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LAUSANE CORRÊA PYKOSZ
A HIGIENE NOS GRUPOS ESCOLARES CURITIBANOS: FRAGMENTOS DA
HISTÓRIA DE UMA DISCIPLINA ESCOLAR (1917-1932)
Dissertação apresentada como requisito parcial
à obtenção do grau de Mestre em Educação,
Linha de Pesquisa Instituições, Intelectuais e
Cultura Escolar – Área Temática de História e
Historiografia da Educação, Programa de Pós-
Graduação em Educação, Setor de Educação,
Universidade Federal do Paraná.
Orientação: Prof. Dr. Marcus Aurelio Taborda
de Oliveira
CURITIBA
2007
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LAUSANE CORRÊA PYKOSZ
A HIGIENE NOS GRUPOS ESCOLARES CURITIBANOS: FRAGMENTOS DA
HISTÓRIA DE UMA DISCIPLINA ESCOLAR (1917-1932)
Dissertação apresentada como requisito parcial
à obtenção do grau de Mestre em Educação,
Linha de Pesquisa Instituições, Intelectuais e
Cultura Escolar – Área Temática de História e
Historiografia da Educação, Programa de Pós-
Graduação em Educação, Setor de Educação,
Universidade Federal do Paraná.
Orientação: Prof. Dr. Marcus Aurelio Taborda
de Oliveira
CURITIBA
2007
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ii
Dedico este trabalho aos meus pais
Geraldo e Goretti, essências da minha
vida, pelo incentivo e por terem acreditado
e caminhado junto comigo em busca deste
meu sonho!
iii
AGRADECIMENTOS
Durante todo o percurso do mestrado, muitas foram as pessoas que fizeram
parte – de diferentes formas – da construção deste trabalho. Momentos e pesquisas
compartilhados, enfim, contribuições inestimáveis que tornaram a empreitada mais
prazerosa. Contei com o apoio de inúmeras pessoas e, como é impossível nomeá-
las todas, deixo o registro de minha profunda gratidão. Destaco aqui algumas
pessoas especiais nesta caminhada. Agradeço:
Em primeiro lugar ao professor Marcus Aurelio Taborda de Oliveira, muito
mais que um orientador... Um amigo, antes de tudo, meu agradecimento e sincero
respeito e admiração. Agradeço pela constante presença neste processo, com muita
disposição, dedicação e paciência, sempre contribuindo com meu trabalho, e
principalmente, com minha formação.
Aos professores Dr. José Gonçalves Gondra e Dra. Serlei Maria Fischer
Ranzi, pelas valiosas considerações por ocasião do exame de qualificação. Meus
sinceros agradecimentos pelos ensinamentos.
A todos os professores da linha de pesquisa “História e Historiografia da
Educação” do PPGE: Carlos Eduardo Vieira, Nadia Gaiofatto Gonçalves, Serlei
Maria Fischer Ranzi. Em especial às professoras, também da linha, Liane Maria
Bertucci-Martins e Vera Regina Beltrão Marques, pelas trocas de materiais e idéias.
À professora Gizele Souza, pelas leituras e contribuições nos seminários de
dissertação e também nos “bastidores”. E ao professor Marcus Levy Albino
Bencostta, pelos ensinamentos e exemplo da prática docente. Todos muito
importantes nesse meu caminhar, muito obrigada!
Às funcionárias da Secretaria do programa de pós-graduação em educação,
Francisca, Darci e Irene.
Ao CNPq, pela concessão da bolsa.
Aos funcionários dos acervos por mim freqüentados – Biblioteca Pública do
Paraná, Círculo de Estudos Bandeirantes, Biblioteca de Saúde Pública – USP,
Arquivo Público do Paraná e Memorial Lysimaco Ferreira da Costa, todos sempre
dispostos a ajudar. Em especial ao Fernando, que, além de oferecer materiais
importantes ao trabalho, ofereceu também sua amizade...
iv
Aos meus colegas, ou melhor, amigos da turma de mestrado. Uma turma “da
pesada”, que tem muita história a contar e viver... Lílian, sempre atenciosa e
paciente; Diogo, sempre responsável e dedicado; Telma, sempre divertida e
companheira; Roberlayne, sempre disposta a ajudar e me ouvir; Caroline, sempre
prestativa e competente, Flávia, sempre amiga... Adorei ter compartilhado essa fase
da minha vida com vocês, dividindo dúvidas e incertezas, angústias e alegrias e,
principalmente, realizações... Vocês sempre serão muito especiais para mim, muito
obrigada a cada um...
Aos “padrinhos” Ronie e Ricardo e “madrinhas” Maria Helena, Leziany, Liliane
e Márcia, doutorandos que tive o prazer de partilhar disciplinas e idéias. À Dulce e
Érica pelos “papos” e dicas sobre trabalhos, pesquisas e formação. Em especial à
Regina, pela atenta leitura e disposição em diferentes momentos. Meu muito
obrigada!
Aos amigos que fiz nos intercâmbios dos grupos de pesquisa, compartilhando
angústias, experiências e aprendizados. Em especial à Carolina da Costa e Silva, de
São Paulo, que me ajudou, e muito, na busca de documentos em sua cidade... Muito
obrigada pela ajuda na localização de fontes fundamentais para meu trabalho...
Aos colegas, mas essencialmente, amigos, do projeto de pesquisa “Educação
do corpo e história do currículo”, pelas contribuições ao meu trabalho e às
discussões que suscitaram questionamentos, muitos deles, incorporados a esse
trabalho: Sidmar, Lúcia, Henrique, Sergio, Valdirene, Diogo, Rubens, Leandro e,
novamente, Marcus... À esse grupo (aplicando o melhor sentido da palavra),
agradeço não só as contribuições acadêmicas, mas principalmente, a amizade e o
respeito.
Aos amigos, que me ajudaram a levar adiante esse meu sonho, sempre
trazendo muito humor e alegria, fontes importantes para o trabalho, sem dúvida: Jú,
Luiz Gustavo, Luciano, Iza, Eduardo, Pedro, Lú, Carmela, Bruna, Rafael, Mario,
França, Wagner, Henry, Mari, Rafa, Marlos, Bruno, Rogério, Adriana Margareth,
Antonia, Katy, Leôncio, Fabiano. Em especial à amiga Marina, que me apoiou em
todo o percurso, me dando muita força, sempre com palavras de incentivo e ao meu
primo Eduardo, que me recebeu em sua casa em São Paulo e, mesmo de longe,
continuou ajudando sempre que precisei.
v
Por último, reservei o agradecimento mais importante: à minha família, uns
mais afastados, outros acompanhando quase que diariamente a construção deste
trabalho. Mesmo muitas vezes sem entender todo o esforço dispensado para
“apenas escrever um texto”, todos foram muito importantes nessa jornada, onde, por
muitas vezes, busquei forças.
Em especial, à minha madrinha/mãe Silvana, pessoa que sempre torceu pelo
meu sucesso. Aos primos (quase irmãos, ou, quem sabe, filhos – inviável pelas
idades, mas possível pelo sentimento), Marlus e William, parte de minha garra
busquei na energia de vocês, meus amores.
À minha amiga, mestre, mãe, filha, por tudo: pelo incentivo, apoio, confiança,
e todas as palavras que traduzem o sentimento mais puro de respeito e amor!
Ao meu pai, o responsável pela minha paixão pelos estudos, sempre me
dando condições e principalmente apoio para minhas escolhas. Meu sincero muito
obrigada, com muito amor, carinho, respeito. Uma pessoa que aprendo a cada dia a
batalhar pelos ideais, a lutar pela vida! Nunca desista, querido pai!
vi
Minha mão está suja.
Preciso cortá-la.
Não adianta lavar.
A água está podre.
Nem ensaboar.
O sabão é ruim.
A mão está suja,
suja há muitos anos.
A princípio oculta
no bolso da calça,
quem o saberia?
Gente me chamava
na ponta do gesto.
Eu seguia, duro.
A mão escondida
no corpo espalhava
seu escuro rastro.
E vi que era igual
usá-la ou guardá-la.
O nojo era um só.
Ai, quantas noites
no fundo da casa
lavei essa mão,
poli-a, escovei-a.
Cristal ou diamante,
por maior contraste,
quisera torná-la,
ou mesmo, por fim,
uma simples mão branca,
mão limpa de homem
que se pode pegar
e levar à boca
ou prender à nossa
num desses momentos
em que dois se confessam
sem dizer palavra...
A mão incurável
abre dedos sujos.
E era um sujo vil,
não sujo de terra,
sujo de carvão,
casca de ferida,
suor na camisa
de quem trabalhou.
Era um triste sujo
feito de doença
e de mortal desgosto
na pele enfarada.
Não era sujo preto
– o preto tão puro
numa coisa branca.
Era sujo pardo,
pardo, tardo, cardo.
Inútil, reter
a ignóbil mão suja
posta sobre a mesa.
Depressa, cortá-la,
fazê-la em pedaços
e jogá-la ao mar!
Com o tempo, a esperança
e seus maquinismos,
outra mão virá
pura – transparente –
colar-se a meu braço.
Mão suja (Carlos Drummond)
vii
SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS.................................................................................................ix
LISTA DE ILUSTRAÇÕES...........................................................................................x
LISTA DE SIGLAS......................................................................................................xi
RESUMO....................................................................................................................xii
ABSTRACT................................................................................................................xiii
INTRODUÇÃO.............................................................................................................1
1 HIGIENE E ESCOLARIZAÇÃO NO DISCURSO MÉDICO....................................16
1.1 A CIRCULAÇÃO DAS IDÉIAS MÉDICAS SOBRE A EDUCAÇÃO NO BRASIL.19
1.2 ESCOLARIZAÇÃO E HIGIENE: TRAÇOS DAS IDÉIAS NO CONTEXTO
PARANAENSE...........................................................................................................44
2 AS PRESCRIÇÕES SOBRE HIGIENE DO ESCOLAR..........................................59
2.1 PRECEITOS HIGIÊNICOS NOS ESPAÇOS E TEMPOS ESCOLARES.............61
2.2 A HIGIENE COMO LUGAR DA EDUCAÇÃO DO CORPO..................................78
3 ESCOLA, CURRÍCULO, HIGIENE.........................................................................99
3.1 A HIGIENE COMO DISCIPLINA ESCOLAR?....................................................102
3.2 O SURGIMENTO DA HIGIENE COMO DISCIPLINA ESCOLAR EM
CURITIBA.................................................................................................................109
3.2.1 Os conteúdos da Higiene nos currículos dos grupos escolares curitibanos...112
3.2.2 Distribuição temporal da Higiene no currículo.................................................126
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................132
REFERÊNCIAS........................................................................................................134
viii
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 - CONGRESSOS DE EDUCAÇÃO E HIGIENE NA DÉCADA DE 1920
NO BRASIL...........................................................................................18
QUADRO 2 - PRESENÇA DAS TEMÁTICAS EDUCAÇÃO E HIGIENE NOS
CONGRESSOS DE HIGIENE E EDUCAÇÃO......................................21
QUADRO 3 - AS DIFERENTES DENOMINAÇÕES QUE A HIGIENE ESCOLAR
APRESENTA ENTRE 1909 E 1932....................................................105
QUADRO 4 - HORÁRIOS DESTINADOS ÀS DISCIPLINAS: LEITURA,
ARITMÉTICA, ESCRITA E HIGIENE – 1.º ANO................................128
QUADRO 5 - HORÁRIOS DESTINADOS ÀS DISCIPLINAS: LEITURA,
ARITMÉTICA, ESCRITA E HIGIENE – 2.º ANO................................128
QUADRO 6 - HORÁRIOS DESTINADOS ÀS DISCIPLINAS: LEITURA,
ARITMÉTICA, ESCRITA E HIGIENE – 3.º ANO................................129
QUADRO 7 - HORÁRIOS DESTINADOS ÀS DISCIPLINAS: LEITURA,
ARITMÉTICA, ESCRITA E HIGIENE – 4.º ANO................................129
ix
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 – BOLETIM DE INSPEÇÃO.....................................................................93
FIGURA 2 – FICHA ANTROPO-PEDAGÓGICA (FRENTE)......................................94
FIGURA 3 – FICHA ANTROPO-PEDAGÓGICA (VERSO)........................................95
FIGURA 4 – BOLETIM SANITÁRIO...........................................................................97
FIGURA 5 – AUTORIZAÇÃO PARA ASSISTÊNCIA DENTÁRIA..............................97
x
LISTA DE SIGLAS
ABE – Associação Brasileira de Educação
BPP – Biblioteca Pública do Paraná
CEB – Círculo de Estudos Bandeirantes
CEPN – Congresso de Ensino Primário e Normal
DEAP – Departamento Estadual do Arquivo Público do Paraná
DNSP – Departamento Nacional de Saúde Pública
IGE – Inspetoria Geral de Ensino
IME – Inspeção Médico-escolar
SBH – Sociedade Brasileira de Higiene
I CNE – Primeira Conferência Nacional de Educação
I CBH – Primeiro Congresso Brasileiro de Higiene
II CBH – Segundo Congresso Brasileiro de Higiene
III CBH – Terceiro Congresso Brasileiro de Higiene
V CBH – Quinto Congresso Brasileiro de Higiene
xi
RESUMO
O presente trabalho investigou historicamente a disciplina escolar Higiene nos
grupos escolares de Curitiba, no período entre 1917 e 1932, evidenciando as
relações entre escolarização e higiene, a concepção da disciplina, seus conteúdos e
as motivações de seus propositores para sua criação. Além disso, buscou-se
investigar o tempo destinado a essa disciplina entre as práticas escolares, bem
como a estrutura interna da Higiene e seus conteúdos específicos, partindo das
noções de cultura escolar e história das disciplinas escolares. O recorte temporal foi
definido pelo primeiro programa intitulado “Programma do Grupo Escolar Modelo e
similares”, no qual encontra-se a disciplina com a denominação “Hygiene”, no
Decreto 420 de 19 de Junho de 1917. A data delimitadora desse recorte é a
aprovação do Regimento Interno dos grupos escolares do Estado do Paraná, pelo
Decreto 1874 de 29 de Julho de 1932. Foram encontrados, nesse período, eventos
importantes nos quais a inserção dos preceitos higiênicos nas escolas aparece com
grande ênfase. São eles: Congresso de Ensino Primário e Normal (1926); I
Conferência Nacional de Educação (1927); I-V Congressos Brasileiros de Hygiene
(1923-1929). Para a investigação, foram utilizados os relatórios de Instrução Pública
e de Saúde Pública, os programas de ensino, os regulamentos de Instrução Pública,
as teses dos eventos citados anteriormente e parte das publicações da revista O
Ensino. Essas fontes foram reunidas por meio dos acervos do Círculo de Estudos
Bandeirantes (CEB), Departamento Estadual do Arquivo Público do Paraná (DEAP),
Divisão de Documentação Paranaense da Biblioteca Pública do Paraná (DDP-BPP),
Memorial Lysimaco Ferreira da Costa e a Biblioteca de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo (BSP-USP). Para cumprir os objetivos propostos,
estruturou-se o texto em três capítulos. O primeiro deles identifica os discursos sobre
a inserção dos saberes relacionados à Medicina no ambiente escolar, localizando a
circulação das idéias médicas sobre a educação no Brasil e o lugar delas no Estado
do Paraná. No segundo procurou-se discorrer sobre as preocupações referentes às
construções dos prédios escolares; a discussão dos tempos e espaços escolares
que assumiram papel relevante com o advento dos grupos escolares; e a higiene
como lugar da educação do corpo dos escolares. Por último, o terceiro capítulo
delimitou as relações entre escola, currículo e Higiene como uma disciplina
específica, buscando apresentar sua configuração e suas principais características.
No decorrer da pesquisa, foi possível observar as diferentes terminologias que a
higiene escolar apresentou tanto no período anterior a 1917, quanto como disciplina
escolar. Isso porque foram atribuídos múltiplos sentidos à higiene, principalmente
para a educação, encontrando uma variedade de confluências com outras idéias e
saberes e, por isso mesmo, apresentando diferentes formas e lugares. No período
estudado, ações como as reformas de ensino, as freqüentes discussões sobre a
salubridade dos espaços escolares e a higiene pessoal dos alunos, a ascensão do
movimento sanitarista e a profusão das idéias médicas a partir de outros meios,
como periódicos e eventos, proporcionaram alguns desdobramentos em relação à
higiene. A criação da disciplina escolar Higiene e do serviço de Inspeção Médico-
escolar foram, sem dúvida, parte importante desse movimento.
Palavras-chave: História da Educação; História da Escolarização; História das
Disciplinas Escolares; Grupos Escolares; Higiene.
xii
ABSTRACT
This work investigated, on a historical view, Hygiene as school discipline in Curitiba's
school groups between 1917 and 1932, showing up relations between schooling and
hygiene, this subject conception, its branches of knowledge, and its creation
promoters motivations. Furthermore, this work investigated time gave to this subject
among other school practices, as well as internal structure of Hygiene and its specific
branches of knowledge, beginning with notions of school culture and history of school
subjects. As beginning historical landmark it considered the first program in which
there is a subject denominated Hygiene, called “Model School Group and similar
ones Program ”, ruled by 420 decree of June 19
th
,1917. The ending landmark is the
approval of Internal Regiment of School Groups of Paraná State, ruled by 1874
decree from July 29
th
, 1932. During this period it identified major events that revealed
wide emphasis on school hygienic matter insertion. These events are: Grammar and
High School Congress (1926); First National Education Conference (1927); I-V
th
Hygiene Brazilian Congresses (1923-1929). This research focused Public Instruction
and Public Health reportes, Teaching Programs, Public Instruction regulations, thesis
of the mentioned events, and some issues from O ensino review. These sources
were collected from Círculo de Estudos Bandeirantes (CEB), Departamento Estadual
do Arquivo Públic
1
INTRODUÇÃO
A temática da higiene
1
é objeto de pesquisas desde 2003, quando houve a
necessidade de se definir um tema de estudo por conta da participação no projeto
“Levantamento e catalogação de fontes primárias e secundárias para o estudo
histórico da Educação Física Escolar e da instrução pública do Estado do Paraná
(1846-1939)”
2
, bem como na produção do pré-projeto para a monografia. Tendo em
vista as práticas profissionais realizadas no decorrer da graduação em Educação
Física e experiências em projetos e atividades acadêmicas, em particular àquelas
relacionadas à educação especial, surgiu o interesse em compreender como se
dava a educação daqueles que, no início do século XX, fugiam dos padrões de
normalidade, frequentemente denominados “incapazes” ou “anormais”. Em contato
com algumas fontes, foi possível perceber a existência de avaliações, principalmente
das condições físicas dos alunos, para a precisa confirmação de suas condições
para o aprendizado.
Esse objeto foi se transformando, por motivos vários, como fontes,
historiografia e conversas com o orientador, que mostrou algumas possibilidades de
se trabalhar com o tema. Caminhou-se, então, pela via da higiene como um saber
escolar, inserida nos grupos escolares curitibanos nas duas primeiras décadas do
século XX. Esse se caracterizou como o trabalho monográfico de conclusão do
curso de Licenciatura em Educação Física.
A higiene relacionada à educação aparecia de diferentes formas nos
discursos de médicos, educadores e demais profissionais que se relacionavam com
1
Esta palavra foi empregada de duas formas e com significados diferentes no presente trabalho: com
letra minúscula (higiene), tem sentido conotativo, significando um saber que envolvia os preceitos
defendidos por médicos, engenheiros e higienistas no que dizia respeito ao corpo, ao espaço da
cidade e ao tempo, compreendendo, portanto, ações direcionadas à aquisição de hábitos e
comportamentos condizentes com essas idéias; iniciando com letra maiúscula, o termo Higiene
refere-se à disciplina escolar.
2
Projeto encerrado em 2005, desenvolvido na UFPR, sob orientação do Professor Doutor Marcus
Aurelio Taborda de Oliveira. Em meados do mesmo ano, deu-se início ao projeto “Currículo e
Educação do Corpo: história do currículo da instrução pública primária no Paraná (1882-1926)”, sob
orientação do mesmo professor e contando também com a participação dos seguintes membros:
Rubens Meggetto Junior, licenciando em Educação Física pela UFPR; Lucia Chueire Lopes
(PIBIC/CNPq), graduanda do curso de Licenciatura em História – UFPR; Leandro de Oliveira
Belgrowicz e Valdirene Furtado (PIBIC/CNPq), graduados em Educação Física pela UFPR; Henrique
Witoslawski, mestrando em História pela UFPR; Sidmar dos Santos Meurer (CAPES) e Diogo
Rodrigues Puchta, mestrandos em Educação pela UFPR; Sérgio Roberto Chaves Júnior, mestre em
educação pela UFPR e professor da Faculdade Guairacá. Cabe destacar, porém, que as idéias e
interpretações aqui expressas são exclusivamente de minha responsabilidade.
2
as questões médico-educacionais. As preocupações e intervenções se ocupavam da
construção e instalações físicas dos estabelecimentos de ensino, da mobília escolar,
da organização e seleção dos métodos de ensino e material didático, da distribuição
do tempo escolar, da inspeção médico-escolar, das instruções de preservação da
saúde dos alunos e dos cuidados com o corpo. Mesmo apresentando essas
diferentes manifestações da higiene mediante revisão historiográfica, pode-se
perceber o “movimento” da higiene no campo educacional.
Com essa visão mais ampla das diferentes formas de inserção da higiene no
campo educacional e, mais precisamente, nos grupos escolares da capital do
Estado do Paraná, questionou-se qual seria a motivação para se criar uma disciplina
escolar específica para a transmissão dos preceitos higiênicos, uma vez que estes já
se faziam presentes na escola antes de sua formalização como disciplina escolar,
questionamento esse que caracterizou a questão principal desse trabalho.
Por essa razão, focalizou-se a investigação de alguns aspectos da disciplina
escolar Higiene, tentando perceber suas finalidades, conteúdos e objetivos
(CHERVEL, 1990). Esse foi o foco de investigação do presente trabalho: a disciplina
escolar Higiene nos grupos escolares curitibanos, no período entre 1917 e 1932.
Dessa forma, os objetivos traçados foram os seguintes:
Evidenciar as relações entre escolarização e higiene pelas quais
passava o ensino primário na capital do Estado do Paraná;
Compreender como a Higiene era concebida nos grupos escolares
curitibanos no período proposto;
Pesquisar as motivações possíveis para a criação da Higiene como
uma disciplina específica, uma vez que os preceitos de higiene já se
faziam presentes na escola antes da sua formalização como disciplina
escolar;
Investigar os conteúdos que compreendiam a disciplina Higiene.
Com os objetivos traçados, faz-se necessário justificar o recorte temporal
proposto. O marco inicial se justifica por conter o primeiro programa em que se
encontra a disciplina com a denominação Hygiene, por meio do Decreto 420 de 19
de Junho de 1917, intitulado “Programma do Grupo Escolar Modelo e similares”.
Nele, há a descrição dos conteúdos que deviam ser lecionados nos quatro anos do
3
curso primário. Por outro lado, a data delimitadora desse recorte foi a aprovação do
Regimento Interno dos grupos escolares do Estado do Paraná, pelo Decreto 1874
de 29 de Julho de 1932, que voltou a apresentar a disciplina Higiene com essa
denominação. Nesse período, ainda, esteve vigente o programa de ensino para os
grupos escolares de 1921, que apresentava a Higiene associada às Ciências Físicas
e Naturais. No entanto, no decorrer dessa dissertação, essa temporalidade sugerida
foi deixada de lado em alguns momentos para compreender melhor quais foram as
idéias inspiradoras e quais as ações antecedentes para a integração da Higiene no
currículo.
Entre as datas-limite da pesquisa, mais precisamente na década de 1920,
destacavam-se ainda eventos importantes nos quais a inserção dos preceitos
higiênicos nas escolas apareciam com grande ênfase. São eles: Primeiro Congresso
de Ensino Primário e Normal (1926); I Conferência Nacional de Educação (1927); I-V
Congressos Brasileiros de Hygiene (1923-1929). Os dois primeiros eventos foram
realizados em Curitiba, sendo o primeiro restrito ao Estado do Paraná, contando
com a presença dos detentores dos mais altos cargos do Estado, além dos diretores
dos grupos escolares e jardins de infância, professores da capital, de escolas
públicas e privadas, lentes das escolas nor
4
exacta, ensina a conservar a vida e a preservar, resguardar a saúde” (FIALHO,
1930, p. 56). Era nesse sentido que os diferentes intelectuais ali reunidos
propunham suas idéias, discutiam soluções para os problemas do país,
considerando-os primordiais para seu desenvolvimento. Foi dessa mesma forma que
Barbosa (1930) determinou aquele momento como a “era da Higiene”. Nas palavras
do autor da tese: “e a tal ponto as organizações sanitárias são um elemento de
progresso e de civilização da humanidade, que é por ellas também e em grande
parte que a esta phase da duração do mundo que ora vivemos podemos chamar a
era da Higiene, como já foi a era da fundação de Roma e outra a era christã”.
(BARBOSA, 1930, p. 55).
Entende-se, por conseguinte, que a higiene passou por um processo de
reconhecimento, com a instituição de congressos para tratar dela especificamente,
bem como a sua inserção na escola curitibana, enquanto disciplina escolar. Esse é
um dos frutos de um longo processo de discursos e debates em torno da
importância da higiene para a educação brasileira. Entretanto, é importante lembrar
que esses discursos são anteriores ao período abordado nesta dissertação.
O debate sobre a higiene para a educação teve inserção na sociedade pelo
campo médico já no século XIX, quando os médicos almejavam sua disseminação
para outras áreas de atuação, conforme Gondra (2000), ao se referir ao Município
da Corte:
A medicina deveria penetrar na sociedade, incorporando o meio urbano como alvo
de sua reflexão e de sua prática, e o de que deveria constituir como apoio
indispensável ao exercício de poder por parte do Estado (...) na expansão da
medicina, a escola não é esquecida nem a educação de um modo mais geral, pois,
para formar as novas gerações seria necessário uma intervenção não apenas no
espaço público da escola, mas, também no espaço privado da casa (GONDRA,
2000, p. 525).
A Medicina encontrou na escola um novo espaço para se ocupar dos corpos.
Para isso, utilizava-se dos argumentos científicos que recobriam:
um amplo espectro de questões vinculadas à escola, tais como o problema da
localização dos edifícios escolares, da necessidade de uma edificação própria e
apropriada para funcionar como escola, do ingresso dos alunos, do tempo e dos
saberes escolares, da alimentação, do sono, do banho, das roupas, dos recreios,
da ginástica, das percepções, da inteligência, da moral e, inclusive, das excreções
corporais. (GONDRA, 2000, p. 527).
5
Essas questões – como se pode perceber em algumas fontes e na
historiografia que se destina a estudar a escola no final do século XIX e início do
século XX – por muitas vezes, permaneceram e ganharam ênfase com a
Proclamação da República. Elas se afirmariam como medicina social, associando-se
com um projeto mais amplo de modernidade e progresso
3
.
Adentrando no século XX, a saúde passou então a ser vista como
indissociável da educação e essa união era vista como uma forma de se alcançar o
tão almejado progresso do país:
juntamente com ela [a educação] e, principalmente, por meio dela, surge a idéia de
saúde e de como ser saudável. Para alcançar este “ser” saudável seria necessário
recorrer à Higiene e, sobretudo, acentuar a sua importância na escola.
Higiene e educação juntas poderiam mudar a face do país, promover o seu
desenvolvimento, viabilizar o progresso. Higiene e educação passam a ser
remédios adequados para “curar” as doenças do povo e do país. Dessa união bem
conduzida nasceria um outro Brasil (SOARES, 2001, p. 89).
A intenção era de formar os alunos para uma vida civilizada
4
, procurando
condicionar toda a sociedade, a partir dos hábitos, asseio e ordem. A escola, então,
deveria ser um lugar higienizado, funcionando como exemplo a ser seguido. Por isso
a relevância dada às instalações físicas dos estabelecimentos escolares, ao
mobiliário, às condições de iluminação, ventilação, entre outras coisas. Tornava-se
também imprescindível a presença de um médico na escola para verificar se os
preceitos higiênicos estavam sendo aplicados corretamente.
3
É importante enfatizar que o sentido de “progresso” e “moderno” expresso neste trabalho vai ao
encontro do sentido empregado por Berman (1986, p. 32), que entende modernidade como um
conjunto de experiências (de tempo e de espaço, de si mesmo e dos outros, das possibilidades e
perigos da vida) compartilhadas por homens e mulheres em todo o mundo, implicando “amplas
conexões humanas”. Estas destacadas por Berman em outro momento: “O turbilhão da vida moderna
tem sido alimentado por muitas fontes: grandes descobertas nas ciências físicas, com a mudança da
nossa imagem do universo e do lugar que ocupamos nele; a industrialização da produção, que
transforma conhecimento científico em tecnologia, cria novos ambientes humanos e destrói os
antigos, acelera o próprio ritmo da vida, gera novas formas de poder corporativo e de luta de classes;
(...) No século XX, os processos sociais que dão vida a esse turbilhão, mantendo-o num perpétuo
estado de vir-a-ser, vêm a chamar-se ‘modernização’ ” (1986, p.16).
4
O comportamento dito civilizado teve origem nas grandes cortes européias, a partir do século XIX,
chegando em meados do mesmo século ao Brasil. Uma das formas de propagação no país foi por
meio de manuais de civilização também em meados do oitocentos, como aponta Schwarcz (1997).
No presente trabalho ganham destaque as práticas de conformação de gestos e costumes
intensificados com a Proclamação da República, através da qual se almejava mudanças nos hábitos
cotidianos da população, principalmente no que tange a higiene e a moral, como por exemplo, o uso
de lenços, a maior freqüência de banhos semanais, a troca freqüente de roupas, como se portar em
lugares públicos e comportamentos à mesa, com o uso adequado dos talheres e o uso de
guardanapos e palitos. A maior parte das vezes, essas determinações aparecem na forma de regras
de higiene enquanto “marcas da civilidade” (SCHWARCZ, 1997, p. 14).
6
Assim, o corpo ganhava acentuada importância por parte dos médicos e
educadores, instituindo de várias formas um “novo corpo”, concernente com a
educação que se propagava. Essas formas foram citadas por Faria Filho (2000):
festas, comemorações, aulas de urbanidade, espetáculos, celebrações, cerimônias
escolares, além da inspeção de higiene diária para afirmação de uma memória e a
utilização delas para a imposição de novos valores, normas ou hábitos às crianças.
No Paraná, a expansão urbana nos anos iniciais do século XX era visível,
contemplando desde a arquitetura, as edificações, as pavimentações, a arborização,
a iluminação pública, como também as fábricas, a guarda civil e os espaços
públicos, realizando, então, uma higienização do espaço urbano, principalmente,
curitibano (TRINDADE, 1996). Houve também a reorganização administrativa do
Estado, o que resultou na ampliação dos serviços públicos, o que incluía a higiene, a
saúde, a polícia urbana e a instrução.
Houve um esforço acentuado em relação à higiene durante as primeiras
décadas do novecentos, tanto no âmbito urbano, quanto no educacional.
Engenheiros, médicos e educadores se uniram em prol da efetiva reestruturação da
cidade e da escola, na tentativa de adequá-las às leis da ciência.
Muitos esforços foram despendidos nesse sentido, como a fiscalização do
ensino, ou seja, o acompanhamento das atividades escolares – das condições de
funcionamento dos estabelecimentos de ensino e o cumprimento dos regulamentos
e códigos de ensino – que se pautava na ação dos inspetores escolares, sendo que
apenas em 1921 foi criado no Estado do Paraná o serviço de “Inspecção Médico-
escolar”, pela Lei 2065, de 21 de março do mesmo ano. Esse acontecimento trouxe
grandes ganhos para a Instrução Pública, com o acompanhamento e a melhora das
condições higiênicas dos alunos, tratando os que necessitavam e instruindo quanto
às noções de higiene a todos, como indicam as evidências empíricas, tais como
periódicos e relatórios de Instrução Pública. A inspeção ganhou respaldo e
consistência com a lei. Essa organização fez com que todos os grupos escolares
fossem inspecionados, abrangendo um número maior de crianças, independente de
sua condição social.
Ao analisar o caminho trilhado pela higiene no âmbito educacional, no que
dizia respeito às preocupações materiais da escola e aos cuidados das crianças,
percebe-se que os inúmeros discursos e reclames quanto às condições precárias
7
dos prédios escolares e à falta de asseio dos alunos, causava, cada vez mais,
desconforto dos inspetores escolares, professores e médicos inspetores. Com isso,
a necessidade da higiene na escola era cada vez mais acentuada e entendida como
primordial para o funcionamento das escolas. Isso acabou por efetivar sua inclusão
no quadro das disciplinas escolares lecionadas nos grupos escolares paranaenses.
Isso se deu no ano de 1917, quando aconteceu a regulamentação do programa para
o Grupo Escolar Modelo e similares.
Antes disso, a higiene aparecia, geralmente, associada a um grupo de
saberes ou inserida na Educação Physica. Apareceu na Escola Normal já no início
do século XX, associada à História Natural e elementos de agronomia. Já no ensino
primário, no regulamento de 1909, que foi suspenso no ano seguinte, foi encontrada
da seguinte forma: “noções elementares de physica, chimica e história natural,
sufficiente para suas applicações aos principaes rudimentos da hygiene e da
agronomia”. No Código de Ensino de 1915, a higiene apareceu associada a duas
matérias: “noções fundamentaes e praticas das Constituições da Republica e do
Estado, de Economia Privada e Política, de Agronomia, de Hygiene e de Musica” e
ligada ao conteúdo da educação moral (“propaganda contra o álcool, o jogo e o
fumo, e contra actos de crueldade para com as arvores e os animaes”) (SANTOS,
1915, p. 17). Em outros momentos a disciplina Educação Física foi apresentada
como Educação Physica sob o ponto de vista hygienico
5
.
Alguns pesquisadores da História da Educação já investiram seus esforços
na Higiene como disciplina escolar, mesmo que de forma parcial, pois não
compreendiam sua temática principal. Além disso, a investigação se deu no plano
das escolas de medicina, como é o caso de José Gonçalves Gondra (2004),
Fernanda Paiva (2003) e Clarice Nunes (1996). Ainda como referência de estudos
sobre a Higiene, teve-se o trabalho de Pedro Manuel Alonso Marañón (1987), o qual
estudou a higiene como matéria de ensino oficial da Espanha, ao longo do século
XIX.
5
Percebendo todo esse emaranhado que a temática envolve, acredita-se que aqui se abrem outras
possibilidades de pesquisas, já que o período anterior ao recorte histórico do presente trabalho pode
ser considerado de fundamental importância para o entendimento do processo de instituição da
higiene como disciplina escolar. Essas futuras pesquisas podem, inclusive, lançar outros olhares e
interpretações sobre este estudo.
8
Por isso, é possível afirmar que o presente estudo pode trazer contribuições
para a historiografia da educação, principalmente do Estado do Paraná. Estudar
fragmentos de uma disciplina escolar não antes estudada no âmbito do ensino
primário, com forma, tempo e conteúdos específicos, justifica a pertinência deste,
além de contribuir com o incremento da pesquisa histórica e o preenchimento de
uma lacuna sobre a história da educação paranaense, principalmente no que tange
à história do currículo.
Para atingir os objetivos propostos no presente trabalho, passou-se a
freqüentar os acervos do Círculo de Estudos Bandeirantes (CEB), do Departamento
Estadual do Arquivo Público do Paraná (DEAP), da Biblioteca Pública do Paraná
(BPP), principalmente a Divisão de Documentação Paranaense e do Memorial
Lysimaco Ferreira da Costa. Foi feita, ainda, uma visita à Biblioteca de Saúde
Pública da Universidade de São Paulo, que mantém o acervo do antigo Instituto de
Higiene, que se localizava no mesmo prédio. Inicialmente, procuraram-se indícios
sobre a higiene – em suas diferentes formas de manifestação – na Instrução Pública
primária do Estado do Paraná desde o início dos grupos escolares em 1903. Com os
documentos à mão, foi possível ir refinando melhor o período e o objeto da
pesquisa.
Assim foi sendo montando um “arsenal” de fontes, contendo leis, decretos,
regulamentos, regimentos, programas de ensino, relatórios de Instrução Pública e
Saúde Pública da Secretaria dos Negócios do Interior, Justiça e Instrução Pública do
Paraná, anais de congressos e recortes de revistas, sempre atentando-se às
considerações de Taborda de Oliveira (2003, p. 30):
Identificado o universo documental, é preciso lembrar sempre que o documento não
fala por si; ele precisa da voz do historiador – e múltiplas vozes são possíveis! O
documento não representa a [grifo do autor] imagem de uma sociedade em
determinada época; mais que isso, representa o esforço de uma determinada
configuração social de impor sua imagem ao futuro. Esse esforço não é despendido
sem conflitos, uma vez que diferentes grupos lutam para preservar diferentes
imagens. O documento tem vida; sua edificação pode e deve ser desmontada pelo
historiador no sentido de apreender suas múltiplas linguagens, determinações e
possibilidades; sobretudo, no sentido de resgatar as configurações de poder sub-
reptícias no seu interior. A atitude do historiador diante de seu corpus documental
nunca é neutra. O historiador encontra-se historicamente e ideologicamente
situado. Resultado não acabado das mais diversas orientações e influências o
historiador encontra-se, no processo de investigação, diante de um processo mais
amplo que é a sua própria formação pessoal e intelectual.
9
Pelas palavras de Taborda de Oliveira, pode-se perceber a posição de
destaque que o historiador exerce frente às fontes. Nesse sentido, a construção do
conhecimento histórico é articulada pelo historiador, por meio de pesquisa e análise
das fontes e, sobretudo, o sentido que ele dá a elas, mediante seus
questionamentos. As perguntas propostas pelo historiador às fontes devem ser
adequadas ao contexto do objeto estudado.
Thompson (1981) ressalta que apenas algumas das perguntas feitas às
fontes podem ser respondidas por meio das evidências. É importante o
conhecimento do contexto da época em que se estuda, sendo estes dois – a
inquirição das fontes e o estudo do contexto em que a fonte foi produzida – de
fundamental importância para o fazer histórico. Portanto, o diálogo entre as fontes e
as pesquisas históricas já realizadas sobre escolarização, idéias médicas/higiene e
disciplinas escolares puderam ajudar a estabelecer os caminhos percorridos pela
Higiene nos grupos escolares da capital do Paraná. Thompson (1981,
p. 49) ajuda a
entender essa dinâmica pelo que denomina lógica histórica:
por “lógica histórica” entendo um método lógico de investigação adequado a
materiais históricos, destinado, na medida do possível, a testar hipóteses quanto à
estrutura, causação etc., e a eliminar procedimentos autoconfirmadores
(“instâncias”, “ilustrações”). O discurso histórico disciplinado da prova consiste num
diálogo entre conceito e evidência, um diálogo conduzido por hipóteses sucessivas,
de um lado, e a pesquisa empírica do outro. O interrogador é a lógica histórica; o
conteúdo da interrogação é uma hipótese (por exemplo, quanto à maneira pela qual
os diferentes fenômenos agiram uns sobre os outros); o interrogado é a evidência,
com suas propriedades determinadas.
Para construir o presente trabalho, foram pesquisados leis, decretos e
regulamentos concernentes à Instrução Pública primária, que dissessem respeito à
presença da higiene no ambiente escolar. Além desses documentos, os programas
de ensino e regimentos tornaram-se documentos fundamentais para essa história,
assim como os relatórios de Instrução Pública e de Saúde Pública da Secretaria dos
Negócios do Interior, Justiça e Instrução Pública do Estado do Paraná.
