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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A INTERAÇÃO GRUPAL ENTRE PARES E SUA
REPERCUSSÃO NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DA LECTO-ESCRITA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Tatiane Peixoto Isaia
Santa Maria, RS, Brasil
2008
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A INTERAÇÃO GRUPAL ENTRE PARES E SUA
REPERCUSSÃO NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA
LECTO-ESCRITA
por
Tatiane Peixoto Isaia
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-
Graduação em Educação, da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Educação.
Orientadora: Profª Drª Doris Pires Vargas Bolzan
Santa Maria, RS, Brasil
2008
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Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
A Comissão Examinadora, baixo assinada,
aprova a Dissertação de Mestrado
A INTERAÇÃO GRUPAL ENTRE PARES E SUA REPERCUSSÃO NO
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA LECTO-ESCRITA
elaborado por
Tatiane Peixoto Isaia
como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Educação
COMISSÃO EXAMINADORA:
Doris Pires Vargas Bolzan, Drª (UFSM)
(Presidente/Orientadora)
Darli Collares, Drª (UFRGS)
Lúcia Salete Celich Dani, Drª (UFSM)
Rosane Carneiro Sarturi, Drª (UFSM)
Santa Maria, 25 de março de 2008.
Dedico este trabalho a minha mãe
Magali, educadora incansável.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha querida e amada mãe Magali, que nos seus afazeres do
dia-a-dia e por meio dos pequenos gestos e palavras demonstra incentivo, apoio e
orgulho por minhas atividades acadêmicas. Meu agradecimento especial a ti, mãe,
companheira da minha caminhada como pessoa e profissional.
Agradeço à pequena” Emily, minha grande professora que em seus
ensinamentos me permite compreender o universo fascinante das crianças.
Ao meu pai Eduardo que torna todos os dias da minha vida momentos de
grande alegria. Obrigada, pai por me possibilitar viver em um lar cercado de amor,
respeito e comunhão.
Ao meu grande amor Alvaro, companheiro de meus dilemas, de minhas
alegrias; amigo sincero e pessoa que me proporciona viver num permanente estado
de “apaixonamento”. A ti, Alvaro, agradeço por tua paciência, tua compreensão, teu
amor e carinho e por tuas palavras sempre verdadeiras que me permitem “crescer” e
entender que os conflitos de opinião o fatores essenciais para um conviver em
constante aprendizado.
Agradeço à professora Doris, cuja doçura de suas palavras e atitudes sempre
me incentivando e acreditando em minhas potencialidades fizeram-me chegar até
aqui. Sou extremamente grata a ti, querida Doris, pela simplicidade acalentadora
com que demonstra toda tua sabedoria.
Às crianças que participaram da pesquisa, por me propiciarem um conviver
baseado no amor, no respeito e na amizade. À vocês, meus queridos sujeitos de
pesquisa, agradeço os ensinamentos e a oportunidade de compreender as
hipóteses infantis.
Agradeço ao meu irmão André, meu fiel técnico em informática. Obrigada por
me trazer tranqüilidade quando me percebia em pânico frente aos problemas
técnicos que eu mesma criava no manejo incorreto do computador.
Aos meus avós Eny e Ivo, que me possibilitam entender o verdadeiro
significado da família. Eny e vô Ivo, muito obrigada por fazerem parte da minha
vida.
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Processo de desenvolvimento cognitivo na concepção piagetiana .. 30
QUADRO 2 – Síntese dos Sujeitos da Turma A ...................................................... 80
QUADRO 3 – Síntese dos Sujeitos da Turma B ...................................................... 83
QUADRO 4 – Síntese das características de cada categoria .................................. 92
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Ilustração do texto que foi construído através da interação entre pares
pela Fernanda e pelo Cleison ................................................................................. 102
FIGURA 2 – Texto produzido de modo cooperativo através da interação estabelecida
entre Edison e Bernardo ......................................................................................... 104
FIGURA 3 – Escritas espontâneas produzidas pelo Bernardo .............................. 109
FIGURA 4 – Escritas espontâneas produzidas pelo Cleison ................................. 110
FIGURA 5 – Escritas espontâneas produzidas pela Fernanda .............................. 111
FIGURA 6 - Escritas espontâneas produzidas pelo Edison ................................... 112
FIGURA 7 -
Escritas espontâneas produzidas pelo Bernardo ............................... 113
FIGURA 8 – Escritas espontâneas produzidas pelo Edison .................................. 113
FIGURA 9 - Escritas espontâneas produzidas pelo Cleison .................................. 113
FIGURA 10 - Escritas espontâneas produzidas pela Fernanda ............................ 114
FIGURA 11 – Lista de nomes e frases produzidas espontaneamente pelo
Bernardo..........
........................................................................................................ 115
FIGURA 12 – Lista de nomes e frases produzidas espontaneamente pelo
Cleison .................................................................................................................... 115
FIGURA 13 – Lista de nomes e frases produzidas espontaneamente pelo
Edison ..................................................................................................................... 115
FIGURA 14 – Lista de nomes e frases produzidas espontaneamente pela
Fernanda ................................................................................................................ 115
FIGURA 15 Frase da Fernanda produzida na primeira testagem, no início do ano
letivo ....................................................................................................................... 116
FIGURA 16 - Frase da Fernanda produzida na atividade de “Auto-ditado” ........... 116
FIGURA 17 – Produção textual apresentada pelo Anderson e pelo Guilherme .... 122
FIGURA 18 – Produção textual da Jucele ............................................................. 128
FIGURA 19 - Produção textual do Willian .............................................................. 129
FIGURA 20 – Escritas espontâneas produzidas pelo Anderson ............................ 130
FIGURA 21 - Escritas espontâneas produzidas pelo Guilherme ........................... 131
FIGURA 22 - Escritas espontâneas produzidas pelo Willian ................................. 131
FIGURA 23 - Atividade de escrita, na qual a criança escreveu do seu jeito o nome
das gravuras carimbadas no papel (desenvolvida em abril de 2007) .................... 132
FIGURA 24 - Escritas espontâneas produzidas pela Jucele ................................. 133
FIGURA 25 - Escritas espontâneas produzidas pelo Anderson ............................ 133
FIGURA 26 - Atividade de escrita espontânea desenvolvida em aula no mês de
agosto ..................................................................................................................... 134
FIGURA 27 - Escritas espontâneas produzidas pelo Guilherme ........................... 134
FIGURA 28 - Escritas espontâneas produzidas pela Jucele ................................. 135
FIGURA 29 - Escritas espontâneas produzidas pelo Willian ................................. 136
FIGURA 30 – Lista de nomes e frases produzidas espontaneamente pelo
Anderson ................................................................................................................ 137
FIGURA 31 – Lista de nomes e frases produzidas espontaneamente pelo
Willian ..................................................................................................................... 138
FIGURA 32 – Lista de nomes e frases produzidas espontaneamente pelo
Guilherme ............................................................................................................... 139
FIGURA 33 – Lista de nomes e frases produzidas espontaneamente pela
Jucele ..................................................................................................................... 140
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 15
1 APRESENTAÇÃO DO TEMA ............................................................................... 19
1.1 Análise de pesquisas relacionados com o tema ........................................... 20
2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS ............................................................................... 24
2.1 Construção de conhecimentos na perspectiva psicogenética .................... 24
2.1.1 A interação na perspectiva piagetiana ............................................................ 28
2.2 Construção de conhecimentos na perspectiva histórico-social ................. 35
2.3 Alfabetização: a reinvenção de um objeto culturalmente constituído ........ 42
2.3.1 Reinvenção da alfabetização: uma revolução conceitual ................................ 42
2.3.2 Apropriação da lecto-escrita: processo de construção individual de um objeto
social ........................................................................................................................ 46
2.3.3 Alfabetização inicial: implicações educacionais e intervenção pedagógica .... 53
2.3.4 Interação grupal na construção da lecto-escrita .............................................. 61
3 DESENHO DA PESQUISA ................................................................................... 65
3.1 Temática ............................................................................................................ 65
3.2 Objetivos ........................................................................................................... 66
3.2.1 Objetivo geral .................................................................................................. 66
3.2.2 Objetivos específicos ....................................................................................... 66
3.3 Abordagem metodológica para a investigação ............................................. 66
3.4 Contexto da investigação ................................................................................ 70
3.4.1 As turmas participantes da investigação ......................................................... 71
3.4.1.1 Turma A ........................................................................................................ 71
3.4.1.2 Turma B ........................................................................................................ 73
3.4.1.3 Níveis conceituais acerca da lecto-escrita das crianças de cada turma
participante da pesquisa ........................................................................................... 76
3.5 Sujeitos da investigação .................................................................................. 77
3.5.1 Sujeitos da Turma A ........................................................................................ 77
3.5.2 Sujeitos da Turma B ........................................................................................ 80
3.6 Implementação da pesquisa ............................................................................ 83
3.7 Instrumentos ..................................................................................................... 84
3.7.1 Diário de Campo .............................................................................................. 84
3.7.2 Entrevista semi-estruturada com as professoras ............................................ 84
3.7.3 Questionário com os pais ................................................................................ 85
3.7.4 Produções escritas das crianças ..................................................................... 85
3.7.4.1 Testagem “Quatro palavras e uma frase” ..................................................... 86
3.7.4.2 Auto-ditado ................................................................................................... 86
3.7.4.3 Produção textual ........................................................................................... 87
3.8 Categorias de análise ....................................................................................... 88
3.8.1 Interação grupal entre pares com predomínio de trabalho
cooperativo ............................................................................................................... 88
3.8.1.1 Interação grupal entre pares por reciprocidade............................................. 88
3.8.1.2 Interação grupal entre pares do tipo conflitante ........................................... 89
3.8.2 Interação grupal entre com predomínio de trabalho
individual ................................................................................................................... 90
3.8.3 Interação grupal entre pares com predomínio
de imitação ............................................................................................................... 91
4 ANÁLISE DOS ACHADOS ................................................................................... 93
4.1 Achados por turma: categorização dos diferentes tipos de interação grupal
entre pares vivenciados pelos sujeitos ................................................................ 93
4.1.1 Interação grupal entre pares com predomínio de trabalho
cooperativo .............................................................................................................. 96
4.1.1.1 Interação grupal entre pares por reciprocidade ............................................ 96
4.1.1.2 Interação grupal entre pares conflitante ..................................................... 105
4.1.2 Interação grupal entre pares com predomínio de trabalho
individual ................................................................................................................. 116
4.1.3 Interação grupal entre pares com predomínio
de imitação ............................................................................................................. 122
4.2 Discussão comparativa entre as duas turmas: a importância da interação
grupal na evolução conceitual da lecto-escrita ................................................. 141
DIMENSÕES CONCLUSIVAS ............................................................................... 146
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 157
APÊNDICES ........................................................................................................... 162
APÊNDICE A - Carta de apresentação ................................................................. 163
APÊNDICE B – Termo de consentimento professoras .......................................... 164
APÊNDICE C – Termo de consentimento pais ...................................................... 166
APÊNDICE D – Roteiro da entrevista .................................................................... 174
APÊNDICE E – Questionários ................................................................................ 175
ANEXOS ................................................................................................................ 183
ANEXO A – Transcrição da entrevista com a Professora Maria, da Turma A ....... 184
ANEXO B – Transcrição da entrevista com a Professora Laura, da Turma B ....... 190
ANEXO C – Transcrição da atividade “Produção Textual” ..................................... 195
ANEXO D – Gravuras seqüenciadas para a atividade de Produção Textual ......... 205
RESUMO
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Federal de Santa Maria
A INTERAÇÃO GRUPAL ENTRE PARES E SUA REPERCUSSÃO NO
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA LECTO-ESCRITA
Autora: Tatiane Peixoto Isaia
Orientadora: Doris Pires Vargas Bolzan
Data e Local da Defesa: Santa Maria, 25 de março de 2008.
Esta pesquisa insere-se na linha de Currículo, Ensino e Práticas Escolares do
Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM. O estudo teve como objetivo
compreender qual a repercussão da interação grupal entre pares na construção da
lecto-escrita, investigando, portanto, a evolução conceitual acerca da compreensão
da lecto-escrita de crianças em processo de alfabetização inicial que compartilhavam
concepções com seus colegas e de crianças que não vivenciaram essa mesma
proposta pedagógica. Os estudos de Ferreiro e Teberosky (1985), Piaget (1972;
1973; 1977a; 1977b; 1987; 1983; 1991; 2005), Vygotski (1984; 1988; 1993; 1998),
Perret-Clermont (1996), entre outros, foram utilizados como aportes teóricos para o
desenvolvimento dessa investigação. A pesquisa foi realizada em uma Instituição de
Ensino do Estado do Rio Grande do Sul, localizada na zona periférica da cidade de
Santa Maria. Os sujeitos participantes foram oito crianças em processo de
alfabetização inicial, sendo quatro crianças de cada uma das duas turmas de
primeira rie do Ensino Fundamental escolhidas para fazerem parte desse estudo.
A investigação desenvolveu-se através de um estudo qualitativo, mais
especificamente utilizou-se da perspectiva de estudo de caso etnográfico. A busca
dos dados foi realizada por meio de observações feitas em cada turma e registradas
em um diário de campo, entrevistas semi-estruturadas com as professoras
alfabetizadoras de cada turma, questionário realizado com os pais dos sujeitos de
pesquisa e análise das produções de escritas espontâneas das crianças. Os
achados da pesquisa evidenciaram que a repercussão das ações das docentes
alfabetizadoras das turmas A e B, demarcam três tipos de interação grupal entre
pares, apontadas em um total de três grandes categorias: com predomínio de
Trabalho Cooperativo (por Reciprocidade; e, Conflitante), com predomínio de
Trabalho Individual e, com predomínio de Imitação. Cada uma dessas categorias
deixa emergir elementos relevantes para se pensar situações de ensino. Sendo
assim, entende-se que os avanços conceituais mais significativos no processo
formal de alfabetização inicial se dão quando as crianças têm a oportunidade de
vivenciarem situações de interação grupal entre pares no qual predomine o trabalho
cooperativo, tanto por reciprocidade, como conflitante, que a compreensão do
modo como opera o sistema alfabético de escrita requer o compartilhamento de
hipóteses e, principalmente, a possibilidade do sujeito confrontar suas concepções
com outros sujeitos, através dos conflitos sociocognitivos gerados pelo trabalho
reflexivo conjunto.
Palavras-chave: interação grupal entre pares; alfabetização; evolução conceitual
ABSTRACT
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Federal de Santa Maria
A INTERAÇÃO GRUPAL ENTRE PARES E SUA REPERCUSSÃO NO
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA LECTO-ESCRITA
(
THE GROUP INTERACTION PARTNER AND REPERCUSSION THE
APPROPRIATION AND THE PROCESS OF LECTO-WRITING)
Author: Tatiane Peixoto Isaia
Advisor: Doris Pires Vargas Bolzan
Date and City: Santa Maria, 25 de março de 2008.
This research is inserted in the line of Currículo, Ensino e Práticas Escolares
(Curriculun, Education and School Practices) from Programa de pós-Graduação em
Educação da UFSM. The study had as objective to understand which the
repercussion of group interaction partner in the construction of lecto-writing,
investigating, therefore, the conceptual evolution about of understanding of lecto-
writing in children’s literacy iitial process that shared conceptiones with your
colleagues and of children’s not that lived that same educational proposal. The
studies of Ferreiro e Teberosky (1985), Piaget (1972; 1973; 1977a; 1977b; 1987;
1983; 1991; 2005), Vygotski (1984; 1988; 1993; 1998), Perret-Clermont (1996),
among others, were used as theoretic contribution for the development of this
investigation. The research was carried out at a institution of Education of the State
of Rio Grande do Sul located at outskirts of Santa Maria. The subject participants
were eight children’s in literacy iitial process, being four children’s each of the two
classes of first grade of Ensino Fundamental chosen to be part of this study. The
investigation was developed through a qualitative study, more specifically it was used
from the perspective of case study ethnographic. The search of the findings was
done through of the observations made in each class and registered in the inside the
camp, semi structured interviews with the teachers of literacy of each class,
questionnaire conducted with parents of the subjects of research and analysis of
written spontaneous productions of the children. The findings the research showed
that the impact of the actions of teachers of literacy of the classes A and B,
themselves three types of group interaction partner, pointed in a the whole of three
major categories: with a predominance of Cooperative Work (by Reciprocity; and,
Conflicting), working with predominance of Traveller and with predominance of to
Imitation. Each of these categories leaves emerge relevant factors to think teaching
situations. So, it understood that the most significant conceptual advances in the
elementary process of initial literacy happen when children have the opportunity to
situations of living the group interaction partner in which prevladuje the cooperative
work, both by reciprocity, as conflicting, since the understanding of how works the
alphabetic system of the writing requires the sharing of chances and, mainly, the
possibility of the subject to confront their conceptions with other subjects, through
conflicts socio-cognitives encouraged by reflective work together.
Key words: group interaction partner; literacy; conceptual evolution
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa visou a elaboração de uma dissertação de Mestrado a ser
apresentada no Programa de Pós-Graduação em Educação, especificamente dentro
da linha de pesquisa “Currículo, Ensino e Práticas Escolares”, da Universidade
Federal de Santa Maria. O foco central desse estudo foi compreender qual a
repercussão da interação grupal entre pares na construção da lecto-escrita de
crianças da primeira série do Ensino Fundamental de uma escola pública.
O interesse por esse estudo surgiu a partir das discussões teóricas e das
práticas realizadas no grupo GPFOPE
1
. Desde a graduação como na especialização
e agora, no mestrado, venho desenvolvendo, dentro desse grupo, vários estudos
teóricos que dão sustentação para a aplicação de atividades diversificadas,
envolvendo a leitura e a escrita, em forma de circuito que no grupo elabora-se.
Sendo assim, por meio do trabalho conjunto desenvolvido em escolas do sistema
público de ensino, mais especificamente, em classes de alfabetização, observa-se a
importância de uma prática pedagógica alfabetizadora que atenda às reais
necessidades e interesses das crianças e que respeite as etapas de seu
desenvolvimento cognitivo, bem como a relevância da práxis da interação grupal
entre as próprias crianças, quando necessitam resolver um problema posto, no caso,
desafios referentes à lecto-escrita.
Com base nessa evidência, buscando respostas que venham a contribuir
positivamente para a prática alfabetizadora, que tenha como premissa a apropriação
da lecto-escrita como evolução conceitual e como um caminho para a formação de
cidadãos, é que, ao término da minha graduação, procurei um Curso de
Especialização para que eu pudesse continuar e aprofundar meus estudos.
Sendo assim, no ano de 2005, realizei a Especialização em Gestão
Educacional na Universidade Federal de Santa Maria, na qual objetivei pesquisar a
repercussão do trabalho cooperativo entre pares na construção da leitura e da
escrita e na formação de cidadãos mais engajados. Através desse estudo, conclui
que a interação grupal entre pares, em classes de alfabetização inicial, consiste em
1
Grupo de Pesquisa sobre Formação de Professores e Práticas Educativas: Ensino Básico e
Superior, cadastrado no CNPq/CE/UFSM desde 2002, Coordenado pela professora Doutora Doris
Pires Vargas Bolzan.
uma prática pedagógica que possibilita a construção conjunta da lecto-escrita,
levando a reformulações constante de hipóteses e a um conviver baseado no
respeito e na aceitação do outro.
Assim, com esse estudo desenvolvido na especialização compreendi que a
gestão da sala de aula, quando pensada e organizada de maneira que envolva as
crianças no desenvolvimento de atividades, sobre a leitura e a escrita, significativas,
que permitam a reflexão, a cooperação, o compartilhamento de concepções, a
participação de todos e o engajamento mútuo, possibilita a formação de cidadãos
alfabetizados que se entendem co-responsáveis na transformação social.
No mesmo ano, e tendo em vista minha participação ainda no GPFOPE,
continuando bastante interessada pela temática da interação grupal entre crianças
que buscam compreender, conjuntamente e através da troca de concepções, o que
a escrita representa e como ela é representada, realizei a seleção de mestrado.
Assim, no ano seguinte ingressei no Curso de Mestrado da mesma instituição, no
Programa de Pós-Graduação em Educação/PPGE, na linha de pesquisa Currículo,
Ensino e Práticas Escolares, objetivando desenvolver estudos que me permitissem
compreender o quanto as interações grupais entre as crianças em processo de
alfabetização inicial contribuem na apropriação da língua escrita.
Ao longo do curso, seja através da realização das disciplinas ofertadas, como
das duas docências orientadas, desenvolvidas juntamente com a graduação em
Pedagogia Educação Infantil e Anos Iniciais nas disciplinas, primeiramente, “Leitura
e escrita: psicogênese e sociogênese” e, posteriormente, “Processos de Leitura e
Escrita II”, pude aprofundar meus conhecimentos teóricos acerca do processo de
alfabetização.
Além de todo esse estudo teórico, minha prática docente, como professora
particular de crianças em processo de alfabetização inicial, auxiliou-me a
compreender melhor o quanto a professora alfabetizadora precisa entender a
criança como sujeito cognoscente, sujeito que busca ativamente o conhecimento a
sua volta, pois assim, ter-se-á, de fato, contextos escolares de alfabetização
inicial que fomentem avanços conceituais sobre o sistema de escrita pela criança.
Logo, penso que, a partir dessa compreensão, educadores, poderão organizar
propostas de intervenção escolar que valorizem a participação, a autonomia, a
criatividade e a iniciativa da criança suscitando, conseqüentemente, a
aprendizagens significativas em relação a lecto-escrita.
A partir dessa apresentação, destaco que, após ter compreendido, ao longo
da minha trajetória formativa, através da interação com crianças e tendo a teoria de
Ferreiro e Teberosky (1985) como aporte, a forma como as crianças chegam a
compreensão do sistema de símbolos que constituem nossa escrita alfabética,
novas indagações e inquietações surgiram, o que fizeram com que minha
“curiosidade epistemológica” (FREIRE, 1980) me levasse a desejar e descobrir
alternativas pedagógicas, em sala de aula, significativas considerando-se a questão
da apropriação da lecto-escrita pela criança. Logo, tendo em vista meu compromisso
social e político, como educadora, de formar sujeitos cidadãos por meio de uma
educação de qualidade, minha finalidade com esse estudo de dissertação é
proporcionar aos educadores (e aqui me incluo) dos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental achados que contribuam para suas práticas docentes, produzindo, por
conseguinte, algo útil e de valor à sociedade.
Baseada nos argumentos a favor do papel desempenhado pelas interações
sociais na apropriação da lecto-escrita, esta pesquisa, portanto, parte do meu
interesse em práticas alfabetizadoras significativas, práticas pedagógicas que se
aproximem do processo real e, portanto, se tornem mais efetivas.
Não viso destacar qual o melhor método de ensino da língua escrita, mas sim,
discutir acerca de práticas pedagógicas e de modos de organizar as crianças em
sala de aula, sustentada em sólidos preceitos teóricos, que melhor dêem conta de
formar leitores e escritores que de fato fazem uso e entendem as funções da língua
escrita. Com isso, proporcionar desequilíbrios nas concepções tradicionais, em
relação ao processo de ensino e de aprendizagem da língua escrita, ainda presentes
em algumas práticas alfabetizadoras de muitas escolas brasileiras. Sendo assim, o
objetivo pontual dessa investigação foi compreender como a interação grupal entre
pares favorece os avanços conceituais das crianças em relação ao processo de
alfabetização formal inicial.
Portanto, justifica-se a relevância do presente estudo por se entender que o
tema do mesmo ocupa um lugar de destaque na atual estrutura curricular de classes
de alfabetização, uma vez que a interação grupal pode começar a ser encarada, por
educadores, não como uma atividade desorganizadora da ordem disciplinar da
turma, mas sim, como uma atividade que permite a reorganização das estruturas
mentais dos sujeitos que, em situação de conflitos sociocognitivos, reelaboram
hipóteses avançando em termos de níveis conceituais e, conseqüentemente,
evoluindo no processo de apropriação da leitura e da escrita.
Nesse sentido, no primeiro capítulo desta dissertação, é apresentado o tema
de estudo e as pesquisas a ele relacionados. Em seguida, no segundo capítulo,
apresenta-se uma análise dos aspectos teóricos relacionados ao tema proposto, que
se inicia com a exposição de fundamentos teóricos que explicam o modo pelo qual o
sujeito constrói conhecimentos, primeiramente aborda-se a perspectiva
psicogenética e, posteriormente, a histórico-social, que são duas teorias que se
complementam dialeticamente, possibilitando um maior entendimento do que se
buscou compreender. Logo após, trata-se dos aspectos relacionados à psicogênese
da língua escrita, e, por último, apresenta-se, mais especificamente, aspectos das
implicações educacionais e intervenções pedagógicas na construção da lecto-
escrita, bem como elementos teóricos sobre a questão da interação grupal nessa
construção.
No terceiro capítulo, apresenta-se o desenho da pesquisa, no qual são
delineados a temática, o problema e os objetivos, assim como, a abordagem
metodológica de investigação, a apresentação do contexto da pesquisa, o processo
de implementação do estudo, os instrumentos utilizados, além da caracterização dos
sujeitos que estão participando da pesquisa.
A análise dos achados compõe o quarto capítulo, no qual são apresentados
os resultados obtidos de todo o processo investigativo proposto no desenho da
pesquisa. Também são analisados os resultados por turma a fim de se proporcionar
a descrição e a comparação entre os desempenhos conceituais dos sujeitos de
pesquisa e, assim, permitir a discussão a partir da fundamentação teórica explorada.
Por fim, são traçadas as dimensões conclusivas, objetivando-se apresentar
possíveis respostas à questão de pesquisa e, em seguida, são mencionadas as
referências utilizadas ao longo do estudo.
1 APRESENTAÇÃO DO TEMA
A língua escrita consiste em um objeto de conhecimento socialmente
constituído, o qual a criança entra em contato desde o momento de seu nascimento
(FERREIRO, 2001).
Apesar de ter sido inventada pela humanidade há, aproximadamente, cinco
mil e trezentos anos atrás (CAGLIARI, 1998) a escrita precisa ser interpretada pela
criança para poder ser compreendida e apropriada, o que quer dizer que não basta a
criança receber, por meio de técnicas e métodos de ensino, informações sobre como
decifrar e utilizar o código escrito, uma vez que há aspectos cognitivos envolvidos no
processo de construção da lecto-escrita que vão além da mera
codificação/decodificação. Assim, mesmo antes de ingressar na escola e receber
informações formais e sistematizadas sobre esse objeto a escrita -, as crianças
elaboram idéias e concepções que guiam todo seu processo de construção e,
portanto, de reconstrução acerca desse universo tão fascinante que as rodeia: o
mundo da escrita (Id., 1993).
Desta forma, a partir do momento em que a criança procura compreender o
que a escrita representa e como ela é representada, está iniciando o processo de
construção da lecto-escrita que implica uma caminhada progressiva, englobando
concepções que se ampliam de modo qualitativo. Assim, a reinvenção desse objeto
de conhecimento pela criança é necessária, visto que para que haja construção de
conhecimento, o sujeito reconstrói o objeto real e é justamente o que “[...] as
crianças fazem com a língua escrita: tem que reconstruí-la para poderem apropriar-
se dela” (Ibid., p.78).
Apesar da construção da lecto-escrita (fenômeno social) seguir o caminho de
uma apropriação individual (segundo a teoria psicogenética), sua aprendizagem
ocorre de forma significativa quando intercâmbios entre sujeitos que
compartilham informações acerca desse objeto de conhecimento, visto que “os
conhecimentos infantis respondem a uma dupla origem, determinada pelas
possibilidades de assimilação do sujeito e pelas informações específicas fornecidas
pelo meio” (TEBEROSKY, 1987, p.125).
Nesse sentido, na interação entre pares (sujeitos que buscam compreender
um objeto em comum) ocorre uma aprendizagem conjunta, pois, através de
discussões sobre a natureza e as funções da escrita, as crianças trocam
concepções que mexem com seus esquemas prévios, gerando desequilíbrios
mentais que propiciam avanços de hipóteses e elaboração de conhecimentos.
Logo, com base nesses pressupostos pode-se dizer que o processo de
alfabetização implica, necessariamente, a reconstrução de um sistema de
representação que se por meio de uma aprendizagem conceitual que envolve,
por sua vez, a interação entre sujeitos cognoscentes e objeto de conhecimento
culturalmente constituído. Interação essa que leva a reflexões, construções de
hipóteses e reconstrução de um sistema de representação.
Portanto, pode-se concluir que o processo de alfabetização, como nos afirma
Freire (1985), consiste num ato político e criador que tem no alfabetizando o seu
sujeito, o que sugere, ainda, tendo como base a concepção desse autor, que a
intervenção pedagógica, por parte da educadora, consiste em uma ajuda que não
deve anular a criatividade do alfabetizando e a sua responsabilidade na construção
de sua linguagem escrita e na leitura desta linguagem. Ou seja, a educadora
necessita criar estratégias pedagógicas que, partindo da “curiosidade
epistemológica” (FREIRE, 1980) do sujeito em processo de alfabetização, fomentem
o seu interesse em buscar compreender o processo de construção e as regras de
produção que envolvem a língua escrita.
Assim sendo, nesta abordagem de educação, que podemos denominar de
construtivista, a alfabetização consiste num processo no qual objetiva-se a língua
escrita, a partir de uma multiplicidade de usos sociais reais dela em contextos
alfabetizadores, o que implica transformá-la em um objeto de reflexão (FERREIRO,
2002).
1.1 Análise de pesquisas relacionadas com o tema
Com base em toda a literatura consultada, apresenta-se neste tópico alguns
estudos relacionados ao tema desta pesquisa e que contribuíram significativamente
para a investigação. Assim, a partir de agora, para que haja uma melhor
compreensão da evolução das pesquisas desenvolvidas dentro da questão da
interação social na construção de conhecimentos, destacar-se-á os resultados
oriundos dessas diferentes pesquisas.
Em sua maioria, as pesquisas desenvolvidas buscam uma melhor
compreensão dos mecanismos psicológicos através dos quais as relações que se
estabelecem entre os alunos repercutem sobre os seus processos de aprendizagem
implicados no desenvolvimento das atividades escolares.
Assim, Perret-Clermont, no final da década de setenta, no século XX, a partir
de uma extensão e recolocação de alguns aspectos da teoria psicogenética, inicia
investigações, em Genebra e na Suíça, acerca do papel desempenhado pelo conflito
sociocognitivo, gerado em situações de interação social entre pares, no
desenvolvimento intelectual da criança. Com esse objetivo, em suas pesquisas,
Perret-Clermont (1996), primeiramente aplica em uma amostra de sujeitos um pré-
teste que consiste na resolução de uma prova operativa piagetiana (como a
conservação). Através da análise das respostas individuais desse pré-teste, a
pesquisadora determina, para cada sujeito, o seu nível de domínio das operações
intelectuais aplicadas na resolução da atividade. Em uma segunda sessão, que
ocorre alguns dias depois, as mesmas crianças são agora organizadas em grupos
de dois ou três para que realizem, coletivamente, a mesma atividade que antes
realizaram individualmente. Por último, também após alguns dias, as crianças voltam
a realizar a atividade, mas agora, mais uma vez, individualmente. Com isso, a
pesquisadora visa examinar, mediante uma comparação pré-teste e s-teste, os
progressos conseguidos por meio da atividade coletiva.
Os resultados mostram que em certas condições, as interações de crianças
podem favorecer a percepção de contradições – conflitos sociocognitivos – e, assim,
podem surgir, nessas interações, contextos nos quais as crianças criem novas
compreensões conforme vão identificando e resolvendo as contradições de seu
próprio raciocínio a partir das concepções diferentes de seus colegas. Ou seja, o
fator determinante para que ocorra progressos intelectuais está na possibilidade de
se vivenciar contextos de confrontação de pontos de vista individuais com os de
outros sujeitos (PERRET-CLERMONT, 1996).
Outro trabalho que merece destaque é a tese desenvolvida por Colaço
(2001), na qual a autora investigou as interações entre pares de crianças no
contexto de sala de aula, tendo como base a teoria vygotskiana e a abordagem
dialógica da linguagem de Bakhtin, visando com isso compreender o papel mediador
dos processos interacionais na construção compartilhada de conhecimentos e sua
contribuição para a aprendizagem escolar. Nesse sentido, diferentemente de Perret-
Clermont, que realiza seus estudos em ambientes de laboratório, Colaço desenvolve
sua investigação, de enfoque etnográfico, em duas turmas dos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental de uma escola pública federal da cidade de Porto Alegre/ RS.
Ao estudar e analisar as atividades discursivas que acontecem nas interações
entre pares, essa autora chega a conclusão que um grande potencial construtivo
nessas interações, que o intercâmbio entre os alunos se apresenta como uma
situação geradora da emergência da zona de desenvolvimento proximal,
promovendo, com isso, processos de ensino e de aprendizagem, tanto dos
conteúdos curriculares como de modalidades comunicacionais e de negociação de
papéis sociais (COLAÇO, 2001).
Na mesma direção, um estudo desenvolvido por Ana Teberosky (1987) com
crianças de uma escola da área urbana da cidade de Barcelona, trouxe significativas
contribuições para a presente dissertação, uma vez que essa autora traz à tona
discussões relevantes nas quais inter-relaciona os conflitos cognitivos, gerados em
interações sociais, e a apropriação pela criança da lecto-escrita.
Tendo em vista a construção social da língua escrita, Teberosky (1987)
apresenta uma pesquisa na qual foram propostas em uma classe de alfabetização, à
professora regente, a realização, pelas crianças, de atividades envolvendo a leitura
e a escrita através do trabalho grupal (entre cinco e seis sujeitos em cada grupo).
Nesse sentido, as crianças, nessa turma, tiveram, durante o decorrer de várias
aulas, a possibilidade de interagirem espontaneamente, trocando concepções,
pontos de vista e informações sobre a língua escrita, copiando uma das outras,
fazendo perguntas, respondendo aos companheiros, etc.
Logo, em seus achados Teberosky (1987) indica que o conhecimento, em
especial, sobre a lecto-escrita, pode ser social e coletivamente apropriado, pois
através dos intercâmbios e dos conflitos gerados em trabalhos em grupo, em sala de
aula, as crianças avançam em suas hipóteses por meio de reorganizações
cognitivas individuais.
Os poucos, mas importantes estudos mencionados mostram o quanto se
pode ainda avançar em relação ao tema proposto para essa investigação. Assim, o
objetivo central, dessa pesquisa, foi trazer à tona novos elementos que permitam
mostrar o quanto a interação entre alunos e o trabalho cooperativo, em detrimento
dos tradicionais trabalhos individuais que as crianças habitualmente realizam em
classes de alfabetização, pode beneficiar e tornar mais significativa a aprendizagem
da lecto-escrita no Ensino Fundamental.
2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS
Neste capítulo, para que a análise dos achados pesquisados se de forma
crítica e reflexiva, apresentar-se-á os fundamentos teóricos que embasam esta
investigação. Assim, com base na bibliografia consultada, se tratará aqui de temas
como alfabetização, construção de conhecimentos na perspectiva piagetiana e
vygotskiana, aspectos relacionados à psicogênese da língua escrita, além do mais
discutir-se-á, no tópico de intervenção e implicações educacionais na construção da
língua escrita, como o conhecimento acerca da leitura e da escrita pode ser
significativamente desenvolvido em sala de aula. Por último, se abordará a relação
entre a interação grupal entre pares em contexto de sala de aula e a construção da
lecto-escrita.
2.1 Construção de conhecimentos na perspectiva psicogenética
A teoria geral dos processos de apropriação de conhecimento elaborada por
Piaget é fundamental quando se pretende compreender como se o processo
específico de construção da lecto-escrita em crianças. Desse modo, é relevante
aprofundar seus pressupostos tendo em vista que toda a psicogênese da língua
escrita, apresentada por Ferreiro e Teberosky (1985) e que trouxe uma revolução
conceitual no campo da alfabetização,
está baseada em conceitos-chave da teoria
piagetiana como: sujeito cognoscente, língua escrita como objeto de conhecimento,
reconstrução de conhecimentos culturalmente constituídos e assimilação por meio
de conflitos cognitivos. Tais noções-chave da teoria
de Piaget serão,
posteriormente, discutidas e aprofundadas.
Portanto, agora, são apresentadas as contribuições teóricas dos estudos
piagetianos que permitem a compreensão de como se dá a construção do
conhecimento no ser humano. Compreensão essa necessária para o melhor
entendimento do processo de alfabetização inicial, tema da presente pesquisa.
A criança, na perspectiva psicogenética, é um ser dinâmico que a todo
momento interage com a realidade operando ativamente com objetos e pessoas.
Essas interações, segundo Piaget (2005), fazem com que ela construa estruturas
mentais e adquira maneiras de fazê-las funcionar. Assim, as crianças são
compreendidas como construtoras de conhecimentos, uma vez que a partir das
reflexões e das auto-regulações que estabelecem na interação com os objetos
cognoscentes e com outros sujeitos se apropriam de saberes socialmente
constituídos e
desenvolvem estruturas de pensamento cada vez mais elaboradas.
Na perspectiva psicogenética, todo conhecimento tem sua origem a partir das
ações desenvolvidas pelos sujeitos. Ou seja, é agindo sobre a realidade, num
esforço construtivo, que o sujeito conhece, o que engloba um processo de
permanente começar e recomeçar, que, por sua vez, leva a transformações
sucessivas dos esquemas e estruturas internas desse sujeito cognitivamente ativo.
A partir dessa idéia, faz-se necessário enfatizar que Piaget (1972a; 2005)
entende ação como sistemas de movimentos, pensamentos ou sentimentos
coordenados em função sempre de uma intenção, de um interesse, oriundos de uma
necessidade intelectual, fisiológica ou afetiva e, não como movimentos quaisquer
realizados mecanicamente pelos indivíduos. Logo, “a criança, como o adulto,
executa alguma ação exterior ou mesmo inteiramente interior quando impulsionada
por um motivo e este se traduz sempre sob a forma de uma necessidade (uma
necessidade elementar ou um interesse, uma pergunta, etc)” (PIAGET, 2005, p. 15-
16).
Tendo como base esse entendimento sobre ação, fica nítida a idéia de que o
sujeito apenas age, no caso específico de uma necessidade intelectual, quando tem
uma “curiosidade epistemológica”, isto é, quando tem uma pergunta, um problema
conceitual a resolver. Em outras palavras, de acordo com Freire (1980; 1996), é
sempre essa curiosidade epistemológica que leva o sujeito, perante um
objeto de
conhecimento, a inquietar-se porque deseja compreendê-lo e, conseqüentemente, a
se fazer perguntas, atuar, fazer novas perguntas e reconhecer se apropriando de
noções e conceitos cada vez mais elaborados. Ou seja, “O exercício da curiosidade
convoca a imaginação, a intuição, as emoções, a capacidade de conjecturar, de
comparar, na busca da perfilização do objeto ou do achado de sua razão de ser”
(FREIRE, 1996, p. 98).
Portanto, pode-se destacar que a necessidade que gera a ação, na teoria
piagetiana, é sempre a manifestação de um desequilíbrio cognitivo, uma vez que,
em contato com o objeto de conhecimento, buscando satisfazer sua curiosidade, o
sujeito formula e reformula questões/perguntas/problemas epistemológicos,
construindo, como conseqüência deste processo, explicações e teorias, a fim de
compreender conceitualmente esse objeto inquietante.
Assim sendo, o sujeito intelectualmente ativo é aquele que busca conhecer,
compreender e, para tanto, age sobre os objetos de modo reflexivo realizando uma
estruturação cognitiva a partir dessa experiência. Isso implica dizer que o
conhecimento é construído pelo próprio sujeito não pelo simples contato desse com
o objeto, mas pela atividade que ele realiza sobre esse objeto, por meio do qual
assimila o objeto de conhecimento às suas estruturas internas prévias (PIAGET,
1991).
Em outras palavras pode-se dizer que, “um sujeito ativo é aquele que
compara, exclui, ordena, categoriza, reformula, comprova, formula hipóteses,
reorganiza, etc., em ação interiorizada (pensamento) ou em ação efetiva (segundo
seu nível de desenvolvimento)” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 32).
Desse modo, Piaget (1973; 1987; 1991; 2005) destaca que o sujeito precisa
reconstruir o objeto de conhecimento para que de fato compreenda seu modo de
produção e, portanto, venha a aprender um novo conceito. Essa reconstrução do
objeto implica uma reconstrução interna (mental) na tentativa de entendimento
acerca de quais são as leis de composição desse objeto de conhecimento e, para
tanto, existem duas maneiras de fazer isso (ou seja, transformar o objeto a conhecer
reconstruindo-o): uma é pela experiência direta, que o autor chama de
ação física e
a outra é pela série de experiências que se referem às coordenações internas de
ação; as experiências lógico-matemáticas.
Assim, a partir da ação física que consiste na experiência direta sobre as
coisas, na qual experimentar é realizar algo e ter o resultado
imediato do que se fez
(CASTRO, 2001), o objeto de conhecimento é transformado e assimilado por meio
das modificações diretas que o sujeito realiza sobre suas propriedades ao explorar
suas natureza. Isso sugere que a experiência física, como ação do sujeito
cognoscente sobre os objetos, fomenta a construção de um conhecimento, por
abstração, a partir desses mesmos objetos (como por exemplo, compreender a
noção de “quente” pondo a mão em uma panela recém saída do fogo) (PIAGET,
1991).
a experiência lógico-matemática incide não sobre o objeto como tal, mas
sobre as próprias ações mentais do sujeito (às coordenações internas de ações)
enquanto interage com esse objeto. Portanto, a construção do conhecimento lógico-
matemático, que consiste nas operações internalizadas, coordenadas em estruturas
de conjunto, abstratas e reversíveis, compreende tanto a experiência física/empírica
como a atividade coordenadora do sujeito. Isto é:
A experiência lógico-matemática, [...] consiste em agir sobre os objectos
mas com abstracção dos conhecimentos a partir da acção, e já não dos
próprios objectos [...] neste sentido, o conhecimento é então, de facto,
abstraído da acção como tal, e não das propriedades físicas do objecto”
(Ibid., p. 88).
Dessa forma, o objeto de conhecimento, como um estímulo exterior, para que
seja apreendido, é interpretado pelo sujeito a partir dos seus esquemas de
assimilação disponíveis. Assim, um mesmo objeto de conhecimento receberá
diferentes interpretações dependendo do nível de evolução mental no qual se
encontra uma criança. Por isso, todo conhecimento é uma apropriação que se
passo a passo através de grandes reestruturações internas, sendo, por conseguinte,
um processo cujo sujeito cognoscente tem papel central.
É através dos processos de abstração reflexionante, oriundos das
experiências do sujeito com o meio, que o desenvolvimento cognitivo, a construção
de noções e operações, se dá, pois é pensando sobre o mundo na busca de um
entendimento sobre esse que a criança internaliza gradualmente noções e se
apropria de conceitos culturalmente constituídos. Nas próprias palavras de Piaget: “o
encontro do objeto exterior desencadeará a necessidade de manipulá-lo; sua
utilização para fins práticos suscitauma pergunta ou um problema teórico” (2005,
p. 16).
A internalização de noções é explicada por Piaget através dos diferentes
níveis de desenvolvimento intelectual que as crianças passam no percurso de
construção de conhecimentos. Tais níveis mentais, portanto, caracterizam as etapas
de adaptação ao meio: a busca por um estado de equilíbrio a partir das
perturbações cognitivas pelas quais passam as crianças na incessante tentativa de
incorporar o universo a si próprias. Em cada estágio a criança desenvolve uma nova
maneira de pensar e responder ao ambiente, sendo que uma mudança
qualitativa de um tipo de pensamento ou comportamento para outro cada vez mais
elaborado e complexo (PIAGET, 1972a; 1973; 2005).
Pode-se dizer, então, que o conhecimento se constitui de um conjunto de
ações e operações conceituais que evolui progressivamente por meio de estruturas
de raciocínio que se ampliam formando novas operações mentais (reorganizadas),
caracterizando os diferentes estágios de pensamento pelos quais passam as
crianças. Isto significa dizer que a lógica e as formas de pensar de uma criança são
completamente diferente da lógica dos adultos (PIAGET, 1971).
Essa lógica das significações presente nas crianças, uma vez que são
aspectos relacionados aos mecanismos construtivos do conhecimento (CASTRO,
2001), consistem nas reestruturações mentais desenvolvidas e, por isso, no que se
refere ao ponto final desse processo, muitas vezes o concepções “errôneas”,
entretanto construtivas. o concepções construtivas justamente porque consistem
em estruturações que permitem os avanços conceituais na apropriação dos
conhecimentos elaborados pela humanidade (PIAGET, 1972b).
Nesse sentido, tendo em vista a epistemologia genética, os “erros
construtivos” são essenciais no processo de apropriação de conhecimentos, pois é
essa lógica apresentada pelas crianças que permite ao adulto conhecer suas
hipóteses conceituais, suas teorias (elaboradas por elas próprias) quando pensam
sobre um objeto de conhecimento agem sobre ele transformando-o -, num
processo constante de auto-regulações (busca contínua por saciar uma curiosidade,
uma perturbação advinda do meio). Então, a questão do medo, do horror que as
escolas, normalmente, m ao erro, como indicam Ferreiro e Teberosky (1985),
precisa ser revista para que as práticas pedagógicas em sala de aula permitam às
crianças possibilidades concretas para construírem conhecimentos.
2.1.1 A interação na perspectiva piagetiana
Como o eixo central da teoria piagetiana consiste na interação organismo-
meio, cabe salientar que essa interação acontece através de dois processos mentais
simultâneos: a organização interna e a adaptação ao meio; funções exercidas pelo
organismo ao longo da vida do sujeito. A adaptação, fator biológico, consiste na
relação particular entre organismos ou espécies vivas e seu meio; estar adaptado,
portanto, significa ter conseguido, ser capaz, de sobreviver nas condições e
restrições do mundo que se habita, por meio de um ajustamento, físico e
comportamental, ao meio. Logo, é o processo de adaptação que possibilita ao
sujeito responder aos desafios do ambiente físico e social (PIAGET, 1971).
