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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
CONCEPÇÕES DE JOVENS E ADULTOS COM DEFICIÊNCIA
VISUAL SOBRE OS CONTEXTOS DE APRENDIZAGEM
ESCOLAR
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ROSENEIDE BATISTA CIRINO
CONCEPÇÕES DE JOVENS E ADULTOS COM DEFICIÊNCIA
VISUAL SOBRE OS CONTEXTOS DE APRENDIZAGEM
ESCOLAR
Dissertação apresentada como requisito final à
obtenção do grau de Mestre em Educação pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação, na
Linha de Pesquisa em Cognição, Aprendizagem e
Desenvolvimento Humano, do Setor de Educação
da Universidade Federal do Paraná.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Sonia Maria Chaves
Haracemiv
Co-Orientador: Prof. Dr. Paulo Ricardo Ross
CURITIBA
2007
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Catalogação na publicação
Sirlei R.Gdulla – CRB 9ª/985
Biblioteca de Ciências Humanas e Educação - UFPR
Cirino, Roseneide Batista
C578 Concepções de jovens e adultos com deficiência visual
sobre os contextos de aprendizagem escolar / Roseneide
Batista Cirino. – Curitiba, 2007.
154 f.
Dissertação (Mestrado) – Setor de Educação ,
Universidade Federal do Paraná.
1. Educação do adolescente. 2. Deficientes visuais –
educação. 3. Jovens - educação. 4. . Cegos – educação.
I. Título.
CDD 371.911
CDU 376.3
À minha mãe, pela luta, força e persistência
com a qual direcionou meus caminhos.
À memória de meu querido pai, que com
imenso carinho e afeto me ensinou o amor.
Ao meu amor Cláudio, pela paciência e força.
Às minhas lindas filhas: Eduarda e em especial
a Emily, cuja vida manifestada no processo da
pesquisa alegra ainda mais os meus dias.
AGRADECIMENTOS
Agradeço...
A Deus, pelo dom da vida.
A todas as pessoas do meu trabalho que de alguma forma contribuíram para
a realização desta pesquisa, expressando apreço e paciência, mesmo nas minhas
ausências.
Aos Professores da Linha de Pesquisa Cognição, Aprendizagem e
Desenvolvimento Humano, em especial a Professora Dr.ª Maria Augusta.
Ao meu querido mestre, Professor Dr. Paulo Ross, que mesmo em situações
adversas, com sua enorme sensibilidade para com o ser humano, se manteve
presente na orientação deste trabalho.
A minha querida orientadora, Professora Dr.ª Sônia Maria Chaves Haracemiv,
por acreditar que o sol brilha a todos os homens e mulheres.
Aos professores componentes da banca de defesa, que se dispuseram a
contribuir, neste trabalho, com um pouco de seu vasto conhecimento.
As funcionárias do PPGE e a todos aqueles que se fizeram presentes,
permitindo a partilha de suas experiências.
As professoras Heloiza e Rosangela, pelo imenso carinho e atenção.
As professoras do CAEDV e em especial a professora Denise, pelo empenho
e dedicação.
A todos os meus familiares, por compreenderem as minhas ausências.
Aos meus amigos jovens e adultos com história de deficiência visual, que
gentilmente contribuíram para a efetivação desta pesquisa.
E a todos os amigos que ainda irei conhecer, em especial as pessoas com
história de deficiência, pelos sábios ensinamentos que poderão nos presentear.
Por vezes, acordo na madrugada e num
misto de sonho e realidade abro os olhos, mas
nada enxergo, não pelo escuro das luzes
artificiais, mas porque os estímulos não
penetram minhas pupilas, me assusto, me
angustio, mas sei que, nada, nada do que sinto
pode se aproximar do que realmente vivem as
pessoas cegas.
ROSENEIDE BATISTA CIRINO
RESUMO
Esta pesquisa busca desvelar como se sentem jovens e adultos cegos no processo
de aprendizagem escolar. Situa como enfoque as aplicações da teoria sócio-
histórica na educação desses jovens e adultos, perpassando pela compreensão de
como se dá a aprendizagem desses sujeitos. Configura-se em importante processo
de reflexão e compreensão do sujeito, na perspectiva sócio-histórica, ao instigar
quem é o jovem e adulto com deficiência visual. A metodologia baseia-se na
pesquisa qualitativa, utilizando-se de entrevista semi-estruturada, realizada no
CAEDV e observação assistemática realizada na Escola Regular, por meio de
análise teórico-prática acerca de três temas específicos: participação oral em sala de
aula como possibilidade de se constituir sujeito de aprendizagem; deficiência no
olhar do outro; e deficiência e eficiência: a trajetória de superação no contexto de
limites e possibilidades. Esta pesquisa questiona as políticas compensatórias que
atrelam a possibilidade de inclusão espaço escolar regular. Considera-se
aprendizagem como o ato de significar o conhecimento aprendido, expresso também
através da fala. Logo, a palavra foi tomada nesta pesquisa como categoria de maior
relevância para as análises realizadas. As contribuições desta pesquisa questionam
a formação continuada dos professores, que deve estar pautada na possibilidade de
ação-reflexão dos alunos sujeitos no espaço escolar. Denuncia que não são apenas
os alunos com história de deficiência que estão silenciados na escola, mas sim a
maioria dos alunos, em virtude das práticas conteudistas ainda muito presentes na
escola. Alerta para a mudança nas políticas de formação continuada no âmbito do
Município, Estado e País, com a elaboração de estratégias que instiguem a
participação dos professores do ensino regular em cursos sobre essa temática.
Evidencia a necessidade de que educação especial e regular atue enquanto
complemento, com o diferencial explícito de dar vez e voz aos alunos com história
de deficiência visual, ou seja, escutar a outra face da polêmica inclusão. O principal
resultado consiste no fato de todos os sujeitos entrevistados se revelarem capazes e
conscientes dos limites e possibilidades inerentes a todo o ser humano.
Palavras-chave: Deficiência Visual; Jovens e Adultos; Aprendizagem escolar; A
palavra e a Aprendizagem.
ABSTRACT
The research intents to disclose the way that blind young and adult people feel about
the school learning process. It points out as approach the applications of the partner-
historical theory in the education of this group focusing the understanding of how the
learning process of these citizens is given. It is configured in important process of
reflection and understanding of the citizen in the partner-historical perspective when
instigating analyses concerning who is the adult or the young and with visual
deficiency. It also tries to reply to the objectives considered through the qualitative
research by means of theoretician-practical analysis concerning three specific
subjects consisting by: the verbal participation in classroom as possibility of if
constituting learning citizen; the deficiency in someone else’s look and deficiency and
efficiency: the trajectory of overcoming in the context of limits and possibilities. The
results reveal in the essence of each inference under a critical and reflective look, to
verify the contradiction tram that live deeply the group researched by this work, in the
learning contexts. This research evidences, over all, significant contributions for
questioning the compensatory politics that connect the fact of being in the school
space to the inclusion possibility. It considers learning as the act to mean the
knowledge learned, which to the person with history of visual deficiency can be
express also through speaks, afterward, the word was taken in this research as
category of bigger relevance for the carried through analyses. The contributions of
this research consist of: to question the continuing formation of the professors which
must be based on the possibility of action-reflection of the pupils in the school space;
the formation of professors concerning the special educational necessities propitiated
by the Colleges, only as optional discipline. It denounces that not only the pupils with
deficiency history are silenced in the school, but most of the pupils due to the low
qualyts practices still strongly present in the school. It warns for the change in the
politics of continuing formation in the scope of the city, state and country with the
elaboration of affirmative strategies that instigate the participation in courses with this
objective exclusively to all regular education professors. It also evidences the
necessity of special and regular education acting as complement, with the shown
differential to give chance and voice to the pupils with history of visual deficiency, or
either, to listen to another face of the controversial inclusion. All the interviewed
people revealed themselves capable and conscientious about the limits and
possibilities inherent the human being.
Key-words: Visual Disability; Young and Adult People; Scholar learning; The word
and the learning process.
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – PERFIL DOS SUJEITOS SEGUNDO A CAUSA E A IDADE
DA PERDA VISUAL.................................................................
57
QUADRO 2 – PERFIL ETÁRIO E ESCOLAR DOS SUJEITOS
57
LISTA DE SIGLAS
EJA Educação de Jovens e Adultos
CEEBJA Centro de Educação Básica de Jovens e Adultos
SEED/PR Secretaria de Estado da Educação do Paraná
PcD Pessoa com deficiência
CAEDV Centro de Atendimento Especializado ao Deficiente Visual
UFPR Universidade Federal do Paraná
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................
12
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...............................................................................
21
1.1 PERSPECTIVA SÓCIO-HIST
Ó
RICA E A APRENDIZAGEM DO JOVEM E
ADULTO COM HISTÓRIA DE DEFICIÊNCIA VISUAL.......................................
21
1.2 O JOVEM E ADULTO COM HISTÓRIA DE DEFICIÊNCIA VISUAL..................... 38
1.3 A PALAVRA E APRENDIZAGEM DO JOVEM E ADULTO COM DEFICIÊNCIA
VISUAL................................................................................................................
43
2 METODOLOGIA.......................................................................................................
62
2.1 O CAMPO DA PESQUISA.................................................................................... 66
2.2 OS SUJEITOS....................................................................................................... 68
2.3 PROCEDIMENTOS PARA COLETA DOS DADOS.............................................. 70
2.4 PROCEDIMENTOS PARA ANÁLISE DOS DADOS............................................. 73
3 ANÁLISE DOS DADOS...........................................................................................
76
3.1 REPRESENTAÇÕES CONCEITUAIS NAS VOZES DOS SUJEITOS.................. 76
3.1.1 A participação oral em sala de aula como possibilidade de se constituir
sujeito de aprendizagem......................................................................................
76
3.1.2 A deficiência no olhar do outro........................................................................... 89
3.1.3 Deficiência e eficiência: a trajetória de superação no contexto de limites e
possibilidades...................................................................................................
106
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O PONTO DE CHEGADA É SEMPRE UM
RECOMEÇO..........................................................................................................
133
REFERÊNCIAS...........................................................................................................
146
APÊNDICE I................................................................................................................
152
APÊNDICE II...............................................................................................................
154
13
INTRODUÇÃO
O mundo não é. O mundo está sendo. Como
subjetividade curiosa, inteligente, interferidora
na objetividade com que dialeticamente me
relaciono meu papel no mundo não é só o de
quem constata o que ocorre, mas também o de
quem intervém como sujeito de ocorrências.
Não sou apenas objeto da História, mas seu
sujeito igualmente. No mundo da História, da
cultura, da política, constato não para me
adaptar, mas para mudar (FREIRE, 1987).
No convívio profissional com pessoas com deficiência - PcD
1
visual, por
aproximados dez anos vivi
2
momentos iniciais significativos durante o primeiro
estágio exigido no Curso de estudos adicionais em Deficiência Visual do Instituto
Paranaense de Educação. Nesse estágio tive contato com uma adolescente cega,
egressa de Escola Especial para Escola Regular 26 de Janeiro, onde funciona
hoje o Centro de Atendimento Especializado na área da Deficiência Visual -
CAEDV.
Durante o processo de estágio pude vivenciar situações em que havia a
proposta de práticas de trabalhos em grupos, apresentações, sendo que a
referida aluna permanecia no seu cantinho com a professora especializada, no
caso, a própria estagiária. Essas condições foram presenciadas em muitos outros
alunos, de modo que, ao encerrar o estágio, foi relatada à supervisora dessa
prática na escola a preocupação acerca do fato de a aluna ‘apenas estar’ na sala
de aula. Esse fato impulsionou o início do Centro de Atendimento Especializado
na Área da Deficiência Visual – CAEDV em Fazenda Rio Grande, por mim
organizado, dando início ao atendimento educacional especializado direcionado
para essa demanda.
Naquele momento ficaram marcadas as condições de isolamento, a não
interação da aluna com a turma e a fragmentação teórico-metodológica por parte
da professora nos encaminhamentos direcionados a aluna, embora fossem
1
A sigla indica Pessoa com Deficiência (ROSS, 2006).
2
Diante da especificidade do relato, alguns parágrafos do texto são apresentados com
discurso em primeira pessoa.
14
evidentes os esforços da professora em fazer o melhor. Essa realidade
excludente revelava também a defasagem de conhecimentos formais por parte da
adolescente, que não conseguia ler e nem escrever seus textos e contextos,
apenas fazia repetidamente exercícios de coordenação motora, apesar de possuir
uma história de vida rica em conhecimentos implícitos não reconhecidos pela
escola.
Desde o início do estágio e posteriormente nos anos de trabalho no
CAEDV fiquei perplexa e indignada com as situações de descaso nas quais esses
sujeitos estão imersos, perpetuando um contexto histórico de incapacidade e
alienação que data da própria história da humanidade.
O nítido desconhecimento a respeito da forma como as PcD visual podem
aprender e extrapolar os limites impostos pela deficiência impulsionou-me a
buscar um referencial teórico que desse sustentação à problemática abordada no
tema: concepções de jovens e adultos com história de deficiência visual sobre os
contextos de aprendizagem escolar.
A constante busca pela reflexão teórico-prática acerca dos sujeitos com
história de deficiência me permitiu perceber a capacidade intelectual e de vivência
pessoal no enfrentamento de obstáculos, as dificuldades em se aceitar,
descrença nas capacidades individuais para locomoção e orientação no espaço.
À medida que vivenciava questões negativas, visua
15
compreender que estes sujeitos são inteligentes e apresentam plenas condições
para aprender. Porém, pude constatar também que as práticas pedagógicas
direcionadas para essa modalidade estão aquém de suas reais possibilidades.
No convívio com outros profissionais da educação verifiquei, acompanhei e
mediei inúmeras discussões, com destaque às que tratavam da inserção ou não
de pessoas com necessidades especiais no Sistema Regular de Ensino, ou seja,
a inclusão. Essas discussões na sua maioria centravam-se em fatores
institucionais, sociais e pedagógicos que circundam a trajetória de vida e de
escola desses sujeitos, porém, permanecendo sem muitas inovações. Estes fatos
instigavam-me a entender o porquê tanto se discutia sobre as pessoas com
história de deficiência e nada se questionava a elas, que são plenamente capazes
de opinar, criticar e mesmo apreciar uma dada situação, desde que instigadas a
falar. No entanto, em conseqüência da precária formação do profissional que atua
na escola regular, esses sujeitos são apenas mais um número entre tantos outros.
As trajetórias escolares das pessoas com necessidades educacionais
especiais em cada momento histórico revelam uma forma peculiar de concebê-
las, perpassando do modelo médico assistencialista à institucionalização, da
integração à inclusão, atualmente muito discutida.
O fato de a inclusão ser discutida entre os educadores, pelo aspecto da
legalidade, se torna um inconveniente a cada momento em que se verifica a
exclusão explícita de pessoas com necessidades educacionais especiais, que se
constituem alvos de muitas pautas. Todavia, o convívio com a diversidade tem
impulsionado algumas escolas e seus sujeitos a repensarem sua função política e
social. Muitas escolas têm evidenciado preocupações não apenas em discutir a
legislação, mas, sobretudo em efetivar formação continuada aos professores do
ensino regular.
Marcado por discussões, questionamentos, exclusões, descaso teórico-
metodológico, bem como a insuficiente formação do professor, esse contexto
mostrou a necessidade de buscar fundamentação teórico-prática, no intuito de
contribuir e aprofundar discussões com ênfase à melhoria da qualidade do
processo ensino-aprendizagem das pessoas com deficiência visual, efetivada por
um olhar para além da deficiência.
16
Nesta compreensão, a efetivação desta pesquisa torna-se importante à
medida que sinaliza contribuições para uma melhor compreensão das relações e
produção da existência por parte das Pessoas com Deficiência visual no mundo e
para com o mundo. Pretende-se, por meio desta pesquisa, questionar os
paradigmas implícitos no conformismo em certas “naturalizações” (AMIRALIAN,
1997) sobre a ausência de visão e dar visibilidade aos mecanismos, no caso a
fala, o concreto e a sinestesia, recursos que esses sujeitos utilizam para
representar e significar a realidade.
Pesquisar este tema implica em ampliar contribuições à Escola Regular, e
a CAEDV, bem como à família, à comunidade e ao mercado de trabalho. Além
disso, visa instigar planejadores de políticas para um melhor entendimento das
reais capacidades das pessoas com história de deficiência visual. Historicamente,
essas pessoas são subestimadas ou avaliadas de maneira equivocada quanto às
suas capacidades. Assim, as contribuições aqui pretendidas podem repercutir no
processo de inclusão social desses sujeitos.
Este trabalho está caracterizado pelos pressupostos da pesquisa
qualitativa, enfocando aspectos teóricos e empíricos que consubstanciaram as
análises dos dados, visando uma melhor compreensão de fenômenos relativos à
deficiência visual, possibilitando questionar a forma como os sujeitos com e sem
história de deficiência se sentem frente ao processo ensino aprendizagem, quanto
às suas formas de participação e interação nas aulas. Dessa forma, a pesquisa
possibilita ainda uma reflexão sobre as situações peculiares em que a inteligência
humana pode superar uma determinada limitação.
Esta pesquisa apresenta fundamentos teóricos de caráter sócio-histórico,
subsidiados principalmente por Vygotsky
3
, Freire
4
, Amiralian
5
, Ross
6
, Carrol
7
e
Rancière
8
.
3
LEV S. VYGOTSKY - professor e pesquisador. Construiu a sua teoria
tendo por base o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio-histórico,
enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento, sendo essa teoria
considerada histórico-social. Sua questão central é a aquisição de conhecimentos pela interação
do sujeito com o meio. Defende a mediação por ser uma idéia central para a compreensão de
suas concepções sobre o desenvolvimento humano como processo sócio-histórico, uma vez que o
homem não tem acesso direto aos objetos, mas acesso mediado. Enfatiza a construção do
conhecimento como uma interação mediada por várias relações, ou seja, pela mediação feita por
outros sujeitos.
4
PAULO REGLUS NEVES FREIRE - notável empenho direcionado à educação popular,
voltada tanto para a escolarização como para a formação da consciência. É considerado um dos
17
O tema escolhido vem sendo refletido e questionado desde antes e durante
o meu contato profissional com pessoas que apresentam história de deficiência,
principalmente por acreditar que o ser humano em situações de aprendizagem
precisa ser sujeito. Reflexão exige ação, mas apenas refletir não basta, é preciso
agir. Nesse sentido, a palavra falada, para efeito deste trabalho, foi tomada
enquanto possibilidade que os homens têm de se fazer presentes e atuantes.
Logo, analisar as falas dos seis sujeitos com história de deficiência visual
adquirida e/ou acentuada no início da escolarização, que contribuíram para a
pesquisa empírica deste trabalho, significou para mim muito mais que um
processo metodológico, pois caracterizou o ato explícito de devolver a vez e a voz
a esses sujeitos, cuja história de deficiência, segundo a expectativa do outro, os
aprisionam e os oprimem.
No anseio de buscar a compreensão sobre a forma como esses jovens e
adultos percebem as situações e contextos de aprendizagem escolar, a pesquisa
pensadores mais notáveis na história da pedagogia mundial, tendo influenciado o movimento
chamado pedagogia crítica.
5
MARIA LÚCIA TOLEDO MORAES AMIRALIAN - Docente nos cursos de graduação e
pós-graduação do Instituto de Psicologia da USP, doutora em psicologia clínica e coordenadora do
Laboratório Inter-unidades para Estudos das Deficiências (LIDE). Seus estudos visam explicitar
uma compreensão do funcionamento mental da pessoa cega através do desenho-estória,
buscando estabelecer a relação dos significados que essas pessoas atribuem nessa forma de
representação que refletem na personalidade.
6
PAULO ROSS – Suas contribuições visam à reflexão por parte de escolas e educadores
propondo, a partir de vasta contribuição teórica, resgatar a individualidade e identidade dos
sujeitos com necessidades especiais enquanto seres situados nas relações sociais mais amplas
nas quais os mesmos são igualmente determinados pelas conseqüências da divisão social do
trabalho e das formas desiguais de distribuição social do conhecimento. Instiga aos educadores a
compreenderem a condição de opressão e inferiorização também vivenciadas per essas pessoas
e contribui para que se forme uma concepção crítica em relação às necessidades especiais o que
passa pela assunção explícita, discursivamente no projeto pedagógico e no plano prático, na
organização e direção da aula, com vistas a abrir às pessoas com história de deficiência
oportunidades reais de participar ativamente nos programas curriculares, manifestar seus saberes
e idéias, transitar livremente no objeto de estudo que lhes é proposto e, enfim, apropriar-se de sua
individualidade.
7
PADRE THOMAS J. CARROL – o autor procura analisar as perdas decorrentes da
perda visual, enfatizando a necessidade da conscientização dos limites da nova condição.
Resgata a idéia de que mesmo sob as novas condições essas pessoas “são normalmente
capazes”.
8
JACQUES RANCIÈRE - Debulha a experiência da concepção e da produção do Método
de Ensino Universal, configurado na Emancipação versus embrutecimento. É o tenso binômio que
serve de horizonte para a análise da hipótese que qualquer um, com base no que sabe, pode
descobrir pontos de articulação com o que não sabe. “O que embrutece o povo não é a falta de
instrução, mas a crença na inferioridade de sua inteligência”, afirma. Jacotot desloca essa questão
quando afirma que a virtude da nossa inteligência está mais em fazer do que em saber. E, como
esse fazer é, fundamentalmente, um ato de comunicação, é pela fala que o saber prolifera: “os
pensamentos voam de um espírito a outro nas asas da palavra”, diz o mestre; “todo saber fazer é
um querer dizer”, verifica Rancière.
18
realizada no espaço do CAEDV, seguida de visitas com caráter de observação
assistemática na Escola Regular perpassou pelas seguintes problemáticas:
Que interpretações esses Jovens e Adultos com história de
deficiência visual manifestam sobre as situações e contextos de
aprendizagem?
Que valores esses alunos atribuem à aprendizagem escolar?
Que espaço educativo – regular ou especializado – possibilita a
participação interativa desses sujeitos?
Assumir a concepção sócio-histórica implica que as investigações deste
trabalho possibilitem análises, embora limitadas, nas representações efetivadas
por esses jovens e adultos no âmbito da cultura produzida nas e pelas relações
sociais.
19
4. Identificar as situações que se configuram como restrições ou rotulações
negativas, e que significados atribuem os sujeitos a essas condições;
5. Analisar como os sujeitos compreendem os desafios, as necessidades e
exigências do contexto social e do contexto escolar;
6. Identificar que significados atribuem às aprendizagens escolares para a
sua prática social;
7. Identificar situações pedagógicas em que o jovem ou adulto com história
de deficiência visual é desafiado para manifestar argumentos acerca de
textos, contexto, fatos e histórias trabalhadas no espaço escolar;
8. Comparar a relação ensino aprendizagem no CAEDV e na escola regular;
9. Identificar as habilidades para aprender, reconhecidas em si, pelo próprio
sujeito com história de deficiência visual.
Para efeito de organização e compreensão, esta dissertação apresenta na
introdução aspectos gerais da pesquisa, envolvendo tema, justificativa, problema,
pressupostos, bem como os objetivos, geral e específicos, e a metodologia.
No primeiro capítulo é apresentada a fundamentação teórica, elaborada a
partir dos aspectos: perspectiva sócio-histórica e a aprendizagem do jovem e
adulto com história de deficiência visual; o jovem e adulto com história de
deficiência visual; e ainda, a palavra e a aprendizagem do jovem e adulto com
deficiência visual.
No segundo capítulo são indicados os passos metodológicos,
compreendidos em: aspectos teóricos da pesquisa qualitativa, o campo da
pesquisa, os sujeitos e procedimentos para coleta e análise dos dados.
No terceiro capítulo são abordadas as Representações Conceituais nas
Vozes dos Sujeitos, compreendidas em três temas e por questões norteadoras.
Finalmente, nas considerações finais é retomado o processo da pesquisa,
no intuito de tecer as considerações sobre os significados que esses jovens e
adultos atribuem às situações e contextos de aprendizagem escolar.
20
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Aprendi imersa na diversidade do mundo feito
de obstáculos e desafios quotidianos. Talvez essa
tenha sido a principal ou a mais importante lição que aprendi
dentro e fora da escola (SÁ, 2002).
1.1 PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA E A APRENDIZAGEM DO JOVEM E
ADULTO COM HISTÓRIA DE DEFICIÊNCIA VISUAL
A análise acerca da aprendizagem do jovem ou adulto com necessidades
educacionais especiais, em específico na área da Deficiência Visual, toma como
referencial as contribuições da teoria sócio-histórica, buscando explicitar a forma
como tais pressupostos sinalizam enquanto subsídios nas práticas educativas
difundidas com jovens e adultos que apresentam deficiência visual.
Os fundamentos teóricos baseiam-se nas contribuições de Vygotsky e
autores que corroboram seus postulados, cujos objetos de estudo sejam
direcionados à educação de jovens e adultos.
O caráter sócio histórico e suas relações com a aprendizagem de Jovens e
Adultos com história de deficiência visual remete à compreensão que o processo
de construção do conhecimento ocorre via interação entre os sujeitos. Nesse
sentido, o sujeito que conhece, assim o é, porque se constitui socialmente
(ROSS, 2000). Essa condição é resultante do processo de interiorização, o qual é
direcionado socialmente tendo como base a experiência cultural difundida ao
longo das gerações (MOLL, 1996). A aprendizagem é um processo inerente ao
ser humano. O modo como o homem se relaciona o constitui também sujeito de
aprendizagem (ROSS, 2000).
Com base nessa idéia, Vygotsky salienta:
Nossa época compreende a deficiência visual como um problema sócio-psicológico e tem
em sua disposição três tipos de armas para luta contra a deficiência visual e suas
conseqüências: a profilaxia social (inspeção preventiva), a educação social e o trabalho
social do deficiente visual. A noção de profilaxia da deficiência visual deve ser concedida
para as vastas massas populares. É necessário liquidar o isolamento, a educação
orientada para a invalidez do deficiente visual e apagar a demarcação entre a escola
especial e a escola normal. A educação de uma criança deficiente visual deve ser
21
realmente organizada sobre os mesmos termos como a educação de qualquer criança
capaz de um desenvolvimento normal, (VYGOTSKY, 1989, p. 87).
É importante destacar que a citação anterior situa o processo educacional
da criança com Deficiência Visual. No entanto, são questões que requerem igual
atenção ao se tratar do processo educacional do jovem e adulto com história de
deficiência visual, pois as aprendizagens futuras dependerão das condições de
aprendizagens anteriores, ou seja, ainda na tenra idade (AMIRALIAN, 1997).
Nessa perspectiva, o processo de desenvolvimento e aprendizagem segue
as mesmas leis gerais, tanto para pessoas com deficiência visual quanto para as
que enxergam. Logo, “não existe nenhuma diferença de princípio entre a
educação da criança vidente e da criança cega” (VYGOTSKY, 1989, p. 35). Há,
no entanto, a necessidade de adaptações metodológicas para que as
especificidades desses sujeitos sejam atendidas pela ação mediadora do
educador.
Esse fato reforça a idéia de que a presença da deficiência não determina
limites à capacidade de aprender, senão pelas condições sociais. Com isso,
reafirma-se que todos os educandos e educandas se igualam em termos de
capacidade para pensar, raciocinar, na capacidade de ser sujeitos éticos,
culturais, humanos, cognitivos e de aprendizagem (ARROYO, 2004). Nas
palavras de Marx (1999, p. 6): “aquilo que os indivíduos são, depende, portanto,
das condições materiais de sua produção”, ou seja, é pelas infinitas capacidades
de produção que o ser humano se revela.
No entanto, as condições para tal produção não estão postas naturalmente,
senão pela interferência do meio social, pois, "os homens fazem sua própria
história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua
escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e
transmitidas pelo passado" (MARX, 2000, p. 4).
É a tomada de consciência histórica, que se dá então pelo processo de
vida real. A consciência é determinada pela vida, logo, a consciência da pessoa
com deficiência visual, acerca de suas capacidades de produção, está
inteiramente relacionada às expectativas do outro. Ocorre que, nesse mesmo
contexto de vida real, a PcD constitui-se tão somente deficiente cujas
22
capacidades oscilam ora em extremos de inferioridade ora em poderes
sobrenaturais, pois,
De um lado, os cegos são concebidos e descritos, nas estórias cotidianas, como pobres,
indefesos, inúteis e desajustados. Muitas vezes, são tolos e dignos de piedade: assim, os
casos de pessoas cegas vendedoras de bilhete, ou cegos cancioneiros do Nordeste, que
cantam suas mazelas em troca de moedas para a sua subsistência. Por outro lado, há
também a visão do cego possuidor de insight e poderes sobrenaturais. Existe a idéia
comum do sexto sentido dos cegos. Os cegos misteriosos, possuidores de dons que os
tornam capazes de um conhecimento que ultrapassa o tempo e o espaço, e que está além
das aparências. Há também a consideração dos cegos como seres extrema e
pateticamente bons, moralmente superiores aos videntes, por estarem isentos da
superficialidade do mundo visual; ou então, ao contrário, como sujeitos protótipos da
maldade e imoralidade. (AMIRALIAN, 1997, p. 23).
Seja qual for a conotação simbólica, o que prevalece no imaginário social é
a condição de deficiência determinando as condições de existência, ou seja, é o
sujeito sendo constituído por aquilo que o meio lhe impõe a ser.
Contrariando as falsas idéias acerca da pessoa com história de deficiência
visual, Marx alerta que o homem, nesse caso a PcD, não pode ser analisado pelo
extremismo empírico ou pelo abstracionismo, uma vez que esses mesmos
“homens devem estar em condições de poder viver [consciente], a fim de fazer
história” (MARX, 1999, p. 19).
A consciência é um produto social e continuará a sê-lo enquanto os
homens existirem. Salienta-se, contudo, que no tocante a aprendizagem é
evidente que a verdadeira riqueza intelectual de cada indivíduo depende apenas
das riquezas de suas relações (MARX, 1999).
As contribuições teóricas até aqui apresentadas reafirmam a idéia que a
capacidade para aprender e desenvolver é infinita e inerente a todo ser humano,
assim como o próprio homem se constitui num “projeto ilimitado” (BOFF, 2004).
A deficiência não determina a incapacidade para aprender, uma vez que a
presença da deficiência visual por si mesma é um efeito biológico, e de nenhum
modo será um efeito social, porém, as conseqüências da deficiência serão todas
em termos sociais (VYGOTSKY, 1989).
A aprendizagem é fundamental para o desenvolvimento do ser humano
desde o seu nascimento. É via aprendizagem que o sujeito se desenvolve, a
escola passa a ter uma função primordial no processo do aprender das pessoas
23
que apresentam deficiência visual. Por apresentar a limitação sensorial esses
sujeitos podem estar impedidos de realizarem certas ações, porém em geral
apresentam inúmeras capacidades que lhes permitem participar e realizar uma
série de atividades que garantem sua independência.
