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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DOUTORADO
JOSÉ ROMALDO KLERING
A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA COMO ESPAÇO INTEGRALIZADOR
DA EDUCAÇÃO, NA UNIVERSIDADE
Prof. Dr. Pergentino Stéfano Pivatto
Orientador
Prof. Dr. Érico João Hammes
Co-Orientador
Porto Alegre
2007
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2
JOSÉ ROMALDO KLERING
A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA COMO ESPAÇO
INTEGRALIZADOR DA EDUCAÇÃO, NA UNIVERSIDADE
Tese apresentada como requisito parcial
para a obtenção do título de Doutor pelo
Programa de s-Graduação em
Educação, da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul.
Orientador: Prof. Dr. Pergentino Stéfano Pivatto
Co-orientador: Prof. Dr. Érico João Hammes
Porto Alegre
2007
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3
Dados Internacionais de Cataloga ção na Publicação (CIP)
K64d Klering, José Romaldo
A Disciplina de Cultura Religiosa como espaço
integralizador da educação na universidade. / José
Romaldo Klering. – Porto Alegre, 2007.
202 f.
Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de
Educação, PUCRS.
Orientação: Dr. Pergentino Stéfano Pivatto
Co-orientação: Dr. Èrico João Hammes
1. Religião – Ensino. 2. Cultura – Aspectos
Religiosos. 3. Universidades Católicas. 4. Disciplina de
Cultura Religiosa. 5. Interdisciplinaridade. 6. Educação
Integral. I. Pivatto, Pergentino Stéfano. II. Hammes,
Érico João. III. Título.
CDD 377.82 0981
230
Ficha elaborada pela bibliotecária Cíntia Borges Greff CRB 10/1437
4
15 janeiro
5
DEDICATÓRIA
À minha esposa, Cláudia Fassina,
pelo incentivo e pelo apoio permanentes.
Pelas idéias.
Pela paciência em falar sempre de novo
das mesmas coisas, nas muitas
dificuldades que tive.
Pela disponibilidade para ler por primeiro
os textos, fazer as primeiras correções e
pelas sugestões dadas.
6
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo dom da vida, renovado em 1994, quando sobrevivi a um
aneurisma cerebral.
À minha esposa Cláudia, pelo apoio, ajuda e incentivo permanentes.
Aos meus pais Armínio e Iracema, por tudo, especialmente por acreditarem
na importância da educação numa época e em um contexto que não a valorizavam
nem entendiam sua importância. Agradeço a eles também pelo testemunho de que
trabalhar e enfrentar as dificuldades com determinação e perseverança leva a
vencer, por maiores que sejam as adversidades e por mostrarem que a vida pessoal,
familiar e comunitária se completam.
Aos meus irmãos Maria Hilda e Pedro Francisco, que fazem, cada um à sua
maneira, da educação um elemento permanente da vida, enriquecedores e, muitas
vezes, compartilhados.
Aos tios Irmão Anselmo Gossler (in memoriam) e Irmão Reinaldo Gossler (in
memoriam) pelo testemunho de vida dedicada à educação.
Ao professor Dr Pergentino Stéfano Pivatto, pela ajuda paciente e
perseverante ao longo deste tempo de orientação. Ao professor Dr Érico João
Hammes, co-orientador nesta tese.
À Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, pelo incentivo ao
aprimoramento acadêmico.
7
Um homem nada faria se, para principiar
a fazer as coisas, esperasse até fazê-las
com tal perfeição que ninguém lhes
acharia defeito.
Cardeal Newman
8
RESUMO
Instituições Confessionais de Ensino Superior apresentam, em seu Currículo, a
disciplina de Cultura Religiosa ou equivalente. É um espaço formal, no qual o ideário
institucional chega a todos os alunos. Segue, normalmente, a lógica do
fracionamento do conhecimento que resultou na hiperespecialização. Aqui reside
uma de suas principais dificuldades. Num contexto em que as disciplinas estão
voltadas, sempre mais, para áreas específicas, a disciplina de Cultura Religiosa,
questionada sua validade. O problema fundamental não está na abordagem de
temas religiosos, mas no foco da educação superior, vista como municiamento e
preparação direta para o exercício profissional. O pragmatismo, estimulado por um
princípio epistemológico, e uma tradição sócio-cultural que o reforça, não se
preocupa, também na educação superior, com o ser humano inteiro. Conceitos
diversos como os de cultura, religião e educação estão envolvidos, levando a uma
problematização geral que obriga a repensá-los em vista a uma nova compreensão,
o que fazemos em diálogo com diversos autores, documentos da Igreja Católica e da
Federação Internacional das Universidades Católicas. Partindo da constatação de
que a evolução da universidade se no paradigma da modernidade, marcado pela
fragmentação e por um racionalismo empirista, obliterando horizontes e dimensões
essenciais do ser humano, nos propomos mostrar a disciplina de Cultura Religiosa
como um espaço integralizador da educação, situando-a, como campo epistêmico,
na confluência do conhecimento teológico, filosófico, científico e religioso.
Indagamos sobre as construções de aprendizagem a serem desenvolvidas nessa
disciplina e a relação dessas com outras áreas de conhecimento, para que se
respeite e apóie a busca de sentido para a existência, aprofundando a compreensão
sobre a sua relevância na universidade e apresentando indicadores, em vista a
possíveis propostas para a sua adequação ao atual contexto educacional, como
espaço integralizador.
Palavras-Chave: Universidade, Educação, Cultura, Religião, Disciplina de Cultura
Religiosa, Espaço Integralizador, Interdisciplinaridade, Educação Integral.
9
ABSTRACT
In their curricula, confessional institutions of superior education present as subject
the so called religious culture or something equivalent. It is a formal locus by which
institutional ideas are known by the students. Generally it follows the logic of the
fragmentation of the knowledge, culminating in hiperspecialization. Here we see one
of the principal difficulties. On account of the subjects more and more directed to
specific areas, the validity of the religious instruction is called into question. The
principal problem we don’t find in the approach of religious subjects but in the focus
of superior education which intends to the preparation and provision for a profession.
The pragmatism, encouraged by a epistemological principle and by a tradition rooting
in the development of the society and its culture, doesn’t look the human being, also
in superior education, in its integrity. Concepts like culture, religion and education are
present pointing to a general problematization which compels to a new viewpoint
aiming at a new understanding obtained by means of dialogue with other authors,
documents of the Catholic Church and the so called International Federation of the
Catholic Universities. Starting from the fact that university’s evolution takes place
according to the paradigm of the modernity, characterized by fragmentation as well
as by rational empirism, without a focus on essential horizons and dimensions of the
human being, our purpose is to present the religious culture as an integrating space,
placing it as a epistemic area in the confluence of theological, philosophical, scientific
and religious knowledge. We focus on the construction of trainings to be developed
in our subject and the relation of these areas with others of the knowledge, in order to
respect and to support the search of life’s meaning, deepening the understanding
about the importance of religious culture in the university with indicators directing the
efforts toward possible proposals for their adequation to the present educational
context as an integration space.
Key words: University, Education, Culture, Religion, Religious Culture, Integration
Space, Interdisciplinarity, Integral Education.
10
SIGLAS e ABREVIATURAS
AG Ad Gentes Decreto do Concílio Vaticano II sobre a Atividade
Missionária da Igreja.
CELAM – Conselho Episcopal Latino-americano.
CIC - Congregatio de Institutione Catholica.
COMPÊNDIO DO VATICANO II Constituições, Decretos e Declarações do
Concílio Vaticano II, realizado de 11 de outubro de 1962 a 7 de dezembro de 1965.
DH - Dignitatis Humanae – Declaração do Concílio Vaticano II sobre a
liberdade religiosa.
MEDELLÍN - Conclusões da II Conferência Geral do Episcopado Latino
Americano e Caribenho A Igreja na Atual Transformação da América Latina à Luz
do Concílio.
PUEBLA Conclusões da III Conferência Geral do Episcopado Latino
Americano e Caribenho - A Evangelização no Presente e no Futuro da América
Latina.
SANTO DOMINGO - Conclusões da IV Conferência Geral do Episcopado
Latino Americano e Caribenho - Nova Evangelização Promoção Humana Cultura
Cristã
APARECIDA - Conclusões da V Conferência Geral do Episcopado Latino
Americano e Caribenho.
EN - Evangelii Nuntiandi
-
Exortação Apostólica do Papa Paulo VI, em 8 de
dezembro de 1975, Sobre a evangelização no mundo contemporâneo.
EX CORDE ECCLESIAE - Constituição Apostólica do Papa João Paulo II,
sobre as Universidades Católicas.
FIDES ET RATIO Carta Encíclica do Papa João Paulo II, Sobre As
Relações Entre Fé e Razão.
FIUC - Federação Internacional das Universidades Católicas.
GE - Gravissimum Educationis Declaração sobre a Educação, do Concílio
Vaticano II.
GS - Gaudium et Spes - Constituição Pastoral, do Concílio Vaticano II.
LG – Lumen Gentium - Constituição Dogmática, do Concílio Vaticano II.
11
RELATÓRIO DELORS - Educação Um Tesouro a Descobrir - Relatório
para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI,
coordenado por Jacques Delors.
UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
-
Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura.
UR Unitatis Redintegratio, Decreto do Concílio Vaticano II sobre o
Ecumenismo.
VATICANO II Concílio Ecumênico da Igreja Católica, realizado de 11 de
outubro de 1962 a 7 de dezembro de 1965.
12
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................... 13
1.1 ÂMBITO DA PESQUISA........................................................................ 15
1.2 PROBLEMÁTICA................................................................................... 17
1.3 TESE ..................................................................................................... 18
1.4 OBJETIVO GERAL ................................................................................ 18
1.5 METODOLOGIA .................................................................................... 19
1.6 ITINERÁRIO .......................................................................................... 20
2 CULTURA................................................................................................. 24
3 RELIGIÃO................................................................................................. 46
3.1 DEFINIÇÕES DE RELIGIÃO ................................................................. 56
4 EDUCAÇÃO ............................................................................................. 72
4.1 UNIVERSIDADE .................................................................................... 85
4.2 A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA EM INSTITUIÇÕES
CATÓLICAS DE ENSINO SUPERIOR ........................................................ 96
4.2.1 Missão................................................................................................ 97
4.2.2 Visão .................................................................................................. 98
4.2.3 Ementas............................................................................................. 100
4.2.4 Programas ......................................................................................... 102
4.3 EDUCAÇÃO INTEGRAL........................................................................ 104
4.3.1 Documentos da Igreja....................................................................... 105
4.3.1.1 O Concílio Vaticano II ...................................................................... 106
4.3.1.1.1 Constituição Pastoral Gaudium et Spes........................................ 109
4.3.1.2 Constituição Apostólica Ex Corde Ecclesiae, do Papa João Paulo II,
sobre as Universidades Católicas................................................................ 114
4.3.1.3 Conclusões da II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e
13
4.4 EDUCAÇÃO RELIGIOSA ...................................................................... 158
4.5 A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA............................................ 168
5 CONCLUSÃO........................................................................................... 184
REFERÊNCIAS ........................................................................................... 191
14
1 INTRODUÇÃO
A disciplina de Cultura Religiosa como espaço integralizador da educação é
o problema e a delimitação que nos propomos nesta tese. A atuação, ao longo da
vida profissional em um trabalho que articula religião e educação, e há diversos anos
na disciplina de Cultura Religiosa na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, onde a cultura passou a fazer parte maior da pesquisa e das inter-relações
com a religião e a educação, motivou a busca pelo aprofundamento reflexivo desta
temática. Esta preocupação, além de visar o aprofundamento, também se volta à
articulação destas três dimensões cultura, religião, educação - entre si e com a
realidade atual, procurando evitar anacronismos, tanto em relação a leituras do
passado quanto à consideração das características da época atual.
Buscamos apoio em autores comprometidos com uma visão holística da
realidade e uma educação integral, por isso mesmo dialógica e propositiva, em
Documentos da Igreja Católica, com ênfase no Concílio Vaticano II, Encíclicas,
textos do Conselho Episcopal Latino-Americano e de organismos internacionais,
como a UNESCO e a FIUC. Temos consciência de que em cada um dos temas
encontram-se aspectos ricos que procuramos explorar em suas virtualidades,
embora saibamos que não conseguimos abordar tudo. Assuntos há que poderiam
ser bem mais aprofundados, o que haverá de ser continuado em sistematizações
posteriores.
Como será reforçado ao longo do trabalho, somamos com aqueles que
partilham da convicção de que a dimensão religiosa é inerente ao homem e com a
visão teísta, que crê em um Deus o qual age na história e interage com o homem e
que este, na dinâmica da alteridade, a partir do Totalmente-Outro, se constrói como
“ser-para”. Essa reciprocidade se na verticalidade, na relação de cada um
consigo mesmo e com o Transcendente, e na horizontalidade, como relação com a
natureza e na intersubjetividade como relação com os outros. Na alternância
dinâmica destas relações complexas, tensas e densas, cada um se desenvolve,
constrói sua subjetividade, realiza seu processo de humanização ou de
desumanização. Trabalhamos numa perspectiva afirmativa, que se na busca da
inteireza do ser humano, através de uma educação integral, que atenta para todos
15
os níveis e dimensões do homem, numa afirmação holística, em que a percepção da
importância do todo só é possível na valoração de cada uma das partes.
Trabalhar a inteireza do ser humano é um desafio creditado à universidade,
desde a origem. A nossa época, sensível às rupturas geradas por causa das
progressivas especializações, percebe a necessidade de resgatá-la. A universidade,
inserida num contexto cultural e educacional também fragmentado que,
paradoxalmente, ajudou a criar, é instada pelos fatos, pela consciência crítica, por
circunstâncias que questionam sua razão de ser e desafiam a fazer revisões, a
voltar-se para a globalidade das dimensões humanas e investir na unidade, focando
uma educação integral
1
.
A expressão educação integral já foi mal vista, especialmente no Brasil,
associada a integrismos políticos, sendo, então, evitada e mencionada sob outros
termos como, por exemplo, educação do homem todo ou concepção do homem
como uma unitotalidade. Ao longo do nosso trabalho, usá-la-emos como afirmação
do ser humano inteiro, multidimensional, na globalidade de suas dimensões,
subjetividade e relação, uma síntese complexa perfeita, ao mesmo tempo material e
espiritual.
No contexto da educação integral, a disciplina de Cultura Religiosa se
reveste de grande importância, por sua origem interdisciplinar, por se desenvolver no
âmbito da cultura e da religião e se concretizar no espaço acadêmico da educação.
Ela tem uma possibilidade transdisciplinar latente ainda pouco explorada, mas que a
vocaciona para ser sempre mais um espaço integralizador da educação.
Na escolha do tema contaram, como indicado acima, primeiramente, a
experiência e as indagações do autor em torno do significado, dos questionamentos
interpostos a esta disciplina e a abrangência que deve abarcar qdB
16
Em segundo lugar, a dimensão religiosa está presente na vida dos
estudantes de várias maneiras. aqueles que vivem sua religiosidade dentro de
uma das religiões cristãs históricas; outros, em menor número, se identificam com
alguma das outras Religiões estabelecidas no nosso meio. os que transitam
nessas ou nos Novos Movimentos Religiosos ou em alguma Mística Filosófica ou
Movimento Esotérico, tentando encontrar-se na esfera religiosa. Muitos se vêem
angustiados nesta área, por não conseguirem definir um rumo, por razões diversas,
entre as quais podem constar uma não-iniciação na família ou desencontros e
desencantos com a religião herdada dela. Poucos prescindem da religião,
considerando-a supérflua ou ultrapassada ou aliada a interesses escusos. Os
estudantes buscam encaminhar a sua vida com sentido. Querem que valha a pena
viver e empenhar-se para que as coisas melhorem. Percebe-se haver, o poucas
vezes, uma dificuldade de aproximação da linguagem religiosa e do seu conteúdo
com a linguagem e o conteúdo do acadêmico jovem. Esses aspectos estão supostos
no nosso trabalho, mas o são seu objeto, pela necessidade de delimitação e por
existirem estudos nessa linha. À disciplina de Cultura Religiosa cabe a tarefa de
criar ou fomentar conexões que facilitem tal aproximação.
Por último, é um tema relevante para as universidades católicas, à medida
que contribui na formação integral que elas se propõem e que são instadas a
realizar pela Igreja, uma vez que esta lhes confia papel específico na missão do
anúncio explícito do Projeto de Jesus, que é de vida plena para todos. A disciplina
de Cultura Religiosa é a oportunidade formal pela qual o ideário institucional,
fundamentado nessa missão, chega a todos os alunos. Por isso, é muito importante
para a universidade católica que esta desenvolva bem o seu trabalho e, dada a sua
índole interdisciplinar, seja por isso mesmo um espaço de integralização da
educação, que outras disciplinas têm dificuldade em desenvolver ou sequer podem
fazê-lo, dada a sua concentração em conteúdos limitados e específicos, advindos da
sua origem na fragmentação do saber.
1.1 ÂMBITO DA PESQUISA
A disciplina de Cultura Religiosa não pode dispensar um olhar sobre a
cultura do tempo em que se insere. Esta cultura está marcada pelo racionalismo e
17
pelo empirismo, pela ênfase na subjetividade, pela afirmação da tecnociência, ao
lado da fragmentação dos saberes, institucionalizada na hiperespecialização,
através de disciplinas cada vez mais específicas.
De outra parte, uma consciência crescente da fragilidade dessa
compreensão de homem e de mundo e que se manifesta nas tentativas de resgate
da inteireza do ser humano e da sua interconexão com todas as faces da realidade.
A religião institucional, por sua vez, se vê fragilizada, ao lado das instituições
em geral. Paralelamente, no entanto, há um interesse crescente pela espiritualidade,
uma percepção de que um imanentismo reducionista e a tecnociência não dão conta
da complexidade da realidade humana. Percebe-se um novo interesse religioso,
menos institucional e mais sincrético, cuja síntese ainda não se avizinha. Verifica-se
um pluralismo muito grande nas manifestações religiosas, que coloca ao lado das
religiões institucionalizadas um grande número de Novos Movimentos Religiosos, de
origem plural, além de propostas místicas e esotéricas, resgatadas do passado.
A Igreja católica, dentro da qual desenvolvemos este trabalho, também
manifesta essas características, à medida que busca novas sínteses, sem descurar
de suas convicções, construídas como fidelidade ao Projeto de Jesus, ao longo da
história.
A educação, além da necessária capacitação para a vida profissional,
enquanto ajuda o indivíduo a se tornar sujeito, a conferir um sentido à vida e a
desempenhar um papel único na história, como agente afirmativo na superação de
limites e na transformação do meio, nos múltiplos níveis e dimensões que o
constituem, é interpelada a dar respostas aos desafios próprios do nosso tempo.
Embora, na preocupação acadêmica e no horizonte deste trabalho, o objeto
e o enfoque sejam a educação formal, não se está desconsiderando ou
menosprezando a educação informal, que ajuda a plasmar o ser humano desde
antes do seu nascimento e o acompanha ao longo de toda a vida.
um clamor, iniciado já algum tempo e com número crescente de
pensadores, nas últimas décadas e em várias áreas de abordagem, chamando a
atenção para reducionismos e fragmentações que a modernidade impôs ao homem.
O cogito, ergo sum, de Descartes, lançou a fundamentação para desdobramentos
posteriores que permitiram ver o universo material como uma máquina, regido por
leis mecânicas, onde tudo poderia ser decodificado a partir da organização e do
18
movimento de suas partes. Este construto mecânico da natureza tornar-se-á o
paradigma dominante, aliás, autoproclamado único, da ciência nos séculos
seguintes
2
.
A educação é uma aposta no contínuo vir-a-ser do homem. Envolve, pois, o
ser inteiro e não apenas o intelecto. Por isso, abarca também experiências, crenças,
emoções, sentimento e fé, dos indivíduos e dos grupos.
1.2 PROBLEMÁTICA
A percepção e a progressiva consciência dos problemas decorrentes de uma
visão e postura fragmentárias diante do ser humano, da vida e das relações, têm
levado a uma preocupação em retomar a vida e os ltiplos aspectos nela
implicados, como um todo que engloba, naturalmente, a dimensão educativa do
homem.
Mudanças em consonância com o sistema econômico vigente e gerado pela
globalização econômica levam a comportamentos individuais e de grupos, pautados
pela criação artificial de necessidades, a frustração de não alcançar realizá-las, a
pagar qualquer preço para se manter competindo e sobrepujando aos outros,
elevando-se o nível de ansiedade, acompanhado de uma progressiva perda do
sentido de viver
3
.
Nesse horizonte se situa a universidade como lugar aberto e a serviço da
universalidade do ser humano e à multiplicidade de relações que estabelece e das
quais, ao mesmo tempo, é resultado. Significa ver o ser humano nessa complexa
teia de relações em que as ciências do homem, da vida e da terra se tecem e
entretecem, na experiência refletida da relação, interdependência e pertencimento
4
.
2
CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. São Paulo: Cultrix, 1982, p. 56: “Toda a elaboração da ciência
mecanicista nos séculos XVII, XVIII e XIX, incluindo a grande síntese de Newton, nada mais foi do
que o desenvolvimento da idéia Cartesiana. Descartes deu ao pensamento científico sua estrutura
geral – a concepção da natureza como uma máquina perfeita, governada por leis matemáticas
exatas”.
3
ZOHAR, Danah. QS: Inteligência Espiritual. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 13: “O principal desafio
da nossa época consiste em vincular o mundo interior do eu ao mundo exterior da sociedade e em
enxergar a ambos no contexto maior do mundo natural”.
4
MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p. 20; 51s: “O
que é complexidade? À primeira vista, a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido em
conjunto) de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e
do múltiplo. Na segunda abordagem, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos,
19
A disciplina de Cultura Religiosa, pela sua origem interdisciplinar, se torna o
espaço da explicitação dessa preocupação, onde conteúdos relacionados à busca
de sentido são abordados de forma sistemática, e a integralização dos diversos
saberes e experiências deve acontecer. Que construções de aprendizagem a
disciplina de Cultura Religiosa deve realizar e que relações deve estabelecer para
que se respeite e apóie a busca de sentido e se torne um espaço integralizador de
educação?
1.3 TESE
A evolução da universidade se dentro dos paradigmas epistemológicos
da modernidade. As diferentes áreas de conhecimento e a subseqüente divisão em
disciplinas seguem a mesma lógica. Assim, a Cultura Religiosa, enquanto disciplina,
surgiu para trazer informações e apresentar argumentos que explicitem e forneçam
subsídios lógico-racionais, conferindo validade intelectual à religião. Considerando
que esta disciplina é objeto de muita experiência, pesquisa e discussão e que,
inserida no contexto histórico atual, suas dificuldades vêm de reducionismos,
fragmentações, pluralismo religioso, é sobre esse fundo de discussão e pesquisa
que propomos a nossa tese, que procura mostrar a disciplina de Cultura Religiosa
como espaço integralizador da educação, na universidade.
1.4 OBJETIVO GERAL
Aprofundar a compreensão sobre a relevância da disciplina de Cultura
Religiosa na universidade, propondo indicadores para possíveis propostas, em vista
a sua adequação ao atual contexto educacional, como espaço integralizador da
educação.
ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal”. “À
primeira vista, é um fenômeno quantitativo: a extrema quantidade de interações e de interferências
entre um número muito grande de unidades [...]. Porém, a complexidade não compreende apenas
quantidades de unidades e interações que desafiam as nossas possibilidades de cálculo:
compreende também incertezas, determinações, fenômenos aleatórios. A complexidade, num
sentido, tem sempre contacto com o acaso”.
20
Objetivos específicos
- Elucidar as especificidades da Cultura Religiosa como disciplina acadêmica, na
universidade católica.
- Analisar a Missão e a Visão das universidades e sua concretização nas Ementas e
Programas da disciplina de Cultura Religiosa, tendo como referência para análise as
três dimensões fundamentais da disciplina: Cultura, Religião e Educação.
- Discutir propostas de conteúdos, carga horária e metodologia para a Cultura
Religiosa, em vista a procedimentos metodológicos que favoreçam abordagens multi
ou transdisciplinares, visando à formação integral.
1.5 METODOLOGIA
O presente trabalho consiste em uma tese, desenvolvida à luz do método
analítico-reflexivo, explicitado em diálogo argumentativo com diversos autores,
considerando também a experiência profissional de dezessete anos como professor
de Cultura Religiosa. Procuramos investigar como o ideário institucional de algumas
universidades católicas chega aos alunos, através da disciplina de Cultura Religiosa.
Formulamos a tese da disciplina de Cultura Religiosa como espaço integralizador da
educação e nos propusemos responder ao problema sobre que construções de
aprendizagem a disciplina de Cultura Religiosa deve realizar e que relações deve
estabelecer para que se respeite e apóie a busca de sentido e se torne um espaço
integralizador de educação.
Foram escolhidas cinco universidades de confissão católica, sendo três
Pontifícias. Foi feito um levantamento sobre a Missão e a Visão que essas
universidades apresentam, confrontando-as com as Ementas e Programas da
disciplina de Cultura Religiosa. Desenvolvemos a reflexão, a partir de análises
dentro de três dimensões fundamentais desta disciplina: a Cultura, a Religião e a
Educação, recorrendo para isso a fontes que mostram que uma educação que
respeite o ser humano requer uma integralização das diversas disciplinas, práticas e
saberes.
Optamos por universidades católicas, deixando de lado as confessionais
ligadas a outras Igrejas. A opção por universidades, foi motivada pelo fato de
21
apresentarem estruturas mais complexas e terem uma representatividade maior,
mesmo que local, em vez de optar por Faculdades Isoladas. Outro critério foi a
disponibilização pública do ideário institucional e das ementas da disciplina de
Cultura Religiosa na Internet, facultando acesso a distância. A não-inclusão das
universidades ligadas a outras Confissões e das Faculdades Isoladas deu-se pela
necessidade de restringir o campo de abrangência e pela preocupação imediata com
a universidade católica por trabalhar nela.
Não ignoramos as críticas feitas à religião, nem autores que a afirmam como
produto de limitações humanas ou como artifício dos poderosos e espertos para
subjugar a outros, ou os que dizem tratar-se de um placebo diante do não-sentido da
vida, nem aqueles que negam a transcendência e afirmam a imanência como única
realidade, tampouco os que não admitem um Deus pessoal, identificando o
Transcendente como um desdobramento evolutivo do indivíduo e do cosmos. Não
foi, no entanto, nosso objetivo discutir com esses autores e suas posições.
Propusemo-nos um trabalho de abrangência dentro da visão cristã de homem
integral, a partir da experiência do Deus que se revelou plenamente em Jesus de
Nazaré, que apresentou um Projeto de Vida plena para todos, a que a Igreja, como
comunidade dos seus seguidores no tempo, quer dar continuidade e que tem na
universidade católica uma de suas frentes de anúncio e de testemunho, onde a
disciplina de Cultura Religiosa se situa como o espaço no qual esse ideário
institucional chega, de maneira formal, a todos os alunos, oferecendo condições
para a integralização da educação.
1.6 ITINERÁRIO
A tese será desenvolvida em três passos:
No primeiro, o olhar se volta para o ser humano que se desenvolve na
cultura e, ao fazê-lo, constrói-se a si mesmo. Dentre outros aspectos, constatamos
um ser humano dividido, num mundo fragmentado e que, não obstante as
dificuldades, busca descobrir-se na sua inteireza, inserido numa realidade que
percebe marcada pela complexidade e que, ao contrário do que pensava, não
conhece e não domina e com a qual precisa aprender a estabelecer uma relação de
respeito e de complementaridade. A tecnociência, que inclui os meios de
22
comunicação, faz do mundo uma “aldeia global”. A avalanche de informações, os
problemas novos, que advêm da política e da economia globalizadas, criam, de um
lado, uma mentalidade do vazio e do descartável e, de outro, medidas, às vezes,
acirradas e radicais, por parte de grupos e países, de afirmação da própria
identidade. A disciplina de Cultura Religiosa, a partir da sua origem interdisciplinar,
pode contribuir num diálogo em vista da unidade na diversidade.
No segundo passo, o olhar é dirigido sobre o homem como ser religioso,
sobre o fenômeno religioso, sobre a Religião, com alguns desdobramentos
importantes para a disciplina de Cultura Religiosa. Afirma-se, então, a necessidade
do desenvolvimento do ser humano integral, envolvendo o nível físico, psíquico e
espiritual e a dimensão pessoal, social e transcendente. Um ser humano situado na
história e em um contexto sociopolítico-econômico-cultural-religioso concreto, ao
mesmo tempo influenciado pelo meio e transformador da realidade. Dotado de
cognição, emoção e livre-arbítrio, é responsável pelos seus atos e capaz de fazer
opções que vão constituindo a sua vida e influenciar a dos outros e do meio
ambiente.
No terceiro passo, a educação focada na perspectiva transformadora de
uma educação integral e, dentro dela, a disciplina de Cultura Religiosa como espaço
integralizador da educação, em que esta, além de desenvolver os conteúdos que lhe
são próprios, constitui oportunidade privilegiada para o diálogo com as diversas
áreas de conhecimento, em perspectiva inter e transdisciplinar. Esse prisma
perpassará os três passos, ancorado num estudo comparativo entre o ideário da
Instituição Superior de Educação Católica e a sua concretização na Disciplina de
Cultura Religiosa.
A disciplina de Cultura Religiosa se situa nesse contexto de preocupação
com o ser humano integral. Uma disciplina acadêmica, enquanto subentende um
trabalho sistemático a ser desenvolvido com ementa, programa, conteúdos, carga
horária, bibliografia, avaliação, freqüência e que consta no currículo regular dos
cursos.
Retratando a diversidade como uma das características internas da Igreja
Católica, o nome disciplina de Cultura Religiosa pode mudar de uma instituição para
23
outra
5
. O mais usado é Cultura Religiosa. Na Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, em 2004, passou a ser designada como Humanismo e Cultura
Religiosa. Aparece, também, como o Homem e o Fenômeno Religioso.
instituições que referem a disciplina como Teologia. Em outras, ainda, é evitado falar
diretamente em religião, um resquício, talvez, da influência de determinados
cientificismos, fortes em certas épocas e locais. Vale observar, contudo, que,
independentemente da nomenclatura empregada, o conteúdo é basicamente similar,
englobando o fenômeno religioso universal, o estudo mais aprofundado de algumas
religiões, componentes atuais do fenômeno religioso, mormente no Brasil, visão
bíblico-cristã de ser humano e temas específicos da fé cristã, também com enfoques
e ênfases variadas. A carga horária também varia, situando-se entre quatro e doze
créditos.
Pela própria índole do seu objeto específico, o ser humano e o fenômeno
religioso universal, a disciplina de Cultura Religiosa se constitui em espaço
integralizador da educação. Falar de maneira qualificada sobre o ser humano requer
que seja trazida a contribuição dos diferentes conhecimentos desenvolvidos pelas
várias áreas de conhecimento: o ser humano abordado na sua subjetividade e, ao
mesmo tempo, como ser de relação; inserido objetivamente na concretude do
espaço-tempo cósmico, mas, simultaneamente, aberto ao transcendente; limitado
pelas condições socioeconômicas e circunstanciado pelo contexto político-cultural e,
no entanto, capaz de superação e de transformação das utopias em nova realidade.
A dimensão religiosa expressa a dialética entre o construído e o porvir, entre o que
está estabelecido e o clamor por mudança, entre o que parece o limite, o definitivo e
os anseios de superação, enfim, entre o imanente e o transcendente, que transgride
a ordem e o presente, instigando para o futuro sempre novo.
Assim, a disciplina de Cultura Religiosa recebe da Teologia a elaboração
sistemática da experiência religiosa e de seus desdobramentos, como estudo dos
elementos da fé; da Ciência da Religião a abordagem das diferentes religiões,
analisando suas características específicas, semelhanças e diferenças; das Ciências
Humanas, em geral, que procuram ver também o homem enquanto religioso, a partir
do viés que lhes é pprio.
5
Não há, ainda, um estatuto único para a designação da Disciplina que, por isso, em última instância,
depende de cada Instituição.
24
Nesse contexto, no diálogo entre saberes, em vista a uma compreensão
maior do ser humano, das suas relações e da realidade que o circunda, esperamos
mostrar que a disciplina de Cultura Religiosa reúne os elementos para se tornar
sempre mais um espaço onde as diferenças de experiências, abordagens e
conhecimentos se encontrem e dialoguem, realizando novas sínteses.
É possível que hoje seja mais importante que a disciplina de Cultura
Religiosa se torne um espaço integralizador da educação, centrado na reflexão
sobre o sentido da vida e da relevância da (s) religião (ões) nesse processo, e em
diálogo com os outros saberes, do que ser um espaço de informações e argumentos
que afirmem possuir a religião uma justificativa lógica que a sustente.
25
2 CULTURA
Neste capítulo, analisaremos um conjunto de variáveis sobre o homem
situado no espaço e no tempo. Como tal se constrói, influenciando e sendo
influenciado pelos outros e pelo meio em que vive, numa abrangência, nos tempos
atuais, cada vez mais globalizada. Assim, constrói cultura, ao mesmo tempo que é
26
maneira mais elaborada e sistematizada, através da religião. Dizemos, então, com
Peresson (2006):
Para superar uma concepção parcial ou setorial de cultura, optamos por
uma visão integral, que abarque a globalidade da vida de cada grupo
humano e inclua todos os seus aspectos e dimensões, tanto pessoais como
sociais. A cultura, tal como a concebemos e propomos, não se refere a
apenas um aspecto da vida humana, mas é uma categoria
onicompreensiva, que leva a entender um povo e sua estrutura social. É
uma visão holística, que inclui e compreende todos os aspectos da vida
9
.
Não ignoramos as críticas à religião, nem as antigas
10
nem as atuais
11
, mas
não é propósito, neste trabalho, explicitar as objeções à religião que apresentam,
nem tampouco, discutir o assunto com eles. Vem bem a propósito a observação de
Bortoleto (1999):
Cultura, tradição e religião são significantes densos e tensos que perderam
o vigor e frescor no bojo da lógica da redutibilidade. Isto por causa, dentre
várias razões e motivos, de um critério único, simplificador e redutor advindo
de uma visão epistemológica positivista
12
.
São ilustrativas, neste contexto, as leituras realizadas em diversas áreas de
conhecimento, na perspectiva das ciências humanas que, olhando para expressões
religiosas historicamente situadas, apresentam interpretações possíveis ao crivo do
seu viés científico, úteis à religião diante da necessidade de uma releitura
permanente dos seus fundamentos e na autocrítica para distinguir, por exemplo, o
essencial das roupagens históricas, que precisam ser sempre revistas e atualizadas,
para não se perderem em anacronismos e na sobrevalorização de elementos
secundários. O Concílio Vaticano II, na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, frisa,
com ênfase, a necessidade de diálogo da com as mudanças, os avanços e as
conquistas nos diferentes âmbitos da cultura:
Os fiéis vivam, portanto muito unidos aos outros homens de sua época e
procurem perceber perfeitamente suas maneiras de pensar e de sentir,
expressas pela cultura. Unam os conhecimentos das novas ciências e
doutrinas e das últimas descobertas com a moral e os ensinamentos da
doutrina cristã, para que a cultura religiosa e a retidão moral caminhem,
junto dos mesmos homens, no mesmo passo do conhecimento das ciências
e da técnica em progresso incessante e assim consigam eles apreciar e
interpretar todas as coisas com sensibilidade autenticamente cristã
13
.
9
PERESSON, Mario L. Pedagogias e Culturas. In: SCARLATELLI, Cleide C. da Silva; STRECK,
Danilo R.; FOLLMANN, José Ivo (Orgs.). Religião, Cultura e Educação. o Leopoldo: Editora
UNISINOS, 2006, p. 66.
10
Dentre outros, os assim chamados “mestres da suspeita”, Marx, Nietzsche e Freud.
11
Por exemplo, Richard Dawkins e Michel Onfray.
12
BORTOLETO, Edivaldo. Culturas e Tradições Religiosas. São Paulo: mimeo, 1999.
13
GS 62/410.
27
No mundo atual, convivem múltiplos conceitos de cultura, que nos desafiam
para um conceito holístico de cultura, em que as diferentes realidades de grupos e
de classes sociais estejam presentes e possam ser contempladas nos vários
âmbitos da vida individual e coletiva, incluindo, por exemplo, o sociopolítico,
econômico, ideológico e ambiental ou, dito de outra forma, o âmbito material,
intelectual, moral, espiritual e simbólico
14
.
O homem é um ser cultural, à medida que é um contínuo vir-a-ser, não
sozinho, mas em relação. Podemos entender cultura como o processo de
humanização em que o homo sapiens vai se tornando humano. É um movimento de
saída de si e de retorno a si mesmo, simultaneamente centrípeto e centrífugo, uma
vez que o humano só se dá na abertura aos diversos níveis e dimensões do
indivíduo e na relação com os outros, com a natureza e com o transcendente.
Não se trata de um movimento retilíneo nem circular, mas em espiral, com
subidas e quedas, porém, avançando sempre. Alguém que optasse por fechar-se
sobre si mesmo estaria negando o humano em sua essência, que é relação. Em
analogia com a física, se poderia dizer que esse indivíduo entraria num processo de
entropia que o levaria ao isolamento, à solidão total, que seria o fracasso de toda a
existência.
A compreensão e a discussão de alternativas só é possível quando se
conhecem a lógica e a prática cultural que movem o outro no seu pensar e no seu
agir. Esse conhecimento do outro que, quando autêntico, se torna recíproco, é
condição para um encontro fecundo, transformador, capaz de engendrar um diálogo
de paz e perseverante no processo de construção do projeto humano. O Conselho
Pontifício da Cultura argumenta:
Não há cultura que não seja do homem, pelo homem e para o homem. Ela é
toda a atividade do homem, a sua inteligência e a sua afetividade, a sua
busca de sentido, os seus costumes e as suas referências éticas. A cultura
é o natural ao homem, que a sua natureza o tem nenhum aspecto que
não se
manifeste na sua cultura. [...] não se pode negar que o homem
sempre existe dentro de uma cultura particular, mas também não se pode
negar que o homem não se esgota nesta mesma cultura. De resto, o próprio
progresso das culturas demonstra que, no homem, existe algo que
transcende as culturas. Este algo é precisamente a natureza do homem:
14
MARITAIN, Jacques. Religion et Culture. Rio de Janeiro: Atlântica, 1945, p. 14-15: “[...] la
civilisation, c’est l’épanouissement de la vie proprement humaine, comprenant, non seulement le
développement matériel cessaire et suffisant pour nous permettre de mener une droite vie ici-bas,
mais aussi et avant tout le développement moral, le développement des activités spéculatives et des
activités pratiques (artistiques et éthiques) qui mérite d’être appelé en propre un développement
humain”.
28
esta natureza é exatamente a medida da cultura, e constitui a condição para
que o homem não seja prisioneiro de nenhuma das suas culturas, mas
afirme a sua dignidade pessoal pelo viver conforme à verdade profunda do
seu ser
15
.
O nascimento nos insere definitivamente na existência e nos torna
protagonistas de uma trajetória singular e ímpar no universo. Trajetória irreversível e
inexoravelmente voltada para o futuro que, ao mesmo tempo, nos escapa, à medida
que, estando sempre no presente, o percebemos como meta e horizonte, tradução
no tempo para a busca de realização e sentido que nos caracteriza como seres
humanos. O passado, por sua vez, indica a caminhada que já realizamos, as opções
que fizemos e onde foi possível chegar até agora. Não podemos trilhá-lo de novo,
mas podemos aprender com ele, revisitando as opções fundamentais, norteadoras
das decisões tomadas e redimensionando rumos para o porvir.
Por ter consciência, sentimentos, aspirações, livre-arbítrio, capacidade para
pensar e agir, o homem é um ser cultural. A cultura, em sentido subjetivo, envolve os
sentimentos, as intuições, as reações, refletidas ou não, no dia-a-dia do indivíduo.
Inclui as elaborações e as sistematizações mais ou menos estruturadas que cada
um faz, a maneira e os meios pelos quais os exterioriza.
Do ponto de vista objetivo, a cultura envolve a ação do homem no mundo,
na interação com os outros e a natureza. Em todos os povos que conhecemos, a
ação humana é movida, para além da satisfação das necessidades imediatas, pela
busca de sentido para a vida.
Por cultura podemos entender tudo o que o ser humano realiza no seu
desenvolvimento, enquanto processo de humanização. De acordo com Ladrière
(1979), pode-se dizer que as culturas são constituídas “pelos sistemas de
representação, normativos, de expressão e de ação de uma coletividade”
16
.
Cultura é o contínuo vir-a-ser que caracteriza os seres humanos como
processo permanente do aprender a viver e a viver melhor, em vista à humanização,
envolvendo os níveis físico, psíquico e espiritual, atendendo a dimensão individual,
social e a abertura ao Transcendente. Implica os meios de que se utiliza e a maneira
de relacionar-se consigo mesmo, com os outros, com a natureza e com Deus.
15
CONSELHO PONTIFÍCIO DA CULTURA. Para uma Pastoral da Cultura. São Paulo: Paulinas,
1999, p. 8-9.
16
LADRIÈRE, Jean. Os desafios da racionalidade. O desafio da ciência e da tecnologia às culturas.
Petrópolis: Vozes, 1979, p. 12.
29
Todas as culturas se nos mostram impregnadas por essa busca, ou seja, os
motivos religiosos estão sempre presentes. Expressam-se nas crenças, nos valores,
nas noções de beleza que determinado povo tem e no ideal de pessoa, de relações
e de mundo, que move os indivíduos e a sociedade. A religião se constitui numa
categoria cultural fundamental a qual, por sua vez, impregna, ao lado da linguagem,
a história, a arte e a ciência
17
. Afinal, a cultura é o espaço da vida e quanto mais
experiências de libertação, de superação de limitações e atualização de
potencialidades puder fazer, mais Deus é revelado.
A humanização está presente desde o início da vida de cada indivíduo como
conjunto de possibilidades e, enquanto realização, se constitui no grande desafio
para cada um individualmente e para a sociedade como um todo. A linguagem
ocupa um papel de primeira grandeza, segundo diversos autores, como o ilustram,
por exemplo, as palavras de Gusdorf (1970):
A invenção da linguagem é a primeira das grandes invenções, a que contém
em estado embrionário todas as outras, talvez menos sensacional que a
domesticação do fogo, mas mais decisiva. A linguagem apresenta-se como
a mais original das técnicas. Constitui uma disciplina original da
manipulação das coisas e dos seres. Uma palavra é com freqüência mais
útil que um utensílio ou uma arma para a tomada de posse do real. De fato,
a palavra é estrutura do universo: ela procede a uma reeducação do mundo
natural que, graças a ela, torna-se a sobre-realidade, proporcional à nova
existência que a suscitou
18
.
Tudo o que o homem faz para descobrir-se e para desenvolver-se constitui a
cultura. Como não pode ser sozinho, tudo o que realiza e constrói o faz na relação
com os outros. O próprio processo de individuação se na mediação com os
outros e com o meio ambiente. O homem é, por natureza, relação. Indivíduo e
sociedade imbricados constroem o humano que todos devem se tornar
19
.
O homo sapiens, caracterizado por faculdades distintas entre os seres vivos,
possui consciência, sentimentos, desejos, um psiquismo superior ao psiquismo
animal, dotado de desejos e aspirações, que vão além do imediato e do espaço e do
tempo em que está situado, de capacidade de raciocinar e, por isso, é capaz de
17
CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o homem - introdução a uma filosofia da cultura humana. São
Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 115: “É a função básica da fala, do mito, da arte e da religião que
devemos buscar por trás de suas (do homem) inumeráveis formas e expressões e para a qual, em
última instância, devemos tentar encontrar uma origem comum”.
18
GUSDORF, Georges. Filosofia del Linguaggio. Roma: Città Nuova, 1970, p. 15.
19
SACRISTÁN, Gimeno J. Educar e Conviver na Sociedade Global As Exigências da Cidadania.
(Trad. Ernani Rosa). Porto Alegre: Artmed, 2002, p. 41: “O ser humano é um ser social por isso
também é um ser cultural e, através do exercício dessa condição, aproveita a cultura comunicada
entre os indivíduos”.
30
discernimento e de fazer opções. É inventivo nos mais variados domínios, como o
artístico, literário, filosófico, religioso, científico, tecnológico. Busca sentido e uma
razão última para a vida, a sua e a dos outros, da natureza e do Universo inteiro.
A literatura, as diferentes manifestações artísticas, a música, a poesia, as
expressões pictóricas, as edificações, retratam a busca de sentido, a esperança, as
motivações últimas do autor que, por sua vez, retrata aquilo que, na sua época, é
considerado importante, questionador, caminho ou resposta para as grandes
interrogações da vida.
O ser humano é, pois, um homo discens. o vem predeterminado pelo
instinto como os animais e as plantas e, vindo ao mundo despreparado, precisa
aprender a viver, podendo, inclusive, aprender a viver melhor.
Cultura é o modo de viver engendrado pela humanidade desde os
primórdios. É também, em sentido mais restrito, o modo como vive um determinado
povo, incluída a maneira de pensar, agir e sentir, bem como os códigos de conduta,
com seus princípios e conseqüente tradução em normas, regras e leis; a linguagem
e suas múltiplas formas de expressão, como a língua, a arte e os costumes; os
valores defendidos e a religião praticada, que não apenas conserva valores, mas
também os cria. Inclui, ainda, os instrumentos de trabalho, o modo de obtê-los e a
maneira de utilizá-los; as vestimentas usadas, o material empregado e o jeito de
confeccioná-las. O mesmo se aplica às habitações, se abrigos naturais ou se
construídas e, nesse caso, o material empregado, o estilo arquitetônico, os lugares
preferenciais para edificá-las, por exemplo, se próximas umas das outras ou
espalhadas por região, se na planície ou em lugares altos.
A cultura é um dos apoios que nos permitem situarmo-nos no mundo, uma
porta de acesso a qual possibilita que o mundo tenha um determinado sentido para
nós, ao mesmo tempo um viés por onde podemos exercer nossa contribuição
transformadora. A cultura, rica e valiosa, revestida de um valor concreto em si
mesma, deve ser digerida e assimilada pelos sujeitos, isto é, subjetivada,
31
Tomada como um todo, a cultura humana pode ser descrita como o
processo da progressiva autolibertação do homem. A linguagem, a arte, a
religião e a ciência são várias faces desse processo. Em todas elas o
homem descobre e experimenta um novo poder o poder de construir um
mundo só dele, um mundo ‘ideal’
20
.
Tudo o que o indivíduo faz ao longo de um dia, do acordar ao deitar-se
novamente, é expressão da cultura: a hora estabelecida para levantar, o recurso
utilizado para despertar, as primeiras práticas do dia, incluindo tomar banho ou não,
fazer o desjejum, as refeições ao longo do dia, a hora de sair de casa para o serviço,
levar as crianças para a escola, buscando-as ou deixando que voltem sozinhas,
esperar o ônibus ou ir de carro ou valer-se de um meio alternativo de transporte, o
jeito de vestir, de arrumar o cabelo, de andar, carregar bolsa, pasta e outros objetos
normalmente carregados nestes deslocamentos cotidianos. A maneira de saudar os
outros, informal ou formalmente, de educar os filhos, a maneira de sentar-se de falar
com os outros, de tratar as crianças e os idosos, de portar-se no ônibus lotado ou ao
dirigir, são todas expressões da cultura. Ela cria um arcabouço para a convivência
familiar, econômica, política e social. Possui, por isso, um profundo significado
pedagógico, uma vez que o indivíduo nasce e se desenvolve dentro de estruturas
dadas pelo meio em que vive. Em resumo, neste sentido amplo, a cultura engloba a
totalidade da experiência humana construída e socialmente transmitida.
A cultura é sempre ação do homem, ou seja, não é dada pela natureza nem
constitui uma herança genética. Leitura, interpretação e transformação do que está a
sua volta e de si mesmo, numa criação permanente de conhecimentos e recursos
para qualificar, aumentar essa relação
21
. Quando não avaliada devidamente, essa
relação pode também ser de dominação e de destruição, como hoje bem sabemos
22
.
20
CASSIRER, Ernst, op. cit., p. 371.
21
COMPÊNDIO DO VATICANO II Constituições, Decretos, Declarações. 15. ed. Petrópolis: Vozes,
1982, 394: “Porque deriva imediatamente da natureza racional do homem, a cultura precisa sem
cessar de justa liberdade para desenvolver-se e de legítima autonomia de ação, segundo os
princípios próprios. Exige, portanto, respeito e goza de certa inviolabilidade, observados
evidentemente os direitos da pessoa e da comunidade particular ou universal, dentro dos limites do
bem comum”.
22
ULLMANN, Reinholdo Aloysio. Antropologia Cultural. 2. ed. Porto Alegre: Escola Superior de
Teologia São Lourenço de Brindes, 1983, p. 85: “O homem não se acomoda pura e simplesmente ao
meio como os animais, especializados para sobreviverem nesta ou naquela ambiência. No homem, a
especialização se localiza fora do corpo. A ferramenta, a máquina, o computador são uma dimensão
biológica, que, criada pelo espírito, evita a superespecialização do corpo. Por meio de tudo isso, o
homem adapta o mundo à sua existência e lhe confere sentido. Pela cultura, o mundo é assumido
conscientemente, a matéria é elevada a novas possibilidades. E é nisso que reside um dos aspectos
essenciais da cultura”.
32
Uma das marcas constantes na evolução do ser humano é a de passar à
geração seguinte as descobertas feitas, desde as mais elementares e básicas para a
sobrevivência, até estruturas complexas de organização e sofisticados recursos
técnico-científicos. Cada geração passa à outra também costumes, crenças e
valores, permitindo avanço e evolução.
A transmissão da cultura dá-se pelo exemplo, em que os mais novos ou
interessados observam e imitam outros em um determinado exercício ou domínio
técnico e, por meio da linguagem, simbólica por natureza, que informa, conduz,
encaminha o pensamento na direção desejada por quem fala. Desse modo, suscita
sentimentos e interpreta a experiência, levando o interlocutor, especialmente a
criança, a formar seu universo interior e a conferir valor ao mundo que a cerca,
conforme os padrões que a cultura na qual vive lhe proporciona e os princípios, as
leis, as normas de conduta requerem que assuma e pratique para ser reconhecida e
aceita.
Homem e cultura vivem uma relação simbiótica, à medida que o homem faz
cultura que, por sua vez, o condiciona na sua vida em sociedade, a qual não é
separável da sua vida particular, porquanto é sempre um todo indivisível. Deve
aprender a ter controle sobre si mesmo, a ordenar seus desejos, a dominar os
impulsos e aplicar-se no desenvolvimento e constante aprimoramento de suas
potencialidades
23
. É o processo de inculturação, pois, condição para o indivíduo
poder tornar-se ele mesmo, dar continuidade ao que os antepassados construíram e,
ao mesmo tempo, se transformar em agente modificador da cultura, mediante novas
idéias, novos inventos, novas maneiras de conceber a vida em sociedade e sua
organização. uma sabedoria intrínseca à cultura, a saber, que a mudança
convém seja progressiva e não abrupta e radical, com risco de desestabilização e
desintegração da sociedade. Nas palavras de Sacristán (2002)
na cultura, por não ser composta somente de consensos intersubjetivos,
mas também de divergências, criam-se novos desenvolvimentos culturais.
Partindo da evidência de que as culturas mudam, nãopelos empréstimos
que recebem de outras, mas porque dentro delas existe a dialética entre
pontos de vista contrapostos, tendências e pulsões diferentes, é preciso
23
CHEUICHE, Antônio do Carmo. La Cultura de La Vida. Bogotá: CELAM Série Fé e Cultura, 3,
1989, p. 3: Dificilmente poderia falar-se da cultura sem mediar uma constante referência à vida. O
ato cultural original revela-se no começo da própria história, como uma decisão mais ou menos
consciente, é certo, mas nunca inconsciente, que respalda nossa vida. Este mesmo ato,
permanentemente renovado, sempre em forma dinâmica, entretece a trama das culturas, desde a era
dos primitivos artefatos até o tempo da sofisticada tecnologia moderna”.
33
prestar atenção aos fatores que, a partir dos processos de aprendizagem,
intervêm nessa mudança e ver como ser orientador com essa finalidade
24
.
Recebemos, em cada época, as experiências dos homens e das mulheres
que nos antecederam e de quem herdamos conquistas, fracassos, lutas, omissões,
descobertas, inventos, experiências das mais diversas e que constituem o
arcabouço cultural, a partir do qual nos desenvolvemos. Levamos adiante o projeto
de humanização do ser humano ou, como na expressão de Costa Freire (2000):
“Não nascemos ‘sendo’; somos o que a cultura permite que venhamos a nos
tornar”
25
.
Quando se fala em Humanismo, manifesta-se preocupação com o ser
humano como um todo, com o seu progresso em todos os níveis e dimensões. Um
desenvolvimento integral de tudo o que é humano. Uma polêmica permanente
consiste, então, em definir o que é o humano, o específico do humano e quem está
habilitado a fazer essa definição, quem estaria o suficientemente desenvolvido para
se creditar a dizer em quê, como e quanto os outros deveriam evoluir para serem
considerados humanamente desenvolvidos. O fato é que o humano é processo de
construção sem fim, tão antigo quanto o próprio homem e tão atual quanto cada um,
situado no tempo e no espaço, procurando dar sentido à sua vida. O homem vive o
desafio permanente do ser e do tornar-se, um contínuo vir-a-ser, e nesse processo
vai se fazendo humano. Processo coletivo, enquanto é eminentemente relacional,
dialógico, e a construção de si se na intermediação com os outros e com a
natureza
26
. Contra conceitos fáceis, lembra Cassirer (1994): “A contradição é o
próprio elemento da existência humana. O homem não tem uma ‘natureza’, um ser
24
SACRISTÁN, Gimeno J., op. cit., p. 34.
25
COSTA FREIRE, Jurandir. Prefácio: Playdoier pelos irmãos. In: KEHL, Maria Rita (Org.). Função
Fraterna. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2000, p. 10.
26
SODRÉ, Olga. A Perspectiva Teológica da Alteridade e o Novo Pentecostes. Perspectiva
Teológica. Ano XXXIX, n. 108, Maio/Ago 2007 Revista Quadrimestral do Departamento de Teologia
da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia Belo Horizonte Teologia e Ciências da Religião:
duas epistemologias, p. 197: “Para que haja diálogo, é preciso que cada um possa designar-se como
um si-mesmo capaz de ter um olhar reflexivo sobre si, mas que possa também assumir tanto a
posição do eu como do outro. No diálogo, eu me dirijo ao outro na segunda pessoa, admitindo que
ele possa também ser um eu e dirigir-se a mim na segunda pessoa, considerando-me um outro. Para
que haja diálogo é preciso haver essa reversibilidade entre o eu e o outro, de modo que cada um
possa ser um outro eu, semelhante a mim, mas distinto do que eu sou. Além disso, é preciso que
cada pessoa possa se observar e se estimar enquanto outro. Ao mesmo tempo, quando uma pessoa
se observa e estima é como se observasse e estimasse a si-mesmo enquanto outrem. Há, portanto,
tanto uma dinâmica interna da consciência como uma dinâmica psicossocial entre o si-mesmo e o
outro”.
34
simples e homogêneo. Ele é uma estranha mistura de ser e não-ser. O lugar dele
está entre esses dois pólos opostos”
27
.
Humanismo refere-se a tudo o que, preocupado com a construção do ser
humano, contribui para o seu aperfeiçoamento. Inclui a criação de condições e
práticas sociais e organizativas voltadas para a descoberta e o desenvolvimento de
habilidades e competências, com espaço para a criatividade e a originalidade, para o
aprender fazendo e o acertar errando. Considera todos os níveis e dimensões do
humano, a pluralidade de possibilidades e a multiplicidade de suas expressões.