Esses documentos – principalmente os relatórios
6
– faziam parte de uma
estratégia da gestão do Estado como uma determinação legal, ou seja, não
representavam a expressão absoluta de uma vontade única, pois, no caso dos
6
A importância do estudo dos relatórios como objeto de estudo é reconhecida, no entanto, o presente
trabalho procurou deter-se no estudo dos relatórios, bem como no estudo do periódico O Ensino,
apresentado logo em seguida, apenas como fontes.
10
professores, completavam seus relatórios por uma exigência legal, mas é importante
o entendimento de que esses materiais “ainda assim permitem que reconheçamos
que nada é mais equivocado do que supor que aqueles homens e mulheres
simplesmente corroboravam o existente, fosse no plano das proclamações oficiais,
fosse no plano das preocupações com os limites e as possibilidades das suas ações
cotidianas como professores” (TABORDA DE OLIVEIRA; MEURER, 2006, s.p.).
No caso dos inspetores, cumpriam a tarefa de relatar a situação das escolas,
apresentando o senso da população escolar e das condições que enfrentavam as
instituições de ensino. No mesmo sentido do que foi mencionado anteriormente,
ainda que tenha um estatuto diferente, também não se pode entender que, por
causa das suas funções, eles ocultassem os problemas vistos nas escolas, embora
seja diferente, pois eles tinham uma ligação mais próxima do Estado, ou pelo menos
se entendia assim, como um representante deste. E ainda, entre estes – professores
e inspetores – pode-se problematizar as tensões, conflitos e discordâncias nas
informações, tendo em vista a particularidade de cada relatório. Portanto, é
importante
ressaltar ainda a potencialidade informativa dessas fontes no que diz respeito à
percepção dos conflitos, problemas e apropriações que ocorrem nas instituições
educativas. Nas entrelinhas das representações registradas pelos inspetores,
professores e diretores é possível perceber a realidade conflitual do ensino,
especialmente a perpetuação de práticas instituídas e o não-conformismo aos
modelos impostos (SOUZA, 2000, p. 13).
Parte das teses dos eventos mencionados anteriormente, principalmente
aquelas que tratam da higiene escolar, também mereceram lugar entre as fontes
analisadas, percebendo-as como lugar da circulação das idéias médicas sobre
educação e higiene.
Parte do que foi publicado na revista O Ensino, editada por um período muito
curto, entre os anos 1922 e 1924, pela Inspetoria Geral de Ensino do Estado do
Paraná – órgão responsável pela Instrução Pública paranaense –, foi investigada
para o presente trabalho. Constando de três números anuais, teve-se contato com
sete dos prováveis nove números da revista, localizados na Biblioteca Pública do
Paraná e no Memorial Lysimaco Ferreira da Costa, correspondendo ao período de
janeiro, abril e setembro de 1922, abril e outubro de 1923 e agosto e setembro de
1924, todos em precária conservação.
11
Nesse período, a revista foi distribuída gratuitamente para todos os
professores públicos (MORENO, 2003). Essa revista pedagógica desempenharia,
segundo Souza (2004, p. 57), “junto aos docentes o papel de irradiador da política,
das idéias e ações do governo do estado. Seria um ‘afluente’ estratégico das águas
político-pedagógicas que o estado almejava ‘desaguar’ junto às escolas e aos
mestres, posição assumida pelo Inspetor Geral”.
Circulando num período de fortes discussões em torno da higiene e
coincidindo com a criação da Inspeção Médico-escolar, o periódico trouxe grandes
contribuições para o trabalho, fornecendo artigos dos médicos Mario Gomes e
Fontenel
12
Estado, Victor Ferreira do Amaral, ao retornar de sua viagem ao Estado de São
Paulo no ano de 1902, comandou o início da construção e da conseqüente
inauguração do primeiro grupo escolar paranaense, o que aconteceu no dia 19 de
dezembro de 1903, denominado Grupo Escolar Dr. Xavier da Silva. Logo em
seguida foram providenciadas as construções de outros grupos escolares em
Curitiba e redondezas. Entretanto, destaca-se a permanência das escolas isoladas,
bem como a existência das escolas agrupadas e semigrupos na capital
paranaense
7
.
O grupo escolar representou um novo modelo escolar, caracterizado pela
seriação
8
, com divisão de alunos por classes devido à idade e conhecimentos que
se pretendiam homogêneos (VIÑAO, 1990). Segundo Faria Filho (2000), o grupo
constituiu uma completa organização do ensino, que pretendia abarcar desde suas
metodologias e conteúdos, como também a formação docente, os espaços e tempos
do ensino e a relação com as crianças, famílias e a cidade. Para o autor, os grupos
escolares significaram “uma estratégia de atuação no campo do educativo escolar,
moldando práticas, legitimando competências, propondo metodologias, enfim,
impondo outra prática pedagógica e social dos profissionais do ensino através da
produção e divulgação de novas representações escolares” (FARIA FILHO, 2000, p.
37).
Outra característica marcante do novo modelo escolar era o seu
funcionamento em uma única instituição, num mesmo tempo e lugar. Essa nova
organização se baseava nas teorias higienistas difundidas por médicos há algum
tempo, mas que ganharam ênfase no mesmo período de implantação dos grupos
escolares. Os médicos defendiam que fossem respeitados os preceitos de higiene
na construção e manutenção dos edifícios escolares “desde as instalações físicas,
mobiliário, organização e seleção de métodos de ensino e material pedagógico até a
preservação da saúde do aluno e da comunidade escolar” (SILVA, 2001, p. 30-31).
7
Antes do surgimento dos grupos escolares, a educação era organizada por meio de escolas
isoladas, as quais continuaram por mais algum tempo funcionando paralelamente aos grupos
escolares e contemplando um número expressivo de alunos. Outra forma escolar que representou
uma espécie de instituição transitória entre o processo de substituição de um modelo pelo outro, foi
denominada escola reunida ou agrupada (PINHEIRO, 2002). Há ainda a denominação de semigrupo
para algumas casas escolares, caso aplicado apenas ao Estado do Paraná (SOUZA, 2004).
8
Mesmo tendo em vista que uma das características mais marcantes da existência dos grupos
escolares é a seriação do ensino, esta só foi instituída no Paraná pela legislação de 1912 e aplicada
a partir de 1914.
13
As questões sobre o tempo destinado a cada disciplina e a necessidade de
intervalos entre atividades intelectuais para o descanso da mente também eram
debatidos pelos profissionais da saúde. Essa inserção do ideário médico na
reformulação da educação, envolvendo a higienização das escolas e dos corpos das
crianças, advém do fato de:
no campo da saúde, firma-se, nos anos 20, a convicção de que medidas de política
sanitária seriam ineficazes se não abrangessem a introjeção, nos sujeitos sociais,
de hábitos higiênicos, por meio da educação. No movimento educacional da mesma
década, a saúde é um dos pilares da grande campanha de regeneração nacional
pela educação (CARVALHO, 1997, p. 283).
Percebendo essa união entre educação e higiene como fatores
indissociáveis, pretendeu-se entender como esse discurso se inseriu nos grupos
escolares curitibanos, no formato de uma disciplina escolar específica: a Higiene.
Bittencourt (2003, p. 29), ao fazer um balanço do campo da história das
disciplinas escolares no Brasil, aponta para a relevância de também “identificar as
disciplinas que já praticamente desapareceram do currículo, mas que outrora eram
extremamente significativas na configuração curricular”. A Higiene pode ser
considerada dessa forma, representando uma das disciplinas que fizeram parte da
grade curricular por um período, mas que se extinguiram em seguida, pelo menos
formalmente
9
, não retornando ao programa de ensino dessas escolas.
Com isso pode-se também inserir uma questão que vem incomodando há
algum tempo, que, de certa forma, justifica o interesse por esse estudo. De que
campo a higiene surgiu? Esse questionamento surgiu ao se pensar que os
conteúdos do seu programa se manifestavam como atividades do dia-a-dia, hábitos
relacionados a vestuário, alimentação, sono, banho, exercícios, conhecimentos
referentes às casas e às ruas, entre outros. Dessa primeira pergunta decorreu outra:
como esses saberes sociais se conformaram como higiene e tornarene
14
conteúdo que integra o seu programa, suas finalidades ao ser criada e difundida e
suas singularidades dentre as demais disciplinas bem como suas semelhanças com
as disciplinas que a rodeiam.
Quando se fala de estudo histórico de uma disciplina escolar específica ou
do currículo como um todo, deve-se atentar para o fato de que as fontes para a
história do currículo compreendem, segundo Goodson, aspectos internos e externos
à escola. Goodson (1995a, p. 71) complementa esse pensamento ao analisar todos
os aspectos que envolvem uma disciplina escolar.
La disciplina escolar constituye un microcosmos en el que se puede examinar y
analizar la historia de las fuerzas sociales que apuntalan las pautas del currículum y
de la enseñanza. Como hemos visto, ese examen plantea a menudo grandes
interrogantes sobre los propósitos sociales y políticos de la enseñanza. Por detrás
de la retórica de la “educación de masas” y de la “escolarización común”, se detecta
la actuación de propósitos sociales y políticos más específicos y diferenciados. Para
captar esta complejidad y las implicaciones políticas asociadas con ella, tenemos
que abrir la caja negra del currículum escolar.
10
Ganha destaque, portanto, o entendimento que, além de se compreender os
aspectos que envolviam a disciplina escolar, é relevante compreender os aspectos
que envolviam o currículo como um todo, o que contribui para entender as
demandas sociais e o processo de estruturação da escolarização. Para isso, o
currículo escrito se torna um documento imprescindível para a análise do processo
de escolarização, bem como do processo de sua construção social, conseqüência
das necessidades da sociedade e das aspirações políticas dos intelectuais para a
escola. Essas questões dão elementos para entender as práticas dentro da sala de
aula
11
, a formação docente, a articulação entre essa formação e a recepção dos
alunos em suas aulas, embora não tenha sido essa a intenção do presente trabalho.
O presente trabalho foi estruturado em três capítulos. No primeiro capítulo,
intitulado Higiene e escolarização no discurso médico, procurou-se localizar a
circulação das idéias médicas sobre a educação no Brasil, por meio dos congressos
10
A disciplina escolar constitui um microcosmos em que se pode examinar e analisar a história das
forças sociais que apontam as pautas do currículo e do ensino. Como vimos, esse exame propõe
com freqüência grandes interrogações sobre os propósitos sociais e políticos do ensino. Por trás da
retórica da “educação de massas” e da “escolarização comum”, detecta-se a atuação de propósitos
sociais e políticos mais específicos e diferenciados. Para captar esta complexidade e as implicações
políticas associadas com ela, temos que abrir a caixa preta do currículo escolar. Tradução livre.
11
Reconhece-se a importância de se estudar o método na prática da disciplina escolar Higiene,
porém, escapa esse estudo devido à ausência de fontes correspondentes a essa temática nos
acervos pesquisados.
15
de educação e higiene de âmbito nacional, todos realizados na década de 1920.
Procurou-se também identificar o lugar dessas idéias no Estado do Paraná,
inicialmente caracterizando o contexto histórico da capital do Estado para qual as
proposições eram direcionadas e, em seguida as principais idéias, tendo destaque o
Congresso de Ensino Primário e Normal, ocorrido em 1926, e o periódico O Ensino,
ambos compreendidos como importantes meios de veiculação das idéias de
educação e higiene para as escolas paranaenses.
No segundo capítulo, As prescrições sobre higiene do escolar, procurou-se
estabelecer relações entre os preceitos higiênicos defendidos para a construção dos
prédios escolares com vistas às questões espacial e temporal como integrante do
currículo (VIÑAO; ESCOLANO, 2001). Ainda nesse capítulo, buscou-se
compreender a higiene como lugar da educação do corpo, cabendo, portanto, um
lugar de destaque para a Inspeção Médico-escolar.
Em Escola, Currículo, Higiene, terceiro capítulo, focalizou-se a disciplina
escolar em si. Analisaram-se, inicialmente, os elementos obtidos nas pesquisas para
a afirmação da higiene como uma disciplina escolar, tendo em vista as diferentes
conformações que ela apresentou no currículo escolar. Posteriormente, discorreu-se
sobre o seu surgimento, com programas específicos, tentando identificar seus
conteúdos e qual o espaço que ela ocupava na distribuição temporal das atividades
escolares.
16
1 HIGIENE E ESCOLARIZAÇÃO NO DISCURSO MÉDICO
a) Asseio do corpo e do vestuario, são condições
essenciaes para conservar a saude.
b) Banhos diarios no verão, cada dois dias no inverno,
tonificam o corpo.
c) Cabellos curtos nos meninos, aparados nas meninas,
concorrem para a hygiene da cabeça.
d) Dentes limpos diariamente pela escovagem e
conservados pelo tratamento, constitui dever.
e) Escabiose ou sarna é molestia contagiosa, que produz
comichão e feridas; trata-se com pomada de Helmerick e
banhos diarios.
f) Fato modesto não desdoira ninguem, mas sujo ou
rasgado denota relaxamento condemnavel.
g) Graves molestias podem resultar de falta de asseio e da
pratica de medidas hygienicas.
h) Habitua-vos a deitar e levantar cedo, comer e trabalhar a
horas certas.
i) Irritações e molestias da pelle são produzidas quasi
sempre por falta de asseio.
j) Jogos e exercicios racionaes, praticados com
moderação, estimulam as funcções organicas, beneficiando
a saude.
l) Lede sempre com boa luz, vinda do lado esquerdo e
detraz, á distancia de 20 a 30 centimetros.
m) Moléstias não faltam no meio escolar como em todas as
aglomerações: é preciso evital-as.
n) Não andeis descalços, pois o calçado protege os pés
contra os ferimentos e as infecções.
o) Olhos e ouvidos são orgãos preciosos, que merecem
especial cuidado e tratamento, quando doentes.
p) Pediculose (molestia dos piolhos) evita-se com asseio e
cabellos curtt
17
das falas de diferentes intelectuais, fossem médicos, educadores, sanitaristas,
higienistas, engenheiros, religiosos, que centravam esforços em difundir as idéias
médicas para o interior das escolas.
Na primeira metade do século XX, a inserção das idéias de higiene nas
escolas ganhava destaque, ampliando as preocupações das construções dos
prédios, dos pátios, da conformidade do espaço interno das salas de aula –
respondendo às regras de iluminação, circulação de ar, mobiliário, disposição do
mobiliário – para a educação do aluno condizente com os preceitos da higiene.
Entretanto, de onde vinham esses preceitos higiênicos? Quem os pregava?
De que formas eles eram apresentados para os agentes responsáveis pela
divulgação das noções de higiene no interior das escolas? Quem eram os
responsáveis pela veiculação dessas noções? Quais eram os conhecimentos
estabelecidos para o uso nas escolas? Quais eram os lugares para a circulação
dessas idéias?
Neste capítulo procurou-se investigar tais questões, tentando perceber as
diferentes estratégias acionadas para legitimar um discurso médico que tinha na
escola um dos seus principais focos de análise e intervenção. Para isso, procurou-se
a circulação das idéias médicas no contexto nacional. Essa intenção surtiu efeito
com a criação da Sociedade Brasileira de Higiene (SBH)
12
, no início da década de
1920, que, entre outras ações, organizou congressos reunindo profissionais
interessados na saúde pública.
No mesmo momento era criada a Associação Brasileira de Educação
(ABE)
13
, reunindo intelectuais preocupados com o futuro da educação no país, união
essa que resultou nas conferências nacionais de educação. Pelo fato de os anais
dos eventos da ABE encontrarem-se espalhados por todo o Brasil, optou-se por
12
A Sociedade Brasileira de Higiene, cujos objetivos “não se restringiam a congregar os profissionais
da área em torno de discussões das questões de higiene e saúde pública”, tinha como principal
intenção “possibilitar uma intervenção política, tendo em vista ampliar o controle sobre a sociedade”
(ROCHA, 2003b, p. 232).
13
A Associação Brasileira de Educação foi fundada em 1924, no Rio de Janeiro, resultado da
aproximação de alguns intelectuais – professores, médicos, advogados e engenheiros – unidos para
discutir os problemas educacionais brasileiros (BONA JUNIOR, 2005, p. 3). Sobre a ABE foi
produzido o trabalho de Marta Carvalho (1998) – livro fruto de seu doutoramento. Marta Carvalho teve
como objetivo em sua obra analisar o processo de organização e formação da Associação Brasileira
de Educação, atentando para a proposta comum dos intelectuais participantes. Neste sentido,
explicitou as ações nacionais e locais do movimento. Uma das ações principais para a veiculação das
idéias do projeto da ABE foram, sem dúvida, as conferências de educação.
18
trabalhar apenas com a I Conferencia Nacional de Educação (I CNE)
14
, sediada no
território paranaense, em 1927.
No ano anterior à I CNE, era promovido o Congresso de Ensino Primário e
Normal – em Curitiba, mas restrito ao Estado do Paraná –, organizado pela própria
Inspetoria Geral de Ensino, tendo como seu representante e organizador do evento,
o professor Lysimaco Ferreira da Costa
15
.
Portanto, no presente trabalho, fez-se opção de destacar os eventos
ocorridos especificamente na década de 1920 no Brasil (quadro 1), contando com a
participação de representantes paranaenses.
QUADRO 1 - CONGRESSOS DE EDUCAÇÃO E HIGIENE NA DÉCADA DE 1920
NO BRASIL
Congresso Cidade-sede ano
I Congresso Brasileiro de Higiene Rio de Janeiro - RJ 1923
II Congresso Brasileiro de Higiene Belo Horizonte - MG 1924
III Congresso Brasileiro de Higiene São Paulo - SP 1926
I Congresso de Ensino Primário e Normal Curitiba – PR 1926
IV Congresso Brasileiro de Higiene Salvador – BA 1927
I Conferencia Nacional de Educação Curitiba – PR 1927
V Congresso Brasileiro de Higiene Recife – PE 1929
Embora esteja no horizonte deste trabalho as relações entre a higiene e a
escolarização, impossível dissociar, nos eventos, a idéia mais ampliada de
14
Percebeu-se que a busca pelos anais das conferências da ABE se tratava de uma tarefa, não
impossível, mas que dependeria de um tempo inviável para o “fechamento” desta dissertação. No
entanto, reconhece-se a importância desse material para a investigação da circulação das idéias
médicas nos congressos de educação.
15
Lysimaco Ferreira da Costa, nascido em 1883, em Curitiba, matriculou-se em 1896 no Ginásio
Paranaense e concluiu a Escola Preparatória de Tática do Rio Pardo em 1903. Em 1906, tornou-se
lente catedrático das cadeiras de Física e Química e, no mesmo ano, casou-se com Esther, com
quem teve 11 filhos. Após o falecimento de sua esposa, casou-se com Maria Ângela, sua cunhada,
em 1920. Desde 1907 publicava uma série de artigos sobre o ensino da Geometria e, em 1912,
matriculou-se na primeira turma do curso de Engenharia na Universidade do Paraná. Enquanto ainda
cursava a faculdade, tornou-se lente catedrático de Mineralogia e Geologia Agrícolas no Curso de
agronomia anexo à Faculdade de Engenharia da Universidade do Paraná, a partir de 1915. No ano
seguinte, foi nomeado para reger as cadeiras de Química Analítica e Química Agrícola e em 1917
substituiu o professor de Aritmética e Álgebra no Ginásio Paranaense. Em 1918, criou e dirigiu a
Escola Superior Agronômica do Paraná. Em 1920, foi diretor e lente de Pedagogia da Escola Normal.
Anos depois organizou o plano de reforma da Escola Normal do Paraná. Em 1924, foi membro
fundador da ABE e, no ano seguinte, deixava a Diretoria da Escola Normal para assumir a Inspetoria
Geral de Ensino. Em 1928, assumiu a Secretaria da Fazenda do Paraná. Faleceu em 1941 (COSTA,
1995).
19
educação, que poderia ser aplicada na escola ou não, pois previa outros espaços
para sua difusão e aplicação.
Outro irradiador das idéias sobre a higiene para a educação no Estado do
Paraná foi a revista O Ensino, organizada e editada pela mais alta instituição de
Instrução Pública do Estado – a Inspetoria Geral de Ensino (IGE). Dessa forma,
aproximou-se dos diferentes espaços de ação dos agentes ligados à educação e
higiene, tentando perceber suas intervenções e as influências sofridas que
contribuíram com a integração da higiene no currículo escolar em finais da década
de 1910 e seu desenvolvimento e modificações na sua conformação como saber
curricular nos períodos posteriores.
1.1 A CIRCULAÇÃO DAS IDÉIAS MÉDICAS SOBRE A EDUCAÇÃO NO BRASIL
Um conjunto de encontros, conferências e congressos referentes à
educação e à higiene ganhava força no cenário da intelectualidade brasileira na
década de 1920 no Brasil. Eram lugares de falas, reflexões e a conseqüente
construção de projetos e propostas para a educação brasileira no que se referia à
higiene. Muitos dos projetos pedagógicos que acompanhavam os defensores da
aplicação dos preceitos higiênicos para a construção dos prédios escolares – suas
instalações, sua localização – e as lições de “como ser saudável” eram frutos dos
debates realizados no âmbito dos eventos de higiene e educação no Brasil.
É preciso ter claro que a circulação das idéias veiculadas nos eventos da
década de 1920 fazia parte de um círculo restrito de especialistas, como no caso
dos congressos de higiene, que contavam apenas com a participação de delegados
representando cada um dos estados brasileiros, ou nos congressos e conferências
da área educacional, contando com a participação de um número ampliado de
lentes, professores e diretores de escolas públicas e particulares, alunos das
escolas normais e inspetores gerais do ensino.
No entanto, essas reuniões de especialistas tinham como intenção formular
teses e postulados para a posterior divulgação, como resultados dos congressos. No
caso das discussões entre a classe médica, os conteúdos seriam
20
difundidos e apropriados no âmbito da corporação médica, os preceitos médico-
higiênicos não deveriam ficar circunscritos a esse espaço. Tratava-se, nesse lugar,
de uma formatação mínima, de modo que se assegurasse procedimentos mais ou
menos homogêneos por parte da corporação, com vistas a fazer valer a perspectiva
uniformizadora desse saber. Esse é, portanto, um aspecto da estratégia formulada
pela ordem médica (GONDRA, 2003, p. 34).
Embora a I Conferência Nacional de Educação (I CNE), sediada em Curitiba,
em dezembro de 1927, tendo como organizador, Lysimaco Ferreira da Costa e
iniciativa da ABE, tivesse a intenção de abranger os interessados pela educação de
todo o país, pouca foi a participação de intelectuais de fora do Estado do Paraná em
relação aos participantes da casa. De acordo com Bona Junior (2005),
aproximadamente 95 por cento dos participantes da conferência foram paranaenses.
Mesmo assim, contou com a presença de delegados dos seguintes estados:
Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia, Espírito
Santo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do
Sul, Goiás, Mato Grosso, Pernambuco e Alagoas.
Nesse evento, a organização das apresentações das teses fazia-se na forma
de comissões, sendo elas: Ensino Primário – 1.ª Comissão; Ensino Primário – 2.ª
Comissão; Ensino Secundário; Teses Gerais – 1.ª Comissão; Teses Gerais – 2.ª
Comissão; Teses Gerais – 3.ª Comissão; Educação Higiênica; e Ensino Superior.
Com o mapeamento dessas comissões na I CNE, pode-se perceber um
valor dado à temática da educação associada à higiene em relação a outras
temáticas
16
que tinham um elevado status no período, mas acabaram por ser
contempladas nas outras comissões, principalmente naquelas intituladas Teses
Gerais. Esse seria um sinal de valorização da educação higiênica como projeto para
inserção nas escolas brasileiras? Um reconhecimento da importância de se debater
esse assunto como meio de formação dos alunos?
Sem dúvida, essa comissão tinha força perante as outras, levando em
consideração a análise do número de membros para cada comissão, já que –
excetuando a comissão de Ensino Secundário, com 12 membros – a comissão de
Educação Higiênica envolvia o maior número de membros: eram 11 ao todo.
Ganhou prestígio, ainda, pela análise do conjunto de teses apresentadas no evento.
16
Temáticas como: formação de professores, métodos de ensino, educação de imigrantes, unidade
nacional, combate ao analfabetismo, entre outras, em voga no período do evento.
21
Em um total de 113 teses, 11 tiveram em seu título a menção ao tema da educação
higiênica e 23 em seu conteúdo
17
, conforme o quadro 2.
QUADRO 2 - PRESENÇA DAS TEMÁTICAS EDUCAÇÃO E HIGIENE NOS
CONGRESSOS DE HIGIENE E EDUCAÇÃO
Congressos Número de trabalhos
que fazem menção à
higiene escolar em
seus títulos
Número de
trabalhos com
conteúdos
referentes à
higiene escolar
Total de
trabalhos
apresentados
I Conferencia Nacional de
Educação
11
23
113
I Congresso Brasileiro de
Higiene
3
9
77
II Congresso Brasileiro de
Higiene
1
5
27
III Congresso Brasileiro de
Higiene
3
18
82
V Congresso Brasileiro de
Higiene
2
10
59
I Congresso de Ensino
Primário e Normal
2
5
28
A importância que a higiene teve no conjunto dos temas abordados na I CNE
pode ser explicada pelo fato de ser atribuído à questão higiênica um dos principais
meios de construção da unidade nacional, discussão muito forte naquele período,
apontada como razão maior da concentração de intelectuais de diferentes pontos do
país num congresso de educação. Atribuía-se ao “fato de a maioria dos brasileiros
não possuírem aspirações, crenças e/ou ideais coletivos de unidade nacional, disso
resultando os vícios e as doenças que castigavam este país” (BONA JUNIOR, 2005,
p. 65).
Em curso direcionado para os diretores das escolas da cidade de São Paulo
no Instituto de Higiene, objetivando a ampliação dos conhecimentos de higiene
desses agentes escolares e seu engajamento na obra do saneamento rural, fica
muito clara essa relação entre a higiene e o nacionalismo, deixando “explícitos os
17
Cabe aqui identificar a forma de classificação das teses, tendo em vista seu conteúdo. Em uma
primeira leitura, foram selecionadas aquelas que concentravam suas discussões na higiene, embora
não contemplassem seu nome no título. Em uma segunda análise, foram relacionadas as teses que
tratavam de temas transversais à higiene e educação, como eugenia, educação moral, educação
estética, saúde, doenças, entre outras, todas fazendo referência à higiene escolar ou à educação
higiênica.
22
nculos entre os esforços no sentido de sanear o país e os objetivos de constituição
da nacionalidade. (...) a responsabilidade atribuída aos diretores colocava-os, pois,
diante de uma dupla possibilidade: o ‘rejuvenescimento físico e moral do povo
brasileiro’ ou a ‘degenerescência física e moral dos nossos compatriotas’” (ROCHA,
2003b, p. 163).
A comissão de Educação Higiênica trazia em sua composição membros
ilustres, de grande prestígio da área educacional do período, tendo como seu
presidente, Belisario Penna, seu relator, Luiz Medeiros e demais integrantes, sendo
eles: Lourenço Filho, Décio Lyra da Silva, Olga Balster, Myrian de França Souza,
Maria Bassan Buzato, João Mauricio Muniz de Aragão, Carlos Mafra Pedroso,
Itacelina Bittencourt e Milton Carneiro.
Tendo como autores professores de escolas isoladas, normais,
complementares, grupos escolares, de ensino secundário, faculdades de medicina,
membros da ABE, de sociedades, ligas e institutos ligados à área educacional e
médica e inspetores médico-escolares, a I CNE abrangeu uma grande gama de
intelectuais ligados à ABE destinados à discussão dos temas relacionados à
educação, como um lugar de produção do consenso da área.
Nas teses que tinham como intenção específica tratar do tema da higiene
escolar, encontrou-se sempre com muita veemência a defesa pela educação
higiênica como principal, e em alguns casos até como a única, forma de se chegar
ao povo, como nas palavras de Belisario Penna:
Para isso [a defesa e melhoramento incessante da vida, da sociedade e da
espécie], torna-se indispensável criar a consciência sanitária pela educação
higiênica na escola, no lar, nas fábricas e nas casernas, a fim de gravar no espírito
de toda a gente o valor inestimável – econômico, ético, moral e social – da
normalidade biológica resultante da saúde, conquistada pela obediência às leis
inflexíveis da biologia, pela execução das medidas de saneamento, pela prática das
virtudes higiênicas do asseio, da sobriedade, da castidade, da laboriosidade,
23
parte: nas ruas, nos hospitais, nas fábricas, nas casernas, nas prisões, nas casas e
cortiços, nos navios, nos seminários, conventos e internatos. Era necessário um
conhecimento alargado por parte dos educadores e médicos escolares para se
pensar a higiene para a escola. Principalmente nos congressos brasileiros de
higiene, esses assuntos apareceram de forma constante nas falas dos
congressistas, como abordado mais adiante.
O termo educação higiênica apareceu em grande parte das teses que
apresentavam em seu conteúdo a higiene, sempre no sentido de se chegar à
conscientização da população em relação à higiene mediante a educação, não
sendo suficientes outros meios:
Mas o saneamento, a profilaxia, a higiene não são elementos suficientes de
combate. É preciso a educação, como o maior recurso para os milagres da
regeneração física. A educação higiênica se impõe, como um postulado da razão,
como necessidade inadiável e imprescindível, como um dilema de sobrevivência ou
iluminação. Deve ser a peleja de hoje, a luta de amanhã, o combate de sempre
(ANGELIS, 1997, p. 445).
“Necessidade inadiável e imprescindível”. É dessa forma que as ações
referentes à educação higiênica eram defendidas nas teses da I CNE, como algo a
se fazer com urgência, de extrema necessidade e importância para o melhor
andamento do país. Por isso, muitas vezes, esse tema vinha associado ao da
unidade nacional, tema de grande afluência na conferência. A educação higiênica
envolvia preocupações com as normas de viver higienicamente e com saúde nas
cidades e zonas rurais.
A partir do começo da década de 1910, a corrente sanitarista, como chamou
Campos (2002, p. XVII), também viria para contribuir com as práticas de educação
higiênica no Brasil. O movimento sanitarista se desenvolveu principalmente a partir
da expedição científica de Belisario Penna e Arthur Neiva que partiram do Instituto
de Manguinhos em direção ao Brasil Central (BERTUCCI, 2005, s.p.)
19
. Outro
impulso para o movimento sanitarista foi a contribuição da Fundação Rockefeller
com a implementação de postos de saúde para atendimento da população com o
intuito de controle das moléstias que se alastravam na sociedade cafeeira. Nesse
19
Bertucci (2005, s.p.) ainda destaca que foi pelo movimento sanitarista que “higienistas passaram a
ser conhecidos ao fazerem da política de saúde pública (que envolve atenção múltipla com homens,
lugares e coisas) sua principal preocupação”.
24
momento, fazia investimentos nas campanhas sanitárias, “fundadas na articulação
entre miséria, insalubridade e enfermidade, e na formação de quadros para atuar
nessas campanhas” (ROCHA, 2003b, p. 14). Foi a Fundação Rockefeller que, por
muitas vezes, financiou pesquisas e construções de instituições voltadas ao
tratamento da população, responsável também pela criação das primeiras escolas
voltadas ao estudo da higiene e saúde pública nos Estados Unidos e que se
propagou “por quase todo o mundo em uma iniciativa filantrópica da instituição”
(CAMPOS, 2002, p. 75).
Co
25
higiene e profilaxia, acompanhadas sempre de projeções luminosas, fixas e
animadas, seguidas de distribuição de folhetos ilustrados sobre o assunto da
palestra” (RELATÓRIO DE SEÇÕES, 1997, p. 87), ainda com perspectivas de no
ano seguinte prosseguir com “excursão pelo país, colhendo dados e executando o
programa que me impus de educação higiênica escolar popular, visando sobretudo
ao combate à verminose, ao alcoolismo, ao impaludismo e à lepra, as maiores
calamidades endêmicas do Brasil rural” (RELATÓRIO DE SEÇÕES, 1997, p. 87).
As doenças se tornavam, então, problema nacional e de responsabilidade de
todos. Da forma que aparece nas teses da I CNE, era importante o conhecimento
das causas, conseqüências e cuidados com as mais diferentes doenças,
inicialmente pelo professor para posteriormente chegar ao aluno. Defendia-se o
envolvimento do professor sobre as questões da higiene, sendo que ele deveria ser
versado nesse assunto. Lindolpho Xavier (1997, p. 72) defendia que se
implementasse a educação higiênica desde o ensino primário, sendo que fosse
“erigida em dogma, não podendo nenhum professor ocupar o magistério sem dela
estar senhor. Haverá de combater-se sem tréguas qualquer manifestação da
toxicomania: o fumo, o álcool, os demais entorpecentes”. O papel do professor como
propagador das idéias higiênicas por muitas vezes aparece nas teses, como no
seguinte trecho:
Sem a instrução e sem a educação não há higiene, e podemos dizer que o
professor bem orientado é o braço direito do higienista. Este age no próprio foco da
infecção; aquele tem o papel de preparar o terreno para que a moléstia não se
alastre, transformando, pela educação, cada indivíduo em uma barreira que
impeça o desenvolvimento do mal [sem grifo no original].
O professor não deve contentar-se com a instrução de seus alunos, mas deve
procurar incutir-lhes tão profundamente [sem grifo no original] essas idéias de
profilaxia, que os transforme em propagandistas de seus princípios no seio da
família.
Se a obra do professor for perseverante, como sempre o é, em algumas dezenas
de anos aqueles que aprenderam a higiene nas escolas se transformarão em
chefes de família e se tornarão, por sua vez, os baluartes da profilaxia, conseguindo
assim a Higiene alcançar o seu fim (GUIMARÃES FILHO, 1997, p. 469).
Nesse trecho fica clara a relação defendida entre a higiene e a educação,
bem como entre o médico e o professor. Este, na maioria das vezes, foi apresentado
como o salvador da pátria, como portador dos poderes de difusão e multiplicação
dos conceitos da higiene para a população por meio da escola, porque só ao
26
professor cabia a função de “incutir no homem do futuro os meios de defesa de que
ele vai necessitar, ou torna-lo apto para auxiliar também, pelos seus conhecimentos,
os que o cercam, quando disso necessitarem” (PEDROSO, 1997, p. 477), pois –
continua Carlos Mafra Pedroso, inspetor médico-escolar da capital do Estado do
Paraná – era principalmente pelas “crianças portadoras de formas resistentes, fontes
de infecção, que devemos iniciar a campanha de profilaxia, para a qual o professor
primário será o mais útil cooperador” (PEDROSO, 1997, p. 477).
Retornando às palavras de Guimarães Filho, percebe-se uma projeção do
ensino da higiene nas escolas a longo prazo, pois o ensinamento que as crianças
teriam na escola se manifestariam, também, tempos mais tarde, quando já
exerceriam a função de chefes de família. Termos como “profundamente” e
“transformando, pela educação, cada indivíduo em uma barreira que impeça o
desenvolvimento do mal”, incutem um sentido muito intenso à educação e à higiene,
concordando com as idéias de responsabilidade do professor pelo futuro da nação,
expostas anteriormente.
É possível encontrar em várias teses a defesa para a preservação da saúde
e a criança como principal receptora dos conhecimentos higiênicos. “Saúde em
primeiro lugar e, depois, sabedoria” (MORAES, 1997, p. 615). Entretanto, por que
endereçar à criança a função de receptora dos conteúdos da higiene? As crianças
na idade escolar eram vistas como portadoras dos maiores riscos para contrair
doenças, visto que eram “desprotegidos pela idade e pela resistência física nessa
época de transições, quando mais estão sujeitos às influências das várias causas de
moléstias” (GUIMARÃES FILHO, 1997, p. 464). Por isso a importância do trabalho
nas escolas sobre a higiene e saúde, tendo em vista também que não era vantagem
para o Estado ter entre seus homens pessoas enfermas, “porque o valor do Estado
depende da capacidade intelectual, moral e física de cada habitante do solo”
(ANGELIS, 1997, p. 442).
Para a ação nas escolas e tratamento dessas crianças, cumpriria um papel
importante o inspetor médico-escolar, um agente que deveria realizar visitas às
escolas, inspecionar seus alunos e dar orientação aos professores. Um dos seus
lugares na escola se aproximava às aulas de Educação Física, nas quais o inspetor
médico-escolar assistia o professor na orientação dos trabalhos da disciplina
escolar:
27
No início dos trabalhos escolares, necessário se torna o exame médico de todos os
alunos, a fim de remover as causas que por acaso se oponham à prática da
ginástica ou dos esportes. Neste exame médico será verificado se a respiração do
exercitando apresenta os quatro caracteres fundamentais – nasal, suficiente,
completa e resistente –, o que virá confirmar a ausência das afecções patológicas
que mais põem em risco a vida do praticante de esportes: asma, hérnia, pólipo e
vegetações adenóides; serão verificados também os aparelhos circulatório e
digestivo, os rins, a boca, os ouvidos; enfim, um minucioso exame deve ser feito e
repetido no fim do ano letivo e sempre que o médico ou professor achar
conveniente (TORRES, 1997, p. 182).
De acordo com as proposições da I CNE, deveriam, então, ser realizados
exames médicos todo início e final de ano letivo, para, assim, haver um
acompanhamento da criança em idade escolar. Uma das intenções desse
acompanhamento do aluno no ambiente da escola era a realização da estatística
escolar. Em outra tese, do inspetor médico-escolar do 1.º distrito do Rio de Janeiro,
Leonel Gonzaga, foram apresentadas críticas sobre o preenchimento de ficha dos
alunos para a estatística escolar e defende o atendimento direto ao aluno. Segundo
o seu relato:
Deixei, portanto, de fazer as fichas sistematizadas e passei no meu distrito a
executar o exame parcial de todos os alunos. Encontrada a doença a tratar, o
desvio a corrigir, sobrevinham sempre as interrogações: Tratar como? Onde, se a
criança não tem meios, pois os que têm recursos não constituem maioria?
Continuar a examinar os alunos para organizar porcentagens e no fim informar que,
no distrito a meu cargo, há tantos por cento de amígdalas hipertrofiadas a extirpar,
de rinites hipertróficas ou atróficas a curar, de vícios de refração a corrigir, de
portadores de lues hereditária a depurar, de verminóticos a expurgar, de esqueletos
deformados a endireitar, de dentes cariados a obturar, de tuberculosos
ganglionares a preservar da invasão a órgãos mais nobres, de portadores de
manifestações cutâneas, de lesões nervosas, de afecções cardíacas? Não, a
estatística é dispensável aqui: basta saber que as porcentagens são
suficientemente elevadas, para nos desafiarem à luta sem desânimos nem
pessimismos.
Examinar os alunos para satisfazer a minha curiosidade de pediatra, sem vantagem
para o examinado? Não, tampouco, porque isto me repugnaria à consciência de
clínico, que não me contento com o diagnóstico sem a providencia da terapêutica e,
além de tudo, iria perturbar o expediente escolar sem nenhum proveito (GONZAGA,
1997, p. 456).
O autor tece pesadas críticas à ação de muitos dos inspetores médico-
escolares, tendo em vista que uma de suas principais funções era o exame dos
alunos para a estatística escolar, que deveria ser apresentada anualmente ao diretor
28
geral de ensino, na maioria dos estados brasileiros, como tarefa obrigatória e que
dispendia um grande tempo do médico nas escolas.
A I CNE chamou a atenção do professorado brasileiro para diversos fatores,
sendo um dos principais a questão da higiene por meio da educação. Com isso,
muitas foram as propostas feitas pelos autores das teses, intenções para o
cumprimento nas escolas brasileiras sob o ponto de vista higiênico. Algumas dessas
propostas são exploradas nas páginas seguintes.