Sendo assim, a adaptação ao meio implica a idéia de compensação, uma vez
que, como enfatizado, sempre quando algo perturba o sujeito, quando um
conflito entre as informações do meio e suas estruturas internas, esse age (em
resposta a tais perturbações do meio) em busca de uma resposta que amenize esse
conflito. Portanto, essa conduta do sujeito é demarcada pelo processo de
equilibração descrito por Piaget (2005) ao explicar a gênese do conhecimento.
Dois processos compõem a adaptação, a assimilação - uso que o sujeito faz
de uma estrutura mental formada - e a acomodação - processo que implica a
modificação de estruturas desenvolvidas para resolver uma nova situação - . A
assimilação e a acomodação são compreendidas como dois processos que se
relacionam dialeticamente, dando ao desenvolvimento da inteligência a
característica de algo dinâmico em constante transformação, que o sujeito está
em permanente estado de equilíbrio (assimilação e acomodação) para um estado de
desequilíbrio. Inevitavelmente, a inteligência, assim, sofre alteração toda vez que o
sujeito, buscando o estado de equilíbrio, realiza auto-regulação interna. Ou melhor,
de acordo com as possibilidades de entendimento construídas pelo sujeito, ele tende
a assimilar idéias, mas caso estas estruturas não estejam ainda construídas,
acontece um esforço contrário ao da assimilação, uma modificação de hipóteses
e de concepções anteriores que vão se ajustando àquilo que o foi possível
assimilar, é o que Piaget (1971) chama de acomodação, quando o sujeito age no
sentido de transformar-se em função das resistências colocada pelo objeto de
conhecimento.
O processo de reorganização dos esquemas ocorre a partir do desequilíbrio,
o que é fundamental, pois, assim o sujeito buscará novamente o reequilíbrio, com a
satisfação da necessidade, daquilo que ocasionou o desequilíbrio (LUQUE;
PALACIOS, 1995).
O quadro a seguir ilustra o processo de desenvolvimento cognitivo proposto
por Piaget (1983) isto é, o processo de equilibração - e foi elaborado com base na
obra de Wadsworth (1987):
QUADRO 1 – Processo de desenvolvimento cognitivo na concepção piagetiana.
Pode-se destacar tendo em vista tudo o que se apresentou até agora, que
todo o processo de construção de conhecimento, numa perspectiva psicogenética,
está estritamente relacionada com as interações que o sujeito realiza com os
objetos (o que não implica simplesmente um organismo que interage com os
objetos tal como eles são, mas sim, um sujeito cognitivo que lida com estruturas
perceptuais e conceituais previamente construídas). Assim, é a partir dessas
interações que o sujeito assimila o objeto às suas estruturas (Macedo, 1994), o
Organização Cognitiva
ASSIMILAÇÃO
Sujeito
ACOMODAÇÃO
Modificação dos esquemas ou estruturas do
sujeito em função do objeto ou elemento
específico que estentando assimilar através de
um esforço pessoal.
O sujeito age no sentido de se transformar,
para entrar em equilíbrio com o meio.
Equilíbrio entre
assimilação e
acomodação.
Incorporação de um elemento do meio
exterior aos esquemas de ação do sujeito.
O sujeito age e se apropria do objeto de
conhecimento para atender as suas
necessidades biológicas, psicológicas e
sociais.
ASSIMILAÇÃO ACOMODAÇÃO
ADAPTAÇÃO
EQUILIBRAÇÃO
Objeto
de
conheci-
mento
que caracteriza o processo de equilibração descrito por Piaget e tão importante
para a construção de conhecimento, pois:
O conhecimento não procede nem da experiência única dos objetos nem
de uma programação inata pré-formada no sujeito, mas de uma interação
entre ambos, que resulta em construções sucessivas com elaborações
constantes de estruturas novas graças a um processo de equilibrações
majorantes, que corrigem e completam as formas precedentes de
equilíbrio (PIAGET, 1983, p.7).
Da mesma forma como enfatiza a relevância da interação do sujeito com o
meio físico no desenvolvimento da inteligência, Piaget (1983) destaca a importância
da interação social na modificação das estruturas mentais prévias do indivíduo em
prol do desenvolvimento intelectual e da construção de conhecimentos mais
elaborados, isso porque para ele:
Desde o seu nascimento, o ser humano está mergulhado num meio social
que atua sobre ele do mesmo modo que o meio físico. Mais ainda que o
meio físico, em certo sentido, a sociedade transforma o indivíduo em sua
própria estrutura, porque ela não só o força a reconhecer fatos como
também lhe fornece um sistema de signos inteiramente acabado, que
modifica seu pensamento; ela lhe propõe uma seqüência infinita de
obrigações. Não vida alguma, portanto, de que a vida social
transforma a inteligência pela tripla mediação da linguagem (signos), do
conteúdo dos intercâmbios (valores intelectuais) e das regras impostas ao
pensamento (normas coletivas lógicas ou pré-lógicas) (Ibid., p. 157).
Piaget, portanto, não descarta o papel da sociedade sobre o desenvolvimento
do sujeito, ao contrário ressalta que, por estar, desde muito cedo inserida em um
meio social, a criança recebe influências externas que modificam suas estruturas
internas. Contudo, os intercâmbios que os indivíduos mantém com seu meio social,
de acordo com seu nível de desenvolvimento, são de natureza diferentes e
modificam, “por conseguinte, a estrutura mental individual de modo também
diferente” (Ibid., p.158-159).
Nesse sentido, no período sensório-motor, o bebê apesar de receber
múltiplas influências sociais, não é ainda capaz de estabelecer intercâmbios de
pensamentos com outros indivíduos, visto que o pensamento da criança nesse nível
está baseado na pura ação, conseqüentemente, ainda não há “qualquer modificação
profunda das estruturas intelectuais pela vida social ambiente” (Ibid., p.159).
Todavia, quando ocorre, por parte da criança, o desenvolvimento da
linguagem – estágio pré-operatório -, ela se relaciona socialmente de forma diferente
e, agora, portanto, essas relações enriquecem e transformam o seu pensamento
(PIAGET, 1983).
A linguagem propicia à criança estabelecer, com as pessoas de suas meio,
relações síncronas que são primordiais para seu desenvolvimento intelectual, uma
vez que, segundo o próprio autor:
[...] conversando com as pessoas que lhe são próximas, a criança verá, a
cada instante, seus pensamentos aprovados ou contrariados, e descobrirá
um mundo imenso de pensamentos exteriores a ela, que lhe instruirão ou
impressionarão de modos diversos (Ibid., p.160).
Assim, a linguagem transmite ao sujeito cognoscente “um sistema
inteiramente elaborado de noções, classificações e relações” (Ibid.).
A partir desse estágio (pré-operatório) e conforme a criança for avançando
em termos de nível mental, as relações que estabelecerá, a partir de suas
possibilidades de assimilação (em cada momento particular de seu
desenvolvimento), serão cada vez mais intensas e complexas, o que lhe levará a
intercâmbios maiores de verdades obrigatórias como idéias inteiramente feitas ou
normas propriamente ditas de raciocínio (PIAGET, 1983).
Além do mais, conforme a criança estabelece relações de interações com
outros sujeitos, descentração de pensamento, levando-a a distinguir pontos de
vistas e conceder intercâmbios de pensamento, cooperando ativamente com seus
parceiros, o que a leva a agrupar, num todo mais coerente, suas operações mentais
(Piaget, 1983).
A cooperação é definida por esse mesmo autor como uma relação social na
qual reciprocidade entre sujeitos que, sabendo diferenciar seus pontos de vista,
trocam idéias a partir de um trabalho realizado mutuamente, é um fator relevante
para a constituição e o desenvolvimento da lógica e do conhecimento na criança,
isto porque a lógica além de ser um sistema livre de operações, é, também: “[...] um
conjunto de estados de consciência, de sentimentos intelectuais e de condutas,
todos caracterizados por certas obrigações às quais é difícil negar um caráter social,
seja ele permitido ou derivado” (Ibid., p.163).
Ou seja, quando a criança interage com outras pessoas, suas idéias e
concepções estão em constante aprovação ou desaprovação, uma vez que a
criança precisa expressar-se em um todo coerente para fazer-se entender e,
conseqüentemente, por meio dessas trocas, a criança recebe e assimila do outro
regras e normas sociais comum que são internalizadas (Piaget, 1977). A
cooperação, assim, favorece a coordenação de operações e leva a novas
equilibrações.
Nessa interação entre sujeitos cognoscentes que desejam compreender um
objeto de conhecimento social, em muitos casos, ocorrem conflitos cognitivos em
função de que nesses intercâmbios trocas de pontos de vista e hipóteses
divergentes, já que os sujeitos podem encontrar-se em diferentes níveis de evolução
intelectual acerca de uma determinada noção ou conceito.
Dessa forma, a interação social consiste em uma atividade enriquecedora das
estruturas mentais dos sujeitos, pois os conflitos gerados nessa ação levam,
inevitavelmente, o sujeito a reorganizar, através de auto-regulações, seus esquemas
cognitivos prévios.
Então, pode-se ressaltar que, o conflito cognitivo, resultante da interação
cooperativa, segundo Piaget (1977), consiste no resultado da confrontação entre
esquemas de sujeitos diferentes e é um fator relevante na reorganização de
estruturas prévias que propiciam a construção de conhecimentos mais elaborados.
Desse modo, a cooperação consiste em coordenação de operações e em
equilibrações, sendo que “sem intercâmbios de pensamento e sem cooperação com
outros, o indivíduo não chegaria a agrupar suas operações num todo coerente”
(PIAGET, 1983, p.164).
Portanto, a interação social, o intercâmbio entre sujeitos, na perspectiva
psicogenética, é compreendida como situação que propicia modificações individuais,
em termos cognitivo, visto que a interação entre sujeitos que buscam construir um
conhecimento gera conflitos que enriquecem e transformam seu pensamento, uma
vez que são justamente tais conflitos os responsáveis por possibilitarem avanços
conceituais, que levam a desequilíbrios nas estruturas mentais do sujeito que,
buscando um novo estado de equilíbrio, reelabora suas concepções por meio de um
processo de auto-regulação (PIAGET, 1983).
A partir das idéias de Piaget (1983; 1977a) acerca da importância dos fatores
sociais e dos conflitos cognitivos no desenvolvimento intelectual das crianças - no
qual enfatiza que a troca de pontos de vista com outros sujeitos é indispensável para
o desenvolvimento da gica (e da moral) das crianças -, Perret-Clermont (1996)
amplia essa noção desenvolvendo estudos psicogenéticos que vêm mostrar que,
quando crianças interagem cooperativamente
1
em grupos, buscando compreender
uma situação em comum, ocorrem “conflitos sociocognitivos” que, por sua vez,
fomentam modificações substanciais nas estruturas cognitivas dos sujeitos
envolvidos nessa atividade e, conseqüentemente, enriquecimentos dessas
estruturas se fazem sempre presentes.
Em seus estudos, essa mesma autora apresenta achados que enfatizam que
a interação grupal cooperativa entre educandos, pelo fato de possibilitar debates e
conflitos conceituais, leva a aprendizagens cooperativas; isto é, os sujeitos
envolvidos nessa práxis constroem conceitos e operações mutuamente através do
debate e do pensamento crítico. Portanto, para Perret-Clermont (1996) o discordar e
o concordar propicia a aprendizagem porque obrigam o sujeito a descentralizar seu
pensamento e a construir uma lógica de mais alto nível, por abstração construtiva.
Nas palavras da autora:
(...) uma situação de interação social pode não só proporcionar uma
ocasião para imitar outrem e, precisamente em função disso, para entrar
em conflito com o seu próprio modo de executar uma dada tarefa como
também ser, com muito maior freqüência ainda, o local que permite a
elaboração conjuntamente com outrem e, portanto, a ocasião para ter de
coordenar centrações (ou acções ou pontos de vista) que o inicialmente
diferentes (PERRET-CLERMONT, 1996, p. 265-266).
No âmbito de tal noção acerca da interação social na construção do
conhecimento, fica nítida, também, a importância da imitação que a atividade grupal
pode vir a gerar. Imitação entendida como um processo que leva a desequilíbrios
por parte do sujeito que a executa, pois ao imitar e, conseqüentemente, operar de
outro modo, o sujeito entra em conflito consigo mesmo e precisa, portanto, buscar
novos entendimentos para adaptar-se.
Essas questões acerca dos conflitos, bem como a imitação, que a interação
grupal gera são de extrema pertinência, dentro do contexto escolar, uma vez que,
assim como, o erro construtivo, mencionado anteriormente, consiste em uma prática
abolida por educadoras que entendem que aprendizado quando esse ocorre
de modo individual, de modo solitário (e não solidário); o que não é comprovado nas
1
Segundo Piaget (1983; 1977a), cooperar consiste em operar/agir conjuntamente com outrem
buscando a resolução de uma perturbação, de uma curiosidade epistemológica, trocando-se pontos
de vista e negociando soluções em caso de discordância.
pesquisas desenvolvidas por Perret-Clermont (1996) e que será amplamente
discutido neste estudo.
Sintetizando as premissas piagetianas, pode-se concluir esse tópico se
ressaltando que, para esse autor o conhecimento é algo construído pelo sujeito e,
portanto, sempre implica reflexões, abstrações e auto-regulações. Por esse fato, o
conhecimento, na abordagem construtivista é visto como algo temporário, passível
de desenvolvimento, estruturado internamente pelo indivíduo e mediado social e
culturalmente.
Em vista disso, o conhecimento evolui, à medida que o sujeito cognoscente
constrói significados em torno de objetos de conhecimento (COLL, 1994). Essa
construção inclui os conhecimentos prévios que o indivíduo possui e põem em
prática quando interage, explora e contribui ativa e globalmente na sua própria
aprendizagem. Pode-se então dizer que é interrogando a realidade, física e/ou
social, que o sujeito constrói conhecimentos; construção essa que se através da
ação do sujeito na resolução de problemas e/ou através de sua tentativa de tornar
seu o que outros lhe colocam.
2.2 Construção de conhecimentos na perspectiva histórico-social
Tendo em vista o tema desta pesquisa, entende-se que seu referencial
teórico necessita abordar pressupostos teóricos que dêem conta de explicar o
processo de construção pelo qual passa o sujeito quando busca compreender um
objeto de conhecimento socialmente constituído. Como se sabe, o conhecimento
se dá através de um processo de construção que envolve uma relação entre
processos socioculturais e reconstruções do sujeito. Sendo assim, por essa
pesquisa consistir em um estudo que integra a atividade auto-estruturante da
criança e os processos interativos na construção da lecto-escrita, neste tópico
abordar-se-á o processo de construção de conhecimentos e, portanto, o
desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores, na perspectiva vygotskiana,
a fim de destacar suas possíveis implicações para o tema que se ocupa.
Do mesmo modo como Piaget, Vygotski (1984; 1998) também entende o ser
humano como sujeito ativo e interativo. Dessa forma, é por meio da interação social
que o sujeito formula conceitos
2
e, conseqüentemente, constrói conhecimentos
socialmente constituídos.
Ou melhor, as concepções de Vygotski (1988; 1984; 1993; 1998) sobre o
processo de formação de conceitos remetem às relações entre o pensamento e a
linguagem, à questão cultural no processo de construção de significados pelos
sujeitos, ao processo de internalização e ao papel da escola na transmissão de
conhecimento, que é de natureza diferente daqueles aprendidos na vida cotidiana.
Nesse sentido, esse teórico propõe uma visão de formação das funções
psicológicas superiores como internalização mediada pela cultura. Esses pontos de
sua teoria serão, a partir de então, mais aprofundadas.
A perspectiva histórico-social da apropriação do conhecimento, por ter como
ponto fundamental a interação sujeito-cultura, entende que a interação social
realizada pela criança ao longo do seu desenvolvimento, possibilita a internalização
e apropriação de instrumentos culturais como as idéias, os conceitos, a linguagem e
as aprendizagens, uma vez que é interagindo com outros sujeitos que o
desenvolvimento da inteligência infantil se . Por isso, pode-se dizer que é na
relação com o outro que a elaboração cognitiva se funda.
Nesse sentido, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores
funções especificamente humanas que envolvem “consciência, intenção,
planejamento, ações voluntárias e deliberadas” (OLIVEIRA, 1996, p. 56) ocorre
por meio da participação das crianças em práticas sociais, na qual ela vai
incorporando ativamente formas de ação e de pensamento consolidadas na
experiência humana. Conseqüentemente, esse processo de internalização fomenta
modificações qualitativas no funcionamento mental da criança.
Sendo assim, uma idéia-chave dessa perspectiva é a questão da mediação.
Como sujeito do conhecimento, o ser humano não tem acesso direto aos objetos,
mas acesso mediado, através de recortes do real, operados pelos sistemas
simbólicos de que dispõe, portanto, a construção do conhecimento necessariamente
se através de interações mediadas; ou seja, o conhecimento é construído pelo
sujeito através de sua ação sobre a realidade e da mediação de outros indivíduos.
Desse modo, a cultura, através dessa mediação, fornece ao sujeito em
desenvolvimento os sistemas simbólicos de representação da realidade – o universo
2
Com base na perspectiva histórico-social, conceitos consistem nas construções culturais (como a
língua escrita) internalizadas pelo sujeito ao longo de seu processo de desenvolvimento.
de significações que o permite construir a interpretação do mundo real no qual
está inserido. Por conta disso, a cultura o local de negociação no qual seus
membros estão em constante processo de recriação e reinterpretação de
informações, conceitos e significações.
Portanto, pelo fato dos processos de funcionamento mental, culturalmente
organizados, bem como a apropriação dos conhecimentos elaborados pela
humanidade serem construídos pelos sujeitos, subjetivamente, através da
mediação não do outro social, como também através da mediação de signos
sociais e, por conseguinte, tendo em vista a natureza social e simbólica da atividade
humana, um papel fundamental é atribuído por Vygotski (1984; 1988; 1993) à
linguagem: signo por excelência na explicação do surgimento de formas mediadas
de ação e da origem da ação individual.
Como sistema simbólico dos grupos humanos, a linguagem para Vygotski
(1984; 1988; 1993) representa um salto qualitativo na evolução da espécie humana,
uma vez que é ela que fornece os conceitos, as formas de organização do real, a
mediação entre o sujeito e o outro social e entre o sujeito e o objeto de
conhecimento. Assim, é por meio dela que as funções mentais superiores são
socialmente formadas e culturalmente transmitidas.
Sendo, então, a linguagem um meio no qual a cultura fornece ao sujeito
sistemas simbólicos de representação do mundo real e, por isso, fomenta o
desenvolvimento da criança, o processo de internalização da linguagem é
fundamental, tendo em vista que a fala, propriamente dita, “tem papel essencial na
organização das funções psicológicas superiores” (VYGOTSKI, 1984, p. 25) porque
permite uma maior organização do pensamento infantil. uma estreita relação
entre o pensamento e a linguagem: a linguagem permite aos sujeitos refletir sobre o
mundo exterior.
A linguagem, ao longo do desenvolvimento da criança está integrada ao
raciocínio prático e apresenta-se de três formas diferentes. Num primeiro momento,
a fala é egocêntrica “para si” e acompanha a atividade prática da criança (ao
mesmo tempo em que age buscando uma solução para um determinado problema,
fala expressando suas idéias). Assim, a fala egocêntrica converte-se num
instrumento do pensamento. Outra forma de linguagem, e que aparece num
segundo momento, é a fala externa que, por sua vez, é realizada por meio da
emissão da palavra, ou seja, nesse momento a fala se desloca para o início da
atividade, tendo uma função planejadora, já que ela acaba dirigindo, determinando e
dominando o curso da ação. Por último, aparece a fala internalizada, que envolve a
possibilidade de apropriação da palavra: a linguagem passa a ser usada de modo
interpessoal, entretanto, adquiri uma função intrapessoal (Id., 1993).
Resumindo suas concepções sobre o papel da linguagem no
desenvolvimento da criança, Vygotski destaca que:
[..] a capacidade especificamente humana para a linguagem habilita as
crianças a providenciarem instrumentos auxiliares na solução de tarefas
difíceis, a superar a ação impulsiva, a planejar uma solução para um
problema antes de sua execução e a controlar seu próprio comportamento.
Signos e palavras constituem para as crianças, primeiro e acima de tudo,
um meio de contato social com outras pessoas. As funções cognitivas e
comunicativas da linguagem tornam-se, então, a base de uma forma nova
e superior de atividade nas crianças, distinguindo-as dos animais (1984, p.
31).
Tendo como base a função organizadora da linguagem sobre o pensamento
infantil, entende-se que em sala de aula a educadora-alfabetizadora necessita
possibilitar que as crianças falem enquanto desenvolvem suas atividades
pedagógicas, seja consigo mesmo ou com seus colegas, já que desse modo ocorre,
por parte dos educandos elaborações conceituais significativas.
Ou seja, reforça-se a importância do diálogo entre as crianças no momento
do desenvolvimento de atividades pedagógicas por entender-se que através da
interação entre pares ocorre confronto de idéias e, na medida em que tais questões
ocorrem, as crianças, individualmente, são desafiadas (pelas concepções dos
outros), conseqüentemente, suas próprias concepções são desestruturadas,
desequilibradas, provocando um processo de reorganização cognitiva, sendo a
linguagem a mediadora desse processo.
Da mesma forma como dá destaque central, em sua concepção acerca do ser
humano, à dimensão sócio-histórica do funcionamento psicológico e à interação
social na constituição do sujeito, Vygotski atribui ênfase ao processo de
aprendizagem dentro de sua teoria. A relação entre os processos de
desenvolvimento e de aprendizagem é tema central no pensamento vygotskiano.
O domínio de operações socialmente constituídas, como, por exemplo, o
aprendizado da língua escrita, está estritamente inter-relacionado com o
desenvolvimento das estruturas psicológicas. Isto é, o aprendizado fomenta o
desenvolvimento dos processos psicológicos internos que, segundo Vygotski (1984;
1998), não fosse a atividade mediada contato do sujeito com certo ambiente
cultural -, não ocorreriam.
Com as próprias palavras do teórico, destaca-se:
[...] aprendizado não é desenvolvimento; entretanto, o aprendizado
adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em
movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma,
seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto
necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções
psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas (Ibid.,
p. 101).
Portanto, para Vygotski (1984), o desenvolvimento consiste num complexo
processo dialético, no qual não ocorre mera acumulação de mudanças unitárias,
mas sim alterações evolutivas ou mudanças revolucionárias que implicam a
transformação qualitativa de uma função psicológica em outra. Além do mais, nesse
processo o entrelaçamento de fatores externos e internos, bem como processos
adaptativos.
Nesse sentido, para Vygotski (1998), a apropriação de conceitos científicos,
que gera desenvolvimento cognitivo, se pelo processo de Internalização,
processo esse relacionado com a aprendizagem e o desenvolvimento mental, que
envolve a reconstrução interna de uma operação externa. Ou seja, a internalização
envolve uma atividade externa que precisa ser modificada para tornar-se uma
atividade interna, sendo que essa construção parte das relações interpessoais e se
torna intrapessoal.
Por isso, para Vygotski (1984; 1998) o processo de internalização é
fundamental para o desenvolvimento do funcionamento psicológico humano, que
a ação, a atividade, do sujeito que implica o domínio dos instrumentos de mediação,
inclusive sua transformação por uma atividade mental, estão baseadas nas relações
tanto intra como interpessoais que esse estabelece. Logo, é na troca com outros
sujeitos e consigo próprio que se vão internalizando conhecimentos, papéis e
funções sociais, o que permite a formação de conhecimentos e da própria
consciência (OLIVEIRA, 1998).
A apropriação de conceitos socialmente constituídos, portanto, ocorre através
de um processo que caminha do plano social relações interpessoais para plano
individual – relações intrapessoais. Ou seja:
Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes:
primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro, entre
pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança
(intrapsicológica). Isso se aplica igualmente [...] para a formação de
conceitos (VYGOTSKI, op.cit., p. 64).
Reforçando a concepção da perspectiva histórico-social acerca da construção
de conhecimento, pode-se dizer que a apropriação dos conhecimentos sociais
como no caso da lecto-escrita – se dá do inter para o intrapessoal através do
processo de internalização: “[...] a partir dos significados que outros atribuem aos
seus atos e conforme digos sociais estabelecidos, os indivíduos chegam a
interpretar suas próprias ações: o processo vai ‘de fora para dentro’” (CASTORINA,
1996, p. 32).
Sendo a aprendizagem o motor do desenvolvimento, em sua teoria Vygotski
(1984; 1998) propõe como aspecto essencial do aprendizado a questão de que a
instrução escolar produz a abertura na “zona de desenvolvimento proximal” (ZDP),
na qual as interações sociais e o contexto sociocultural são centrais, que a ZDP
consiste num domínio psicológico em constante transformação, pois inclui funções
que estão em vias de amadurecimento e que, portanto, se tornarão funções
consolidadas a partir das experiências que o sujeito realizar com o meio social.
Logo, segundo Vygotski (1984; 1998), o desenvolvimento mental das crianças
ocorre através de dois níveis: o nível de desenvolvimento real, que compreende as
funções amadurecidas no indivíduo (desenvolvimento mental retrospectivo) e o
nível potencial, que consiste na capacidade que temos de aprender com outras
pessoas. Assim, pelo fato da aprendizagem conduzir o desenvolvimento, a primeira
produz, conseqüentemente, ativação nas zonas de desenvolvimento proximal,
conceito esse que consiste na:
[...] distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma
determinar através da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas
sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais
capazes (Id., 1998, p. 97).
Desse modo, na perspectiva vygotskiana, a escola consiste no local no qual a
intervenção pedagógica intencional desencadeia o processo de ensino e de
aprendizagem. Portanto, a educadora tem o papel explícito de interferir no processo,
diferentemente de situações informais nas quais a criança aprende por imersão em
um ambiente cultural, sendo sua função provocar avanços nos educandos a partir
de interferências nas zonas proximal desses sujeitos em desenvolvimento cognitivo.
Isso porque, segundo Vygotski (1984; 1998) a formação de conceitos
espontâneos ou cotidianos, desenvolvidos pelas crianças no decorrer de suas
interações sociais, diferenciam-se dos conceitos científicos apropriados apenas por
meio do ensino, parte de um sistema organizado de conhecimentos. Isso,
decorrente das interpretações da teoria de Vygotski, que mostra os processos
pedagógicos como intencionais, deliberados, sendo o objeto dessa intervenção a
construção de conceitos.
Ao observar a zona proximal, a educadora pode orientar o aprendizado no
sentido de adiantar o desenvolvimento potencial de uma criança, tornando-o real.
Nesse ínterim, o ensino necessita passar do grupo para o indivíduo. Em outras
palavras, o ambiente é que influencia a internalização das atividades cognitivas no
sujeito, de modo que, o aprendizado gera o desenvolvimento. Por conta disso é que
a teoria histórico-social enfatiza que o desenvolvimento mental pode realizar-se
por intermédio do aprendizado (ALVAREZ; DEL RÍO, 1996).
Em vista disso tudo, tanto a perspectiva vygotskiana, em especial com seu
conceito de ZDP, como a perspectiva psicogenética, trazem relevantes contribuições
para a educação escolar, pois possibilitam o entendimento de que as crianças
podem construir conhecimentos no momento em que interagem na resolução de
uma atividade-problema não com a educadora, mas também com seus pares.
Nessa dinâmica interativa, tendo como mediação a fala e o outro que ensina e faz
junto, os sujeitos-crianças, em processo de apropriação de um conhecimento
socialmente constituído, trocam concepções e conhecimentos prévios, e, por isso,
podem entrar em conflitos sociocognitivos que, por conseguinte, permitem a
construção compartilhada. E, é por tudo isso, que compreende-se que todo trabalho
pedagógico precisa ser pensado e ser desenvolvido por meio de atividades grupais,
nas quais as crianças possam ser co-participes do seu próprio desenvolvimento e do
desenvolvimento dos seus colegas.
Concluindo este tópico, reforça-se a idéia que a lecto-escrita, como um objeto
de conhecimento socialmente constituído, pode ser apropriada significativamente
pelas crianças em contextos escolares por meio da interação grupal, num processo
de construção conjunta de sentido e significados, no encontro e no desencontro de
vozes que procuram ativamente compreender que classe de objeto é esse o qual os
adultos fazem uso constantemente.
Assim, faz-se relevante abordar a Psicogênese da Língua escrita, teoria
elaborada por Ferreiro e Teberosky (1985) e que dá conta de melhor explicar a
apropriação da lecto-escrita como um processo que envolve uma construção
individual que requer, necessariamente, a interação com outros sujeitos.
2.3 Alfabetização: a reinvenção de um objeto culturalmente constituído
2.3.1 Reinvenção da alfabetização: uma revolução conceitual a partir da
psicogênese da língua escrita
A partir da concepção teórica piagetiana da apropriação de conhecimentos
através da atividade do sujeito em interação com o objeto de conhecimento, Emilia
Ferreiro e Ana Teberosky desenvolveram pesquisas e estudos que provocaram
significativas reformulações na fundamentação teórica do processo de ensino-
aprendizagem da lecto-escrita, pois ao publicarem a obra Psicogênese da Língua
Escrita (1985), possibilitaram novos entendimentos acerca da alfabetização inicial,
gerando, conseqüentemente, uma revolução conceitual, que em suas pesquisas
deslocam a atenção das discussões acerca da alfabetização das questões do “como
se ensina” (questão dos métodos), para o “como a criança aprende” a ler e a
escrever (WEISZ, 1985).
Desse modo, a teoria piagetiana, discutida anteriormente, e a ênfase que as
autoras dão, em suas pesquisas, em compreender o modo como as crianças se
apropriam da lecto-escrita, permitiu que hoje se entendesse o processo pelo qual a
criança percorre na busca de compreensão das características, do valor e da função
deste objeto cultural que constitui a língua escrita, além do mais possibilitou que se
elaborasse uma outra concepção sobre a criança, pois se passou do entendimento
dessa como um ser passivo e mero “memorizador” das instruções formais
repassadas pela professora alfabetizadora para um sujeito criador, porque
construtor, de conhecimentos por meio de reflexões. Ou seja, de acordo com
Ferreiro e Teberosky:
O sujeito que conhecemos através da teoria de Piaget é aquele que
procura ativamente compreender o mundo que o rodeia e trata de resolver
as interrogações que este mundo provoca. Não é um sujeito o qual espera
que alguém que possui um conhecimento o transmita por um ato de
benevolência. É um sujeito que aprende basicamente através de suas
próprias ões sobre os objetos do mundo e que constrói suas próprias
categorias de pensamento ao mesmo tempo que organiza seu mundo
(1985, p. 29).
Assim, essas autoras introduzem, através de seus estudos, a concepção de
língua escrita como objeto de conhecimento e sujeito da aprendizagem como sujeito
cognoscente, sujeito ativo criador do conhecimento, deixando bastante nítida a idéia
sobre a qual as crianças, a partir do momento em que compreendem a língua escrita
como objeto, dando atenção sobre seus usos e funções, elaboram hipóteses e
explicitam idéias teóricas que constantemente colocam à prova frente às escritas
reais presentes na sociedade, além do mais confrontam essas suas hipóteses e
idéias com as concepções dos outros sujeitos (SINCLAIR, 1990).
Nesse sentido, toda a compreensão que os estudos dessas autoras
trouxeram acerca dos processos e das formas pelas quais as crianças constroem o
conhecimento sobre a língua escrita, possibilitou o entendimento da alfabetização
inicial sob um novo ângulo, no qual os métodos tradicionais de alfabetização não
têm tanta relevância, visto que toda a apropriação conceitual desse objeto de
conhecimento, que é a escrita, é construído a partir da própria atividade do sujeito
cognoscente.
Portanto, pode-se concluir que sendo a língua escrita considerada como um
objeto de conhecimento e não apenas como um objeto de ensino, a alfabetização
inicial passa também a ser compreendida como um processo que implica a
apropriação de um sistema de representação (FERREIRO, 1993; 2001), sistema
esse que não envolve apenas marcas gráficas, mas, principalmente, que envolve
interpretação (sentido e significado) dessas marcas gráficas. Desse modo, fala-se de
alfabetização como Cultura Escrita, uma vez que se trata de um aprendizado:
[...] que envolve mais que aprender a produzir marcas, porque é produzir
língua escrita; algo que é mais que decifrar marcas feitas por outros,
porque é também interpretar mensagens de diferentes tipos e de diferentes
graus de complexidade; algo que também supõe conhecimento acerca
deste objeto tão complexo a língua escrita -, que se apresenta em uma
multiplicidade de usos sociais (FERREIRO, 1993, p. 79).
Logo, toda essa revolução conceitual que Ferreiro e Teberosky (1985)
trouxeram à tona, ao discutirem o modo como as crianças se apropriam do objeto
cultural que é a língua escrita, fomentaram novos entendimentos acerca da
alfabetização inicial de crianças, pois agora sabe-se que as crianças elaboram e
relaboram hipóteses ao refletirem sobre o que a escrita representa e como ela é
representada. Reflexões essas que se iniciam muito antes da criança receber
informações formais e sistematizadas, sobre esse objeto de conhecimento, oriundas
do ambiente escolar.
Entretanto, apesar dessas autoras serem hoje consideradas pioneiras ao
trazerem dados concretos sobre os processos de construção dos conhecimentos no
domínio da língua escrita, bem como a compreensão da natureza das hipóteses
infantis e dos tipos de conhecimentos específicos que a criança possui ao iniciar a
aprendizagem escolar, tendo como base epistemológica a perspectiva
psicogenética, faz-se necessário salientar que o pioneirismo, em estudar, buscando
compreender, como se o desenvolvimento da escrita na criança, é de Vygotski e
de Alexandre Luria, um de seus seguidores soviéticos.
Todavia, os estudos de Ferreiro e Teberosky não se distanciam e muito
menos se contrapõe às idéias revolucionárias de Vygotski e Luria, apresentadas em
meados da década de 1920 quando descreveram suas investigações acerca da
“pré-história da escrita”.
De acordo com Rocco (1990), durante a revolução que envolvia a Rússia, os
cientistas sovticos do grupo de Vygotski sistematicamente estudaram e
questionaram temas que décadas mais tarde iriam interessar ao resto do mundo.
Nesse sentido, tais cientistas produziram quase as mesmas conclusões que Ferreiro
e seus colaboradores chegaram cinqüenta anos depois. No entanto, os
resultados das pesquisas de Vygotski e seu grupo, em função da proibição que
ocorreu das obras desses psicólogos soviéticos, tanto no ocidente, como no oriente,
permaneceram ignorados por quase todo o mundo, até mais ou menos a década de
60, no século XX. Por conta disso, Ferreiro e Teberosky tiveram contato com os
dados obtidos por esses pesquisadores através de suas pesquisas quando
estavam concluindo a escrita da obra Psicogênese da Língua Escrita.
Nesse sentido, Rocco ressalta que Luria e Ferreiro, mesmo que separados
um do outro pelo espaço de tempo, acabaram por pesquisar um mesmo tema, os
processos de construção da escrita pela criança pequena, e “[...] dentro das
especificidades que lhes são inerentes, percorreram itinerários muito parecidos ou
paralelos” (ROCCO, 1993, p. 32).
Assim, toda a proximidade evidenciada pela pesquisa de Ferreiro e dos
cientistas soviéticos, está justamente na questão de como esses teóricos entendem
a linguagem. Ou seja, como visto no tópico anterior, para Vygotski (1984; 1993), a
linguagem tem um aspecto predominantemente social, uma vez que, por não haver
dissociação entre a função comunicativa e a intelectual, a comunicação para ser
efetiva precisa estar imersa numa rede de significados. Logo, em concordância com
esse pressuposto, Ferreiro e Teberosky (1985) e Ferreiro (1993), entendem que a
leitura e a escrita o podem ser vistas pelas ações mecanizadas, mas sim, através
de um processo de construção individual (porque envolve assimilação de estruturas
internas) de um sujeito cognoscente inserido num meio social que lhe proporciona
informações específicas e, conseqüentemente, conflitos cognitivos que fomentam
seu desenvolvimento e geram construção de conhecimentos.
Para as autoras da Psicogênese da Língua Escrita, a criança constrói e
reconstrói a lecto-escrita através da interação com outros sujeitos, pois é o outro
quem propicia situações de conflitos. Sendo, portanto, a busca por resoluções
desses conflitos que leva a criança a evoluir conceitualmente.
Por isso, tanto para Ferreiro e Teberosky (1985), como para Vygotski (1984),
o processo de ensino e de aprendizagem necessita estar baseado na função social
e precisa também ter significado e sentido para a criança. Portanto, para que ocorra
uma aprendizagem da linguagem escrita (isto é, para que a criança compreenda o
sistema alfabético e sua função social), é imprescindível que o ato de ler e de
escrever possibilite ao sujeito o pensar e o expressar de suas idéias, opiniões e
sentimentos.
2.3.2 Apropriação da lecto-escrita: processo de construção individual de um
objeto social.
A língua escrita consiste em um objeto de conhecimento social que envolve
um processo de construção realizado internamente pelo sujeito a partir da interação
sujeito-objeto e sujeito-sujeito, conforme descrevem as teorias de Piaget e Vygotski.
Portanto, para Ferreiro (1987; 1990; 1993; 2001; 2002), Ferreiro e Teberosky
(1985) e Teberosky (1993), o processo de apropriação da lecto-escrita inicia-se
muito antes da criança ingressar na escola e receber orientação sistematizada e
formal sobre esse objeto de conhecimento, visto que pode-se verificar, em
crianças muito pequenas, a elaboração de hipóteses acerca do universo escrito. Ou
seja, a partir do momento em que os símbolos escritos, percebidos pelas crianças
ao seu redor, “começam a ‘dizer algo’, a ter um significado” (SINCLAIR, 2003, p.82),
inicia-se o processo de apropriação da lecto-escrita por meio da construção de
hipóteses.
Nesse sentido, em seus estudos, essas autoras mostram que mesmo antes
de saber ler, no sentido convencional do termo, as crianças têm idéias bem
precisas acerca das características que precisa possuir um texto escrito para que
esse tenha legibilidade; isto é, mesmo antes de ingressar na escola e receber
informações sistematizadas sobre a lecto-escrita, as crianças pequenas elaboram
concepções que indicam suas condições de empregar critérios coerentes de
classificação de um material gráfico.
Logo, apresentando suas hipóteses acerca das condições prévias que um
texto deve possuir para que permita um ato de leitura, diante de diferentes marcas
gráficas (as quais classificam como legíveis ou ilegíveis), as crianças, em sua
maioria, antes mesmo de serem capazes de ler os textos apresentados,
demonstram possuir critérios organizadores fundamentais que indicam, segundo
elas, se um texto pode ou não ser lido. Dentre esses critérios tem-se: a distinção
entre o icônico e o não-icônico; quantidade suficiente de caracteres; e, variedade
intrafigural (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985).
Para Ferreiro e Teberosky (1985), o primeiro critério organizador de um
material composto por diferentes marcas gráficas é o do fazer uma distinção entre o
“figurativo” e o “não-figurativo”, uma vez que desenhos ou figuras o podem ser
lidos (mas podem ser interpretados). Desse modo, apenas pode-se ler, na
concepção infantil, outros tipos de marcas gráficas, “definidos inicialmente por pura
oposição ao figurativo e, às vezes, na ausência de qualquer termo genérico [‘letras’
ou ‘números’]” (FERREIRO, 2001, p. 45-46).
Feita essa distinção, a criança passa a realizar reflexões acerca do grupo de
marcas não-icônicas, elaborando, conseqüentemente, os critérios envolvendo um
número mínimo de caracteres (não é possível ler quando menos de três letras
juntas) e uma variedade de caracteres para que uma série de letras, mesmo que
com um número mínimo, sirva para ler (um material gráfico é ilegível quando
apresenta uma série de letras que se repetem muito).
Essas exigências aparecem diante tanto de escritas descontextualizadas
como também nas escritas espontâneas produzidas pelas crianças e o critérios
que acompanham o sujeito por uma boa parte de sua evolução conceitual acerca da
lecto-escrita, influenciando, portanto, consideravelmente esse processo.
Como conseqüência, através desses critérios, as crianças possibilitam que se
entenda que suas sistematizações, as quais obedecem a uma lógica interna, são
totalmente criativas, inventadas por elas próprias, que consistem em noções que,
indubitavelmente, não são socialmente transmitidas. Isto é, a partir do momento no
qual buscam compreender o sistema de escrita, as crianças constroem concepções
e hipóteses que podem ser consideradas como originais, visto que não são noções
puramente transmitidas por um indivíduo alfabetizado, mas sim, noções construídas
a partir de um esforço cognitivo do sujeito de entender que classe de objeto é esse
que possui usos e funções tão relevantes na sociedade.
Em outras palavras, a escrita, compreendida como um objeto de usos e
funções sociais, desde muito cedo chama a atenção da criança que, num esforço de
tentar compreender “[...] que classe de objeto é esse objeto” (Id., 1993, p.86), utiliza
princípios cognitivos gerais e complexos totalmente inventados por ela, o que sugere
a existência de conceitualizações infantis criadas pelas próprias crianças, quando
refletem sobre esse objeto de conhecimento tão fascinante que é a língua escrita.
Ainda, segundo os estudos de Ferreiro e Teberosky (1985), essas
concepções formuladas pelas crianças têm um caráter muito geral e aparecem em
todas elas independente da classe ou do nível social. Há, entretanto, uma variação
no aparecimento das concepções em termos de idade e de acordo com as
interações com objetos de escrita, porém a seqüência segue uma certa
regularidade. Assim sendo, “as crianças parecem resolver certos problemas em uma
certa ordem: a resolução de certos problemas permite-lhes abordar outros” (Ibid., p.
77).
Então, a construção da língua escrita se dá, de acordo com essas autoras, a
partir da evolução das conceitualizações infantis acerca desse objeto de
conhecimento, evolução que aparece através dos conflitos cognitivos que o sujeito
vive. Isto quer dizer que:
Um progresso no conhecimento não será obtido senão através de um
conflito cognitivo, isto é, quando a presença de um objeto (no sentido
amplo de objeto de conhecimento) não-assimilável force o sujeito a
modificar seus esquemas assimiladores, ou seja, a realizar um esforço de
acomodação que tenda a incorporar o que resultava inassimilável (e que
constitui, tecnicamente, uma perturbação) [...] Há momentos particulares
no desenvolvimento em que certos fatos, antes ignorados, se convertem
em perturbações (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p.34).
Essas mesmas autoras definem, em seus estudos, quatro níveis conceituais
pelos quais as crianças passam durante o processo de construção da lecto-escrita.
Em cada nível, a criança elabora concepções tentando compreender o que a escrita
representa e como ela é representada. Isto é, enquanto não encontra uma resposta
satisfatória para as duas questões primordiais: “O que a escrita representa?” e “Qual
a estrutura do modo de representação da escrita?”, a criança formula, num
constante processo de construção e reconstrução, hipóteses que põem a prova
através das informações que recebe da sociedade. Assim, a mudança de um nível
para outro ocorre quando o sujeito se depara com idéias ou situações nas quais o
nível em que se encontra não pode explicar (perturbações), levando-o a elaborar
novas hipóteses e novas questões a cada nível que passa.
Reforçando essa idéia, de acordo com Ferreiro e Teberosky, a mudança de
nível conceitual para outro ocorre porque “[...] o meio – ao oferecer oportunidades de
confrontação entre hipóteses internas e realidade externa provoca conflitos
potencialmente modificadores e enriquecedores” (1985, p. 280).
Há, portanto, “idas e vindas” entre os níveis, já que o processo de assimilação
acerca da língua escrita é gradativo e envolve concepções que se ampliam, o que
sugere o entendimento da aprendizagem da língua escrita “[...] como a
compreensão do modo de construção de um sistema de representação [...]
(FERREIRO, 2001, p. 15).
Segundo Ferreiro (1990; 1993; 2001), o processo de construção e de
reconstrução da língua escrita pode ser dividido em três períodos que englobam os
quatro níveis/hipóteses conceituais pelos quais passam as crianças até
compreenderem a leitura e a escrita alfabeticamente.
Para essa autora, no primeiro período, início dessa construção, as
primeiras idéias acerca da lecto-escrita. As tentativas das crianças se dão através
da reprodução dos traços básicos da escrita com que elas se deparam no cotidiano,
preocupando-se apenas em representá-las. Aqui, o que vale é a intenção, pois,
embora o traçado seja semelhante a escrita convencional, uma vez que a criança
faz a distinção entre o icônico e o não-icônico (utiliza tanto letras como números),
sendo que o desenho não pode representar uma escrita, cada sujeito em seus
rabiscos aquilo que quis escrever. Desta maneira, cada um só pode interpretar a sua
própria escrita, e não a dos demais.
Ou melhor:
O primeiro período caracteriza-se pela busca de parâmetros de
diferenciação entre as marcas gráficas figurativas e as marcas gráficas
não-figurativas, assim como, pela formação de séries de letras como
objetos substitutos, e pela busca de condições de interpretação desses
objetos substitutos (FERREIRO, 1990, p. 22).
Portanto, a escrita nesse período é conceitualizada pela criança como um
conjunto de formas arbitrárias e dispostas linearmente, o que sugere o início do nível
pré-silábico, no qual a hipótese infantil, acerca do que a escrita representa, consiste
na diferenciação entre desenho e outras formas gráficas de representação não-
icônicos. As marcas gráficas não-figurativos devem estar distribuídos de forma que
haja uma quantidade mínima e uma variedade intrafigural.