Cada época e cada lugar tende a favorecer, a condicionar e a inibir o
desenvolvimento de determinadas possibilidades do homem. Nesse sentido, o
homem é produto do seu meio, ao mesmo tempo que é instado a contribuir para
ampliar o leque de alternativas para o aprimoramento pessoal e coletivo. Hoje,
considerando os apelos ao relativismo ético e epistemológico, que há tempos
marcam os debates acadêmicos e se ocultam por trás de projetos de vários matizes,
apresentados normalmente como equivalentes à modernização ou necessidade para
o progresso, “humanismo” e “humanista” correm o risco de perder a sua força. Por
outro lado, somos contemporâneos de debates que resgatem valores humanos e
sociais e as lutas pela dignidade e valoração e inclusão que sinalizam para práticas
afirmativas. A trama da vida é tecida com os fios recebidos do passado, as metas e
objetivos em vista para o futuro e os recursos disponibilizados pelo momento
histórico presente. Nas palavras de Suess (2007), “pessoas e grupos sociais vivem
sempre entrelaçados entre o ser da herança, o ‘vir-a-ser’ da história, e o
culturalmente disponível. São herdeiros e construtores de sua identidade”
28
.
A mudança cultural pode dar-se por acumulação, que significa, por exemplo,
aperfeiçoamento do que existe, e por substituição, quando, como o próprio termo
sugere, a mudança é mais profunda, por atingir em cheio valores e convicções,
abala ou mesmo destrói os fundamentos que abalizavam o que havia antes,
instaurando algo totalmente novo. As culturas caracterizadas como primitivas
sofrem, via de regra, um choque desintegrador no contato com os povos ditos
civilizados, por estarem referendados na tradição, num meio social em que
praticamente tudo está estabelecido pela comunidade, por meio de costumes, mitos,
27
CASSIRER, Ernst, op. cit., p. 25-26.
28
SUESS, Paulo. Introdução à Teologia da Missão Convocar e enviar: servos e testemunhas do
Reino. Petrópolis: VOZES, 2007, p. 186.
35
ritos, tabus bem-estabelecidos. Com pouco espaço para o indivíduo, as iniciativas e
a busca de alternativas são difíceis de acontecer. As culturas dos povos civilizados
experimentam maior flexibilidade a modificações culturais. Basta ver as adaptações
ao desenvolvimento tecnológico na atual sociedade técnico-científica.
O progresso cultural, nas várias áreas, permite perceber luzes e sombras no
contexto cultural da Modernidade, expressas por diversos valores positivos, como a
procura da verdade nas pesquisas, o trabalho em equipe, a consciência crescente
de que as descobertas precisam beneficiar as condições de vida de todos, com
especial atenção aos fracos, indefesos e desprovidos de recursos e possibilidade de
acesso próprio.
Do racionalismo e empirismo, a partir da primeira metade do século XVI, a
meados do século XX, desdobra-se uma visão antropocêntrica do mundo, e esse
antropocentrismo, apoiado no “cogito, ergo sum” de Descartes, considera a natureza
como objeto disponibilizado ao homem que, como único ser pensante, pode dispor
de tudo como bem lhe aprouver.
Centrada no ser humano, a Modernidade nos fez crer que detínhamos o
poder para resolver todos os problemas. O poder da liberdade, da tecnociência, do
trabalho, do dinheiro, da força, da igualdade, da inteligência, da solidariedade, enfim,
o poder de transformar o mundo sempre para melhor. Por outro lado, o
individualismo apresenta-se como uma forma de resistência, na afirmação de si
mesmo, não apenas como alguém que tem um papel na sociedade, mas como
sujeito pessoal, onde a busca do lucro e da glória cedam à afirmação da dignidade
de cada pessoa, conferindo-lhe o respeito que merece. A afirmação do sujeito dá-se
na tomada de consciência da dominação que sofre e dos direitos particulares, em
busca da afirmação de si mesmo e de sua humanidade. Assim observa Touraine
(2006):
A subjetividade é, ao contrário, a expressão do dominado, quer se trate do
escravo, da mulher ou do trabalhador. À medida que os movimentos sociais
enfraquecem as dominações, os dominados reencontraram uma
subjetividade libertada de sua
inferioridade. Hoje esta subjetividade já não é
apenas vivida, mas reclamada, reivindicada como um direito. [...] O sujeito
não é apenas aquele que diz eu, mas aquele que tem a consciência de seu
direito de dizer eu. É por isso que a história social é dominada pela
reivindicação de direitos: direitos cívicos, direitos sociais, direitos culturais,
cujo reconhecimento é exigido hoje de maneira tão premente que
constituem o campo mais delicado do mundo em que vivemos. [...] Todas as
formas de nacionalismo que têm raízes comunitaristas e se recusam a
36
aceitar a heterogeneidade social ou cultural de sua nação agem como
processos ativos de subjetivação
29
.
Em todas as épocas, características de sujeito e forças que não querem
que estas se desenvolvam. Particularidades históricas e culturais favorecem,
condicionam ou inibem o desabrochar e o desenvolvimento do sujeito. Descobrir os
limites e, em muitas instâncias, a impotência, marcam o declínio dessa fase da
história
30
. A arrogância e a pretensão de bastar-se a si mesmo devem, então, dar
lugar à soma de esforços, beneficiando a todos. O homem, compungido pelas
conseqüências provocadas por esta sua visão, busca construir uma outra ordem, em
que a vida venha em primeiro lugar, o que requer do pensamento e da inteligência
que se tornem meios para realizá-la de maneira a ter sentido. A razão, pois, tem que
aprender a ser razão vital. É crescente, nos últimos anos, a consciência de que a
relação com a natureza precisa ser de convivência e não de exploração extrativista.
Muito antes de sermos seres pensantes éramos, com os animais, seres
que sentem. A idéia de que o ser humano, como único pensante na terra, tem o
direito de fazer com o resto o que bem quiser, mostra-se cada dia mais esgotada.
Descobre-se a necessidade de substituir a dominação pelo diálogo, que estabelece
uma relação de curiosidade e de escuta, de tolerância e de acolhida. Nas palavras
de Suess (2007),
a idéia de tornar o pensamento uma descrição da realidade idêntica ao
objeto do conhecimento exprime o desejo de dominar o objeto. [...] Cada
cultura precisa desenvolver a capacidade de tolerar o dissenso e criar
mecanis.4422(l)-7.-7.0x.5(ã)-4.33117(o)-92.2187(r)2.805(e)-4.33117-294.294 -217(s)9.71032(,)-2e0t4422( )-168.05718(b)-4.3287332873(,)-2.1(d)1.44a
37
carregam em seu bojo as limitações próprias do ser humano
32
. Elas são muito úteis,
ajudam a resolver muitos problemas, a avançar no conhecimento da terra, do mar e
do cosmos, facilitam a comunicação e reduzem distâncias, ao mesmo tempo que
podem ser destinadas à destruição, à sujeição de uns sobre os outros e à própria
aniquilação. Por isso, a ciência e a técnica o importantes, mas não são tudo,
necessitando, portanto, uma revisão constante e a lembrança de que são meios e
não fins. A educação, que tem dificuldades até em se atualizar no uso adequado dos
meios disponibilizados pela tecnociência para o desenvolvimento de suas atividades,
tem mais dificuldades ainda para analisar suas conseqüências e os impactos da
38
O homem torna-se presa da pressão social que dita o que deve pensar,
comer e vestir. Dita seus gostos, seja no esporte, na arte, na música. Não há espaço
para a autonomia, para o ser sujeito e agente ativo, a não ser que se trate daquilo
que é ditado pelo sistema
34
. É o sistema que diz o que é felicidade e bem-estar. O
que o contraria é eliminado. A eliminação pode dar-se por meio de estratégias
variadas, dependendo da força de quem é contra. Entre as formas corriqueiras
figuram a linguagem simbólica que, indiretamente, como quem não quer nada, vai
minando valores, por meio da ridicularização ou da caricaturização de seus
defensores. Outro recurso é relegar ao silêncio e à invisibilidade, uma vez que na
sociedade midiática o que não aparece em jornais, revistas e na televisão não
existe.
A Modernidade conseguirá retomar as suas origens de bons propósitos
para a valorização e libertação do ser humano, à medida que se predispuser a rever
seus postulados, especialmente aqueles enfraquecidos ou superados por novas
descobertas ou que a experiência mostra serem equivocados ou até mesmo
danosos ao homem e ao meio ambiente. Isso, no entanto, poderá ocorrer, de
maneira autêntica e eficaz, quando as diferentes áreas de conhecimento aceitarem
con-versar, trocando suas descobertas e informações para uma real, contínua e
profunda desconstrução e reconstrução, em matriz holística, dos conhecimentos
fragmentários e, não sem freqüência, míopes, construídos em determinada
disciplina. Será, então, uma nova maneira de posicionar-se e de agir, em que se
procurará, nas palavras de Suess (2007), “transformar antagonismos irreconciliáveis
em polaridades constituintes de uma unidade construída na concomitância
diferenciada e articulada”
35
.
ainda a possibilidade de tachar como superado, o-moderno,
conservador ou alguma outra palavra que se transforme em adjetivo desqualificador.
Um exemplo, entre nós, para ilustrar, foi até bem pouco tempo a palavra ética. É
uma aprendizagem lenta, que se no embate de posições, de um lado, presas a
modelos que se implantaram, como sabemos, séculos atrás e que, em muitos meios,
história da humanidade. Daí que a relação de exploração da natureza seja a outra face da relação de
exploração do homem pelo homem”.
34
HORKHEIMER, M.; ADORNO, Th. W. Textos Escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 1989, p. 10: “A
unidade do coletivo manipulado consiste na negação de qualquer indivíduo, zomba-se de toda a
espécie de sociedade que pudesse fazer do indivíduo um indivíduo”.
35
SUESS, Paulo, op. cit., p. 192.
39
resistem e querem se manter inalterados ou em algumas instâncias aceitam
reformas e, de outro lado, a posição de pessoas e instituições propondo modelos
teóricos e metodológicos em vista a alterações profundas, radicais e, inclusive,
novas. Já no início do século XX, William James observava que
O nosso conhecimento cresce às manchas [...] e, tal como manchas de
gordura, alastra. Mas nós deixamos que alastre o menos possível:
mantemos sem alteração tanto quanto podemos do conhecimento velho,
dos velhos preconceitos e crenças [...] acontece raramente que um novo
fato é acrescentado em cru. Mas freqüentemente é misturado e cozido no
molho do velho
36
.
Como também estamos inseridos nesta dinâmica, ela, facilmente, nos
escapa à análise.
Ainda há pouca abertura para a contemplação e a admiração, condição para
alcançar a sabedoria. Para essa questão, chama a atenção o Concílio Vaticano II:
Na verdade o progresso atual das ciências e da técnica, que em razão de
seus métodos não conseguem atingir as profundezas das realidades, pode
favorecer um certo fenomenismo e agnosticismo, quando o método de
pesquisa usado por estas disciplinas é indebitamente admitido como norma
suprema na procura de toda a verdade. Existe ainda o perigo de o homem,
confiando demasiadamente nas descobertas atuais, julgar que se basta a si
mesmo, descuidando os valores mais altos
37
.
O progresso no aperfeiçoamento e no uso dos Meios de Comunicação
Social, facilita o intercâmbio cultural em nível mundial, ao mesmo tempo expondo e
compartilhando as particularidades das diversas culturas. Como fazer para que
esses intercâmbios não sufoquem e subjuguem a vida das comunidades e invalidem
a tradição dos antepassados, pondo em risco a identidade dos povos, é uma das
questões em aberto na discussão do tema.
Enquanto reflexo dos seres humanos em busca de realização e de sentido,
nenhuma cultura é completa, não podendo pretender-se totalmente válida. No
entanto, cada cultura traduz, com maior ou menor perfeição, uma face da realização,
um ideal e a busca de sentido a ser atingido. Compostas por elementos
heterogêneos, instáveis e, em parte, passageiros, a disponibilidade para conhecer
as diferentes culturas, seus processos de construção, seus signos e significados, é
predisposição fundamental para o diálogo intercultural, que a era da globalização
nos impõe, sem esquecer que a sensibilidade para auscultar o outro na sua
36
JAMES, William. The Writings of William James. A Comprehensive Edition. New York: Modern
Library, 1969, p. 52; 112.
37
COMPÊNDIO DO VATICANO II Constituições, Decretos, Declarações. 15. ed. Petrópolis: Vozes,
1982, n. 387.
40
diferença faz-se mister também nas relações intraculturais, quando se quer avançar
num projeto a favor da inclusão e da construção de relações de paz e bem-estar.
Difícil se torna perceber a unidade por trás de tantos fragmentos, recolhidos
de várias ordens, facilitando que cada um deles tente impor a sua lente de leitura e o
seu foco como único válido para interpretar a realidade e a apresentação de
alternativas: a partir do enfoque econômico, político, científico, do entretenimento e
da diversão, do religioso, sem conseguir, no entanto, um significado coerente, que
a atenção ao todo pode alcançar. Esse desencontro das partes e do todo deixa,
muitas vezes, nas pessoas um sentimento de frustração, ansiedade e até mesmo de
angústia, desacreditando da sua capacidade de intervenção na superação de
conflitos e na resolução de problemas, mesmo coletivos. Em outras palavras, trata-
se da crise de sentido. Os diversos sentidos parciais, encontráveis no dia a dia e nos
fragmentos das diversas áreas separadas, não conseguem chegar à unidade de
significados que confira sentido à vida como um todo. Esta unidade se apresenta,
então, como um desafio para cada indivíduo e como meta a ser alcançada pelo
conjunto da sociedade.
assim é possível perceber, não obstante as peculiaridades de cada
trajetória e a variedade de resultados alcançados, pontos em comum, em cuja
confluência o diálogo pode começar, processar-se a compreensão mútua e
estabelecer vínculos de cooperação e a busca conjunta de soluções para os
problemas que as diferentes épocas propõem. Vem a propósito a observação de
Suess (2007):
No meio dos digos próprios de cada cultura se encontram códigos
comuns entre culturas, que permitem uma comunicação intercultural inicial,
porém precária. A diversidade de linguagens e de universos simbólicos é
atravessada pela unidade do gênero humano. Questões essenciais comuns
em torno da vida e da morte, da convivência e da justiça, do indivíduo e da
comunidade encontram nas diversas culturas estratégias diferentes para
resolver problemas semelhantes
38
.
Como é fácil de identificar, a cultura exerce um duplo papel sobre o
indivíduo. Por um lado, promove e humaniza, estabelecendo o que é passível de ser
realizado: aspirações e metas em um determinado contexto histórico e social: por
outro lado, limita sua liberdade, com proibições. O agir humano sofre restrições
internas, provindas da consciência pessoal e da realidade que o rodeia, por meio
das leis, com penas estabelecidas aos infratores.
38
SUESS, Paulo, op. cit., p. 209-210.
41
Sabemos, pela história, que essas relações funcionam em tensão constante
entre o acirramento e a flexibilização, em que os espaços do indivíduo e os
cerceamentos impostos pela sociedade são periodicamente revistos e
redimensionados. Sem essa relação, o convívio com os outros e com a natureza não
seria possível. Porém, a cultura liberta o homem, na medida em que o cercam as
descobertas e invenções feitas pelos antepassados. Todas as conquistas já feitas na
superação de dificuldades, no aprimoramento de técnicas e de conhecimento de si
mesmo e do mundo, estão à disposição. Pode, então, servir-se delas e avançar.
Sem falar na colaboração proporcionada pela cultura à dimensão lúdica do ser
humano, que a nossa época está reaprendendo a valorizar, incluindo-se aí as
diversas manifestações artísticas, as letras e as várias modalidades esportivas.
Portanto, a cultura liberta e restringe, favorece e inibe, impulsiona e segura.
É a maneira de o homem, carente por natureza, desenvolver-se e lograr humanizar-
se. O desafio é encontrar sempre o equilíbrio entre o espaço necessário ao indivíduo
e as restrições estabelecidas pela sociedade, em favor do crescimento de todos,
conciliar o crescimento do senso de autonomia com a necessária responsabilidade,
em vista ao amadurecimento do homem e da construção de um mundo melhor, onde
a justiça, a paz e a fraternidade tenham lugar
39
.
É tarefa de cada indivíduo, cônscio, porém, da sua inserção na coletividade
e da total dependência que tem dos outros em cada fase da sua vida, e ao longo de
toda a existência para se conhecer e se desenvolver, inventariar as idéias, os
valores, os conhecimentos, as potencialidades inerentes à condição humana que, no
período histórico em que vive, têm seu desenvolvimento facilitado, condicionado ou
inibido e quais brechas de resgate e aprimoramento o contexto cultural em que vive
possibilita.
O homem, no seu modo de organizar-se em sociedade, não pode deixar de
lado ou restringir uma das características básicas da sua espécie: sobrevive com
outros e por causa deles. Sem entrar nos raros registros da sobrevivência de
crianças alimentadas e protegidas por alguma espécie animal, sabemos que o
homem, ao nascer, está entre as criaturas mais frágeis e dependentes dos adultos
39
PARISI, Antônio. ho theológos nuova serie Quadrimestrale della Facoltà Teologica di Sicilia “S.
Giovanni Evangelista”. Società del Benessere (Welfare Society) e cultura della vita, HTh 22 (2004), p.
240: “Cultura è un sistema non solo ricettivo, ma anche propositivo, è difesa, ma anche promozione, è
rispetto, ma anche coraggiosa denuncia. Ed è denuncia mai fine a se stessa, mai solo per garantire e
tutelare, ma anche per valorizzare, favorire e sostenere”.
42
para sobreviver e desenvolver-se. As sociedades começaram a surgir, a
desenvolver-se e a estruturar-se a partir dessa realidade intrínseca à espécie
40
.
que ninguém pode ser sozinho, é um desafio permanente investir na
qualidade das relações que se estabelecem. O homem é um ser em relação e
saindo de si permanece como homem em si mesmo. Entrando em processos de
entropia, ao contrário, definha. Como conseqüência dessa experiência se dá conta
da necessidade de substituir a pretensa auto-suficiência por uma consciência
crescente de interdependência e da necessidade de integração. É um dar-se conta
da complexidade da sua própria estrutura física, psíquica e espiritual transcendente.
Vivemos um período de despojamento, abertura e profunda transformação
de valores, em vista à superação das lacunas identificadas na modernidade, por isso
também chamado de s-modernidade
41
. O critério nessa avaliação, como sempre,
é o próprio homem: de se afirmar a Modernidade na sua forma humana, negá-la
no que for desumana e ir além dela para transcender os seus limites. Na avaliação
40
PIAZZA, Waldomiro. Religiões da Humanidade. 3. ed. São Paulo: Loyola, 1996, p. 21: M. Eliade
(Histoire des croyances et des idées religieuses, I, 1996), seguindo outros autores, distingue nas
culturas primitivas os seguintes estágios:
- domesticação do fogo. O emprego do fogo nos costumes humanos separa definitivamente os
‘paleoantropos’ de seus predecessores zoológicos, isto é, os ‘homens’ dos seres anteriores na ordem
animal. Os testemunhos desta época são ‘opacos’, isto é, não dizem nada sobre as idéias destes
homens primitivos, mas sugerem muita coisa. São constituídos de crânios, de utensílios de pedras,
de objetos toscos. As sepulturas aparecem depois de 70000 a.C. As pinturas surgem mais tarde,
depois de 30000 a.C. Os sinais de religiosidade, como as sepulturas e a pintura dos ossos maiores
com óxido de ferro (simbolizando a vida?) são ambíguos quanto ao seu significado preciso, mas
revelam preocupações transcendentes. Em todo caso, o culto do ‘Senhor dos animais” é comum a
estes primitivos caçadores.
- domesticação dos animais. Segue-se a era do mesolítico. O pastoreio é associado à caça e à pesca
como meio de subsistência. Os testemunhos desta época continuam ‘opacos’, mas facilmente
identificáveis: manufatura de arcos, de anzóis, de cordas, de agulhas, de embarcações, de vestidos
de pele. As sepulturas adquirem importância na vida social. Aparece o fenômeno do xamanismo e da
sacralidade sideral.
- domesticação das plantas. Era do neolítico, que vai de 10000 a 5000 a.C. A cultura deste período
caracteriza-se pela agricultura, pela cerâmica, pela troca de produtos. Adquire importância a moradia,
que é vista como centro do mundo. (sacralidade espacial). O mistério da fertilidade e da fecundidade
sugere o culto da Grande Mãe (a Terra), e do Touro celeste (a Chuva), donde os mitos das origens e
da renovação do mundo (ciclos estacionais e cósmicos). A reflexão religiosa descobre a existência da
alma, como parte interior do homem, donde os ‘duplos’, pequenas imagens ou toscos objetos que
representam o ‘espírito’ humano. Ciência, religião e magia se confundem.
- domesticação dos metais. Neolítico recente, depois de 5000 a.C. A descoberta da metalurgia propõe
a ‘sacralidade telúrica’, com deuses das profundezas da terra, ligados aos mistérios da vida no além e
aos fenômenos da fertilidade da terra”.
41
KÜNG, Hans. Projeto de Ética Mundial – uma moral Ecumênica em vista da sobrevivência humana.
3. ed. São Paulo: Paulinas, 2001, p. 15: “Também para mim o termo ‘pós-modernidade’ não é
nenhuma palavra mágica que tudo abarca nem um termo-chave polêmico que tudo expressa. Trata-
se antes de um termo heurístico inevitável, mas que pode ser mal-entendido. É um termo que busca
analisar aquilo que diferencia a nossa época da época da modernidade. O conceito estrutura
problemas, mas deve ser melhor determinado”.
43
de Souza Santos (2000), estamos vivendo uma passagem paradigmática, ou seja, “o
paradigma da modernidade deixa de poder renovar-se e entra em crise final”,
enquanto “entre as ruínas que se escondem atrás das fachadas, podem se
pressentir os sinais, por enquanto vagos, da emergência de um novo paradigma”
42
.
A cultura da fragmentação e da visão monocultural é superada, cada vez
mais, pelo pluralismo. Representa uma abertura ao outro e ao diferente,
reconhecendo-lhe legitimidade e valor, respeitando a sua alteridade
43
, o que se
configura, naturalmente, numa atitude que requer humildade da parte de todos. Os
preconceitos, a discriminação e o enclausuramento sobre si, os seus e o próprio
meio, são atitudes motivadas pela insegurança, autodefesa e pelo medo do não-
conhecido, onde o autoconhecimento e a assunção da própria identidade ainda não
aconteceram. Do êxito nesse processo depende a solidariedade interna de um grupo
e entre os povos e a paz, tantas vezes mencionada hoje em dia, ao mesmo tempo
que as medidas para alcançá-la ainda o tímidas. No entanto, a capacidade
humana de condoer-se com a situação do outro e empenhar-se pela sua causa,
respeitando suas diferenças em qualquer ordem, sem querer convertê-lo ou cooptá-
lo, se apresenta como indicador de que é justificado acreditar em modificações
positivas profundas na convivência e nas relações entre grupos e países. É assim
que Oliveira Lima (1971), reportando-se a experiências históricas de vários países e
períodos históricos, também do Brasil, observa no final do século XIX e início do
século XX:
Esta união bem combinada de esforços de origens diversas prova, pois,
perfeitamente, o que afirmei: que a solidariedade humana, apesar dos
desmentidos cruéis que lhe são infligidos, não é uma vã palavra, uma
fórmula para o uso de ágapes e de congressos internacionais, e que as
distinções e mesmo as diferenças entre as nações o são obra senão das
circunstâncias acidentais, históricas, geográficas ou políticas. Se os filhos
de uma nacionalidade podem trabalhar pela grandeza de outra com
tamanha dedicação; se os nacionais de um país podem fundir-se numa
massa estrangeira e não mais se desligarem; se a convergência dos
sentimentos provenientes de pontos afastados e mesmo opostos pode
42
SOUZA SANTOS, Boaventura de. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência.
São Paulo: Cortez, 2000, p. 15-16.
43
SODRÉ, Olga, op. cit., p. 195: “A palavra alteridade vem do latim alter, que significa outro.
Entretanto, não é todo e qualquer outro que é considerado como uma alteridade. O outro a que se
refere a palavra alter é um outro considerado como distinto de si-mesmo, quer no vel da
subjetividade (como, por exemplo, o Outro divino) ou das relações psicossociais. Não se trata,
contudo, de uma simples distinção física e objetiva, mas de uma construção simbólica, cujo
significado varia em função do tipo de distinção que é estabelecida. Uma pessoa ou grupo pode ser
tanto considerado como fazendo parte da mesma referência de identidade como fazendo parte de
uma outra referência. Só neste segundo caso, ele é considerado como uma alteridade”.
44
conduzir a semelhante harmonia – é que a fraternidade universal não é uma
demência. É quando muito uma utopia, e a utopia foi definida uma
verdade prematura
44
.
Uma marca do nosso tempo é o impasse entre o entusiasmo pela
globalização e sinais de fechamentos de grupos e países. A globalização econômica
prometia expandir-se para outras direções, como a cultural, religiosa, estética, social,
dentre outras. Eventos, nos últimos anos, contudo, parecem acenar para a
possibilidade de retorno a comunitarismos e divisões. O entusiasmo gerado pela
derrubada do Muro de Berlim é anuviado pelo anúncio de dois novos muros: um na
América e outro no Oriente Médio. As disputas étnicas que acontecem em algumas
regiões do planeta também acenam para a dificuldade de diálogo e aceitação do
diferente, ainda que este esteja, às vezes, próximo e seja bem-conhecido. Pode-se
lembrar aqui como oportuna a advertência de McLaren (2000), a partir de
experiências norte-americanas:
[...] O discurso da diversidade e da inclusão é, muitas vezes, predicado com
afirmações dissimuladas de assimilação e consenso, que servem como
apoio aos modelos democráticos neoliberais de identidade. A democracia
neoliberal, que aparece escondida atrás da bandeira da diversidade, ainda
que trabalhe a serviço da acumulação de capital, acaba por reconfirmar os
estereótipos racistas, prescritos muito tempo pelos mitos de supremacia
nacionalista euro-americana estereótipos que a democracia estaria
supostamente comprometida a desafiar. No movimento pluralizador para
tornar-se uma sociedade de vozes diversas, a democracia liberal tem
sucumbido muitas vezes à recolonização do multiculturalismo por não ser
capaz de desafiar convicções ideológicas com respeito à diferença que
estão instaladas em suas iniciativas atuais contra a Ação Afirmativa e as
“reformas” da previdência. Nesse sentido, as pessoas de cor ainda estão
colocadas aquém da candidatura à inclusão no direito universal à
autodeterminação e são qualificadas como exilados da cidadania
americana
45
.
A construção do humano é o propósito e o desafio que tipifica o homem
enquanto espécie e como indivíduo. Constitui, ao mesmo tempo, um dom, enquanto
traz em si, como elementos intrínsecos, as potencialidades e possibilidades para
esse desenvolvimento. É tarefa, à medida que requer trabalho constante,
perseverante e qualificado e é, também, opção, uma vez que, nas diferentes épocas
pelas quais a humanidade passa, são oferecidos modelos de humanização e que se
apresentam como alternativas de caminho e de construção de si mesmo e dos
grupos dos quais faz parte ou pode, de alguma maneira, influenciar. Todos
44
OLIVEIRA LIMA, Manuel. Obra seleta. Organizada sob a direção de Barbosa Lima Sobrinho. Rio de
Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1971, p. 717.
45
MCLAREN, Peter. Multiculturalismo e Revolução Pedagogia do dissenso para o novo milênio.
Tradução: Márcia Moraes & Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: ARTMED, 2000, p. 18.
45
participam deste desenvolvimento, com maior ou menor intensidade, dependendo de
múltiplos fatores, mas ninguém está a priori excluído. Provinda da natureza racional
e social do ser humano, a cultura deve desenvolver-se na liberdade e na autonomia,
garantindo os direitos da pessoa e a valorização da comunidade, tomando como
critério básico de avaliação os limites do bem comum, evoluindo para o conceito e as
práticas de solidariedade para com todos os seres vivos, mormente os animais
46
.
Evidentemente que as opções podem se dar também ao contrário, como em tantos
exemplos encontrados ao longo da história, em que são estabelecidos processos de
desumanização.
Vimos, através de alguns conceitos, a polissemia de significados que a
palavra cultura demanda e que, por sua vez, ressoam em cada um conforme suas
experiências, leituras, o lugar que no momento ocupa no mundo e o papel que
desempenha.
A cultura comporta uma porção de categorias, dentre as quais a fala, o mito,
a religião, a arte, a história e a ciência. É um processo, enquanto espaço vital, onde
o homem se move como um ser aprendente, em relação a si mesmo, aos outros, à
natureza e ao Transcendente. Nessa dinâmica, são muitas as manifestações
culturais que, por sua vez, alimentam novas elaborações.
Transmitir a cultura e apropriar-se dela é um outro componente desse
movimento. Um desafio que requer constante atenção é o de contemplar todos os
níveis e dimensões do ser humano, em vista do seu desenvolvimento integral, para
que possa tornar-se realmente humano.
Na afirmação do Concílio Vaticano II,
[...] a cultura deve estar subordinada à perfeição integral da pessoa
humana, ao bem-estar da comunidade e da humanidade inteira. Por isso é
necessário cultivar o espírito de tal modo que se desenvolva a faculdade de
admirar, de penetrar o íntimo das coisas, de contemplar, de formar um juízo
pessoal e de aperfeiçoar o senso religioso, moral e social
47
.
46
DREWERMANN, Eugen. Religião para quê? Buscando sentido numa época de ganância e sede de
poder. Em diálogo com Jürgen Hoeren/Eugen Drewermann. Trad. Walter Schlupp. São Leopoldo:
Sinodal, 2004, p. 14: “[…] na filosofia de Descartes, no início do século XVII, tomamos a liberdade
histórico-filosófica de descrever o animal como um autômato dotado de reflexo e destituído de alma,
com o qual naturalmente se pode experimentar e fazer o que quiser”.
47
COMPÊNDIO DO VATICANO II Constituições, Decretos, Declarações. 15. ed. Petrópolis: Vozes,
1982, n. 393.
46
Com esta afirmação, o Concílio não ignora que esse conceito também é
cultural e que o homem acontece na cultura. Quer, apenas, reiterar a centralidade
que confere ao ser humano integral.
A disciplina de Cultura Religiosa tem suas raízes lançadas na visão cristã de
cultura. Nela, o ser humano integral deve ser contemplado em todos os níveis e
dimensões. Um ser humano eminentemente relação consigo, com os outros, com a
natureza e com Deus. A Igreja da América Latina e do Caribe, em Puebla, o
expressa nestes termos:
Com a palavra “cultura” indica-se a maneira particular como em
determinado povo cultivam os homens sua relação com a natureza, suas
relações entre si próprios e com Deus (GS 53b), de modo que possam
chegar a “um nível verdadeira e plenamente humano” (GS 53a). É “o estilo
de vida comum” (GS 53c) que caracteriza os diversos povos; por isso é que
se fala de “pluralidade de culturas” (GS 53c). A cultura assim entendida
abrange a totalidade da vida de um povo: o conjunto dos valores que o
animam e dos desvalores que o enfraquecem e que, ao serem partilhados
em comum por seus membros, os reúnem na base de uma mesma
“consciência coletiva” (EM 18). A cultura abrange, outrossim, as formas
através das quais estes valores ou desvalores se exprimem e configuram,
isto é, os costumes, a língua, as instituições e estruturas de convivência
social, quando não o impedidas ou reprimidas pela intervenção de outras
culturas dominantes
48
.
Este ser humano, situado no tempo e no espaço, tem, então, como tarefa
precípua fazer da vida um processo permanente de construção da humanização em
si e nos outros, alertando-se, ao mesmo tempo, para tudo aquilo que possa afastá-lo
dessa meta e levá-lo a desumanizar-se.
48
Puebla, n. 387.
47
3 RELIGIÃO
Neste capítulo serão tratados a religião em geral e o cristianismo em
especial, procurando ver a relação entre religião e cultura e influências de uma sobre
a outra, sem que isso implique redução de uma a outra. Serão vistas também
algumas definições de religião, visto que uma das dificuldades quando se fala em
religião hoje, está na indicação de sua significação precisa, retratando um longo
processo histórico, cultural e religioso, com referências ao valor das pesquisas sobre
as origens e a evolução das formas religiosas. A disciplina de Cultura Religiosa
extrai daí seu conteúdo principal, o Fenômeno Religioso com seus múltiplos
aspectos, e procura refleti-lo de modo acadêmico, a partir dos diversos horizontes
históricos em que se desenvolveu e situá-lo significativamente no nosso tempo.
A relação próxima entre religião e cultura, uma constante na história,
algum tempo, de realidade vivida vem se tornando também objeto de reflexão.
Aparece, por exemplo, em Documentos do Concílio Vaticano II (UR 14; AG 10; 22),
na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (63), no Documento de Puebla (385-
443) e de forma eloqüente e freqüente, nos pronunciamentos do Papa João Paulo
II
49
.
Na perspectiva cristã, o ponto de partida está na experiência de Deus que se
na cultura a qual, fecundada pela Aliança, gera uma nova cultura. A pedagogia
de Deus, constituída por um processo quenótico, o faz aproximar-se do homem,
desinstalá-lo e pô-lo a caminho com uma nova meta a perseguir. A Bíblia mostra-o,
retratando a mensagem da Revelação, revestida da roupagem cultural, própria de
cada época. Expressa, portanto, na linguagem dos homens, o modelo do encontro
entre a Palavra de Deus e a cultura.
De outra parte, a iniciada em Abraão é também uma ruptura cultural que
se radicalizará na cruz de Cristo, configurando-se como escândalo para uns, loucura
49
MIRANDA, Mário de França. La Iglesia entre la Inculturación y la Globalización. Revista TEOLOGÍA
Revista de la Facultad de Teología de la Pontifícia Universidad Católica Argentina, Tomo XLIV, n.
92, Abril 2007, p. 10: “La estrecha relación entre fe y cultura que marcó al cristianismo desde sus
inícios dejó de ser en los últimos años apenas una realidad vivida para volverse también un tema de
reflexión. Ya podemos percibirlo en textos del Concilio Vaticano II (UR 14; AG 10; 22), en la
Exhortación Apostólica Evangelii Nuntiandi (63) y en el Documento de Puebla (385-443). Con todo,
sin ninguna duda, el pontificado de Juan Pablo II fue decisivo para este cambio. En sus frecuentes
viajes por el mundo siempre insistía en el respeto y en el aprecio que debería tener la Iglesia por las
culturas locales. Sus pronunciamentos eran claros e incisivos, sobre todo en la primera mitad de sua
pontificado”.
48
para outros e Boa-Nova para os que estão abertos a um horizonte radicalmente
novo, para além daquilo que o contexto cultural é capaz de lhes oferecer, sentindo-
se atraídos e chamados a serem artífices de um mundo novo, de uma nova cultura,
sequer vislumbrável nos modelos culturais vigentes
50
. Essa novidade requer uma
vigilância hermenêutica permanente para a novidade o ser confundida com o que
as circunstâncias e as vicissitudes de uma determinada época são capazes de
captar e pôr em prática.
Para o cristianismo, em particular, como uma de suas distinções, Deus não
age na história e interage com o homem, mas se torna hóspede da cultura em
Jesus de Nazaré, transformando-a, ao mesmo tempo, desde dentro. Jesus insere-se
na humanidade e de dentro dela revela o mistério de Deus, constituindo-se a
encarnação equilíbrio entre o relativismo do “tudo vale” e o absolutismo excludente.
Da assunção radical do humano, situado no tempo e no espaço, brota e desabrocha
o divino.
A disciplina de Cultura Religiosa traz, nos seus conteúdos, componentes e
expressões de todo esse processo cultural, por sua vez tributário das experiências
religiosas e do seu desenvolvimento.
autores para os quais o constitutivo maior e mais profundo da cultura, o
fundamento último, é a ciência, como é o caso dos positivistas e neopositivistas.
Para os idealistas e os neo-hegelianos, essa posição é ocupada pela filosofia e, para
os marxistas, pela economia. Outros, apesar de o contexto acadêmico dos últimos
séculos se pautar pelas posições acima, afirmam que o fundamento último é a
religião. Destacam-se, nessa maneira de pensar, Chistopher Dawson, Paul Tillich,
Arnold Toynbee, Romano Guardini, dentre outros.
Presente em todos os povos, que até hoje conhecemos, das tribos isoladas
às grandes civilizações, a religião se exterioriza e estrutura através das expressões
culturais de cada época, ao mesmo tempo que é geradora de valores e convicções
50
CONSELHO PONTIFÍCIO DA CULTURA. Para uma pastoral da cultura. São Paulo: Paulinas, 1999,
p. 11: A ruptura cultural pela qual se inaugura a vocação de Abraão, Pai dos crentes, traduz aquilo
que ocorre no mais profundo do coração do homem quando Deus irrompe na sua existência, para se
revelar e propor-lhe o empenho de todo o seu ser. Abraão é espiritualmente e culturalmente
desenraizado para ser, na fé, plantado por Deus na Terra Prometida. Esta ruptura sublinha a
fundamental diferença de natureza entre a e a cultura. Ao contrário dos ídolos que são o produto
de uma cultura, o Deus de Abraão é o Totalmente Outro. É pela Revelação que Ele entra na vida de
Abraão. O tempo cíclico das religiões antigas teve o seu fim: com Abraão e o povo judeu começa um
novo tempo que se torna a história dos homens em marcha para Deus. Não é mais um povo que
fabrica para si um deus, é Deus que dá origem ao seu Povo, tornando-o Povo de Deus”.
49
que embasam e fundamentam as balizas da cultura, constituem a pedra angular ou
a mola-mestra em que se assentam suas virtudes e que impulsionam seus esforços
de ser, crescer e superar-se. Por isso, a Religião, mesmo sofrendo
condicionamentos culturais, jamais se reduzirá a um epifenômeno da cultura.
Observa, a respeito, Dawson:
Através da parte mais ilustre da história humana, em todos os séculos e em
qualquer período da sociedade, a religião foi a força central unificadora da
cultura. Foi guardiã da tradição, preservadora da lei moral, educadora e
mestra da sabedoria... A religião é a chave da história. Não podemos
compreender as estruturas íntimas de uma sociedade, se não conhecemos
bem a sua religião. Não podemos compreender as suas conquistas culturais
se não compreendemos as crenças religiosas que estão atrás delas. Em
todas as cidades, as primeiras elaborações criativas de uma cultura são
devidas a uma inspiração religiosa e dedicadas a uma finalidade religiosa. A
religião está no limiar de todas as grandes literaturas do mundo. A filosofia é
um produto e um rebento que regressa continuamente a seu pai”
51
.
Para Tillich, o divino encontra-se presente em todas as coisas, e não existe
ruptura entre a esfera do sagrado e o domínio do profano. Nas suas palavras,
“Religião, não é uma função especial da vida espiritual do homem, mas a dimensão
da profundidade em todas as suas funções”
52
. A quem afirma que os progressos da
ciência e da cnica, da economia e da política, assim como da sociologia e da
psicologia, tornam supérflua e sem justificativa qualquer forma de religião, Tillich
responde que em cada sistema, seja científico, filosófico, social ou político, da
mesma maneira que nas diversas produções literárias e artísticas, se faz presente
um princípio religioso, uma busca de algo mais, uma fé, uma preocupação última
pelo absoluto. Quanto mais radical, mais manifesto se torna seu caráter religioso.
Da mesma maneira também o historiador inglês Arnold Toynbee coloca a
religião como elemento-chave para a vida humana. Diz Mondin (1980), referindo-se
à obra A Study of History:
Ele reconstrói a história da humanidade como uma sucessão de
civilizações, ou seja, de cultura, cuja aparição, desenvolvimento e
decadência coincide com o aparecimento, desenvolvimento e decadência
de uma determinada religião. Enquanto, porém, as culturas decaem e
desaparecem, nas várias religiões que se sucedem uma ascensão
constante da vida espiritual da humanidade. A história do mundo revela,
segundo Toynbee, quase a imagem de uma máquina que se move em
direção ao alto, mas com movimentos descontínuos antes que constantes e
em forma de espiral antes que na linha reta; o motor da máquina é
constituído pela religião, enquanto as rodas que vão ora para cima, ora para
baixo representam as culturas. ‘Nós nos representamos a religião como um
carro triunfal cujas rodas, sobre as quais ele avança, para o céu, são os
51
DAWSON, C. Religion and Culture. Londres: 1948, p. 58.
52
TILLICH, Paul. Teología de la Cultura y Otros Ensayos. Buenos Aires: Ed. Amorrortu, 1965, p. 15.
50
falimentos sempre recorrentes das culturas sobre a terra’. Depois da queda
de cada cultura, com o aparecimento de uma nova religião, a humanidade
retoma o seu caminho para ir adiante e subir ainda mais alto
53
.
O grande objetivo das Religiões e que constitui, ao mesmo tempo, talvez o
seu primeiro desafio, é o de ajudar seus membros a fazerem em sua vida e contexto
a mesma experiência do Transcendente de seus fundadores e se encontrarem com
a centralidade do Mistério revelado
54
. Falando da dimensão religiosa da cultura, a
partir do horizonte cristão, Cheuiche (1995) afirma:
Quando o cimo da pirâmide não finaliza em si mesmo, quando, ao estilo dos
grandes quadros de El Greco, por sobre a linha do tempo estende-se,
paralela, a da eternidade, quando uma cultura à procura do sentido último
do mundo e da vida abre-se para Deus, o Deus que vem ao homem na
revelação de Cristo, então é que a totalidade do Absoluto completa a
totalidade da realidade do homem e da natureza, das quais é fundamento e
origem. É aqui que a auto-realização do homem, a cultura, adquire seu
último sentido, seu valor absoluto e, nele, os critérios com que nortear seu
rumo
55
.
A religião, nas palavras de Rubem Alves, constitui-se em “teia de símbolos,
rede de desejos, confissão da espera, horizonte dos horizontes, a mais fantástica e
pretensiosa tentativa de transubstanciar a natureza”
56
.
A religião é parte integrante da cultura, exercendo nela profunda influência e,
enquanto fenômeno cultural, busca, dentre outras coisas, dar respostas a problemas
que inquietam e instigam o ser humano; ou, quiçá, é a tendência religiosa do ser
humano, estruturada na religião, que impulsiona o homem na sua busca de sentido
para si, para os outros e para a natureza, entendida em sentido amplo, englobando
todo o universo
57
. Como o diz Santo Agostinho nas Confissões: “Fizestes-nos para
53
MONDIN, Battista. O Homem, Quem é Ele? Elementos de Antropologia Filosófica. São Paulo:
Edições Paulinas, 1980, p. 177.
54
MARITAIN, Jacques, op. cit., p. 16-17: “Parce que ce développement humain n’est pas seulement
materiel, mais aussi et principalement moral, il va de soi que par conséquent l’élément religieux y joue
un rôle principal. A vrai dire la religion qui requiert de soi, in abstracto, le concept de culture ou de
civilisation, c’est seulement la religion naturelle. Mais de fait les civilisations humaines ont reçu une
charge meilleure, et plus lourde. Nous savons ‘qu’un état de nature pure, où Dieu eût abandonné les
hommes aux seules ressources de leurs activités intellectuelles et volontaires, n’a jamais existé. Dès
la première heure, Dieu a voulu faire connaître aux hommes des choses dépassant les exigences de
toute nature créée ou créable. Il leur a révélé les profondeurs de sa vie divine, le secret de son
éternité. Et pour les acheminer vers ces hauteurs, pour les préparer dès ici-bas à la vision de ces
magnificences, il a fait descendre sur le monde, comme une nappe, la grâce capable de diviniser
notre connaissance et notre amour. Ces avances divines, Dieu les fait à tout les hommes en tous les
temps; car Il est la lumière ‘qui éclaire tout homme’, ‘il veut ‘tous les hommes soient sauvés et
‘viennent à la connaissance de la vérité. Elles sont acceptées ou repoussées”.
55
CHEUICHE, Antônio do Carmo. Cultura e Evangelização. Tradução de Frei Rafael de Santamaría.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995, p. 127.
56
ALVES, Rubem. O que é Religião? São Paulo: Loyola, 1999, p. 24.
57
PERESSON, Mario L. Pedagogias e Culturas. In SCARLATELLI, Cleide C. da Silva; STRECK,
Danilo R.; FOLLMANN, José Ivo (Orgs.). Religião, Cultura e Educação. o Leopoldo: Editora
51
Vós, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Vós”
58
.
Esta afirmação com que Agostinho inicia as Confissões, traduz de modo eloqüente a
necessidade irresistível que impulsiona o ser humano a procurar o rosto de Deus. É
uma experiência verificada nas diversas tradições religiosas e traduzida pelo
Concílio Vaticano II nesta formulação:
Desde a Antigüidade até à época atual, encontra-se entre os diversos povos
certa percepção daquela força misteriosa que preside o desenrolar das
coisas e acontecimentos da vida humana, chegando mesmo às vezes ao
conhecimento duma Suprema Divindade ou até do Pai. Esta noção e
conhecimento penetram-lhes a vida dum profundo sentido religioso. As
religiões, no entanto, com o desenvolvimento da cultura à qual estão
ligadas, fazem o possível por responder às mesmas questões por meio de
conceitos mais sutis e linguagem mais acurada
59
.
A Transcendência, intuída e experimentada como fundamento último da
existência, como princípio e fim do sentido a conferir à vida, perseguido na
perseverança teimosa do cotidiano, assim como na singularidade dos fatos
marcantes, que predispõem a avaliar a caminhada feita e as decisões tomadas, se
configura numa transgressão frente às rotinas e miopias derivadas da fixação na
imanência
60
. Arremessa para além do entorno e do imediato, fazendo nascer e
desenvolver as criações espirituais e intelectuais. O Transcendente semelha uma
transgressão, à medida que liberta o homem dos limites que o prendem ao universo
do sensível.
A religiosidade, na sua pluralidade de epifanias, expressa essa experiência
do Transcendente. A religião, como reflexão sistemática dessa vivência, a elabora e
estrutura de maneira a mostrar, de forma objetiva e racional, os argumentos que a
embasam e as conseqüências de ordem ética e moral, ou seja, vivenciais daí
decorrentes. Essa percepção e sua expressão se exteriorizam na diferença e na
singularidade de cada pessoa. É uma caminhada pessoal e íntima, não obstante
historicamente contextualizada.
UNISINOS, 2006, p. 96: Os povos são universal, profunda e efusivamente religiosos. A religiosidade
é conatural à sua vida, tanto para contemplar e interpretar o mundo e a vida cotidiana e seu sentido
último, como para expressar e compartilhar esta experiência. O elemento religioso faz parte de sua
cosmovisão e cotidianidade”.
58
SANTO AGOSTINHO. Confissões 1, 1.
59
COMPÊNDIO DO VATICANO II, op. cit., n. 1581.
60
BRUSTOLIN, Leomar Antônio. A Pertinência do Discurso Público da Igreja, In: BRUSTOLIN,
Leomar Antônio (Org.). Estudos de Doutrina Social da Igreja. Porto Alegre: EST Edições, 2007, p. 13:
“Somente em Deus a sociedade encontra os valores transcendentais de sua própria natureza. Isso
permite vigor, beleza, relevância, e potencializa energias para um mundo que reconhece a alteridade,
o respeito, a justiça e a caridade. Somente assim se extirpa o niilismo que esvazia o sentido da vida,
e enfatiza-se a lógica da gratuidade que acolhe o dom de viver conforme a vontade do Autor da Vida”.
52
Para Ferrer e Álvarez, a religião é a expressão do “reconhecimento de uma
realidade absoluta, da qual a pessoa religiosa se sabe existencialmente dependente,
seja por submissão, seja por identificação total ou parcial com ela”
61
.
Parmênides de Eléia (530 a.C 460 a. C.), fundador da Escola eleática,
figura através do Poema intitulado Sobre a natureza, como um exemplo da
apresentação da centralidade do momento religioso para o aparecimento da
filosofia, ao lado da busca do absoluto, no pensamento ocidental. No poema
mencionado, a verdade aparece em si mesma, unitária e definida, objeto de uma
visão estritamente intelectual, trazendo suas expressões com grande exatidão, para
além da lógica participativa e metafórica, tão presente na mitologia grega, de acordo
com a qual uma realidade pode trazer em si muito mais elementos que se
manifestam alternadamente, mantendo, no entanto, a sua unidade. Difere do
pensamento religioso politeísta, especialmente enquanto substitui a lógica
participativa pela gica da diferenciação. Uma distinção absoluta, em que algo é ou
não é. O ser torna-se, então, objeto de uma concepção intelectual. Deriva desse
ponto de partida o processo de objetivação, marca do pensamento ocidental. Do
ponto de vista religioso, pode-se dizer que aqui se quer dar uma resposta intelectual
à busca do absoluto, mas esta é possível levando-se em conta o ser humano na
sua constituição mais íntima e profunda, qual seja, a estrutura sacral e religiosa.
Poder-se-ia dizê-lo, nas palavras de Libanio (2002): “A religião responde à
religiosidade, a religiosidade pede e provoca religiões”
62
.
O problema da relação entre religião e ciências surge, no Ocidente, quando
se vai estabelecendo um processo de separação entre aquilo que é identificado
como religioso e o identificado como intelectual. Observa Bello (1998):
De fato, com a filosofia grega nasce a criticidade, como atitude de
investigação individual. Parmênides e Heráclito são pessoalmente
depositários de uma verdade e lutam contra seus contemporâneos para
afirmá-la em contraste com a mentalidade coletiva, ‘impessoal’ de um saber
religioso transmitido
63
.
Tudo o que é transmitido pela tradição, aquilo que é dito por todos, deve ser
submetido ao crivo da razão crítica, presente em cada ser humano, podendo gerar
61
FERRER, Jorge; ÁLVAREZ, Juan Carlos. Para Fundamentar a Bioética. São Paulo: Loyola, 2005,
p. 56.
62
LIBANIO, João Batista. A religião no início do milênio. São Paulo: Loyola, 2002 (Theologica, 8), p.
101.
63
BELLO, Ângela Ales. Culturas e Religiões – Uma leitura fenomenológica. Tradução: Antonio
Angonese. São Paulo: EDUSC, 1998, p. 147.
53
um duplo resultado: de um lado, a crítica pode perder-se em si mesma, deixando de
enxergar à sua volta, perdendo a noção do todo ou, de outro lado, ajudar numa
melhor compreensão, em benefício da tomada de consciência e da busca de
melhores respostas. Pode reconhecer aquilo que é diferente de si própria como, por
exemplo, a religião, reconhecendo o valor do fenômeno religioso para o ser humano,
inclusive, não negaceando ou tentando subornar que o homem se apresenta
fundamentalmente como um ser religioso. Para a confirmação da centralidade do
fenômeno religioso, a comparação com outras culturas é, naturalmente, de grande
valor
64
.
É importante também, nesse contexto, reconhecer e admitir que, em todas
as culturas, se faz presente um momento reflexivo em relação ao que faz e em que,
como e por que se crê, o que exige, nas palavras de Cassirer (2005), permanente
interpretação e reinterpretação:
Uma coisa física permanece em seu estado presente de existência graças à
sua inércia física. Conserva a mesma natureza enquanto não for alterada ou
destruída por forças externas. Mas as obras humanas são vulneráveis de
um ponto de vista bem diferente. Estão sujeitas à mudança e à decadência
não em um sentido material, mas também no mental. Mesmo que sua
existência continue, elas estão em constante perigo de perder seu sentido.
Sua realidade é simbólica, não física; e tal realidade nunca deixa de exigir
interpretação e reinterpretação
65
.
Níveis diferentes de reflexão e formas diferentes da nossa não podem,
evidentemente, ser confundidos com ausência de reflexão e, tampouco, nos induzir
à arrogância de impor a nossa como única válida. As perguntas fundamentais pelo
sentido da vida, dos outros, do mundo, da morte e do depois da morte se fazem
presentes e encontram respostas satisfatórias e organizadas dentro de cada
universo conceitual e ao qual, quem vive nessa cultura, tem acesso. É algo que
acontece em cada cultura, também na nossa ocidental. No entanto, quando
individual ou coletivamente, interrogamos as razões pelas quais surgem os
questionamentos, pondo em discussão a validade das respostas, seguindo uma
metodologia definida, com regras que não podem ser ignoradas, ou somente
64
Idem, Ibidem, p. 149: “Para documentar a centralidade do momento religioso para as outras
culturas, podemos lembrar, seguindo um itinerário histórico, o que foi assinalado a propósito do
mundo arcaico no qual emerge a pervasidade da dimensão sacral. Passando às fases da
humanidade das quais temos testemunhos históricos mais precisos e documentados, podemos
escolher como exemplos o Hinduísmo e algumas culturas da África Negra”.
65
CASSIRER, Ernst, op. cit., p. 301.
54
mediante justificativa, então nos encontramos no nível de reflexão chamado
filosófico, desenvolvido e difundido exemplarmente no Ocidente
66
.
Com o advento da Modernidade, da afirmação da razão e conseqüente
redução da ciência ao verificável e comprovável empiricamente, tudo o que não for
enquadrável nessa categoria passa a ser passível de suspeita. A religião, com seus
pressupostos e suas práticas, partindo da intuição e da experiência, é questionada
e, não poucas vezes, reduzida ou à sobrevivência de estágios evolutivos da
humanidade superados ou à ideologia justificadora de interesses espúrios ou a
manifestações de problemas da infância, mal-resolvidos. Diz Sacristán (2002):
Se algo evidente hoje em nossa cultura, é a defasagem entre o
desenvolvimento material e o espiritual, entre o científico e o moral, entre o
nível de compreensão dos problemas e a adesão desejosa que
desencadeia os comportamentos coerentes para resolvê-los entre os
valores de diversos tipos que assumimos. A sociedade e o ser humano
acham-se cindidos quanto à capacidade de compreender o mundo que
podem alcançar e a possibilidade de se comportar adequadamente’ nele,
não só para poder desenvolver-se nas melhores condições, como, inclusive,
para salvaguardar seus próprios interesses em geral. As diferentes linhas de
progresso estão e evoluem um tanto deslocadas entre si
67
.
Oportuno é lembrar que, na relação entre fé e ciência, nos tempos
modernos, os conflitos não nascem, via de regra, da ciência em oposição à religião
ou da rejeição da ciência, por parte desta, e, sim, de pressupostos ideológico-
filosóficos, incorporados ou defendidos por determinados cientistas. Quando se
reduz o homem à razão destituindo-o, por conseqüência, das demais dimensões,
66
BELLO, Ângela Ales, op. cit., p. 150-151: “A presença ou não da postura crítica nas culturas nos
permite entender a relação com a tradição tanto por parte do indivíduo como também do grupo a que
pertence. [...] Não se trata, portanto, apenas e genericamente do tema da história, nem é por acaso
que o pensamento ocidental foi o único a elaborar sistematicamente uma reflexão sobre a história, a
ponto de torná-la a única dimensão do real. De fato, ele deu a respeito da história uma interpretação
em sentido evolutivo, entendendo-a como uma contínua e necessária transformação, e submetendo-a
à crítica do passado, conforme ao ensinamento do historicismo dos últimos dois séculos. Trata-se,
principalmente, no que diz respeito à tradição, das ligações com as raízes do próprio ser, com as
gerações passadas, sem captar qualquer interrupção e nem contraste. A partir deste ponto de vista,
por um lado, podemos compreender o culto dos ancestrais nas culturas hinduístas ou africanas e, por
outro lado, porque no Ocidente, a partir da especulação nascida na Grécia, foi interrompida a ligação
com a tradição por ter submetido à crítica o que era transmitido pelo passado. Tal afirmação, porém,
refere-se a uma visão do fenômeno, captando-o em suas grandes linhas e sem articulá-lo em todas
as suas manifestações. Podemos assim constatar que, o que permite manter fortes ligações com a
tradição, aceitas de forma acrítica, porém seguras e firmes, é a adesão à dimensão religiosa-sacral.
Assim, quanto mais o pensamento reflexo se afasta da dimensão religiosa, tanto mais tem o dever de
reconstruir com os próprios meios um sistema de certezas intelectuais que são válidas, na medida em
que correspondem à realidade. É este o ensinamento que está na base de todas as correntes
filosóficas realistas, sendo entre todas não última, mas sim a primeira no nosso século, justamente a
fenomenologia. De fato, é a exigência religiosa que guia, apesar de tudo, e provoca a resposta última
à pergunta radical. E isso ocorre também quando aparentemente tal pergunta é considerada absurda,
reduzível a problemáticas humanas muito mais concretas, como acontece no ateísmo”.
67
SACRISTÁN, Gimeno, op. cit., p. 100.