Pertencer a uma determinada sociedade, pós o advento da escrita, implica
na necessidade de aprender a ler e a escrever, comunicar-se e expressar
pensamentos por meio da escrita, interpretar textos, fazer leituras de forma crítica,
podendo transformar a própria realidade.
Contudo, o fato de se tomar a visão como uma extensão do tato, pode-se,
equivocadamente, atribuir à visão um maior poder de racionalização, ao passo
que a ausência da visão remete a idéia de um incremento ao contato primitivo
(AMIRALIAN, 1997).
A necessidade de exploração e descobertas pelo plano do concreto, não
significa a condição de regressão. Embora, a PcD visual necessite dos recursos
concretos que a auxiliarão na aprendizagem, isso não descaracteriza sua
condição de um ser em constante “protest-ação” (BOFF, 2000). Para esse autor,
os “seres humanos, têm uma existência condenada - condenada a abrir novos
caminhos, sempre novos e sempre surpreendentes” (BOFF, 2000, p. 23).
É nas surpresas que as pessoas cegas se revelam enquanto sujeitos com
potencial de aprendizagem tão significativo quanto a de qualquer pessoa que
dispõe da visão.
Essas possibilidades são essenciais para que o ser humano sinta-se ser no
mundo e com o mundo (FREIRE, 1987). Estar ciente do que acontece no mundo,
dos avanços que ocorrem em todas as áreas do conhecimento e da cultura
humana, bem como das possibilidades de manifestar algo aprendido são
importantes para todas as pessoas, independente da classe social ou das
condições biológicas que apresentam (CARROL, 1968).
As possíveis condições de existência do ser humano são analisadas por
BOFF (1997), e se convertem em importantes subsídios para a reflexão a respeito
da condição na qual se encontra a pessoa com história de deficiência visual. Na
obra A águia e a galinha, o autor alerta que tais dimensões podem situar o ser
humano, ora numa condição metafórica à galinha, caracterizada pelo
enraizamento do cotidiano, dos limites e obstáculos que se apresentam à pessoa
24
com história de deficiência visual, ora à condição relacionada simbolicamente à
águia, representada pela expansão, pelo desejo, pela ruptura das inúmeras
barreiras sociais frente ao desafio e aos novos horizontes.
Essas reflexões produzem questionamentos relevantes, no sentido de
explicitar se as condições para aprendizagem postas socialmente, em específico
no âmbito da educação formal, possibilitam às pessoas com deficiência visual a
condição de águias ou galinhas. Helen Keller já alertava que nunca se deve
engatinhar quando o impulso é voar.
A partir da vivência profissional realizada na educação desses jovens e
adultos, em contextos da escola regular, (EJA, EF e EM)
9
, constatam-se práticas
homogeneizantes que se revelam inibidoras das possibilidades dessas pessoas
constituírem-se águias. No entanto, ao propósito desta pesquisa de caráter
exploratório é coerente que os sujeitos jovens e adultos com história de
deficiência visual manifestem-se acerca da questão.
O processo de conscientização enquanto sujeito histórico cultural exige a
ação no mundo, ação mediada por instrumentos e signos. Estar no mundo
apenas na condição de deficiente pode constituir-se em obstáculo significativo.
Nesse sentido, as marcas sociais determinam também o curso da aprendizagem,
embora seja constatável que a aparência gerada pela deficiência em si não
determina o que a pessoa é ou virá a ser (ROSS, 2000).
Fatores como a idade “avançada e inadequada”, de acordo com o que é
estabelecido como tempo propício para a aprendizagem, segundo a lógica escolar
que está posta
10
; o tempo reduzido para dedicar-se às atividades escolares; e as
próprias histórias de vida podem impulsionar o desenvolvimento da suposta idéia
de dificuldades na aprendizagem. No entanto, cabe refletir que, se o processo de
aprendizagem é um tanto complexo para o aluno que enxerga, tal complexidade
pode-se acentuar no caso do aluno com deficiência visual.
Ao adentrar na escola, todo aluno, seja criança ou adulto, espera encontrar
um espaço aconchegante onde tenha a oportunidade de aprender e desenvolver-
9
Modalidade da Educação Básica, definida como Educação de Jovens e Adultos – EJA.
Ensino Fundamental – EF e Ensino Médio - EM.
10
A idéia de que a aprendizagem acontece numa lógica linear, do simples para o
complexo, dentro de cada etariedade, ou seja, conteúdos próprios para a idade x, y, e assim
sucessivamente.
25
se enquanto sujeito histórico. No entanto, as “marcas” sociais que impregnam o
contexto escolar encarregam-se também de “marcar” a vida de seus educandos.
O sujeito concebido enquanto um ser histórico e social é também
compreendido enquanto um sujeito ativo, criador e reflexivo. Ao atuar sobre uma
dada realidade adquire condições de criar novos elementos que atenderão novas
necessidades. Esse movimento de constante produção reflete a condição em que
se situa o sujeito, o que permitirá mudar ou aceitar.
Sob o ponto de vista inato, a presença da deficiência implica
necessariamente em perda. Assim, estar no mundo na condição de deficiente
visual é viver na suposta escuridão.
Compreender a PcD visual enquanto sujeito histórico implica na exclusão
do silogismo que atrela a deficiência com perda ou escuridão. Ser sujeito é
conhecer e contestar o mundo nas suas interações (ROSS, 2000).
Embora pareça um equívoco generalizar que no cotidiano há a relação
deficiência-perda-escuridão, não o é. De fato, nas teorias, nas palavras desses
sujeitos, essa relação não se evidencia. No entanto, essa forma de pensar a
deficiência visual enquanto eterna escuridão se revela freqüentemente nas ações
das pessoas que as cercam, nos modos como se toma as PcD visual, enquanto
incapazes de locomover-se independentemente como numa simples descida de
escadas, ou na impossibilidade de aprender uma linguagem artística de caráter
visual, interagir, brincar, movimentar-se, enfim, uma ilimitada lista de restrições
que gradativamente vai sendo tecida, segundo a lógica de quem detém o ‘poder’
da visão.
Essa forma de agir frente às PcD visual pode ser caracterizada como uma
forma de exclusão oculta, a qual se configura por atitudes explícitas que
provocam o isolamento real através dos freqüentes impedimentos acarretados a
vida do sujeito, os quais geram impactos objetivos.
Compreender os sujeitos dessa forma revela bases fecundas em teorias
cujos pressupostos explicam, ou ao menos tentam explicar o desenvolvimento
humano a partir do determinismo biológico. Nessa lógica, o conhecimento é
exclusividade do sujeito, ou seja, a partir de características natas
predeterminadas. Essa condição a priori independe da participação do meio em
qualquer atividade relacionada ao conhecimento e, o indivíduo nasce pronto, a
26
relação com o conhecimento se faz pelo conhecido processo “S O” (BECKER
1993, p. 15).
A base desse pressuposto atribui ao fator hereditariedade e maturação
considerável relevância. Logo, um sujeito cujo olho e funções visuais
permanecem imaturos está fadado ao fracasso.
Foram inúmeros os estudiosos dessa teoria, com destaque aos trabalhos
desenvolvidos nas primeiras décadas do séc. XX por Alfred Binet (TELFORD,
1983) e Arnold Gesell (MUSSEN, et al, 1995). Para os referidos teóricos, os
fatores biológicos impõem-se como função central no desenvolvimento do sujeito.
A inteligência e as aptidões próprias de cada um são atributos herdados dos pais,
da mesma forma que as características físicas (cor dos olhos). Implica, pois, em
prontidão desde o nascimento. Binet interessou-se pela psicologia da criança e
pela área da deficiência, com o intuito de explicar as diferenças comportamentais,
em específico às relacionadas à inteligência, que é compreendida como uma
aptidão inata do ser humano, não tendo relação com as experiências e
aprendizagens. Nesse processo a evolução do ‘sujeito psíquico’ é determinada
biologicamente.
Ocorre, pois, que esse modo de compreender o desenvolvimento humano
acarretou sérias implicações ao contexto pedagógico. O ápice desses
fundamentos na escola manifestava-se na prática do período preparatório que
antecedia a alfabetização. Tais fundamentos, obviamente, ecoaram também
sobre as práticas na educação especial, vislumbrada pela espera do
amadurecimento, do domínio manual para depois intelectual, da coordenação
motora na reglete
11
para a posterior prática de leitura e assim sucessivamente,
num processo de igual modo hierárquico, do simples para o complexo.
Essas práticas, embora pareçam distantes, se fazem tão presentes como
nunca e se evidenciam nos anos e anos que os sujeitos com história de
deficiência visual permanecem sob os domínios do profissional especialista até
que saibam, respectivamente, escrever e ler em Braille, para aí então
ingressarem no ensino regular.
11
Espécie de régua, contendo seis celas Braille que permite à pessoa com história de
deficiência visual, impedidas de escrever em tinta, realizar tal prática com a simbologia Braille.
27
Então, a fim de contrapor a visão estritamente biológica, apresentam-se,
praticamente no mesmo período histórico, os fundamentos empiristas cuja
preponderância se configura no papel das experiências.
A abordagem de desenvolvimento empirista reforça a idéia que o
conhecimento é algo que vem do mundo objetivo. Portanto, o mundo dos objetos
é determinante do sujeito, e não o contrário, como a priori essa relação se dá pela
hipótese “S O” (BECKER, 1993 p. 15). O elemento mais importante nessa
visão é a experiência.
As ações e habilidades próprias de cada indivíduo são determinadas por
suas experiências no meio em que vive. Dentre os teóricos da referida
abordagem, conhecidos como comportamentalistas ou behavioristas, destacam-
se Ivan Petrovitch Pavlov (POZO, 2002), criador da teoria do condicionamento
clássico, Edward Lee Thorndike (BEYER, 1996), autor da teoria Conexionista, e
Burrhus Frederic Skinner (POZO, 2002), que elaborou a teoria do
Condicionamento Operante.
Nessa visão, a relação experiência mais ambiente resulta em um
determinado comportamento no indivíduo. Nega-se, com isso, a possibilidade de
aptidões inatas que gerariam respostas comportamentais a determinados
estímulos. Defende-se a idéia do comportamento observável, e, embora essa
abordagem não negue a existência de fatores e processos internos no
desenvolvimento do indivíduo, consideram que esses, por não serem
observáveis, são impossíveis de comprovar. O fator possibilidade ou não de
observação rejeita a introspecção e tudo que não possa ser comparado, testado e
experimentado à luz da ciência natural. Com isso, o comportamento observável é
determinado pelo repertório de experiência e aprendizagens que se acumulam ao
longo da vida. Para Locke:
A experiência é o fundamento de todo o nosso saber. As observações que fazemos sobre
os objetos sensíveis externos, ou sobre as operações internas de nossa mente, e que
percebemos, e sobre as quais refletimos nós mesmos, é o que supre o nosso
entendimento com todos os materiais de pensamento. Assim, o uso da razão, embora
capaz de produzir idéias e conhecimentos, será exercido sempre, em última análise, sobre
os dados da sensação (LOCKE, citado por PESSOTI, 1984, p. 22).
28
Com base nessas análises, os fundamentos empíricos ou ambientalistas se
fazem presentes nas ações pedagógicas, revelando-se nelas as práticas de
superproteção a espera da maturidade biológica e o excesso de recursos
concretos, fazendo com que os sujeitos com história de deficiência visual
permaneçam no plano da percepção do mundo real imediato.
Num primeiro momento, diante da supervalorização das condições
biológicas inatas em detrimento da pessoa e, à medida que o sujeito começa a
ser percebido, vê-se aflorar a idéia de que o acesso às diversas experiências, via
sensação, resolveria os problemas frente à aprendizagem. Assim, para a pessoa
com história de deficiência visual resta o percurso da própria sorte, uma vez que,
justamente o canal sensitivo de maior vitalidade - segundo esses fundamentos -
os olhos, estão afetados, logo, suas possibilidades para aprender estarão também
limitadas.
A mente da pessoa com deficiência visual, considerada papel em branco,
deixa então de ser preenchida. Não visualizar significa não ter a possibilidade de
imprimir as marcas experienciais que dariam forma ao pensamento.
Constata-se, assim, uma forma redutora que ignora o fato de que a
sensação em si e por si mesma não resulta em aprendizagem consciente. O ato
de sentir não permite a conscientização, sequer dos elementos constituintes de
determinadas sensações. Implica, pois, que o meio por si só não se constitui
“estímulo”, e o sujeito, por si só, não se constitui “sujeito”, o que requer a
necessidade da mediação (BECKER, 1993).
Assim, a aprendizagem das pessoas com história de deficiência visual se
processa em meio à interação grupal, na qual suas experiências, opiniões e
decisões sejam tomadas como base para o desenvolvimento do ensino. Salienta-
se aqui que as experiências terão importância sempre que tomadas como base
para a reflexão-ação-criação.
Corroborando essa idéia, García alerta:
Os adultos aprendem em situações diversas, em contextos mais ou menos organizados,
em situações formais, organizadas, planificadas e que se desenrolam em instituições
formativas. Nestas situações formais podem existir diversas modalidades de atividades
em função do nível de responsabilidade e de autonomia dos adultos, como desde uma
situação fortemente controlada pelo formador, devido à ausência de competência e
conhecimento por parte dos adultos [...], até situações formais de aprendizagem nas quais
são os próprios adultos que, no âmbito de um programa estabelecido e negociado, podem
29
dirigir a atividade de formação na medida em que possuem conhecimentos, experiência e
motivação, (GARCÌA, 1999, p. 50).
Nesse contexto, ao se tratar de pessoas com deficiência visual, entende-se
que além de permitir-lhes a participação nos contextos sociais, como a escola, é
preciso ainda garantir-lhes condições para que a aprendizagem aconteça
(CUBERO, 2004).
No entanto, ao se atribuir papel relevante à visão nas relações que se
estabelecem com o meio, pela capacidade de perceber imagens e
representações visuais, incorre-se à exposição do sujeito a julgamentos
equivocados que os identificam enquanto incapacitados. Essa condição nega
principalmente a condição do desenvolvimento cultural do homem, enquanto
aspecto fundamental para a constituição social.
Nessa perspectiva, aprender pressupõe a instrumentalização e a
simbolização, por parte dos sujeitos, ainda na tenra idade. A partir disso, é
importante analisar como se efetivou esse processo para a pessoa com história
de deficiência visual, uma vez que a limitação visual revelava-se à medida que o
sujeito se desenvolvia, constituindo-se perda total ou acentuada, no início do
processo de escolarização formal.
Nesse sentido, embora, a “inteligência prática e o uso de signos possam
operar independentemente em crianças pequenas, a unidade dialética desse
sistema no adulto humano constitui a verdadeira essência no comportamento
humano complexo” (VYGOTSKY, 1991, p. 26).
Os processos psicológicos superiores se efetivam pela instrumentalização
mediada. No entanto, como se dá essa relação no jovem ou adulto que apresenta
deficiência visual adquirida? A atividade simbólica tem a função organizadora, que
invade o processo do uso de instrumento para dar forma a novos
comportamentos.
Nesse processo, “O momento de maior significado no curso de
desenvolvimento intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de
inteligência prática e abstrata, acontece quando a fala e o uso de signos são
incorporados a qualquer ação, esta se transforma e se organiza ao longo de
linhas inteiramente novas” (VYGOTSKY, 1991, p. 27).
30
Ao perder a visão, importantes perdas vão se delineando na vida do
sujeito, “a perda da percepção, perda na aquisição de informações, perda na
habilidade de se manter atualizado ou perda do contato com o dia presente. É
uma parada enquanto o mundo caminha, na verdade, é um retrocesso, pois
coloca a pessoa cega em posição inferior à posição anterior” (CARROL, 1968, p.
23).
Essa nova forma de existência pode, então, conferir “ao sujeito um lugar
para todo o sempre à margem dos homens sadios” (AMIRALIAN, 1997, p. 31).
Na perspectiva sócio-histórica, dentre as conseqüências da perda da visão
estão os danos no processo de construção simbólica. A instrumentalização, um
processo já comprometido pela baixa qualidade visual, agora se encontra
totalmente dependente das ações de outros, pois, “as crianças resolvem suas
tarefas práticas com a ajuda da fala, assim como dos olhos e das mãos”
(VYGOTSKY, 1991, p. 35). Desses fatos é possível refletir acerca das
consideráveis perdas que o jovem ou adulto com história de deficiência visual
vem agregando ao longo da vida.
A percepção visual é elemento essencial no processo de construção dos
signos. Esse processo evolui de estágios elementares, evidenciados quando a
criança, para nomear seus desenhos, precisa antes visualizá-los para, à medida
que se desenvolve, adquirir independência em relação ao seu ambiente concreto
imediato (VYGOTSKY, 1991).
Embora a observação não ocorra somente via visão, os prejuízos
acarretados com a perda dessa são consideráveis, comprometendo até mesmo o
processo de significação, uma vez que esse processo parte de um campo
perceptivo para, com o auxilio dos signos, ampliar as possibilidades do controle
da atividade.
Ressalta-se então que o processo psicológico engloba duas funções: “as
intenções e as representações simbólicas das ações propositadas” (VYGOTSKY,
1991, p. 48). Isso pressupõe a evidência relacional entre necessidades e
motivações que desencadeará a ação “voluntária como um produto histórico
cultural [...] com destaque a uma liberdade exacerbada, a qual é
31
incomparavelmente menos característica nas crianças e, provavelmente, em
adultos iletrados” (VYGOTSKY, 1991, p. 49).
A evolução dos processos psicológicos elementares até os níveis mais
superiores se dá pela presença dos signos. No primeiro momento é predominante
a relação determinada pelo estímulo ambiental e, com os avanços conquistados
em níveis superiores, têm destaque a estimulação autogerada. Logo, o uso de
signos conduz os seres humanos a uma estrutura específica de comportamento
que se destaca do desenvolvimento biológico e cria novas formas de processos
psicológicos enraizados na cultura (VYGOTSKY, 1991).
Considerar a história cronológica da perda visual é importante para que se
relacione também o processo de perdas pelo qual o aspecto cognitivo foi se
desenvolvendo. Tais perdas tendem a separar o cego do mundo das pessoas,
uma vez que em grande medida as pessoas que perdem a possibilidade de
visualizar o mundo que as cercam são tolhidas na obtenção de informações
visuais (CARROL, 1968).
Sobre esse fato é importante considerar que “o mundo não é visto
simplesmente em cor e forma, mas também como um mundo com sentido e
significado” (VYGOTSKY, 1991, p. 44).
Em âmbito especificamente educacional, a idade em que a perda visual
ocorreu é extremamente relevante. Biologicamente, as funções visuais
(BARRAGA, 1986) compreendem desde os movimentos fisiológicos até a
percepção aguçada que permite ao sujeito identificar, discriminar, perceber
detalhes, semelhanças, diferenças, cores, tamanhos, enfim, tarefas visuais que se
iniciam no nascimento e se completam por volta da idade de cinco a seis anos de
idade. Esse processo, embora muito ligado ao aspecto biológico, em grande
medida necessita das “condições sócio-históricas” (LURIA, 2001) para que se
complete. Algumas PcD visual sequer chegam a concluir essa etapa. É a partir
dos estímulos visuais que se tem acesso a uma gama de informações e que as
relações vão se estabelecendo de modo que chegue às condições de abstração e
generalização. O processo de desenvolvimento visual ocorre ao longo da idade
precedente à escola e qualquer comprometimento nesse ‘trajeto’ acarreta em
prejuízos que serão evidenciados principalmente ao adentrar na escola.
32
É importante destacar que um adulto cuja perda visual se concretizou após
a inserção na escola terá determinados impedimentos, e esses, no processo de
aprendizagem, serão bem diferentes daqueles que perderam a visão na, ou antes
da entrada no processo de escolarização.
Sem reduzir-se ao experiencionismo, é evidente a influência do meio na
promoção de condições pelas quais a PcD visual possa aprender e desenvolver-
se. Nesse contexto, Lima (2005, p. 10) afirma que “as possibilidades de construir
o novo, novos comportamentos, movimentos, formas de comunicar-se ancoram
nas aquisições anteriores”. As condições biológicas referentes à perda visual não
serão determinantes, mesmo para os adultos, salvo se o olhar do educador
desconsiderar a relevância de sua ação mediadora, que nesse caso consiste em
ter também uma gama de recursos táteis que facilitarão a compreensão por parte
do jovem ou adulto cego.
As pessoas que são acometidas pela cegueira ou baixa visão acentuada
antes dos sete anos, já terão o processo de construção simbólica desenvolvido,
desde que o meio tenha propiciado condições adequadas para tal. Se esse
processo foi devidamente estimulado pelo meio, e “a criança já tenha
desenvolvido habilidades que impulsionem a aquisição da leitura e escrita com
aquisição da sintaxe, terá então recursos que a ajudarão a realizar operações
mentais simbólicas e servirão, também, de suporte para a aprendizagem de
sistemas simbólicos como o Braille” (LIMA, 2005, p. 10).
Nesse sentido, entende-se que o processo de aprendizagem escolar –
estruturado especificamente pelas habilidades de leitura, escrita, análise e
interpretação de fatos e fenômenos, bem como o uso autônomo dessas
aprendizagens de caráter formal, resulta não apenas do processo pedagógico que
envolve o processo ensino-aprendizagem propriamente dito, mas, de igual modo,
das relações subjacentes a isto.
O pensamento é gerado pela motivação, isto é, por desejos, necessidades,
interesses e emoções, aspectos que não são natos. Se a cada manifestação do
pensamento há uma manifestação da vontade subjetiva (VYGOTSKY, 1991),
permitir aos sujeitos falarem sobre os contextos de aprendizagem possibilitará
uma melhor compreensão de como os jovens e adultos com história de
deficiência visual sentem-se nas situações de escolarização.
33
1.2 O JOVEM E O ADULTO COM HISTÓRIA DE DEFICIÊNCIA VISUAL
Quem é o jovem ou adulto com deficiência visual?
Responder tal questionamento soa um tanto desafiador, pois
inadvertidamente incorre-se em risco de categorizações que lamentavelmente
configuram-se na própria história delineada socialmente acerca desses sujeitos.
Historicamente, a deficiência preponderou em diversas análises acerca
desses sujeitos. De alvo de piedade até a categorização de seres sobrenaturais,
foram transitando no mundo dos videntes e registrando suas marcas sob o
enfoque da deficiência, “a alta visibilidade e a natureza da deficiência, a cegueira
suscitou, efetivamente, a simpatia e a preocupação dos não-deficientes”
(TELFORD e SAWREY, 1983, p. 467).
Esse modo de compreender a condição das PcD visual reflete a influência
do olhar do outro, que, nessas condições, encarregaram-se culturalmente de
cercear a pessoa, do mesmo modo que visualmente elas foram cerceadas.
A forma negativa de intervir na vida desses sujeitos acarretou-lhes um
contexto que lhes impunha a imprestabilidade social, chegando mesmo a ser
considerados um peso.
Em geral, a história das PcD visual assemelha-se a de pessoas com outros
tipos de deficiências e, em sua essência, “os conceitos foram evoluindo conforme
as crenças, valores culturais, concepção de homem e transformações sociais que
ocorreram nos diferentes momentos históricos” (BRUNO e MOTA, 2001, p. 25).
A análise acerca do jovem e adulto com deficiência visual está situada num
contexto sócio-histórico em que as concepções acerca dessas pessoas oscilavam
entre o bem e o mal. Contudo, acima da condição de pessoa com história de
deficiência visual estava a capacidade de revelarem-se enquanto pessoas.
Num breve recorte da história de pessoas cegas que se destacaram,
apresentado pela Secretaria de Educação Especial, verificam-se imensuráveis
contribuições que revelam a infinita capacidade intelectual do ser humano. Dentre
essas pessoas, destacam-se:
34
Homero – para alguma figura lendária – teria sido o responsável pelo registro de fatos
sociais que possibilitaram o levantamento da história de um povo. Didymus de Alexandria,
Séc. IV d.C., professor de Filosofia, Teologia, Geometria e Astrologia. Nicholas
Saunderson (1682-1739) um dos mais renomados cientistas pessoa com história de
deficiência visual. Matemático, foi professor de Cambridge e membro da Royal Society.
John Gough, biólogo inglês, especialista na classificação de animais e plantas. Leonardo
Euler, matemático, duas vezes premiado pela Academia de Ciências de Paris. François
Huber, zoólogo inglês, Séc. XVIII, tido como a maior autoridade sobre o comportamento
das abelhas (BRUNO e MOTA, 2001).
E ainda outros contemporâneos, dentre os quais Louis Braille e Helen
Keller (BRUNO e MOTA, 2001). Além desses, destacam-se as imprescindíveis
contribuições históricas dos muitos anônimos, como João, Valdir, e muitas Maria,
Ana, enfim, pessoas que mesmo em condições adversas fizeram e fazem história.
No entanto, a mesma história que revela as inúmeras contribuições dessas
pessoas retrata ainda um modo de concebê-las enquanto deficientes.
A condição de deficiência desses jovens e adultos pode ser analisada sob
vários enfoques. Para este momento, importa compreender a cegueira produzida
socialmente, a qual, com base numa visão extremista e destrutiva, concebe a
deficiência visual como a condição ápice da incapacidade.
A supervalorização da imagem, do belo, do estético e do perfeito acarreta
ao desviante a penalização pelo próprio desvio, que se manifesta pelo que FREIRE (1987)
denunciou de opressão e alienação. Nesse sentido, a cegueira instalada se
alicerça na impossibilidade de ação ou mesmo na negação camuflada, na
superproteção à presença da cegueira física.
Este fato se revela nas inúmeras situações cotidianas, como naquelas em
que a PcD visual fica a espera de alguém que a conduza a um determinado
espaço mesmo que já o reconheça diariamente, ou, como quando aguardam que
lhe organizem seus materiais sabendo que poderia fazê-lo independentemente.
A princípio, ao atuar de forma passiva frente à realidade, esses jovens e
adultos se negam na sua condição de sujeito. Ao negarem-se, expressam certa
“aderência ao opressor [que] não lhes possibilita a consciência de si como
pessoa, nem a consciência de classe oprimida” (FREIRE, 1987, p. 33). Trata-se
de um ‘eterno’ acomodar-se às condições, tais quais como são.
Para Telford e Sawrey, pode acontecer de
35
[...] a pessoa com história de deficiência visual sucumbir-se às pressões e expectativas
sociais engendradas pelo estereótipo cultural internalizando o papel e transformando-se
num indivíduo desamparado e dependente, que requer e tem direito a uma assistência
ampla, e/ou explorando deliberadamente, em seu próprio benefício, a compaixão e os
sentimentos de culpa dos que são dotados de visão, através da mendicância (TELFORD e
SAWREY, 1983, p. 479).
Embora o trajeto marcado por condições adversas em conseqüência da
deficiência visual possa ser configurado pela desumanização do homem às
incoerências da opressão, não se descarta, contudo, a possibilidade de
resiliência, por parte desses sujeitos, a qual se orienta pela busca da
humanização.
É, portanto, no jogo entre desumanização e humanização que se expressa
a condição sócio-histórica do jovem e adulto com deficiência visual, a
[...] luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação dos
homens como pessoas, como ‘seres para si’, não teria significação. Esta, somente é
possível porque a desumanização, embora seja um fato concreto na história, não é,
porém, destino dado, mas resultante de uma ‘ordem’ injusta que gera a violência dos
opressores e esta, o ser menos (FREIRE, 1987, p. 30).
Assim, o processo de tomada de consciência de si, da condição sócio-
histórica por parte do jovem e adulto com história de deficiência visual encontra
fecundidade à medida que possa haver a humanização da PcD visual, por meio
do resgate da memória, da solidariedade e, de igual modo, pela libertação das
máscaras sociais, que alienam e aprisionam, pois, “o homem é um ser de
natureza social, que tudo o que tem de humano nele provém da sua vida em
sociedade (LEONTIEV, s/d, p. 279).
É preciso descortinar a principal forma de ‘cegueira’, aquela que se
constitui impeditivo à percepção das reais condições intelectuais desses sujeitos,
pois essas são marcadas pela alienação em que vive um grande número de PcD
visual (SARAMAGO, 1995).
As sábias palavras de Saramago, através da metáfora da cegueira,
induzem a reflexão de como seria a vida sem o sentido da visão - talvez o mais
utilizado em tempos modernos. Esse convite à reflexão também foi salutarmente
36
preconizado por Helen Keller (2002), no seu belíssimo poema “Três dias para
ver”.
Nesse sentido, ora por meio da ficção ora por meio da vida real, é oportuno
refletir sempre sob as condições históricas sociais que são propiciadas às PcD
visual, e se essas as conduzem a revelarem-se emancipadas ou alienadas.
A emancipação é condição inerente aos homens. Assim, a cegueira até
aqui abordada não se define por uma deficiência física, e sim caracteriza a
incapacidade adquirida por parte daqueles que enxergam em perceber as
possibilidades do jovem e adulto cego constituírem-se sujeitos sociais. A
cegueira, sob este enfoque, se efetiva muito mais na alma que no corpo e afeta
tanto aquele que, dispondo da visão, deixa de enxergar o outro, quanto àquele
que fisicamente foi cerceado desse sentido.
O desenvolvimento intelectual do sujeito com deficiência visual encontra-se
articulado à mediação do outro. É pelo olhar do outro que a PcD visual, ‘tomará’
forma enquanto sujeito ou apenas deficiente.
Esse fato desvela a importância da interação social na vida do jovem e
adulto com história de deficiência, uma vez que, na ausência do outro, o homem
não se constrói homem. É no espaço de negociação e emancipação recíproca,
sujeito visual e invisual, que ocorre a recriação e reinterpretação de informações,
conceitos e significações.
Salienta-se aqui que as relações de reciprocidade se configuram numa
relação respeitosa, em que um aprende com o outro. Importa atentar então que a
reciprocidade também se dá entre os sujeitos com história de deficiência visual.
Caso contrário, acreditar-se-ia que somente uma pessoa que enxerga pode
mediar a pessoa com história de deficiência visual. Essa forma de compreensão
se revelaria equivocada, uma vez que
[...] essa reciprocidade é o cerne do método emancipador, [...] o que pode,
essencialmente, um emancipado é ser emancipador: fornecer, não a chave do saber, mas
a consciência que pode uma inteligência, quando ela se considera como igual a qualquer
outra e considera qualquer outra como igual à sua. A emancipação é a consciência dessa
igualdade, dessa reciprocidade que, somente ela, permite que a inteligência se atualize
pela verificação. [...] só verifica sua inteligência aquele que fala a um semelhante, capaz
de verificar a igualdade das duas inteligências (RANCIÈRE, 2005, p. 64-66).