A tese do professor da Escola Normal Primária de Ponta Grossa-PR, Nicolau
Meira de Angelis, aponta para o esclarecimento dos alunos quanto às doenças e
males como função primordial do professor:
Nosso dever como professores é difundir nas escolas, às classes mais adiantadas,
as conseqüências da sífilis, do alcoolismo e outros fatores de degenerescência: é
tratar da educação sexual, mostrar aos jovens as conseqüências de uma vida
desregrada, os benefícios da virtude, de uma vida moralizada, de uma vida cristã.
É difundir os conhecimentos da higiene por meio de livros repletos de ilustrações,
gravuras, dizeres frisantes em todos os recantos da Pátria, numa campanha
persistente, metódica, bem dirigida, com intuitos de colher resultado depois de
largos anos de trabalho, porque seria irrisório pretender-se regenerar os costumes
ex-abrupto. Só a energia dessa força de vontade e a tenacidade da campanha
poderão trazer frutos benéficos para o povo (ANGELIS, 1997, p. 443).
É interessante observar alguns aspectos nesse trecho. Inicialmente, a
linguagem do autor da tese, falando de professor para professor. Essa forma de
direcionamento da fala colocando o autor como igual, trazia uma impressão de maior
proximidade às questões relativas à higiene para o domínio do professor, parecendo
mais familiar.
A aquisição de hábitos “bons” em oposição aos hábitos “ruins” também fica
evidente na fala do professor: a prevenção contra as doenças, a conscientização
contra o alcoolismo e a educação sexual contra uma vida desregrada. Todavia,
como levar esses valores às crianças e jovens? Pela higiene, pautada na moral e na
religião. Na tese de Belisario Penna (1997, p. 31), o culto religioso é usado como
analogia para o comportamento em relação à saúde do povo, “para que possam as
novas gerações guiar o carro da Nação por uma estrada plana e suave de
civilização, conquistada pelo trabalho livre e vitalizador de um povo dignificado pela
saúde, apto para realizar a sua tríplice finalidade biológica e firmar solidamente a
consciência nacional”.
29
A relação da moral – na maioria dos discursos, a religiosa – com a saúde
corporal apresentava muitos laços, essencialmente ligados à alma, ou seja, “da
moral depende muito a saúde do corpo, senão completamente o corpo se atirará aos
mais tristes desatinos, entregue a uma alma doente; é portanto necessário
conjugarem-se, para esse ideal de robustecer a nossa mocidade, as necessidades
do corpo e as necessidades da alma” (MARTINS, 1997, p. 155).
Por último, Angelis (1997) aponta algumas das formas de tornar mais
agradável e fácil o ensino dos preceitos de higiene nas escolas, lembrando, como se
apontou anteriormente, a visualização dos resultados dos ensinamentos a longo
prazo, pois a mudança de hábitos proposta a partir da higiene para as crianças, fazia
parte de um processo de conscientização e posterior ação e difusão para o seu
meio: o lar.
É nesse sentido que o paulista Eurico Branco Ribeiro (1997, p. 511), tendo
em vista a “necessidade de incluir a instrução higiênica nos programas dos
colégios”, propôs a criação de uma “cadeira especial para o desenvolvimento da
matéria” (RIBEIRO, 1997, p. 511). Para a efetivação dessa proposta, o congressista
defendia a obrigatoriedade da disciplina nas escolas, procurando “a estipulação de
um programa oficial, organizado e adequado aos fins em vista” (RIBEIRO, 1997, p.
511).
A proposta de programa para as escolas primárias brasileiras, da seção de
divertimentos infantis da ABE, representada pela professora Maria Luiza Camargo
de Azevedo, complementa a proposição de Ribeiro, apresentando ainda alguns dos
conteúdos que poderiam ser abordados nas escolas.
o programa, conscienciosamente traçado sob as vistas de um professor
médico higienista [sem grifo no original], conteria a ginástica rítmica e sueca, a
música, os elementos de história natural, o desenho e a liliputiana literatura,
orientando assim o bom gosto da criança, incutindo-lhe ao mesmo tempo o hábito
da boa leitura, que é o complemento indispensável à boa cultura (CAMARGO,
1997, p. 74).
De início, é relevante atentar para a construção do currículo tendo como um
dos principais personagens o médico higienista. A presença desse “homem de
ciência”
20
para a formulação do currículo pode ser explicada pela posição que esses
20
Utiliza-se esse termo no sentido exposto por Rocha (2003b, p. 32), ou seja, “auto-representando-se
como porta-vozes da razão, do progresso e da modernidade, esses homens de ciência reclamam
30
homens vinham conquistando desde o século XIX na intelectualidade brasileira. A
produção dos programas de ensino começou, então, a fazer parte da gama de
atividades que o higienista abarcava, juntamente, é claro, de pessoas ligadas às
diretorias de Instrução Pública. Preocupações com o tempo em que a criança
deveria ser submetida a atividades intelectuais, tempos de descanso, seleção de
disciplinas escolares, distribuição dessas disciplinas, dos tempos e dos espaços
faziam parte dos conhecimentos que os médicos portavam e incutiam na sua
intervenção.
Da tese que apresenta o relato de todas as ações produzidas durante o ano
de 1927 pelas seções da ABE, é importante salientar a seção de Higiene e
Educação Física, representada naquele momento pelo seu presidente, o doutor
Belisario Penna, o qual apresentou propostas para os anos seguintes no que diz
respeito à higiene:
Atendendo ao que foi resolvido na última sessão por proposta do professor Mário
de Brito, junto a esta exposição alguns conceitos sobre o momentoso problema da
saúde. Sanear o Brasil, prová-lo e enriquecê-lo é moralizá-lo. A saúde é o
fundamento da vitalidade e da energia, estimulantes do trabalho; este é o fator da
produção, da qual resulta a riqueza e o progresso. A doença, seja qual for a sua
causa, é sempre um fator de desordem na família e na sociedade. O primeiro dever
do estadista consiste em promover o equilíbrio da mentalidade coletiva para formar
a consciência nacional, o que se não consegue sem a saúde, resultante do
saneamento e da educação biofísica (RELATÓRIO DE SEÇÕES, 1997, p. 88).
A saúde na perspectiva educativa formava, então, uma das bases do tripé
que cumpriria o papel de solucionar os problemas da nação, juntamente com a
educação e a moral. Isso explica o maior investimento que os departamentos de
saúde pública dos estados receberam para suas ações, tendo em vista que esse
período no Brasil foi de intensa reordenação das cidades. O problema de saúde
pública era considerado de maior gravidade no meio urbano, devido ao acentuado
crescimento populacional ocorrido a partir dos anos 1920 no Brasil. Segundo Bona
Junior (2005, p. 65), “atribuídos pela oferta de emprego, os operários migravam para
as cidades grandes sem que estas estivessem estruturalmente preparadas para o
aumento populacional. O resultado foi uma desmedida aglomeração de gente que,
para si a responsabilidade pelos destinos da cidade e de seus habitantes, procurando impor-lhes um
conjunto de preceitos que deveria guiar as suas vidas. Investindo sobre o espaço urbano, buscam
organizar cientificamente a cidade, produzindo um espaço classificado, geometrizado, onde tudo
pudesse ser ordenado, controlado”.
31
sem local adequado para se instalar, se acomodava onde podia, em condições
precárias”.
Dentro do mesmo contexto, os congressos de higiene cumpriam o papel de
discutir os problemas do país no que dizia respeito à saúde pública, defendendo a
aplicação imediata do controle sanitário no Brasil, pois cada vez mais, segundo os
congressistas, ele se distanciava do “ideal”. A partir daí outro evento entra em cena,
apresentando um movimento inverso do exposto até o momento: os congressos de
higiene que absorveram as questões da educação para discussão de propostas.
Nos Congressos Brasileiros de Higiene
21
(CBH), vinculados e promovidos
pela SBH, “instituição criada em meados da década de 1920 e que teve Carlos
Chagas como um de seus fundadores” (CAMPOS, 2002, p. 25), o estatuto do evento
se diferenciava da I CNE, por ser claramente destinado à participação de higienistas
brasileiros. No artigo primeiro do Regimento Interno do II Congresso Brasileiro de
Higiene são listados os membros que poderiam participar do evento: “(...) só
poderão tomar parte os profissionaes de saude publica, medicina e engenharia, que
a elle [congresso] explicitamente adherirem, e mais os representantes officiaes dos
Governos, dos serviços públicos, das escolas, dos institutos e das associações que
tiverem recebido convite” (SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIGIENE, 1928, p. 17).
Não era prevista a participação de educadores e professores, apenas
mediante convite, que normalmente era institucional, portanto, reduzido. Mesmo
tendo esse espaço para a participação de agentes ligados à educação nesses
eventos, do Estado do Paraná não houve envio de nenhum representante nesse
sentido, com exceção do V Congresso, no qual o professor Luiz Medeiros esteve
presente como representante do Estado e da Faculdade de Medicina.
As discussões eram organizadas por temas oficiais, trabalhos avulsos, e
conferências, tendo ainda um espaço específico para a fala dos diretores de saúde
pública dos estados. Participaram desses congressos médicos e engenheiros
sanitaristas, diretores de institutos e instituições de saúde e convidados especiais
falando sobre educação, diferente da I CNE, na qual as falas partiram de
21
Os Congressos Brasileiros de Higiene, fruto das ações da SBH, entendidos como um dos canais
para divulgação de trabalhos, pesquisas e propostas para a saúde pública brasileira, dividindo essa
função com a Revista de Higiene e Saúde Pública, aconteceram no período de 1923 a 1929 e de
1947 até meados da década de 1970. A pausa de 18 anos se deu, como apontou Campos (2002),
devido ao início da ditadura Vargas, o que fez com que os congressos fossem retomados somente no
final da década de 1940.
32
educadores e intelectuais ligados à educação, se aproximando às questões relativas
à higiene e saúde pública.
Esse fato causava certa insegurança por parte dos educadores,
ocasionando muitos momentos em que justificavam em seus textos a sua
“ignorância” sobre o tema da higiene, como o exemplo do professor da Escola
Normal Primária de Ponta Grossa, Nicolau Meira de Angelis (1997, p. 438): “Foram,
pois, os sentimentos de amor pátrio que me levaram a dissertar sobre esse assunto,
embora não sendo higienista ou médico”. O autor se remete ao sentimento pátrio
para justificar a “ousadia” de escrever sobre um assunto que, segundo ele, não lhe
cabia. Mas pode-se afirmar que o tema da higiene escolar era de posse apenas dos
médicos e higienistas? Até pela maciça presença da temática da higiene no I CNE
pode-se dizer que não. A associação da higiene com a educação passava pelo
domínio de diferentes intelectuais, de uma forma geral, fossem eles médicos,
engenheiros, juízes, deputados, professores, entre outros.
No I Congresso Brasileiro de Higiene (I CBH), no ano de 1923 no Rio de
Janeiro, e no II Congresso Brasileiro de Higiene (II CBH), sediado em Belo Horizonte
em 1924, a participação paranaense contou com a representação do Deputado Dr.
Plínio Marques e do Dr. Victor Ferreira do Amaral e Silva
22
, contando ainda, no I
CBH, com o Dr. João de Barros Barreto, chefe do Serviço de Saneamento e
Profilaxia Rural do Estado do Paraná. Contribuiu com um único trabalho no I CBH,
do Dr. Victor Amaral, intitulado “Estatística demographo-sanitária da Capital do
Estado do Paraná relativa ao anno de 1922”, no espaço destinado aos diretores de
Saúde Pública dos estados, tendo como programa:
I – Dados estatisticos sobre mortalidade infantil e geral, principalmente na Capital.
II – Meios de melhorar o serviço de estatistica sanitaria.
III – Situação actual da organização sanitaria do Estado (ANNAES DO PRIMEIRO
CONGRESSO BRASILEIRO DE HYGIENE, 1926, p. 7).
22
Victor Ferreira do Amaral e Silva, nascido em 1862 na Vila do Príncipe, na Lapa. Fez o curso de
Humanidades no Rio de Janeiro, no Colégio Abílio. Doutorou-se em Medicina em 1884, pela
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, especializando-se em Ginecologia e Obstetrícia. Foi
também professor de Francês do Ginásio Paranaense. Ocupou os cargos de Diretor Geral de
Instrução Pública e Diretor do Ginásio Paranaense. Foi, ainda, Diretor Geral do Serviço Sanitário do
Estado do Paraná de 1920 a 1928. Foi vice-governador do Estado de 1900 a 1904 e Deputado
Federal de 1906 a 1909. Fez parte também do grupo que criou a Universidade do Paraná em 1912, e
foi seu primeiro reitor. Assumiu a diretoria da Faculdade de Medicina da mesma e, anos mais tarde,
em 1946, voltou ao cargo de reitor por mais um mandato. Faleceu em 1953 (DICIONÁRIO
HISTÓRICO-BIOGRÁFICO DO PARANÁ, 1991, p. 446-447).
33
Não foram obtidos os dados sobre a participação paranaense no III e no IV
Congresso Brasileiro de Higiene, ocorridos em 1926, em São Paulo, e em 1927, no
Estado da Bahia, respectivamente, embora, em relatório do Secretário Geral do
Estado do Paraná, Alcides Munhoz (1925-1926) referente aos serviços de 1925 e
1926, quando apresenta na íntegra a comunicação enviada ao III CBH do, na época,
Diretor Geral de Serviço Sanitário do Paraná, Victor Ferreira do Amaral, revela que
este não compareceu pessoalmente ao evento. Já no V Congresso Brasileiro de
Higiene, contando com a cidade-sede Recife, em 1929, entre os representantes
oficiais do evento, encontrava-se o Prof. Dr. Luiz Medeiros cumprindo o papel de
representante da Faculdade de Medicina do Paraná, como também do Estado do
Paraná.
O I CBH, pode-se dizer, foi o evento que apresentou mais diretamente a
preocupação dos organizadores com as questões de higiene e saúde pública nas
cidades brasileiras. Segundo o professor Clemente Fraga, o congresso teria a
função de “concertar medidas de applicação pratica e approximar, em um encontro
presago, os hygienistas do Brasil” (FRAGA, 1926, p. 16)
23
. Carlos
Chagas,
presidente da comissão executiva do I CBH e diretor do Departamento
Nacional de Saúde Pública, por sua vez, afirmou na sessão inaugural:
Opportuna e feliz resolução dos especialistas brasileiros, o Primeiro Congresso
Nacional de Hygiene concretiza intuitos de aperfeiçoamento technico e define o
empenho de integrar, na verdade e na efficiencia das modernas doutrinas, o
regimen sanitário em nosso paiz.
Era bem o momento de synthetizar conceitos para generalizar applicações, e de
attender na centralização do esforço e da capacidade dos hygienistas de nossa
terra, no concurso de seu saber e de sua experiencia, a pratica ampliada da
medicina preventiva, as suas possibilidades actuaes na defesa da vida e na
conquista progressiva da longevidade (CHAGAS, 1926, p. 13).
A fala inicial do evento, de seu presidente, deixa clara a mudança que vinha
aparecendo nos discursos referentes à saúde, quando esta não era mais entendida
como oposição à doença, mas sim, associada à preservação da vida, o que aparece
também na fala do Dr. Amaury de Medeiros (1928, p. 48) no II CBH: “o conceito de
saude já não é mais o conceito negativo de ausencia de doença; a saude hoje se
23
As teses do I CBH, realizado em 1923, só tiveram publicação no ano de 1926, pelas Oficinas
Gráficas da Inspetoria de Demografia Sanitária. Da mesma forma, o material do II CBH teve
publicação em 1928, pela Livraria, Papelaria e Lito-tipografia Pimenta de Mello & Cia, do III CBH em
1929 e o V CBH, em 1930, novamente pelas Oficinas Gráficas da Inspetoria de Demografia Sanitária.
34
mede e se pesa, ella se exprime em cifras e por formulas positivas, quasi
mathematicas, é uma sensação de vigor physico e mental que dão a alegria de viver
e que correspondem a um rendimento de energia a preço marcado”.
A associação que o autor fez com a matemática e a economia pode ajudar a
pensar o que se esperava da higiene naquele momento. Não só qualitativamente,
com a melhora dos hábitos saudáveis da vida de cada indivíduo da população, mas
também uma melhora quantitativa nos marcadores da saúde pública, como a
diminuição da mortalidade infantil, de pessoas contaminadas por doenças, entre
outros. Por isso o esforço, em cada um dos congressos, de apresentar números
cada ano melhores desses índices, conseqüência da concentração de energia dos
médicos, higienistas e governantes para a causa da saúde pública.
A mudança na concepção de saúde alterou os conteúdos discutidos, o que
foi apontado por alguns médicos, higienistas e engenheiros no momento de suas
falas, quando buscavam no passado movimentos contrários ao tratamento que seus
temas apresentavam no momento histórico do congresso, método freqüente no
período, pelo que foi visto nas teses dos congressos de higiene. O retorno ao
passado servia para mostrar o quão modernas eram suas propostas e o progresso
que os cuidados de higiene das cidades e das pessoas vinham sofrendo ao longo
dos anos.
Outra forma freqüente de se tratar os conteúdos era o estudo comparativo
com a realidade de outros países, principalmente os países europeus. Com
freqüência os autores remetiam à França, à Alemanha ou à Inglaterra, tentando
chamar atenção do Brasil para o que de melhor estava acontecendo nesses países,
com a intenção de aplicar na terra brasileira o que apresentava resultados bons em
outras regiões.
No mesmo sentido da mudança no conceito de saúde, a relação da higiene
com a população passava da ação de coerção para a da educação, ou seja:
nos serviços de saude publica que hoje servem de modelo, a educação sanitaria,
ou seja a formação da consciencia sanitaria da população, é objectivo que
prevalece.
A coerção vai cedendo com o progresso social, o seu logar, á obra intelligente da
educação. Esta faz do individuo, antes fiscalizado, com um proveito mais illusorio
que real, um convicto do seu interesse pessoal em observar as boas normas da
hygiene, um cooperador do serviço publico, na diffusão e pratica das mesmas
(OLIVEIRA, 1930, p. 135).
35
Esse autor, pelo que se pode perceber nas suas participações nos eventos
de higiene, era um ferrenho defensor da formação da “consciência sanitária” da
população, sempre associando essa ação à educação. No III CBH, Oliveira (1929, p.
807) já propunha a inversão do entendimento da higiene de coerção para a
conscientização:
Para isso é necessario ir formando a “consciencia sanitaria” – elemento essencial
na defeza da saúde publica. Para isso é preciso: dar instrucção e assistencia
sanitarias ás mães; dar assistencia sanitaria á creança, collaborar para a formação
de habito sadio da mesma, no decorrer da primeira infancia e na edade pre-escolar
e escolar; iniciar na creança de edade escolar a instrucção sanitaria, e mesmo
infundir nas dos annos superiores noções basicas e praticas de puericultura;
continuar instrucção sanitaria atravez dos cursos secundários e superiores;
collaborar com apparelhamentos de assistencia sanitaria e de prophylaxia,
intimamente com todas essas medidas.
Só assim é possivel operar uma evolução sanitaria racional.
O Dr. Faria Góes, no mesmo congresso, concordava com as idéias de
Oliveira e apresentou, ainda, as possíveis conseqüências dessa ação como
soluções dos problemas da saúde pública no Brasil:
Quando se tiver desenvolvido em grande parte da população a consciência
sanitária, despertada a preocupação da saúde, da pujança physica, como base do
progredimento pessoal e collectivo, e quando, por um processo pertinaz de
educação, se tiverem exercitado os habitantes do paiz na pratica dos preceitos
sanitários, estará virtualmente, solucionado grande numero desses problemas, de
resto os mais importantes, e facilitada a solução dos demais pela comprehensão
desta necessidade por parte dos indivíduos (GÓES, 1929, p. 879-880).
Portanto, configurava-se nesses discursos uma outra concepção que
abandonava a idéia de imposição e partia para a idéia de conscientização. Oliveira
ainda destaca o indivíduo como um “cooperador do serviço público”, ao internalizar
os preceitos de higiene na sua vida diária. Isso porque, além da higiene pessoal, era
de extrema importância a higiene das cidades, dos meios públicos, sendo de
responsabilidade de todos os habitantes a manutenção e aprimoramento da higiene
para o espaço urbano. Na fala do Dr. Fontenelle em uma das conferências do II
CBH, em 1924, congresso esse assinado como um marco na história da
adminj12 0 0 12 111.Tm17514 130.64001 Tmsj12 0 0 12 111.6m17584 130.64001 Tm(tr)Tj12 0 0 12 331.82692 130.64001 Tm(nção )Tj12 0 0 121648.1192 130.64001 Tmsan(i)Tj12 0 0 12 16. 21991 130.64001 Tm((ár)Tj12 0 0 12 300425847 130.64001 Tm(j12 0 0 12 112102894582 130.64001 Tm(s doB1r)Tj12 0 0 12 42.9 5392 130.64001 Tm(ssi)Tj12 0 0 12 2583 3914 130.64001 Tm(l)Tj12 0 0 12 620.7914 130.64001 Tm (l)Tj12 0 0 12 682898986 130.64001 TmLl)Tj12 0 0 12 755.61791 130.64001 TmIBA N
36
Assim, a educação passou a ser o centro do esforço sanitário, transformando
completamente a acção das repartições de hygiene, que a principio pretendiam
conseguir todos os resultados pela compulsão, através das leis, de regulamentos e
de penalidades, levantando muita vez a opposição popular, e agora procuram
automatizar as normas de vida, por meio da creação de hábitos hygienicos, desde a
mais tenra edade, e esclarecer toda a população sobre a significação e importancia
das medidas aconselhadas. (FONTENELLE, 1928, p. 76).
Fica clara aqui a tomada de consciência dos higienistas quanto à inversão
da obrigatoriedade de seguir os preceitos higiênicos, para a conscientização e
criação de hábitos higiênicos que soassem como algo natural para as pessoas.
Retomando Carlos Chagas, a sua fala inicial do I CBH apresentava também a
afirmação dessa noção, quando revela que “é tambem agora aperfeiçoado o
methodo preventivo, e ampliados os processos technicos da hygiene moderna”
(CHAGAS, 1926, p. 13). É principalmente por esse discurso que a educação era
considerada o melhor meio e a escola o melhor lugar para essa prática.
Outro ponto importante na fala de Fontenelle é a relação da obrigatoriedade
com a criação de regulamentos e leis e, juntamente com essas formas, as
penalidades. Essas normas, como bem mostra o médico, sofriam oposição popular,
podendo motivar ações inversas das que se procurava impor. O esclarecimento,
portanto, ganhava espaço no lugar da proibição, imposição, obrigação. Entendia-se
que se a população soubesse dos benefícios que as medidas higiênicas poderiam
trazer à sua vida, não seria necessária a imposição de certas ações, pois as próprias
pessoas teriam consciência do bem gerado pelo cumprimento daqueles preceitos.
Embora soe contraditório, efetivamente as leis e regulamentos permaneciam
como suporte para a manutenção e melhoramento das casas, ruas e principalmente,
ações de cada indivíduo do Brasil. A higiene entrava em outra fase, segundo
Fontenelle, vista por ele como uma face nova do problema de higiene: “aquella em
que a hygiene não se contenta mais da acção passiva de procurar a saude e
defender o homem contra a doença, mas vae além, e visa melhorar continuamente
as condições physicas e sociaes dos indiduos, para conseguir o resultado mais
completo do aperfeiçoamento humano” (FONTENELLE, 1928, p. 76).
Essa nova face da higiene trazia para os personagens da saúde – médicos e
agora também os engenheiros sanitários – desafios constantes em suas ações. A
presença dos engenheiros nos congressos brasileiros de higiene tinha peso maior
no que dizia respeito ao estudo do espaço da cidade. Ampliaram-se, assim, as
37
possibilidades de sua ação, como ressalta Campos (2002, p. 87), consolidando
“novas práticas profissionais”:
Em primeiro lugar, a carreira do engenheiro foi desmembrada: ao engenheiro
sanitarista competia a criação das redes de infra-estrutura, para saneamento do
meio; a criação de vias circulatórias e outros melhoramentos urbanos ficaria a cargo
de outra classe de engenheiros, responsáveis justamente pela criação dos novos
traçados urbanos e locais por onde deveria se expandir a cidade.
Os temas dos congressos ajudam a pensar na articulação desses
profissionais, capazes de elaborar grandes planos urbanos (CAMPOS, 2002, p.
128), com a temática da higiene e saúde pública, como a tese de Octavio Ribeiro da
Cunha, que apresenta o esquema que forma a base material da higiene urbana,
contemplando:
A remodelação das cidades envolve questões intrínsecas, que são:
1ª – Abertura de novas vias publicas e correção das antigas;
2ª – Typos das construcções em suas relações com a via publica;
3ª – Typos das construcções em si mesmas;
E tambem as questões complementares:
4ª – Esgoto e lixo;
5ª – Abastecimento de agua;
6ª – Escolas;
7ª – Hospitaes;
8ª – Matadouro (CUNHA, 1926, p. 50).
O arruamento, a urbanização, os prédios, as águas, as instituições
ganhavam ênfase com os engenheiros sanitaristas, que dividiam a responsabilidade
pelo progresso das cidades, por meio da saúde pública, com os médicos e sua nova
especialidade: o médico sanitarista (CAMPOS, 2002, p. XVII) ou higienista
24
.
Para Carlos Chagas (1926, p.13), ao proclamar seu discurso inaugural do I
CBH aos participantes, portanto, direcionando sua fala aos engenheiros e médicos
ali presentes, a função do higienista fica clara: “sabeis de sobra do que se indica ao
zelo de vossa actividade, e na experiencia de vosso trabalho haveis conhecido,
melhor do que ninguem, os erros a corrigir, as lacunas a dissipar”. Isto é, a partir dos
trabalhos de médico ou engenheiro sanitaristas, poderiam se verificar as falhas,
necessidades de melhorias, mudanças de concepções em obras e idéias já
ultrapassadas, enfim, seriam esses os agentes que poderiam ter a percepção do
24
Neste trabalho, tratam-se os higienistas e sanitaristas como semelhantes, embora entenda que são
diferentes, que cada função tem sua especificidade.
38
que se necessitava modificar no Brasil e, com isso, trazer avanços e melhoras ao
país.
O papel da higiene veiculado nesses congressos tinha, por isso, um cunho
fortemente político, pois tinham como foco a intervenção no espaço da cidade, nos
espaços públicos e privados. No caso da escola, segundo Antonio Ferreira (2003, p.
20):
Assim sendo, o corpo médico assumia uma posição política, pois a radicalidade da
sua leitura da situação escolar devia impelir as autoridades públicas a modificarem
o que prejudicava a saúde dos alunos. No entanto, a amplitude da radicalidade da
denúncia, ao abranger tanto as condições físicas como o processo de ensino,
procurava também legitimar a intervenção médica no campo pedagógico, que devia
incidir tanto sobre os casos particulares e, portanto, contemplar uma dimensão
"clínica", como sobre as orientações e os processos que o ensino devia seguir.
Aconteceram melhoras no plano urbano e nos hábitos da população,
principalmente dos alunos. Inúmeras obras foram realizadas em todo o país:
alargamento das ruas, instalação de esgotos, impermeabilização dos solos,
construções novas ou adaptações dos prédios seguindo os preceitos higiênicos de
ventilação, iluminação e localização. Já sobre a modificação nos hábitos da
população em relação à higiene, o trabalho era mais árduo. Como na I CNE, os
congressos de higiene também defendiam que o ensino da higiene deveria ser feito
principalmente durante a infância. Essa idéia aparece com grande freqüência nas
teses, justificada pelo fato de “a infancia, como começo da vida, é idade precaria,
melindrosa, e é ahi, consequentemente, onde a hygiene tem o seu maior e melhor
valor, amparando, conservando, melhorando” (FIALHO, 1930, p. 57).
Percebe-se nessa fala que a higiene era defendida para a idade infantil por
representar a fase em que se apresentava a precariedade – devido, provavelmente,
ao desconhecimento dos cuidados a se tomar quanto à higiene e quaisquer outros
assuntos e, ainda, a falta de conhecimento da mãe sobre os conteúdos da higiene.
Apresentava-se, ainda, a melindrice, ou seja, uma fase em que a criança está mais
suscetível a influências ruins e boas. Seriam aproveitados, portanto, esses dois
aspectos, negativo e positivo, da criança para o ensino da higiene.
Oliveira é mais enérgico em seu ponto de vista, quando revela que: “fallar
em educação sanitária é lembrar que ella é irrealizável sem formação de hábitos
sadios, que estes se formam na creança e se tornam tanto mais difficeis com a
39
evolução da idade, para se tornarem quasi irrealizaveis na idade adulta” (OLIVEIRA,
1929, p. 802). Fica claro que o papel da infância para a higiene era consenso entre
os congressistas ligados à higiene e à educação.
Para tanto, a escola entra em cena como principal lugar de intervenção para
os preceitos higiênicos, ou seja, “nas escolas a acção sanitária vae encontrar
reunidas as crianças, o que multiplica os effeitos e facilita os resultados, sobretudo
por ser esse o momento mais propicio para todas as fórmas de educação”
(FONTENELLE; PARREIRAS, 1930, p. 7).
É esse pensamento que cooperava para a inserção do médico nas escolas,
tendo em vista que “é necessario que o medico dedique uma grande parte do tempo
á obra escolar. Pode-se dizer com segurança que em nenhuma phase do trabalho, o
esforço consciencioso produz resultados mais compensadores” (JANNEY, 1926, p.
250). Seriam os médicos os principais veiculadores da higiene para as crianças, pois
eles estavam familiarizados com os problemas da higiene escolar.
No entanto, o médico não se contentaria com a simples teorização e
divulgação dos preceitos da higiene para as escolas, ele reclamaria por um lugar na
prática escolar: como inspetores escolares, delegados de ensino e, posteriormente
inspetor médico-escolar. Como na I CNE, a inspeção médico-escolar é debatida
sobre sua principal função frente à escola: “esta inspecção deve incluir os dados de
cada creança com relação à familia e a seus antecedentes, o desenvolvimento e os
defeitos physicos das creanças. Deve tambem ser levado em conta que o verdadeiro
objectivo da inspecção medica, é corrigir os defeitos physicos, e não meramente
obter uma serie de informações que tomam muito tempo e não tem a menor
influencia sobre a saude da creança no futuro” (JANNEY, 1926, p. 250).
Na I CNE ficou muito clara a crítica feita sobre os usos equivocados do
cargo de inspetor médico-escolar que se repete no I CBH e no III CBH, quando
Waldomiro de Oliveira apresenta as conclusões de sua tese. Na 7.ª conclusão, a
principal função da Inspeção médico-escolar é delineada: “os serviços de inspecção
medico-escolar, têm por fim essencial auxiliar a diffusão da instrucção sanitaria,
cooperar na assistencia sanitaria, portanto são elementos de grande valor na
formação de hábitos sadios” (OLIVEIRA, 1929, p. 810).
A formação de hábitos sadios nas crianças foi um 9Tm2emas privilegia9Tmno
III CBH, nos seus pontos de vista psicológico, pedagógico e higiênico. Foram
40
quatorze exposições sobre o tema, além do parecer do Dr. Fontenelle (1929, p.
937), que apresentou como síntese o trecho a seguir:
A escola primaria tem que actuar de varias formas: pelo meio, como possibilidade
da execução dos actos sadios (perfeito fornecimento de água, boas installações de
latrina, lavatórios convenientemente apparelhados, etc.); pelo exemplo da
professora instruída em hygiene e educada sanitariamente (como tão bem
assignala o Dr. Colombo Spinola); pela organização dos trabalhos sem attentado
aos dogmas da hygiene; e muito particularmente, pelo esforço ahi feito para
inculcar bons hábitos de saúde, physica e psychica, entre os quaes incluídos os
exercícios physicos ao ar livre.
No entanto, esse processo de tornar a escola um exemplo, lugar afastado
dos vícios, doenças, sujeiras é lento e apenas parcial. Rocha (2003b) revela, quando
estuda o contexto paulista, o descaso do governo em relação aos graves problemas
sanitários que assolavam o Estado de São Paulo, o que é percebido também no
Estado do Paraná, no qual permaneceram por muito tempo escolas em precárias
condições de higiene e de funcionamento, sem nenhuma intervenção do governo.
Voltando ao parecer de Fontenelle, tem-se o espaço da escola como lugar
de aplicação e, consequentemente, aprendizagem dos atos sadios, incorporando
principalmente as noções de higiene para os espaços, a formação dos professores e
a inculcação de modos mais adequados ao ambiente escolar. Para a aquisição
desses hábitos e desenvolvimento da capacidade de compreensão e adaptação,
Rocha (2003b, p. 187) apresenta a educação sanitária como meio que “deveria
ancorar-se em vários elementos concretos, configurados num conjunto de práticas
que deveriam se instituir no cotidiano da escola, conformando os corpos e as
mentes dos alunos”. Nesse sentido, a educação pelo hábito foi apresentada como
um método pedagógico eficaz:
Na pedagogia, de todos os modernos methodos de educação, o que na pratica tem
dado resultados mais rápidos e efficazes é certamente o da educação pelo habito.
Haverá, por acaso, logar mais próprio para incutir na creança o habito salutar da
hygiene buccal, do que a escola? Haverá força mais activa sobre o espirito da
creança, do que a palavra de seu mestre? São os hábitos adquiridos em creança
que perduram pela vida inteira e, portanto, é na escola que deve ser iniciada a
educação hygienica das creanças, efficientemente secundada em casa, pelos paes
que, por sua vez, devem ser tambem instruidos sobre os preceitos hygienicos
dentarios (HERMANNY FILHO, 1929, p. 911).
Nesse caso, o hábito em pauta é a higiene bucal e a assistência dentária
escolar aplicada às crianças, mas com pretensões de se chegar à sua família. Isso
41
porque “por meio das crianças procurava-se, desse modo, atingir as suas famílias,
ensinando-lhes um padrão de vida civilizado, expresso em práticas desejáveis de
asseio pessoal e de vestuário, higiene do lar, alimentação e cuidados dos filhos”
(ROCHA, 2003b, p. 147). O que justifica, então, os conselhos de higiene
apresentados no I CBH, com a intenção de extensão da vida da criança na escola
para seu lar e para o espaço da rua:
CONSELHOS FUNDAMENTAES
1º - Viver o mais longamente possível ao ar livre, ou em lugares onde o ar não fique
parado e quente.
2º - Dormir ao ar livre, si puder, ou, pelo menos, com as janellas do quarto sempre
abertas.
3º - Evitar o vestuário muito quente e apertado, preferindo as roupas leves, porosas
e claras.
4º - Ao deitar e ao levantar, respirar profundamente ao ar livre ou deante da janella
aberta.
5º - Evitar os excessos de comida e variar o mais possível a alimentação.
6º - Comer devagar, mastigar cuidadosamente e repousar antes e depois da
comida.
7º - Regularizar as horas de refeições e as evacuações intestinaes.
8º - Asseiar a pelle diariamente com sabão e cuidar dos dentes, escovando-os de
manha e á noite.
9º - Evitar a longa immobilidade, exercitando diariamente todos os musculos e
conservando uma bôa attitude do corpo.
10º - Trabalhar, divertir-se, descançar e dormir com equilíbrio e moderação.
11º - Preservar-se de venenos e infecções, evitar o convívio com os animaes e
proteger-se contra as picadas dos insectos.
12º - Evitar as emoções violentas e as preoccupações excessivas, procurando
desenvolver a vontade, sobretudo para refreiar os movimentos impulsivos (SINNS;
REZENDE, 1926, p. 26).
Esse trecho se assemelha ao excerto da revista O Ensino no início deste
capítulo, o “A. B. C. da Hygiene Escolar”, onde os conteúdos deveriam ser
ministrados, letra por letra, a8nmelr iii
42
propriamente dita o trabalho extra-escolar do professor não é menos importante
(SPINOLA, 1929, p. 864).
A função de exemplo que o professor exerceria frente aos alunos era, com
freqüência, lembrada pelos congressistas. O papel do professor, atribuído por
Spinola, de chamar a atenção dos médicos de família, dos sacerdotes e dos
jornalistas em prol da campanha do ensino da higiene, extrapolava as ações do
professor em sala de aula – o trabalho extra-escolar do professor – atribuído,
possivelmente, pela necessidade de abarcar um número maior de participantes
nessa campanha, tendo em vista alguns motivos que concorriam para a dificuldade
do saneamento do país, como os motivos apresentados por Fraga (1926, p. 19): “em
verdade, múltiplos são os factores que concorrem para difficultar o saneamento do
Brasil. A vastidão territorial, a população deficiente, a barragem dos recursos
financeiros e o analphabetismo. Principalmente este esmaga na influencia negativa”.
O termo “população deficiente” foi utilizado por Fraga por causa do grande
contingente de pessoas sem instrução. Esse motivo aparecia como consenso entre
os detentores do conhecimento, fazendo parte do discurso desses agentes há pelo
menos meio século. A deficiência da população associada à sua “ignorância”,
conseqüência do analfabetismo e da falta de instrução aparecia com estrema
freqüência como as principais razões do atraso do país.
Portanto, a educação era a “pedra de toque” na campanha de saneamento
nacional, apontada como o assunto de maior relevância para a organização
sanitária, o da educação sanitária: “a relevância do assumpto culmina, entrelaça
com todos os outros e é a base de toda a organização” (OLIVEIRA, 1930, p. 137).
Isto é, a educação poderia intervir em diferentes pontos e culminaria na melhora do
Brasil, embora não fossem dados tantos créditos quanto mereceria, segundo a fala
de Ferreira (1928, p. 55):
A Hygiene e a Instrucção, a primeira ainda mais do que a segunda, pela própria
feição immaterial, de melhorar o physico e o intellecto humanos, são as irmãs
borralheiras a quem incumbe pesado trabalho e que na hora da festa deixam-se
ficar afastadas, sozinhas na humanidade das vestes surradas. Não temos placas
inauguraes. Os olhos de toda gente não vêm os resultados.
Essa união entre a higiene e a instrução permaneceu no decorrer de todo o
trabalho, nos diferentes momentos e ações, sendo até percebidas como
43
indissociáveis e a escola primária vista como “o verdadeiro instrumento de diffusão
da educação hygienica” (ALMEIDA JUNIOR, 1929, p. 821). Sendo assim, os
conteúdos nas escolas deveriam ser de cunho higiênico, seguindo as propostas dos
congressistas, ou na forma de instituição de uma reforma, como propõe Fialho
(1930, p. 62), integrando a higiene como peça-chave: “ha que se reorganisar o
ensino, renovar o systema educativo, na organisação hygienica della tudo se há de
fazer para impedir a fadiga psychica”. A proposta de reorganização do sistema de
ensino para a inclusão da higiene nas escolas aparece de forma acentuada pelo
autor, visto que a justificativa para uma reforma do ensino se apoiaria na higiene
como forma de organização; ou a obrigatoriedade do ensino de noções de higiene e
profilaxia nas escolas, proposta por Guimarães (1926), ou ainda pela proposta do
Dr. Afrânio Amaral:
É mister que se lhe ensine a ler, mas ler em livros que tratem também de coisas de
prevenção de moléstias, que ministrem conhecimentos de cuidados e habitos
hygienicos no viver, no comer, no dormir, em todos os actos individuaes,
insuladamente ou em suas relações com a collectividade.
(...) cogitar-se de instrucção publica e de hygiene a um só tempo, indicando-se, por
exemplo, no decorrer mesmo dos exercicios escolares diários os aspectos diversos
da hygiene pessoal e colectiva. Gravados que sejam na infancia, taes
conhecimentos servirão de semente que germinará, de exemplo que se propagará,
de incitamento que beneficiará, deste ou daquelle modo, ás gerações vindouras e
contribuirá seguramente para o successo final das campanhas sanitarias em que
estamos todos empenhados por igual.
(...) E, finalmente, é a ignorancia, a maior causadora da estagnação em que se
encontra mais de metade do nosso immenso território. (AMARAL, 1930, p. 30-31).