Logo que começam a elaborar as “condições de interpretabilidade de um
texto”, as crianças ingressam no segundo período da organização da escrita. Esse
período é “caracterizado pela construção de modos de diferenciação entre os
encadeamentos de letras, baseando-se alternadamente em eixos de diferenciação
qualitativos e quantitativos”, pois aqui se tornam observáveis as propriedades
específicas do texto (FERREIRO, 2001, p. 22).
Por conseqüência, a hipótese central desse período, que também
compreende o nível pré-silábico, consiste em determinar critérios de legibilidade:
para ler coisas diferentes é preciso usar formas diferentes. Assim, a criança, ao
tentar escrever, procura combinar de várias maneiras as poucas formas de letras
que conhece, respeitando, então, duas exigências básicas: (1) a quantidade mínima
de letras (normalmente três caracteres) e, (2) a variedade entre elas (não pode
haver repetição contínua de grafemas).
Além do mais, há, também, a elaboração da idéia de que a escrita dos nomes
é proporcional ao tamanho do objeto ou elemento a que está se referindo, isto é,
correspondência entre as variações quantitativas nas representações e as variações
quantitativas no objeto referido: os nomes de objetos maiores (ou mais espessos,
mais pesados, mais numeroso, ou mais velho em termos de idade) precisam ser
escritos com mais letras que os dos objetos pequenos (Id., 1990).
Esses dois primeiros períodos descritos acima correspondem, como
enunciado, a hipótese pré-silábica, justamente por corresponder a fase na qual a
criança ainda não compreende que a escrita representa a fala e que, por
conseqüência, se pode escrever o que se diz. Nesse sentido, pode-se dizer que
nesse nível uma correspondência global, não-analisável, entre linguagem e
escrita, pois a única correspondência estabelecida pela criança é entre duas
totalidades: a palavra emitida e a escrita interpretada (FERREIRO; TEBEROSKY,
1985).
Entretanto, quando a criança entende que a escrita representa a fala e,
portanto, busca relacionar os aspectos sonoros da fala com o que escreve, está
entrando no terceiro período, que compreende a fonetização da escrita. Esse
período inicia-se com o nível silábico e termina com o alfabético, havendo, por isso,
um progresso evolutivo.
Dessa forma, no começo desse período, são realizadas, pela criança,
tentativas de dar um valor sonoro a cada uma das sílabas que compõem a palavra,
pois a hipótese inicial presente aqui, que corresponde ao nível silábico, é que “a
escrita representa partes sonoras da fala” (Ibid., p.209). Portanto, cada grafia
traçada pela criança, com o intuito de realizar uma produção escrita, corresponde a
uma sílaba pronunciada oralmente, podendo ser utilizadas, para tanto, letras ou
outro tipo de grafia não-figurativa.
A hipótese silábica tem uma grande importância na evolução da escrita, já
que é quando a criança encontra uma maneira de compreender a relação entre a
totalidade e as partem que compõem a escrita.
Sendo assim, com base em Weisz (1985), pode-se salientar que a hipótese
silábica é falsa e necessária. Falsa porque a criança comete alguns “erros” (com
relação à concepção adulta e à convenção social de escrita) como supor que a
menor unidade da língua é a sílaba e que, portanto, para se escrever utiliza-se uma
letra para cada sílaba pronunciada. No entanto, esse “erro construtivo” é necessário
justamente porque uma resposta satisfatória a primeira questão que acompanha
o sujeito cognoscente em seu processo de compreensão da lecto-escrita “o que a
escrita representa?”. Logo, ao entender que a escrita representa o som da fala, a
criança um grande salto qualitativo nesse processo, pois “é impossível chegar ao
sistema alfabético de escrita sem descobrir, em algum momento, que o que a escrita
representa é a fala” (FERREIRO,1982, p.7 apud WEISZ, 1985, p. 32-33).
Além das soluções que a hipótese silábica propicia para a criança, ela
também faz emergir novos conflitos. A escrita silábica, então, traz um conflito
cognitivo que mexe com a concepção prévia da criança de quantidade mínima de
caracteres necessários para que a escrita possa ser lida, uma vez que, trabalhando
com a hipótese silábica, a criança utiliza, por exemplo, duas grafias para escrever
palavras dissílabas, o que vai de encontro às suas idéias de que são necessários,
pelo menos, três caracteres para escrever algo. Na busca de solucionar esse
conflito, a criança caminha para outro nível conceitual, ocorrendo, então, a transição
da hipótese silábica para a alfabética.
Nesse sentido, o conflito estabelecido entre uma exigência interna da
própria criança (o número mínimo de grafias) e a realidade das formas que o meio
lhe oferece leva o sujeito, a buscar soluções para essa perturbação, começando a
perceber que escrever é representar progressivamente as partes sonoras das
palavras. Dessa maneira, nas produções infantis ocorre uma adição de letras às
escritas que antes eram silábicas, embora tais produções ainda não sejam
totalmente alfabéticas. Esse nível compreende o silábico-alfabético, caracterizado
pela coexistência de duas hipóteses, ora silábica ora alfabética dentro de uma
mesma escrita.
De acordo com Weisz, tanto essa etapa como a etapa silábica “têm sido
encaradas como patológicas pela escola que não dispõe de conhecimento para
perceber seu caráter evolutivo” (1985, p. 35).
No final do terceiro período a criança atinge o nível alfabético, fazendo os
registros de forma convencional, mas, nem sempre ortográfica.
A escrita alfabética, última etapa da evolução, aparece, portanto, quando o
sujeito compreende que as sílabas de uma palavra são constituídas por valores
sonoros menores que a própria sílaba. Isso implica que, uma palavra, se tiver duas
sílabas, exigindo, assim, dois movimentos para ser pronunciada, necessitará mais
do que duas letras para ser escrita (FERREIRO, 1990).
Por conseguinte, é no nível alfabético que a criança compreende os princípios
do sistema alfabético. Melhor explicando:
A criança conseguiu compreender como opera esse sistema, isto é, quais
são suas regras de produção. Essa etapa final, nesse caso como em
outros, é, contudo, também a primeira de outro período. De fato, muitos
problemas ficam ainda por resolver, principalmente os problemas de
ortografia, que surgirão em primeiro plano. Uma nova distinção se impõe a
partir de então, entre os problemas da escrita propriamente dita e os
problemas de ortografia. Estes começam uma vez captados os
princípios de base do sistema alfabético, o que em nada lhes retira sua
importância (Ibid., p.63-64).
Com base no sobredito, entende-se que a criança tem a sua frente uma
estrada longa, a chegar à leitura e à escrita da maneira que nós adultos
alfabetizados a concebemos, pois ela precisa ainda compreender que cada som
corresponde a uma determinada forma gráfica, que grupos de letras separadas
por espaços em branco, grupos estes que correspondem a cada uma das palavras
escrita, que uma ortografia convencionalmente estabelecida para a escrita das
palavras e tantos outros aspectos gramaticais envolvidos na língua escrita
(FERREIRO, 2001).
Concluindo, após essa análise das etapas que mostram a apropriação de um
conhecimento social, salienta-se a necessidade da escola vir a considerar e
respeitar as hipóteses infantis, visto que, de acordo com a teoria de Ferreiro e
Teberosky (1985), é condição essencial para a construção da lecto-escrita pela
criança que essa tenha, na escola, a possibilidade de explicitar suas hipóteses sobre
a escrita e a leitura e que, portanto, encontre um ambiente no qual suas
potencialidades sejam valorizadas e seus pontos de vista respeitados. Logo, espera-
se que a escola, numa perspectiva construtivista de ensino e de aprendizagem,
permita à criança avançar, por meio de sua natural curiosidade, na exploração de
seu meio físico e social, em suas conceitualizações acerca da lecto-escrita.
Um ambiente desafiador, estimulante e no qual as crianças possam
confrontar hipóteses sobre o significado e a forma de representação da língua
escrita, propicia a construção compartilhada desse conhecimento. O que sugere,
tendo como base tanto a perspectiva psicogenética, como a histórico-social, a
possibilidade de haver relaborações de estruturas mentais que levam,
conseqüentemente, a avanços conceituais a partir da troca de idéias particulares em
momentos de interação social. Assim, entende-se ser necessário discutir as
implicações educacionais no processo de construção da lecto-escrita.
2.3.3 Alfabetização inicial: implicações educacionais e intervenção pedagógica
Emilia Ferreiro e Ana Teberosky (1985), ao descreverem a psicogênese da
língua escrita trazem à tona, como visto, uma nova concepção de alfabetização
que acaba descolando o eixo central do processo de ensino e de aprendizagem,
uma vez que a lecto-escrita passa a ser compreendida como um objeto de
conhecimento que é apropriado pelo sujeito a partir das conceitualizações que esse
elabora ao buscar compreender esse objeto, e não mais como um conhecimento
exclusivamente escolar que depende de um método sistematicamente organizado e
dirigido para a criança.
Nesse sentido, a pesquisa psicogenética dessas autoras provocou
significativas alterações na fundamentação teórica do processo de ensino e de
aprendizagem da língua escrita. Essa nova concepção de alfabetização ficou
conhecida como “construtivista” e através dela explica-se que o aprendizado da
leitura e da escrita segue uma evolução conceitual e não é, de modo algum, um
resultado da simples cópia de um modelo externo (concepção essa presente nos
métodos tradicionais de alfabetização).
Entretanto, apesar de Ferreiro e Teberosky (1985) revolucionarem os
conceitos relativos à alfabetização, mostrando o papel das crianças diante da lecto-
escrita, na prática cotidiana pedagógica da maioria das escolas brasileiras, essas
descobertas ainda não se fizeram presentes, “[...] sendo necessária uma revolução
também nas concepções cristalizadas dos professores” (SANTOS, 2007, p. 39) que
ainda hoje entendem ser fundamental dominar um método que conta de
alfabetizar o maior número possível de alunos, tornando esses sujeitos meros
codificadores e decodificadores da língua escrita.
Sendo assim, dentre os principais métodos de alfabetização ainda hoje
utilizados em nossas escolas, em muitos casos sistematizados nas cartilhas, estão
os métodos Fônico e Silábico. Contudo, os métodos de Palavração e os Globais,
apesar de serem utilizados com menor freqüência nas escolas, também estão
presentes. Dessa forma, para que se possa explicar porque se critica tanto tais
metodologias de alfabetização, tendo em vista os preceitos construtivistas de ensino
e de aprendizagem, é oportuno que se faça uma breve abordagem analítica desses
métodos. Para tanto, os mesmos serão divididos em dois grupos, que como pode-se
perceber possuem pressupostos básicos comuns. A divisão se entre os métodos
sintéticos e os métodos analíticos (BRAGGIO, 1992).
Os métodos sintéticos são representados pelos métodos Fônico e Silábico
(mediados pelo fônico), sendo, portanto, uma metodologia de ensino na qual inicia-
se o processo das partes para o todo; isto é, parte-se de segmentos menores da fala
(fonema, sílaba, letra) para se chegar a palavras, frases, textos (unidades maiores e
mais significativas). Esses métodos são estruturados em estratégias de ensino
relacionadas à percepção auditiva, visto que “[...] é pela correta discriminação dos
sons e pela posterior associação do som com seu sinal gráfico (letra) que a criança
aprende a ler e a escrever” (MOLL, 1999, p.54).
Sendo assim, tais métodos que se enquadram dentro dessa visão de ensino e
aprendizagem da língua escrita, priorizam o treino e a repetição, bem como a leitura
mecânica que se dá por meio da decodificação do código escrito.
Totalmente de acordo com tais concepções de ensino e de aprendizagem da
língua escrita, estão os métodos que se encontram no grupo dos métodos analíticos,
que são: os métodos de Palavração e os métodos Globais. Esses são metodologias
que partem do todo para as partes; adotam procedimento oposto aos métodos
sintéticos, partindo de unidades maiores, para chegar em unidades menores
(fonemas, letras, sílabas). Assim, dão ênfase a estratégias visuais, “[...] cristalizando
o processo de alfabetização em etapas e procedimentos que, via de regra, nada tem
a ver com o processo de aprendizagem do aluno” (Ibid., p. 54).
Desse modo, uma análise desses todos de alfabetização, utilizados ainda
hoje, permite que se compreenda que esses enfocam a aprendizagem da língua
escrita como um treinamento mecânico que se por meio da internalização de
padrões regulares de correspondência entre sons e soletrações, bem como pela
formação de hábitos ou de condicionamento pela pura imitação de um modelo, o
que não envolve reflexões por parte do aluno.
Assim, esses métodos podem ser compreendidos como um conjunto de
matérias, técnicas e procedimentos, totalmente imposto às crianças, que regulam,
controlam e ordenam o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita. Ou seja, a
professora alfabetizadora, aquela que detém o domínio do método e do saber,
possui uma posição de autoridade sobre as crianças, é ela que tem o direito e o
dever de dar ordens a fim de dizer o que os alunos devem fazer, bem como dirigir os
caminhos que esses devem seguir. Portanto, os alunos, confinados entre quatro
paredes com o objetivo máximo de “sair” de suas condições de ignorantes, devem
seguir os procedimentos sistematicamente organizados pela mestra, negando,
conseqüentemente seus saberes prévios e seu contexto social, que para
aprenderem a ler e a escrever, nos moldes da escola, precisam internalizar os
saberes da elite (BRAGGIO, 1992).
Com o papel de regulação e controle da aprendizagem das crianças, a
professora alfabetizadora dita ordens (“façam como eu digo”), impõe passos que
devem ser seguidos mecanicamente e de forma bastante repetitiva (passos que são
decididos pela professora a partir do que considera ser “mais fácil” e “mais difícil”
para a criança) e exerce um controle sobre as escritas e as leituras que as crianças
realizam. Esse controle se através da sistematização do ensino que permite um
permanente destaque ao erro:
O aprendizado da escrita é, desde o princípio, destruído de sentido e
monitorado sob a vigilância e tirania da norma ortográfica. Ousar escrever
é inibido sob o argumento de impedir o erro. A construção do conhecimento
é tolhida e contida sob a camisa-de-força do estritamente ensinado
(GARCIA, 1997, p. 22).
Logo, a criança aprende que a língua escrita reproduz a fala e que esta é um
objeto fragmentável desprovido de funções sociais e que pode ser utilizada e
praticada sob a vigilância da escola que dita as regras e procedimentos. Em vista
disso, ler consiste em decodificar o código e não, compreender o sentido e o
significado do que está escrito e, portanto, escrever nada mais é do que codificar:
reproduzir traços - e não, expressar idéias, opiniões e reflexões pessoais.
Como pode-se perceber, os métodos tradicionais de alfabetização acabam
delimitando estratégias que devem ser utilizadas pelas crianças no processo de
aprendizagem da escrita e da leitura. Tais estratégias são sistematicamente
organizadas levando-se em conta a idéia de que as crianças das classes populares,
por terem uma “bagagem” cultural diferente, são deficientes em termos intelectuais
(cognitivos). Assim, visando favorecer o processo de alfabetização das “massas”, em
sala de aula observa-se que as práticas alfabetizadoras tradicionais: exercem um
controle sobre a aprendizagem, na qual cabe ao mestre decidir quando a criança
deve aprender e como deve ser esse aprendizado; não permitem à criança explorar
de forma autônoma o universo das letras, pois devem seguir uma seqüência padrão
indo do “mais fácil” para o “mais difícil”, segundo uma visão adultocêntrica; esperam
da criança que ela fale, leia e escreva “corretamente” a despeito da variedade
lingüística que domina; enfatizam que para aprender a ler e a escrever, a criança
deve possuir determinados “pré-requisitos” para que esteja pronta para a tarefa,
como: “domínio de conceitos, lateralidade, discriminação perceptivo-visual, etc”
(BRAGGIO, 1992).
Então, sendo a alfabetização, ainda hoje, um aprendizado totalmente
controlado pela escola, percebe-se que esse tem se dado, tendo em vista os
métodos tradicionais descritos anteriormente, de forma repetitiva e mecânica, na
qual a técnica de ler e escrever, o domínio do código alfabético, predomina sobre a
compreensão, a reflexão, o significado: as tarefas são controladas, mecanizadas,
repetitivas e artificiais, prevalecendo sempre ordens como “copie”, “cubra e copie”,
“ligue”, “marque as palavras certas com x”, “forme palavras com as sílabas”, etc.
Conseqüentemente, o conhecimento prévio da criança sobre a linguagem é
ignorado, bem como o contexto de onde ela vem. Sua criatividade é cerceada e a
leitura e a escrita são vistas como fundamentalmente um meio para um fim em si
mesmas, sem nenhum caráter funcional. Isso tudo porque, a linguagem é tratada
homogeneamente, sem nenhuma abertura para variações dialetais; é também
restrita, controlada e artificial (utilizada para apresentar fonemas/grafemas no
decorrer do processo, por meio de pseudotextos que nada têm a ver com o contexto
em que vive a criança) (idem).
Como fica evidente, os pressupostos básicos comuns desses métodos têm
como premissa a negação de todo o processo cognitivo da criança, bem como
desconsidera o referencial teórico apresentado por Ferreiro e Teberosky (1985),
que consistem em recursos didáticos utilizados por alfabetizadoras que entendem as
crianças como indivíduos que nada sabem e que, conseqüentemente, precisam de
um ensino sistematizado que os capacitem a meramente transcrever a linguagem
escrita em código alfabético para, posteriormente, “aprenderem” a decodificar esse
mesmo código.
Deslocando o foco dos métodos de ensino para os processos de
aprendizagem do sujeito-criança, e, por entender-se a alfabetização como um
permanente processo de elaborações conceituais “[...] que não se reduz a técnicas
de decodificação mecânica, adquirida através da organização de padrões regulares
de correspondência entre som e grafemas” (BOLZAN, 2007, p. 22), pode-se
destacar que as concepções da visão construtivista de ensino e de aprendizagem,
oriundas dos preceitos teóricos de Vygotski e Piaget, são de extrema relevância
quando se pensa em contribuir para uma educação de qualidade e que fomente
aprendizagens significativas; ensino esse, de acordo com as concepções de Freire
(1980; 1996), totalmente contrário aos moldes da “educação bancária” (transferência
de saberes: idéia reducionista de alfabetização) porque propõem a alfabetização a
partir da relação entre educando e o mundo social ao qual pertence, mediada pela
prática transformadora desse mundo.
Dessa forma, tendo em vista a abordagem construtivista acerca da
apropriação da língua escrita – que entende as crianças como seres ativos e
interativos que reinventam a escrita, no sentido de inicialmente compreender seu
processo de construção e, conseqüentemente, suas formas de produção -, e a
questão de que a escola - instituição social onde o processo intencional de ensino e
de aprendizagem dos conhecimentos ocorre - tem como finalidade máxima oferecer
intervenções que conduzam à aprendizagem conceitual, a partir de agora, pela
relevância dessa problemática que envolve o processo de alfabetização ato
político porque fundamentado numa visão de homem/mulher e de sociedade
(FREIRE, 1985) -, refletir-se-á acerca das estratégias pedagógicas e das possíveis
intervenções didáticas que fomentam a apropriação conceitual da lecto-escrita por
parte das crianças em fase de alfabetização inicial.
As intervenções pedagógicas ou as estratégias de ensino no contexto escolar
que vêm ao encontro de todo o referencial teórico discutido neste estudo, são
aquelas que colocam a língua escrita como uma aprendizagem social que depende
do trabalho cognitivo desenvolvido pela criança a partir das informações que essa
internaliza do ambiente social e da sua própria atividade reflexiva diante de suas
escritas espontâneas (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985; FERREIRO, 1993;
TEBEROSKY; RIBERA, 2004; BOLZAN, 2003-2007).
Nesse sentido, as estratégias de ensino que consistem em atividades
planejadas, pela alfabetizadora, como uma mediadora do processo, primeiramente a
partir da curiosidade epistemológica das crianças em compreender a língua escrita,
precisam necessariamente encorajar os educandos a pensarem e explorarem e, por
isso, devem ser desafiadoras, trazendo a tona um problema a ser resolvido e
motivadora porque parte do interesse da turma.
Isso implica que para a compreensão da língua escrita, as crianças precisam
estar inseridas em verdadeiros ambientes alfabetizadores” (GOULD, 1998): salas
de aula previamente organizadas nas quais ocorram atividades lingüísticas que
promovam desafios, conflitos sociocognitivos, que possibilitem a reflexão sobre
situações problemas. Ambientes nos quais os educandos desempenhem um papel
ativo na construção de conceitos, valores e esquemas, bem como no
desenvolvimento de capacidades de resolução de problemas cada vez mais
complexos, por meio da mediação tanto por parte da alfabetizadora como de seus
colegas de classe.
Assim, ensinar a lecto-escrita para a compreensão, requer da educadora
alfabetizadora o planejamento de estratégias pedagógicas que privilegiem a ação
reflexiva das crianças com o mundo e também com outros sujeitos.
Nesse planejamento, portanto, precisam estar presentes atividades que
possibilitem experiências, em sala de aula, nas quais sejam constantemente
explorada a reflexão sobre o que a escrita representa e qual seu valor como objeto
social, tudo de forma instigante e prazerosa. Além do mais, no desenvolvimento de
propostas pedagógicas de alfabetização, que leve em conta toda a teoria
psicogenética e a histórico-social, é preciso se considerar como primordial os
caminhos já percorridos pela criança para o desenvolvimento dos signos e sua
conseqüente representação (BOLZAN, 2007). Por esse fato, os conhecimentos
prévios as hipóteses, as idéias elaboradas pela criança precisam ser
consideradas no planejamento de atividades que levem a conflitos (perturbações;
contradições entre essas idéias e as informações que o meio oferece) para,
conseqüentemente, fomentarem desequilíbrios nas estruturas internas do sujeito,
possibilitando que esse relabore essas suas concepções iniciais chegando, então, a
conhecimentos mais elaborados.
Ferreiro e Teberosky ressaltam a importância da questão apresentada acima
quando enfatizam que:
Um progresso no conhecimento não será obtido senão através de um
conflito cognitivo, isto é, quando a presença de um objeto (no sentido
amplo de objeto de conhecimento) não-assimilável force o sujeito a
modificar seus esquemas assimiladores, ou seja, a realizar um esforço de
acomodação que tenda a incorporar o que resultava inassimilável (e que
constitui, tecnicamente, uma perturbação) (1985, p. 34).
Dessa forma, os conhecimentos prévios, denominados por Ferreiro (1993)
como “antecessores cognitivos” noções, representações, relações, conceitos,
idéias e concepções que a criança construiu antes mesmo de chegar à escola –, são
considerados fundamentais em sala de aula, que são esses antecessores que
possibilitam a apropriação, posterior, conceitualmente mais elaborada.
Logo, cabe a alfabetizadora propiciar espaços e estratégias pedagógicas que
introduzam o sujeito-criança, em processo de alfabetização inicial, em situações
conflitivas, sendo que isso pode ocorrer se de fato a educadora conhecer e
respeitar verdadeiramente as concepções prévias os antecessores cognitivos - de
seus educandos.
Além do mais, tendo em vista que os objetos sociais como no caso da
lecto-escrita só se tornam conscientes pelo sujeito através de interações sociais, o
ensino da leitura e da escrita, como uma aprendizagem social, precisa ser também
introduzida à criança por meio de contextos sociais de alfabetização inicial
propriamente ditos – fontes de informação –. Sendo assim, um verdadeiro “ambiente
alfabetizador” seria aquele no qual o planejamento e o desenvolvimento de
intervenções didáticas, enfocando a criança como sujeito central do processo,
seguisse, impreterivelmente, parafraseando as idéias de Ferreiro (1993; 2002) e de
Teberosky; Ribera (2004), os seguintes preceitos:
Permitir o contato e a exploração ativa dos diversos portadores de textos
(livros, jornais, histórias em quadrinho, rótulos de produtos, etc);
poder interagir com adultos ou outras crianças leitoras que realizem
ações de leitura em voz alta dos diferentes registros da língua escrita que
aparecessem nos diferentes portadores de texto (por exemplo, escutar
uma história lida por um leitor); além de escutar, poder participar da
leitura, em determinados momentos, interpretando as imagens que
aparecem no material;
poder antecipar o conteúdo de um texto a partir inicialmente dos seus
dados contextuais (relação contexto e texto) e, na medida do possível,
também a partir dos dados textuais;
participar em atos sociais de utilização funcional da escrita: escrever
espontaneamente, sem ser punido pelos seus “erros”, ou ditar para um
escriba um texto, um relato de um passeio, uma lista, etc;
ter a oportunidade de questionar e obter respostas, tanto dos adultos
como de seus próprios companheiros, sobre questões que envolvam a
língua escrita (por exemplo, o nome, a forma gráfica de uma letra ou as
letras que compõem uma determinada palavra). Isto é, poder dialogar em
sala de aula para melhor organizar seu pensamento;
ter a possibilidade de imitar atos de leitura, de produzir suas próprias
escritas, de antecipar o conteúdo de um texto, de confrontar hipóteses,
etc, “[...] para poder relacionar o processo, o produto escrito e a
interpretação que se faz desse produto” (TEBEROSKY; RIBERA, 2004, p.
57);
vivenciar contextos de escrever por si mesmo ou com a ajuda de um
escriba textos longos e significativos para poder reconhecer a diversidade
de problemas a serem enfrentados para a produção de uma mensagem
escrita; problemas tais como: de graficação, de organização espacial, de
ortografia, de pontuação, de seleção e organização lexical, de
organização textual, etc.
Por fim, destaca-se que as intervenções pedagógicas em relação ao
processo de alfabetização, precisam objetivar a língua escrita, tornando-a um objeto
de reflexão, pois só assim a criança, ao pensar sobre a escrita, compreenderá
conceitualmente essa invenção social com usos e funções específicas.
Assim, ao apresentar-se diferentes questões que embasam o ensino e a
aprendizagem da língua escrita voltada para a apropriação conceitual, objetivou-se
mostrar que a escola não pode mais apostar em métodos de alfabetização que,
dada sua natureza mecânica de ensino da transcrição da língua em código
alfabético, muito mais excluem as crianças do processo, porque acabam gerando
um grande número de reprovação e, por conseguinte, evasão escolar, do que
promovem inclusão social.
Nesse sentido, a escola precisa oferecer seqüências didáticas que fomentem
a construção da lecto-escrita por parte das crianças a partir de informações que
essas venham a retirar das interações que estabelecerem, em sala de aula, com os
objetos escritos e com a alfabetizadora e com os companheiros. Com isso, destaca-
se a construção compartilhada de um conhecimento social oriundo da atividade
cognitiva desenvolvida por cada membro ao interagir, uma vez que:
A escrita tem uma série de propriedades que podem ser observadas
atuando sobre ela, sem mais intermediários que as capacidades cognitivas
e lingüísticas do sujeito. Mas, além disso, existem outras propriedades que
não podem ser “lidas” diretamente sobre o objeto, mas através das ações
que outros realizam com esse objeto (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p.
296).
Portanto, com base na questão da mediação social é que se propõe a
interação grupal, entre pares, o trabalho cooperativo em grupo, uma vez que
compreende-se que as crianças podem aprender com seus colegas de aula, que
todos podem contribuir para a mútua alfabetização.
2.3.4 Interação grupal na construção da lecto-escrita
Como se pode evidenciar, aprender a ler e a escrever consiste, certamente,
num processo cognitivo, como também numa atividade social, fortemente embasada
nas interações que a criança estabelece com a educadora e com seus
companheiros de classe. A alfabetizadora é uma mediadora do processo no qual o
educando se encontra diante da atividade interpretativa da lecto-escrita como objeto
de conhecimento socialmente constituído. Entretanto, ela não é a única mediadora
desse processo, que as outras crianças, que estão no mesmo processo (porém
em níveis diferentes), também podem desempenhar esse papel.
Nesse sentido, entende-se, com base nos referenciais teóricos defendidos
neste estudo, que o ensino da lecto-escrita, em classes de alfabetização, pode e
precisa ser redefinido de uma atividade individual e solitária (como normalmente
ocorre nas escolas) para uma atividade social e, portanto, colaborativa. Defende-se,
conseqüentemente, a relevância dos contextos, em sala de aula, nos quais a língua
escrita entre na interação social através de atividades de colaboração, como,
especialmente, as atividades de interação grupal.
Isso porque, a interação grupal entre pares que buscam compreender um
objeto em comum, a partir da abordagem psicogenética, consiste em uma atividade
enriquecedora das estruturas mentais dos sujeitos envolvidos neste processo, pois
nos intercâmbios de pensamento trocas de hipóteses pontos de vista - que
geram conflitos conceituais que, indubitavelmente, por meio de auto-regulações,
levam o sujeito a reorganizar seus esquemas cognitivos.
Desta forma, a atividade cooperativa, como a interação grupal, gera conflitos
sociocognitivos que, para Perret-Clermont (1996), são conflitos de centrações
(pontos de vistas diferentes), estabelecidos em interações com outrem, que
fomentam progressos cognitivos justamente por desencadear desequilíbrios
conceituais que tornam necessários novas elaborações mentais. Logo, “[...] o
conflito cognitivo criado pela interação social [conflito sociocognitivo] é um local
privilegiado, mas também específico em que o desenvolvimento cognitivo vem a
encontrar a sua dinâmica” (PERRET-CLERMONT, 1996, p. 53).
Assim, Perret-Clermont corrobora com as idéias piagetianas, pois afirma que
o conflito, em especial o conflito sociocognitivo, propicia a reorganização dos
esquemas mentais dos sujeitos envolvidos em intercâmbios de pensamento,
favorecendo o avanço de suas conceitualizações. Para essa mesma autora, “[...] a
ação comum de vários indivíduos, exigindo a resolução de um conflito entre as duas
diferentes centrações, vem a resultar na construção de novas coordenações do
indivíduo” (Ibid., p.45).
Deste modo, quando as crianças interagem em situações grupais, ocorre uma
discordância intelectual conflito sociocognitivo que propicia o desenvolvimento
cognitivo dos sujeitos envolvidos, visto que nessa interação há pontos de vista
diferentes sobre o objeto de conhecimento. Esse conflito, então, proporciona
desequilíbrios na estrutura mental da criança que, buscando (re)equilibrar-se,
avança em suas hipóteses, criando esquemas mais elaborados; o que sugere uma
nova assimilação e, conseqüentemente, uma reestruturação cognitiva.
Além dos conflitos sociocognitivos gerados pela interação grupal, mediados
pela linguagem – conversa - estabelecida entre os sujeitos, essa atividade também é
favorável à construção do conhecimento quando pensamos na teoria sócio-histórica,
visto que, como toda criança possui uma zona de desenvolvimento proximal - ou
melhor: um “espaço” entre as conquistas consolidadas pelo indivíduo e aquelas
que, para se efetivarem, dependem da participação de sujeitos mais capazes -, a
colaboração entre pares é primordial no desencadeamento de regulações
intrapsicológicas, oriundas de processos de interiorização.
A construção coletiva dos conhecimentos, através de um processo de
interação e de mediação, faz com que se estabeleça uma rede de ZDPs, que
sujeitos em diferentes níveis estão envolvidos, sendo, portanto, uma circunstância
na qual o sujeito aprende a regular os seus processos cognitivos, seguindo
indicações de outros companheiros. Assim, a partir das trocas cognitivas, presentes
na interação entre pares, o sujeito passa a fazer ou conhecer com a ajuda de seus
colegas o que, conseqüentemente, o possibilitará a fazer e a conhecer por si
mesmo, avançando em suas construções conceituais.
Do interpsicológico, o conhecimento, então, passa para o intrapsicológico,
justamente porque ZDPs foram ativadas, a partir das trocas cognitivas, favorecendo
processos de reflexões que se ampliam.
Sendo assim, acredita-se que em sala de aula a interação grupal possa vir a
ser uma prática educativa que favoreça a construção do conhecimento por parte das
crianças que, interagindo cooperativamente, trocam informações e hipóteses
divergentes que as fazem avançar conceitualmente, visto que como destaca Coll
(1994) para que haja uma aprendizagem significativa, por parte do educando, dos
diferentes objetos de conhecimento, tanto a interação professora-aluno como aluno-
aluno são de extrema relevância, o que sugere que não basta apenas promover
trocas entre cada aluno em particular com o educador, mas sim, trocas entre pares
que buscam mutuamente compreender algo que lhes causa “curiosidade” e lhes
exige encontrar uma solução.
Portanto, a lecto-escrita, como objeto de conhecimento, pode vir a ser
apropriada pela criança em momentos de troca de pontos de vista entre pares, isto
é, em situações de interação grupal, pois como indica Teberosky:
A construção da [língua] escrita pode ser o resultado de uma tarefa
coletiva, determinada, por um lado, pelos níveis de conceitualizações das
crianças e, por outro, pelas informações específicas solicitadas e/ou
entregues em diferentes situações de intercâmbio (2003, p.127).
Logo, quando as crianças compartilham, na interação grupal, concepções e
hipóteses sobre o que a escrita representa e como ela é representada, mesmo que
ainda não sejam leitoras e escritoras do modo convencional, realizam descobertas
coletivas acerca do universo da língua escrita, que o compartilhamento de
questões inquietantes e de informações pessoais, decorrentes do nível conceitual na
qual se encontram cada sujeito em particular, favorecem a socialização dos
conhecimentos que levam a reflexões individuais. Então, a interação grupal e,
especialmente, os conflitos sociocognitivos, levam a apropriação da lecto-escrita de
uma forma construtiva, visto que os conhecimentos que as crianças constroem,
acerca dos aspectos gráficos e funcionais da língua escrita, na interação grupal, não
são transmitidos de uma pessoa para outra, mas sim, construídos entre esses
sujeitos que compartilham hipóteses, já que não existe, dentro do grupo, alguém que
possua todo o saber acerca do sistema de escrita para transmiti-lo.
Por conseguinte, nas atividades desenvolvidas em situações grupais, nas
quais existe cooperação entre sujeitos que buscam resolver, conjuntamente,
atividades referentes à leitura e à escrita, socialização de informações físicas e
sociais acerca desse objeto de conhecimento, bem como divergências conceituais
que precisam encontrar um ponto de equilíbrio.
Por esse fato, é importante destacar, mais uma vez, a interação grupal como
uma excelente alternativa pedagógica para a exploração do processo de construção
do conhecimento, pois um ambiente de sala de aula que fomenta a aprendizagem
cooperativa, através do trabalho conjunto, na qual educandos possuem liberdade
para interagir propicia, indiscutivelmente, um clima de permanente descobertas
coletivas e de respeito mútuo. Neste sentido, o conflito sociocognitivo e a
intervenção dos sujeitos-crianças nas ZDPs dos colegas, proporcionam a
reorganização dos esquemas mentais das crianças, favorecendo o avanço de suas
conceitualizações.
3 DESENHO DA PESQUISA
No capítulo anterior, foram apresentados os pressupostos teóricos que
possibilitam embasar a reflexão acerca do tema desenvolvimento nesta pesquisa.
Neste capítulo, estão explicitados a temática da investigação, seus objetivos e
abordagem metodológica, além do contexto no qual o estudo foi desenvolvido, bem
como, os sujeitos participantes da pesquisa e os instrumentos utilizados para a
coleta dos dados.
Assim, esta pesquisa justifica-se pelo interesse da autora em aprofundar seus
conhecimentos acerca do processo de alfabetização com crianças e, portanto, de
práticas pedagógicas que levem a apropriação da lecto-escrita de maneira
significativa. O foco principal é compreender qual a repercussão da interação grupal
entre pares, em classes de alfabetização, na construção da lecto-escrita.
3.1 Temática
A investigação aqui delineada diz respeito ao processo de interação grupal e
sua repercussão na apropriação da língua escrita. Dessa forma, desenvolveu-se um
estudo através do qual visou-se investigar as interações estabelecidas entre pares
de crianças no contexto de sala de aula, mais especificamente, no trabalho em
grupo, durante a realização de atividades e/ou tarefas envolvendo a leitura e a
escrita. Conseqüentemente, o objetivo desse estudo é compreender os avanços
conceituais acerca da lecto-escrita que tais interações podem propiciar a cada
sujeito envolvido no processo de alfabetização formal inicial.
Nessa perspectiva, compreender a relação interativa e sua repercussão na
apropriação da leitura e da escrita, implica colocar em relevo a seguinte temática:
A repercussão da interação grupal entre pares no processo de
aprendizagem da lecto-escrita de crianças durante a primeira série do Ensino
Fundamental de uma escola estadual de Santa Maria/RS.
A partir da temática aqui proposta, definiu-se, como problema da pesquisa, a
seguinte questão:
As crianças que vivenciam experiências de interação grupal entre pares em
atividades de lecto-escrita demonstram avanços conceituais mais significativos no
processo formal de alfabetização inicial?
3.2 Objetivos
3.2.1 Objetivo geral:
Compreender como a interação grupal entre pares favorece os avanços
conceituais das crianças em relação ao processo de alfabetização formal inicial.
3.2.2 Objetivos espeficos:
Comparar a evolução conceitual acerca da compreensão da lecto-escrita de
crianças em processo de alfabetização formal inicial que compartilham concepções
com aquelas que não tiveram essa mesma proposta pedagógica.
Compreender qual a repercussão da interação grupal entre pares na
construção da lecto-escrita.
3.3 Abordagem metodológica para a investigação
Esta pesquisa foi desenvolvida dentro de uma abordagem qualitativa,
especificamente, utilizou-se a perspectiva de estudo de caso etnográfico como
estratégia para o desenvolvimento desse estudo. Portanto, foi realizada uma
pesquisa do tipo etnográfica.
Tendo em vista que se buscou, ao longo desta pesquisa, compreender a
problemática anteriormente apresentada neste capítulo, através do estudo de um
grupo específico de sujeitos, a perspectiva de estudo de caso etnográfico veio ao
encontro da proposta investigativa almejada, visto que esse é um tipo de estudo que
se constitui “[...] numa unidade dentro de um sistema mais amplo [...] e incide naquilo
que ele tem de único, de particular, mesmo que posteriormente venham a ficar
evidentes certas semelhanças com outros casos e situações” (LÜDKE; ANDRÉ,
1986, p. 17).
Pode-se dizer que no estudo de caso, analisa-se reduzidos grupos de
sujeitos, sendo, portanto, observadas características de uma unidade individual,
como por exemplo, uma sala de aula, uma escola, um pequeno grupo de sujeitos,
uma comunidade. Conseqüentemente, o propósito é indagar profundamente e
analisar intensivamente os fenômenos que constituem o ciclo ao qual pertence.
Nesse sentido, o estudo de caso é essencialmente qualitativo, já que consiste
numa abordagem investigativa baseada na interpretação, na descoberta, na indução
e, portanto, que leva em conta a subjetividade do pesquisador (BISQUERA, 1989).
Logo, por se tratar de uma pesquisa qualitativa de um contexto específico,
este estudo consiste em uma investigação que objetivou produzir dados descritivos,
pois, segundo Bogdan; Taylor (1986) a pesquisa qualitativa é muito mais que um
conjunto de técnicas para recolher dados, é um modo específico de encarar o
mundo empírico.
Na abordagem qualitativa de pesquisa os aspectos subjetivos do
comportamento humano são enfatizados, devendo o pesquisar “penetrar”
profundamente no universo conceitual dos sujeitos investigados para poder
compreender os sentidos dados aos fenômenos sociais e às interações advindas do
contexto diário. Por conta disso, é necessário, ao pesquisador, compreender o
contexto no qual a pesquisa será desenvolvida, bem como as redes de
comunicação, os valores e símbolos presentes nesse contexto (ANDRÉ, 2004).
Desse modo, pode-se concluir que na pesquisa qualitativa há uma inter-
relação entre o mundo real e os sujeitos participantes e também uma
interdependência entre o mundo objetivo que se deseja conhecer e a subjetividade
do pesquisador, sendo que nas metodologias qualitativas, os sujeitos participantes
dos estudos não são reduzidos a variáveis isoladas ou a hipóteses, mas vistos como
parte de um todo, em seu contexto natural, habitual (SILVA, 1999).
Além do mais, na abordagem qualitativa de pesquisa estão presentes certas
idéias que caracterizam as diferentes correntes, as quais permitem ao pesquisador
compreender, por exemplo, o processo educativo em sua plenitude. Logo, tais
correntes levam o pesquisador “[...] a descoberta de novos conceitos, novas
relações, novas formas de entendimento da realidade [educacional]” (ANDRÉ, 2004,
p. 30).
Portanto, para a análise dos achados desta pesquisa, utilizou-se a corrente
Etnográfica, uma vez que, como salientado essa investigação constituiu-se em
uma pesquisa do tipo etnográfica, enfocando o estudo de um caso específico.
A escolha da corrente etnográfica para a análise dos achados desta pesquisa
se deu por entender-se que esse tipo de pesquisa, na área da educação, por meio
de uma investigação sistemática da prática escolar cotidiana, possibilita que os
profissionais da educação construam novas formas de compreensão da realidade
que estão inseridos, descobrindo novos conceitos, novas relações que até então
podiam estar equivocadamente entendidas (ANDRÉ, 2004).
Sendo que esse novo entendimento da prática pedagógica desenvolvida por
educadores se porque a pesquisa do tipo etnográfica em educação, segundo
André (2004), Lüdke; And (1986) e Goetz; LeCompte (1984), apresenta as
seguintes características que, por si só, dão conta de atingir tal finalidade, trazendo,
conseqüentemente, grandes contribuições à compreensão da realidade educacional:
requer a inserção do pesquisador no contexto pesquisado para a coleta e a análise
dos achados, fomentando a constante interação entre o pesquisador e o objeto de
pesquisa; é um tipo de pesquisa que ênfase ao processo, ao que está
acontecendo e não apenas aos resultados finais, portanto, precisa haver uma
preocupação com o significado, com a forma particular e pessoal com que cada
sujeito pesquisado a si próprio, as suas experiências e o mundo; envolve um
trabalho de campo no qual o contexto não é modificado, pois esse tipo de pesquisa
contempla a observação dos eventos, das situações, das pessoas em sua
manifestação natural e espontânea; faz uso, principalmente, de uma grande
quantidade de dados descritivos, como: situações, pessoas, ambientes,
depoimentos, diálogos, dados esses que são, pelo pesquisador, reconstituídos em
forma de palavras ou transcrições literais e que envolvem, necessariamente, juízos
de valor. Por isso, uma das principais características da pesquisa do tipo etnográfica
é a descrição e a indução.
Visando resumir a descrição da pesquisa etnográfica e ressaltar, mais uma
vez, sua relevância para o contexto educacional, destaca-se, com as palavras de
Engers que:
Como alternativa metodológica de investigação educacional, a Etnografia
busca descrever, compreender e interpretar os fenômenos educativos que
têm lugar no contexto escolar. É evidente que sempre se vincula à teoria e
à descrição através da visão holística, naturalista e indutivista, que
caracteriza a abordagem em questão (1994, p. 67).
De acordo com André (2004), o estudo de caso etnográfico, perspectiva
utilizada no desenvolvimento do presente estudo investigativo, consiste no emprego
da abordagem etnográfica no estudo de um caso; ou seja:
Para que seja reconhecido como um estudo de caso etnográfico é preciso,
antes de tudo, que preencha os requisitos da etnografia e, adicionalmente,
que seja um sistema bem delimitado, isto é, uma unidade com limites bem
definidos, tal como uma pessoa, um programa, uma instituição ou grupo
social (ANDRÉ, 2004, p. 31).
Nesse sentido, utilizou-se o estudo de caso etnográfico, em uma escola
específica do sistema estadual do município de Santa Maria, por se ter como
objetivo aprofundar o nível de compreensão acerca de um momento que está sendo
vivido por um grupo de crianças. Para tanto, procurou-se levantar o maior número
possível de dados, de fatos, de situações referentes àquelas crianças, que possam
servir de referencias e que auxiliem a se compreender e a se explicar os
questionamentos do presente estudo.
Por isso, tendo-se a compreensão da necessidade do rigor científico dentro
de pesquisas na área da educação, para que se possa fomentar, nas escolas, um
ensino de maior qualidade aos educandos, procurou-se desenvolver uma
investigação que viesse a atender os preceitos que orientam as pesquisas
qualitativas de tipo etnográfica. Buscando-se, portanto, implementar uma
interpretação dos achados realizada através de reflexões, discussões e comentários
sustentados pela fundamentação teórica apresentada no capítulo anterior.
3.4 Contexto da investigação
O cenário no qual a pesquisa foi realizada constitui-se no espaço pedagógico
de uma escola blica, que integra o Sistema Estadual de Ensino de Santa Maria-
RS, localizada na zona oeste da cidade, num bairro periférico.
A escola atende alunos de Educação Infantil ao Ensino Médio, num total de
aproximadamente um mil e setecentos alunos, distribuídos em sessenta e uma
turmas, nos turnos da manhã, tarde e noite.
Essa instituição de ensino, de acordo com o seu regimento interno e o seu
Plano Político Pedagógico, seguindo as proposições da Lei de Diretrizes e Bases
LDB, Lei nº 9.394/96 -, adota o Sistema de Progressão Continuada, não havendo
repetência nas séries dos Anos Iniciais, possuindo um espaço maior de tempo para
que o aluno construa suas aprendizagens sem passar pela repetência na mesma
série. Com isso, o objetivo dessa instituição é minimizar os altos índices de evasão
escolar presentes em escolas que trabalham com crianças da periferia.
O nível cio-econômico dos alunos é baixo, entretanto, a maioria das
famílias não vive em situação de extrema pobreza, que obtêm as necessidades
básicas, como alimentação, vestuário, moradia.
A estrutura física da escola é de alvenaria, possui salas de aula amplas,
arejadas e com boa iluminação (cada sala tem aproximadamente de vinte e cinco a
trinta alunos), também possui as salas da direção, da supervisão escolar, da
orientação educacional, dos recursos humanos, do dentista, do apoio pedagógico,
da Educação Especial, de reprografia, do laboratório de ciências, de vídeo, da
computação, da secretaria e da biblioteca (são duas bibliotecas na escola: uma para
as crianças da Educação Infantil e dos Anos Iniciais e outra para os alunos maiores).