37
Apresenta-se então, um convite irrecusável à reflexão sobre as
possibilidades de aprendizagem do jovem e adulto com história de deficiência
visual.
1.3 A PALAVRA E A APRENDIZAGEM DO JOVEM E ADULTO COM
DEFICIÊNCIA VISUAL
Embora a perda visual não impeça às pessoas de obterem novas
informações, à medida que a pessoa vai sendo visualmente cerceada tem-se
como resultado a limitação na capacidade de receber as novas informações.
Dessas informações dependem em grande parte duas coisas importantes – a
leitura e a observação de pessoas e coisas (CARROL, 1968).
Estar no mundo impedido de obter informações atualizadas pode afetar
diretamente a posição que se ocupa na sociedade. É via informação que os
conhecimentos vão se formando e, no caso de não ter condições adequadas,
-0.0002 Tc0.2723 Tw[(Estarimentos vão )-6( éos)armasitá(alm9(v)-1(refle-19.53 0 [(5 TD-0.0004 Tc0.2142 T3[(te duasdadede pesa fa a ovemcimentos vãoflefa19.53 0 78-0.0002 Tc5.233 Tw[[(conhe a ov-5intelig )]TJconv seezas)-, “a-19.53 -17825 TD0.0002 Tc0.0028 T5[(M DO intelig )]TJ é )] (,5instru19.53 PA9D0.0006 Tc0.0024 T5(visuas vãofs)-5endo v)ão ir ao home3.62 4.330.0006 Tc0.272[(jovisadaninovass e atua(alm9(-20.63 5TD0.5 TD-0.0003 Tc0.2025 368[(postaands)-5e(almena(a5 3uasj obnvolve obou,randoutra18.48 0 88-0.0002 Tc9.2025 370[(formaalavr]TJ)-8mends)-5lh(alm7(e bilida(alm7(desa otomTJ-20.63 0 885 TD-0.0003 T80.2025 T602(conhecimsci)4]TJ )]TJ sa real)4]TJ)]TJ” )-80((NÉ)4(R12.2 0 T41D0.0006 Tc0.2025 176[(às)-5I)78menC)870.7I) 601(,) 601( 1)810.79)860.77)810.76)860.7, p 4Ainsa ]Tqua12.2 0 T90.2141 T56[(às)-5j1os
38
sua historicidade com a perda visual, perderá também suas possibilidades de agir
num mundo que agora não mais lhe pertence, ou seja, o mundo das luzes, aliás,
luzes remetem às idéias, ao pensamento, à inteligência, à criatividade. Assim,
instiga-se a refletir a que mundo pertence a pessoa com história de deficiência
visual?
Para estabelecer uma analogia entre sujeitos analfabetos e sujeitos com
história de deficiência visual, busca-se as pesquisas de LURIA (2001), o qual por
meio de experimentos com adultos analfabetos constatou a necessidade que
essas pessoas manifestavam nas suas tentativas de abstração de recorrerem às
experiências concretas, aos fatos reais, para explicarem um determinado conceito
ou fenômeno de forma consciente. A inclusão de fatos reais pode ser explicada
pela ausência de diversas experiências que permitirão a generalização.
Nesse sentido, se levado em consideração o acesso precário às diversas
informações presentes no mundo social no qual estão inseridos os referidos
sujeitos, a pessoa jovem ou adulta com história de deficiência visual, pela
condição biológica limitante, se encontra nas mesmas condições das pessoas que
participaram do referido experimento de Luria.
As informações não estão acessíveis para as PcD visual do mesmo modo
que estão para pessoas que enxergam. Essa condição torna-se um importante
obstáculo no processo de aprendizagem, inclusive da leitura, da escrita e das
habilidades de contagem as quais LURIA (2001) define como práticas
essencialmente culturais.
O ver tem, do ponto de vista social, um papel imprescindível para a
aprendizagem e de igual modo para a sua manifestação. Esse fato pode ser
evidenciado cotidianamente, pois “quando desejamos assegurar que algo é
efetivamente verdadeiro, dizemos ser ”evidente” e sem ”sombra” de dúvidas,
reafirmando a certeza de que o conhecimento verdadeiro equivale à visão
perfeita” (AMIRALIAN, 1997, p. 24). As contribuições da autora permitem a
compreensão de como o sentido da visão vem historicamente articulado à idéia
de verdade.
A junção visão e verdade produzem uma idéia cujos fundamentos se
firmam em bases que ora atribuem todo o potencial de aprendizagem às
condições biológicas, advindo daí a persistência no processo de reabilitação do
39
órgão defeituoso, ora ao papel da experiência, da constatação, da comprovação,
tomando-se esses aspectos enquanto determinantes para a aprendizagem.
Desse processo é que se verifica a insistente preocupação em se apresentar todo
conhecimento na sua forma concreta para a pessoa com história de deficiência
visual. Por serem posicionamentos extremos tanto um quanto o outro geram o
ônus da incapacidade ao sujeito.
Contudo, extremismos a parte, o que se verifica a partir de experiências
profissionais com pessoas cegas e com baixa visão acentuada é que as
considerações acerca da questão biológica são importantes à medida que essas
determinarão as condições sócio-históricas a serem propiciadas para que a
aprendizagem aconteça. Como exemplo, cita-se o aspecto idade de ocorrência da
perda da visão ou grau da deficiência visual. Nesses casos, se a PcD visual
apresenta ainda algum resíduo luminoso, esse aspecto poderá ser importante na
compreensão de determinados conceitos.
O tipo de patologia também é importante que se conheça, pois podem
determinar as condições pedagógicas que se farão necessárias. Um exemplo a
ser destacado refere-se a pessoas que apresentam a patologia “aniridia que é
caracterizada pela ausência parcial da íris” (QUEIROZ, 1992, p. 63). Nessa
situação, o comprometimento da íris gera desconforto à presença da claridade.
Por isso, necessitam estar num local da sala de aula com o mínimo de incidência
de luz, para que possam visualizar de forma mais precisa os estímulos visuais
que lhes forem apresentados.
Nesses casos e em inúmeros outros, os conhecimentos acerca das
condições biológicas são de extrema importância, uma vez que podem orientar as
condições sócio-históricas a serem organizadas, a fim de atender as
especificidades de cada sujeito com deficiência visual no caminho da
aprendizagem.
Por outro lado, desconsiderando o extremismo, a possibilidade de
experienciar, via manipulação, o meio no qual a pessoa com história de
deficiência visual está inserida, tem sua importância com maior ou menor
relevância segundo cada etapa da vida. No caso da criança cega, o mundo a ser
conhecido passa necessariamente por suas mãos. Aliás, o tato apresenta maior
40
sensibilidade através das mãos, justamente pela constante manipulação a
caminho das novas descobertas.
No entanto, o apoio de recursos concretos é importante em distintos
momentos da vida. Esse fato alerta para a questão de que recorrer aos recursos
concretos, visando o auxílio no processo de aprendizagem, também é importante
para as pessoas adultas. Isso não significa reduzir as aprendizagens às
experiências concretas, pois, sua história de vida, sua trajetória educacional e
suas vivências sociais são condições significativas que lhes garantem a
possibilidade de abstrair, simbolizar, sintetizar, divergir, seqüenciar, opinar,
ironizar, exemplificar e realizar uma infinidade de ações mentais também via
experiências concretas, mas não somente por meio delas.
Auxiliar o processo de aprendizagem de jovens e adultos com história de
deficiência visual, utilizando-se em determinados momentos de recursos
concretos, não significa em hipótese alguma um retrocesso, ou seja, um retorno
ao processo de aprendizagem da criança, mas, sim a necessidade de caráter
sócio-individual de cada momento histórico desses sujeitos.
É importante salientar que o homem, visual ou invisual, deve ser tomado
acima de tudo enquanto sujeito de ação, no e com o mundo. É pelos modos e
possibilidades de atuar no mundo que o homem manifesta suas inúmeras
aprendizagens. O poder da manifestação de algo aprendido se configura em
novas aprendizagens. Trata-se, então, de um ciclo intelectual cujo início ou fim
são marcados necessariamente pela disponibilização da ação mediadora frente à
PcD visual. Em se tratando da aprendizagem de pessoas com história de
deficiência visual, esse fato será consubstanciado à medida que se possa “ver o
homem na sua totalidade, no seu quefazer-ação-reflexão, que sempre se dá no
mundo e sobre ele” (FREIRE, 1983, p. 23).
Nesse sentido, a aprendizagem da PcD visual se processa pela ação
efetiva, o que requer a ruptura com as práticas depositárias, pois, “o homem não
é apenas um produto do meio ambiente, é também um agente ativo no processo
de criação deste meio” (LURIA, 2001, p. 25).
Ressalta-se então, que o adulto não apenas responde aos estímulos
apresentados por um experimentador ou por seu ambiente natural, mas também
altera ativamente aqueles estímulos e usa suas modificações como um
41
instrumento de seu comportamento (LURIA, 2001). Diante disso, tem-se a
necessidade de que o meio proponha desafios para que o sujeito jovem ou adulto
com história de deficiência visual possa utilizar-se plenamente de seu aparato
intelectual.
Apostar no potencial intelectual da PcD visual implica negar posturas
rígidas e tradicionais que atrelam deficiência à incapacidade, pois essa falácia
pode conduzir a erros fatais frente à aprendizagem, como relacionar a premissa
de que para aprender os conteúdos escolares normais, de uma escola normal,
basta que ser uma pessoa normal. Espera-se que, ser normal no mundo, agora mundo
dos ‘videntes’ é, pois, deixar de ter a história de deficiência, isso é possível? Então
como aprender nesse estranho mundo?
Aprender no mundo das luzes implica a compreensão de que a pessoa
com história de deficiência visual é capaz de aprender com as luzes, suas e do
outro, luzes que, embora, se origine na “pseudo-escuridão”, não se curvam à
alienação. Isso refere-se ao fato que a aprendizagem da pessoa com história de
deficiência visual segue o mesmo percurso que a aprendizagem de pessoas que
enxergam, diferindo-se, portanto, na relação de acesso às condições sócio
históricas que podem ou não impulsionar o desenvolvimento.
As condições sócio-históricas na perspectiva do plano intersubjetivo, ou
seja, “da relação do sujeito com o outro” (GÓES, 1991, p.19), cujos mecanismos
de aprendizagem substanciam o desenvolvimento, perpassa pela zona de
desenvolvimento proximal (VYGOSTKY, 2001). O desenvolvimento próximo
refere-se às funções emergentes no sujeito que dizem respeito às capacidades
ainda manifestadas com o apoio em recursos auxiliares oferecidos por outros
(GÓES, 1991).
Na aprendizagem da pessoa com história de deficiência visual toma-se o
aspecto “recursos” sob o ponto de vista físico e social, pois, como já analisado
anteriormente, as informações, as coisas e os objetos não estão ao acesso da pessoa
com história de deficiência visual da mesma forma que estão para as pessoas videntes.
Trata-se de um processo de aprendizagem que emerge da partilha e, pela
internalização e generalização transforma-se em aprendizagem e desenvolvimento
consolidado. Abre-se com isso novas possibilidades de aprendizagem, ao passo que
novas oportunidades vão sendo oferecidas à pessoa com história de deficiência visual.
42
Conforme analisa GÓES:
A aprendizagem que se origina no plano intersubjetivo constrói o desenvolvimento. Todavia os
dois processos não podem ser feitos equivalentes, pois nem toda a experiência de aprendizagem
afeta o desenvolvimento de igual modo. Para ter repercussão significativa, a experiência tem de
ser tal que permita conhecimentos de um grau maior de generalidade em relação a um momento
dado do desenvolvimento do sujeito. A generalidade do conhecimento é entendida com base em
duas dimensões: o espaço de abrangência de aplicação do conhecimento ao real e o nível de sua
independência em relação ao imediato-concreto, ao sensível. [...] A ‘boa’ aprendizagem é aquela
que consolida e, sobretudo cria zonas de desenvolvimento proximal sucessivas (GÓES, 1991, p.
21).
Ignorar as possibilidades de aprendizagens do jovem ou adulto com história
de deficiência visual é expor esses sujeitos às condições de fracassados. E, em
igual proporção, significa negar o fato de que o desenvolvimento psicológico, bem
como seu conteúdo, não é de modo algum independente das condições históricas
concretas em que se desenrola o desenvolvimento, pois é dessas condições que
depende todo o desenvolvimento.
Os equívocos decorrentes da rejeição desses aspectos resultam em prejuízo
cognitivo, uma vez que se desrespeitam as capacidades reais do sujeito. Essa forma
de compreensão gera a fragilização da PcD visual em pelo menos duas dimensões.
Uma, no sentido de impor obstáculo ao exercício pleno da possibilidade intelectual
presente, e outra, no sentido do comprometimento das possibilidades futuras na
direção de maior complexidade.
Contudo, se a pessoa com história de deficiência visual no seu processo de
aprendizagem necessita de recursos mediadores sob as bases do concreto e só se
oferece o abstrato, a aprendizagem pode não acontecer e, sob o plano de
desenvolvimento e aprendizagem, é comum a associação da deficiência visual à
deficiência mental. Em condições contrárias, também pode ocorrer e gerar prejuízos
ao sujeito, pois se a inteligência manifesta plena condições de atuar sob a abstração
e, somente se oferece recursos mediadores concretos, impõe-se a minimização das
capacidades cognitivas revelada pela ausência de desafios, comprometendo com
isso as inúmeras conquistas advindas do exercício de funções intelectuais
superiores.
Nesse sentido, cabe ressaltar que
43
A presença de conceitos teóricos gerais, aos quais estão subordinados outros mais práticos,
cria um sistema lógico de códigos. À medida que o pensamento teórico se desenvolve, o
sistema torna-se cada vez mais complicado. Além das palavras, que assumem uma estrutura
conceitual complexa e da sentença, cuja estrutura lógica e gramatical permite que funcione
como base do juízo, este sistema inclui também "expedientes" lógicos e verbais mais
complexos que lhe permitem realizar as operações de dedução e inferência, sem nexo de
dependência com a experiência direta (LURIA, 2001, p. 53).
O pensamento humano não está fadado ao determinismo, e, se a
dimensão biológica não é a única determinante, é necessário, então, descobrir
quais são as especificidades que apresentam as PcD visual no processo de
aprendizagem.
A aprendizagem também sofrerá prejuízos quando a formação de
conceitos, a partir das experiências táteis-cinestésicas e auditivas, estiver
comprometida pela inacessibilidade às informações. Sobre a aquisição dos
conceitos (FRAIBERG apud AMIRALIAN, 1997, p. 64) “descobriu que a aquisição
do conceito de objeto é retardada por estar relacionada à aquisição da
coordenação ouvido-mão. O som em si não confere substancialidade aos objetos
ou fatos”. Para exemplificar tal limitação retomam-se as situações
constrangedoras, nas quais as pessoas cegas são solicitadas a adivinharem
quem está lhe falando, ou em situações de sala de aula nas quais são solicitadas
a registrarem o número de cima, as palavras em destaque, a figura ao lado do
texto e assim sucessivamente.
O contexto ora citado visa elucidar as condições limitantes impostas pelo
fator biológico às pessoas desprovidas da visão, e alerta para o fato que um olhar
mais compreensível dessas limitações gera intervenções pedagógicas adequadas
que garantirão a aprendizagem. Busca-se, contudo, desmistificar a idéia que a
PcD visual forma conceitos diferenciados por causa da não visualidade, pois tal
processo ocorre do mesmo modo para as pessoas que enxergam. Ou seja, a
formação dos conceitos é marcada por vários elementos dos quais se destaca a
historicidade, as expectativas próprias, do outro e ainda o uso das palavras. Essa
formação resulta de uma complexa atividade em que todas as principais funções
intelectuais interagem. No entanto, esse processo,
44
[...] não pode ser reduzido à associação, à tendência, à imagética, à inferência ou às
tendências determinantes. Todas estas funções são indispensáveis, mas não são
suficientes se não empregar o signo ou a palavra, como meios pelos quais dirigimos as
nossas operações mentais, controlamos o seu curso e o canalizamos para a solução do
problema com que nos defrontamos (VYGOTSKY, 2001, p. 48).
No entanto, não basta apenas a apresentação de problemas aos jovens e
adultos com história de deficiência visual, pois é preciso que as condições sócio-
históricas sejam postas de modo a incitar a PcD visual a atuar sobre tarefas
desafiadoras de forma que sejam imersas em novos desafios e com isso tenham
seu aparato intelectual estimulado a cada novo objetivo a ser conquistado. O
contrário pode incorrer em riscos no qual o pensamento desses jovens e adultos
com história de deficiência visual permaneça em patamares mais elementares ou,
mesmo quando demonstrem avanços, os evidenciem com grande atraso.
Os estágios do pensamento se desenvolvem do sincretismo, caracterizado
pela tendência da unificação de imagens não articuladas, evidenciadas pela
influência de uma impressão ocasional (VYGOTSKY, 2001).
Na fase do “pensamento por complexos”, o funcionamento intelectual se
organiza pelo estabelecimento de agrupamentos agora articulados.
Os nomes de família são, talvez, o melhor exemplo disto. Todo o nome de família
(“Petrov”, por exemplo) subsume o indivíduo duma maneira que se assemelha
estreitamente ao modo de funcionamento dos complexos infantis. As ligações factuais que
subjazem aos complexos são descobertas através da experiência. Por conseguinte, um
complexo é, acima de tudo, e principalmente, um agrupamento concreto de objetos
ligados por nexos factuais. Como um complexo não é formado no plano do pensamento
lógico abstrato, os nexos que o geram, bem assim como os nexos que ajuda a criar,
carecem de unidade lógica; podem ser de muitos e diferentes tipos. Todo e qualquer nexo
existente pode levar à criação de um complexo. É essa a principal diferença entre um complexo e um conceito.
Enquanto os conceitos agrupam os objetos em função de um atributo, as ligações que unem os elementos de um
complexo com o todo e entre si podem ser tão diversas quanto os contatos e as relações existentes na
realidade entre os elementos. [...]. Os objetos são agrupados com base em qualquer traço por que defiram,
complementando-se, assim, mutuamente. [...] a imagem sincrética que leva à formação de “montes” baseia-se em
nexos vagos e subjetivos; o complexo associativo fundamenta-se nas semelhanças
existentes ou outras ligações necessárias entre as coisas; o conjunto complexo baseia-se
nas relações entre os objetos observadas através da experiência prática. Poderíamos
dizer que o conjunto baseado nos complexos é um agrupamento de objetos baseados na
sua participação na mesma operação prática - da sua cooperação funcional, (VYGOTSKY,
2001, p. 78 - 81).
No estágio subseqüente, observa-se então a formação dos conceitos
potenciais:
45
[...] esses, podem ser formados tanto a partir do pensamento perceptual, como na esfera
do pensamento prático, virado para a ação - com base na semelhança de significados
funcionais, [...] É do conhecimento geral que os significados funcionais desempenham um
papel muito importante no pensamento [...]. Até os conceitos abstratos são muitas vezes
traduzidos na linguagem da ação concreta (VYGOTSKY, 2001, p. 98).
Até aqui interessou analisar como se dá a formação dos conceitos no
pensamento humano, para se estabelecer uma relação com a aprendizagem do
jovem ou adulto com história de deficiência visual. O processo de elevação do
pensamento de níveis elementares para os mais complexos ocorre também para
as pessoas invisuais. No entanto alguns diferenciais são importantes e merecem
atenção para que a aprendizagem seja mediada.
No caso de adolescentes, constata-se que tanto as formas de pensamento
sincréticas quanto as que se baseiam nos complexos vão desaparecendo
gradualmente. Nesse processo, devido ao uso reduzido dos conceitos potenciais,
emergem então os verdadeiros conceitos. Desse modo, mesmo “após o
adolescente ter aprendido a produzir conceitos, não abandona as formas mais elementares”
(VYGOTSKY, 2001, p. 100).
Nesse momento constata-se a discrepância que há entre a capacidade de
formular conceitos e a capacidade para defini-los. Das afirmativas acerca desse
fato extrai-se que
O adolescente formará e utilizará muito corretamente um conceito numa situação
concreta, mas sentirá uma estranha dificuldade em exprimir esse conceito por palavras e
a definição verbal, em muitos casos, será muito mais restritiva do que seria de esperar
pela forma como o adolescente utilizou o conceito. A mesma discrepância ocorre no
pensamento dos adultos, mesmo em níveis de desenvolvimento muito avançados. Isto
está de acordo com o pressuposto de que os conceitos evoluem de forma muito diferente
da elaboração deliberada e consciente da experiência em termos de lógica. A análise da
realidade com a ajuda dos conceitos precede a análise dos próprios conceitos
(VYGOTSKY, 2001, p. 101).
Esse ponto é importante na análise acerca da aprendizagem da pessoa
com história de deficiência visual, pois notadamente as dificuldades encontradas
pelas pessoas que enxergam podem vir a ser superadas à medida que dados
concretos são percebidos visualmente e verbalizados por meio da palavra. As
palavras assumem então a função de um conceito, embora demonstre oscilações
entre o conceito e o complexo-práticas. Assim, se verifica que
46
[...] a maior de todas as dificuldades é a aplicação de um conceito que o adolescente
conseguiu finalmente apreender e formular a um nível abstrato a novas situações que têm
que ser encaradas nos mesmos termos abstratos - um tipo de transferência que
habitualmente só é dominado pelo fim do período de adolescência. A transição do abstrato
para o concreto vem a verificar-se tão árdua para o jovem, como a primitiva transição do
concreto para o abstrato (VYGOTSKY, 2001, p. 101).
Trata-se de um movimento complexo que oscila ora do particular para o
geral, ora do geral para o particular. Assim, “a operação intelectual se configura
pela participação de todas as funções mentais e, é orientada pela utilização das
palavras como meios para centrar ativamente a atenção, para abstrair certos
traços, sintetizá-los e representá-los por meio de símbolos” (VYGOTSKY, 2000, p.
102).
A análise sobre a aprendizagem da pessoa com história de deficiência
visual perpassa pela compreensão de como se formam os conceitos no
pensamento humano. No caso em que o sujeito encontra-se limitado visualmente
suas possibilidades de aprendizagens estarão sob a participação do outro. Todo o
processo de formação de conceito revela-se num processo partilhado em que,
partindo das experiências concretas, o sujeito passa à elaboração dos chamados
conceitos verdadeiros.
Alguns aspectos merecem destaque em relação à aprendizagem da PcD
visual. Dentre eles, o primeiro consiste que, em virtude da falta da visão, a
necessidade de retorno a recursos concretos e práticos torna-se mais freqüente.
No entanto, o retorno, nesse caso, não pode se confundido com um retrocesso e
tão pouco à ingênua crença de que a PcD visual não tem condições de abstrair
conhecimentos.
Outro destaque de igual importância refere-se ao uso da palavra, se a
palavra é tomada como orientadora no processo de formação dos conceitos, pois
para a aprendizagem da PcD visual a palavra é essencial em todo o processo. É
pela palavra que o sujeito desprovido da visão tem a oportunidade de exteriorizar
suas inferências mais subjetivas. A palavra nesse caso pode ser concebida como
meio e fim sem a qual o processo de aprendizagem desses sujeitos estaria
comprometido.
Contudo, na perspectiva desta pesquisa, ressalta-se que
47
A palavra não é o ponto de partida - a ação já existia antes dela; a palavra é o termo do
desenvolvimento, o coroamento da ação. [...] as palavras têm por característica
fundamental serem um reflexo generalizado do mundo. [...] As palavras desempenham um
papel fundamental, não só no desenvolvimento do pensamento, mas, também no
desenvolvimento histórico da consciência como um todo. Cada palavra é um microcosmo
da consciência humana (VYGOTSKY, 2001, p. 188).
Desse modo a palavra enquanto mediadora assume importante papel na
48
Uma palavra extrai o seu sentido do contexto em que surge; quando o contexto muda, o
seu sentido muda também. O significado mantém-se estável através de todas as
mudanças de sentido. O significado de uma palavra tal como surge no dicionário não
passa de uma pedra do edifício do sentido, não é mais do que uma potencialidade que
tem diversas realizações no discurso. [...] As palavras e os seus sentidos são
relativamente independentes uns dos outros (VYGOTSKY, 2001, p.180-181).
A expressão do pensamento requer do sujeito a elaboração dos conceitos
a serem emitidos. Esse fato indica que no plano subjetivo já houve a significação,
ou seja, a interiorização. Nesse caso, pode-se afirmar que o pensamento tem que
passar primeiro pelos significados e depois pelas palavras.
O desejo por expressar-se e fazer-se ouvido, é inerente à condição
humana, por isso, o que se busca “é sentir que somos chamados ao ser pleno, e
não ao pedaço do ser” (BOFF, 2000, p. 62).
O pensamento, portanto, tem suas raízes no desejo, na motivação, na
necessidade, nos interesses e emoções, logo, “a verdadeira e exaustiva
compreensão do pensamento de outrem só é possível quando tivermos
compreendido a sua base afetivo-volitiva” (VYGOTSKY, 2001, p. 186), ou
propriamente o contexto, no qual os pensamentos vão adquirindo significados na
vida de jovens e adultos com história de deficiência visual.
Ao tomar a palavra dos jovens e adultos com história de deficiência visual
para fins de análise, é necessário entender que, para
[...] compreendermos o discurso de outrem, não basta compreender as suas palavras -
temos que compreender o seu pensamento. Mas também isto não basta - temos que
conhecer também as suas motivações. [...] A relação entre o pensamento e a palavra é
um processo vivo; o pensamento nasce através das palavras. [...] A conexão entre ambos
não é, no entanto, algo de constante e já formado: emerge no decurso do
desenvolvimento e modifica-se também ela própria (VYGOTSKY, 2001, p. 186-188).
Embora a palavra se constitua num significativo instrumento mediador, é
necessário considerar que para cumprir a função de instrumento à expressão do
pensamento se requer espaços de confiança, os quais se originam nas condições
sócio-históricas dos sujeitos, pois
49
A confiança implica o testemunho que um sujeito dá aos outros de suas reais e concretas
intenções. Não pode existir, se a palavra, descaracterizada, não coincide com os atos.
Dizer uma coisa e fazer outra, não levando a palavra a sério, não pode ser estímulo à
confiança. Falar, por exemplo, em democracia e silenciar o povo é uma farsa. Falar em
humanismo e negar os homens é uma mentira (FREIRE, 1987, p. 82).
Essas contribuições são relevantes quando se trata da importância da
mediação que ocorre nas interações. Na condição de ‘vidente’, a mediação é
importante; no caso da pessoa com história de deficiência visual a mediação será
determinante. Toda e qualquer possibilidade desses sujeitos evoluírem no seu
processo de aprendizagem e desenvolvimento perpassam agora pelo olhar
pedagógico do outro, ou como Freire alertou, na confiança que se tem em relação
ao outro.
Os pressupostos formulados acerca da Zona de Desenvolvimento Proximal
reforçam a idéia da necessidade da mediação, uma vez que é pela possibilidade
oferecida pelo outro que a pessoa com história de deficiência visual assume a
condição de sujeito de aprendizagem.
Nesse sentido, “[...] com o auxílio de uma outra pessoa, todo [sujeito] pode
fazer mais do que faria sozinho - ainda que se restringisse aos limites
estabelecidos pelo grau de seu desenvolvimento. [...] o que a PcD visual é capaz
de fazer hoje em cooperação, será capaz de fazer sozinha amanhã”
(VYGOTSKY, 1991, p. 89).
Considera-se, no entanto, que favorecer o processo de aprendizagem,
pedagogicamente, implica na proposição de recursos e estratégias que
possibilitem as PcD visual à apropriação e manifestação do aprendido que pode
ocorrer também via sentido remanescente. Esse fato não significa a
supervalorização desses sentidos, pois acima de tudo está a pessoa com
deficiência visual em suas plenas capacidades de abstração e generalização.
Os esforços empenhados pelo outro, na figura do professor, configuram-se
então na proposição de desafios e não apenas à reprodução e sensação do
mundo real imediato, por isso argumenta-se acerca da importância que a palavra
adquire nesse processo.
A ação mediadora no processo de aquisição das informações, bem como
na transformação dessas, no caso de pessoas que ficaram cegas ou com baixa
50
visão acentuada, no momento do ingresso na escola, se constitui elemento
importante para os avanços no plano das funções psicológicas superiores. Cabe
ressaltar que os avanços, a transformação de um estado inicialmente elementar,
se dão necessariamente pela mediação do outro (VYGOTSKY, 1991).
No caso de adultos que por longo período deixaram de freqüentar os
espaços escolares, embora manifestem avanços na sua forma de pensar, esses
permanecem no momento elementar dos processos psicológicos, nos quais o
contato concreto e imediato faz-se extremamente necessário.
As necessidades humanas não são dadas naturalmente, embora se
evidencie num primeiro momento o aspecto biológico, pois é na ação mediada
pelo adulto, na família, na sociedade, que se evidenciará a diferença no processo
de aprendizagem e desenvolvimento. É por meio dessas ações que o jovem ou
adulto com história de deficiência visual terá a possibilidade de sentir-se
pertencente e, com isso, sair da condição de isolamento praticamente inevitável,
em virtude da perda visual. As capacidades, as necessidades, as formas de
negociação, etc., “[...] objetivadas na realidade social-material se convertem, por
sua apropriação, em elementos intrínsecos, de conteúdos, do ser humano, do
indivíduo, e, a individualidade concreta especificamente humana não se origina
senão através da participação ativa no mundo produzido pelo homem, através de
uma determinada apropriação deste” (MÀRKUS, 1974, p. 31).
Aprender implica então na possibilidade de manifestar as aprendizagens
em outros espaços e com isso expressar outras possibilidades de interpretar o
mundo. O homem é por essência o ser do trabalho, da atividade, portanto, não
está fadado a inércia.
Assim, as possibilidades de ação e de transformação se dão
necessariamente pelas aprendizagens que são reveladas pela própria
necessidade. Trata-se de um processo dialético pelo qual, passo a passo, o
homem aprende, se desenvolve e cria a si próprio novas demandas, “o ser
humano é um ser nunca pronto” (BOFF, 2000, p. 26).
Em outras palavras, o homem, independente de suas condições físicas,
biológicas e sociais, é por excelência um ser pensante, um sujeito de ação que se
experimenta e se amplia na ação que exerce sobre si do mesmo modo que nas
suas interações.
51
Efetivar processos de mediação, no âmbito educacional, requer a
compreensão que o jovem ou adulto cego tem plenas possibilidades de
aprendizagem. Embora do ponto de vista biológico a implicação da deficiência
seja inevitável, as condições para aprendizagem não são por ela determinadas,
pois todos os educandos são iguais nas capacidades de pensar, raciocinar e
aprender, no entanto, sob que condições aprendem precisa ser questionado
(ARROYO, 2004).
