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brasileiro-sul-rio-grandense, uruguaio ou argentino, lembra que vive no país vizinho, fala um
idioma tipicamente fronteiriço, trabalha do outro lado do seu país, estuda, faz compras, mas
não tem aquela nacionalidade.
Logo, um caminho favoravelmente apto para realizarmos o estudo sobre os povos que
nessa região vivem e convivem é via Literatura, em especial a Literatura Comparada, pois
será através dela que conseguiremos identificar as vozes, a história, a cultura, o folclore, etc.,
elementos estes que servem de elo entre os cidadãos das várias microrregiões que compõem
aquele espaço, e por entendermos que é através da Literatura que as fronteiras vão além.
O desafio de buscar novas terras, cruzar oceanos e descobrir riquezas, fez com que
aportassem os primeiros europeus, principalmente os portugueses e espanhóis. Esse
ultrapassar fronteiras desencadeou um processo de descoberta do outro, a sua nomeação e,
conseqüentemente, as primeiras narrativas da alteridade.
Quando Terra Gaúcha, de João Simões Lopes Neto, é publicado em 1955
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, o referido
autor pelotense inicia sua obra explicando o porquê daquele nome, afirmando que
em 3 de dezembro de 1530, partia de Portugal Martin Affonso de Souza para
a execução de três ordens de capital valor para a coroa portuguesa: 1.
expulsar os franceses do litoral brasileiro; 2. fortificar os fortes com
artilharia e, 3. verificar a costa desde S. Vicente até o rio da Prata. Trazia,
ainda, carta de grandes poderes, tanto no crime como no cívil, sem das suas
sentenças dar apelação nem agravo... Da Ilha de Cananea a armada partiu
para o Sul em 26 de setembro do ano seguinte. Reinava, então, o equinócio.
Imperavam o carpinteiro e o vento dos pampas
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. Água, ventos, relâmpagos,
mar grande, cabres partidos e traquetes, amarras quebradas, trovoadas,
baixos e arrecifes, batéis arrebatados pelas ondas, a tudo somavam os
incidentes da viagem, que culmina com a perda da capitanea junto ao arroio
algum tempo chamado de Martim Affonso, o Chuy
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, que ... parece, o destino
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Em outubro de 1955, Manoelito de Ornellas, convidado a fazer o prefácio da obra simoniana, já chamava a
atenção dos leitores e da crítica gaúcha, afirmando que “a obra simoniana era passível de alguns reparos, em face
de documentos que João Simões Lopes Neto não conheceu em seu tempo. No entanto, jamais as falhas
decorrentes de uma incompleta e pobre bibliografia invalidaram a grandeza da obra, na magnífica estrutura de
seus princípios e de suas idéias”.
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É bem provável que Simões Lopes esteja se referindo ao vento minuano, vento de origem polar atlântica que,
proveniente do Oceano Pacifico, cruza as Cordilheiras e penetra no Brasil pelo oeste do estado do Rio Grande
do Sul, podendo chegar ao norte do país. Caracteriza-se pelo frio cortante que sopra pelo sudoeste, especialmente
sobre a campanha, em média, três dias seguidos. O carpinteiro também é um vento, muito temido pelos
navegadores, que ocorre no sentido Sueste, muito comum na costa do nordeste brasileiro.
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Em Terra Gaúcha, obra incompleta de João Simões Lopes Neto (1955), o escritor natural de Pelotas-RS,
contradiz essa informação, apresentando em suas próprias notas (p. 64, 65) que isso é infundado, já que o
referido naufrágio de Martin Affonso de Sousa, ali, nunca ocorreu. Quando Varnhagen, Visconde de Porto
Seguro, publica em 1861, o diário de navegação de Pero Lopes, membro da tripulação de Martim Affonso,
ocorre a dita confusão. Sobre o ocorrido, Sousa Docca (O Naufrágio de Martim Afonso de Sousa), afirma: “É
curioso que houvesse sido Varnhagen, o divulgador do Diário de Pero Lopes, que primeiramente cometeu o erro
de mencionar o naufrágio como ocorrido no Chuí. Disse o mestre, benemérito e erudito, anotando, em 1851, o
tratado Descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa: - Chama-se aqui Rio de Martim Afonso ao Mampituba,
mas entenda-se que não foi neste rio, mas no pequeno Chuim que aquele capitão naufragou ... Martim Afonso de