55
estabelece-se uma oposição de menosvalia da fé para com a razão, posição que
encontra inspiração no idealismo racionalista de Descartes, preconizando uma
autonomia total desta. A propósito, observa Najmanovich (2003):
A razão não nasceu com a ciência moderna; o que apareceu com ela foi a
fábula da razão pura, que apresentou uma razão desligada do corpo, do
afeto, da fé, do desejo, da história, dos outros, das narrações e das práticas
vitais. O recurso do método foi fundamental para instaurar essa crença em
uma razão abstrata e desencarnada, a-histórica e afabulada. Podemos
situar Galileu como um pensador na fronteira entre duas tradições racionais,
suas polêmicas com a Igreja nos permitiram ver ‘in status nascendi’ o
modelo de afabulação, e poderemos observar como a noção de ‘método’
atuou tal qual um fórceps para realizar o parto da ‘razão pura’
68
.
Tal absolutização da razão, por sua vez, levou à redução desta à razão
instrumental ou científica.
O ápice da oposição entre razão e se com o Iluminismo francês e a
Aufklärung alemã, caracterizando o processo histórico-cultural no Ocidente,
genericamente designado por Modernidade. A razão, entronizada por Robespierre
como Deusa Razão ou, nas palavras de Küng (2007), “proclamada como ‘être
suprême’, no ano II após a Grande Revolução
69
, afirma-a como luz, e a como
trevas.
É de se observar também que, diante do desinteresse das ciências exatas,
no tocante às questões da e da prática religiosa e, inclusive, da impossibilidade
metodológica daquelas em abordar e desenvolver um estudo destas, as ciências
humanas tratam das questões da vivência religiosa. Dão, até mesmo, uma resposta
aparentemente exata, embora não sejam capazes de enxergar além de uma leitura
estrutural dos mitos, tanto os das manifestações religiosas antigas quanto os
presentes nas sociedades tradicionais e aqueles relidos ou mesmo criados sob a
égide iluminista. Tampouco consegue trazer ao leitor do atual contexto cultural a
significação profunda dos mitos das sociedades primitivas, porque se prende às
diferentes relações de um sistema de linguagem.
Quando se trata da religião como, ademais, das ciências (humanas) em
geral, não um critério epistemológico que possa dar conta de toda a
complexidade do objeto em análise. Ainda convivemos, tanto no nível da semântica
individual, introjetada ao longo da formação, quanto na sociedade, grande
68
NAJMANOVICH, Denise. O feitiço do método. Tradução: Maria Teresa Esteban. In: LEITE, Regina
Garcia (Org.). Método; Métodos; Contramétodo. São Paulo: Cortez, 2003, p. 37.
69
KÜNG, Hans. O Princípio de Todas as Coisas Ciências Naturais e Religião. Tradução: Carlos
Almeida Pereira. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 136.
56
dificuldade em escapar das gicas redutoras instaladas nas instituições, na
organização dos saberes e na vida cotidiana. Por vezes, o é fácil aceitar que
estudar mais amplia as questões e aprofunda as interrogações ao invés de
solucioná-las e responder de maneira cabal às interrogações levantadas
70
.
Talvez uma alternativa a ser testada poderia ser a busca de sintagmas,
diminuindo o peso dos paradigmas, substituindo rumos já traçados, idéias-força
estabelecidas ou mesmo modelos, por diálogo, alteridade, tolerância e, por que não,
reverência e contemplação. São uma opção válida diante de elementos que se
conectam, se complicam, por estarem em relação, com pontos próximos e até em
comum, ao lado de outros, distantes ou complementares.
Cultura e religião são elementos densos e tensos que perdem muito do seu
conteúdo simbólico, da dinâmica do caminho construído numa relação dialógica
entre indivíduo e coletividade e, sobretudo, das motivações profundas, interiores ao
ser humano e anteriores, em boa parte, à própria atitude reflexiva e à elaboração
conceitual, quando abordadas sob o enfoque da redução lógica. A epistemologia
positivista simplificou e estabeleceu critério único para compreender o fenômeno e
assim esvaziou-o
71
. Sabemos pouco das relações entre cultura, tradição e religião e,
por isso, a tarefa atual é buscar os engates entre essas realidades. Vem, pois, a
calhar, a observação de Cheuiche (1995), que diz:
Devido ao caráter transcendente do objeto da religião, que é o mistério de
Deus, acentua-se a influência cultural, a índole do povo, sua experiência
cósmica, suas categorias mentais, seus recursos de linguagem no modo de
ver a religião e sua maneira de realizar o ato religioso. Neste sentido,
embora não seja possível identificar religião com cultura, também não se
pode separá-las de modo absoluto.
72
.
70
ALVES, Rubem. O suspiro dos oprimidos. 5. ed. o Paulo: Paulus, 2003, p. 100: A persistência
do fato religioso, contrária a todas as precisões teóricas, implica uma crítica radical à metafísica
inconsciente que rege o pensamento científico. Porque enquanto a ciência, com sua dedicação
confessada ao ideal de objetivismo, e à conseqüente identificação de normalidade psíquica com
ajustamento, pressupõe, a priori, que o real é a verdade, a religião, das profundezas da sabedoria
inconsciente da própria vida, conclui que o absurdo não são os valores utópicos, mas a própria
situação humana donde eles emergem. Assim parece-me que a religião, mesmo nas suas formas
mais ‘alienadas’, contém uma crítica do real que a ciência, prisioneira de sua própria metafísica, não
tem condições para transcender. Até agora a ciência tem realizado uma tarefa muito salutar de
desmitologizar a religião. Não haverá a possibilidade inversa de que a religião abra caminhos para a
desmitologização da ciência?”.
71
NAJMANOVICH, Denise, op. cit., p. 37: “Por outro lado e à diferença do discurso cientificista
clássico, que supõe nos religiosos uma adesão cega a um dogma estabelecido de forma completa
desde o começo, a maior parte dos estudos históricos sérios nos mostra como, em praticamente
todas as religiões, tem-se desenvolvido uma agitada vida intelectual, plena de polêmicas, disputas
teológicas, litígios e interpretações encontradas. As Igrejas não são instituições monolíticas, e a fé
tem-se conjugado sempre com a razão”.
72
CHEUÍCHE, Antônio do Carmo, op. cit., p. 29.
58
reside na descoberta ou resgate da linguagem religiosa e das definições específicas.
O sincretismo religioso é, em parte, causador e, em parte, conseqüência dessa
dificuldade. Recuperar a origem etimológica e a própria história dos conceitos, ainda
que restrita ao contexto histórico-cultural mais próximo é, para a disciplina de Cultura
Religiosa, também ocasião para ilustrar e discutir a abertura ao múltiplo e ao
diferente, espaço para a reflexão e o diálogo sobre a possibilidade de unidade na
diversidade.
O ser humano, pela palavra, confere sentido ao que o rodeia. O primeiro ato
do descobridor ou do inventor é dar um nome ao descoberto ou inventado. É a
nossa maneira básica de tornar algo significativo e estabelecer uma relação. A
palavra religião traz em seu bojo etimológico muitas variáveis e acentos
diferenciados, conseqüência da pluralidade de povos, línguas, culturas e épocas,
que influenciaram na construção do seu significado.
Pelas informações disponíveis, no presente, pode-se dizer que os povos
primitivos não tinham um conceito de religião, que também não costuma ser
encontrado entre os povos que se enquadram nessas características ainda nos dias
de hoje. Os primeiros conceitos de que se tem registro remontam ao contexto pré-
cristão. De acordo com Macróbio, atribui-se a Sérvio Sulpício a primeira explicação
para a palavra religião que deriva, segundo ele, do verbo “relinquere” (abandonar),
transparecendo a característica de temor, normalmente presente no fato religioso.
Tem o sentido de abandono, de separação, onde a aproximação com a divindade
está reservada aos puros, aos sacerdotes, que têm acesso ao lugar privilegiado de
manifestação do divino, o Templo, ou lhes compete conversar, de maneira mais
próxima, com a divindade, misteriosa e transcendente.
Contudo, essa separação traz consigo também um fascínio, um desejo
irresistível de atração e proximidade, como o explicitará Rudolf Otto.
No mesmo contexto pré-cristão, Cícero deriva a palavra religião de
“relegere”, sugerindo “ler de novo”, o aprofundamento como recolhimento e
interiorização. também a idéia de unir e de reunir, a partir do conceito original de
“legere” como colher. Lembra, então, o zelo pelos ritos, ao encargo dos sacerdotes,
em oposição a “neglegere”, práticas realizadas de forma negligente. Assim,
atentando para a seqüência dos ritos, dentro de um horizonte jurídico formal,
59
praticava-se a religião. Ser ouvido pelos deuses estava vinculado à exatidão na
execução do rito.
Entre os autores cristãos, aparece, por primeiro, Lactâncio para quem
religião provém do verbo “religare”, com um duplo significado possível: religar, ligar
novamente ou simplesmente ligar, com o “re” cumprindo a função de partícula
expletiva. Ligar o homem ao Transcendente, com a reverência e o amor que lhe
devem ser tributados.
Santo Agostinho explica a palavra religião, derivando-a de “reeligere”,
enquanto fazer escolhas e reoptar para reorientar o rumo dado à vida. Deriva-a
também de “religare”, no sentido, acima, da religação do homem com Deus. A
religião constitui, então, a relação do homem com o fundamento do seu ser.
Para Santo Tomás de Aquino, religião significa orientação para Deus como
fim último. A concepção de religação está presente, enquanto esta se dará em
plenitude após a redenção.
Desse modo, partindo do conceito cultual pré-cristão, o cristianismo coloca
em termos claros a dependência do homem diante da Transcendência de Deus, a
quem está ligado metafisicamente e religado na gratuidade da obra salvífica. Pode-
se concluir essas observações com o esquema apresentado por Meslin:
Inspirando-se em parte no estudo sugestivo de Wilfred Cantwell-Smith,
devemos distinguir cinco sentidos principais da palavra ‘religião’.
a) Um sentido geral, próximo da noção antiga de religio: a religião é definida
como um sistema de crenças e de práticas. Quando falamos da religião
cristã, da religião muçulmana, designamos assim um sistema organizado de
crenças e ritos que constitui uma experiência religiosa coletiva inserida num
tempo e num espaço dados.
b) Um segundo sentido é complementar ao primeiro. Ele não conota mais
uma experiência religiosa histórica entre outras, mas designa o valor ideal
que a ‘verdadeira’ religião constitui para seus próprios fiéis, religião que eles
praticam. Esta aparece como um sistema exclusivo ao qual eles se referem
e por cujo parâmetro eles julgam as demais religiões.
c) O terceiro sentido é fortemente sociológico: a religião é todo o complexo
das atividades humanas informadas pela fé. A religião exerce então uma
função de legitimação que permite unir a uma realidade última, universal e
sagrada o mundo e a sociedade construída pelo homem, e que formam seu
real cotidiano. A religião exerce então uma ‘função de cosmização’, no
sentido em que o entende Peter Berger.
d) O quarto sentido é mais pessoal e designa uma piedade que implica não
apenas atos de devoção para com Deus mas também ações para com os
outros homens. É assim que a define o apóstolo Tiago: ‘A religião pura e
imaculada junto de Deus Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas na aflição e
se preservar sem mancha longe do mundo’ (Tg 1, 27).
e) O quinto sentido, enfim, é de ordem existencial, que justifica as atitudes e
as ações de uma vida humana.
75
.
75
MESLIN, op. cit., p. 38-39.
60
Quando falamos em conceitos sintagmáticos, ligando cultura e religião,
podemos conceituar cultura como um complexo orgânico com posturas e
comportamentos existenciais práticos, um ethos, ou seja, um modus vivendi e uma
visão teórica de mundo. Nesse horizonte, toda cultura tem um sentido religioso.
Se derivarmos religião de religare, temos a dupla perspectiva da aproximação de
pessoas alimentando crenças comuns e o sentido da ligação do contingente ao
absoluto. Partindo de relegere, nos vem à mente a releitura de fatos, gestos e
expressões da vida humana. Reelegere, como também vimos, indica as escolhas
que fazemos, em outras palavras, o ser humano como o resultado das opções que
vai fazendo, dando forma e significado à sua vida.
Partindo da religião, podemos dizer que ela é o lugar enquanto ausência do
outro grande Absoluto. É o lugar do Deus oculto, o Deus absconditus. Ela não tem a
intenção de esclarecer o mistério do homem, mas quer aprofundar e confirmar esse
mistério. O homem também é um homo absconditus. Ele e Deus são mistério. Imoda
(1996) o diz nestes termos:
O ser humano é mistério exatamente porque está em busca, nos confrontos
do ser ilimitado, ele que não é um ser ilimitado. Não apenas se procura,
portanto, ou busca o ser que o faça existir, mas alguém que seja outro,
aquele cujo ser é precisamente ilimitado. O ser humano é desejo necessário
de felicidade, uma felicidade que pode encontrar apenas em Deus. Na
realidade, o desejo humano é infinito e apenas um objeto infinito pode
preencher o seu desejo. Portanto, o ser humano busca Deus sob a forma de
um objeto do seu desejo de felicidade, mas pode buscar este objeto em um
lugar onde não está, em um outro que não seja o Outro capaz de responder
ao desejo infinito. Neste Outro, ilimitado, pode encontrar-se a si mesmo. A
pessoa mistério busca, portanto, o ser subsistente e ilimitado: Deus
76
.
Isto é uma maneira de dizer que é impossível apreender Deus, na medida
humana e na medida do mundo. Deus o cabe nas nossas categorias e, quando o
vislumbramos, mais nos damos conta de que ele está muito além do que somos
capazes de nos aproximar e conhecer. Ao mesmo tempo, lembramos que o mundo e
os seres humanos são imagens e realidades escondidas também.
Assim, a religião não resolve o problema sobre Deus, mas o aprofunda e
agrava a sua compreensão: Deus vem a nós na revelação, permeia tudo o que
existe e nos leva até ele. Nós devemos elevar-nos sempre mais para chegarmos à
condição de semelhantes a ele. Daí o respeito ao outro, não apenas como
tolerância, mas também como reverência. Disso tudo decorre o reconhecimento do
76
IMODA, Franco. Psicologia e Mistério: o desenvolvimento humano. (Coleção Pedagogia e
Educação). Tradução: Adalto Luiz Chitolina; Matthias J. A. Ham. São Paulo: Paulinas, 1996, p. 64.
61
pluralismo religioso e da diversidade cultural. Em outras palavras, muitas tradições
religiosas tentam integrar-se ao ético e ao estético. A propósito, observa Teixeira
(2006):
As religiões não são apenas genuinamente diferentes, mas também
autenticamente preciosas. que honrar esta alteridade, em sua
especificidade peculiar, reconhecendo o valor e a plausibilidade do
pluralismo religioso de direito ou de princípio. A diversidade religiosa deve
ser reconhecida, não como expressão da limitação humana ou fruto de uma
realidade conjuntural passageira, mas como traço de riqueza e valor. O
pluralismo religioso corresponde a um ‘desígnio misterioso de Deus, cujo
significado último nos escapa’. A diferença deve suscitar não o temor, mas a
alegria, pois desvela caminhos e horizontes inusitados para a afirmação e
crescimento da identidade. A abertura ao pluralismo constitui um imperativo
humano e religioso. Trata-se de uma das experiências mais enriquecedoras
realizadas pela consciência humana: o reconhecimento do valor da
diversidade como traço e riqueza da experiência humana. Reconhecer o
pluralismo religioso de princípio, e não apenas de fato, significa descobrir o
significado positivo das diversas tradições religiosas na globalidade do único
desígnio salvífico de Deus
77
.
Deriva disso tudo um questionamento à visão iluminista, marcada por um
reducionismo lógico-científico e mecanicista, especialmente no Ocidente, em busca
de uma abordagem globalizante ou holística em substituição à fragmentária, com um
espaço e esforço para uma relação harmoniosa consigo mesmo, com a natureza, os
outros e o Transcendente
78
.
Ao mesmo tempo, as tradições religiosas vão se tornando objeto do
interesse crescente de estudiosos de várias áreas, como antropólogos, etnólogos,
filósofos, lingüistas, sociólogos, a estudar as manifestações religiosas da
humanidade, a partir do final do século XVIII. Esse estudo é intensificado no
século XIX, motivado por grande número de descobertas arqueológicas, históricas,
filológicas e etnológicas. As teorias de Hegel, Schleiermacher, Comte e Spencer,
serviram como combustível a inflamar essa busca. um esforço por conhecer
hábitos, comportamentos, organizações sociais e familiares de povos de cultura
primitiva, levando a estudar especialmente as mais variadas formas de expressão
religiosa na África.
77
TEIXEIRA, Faustino. Diálogo inter-religioso e educação para a alteridade. In: SCARLATELLI,
Cleide C. da Silva; STRECK, Danilo R.; FOLLMANN, José Ivo. (Orgs.), op. cit., p. 37.
78
DREWERMANN, Eugen, op. cit., p. 14: “Na chamada civilização cristã ocidental precisamos
imprescindivelmente aprender com a ética budista e hindu do leste asiático. O termo sânscrito
‘ahimsa’ abrange muito mais do que ‘não matarás’. Ele significa: não use violência. Esse princípio do
não-ferir, do ‘ahimsa’, inclui a proibição de qualquer dano a outro ente, sob qualquer forma que seja,
psíquica ou física. Se esta fosse a base do nosso procedimento, teríamos que ter escrúpulos em todo
e qualquer momento em que infligirmos sofrimento ou dor inútil a um animal, não só ao matar, mas já
na própria exploração sem sentido”.
62
Observa-se um homem insatisfeito permanentemente com as respostas que
consegue dar a suas indagações. Percebe as respostas insatisfatórias, limitadas ao
período histórico e contexto em que o construídas. Além disso, não sendo
definitivas, suscitam sempre novas perguntas. No momento atual, parece possível
dizer-se que uma progressiva concordância existencial de que a totalidade do ser
humano não cabe nele mesmo e que as respostas às suas perguntas mais
fundamentais não se esgotam nele nem no que é capaz de pensar e de fazer. Aos
poucos, da fragmentação e da hiperespecialização, do crescente conhecimento do
infinitamente pequeno e do macrocósmico, parece emergir uma nova sensibilidade,
capaz de remetê-lo novamente ao Transcendente.
O que foi possível conhecer dos povos antigos permite afirmar que uma
característica humana fundamental é a busca de sentido, para si, para os outros,
para a natureza. Aprende a conhecer sua força e suas limitações, a quem pode
controlar e dominar e o que é conveniente evitar. Isso se estende aos elementos e
às forças da natureza, como a água, as tempestades, o vento, os precipícios que
podem atraiçoá-lo, na tentativa de descê-los e impedi-lo de avançar ou obrigá-lo a
longas voltas, por não conseguir escalá-los, sem falar nos animais ferozes ou
peçonhentos, diante dos quais vai aprendendo a se proteger. Aprende a conhecer e
a administrar seus sentimentos e as emoções, cujo controle pode facilitar na
observação das reações da natureza, especialmente dos animais, e a tornar a
relação com os demais menos perigosa e ajudar a garantir proteção e conforto
diante de problemas comuns.
Essa experiência de identificar a diversidade de situações oferecidas pelo
dia-a-dia da vida e a busca de lidar com elas gera a mais antiga das manifestações
religiosas, identificada nos “deuses momentâneos”, que não personificam forças da
natureza, nem representam aspectos especiais da vida humana e, muito menos, são
portadores de características interativas, que os torne uma imagem mítico-religiosa
permanente, mas, como a expressão sugere, de algo do momento, uma sensação
instantânea, um conteúdo mental que surge e desaparece na mesma rapidez
79
.
79
CASSIRER, Ernst. Linguagem e Mito. Trad. J. Guinsburg e Miriam Schnaiderman. 4. ed. São
Paulo: Editora Perspectiva, 2003, p. 34: Assim, cada impressão que o homem recebe, cada desejo
que nele se agita, cada esperança que o atrai e cada perigo que o ameaça, pode vir a afetá-lo
religiosamente. Quando à sensação momentânea do objeto colocado à nossa frente, à situação em
que nos encontramos, à ão dinâmica que nos surpreende, é outorgado o valor e o acento de
deidade, então esse deus momentâneo” é experimentado e criado. Ele se ergue diante de nós com
63
Encontram, ao que se sabe, correspondência nos demônios instantâneos,
designados sob a denominação genérica de daimon, presentes ainda no helenismo
clássico
80
. São, portanto, expressão de uma época em que o homem vai,
paulatinamente, se descobrindo e conhecendo a si mesmo e os outros, ao mesmo
tempo que, percebendo constâncias e identificando variáveis na natureza, vai
passando de uma atitude passiva, de sujeição, para uma atitude ativa que o
transforma, aos poucos, em sujeito capaz de intervir, fazendo prevalecer seus
desejos e ordenando o meio em favor de suas necessidades, aspirações e metas.
Assim, o homo sapiens, na sua distinção dos demais seres vivos, não se
limita a interagir com o meio imediato, como mecanismo de sobrevivência, mas
estabelece, de modo permanente, novas relações, quantitativamente mais
numerosas e qualitativamente orientadas para respostas dirigidas a interrogações
das mais diversas inquietações, tanto acerca dos desdobramentos da vida cotidiana,
quanto das razões profundas que movem a sua vida e movem também os outros e
tudo à sua volta, procurando, ao mesmo tempo, dar um norte a sua vida
81
.
Nesse processo, impulsionado pela sede de liberdade e de autonomia e
fruto do desenvolvimento espiritual e cultural, ao mesmo tempo que experimenta
uma radical dependência de várias ordens, o homem sente-se instado a afirmar-se
sobre as vicissitudes da natureza, tornando-a favorável ao seu desenvolvimento e
bem-estar. Nascem, assim, os deuses especiais que têm sob sua responsabilidade
alguma atividade ou ramo de atividade específico, identificado como muito
importante naquele estágio de desenvolvimento. É o caso, por exemplo, dos deuses
64
65
científica, mas de postulados que atendem a seus interesses pessoais. A
teoria evolucionista, que parte do animismo, mostrou-se um postulado
dogmático ao qual falta todo e qualquer embasamento científico. Neste
campo, os pesquisadores hoje são muito mais prudentes e chegam até a
perguntar: de antemão pode-se dizer que as religiões são menos reais e
menos verdadeiras que a própria ciência? É tão científico querer explicar
simplesmente a religião a partir de algo não-religioso com a magia? Não
poderia estar o próprio monoteísmo na origem histórica da religião, tese
defendida pelo antropólogo Wilhelm Schmidt numa extensa obra de doze
volumes? Freud partiu do pressuposto de que o processo do fenômeno
religioso tem sido essencialmente evolutivo. Desde o reconhecimento do
mana (força superior difusa) ou desde a atribuição do caráter numênico a
símbolos protetores do grupo social (totem), a certas normas de conduta
primariamente inibitivas (tabu), a forças naturais ocultas (animismo), aos
espíritos dos antepassados até, enfim, após uma longa evolução, chegar ao
conceito de Deus único e universal. Diante das concepções evolucionistas,
W. Schmidt e sua escola, através de estudos empíricos das crenças dos
povos atuais de civilização primitiva, desacreditaram muito as teorias
evolucionistas, mostrando a presença do ser supremo na consciência
religiosa já em estádios muito primitivos. Os dados científicos disponíveis
hoje não permitem recusar, sem mais, como dados igualmente primitivos
formas e indícios de crenças num Ser supremo. Os dados científicos hoje
disponíveis, a rigor, não confirmam a teoria da degeneração, que parte do
monoteísmo ao politeísmo, nem a teoria da evolução, que parte do
animismo para chegar ao monoteísmo. Do ponto de vista estritamente
científico, aliás, é preciso reconhecer honestamente que a religião originária
permanece tão desconhecida como a data e o lugar do nascimento do
primeiro homem. Todas as teorias sobre a origem da religião, a rigor, não
passam de hipóteses e conjecturas formuladas, geralmente, no horizonte de
determinada ideologia
85
.
O valor das pesquisas sobre as origens e a evolução das formas religiosas é
o aprofundamento da questão e a possibilidade de correção de erros e equívocos
86
.
Percebemos como um denominador comum, entre os estudiosos do
fenômeno religioso, hoje, que na origem da religião está uma experiência do
inefável, absoluto e transcendente em nossa vida. É a-racional pelo “objeto” dessa
experiência como, ademais, são a-racionais as nossas experiências cotidianas que,
quanto mais significativas, mais se enquadram nesta condição: não dependem da
razão e nem podem ser plenamente absorvidas pela mesma. Explicamos até onde
as categorias de conhecimento conseguem alcançar, mas sentimos que não é
isto. As tradições religiosas, por via da transmissão oral ou dos textos sagrados,
85
ZILLES, Urbano. Filosofia da Religião. 5. ed. São Paulo: Paulus, 2004, p. 153-154.
86
EVANS-PRITCHARD, E. E. Antropologia Social da Religião. Rio de Janeiro: Campus. 1972, p. 166-
167: “Não quero que pensem que tanto trabalho [o das pesquisas sobre as origens da religião] tenha
sido inútil. Se somos agora capazes de visualizar os erros nessas teorias que tentaram explicar as
religiões primitivas, é porque elas foram expostas e convidaram a uma análise lógica de seus
conteúdos em contraste com fatos etnológicos e pesquisas de campo. O progresso neste
departamento da antropologia social nos últimos quarenta anos pode-se avaliar pelo fato de que à luz
do conhecimento que hoje possuímos, podemos identificar as impropriedades de teorias que, durante
algum tempo, mereceram crédito; mas talvez nunca tivéssemos chegado a esse conhecimento sem o
trabalho dos pioneiros cujos escritos estivemos revendo”.
66
procuram manter viva a experiência fundante que lhe deu origem e passá-la adiante,
porém, dentro dos limites da cosmovisão, dos recursos lingüísticos e dos
conhecimentos disponíveis em cada contexto. Por isso, exigem releitura, estudo
crítico pela exegese e uma hermenêutica permanente, para que o texto não se torne
letra morta e a mensagem não se perca no anacronismo de contextualizações
historicamente situadas.
Tal experiência será o critério para determinar o tempo e o espaço do
sagrado e do profano. Será a mola propulsora do avanço do humano, em todos os
sentidos, vivendo no espaço profano, sob o influxo do que foi experimentado como o
sentido último e a plenitude a ser construída e alcançada no dia a dia. A relação
espaço-tempo engloba passado, presente e futuro.
Trata-se, no dizer de Rudolf Otto, da experiência do sagrado, onde se
manifesta o numinoso, a divindade. Experiência identificada pelo misterioso, pelo
fascínio, pela majestade e, de outro lado, pelo respeito, temor e reverência, num
duplo movimento espiritual, uma relação dialética entre a alegria, a confiança, o
fascínio, a atração e a reverência, o respeito e o medo. Não medo vulgar, mas
elevado, como desafio, como convite à superação permanente. Trata-se do
contraste harmonioso diante da majestade do numinoso, que faz temer e tremer
mas, ao mesmo tempo, fascina e atrai. Nas palavras de Otto, é a experiência do
mistério tremendo e fascinante
87
. Waldomiro Piazza, traduz esse conceito, dizendo
que
87
BINGEMER, Maria Clara Lucchetti. Humanismo e Mística O Sagrado e o Belo. In: Blog ASIA, p.
4-5: “É no começo do século XX (mais concretamente em 1917) que o célebre livro de Rudolf Otto (Lo
Santo) vai tentar uma definição mais rigorosa do que seria a experiência religiosa sem entrar
diretamente nos domínios mais confessionais de uma determinada instituição. Segundo ele, a
experiência religiosa traz consigo uma incomensurabilidade entre tudo que releva do entendimento ou
da razão e o conjunto de fenômenos reverenciáveis ao experimentar propriamente dito. Uma tal
experiência escaparia, portanto, a toda aproximação racional. Ela não releva, portanto, nem da ordem
da verdade (por exemplo, a experiência metafísica do Deus verdadeiro em Descartes ou a
argumentação de provas ontológicas) nem da ordem da ética (notadamente tal como Kant pretendeu
fundá-la a partir de postulados da razão prática), nem mesmo da ordem do teleológico ou da
organização do sentido. Para Otto, a experiência religiosa é irredutível em termos de idéia, conceito,
noção abstrata, preceito moral. Todas estas operações do pensamento são por demais ‘pacíficas’
para ser adequadas àquilo que jorra quando o sagrado se manifesta numa experiência singular. Mais
ainda, a experiência religiosa escapa do ‘bom senso’. Otto mostra que é uma experiência terrível,
devastadora para aquele sobre a qual ela se derrama. A experiência referida pela expressão paulina
‘Deus vivo’ é a de um poder aterrorizante e esmagador sobre o humano, escapando a toda mediação
mental (cf. Heb 10, 31). Segundo Otto, esta experiência é a da onipotência divina. O que é
encontrado no decurso da experiência é da ordem do ‘totalmente outro’. Um ser singular está
subitamente colocado em presença de uma realidade irredutível a tudo que releva da ordem do
cosmos ou do humano. O que é então vivido e experimentado escapa a todo pensamento como a
67
na experiência religiosa autêntica, o homem se sente tomado de certo
estupor diante de qualquer coisa que transcende a sua compreensão
natural ou comum, como seja um acontecimento na ordem cosmológica, um
milagre ou um acontecimento comum mas inexplicável na ordem biológica,
a vida. Notemos que não basta que o fato seja insólito, mas é necessário
que seja percebido como maravilhoso
88
.
É a experiência do absoluto, do Totalmente-Outro.
A experiência religiosa comporta, simultaneamente, uma atração irresistível
e um sentimento de impotência, de fragilidade que faz tentar recuar, esquivar-se. É
uma relação dialógica entre o amor e o temor, numa dinâmica em busca de
equilíbrio, que será sempre meta a ser alcançada. Konings e Zilles (1997), o
expressam da seguinte maneira:
Dissemos que o fascinante e o tremendo são dois momentos dialéticos. Um
evoca o outro. O Sempre-outro se torna objeto de uma paixão infinita. Não
podemos prescindir de nenhum dos dois momentos, porque, faltando o
‘tremendo’, cessaria de ser o Outro e, faltando o ’fascinante’, tornar-se-ia
mais do que outro: alheio. Talvez haja uma síntese entre estes dois
momentos: o Amor, que respeita e promove o outro como outro e contudo
realiza a mais íntima união com ele
89
.
Uma questão que não é suficientemente discutida e levada a sério, no
contexto religioso atual, é a diferença entre a experiência religiosa e sua expressão
por meio das religiões institucionalizadas. Muitas pessoas são religiosas, sentem-se
incondicionalmente tocadas por uma realidade maior e profunda que, todavia, não
lhes parece possível expressar nas religiões tradicionais por diversos fatores. Entre
estes estão problemas com a linguagem empregada, incapaz de comunicar-se com
o homem de hoje, os símbolos utilizados, normas e preceitos ancorados em
conceitos ultrapassados, dinâmicas celebrativas estacionadas em ambiente agro-
pastoril, sem buscar ou conseguir alcançar uma hermenêutica urbana, levando o
universo religioso institucional a se configurar como uma espécie de mundo paralelo
à vida real, incapaz de dialogar e configurar sentido.
Para Mircea Eliade, o sagrado se define em oposição ao profano, que é o
comum, corriqueiro, os acontecimentos e as situações sem um sentido maior na
toda vontade. Deste estranhamento radical, ontológico, que jorra no campo da experiência humana,
nasce no ser que a sofre uma atitude paradoxal, no limite do suportável e que pode fazer balançar na
demência um psiquismo insuficientemente preparado. Por um lado, nasce um sentimento de medo,
de pavor, de terror sagrado sentimento esmagador que Otto designa como ‘mysterium tremendum’.
Mas por outro lado se impõe o sentimento de uma atração irresistível, de um ser arrancado da vida
ordinária, de uma urgência de ‘ver’ com risco de morrer sentimento irreprimível que Otto define
como ‘mysterium fascinans’”.
88
PIAZZA, Waldomiro, op. cit., p. 129.
89
KONINGS, Johan M. H. J.; ZILLES, Urbano (Orgs.). Religião e Cristianismo. 7. ed. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1997, p. 37-38.
68
vida; ao passo que o sagrado é o especial, o inusitado, o incomum, aquilo que se
reveste de um significado ímpar, absoluto e definitivo
90
. As hierofanias, como o
sagrado que se revela, estão presentes desde sempre na história das religiões
91
.
O Totalmente-Outro experimentado pode materializar-se em elementos ou
fenômenos da natureza ou ser personalizado em pedras, árvores, rochedos ou
lugares altos, que passam a manifestar o sagrado, embora mantenham a
constituição física e, aos olhos de quem não partilha da experiência do sagrado, não
signifiquem absolutamente nada. A natureza e o universo inteiro podem tornar-se
diáfanos à manifestação do sagrado e envolver o ser humano na sua totalidade,
como o sugere, por exemplo, o mito bíblico da criação do mundo e do homem.
Ao que nos é possível constatar até hoje, observamos que recentemente,
entre meados do século XVII e meados do culo XX, uma camada da população
procurou dessacralizar o mundo e a vida, acreditando tratar-se de uma necessidade
para dar espaço efetivo ao desenvolvimento humano e por acreditar que hierofanias
e experiências do sagrado eram incompatíveis com a ciência empírico-analítica
92
.
Nas últimas décadas, no entanto, convivemos com uma efervescência religiosa
como nunca antes se viu ou como o disse, não sem ironia, Kolakowski (1963):
“Ateus têm os seus santos e os blasfemos constroem templos”
93
.
Segundo Eliade, da experiência do sagrado nasce também uma divisão do
espaço em sagrado e profano. O sagrado que se manifestou, de uma ou de várias
maneiras, permanece presente, e os lugares sagrados, a tenda sagrada ou o
90
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes,
1995, p. 25: “[O ser humano] toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra
como qualquer coisa de absolutamente diferente do profano”.
91
PIAZZA, Waldomiro, op. cit., p. 133: “[O sagrado] não é uma ‘idéia’, ou seja, uma expressão
puramente conceitual do homem que ele se faz do mistério da vida e do universo, mas uma
‘experiência’ de algo que se manifesta e ao mesmo tempo se oculta no mundo sensível. Tanto assim
que o sagrado permanece idêntico a si mesmo, embora assuma vários aspectos fenomenológicos
segundo as várias condições de vida do homem – pastores, caçadores, agricultores. [...] Ou, por outra
parte, o homem interpreta a sua experiência do Sagrado segundo as estruturas em que vive, mas a
experiência do Sagrado apresenta-se em todas estas culturas como algo que transcende. Assim, o
animista interpreta a experiência do sagrado como força vital o mana -, enquanto o xamã no
sagrado a manifestação de potências celestes”.
92
TERRIN, Aldo Natale. Antropologia e Horizontes do Sagrado Culturas e Religiões. Trad. Euclides
Luiz Callorni. São Paulo: Paulus, 2004, p. 19: De modo geral, podemos referir-nos aos subsistemas
culturais que impõem questões limitadas e ‘orientadas’ para a secularização do sistema simbólico,
para a sua articulação em autonomias regionais, para a possibilidade de desembocar nas áreas
marginais da vida urbana, e assim por diante. Poder-se-ia dizer que esse fenômeno de cisão típico do
nosso tempo está levando o próprio ‘mundo da vida’, em que todos deveríamos encontrar-nos, a um
subsistema de incomunicabilidade e de simbologias próprias”.
93
KOLAKOWSKI, Leszek. The Priest and the Jester. In: The Modern Polish Mind. New York: Grosset
& Dunlap, 1963, p. 325-326.
69
Templo, são o espaço-memória dessa experiência. Adentrar nesse espaço é romper
o limiar entre o profano, o corriqueiro, comum, indiferente e lançar-se ao encontro
dos deuses, onde a hierofania se mantém viva e o encontro com o sagrado é
possível. Nesse âmbito, nos lembra Eliade, é que se situa o tempo sagrado, capaz
de reviver, de trazer de volta e tornar efetiva e eficaz, aqui e agora, a experiência do
sagrado, em oposição ao tempo cronológico, fugaz e sem retorno. As cerimônias
religiosas e os ritos têm a função de realizar esta retomada e festas, como as do
ano-novo são criadas para a materialização no tempo ou como o renascer anual da
experiência religiosa fundante. Nessas cerimônias, o homem sai do seu tempo, da
linearidade do cotidiano comum e se torna partícipe do tempo dos deuses, o tempo
mítico, o retorno às origens, que não se situam no tempo dos homens e do cosmos,
mas num antes, no princípio que está no sagrado
94
. Nicolescu (2005), refletindo
sobre os níveis de percepção e os níveis de Realidade, observa:
O sagrado adquire uma condição de Realidade do mesmo modo que os
níveis de Realidade, sem, no entanto, constituir um novo nível de
Realidade, porque ele escapa a todo o saber. Entre o saber e a
compreensão o ser. Porém, o sagrado não se opõe à razão: na medida
em que ele assegura a harmonia entre o Sujeito e o Objeto, o sagrado faz
parte integrante da nova racionalidade. A Realidade engloba o Sujeito, o
Objeto e o sagrado, que são as três facetas de uma única e mesma
Realidade. Sem uma dessas três facetas, a Realidade deixa de ser real e
torna-se uma fantasmagoria destrutiva. A Realidade reduzida ao Sujeito
gerou as sociedades tradicionais, que foram varridas pela modernidade. A
Realidade reduzida ao Objeto leva aos sistemas totalitários. A Realidade
reduzida ao sagrado leva aos fanatismos e integralismos religiosos. Uma
sociedade viável pode ser aquela onde as três facetas da Realidade
estejam reunidas de maneira equilibrada
95
.
Quando é descartado o ser Absoluto, normalmente chamado Deus (do grego
70
vista ao pleno desenvolvimento humano para além da imanência, pelo que a história
nos ensina, tende-se a absolutizar alguma coisa. Esta passa a ser adorada e para a
qual indivíduos e grupos dirigem seus cultos e sacrificam o melhor de suas vidas.
Não é fácil encontrar ateus, na plena acepção da palavra
96
. Bem mais fáceis de
encontrar são, no entanto, os idólatras que adoram algum projeto, objeto ou pessoa
como se divindades fossem
97
. Nesse sentido, mesmo quando faz um grande esforço
para negar a Deus, o homem continua religioso. Aliás, como vimos, os seres
humanos aparecem, ao longo de toda a história, como naturalmente religiosos.
Negá-lo é que requer grande exercício mental e uma retórica que até hoje sempre se
mostrou frágil. A solidez que tem conseguido apresentar refere-se a formas
históricas e socioculturais de expressão religiosa e não ao seu conteúdo
71
entender e sistematizar as experiências fundantes, que estão na origem das
diferentes religiões lidas e entendidas, a partir de dentro, numa perspectiva
dinâmica, como também o expressa Greschat:
O que vale para tudo nesse mundo vale, também para o objeto ‘religião’: o
que não se move está morto. A história das religiões contém milhares de
provas disso. O ‘-ismo’ de uma religião morta e enterrada em livros
permanece inalterado até o fim do mundo ou, pelo menos, enquanto houver
bibliotecas. Livros sobre religiões vivas, porém, mostram seu objeto como
uma fotografia mostraria uma criança, adulto ou idoso. Mostram a religião
na perspectiva de um determinado autor. São representações
momentâneas, embora os momentos na vida de uma religião possam
demorar uma época ou ainda mais tempo. Religiões vivas mudam sem
cessar. Por vezes, uma mudança fica escondida até que se torne
perceptível. Religiões vivas consistem em tradições herdadas ali e fiéis aqui,
em intelectualizações de teólogos contemporâneos, em respostas antigas e
perguntas modernas. Dentre esses pólos ela urge pelo equilíbrio, demanda
que, às vezes, é acompanhada por descargas e estrondos. O equilíbrio
entre passado e presente, dado pela mudança, é importante e mantém
vivas as religiões
99
.
É importante ter presente que o fenômeno religioso não é passível de ser
reduzido ao que a Psicologia, a Antropologia ou a Filosofia conseguem apreender e
decifrar dele. Sua compreensão adequada só poderá dar-se dentro do enfoque
religioso, tarefa de que se ocupa especificamente a fenomenologia religiosa.
Como observado, o fenômeno religioso, a indicar pela universalidade de
sua presença no tempo e no espaço, é um fenômeno verdadeiramente humano,
manifestado por atitudes e expressões típicas que o traduzem. O indivíduo, na
construção da sua identidade, e a sociedade, na maneira de estruturar-se,
costumam tê-lo como inspiração ou referência e é ele que avaliza criticamente as
conseqüências das suas opções para o que há de ser, por si mesmo.
A disciplina de Cultura Religiosa faz do fenômeno religioso seu principal
objeto de estudo e, por isso mesmo, seu ponto de partida. A partir do estudo dele,
das suas múltiplas manifestações e da identificação de elementos comuns, dirige
seu olhar para o todo da pessoa humana que, naturalmente, a identifica como ser de
relação. Dessarte, possibilita o aparecimento de perguntas mais afeitas à pesquisa
de outras áreas de conhecimento e predisposição para ouvir e discutir suas
alternativas de resposta, ao mesmo tempo que contribui com estas, oferecendo
interrogantes e princípios norteadores para a construção de um conhecimento e de
uma racionalidade para além do objeto empírico e da dedução da verdade, a partir
99
GRESCHAT, Hans-Jürgen. O que é Ciência da Religião? São Paulo: Paulinas, 2006, p. 27.
72
de verdades previamente estabelecidas. Situa-se, portanto, também por essas
razões, no espaço da educação formal, acadêmica.
73
4 EDUCAÇÃO
Este olhar da Cultura Religiosa traz à educação uma sensibilidade e uma
profundidade específicas, advindas das pesquisas e sistematizações sobre a
dimensão transcendente do ser humano e suas manifestações - o fenômeno
religioso. Isso leva a ver o homem numa completude e valorização que vai muito
além de qualquer outra que desconsidere, confira menos importância ou renegue a
dimensão transcendente.
A contribuição mais importante da disciplina de Cultura Religiosa, no
entanto, é que a dimensão transcendente do homem não é apenas uma tese
admitida, mas seu principal objeto de estudo é a análise do ser humano, das suas
relações e projetos de organização em sociedade. Na educação formal,
especificamente, concorre para a assunção de uma visão integral, contribuindo na
busca de políticas e metodologias integralizadoras.
Nessa discussão, faz-se mister retomar, sempre de novo, os conceitos, os
fins, os meios e os processos educativos, atentar para as contingências específicas
de cada época e local, recordando que a qualidade de ensino se sempre na
perspectiva de um referente de valor.
A educação desempenha um papel fundamental na construção do homem,
enquanto leva às novas gerações o cabedal de experiências e saberes, acumulados
ao longo da evolução da espécie, bem como as invenções e descobertas que
expressam a capacidade humana e o uso benéfico ou destrutivo daquilo que a
genialidade humana é capaz de criar, para que se apropriem delas e avancem. Ao
mesmo tempo e, talvez, em primeiro lugar, a educação é também a busca reflexiva e
sistematizada de teorias e métodos que visam ao desenvolvimento das
potencialidades presentes em cada ser humano. Eis aí a observação de Paulo
Freire:
Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades
para a sua própria produção ou a sua construção. Quando entro em uma
sala de aula, devo estar sendo um ser aberto à indagação, à curiosidade, às
perguntas dos alunos, a suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto
em face da tarefa que tenho a de ensinar e não a de transferir
conhecimento
100
.
100
FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 20. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994, p. 52.
74
Em outras palavras, a educação ajuda o indivíduo a se tornar sujeito, a
conferir um sentido à vida e a desempenhar um papel único na história, como
agente afirmativo na superação de limites e na transformação do meio, nos múltiplos
níveis e dimensões que o constituem.
No decorrer dos séculos XVII e XVIII, se afirmam o racionalismo e o
empirismo como as perspectivas epistemológicas dominantes, partilhando, não
obstante todas as suas divergências, a premissa básica da separação total entre o
sujeito e o objeto de conhecimento e a premissa de que este estabelece uma
relação linear com a realidade, o que equivale a dizer que o conhecimento se
configura como um espelho da realidade.
Um século mais tarde, com o advento das assim chamadas ciências
humanas, como a antropologia, a psicologia e a sociologia, esses pressupostos
epistemológicos foram reafirmados e radicalizados pela perspectiva positivista que
será a referência epistemológica a dominar nas ciências modernas.
um clamor, iniciado já algum tempo e com número crescente de
pensadores, nas últimas décadas e em várias áreas de abordagem, chamando a
atenção para reducionismos e fragmentações que a Modernidade impôs ao homem.
Como ilustração podemos lembrar, dentre os mais conhecidos, Fritchof Capra,
Abraham Maslow, Edgar Morin, Jacques Maritain, Romano Guardini, Maturana e
Varela, Karl Rahner, Hugo Assmann, Leonardo Boff, Ken Wilber, Wolman,
Olbrzymek, Catanante, representantes da educação, da física, da teologia, da
psicologia, da biologia, a par de outros. O cogito, ergo sum, de Descartes, lançou a
fundamentação para desdobramentos posteriores que permitiram ver o universo
material como uma máquina, regido por leis mecânicas, onde tudo poderia ser
decodificado a partir da organização e do movimento de suas partes. Esse construto
mecânico da natureza tornar-se-á o paradigma dominante, aliás, autoproclamado
único, da ciência, nos séculos seguintes. Nas palavras de Capra,
toda a elaboração da ciência mecanicista nos séculos XVII, XVIII e XIX,
incluindo a grande síntese de Newton, nada mais foi do que o
desenvolvimento da idéia Cartesiana. Descartes deu ao pensamento
científico sua estrutura geral – a concepção da natureza como uma máquina
perfeita, governada por leis matemáticas exatas
101
.
Nesse sentido, é inerente ao processo educativo o desenvolvimento de
habilidades e atitudes que ajudem o indivíduo a tornar-se sujeito, para, diante dos
101
CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. São Paulo: Cultrix, 1982, p. 56.
75
fatos e situações da vida cotidiana, posicionar-se livremente, ser capaz de fazer
opções conscientes e responsáveis, historicamente situado e comprometido com
sua própria evolução, em harmonia com os outros ro122(t)-239(o2.16436(o)-u33117(s)-0.295585(c)4.33117( )-225569941 6.480 1 85.08 2645.76 T428796 709.458(a)-1)7 gs6664(0)7 gs6664(22556.0019941 0 0 1 85.08 745.76 T411776 70311558(a)-.32.3(h)-4.3320.76 T5.254)-4.33056(p)-A 52.83117(s)-.80518( )-212.288(6a)-4.33117(m)-.80518( )-2p.295585(ã)5.67474(o)-4.33117(,)-2.16558( )7.295585(o)e22.294(e)-4.33117( 52.16436(c)-0.29117( 52.80518( )-212.288(6a).32873(t)-g32873(t)-.33117(m)-7.49466(e)--21.87122(c)-0.2-8.134684.33117(l)1a22.294(e)-4.33117( 4)-4.33117(t)-2.16436(i)10.295585(c)-0.295585(i)1.87(e)-4.33117(n) )-2ê.16436(i)10.295585(c)1.87(e)-4.33117873(o)-212.29(c)-0.295585(e)-4.32877( )-222.296(r)2-212.29(d)5.67474(a)882.80439(o)5.67474(m)-7.40439(o)5.b87(u)-4.33117(ç) )-2e49466( )-2.20.7306.781122(t)-2a.295585(c)-0.29557oo4.33117( 4)d83117(s)-.80518( )-2-4.33117(t)-2.16436(i)18]TJ-282..33117(m)-7.49466(r)2n.16436(r)2.80439(o)-4e22.296(r)2-22873(m)14.33117( 4)d83117(t)-.33117(t)-535 -20.76349.406u hpid o6avivisics 6avi15212.288(6a)202.284(v)9g49466( )-2.J-2003-4.33117(t)7.84032(e)-4.33117á80439(o)5.67474(m)-7.33117(n)-4.33117(a)-s.67535(e)-412.1703(a)-4.33117( )-222.294(e)-4.33703(a)--4.33117( )]TJ282.887 67474(m)-74.33703(a)-4.33117(r)2u80518( )-22.J-2125-4.33117(a)-4.3117(,)-2.16558( )7.84032((p)-4.33117(o)-4.33117( )-2120.730 BT42122(t)-23933117(o34.33117(l)1.33117(i)1.87122(a)-4202.284(v)9.71154(i)2.e32.284(v)9.71154(i)24.33117( )-202.284(v)9-212.29(d)5.674754(i)24.33117(m)-7.49466(e)-l33117(n)-4.33117(a)-5.67474(o)-4õ.32873( )-202.282(f)-s00]TJETQ.84032((p)-4.33117(o)-.33117ê33117(t)-2.J-2125-535 -20.7630 BT421-4.33056(p)-l17(n)-4.33117(p)-87(d)-09332.16558(p)-d.16558(p)-o.16558(p)-4.33Tdm)-202.284(v)9.713Tdm)-u49466( )-2.J-2003-202.284(v)9.713Tdm)-.80518( )-212.288(6a)e.3117(,)-2.16558( )7c33117(l)1u.49588( )74.33117(z)9.71032( )-2.33117(e)-ã.33117( )-222.294(e)-4.33Tdm om r omomelia vvid e122(t)-2.87122(d)-4.33117(i)1p.49466(e)-l33117(n)-.89466( )--212.29(d)5.6743Tdm894202.284(v)9-212.29(d)5.p.49466(e)-e.16558( )7c331107rf
76
Incontestavelmente, existe, entre educação e cultura, uma relação íntima,
orgânica. Quer se tome a palavra ‘educação’ no sentido amplo, de formação
e socialização do indivíduo, quer se a restrinja unicamente ao domínio
escolar, é necessário reconhecer que, se toda educação é sempre
educação de alguém por alguém, ela supõe sempre também,
necessariamente, a comunicação, a transmissão, a aquisição de alguma
coisa: conhecimentos, competências, crenças, hábitos, valores, que
constituem o que se chama precisamente de ‘conteúdo’ da educação.
Devido ao fato de que este conteúdo parece irredutível ao que há de
particular e de
contingente na experiência subjetiva ou intersubjetiva
imediata, constituindo, antes, a moldura, o suporte e a forma de toda
experiência individual possível, devido, então, a que este conteúdo que se
transmite na educação é sempre alguma coisa que nos precede, nos
ultrapassa e nos institui enquanto sujeitos humanos, pode-se perfeitamente
dar-lhe o nome de cultura
103
.
A educação, desde a Antigüidade, está a serviço do desenvolvimento das
potencialidades do homem, em vista a sua realização pessoal e a sua ação no
mundo, na interação com os outros e com a natureza. Assim, educere significa
trazer para fora as potencialidades, virtualidades ou faculdades presentes, de forma
latente, no indivíduo, e educare quer dizer atualizar estas mesmas qualidades
intrínsecas
104
. O raciocínio, a vontade, a memória, a liberdade, etc., precisavam ser
cultivados. No dizer de Queiruga (1995), a função da maiêutica socrática vai
nessa direção:
A significação básica da ‘maiêutica’ esexpressa no Teeteto [148 A-151]
com o estilo inigualável do diálogo socrático. Sócrates, filho de parteira
(maia), afirma praticar a mesma arte de sua mãe: a maiêutica (maieutiké
techne). Mediante sua palavra, traz à luz ‘ajuda a gerar’ o que estava
dentro do interlocutor. Como no caso famoso de Menon [80 D-86 D], em que
o escravo, graças às perguntas de Sócrates, consegue ‘descobrir a
geometria’, a maiêutica faz o interlocutor descobrir, engendrar ou dar à luz a
verdade que ele traz em si mesmo”
105
.
Por envolver os vários níveis e dimensões do ser humano, é difícil esboçar
um conceito satisfatório de educação. Envolve o indivíduo, nas suas múltiplas
dimensões, com sua dinâmica intrínseca, o desenvolvimento e as mudanças
desencadeadas, ao longo do processo de crescimento, bem como as influências da
sociedade e do meio ambiente mais amplo, assim como a construção que a pessoa
103
FORQUIN, Jean-Claude. Escola e Cultura As bases sociais e epistemológicas do conhecimento
escolar. Tradução Guacira Lopes Louro. Porto Alegre: ARTMED, 1993, p. 10.
104
Declaração Gravissimum Educationis”, sobre a Educação Cristã: De acordo com os progressos
da psicologia, pedagogia e didática, de dar-se assistência às crianças e aos jovens para
desenvolverem harmoniosamente seus dotes físicos, morais e intelectuais, para adquirirem
gradativamente um senso mais perfeito de responsabilidade, que de ser retamente desenvolvido
na própria existência por contínuo esforço e verdadeira liberdade, superados os obstáculos com
generosidade e constância”.
105
QUEIRUGA, Andrés Torres. A Revelação de Deus na Realização Humana. São Paulo: Paulinas,
1995, p. 113.
77
faz de si mesma pelas opções que vai realizando. É, em primeiro lugar, fruto do
empenho e do esforço do estudante. O professor secunda o processo, apóia,
aponta, ajuda nos questionamentos e na análise das alternativas encontradas, mas
enganaria, se dissesse ou fizesse de conta que tudo é cil, jocoso e espontâneo.
Delors (2000) chama a atenção para essa questão, observando que,
[...] de fato, os professores têm na sua frente jovens cada vez menos
enquadrados pelas famílias ou pelos movimentos religiosos, mas cada vez
mais informados, terão de ter em conta este novo contexto, se quiserem
fazer-se ouvir e compreender pelos jovens, transmitir-lhes o gosto de
aprender, explicar-lhes que informação não é conhecimento e que este
exige esforço, atenção, rigor, vontade
106
.
O meio favorável e os estímulos adequados são importantes; porém, não se
pode esquecer ou omitir que o ser humano é dotado de vontade, poder de
superação e é capaz de surpreender. Não existe aprendizagem sem esforço; se
prazeroso, é um ganho extra. O Documento de Puebla, enfatiza que
a educação humaniza e personaliza o homem quando consegue que este
desenvolva plenamente o seu pensamento e sua liberdade, fazendo-os
frutificar em hábitos de compreensão e comunhão com a totalidade da
ordem real; por meio destes, o próprio homem humaniza o seu mundo,
produz cultura, transforma a sociedade e constrói a história
107
.
À educação formal ou escolar cabe uma parcela específica de influência, à
medida que se encarrega da apresentação sistemática dos conhecimentos e
experiências das gerações anteriores e propõe ajudar o educando a refletir sobre
elas, digeri-las, a partir da sua singularidade e apropriar-se delas de modo a
transformá-las em aprendizagem. Aqui encontra-se o ponto de partida para novas
descobertas na maneira de conduzir a vida pessoal e contribuir para melhorar a vida
em sociedade e as relações com a natureza. Ardoino (2001) ressalta que a
educação vive a dialética entre a busca da afirmação do sujeito e a adaptação deste
ao já existente e a submissão do que já encontra estabelecido:
De certa maneira, toda odisséia educativa oscila, por razões diversas, para
cada um dos parceiros que se encontra fazendo parte dela, entre o turbilhão
de Caríbdis e os obstáculos de Cila. O desejo de transgressão permanece
inseparável do imperativo do respeito da lei. Nisso, a educação é sempre
mestiçagem, invenção de um compromisso em favor de uma duração. Por
um lado, ela visa ao desenvolvimento da pessoa, à constituição do sujeito,
sua autorização (capacidade conquistada para tornar-se co-autor de si
mesmo), mas, por
outro lado, ela prossegue nos objetivos que lhe são
atribuídos devido à sua função social, a adaptação ao que existe, a
106
DELORS, Jacques. Educação Um Tesouro a Descobrir: Relatório para a UNESCO da Comissão
Internacional sobre Educação para o Século XXI. 4. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO,
2000, p. 26-27.
107
PUEBLA A Evangelização no Presente e no Futuro da América Latina. Texto Oficial da CNBB. 3.
ed. Petrópolis: Vozes, 1980, n. 1025, p. 254.
78
iniciação e submissão às regras, o que permite a entrada na sociedade. Ela
vai assim evidentemente bem mais longe do que a simples instrução,
transmitindo valores (familiares, sociais, universais)
108
.