Higiene pessoal e coletiva, essa era a lição diária que em todos os
momentos que conviesse deveria ser dada, independente da disciplina escolar, pois,
segundo Oliveira (1930), logo acima, a higiene se entrelaçava com todos os outros
conteúdos. Com isso, a reafirmação, como visto anteriormente, do sucesso que a
educação higiênica poderia trazer ao país, como fruto das campanhas sanitárias e a
propagação desses conhecimentos para o ambiente familiar da criança e, assim, a
sucessão dos preceitos para toda a população, mesmo que a longo prazo.
Nas palavras de Amaral ainda pode-se perceber a permanência de um
discurso da elite quando ele ressalta a ignorância do povo brasileiro como a
causadora do atraso do país, um discurso que já foi anunciado pelo menos
cinqüenta anos antes e que continuava a ser foco das críticas de intelectuais
44
brasileiros, demonstrando como aquela “modernidade” presente constantemente nos
discursos desde meados do século XIX demorava a se instaurar no país.
Como se viu, a educação apareceu com grande freqüência nas teses dos
congressos brasileiros de higiene, apresentando uma proporção considerável em
relação aos outros temas, como visto no quadro 2. No I CBH, onde totalizaram 77
trabalhos, 3 traziam em seu título a educação e 9 em seu conteúdo. No II CBH, das
27 teses, 5 tratavam das questões da educação, sendo que no III Congresso, por
constar como um dos temas a formação de hábitos sadios nas crianças, a proporção
se apresentava mais elevada, totalizando, dos 82 trabalhos, 18 sobre o tema da
educação. Com isso, abrangeu aproximadamente 22 por cento do total das teses do
congresso, número maior do que na I CNE, a qual tratou do tema da higiene
associada à educação em 20,35 por cento das teses. Já no V CBH, dos 59
trabalhos, 10 se referiram à educação e, entre esses, 2 traziam em seu título a
educação como objeto de estudo. Esses dados quantitativos ajudam a aproximar da
dimensão que a temática da higiene e educação tiveram naquele momento, fazendo
parte da preocupação de diferentes intelectuais, de diferentes áreas de atuação e
com diferentes propostas, mas todos com o fim de sanear o país e higienizar a
população.
1.2 ESCOLARIZAÇÃO E HIGIENE: TRAÇOS DAS IDÉIAS NO CONTEXTO
PARANAENSE
Embora o foco do presente trabalho seja a cidade de Curitiba, é difícil
dissociar as propostas de escolarização e higiene do contexto estadual. Portanto,
apresentam-se aqui as idéias e proposições direcionadas ao Estado do Paraná, mas
dando ênfase ao contexto da sua capital.
O período que vai do final do século XIX à terceira década do século XX
representou, para Curitiba, uma época de grandes transformações estruturais,
populacionais e, pode-se dizer, comportamentais. Com a chegada de novos
habitantes, principalmente imigrantes italianos, alemães e poloneses
25
, houve um
25
Sobre o movimento de imigração no Estado, ver Boni (1985, p. 12), que demonstra que “a
imigração no Paraná não teve por objetivo suprir a carência de mão-de-obra para a grande lavoura de
exportação, mas sim, o de criar-se uma agricultura de abastecimento, uma vez que a economia da
45
aumento populacional significativo. Isso fez com que o número de habitantes
passasse de 54.124 em 1900 para 60.800 em 1910 e em 1920 chegasse a 78.986
habitantes (BONI, 1985, p. 15).
A estrutura provinciana da cidade precisava de modificações para receber
esse novo contingente populacional, envolvendo o aumento da demanda por
trabalho e por habitação. No recenseamento realizado em 1920, foi acusada a
existência de fábricas têxteis, couros, madeira, metalurgia, cerâmica, produtos
químicos, alimentação, vestuário e toucador, mobiliário, edificação, aparelhos de
transportes, produção e transmissão de forças físicas relativas às ciências, letras e
artes, indústrias de luxo e outras no município de Curitiba, totalizando 8.017
empregados.
Com o crescimento demasiado da população, problemas como a
precariedade das condições de alojamento, a insuficiência de infra-estrutura
sanitária, insalubridade, epidemias e as próprias condições topográficas da cidade,
saltavam aos olhos dos administradores paranaenses como principais problemas
para imediata intervenção, visto que, com essas características, Curitiba se tornava
uma cidade de higiene precária, suscetível à transmissão de doenças.
Era preciso agregar novas concepções de urbanidade para uma cidade
ainda com características provincianas. Conforme Berberi (1998, p. 1), “propunha-se
uma nova arquitetura e uma urbanização começava a ser praticada, pois o novo
devia suceder ao velho em tudo o que fosse possível, indicando que se caminhava
para o futuro”. Com isso surgiram, em Curitiba, projetos de reestruturação de ruas,
praças e prédios públicos. A reurbanização da cidade, nesse momento, se confundia
com sua higienização:
para isso, requeria não só a renovação estética, alargando ruas, ajardinando
praças, cuidando de fachadas, requeria, principalmente, limpar a cidade e expulsar
para longe do espaço, que se pretendia purificado, toda uma forma de existência
miserável e fétida que se amontoava como o lixo nos velhos casarões.
Reurbanizar implicava, também, em afastar do espaço refinado, dos “olhos e
narizes” das senhoras e cavalheiros que compravam suas echarps, luvas de pelica
e gravatas da última moda parisiense no “Chic de Paris” ou ia ao “Cinema Smart”, a
população pobre, suja e feia (BONI, 1985, p. 48).
Província e depois Estado, em grande parte, girava em torno da atividade ervateira e do comércio de
gado”.
46
A autora mostra os dois opostos da cidade: de um lado a elite curitibana, de
alto valor aquisitivo e de outro o pobre e o miserável. Essa diferenciação deveria ser
aplicada ao meio urbano, demarcando os espaços, destinando os lugares para cada
um dos grupos, “marginalizando” o pobre, e “centralizando” o rico. O pobre
significava sujeira, doença e insalubridade.
Vigarello (1996, p. 211), ao estudar o contexto parisiense dos séculos XVII a
XIX, já dizia que, para a Paris do século XIX, “impõe-se, enfim, uma associação com
uma insistência desconhecida até então: a limpeza do pobre e o aval de sua
moralidade, seria ainda a garantia de uma ‘ordem’”. O que acontecia aqui no Brasil
era próximo da realidade parisiense: essa associação da pobreza com a sujeira,
tendo como principal alvo da reforma dos costumes, os pobres (ROCHA, 2003b, p.
102). Assim,
ambição complexa e totalizadora ao mesmo tempo, uma vez que, do asseio da rua
ao das habitações, do asseio dos aposentos ao dos corpos, o objetivo não é outro
senão transformar os costumes dos mais desfavorecidos. Eliminar seus “vícios”
supostos, latentes ou visíveis, modificando suas práticas corporais. (VIGARELLO,
1996, p. 210).
Para o combate ao sujo, à falta de higiene, recursos para a educação
higiênica da população curitibana eram pensados pelos agentes de saúde pública.
Uma das formas era a visita domiciliar sistemática das autoridades sanitárias,
buscando “vistoriar as habitações, incentivando o asseio, os hábitos saudáveis, o
cuidado com os doentes” (BONI, 1985, p. 41-42).
Com isso, buscava-se a modificação de hábitos e comportamentos que se
adequassem à “nova” cidade que surgia. Cidade que refletia e era refletida para e
nas ações da população, como um movimento de circularidade, tendo em vista o
entendimento de De Decca (1990, p. 7) de que “a cidade é aquilo que as pessoas
vivem enquanto experiências individuais ou coletivas, aquilo que acaba sendo
gravado na memória e que a linguagem é capaz de instituir através de uma
intrincada relação entre sensações, sentimentos e coisas”.
A vida em uma cidade que passava pelo movimento de reurbanização,
envolvendo a conformação dos espaços, trazia conhecimentos às pessoas, que
acabavam introjetando estes conceitos no seu cotidiano. As modificações realizadas
no espaço urbano da cidade de Curitiba acabavam por propor novas formas de
47
comportamento, ou seja: “viver em uma cidade deste porte é viver em meio a
normas que interferem no cotidiano dos indivíduos. Se o espaço é delimitado, sua
circulação também o é, às vezes por leis, outras por normas sociais. O habitante da
cidade moderna vive numa malha de relações e situações que tendem a conformar
seu modo de viver” (BERBERI, 1998, p. 30).
Além da experiência cotidiana do espaço urbano, o espaço da escola era
visto como exemplar para o reconhecimento desses novos saberes para as crianças
e, por extensão, à sua família. Para isso, era preciso que os professores e diretores
tomassem consciência da importância da higiene e tantos outros assuntos
relevantes para a educação, tendo em vista um universo ampliado da cidade e das
transformações pelas quais passava.
Essa era uma das motivações do agrupamento de intelectuais em eventos
destinados à discussão de idéias para a educação e a cidade. Essa relação –
educação e cidade – nos congressos de educação e higiene, em diferentes
proporções, apareceu como preocupações de uma época de sucessivos e
inovadores acontecimentos.
Como bem mostra Bona Junior (2005, p. 68):
De todos os problemas apontados no Congresso de Ensino Primário e Normal e da
I Conferência Nacional de Educação como impedimentos ao progresso nacional do
Brasil – tal como a falta de uma unidade nacional que possibilitasse a superação do
atraso científico-cultural deste país, juntamente com a falta de educação científica,
moral e cívica de sua população – o problema higiênico-sanitário figurou como o
principal. Tratava-se o brasileiro, por extensão, o Brasil como doentes e incapazes
de se erguerem sem que fosse exercida sobre eles uma ação externa.
O binômio educação e higiene fazia-se presente e tinha grande ênfase nos
congressos de educação. Como já visto na I CNE, foi freqüente o assunto da higiene
nas teses. Em menor proporção, mas com uma presença marcante, a temática da
higiene associada à educação apareceu no I Congresso de Ensino Primário e
Normal (CEPN), promovido pela IGE do Estado do Paraná, em 1926, e sediado na
cidade de Curitiba, de caráter regional.
O CEPN foi realizado de 19 dezembro – em homenagem ao 73.º aniversário
da emancipação política do Paraná – a 22 de dezembro, tendo como objetivo “tratar
exclusivamente, de assumptos pedagogicos que interessam á unidade e ao
melhoramento do ensino publico e particular ministrado no territorio paranaense”
48
(INSPETORIA GERAL DE ENSINO, 1926a, p. 1). O evento contou com três
comissões: de ensino normal, de ensino primário (infantil e superior) e de ensino
particular.
Esse evento teve um número alto de participantes, visto que a
obrigatoriedade da participação dos chamadosmembros naturaes” do congresso,
listados a seguir, pode ser comprovada no Regulamento do CEPN: “Todos deveram
comparecer ás sessões do Congresso, salvo motivo de força maior devidamente
justificado” (p. 4). Fizeram parte do CEPN:
a) dos directores, lentes, professores das Escolas Normaes do Estado,
comprehendidos os professores das respectivas Escolas de Applicação;
b) dos directores e professores das escolas complementares;
c) dos directores e professores dos collegios particulares;
d) dos directores e professores dos grupos e casas escolares do Estado;
e) dos professores normalistas, effectivos, provisorios e subvencionados das
escolas isoladas e ruraes do Estado;
f) dos directores e professores dos jardins de infância, publicos e particulares;
g) dos interessados em geral pela causa do ensino (INSPETORIA GERAL DE
ENSINO, 1926a, p. 1).
Portanto, como aponta Bona Junior (2005, p. 6), tanto esse congresso como
a I CNE “reúnem não somente as propostas do governo do Estado do Paraná e da
ABE que, enquanto proponentes dos eventos, dirigiam as discussões por meio de
regulamentos, mas também a contrapartida dos professores e demais participantes
que trouxeram para os debates as peculiaridades de suas regiões, bem como aquilo
[que] entendiam como problemas educacionais relevantes”.
A experiência do professor aqui foi colocada em cena, como uma outra
possibilidade de leitura do cotidiano escolar e, com isso, de leitura dos principais
assuntos para a educação no Estado. Essa experiência dos professores, no dia-a-
dia escolar foi explorado no CEPN, para procurar suas peculiaridades e tentar
abraçar todos os assuntos importantes para debate naquele momento, até porque o
CEPN esteve inserido num momento em que intensificaram-se esforços e
investimentos na área educacional no Estado do Paraná (BONA JUNIOR, p. 2),
assim como de efervescência para o assunto da higiene no Estado.
Ao mesmo tempo em que se reformavam ruas, praças e edifícios, escolas
eram implantadas no território curitibano. Uma nova fase de reformas urbanas
iniciou em 1913, quando da administração do prefeito Cândido de Abreu: “todo o
49
centro é pavimentado com paralelepípedos, a Rua XV e a Barão do Rio Branco
alargadas, os bondes puxados a mulas são substituídos pelos bondes elétricos, o
Passeio Público passou por uma ampla reforma (...)” (BARZ, apud BERBERI, 1998,
p. 40).
Em meados da década de 1920, a Rua XV de Novembro, que já era
considerada como a mais importante da cidade, recebeu asfalto entre as ruas
Garibaldi e a Praça Osório. “Aliás, em 1921, as ruas de Curitiba em 20 quilômetros
lineares já haviam recebido macadame, outros 20 quilômetros lineares, calçamento
de paralelepípedos e 4 quilômetros de pedras irregulares, de modo que, em grande
parte, estava superado o problema dos lodaçais em épocas de chuvas” (ANDRADE,
2002, p. 22).
Essas obras urbanas começaram, na verdade, no século XIX, com a
chegada de D. Pedro II ao Paraná.
A Curitiba do início do século XX apresentava uma paisagem muito diferente das
décadas anteriores, em função das transformações urbanísticas que tiveram início
com a vinda de D. Pedro II, em 1880, para inaugurar o início das obras da estrada
de ferro Curitiba-Paranaguá. A primeira intervenção urbana aconteceria sob a
orientação do engenheiro Pierre Taulois, imigrante francês que viera para os
primeiros núcleos de colonização, em 1860, para o interior do Paraná e depois para
Curitiba. Foi dele o primeiro alinhamento das ruas da cidade, buscando manter um
paralelismo entre elas. Outro francês, o arquiteto Barão do Plat, foi responsável
pelo projeto da igreja matriz, construída em 1876, inspirada no estilo gótico da
Catedral de Barcelona (ANDRADE, 2002, p. 18-19).
Já no setor educativo, desde o início do século XX o governo despendia
esforços para a reforma do ensino. O regulamento de 1901 era frequentemente
criticado, sendo que houve várias tentativas de substituí-lo, o que aconteceu apenas
com a reforma Azevedo Macedo, em 1914, que deu origem ao Código de Ensino de
1915. O Regulamento de 1901 era frequentemente criticado nos relatórios do
ensino, compreendido como símbolo do atraso do ensino paranaense, apresentando
características como “incompleto, defficiente e anachronico, está a reclamar sua
aposentadoria, dando logar a outro onde o problema seja explanado de accordo com
a vasta acção dominante, que se accentua cada vez mais célebre nos methodos e
nos processos” (SANTOS, 1912, p. 3), como argumenta o Diretor Geral de Instrução
Pública ao secretário dos Negócios do Interior, Justiça e Instrução Publica, Marins
Alves Camargo, em 1912.
50
Anteriormente a reforma da Instrução Pública já era reclamada pelo também
Diretor Geral da Instrução Pública do Estado, Reinaldo Machado
26
, no ano de 1904:
“o actual Regulamento [de 1901], a pratica o tem demonstrado, é eivado de vícios,
absolutamente não está de accordo com os actuaes progressos do Estado, e com
os modernos conhecimentos da pedagogia. Há necessidade de substitui-lo por outro
mais de accordo com as nossas condições actuaes” (MACHADO, 1904, p. 47).
Finalmente, em 1915 foi publicado o Código de Ensino e logo em seguida foi
posto em prática nas escolas paranaenses, incorporando “o assiduo cuidado no
apparelhamento das escolas, com o prompto fornecimento de mobiliario e
adaptação de casas escolares, do recenseamento da população escolar e da
proveitosa permanencia na capital do importante Estado de S. Paulo da missão de
professores paranaenses que, nos grupos escolares, se aprofundaram nos
modernos methodos de educação pedagogica” (SANTOS, 1916, p. 1). No próximo
capítulo é possível verificar que a fala do Secretário do Interior, Justiça e Instrução
Pública apresenta algumas contradições quanto à realidade apresentada nas
escolas de ensino primário público.
Uma das ações previstas no Código de Ensino em vigor seria o
recenseamento escolar, feito pelo serviço de estatística aplicada às escolas de
forma intensa, pelo fato de se compreender que não existia administração sem
estatística (GOMES, 1917, p. 183). Assim, o delegado do ensino da capital destaca
os objetivos desse serviço, que propunha reunir dados sobre:
a) população em idade escolar, attendidos o sexo, a idade, a capacidade physica e
mental;
b) matricula e frequencia dos estabelecimentos de ensino publico;
c) numero, séde, grau e classe das escolas publicas;
d) numero, grau, séde, denominação dos estabelecimentos e respectivo pessoal,
director e docente com especificação de funcções;
e) matricula, nome, sexo e grau de instrucção dos alumnos das escolas publicas e
particulares;
f) numero de alumnos que concluiram o curso nas escolas de ensino primario,
secundario, superior e profissional (GOMES, 1917, p. 186-187).
26
Reinaldo Machado nasceu em São Francisco (SC), em 1868. Em 1888, seguiu para o Rio de
Janeiro, onde se formou na Faculdade de Medicina em 1895. Voltou ao Paraná, para as cidades de
Rio Negro e da Lapa, onde clinicou. Em maio de 1902, foi nomeado, por concurso, para a cadeira de
História Natural do Ginásio Paranaense e Escola Normal. Dois anos mais tarde, foi nomeado
interinamente Diretor Geral de Instrução Pública, permanecendo no cargo por apenas um ano.
Faleceu em 1918 (SOUZA, 2004).
51
Como as ações previstas para o serviço de recenseamento escolar
abrangiaa
52
e a moral como solução para a extinção da “ignorância” do povo paranaense e o
papel do professor na transmissão dos conceitos higiênicos aos alunos.
A 16.ª tese apresentada, intitulada “A higiene na escola: sua utilidade no
ensino”, do Dr. Heitor Borges de Macedo, e o parecer sobre ela, apresentado por
Joaquim Meneleu Torres, infelizmente não foram encontrados. A única informação
existente sobre essa tese é que seu parecer foi aprovado por unanimidade, segundo
consta na ata do evento (INSPETORIA GERAL DE ENSINO, 1926b, p. 64).
A professora Tharcilla Chapot, em sua tese intitulada “73.º aniversário da
emancipação política do Paraná”, que, como consta na ata oficial do congresso,
cumpriu o papel de “um trabalho relativo a todas as teses do congresso” (1926,
s.p.), atribui à educação sob o ponto de vista higiênico a solução da “ignorância” da
população do Estado do Paraná, bem como para a redução da proliferação das
doenças.
A ignorância nos levou a esse estado deplorável em que nos encontramos e só a
instrução e a educação sob o ponto de vista higiênico, desde a escola primária,
reduzirão o número de doentes.
Os conhecimentos e hábitos adquiridos na infância, jamais serão esquecidos, e as
crianças de hoje serão os chefes futuros de uma família orientada e previdente.
O mestre está moralmente obrigado a incutir no espírito infantil, os instrumentos
higiênicos de cuja prática depende a vida do povo brasileiro. E nenhum se furte a
esse dever; o saneamento é o maior moralizador e patriótico das tarefas impostas
ao professor.
Não nos faltam, saúde e bom clima, mas educação e instrução.
Se o povo se compenetra das vantagens que auferirá com o conhecimento e a
prática da higiene, teremos dado o maior passo para o progresso do Brasil (s.p.).
Novamente aparecem aqui as relações entre a higiene escolar e o progresso
do povo e, principalmente, o papel da infância nesse quesito. Pode-se afirmar que
houve em comum em todos os congressos analisados, tanto os de educação,
quanto os de higiene, a idéia de nacionalismo, a busca do progresso do país, do
melhoramento da vida do povo brasileiro por meio, entre outras coisas, da higiene e
da educação. Os congressos aconteceram todos na década de 1920, período de
grande efervescência do sentimento nacional e, para o ensino, da unidade nacional
e sua obrigatoriedade. Outro problema que justificava a criação da unidade nacional
pelo Estado era a ameaça pela presença progressista de imigrantes, enfim, “a
difusão da instrução primária e a criação de um sistema nacional de educação eram
53
exigências de muitos discursos da época, baseados no que já existia em países
europeus” (SCHENA, 2002, p. 13).
Um dos fatores atribuídos nos congressos para a conquista da unidade
nacional no ensino era a uniformidade dos hábitos e comportamentos dentro de sala
de aula e, consequentemente, fora dela. Para isso, a higiene apareceu como a
“pedra de toque” para a escola, como o alicerce para a conquista de uma melhora
na escola e na imagem dela perante a sociedade.
Quanto à higiene, nada impede que a sala de aula seja pobre de madeira tosca;
pode ela ser, entretanto asseada: o professor hábil aproveita-se de tudo para
melhora-la e embeleza-la.
Na parte concernente à higiene pessoal dos alunos é mister ser criterioso,
aconselhar-lhes em particular e, em caso algum, perante a classe, pois os pais
facilmente se melindram neste ponto (FALLARZ, 1926, s.p).
O autor da tese fala especificamente da escola isolada em seu trabalho,
embora, como se percebe em relatórios dos inspetores escolares, dos professores e
do próprio inspetor geral de ensino, documentos analisados no próximo capítulo,
essas noções são consenso para todos os tipos de escolas: isoladas, agrupadas,
grupos escolares, particulares, profissionais e estrangeiras, de ensinos primário,
secundário e superior.
É importante perceber no trecho citado anteriormente a peculiaridade da fala
do autor. Ele insiste que não importa o local do ensino, suas condições estruturais e
materiais, mas importa sua condição de salubridade, com adendo para a estética do
espaço, mas principalmente à higiene dos alunos. Outro congressista, Prof. Meneleu
Torres, ao emitir o parecer sobre essa tese, intitulada “Normas de proceder de um
professor de escola isolada”, concorda com o autor da tese, quando se referiu,
provavelmente ao trecho acima, dizendo que Fallarz “lembra que a higiene da escola
não depende do conforto do prédio; é a higiene dos alunos, da riqueza em
abastança destes” (TORRES, 1926, s.p.).
Como será visto posteriormente, diferente dessas falas, a higiene dos
prédios, do ambiente da sala de aula, os mobiliários, tinham grande peso nas
discussões sobre a higiene escolar. A importância do espaço escolar bem
conservado, para servir de parâmetro para a criança, de modelo de higiene, limpeza
e organização aparecia com freqüência nas falas dos defensores da higiene escolar,
54
assim como a função do professor e do médico escolar para o ensino dessas
noções às crianças, como mostra a professora Tharcilla Chapot:
A assistência médico-escolar consiste em: vigiar o desenvolvimento das crianças,
medir-lhes o crescimento e acuidade dos sentidos, auxiliando a natureza, quer
evitando excessos, quer lhes fornecendo remédios e outros corretivos, tal é a tarefa
dos médicos em relação aos alunos, tarefa acrescida de outros não menos
importantes e graves, combate aos defeitos originados por uma posição viciada e
longamente mantida, como a escoliose, a cifose e a miopia etc (CHAPOT, 1926,
s.p.).
Aos médicos eram direcionadas as funções de cuidados quanto às doenças,
ou seja, a inspeção da saúde dos olhos, boca, nariz, ouvidos – órgãos dos sentidos
– e a postura corporal em relação à carteira escolar, enfim, “instrumentos” para o
aprendizado da criança e, além do acompanhamento, no termo incisivo da autora da
tese, “vigilância” do desenvolvimento de cada aluno durante a idade escolar. Quanto
ao professor, suas funções, pode-se dizer, eram outras, embora complementares:
cumpre ao professor, em primeiro lugar passar revista corporal e fazer repetir o
alfabeto da saúde, isto diariamente como faço.
Ensinar à criança as regras de: comer, beber, de andar, de banhar-se, de vestir-se,
de escolher a habitação, e até de trabalhar; pois a alimentação sadia, o exercício e
o trabalho moderados, o asseio e o vestuário, e a casa batida de sol são as
condições exigidas para o bem estar do corpo. Compete ainda ao professor,
ensinar a origem das moléstias e o meio de evitá-las (CHAPOT, 1926, s.p.).
Ao professor era direcionada uma grande responsabilidade para o ensino da
higiene nas escolas, uma vez que ele era o agente que convivia diariamente com os
alunos e, por isso mesmo, deveria ser o exemplo. Sua ação era bem sistemática,
tendo em vista que deveria fazer a revista corporal de cada aluno todos os dias
antes do início das aulas, que se limitava, na maior parte das vezes, na procura por
piolhos e da vistoria do asseio das mãos, principalmente unhas. Muitos professores
ainda tinham o cuidado de inspecionar as vestes de cada aluno, percebendo sua
limpeza e suas condições de uso (rasgos nas roupas também eram sinais de
descuido quanto à higiene).
Depois da vistoria diária, cabia ao professor o ensino das noções de higiene,
feito, como menciona a professora, com a repetição do alfabeto da saúde, o qual,
pelo que tudo indica, é o mesmo apresentado no início deste capítulo na forma de
55
epígrafe, intitulado, na ocasião, “A. B. C. da Hyigiene Escolar”, publicado na revista
O Ensino, periódico de uso freqüente dos professores escolares.
Esse periódico, aqui entendido como um meio importante de circulação das
idéias educacionais e, nesse caso, das idéias de higiene no Estado do Paraná para
os professores e diretores das escolas, uma vez que esse material, publicado entre
1922 e 1924, com três números anuais, era distribuído gratuitamente a “todos os
nossos professores e repartições do ensino de todo o Brasil e a quantos se
interessem pela sua publicação” (MARTINEZ, 1924, p. 107). A revista abarcava um
grande número de agentes escolares e publicava “artigos do inspetor geral, dos
subinspetores, professores e normalistas, a revista O Ensino constitui-se como
testemunha imprescindível dos debates em torno da instrução pública e do projeto
formador desejado, já que ela tinha como destinatários os professores do estado do
Paraná” (MORENO , 2003, p.10).
No presente capítulo, selecionou-se apenas os textos referentes à higiene
escolar constantes na revista, os quais, pode-se dizer, tinham um peso grande entre
os assuntos abordados pelo periódico que tinha na IGE sua origem. Em diferentes
momentos, o ensino da higiene era apresentado como de extrema necessidade para
as escolas primárias principalmente, embora tivesse bastante destaque o papel dos
professores para esse ensino, devendo este adquirir os conhecimentos suficientes
de higiene escolar, o que acontecia, não só, mas principalmente, na sua formação
na Escola Normal.
Em 1923, no artigo intitulado “Educação Hygienica - Jogos Infantis” essa
necessidade do ensino da higiene e do papel do professor ficaram evidentes: “torna-
se cada vez mais necessário o ensino efficaz da hygiene nas escolas primarias. É
da obrigação do bom professor tomar a serio o ensino das lições de hygiene, sendo
para isso indispensável que adquira conhecimentos sobre tão palpitante assumpto”
(INSPETORIA GERAL DO ENSINO, 1923, p. 243).
Esse trecho da revista revela importantes questões. Primeiro, a afirmação da
higiene como indispensável para a escola. Segundo, o professor – e não mais o
médico – era considerado o responsável pelo ensino da higiene na escola. Sabe-se
que na Escola Normal a Higiene já se fazia presente muito antes de sua inclusão na
escola primária. No entanto, essa formação não bastava. Por isso, também eram
56
freqüentes as ofertas de cursos de higiene elementar para os professores. Por
último, o papel da revista como difusora dos preceitos da higiene escolar.
Embora, como já se destacou, o professor viesse ganhando cada vez mais
espaço em relação ao ensino da higiene nas escolas, o médico continuava a ter um
papel relevante no ambiente escolar e dessa importância não se duvidava, tendo em
vista as inúmeras referências aos médicos nos congressos e agora, na revista. O
Ensino teve um papel importante na difusão da Inspeção Médico-escolar (IME).
Coincidindo com o período de implantação da revista, a criação do serviço de IME
apareceu com um número significativo de artigos publicados, principalmente pelo
médico Mario Gomes, que assumiu o serviço no ato de sua criação.
Foram relatórios, balanços das inspeções nas escolas paranaenses,
crianças atendidas e medicadas, doenças encontradas, assistência dentária escolar,
enfim, a presença constante da IME nas páginas de O Ensino, que é abordado com
mais precisão no próximo capítulo.
Além de autores inseridos nas escolas paranaenses, contava-se ainda com
traduções de textos de outros países e a participação de autores de outros estados
brasileiros, como é o caso do texto de Fontenelle, em 1924, sobre a Organização
Sanitária Escolar. Nesse texto, Fontenelle procurou discorrer sobre as funções
dessa instituição e descrever, com minúcia, alguns agentes responsáveis pela
higiene escolar: o médico escolar e a enfermeira escolar, sendo que esta
desempenharia o papel de ajudante do médico e ampliadora de seus esforços. Para
isso, deveria fazer inspeções diárias nas escolas, tomar as primeiras providencia em
casos de acidentes e visitar as famílias dos alunos (FONTENELLE, 1924, p.145).
Sobre o ensino da higiene nas escolas, o autor revelou o seguinte:
Assim, é nas escolas que deve ser feito o maior esforço educativo, procurando-se
que viva a criança n’um meio perfeitamente hygienico e cercado de pessoas cujos
habitos são os que se quer incutir como bons. E não sómente obtem-se, por esse
modo, que os habitos do escolar se formem ao influxo desse meio sadio, como
tambem exerce-se por intermedio da criança accentuada influencia no lar e na
familia.
A enfermeira escolar preenche importante funcção na educação hygienica,
collaborando estreitamente com a professora.
O ensino deve ser eminentemente pratico, feito por meio de exemplos e pela
propria maneira de viver na escola. Todas as opportunidades devem ser
aproveitadas como motivos e assumptos para a lição de hygiene, pois que, assim,
produzem impressão muito maior e teem efeitos mais duradouros. A vida escolar é
cheia de motivos para lições praticas: a má posição de pé ou sentada, o desasseio
57
do corpo, o máo estado dos dentes, os resfriamentos, etc. De muita importancia
deve ser o systema de pôr em destaque o conceito positivo de <<saúde>>, em vez
da idéa negativa de <<doença>> (FONTENELLE, 1924, p. 145-146).
Pelas contribuições de Fontenelle, pode-se perceber a proposta da presença
da higiene em todos os momentos no ambiente escolar e, em todas as
oportunidades postas pelos alunos, seus preceitos deveriam ser reforçados. Essas
orientações coadunam com a exposição de Rocha ao referir-se às práticas
exemplares nas escolas:
materializando-se em lugar da saúde [grifo do autor], a escola, aberta à luz do sol e
ao ar, limpa, espaçosa, ordenada e clara, exerceria por si só uma poderosa
sugestão higiênica [grifo do autor] sobre as crianças. Contrastando com a sujeira
dos seus sapatos e das suas mãos, o assoalho limpíssimo e os móveis polidos e
lustrosos ensinaram às crianças a necessidade de limpar a sola dos sapatos e lavar
as mãos. Agindo sobre a tendência à imitação, a escola, impecavelmente limpa e
iluminada, transbordaria a sua ação educativa para o ambiente doméstico (ROCHA,
2003a, p. 47-48).
Essa questão apareceu apenas na forma de proposta, pois, como poderá se
perceber, a realidade escolar era muito diferente dessa. No trecho retirado da
revista, a oposição saúde e doença volta à cena, integrada com a educação
higiênica, por meio do próprio cotidiano escolar. Tendo sempre o foco no aluno,
pretendia-se atingir, com o ensino da higiene:
Pelo habito de perquirir e de examinar, de observar intuitivamente, o alumno,
nessas duas ultimas phases do ensino primário [terceiro e quarto anos], revigorado
pelo desenvolvimento cultural dos sentidos, terá o poder de discernir com nitidez e
clareza aquillo que se lhe ensinar, podendo por isso dispensar, sem prejuizo, a
objectivação, quando esta não fôr, por deficiencia de meios, possivel.
Demais, pontos há, que, pela sua complexidade, como, por exemplo, os das
moléstias e seus agentes, não podem ser convenientemente desenvolvidos,
bastando, apenas, noções muito geraes. (TORRES, 1924, p. 72).
Nesse excerto fica evidente também a importância do aluno para o sucesso
do ensino e da veiculação dos preceitos de higiene nas escolas, pois, tendo os
professores os conhecimentos necessários, como já apontado, a inspeção feita com
rigor pelo médico, sobrava ao aluno a responsabilidade de absorver os
conhecimentos e sistematizá-lo para sua vida afora.
Outra questão interessante que o autor apresenta é o “desenvolvimento
cultural dos sentidos” que os alunos dos terceiro e quarto anos do ensino primário
58
apresentariam, já adquirido pela criança por meio da escola. A educação dos
sentidos, pode-se entender, contribuiu de forma significativa para a inculcação de
hábitos higiênicos na população escolar, sendo que a saúde se transformaria na
própria cultura no ambiente escolar.
No Estado do Paraná, o CEPN teve papel importante na circulação das
idéias da educação e higiene para as escolas, contando com um número
relativamente grande de participantes envolvidos diretamente com o ensino,
dividindo informações de suas experiência individuais nas teses dos congressos e
retornando aos seus postos portando conhecimentos novos e experiências outras.
Já o periódico O Ensino serviu de meio condutor das informações sobre a
temática da higiene para os diretores e professores escolares e interessados pela
causa da higiene e educação para todo o Estado, exercendo, então, um papel de um
canal de diálogo entre os diversos agentes escolares.
Embora fosse de grande valia para um trabalho como este a investigação de
como os conhecimentos aqui apresentados chegaram e foram recepcionados na
escola (ou de que forma chegaram), nos próximos capítulos esses elementos são
apresentados apenas de forma parcial, apesar de se reconhecer a necessidade de
serem realizadas pesquisas mais aprofundadas nesse sentido.
59
2 AS PRESCRIÇÕES SOBRE HIGIENE DO ESCOLAR
Nunca pudemos comprehender a Hygiene separada da
escola. Um povo ignorante não pode avaliar a gravidade dos
males que o affligem, nem c 399emff
60
Antonio Gomes Ferreira (2004), que estudou a higiene e o controle médico
da infância nas escolas de Portugal, ressalta que as preocupações quanto à
higienização da escola aconteceram em dois momentos diferentes, mas que se
fundiram em busca da compreensão totalizadora sobre o indivíduo pelos médicos.
De acordo com o autor, no final do século XIX e início do século XX, existiam duas
linhas de abordagem em relação à higienização escolar, também aplicáveis ao
Brasil: inicialmente foi objeto principal do discurso higienista a medicalização do
espaço, principalmente em relação à construção do edifício escolar. Posteriormente,
a preocupação com a medicalização do aluno.
A primeira linha de abordagem teve papel relevante nas discussões
referentes aos prédios que se construíam, sendo pensados exclusivamente para
aportar um novo modelo educacional que surgia e que, aos poucos, compunha o
cenário da capital paranaense, discurso freqüente nos relatórios de Instrução
Pública: “lembro a necessidade de construcção de casas proprias, com todas as
condições hygienicas convenientes de espaço, ar e luz, de forma a melhor garantir a
saúde dos alumnos” (XAVIER, 1909, p.17). Com isso, propagavam-se os preceitos
higienistas e da pedagogia moderna quanto às condições de higiene, localização e
espacialização.
Esse espaço escolar, juntamente com o tempo escolar, por sua vez, incutia
nos corpos dos escolares diversas formas de disciplinarização e formação, uma vez
que o espaço e o tempo experimentados na infância traziam aprendizagens,
conformações e aquisições de hábitos e costumes.
É por meio do espaço que o corpo se desloca, se movimenta, se percebe,
enfim, um lugar de experiências corporais, ou seja, o espaço escolar passa a ter o
papel de “mediador cultural em relação à gênese e formação dos primeiros
esquemas cognitivos e motores, ou seja, um elemento significativo do currículo, uma
fonte de experiência e aprendizagem” (VIÑAO; ESCOLANO, 2001, p. 26).
Assim, da localidade, da arquitetura e das instalações físicas das instituições
educativas, a atenção dos médicos, engenheiros e higienistas deslocava-se para a
intervenção “no corpo, nos hábitos e nas consciências dos escolares sob o advento
da medicina social” (MARQUES; SOUZA, 2005, s. p.). Seria a partir do corpo que se
produziria a escola como meio de socialização e disciplinamento de costumes e
61
hábitos condizentes com as prescrições para a saúde e “bem viver” da sociedade,
tornando-a civilizada.
2.1 PRECEITOS HIGIÊNICOS NOS ESPAÇOS E TEMPOS ESCOLARES
As discussões entre os responsáveis pela Instrução Pública e obras públicas
no Brasil, em pauta desde os anos setenta do século XIX, referentes a construções
próprias para os estabelecimentos escolares, ganharam ênfase com a implantação
dos grupos escolares no Brasil. Diferentemente das escolas isoladas, que
funcionavam em casas alugadas pelos próprios professores ou pelo Estado, a
organização de grupo escolar que viria com o intuito de substituí-las, reivindicava
maiores atenções para o espaço escolar.
É importante destacar que o termo espaço escolar aqui empregado coaduna
com o entendimento de Viñao (1995; 1996; 1998; 2005); Viñao e Escolano (2001),
ou seja, a dupla configuração de espaço como lugar e como território. De maneira
geral, o espaço em si, refere-se ao estado anterior à ocupação e utilização do ser
humano. Depois dessa ação, ele passa à condição de lugar. Nesse lugar, os
indivíduos vivenciam-no, experimentam-no, o que faz dele o território. Isto é:
o espaço se projeta, se vê ou se imagina, o lugar se constrói. (...) Nesse sentido, a
instituição escolar ocupa um espaço que se torna, por isso, lugar. Um lugar
específico, com características determinadas, aonde se vai, onde se permanece
umas certas horas de certos dias, e de onde se vem. Ao mesmo tempo, essa
ocupação do espaço e sua conversão em lugar escolar leva consigo sua vivência
como território por aqueles que com ele se relacionam. Desse modo é que surge, a
partir de uma noção objetiva – a de espaço-lugar –, uma noção subjetiva, uma
vivência individual ou grupal, a de espaço-território (VIÑAO, 2005, p. 17).
Em Curitiba discutiram-se inicialmente as possibilidades de localização dos
prédios escolares. Defendia-se que fossem em um local central, alto, de fácil
acesso, seguro e equipado com o serviço de limpeza pública, dando ênfase à sua
ventilação, distribuição de água e condições higiênicas e, ao mesmo tempo, distante
de lixos, cemitérios, enfim, locais insalubres de freqüentes proliferações de moléstias
infecciosas, que poderiam afetar a saúde dos escolares. Segundo Bencostta (2001,
p. 114), os preceitos de higiene nas projeções e construções dos edifícios escolares
incorporavam “pressupostos de uma pedagogia compreendida como moderna, [a
62
higiene] enfatizava a importância do ar puro, da luz abundante e de uma adequada
localização sanitária, requisitos indispensáveis para o bom estado dos grupos
escolares”.
Por conta do período recortado no presente trabalho, utilizou-se o Código de
Ensino implementado no Paraná a partir de início de 1917, embora este
apresentasse poucas modificações em relação ao Código de Ensino de 1915
31
.