Além dessas salas, a escola tem ainda um banheiro em cada andar (já que se trata
de um edifício de três pisos), um ginásio com as respectivas quadras de esportes,
um pátio bastante amplo, limpo e arborizado e um refeitório no qual as crianças
fazem a merenda.
O corpo docente é composto por um total de oitenta e cinco professores,
sendo que vinte e seis trabalham com as turmas de Anos Iniciais e quatro com a
Educação Infantil. A maioria dos professores possui terceiro grau completo e alguns,
especialização.
A direção da escola é composta por uma diretora e três vice-diretoras, uma
para cada turno, todas com curso superior. A supervisão da escola, escolhida pela
direção, é composta de duas supervisoras para os Anos Iniciais e duas para
atenderem da quinta série do Ensino Fundamental ao terceiro ano do Ensino Médio.
A escola conta, ainda, com duas orientadoras educacionais que atendem da
Educação Infantil ao Ensino Médio.
Nesse cenário, o presente estudo acompanhou duas primeiras séries dos
Anos Iniciais, classes de alfabetização, turno da tarde: a Turma A e a Turma B
1
.
3.4.1 As turmas participantes da investigação
3.4.1.1 Turma A
A turma A é composta de vinte e cinco alunos, sendo dez meninas e quinze
meninos. Todas as crianças dessa turma m idade prevista para estarem em classe
de alfabetização, por isso não há repetentes.
Em relação a professora alfabetizadora dessa turma, destaca-se que a
mesma possui formação no Curso Normal (Magistério), curso superior em
Pedagogia pela Urcampi/São Gabriel - RS (concluído em 2002); exerce a docência
vinte e quatro anos, sendo dez desses em classes de alfabetização; é professora
pelo segundo ano da escola na qual a pesquisa foi desenvolvida.
Para essa professora a alfabetização é um processo de “aquisição, no qual a
criança aprende o “mundo letrado” por meio do lúdico e da
interação, por isso suas
aulas são organizadas de modo que as crianças cooperam entre si no
desenvolvimento de atividades e jogos pedagógicos que fomentam a reflexão sobre
questões referentes a leitura e a escrita. Nas próprias palavras dessa professora:
[Alfabetização] É [...] Eles [as crianças] aprenderem o mundo letrado [...]
alfabetizar para mim é eu poder favorecer que eles adquiram, né?, a escrita, a
leitura, o entendimento do que eles estão lendo [...] Eles têm que ir construindo
1
Os nomes das turmas foram denominações dadas pela pesquisadora e, os nomes das professoras
de cada turma são fictícios, preservando suas identidades.
também o caminho deles pra chegar [...] no conhecimento que eles o adquirir
[...] Eu acho que a maneira lúdica é a melhor forma. Numa brincadeira eles
aprendem muito mais do que no simples ato de copiar as coisas [...] nessa
interação, no trabalhar junto, nessa brincadeira que eles vão fazendo, que às
vezes eles nem percebem que estão aprendendo (PROFª MARIA).
Através das observações realizadas nessa turma, constata-se que a
professora procura, cotidianamente, organizar as crianças, em sala de aula, seja em
duplas, trios ou quartetos, para que, no desenvolvimento das atividades didáticas,
essas possam interagir entre si, trocando concepções e informações acerca da
língua escrita. Isso porque essa alfabetizadora compreende a interação grupal, entre
pares, como uma estratégia de organização do trabalho pedagógico promotora de
avanços conceituais. Reforçando isso, a professora destaca:
Eu trabalho sempre em grupos, mas, às vezes, quando a necessidade de um
trabalho individual, daí eu deixo individual. Mas, no geral, assim, na maioria dos
dias, é em grupo [...] No início do ano, a gente começa com grupos menores,
né?, depois vai ampliando para esses grupos maiores. Isso pra que eles tenham
um convívio maior com o colega; pra não ficarem na dependência da
professora [...] eles interagindo entre eles, muitos aprendem com mais facilidade,
de outra forma, podendo trocar idéias. Eu acredito nisso, né? [...] Fui percebendo
que com aqueles alunos que tinham mais dificuldade de aprendizagem, que no
grupo eles conseguiam trabalhar, conseguiam participar e que comigo, às vezes,
ele tinha um certo receio, ficava tímido, com medo de errar.
[...]
O trabalho individual é pra eu ver os veis, gosto de diagnosticar em qual nível
conceitual cada um está e acho que fica difícil ver o nível em trabalho em grupo
(Ibid.).
Nesse sentido, salienta-se que nessa turma a interação grupal é uma forma
de organização do trabalho escolar bastante presente. Além do mais, foi nítido
perceber o quanto a professora dessa turma estimula e incentiva as crianças para
que compartilhem pontos de vista, seja entre elas próprias como com a
alfabetizadora, uma vez que nenhuma atividade, nessa sala de aula, é realizada de
modo individual, solitariamente; tudo (desde a construção da data no quadro de giz),
implica a construção compartilhada. A voz da professora, a seguir, exemplifica sua
postura:
[Sempre, ao entregar uma atividade para os grupos, solicita enfaticamente]
- Grupos, é pra trocar idéias!
[...]
- Vamos pedir ajuda pro colega. Pensem juntos. Conversem!
[...]
- Conversem entre vocês!
[...]
- Tem que conversar, trocar idéias!
[...]
- É trabalho em grupo, tem que conversar e fazer junto!
Logo, fica evidente que a forma de organização da rotina pedagógica nessa
sala de aula era bastante colaborativa, que todas as atividades eram
desenvolvidas através do engajamento mútuo.
3.4.1.2 Turma B
A Turma B também consta de vinte e cinco crianças, entretanto quatorze
meninos e onze meninas. Assim como na outra turma, todas as crianças desse
grupo têm idade prevista para o nível escolar em que se encontram.
Acerca da professora dessa turma, destaca-se que a mesma tem formação
no Curso Normal (Magistério), é graduada em Pedagogia Administração Escolar
pela UNIVAP/SP (concluída em 1993), possui duas especializações, uma em
“Leitura e Produção de Texto” (1997) e outra em “Educação Infantil” (2002); exerce a
docência há dezoito anos, sendo dezesseis desses em classes de alfabetização.
Para essa professora, alfabetizar consiste em capacitar a criança para a
utilização da língua escrita como meio de se comunicar. Para tanto, o ensino deve
partir das experiências da criança e de suas ações e reflexões sobre a escrita,
visando sempre seus usos e funções. Ou seja, nas próprias palavras da professora:
[...] alfabetização é capacitar a pessoa de se comunicar através da língua que o
grupo dela usa [...] Ensinar eu acho que é oportunizar experiências da criança;
experiências não, a ação da criança em cima daquilo visando uma mudança de
comportamento, de atitudes ou, mais especificamente da língua escrita, né?, se
apropriar disso [...] Eu acho [como a criança se apropria da lecto-escrita] que é
pelas relações que ela vai fazendo entre uma experiência que ela teve, uma
que ela está tendo [...] (PROFª LAURA).
Tendo em vista isso, e reforçando suas concepções, essa alfabetizadora
destaca as estratégias pedagógicas que considera as que mais significativamente
contribuem para a alfabetização das crianças:
Primeiro a gente tem que interessar a criança e tem que trazer coisas que façam
ela descobrir, ela perceber que ela consegue, que ela consegue, que ela pode e
que ela vai aprender [...] Então, a gente tem que trazer, assim, atividades que
tragam questões que façam eles refletirem sobre a necessidade de saber ler e
escrever, né?, e condições deles se apropriarem desse código, do uso da língua,
né? Pra quê que serve, pra quê que eu preciso saber (Ibid.).
Com base no sobredito e, de acordo com as observações realizadas nessa
classe de alfabetização, pode-se dizer que, na maioria das vezes, a organização do
trabalho pedagógico nessa turma se deu de modo que as atividades oferecidas às
crianças permitiram a reflexão desses sujeitos sobre a língua escrita. Entretanto,
apesar de haver essas reflexões por parte das crianças, nas quais elas podem
apresentar suas hipóteses sobre o sistema, o que vale é a escrita convencional,
que a professora tem uma postura de constante caça ao erro, de censura as escritas
não-convencionais das crianças, constantemente corrige as produções espontâneas
das crianças, sendo, verbalmente, bastante rígida com elas. Tal postura da
professora, como se pôde observar, acabou levando, ao longo do ano letivo, os
sujeitos em processo de alfabetização dessa turma a terem medo de tentar
apresentar suas concepções, assim, acabavam sempre esperando que a professora
dissesse como se deveria fazer. A voz da professora que segue reforça o sobredito:
[Ao observar a produção escrita de uma criança, a professora dirige-se a ela
dizendo:]
- Não é assim! Por que tu fez isso?
- Não é pra fazer como tua cabeça diz. É pra fazer certo!
Além do mais, no desenvolvimento das atividades pedagógicas, percebeu-se
todo um trabalho individual por parte das crianças, sendo que as interações que
ocorreram nessa turma foram sempre e quase que exclusivamente trocas entre
professora-criança e vice-versa. Reforçando isso, tem-se a seguinte interação:
- “Profe”, o que é um riacho? [criança A questiona a professora após se
deparar com a leitura dessa palavra]
- Riacho é ... [criança B tentando auxiliar o colega, mas é bruscamente
interrompido pela professora]
- Psiu! [interrupção da professora]
- Riacho é um tipo de riozinho. [resposta da professora à criança A]
Portanto, apesar da turma B, do mesmo modo como a turma A,
rotineiramente estar organizada em duplas, trios ou quartetos - isto é, as crianças
estarem sentadas próximas umas das outras - , a professora, em suas
manifestações e ações demonstra e exige que essas não troquem informações entre
si ou mesmo procurem ajudar seus companheiros de grupo a desenvolver uma
atividade didática.
Nesse sentido, todo o trabalho realizado pelas crianças, mesmo que sentadas
em grupos, foi baseada na atividade individual e solitária, sendo que a única pessoa
com a qual podiam interagir solicitando aulio era com a professora. Essa, por sua
vez, controlava toda a produção das crianças, bem como a postura das mesmas no
contexto da sala de aula. Isso implica salientar que, as escritas das crianças deviam,
necessariamente, seguir o padrão estabelecido pela professora (escrita alfabética
sem considerar as hipóteses das crianças). As suas atitudes e condutas eram
constantemente vigiadas pela educadora, que exigia a produção individual das
tarefas propostas. Como nas vozes que seguem:
[Entregou uma atividade para ser desenvolvida e foi logo questionando a turma]:
- Como vocês têm que ficar? [professora Laura]
- Em silêncio! [resposta da criança 1]
- É, e sem olhar para o colega! [complemento da criança 2]
- É! Que nem um cavalo, nada de olhar para o lado! [resposta da criança 3]
- Silêncio total! [professora Laura].
[...]
[Quanto há tentativas de interação entre as crianças no desenvolvimento de
atividades, a professora verbaliza orações como as seguintes]:
- Um, dois, três. Parem de conversar.
[...]
- Vira pro teu trabalho!
[...]
- Não quero conversa. Não é pra falar. Cada um faz o seu!
[...]
- Douglas, não dá conversa pra eles, vira pro teu caderno.
Reforçando, nessa turma, mesmo havendo a organização das classes em
grupos, a interação grupal, como interação social, não ocorreu. Logo, essa é uma
turma na qual a compreensão da lecto-escrita a partir do compartilhamento de
hipóteses não foi uma proposta pedagógica vivenciada pelas crianças em processo
de alfabetização inicial, uma vez que a professora não compreende a interação
grupal como uma alternativa pedagógica que pudesse fomentar avanços conceituais
e, portanto, apropriação de conhecimentos:
[Por que as crianças são sempre organizadas em duplas, trios, quartetos?] Ai, eu
não sei porque, eu, às vezes coloco assim, às vezes coloco de outro jeito, mas
não que eu tenha um objetivo, é só pra ficar diferente, pra eles trocarem de lugar,
não ficarem sempre perto dos mesmo, né? [...] Eu ponho junto pelo fato do outro
estar de cabeça baixa trabalhando, pra vê se ele se motiva e faz o mesmo. Mas,
não, assim, que tenha um motivo, assim: eu gosto é de ta mudando! Eu nunca
boto eles separados, nunca tão, nunca [...] (PROFª LAURA).
Mais uma vez ficou evidente que a forma de organização da rotina não tinha
nada de colaborativa, isto é, o espaço da sala de aula não privilegiou a interação dos
sujeitos ao longo das atividades propostas.
3.4.1.3 Níveis conceituais acerca da lecto-escrita das crianças de cada turma
participante da investigação
Conforme a interação estabelecida entre a pesquisadora e as crianças das
duas turmas, no início do estudo, por meio do desenvolvimento de atividades
individuais que envolviam a produção de escritas espontâneas de um determinado
conjunto de palavras por parte das mesmas, bem como a reflexão sobre as
características formais que deve possuir um texto para que tenha legibilidade, pode-
se destacar que se trata de duas turmas bastante heterogêneas. Isto é, através do
desenvolvimento de atividades que envolveram a reflexão, por parte das crianças,
sobre o sistema de escrita, pôde-se evidenciar que na mesma turma havia crianças
com diferentes hipóteses acerca da lecto-escrita conforme aquelas descritas por
Ferreiro e Teberosky (1985), pois cada criança, em especial, encontrava-se em um
nível conceitual.
Nesse sentido, salienta-se que na Turma A, no início desta pesquisa
2
, havia
treze crianças pré-silábicas, oito crianças silábicas, duas silábicas-alfabéticas e duas
2
A pesquisa iniciou-se no mês de abril, portanto, o primeiro contato com as crianças se deu nesse
mês.
crianças já alfabéticas. Já, na Turma B, havia seis crianças pré-silábicas, doze
silábicas e sete crianças silábicas-alfabéticas
3
.
A partir dessa compreensão inicial acerca dos níveis conceituais das crianças,
escolheu-se propositalmente quatro crianças de cada turma para acompanhar, tendo
em vista, conseqüentemente, a temática e os objetivos da presente pesquisa.
3.5 Sujeitos da investigação
O estudo implementado na escola foi desenvolvido com oito crianças em
processo de alfabetização inicial, sendo quatro da Turma A e quatro da Turma B
4
.
Propositalmente, em função do nível conceitual acerca da língua escrita,
selecionou-se três sujeitos pré-silábicos e um sujeito silábico de cada turma. A
escolha desses dois níveis se deu por se entender que, pelo fato de serem
próximos, nesses níveis conceituais, as crianças têm concepções também próximas,
porém divergentes e que, por conseguinte, em momentos de interação grupal,
poderão ser levadas a conflitos de opiniões e conflitos sociocognitivos.
3.5.1 Sujeitos da Turma A
Bernardo, no início da pesquisa encontrava-se com seis anos e dez meses e
ao término da mesma estava com sete anos e quatro meses.
Histórico escolar: freqüentou creche, Educação Infantil e pela primeira vez
freqüentou uma classe de alfabetização.
O nível sócio-econômico da família desse menino é baixo, entretanto
possuíam as necessidades básicas de vida atendidas como moradia, vestuário e
alimentação.
3
A compreensão dos níveis conceituais se deu a partir do desenvolvimento da Testagem “Quatro
Palavras e uma Frase”, na qual cada criança, individualmente e em uma sala separada juntamente
com a pesquisadora, foi incentivada a escrever “do seu jeito” um conjunto de palavras e uma frase e,
logo após cada escrita, estimulada a ler o que escreveu.
4
Com o consentimento dos pais utiliza-se o nome inicial real das crianças.
Em relação aos estímulos recebidos em casa, destaca-se que, segundo a sua
mãe ele recebia auxílio e atenção no momento da realização das tarefas escolares,
além do mais procurava solicitar que ele realize leitura de livros infantis para ela,
bem como escrevesse palavras e resolvesse continhas matemáticas. Portanto,
conclui-se que o Bernardo desenvolve freqüentemente em casa outras atividades,
que não só as solicitadas pela escola, que envolvem a leitura e a escrita.
No início da pesquisa, por meio da testagem “Quatro palavras e uma frase”
5
,
constatou-se que esse menino, em seu processo de construção da língua escrita,
encontrava-se no nível Pré-Silábico, no primeiro período conceitual, que suas
escritas espontâneas demonstram nitidamente uma preocupação, da parte dele, em
apresentar marcas gráficas não-figurativas, com ênfase na quantidade mínima e na
variação intrafigural (o que pode ser evidenciado em sua produção espontânea,
FIGURA 3).
ao rmino da pesquisa, no final do ano letivo de 2007, Bernardo
apresentou um avanço em suas concepções, tendo em vista que, por meio de uma
nova testagem (FIGURA 11), demonstrou escritas que caracterizam a hipótese
Alfabética, portanto, o último nível da evolução conceitual na qual os sujeitos
passam durante o processo de apropriação da lecto-escrita.
Cleison, no início da pesquisa encontrava-se com sete anos e seis meses e
ao término da mesma, com oito anos e um mês.
Histórico escolar: não freqüentou creche, fez a Educação Infantil na escola
pesquisada e pela primeira vez freqüentou uma classe de alfabetização.
O nível sócio-econômico da família desse menino é de médio para baixo.
Em relação aos estímulos recebidos em casa, destaca-se que, segundo sua
mãe, o menino desenvolvia freqüentemente diversas atividades em casa envolvendo
a leitura e a escrita.
Suas produções espontâneas iniciais, como observado na testagem
desenvolvida e já mencionada, demonstraram que esse menino também encontrava-
se no nível Pré-Silábico, no primeiro período conceitual, uma vez que ao ser
solicitado que escrevesse o conjunto de palavras, sua preocupação foi apenas
representar formas gráficas não-icônicas (o que pode ser evidenciado em sua
produção espontânea, FIGURA 4).
5
Testagem desenvolvidas com todas as crianças das duas turmas e, posteriormente, explicada aqui,
no Desenho da pesquisa.
Entretanto, ao término da pesquisa, suas hipóteses apresentaram evolução
conceitual, visto que suas escritas passaram a ser alfabéticas (FIGURA 12).
Edison, no início da pesquisa estava com sete anos e um mês e ao término
da mesma, com sete e sete meses.
Histórico escolar: freqüentou creche a partir dos quatro anos de idade, fez a
Educação Infantil na escola pesquisada e pela primeira vez freqüentou uma classe
de alfabetização.
O nível sócio-econômico da família desse menino é de médio para baixo.
Em relação aos estímulos recebidos em casa, destaca-se que, segundo seu
pai, além das tarefas escolares, o menino desenvolvia freqüentemente outras
atividades em casa envolvendo a leitura e a escrita.
No início da pesquisa, constatou-se que o Edison, em seu processo de
construção da língua escrita, encontrava-se no nível Silábico, no terceiro período
conceitual, uma vez que suas produções (FIGURA 6) foram tentativas de dar um
valor sonoro, mesmo que não convencional, a cada uma das sílabas que
compunham as palavras.
Esse menino também foi outro sujeito de pesquisa, desta turma, que evoluiu
conceitualmente, tendo em vista que no final da investigação apresentou escritas
alfabéticas com predomínio de caracteres com valor sonoro convencional (o que
pode ser observado na sua produção, FIGURA 13).
Fernanda, no início da pesquisa encontrava-se com sete anos completos e ao
término da mesma, com sete anos e sete meses.
Histórico escolar: não freqüentou creche, fez a Educação Infantil na escola
pesquisada e pela primeira vez freqüentou uma classe de alfabetização.
O nível sócio-econômico da família dessa menina é baixo, porém, tem suas
necessidades básicas de sobrevivência atendidas.
Com base no depoimento da mãe, destaca-se que a Fernanda recebia
bastante atenção em casa em relação a realização das tarefas escolares, bem como
era estimulada diariamente para que desenvolvesse outras atividades de leitura e
escrita que não exclusivamente as escolares, como ler diferentes portadores de
texto, escrever com diferentes finalidades, como uma lista de compras do mercado,
tarefas a serem feitas na rotina da casa, etc.
A partir da primeira interação estabelecida entre pesquisadora e essa criança,
no início do desenvolvimento da investigação, constatou-se que a criança, em
relação a língua escrita, encontrava-se no nível Pré-Silábico. Por isso, suas
produções escritas (FIGURA 5) eram representadas por marcas gráficas não-
figurativas e, conseqüentemente, ao ser solicitada que lesse o que havia escrito, em
função de sua hipótese, realizava uma leitura global.
No entanto, seu avanço conceitual foi bastante rápido e, ao término da
pesquisa desenvolvida com ela, já havia compreendido como o sistema alfabético se
organiza, quais são as regras de produção, do sistema de representação que
consiste a lecto-escrita (evidente em sua produção, FIGURA 14).
Bernardo Cleison Edison Fernanda
Idade início da
pesquisa
6
: 10
7 : 6
7 : 1
7
Nível conceitual
início da
pesquisa
Pré-Silábico
Pré-Silábico
Silábico
Pré-Silábica
Idade término
da pesquisa
7 : 4
8 : 1
7
: 7
7 : 7
Nível conceitual
término da
pesquisa
Alfabético
Alfabético
Alfabético
Alfabética
Quadro 2 – Síntese dos Sujeitos da Turma A.
3.5.2 Sujeitos da Turma B
Anderson estava, no início da investigação, com sete anos completos e ao
término da mesma com sete anos e seis meses.
Histórico escolar: freqüentou creche, fez a Educação Infantil na escola
pesquisada e pela primeira vez freqüentou uma classe de alfabetização.
O nível sócio-econômico da família desse menino é de médio para baixo.
É possível dizer, de acordo com o depoimento de sua mãe, que o Anderson
desenvolvia freqüentemente em casa outras atividades, que não as solicitadas
pela escola envolvendo a leitura e a escrita.
No início da pesquisa, por meio da testagem “Quatro palavras e uma frase”,
constatou-se que esse menino, em seu processo de construção da língua escrita,
encontrava-se no nível Pré-Silábico, no primeiro período conceitual. Portanto, suas
escritas apresentaram as seguintes características: repertório fixo de grafias, com
variação na posição delas, para diferenciar as palavras, e quantidade constante,
sendo que inicia, na maioria das vezes, com a mesma letra, a qual corresponde a
letra inicial do seu nome (o que pode ser evidenciado em sua produção espontânea,
FIGURA 20).
Já, ao término da pesquisa os esquemas conceituais do menino avançaram e
ele passou a apresentar escritas Silábicas com falhas na utilização de caracteres
com valor sonoro convencional e exigência de quantidade mínima de letras
(nitidamente observado em sua produção, FIGURA 30).
Guilherme encontrava-se com seis anos e ums no início da pesquisa e ao
término, com seis anos e oito meses.
Histórico escolar: freqüentou creche, a Educação Infantil e, pela primeira vez,
uma classe de alfabetização.
O nível cio-econômico da família do Guilherme é baixíssima, vivendo em
situação de extrema pobreza.
É uma criança que não tem, em casa, muita atenção e supervisão de um
adulto ou sujeito mais velho na realização das tarefas escolares. Por isso, em casa,
não desenvolvia nenhum tipo de atividade referente a leitura e a escrita. Inclusive,
suas tarefas escolares, muitas vezes, retornavam para a escola em branco, sendo
realizadas em sala de aula sob a supervisão da professora.
É um sujeito que não teve avanços significativos em suas concepções acerca
da lecto-escrita ao longo do ano letivo, uma vez que permaneceu no nível Pré-
Silábico ao término desta pesquisa. Suas escritas podem ser caracterizadas como:
grafismos primitivos; escritas unigráficas (suas produções, FIGURAS 21 e 27,
evidenciam isso).
Jucele, sua idade no começo da investigação era seis anos e onze meses e,
ao término da mesma, sete anos e seis meses.
Histórico escolar: freqüentou creche (a partir dos dois anos), a Educação
Infantil, em outra escola que não a da pesquisa e, pela primeira vez, freqüentou uma
classe de alfabetização.
O nível sócio-econômico da família da Jucele é de médio para baixo.
De acordo com a mãe da criança, em casa a Jucele desenvolvia muitas
atividades envolvendo leitura e escrita, inclusive brincava bastante, com as amigas
da mesma idade, de “escolinha”. Eram atividades que partiam da própria criança e
não da mãe, que esta trabalhava fora e não tinha muito tempo de interagir com a
filha. Em vista disso, pode-se dizer que se trata de uma criança muito interessada
em compreender o que é e como funciona a lecto-escrita, sistema de representação
o qual a sociedade faz uso constantemente.
A partir da primeira interação estabelecida entre pesquisadora e essa criança,
no início do desenvolvimento da investigação, constatou-se que a Jucele, em
relação a lecto-escrita, encontrava-se no nível Silábico. Portanto, suas produções
espontâneas (FIGURA 24) eram caracterizadas pela escrita de uma letra para cada
sílaba da palavra, sendo que, em alguns casos, houve falhas na utilização dos
caracteres com valor sonoro convencional.
Ao término da investigação, constatou-se o avanço conceitual da Jucele que,
por meio de sua nítida curiosidade sobre a língua escrita, conseguiu encontrar uma
resposta para a questão “como opera a ngua escrita”. Logo, suas escritas
passaram a ser Alfabéticas e com predomínio de caracteres com valor sonoro
convencional (FIGURA 33).
Willian estava, no início da investigação com seis anos e dois meses e ao
término, com seis e nove meses.
Histórico escolar: freqüentou creche (a partir dos quatro anos de idade), a
Educação Infantil, fez, pela primeira vez, a primeira série do Ensino Fundamental.
O nível sócio-econômico da família do Willian é médio.
Em relação aos estímulos recebidos em casa acerca de seus estudos, os pais
do menino destacam que, em casa, não costumavam interagir com o filho
oferecendo atividades que envolvessem a leitura e a escrita. Inclusive, as tarefas
que vêm da escola são realizadas pelo Willian com o auxílio de outra professora,
uma vez que, no turno inverso, desde o início do ano letivo, o menino freqüentava
uma classe de alfabetização de uma escola particular e lá, portanto, desenvolvia
diferentes tipos de atividades referentes a leitura e a escrita.
Através das testagens desenvolvidas com esse sujeito (FIGURAS 22 e 29),
salienta-se, primeiramente, que no início da investigação sua hipótese acerca da
lecto-escrita consistia na Pré-Silábica, sendo posteriormente observado um pequeno
avanço conceitual em suas produções espontâneas, passando, portanto, ao término
da pesquisa, a apresentar escritas Silábico-Alfabéticas (FIGURA 31).
Anderson Guilherme Jucele Willian
Idade início da
pesquisa
7
6 : 1
6 : 11
6 : 2
Nível conceitual
início da
pesquisa
Pré-Silábico
Pré-Silábico
Silábica
Pré-Silábico
Idade término
da pesquisa
7 : 6
6 : 8
7
: 6
6 : 9
Nível conceitual
término da
pesquisa
Silábico
Pré-Silábico
Alfabética
Silábico-
Alfabético
Quadro 3 – Síntese dos Sujeitos da Turma B.
3.6 Implementação da pesquisa
A busca pelos dados da pesquisa, teve início no primeiro semestre de 2007.
Primeiramente, houve uma conversa informal com a Orientadora Pedagógica dos
Anos Iniciais da escola na qual apresentou-se o projeto e os objetivos da pesquisa.
A partir disso, a orientadora sugeriu algumas professoras alfabetizadoras da escola
que, segundo ela, se encaixavam nos perfis, em termos de organização das crianças
no momento do desenvolvimento das atividades pedagógicas, que procurava-se.
Assim, após uma conversa informal com as professoras sugeridas, em abril
de 2007 iniciou-se observações em sala de aula das duas classes de alfabetização.
Os encontros ocorreram durante todo o ano letivo semanalmente e, sempre que
possível, nas segundas-feiras pela tarde. Nesse sentido, no primeiro turno observou-
se a Turma B e no segundo turno, após o recreio, a Turma A.
3.7 Instrumentos
Os instrumentos utilizados para a coleta dos dados da pesquisa foram: Diário
de Campo, entrevista semi-estruturada, questionário e documentos nos quais as
crianças fizeram seus registros escritos.
3.7.1 Diário de Campo
Através da inserção da pesquisadora no cotidiano das classes de
alfabetização participantes da investigação, buscou-se observar e registrar o que
acontecia nas práticas pedagógicas de alfabetização, em especial, a forma como as
professoras organizavam as crianças no desenvolvimento das atividades propostas,
bem como o modo como essas interagiam entre si na resolução dessas atividades.
As observações realizadas nas duas turmas e registradas no Diário de
Campo ocorrerem de abril a dezembro de 2007.
3.7.2 Entrevista semi-estruturada com as professoras
As entrevistas, desenvolvidas com as professoras de cada turma no segundo
semestre de 2007, foram organizadas a partir de tópicos guia. Ou seja, a partir de
um roteiro (APÊNDICE D) entrevistou-se as professoras, cada uma na sua vez,
questionando-as acerca de questões que envolviam o tema e os objetivos da
pesquisa. Portanto, não se seguiu uma ordem rígida de perguntas e respostas, mas
procurou-se estabelecer, com as alfabetizadoras, um diálogo no qual puderam se
sentir confortáveis em apresentar informações sobre suas trajetórias profissionais e
suas concepções acerca do processo de ensino e de aprendizagem da leitura e da
escrita.
3.7.3 Questionário com os pais
Um questionário, com questões bem pontuais e pré-definidas (APÊNDICE E),
foi apresentado, no segundo semestre de 2007, aos pais dos sujeitos participantes
da investigação. Assim, inicialmente, apresentou-se para eles o objetivo da
investigação, como se deu a participação de seus filhos na pesquisa e, logo após,
individualmente, solicitou-se que respondessem ao questionário: pergunta-resposta
realizada presencialmente.
Com esse questionário, pretendeu-se obter informações sobre as crianças
participantes, como: idade, ano de nascimento e histórico escolar (fez a Educação
Infantil ou não; é repetente; já freqüentou outra escola; etc).
3.7.4 Produções escritas das crianças
6
Para que se possa observar a evolução da aprendizagem acerca da lecto-
escrita dos sujeitos participantes, analisou-se suas escritas espontâneas produzidas
ao longo do ano letivo, seja individualmente como em duplas ou grupos. Ou seja,
analisando as produções escritas das crianças, pôde-se compreender se houve
progressos ou não, em suas concepções sobre a língua escrita, em função do modo
como estavam organizados em sala de aula no momento do desenvolvimento das
atividades pedagógicas.
As atividades desenvolvidas que propiciaram essas escritas espontâneas
foram as que seguem, sendo que todas têm como base os estudos psicogenéticos
de Ferreiro e Teberosky (1985):
6
Para o desenvolvimento dessas atividades, os sujeitos de pesquisa foram retirados de suas salas de
aula e levados para a biblioteca da escola.
3.7.4.1 Testagem “Quatro palavras e uma frase”
Nesta testagem, individualmente, a criança deveria escrever, do seu jeito,
como pensava que deveria ser, um conjunto de quatro palavras que pertenciam ao
mesmo universo, sendo respectivamente uma dissílaba, uma trissílaba, uma
polissílaba e uma monossílaba, e depois uma frase; logo que escreveu a palavra, a
criança era solicitada que fizesse a leitura. Para tanto, recebeu uma folha em branco
tamanho ofício e um lápis de escrever sem borracha.
Foram realizadas duas testagens desse tipo, uma no início da pesquisa, no
mês de abril (na qual o universo de palavras a ser escrito e nesta seqüência era:
quadro, aluno, professora, giz e a frase: A professora escreve no quadro com giz) e
outra no mês de agosto (com o seguinte universo: vaca, abelha, borboleta e boi;
frase: A borboleta tem asas coloridas).
Portanto, a partir das produções apresentadas por cada sujeito, analisou-se
os níveis de conceitualizações da escrita, sendo possível, por conseguinte,
descrever-se as hipóteses já construídas por cada criança em momentos distintos de
sua caminhada evolutiva em relação a apropriação da lecto-escrita.
3.7.4.2 Auto-ditado
Mais uma vez, cada criança individualmente foi solicitada que escrevesse do
seu jeito, como pensava que deveria ser, um conjunto de palavras. Para tanto, do
mesmo modo como na atividade descrita anteriormente, a criança recebeu uma
folha em branco tamanho ofício e um lápis de escrever sem borracha. Entretanto,
nesta atividade, que ocorreu no mês de novembro, a partir de uma caixa contendo
diversos brinquedos em miniatura, cada criança produziu uma lista com o nome dos
brinquedos da caixa que mais gostou. Conforme escrevia o nome do brinquedo, era
incentivada que lesse para a pesquisadora o que havia acabado de escrever. Ao
término da escrita da lista, solicitou-se à criança que escolhesse, dentre os nomes
escritos, duas palavras e, então, que formasse uma frase, escrevendo-a na folha de
registro, para cada palavra.
Essa atividade, assim como, a testagem “Quatro palavras e uma frase”
também serviu para que se pudesse compreender o nível conceitual no qual se
encontra cada sujeito da pesquisa. Sendo que o objetivo máximo de ambas foi
comparar os avanços das crianças da turma na qual a interação entre pares é algo
significativo daquelas crianças da turma na qual as interações consistem apenas em
sentar junto.
3.7.4.3 Produção textual
Objetivando-se observar a postura de cada sujeito frente ao trabalho
compartilhado, bem como os resultados apresentados, em termos de escrita, as
crianças foram organizadas pela pesquisadora em duplas (crianças da mesma
turma), tendo em vista seus níveis conceituais de compreensão da língua escrita.
Sendo assim as duplas foram:
Turma A: (1) o Cleison com a Fernanda, (2) o Bernardo com o Edison.
Turma B: (1) a Jucele com o Willian, (2) o Anderson com o Guilherme.
Nesse sentido, após observar uma história seqüenciada sem texto (ANEXO
D) e receber uma folha tamanho ofício e um lápis de escrever, as duplas, tiveram
que produzir graficamente uma história. Isso aconteceu no final da pesquisa
(especificamente no dia 13 de novembro), portanto foi a última atividade que se
desenvolveu juntamente com as crianças.
Para a realização da atividade proposta, procurou-se estimulá-las para que
trabalhassem de modo cooperativo.
Assim, as escritas espontâneas, oriundas de todas essas atividades
mencionadas foram tidas como dados analisados, objetivando-se compreender os
avanços conceituais das crianças, tendo em vista não apenas o resultado final, mas
o processo pelo qual o sujeito passou ao produzir o material.
3.8 Categorias de análise
A partir, portanto, dos instrumentos utilizados nesta pesquisa, uma gama
bastante significativa de achados foi gerado. Sendo assim, para a análise e a
discussão desse material - após uma leitura minuciosa do mesmo, na qual destacou-
se as idéias e questões que se relacionavam com a temática da pesquisa -, criou-se
categorias de análise.
As categorias que orientam as discussões dos achados deste estudo foram
elaboradas pela pesquisadora de acordo com o referencial teórico que embasa a
pesquisa, tendo-se como finalidade compreender como a interação grupal entre
pares favorece os avanços conceituais das crianças em relação ao processo de
alfabetização formal inicial.
Sendo assim, considerando o estudo desenvolvido compreende-se que as
ações das docentes das turmas A e B, como promotoras ou não de situações que
oportunizassem a interação entre as crianças, demarcaram três tipos de interações
entre os sujeitos de pesquisa, apontadas em um total de três grandes categorias.
Portanto, a seguir, apresenta-se as categorias de análise do estudo.
3.8.1 Interação grupal entre pares com predomínio de trabalho cooperativo
Dentro desta categoria, pode-se observar duas subcategorias, sejam elas:
Interação grupal entre pares por reciprocidade e Interação grupal entre pares
conflitante.
3.8.1.1 Interação grupal entre pares por reciprocidade
Tipo de interação entre pares no qual os sujeitos do grupo, na busca de
resolução de um desafio referente a leitura e a escrita, apresentam suas hipóteses
conceituais aos colegas que as escutam e as consideram, demonstrando também as
suas.
um compartilhamento de concepções, portanto, que leva a
[re]significações e, conseqüentemente, a construção de esquemas mentais mais
elaborados. Ou seja, ocorrem reflexões significativas sobre os pontos de vista dos
outros sujeitos por meio de um trabalho cooperativo, uma vez que havia um
engajamento mútuo através da participação conjunta que as levava a construção de
conhecimento compartilhado.
Além de haver compartilhamento de hipóteses acerca da construção de
palavras, há também a participação ativa de todos os membros do grupo no sentido
de auxiliarem o colega em sua produção escrita, uma vez que o que vale para os
sujeitos que interagem de modo cooperativo, é que todos do grupo desenvolvam sua
atividade satisfatoriamente. Com isso, destaca-se que a interação grupal entre pares
por reciprocidade não gera competição entre as crianças, mas sim, um engajamento
mútuo, no qual todos se sentem sujeitos cognoscentes e co-participes do processo
de aprendizagem da língua escrita.
3.8.1.2 Interação grupal entre pares conflitante
Esta subcategoria caracteriza-se pelo trabalho conjunto cooperativo
estabelecido entre os sujeitos do grupo no desenvolvimento de atividades referentes
a leitura e a escrita. Nessa interação auxílio mútuo e trocas de concepções,
assim como, na categoria apresentada anteriormente, porém, o que difere entre
essas duas categorias é a questão de que nesta aqui escritas que são
confrontadas, visto as diferentes hipóteses conceituais as quais se encontram os
sujeitos envolvidos.
Esse confronto de escritas, de hipóteses, caracterizam os conflitos
sociocognitivos, essenciais no processo de apropriação de um conhecimento
compartilhado, uma vez que fomentam a (re)elaboração de concepções.
Portanto, pode-se dizer que a interação grupal entre pares conflitante consiste
basicamente em um intercâmbio de idéias que tem como base o conflito
sociocognitivo, sendo que esse conflito é gerado como conseqüência das
divergências e nuances existentes entre as hipóteses compartilhadas, pois, muitas
vezes, os pontos de vista sobre o assunto discutido e a forma de construir uma
determinada escrita, de acordo com os níveis conceituais dos sujeitos, são de
natureza distinta e, por isso, confrontações entre os esquemas mentais
acionados. Assim, na busca pela resolução da discordância, visando então, um
acordo mútuo e um estado de equilíbrio, as crianças [re]significam suas hipóteses
apresentando concepções mais elaboradas sobre a construção da escrita.
3.8.2 Interação grupal entre pares com predomínio de trabalho individual
Categoria demarcada por um apenas “estar junto”, uma vez que as crianças,
mesmo estando sentadas em grupos, desenvolvem todo um trabalho individual.
A principal característica dessa categoria são as falas monológicas realizadas
pelos sujeitos, que consistiu no ato de dizer oralmente para si mesmo as suas
concepções acerca da lecto-escrita na busca por resolver, de forma individual, um
desafio. Sendo assim, não há, nesse processo, compartilhamento de pontos de vista
ou de informações e hipóteses referente ao sistema de escrita, isso porque, cada
criança se concentra no seu trabalho e, portanto, interage pouquíssimo com seus
companheiros de grupo.
Portanto, mesmo sentados em grupos, os sujeitos que estabelecem esse tipo
de interação falam consigo mesmos como uma maneira de organizar seu
pensamento na resolução de atividades envolvendo a leitura e a escrita. Entretanto,
são monólogos que, na maioria dos casos, foram censurados pela professora Laura,
a qual acreditava que a linguagem oral em sala de aula atrapalha todo o processo
de apropriação de conhecimento.
Ou seja, nessa categoria, interação grupal entre pares com predomínio de
trabalho individual, estão bastante presente as seguintes características: negação
total das hipóteses dos demais membros do grupo, uma vez que apenas as
concepções individuais o consideradas e, aparente ausência de conflitos
sociocognitivos, pois como as hipóteses não são compartilhadas pelas crianças,
todo o processo interacional é marcado por um apenas “estar junto”.
3.8.3 Interação grupal entre pares com predomínio de imitação
Do mesmo modo como na categoria anterior, esta categoria, interação grupal
entre pares com predomínio de imitação, é demarcada por um apenas “estar junto”,
uma vez que as crianças são organizadas em grupos em sala de aula, no entanto,
não são autorizadas e, por isso, estimuladas pela alfabetizadora, a compartilharem
concepções em um trabalho cooperativo.
O que caracteriza essencialmente essa categoria são as tentativas de cópia
apresentadas pelos sujeitos. Cópia essa feita de modo bastante discreto pelas
crianças, com o intuito de que a professora não percebesse o que estavam fazendo.
Isto é, como não podiam pedir auxílio aos colegas durante o desenvolvimento
das atividades propostas em sala de aula, as crianças, buscando resolver um
desafio, procuravam imitar, copiando, a produção dos colegas de grupo,
normalmente daquele colega que está sentando ao seu lado.
Entretanto, esse ato imitativo apresentado pelos sujeitos não se consistiu, em
nenhum momento, em uma cópia meramente mecânica, mas em uma pia
reflexiva, na qual a criança, durante a realização dessa prática, estabelecia
monólogos que deixaram evidente todo seu raciocínio sobre as produções dos
colegas.
CATEGORIAS
CARACTERIZAÇÃO
1. Interação grupal entre pares com
predomínio de trabalho cooperativo:
1.1 Interação grupal entre pares por
reciprocidade
1.2 Interação grupal entre pares
conflitante
Trabalho cooperativo: todos se
ajudam mutuamente buscando
conjuntamente resolver um desafio;
As concepções dos membros do
grupo são consideradas por todos; os
pontos de vista de todos são levados em
conta para o desenvolvimento das
atividades;
Conhecimento compartilhado: trocas
conceituais que levam os sujeitos a
construção de conhecimento de modo
conjunto.
Trabalho conjunto cooperativo: no
desenvolvimento das atividades auxílio
mútuo; as concepções de todos são
levadas em consideração;
Conflitos sociocognitivos: escritas
confrontadas; na busca de um consenso
de opiniões, (re)elaboração de
concepções e construção de
conhecimento compartilhado.
2. Interação grupal entre pares com
predomínio de trabalho individual
Processo de interação marcado por
um apenas “estar junto”;
Falas monológicas: as concepções
são ditas oralmente para si mesmo, como
forma de organizar o pensamento e
resolver uma atividade.
3. Interação grupal entre pares com
predomínio de imitação
Processo de interação marcado por
um apenas “estar junto”;
Cópia: buscando resolver uma
atividade, da qual precisa de auxílio e esse
não é permitido, a criança tenta imitar a
produção do colega;
Conflito cognitivo: no ato de imitar a
produção do colega, o sujeito entra em
conflito com suas próprias concepções.
QUADRO 4 –ntese das características de cada categoria.
4 ANÁLISE DOS ACHADOS
Tendo como base a temática do presente estudo, bem como seus objetivos,
neste capítulo é realizada a descrição e a análise dos achados obtidos a partir dos
instrumentos utilizados e referidos no desenho da pesquisa. Nesse sentido, os
resultados são apresentados da seguinte forma: primeiramente, define-se, por meio
de categorias de análise, os diferentes tipos de interação grupal observados durante
o desenvolvimento de atividades referentes a leitura e a escrita por parte dos
sujeitos da pesquisa. Sendo assim, descreve-se e analisa-se os achados de cada
turma categorizando-os.
Nessa etapa, busca-se compreender especificamente o tipo de interação
grupal entre pares vivenciada pelas crianças das Turmas A e B, objetivando
respaldar o que se pretende entender na segunda parte da discussão.
Na segunda e última parte deste capítulo, faz-se uma discussão comparativa
entre as duas turmas. Nesse momento, portanto, se discute os achados a partir do
referencial teórico abordado na pesquisa.
Assim, são relacionados aspectos dos achados da Turma A com os da Turma
B, com a finalidade de se compreender qual a repercussão da interação grupal entre
pares na evolução conceitual de crianças em processo de alfabetização inicial.
4.1 Achados por turma: categorização dos diferentes tipos de interação
grupal entre pares vivenciados pelos sujeitos
A partir dos diferentes tipos de interações constatadas durante o
desenvolvimento de atividades referentes a leitura e a escrita por parte dos sujeitos
da pesquisa – tanto em sala de aula, como na biblioteca da escola durante o
desenvolvimento das atividades utilizadas como instrumentos de pesquisa -,
elaborou-se categorias de análise, as quais foram apresentadas no desenho desta
investigação. Assim, a partir de agora se discute os achados da Turma A e da Turma
B, tendo em vista essas categorias emergentes.
As crianças da Turma A, cotidianamente estabeleciam em sala de aula
interações do tipo cooperativa. Sendo assim, suas produções de escritas
espontâneas, nas quais apresentam suas hipóteses acerca da lecto-escrita, foram
produzidas de modo compartilhado, uma vez que a interação grupal entre pares, o
trabalho compartilhado, consistiu em uma estratégia pedagógica bastante utilizada e
incentivada pela professora dessa turma.
Portanto, durante todo o ano letivo, houve estímulos, por parte da
alfabetizadora, para que os próprios educandos colaborassem com o processo de
ensino e de aprendizagem e apoiassem uns aos outros. Em vista disso, o processo
de apropriação da lecto-escrita foi se constituindo nessa relação de auxílio mútuo,
troca de opiniões e concepções e nesse intercâmbio interpsíquico-intrapsíquico,
sendo, conseqüentemente, gerado, nesta sala de aula, um aprendizado baseado na
construção conjunta de um sistema de representação social.
Já, os sujeitos de pesquisa da Turma B, vivenciaram uma proposta
pedagógica diferente das que as crianças da Turma A estavam acostumadas a ter,
uma vez que todo o trabalho pedagógico desta sala de aula foi desenvolvido por
meio, exclusivamente, da interação professora-criança, pois mesmo que as crianças
sentassem em grupos, não eram autorizadas a interagir com seus companheiros.
Portanto, a cooperação entre pares é uma estratégia didática que não se fazia
presente nesta sala.