Constitui desafio permanente, para a educação, em todos os níveis, ser
crítica diante das tentativas de manipulação que buscam, por motivações diversas,
torná-la caudatária de ideologias colocadas a serviço de interesses de indivíduos, de
grupos, de países ou mesmo de regiões. Sem consciência crítica, a propaganda dos
mais hábeis, no discurso e com mais dinheiro para investir, pode impor uma leitura
de mundo ou da história, a serviço da implantação ou da manutenção da sua
hegemonia e da prevalência dos seus interesses. Nessa perspectiva, questiona o
Relatório Delors:
Que esperança podemos ter no futuro se não nos derem uma imagem fiel
do passado? Se os fatos fossem apresentados com mais cuidado e
exatidão, se a explicação que dos mesmos nos é dada fosse menos
nacionalista e eivada de hegemonia, se focasse mais os valores humanos
individuais e universais, seria mais difícil iludir a opinião pública. A
Educação terá de progredir em outros dois níveis, pelo menos, para
conseguir vencer esta manipulação da opinião blica: terá de utilizar mais
o método científico, assentado na observação objetiva e retirando as suas
conclusões de dados que não se podem falsificar facilmente; terá de dar
mais atenção aos valores culturais universais que, além da tolerância,
promovem o gosto pela diversidade cultural
109
.
Corroborando essa preocupação, McLaren (2000) chama a atenção para os
textos trabalhados na escola e a necessidade de interrogá-los “pelo que não dizem –
por seus silêncios ‘estruturados’ assim como pelo que dizem”
110
e para os critérios
adotados para estabelecer que determinados textos devem ser sempre trabalhados
em aula, independentemente da realidade dos educandos. Aos educadores é
importante, segundo o autor, darem-se conta de que o conhecimento deve ser
abordado, não como algo “dado e autojustificado por sua valoração acadêmica ao
longo dos tempos, mas abordado como uma forma de produção, com uma visão da
natureza socialmente constitutiva, tanto dos leitores como dos textos”
111
. Tal
avaliação crítica ajudará os educadores a entenderem por que certos
conhecimentos, como os trabalhos literários clássicos, têm garantido sua presença
nos currículos, enquanto que os conhecimentos das classes subalternas, em
108
ARDOINO, Jacques. A Complexidade. In: MORIN, Edgar. A Religação dos Saberes. O desafio do
Século XXI. Trad. Flávia Nascimento. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2001, p. 556.
109
DELORS, op. cit., p. 237.
110
MCLAREN, op. cit., p. 44.
111
Idem, Ibidem.
79
desvantagem econômica, assim como os das minorias e das mulheres não são
incluídos, quando não desvalorizados ou mesmo renegados.
Nessa perspectiva, Cabanas (1995) fala na educação como uma realidade
dialética ou antinômica
112
. Resume-a em vinte antinomias, aqui simplesmente citadas
e sem entrar na discussão sobre a possibilidade ou conveniência ou não do esforço
em reduzir a dialética a esquemas lógicos, com o fito de explicá-la e compreendê-la:
antinomia: A educação entre o determinismo da herança e das influências do
meio ambiente; antinomia: A educação entre a possibilidade e a dificuldade de
educar; antinomia: A educação entre a tarefa de informar e a de formar;
antinomia: A educação entre a hétero e a auto-educação; antinomia: A educação
entre a atitude receptora e a atividade criadora; antinomia: A educação como
mediação entre os impulsos espontâneos e a vida reflexiva; 7ª antinomia: A
educação entre uma ação determinante e uma ação de simples apoio; antinomia:
A educação entre o propósito manipulador e a ação libertadora; antinomia: A
educação entre a tecnologia e a arte; 10ª antinomia: A educação entre o esforço
provocado e o interesse espontâneo; 11ª antinomia: A educação entre racionalidade
e afetividade; 12ª antinomia: A educação entre a disciplina repressora e a
permissividade na liberação de impulsos; 13ª antinomia: A educação entre a
obediência e a liberdade; 14ª antinomia: A educação entre a salvaguarda do objetivo
e do subjetivo, do absoluto e do relativo; 15ª antinomia: A educação entre uma
construção mecânica e uma atividade espiritual; 16ª antinomia: A educação entre a
atividade intelectual e a atividade amorosa; 17ª antinomia: A educação entre o servir
aos interesses do indivíduo ou aos da sociedade; 18ª antinomia: A educação entre a
função adaptadora e o desenvolvimento da originalidade pessoal; 19ª antinomia: A
educação entre o futuro e o presente do educando; 20ª antinomia: A educação entre
o dever e o direito. Mesmo admitindo que as principais antinomias estão
mencionadas, sabemos que poderiam ser identificadas outras, assim como algumas
112
CABANAS, José Maria Quintana. Teoría de la Educación Concepción Antinómica de la
Educación. Madrid: Dykinson, 1995, p. 57: “La educación no es solo problemática, sino además
antinómica. Mejor dicho, su problematicidad viene ante todo de las antinomias que encierra. Por
antinomias entendemos problemas estructurales-funcionales de un ser, en forma de contradiciones
internas. En la realidad viviente, social y cultural se dan antinomias, y ante ellas se queda uno sin
palabra, porque no se pueden entender, no se pueden explicar. Mas hay que aceptarlas, porque son
parte de la realidad. Según Hegel, son la esencia misma de la realidad. Precisamente la educación es
una de esas realidades donde los pares de alternativas contrarias se hacen más manifiestos. De aqui
que no haya forma de aclararse en los temas básicos de educación”.
80
das mencionadas possivelmente poderiam ser conjugadas ou formuladas de outra
maneira.
Sobre a caracterização da educação antinômica diz Cabanas:
Não é uma teoria ‘dialéticastricto sensu, porque não parte dos postulados
metafísicos hegelianos. Mas se baseia na presença generalizada de
antinomias dentro da estrutura da educação que cobra, assim, um caráter
dinâmico e, sobretudo, problemático. A normatização pedagógica deverá
sair por inteiro da colocação de todas e de cada uma das antinomias, sendo
formuladas segundo o modo como se entende a superação de cada uma
delas
113
.
Se educação envolve o sentido pessoal e social da vida humana, se quer
desenvolver uma postura crítica e valorativa dos atos humanos, individuais e na sua
relação com os outros e o universo, englobando também os fins que regem os
processos educativos, é importante, em primeiro lugar, estar disposto a conhecer
mais e melhor a multiplicidade e pluralidade de elementos envolvidos, inclusive
aprofundando os próprios termos e o significado que se lhes nas suas diferentes
possibilidades de aplicação, sem esquecer a origem e o enfoque que em cada
proposta se deseja desenvolver.
Então, acreditamos que uma atitude correta e pedagogicamente madura
seja evitar os exclusivismos e extremismos que levam ao fechamento para outras
alternativas, diferentes daquela que, no momento, se apresenta como boa ou até
como a melhor. que se ter o discernimento necessário para perceber as
circunstâncias históricas, sociopolítico-econômico-culturais em que uma determinada
concepção se desenvolveu e se configurou como sendo a ideal. Uma das
dificuldades mais comuns é a proximidade histórica dos fatos ou das circunstâncias
em que as teorias nascem, são executadas e se estruturam, sem que se consiga
elaborar uma visão de conjunto.
Parece, por isso, conveniente partir da perspectiva antinômica por buscar,
apontar e trabalhar com as contradições, as confluências e as divergências no
processo educativo e na ação e relação dos agentes envolvidos, num desafio
permanente de não se fixar nas posições extremas de nenhuma proposta e sim
operar uma síntese entre o individual e o universal, o temporal e o eterno, a pessoa
e a sociedade, a tradição e o progresso, o físico e o espiritual, lembrando que a
educação é tudo isso e mais, ao mesmo tempo. Envolve a valorização do
aprimoramento humano, que inclui o cnico-científico, educando para valores
113
Idem, Ibidem, p. 255.
81
universais, como justiça, solidariedade, paz, com abertura ao diferente e fraterno,
capaz de dialogar e construir unidade na diversidade, apto a trabalhar para o bem-
estar e a inclusão, num projeto de vida com qualidade para todos. Consegue, desse
modo a superação de uma concepção de ensino e aprendizagem fracionada,
compartimentada em disciplinas estanques e focada em alguma área ou objetivo
específico, circunstanciado. Enfatiza a integração de dimensões diferentes, mas
complementares, que contemplem os conteúdos das áreas específicas, a reflexão
sobre esses conhecimentos e o saber conviver, intervir, desenvolvendo a
capacidade para transformar a própria vida e influenciar afirmativamente os que
estão à sua volta a também se desenvolverem e se tornarem, por sua vez, agentes
de transformação.
Em outras palavras, todas as dimensões do ser humano devem ser
abarcadas no processo educativo. Nada do que é genuinamente humano pode ser
omitido ou negligenciado pela Educação e, por isso, tudo o que faz parte da pessoa
humana é campo da educação e sua tarefa. Esta observação refere-se,
naturalmente, à educação como um todo, enquanto processo permanente de
desenvolvimento do ser humano, em todos os âmbitos e sentidos.
O homem é um todo e, por isso, cada momento e tudo o que acontece com
ele ajuda-o a ser mais plenamente ele mesmo ou, então, atrapalha esse exercício
continuado de construção, do qual ainda muito para ser descoberto, e muito do
que se sabe precisa ser revisto, aprofundado e levado em conta, nas várias
esferas formativas, como a família, a escola e os grupos sociais.
Por outro lado, é missão e desafio da educação estar atenta ao
desenvolvimento integral do homem em todas as suas dimensões, o que significa
um caminho de identificação sempre mais acurada das suas potencialidades e uma
disponibilização permanente de recursos e condições para o seu pleno
desenvolvimento. Busca-se a construção do sujeito. Trata-se de um projeto
permanente, abrangendo a interioridade, onde se educam e manifestam o conhecer,
o fazer, o sentir e o querer, além da exterioridade, formada pelos elementos
corporais, familiares e sociais, constituindo os aspectos cognitivos, motores,
emotivos e volitivos, assim como o psicocorporal, psicofamiliar e o psicossocial,
82
inter-relacionados e interpenetrados
114
. A história mostra que a dimensão espiritual,
numa pluralidade de concepções, experiências e desdobramentos, costuma mover a
dimensão interior e a exterior bem como a relação entre ambas.
Nessa perspectiva, identificamos as características fundamentais do homem:
um ser dinâmico em busca permanente de sentido, para si, os outros e o cosmo.
Tudo é dotado de sentido e nada é indiferente no processo de construção do
humano, e a educação está a serviço da potencialização da totalidade polifacetada e
multidimensional do ser humano em toda a complexidade e riqueza
115
.
É necessário manter a atenção ao indivíduo e valorizar a sua busca e
crescimento, sonhos, aspirações e metas, empenho pessoal, facilidades ou
dificuldades intelectuais. Um indivíduo situado num determinado contexto histórico,
dentro de um grupo social, simultaneamente influenciado e construtor da sociedade,
eis alguns elementos a ilustrar a dificuldade que olhar o homem como um todo
suscita, sem ignorar ou omitir todas as demais dimensões e desdobramentos,
enquanto o ser humano é um todo, físico, psíquico, mental, religioso. Delors (2000) o
explicita voltado ao contexto atual:
A educação não serve, apenas, para fornecer pessoas qualificadas ao
mundo da economia: não se destina ao ser humano enquanto agente
econômico, mas enquanto fim último do desenvolvimento. Desenvolver os
talentos e as aptidões de cada um corresponde, ao mesmo tempo, à missão
fundamentalmente humanista da educação, à exigência de eqüidade que
deve orientar qualquer política educativa e às verdadeiras necessidades de
um desenvolvimento endógeno, respeitador do meio ambiente humano e
natural, e da diversidade de tradições e de culturas. E mais especialmente,
se é verdade que a formação permanente é uma idéia essencial dos nossos
dias, é preciso inscrevê-la, para além de uma simples adaptação ao
emprego, na concepção mais ampla
de uma educação ao longo de toda a
vida, concebida como
condição de desenvolvimento harmonioso e contínuo
da pessoa
116
.
114
PEREIRA, Potiguara Acácio. O que é pesquisa em educação? São Paulo: Paulus, 2005, p. 22:
“Dotados de consciência, os sujeitos têm o poder de agir sobre suas próprias vidas. Eles conhecem,
agem, sentem e querem. [...] Toda atividade pedagógica é voltada para sujeitos. E isso leva a crer
que toda atividade pedagógica se em vista a uma concepção de homem. E o que é o homem?
Questão complexa e que exige reflexão profunda. Suas respostas dirigirão toda e qualquer prática
educativa. Do mesmo modo, pensar a Educação é pensar o humano, isto é, teorizar sobre ele em seu
cerne”.
115
MORIN, Edgar. A Religação dos Saberes O desafio do século XXI. Jornadas temáticas
idealizadas e dirigidas por Edgar Morin. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil Ltda, 2001, p. 14: “A
inteligência que sabe separar espedaça o complexo do mundo em fragmentos desconjuntados,
fraciona os problemas. Assim, quanto mais os problemas tornam-se multidimensionais, maior é a
incapacidade para pensar sua multidimensionalidade; quanto mais eles se tornam planetários, menos
são pensados enquanto tais. Incapaz de encarar o contexto e o complexo planetário, a inteligência
torna-se cega e irresponsável”.
116
DELORS, Jacques, op. cit., p. 85.
83
Estar atento a todas essas variáveis, sabendo que é muito difícil não
descurar de nenhuma ou privilegiar umas em detrimento de outras, é desafio
constante no processo educativo.
Cabe uma atenção especial àqueles aspectos a que, no nosso contexto
sócio-histórico-cultural, se menor importância, e ajudar a fazer uma síntese, no
sentido de despertar nos educandos a consciência da necessidade do exercício de
olhar à sua volta, para desenvolver uma visão mais ampla de si mesmos e da
realidade, para além do que, nos meios de comunicação e nas relações informais,
normalmente, se leva em conta ou valoriza. À educação compete a missão
fundamental de ajudar os educandos, em qualquer idade, a voltarem a sua vida para
aquilo que pode realizá-los de maneira duradoura, discernindo o efêmero e os
modismos que notadamente servem a outros interesses, imediatos, ideológicos ou
econômicos. Reportamo-nos uma vez mais a Delors (2000):
A experiência mostra que é preciso procurar obter e promover a integração
de conhecimentos e de valores para se chegar a uma sociedade mais
humanista, criar um sentido muito forte de responsabilidade em relação ao
meio ambiente local, nacional e mundial, e avivar o entusiasmo que deve
animar a vontade de viver juntos. A participação de personalidades do
mundo da política como do mundo da produção, da ciência e da cultura, nos
programas produzidos para este efeito pelos meios de comunicação social
tem-se revelado poderoso catalisador
117
.
Clama à necessidade premente de cada um se assumir como sujeito da sua
formação e do seu desenvolvimento integral, de responder por suas escolhas e
construir-se. Trata-se de um processo interativo em que concorrem muitos agentes,
a partir da família, o ponto de partida. Na educação formal, desde o começo, a
escola se torna o espaço e a referência principal. Por isso, a importância
fundamental da confluência entre ambas
118
. No entanto, a sociedade toda participa
da educação das pessoas e as orienta de múltiplas maneiras. Como ilustração,
pode-se lembrar a observação de Fullan (2001), ao comparar desafios para a
liderança nas empresas e na educação:
Liderança na empresa e na educação crescentemente têm cada vez mais
em comum. Como podemos ver, as empresas compreendem sempre mais
que ter propósitos morais é decisivo para um sucesso sustentável. A este
respeito elas têm muito a aprender das escolas. Escolas estão começando
a descobrir que novas idéias, criação de conhecimento e compartilhamento
117
DELORS, Jacques, op. cit., p. 236.
118
MARITAIN, Jacques, op. cit.: “Desde o começo, isto é, desde a Infância, a condição do homem é
estar sujeito, e, ao mesmo tempo, defender-se dos protetores a quem a natureza confiou sua vida. E
crescer assim, no conflito e através dele, se a energia, o amor e a boa vontade fazem vibrar seu
coração”.
84
são essenciais para resolver problemas de aprendizagem numa sociedade
de rápidas mudanças. Escolas podem aprender sobre como as melhores
companhias inovam e obtêm resultados. No vel mais básico, empresas e
escolas são parecidas na sociedade do conhecimento, ambas precisam se
tornar organizações de conhecimento ou não conseguirão sobreviver. Deste
modo, líderes na empresa e na educação encaram desafios semelhantes
como cultivar e manter aprendizagem sob condições de complexidade, de
mudança rápida
119
.
Ao mesmo tempo que se delegam à escola, ao longo dos vários níveis,
sempre mais temas para serem desenvolvidos e abordados, como se se tratasse de
uma fábrica e o aluno fosse o objeto da manufatura, parece não haver ainda
compreensão suficiente de que todos, na sociedade, em todas as instâncias, são
educadores pelas suas atitudes e pelos valores que defendem. De pouco adianta,
por exemplo, um discurso pela paz e contra a discriminação, se forem exploradas,
ao longo do dia, nos meios de comunicação de massa, e facultados na Internet e em
outras situações do cotidiano, um sem-número de modelos ou de situações de
exclusão, de anti-herói e de mau cidadão, se, para vender mais jornais e revistas ou,
para ter maior audiência ou assistência, se explorar a tragédia e a malandragem, em
vez de apresentar exemplos e valores a serviço da inclusão, da justiça social, da
dignidade, do zelo pelo outro, configurados como sinais concretos de que é possível,
sim, melhorar a realidade da qual fazemos parte.
Faz-se necessária uma aproximação do conhecimento de outras áreas, não
se restringindo à sua como única possibilidade de acesso ao conhecimento válido.
Assumir, sem subterfúgios, que uma sociedade estratificada e excludente cria
feridas nas pessoas, especialmente nas crianças, que o se resolvem no
voluntarismo ou em medidas isoladas e que os traumas e complexos gerados
podem se manifestar de muitas maneiras, inclusive de compensações mórbidas que
requerem, ao lado de uma avaliação sistemática e rigorosa, políticas objetivas e
eficazmente conduzidas para, a médio e longo prazo, produzirem efeito satisfatório.
Mais uma vez, o imediatismo e a fragmentação não são parceiras de uma educação
119
FULLAN, Michael. Leading in a Culture of Change: being effective in complex times. San
Francisco: John Wiley & Sons, Inc., 2001, Preface, p. XI: “Leadership in business and in education
increasingly have more in common. As we shall see, businesses are realizing more and more that
having moral purpose is critical for sustainable success. In this respect they have much to learn from
schools. Schools are beginning to discover that new ideas, knowledge creation, and sharing are
essential to solving learning problems in a rapidly changing society. Schools can learn from how the
best companies innovate and get results. At the most basic level, businesses and schools are similar
in that in the knowledge society, they both must become learning organizations or they will fail to
survive. Thus, leaders in business and education face similar challenges-how to cultivate and sustain
learning under conditions or complex, rapid change”.
85
que visa o desenvolvimento integral do ser humano. É preciso entender e aceitar
que o método científico pode ser aplicado nas várias áreas do saber e que este é
polifacetado e múltiplo e, na pluralidade, mais completo. O importante, o que legitima
é a complementaridade, a inclusão e a interdependência, no lugar da exclusão. Nas
palavras de Morin
as atividades de jogo, de festas, de ritos não são apenas pausas antes de
retomar a vida prática ou o trabalho; as crenças nos deuses e nas idéias
não podem ser reduzidas a ilusões ou superstições: possuem raízes que
mergulham nas profundezas antropológicas; referem-se ao ser humano em
sua natureza
120
.
Aprendemos, de muitas maneiras, todos os dias, ao longo da vida. Aprender
significa adquirir e desenvolver habilidades e competências, mas também refletir
sobre elas. A maneira de conhecer do homem é pela compreensão de sua vida e
conduta. Está aqui o diferencial da aprendizagem humana; por isso, não
corresponde a treinamento ou a reflexo condicionado
121
. O homem se constrói
agindo e refletindo sobre sua ação. É essa capacidade transformadora do homem
que, em essência, o distingue como humano. Diz Cassirer:
A característica destacada do homem, sua marca distintiva, não é a sua
natureza metafísica ou física, mas o seu trabalho. É o trabalho, o sistema
das atividades humanas, que define e determina o círculo da ‘humanidade’.
Linguagem, mito, religião, arte, ciência e história, são os constituintes, os
vários setores deste círculo
122
.
O grande desafio da educação é ajudar o ser humano neste processo de
seu desenvolvimento pleno, o que requer que não descure de nenhum dos seus
níveis e dimensões, harmonizando a sua liberdade e auto-afirmação com a
responsabilidade que atenta para a necessidade e o bem-estar dos outros,
empenhando-se, todos, na busca do bem comum, que inclui uma ação conjunta na
defesa, recuperação e preservação do meio ambiente.
120
MORIN, Edgar. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. 5. ed. São Paulo: Cortez;
Brasília: UNESCO, 2002, p. 59.
121
DEMO, Pedro, op. cit., p. 78: “[...] Um exemplo disso está nos treinamentos comuns na ‘qualidade
total’. Por não usar conceitos adequados de qualidade, passa-se a admitir que a competência
humana provenha de meros treinamentos, que tratam a pessoa humana como objeto de ensino.
Estritamente, repassa-se conhecimento, esperando que os recursos humanos o absorvam,
internalizem, transformem em conduta, de fora para dentro. Nada é mais contraditório com a condição
de sujeito ou de qualidade humana do que ser objeto. [...] Treinamento é uma iniciativa incapaz de
gestar a autêntica formação básica, compreendida esta como a capacidade de saber pensar para
melhor intervir, na interseção entre qualidade formal e política. Fica-se apenas com a qualidade
formal, se tanto. Treinamento nem isto faz, porque permanece com a cópia do conhecimento, não
impulsionando sua reconstrução. Evita-se a qualidade política, que somente é factível no berço da
educação emancipatória”.
122
CASSIRER, Ernst, op. cit., p. 115.
86
Neste horizonte, podemos situar a Universidade como espaço aberto e a
serviço da Universalidade do ser humano e à multiplicidade de relações que
estabelece e das quais, ao mesmo tempo, é resultado. Objetivar a humanização
significa tomada de consciência permanente dessas possibilidades. É ver o ser
humano nessa complexa teia de relações em que as ciências do homem, da vida e
da terra se tecem e entretecem, na experiência refletida da relação,
interdependência e pertencimento
123
.
A disciplina de Cultura Religiosa, a partir dos valores defendidos em
diferentes tradições religiosas, contribui significativamente na conquista desse
objetivo da educação e oferece referências que colocam os seres humanos e o
mundo numa perspectiva transcendente, mostrando que o universo e a vida têm
sentido e razão, mesmo quando escapam às nossas categorizações e conceitos,
mas que justificam a nossa insistência em manter-nos na busca por respostas mais
significativas.
4.1 UNIVERSIDADE
A universidade, no século XII, surge dentro da Igreja e na perspectiva de
uma fé esclarecida, que quer conhecer e apresentar razões para crer, de acordo
com os começos do cristianismo e repetido na clássica afirmação de Santo Anselmo
de Canterbury (1033-1109): “Fides quaerens intellectum”.
Não obstante essa origem e propósitos, na Igreja tornou-se difícil dialogar
em boa hora com a Modernidade. Estabeleceu-se, em grande parte, uma separação
entre fé e razão, ciência e religião, cuja aproximação nos últimos decênios vem,
aos poucos, sendo retomada. Empregamos a palavra fé com o significado que a
Igreja Católica lhe confere e explicita, ao menos desde o Concílio Vaticano I e que o
123
MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p. 20; 51s: “O
que é complexidade? À primeira vista, a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido em
conjunto) de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e
do múltiplo. Na segunda abordagem, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos,
ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal”. “À
primeira vista, é um fenômeno quantitativo: a extrema quantidade de interações e de interferências
entre ummero muito grande de unidades... Porém, a complexidade não compreende apenas
quantidades de unidades e interações que desafiam as nossas possibilidades de cálculo:
compreende também incertezas, determinações, fenômenos aleatórios. A complexidade, num
sentido, tem sempre contacto com o acaso”.
87
Concílio Vaticano II reafirmou, ou seja, como a atitude “pela qual o homem
livremente se entrega todo a Deus prestando ‘ao Deus revelador um obséquio pleno
do intelecto e da vontade’ e dando voluntário assentimento à revelação feita por
Ele”
124
.
O Catecismo da Igreja Católica, afirma que “a é a resposta do homem a
Deus que se revela e a ele se doa, trazendo ao mesmo tempo uma luz
superabundante ao homem em busca do sentido último da vida”
125
. No Catecismo,
enfatiza-se a dinamicidade da como processo interativo entre o homem e Deus,
em torno de quatro movimentos-chave: o homem em busca de sentido para a vida,
Deus que toma a iniciativa de se revelar ao homem que busca, antecipando-se,
assim, a ele, e a resposta da fé, por parte do homem, correspondendo à iniciativa de
Deus.
Em outras palavras, uma relação de reciprocidade, pautada por confiança e
fidelidade, elementos também identificados como indicadores de relações humanas
autênticas. Libanio (2005) lembra que
o ato de fé envolve todas as dimensões da existência humana: racional,
volitivo-afetiva, histórica, prática, escatológica. Racional, porque o ser
humano busca inteligibilidade para o que crê. Afetiva, porque ama o que
crê. Histórica, porque interpreta tal verdade para o momento cultural em que
vive. Prática, porque implica obras, ações, compromissos. Escatológica,
porque inicia ao que acontecerá em plenitude para além da morte
126
.
Na origem da Universidade está a convicção de que o desenvolvimento do
ser humano é importante e vale a pena. Caminha da Ágora à Academia de Platão,
na antiga Grécia, constituída, esta, como lugar de cultivo do conhecimento e do
aprimoramento das faculdades do homem e inspirada na inscrição constante no
Templo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo”. Aparece como um espaço em que, na
reflexão individual, e, sobretudo, na interação mestre-discípulo o intelecto é cultivado
e o humano construído. Não consiste numa simples aprendizagem de fazer coisas,
mas de busca de sentido e de encontro consigo mesmo, do eu que, se inserido no
mundo, pode ir muito além de qualquer limite. Cada descoberta, por sua vez,
catapulta os indivíduos para novos horizontes, antes sequer imaginados.
A Academia de Platão nasce como uma instituição que enseja responder ao
ideal socrático do autoconhecimento, apresenta-se como um espaço de pesquisa,
124
COMPÊNDIO DO VATICANO II, op. cit., n. 166.
125
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Edições Loyola, 1993, n. 26.
126
LIBANIO, João Batista, op. cit., p. 98.
88
com exigências metodológicas e disciplina rigorosa para o exercício da reflexão a
ser desenvolvida, enquanto busca, pela razão, para o sentido da vida, do mundo e
por Deus, no caminho do mito ao lógos. Esse processo se formula e estabelece
definitivamente com Aristóteles.
O caráter investigativo do acadêmico fica mais claro com a consolidação da
universidade na Alta Idade Média, também conhecida como Idade Média Clássica ou
Idade Média Plena e que corresponde ao período entre os séculos XI e XIII. Esta
está marcada por uma redescoberta de Aristóteles, Euclides e Ptolomeo e pela
tradução das suas obras para o latim, por uma nova valorização do direito romano e
o contato tido na época com a cultura árabe.
Desenvolvia-se o mais antigo dos métodos científicos que consiste,
simplesmente, em fazer perguntas. Se bem observarmos, perceberemos que o ser
humano é um fazedor de perguntas, um interrogante. É assim que passa a vida: da
criança, que aprende a falar, ao idoso, após o centésimo aniversário, na Antigüidade
mais remota de que temos notícia, aos dias de hoje. Quem somos? De onde
viemos? Para onde vamos? Estas continuam sendo as perguntas fundamentais para
as quais tentamos construir respostas ao longo da vida
127
. Em certos períodos da
história, esta constituiu o centro das preocupações, sendo, por isso,
conscientemente assumida. Em outros períodos o fazemos, inclusive quando, na
correria do dia-a-dia, não tomamos tempo para pensar no assunto.
Dessa constatação parece lícito deduzir que os seres humanos são, por
natureza, afeitos à pesquisa. A intuição, a vontade, os sentimentos e a razão
conspiram para a busca (m)-7.49466(b)-4.33117(é)55(b)-4.33110.585(c)9.7103285(c)9.71910. 0 Td[(s)-0.295276(ã)5.f403285(c.49588( )-22.1774(p)51ga)-4.32866(b)-4.33117(é)55(b)-4g(o)-4.33117(s)-0.295585( )-2.1n17( )7.8.5(s)-0.295122(e)-4.33117(s)-0.2955e
89
O espaço da aula, concebido ao longo da história, sob várias perspectivas,
no horizonte cultural de diversas épocas e lugares, plasmado pelos mais diversos
interesses e a serviço de múltiplas ideologias, deveria ser ocasião privilegiada para a
pesquisa, onde os conhecimentos de cada um, colocados em comum, despertassem
interrogações que se busca solucionar. As respostas inventariadas deveriam ser
partilhadas por todos, num processo espiralado, acompanhado pelo professor.
Assim, Moraes; Galiazzi; Ramos (2004), observam:
A pesquisa em sala de aula é uma das maneiras de envolver os sujeitos,
alunos e professores, num processo de questionamento do discurso, das
verdades implícitas e explícitas nas formações discursivas, propiciando a
partir disso a construção de argumentos que levem a novas verdades. [...]
Envolver-se nesse processo é acreditar que a realidade não é pronta, mas
que se constitui a partir de uma construção humana
128
.
Dessa forma, o conhecimento se torna processo em reconstrução
permanente, a serviço da humanização dos seres humanos, com desenvolvimento e
aprimoramento de suas potencialidades, consciência dos limites e empenho em
superá-los, conscientes de sua inserção em comunidade e na natureza. Um
processo educativo construtor de sujeitos, com consciência crítica perante a vida e
os fatos, com condições para decidir pelo bem comum, pelo rumo da história,
construtores da cidadania, em que o discernimento ético faça parte da qualificação
do cidadão. Portanto, um ser humano capaz de inovar, preparado, não apenas para
a empregabilidade, mas também para empreender e para a ação política
organizada. Ou seja, capaz de ter acesso à renda, mas também com sensibilidade
ética, política e de cidadania para empenhar-se pela sua distribuição.
A aprendizagem pela pesquisa, dessa maneira, faz do estudante sujeito do
processo e não o deixa na condição de objeto, passivo receptáculo e repetidor de
conhecimentos prévios, tampouco compactua com visão de aprendizagem como
treinamento ou como recepção de determinadas informações, necessárias para o
exercício de alguma atividade profissional. Dito ainda de outra forma, a
aprendizagem assim concebida não dissocia a formação profissional da construção
do sujeito, com consciência crítica, capaz de discernimento, com possibilidade de
fazer escolhas.
128
MORAES, Roque; GALIAZZI, Maria do Carmo; RAMOS, Maurivan G. Pesquisa em Sala de Aula:
fundamentos e pressupostos In: MORAES, Roque; LIMA, Valderez Marina do Rosário (Orgs.), op. cit.,
p. 10.
90
A vida toda do ser humano se desenrola no esforço de descobrir-lhe o
sentido e conferir significado a tudo que realiza, como o faz, por exemplo, Huxley
(1908):
A interrogação de todas as interrogações para a humanidade o problema
que subjaz a todos os outros e que mais do que qualquer outro suscita o
nosso interesse – é a determinação do lugar que o homem ocupa na
natureza e das suas relações com o universo das coisas. De onde provém a
nossa espécie; quais são os limites de nosso poder sobre a natureza e do
poder da natureza sobre nós; qual é o fim para o qual caminhamos; esses
são os problemas que se deparam novamente, e com imutável interesse, a
cada homem que vem ao mundo
129
.
A pergunta pelo sentido da vida vem amalgamada à pergunta pelo sentido
da morte que, como realidade radical da vida, provoca, na nossa sociedade, um
indisfarçável incômodo
130
. Diante da morte, tudo o que construímos na vida, em
termos de realizações, experiências e as relações, se torna único, singular, eterno. A
tomada de consciência da finitude no processo vida-morte provoca os
questionamentos mais profundos sobre o sentido de tudo o que se é e sobre tudo o
que se faz. Encarar a morte como elemento da vida possibilita dar-se conta das
experiências cotidianas de morte que fazemos, nas decisões que tomamos, nas
opções que fazemos, nas perdas que, com maior ou menor intensidade, são
construtoras da nossa vida, no dia-a-dia, permitindo-nos perceber, então, a morte
como presença constante na construção da vida
131
. Essa percepção ajuda a encará-
la, não como fim último da existência, mas como um momento profundo de
transformação.
A Academia de Platão nasce como uma instituição que enseja responder ao
ideal socrático do autoconhecimento, se apresenta como um espaço de pesquisa.
Esse caráter investigativo do acadêmico fica mais claro com a consolidação da
129
HUXLEY, Thomas Henry. Man’s Place in Nature and Other Essays. Londres, 1963, p. 52 (Digitized
for Microsoft Corporation by the Internet Archive in 2007. From University of Toronto): “The question of
questions for mankind the problem which underlies all others, and is more deeply interesting than
any other is the ascertainment of the place which Man occupies in nature and of his relations to the
universe of things. Whence our race has come; what are the limits of our power over nature, and of
nature’s power over us; to what goal we are tending; are the problems which present themselves
anew and with undiminished interest to every man born into the world”.
130
COMPÊNDIO DO VATICANO II: Constituições, Decretos, Declarações. Constituição Pastoral
Gaudium et Spes, n. 18: A morte é uma realidade que situa o ser humano no profundo e misterioso
enigma da vida”.
131
BINGEMER, Maria Clara Luccheti; LIBANIO, João Batista. Escatologia Cristã. Petrópolis: Vozes,
1996, p. 159: [Morre-se] “no instante da morte, como se morreu ao longo da vida. Este é o caminho
normal de morrer. A presença da morte na existência não se veste de luto, mas de serenidade e
irrevogabilidade das decisões. Uma vida pensada sem morte perde-se, no final, na total
irresponsabilidade”.
91
universidade na alta Idade Média. A palavra Universitas é usada com este
significado no século XIII e coexiste com outras expressões, inicialmente mais
freqüentes, como studium generale, collegium scholasticum, societas studii, ao lado
de outras.
As universidades medievais surgem sob o influxo de uma fé dinâmica que
encara como sua tarefa a busca de compreensão e a promoção da investigação
científica. Uma que não se fecha sobre si mesma e que assume a procura da
verdade como seu desafio e que pode ser resumida na frase de Santo Agostinho, no
século IV: “Entende para que creias, crê para que entendas”
132
, no rumo das
convicções presentes no início da Era Cristã, quando já, na sua Primeira Carta, São
Pedro afirma que o crente “deve saber dar as razões de sua esperança” (1Pd 3, 15).
Nesse intuito foram criadas as primeiras escolas do cristianismo: Alexandria e
Antioquia, objetivando a articulação da sabedoria judaico-cristã com o lógos grego.
A Igreja, que se crê mestra dessa fé, vê na capacidade de pensar e
raciocinar um privilégio que Deus deu ao homem e um instrumento da própria fé.
Uma fé que expressa sua vitalidade também como busca de intelecção, traduzida na
frase de Santo Anselmo de Canterbury, no século XI: “fides quaerens intellectum” (a
buscando inteligência). O que o Papa João Paulo II afirma na Encíclica Fides et
Ratio, com relação à filosofia, pode ser ilustrativo:
E, mesmo quando é o próprio discurso teológico que se serve de conceitos
e argumentações filosóficas, a exigência de correta autonomia do
pensamento há de ser respeitada. Com efeito, a argumentação conduzida
segundo rigorosos critérios racionais é garantia para a obtenção de
resultados
universalmente válidos. Também aqui se verifica o princípio
segundo o qual a graça o destrói, mas aperfeiçoa a natureza: a anuência
de fé, que envolve a inteligência e a vontade, não destrói mas aperfeiçoa o
livre-arbítrio do crente, que acolhe em si próprio o dado revelado
133
.
É esta que permite o surgimento e o estabelecimento da universidade, na
qual é visto o espaço próprio de uma razão que se define pela verdade e também o
espaço de uma que nasce de um encontro com a verdade e se exercita nessa
busca.
Essa está em consonância com a característica que a Igreja, desde o
início da Era Cristã, entendeu ser-lhe intrínseca, ou seja, a sua catolicidade, do
grego katholikós, que significa universal. Portanto, uma que não se satisfaz com
132
SANTO AGOSTINHO. Sermão 43: “Intellige ut credas, crede ut intelligas”.
133
PAPA JOÃO PAULO II. Fides et Ratio Carta Encíclica Sobre As Relações Entre Fé e Razão.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999, p. 81.
92
propor alguns conteúdos como sua verdade, uma verdade parcial, mas que se
caracteriza como busca de uma verdade universal, constituída em expressão de
fidelidade ao Mestre o qual, no Evangelho, se oferece aos seres humanos como a
Verdade e que como tal deve ser reconhecido na fé. Esta, por sua vez, diz respeito à
existência toda e se atualiza nas múltiplas faces do cotidiano, ou como o traduz
Brustolin:
A fé cristã não prega a separação do mundo e nem a plena identificação
com as realidades terrestres. Permanece uma tensão entre o anúncio das
alegrias de tudo o que existe por obra de Deus, e conforme seu plano, e as
miopias do tempo que destroem a possibilidade de viver consoante o desejo
do Criador. Essa fé não pode ser entendida de modo unilateral e
espiritualista. Tal compreensão reduz o enfoque integral da salvação que
Cristo revelou. O cristianismo não há de preocupar-se somente com as
pessoas individualmente, dando-lhes sentido para a existência, mas
também e, necessariamente, de ocupar-se com as relações sociais que
determinam e legitimam a vida do indivíduo como ser criado para a
comunhão e não para a solidão
134
.
A educação na fé constitui um processo que engloba toda a vida e a vida
como um todo. É, portanto, inclusiva e complementar. É um processo não-linear, de
permanente construção, desconstrução, reconstrução. Educação na fé é, pois, um
comprometer-se progressivo com uma experiência, tomando-a como sua, tornando-
se partícipe e atualizador da mesma. Por isso, uma que acolhe, alimenta e se
confronta com a procura da verdade que corresponde à razão humana. Reconhece
um campo autônomo à razão, como o traduz Santo Tomás de Aquino, o qual repete
Alberto Magno, dizendo que a fé e a ciência tratam da mesma realidade, mas não da
mesma forma. Vê a teologia como uma ciência ao lado de outras ciências, onde uma
não anula a outra, mas se complementam numa relação dialógica. Alcançar essa
unidade constitui um grande desafio também hoje, como condição para uma maior
autenticidade no desempenho de cada uma dessas dimensões humanas, para o
bem de uma melhor compreensão do ser humano, tendo em vista o seu
desenvolvimento integral
135
.
A universalidade do humano é preocupação da universidade que, aliás, por
causa disso recebe tal título: um espaço onde as diferenças possam afluir e sejam
134
BRUSTOLIN, Leomar Antônio, op. cit., p. 13.
135
BOFF, Clodovis M. Justificação da Teologia Ontem e Hoje. STUDIUM – Revista Teológica. Revista
Semestral de Teologia do Studium Theologicum de Curitiba. Ano 1, n. 1 Janeiro/Junho, 2007, p.
120: A razão necessita hoje de purificação e de libertação, de cura e de robustecimento. Para isso
precisamente a fé oferece uma ajuda inestimável, na medida em que estimula a razão a avançar até
o extremo de suas possibilidades. A hoje requer mais razão e não menos; pede uma razão forte e
não uma razão fraca. Os cristãos precisam hoje de mais teologia, não de menos”.
93
bem-vindas, onde as perguntas sobre o ser encontrem eco. É nessas perguntas que
o homem revela sua finitude, deixando-o em uma atitude de abertura, de acolhida
diante do novo. A universidade constitui espaço de geração do conhecimento pelo
estudo, reflexão e debate, onde a pluralidade de origens, conhecimentos,
experiências, projetos, utopias, confluem, dando expressão à complexidade das
situações de vida, gerando novas descobertas e construindo novas sínteses. Nos
primeiros centros universitários, os estudantes, que vinham indistintamente de vários
lugares, eram conhecidos como “massa dos que querem aprender”. Traziam consigo
e se valorizavam, as mais diferentes contribuições culturais
136
.
A educação, como frisado antes, é um processo permanente em que ao
prazo e ao tempo não deveria ser dada muita importância, porque gerar o novo,
capaz de inovar e transformar, não costuma vir afixado a fórmulas preestabelecidas.
Estas têm sua utilidade, na medida em que servirem de eixos norteadores aos
estudos e à pesquisa. Este viés da liberdade acadêmica é um grande desafio na
atualidade, marcada pela urgência, estabelecida pelo mercado e constante inovação
técnico-científica, requerida pelo mundo globalizado.
Conciliar a fidelidade à universalidade com um ensino de qualidade,
investimento em pesquisa, inserção social e liberdade acadêmica requerem, hoje,
dos gestores, professores e alunos e, indiretamente, dos órgãos públicos co-
responsáveis e das várias instâncias mais diretamente envolvidas com a causa da
educação na sociedade, um constante aprimoramento, investimento e avaliação.
Uma mentalidade tecnicista, voltada para o imediato e a promessa de uma
94
pensamento fechado: o pensamento fracionário da tecnociência burocratizada, do
que corta, como fatias de salame, o complexo tecido do real”
137
. Vivemos imersos em
um turbilhão de informações, mas não sabemos ao certo o que fazer com elas, ou,
como observa Carvajal:
O indivíduo pós-moderno, submetido a uma avalanche de informações e
estímulos difíceis de estruturar, faz da necessidade virtude e opta por um
vaguear incerto de umas idéias a outras. Parece com um ouvinte noturno
que voltas ao dial do rádio experimentando uma emissora depois da
outra
138
.
Um período de síncrese costuma ser dinâmico e rico em oportunidades e
alternativas de transformar o caos em cosmos. Um dos problemas, no entanto, é
como fazê-lo, a partir de qual perspectiva e para quais alternativas de futuro.
Uma crítica, feita com freqüência, é a de que os profissionais medianos
saídos da universidade são incultos, constituindo uma espécie de “proletariado
intelectual” que apela para a autoridade conferida pelo grau acadêmico,
desempenhando o papel de elite, com atitude arrogante e violenta, sem uma visão
de conjunto, sem hábito de reflexão e sem a sensibilidade ou agudeza a que Pascal
chamava de “l’esprit de finesse”
139
, como o explicita Coreth (1973):
No racionalismo, desde Descartes, o conhecimento racional se restringe à
simples ratio no sentido do pensamento conceptual lógico-matemático,
suprimindo-se, portanto, a diferença entre razão e intelecto, reduzidos
ambos à razão. O puramente racional é posto de modo absoluto: perde
assim seu fundamento na percepção do ser pelo intelecto. O
desaparecimento da distinção exprime-se desde Christian Wolf no
racionalismo escolar alemão mediante o emprego da palavra Vernunft (que
seria intelecto) quase sempre na acepção de ratio, não mais, portanto, como
visão intelectual, mas como pensamento racional-conceptual. Justamente,
porém, em oposição a Descartes surge de novo, em Pascal, a diferença,
com a qual ele quer estourar e vencer a restrição racionalista. Contra o
esprit de géometrie há, mais alto, o esprit de finesse. O nível da pura “razão”
(raison) é sobrepujado por aquilo que Pascal denomina “inteligência”
(intelligence) ou “coração” (coeur), como em sua célebre sentença: “Le
coeur a ses raisons que la raison ne connaît point” (“O coração tem suas
razões que a razão desconhece”). Inteligência” e “coração” significam aqui,
por oposição ao pensamento racional-matemático, não apenas um
sentimento irracional, mas uma faculdade mais elevada e mais fina de
sensação intuitiva e de empatia compreensiva, da qual participam também
sem dúvida forças emocionais do sentimento e do amor, mas que na
137
MORIN, Edgar. A Cabeça Bem-Feita Repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p. 104.
138
CARVAJAL, L. González. Ideas y Creencias del Hombre Actual. Santander: Sal Terrae, 1992, p.
170.
139
95
unidade de todas as forças forma a mais alta faculdade de conhecimento
espiritual.
140
.
alguns séculos, o sábio inglês, o cônego Dr. Copleston, do Ariel
College, em Oxford, assim o expressou: “Ainda que a ciência seja favorecida por
essas concentrações de inteligência a seu serviço, os homens que se encerram nas
especializações têm a inteligência em regresso”
141
. Trata-se, nas palavras cáusticas
do filósofo Ortega y Gasset, do novo bárbaro:
Esse personagem médio é o novo bárbaro, atardado relativamente à sua
época, arcaico e primitivo em face da tremenda atualidade dos problemas.
Este novo bárbaro é, na verdade, o profissional mais sábio que nunca, mas
o mais inculto também é o engenheiro, o médico, o advogado, o homem de
ciência dos nossos dias
142
.
Durante a segunda guerra mundial, o Dr. Robert Hutchins, da Universidade
de Yale, manifestou essa mesma preocupação:
[...] hoje o jovem americano compreende a tradição intelectual de que faz
parte e em que, só por acidente, deve viver: pois seus fragmentos esparsos
se alastram de uma extremidade da escola à outra. Nossos universitários
têm muito mais conhecimento e muito menos compreensão do que os do
período colonial
143
.
Percebe-se, no entanto, que determinadas propostas antigas e
aparentemente superadas conseguem, em certos meios, graças a uma roupagem
pseudocientífica, apresentar-se como atuais e como alternativa original, válida, para
os anseios do homem de hoje.
um conflito nem sempre simples de equacionar entre as exigências do
momento e o fundamento da formação universitária. Nicolescu (2000) ajuda nessa
reflexão, observando que
a harmonia entre as mentalidades e os saberes pressupõe que estes
saberes sejam inteligíveis, compreensíveis. Todavia, ainda seria possível
existir uma compreensão na era do big-bang disciplinar e da especialização
exagerada? Este processo de babelização não pode continuar sem colocar
em perigo nossa própria existência, pois faz com que qualquer líder se
torne, queira ou não, cada vez mais incompetente. Um dos maiores desafios
de nossa época, como, por exemplo, os desafios de ordem ética, exigem
competências cada vez maiores. Mas a soma dos melhores especialistas
em suas especialidades não consegue gerar senão uma incompetência
generalizada, pois a soma das competências não é a competência: no plano
140
CORETH, Emerich. Questões Fundamentais de Hermenêutica. Tradução de Carlos Lopes de
Matos. São Paulo: E.P.U. Editora Pedagógica e Universitária Ltda. Editora da Universidade de São
Paulo, 1973, p. 47.
141
Citado pelo Cardeal Newman. The idea of a University, p. 72.
142
ORTEGA Y GASSET, José. Misión de la Universidad. Obras Completas. 3. ed. Madrid: Rev. de
Occidente, 1969-1971. 11 v., p. 1289.
143
HUTCHINS, Robert. The Higher Learning in America: 1940. Discurso pronunciado na Universidade
de Yale, ao Phi Beta Kappa. Apud MARITAIN, Jacques. Rumos da Educação. Tradução: Inês Fortes
de Oliveira. 2. ed. Rio de Janeiro: AGIR, 1959, p. 95-96.
96
técnico, a interseção entre os diferentes campos do saber é um conjunto
vazio. Ora, o que vem a ser um líder, individual ou coletivo, senão aquele
que é capaz de levar em conta todos os dados do problema que
examina?
144
Zilles (2005) ressalva que ser especialista, não obstante necessário, não é o
suficiente:
Ser especialista é uma qualidade necessária e indispensável, mas
certamente não é suficiente. A especialização aproxima os homens de um
campo de saber para além das fronteiras de países e culturas. Mas existe o
perigo de ser especialista em disciplinas que não atingem o homem
enquanto homem. Nesse caso a especialização pode levar a uma
fragmentação monstruosa em detrimento das qualidades humanas
fundamentais. Cabe à educação buscar o equilíbrio entre a especialização
(o ser douto) e a formação geral ou humanista.
Pessoa erudita é aquela que
alarga seu interesse de conhecimento para além de uma área específica,
para a área da cultura humana, para a filosofia, a teologia, a literatura e a
arte
145
.
O ser humano ajudado no seu desenvolvimento integral, sem descurar de
nenhuma de suas dimensões, é o que cabe à sociedade em relação a seus
membros e à universidade em particular. Valorização do aprimoramento técnico-
científico e também humano, educando para valores universais como justiça,
solidariedade, paz, com abertura ao diferente e fraterno, capaz de dialogar e
construir unidade na diversidade, apto a trabalhar para o bem-estar e a inclusão,
num projeto de vida com qualidade para todos. Portanto, a superação de uma
concepção de ensino e aprendizagem fracionada, compartimentada em disciplinas
estanques e focada em alguma área ou objetivo específico, circunstanciado.
Enfatiza a integração de dimensões diferentes, mas complementares que
contemplem os conteúdos das áreas específicas, a reflexão sobre esses
conhecimentos e o saber conviver, intervir, desenvolvendo a capacidade para
transformar a própria vida e influenciar afirmativamente os que estão à sua volta a
também se desenvolverem e se tornarem, por sua vez, agentes de transformação.
Convém, por isso mesmo, recordar que, com o advento da Modernidade,
diversificaram-se os grupos sociais e, conseqüentemente, os centros de referência
de poder espalhados, hoje, por muitos países, instituições, empresas, dentre
outros
146
. Cultura é cultivo, aprimoramento, que inclui a apreciação estética, a
144
NICOLESCU, Basarab et al. Educação e Transdisciplinaridade. Tradução de Judite Vero, Maria F.
de Mello e Américo Sommerman – Brasília: UNESCO, 2000 (Edições UNESCO), p. 14.
145
ZILLES, Urbano. Perfil do Intelectual Cristão. AtualizaçãoRevista de divulgação teológica para o
cristão de hoje. Ano XXXV, n. 312, janeiro/fevereiro, 2005, p. 21.
146
CONNOR, Steve. Postmodernist Culture An Introduction to Theories of the Contemporary. 2. ed.
Oxford, UK: Blackwell Publishers Ltd; Cambridge, USA: Blackwell Publishers Ltd, 1997, p. 8: “The
97
apreciação da arte, desenvolvimento da curiosidade artística e a sensibilidade para o
belo, além da capacidade para a criatividade e a inovação, como um estilo de vida e
um modo de ser no mundo.
A disciplina de Cultura Religiosa é um dos poucos espaços, na universidade,
onde as tensões da oposição entre e cultura e entre ciência e religião podem se
expressar, bem como ensaios de diálogo podem ser estabelecidos.
4.2 A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA EM INSTITUIÇÕES CATÓLICAS DE
ENSINO SUPERIOR
Será apresentado um estudo comparativo entre cinco Instituições Superiores
de Educação Católica
147
, verificando a relação entre o ideário institucional, expresso
na Missão, Visão, Filosofia, Projeto Educacional, nomenclaturas usadas para
palavras-chave ou expressões que condensem o essencial de sua proposta como
universidade e a maneira como esta se concretiza na disciplina de Cultura Religiosa,
conforme explicitado nas Ementas e Conteúdos Programáticos. É por meio dessa
disciplina que o ideário da universidade católica deve se tornar explícito,
compreendido e assimilado nos seus valores e propósitos, de maneira formal e
sistemática, por todos os alunos.
A escolha dessas Instituições teve como critério:
a) uma prevalência das Pontifícias Universidades, por sua vinculação formal
à Igreja institucional; por serem numericamente mais expressivas e por terem um
reconhecimento local, regional e nacional e, inclusive, internacional;
postmodern condition, we are told repeatedly, manifests itself in the multiplication of centres of power
and activity and the dissolution of every kind of totalizing narrative which claims to govern the whole
complex field of social activity and representation. The warning of the cultural authority of the West
and its political and intellectual traditions, along with the opening up of the world political scene to
cultural and ethnic differences, is another symptom of the modulation of hierarchy into heterarchy, of
differences organized into a unified pattern of domination and subordination, as opposed to
differences existing alongside each other but without any principle of commonality or order”.
147
Universidade Católica de Pelotas RS www.ucpel.br - Acessado em 03 de novembro de 2007.
Universidade Santa Úrsula – RJ – www.usu.br – Acessado em 30 de setembro de 2007.
Pontifícia Universidade Católica Minas Gerais MG www.pucminas.br Acessado em 30 de
setembro de 2007.
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – RS – www.pucrs.br.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - SP. www.pucsp.br – Acessado em 30 de setembro de
2007.
98
b) por terem ambientes de Internet suficientemente organizados e
transparentes, de modo a permitir o acesso e a conferência da proposta institucional
apresentada e dos currículos destinados a concretizá-la.
4.2.1 Missão
Todas as cinco Instituições estudadas empregam na Missão a palavra
formação como substantivo ou como verbo, no infinitivo, formar. Majoritariamente, é
usada para expressar a preocupação em atingir a pessoa como um todo,
expressando-o pelo adjetivo integral, ou mediante descrição, por meio de outras
palavras, denotando dimensões humanas a serem contempladas.
Entre as palavras descritivas, a que mais vezes aparece adjetivando a
formação é a palavra humana, mencionada, por exemplo, como “humanista de novo
tipo” ou “formar seres humanos”, “aspectos humanistas”. Em segundo lugar, figura
associada à preparação profissional, expressa de várias maneiras, como
“formação... de profissionais competentes” e “buscar continuamente a atualização e
o aperfeiçoamento”. Nesse sentido, aparece ainda como sinônimo de formação
humana, formulada como “formação humana profissional” e associada a
competências e habilidades que, por sua vez, podem vir estabelecidas como
critérios, em função de um mercado de trabalho percebido como sempre mais
exigente, conforme expresso, por exemplo, em “formar quadros treinados e
atualizados” e “formação..., orientada por critérios de qualidade e relevância”,
“capazes de concorrer com o mercado de trabalho”. A formação aparece ainda
99
Entre os meios arrolados para alcançar essa formação destaca-se, com
ênfase, a produção e transmissão do conhecimento, seguida pela investigação da
verdade e a assimilação e o desenvolvimento de novas tecnologias. Também como
meios aparecem a “integração entre a universidade e a sociedade”, a articulação
entre “a tradição e a modernidade”, a “interdisciplinaridade e a indissociação do
ensino, da pesquisa e da extensão”.
Figuram como objetivos a serem alcançados “a capacidade de analisar
situações complexas e mutáveis”, o estar “a serviço da pessoa e da sociedade”, o
aprender “a lidar com a diferença”, associada “à capacidade para enfrentar e
resolver problemas” e a “busca de uma sociedade justa e fraterna”.
A motivação para a construção desse processo e o empenho para que vá se
concretizando está nos valores cristãos, associados a princípios da ética e à tradição
educativa da mantenedora.
4.2.2 Visão
Na Visão, que as Instituições estudadas apresentam, transparece a
preocupação em atingir o ser humano em múltiplos aspectos e também a realidade
que o envolve e na qual se deve construir.
Sobressai na exposição que fazem de si essas Instituições e no que
estabelecem para um futuro próximo ou a médio prazo, o propósito de tornarem-se
referência em áreas que lhes são atinentes como instituições de ensino, pesquisa e
extensão, ao mesmo tempo, influenciadas pelas marcas da época em que vivemos.
Querem, assim, tornar-se referência “em educação, tecnologia, desenvolvimento e
saúde” e pela “relevância das pesquisas e excelência de seus cursos e serviços”.
Propõem-se alcançar essa meta pela relevância a ser conquistada através
da colaboração na “solução de problemas locais e regionais”, onde se destaca “a
marca da inovação e da ação solidária”, onde são abertos “espaços para o
estudante participar da vivência comunitária”, para poder, assim, “contribuir com sua
gestão” e, nessa experiência, “realizar sua educação humana e profissional”,
concretizando, desta forma, o “desejo de educar para a liberdade, a autonomia e
responsabilidade”.
100
Na condição de funcionarem, simultaneamente, como meios e como
objetivos, estão a promoção da “interação com a comunidade” e o “compromisso
social”, em vista à “qualidade de vida”.
A Visão expressada nessas metas e meios traz como inspiração, para se
concretizar na consecução das mesmas, a realização do “diálogo entre a ciência e a
fé”, para cuja conquista se faz necessário privilegiar “também a dimensão teológica,
filosófica, ética” o que, por sua vez, faz lembrar que a “comunidade deve basear-se
em uma relação de respeito, participação e comunhão entre seus integrantes”.