Constam em seu capítulo IX as orientações quanto aos prédios escolares,
principalmente no que diz respeito à higiene escolar:
(...) Art. 158 – Cada predio escolar do Estado terá os seguintes:
I requisitos externos:
a) ser, quanto possivel, central relativamente á população que é destinada a servir;
b) ter a casa no centro do terreno a ella destinado, o qual, limitado por muro ou
gradil, terá área sufficiente para conter os pateos de gymnastica e recreio, lavabos,
privadas, jardins, etc;
c) ser de acesso facil e seguro;
d) não ser vizinho de fabricas ou outros estabelecimentos onde grandes ruidos
sejam inevitaveis, nem de logares insalubres;
e) ter o solo perfeitamente drenado, de modo que as águas tenham facil
escoamento.
II requisitos internos:
a) ter cada sala de aula em forma rectangular com a superfície calculada á razão de
1.m.20 por alumno;
b) ter a casa um porão de altura nunca inferior a 1 m.50 entre a superficie do solo e
o soalho.
c) ter cada sala janellas rectangulares, largas, altas e numerosas de sorte que a
superfície vitrea seja igual, ao menos a um quarto da superfície do soalho da sala;
d) ter as privadas convenientemente isoladas das salas, providas de água e de
apparelhos de ventilação, construídas em condições de se poderem facilmente
manter no maximo asseio;
e) ter vestibulo e entrada especial para cada sala de aula;
f) haver, entre as diversas salas, communicações interiores;
g) ter compartimento especial para um pequeno museu escolar e para o
acondicionamento dos trabalhos manuaes e materiaes respectivos;
31
Pode-se compreender a publicação do Código de Ensino de 1917 como uma reimpressão do
Código de 1915, com apenas algumas revisões, com modificações apenas no sentido da inclusão do
grupo modelo, instituído em 1916, e os seguintes itens: a) instituição da Bandeira Nacional e culto à
mesma nas escolas públicas do Estado; b) programa especial para o grupo modelo; c)
desdobramento de grupos escolares, podendo funcionar diariamente em dois períodos; d) assegurar
aos alunos aprovados no curso intermediário o direito de poderem ser nomeados professores
efetivos, como medida provisória; e) criação de escolas destinadas a crianças operarias e filhos de
operários, para funcionarem nas proximidades das fábricas com horários feitos de acordo com os
diretores destas; f) registro obrigatório das escolas particulares, em livro especial existente na
Secretaria do Interior; g) rigorosa inspeção em todos os estabelecimentos de ensino primário,
secundário, superior e profissional que tiverem subvenção do Estado (SANTOS, 1916). Ressalta-se
ainda que orientações a respeito da construção de prédios escolares já se faziam presentes na
legislação e relatórios de Instrução Pública pelo menos 40 anos antes da data inicial do presente
trabalho.
63
h) haver em todos os compartimentos conveniente ventilação, sendo o ar recebido
diretamente do exterior;
i) ter, enfim, todas as condições recommendaveis pela pedagogia e pela hygiene
(PARANÁ, p. 52-53).
Várias recomendações e práticas aplicadas nos prédios escolares podem
ser analisadas nesse trecho. Em relação ao ambiente externo, fala-se da sua
localização no espaço da cidade. Esse fator não pode ser visto apenas como um
elemento indissociável da questão curricular, pois, conforme Viñao e Escolano
(2001, p. 28), “a produção do espaço escolar no tecido de um espaço urbano
determinado pode gerar uma imagem da escola como centro de um urbanismo
racionalmente planificado ou como uma instituição marginal e excrescente”.
Portanto, a divisão encontrada no Código de Ensino para ambiente externo e
interno não faz sentido quando se leva em conta o entendimento de Viñao e
Escolano (2001). O espaço escolar, tanto o externo – sua posição perante a cidade
– quanto o interno – referente ao prédio propriamente dito – são constituintes do
currículo e são, portanto, meios de educação.
A principal discussão em relação à localização dos prédios escolares
destinados a alocar os grupos escolares na trama de Curitiba foi sobre o Grupo
Escolar Xavier da Silva, por ter sido construído no intuito de servir de modelo para
posteriores fundações de outros grupos escolares na própria capital e em outras
cidades do Estado. A sua localização foi colocada muitas vezes em discussão por
integrantes da Diretoria Geral de Instrução Pública por entenderem que o local não
fosse apropriado para tal estabelecimento (MACHADO, 1904; CERQUEIRA, 1907;
REIS, 1909; GOMES, 1921). Isso porque, seg
64
No ano de 1907, a localização desse mesmo estabelecimento era,
contraditoriamente, elogiada pelo Delegado Fiscal da 1.ª circunscrição escolar, Dr.
Laurentino de Azambuja, como se pode perceber no trecho a seguir:
A população escolar é de 315 alumnos de ambos os sexos, demonstrando esta
elevada frequencia a excellente collocação do predio com um centro de grande
concurrencia de alumnos. Se tivermos mais tres grupos escolares identicos,
situados em pontos diversos, muitas escolas publicas da capital não se ressentiriam
de más installações em pavimentos térreos de sobrados e compartimentos
acanhados de casas particulares, sem as precisas condições hygienicas
(AZAMBUJA, 1907, p.63).
A defesa pela localização do edifício escolar numa região central, ou numa
região de grande concentração habitacional era constantemente discutida nos
relatórios de Instrução Pública do Paraná, com a justificativa de facilitar a ação dos
inspetores de ensino, a presença de um número maior de crianças participantes do
processo de escolarização, bem como a fiscalização quanto aos preceitos de
higiene.
O fato é que, mesmo sendo retirado do centro da cidade
32
, o Grupo Escolar
Xavier da
65
que acentua-se a preocupação dos administradores com a arquitetura dos prédios
escolares. Prédios que não se caracterizassem somente por sua funcionalidade,
mas que ‘falassem’ sobre sua importância e seu papel social, que simbolizassem os
novos valores de uma dada sociedade que buscava dar um novo lugar à cultura e à
educação” (IWAYA, 2005, p. 179).
Principalmente na figura dos grupos escolares, pretendia-se representar um
dos símbolos do progresso e enaltecimento da nação, tão almejados com a
Proclamação da República. Encontrando-se num local de destaque no mapa da
cidade, conciliaria as questões políticas e educativas. Esse era muitas vezes o
discurso encontrado nos relatórios e códigos de ensino. Contudo, como se percebeu
no caso do Grupo Xavier de Silva e de outros grupos escolares criados
posteriormente, essa prescrição não foi cumprida. Mesmo não podendo transportar
as considerações de Viñao e Escolano para Curitiba, é relevante entender como o
urbanismo e a arquitetura eram responsáveis por oferecer “uma completa cobertura
para alcançar as finalidades da educação, passando a ser parte do programa
pedagógico” (VIÑAO; ESCOLANO, 2001, p. 32).
Essa questão levantada por Viñao e Escolano (2001) é relevante para um
trabalho como esse. Todavia, como entender a arquitetura escolar como parte do
programa? Em primeiro lugar, é fundamental destacar a simbolização que
desempenha na vida social. Em Curitiba, a pretensão para a expansão do ensino
primário e sua ascensão na figura de grupo escolar era defendida dispondo, em
tese, do que era de mais moderno na construção dos prédios destinados ao
funcionamento dele. No entanto, os grupos escolares de Curitiba ficaram muito
aquém dessas pretensões, tendo como principal motivo, as precárias condições
financeiras do Estado.
Sendo assim, o prédio escolar não teria só função simbólica como também
estética que desempenharia na criança uma forma de educação. Essa seria uma
forma de educar-lhes os sentidos. Defendia-se que os prédios escolares
oferecessem um “aspecto agradavel, porque a própria esthetica do edificio influe
sobre o moral das creanças, contribuindo tambem para chamar as attenções e
sympatias, tornando assim a escola um ponto attractivo, como convem” (XAVIER,
1909, p. 17). Ainda compreendia-se a estética como forma de “despertar na creança
impressões delicadas, tendentes a lhe desenvolver o sentimento do bello, apurando-
66
lhe os sentidos na distribuição e escolha dos ornamentos technicos e estheticos da
classe, de modo que ella ahi se sinta a vontade, com o espírito aberto a
aprendizagem, a missão desse modo se tornará mais real e mais productiva”
(SANTOS, 1912, p. 8).
A partir dos relatórios de Xavier (1909) e Santos (1912) é possível perceber
as mudanças no entendimento de escola ao longo do tempo. No século XIX a escola
era constituída fundamentalmente pelos saberes elementares (HÉBRARD, 1990),
prioritariamente, ler, escrever e contar. Com o passar do tempo, além do aumento
quantitativo dos conhecimentos ensinados, a escola passava a compreender
também a formação dos sentidos nos alunos. A estética dos prédios escolares
passaria, então, a desempenhar a função de envolver a criança não só física como
espiritualmente.
Para compreender como o espaço pode ser considerado um elemento
educador, considerou-se a idéia de Viñao e Escolano (2001) em sua defesa do
território e do lugar como construções sociais e, conseqüentemente, o entendimento
de espaço como elemento não neutro:
O espaço comunica; mostra, a quem sabe ler, o emprego que o ser humano faz
dele mesmo. Um emprego que varia em cada cultura; que é um produto cultural
específico, que diz respeito não só às relações interpessoais – distâncias, território
pessoal, contatos, comunicação, conflitos de poder –, mas também à liturgia e ritos
sociais, à simbologia das disposições dos objetos e dos corpos – localização e
posturas –, à sua hierarquia e relações (VIÑAO; ESCOLANO, 2001, p. 64).
Uma idéia que complementa essa é a que, em outro momento, foi
apresentada pelos autores, quando expõem:
Em resumo, a arquitetura escolar pode ser vista como um programa educador; ou
seja, como um elemento do currículo invisível ou silencioso, ainda que ela seja, por
si mesma, bem explícita ou manifesta. A localização da escola e suas relações com
a ordem urbana das populações, o traçado arquitetônico do edifício, seus
elementos simbólicos próprios ou incorporados e a decoração exterior e interior
respondem a padrões culturais e pedagógicos que a criança internaliza e aprende.
(VIÑAO; ESCOLANO, 2001, p. 45).
Esses elementos têm aplicação direta na educação do corpo das crianças.
O espaço escolar foi, sem dúvida, um componente fundamental para a conformação
e disciplinarização corporais necessárias para os objetivos da escolarização. Por
meio dele, a criança teve suas primeiras noções do conhecimento do próprio corpo,
67
a partir da experimentação das estruturas arquitetônicas, fontes de experiência e
aprendizagem (VIÑAO; ESCOLANO, 2001). O espaço escolar teve também papel
de destaque no controle dos movimentos e contatos, visto que suas demarcações
limitavam, por muitas vezes, ações e gestos.
Outro ponto destacado entre as prescrições do Código de Ensino destinado
ao espaço externo era o local destinado aos recreios e à gymnastica. Esses
elementos são constituintes da higiene escolar. A prática dos recreios e da ginástica
era defendida como imprescindível para evitar a estafa mental que poderia ser
causada por seções consecutivas de atividades intelectuais. Para isso, fazia-se
necessário espaço reservado para essas práticas, geralmente os pátios. Em
relatório da Inspeção Médico-escolar de 1921, Mario Gomes reclamava da falta de
proteção e umidade do pátio do Grupo Escolar Xavier da Silva, por exemplo. Além
disso, criticava sua localização no terreno, sendo que deveria estar “situado em
centro de terreno e não á frente de duas ruas, exposto á poeira, ao ruido e aos
outros inconvenientes de sua posição central” (GOMES, 1921, p. 125).
Percebe-se que as orientações quanto à construção dos prédios escolares
não foram integralmente respeitadas nem mesmo no primeiro grupo escolar
construído em Curitiba. Entre sua inauguração em 1903 e o relatório ora analisado,
de 1921, houve vários outros momentos nos quais se reivindicava a reforma desse
estabelecimento de ensino devido, também, a problemas apresentados quanto ao
seu ambiente interno. Esse caso não era exceção; era comum a acentuação dos
problemas físicos e estruturais dos prédios dos grupos escolares nos relatórios de
inspeção e de Instrução Pública.
Em 1920, ao assumir o cargo de Inspetor Geral de Ensino
33
, César Prieto
Martinez
34
fez um relatório da situação da Instrução Pública do Paraná quando
33
Com a lei 1999 de 1920, foi criada a Inspetoria Geral de Ensino, alterando a denominação da
anteriormente chamada Diretoria Geral de Instrução Pública (PARANÁ, 1921).
34
Depois de alguns nomes cogitados para a realização da reforma da Instrução Pública paranaense,
o responsável por intermediar as negociações entre o governo paranaense e o paulista, Lysimaco
Ferreira da Costa, convidou, por intermédio de João Rodrigues, Cesar Prieto Martinez, que na época
ocupava o cargo de diretor da Escola Normal de Pirassununga (SOUZA, 2004). De acordo com
Bencostta (2001, p. 134), “na sua passagem pelo Estado, Prieto Martinez tornou-se o principal
responsável pelo salto qualitativo na organização do ensino ao providenciar dentre outras ações, a
divulgação de novos métodos do ensino dos grupos escolares e as palestras pedagógicas dedicadas
aos professores e diretores de Curitiba, com o propósito de expor o pensamento em relação à
reforma da instrução e quais eram os métodos modernos do ensino”. O período que esteve à frente
da IGE (1920-1924), somando-se ao período de seu sucessor, Lysimaco Ferreira da Costa (1924-
68
chegou ao Estado. Os prédios escolares, para ele, “afastam-se dos preceitos
pedagogicos modernos. Nas construcções escolares nem mesmo os detalhes
podem ser menosprezados para que possam alliar commodidade e conforto,
economia e condições hygienicas” (MARTINEZ, 1920, p. 27). No ano seguinte, o
inspetor de ensino persistia sobre o assunto: “muitos dos predios escolares exigem
reparos, alguns requerem modificação de vulto, em virtude dos defeitos de
construcção e da má distribuição das salas que se communicam entre si, que não
obedecem as devidas proporções e que são mal iluminadas” (MARTINEZ, 1921, p.
23-24).
Em relação ao ambiente interno dos estabelecimentos de ensino, ainda
acompanhando a divisão apresentada no Código de Ensino de 1917, era defendida,
como para o ambiente externo, a execução dos preceitos de higiene e da pedagogia
moderna. Quanto à iluminação, era sugerida para as salas de aula, a valorização da
própria luz solar, alterando, assim, a conformação do espaço das salas de aula e a
disposição do mobiliário dentro dela. Em relatório apresentado ao Diretor Geral de
Instrução Pública do Estado, Dr. Arthur Pedreira de Cerqueira, o Delegado Fiscal da
primeira Circunscrição Escolar, Dr. Laurentino de Azambuja, versa sobre o
movimento das escolas públicas no ano de 1907:
Nesses estabelecimentos de ensino publico, pouco se observa em materia de
hygiene; muito ha cujas salas de trabalho são insufficientes para o numero de
alumnos que os freqüentam; apezar da hygiene recomendar que cada alumno
deverá dispor de 1 metro e 25 centimetros quadrados de superficie em uma sala de
4 a 5 metros de altura, vejo de modo que alli passam elles longas horas,
encerrados em estreitos compartimentos, muitas vezes sem a precisa ventilação e
sem a plena liberdade de movimento. Alem disto, concorrem para difficuldade de
transito nesses logares os actuaes bancos-carteiras que, sobre serem de antigo
modelo, pesados e occupando largo espaço, não offerecem as exigidas condições
pedagógicas; é assim que as respectivas mesas são quasi planas, quando devem
ter uma inclinação de 40º para a leitura e de 15 á 20º para a escripta; são todas de
uma só dimensão e sem elevação graduada e proporcional ás idades dos alumnos,
muitos destes banco-carteiras não trazem uma pequena prateleira para livros,
lousas e mais utensilios escolares; outros não possuem o indipensavel encosto, e
portanto são prejudiciaes, por facilitarem posições viciosas, como a curvada,
abaixada, visto ser a resistencia muscular nas crianças insufficiente para manter
por muito tempo a posição recta da espinha dorsal, servindo neste caso o encosto
de auxiliar ao esforço organico para conservar a regular attitude.
1928), foi também apontado como o período de “expansão quantitativa das escolas publicas, mas
principalmente de intensificação de esforços para a inspeção, controle e mudanças da perspectiva
pedagógica e da função social da escola” (MORENO, 2003, p. 5).
69
A distribuição da luz nas escolas é tambem assumpto de alta importancia,
considerando sob o ponto de vista hygienico. E’ sabido que a luz solar, deficiente
ou mal projectada pode occasionar moléstias do apparelho visual, como as
myopias, conjuctivites e outros accidentes variaveis, conforme a idyosincrasia,
estado de saude e idade dos individuos.
Em vista destes inconvenientes a que estão inconscientemente sujeitas as
crianças, tenho alterado em algumas escolas a disposição dos moveis respectivos,
para permittir o recebimento da luz solar pelo lado esquerdo, mas outras ha que
funccionam em predios particulares, nas quaes qualquer modificação se torna
improficua, visto ser a construcção e collocação das janellas contrarias aos mais
rudimentares principios hygienicos (AZAMBUJA, 1907, p. 62).
Uma primeira consideração sobre o documento apresentado é em relação à
preocupação, de ordem higiênica, com o posicionamento do mobiliário escolar em
relação à janela, devido à entrada da luz solar. Esse fator era de extrema
importância para a saúde do aluno. Como apontado por Azambuja (1907), a
distribuição da luz no ambiente da sala de aula poderia causar ao aluno “molestias
do apparelho visual”, pois estando mal posicionada sua carteira escolar em relação
à luz, o aluno tinha que compensar forçando a visão para a realização das
atividades escolares.
No decorrer dos anos iniciais do século XX, houve inúmeros avanços em
relação às questões referentes ao mobiliário. Um deles foi a viagema
70
orçamentaria destinada ao mobiliário escolar, tão sensivelmente reduzida no
corrente exercicio, que esgotou-se nos primeiros mezes, obrigando a abertura de
créditos. Crear numerosas escolas, sem dar os meios necessários ao seu
apparelhamento, é fazer obra incompleta, si não inútil” (SANTOS, 1917, p. 11).
A partir desse documento é possível perceber a distância entre o prescrito e
o efetivado. As idéias discutidas no âmbito educacional – que diziam respeito ao
desenvolvimento da educação no Estado do Paraná, principalmente a defesa da
abertura de novas escolas, respeitando os preceitos da higiene e pedagogia
moderna – eram barradas por um motivo muito simples: a impossibilidade de cumprir
totalmente as demandas propostas pelo Estado devido à falta de condições para
isso.
Em 1920, o Inspetor Geral do Ensino, César Prieto Martinez, constatava a
necessidade de maiores verbas para o mobiliário para o melhoramento das
condições das escolas e grupos do Estado, tendo como resposta do presidente do
Estado a aprovação do pedido de verba especial para esse fim: “com grande prazer
vimos satisfeito o nosso pedido e tratamos de adquirir o material existente no
mercado, ao mesmo tempo que faziamos encommenda ás fabricas de moveis,
typos de mobiliario escolar commodos e elegantes” (MARTINEZ, 1920, p. 13).
Uma das alternativas encontradas pela IGE foi a construção dos bancos e
carteiras escolares principalmente pela Penitenciária do Paraná. Aos poucos, o
mobiliário era substituído por outro mais moderno e respeitando os preceitos da
higiene escolar.
Essa substituição foi evidenciada em relatório posterior, sendo que as
antigas carteiras escolares, muito altas, sem bancos de encosto e afastados, de
comprimento desproporcional para dois alunos daria lugar a outras menores, mais
baixas, com bancos de encosto, suficientes para dois alunos. Foram também
substituídas as mesas de professor e os armários (MARTINEZ, 1924, p. 48). Enfim,
adaptadas ao tamanho dos alunos e providas de maior conforto, o novo mobiliário
proporcionava importantes condições para a manutenção da postura e facilitava um
disciplinamento corporal da criança.
O mobiliário escolar tem relativo destaque nos estudos e publicações sobre
higiene devido a sua importância quanto a aquisições de hábitos viciosos que ele
pode causar, já que incidem diretamente nos corpos dos escolares, principalmente
71
pela questão da postura, dependendo do formato das carteiras escolares. Há
também a preocupação com os aspectos físicos diretamente relacionados com a
disposição dos móveis dentro da sala de aula, visto que, como apontado no
documento citado anteriormente, a má distribuição de luz podia proporcionar aos
alunos alterações em sua saúde.
Mesmo fazendo parte das discussões de médicos e arquitetos ligados à
educação desde o século XIX, pode-se notar o desrespeito dos preceitos
instaurados pela higiene e pela pedagogia. Bencostta (2005, p. 104) atenta para a
incoerência na construção de alguns grupos escolares na capital do Paraná:
Apesar de possuírem um programa arquitetônico que os identificava como espaços
públicos de escolarização, a introdução desse tipo de edifício público na cena
curitibana seguiu, parcialmente, as regras de construção ancoradas nas normas e
preceitos da moderna [grifo do autor] pedagogia, ficando a organização do espaço
de alguns desses edifícios incoerentes à propaganda do governo de que destinaria
um lugar diferenciado para a formação de bons cidadãos à Pátria.
Para o acompanhamento desse tipo de obra e a devida obediência das
instruções definidas pelo governo, Silva (2001) indica, no caso de São Paulo, a
necessidade de uma fiscalização, defendida para atender o projeto educacional
exemplar que os republicanos almejavam. Essa fiscalização se caracterizava da
seguinte forma:
A higiene definia parâmetros de fiscalização tanto para os ambientes situados
dentro quanto fora da escola, impondo às crianças em idade escolar um modelo de
lugar higienizado, portanto, civilizado. A inspeção sanitária dos espaços externos
consistia em averiguar a ocorrência de poças de água estagnada, amontoado de
lixo e outros aspectos relevantes do ponto de vista higiênico (...) Por outro lado, a
vistoria das condições dos espaços internos da escola devia abranger todos os
ambientes do prédio escolar, além de incluir os esgotos, os encanamentos e
reservatórios de água, os pátios de recreio, os porões, os sanitários, e todo lugar de
acesso, para verificar o seu estado de asseio, a conservação das instalações, a
situação do revestimento do piso, a umidade das paredes, a presença e o acúmulo
de lixo (SILVA, 2001, p. 55-57).
Em Curitiba, mesmo que a criação do serviço de Inspecção Medico-escolar
tenha demorado a acontecer, tendo em vista outros estados brasileiros, existiam
outros cargos dentro da Secretaria dos Negócios do Interior, Justiça e Instrução
Pública que se ocupavam das questões afetas à higiene das escolas. Os Inspetores
72
escolares
35
e os Delegados de Ensino
36
exerciam a função de visitar as escolas.
Mesmo não tendo como função específica vistoriar as questões referentes à higiene
escolar, mas sim inspecionar se as prescrições dos regulamentos e códigos de
ensino estavam sendo respeitadas, acabavam por passar pela higiene dos
estabelecimentos de ensino.
A inspeção do ensino cumpria um papel muito importante na administração
das escolas. Ficava sobre sua responsabilidade a coleta de dados para o
recenseamento escolar, como já apontado no capítulo anterior, o qual ganhou ainda
mais prestígio com a chegada de Martinez à IGE, o qual prometia, em 1920, “fazer
delle [serviço de inspeção] a estaca em que apoiaremos toda nossa confiança no
futuro do actual apparelho escolar” (MARTINEZ, 1920, p. 11). Portanto:
O Inspector technico será, de accôrdo com os novos desejos, o porta-voz das
nossas ordens; nos representará em todos os actos e fará tudo para que os fórtes
se conservem sempre fórtes, para que os mais esforçados recebam a recompensa
da justiça e para que, como ultima medida, os retardatarios ou incorrigiveis
recebam punição (MARTINEZ, 1920, p. 11).
35
Os inspetores escolares tinham como função: “I – Inspecionar assiduamente as escolas e mais
estabelecimentos de ensino do seu districto; II – designar os logares em que devem funccionar as
escolas, de accordo com a maior condensação da população escolar e de accordo com o delegado
de ensino respectivo; III – nomear professores interinos, com os requisitos necessários de
moralidade, competência e devotamento, no caso de vaga ou impedimento dos effectivos e até o
prazo maximo de 30 dias, communicando com urgência, esse facto, ao superintendente geral; IV –
attestar mensalmente o exercício dos professores do seu districto, podendo abonar-lhes até trez
faltas por mez por motivo justo; V – verificar, com exatidão e escrúpulo, se são fielmente observadas
as leis, regulamentos e instrucções especiaes do ensino; VI – denunciar ao superintendente geral do
ensino, ou ao delegado do ensino respectivo, as faltas e defeitos verificados nas escolas do seu
districto, sob quaesquer aspectos; VII – conceder licença aos professores de sua jurisdição, até 8
dias com ordemnado, quando por motivo de moléstia, comprovada por attestado medico ou de
pessoa capaz; VIII – propor ás autoridades competentes as medidas que julgar convenientes em
beneficio do ensino, fazer propaganda da necessidade de sua diffusão e facilitar por todos os meios
ao seu alcance a fundação de estabelecimentos particulares de instrucção primaria, profissional e
artística; IX – exercer os demais actos e atribuições decorrentes de seu cargo” (Lei n. 1236 de 1912).
Para entender a diferenciação das ações da inspeção do ensino nos anos 1910 e nos anos 1920, ver
Souza (2004), p. 64 e seguintes.
36
As funções do delegado de ensino eram as seguintes: “I – visitar, regularmente, todos os
estabelecimentos de ensino, públicos e particulares, da sua circumscripção, verificando quanto a
estes últimos, as condições de hygiene, moralidade e freqüência (...) II- lavrar no termo de visita, em
detalhe, a impressão recebida, sob os aspectos; III- apresentar ao superintendente geral do ensino
relatórios detalhados dessas inspecções, denunciando as faltas e defeitos encontrados, sob qualquer
ponto de vista e propondo todas as medidas que julgar convenientes em beneficio do ensino; IV –
auxiliar os conselhos municipaes da sua circumscripção, dando pareceres, propondo medidas,
prestando informações sobre todos os assumptos que lhes competir; V – promover todos os meios ao
seu alcance para fazer propaganda quanto á necessidade da diffusão do ensino primário e
profissional, e auxiliar a fundação de estabelecimentos particulares de ensino, de qualquer natureza”
(Lei n. 1236 de 1912). Esta função não permaneceu por muito tempo no Paraná.
73
A intenção maior era fazer do espaço escolar um meio de formação de
novos hábitos e atitudes para os alunos, um espaço que educa, um território
vivenciado e incorporado à experiência e à memória dos alunos. Isso,
conseqüentemente, se estenderia à sua vida fora do ambiente escolar. Essa
pretensão fica evidente na fala de Jayme Dormund dos Reis
37
destinada ao
Secretário do Interior, Justiça e Instrução Pública Coronel Luiz Antonio Xavier, no
ano de 1909:
Ora, si os predios escolares, as salas, o mobiliario fossem organizados de fórma a
ferir o espirito das creanças, a lhes mostrar a disparidade de conforto existente
entre a casa de habitação dos seus progenitores e o templo da instrucção,
certamente, chegadas á edade viril, e já possuindo o gérmen do progresso, bebido
na comparação quotidiana, não se contentariam com a primitividade em que
nasceram, e procurariam, quando não sobrejujar, pelo menos egualar, nas
condições de vida, aquillo que viram e observaram na casa destinada, não só a
lhes fazer conhecer as lettras do alphabeto, mas tambem os meios e modos de
conseguir um sempre crescente bem estar physico, moral e intellectual.
Por isso a escola hodierna deve ter todos os requisitos exigidos pela sciencia, e si
não é possivel tudo fazer n’um momento, como reconheço, ao menos iniciemos
uma reforma completa, dentro dos moldes mais amplos que a observação
quotidiana tenha indicado como melhores. (XAVIER, 1909, p. 59).
Faria Filho (2002, p. 17-18) trata dos espaços escolares em duas
dimensões: aquela que entende o espaço como um meio que educa, ou seja, “a
ocupação do espaço escolar, sua divisão interna, suas aberturas para o espaço
exterior, a delimitação de fronteiras entre o interno e o externo e, mais que isso, a
disposição e diferenciação dos sujeitos (alunos e professores, sobretudo) e dos
objetos no espaço, na sala de aula, tudo isso cumpre um papel educativo de maior
importância”. A outra, embora complementar, compreende o espaço enquanto
estratégia, a defesa de um espaço próprio para a escola:
A defesa de um espaço específico para a realização da ação educativa escolar
levada adiante por uma variada gama de sujeitos (médicos, educadores, políticos,
sobretudo) pode ser entendida, também, como uma busca por dotar a instituição
escolar de um lugar próprio [grifo do autor], na cena social, possibilitando-lhe
definitivamente distinguir-se da casa, da igreja e da rua e, por conseguinte, das
cultura [sic] e das sensibilidades que por aí circulam. É a partir da definição deste
próprio [grifo do autor] da escola que ela vai, definitivamente, poder exercer
plenamente uma função estratégica de fundamental importância na constituição de
uma sociedade letrada no Brasil (FARIA FILHO, 2002, p. 18).
37
Jayme Dormund dos Reis substituiu Arthur Pedreira de Cerqueira no cargo de Diretor Geral de
Instrução Pública do Estado no período de junho a dezembro de 1909.
74
Essa concepção do próprio escolar fica muito evidente quanto à projeção e
construção dos edifícios escolares, buscando-se, num plano nacional, uma
representação social ímpar, sendo o edifício “símbolo do progresso social e cultural
dos núcleos urbanos” (SOUZA, 2001). Isso porque os grupos escolares trouxeram
inúmeras modificações em vários âmbitos educativos e sociais, como se pode
perceber na fala de Viñao (2005, p. 26), ao discorrer sobre a escola graduada na
Espanha:
A escola graduada implicava mudanças profundas na distribuição e usos do espaço
e do tempo escolares, na classificação e distribuição das crianças, na extensão e
graduação do currículo e livros de texto, nos modos de avaliação e, em especial, na
organização e gestão das escolas. Supunha uma nova cultura escolar e exigia uma
mudança mental, uma mudança conceitual e de perspectiva que facilitasse a
compreensão do que estava acontecendo e das possibilidades do novo sistema.
A questão da organização e uso do tempo escolar tem relações estreitas
com a construção e os espaços escolares. Muitos autores defendem a
indissociabilidade do tempo e do espaço, pois é pelo tempo que se prova o espaço,
ou é num determinado espaço que se percebe o tempo: “a noção de tempo, da
duração, nos chega através da recordação de espaços diversos ou de fixações
diferentes de um mesmo espaço. De espaços materiais, visualizáveis” (VIÑAO;
ESCOLANO, 2001, p. 63).
Com a implantação dos grupos escolares, houve também uma reordenação
do tempo, ou seja, a implementação de um “novo” tempo, assim como um “novo”
espaço:
Num meio no qual a escola até então era uma instituição que se adaptava à vida
das pessoas – daí as escolas isoladas insistirem em ter seus espaços e horários
próprios organizados de acordo com a conveniência da professora, dos alunos e
levando em conta os costumes locais –, era preciso mais do que produzir e
legitimar um novo espaço para a educação. Era preciso também que novas
referências de tempos e novos ritmos fossem construídos e legitimados. (VIDAL;
FARIA FILHO, 2005, p. 54).
Em Curitiba, essa reorganização da Instrução Pública primária, com a
reunião de escolas em grupos ou semigrupos, a divisão dos alunos por séries, teve
destaque no relatório de César Prieto Martinez, em 1920, sobre o regime dos grupos
escolares.
75
Logo que os grupos passaram a um regimen de inteira independencia, bem
diferente foi a feição que tomaram. Estão todos ahi, salvo raras excepções, a
patentear os beneficios que auferiram e que seria longo ennumerar.
De accordo com a orientação adoptada, taes estabelecimentos passaram a
funccionar com mais regularidade, distribuindo melhor o tempo, organisando com
mais critério suas classes e entregando-as aos professores de accordo com as
exigências pedagógicas. Usufruiram essas vantagens todos os grupos da Capital,
os de Paranaguá, Campo Largo, Lapa e Rio Negro (MARTINEZ, 1920, p. 14-15).
A partir do momento que os grupos escolares começaram a ser tratados de
forma separada em relação às escolas isoladas, pois até então todas as escolas
tinham uma mesma diretriz, salvo algumas exceções, como destaca Prieto Martinez,
houve melhorias no próprio funcionamento e organização dos estabelecimentos.
Entre os pontos ressaltados no relatório, destaca-se a melhor distribuição do tempo
adquirida com a independência dos grupos escolares frente às outras escolas. No
entanto, a individualização no tratamento dos grupos escolares pode ser entendida
também como uma forma de controle mais efetivo desse modelo escolar.
Do ano de 1917, localizou-se uma solicitação de aprovação de uma proposta
de horário para as escolas curitibanas – supostamente para o grupo escolar modelo,
pois seu autor era o diretor desse estabelecimento de ensino – levando-se em conta
as necessidades pedagógicas e do meio curitibano (do ponto de vista climático).
Infelizmente, não se encontrou anexado, como foi mencionado no ofício endereçado
ao Secretario do Interior Justiça e Instrução Pública, a proposta de horário, mas
pode-se identificar por meio desse as proposições que se faziam presentes ao
montar um horário escolar “no intuito de satisfazer o mais sublime apanágio dos
modernos cursos de instrucção primaria”:
1º Porque sendo um só periodo, alumno nem um poderá faltar depois de responder
á chamada;
2º Pedagogicamente este é o melhor periodo, porque a acuidade cerebral attinge o
maximo de percepção e atenção;
3º Prejuizo não ha visto como é o mesmo numero de horas de aula;
4º Alumno nem um terá outra preoccupação alem da dos misteres escolares;
5º Pelo inverno os alumnos não soffrerão os rigores da estação e o horario
continuará inalterável;
6º Os alumnos que moram a grandes distancias não luctarão com difficuldades
para chegar á hora preciza;
7º O tenro organismo infantil não soffrerá as más consequencias de uma
alimentação feitas ás pressas;
Assim sendo, depois de bem ponderados estes sete paragraphos, reitero a
solicitação da approvação (SIGWALT, 1917, s.p.).
76
A possível adaptação do horário escolar foi contemplada pelo Código de
Ensino do mesmo ano, no artigo 56, parágrafo 3.º, como se verifica a seguir:
Art. 55 - É dividido em quatro series graduaes o ensino primário completo, cujo
programma será organizado de accordo com as conclusões mais adiantadas da
Pedagogia e com as necessidades do meio paranaense.
(...) Art. 56 - Na organização dos horários observar-se-ão os seguintes preceitos:
1º Os trabalhos escolares serão, em regra, divididos em duas secções, havendo
entre ambas uma hora destinada ao almoço e repouso dos professores e alumnos.
2º Em regra, a primeira secção funccionará das 9 ás 11 horas e meia e a segunda
das 12 e meia às 14 e meia, inclusive 35 minutos de recreio para cada secção.
3º Conforme as condições particulares do meio social e do clima do logar onde a
escola funccionar, poderá o Conselho Superior, por proposta do Conselho Local,
estabelecer horário de excepção.
Art. 57 – Cada grupo escolar, poderá a juízo do governo, funccionar em dous
períodos: - de 8 ás 12 e de 12 ½ horas ás 16 ½.
Art. 58 - Serão especiaes a distribuição do tempo e os programmas das escolas
ruraes e das ambulantes, attenta a natureza dessas escolas (p. 25-26).
Entre as argumentações postas por Sigwalt (1917) para a defesa da
mudança do horário para outro mais concernente à realidade das crianças (a
distância de suas casas até a escola, menor sofrimento na estação mais fria do ano, ano,
77
ficar indiferente, já que se encontrava intrinsecamente vinculado à questão da saúde
pública, principalmente no caso do município da Corte” (GONDRA, 2004, p. 191).
O primeiro elemento destacado por Gondra sobre a Ingesta, foi o da rotina
alimentar, a qual estabelecia horários próprios para as refeições. Embora tenha
algumas décadas de distância entre o período privilegiado pelo autor e o da
presente dissertação, pode-se evidenciar a presença da alimentação nas
preocupações quanto à higiene escolar e, no caso do sétimo item da proposta de
modificação do horário escolar, teria não só o horário específico para essa atividade,
como também um aumento na duração da alimentação do escolar.
Quanto ao item segundo, referente ao horário de maior aproveitamento dos
ensinamentos, corresponderia ao período em que maior atenção teria a criança. Ao
mesmo tempo em que esse fator era dimensionado pelos higienistas, era também
valorizada a duração máxima dessa atenção. Por isso, a profusão de debates sobre
a estafa mental ou surmenage com a organização do horário escolar.
Não se sabe se estas determinações foram aprovadas pela Secretaria do
Interior, Justiça e Instrução Pública, mas são válidas para compreender o discurso
referente ao tempo escolar. Uma indicação da não aprovação dessa solicitação
pode ser retirada de outro ofício, do mesmo ano, do Inspetor Escolar João de Sousa
Ferreira – respondendo a pedidos dos professores das escolas, o qual propõe a
alteração do horário do Grupo Escolar Pedrosa e da Escola Mista da Fazendinha
para 8h às 12h30. O Inspetor Escolar teve seu pedido negado com a justificativa de
contrariar o Código de Ensino de 1917, embora estivesse presente nesse
documento a possibilidade de modificação, como já apresentado.
Nesse Código de Ensino fica evidente a preocupação com a necessidade de
intervalos entre atividades intelectuais para o descanso da mente e o tempo
destinado a cada atividade escolar, aparecendo esses dispositivos de forma bem
definida no decorrer do documento.
Destacam-se ainda os intervalos para o almoço e descanso dos professores
e alunos e para o recreio. Estes tinham determinações advindas dos preceitos
higiênicos, tendo em vista que o cronograma era formado não apenas por questões
de organização, como também pensando na saúde mental e física do aluno e do
professor.
78
Como observado no Código de Ensino tanto de 1915 como de 1917, eram
propostas duas seções, sendo a primeira das 9h às 11h30 e a segunda seção das
12h30 às 14h30. Não constam observações sobre a diferença nos horários, pois a
primeira seção contempla duas horas e meia de atividades escolares e a segunda
apenas duas horas de atividades. O período de recreio era o mesmo para ambas as
seções. Já em 1920 foi adotada em todo o Estado uma seção única, do 12h às
16h30, podendo ser adaptada para o horário das 8h às 12h, quando houver
conveniência (MARTINEZ, 1920, p. 14). No quadro horário do programa de ensino
de 1921, manteve-se o horário das 12h às 16h30 (INSPETORIA GERAL DE
ENSINO, 1921, anexo). No ano de 1932, o horário escolar voltou a ser apresentado
em duas seções: período da manhã das 8h às 12h e período da tarde, das 12h30 às
16h30 (DIRETORIA GERAL DA INSTRUCÃO PÚBLICA, 1932, anexo).
Como se pode perceber, a higiene apareceu como integrante do currículo
escolar de diversas formas. Muitas vezes não conformada enquanto disciplina
escolar, mas incorporada nas questões de disciplinarização e conformação mediante
espaços e tempos escolares, como um meio de inculcar novos hábitos e costumes à
classe escolar. Aqui cabe o entendimento de Marta Carvalho (1997), quando
compreende a higienização como um modo de disciplina, no sentido de
comportamento, ordem, obediência, sendo que disciplinar não representaria mais a
prevenção ou correção, mas teria a função de “moldar”.
2.2 A HIGIENE COMO LUGAR DA EDUCAÇÃO DO CORPO
A Higiene configurada como parte do programa escolar apresentava em
seus conteúdos, saberes que incidiam diretamente na educação do corpo do
escolar, fazendo parte de um grupo de disciplinas com o mesmo objetivo, tais como:
Trabalhos Manuais, Prendas Domésticas, Ginástica, Exercícios Militares e Canto
Orfeônico. Entretanto, os saberes da higiene apareceram também associados a
algumas dessas e outras disciplinas
38
.
