (PHILIPS, 2001; JONES & THORNBORROW,
2004). Os aspectos não-verbais da interação, como gestos e movimentos corporais (PHILIPS,
2001; GOODWIN e GOODWIN, 2004), também foram contemplados, especialmente na
análise do direcionamento de olhar de Ivete na ratificação de toda a turma como participantes
legítimos.
Procurei tratar também dos alinhamentos dos participantes em relação ao que é dito,
assim como o formato da produção do que é dito, assim como da ratificação da participação e
de como isso constrói também identidades sociais (GOFFMAN, 2002). Acredito que, no
momento em que o aluno tem a palavra, e o que ele diz é tratado como a base fundamental
para se lidar com a aprendizagem, são construídas e negociadas identidades de participantes
legítimos, assim como de protagonistas dos seus processos de aprendizagem, pois, além de
terem espaço garantido de participação, a sua participação tem conseqüências, entre elas, o
engajamento próprio com as ações realizadas em sala de aula.
A organização seqüencial da fala-em-interação como organização social das ações
dos participantes (GOODWIN, 1990; GOODWIN e GOODWIN, 2004) foi abordada nas
seqüências transcritas analisadas na seção que tratou da participação no pré-conselho.
Procurei enfocar a tomada dos turnos, a obtenção e sustentação dos pisos conversacionais, e o
gerenciamento da participação feito por Ivete.
No que se tratou das combinações e dos contratos pedagógicos construídos pelos
participantes, os direitos e deveres envolvidos, negociados e assegurados em um determinado
encontro (SHULTZ, FLORIO e ERICKSON, 1982; ERICKSON e SHULTZ, 1982) também
foram abordados de modo indireto, pois em vários momentos, o direito à fala, por exemplo,
foi discutido pelos participantes. É possível observar esse aspecto também quando Ivete lida
com a participação de Paula, que fala de uma maneira inadequada sobre as professoras. Ivete
reafirma o direito à fala, mas também enfatiza o dever de respeitar os outros na maneira em
que se fala.
O caráter local, mas também global das ações dos participantes, isto é, os aspectos
macro sociais e culturais devem ser considerados tanto quanto os microsociais (ERICKSON,
2004) também foram abordados. No final deste capítulo, procurei relacionar as práticas
encontradas na fala-em-interação com a história da escola e seu projeto político-pedagógico,
122
cuja construção também engloba a reconfiguração do conselho de classe. É possível observar
que essa história de construção e engajamento, da qual os educadores fizeram parte, aparece
nas realizações práticas desse projeto, gerando construção conjunta, autoria e protagonismo
dos sujeitos envolvidos.
Assim, neste capítulo, abordei a construção da participação na fala-em-interação de
sala de aula, em diferentes atividades, em especial, nas relacionadas ao Conselho de Classe
Participativo. Parti de um universo mais micro para demonstrar como as ações que envolvem
participar de uma aula aparecem na organização das práticas conversacionais, para depois
relacioná-las com o contexto maior em que os sujeitos estão envolvidos.
No capítulo seguinte, analiso a “nossa” participação enquanto pesquisadores, ou seja,
as implicações metodológicas e as contribuições pedagógicas da nossa presença na escola. A
partir de citações de notas de campo e de vinhetas narrativas, procuro demonstrar qual era a
visão do que era nossa pesquisa na escola e como nossa presença ali modificava também o
que estava acontecendo, especialmente com a presença das câmeras. Além disso, trato de
algumas contribuições deste estudo para se pensar as práticas pedagógicas que envolvem a
participação.
123
4. UMA ANÁLISE DA “NOSSA” PARTICIPAÇÃO: IMPLICAÇÕES
METODOLÓGICAS E CONTRIBUIÇÕES PEDAGÓGICAS DA PESQUISA
“Uma das bonitezas da nossa maneira de estar
no mundo e com o mundo, como seres
históricos, é a capacidade de, intervindo no
mundo, conhecer o mundo”.
Paulo Freire
Talvez um dos temas em pesquisa mais discutido atualmente seja a dissolução da
neutralidade do pesquisador em relação ao seu objeto de pesquisa. No decorrer deste trabalho,
tive inúmeras evidências de que o fato de se pesquisar um determinado cenário modifica as
ações dos participantes que fazem parte dele, na medida em que eles se tornam sujeitos
pesquisados e passam a ser vistos como objetos de pesquisa (embora não deixem de ser de
fato os sujeitos dela). Como aparece nas palavras de Paulo Freire que utilizei para abrir o
capítulo, intervir no mundo e conhecer o mundo são ações que estão intimamente
relacionadas. Se pensarmos, conforme foi apontado neste trabalho, que só se aprende
participando, podemos dizer também que só se conhece algo realmente por meio de
intervenções que fazemos, das ações concretas que envolvem um conhecer algo, e por assim
dizer, o pesquisar algo.
Este capítulo tem como objetivo fazer uma discussão acerca das implicações
metodológicas desta pesquisa. Procuro tratar de como a presença de pesquisadores em um
determinado cenário pode modificar o que acontece nele. Outra questão importante abordada
é o uso da noção êmica como premissa da pesquisa. Como já foi mencionado no capítulo 2,
quando o pesquisador se proe a privilegiar o ponto de vista dos participantes como guia, é
necessário considerar como os participantes lidam com todos os procedimentos de pesquisa
adotados.
Subdivido o capítulo em três seções. A primeira seção trata da concepção de pesquisa
dos participantes que encontramos no cenário pesquisado. Para fazer uma análise da nossa
participação na escola, utilizo citações de notas de campo, procurando demonstrar como
fomos influenciados e influenciamos o local que nos propomos a pesquisar. A segunda seção
124
aborda as questões metodológicas que enfrentamos em relação a presença das câmeras e o uso
de formulários de consentimento informado, e como esses procedimentos se transformam na
medida em que a pesquisa se proe a levar em conta a noção êmica e o respeito aos sujeitos
pesquisados. A terceira seção trata das contribuições pedagógicas do estudo da participação,
ou seja, a contribuição dessa pesquisa para se pensar a sala de aula como um espaço de
permanente construção de participação e aprendizagem.
4.1
O que é pesquisa para os sujeitos pesquisados?
Uma das primeiras questões com que nos deparamos no início de uma pesquisa é qual
a relevância que ela terá para os debates acadêmicos. Mas será que o que ela vai significar
para os sujeitos pesquisados recebe a mesma atenção de nossa parte? Quando realizamos a
negociação para a entrada em campo na escola pesquisada, acreditamos que, após expormos
nosso projeto de pesquisa, havia ficado evidente o que faríamos ali e por que razões. As
educadoras da equipe diretiva da escola, com quem negociamos nossa entrada, relataram
inúmeras vezes o interesse que a escola tinha em ser pesquisada. Além disso, conforme elas
apontaram em entrevistas informais, devido ao grande número de projetos de pesquisa que
tinham sido desenvolvidos na escola, tanto alunos como professores estariam acostumados
com a presença de pesquisadores e não enfrentaríamos resistência de qualquer parte para
nosso trabalho.
Foi de grande importância para mim, começar a pensar sobre o que era pesquisa na
visão dos pesquisados e qual o entendimento que tinham da “nossa” pesquisa. Na minha
vivência na escola durante o trabalho de campo, percebi que havia diferentes noções acerca do
que fazíamos ali. A primeira identificada por mim foi a visão da equipe diretiva e de alguns
educadores. Para eles, nosso trabalho era extremamente importante por ajudar na construção
permanente da identidade desejada para a escola, a de uma escola vivida e pesquisada
(conforme o título do relario da pesquisa sócio-antropológica realizada pelos educadores na
década de noventa, MOOJEN ET AL, 1997). Tais educadores ressaltaram em vários
momentos como a participação em diversas pesquisas fazia parte da “caminhada” do grupo.
Para eles, a escola queria ser pesquisada e eles fariam qualquer coisa para que as portas
estivessem sempre abertas para nós. Em ações concretas, esses educadores se
disponibilizaram a serem observados e filmados em sala de aula e em reuniões. Nossa
combinação era de que filmaríamos apenas quem quisesse participar. A supervisora escolar
125
mediou nosso contato com os professores e vários se prontificaram em participar, pois
acreditavam que isso fazia parte de trabalhar dentro da proposta da escola. Para exemplificar
essa visão, apresento abaixo uma citação de notas de campo, em que tal postura fica evidente.
“Cheguei na escola quase uma da tarde. No caminho para a sala dos professores,
encontro uma das orientadoras escolares, com quem eu ainda não havia
conversado sobre o projeto. Ela me cumprimentou e me chamou para conversar
em sua sala. Expliquei brevemente o projeto e o interesse em acompanhar e
filmar um dos conselhos de classe. Ela disse que achava muito legal e que iria
ajudar a supervisora a pensar em uma turma que também fosse do interesse da
escola em ser acompanhada. Ela salientou que a pesquisa sempre fez parte da
escola, desde um longo tempo, quando constrram a proposta e o grupo entrou
nas casas dos alunos para saber quem era o aluno da escola. Ela disse: Sempre
temos pesquisadores dentro da escola, e isso é importante porque nos ajudar a
lembrar nossa história. Agradeci a atenção e me dirigi a Sala dos Professores
para encontrar Silvia”.
Além desse grupo, que considerava a pesquisa como mais um processo integrante da
caminhada da escola, relacionado com as questões identitárias do grupo, outra visão
interessante sobre nossa presença na escola era a de alguns professores que inicialmente
acharam que estudávamos a fala do aluno, ou seja, como eles falavam e que variedade de
português utilizavam. Tal entendimento foi logo esclarecido à medida que fomos convivendo
com o grupo e entregamos cópias de trabalhos e artigos já produzidos por nós em que
utilizávamos dados já gerados na escola. Também procuramos esclarecer com os professores
observados e filmados que nossa proposta não tinha como objetivo avaliar o desempenho
deles em aula, mas que procurávamos entender, do ponto de vista dos participantes, como eles
constram conjuntamente ações diferentes por meio da fala-em-interação. Conforme se vê na
citação de notas de campo abaixo, após ler alguns de nossos trabalhos, Sílvia comenta com
outros professores como é nossa análise, convidando os demais a serem também participantes
da pesquisa.
“Na sala dos professores, entreguei outro artigo produzido pelo grupo
para Sílvia. Ela agradeceu e disse que leria com muito prazer, pois tinha adorado
a minha monografia de conclusão de curso. Lívia também estava na sala e
aproveitei para combinar que traria outra cópia do trabalho para ela na semana
seguinte. Ela agradeceu e disse que estava também ansiosa para ler. Comentei
que tínhamos muitas coisas boas para contar para o mundo acerca do que
126
acontecia naquelas salas de aula. Sílvia comentou, rindo, com Lívia: tu vai ver
que cada coisa minúscula que a gente faz e nem se dá conta tem nome e
sobrenome. É muito legal. Por isso também que eu acho importante participar,
porque a gente está sempre aprendendo coisas novas também eo se sente mal
em ser observada”.