Todo o processo de construção da lecto-escrita era conduzido pela
alfabetizadora da turma que selecionava e oferecia aos sujeitos em processo
atividades sobre leitura e escrita que os faziam refletir acerca desse objeto de
conhecimento, sendo que tais reflexões fizeram com que as crianças apresentassem
suas hipóteses. Hipóteses essas que, inicialmente, foram consideradas, entretanto,
quando não contemplavam o modo convencional de escrita alfabética, não eram
valorizadas. Ou seja, as hipóteses expressas pelas crianças, eram controladas
constantemente pela alfabetizadora, sendo muitas das idéias sobre a língua escrita
reprimidas e, muitas vezes, corrigidas. Logo, todas as concepções sobre a lecto-
escrita que foram expressas pelos sujeitos da Turma B consistiram em reflexões
individuais, solitárias, não compartilhadas entre os colegas, apenas com a própria
professora.
Portanto, todo o processo de ensino da Turma B foi organizado através de
uma proposta de trabalho na qual a alfabetizadora era quem, exclusivamente, o
conduzia. Mesmo que, de certa forma, essa professora entendesse as crianças
como sujeitos cognoscentes, o que valia eram as respostas e idéias oferecidas por
ela. Conseqüentemente, as crianças dessa turma tinham bem presente essa
questão, tanto que, em uma aula, no mês de outubro, ao organizar as crianças em
uma fileira, estando a própria professora incluída nessa fileira sendo a primeira da
fila -, para explicar um determinado assunto referente à disciplina de História que
estava desenvolvendo, a alfabetizadora questionou os educandos. A resposta de
uma determinada criança ilustra o que se acabou de salientar sobre a postura da
docente frente ao processo de ensino:
Professora – Por que estou aqui?
Criança - Porque é tu que comanda tudo o que acontece nesta sala!
Professora – Não. Porque eu nasci primeiro, sou a mais velha.
[...]
Nesse sentido, observou-se que com essa postura da alfabetizadora, os
sujeitos da turma acabavam por esperar o saber que vinha pronto dela, passando,
por conseguinte, a não acreditarem mais em sua própria capacidade de construir
conhecimentos, não se percebendo como sujeitos cognitivos, sujeitos com idéias
próprias sobre a língua escrita. Como resultado, essas crianças, em sua maioria,
acabaram se acomodando e ficando por mais tempo no mesmo nível de evolução
conceitual sobre a compreensão da lecto-escrita.
Entretanto, mesmo que se demonstre que na Turma B a interação grupal
entre pares não foi uma estratégia pedagógica utilizada pela professora da turma,
porque não estimulava e nem oferecia a oportunidade das crianças trocarem
concepções entre si acerca da língua escrita, não se pode dizer que de fato
interações sociais entre pares não ocorrerem nesta sala de aula. Isso porque, em
alguns momentos observou-se que as crianças, de forma “escondida” da professora,
isto é, de modo discreto para que a alfabetizadora não percebesse, procuraram
estabelecer diálogos, visando ajudarem-se no desenvolvimento de uma ou de outra
atividade.
Porém, o que predominou na Turma B foram dois tipos específicos de
interação grupal entre pares, sendo elas: interação com predomínio de trabalho
individual e interação com predomínio de imitação.
Contudo, na Turma A, como os sujeitos vivenciaram - e foram estimulados
para isso -, situações cotidianas de interação grupal entre pares, na qual puderam
estabelecer intercâmbios visando a construção conjunta da lecto-escrita, um tipo de
interação se fez presente entre esses sujeitos, tipo totalmente diferente dos
evidenciados na Tuma B. Seja ele: interação grupal entre pares com predomínio de
trabalho cooperativo, tanto por reciprocidade, como conflitante.
4.1.1 Interação grupal entre pares com predomínio de trabalho cooperativo
Dentro desta categoria, podem-se observar duas subcategorias. o elas:
Interação grupal entre pares por reciprocidade e Interação grupal entre pares
conflitante.
4.1.1.1 Interação grupal entre pares por reciprocidade
Neste tipo de interação entre pares, bastante presente na Turma A, os
sujeitos do grupo, na busca de resolução de um desafio referente a leitura e a
escrita, apresentam suas hipóteses conceituais aos colegas que as escutam e as
consideram, demonstrando também as suas. Assim, um compartilhamento de
concepções que leva a [re]significações e, conseqüentemente, a construção de
esquemas mentais mais elaborados. Ou seja, ocorrem reflexões significativas sobre
os pontos de vista dos outros sujeitos por meio de um trabalho cooperativo, uma vez
que havia um engajamento mútuo através da participação conjunta que os levava a
construção de conhecimento compartilhado.
Tais características ficam evidentes nos seguintes momentos de interação
que ocorreram no desenvolvimento de atividades pedagógicas que envolviam a
escrita espontânea de palavras em sala de aula:
Bernardo - Tem algum animal que começa com U?
Edison – Não sei!
Bernardo – Vamo pensa junto.
Fernanda – U... Ah! Urubu!
Edison – Isso!
Fernanda – Vai o U, o R e o U.
Cleison – Pra fica certo tem o Bu no final. O B e o U.
Fernanda – Isso. Todo mundo escreve na sua folha!
[...]
Cleison - Alguém sabe um nome com T?
Bernardo – Tem vários. Oh: Tatiane.
Cleison – Ah! Tem Tereza.
Fernanda – Vamo escreve Tereza?
Cleison – T e depois o E.
Bernardo – Como é o Re?
Fernanda – o R e o E.
Edison – O Za, é com Z ou com S?
Fernanda – Za, oh: som de Z.
[...]
Edison O B é assim que se faz? (Escreve na classe do colega com letra
cursiva).
Fernanda – Não. Esse é o P. Olha bem como é o B (Escreve a letra na classe).
[...]
Cleison – Olha, ali tu escreveu mala! Tem que se mamão.
Bernardo – É mesmo! [Pensa e depois fala:] Como é o Mão?
Cleison – É o M mais Ão!
Bernardo – Como é o Ão?
Cleison – Assim, oh! (Mostra, através da palavra que está escrita em sua folhinha
de atividade).
Pode-se perceber, nesses exemplos, a participação ativa de todos os
membros do grupo que, além de compartilharem hipóteses acerca da construção
das palavras, demonstraram a nítida preocupação em auxiliar o colega em sua
produção escrita e na sua compreensão, pois o que valia era que todos
desenvolvessem sua atividade de modo satisfatório. Com isso, destaca-se que a
interação grupal entre pares por reciprocidade não gera competição entre as
crianças, mas sim, um engajamento tuo, no qual todos se sentem sujeitos
cognoscentes e co-participes do processo de aprendizagem da língua escrita.
Esse exemplo reforça o sobredito:
Criança X de um outro grupo – Vocês não sabem onde está a palavra boi?
Edison – Não. Com que letra começa?
Criança X de um outro grupo Começa com a letra B. Procurem na
folhinha uma palavra que começa com a letra B.
Cleison – Ah! Aqui oh!
Bernardo – Essa que tem B, O, I!
Cleison – Que pequena!
Fernanda – Agora todo mundo recorta e cole no lugar certo.
Cleison – É, no lado do desenho do boi.
[...]
Edison Falta o Cleison termina. Vamo espera ele pra depois passar pra
outra.
Fernanda – Tu precisa de ajuda, Cleison?
Cleison – Não. Já terminei.
Além da preocupação em auxiliar o colega de grupo no desenvolvimento da
atividade, as crianças também demonstraram uma postura na qual o auxílio, em
muitos casos, foi disponibilizado o de modo gratuito, mas através da reflexão. Isto
é, se de evidenciar que os sujeitos da Turma A, do mesmo modo como a
professora da turma fazia, ao se disponibilizarem para ajudar um colega que
precisava desse auxílio, o fizeram de modo que conduziam a reflexão do colega
fazendo-o alcançar a resposta desejada através de seu próprio raciocínio, como no
exemplo abaixo:
Bernardo – Como é o Chi?
Fernanda – De chinelo?
Bernardo – É!
Fernanda – Pensa. Tu sabe: Chi!
Bernardo – X e I?
Fernanda Quase certo. Mas não é bem o X, mas duas letras que juntas fazem
o som do X.
Bernardo – Eu não sei!
Fernanda – Pensa que tu sabe.
[Bernardo pensa por alguns instantes.]
Bernardo – Ah! Já sei! O C, H, I.
Fernanda – Isso aí!
Em vista disso tudo, é evidente se perceber o quanto a interação por
reciprocidade de pontos de vista favorece a apropriação de um conhecimento no
caso a lecto-escrita -, pois além de receber uma informação dos membros do seu
grupo, o sujeito recebe explicações de seus pares que o conduzem para a
(re)elaboração de suas hipóteses iniciais. Logo, avanços conceituais evidentes, o
que sugere que talvez o sujeito sozinho levasse mais tempo para produzir tais
hipóteses.
Fernanda – O que tu escreveu , Bernardo?
Bernardo – Escrevi o que a gente combinou: menina.
Fernanda – Mas na tua só tem três letras. Olha a minha, começa com M.
Bernardo – Menina não tem M, tem o E.
Fernanda – Mas para ficar Me, precisa do M e do E. Tu precisa faze como o meu.
Cleison – É mesmo Bernardo, tu precisa bota o M primeiro.
Fernanda – Isso, agora o E.
Bernardo – É mesmo, Me é o M e o E. E o Ni, é o M e o I?
[...]
Portanto, pode-se salientar que a linguagem, o diálogo entre as crianças, é o
signo que media todo o processo de construção dos conhecimentos mais
elaborados, através dela as crianças organizam seus pensamentos e transmitem o
que sabem, compartilhando concepções que podem vir a serem reformuladas
justamente por conta dessa troca e dessa possibilidade de poder vivenciar
experiências de resolução de problemas de modo cooperativo. Sem o diálogo, talvez
a compreensão acerca da fonetização da escrita, o que ocorre no terceiro período
de evolução conceitual da lecto-escrita, levaria mais tempo para ocorrer, uma vez
que, segundo Ferreiro e Teberosky (1985), essa é uma compreensão que requer,
necessariamente, a ajuda da linguagem oral.
Embora a interação por reciprocidade tenha sido bastante evidente entre os
sujeitos da Turma A, não se pode dizer que ela não tenha ocorrido na Turma B. Isso
porque, mesmo que a professora proibisse esse e qualquer tipo de interação, os
sujeitos da turma, em alguns momentos, às escondidas da alfabetizadora, tentaram
estabelecer diálogos, em forma de cochicho, objetivando auxiliar o colega de grupo
na resolução de uma atividade. No entanto, são tentativas frustradas, visto que a
professora, quase sempre, percebia a interação e a censurava:
Jucele – [Cochichando] Escreveu barata? Oh: B e A.
Anderson – É essa daqui? [Apontando para a letra B]
Jucele – É. Faz ela no teu caderno.
Professora Laura [Percebe a interação] Jucele, não é pra ti falar. Não é pra
ajudar! Eu já disse isso.
[...]
Willian – [Fala para si mesmo] Pipoca. PI-PO-CA. Como é o Pi?
Anderson – Tem o I.
Jucele – Mas antes do I tem o P.
Professora Laura Vão parar de conversar. Esse grupo não dá. Vocês não
podem sentar juntos que já começam a conversar.
Sendo assim, mesmo que se diga que há tentativas de interações por
reciprocidade entre os sujeitos da Turma B, não se pode dizer que essas levem a
construção compartilhada de conhecimentos, visto que ao serem interações
censuradas, os diálogos o levam os sujeitos a avanços cognitivos, a
reformulações conceituais referentes a lecto-escrita. Ou seja, o trabalho conjunto
não chegou a se efetivar e, por conseqüência, as crianças não tiveram a
oportunidade de trocar concepções que poderiam ser reformuladas tendo em vista
as hipóteses apresentadas por todos os membros do grupo.
Logo, diferentemente do que ocorreu na sala de aula da Turma B, através do
trabalho conjunto, observado nas crianças da Turma A, pode-se dizer que nessa
turma não alguém que sabe mais e transmite aos outros, pois todos têm
informações e conhecimentos para compartilhar, gerando, como conseqüência, um
clima em sala de aula em que as crianças se percebem como sujeitos cognitivos,
responsáveis, juntamente com a professora, de todo o processo de alfabetização.
Isso fica evidente na seguinte interação estabelecida entre os sujeitos da turma da
professora Maria:
[Diante de uma folhinha com uma imagem entregue pela professora os sujeitos
do grupo estabelecem o seguinte diálogo que conduz todo o desenvolvimento da
atividade:]
Bernardo – Eu acho que é pra faze frases.
Cleison – É mesmo.
Edison – Eu não entendi.
Cleison – É pra nós escreve frases dos desenho.
Edison – Então não é pra pinta ainda. Primeiro é pra faze frase.
Bernardo Vamo faze uma frase que comece com o que está escrito aqui na
folha que a “profe” entrego. Vamo escreve com letra separada.
Edison – Vamo escreve: Os meninos brincam.
Bernardo – Que tal: Os meninos tão brincando na pracinha?
Cleison – Ou no jardim?
Bernardo – Acho que podia ser: Estão no jardim.
Edison – Tão: T, A, O e o til.
Bernardo – Jardim.
Cleison – Já: J, A.
Bernardo – Mas pára aí. Não é tão que se escreve, é estão!
Cleison - Primeiro o E, depois o S e no final o Tão.
Edison – Assim? (Mostra sua escrita que ficou assim: “ESÃO)
Cleison – Não, faltou o T.
Bernardo – Como é o Tão?
Edison – Olha aqui no meu que te mostro. Tu não pode esquece do S, olha bem!
Cleison – Agora, No: N, O.
Bernardo - Jardim.
Cleison – Lembrem, J, A.
Edison – Depois o R. Agora Dim. Dim, dim!
Bernardo – Vai o I.
Cleison – Brincando: B, I, C.
Can: ão!
Edison – Do: é o D e o O. Vamo agora escreve: de pega-pega?
Cleison – Por que tu deixou uma linha em branco, Edison? Não pode.
Edison – Tá, agora De. É D mais E.
Edison – Pega: é o P e o E. Acho que tem acento.
Cleison – É mesmo, tem no E.
Bernardo – Ga: de gato e o A.
Cleison – Agora a gente repete, daí fica pega-pega.
[Escreveram PÉGAPÉGA]
[Observam a frase escrita por cada um e o Cleison comenta ao observar a
produção do Bernardo:]
Cleison Olha, aqui tu escreveu tudo junto. Tem que separa. (O colega havia
escrito “NOJARDIM”).
Todo este compartilhamento de concepções que leva a [re]significações e,
por conseguinte, a construção de esquema mentais mais elaborados, foi também
bastante presente no desenvolvimento da atividade de “Produção textual”
desenvolvida pelas duplas de crianças da Turma A, uma vez que ao serem
solicitadas pela pesquisadora que produzissem uma história para as gravuras
seqüenciadas apresentadas (ANEXO D), de modo cooperativo, as crianças o
fizeram sem problemas, demonstrando que esse tipo de interação grupal consiste
em uma prática habitualmente vivenciada por elas no contexto escolar.
Sendo assim, a descrição que segue desta atividade de produção textual
espontânea, desenvolvida na biblioteca da escola e sob orientação da pesquisadora,
reforça o sobredito.
Na atividade de “Produção textual”, O Cleison e a Fernanda, após
observarem as imagens estabeleceram um diálogo no qual elaboraram juntos a
história que iriam escrever. Ao término do diálogo, Fernanda tomou a iniciativa e
começou a escrever na folha em branco a história que elaboraram oralmente juntos.
Sendo assim, ela iniciou escrevendo o tradicional “Era uma vez...”.
Portanto, no transcorrer da atividade, enquanto a Fernanda foi escrevendo,
essa dupla interagiu no sentido de elaborarem
conjuntamente a história, sendo que
não houve troca de hipóteses acerca da escrita das palavras, talvez pelo fato da
Fernanda ser muito segura em suas escritas alfabéticas.
As interações entre a dupla a seguir exemplificam o sobre dito:
Fernanda – Era uma vez dois meninos que iam jogar bola.
Cleison – Daí eles quebraram o vaso.
[A Fernanda escuta a idéia do colega e segue a produção textual escrevendo:
quebraram um vaso jogando bola]
Fernanda – [Lê para o Cleison:] Quebraram um vaso jogando bola.
Cleison – É, daí eles arrumaram o vaso e saíram correndo.
[...]
Fernanda – [Termina de escrever e lê toda a história para o colega:] Era uma vez
dois meninos que iam jogar bola, quebraram um vaso jogando bola e arrumaram
o vaso e saíram correndo.
Cleison – Terminou a história.
No trabalho compartilhado estabelecido pela dupla, observou-se nitidamente
o quanto essas crianças compreendem como se organiza um texto, pois
apresentam coerência e coesão textual evidenciado através da seqüência de idéias
organizadas:
FIGURA 1 – Ilustração do texto que foi construído através da interação entre pares pela Fernanda e
pelo Cleison.
A duração do desenvolvimento desta atividade de produção textual pela dupla
referida foi de, aproximadamente, dez minutos.
Diferentemente dos colegas que só intergiram no sentido de criarem a história
de modo cooperativo, a dupla formada pelo Bernardo e pelo Edison, trocou muitas
idéias e concepções, durante a atividade de “Produção textual”, tanto na elaboração
da história como e, principalmente, sobre o modo de escrita das palavras do texto.
Em vista disso, pode-se concluir que essa dupla desenvolveu toda a atividade
proposta de forma compartilhada.
O seguinte diálogo, estabelecido pelos dois meninos no momento em que
observaram as imagens (referentes à história seqüenciada disponibilizada),
exemplificam a interação estabelecida na elaboração conjunta da história que,
posteriormente, foi redigida, na folha em branco, pelo Edison:
Bernardo – Um menino...
Edison – O menino estava jogando bola e caiu no vaso.
Bernardo – E o outro foi conta pra mãe.
Edison – E aí é que não era pra mata as plantas.
Bernardo – O vaso quebro.
Edison – Daí eles colaram o vaso.
Bernardo – Não, ataram. Ataram com corda. Não, com as coisa da planta.
Edison – Que coisa da planta?
Bernardo – Com os galhinhos.
Ainda observando as imagens, constatam que apenas um escrito no
material, assim buscam, de maneira cooperativa, ler o que ali diz:
Bernardo – Aqui ta escrito: O... sa...
Edison – O sa...
Bernardo – Não, o su...
Bernardo – To. O suto. Susto.
Edison – Não, ali é um “e” no final.
Edison – O sute.
Bernardo – Eu acho, o susto. Sute?
Edison – Eles tavam jogando bola, de repente um deu uma bolada na planta.
Edison – Então, um deu um chute. Eu acho que é O chute.
Bernardo – É, daí o vaso quebrou e eles ataram com galhinho.
Quando o Edison começa a redigir a história, as interações cooperativas entre
os dois sujeitos se dão no sentido de juntos refletirem acerca do modo de escrever
as palavras:
Edison – [Começa a escrita do texto e reflete em voz alta:] Era...
Bernardo – Não. O menino...
Bernardo – Começa a escrevê.
Edison – [Reflete em voz alta:] O ... me.
Bernardo – [Vai falando enquanto o colega escreve] M e E, depois N e I.
Bernardo – Não é M ali, é N.
Edison – O meni...no. No... N.
Bernardo – N, H e O.
Edison – H, O. O menino.
[...]
Bernardo – Na flor.
Edison – N, A.
Bernardo – Na flo. F. F, O.
Edison – F, O. Flor, OR [após falar “or”, acrescenta a letra erre em sua escrita].
Bernardo – Não, não é ali o R. É L, R e depois O.
Edison – [Escreve exatamente como o colega sugeriu e fala em voz alta:] O L...
Bernardo – O L, o R e o O.
Edison – [Faz a leitura em voz alta do que acabou de escrever] Flor.
[...]
Bernardo – Foi conta pra mãe dele. Conta. Co.
Edison – [Escreve a palavra refletindo em voz alta] Com...ta. Ta, T, A.
Edison – Pra. Pra...
Bernardo – P e A.
Edison – Pra mãe. Mã...
Bernardo – M, E!
Edison – Mã...i. Mãe, i!
Bernardo – Letra I. Mãe dele. Dele.
Edison – D e E [diz e escreve, mas o colega interrompe].
Bernardo - Não, é separado do I. Se não fica tudo junto.
A interação por reciprocidade estabelecida entre esses sujeitos, tamm
aconteceu quando, ao rmino da história que foi escrita, a pesquisadora solicitou
que lessem para ela o que haviam produzido. Sendo assim, o diálogo a seguir, da
leitura coletiva que realizaram em voz alta, comprova isso:
Bernardo e Edison juntos – O chute.
O menino pu... Pum na flor.
O menino foiii... conta pra mãe dele.
Edison – [Reflete acerca da escrita da palavra mãe] Pra mãiii.
Bernardo- Pra mãe dele.
Bernardo e Edison juntos – Fico... u!
Montando flor.
Bernardo – Montando flor? Não deu pra entende.
Edison – É, aqui não deu pra entende!
Bernardo – Ah! Tem que ser “montando a flor”. Tem que ter um A.
Edison – É isso! A flor!
Bernardo – Não, não apaga. Só coloca o A aqui, oh!
Edison – O A ficou apertado.
Edison – Agora ta pronta a história.
O material produzido cooperativamente pela dupla foi o seguinte:
FIGURA 2 – Texto produzido de modo cooperativo através da interação estabelecida
entre Edison e Bernardo.
O Bernardo e o Edison, nesta atividade de produção textual interagiram
durante, aproximadamente, quinze minutos.
Nesse sentido, ressalta-se que a riqueza substancial de uma interação por
reciprocidade entre sujeitos que buscam juntos compreender um mesmo objeto de
conhecimento é nítida, tendo isso ficado bastante evidenciado durante o término
desta pesquisa, uma vez que os sujeitos que tiveram a oportunidade de compartilhar
hipóteses com seus pares, dialogando em busca de soluções satisfatórias durante o
desenvolvimento de atividades significativas que envolviam a escrita e a leitura,
apresentaram níveis de evolução conceitual mais complexos e avançados.
4.1.1.2 Interação grupal entre pares conflitante
Esta categoria, interação conflitante, caracteriza-se pelo trabalho conjunto
cooperativo estabelecido entre os sujeitos do grupo no desenvolvimento de
atividades referentes a leitura e a escrita. Nessa interação auxílio mútuo e trocas
de concepções, assim como, na categoria discutida anteriormente, porém, o que
difere entre essas duas categorias é a questão de que nesta aqui escritas que
são confrontadas, visto as diferentes hipóteses conceituais as quais se encontram os
sujeitos envolvidos.
Esse confronto de escritas, de hipóteses, caracterizam os conflitos
sociocognitivos, essenciais no processo de apropriação de um conhecimento
compartilhado, uma vez que fomentam a (re)elaboração de concepções.
Ou seja,
[...] se a troca colectiva pode certamente facilitar o trabalho cognitivo e a
formação das operações, o conflito sociocognitivo pode, no seu caso [...],
vir a suscitá-las. O conflito sociocognitivo o é, em si mesmo, criador de
formas, mas desencadeia os desequilíbrios que tornam necessária essa
elaboração e, precisamente em função disso, confere ao factor social [...]
uma função específica dentro da dinâmica do crescimento mental
(PERRET-CLERMONT, 1996, p. 293).
O exemplo a seguir ilustra o que seria uma situação de interação com conflito
sociocognitivo, ele foi observado na Turma A durante o desenvolvimento de uma
atividade, na qual a professora solicitou que as crianças escrevessem o nome dos
desenhos que apareciam carimbados em uma folha de papel:
Fernanda – Aqui tem um monte de fruta juntas.
Bernardo – Vamo escreve laranja, maçã e uva.
Fernanda – Que tal se a gente escreve Frutas. Daí diz que são todas.
Cleison – É, frutas!
Bernardo – Frutas. O U e o A.
Edison – Não, só duas não dá. Falta o Tas. São três frutas.
Bernardo – Não ta faltando letra.
Cleison – Tá faltando o Ta!
Bernardo – Mas, ta aqui o Ta (Mostrando a letra A em sua produção).
Cleison – Pra ficar Ta, não é só o A, precisa ter o T e depois o A. Escreve o T.
Bernardo – [Acrescenta a letra D ao final de sua produção: “UAD”] Assim?
Fernanda Não, Bernardo, assim vai fica fruda. Tem que ser o T. Olha
como é o T (escreve a letra na classe).
Bernardo – [Acrescenta agora, no final de sua produção a letra T] É assim?
Edison – Não, apaga aquele D.
Bernardo – Mas vocês disseram que tinha que ter o Ta.
Edison – Mas o Ta é o T e o A. Só eles.
Bernardo – Ah! Agora entendi. Vai o U, depois o T e o A: frutas.
Fernanda – Cleison, não podemos esquecer do S no final.
Cleison – Bernardo, Fru não é só o U. Tu precisa arrumar tua palavra.
Bernardo – Claro que Fru é U. O meu tá certo.
Fernanda – Escuta bem, Fru... Tem F e R e só depois o U.
Bernardo – Então tem o F de flor?
Cleison Tem o F. Escreve F. Agora R, U e o Ta que tu sabe. Por último tem
S pra fica frutas.
Fernanda – Agora tá pronto. Todo mundo escreveu.
Bernardo – Vamos faze essa outra. É uma girafa.
Em vista disso tudo pode-se dizer que a interação grupal entre pares
conflitante consiste basicamente em um intercâmbio de idéias que tem como base o
conflito sociocognitivo, sendo que esse conflito é gerado como conseqüência das
divergências e nuances existentes entre as hipóteses compartilhadas, pois, muitas
vezes, os pontos de vista sobre o assunto discutido e a forma de construir uma
determinada escrita, de acordo com os níveis conceituais dos sujeitos, são de
natureza distinta, como o do exemplo anterior, e, por isso, há confrontações entre os
esquemas mentais acionados. Assim, na busca pela resolução da discordância,
visando então, um acordo mútuo e um estado de equilíbrio, as crianças
[re]significam suas hipóteses apresentando concepções mais elaboradas sobre a
construção da escrita.
Ilustrando isso, temos o seguinte exemplo:
Cleison Olhem. O que é isso aqui? (Apontando para um desenho recebido em
uma folhinha de atividade).
Edison – Acho que é aquilo de pagar.
Fernanda – É. É um cheque.
Bernardo – Cheque. Vamo escreve?
Edison – C, H, A!
Cleison – Não, não é chaque.
Fernanda – Tem o E no lugar do A.
Edison – Não. Cheque é com A!
Cleison – Olha bem, assim fica chaque.
Edison – É mesmo! Bah! Eu ia escrever chaque. Preciso é do E.
Fernanda – É, não pode ser assim. Apaga e põe o E.
[O Edison apaga e arruma sua produção]
Edison – Tem acento?
Fernanda – Não!
Não dúvida de que toda a vez que as crianças entram em conflitos de
concepções, através dessa interação social, na qual diferentes hipóteses sobre a
língua escrita são trocadas, ocorre uma reformulação de esquemas cognitivos que
talvez, se o sujeito não tivesse vivenciado essa confrontação, suas concepções
levariam mais tempo para evoluírem. Sendo assim, observa-se que, pelo fato das
crianças do Turma B não terem tido a oportunidade de estabelecerem com seus
colegas interações conflitantes, a maioria desses sujeitos não chegou, ao término do
ano letivo, em níveis conceituais mais elaborados no processo de construção da
lecto-escrita.
Reforçando-se a idéia da importância desse tipo de interação, destaca-se
que:
[...] Graças a esses intercâmbios [a interação grupal entre pares], torna-se
possível socializar conhecimentos com quem está trabalhando com
hipóteses mais avançadas. Esse fato gera, potencialmente, conflitos, e
pode conduzir algumas crianças a um progresso conceptual. O conflito se
evidencia pela interação simultânea entre as idéias-produto de uma
construção endógena e as informações exógenas que provêm das opiniões
dos outros (TEBEROSKY, 1987, p. 136).
Portanto, entende-se que tanto as interações grupais entre pares por
reciprocidade, como conflitante, são essenciais quando se pensa no processo de
alfabetização que tem o sujeito cognoscente como o ator principal, o construtor do
conhecimento juntamente com a mediação do professor e de seus colegas, pois
uma organização pedagógica que prioriza esses tipos de intercâmbios entre os
sujeitos fomenta, indiscutivelmente, compreensões conceituais mais significativas
acerca da língua escrita, tornando esses sujeitos pessoas que de fato entendem os
usos e funções desse sistema de representação.
Além do mais, é um tipo de prática pedagógica que leva a autonomia dos
sujeitos envolvidos no processo, que, por serem responsáveis pelo
desenvolvimento da atividade, tomam iniciativas sem, portanto, ficarem esperando
pacificamente o saber e as ordens que vêm prontos de outrem. Conseqüentemente,
constroem seu próprio conhecimento num processo dinâmico de (re)elaborações
conceituais que levam a descoberta das regras de funcionamento desse sistema de
modo compartilhado.
Por ser um processo individual, porque envolve um processo cognitivo próprio
por parte do sujeito a internalização -, a alfabetização não precisa,
necessariamente, consistir em um processo solitário, pois, como se sabe, toda a
apropriação de um conhecimento é significativamente mais rico quando se dá do
inter para o intrapessoal, processo mediado pelas relações sociais que se
estabelece com outros sujeitos.
Por conta disso, entende-se que as reflexões conjuntas das crianças no
processo pedagógico trazem enormes vantagens acerca da apropriação da lecto-
escrita, que, como se pôde observar, os intercâmbios facilitam a socialização de
informações acerca de propriedades físicas da escrita, bem como de propriedades
convencionais implícitas ao sistema, além de criarem conflitos entre essas
informações fornecidas e as formas de assimilá-la.
Logo, através da análise dos achados da Turma A, conclui-se que os sujeitos
dessa turma demonstraram significativos avanços em suas concepções sobre o
sistema escrito. Além do mais, no desenvolvimento das atividades solicitadas pela
pesquisadora, naturalmente estabeleceram interações por reciprocidade e
conflitante com seus colegas, o que enfatiza que vivenciavam experiências em sala
de aula na qual a interação grupal, o trabalho cooperativo, foi um tipo de estratégia
pedagógica que predominou.
Desse modo, reforça-se a questão de que as interações grupais entre pares
por reciprocidade e conflitante consistem em um modo de organização da rotina
escolar que fomentam avanços conceituais, através da descrição e análise das
atividades de produções escritas espontâneas das crianças da Turma A (mais
especificamente dos instrumentos de pesquisa: Testagem “Quatro palavras e uma
frase” e “Auto-ditado”).
Em relação a Testagem “Quatro palavras e uma frase”, destaca-se que as
crianças da Turma A, no desenvolvimento dessa testagem, em ambos os momentos
nos quais elas ocorrem que se realizou uma no mês de abril e outra no s de
agosto -, demonstraram em suas posturas frente a realização do proposto muita
segurança e convicção no que estavam fazendo. Por isso, pode-se dizer que os
sujeitos apresentaram suas hipóteses e concepções acerca da língua escrita para a
pesquisadora sem receio ou medo de serem censurados.
Na primeira dessa testagem (ocorrida no dia 24/04/2007), na qual,
individualmente foram estimuladas pela pesquisadora que escrevessem do “seu
jeito” o seguinte grupo de palavras, nesta ordem, “quadro”, “aluno”, “professora”,
“giz” e a frase “A professora escreve no quadro com giz”, as crianças participantes
da investigação apresentaram as seguintes hipóteses conceituais:
O Bernardo (6:10), por demonstrar a nítida compreensão de que escrever
consiste em utilizar caracteres não-icônicos, apresentou escritas espontâneas nas
quais utilizou aleatoriamente letras convencionais quaisquer. Além do mais,
demonstrou a idéia de que para diferenciar as palavras, é preciso escrever letras,
mesmo que sejam as mesmas, que se posicionem, ordenadamente, de modo
diferente, ou seja, esse menino utilizou um mesmo grupo específico de letras para
compor as palavras, porém, para diferenciá-las entre si, trocou a posição dos
caracteres.
Após a escrita de cada palavra e da frase, fez uma leitura global, passando o
dedo sobre cada uma de suas escritas com orientação espacial da esquerda para a
direita.
Portanto, como se pode observar na produção do Bernardo, seu nível
conceitual acerca da língua escrita consistia no Pré-Silábico:
FIGURA 3 – Escritas espontâneas produzidas pelo Bernardo
Do mesmo modo como o Bernardo, Cleison (7:6) também demonstrou estar,
no momento dessa testagem, no nível conceitual Pré-Silábico. Isso porque, sua
concepção de que escrever consiste em utilizar caracteres não-icônicos, foi nítida.
Entretanto, por insegurança dessa criança e, por enfatizar, várias vezes, no
momento solicitado que escrevesse, “eu não sei escrever”, ele, inicialmente, deteve-
se a copiar da sala na qual a atividade foi desenvolvida, as escritas que ali estavam
presentes. Sendo assim, para a escrita da palavra “quadro”, olhou para o quadro de
giz e reproduziu as letras do alfabeto expostos sobre esse. No mesmo sentido, na
escrita da palavra “aluno”, como havia na sala, na parede, a figura de um garoto e
abaixo dela a escrita da palavra “menino”. Cleison copiou essa escrita e depois leu,
passando o dedo sobre toda a palavra, “aluno”. Na escrita do restante das palavras
e da frase, a pesquisadora estimulou, verbalmente, que ele produzisse escritas do
modo como ele pensava que era e, então, nesse momento, o menino apenas
copiava aleatoriamente letras do alfabeto exposto na sala sem se preocupar com a
quantidade mínima ou máxima de caracteres.
Isso tudo fica evidenciado no material produzido por Cleison:
FIGURA 4 – Escritas espontâneas produzidas pelo Cleison.
Essa mesma concepção, de que escrever é diferente de desenhar e que,
portanto, utilizamos caracteres não-icônicos, foi apresentada também pela Fernanda
(7).
A Fernanda, para cada palavra solicitada, tentava escrever de memória. Por
isso, na maioria dos casos, suas escritas começam com a letra inicial adequada,
que em sua sala de aula a professora tinha exposto, nas paredes, a escritas das
palavras que foram pedidas na presente testagem.
No entanto, como não consegue lembrar o restante das letras que compõem
as palavras e, por ter sido muito estimulada, pela pesquisadora, para que
escrevesse como pensava que deveria ser, a menina passou a utilizar letras
convencionais aleatoriamente, sem controle de quantidade máxima de caracteres,
demonstrando possuir a hipótese Pré-Silábica de compreensão da língua escrita.
Especificamente, é relevante destacar, na escrita da palavra “giz”, que essa
criança se deu conta da fonetização da escrita, visto que logo ao terminar de
escrever essa palavra, parou e pensando, falou em voz alta: “Giz! Iz! Precisa ter o
‘i’”. Sendo assim, acrescenta a letra “i” no final de sua produção.
na escrita da frase, é interessante observar o modo como ela organizou a
estrutura da mesma. Ao terminar diz: “Foi o que a ‘profe’ escreveu no quadro!”
FIGURA 5 – Escritas espontâneas produzidas pela Fernanda.
A leitura que fez, após a escrita de cada palavra, é global, utilizou-se do dedo,
para indicar o que estava lendo, seguindo a orientação espacial da esquerda para a
direita.
Diferentemente de seus colegas de turma, porque encontrava-se em outro
nível de compreensão acerca da língua escrita, o Edison apresentou a seguinte
produção:
FIGURA 6 - Escritas espontâneas produzidas pelo Edison.
Como se observou na Figura 6, para o Edison (7:1), escrever consiste em
utilizar-se de uma letra para cada sílaba pronunciada na palavra, mesmo que,
inicialmente, essas letras sejam sem valor sonoro convencional. Portanto, esse
menino, nesse momento, ingressou no período caracterizado pela fonetização da
escrita, estando, conseqüentemente, em um nível conceitual mais avançado do que
o de seus colegas.
Suas escritas, com características do nível Silábico, apresentavam duas
exigências que acompanham o sujeito ao longo desse nível e são as grandes
responsáveis por fomentarem conflitos sociocognitivos que levam as crianças a
avançar em suas concepções, são elas: a necessidade da quantidade mínima de
caracteres e a variação intrafigural para formar uma palavra (FERREIRO, 1990;
FERREIRO; TEBEROSKY, 1985).
O Edison, no desenvolvimento da testagem, foi bastante convicto sobre suas
produções, não demonstrando receio ou medo de apresentar suas concepções e
hipóteses. Ao ler cada palavra escrita, do mesmo modo como as escreveu, com o
auxílio do dedinho, para cada letra redigida, pronunciava uma sílaba da palavra.
Já, no desenvolvimento da segunda dessa testagem (ocorrida no dia
1º/08/2007), na qual os sujeitos da pesquisa tiveram que escrever do “seu jeito”,
nesta ordem, o seguinte grupo de palavras, “vaca”, “abelha”, “borboleta”, “boi” e a
frase “A borboleta tem asas coloridas”, pôde-se observar nitidamente seus avanços
conceituais acerca da lecto-escrita, uma vez que as hipóteses apresentadas foram:
Tanto o Bernardo (agora com 7:2), como o Edison (7:5) e o Cleison (7:10),
avançaram de escritas Pré-Silábicas para escritas Silábico-Alfabéticas. Isto é,
estando esses sujeitos no terceiro período de evolução conceitual acerca da lecto-
escrita, suas concepções sobre o modo de funcionamento da língua apresentam-se
em um momento de transição, pois logo foram reformuladas, por isso suas escritas
espontâneas apresentaram características ora de escritas silábicas, ora de escritas
alfabéticas. No caso das produções do Bernardo e do Edison, como se pode
perceber, predomina a utilização de caracteres com valor sonoro convencional:
FIGURA 7 - Escritas espontâneas produzidas FIGURA 8 – Escritas espontâneas produzidas
pelo Bernardo. pelo Edison.
Entretanto, nas produções do Cleison, suas escritas silábico-alfabéticas são
apresentadas com algumas falhas na utilização de caracteres com valor sonoro
convencional:
FIGURA 9 - Escritas espontâneas produzidas pelo Cleison.
Para essas três crianças, agora, escrever consiste em representar
progressivamente as partes sonoras das palavras, hipótese importante para se
chegar a um nível de compreensão mais avançado e, portanto de apropriação
significativa, da lecto-escrita.
Assim como seus colegas, a Fernanda (agora com 7:3), nessa segunda
testagem, também apresentou registros gráficos espontâneos que comprovam seu
avanço conceitual sobre a escrita.
Bastante segura e envolvida no desenvolvimento da atividade solicitada, essa
menina demonstrou, por meio de sua produção, que agora compreendeu como
opera o sistema de representação que consiste a lecto-escrita. Sendo assim, atingiu
o final do terceiro período, estando, por conseguinte, no nível Alfabético:
FIGURA 10 - Escritas espontâneas produzidas pela Fernanda.
Por ter atingido o nível alfabético, Fernanda fez seus registros de forma
convencional, entretanto, houve, ainda, como se pode observar, falhas ortográficas.
Assim como nas atividades de testagem, através do instrumento de pesquisa
“Auto-ditado” (que ocorreu no dia 12/11/2007), também se pôde constatar os
avanços conceituais das crianças da Turma A no processo de apropriação da lecto-
escrita. Isso porque, ao manipularem uma caixa contendo diferentes objetos em
miniatura e, após, ao serem incentivados que produzissem, graficamente, uma lista
com o nome dos objetos da caixa que mais gostaram, os sujeitos da pesquisa
apresentaram escritas espontâneas as quais demonstraram que os quatro, quase ao
término do ano letivo, atingiram o último nível de compreensão sobre a escrita,
segundo os estudos de Ferreiro e Teberosky (1985). Suas produções evidenciam
isso, conforme o que ilustra as figuras 11,12,13 e 14 :
FIGURA 11 – Lista de nomes e frases produzidas FIGURA 12 – Lista de nomes e frases
espontaneamente pelo Bernardo. produzidas espontaneamente pelo Cleison.
FIGURA 13 – Lista de nomes e frases FIGURA 14 – Lista de nomes e frases
produzidas espontaneamente pelo Edison. produzidas espontaneamente pela Fernanda.
O registro das frases, solicitadas logo após a escrita da lista, nas quais
deviam escolher duas palavras da lista e criar uma oração para cada uma delas,
também demonstraram que, além de escreverem alfabeticamente, as crianças
têm noções sobre o modo de organização de uma frase, bem como sua finalidade.
Isso é importante porque, comparando a frase que foi produzida pela Fernanda na
primeira testagem “Quatro palavras e uma frase”, no início do ano letivo, e a frase
produzida por ela na atividade de “Auto-ditado”, se pode observar que agora essa
criança compreendeu como se organiza uma frase no papel. Isso fica evidenciado
nas figuras 15 e 16 que seguem:
FIGURA 15 – Frase da Fernanda produzida na primeira testagem, no início do ano letivo.
FIGURA 16 - Frase da Fernanda produzida na atividade de “Auto-ditado”.
Em vista disso tudo, entende-se que tais evoluções conceituais, as quais
passaram as crianças da Turma A, são oriundas, não apenas pelas diferentes
atividades propostas, referentes a leitura e a escrita, reflexivas oferecidas à elas,
mas também e, principalmente, em decorrência dessas crianças compartilharem
hipóteses acerca da lecto-escrita com seus colegas a partir de um trabalho
cooperativo, no qual vivenciam situações de conflitos sociocognitivos, construindo
juntas um conhecimento socialmente elaborado.
4.1.2 Interação grupal entre pares com predomínio de trabalho individual
Categoria demarcada por um apenas “estar junto”, uma vez que as crianças,
mesmo estando sentadas em grupos, desenvolviam todo um trabalho individual.
A principal característica dessa categoria são as falas monológicas realizadas
pelos sujeitos, que consistiu no ato de dizer oralmente para si mesmo as suas
concepções acerca da lecto-escrita na busca por resolver, de forma individual, um
desafio. Sendo assim, não há, nesse processo, compartilhamento de pontos de vista
ou de informações e hipóteses referente ao sistema de escrita, isso porque, cada
criança se concentra no seu trabalho e, portanto, interage pouquíssimo com seus
companheiros de grupo:
[Mesmo estando sentado em um grupo, o Willian estabelece um monólogo no
desenvolvimento da atividade proposta pela professora. Seus companheiros de
grupo não consideram o que ele fala, que estão atentos para as suas próprias
atividades]
Willian – [Monólogo] Peteca. Aqui é peteca que escreve.
Pe-te-ca. E, E, A.
Mas ficou duas vezes o E, não dá.
Pe, pe... Ah! Tem o P de Pedro.
P, E, E, A.
Ah, não. Não tem esse E. Vo apaga.
Agora sim: peteca! (Sua escrita silábica fica assim “PEA”).
Outro exemplo de fala monológica, ocorre durante a tentativa de realizar a
leitura de uma frase entregue pela professora:
[Mesmo sentada em grupo a Jucele conversa consigo mesma tentando ler o que
se encontra no material impresso entregue pela professora]
Jucele – O M, E, Me; N, I, Ni; N, O, No.
E com S, Se; não, Es. T com A, Ta; Va. O menino estava.
T, O, To; M, A, N, Ma; Man. Do.
Pelo desenho é sorvete. O R depois do O vai faze Sor.
O menino estava tomando sorvete. Que legal!
Portanto, mesmo sentados em grupos, os sujeitos que estabelecem esse tipo
de interação, observada exclusivamente na Turma B, falam consigo mesmos como
uma maneira de organizar seu pensamento na resolução de atividades envolvendo a
leitura e a escrita. Entretanto, são monólogos que, na maioria dos casos, são
censurados pela alfabetizadora da turma, a qual acreditava que a linguagem oral em
sala de aula atrapalhava todo o processo de apropriação de conhecimento. Isso fica
evidente nas seguintes falas da professora Laura:
[Após entregar um pequeno texto a cada criança da turma, que estavam
organizados em grupos em sala de aula, solicita que realizem a leitura e
enfatiza:]
Professora Laura - Quero ver todo mundo lendo, cabeça baixa.
Como se lê?
Em completo silêncio. Não quero ver ninguém mexendo a
boca!
[As crianças, na tentativa de ler o texto estabelecem monólogos, porém em tom
de voz bastante baixo. Ao perceber isso, a professora censura debochando:]
Professora Laura Vou levar vocês pro Fantástico: crianças que lêem com a
boca!
Eu já disse, é leitura em silêncio. Silêncio total!
[...]
[Professora entrega um texto e recomenda que a leitura seja individual e em
silêncio. Sendo assim, ao escutar sons emitidos pelas crianças na tentativa de ler
o material reforçou:]
Professora Laura – Não é missa! To escutando sons.
É leitura silenciosa!
[...]
Professora Laura - Duas coisas que quero hoje: uma é que conversem menos
hoje e outra é que trabalhem mais.
Por isso, acho que vou separar algumas pessoas que se
ficam juntas vão conversar muito [...]
Com toda essa censura por parte da professora sobre as tentativas de
monólogos realizados pelos sujeitos, esses, além de não poderem interagir com
seus colegas durante o desenvolvimento das atividades, também não podiam
completar suas reflexões consigo mesmo por meio da linguagem oral.
Nesse sentido, tendo em vista a importância da fala na construção de um
conhecimento mais elaborado, de acordo com as concepções vygotskianas e
piagetianas, o processo de alfabetização dessas crianças acabaram sofrendo
sérias conseqüências, já que, não podendo organizar melhor seus pensamentos e
idéias sobre a língua escrita, através da linguagem oral, sendo que quando o
faziam, precisavam fazer as escondidas, as crianças acabavam ficando mais
tempo estagnadas em seus níveis conceituais, justamente pelo fato de não
vivenciarem situações de conflitos cognitivos (confrontação de concepções
consigo mesmo em decorrência da interação com o objeto de conhecimento),
muito menos situações de conflitos sociocognitivos (conflitos de concepções do
sujeito com as concepções de seus pares decorrente da interação com o objeto
de conhecimento).