Ao longo da história têm sido várias as formas de se educar o corpo, como
várias também têm sido as razões para isso. Esse fenômeno vem associado a
38
Como foi associada nos regulamentos de ensino de 1901 à História Natural e elementos de
agronomia (para a Escola Normal) e de 1915 à Educação Mora
79
transformações na cultura
39
da sociedade brasileira, ou como aponta Taborda de
Oliveira: “os investimentos sobre a escolarização dos corpos infantis são fruto do
próprio processo de organização social que se tornou cada vez mais complexo”
(TABORDA DE OLIVEIRA, 2005, s.p.).
Sem dúvida, uma das mais instigantes e, ao mesmo tempo, desafiadoras
investigações históricas é aquela que se baseia na educação do corpo como objeto
de pesquisa. Isso porque, concordando com Taborda de Oliveira e Vaz (2004, p.
17):
As práticas corporais são fugidias, difíceis de serem registradas e apreendidas,
impossíveis de se reduzir a quaisquer formas discursivas que não sejam as
próprias práticas no seu momento de efetivação. Portanto, tentar compreender a
corporalidade na história da escolarização é uma empreitada difícil, arriscada e,
talvez por isso mesmo, desafiadora e fascinante.
De acordo com a afirmação de Taborda de Oliveira e Vaz (2004), são
possíveis apenas aproximações da escola, tendo em vista as medidas utilizadas
pela higiene para a educação do corpo do aluno, com o intuito de formá-lo para as
pretensões de uma sociedade saudável e higienizada. As formas de se chegar à
inculcação de novos hábitos e costumes podem, por vezes, ser identificadas pelos
discursos dos relatórios de Instrução Pública e Saúde Pública do Estado, bem como
pelas teses apresentadas nos congressos ligados à educação e à higiene.
Em nome da higiene cabia a função de educar o corpo e conscientizar os
alunos quanto aos cuidados necessários para a prevenção de doenças, tornando-os
“sujeitos ocupados com sua higiene e sua saúde, seja pela ruptura face aos hábitos
perniciosos herdados da família, seja pela conservação de práticas salutares,
acrescidas de novas formas de ser e de pensar, esboçadas pelos médicos a partir
da ciência e dos ideais de civilização e urbanidade” (STEPHANOU, 2005, p. 150).
A intenção era romper com os costumes ditos impróprios, vindos de casa.
Ou seja: que a criança levasse os bons hábitos para o convívio de seus familiares.
39
A noção de cultura pode trazer inúmeros entendimentos possíveis, embora a compreensão deles
deva acompanhar certos cuidados. Vale o destaque que Thompson (1998, p. 22) faz ao trabalhar
com essa noção: “mesmo assim, não podemos esquecer que ‘cultura’ é um termo emaranhado, que,
ao reunir tantas atividades e atributos em um só feixe, pode na verdade confundir, ou ocultar
distinções que precisam ser feitas. Será necessário desfazer o feixe e examinar com mais cuidado os
seus componentes: ritos, modos simbólicos, os atributos culturais da hegemonia, a transmissão do
costume de geração para geração e o desenvolvimento do costume sob formas historicamente
específicas das relações sociais e de trabalho”.
80
Todavia, por que não ensinar diretamente a família? Acreditava-se que era mais
difícil ensinar novos hábitos de vida aos adultos “quando os seus costumes actuaes
não lhes parecem ter sido prejudiciaes ao bem estar” (p. 250), dizia o Dr. John H.
Janney, da comissão Rockefeller e conferencista do I CBH. Dessa forma, o
investimento deveria se dar sobre as crianças: “A geração com que vamos lidar no
futuro é a que freqüenta hoje as escolas. É somente pela instrucção administrada ás
creanças que poderemos alcançar o nosso objectivo nos annos vindouros. O
primeiro passo a ser dado, é proporcionar á creança a vida hygienica na qual ella
possa adquirir sua educação” (JANNEY, 1923, p. 250).
Essa aquisição da higiene mediante a educação abriria espaço para a
inserção da medicina no ambiente escolar, como já visto anteriormente, percebendo
a escola primária como principal foco de ação:
Como lugar de reunião de um grande contingente de pessoas, a escola primár
81
o governo buscava o apoio de médicos e inspetores de ensino para auxiliá-lo a
manter as escolas em funcionamento. Havia, é claro, muitos outros motivos por trás
disso. A presença do médico na escola auxiliaria o controle das instalações físicas,
contribuiria com o professor na acentuação dos valores higiênicos e morais e a
proximidade da figura do médico para as crianças.
Uma das organizações responsáveis pela disseminação dos preceitos de
higiene pelas escolas era representada pela Organização Sanitária Escolar do
Estado do Paraná. Esta foi assunto na revista O Ensino, já apresentada no capítulo
anterior. Nela, havia participações de intelectuais ligados à educação e à saúde,
como o Dr. J. P. Fontenelle, do Departamento Nacional de Saúde Pública:
Cada dia que se passa mais augmenta a impressão da importancia do problema da
saude na escola. E’ facto já bem verificado que a correcção dos defeitos corporaes
(anormalidades da visão e da audição, vegetações adenoides, hypertrophia das
amygdalas, carie dentaria, etc.) e a cura de certas doenças, como a opilação, por
exemplo, permittem a acceleração do crescimento e augmentam o aproveitamento
escolar, de modo que o diagnostico e o tratamento desses defeitos e doenças são
de alto valor, produzindo effeito tanto mais benefico quanto mais cedo se faz esse
trabalho. Por outro lado, está perfeitamente reconhecido o grande valor do ensino
das noções elementares de hygiene e a indispensavel necessidade da criação de
bons habitos de vida, o mais cedo, possível, esforço esse que póde e deve ser
tentado desde a escola, e até, em certos casos, na idade pre-escolar
(FONTENELLE, 1924, p. 141).
À higiene era atribuída a responsabilidade de um maior aproveitamento e
freqüência escolar, conseqüência, segundo as idéias veiculadas por Fontenelle, do
aluno adquirir conhecimentos dos cuidados a serem adotados em relação à sua
própria saúde, principalmente no que tange a prevenção das doenças, ou, em outros
casos, no tratamento delas. Nesse caso, tanto o aluno quanto o professor ganhariam
com isso. A educação do corpo, aqui representada pela higiene, fazia-se
fundamental para o desenvolvimento da escola, tendo em vista que era à higiene
conferida a condição para um bom funcionamento da escola.
As doenças, principalmente as enfermidades dos órgãos dos sentidos, eram
os conteúdos mais freqüentes para o ensino nas escolas primárias do Estado,
embora os programas da disciplina Higiene apresentassem, no rol de conteúdos
atribuídos a ela, uma variedade maior de saberes.
A educação higiênica e sanitária passaria também a fazer parte das tarefas
que as professoras primárias deveriam cumprir, mas o projeto de disciplinarização
82
por meio dos preceitos higiênicos, nunca deixou de ser de domínio dos médicos,
embora extrapolasse sua dimensão. Estes eram responsáveis por lecionar cursos
aos professores, passar os conteúdos referentes à saúde dos escolares, a ensinar-
lhes a evitar e combater as doenças, de forma a torná-los “colaboradores eficientes
na formação da consciência sanitária” (MACEDO, 1932, s.p.).
Já no ano de 1909, em decorrência da participação de Miguel Santiago no IV
Congresso Médico Latino Americano, era defendida, entre as funções do médico
inspetor, a realização de curso de higiene elementar, que contaria “com assistencia
obrigatoria do professor, em cujo curso [o médico inspetor] demonstrará de um
modo mais simples possível as vantagens da hygiene individual” (SANTIAGO, 1909,
p. 204).
O periódico Archivos Paranaenses de Medicina, de 1920, apresentou a
programação do Curso de Hygiene Elementar que ocorreu naquele ano, listando a
relação de conteúdos abordados.
Terminaram a 20 deste mez as conferencias theoricas e as demonstrações praticas
do Curso de Hygiene Elementar, instituido pelo Serviço de Prophilaxia Rural, a
pedido do Governo do Estado, para os professores publicos.
As prelecções realizadas até aquella data versaram sobre os seguintes pontos do
programma já publicado: 2 (Microorganismos pathogenicos); 3 (Doenças
contagiosas em geral); 5 (Verminoses); 13 (Impaludismo, doença de Carlos Chagas
e Leishmaniose) e 16 (Morphina, cocaina, alcool e alcoolismo).
(...)
As sabbatinas foram assistidas pelo Inspector Geral do Ensino, Director do
Gymnasio e Escola Normal, varios lentes desses estabelecimentos de ensino,
inspectores escolares, representantes da imprensa e numerosas pessoas gradas
(ARCHIVOS PARANAENSES DE MEDICINA, 1920, p. 240).
A relação de conteúdos lecionados nos cursos de formação de professores
para o ensino da higiene, solicitado pelo governo do Estado, indica que os
professores deveriam ter conhecimentos quanto às doenças e males que poderiam
afetar seus alunos e, conseqüentemente, seus tratamentos e cuidados. É
interessante observar no documento anterior, entre os demais conteúdos – todos
relacionados às doenças – o tópico 16, que aponta a presença de elementos que
poderiam gerar vícios e que, nesse documento especificamente, são tratados como
doença. Além de se caracterizar como um caso de saúde pública, a presença desse
tópico aponta para a associação da higiene com a cruzada moralizadora que tinha,
principalmente na higiene escolar, importante sustentação.
83
No ano seguinte, eram ofertadas também palestras na ocasião da reunião
de diretores dos grupos do interior e da capital promovida pela IGE, ofertando três
palestras do Inspetor Geral de Ensino, César Martinez, que expôs seu entendimento
sobre os grupos escolares: “sua direcção e organisação; cuidados relativos á
disciplina escolar, conservação do mobiliario e do edificio, hygiene do
estabelecimento, regimen de trabalho, etc. Falei sobre a estabilidade dos methodos,
amplitude dos programmas, escolha de livros, preparo das lições e enthusiasmo
pelo ensino, base de todo successo” (MARTINEZ, 1921, p. 26); conteúdos
elencados pelo Inspetor Geral de Ensino como prioridades para a reordenação da
Instrução Pública paranaense.
Aproveitando o agrupamento dos diretores dos grupos escolares do Estado,
Mario Gomes, inspetor médico-escolar fez uma palestra “sobre hygiene em geral,
cuidados com as mãos e os olhos, molestias da pelle e do couro cabelludo, curativos
urgentes, medidas a empregar para se conseguir o desejado asseio nas escolas”
(MARTINEZ, 1921, p. 26-27). Novamente a ênfase foi dada às doenças, mas não
descuidando das instruções sobre a higiene pessoal do aluno e do espaço da
escola.
Outro espaço de disseminação dos conteúdos para os professores seriam
as conferências e congressos, já analisados no primeiro capítulo, que tinham
participação dos professores e diretores das escolas. Na I CNE, foram expostas, em
uma das teses, orientações para a educação das crianças em seus aspectos físicos:
Então aconselhamos à criança que se eduque fisicamente, que exercite o seu
corpo na ginástica, principalmente a sueca; que tenha asseio, sobriedade, método,
que não se envenene com narcóticos; que não freqüente lugares libidinosos; que
ame a pureza, a sociabilidade, a economia; porque só assim ela poderá vir a ser
um homem verdadeiramente culto, verdadeiramente digno das funções a que é
chamado na sociedade (XAVIER, 1997, p. 69)
41
.
A importância das práticas corporais nas escolas foi discutida por vários
órgãos relacionados à educação, saúde e serviço militar, todos acentuando os
41
A ginástica sueca, sistematizada no início do século XIX na Suécia, compreendia um método de
ginástica pautado na ciência, com fins pedagógicos e sociais. “Voltado para extirpar os vícios da
sociedade, entre os quais o alcoolismo, o método sueco de ginástica se colocava como o instrumento
capaz de criar indivíduos fortes, saudáveis e livres de vícios, porque preocupados com a saúde física
e moral” (SOARES, 2001, p. 57). Esse método teve ampla aceitação no Brasil, sendo defendido por
Rui Barbosa e Fernando de Azevedo. Para o Paraná, era assim justificada: “que pela sua technica
realisa a pratica solução do maximo resultado com o mínimo esforço” (SANTIAGO, 1909, p. 203).
84
benefícios dessas práticas para os escolares. Em seus argumentos, defendia-se a
importância da prática de exercícios físicos sob o ponto de vista da higiene escolar.
No trecho exposto percebe-se a aproximação da ginástica, como meio para exercitar
o corpo da criança, com a busca pela formação de atitudes pertinentes à saúde, à
moral e à sensibilidade do aluno pelo corpo, procurando manter a criança longe de
vícios.
A associação da higiene com a moral merece atenção visto que muitas das
condutas defendidas pelos higienistas e educadores abarcavam questões morais.
Se a criança respondesse aos preceitos higiênicos, estaria satisfazendo também os
preceitos morais. A ênfase no físico estava inserida num projeto maior: de
moralização dos costumes.
Outra forma de inserção da higiene nas escolas foi mediante os “pelotões de
saúde”, que funcionaram também em Curitiba. No entanto, não foram encontrados
registros sobre suas ações nos acervos pesquisados. Apenas em relatório enviado
ao presidente da república Getúlio Vargas em 1939, mas referente ao período entre
1932 a 1939, há destaque sobre a ação deles: “os pelotões de saúde vêm
trabalhando pela difusão dos preceitos higiênicos, que são a defesa da saúde”
(RIBAS, 1932-1939, p. 56).
Os Pelotões de Saúde compreendiam um projeto nacional de difusão dos
preceitos de higiene e saúde para as escolas, principalmente, por se tratarem de
participantes em idade escolar. Carlos Sá
42,
divulgador da idéia no Brasil, se
baseava em experiências da América do Norte e Europa. A relação de
conhecimentos (“regras”) que se defendiam para os “pelotões de saúde” foram
apresentados no III CBH:
1º) Hoje escovei os dentes.
2º) Hoje tomei banho.
3º) Hoje fui á latrina e depois lavei as mãos com sabão.
4º) Hontem me deitei cedo e dormi com janellas abertas.
5º) De hontem para hoje já bebi mais de 4 copos d’água.
6º) Hontem comi ervas ou frutas, e bebi leite.
7º) Hontem mastiguei devagar tudo quanto comi.
8º) Hontem e hoje andei sempre limpo.
9º) Hontem e hoje não [sem grifo no original] tive medo.
10º) Hontem e hoje não [sem grifo no original] menti (SÁ, 1929, p. 815-816).
42
O Dr. Carlos Sá exercia, no período da conferência, o cargo de Inspetor Sanitário do Departamento
Nacional de Saúde Pública.
85
Analisando as regras veiculadas para o uso dos pelotões de saúde nas
escolas brasileiras, se questiona os motivos possíveis para a presença dos itens 9º e
10º. Que relações o medo e o ato de mentir teriam com o corpo? O mentir pode ser
explicado pelo fato de atribuir relações diretas com a moral. A oposição da verdade
implicaria no não cumprimento das regras de bons costumes, dissipadas por
intelectuais com o intento de formar homens cultos e dignos, acompanhando as
palavras de Xavier (1997).
Motivo próximo a esse pode ser conferido ao ato de sentir medo. Este
sentimento, inicialmente de cunho psicológico, se manifesta corporalmente na
criança, causando-lhe desconforto e insegurança. A lição dos pelotões de saúde
seria na direção da formação da criança para ser destemida, e, vendo as lições com
uniformidade, de não ter medo de dizer a verdade. Essas experiências, muito
próprias das crianças, passaram a ser conteúdos escolares, por meio da educação
dos sentidos e da educação do corpo.
O autor justifica a forma de exposição desses conteúdos no rol dos preceitos
do Pelotão de Saúde: “para creação dos habitos mentaes, contra o medo e contra a
mentira, recorri á forma negativa de ennunciar o preceito, o que era condemnado por
Emmet Holt
43
quando preconizava que o ensino deve ser sempre positivo e nunca
negativo. Confesso que não descobri meio de adoptar, no caso, a affirmação em vez
da negativa; pareceu-me esta mais precisa e mais clara” (SÁ, 1929, p. 815).
Carneiro Leão (1929) anuncia mais detalhadamente como se dava a
organização dos Pelotões. Segundo ele, seriam escolhidas 15 crianças da mesma
idade, sexo, com boas condições físicas e pertencentes aos terceiro e quarto anos
do ensino primário. Cada criança recebia mensalmente uma ficha e no ato da
inscrição o cartão de alistamento. Receberiam ainda: “1 bacia de rosto (onde não
haja lavatorios sufficientes); 1 sabonete; 1 toalha de rosto; 1 copo; 1 balde; 1 escova
de dentes; 1 escova de unhas; 1 bisnaga de dentifrício; 1 pente; 1 avental”
(CARNEIRO LEÃO, 1929, p. 874).
Portanto, além de divulgar os preceitos de higiene, os pelotões aparelhavam
os alunos para executar tais noções. Os pelotões deveriam funcionar por quatro
meses sob fiscalização da professora. Depois desse tempo, em vez de se desfazer,
43
Referência americana do qual se pautava Carlos Sá para a enunciação dos preceitos do Pelotão
de Saúde.
86
eles ganhavam autonomia para continuar em seus grupos, mas agora, sem a revista
diária da professora, que aconteceria apenas de 15 em 15 dias ou de mês em mês.
Ao término dos quatro meses, deveria-se organizar um segundo pelotão e assim
sucessivamente, cada vez mais contemplando um número maior de crianças.
Os saberes listados por Carlos Sá (1929) deveriam ser repetidos pelos
professores e alunos diariamente, como uma forma de memorização dos hábitos
saudáveis que deveriam ser seguidos. A higiene deveria estar presente em todos os
momentos no ambiente escolar e em todas as oportunidades postas pelos alunos
seus preceitos deveriam ser reforçados.
Todos os aspectos negativos apresentados pelos alunos em sala de aula
deveriam ser utilizados pelos professores para versar sobre os preceitos higiênicos.
A afirmação da saúde em oposição à doença, posta por Xavier (1997) em sua tese
na I CNE, apresentada anteriormente, tornou-se como um marco da disseminação
das idéias médicas: “a degeneração poderia ser contornada. A enfermidade dos
corpos e da sociedade cederia lugar à saúde e à vida” (STEPHANOU, 2005, p. 148).
Outro fator destacado na fala de Xavier (1997) é a função dos professores frente aos
problemas de falta de higiene. O professor tornava-se “um aliado imprescindível
para levar a cabo a cruzada higienizadora” (MARQUES; SOUZA, 2005, s.p.).
Como já visto no tópico destinado aos espaços e tempos escolares dos
grupos escolares curitibanos, a higiene deu contribuições importantes também em
relação aos momentos de descanso da mente do aluno, aos intervalos entre as
aulas, muitas vezes, enquanto momentos de recreio, na figura dos exercícios físicos
e/ou o canto ou ainda estes sendo realizados no tempo destinado ao recreio dos
alunos. Essas questões faziam parte da teoria da “higiene mental”
44,
defendida por
médicos higienistas, que se baseavam na fadiga mental que poderia ser ocasionada
por muitas horas de estudos consecutivos.
A própria defesa da introdução de exercícios físicos, ginástica e recreio nas
escolas vinha, muitas vezes, apoiada nos preceitos higiênicos:
Sob o primeiro ponto de vista [higiene escolar sob o aspecto do aluno] a sciencia
moderna aconselha, nas escolas, a introducção dos exercicios physicos, sob a
44
A higiene mental compreendia a prevenção e a correção: “ela estuda o desenvolvimento e
formação de hábitos na primeira e segunda infância, acompanha o escolar no período da escola
primária, assiste ao desabrochar da adolescência, prepara o jovem ser para a perfeita adaptação à
vida adulta” (RAMOS apud MARQUES, 1994, p. 132).
87
forma de gymnastica escolar, moderada e systematica, naturalmente de accordo
com as condições orgânicas de cada alumno.
Para isso e tambem para evitar a fadiga intellectual, produzida por um excesso de
attenção, convem muito o estabelecimento dos recreios alternados,
proporcionalmente, ás horas de estudos, de forma a se obter uma justa
compensação ao esforço dispensado pela creança, em beneficio de sua saude e do
seu desenvolvimento physico (XAVIER, p. 17, 1909).
Faria Filho (2000, p. 70) destaca essa questão no cenário belo-horizontino:
“cumpre lembrar, também, a importância atribuída ao canto e aos exercícios físicos,
que, de acordo com as teorias higienistas apropriadas pelo pensamento pedagógico,
são ‘momentos’ (tempos) de descanso, de repouso da mente”. Ainda em Belo
Horizonte, Vago (2002, p. 235) ressalta a importância dessas práticas entre as
outras atividades escolares: “A idéia de intercambiar os ‘Exercícios Physicos’ e o
Canto às demais disciplinas expõe uma preocupação de caráter higiênico, revelada
na pretensão de proporcionar às crianças um descanso (relaxamento) dos trabalhos
considerados intelectuais, realizados nas outras cadeiras, em sala de aula”.
Os exercícios físicos, vistos sob o ponto de vista higiênico, contribuiriam
para a aquisição de corpos sadios, como visto em Belo Horizonte por Tarcísio M.
Vago. Os exercícios físicos se fixariam nas escolas devido à “crença em suas
possibilidades de transformar os corpos das crianças, representados como
raquíticos, débeis e fracos, em desejados corpos sadios, belos, robustos e fortes”
45
(VAGO, 2002, p. 219). Além da correção, pretendia-se a constituição de novos
corpos.
A Educação Física representaria, segundo Soares (2001, p. 6)
46
“receita e
remédio para curar os homens de sua letargia, indolência, preguiça, imoralidade e,
desse modo, passa a integrar o discurso médico, pedagógico...familiar”. Para
Martinez (1921, p. 58), as práticas de educação do corpo incorporariam ainda:
A educação física, considerada como base da educação moral e intellectual, deve
merecer os mesmos cuidados da educação do espirito, isto é, desenvolver
harmonica e progressivamente a robustez e a destreza do corpo, de accôrdo com
as condições anatomicas e physiologicas do educando. Si ha uma Sciencia da
Educação, ella abrange a aptidão physica e estabelece leis tão rigorosas,
45
Esta citação se refere à ginástica, mas, neste trabalho, optou-se por considerar os termos
exercícios físicos, ginástica e educação física como sinônimos pela necessidade de padronizar uma
forma de apresentação. No entanto, compreende-se a especificidade de cada um dos termos.
46
Soares (2001) trabalha com o termo Educação Física para se referir às sistematizações científicas
ocorridas em torno dos exercícios físicos, jogos e esportes.
88
postulados os mais exigentes, para que essa aptidão realize verdadeira obra de
aperfeiçoamento.
Este momento da IGE representou um grande avanço na Instrução Pública.
Seu diretor, César Prieto Martinez, encaminhou a reorganização do ensino no
Estado do Paraná, tornando sua gestão na Inspetoria Geral de Ensino singular
(1920-1924). Caracterizava-se, segundo Moreno (2003), como um ferrenho
reformador, permeado pelo ideal moral católico e criticado pela imprensa por suas
intervenções, principalmente por ser “estrangeiro” à terra que o abrigava. Dentre as
suas ações, destaca-se a eleição da higiene como sua “pedra de toque”
(MARQUES; SOUZA, 2005).
Destacava a associação da educação física com a educação moral,
principalmente a relação com a higiene, sendo essa associação vista como benéfica
para a afirmação dos hábitos higiênicos nos alunos. Essa união era vista como
positiva também na campanha educacional da ABE que se pautava no trinômio
“saúde, moral e trabalho” como projeto de educação do povo (CARVALHO, 1998).
Segundo Petriche, era dever do professor primário “encarar a educação da
criança sob o seu tríplice aspecto, cuidando simultaneamente do seu
desenvolvimento physico, intellectual e moral. Mens sana in corpore sano [grifo do
autor] e por isso considero de grande importancia a educação physica pelo auxilio
que incontestavelmente presta á educação moral” (PETRICHE, 1908, p. 13). O trio
que contemplaria a educação integral do homem – educação intelectual, moral e
física – permanecia nas discussões de intelectuais no século XX, com o novo
modelo educacional: “de uma escola de primeiras letras vai lentamente, a escola,
transformando-se numa instituição responsável pela transmissão de saberes,
sensibilidades, valores cada vez mais ampliados e complexos” (FARIA FILHO, 2002,
p. 24).
Muitos autores apontam para a relevância da educação física entre esses
aspectos. Para Taborda de Oliveira (2005, s.p.) “foi sobre a educação física que
recaíram os maiores esforços e investimentos intelectuais”. O que justificaria a
inclusão nas escolas da educação física, educação sanitária, o ensino da higiene e o
exame médico regular: “mas para se chegar a um resultado conveniente e
satisfactorio, tendo-se em vista a natureza de cada alumno, na ministração da
gymnastica, bem como das outras medidas hygienicas preventivas, é imprescindivel,
89
em nosso meio, o estabelecimento da inspecção medica dos collegiaes, á exemplo
do que se realisa com grandes vantagens e exito real em todos os centros
adiantados” (XAVIER, 1909, p. 17).
Como se vê, a inspeção médica escolar era foco de discussões e reclames
desde o início do século, mas apenas em 1921 foi oficialmente implementada no
Estado do Paraná. A Inspeção Médico-escolar (IME) foi criada no Brasil no ano de
1889, pelo então ministro do império, conselheiro A. Ferreira Vianna, caracterizada,
de acordo com Marques (1994, p. 113), como de “caráter de polícia médica em
consonância com a medicina social da época”.
A IME no Paraná, conjuntamente com outras ações da reforma do ensino
elaborada pela IGE, liderada por Prieto Martinez, veio para exercer um papel na
Instrução Pública do Paraná há tempos reclamado pelas autoridades de ensino,
visto sua necessidade para o progresso da educação. Antes da reforma, havia um
controle escolar que se pautava nos preceitos higiênicos, como é o caso da
“inspeção escolar” encontrada no capítulo IX do Código de Ensino de 1917:
Art. 161 – Na capital e nas cidades ou villas, onde houver inspecção de hygiene, as
escolas serão visitadas pelos respectivos médicos ao menos uma vez por mez;
escolas de outras localidades serão visitadas sempre que for possivel e quando
necessario, conforme instrucções que a respeito expedir o Secretario do Interior,
Justiça e Instrucção Publica.
§ único – Sempre que for possível será o cargo de Inspector Escolar exercido por
um medico, que de modo especial procederá a inspecção da hygiene escolar
(PARANÁ, 1917, p. 54).
Como se pode perceber, havia preferência por médicos para exercer o papel
de inspetores escolares. A inspeção no ambiente escolar ganhou respaldo com a lei
em 1921, quando da criação do serviço de “Inspecção Médico-escolar”, pela lei 2065
de 21 de março. Nesse caso, era obrigatório o cargo ser ocupado por médicos. Este
serviço foi requerido, no Paraná, com o intuito de prestar “inestimaveis serviços á
saúde dos alumnos e professores” (MARTINEZ, 1920, p. 24), portanto, mudando o
foco dos objetivos que tinham os inspetores escolares, que se centravam mais na
higiene física dos estabelecimentos de ensino. É importante enfatizar que o serviço
de inspeção escolar continuou funcionando paralelamente à IME. Na revista O
Ensino há informações sobre a sua instalação nas escolas:
90
a 25 de Julho foi iniciado esse importante melhoramento.
Para dirigir esse serviço foi nomeado o Dr. Mario Gomes que, antes de assumir o
cargo, esteve em São Paulo e no Rio com o fim de conhecer o que a esse respeito
aquelles dois grandes centros já realizaram.
Durante os 4 mezes de seu funccionamento foram visitados todos os grupos
escolares da capital, em numero de 11, o de Paranaguá e o de Rio Negro.
Foram inspeccionados 3960 alumnos, expedidos 422 boletins sanitarios fornecidas
336 receitas.
Dos 3960 alumnos inspeccionados, 1707 careciam de tratamento dentário.
O medico inspector fez varias visitas domiciliares a alumnos enfermos e o
laboratório pharmaceutico da Força Militar do Estado forneceu medicamentos
gratuitos a todos os necessitados considerados como pobres.
O Governo já adquiriu o material preciso para poderem ser feitos os exames
anthropo-pedagogicos.
A Inspecção medico-escolar funcciona annexa á Inspectoria Geral do Ensino
(INSPETORIA GERAL DO ENSINO, 1922a, p. 82).
Importante o investimento feito pelo Governo com a compra de materiais
para a realização de exames antropo-pedagógicos, com a função de medir o corpo
da criança e assim, classificá-la. A Antropologia, que até a década de 1940 foi
fortemente influenciada por um ideário de hierarquização evolucionista, trazia em
sua prática a pesquisa de dados antropomórficos, tamanho, peso, tamanho do
crânio, membros, entre outros, pela necessidade de tornar a sociedade
hierarquizada. Pelas imagens apresentadas mais adiante de fichas utilizadas pelo
serviço de IME, é de se supor que esse ideário chega às escolas paranaenses. Em
1933, foi instituído pelo Decreto 2514 e no ano seguinte sofrendo algumas
modificações pelo Decreto 308, um regulamento relativo ao serviço de carteira de
saúde, na qual eram apontados os resultados dos exames de capacidade física e
mental do aluno. Sem dúvida esses exames se caracterizavam por uma das
principais formas de educação do corpo na escola. A inserção de observações,
medições e classificações na escola por médicos e professores tinham associação
com a tentativa de fazer da pedagogia uma ciência, incorporando a ela então
conhecimentos da antropologia, psicologia, biologia, medicina e psiquiatria, “cujas
fronteiras não eram muito nítidas” (CARVALHO, 1997, p. 273).
Importante informação é a que Martinez relatou em 1924, quando fez um
balanço do seu mandato, em relação à situação da Instrução Pública que encontrou
quando assumiu o cargo de Inspetor Geral de Ensino. Ele afirma que o serviço de
inspeção do ensino encontrava-se, em 1920, suspenso: “nas minhas visitas de
inspecção constatei logo que esse serviço foi sempre imperfeito, pois que raramente
91
se encontravam termos de visita recentes, ou completa ausência desses registros”
(MARTINEZ, 1924, p. 30). Essa constatação pode ter gerado no Inspetor de Ensino
e nas autoridades de ensino a preocupação de tornar o serviço mais coeso. Assim
retomou o serviço de inspeção escolar e ainda centralizou em um serviço específico
o cuidado quanto à saúde dos escolares. Portanto:
O serviço de Inspeção Medico-Escolar sistemático é um dos melhoramentos de
incontestável valor introduzido na instrução pública do Paraná pelo Exmo. Sr. dr.
Caetano Munhoz da Rocha, digno Presidente do Estado, ensinando às gerações
novas os meios de se curar de todas as endemias e de evitarem as diversas
moléstias mais freqüentes em nosso país, pelo conhecimento dos preceitos
médicos e higiênicos, sociais e individuais que extingam as endemias e epidemias
possíveis (DIARIO DOS CAMPOS, 1926, s. p.).
Num primeiro momento da IME, foi dada ênfase no serviço de Assistência
Dentária, a cargo das cirurgiãs dentistas Lucy Simas e Myriam Straube, tão
valorizado para o cuidado das crianças. Isso pode ser confirmado com a
implantação de Gabinetes de Assistência Dentária em alguns grupos escolares da
capital. O exame dos escolares compreendia também a verificação de possíveis
doenças e anormalidades, além da observação das instalações físicas dos
estabelecimentos de ensino.
Já no primeiro ano de execução do serviço, os resultados foram divulgados
na revista O Ensino e na forma de relatório endereçado à IGE. Quanto à análise
corporal dos alunos, Mario Gomes verificou que a maioria dos alunos constituía de
crianças “robustas e sadias”, mas relata também “não posso omittir a impressão
desagradavel que me causaram muitos alumnos que se apresentam á escola em
estado de completo desasseio, tanto do corpo como das vestes, sem falar na falta
de cuidado com os cabellos, unhas, dentes e pés” (GOMES, 1921, p. 126).
Dois anos depois, o inspetor médico-escolar, em considerações transcritas
no relatório de César Prieto Martinez (1923, p. 67), já aponta uma melhora nas
condições de higiene de algumas instituições escolares: “Áfora os conselhos
hygienicos e as numerosas receitas medicas gratuitas para varias enfermidades,
observei notaveis progressos em alguns Grupos e Escolas, no que diz respeito ao
asseio dos alumnos e á limpeza das salas de classe; apezar disso, muito teremos
ainda de lutar pela carência de educação hygienica e simples hábitos de asseio,
factores elementares da hygiene escolar”.
92
Com esse serviço foi possível um maior controle das instalações e ações
nos grupos escolares e demais escolas, bem como do corpo do aluno, pois pela
inspeção passava-se uma mensagem ao aluno de cuidados com o corpo e o
espaço, intentando modificar-lhes os hábitos e costumes. Em 1924, o serviço de IME
foi instalado em uma sala do Grupo Escolar Xavier da Silva, por ser esse o grupo
modelo do Estado, tornando o serviço mais próximo do dia-a-dia da escola.
Quando houve a Reorganização do Serviço da IME, foi apresentada à
Diretoria Geral de Ensino em 1931 a seguinte avaliação do serviço: “O Serviço da
IME, subordinado á Diretoria Geral de Ensino, é uma repartição tecnica inicialmente
profilatica e educativa. O seu principal objetivo é a educação hygienica e visa o
revigoramento da raça e a formação da consciencia sanitaria a partir do meio
escolar” (MACEDO, 1931, s.p.). Essa fazia parte do “Plano Geral para a
reorganização do Serviço de Inspeção Medico Escolar do Estado do Paraná”
(MACEDO, 1931, s.p.), apresentado no dia 9 de dezembro de 1930 ao Diretor Geral
de Ensino pelo Diretor da Inspeção Medico Escolar, dr. José Pereira de Macedo.
Com o tempo, o serviço de IME, que antes centrava os esforços no serviço
dentário e nas temáticas relacionadas às doenças – sua cura, seus cuidados e seu
combate – foi se aproximando mais ao asseio – aquilo que dizia respeito à limpeza
do corpo e das vestes –, da educação higiênica e da consciência sanitária. Esse
movimento não aconteceu apenas no âmbito da escola, mas no do conhecimento
médico em geral.
No texto retirado do periódico Diário dos Campos, da cidade de Ponta
Grossa, ainda foram mencionadas, entre as ações no âmbito estadual, as
vacinações nas escolas contra a varíola e a varicela pelos dois médicos da IGE do
período, dr. Carlos Mafra Pedroso e Heitor Borges de Macedo. Por esse documento
ainda pode-se perceber que a intervenção dos médicos não se restringia apenas a
inspecionar, mas a orientar os professores quanto à higiene escolar: “Os médicos
examinaram todos os alunos das escolas publicas e grupos escolares e receitavam
para aqueles que precisavam de tratamento, e deram ao professorado as instruções
precisas para o conhecimento das moléstias mais comuns e a medida preventiva: o
isolamento.” (DIÁRIO DOS CAMPOS, 1926, s.p.).
Portanto, mais do que inspecionar, o papel educativo do Inspetor Médico-
escolar foi ressaltado como o principal dentro da escola:
93
Entendo que, ao lado da funcção fiscalisadora directa que incumbe ao Inspector
medico-escolar, lhe cabe principalmente a acção educativa, especialmente junto ao
professorado, pois, de seu efficaz e intelligente auxilio é que resulta o maximo de
efficiencia do Serviço. Donde a preoccupação que o medico-escolar deve sempre
ter em chamar a attenção da professora para a necessidade do asseio, como base
primordial da hygiene; para a importancia e o valor da saúde, que precisa ser
conservada pela robustez, pela prophylaxia das molestias e seu tratamento desde
os primeiros symptomas. Esses conselhos devem ser frequentemente repetidos
aos alumnos mais adiantados e completados com noções de hygiene geral,
particularmente sobre hygiene da alimentação, da bocca, da vista e noções
elementares sobre os principaes symptomas das molestias infecto-contagiosas e
meios de evital-as (GOMES, 1926, s. p.).
Esses seriam os conteúdos do serviço de IME, também inscritos nas fichas
de acompanhamento do serviço nas escolas, além dos boletins e ofícios. Os
Boletins de Inspeção (figura 1) geralmente traziam informações gerais sobre a
população escolar, enquanto que a ficha antropo-pedagógica (figura 2 e 3) era
resultado de uma avaliação mais minuciosa dos alunos individualmente.
FIGURA 1 - BOLETIM DE INSPEÇÃO
47
47
Todas as figuras aqui apresentadas fazem parte de documentos do Memorial Lysimaco Ferreira da
Costa.
94
O Boletim trazia uma análise quantitativa da condição escolar, totalizando o
número de alunos matriculados, presentes na data da inspeção e número de alunos
inspecionados. No rol de informações relevantes, constavam principalmente as
doenças mais freqüentes que afetavam a população escolar. Esses dados
contribuíam com a estatística escolar, não só quanto às informações quantitativas da
escola, mas do total de crianças que necessitavam de cuidados quanto à higiene,
muitas vezes tratamentos fora da escola (figura 4 e 5).
FIGURA 2 - FICHA ANTROPO-PEDAGÓGICA (FRENTE)
95
FIGURA 3 - FICHA ANTROPO-PEDAGÓGICA (VERSO)
Pela ficha antropo-pedagógica de posse do médico inspetor, percebe-se a
riqueza dos detalhes que eram inspecionados individualmente e, assim, tendo um
mapeamento do aluno ano a ano, como acontecia pelo preenchimento do verso da
ficha, bem como informações sobre a origem familiar do aluno, acompanhamento
das vacinações e suas medidas antropométricas. Ano a ano essas medidas eram
contrastadas, tentando perceber o desenvolvimento do aluno em relação à última
inspeção médico-escolar.
Ao se realizar a inspeção individual de cada aluno, buscava-se: “marcar a
importância do asseio, explicar minuciosamente em que consiste, incentivar a
repetição das noções, examinar acuradamente, chamando a atenção para as falhas
e louvando os certos são os elementos que compõem essa prática, por meio da qual
se buscava conformar os corpos e gestos infantis, produzindo comportamentos
considerados civilizados” (ROCHA, 2003a, p. 49).
96
“Conformar corpos e gestos”, era a partir da IME que se adequavam as
ações dos alunos, com seus dados se avaliava o desenvolvimento, seus pontos
positivos e negativos. Aos pontos positivos, era importante o reforço do médico e da
professora para que continuasse, aos pontos negativos, a necessidade de modificar
para uma melhora, que deveria se apresentar na próxima seção de Inspeção
Médico-escolar, com um trabalho conjunto com a professora, que inspecionava
diariamente em sala de aula.
Aos alunos que apresentavam alguma moléstia ou problema qualquer que
precisasse de cuidados especiais, era emitido aos pais, pelos professores, o Boletim
Sanitário. Em relatório de 1926, era explicado o uso do Boletim:
Quando o alumno accusa alguma dôr, qualquer incommodo ou perturbação
funccional, dirigimos nossa attenção para o ponto referido, examinando-o
detidamente afim de, quando possivel, formular o dagnostico (sic) do caso. Feito ou
não este, pois demanda elle em muitos casos, exames complementares,
impossiveis na occasião, dirigimos ao pae ou responsavel do alumno, o chamado
“boletim sanitario” no qual lançamos o diagnostico, certo ou provavel,
recommendando o cuidado de levar o doente ao medico da familia para examinal-o
e medical-o. Tratando-se como ás vezes succede, de molestia ou afecção
contagiosa, no mesmo boletim accrescentamos uma “Nota”, na qual fica prohibido
ao alumno freqüentar ás aulas até completa cura da molestia em questão, do que
damos sciencia á Professora responsavel pelo cumprimento das nossas
determinações (GOMES, 1926, s.p.).