Um terceiro entendimento da nossa pesquisade ser observado na fala de alguns
alunos e estava relacionado com a presença das câmeras na escola. Para esse grupo, se tratava
de uma questão de visibilidade e do intrigante interesse que outros poderiam ter em
acompanhar e filmar a vida deles na escola. Para alguns alunos, tal procedimento era
totalmente estranho. Como a maioria era proveniente de classes sociais de renda muito baixa,
eles não estavam acostumados commeras de vídeo. Alguns sequer tinham se acostumado
com o fato de serem fotografados, o que era feito freqüentemente pelos educadores no mais
diversos eventos que aconteciam na escola.
Um dos momentos mais significativos para mim, e acredito que para muitos dos
alunos que participaram da pesquisa, foi quando levei um DVD com imagens de uma aula de
Espanhol que tínhamos gravado em 2003 da turma, para que eles pudessem assistir em 2005.
Foi um momento muito emocionante, que mal consegui descrever em meu diário de campo.
Abaixo, transcrevo um trecho das notas que relata o acontecimento.
“Assim que começou a rodar o DVD, grande parte dos alunos não
conseguiam segurar a emoção. Muitos não conseguiam ficar sentados. O barulho
era muito grande. Muitas falas, gritos e risos. Cada um que aparecia na tela da
TV era motivo de comemoração intensa. Eles comentavam tudo, como era a
aparência de cada um há dois anos atrás, as roupas que vestiam e o que
apareciam fazendo na aula filmada. Sílvia, sentada no fundo da sala, perto de
mim, também se emocionou. No início, pediu silêncio para que eles pudessem
ouvir a aula gravada, mas desistiu logo depois, devido a emoção gerada pelas
imagens, refletida no movimento dos alunos na sala e em seus gritos
deslumbrados. Fiquei com os olhos cheio de lágrimas. Foi, sem dúvida, muito
emocionante para mim e um grande acontecimento para eles. Acho que muitos
dos alunos ali nunca tinham se visto na TV. Pareciam estar totalmente
desacostumados com a própria imagem”.
127
fazendo sobre a gente?”. É interessante que em vários momentos fomos de fato perguntados
se o que estávamos filmando iria passar na TV. Embora algumas reportagens já tivessem sido
feitas na escola, nunca pesquisadores tinham levado câmeras para dentro da sala de aula.
Quando tentávamos explicar que se tratava de uma pesquisa, e não de documentários ou de
reportagens que iriam “passar na TV”, muitas vezes ouvimos como resposta uma outra
pergunta: mas o que é isso? Para muitos alunos da escola, nossa presença ali significou uma
oportunidade de serem vistos e de suas imagens serem gravadas, ou seja, uma possibilidade
de ganharem visibilidade.
Quando tentamos explicar o que era pesquisa para os alunos, dizendo que se tratava de
um trabalho que fazíamos para a Universidade era ainda mais complicado. Apenas um aluno
comentou uma vez que sabia o que era a UFRGS. Ele explicou aos demais que era uma escola
lá perto de Viamão e que só sabia disso porque uma familiar de sua mãe trabalhava lá como
faxineira. Contamos inúmeras vezes com a ajuda das professoras Sílvia, Lívia e Ivete para
explicarem de maneira mais clara aos alunos, fazendo com que o termo pesquisa e o que o
trabalho envolvia fizesse mais sentido para eles.
Assim, vimos que tanto a noção de pesquisa como a nossa pesquisa em si estavam
longe de serem entendidos completamente a partir do universo daqueles alunos. Para eles, o
mais importante pareceu ser o contato com equipamentos que puderam retratar suas imagens e
suas vidas na escola, dando-lhes a possibilidade de se verem, de se reconhecerem, e ainda, de
serem vistos.o se quer dizer com isso que o termo pesquisa ou pesquisar não era tratado
em sala de aula. Pelo contrário, no conselho de classe que acompanhei em 2006, Sílvia estava
justamente trabalhando com a turma na elaboração de vários tipos de pesquisa. Presenciei
vários momentos em que os educadores também se dedicaram a trazer esse tema para a
discussão no conselho, fazendo com que esse objeto talvez estranho para alguns pudesse se
tornar familiar. O que quero enfatizar aqui é que a estranheza maior para os alunos talvez
fosse esse tipo de pesquisa, relacionada à Universidade, que, tão distante da comunidade,
era conhecida na turma pesquisada por um aluno, devido a alguém próximo dele trabalhar
como faxineira na UFRGS. Posso dizer que, sem dúvida, nossa presença ali aproximou de
alguma forma esse universo tão distante dos alunos daquela comunidade.
Ao analisarmos, então, a nossa participação enquanto pesquisadores no cenário
escolhido, não podemos deixar de levar em conta a noção que os sujeitos envolvidos têm
acerca do que é pesquisa, especialmente o que eles pensaram, sentiram e se modificaram ao
serem pesquisados e filmados. Nem sempre a visão dos participantes da pesquisa irá coincidir
com a nossa visão, ou com o que propomos como objetivo da pesquisa. Mas é fundamental,
128
quando se tem um compromisso êmico, que os entendimentos possíveis sejam levados em
conta em todo o andamento e execução da pesquisa, como discutirei na seção a seguir.
4.2 Implicações Metodológicas: a busca por uma visão êmica desde a presença das
câmeras até os formulários de consentimento
Nesta seção, problematizo duas questões metodológicas e discuto suas implicações.
São elas: a presença das câmeras em sala de aula e o entendimento do uso de formulários de
consentimento para gravação. A partir acontecimentos observados no decorrer da pesquisa,
percebi que se tratam de aspectos relacionados à metodologia adotada que podem gerar vários
desdobramentos, principalmente quando, repito, se tem o compromisso êmico, de se levar em
conta privilegiadamente o ponto de vista dos participantes.
Em relação às conseqüências da presença da câmera na sala de aula, além do que já foi
apontado na seção anterior, há ainda mais uma questão importante: como lidar com as
modificações que ela gera no cenário. Conforme apontei no Catulo 2, um período de
observação do grupo escolhido antes de se iniciar a gravação de imagens é fundamental,
principalmente porque permite que o grupo se acostume com a presença do pesquisador e que
se possa observar os comportamentos cotidianos do grupo. Certamente a simples presença de
um observador também modifica o cenário e as ações dos participantes. Porém, sem dúvida,
trata-se de uma modificação muito menor do que a presença da câmera de filmagem, ainda
mais em um cenário em que as pessoas não têm familiaridade com ela.
Durante o período de observação, pude examinar alguns comportamentos da turma
escolhida, a organização dos grupos, suas disputas internas e externas e seu cotidiano em sala
de aula. Após iniciar a filmagem, ficou evidente que alguns acontecimentos filmados estavam
diretamente relacionados à presença da câmera. O caso mais evidente foi o de Eduardo, que
durante toda a observação era um aluno muito colaborativo, trabalhava em grupo, ajudava os
colegas na resolução de problemas e tinha atitudes conciliatórias nos conflitos entre grupos
que aconteceram em aula. Durante a filmagem do pré-conselho, em 2005, Eduardo se mostrou
extremamente agressivo, demonstrando “golpes” de luta diante da câmera e solicitando que o
filmássemos enquanto ele batia em um colega. Descobri, inclusive, que esse comportamento
também aconteceu nas filmagens que realizamos em 2003. Na aula de Espanhol registrada, há
um momento em que Eduardo se dirige até a frente da sala para demonstrar um golpe de luta
129
que chama de “voadeira”. Em Schulz (2004), discuto esse trecho de interação para tratar da
uma questão de correção.
Se fizéssemos uma análise baseada apenas nos registros audiovisuais, poderíamos cair
no erro de enquadrar, por exemplo, Eduardo como um aluno extremamente agressivo, que
constantemente estava envolvido em demonstrações de força e de lutas. De acordo com o que
observei em durante o trabalho de campo, ficou claro que esse não era o comportamento
cotidiano de Eduardo. Ele era um aluno muito conciliador e muito tímido, inclusive. Esse
exemplo é importante por trazer à tona a questão do que significa para os alunos a presença da
câmera e como a maneira com que eles interpretam tal presença modifica o que acontece
diante dela. Como apontamos no Capítulo 2, não se pode ser ingênuo em achar que a
presença de equipamentos, de pesquisadores e a geração de imagens não modificam ou
influenciam as ações dos participantes. No caso de Eduardo, a possibilidade de ser filmado
modificou em muito o seu comportamento. O entendimento que ele teve da presença da
câmera gerou uma série de ações diferenciadas do seu comportamento cotidiano. Mais uma
vez, afirmo que todos as etapas da pesquisa devem ser constantemente pensadas e repensadas
a partir das demonstrações que os participantes dão acerca dos seus entendimentos do que é a
pesquisa. Se o grupo escolhido, por exemplo, tem um histórico de não ter familiaridade com
câmeras e com o fato de serem filmados, é preciso prestar muita atenção às ações executadas
diante da câmera, e ainda, ter muito cuidado e atenção aos detalhes durante a observação. É
preciso ainda, se perguntar sempre o que o ocorrido está relacionado ou não com a presença
do pesquisador e dos equipamentos. A meu ver, essas questões só enriquecem o processo de
pesquisa e fazem lembrar o quanto se está ligado ao mundo, intervindo nele, enquanto se
investiga algo.
A segunda questão que merece ser tratada devido a sua implicação metodológica é o
uso de formulários de consentimentos informados para a autorização da gravação. Como já
relatei no catulo 2, utilizamos formulários diferenciados para os educadores e para os alunos
(conforme Anexos IV e V). Tais formulários tinham como objetivo informar sobre a pesquisa
e possibilitar com que os participantes autorizassem a realização da pesquisa, por meio do uso
de registros audiovisuais, assim como da observação. Em relação ao uso das imagens geradas,
os formulários eram bem específicos em salientar que as gravações só seriam utilizadas para
fim de pesquisa e manejadas por pessoas ligadas ao grupo de pesquisa da Universidade.