Todos esses elementos, contemplados no seu conjunto e sem ater-se a
nenhuma Instituição específica, descortinam um horizonte amplo sobre o ser
humano e o processo educativo. No entanto, olhadas uma a uma, essas visões se
mostram marcadas pela fragmentação em que, mais em umas menos em outras, a
totalidade do ser humano não aparece e nem as metas estabelecidas e os meios
elencados vão ao seu encontro. A formação do ser humano, enquanto processo de
humanização, fica obliterada pelas preocupações e pelo zelo em atender às
demandas apresentadas pela época atual, em termos de preparação de mão-de-
obra e pelos modelos de qualificação salientados como ideais no nosso país, neste
momento histórico
148
.
Isso pode ser constatado, também, quando se compara o que é dito na
Missão com o que se explicita, depois, como Visão.
148
www.pucrs.br/reflexoes/encontro/2001-3/documentos/11-Marco-Referencial-da-PUCRS-
Pergentino-Stefano-Pivatto.pdf, p. 2: “O fim da universidade está entrelaçado com a comunidade e
com a transcendência: preparar profissionais competentes; promover intercâmbio e avanço
conhecimento; zelar pela humanização do homem todo e de todos os homens; promover a
transformação da sociedade em sociedade justa, solidária e pacífica. Uma via privilegiada da inserção
acontece na relação entre níveis de profissionalização e sociedade, entre demanda e oferta. Contudo,
parece haver um preço a pagar: é notório que a demanda social de mercado tende a reduzir a
construção do conhecimento à produção de mão-de-obra qualificada (profissionais) e de mercadorias,
não raro perdendo-se de vista o conjunto dos valores humanos que culminam na promoção de uma
sociedade a ser humanizada. Surge como que uma comercialização do conhecimento que facilmente
pode levar à desvirtuação do mesmo e, inclusive, da instituição. A identidade da universidade
comporta tal nivelamento à lei do mercado que pensa o ensino e a pesquisa na base da lei
mercadológica? A identidade da universidade não tem a ver com busca de sentido e da sabedoria,
não para as pessoas que a freqüentam, mas para a sociedade e a própria humanidade? Além
disso, a lógica da quantificação lucrativa invade o campo dos valores intrinsecamente qualitativos e
humanos”.
101
4.2.3 Ementas
Como observado acima, a designação para a disciplina de Cultura Religiosa
pode variar de uma Instituição de Ensino Superior Confessional para outra, e é o
que constatamos em relação às cinco Instituições que aqui são estudadas: apenas
uma usa esses termos, enquanto nas outras vem designada como Teologia e Ética;
Ciência e ; Introdução ao Pensamento Teológico; Teologia-Fundamentos;
Teologia e Cristianismo; Moral e Ética; Humanismo e Cultura Religiosa. A mesma
diversidade se observa também em relação ao número de créditos destinados à
disciplina, que vão do mínimo de quatro ao máximo de doze.
Não obstante os nomes dados à Cadeira possam sugerir variações nos
conteúdos, ênfases e enfoques variados, é evidente que o número de créditos é
indicador determinante de maior ou menor quantidade de temas que é possível ou
necessário abordar, de acordo com a compreensão e conseqüente proposta de cada
Instituição. A abrangência e o aprofundamento, naturalmente, também se encontram
nessa dependência.
O fenômeno religioso aparece explicitado com alguns acentos, entre os
quais “experiência e linguagem”, “categorias fundamentais de interpretação e de
linguagem do fenômeno religioso”, uma abordagem antropológico-cultural e a busca
da compreensão da existência humana “como relação de alteridade e
transcendência”, situada no tempo e no espaço, em relação com os outros,
“considerando suas interfaces com a arte, a ciência e a espiritualidade”. Várias
ciências contribuem para o estudo do fenômeno religioso e a compreensão do
sagrado.
A religião, entendida “como dimensão integrante da vida humana”, aparece
nesse contexto sob diversas nuanças, como, por exemplo, a “descrição das grandes
religiões mundiais e as confissões no Brasil”, o “estudo das relações entre e suas
implicações no mundo atual”, a realização de “uma reflexão sobre questões vitais da
pessoa e da sociedade contemporânea em diálogo com as diversas áreas de
conhecimento”, o estudo de “conceitos básicos de antropologia filosófica e
antropologia teológica”, com o desenvolvimento da “relação Homem/Mundo e a
questão de Deus”, lembrando da “universidade e sua vocação de conhecimento,
sabedoria e busca de sentido”.
102
A serviço dessa abordagem ampla aparecem questões mais próximas, como
“a questão de Deus na civilização técnico-científica e na cultura contemporânea”, as
mais importantes categorias de análise da religião, as relações entre religião e
Modernidade.
Podemos constatar na visão sinótica, apresentada pelas Ementas, a
predominância da associação de temas religiosos a situações da vida e a realidades
cotidianas em geral, funcionando como fundamentação religiosa para princípios
ético-morais. É assim que aparece a Doutrina Social da Igreja como chave de leitura
da realidade e como fundamento para a práxis cristã, incluindo família, afetividade,
sexualidade, o ,da(a)-4.3311733117
nstaõivaõetivlõd87122(t)-2.16436(u)- r278]TJ-289s
103
4.2.4 Programas
Os Programas, onde aparecem explicitados, detalham as ementas e
permitem observar, por exemplo, os temas que recebem maior destaque. Constata-
se, então, que o ser humano como categoria antropológica fundamental está sempre
presente, como indivíduo, como sujeito a ser construído, como ser de relação, como
construtor da cultura, em busca de sentido. Como assuntos relacionados são
mencionados, com acento na dimensão ética, dentre outros, a família, o trabalho, a
tecnologia, a exclusão, a cidadania, a globalização.
Estes temas e alguns correlacionados aparecem, normalmente, como
introdução, a primeira unidade que prepara para a matéria propriamente dita.
Lugar de destaque ocupa o fenômeno religioso. Envolve quantidade
significativa de aspectos e abordagens, mais ou menos aprofundadas, conforme o
número de créditos disponibilizados à disciplina. Trata, então, da universalidade do
fenômeno religioso, as formas religiosas, a discussão sobre o que é religião, as
críticas dos chamados mestres da suspeita e de outros críticos da religião, a
discussão sobre o sagrado, os ritos, os mitos, os símbolos; a discussão sobre Deus
e as limitações das representações; o homem capaz de Deus; a revelação de Deus,
as experiências de Deus, as atitudes do homem frente ao sagrado, ao longo do
tempo e, hoje, as tendências religiosas atuais, teísmo, ateísmo, agnosticismo, as
correntes místicas.
As religiões constituem unidade central dos Programas. A discussão em
torno do que é religião, seus elementos constitutivos, a classificação das religiões, a
origem, evolução e decadência das religiões, origem etimológica e sistematização
dos conceitos de religião, as diversas abordagens da religião estão entre os temas
introdutórios à unidade, enquanto que o estudo de algumas das grandes religiões e
suas tradições, bem como dos Novos Movimentos Religiosos, formam o seu centro.
O cristianismo ocupa lugar especial, coerente com a confessionalidade
dessas Instituições de Ensino Superior. Entre os temas constantes no estudo do
cristianismo está um aprofundamento do judaísmo, uma vez que nele estão as suas
raízes, o contexto histórico da Palestina do tempo de Jesus, a vida e o Projeto de
Jesus. Jesus, o homem de Nazaré, Filho de Deus e o Salvador; o Deus cristão, o
Deus Trindade; Jesus Cristo e sua concepção de homem e de Deus e sua relação; a
104
esperança cristã para depois da morte, ressurreição e vida eterna. A Igreja e a
continuidade da missão de Jesus; a Igreja nas origens – o cristianismo emergente; a
Igreja ao longo da história: perseguições, Idade Média, cismas, Reforma e Contra-
reforma; a Igreja hoje: Concílio Vaticano II, Igreja na América Latina, Igreja no Brasil;
Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso, num contexto de pluralismo religioso e
globalização; a Doutrina Social da Igreja; a Igreja e as lutas sociais; a espiritualidade
cristã; a cultura cristã, envolvendo a dimensão comunitária, os modelos de Igreja; a
celebração cristã, os sacramentos; a ética cristã, fundamentada na lei do Amor, as
Bem-aventuranças; o cristão, como homem novo em Cristo pelo batismo, se
expressa no testemunho e no seguimento de Jesus Cristo.
A função da tradição oral e, mais especificamente, dos escritos sagrados,
também é enfatizada, de maneira especial, a Bíblia, onde são mencionados, como
principais assuntos, o contexto dos textos, gêneros literários, exegese e
hermenêutica, critérios e métodos de interpretação. A Bíblia como relato da
revelação, como fonte da doutrina; o Antigo e o Novo Testamentos; a tradição
judaica e a novidade do cristianismo; a origem e o conteúdo dos livros bíblicos. A
Bíblia, Palavra de Deus ou palavra dos homens? A Bíblia na vida dos cristãos; dicas
de leitura da Bíblia.
Pode-se observar a ênfase dada às questões relacionadas ao fenômeno
religioso, incluídas as Religiões, com destaque para as diversas tradições religiosas
e de alguns temas específicos dentro delas, como a experiência de Deus, as
mudanças operadas na vida individual e cultural a partir delas, os cultos e a tradição
oral e escrita. O cristianismo, como observado anteriormente, aparece destacado
nos programas, coerente com a confessionalidade das Instituições em pauta.
Outros tema teo(a)-4.33117(s)-0.2as4.33117( )-6.80439(v)-0.262022(c)-0.295585(o)5 guexro dorprotrsmai e90439(i)]TJ33117(i)295585( )-155.67718(i)1.84154(a)-4.67474(c)-0.295588(r)2.80439(a)-4.32873(d)-4.32873(o)-4.32873(s)9.71276(,)797.a
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105
época, trazendo à tona as respostas que se configuram como verdadeiras para as
grandes questões, e crítico, para perceber que sempre um mais além a ser
perseguido para conquistar o sentido intuído como motivo maior e razão última da
existência. Insere-se, aqui, o aspecto da educação integral.
4.3 EDUCAÇÃO INTEGRAL
Como aludido acima, a educação integral é aqui entendida como aquela
que procura ajudar o indivíduo a tornar-se sujeito, contribuindo para o seu
desenvolvimento harmônico em todos os níveis e dimensões do que constitui o ser
humano
149
. Inclui, por isso mesmo, uma concepção filosófica e religiosa do ser
humano
150
. Desse processo de humanização faz parte a relação consigo mesmo,
com os outros, com a natureza, com o meio ambiente, mas sem perder a noção
planetária e, inclusive, cósmica, e a relação com o Transcendente, ou como o afirma
o Conselho Pontifício da Cultura:
Tarefa primeira e essencial de toda a cultura, a educação que é, desde a
Antigüidade cristã, um dos mais destacados campos de ação pastoral da
Igreja, tanto no plano religioso e cultural quanto no plano pessoal e social, é
mais do que nunca complexa e crucial. Ela é fundamentalmente
responsabilidade das famílias, mas tem necessidade da colaboração de
toda a sociedade. O mundo de amanhã depende da educação de hoje, e
esta não pode se reduzir à mera transmissão de conhecimentos. Ela forma
as pessoas e as prepara para se integrar na vida social, promovendo o seu
amadurecimento psicológico, intelectual, cultural, moral e espiritual
151
.
149
DEMO, Pedro. Pesquisa como Princípio Educativo na Universidade. In: MORAES, Roque;
VALDEREZ, Marina do Rosário Lima (Orgs.). Pesquisa em Sala de Aula – Tendências para a
Educação em Novos Tempos. 2. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004, p. 66: “Educação é um
processo essencialmente formativo, no sentido reconstrutivo humano, não algo da ordem do mero
treinamento, ensino, instrução; enquanto estes termos indicam uma influência apenas de fora para
dentro e de cima para baixo, formação toma o aluno como ponto de partida e de chegada”.
150
MARITAIN, Jacques. Rumos da Educação. Tradução: Inês Fortes de Oliveira. 2. ed. Rio de
Janeiro: Livraria Agir Editora, 1959, p. 20: É preciso notar que, se nos propusermos basear a
educação na concepção científica do homem, e se persistirmos nesta idéia, temos que contorcê-la ou
desviá-la. Se perguntarmos pela natureza e o destino do homem, a concepção científica, única à
nossa disposição, tem de responder à pergunta. Então, incoerentemente, tentaremos uma espécie de
Metafísica. Do ponto de vista lógico, teríamos uma Metafísica espúria disfarçada em Ciência e
desprovida de qualquer base filosófica. Do ponto de vista prático, a negação ou concepção errônea
das mesmas realidades ou valores, sem o que a educação perde qualquer sentido humano. Não
passa de treinamento de um animal a serviço do Estado. Portanto, a concepção completa e integral
do homem primeiro requisito da educação só pode ser uma concepção filosófica e religiosa.
Filosófica, porque diz respeito à natureza ou essência do homem. Religiosa, pela posição da natureza
humana com relação a Deus e pelas dádivas especiais e experiências e vocação conseqüentes”.
151
CONSELHO PONTIFÍCIO DA CULTURA, op. cit., p. 33.
106
Tal visão de educação integral, portanto, valoriza o político e o econômico,
empenha-se pelo desenvolvimento físico, psíquico, intelectual, social, ético, estético,
filosófico, afetivo, artístico, que entende como partes do Plano de Deus e por isso
queridas por Ele que em Jesus de Nazaré se tornou um de nós e anunciou por
palavras e obras um Projeto de justiça baseada na misericórdia e de conversão do
coração, como condições para a fraternidade e a paz que, ao mesmo tempo, numa
abertura escatológica, são condição e caminho para a plenitude em Deus, na
eternidade. Em outras palavras, a negação dos reducionismos, tanto daqueles que
limitam o ser humano à esfera biológica, política ou econômica, quanto daqueles de
uma visão religiosa etérea, descompromissada com a realidade histórica concreta.
A concepção de educação integral aqui compreendida será fundamentada
em Documentos da Igreja Católica; em alguns autores, destacados pela importância
de suas elaborações nessa área; no texto Educação: Um tesouro a descobrir -
Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século
XXI, mais conhecido, entre nós, como Relatório Delors, e da Federação
Internacional das Universidades Católicas (FIUC).
4.3.1 Documentos da Igreja
Como o trabalho trata da disciplina de Cultura Religiosa, nas Universidades
Católicas, a referência é colhida dentro da Igreja Católica. Serão analisados
documentos, a partir do Concílio Vaticano II (1962-1965), pela importância que este
desempenha na compreensão que a Igreja tem de si mesma e da sua relação com o
mundo, em múltiplos desdobramentos; documentos do Magistério Pontifício, da
Congregação para a Educação Católica, do Conselho Episcopal Latino-americano
(CELAM).
A Igreja, como assinalado acima, ao longo de toda a sua história, valoriza
e promove a educação. O Concílio Vaticano II lhe dedicou um documento específico,
a Declaração sobre a Educação Cristã, a Gravissimum Educationis (GE), além de
outras referências, como veremos.
Será enfatizada, como é o objeto desta pesquisa, a Universidade Católica,
contextualizada no pensamento e na ação da Igreja que se ocupa da educação em
107
todos os níveis e, desde os primórdios, como vimos, através de uma presença
zelosa e efetiva. Talvez, hoje, diante dos desencantos proporcionados pela
Modernidade, com suas máximas racionalistas e seus reducionismos
antropocêntricos, traduzidos numa fé incondicional na tecnociência e na onipotência
do homem para resolver todos os problemas e conferir sentido à vida e ao cosmos,
renegando as fases anteriores da história ou anatematizando-as de forma
proselitista e dogmática, estejamos em condições mais maduras para, em meio às
mazelas, percebermos, com lucidez e isenção, a contribuição também das religiões
e, no caso particular, da Igreja Católica, no desenvolvimento dos povos onde se faz
presente.
4.3.1.1 O Concílio Vaticano II
Formula a doutrina da Igreja Católica, gestada, ao menos em larga escala,
por reflexões e movimentos anteriores. Contribuíram, de forma significativa, os
Movimentos Bíblico, Catequético, Ecumênico, Teológico e Litúrgico, bem como o
Movimento Operário e a Ação Católica, cada um dentro da sua especificidade,
herdeiros de iniciativas ainda no século XIX, apoiadas e encorajadas, em termos de
Igreja Universal, de maneira especial, a partir da Encíclica Rerum Novarum, do Papa
Leão XIII.
Na Constituição Pastoral Gaudium et Spes (GS), a educação é apresentada
entre as necessidades afirmadas como condição para uma vida verdadeiramente
humana:
Cresce, porém, ao mesmo tempo a consciência da dignidade exímia da
pessoa humana, superior a todas as coisas. Seus direitos e deveres são
universais e invioláveis. É preciso portanto que se tornem acessíveis ao
homem todas aquelas coisas que lhe são necessárias para levar uma vida
verdadeiramente humana. Tais são: alimento, roupa, habitação, direito de
escolher livremente o estado de vida e de constituir família, direito à
educação, ao trabalho, à boa fama, ao respeito, à conveniente informação,
direito de agir segundo a norma reta de sua consciência, direito à proteção
da vida particular e à justa liberdade, também em matéria religiosa
152
.
Essa mesma Constituição afirma o direito de todos à civilização humana e
aos bens da cultura e que ninguém seja excluído, pelo analfabetismo e pela falta de
152
Gaudium et Spes (GS) 26/279.
108
iniciativa, da possibilidade de cooperar para o bem comum. Assegura esses direitos
a todos, sem discriminação de qualquer ordem: de raça, de sexo, nacionalidade,
religião ou condição social GS 60/398). Nesse contexto, afirma que seja estendido o
acesso ao ensino superior a todos, “cujas forças da inteligência o permitam” (GS
60/399), em vista do aprimoramento pessoal e do pleno desenvolvimento cultural, de
acordo com as capacidades e tradições de cada grupo social.
O Concílio defende um amplo acesso aos bens culturais e aos meios
disponíveis para a sua difusão, em prol do desenvolvimento do indivíduo e da
formação da sua consciência, ajudando-o a habilitar-se para posicionar-se
criticamente.
A formação religiosa dos filhos figura como um direito e como um dever dos
pais. A imposição da religião, assim como a total exclusão da formação religiosa,
constituem-se em formas de violência, conforme a Declaração sobre a Liberdade
Religiosa Dignitatis Humanae (DH).
Ao Estado incumbe cuidar do acesso universal à educação. O monopólio
escolar “é inimigo dos direitos do homem, do progresso e da expansão da cultura, da
convivência humana, como também do pluralismo hoje em vigor na maior parte das
sociedades”
153
.
A educação autêntica é aquela que busca o aprimoramento da pessoa como
um todo, em relação ao seu fim último e ao bem-estar da sociedade de que faz parte
e de cuja construção deve participar. Todos os níveis e dimensões do ser humano
precisam ser harmoniosamente contemplados, não descurando do físico, moral e
intelectual, visando também adquirirem os educandos, progressivamente, um senso
maior e mais perfeito de suas responsabilidades e dos papéis que lhes compete
desempenhar na construção do bem comum.
A Igreja fomenta e acompanha, com interesse, as escolas de grau superior e
esforça-se por sua organização e liberdade acadêmica, conforme a Declaração
sobre a Educação Gravissimum Educationis:
A Igreja cerca da mesma forma com interesse e carinho as escolas de grau
superior, sobretudo as Universidades e Faculdades. Mais ainda. No que
dela depende, esforça-se por que, por uma organização metódica, as
disciplinas todas sejam cultivadas com princípios próprios, com métodos
próprios e com liberdade própria de pesquisa científica, de forma que se
atinja uma sempre mais profunda compreensão delas. De maneira mais
109
progresso atual, para chegar-se a perceber com mais profundeza como a
e a razão colaboram para uma só verdade. Sigam as pegadas dos Doutores
da Igreja, principalmente S. Tomás de Aquino. Assim se realiza uma como
que pública, estável e universal presença da mentalidade cristã em todo o
esforço de promover cultura mais profunda. Os alunos desses institutos se
formem de fato como homens de grande saber, preparados para
enfrentarem tarefas de maior responsabilidade na sociedade e para serem
também no mundo testemunhas da fé
154
.
O Concílio recomenda a criação de Universidades e Faculdades distribuídas
por países diversos, zelando para que se projetem, não pelo número, mas pela
ciência, e que se facilite o ingresso nelas, não pelo dinheiro e, sim, pela esperança,
especialmente aos oriundos de países novos (GE 10/1525).
Propõe colaboração entre as instituições acadêmicas e, internamente, entre
as várias Faculdades. Defende a cooperação entre as Universidades, unindo
esforços mútuos de trabalho, promovendo Congressos, dividindo os setores de
pesquisas científicas, partilhando as descobertas científicas, “permutando para certo
tempo seus professores, e levando avante tudo o que contribua para maior
colaboração” (GE 12/1529-1530).
Recomenda que “[...] se fomentem no máximo, nas Universidades e
Faculdades Católicas, os Institutos que se destinam primariamente a promover a
investigação científica”
155
. Na mesma linha, por suposto que seja trabalhada com
esses alunos também a dimensão religiosa, quando afirma: “Nas Universidades
Católicas em que não existir nenhuma Faculdade da S. Teologia, haja um Instituto
ou Cátedra da S. Teologia, na qual também se ofereçam preleções adequadas aos
alunos leigos”
156
. A disciplina de Cultura Religiosa de ser desenvolvida no
horizonte dessa recomendação conciliar, atentando-se aos sinais dos tempos
157
,
sensível e aberta às releituras que as experiências e o contexto histórico-cultural-
religioso usarem e requererem.
A preocupação com o todo da pessoa lembra às Instituições de Ensino
Superior Católicas “o cuidado pela vida espiritual de seus alunos”
158
. Essa
preocupação se estende também às Universidades não-católicas, para que também
se ofereçam aos alunos meios efetivos de acompanhamento da vida espiritual e
154
Idem, 10/1523.
155
GE 10/1524.
156
Idem, Ibidem.
157
Gaudium et Spes (GS) 12/232.
158
GE n. 10/1526.
110
intelectual. Sejam ajudados no discernimento e no encaminhamento da pesquisa e
da difusão do conhecimento.
4.3.1.1.1 Constituição Pastoral Gaudium et Spes
Embora as considerações da presente Constituição Pastoral sobre a cultura
tenham sido tratadas parcialmente acima, são aqui retomadas, porque é nesse
contexto que o Documento conciliar trata da educação.
Testemunhamos o surgimento de um novo humanismo, marcado pela
consciência da responsabilidade diante dos outros e da história, em que é crescente
“o número de homens e mulheres de diversos grupos e nações que tomam
consciência de serem os criadores e autores da cultura de sua comunidade”
159
.
Essa tomada de consciência gera uma esperança maior, ao mesmo tempo
que a percepção das contradições, que encontra, angustiam. Entre estas, destacam-
se: Que medidas tomar para que os intercâmbios culturais levem ao diálogo, com
benefícios para todos e não signifiquem a destruição das elaborações feitas pelos
antepassados, com risco para a manutenção da identidade de cada povo? Como
conciliar o dinamismo e expansão de uma nova cultura, sem suplantar as tradições
herdadas das gerações anteriores? Como conciliar a cultura advinda da ciência e da
técnica “com aquela civilização que se alimenta dos estudos clássicos, segundo as
diversas tradições”
160
? Como elaborar uma síntese em cada ciência, diante dos seus
rápidos avanços e manter a capacidade de contemplação e admiração, necessárias
à sabedoria? Como fazer para que os frutos da cultura cheguem a todos, evitando o
crescimento da distância entre as elites e os demais? Como agir para que a
autonomia reivindicada pela cultura não termine num humanismo imanentista, que
possa vir até mesmo a combater a religião?
O Documento conclui essa lista de antinomias, com a seguinte observação:
No meio destas antinomias é necessário que a cultura humana se
desenvolva de tal modo que aperfeiçoe de maneira equilibrada a pessoa
humana integral e ajude os homens a desempenhar as funções a que são
chamados, sobretudo os cristãos, unidos fraternalmente na única família
humana
161
.
159
COMPÊNDIO DO VATICANO II – Constituições, Decretos, Declarações, op. cit., n. 375.
160
Idem, n. 378.
161
Idem, n. 382.
111
A plenitude da vida, esperada pelos cristãos para a eternidade, longe de
alienar, “antes aumenta a importância da missão que eles têm de desempenhar
juntamente com todos os homens na construção de um mundo mais humano”
162
,
impulsionados pela fé, onde “a cultura obtém o seu lugar exímio na vocação integral
do homem
163
. Assim, o homem participa do plano de Deus de transformar a terra,
como co-criador e administrador da sua obra, bem como do mandamento do amor
ao próximo, recebido de Cristo.
Aplicado às diferentes disciplinas da história, da filosofia, das ciências
naturais, da matemática e das artes, o homem pode ajudar na sensibilização para o
bom, o belo, o verdadeiro “e a um juízo de valor do universo e seja mais claramente
iluminado pela Sabedoria admirável, que estava junto de Deus desde toda a
eternidade, dispondo com ele todas as coisas [...]”
164
. Assim sensibilizado, pode mais
facilmente libertar-se do imanentismo. A realidade e os outros podem tornar-se-lhe,
então, diáfanos à manifestação do Criador, presente nelas.
Mesmo que a ciência e a técnica, em função de seus métodos, corram o
risco de fixar-se nos fenômenos e de assumir uma posição agnóstica, podendo
fechar o homem ao tangível, isto não pode impedi-lo de ver os valores positivos da
cultura moderna:
Entre eles enumeram-se: o estudo das ciências e fidelidade rigorosa à
verdade nas pesquisas científicas, à necessidade de trabalhar em equipe
com outros nos grupos técnicos, o senso da solidariedade internacional, a
consciência cada dia mais viva da responsabilidade dos cientistas na ajuda
e na proteção a ser dispensada aos homens, a vontade de tornar mais
favoráveis as condições de vida para todos, sobretudo para aqueles que
são privados de responsabilidade ou sofrem a indigência cultural. Tudo isto
consegue trazer alguma preparação para que se receba a mensagem do
Evangelho, que pode ser informada pela caridade divina por Aquele que
veio salvar o mundo
165
.
Existe uma relação próxima entre a mensagem de salvação e a cultura:
desde Abraão, ao longo do tempo, até à revelação plena em Jesus Cristo, Deus
“falou de acordo com a cultura própria de diversas épocas”
166
.
Também a Igreja, ao longo da sua história valeu-se sempre dos recursos
culturais na difusão da mensagem do Evangelho, com o intuito de melhor explicá-la,
162
Idem, n. 383.
163
Idem, Ibidem.
164
Idem, n. 385.
165
Idem, n. 388.
166
Idem, n. 389.
112
difundi-la e para uma investigação e compreensão mais profunda, em vista a melhor
exprimi-la, tanto na liturgia quanto na vivência dos fiéis. A Igreja, porém, não está
ligada com exclusividade a nenhuma raça, povo ou país, nem a determinado tipo de
costumes ou hábito, seja antigo ou atual:
Fiel à própria tradição e simultaneamente consciente de sua missão
universal, ela pode entrar em comunhão com as diversas formas de cultura,
donde resultará um enriquecimento tanto para a Igreja como para as
diferentes culturas
167
.
No esforço de ser fiel à mensagem de Cristo, “a Igreja lembra a todos que a
cultura deve estar subordinada à perfeição integral da pessoa humana, ao bem da
comunidade e da humanidade inteira”
168
. Deve haver, da parte de todos, empenho
para que seja respeitado e valorizado o aspecto pessoal e social, na construção do
indivíduo e da sociedade, com liberdade e autonomia da cultura e da ciência, assim
como o direito para que cada um, “observadas a ordem moral e a utilidade comum,
possa investigar livremente a verdade, manifestar e divulgar a própria opinião e
cultivar a arte que desejar”
169
. A estes direitos, a Lumen Gentium acrescenta o direito
à informação: “Exige-se enfim que o homem seja informado imparcialmente acerca
dos acontecimentos públicos”
170
.
Ao poder público não compete decidir como deve ser a cultura, mas lhe cabe
fomentar as condições do seu desenvolvimento e a promoção da vida cultural,
também no meio das minorias e das pessoas com poucos recursos econômicos.
Uma vez que existem recursos para possibilitar que todas as pessoas sejam
beneficiadas pelos frutos da cultura, deve haver um denodado esforço, “para que
muitos não sejam impedidos de cooperar, de maneira verdadeiramente humana, no
bem comum, pelo analfabetismo e pela falta de iniciativa”
171
. A todos deve ser levada
a possibilidade de libertarem-se da miséria e da ignorância, num esforço político e
econômico, nacional e internacional pela participação de todas as pessoas nos bens
básicos da civilização. Por isso, o acesso à educação superior de ser facultado a
todos os que tiverem capacidade para tal, em vista ao desenvolvimento pessoal e à
ação na sociedade, “desempenhando funções, cargos e serviços de acordo com a
167
Idem, n. 391.
168
Idem, n. 393.
169
Idem, n. 396.
170
Idem, Ibidem.
171
Idem, n. 398.
113
sua capacidade e com a competência que adquiriram”
172
. Convém, ainda, lembrar
que, junto do direito à cultura, se coloca também o dever do autocultivo e o de ajudar
os outros a também se cultivarem:
Às vezes, existem condições de vida e de trabalho que impedem os
esforços culturais dos homens e destroem neles o gosto pela cultura. Estas
observações valem de modo especial para os trabalhadores do campo e os
operários, aos quais é necessário oferecer condições tais de prestarem o
seu trabalho que não impeçam, mas promovam a sua cultura humana. As
mulheres trabalham em quase todos os setores da vida. É conveniente,
porém, que possam assumir plenamente, de acordo com a própria índole, o
papel que lhes toca. É dever de
todos reconhecer e promover a participação
específica e necessária da mulher na vida cultural
173
.
Diante do rápido crescimento e da diversidade de componentes que formam
a cultura, é hoje cada vez maior a dificuldade e, quiçá, impossível fazer uma síntese
das várias ciências e artes. Não conseguimos mais acompanhar o conjunto dos
conhecimentos e, menos ainda, elaborá-los organicamente, mas continua o dever de
cada pessoa buscar o desenvolvimento integral da sua personalidade, “na qual
sobressaem os valores da inteligência, vontade, consciência e fraternidade, todos
fundamentados em Deus Criador e que em Cristo foram sanados e elevados, de
maneira admirável”
174
.
A família desempenha o primeiro e insubstituível papel na educação. É nela
que, na experiência do amor, os valores, como componentes aprovados da cultura,
são repassados às crianças e aos adolescentes.
Na sociedade atual, muitas possibilidades de intercâmbios, quer no
âmbito local, quer no regional, nacional ou internacional. Também o turismo e o
esporte tornam-se ocasião especial para o conhecimento intercultural.
O aproveitamento dessas relações, para além de nações, raças e condições,
se tornará maior, se acompanhado de interrogações sobre o sentido da ciência e da
cultura nos seus múltiplos enfoques, para a pessoa humana.
Por mais que a Igreja tenha contribuído e continue contribuindo para o
avanço cultural, hoje, muitas vezes, a relação entre cultura e cristianismo enfrenta
dificuldades. Estas, ao invés de atrapalhar a fé, podem servir de provocação e
estímulo para a busca de um conhecimento mais profundo da mesma. Novas
descobertas, nas diferentes áreas, como ciência, filosofia e história, levantam novas
172
Idem, n. 399.
173
Idem, n. 400.
174
Idem, n. 401.
114
interrogações, questionam muitas das velhas respostas, ao mesmo tempo que são
terreno rtil para a hermenêutica, a partir dos dados e experiências, a desafiar
também os teólogos a novas investigações:
Além disso, os teólogos, observados os métodos próprios e as exigências
da ciência teológica, são convidados sem cessar a descobrir a maneira mais
adaptada de comunicar a doutrina aos homens de seu tempo, porque uma
coisa é o próprio depósito da fé ou as verdades e outra é o modo de
enunciá-las, conservando-se, contudo, o mesmo significado e a mesma
sentença. Na pastoral sejam suficientemente conhecidos e
usados não
somente os princípios teológicos, mas também as descobertas das ciências
profanas, sobretudo da psicologia e da sociologia, de tal modo que também
os fiéis sejam encaminhados a uma vida de fé mais pura e amadurecida
175
.
Às letras e às artes a Igreja reconhece grande importância, diante da
capacidade delas de “compreender a índole própria do homem, seus problemas e
suas tentativas enérgicas de conhecer e aperfeiçoar a si mesmo e o mundo”
176
. O
Concílio recomenda “trabalhar para que os cultores daquelas artes sintam-se
compreendidos pela Igreja, em sua atividade, e, gozando de liberdade ordenada,
estabeleçam intercâmbios mais fáceis com a comunidade cristã”
177
. Sejam
reconhecidas, também, formas novas de arte, expressões desta época e das
características dos diferentes países e regiões:
Os fiéis vivam, portanto, muito unidos aos outros homens de sua época e
procurem perceber perfeitamente suas maneiras de pensar e de sentir,
expressas pela cultura. Unam os conhecimentos das novas ciências e
doutrinas e das últimas descobertas com a moral e os ensinamentos da
doutrina cristã para que a cultura religiosa e a retidão moral caminhem, junto
dos mesmos homens, no mesmo passo do conhecimento das ciências e da
técnica em progresso incessante e assim consigam eles apreciar e
interpretar todas as coisas com sensibilidade autenticamente cristã
178
.
É importante a realização de uma efetiva aproximação das pessoas
que se aprofundam nas disciplinas teológicas, com estudiosos das diferentes
ciências. É uma maneira de oferecer-lhes um conhecimento mais completo do
conteúdo da fé e de a pesquisa teológica aprofundar mais o conhecimento da
revelação. Auxilia os ministros sagrados a apresentar a doutrina da Igreja sobre
Deus, o homem e o mundo, de uma maneira mais adaptada aos contemporâneos e
a muitos fiéis leigos a aprofundarem os estudos da sua religião. Para o melhor
desempenho do seu dever, seja reconhecida a todos, clérigos e leigos, “a justa
175
Idem, n. 406.
176
Idem, n. 407.
177
Idem, n. 408.
178
Idem, n. 410.
115
liberdade de investigação e de pensamento, bem como a justa liberdade de exprimir
as suas idéias com humildade e firmeza, nos assuntos de sua competência”
179
.
4.3.1.2 Constituição Apostólica Ex Corde Ecclesiae, do Papa João Paulo II, sobre as
Universidades Católicas
Na abertura do texto, como indicado no próprio título da Constituição
Apostólica, que quer seja para as Universidades Católicas “como a ‘magna charta’,
enriquecida pela experiência tão antiga e fecunda da Igreja no setor universitário, e
aberta às realizações promissoras do futuro, que requer uma corajosa imaginação e
uma rigorosa fidelidade
180
”, o Papa rememora o surgimento da Universidade no seio
da Igreja:
Nascida no coração da Igreja, a Universidade Católica insere-se no sulco da
tradição que remonta à própria origem da Universidade como instituição, e
revelou-se sempre um centro incomparável de criatividade e de irradiação
do saber para o bem da humanidade. Pela sua vocação, a Universitas
magistrorum et scholarium consagra-se à investigação, ao ensino e à
formação dos estudantes, livremente reunidos com os seus mestres no
mesmo amor do saber. Ela compartilha com todas as outras Universidades
aquele gaudium de veritate, tão caro a St.o Agostinho, isto é, a alegria de
procurar a verdade, de descobri-la e de comunicá-la em todos os campos
do conhecimento
181
.
Para a Igreja, a Universidade Católica se insere no caminho em busca da
verdade e da sabedoria, fundamentada e justificada na experiência da Verdade. Por
isso, “a sua tarefa privilegiada é ‘unificar existencialmente, no trabalho intelectual,
duas ordens de realidade que muito freqüentemente se tende a opor como se
fossem antitéticas: a investigação da verdade e a certeza de conhecer a fonte da
verdade’”
182
. A certeza de já conhecer a fonte da verdade se torna, ao mesmo tempo,
estímulo e meta última para toda a reflexão e investigação, nos diferentes campos
do saber e com os métodos e as cnicas mais adequadas a cada área de
conhecimento:
Sem de modo nenhum desprezar a aquisição de conhecimentos úteis, a
Universidade Católica distingue-se pela sua livre investigação de toda a
verdade acerca da natureza, do homem e de Deus. Com efeito, a nossa
época tem necessidade urgente desta forma de serviço abnegado que é
179
Idem, n. 411.
180
PAPA JOÃO PAULO II. Constituição Apostólica Ex Corde Ecclesiae, 1990, 1.
181
Idem, Ibidem.
182
Idem, Ibidem.
116
proclamar o sentido da verdade, valor fundamental sem o qual se extinguem
a liberdade, a justiça e a dignidade do homem. Em prol duma espécie de
humanismo universal, a Universidade Católica dedica-se completamente à
investigação de todos os aspectos da verdade no seu nexo essencial com a
Verdade suprema, que é Deus. Portanto, ela, sem medo algum, empenha-
se com entusiasmo em todos os caminhos do saber, consciente de ser
precedida por Aquele que é ‘Caminho, Verdade e Vida’ [Jo 14, 6], o Logos,
cujo Espírito de inteligência e de amor concede à pessoa humana
encontrar, com a sua inteligência, a realidade última que é a sua fonte e
termo, e o único capaz de dar em plenitude aquela Sabedoria, sem a qual o
futuro do mundo estaria em perigo
183
.
Uma investigação acurada em vista a um fundamento racional para a fé,
gerando, em lugar de passividade, uma atitude atuante e, ao mesmo tempo, uma
compreensão mais profunda, a partir da fé, perscrutando os arcanos dos mistérios,
sempre mais além do possível de ser alcançado pelos conceitos, rmulas e
quaisquer outras categorias que a razão pode lograr.
Nesta época de constante e contínua evolução científico-tecnológica,
resultando num grande crescimento econômico e industrial, cabe à Universidade
Católica um papel especial, no que diz respeito a encontrar um significado para
esses avanços, no sentido de se tornarem meios para o bem efetivo dos indivíduos e
da sociedade:
Se é da responsabilidade de cada Universidade procurar tal significado, a
Universidade Católica é chamada dum modo especial a responder a esta
exigência: a sua inspiração cris
consente-lhe incluir a dimensão moral,
espiritual e religiosa na sua investigação e avaliar as conquistas da ciência e
da técnica na perspectiva da totalidade da pessoa humana
184
.
A Universidade Católica de compreender-se como um instrumento da
Igreja a serviço da difusão da Boa-Nova de Jesus. Tem uma missão insubstituível,
“que aparece cada vez mais necessária para o encontro da Igreja com o progresso
das ciências e com as culturas do nosso tempo”
185
. Afinal, “as Universidades
Católicas, mediante a investigação e o ensino, ajudam a encontrar de maneira
adequada aos tempos modernos os tesouros antigos e novos da cultura, nova et
vetera’, segundo a palavra de Jesus [Mt 13, 52]”
186
.
Além dos serviços próprios à Universidade e, portanto, comuns a todas, a
Universidade Católica,
em virtude do empenho institucional, traz à sua missão a inspiração e a luz
da mensagem cristã. Numa Universidade Católica, portanto, os ideais, as
183
Idem, n. 4.
184
Idem, n. 7.
185
Idem, n. 10.
186
Idem, Ibidem.
117
atitudes e os princípios católicos impregnam e modelam as atividades
universitárias, de acordo com a natureza e a autonomia próprias de tais
atividades. Numa palavra, sendo ao mesmo tempo Universidade e Católica,
ela deve ser juntamente uma comunidade de estudiosos, que representam
diversos campos do conhecimento humano, e uma instituição acadêmica,
na qual o cristianismo está presente dum modo vital
187
.
Por isso mesmo, a Universidade Católica é lugar onde a realidade é
estudada a fundo, com os métodos e o rigor próprios de cada disciplina acadêmica,
contribuindo para a ampliação e o aprofundamento dos conhecimentos humanos.
Esse conhecimento não de ser estanque, mas, se “cada disciplina vem estudada
dum modo sistemático, as várias disciplinas são levadas depois ao diálogo entre
elas com a finalidade dum enriquecimento recíproco”
188
. Essa investigação
testemunha o apreço da Igreja pela pesquisa e,
para além de ajudar homens e mulheres na perseguição constante da
verdade, proporciona um testemunho eficaz, hoje tão necessário, da
confiança que a Igreja tem no valor intrínseco da ciência e da investigação.
Numa Universidade Católica, a investigação compreende necessariamente:
a) perseguir uma integração do conhecimento; b) o diálogo
entre
a e a
razão; c) uma preocupação ética; e d) uma perspectiva teológica
189
.
É neste contexto de busca da verdade que se dará, de modo especial, o
encontro entre a fé e a razão:
Ao promover esta integração, a Universidade Católica deve empenhar-se,
mais especificamente, no diálogo entre e razão, de modo a poder ver-se
mais profundamente como e razão se encontram na única verdade.
Conservando, embora, cada disciplina acadêmica a sua integridade e os
próprios métodos, este diálogo põe em evidência que a ‘investigação
metódica em todo o campo do saber, se conduzida de modo
verdadeiramente científico e segundo as leis morais, nunca pode encontrar-
se em contraste objetivo com a fé. As coisas terrenas e as realidades da
têm, com efeito, origem no mesmo Deus’. A integração vital dos dois níveis
distintos de conhecimento da única verdade conduz a um amor maior pela
mesma verdade e contribui para uma compreensão mais ampla do
significado da vida humana e do fim da criação
190
.
A Universidade Católica volta-se para a formação integral do ser humano,
zelando para que todas as suas dimensões sejam harmoniosamente atendidas e de
tal forma encaminhadas e mostrada a importância do seu cultivo, a fim de serem
implementadas ao longo de toda a vida:
Os estudantes são solicitados a perseguir uma educação que harmonize a
excelência do desenvolvimento humanístico e cultural com a formação
profissional especializada. O referido desenvolvimento deve ser tal que eles
se sintam encorajados a continuar a investigação da verdade e do seu
187
Idem, n. 14.
188
Idem, n. 15.
189
Idem, Ibidem.
190
Idem, n. 17.
118
significado durante toda a vida, dado que ‘é necessário que o espírito seja
cultivado de modo que se desenvolvam as faculdades da admiração, da
intuição, da contemplação, e de se tornarem capazes de formar um juízo
pessoal e de cultivar o sentido religioso, moral e social’. Isto os tornará
idôneos para adquirirem ou, se o têm já, para aprofundarem um estilo de
vida autenticamente cristão. Eles devem ser conscientes da seriedade da
sua profissão e sentir a alegria de serem amanhã ‘leaders’ qualificados,
testemunhas de Cristo nos lugares onde deverão desempenhar a sua
missão
191
.
A procura pela verdade, realizada na ampliação e no aprimoramento do
conhecimento, por meio do estudo e da pesquisa, tem o desenvolvimento do
indivíduo, as exigências da verdade e o bem comum como critério. O saber
construído deve convergir para o bem de toda a sociedade. Dessa maneira, a
Universidade Católica, mediante a execução das atribuições que lhe são próprias,
ajuda a Igreja a oferecer respostas aos problemas e às exigências de cada época,
pois
a Universidade Católica, a par de qualquer outra Universidade, está inserida
na sociedade humana. Para a realização do seu serviço à Igreja, ela é
solicitada sempre no âmbito da competência que lhe é própria a ser
instrumento cada vez mais eficaz de progresso cultural quer para os
indivíduos quer para a sociedade. As suas atividades de investigação,
portanto, incluirão o estudo dos graves problemas contemporâneos, como a
dignidade da vida humana, a promoção da justiça para todos, a qualidade
da vida pessoal e familiar, a proteção da natureza, a procura da paz e da
estabilidade política, a repartição mais equânime das riquezas do mundo e
uma nova ordem econômica e política, que sirva melhor a comunidade
humana em nível nacional e internacional. A investigação universitária será
dirigida a estudar em profundidade as raízes e as causas dos graves
problemas do nosso tempo, reservando atenção especial às suas
dimensões éticas e religiosas
192
.
A Universidade Católica está aberta à cooperação em projetos comuns de
pesquisa, com as suas congêneres, onde a Federação Internacional das
Universidades Católicas (FIUC) desempenha um papel importante de agregação,
intercâmbio de experiências, crítica e busca conjunta de alternativas; este
intercâmbio deve estender-se também a outras Universidades, quer sejam privadas,
quer sejam do governo. É criadora e difusora da cultura:
Por sua mesma natureza, a Universidade promove a cultura mediante a sua
atividade de investigação, ajuda a transmitir a cultura local às gerações
sucessivas, através do seu ensino, favorece as iniciativas culturais com os
próprios serviços educativos. Ela está aberta a toda a experiência humana,
disposta ao diálogo e à aprendizagem de qualquer cultura. A Universidade
Católica participa neste processo oferecendo a rica experiência cultural da
Igreja. Além disso, consciente de que a cultura humana está aberta à
191
Idem, n. 23.
192
Idem, n.32.
119
Revelação e à transcendência, a Universidade Católica é lugar primário e
privilegiado para um frutuoso diálogo entre Evangelho e
Cultura
193
.
É confiado à Universidade Católica, pela Igreja, o aprofundamento do
conhecimento da diversidade cultural, com suas características, “tempos” e nuanças
próprias, bem como a criação dos meios necessários à compreensão e ao
desenvolvimento cultural e à avaliação crítica da pluralidade de propostas e da
polissemia dos seus conteúdos:
Ela [a Universidade Católica] assiste a Igreja, precisamente mediante tal
diálogo, ajudando-a a obter um melhor conhecimento das diversas culturas,
a discernir os seus aspectos positivos e negativos, a acolher os seus
contributos autenticamente humanos e a desenvolver os meios, com os
quais possa tornar a mais compreensível aos homens duma determinada
cultura. Se é verdade que o Evangelho não pode ser identificado com a
cultura, mas, ao contrário, ele transcende todas as culturas, é também
verdade que o ‘Reino, anunciado pelo Evangelho, é vivido por homens que
estão profundamente ligados a uma cultura, e a construção do Reino não
pode deixar de recorrer aos elementos da cultura ou das culturas humanas’.
‘Uma fé que se colocasse à margem daquilo que é humano, portanto do que
é cultura, seria uma que não reflete a plenitude daquilo que a Palavra de
Deus manifesta e revela, uma decapitada, pior ainda, uma em
processo de auto-anulamento
194
.
Se isso vale para a cultura em geral, vale também para as diferentes
tradições culturais dentro da Igreja.
Como critério de discernimento, na avaliação crítica das propostas culturais,
a valoração dispensada à pessoa humana ocupa o lugar central:
Entre os critérios que distinguem o valor duma cultura, vêm, em primeiro
lugar, o sentido de pessoa humana, a sua liberdade, a sua dignidade, o seu
sentido de responsabilidade e a sua abertura ao transcendente. Com o
respeito da pessoa esligado o valor eminente da família, célula primária
de toda a cultura humana
195
.
O impacto produzido pela tecnologia e pelos meios de comunicação social
sobre as pessoas, as famílias, as instituições e o conjunto da cultura, está no cerne
dessas preocupações, assim como a defesa das culturas tradicionais, na sua
identidade e, de outro lado, o acesso progressivo das culturas locais às
contribuições positivas da cultura moderna.
Nesse contexto, a Universidade Católica deve destacar-se no diálogo entre o
pensamento cristão e as ciências modernas:
Um campo que interessa dum modo especial a Universidade Católica é o
diálogo entre o pensamento cristão e ciências modernas. Esta tarefa exige
193
Idem, n. 43.
194
Idem, n. 44.
195
Idem, n. 45.
120
pessoas particularmente preparadas em cada uma das disciplinas, que
sejam dotadas também duma adequada formação teológica e capazes de
enfrentar as questões epistemológicas ao nível das relações entre fé e
razão. Tal diálogo refere-se tanto às ciências naturais como às ciências
humanas, as quais em novos e complexos problemas filosóficos e éticos.
O investigador cristão deve mostrar como a inteligência humana se
enriquece da verdade superior, que deriva do Evangelho: ‘A inteligência não
vem nunca diminuída, mas, pelo contrário, é estimulada e robustecida pela
fonte interior de profunda compreensão que é a Palavra de Deus, e pela
hierarquia de valores que dela provém... Dum modo único, a Universidade
Católica contribui para manifestar a superioridade do espírito, que nunca
pode, sem o risco de perder-se, consentir em colocar-se ao serviço de
qualquer outra coisa que não seja a procura da verdade’
196
.
Dentro desse propósito do diálogo cultural, a Universidade Católica pode
contribuir também no diálogo ecumênico, em vista à promoção da unidade dos
cristãos e ajudar, da mesma forma, no diálogo inter-religioso, em vista ao
discernimento dos valores espirituais, presentes nas diferentes religiões.
Na segunda parte, a Constituição Apostólica Ex Corde Ecclesiae, apresenta
as Normas Gerais que devem nortear a Universidade Católica em que, no artigo 2º,
apresenta, sob o título A natureza duma Universidade Católica, uma insistência na
identidade dessa Universidade e da sua vinculação com a Igreja. Assim, afirma:
Uma Universidade Católica, enquanto católica, inspira e realiza a sua
investigação, o ensino e todas as outras atividades segundo os ideais, os
princípios e os comportamentos católicos. Ela está ligada à Igreja ou através
dum vínculo formal segundo a constituição e os estatutos, ou em virtude
dum compromisso institucional assumido pelos seus responsáveis
197
.
Não obstante o respeito à liberdade de consciência de cada pessoa, o
ensino e a disciplina católica devem ter presença efetiva em todas as instâncias e
atividades da Universidade Católica:
O ensino católico e a disciplina católica devem influir em todas as atividades
da Universidade, respeitando plenamente a liberdade da consciência de
cada pessoa. Cada ato oficial da Universidade deve estar de acordo com a
sua identidade católica
198
.
A preocupação com a formação integral dos educandos, que perpassa essa
Constituição Apostólica, como os demais Documentos da Igreja em que a educação
é mencionada, é reafirmada também nessas normas, ainda de uma outra maneira:
A educação dos estudantes deve integrar o amadurecimento acadêmico e
profissional com a formação nos princípios morais e religiosos e com a
aprendizagem da doutrina social da Igreja. O programa de estudos para
cada uma das diversas profissões deve incluir uma formação ética
apropriada na profissão, para a qual se prepara. Além disso, a todos os
196
Idem, n. 46.
197
Idem, Artigo 2, § 2.
198
Idem, Artigo 2, § 4.
121
estudantes deve ser oferecida a possibilidade de seguir cursos de doutrina
católica
199
.
Não é difícil perceber a importância da disciplina de Cultura Religiosa no
esforço da Universidade Católica em corresponder à missão que a Igreja lhe confia,
como também não é difícil perceber o desafio que a fidelidade a essa missão
significa para a Universidade Católica. Também, sob esse viés, a disciplina de
Cultura Religiosa pode ser importante espaço de interlocução junto aos alunos,
professores e mesmo junto aos projetos pedagógicos das diferentes Unidades,
extrapolando os objetivos imediatos e os limites de uma disciplina acadêmica para
se tornar um espaço de integralização da educação.
4.3.1.3 Conclusões da II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e
Caribenho A Igreja na Atual Transformação da América Latina, à Luz do
Concílio
200
Acontecida em Medellín, na Colômbia, a Conferência tece críticas à posição
histórica das Universidades na América Latina, dizendo que o ideal da
democratização da educação está longe de ser uma realidade, de modo especial no
nível universitário, não suficientemente atento às realidades locais, “transportando
com freqüência esquemas de países desenvolvidos”
201
. Da mesma forma, afirma o
Documento: “Não permaneceu sempre e em todo lugar devidamente aberta à
investigação, nem ao diálogo interdisciplinar, indispensável ao progresso da cultura
e desenvolvimento integral da sociedade”
202
.
Especificamente no tocante às Universidades Católicas, constata um diálogo
insuficiente “entre a Teologia e os diversos ramos do saber, que respeite a devida
autonomia das ciências e traga a luz do Evangelho para a convergência dos valores
humanos em Cristo”
203
. Destaca, também, que a preocupação primeira da Igreja
deve ser a de melhorar as Universidades já existentes, “antes de promover a criação
199
Idem, Artigo 4, § 5.
200
Normalmente chamado Medellín. Por isso, será citado, doravante, sob este título.
201
Conclusões de Medellín A Igreja na Atual Transformação da América Latina à Luz do Concílio.
Petrópolis: Vozes, 7. ed. 1980, n. 4.6, p. 73.
202
Idem, Ibidem.
203
Idem, p. 73-74.
122
de novas instituições”
204
. Além disso, é importante “promover uma permanente
avaliação dos métodos e estruturas de nossas Universidades”
205
.
De um modo geral, para a educação, nos vários níveis, a Conferência de
Medellín insiste que ela deve ser libertadora,
isto é, que transforma o educando em sujeito de seu próprio
desenvolvimento. A educação é efetivamente o meio-chave para libertar os
povos de toda escravidão e fazê-los subir de ‘condições de vida menos
humanas a condições mais humanas’, levando em conta que o homem é o
responsável e ‘o artífice principal de seu êxito ou de seu fracasso’
206
.
Para alcançar essa meta, faz-se necessário que ela possua algumas
características:
ser criadora; basear seus esforços na personalização das novas gerações,
aprofundando a consciência de sua dignidade humana, favorecendo sua
livre autodeterminação e promovendo seu senso comunitário; ser aberta ao
diálogo; afirmar
,
com sincero apreço, as particularidades locais e nacionais
e integrá-las na unidade pluralista do Continente e do mundo; capacitar as
novas gerações para a transformação permanente e orgânica que o
desenvolvimento supõe
207
.
A educação assim concebida, é vista como “necessária à América Latina
para redimir-se das escravidões injustas e acima de tudo, do seu próprio egoísmo.
Eis a educação que nosso desenvolvimento integral exige”
208
.
4.3.1.4 Conclusões da III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e
Caribenho - A Evangelização no Presente e no Futuro da América Latina
209
Realizada em Puebla, no México, essa Conferência acrescenta ao conceito
educação libertadora, de Medellín, o de ser também evangelizadora,
porque deve contribuir para a conversão do homem total, não em seu eu
profundo e individual, mas também no eu periférico e social, orientando-o
radicalmente para a genuína libertação cristã, que torna o homem acessível
à plena participação no mistério de Cristo ressuscitado, isto é, à comunhão
filial com o Pai e à comunhão fraterna com todos os homens seus irmãos
210
.
204
Idem, n. 4, 31, p. 79.
205
Idem, n. 4, 24, p. 78.
206
Idem, n. 4, 8, p. 74.
207
Idem, Ibidem.
208
Idem, Ibidem.
209
Normalmente chamado Puebla. Por isso, será citado, doravante, sob este título.
210
Documento de PueblaA Evangelização no Presente e no Futuro da América Latina. Texto Oficial
da CNBB. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1980, n. 1026, p. 254-255.
123
Percebe-se, assim, a preocupação em explicitar a integralidade do ser
humano, sem descurar da dimensão da imanência nem da transcendência. Por isso,
a educação deve englobar, dentre outras características: a humanização e a
personalização do homem
211
; integrar-se no processo social latino-americano
212
;
exercer a função crítica própria da verdadeira educação, comprometida com a
educação para a justiça
213
; empenhar-se pela educação integral, trabalhando para
“converter o educando em sujeito, não do seu próprio desenvolvimento, mas
também posto a serviço do desenvolvimento da comunidade: educação para o
serviço”
214
.
Em decorrência do exposto, a educação católica de seguir alguns
critérios: ser anunciadora de Cristo Libertador; levar em conta a situação histórica e
concreta, marcada pelo relativismo debilitante, requerendo personalidades fortes
para resistir ao mesmo e para superá-lo. À educação cabe preparar “os agentes da
transformação permanente e orgânica que a sociedade da América Latina requer,
mediante uma formação cívica e política inspirada na Doutrina Social da Igreja”
215
. A
pessoa tem direito à educação que corresponda às suas características e
necessidades, levando em conta sua cultura e tradições; o educador cristão e as
instituições de ensino confessionais, no caso, católicas, participam da missão
evangelizadora da Igreja; assevera que “a família é a primeira responsável pela
educação; toda tarefa educativa deve habilitá-la a que possa exercer esta missão”
216
;
a liberdade de ensino é muito importante, “como um direito à verdade, que assiste às
pessoas e às comunidades”
217
; a Igreja se dispõe a colaborar com a educação não-
católica, de acordo com a sociedade pluralista; o Estado deveria distribuir as verbas
destinadas à educação com “as organizações de ensino não-estatais, a fim de que
os pais, que também são contribuintes, possam escolher livremente a educação
para seus filhos”
218
.