Nesse sentido é válido apresentar a idéia de que o “[...] homem não é pura
passividade, não é a estampa de seu entorno/meio material e social. Como já foi
dito os elementos de seu entorno não se convertem em momentos intrínsecos de
sua individualidade, se não à medida que se apropria isto é, como conseqüência
de sua própria atividade” (MÀRKUS, 1974, p. 31).
Isso implica, pois, no caso de PcD visual, que suas possibilidades de ação
estão sob a compreensão que o outro tem do sujeito que, mesmo desprovido da
visão, pode em grande medida aprender e manifestar a aprendizagem. Afinal,
garantir a aprendizagem a essas pessoas é acima de tudo permitir-lhes
processo de independência, o qual se efetiva pelo uso da palavra falada, por
ser essa um importante signo que pode ser definido como um elemento que
substitui algo perante alguém, expressa um significado ao interlocutor que o
interpreta. É por meio dos signos que os homens se comunicam, transmitem uns
aos outros o conhecimento e os significados da cultura em que estão imersos, e,
por meio desse compartilhar é que o próprio psiquismo se constitui ao passo que
constitui o próprio sujeito (VYGOTSKY, 1991).
52
2 METODOLOGIA
Que nossos olhos que vêem, possam apreciar
e aprender com olhar da alma, humanizado,
arguto e generoso... (KLEIN, 2006)
Estudar fenômenos do contexto educacional constitui importante desafio no
campo das ciências sociais. Diante da complexa e dinâmica realidade que se
verifica no processo educativo, é eminente a organização de práticas
investigativas que busquem no contexto das vivências e experiências a face
qualitativa presente nos modos de produção e existência do ser humano.
A prática da pesquisa implica ao pesquisador uma opção teórica. A opção
assumida definirá também “a escolha do método, metodologia e técnicas a
utilizar” (RICHARDSON, 1999, p. 32).
Nesse sentido, inúmeros desafios se colocam a respeito da organização
metodológica e conseqüente escolha do tipo de pesquisa que atenda as
demandas do outro, desafio este que consiste em compreender como se sente o
jovem ou adulto com história de deficiência visual adquirida no processo de
aprendizagem formal. A realidade desses sujeitos envolve um conjunto de sinais
procedentes de um mundo que, na sua maior abrangência, é visual. E, nesse
caso, embora a PcD visual adquirida tenha registros mentais de informações
visuais, ao terem reduzida ou mesmo eliminada a capacidade visual no momento
do ingresso à escola, vivenciará importantes mudanças no que tange ao processo
de aprendizagem.
Com base nesses dados, a forma de pesquisa coerente ao problema que
se propõe é caracterizada pelo caráter crítico dialético, por considerar que “a
dialética está vinculada ao processo dialógico de debate entre posições
contrárias, [...] e investigação das contradições da realidade” (RICHARDSON,
1999, p. 45). Trata-se de uma forma dialética de analisar o mundo (TRIVINOS,
1987).
Essa idéia é corroborada por Vygotsky (1996), ao afirmar que estudar
alguma coisa historicamente significa estudá-la no processo de mudança. Este é o re-
quisito básico do método dialético que explicita uma concepção de homem histórico
53
e social. Nesse contexto, qualquer contradição que se almeje investigar, será
significativa à medida que se busque “compreender a essência dos fenômenos”
(RICHARDSON, 1999, p. 54). É pela significação e simbolização dos elementos
presentes na cultura que se evidencia a condição social em que as relações são
produzidas.
Nesta lógica, opta-se pela abordagem qualitativa, pois essa forma de
pesquisa é “a justificativa para que o pesquisador mantenha um contato estreito e
direto com a situação onde os fenômenos ocorrem naturalmente” (LÜDKE e
ANDRE, 1986, p. 12).
Realizar a pesquisa no meio onde o sujeito está inserido se faz necessário,
com o fim de refletir acerca dos valores e os significados que o jovem ou adulto
com história de deficiência visual atribui à condição de ser ou estar no espaço
educativo escolar. Diante disso, realizar a pesquisa com fundamentos qualitativos
é coerente à medida que se aspira mais pelo “processo do que o produto e se
preocupa em retratar a perspectiva dos participantes” (BOGDAN e BIKLEN, apud
LÜDKE e ANDRE, 1986).
Essa forma de pesquisa é consistente, uma vez que direciona as ações da
pesquisadora, pois, “o contexto no qual, os indivíduos realizam suas ações e
desenvolvem seus modos de vida fundamentais, tem um valor essencial para
alcançar das pessoas uma compreensão mais clara de suas atividades”
(TRIVINOS, 1987, p. 122).
Constitui-se característica essencial desse tipo de pesquisa o fato de o
ambiente natural ser a fonte direta dos dados e o pesquisador como peça-chave.
É descritiva por preocupar-se com o processo e não apenas com os resultados e
produtos. A análise dos dados se dá na forma indutiva e centra-se nos
significados atribuídos pelos sujeitos acerca de seu entorno social e cultural.
Buscam suas raízes, suas causas, suas relações com vistas a explicar e
compreender o desenvolvimento da vida humana nas suas relações de existência
histórica, cultural e social (BOGDAN; BIKLEN apud LÜDKE; ANDRE, 1986),
corroborado por (TRIVINOS, 1987).
Na abordagem qualitativa a técnica investigativa de caráter exploratório é
marco para a compreensão e análise dos fenômenos em questão, uma vez que
esses são vividos e revelados nas inferências de cada um dos jovens e adultos
54
que contribuíram para a realização desta pesquisa. Para Sampieri, “[...] os
estudos exploratórios se efetuam, normalmente, quando o objetivo é examinar um
tema ou problema de investigação pouco estudado ou que não tenha sido
abordado anteriormente, isto é, quando a revisão da literatura revelou que há
linhas não investigadas e idéias vagamente relacionadas ao problema de estudo”
(SAMPIERI, 1998, p. 58).
Ouvir o que as PcD visual têm a manifestar acerca dos contextos de
aprendizagem escolar é importante por considerar que, sobre essa questão, têm-
se alguns pressupostos, mas, jamais a veracidade, a não ser pela palavra
daqueles que constituem os sujeitos da análise. No entanto, a veracidade aqui
referida diz respeito aos sujeitos desta pesquisa.
Cabe ressaltar que os
[...] estudos exploratórios em poucas ocasiões constituem um fim em si mesmo, [...]
apresenta características mais flexíveis em sua metodologia em comparação aos estudos
descritivos ou explicativos, são mais amplos e dispersos que os outros dois tipos. Porém,
implicam um maior risco e demandam grande paciência, serenidade e receptividade por
parte do investigador (SAMPIERI, 1998, p. 59).
A pesquisa científica não se encerra num único tipo de investigação, sob o
risco de apresentar sérias limitações. Em conseqüência desse fato, Sampieri
(1998) aponta que uma pesquisa pode apresentar elementos dos diferentes tipos
de estudo. Para efeito desta investigação entende-se que, apesar do caráter
exploratório, a mesma apresentará importantes características, as quais se
fundamentam no seguinte arcabouço teórico:
Nenhum tipo de estudo é superior aos demais, todos são significativos e valiosos. A
diferença para eleger um ou outro tipo de investigação baseia-se no grau de
desenvolvimento do conhecimento a respeito do tema a estudar e aos objetivos
levantados. Os estudos exploratórios têm por objetivo essencial familiarizar-nos com o
tema desconhecido ou pouco estudado ou novo, [...]. Os estudos descritivos servem para
analisar como é, e se manifesta um fenômeno e seus componentes. Os estudos
correlacionais pretendem ver como se relacionam ou vinculam diversos fenômenos entre
si, ou se não se relacionam. Os estudos explicativos buscam encontrar as razões ou
causas que provocam certos fenômenos (SAMPIERI, 1998, p. 71).
55
O caráter descritivo desta pesquisa se efetivará na medida em que se
busque analisar os fenômenos e os fatos em questão segundo as inferências de
cada sujeito entrevistado. “Os estudos descritivos, buscam especificar as
propriedades importantes das pessoas, grupos, comunidades ou qualquer outro
fenômeno que seja submetido à análise” (SAMPIERI, 1998, p. 60). É com essa
compreensão que se atribui a esta pesquisa a condição descritiva.
Outra importante característica diz respeito aos estudos correlacionais,
pelo fato de se tomar como critério de seleção dos sujeitos pessoas com
deficiência visual inseridas em contextos educacionais situados enquanto
inclusivos e em contextos situados enquanto instituição especializada. Este tipo
de estudo permitiu uma análise reflexiva e comparativa buscando fatores
implícitos nas falas desses sujeitos referentes aos distintos espaços, como meio
de viabilizar a compreensão sistematizada da forma como esses sujeitos sentem-
se frente à aprendizagem formal. Situa-se, ainda, característica significativa os
estudos explicativos, considerados por sua relevância na organização
sistematizada das inferências dos sujeitos reveladores das “razões ou causas que
provocam certos fenômenos” (SAMPIERI, 1998, p. 71).
2.1 O CAMPO DA PESQUISA
A pesquisa foi realizada com sujeitos em processo de aprendizagem
formal, participantes do CAEDV e em Escolas de Ensino Regular. No entanto,
todo o processo de entrevistas foi realizado no CAEDV, local onde os referidos
sujeitos recebem atendimento especializado em contra turno escolar. Na Escola
Regular foram realizadas, ainda, observações de caráter assistemático na sala de
aula de cada um dos sujeitos, com o fim de agregar informações às entrevistas
realizadas. A observação se deu em dias aleatórios da primeira e segunda
semana do mês de outubro de 2006, com o caráter de visita. Foi importante, pois
possibilitou maior clareza de aspectos apresentados no relatório da professora
itinerante
12
, bem como nas inferências dos sujeitos.
12
O serviço Itinerante consiste na prática em que a professora do CAEDV realiza visitas
semanais na escola de Ensino Regular, com o fim de organizar as adaptações, transcrições e
apresentar orientações metodológicas que facilitam o processo de aprendizagem da PcD visual.
56
O Centro de Atendimento Especializado na Área da Deficiência Visual –
CAEDV está localizado no espaço da Escola Municipal 26 de Janeiro, no
Município de Fazenda Rio Grande. Está regulamentado através da Resolução nº.
1148/06-SEED/DEE. O início das atividades no CAEDV se deu em 1999,
organizadas pela própria pesquisadora. O atendimento está em consonância com
a Deliberação nº. 02/03 do Estado do Paraná, que fixa normas para a Educação
Especial, no sistema Estadual de Ensino, no seu artigo 1º, parágrafo único:
Esta modalidade assegura educação de qualidade a todos os alunos com necessidades
educacionais especiais, em todas as etapas da educação básica, e apoio, complementação
e/ou substituição dos serviços educacionais regulares, bem como a educação profissional
para ingresso e progressão no trabalho, formação indispensável para o exercício da
cidadania (CEE/SEED, 2003).
No art. 3º da mesma Deliberação constata-se a seguinte orientação: “[...] o
atendimento educacional especializado será feito em classes e escolas especiais
ou por serviços especializados, sempre que, em função das condições
específicas dos alunos, não for possível sua educação no ensino regular”
(CEE/SEED, 2003).
A realização desta pesquisa no contexto do CAEDV se fez necessário pelo
fato de os alunos freqüentarem distintos espaços no ensino regular, conforme o
que se apresenta a seguir no QUADRO 2. Logo, a opção por realizar a pesquisa
no CAEDV se justifica pela facilidade de locomoção dos próprios sujeitos, pela
disposição de salas reservadas para a realização das entrevistas e ainda pelo fato
de estarem, segundo um dos sujeitos, à vontade para tecer determinados
comentários sobre a situação que vivenciam no contexto de ensino regular.
2.2 OS SUJEITOS
Os sujeitos desta pesquisa são seis alunos, entre jovens e adultos
matriculados em Escolas de Ensino regular, no contra turno, no CAEDV. Todos os
sujeitos têm, nesta pesquisa, a identidade preservada e estão identificados com
nomes fictícios. O QUADRO 1 apresenta a caracterização dos sujeitos segundo
as condições visuais atuais, a causa da perda ou baixa visual e a idade em que
57
essa condição se instalou. No QUADRO 2, identifica-se a idade atual dos sujeitos
e a modalidade ou nível do Ensino Regular em que os mesmos estão
matriculados.
QUADRO 1- PERFIL DOS SUJEITOS SEGUNDO A CAUSA E A IDADE DA PERDA VISUAL
ESTUDANTE CONDIÇÕES
VISUAIS
CAUSA PERDA VISUAL/IDADE
Fabiana Baixa visão Glaucoma hereditário Perda visual acentuada - 7/8 anos
Renato Cego Glaucoma hereditário Perda visual total - 7/8 anos
Getúlio Cego Diabete Perda visual total - 8 anos
Felipe Baixa visão Aniridia/glaucoma Perda visual acentuada - 5/6 anos
Vander Baixa visão Catarata Perda visual acentuada - 6/7 anos
Valter Cego Retinose pigmentar Perda visual - 7/8 anos
QUADRO 2 - PERFIL ETÁRIO E ESCOLAR DOS SUJEITOS
ESTUDANTE IDADE CONDIÇÕES
VISUAIS
CURSO/ef4MaDO/LO.4(g)C/ef4A/ef4L.1(o2(nos )]TJET79431 536.62 0.48 0.17.76 ref79431 536.88 446.88 0.48001 ref525431 536.62 0.47998 0.48001 ref7939-2468.12 0.48 34.5 re7f35439-2468.12 0.47998 34.5 r26f35439-2468.12 0.48001 34.5 r36335439-2468.12 0.48001 34.5 ref52539-2468.12 0.47998 34.5 refBT/TT4 1 Tf10.02 0 0 10.02 85388 580.6403 Tm0.0001 Tc-0.0025 Tw[(Fabiad)5.er 62NDI)0.07/8 anoBaixa visão4221 5(- EJAsuaF. IIanos )2ND3772TJ0 -1.7246 D-0.0012 Tc-3.0026 T- Diue pe
58
A seleção dos sujeitos permeou-se pelos seguintes critérios:
Sujeitos com história de deficiência visual adquirida, com histórico de perda
total ou parcial acentuada no ingresso ao processo de escolarização
formal, com conseqüente utilização do sistema Braille ou recursos sonoros;
Estar freqüentando o CAEDV e a Escola Regular. Selecionar sujeitos com
base nesse critério é justificável à medida que se busque compreender
como se efetivam as relações e interações no processo de aprendizagem
escolar em convívios entre pares e não pares;
Sujeitos com história de deficiência visual, usuários do sistema Braille e
bengala, ou com baixa visual a ponto de não responderem mais a recursos
impressos, mesmo quando ampliados. Esse critério é justificável em virtude
de haver casos de PcD visual que utilizam recursos diferenciados - como
sonoros, pessoas que ainda apresentam resíduo visual para se
locomoverem sem a bengala.
Para a caracterização dos sujeitos foi solicitado, via contato telefônico, a
Coordenação da Educação Especial do Município de Fazenda Rio Grande e a
Equipe de gestão da Escola Municipal 26 de Janeiro a permissão para a
realização do estudo piloto e posteriormente as entrevistas necessárias ao
estudo. Solicitou-se ainda à professora do CAEDV, responsável pelo atendimento
aos referidos alunos jovens e adultos, documentos como: laudos médicos,
relatório de avaliação educacional e ficha de acompanhamento itinerante
13
nas
escolas de Ensino Regular. As análises dos referidos documentos possibilitaram a
definição dos critérios para seleção dos sujeitos, além de delinear questões
necessárias no processo de entrevista.
13
Atendimento especializado, garantido na legislação de Educação Especial, através do
qual o professor com formação e atuação em Educação Especial realiza acompanhamentos
pedagógicos especializados aos alunos inseridos em escola regular. O atendimento ocorre
semanalmente e consiste no deslocamento da professora do CAEDV às escolas dos referidos
sujeitos para a coleta das atividades realizadas, pelos alunos em Braille e também para a
preparação de materiais, atividades, avaliações adaptadas em Braille, relevo, ampliadas ou
gravações sonorizadas que auxiliarão o aluno no processo de aprendizagem.
59
2.3 PROCEDIMENTOS PARA COLETA DOS DADOS
Para investigar os objetivos expostos na introdução deste trabalho realizou-
se o estudo exploratório através do estudo piloto, utilizando como meio para
coleta de dados a entrevista semi-estruturada, por ser “uma técnica que permite o
desenvolvimento de uma relação estreita entre as pessoas” (RICHARDSON,
1999, p. 18).
A aplicação do estudo piloto em dois sujeitos com história de deficiência
visual, participantes do Centro de Atendimento Especializado na Área da
Deficiência Visual – CAEDV, possibilitou a aproximação da pesquisadora com os
demais sujeitos que seriam entrevistados, totalizando sete pessoas. Explicitou
também a compreensão dos sujeitos acerca das questões propostas e propiciou o
delineamento das questões que constituiriam o roteiro final de entrevista
(APÊNDICE 2). Os sujeitos que participaram do estudo Piloto não responderam
ao roteiro final e, dos sete participantes previstos, uma pessoa não compareceu
no dia pré-agendado em virtude de problemas pessoais em família.
As análises realizadas após a aplicação do estudo Piloto e a apreciação de
professores desta linha de pesquisa contribuíram para a organização do roteiro
final da entrevista. As reflexões propostas pelos professores foram de extrema
importância por terem possibilitado o redirecionamento das questões de modo a
suprimir repetições, reduzir o número de questões e a readequação de
determinadas questões à pré-organização em cinco grandes categorias
(APÊNDICE 2).
Outro instrumento utilizado na realização desta pesquisa foi a “observação
assistemática [...] tal observação geralmente é utilizada nos estudos exploratórios”
(RICHARDSON, 1999, p. 26). Foi fundamental no processo de entrevista um olhar
acurado das situações que ocorreram no entorno como o visível cansaço dos
sujeitos que culminou na readequação do roteiro.
O caráter qualitativo possibilita ao pesquisador ver no cotidiano de vida das
pessoas o que há de essencial para análise do problema em questão, “os
investigadores dessa corrente aprofundaram, especialmente através de entrevista
60
semi-estruturada e da observação livre, o estudo do que pensavam os sujeitos
sobre suas experiências, sua vida, seus projetos” (TRIVINOS, 1987, p. 130).
A pesquisa na área educacional é um fenômeno social o qual “é constituído
por atos, atividades, significados, participação, relação e situações” (LOFLAND
citado por TRIVINOS, 1987, p. 126). Por isso se justifica a premência da prática
de observação, ainda que na forma assistemática. Para tanto, foi adotado o diário
de campo, com o fim de anotar elementos observados, tais como: pausas,
expressões, hesitações e demais manifestações não verbais que contribuíram
para a interpretação dos dados.
As observações assistemáticas cumpriram a função de registrar situações
vivenciadas pelos sujeitos, tanto no contexto individualizado no momento das
entrevistas quanto no espaço de trabalho em sala, por ser esse espaço propício
as possíveis interações e participações frente à aprendizagem formal.
No CAEDV os sujeitos foram convidados, individualmente, em uma sala
reservada, a participar da entrevista semi-estruturada com a pesquisadora, que
tomou como direcionamento o roteiro do APÊNDICE 1. As perguntas foram lidas
pela pesquisadora, e as respostas, com a devida autorização dos sujeitos, foram
gravadas e transcritas para efeito de análises. Cada entrevista teve a duração
média de 45 minutos.
Nesse sentido, todo o processo foi direcionado buscando uma ampla
compreensão dos aspectos:
- participação oral em sala;
- o estudo e a condição de deficiência;
- rótulos, impedimentos e restrições vivenciadas em sala de aula em virtude da
deficiência;
- interação e participação entre os pares e não pares;
- perdas e as novas aprendizagens à presença da deficiência;
- habilidade e conquistas frente à condição de deficiência.
Direcionar a entrevista pelo roteiro semi-estruturado possibilitou maior
flexibilidade aos sujeitos no ato de expor suas idéias e inferências e contribuiu
para o cumprimento dos objetivos propostos na parte introdutória desta pesquisa.
O roteiro de entrevista contemplou ainda questões de ordem geral,
perpassando por: identificação, idade, causa da deficiência, idade em que a perda
61
visual se instalou de forma acentuada ou total, e ainda o curso em que o aluno
encontra-se matriculado.
A coleta dos dados ocorreu nos meses de setembro a outubro de 2006,
sendo considerado o momento em questão, sem descartar, no entanto,
inferências correspondentes aos anos de escolaridade anterior, como o próprio
início no processo educativo formal. Todos os relatos foram transcritos
adequando-se à condição de escrita e acrescidos de anotações observadas
durante o processo de entrevista e das visitas em sala de aula.
2.4 PROCEDIMENTOS PARA ANÁLISE DOS DADOS
Orientando-se pelos princípios da pesquisa qualitativa e considerando-se a
abrangência no trato de fenômenos não-quantificáveis, a coleta de dados
efetivada por meio de entrevistas semi-estruturadas e observação livre centrou-se
em buscar a essência dos fenômenos, bem como as possíveis interpretações dos
sujeitos sobre os contextos de aprendizagem formal. Para tanto, a análise a que
se propõe toma forma e sentido à medida que os sujeitos têm a possibilidade de
expressar suas inferências por meio da linguagem manifestada em cada palavra.
O aporte teórico sócio histórico reforça a importância de ouvir o que os
sujeitos com história de deficiência visual têm a dizer sobre o processo de
aprendizagem escolar. No entanto, os discursos dos sujeitos foram analisados a
partir de grandes temas, por ser considerado o meio mais rápido e eficaz, que
consiste em isolar temas específicos bem como as partes de maior relevância
consoante ao problema pesquisado (RICHARDSON, 1999).
A organização, a priori, apresentou as seguintes categorias:
- a palavra e a constituição do sujeito;
- restrições e rotulações do sujeito;
- as interações e participações no processo pedagógico;
- trajetórias escolares e trajetória de vida;
- a história da superação.
O objetivo desta organização prévia era direcionar as análises dos dados.
No entanto, sofreu alterações em virtude de expressar limitações. Desse modo,
seguindo orientações recebidas no exame de qualificação, a fim de abranger
62
reflexivamente o máximo de informações dos sujeitos entrevistados acerca do
problema e objetivos propostos, houve a necessidade de reorganização das
categorias iniciais em temas que são definidos “frequentemente como uma oração
ou uma indicação a respeito de algo” (SAMPIERI, 1999, p. 296). A partir da
transcrição e análise mais cautelosa das respostas dos sujeitos entrevistados,
constatou-se a proximidade das respostas entre as categorias inicias. Desse fato,
a reorganização facilitou a análise, por permitir o trabalho a partir de três temas e
questões norteadoras. São eles:
Tema 1 - A participação oral em sala de aula como possibilidade de se constituir
sujeito de aprendizagem.
Questões para análise:
Em que momento sua participação oral nas aulas lhe possibilita manifestar
seus pensamentos, inferências, dúvidas e questionamentos? Considera esse
momento importante? Justifique.
Tema 2 - A deficiência no olhar do outro.
Questão analisada:
A deficiência visual é um limite para sua participação?
Tema 3 - Dos limites às possibilidades.
Questões analisadas:
Para você, o que significa estudar?
Quais são as habilidades/talentos que você julga ter hoje? Você acha que
tem condições de aprender? Justifique.
Como você reage frente à condição de deficiência visual?
63
3 ANÁLISE DOS DADOS
De vez em quando testo meus amigos que
enxergam para descobrir o que eles vêem. Há
pouco tempo perguntei a uma amiga que
voltava de um longo passeio pelo bosque o que
ela observara. “Nada de especial”, foi à resposta
(KELLER, 2002).
3.1 REPRESENTAÇÕES CONCEITUAIS NAS VOZES DOS SUJEITOS
3.1.1 A participação oral em sala de aula como possibilidade de se constituir
sujeito de aprendizagem
A vivência profissional com PcD visual implicou o entendimento acerca da
importância de possibilitar situações em sala nas quais essas pessoas pudessem
falar, manifestar suas dúvidas e compreensões sobre conceitos, atividades de
textos e contextos que circundam a sala de aula. A palavra é um importante signo
que permite ao jovem ou adulto cego ou com baixa visual acentuada se
constituírem sujeitos no espaço escolar.
É pela palavra que os sujeitos são solicitados a expressar suas inferências
acerca de situações nas quais são oportunizadas ou não práticas de interação
entre esses jovens e adultos com seus professores e os colegas da sala de aula
no ensino regular e no CEDV. A palavra é tomada enquanto categoria de maior
relevância na capacidade do ser humano de estabelecer relações no e com o
mundo.
Enquanto prática de comunicação e interação imbuída de significado, a
palavra é tomada aqui como elemento expressivo da prática social, configurada
pela ação e interpretação dos sujeitos no mundo através de processos
socialmente partilhados e constituídos em práticas cuja fertilidade se dá pelas
significações da cultura (SÁEZ, 1974).
A linguagem é função humana primordial, é condição fundamental que
propicia o desenvolvimento. Pela linguagem é possível verbalizarmos o mundo
que nos cerca, e com isso ampliarmos nosso conhecimento e satisfazermos
nossas necessidades.
64
Para os cegos, a linguagem e a fala, além de servirem para estas mesmas funções, são
usadas também para outros fins. A falta de visão estimula a criança cega a usar as
palavras como substitutas de coisas que não vê. Ela descobre usos para a fala em
diferentes atividades: para se orientar, para catalogar características que diferenciam as pessoas,
para descobrir alguma marca pela qual um objeto possa ser reconhecido [...] (AMIRALIAN,
1997, p. 63-64).
A construção do eu se dá necessariamente pelo reconhecimento do outro.
Nessa perspectiva, ocorre então que o sujeito com história de deficiência e
demais representantes de seu meio precisam se ver e se reconhecerem enquanto
sujeitos.
Na necessidade de responder aos objetivos um, três e sete desta pesquisa
se apresenta as inferências dos sujeitos à questão: Em que momento sua
participação oral nas aulas lhe possibilita manifestar seus pensamentos,
inferências, dúvidas e questionamentos? Considera esse momento importante?
Justifique.
Getulio apresenta a seguinte contribuição: “na aprendizagem eu preciso
saber de muitas coisas, por isso eu pergunto sempre” (Getúlio, aluno entrevistado
em setembro de 2006).
A afirmativa “eu preciso saber muitas coisas” é confirmada por FREIRE
(1987), na idéia do inacabamento humano que se faz ao longo da própria vida por
meio das experiências vividas e partilhadas, pois “não há homens sem mundo,
sem realidade, o movimento parte das relações homens-mundo” (FREIRE, 1987,
p.74).
O sujeito com história de deficiência visual não é um ser mudo no mundo.
Ele está cheio de palavras interiores, porque a realidade vivida é o seu mundo
(VYGOTSKY, 1991). Esse sujeito inacabado que busca pelo conhecimento tem
sua história de vida escolar marcada por situações adversas como as limitações
biológicas que lhe chegam de forma inesperada no auge da infância, causam
também sérias conseqüências sociais.
A possibilidade de se constituir sujeito passa pelo reconhecimento do outro.
No entanto, na continuidade, Getulio denuncia: “eu gosto muito de falar, fazer
várias perguntas para as pessoas. Fazia muito isso, enquanto eu tinha sete, oito
65
anos, depois [...]
14
que fiquei cego parei de conversar, de perguntar, de falar na
sala” (Getúlio, aluno entrevistado em setembro de 2006). Esse desabafo não pode
ser analisado como um processo de vitimização, pois se trata de uma denúncia
do fato de que após a condição de deficiência o sujeito sai de uma condição de
diálogo com o mundo para o monólogo da escola (ALVES, 2003). Nessas
condições, a escola pode libertar como também pode aprisionar.
É pela participação ativa do homem, em específico o jovem e o adulto com
história de deficiência, que suas possibilidades de estar no mundo se ampliam,
para um pertencer e agir no mundo, um mundo que é por ele também construído,
rompido e transformado (MÀRKUS, 1974; FREIRE, 1987; BOFF, 2000).
As palavras de Renato, ao mesmo tempo em que denunciam, anunciam
uma perspectiva sobre a participação oral nas aulas ao corroborar as palavras
dos autores com a seguinte afirmativa, “acho que é muito importante, eu utilizo da
escrita, mas, a fala, é muito usada nas provas orais e em debates. Tirando as
provas, não tem muita freqüência destas práticas, não. Acho que é um ganho
poder falar, é uma forma de exercitar o próprio conhecimento” (Renato, aluno
entrevistado em setembro de 2006).
O processo de construção de uma fala tem origem muito antes do falante
dizer (CAGLIARI, 1999), portanto, no pensamento. Isso porque antes da escrita o
aluno já demonstra uma leitura de mundo com olhar das experiências sensíveis e
sensoriais. É com esse olhar de sensibilidade que a reflexão de Renato extrapola
o limite do imediato tocado e tateado.
É conveniente salientar que mesmo em condições de diversidade biológica
essas pessoas inseridas em contextos sociais apresentam condições de se
constituírem sujeitos de suas ações, pois “é na participação ativa e na
apropriação do mundo que se origina a individualidade concreta, o homem social
universal” (ROSS, 2000, p. 14).
Na continuidade, Renato reforça: “não é muito exigido a fala, tem dia que
eu entro quieto e saio mudo de lá. Os conteúdos não possibilitam isso, não tem
muito que falar. Na matéria que tenho que perguntar me obrigo e até sugiro
formas de trabalho” (Renato, aluno entrevistado em setembro de 2006). É a
14
[...] cumpre a função de identificar pausas nas falas dos sujeitos entrevistados.
66
denúncia de uma lógica arraigada na escola firmada pela prática conteudista
15
. Na
medida em que se expropria desses sujeitos todas as possibilidades de
manifestação, se estabelece também um ciclo de dependência e submissão em
relação às pessoas que os cercam.
Esse tipo de prática sem o objetivo da emancipação reforça a idéia de
incapacitados. As condições limitantes desses supostos contextos de
aprendizagem convertem-se em impeditivos ao propósito da aprendizagem. A
necessidade da bengala intelectual torna-se uma realidade e, estar sem essa é
em igual proporção estar sem a condição de expressar o que fora aprendido.
Nesse sentido, Fabiana tece suas considerações com a seguinte
afirmativa:
Na hora dos debates – relembra momentos de discussões entre os alunos, ocorridos na
EJA - eu gosto de me envolver, se for coisa que eu não aceito eu falo mesmo, mas, eu
nunca vi práticas que os alunos possam falar opinar. No regular é quase impossível. No
regular é você longe do seu mundo, não tem muitos diálogos, não tem desafios para isso,
não (Fabiana, aluna entrevistada em setembro de 2006).