O que aconteceu na geração de dados em 2005, é que muitos alunos não devolveram o
formulário assinado, o que autorizaria a gravação, devido ao fato dos responsáveis não terem
entendido o texto. Segundo o que Ivete me falou em entrevista informal, isso era muito
130
comum e acontecia seguidamente com os pareceres descritivos que continham as avaliações
dos alunos. Ou seja, o nível de letramento da comunidade exigia um outro tipo de texto,
diferente do utilizado pors nos formulários, que não permitia o entendimento por parte
deles do que estávamos querendo fazer com as imagens. Ivete foi comigo até a turma e
explicou mais uma vez a todos qual era o propósito dos formulários. Ainda assim, alguns
alunos não trouxeram os documentos assinados. Ivete, então, telefonou para os responsáveis
pelos alunos e garantiu a autorização da gravão, explicando do que se tratava. Ela me
informou depois, em entrevista informal, que muitos achavam que as filmagens eram de fato
para programas de TV ou até mesmo para partidos poticos, em que o gostariam que os
seus filhos/filhas aparecessem. Outros, ainda, simplesmente não entenderam o que o texto
queria dizer.
Concluímos que, para realmente levar em conta o ponto de vista dos participantes, e
tentar entender as ações dos sujeitos de um determinado local, todos os procedimentos de
pesquisa devem ser adequados aos participantes. Para ser eficiente, o uso de formulários de
consentimento para a gravação deve estar no mesmovel de letramento entendido pela
comunidade a ser pesquisada. Se não, há a possibilidade de se gerar ainda mais desconforto e
estranhamento ao que se quer com a pesquisa.
Ambos os casos citados reforçam a necessidade de se prestar atenção no entendimento
que os participantes têm do é a pesquisa e de como participam dela. Também tratam da nossa
participação enquanto pesquisadores, como modificamos e agimos no lugar pesquisado. Para
um melhor andamento da pesquisa, assim com para manter o compromisso ético com os
sujeitos envolvidos, é necessário observar sempre como interagimos por meio da pesquisa e
como nos ajustamos (ou não) para tentar entender o ponto de vista dos participantes.
A seguir, trato das contribuições da pesquisa para a prática pedagógica.
4.3 As Contribuições Pedagógicas do Estudo da Participação
Por meio deste estudo, foi possível observar que participação é algo que se constrói
conjuntamente. A partir de todo o percurso da pesquisa, dos dados gerados e analisados,
podem ser apontadas uma série de contribuições para as práticas pedagógicas. Apontarei duas
como as mais importantes.
A primeira contribuição é a de se pensar em construir espaços de participação e
protagonismo na escola, que gerem o engajamento dos sujeitos no seu processo de
131
aprendizagem. Como já apontei no Capítulo 1, a participação é algo que se aprende, e, para
que isso aconteça é necessário que haja espaços possíveis de participação. Como é uma das
bases da construção de uma sociedade democrática, é importante que seja ensinada e
exercitada desde a infância.
Como foi visto, o Conselho de Classe Participativo é uma realização que mostra que
isso é possível. No momento em que se dá voz a professores e alunos, eles se tornam sujeitos
do seu processo de aprendizagem, protagonistas de suas ações. Mas não apenas no conselho
aparece a importância de espaços em que os participantes têm voz ativa e possa participar de
fato. É justamente sobre isso a próxima contribuição do trabalho.
Acredito que é preciso repensar a sala de aula como um espaço plural e múltiplo, em
que muitas coisas acontecem. Na medida em se prima por uma educação por meio da
participação, outros processos são desencadeados. Como se viu em relação à sala de aula
tradicional, durante muito tempo o foco das interações se dava em função das avaliações, que
muitas vezes eram realizadas por meio do uso de seqüências triádicas IRA. É preciso se
prestar atenção a detalhes que podem parecer muito microscópicos, mas que formam a base
da participação em sala de aula, como por exemplo, o tipo de perguntas que o professor faz e
como ele lida com as respostas, ou com o que é dito pelos alunos. Também é interessante,
para construir uma sala de aula participativa, prestar atenção às dinâmicas e às diferentes
atividades propostas, já que elas geram diferentes tipos de participação. Para uma aula mais
democrática, o ideal seria gerar e acolher estruturas diferenciadas para possibilitar as
diferentes participações.
Certamente há mais contribuições do estudo em relação às noções de participação e
aprendizagem, que procurei discutir no Capítulo 1, assim como na análise. Retomo
brevemente a discussão ainda nas considerações finais, a seguir.
132
CONSIDERAÇÕES FINAIS: O QUE É PARTICIPAÇÃO AFINAL E COMO ELA
ACONTECE AQUI?
Nesta dissertação, procurei mostrar que participação é algo que se constrói por meio
de ações, que podem ser examinadas no plano microanalítico, em práticas como as que
envolvem a tomada dos turnos de fala, o acesso ao piso conversacional e o gerenciamento de
espaços de participação. Tais práticas acontecem dentro de um cerio maior e estão
conectadas diretamente com a história daquele lugar, com os processos macro sociais
históricos e políticos em que os sujeitos estão envolvidos. Para isso, analisei com se dava a
participação dos alunos na fala-em-interação de sala de aula e no Conselho de Classe
Participativo de uma escola municipal de Porto Alegre, conhecida por ter construído um
projeto político-pedagógico que envolve ações de inclusão social observadas também na
prática de sala de aula.
Sendo um dos princípios norteadores desta pesquisa a busca pela visão êmica, a partir
dos dados analisados se pode dizer que, para as pessoas envolvidas nesse cenário específico
em que se realizou a pesquisa, participação se relaciona com:
A história da escola. O tema da participação esteve presente para os educadores desde
a realização da pesquisa sócio-antropológica há alguns anos, e permaneceu
relacionado ao engajamento do grupo na construção conjunta com a comunidade da
proposta pedagógica da escola. Ao longo desse percurso, os educadores trabalharam
na reconfiguração do conselho de classe, que estabeleceu a participação de todos os
alunos nas atividades do conselho. É interessante observar também, que, mesmo na
organização das aulas, está presente a proposta de inclusão social. Isso ficou evidente
em todo o trabalho de campo realizado e nos dados audiovisuais gerados;
O projeto político-pedagógico da escola, especialmente o princípio pedagógico que
diz que todos podem aprender, que diz respeito exatamente à inclusão de todos. Como
foi apontado anteriormente, tanto o projeto como a manutenção desse projeto no
cotidiano escolar são responsáveis por haver espaços de participação e possibilitar a
inclusão de todos no que acontece na escola, especialmente em relação a
aprendizagem de cada um;
O protagonismo do aluno no processo de aprendizagem. Ele é tratado como membro
da comunidade escolar e participante legítimo das decisões que são tomadas em sala
de aula. No Conselho de Classe Participativo, há um espaço garantido para que sua
133
voz seja ouvida e para que as questões de aprendizagem possam ser pensadas a partir
dela;
O engajamento dos professores, que aparece na “caminhada” que fizeram desde a
realização da pesquisa sócio-antropológica e na construção diária da implementação
do projeto político-pedagógico da escola. É possível ver esse engajamento nos relatos
da prática docente, narrados nas coletâneas produzidas pelos educadores, na
organização geral das aulas e dos projetos propostos para o trabalho com as turmas,
assim como na prática diária de sala de aula;
A realização do Conselho de Classe Participativo na medida em que este é o grande
evento gerador dos questionamentos sobre avaliação e, ao mesmo tempo, diagstico
para o planejamento das propostas de trabalho. A realização das diversas atividades
que compõem esse momento, em um trabalho conjunto de todo o grupo escolar,
realizado em todas as turmas faz com que alunos, educadores e todos os sujeitos
envolvidos tenham espaço garantido de participação;
A construção de participação ser sinônima de construção de conhecimento, pois no
entender desses sujeitos, não há participação sem aprendizagem, assim como não há
aprendizagem sem que se participe dela. Tal entendimento de participação demonstra
que ela é fundamental para tudo que é realizado na escola. Além disso, entender
aprendizagem como algo que só se acontece com participação é ampliar o tal conceito,
fazendo com que ele deixe de ser visto apenas como algo cognitivo, mas passe a levar
em conta os sujeitos históricos e sociais que ali estão envolvidos.
A partir dessas constatações, o conceito de participação que se pode concluir é que,
em um primeiro plano, participação é um processo histórico, social e potico, que é
constrdo ao longo do tempo. O contexto macro político e social é o que propicia a
participação efetiva dos membros de uma determinada comunidade ou grupo. Mas
participação também se constrói por meio das ações dos sujeitos nas interações (ERICKSON,
2004). Tais ações se refletem em práticas como a tomada do turno de fala e a manutenção do
piso conversacional. A tomada do turno de fala é importante como ação no plano micro por
definir as formas de se participar (GOODWIN & GOODWIN, 2004), mas é preciso ser
ouvido e ratificado, ter acesso e engajar-se no piso conversacional (JONES E
THORNBORROW, 2004). Participação também se relaciona com a configuração espacial e a
disposição estrutural da interação, assim como com direitos e deveres estabelecidos nas
interações (PHILIPS, 2001; ERICKSON, 1982) e também com a construção das identidades
134
sociais dos participantes e a legitimação da participação (GOFFMAN, 2002; JUNG, 2003).
Assim, podemos dizer que participação é fazer parte de algo, e ser parte ativamente
(BORDENAVE, 1994), por meio de ações demonstráveis. Nós o fazemos a cada momento
em que tomamos a palavra. Cada vez que temos o turno de fala e somos ouvidos, estamos
também fazendo História.
Retomo, então, as perguntas que deram origem a esta investigação (que foram
apresentadas na introdução do trabalho), para respondê-las a partir das constatações durante o
decorrer da pesquisa e evidenciadas na análise dos dados. A primeira pergunta tratava das
práticas conversacionais presentes na fala-em-interação da sala de aula relacionadas com
construção de participação efetiva em sala de aula. Na análise dos segmentos transcritos de
fala-em-interação de sala de aula, procurei demonstrar que as práticas conversacionais ali
constrdas poderiam ser consideradas muito diferentes do que normalmente se associa a uma
sala de aula tradicional. No primeiro segmento, do reciclonário, foi apontado que, embora
Lívia utilizasse perguntas de respostas conhecidas, o que ela fazia levava à construção
conjunta de respostas pelos alunos. Além disso, ela prestava contas da importância de
chegarem a uma resposta para a questão, tendo em vista que a dúvida da qual estavam
tratando partiu de um grupo de alunos e revelava uma questão crucial para o andamento da
atividade. Ficou evidente que o propósito ali não era avaliar os alunos, mas construir
conjuntamente conhecimento, mesmo que isso tivesse que ser feito de uma maneira mais
custosa.