No que tange especificamente à universidade, o Documento de Puebla
constata significativo aumento no ingresso de jovens latino-americanos no ensino
211
Idem, Cf. n. 1027, p. 255.
212
Idem, Cf. n. 1028, p. 255.
213
Idem, Cf. n. 1029, p. 255.
214
Idem, n. 1030, p. 255.
215
Idem, n. 1033, p. 256.
216
Idem, n. 1036, p. 256.
217
Idem, n. 1037, p. 256.
218
Idem, n. 1038, p. 256.
124
superior. Observa, ao mesmo tempo, que muitos ainda não conseguem entrar ou
manter-se na universidade e que o desemprego frustra a um grande número dos
formados.
À universidade incumbe a missão de
formar verdadeiros líderes, construtores duma nova sociedade, e isto
implica, por parte da Igreja, dar a conhecer a mensagem do Evangelho
neste meio e fazê-lo com eficácia, respeitando a liberdade acadêmica,
inspirando-lhe a função criativa, tornando-se presente à educação política e
social de seus membros, iluminando a pesquisa científica
219
.
Por isso, o ambiente intelectual e universitário deve receber a atenção de
todos: “Pode-se afirmar que se trata duma opção-chave capital e funcional da
evangelização, pois, do contrário, perder-se-ia uma posição decisiva para iluminar as
mudanças de estruturas”
220
. Importante, aqui, não confundir resultados de longo
prazo ou o fato de não poderem ser medidos a curto prazo:
[...] poderia ficar-nos a impressão de fracasso e ineficiência. Contudo, isto
não deve diminuir a esperança e o empenho dos cristãos que trabalham no
campo universitário, pois, apesar, das dificuldades, eles estão colaborando
na missão evangelizadora da Igreja
221
.
Puebla chama a atenção para a importância de existirem serviços de
animação pastoral também nas universidades não-eclesiais. Quanto à universidade
católica, considera que, como “vanguardeira da mensagem cristã no mundo
universitário, é chamada a prestar um serviço relevante à Igreja e à sociedade”
222
.
Na mensagem de Cristo, que abraça o homem na sua totalidade, é que a
Universidade Católica descobre e mantém a sua identidade num mundo pluralista.
Como universidade, “procurará sobressair pela honestidade científica, pelo
compromisso com a verdade, pela preparação de profissionais competentes para o
mundo do trabalho e pela pesquisa de soluções para os problemas mais
angustiantes da América Latina”
223
.
A Universidade Católica deve ser um espaço de diálogo, em que as
diferenças ajudem no enriquecimento recíproco e na busca da resolução de
problemas comuns:
Além do diálogo das diversas disciplinas entre si, e especialmente com a
teologia, da pesquisa da verdade como empresa comum entre professores
e estudantes, da integração e participação de todos na vida e ocupações
219
Idem, n. 1054, p. 259.
220
Idem, p. 259, n. 1055.
221
Idem, p. 259, n. 1056.
222
Idem, p. 259, n. 1058.
223
Idem, p. 260, n. 1059.
125
universitárias, cada qual segundo a própria competência, deve a mesma
universidade católica ser um exemplo de cristianismo vivo e operante. Em
seu âmbito, todos os membros dos diversos níveis mesmo aqueles que,
embora não sejam católicos, aceitam e respeitam esses ideais devem
formar uma ‘família universitária’
224
.
Dessa maneira, a Universidade Católica é instada por Puebla a fazer-se
atenta às necessidades e desafios que lhe forem colocados em cada país e mesmo
na região como tal, a partir de uma auto-análise permanente, no que se refere às
ações desenvolvidas e à estrutura operacional adotada, procurando flexibilizá-la
para desenvolver, de maneira mais profunda, transformadora e adaptadas à
realidade, as suas atividades e propósitos.
4.3.1.5 Conclusões da IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e
Caribenho - Nova Evangelização – Promoção Humana – Cultura Cristã
225
Realizada em Santo Domingo, na República Dominicana, a proposta para a
educação nessa Conferência tem como ponto de partida a formação integral do ser
humano, entendida como pleno desenvolvimento das potencialidades humanas em
todos os níveis e dimensões. o se encaixa, portanto, na ideologia da
uniformização, que nega e anula as diferenças e que quer enquadrar todos na
mesma fôrma.
Para a Conferência de Santo Domingo, a educação cristã deve referir-se
permanentemente a Jesus Cristo, Sua vida e seu Projeto:
Assim a educação cristã se funda numa verdadeira antropologia cristã, que
significa a abertura do homem para Deus como Criador e Pai, para os
outros como seus irmãos, e para o mundo como aquilo que lhe foi entregue
para potenciar suas virtualidades e o para exercer sobre ele um domínio
despótico que destrua a natureza
226
.
é possível educar sabendo para quê e em que direção se quer educar e
conhecendo o projeto de ser humano implícito no projeto educativo. O critério que
torna esse projeto válido é o grau de construção do ser humano que oferece e ajuda
224
Idem, p. 260, n. 1061.
225
Normalmente chamado Documento de Santo Domingo. Por isso, será citado, doravante, sob este
título.
226
Conclusões da IV Conferência do Episcopado Latino-americano. Nova Evangelização Promoção
Humana – Cultura Cristã. Texto Oficial. São Paulo: Paulinas, 1992, n. 264, p. 203.
126
a desenvolver. Na educação cristã, Jesus de Nazaré é o modelo de homem a ser
construído e no projeto educativo deve transparecer o Projeto de Jesus:
muitos aspectos nos quais educar e muitos que constam do projeto
educativo do homem; muitos valores; mas estes valores nunca estão
sós, sempre formam uma constelação ordenada, explícita ou implicitamente.
Se a estruturação tem como fundamento e termo Cristo, tal educação
recapitulará tudo em Cristo e será uma verdadeira educação cristã; caso
contrário, pode-se falar de Cristo, mas não é educação cristã
227
.
Encontramos, na atualidade, diz o Documento de Santo Domingo, uma
pluralidade de valores a nos questionar e que são contraditórios. Por isso, os novos
valores educacionais precisam ser confrontados com Cristo que revela o mistério do
homem:
Geralmente nos pedem, com base em critérios secularistas, que
eduquemos o homem técnico, o homem apto para dominar seu mundo e
viver num intercâmbio de bens produzidos sob certas normas políticas: as
mínimas. Esta realidade nos interpela fortemente para podermos ser
conscientes de todos os valores que estão nela e podê-los recapitular em
Cristo; interpela-nos para continuar a linha da Encarnação do Verbo na
nossa educação cristã, e para chegar ao projeto de vida para todo homem,
que é Cristo morto e ressuscitado
228
.
Especificamente, no que se refere à Universidade Católica, bem como às
universidades cristãs em geral, observa:
[...] que o seu papel é especialmente o de realizar um projeto cristão de
homem e, portanto, tem de estar em diálogo vivo, contínuo e progressivo
com o Humanismo e com a cultura técnica, de maneira que saiba ensinar a
autêntica Sabedoria cristã, pela qual o modo do “homem trabalhador”,
aliado ao de “homem sábio”, culmine em Jesus Cristo. assim poderá
apontar soluções para os complexos problemas não-resolvidos da cultura
emergente e para as novas estruturações sociais, como a dignidade da
pessoa humana, os direitos invioláveis da vida, a liberdade religiosa, a
família como primeiro espaço para o compromisso social, a solidariedade
nos seus distintos níveis, o compromisso próprio de uma sociedade
democrática, a complexa problemática econômico-social, o fenômeno das
seitas, a velocidade da mudança cultural
229
.
Reconhece-se também como importante o papel das universidades no
diálogo entre o Evangelho e as culturas, bem como na promoção humana, como
foi ressaltado.
Além de todos esses pontos, a IV Conferência do Episcopado Latino-
Americano aponta como desafios, para a educação cristã no Continente, a exclusão
de muitos, inclusive da educação básica; a distância entre e cultura; as diferenças
sociais e econômicas que dificultam ou mesmo impedem o acesso às escolas
227
Idem, p. 203-204, n. 265.
228
Idem, p. 204-205, n. 266.
229
Idem, p. 205-206, n. 268.
127
confessionais; as relações entre a educação estatal e a educação cristã, havendo
países em que esta é proibida e outros em que não são destinados recursos às
escolas confessionais, nem diretamente, nem através de incentivos. o apontados
ainda como desafios a ignorância religiosa dos jovens; a adequação às diferentes
culturas, onde sobressaem as indígenas e a afro-americanas, em vista à igualdade
de oportunidades e da capacitação para a construção
128
pretender paz e uma sociedade equilibrada com prevalência da solidariedade e do
bom senso.
Mister se faz, então, lembrar que educação de qualidade, a qual considere e
respeite o ser humano inteiro, é um direito de todos, independente de classe social,
a ser desenvolvido em parceria e estreita ligação com os pais, primeiros educadores
e responsáveis, para que ela aconteça na escola e na vida, de uma maneira tal que
permita o desenvolvimento integral dos filhos. Por isso toda escola
é chamada a se transformar, antes de mais nada, em lugar privilegiado de
formação e promoção integral, mediante a assimilação sistemática e crítica
da cultura, fato que consegue, mediante um encontro vivo e vital com o
patrimônio cultural. Isso supõe que tal encontro se realiza na escola em
forma de elaboração, ou seja, confrontando e inserindo os valores perenes
no contexto atual. Na realidade, a cultura, para ser educativa, deve inserir-
se nos problemas do tempo no qual se desenvolve a vida do jovem. Dessa
maneira, as diferentes disciplinas precisam apresentar, não só um saber por
adquirir, mas valores por assimilar e verdades por descobrir
233
.
Pode-se depreender, então, que a escola deve ser o espaço da gestação do
humano. Um processo contínuo de construção, desconstrução e reconstrução, na
confluência de ideais, sonhos, metas e a realidade de cada um e a de todos, sempre
avaliada e revista, buscando a sua transformação. Isso, naturalmente, terá muito
mais possibilidade de acontecer nas abordagens inter e transdisciplinares do que no
nível de uma disciplina isolada.
O diálogo assume papel importante nesse processo. Este, por sua vez, é
possível entre sujeitos, que se conhecem, sabem das suas qualidades e aceitam
trabalhar seus limites. Caso contrário, se faz possível apenas um monólogo
egocêntrico de indivíduos, capazes tão-somente de focar a si mesmos. Às
instituições educativas, no caso, à escola, cabe uma responsabilidade específica:
Constitui responsabilidade estrita da escola, enquanto instituição educativa,
destacar a dimensão ética e religiosa da cultura, precisamente com o
objetivo de ativar o dinamismo espiritual do sujeito e ajudá-lo a alcançar a
liberdade ética que pressupõe e aperfeiçoa a psicológica. Mas não se
liberdade ética, a não ser na confrontação com os valores absolutos dos
quais dependem o sentido e o valor da vida do ser humano. Inclusive no
âmbito da educação, manifesta-se a tendência a assumir a realidade como
parâmetro dos valores, correndo dessa forma o perigo de responder a
aspirações secundárias e superficiais, e perder de vista as exigências mais
profundas do mundo contemporâneo (E. C. 30). A educação humaniza e
personaliza o ser humano, quando consegue que este desenvolva
plenamente seu pensamento e sua liberdade, fazendo-o frutificar em
hábitos de compreensão e em iniciativas de comunhão com a totalidade da
233
Idem, p. 149-150, n. 329.
129
ordem real. Dessa maneira, o ser humano humaniza seu mundo, produz
cultura, transforma a sociedade e constrói a história
234
.
Requer-se, pois, que a educação tenha a ousadia de voltar-se à inteireza do
ser humano, propondo mudanças a partir das quais o se omita, não importa em
nome de quais ideologias ou propósitos reducionistas, nenhuma dimensão do ser
humano, não como uma concessão, mas como direito inalienável e um dever de
todos.
4.3.1.6.1 Os Centros Educativos Católicos
A Igreja tem a missão precípua de anunciar o Evangelho e deve fazê-lo de
modo eloqüente e eficaz, “de maneira tal que garanta a relação entre e vida tanto
na pessoa individual como no contexto sociocultural em que as pessoas vivem,
atuam e relacionam-se entre si”
235
.
Advém desse fato que educação cristã subentende que nela o professor e
todos os que atuam na escola perseguem uma proposta de ser humano “em que
habite Jesus Cristo com o poder transformador de sua vida nova”
236
. Citando Santo
Domingo (n. 265), os bispos lembram que
existem muitos valores, mas estes valores nunca estão sozinhos, sempre
formam uma constelação ordenada, explícita ou implicitamente. Se a
ordenação tem a Cristo como fundamento e fim, então essa educação está
recapitulando tudo em Cristo e é verdadeira educação cristã; se o, pode
falar de Cristo, mas corre o perigo de não ser cristã
237
.
O Evangelho anunciado de fato ilumina, encoraja, alimenta a esperança e
leva ao discernimento na resolução dos problemas da vida, fecundando, assim, toda
a promoção humana que se configure plena e verdadeira.
Por isso, “a Igreja é chamada a promover em suas escolas uma educação
centrada na pessoa humana que é capaz de viver na comunidade oferecendo a esta
o bem que a Igreja possui”
238
. Uma educação para todos, formal e não-formal, com
atenção especial para com os mais pobres, capaz de oferecer às crianças, aos
234
Idem, p. 150, n. 330.
235
Idem, p. 150, n. 331.
236
Idem, p. 151, n. 332.
237
Idem, Ibidem.
238
Idem, p. 151, n. 334.
130
jovens e aos adultos “o encontro com os valores culturais do próprio país,
descobrindo ou integrando neles a dimensão religiosa e transcendente”
239
.
Cristo, na escola católica, é o fundamento do qual irradiam todos os valores
e o centro em que encontram sua plena realização e unidade:
Pela referência explícita e compartilhada por todos os membros da
comunidade escolar, a visão cristã ainda que em grau diverso, e
respeitando a liberdade de consciência e religiosa dos não-cristãos
presentes nela a educação é ‘católica’, pois os princípios evangélicos se
convertem para ela em normas educativas, motivações interiores e, ao
mesmo tempo, em metas finais. Esse é o caráter especificamente católico
da educação. Jesus Cristo, pois, eleva e enobrece a pessoa humana,
valor à sua existência e constitui o perfeito exemplo de vida. É a melhor
notícia, proposta pelos centros de formação católica aos jovens
240
.
O Documento de Aparecida maior ênfase à participação da escola
católica como instituição da Igreja e a serviço, portanto, de sua missão. É por isso
que nela se devem levar os educandos “ao encontro com Jesus Cristo vivo, Filho do
Pai, irmão e amigo, Mestre e Pastor misericordioso, esperança, caminho, verdade e
vida, e dessa forma à vivência da aliança com Deus e com os homens”
241
. A partir
dele, a escola ajuda na construção da personalidade dos que o confiados à sua
tarefa, tendo-o “como referência no plano da mentalidade e da vida”
242
.
Não é tarefa fácil e não resulta simplesmente de boas intenções. Também
não é o suficiente revisitar o marco referencial ou reformular políticas. Requer uma
renovação profunda: “Resgatar a identidade católica de nossos centros educativos,
por meio de um impulso missionário corajoso e audaz, de modo que chegue a ser
uma opção profética plasmada em uma pastoral da educação participativa”
243
.
Acrescentam os bispos que “tais projetos devem promover a formação integral da
pessoa, tendo seu fundamento em Cristo, com identidade eclesial e cultural, e com
excelência acadêmica; gerar solidariedade e caridade com os mais pobres”
244
, o que,
por sua vez, requer o estabelecimento de prioridades claras: “o acompanhamento
dos processos educativos, a participação dos pais de família neles e a formação dos
docentes, são tarefas prioritárias da pastoral educativa”
245
.
239
Idem, Ibidem.
240
Idem, p. 152, n. 335.
241
Idem, p. 152, n. 336.
242
Idem, Ibidem.
243
Idem, p. 153, n. 337.
244
Idem, Ibidem.
245
Idem, Ibidem.
131
Diante desse processo consciente e fielmente assumido como missão de
Igreja, a Conferência de Aparecida propõe
que nas instituições católicas a educação na fé seja integral e transversal
em todo currículo, levando em consideração o processo de formação para
encontrar a Cristo e para viver como discípulos e missionários e inserindo
nela verdadeiros processos de iniciação cristã. Ao mesmo tempo,
recomenda-se que a comunidade educativa (diretores, mestres, pessoal
administrativo, alunos, pais de família, etc.), enquanto autêntica comunidade
eclesial e centro de evangelização, assuma seu papel de formadora de
discípulos e missionários em todos os seus estratos. Que, a partir daí, em
comunhão com a comunidade cristã, que é sua matriz, promova um serviço
pastoral no setor em que se insere, especialmente dos jovens, da família, da
catequese e da promoção humana dos mais pobres. Esses objetivos são
essenciais nos processos de admissão de alunos, em suas famílias e na
contratação dos docentes
246
.
Como reiterado acima, a Conferência de Aparecida insere a educação
católica e, por extensão, as escolas, dentro da perspectiva da missão própria da
Igreja, apresentando claramente as conseqüências daí decorrentes e explicitando
maneiras ou instrumentos por meio dos quais se deve materializar. O ser escola
católica, deixa de ser um título ou uma herança da tradição cristã, perdida no
passado e sem maior significado, hoje, para se tornar uma diferenciação objetiva e
qualitativa, no presente, com propostas e engajamentos reais em vista à realização
no tempo atual do Projeto de Jesus.
Inerente à paternidade e à maternidade está o dever de proporcionar aos
filhos condições satisfatórias para o seu crescimento, no que está incluído o dever
de educá-los. Por isso, os pais são os primeiros e principais educadores, o que a
sociedade precisa reconhecer. Esse reconhecimento se de muitas maneiras.
Uma delas é “a plena liberdade para escolher a educação de seus filhos que
considere adequada aos valores que eles mais estimam e que consideram
indispensáveis”
247
. Os pais precisam ser acompanhados nessa sua missão, porque
todos sabem que, quando eles não conseguem cumpri-la, dificilmente alguém
conseguirá suprir, mais tarde, essa lacuna. Ao Estado compete garantir esse direito
dos pais que é também o seu dever. Deve destinar os recursos para a educação,
oriundos dos impostos de todos, de tal forma que, independentemente das
condições econômicas e da classe social, os pais possam escolher a escola que
246
Idem, p. 153-154, n. 338.
247
Idem, p. 154, n. 339.
132
considerem apresentar a melhor proposta e ser a mais adequada para a educação
de seus filhos:
Portanto, nenhum setor educacional, nem sequer ao próprio Estado, se
pode outorgar a faculdade de se reservar o privilégio e a exclusividade da
educação dos mais pobres, sem com isso infringir importantes direitos.
Desse modo, promovem-se direitos naturais da pessoa humana, da
convivência pacífica dos cidadãos e do progresso de todos
248
.
Pode-se dizer que a participação e o acesso dos cidadãos a direitos básicos,
implícitos no conceito de democracia e previstos na Constituição, aprofundam esses
conceitos e constituem um convite efetivo para avançar na construção da justiça,
ingrediente básico para a paz social.
4.3.1.6.2 As universidades e centros superiores de educação católica
Assim como as escolas, também as universidades e os demais centros de
educação superior católica são importantes na missão evangelizadora da Igreja, por
um “vital testemunho de ordem institucional sobre Cristo e sua mensagem, tão
necessário e importante para as culturas impregnadas pelo secularismo”
249
. Por isso,
na Universidade Católica,
as atividades fundamentais devem vincular-se e harmonizar-se com a
missão evangelizadora da Igreja. Elas se realizam através de uma pesquisa
realizada à luz da mensagem cristã, que coloque os novos descobrimentos
humanos a serviço das pessoas e da sociedade. Desta forma oferece uma
formação dada em contexto de fé, que prepare pessoas capazes de juízo
racional e crítico, conscientes da dignidade transcendental da pessoa
humana. Isso implica uma formação profissional que compreenda os valores
éticos e a dimensão de serviço às pessoas e à sociedade; o diálogo com a
cultura, que favoreça melhor compreensão e transmissão da fé; a pesquisa
teológica que ajude a a expressar-se em linguagem significativa para
estes tempos.
250
.
Isto requer das Universidades Católicas que assumam e vivam a sua
especificidade cristã, ou seja, possuem responsabilidades próprias que inclusive as
congêneres de outro tipo não têm, dentre as quais a Conferência destaca:
o diálogo fé e rao, fé e cultura, e a formação de professores, alunos e
pessoal administrativo através da Doutrina Social e Moral da Igreja, para
que sejam capazes de compromisso solidário com a dignidade humana, de
serem solidários com a comunidade e de mostrarem profeticamente a
248
Idem, p. 154, n. 340.
249
Idem, p. 155, n. 341.
250
Idem, Ibidem.
133
novidade que representa o cristianismo na vida das sociedades latino-
americanas e caribenhas. Para isso, é indispensável que se cuide do perfil
humano, acadêmico e cristão dos que são os principais responsáveis pela
pesquisa e docência
251
.
O Documento de Aparecida acrescenta aos meios indicados também a
importância de uma efetiva pastoral universitária, que promova “um encontro pessoal
e comprometido com Jesus Cristo e ltiplas iniciativas solidárias e missionárias”
252
,
fazendo-se presente, em diálogo, junto a pessoas de outras universidades e centros
de estudo.
É conferido um destaque aos Institutos de Teologia e Pastoral pelo seu
trabalho na formação e atualização de agentes de pastoral. Trabalho importante na
criação de “espaços de diálogo, discussão e busca de respostas adequadas aos
enormes desafios enfrentados pela evangelização no Continente. Ao mesmo tempo,
tem sido possível formar inumeráveis líderes a serviço das Igrejas particulares”
253
. A
Conferência convida a uma valorização de toda reflexão desenvolvida na América
Latina e no Caribe, nos longos dos anos depois do Concílio Vaticano II, incluindo,
também “a reflexão filosófica, teológica e pastoral de nossas Igrejas e de seus
centros de formação e pesquisa, a fim de fortalecer nossa própria identidade,
desenvolver a criatividade pastoral e potencializar o que é nosso”
254
. Ao mesmo
tempo, lembra que a realidade plural, diferenciada
134
Na educação integral da qual fala a Conferência e, ademais, a Igreja, em
todos os seus pronunciamentos sobre a educação católica em todos os níveis, estão
incluídos, dentre outros, como faces da Boa-Nova de Jesus, a superação de uma
visão fragmentária de ser humano e de mundo, da sub
135
Analisando a atual conjuntura internacional e seus impactos sobre a
educação superior, a Conferência reconhece a pressão sobre as Universidades pela
eficiência como critério essencial de sua sobrevivência, com tendência a substituir
valores por habilitações e competências de cursos profissionalizantes, prejudicando
a formação humanista e geral. Isso não anula ou diminui a importância de tais
cursos. A Conferência observa, que,
de fato, à luz da rapidez dos progressos nas diversas disciplinas e do
desenvolvimento notável dos conhecimentos, torna-se quase impossível
fazer caber todo esse saber num currículo universitário de base
(bacharelato). Uma formação geral sólida, baseada nas humanidades e
noutros domínios de enriquecimento cultural, pode, nesse caso, constituir
um excelente ponto de partida para todo tipo de formação e aprendizagem
ulteriores. Com efeito, para além da formação inicial, será necessário
continuar a estudar, sem interrupção, certas especializações e atualizar os
diferentes domínios do saber. Uma sólida formação de caráter geral
permitirá, portanto, aos estudantes aproveitar da melhor maneira estudos
que terão que prosseguir ao longo da vida
259
.
É fácil, pois, observar que, diante das pressões externas por eficiência e
imediatismo, abandonar a educação para valores e uma base humanista sólida em
geral não constitui alternativa.
Tomar consciência do problema da globalização e das mudanças geradas
por ela, situando-se dentro da conjuntura ampla, é, então, algo essencial para
avaliar melhor o contexto e medir as conseqüências, para buscar alternativas que
não comprometam a missão:
A globalização tem implicações especiais para as instituições de ensino
ligadas à Igreja; a sua missão, universal e espiritual, entra muitas vezes em
conflito com as forças do mercado global. Isso se torna perceptível na
relação cada vez mais estreita entre ensino e prosperidade econômica, na
passagem de uma sabedoria intrinsecamente valiosa para uma informação
orientada para o proveito material; na ênfase dada à formação técnica e
profissional em detrimento da formação global da pessoa; na substituição
de uma cultura humanista pela cultura da informação que tende a limitar a
sensibilidade social do ensino superior à sensibilidade do mercado; e,
finalmente, na transformação da uni-versidade numa multi-versidade
tecnicizada, baseada numa relação custo-benefício, correndo assim o risco
de tratar os estudantes como consumidores
260
.
Se a globalização constitui um fenômeno contemporâneo, cabe à
Universidade Católica encontrar estratégias para não comprometer, nesse processo,
o essencial do seu papel na Igreja e na sociedade, discernindo “de que forma pode
259
Idem, p. 14.
260
Idem, p. 16.
136
ser útil para salvaguardar o bem autêntico da sociedade humana”
261
. Lembra, assim,
que
o cerne do ensino superior católico reside na busca da verdade, na sua
revelação e comunicação, reservando um lugar central para a pessoa
humana e o seu desenvolvimento. Eis o que poderia contrastar com a
tendência para considerar o ensino um investimento em capital humano
orientado para a produtividade e a eficiência
262
.
Caberá uma tomada de posição, por parte das Universidades Católicas,
aberta para reconhecer os benefícios inerentes à globalização ou advindos dela e
crítica para ignorar e identificar os seus limites:
Ao reconhecerem a realidade da globalização e a ambivalência dos seus
efeitos; ao aproveitarem as oportunidades e as vantagens potenciais de
desenvolvimento que ela oferece; ao compreenderem, também, que ela
pode marginalizar povos e culturas e condenar ao ostracismo uma parte
importante da humanidade; ao tomarem consciência, finalmente, dos
perigos de uma visão do progresso meramente materialista e individualista,
as universidades católicas proporão uma resposta que não deve ser, nem
uma negação desta realidade, nem uma aceitação desprovida de qualquer
crítica. Adotarão uma posição moderada, tomando em conta tanto as
oportunidades como os riscos da globalização
263
.
A proposta de Jesus de Nazaré se constitui em um Projeto de viver em
comunidade que tem na abertura para o outro a sua principal novidade, a fim de,
juntos, na Unidade constituída na diferença, testemunhar o Deus Trino, Comunidade
de Amor, um só Deus, na diferença das três Pessoas divinas. A Universidade
Católica, assim como todas as Comunidades Cristãs, tem no próprio Deus seu
modelo. Na Conferência em questão, encontra-se expresso nestas palavras:
Além disso, deve [a Universidade Católica] enraizar-se numa inspiração
cristã partilhada, não só pelos indivíduos que a compõem, mas também por
uma comunidade acadêmica; ao favorecer uma reflexão constante à luz da
católica, também deve continuar fiel à mensagem evangélica e exprimir
um compromisso institucional no serviço da humanidade
264
.
Partilhando das responsabilidades comuns a todas as Universidades pelo
mundo afora, as Católicas têm, no entanto, traços e compromissos próprios,
decorrentes da sua identidade:
A visão humanista da Universidade Católica tem a ver com a busca de uma
verdade que sentido à identidade de cada instituição e funda práticas
coerentes. Está relacionada com certos princípios fundamentais que
ambicionam a edificação de uma comunidade, uma participação autêntica
na vida da sociedade, um sentido de pertença, uma busca de justiça num
mundo em mutação, feito de culturas, valores e múltiplos compromissos,
261
Idem, Ibidem.
262
Idem, p. 17.
263
Idem, p. 18.
264
Idem, p. 19.
137
mas num mundo cada vez mais modelado, também, pelas forças atuais da
globalização. A herança e a riqueza dos valores cristãos (família, dignidade
do homem, justiça, solidariedade, caridade, esperança, respeito pela vida
humana em todos os seus aspectos, respeito pela diferença e pela
diversidade) oferecem recursos únicos e permitem esclarecer os diversos
desafios da globalização. O ponto de partida e a fonte de todas as normas
está na pessoa humana, na sua singularidade, que se manifesta na unidade
e na diversidade do gênero humano
265
.
Se aqui se situa o cerne da Universidade Católica, aquilo que no fundo
justifica a sua existência, então é necessário criar espaços, tempos e condições para
que esta dimensão possa ser desenvolvida plenamente. a prática confere valor
aos documentos e crédito aos discursos ou, como o expressa o texto da FIUC:
Uma das questões centrais para o desenvolvimento destes princípios é o
reconhecimento dum espaço espiritual no seio da universidade, um espaço
tanto na acepção física como psicológica. Tempos e espaços de reflexão,
serviço e criação de relações dentro e fora da universidade, inspirados e
iluminados pela mensagem cristã do Evangelho, têm uma importância vital
para a prática da espiritualidade cristã
266
.
Em contrapartida, quanto à globalização, a Universidade Católica se
posiciona “profundamente enraizada no contexto social da educação. Exige que
todos os estudantes recebam o mesmo tratamento e tenham as mesmas
oportunidades. Também exige que se preste atenção aos múltiplos aspectos da
educação e da vida”
267
. Essa postura, naturalmente, requer atenção às diferenças e
condições para que possam ser atendidas. Políticas ou alternativas de massificação
negam-no na raiz. Prossegue, o documento em questão:
A Universidade Católica está, em particular, muito atenta aos efeitos
desumanizadores desta globalização econômica (tais como a criação de um
mercado mundial integrado e de uma rede de comunicação global) sobre as
necessidades básicas dos povos e das comunidades. Além disso, a
experiência bíblica oferece aos cristãos, confrontados com a globalização,
perspectivas preciosas de discernimento e esperança, que ultrapassam em
muito uma abordagem meramente pragmática e utópica
268
.
A Universidade Católica volta a sua preocupação para o desenvolvimento
sólido e integral. Preocupada com o bem comum, opõe-se à tendência atual de
abandonar a missão de integração. Partindo dos métodos próprios de cada
disciplina, busca auscultar a realidade, voltando uma atenção especial a questões
como a dignidade humana, o bem comum em sentido amplo, a preocupação com a
265
Idem, Ibidem.
266
Idem, Ibidem.
267
Idem, Ibidem.
268
Idem, p. 19-20.
138
justiça na economia, a solidariedade com os pobres, além da atenção aos novos
processos políticos e econômicos. Ademais,
Através da sua busca de uma integração do saber, a Universidade Católica
tem um papel único e insubstituível, precisamente por, à luz do Evangelho,
determinar um lugar e dar sentido às diversas disciplinas no contexto da
pessoa humana e do mundo. Aliás, acredita deveras na compatibilidade e
na harmonia entre fé e razão; leva em conta as implicações éticas e
religiosas dos seus métodos e das suas descobertas; reconhece a
importância de uma perspectiva teológica na busca de uma síntese do
saber e no diálogo entre e razão. Possibilita, desta forma, um diálogo
fecundo entre instituições de diversas culturas e religiões, mantendo-se, no
entanto, fiel à identidade cristã e garantindo assim uma presença cristã no
mundo universitário
269
.
Esse esforço do ensino católico intende oferecer à sociedade pessoas que,
pela liderança intelectual, estejam a serviço da transformação do mundo pelo
otimismo e pela esperança, despertem nos outros o senso de justiça e o interesse
pelo bem comum, buscando a verdade, levando em consideração a pluralidade dos
contextos culturais e a necessidade de prestar uma atenção especial aos pobres,
aos oprimidos e aos que não crêem em Deus. De maneira especial,
visa educar a pessoa na sua integridade; longe de se limitar a dar aos
estudantes uma formação cultural de alto nível, ensina-lhes a serem
cidadãos do mundo, responsáveis e ativos, a utilizar as tecnologias
modernas para educarem as pessoas marginais e abandonadas e a
aproveitar todas as oportunidades de diálogo e de colaboração inter-
institucionais. Os membros da comunidade universitária professores,
estudantes, administradores e pessoal não-docente todos têm um papel
específico para desempenhar na perspectiva de uma vida cristã feliz e
autêntica, orientada para a manutenção e o reforço do caráter católico da
instituição no respeito recíproco, o diálogo sincero e a tutela dos direitos dos
indivíduos
270
.
A Universidade Católica, segundo a FIUC, responde aos desafios impostos
pela atual conjuntura internacional, especialmente a globalização, afirmando sua
identidade, e o faz na vivência das características que lhe são inerentes:
O ensino superior católico, respondendo à complexidade do mundo
globalizado de hoje, coloca no centro das suas preocupações a reflexão
abrangente sobre o bem integral do homem. Consegue, deste modo, dar à
globalização um rosto humano; aprofunda a visão cris da pessoa e
determina as bases culturais perante o questionamento antropológico que
suscita a globalização. À concepção mercantil que hoje parece dominar
de uma educação considerada como um produto de consumo, opõe a
concepção de um desenvolvimento humano mais rico que vai muito além
das previsões somente feitas em função das necessidades materiais.
271
.
269
Idem, p. 20.
270
Idem, p. 20-21.
271
Idem, p. 21.
139
É preciso avançar do aprimoramento pessoal para a solidariedade, onde a
investigação intelectual rigorosa se desdobre em compromissos pessoais, apoiados
por testemunhos individuais e experiências de vida. A educação superior católica
deve contribuir eficazmente para que a inclusão venha a triunfar sobre a exclusão.
Resumindo, deve-se afirmar que a identidade própria da Universidade Católica se
expressa nas condições dadas à valorização efetiva da integralidade do ser humano:
a) Uma Universidade Católica não se deve definir simplesmente pelo fato de
ensinar uma ou outra disciplina religiosa específica juntamente com outras
disciplinas, mas pela forma abrangente como interpreta esta função de
integração. A verdadeira compreensão desta função manifesta-se na
elaboração de uma filosofia interdisciplinar e intercultural. Interessada pelo
bem comum integral da pessoa humana, esta filosofia facilita a tarefa, nunca
concluída, de resolver as tensões entre a dimensão secular e a dimensão
religiosa da vida.
b) A visão de fundo que anima a vida intelectual acadêmica e compromete
professores e investigadores num projeto abraçado com entusiasmo. A
espiritualidade que caracteriza o mundo católico, muito mais do que
qualquer filosofia geral da educação, confere ao ensino superior católico o
seu gênio e a sua originalidade. É uma visão universal: inclui, numa
perspectiva global, a natureza toda, a ordem da história humana e o
movimento da transcendência que nos orienta para Deus. Nasceu do
encontro originário do homem com Deus.
c) Para essa tarefa integrante ter êxito e para mostrar quanto realista é a
sua visão, a Universidade Católica deve pôr a filosofia e a teologia no seu
cerne. Estas disciplinas, fundamentais para a integração, permitir-lhe-ão, da
melhor maneira, enfrentar as complexidades do mundo atual. Esta posição
é imprescindível à luz das mutações que têm afetado a universidade nas
épocas moderna e contemporânea. A tradição intelectual católica, graças a
uma longa experiência, no campo da dialética, conservou e desenvolveu
estas disciplinas fundamentais das quais se nutre e que lhe permitem
enfrentar a nova problemática suscitada por ocasião dos encontros
interculturais
272
.
Dessa maneira, a Universidade Católica seria capaz de responder, de modo
afirmativo e propositivo, aos efeitos negativos advindos da globalização e de
tradições reducionistas e fragmentárias que a antecedem:
A Universidade Católica é, portanto, capaz de abordar os efeitos negativos
e perversos da globalização. Pode resistir à fragmentação dos
conhecimentos e à transformação da sabedoria em informação quantificável
e comercializável; pode recusar a redução dos bens aos valores materiais
ou de mercado; pode opor-se à marginalização das humanidades; pode
lutar contra os abusos da investigação científica; pode contestar a
secularização e o cientismo dogmáticos, quando estes eliminam
arbitrariamente a transcendência da vida humana. Frente à globalização, a
Universidade Católica oferece respostas alternativas e convincentes para
impedir esta
tendência atual para uma comercialização do ensino superior.
Valendo-se da sua tradição intelectual e dos seus recursos humanos, a
universidade deve afirmar, hoje, a sua identidade católica com confiança e
coragem
273
.
272
Idem, p. 22.
273
Idem, p. 23.
140
A Universidade Católica assim encarada e comprometida, efetivamente, com
a sua identidade, gera uma comunidade acadêmica em que o novo passa a ser
gestado, funcionando como um laboratório para um novo modo ser e de construir
uma sociedade:
Animados por ideais intelectuais elevados e princípios para uma vida
verdadeiramente humana, os docentes passam a ser testemunhas e
promotores de uma autêntica vida cristã. Um ensino católico autêntico não
considera os estudantes como meros consumidores com visões
mesquinhas; exorta-os, antes, a prosseguirem um ensino que conjugue a
excelência no desenvolvimento cultural e humanista com a sua formação
profissional especializada; a alargarem os seus horizontes; a continuarem
na busca da verdade e do sentido da existência; a aprofundarem a sua vida
cristã
274
.
4.3.3 Jacques Maritain, Jacques Delors e Ken Wilber
Estes autores são apresentados para ilustrar como a educação integral deve
e pode ser viabilizada na prática e como a preocupação com sua implementação é
atual e faz parte da proposta da Igreja, da UNESCO e de autores como Wilber que,
situado fora de uma religião institucionalizada e, portanto, do cristianismo, defende
uma psicologia integral e o resgate da espiritualidade humana.
4.3.3.1 Jacques Maritain – Rumos da Educação
Trata-se de um expoente na reflexão e fundamentação de uma educação
cristã, reconhecido mundialmente. Poderiam ser apresentados outros, por exemplo,
Romano Guardini.
De Maritain foi escolhida a obra Rumos da Educação, elaborada nos
Estados Unidos, onde os Maritain se refugiaram pelo fato de a esposa de Jacques,
Raïssa, ser judia e, por isso, perseguida pelo nazismo. Não obstante os muitos
escritos do autor, será tomado, como referência, este livro por versar diretamente o
tema da educação e constituir, na prática, a obra em que o autor aplica à educação
seu pensamento sobre o Humanismo Integral.
274
Idem, p. 24.
141
Entre as idéias básicas, está a diferenciação do ser humano, em relação às
outras espécies animais: ele não é apenas um animal da natureza, mas “também um
animal de cultura”
275
, que, para subsistir, precisa do “progresso da sociedade e da
civilização”
276
, e que, por causa da sua capacidade ilimitada de adquirir
conhecimentos, necessita, para progredir intelectual ou moralmente, da experiência
coletiva. O livre-arbítrio, inerente ao homem, consegue adquiri-lo mediante a
disciplina e a tradição, que constitui o arcabouço das experiências coletivas
anteriores, acumuladas e preservadas. A educação está a serviço desse processo
277
.
Chama a atenção para a importância de a educação ter objetivos claros,
para que os meios e os métodos não sejam confundidos com os fins. Estes
consistem, segundo o autor, em “ajudar o homem a atingir a sua plenitude
humana”
278
. A educação, então, subentende a necessidade de uma filosofia do
homem, que se “obrigada a responder sem demora à pergunta filosófica da
Esfinge: ‘Que é o homem’?”
279
reside uma das grandes dificuldades da educação
contemporânea que, a exemplo da ciência puramente experimental, adota a
concepção científica do homem, reduzindo-o ao que pode ser observado e medido.
Preocupa-se com os fenômenos e ignora ou menosvalida o ser e a essência
280
.
À pergunta da Esfinge responde a nossa tradição greco-judaico-cristã,
dizendo que o homem é um animal racional e tem sua grandeza no intelecto; que é
um indivíduo livre na sua relação pessoal com Deus, e na obediência voluntária à
sua lei está a sua maior integridade; que, sendo pecador e sofredor, foi escolhido
para a vida eterna e o reino da graça, que tem no amor sua perfeição suprema. O
275
MARITAIN, Jacques. Rumos da Educação. Tradução: Inês Fortes de Oliveira. 2. ed. Rio de
Janeiro: AGIR, 1959, p. 14.
276
Idem, p. 15.
277
Idem, Ibidem: “A educação é uma arte, e arte muito difícil. Pertence, de natureza, à esfera da Ética
e das ciências práticas. É uma arte ética (ou, por outra, uma ciência prática em que determinada arte
se inclui”.
278
Idem, p. 17.
279
Idem, Ibidem.
280
Idem, p 19: “Está fora de dúvida que a concepção puramente científica do homem pode dar-nos
informações inestimáveis e cada vez mais completas concernentes aos meios e instrumentos da
educação. Mas, por si não pode estabelecer nem orientar a educação, que ela precisa saber,
antes de tudo, o que é o homem, qual a sua natureza e a escala de valores que necessariamente
abrange. E a concepção puramente científica do homem, por ignorar o ‘ser, como ser’, não
compreende essas coisas. Mas apenas o que emerge do indivíduo humano, no domínio da
observação e da medida. Os jovens, que são os sujeitos da educação, não constituem, apenas, um
amontoado de fenômenos físicos, biológicos e psicológicos. Fenômenos, cujo conhecimento é
imprescindível. São, em primeiro lugar, filhos do homem, sendo que esta palavra ‘homem’ representa
para os pais, os educadores, a sociedade, o mesmo mistério ontológico a que se refere o
conhecimento racional de filósofos e teólogos”.
142
homem traz o universo em si, tem seu controle na inteligência e na vontade,
possuindo “uma vida superiormente espiritual, de conhecimento e amor”
281
. É pelo
conhecimento, pela boa vontade, pela sabedoria e pelo amor que o indivíduo
alcança a liberdade interior, primeira finalidade da educação.
Nesse contexto, uma visão pragmática da educação é prejudicial. Por mais
importantes que sejam a ação e a prática, elas não podem suplantar o exercício da
meditação nem o tempo necessário para a sua realização e do aperfeiçoamento
contínuo, uma vez que o pensamento é mais do que resposta a estímulos e
situações do nosso entorno
282
.
Faz parte da natureza humana, no nível da razão e da liberdade, a vida
social, que inclui o bem comum e a ele o indivíduo deve submeter-se, contribuindo
para que este possa chegar a todos, assegurando direitos políticos, garantias
econômicas de trabalho e de propriedade, cultura intelectual e virtudes cívicas.
Focar o grupo ao qual o aluno pertence e o papel a desempenhar na sociedade
fazem parte das preocupações da educação. No pertencimento ao grupo, o homem
alcança sua finalidade e no serviço, e, respeito ao homem, o grupo cumpre o papel
que lhe cabe
283
.
O acento demasiado na especialização traduz uma visão e uma prática
reducionista da educação. A especialização científica e técnica, necessária na
sociedade atual, não pode vir desacompanhada de uma intensa cultura geral:
Se nos lembrarmos de que o animal é um especialista perfeito (pois toda
sua capacidade de aprender se fixa num único trabalho a ser realizado),
281
Idem, p. 23.
282
Idem, p. 31: “Ao contrário, é porque toda idéia humana, para ter um sentido, deve, de certo modo
(seja, embora, pelos símbolos de uma interpretação matemática dos fenômenos), explicar o que são
as coisas ou no que consistem; é porque o pensamento humano é um instrumento, ou melhor, uma
energia vital de conhecimento ou de intuição espiritual (não falo de ‘conhecimento ao redor’, mas de
‘conhecimento através’) é porque o ato de pensar começa não só com dificuldades, mas com
intuições, para acabar com intuições confirmadas pela verificação experimental e por argumentos
racionais (e não pela sanção pragmática) que o pensamento humano ilustra a experiência, realiza
os desejos humanos que se orientam para um bem ilimitado e domina e controla e remodela o
mundo. A ação humana, enquanto humana, está baseada na verdade que se alcançou ou que se
pretende alcançar por amor à verdade. Sem o que não eficiência humana. está, a meu ver, a
principal crítica a ser feita à teoria pragmática e instrumentalista do conhecimento”.
283
Idem, p. 33-34: “Formar o homem para uma vida de cooperação útil e normal na comunidade, ou
orientar o desenvolvimento da pessoa humana na esfera social, despertando e fortificando seus
sentimentos de liberdade, obrigação e responsabilidade, constitui objetivo essencial. Não o objetivo
primário, mas o secundário. O fim último da educação está na vida da pessoa e no progresso
espiritual do homem e não em suas relações com o meio social. Tratando-se da finalidade secundária
de que estou falando, o devemos esquecer que a própria liberdade de espírito depende da vida
social. E a sociedade humana é um agrupamento de liberdades, que se submeteram à obediência, ao
sacrifício, a uma lei comum, para dar a todos uma real plenitude humana”.
143
concluiremos que o programa educacional que apenas formasse
especialistas teria como resultado a animalização progressiva da mente e
da alma humana. Assim como a vida das abelhas consiste em produzir mel,
a vida real do homem passaria a consistir na produção de valores
econômicos e descobertas científicas perfeitamente catalogáveis. Um
prazer qualquer ou divertimento social ocupariam as horas de descanso.
Um vago sentimento religioso, sem realidade e lógica, tornaria a existência
um pouco menos insípida. Talvez mesmo mais profunda e animada, como
um sonho feliz. O culto exclusivista da especialização desumaniza a vida do
homem
284
.
Vale observar que essa tendência vem acompanhada de uma visão
materialista da vida, o que constitui ameaça, inclusive, à democracia: “O ideal
democrático, mais do que qualquer outro, não se mantém sem a e sem o
desenvolvimento das energias espirituais”
285
.
O treinamento técnico, priorizado em excesso, costuma trazer consigo o
voluntarismo. É preciso, no entanto, que a educação da inteligência e da vontade se
dêem de forma equilibrada, que a preparação da inteligência venha acompanhada
da orientação da vontade.
A família, como ambiente educacional básico, muitas vezes não conta do
seu papel e se torna espaço de traumatismos psicológicos por conta “do mau
exemplo, da ignorância ou preconceitos dos adultos”
286
, enquanto a escola, “cuja
função principal é a educação, faz do jovem a vítima de um programa exagerado ou
de uma especialização dispersiva e caótica
287
.
Na chamada educação progressista, descobre-se que não o mestre e sua
arte e, sim, o dinamismo interno e da mente do educando são o principal agente do
processo sem, no entanto, esquecer a importância do papel do professor para não
cair num espontaneísmo e falta de referência: “Uma educação que consistisse em
fazer a criança se informar daquilo que ela não sabe que ignora, uma educação que
contemplasse, apenas, o progresso dos instintos infantis, seria o fracasso da
educação e da responsabilidade dos adultos para com os jovens”
288
. A educação é,
pois, um processo de construção do ser humano inteiro, um auto-aperfeiçoamento, e
nesse desenvolvimento da originalidade de cada um está a expressão do deixar-se
284
Idem, p. 39-40.
285
Idem, p. 40.
286
Idem, p. 47.
287
Idem, p. 48.
288
Idem, p. 63.
144
guiar pelo Divino Amor, que faz de cada um, não uma cópia, mas um original
verdadeiro.
O cultivo de valores, que a educação deve ensejar e que querem conduzir à
construção de uma pessoa verdadeiramente humana, através do conhecimento, do
amor e da dedicação, necessita de conhecimentos e de disciplina para conseguir
alcançar a razão e a liberdade.
Tudo isso, no entanto, supõe algumas disposições fundamentais, onde
figuram “o amor à verdade, tendência primeira de qualquer natureza intelectual”
289
,
assim como “o amor do bem, o da justiça e, mesmo, o amor de feitos heróicos”
290
e
uma outra disposição, “que pode ser chamada de simplicidade e franqueza com
respeito à existência. [...] Esta disposição é a atitude de um ser que existe,
alegremente”
291
. Um ser consciente de si, das suas virtudes e limitações, sem
feridas e sem traumas, buscando, ao mesmo tempo o crescimento constante, em
todos os aspectos da vida. Tudo isso inclui uma disposição positiva em relação ao
trabalho: “o respeito pelo trabalho a ser feito, um sentimento de fidelidade e
responsabilidade para com ele”
292
.Por fim, todas essas disposições e atitudes se
completam com o sentido de cooperação, que, assim como a vida social e política,
nos é, ao mesmo tempo, natural e contrária.
O professor tem a seu encargo uma tarefa eminentemente libertadora:
“Libertar as energias boas é a melhor maneira de reprimir as más”
293
. Por isso,
aprender a estimular os alunos, numa relação dialógica, animando-os e ouvindo-os,
mostrando e alertando sobre suas capacidades e potencialidades para fazer o bem,
é decisivo para a educação.
Não basta aprender fórmulas fixas de conhecimento, com idéias claras e
distintas, elaboradas na perspectiva racionalista dos adultos, carregados de
interesses estranhos ao mundo interior da criança. É preciso espaço para a
intuição
294
, a liberação das energias espirituais, das energias íntimas e da
289
Idem, p. 69.
290
Idem, Ibidem.
291
Idem, Ibidem.
292
Idem, p. 71.
293
Idem, p. 73.
294
Idem, p. 75-76: “[...] É o campo da vida mesma dos poderes espirituais. Do intelecto e da vontade,
do abismo insondável da liberdade pessoal e do desejo de saber e compreender, de assimilar e
exprimir. Poderia chamá-lo de pré-consciente do espírito no homem. A razão não consiste, apenas,
em instrumentos e manifestações lógicas e conscientes. Nem em determinações conscientes e
145
capacidade criadora
295
, que se antepõem a quaisquer regras de estilo literário, de
demonstração matemática ou resolução de problemas, “em vez de abraçar uma
coleção de pensamentos em farrapos e de opiniões mortas, consideradas de fora, e
indiferentemente. Como o detestável costume de tantas timas do que se chama
‘estar bem-informado’”
296
.
Assim entendida, a educação, ao invés de dividir, unifica, empenhando-se
em “cultivar, no homem, a unidade interior”
297
, de maneira que mente e mãos
trabalhem juntas. O trabalho manual deveria estar presente, pelo menos durante
certo período do ensino sico e médio, porque “não favorece apenas o equilíbrio
psicológico, mas a capacidade inventiva e agudeza da mente”
298
, indo ao encontro
do fato de que “a educação e o ensino devem começar com a experiência para
completar-se com a razão”
299
.
assim, perseguindo a unidade e a totalidade do ser humano, a educação
pode alcançar seu verdadeiro objetivo, isto é, o de levar à sabedoria, “que penetra
em tudo e tudo abrange, com a mais profunda, universal e unida das percepções.
Conhecimento que vive, não apenas pela supremacia da ciência mas, também, pela
experiência humana espiritual”
300
. É fundamental que o objetivo da educação
elementar e superior seja o de criar um lastro de conhecimentos ordenados que
constituam uma base real para a sabedoria na idade adulta, levando em conta,
naturalmente, a universalidade compreensiva de cada período, o que inclui que
aconteça um real “domínio da razão sobre as coisas aprendidas”
301
, uma efetiva
compreensão: “o que se aprende, não deve ser aceito passiva ou mecanicamente,
como peso morto a sobrecarregar a inteligência. Ao contrário, deve ser ativamente
deliberadas. Muito além da superfície aparente de conceitos e julgamentos explícitos, de palavras e
resoluções expressas, de movimentos da vontade, está a fonte do conhecimento e da poesia do amor
e dos desejos verdadeiramente humanos, ocultos na escuridão espiritual da vitalidade íntima da alma.
Antes de ser expresso em conceitos e julgamentos, o conhecimento intelectual é, primeiro, um
começo de intuição, ainda informulado”.
295
Idem, p. 85: “O homem que não domina a multiplicidade íntima de suas forças e, especialmente,
das diversas correntes de pensamento e crença e as energias vitais de sua mente, será sempre um
escravo. Nunca um homem livre. [...] A dispersão e a atomização da vida humana constituem o
grande perigo de nossos dias, no mundo dos adultos. Em vez de facilitar, cada vez mais, essa
dispersão devastadora, o sistema escolar devia preocupar-se em vencê-la. Tornando mais afortunado
o mundo interior da juventude, de acordo com as exigências espirituais e a unidade”.
296
Idem, p. 81.
297
Idem, Ibidem.
298
Idem, p. 83.
299
Idem, Ibidem.
300
Idem, p. 86.
301
Idem, p. 89.
146
transformado, pela compreensão, na própria vida mental, fortificando-a, assim”
302
.
Em tudo isto, no entanto, deve-se lembrar que o maior objetivo no processo
educativo é a busca da verdade e, por isso, a construção do conhecimento se
sobrepõe ao treinamento mental
303
.
Segundo Maritain, a educação contemporânea compreendeu em termos do
exercício físico, como também do treinamento psicofísico ou da psicologia animal e
experimental, que a criança não é um adulto em miniatura. ao nível da ciência e
do conhecimento, a educação age “como se a tarefa da educação fosse infundir, na
criança ou no adolescente, a ciência e o conhecimento do adulto, resumidos e
concentrados”
304
. Em outras palavras, Maritain explicita esta afirmação:
Levamos, assim, os jovens, a um caos de noções adultas, condensadas,
dogmatizadas, resumidas ou facilitadas de tal modo, que perderam todo
valor. Como resultado, corremos o risco de formar um anão intelectual
instruído e assustado ou um ignorante, a brincar de boneca com nossa
ciência
305
.
“Sem conhecer filosofia e as idéias dos grandes pensadores, é impossível
compreender alguma coisa do desenvolvimento da humanidade, da civilização, na
cultura e na ciência”
306
. Da mesma maneira, a religião. Não se pode querer abordar
e, menos ainda, compreender a cultura e a civilização ocidentais, sem atentar para
os problemas e as controvérsias teológicas:
De fato, os problemas e controvérsias teológicos influenciaram a cultura e a
civilização ocidentais. E continuam a influenciá-las de tal modo que aquele
que os ignora não pode acompanhar nem compreender os conflitos internos
de seu tempo. Tal uma criança, selvagem e desprotegida, a vagar por entre
árvores esquisitas e incompreensíveis, repuxos, estátuas, ruínas,
construções, do velho parque da civilização. A História intelectual e política
dos séculos XVI, XVII e XVIII, a Reforma e a Contra-Reforma, a situação
interna da sociedade britânica depois da Revolução na Inglaterra, os feitos
302
Idem, p. 90.
303
Idem, p. 94-96: “Há pessoas que pensam que o que vale é uma inteligência viva, hábil, rápida em
discernir prós e contras, desejosa de discutir qualquer assunto. E acreditam que é a essa inteligência
que a educação universitária deve visar sem se preocupar com o que se pensa, o que se discute, e
que importância tem o assunto. Essas pessoas não sabem que, se tal concepção vencer, as
universidades nada mais serão do que escolas de sofística. [...] A juventude, educada de acordo com
este padrão, pode produzir excelentes especialistas no campo da técnica e das ciências materiais.
Precisamente porque, em tal campo, este padrão educacional não pode ser aplicado. Em todo o
resto, no que se refere à cultura e à compreensão do homem, aos problemas humanos, graves e
urgentes, - além de provocar inútil timidez nominalística, - perdem-se, entre as matérias de
conhecimento e discussão, cujo valor intrínseco e importância não podem ou não querem reconhecer.
(...) a educação contemporânea deu, muitas vezes, mais importância ao valor do treino do que ao do
conhecimento – noutras palavras, à ginástica mental do que à verdade, às futilidades do que à
sabedoria”.
304
Idem, p. 104.
305
Idem, p. 104-105.
306
Idem, p. 122.
147
dos pilgrins, os Direitos do Homem e outros grandes acontecimentos da
História do mundo tiveram seu ponto de partida nas grandes disputas de
nossa era clássica, sobre a natureza e a graça. Nem Dante, nem Cervantes,
nem Rabelais, nem Shakespeare, nem John Donne, nem William Blake,
nem mesmo Oscar Wilde ou D. H. Lawrence, nem Giotto, nem Miguel-
Ângelo, nem El Grecco, nem Zurbarán, nem Rousseau, nem Madison, nem
Jefferson, nem Edgar Poë, nem Baudelaire, nem Goethe, nem Nietzsche,
nem mesmo Karl Marx, nem Tolstoi, nem Dostoiewski, podem ser
compreendidos sem uma séria base teológica. Mesmo a filosofia moderna,
de Descartes a Hegel, seria enigmática sem ela
307
.