As inferências de Fabiana, além de denunciar as condições de pouco
desafio no sentido de explorar o que fora aprendido por esses sujeitos, revelam
ainda a dicotomia da forma de conceber esses sujeitos no espaço do CAEDV e
no espaço de ensino regular. A falta do diálogo, como se confirma nas próprias
palavras de Fabiana, afeta a todos os alunos e não apenas os que apresentam
Deficiência Visual. Essas inferências refletem o aprisionamento do diálogo que
para Vygotsky (1986) é toda forma de interação no mundo.
Esse contraponto revela uma forma de conceber a PcD visual bem como
os demais alunos enquanto incapazes, pois a emancipação consiste em “que todo
o homem do povo pudesse conceber sua dignidade de homem, medir a dimensão
de sua capacidade intelectual e decidir quanto a seu uso” (RANCIÈRE, 2005, p.
37).
As denúncias e anúncios vão sendo verificados nas falas de todos os
sujeitos e, não obstante, se revelam em praticamente todas as inferências ao
15
Termo utilizado por Freire (1987) ao analisar a pedagogia bancária.
67
longo de todas as entrevistas. Por isso, apresenta-se respectivamente as falas de
Felipe, Valter e Vander:
De vez em quando falo, mas no meio de todos aqueles jovens numa sala de aula é bem
difícil, porque, cada um quer mostrar aquilo que eles têm em mente. Eu quero mostrar,
mas, às vezes não é possível, para uns e para outros sempre tem. Na escola, para mim,
não tem isso não (Felipe, aluno entrevistado em setembro de 2006).
Eu não gosto muito de falar quando tem muitos alunos principalmente os que enxergam,
mas perguntar se for preciso eu pergunto. Sobre o conteúdo eu gosto de perguntar, de
esclarecer dúvidas e curiosidades. Eu estou gostando da professora desse módulo, ela
explica bem, não só para mim, mas para todos. Eu acho importante a fala e a escrita
também, às vezes só de falar a gente pode esquecer algumas coisas, e na escrita,
sozinho, a gente pode se concentrar e escrever o que pensa. E também nem tudo eu
consigo mostrar que aprendi só pela escrita. Eu não lembro de ter feito isso (diálogos)
não, também nem tem muito espaço para isso, não tem muita prática assim não (Valter,
aluno entrevistado em setembro de 2006).
Eu prefiro debater. Eu me sinto à vontade nos dois espaços, se é para perguntar das
matérias eu pergunto só isso. No CAEDV me sinto mais à vontade, eu solicito ajuda e
oriento também os professores nas adaptações. Não gosto de falar muito. Pergunto só de
vez em quando, mais para a menina que me ajuda. Os professores são iguais, mas no
CAEDV é melhor porque ali tem mais espaços para falar e interagir com os colegas
(Vander, aluno entrevistado em setembro de 2006).
O homem é visto como realidade social não porque se agrupa em
sociedade, mas porque necessariamente é incompreensível fora do social
(FARACO, in BAKHTIN, 1981). A superação das contradições vivenciadas no
espaço de ensino formal consiste na compreensão de que a interação verbal
constitui a realidade fundamental da linguagem [...], a dialogicidade (BAKHTIN,
1981).
Esses jovens e adultos em suas inferências sobre o contexto de
aprendizagem revelam-se de certa forma não participativos. Essa informação é
também encontrada no relatório itinerante e foi observada no momento da visita
às Escolas. Trata-se de uma situação que deve ser analisada sob o ponto de vista
das condições que são propiciadas para a participação ativa. A falta das
condições sócio-históricas com o fim de mediar o diálogo reforça então a
necessidade do monólogo, fato que nega a concepção do homem inserido numa
realidade dialógica (FARACO in BAKHTIN, 1981).
As inferências ao mesmo tempo em que denunciam uma situação
sinalizam para as necessidades que se fazem presentes na vida desses jovens e
68
adultos com história de deficiência para que os mesmos possam de fato se
constituir sujeitos. A compreensão dessas necessidades só pode ser visualizada
a partir de mudanças significativas na prática escolar.
Com base nesse pressuposto pode-se inferir que é na possibilidade de
atuar interativamente que se permite ao outro a condição de ser sujeito. Contudo,
a constituição da identidade segundo os fundamentos sócio-históricos se faz pela
diferenciação eu-outro, processo no qual a linguagem desempenha importante
papel.
A linguagem é um dos mais importantes signos, que num determinado
momento do desenvolvimento do indivíduo passa a ser instrumento de
estruturação e organização do pensamento, possibilitando o desenvolvimento
deste último. Esse processo é significativo à inserção, ainda precoce, da PcD
visual no mundo da linguagem. Tal inserção não está atrelada à natureza ou grau
da deficiência visual, por isso considera que
[...] a aprendizagem é sempre mediada por instrumentos, signos e procedimentos que
possibilitam relações entre os sujeitos e objetos e entre os sujeitos. Todo indivíduo pode
dar sua participação e contribuir com sua experiência acumulada e seu poder de decisão,
uma vez que o especialista não pode ser mais o portador de todas as verdades. Toda
manifestação deverá ser respeitada porque assim se produz e se respeita a
individualidade (ROSS, 2000, p. 21-22).
As contribuições de Vygotsky (2001) são de extrema importância uma vez
que possibilitam a compreensão de que a linguagem desempenha uma função
69
Não se descarta, porém, que um silêncio exprime significado e pode indicar
a pouca acessibilidade em práticas nas quais sejam desafiados a expressar suas
vivências. É pela palavra que se pode constatar o que Freire (1987) denominou
“um anúncio - uma denúncia”, nesse caso, a palavra não expressada, também
anuncia e denuncia. Nesse sentido, se considera que a palavra é essência e “[...]
o significado é uma parte inalienável da palavra enquanto tal, pertencendo,
portanto, tanto ao domínio da linguagem como ao do pensamento. Uma palavra
sem significado é um som vazio, já não fazendo parte do discurso humano. Como
o significado das palavras é, simult
70
[...] Eu quero olhar e vejo. Quero escutar e ouço. Quero tatear e meu braço se estende,
passeia pela superfície dos objetos ou penetra em seu interior; minha mão se abre, se
desenvolve, se estende, se fecham, meus dedos se afastam ou se aproximam para
obedecer à minha vontade. Nesse ato de tateio, só conheço minha vontade de tatear.
Essa vontade não é nem meu braço, nem minha mão, nem meu cérebro, nem o tateio.
Essa vontade sou eu, é minha alma, é minha potência, é minha faculdade. Sinto essa
vontade, ela está presente em mim, ela sou eu; quanto à maneira como sou obedecido,
não a sinto, não a conheço senão por seus atos [...] Considero a ideificação como um
tatear. Tenho sensações quando me apraz: ordeno a meus sentidos fornecê-las. Tenho
idéias quando quero: ordeno a minha inteligência buscá-las, tatear. A mão e a inteligência
são escravos, cada um com suas atribuições. O homem é uma vontade servida por uma
inteligência (RANCIÈRE, 2005, p. 83).
Nessa ótica, a constituição do sujeito é evidenciada na emancipação
intelectual efetivada pela apropriação dos elementos culturais, os quais, ao serem
construídos pelos sujeitos, os constroem também. Nessa perspectiva a
constituição do sujeito se efetiva pela interação bio-social.
O desenvolvimento cultural humano, portanto, encontra sustentação nos
processos biológicos, no crescimento e na maturação orgânica, formando um
processo complexo. Porém, esse desenvolvimento em grande medida se dá pela
ação dos elementos culturais. Sobre esse fato, Lima (2005, p. 6) afirma: “há,
portanto, partes do desenvolvimento biológico que dependem das condições de
vida e do contexto em que está o indivíduo”.
Compreender que o homem não é apenas produto, se não também,
produtor do meio no qual está inserido, implica assumir o princípio da mediação
como condição inquestionável, pois, o processo de aprendizagem e
desenvolvimento é configurado principalmente pelas relações mediadoras,
através dos signos.
A constituição do sujeito, bem como as atividades humanas, são
operacionalizados ao longo do desenvolvimento humano. A mediação então se
efetiva como condição essencial na relação eu-outro. As inferências de Renato
sobre a questão em pauta revelam o seguinte: “sempre fui meio ‘sortudo’, as
pessoas me ajudavam muito na aprendizagem, sentavam comigo, reforçavam a
matéria, isso foi bem importante no começo, para mim mesmo conseguir superar
o momento da perda” (Renato, aluno entrevistado em setembro de 2006). Ao
inferir sobre a participação oral em sala de aula o sujeito retoma fatos que
aconteceram no momento em que perdera a visão, se referindo ao princípio da
Zona de Desenvolvimento Proximal - ZDP, preconizada por Vygotsky (1991), o
71
qual afirma que entre o desenvolvimento real e o potencial existe o ponto de
mediação, nesse caso, o outro.
A mediação pela palavra permite os processos de interação entre as
pessoas, logo, a mediação não se configura numa ação determinada, se não por
um processo dialético e intencional. Isso implica na compreensão que somente a
presença física do outro não garante a mediação.
A constituição de significados depende efetivamente da ação do próprio
sujeito, pois o significado de uma palavra é estável e preciso, enquanto essa
apenas compõe o dicionário. Os sentidos a ela atribuídos dependerão da
natureza do contexto da relevância de experiências que o sujeito vivencia. Os
sentidos do conhecimento encontram-se na articulação das trajetórias de vida e
escolares de cada educando histórico-social (ARROYO, 2005).
O significado não se restringe ao objeto, nem ao signo, nem a palavra e
nem ao pensamento, o significado pertence à consciência. Os conteúdos da
consciência e sua lógica estrutural são inseparáveis. A consciência só se objetiva
quando está constituída para o sujeito, por intermédio da linguagem e do trabalho
(MOLLON, 2003). Essas idéias se expressam também nas inferências de
Fabiana:
Tinha algumas coisas que eu nem abria a boca, porque eu não tinha conseguido ler, então
eu ficava quieta, deixava outra pessoa comentar, perguntar. Eu deixava, se eles fossem
falar alguma coisa, eles falavam dela, e não de mim, porque ela não tinha problema, se
não conseguiu, ou não leu ou não entendeu. Eu não, não consegui ler mesmo a apostila.
Só se eu tivesse certeza eu ia falar, meu colega falou e errou. Ainda bem que ele falou, se
eu errasse eles poderiam falar que era por causa do problema, agora, se a professora
perguntar eu ia falar não professora eu não entendi, mas, se fosse no especial - se refere
ao CAEDV-, ia contar a verdade e não consegui ler mesmo, não estou enxergando mais a
letra desse tamanho (Fabiana, aluna entrevistada em setembro de 2006).
A consciência de suas limitações esbarra, então, nas expectativas do outro.
A aluna denuncia uma forma de relação em que o erro precisa ser punido. Nessa
lógica a mediação preconizada por Vygotsky perde o sentido, uma vez que o erro
passa a ser determinante e não mais possibilidade, ou seja, aquilo que a criança
pode fazer com ajuda. Só existe significação quando significa para o sujeito. A
PcD visual pertence ao mundo das significações quando é reconhecida pelo outro
e, consciente disso, constitui-se sujeito.
72
Por meio de um processo dialético se efetiva uma tríade, ou seja, a relação
do sujeito com o outro sujeito e a mediação. Nessa lógica o eu só é sujeito à
medida que, constituído como tal, na relação constitutiva eu-outro no próprio
sujeito. É preciso ser, então, o outro de si mesmo. Logo, é necessário reconhecer
o eu constituído no outro, e o reconhecimento do outro enquanto eu próprio, na
conversão das relações interpsicológicas em relações intrapsicológicas. É neste
processo que se constata o reconhecimento do eu alheio e do eu próprio, e
também o conhecimento enquanto auto-conhecimento e o conhecimento do outro
enquanto diferente de mim (MOLON, 2003).
No processo de constituição do sujeito não há prevalência do
interpsicológico ou intrapsicológico (MOLON, 2003), se não um movimento
dialético que se efetiva na expressão do semelhante e do diferente, considerando-
se que
[...] esse processo pode ser caracterizado como um curso de transformações pelas quais
competências emergem e se diferenciam no plano intersubjetivo, configurado pelas ações
do sujeito mediadas pelo outro, e passam ao plano intrasubjetivo, configurado pelo
processo de internalização. Isso significa que, dependendo das condições de
aprendizagem, essas transformações vão conduzir à autonomia do sujeito em relação a
algumas competências e abrir possibilidades para o surgimento de outras (SMOLKA,
2001, p. 53).
Esse fato afirma a condição interativa gerada na relação eu outro e a
mediação, que se realiza pela consciência e exige a busca dos significados que
não são observados diretamente. O sujeito se constitui nas e pelas interações
com o outro. É nas inúmeras possibilidades de relações sociais estabelecidas que
os sujeitos vão se constituindo. Trata-se de um contexto marcado pelo princípio
dialético e evidenciado pela tomada de consciência via linguagem (MOLON,
2003), que ocorre também para pessoa com história de deficiência visual.
É nessa linha de raciocínio que a escola deve atuar no trato com a
diferença. O imperativo atual consiste em que as práticas pedagógicas estejam
fundamentadas na prática do diálogo, da participação ativa e reflexiva de todos os
seus alunos, uma vez que “o alfabetizando já sabe que a língua também é cultura,
que o homem é sujeito: sente-se desafiado a desvelar os segredos de sua
constituição, a partir da construção de suas palavras – também construção de seu
73
mundo” (FREIRE, 1987, p.12). Considera-se, no entanto, que as palavras não se
produzem para serem colecionadas na memória, mas para que cada pessoa
consiga “dizer e escrever o seu mundo, seu pensamento, para contar a sua
história” (FREIRE, 1987, p. 13).
Engajar-se pela complexa totalidade de cada sujeito remete ao
desenvolvimento de espaços para falas e escutas, de modo a “prestar atenção
nas emoções que as palavras suscitam como alterações de vozes, sensação de
conforto ao dizê-las. Escutar é construir juntos, um diálogo prazeroso” (BRUNEL,
2004, p. 24).
3. 1.2 A deficiência no olhar do outro
As análises que se apresentam tomam como fundamento a deficiência no
olhar do outro delineando as inferências dos sujeitos entrevistados pela questão:
A deficiência visual é um limite para sua participação? As análises aqui
anunciadas visam responder os objetivos dois, quatro e oito desta pesquisa.
Constata-se em contextos históricos e sociais de diferentes épocas que
todas as formas de deficiência “afetam antes de tudo as relações sociais das
crianças e não suas interações com o ambiente físico” (VAN DEVEER &
VALSINER, 1991, p. 75). Fabiana confirma essa idéia ao responder a questão
proposta: às vezes eles te olham de um jeito, que parece que você é uma pessoa de
outro mundo, eles não conseguem ver adiante, tem a visão muita curta, eles pensam
que são perfeitos” (Fabiana, aluna entrevistada de setembro de 2006).
A presença da deficiência marca os limites das ações dos sujeitos, ou seja,
o meio tende a tratar uma pessoa com deficiência de uma maneira muito diferente
das outras pessoas, de um modo positivo ou negativo (VAN DEVEER &
VALSINER, 1991).
Na prática, constata-se que ambas as situações culminam num fato
negativo, ou seja, o tratar positivamente, para o meio mais próximo, implica em
superproteção e pouco desafio. A conseqüência disso é a aprendizagem e
desenvolvimento precários, portanto, a negatividade do processo. Renato
corrobora essa idéia ao responder: “muitos professores fizeram aquele
74
comentário de dó, assim - ai que pena dele. Eu não acho esse sentimento legal,
não” (Renato, aluno entrevistado em setembro de 2006).
Nessa perspectiva, o ponto de partida é a preponderância das informações
visuais nas relações com o meio. Assim, é facilmente aceitável a idéia de que a
visão é um sentido primordial ao desenvolvimento humano e, em conseqüência, a
supervalorização da visão, de forma a ultrapassar sua real significação
(AMIRALIAN, 1997). Ou seja, para os professores: Como Renato irá aprender se
não pode ver?
As concepções acerca da cegueira a colocam em posições contraditórias e
obviamente o modo de concebê-la infere sobre a forma de compreender e permitir
a constituição do sujeito com história de deficiência visual. Conceitos de inaptos,
indefesos, incapazes, pobre-coitados, dignos de piedade oscilam no imaginário
social e de igual modo interferem nas relações que serão estabelecidas ou não à
pessoa acometida de perda visual (AMIRALIAN, 1997).
A análise da autora é evidenciada no exposto por Fabiana:
Alguns alunos tiram sarro, minha filha está sofrendo isso também, quando eu sofria isso ficava
quieta, agüentava, [...] tenho um pouco de vergonha já não estou conseguindo ler, tenho
dificuldade no Braille, nem faço pergunta nenhuma para professora, estou lá, mas tenho
vergonha, às vezes fico sem perguntar, para eles não falarem nada (Fabiana, a aluna
entrevistada em setembro de 2006).
A conotação valorativa atribuída ao ato de ver recheia-se de valores e
simbologias construídos socialmente e, historicamente, “o ver parece ocupar cada
vez mais, um lugar de destaque em nossa vida. Os educadores consideram que
80% de nossa informação é recebida pela visão: a televisão, os outdoors, a
vitrine, substituem o rádio e a propaganda sonora” (AMIRALIAN, 1997, p. 24).
Essa forma valorativa atribuída à imagem visual pode negar o fato de que
essa imagem pode constituir-se num elemento de atração física, mercadológicas,
comerciais, artísticas, dentre outras possibilidades que conferem à visualidade um
chamado à forma para sobrepujar o conteúdo. Por outro lado, é verdade que a
visualidade remete à subjetividade, à personalização, o que fornece outros
critérios ou parâmetros de análise da realidade. No entanto, no processo de
civilização do humano, a visualidade representa um estágio anterior ao uso da
palavra (ROSS, 2000).
75
O olhar, em grande medida, adquire posições de destaque na forma de se
conceber o sujeito, a ponto de ser “via por excelência para a compreensão e
expressão dos desejos mais profundos do ser humano, sendo possível por seu
intermédio conhecer os desejos e as características das pessoas” (AMIRALIAN,
1997, p. 26). É possível que seja dessa análise a idéia equivocada de que as
pessoas cegas não conseguem expressar sentimentos.
Como na afirmativa da autora cabe ressaltar o afirmado por Vander: “Eu
fiquei triste, e com medo de como as pessoas iriam me tratar, será que iam me
ajudar ou me deixar de lado? Vivi as duas coisas” (Vander, aluno entrevistado em
setembro de 2006).
A conscientização de ser e estar no mundo são mensurados pelas
possibilidades de ações. É pela reflexão da atividade exercida que o sujeito
conscientiza-se da própria atividade: “conscientizar é dar consciência do que é o
homem – consciência de si, do que é o mundo, do que são os outros homens”
(LANDIM citado por BRANDÃO, 1986, p. 32).
A forma de compreender a pessoa com história de deficiência visual
excluída de sua subjetividade nega a possibilidade da existência do eu e nessa
relação se configura a inexistência do outro. Nessa contradição verifica-se o
caráter irreversível da condição de deficiente, portanto, da incapacidade de se
constituir sujeitos. Essas análises são confirmadas por Renato na seguinte
afirmativa:
Ah! Na aprendizagem, explicavam lá na frente, aprendeu, aprendeu, se não aprendeu
passou, vão para outro assunto, [...] assim, ia ganhando nota e já que eu não aprendi, eles
não podiam exigir muito daquilo, né. Eles davam notas para não ter problema de chegar
junto e explicar no tipo individual. Eles preferiam dar nota. Ainda acontece isso, aconteceu
em matemática, não aprendia, a professora estava dando a nota, ela não sabia explicar a
matéria, não sei por que isso, tentei ajudar ela um monte, mas, ela não dava importância,
acho que é falta de vontade mesmo, eu até adaptei um gráfico, assim, mas, acho que foi
perda de tempo porque ela nem pegou no gráfico, nem se interessou, hoje ainda
acontece, isso é péssimo, porque eu não adquiro conhecimento algum (Renato, aluno
entrevistado em setembro de 2006).
Embora essas situações impeditivas não sejam conscientemente forjadas,
resultam em limitações no desenvolvimento histórico cultural do sujeito. Na
vivência profissional com pessoas cegas, é comum depararmos com crianças que
76
sequer sabem anunciar o próprio nome e, obviamente, as conseqüências desse
momento histórico podem perdurar ao longo da vida.
O aluno Valter corrobora a idéia ao inferir: “eu já ficava meio nervoso,
porque os colegas ficavam falando: ceguinho, vesguinho, está atrapalhando, está
na nossa frente, eu já enxergava pouco. Eu não me preocupava com nenhum
sentimento, eu só queria estudar. Mas meu pai simplesmente falou, não tem nada
o que fazer, está cego” (Valter, aluno entrevistado em setembro de 2006).
As inferências do sujeito revelam uma forma padrão pré-estabelecida, no
entanto, o meio familiar reforça o estereotipo da incapacidade, ao afirmar: “não há
o que fazer”. A contradição se apresenta no esforço do sujeito em superar ‘o
sentimento da perda em função da deficiência’ e o reforço do meio em relembrar
não há mais nada a fazer. Em se tratando de adultos que vivem numa sociedade
mediatizada pela relação de trabalho, cabe a escola despertar nos sujeitos a
consciência da necessidade de instruir-se e favorecer pelo conhecimento a
passagem da consciência ingênua para a consciência crítica (FREIRE, 1987).
As dificuldades relacionais são gestadas desde muito cedo, ainda no bojo
familiar, com predominância ora da superproteção materna ou de parentes mais
próximos, ora por meio do total esquecimento dessas crianças num “canto” da
casa. Contudo, não se nega a necessidade de o próprio sujeito ansiar pela
independência em concomitância a uma grande demanda de ajuda. Tal condição,
por si só, pode gerar um contexto de passividade e alienação. Mais uma vez
retomo as vivências no trabalho com crianças cegas para reafirmar que o meio
mais próximo, embora inconscientemente, impõe restrições significativas ao
processo de constituição do sujeito, e essas se constituíram importantes
obstáculos à aprendizagem, mesmo na idade adulta.
Getulio, por meio de suas inferências, confirma a idéia:
Lá na minha casa, o Rodrigo, um dia chegou, e falou bem assim, ‘eta mesmo, esse piá é
muito cego, muito cego, muito paioso esse piá, dá licença’. Eu fiquei triste e acabei quase
chutando ele. Até que eu sinto vontade de chegar [...] Oi pessoal, oi tudo bem, eu tenho
uma novidade para falar, para poder contar a vocês, eu sou simplesmente cego, por favor,
vocês cuidem muito bem de mim, está bom, muito obrigado. Não, claro que eu não falo,
claro que não professora, eu tenho tanta vergonha de ser cego. Eu vivo feliz, mas, perto
das pessoas que enxergam eu tenho vergonha (Getulio, aluno entrevistado em setembro
de 2006).
77
Essas afirmativas denunciam por um lado a condição imposta pelo meio,
quando se foge a um padrão, mas por outro lado reafirmam o desejo por libertar-
se dessa condição, pois "os homens fazem sua própria história, mas não a fazem
como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas
com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado" (MARX,
2000, p. 4).
As pessoas que ficaram cegas nos primeiros anos de vida apresentam
alguns diferenciais em relação àquelas que nasceram cegas. Nesse sentido a
idade em que a cegueira se apresentou é importante, pois determinará as
possibilidades e demandas da nova condição. O aluno Renato confirma essa
idéia: “acho que porque eu já enxerguei, tenho assim uma noção de como é, acho
que eles julgam ser mais fácil de lidar assim, eles podem falar de uma montanha,
que eu já sei o que é, diferente para um DV que não sabe o que é, né, que é cego
desde nascença” (Renato, aluno entrevistado em setembro de 2006).
O fato de a criança ter apresentado resíduo visual torna-se um diferencial,
uma vez que inúmeras informações visuais e imagens mentais vão se
constituindo por meio das representações simbólicas.
O processo de constituição do sujeito ocorre pela “operacionalização do eu,
já que o contato com os outros sujeitos permite o reconhecimento do outro e,
através disso, o auto-conhecimento” (MOLON, 2003, p. 84). Contraditoriamente, é
exatamente por esse movimento, ou melhor, esse não movimento eu-outro, que o
sujeito vai se desconstituindo.
Na continuidade, sobre a questão da deficiência se constituir um limite,
Renato infere:
Não sei, acho que não, eu tenho condições de aprender normal como os outros. Não se
torna um obstáculo não, sou uma pessoa de vontade própria de aprender, muitas pessoas
ajudam a conseguir o que quero, os colegas ditam. Mas há condição de eu não participar
por causa da deficiência visual. Como na educação física, [...] Sempre tem alguns
professores que excluem, principalmente Educação Física que é mais prática, tipo assim,
futebol, vôlei acaba sendo excluído, isso é [...] coisas básicas assim, isso é sempre coisas
que vão ter, né [...] os professores sempre vêm com a desculpa que eles não estão
preparados para isso. Então, é bem isso mesmo (Renato, aluno entrevistado em setembro
de 2006).
Constata-se, na inferência do sujeito, a contradição posta, pois para ele a
78
deficiência não se constitui limite, no entanto, ao pensar nos contextos com os
quais se relaciona, afirma “não sei, acho que não...”. Essas palavras expressam a
possibilidade subjetiva de se constituir sujeito mesmo em situações adversas
como a presença da deficiência. No entanto, o olhar do outro, nesse caso, é o que
irá determinar ou não a condição de sujeito.
No contexto de experiência com as pessoas cegas é constatada a
condição social do meio mais próximo que se configura pela desconstituição, uma
vez que o sujeito com história de deficiência visual está determinado ao
isolamento e, se não se relaciona com o outro, não conhece a si mesmo. As
palavras de Vander reforçam essa idéia com a seguinte afirmativa:
No jogo de bola, eles me xingavam de ceguinho, eu sentia um pouco de tristeza, né, [...]
Acabava parando de jogar. Os professores ficaram preocupados, parece, uns me
ajudavam, outros, acho que tinham medo de chegar perto de mim” (Vander, aluno
entrevistado em setembro de 2006).
O estigma do fracasso expresso nas inferências de Vander é explicado por
FREIRE, (1987, p. 14), o qual afirma que “a partir de uma concepção de
educação domesticadora é possível que o aluno com [história de deficiência
visual] seja apontado como seres passíveis e dóceis”.
A história desses sujeitos vai sendo marcada pela luta em superar os
limites da “escuridão adquirida”, suas ações persistentes confrontam com os
limites da superproteção ou piedade. Nesse sentido, Felipe infere:
Já presenciei na escola, na rua, em casa, mas eu tento sempre desviar minha atenção do
preconceito. Desviar o que vem me atingir. Eu acho que hoje em dia o preconceito é um
fato inescrupuloso que não deve existir na nossa vida. Eu, muitas vezes já fui discriminado
como tantos outros deficientes, mas, de qualquer forma eu tento suportar e mostrar que
eu sou capaz (Felipe, aluno entrevistado em setembro de 2006).
A afirmativa “eu sou capaz” confirma o que Miguel Arroyo nos ensina: todos
os educandos e educandas se igualam em termos de capacidades para pensar,
raciocinar, na capacidade de ser sujeitos éticos, culturais, humanos, cognitivos e
de aprendizagem (ARROYO, 2004). No entanto, se o outro visualiza um eu
incapaz, incapacitado será. Assim sendo, a consciência do eu camufla-se na
79
ineficiência e ao interiorizar-se dessa forma pode se desconstituir enquanto
sujeito.
Na continuidade, o aluno infere: “acho que qualquer deficiência é uma
barreira, e a gente tem que superar ela de qualquer forma. Com a deficiência se
perde muitas coisas, o trabalho, o convívio com as pessoas, porque muitas
pessoas, né, discriminam você pelo fato de você ter um problema diagnosticado e
não se aproximam” (Felipe, aluno entrevistado em setembro de 2006).
As palavras do sujeito por um lado reforçam a idéia que é o olhar do outro
que determinará a condição de sujeito ou não, mas, por outro lado, revelam o que
Leonardo Boff definiu como a condição humana de protest-ação, ou seja, o sujeito
está em constante protesto contra os determinismos históricos, por isso reafirma:
“a gente tem que superar de qualquer forma”. Contudo, denuncia o que se
verificou nos apontamentos teóricos, pois em grande medida prevalece a ‘lei do
esforço próprio’, se as condições inatas não são favoráveis, cabe ao sujeito se
esforçar para que essas sejam superadas.
Ironicamente, o meio, nesse caso escolar, que por concepção contribui na
formação dos sujeitos, encarrega-se de desconstituí-los, e, mais uma vez os
sujeitos, agora jovens e adultos com história de deficiência visual, se vêem
novamente imersos, ora em práticas superprotetoras, ora numa suposta
aceitação. O que prevalece nesses contextos é a condição da deficiência
determinando as ações dos sujeitos e, inevitavelmente, para a perpetuação dos
estigmas, pois os próprios sujeitos ao longo das suas entrevistas esclarecem que
as adaptações não estão nas pautas das preocupações pedagógicas.
A aceitação superficial desses sujeitos em sala de aula, revela-se por meio
de práticas pedagógicas que negam a presença de especificidades a serem
consideradas para que a aprendizagem se efetive. Nesse sentido, ressalta-se: “o
cego é feito, não nascido” (SCOTT, citado por AMIRALIAN, 1997). Renato tece
suas inferências confirmando a idéia apresentada pelo autor com as seguintes
palavras:
Não adianta o cara está lá no quadro, explicando os números do quadro, que eu não
estou vendo, me dá uma raiva disso. O professor fica explicando: - ‘esse número aqui’, eu
não estou vendo o que está mostrando, depois eu pergunto para quem está ditando para
mim. Essa pessoa me ajuda mais que o próprio professor, ele não tem muito contato
comigo. Já falei, é preciso sentar comigo e explicar melhor, utilizar o material concreto e
80
em relevo, como réguas, material adaptado de forma que pudesse entender (Renato,
aluno entrevistado em setembro de 2006).
Os instrumentos culturais constituem-se elementos sociais, cuja origem
assenta na história da humanidade como produto da convivência em grupo.
Neste sentido, o sujeito constituído numa visão histórica exige o
reconhecimento do outro para se constituir enquanto sujeito em um processo de
relação dialética. Trata-se de um ser que mesmo com a história de deficiência é
um sujeito que tem o que dizer, fazer, pensar e sentir. Esse sujeito tem
consciência do que está acontecendo e reflete todos os eventos da vida humana.
Sobre os impedimentos em atividades e participações em grupo na
condição de deficiência, Felipe confirma essa idéia ao inferir que “eu não participo
sempre. Na verdade as pessoas não chamam, não convidam. Às vezes, aqueles
que convidam eu vou, aqueles que não querem que eu participe, simplesmente
eu não participo, faço sozinho, e pronto. Isso acontece bastante na escola, acho
que é preconceito mesmo” (Felipe, aluno entrevistado em setembro de 2006). As
inferências do aluno são também confirmadas no relatório de atendimento
itinerante no qual se verifica a realização de diversos trabalhos escolares com o
apoio do CAEDV, ou seja, não são realizados junto aos grupos de trabalho da
turma.