Também foi apontado que os momentos em que a Lívia interagia com a turma toda
eram momentos mais instrucionais de tarefas. Para tanto, era necessário alinhar os alunos em
um mesmo foco de atenção, o que muitas vezes exigia trabalho conjunto também custoso e
difícil. Nesse sentido, também ficou claro que diferentes tarefas e atividades geravam
diferentes maneiras de se participar em aula, assim como diferentes configurações dos
participantes na sala e sua organização em grupos ou em pares, ou ainda em um único grupo,
exigiam diferentes estruturas de participação. Assim, as estruturas de participação utilizadas
por professores e alunos na fala-em-interação de sala de aula envolvem a tomada do turno de
fala, a manutenção de piso conversacional e a construção de um foco de atenção conjunta. As
práticas conversacionais usadas pelos interagentes para construir participação envolvem
perguntas tanto por parte do professor como por parte dos alunos.
Também foi discutida uma questão relacionada à correção da fala. No segmento que
chamei de “sacas”, uma aluna toma o turno de fala para dizer que corrigiu a professora. A
maneira com que os participantes lidam com esse fato pode ser considerada também muito
135
diferente do que tradicionalmente é associado ao papel de professor e de aluno. Nesse sentido,
a participação que é feita nessa sala de aula fica longe do que chamamos de fala-em-interação
de sala de aula tradicional, pois a aluna corrige a professora, que não demonstra que a ação da
aluna foi interpretada como inadequada. Pelo contrário, ela argumenta que não escreveu a
palavra errada, mas que não sabia por que a palavra naquela situação era usada daquela
maneira mesmo. Além de reconhecer o seu desconhecimento de algo,via faz isso de uma
maneira muito tranqüila, abrindo espaço inclusive para que outro aluno brinque com a questão
das perguntas que aparecem em provas, apontando que o item problemático para a professora
poderia ser uma questão de prova. Os participantes encerram o assunto, rindo a respeito.
Fica evidente que as ações construídas aqui são muito diferentes daquelas
empreendidas pelo uso exclusivo de seqüências triádicas I-R-A, por exemplo. Há espaço
garantido para participação. E os alunos sentem-se à vontade para participar, inclusive para
corrigir a professora. Não há uma ênfase na avaliação dos alunos, mas na construção conjunta
de conhecimento que se dá nesses espaços de participação. Nesse ponto, também é possível
observar como construção de participação é, naquele cenário, praticamente sinônimo de
construção de conhecimento, pois um processo só se dá a partir do outro. Os sujeitos aqui
envolvidos aprendem participando, e participam aprendendo.
O segundo questionamento que conduziu a pesquisa tratava de como o processo de
construção de participação na fala-em-interação acontece no cenário da pesquisa. Vimos que a
história da escola é repleta de ações que delinearam os processos participativos como eixo do
trabalho realizado na instituição. E mais, os educadores construíram conjuntamente com todo
o grupo escolar e com a comunidade um projeto de inclusão social, na medida em que os
trabalhos propostos seguem um princípio pedagógico que diz que todos podem aprender.
Assim, os processos participativos que estão presentes na história da escola permaneceram no
projeto político-pedagógico e nas práticas encontradas em sala de aula. Um exemplo disso foi
a realização da pesquisa sócio-antropológica, que teve como objetivo saber quem era o aluno
da escola e como era a comunidade em que a instituição estava inserida. É possível afirmar,
tanto pelos dados analisados como pelo que se vê nos textos e relatos dos educadores, que a
postura questionadora dos educadores que embasou a pesquisa permaneceu nas ações dos
educadores desde a elaboração dos projetos e planos de aula até a construção de espaços de
formação e estudos. Também se pode afirmar que há um certo “olhar antropológico”, como
afirma Fonseca (1994), que direciona as ações dos educadores. Tal olhar é responsável por
fazer com que a escola possa ser uma escola para todos e uma escola para cada um, como
136
dizem os próprios educadores no livro que lançaram contando suas histórias (PERSCH ET
AL, 2006).
O Conselho de Classe Participativo é um exemplo de um evento e um conjunto de
atividades que foram reconfigurados para possibilitar a construção da participação plena de
todos os sujeitos envolvidos. O que era um espaço burocrático e meramente avaliativo passou
a ser um evento em que se discute como se aprende e o que se faz para que todos possam
aprender, conferindo assim um caráter diagnóstico também ao conselho. Isso é realizado a
partir da palavra de alunos e professores. O conjunto de atividades que forma o Conselho de
Classe Participativo da escola demonstra que há espaço para a construção de participação de
fato, que todos são considerados membros e participantes legítimos, com pleno direito à
fala, assim como a construção de conhecimento, já que a principal temática do conselho é o
que cada está aprendendo. As ações realizadas no conselho também proporcionam práticas de
construção de protagonismo e autoria, já que os sujeitos envolvidos passam a se
responsabilizar pelo que dizem e se engajar no seu processo de aprendizagem na medida em
que opinam acerca dele e suas opiniões são levadas em conta para todo o processo de
planejamento do ensino.
Tanto na análise da participação por meio da fala-em-interação que fizemos por meio
de segmentos transcritos, assim como pelos dados etnográficos, ficou evidente que há espaço
de participação garantido. Todos têm a possibilidade de participar, e assim, de aprender.
também um aprendizado de participação que acontece nesse evento. Há momentos para se
falar e maneiras como se deve falar. E para que isso ocorra de forma igualitária e respeitosa,
assim com para garantir que todos falem e sejam ouvidos, é fundamental também o
gerenciamento da participação. Como foi demonstrado na análise, Ivete organiza a
participação de alunos e professores de maneira muito diplomática, fazendo com que esse
espaço seja possível, e que haja realmente diálogo, e não, como poderia se transformar
facilmente, troca de acusações e de xingamentos.
Quando se criam espaços de participação e se dá a palavra para todos, é preciso lidar
com as conseqüências da participação. Nem sempre elas são agradáveis e caminham para um
desejo coletivo. O aluno ter a palavra, por exemplo, para dizer o que está legal ou não na aula
de cada professor, gera uma situação de avaliação inversa, ou seja, o professor também ser
avaliado pelo aluno em última instância. Vimos que os professores também têm que se
engajar na proposta da escola na medida em que se sentem avaliados pelos alunos. Como foi
apontado, no caso de Rafaela, que disse que ia pensar se realmente, às vezes, não chegava já
“braba”, nem todos professores têm essa capacidade de auto-reflexão. Ou seja, não apenas o
137
gerenciamento da participação deve ser bem feito. É necessário muito engajamento do grupo
de professores para que uma atividade como essa seja bem encaminhada. Com certeza, essa é
uma das características do grupo de professores; não adiantaria que apenas a equipe diretiva
propusesse tal formato de conselho, se todos não se engajassem.
O trabalho de Ivete com os alunos no pré-conselho também demonstra que o
protagonismo e engajamento são constrdos com os alunos desde cedo. Práticas como a
recorrente prestação de contas do que está sendo feito, o que pode ser considerado como a
manutenção constante dos contratos pedagógicos (GARCIA, 2005) realizados entre a
educadora e a turma, as possibilidades de escolha que é dada ao grupo para decidirem sobre o
que vão falar e tratar e como vão fazê-lo, e a orquestração das respostas dos alunos são
evidências de que a construção de participação ali realizada é um trabalho conjunto e
constante que gera protagonismo e possibilita que cada um possa falar, dar a sua opinião e
receber os créditos por sua contribuição. As explicações e justificativas constantes de Ivete
sobre a imporncia do que estão fazendo ali também são responsáveis para que os alunos se
comprometam e se engajem no que estão fazendo na escola, e para que reflitam sobre como
estão aprendendo e o que estão aprendendo. E quando os alunos têm oportunidades para
dizerem o que aprendem e se comprometerem com o que é dito, também há criação de autoria
individual e coletiva.
A terceira pergunta que guiou esta pesquisa diz respeito à relação entre construção de
participação e inclusão social. A partir dos dados analisados, é possível relacionar a fala do
aluno em sala de aula e no conselho de classe com o projeto político-pedagógico da escola.
Quando se verifica que há espaço para se participar por meio do uso da linguagem, espaços
estes de participação legítima, em que os alunos são ratificados, pode-se afirmar que
inclusão social sendo realizada por meio dessas práticas. A voz do aluno, assim como a dos
professores, não é apenas ouvida. Ela representa oportunidades de participação, de
engajamento e de autoria, como já foi mencionado. A oportunidade de dizer o que se está
aprendendo e como, que acontece no conselho, faz com que os alunos se tornem sujeitos da
própria aprendizagem. Além disso, eles têm um espaço garantido para isso e uma audiência
garantida e comprometida.
Conforme foi demonstrado na análise, a constrão de participação que acontece no
conselho por meio da tomada da palavra, da escuta do que é dito e nas maneiras com que se
lida com o que é dito, tem como base ou como propósito a construção de conhecimento. Saber
como o aluno aprende e o que ele está aprendendo foi o que motivou os educadores a
iniciarem a transformão do conselho. Mas o que acontece ali em termos de prática, envolve
138
tanto participação como aprendizagem. E mais do que isso, envolve a construção da
legitimidade de participante, e com isso, o protagonismo dos participantes. Acredito que,
nesse ponto, uma análise separada de conhecimento acadêmico e conhecimento social, ou
ainda habilidade sociaismbito em que se trataria de inclusão social) e habilidades cognitivas
(em que se trataria de aprendizagem mais especificamente) não daria conta de explicar como
os participantes entendem e sinalização tais construções conjuntas. Talvez fosse didático para
se isolar objetos de pesquisa ou de análise, mas, por outro lado, poderia levar a uma separação
não representativa do ponto de vista dos participantes.
Quando determinei meu objeto de pesquisa como construção de participação, tinha
como objetivo analisar justamente como os participantes entendiam participação. Para mim,
ficou evidente que se trata de construção de conhecimento por meio da participação. Ou seja,
a aprendizagem e participação como processos praticamente inseparáveis. Acredito que o que
acontece em termos de prática se relaciona fundamentalmente com aprendizagem, mas
também com todas as questões que dizem respeito ao cenário político e social em que esses
sujeitos estão inseridos. Creio também que, por meio da fala-em-interação, da escuta e das
maneiras de se lidar com o que é dito, se está fazendo inclusão social. Em cada momento que
alguém toma a palavra,e é ratificado pelos demais e ouvido, e sua palavra tem um sentido no
contexto maior do que se está fazendo ali, além de um processo de aprendizagem, sem dúvida
acontece um processo de inclusão e participação.
Os alunos envolvidos na pesquisa tinham em comum o fato de serem de classes
sociais de baixa renda, moradores das proximidades ou do próprio morro em que a escola se
localiza. Para eles, o fato de terem a palavra para falar sobre o que estavam aprendendo
representa ter voz em um mundo de pouca visibilidade social. Acredito ainda, que além de
construção de conhecimento, participação, inclusão, ainda se pode destacar a construção de
cidadania realizada nessa escola. É uma escola que não apenas “prepara” para a vida, mas lida
com a vida que acontece nela.