Entretanto, é necessário ressaltar-se que se observou várias tentativas das
crianças em estabelecer este tipo de interação, tanto que até iniciavam,
espontaneamente estas falas monológicas, mas não podiam concluir essa prática
porque, assim que eram evidenciadas pela professora, precisavam parar seus
raciocínios verbais. Como no exemplo que segue:
[Sentado em grupo, tentando escrever algumas palavras, o Anderson cochicha
para si mesmo:]
Anderson – Casa. O Ca da Carolina.
Sa, tem som de Z, mas preciso por o S. Como a professora ensinou:
casa é com S.
Telhado. Começa com T. Lha: como é o Lha? Lha...
Professora Laura – Anderson, porque tu está conversando?
Eu não pedi silêncio? É pra faze sozinho, em silêncio.
Gente, eu quero silêncio, senão não vai dar certo a aula de
hoje.
Logo, reforça-se a questão de que nesta categoria, interação grupal entre
pares com predomínio de trabalho individual, estão bastante presente as seguintes
características: negação total das hipóteses dos demais membros do grupo, uma
vez que apenas as concepções individuais são consideradas e, aparente ausência
de conflitos sociocognitivos, pois como as hipóteses não eram compartilhadas pelas
crianças, todo o processo interacional foi marcado por um apenas “estar junto”.
O desenvolvimento da atividade de “Produção textual”, realizada pela dupla
composta pelo Anderson e pelo Guilherme, ilustra perfeitamente a interação
demarcada pelo trabalho individual, pois apesar de se disponibilizarem a
desenvolver a escrita da história, referente às imagens seqüenciadas (ANEXO D),
na mesma folha de ofício, apresentaram posturas que demonstraram a preferência
por um trabalho mais individual, como cotidianamente ocorreu em sala de aula. Isso
foi evidenciado ao dividirem a folha de modo que cada um dos sujeitos produziu
seus próprios registros em uma parte específica da mesma. O diálogo entre a dupla
com a pesquisadora exemplifica isso:
Pesquisadora – Que tal, nesta folha que está toda em branco, escrevermos essa
mesma história que utilizando letras e palavras? Que tal o Anderson e o
Guilherme trabalharem juntos para escrever essa história?
Anderson – Tá!
Guilherme – Eu vô te que escreve desse lado e tu desse [indicando com o dedo].
Sendo assim, na mesma folha de ofício, no mesmo lado, porém em uma parte
específica dela o Anderson escreveu a história utilizando escritos gráficos
convencionais, enquanto o Guilherme, inicialmente, se preocupou em desenhar a
história. Portanto, Anderson acaba refletindo sozinho sobre as frases a serem
escritas e sobre suas próprias escritas, soletrando em voz alta tanto as palavras
das frases como os caracteres não-icônicos que as compunham:
Anderson [Começa a escrever a história refletindo em voz alta a grafia das
palavras] Ele. Duas vezes o E? Tava: M, A. Jogando: M, O.
Anderson [Olha para a produção do colega e comenta] Tu desenhando. Eu
escrevo e tu desenha?
Guilherme – Claro!
No momento em que o Anderson questiona o colega sobre o fato dele estar
desenhando, Guilherme ra e reflete sobre o que estava fazendo e, observando os
registros que o Anderson havia produzido comenta: “Eu fa que nem tu.
Cuidado pra não bate no meu!”.
Nessa ocasião, o comentário do Anderson gera um tipo de interação entre os
dois sujeitos que faz com que um deles mude sua postura perante a atividade.
Sendo assim, Guilherme começa a se preocupar em escrever, do seu modo,
conforme seu nível conceitual, a história observada nas imagens.
Entretanto, mesmo que em alguns momentos esses sujeitos estabelecessem
alguns diálogos, não se pode dizer que esses gerassem avanços conceituais sobre
a compreensão da lecto-escrita, que não compartilharam saberes e, por isso, não
entraram em conflitos sociocognitivos. Fica o comentário pelo comentário, como
mostra esse exemplo de um diálogo surgido no momento em que o Guilherme lê,
passando seu dedo por cima de uma frase que havia escrito:
Anderson [Observa a escrita do colega enquanto esse lia] “Ele estava jogando
bola”!? Tudo com a mesma letra?
Guilherme – É!
Anderson – Só com M e o O?
Guilherme [Continua a leitura do seu texto] Tavam jogando bola e fingiram que
não foi eles.
Anderson – Isso tá faltando um monte de letra.
O desenvolvimento de toda a atividade foi um trabalho individual, ainda que
compartilhassem da mesma folha. Nesse trabalho solitário, o Anderson, em especial,
encontra várias dúvidas em relação às letras que compunham as palavras nos
momentos em que refletia acerca da escrita das mesmas, porém, em nenhum
momento pedia auxílio ao colega e sim, exclusivamente, à pesquisadora:
Anderson [Enquanto escreve] E estavam, Vão: O. Jogando quando o vaso,
vaso: V? (pergunta à pesquisadora, que não responde nada) caiu.
Ficaram olhando o vaso quebrado, Do, Do: M, O? (pergunta à
pesquisadora que novamente não responde nada).
[Termina a frase e pergunta, à pesquisadora, em relação a próxima
cena] Agora já dá pra passa pra essa?
Pesquisadora – O que tu achas?
Anderson – Que sim!
Pesquisadora – OK!
A questão de o menino pedir exclusivamente o aulio à pesquisadora, e não
ao colega, talvez tenha se dado pelo fato das crianças dessa turma terem bastante
presente a idéia de que apenas os adultos têm conhecimentos mais elaborados em
relação a língua escrita, sendo esses apenas os capacitados para fornecer ajuda e
informações. Entendimento esse oriundo da forma como a professora da Turma B
interagia com as crianças, reforçando constantemente essa idéia através de sua
prática pedagógica.
Após a produção da história, solicitados pela pesquisadora, cada criança
desta dupla desenvolveu a leitura de sua escrita, do mesmo modo como a produziu:
individualmente, sem interação nenhuma com o colega. Sendo assim, destaca-se
que o Anderson fez uma leitura pausada, na qual observou, durante o ato, tanto
suas escritas silábicas como as imagens da história seqüenciada:
Pesquisadora – Está pronta tua história, Anderson?
Então, lê para mim o que tu escreveste?
Anderson [Olhando para suas escritas e para a imagem, lê:] Eles estavam
jogando e atingiu o... Opa! Faltou o O (acrescenta essa letra em seu texto).
[Retoma a leitura] Atingiu o vaso e quebrou-o.
o Guilherme, por conta de seu nível conceitual, desenvolveu uma leitura
global, observando suas escritas e lembrando o que o colega havia escrito e,
portanto acabado de ler:
Pesquisadora – E tu, Guilherme, o que escreveste? Lê para mim.
Guilherme [Passa o dedo indicador sobre suas escritas, lendo-as globalmente]
Ele tava jogando bola e quebrou o vaso. Tavam jogando bola e fingiram que não
foi eles.
Para o desenvolvimento desta atividade, esta dupla precisou de,
aproximadamente, dezoito minutos, sendo este o material apresentado como
resultado:
FIGURA 17 – Produção textual apresentada pelo Anderson e pelo Guilherme.
Legenda da história do Anderson: “Eles estavam jogando bola. E atingiram o vaso. Ele
caiu, o vaso. E eles estavam ‘se fingindo’”.
Legenda da história do Guilherme: “Ele estava jogando bola e quebrou o vaso.
Estavam jogando bola e fingiram que não foi eles”.
Como fica evidente, por vivenciarem cotidianamente em sala de aula
atividades pedagógicas de modo independente, as crianças da Turma B, mesmo
quando tiveram a oportunidade de interagir compartilhando saberes e fazeres acerca
do sistema de escrita, como nas atividades solicitadas pela pesquisadora, preferiram
o trabalho individual, sendo, portanto, a construção da lecto-escrita um processo,
para esses sujeitos, solitário baseado em falas monológicas que, por sua vez,
precisavam ser realizadas discretamente.
4.1.3 Interação grupal entre pares com predomínio de imitação
Do mesmo modo como na categoria anterior, esta categoria, interação grupal
entre pares com predomínio de imitação, é demarcada por um apenas “estar junto”,
uma vez que as crianças são organizadas em grupos em sala de aula, no entanto,
não são autorizadas e, por isso, estimuladas pela alfabetizadora, a compartilharem
concepções em um trabalho cooperativo. Por esse fato, foi uma categoria observada
exclusivamente na Turma B.
O que caracteriza essencialmente essa categoria são as tentativas de cópia
apresentadas pelos sujeitos. Como o podiam pedir auxílio aos colegas durante o
desenvolvimento das atividades propostas em sala de aula, as crianças, buscando
resolver um desafio, procuravam imitar, copiando, a produção dos colegas de grupo,
normalmente daquele colega que estava sentando ao seu lado.
Essa cópia foi feita de modo bastante discreto pelas crianças, com o intuito de
que a professora não percebesse o que estavam fazendo. Entretanto, sempre
quando percebia essa atitude por parte de alguma criança, a professora Laura
censurava, expressando as seguintes falas que eram ditas em entonação
repressora:
- Deixa, Jucele, deixa ele copiar, porque depois eu vou ver que ele copiou de ti:
ele não sabe fazer!
[...]
- Guilherme, pára de copiar!
[...]
- Eu to só vendo aquele grupo, um tá copiando do outro.
[...]
- Não é pra copiar do colega, se ele faz errado tu também vai errar.
[...]
- Vira pro teu trabalho e deixa o trabalho do colega!
[...]
- Willian, olhando pros lados, né? Olha pro teu trabalho!
[...]
- Anderson, trabalha. Vira pra frente e pára de olhar o caderno da Jucele.
[...]
- Guilherme, vira pra frente, tu todo torto olhando o trabalho do colega. Cuida
do teu trabalho e pára de copiar.
Vale destacar que o ato imitativo apresentado pelos sujeitos
2
não consistiu-
se, em nenhum momento, em uma cópia meramente mecânica, mas em uma cópia
1. O que se observou foi que, normalmente, quem imitou foram os sujeitos que se encontravam em
níveis conceituais de compreensão da língua escrita menos avançados; isto é, os sujeitos em níveis
menos avançados copiavam as produções de sujeitos em níveis mais avançados do que os seus.
reflexiva, na qual a criança, durante a realização dessa prática, estabelecia
monólogos que deixaram evidente todo seu raciocínio sobre as produções dos
colegas, como na seguinte situação:
[O grupo recebe, da professora da turma, uma atividade de produção de escritas.
O Willian, ao sentir dificuldade em desenvolver a atividade, inicialmente busca
auxílio da colega]
Willian – Bah! Não to conseguindo escrever televisão! Tu já escreveu, Jucele?
Jucele – Já!
Willian – Será que eu posso escrevê TV? Daí eu sei, é o T e o V.
Jucele – Não, tem que escrevê televisão. A palavra completa.
Willian – Me ajuda. Eu sei que começa com T. E depois?
[Professora percebe a interação entre a dupla e interrompe:]
Professora Laura Vocês dois. Vão parar de conversar?! Willian, senta direito.
Jucele, tu não ajuda ele, ele precisa aprender a fazer sozinho.
[Após ser censurado, o Willian espera a professora se afastar e passa a copiar a
produção da colega, estabelecendo o seguinte monólogo:]
Willian – O T, o E, o L, o E; de novo? Duas vezes o E?
[Continua copiando:]
Willian - O V, o I, o S, o A; tem uma coisinha no A, uma cobrinha. O último é o O.
[Faz a leitura do que escreveu, passando o dedo sobre cada letra. Sua leitura é
silábica:]
Wilian - Te, le, vi, são [Lê: para o T, te; para o E, le; para o L, vi; e para o E, são].
Porque sobrou essas do final?
A TV da Jucele é grande!
[Lê novamente:]
Willian - Te. Ah! T com E faz Te. Le., L com E faz o Le. Agora o resto é Visão.
Nesse sentido, entende-se que a imitação tem um papel fundamental no
processo de apropriação de um conhecimento, sendo ingenuidade da professora
desta turma reprimir essas iniciativas das crianças, pois quando copiam algo de um
colega, na tentativa de resolver um desafio que sozinho o sujeito não está
conseguindo solucionar, esquemas mentais individuais são postos à prova e
conflitos cognitivos são gerados, fazendo com o sujeito reorganize seus esquemas
assimilativos na busca por uma adaptação ao que está
sendo apresentado pelo
colega. Evidenciando isso, temos a seguinte situação:
[Sentado em grupo, durante o desenvolvimento de uma produção escrita
solicitada por sua professora:]
Anderson – [Fala monológica] Caderno. O K, o E, No, no... O.
[Termina de escrever e olha para a produção da colega que está sentada no seu
lado e fala consigo mesmo:]
Anderson – C? Caderno começa com C? Ah! Como da Carolina.
[Apaga a letra K que havia escrito inicialmente e observa a produção escrita da
colega.]
Anderson – Vo apaga e começa de novo.
[Então copia da colega:]
Anderson – C, A, D, E. Bah! Eu tinha escrito só o E daí não fica De. Agora
o No, N, O.
[Percebendo a atividade imitante do Anderson, a professora recrimina:]
Professora Laura Anderson, eu vo te tira do grupo. Mais uma vez que eu te
pegar copiando da Jucele, tu vai senta sozinho bem aqui na frente.
Portanto, com base nessa situação, se inicialmente o sujeito apresentava
escritas silábicas, por meio do ato imitativo que fez sobre a escrita de uma colega
que se encontrava em um nível conceitual mais avançado, esse passa agora a
compreender a escrita silábica-alfabética, tomando consciência de alguns aspectos
da língua escrita que até então não tinham sido percebidos por ele.
A atividade imitativa, além de fomentar a reorganização de esquemas
conceituais, por conta de que as hipóteses dos colegas são diferentes do sujeito que
imita, também propicia a ativação de zonas de desenvolvimento proximais, visto que,
ao copiar uma ação que inicialmente está além de suas próprias capacidades,
através de um pensamento reflexivo, aquele conteúdo conceitual que é externo
(intrapsicológico) se transforma em contdo interno (intrapsicológico), gerando
aprendizado e, conseqüentemente, desenvolvimento cognitivo mais avançado.
Ou seja, a interação grupal entre pares com predomínio de imitação se torna
um tipo de prática pedagógica em sala de aula relevante quando se entende que o
ato de imitar uma concepção de nível mais avançado leva o sujeito a reorganizar
seus esquemas cognitivos, ativando ZDPs que, por conseqüência, fomentam novas
aprendizagens e, portanto, geram uma evolução cognitiva mais elaborada de
compreensão acerca do sistema de escrita.
Além do mais, o conflito cognitivo que tal interação fomenta, na qual o sujeito
entra em conflito com suas próprias concepções, é fundamental, que, como se
sabe, sem vivenciar situações de perturbação o sujeito cognoscente não obtém
progresso no conhecimento. Reforçando isso é possível afirmar que:
Um progresso no conhecimento não será obtido senão através de um
conflito cognitivo, isto é, quando a presença de um objeto (no sentido
amplo de objeto de conhecimento) o-assimilável force o sujeito a
modificar seus esquemas assimiladores, ou seja, a realizar um esforço de
acomodação que tenda a incorporar o que resultava inassimilável (e que
constitui, tecnicamente, uma perturbação) (FERREIRO; TEBEROSKY,
1985, p. 34).
Todavia, como esta interação entre pares com imitação foi permanentemente
barrada pela alfabetizadora da Turma B, tal situação que poderia ser befica para a
compreensão dos aspectos que envolvem a construção de escritas, acabou não
fomentando avanços conceituais mais significativos nos sujeitos dessa turma,
justamente pelo fato desses não poderem vivenciar por completo tais interações e
de um modo mais intenso.
Logo, compreende-se que a interação com base na imitação teria sido
relevante no processo de construção da lecto-escrita das crianças da Turma B se a
alfabetizadora tivesse autorizado sua prática, porque esse tipo de interação mesmo
não sendo cooperativa, porque tanto o sujeito que está sendo imitado, como o que
está copiando não têm a intenção de desenvolver um trabalho conjunto, atinge a
mesma finalidade, pois desperta vários processos internos de evolução conceitual.
No desenvolvimento da atividade “Produção textual”, a dupla composta pela
Jucele e pelo Anderson fornecem achados que muito bem exemplificam os tipos de
interações entre pares com predomínio do trabalho individual e de imitação
discutidos anteriormente, interações grupais essas concretamente vivenciados ao
longo do ano letivo pelos sujeitos da Turma B e que, por conseguinte, influenciaram
significativamente em suas concepções acerca do modo como deve-se desenvolver
atividades pedagógicas em contexto escolar. Portanto, segue a descrição da
atividade de produção textual desenvolvida pela dupla.
Ao serem solicitados que observassem as imagens seqüenciadas e
produzissem coletivamente um texto que contemplasse a história das imagens,
Jucele e Willian se negam a desenvolver um trabalho compartilhado. As seguintes
falam ilustram isso:
Pesquisadora Eu vou agora disponibilizar para vocês uma folha para nela
vocês escreverem a história.
Willian – Eu e ela?
Pesquisadora – É, vocês juntos!
Willian – Ah! Não vai dá. Junto não dá!
Pesquisadora – Por que junto não dá?
Willian Porque daí eu fica atrapalhado. Ela tem que escreve numa folha pra
ela e eu numa só pra mim.
Pesquisadora – O que tu achas Jucele?
[Ela faz sinal que sim com a cabeça]
Pesquisadora Cada um tem que fazer o seu? Quem sabe vamos tentar fazer
juntos, vocês dois juntos? Não tem como?
Willian – Não, não dá!
Pesquisadora Então, vou dar uma folha para cada um de vocês para vocês
escreverem a história nela.
Sendo assim, foi necessário entregar uma folha em branco para cada uma
das crianças.
A Jucele tomou a iniciativa de realizar a escrita da história e, para tanto, após
pensar no que iria escrever, começou sua produção gráfica de modo bastante
individual, ou seja, a menina, bastante convicta e segura do que iria escrever, baixou
a cabeça sobre sua folha em branco e iniciou a escrita da história observada nas
imagens, sem pedir auxílio ou opinião do colega que estava no seu lado: “Jucele
Eu já sei! O Vitor [...]”.
Enquanto a Jucele produzia o texto solicitado pela pesquisadora, Willian se
deteve em apenas copiar, na sua folha particular, as escritas realizadas pela colega.
Para tanto, estabeleceu, durante essa cópia, uma correspondência termo a termo,
uma vez que foi copiando letra por letra que compunha cada palavra. Em alguns
momentos ele, antes de copiar, tentava ler o que a colega havia escrito, porém, por
não conseguir fazer a leitura, talvez pelo fato da Jucele ter redigido suas escrita
utilizando letra cursiva, deteve-se apenas em copiar letra por letra das palavras.
Com essa prática, Willian acabou gerando uma certa necessidade de
interação entre ambas as crianças, pois ao o conseguir ler as palavras,
principalmente por ter dificuldade em identificar letras específicas, o menino
solicitava ajuda da colega. Entretanto, é pertinente destacar que as interações da
dupla foram fortemente marcadas por poucos diálogos que quando aconteceram, foi
predominante em forma de cochicho.
Nesse sentido, as interações estabelecidas pela dupla não foram com a
finalidade de se trocar idéias sobre a história a ser escrita ou concepções e
informações acerca do modo de escrita das palavras, mas sim, foram interações que
objetivaram sanar dúvidas referentes a letras utilizadas na composição das palavras,
portanto, são diálogos provocados pelo Willian no momento em que ele copiava as
escritas da Jucele. Ou seja, pelo fato do menino ter reproduzido escritas compostas
de traçados os quais ele ainda não dominava, no caso o traçado da letra cursiva,
tendo, como conseqüência, dificuldades em fazer a adequada transposição gráfica,
houve a necessidade de se estabelecerem interações.
Entretanto, apesar de sentirem a necessidade de dialogar, no sentido de
auxiliar o colega em uma dúvida, a dupla demonstrou, perante sua postura, que
entendem o diálogo entre pares como algo não permitido, por isso o uso do
cochicho.
Ilustrando essas interações, apresenta-se os seguintes diálogos
estabelecidos pela Jucele e o Wilian no momento do desenvolvimento da atividade:
[Willian copiando as escritas da colega]
Willian – [Pergunta cochichando] Aqui é o O?
Jucele [Responde em tom de voz baixa, olhando para a pesquisadora
parecendo que com medo da reação de reprovação dela] É!
Willian – [Pergunta novamente cochichando] Qual é aqui?
Jucele – [Responde em tom de voz baixa] Bola! Letra B.
[...]
Willian [Em tom de voz baixa, pergunta indicando com o dedo sobre a escrita
da colega] Que letra é essa?
Jucele – [Cochicha] Essa é V.
Willian – [Fala para si mesmo] V de vaca!
O desenvolvimento desta atividade, que deveria ter sido produzida de forma
cooperativa, acabou sendo individual, durando, aproximadamente, vinte e quatro
minutos e gerando os seguintes materiais:
FIGURA 18 – Produção textual da Jucele.
FIGURA 19 - Produção textual do Willian.
Logo, como se observa, mesmo que as crianças dessa dupla, nessa
atividade, tenham sido solicitadas que produzissem um texto, uma história, a
estrutura das escritas apresentadas se caracterizam mais como frases que dizem
respeito a cada imagem da história seqüenciada disponibilizada no início da
atividade do que, propriamente, uma produção textual com início, meio e fim. Talvez,
se uma interação, na qual a troca de concepções e informações acerca do modo de
estruturação de um texto escrito tivesse ocorrido, esta dupla poderia ter apresentado
uma produção textual mais complexa.
Em vista disso tudo, compreende-se que as interações grupais com
predomínio do trabalho individual e de imitação, vivenciadas pelos sujeitos da Turma
B, não fomentaram avanços tão significativos em suas concepções acerca da lecto-
escrita, como ocorreu com os sujeitos da Turma A.
Portanto, ambientes alfabetizadores organizados de modo que o educando
possa refletir sobre os aspectos que envolvem a língua escrita, mas que não possam
interagir com seus pares trocando idéias e concepções sobre esse objeto cultural,
podem impedir possíveis evoluções conceituais, levando os sujeitos em processo de
alfabetização a níveis de compreensão similares aos já elaborados.
Isso fica evidente através da análise das testagens “Quatro palavras e uma
frase” e da atividade “Auto-ditado” desenvolvidas pelas crianças e descritas a seguir:
No desenvolvimento da testagem “Quatro palavras e uma frase”, as crianças
da Turma B, em ambos os momentos em que elas ocorreram a primeira ocorreu
no mês de abril e a segunda, no mês de agosto -, demonstraram em suas posturas
frente a realização da atividade proposta muita insegurança, medo de tentar, receio
em produzir suas próprias escritas. Portanto, foi constante e unânime as frases do
tipo: “Eu não sei como se faz.”; “É assim?”; “Como se faz?”; “Tá certo?”.
Por isso, pode-se dizer que se constatou nas crianças uma dependência da
opinião do adulto para que conduzisse suas produções. Como a professora não
estava presente no ambiente no qual a atividade foi desenvolvida, essa dependência
foi transferida à pesquisadora.
Na primeira testagem (ocorrida no dia 09/04/2007), na qual, individualmente
foram solicitadas que escrevessem do “seu jeito” o grupo de palavras, “quadro”,
“aluno”, “professora”, “giz” e a frase “A professora escreve no quadro com giz”, as
crianças participantes da investigação apresentaram as seguintes hipóteses
conceituais:
O Anderson (7), por demonstrar a nítida compreensão de que escrever
consiste em utilizar caracteres não-icônicos, apresentou escritas espontâneas nas
quais utilizou um repertório fixo de grafias, letras convencionais, para todas as
palavras, porém diferenciando-as por meio da variação posicional desses
caracteres.
Utilizou-se de quantidade de caracteres constante, além de grafar a mesma
letra para iniciar todas as palavras, no caso, a letra inicial do seu nome.
Após a escrita de cada palavra e da frase, fez uma leitura global, passando o
dedo sobre cada uma de suas escritas com orientação espacial da esquerda para a
direita.
Portanto, como se pode observar na produção do Anderson, seu nível
conceitual acerca da língua escrita consistiu-se na hipótese Pré-Silábica:
FIGURA 20 – Escritas espontâneas produzidas pelo Anderson.
O Guilherme (6:1), ao apresentar grafismos primitivos com escritas unigráficas
e sem controle de quantidade, demonstrou estar, neste momento, no primeiro
período de evolução conceitual sobre a escrita. Por isso, seu nível é Pré-Silábico e
sua única preocupação, ao ser solicitado que escrevesse um conjunto de palavras,
foi apresentar caracteres o-icônicos com o objetivo de reforçar sua concepção de
que escrever é produzir marcas gráficas que são diferentes do ato de desenhar.
Sua produção espontânea a seguir ilustra isso:
FIGURA 21 - Escritas espontâneas produzidas pelo Guilherme.
Do mesmo modo como o Anderson e o Guilherme, o Willian (6:2) também
apresentou produções gráficas que caracterizam o nível Pré-Silábico. Apesar de ter
resistido muito em desenvolver a atividade solicitada, após muita insistência da parte
da pesquisadora, escreveu a palavra “quadro” e, para tanto, por apresentar certa
insegurança, deteve-se em reproduzir as letras do alfabeto exposto acima do quadro
de giz:
FIGURA 22 - Escritas espontâneas produzidas pelo Willian.
Sua resistência e insegurança foram tão marcantes que se negou a concluir a
atividade de testagem.
Com o objetivo de reforçar o nível de compreensão da língua escrita no qual
esse sujeito se encontra, apresentar-se-á, a seguir, um material produzido por ele,
em sala de aula, e disponibilizado pela professora da turma:
FIGURA 23 - Atividade de escrita, na qual a criança escreveu do seu jeito o
nome das gravuras carimbadas no papel (desenvolvida em abril de 2007).
Diferentemente de seus colegas de turma, a Jucele (6:11), nesta primeira
testagem, apresentou concepções mais avançadas acerca da lecto-escrita, pois sua
produção espontânea, do conjunto de palavras solicitadas, bem como da frase,
deixou evidente que essa menina alcançou o período no qual a fonetização da
escrita está presente.
Sendo assim, como se pôde observar no material produzido pela menina, ela
acreditava que escrever uma palavra consistia em grafar um caractere para cada
sílaba pronunciada. Todavia, embora tenha resistido muito em escrever do seu
modo, a Jucele apresenta escritas silábicas com algumas poucas falhas na
utilização de caracteres com valor sonoro convencional:
FIGURA 24 - Escritas espontâneas produzidas pela Jucele.
Já, no desenvolvimento da segunda dessa testagem (ocorrida no dia
08/08/2007), na qual os sujeitos da pesquisa tiveram que escrever, como achavam
que deveria ser, as seguintes palavras, “vaca”, “abelha”, “borboleta”, “boi” e a frase
“A borboleta tem asas coloridas”, pôde-se observar que apenas um dos sujeitos
avançou em suas concepções acerca da lecto-escrita, sendo que os demais
permaneceram com suas hipóteses iniciais.
O Anderson (agora com 7:3) apresentou insegurança em produzir o material
significativamente maior do que durante o desenvolvimento da primeira testagem no
mês de abril. No entanto, com muita insistência da pesquisadora, elaborou o
seguinte registro:
FIGURA 25 - Escritas espontâneas produzidas pelo Anderson.
Como se pode observar suas concepções sobre a escrita não avançaram,
visto que suas escritas continuam caracterizando o nível Pré-Silábico, pois utilizou-
se aleatoriamente de caracteres o-icônicos, com quantidade fixa, de três a quatro
letras.
Ao ser solicitado que lesse o que havia acabado de escrever, fazia através de
uma leitura global, transcorrendo seu dedo sobre a palavra lida com orientação
espacial da esquerda para a direita.
A seguinte atividade desenvolvida em aula e disponibilizada pela professora,
reforça o argumento do nível conceitual no qual se encontra essa criança:
FIGURA 26 - Atividade de escrita espontânea desenvolvida em aula no mês de agosto.
O Guilherme (com 6:5) também não apresentou, nesta testagem, avanços
conceituais. Como se pode observar em sua produção espontânea do conjunto de
palavras solicitadas, seu nível conceitual permaneceu Pré-Silábico:
FIGURA 27 - Escritas espontâneas produzidas pelo Guilherme.
Sendo assim, esse menino ainda apresentava, no segundo semestre letivo
do ano, grafismo primitivo, escrita unigráfica com caracteres não-icônicos.
Como não quis concluir a atividade, por resistir muito em escrever do seu
modo, escreveu apenas seu nome e as palavras: quadro, aluno e professora.
Todavia, a Jucele (7:4) em sua produção espontânea apresentou evolução
conceitual, visto que, ao ser solicitada que escrevesse o conjunto de palavras, não
mais escreveu silabicamente, como no início do ano letivo, mas sim, de modo
alfabético.
Logo, como se pode observar, suas escritas são alfabéticas com predomínio
de caracteres com valor sonoro convencional. Inclusive, em especial na frase,
termina sua oração utilizando letra cursiva, o que sugere que essa menina
conseguiu fazer a correta transposição referente à categorização gráfica:
FIGURA 28 - Escritas espontâneas produzidas pela Jucele.
Por isso, pode-se dizer que a Jucele atingiu o último nível do terceiro período,
o Alfabético, segundo os estudos de Ferreiro e Teberosky (1985), compreendendo,
portanto, os modos de construção do sistema de representação alfabético.
Em vista disso, destaca-se que essa criança foi o único sujeito de pesquisa da
Turma B que avançou em suas concepções acerca da lecto-escrita durante o
período que compreendeu o desenvolvimento da primeira testagem e da segunda
testagem de escrita das quatro palavras e uma frase.
Reforçando o sobredito, destaca-se a produção apresentada pelo Willian
(6:6):
FIGURA 29 - Escritas espontâneas produzidas pelo Willian.
Observou-se que suas escritas ainda têm características do nível Pré-
Silábico, pois ao ser solicitado que escrevesse as quatro palavras e depois a frase,
ele utilizou letras quaisquer, copiadas do alfabeto exposto acima do quadro de giz.
um controle sobre a quantidade dos caracteres que compõem cada palavra que
variam de três a quatro.
No momento de ler cada palavra escrita, faz uma leitura global transcorrendo
seu dedo sobre a palavra “lida” com orientação espacial da esquerda para a direita.
Vale destacar que no momento de produzir o material, o Willian mais uma vez
apresentou bastante resistência e insegurança, perguntando constantemente à
pesquisadora “É assim?”; “Como é que faz?”.
Apesar de se ter observado que a maioria das crianças da Turma B não
evoluíram conceitualmente em relação as suas hipóteses acerca da língua escrita,
durante o período que compreendeu o desenvolvimento entre a primeira testagem e
a segunda, através do instrumento de pesquisa “Auto-ditado” (que ocorreu no dia
12/11/2007), de-se constatar que dois dos sujeitos da Turma B apresentaram
avanços conceituais no processo de apropriação da lecto-escrita, embora tais
avanços não tenham sido tão significativos, que não são concepções mais
elaboradas de compreensão do modo de operação do sistema alfabético. Sendo que
também se constatou que os outros dois sujeitos da turma não apresentaram avanço
nenhum, um permanecendo na hipótese pré-silábica e outro na alfabética (como a
menina atingiu o último nível de compreensão da lecto-escrita, agora seus avanços
serão dentro desse nível, na busca por compreender o sistema alfabético
propriamente dito, como, por exemplo, questões que envolvem a ortografia das
palavras da língua portuguesa).
Sendo assim, a atividade de manipulação de uma caixa contendo diferentes
objetos em miniatura e, após a escrita de uma lista com o nome dos objetos e frases
sobre eles, evidenciou os seguintes elementos que caracterizam os níveis
conceituais atingidos pelos sujeitos.
O Anderson (agora com 6:8), através de sua lista de nomes, demonstra a
concepção de que escrever consiste em utilizar um caractere para cada sílaba
pronunciada, portanto, ingressou, neste momento, no terceiro período de evolução
conceitual sobre a escrita, o da fonetização da escrita, segundo os estudos de
Ferreiro e Teberosky (1985).
Como se pôde observar em suas escritas silábicas, com algumas falhas na
utilização do valor sonoro convencional, e, tendo como base a interação
estabelecida com essa criança no momento da produção deste material, Anderson
possui muito presente duas exigências, que são bastante comuns em sujeitos nesse
nível, o da quantidade mínima de caracteres e o da variação intrafigural, como fica
evidenciado a seguir:
FIGURA 30 – Lista de nomes e frases produzidas espontaneamente
pelo Anderson.
Ainda, salienta-se que no momento de sua produção espontânea, essa
criança estava bastante insegura, do mesmo modo como nas outras testagens, e,
por isso, tinha medo de errar. Por conta disso, pediu muito auxílio à pesquisadora na
escrita das palavras, o que foi negado por meio do estímulo oral de que escrevesse
da sua maneira.
Do mesmo modo como o Anderson, o Willian (6:9) também demonstrou
avanço conceitual.
Bastante envolvido na atividade de “Auto-ditado”, pelo fato de ter gostado
muito da caixa com as miniaturas, Willian optou por escrever utilizando a letra
cursiva letra utilizada pela professora em sala de aula desde o início do segundo
semestre letivo -, demonstrando, com suas produções espontâneas, escritas que
caracterizam o nível Silábico-Alfabético, com algumas falhas na utilização de
caracteres com valor sonoro convencional. Sua produção a seguir ilustra essa
afirmativa:
FIGURA 31 – Lista de nomes e frases produzidas espontaneamente
pelo Willian.
Portanto, as escritas apresentadas demonstram que Willian está no terceiro
período de evolução conceitual sobre a escrita, estando em um nível de transição,
no qual coexistem duas hipóteses, ora a silábica, ora a alfabética na escrita da
mesma palavra, caracterizando o nível ou hipótese Silábico-Alfabética.
o Guilherme (agora com 6:8) continuou apresentando escritas que
caracterizam o nível pré-silábico, pois, na maioria dos casos, escreveu de modo
espelhado, utilizando sempre o mesmo grupo e quantidade de caracteres. Isto é,
são escritas fixas que não variam entre si. A seguir tem-se isso evidenciado:
FIGURA 32 – Lista de nomes e frases produzidas espontaneamente pelo Guilherme.
Ao ser solicitado que escolhesse uma palavra e formasse uma frase com ela,
Guilherme fica pensativo e questiona “Uma frase!? O que é uma frase?”. Assim,
percebeu-se que ele não sabia exatamente o que era uma frase, sendo necessário
dar um exemplo. Após o exemplo dado, o menino elabora as seguintes frases e as
diz para a pesquisadora: “O macaco abriu a torneira e deixou aberta” e, “O macaco
saiu com pressa no trem, por isso ele deixou a torneira aberta”. A escrita das frases
consistiu no último grupo de caracteres que aparecem bem abaixo de sua folha.
Para ler as palavras escritas, fez uma “leitura” global de cada grupo de
caracteres, apenas olhando para eles, sem indicar a sua orientação espacial.
A Jucele (7:6), por sua vez, como havia atingido o nível Alfabético, nesta
atividade, também apresentou escritas alfabéticas com predomínio de letras com o
seu valor sonoro convencional, como se observa na sua produção que segue:
FIGURA 33 – Lista de nomes e frases produzidas espontaneamente pela
Jucele.
Tendo como base o que se constatou a partir dos achados da Turma B,
salienta-se que os sujeitos dessa turma, através das atividades desenvolvidas,
demonstram que avançaram conceitualmente em relação a compreensão do sistema
escrito embora um sujeito em especial não tenha apresentado avanço algum.
Entretanto, esse avanço, na maioria dos casos, não foi tão significativo como
aconteceu na Turma A, uma vez que naquela turma, todas as crianças chegaram ao
nível alfabético ao término da pesquisa, isto é, ao término do ano letivo.
Em vista disso, entende-se que tais evoluções conceituais, as quais passaram
as crianças da Turma B, mesmo que não tão significativas porque não atingiram
níveis de compreensão mais avançados, ocorreram, principalmente porque esses
sujeitos tiveram a oportunidade de refletir sobre a lecto-escrita. No entanto, talvez
pudessem ter sido mais significativas se esses mesmos sujeitos tivessem tido a
oportunidade de interagir não com questões e elementos referentes a língua
escrita propriamente dita, mas com outros sujeitos, especificamente seus pares,
durante a troca de idéias, concepções, nas discussões que, por gerarem conflitos
sociocognitivos levariam a construções compartilhadas, logo, a níveis conceituais
mais complexos.
Concluindo a categorização algumas reflexões se fazem pertinentes, tendo em vista
toda a análise que se fez a partir dos achados observados e discutidos nessa parte
do presente estudo investigativo.
Entende-se que mesmo que as crianças tenham a oportunidade de refletir
acerca da língua escrita, interagindo com esse objeto de conhecimento, fazendo
usos e utilizando-a de modo concreto no desenvolvimento de atividades
desafiadoras, sua compreensão requer, necessariamente, interações sociais
calcadas na relação inter-intrapsicológica, na qual zonas de desenvolvimento
proximais são ativadas, levando, por conseguinte, o sujeito a reorganizações de
esquemas cognitivos que, por sua vez, favorecem a evolução de suas concepções
sobre a lecto-escrita.
Nesse sentido, mesmo que não sejam estimuladas para interagir, as crianças
naturalmente, quando se deparam com situações nas quais precisam de auxílio de
alguém para solucionar o problema posto, buscam estabelecer intercâmbios com
seus pares, porque são esses os que mais próximos se encontram do sujeito em
sala de aula. Isso foi nítido na Turma B, que as crianças, mesmo censuradas pela
alfabetizadora para não trocarem idéias e discutirem suas concepções, muito menos
estabeleceram aulio mútuo, apresentaram interações demarcadas pela cópia e
pelo monólogo que poderiam até ter trazido benefícios mais significativos a
construção da lecto-escrita, por parte das crianças dessa turma, se tivessem sido
praticadas com mais intensidade em contrapartida a repressão constante da
alfabetizadora sobre essa prática.
4.2 Discussão comparativa entre as duas turmas: a importância da interação
grupal na evolução conceitual da lecto-escrita
A partir da categorização dos diferentes tipos de interação grupal entre pares
observadas na Turma A e na Turma B, bem como da análise dos achados, oriundos
dos instrumentos de pesquisa, faz-se agora uma discussão comparativa entre as
duas turmas, na qual problematiza-se a repercussão da interação grupal entre pares
no processo de apropriação da lecto-escrita.
Como se pôde evidenciar, as crianças da Turma A em comparação com as
crianças da Turma B apresentaram avanços conceituais mais significativos.
Todos os quatro sujeitos da Turma A, ao término da pesquisa, isto é, ao
término do ano letivo, encontravam-se em níveis conceituais muito mais elevados
dos níveis aos quais estavam no início da investigação. Se, no começo das
atividades investigativas com esses sujeitos tinha-se três crianças que estavam no
nível Pré-Silábico e uma que estava no nível Silábico de compreensão da lecto-
escrita, ao término da mesma se tinha os quatro sujeitos no nível Alfabético,
demonstrando, portanto, que todas as crianças dessa turma haviam
compreendido o modo de funcionamento do sistema de escrita alfabética. Com isso,
se percebeu que os avanços de concepções foram significativos, que as crianças
passaram de um nível menos elaborado para um muito mais avançado.
Em contrapartida, os sujeito da Turma B, que também no início da pesquisa
encontravam-se no nível Pré-Silábico (três sujeitos) e no nível Silábico (um sujeito),
ao término da investigação – e, do ano letivo -, não atingiram o nível alfabético, com
exceção da Jucele. Três desses sujeitos apresentaram evoluções de concepções,
entretanto, foram evoluções que não levaram as crianças a compreensões mais
avançadas acerca do modo de funcionamento do sistema de escrita alfabética.
Se o objetivo máximo da primeira série do Ensino Fundamental consiste em
alfabetizar as crianças, ao final do ano letivo o ideal é que se tenham sujeitos
leitores e escritores do modo convencional, sujeitos que compreendem os usos e
funções da língua escrita porque vivenciaram situações nas quais esse objeto
cultural foi trabalhado em sala de aula como de fato um objeto social.
Por conta disso, por mais que se saiba que cada criança tem seu ritmo
próprio de aprendizagem e que, por isso, o tempo de aprendizagem de um objeto de
conhecimento é uma construção individual porque pessoal diferente para cada
sujeito, destaca-se que o que se observou foi que as crianças da Turma B, pelo fato
de não terem podido interagir com seus pares através da troca cooperativa, por meio
da reciprocidade e do conflito de concepções, ficaram por mais tempo estabilizados
em suas hipóteses.
Nesse sentido, entende-se que o avanço significativo, no qual o sujeito evolui
em suas concepções de modo que chegue a níveis mais complexos sobre a lecto-
escrita, não ficando por muito tempo na mesma hipótese de compreensão, se
quando esse pode vivenciar situações de reflexões sobre a língua escrita – assim
como tanto os sujeitos da Turma A, como os sujeitos da Turma B vivenciaram
e estabelecer interações sociais que o faça entrar em conflito com suas
concepções, reorganizando, conseentemente, seus esquemas de assimilação e
internalizando um conhecimento que é social e cultural.
Em outras palavras, por mais que a construção da lecto-escrita seja um
processo individual, o processo de alfabetização é mais significativo quando se torna
um aprendizado social, no qual a interação grupal entre pares tem um papel
relevante na organização da prática pedagógica. Isso é nítido porque, pelo fato dos
sujeitos da Turma A terem estabelecido, com a aprovação e estímulo da
alfabetizadora da turma, durante todo o ano letivo, interações por reciprocidade e
conflitantes, essas crianças concluíram a primeira série com êxito, pois alcançaram
níveis de evolução sobre a língua escrita mais elevados. Porém, por mais que
tentassem estabelecer interações entre pares baseadas na cópia reflexiva e no
monólogo, que muitos benefícios poderiam ter trazido à apropriação da lecto-escrita,
os sujeitos da Turma B por terem sido, permanentemente, vigiados e reprimidos, não
tiveram a oportunidade de experimentar cotidianamente uma alfabetização baseada
num processo social, uma vez que ficou apenas no nível individual essa construção.
Portanto, justifica-se que o não avanço significativo das concepções dos
sujeitos da Turma B se deu pelo fato de não poderem, ao refletir acerca dos
aspectos que envolvem a construção da lecto-escrita, interagir com seus pares
trocando hipóteses, pontos de vista, informações.
Embora a Jucele tenha demonstrado ter evoluído do nível Silábico para o
Alfabético, mesmo não vivenciando situações de interação social na sala de aula,
sendo a única criança desse grupo a ter alcançado esse nível conceitual, justifica-se
esse avanço significativo como uma conseqüência das experiências que a menina
teve em contextos não-escolres, pois, de acordo com sua mãe, através do diálogo
que estabeleceu com a pesquisadora no momento em que respondia ao
questionário, essa criança gostava muito, em casa, de estar em contato com
diferentes portadores de texto, além do mais, com suas amigas da mesma idade e
que freqüentavam uma primeira série de outra escola do mesmo bairro, brincava
muito de escolinha e, talvez, nesses momentos essas meninas estabelecessem
práticas interativas que fomentaram na Jucele, em especial, (re)elaborações internas
que, juntamente com a metodologia de alfabetização desenvolvida por sua
professora, a fizeram alcançar o nível alfabético.
Além de todo o avanço conceitual que a interação grupal entre pares fomenta,
ressalta-se que essa forma de organização pedagógica também é benéfica quando
se pensa no tipo de leitor e escritor que se está formando. Isso porque, quando se
compara, por exemplo, a postura das crianças frente a escrita espontânea de uma
história, percebe-se que aqueles sujeitos que estão acostumados a trabalhar em
sala de aula de modo cooperativo com seus pares, quando solicitados que
produzam algum material ou que desenvolvam alguma atividade -, como no caso
da atividade “Produção textual”, o fazem procurando, naturalmente, interagir com
seu colega, pois compreendem que a troca de informações e concepções sobre a
lecto-escrita é relevante para a produção de um texto significativamente mais rico e
que se lido por outros leitores. Entretanto, aqueles sujeitos que não vivenciam
situações de trabalho cooperativo, mesmo estimulados para que realizem uma
produção conjunta, se negam, demonstrando uma postura de escritor que não
percebe a interação entre pares como uma alternativa para a elaboração de um
material mais complexo. Logo, percebeu-se que a única preocupação dos sujeitos
da Turma B era, tanto na atividade “Produção textual” como nas demais solicitadas
pela alfabetizadora em sala de aula, produzir algo para ser lido pela professora,
portanto, elaborar individualmente um escrito que atendesse as exigências dela.
Sendo assim, observou-se que, de modo geral, as produções textuais das
crianças que compartilham concepções são mais ricas em detalhes, idéias e
apresentam uma estrutura mais elaborada história com início, meio e fim -, uma
vez que a troca de pontos de vista sobre os aspectos da história a serem escritas,
bem como as discussões acerca da forma de composição das palavras e demais
trocas com informações gerais sobre a escrita, fomentam produções textuais mais
elaboradas, complexas e com linguagem compatível com a gramática formal.
Em vista disso tudo, reforça-se a idéia de que sendo a apropriação da lecto-
escrita um aprendizado que envolve um processo individual e social, sua prática
deve estar baseada em propostas pedagógicas que entendem a interação grupal
entre pares como um meio de se alcançar êxitos, de formar leitores e escritores que
através de um aprendizado compartilhado (onde trocas de informações,
concepções e, por isso, conflitos sociocognitivos), compreendem o que a escrita
representa, como ela é representada, bem como seus usos e funções, tornando-os,
por conseqüência, sujeitos competentes no manejo e utilização da língua escrita.