Não é a presença das funções psicológicas superiores que determinam a
constituição do sujeito, mas as relações conscientes ocorridas pelas mediações
semióticas que manifestam diferentes dimensões do sujeito, entre elas: a
afetividade, o inconsciente, a cognição, o semiótico, o simbólico, a vontade, a
estética, a imaginação, e etc. (MOLON, 2003). Em outras palavras, o sujeito
constituído e constituinte nas e pelas relações sociais é desconstituído à medida
que interioriza a condição de incapaz diante de um grupo.
É no contexto das restrições sociais que o sujeito ao ficar cego se
desconstitui nos limites de sua deficiência, isso implica o fim de certa maneira de
viver a qual era parte do homem vidente que agora se ‘vê’ cego (CARROL, 1968).
Essa idéia é corroborada por Fabiana, ao responder:
Eu me sinto meio tímida porque eles [alunos que enxergam] não entendem, me sinto
bem diferente deles, uma certa inveja, inveja boa porque eu gostaria de ver, mas, se não
posso, fazer o quê? Conviver com eles, me incomoda um pouco porque eles podem olhar
81
longe e comentar alguma coisa, por isso, se me perguntam: você está vendo? - eu falo
que estou para não passar vergonha (Fabiana, aluna entrevistada em setembro de 2006).
A constituição do sujeito reflete o modelo social. Assim, da condição de
inferiores passam à posição de possuidores de poderes sobrenaturais, com a
condição de detentores de conhecimentos que estão além da visível aparência
(VYGOTSKY, 1989).
O olhar determinante das pessoas que dispõem do sentido da visão sobre
a PcD visual é também denunciado nas inferências de Vander, ao afirmar:
“quando perdi a visão fiquei muito triste, pois as pessoas pensam que a gente é
diferente delas, mas, na verdade a gente não é [...] elas ficam com pena” (Vander,
aluno entrevistado em setembro de 2006). Trata-se da expressão de um medo
interior sentido em conseqüência das expectativas que o outro exerce sobre a
pessoa com deficiência, um olhar de aprisionamento, de impossibilidade e de
limitações.
O jovem ou adulto, ao ficar cego ou com baixa visão acentuada, não
“perdem” somente o olho ou apenas a visão. Trata-se de uma perda mais
dolorosa e mesmo trágica a considerar pelas reações aferidas pelo meio
(CARROL, 1968).
O aluno Renato faz suas inferências contribuindo para a compreensão de
que o conhecimento sobre quem é a pessoa com deficiência visual, suas
necessidades e especificidades podem eliminar a dicotomia que há entre as
práticas desenvolvidas no Centro de Atendimento Especializado e a Escola
Regular, com a seguinte afirmativa:
Há uma diferença nas práticas, acho que no CAEDV tem um atendimento melhor, porque
os professores já estão por dentro do assunto, conhecem sobre o deficiente visual. A
desculpa dos professores do regular, assim, é que eles vão falar - a gente não teve essa
matéria na faculdade, a gente não sabe como trabalhar com você. É isso, então, vamos
levando no que dá, é sempre a desculpa deles. Não tem o que fazer, tento relevar isso,
dou a volta e tentar fazer o máximo possível para mim – [...]. Preconceito, sempre tem né,
mas sempre consegui [...] eu mesmo achava que uma pessoa com deficiência visual
nunca ia mexer no computador, corri atrás, fiz um curso e mexo tranqüilo hoje (Renato,
aluno entrevistado em setembro de 2006).
Conhecer o sujeito significa conhecer o seu mundo e seus meios de
interações (VYGOTSKY, 1989). As inferências desse sujeito, embora revelem a
82
diferenciação entre o atendimento do CAEDV e da Escola Regular, assim como
as dos demais entrevistados, não explicitam o interesse em sair do espaço
regular, mas lutar para se firmar enquanto sujeito.
Esse fato indica a necessidade de que as práticas desenvolvidas tanto num
espaço quanto no outro precisam buscar um ponto de complemento, para que as
PcD visual não permaneçam nesse histórico conflito. O problema consiste no
senso de pertencimento, configurado na relação eu e o outro. Contudo, o contexto
de escolarização no qual o sujeito está inserido é constituído por uma única face,
a do outro, que insiste em não reconhecer a diferença no eu, a qual
dialeticamente é também outro.
A diferença, quando não problematizada enquanto princípio de
aprendizagem, passa então a ser determinante e, nesse caso, da condição de
fracassado, que gradativamente vai se desconstituindo.
Às vezes falam - lá vem a ceguinha, os professores não falam assim, só ficam mais
quietos não dão muita atenção, pensam que a gente não vai ser capaz de estudar e
aprender. Tem muitos professores que precisam, ainda, de conhecimentos. Igual nos
trabalhos de escola, se tem um trabalho lá, ninguém te chama, te deixam fora pensando
que você não vai ser capaz de fazer o que eles vão fazer - principalmente isso - trabalho
de escola sempre foi difícil, aí eu fazia sozinha, agora já não é muito assim, mas, também
não tem trabalhos. No módulo de inglês fiquei em sala com os que enxergam. Só que a
turminha da gente [todos com deficiência] ficava num canto e a deles ficava num outro,
não por excluir a gente, é porque tinham medo de chegar e conversar com a gente. Eles
não sabiam como chegar para ajudar, eu percebia que eles olhavam queriam ajudar a
gente, mas ficavam quietos, (Fabiana, aluna entrevistada em setembro de 2006).
O contexto marcado por estereótipos é construído socialmente e imposto
ao sujeito com história de deficiência visual, de modo que seja premente “(re)
significarmos o lugar simbólico destes alunos, superarmos o rótulo de fracassados
que freqüentemente a comunidade escolar os impõe, e, retomar com eles sua
posição de sujeitos no processo educativo” (BRUNEL, 2004, p. 21).
Os sujeitos entrevistados, ao fazerem suas inferências, vão situando os
impedimentos e perdas que foram ocorrendo em função da deficiência, sendo
essas identificadas ora no plano subjetivo, apresentando relação direta, nesse
momento histórico com uma condição perfeita do sentido da visão, e outras
indicam uma necessidade de caráter social ainda não atendida.
83
Tive que parar de ir à escola, desde o dia que eu fiquei doente. Fiquei cego de repente,
não sabia que tinha diabete. Tive que parar de jogar bola, de desenhar. Desenhar para
mim era muito importante (Getulio, aluno entrevistado em setembro de 2006).
Tive a perda na segunda série e acabei reprovando por causa da visão (Renato, aluno
entrevistado em setembro de 2006).
Por conta da deficiência tem coisa que a gente perde né, meu sonho era dirigir. Quando fui
fazer a cirurgia para tentar recuperar a visão tive que parar de estudar, não reprovei, mas,
perdi muitos conteúdos (Felipe, aluno entrevistado em setembro de 2006).
As condições biológicas se revelam nessas inferências determinantes das
condições sócio-históricas, sobretudo na forma impedimentos. Inúmeras
situações em benefício do aluno podem ser propositalmente planejadas, no
entanto, esse modo de conceber a deficiência acarretou a esses sujeitos os
limites de sua expressão. É possível que possam pensar, tocar, criar, desejar e
agir, porém, o fato de se ter a deficiência gera impedimentos, os quais serão
sempre sociais (VYGOTSKY, 1989).
A prática se revela na grande falácia de contribuir para a formação de
sujeitos críticos, ativos, atuantes, e impregna-se de contradições aonde o sujeito a
ser constituído vai a doses homeopáticas absorvendo a condição de incapacitado,
interiorizando-a e desconstituindo-se, ou seja, vai convencendo-se da
incapacidade que lhe é reafirmada cotidianamente. Essa idéia é confirmada nas
inferências de Valter, ao afirmar que:
Muitos professores, até falam que é difícil de lidar com isso – aponta para os olhos - alguns
professores falam: para mim é difícil lidar, o que eu posso fazer”? Muitos querem ajudar,
mas, não sabem como. Fiquei sem fazer atividades algumas vezes, a professora não tinha
conhecimento, até que não era má vontade dela (Valter, aluno entrevistado em setembro
de 2006).
Na visão desse sujeito o processo está de tal forma naturalizado a ponto de
se verificar nessas inferências a ausência de um olhar crítico frente às condições
de limitações vivenciadas, que sequer são percebidas como conseqüência da
inadequação social em atender a diversidade. Essa prática recheia-se da
linearidade padronizada e rejeita a possibilidade de propiciar de fato a
constituição do sujeito, ao se eximir de “praticar um método crítico de educação
84
de adultos que dê ao aluno a oportunidade de alcançar a consciência crítica
instruída de si e de seu mundo” (PINTO, 1997, p. 84).
A ênfase na dimensão biológica à presença de uma determinada
deficiência constitui-se elemento limitador que vai marcar o percurso individual e
social do sujeito. Para Fabiana, essa análise se expressa da seguinte forma:
“quando perdi a visão tive medo. Medo do jeito que as pessoas iriam me tratar,
medo de perder até o pouquinho que tenho hoje, né” (Fabiana, aluna entrevistada
em setembro de 2006),ou seja, trata-se de uma forma consciente da limitação
visual e das limitações do mundo que a cerca, no trato com o diferente.
Sobre a mesma questão Felipe apresenta importantes contribuições, com a
seguinte afirmativa:
Mesmo com a perda visual eu procuro participar da melhor maneira, sempre que possível,
não participo muito porque falta oportunidade. Acho que por causa do desenvolvimento,
né, é um universo totalmente diferente e desigual, quando você tem oportunidade de
expor suas idéias, quando há práticas para isso, nem sempre você tem chance. As
oportunidades são para poucos, acho que por causa do desenvolvimento dos demais
alunos. Acho que eles pensam que eu estou me expondo, por isso, me convidam pouco
para a participação (Felipe, aluno entrevistado em setembro de 2006).
Nota-se que o aluno está ciente do que ocorre a sua volta, percebe as
limitações impostas pelo meio como uma forma de proteção por parte dos
colegas, o que na visão desse sujeito também é negativo, pois, como Felipe
afirma: “quando há práticas para isso, nem sempre você tem chance”. Assim, os
conhecimentos, valores e conceitos, que se constroem socialmente não existem a
priori, se não pela forma e conteúdo que se adquire no processo de apropriação
das práticas sociais, um processo marcado pela mediação do outro.
Nessa perspectiva, tudo que é internalizado resulta necessariamente
daquilo que fora num primeiro momento externo, mediado pelas relações entre os
sujeitos e o mundo externo. O contexto das relações sociais, portanto, é
destacado como espaço de produção de signos e sentidos, de significação e,
como tal, de produção da subjetividade (MOLON, 2003).
A prática se revela no fato desses jovens e adultos com história de
deficiência visual apresentar trajetórias escolares marcadas por desencantos que
se dão, na sua maioria, em virtude dos valores atribuídos pelo outro, no contexto
educativo, o professor. Sobre essa questão cabe ressaltar a inferência de
85
Fabiana: eu lembro de uma professora, ela cismou que meu problema era de
enxergar longe, me jogou lá no fundo da sala, aquele dia não fiz nada mesmo. E
como é que eu ia fazer se eu enxergava pouco?” (Fabiana, aluna entrevistada em
setembro de 2006).
Nesse contexto é importante compreender que “não é o que o indivíduo é,
a priori, que explica seus modos de se relacionar com os outros, mas são as
relações sociais nas quais ele está envolvido que podem explicar seus modos de
ser, de agir, de pensar, de relacionar-se” (SMOLKA 2000, p. 30). As palavras da
autora são corroboradas por Felipe, Fabiana e Renato:
Acho que é difícil você expor o seu pensamento no meio de muitas pessoas que enxergam,
acho que elas ficam reparando (Felipe, aluno entrevistado em setembro de 2006).
Na sala de aula não faço muitas perguntas, mesmo gostando de colocar minha opinião, a
gente se sente meio fora do mundo da gente, quando estou entre os cegos eu participo
mais (Fabiana aluna entrevistada em setembro de 2006).
O professor passa a matéria ali, se tem dúvida pergunta a eles. Não tem muito debate,
tipo mesa redonda assim, isso não tem nos colégios não. Eu acho bom se tivesse
(Renato, aluno entrevistado em setembro de 2006).
Nas inferências desses sujeitos fica o registro explícito do “olhar” que o
outro – sujeito que enxerga - tem sobre a pessoa com deficiência visual. Esse
“olhar” não acontece de forma planejada conscientemente, pois os próprios
sujeitos denunciam que isso se relaciona à falta de conhecimento.
É, portanto, nesse processo que os sujeitos com história de deficiência
visual vão se desconstituindo, como afirma Sá: “não existo, pois, aos olhos
daqueles que só conseguem perceber e projetar estereótipos e convenções tão
ardilosamente formatados no imaginário social” (SÁ, 2002, p. 32).
É assim, sob o olhar do outro, que o eu vai se cons - e/ou desconstituindo,
“a construção do eu é um processo condenado ao inacabamento, exposto à
aprovação do outro” (DANTAS, 1992, p. 95). Libertar-se do outro expulsando o
que está alheio dentro de si é um caminho seguro para a constituição do eu.
Portanto, é pela possibilidade de expulsar o olhar aniquilante do outro que se
liberta das marcas indeléveis deixadas em cada sujeito.
86
O contexto de desconstituição do sujeito se configura pela negação das
capacidades inerentes a todo o ser humano. Diante disso é preciso considerar
que o fracasso, a passividade, a baixa expectativa em si próprio não é uma
condição isolada de responsabilidade única do aluno, é acima de tudo uma
situação socialmente construída que vai se configurando ao longo da vida do
sujeito.
Superar essas contradições implica em deslocar o olhar da (im)
possibilidade de se constituir sujeito por conta da atribuição de incapacidade para
as inúmeras possibilidades que se configuram nos contextos das relações sociais
desses jovens e adultos.
3.1.3 Deficiência e eficiência: a trajetória de superação no contexto de limites e
possibilidades
As contribuições de Vygotsky foram contundentes ao negar separação de
“normais dos anormais”, salvo em “fundamentos da defectologia” (VYGOTSKY,
1989), com o fim de propiciar a compreensão de que uma história de vida
marcada pela presença de determinada deficiência pode delimitar as trajetórias
de vida e escolar, conforme o olhar que o meio exerce sobre esses sujeitos. Os
contextos de aprendizagem, como afirmado pelo autor, devem seguir as mesmas
leis gerais, pois “não existe nenhuma diferença de princípio entre a educação da
criança vidente e da criança cega” (VYGOTSKY, 1989, p. 35). Assim, no intuito de
responder aos objetivos, cinco, seis e nove desta pesquisa, as análises nas
inferências dos sujeitos perpassarão pelo aspecto Limites e Possibilidades,
considerando que todos os seres humanos apresentam esses aspectos. As
análises serão permeadas pelas seguintes questões: Para você, o que significa
estudar? Quais são as habilidades/talentos que você julga ter hoje? Você acha
que tem condições de aprender? Justifique. Como você reage frente à condição
de deficiência visual?
A escola, espaço institucional privilegiado à difusão do saber histórico e
social, preconiza como uma de suas principais funções a de contribuir para a
formação de sujeitos ativos, criativos, participantes consolidados num processo
democrático e emancipatório.
87
O processo educativo em específico direcionado a jovens e adultos adquire
significância à medida que intrinsecamente se relaciona à prática de vida desses
sujeitos, nos diferentes modos de viver e atuar no mundo com seus desejos,
necessidades, limites e possibilidades. Atender essa demanda requer,
necessariamente,
[...] um trabalho pedagógico em que, a partir do conhecimento que o aluno traz, que é a
expressão da classe social à qual os educandos pertencem, haja uma superação do
mesmo, não no sentido de anular esse conhecimento ou de sobrepor um conhecimento ao
outro. O que se propõe é que o conhecimento com o qual se trabalha na escola seja
relativamente significativo para a formação do educando. Isso não deve e não pode ser
feito através do depositar informações para os alunos. Por isso, repudio “a pedagogia
bancária” e defendo uma pedagogia crítico-dialógica (FREIRE, 1987, p. 83).
Sem pretensão em demasia, é preciso conhecer quem são os alunos e
alunas que freqüentam a Educação de Jovens e Adultos, pois é conhecendo-os
que se toma ciência do quanto o modelo social excludente os atinge e os aniquila,
de forma desumana. Esse modelo é permeado por uma lógica escolar
homogeneizante, discriminatória, classificatória, avessa a qualquer hipótese de
contribuir de fato para a formação de sujeitos. Atender a diversidade que está
posta é um desafio que se coloca à escola, e, para tanto, terá que se adaptar a
nova realidade.
Historicamente, as pessoas cegas foram deixadas à margem das
preocupações sociais, de modo que,
O simples fato de o homem possuir a condição biológica-física-sensorial distinta
(especificidade) passa a constituir-se num impeditivo para fazer, ser e realizar-se em
nossa sociedade. A redução do âmbito de objetos e necessidades geradas culturalmente
acentua e reproduz no indivíduo a imediaticidade biológica, o espontaneísmo prático-
elementar em sua localidade alienada e carente (ROSS, 2000, p. 7).
Embora a história revele distintos processos de exclusão da pessoa com
deficiência, esses foram conseqüência da inadequação social, no tocante a forma de
concepção de homem, as possibilidades de aprendizagem que todas as pessoas
apresentam e as concepções educacionais que atribuíam ao fator biológico a
88
supremacia em detrimento de outros fatores que se configuram na constituição de
cada sujeito.
Mesmo imersos em contexto adverso pela condição biológica e social, essas
pessoas, conforme suas inferências, não se condicionaram em função disso, como o
que se apresenta nas inferências dos sujeitos acerca da primeira questão: Para você,
o que significa estudar?
O sentimento de pertença se constrói do plano social para o individual.
Trata-se de um movimento que se efetiva pelas e nas interações com os demais
membros do meio no qual está inserido: “pertencer é estar no palco sem ser herói
ou vilão” (ROSS, 2000).
As palavras de Ross são reveladas nas inferências de Fabiana, com a
seguinte afirmativa: “ah! é bom né, porque você está junto com pessoas iguais a
você, não tem diferença. Não é diferente de ninguém, só tem um problema a
mais. Bom, eu acho que tem que ser assim. Não pode excluir pessoas que tem
problema, das que não tem” (Fabiana, aluna entrevistada em setembro de 2006).
O desejo por estar junto não pode descaracterizar a necessidade de ser e estar
sujeito de aprendizagem.
O homem, ao constituir-se sujeito, constitui também formas individuais. Sua
individualidade se configura por meio de suas relações e participações sociais na
manifestação de seus sentimentos, dos desejos e de seus anseios que lhe
garantirão o sentimento de pertença, à espécie humana, ao grupo no qual
convivem, para si e para o outro.
O aluno Renato corrobora essa idéia com a seguinte afirmativa sobre o que
significa estudar: “acho que hoje, isso significa tudo, né, [...], ficar sem estudo
hoje, é não ser nada, tem que concluir tudo, faço o que puder” (Renato, aluno
entrevistado em setembro de 2006). As inferências de Renato podem ser
facilmente interpretadas como a reprodução do discurso midiático. No entanto,
analisando a ficha de atendimento itinerante, a visita em sala e as demais
inferências desse sujeito, seus objetivos consistem em lutar e vencer
profissionalmente e academicamente.
O sujeito vai se constituindo nas inúmeras relações que vão sendo
estabelecidas desde o seu nascimento. O mundo no qual o sujeito vai sendo
imerso é carregado de valores simbólicos, as trocas afetivas e o interesse pessoal
89
vão se configurando e formando, por um lado, uma forma de ser, estar e
pertencer ao mundo, pois “para ser tem que estar sendo” (FREIRE, 1987, p. 73).
A análise acerca da trama de valores sociais que vão permeando a própria
existência humana se verifica também nas inferências de Vander, ao afirmar:
“significa que a gente tem que estudar para aprender, né. Eu acho muito
importante porque ajuda a gente ter um futuro melhor” (Vander, aluno
entrevistado em setembro de 2006). Nas palavras de Vander fica explícito o valor
atribuído ao conhecimento escolar e a relação deste com sua prática de vida.
Com a afirmativa “acho que é uma oportunidade de você aprender na vida
e pôr tudo aquilo que você aprendeu, em prática [...] Acho muito importante para
poder trabalhar e ser um homem de caráter” (Felipe, aluno entrevistado em setembro
de 2006) corrobora a idéia de que o homem, no seu processo de constituição
enquanto sujeito histórico, precisa experimentar novas coisas. Nas palavras de
Freire (1983), na ação consciente da vida e na ação consciente da cidadania.
Logo, o homem não se constitui sujeito tão somente pelas condições biológicas /
sensoriais, senão pelas possibilidades de experiências que serão propositalmente
organizadas.
As condições para a aprendizagem não são postas naturalmente, no
entanto, no processo de aprender há também o sentimento de capacidade
subjetivo que influencia diretamente nas possibilidades. Para tecer suas
inferências sobre a questão, Felipe retoma o processo inicial da perda visual e faz
a seguinte afirmativa: “bom, eu senti tristeza, né, mas eu sei que só porque eu
perdi a visão não vou deixar de viver a minha vida, pular os obstáculos que estão
na minha frente, e seguir os objetivos que tenho. Eu quero e vou estudar,
aprender uma profissão e ter uma família, né” (Felipe, aluno entrevistado em
setembro de 2006). Constata-se nessa inferência a conscientização de si
enquanto sujeito com possibilidades de aprendizagem, evidenciada na eliminação
da suposta incapacidade e na esperança que se configura pelo anseio do
convívio social. Para tanto, é necessário que o meio, pelas inter-relações, permita
a PcD visual se constituir sujeito, considerando que “o homem não vê apenas
porque tem olhos para ver. O homem vê com a experiência acumulada” (ROSS,
1993, p. 28), que é vivida e partilhada pelos pares homens. A afirmativa do autor
é revelada nas inferências de Fabiana, ao afirmar: “hoje, me sinto uma pequena
90
areinha, mas não esmoreço, não posso ficar parada no tempo, e vou lutar para
não acontecer com minha filha o que aconteceu comigo [...]” (Fabiana, aluna
entrevistada em setembro de 2006).
As inúmeras possibilidades de ações da pessoa com deficiência visual se
revelam a partir do reconhecimento das especificidades de cada sujeito. Nesse
sentido, Amiralian esclarece que a
[...] característica específica da cegueira é a qualidade de apreensão do mundo externo.
As pessoas cegas precisam utilizar-se de meios não usuais para estabelecerem relações
com o mundo dos objetos, pessoas e coisas que as cercam: esta condição imposta pela
ausência da visão se traduz em um peculiar processo perceptivo que se reflete na
estruturação cognitiva, na organização e constituição do sujeito psicológico (AMIRALIAN,
1997, p. 23).
A idéia da autora é confirmada nas inferências de Getulio, Renato e Felipe,
sobre as condições de aprendizagens diante das novas especificidades, com as
seguintes afirmativas:
Eu penso que a bengala significa uma amiga, uma amiga que eu uso. Eu ando de bengala
na escola, na casa e na rua (Getulio, aluno entrevistado em setembro de 2006).
O Braille, professora, é o modo que eu escrevo. A bengala eu não sei, porque eu prefiro
andar com guia. A bengala não dá confiança, né, é um objeto sem vida, não sei [...] não
tenho tanta confiança nela, (Renato, aluno entrevistado em setembro de 2006).
É uma segunda chance, porque, se eu não tiver condições de escrever vou poder usar o
Braille, já aprendi. A bengala não uso ainda, mas já aprendi (Felipe, aluno entrevistado em
setembro de 2006).
Cada um dos sujeitos, a seu modo, vai se organizando e se firmando na
sua historicidade desprovida do sentido da visão total ou parcial.
Em meio a tantos limites e não rara exclusão é fundamental que se afirme
de acordo com a análise de ARROYO (2005), acerca dos excluídos do processo
educativo, quando diz: “há luminosidades nas sombras de suas vidas”.
Fabiana, por meio de suas palavras, confirma a afirmativa do autor com as
seguintes inferências:
Eu sempre aprendo, aprendi a conviver com as pessoas na escola. Também tenho condições
de aprender os conteúdos, só depende de mim e dos materiais adaptados, mas se isso falta!
Sempre tive, vontade de estudar. Agora tem apoio, é importante para gente saber coisas novas
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me ajuda no dia a dia, igual a minha filha, ela pergunta muitas coisas que antes eu não sabia,
agora eu sei. A gente aprende a lidar mais com as pessoas, agora as pessoas estão mais
dentro do problema. Antigamente as pessoas nem conheciam quem tinha problema. Quem
tinha problema de visão era excluído nem entrava na escola. (Fabiana, aluna entrevistada em
setembro de 2006).
O aluno Renato contribui com a seguinte afirmativa: “acho que aprendi
muito e estou aprendendo. No ano passado descobri um dom especial para a
psicologia, tenho feito muitas pesquisas, isso foi significativo para mim, acho que
a escola ajuda na vida a conquistar muitas coisas, assim, a própria
independência, tudo na vida, eu acho” (Renato, aluno entrevistado em setembro
de 2006).
Nesse contexto, entende-se que o conhecimento é parte inerente da vida
dos sujeitos. Cabe então ao mestre explicador a tarefa de emancipar
intelectualmente o homem (RANCIÈRE, 2005). Isso implica na compreensão de
que todos os seres humanos, em condições de diversidade físico-biológica ou
não, têm igual potencial para aprender. Assim, o aluno Renato, na continuidade
de suas inferências sobre a mesma questão, reafirma a idéia de que todos os
seres humanos têm igual potencial para aprender: “computador, Judô, xadrez,
foram aprendizagens que tive após a deficiência visual, tenho muita vontade de
aprender, não gosto de ficar parado não. A condição de deficiência faz ficar
parado, se você não correr atrás, você estaciona” (Renato, aluno entrevistado em
setembro de 2006).
O conhecimento é via pela qual se tem as possibilidades de perceber o
mundo que o cerca, sem a venda que imprime uma falsa sensação de poder.
Logo, não há como viver sem conhecer.
Tradicionalmente, a ação educativa fundou-se na idéia de que o
conhecimento, por ser externo ao sujeito, precisava ser transferido na relação
dominante e dominado, ou seja, do professor ao aluno. Contudo, essa idéia é
refutada pelos próprios sujeitos do processo. O fato é que pouco ou nunca se
pergunta aos jovens e adultos com história de deficiência visual sobre as
condições de aprendizagem. Nesse sentido, o aluno Renato continua a inferir:
92
[...] teve uma aluna que perguntou pra um certo professor - mas ele cego assim, vai
aprender mesmo? [...] Pô! claro que aprendo, né, meu [...] eu só não enxergo mas minha
mente está normal. Eu aprendo em qualquer situação, mas depende do que vou aprender,
matemática é uma coisa bem abstrata eu preciso de ajuda [...] em tudo, desde o professor
até o material adaptado (Renato, aluno entrevistado em setembro de 2006).
As palavras de Renato expressam o que as teorias afirmam: todos os seres
humanos têm plenas condições para aprender, no entanto, o que determina ou
não a aprendizagem são as condições sócio-históricas (VYGOTSKY, 2001).
Cabe ressaltar a seguinte reflexão: “o dominado não se liberta se ele não
vier a dominar aquilo que os dominantes dominam. Então, dominar o que os
dominantes dominam é condição de libertação. Nesse sentido, eu posso ser
profundamente político na minha ação pedagógica, mesmo sem falar de política”
(SAVIANI, 1985, p. 59-60).
Conhecer exige posicionar-se frente aos desafios, desafios mediados pelo
educador através de seu compromisso “ético político” (FREIRE, 1996). É pela
necessidade de resolver os desafios que se colocam cotidianamente, que a
condição de sujeito “cognoscitivo” se efetiva (FREIRE, 1987). As inferências de
Felipe acerca da questão: Quais são as habilidades/talentos que você julga ter
hoje? - corroboram com essa afirmativa de Freire:
Eu tenho muitos talentos, um deles que tenho em prática é como expressar as palavras.
Acho também que na parte de artes, pintar, desenhar. As pessoas também vêem isso em
mim. Posso aprender sempre, mas tem que ter algumas condições adaptadas, e também a
minha liberdade de expressão (Felipe, aluno entrevistado em setembro de 2006).
No entanto, só se pode situar o conhecimento enquanto resultante da ação
e interação dos sujeitos. Portanto, o conhecimento é social, construído pelas
inferências individuais no processo de partilha, conforme o sujeito esclarece: eu
preciso “ter a minha liberdade de expressão”. Cada vez que novas informações
são incorporadas, novos conhecimentos são construídos. É agindo e pensando
que os jovens e adultos com história de deficiência visual construirão seus
conhecimentos, é por esse fato que os seres humanos construíram a ampla
bagagem histórica cultural e social da civilidade.
A ação e reflexão geram o conhecimento, e, por obviedade, transformam a
realidade. Contudo, essa ação vivida e assumida pessoalmente por cada um dos
93
sujeitos no processo educativo revela experiências, valores, aspirações, um modo
peculiar de viver e atuar individual e social. Disso pode-se afirmar que as
vivências podem ser comunicadas, mas jamais transferidas.
O homem é o ser da comunicação e se constitui nas múltiplas interações,
pois ninguém ensina ninguém, mas ninguém aprende sozinho (FREIRE, 1996).
Esse fato pressupõe a efetivação do diálogo. O inigualável processo do conhecer
humano se faz pela articulação das contradições - esforços pessoais às
condições de interdependência. As idéias apresentadas pelo autor são
corroboradas nas inferências de Valter:
Agora que eu estou fazendo português, a professora acha que eu estou muito bem. Eu
ajudo meus colegas de vez em quando e faço as operações só de cabeça, eles ficam
admirados, dizem que eu sou bom nisso. Eu tenho muitas condições de aprender, porque
a cabeça da gente funciona. Precisa força de vontade em primeiro lugar, né, os outros alunos
são importantes, porque um ajuda o outro, tanto os alunos com alunos e alunos com os
professores (Valter, aluno entrevistado em setembro de 2006).
Incluir esses sujeitos nas escolas regulares é uma prática um tanto antiga.
Contudo, as condições de aprendizagens precisam ser frequentemente
questionadas, pois incluí-los vai muito além da ação legalizada de inserção de
sujeitos com necessidades educacionais especiais nos espaços escolares.
Requer a compreensão de que todo o ser humano se apresenta nas diversas
dimensões: ontológica, política, ética, estética, epistemológica e pedagógica
(ARROYO, 2005), e por isso precisam ser testemunhados e vividos.