Por ser destinada a um número sempre crescente de pessoas, de todas as
camadas sociais, é justificada a preocupação com universalidade, na formação
universitária
308
. Ao lado das artes úteis e das ciências aplicadas, das que tratam do
homem e da vida humana, das ciências especulativas e o das Belas-Artes, esta
preocupação se materializa pela presença das ciências voltadas à sabedoria e que
são universais em função do seu objeto e da sua essência
309
, onde se incluem “a
Filosofia da natureza, a Metafísica e a Teoria do Conhecimento, a Filosofia ética, a
Filosofia social e política, a Filosofia da cultura e da História, a Teologia e a História
das Religiões”
310
.
Apontando para uma perspectiva interdisciplinar, observa que
comitês especiais, de professores pertencentes aos vários Institutos, hão de
assegurar a cooperação normal entre esses Institutos. E orientar o trabalho
do aluno, ajudando-o a pesquisar as relações existentes entre sua própria
especialidade e as dos outros setores do ensino superior
311
.
307
Idem, p. 124-125.
308
MARITAIN, Jacques, op. cit., p. 130: “A universidade deve manter seu caráter essencial de
universalidade e ensinar o conhecimento universal, não porque todos os ramos do conhecimento
humano devem estar representados em seu plano de ensino, mas, também, porque sua organização
deve estar de acordo com a hierarquia qualitativa e intelectual desse conhecimento humano. E
porque todas as artes e ciências devem ter sido agrupadas e classificadas conforme seu valor
crescente na universalidade espiritual”.
309
Idem, p. 133-135: “As virtudes intelectuais adquiridas por um estudante não o as mesmas que
outro estudante pode adquirir. [...] O conhecimento que deve se desenvolver no período universitário
é o conhecimento em estado de compreensão perfeita e racional de determinada matéria. [...] Será
necessária uma cooperação orgânica entre os diversos Institutos da universidade. Cada aluno,
qualquer que seja sua especialidade, deve estudar as matérias que são a essência mesma da vida
universitária. Matérias essas que se incluem no terceiro e no quarto grupos de ensino.
Evidentemente, o emprego de meios técnicos não produzirá resultado algum, nem as ciências
práticas serão bem orientadas, sem que esclareça, de modo geral, a natureza do homem. [...] Nem o
cientista, nem o historiador, nem o escolar, nem o humanista, nem o artista podem dispensar
inspiração filosófica. Precisam de instrução filosófica, ao menos para poderem avaliar, exatamente, a
posição que ocupam suas atividades entre as outras atividades do espírito. Como conseqüência,
cada estudante deve ser obrigado a assistir a certo número de cursos, nas Ciências universitárias de
puro conhecimento e de conhecimento universal”.
310
Idem, p. 131-132.
311
Idem, p. 136.
148
No estudo teológico, enfrenta a discussão sobre a possibilidade ou não de a
teologia ser uma ciência ou se essa consideração é dependente da fé na revelação.
Sua finalidade seria apresentar, aos estudantes, as controvérsias seculares nas
grandes doutrinas e as perspectivas do saber teológico”
312
.
Nessa preocupação em atender as demandas do ser humano inteiro,
aparecem também as Escolas de Vida Espiritual, como um complemento importante
ao aprimoramento
313
.
A educação não é um fim em si mesma, mas constitui o meio fundamental
para um humanismo integral. O individualismo cede lugar à solidariedade. Direitos e
deveres, liberdade e responsabilidade, a busca do bem comum e o respeito pela
individualidade, são pares ilustrativos dessa nova realidade, que quer afastar a
escravidão e a desumanização experimentados, de modo traumático, na segunda
guerra mundial. A educação deve, então, superar toda ordem de dualismos em
função da construção desta unidade:
A educação de amanhã deve acabar com a separação entre a inspiração
religiosa e as atividades seculares do homem, que o humanismo integral
apresenta, como uma de suas características, o esforço pela santificação da
existência profana e secular. Deve acabar, também, com a separação entre
o trabalho ou atividade utilitária e a expansão da vida espiritual e a alegria
desinteressada no conhecimento e da beleza. Percebemos, aqui, o caráter
genuinamente democrático de tal educação. Na medida de suas
capacidades, todos os homens têm de trabalhar ou participar dos encargos
da comunidade social, embora o trabalho não seja um fim em si mesmo.
Deve alternar com as diversões que dão alegria, expansão e prazer ao
espírito
314
.
Assim como todos têm direito à educação, devendo ser ela, disponibilizada
para todos, nunca negligenciando as suas exigências básicas, quando específica,
assim também o lazer e as diversões devem ter assegurado o seu espaço na vida
de todos
315
.
312
Idem, p. 138.
313
Idem, p. 142: “Considero essas escolas como casas hospitaleiras de ilustração para as almas
humanas. Baseiam-se na integridade de uma religiosa determinada e de determinado modo de
vida. Não devem acolher, somente, os que participam dessa fé. Mas, também, os que desejam viver
uns dias de descanso espiritual e aprender o que ignoram”.
314
Idem, p. 149.
315
Idem, p. 150-151: O problema das diversões humanas, que o progresso mecânico e social já
tornou importante antes da guerra, vai parecer particularmente difícil no mundo de amanhã. O
relaxamento físico e mental, os divertimentos, o cinema e os jogos são bons e necessários. Mas, ao
que há de mais humano no homem, convém aquele prazer que é a expansão de nossas
atividades íntimas, em relação aos frutos do conhecimento e da beleza. É de mais valor que o
próprio
trabalho. [...] A educação de amanhã deve dar ao homem comum os
meios que lhe
permitam atingir
sua plenitude. Não no trabalho, mas nas atividades sociais e políticas da comunidade civil e nas
atividades de suas horas de lazer”.
149
Certamente a crise civilizacional, acrescida das dificuldades do pós-guerra,
quererá imputar à educação novas funções. Consegue-se entendê-las e até justificá-
las diante da premência de respostas para situações emergenciais. que se ter,
no entanto, o cuidado para que a sobrecarga imposta à educação, com a intenção
de reparar deficiências, não cause danos ainda maiores, “com o risco de corromper
o trabalho educacional”
316
. Os professores terão uma carga dupla: de um lado,
manter o essencial “da educação humanística”
317
e, de outro lado, “adaptá-la às
exigências atuais do bem comum”
318
. O Estado de valorizar mais a educação,
que de interesse público, resultando em maior número de instituições públicas e
reconhecendo a autonomia das diferentes mantenedoras de escolas e
universidades, respeitando, por meio de um princípio pluralista, maior liberdade
acadêmica.
Contudo, em termos de retidão da vontade e da conduta, o conhecimento e
o ensino adequado são importantes, mas não suficientes: “Para saber o que fazer,
num caso particular, nossa própria razão depende de nossa liberdade”
319
. O que,
pois, atrapalha a vida moral é o egoísmo, enquanto que o seu sentido maior está na
libertação de alguém. Daí, a importância do amor
320
.
de estar na preocupação da educação, o preparo para o exercício da
cidadania, que envolve o desenvolvimento da consciência, permitindo questionar
propostas apresentadas, inclusive aquelas dadas como óbvias. Direitos, liberdade e
autonomia precisam da sua contrapartida: responsabilidade e zelo pelo bem comum,
estendido a todos.
316
Idem, p. 153.
317
Idem, Ibidem: “Esta essência e estas finalidades essenciais – a formação do homem e a libertação
íntima da pessoa humana devem ser preservadas, quaisquer que sejam as tarefas extraordinárias
impostas”.
318
Idem, Ibidem.
319
Idem, p. 158.
320
Idem, p. 159-160: “Tanto o amor humano quanto o divino não são matéria de aprendizagem ou
ensino. São dons. O amor de Deus é um dom de natureza e de graça. Eis por que constitui o primeiro
mandamento. Como se exigir que levemos à ação um poder que não recebemos? o métodos
nem técnicas humanas para que se adquira ou desenvolva a caridade, nem qualquer outra espécie
de amor. Não educação para isso, educação que se abastecesse na experiência e no sofrimento,
no auxílio humanitário e na instrução daqueles cuja autoridade moral nossa consciência reconhece.
[...] O amor da família é a base de qualquer amor, numa comunidade de homens. E o amor fraterno é
o nome daquele amor ao próximo, que se identifica com o amor de Deus. [...] E é da natureza das
coisas que a vitalidade e as virtudes do amor se desenvolvem na família, em primeiro lugar. Não
os exemplos dos pais e as regras de conduta que eles impõem; os hábitos e a inspiração religiosa
que seguem; as tradições de seus antepassados que transmitem; numa palavra: o trabalho
educacional que realizam diretamente constituem a fábrica normal onde se formam os sentimentos
e a vontade da criança”.
150
Por isso, a educação não pode ser mera reprodução ou perpetuação da
cultura: seria ignorar enganos, seqüelas e manipulações. A educação deve, pois,
formar o homem, “procurar libertar a pessoa humana. E não reproduzir o tipo-
padrão”
321
. Embora a reprodução do tipo-padrão seja uma tentação dos Estados
modernos, “sobretudo os Estados modernos em formação, dependentes das massas
e da opinião pública e com necessidade premente de criar unidade e unanimidade,
hão de considerar tal Filosofia com especial complacência, aplicando-a a si
mesmos”
322
. No entanto, a unidade, assim como a paz, é resultado de um ideal
assumido em comum e construído no amor e na boa vontade
323
.
Aberrações que pervertem a mente humana, como o racismo, a xenofobia, o
preconceito; o qual gera diferentes tipos de discriminação, exigem uma especial
atenção e tratamento à educação, uma vez que todas elas, dentre outras, são
possíveis devido a um grande número de colaboradores que, com freqüência,
sequer se apercebem desta sua atuação. Uma consciência ingênua, animada na
lógica do senso comum, repetida todos os dias, em várias esferas da sociedade,
acaba transformando inocentes úteis em cúmplices
324
.
O espírito cristão, negligenciado ou menosprezado, tanto em nome da
democracia quanto de Estados totalitários, tem uma contribuição importante a
oferecer para uma educação que considere o homem em todos os seus níveis e
dimensões e, por isso, “não dúvida de que a restauração da consciência cristã e
o novo trabalho de evangelização sejam condições primaciais e indiscutíveis na
reeducação moral do homem de nossa civilização”
325
. A segurança, há tempos, se foi
em todo o planeta e é preciso mudar. Tornar-se ciente de que apostar apenas em si
mesmo, no tempo, na reputação e na propriedade, não conta da complexidade
da vida e de suas relações. É preciso alcançar a compreensão mútua, “participar da
321
Idem, p. 165.
322
Idem, Ibidem.
323
Idem, p. 168-169: Para o bem da nova civilização por que lutamos, é cada vez mais necessário
que a educação seja a educação do homem e educação para a liberdade. A formação de homens
livres para uma comunidade livre. É na educação que a liberdade tem seu mais seguro refúgio
humano. Onde as reservas da liberdade permanecem intatas. [...] Depois da guerra, por maior que
seja a necessidade de técnicos, será um erro irremediável não insistir na primazia e na integridade da
educação liberal. [...] Esse treinamento deve acompanhar a cultura desinteressada e livre do espírito,
de que falei a propósito do ensino universitário”.
324
Idem, p. 173: “A liberdade corre perigo, graças à mesma fiscalização protetora, que visava ao
seu bem. O mundo moderno dispõe de meios de coerção menos bárbaros, apesar de mais eficientes,
do que os pelourinhos do século XV. Esses métodos de coerção são reprováveis”.
325
Idem, p. 175.
151
existência real e dos interesses do povo”
326
. Convém lembrar, mais uma vez, que a
educação precisa trabalhar na formação de um homem verdadeiramente humano e
não em transformá-lo num dente de engrenagem da sociedade tecnocrática. A
tecnologia sempre será meio e não pode ser identificada “como sabedoria suprema
e diretriz da vida humana, a transformar os meios em fins”
327
. É preciso trabalhar no
resgate dos valores que são, principalmente, espirituais, e não esquecer que a razão
pode fazer muito mais do que medir e controlar a matéria
328
; desenvolver uma
inteligência aberta a intuições que vão além da medida e da manipulação, através
dos instrumentos científicos, buscando sempre a verdade e procurando aproximar
cada vez mais o ideal e o real.
4.3.3.2 Jacques Delors, Educação – Um Tesouro a Descobrir: Relatório para a
UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI
Conhecido como Relatório Delors, traduz, na perspectiva da UNESCO, a
preocupação por uma educação integral. Permite identificar paralelos com o que a
Igreja Católica apresenta no enfoque de uma educação integral. Serão destacados
alguns aspectos gerais, além de uma visão geral dos quatro pilares e algumas
observações específicas para as universidades.
Deve haver uma complementaridade entre os diversos espaços educativos,
formais e não-formais, da infância à vida adulta, o obstante se acentue, ora mais
um ora mais o outro, fazendo com que se possa participar de diversas situações
educativas “e, até, desempenhar, alternadamente, o papel de aluno e de professor
326
Idem, p. 183.
327
Idem, p. 185.
328
Idem, p. 186-187: Se a juventude a ser educada pelas democracias futuras considerar como
mitos todas as coisas que não se podem calcular ou transformar; se acreditarmos num mundo
tecnocrático, podemos conquistar a Alemanha nazista militar e tecnicamente. Mas, moralmente,
fomos conquistados por ela. O prefácio do nazismo e do fascismo é desprezo absoluto pela dignidade
espiritual do homem e a convicção de que só os fatores materiais ou biológicos governam a vida
humana. Já que o homem não pode passar sem um ídolo, a monstruosa adoração do Leviatã
totalitário terá o seu dia. A Tecnologia é um bem, como meio de que se serve o espírito humano e
para os fins do homem. Mas a Tecnocracia, isto é, a Tecnologia compreendida e venerada de modo a
negar qualquer sabedoria superior e qualquer outra compreensão, que não seja a dos fenômenos
ponderáveis, deixa, na vida humana, a sensação de força ou no máximo de prazer. E termina,
necessariamente, numa filosofia imperialista. Uma sociedade tecnocrática é sempre totalitária. Uma
sociedade tecnológica pode ser democrática, se tiver uma inspiração supratecnológica. E reconhecer,
como Bergson, que ‘o corpo mais desenvolvido’ exige ‘uma alma maior’, que o ‘mecânico’ subentende
o ‘místico’”.
152
dentro da sociedade educativa”
329
. A educação, ao longo de toda a vida, superando a
diferenciação tradicional entre educação inicial e permanente, de se tornar uma
característica da educação, no século XXI, aproveitando-se as mais diferentes
oportunidades que a sociedade é capaz de oferecer.
O Relatório apresenta o que chama de quatro pilares da educação:
[...] quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão,
de algum modo, para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender
a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a
fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a
fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas;
finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. É
claro que estas quatro vias do saber constituem apenas uma, dado que
existem entre elas múltiplos pontos de contato, de relacionamento e de
permuta
330
.
No parecer da Comissão, que elabora o Relatório, os quatro pilares são
igualmente importantes “para que a educação apareça como uma experiência global
a ser levada a cabo, ao longo de toda a vida, no plano cognitivo como no prático,
para o indivíduo enquanto pessoa e membro da sociedade”
331
.
que ser superada uma visão instrumental da educação para voltar-se à
realização da pessoa na sua totalidade. Nas palavras da Comissão,
uma nova concepção ampliada da educação devia fazer com que todos
pudessem descobrir, reanimar e fortalecer seu potencial criativo revelar o
tesouro escondido em cada um de nós. Isto supõe que se ultrapasse a
visão puramente instrumental da educação, considerada como uma via
obrigatória para obter certos resultados (saber-fazer, a aquisição de
capacidades diversas, fins de ordem econômica), e se passe a considerá-la
em toda a sua plenitude: realização da pessoa que, na sua totalidade,
aprende a ser
332
.
Por isso, é fundamental que se aprenda a dominar as ferramentas
requeridas para o conhecimento, ao mesmo tempo, meio para apreender e
compreender o mundo em que vivemos, condição necessária para viver a vida com
dignidade, comunicar-se e desenvolver as competências profissionais; é também
finalidade, enquanto fundamenta o prazer de compreender, conhecer e descobrir.
Faz-se necessário desenvolver, desde a infância, o prazer em descobrir e
conhecer, de maneira sempre mais e em maior profundidade, a realidade do mundo,
as descobertas e invenções alcançadas, alimentando a curiosidade. É preciso,
329
DELORS, Jacques, op. cit., p. 117.
330
Idem, p. 89-90.
331
Idem, p. 90.
332
Idem, Ibidem.
153
pois, aparelhar os estudantes com os meios necessários, “conceitos e referências
dos avanços das ciências e dos paradigmas do nosso tempo”
333
.
No entanto, junto com a especialização deve vir também a cultura geral. Ela
é de fundamental importância, para o especialista e para o pesquisador.
A cultura geral, enquanto abertura a outras linguagens e outros
conhecimentos, permite, antes de tudo, comunicar-se. Fechado na sua
própria ciência, o especialista corre o risco de se desinteressar pelo que
fazem os outros. Sentirá dificuldade em cooperar, quaisquer que sejam as
circunstâncias. Por outro lado, a formação cultural, cimento das sociedades
no tempo e no espaço, implica a abertura a outros campos do conhecimento
e, desse modo, podem operar-se fecundas sinergias entre as disciplinas.
Especialmente em matéria de pesquisa, determinados avanços de
conhecimento dão-se nos pontos de interseção das diversas disciplinas
334
.
O desafio de aprender a conhecer vem antecedido, no entanto, de outro:
aprender a aprender, que supõe trabalhar a atenção, a memória, o pensamento. As
informações que recebemos de maneira quase exponencial e de forma cada vez
mais rápida requerem, para a sua apreensão, estratégias de atenção, com o
desenvolvimento de técnicas para aprendizagem da atenção, do desenvolvimento
da memória associativa e do exercício do pensamento, combinando a utilização do
método dedutivo e do indutivo, assim como passeios de ida e volta entre o concreto
e o abstrato.
O aprender a fazer constitui um desafio especial, principalmente porque se
interpõe o fato de não sabermos sequer como será a realidade do trabalho no futuro.
Diante dessa realidade se faz sentir, como primeira conseqüência, a constatação de
que
aprender a fazer não pode, pois, continuar a ter o significado simples de
preparar alguém para uma tarefa material bem determinada, para fazê-lo
participar no fabrico de alguma coisa. Como conseqüência, as
aprendizagens devem evoluir e não podem mais ser consideradas como
simples transmissão de práticas mais ou menos rotineiras, embora estas
continuem a ter um valor formativo que não é de desprezar
335
.
A qualificação se reveste, assim, de características novas, agregando à
competência material, como capacidade de fazer determinadas coisas, um conjunto
de outras competências, que envolvem a capacidade de trabalhar em grupo, de
continuar aprendendo, ser capaz de iniciativas e não ter medo de se lançar em
projetos novos. Essa mudança requer o cultivo de “qualidades humanas que as
333
Idem, p. 91.
334
Idem, p. 91-92.
335
Idem, p. 93.
154
formações tradicionais não transmitem necessariamente e que correspondem à
capacidade de estabelecer relações estáveis e eficazes entre as pessoas”
336
.
O aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros, assume nos dias
atuais uma importância especial, à medida que tomamos consciência de que os
conflitos político-econômicos e sociais, assim como os étnico-religiosos, podem
assumir proporções catastróficas muito maiores que todas as que aconteceram,
em função da capacidade autodestrutiva que existe de forma multiplicada hoje. A
escola pode contribuir significativamente, não em termos imediatos, mas a longo
prazo, trabalhando temas como a não-violência, a tolerância, a convivência e a
valorização do que é diferente. O primeiro passo terá que ser, então, trabalhar o
autoconhecimento para cada um descobrir e assimilar que possui qualidades e
limitações, assim como os outros que, então, procura conhecer com maior
disposição:
Passando à descoberta do outro, necessariamente, pela descoberta de si
mesmo, e por dar à criança e ao adolescente uma visão ajustada do mundo,
a educação, seja ela dada pela família, pela comunidade ou pela escola,
deve antes do mais ajudá-los a descobrir-se a si mesmos. então
poderão, verdadeiramente, pôr-se no lugar dos outros e compreender as
suas reações. Desenvolver esta atitude de empatia, na escola, é muito útil
para os comportamentos sociais ao longo de toda a vida. Ensinando, por
exemplo, aos jovens a adotar a perspectiva de outros grupos étnicos ou
religiosos podem-se evitar incompreensões geradoras de ódio e violência
entre os adultos. Assim, o ensino da história das religiões ou dos costumes
pode servir de referência útil para futuros comportamentos. [...] O confronto
através do diálogo e da troca de argumentos é um dos instrumentos
indispensáveis à educação do século XXI
337
.
Envolver as crianças e os jovens em projetos comuns pode tornar-se medida
concreta e ensaio de novas relações, passando da indiferença, do preconceito e,
muitas vezes, da exclusão para a colaboração e a solidariedade.
Como quarto pilar, o aprender a ser expressa, como preocupação
fundamental, o desenvolvimento total da pessoa:
Desde a sua primeira reunião, a Comissão reafirmou,
155
não pode ser negligenciado nenhum nível, dimensão ou potencialidade humana.
Trata-se, em outras palavras, da recuperação da inteireza do ser humano, que se
configura complexa, múltipla e em permanente mudança. Por isso mesmo, a
educação comporta um processo dialético que contemple os conhecimentos e as
práticas já construídas, a abertura ao novo, a síntese pessoal e a criatividade,
acompanhados da inserção propositiva no meio, em vistas à sua transformação.
A escola, em qualquer nível, não tem condições de dar conta, sozinha, de
tamanha tarefa, tornando-se necessário o diálogo entre as diversas instâncias
educativas, com o estabelecimento de parcerias e a conseqüente valorização das
aprendizagens construídas nos vários âmbitos da vida, tornando complementares
teoria e prática, otimizando tempo e recursos, expressando, ao mesmo tempo, o
reconhecimento do desenvolvimento da pessoa como um todo.
A universidade assume importância especial enquanto constitui o espaço,
por excelência, tanto para a criação de novos conhecimentos quanto para a
comunicação e assimilação do patrimônio cultural e científico da humanidade
339
.
Entre os riscos de que deve precaver-se estão a preocupação com a produtividade
imediata, que levaria a sacrificar a qualidade da própria ciência e, de outra parte, o
academicismo estéril, que a levaria a fechar-se sobre si, distante da realidade e dos
problemas da sociedade e da macro-realidade em que está inserida.
necessidade de adaptação à dinâmica das necessidades que a sociedade apresenta
à universidade. Isso requer flexibilidade e uma crescente superação da divisão por
disciplinas, também para conciliar melhor a preparação para o trabalho e a formação
global:
Além da tarefa de preparar numerosos jovens para a pesquisa ou para
empregos qualificados, a universidade deve continuar a ser a fonte capaz
de matar a sede de saber dos que, cada vez em maior número, encontram
na sua própria curiosidade de espírito o meio de dar sentido à vida. A
cultura, tal como a entendemos, inclui todos os domínios do espírito e da
imaginação, das ciências mais exatas à poesia. As universidades têm certas
particularidades que as tornam locais privilegiados para desempenhar estas
funções. Constituem o conservatório vivo do patrimônio da humanidade,
patrimônio sem cessar renovado pelo uso que dele fazem professores e
339
Idem, p. 139-140: “O ensino superior é, em qualquer sociedade, um dos motores do
desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, um dos pólos da educação ao longo de toda a vida.
É, simultaneamente, depositário e criador de conhecimentos. Por outro lado, é o instrumento principal
de transmissão da experiência cultural e científica acumulada pela humanidade. Num mundo em que
os recursos cognitivos, enquanto fatores de desenvolvimento, tornam-se cada vez mais importantes
do que os recursos materiais a importância do ensino superior e das suas instituições será cada vez
maior. Além disso, devido à inovação e ao progresso tecnológico, as economias exigirão cada vez
mais profissionais competentes, habilitados com estudos de nível superior”.
156
pesquisadores. As universidades são geralmente multidisciplinares, o que
permite a cada um ultrapassar os limites do seu meio cultural inicial. Têm,
em geral, mais contatos com o mundo internacional do que as outras
estruturas educativas
340
.
Diante das mudanças cada vez mais rápidas e das exigências crescentes
advindas desse dinamismo, dentre as quais radicalismos de várias ordens e a
exclusão de muitos, inclusive das condições de vida digna, a universidade tem um
papel cada vez maior na educação, ao longo da vida, e nos debates relacionados às
grandes questões humanas e do desenvolvimento em geral, tanto no implemento de
uma maior consciência crítica quanto na busca de alternativas para a superação de
conflitos e alternativas de inclusão, inclusive no plano internacional, através de
intercâmbios, estágios, pesquisas com profissionais de diversos países, com trocas
de conhecimentos, concepções e tecnologia, gerando avanços técnico-científicos e
também superando preconceitos e indiferença, contribuindo para a inclusão de
povos inteiros marginalizados
341
.
4.3.3.3 Ken Wilber
Situado dentro da corrente conhecida como espiritualista
342
, apresenta uma
proposta de Abordagem Integral
343
, que intenta, de alguma forma, abarcar a soma
340
Idem, p. 144.
341
Idem, p. 150-151: A universidade deve ocupar o centro do sistema educativo, mesmo que, como
acontece em numerosos países, existam, além dela, outros estabelecimentos de ensino superior.
Cabem-lhe quatro funções essenciais:
1. Preparar para a pesquisa e para o ensino.
2. Dar formação altamente especializada e adaptada às necessidades da vida econômica e social.
3. Estar aberta a todos para responder aos múltiplos aspectos da chamada educação permanente,
em sentido lato.
4. Cooperar no plano internacional”.
342
BERTRAN, Yves. Teorias Contemporâneas da Educação. Tradução: Alexandre Emílio. 2. ed.
Lisboa: Instituto Piaget, 2001, p. 15: “Uma velha corrente da educação renasceu das suas cinzas no
começo dos anos 70. Trata-se da corrente espiritualista, também chamada metafísica ou
transcendental, que fascina, em particular, as pessoas preocupadas com a dimensão espiritual da
vida neste mundo e o sentido da vida. Os adeptos das teorias espiritualistas da educação interessam-
se pela relação entre o sujeito e o Universo numa perspectiva metafísica. Estas teorias inscrevem-se
freqüentemente na ‘novacorrente sociocultural, chamada Nova Época (Nouvel Age), isto embora se
preocupem mais com valores descritos em textos amiudadas vezes milenários. As religiões e
filosofias orientais alimentam muito as reflexões sobre a educação. O budismo Zen e o taoísmo são
amiúde citados enquanto fontes dominantes desta corrente educativa”.
343
http://www.integralinstitute.org/public/static/default.aspx: “’What's "Integral’? It simply means more
balanced, comprehensive, interconnected, and whole. By using an Integral approach—wether it's in
business, personal development, art, education, or spirituality (or any of dozens of other fields)—we
157
dos conhecimentos e das experiências, a sabedoria e a reflexão que a humanidade
produziu. Objetiva trazer à baila tudo o que as diferentes culturas pensaram e
produziram sobre as potencialidades humanas, o crescimento psicológico, social e
espiritual e, a partir dele, descobrir as chaves fundamentais para o crescimento
humano, baseado, justamente, nessa soma de conhecimentos a que agora, pela
primeira vez, temos acesso. Propõe, então, criar um mapa integrado com o que de
melhor possa ser recolhido de todas as grandes culturas do mundo, a partir de
profundos estudos transculturais, de forma abrangente e inclusiva.
Wilber explicita, então, esse mapa integrado, distribuído em cinco categorias
essenciais, com o intuito de manifestar e facilitar a evolução humana: quadrantes,
níveis, linhas, estados e tipos:
Ao usar a Abordagem Integral um mapa ou sistema operacional
integrados -, conseguimos facilitar e acelerar dramaticamente os
conhecimentos inter e multidisciplinares, criando assim uma primeira
comunidade de aprendizagem realmente integral do mundo. E no que diz
respeito a religião e espiritualidade, o uso da Abordagem Integral permitiu a
criação do Integral Spiritual Center, onde alguns dos principais professores
espirituais do mundo, de todas as grandes religiões, reúnem-se, não só para
ouvirem uns aos outros, mas para ‘ensinarem aos professores’, resultando
em um dos eventos didáticos mais extraordinários imaginados. [...] Mas
tudo começa com esses simples cinco elementos na fronteira da
consciência
344
.
Envolvem realidades subjetivas, no próprio indivíduo, realidades objetivas,
ligadas ao mundo externo, e outras que são coletivas ou comunitárias,
compartilhadas com outras pessoas.
Fazem parte os estados de consciência, desde a vigília, o sonho e o sono
158
conceitos ou de descrição dos estágios, pode-se falar também em estágios de
desenvolvimento ou em níveis de desenvolvimento, no sentido de que cada estágio
expressa um nível de organização ou de complexidade, lembrando que
qualidades emergentes importantes as quais, geralmente, surgem de modo discreto.
Ao tratar das linhas, o autor lembra as inteligências múltiplas, idéia
popularizada por Howard Gardner, como ele mesmo explica:
Entre as diversas inteligências múltiplas estão a cognitiva, a interpessoal, a
moral, emocional e estética. Por que são também denominadas linhas de
desenvolvimento? Porque elas revelam o crescimento e o desenvolvimento,
desdobram-se em estágios progressivos, que são os estágios que
acabamos de resumir. Ou seja, cada inteligência múltipla passa ou pode
passar pelos três estágios principais (ou por qualquer um dos estágios de
qualquer modelo de desenvolvimento, sejam eles três, cinco, sete ou mais;
lembre-se, todos são como a escala Fahrenheit e a Celsius). O
desenvolvimento cognitivo pode chegar até a etapa 1, 2 e 3, por exemplo.
Isto é semelhante às outras inteligências
345
. [...] As diversas linhas
progridem pelos principais estágios ou níveis de desenvolvimento. Os três
níveis, ou estágios, aplicam-se a qualquer linha de desenvolvimento
sexual, cognitivo, espiritual, emocional, moral e assim por diante. O nível de
uma determinada linha simplesmente representa sua ‘altitude em relação
ao seu crescimento e consciência. Costumamos dizer: ‘Essa pessoa tem
desenvolvimento moral elevado’, ou ‘Essa pessoa é espiritualmente
elevada’
347
.
Quanto aos tipos, referem-se a elementos ou componentes passíveis de
estarem presentes em qualquer estágio ou estado, como, por exemplo, as tipologias
horizontais sugeridas por Myers-Briggs, percepção, pensamento, sensação e
intuição.
Todas as ocorrências, no mundo, perceptíveis pelos nossos sentidos, podem
ser captadas no nível dos pronomes de 1ª, 2ª e 3ª pessoas, que podemos simplificar
como “eu”, “nós” e “ele”. Qualquer acontecimento pode ser olhado nesta perspectiva:
a) pelo ponto de vista do “eu”, ou seja, como eu pessoalmente o vejo e sinto; b) do
ponto de vista do “nós”, ou seja, não apenas eu, mas também como os outros o
vêem; c) vejo o acontecimento como um “ele”, ou seja, volto-me aos fatos objetivos
do ocorrido. E explicita Wilber:
Assim, um caminho integralmente informado leva em consideração todas
essas dimensões e, portanto, chega a uma abordagem mais abrangente e
eficaz no “eu”, no “nós” e no “ele” ou no self, na cultura e na natureza.
Se deixarmos de fora a ciência, a arte, ou os princípios morais, ficará
faltando alguma coisa, algo se romperá. Ou o self, a cultura e a natureza
são liberados junto ou nunca são liberados. Essas dimensões de eu”, “nós”
e ele” são tão fundamentais que as denominamos os quatro quadrantes, e
os transformamos em uma base do modelo integral ou IOS [Integral
345
Idem, p. 22-23.
159
Operating System]. (Chegamos aos “quatro” quadrantes ao subdividirmos
“ele” em “ele” singular e “eles” plural). [...] Ou seja, os quatro quadrantes
que são as quatro perspectivas fundamentais em qualquer ocasião (ou os
quatro modos básicos de se analisar qualquer coisa) acabam sendo
relativamente simples: eles são o dentro e o fora do indivíduo e do
coletivo
346
.
A complexidade dos seres humanos, na sua relação consigo mesmo, com
os outros, a natureza e o Transcendente, deveria ser desenvolvida no horizonte dos
quatro quadrantes. Isso significa, por exemplo, que os níveis físicos, mentais,
emocionais e espirituais do homem deveriam dar-se, ao mesmo tempo, no ser, na
cultura e na natureza, o que equivale a dizer, nas dimensões do eu, do nós e do ele.
4.4 EDUCAÇÃO RELIGIOSA
Como tudo o que concerne ao ser humano, também a religiosidade precisa
ser desenvolvida. Requer cultivo, conhecimento, aprofundamento. E isso é
fundamental, quando tratamos da liberdade religiosa ou da opção religiosa, que é
possível mediante o discernimento o qual, por sua vez, supõe os elementos
suficientes para identificar características e diferenciações entre as várias propostas
existentes, subsidiando a inteligência, a consciência e a vontade para poder optar
com liberdade.
não é novidade a constatação de que religião e ciência se imbricam, que
são duas leituras do mesmo mundo, complementares e inclusivas. O ser humano,
por natureza perguntador, é também religioso. O conhecimento verdadeiro de si
mesmo, dos outros e do mundo, requer atenção e desenvolvimento desses
elementos, componentes da nossa constituição antropológica.
Embora ainda resista, em determinados ambientes, o cientificismo
347
, que
reduz o conhecimento ao demonstrável pelas ciências empíricas e se sustenta na
ilusão da assim chamada neutralidade científica, vem sendo substituído por uma
visão holística, que procura considerar a realidade como um todo, atentando para
todas as variáveis e possíveis fatores intervenientes nas descobertas e na geração
346
Idem, p. 35-36.
347
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática. 1995, p. 280: “O cientificismo é a crença
infundada de que a ciência pode e deve conhecer tudo, que, de fato, conhece tudo e é a explicação
causal das leis da realidade tal como esta é em si mesma”.
160
de conhecimento, sabendo-o provisório e limitado ao que, com os recursos humanos
e tecnológicos e com a metodologia empregada, é possível conhecer no momento.
Pelo fato de o homem não poder restringir-se às dimensões alcançáveis pelo
conhecimento científico, a ciência não tem nenhuma condição de satisfazer
plenamente o ser humano.
Pelo que é possível conhecer até hoje, do médio neolítico para cá, o ser
humano é homo religiosus ou, como o diz Greschat,
onde seres humanos, a religião es por perto. Por conseguinte,
cientistas investigam o ser humano, seja como indivíduo, seja como ser
social, deparam-se também, mais ou mais tarde, com o objeto religião.
Enxergam-no, porém, apenas parcialmente, através de janelas separadas
que se abrem em direções diferentes, de acordo com as determinadas
perspectivas de suas disciplinas. Arqueólogos refletem sobre a possível
função de um item escavado. Historiadores reconstroem a religião de
arcebispos, mendicantes ou camponeses. Historiadores da arte tentam
interpretar o sentido de motivos religiosos nas pinturas. Pesquisadores de
história da literatura estudam a importância da religião nas obras de autores
nacionais ou estrangeiros. Sociólogos pesquisam o papel da religião na
sociedade. Geógrafos interessam-se por formas de hábitat influenciadas
pela religião. Desde sempre o trabalho de etnólogos tem de ver a religião
como parte essencial de culturas estrangeiras. Psicólogos examinam
transes, conversões e meditação. Médicos abordam a fase patológica da
religião. Juristas investigam aspectos criminosos da religião, como, por
exemplo, os falsos feiticeiros que prometem libertar o gado encantado por
um ‘sortilégio’
348
.
A ciência tradicional, no afã de dominar a natureza, de entender suas leis,
através da constatação dos fatos, da classificação e da definição de leis objetivas,
para submetê-la, além de não abranger o conjunto dos fenômenos sociais, quando
transposta à sociologia, e de ser incapaz de projetar uma sociedade alternativa, mais
justa, fraterna e livre, coisifica o homem, tornando-o mero instrumento de uma
estrutura burocrática e impessoal. É mister trabalhar para fazer prevalecer uma
razão, que esclareça, emancipe e liberte, sobre uma razão instrumental, capaz
apenas de proporcionar meios e que leva à tecnocracia, de presença preponderante
na indústria e na administração. Peirce, considerado o fundador da Semiótica como
ciência dos signos, chama a atenção para a relevância de o pesquisador estar
permanentemente aberto para a possibilidade do erro e, assim, procurar aprimorar
seus instrumentos de investigação e de verificação
349
.
348
GRESCHAT, Hans-Jürgen, op. cit., p. 23.
349
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e Filosofia. São Paulo: Cultrix/Edusp, 1972, p. 46-47:
”Durante anos, ao longo do processo de amadurecimento de minhas idéias, costumava eu reuni-las
sob a designação de falibilismo; em verdade, o primeiro passo no sentido de perquirir é o de
reconhecer que ainda não se tem conhecimento satisfatório, de sorte que o maior empecilho para o
161
Deus tem permanecido como um tema sempre atual, ao longo do tempo, e o
sagrado, no atual estágio da Modernidade, se afirma como tema rico, polifacetado e
sólido, cuja presença aparece refletida de muitas maneiras no rosto das pessoas e
dos grupos sociais. A negação, por sua vez, também se historiciza, através de
instituições políticas e econômicas esvaziadas dos valores e do sentido que, no
âmbito religioso, sempre foram defendidos como direitos fundamentais e inerentes à
dignidade humana.
Nos diferentes contextos culturais, a experiência religiosa fundante costuma
lembrar ao homem que o sentido da sua vida vai muito além daquilo que o seu meio
imediato consegue imaginar e oferecer. Na experiência religiosa, toma consciência
claramente da sua finitude, vocacionada à Transcendência. Percebe haver um
sentido que seria impossível intuir ou imaginar, se fosse um mero produto do acaso.
A convicção de uma ação amorosa de Deus na origem de tudo, da vida e,
particularmente, da sua própria vai gerando uma certeza interna que se exterioriza
de muitas maneiras, na vida pessoal e coletiva, gerando, então, ritos, mitos e cultos.
Estes, por sua vez, vão se atualizando numa hermenêutica permanente para manter
viva a experiência originária e torná-la significativa em cada nova época. Sem
atentar profundamente para isso, não se consegue penetrar a doutrina de nenhuma
religião, nem lhe avaliar o alcance como pro-posta na construção de uma res-posta
às grandes questões acerca do sentido para a vida. Isso faz com que a religião se
torne instrumento de libertação, levando a reagir contra tudo o que escraviza,
diminui, reduz o ser humano. Libertação não apenas num enfoque psíquico-
terapêutico, mas também na dimensão político-social, na luta contra a opressão, por
democracia, pelo reconhecimento e respeito aos direitos humanos, como o ilustram
dezenas de exemplos na história recente da América Latina e do Brasil, em
particular.
A religião pode promover a força revolucionária de uma ética da não-
violência. Mahatma Gandhi, Martin Luther King e o Padre Maximiliano Kolbe, como
também Dom Oscar Romero, entre tantos outros, são exemplos emblemáticos desse
fato na história mundial do século XX. Como afirma Boyer (2001), é temerário
progresso intelectual é, seguramente, o empecilho da segurança olímpica; e noventa e nove por
cento das mentes lúcidas vêem-se reduzidas à impotência por essa enfermidade de cuja
contaminação mostram-se estranhamente desconhecedoras. Em resumo, sempre senti que minha
filosofia brotasse de um contrito falibilismo, combinado com decidida na realidade do
conhecimento, e de um intenso desejo de investigação”.
162
pretender desvendar o mistério das religiões, por meio do todo científico, porque
elas têm origens indevassáveis a tais métodos, que estes se efetivam sobre faces
padronizáveis, mensuráveis e experimentais da realidade. Podemos lançar inúmeras
hipóteses, que geralmente são mordazes, mas é impraticável entender os arcanos
“irracionais” da afetividade humana pela via da racionalização
350
.
Vivemos a transição da religião herdada da família e consumada na vivência
social para a religião escolhida e assumida pelo indivíduo. Não se trata de negar,
nesse particular, a influência do meio, mas, antes, de chamar a atenção para o fato
de que ele não é mais determinante, especialmente nos grandes centros urbanos,
embora se possa afirmá-lo como uma característica desta época em que vivemos
que é um período de síncrese e de releitura. Não constitui nenhuma novidade dizer
que, na sociedade urbana ocidental, a opção religiosa é parte da construção
identitária do indivíduo. Ele escolhe a religião, não sendo mais dependente da
tradição, como costumava acontecer nas sociedades pré-modernas,
preponderantemente agrárias. Cada vez menos é possível alguém seguir e vivenciar
uma religião, movido pela inércia, empurrado pelo meio social
351
.
Optar requer que se tenha um conhecimento básico, inicialmente do
fenômeno religioso como tal, enquanto característica humana básica, encontrada em
todos os povos até agora descobertos e ao longo de toda a história humana, que até
ao presente logramos conhecer. Conhecimento dos elementos comuns às
manifestações religiosas, antigas e atuais, às práticas coletivas e individuais; o modo
de relacionar-se com o Transcendente; a busca do aperfeiçoamento e da
autotranscendência; os princípios éticos e os preceitos morais daí decorrentes; as
verdades enunciadas nos grandes mitos, as experiências fundantes das religiões e o
contexto em que se originaram, as visões sobre Deus, o homem e o mundo que
350
BOYER, P. Religion Explained The evolutionary origins of religious thought. New York: Basic
Books, 2002.
351
RIBAS, Leonardo Felipe de Oliveira. Comunhão e missão diante do “nomadismo teológico”: A
reconstrução de uma identidade “católica” a partir do diálogo inter-religioso. Revista Eclesiástica
Brasileira, v. 66, fasc. 262, abril de 2006, p. 455-456: “As culturas são maiores que as tradições
religiosas. A fragmentação religiosa reflete a fragmentação cultural presente no dia-a-dia da
sociedade. Não mais um sistema simbólico integrador como eixo da existência, mas um
‘caleidoscópio’ de experimentos. Além disso, uma ‘pretensa’ experiência religiosa, neste contexto,
prescinde do todo das tradições religiosas. De tal forma que as pessoas não aderem a um sistema, a
uma comunidade, a uma ética, mas recolhem partes, elementos que mais lhes interessam. É o
impacto do individualismo cultural, produzido por uma inflação de ofertas de sentido no campo
religioso, que cria uma religiosidade difusa e flutuante”.
163
defendem, bem como a esperança para depois da morte que alimentam, são
algumas das questões a levar em conta para a opção religiosa
352
.
A opção religiosa pode significar assumir-se na religião recebida dos pais.
Aliás, os pais costumam dar aos filhos o que crêem possuir de melhor ou tenham
condições de adquirir para ajudar os filhos a desenvolverem-se. Isso vale para o
acompanhamento médico pré-natal, hábitos saudáveis durante a gravidez, uma
alimentação balanceada e um ambiente harmônico. Inclui a preocupação com a
educação e a prática de esportes. É nesse contexto de cuidado e dedicação que
também iniciam os filhos na religião que praticam e acreditam ser também um bom
caminho para os filhos alcançarem sentido para suas vidas.
Quando a pessoa se decide pelo caminho religioso, que pretende seguir, o
faz, como nas demais decisões que toma, a partir da bagagem que traz de casa, da
sua procura e pesquisa pessoais e da convivência no seu meio social. Isso,
certamente, influencia, mas não determina. O indivíduo, na sua autonomia, rumo
a sua vida. Por isso, conhecer é fundamental. Se for verdade que “ninguém ama o
que não conhece”, é também verdade que conhecemos com os outros, e a partir
deles, na busca pessoal e na partilha. Contudo, como chama a atenção Terrin
(1996), citando William James, a motivação da opção religiosa, na nossa época,
costuma se pautar por um critério subjetivo e pragmático
353
. Trata-se de duas
dimensões que se completam, uma vez que denotam como critério sico o
interesse subjetivo do indivíduo e em vista a propósitos que considera úteis, com
possibilidade de aproveitar, hoje. Observa Lipovetsky (1983):
352
RESENDE, Paulo-Edgar Almeida, op. cit., p. 22: “Hoje, mais do que nunca, podemos acrescentar
ao tema a religiosidade pela mídia, na mídia e da mídia comercial e apelativa. Veiculam-se
propagandas de deuses misturadas com as de cervejas, cigarros, carros, imóveis. o divindades
que, de chamamento cabalístico, reiterado por três, sete ou dez vezes, proporcionam a compra,
arranjam emprego, reorganizam agenda, garantem a cura. Os programas religiosos, fundidos com
anúncios publicitários e do mesmo teor mágico de produtos, com resultados instantâneos de bem-
estar narcísico, excitam, emocionam, ‘desligam o fiel-ouvinte-telespectador da realidade. Nas
transmissões de sessões de descarrego do demônio que se apoderaria do corpo de fiéis, por alguns
instantes, são superadas dificuldades, sob o protecionismo ou vidências de pessoas destras no hábil
manejo de cartas, textos bíblicos, poções mágicas, palavras de ordem. A televisão e o rádio cercam-
se de profissionais de marketing e arma-se de equipamentos high-tech, com um olho no Ibope e outro
no faturamento de seus exorcismos eletrônicos”.
353
TERRIN, A. N. Nova Era A religiosidade do pós-moderno. São Paulo: Loyola, 1996, p. 220: “A
consciência religiosa não exige mais nada. Deus realmente existe? Como é que existe? O que é?
Essas são todas questões irrelevantes. Não Deus, mas a vida, um pouco mais de vida, uma vida mais
ampla, mais rica, mais satisfatória, isso é, em última análise, a finalidade da religião. O amor à vida
em todo e qualquer nível de desenvolvimento é o verdadeiro impulso religioso”.
164
O retorno do sagrado é ele próprio arrastado pela celeridade e pela
precariedade das existências individuais, entregues apenas a si próprias. A
indiferença pura designa a apoteose do temporário e do sincretismo
individualista. Pode-se assim ser simultaneamente cosmopolita e
regionalista, racionalista no trabalho e discípulo intermitente de certo guru
oriental, viver numa época permissiva e respeitar, escolhendo-as à lista, as
prescrições religiosas
354
.
Decidir-se por não seguir nenhuma religião reveste-se das mesmas
exigências de busca e fundamentação, diante do rumo que se quer dar à vida.
Quando se fala em opção, subentende-se a assunção das conseqüências da
escolha feita, os benefícios que se considera obter e a perda daquilo de que se está
abrindo mão. Isso vale também quando se trata da opção religiosa. Importante é ter
claro que a motivação da escolha não pode ser alguma experiência negativa, a
simpatia por algum dirigente ou o preconceito, derivado do desconhecimento ou de
uma visão parcial, desvinculada do todo da proposta de determinada religião, nem,
tampouco, o anacronismo voltado a fatos ou circunstâncias do passado,
desvinculados do contexto histórico num sentido global.
Requer-se, hoje, cada vez mais do profissional de qualquer área,
capacidade de diálogo, de empatia, de saber colocar-se no lugar do outro e, a partir
dessa parceria, estabelecer os vínculos profissionais. Também por esse motivo os
grandes temas religiosos requerem aprendizado, discussão e busca ecumênicas.
Isso é um serviço amplo e necessário que transcende a esfera das opções pessoais,
o âmbito da vivência pessoal e da comunidade de , e que leva, para o bem da
sociedade maior, a dialogar construtivamente com outras convicções e propostas.
Por lidar com a totalidade do ser humano e com a radicalidade do sentido da
vida, a religião nunca está vinculada apenas ao intelecto. Envolve igualmente as
emoções, os sentimentos, tão essenciais à vida humana quanto o intelecto e a
capacidade de pensar. Uma desproporção nessas dimensões do humano, ao lado
de desequilíbrios em outras experiências, pode gerar reações diversas diante da
religião que, de forma extremada, vão da rejeição ao fanatismo. Zilles (2005)
ressalta:
Da experiência com Deus nascem, para o líder cristão, a coragem e a força
de recomeçar sempre com novo ânimo, também depois de sofrer derrotas.
A fé, a esperança e a caridade capacitam o cristão a assumir sua
responsabilidade apesar de sua limitação e fragilidade, proporcionando
força para colaborar na construção do reino de Deus neste mundo
354
LIPOVETSKY, GILES. A Era do Vazio. Tradução de Miguel Serras Pereira; Ana Luísa Faria.
Lisboa: Relógio D’água Editores Ltda, 1983, p. 39-40.
165
passageiro. A em Deus não é uma maneira hábil de fugir do mundo e de
seus problemas, mas ajuda a discernir o bem e o mal; a ter consciência de
que normalmente Deus age no mundo, através de sua criação, ou seja,
através de nós. Tanto as realidades mundanas quanto as da originam-se
do mesmo Deus
355
.
As pessoas da época atual estão se abrindo cada vez mais ao cultivo da
espiritualidade. Esta, como dimensão do ser humano, aponta para vários aspectos
deixados de lado ou colocados à margem do valorizado em sociedade, nos dois
últimos séculos. Envolve o autoconhecimento, as qualidades e aptidões pessoais,
identificáveis em si mesmo, bem como as habilidades e competências que queremos
adquirir ou aprimorar. Os valores que nos movem, ou seja, aquilo que é realmente
importante para nós e a maneira como distribuímos o tempo e as opções que
fazemos no dia-a-dia, o modo como lidamos com os nossos medos, as fugas que
arquitetamos para não encarar nossas limitações também fazem parte da
espiritualidade.
Tudo isso faz-nos perguntar onde ancoramos nossa esperança para o futuro
e o que acreditamos conferir sentido definitivo à nossa vida, também como
encaramos o fato de envelhecermos e a morte experimentada como a maior das
limitações da vida; perguntar o que nos move ao estabelecermos metas e como
trabalhamos as frustrações, das mais variadas ordens e intensidades; o que
pensamos sobre o tempo livre e o que fazemos com ele; como valorizamos o
descanso e o lazer, bem como o lúdico. Sabe-se, hoje, que isso é muito importante
para o equilíbrio psíquico-somático.
Viver a espiritualidade significa desenvolver a sensibilidade em relação a si
mesmo, aos outros e à natureza. Uma espiritualidade amadurecida e reflexiva é
integradora de todas as dimensões do ser humano. Enriquece-se pelos
conhecimentos que advêm das diferentes áreas de conhecimento. Nesse sentido,
Solomon (2003) observa:
A espiritualidade é apoiada e moldada pela ciência. Quanto mais sabemos
sobre o mundo, mais podemos apreciá-lo. Essa foi a concepção de
praticamente todo grande cientista e de todos os melhores estudantes de
ciência, desde os cientistas medievais que se viam como compreendendo o
plano de Deus até os físicos da atualidade que investigam o mundo do big
bang e as próprias origens do universo. Alguns deles acreditam em Deus e
se filiam a uma ou outra das religiões organizadas. Outros o. [...] Mas a
espiritualidade não ocupa um compartimento ou divisão separado daquele
da razão, e a ciência, na medida em que é o paradigma fulgurante da
355
ZILLES, Urbano, op. cit., p. 25.
166
racionalidade, também deve ser considerada um componente da
espiritualidade
356
.
Aprender a lidar com as frustrações como parte da vida! Elas ajudam a
repensar atitudes e opções e, por isso, são importantes para a evolução pessoal.
Construir uma auto-imagem sadia, que consiga enxergar e reconhecer todas as
qualidades que possuímos e a riqueza da singularidade que representamos no
universo inteiro. Aprender a gostar de nós, não obstante a necessidade de
aperfeiçoarmo-nos sempre, sem temer ou ignorar as limitações que ainda não
conseguimos superar.
É mister aceitar que somos limitados e dependentes para desenvolver
nossas potencialidades inatas. Precisamos dos outros para desenvolvê-las e
adquirir outras. Cada vez mais tomamos consciência da nossa interdependência.
Não mais espaço, portanto, para a auto-suficiência. A relação com os outros
exige uma posição de abertura e de diálogo: o que o outro sente, o que pensa, como
apreende a realidade, o que tem para nos dizer, que experiências diferentes nos traz
e qual é a leitura que delas faz.
Torna-se preciso ir ao encontro dos anseios e das angústias do outro,
solidarizando-se com ele nas dificuldades, dividindo pesos e alegrias, gerando
fraternidade. Destacam-se as atitudes em relação aos mais fracos da sociedade, a
não-exclusão dos diferentes, sejam quais forem as ordens das diferenças. A
fraternidade não é produto final, mas processo de construção compartilhada. Faz
parte dela a busca de alternativas para problemas comuns e para buscar a
realização de metas comuns. Muitas situações todos sabem que não as conseguem
resolver sozinhos, mas juntos, em grupo, organizados, seriam solúveis.
Avaliar as experiências de sentir-se amado e de saber amar! Muita gente
sabe muito bem usar os outros e aproveitar-se deles, mas isso não é amor e,
possivelmente, é sinal de que não aprenderam ainda a ser amados.
Espiritualidade tem a ver com a opção fundamental à luz da qual
encaminhamos nossa vida e como resolvemos os problemas que aparecem. De
acordo com essa opção, fazemos as nossas escolhas, construímos e
redimensionamos projetos e avaliamos os resultados como conquistas ou fracassos,
356
SOLOMON, Robert C. Espiritualidade para céticos Paixão, verdade cósmica e racionalidade no
século XXI. Tradução de Maria Luiza X. de Borges. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p.
149-150.
167
erros ou acertos, assumimos nossa parcela de responsabilidade ou transferimos os
resultados negativos para outros.
hoje uma aposta compartilhada por vários autores, fora da esfera das
religiões institucionalizadas, entre os quais podem ser mencionados Bottéro, 1998;
Delumeau, 1998; Wexler, 1996; Wilber, 1995, 1997, 1998, 2003, 2007, de que o
século XXI assistirá à volta da espiritualidade, como uma preocupação e procura
individual, acompanhado de um resgate na sociedade e com reflexos e propostas na
educação. A razão principal seria o fato de a civilização industrial não conseguir
responder à antiga e radical questão do porquê da nossa presença na terra. Afinal,
desde que temos notícia do ser humano, este se coloca a interrogação pelo sentido
da vida, e a educação espiritualista se ocupa precipuamente em familiarizar os seres
humanos com a realidade espiritual, também chamada de mística e de metafísica.
Como observado acima, trata-se de uma corrente que não é religiosa no
sentido institucional e não está associada a alguma confissão. A opção é por uma
visão espiritual da vida, acreditando-se que esta possui uma outra dimensão, além
da material. Identificada por várias palavras, como Alma, Consciência Universal,
Consciência Cósmica, Valores intemporais ou Além, tem duas tendências principais:
uma com noção de transcendência, situada no além, porém, sem idéia de
superioridade, e a outra, que identifica em si mesma a própria estrutura espiritual
que não pode ser nem exterior nem superior, enquadrando-se na forma religiosa
conhecida como Panteísmo.
Podemos, portanto, identificar diversas maneiras de encarar a relação do
homem com Deus: identificá-lo com o cotidiano; reconhecê-lo como um vir-a-ser do
cosmos, do qual somos parte; identificá-lo no nosso crescimento pessoal,
comunitário e em relação com a natureza; a partir de um Deus criador, recolhido em
eterno repouso; na perspectiva teísta, que o experimenta como Alguém que se
revela, age na história e interage com o homem; na negação de que haja algum
sentido para a vida.
As religiões constituem formas específicas de expressar, pelos ritos, cultos e
vivências, a espiritualidade, de acordo com as convicções fundamentais que têm e
com a experiência fundante que lhes deu origem. Pelo fato de a espiritualidade ser
uma dimensão humana fundamental é que os humanos têm religiosidade e,
progressivamente, foram surgindo as religiões institucionalizadas.
168
Vivemos, hoje, um despertar religioso, uma revalorização do sagrado que,
ao mesmo tempo, significa um deslocamento do sagrado em forma de sincretismo,
com afiliações ltiplas de crenças contraditórias e mesmo reciprocamente
excludentes, o que é próprio em uma época de síncrese. Para muitos, o religioso se
tornou mais um objeto de consumo, uma alternativa para resolver males físicos,
psíquicos e, especialmente, econômicos, salvando dos problemas e garantindo
segurança. Apresentam-se Pregadores e Movimentos, diagnosticando os problemas
de toda ordem, doenças, desemprego, relações sentimentais, pobreza, como sendo
questões de possessão demoníaca ou de espíritos pouco evoluídos, prometendo
solucioná-los com passes e exorcismos. Da mesma forma, a assim chamada
Teologia da Prosperidade, ao lado da religião como consumo e do dinheiro como
símbolo da salvação, promovem uma ideologização da crença e uma experiência
religiosa descompromissada com a realidade em que se inserem.