Portanto, o Boletim Sanitário cumpria a função de, além das fichas
individuais, guardar as informações mais gerais sobre o estado de saúde do aluno e
um veículo de comunicação com os pais dos alunos e, principalmente, um veículo
de formação das famílias no sentido da educação do corpo e da educação dos
sentidos. Os boletins serviam também como uma forma de informar aos pais de sua
negligência em relação aos filhos. Caso houvesse necessidade, seria indicado aos
pais que o encaminhasse ao médico da família (figura 4), ou ao serviço de
assistência dentária (figura 5).
97
FIGURA 4 - BOLETIM SANITÁRIO
FIGURA 5 - AUTORIZAÇÃO PARA ASSISTÊNCIA DENTÁRIA
98
Como já enfatizado, o serviço de assistência dentária escolar foi a primeira
ação da IME, serviço esse sempre muito destacado nos relatórios de IME pelas
escolas apresentarem alto índice de crianças com dentes cariados, em mau estado
de higiene. O Serviço de IME trouxe, portanto, uma melhora gradual em relação à
saúde dos alunos, oferecendo o atendimento imediato e, quando não fosse possível,
o encaminhamento aos serviços ligados à IME, não deixando, por conseguinte, o
aluno desamparado.
É importante enfatizar o papel da IME na educação dos corpos dos
escolares, tornando-os, por meio do acompanhamento de suas medidas e condições
de saúde, conscientes de sua situação e, com isso, tendo instrumentos para as
ações necessárias. Esse serviço, sem dúvida, contribuiu para imprimir nos alunos os
hábitos e comportamentos saudáveis, reforçando, portanto, as noções lecionadas na
disciplina escolar Higiene, conteúdo do próximo capítulo.
99
3 ESCOLA, CURRÍCULO, HIGIENE
O ensino de hygiene não visa mesmo um conhecimento
amplo, só proprio dum curso superior; o seu verdadeiro
objectivo é determinar o que é util e o que é prejudicial á
saude do individuo.
Meneleu Torres
48
Tendo em vista que os conhecimentos de higiene já se faziam presentes n 614.4764347Cv/f5 C9.96001 270.1n 614.4764347Cv/9.758661829.96001 270.1n 633h06.447Cv/9.7586618am pria se fde
100
de cruzamento de fontes, até porque a pesquisa que apenas centra-se em
determinações advindas de fora da escola não satisfaz. Quem dá destaque a esse
fator é Taborda de Oliveira (2002, p. 58):
De forma bastante fecunda os estudiosos da história das disciplinas escolares têm
mostrado o quão infrutífera é uma análise baseada somente nas determinações
que a escola sofre de fora para dentro. A escola tem sido cada vez mais
reconhecida como um espaço de contradição, capaz de produzir práticas singulares
a partir da experiência dos seus agentes, o que não confirma a tese de possíveis
transposições mecânicas para o seu interior. Ou seja, esses estudos têm enfatizado
que a instituição escolar não existe em abstrato; cada escola, uma realidade; cada
realidade, diversas formas de conceber os embates e conflitos reais. A escola
produz uma cultura muito própria, filtrando as determinações extra-escolares ou
assimilando-as conforme suas necessidades e conveniências.
Ao analisar as prescrições legais sobre a disposição do tempo e das
atividades escolares nas escolas da Espanha, Viñao (1998, p. 32) alerta para um
duplo interesse emitido nesse tipo de documento: “por un lado, representan la
voluntad política y, en este sentido, expresan lo que en un determinado momento se
pretende y prescribe. Reflejan una decisión final, tras un proceso complejo, frente a
otras decisiones posibles, así como la pretensión de sujetar la realidad a la misma. A
la vez, sin embargo, la norma recoge y legaliza prácticas anteriores”.
49
É importante perceber esse duplo propósito que a legislação abarca. A
prescrição dos programas de ensino sofria influências várias, expressamente
localizadas em seu contexto, ou seja, os programas de ensino aqui analisados se
constituem como frutos das questões discutidas naqueles determinados momentos:
as discussões das autoridades de ensino acabavam aparecendo sistematizadas na
forma de programa de ensino.
Tem-se consciência que para o estudo de uma disciplina escolar, não se faz
suficiente a análise de seu programa de ensino. Isso porque, como bem destaca
Goodson (1995a, p. 99), o currículo prescrito pode ser ou não seguido: “significa, sin
embargo, afirmar que el currículum escrito establece la mayoría de las veces
49
Por um lado, representam a vontade política e, neste sentido, expressam o que em um
determinado momento se pretende e se prescreve. Refletem uma decisão final, depois de um
processo complexo, frente a outras decisões possíveis, assim como a pretensão de sujeitar a
realidade a si mesma. Por outro, contudo, a norma recorre e legaliza práticas anteriores. Tradução
livre.
101
importantes parámetros para la práctica en el aula (no siempre, no todas las veces,
no en todas las aulas, sino ‘la mayoría de las veces’)”.
50
Por conseguinte, os conhecimentos reunidos no currículo devem ser
compreendidos não de forma que se encontrem fixos, mas como saberes sempre
em movimento, que trazem por trás da produção do currículo disputas e tensões.
“Assim, os conflitos em torno da definição do currículo escrito proporcionam uma
prova visível, pública e autêntica da luta constante que envolve as aspirações e
objetivos de escolarização” (GOODSON, 1995b, p. 17).
Tendo em vista que Goodson está voltado para o estudo das questões
políticas que envolvem o processo de escolarização, questões externas que
influenciaram a produção do currículo escolar, o percurso percorrido no presente
trabalho – de investigar os discursos vinculados à questão das políticas de saúde
pública e higiene voltadas à escola – ajuda a perceber de que formas esses debates
se apresentam configurados no currículo.
Com a institucionalização de um programa de ensino a ser seguido nos
grupos escolares do Estado, entendia-se que o ensino seria, de certa forma,
padronizado, facilitando acompanhar o desenvolvimento das crianças, bem como
aplicar a seriação do ensino nos grupos escolares, o que, no Paraná, aconteceu a
partir de 1912.
Conforme é visto mais adiante, essa determinação não se fez regra, pois no
momento de execução desse programa, muitos fatores poderiam alterar essa
determinação. Por isso a importância de estudar o currículo prescrito e ativo,
visando relacionar esses dois momentos distintos do currículo.
A questão é que o potencial para uma estreita relação – no outro extremo, uma
não-relação – entre teoria e prática ou entre currículo escrito e currículo ativo,
depende da natureza da construção pré-ativa dos currículos – quanto ao teor à
teoria – bem como da sua realização interativa em sala de aula.
(...) Portanto, o preâmbulo de qualquer estudo deste tipo consiste em analisar a
construção social do currículo. O estudo social construcionista tem a intrínseca
vantagem de possibilitar insights nas conjeturas e interesses envolvidos na
elaboração do currículo; se aprofundássemos o nosso entendimento sobre a forma
como são analisados alguns parâmetros referentes à pratica, nós facilitaríamos os
estudos subseqüentes sobre a relação entre construção pré-ativa e realização
interativa (GOODSON, 1995b, p. 109).
50
Significa, todavia, afirmar que o currículo escrito estabelece a maioria das vezes importantes
parâmetros para a prática na aula (não sempre, não todas as vezes, não em todas as aulas, mas “a
maioria das vezes”). Tradução livre.
102
Esses momentos foram muito importantes para o estudo do currículo, o
currículo prescrito, que a partir de determinações externas à escola é construído e,
por esse motivo, sofre modificações constantes e, portanto “envolve prioridades
sociopolíticas e discurso de ordem intelectual” (GOODSON, 1995b, p. 113), e o
currículo ativo, que exerceria o papel de consolidar o currículo prescrito, mas, no
entanto, compreende influências e ações que acabam, por um lado, a legitimar o
currículo prescrito e, por outro, modifica as ações previstas, tornando as práticas de
cada escola singulares, de cada cotidiano escolar.
No entanto, mesmo que haja a possibilidade de modificação das prescrições
constantes no currículo escrito para sua efetivação na prática, este não pode ser
descartado para o estudo e entendimento da escolarização, pelo contrário, é a partir
dele que se pode compreender o processo e as intenções para a escolarização, ou
seja, “o currículo escrito não passa de um testemunho visível, público e sujeito a
mudanças, uma lógica que se escolhe para, mediante sua retórica, legitimar uma
escolarização. Como tal, o currículo escrito promulga e justifica determinadas
intenções básicas de escolarização, à medida que vão sendo operacionalizadas em
estruturas e instituições” (GOODSON, 1995b, p. 21).
Portanto, neste capítulo intentou-se trabalhar com as dimensões do currículo
prescrito, compreendendo os seguintes fragmentos sobre os componentes da
disciplina escolar Higiene: as motivações para a criação da disciplina para os grupos
escolares, ou seja, identificar as finalidades, assim como os conteúdos e objetivos
atribuídos à Higiene. Tendo isso em vista, foram analisados os programas da
disciplina, sua relação de conteúdos, seus quadros horários e fragmentos de
relatórios de professores e periódicos educacionais ligados à IGE.
3.1 A HIGIENE COMO DISCIPLINA ESCOLAR?
Os estudos que passaram pela história da Higiene como disciplina escolar
são ainda reduzidos, e apresentam alguns fragmentos de sua existência, todos
centrados no século XIX, no âmbito das Academia Médico-Cirúrgica e Faculdade de
103
Medicina do Rio de Janeiro (GONDRA, 2004; PAIVA, 2003)
51
. A Higiene, nos seus
diferentes momentos, apareceu vinculada a diversos saberes. Introduzida,
inicialmente, nos cursos brasileiros na Academia Médico-Cirúrgica em 1813, e logo
em seguida inserida no programa da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,
Fernanda Paiva (2003) localizou a Higiene vinculada ao ensino de História da
Medicina, recebendo a denominação Hygiene e História da Medicina. Com o passar
do tempo, foi sendo defendida a separação desses assuntos em duas disciplinas,
por conta das particularidades de cada um dos conteúdos, sendo que o último
acabava por não ser trabalhado pelos lentes da cadeira: “a grande questão para os
lentes de Hygiene não era ignorar a importância do estudo da História da Medicina,
mas reservar-lhe um espaço próprio” (PAIVA, 2003, p. 207). A criação de uma
cadeira especial para a História da Medicina, segundo confirma a autora, não
aconteceu.
Sobre o programa da disciplina, Paiva (2003, p. 206) sistematizou as
informações constantes até o final do século XIX, sendo elas:
a) o compêndio adotado oficialmente na disciplina era o Tratado elementar de
higiene privada e pública, escrito por Becquerel, que inspirava a organização da
disciplina tratando tanto do estudo do sujeito da higiene – o homem e seu estado de
saúde – como das matérias que a compunham; b) a disciplina, composta por duas
relevantes áreas – Higiene e História da Medicina – impunha, quase sempre o
sacrifício dos conteúdos da segunda.
A obra de Becquerel tornou-se constante nos programas da disciplina, bem
como os conteúdos de higiene durante o século XIX, apresentados, por vezes na
forma de cursos práticos e por outras de cursos teóricos
52
. Entrando no século XX, a
Higiene apresentava outras variações: “mesclou-se Higiene e Epidemiologia (1910);
privilegiou-se o sanitarismo dividindo o curso em discussões de epidemiologia geral
e epidemiologia específica, nas quais eram estudados etiologia e profilaxia de
diferentes doenças (1912); retomou-se algo parecido com a perspectiva original em
1914” (PAIVA, 2003, p. 210).
51
Para Gondra (2004, p. 44 e seguintes), a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (FMRJ)
cumpria o papel de instituição de formação, enquanto a Academia Imperial de Medicina (AIM), o de
organização da corporação médica.
52
Os elementos que compunham a obra de Becquerel foram sistematizados por Paiva (2003, p. 212-
213): “a circunfusa (meteorologia, hidrologia, geologia, climas e habitações), a ingesta (alimentos e
bebidas),a excreta (excreções e banhos), a applicata (vestimentas e cosméticos), a percepta
(costumes, sexualidade, higiene pessoal) e a gesta (movimentos habituais, atividades profissionais)”
e explorados mais a fundo por Gondra (2004), no capítulo 3.
104
Já Marañón (1987) procurou desvendar a Higiene como matéria de ensino
oficial na Espanha, o que localizou somente na legislação de 1901 como a primeira
vez que sua obrigatoriedade é proposta, em associação com o programa de
Ciências Físicas e Naturais, na matéria intitulada: Fisiologia e Higiene, para as
escolas primárias.
No entanto, o autor investiga o período anterior a esse, no qual a higiene
aparece como disciplina escolar em outros momentos da legislação, como em 1838,
quando sua presença é justificada por conter conteúdos que se consideravam
adequados às necessidades mais comuns da vida: “la higiene se entiende como una
disciplina en la que sólo puede ser versada la mujer, algo bien distinto de lo que se
demuestra en la preocupación que por este asunto se tiene a fin de siglo”
(MARAÑÓN,1987, p. 27)
53
. A Higiene no início do século XIX na Espanha estava
mais voltada à puericultura, o que foi demonstrado pelos conteúdos dos programas
nesse período, incluindo a alimentação infantil e a higiene doméstica.
Mais para o final do século, o autor apresentou da seguinte maneira os
conteúdos que a Higiene abordava: “los hábitos del maestro, el control de la limpieza
externa por parte de éste, ligeras nociones de higiene y economía doméstica para
niñas y lo que de historia natural aprendieran los niños, juntos con el deseo de ir
inculcando poco a poco en las escuelas algunas nociones muy básicas, son las
manifestaciones de la enseñanza e esta ciencia hacia 1878” (MARAÑÓN, 1987, p.
28).
54
Semelhante ao caráter dado à Higiene no final do século XIX na Espanha,
em Curitiba a Higiene apareceu sempre de forma muito tímida na legislação até que
em 1917 ela ganhou espaço específico no currículo escolar. Antes disso, porém, os
saberes de higiene eram, de certa forma, vinculados a outros saberes, como
apresentado no quadro 3.
53
A higiene se entende como uma disciplina em que só pode ser versada a mulher, algo bem distinto
do que se demonstra na preocupação que por este assunto se tem ao fim do século. Tradução livre.
54
Os hábitos do professor, o controle da limpeza externa por parte deste, ligeiras noções de higiene e
economia doméstica para meninas e o que de história natural aprenderam os meninos, junto com o
desejo de ir inculcando pouco a pouco nas escolas algumas noções muito básicas, são as
manifestações de ensino desta ciência para 1878. Tradução livre.
105
QUADRO 3 - AS DIFERENTES DENOMINAÇÕES QUE A HIGIENE ESCOLAR
APRESENTA ENTRE 1909 E 1932
Ano Denominação Fonte
1909
Noções elementares de physica,
chimica e historia natural, sufficiente
para suas applicações aos principais
rudimentos da hygiene e da
agronomia.
Regulamento orgânico do ensino
público do Estado
55
– Título III (Do
Ensino Primário); Capítulo III (Do
Ensino Elementar); Art. 96.
1909
Noções fundamentais de physica,
chimica, mineralogia, botânica,
zoologia, agronomia e hygiene.
Regulamento orgânico do ensino
público do Estado – Título III (Do
Ensino Primário); Capítulo IV (Do
Ensino Complementar); Art. 117.
1912
Noções elementares de mineralogia,
botânica, zoologia, agronomia e
hygiene.
Lei n. 1236 – Título II (Ensino Publico);
Capítulo I (Do Ensino Primário); Art.
35 (Curso Complementar).
1914
Noções rudimentares de Physica,
Chimica e Historia Natural, com
applicações uteis ás artes e aos
officios e especialmente á Agricultura
e á Hygiene.
Relatório apresentado pelo Dr.
Francisco Ribeiro de Azevedo Macedo
ao Dr. Claudino Rogoberto Ferreira
dos Santos – Instruções sobre a
Organização Escolar e Programa de
ensino para as escolas publicas do
Estado do Paraná
56
.
1915
Noções fundamentais e praticas das
Constituições da Republica e do
Estado; da Economia Privada e
Política, de Agronomia, de Hygiene e
de Musica.
Código de Ensino – Titulo II (Do
Ensino Infantil); Capítulo II (Da
organização geral do ensino primario);
Secção I (Dos programas e da
distribuição do tempo); Art. 62º - 6º. d.
1917 Hygiene. Programa do Grupo Escolar Modelo e
similares.
1917
Noções fundamentais e praticas das
Constituições da Republica e do
Estado; da Economia Privada e
Política, de Agronomia, de Hygiene e
de Musica.
Código de Ensino – Título III (Do
Ensino Primário); Capítulo II (Da
organização geral do ensino primário);
Secção I (Dos programas e da
distribuição do tempo); Art. 55º - 6º. d.
1921 Sciencias Physicas e Naturaes –
Hygiene.
Programa de Ensino para os grupos
escolares do Estado.
1932 Hygiene. Regimento Interno e Programa para
Grupos Escolares.
1932 Hygiene. Programa das escolas isoladas de
instrução primaria do Estado.
Associada à História Natural, Agronomia e saberes vinculados à Biologia, a
higiene no período anterior ao programa de 1917 sempre foi apresentada na forma
de “noções”, listada entre vários outros conhecimentos. Portanto, a higiene foi uma
55
Neste regimento, o ensino primário compreende 3 cursos: o infantil, o elementar e o complementar.
Deveria ser ministrado nas escolas isoladas e nos grupos escolares de ensino público primário. Em
1910 o citado regulamento foi suspenso, sendo mantido o regulamento de 1901.
56
Proposta de reformulação do programa de ensino.
106
constante nos grupos escolares curitibanos, desde sua construção, nos serviços
prestados e nas suas práticas cotidianas.
Por isso a freqüência de conteúdos nos relatórios e periódicos que
defendiam a presença da higiene nas escolas, principalmente na forma de lições
sistematizadas para implantação nas escolas curitibanas, sempre intentando
abranger as principais questões referentes à higiene. Isso nem sempre se buscou na
forma da disciplina escolar, mas em diferentes momentos e de diferentes formas, a
higiene deveria ser abordada pelo professor.
A higiene escolar se encontrava num plano diferente dos demais saberes na
escola, pode-se entender assim, pois sua presença era requisitada em diferentes
momentos, como nos recreios, nas aulas de Ginástica, nos momentos de inspeção
diária do aluno pelo professor da classe, na ocasião da inspeção médico-escolar, e
de forma implícita em algumas disciplinas escolares.
Isso porque a higiene era entendida como “uma disciplina científica de base
biológica, porém dotada de atributos morais, [o que] munia-a de grande poder de
intervenção social” (MARQUES, 1994, p. 112) e, por isso, sua importância era
evidenciada num âmbito mais geral da escola, tendo ainda seu espaço específico:
A escola, por seu professor, deve constituir-se um meio auxiliar ao serviço da
prophylaxia. As lições sobre a ancylostomose, a malaria, a tuberculose e outras
doenças devem tomar um aspecto serio e eminentemente pratico. A creança deve
ter idéa muito clara do que sejam esses males e dos meios ao seu alcance para
previnil-os ou cural-os.
(...) Não só, porém, em relação a essas doenças mais communs, a escola tem que
agir. O seu programma na parte referente á Hygiene deve se extender pelo menos
ao asseio do corpo e do vestuário, cuidados com os pés, mãos, bocca, olhos, etc
(MARTINEZ, 1923, p. 20-21).
Ao mesmo tempo que os programas de ensino já se faziam presentes nas
escolas curitibanas, ainda apareciam falas como essa do Inspetor Geral do Ensino,
dando ênfase ao ensino da higiene nas escolas, o que nos leva a pensar que neste
momento ainda não se tinha claro os conteúdos que deveria abranger, ou melhor, se
encontrava em constante discussão a sua conformação no currículo escolar, o que
ressalta Goodson (1995b) como disputas e tensões sobre as aspirações e objetivos
da escolarização.
Em um exercício do professor Meneleu Torres de definir o ensino da higiene
para as escolas paranaenses, no periódico O Ensino, ele dá destaque aos métodos
107
de ensino empregados para sua execução, o que apareceu da seguinte forma nas
páginas da revista de 1924
:
Os methodos empregados para o ensino desta materia, embora variem de mestre
para mestre, por isso que cada um imprime ás suas lições um cunho proprio, ficam
reduzidos, os acceitos pela pedagogia moderna, quando tomados em seus traços
geraes, a dois: inductivo e expositivo-socratico.
Pelo primeiro é o ensino de cada ponto ministrado em tres phases que se
continuam e se completam: inducção, argüição e exposição pelo alumno.
Não se deve pensar, porém, que haja um limite para cada phase: ellas estão
intimamente ligadas e se confundem por vezes.
Inspirado nessa intelligencia, não os descreverei separadamente, o que não quer
dizer que ellas não estejam claramente contidas no methodo que passarei a expor
(TORRES, 1924, p. 71).
O professor segue, então, com a descrição de cada um dos métodos,
explicando que o indutivo deveria ser realizado por meio de perguntas “habilmente
formuladas que visem derivar idéas novas de conhecimento anteriormente adquirido
pelos educandos, idéas que algumas vezes já se desenham confusas em seu
cerebro e que assim se accentuam e tomam forma” (TORRES, 1924, p. 71), quando
o aluno é chamado a repetir a sentença formada, o que desencadearia para outra
pergunta e uma segunda sentença e assim sucessivamente.
Esse método evoca a experiência do professor e do aluno, quando o autor
argumenta que o método varia de mestre para mestre, cada um imprimindo na sua
prática um cunho próprio. O professor busca impressões para realizar as perguntas
aos alunos e estes se utilizam de suas experiências para compreender e reformular
as sentenças da melhor forma para sua compreensão. Para Torres “as duas
[sentenças] formadas serão repetidas, não textualmente, mas em correcta
linguagem, propria do alumno [sem grifo no original], por varios delles, de modo que
provem pleno conhecimento das idéas que repetem; e assim se continúa até a
conclusão do ponto que deverá ser reproduzido durante alguns dias até ficar bem
sabido” (TORRES, 1924, p. 71). Isso porque se entendia, segundo o autor do texto,
que “a simples repetição mechanica, nenhum valor terá, por isso que os alumnos
gravarão palavras e não as idéas que as mesmas representam” (TORRES, 1924, p.
71).
O método expositivo-socrático foi apontado pelo autor como semelhante ao
indutivo, ou melhor, “não deixa, porém, essa conversação socratica de ser a propria
inducção auxiliada da anterior exposição” (TORRES, 1924, p. 71), pois como o
108
nome já revela, o método envolvia a exposição feita pelo professor do ponto a ser
lecionado, “acompanhada de uma conversação socratica com os alumnos, é em
muitos casos preferivel, principalmente em se tratando de assumpto difficil de ser por
analogia ou comparação evidenciado, ou que escape á observação da creança”
(TORRES, 1924, p. 71). O autor finaliza o tópico sobre o método para o ensino da
Higiene nas escolas primárias paranaenses da seguinte maneira:
Seja qual for a fórma adoptada, depois que estiver a lição bem conhecida e
desembaraçadamente saibam os alumnos responder a todas as perguntas que
sobre ella se faça, o mestre mandará que varios delles a reproduzam, em
linguagem clara, simples e correcta.
A reproducção, porém, não deve ser entendida como sendo a repetição de phrases
preorganisadas e sim como a recomposição da lição, depois de comprehendida,
com palavras proprias da creança (TORRES, 1924, p. 71).
Dessa forma, se pregava o ensino da Higiene nas escolas do Estado do
Paraná, trabalhando o individual do aluno e do professor, tanto para o método
indutivo quanto para o expositivo e, com eles, a inculcação dos hábitos e lições,
tendo condições, cada aluno, de as repetir em suas próprias palavras demonstrando
sua aprendizagem.
Não se teve contato com informações sobre avaliações feitas para a
disciplina de Higiene, se existiram ou não, mas por esses métodos, como explicado
por Torres, pode-se entender que eles acabavam por avaliar os conhecimentos
quanto à higiene dos alunos no dia-a-dia escolar, quando o professor fizesse com
que alguns alunos reproduzissem as lições, mostrando a sua compreensão ao
sistematizá-la perante a classe.
Os congressos que se desenvolveram ao longo da década de 1920 foram
também importante espaço de socialização das diferentes experiências sobre a
disciplina Higiene nas escolas primárias brasileiras. Em particular, as falas de
Carneiro Leão e de Almeida Junior trouxeram elementos dos programas das
disciplinas nas suas regiões, ou, ao menos, propostas de sua integração no
ambiente escolar.
Ao citar como exemplo a escola primária do Distrito Federal em um dos
congressos da área, Carneiro Leão (1929) indicou que nessas escolas há um ensino
cuidadoso de higiene e apresentou o programa de ensino para demonstrar o papel
que a higiene ganhou no programa daquelas escolas: “Ao redor della [criança], em
109
circulos concentricos que se vão alargando, surgirão as cousas e os factos da
natureza que se relacionam com o organismo humano e que são factores influentes
nos varios problemas relativos á saude. Por isso é natural que o ensino da hygiene
seja, como o é, aqui, intimamente associado a das sciencias physico-naturaes”
(LEÃO, 1929, p. 871).
No caso das escolas paulistas, a higiene também apareceu anexa às
ciências físicas e naturais, o que foi, de certa forma, criticado por Almeida Junior
(1929). Segundo ele, essa associação seria uma das causas da deficiência da
educação higiênica que ele apontou em sua tese no III CBH. Para o autor,
“realmente, a hygiene ficou pobremente aquinhoada nos programmas actualmente
em vigor. Não lhe coube mesmo um titulo especial, pois, seguindo-se velha e má
praxe, jungiram-n’a ás sciencias physicas e naturaes, sob cujo dominio ella se
estiola” (ALMEIDA JUNIOR, 1929, p. 824).
O autor da tese continua, dizendo que no primeiro ano que, segundo ele,
seria o mais adequado para a “semeadura de habitos”, a higiene estava ausente.
Para o terceiro ano, Almeida Junior é mais enfático e destaca que os conteúdos de
higiene ali mencionados (higiene alimentar, respiração, circulação, asseio e a guerra
contra os animais nocivos) não contemplavam o que se esperava da higiene na
escola: “nada, infelizmente, que promova de modo mais efficaz a acquisição de
habitos” (ALMEIDA JUNIOR, 1929, p. 824). No último ano do curso primário, o autor
continua mostrando-se insatisfeito com a forma que a higiene foi contemplada no
programa, que “mantem-se silencioso quanto à orientação da educação hygienica”
(ALMEIDA JUNIOR, 1929, p. 825).
Críticas à parte quanto à forma da higiene, o que vinha se delineando nas
escolas brasileiras era a integração dos discursos dos “homens da ciência” em prol
da educação, que acontecia desde o século XIX e que nesse momento se
consolidava em forma de uma disciplina escolar, ou seja, fazendo parte dos planos
legislativo e programático das escolas, demarcado no currículo das instituições.
3.2 O SURGIMENTO DA HIGIENE COMO DISCIPLINA ESCOLAR EM CURITIBA
O primeiro programa em que figurou a disciplina Higiene, foi aquele
planejado para o grupo escolar modelo – Grupo Escolar Xavier da Silva,
110
transformado em 1916 na capital paranaense, pelo Decreto 978. Nele – segundo
consta no relatório do Secretário do Interior, Justiça e Instrução Pública, Enéas
Marques dos Santos, ao Presidente do Estado – funcionariam 8 cadeiras e teria
como seu diretor o professor Trajano Sigwalt, que liderou a comissão enviada a São
Paulo no mesmo ano para o estudo das escolas paulistas. Tinha como intuito
principal aplicar “os métodos modernos estabelecidos pela ciência pedagógica”
(SOUZA, 2004, p. 44), bem como servir de espaço para a prática dos quartanistas
da Escola Normal e professores designados pelo secretário do Interior (SANTOS,
1916, p. 6).
O programa que se destinava ao Grupo Escolar Modelo e para os outros
grupos similares foi instituído pelo Decreto 420 de 19 de junho de 1917, intitulado
Programma do Grupo Escolar Modelo e similares. Este coincidiu com a aprovação e
publicação do Código do Ensino, apresentando pequenas alterações em relação ao
código de dois anos antes, de 1915, e o Regimento Interno do Grupo Escolar
Modelo e Similares, publicado também em 1917.
A institucionalização de um novo código de ensino, apenas dois anos depois
do de 1915, foi justificado no relatório de 1916 em decorrência do funcionamento do
grupo escolar modelo. Das sete modificações propostas, destaca-se a segunda, que
se refere à proposta de um programa especial para o grupo modelo. Essa alteração
fez com que se oficializasse o programa de 1917.
Embora o Código de Ensino de 1917 mencionasse apenas a destinação do
programa para o grupo escolar modelo, tem-se indícios de seu uso em outros
grupos escolares do Estado. Em relatório do mesmo ano, há menção à distribuição
tanto do Código de Ensino para os professores públicos e particulares da capital,
quanto de exemplares do Regimento Interno do Grupo Modelo e similares para os
diretores de grupos.
Em 1920, Martinez explica que apenas os grupos escolares remodelados
tiveram um programa oficial, servindo de experiência para futuros programas: “os
grupos escolares tiveram um programa, a titulo de experiência para ser
definitivamente adoptado depois dos conselhos que a pratica ditar” (MARTINEZ,
1920, p. 14). Isto é, seria a partir das práticas escolares efetuadas a partir das
prescrições constantes no programa de 1917, e seus resultados, que se reformularia
o programa e se criaria o Programa de 1921.
111
Entende-se que a inserção da Higiene no programa de ensino do Grupo
Escolar Modelo e similares do Paraná fez com que os saberes ligados à saúde e
higiene fossem, de certa forma, concretizados ou oficializados. A necessidade de
listar seus conteúdos – forma como era apresentada as demais disciplinas no
programa de ensino
112
que tem base sólida para organisar as suas lições do modo mais racional
(MARTINEZ, 1921, p. 30-31).
O conhecimento do professor ganha ênfase nas palavras de Martinez, ao se
referir ao Programa de 1921. A prática cotidiana, particular de cada professor era o
que fazia do programa de 1921, segundo o Inspetor Geral de Ensino, diferente dos
demais. Deixando listados os principais pontos que o professor deveria trabalhar, o
programa abria espaço para a flexibilidade do professor em relação às aulas, o que
influenciaria na sua prática, tornando-a única. No entanto, é importante não
esquecer que existiam formas institucionais de controle, podendo essa
maleabilidade dada ao professor apresentar uma liberdade que, na prática, não
existia. Isso porque, embora fosse prevista a flexibilidade do professor para montar
as suas aulas, teriam que ser cumpridos os conteúdos listados nos documentos
oficiais, além de seguir métodos de ensino específicos para sua prática docente.
Por último, como delimitador temporal da pesquisa, o Programa dos Grupos
Escolares do Estado do Paraná, publicado conjuntamente com o Regimento Interno
e Programa para Grupos Escolares, foi instituído pelo Decreto 1874 de 29 de julho
de 1932. Nele, o retorno da denominação da disciplina de “Hygiene” e, portanto,
apresentando mudanças na sua configuração
.
3.2.1 Os conteúdos da Higiene nos currículos dos grupos escolares curitibanos
Compreendendo o estudo do currículo como parte integrante da
investigação histórica da cultura escolar a presente parte da dissertação destinou-se
essencialmente a abordar as normas e práticas das quais Julia (2001) se refere ao
abordar a Cultura Escolar.
Como demonstrado no decorrer do presente trabalho, a higiene escolar veio
ganhando cada vez mais créditos junto à escola, e sua institucionalização foi
acontecendo de maneira lenta. Com o passar do tempo a higiene foi se afirmando
como um conhecimento imprescindível para o desenvolvimento da criança e do povo
em geral, e com isso, firmando-se na escola até chegar a sua conformação na forma
de disciplina escolar.
113
A presença do ensino da higiene nas escolas era destacada na revista O
Ensino. Portanto, cita-se novamente o professor Meneleu Torres para compreender
como o ensino da Higiene era sistematizado:
O ensino da hygiene deve ser feito por meio de conselhos e lições systematisadas,
accessíveis ao entendimento acanhado das creanças.
Não basta, porém, descriminar males e demonstrar prejuizos resultantes da falta de
applicação dos preceitos prophylacticos; é necessario, e se impõe mesmo, que o
mestre vá gradualmente inveterando no espirito do educando esses conhecimentos
e que os effective e integre em todos os seus actos.
O seu primeiro trabalho é, portanto, catechisar os alumnos; isso facilmente elle
conseguirá, desde que a verve da palavra não lhe falte e que observe aquillo que
preza.
Elle é o mestre e é o exemplo.
Os alumnos examinam primeiro o mestre, observam se as suas palavras estão de
accordo com o seu proceder (TORRES, 1924, p.71).
Pode-se perceber que a função do ensino passa a ser exclusivamente do
professor, valorizando sua conduta. O professor aqui passa a representar um
“mensageiro da ciência” que, com o seu poder do bem falar e a sua autoridade,
poderia transmitir ao aluno os seus conhecimentos. Mapeando os conteúdos
publicados nos três anos de existência desse periódico, pode-se perceber uma
numerosa divulgação de artigos respectivos à higiene escolar, algumas vezes
escritos por professores, outras, por médicos ligados à educação.
Na listagem de artigos sobre o assunto, por várias vezes os conteúdos da
Higiene eram apresentados. Entende-se que o conteúdo de uma disciplina escolar é
um dos principais aspectos para seu estudo, o que tradicionalmente é estudado por
historiadores da História das Disciplinas Escolares, embora Chervel (1990),
preocupado com os três aspectos específicos para a história de uma disciplina
escolar – gênese, objetivo(s) e funcionamento – mostre que esses aspectos se
entrecruzam no estudo de uma disciplina escolar:
A história dos conteúdos é evidentemente seu componente central, o pivô ao redor
do qual ela se constitui. Mas seu papel é mais amplo. Ela se impõe colocar esses
ensinos em relação com as finalidades às quais eles estão designados e com os
resultados concretos que eles produzem. Trata-se então para ela de fazer aparecer
a estrutura interna da disciplina, a configuração original à qual as finalidades deram
origem, cada disciplina dispondo, sobre esse plano, de uma autonomia completa,
mesmo se analogias possam se manifestar de uma para a outra (CHERVEL, 1990,
p. 187).
114
Portanto, cabe neste momento compreender os conteúdos que foram
incorporados à Higiene. Ao analisar o programa do Grupo Escolar Modelo e
similares de 1917, pode-se perceber que era fundamental como primeira lição de
higiene para as crianças ao ingressar no ensino primário o conhecimento de
questões relacionadas aos hábitos cotidianos que deveriam ser seguidos. Para
ilustrar essa questão faz-se necessária a apresentação do programa destinado ao
primeiro ano:
HYGIENE - 1º ANNO
Programma:
1º Necessidade do banho.
2º Asseio das mãos e unhas.
3º Cabellos, olhos, orelhas e nariz.
4º Bocca.
5º Deitar e levantar cedo.
6º Horas de refeição e boa mastigação.
7º Asseio da roupa.
São exploradas ações do dia-a-dia da criança, sendo traçadas intervenções
a respeito dos órgãos dos sentidos – tema de grande circulação entre os intelectuais
da medicina e educação – do asseio e da questão do tempo, muito evidente na
maior parte do programa anual da disciplina, o que fica mais claro com o
desenvolvimento do programa:
1º Do banho será dado:
a – quando se deve tomar e quantos por semana;
b – qual a sua utilidade.
2º Do asseio das mãos e das unhas será dado:
a – necessidade de as ter limpas;
b –males que assim se evitam;
c – cortar as unhas diariamente;
d – nunca leval-as á bocca.
3º Do cabello, olhos, orelhas e nariz será dado:
a – uso diario do pente fino;
b – uso da escova;
c – tel-os sempre limpos;
d – necessidade do lenço.
4º Da bocca será dado:
a – necessidade de limpar os dentes diariamente, porque e consequencias;
b – ter uma escova e como servir-se della;
c – males provenientes da falta de limpeza dos dentes.
115
5º Deitar e levantar cedo será dado:
a – porque, quantas horas de somno bastam;
b – necessidade.
6º Das horas de refeição e boa mastigação será dado:
a – como se deve comer e porque;
b- - quantas vezes e quando;
c – sua necessidade e a que horas.
7º Do asseio da roupa será dado:
a – de que se fará roupa branca;
b – quantas vezes se muda de roupa na semana;
c – suada ou molhada que se fará;
d – a roupa deve ser ampla.
As determinações a respeito da periodicidade do banho, do lavar das mãos,
do corte das unhas, do uso do pente fino, do limpar dos dentes, dos horários das
refeições, das trocas de vestimenta, dos horários de se levantar e deitar e horas de
sono recomendadas mostram uma estreita relação da higiene com o tempo. Ou
melhor, o tempo como determinante das noções de higiene escolar. Não bastava
apenas as crianças saberem os cuidados a se tomar, mas quantas vezes do dia ou
da semana eram necessárias para que se tivesse o resultado esperado.
Essa associação da higiene escolar com o tempo poderia também ser
explicada pelo fato de se apresentar tanta minúcia no conteúdo da disciplina que
esse tempo precisava ser ordenado, não só por finalidades higiênicas, como
também por finalidades organizacionais. Isso porque o programa de 1917, diferente
dos programas anteriormente aplicados à Instrução Pública paranaense, trazia uma
relação de conteúdos extensa, o que resultou na necessidade de uma organização,
de esquadrinhar o tempo.
A partir do segundo ano, além dos conhecimentos já expostos para o
primeiro ano, foram incluídos dentre os assuntos a serem explorados durante o ano,
os exercícios:
6º Dos exercicios será dado:
a – qual o melhor e mais simples;
b – effeitos sobre as funcções;
c – quaes os resultados uteis;
d – sua necessidade. (programa do 2º anno).
116
No programa para o terceiro ano, o conteúdo mostra-se ampliado:
7º Dos exercicios será dado:
a – utilidade – facilita a digestão, activa e normalisa a circulação, etc., etc.;
b – exercicios livres ás creanças;
c – jardinagem, horta e marcenaria;
d – gymnastica e outros exercicios.
Neste item dos exercícios, aparece no 3.º ano a intenção da realização de
atividades práticas – exercícios livres; jardinagem, horta e marcenaria; ginástica e
outros exercícios. Ao estudar o espaço ocupado pelos grupos escolares da capital
paranaense – com muitas deficiências e dificuldades de seguir os preceitos da
higiene e pedagogia moderna – questionam-se quais seriam as possibilidades de se
efetivar essas atividades.
Embora o programa de 1917 se destinasse a outros grupos escolares do
estado, explora-se aqui o Grupo Escolar Modelo – Xavier da Silva. Embora nomeado
como tal em 1916, seu prédio e dependências foram construídos em 1903.
Tendo contato com a planta baixa do Grupo Escolar Xavier da Silva e outros
grupos, pelo trabalho de Bencostta (2001), nota-se a ausência de jardins e hortas ou
um possível espaço para essas práticas, bem como a ausência de uma sala
destinada às aulas de marcenaria. Considerando a dificuldade de se realizar a aula
de marcenaria no mesmo espaço das outras disciplinas, devido ao reduzido tempo
destinado à Higiene, como se verá mais adiante, questiona-se a viabilidade dessa
prática. Ao encontro dessa proposição está o que Taborda de Oliveira e Meurer
(2006, s.p.) apontam para a distância entre a prescrição legal e os constrangimentos
do dia-a-dia no âmbito da educação paranaense.
A propalada modernização do ensino não correspondia às inversões definidas pelo
poder público, o que fazia com que os professores se esfalfassem para cumprir o
Regulamento, que tinha força de lei, mas era constante e conscientemente
descumprido. Se, no plano legal, os regulamentos da instrução pública eram parte
de uma operação de controle, parece que essa operação não poderia ser assim tão
minuciosa naqueles tempos no Paraná, pois a realidade teimava em desafiar as
definições de homens e mulheres.