O desrespeito a essa diversidade nega a possibilidade do desenvolvimento
da autonomia crítica e da dignidade conferida, enquanto um direito no ato de ser e
estar no mundo. Configura-se na transgressão do direito de ser sujeito, em
qualquer espaço social (FREIRE, 1996).
A prática educativa que compreende a pré-condição da emancipação
intelectual de qualquer sujeito deve ser precedida pelo conhecimento dos alunos,
suas capacidades, limitações, necessidades e expectativas, assim como de suas
famílias e da comunidade em que vivem. Essa prática é uma forma de
intervenção no mundo e essa intervenção vai além do conhecimento de
conteúdos pré-existentes, implica num esforço de transformação da realidade.
Nesse sentido, Gadoti (2001) corrobora a idéia de que as pessoas, crianças,
94
jovens ou adultas, se envolvem em processos educativos com palavras
pertencentes à sua experiência existencial, palavras grávidas de mundo. Essa
idéia é também confirmada nas inferências de Vander:
Eu vou bem nas matérias. Eles falam que a gente é bom nas aulas, eles ficam falando
isso porque a gente termina primeiro que eles. Eu tenho condições de aprender, só
preciso que o professor auxilie mais, ajude a explicar a lição, às vezes eles vêm na
carteira me explicar. Aprender ajuda muitas coisas. Aprendi a conviver com as pessoas, eu
gosto de conviver mais com as pessoas que não enxergam, porque elas não vão querer
falar coisas que elas também têm, são iguais, elas também têm a mesma dificuldade, né.
Tem pessoas que enxergam, que falam coisas, que tiram sarro da gente, se afastam.
Aprender é importante, quando eu não estava na escola não sabia ler, agora eu ajudo minha
mãe que não sabia ler, é o meu novo talento (Vander, aluno entrevistado em setembro de
2006).
As inferências de Vander corroboram com as palavras dos autores já
anunciados anteriormente e confirmam indícios da dicotomia entre as vivências
no espaço do CAEDV e a escola, denunciam a situação de preconceitos ainda
vivenciados, mas ao mesmo tempo anunciam uma vontade em transcender os
espaços escolares, na sua condição de sujeitos sócio-históricos, portanto, sujeitos
da superação. Confirmam-se com isso as contribuições da visão sócio-histórica
no tocante ao conceito de inteligência, o qual postula que o indivíduo, qualquer
que seja sua problemática, tem um nível de inteligência em potencial a ser
desenvolvido (MOLL, 1996).
O conceito de inteligência, baseado nos fundamentos da zona de
desenvolvimento próximo, é a
[...] possibilidade de superar a ”fetichização” dos sentidos remanescentes pelo trabalho
escolar, a parcelarização e a mecanicidade das atividades organizadas em seu cotidiano,
o processo de infantilização do indivíduo, a naturalização e imediaticidade das relações
educacionais, à dimensão biológica e prática de sua educação (ROSS, 2000, p. 9).
Nessa perspectiva a relação entre o sujeito e o objeto do conhecimento
não se faz diretamente, mas mediada pelo outros – pais, professores, colegas e
demais sujeitos, – caracterizando-se nesse processo duas importantes formas de
mediação: a pedagógica e a semiótica, que ocorre através dos signos,
considerando-se que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
possibilidades para sua produção ou construção” (FREIRE, 1996, p. 22).
95
O homem é o mesmo homem que, em condição visual ou invisual,
apresenta plenas possibilidades de se constituir sujeito, uma vez que
[...] o homem está no mundo e com o mundo. Se apenas estivesse no mundo não haveria
transcendência nem se objetivaria a si mesmo. Mas como pode objetivar-se, pode
também distinguir entre um eu e um não – eu. Isso o torna um ser capaz de relacionar-se;
de sair; de projetarem-se nos outros; e de transcender (FREIRE, 1987, p. 30).
O ensino se efetiva por um processo que assume seu real significado à
medida que promove a aprendizagem. Para tanto, há de se considerar que a
aprendizagem é atividade do aluno, o qual deve estar situado como sujeito no
processo de aquisição de conhecimento.
Nesse contexto, Rancière afirma:
[...] para emancipar um ignorante, é preciso e suficiente que sejamos nós mesmos,
emancipados, isso é, conscientes do verdadeiro poder do espírito humano. O
ignorante aprenderá sozinho o que o mestre ignora, se o mestre acredita, ele o pode
e obriga a si mesmo a atualizar sua capacidade... (RANCIÈRE, 2005, p. 34).
A vida, marcada por perdas, também se delineia por conquistas e novas
aprendizagens, as quais são situadas nas inferências de Fabiana como situações
importantes que lhes permitirão a continuação de sua história de sujeito, conforme o
relato a seguir, sobre a questão: Como você reage frente à condição de deficiência
visual?
Eu pensava, quando mocinha [...] eu falava para minhas amigas que eu nunca ia namorar ou
casar, elas me diziam - capaz, não tem nada a ver não, claro que você vai arrumar. Mas isso aí
sempre ficou na minha mente eu achava que não ia ser capaz de ter um relacionamento, então
foi importante ela acreditar em mim, é minha amiga até hoje. Na minha família, também tinha
minha irmã que faleceu, ela sempre me dava força para eu não me abater (desabafo e choro)
(Fabiana, aluna entrevistada em setembro de 2006).
Na continuidade, Fabiana tece considerações sobre suas novas possibilidades:
Hoje, se eu tenho que decorar alguma coisa eu busco pistas, pelo toque, pelo ouvido e assim
vou descobrindo novas formas de guardar na memória. Essas aprendizagens são importantes
e acontecem em situação em que você está sozinha e tem que achar um meio pra resolver um
problema, é aí que você aprende mesmo. Para escrever um texto eu busco recursos na
memória, nas imagens, vejo as pessoas na minha mente e vou organizando as idéias (Fabiana,
aluna entrevistada em setembro de 2006).
96
O conhecimento é resultado das ações humanas. Pensar é uma atividade
inerente ao ser humano. Contudo, só se pensa sobre algo que se conhece, logo o
conhecer usa o pensamento como um instrumento.
Essa constatação foi comprovada através dos experimentos realizados por
Luria com adultos analfabetos. Nesses, o autor verificou que, ao tratar de
questões que mesmo apresentando silogismo, porém, com material não familiar
aos sujeitos, esses se recusavam a responder, chegavam a declarar “se você
quer uma resposta... deveria perguntar a quem tenha estado lá...” (LURIA, 2001,
p. 55).
Escutar é questionar a condição na qual se encontram esses sujeitos, é
compreender a impossibilidade de se atribuir tal condição à presença da
deficiência, pois parte-se do pressuposto de que todas as pessoas são sujeitos de
aprendizagens, desde que as condições sócias históricas sejam postas para tal.
Ao ler um material em braille, por exemplo, a PcD visual passa o dedo em
letra por letra, a fim de formar a palavra. Ao trabalhar com sólidos geométricos,
precisará tatear parte a parte “no recurso” adaptado, para que se tenha condições
de sintetizar o todo. Essas mesmas variáveis acontecem também para as
pessoas que apresentam baixa visual acentuada, sendo diferenciado, contudo,
em virtude dos resíduos visuais que pode demandar outros recursos. Nesse
sentido, Valter, ao responder sobre a questão anterior, infere:
Ah! eu aprendi muito, aprendi a observar melhor antes de atravessar a rua, mesmo, que o
trânsito esteja parado, eu paro e escuto para ter certeza se dá para passar. Na leitura e
escrita, sou vagaroso para ler no Braille. No Braille é um pouco mais lento que em tinta. A
memória está boa, parece que está melhor que antes. Eu procuro memorizar mais as
coisas, para ajudar na leitura, assim, quando estou lendo, antes do final, já dá para saber
o que é, são aprendizagens muito importantes, por isso não acho que essa condição seja
o fim do mundo, tenho outras formas de levar a vida (Valter, aluno entrevistado em
setembro de 2006).
Compreender a forma como as PcD visual apreendem os novos
conhecimentos implica, como já afirmado, na necessidade de adaptação.
Contudo, ao propor adaptações é preciso romper com a idéia da exclusividade,
isso vale para todos os aspectos. No caso do Braille, por exemplo, cabe
considerar que a escrita através desse sistema não é exclusividade do aluno que
97
não enxerga. Trata-se de uma forma um tanto desafiadora de enviar e receber
mensagens, elaborar e produzir idéias, e pode estar acessível a qualquer aluno
da sala.
A diversidade se constitui, então, em ricas oportunidades para socializar
um conhecimento que historicamente permaneceu atrelado à condição de
deficiência.
O caráter da exclusividade também acontece na relação inversa, podem
ocorrer situações em que o educador utiliza o quadro de giz ao explicar uma certa
matéria que exige desenhos, gráficos, e, se nesta sala há um jovem ou adulto
com deficiência visual, sem ter em mãos o material concreto, irá perder o
conteúdo. Nesse caso, o recurso pedagógico utilizado pelo professor cumpre a
função de atender apenas aos alunos que enxergam, deixando à margem o aluno
com deficiência visual. O princípio da diversidade rompe com a idéia da
exclusividade, desde que haja um planejamento adequado, é permissível que os
materiais diversificados estejam ao acesso de todos os alunos, e não apenas de
um determinado grupo ou pessoa (ROSS, 2000).
Ao serem questionados sobre: Como você reage frente à condição de
deficiência visual? Os sujeitos entrevistados revelam sentimentos de tristeza pela
perda visual e ao mesmo tempo os limites que persistem e precisam ser
superados, expressando com isso a consciência da condição biológica limitante,
mas que de nenhuma forma implica em conformismos.
As inferências de Vander são importantes e confirmam essa idéia ao
afirmar que “eu posso jogar bola, mas não com muitas pessoas, bicicleta eu ando
com cuidado e até tento jogar bulica (risos)” (Vander, aluno entrevistado em
setembro de 2006).
Conforme assinala Fabiana ao responder sobre a questão:
Foi muito difícil perder a visão, ficou difícil andar na rua, estudar por não enxergar no
quadro. Lutei pelo menos aquele ano, mas no outro ano sem apoio, o jeito foi parar de
estudar. Também tinha o desejo de ser modelo e não pude realizar. Considerei como a
maior de todas as perdas os próprios professores, pois, eles próprios não davam apoio
aos alunos é para desistir mesmo. Se o professor não apóia, o que vai virar a escola?Já
superei esses sentimentos e como já disse luto por mim e por minha filha também
(Fabiana, aluna entrevistada em setembro de 2006).
98
O que se verifica é que mesmo em contextos de perdas, obstáculos e limites,
esses jovens e adultos lutam por se sentirem sujeitos. Ao se constituir nas relações
sociais se constitui também uma história de vida. Ao expressar suas inferências,
Fabiana revela o que ARROYO (2005, p. 153) questiona: “há uma conquista nesse
sentimento: recuperar sua voz. Como não reconhecer que a adolescência, a
juventude e os adultos que freqüentam as aulas esperam ter sua própria voz”?
É pela possibilidade de falar e de expressar que o jovem e o adulto com
história de deficiência se revelam sujeitos com capacidade de aprender e
manifestar o aprendido. No entanto, as suas manifestações refletem diretamente
o meio e as expectativas desse acerca das condições da pessoa com deficiência
visual, que será ou não marcada pela ineficiência.
Na continuidade das inferências sobre a mesma questão, vê-se misturados
o sentimento de luta com o de incapacidade, como se verifica na seguinte
afirmativa: “na locomoção, ainda tenho que aprender a aceitar mesmo, a bengala
é difícil para mim, as pessoas vão ficar olhando, eu não me aceito assim, por isso,
eu prefiro andar com guia” (Fabiana, aluna entrevistada em setembro de 2006).
Reconhecer a diversidade compreendida nas pessoas com história de
deficiência visual enquanto sujeitos capazes de realizar ações e intervenções é
uma possibilidade de superação dos limites que ainda persistem na vida desses
sujeitos e cumpre a função de ampliar a reflexão, no sentido de que
O reconhecimento das diversidades humanas está na possibilidade de nos
reconhecermos como iguais. [...] A riqueza decorre da valorização de que cada um é e de
como se caracteriza. Isso significa que somos independentes e interdependentes. Como
seres humanos, devemos lutar por estratégias de autonomia em nossas inter-relações
sociais. Se necessitamos receber, igualmente necessitamos dar. Reconhece-se a
dignidade humana à medida que se serve aos demais. Esse grau de valoração adquire-se
nas interações espontâneas entre desiguais. Esta oportunidade permite comprovar que
servir ao mesmo tempo satisfaz e contribui com a formação humana. Trata-se de
reconhecer o outro como a fonte de todos os valores (ROSS, 2000, p. 153).
Atuar pedagogicamente frente à diversidade implica na necessidade de
possibilitar materiais diferenciados. Contudo, embora sejam diferenciados, não
significa que sejam exclusivos, pois o que se defende é que com a diversidade
todos aprendem.
99
Nesse sentido, viabilizar a manipulação por meio de recursos concretos ou
em relevo para que a PcD visual possa conhecer e explorar o mundo que a cerca
significa o respeito que se tem ao sujeito e suas especificidades. A PcD visual
aprende por meio de outros sentidos, mas também aprende. Ocorre que, devido a
especificidade em virtude da ausência da visão, o aprendizado pode ocorrer do
particular para o todo. Isso acontece em todas as aprendizagens que, em dados
momentos pode se dar de um modo bem diferenciado.
Ainda sobre os limites que persistem frente à condição de deficiência
visual, o aluno Felipe infere que:
Eu queria mesmo enxergar, essa foi uma perda que marcou, mas eu tenho a esperança
que essa perda não se torne realidade. Acho que a infância, embora o brinquei muito pelas
dificuldades que já apresentava, mas, na adolescência eu tentei viver e reviver aquilo que eu
não tive oportunidade na infância. Eu não me importava muito com a deficiência, mas com o
passar do tempo isso mudou. Minha locomoção é legal, ainda tenho visão. A leitura e escrita
têm dificuldades à tinta por causa da baixa visão. O Braille foi muito difícil, estou assumindo o
Braille e já se utilizando do mapa mental para guardar imagens (Felipe, aluno entrevistado em
setembro de 2006).
O convívio com a diversidade, do ponto de vista pedagógico, exige que se
busque conhecer cada sujeito, a fim de, ao conhecê-lo, conhecer suas
especificidades e organizar momentos de aprendizagem que atendam de fato a
demanda. É pelo reconhecimento do outro que o eu se reconhece. As inferências
de Felipe revelam essa idéia quando ele anuncia a tristeza por não dispor da
visão e ao mesmo tempo a possibilidade da luta persistente por superar os limites
impostos socialmente.
As condições de aprendizagem que se efetivam na relação alunos-
professores ao longo da história educacional são marcadas por práticas
monólogas em relação ao conhecimento. O professor domina o conteúdo a
ser recebido pelo aluno, e, com conseqüência óbvia, se o aluno não detém
conhecimentos prévios, não pode participar, apenas receber. Essa idéia é
verificada também nas inferências de Fabiana que, ao tecer suas afirmativa,
apresenta uma retrospectiva de seu processo escolar inicial na condição de
deficiência visual: eles não desafiavam não, as professoras não prestavam
muita atenção, deixavam a gente para lá, explicava uma vez, se não entendia, ia
100
lá explicava para outro aluno e deixava, se fizer, fez, se não fizer, tanto faz”
(Fabiana, aluna entrevistada em setembro de 2006).
Os conteúdos escolares, historicamente distanciados da realidade, co-
habitam espaços descontextualizados para um sujeito concreto, e, por isso,
resultam em fracasso cujo ônus é exclusivo do aluno.
Trata-se, portanto, da necessidade de relacionar o contexto que vivenciam,
suas lutas, seus conflitos e angústias às situações de aprendizagem formal:
[...] isso significa que o trabalho educativo deve organizar os instrumentos e mediações,
adaptando-os aos indivíduos, tendo como pressuposto teórico de que as formas de
intercâmbio material e cultural são modificadas por estes e, portanto, são modificadas
para e pelo portador de deficiência (ROSS, 2000, p. 12).
No entanto, a idéia defendida por Ross permanece sob os enfoques
teóricos, com isso, os processos de participação em sala configuram-se em
momentos esporádicos, conforme infere Fabiana:
Na escola! Só quando cada um tem que responder uma coisa que a professora esteja
perguntando, só nessa parte. Com os colegas não trabalhei muito, não tinha parte de
trabalho em grupo, e, se tivesse era só entre a gente - os cegos. A gente mesmo não
gostava de ficar com outras pessoas, eu nem gostaria de ficar juntos, eu preferia fazer
com as pessoas que me conhecem que tem o mesmo problema que eu. E também é difícil
sermos chamados para fazermos trabalhos em grupo (Fabiana, aluna entrevistada em
setembro de 2006).
O processo de ação e reflexão acontece em virtude da necessidade do
homem se humanizar. Logo, o modo pelo qual o sujeito, com história de
deficiência ou não, se apropria dos instrumentos historicamente produzidos,
determina seu processo de humanização ou de desumanização. Contudo, as
necessidades do sujeito também são de caráter social para individual. As
expectativas e as demandas sociais determinam o percurso sócio-histórico de
todo o homem.
A participação e interação social se configuram numa demanda que é
socialmente dada e, culturalmente, pouco valorizada nos espaços educativos.
Nota-se nas inferências de Fabiana que os limites para participação em sala de
101
aula não se dão necessariamente em virtude da condição de deficiência, pois,
como a aluna afirma, essas práticas não acontecem com freqüência, pois a
prática de falar e se expressar em sala de aula só acontece em virtude de
planejamentos exclusivos para isso.
Na continuidade, Fabiana vai tecendo suas inferências, apontando
importantes dicotomias sobre a participação no espaço do CAEDV e na Escola
Regular, com a seguinte afirmativa:
Acho melhor na escola regular mesmo, porque ficar naquele mundinho aonde todos têm
problema, a outra parte não conhece a gente e o dia em que precisarmos estar juntos,
eles vão excluir, é o que eu penso. Quanto aos professores, eles não davam muita
atenção, tentavam enfiar na cabeça da gente que tinha problema, que era só ir ao médico
que se resolvia, quantas vezes me perguntaram - o óculos não resolve? Eu odiava isso.
Na escola a professora especial sempre ficou junto com a gente para ajudar, mesmo no
coletivo. Mesmo assim, algumas coisas a gente deixava de perguntar por vergonha.
Quando algumas pessoas te conhecem um pouco melhor elas se aproximam e te ajudam,
e eu também posso ajudá-las. No CAED é bom, porque todo mundo te entende, mas tem
que ter uma pessoa que enxerga para ajudar a gente. Você fica até feliz no meio deles,
conversa, a gente se entende, a gente se abre. Um ajuda o outro, é mais fácil, é diferente
do regular, no regular chega uma hora que se você conversar muito com a pessoa do
lado, a pessoa perde a paciência de querer te ajudar, é isso que eu sinto. Acho que no
CAEDV é bom para aprender, eu sinto que as dúvidas que a gente tem eles também têm,
aí a gente conversa, tira a dúvida, se abre. Já no meio dos outros que enxergam, a gente
não fala muito, ficaria em dúvida se conversava ou não, se falava ou não, fico meio com medo,
um medo estranho, sei lá, medo de tirarem sarro pensando que é porque eu tenho problema,
penso assim em relação ao professor também (Fabiana, aluna entrevistada em setembro
de 2006).
Em meio à retórica da inclusão, se faz necessário compreender como
estão garantidas à PcD visual as possibilidades de situarem-se como sujeitos no
processo de aprender. Historicamente, as práticas pedagógicas centram-se em
garantir por ora apenas a presença física no espaço educativo, na qual,
analogicamente, se efetiva a desumanização do sujeito, ora a humanização, por
meio das práticas, do diálogo e da ação direcionada à aprendizagem.
Constata-se que, embora alguns dos sujeitos nas suas inferências acerca
da participação tentem valorizar a face positiva desse contexto em virtude da
realidade vivenciada, dia após dia não sustentam a tentativa: “os professores até
elogiam a minha aprendizagem, aqueles que me conhecem. Tem uns que não se
interessaram em me conhecer, mas quando eles tiverem que me conhecer eles
vão saber que estão lidando com uma pessoa que realmente quer aquilo, quer
aprender” (Felipe aluno entrevistado em setembro de 2006). É evidente o
102
contexto de lutas e conflitos nos quais vivenciam esses alunos. Importante
salientar que, em específicos casos como o de Felipe, aluno com baixa visão
acentuada, alguns diferenciais se colocam, no entanto, há a expectativa que
Felipe tenha as mesmas condições de respostas das pessoas que visualizam,
pelo fato dele dispor ainda de resíduo visual.
Na continuidade das inferências, Felipe reforça a questão da dicotomia que
há entre o CAEDV e a Escola, com a seguinte afirmação:
Na escola os professores ajudam a gente, dão maior apoio e a gente tenta retribuir com
amizade, com a aprendizagem. Com os colegas também, porque acho que para mim eles
estão lá e eu também, eles não são diferentes, eles são todos iguais, têm a mesma
dificuldade né, e também nós estamos lá unidos né, isso ajuda. Eles tentam ajudar de
uma maneira diferente como no Braille, eu ajudo quando eles precisam né. Já ajudei o F,
já discutimos várias coisas, e ele vai colocando em prática. A participação, para mim não
tem nenhuma diferença [...] para mim todos os dois – escola e CAEDV. Para apresentar
um trabalho eu apresentaria nos dois espaços. Mesmo com os preconceitos, eu não me
importo (Felipe, aluno entrevistado em setembro de 2006).
Felipe anuncia aspectos positivos sobre a participação na escola, porém
denuncia: “mesmo com os preconceitos eu não me importo”. É importante
também destacar a inferência de Getulio acerca da mesma questão, no intuito de
reforçar a idéia de que ambos os espaços, Escola e CAEDV, se complementem
entre si, que esses jovens e adultos sintam-se valorizados e respeitados como
sujeitos capazes de aprender sempre e não apenas em determinadas práticas ou
103
[...] o olhar nivelador dos professores é que condiciona e limita. Esse olhar não percebe as
diferentes formas de manifestação da vida nesses grupos sociais, a indignação de suas
falas e comportamentos, a riqueza de suas expressões e criações, a valoração ética de
suas lutas e de seus trabalhos, as preferências individuais e, ainda, a apatia e tristeza no
olhar de outros (ROSS, 2000, p. 18-19).
A premissa sobre a inclusão cuja afirmativa defende que o mais importante
é favorecer a socialização da pessoa com necessidades educacionais especiais é
questionável, pois esse tipo de entendimento constitui-se numa profunda e
disfarçada forma de exclusão por se negar a esses sujeitos o acesso ao currículo.
Além disso, incluí-los com base nessa perspectiva não gera mudanças em
relação à situação de excluídos na qual já se encontram.
Sem a pretensão de se aprofundar na questão da inclusão, retomam-se
alguns pontos importantes verificados nos marcos legais, os quais esclarecem
que:
O princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças deveriam
aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam
ter. As escolas inclusivas devem reconhecer e responder às diversas necessidades de
seus alunos, acomodando tanto estilos como ritmos diferentes de aprendizagem e
assegurando uma educação de qualidade a todos por meio de currículo apropriado,
modificações organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parcerias com a
comunidade [...], (UNESCO, 1994, p. 6).
Há um paradoxo nesse movimento que diz respeito a uma cultura de
exclusão, perpassando até mesmo as instituições que se autodenominam
democráticas. Não é fácil construir uma escola inclusiva em uma sociedade
altamente excludente, ao mesmo tempo em que se defronta com o constante
desafio de construir uma escola que acolha e trave realmente um compromisso
com a qualidade do ensino para todos os alunos (ARROYO, 1997). Essas idéias
são também corroboradas nas inferências de Valter:
Olha! Nessa turma agora eu estou bem entrosado com eles, com todos. Nas outras
turmas não acontecia isso, eles nem chegavam perto, talvez, a culpa estava em mim, que
não falava muito. Na sala de aula é bom ter o professor de Braille, ajuda a professora da
sala entender o que a gente está fazendo, mas às vezes ficava tudo para o professor
especial, o professor de sala não chegava muito perto. Ele dá atenção mais para o
coletivo, não que ele deixe a gente de lado, mais, como vai olhar os outros? Não é culpa
dele, isso não é errado, porque ela está ali para dar aulas para todos. Mas, quando eu
necessito de apoio dela, ela explica bem para mim, só essa professora está fazendo isso
104
direto, os outros não faziam muito. Hoje, minha participação é boa né, eu gosto muito de
conversar com os alunos, é bom, eu gosto do pouco que sei repassar para eles. Mas,
acho melhor estudar em turma mesmo, porque além da gente poder ajudar a gente pede
ajuda não só no Braille – ditado do conteúdo, mas em todo o conhecimento. O
atendimento do CAEDV tem diferença, é que estar só entre deficientes, pouca gente, em
dados momento ajuda. Eu acho que quando só há alunos cegos, o professor tem melhor
forma para explicar, ele pega na mão do aluno, mas em turma tem mais entrosamento,
quanto menos alunos, menos entrosamento, acho que é até por isso que eu não converso
muito, pois vivi a maior parte do tempo escolar entre os cegos (Valter, aluno entrevistado
em setembro de 2006).
No final da inferência Valter relembra os anos que permaneceu somente
com pessoas cegas, alegando ser desse fato suas dificuldades para falar com as
pessoas. O sujeito esclarece o que está vivenciando hoje, com a atual professora,
mas denuncia o que já vivenciou em outras turmas. Estabelece uma relação entre
os atendimentos desenvolvidos no CAEDV e Escola e, embora aponte
diferenciação entre um espaço e outro, salienta sua preferência por ser e estar na
escola com os demais alunos, ao afirmar, sabiamente: “em turma tem mais
entrosamento, quanto menos aluno menos entrosamento”. Contudo, ao
manifestar sobre a atenção dispensada pela professora aos demais alunos,
compreende essa necessidade, no entanto, logo, em seguida reforça: “mas
quando eu necessito de apoio dela, ela explica bem para mim...”, expressando,
com isso, o desejo por se constituir sujeito de aprendizagem.
Parece claro que caberá a escola atender a uma parcela social que até
então esteve excluída de seus projetos e planos de trabalho, ainda que estivesse
presente em suas dependências, seja na classe especial, na escola especial, na
sala de recurso ou mesmo na escola regular.
Diante disso, salienta-se o que dispõe o MEC (1999, p. 40) no documento
intitulado ”Parâmetros Curriculares Nacionais, Adaptações Curriculares -
estratégias para educação de alunos com necessidades educacionais especiais”,
o qual estabelece que as adaptações curriculares sejam entendidas como um
processo a ser realizado em três níveis: no âmbito do projeto pedagógico
(currículo escolar); no currículo desenvolvido em sala de aula; e no nível
individual. Esclarece ainda que não se trata de adotar um novo currículo, mas sim
realizar uma planificação pedagógica e nas ações docentes fundamentadas em
critérios que definem: o que o aluno deve aprender; como e quando aprender; que
formas de organização do ensino são mais eficientes para o processo de
105
aprendizagem e ainda como e quando avaliar o aluno (MEC, 1999). Assim, ao
planejar um currículo inclusivo, é preciso que se reflita acerca de algumas
questões:
A primeira é: o aluno pode participar desta aula da mesma maneira que os outros alunos?
Freqüentemente, até os alunos com deficiências mais graves podem participar de muitas
aulas e atividades sem apoio ou acomodação especiais. A segunda é, se o aluno é
incapaz de participar plenamente sem acomodação, que tipos de apoio e/ou modificações
são necessários para a plena participação do aluno nesta aula? [...] Estas modificações
podem incluir adaptações do ambiente de aprendizagem ou dos materiais de
aprendizagem, ou a provisão de tecnologia de apoio. A terceira pergunta é: que
expectativas devem ser modificadas para garantir a plena participação do aluno nesta
aula? Modificar as expectativas significa mudar: 1- a maneira como os alunos demonstram
o que sabem 2- a quantidade ou o padrão de trabalhos geralmente
esperados ou 3- os objetivos da aprendizagem prioritários de uma determinada aula.
[...] Os objetivos da aprendizagem prioritários podem ser modificados, adaptando-se o
conteúdo ou concentrando-se mais intensamente na comunicação, no movimento e nas
habilidades organizacionais e/ou sociais incorporadas na unidade (STAINBACK;
STAINBACK, 1999, p. 262-264).
São questões fundamentais que possibilitam identificar e analisar, segundo
a faixa etária, como, quando e onde ocorrerão às adaptações. É por meio “de
processos educativos, que podemos rever formas de ser e de estar no mundo,
tecendo compromissos comuns em torno de utopias de fraternidade e de alegria
compartilhada entre todos” (MOLL, 2003, p. 22).
Na continuidade das inferências de Vander, é possível verificar os conflitos
vivenciados na luta por ser e estar aprendendo no espaço escolar, quando afirma:
Os professores dão atenção e os colegas também. Mas já ganhei nota sem fazer nada.
Na escola, agora, ajudam, já teve professor que nem queria ajudar, não estava nem aí se
estava aprendendo ou não. Agora, eu participo sempre, eles convidam, me chamam. Os
colegas me ajudam, e eu os ajudo quando precisam. Os que enxergam não precisam
muito da ajuda da gente (Vander, aluno entrevistado em setembro de 2006).
Nota-se também a diferenciação aferida pelo sujeito nos trabalhos
desenvolvidos na escola e no CAEDV, na seguinte afirmativa: mas, no CAEDV, é
melhor porque eles têm a mesma dificuldade que a gente, eles me ajudam muito.
Os que são iguais a gente, é bom de ajudar, mas os que enxergam, não pensam
assim”. Ao retomar o início das inferências desse sujeito, constata-se a satisfação
por se sentir sujeito no momento atual, na escola regular e com os demais
106
colegas. Essa manifestação revela a necessidade da escola e do CAEDV
buscarem um caminho para a efetivação de práticas que se complementam.
Não se nega, contudo, como já afirmado anteriormente, a necessidade de
uma mudança radical nas organizações pedagógicas e institucionais das escolas,
uma vez que se auto-afirmam espaços de aprendizagem. Logo, propiciar
práticas nas quais os sujeitos da aprendizagem possam perceber-se, de fato,
capazes, é um desafio posto à escola e obviamente à própria prática pedagógica.
Tal desafio não se refere tão somente às questões de cunho metodológico, pois
“faz-se necessário um trabalho que atinja as mentalidades e, portanto, a
valorização da diferença no processo democrático” (VIZIM, 2001, p. 170).
O convívio com a diversidade possibilitará, então, prescrever uma trama de
novas demandas nas quais os sujeitos do processo vão constituindo-se e
firmando a própria identidade (LIMA, 2005).