Portanto, quando se entende que o processo de alfabetização formal inicial
deva ser planejado de modo que se permita e estimule não a interação das
crianças com a professora, mas também e, principalmente, dessas com seus
companheiros, como se constatou nesta investigação, ter-se-á ambientes mais
propícios, nos quais todas as crianças terão a possibilidade de aprender e, portanto,
ter sucesso escolar.
Nesse sentido, quando se pensa em reprovação escolar
2
e na evasão que
surge como resultado desse insucesso escolar em classes de alfabetização, a
interação grupal entre pares vem de encontro com essa questão, uma vez que
consiste, como destacado, em um tipo de organização do trabalho pedagógico
que fomenta avanços conceituais significativos em relação a compreensão de um
sistema de representação social.
2
Vale salientar que, segundo a alfabetizadora da Turma B e a orientadora pedagógica dos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental da escola, em uma conversa que tiveram com a participação da
pesquisadora, tanto o Guilherme, como o Anderson e o Willian não irão repetir a primeira série
novamente o ano que vem pelo fato de que,de acordo com seu Plano Político Pedagógico, a escola
não adota a repetência nas séries dos Anos Iniciais do EF. Entretanto, segundo a professora Laura a
reprovação dessas crianças seria necessária, visto que entende que: “Esses três não têm condições
de ir para uma segunda série. Eu não passaria eles de ano. Só imagino como será na segunda série!
DIMENSÕES CONCLUSIVAS
O interesse no aprofundamento de conhecimentos acerca do processo de
alfabetização e, principalmente, a necessidade de compreensão da repercussão da
interação grupal entre pares na apropriação da lecto-escrita foram os fatores
motivadores deste estudo, cuja finalidade máxima foi delinear questões pertinentes
que possam trazer algumas contribuições para a prática pedagógica desenvolvida
nas escolas brasileiras.
Isso porque, sabe-se que os estudos de Ferreiro e Teberosky (1985) ainda
não são pressupostos teóricos os quais a maioria das alfabetizadoras brasileiras
tenham se apropriado, pois mesmo conhecendo a teoria, esse conhecimento é
superficial, não aparecendo de modo consistente nas práticas pedagógicas nos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Os estudos de Santos confirmam essa idéia:
Os estudos que as professoras vêm realizando sobre a alfabetização, que
têm como base os pressupostos construtivistas, parece que ainda não
foram objetivados por elas, são explicitados pelas docentes de maneira
bastante genérica, simplificada ou mesmo equivocada. Eles servem de
âncora para a realização das suas práticas, porém, não sustentam suas
ações, em virtude da falta de aprofundamentos e de reflexões conjuntas
(2007, p. 112).
Portanto, com base nessa afirmativa, pretende-se contribuir para o
aprofundamento teórico de docentes envolvidas no trabalho educativo de educandos
em fase de alfabetização inicial, possibilitando, talvez, o surgimento de práticas
pedagógicas, nas escolas brasileiras, que fomentem a apropriação da lecto-escrita
de maneira significativa através de interações grupais e sociais.
Sendo assim, contemplando os objetivos definidos e respondendo a questão
central desta investigação, buscar-se-á, nas dimensões conclusivas, ressaltar os
pontos relevantes dos achados delineando, posteriormente, apontar-se-á algumas
idéias que possam gerar mobilização por parte da escola e de seu corpo docente no
sentido de refletirem e produzirem estratégias de trabalho pedagógico capazes de
contemplar os elementos necessários à construção social e significativa da lecto-
escrita.
Comparação dos achados por turma
Em relação aos sujeitos de pesquisa da Turma A, tendo em vista a análise do
material produzido por eles como resposta aos instrumentos de pesquisa utilizados
na investigação, destaca-se que, por vivenciarem cotidianamente em sala de aula e,
por serem estimuladas para isso, situações de trabalho cooperativo entre pares no
desenvolvimento de atividades reflexivas sobre leitura e escrita, esses sujeitos
apresentaram, ao longo do ano letivo e, portanto, ao longo da realização da
pesquisa, avanços conceituais significativos de compreensão do sistema alfabético
de escrita. Tais avanços são justificados pelo fato do trabalho compartilhado
desenvolvido por esses sujeitos, com seus colegas de grupo, durante o
desenvolvimento de atividades desafiantes referentes a lecto-escrita, gerarem
conflitos sociocognitivos que fomentaram ativações de zonas de desenvolvimento
proximal e levaram os sujeitos a reorganizar seus esquemas mentais, possibilitando
avanços conceituais mais significativos além da construção de conhecimentos mais
elaborados acerca dos aspectos que envolvem a compreensão do sistema de
representação que consiste a língua escrita.
Se no início da pesquisa esses sujeitos apresentavam concepções bastante
primárias em relação a lecto-escrita que foi possível observar no desempenho
das crianças que três delas se encontravam no nível Pré-Silábico enquanto outra
estava no Silábico -, ao rmino da interação da pesquisadora com essas crianças,
evidencia-se que todos atingem o último nível de compreensão do sistema de
escrita, alcançando, em vista disso, à hipótese Alfabética.
Os avanços que as crianças da Turma A apresentaram, foram bastante
nítidos já na segunda interação que a pesquisadora estabeleceu com elas. Isto é, no
desenvolvimento da segunda testagem “Quatro palavras e uma frase”, a partir de
suas produções de escritas espontâneas, três dessas crianças avançaram para
escritas Silábico-Alfabéticas e uma para escritas Alfabéticas, comprovando, através
de seus registros gráficos que esse sujeito havia compreendido como opera o
sistema de representação que consiste a lecto-escrita.
Entretanto, essa mesma evolução conceitual observada no segundo
momento de interação da pesquisadora com as crianças da Turma A, não foi
evidenciada nos sujeitos da Turma B. Isto porque, se no começo do ano letivo, tinha-
se três sujeitos que se encontravam na hipótese Pré-Silábica, na segunda interação
da pesquisadora com os sujeitos dessa Turma B, no início do segundo semestre
letivo, novamente tinha-se esses três sujeitos ainda estagnados no nível de
compreensão da lecto-escrita Pré-Silábico.
Avanços conceituais apenas foram observados, na maioria dos sujeitos da
Turma B, ao final do ano letivo, uma vez que se evidenciou que uma criança
avançou de escritas Pré-Silábicas para escritas Silábicas, outra de escritas Pré-
Silábicas para escritas Silábico-Alfabéticas e mais outra passou de escritas Silábicas
para escritas Alfabéticas, sendo a única criança deste grupo a apresentar avanço
significativo, pois concluiu a primeira série dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
contemplando os objetivos dessa série, ou seja, compreender o modo de
funcionamento e de construção da lecto-escrita, estando, portanto, alfabetizada.
No entanto, um sujeito da Turma B termina o ano letivo sem apresentar
evolução conceitual nenhuma, isto porque, por meio de suas produções gráficas,
demonstra que ainda possuía a hipótese Pré-Silábica. Suas escritas, ainda no mês
de dezembro, continuavam apresentando caracteres fixos que não variavam entre si,
sugerindo que essa criança, em especial, compreendia que escrever consistia em
algo diferente de desenhar e, por isso, reproduziu caracteres não-icônicos, no caso,
de modo espelhado.
Portanto, compreende-se que o fato dos sujeitos da Turma B, em sua maioria,
não terem, ao final do ano letivo, atingido o nível Alfabético - diferentemente dos
sujeitos da Turma A, que ao final do ano escolar estavam todos alfabetizados -, se
deu por conseqüência dessas crianças não poderem vivenciar situações de trabalho
cooperativo entre pares em sala de aula. Com base nisso e, de acordo com as
observações realizadas nessa classe de alfabetização, pode-se dizer que a
organização do trabalho pedagógico nessa turma se deu de modo que o
desenvolvimento das atividades didáticas referentes a leitura e a escrita foram, na
maioria das vezes, realizadas através de reflexões individuais por parte das
crianças. Apesar de estarem rotineiramente organizadas, em sala de aula, em
grupos, as crianças não eram autorizadas e estimuladas pela professora a trocarem
concepções entre si, cooperarem no desenvolvimento das atividades ou mesmo
ajudarem umas às outras.
Nesse sentido, por estarem sentadas próximas, mas apesar disso, não
poderem compartilhar suas idéias e hipóteses acerca de questões que envolviam a
língua escrita, os sujeitos da Turma B acabaram apresentando tipos de interação
entre pares diferentes dos apresentados pelos sujeitos da Turma A, sendo que
foram interações que aparentemente não trouxeram, como se pôde observar nesta
pesquisa, benefícios a evolução conceitual desses sujeitos em processo de
alfabetização inicial.
Sendo assim, reforça-se a questão de que a construção da lecto-escrita
consiste em um processo reflexivo e individual que tem como base a interação
social. Logo, as interações grupais entre pares, em contexto de sala de aula, com
predomínio de trabalho cooperativo fomentam avanços conceituais mais
significativos nos sujeitos do que as interações grupais nas quais o predomínio
do trabalho individual e de imitação.
Em vista disso, defende-se que a interação grupal entre pares, como uma
forma de organização do trabalho pedagógico, consiste em um meio de se alcançar
êxitos em relação ao processo de alfabetização inicial de educandos, porém, não é
qualquer tipo de interação que favorece os avanços conceituais das crianças nem
muito menos basta que as crianças interajam entre si para que a construção da
lecto-escrita se . É necessário que a docente alfabetizadora tenha uma prática
pedagógica baseada em lidos preceitos teóricos que expliquem como se a
construção do conhecimento, e que, principalmente, seu trabalho pedagógico seja
planejado e organizado de modo que seus educandos tenham a possibilidade de,
fazendo uso real da língua escrita, com seus usos e funções, reflita de modo
compartilhado, seja com seus colegas, como com outros adultos, sobre esse objeto
social e cultural.
Apontamentos em aberto
Por muito tempo, a alfabetização no Brasil se deu de forma reducionista, isto
é, os professores seguiam “receitas” prontas, adotando cartilhas e metodologias de
ensino sem uma crítica mais cuidadosa, buscando corresponder às proposições
pedagógicas, escolhidas pelas escolas como fórmula de solucionar muitos dos
problemas do ensino. Porém, a solução para tais dificuldades não tem sido atingida
como se desejava. Um dos problemas permanentes é o da repetência, que ocorre,
especialmente, com alunos da primeira série do Ensino Fundamental, o que, muitas
vezes, é a causa da evasão escolar.
Hoje, após várias tentativas para minimizar o fracasso escolar, professores
estão se conscientizando da necessidade de fazer algo para transformar as
dificuldades encontradas na construção do processo de alfabetização das crianças
brasileiras. Fala-se, então, da abordagem construtivista e nos estudos de Ferreiro e
Teberosky (1985) como o caminho ideal para a alfabetização significativa das
crianças.
De acordo com a abordagem construtivista e baseando-se nas concepções
de Piaget (1973; 1977a; 1977b; 1983; 1987; 1991), Vygotski (1984; 1988; 1993;
1998), Ferreiro (1990; 1993; 2001; 2002), Ferreiro e Teberosky (1985) e Teberosky
(1987; 1993), o conhecimento acerca da língua escrita é apropriado pela criança
através da troca, na interação entre os indivíduos e esse objeto de conhecimento.
Dessa forma, o conhecimento é concebido não como revelação, nem como pura
transmissão de uma pessoa mais experiente para outra menos experiente, mas
como uma criação, uma reconstrução original do sujeito a partir das informações que
retira do meio.
Assim sendo, pode-se dizer que o ato de conhecer parte da ação do sujeito
sobre o objeto de conhecimento e só se efetua com a estruturação que ele faz dessa
experiência. Isso significa que o conhecimento é apropriado não pelo simples
contato da criança com o objeto cognoscente, mas pela atividade do sujeito sobre
esse objeto, a partir do que ele aprende e organiza da experiência. O
desenvolvimento do indivíduo não consiste de uma mera cópia de um modelo ou de
um exemplo exterior - como sugeriam as cartilhas e os tradicionais métodos de
alfabetização -, mas de uma reconstrução ativa por parte do sujeito, que todo o
conhecimento é uma construção contínua que comporta um aspecto de nova
elaboração (Ferreiro, 1990).
Desta forma, as conclusões resultantes das investigações realizadas por
Ferreiro e Teberosky (1985) sobre o conhecimento da evolução psicogenética da
construção conceitual da língua escrita se apresentam como uma revolução
conceitual em relação às concepções tradicionais sobre alfabetização.
A partir desses estudos, passa-se a compreender a língua escrita como um
sistema de representação e um objeto social e cultural, resultado do esforço coletivo
da humanidade e não mais como código de transmissão de unidades sonoras, nem
como objeto puramente escolar.
A aprendizagem da lecto-escrita passa a ser vista, assim, como conceitual e
não como aquisição de uma técnica. Ou seja, como um processo interno e individual
de compreensão do modo de construção desse sistema, sem separação entre leitura
e escrita e mediante a interação do sujeito com o objeto de conhecimento
(FERREIRO, 1990; TEBEROSKY, 1993; TEBEROSKY; RIBERA, 2004). A criança
que aprende é compreendida como um sujeito cognoscente, ativo e com
competência lingüística, que constrói suas hipóteses na interação com o objeto de
conhecimento.
Dessa forma, segundo Ferreiro (2001), faz-se necessário abandonar a visão
“adultocêntrica” do processo de construção da lecto-escrita, bem como a falsa idéia
de que é o método de ensino que alfabetiza e cria conhecimento e que o professor é
o único indivíduo capaz de fornecer informações sobre a leitura e a escrita.
Além do mais, sabe-se, que para que haja a elaboração de conhecimentos de
forma mais significativa, a interação social é fundamental. Dentre essas interações, a
interação entre pares, em contextos de classes de alfabetização inicial, como visto
neste estudo dissertativo, tem papel relevante e, por isso, merece destaque.
Vários pesquisadores, como Perret-Clermont (1996), vêm mostrar que,
quando os alunos interagem em grupos, buscando compreender uma situação em
comum, ocorre uma modificação substancial em suas estruturas cognitivas,
conseqüentemente, um enriquecimento dessas estruturas se faz sempre presente.
Portanto, para Perret-Clermont (1996, p. 45), “a ação comum de vários indivíduos,
exigindo a resolução de um conflito entre as suas diferentes contrações, vem a
resultar na construção de novas coordenações no indivíduo“.
Nessa mesma direção, os estudos vygotskianos e psicogenéticos indicam
que o desenvolvimento da escrita ocorre dentro de um contexto sociocultural. Logo,
a escrita precisa ser compreendida como o resultado de um esforço coletivo da
humanidade, pois é usada e possui uma função social. Assim, sabendo que o modo
como a criança aprende a escrever segue o caminho da apropriação individual de
um fenômeno social, não é “adequado” afirmar que, por ser individual, a
aprendizagem da lecto-escrita precisa ser uma atividade solitária, visto que, como
afirma Teberosky (1987, p. 125), “a situação grupal que supõe a aula é uma
situação privilegiada, cujas vantagens devemos saber aproveitar”.
Com base nas idéias aqui discutidas e a partir dos achados oriundos da
pesquisa desenvolvida, pode-se afirmar que a construção da lecto-escrita ocorre
através da interação entre pares dos tipos Cooperativa e Conflitante, o que ficou
evidente quando observamos crianças em suas atividades de rotina, em sala de
aula, interagindo, ou melhor, criando intercâmbios espontaneamente, discutindo,
trocando idéias sobre suas concepções acerca da língua escrita, antes de saber ler
e escrever no sentido convencional do termo. As crianças podem compartilhar e
confrontar com outras crianças suas concepções acerca do sistema através da
interação entre o objeto e entre o sujeito (Teberosky, 1987).
Nesse sentido, a interação entre pares é uma situação privilegiada para os
educandos, cujos professores entendem que, para lhes propiciarem uma
alfabetização significativa, necessitam organizar suas aulas e, até mesmo, modificar
o currículo escolar, de forma que as crianças possam colaborar, interagir e colocar
questões tanto para eles como para seus colegas.
Portanto, é possível afirmar que as crianças aprendem muito mais umas com
as outras, do que interagindo com o educador, porque, em conjunto, conseguem
planejar, organizar e reorganizar, ajudando-se mutuamente através de discussões
sobre o que a escrita representa e como ela é representada. Isso tem relevância,
quando se percebe que as crianças são capazes de ajudarem-se, dando “sentido”
ao que estão descobrindo.
Assim sendo, no ambiente da sala de aula, é preciso fomentar a
aprendizagem cooperativa, deixando os alunos livres para interagirem sempre que
acharem necessário, gerando, desse modo, um ambiente no qual as crianças
realizam descobertas coletivamente, através do trabalho conjunto, compartilhado,
trocando pontos de vista e negociando soluções em caso de discordância. Piaget
(1983, p. 164) corrobora com essas idéias dizendo que: ”sem intercâmbio de
pensamento e co-operação com outros, o indivíduo nunca agruparia suas operações
em um todo coerente”.
Logo, a discussão e o pensamento crítico que a interação grupal entre pares
possibilita estimulam a construção de conhecimentos, uma vez que as pessoas não
podem se comunicar umas com as outras se seus pensamentos são incoerentes e
inconsistentes. A interação social, então, é percebida como uma situação
privilegiada do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo, além de ser uma
excelente situação que permite e facilita a socialização dos conhecimentos e das
atividades, sendo, como afirma Teberosky (1987), um bom contexto de construção
da escrita.
Quando as crianças interagem, buscando construir um conhecimento, trocam
pontos de vista divergentes, criando conflitos tanto no interior do sujeito, como entre
os sujeitos de um determinado grupo, ficando evidente os avanços nas construções
pessoais e grupais, isto é, os conflitos são um dos componentes-chaves do
processo de equilibração dos sujeitos, através dos quais o construídos todos os
conhecimentos.
A situação de interação entre pares, além do mais, favorece a socialização de
conhecimentos sobre a linguagem escrita, pois, como mostram os estudos de
Ferreiro e Teberosky (1985, p. 127), a construção da escrita “pode ser o resultado de
uma tarefa coletiva, determinada, por um lado, pelos níveis de conceptualizações
das crianças e, por outro, pelas informações específicas e/ou entregues em
diferentes situações de intercâmbio”. Logo, as crianças compartilham e utilizam as
hipóteses construídas por elas mesmas (suas próprias conceitualizações) que, no
grupo, geram conflitos sociocognitivos que, como sugere Perret-Clermont (1996),
são discordâncias intelectuais entre uma ou mais pessoas, sendo que a lógica
infantil progride, no grupo, se houver qualquer experiência de conflito
sociocognitivo.
A interação social, então, é percebida como uma situação privilegiada do
ponto de vista do desenvolvimento cognitivo justamente pelo fato de fomentar
desequilíbrios na estrutura mental do sujeito que, buscando um ponto de equilíbrio,
avança em suas hipóteses, criando esquemas mais elaborados, ou seja, só há uma
nova assimilação por parte do sujeito quando ocorre uma reestruturação cognitiva,
além de ser uma excelente situação que permite e facilita a socialização dos
conhecimentos e das tarefas referentes à lecto-escrita.
De acordo com Piaget (1977b; 1983; 1987), para o desenvolvimento da lógica
e até mesmo da moral das crianças, a troca de pontos de vistas com outros é
indispensável. Todas as crianças, quando pequenas, começam suas interações de
forma egocêntrica e pré-lógica. Ao expressarem seus pontos de vista no grupo,
uma descentração de suas estruturas mentais de modo a poderem coordenar suas
prórprias perspectivas para com os outros. Assim, na troca de opiniões/hipóteses,
as crianças deixam de pensar a partir de seu ponto de vista, visto que são obrigadas
a comparar as suas idéias com as hipóteses dos outros.
Além do mais, a interação social desencadeia a necessidade de se fazer uso
da linguagem, sistema simbólico fundamental na organização do pensamento infantil
e, conseqüentemente, primordial na questão do desenvolvimento das Funções
Psicológicas Superiores, como aponta a perspectiva histórico-social.
Por isso, o conflito sociocognitivo, explicado por Perret-Clermont (1996),
possibilita às crianças que discutam sobre suas idéias com vistas a chegar a um
acordo. A questão de discordar e concordar que o conflito no grupo propicia é um
elemento indispensável para o desenvolvimento intelectual da criança. Na busca de
fazer-se entender, o sujeito expõe seu ponto de vista, buscando argumentos que o
façam ser compreendido. Esse diálogo, portanto, auxilia na formação de conceitos e
na resolução de problemas, que, no intercâmbio de opiniões, hipóteses e idéias
ocorre uma repetição verbal do material a aprender que ajuda na assimilação por
parte da criança.
Contudo, é necessário ressaltar que a situação entre pares, como vimos,
favorece a socialização de conhecimentos sobre a linguagem escrita, sendo um
meio bastante interessante de desenvolver a alfabetização significativa nas crianças.
Embora haja diferenças de níveis de conhecimento e, apesar das desigualdades, em
situação de trocas entre pares, que permitam o compartilhamento, o trabalho
conjunto, todos podem perguntar e todos podem informar. Sendo assim, os
conhecimentos que as crianças apropriam na interação grupal, não o transmitidos
de uma para outra, mas construídos entre elas, já que não existe alguém que
possua todo o saber para ensinar-lhes, todos estão em constante aprendizado uns
com os outros (TEBEROSKY, 1987).
Os estudos desenvolvidos através desta investigação indicam que os
conhecimentos infantis acerca da lecto-escrita respondem a uma dupla origem,
determinada pelas possibilidades de assimilação do sujeito e pelas informações
específicas oferecidas pelo meio. Sendo assim, de acordo com Perret-Clermont
(1996), num contexto de socialização, portanto, ambos os fatores são favorecidos:
no primeiro caso, pela possibilidade de confrontar com os outros as próprias
hipóteses/concepções e, em segundo, porque as mesmas crianças podem
desempenhar o papel de informantes sobre os aspectos convencionais do sistema
da lecto-escrita. Essa interação, por conseguinte, constitui-se como uma fonte de
conflitos sociocognitivos, nos quais as crianças utilizam suas próprias hipóteses para
assimilar a informação do meio (recebida de seus pares) e as em à prova ao
confrontá-las com as hipóteses de outros, nem sempre idênticas às suas.
Desse modo, ao término deste estudo investigativo, evidencia-se que o
trabalho em grupo, em sala de aula, como forma de promover o aprendizado da
leitura e da escrita por parte do educando, além de viável, é bastante construtivo,
pois, não como se negar o prazer da interação existente entre os humanos, uma
vez que, trocando opiniões e concepções sobre inúmeros aspectos e questões
acerca de diferentes objetos de conhecimento, se está promovendo o processo
interacional que leva a construção de concepções mais avançadas.
Nessa perspectiva, segundo Perret-Clermont (1996) e Teberosky (1987), na
construção da escrita e da leitura o pode ser diferente, visto que, quando se
trocam hipóteses/idéias, elabora-se um processo mental, ainda que bastante
particular ou numa relação entre pares (pessoas engajadas em descobrir e
apropriar-se de um conhecimento relevante para todos), a ajuda e o engajamento
mútuo, concebidos de uma motivação inicial, de uma “curiosidade epistemológica”
(FREIRE, 1980), favorecem o entendimento, gerando uma compreensão que, muitas
vezes, se torna possível porque se vivencia conflitos e tem-se ajuda de alguém
um pouco mais experiente.
Em vista disso tudo e, considerando-se o estudo desenvolvido, compreende-
se que a repercussão das ações das docentes alfabetizadoras das turmas A e B,
como promotoras ou não de situações que oportunizassem a interação entre os
educandos, demarcam três tipos de interação grupal entre pares, apontadas em um
total de três grandes categorias: (1ª categoria) com predomínio de Trabalho
Cooperativo (subdividida em: por Reciprocidade; e, Conflitante); (2ª categoria) com
predomínio de Trabalho Individual e, (3ª categoria) com predomínio de Imitação.
Cada uma dessas categorias deixam emergir elementos relevantes para se
pensar situações de ensino capazes de proporcionar um ambiente desafiador aos
educando e capaz de fomentar leitores e escritores que de fato fazem usos e
compreendem as funções e relevância da língua escrita, leitores e escritores que em
sua formação vivenciaram situações de compartilhamento de idéias e concepções e
que, por isso, se apropriaram efetivamente da lecto-escrita.
E, por fim, entende-se que o processo de produção conjunta entre pares,
baseado no compartilhamento de idéias e no confronto de concepções, é
imprescindível na organização do trabalho pedagógico voltado para a construção da
lecto-escrita iniciais, uma vez que:
Coloca os sujeitos diante do desafio de refletir a partir de diferentes
pontos de vista;
promove a interação entre sujeitos que têm conhecimentos e hipóteses
diferentes acerca da língua escrita durante a produção de escritas,
sejam espontâneas ou dirigidas;
gera conflitos sociocognitivos, a partir do confronto de pontos de vistas
divergentes;
fomenta o aprendizado conjunto, a evolução conceitual, em um
ambiente no qual todos são respeitados e valorizados.
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Buenos Aires: Editorial Almagesto, 1998.
________. Pensamento e Linguagem. Tradução: Jéferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 1993
WADSWORTH, B. J. Piaget para o professor da Pré-Escola e de Grau.
Tradução: Marilia Zanella Sanvicente. São Paulo: Pioneira, 1987.
WEISZ, T. Como se aprende a ler e a escrever ou prontidão um problema mal
colocado. In: WEISZ, T. (Org.). Atualização e Aperfeiçoamento de Professores e
Especialistas em Educação por Multimeios. São Paulo: Projeto Ipê, 1985.
Apêndices
APÊNDICE A – Carta de apresentação
UFSM
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Vimos por meio deste apresentar a aluna Tatiane Peixoto Isaia, matriculada
no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de Santa
Maria, com o intuito de desenvolver uma pesquisa nesta instituição de ensino, cujo
objetivo da mesma será compreender a relevância da interação grupal, entre
crianças em classes de alfabetização inicial, no que se refere a apropriação da lecto-
escrita.
Atenciosamente,
_________________________________
Profª Drª Doris Pires Vargas Bolzan
Orientadora
APÊNDICE D – Roteiro da entrevista
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Pesquisa de Mestrado: A interação grupal e sua repercussão
no processo de construção da lecto-escrita
Roteiro para a Entrevista com as Professoras Alfabetizadoras
1. Dados Gerais
Nome
Idade
Formação inicial e ano
Pós-graduação e ano
Tempo de atuação na docência
Tempo de atuação como alfabetizadora
2. Tópicos guia
Conceito de alfabetização.
Concepções sobre o ensinar e o aprender:
O que é ensinar?
O que é aprender? Como se aprende?
Como deve ser o ensino da língua escrita?
Como a criança aprende a ler e a escrever?
A abordagem metodológica utilizada para desenvolver a proposta
pedagógica:
Quais estratégias pedagógicas utilizas para alfabetizar?
A base teórica que sustenta a tua prática alfabetizadora.
APÊNDICE E - Questionários
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Pesquisa de Mestrado: A interação grupal e sua repercussão
no processo de construção da lecto-escrita
Questionário
3
1. Nome da criança: Anderson
2. Data de nascimento: 14/04/2000
3. Nome dos pais: Maria e Anderson
A. Escolarização: Ensino Fundamental incompleto (ambos)
B. Profissão: Empregada doméstica e serviços-gerais em casa de família
C. Empregado/desempregado: Ambos empregados
D. Nível sócio-econômico: médio-baixo
4. Histórico escolar:
A. A criança freqüentou alguma creche? Sim
B. Fez a Educação Infantil/Pré-Escola? SIM: Com que idade? Ano passado
Nesta mesma escola? Sim
C. É a primeira vez que faz a 1ª série do Ensino Fundamental? Sim
5. Além dos Temas Escolares, a criança desenvolve outras atividades em casa que
envolvem a leitura e a escrita?
NÃO SIM: Com que freqüência? Sempre
Que tipo de atividades seriam essas? “Eu sempre mando ele ler
livrinhos de história para mim. Esses que ele traz do colégio”.
3
Desenvolvido com os pais/responsáveis das crianças-sujeitos da pesquisa.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Pesquisa de Mestrado: A interação grupal e sua repercussão
no processo de construção da lecto-escrita
Questionário
4
1. Nome da criança: Bernardo
2. Data de nascimento: 23/06/2000
3. Nome dos pais: Adriana e Adrion
A. Escolarização:
Mãe: Ensino Médio incompleto; Pai: Ensino Fundamental incompleto
B. Profissão: Mãe: Auxiliar Enfermagem; Pai: Não trabalha
C. Empregado/desempregado: Ambos desempregados
D. Nível sócio-econômico: baixo
4. Histórico escolar:
A. A criança freqüentou alguma creche? Sim Com três anos.
B. Fez a Educação Infantil/Pré-Escola? SIM: Com que idade? Cinco/Seis anos
Nesta mesma escola? Sim
D. É a primeira vez que faz a 1ª série do Ensino Fundamental? Sim
5. Além dos Temas Escolares, a criança desenvolve outras atividades em casa que
envolvem a leitura e a escrita?
NÃO SIM: Com que freqüência? Sempre
Que tipo de atividades seriam essas? “Ele está sempre pedindo para
fazer continhas. Gosta muito de continhas.”
4
Desenvolvido com os pais/responsáveis das crianças-sujeitos da pesquisa.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Pesquisa de Mestrado: A interação grupal e sua repercussão
no processo de construção da lecto-escrita
Questionário
5
1. Nome da criança: Cleison
2. Data de nascimento: 01/10/1999
3. Nome dos pais: Jussara e Miguel Anjo
A. Escolarização: Ensino Fundamental completo (ambos)
B. Profissão: Empregada doméstica e chapeador
C. Empregado/desempregado: Ambos empregados
D. Nível sócio-econômico: médio-baixo
4. Histórico escolar:
A. A criança freqüentou alguma creche? o.
B. Fez a Educação Infantil/Pré-Escola? SIM: Com que idade? Sete anos
Nesta mesma escola? Sim
C. É a primeira vez que faz a 1ª série do Ensino Fundamental? Sim
5. Além dos Temas Escolares, a criança desenvolve outras atividades em casa que
envolvem a leitura e a escrita?
NÃO SIM: Com que freqüência? Finais de semana.
Que tipo de atividades seriam essas? Leitura de livros infantis, ditados,
frases, continhas, corrigir tudo o que está errado no caderno de aula.
5
Desenvolvido com os pais/responsáveis das crianças-sujeitos da pesquisa.
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Pesquisa de Mestrado: A interação grupal e sua repercussão
no processo de construção da lecto-escrita
Questionário
6
1. Nome da criança: Edison
2. Data de nascimento: 24/03/2000
3. Nome dos pais: Elisandra e Edison
A. Escolarização: Ensino Fundamental completo (ambos)
B. Profissão: Auxiliar de limpeza e policial
C. Empregado/desempregado: Ambos empregados
D. Nível sócio-econômico: médio-baixo
4. Histórico escolar:
A. A criança freqüentou alguma creche? Sim, dos dois aos quatro anos
B. Fez a Educação Infantil/Pré-Escola? SIM: Com que idade? Seis anos
Nesta mesma escola? Sim
C. É a primeira vez que faz a 1ª série do Ensino Fundamental? Sim
5. Além dos Temas Escolares, a criança desenvolve outras atividades em casa que
envolvem a leitura e a escrita?
NÃO SIM: Com que freqüência? Às vezes.
Que tipo de atividades seriam essas? Ler a história do livro infantil de
leva da escola para casa.
6
Desenvolvido com os pais/responsáveis das crianças-sujeitos da pesquisa.
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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Pesquisa de Mestrado: A interação grupal e sua repercussão
no processo de construção da lecto-escrita
Questionário
7
1. Nome da criança: Fernanda
2. Data de nascimento: 05/04/2000
3. Nome dos pais: Simone e Alaor
A. Escolarização: Mãe: Ensino Média incompleto; Pai: Ensino Médio completo
B. Profissão: Mãe: vendedora ambulante de lanches
C. Empregado/desempregado: Autônoma
D. Nível sócio-econômico: médio-baixo
4. Histórico escolar:
A. A criança freqüentou alguma creche? NÃO
B. Fez a Educação Infantil/Pré-Escola? SIM: Com que idade? Seis anos
Nesta mesma escola? Sim
C. É a primeira vez que faz a 1ª série do Ensino Fundamental? Sim
5. Além dos Temas Escolares, a criança desenvolve outras atividades em casa que
envolvem a leitura e a escrita?
NÃO SIM: Com que freqüência? Diariamente
Que tipo de atividades seriam essas? Ler livros infantis; fazer ajustes
no caderno de aula; brinca de escolhina.
7
Desenvolvido com os pais/responsáveis das crianças-sujeitos da pesquisa.
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Pesquisa de Mestrado: A interação grupal e sua repercussão
no processo de construção da lecto-escrita
Questionário
8
1. Nome da criança: Guilherme
2. Data de nascimento: 18/02/2001
3. Nome dos pais: Cristina
A. Escolarização: Ensino Fundamental incompleto
B. Profissão: Empregada doméstica
C. Empregado/desempregado: Desempregada
D. Nível sócio-econômico: baixíssimo
4. Histórico escolar:
A. A criança freqüentou alguma creche? Sim.
B. Fez a Educação Infantil/Pré-Escola? SIM: Com que idade? Cinco anos
Nesta mesma escola? Sim
C. É a primeira vez que faz a 1ª série do Ensino Fundamental? Sim
5. Além dos Temas Escolares, a criança desenvolve outras atividades em casa que
envolvem a leitura e a escrita?
NÃO SIM: Com que freqüência?
Que tipo de atividades seriam essas?
8
Desenvolvido com os pais/responsáveis das crianças-sujeitos da pesquisa.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Pesquisa de Mestrado: A interação grupal e sua repercussão
no processo de construção da lecto-escrita
Questionário
9
1. Nome da criança: Jucele
2. Data de nascimento: 18/04/2000
3. Nome dos pais: Maria Jaqueline
A. Escolarização: Ensino Fundamental incompleto
B. Profissão: Dona de casa
C. Empregado/desempregado: -------
D. Nível sócio-econômico: baixo
4. Histórico escolar:
A. A criança freqüentou alguma creche? Sim. Com dois anos.
B. Fez a Educação Infantil/Pré-Escola? Sim.
Nesta mesma escola? Não
C. É a primeira vez que faz a 1ª série do Ensino Fundamental? Sim
5. Além dos Temas Escolares, a criança desenvolve outras atividades em casa que
envolvem a leitura e a escrita?
NÃO SIM: Com que freqüência? Freqüentemente
Que tipo de atividades seriam essas?
Todos os dias, ela e as
amiguinhas, que estão também na primeira série ali do outro colégio, brincam de aulinha. Eu
vejo a Jucele sempre sendo a professora. Escrevem palavras, lêem historinhas, fazem
muitas coisas de escrever e de ler. Ah! Também fazem continhas.”
9
Desenvolvido com os pais/responsáveis das crianças-sujeitos da pesquisa.
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CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Pesquisa de Mestrado: A interação grupal e sua repercussão
no processo de construção da lecto-escrita
Questionário
10
1. Nome da criança: Willian
2. Data de nascimento: 16/01/2001
3. Nome dos pais: Andréia e Adelar José
A. Escolarização:
Mãe: Ensino Fundamental incompleto; Pai: Ensino Médio completo
B. Profissão: Vendedora de loja e vendedor ambulante
C. Empregado/desempregado: Empregados
D. Nível sócio-econômico: baixo
4. Histórico escolar:
A. A criança freqüentou alguma creche? Sim. Com quatro anos.
B. Fez a Educação Infantil/Pré-Escola? Sim. Com cinco anos.
Nesta mesma escola? Não
C. É a primeira vez que faz a 1ª série do Ensino Fundamental? Sim
5. Além dos Temas Escolares, a criança desenvolve outras atividades em casa que
envolvem a leitura e a escrita?
NÃO SIM: Com que freqüência?
Que tipo de atividades seriam essas?
OBS.: Além de freqüentar a Classe de Alfabetização da Profª Laura, este menino, no
turno inverso, também freqüenta, em uma escola particular, outra primeira sério do
Ensino Fundamental.
10
Desenvolvido com os pais/responsáveis das crianças-sujeitos da pesquisa.
Anexos
ANEXO ATranscrição da entrevista com a Professora Maria, da Turma A.
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Pesquisa de Mestrado: A interação grupal e sua repercussão no processo de
construção da lecto-escrita
Transcrição Entrevista:
Professora: Maria
Data: 01/08/2007
(Antes de iniciarmos a entrevista propriamente dita, apresentei para a professora
meu Projeto de Pesquisa, conversamos sobre meus objetivos e a professora
começou a falar sobre o quanto entende ser relevante a interação grupal. Quando
ela iniciou essa conversa, pedi autorização para gravar a fala dela, bem como
desenvolver uma entrevista semi-estruturada com ela).
Pesquisadora - Eu gostaria que tu falasses o que tu vens dizendo sobre a interação
grupal. O que tu pensas sobre a interação grupal, que é nítido perceber esse tipo
de trabalho na tua sala de aula. Mesmo que as crianças não sentem sempre
propriamente em grupos, tu sempre procuras organizá-las de uma forma que todas
se enxerguem e que elas possam conversar entre si.
Professora - Exato! No início do ano, a gente começa com grupos menores, né?,
depois vai ampliando para esses grupos maiores. Isso para que eles tenham um
convívio maior com o colega; para não ficarem na dependência da professora. E
mais, a gente, às vezes, tem um palavreado que dificulta a aprendizagem deles, né?
Então, eles interagindo ente eles, muitos aprendem com mais facilidade, de outra
forma, podendo trocar idéias. Eu acredito nisso, né?
Pesquisadora Então, tu acreditas que a interação grupal favorece na
aprendizagem? Especialmente quando há essa troca entre eles?
Professora Eu acredito perfeitamente nisso, tanto é que eu trabalho assim. Antes
eu trabalhava de outra maneira, eu fui mudando a partir de experiências que fui
tendo em sala de aula. Meu trabalho não foi sempre assim, né? Eu fui mudando
justamente por perceber a necessidade de, com aqueles alunos que tinham
dificuldade de aprendizagem, que no grupo eles conseguiam trabalhar, conseguiam
participar e que comigo, às vezes, ele tinha um certo receio, ficava meio tímido, com
medo de errar. Ele dizer uma coisa errada pra professora é diferente do que ele
dizer errado pro colega.
Eu trabalho sempre em grupos, mas, às vezes, quando a necessidade de
um trabalho mais individual, daí eu deixo individual. Mas, no geral, assim, na maioria
dos dias, é em grupo.
Pesquisadora Inclusive, lembro de um dia em que me relataste que tu estavas
preocupada porque tinha algumas crianças que sentavam nos grupos e só copiavam
dos colegas. Mas será que essa cópia do outro não gera aprendizado também?
Professora Pois é, acho que até pode ser. Eu, agora, procuro... De vez em
quando eu fazia uma proposta: Quem sabe hoje nós vamos fazer uma troca de
grupos. Isso para ver se essa criança, em outro grupo, interage de forma diferente;
no outro grupo, né? Eu fazendo assim, porque tem muita coisa que a gente vai
experimentando, também. Cada turma é uma realidade, né? Numas a teoria
certo, noutras, na teoria a gente sai um pouquinho, porque a prática é bem diferente.
Então a gente vai, às vezes, no apertando: vai errando, vai acertando, vai errando, e
vai sempre tentando acertar, né?
Nome: Maria
Idade: 42 anos
Formação inicial:
Professora Quando eu iniciei a dar aula, eu tinha o Ensino Médio, Técnico em
Contabilidade. Iniciei a dar aula em 1983. Eu estava desempregada e uma tia minha,
que era diretora de uma escola em Alvorada, me perguntou se eu queria dar aula na
escola dela que estavam precisando de professora: “Tu quer trabalhar, tem serviço
pra ti?” E eu fui. Aí, eu aprendi muito com a prática. Era uma primeira série com
trinta e cinco alunos. Quando, naquela época, tinha o Teste ABC, eles eram
classificados. Era uma turma, uma primeira série E. Mas, assim, eu fui aprendendo
com os colegas, quando surgia dúvidas, eu perguntava: “O que eu faço?” Mas eu
encarei com muita coragem. Aí, depois de três anos, surgiu para os professores,
pelo município, para aqueles que não tinham o magistério, uma escola ofereceu
apenas as didáticas. Daí, a gente fez um ano de didática e o estágio de meio ano.
Tá? Daí foi assim meu magistério.
Pesquisadora – A partir disso, então, tu continuaste dando aula?
Professora Sim, eu continuei. Mas daí, eu demorei pra fazer um curso superior
ainda, né?
Pesquisadora – Então tu tens um Curso Superior?
Professora – Tenho sim, eu terminei em 2002. Fiz Pedagogia.
Pesquisadora – Tu fizeste aqui em Santa Maria?
Professora Não, em São Gabriel. Na Urcampi. De férias. Fui um curso todo de
Férias. Também, foi assim, oh: ah, pra favorecer. Eu aproveitei duas oportunidades:
o Magistério, que eu não precisei fazer os três anos normais e a Faculdade de férias,
que é assim uma coisa um pouco diferente, tu tem que procurar muito, né?
Pesquisadora – Que tempo durou esse teu curso superior de férias?
Professora Quatro anos! E nas férias: o mês de janeiro todo e o julho. Isso por
quatro anos, sempre nas férias.
Eu acho que valeu muito. Eu aprendi muito porque eu leio muito. E também
assim, oh!, as aulas eram muito rápidas, não tinha assim como tu te aprofundar e
isso eu fazia em casa.
Inclusive, meu trabalho de monografia foi sobre o lúdico na alfabetização.
Então, percebendo a importância de se trabalhar por meio do lúdico, eu procurei por
em prática tudo o que eu pesquisei. E eu vejo que vem dando certo: estimula as
crianças na participação.
Pós- Graduação:
Professora Não tenho nenhuma pós-graduação. Mas eu ainda pretendo fazer,
porque eu estou longe de me aposentar, em função da minha idade, né? Então eu
acho que ainda vale a pena. Mas eu quero fazer dentro da área da Psicopedagogia.
Tempo de atuação docente:
Professora – Em setembro fecha 24 anos.
Tempo de atuação como alfabetizadora:
Professora – É que é assim, oh: eu comecei como alfabetizadora e depois fui
intercalando, um ano na primeira, noutro na segunda, outro na terceira... Mas eu
acho assim que eu deva ter uns dez anos só de primeira série, intercalando. Porque
assim, oh!, em 2005 eu trabalhei com quarta série, daí no ano passado peguei
primeira e nesse ano de novo, que é o que eu mais gosto, né?
Pesquisadora – Trabalhando nesta escola, tu estás a quanto tempo?
Professora Aqui é meu segundo ano. Eu não morava aqui, eu morava perto de
São Gabriel e por isso que eu fiz faculdade lá.
O que é alfabetização? O que é alfabetizar?
Professora (pensa por alguns segundos) É... Eles aprendem o mundo letrado e
muitos têm acesso a isso. Mas, às vezes eu vejo, assim, muitos não conseguem
entender como funciona, né? Então, assim, oh!, alfabetizar para mim é eu poder
favorecer que eles adquiram, né?, a escrita, a leitura, o entendimento do que eles
estão lendo, né? Acho que seria isso.
O que é ensinar? O que é aprender?
Professora – (pensa por alguns segundos) Eu acho que o ensinar é eu interagir junto
com eles, né? Eu posso transmitir os meus conhecimentos, mas numa interação,
né? Inclusive, nesse trabalho que eu faço em grupo eu estou sempre interagindo
com eles, então eu não trago conceitos prontos pra eles, né? Eles têm que ir
construindo também o caminho deles pra chegar nesse ensinar que eu quero, no
conhecimento que eles vão adquirir.
O aprender é ele conseguir as habilidades, é ele desenvolver as habilidades a
partir desse trabalho, né?, daquilo que a gente vai criando junto. E a gente também
aprende com eles, né? Tanto aprende que a gente vai mudando nossa prática no dia
a dia. Tem muitas pessoas... claro, né?, tem pessoas diferentes que são mais
taxativas, né? Mas eu não, eu acho que a gente vai aprendendo; cada ano aprende
um pouquinho com aquele aluno que tem dificuldade ou com aquele aluno que tem
mais facilidade, aprende em qualquer situação. E isso vai mudando a prática do
trabalho, tu vai experimentando as coisas novas que vão surgindo. Sempre tem
desafios.
Como deve se dar o ensino da língua escrita?
Professora Eu acho ... Eu volto ainda no lúdico. Eu acho que a maneira lúdica é a
melhor forma. Numa brincadeira eles aprendem muito mais do que no simples ato de
copiar as coisas. Então, né?, eu acredito assim, oh: nessa interação, no trabalhar
junto, nessa brincadeira que eles vão fazendo, que às vezes eles nem percebem
que estão aprendendo. Eu acho interessante que às vezes eles dizem assim, oh ...
Eu percebo que eles conseguem decodificar as letras, mas eles não se deram
contam que já conseguem ler... Então, assim oh, uma semana ou duas, quando eles
chegam ao entendimento do que escrito, daí eles dizem “’Profe’, eu sei ler!”.
Isso é tão bom!
Que estratégias pedagógicas tu utilizas para alfabetizar?
Professora Procuro trabalhar atividades com música, com jogos pedagógicos; eu
tenho vários, tenho uns que eu mesma fui criando, Jogos da Memória, então eles
trabalham a gravura e o nome da gravura, diferentes letras ali no nome do desenho.
O Jogo do Mico que também eu faço, mas daí com as palavras que a gente ta
descobrindo. E vários outros jogos. Daí tem do Dominó da Matemática, trabalho com
dados, daí pra eles trabalharem a questão dos numerais, do mais do menos. Música,
assim, oh!, bastante música pra eles desenvolverem... trabalha a rima e vai
enriquecendo.