Acredito que este trabalho tem muito a dizer para as pessoas que desejam fazer do
mundo um lugar melhor, ou construir um outro mundo possível, por meio da educação. Tive o
prazer de aprender muito com os sujeitos que pesquisei e com quem compartilhei e pude
compartilhar de momentos belíssimos de participação, aquela participação que eu buscava e
que me inquietava, participação de fato, participação que transforma e compartilha,
participação que faz do mundo um lugar mais solidário e mais belo.
139
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145
ANEXOS
146
ANEXO I
Convenções de Transcrição*
.
(ponto final) entonação descendente
?
(ponto de interrogação) entonação ascendente
,
(vírgula) entonação de continuidade
-
(hífen) marca de corte abrupto
↑↓
(flechas para cima e para
baixo)
alteração de timbre (mais
agudo e mais grave)
::
(dois pontos) prolongamento do som
nunca
(sublinhado) sílaba ou palavra enfatizada
PALAVRA
(maiúsculas) fala em volume alto
°palavr
(sinais de graus) fala em voz baixa
>palavra<
(sinais de maior do que e
menor do que)
fala acelerada
<palavra>
(sinais de menor do que e
maior do que)
fala desacelerada
hh
(série de h’s) aspiração ou riso
.hh
(h’s precedidos de ponto) inspiração audível
[ ]
(colchetes) fala simultânea ou sobreposta
=
(sinais de igual) elocuções contíguas
(2,4)
(números entre parênteses) medida de silêncio (em
segundos e décimos de
segundos)
(.)
(ponto entre parênteses) micropausa, até 2/10 de
segundo
( )
(parênteses vazios) segmento de fala que não pôde
ser transcrito
(palavra)
(segmento de fala entre
parênteses)
transcrição duvidosa
((olhando para o teto))
(parênteses duplos) descrição de atividade não-
vocal
* Adaptado das instrões para submissão de artigos ao periódico especializado Research on Language and Social
Interaction (Lawrence Erlbaum).
147
ANEXO II
Formulários de Consentimento usados em 2003 - Educadores
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE LETRAS
Projeto de Pesquisa: Organização do reparo conversacional,
intersubjetividade e controle social
Prédio Administrativo do Instituto de Letras – Sala 203 – Campus do Vale
Av. Bento Gonçalves, 9500 – 91501-000 – Porto Alegre, RS
Telefone: 3316-7080
Consentimento
Através deste documento, solicita-se sua participação num projeto de pesquisa que prevê geração de
dados audiovisuais, registro de notas de campo e entrevistas individuais ou em grupo. Os dados gerados serão
analisados no desenvolvimento de pesquisa qualitativa vinculada ao Programa do Pós-Graduação em Letras, área
de Estudos da Linguagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Este documento garante que as identidades dos participantes da pesquisa serão mantidas em anonimato.
Indique, para cada item abaixo, o seu consentimento de uso dos dados gerados em áudio e vídeo, utilizando sua
rubrica. Os dados permitidos serão utilizados somente conforme a permissão abaixo.
As gravações podem ser estudadas pelo
pesquisador envolvido no projeto.
Áudio _______ Vídeo ______ Anotações ______
As gravações podem ser mostradas a pessoas
envolvidas em outros projetos de pesquisa.
Áudio _______ Vídeo ______ Anotações ______
As gravações podem ser usadas em publicações
científicas.
Áudio _______ Vídeo ______ Anotações ______
A transcrição escrita da interação pode ser
mantida em arquivo à disposição de outros
pesquisadores.
Áudio _______ Vídeo ______ Anotações ______
As gravações podem ser usadas por outros
pesquisadores.
Áudio _______ Vídeo ______ Anotações ______
As gravações podem ser mostradas em salas de
aula, para fins de estudo.
Áudio _______ Vídeo ______ Anotações ______
As gravações podem ser mostradas em
apresentações públicas.
Áudio _______ Vídeo ______ Anotações ______
Todas as informações serão mantidas em caráter confidencial pelo uso de pseudônimos, a não ser em
caso de autorização expressa para uso dos nomes reais. Além disso, os dados não seo disponibilizados para
qualquer prosito queo se encaixe nos termos da pesquisa.
Responsável pela pesquisa: Pedro M. Garcez, Ph.D
Data: ________________________________________
Participante: ________________________________________
Assinatura: ________________________________________
148
ANEXO III
Formulários de Consentimento usados em 2003 - Alunos
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE LETRAS
Projeto de Pesquisa “Organização do reparo conversacional,
intersubjetividade e controle social”
Prédio Administrativo do Instituto de Letras – Sala 117 – Campus do Vale
Av. Bento Gonçalves, 9500 – 91501-000 – Porto Alegre, RS
Telefone 3316-6758
FORMULÁRIO PARA CONSENTIMENTO DE GRAVAÇÕES (VÍDEO) EM SALA DE AULA
Porto Alegre, 17 de julho de 2003.
Prezado senhor ou senhora responsável por _____________________,
Somos professores e alunos do Instituto de Letras da UFRGS. Estamos realizando uma pesquisa na
Escola Municipal de Ensino Fundamental Prof. Gilberto Jorge. Estudamos a interação entre as pessoas
na escola. Para esse trabalho, precisamos gravar algumas aulas. Depois, as gravações são transcritas
para estudo.
Gostaríamos de poder contar com a sua autorizão para gravarmos a sala de aula de
__________________. A Direção da Escola, assim como os professores da turma estão de acordo com
a realização da pesquisa. As gravações serão usadas somente para os fins de pesquisa científica, que
está devidamente registrada na UFRGS e recebe apoio do óro oficial mais importante da pesquisa
científica no Brasil, o CNPq. As gravações serão utilizadas somente pela equipe do Projeto (ou por
outros pesquisadores interessados), e a pesquisa será divulgada apenas em publicações ou
apresentações acadêmicas. O nome dos participantes nas gravações não será revelado, a não ser que
assim desejem.
A sua participação é muito importante, pois você estará contribuindo para a produção de
conhecimento. Agradecemos desde já por sua atenção. Em caso de dúvida ou necessidade de
esclarecimentos, estamos à sua disposição no telefone 3316-7658, ou pessoalmente, em horário a ser
marcado conforme a sua conveniência.
Atenciosamente,
Prof. Dr. Pedro M. Garcez, Coordenador do Projeto
Lia Schulz, Acadêmica de Letras
Luciana E. da Conceição, Acadêmica de Letras
LI A DESCRIÇÃO ACIMA E DOU O MEU CONSENTIMENTO PARA A GRAVAÇÃO EM
DEO DA SALA DE AULA EM QUE ESTUDA A CRIAA SOB MINHA
RESPONSABILIDADE BEM COMO AUTORIZO O USO DOS REGISTROS CONFORME PARA
PESQUISA CONFORME INDICADO ACIMA.
NOME DO ESTUDANTE: __________________________________________________________
NOME DO RESPONSÁVEL: ________________________________________________________
ASSINATURA (RESPONSÁVEL): ___________________________________________________
149
ANEXO IV
Formulários de Consentimento usados em 2005 - Educadores
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE LETRAS
Projeto de Pesquisa: A Construção da Participação na Fala-
em-Interação de Sala de Aula
Prédio Administrativo do Instituto de Letras – Sala 203 – Campus do Vale
Av. Bento Gonçalves, 9500 – 91501-000 – Porto Alegre, RS
Telefone: 3316-7080
Consentimento
Através deste documento, solicita-se sua participação num projeto de pesquisa que prevê geração de
dados audiovisuais, registro de notas de campo e entrevistas individuais ou em grupo. Os dados gerados serão
analisados no desenvolvimento de pesquisa qualitativa vinculada ao Programa do Pós-Graduação em Letras, área
de Estudos da Linguagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Este documento garante que as identidades dos participantes da pesquisa serão mantidas em anonimato.
Indique, para cada item abaixo, o seu consentimento de uso dos dados gerados em áudio e vídeo, utilizando sua
rubrica. Os dados permitidos serão utilizados somente conforme a permissão abaixo.
As gravações podem ser estudadas pelo
pesquisador envolvido no projeto.
Áudio _______ Vídeo ______ Anotações ______
As gravações podem ser mostradas a pessoas
envolvidas em outros projetos de pesquisa.
Áudio _______ Vídeo ______ Anotações ______
As gravações podem ser usadas em publicações
científicas.
Áudio _______ Vídeo ______ Anotações ______
A transcrição escrita da interação pode ser
mantida em arquivo à disposição de outros
pesquisadores.
Áudio _______ Vídeo ______ Anotações ______
As gravações podem ser usadas por outros
pesquisadores.
Áudio _______ Vídeo ______ Anotações ______
As gravações podem ser mostradas em salas de
aula, para fins de estudo.
Áudio _______ Vídeo ______ Anotações ______
As gravações podem ser mostradas em
apresentações públicas.
Áudio _______ Vídeo ______ Anotações ______
Todas as informações serão mantidas em caráter confidencial pelo uso de pseudônimos, a não ser em
caso de autorização expressa para uso dos nomes reais. Além disso, os dados não seo disponibilizados para
qualquer prosito queo se encaixe nos termos da pesquisa.
Responsável pela pesquisa: Lia Schulz
Professor Orientador: Pedro M. Garcez, Ph.D.
Data: ________________________________________
Participante: ________________________________________
Assinatura: ________________________________________
150
ANEXO V
Formulários de Consentimento usados em 2005 - Alunos
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE LETRAS
Programa de Pós-Graduação em Letras
Projeto de Pesquisa: A Construção da Participação na Fala-em-
Interação de Sala de Aula
Prédio Administrativo do Instituto de Letras – Sala 203 – Campus do Vale
Av. Bento Gonçalves, 9500 – 91501-000 – Porto Alegre, RS
Telefone: 3316-7080
FORMULÁRIO PARA CONSENTIMENTO DE GERAÇÃO DE DADOS PARA PESQUISA
Porto Alegre, 3 de agosto de 2005.
Prezado senhor ou senhora responsável pelo/a aluno/a __________________________________,
Sou aluna do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFRGS e estou realizando uma pesquisa nesta escola
sobre a interação entre as pessoas na sala de aula. Para esse trabalho, preciso registrar em vídeo algumas aulas e
outras atividades letivas na escola, como conselho de classe. Depois, as gravações são transcritas para estudo.
Além dessa geração de dados audiovisuais, necessito fazer registro de minhas observações em notas de campo e
realizar algumas entrevistas individuais ou em grupo.