As práticas eram propostas, mas não existiam condições para efetivá-las. No
cotidiano escolar os professores se defrontavam inúmeras vezes com esse tipo de
contradição. Já para a prática dos exercícios livres, ginástica e outros exercícios,
117
havia o espaço do recreio interno e o pátio interno, nos quais eram possíveis tais
atividades. É importante destacar que nesse mesmo programa, há a presença da
disciplina escolar Gymnastica
57
, dividindo a grade horária com as demais disciplinas.
Será a ginástica, como elemento da cultura integrante do programa da Higiene,
diferente das atividades oferecidas pelo programa da Gymnastica, esta entendida
como disciplina escolar?
58
Voltando ao programa do segundo ano, ressaltam-se assuntos antes já
explorados no ensino da higiene escolar, tais como a necessidade do asseio tanto
das mãos quanto do corpo: “necessidade do banho”. Ainda, no item “roupa” (5º)
desenvolvia-se a idéia do emprego da roupa como “proteção ao corpo”. Questões já
abordadas mesmo antes da concretização da disciplina, voltadas à educação do
corpo da criança.
Os conteúdos referentes ao espaço que a criança ocupava na escola e fora
dela, ocupava um tópico específico do programa. Este se referia, principalmente, ao
momento de descanso da criança, qual seja, o sono (3º). Neste eram abordados
desde como devia ser o dormitório até a necessidade de renovação do ar e a
necessidade de luz. Esses preceitos higiênicos já eram defendidos no século XIX na
discussão da construção de prédios escolares, ou adaptação de casas para a
prática escolar.
O programa do terceiro ano, além dos conteúdos já programados para os
anos anteriores e de forma mais ampliada, apresentou às lições questões
relacionadas ao espaço da cidade:
1º Revisão do 2º anno.
2º Casas.
3º Ruas.
4º Alimentação.
5º Vestuario.
6º Banhos.
57
A mesma forma da utilização de letra maiúscula para a Higiene enquanto disciplina escolar
empregou-se aqui para a disciplina Gymnastica.
58
Nesse período ocorreu a difusão de três métodos de ginástica: sueca, francesa e alemã.
Analisando o conteúdo da Gymnastica apresentado no programa, pode-se afirmar que a disciplina se
pautava no método sueco, tendo em vista que os exercícios previstos para a prática da Gymnastica
pautavam-se “na ciência, deduzindo de uma análise anatômica do corpo uma série racional de
movimentos de formação”, como aponta Soares (2001). Comparando o programa que tem-se em
mãos e o programa apresentado pela autora, percebem-se muitas semelhanças, não sofrendo
modificações de um em relação ao outro, até pelas características do método sueco, que seguia uma
forma padronizada de exercícios.
118
7º Somno.
8º Exercicios.
No desenvolvimento de cada um dos itens, destacam-se os das casas e
ruas:
1º Das casas será dado:
a – escolha do local; terreno apropriado;
b – posição da habitação;
c – construcção acima do solo;
d – ter muitas portas e janellas;
e – necessidade de janellas nos dormitorios;
f – valor do ar, luz e ausencia de humidade;
g – pintura – perigo e necessidade;
h – valor das hortas e jardins;
i – privadas, agua e exgotto ou uso de cal;
j – saude dos moradores.
2º Das ruas será dado:
a – devem ser alinhadas;
b – largas e arborisadas;
c – praças arborisadas;
d – devem ser inclinadas;
e – utilidade desses pontos.
Nota-se um alargamento do conteúdo em relação aos anos anteriores. Além
das questões referentes diretamente ao aluno (cuidados pessoais – com sua
alimentação, seu vestuário, seu banho, seu sono e exercícios), passou-se a
propagar noções relativas à habitação e ao espaço da rua, assuntos que surgiram
juntamente com a reforma urbana que foi gestada ao longo do século XIX e XX. Por
fazer parte de um projeto de higienização do espaço urbano, fruto de discursos
relacionados à saúde pública da população curitibana e brasileira, fazia-se
necessária a conscientização dos pequenos para a organização das cidades. A idéia
de urbe ganhava também acentuada relevância com a Proclamação da República. A
ordem urbana e a disciplina social cada vez mais ganhavam as ruas, ruas agora
mais largas e pavimentadas, arborizadas, com edificações e uma arquitetura
inovadora (TRINDADE, 1996). Essa nova estruturação da cidade chegava à escola,
na forma da disciplina Higiene. Era preciso saber se movimentar nessa nova cidade,
se comportar de uma forma concernente com ela.
No entanto, tendo em vista que a população que freqüentava os grupos
escolares tinha baixas condições financeiras, os itens a a e do conteúdo relativo às
casas parecem discrepantes para a realidade dos alunos. Quem tinha condições de
119
construir uma casa, em terreno apropriado, com boa localização e satisfazendo as
condições higiênicas de ventilação? Tendo isso em vista, quais as possibilidades da
população seguir essas prescrições? Será que a população tinha condições de optar
por essas prescrições? Como as regiões com melhores condições higiênicas e
terrenos mais apropriados eram escassas e de alto valor aquisitivo, não serviam à
numerosa população de Curitiba e, com isso, muitos habitantes não buscavam nas
casas para sua moradia as prescrições higiênicas, mas apenas um lugar para viver.
Vale ressaltar ainda que o programa para o quarto ano letivo se formaria da
seguinte forma: “Revisão do programma de todos os annos anteriores e ampliação
do 3º anno”.
Interessante observar que, a higiene acompanhou as determinações da
Instrução Pública naquele momento, apresentando os conteúdos de forma seriada,
respeitando certo grau de entendimento, certa ordenação ao longo do tempo – dos 4
anos letivos – levando-se em consideração o desenvolvimento do aluno. Há uma
evolução no grau de complexidade das lições ofertadas, chegando ao quarto ano,
quando as lições ao longo de todo o curso eram sistematizadas e revisadas.
Outro programa de ensino se estabelece na década de 1920. Naquele ano
instituiu-se a lei que deu origem ao programa de ensino de 1921. Nesse programa, a
Higiene foi apresentada conjuntamente com Sciencias Physicas e Naturaes,
trazendo uma versão distinta do programa anterior. Dessa forma, há uma redução
do tempo destinado ao seu ensino, pois seus conteúdos são divididos com outros.
Os conteúdos de higiene escolar só ganharam ênfase no último ano letivo.
Nos anos anteriores, a Higiene apresentava uma proporção inferior em relação às
ciências físicas e naturais.
1º ANNO
Sciencias Physicas e Naturaes – Hygiene
A) Conhecimento e distincção das côres.
B) Observações sobre o aspecto exterior de vários corpos, suas qualidades e
utilidades.
C) Estudos de animaes conhecidos e sua classificação pelo aspecto exterior:
animaes de penna, de pello, de escamas; animaes que andam, que voam, que
nadam, que rastejam, animaes uteis, animaes nocivos.
D) Conhecimento de alguns productos animaes: carne, osso, couro, chifre,
dentes, pennas, pello, etc.
120
E) Palestras sobre vegetaes conhecidos: utilidade e emprego de seus productos
na alimentação, na medicina caseira, nas construcções e na fabricação de moveis,
tecidos, papel, etc.
F) Arvores fructiferas dos campos, dos mattos, e dos pomares.
G) Conselhos sobre a alimentação.
H) Conselhos sobre o asseio individual.
I) Effeitos nocivos do fumo e do álcool (p. 6).
2° ANNO
Sciencias Physicas e Naturaes – Hygiene
A) Ensino objectivo dos estados e qualidades dos corpos, corpo solido, liquido e
gazoso; aspecto, liso e escorregadio; fragil, resistente, poroso, translucido, opaco,
elastico, flexivel, combustivel, inflammavel, explosivo, fusivel, soluvel, fibroso,
granuloso, sonante, adstrigente, picante, acido, doce, salgado.
B) Primeiras observações sobre animaes vertebrados e invertebrados; animaes
uteis e nocivos á agricultura. Animaes domésticos. Animaes uteis aos homens;
animaes nocivos: meios de defeza de que dispomos. Estudos da vida de alguns
animaes de grande importância, taes como, o boi, o cavallo, o carneiro, a cabra, as
aves domesticas, as abelhas, o bicho da seda, etc.
C) Estudo elementar do corpo humano; observações geraes sobre a hygiene da
alimentação e dos sentidos.
D) Cuidados em relação ao orgam da vista para evitar as molestias que o
atacam.
E) Estudo de alguns vegetaes úteis: a herva matte, o café, o algodão, o linho, o
trigo, o arroz, o feijão, a batata, os legumes, etc.
F) Observações sobre a germinação das sementes (p. 10).
PROGRAMMA DO 3° ANNO
Sciencias Physicas e Naturaes – Hygiene
A) Ar athmospherico: barometros.
B) Composição do ar. Ar viciado. Humidade do ar e suas causas.
C) Evaporação; observação sobre o phenomeno geral da evaporação, suas
causas e effeitos.
D) As chuvas; formação das chuvas e effeitos.
E) Ventos; suas causas e seus efeitos.
F) A geada e a neve.
G) Estudo muito simples de alguns mineraes mais conhecidos: o ferro, o carvão
de pedra, o chumbo, o cobre, o nickel, a prata, o ouro.
H) A água, sua composição. Águas doces e salgadas. Águas salobras e
potáveis. Águas mineraes e medicinaes. Águas thermaes.
I) Calor, fontes de calor. Thermometros.
J) Animaes; principaes caracteres dos vertebrados e dos invertebrados.
K) Animaes uteis.
L) O homem, partes principaes do corpo humano. Os principaes ossos do
esqueleto.
M) Apparelho digestivo, sua funcção.
N) Descripção dos instrumentos mais usados em agricultura.
O) Diversos processos para reproducção artificial dos vegetaes; estaca,
mergulha e enxertia.
121
P) A cultura de alguns vegetaes uteis, em campos de experiência: café, algodão,
cana de assucar, cereaes, arvores fructiferas, plantas leguminosas. Benefícios que
essas plantas prestam ao homem.
Q) A cultura das rosas, dos cravos e outras flôres.
No primeiro ano, entre os nove pontos constituintes do programa da
disciplina, apenas três foram destinados aos assuntos da higiene escolar. São eles:
G (Conselhos sobre alimentação), H (Conselhos sobre o asseio individual) e I
(Effeitos nocivos do fumo e do álcool). No segundo ano foram dois os pontos
abordados, dentre os seis destinados à disciplina Sciencias Physicas e Naturaes -
Hygiene: C (Estudo elementar do corpo humano; observações geraes sobre a
hygiene da alimentação e dos sentidos) e D (Cuidados em relação ao orgam da vista
para evitar as molestias que o atacam). No terceiro ano, dos 17 itens listados para
serem desenvolvidos durante o ano, apenas um era relativo à higiene escolar: o M
(Apparelho digestivo, sua funcção). No último ano do curso primário, a higiene
ganhava um espaço maior do que nos anos anteriores, como se pode perceber no
desenvolvimento do programa:
PROGRAMMA DO 4° ANNO
Sciencias Physicas e Naturaes – Hygiene
A) Ligeiras explicações sobre a campainha electrica, telephone, telegrapho, para
raios, pendulo, relógio, luz e força e electricas, circulação do ar, aquecimento do ar,
illuminação a gaz, tensão do vapor d’agua, acção corrosiva dos acidos e dos
alcalis; poder dissolvente do alcool e da essencia de therebentina, etc; applicações
do vapor e de electricidade, etc.
B) Classificação animal: estudo elementar das principaes classes de
vertebrados.
C) Estudo elementar do esqueleto humano.
D) Caracteres geraes dos invertebrados.
E) Apparelho respiratorio, circulatorio e digestivo.
F) Estudo elementar dos sentidos.
G) Plantio e cultura das arvores fructiferas e mais vegetaes e proprios do nosso
clima. Ephoca do plantio e processos de cultura. Ephoca e processo da poda.
H) Adubos.
I) Hygiene da habitação, do vestuario e da alimentação. Exercicios Physicos,
sua necessidade e suas vantagens. Repouso e somno.
J) Insectos transmissores de enfermidades.
K) Molestias contagiosas e infecciosas; impaludismo, tuberculose, trachoma,
lepra, meios de evital-as e seu tratamento.
L) Sôro anti-ophidico, anti-diphterico e anti-tetanico; raiva e seu tratamento
preventivo.
M) Vaccinação contra a varíola e febre typhoide.
N) Socorros urgentes nos casos de ferimentos, fracturas, vertigens, queimaduras
e asphyxia.
122
O) Cuidados em relação aos ferimentos produzidos nos pés e nas mãos;
emprego de algodão hydrophilo, de gaze, das ataduras, do iodo, da água
oxigenada, etc (p. 19-20).
Dos 15 pontos desse último ano letivo do ensino primário, 10 eram
destinados aos assuntos referentes à higiene escolar: C (Estudo elementar do
esqueleto humano), E (Apparelho respiratorio, circulatorio e digestivo), F (Estudo
elementar dos sentidos), I (Hygiene da habitação, do vestuario e da alimentação.
Exercicios Physicos, sua necessidade e suas vantagens. Repouso e somno), J
(Insectos transmissores de enfermidades), K (Molestias contagiosas e infecciosas;
impaludismo, tuberculose, trachoma, lepra, meios de evital-as e seu tratamento), L
(Sôro anti-ophidico, anti-diphterico e anti-tetanico; raiva e seu tratamento
preventivo), M (Vaccinação contra a varíola e febre typhoide), N (Socorros urgentes
nos casos de ferimentos, fracturas, vertigens, queimaduras e asphyxia), O
(Cuidados em relação aos ferimentos produzidos nos pés e nas mãos; emprego de
algodão hydrophilo, de gaze, das ataduras, do iodo, da água oxigenada, etc). Além
de sua ampliação frente aos conhecimentos de ciências físicas e naturais,
ampliaram-se seus conteúdos tendo em vista o programa de ensino vigente até
1920 – Programa do Grupo Escolar Modelo e similares de 1917.
Há nesse momento a inclusão de saberes relacionados às doenças – não
antes apresentado nos programas de ensino – tais como as principais doenças que
assolavam a população curitibana nas décadas de 1910 e 1920
59
, sua profilaxia e
tratamentos. Além disso, ainda fazia parte dos saberes a aplicar pelos professores, a
aprendizagem de primeiros socorros em casos de ferimentos, fraturas, vertigens,
queimaduras e asfixia, assim como saber manusear os instrumentos que auxiliavam
nesse tratamento.
É importante destacar a existência de cursos de Higiene Elementar para
professores. Ao analisar seus conteúdos, compreende-se a maciça presença de
saberes relacionados às doenças, como no noticiário intitulado ‘Curso de Hygiene
Elementar’, encontrado nos Archivos Paranaenses de Medicina (1920), já destacado
no tópico dirigido ao estudo da higiene como lugar da educação do corpo. Outra
59
Algumas das principais doenças que detinham a atenção dos órgãos públicos eram: tuberculose,
febre tifóide, coqueluche, difteria, impaludismo, doença de Chagas, “leichmaniose”, além das doenças
próprias das crianças em idade escolar, como anemia, “pediculose”, escabiose, verminose, sarampo,
varíola, entre outras.
123
influência bastante forte na construção desse programa de ensino foi a presença de
discursos e teses apresentadas em congressos regionais e nacionais. Na década de
1920, a pertinência dos debates a respeito da educação e higiene foi assimilada
pelos principais grupos dirigentes da sociedade curitibana. A freqüência de teses
sobre a higiene escolar nos congressos e conferências ocorridas nos anos 1920,
mostram o valor que a higiene em consonância com a pedagogia vinha ganhando
nos mais diferentes espaços de discussão.
Embora no programa de 1921 a higiene aparecesse dividindo espaço com
outros saberes integrando uma mesma disciplina escolar, foi ressaltado em outro
momento do mesmo programa – “Instrucções para execução do horário e do
programma” – a justificativa da presença do ensino da higiene escolar, em separado
das instruções para as ciências físicas e naturais:
As aulas de hygiene devem merecer muito interesse, esforçando-se o professor
[sem grifos no original] para que sejam bem comprehendidos os conselhos relativos
as medidas prophylaticas.
Estas aulas têm tanto valor na escola como o próprio ensino em geral. O professor
deve se occupar dellas com o mesmo interesse requerido para o aprendizado da
leitura, da arithmetica e da escripta. Por esse motivo na necessidade de se
conhecer o assumpto e de se repetirem as lições durante o anno todo.
A Inspectoria Geral, fará larga distribuição de folhetos da “Secção da Educação
Hygienica”, publicação annexa á revista “archivos Paranaenses de Medicina”,
orgam official do Serviço de Prophylaxia Rural, nos quaes encontrarão os
professores preciosos subsidios para tal ensino.
A educação do povo em relação á Hygiene é de tanta importância como a
alphabetização. E só a escola póde realmente propagar todas as medidas que a
Hygiene aconselha e das quaes depende a saúde do nosso povo e, portanto, a
força, a intelligencia e a riqueza nacional.
E’, pois, de maximo interesse que se intensifique o ensino da Hygiene nas nossas
escolas e se faça propaganda cerrada para educar o povo em tão magno assumpto
(INSPETORIA GERAL DE ENSINO, 1921, p. 25).
Percebe-se uma tentativa de justificar a importância da presença da Higiene
na escola, igualando seu valor ao da leitura, da aritmética e da escrita – saberes
apontados como principais meios para a instrução do povo. Fazendo dela uma
disciplina escolar importante para o processo de escolarização, atesta o descaso
com a mesma, à medida que recorre ao esforço do professor para lecionar os seus
conteúdos. As falas sobre a Higiene apareciam sempre com a necessidade de sua
afirmação na escola, com o discurso no sentido de reafirmação da posição que a
higiene escolar veio ganhando com o passar do tempo. Um conhecimento da área
124
médica que, aos poucos foi conquistando espaço no campo educacional e que
chegou no momento de determinação do espaço da escola como principal lugar
para a disseminação de todos os conhecimentos precisos para a saúde do povo.
Em relatório do movimento anual do Grupo Escolar Tiradentes, apresentado
por sua diretora, professora Maria da Luz Cordeiro Xavier, ao Inspetor Geral do
Ensino em 1928, encontra-se a avaliação da diretora sobre o desenvolvimento da
disciplina Higiene: “Hygiene: as aulas desta matéria foram dadas com alguma
vantagem. Foi preciso um grande esforço para formar o habito sob a acção
constante das professoras e o aviso do Medico-Inspector. Essa matéria teve como
principal escopo criar, na criança, uma consciência exata do valor da saúde.”
(XAVIER, 1928, s.p.).
Embora o programa de ensino para os grupos escolares de 1921 não
apresentasse os objetivos da disciplina escolar Sciencias Physicas e Naturaes -
Hygiene, pode-se fazer relações entre o programa, a parte que cabe aos saberes de
higiene escolar, e o resultado propagado pela diretora do Grupo Escolar Tiradentes.
Primeiramente, algo não mencionado no programa, o auxílio do médico-inspetor na
transmissão dos conhecimentos referentes à higiene escolar. Além da professora, o
médico tornou-se um auxiliar desta para os assuntos relacionados à saúde das
crianças. Outro ponto a se destacar seria a referência ao “grande esforço para
formar o habito”, e mais, “criar, na criança, uma consciência exata do valor da
saude”. Aí estão os objetivos e motivos da presença da higiene no ambiente escolar:
veicular hábitos e costumes concernentes com as noções da higiene escolar e
saúde pública.
É esse intuito que se identifica também no Programa de 1932. Este, que
delimita temporalmente o presente trabalho, apresenta uma conformação diferente
do programa anterior (de 1921) por retornar a rubrica Higiene. Além dessa mudança,
o programa de 1932 apresenta importantes somas de noções sobre a higiene à
disciplina. No primeiro, segundo e terceiro anos, o programa não traz muitas
inovações, como se vê:
1º ano
a) Asseio da boca, dentes, mãos, unhas, orelhas, nariz, olhos e cabelos.
b) Asseio do corpo, em geral – necessidade do banho.
c) Asseio do vestuario.
125
d) Conselhos sôbre a alimentação.
e) Efeitos nocivos do uso do fumo e do alcool (p. 41).
2º ano
a) Higiene da alimentação: mastigação e qualidades dos alimentos; o perigo das
frutas verdes e das aguas paradas.
b) Cuidados em relação ao orgão da vista para se evitar as molestias que o atacam.
c) Preleções sobre o asseio individual e do vestuario (p. 48).
3º ano
a) Revisão do programa do 2º ano.
b) Higiene da habitação; sua localização, posição, construção, ventilação,
iluminação, pintura, privadas, agua e esgoto.
c) Higiene das ruas e praças publicas; seu alinhamento, nivelamento e arborização.
d) Exercícios fisicos; sua necessidade e vantagens (DIRETORIA GERAL DA
INSTRUCÇÃO PUBLICA, 1932, p. 56).
São os mesmos assuntos tratados nos programas anteriores, mas com uma
minúcia maior, com uma ampliação do ensino de cada um dos temas, como por
exemplo a alimentação. A alimentação já era conteúdo da Higiene, no entanto sua
abrangência era menor. O programa de 1917 incorporava o horário para ela e a boa
mastigação e o programa de 1921, a higiene da alimentação. Já no programa de
1932, são acrescentadas informações relevantes sobre a qualidade dos alimentos, o
perigo das frutas verdes e das águas paradas. A exploração maior de cada um dos
itens do programa aparece de forma geral, em todos os assuntos listados
60
.
O programa do quarto ano letivo chama a atenção para assuntos diferentes
dos anteriores:
a) Revisão do programa do 3º ano.
b) Molestias contagiosas e infecciosas: amarelão, maleita, tuberculose, tracoma,
variola, sarampo, escarlatina, coqueluche, crup, lepra, sarna, etc., meios de evita-
las e de combatê-las.
c) Insetos transmissores de molestias.
d) Hidrofobia e mordedura de cobras.
e) Primeiros socorros nos casos de ferimentos, fraturas, vertigens, queimaduras,
asfixia por submersão, etc.
f) Necessidade da vacina.
g) Desinfecções (DIRETORIA GERAL DA INSTRUCÇÃO PUBLICA, 1932, p. 62).
60
Não cabe aqui explorar cada um dos itens do programa de 1932, pois se considera que ele traz
elementos novos, que precisaria de uma maior atenção. Aqui apresenta-se o programa, sem a
preocupação de analisá-lo, o que seria assunto para outro trabalho.
126
Novas doenças são apresentadas, a vacinação, os cuidados e tratamentos
das doenças e os seus causadores. Ainda, a proximidade da natureza, para o
conhecimento dos insetos causadores das doenças e da cobra e as conseqüências
de seu veneno. Uma observação importante é a que consta no programa da
disciplina na forma de indicação: “em seguida á aula de higiene o professor
procederá a rigorosa revista higiênica em os alunos da classe, não permitindo em
absoluto, que os mesmos freqüentem o estabelecimento sem satisfazer os preceitos
higiênicos relativos ao asseio individual” (DIRETORIA GERAL DA INSTRUCÇÃO
PUBLICA, 1932, p. 42).
Depois de ser criada como disciplina escolar em 1917, ser associada às
ciências físicas e naturais no programa de 1921, a Higiene volta no programa de
1932 (com essa rubrica) com tempo e espaço próprios e conteúdos mais
desenvolvidos e elaborados. Portanto, entende-se assim, a disciplina entra numa
nova fase, que precisa ser melhor investigada a partir do programa de ensino de
1932 pelos pesquisadores da história da educação e das disciplinas escolares.
3.2.2 Distribuição temporal da Higiene no currículo
Uma das características fundamentais para o estudo de uma disciplina
escolar é, sem dúvida, o tempo destinado a ela, tendo em vista que é a partir deste
estudo que se pode localizar o status da disciplina frente às demais, ou seja,
delimitar qual o espaço ocupado pela disciplina no currículo escolar. No entanto,
esse fato é decorrência da necessidade da organização do tempo para a
transmissão da cultura na escola e a distribuição temporal das atividades escolares
é uma das razões para essa organização. Nesse tópico, portanto, procurou-se
mapear o tempo destinado à Higiene e à higiene escolar dentre as disciplinas e
atividades dos grupos escolares da capital paranaense.
De início, a busca pelo lugar ocupado pela Higiene nos quadros horários dos
programas de ensino analisados no presente trabalho fez-se importante, ou seja, o
tempo destinado à transmissão dos conteúdos listados no programa de ensino
dessa disciplina escolar. Um segundo ponto se refere à análise, dentre todas as
atividades escolares – cabendo, portanto, as disciplinas lecionadas, os intervalos, os
horários de entrada e de saída – do período demarcado para a educação higiênica,
127
isto é, analisar o currículo dos grupos escolares, contemplando principalmente sua
relação com a higiene escolar, tendo em vista o entendimento que Antonio Viñao
(1996, p. 47-48) desenvolve ao pensar o tempo escolar:
La distribución semanal y diaria de las tareas y actividades implica la determinación
previa de la jornada escolar: horas de entrada y salida y numero de horas y
sesiones diarias. El cuadro-horario escolar, ley máxima en este aspecto de la
institución, culmina el proceso. En el se regulan, como mínimo, el tiempo dedicado
a cada materia o actividad y las interrupciones o descansos entre una e otra. En
esta regulación influyen el prestigio de las materias o actividades en cuestión y
consideraciones de orden higiénico-mental - surmenage” o fadiga, naturaleza más
o menos abstracta, intelectual o corporal de las disciplinas o tareas – así como las
preferencias e intereses de quines tienen al respecto el poder de decisión en cada
establecimiento docente. Una amalgama, en suma, de aspectos entrecruzados que
oculta, en ocasiones, los elementos determinantes
61
.
Por conseguinte, entende-se que a questão do tempo escolar tem direta
relação com a higiene escolar e o tempo escolar é determinado por esta. De certa
forma eram pressupostos higiênicos que determinavam a distribuição do tempo
escolar, aconselhando a alternância das atividades intelectuais e físicas, os
intervalos e recreios. Viñao (1998, p. 77) ressalta isso em outra obra, quando
destaca que o higienismo e a distribuição científica e racional do tempo e do trabalho
coincidiam em duas questões: a surmenage escolar e a introdução dos exercícios
corporais.
Em relação ao programa de 1917, não foi possível desenvolver uma análise
mais apurada desse componente da disciplina Higiene, pois o programa não
apresentava anexada a proposta do quadro horário concernente com a relação das
disciplinas escolares. Embora se tenha os horários de funcionamento do grupo
escolar modelo: “Obedecendo os trabalhos escolares o seguinte horario: de 12 ás
16,30, com intervallo de 20 minutos para descanço de alumnos e professores (14,25
ás 14,45), para o 2º, 3º e 4º anno, em ambas as secções; para o 1º anno, há ainda
um intervallo de 10 minutos em cada secção” (SILVA, 1917, p. 176).
61
A distribuição semanal e diária das tarefas e atividades implica a determinação prévia da jornada
escolar: horas de entrada e saída e número de horas e sessões diárias. O quadro-horário escolar, lei
máxima neste aspecto da instituição, culmina o processo. Nele se regulam, como mínimo, o tempo
dedicado a cada matéria ou atividade e as interrupções ou descansos entre uma e outra. Nesta
regulação influem o prestígio das matérias ou atividades em questão e considerações de ordem
higiênico-mental - surmenage” ou fadiga, natureza mais ou menos abstrata, intelectual ou corporal
das disciplinas ou tarefas – assim como as preferências e interesses de quem têm o respectivo poder
de decisão em cada estabelecimento docente. Uma amalgama, em suma, de aspectos entrecruzados
que ocultam, em ocasiões, os elementos determinantes. Tradução livre.
128
Mesmo não sabendo o horário destinado à disciplina Higiene no quadro
horário, percebe-se no trecho acima os momentos de intervalos, contrastando com o
período de aprendizado do aluno. Como já mencionado, o tempo destinado ao
descanso de professores e alunos tem relação direta com os preceitos de higiene e
educação do corpo, tendo em vista os “processos orgânicos de resposta aos
estímulos da escola” (TABORDA DE OLIVEIRA, 2005, s.p.).
Diferente do programa de 1917, no programa de 1921 encontra-se
apresentados os quadros horários de cada ano letivo, mostrando o horário destinado
a cada disciplina escolar. Um dos pontos relevantes quanto ao tempo escolar nesse
programa de ensino é sobre o fato da Higiene frente à Leitura, Aritmética e Escrita
ter o mesmo peso, quando o programa de 1921 iguala a atenção dada à Higiene em
relação aos conhecimentos mencionados.
QUADRO 4 - HORÁRIOS DESTINADOS ÀS DISCIPLINAS: LEITURA,
ARITMÉTICA, ESCRITA E HIGIENE – 1.º ANO
Disciplinas Horários Dias da semana
Leitura A e cópia B e C 12h10 – 12h35 Segunda a sábado
Leitura B; Copia A e Formação de
sentenças C
12h35 – 1h Segunda a sábado
Leitura C e Tornos A e B 1h – 1h25 Segunda a sábado
Calculo Concreto A e B e Calculo
Escripto C
1h25 – 1h45 Segunda a sábado
Linguagem Oral 1h50 – 2h05 Terça, quarta, sexta e
sábado
Calculo oral C e cop. de n° A e B 2h35 – 2h55 Terça, sexta e
sábado
Sc. Phys. Nat. e hygiene 1h50 – 2h05 Segunda e quinta
QUADRO 5 - HORÁRIOS DESTINADOS ÀS DISCIPLINAS: LEITURA,
ARITMÉTICA, ESCRITA E HIGIENE – 2.º ANO
Disciplinas Horários Dias da semana
Aritmética 12h05 – 12h40 Segunda a sábado
Leitura 12h40 – 1h10 Segunda a sábado
Ling. escrita 1h10 – 1h40 Segunda a sábado
Leitura de Parker 3h35 – 3h55 Segunda, quinta e sábado
Sc. Phys. Nat. e hygiene 3h35 – 3h55 Quarta e sexta
129
QUADRO 6 - HORÁRIOS DESTINADOS ÀS DISCIPLINAS: LEITURA,
ARITMÉTICA, ESCRITA E HIGIENE – 3.º ANO
Disciplinas Horários Dias da semana
Aritmética 12h05 – 12h40 Segunda a sábado
Leitura 12h40 – 1h10 Segunda a sábado
Ling. escrita 1h10 – 1h35 Segunda a sábado
Sc. Phys. Nat. e hygiene 3h35 – 4h Terça, quinta e sábado
QUADRO 7 - HORÁRIOS DESTINADOS ÀS DISCIPLINAS: LEITURA,
ARITMÉTICA, ESCRITA E HIGIENE – 4.º ANO
Disciplinas Horários Dias da semana
Aritmética 12h05 – 12h40 Segunda a sábado
Leitura 12h40 – 1h10 Segunda e quarta a sábado
Ling. escrita 3h20 – 3h55 Segunda a quarta, sexta e
sábado
Sc. Phys. Nat. e hygiene 3h – 3h20 Segunda a sexta
No entanto, ao analisar o quadro horário, a Higiene tem um peso
consideravelmente inferior, quando se tem em questão o tempo destinado ao seu
ensino. Esse é um ponto de contradição do programa de ensino de 1921, pois se
esses saberes deveriam ter o mesmo peso na educação da criança, teriam que ter
equilíbrio na distribuição dos seus horários escolares, o que, como os quadros acima
demonstram, se distanciam bastante de uma mesma atenção para as disciplinas.
Esse fator, tendo o tempo como definidor da importância de uma disciplina
escolar, faz com que se perceba que a Higiene, diferente dos discursos sobre sua
importância na escola, não tivesse a ênfase tão defendida pelos homens de ciência,
pois ocupava um espaço pequeno na grade horária do programa de ensino para
assumir uma posição de relevância na escola.
Entretanto, pensando num segundo ponto de vista ao analisar o quadro
horário do programa de 1921, tem-se uma proporção grande da higiene escolar
conformando o quadro horário. Inicialmente, os dez minutos diários para entrada,
canto e chamada no primeiro ano e cinco minutos nos demais, tendo uma das
funções a inspeção dos alunos para o início das atividades escolares. Outra
atividade diária, totalizando trinta minutos para sua prática, era o tempo destinado ao
recreio, respeitando as teorias sobre estafa mental, propagando a “compensação do
esforço intelectual” (TABORDA DE OLIVEIRA, 2005).
130
Pode-se destacar também os horários destinados à Gymnastica e Jogos
Gymnasticos
62
, que, em sua origem, trouxeram preocupações principalmente de
ordem médica. A Gymnastica ocupava duas aulas semanais, de vinte minutos cada
uma, enquanto que os Jogos Gymnasticos tinham no quadro horário uma aula de
trinta minutos no primeiro ano. No segundo, terceiro e quarto anos, foi destinada
apenas uma aula de trinta e cinco minutos a Jogos Gymnasticos em cada um dos
anos letivos.
Outra atividade no programa de ensino era Marcha e Canto, que ocupava
cinco minutos diários no primeiro ano e ainda uma aula de trinta minutos na semana
para ensaios de canto em todos os anos, além de constar no quadro horário dos
quatro anos letivos, excetuando o segundo ano, a Música, variando entre vinte e
trinta e cinco minutos semanais, preenchidos em uma aula. A música era
apresentada como medicina para o espírito, “aliviando o cansaço causado pelas
disciplinas que requeriam um maior esforço intelectual” (LEMOS JUNIOR, 2006, p.
184). A relação entre música e canto e a higiene escolar, segundo o autor, seria pelo
fato de que “o canto aliava-se à educação higienista, pois era uma atividade capaz
de cuidar, por um lado, do corpo, agindo no aparelho respiratório, circulação
sanguínea, postura etc., e por outro, da mente propiciando um descanso da alma.
Assim, a escola poderia fornecer ao aluno um equilíbrio entre as atividades
recreativas e intelectuais” (LEMOS JUNIOR, 2006, p. 185).
Ainda tendo em vista, como apresentado nos quadros 4 a 7, o horário
destinado à disciplina escolar Sciencias Physicas e Naturais – Hygiene, que variava
entre quinze e vinte e cinco minutos, duas vezes por semana em cada um dos dois
primeiros anos letivos, três vezes na semana no terceiro ano e diariamente no último
ano letivo, excetuando o sábado, tem-se, quando somados os diferentes momentos
mencionados, uma proporção considerável de atividades com bases médicas e
higiênicas embutidas no currículo escolar, podendo então afirmar, que a higiene
escolar fazia parte de um considerável espaço na organização do mesmo.
Totalizando os trinta minutos diários de recreio, cinco a dez minutos de
entrada, canto e chamada, os cinco minutos de Marcha e Canto, as aulas de
Gymnastica, Jogos Gymnasticos, Canto, Musica, Sciencias Physicas e Naturaes –
62
No momento de especificação do quadro horário, Gymnastica e Jogos Gymnasticos aparecem de
forma separada.
131
Hygiene, tem-se uma carga horária de sete horas e meia no primeiro ano, cinco
horas e quarenta e cinco minutos no segundo ano, no terceiro ano seis horas e
quarenta minutos e no último ano, sete horas e quinze minutos de um total de vinte e
sete horas semanais por ano letivo – lembrando que as aulas funcionavam de
segunda a sábado. Isso equivale a vinte e cinco por cento de todas as atividades
curriculares, ou seja, somando toda a carga horária das atividades de cunho
higiênico dos quatro anos letivos, tem-se vinte e sete horas e dez minutos, o que
totaliza a carga horária completa de um dos anos letivos, um quarto do programa
curricular.
Com isso, pode-se perceber o currículo como instrumento fortemente
influenciado pelos preceitos higiênicos, podendo afirmar que um dos meios
utilizados pelas teorias higienistas no processo de estruturação da escolarização foi
o currículo escolar. Sabe-se, no entanto, que para o desenvolvimento dessa idéia
seria necessário um intenso trabalho de pesquisa, o que fica para trabalhos futuros.
132
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do trabalho de pesquisa, procurou-se despertar para um objeto
ainda pouco explorado e que merece atenção de historiadores da educação por seu
caráter peculiar, quando se percebe a Higiene como fruto de discussões e debates
de pelo menos trinta anos antes de sua configuração. Um primeiro ponto que
merece destaque neste momento é a identificação da Higiene como disciplina
escolar. Esse posicionamento se deu principalmente pelas pistas seguidas no
transcorrer da pesquisa, no mapeamento dos lugares que o saber da higiene ocupou
e a localização de alguns aspectos de uma disciplina escolar: suas finalidades,
conteúdos e objetivos (CHERVEL, 1990).
Ao perceber que a Higiene apresentava um espaço próprio nos programas
de ensino, com tempo e conteúdos específicos para seu ensino, listados da mesma
forma que de outras disciplinas escolares; finalidades e objetivos bem delineados de
educação higiênica e aprimoramento da saúde da população via escola, que
estavam presentes nos programas de ensino investigados; entendeu-se que a
Higiene cumpriu o papel de uma disciplina escolar, ainda que não existisse na forma
de uma única rubrica.
Ainda, remetendo-se à Dominique Julia (2002), foi importante evitar a
tentação de pensar que uma disciplina não é ensinada porque ela não aparece nos
programas escolares, ou porque não existem cátedras oficialmente com seu nome,
como alerta o autor. O estudo da história de uma disciplina escolar, por isso mesmo,
é complexo. O caso do engendramento da Higiene reflete essa dificuldade,
demonstrada na extensão do presente trabalho, onde é encontrada em diversos
lugares, apresentada de diferentes formas e com diferentes nomenclaturas.
As diferentes terminologias que a higiene escolar apresentou tanto no
período anterior a 1917, quanto como disciplina escolar relaciona-se com os
múltiplos sentidos que foram atribuídos à higiene, principalmente para a educação,
nesses quase vinte anos de trajetória, encontrando uma variedade de confluências
com outras idéias e saberes e, por isso mesmo, apresentando diferentes formas e
lugares. No período estudado, ações como as reformas de ensino, as freqüentes
discussões sobre a salubridade dos espaços escolares e a higiene pessoal dos
alunos, a ascensão do movimento sanitarista e a profusão das idéias médicas a
133
partir de outros meios, como periódicos e eventos, proporcionaram alguns
desdobramentos em relação à higiene. A criação da disciplina escolar Higiene e do
serviço de Inspeção Médico-escolar foram, sem dúvida, parte importante desse
movimento. A higiene escolar e a Higiene apresentaram uma trajetória descontínua,
irregular, e assim sendo, instigante.
Isso porque a higiene foi pensada para diversos ambientes, como ruas,
hospitais, fábricas, casernas, prisões, casas e cortiços, navios, seminários,
conventos e internatos. No entanto, vale ressaltar que a escola se caracterizou como
lugar privilegiado para a educação higiênica, como atribuído pelos médicos e
educadores depois de longos debates e discussões. Por conseguinte, essa ligação
rendeu tantos frutos que, com o tempo, o que apareceu nos discursos – em
relatórios, periódicos e teses de congressos – foi a indissociabilidade atribuída à
associação da higiene com a educação. Isso fica implícito em todo o caminho
percorrido neste trabalho, sendo a higiene entendida, muitas vezes, como uma
forma de educação, ou como a própria educação, como afirmou Abreu Fialho (1930,
p. 56) na ocasião do V CBH: “a Hygiene, na mais generalisada das definições,
porque é a mais exacta, ensina a conservar a vida e a preservar, resguardar a
saúde”.
Termina-se esse trabalho com a sensação de que ele permanece
inacabado, pois muitas lacunas ainda restam para o estudo da Higiene,
principalmente no sentido das ações desenvolvidas nas escolas curitibanas, o que é
assunto para outra pesquisa. Portanto, fica a esperança de que as questões postas
ao longo do trabalho instiguem a realização de futuras pesquisas.
134
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