Nesse, sentido é importante analisar as inferências de Renato:
Na escola, assim, participo de quase tudo [...] A minha participação vai depender do
tempo e do tamanho do trabalho, [...] eu consigo pesquisar, é só ter tempo. O tempo
geralmente é pouco. Por isso, eu acho que tanto faz eles fazerem, eles fazendo
economiza tempo para mim... (risos). Agora, se eu quero aprender acho que é bom eu
fazer, né, a busca e a pesquisa vai melhorar a minha aprendizagem (Renato, aluno
entrevistado em setembro de 2006).
O aluno Renato demonstra plena consciência da limitação que ainda
persiste nesse processo, como no fato de sempre esperar que alguém lhe faça as
pesquisas, julgando que isso compromete a aprendizagem. Embora ciente disso,
acha cômodo deixar que os colegas façam o trabalho. Ouvir o que dizem esses
sujeitos permite por um lado a participação ativa no processo e por outro a
compreensão e assunção das PcD visual, enquanto sujeitos de aprendizagens.
Nas palavras de Renato constata-se a diferenciação entre os trabalhos
desenvolvidos no CAEDV e a Escola, ao afirmar que:
No CAEDV, é tranqüilo assim, né, há troca de experiência, não é só você que tem aquele
problema. Com mais pessoas que tenham o problema dá uma troca de experiência legal,
na escola também é bom, estou sempre interagindo tem um pessoal que está sempre
ditando, quando um falta o outro acaba ajudando [...] Eu também os ajudo no próprio
convívio, muitos tinham preconceito não só contra o deficiente visual, mas com outras
coisas da vida. Acho que acabaram superando. Tem a dona Clarice, ela fala que sou uma
lição de vida, voltou até estudar, diz que ter me visto estudando foi um incentivo para ela.
Eles me vêem como um incentivo [...] sei que eles olham a deficiência visual primeiro,
107
mas, eu acho até legal, se, eu sou deficiente visual e estou indo, passando, eles devem
pensar - se o deficiente visual está conseguindo isso, eu que enxergo normal tenho
condição igual a ele tenho que ir também (Renato, aluno entrevistado em setembro de
2006).
A própria fala do sujeito afirma que as pessoas olham a sua deficiência
primeiramente. No entanto, isso não se constitui um impeditivo, pois de algum
modo se sente útil no processo de aprendizagem ao se perceber um sujeito que
também contribui com o outro na superação de suas barreiras individuais. Articula
sua vivência na escola e CAEDV à possibilidade de trocas de experiência e, como
afirma, “dá uma troca de experiência legal”.
108
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: O PONTO DE CHEGADA É SEMPRE
UM RECOMEÇO
Nunca se deve engatinhar quando o impulso é
voar.
(KELLER, 2002)
Nos limites desta pesquisa e durante toda a minha caminhada como
professora de pessoas com deficiência visual encontrei, dentro dos limites da
escola, as ilimitadas possibilidades desses sujeitos, conforme o que declara um
dos entrevistados: “quando eu não estava na escola não sabia ler, agora eu ajudo
minha mãe que não sabia ler, é meu novo talento” (Vander, aluno entrevistado em
setembro de 2006). Neste dizer está implícito que o ponto de chegada é sempre um
recomeço.
Foi a partir das vivências com esses sujeitos que se deu o início desta
pesquisa, no intuito de contribuir para que essas pessoas fossem percebidas pela
escola como sujeitos históricos que possuem capacidades, as quais, em
ambientes favoráveis, permitem as PcD visual extrapolarem e superarem muitos
dos alunos cujos professores consideram normais.
As inquietações profissionais vivenciadas no contexto escolar, marcado por
práticas cada vez mais excludentes, evidenciam o que há de mais corajoso e
inventivo na produção existencial dessas pessoas, que se configura na luta de
cada uma delas em se constituírem sujeitos de aprendizagem, refletindo o quanto
é ainda difícil para a escola reconhecê-los como sujeitos capazes de superar a
limitação física.
Neste entendimento, esta pesquisa intencionou propor reflexões a partir
das falas desses sujeitos sobre os contextos em que se encontram, como se
percebem e como se sentem em situações de aprendizagem formal. A partir de
suas falas buscou-se compreender as condições sob o ponto de vista
pedagógico, humano e social, desencadeando inúmeras indagações não apenas
da PcD visual, mas de todos os alunos que se encontram em processo de
aprendizagem e que, de certa forma, também lhes são expropriados o direito de
falar, de ter vez e voz na escola.
109
Fica evidente nesta pesquisa o primeiro pressuposto de que os jovens e
adultos com história de deficiência visual, ao estabelecerem relações entre seus
pares, no CAEDV, revelam-se sujeitos de aprendizagens, ou seja, são e estão. O
que não acontece na escola regular, pois eles não se sentem à vontade para
falar, questionar, opinar, propor, sugerir, criar, recriar, modificar. Este pressuposto
foi confirmado nas análises das falas, as quais representam apenas um pequeno
recorte da realidade deste momento histórico, expressando, sobretudo, a
veracidade desses sujeitos que contribuíram para a realização desta investigação.
Ao dar vez e voz aos sujeitos sobre como se sentem no contexto escolar,
esses jovens e adultos indicam o caminho pelo qual se há de trilhar, sugerindo
que se minimizem os processos de exclusão amplamente combatidos pela
legislação e que são camuflados na aceitação dessas pessoas no ensino regular.
O caminho indicado nas falas dos sujeitos com deficiência visual preconiza
alternativas de superação dessas dicotomias: a) reconhecendo-os como sujeito
no mundo e para o mundo; b) o acesso ao conhecimento, por parte do professor,
sobre as pessoas com história de deficiência e, nesse caso das pessoas com
deficiência visual; c) o reconhecimento das pessoas com história de deficiência
visual, sua história de vida e aprendizagem, seus processos de interação e
participação, a forma pela qual têm mais facilidade para expressar o que fora
aprendido. Estes indicativos seriam uns dos mais importantes passos a se efetivar
em direção a garantia da aprendizagem significativa para esses sujeitos.
Na sua maioria, os sujeitos em questão anseiam por práticas pedagógicas
diferenciadas que possibilitam maior participação: práticas dialógicas, prática de
pesquisas, seminários de modo a serem tratados como qualquer outro sujeito
considerado normal.
O contexto habitual escolar foi confirmado nas falas como um impeditivo à
participação da PcD visual, de forma que estes chegam a ponto de anularem-se
enquanto sujeito do espaço educativo quando afirmam preferir esperar que os
colegas que enxergam perguntem, pesquisem, participem das aulas, enquanto
eles, os sujeitos com história de deficiência visual, ficam como expectadores,
anulando suas capacidades mental e cognitiva. Esta constatação não significa
que os mesmos aceitam tal fato com naturalidade, pois apenas um dos sujeitos
110
atribui a essa condição certa normalidade, enquanto que todos os outros deixam
evidente em suas falas a condição de luta contra esse tipo de prática.
O segundo pressuposto reforça que o contexto demonstra que os
sucessivos fracassos acarretam marcas indeléveis e estas culminam num
processo gradativo de anulação do próprio sujeito. Esse pressuposto merece
maior investigação com o fim de não se cometer equívocos em afirmar algo que,
embora presente nas inferências dos sujeitos, foi gradativamente eliminado pelos
mesmos, por meio da manifestação consciente da forma como o outro os vêem.
Contudo, esse fato requer um olhar criterioso, pois os sujeitos, ao serem tratados
como alguém incapaz que não tem algo a contribuir, podem gerar uma forma de
ser e estar alienada, passiva e fracassada, na qual todas as possíveis conquistas
somente acontecerão se o outro atuar como bengala intelectual.
Com isso vê-se a negação dos processos de emancipação intelectual
desses jovens e adultos em contexto escolar. No entanto, se faz necessário e
importante considerar que, das situações de avanços e superação evidenciadas
nas falas desses sujeitos, a maioria refere-se ao esforço próprio, à conquista de
espaços na sociedade.
Buscou-se nesta pesquisa evidenciar a superação, nos objetivos - um, três
e sete
16
-, realizando análises a partir do tema: a participação oral em sala de aula
como possibilidade de se constituir sujeito de aprendizagem. Constatou-se nestas
análises que todos os sujeitos entrevistados concordam que poder falar em sala
de aula sobre o que fora aprendido é um ganho, no entanto, denunciam que
essas práticas não se fazem presentes nos contextos de aprendizagem, salvo em
determinadas apresentações de trabalhos, provas orais ou mesmo no CAEDV,
quando estão no convívio entre os pares.
Todos os seis sujeitos entrevistados denunciam a prática conteudista da
lógica formal, responsável por engessar o poder criativo dos alunos no espaço
16
1. Analisar como os Jovens e adultos com história de deficiência visual inseridos em
contextos de aprendizagem formal se constituem sujeitos. 3. Analisar as condições de
participação, ação e simbolização decorrente dessas interações em contexto de aprendizagem
formal. 7. Identificar situações pedagógicas em que o jovem ou adulto com história de deficiência
visual é desafiado para manifestar argumentos acerca de textos, contexto, fatos e histórias
trabalhadas no espaço escolar.
111
educativo. Apontam à necessidade da mediação no processo de aprendizagem,
considerando, segundo suas inferências, a importância de se estabelecerem
vínculos com os sujeitos da escola regular, como a que ocorre entre os cegos.
Esse fato gera outros questionamentos passíveis de melhor investigação e nos
leva a induzir que o preconceito pode estar presente tanto da parte das pessoas
cegas quanto das pessoas que enxergam. Em outras palavras, o que se verifica é
que, se há certo receio por parte das pessoas que enxergam em ajudar as
pessoas cegas, há também por parte das pessoas cegas, no sentido de procurar
a aproximação. No contexto geral das práticas pedagógicas, em específico na
escola regular, pode-se inferir que os sujeitos se apresentam numa postura mais
passiva que ativa. Esse fato deve ser analisado, sobretudo, a partir das condições
sócio-históricas que nesses casos também não estão postas adequadamente.
Os objetivos - dois, quatro e oito
17
- desta pesquisa foram analisados nas
inferências dos sujeitos a partir do tema A deficiência no olhar do outro, pelo qual
se constatou que as práticas de interações são restritas e se configuram mais em
função do suposto padrão da normalidade. Os jovens e adultos estão em
constantes conflitos de limites à participação, principalmente em se tratando de
espaço de ensino regular. Entendem haver uma maior possibilidade de
participação no espaço do CAEDV.
No entanto, nenhum dos sujeitos entrevistados descarta a possibilidade de
estar freqüentando o ensino regular, pois acreditam que o convívio acarreta em
conhecimento para as pessoas que enxergam, o que faz com que as situações de
rotulações e restrições sejam sanadas. Participam sempre que convidados,
porém, não brigam por esses espaços, até porque atribuem à falta de
oportunidades a todos os alunos, independente da presença de deficiência. Estas
contribuições são de extrema importância, uma vez que denunciam a lógica
arraigada na escola, marcada pela figura de um único detentor do saber. Alerta
para a necessidade de se repensar o espaço educativo escolar com o objetivo de
que as práticas possam de fato emancipar os sujeitos.
17
2. Investigar as práticas de interação social e de aprendizagem formal desses sujeitos.
4. Identificar as situações que se configuram como restrições ou rotulações negativas, e que
significados atribuem os sujeitos a essas condições. 8. Comparar a relação ensino aprendizagem
no CAEDV e na escola regular.
112
Quanto aos objetivos - cinco, seis e nove
18
- a análise se deu a partir do
tema: Deficiência e Eficiência: a trajetória de superação no contexto de limites e
possibilidades, constatando-se que todos os sujeitos entrevistados se
reconhecem enquanto sujeitos com capacidades para aprender, desde que sob
condições de adaptações de currículo e material. Estar em processo de
aprendizagem configura-se para todos os sujeitos aspecto de grande relevância
que contribuirá para a auto-realização. Não são modestos em afirmar que têm
muitos talentos, e nem deveriam sê-lo, pois meu convívio profissional com esses
sujeitos comprova tal capacidade, a cada dia letivo com eles vivenciado.
Os contextos de vida, marcados inicialmente por vultos que, embora
precários, lhes permitiram direcionar-se rumo à condição de sujeito social,
adentraram na escola. O ingresso na vida escolar marcado pela perda efetiva ou
significativa da visão presenteou-lhes com estigmas de fracassados e, em
conseqüência, a ruptura no processo de se auto-conhecer e reconhecer o outro.
Essa contradição se evidencia nas ações em que esses sujeitos revelam a
negação de si próprios para reforçar ao outro a sua capacidade. É nesse
processo de ter que se firmar para o outro que o eu, na sua essência, se
desconstitui. Portanto, tal desconstituição não é evidenciada como algo
consciente e independente, senão pela impulsão do próprio meio.
Os fundamentos teóricos de cunho histórico social apontam que o meio no
qual se está inserido exerce grande influência na constituição do sujeito. A
linguagem assume vital importância neste processo. Pela fala expressaram suas
formas de percepção e interpretação do mundo. Inferiram que o sujeito não se
constitui isoladamente, senão sob o olhar do outro, cujos julgamentos e padrões
pré-estabelecidos permitem que o sujeito/eu se desvele ou mesmo se aniquile.
Conforme as análises realizadas, apenas um dos sujeitos entrevistados parece
estar de certa forma imerso e corrompido pelo olhar e ações do outro, ou seja,
apenas esse sujeito acha todas as formas de inadequações sociais, por ele
mesmo apontadas, como algo normal.
18
5. Analisar como os sujeitos compreendem os desafios, as necessidades e exigências
do contexto social e do contexto escolar. 6. Identificar que significados atribuem às aprendizagens
escolares para a sua prática social. 9. Identificar as habilidades para aprender, reconhecidas em
si, pelo próprio sujeito com história de deficiência visual.
113
Segundo a perspectiva assumida neste trabalho, é pelas interações que o
processo de constituição do sujeito se efetiva e, no caso das pessoas com história
de deficiência visual, a mediação recíproca pela palavra constitui-se aspecto de
extrema importância. No entanto, as inferências de todos os sujeitos entrevistados
denunciam a ausência dessas práticas no espaço escolar, ou seja, os processos
de interação são suprimidos em função da rigidez curricular e não raro da
indisponibilidade de se permitir tais práticas na escola. Ressalta-se que a
denúncia feita sobre esse aspecto afeta não apenas os alunos com história de
deficiência visual, mas a todos.
Os dados dão visibilidades de que a palavra constitui o complexo processo
psíquico de interpretação global e possibilita o acesso e manifestação da
realidade não vista. Nas inferências estão presentes as peculiaridades de cada
sujeito, as significações e sentidos que perpassam e perpassaram a vida de cada
um deles, as marcas da cultura, do imaginário social que permeia suas vivências
e sua relação com a realidade. A palavra foi tomada como categoria de maior
relevância por assumir a concepção sócio-histórica como fundamento para
realização deste trabalho. A linguagem verbalizada foi, então, de extrema
importância, por revelar subsídios para reflexões futuras.
Os relatos que abordam sua história escolar inicial mostram dificuldades
encontradas com desdobramentos em suas vidas. Assim como a escola, tantos
outros âmbitos da vida desses jovens podem ter significado sua cegueira como
incapacitante, motivo de exclusão e descrédito. O imaginário social sobre a
cegueira permeia todas as instituições e afeta a todos. É preciso estar alerta para
poder descentrar o olhar, ver o outro a partir de sua perspectiva, isto não é tarefa
fácil.
O pesquisador é parte daquilo que investiga, é afetado pela mesma
tessitura de significados, mas pode estar atento às múltiplas vozes que ecoam em
seu imaginário. Neste caso, esteve disposto a abrir-se para outros sentidos e para
outras interpretações, se desvencilhando do aparato legal para analisar o
processo em que os alunos entrevistados participam segundo suas próprias
perspectivas.
A ação pedagógica, com algumas restrições, não possibilita condições para
que esses jovens e adultos possam ser e estar no mundo, pelo fato de o
114
contraponto imaginário associar a presença da deficiência à condição de ser
deficiente, embora inconscientemente. A superação dessa realidade consiste em
que a escola assuma o importante papel social que se configura em assumir a
emancipação intelectual de cada um dos sujeitos no processo de construção e re-
construção do conhecimento.
Tem-se, portanto, a necessidade de efetivar o processo de
conscientização, o qual ocorre num movimento cujo fundamento principal é a
negação da negação, através do contato consigo mesmo. Ao negar a baixa
expectativa do outro o eu se constitui sujeito com plenas capacidades, pois
ambos são mediados e determinados socialmente, como os próprios sujeitos
afirmam terem condições de aprender sempre.
Contudo, ao espaço educativo escolar, ao intitular-se social, não cabe mais
se manter atuando no sentido contrário a inclusão dessas pessoas. A escola, na
sua dimensão relacional, constituída por inúmeros sujeitos educadores e
educandos, incluindo os visualmente cerceados, precisa adaptar-se de modo a
responder às expectativas desses sujeitos, assumindo-os enquanto pessoas com
plenas condições de aprendizagens, o que requer uma reflexão criteriosa sobre o
fazer pedagógico. Essa reflexão pode ter como impulso a seguinte referência:
Muitas vezes a escola ajuda, acho que é o objetivo da escola, mas outras vezes não,
porque depende de todos os professores, têm muitos que não estão nem aí para aquilo.
Muitos chegam na sala, passam o que devem passar da matéria, nem falam com os
alunos, vira e vai embora, para ele, fez o trabalho. No final do mês pega o dinheiro e fica
tranqüilo. Além disso, falta oportunidade para o deficiente visual (Renato, aluno
entrevistado em setembro de 2006).
Nessa perspectiva, a ação pedagógica, no intuito de aproximar-se às
múltiplas dimensões do ser humano, precisa fundar-se tanto no cotidiano vivido
quanto nas teorias. Considera-se, no entanto, que o processo de constituição do
ser humano, no caso o jovem e adulto com história de deficiência, não se finda
pela passagem escolar, pois o ser humano é um ser do inacabamento e da
finitude. Esse fato implica, então, a disposição à mudança, com vistas à aceitação
do diferente, diferença que não se expressa apenas pela condição físico-
biológica, mas pela condição sócio-histórica da existência humana, visto que
115
[...] não garantir as condições materiais objetivas que permitam ao homem o fazer e a
apropriação da riqueza cultural, ou seja, tomar parte na realização de um trabalho social
na produção de vida cerceia o desenvolvimento de suas potencialidades e, nega, por
conseguinte, sua própria essência humana (ROSS, 2000, p. 7).
Portanto, diante de todo os apontamentos, reflexões e inferências,
entende-se que face à condição de sujeitos histórico-sociais, dada pela existência
no mundo, é premente que se repense o espaço escolar sob a ótica do direito de
estar na escola, sobretudo o direito de aprender, de anunciar suas conquistas, de
proclamar-se sujeitos com capacidades para participarem e interagirem com seus
colegas e professores por meio do diálogo, dos questionamentos, das dúvidas e
sugestões que esses sujeitos possam apresentar frente ao processo de ensino e
aprendizagem. Suas inferências foram significativas ao passo que revelaram
aspectos a serem refletidos e melhorados no interior da escola e do CAEDV, bem
como sobre os indícios de quais caminhos se devem seguir para responder às
demandas de sua aprendizagem.
Assim, em meio às possibilidades de humanização ou desumanização, no
processo de inclusão das PcD visual em contextos de aprendizagem formal,
exige-se a redefinição da própria função e objetivos da escola, seja ela de ensino
especializado ou regular. Embora os sujeitos expressem o aspecto positivo de
conviver com seus pares e professores que os conhecem, pouco revelam quanto
aos desafios que são postos em relação às práticas. Não se nega, contudo, os
inúmeros avanços, em específico nos locais onde esses sujeitos participam. No
entanto, se propõe o estabelecimento de diálogos com os sujeitos, a fim de
aprimorar ainda mais as práticas pedagógicas e de convívio possibilitadas nos
referidos espaços, sendo urgente que isso aconteça na escola regular.
Na essência de cada inferência é possível, sob um olhar crítico e reflexivo,
verificar a trama de contradições que as PcD visual vivenciam cotidianamente.
Embora, testemunhos dessas práticas, não contrapõem ao desejo de ser e estar
no espaço escolar, por isso, é facilmente identificável em suas falas situações de
anúncios e denúncias, mesmo em palavras silenciadas.
Em síntese, esta pesquisa evidencia, sobretudo, significativas
contribuições, as quais são apresentadas a seguir:
116
Questiona as políticas compensatórias que atrelam o fato de estar no
espaço escolar a possibilidade de inclusão. Nega-se com isso que a inclusão vai
muito além da inserção. Ela implica, pois, na garantia de aprendizagem para
todos os sujeitos inseridos na escola. Aprendizagem é, portanto, o ato de
significar o conhecimento aprendido, o qual, para a pessoa com história de
deficiência visual, pode ser expresso também através da fala.
Questiona a formação continuada dos professores, a qual deve estar
pautada na possibilidade de ação-reflexão dos alunos sujeitos no espaço escolar.
Instiga a formação dos professores do ensino regular direcionada aos
conhecimentos acerca das necessidades educacionais especiais.
Questiona a breve formação de professores acerca das necessidades
educacionais especiais pelas Instituições de Ensino Superior.
Instiga a assunção desses conhecimentos com a mesma importância que
qualquer outro fundamento da educação ou áreas do conhecimento.
Contribui para a importância de se dar vez e voz aos alunos com
deficiência ou não, o que pressupõe assumi-los enquanto sujeitos que têm
conhecimentos a ser considerados pela escola.
Evidencia a necessidade de que a Educação especial e regular busque um
ponto de complemento no processo ensino aprendizagem.
Denuncia que não são apenas os alunos com história de deficiência que
estão silenciados na escola, mas sim a maioria dos alunos considerados
”normais”. Alerta para a mudança nas políticas de formação continuada, no
âmbito do Município, Estado e País, com a elaboração de estratégias efetivas que
garantam formação em todas as áreas específicas, relacionadas às deficiências,
instigando a participação em cursos de todos os professores, inclusive do quadro
de ensino regular.
Ao ouvir a voz do outro foi possível presenciar a insatisfação e a falta de
liberdade para as PcD visual terem confiança em si mesmo, entusiasmo em cada
conquista cognitiva que os torna capazes de progredir em suas tarefas culturais.
Respeitar os jovens e adultos com história de deficiência visual, considerando o
que eles são e o que podem vir a ser é nosso desafio, pois a escola cuja função
social preconiza a liberdade para brincar com o fogo da inteligência não se dará
por fracassada, uma vez que, poderá dar ‘ouvidos’ a voz que o outro sussurra nos
117
ouvidos do outro, como afirma Alceu Valença: “eu já escuto os teus sinais“. Por
isso escutar a voz desses jovens e adultos, entrelaçada às vozes da polêmica
sobre a inclusão das pessoas com história de deficiência visual, me fez pesquisar
e valorizar muito mais o que eu já valorizava, ou seja, a capacidade do outro.
Sobretudo, esta pesquisa indica urgência para que a escola se re-
signifique, com o fim de atender não apenas os jovens e adultos com deficiência
visual, mas a todos os sujeitos inseridos no processo. Essa re-significação da
escola torna-se necessária para que não sejamos nós, a sociedade, acometida de
uma cegueira em relação à PcD, pois, “queres que te diga o que penso,[...] penso
que estamos cegos, cegos que vêem, cegos que, vendo, não vêem”
(SARAMAGO,1995, p. 310).
118
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intelectual. Trad. Lílian do Valle. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
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______. Pensamento e Linguagem. 3. ed. São Paulo: Marins Fontes, 1991.
______. Fundamentos da Defectologia. Pueblo y Educación, Havana.1989.
______. A Formação social da mente. Trad. José Cipolla Neto. São Paulo:
Martins Fontes, 1991.
124
APÊNDICE I
ROTEIRO DE ENTREVISTA – APLICAÇÃO DO ESTUDO PILOTO
1 A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO
1.1 Para você, o que significa estudar?
1.2 O que você sentiu quando perdeu a capacidade visual (total ou parcial)?
1.3 Para você, o que significa o Braille e a bengala?
1.3.1 Como as pessoas te [vêm] com esses recursos?
1.4 Como você reage frente à condição de deficiência visual?
2 A PALAVRA E A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO
2.1 Em que momento sua participação oral nas aulas te possibilita manifestar seus
pensamentos, inferências, dúvidas e questionamentos?
2.1.1 Considera esse momento importante?
2.1.2 Justifique
2.2 Solicita espaço para defender ou sugerir ao professor outras formas de
trabalho que facilite sua aprendizagem?
2.2.1 Em que espaço, entre escola e CAEDV, se sente à vontade para propor
sugestões ou orientações ao professor?
2.3 Você gosta de falar e expor suas opiniões, questionamentos, angústias, e/ou
incompreensões acerca de assuntos escolares ou de vida?
2.3.1 Em que momentos?
3 AS RESTRIÇÕES E ROTULAÇÕES
3.1 Vivenciou situações que representassem uma forma de preconceito?
3.2 Qual foi a reação de seus professores quando receberam a notícia de que você
havia ficado cego (a) ou com a visão muito reduzida?
125
3.3 Apresentar baixa visual acentuada ou a perda total da visão, quando começou
o seu processo de escolaridade, lhe ocasionou algumas perdas, rótulos ou
atitudes preconceituosas?
3.3.1 E agora, na condição de adulto?
3.4 Espaços onde há somente você na condição cego ou deficiente visual, você se
sente à vontade para falar?
3.5 A deficiência visual é um limite para sua participação?
3.5.1 De que forma?
3.6 Há situações, trabalhos e atividades escolares em que você se sente
impedido de participar?
3.6.1 Justifique.
4 AS INTERACÕES E PARTICIPACÕES NO PROCESSO PEDAGÓGICO
4.1 Como acontece a interação, a aprendizagem, entre você e os colegas, e entre
você e seus professores no CEDV?
4.1.1 E na escola?
4.2 No CAEDV são propiciadas as condições de participação, interação e
aprendizagem?
4.2.1 Quais e de que forma?
4.2.2 E na escola?
4.3 O fato de você estudar somente com pessoa com deficiência visual, lhe
favorece a buscar e oferecer ajudas?
4.4 Em que momento?
4.4.1 Como e em que lhe ajudam e como você ajuda o outro?
5 TRAJETÓRIAS ESCOLARES E TRAJETÓRIAS DE VIDA
5.1 Que perdas você teve após a condição de deficiência visual que você
considera mais marcante?
5.2 Que aprendizagens e/ou histórias você viveu na escola, na família e na vida, que
lhe trazem boas lembranças?
126
5.3 Como aconteceram e acontecem com você as aprendizagens relacionadas à:
locomoção, leitura e escrita, memorização, interpretações, mapa mental?
5.3.1 São aprendizagens importantes?
5.3.2Justifique.
6 A HISTÓRIA DE SUPERAÇÃO
6.1 Quais são as habilidades/talentos que você julga ter hoje?
6.1.1 Quais as habilidades/talentos que as pessoas dizem que você tem?
6.2 Você acha que tem condições de aprender?
6.2.1 Justifique.
6.3 Que conquistas pessoais, em relação à aprendizagem, você teve ao retornar à
escola?
6.4 De quais estratégias você se utiliza para responder a um conteúdo ou para
escrever um texto?
127
APÊNDICE II
ROTEIRO DE ENTREVISTA – APLICADO NOS SUJEITOS UNIVERSO DA
PESQUISA
1 A PALAVRA E A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO
1.1 Em que momento sua participação oral nas aulas lhe possibilita manifestar
seus pensamentos, inferências, dúvidas e questionamentos?
1.1.1 Considera esse momento importante?
1.1.2 Justifique.
1.2 Solicita espaço para defender ou sugerir ao professor outras formas de
trabalho que facilite sua aprendizagem?
1.2.1 Em que espaço, entre escola e CAEDV, se sente à vontade para propor
sugestões ou orientações ao professor?
1.3 Você gosta de falar e expor suas opiniões, questionamentos, angústias, e/ou
incompreensões acerca de assuntos escolares ou de vida?
1.3.1 Em que momentos?
1.4 Para você, o que significa estudar?
1.4.1 O que você sentiu quando perdeu a capacidade visual (total ou parcial)?
1.5 Para você, o que significa o Braille e a bengala?
1.5.1 Como as pessoas te [vêm] com esses recursos?
1.6 Como você reage frente à condição de deficiência visual?
2 AS RESTRIÇÕES E ROTULAÇÕES
2.1 Vivenciou situações que representassem uma forma de preconceito?
2.2 Qual foi a reação de seus professores quando receberam a notícia de que você
havia ficado cego (a) ou com a visão muito reduzida?
128
2.3 Apresentar baixa visual acentuada ou a perda total da visão, quando começou
o seu processo de escolaridade lhe ocasionou algumas perdas, rótulos ou
atitudes preconceituosas?
2.3.1 E agora, na condição de adulto?
2.4 Espaços onde há somente você na condição cego ou deficiente visual, você se
sente à vontade para falar?
2.5 A deficiência visual é um limite para sua participação?
2.5.1 De que forma?
2.6 Há situações, trabalhos e atividades escolares em que você se sente
impedido de participar?
2.6.1 Justifique.
3 AS INTERACÕES E PARTICIPAÇÕES NO PROCESSO PEDAGÓGICO
3.1 Como acontece a interação, a aprendizagem, entre você e os colegas, e entre
você e seus professores no CEDV?
3.1.1 E na escola?
3.2 No CAEDV são propiciadas as condições de participação, interação e
aprendizagem?
3.2.1 Quais e de que forma?
3.2.2 E na escola?
3.3 O fato de você estudar somente com pessoa com deficiência visual, lhe
favorece a buscar e oferecer ajudas?
3.4 Em que momento?
3.4.1 Como e em que lhe ajudam e como você ajuda o outro?
4 TRAJETÓRIAS ESCOLARES E TRAJETÓRIAS DE VIDA
4.1 Que perdas você teve após a condição de deficiência visual que você
considera mais marcante?
4.2 Que aprendizagens e/ou histórias você viveu na escola, na família e na vida, que
lhe trazem boas lembranças?
129
4.3 Como aconteceram e acontecem com você as aprendizagens relacionadas à:
locomoção, leitura e escrita, memorização, interpretações, mapa mental?
4.3.1 São aprendizagens importantes?
4.3.2Justifique.
5 A HISTÓRIA DE SUPERAÇÃO (no contexto dos limites e superações)
5.1 Quais são as habilidades/talentos que você julga ter hoje?
5.1.1 Quais as habilidades/talentos que as pessoas dizem que você tem?
5.2 Você acha que tem condições de aprender?
5.2.1 Justifique.
5.3 Que conquistas pessoais, em relação à aprendizagem, você teve ao retornar à
escola?
5.4 De quais estratégias você se utiliza para responder a um conteúdo ou para
escrever um texto?
Livros Grátis
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