Gostaria de poder contar com a sua autorização para gravarmos em vídeo as aulas da turma B31, freqüentada
pelo/a aluno/a _________________. A Direção da Escola e os professores da turma estão de acordo com a
realização da pesquisa. As gravações serão usadas somente para os fins de pesquisa científica, que está
devidamente registrada na UFRGS. Os dados serão utilizadas somente pelo autor do projeto ou por outros
pesquisadores interessados, e a pesquisa será divulgada apenas em publicações ou apresentações acadêmicas. O
nome dos participantes nas gravações não será revelado, a não ser que assim desejarem.
A sua participação é muito importante, pois você estará contribuindo para a produção de conhecimento sobre a
interação em ambiente escolar. Agradecemos desde já por sua atenção. Em caso de dúvida ou necessidade de
esclarecimentos, estamos à sua disposição na escola, em horário a ser marcado conforme a sua conveniência pelo
telefone 3316-7080.
Atenciosamente,
Lia Schulz
LI A DESCRIÇÃO ACIMA E DOU O MEU CONSENTIMENTO PARA A GRAVAÇÃO EM VÍDEO DA
SALA DE AULA EM QUE ESTUDA O ALUNO SOB MINHA RESPONSABILIDADE, BEM COMO
AUTORIZO O USO DOS REGISTROS PARA PESQUISA CONFORME INDICADO ACIMA.
NOME DO ESTUDANTE: __________________________________________________________
NOME DO RESPONSÁVEL: ________________________________________________________
ASSINATURA (RESPONSÁVEL): ___________________________________________________
151
ANEXO VI
Linha do Tempo – História da Escola*
História Pedagógica da Escola:
Datas e Eventos Importantes
1985 – A E.E. Paraíba desce o morro.
1986 – A comunidade se organiza e reabre a escola que funciona como anexo da E.E.
Tancredo Neves.
1987 – Reconhecida pelo CEd, em 18 de maio de 1987, com o nome de E.M. Prof. Gilberto
Jorge.
1989 – Com Ester Grossi – estudos: Piaget, Emília Ferrero e Alicia Fernandes. Começa a
construção, no dia-a-dia, dos Princípios Pedagógicos para eliminar a evasão e a
repetência.
1994 – Início da Pesquisa – sistematização e escrita dos Princípios Pedagógicos.
1995 Primeira Coletânea.
1996 – Conclusão da Pesquisa;
– Coletivo da Escola realiza a construção de um novo Regimento que não foi aceito.
1997 – Segunda Coletânea da Escola. Estudo sobre Ciclos.
1998 – Início dos Ciclos de Formação.
1999 – Nova Pesquisa (foco na escuta dos alunos).
2000/01 – Nova organização de tempo e espaço;
– Terceira Coletânea;
– Organização do ensino através de Projetos Pedagicos = O circo.
2002/03 – Projeto: ressignificando os Contos de Fadas.
2004/05 – Construção do Prédio Novo da Escola e os projetos Adolescência e a relação com o
mundo, Ecoarte.
* Quadro organizado a partir do material intitulado “Linha do Tempo da História Pedagógica da Gilberto
Jorge”, elaborado pelos educadores e equipe diretiva da escola em 2005. As informações correspondentes às
datas foram registradas no quadro tais quais aparecem no documento.
152
ANEXO VII
Íntegra dos segmentos de fala-em-interação transcritos e analisados nesta dissertação.
TRANSCRIÇÕES DO PRÉ-CONSELHO
1ª Transcrição – segmento III
(DVD 01 – 22/08/2005 – 00:01:31)
26 Ivete: .h:: bom, (0,5) ã:: no primeiro trime::stre o que
27 a gente fez no trabalho do conselho, (.) os gru
pos se
28 reuni
ram (0,9) e trabalharam no conselho essa vez nós
29 vamos fazer no qua
dro (1,0) e eu vou escrevendo o que
30 vocês vão dizendo e alguém copi
a (0,9) para depois a
31 gente poder fazer o cartaz: ((vai se dirigindo para a
32 mesa do professor))
33 (0,5)
34 ( ): (nós tudo ju:nto,)
35 (1,5)
36 Ivete: to
do mundo vai fala:ndo (.) e eu vou escreve:ndo e a
37 gente combina agora dá para copiar quem é que pode
38 copiar, ((levantando uma folha de papel))
39 (0,5)=((João levanta a mão))
40 Ivete: João=
41 João: =>eu copi
o sora<
42 (0,9)
43 João: ( ) ((Ivete entrega a folha para ele))
44 (0,7)
45 Ivete: só não esquece (.) tu come
ça escrevendo lá em ci:ma ó
46 ((pega o giz e vai escrevendo no quadro o que está
47 dizendo)) (1,1) segundo conselho de cla:sse:,
48 (15,6) ((mais alunos entram na sala e outros comentam a
49 entrada destes. Várias conversas paralelas))
50 Ivete: não pode:mos esquecer disso tá Joã:o,
153
2ª Transcrição – segmento IV
(DVD 01 – 22/08/2005 – 00:03:30)
45 Ivete: gente eu preciso to
do mu:ndo (0,8) colabora:ndo (1,4)
46 para a gente poder pensa:r (0,4) em cada maté:ria (0,5)
47 o que é que a gente tem para fala::r depois o recado
48 para os professores,
49 (2,6)
50 Ivete: tá,
51 (0,5)
52 Ivete: nós podemos começar pelas maté:
rias ou pelo reca:do o
53 que vocês preferem,
54 (0,5)
55 João: pelo reca:
do ((levantando os braços para cima))
56 (0,2)
57 Ivete: pelo reca:
do:, ((se dirigindo para a turma e olhando
58 para todos))
59 (0,3)
60 Ivete: todo mundo concorda com o João podemos começa:r,
61 (0,6)
62 Ivete: então vamos lá: ((pegando o giz e se voltando para o
63 quadro)) vamos começar com o nome da Sí:
lvia:,
64 (0,6)
65 ( ): [[si:m=
66 ( ): [[si:m=
67 ( ): =va
mos
68 ( ): SI:[:M
69 Ivete: [reca
dos:, ((escrevendo palavra “recados” no
70 quadro)) (0,5) João vai copi[a
ndo
71 ( ): [sora Rafae::
la
72 (1,0)
73 ( ): °(hoje )°
74 (1,5)((Ivete termina de escrever e se vira para a
75 turma))
76 Ivete: ã, ((Ivete olhando para alguém no fundo da sala))
77 (0,5)
78 ( ): ( [ ] á,)
79 Ivete: [Rafae:la,]
80 (0,8)
81 ( ): ( )=
82 ( ): =°Sílvia°
83 ( ): °Sí[llvia°
84 ( ): [°Sílvia°
85 (0,8)((Ivete se volta para quadro e começa a escrever))
86 Ivete: Síl:lvia ((escrevendo no quadro))
154
3ª Transcrição – Segmento V
(DVD 01 – 22/08/2005 – 00:04:56)
35 Ivete: vamos lá: então
36 (0,7)
37 Ivete: o que
que a gente po:de- a gente tem que pensa:r assi:m
38 (0,5) as coisas que estão lega:is com a Si:via as coisas
39 que nã
o estão lega:is (0,5) o que a gente pode dar de
40 recado para a Sílvia,
41 (3,1)
42 Ivete: vamos lá
43 (0,7)
44 Ivete: vocês vão dize:
ndo (0,3) ((João levanta braço)) as co:isas
45 e daí (0,4) eu escre:
vo vocês me dizem se é assim me:smo
46 daí depo:
is::, (2,5)=((barulho de classe sendo arrastada))
47 tu copi
a
48 (0,6) ((João com braço esticado; Michael joga objeto para
49 Daniel))
50 Ivete: vamos lá
51 (0,6) ((João ainda com braço direito esticado))
52 (João): °sora°
53 (1,1)
54 Ivete: fa:la pode falar
55 João: os ã::- s:- s:- tra::ba:lhos:- (0,6) ã:: os traba:lhos que
56 ela vem faze:ndo
57 (0,3)
58 Ivete: eu não entendi
(0,5) fala mais a:lto para eu te entender
59 (1,8) ((Ivete se aproxima da classe de João e pára com os
60 braços apoiados na primeira classe))
61 João: os traba:lhos que ela, (0,7) que ela tá faze:ndo sora
62 (1,0)°(ã:: mas eu acho que não são )°
63 Ivete: ó o Joã:o tá fala:
ndo que os traba:lhos que vocês estão
64 falan- faze:
ndo com a Sílvia estão lega:is:
65 (0,7)
66 ( ): (<depe[:nde:>)
67 ( ): [(nã::o)
68 ( ): (era )
69 (0,7)
70 Ivete: tá daí o que ma:
is:,
71 (1,5)
72 Eduardo: sora:,
73 (0,4)
74 Ivete: ã?
75 Eduardo: tem pou
co Espanho:l
76 (0,9)
77 Ivete: ã?
78 (0,3)
79 Eduardo: tem pou
co Espanho:l=
80 Ivete: =tem pouco Espa[nho:l,
81 (Paula): [é:::
82 ( ): é:[::
83 (Gisele): [i:
sso=((polegar levantado))
84 (0,3)
85 ( ): °( [ ) Espanhol°]
86 Ivete: [os traba:
lhos então] não sã:o de Espanhol,
87 (0,3)
88 ( ): n:[ã:
o
89 (Eduardo): [nã:
[o
90 ( ): [n:ã[:
o
155
91 ( ): [n:ã:o
92 (.)
93 Ivete: são de quê::,
94 (0,2)
95 ( ): Portu[guê:::s
96 ( ): [de Portuguê::s
97 (Eduardo): [de Portuguê::s:::
98 ( ): [Portuguê::s:::::
99 ( ): °de Geografi::a°=
100 Ivete: =de Geografi?::a:
101 (0,4)
102 ( ): n:ã:
o
103 (1,9) ((Ivete vai para o quadro e pega giz))
104 Cássio: ma:
is é Portuguê:s:
105 ( ): ah é: ( )
106 (.)