Trabalho assim oh!, o lúdico está presente por isso. Eu procuro levar na
brincadeira. Quando alguém erra alguma coisa eu procuro associar com alguma
coisa alegre, né? Não tornar aquela coisa pesada. Então acho que é assim.
Eu tenho muitos jogos, muitos jogos. Trabalho em equipe, equipes em sala de
aula: “Hoje vamos jogar em equipe!” Falo pra eles. O Stop, agora em seguida eles
vão começar a jogar. Eu tenho a Corrida das Palavras, daí a gente faz os carrinhos
no quadro, daí então é uma coisa diferente ... e pra eles, o simples fato de
enxergarem um carrinho ali, é uma coisa diferente, ? Então, são vário, vários
jogos mesmo.
Qual abordagem metodológica utilizas para desenvolver tua proposta pedagógica?
Professora Eu me defino assim: eu faço uma mistura, eu acho. Porque, ao mesmo
tempo que sou tradicional, um pouquinho, porque, eu acho assim, pela questão de
eu ser bastante exigente quanto a regras... Tem aquela cobrança muito grande dos
pais de que no caderno apareça as palavras escritas certas, mas eu aceito, claro,
sempre fazendo ele [o aluno] pensar naquilo que ele escreveu. Mas eu tenho que
aceitar, porque eles estão num processo de construção, né? Mas eu me acho
tradicional na questão de horários, de..., mais assim, nas regras mesmo: agora é
hora da merenda, agora é hora do recreio, agora é hora disso, agora é hora daquilo.
Mas eu acho que também, dessa forma, eu consigo, daí, trabalhar essa parte lúdica
sem criar bagunça, porque eles sabem, a hora que começou o jogo e a hora que
parou o jogo, daí eles voltam a calma automaticamente.
Mas eu me acho um pouco tradicional por isso. E também por também ficar
muito naquela coisa do corrigir caderno. A preocupação não é tanto em corrigir, mas
a preocupação dos pais entenderem, né? É uma cobrança dos pais, tem que ter
aquele certo do professor. Então, ainda nesse sentido eu ainda não consegui me
desligar totalmente.
Porque, eu comecei no método tradicional e aos poucos eu fui tentando,
assim, inovar um pouco, né? Então acho que eu sou um meio a meio: um pouco
tradicional e um pouco inovadora, sabe? Porque eu procuro buscar coisa nova
sempre: um jogo diferente, uma atividade diferente.
Ontem mesmo, nos tivemos uma reunião e eu fiquei pensando em
estratégias para o ano que vem, para o início do ano que vem. Uma coisa diferente
para o ambiente alfabetizador. Então, assim, eu não faço sempre a mesma coisa, eu
também quero uma coisa nova pra mim me motivar. Pra eu poder motivar eles, eu
tenho que estar motivada, né?
Qual a base teórica que sustenta tua prática como alfabetizadora?
Professora Assim, oh!, na questão da alfabetização em si, eu trabalho bastante
Emilia Ferreiro, né? Eu trabalho identificando os níveis... que eu acho assim oh!,
quem eu mais consigo...claro é Piaget, Vygotski. Sempre leio um pouco sobre cada
um deles, né? Mas, eu acho mais a Emilia Ferreiro. Apesar de que agora, oh!, é isso
que eu penso... não sei se ta correto ou o, mas até agora eu trabalhei Emilia
Ferreiro, daí agora eu vou trabalhar letra cursiva. Então me parece que eu saio um
pouco da Emilia Ferreiro, porque ela trabalha o ano todo ... no caso ela tem o ano
todo o trabalho com a letra bastão e aquela coisa toda.
Então, o ano passado, me parece que eu me perdi um pouco. Porque eu fiz a
troca de série. Mas esse ano eu estou bem mais segura. Me perdi porque parece
assim oh!, eu tinha um método, dde repente eu não tinha método nenhum, sabe?
Porque, até então, nos outros anos, eu trabalhava com a cursiva direto. E no ano
passado que eu realmente comecei a seguir Emilia Ferreiro e entender bem como
funciona cada nível de construção. Porque até então, eu vinha com estudos até pra
mim poder fazer uma coisa com segurança, que quando chegou nessa troca pra
letra cursiva eu me senti perdida por isso; porque eu digo assim: “E agora, eles
precisam e o que eu faço? Emilia Ferreiro o faz assim!”
Muitos alunos que estavam com dificuldades de aprendizagem, quando eu
passei pra letra cursiva, eles simplesmente deram aquele pulo. Então, assim, foi
gratificante, né?, apesar de eu estar com aquele, aquela dúvida toda, foi gratificante
por isso.
Hoje, atualmente, eu não tenho um método específico para alfabetizar. Não
tenho porque assim, oh!, eu vou tentando. Se eu não consigo, de acordo com uma
ou com outra teoria, eu busco outra; eu busco outras alternativas pra eu conseguir
chegar no aprendizado, porque eu não posso ficar persistindo numa coisa que não
ta dando certo. Porque às vezes certo com um, não dá certo com o outro, então
eu tento ver onde é que ta a falha; a falha ta na minha comunicação com ele? A
falha ta no método, ta na metodologia? Eu fico me policiando diariamente.
Eu vejo este ano como assim: esse ano realmente meu trabalho está bom. O
ano passado meu trabalho ainda, eu acho, que ficaram falhas, até porque eu não
consegui fazer com que todos conseguissem aprender. Mas é claro que isso é uma
coisa que não depende da gente, né? Às vezes, depende do problema de cada
um, o porque, né?, da não aprendizagem.
Mas esse ano, assim, em função de que toda a turma ta crescendo, eles tão
tendo progressos diários... então eu acho que esse ano ta dando certo.
To satisfeita, inclusive assim, os pais, no início do ano, por eu ser assim,
bastante enérgica, gostar de tudo certinho, houve um certo ... assim, uma certa...
como é que vou te dizer? Parece que não queriam muito, sabe? Na hora do recreio
as mães vinham dar merenda na boca da criança, falavam que nem bebê. Daí com o
trabalho todo que foi feito, hoje essas crianças têm autonomia, ta lendo, ta
escrevendo, participa da aula, faz as coisas e não fala mais como bebê. Então, eu
insisti nas coisas, mas tudo com fundamentação, né? Porque não é dizer assim:
“Eu não quero que tu venha mais, porque eu não quero que tu venha”. Eu tenho que
argumentar o porque; no que pode ser bom pro aluno.
Professora – Espero que eu esteja contribuindo com tua pesquisa!
Pesquisadora Com certeza, tu está contribuindo muito. Ficamos muito gratas com
toda tua disponibilidade.
ANEXO B – Transcrição da entrevista com a Professora Laura, da Turma B.
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Pesquisa de Mestrado: A interação grupal e sua repercussão no processo de
construção da lecto-escrita
Transcrição Entrevista:
Professora: Laura
Data: 27/08/2007
Nome: Laura
Idade: 40 anos
Formação inicial:
Professora Eu tenho Magistério [Curso Normal], depois eu fiz Pedagogia
Administração Escolar. Depois eu fiz... Daí eu me mudei... Eu comecei
Administração Escolar, d eu me mudei para Fortaleza, daí não tinha
Administração Escolar, então eu entrei para a Séries Iniciais, que era o que eu
sempre quis, mas na realidade, onde eu morava na época não tinha Séries Iniciais.
Nem era Séries Iniciais que falavam era... não me lembro, não me lembro como
chamavam lá. Daí eu fiz as matérias que eu tinha perdido, fiz quase um semestre,
quase um ano, quase dois semestre das matérias ditas pedagógicas que eu não
tinha feito, as didáticas todas. Depois, no ano seguinte, eu me mudei para Natal, d
continuei também nesse curso de Séries Iniciais e tinha mais umas disciplinas que
eu não tinha feito, eu fiz Metodologia da Alfabetização, não, Métodos e Técnicas
de Alfabetização mais Didática da Alfabetização. Depois, no outro ano, eu voltei pra
faculdade inicial na mesma cidade onde eu tinha começado. Então, me formei em
Administração Escolar.
Mas na verdade, dá pra dizer que eu tenho Séries Iniciais, porque fiz o
recheio desse curso também.
Pesquisadora – Em que ano tu concluíste o Magistério, o Curso Normal?
Professora – Foi em 1985 eu acho. Não, foi em 86!
Pesquisadora E teu ingresso e conclusão do curso de Graduação, ocorreram em
que anos?
Professora A graduação eu iniciei em 88 [1988] e concluí em 93 [1993]. Tudo por
causa das mudanças, né? Daí era assim: eu fechava e... Me lembro que em Natal foi
a que eu tive maior dificuldade; me lembro que cheguei e tinha umas que eram
pré-requisito e que não tavam sendo oferecidas naquele semestre... essa que era o
grande problema, o que aumentou um pouco o tempo.
Pós-Graduação:
Professora Em o Paulo fiz uma especialização “Leitura e Produção de Texto”,
em Taubaté. Depois, quando eu voltei para Santa Maria eu consegui um emprego
em Educação Infantil, até então, eu nunca tinha trabalhado com Educação Infantil.
Foi no Sesc, no Sesquinho. Daí o Sesc me oportunizou fazer uma pós-graduação,
eles me pagaram, em Educação Infantil. eu fiz essa pós [especialização] em
2002. A primeira especialização foi em 97 [1997].
Tempo de atuação docente:
Professora – Acho que dá uns 17 anos. 17, 18 anos.
Tempo de atuação como alfabetizadora:
Professora – Ah! Boa parte. Entre 15 e 16 anos.
O que é alfabetização? O que é alfabetizar?
Professora – Eu tenho aqui, oh!, um papel que a supervisora pediu pra gente
responder pra entregar hoje. Tem aqui, oh!, o que é alfabetização? Daí eu coloquei
assim: “[leu o que havia escrito] É a capacidade do indivíduo de se comunicar
através da língua escrita”. Eu sou muito assim, sou muito sucinta na minha escrita,
perde muita coisa, né? Mas eu acho que basicamente é isso, alfabetização é
capacitar a pessoa de se comunicar através da língua que o grupo dela usa, né?
O que ensinar? O que é aprender?
Professora Ensinar eu acho que [pára de falar e pensa]... Ensinar eu acho que é
oportunizar experiências da criança; experiências o, a ação da criança em cima
daquilo visando uma mudança de comportamento, de atitudes ou, mais
especificamente da língua escrita, né?, se apropriar disso aí.
Então o aprender é mudar o comportamento. É usar aquilo em benefício
próprio.
Pesquisadora – Como tu achas que a criança aprende a ler e a escrever?
Professora - Eu acho que é pelas relações que ela vai fazendo entre uma
experiência que ela teve, uma que ela está tendo, uma do colega do lado que ela
ta vendo.
Como deve se dar o ensino da língua escrita?
Que estratégias pedagógicas tu utilizas para alfabetizar?
Professora Primeiro a gente tem que interessar a criança e tem que trazer coisas
que façam ela descobrir, ela perceber que ela consegue, que ela consegue, que ela
pode e que ela vai aprender. Quando eles chegam na primeira série, a primeira
coisa que eles querem é letra cursiva. Eles nem falam ler e escrever, querem
aprender a escrever emendado. Então a gente tem que trazer, assim, atividades que
tragam questões que façam eles refletirem sobre a necessidade de saber ler e
escrever, né?, e condições deles se apropriarem desse código, dessa ... do uso da
língua, né? Pra quê que serve, pra quê que eu preciso saber. Eu acho que é mais ou
menos por aí.
O meu trabalho começa assim, oh! Eu sempre começo contando uma história,
no primeiro dia de aula eu conto a história dum..., é até do Ziraldo, um livrinho, uma
historinha infantil e até depois eu colo, no caderno, a história. Então é a história de
um super-herói que escapa de morrer porque ele sente o gosto, de um suco
envenenado, ele sente o gosto; ele escapa de morrer atropelado porque ele escuta o
barulho do pneu de uma moto freando, e vai indo, sabe? que, no final do livro
tem um incêndio na casa dele e ele sente a fumaça, mas que daí ele não sabe
e ele escapa por uma porta onde tem um bilhete escrito: “Em caso de incêndio, não
saia por essa porta!”
eu começo a trabalhar com eles o pra quê que a gente precisa saber ler,
saber escrever; por que a gente precisa aprender a ler e a escrever. Eu começo
assim, a partir dessa história. Daí eu já começo a puxar palavras, sabe? Eu não sigo
assim: a, e, i, o, u, depois, ba, bé, bi, bó, bu. Dessa história eu puxo “super-herói”,
o que eles se interessarem. Esse ano eles se interessaram muito pela palavra
incêndio, nos outros anos não tinha acontecido.
Aí já vou trabalhando acento, que tem na palavra incêndio.
Esse tipo de coisa, sabe? É assim que vou indo.
E junto com essas palavras, eu trago o nome deles. No primeiro dia de aula
eles têm a chamada, começam a ver as relações, que letras têm, que letra é
essa, relacionar a sua letra com a letra da Fulana e tal. Daí juntando esses nomes,
essas letras, eles já têm um universo muito grande de palavras, de frases.
A partir da história pra trabalhar uma série de coisas, por exemplo, o cê-
cedilha, do mês de março, que não está no alfabeto porque o é uma letra é um
sinal. Então eu vou falando tudo. Daí chega nesta época do ano, julho, agosto, e
eles têm noção de frases, de ponto, de acento, de ponto de pergunta. Sabe,
então? Porque não tem uma hora pra trabalhar, na medida que vai aparecendo, eu
vou falando.
Agora, como a criança aprende a ler e a escrever, eu acho que é através
dessas informações, dessas experiências em cima das letras, da escrita, né?
Qual abordagem metodológica utilizas para desenvolver tua proposta pedagógica?
Professora – Bom, eu assim, me encaixo muito no sócio-construtivista. Mas eu tenho
uma, não é um método, é um jeito de trabalhar. Não é um método, é uma forma de
trabalhar que é dialógico-problematizadora. Eu sempre, eu ponho pra eles muito,
sabe? Eu pergunto muito pra eles: “O que vocês acham?” Levo eles a falar, a dar
respostas; não deu agora, mudo a forma de falar. Até que um fale certo. Sempre um
fala. Se não fala bem exatamente, vou mudando até um chegar lá. Essa turma, eu
tenho notado bastante dificuldade nesse trabalho, porque não pensam. Eu não sei o
quê que é, se eles não escutam o que eu falando, assim, ... não é não escutam,
não recebem muito bem aquilo que eu tô falando. Eu tenho notado bastante isso.
Pesquisadora - Tu disseste que és sócio-construtivista. Poderias explicar melhor o
por quê te consideras assim?
Professora Porque o Construtivismo, ele parte da base que a criança, da idéia de
que é a criança que constrói seu conhecimento. E sócio, porque a gente trabalha
com tudo o que a criança tem, mostro a realidade para eles. Eu trago música,
história. Até ontem mesmo, a mãe tava falando: “Ai, que amor aquela tua historinha
da tartaruga que voa”. Porque a mãe dá aula particular, ela já ta aposentada, mas dá
aula particular. Aí eu disse pra ela: “Ah, eu não gosto dessas leituras, pode ficar com
o livro pra ti”. Daí ela: “Ah! Mas por quê?” Aí eu disse assim: “Ora uma tartaruga que
voa!” Né? Até tem histórias divertidas, mas é muito fora da, né?
Então social porque faz parte do social, né? A criança ta vivendo num
grupo, na sociedade e ela tem que ter essa habilidade de ler, de escrever, de
interpretar, de saber onde é que vai buscar as informações, de saber que numa
receita ta escrito ali que horas que é pra toma o remédio, quantos dias é pra toma o
remédio, esse tipo de coisa, sabe?
Qual a base teórica que sustenta tua prática como alfabetizadora?
Professora Não, eu não me baseio em ninguém. Eu li muito, mas não sei se teria
assim algum teórico que... A gente muito na faculdade, Vygotski, Wallon, Piaget,
aquele outro que eu gosto muito, Freinet [Célestin Freinet], gosto muito dele, mas o
Freinet eu me identifico bastante com as escritas dele, com as idéias dele. Mas, não
sei se teria algum, assim, que eu possa dizer que eu me baseio.
O trabalho da Grossi, da Esther, aquilo ali foi assim, bem assim, ah..., como é
que vou dizer, foi bem marcante no meu trabalho, no meu entendimento de
alfabetização. Quando eu li, a partir dali, das pesquisas dela, dos níveis, como é?
São três livros né? Aquilo ali foi um marco pra mim.
E da Psicologia também, a partir dos livros que eu li, na especialização de
Educação Infantil que eu comecei a entender mais o período em que a criança ta, a
fase que ela ta passando, o que ela é capaz, o que eu posso esperar dela, porque
que ela faz aquilo, sabe?
Mas, assim, pra dizer que eu tenha, que eu me guie por algum, isso não.
Influenciam o trabalho da gente, claro, possibilitam a gente conhecer mais sobre a
criança, sobre a forma de trabalhar, o que fazer em determinadas situações. Mas, eu
acho assim, que norteiam meu trabalho, assim, que eu possa dizer “eu sigo tal
coisa”, isso eu acho que não.
Agora, com o trabalho da Esther fica visível, é incrível, tu ver os veis e não
nas crianças. O ano passado eu tive a oportunidade de ver que o é com as
crianças. Tem a profª Elaine do pré, ela trabalha com EJA de noite e esses dias, nós
conversando, ela me trouxe o material dos alunos, que são adultos, né?, 40, 50, 60
anos e é incrível, sabe?, parece que o processo é o mesmo. Achei muito
interessante. E eu faço com freqüência na sala de aula uma..., não é bem uma
sondagem, é..., eu distribuo pra eles colocarem, pra eles escreverem como eles
acham que é. Desde o início do ano. Recorto coisas de, desses encarte de
supermercado, vou recortando, sem procurar nada especial, suprimentos,
mantimentos, o que tiver ali, daí coloco três, quatro, em cada papelzinho e entrego.
Até pra eles se sentirem assim, mais desinibidos, porque a primeira vez que eu do,
muitos choram, não querem faze, acham que não sabem faze: “Eu o sei!” Mas, a
partir do momento em que tu diz: “Faz como tu sabe!”; “Faz como tu quê”, daí tem
uns que botam qualquer letra. Como eu recolho e não digo nada, daí eles se sentem
mais seguros. Com uma freqüência de quinze em quinze dias eu faço isso, pra
como é que ta, se ta ..., se já ta escrevendo, se já ta colocando as letra certinha. Não
é bem pra uma sondagem, é pra o que faltando da gente trabalhar em sala de
aula.
Às vezes eu percebo que a questão da separação da sílaba, não que eu
cobre separação de sílaba, mas eu acho que a separação é muito importante,
porque a sílaba, depois eles ficam perguntando: “Como é que se faz BIM; o ‘im’?
Daí eu digo: “Lembra lá, da tal palavra!” Daí eles vão e copiam, daí copiam o
pedaço errado, entendeu? Por isso que eu gosto de trabalhar bem, assim oh!, a
sílaba. Mas, eu não cobro a separação de sílaba.
Eu não trabalho o bá, bé, bi, bó, bu, mas trabalho os pedaços que formam as
palavras. Eu dou muito assim, no início do ano, agora até parei um pouco, o
desenho e as sílabas lá embaixo pra eles recortarem, juntarem e montarem a
palavra, ta? Isso pra eles ver que o “lha” tem três letras e não duas, entendeu? Mas,
não que seja pra ensinar a separar as sílabas. Tem muita gente que uma lista de
palavras e diz: “Agora separem as sílabas!” Isso não tem muito sentido. Agora,
dessa forma, como faço, é bom pra eles se situarem na palavra: “Como é que faço o
‘lha’?”, “Ah! Mas não lembra de palhaço?” Daí eles vão e fazem. Então é uma
atividade que faz eles refletirem bastante.
Pesquisadora – Uma coisa que sempre me chama a atenção é a organização da tua
sala. Tu sempre organizas as crianças em duplas, em grupos, em fileiras um ao lado
do outro, etc. Por que tu procuras organizá-los sempre assim?
Professora Todos os dias quando eu chego na sala [ela chega sempre duas horas
antes de iniciar a aula porque sai da escola que trabalha de manhã e vai direto], as
classes estão sempre arrumadas uma atrás da outra. Aí, eu o sei porque, eu, às
vezes coloco assim, às vezes coloco de outro jeito, mas não que eu tenha um
objetivo, é só pra fica diferente, pra eles trocarem de lugar, não ficarem sempre perto
dos mesmos, né? Eu sempre digo assim, na sala não tem lugar certo, eles sentam
onde querem, uns gostam de sentar na frente, outros gostam atrás. que de uns
tempos para cá, eu tenho..., eu procuro trocar eles um pouco de lugar. Tem dias que
eu digo: “O Fulano vai sentar com o Fulano”. O Willian, a Kássia, o Vinícius e o
Guilherme, agora eu tenho cobrado que eles sentem na frente, porque eles ficam
no fundo, eles não trabalham em sala, daí ficam no fundo perturbando,
atrapalhando, brincando. O Vinícius freqüentemente dorme na sala. Então já to
pondo eles na frente. Os que têm lugar certo são esses quatro que ficam mais perto
de mim, eu olho mais para eles, né?
E quando eu vejo assim, Katiane e Rafael, nunca sentavam separados, era
sempre os dois juntos, sempre os dois juntos, os dois são excelentes alunos; então,
agora que eles tão mais enturmados, eu ponho a Katiane com um muito falante,
sabe?, e ponho o Rafael com aquele que gosta de caminhar, falar, mas não é
sempre, sabe?, é de vez em quando. Eu ponho junto pelo fato do outro estar de
cabeça baixa trabalhando, pra ver se ele se motiva e faz o mesmo. Mas, não, assim,
que tenha um motivo assim; eu gosto é de ta mudando! Eu nunca boto eles
separados, nunca tão, nunca. Até porque, se eu bota eles separado, eu acho que...
Hoje, se eu bota eles separado, com certeza vão levantar da classe e ir na classe do
colega, porque eles já tão acostumados a trocar, a olhar pro lado, vê como ta
fazendo e isso é muito bom, isso é muito bom, porque eles acabam tomando como
exemplo e melhorando a prática deles. Até no desenho, “Ah! Fulano fez assim!”; um
colore bem, outros, às vezes não, “Ah! Vou fazer assim também.” E assim vai, né?,
pelo exemplo dos colegas. E isso eu acho que dá bastante resultado.
ANEXO C – Transcrição da atividade “Produção Textual”
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Pesquisa de Mestrado: A interação grupal e sua repercussão no processo de
construção da lecto-escrita
Atividade: Produção Textual, em dupla, acerca de uma seqüência de gravuras
11
.
Transcrição
Turma A
Cleison e Fernanda
Pesquisadora Olhando para essas imagens, é possível entendermos o que
querem nos dizer?
Fernanda Aqui eles estavam jogando bola. Ali eles quebram o vaso. E ali, depois
eles saíram.
Arrumaram e depois eles saíram correndo.
Pesquisadora Eu gostaria que vocês dois, nesta folha, escrevessem, com
palavras, a história que está aqui só com desenhos.
Fernanda – Eua já sei a história.
Cleison – É pra desenha?
Fernanda – Na escola a gente não faz desenho, só escreve. É pra escreve.
Fernanda – Vamo começa. Era uma vez...
11
Para o desenvolvimento da atividade, as crianças, em duplas, foram retiradas da sala de aula e
levadas até a biblioteca da escola.
[A Fernanda tomou conta da folha e foi escrevendo o que tinha em mente sem
consultar o colega. Sendo assim, o Cleison foi acompanhando com os olhos o que
ela ia escrevendo].
Fernanda – Olha só como ficou: Era uma vez dois meninos que iam jogar bola.
Cleison – Daí eles quebraram o vaso.
[A Fernanda segue a produção textual escrevendo: quebraram um vaso jogando
bola].
Fernanda – [lê para o Cleison] Quebraram um vaso jogando bola.
Cleison – É, daí eles arrumaram o vaso e saíram correndo.
[A Fernanda escreve a idéia do colega, para tanto ela continua a produção textual na
mesma linha. Como não tem espaço nessa linha, ela vai virando a folha de lado com
o objetivo de terminar sua frase].
Cleison Se não cabe aqui (mostrando o final do espaço na folha), tu escreve aqui
em baixo (mostra com o dedinho).
[A Fernanda, então, apaga o que havia escrito para reescrever na linha de baixo,
apontada pelo colega).
Fernanda [termina de escrever e toda a história para o colega]. Era uma vez
dois meninos que iam jogar bola, quebraram um vaso jogando bola e arrumaram o
vaso e saíram correndo.
Cleison – Terminou a história.
[Após ler, a Fernanda escreve seu nome na folha e ao lado escreve e...]
Fernanda – Escreve teu nome aqui no lado. (E assim faz o colega).
Observações:
1. Duração: 10 minutos e 5 segundos;
2. Data: 13/ novembro/ 2007
Bernardo e Édison
Pesquisadora - Observem esse material que eu trouxe para vocês. É uma história?
Bernardo – Um menino...
Édison – O menino estava jogando bola e caiu no vaso.
Bernardo – E o outro foi contar para a mãe.
Édison – E aí é que não era pra mata as plantas.
Pesquisadora – Olhando a cena, o que aconteceu com o vaso?
Bernardo e Édison – Quebrou!
Pesquisadora – E o que eles então fizeram com o vaso?
Édison – Colaram.
Bernardo – Não, ataram. Ataram com corda. Não, com as coisa da planta.
Édison – Que coisa da planta?
Bernardo – Com os galhinho.
Édison – [risos] É, com os galhinho!
Pesquisadora – Então, isso aí é uma história?
Édison e Bernardo – É!
Pesquisadora – Mas tem palavras nesta história?
Édison – Não, é só em quadrinho.
Pesquisadora Ah! É em quadrinhos. Mas e aquelas coisa escrita ali em cima, o
que é? (referindo-se ao título da história)
Bernardo – Aqui ta escrito: O ... sa...
Édison – O sa...
Bernardo – Não, o su...
Bernardo – To. O suto. Susto.
Édison – Não, ali é um “e” no final.
Édison – O sute.
Bernardo – Eu acho, o susto. Sute?
Édison – Eles tavam jogando bola, de repente um deu uma bolada na planta.
Édison – Então, um deu um chute. Eu acho que é O chute.
Bernardo - É, daí o vaso quebrou e eles ataram com galhinho.
Pesquisadora Eu gostaria que vocês, nesta folha em branco, escrevessem juntos
essa história. que ao invés de quadrinhos, vocês vão contar as história com
palavras. Pode ser?
Édison e Bernardo – Eh! (vibram com a idéia)
Édison – Era...
Bernardo – Não, o menino...
Édison – Dois meninos.
Bernardo – Ele tava...
Édison – Eles tavam jogando bola.
Bernardo – Jogando bola.
Édison – Quando um fez PUM!
Bernardo – E daí, um foi conta pra mãe.
Édison – E outro foi ajeitar a planta.
Bernardo – E daí... Começa a escrever.
Édison O... me (vai pensando e falando em voz alta para escrever a palavra
menino).
Bernardo – M e E, depois N e I (vai falando enquanto o colega escreve).
Bernardo – Não é M ali, é N.
Édison – O meni... no. No... N.
Bernardo – N, H e O.
Édison – H, O.
Édison – O menino.
Bernardo – Chutou a bola.
Édison – Não, fez PUM. PUM.
Bernardo – [risos] É!
Édison – P.
Bernardo – Pum.
Édison – U.
Bernardo – Pum, um... N e U.
Édison – Na...
Bernardo – Na flor.
Édison – N, A.
Bernardo – Na flo. F. F, O.
Édison – F, O. Flor, OR. (escreve a letra R)
Bernardo – Não, não é ali o R. É L, R e O.
Édison – O L... (escreve exatamente como o colega sugeriu).
Bernardo – O L, o R e o O.
Édison – Flor (faz a leitura do que acabou de escrever).
Bernardo – Agora, e o menino foi conta pra mãe.
Édison – E o outro arrumou a planta.
Édison – Vamo vê aqui.
Bernardo- O menino foi conta...
Édison – Não, o ... Ta, vamo bota essa mesma.
Bernardo – Qual?
Édison – O menino... (enquanto falava, ia escrevendo).
Bernardo – Foi...
Édison – Foi... (idem).
Bernardo – Conta.
Édison – Pera aí! (solicitou enquanto ainda escrevia a palavra “foi”).
Édison – Foi conta.
Bernardo – Pra mãe dele.
Édison – Não.
Édison [leu em voz alta o que havia escrito] O menino foi, i. (acrescentou o “I”
depois de “fo”).
Bernardo – Conta. CO.
Édison – [escreve a palavra pensando e falando em voz alta] Com... ta. TA, T, A.
Édison – Pra. PRA....
Bernardo – P e A.
Édison – Pra Mãe. Mã...
Bernardo – M, E!
Édison – Mã...i. Mã, i.
Bernardo – I. Dele.
Bernardo – D, E.
Édison – [começa a escrever].
Bernardo – Não, é separado do I.
Édison – [escreve DE] LE!
Bernardo – L, I.
Édison – Não, L, E.
Édison – Agora vamo escreve que o outro fico consertando a flor.
Bernardo – Faz o O aí.
Édison – Bha! Só tem O no início.
[risos de ambos]
Édison – O menino... Só tem menino no início.
[risos de ambos novamente]
Bernardo – O menino, o menino...
Édison – Ficou consertando. Fi...cou. (fala ao escrever cada sílaba).
Bernardo – O F.
Édison – COU...
Bernardo – O C e o O.
Édison – Fico...
Bernardo – Cou... O U.
Bernardo – Consertando.
Édison – Consertando nada! Montando. Montando outro balde.
Édison – Mon... O M, O. Tã.
Bernardo – O T.
Édison – Tando. DO...!
Bernardo – O D, O.
Édison – [lê] Montando. Agora coloco o ponto, né?
Bernardo – Não, tem que escrever Flor. Ele ficou montando a flor. Escreve Flor.
Édison – Flo: F, O.
Bernardo – Agora o L, o R e o O.
Édiosn – [lê] Flor!
Bernardo – Agora coloca o ponto.
Bernardo – Bha! Meu lápis ta tri anão.
Édison Agora, Fim! (fala isso e começa a escrever, embaixo do texto, a palavra
Fim).
Bernardo – F, I.
Édison – [escreve convencionalmente a palavra e lê].
Bernardo – Fico! Põem o O.
Édison – [pensa no que diz o colega em voz alta: “fico”?]
Bernardo – Coloca o O. (o colega assim o faz).
[Ao final cada um escreve seu nome na folha].
Pesquisadora Eu gostaria agora que vocês lessem a história para eu ver como
ficou.
[Realizaram uma leitura coletiva; isto é, os dois leram juntos]
Leitura da dupla – O chute.
O menino pu...PUM na flor.
O menino foiii... conta para a mãe dele.
Édison – Pra mãiii. (fica pensando acerca da escrita da palavra mãe).
Bernardo – Pra mãe dele.
Leitura da dupla – O menino foi con...
Bernardo – Não, é fico.
Leitura da dupla – Fico...U!
Montando flor.
Bernardo – Montando flor? Não deu pra entender.
Édison – É, aqui não deu pra entender!
Bernardo – Ah! Tem que ser “montando a flor”. Tem que ter um A.
Édison – É isso! A flor!
Bernardo- Não apaga. coloca o A aqui, oh!
Édison – O A ficou apertado.
Édison – Agora ta pronta a história.
Pesquisadora – Ficou muito legal. Posso ficar com essa história de vocês?
Dupla – Pode!
Observações:
1. Duração: 15 minutos;
2. Data: 13/ novembro/ 2007
Turma B
Jucele e Willian
Pesquisadora – Olhem o que trouxe para vocês hoje. Com esse material, nós vamos
fazer um trabalho diferente. Vai ser um trabalho junto, da Jucele e do Willian. Eu
gostaria que vocês trabalhassem juntos. Ta? Pode ser? Então, para isso eu trouxe
esta história para vocês.
Willian – É uma história que só tem figuras.
Pesquisadora Isso mesmo. Que tal, observando as figuras, escreveremos a
história utilizando palavras?
Willian – Os guri tavam jogando bola e quebraram o vaso.
Daí, a mãe brigou com eles, porque ele jogou a bola no vaso dela.
Pesquisadora [Objetivando fazer com que a Jucele opinasse, questiono ela] E
então, Jucele, o que mais acontece?
(Neste momento o Willian cochicha para ela algo que ela pode me dizer a partir da
pergunta que faço).
Pesquisadora – Willian, pode falar alto, não tem problema em ajudar tua colega.
Willian – Daí vão ter que comprar outro, pra mãe dele.
Pesquisadora Eu vou agora, emprestar para vocês uma folha para nela vocês
escreverem a história.
Willian – Eu e ela?
Pesquisadora – É vocês juntos!
Willian – Ah! Não vai dar. Junto não dá!
Pesquisadora – Por que junto não dá?
Willian Porque daí eu vou fica atrapalhado. Ela tem que escreve numa folha pra
ela e eu numa só pra mim.
Pesquisadora – O que tu achas, Jucele?
(Ela faz sinal que sim com a cabeça).
Pesquisadora – Cada um tem que fazer o seu?
Quem sabe vamos tentar fazer junto, vocês dois juntos. Não tem
como?
Willian – Não, não dá!
Pesquisadora Então, ta. Vou dar uma folha para cada um para vocês escreverem
a história.
Vamos começar?
Jucele Eu sei. O Vitor ... (Pensa em voz alta o que vai escrever e inicia sua
produção).
Willian Não, Jucele. Ta errado não é O. Apaga. Tu tem que escrever o V e depois
o I pra fica VI.
(A Jucele apaga o O e começa a escrita de Vitor. Nesse momento o Willian olha
atento o que a colega escreve e começa a copiar as escritas dela, letra por letra. Ele
faz isso, essa cópia, durante todo o desenrolar da atividade).
Willian [Olha para a produção da colega e fala em voz alta enquanto escreve:]
Vitor.
Jucele – [Fala alto enquanto escreve:] Jogou.
Willian – [Pergunta cochichando] Aqui é o O?
Jucele [Responde olhando para a pesquisadora, parece que com medo da minha
reação] É!
(A Jucele prossegue escrevendo a frase, para cada palavra escrita ela oralmente
fala a palavra).
Willian Qual que é aqui? (perguntando sobre a letra inicial de uma palavra que a
colega escreveu).
Jucele – Bola! Letra B.
Willian – [Fala para ele mesmo enquanto escreve] Agora o A. Termina com A.
(A Jucele prossegue escrevendo a frase e o Willian copiando as escritas dela).
Jucele – Ali não é V maiúsculo. Tu tem que escreve o V minúsculo. Apaga.
Willian [Fala para ele mesmo] Agora é só eu fazer o D e o E.
Jucele [Fala para ela mesma] Flor! F...
(A jucele termina a escrita da frase).
Jucele – [Olha para a pesquisadora e diz:] O meu já deu!
Pesquisadora – Terminou a história!
Willian – Sim!
Pesquisadora [Mostrando as imagens] Mas não acontece mais coisas? O que
acontece depois que ele joga a bola no vaso?
Willian – Ele teve que paga! Ele quebro o vaso!
Pesquisadora – O que vamos escrever então?
Willian – Ju, tem que escrever muito ou não?
Willian Ta, então tem que escrever outro. Ju, faz uma linha aqui pra separa.
(Nesse momento o Willian pega a folha da colega e faz um traço abaixo da frase
escrita por ela).
Agora tu escreve aqui. (indica o local, abaixo do traço, onde a menina
deve escrever a próxima frase).
(Enquanto o Willian termina de copiar a primeira frase escrita pela Jucele, ela inicia a
escrita da segunda frase. Novamente, enquanto vai escrevendo sua idéia, a menina
fala baixinho palavra por palavra).
Jucele Ai, Willian. Tu fez eu errar, vai mais pra lá! (Isso porque o Willian fica muito
próximo dela visando enxergar melhor as escritas da colega para copiar).
Willian – Ta. Desculpa.
Willian Ta saindo o corinho do meu dedo. Dói, i, dói! (Fala para a pesquisadora,
mostrando seu dedo machucado).
(A Jucele continua a escrita de sua frase).
Jucele – O meu já deu. (Fala ao concluir a segunda frase).
Willian – Pera aí. Eu já to terminando.
Jucele – Eu já terminei!
Pesquisadora – Jucele, tu podes ler para mim o que tu acabaste de escrever?
Jucele – Essa aqui? (apontando para a segunda frase).
Pesquisadora – É!
Jucele – [Lê] O Vitor teve que pagar o vaso de flor.
Willian – Ai, Ju! Pera aí.
Que letra é essa? (pergunta cochichando)
Jucele – É o F!
(O Willian continua copiando as escritas da Jucele e ela, fica parada aguardando
que ele faça isso).
Willian – Espera eu terminar.
Jucele – Ai, ai. Daqui a pouco eu vou dormi.
(Fala isso e passa a escrever a terceira e última frase)
Willian – Espera aí, Jucele! Não escreve ainda.
(A Jucele não atende o pedido do colega e prossegue escrevendo)
Willian Que letra e essa? (perguntando acerca de uma letra de uma palavra da
segunda frase que ele ainda está copiando).
Jucele – Essa é “V”.
Willian – “V” de vaca!
Jucele Ai, Willian. Vai mais pra lá. Tu ta me tirando da cadera (isso porque o
colega, visando copiar as frases da menina, está cada vez mais em cima dela).
(Vários minutos de silêncio entre os dois: ela terminando de escrever a sua frase e
ele terminando de copiar as frases dela).
Willian – O que ta escrito aqui?
Jucele – [Lê] Logo e saiu fingindo.
Pesquisadora – Jucele, lê para mim o que tu escreves agora.
Jucele [Lê] O Vitor se apavorou e ajuntou logo e saiu fingindo que não aconteceu
nada.
Pesquisadora – Que legal!
Está pronto o teu?
Jucele – Sim.
Pesquisadora – E o teu, Willian?
Willian – Ainda não terminei.
Willian – Ju, faz esse “J” para mim?
Jucele – Onde que tu ta? [Lê a escrita do colega] Logo e saiu.
Não é o “J”. É o S, o A, o I e o U (soletro e escreveu na folha do colega).
Agora tu faz a palavra fingindo. É F, I, N, G, N, D e O.
(O Willian termina de copiar a frase)
Willian – Terminei.
Pesquisadora – Posso ficar com esses trabalhos de vocês?
Muito obrigada. Agora vamos voltar para a sala de aula.
Observações:
1. Duração: 24 min e 35 segundos.
2. Data: 13/novembro/2007
Anderson e Guilherme
Pesquisadora – Olhem o que trouxe para vocês hoje. Com esse material, nós vamos
fazer um trabalho diferente. Vai ser um trabalho junto, do Anderson e do Guilherme.
Então, para isso, eu trouxe esta história para vocês. O que tem aqui?
Anderson – Duas pessoas jogando bola.
Pesquisadora – E o que acontece?
Anderson – Eles acabaram jogando a bola e quebro.
Guilherme – É, quebro o vaso.
Aí, eles... Aí, eles... Compraram um novo.
Pesquisadora – E o que mais acontece.
Guilherme – Ali eles estavam conversando.
Anderson Eles compraram outro vaso e plantaram a flor. Igualzinho àquele que
eles quebraram.
Pesquisadora – Isso aqui é uma história?
Anderson e Guilherme – É!
Pesquisadora – E tem palavras nessa história?
Anderson – Não!
Pesquisadora – E o que tem, então nessa história.
Guilherme – Tem a bola. Daí a bola pega no vaso.
Pesquisadora Mas aqui em cima, tem palavras. O que será que está escrito?
(referindo-se ao título da história “O Chute”).
Guilherme – Eu não sei. Ele também não sabe ler.
Pesquisadora – Sabem, sim! Tentem.
Guilherme – Vai Anderson, lê.
Anderson – [Fala como se estivesse lendo] O menino jogando bola.
Pesquisadora – Beleza. Isso aí!
Agora, que tal, nesta folha que está toda em branco, escrevermos
essa mesma história que utilizando letras e palavras? Que tal o Anderson e o
Guilherme trabalharem juntos para escrever essa história?
Anderson – Ta!
Guilherme – Eu vô te que escrever desse lado e tu desse.
Anderson [Começa a pensar a história sozinho e, para escrevê-la, oralmente vai
pensando palavra por palavra; ou seja, fala consigo mesmo) Ele, duas vezes o E?
Tava, M, A, jogando. M e O.
Tu ta desenhando. Eu escrevo e tu desenha?
Guilherme – Claro!
(O Guilherme estava utilizando desenhos para escrever a história, no momento em
que o colega fala isso, ele olha para o que o colega aentão escreveu, reflete e
começa a escrever a história, agora, utilizando caracteres não-icônicos).
Guilherme – Eu vô fazê que nem tu.
Cuidado pra não bate no meu.
Anderson – O vaso caiu, I, M, I. M, I de novo.
Guilherme – Porque tanto I.
Anderson – Tu ta copiando Piá!
Pesquisadora – Anderson, lê para mim o que tu já escreveste.
Anderson – [Com o dedo sobre suas escritas, pausadamente, ] Eles estavam
jogando bola. E atingiram o vaso. Ele caiu, o vaso.
Guilherme – Pergunta à pesquisadora] Deu ou tem que escrever mais?
Anderson Claro, né! Tem todos esses aqui (apontando para as demais cenas da
história).
(Os dois observam as cenas).
Anderson Qual o que a gente escreve agora? Se acabou esse, tem que mudar
para esse? (perguntando à pesquisadora qual a seqüência correta da história).
Pesquisadora – Para qual tu achas que tens que mudar?
Anderson – Para esse! (Aponta com o dedo).
Pesquisadora – É, Guilherme?
Guilherme – Não sei!
Pesquisadora – É, para esse mesmo. O que está acontecendo nesta cena?
Anderson – Bah! Que problemão! Ele quebrando o vaso.
Anderson [Começa a escrever e, então, pensa em voz alta] E, estavam, vão, O,
jogando quando o vaso, vaso, V? (pergunta para a pesquisadora, que não responde
nada) caiu. Ficaram olhando o vaso quebrado, do, do. M, O? (pergunta para a
pesquisadora, que, novamente, não responde nada).
Agora já dá pra passa pra essa? (pergunta à pesquisadora)
(Neste momento, o Guilherme está parado em seu lugar apenas olhando ao redor
da sala a qual nos encontramos para o desenvolvimento da atividade. Ele não
demonstra muito interesse em completar a atividade proposta).
Pesquisadora – O que tu achas?
Anderson – Que sim!
Anderson – (Olha para as escritas do colega, que estão na mesma folha e pergunta)
É só essa palavra que tu boto?
Ei! Eu fiz mais que tu! Tu tem que fazê até aqui, oh! (mostra com o
dedo).
(O Guilherme não fala nada e fica apenas olhando para suas escritas e para as
escritas do colega).
Anderson – (Prossegue escrevendo e, portanto, pensando em voz alta) E, I, M, A.
Pesquisadora – Anderson, lê para mim o que tu já escreveste nesta frase.
Anderson – [Lê] E elis estava se fingindo.
Anderson (Continua a escrita da frase) E, quebraram, Q. Bra, bra: A? (pergunta
para a pesquisadora). Rão. O. Va. So. Deu!
Pesquisadora – Esta pronta tua história, Anderson?
Então, lê para mim tudo o que tu escreveste?
Guilherme – Pra mim também.
Anderson [Olhando para suas escritas silábicas sem valor sonoro convencional e
para a história de imagens seqüenciadas, ] Eles estavam jogando e atingiu O...
Opa! Faltou o O (acrescenta a letra na sua frase). Atingiu o vaso e quebrou-o.
Guilherme – É, quebrou o vaso.
Anderson – Tinha três, então ele quebrou um vaso (fala explicando para o colega).
Guilherme – É, e eles têm que comprar outro com o dinheiro deles.
Anderson – E depois ficaram se fingindo que não foi eles que quebraram.
Pesquisadora – E tu, Guilherme, o que escreveste? Lê para mim.
Anderson Ele escreveu a mesma coisa que eu. Ele copiou daqui, do meio
(apontando, mostrando à pesquisadora).
Guilherme [Passando o dedo por cima de suas escritas globalmente] Ele tava
jogando bola e quebrou o vaso.
Anderson – [Interrompe] Ele estava jogando bola? Tudo com a mesma letra?
Guilherme – É!
Anderson – Só o M e o O?
Guilherme – [Continua sua leitura] Tavam jogando bola e fingiram que não foi eles.
Anderson – Isso ta faltando um monte de letra.
Guilherme Profe, agora tem que desenha os vaso na folha? (Pergunta à
pesquisadora).
Pesquisadora – Eu gostaria que vocês escrevessem o nome de vocês na folha, para
nos lembrarmos que foi vocês quem escreveu esta história.
Guilherme – O nome dos guri?
Anderson – O nosso nome: Anderson e Guilherme! Eu e tu.
Assinado Anderson, como é que se escreve? (Pergunta à
pesquisadora).
Pesquisadora – Pensa e escreve.
Anderson – Vô escreve só Anderson.
Guilherme Tu escreve o teu. Eu escreve o meu nome (escreve “MPEE” para
seu nome).
Anderson – (Escrevendo seu nome) R, S, O, N. Acabei!
Bah! O jeito que tu escreveu teu nome, Guilherme!
Guilherme – Deu!
Pesquisadora Eu posso ficar com essa folha. Vocês me dão a história que vocês
escreveram?
Anderson – Sim !
Guilherme – Pode!
Pesquisadora – Muito obrigada!
Observações:
1. Duração: 18min e 13 seg
2. Data: 14/novembro/2007
ANEXO D – Gravuras seqüenciadas para a atividade de Produção Textual
FURNARI, Eva. Esconde-
esconde.
São Paulo: Ática,
1995.
Livros Grátis
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