107 Ivete: mais é Portuguê:
s::,
108 (0,3)
109 ( ): é:
110 ( ): é:
111 (0,2)
112 Ivete: que ti:po de traba:lho é,
113 (1,4)
114 Eduardo: é:::
traba[lho so]bre o Brasi:l
115 ( ): [te:
xto,]
116 (0,4)
117 ( ): sobre [o Brasi:l pes[qui:sa]
118 ( ): [é::: (trabalho [sobre [o Bra[si:l)
119 Eduardo: [é::: [°( [ )°
120 Deivid: [sobre [os farra:pos]
121 ( ): [os esta:dos do]
122 [Brasil
123 ( ): [pe::squi:
sa [no computa]dor
124 (Ivete): [pe::squi
sa]
125 (1,0)
126 (Cássio): pesqui:sas na interne:t
127 (0,8)
128 Ivete: e te:m alguma coisa que não tá lega
l com a Sílvia,
129 (0,7)
130 Gisele: não ((sacudindo a cabeça negativamente))
131 ( ): n:[ã:::
o
132 João: [aumentati:
vo e:: diminuti:vo=
133 ( ): =ã:
134 (0,4)
135 Ivete: é:
, aumentativo e diminu[tivo,((olhando para toda turma))
136 (Paula): [a:: pontuaçã:
o=
137 ( ): a pontuaçã
o=
138 ( ): =a pontua[çã:
o]
139 (Gisele): [os do:
is] ((mostra dois dedos levantados))
140 Ivete: [é dific-] mas por que:
que não tá lega:l,
141 (0,8)
142 ( ): (tá lega:l )=
143 (Gisele): =(nã:o) ((balançando a cabeça))
144 (0,6)
145 (João): tá legal ( )
146 (1,2)
147 Ivete: [[tô-
148 João: [[( ah:)=((levanta mão))
149 (0,5)
150 Ivete: eu tô perguntando assi:m alguma coisa que nã:o [tá le]gal
151 João: [te:m sora]
156
152 (0,7)
153 Ivete: então vamos ver ((aponta para João, que está com braço
154 levantado))
155 João: n::[:o::] nos finais das aulas °sora°
156 ( ): [na:
da]
157 (0,4)
158 Ivete: o fim da a:ula- a a:ula não [é] legal,=
159 ( ): [é:]
160 ( ): =é:
161 Ivete: por quê
,
162 (0,2)
163 Eduardo: porque: [( )
164 (João): [porque ( vai embora)
165 (0,6)
166 Ivete: não entendi
167 (0,3)
168 João: sempre acaba::: [(a sora ficando bra:ba)] e ela fica-
169 ( ): [(ô sora )]
170 (0,3)
171 João: e ela vai para casa chatea:da °sora°
172 (0,6)
173 Ivete: [[a professora fica chateada,]
174 (Luana): [[PORQUE os aLU:nos não respei]tam E:la
175 (0,4)
176 ( ): é:
177 Ivete: porque os alunos não respe:
itam::,=
178 (Luana): =u:
ns
179 (0,2)
180 (Adriana): eu não posso falar dos outros porque ( )
181 ( ): é
182 (0,2)
183 Ivete: é: na verdade nós estamos falando da a
ula
184 (Gisele): entã:
o,
185 Ivete: [Adriana,
186 (Gisele): [to
dos:
187 (0,6)
188 ( ): to:
dos:
189 (0,3)
156 Ivete: o que não tá lega:l é que vocês acham entã:
o- (0,4) vê se
157 eu entendi
(0,3) porque daí eu escrevo depo:is (0,3)
158 entã:
o (0,6) que vocês estão incomodando a
159 Sí:lvia e que ela sai chatea
da,
160 (.)
161 ( ): ãhã:
162 ( ): si::
m
163 Ivete: e [vo]cês incomo:
[dam-
164 (João): [só::] [( ) nos finais das a:
ulas
165 (0,3)
166 Ivete: no final,=
167 (João): =( aí::: começa a azucrinaçã::::o a )
168 (0,4)
169 (Adriana): depois do recre::
io
170 (0,4)
171 Ivete: depois quando é- depois do recre:
io,
172 ( ): é:
173 (Denis): mas [às vezes no começo da a:
ula °sora°=
174 ( ): [( )]
175 (João): =é: e (a me bateu [°sora°)
176 Ivete: [bom,]
177 ((se volta para o quadro)) (0,3) entã:
o eu vou
178 botar assi:m, (1,3) ã::- (0,3) as:- (1,0)=((começa a
157
179 escrever no quadro)) as a:ulas: (0,4) depois que eu
180 escrever- tu não copia ai:nda tá, (0,7) as a:
ulas:,
181 (3,6) °(estã:o)° (2,0) lega:is: (2,6) ma:
s: (3,7)
182 incomoda:
mos: (2,7) aí eu boto entre parênteses
183 gritari:
a é i:sso, ((virando-se para a turma))=
184 ( ): =si:
m
185 (0,2)
186 ( ): [[si:
m
187 ( ): [[°si:m°
188 (1,0)
189 ( ): °°si:m°°
190 (0,9)
191 Ivete: gri
tos:::
192 (0,5)
193 Ivete: i
:sso,
194 (0,4)
195 ( ): [[é::
196 Ivete: [[mais alguma co
isa,
197 (0,6)
198 (Paloma): [[ã::::,
199 (Adriana): [[[ã::: e::::,
200 (0,5)
201 João: responde
r para a so:ra
202 (2,4)=((Ivete se volta para quadro e, logo, se volta à
203 turma))
204 Ivete: respon[der (de que forma,)]
205 Gisele: [brincar de carri:nho,] ((balança braço))
206 (0,4)
207 Ivete: ã:
,
208 (Cássio): falta de educaçã:
o
209 (0,3)
210 Ivete: falta de educação ((volta-se para quadro e escreve))
211 (12,8)=((enquadres paralelos simultâneos))
212 Ivete: ((lendo)) as aulas são lega:
is (mas) incomoda::mos:,
213 (0,5) e
falta de educaçã:o ((escrevendo)) (1,1) e a:,
214 (1,5) professo:
ra: (1,5) fi:ca (1,1) o que que ela- ((se
215 vira do quadro para a turma)) [como é que eu bo:
to,]
216 (Gisele): [chatea:::
da]
217 Ivete: ã, chatea:da, ((voltando-se para o quadro))
218 (9,3) ((Gisele assente com a cabeça))
219 Ivete: te:mos: (9,5) é i:
sso, vamos ver ((ainda escrevendo no
220 quadro))
221 (3,1)
222 Ivete é i:
sso,
223 (0,5)
224 Ivete: ó
225 (0,2)
226 ( ): °é:°
227 (0,2)
228 Ivete: Sí:
lvia as aulas estão legais mas incomoda:mos aí eu dei
229 exe:mplo entre parê:nteses gri:
to falta de educaçã:o e a
230 professora fica chatea:da temos pouca aula de Espanho:
l
231 é i:
sso,
232 (0,2)
233 (Gisele) é::=
234 ( ): =si::m
235 (1,4)
236 Ivete: pode copiar ((para João))
158
4ª Transcrição – Segmentos VI e VII
(DVD 01 – 22/08/2005 – 00:09:44)
28 Ivete: mas não é só o Joã:o fala:ndo né:,
29 (0,6)
30 (João): é:::
31 (0,8)
32 Ivete: quero mais ge:nte fala:ndo qual é o recado que a gente
33 pode dar [(para Daniela)((se virando para a turma))
34 (Adriana): [ela é cha:
ta
35 (0,6)
36 ( ): a:::i [Adria:
na::]
37 (Daniel): [ela me perse:gue o [tempo to:do)]
38 ( ): [(sora:)]
39 ( ): [( olha)] aí:-=
40 Ivete: =bo
m (0,3) x:- dá para ver que tem algumas coisas que
41 não estão gosta:
ndo vamos ver como é que- aqui:lo que
42 eu sempre di:go para vocês que a gente te
m que falar as
43 coisas que não estão bo:
as (0,6) mas de que je:ito a
44 gente fa:la (0,8) né,
45 (1,0)
46 Mariana: sora °(as [ )°
47 João: [sora ((erguendo braço))
48 Ivete: peraí só um pouqui:
nho um de cada ve:z fa:la
49 Mariana: °as expressõ:es nu[mé
ricas ( )°
50 ( ): [( )
51 (0,9)
52 Mariana: °( )°
53 (0,7)
54 Ivete: vocês ouvi
ram o que a Mariana tá dize:ndo,=((olhando
55 para toda a turma)) [que as] expressõ:
es numé:ricas=
56 ( ): [nã::o]
57 Ivete =são difí:
ceis
58 (Adriana): [[não sã:o na:
da]
59 (João): [[nã:::::::o] (não sã:o na::
da)]
60 ( ): [[nã:::::o ( )]
61 ( ): [[( )]
62 (0,3)
63 (Téo): [[(qual é o [ )]
64 ( ): [[( [ )]
65 Ivete: [ca:::
lma::: x::
66 (0,2)
67 ( ): ( [ )]
68 Ivete: [GE:
nte: VOCÊS] SÃO UM MO::nte
69 (Guilherme)
:
( ) ((arrasta classe para frente e se agacha
70 para pegar algo do chão))
71 (0,9)
72 Ivete: vocês são um mo:
nte tem que cada u:m poder fala:r fala
73 João o que que tu ia dizer,
74 (0,3)
75 João: ô
sora eu a:cho que ela tá:: exigindo mu:ito de
76 (nó::
s,)
77 (1,1)
78 Ivete: [[tá exigindo] mu:
ito de vo[cê:s:,
79 ( ): [[( sora)]
80 (Eduardo): [eu tam[bé::m] sora:: é
81 ( ): [é:::]
82 Ivete: expli:
ca o que que é [o exigindo mu:ito]
83 (João): [(po:
sso eu so]ra,)((ergue braço))
159
84 Ivete: m:,
85 João: é que: tem pessoas que sabem basta:nte sora (0,7) e::
86 tem outras que não sabem
87 (Paloma): e ela ficou grita:ndo ((Ivete se vira para Paloma?))
88 João: e: ela:: [( )]
89 Ivete: [espera só um pouqui:nho eu JÁ] pergu:
nto=
90 =((mostra a palma da mão para Paloma?)) ã,=((olha p/
91 João))
92 João: e ela fica ( ndo) coisa::s que::,
93 ( ): (uma vez:)
94 (0,3)
95 João: ( ) tipo a Maria:na não sabe faze:r, (1,0)
96 expressão numé
rica
97 (0,4)
98 Ivete: ã,
99 (0,3)
100 João: daí ela que:
r que a Mariana (vá)=((objeto arremessado
101 por Daniel? bate na lixeira fazendo barulho)) (0,5) e
102 daí [a Mariana:]::: igno:ra=
103 Ivete: [°vamos parar hein,°]=((olha para Daniel? volta a
104 olhar João))
105 João: =[e:la=
106 ( ): =( também )
107 ( ): a Mariana: não presta atençã:o sora
108 Ivete: tá [a PROFESSO:RA-]
109 ( ): [daí: a Mariana] acha difí:cil depois: °sora°
110 (0,3)
111 Ivete: a professora fica bra:ba, (0,7) porque algué:m não
112 sa:be alguma co:isa é i:
sso,
113 ( ): é::=
114 ( ): =i:
sto
115 ( ): °é:°
116 ( ): [[(quase que )]
117 Ivete: [[e ela já explico:u
-]
118 (0,2)
119 Ivete: e ela [já] explico:u basta:
nte:,
120 ( ): [sora,]
121 Paula: (ex[pli:ca] u:ma ve:
z,)=
122 João: [sora,]=((erguendo o braço))
123 João: =nã
o=
124 (Gisele): =e de:
u [( [ ] para ca:sa)]
125 ( ): [( [ ][ [ )
126 João: [( ó)]
127 Ivete: [s:::[::::
128 Cássio: [ela pára de
129 (explica:r) e começa a::::: °( [ )°,
130 ( ): [é:: ( eta)]
131 ( ): [( encher o sa:co)]=
132 ( ): [( )]
133 ( ): =°(e começa a encher o sa::co,)°
134 (1,0)
135 Paloma: [[quando a ( )] também no tá:::: no ã:: [( ]també
m=
136 ( ): [[( )]
137 Ivete: [ah
]
138 João: =qua:
ndo [a:::-
139 ( ): [(senão só [por causa )
140 (João): [quando algumas pessoas estão
141 tentando:[:::
142 Ivete: [(então eu-) eu vo
u escrever de um jeito vocês
143 vão le:
r vamos ver se eu entendi [o que vocês estão=
144 Téo:
sora (é que é=
160
145 Ivete: =dizendo] ((pega giz e começa a virar-se para quadro))
146 Téo: =assi
m ó)]
147 Ivete: ã,=((vira para Eduardo))
148 Téo: a sora Da:ni ela [expli:ca] (0,7) [u:
ma u:ma=
149 (Daniel): [(ela vai )]
150 Ivete: [ge:
nte eu quero=
151 Téo: =vez:]
152 Ivete: =ouvi:
r eu tô] aqui pe:rto e tá difí:cil ((vira para
153 Téo))
154 (0,3)
155 (Daniel): i:
sora acho que o seu ( )=
156 Téo: =ela expli
ca no má:ximo trê:s ve:zes
157 Ivete: m
:
158 Téo: mas ( mais) tem gente: que fi
ca conversando e não
159 pre:sta atençã:o (0,6) daí a sora vê: (0,3) daí ela vai
160 indo ( ) faze:r aquilo que ela (invento
u )
161 fica conversando [( não [EXPLI][CA MA:
IS=
162 Eduardo: [( para [e:
la)]
163 Ivete: [vocês ouvi:
ram=
164 Téo: =aI:
nda) lá no QUA:dro]=
165 Ivete: =o que o Téo di:
sse,]
166 Téo: =daí ela [m:anda] co:isas porque::=
167 ( ): [si:::
m]
168 Téo: =[( ) pres]taram atençã:o,
169 (Paula): [ô: sora:,]
170 (0,6)
171 Téo: e:: [do::s que não] sã:o não presta:ram acham que=
172 Ivete: [°(só um [pouquinho)°]=((palma e olhar para
173 Paula?))
174 Téo: =[( )
175 Ivete: =[o Leona:
rdo tá dizendo:, (0,2) para quem não ouvi:u
176 lá atrás assi
m ó, (0,7) que: a professora expli:ca:
177 du
as três vezes:,
178 João: até ma:
is:=
179 Ivete: =e daí:- até ma:is:, (0,6) o João tá dize:
ndo, (0,6)
180 e aí:
então ela dá o material para faze:r e aí tem
181 ge:
nte que ficou só conversa:ndo conversa:ndo
182 conversa:
ndo e daí ela não explica mais (para quê) é
183 i
sso,
184 (0,4)
185 ( ): [[i:
sso
186 ( ): [[i:
sso
187 (0,2)
188 ( ): é i:
sso
189 ( ): (a- aque
le) que: ficou conversando não entende:u
190 (1,0)
191 (Adriana): aí: [fica] perguntando para e:
la
192 ( ): [(fica-)]
193 Ivete: (ah lá:::)
194 (0,4)
195 (Adriana): (ah lá)=
196 ( ): =[[( )]
197 Ivete: =[[e o que
que tu quis dizer aquela] ho:ra [assim] com=
198 Gisele: ((vira cabeça bruscamente para Adriana))=[( ?)]
199 =é cha:ta vamos ver,
200 (0,6)
201 Ivete: o que que é:
para eu poder sabe:r para ver o que que eu
202 escre:
vo
203 (1,3)
204 Ivete: ã,
205 (.)
161
206 (Adriana): °(não porque ela é)°
207 Ivete: a
i gente::= ((olha para alunos à direita, que estão
208 assobiando?))(0,9) °(assim não)° fa:la=((olha para
209 Adriana))
210 (0,6)
211 Adriana: °(porque si::m)°
212 Ivete: fa:
la que eu quero entende:r
213 ( ): [[sora ( )
214 Gisele: [[<fa:la: a::lto:>=((olha para Adriana))
215 Ivete: [[°(todo mundo pode fala:r)°
216 Adriana: °°(tô tentando me lembrar)°°=((olhando para Gisele))
217 (0,3)
218 Adriana: ah tá (1,1)=((se vira para Ivete)) ã::: é por causa que
219 ela:::
220 Ivete: fa
la mais alto que tem baru:lho lá em ci:ma
221 (0,5)
222 Adriana: quando:: a gente fica assim ( ) daí ela:,
223 (1,0) [( )] toda ho:ra °sora°,
224 Ivete: [mas tu a-]
225 (0,3)
226 Ivete: tá mas então tu tá:: tu tá concordando com os guri:
s
227 que ela já explicou basta:
nte (0,2) e daí ela ca:nsa é
228 i:
sso?
229 (0,8)
230 Adriana: °é°=((balançando a cabeça))
231 (3,2)=((Ivete se vira e vai para o quadro))
232 Ivete: eu vou botar assi:m (2,0) nem todos:=((escrevendo))
233 (2,6) go:
s:tam (3,9) da a:ula:,
234 (22,2)=((Ivete continua escrevendo))
235 Ivete: vamos ve:r aqui
ó
236 (0,6)
237 Ivete: ((leitura do quadro)) nem to
dos gostam da a:ula porque
238 às ve:
zes é difícil
239 (0,9)
240 ( ): é:
241 (1,4)=((Ivete escreve mais no quadro))
242 Ivete: ((escrevendo)) tem ge:
nte: (3,9) que nã:o (3,1) entende
243 (5,1) me:smo (com a )
244 (2,5)
245 Jaime: °°(ces::::ta)°° ((depois de ter jogado bolinha de papel
246 na lixeira))
247 ( ): vão para:[:::::::::r,]
248 Ivete: [ah tá che:ga] ((ainda de costas))
249 (0,7)
250 ( ): é o [Jai:me
251 Jaime: [AH:::: sora: [(eu sou compor]ta:do)
252 ( ): [é o Jai:me
]
253 (0,3)
254 Ivete: [[tá: só ( )]
255 Jaime: [[(eu sou comportado sora)]
256 (0,3)=((Ivete se vira para Jaime))
257 Ivete: pá:ra (de implicância)
258 (0,2)=((Ivete se volta para quadro))
259 (Adriana): e qua:ndo [ela che-]
260 Ivete: [tem ge:
nte] que não en[te:nde,=((lendo))
261 Daniel: [(olha a )=((joga
262 bolinha no lixo))=
263 Jaime: =foi o Danie:l sora:=((aponta para Jaime))=
264 (Adriana): =ô SO:::ra e quando ela che[ga ela f::-
265 Ivete: [eu a:
cho que tu
266 [quer aparece:
r ( [ )=((vira p/ Jaime e p/ quadro))
162
267 Jaime: [(agora foi o Ra[fae:l)=((aponta para Daniel))
268 ( ): [ô so:::ra=
269 Daniel: [foi e:le=((aponta para Jaime))
270 ( ): [[sora:::
271 Jaime: [[ago:ra foi o Rafae:
l=((aponta para Daniel))
272 (Adriana): ô so[::ra ( )]
273 Ivete: [me:
smo a professo:ra] ex:::::, (2,1) plica::ndo::
274 (1,5) boto basta:
nte ou [bo:to] três ve:zes:,
275 Adriana: [sora::,]
276 Adriana ô so:ra,
277 (0,8)=((Ivete olha para Adriana))
278 Adriana: (qua
ndo ela chega [na sala] de a:ula-)
279 ( ): [ô sora]
280 Ivete: PÁ:RA
UM POUQUINHO que eu quero ouvir a Adria:na
281 (0,5)
282 Adriana: e quando ela chega d- na:: sala de a:ula ela quer
283 manda::r (0,6) mandar (0,4) [(e:::) nada a ve:r]
284 (Paula): [ela já chega briga::n]do
285 Adriana: é::
286 (1,1)=((Ivete volta para quadro))
287 ( ): nem se::
mpre suas mentirosas
288 (Paula): fica quie:to que nó:
s estamos falando=
289 Ivete: [dizem] que a professora
290 (Paula): [agora]
291 (0,6)
292 (Paloma): nem se:
:mpre mas nas ( )
293 ( ): (só que são você:
s que =
294 incomo:
dam)
295 (Paloma): =vários:
296 ( ): ã::=,
297 (Paloma):
298 (0,4)
299 ( ): ( )
300 Cássio: (comigo
o)
301 (0,6)
302 Cássio: ô Adria:na
303 (0,8)
304 Cássio: ô Adria:na
305 (0,5)
306 Cássio: por que que ( quando sai da a:ula,)
307 (0,2)=((Paula se vira para Adriana))
308 Paula: (não dá bo::la genti:nha)
309 (4,2)
310 Ivete: vê se é i
sso não copia ainda Cá:ssio=((Ivete
311 terminando de escrever))
312 (0,7)
313 Cássio: não tô copia:
ndo
314 (1,1)
315 Ivete: VAMOS LÁ: gente Ó::: TODO MU:NDO AQUI:: ó isso é da
316 tu:
rma bê trinta e u:m
317 (0,3)
318 Ivete: vamos lá:
319 (0,4)
320 Ivete: ((lendo do quadro)) Danie:
la nem to:dos go:stam da
321 a:
ula porque às vezes é difí:cil (1,3) tem ge:nte que
322 não ente:nde mesmo a professora explicando basta:nte
323 às vezes chegas °já braba° ((se vira para a turma)) é
324 i:
sso,
325 (0,8)
326 ( ): [[é:::
327 ( ): [[é:::
163
328 Gisele: [[exa:tamente=((polegar erguido, bate punho na mesa))
329 ( ): exa:tamente i:sso
330 Ivete: é i:
sso:,
331 (0,2)
332 Gisele: [[é::
:
333 ( ): [[é::
:
334 ( ): [[é::
:
335 (0,2)
336 Ivete: pode copia:r Cá:
ssio
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