Uma experiência autêntica de Deus se traduz em conversão, ou seja, numa
mudança de rumo positiva, que se manifesta na prática cotidiana, no modo de ser,
de agir e interagir. Isso (a)-4.33117(,)-2.16436( )-174( )278]TJ-291.052 -20.-4.33117(,)-2.1643s 0 Td[(a(o)-4.33117(l)1.871227.164(s)-0.295585(c)-0.295585(o)5.67474(m)-33117(í)7.84154(d)-4.u2116(n)-4.33117(o)-4.33132( )-52.1439(o)5.67717( )-52.1436(i5817(l06.901 0 T439(e)5.67474(m)-7.bT439(e)5..1821(é)-4.32873(m)2.51136( )-52.1436( )-174( )278]TJ-291.052 -20.-4.33117(,)-2.1643sa0 Td[(a(o)-4.33117(95585(c)-0.295585(o)5.67474(m)-7.u2116(n)-4.33117(n)-4.33117(i)1187122(d)-4.33117(a)-4.33117(d)5.67474(o)-4.33354( )-42.142(e)-4.93142(o)-4.32873(s)-0.2o)-4.33117(2.247(q)5.67718(u)-4.3212478317.8474( )2785817(l004.98 -20.76 Td[(c)-0.2)1.87(r)êTd[(d)-4.33056(e)-4.67474(m)-7..3117(,)7.84058( )-92É.254(P)-3.33117( )-8233117(o)-4.33158( )-9233117(g)5.67474(r)2.80561(a)-4.n3117(a)-4.33117(d)5.67474(o)-4.33117( )-82.2128(p)-4.a3117(g)5.67474(r)2.â1939(e)-4.33117(m)-7.49588(e)-4.33117(t)-2.33117(r)2.80561(o)5.33361( )-92.2175(d)5.67474(a)-4.33161( )-92a2187(q)5.67474(u)-4.33117(t)3( Td[(e)5.67474(n)-4.33117(t)-2.16436(i)1.87122(c)-0.287122(i)1.87122(d)-4.33474(a)5.67474(d)-4.95585(e)-4.33117(.)-2.16417( )-82A.254(P)-3.33161( )-922.253(r)2.80439(e)-4.33439(i)82(c06.901 0 Td[(a)-4.ç5585(s)9.71032(n)-4.33117(o)-4.33117( )-92.2175(c)9.71116(e)5.67474(m)-7.49417( )-92.1939(D)1.57187(q)5.67474(u)-4.33117(s)-0.295517( )-92é0561(o)5.33361( )-9232873(m)2.e3117(a)-4.33718(u)-4. 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Td[(e)5.67474(n)-4.33117(t)-2.67259(e)-4.33117( )5522.254(d)5.67474(a)-4.33117( )552.1939(c)-0.295585(o)-4.33117(n)-4.33117(s)9.71032(t)-2.-2117(r)2.67474(u)-4.33117(ç)-0.295585(ã)-4.33117(o)-4.33118( )-152.284(d)-4.33117(e)5.67417( )-162.259(e)-4.32117(m)-7.49466(a)-4.33118( )-15é7474(n)-4.33117(t)-2.16436(i)1.87122(c)-0.295585(a)-4.33118( )-15m3117( )2.78)96.935 0u2116(n)-4.33474(a)5.67474(d)-4. Td[(i)1.87122(a)-4.33117(l)1.95585(,)-2.16437( )55233117(a)5.33117( )32.16436(h)-4.32873(a)-4.33117(r)2.80439(t)-2. Td[(i)1.33117(r)2.80437( )5522.254(d)5.67718(o)5.67718( )278556(306.901 -20.64 Td[(p)-4.)1.87(o)-4.33056(n)-4.33117(t)7.84032(a)-4. 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169
conseguem falar ao coração das pessoas individuais, interpelando-as a
favor de causas justas, nobres, altruístas
357
.
Na abertura para o Outro, o homem se abre aos outros, à natureza e ao
cosmos. Torna-se, efetivamente, ser de relação. A autenticidade e a profundidade
dessa relação, por sua vez, atestam as convicções e a sinceridade diante de Deus.
Estabelece-se a dialética entre a dimensão subjetiva da espiritualidade e a práxis
libertadora, numa articulação viva entre e vida, religião e cidadania, na construção
de uma autonomia responsável e participativa, num projeto de uma nova sociedade,
onde todos possam ser sujeitos e não objetos.
Por todos esses motivos e de outros que possam ser arrolados, a educação
que se pretenda integral precisa valorizar, efetivamente, a abordagem da dimensão
religiosa.
4.5 A DISCIPLINA DE CULTURA RELIGIOSA
Somos sempre subjetividade e relação e o cultivo espiritual, dentro ou fora
de uma religião institucionalizada não pode, portanto, ser reduzido à esfera íntima ou
subjetiva. Meslin o diz da seguinte maneira:
Não existe fé tão privada que não exerça qualquer influência sobre a
sociedade. Além disso, sabemos todos que a religião não pode atingir o
homem a não ser através das mediações culturais de seu tempo. Todo
discurso humano sobre Deus e sobre o homem, isto é, toda teologia, é
sempre um todo cultural elaborado pela história. Não existe religião que não
se encarne
em fiéis imersos em culturas particulares. Os laços que regem
as relações entre religião e cultura são tão complexos quanto inevitáveis,
ora marcados por uma violenta oposição, ora por um desejo real de
aproximação
358
.
Essa dimensão está sempre presente e perpassa a preocupação com a
universalidade do ser humano na universidade, mormente nas confessionais para as
quais, a partir da sua matriz religiosa, o sentido a alcançar na vida provém da
experiência do Transcendente e culmina no encontro pleno com ele.
357
KÜNG, Hans. Projeto de Ética Mundial - uma moral ecumênica em vista da sobrevivência humana.
São Paulo: Paulinas, 1992, p. 59-136.
358
MESLIN, Michel. A Experiência Humana do Divino – Fundamentos de uma Antropologia Religiosa.
Tradução: Orlando dos Reis. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 52.
170
A disciplina de Cultura Religiosa se torna o espaço da explicitação dessa
preocupação e o lugar onde conteúdos relacionados ao tema são abordados de
forma sistemática.
A evolução da universidade se dentro dos paradigmas epistemológicos
da Modernidade. As diferentes áreas de conhecimento e a subseqüente divisão em
disciplinas seguem a mesma lógica. Assim, a Cultura Religiosa, enquanto disciplina
acadêmica, surgiu para trazer informações e apresentar argumentos que explicitem
e forneçam subsídios lógico-racionais, conferindo validade intelectual à religião.
Como é no espaço da universalidade dos saberes que a universidade
estabelece seus campos epistêmicos, é aí que a disciplina de Cultura Religiosa se
situa e desenvolve a discussão com as demais áreas de conhecimento, a partir do
objeto que lhe é próprio, ou seja, o fenômeno religioso e sua expressão, na
multiplicidade de formas e pluralidade de origens e manifestações, a partir das
experiências do sagrado e da universal busca do ser humano por sentido, em
múltiplos aspectos, especialmente para a vida e para a morte, percebido sempre
para mais além de todas as explicações e promessas de concretização vislumbradas
no horizonte do imanente. Nas palavras de Touraine (2006), a escola não pode
furtar-se à abordagem das questões religiosas. Pode-se, na sua opinião, discutir o
como fazê-lo:
O conhecimento do fato religioso é indispensável. Primeiramente porque a
história das religiões nos ajuda a compreender nossa história e o presente.
Mas surge então a pergunta: deve a escola ensinar que um além do
social e do político, que assumiu, no decorrer dos séculos e nos diversos
continentes, fisionomias particulares aqui Deus, num outro momento o
universo, ou ainda a natureza, alhures ainda a razão ou a revolução, ou
mesmo o Homem e o direito natural,
de origem religiosa mas donde saíram
as declarações dos direitos do homem, do século XVIII ao século XX ou
deve ela dar a conhecer os fatos religiosos sem interpretá-los? [...] grande
parte dos atuais caminhos de modernização associam componentes
religiosos como formas muitas vezes antigas de organização social e de
vida cultural. É assim que são arrastados para a modernidade, muitas vezes
de forma ativa, indivíduos e grupos nos quais se misturam, se unem ou se
contradizem condutas religiosas com outras que não o são. Seria, portanto,
arbitrário, e certamente falso, declarar incompatíveis a modernidade à qual
se refere a escola e determinada herança cultural que não se considerasse
a si mesma como antimoderna. A busca da continuidade é tão freqüente
como a da ruptura
359
.
A disciplina de Cultura Religiosa não se confunde com Catequese. Esta visa
transmitir a e iniciar na sua vivência. Caracteriza-se, assim, como uma dupla
359
TOURAINE, Alain, op. cit., p. 206-207.
171
iniciação: às verdades de de uma determinada religião, com uma adesão
consciente e formal a elas e uma iniciação prática, em que a pessoa passa a
vivenciar individual e comunitariamente os ritos e práticas dessa religião. Esta
afirmação corrobora-a o Catecismo da Igreja Católica (1993), que diz:
Bem cedo passou-se a chamar de catequese o conjunto de esforços
empreendidos na Igreja para fazer discípulos, para ajudar os homens a
crerem que Jesus é o Filho de Deus, a fim de que, através da fé, tenham a
vida em nome dele, para educá-los e instruí-los nesta vida, e assim construir
o Corpo de Cristo. A catequese é uma educação da das crianças, dos
jovens e dos adultos, a qual compreende especialmente um ensino da
doutrina cristã, dado em geral de maneira orgânica e sistemática, com o fim
de os iniciar na plenitude da vida cristã’
360
.
Como referido acima, a Cultura Religiosa trata do fenômeno religioso nas
suas mais variadas manifestações, ao longo do tempo e nos diferentes povos, e do
estudo de determinadas religiões e temas relacionados, como área de
conhecimento. Não entra no mérito das crenças pessoais, confiadas à liberdade de
consciência de cada um.
Ainda quem afirme, embora com incidência decrescente, que a disciplina
de Cultura Religiosa não se justifica, que não passa de uma matéria caça-níquel que
as Universidades e Instituições de Ensino Superior Confessionais, em geral, impõem
no currículo, como recurso espúrio e pouco criativo para ganhar dinheiro. Tal visão é
passível de ser compreendida dentro do horizonte cientificista, marcadamente dos
séculos XVIII e XIX, referido acima, e na luta por afirmação das ciências naturais
emergentes, frente à hegemonia da religião, no século XVII. Repeti-lo hoje é,
possivelmente, estar ancorado numa visão de ciência reducionista e dogmática,
inclusive porque, como o lembra Demo (2001), “na prática é difícil estabelecer quem
ditou mais dogmas: a ciência ou a religião”
361
.
Certamente as causas para essas dificuldades de diálogo, ainda presentes,
são muitas e variadas. O resumo apresentado por Brakemeier (2006) se afigura bem
ilustrativo:
Se, de fato, a cultura cristã está nas raízes da ciência moderna, causa
estranheza a guinada atéia que essa deu nos séculos XVIII e XIX. Quais
são as razões? Se enxergamos bem, devem ser indicadas três vertentes,
nenhuma decisiva por si só, mas eficazes em sua interação:
360
Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Editora Vozes, Edições Paulinas, Edições Loyola,
Editora Ave Maria, 1993, n. 4-5.
361
DEMO, Pedro. Dialética da Felicidadeinsolúvel busca de solução. V. 2. Petrópolis: Vozes, 2001,
p. 47.
172
a Por um lado, deve-se culpabilizar a obstinação das Igrejas,
majoritariamente indispostas a reverem seu discurso dogmático e aceitarem
um diálogo sério sobre a matéria. Perderam a chance de participar da
vanguarda histórica e assim evitar o divórcio entre o saber e o crer de tão
nefastos prejuízos para ambos.
b É do que se aproveitou o ateísmo, alimentado por fortes tendências
anticlericais. Apoderou-se avidamente desse fantástico potencial.
Transformou a racionalidade científica em aliada e em arma contra a
suposta superstição religiosa. O antagonismo entre e ciência partiu de
filósofos bem mais do que dos próprios cientistas. Como adversária da
existência de Deus articulava-se, antes de mais nada, a razão. Ilustra-o o
exemplo de Immanuel Kant (1724-1804), expoente destacado do
Iluminismo. Muito embora o renomado filósofo de modo algum quisesse
abolir a ‘fé bíblica’, considerada importante na educação ética do povo rumo
à maioridade, a negação de Deus pela ‘razão pura’ e sua redução a mero
postulado da razão prática acabou forjando uma imagem desse pensador
que se aproxima à de um iconoclasta religioso. A realidade de Deus sumiria
completamente no materialismo da Revolução Francesa (1789-1794), ao
entronizar a razão como suprema divindade.
c – A terceira vertente consiste na índole da própria ciência. Ela vê-se
impedida de trabalhar com a ‘hipótese Deus’. Se o fizesse, iria aniquilar-se a
si mesma. Está obrigada a adotar um ateísmo metodológico que abstrai de
Deus, de pressupostos metafísicos, de intervenções milagrosas ou de
fenômenos ‘sobrenaturais’. Ela quer ‘descobrir’, explicar, conhecer. Deus
não se presta a ser premissa científica. Ao mesmo tempo, a ciência percebe
que Deus se subtrai às suas investigações. Em parte alguma, nem no
macro tampouco no microcosmo, aparecem insofismáveis vestígios da
realidade chamada Deus. Ciência favorece o agnosticismo religioso.
Permanece a pergunta: Se a ciência o acesso a Deus, como então
nasce a fé?
362
As raízes teóricas dessa problemática remontam à Grécia antiga, no
caminho do mito ao lógos. A par dessas considerações, faz-se mister acrescentar a
problemática, que há tempos envolve a discussão em torno da educação formal e do
seu papel na sociedade, a necessidade de organizar os conhecimentos
produzidos pela humanidade e passá-los às novas gerações o que requer,
naturalmente, um planejamento a médio e longo prazo, com o estabelecimento de
metas, estratégias e avaliações periódicas, com coragem para efetuar os respectivos
ajustes
363
. Uma das dificuldades passa a ser, então, a definição dos critérios para a
escolha dos conteúdos e a definição das maneiras de trabalhá-los. O mesmo se
aplica aos valores educativos e sociais a serem desenvolvidos no processo escolar,
em todos os níveis. Nesse contexto, é significativa a análise de Forquin (1993):
362
BRAKEMEIER, Gottfried, op. cit., p. 14-15.
363
COLOM, Antoni. A (Des) Construção do Conhecimento Pedagógico: Novas Perspectivas para a
Educação. Tradução: Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: ARTMED, 2004, p. 100: “Não se
pode enfrentar sistemas complexos com ferramentas intelectuais e heurísticas de outros tempos, a
partir da mentalidade evolutivo-linear, em que as coisas produzem, mais ou menos, os mesmos
efeitos”.
173
De todas as questões suscitadas pela reflexão sobre os problemas da
educação desde o começo dos anos 60, as que se referem à função de
transmissão cultural da escola são, ao mesmo tempo, as mais confusas e
as mais cruciais. Ocorre que elas dizem respeito ao próprio conteúdo do
processo pedagógico e interpelam os professores no mais profundo de sua
identidade. Se não há realmente ensino possível sem o reconhecimento,
por parte daqueles a quem o ensino é dirigido, de certa legitimidade da
coisa ensinada, corolário da autoridade pedagógica do professor, é
necessário também, e antes de tudo, que este sentimento seja partilhado
pelo próprio professor. Toda pedagogia cínica, isto é, consciente de si como
manipulação, mentira e passatempo fútil, destruiria a si mesma: ninguém
pode ensinar verdadeiramente se não ensina alguma coisa que seja
verdadeira ou válida aos seus próprios olhos. Esta noção de valor intrínseco
da coisa ensinada, tão difícil de definir e de justificar quanto de refutar ou
rejeitar, está no próprio centro daquilo que constitui a especificidade da
intenção docente como projeto de comunicação formadora. É por isso que
todo questionamento ou toda crítica envolvendo a
verdadeira natureza dos
conteúdos ensinados, sua pertinência, sua consistência, sua utilidade, seu
interesse, seu valor educativo ou cultural, constitui para os professores um
motivo privilegiado de inquieta reação ou de dolorosa consciência
364
.
De outro lado, pulsa a preocupação com o indivíduo, o educando, a quem o
processo educativo deve ajudar a desenvolver ao máximo suas potencialidades, que
inclui a preparação para o mundo do trabalho, sem descurar do fato de que ninguém
é sozinho e que a socialização e a sensibilização para com o meio ambiente
complexo, relacional e interdependente, são essenciais para a construção do eu e o
desenvolvimento de uma personalidade sadia. Os questionamentos em torno da
validade e do papel da disciplina de Cultura Religiosa precisam ser focados,
analisados e compreendidos dentro desse horizonte maior de questionamentos do
processo educativo como um todo.
A escola, incluindo, naturalmente, a universidade, é um espaço importante
onde se gesta e experiencia a afirmação do sujeito, colocando a racionalidade do
saber, o bem comum como critério, o interesse público, as normas sociais
dominantes, o patriotismo a seu serviço e o como instrumentos para dominar e
submeter. Deve, por isso mesmo, levar em conta as características dos alunos e as
do meio de onde vêm. Também é verdade que o sujeito pode ser destruído, tanto
pelas instituições quanto por si próprio, na correria e sobrecarga de tarefas. Por isso,
a escola deve ser o espaço onde se trabalham e cultivam os valores que na
sociedade, em dado período histórico e cultural, não têm vez.
Sugestiva é, certamente, a freqüência cada vez maior com que o ambiente
religioso se torna espaço para conversar e discutir diferentes propostas de crenças e
364
FORQUIN, Jean-Claude, op. cit., p. 9-10.
174
práticas emergentes na sociedade atual ou resgatadas do passado pré-iluminista.
Antigas expressões de religiosa, relegadas ao silêncio pelo império da
racionalidade como critério único, podem ser trazidas à tona para serem discutidas
na informalidade, com abertura para elaborações sistemáticas, desde que se criem
espaços acadêmicos para isso. Da mesma forma, merece abordagem a pluralidade
de terapias alternativas, de cunho religioso ou não, bem como especulações
envolvendo a tendência religiosa do ser humano e suas expressões, no nível da
física quântica e da neurociência, assim como modelos de convivência e de
estabelecimento das relações em sociedade e da relação com a natureza,
encontradas em culturas diferentes da nossa.
A disciplina de Cultura Religiosa é ocasião privilegiada, para não dizer única,
onde a experiência e o conhecimento religiosos, muitas vezes também fragmentários
ou mesmo rudimentares, podem se expor ao esclarecimento e ao debate.
Sobrevivem, facilmente, referências de ordem exclusivamente cultural, com
freqüência, porque as pessoas nessa condição nunca tiveram oportunidade de
participar de um espaço onde a dimensão religiosa pudesse ser elaborada.
Contradições e resistências iniciais, quando se apresentam, não deveriam
surpreender e, muito menos, servir de pretexto a omissões ou tratamentos
desfavoráveis, uma vez que o perfeitamente compreensíveis e justificadas em um
contexto de marginalização e menos valia, contraditoriamente, de uma das
dimensões fundamentais do ser humano.
Isso, naturalmente, não significa ignorar que ainda há quem se contente em
repetir estereótipos ou velhos axiomas minimalistas, assentados, por sua vez, numa
sofística de senso comum, pouco questionada como, por exemplo, a que repete que
“religião e política não se discutem”. O questionamento que se impõe é a quem
interessa que a política o seja discutida, como também a religião ou, então, que
política e que religião não querem discutir ou apresentar-se à discussão. No
tangente à discussão sobre a religião, para a qual a disciplina de Cultura Religiosa é,
na universidade, espaço especial, se configura oportuna a observação que Ruedell
(2007) faz, ao tratar do ensino religioso:
Nesta mesma perspectiva, é tarefa fundamental deste Ensino Religioso
ajudar a definir os critérios e referenciais de autenticidade religiosa pelos
quais as pessoas possam discernir, nas múltiplas exteriorizações religioso-
culturais, o que de verdadeiro e legítimo em coerência com o sentido
profundo dos seres humanos e das coisas, para poderem contribuir de
175
modo substancial na educação para a cidadania e a construção de
sociedades mais humanas
365
.
Como disciplina acadêmica, a Cultura Religiosa pode contribuir no resgate
da inteireza do ser humano. Consoante a proposta da modernidade, a vida toda
deve ser fracionada e tratada em partes. Uma das conseqüências dessa maneira de
abordar as coisas e o homem, para a educação, é não atingir o ser humano no seu
todo
366
. Ocupar-se de partes, sobre as quais até podem ser feitas muitas e
interessantes descobertas, estudos de aprofundamento, com entendimento das
causas e compreensão de possíveis desdobramentos futuros, sem levar em conta a
pessoa como um todo, impedirá um crescimento harmonioso e equilibrado na sua
construção do humano. Questiona-se o modelo de educação vigente, em muitas
obras e abordagens variadas, ensaiam-se mudanças aqui e acolá, mas permanece a
sensação ou mesmo a constatação objetiva de que não se atingiu o foco do
problema. Há, em muitos países, a convicção de que a educação não está
conseguindo desempenhar o papel que as exigências do tempo atual e as
necessidades e os anseios humanos requerem. Por onde começar? Quais são as
raízes das dificuldades e com que meios e estratégias agir em vista a respostas
satisfatórias? Ou como o formula Werthein (2000):
Se um tema sobre o qual todos concordam é o da Educação como
elemento fundamental para o desenvolvimento de uma civilização e de uma
nação. No entanto, a Educação mundial está em crise. Ainda é pertinente
um sistema de ensino estruturado como o do século XIX? Ainda é pertinente
a abordagem puramente disciplinar? Ainda é possível a escola continuar
passando apenas informações sem nenhuma preocupação com a formação
e o diálogo entre os diferentes campos do saber e os diferentes níveis de
cada ser humano?
367
As experiências fundantes das religiões, explicitadas nos mitos de origem e
nas tradições, por exemplo, consubstanciam uma visão de ser humano como um
todo. Na fidelidade a essa estrutura de fundo, a cadeira de Cultura Religiosa deve,
pois, procurar sempre dar vazão a esse ponto de partida que lhe é inerente e
365
RUEDELL, Pedro. Educação Religiosa Fundamentação antropológico-cultural da religião
segundo Paul Tillich. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 12.
366
LÜCK, Heloísa. Pedagogia Interdisciplinar: fundamentos teórico-metodológicos. 7. ed. Petrópolis:
Vozes, 1994, p. 14: “Sendo ele próprio [o processo de ensino] uma expressão do modo como o
conhecimento é produzido, também se encontra fragmentado, eivado de polarizações competitivas,
marcado pela territorialidade de disciplinas, pela dissociação das mesmas em relação à realidade
concreta, pela desumanização dos conteúdos fechados em racionalidades auto-sustentadas, pelo
divórcio, enfim, entre vida plena e ensino”.
367
WERTHEIN, Jorge In: NICOLESCU, Basarab et al. Educação e Transdisciplinaridade. Tradução
de Judite Vero, Maria F. de Mello e Américo Sommerman. Brasília: UNESCO, 2000 (Edições
UNESCO), p. 5.
176
organizar a sua proposta de tal modo que a prática cotidiana com os estudantes a
exteriorize e a transforme num resgate do ser humano como um todo.
não há, hoje em dia, maiores dificuldades em admitir as mazelas
advindas de uma visão fragmentária do ser humano. Valoriza-se, de forma
crescente, o encontro do ser humano consigo mesmo e fala-se muito em
espiritualidade, como vimos. Na Academia, contudo, quando se admite falar
dessas coisas, prevalece a visão que reduz espiritualidade ou mesmo Deus ou
manifestações do sagrado a dimensões do imanente, especificamente como
potencialidades humanas a serem descobertas e aprimoradas. A Cultura Religiosa
traz à discussão o Transcendente, o Totalmente-Outro, presente na imanência, mas
jamais reduzido ou reduzível a ela; não presente, mas sempre novo, interpelador
da realidade polifacetada que se apresenta ao homem e em que este é instado pela
vida a intervir e dar sua contribuição. Corrobora-o Cheuiche (2005), ao afirmar:
O certo é que o culto religioso, o cultivo das relações do homem com Deus,
situa-se num patamar mais alto do que a satisfação das necessidades
primárias da vida; o que ele procura é o fundamento último da realidade
dada. Naturalmente, isto supõe um certo cultivo interior do homem, cultivo
de si mesmo, do pensamento e do coração, bem como o cultivo das
relações com as outras pessoas
368
.
A criação de um clima de diálogo, de partilha de experiências, de
informações e conhecimentos, não como concessão, mas como procedimento
metodológico básico, torna-se condição para o desenvolvimento das aulas. Mesmo
sendo considerado importante no processo ensino-aprendizagem, tal proceder ainda
encontra resistências, e o seu reconhecimento como instrumento válido para a
aprendizagem segue sob suspeita, como chama a atenção Carman (1982):
O veículo erudito de conversação faz sentido apenas se todos os
participantes estiverem convencidos de que as perguntas religiosas a serem
discutidas se referem a indivíduos e podem ser fecundamente aprofundadas
pela comunicação interpessoal. Alguns acham isso natural, mas muitos
programas universitários em estudos interculturais em que a comunicação
interpessoal é considerada insignificante ou, pelo menos, não muito
importante, ou, até mesmo, tida como prejudicial para uma análise científica
convencional. Cientistas ocidentais das gerações passadas enfatizam isso.
[...] A necessidade de corrigir, aqui e acolá, a objetividade acadêmica
ocidental é ainda quase tão urgente como foi para a geração anterior
369
.
368
CHEUICHE, Antônio do Carmo, op. cit., p. 23.
369
CARMAN, John B. Bulletin; Center for Study of World Religions. Harvard University, Fall 1982, p.
9-10. Apud GRESCHAT, op. cit., p. 88.
177
Em outras palavras, faz-se necessário aprender a calar e a falar menos;
seguir o outro, em vez de ir à frente; ouvir, em vez de tirar conclusões, e abster-se
de emitir julgamentos.
Dessa maneira, a Cultura Religiosa, enquanto matéria universitária, ajuda a
fazer uma leitura de mundo, trazendo elementos novos, próprios da sua área para
ajudar na reflexão e na sistematização que o estudante deve processar no embate
das aprendizagens proporcionadas pelas contribuições das diferentes áreas de
conhecimento. Ancorada, em primeiro lugar, na Teologia e nas Ciências da Religião,
mas valendo-se também das contribuições das ciências humanas, em geral, a
disciplina de Cultura Religiosa é, por natureza, interdisciplinar, pela sua origem
epistêmica e, por isso, deveria -lo também na prática cotidiana, enquanto
disciplina academicamente desenvolvida
370
. Possivelmente resida uma das suas
dificuldades de legitimação, num contexto educacional e universitário, em particular,
estabelecido na divisão disciplinar, às vezes, com maior, outras, com menor disputa
por espaço, quando não por hegemonia, declaradamente assumida ou de forma
velada, através da invocação de alguma discussão do que seja ou não científico, ou
defendendo alguma visão reducionista de ser humano.
A Teologia busca apresentar as “razões da ”, no horizonte de uma
determinada denominação religiosa. Nas palavras de Hammes (2006),
a Teologia se define como lógos da e o como fé. A autoridade de suas
conclusões e dos seus resultados vem da força dos argumentos e dos
dados capazes de convencer, inclusive dando forma e sentido novos ao
conteúdo do crer. Em sua origem, a Teologia quis ser um espaço para
dialogar com o pensamento e a cultura circundante. [...] Em sua estrutura
fundamental, Teologia expressa a relação entre a inteligência e a fé, ciência
da fé. É um método de apropriação daquele aspecto humano chamado
crença, enquanto dimensão existencial subjetiva e social, vivida e recebida,
em sua relação com a sociedade e a realidade. Seu objeto imediato, a fé,
no entanto, o é como poderia fazer crer uma concepção apenas
intelectualista sinônimo de irracionalidade e sim de confiança em alguém,
de fidelidade. É ato de racionalidade aberta e acolhedora, que não é apenas
compatível com pesquisa, mas lhe é intrínseca e inerente, a exemplo de
qualquer outra realidade humana
371
.
370
DEMO, Pedro, op. cit., p. 66: “O ambiente mais favorável à aprendizagem é o interdisciplinar, ao
mesmo tempo teórico e prático, socialmente motivador, pluralista e crítico, implicando qualidade
formal e política; não existe aprendizagem apenas teórica ou apenas prática, que o confronto
adequado com a realidade supõe dar conta dela como um todo; ao mesmo tempo, é próprio do
conhecimento moderno o distinguir concretamente teoria e prática, que seu signo fundamental é
intervir para mudar”.
371
HAMMES, Érico. Pode Teologia ser Ciência? Teocomunicação Revista Trimestral de Teologia
Faculdade de Teologia Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, v. 36, Nº. 153,
Setembro de 2006, p. 548-549.
178
As Ciências da Religião, por sua vez, olham para a religião ou para o
fenômeno religioso, a partir das ciências, operando cortes transversais, percorrendo
várias religiões, no intuito de investigar um traço universal, elemento comum a todas
as religiões. Assentam-se sobre duas bases, a saber, a história da religião e a
história comparada da religião, chamada também Fenomenologia da Religião ou,
ainda, Ciência Sistemática da Religião. É, por isso, um espaço privilegiado para a
confluência de saberes, como um ensaio de síntese, com vistas ao desenvolvimento
global do ser humano
372
. Contudo, segundo Susin (2006), o desafio, também nessa
área, é superar o dualismo pela aproximação das duas áreas:
As ciências da religião sozinhas, ainda que expliquem muito, ao utilizarem
os instrumentos da racionalidade moderna, objetivante e desconstrutiva,
analítica, são percebidas como arrogantes e desrespeitosas pelas
comunidades de fé. As ciências são percebidas como saber para dominar,
forma de poder e de violência sobre a realidade da fé. O fundamentalismo
religioso é, sobretudo, uma atitude defensiva diante do fundamentalismo
das ciências. É nesse quadro que o/a teólogo/a tem que ser chamado/a à
responsabilidade: é a melhor posição e o melhor serviço para ajudar a
prevenir ou a passar do fundamentalismo a uma atitude religiosa adequada
ao pluralismo, à tolerância, à paz e à objetividade, inclusive da verdade
científica. As sociedades contemporâneas, entre modernidade e pós-
modernidade, num mundo globalizado que atinge também regiões de pré-
modernidade, precisa de teologia franca e aberta, teologia que parta de
dentro das experiências da fé, e não de ciências da religião, para dar
conta dessa tarefa em relação ao ‘bem comum’, a convivência social
373
.
A abordagem dos temas desenvolvidos na disciplina de Cultura Religiosa
deve ser transdisciplinar. A transdisciplinaridade ajuda o aluno a perceber a
importância da relação entre saberes, enquanto apreensão de um objeto de estudo,
a partir de diversos pontos de vista, o que de si tem valor. Possibilita, ademais,
avançar para além da constatação da quantidade de olhares possíveis sobre
372
SUSIN, Luiz Carlos. O Estatuto Epistemológico da Teologia Como Ciência da Fé e a Sua
Responsabilidade Pública no Âmbito das Ciências e da Sociedade Pluralista. Teocomunicação
Revista Trimestral de Teologia Faculdade de Teologia Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, v. 36, Nº. 153, Setembro de 2006, p. 558-559: “A teologia é distinta das ciências da
religião pelo seu lugar de origem. O cientista, que se debruça sobre o objeto ‘religião’ ou sobre
fenômenos religiosos, parte das ciências e não tem o pré-requisito da fé. Até que ponto, depois de
Foucault e outros desconstrutores da pretensa neutralidade das ciências, pretensão de não estarem
contaminados por ideologia, podem as ciências da religião permanecer na objetividade, através da
neutralidade, isso é problema epistemológico. Se há um âmbito de estudos de antropologia em que a
‘observação participante’ veio se tornando sentida e cada vez mais exigida, é exatamente no âmbito
das demonstrações das experiências da fé para poder chegar a ser o mais justa possível com a
‘realidade’ dessa experiência. Pois, afinal, é a realidade que interessa às ciências. Antropólogos que
tentam ‘incorporar orixá’ ou ‘gritar aleluia’ têm sido freqüentes, revelando que a categoria
teoricamente clara para uma distinção epistemológica nem sempre condiz com o percurso da
ciência”.
373
Idem, Ibidem, p. 560-561.
179
determinado objeto, comparando os resultados obtidos pelos diferentes campos
epistemológicos.
No entanto, esta, na prática, é muito difícil diante do esquartejamento em
disciplinas, dividindo o conhecimento a tal ponto de, dentro das próprias áreas, se
carecer de interdisciplinaridade, aumentando o desafio de se alcançá-lo entre as
disciplinas
374
. Para começar, dever-se-ia, então, partir de uma abordagem
multidisciplinar, trabalhando os temas da Cultura Religiosa em parceria com a
Teologia, a Filosofia, a Sociologia, a Psicologia, a Biologia, a Medicina, a Química e
a Física, sem fechar as portas a outros intercâmbios
375
. A transdisciplinaridade, como
sugerido pelo prefixo trans, apresenta o sentido de “através e além”. Não exclui a
disciplina, mas não se reduz a ela, constituindo-se numa abordagem aberta,
multidimensional e multireferencial. Assmann (1999), observa:
Transdisciplinaridade. Enfoque científico e pedagógico que torna explícito o
problema de que um diálogo entre diversas disciplinas e áreas científicas
implica necessariamente uma questão epistemológica. A
transdisciplinaridade não pretende, de forma alguma, desvalorizar as
competências disciplinares específicas. Ao contrário, pretende elevá-las a
um patamar de conhecimentos melhorados nas áreas disciplinares, que
todas elas devem embeber-se de uma nova consciência epistemológica,
admitindo que é importante que determinados conceitos fundantes possam
transmigrar através (trans-) das fronteiras disciplinares. Os/as cientistas e
pedagogos/as, que mais se dedicaram a temas como complexidade, auto-
organização e similares, são também os maiores fautores da
transdisciplinaridade
376
.
Assim, no dizer de Nicolescu (2000), a relação disciplinaridade e
transdisciplinaridade não é de oposição, mas de complementaridade:
Como no caso da disciplinaridade, a pesquisa transdisciplinar não é
antagonista, mas complementar à pesquisa pluri e transdisciplinar. A
transdisciplinaridade é, no entanto, radicalmente distinta da pluri e da
interdisciplinaridade, por sua finalidade: a compreensão do mundo presente,
374
STRECK, Danilo R. Correntes Pedagógicas: Uma Abordagem Interdisciplinar. Petrópolis: Vozes;
Rio Grande do Sul: CELADEC, 2005, p. 33: “É importante ainda reconhecer inicialmente as limitações
da própria idéia de interdisciplinaridade. Com base na análise de Foucault, Alfredo Veiga-Neto
argumenta que uma verdadeira interdisciplinaridade seria impossível no âmbito da modernidade, uma
vez que a disciplinaridade ‘é constitutiva da própria modernidade’. Isso estaria sendo comprovado
pelo constante insucesso de iniciativas de interdisciplinaridade na escola, onde é difícil que elas
ultrapassem o nível do multidisciplinar”.
375
ARDOINO, Jacques, op. cit., p. 558: “Sem causar prejuízo para os saberes disciplinares, sempre
necessários, os professores precisam, a fim de cumprir sua tarefa, dispor de curiosidades e de
competências éticas, epistemológicas, políticas cada vez mais sólidas, em função das missões que
lhes são confiadas pela sociedade e devido aos desafios constituídos pelas contradições e pelos
antagonismos experimentados hoje por nosso universo. Estas poderiam ser as grandes linhas do que
conviria chamar de iniciação à complexidade”.
376
ASSMANN, Hugo. Teologia e Ciências; Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade Anotações
prévias à margem de textos prévios. In: SUSIN, Luiz Carlos (Org.). Mysterium Creationis: um olhar
interdisciplinar sobre o Universo. São Paulo: Paulinas, 1999, p. 100.
180
impossível de ser inscrita na pesquisa disciplinar. A finalidade da pluri e da
interdisciplinaridade sempre é a pesquisa disciplinar. Se a
transdisciplinaridade é tão freqüentemente confundida com a inter e a
pluridisciplinaridade (como, aliás, a interdisciplinaridade é tão
freqüentemente confundida com a pluridisciplinaridade), isto se explica em
grande parte pelo fato de que todas as três ultrapassam as disciplinas. Esta
confusão é muito prejudicial, na medida em que esconde diferentes
finalidades destas três novas abordagens. Embora reconhecendo o caráter
radicalmente distinto da transdisciplinaridade em relação à disciplinaridade,
à pluridisciplinaridade e à interdisciplinaridade, seria extremamente perigoso
absolutizar esta distinção, pois neste caso a transdisciplinaridade seria
esvaziada de todo seu conteúdo e sua eficácia na ação seria reduzida a
nada
377
.
A disciplina de Cultura Religiosa, pela sua índole e pelo objeto que lhe é
próprio é, assim, transformada em espaço acadêmico integralizador no processo de
humanização do ser humano. Devolve ao homem, como sublinhado acima, a sua
inteireza e o confronta com a integralidade da realidade, da qual faz parte e que, ao
mesmo tempo, o transcende, remetendo-o à experiência do sagrado. Ou como o
expressa Nicolescu (2000),
o sagrado permite o encontro entre o movimento descendente da
informação e da consciência através dos níveis da Realidade e dos níveis
de percepção. Este encontro é fundamental para nossa liberdade e a nossa
responsabilidade. Neste sentido, o sagrado aparece como a origem última
de nossos valores. Ele é o espaço de unidade entre o tempo e o não tempo,
o causal e o acausal
378
.
Situada, como campo epistêmico, na intersecção de várias áreas de
conhecimento, a disciplina de Cultura Religiosa exige, pelas suas particularidades,
uma abordagem multi, pluri, inter e transdisciplinar. Podendo, dessa maneira,
contribuir significativamente para desencadear um processo de reflexão, sob essa
perspectiva, em outras áreas, mais voltadas sobre um enfoque monodisciplinar, a
também descobrir a validade e a possibilidade desse diálogo, ao mesmo tempo que,
pela prática, se torna um espaço onde se ensaia, efetivamente, uma posição de
abertura, diálogo e tolerância para com o diferente e o aparentemente contraditório,
substituindo a exclusão pela inclusão
379
, isto é, ser laboratório de “um outro mundo
possível”. É a experiência multifacetada do Transcendente convocando para uma
377
NICOLESCU, Basarab, op. cit., p. 17.
378
NICOLESCU, Basarab. A Prática da Transdisciplinaridade. In: NICOLESCU, Basarab, op. cit., p.
148.
379
MOIGNE, Jean-Louis Le. Complexidade e Sistema. In: MORIN, Edgar. A Religação dos Saberes.
O desafio do Século XXI. Trad. Flávia Nascimento. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2001, p.
542: “Não basta dizer que os paradigmas epistemológicos aos quais referimos nossos sistemas de
ensino têm todos eles defeitos e vícios. É preciso ser capaz de propor lealmente, sem impor, outros
paradigmas epistemológicos e alguns procedimentos que legitimem os conhecimentos que
transmitimos – quer se trate de informática, de enfermagem, de física, de biologia, de economia etc.”
181
nova relação com a imanência, numa permanente releitura das opções feitas, tendo
em vista a ultrapassagem constante dos limites e a superação de todas as formas de
exclusão. Trata-se, no dizer de Nicolescu (2000), da atitude transreligiosa:
[...] A experiência do sagrado é a origem da atitude transreligiosa. A
transdisciplinaridade não é religiosa nem não-religiosa, ela é transreligiosa.
É a atitude transreligiosa que emerge da transdisciplinaridade vivida que
nos permite aprender a conhecer e apreciar as especificidades das
tradições religiosas e não religiosas que nos são estranhas, para melhor
perceber as estruturas comuns nas quais elas estão fundamentadas e,
assim, chegar a uma visão transreligiosa do mundo. A atitude transreligiosa
não está em contradição com nenhuma tradição religiosa do mundo ou com
nenhuma corrente agnóstica ou atéia, na medida em que essas tradições
reconhecem a presença do sagrado. Com efeito, essa presença do sagrado
é nossa transpresença no mundo. Se amplamente espalhada, a atitude
transreligiosa tornaria impossível qualquer guerra religiosa
380
.
Dessa maneira, a disciplina de Cultura Religiosa se insere no contexto atual
em que a compreensão da complexidade da realidade e das relações é entendida
sempre mais ao modo de complementaridade, do terceiro incluído. Em lugar dos
dualismos, a exclusão cedendo para uma dinâmica de inclusão. Quando (re)
tomamos a consciência de que o todo é maior do que a soma das partes e que
transcender não é nenhuma extravagância e, sim, expressão da nossa essência
como humanos e, à sua maneira, de todos os seres e do mundo como um todo,
podemos também falar em ser humano integral, sem abrir mão de nenhum dos seus
níveis ou dimensões
381
. Podemos, assim, falar em educação integral. Podemos fazê-
lo a partir de horizontes diferentes que, porém, na diferença, estarão mais próximos
da unidade do ser humano. Extremamente atual e urgente o que disse Buber (1959),
há quase meio século e que muitos repetiram ao longo desse período:
A relação do educador com o aluno é puramente dialógica. Há entre eles na
realidade, uma mutualidade, ou seja, um envolvimento que não anula o
outro, uma confiança mútua, no sentido em que o ser educado e o
educador são participantes de uma única e mesma situação. Enfim, coloca
que a verdadeira relação educadora é possível na amizade; nela, as
almas humanas se envolvem, verdadeiramente, uma na outra
382
.
380
Idem, Ibidem, p. 148.
381
TAVARES, Sinivaldo S. e ciência na contemporaneidade. Repensar Revista de Filosofia e
Teologia. Instituto de Filosofia e Teologia Paulo VI. Nova Iguaçu/RJ - Ano 02, n. 2, 2006, p. 22: “O
princípio da complexidade se constrói fundamentalmente sobre dois pressupostos: 1) a totalidade é
sempre maior do que a simples soma das partes; 2) o real na sua complexidade sempre se todo
em cada uma de suas dimensões. É impossível, na verdade, decompor a complexidade do real em
partes, ainda que sejam tantas. O real se dá cada vez de maneira distinta em cada uma das
presumidas partes. É por essa mesma razão que a simples soma das partes não recobre a
complexidade do real. O real se numa complexa e densa teia de relações de modo que se torna
cada vez mais legítimo falar, como F. Capra, de uma ‘Teia da Vida’”.
382
BUBER, Martin. La vie en dialogue. Paris: Ed. Montagne, 1959, p. 241.
182
Tavares (2006) aqui a possibilidade de, constatadas as limitações do
modelo de universidade em vigor, com propostas fracionárias, de optar por um outro
modelo capaz de resgatar a universalidade:
[...] A ultra-especialização característica de cada uma e de todas as
disciplinas tem produzido um conhecimento específico que consiste em
‘saber cada vez mais sobre cada vez menos’, produzindo uma situação na
qual ‘não sabemos o que sabemos sobre nosso mundo’. Numa tal situação,
justamente o que parecia à primeira vista sua maior fragilidade acaba se
convertendo na sua possibilidade mesma de superação da condição de
encurralamento ao qual, no dizer de E. Morin, as disciplinas acadêmicas nos
vêm conduzindo. Há autores que chegam a falar em ‘Universidade em
ruínas’ para caracterizar a atual situação de nossas universidades que mais
parecem instituições fragmentadas do que expressão de uma organização
que refletiria a unidade orgânica de todos os campos do conhecimento e do
saber. Estão em ruínas nossas universidades, por recolherem apenas os
restos fragmentados
de um todo orgânico, restos que se autonomizaram
tanto a ponto de se desconectarem entre si
383
.
Esse olhar nos impulsiona e pro-voca a repensar a prática educativa, sua
estrutura e organização. Autoriza-nos a inovar, redesenhar metas e discutir
prioridades, sem medo da contracorrente. A universidade, pela sua própria índole,
trajetória histórica e responsabilidade perante os indivíduos e a comunidade, cumpre
melhor sua função, quando questiona o que está dado e o aparentemente óbvio em
determinado momento histórico-cultural, e quando ousa avançar, debatendo
alternativas ao que está posto, construindo pontes de discussão e debate entre as
várias áreas de conhecimento, em vistas à descoberta de caminhos sempre mais
oportunos e viáveis para a construção de uma humanidade mais plena, em harmonia
e equilíbrio com o mundo em que está inserida.
A disciplina de Cultura Religiosa se constitui, assim, no espaço acadêmico
privilegiado para a (re) descoberta, num enfoque ecumênico e inter-religioso, numa
abordagem inter e transdisciplinar, do ser humano e do mundo, numa perspectiva
transcendente, ajudando na superação dos reducionismos imanentistas que
tentaram restringir o homem a si mesmo, suas idiossincrasias e interesses imediatos
e circunstanciados. As palavras do Conselho Pontifício da Cultura soam como um
sinal de alerta e admoestação, também para as universidades católicas:
Na situação cultural hoje preponderante em diferentes partes do mundo, o
subjetivismo prevalece como medida e critério de verdade (cf. Fides et
Ratio, n. 47). Os pressupostos positivistas sobre o progresso da ciência e da
tecnologia são postos em questão. Após o fracasso espetacular do
marxismo-leninismo coletivista e ateu, a ideologia rival, o liberalismo, revela
sua incapacidade em fazer a felicidade do nero humano, na dignidade
383
TAVARES, Sinivaldo, op. cit., p. 23.
183
responsável de cada pessoa. Um ateísmo prático antropocêntrico, a
indiferença religiosa apregoada, um materialismo hedonista agressivo
marginalizam a fé como algo evanescente, sem consistência nem
pertinência cultural, no seio de uma cultura prevalentemente científica e
técnica (Veritatis Splendor, n. 112). Na verdade, os critérios de juízo e de
escolha assumidos pelos mesmos crentes apresentam-se freqüentemente,
no contexto de uma cultura amplamente descristianizada, como alheios ou
até mesmo contrapostos ao Evangelho (Ibid., n. 88)
384
.
Ora, é intrínseco à missão da universidade católica empenhar-se para que
os propósitos e os valores fundamentais da cristã encontrem espaço na
sociedade, de tal forma que cada vez mais se concretizem na sua organização,
explicitando-se nas estruturas e materializando-se no cotidiano da vida de um
sempre maior número de pessoas e instituições o que, naturalmente, requer
coragem e, muitas vezes, enfrentamento daquilo que se apresenta como óbvio, justo
e verdadeiro. Também aqui a eloqüência do testemunho fala mais alto. O bom
atendimento, com decisões coerentes e tomadas oportunamente, planos e políticas
fundamentadas à luz da justiça, do equilíbrio, do respeito, do bom senso, bem como
instrumentos que deixem claro e viabilizem na azáfama diuturna, a subsistência dos
valores fundamentais. O anúncio explícito da Boa-Nova de Jesus terá, obviamente,
também seu espaço. Pessoas bem-qualificadas e condições de trabalho adequadas
são outro elemento a evidenciar a coerência entre a proclamação da missão e o
desejo de que assim se realize. A propósito, observa o Conselho Pontifício da
Cultura:
O Papa João Paulo II o recordava ao celebrar o vigésimo quinto aniversário
da Constituição conciliar sobre a liturgia: A adaptação às culturas exige
também uma conversão do coração e, se for necessário, mesmo a ruptura
com hábitos ancestrais incompatíveis com a fé católica. Ora tudo isto requer
uma séria formação teológica, histórica e cultural, bem como um são critério
para discernir aquilo que é necessário ou útil daquilo que é inútil ou até
mesmo perigoso para a fé (Vicesimus quintus annus, n. 16)
385
.
A disciplina de Cultura Religiosa abrange a complexidade do homem e de
suas relações e expressa uma reflexão sistemática sobre elas, à luz da
transcendência, experimentada de várias e diferentes maneiras, na 33117(i)1.-4.3315b.32873(a)-4.32873(s)9.71276( )278]TJü422( )-11.334561(i)1.87(m)-7.49466334 162(i)-7.055(c)-6.3339(a)1.44o63 -11.52 Td[(u)1.44233117(c)4t
184
É tarefa da disciplina de Cultura Religiosa contribuir na superação dos
processos de desumanização, sempre possíveis embora não desejados e em franca
contradição com o ideário das universidades católicas, inspiradas no projeto de
Jesus, que é de vida plena para todos
386
.
Esse projeto de vida plena pode vingar, se acontecer a superação
progressiva das divisões, incapazes, na essência, de captar a inteireza do ser
humano, porque devedoras e caudatárias de visões, propostas ou propósitos
indiferentes ou contraditórios a esse projeto. Pode ocorrer também, como
aconteceu muitas vezes, que, muito bem intencionados e com empenho tenaz, se
invista o melhor das energias e dos recursos em causas que a médio e longo prazo
se mostram equivocadas, reducionistas e fracionárias.
386
Jo 10, 10: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância”.
185
5 CONCLUSÃO
Tendo sua origem epistêmica na confluência de quatro tipos de
conhecimento, o religioso, o teológico, o científico e o filosófico, e tendo na cultura e
na religião duas dimensões fundamentais e, por realizar-se em nível universitário,
essa disciplina constitui um espaço integralizador da educação.
Embora tenha no fenômeno religioso e suas expressões seu tema central,
por sua vez inserido e relacionado com a realidade como um todo, que acontece na
cultura e no tempo, e que não pode, por isso, ser visto separado da vida e das suas
circunstâncias, a disciplina de Cultura Religiosa se depara aqui com um dos seus
maiores desafios: não obstante visceralmente ligada ao estudante e à sua vida, em
busca de sentido e realização, que em sua totalidade a universidade deve abranger,
às vezes não encontra espaço adequado para se desenvolver, figura à margem da
grade curricular dos cursos, e na lista das prioridades e dos investimentos, corre o
risco de não constar. outras sutilezas que denunciam essa contradição, como,
por exemplo, quando, nas avaliações, aparecem apenas questões relacionando as
disciplinas à sua aplicação imediata, material e prática à profissão, sem
interrogações que evoquem a formação para a vida, numa realidade cada vez mais
complexa, onde os subsídios e o treinamento para o exercício profissional
constituem um dos aspectos, nem de longe suficiente, muito menos, único.
Dada a origem interdisciplinar da disciplina de Cultura Religiosa, haurindo
seu conteúdo de vários tipos de conhecimento e transitando pela cultura e pela
religião, na estrutura formal da educação acadêmica, seu desenvolvimento exige
uma dinâmica e uma abordagem diferenciadas, para que não sejam estabelecidas
contradições entre a proposta e o que se faz com ela na prática. Tais contradições
podem estar na origem de críticas à disciplina de que ela não tem uma finalidade
identificável concreta, que é caça-níquel ou aula de religião, subentendida como
catequese, proselitismo ou tentativa de doutrinação.
Uma dificuldade, então, está em encontrar uma porta de entrada
significativa, com condições de levar a um discernimento conceitual, objetivo,
possibilitando uma construção sistemática do conhecimento, tomando-se como
ponto de partida as experiências e conhecimentos prévios dos alunos, onde
gravitam impressões, preconceitos, informações vagas, desconhecimento de causa,
186
o senso comum da opinião e do subjetivismo, ao lado da vivência pessoal profunda
e engajada em comunidades de fé, em diferentes religiões, noções de
espiritualidade, de fatalismo religioso, dentre outros.
Empenhar-se pela educação integral implica despertar da ataraxia
racionalista, que reduz o ser humano à razão empírico-instrumental, e resgatá-lo na
sua inteireza e complexidade, onde experiências, sentimentos e emoções são parte
da construção do humano. Merece especial atenção o desenvolvimento de uma
nova sensibilidade, o fato de que muitos jovens, desde tenra idade, vivem cercados
de futilidades, de prazeres epidérmicos e na lógica de um consumismo de
compensação, apercebendo-se vítimas de uma vida sem sentido, sem futuro, sem
entusiasmo e sem razões para sonhar e viver.
A disciplina de Cultura Religiosa, pela abrangência de dimensões que está
na sua origem e que lhe é intrínseca, é o espaço onde os conhecimentos advindos
das diferentes disciplinas têm um espaço facilitador para se encontrarem e serem
pensadas juntas como dimensões de uma mesma realidade, ampla, descoberta e
estudada no horizonte de cada área de conhecimento e das disciplinas específicas,
tornando-se, assim, um espaço de integralização da educação.
Para fazer jus a essa singularidade, que lhe é inerente, a disciplina de
Cultura Religiosa necessita de determinados requisitos que permitam seja
desenvolvida na plenitude, tornando possível um estudo sério e aprofundado do
fenômeno religioso, com suas variáveis e com incrementos oriundos das pesquisas
e conclusões dos diferentes tipos de conhecimento, arrolados, acima, num embate
qualificado com a trajetória dos estudantes, com espaço para a troca de
experiências, um diálogo fecundo com a realidade, leituras e debates. E, por outro
lado, de forma integrada, a realização de uma interação efetiva com as outras áreas
de conhecimento e as disciplinas próprias dos diferentes cursos.
Entre os requisitos básicos para um desenvolvimento pujante da disciplina
de Cultura Religiosa e que valorize e vazão à sua capacidade de integralização,
está uma carga horária mínima para atender a essa dupla demanda. Isso significa
um mínimo de seis créditos, divididos entre uma introdução à antropologia religiosa;
explicitação do fenômeno religioso na história, nas expressões religiosas
institucionalizadas e novas manifestações religiosas; e uma parte final,
187
correspondente a aproximadamente dois créditos, para os intercâmbios e o diálogo
com conteúdos, projetos, insights, metodologias dos diferentes cursos e disciplinas.
O atendimento a essa vocação fulcral da disciplina de Cultura Religiosa
supõe uma mudança na organização do seu programa, via de regra voltado a
conteúdos estreitamente teológicos ou, quiçá, religiosos. Essa, talvez, represente
uma razão por que a disciplina seja facilmente chamada de Teologia e também
identificada como aula de religião, o que o significa necessariamente excluir
conteúdos, mas reordená-los e focá-los para o horizonte de uma formação integral
de todos os acadêmicos, em qualquer curso e para a diversidade e peculiaridades
destes.
Mudanças metodológicas também se fazem necessárias, vindo a permitir
que a disciplina seja desenvolvida de forma mais dinâmica e enquadrada em
concepções novas. Por exemplo, uma valorização da pesquisa voltada para
aprendizagem, alterando uma prática majoritariamente assentada na transmissão de
conteúdos pelo professor. O trabalho de monitoria, adotado timidamente na Cultura
Religiosa, em algumas Instituições, mas muito presente e significativo em muitas
disciplinas, deveria ser incrementado por possibilitar um maior comprometimento
com as temáticas atinentes, a valorização e a possibilidade de aprimoramento
pessoal aos interessados, além de constituir um meio de ajuda nas dificuldades de
muitos e de ampliar a possibilidade de participação.
O uso de recursos da educação a distância é outra possibilidade na
execução das aulas, ampliando contatos, aumentando o domínio sobre a tecnologia
de comunicação, requisito cada vez maior em muitas áreas profissionais. Facilita o
cruzamento de informações e a elaboração de novas sínteses. Conforme o caso, um
percentual das aulas poderia ser não-presencial, educando para outro tipo de
compromisso com o aprimoramento acadêmico e a formação pessoal. Para muitos
professores, contudo, a tecnologia na educação continua sendo pedra de tropeço. A
discussão em torno do assunto evolui lentamente, não obstante todo o progresso
recente, tecnológico e midiático, e que poderia trazer vantagens aos professores no
desempenho do seu trabalho.
Seminários, Simpósios, Conferências Temáticas, Mesas-Redondas
interdisciplinares também desempenham um papel importante, tanto em termos da
troca de conhecimentos, de leituras plurais sobre temas parecidos ou iguais, levando
188
a uma maior compreensão e a sínteses mais profundas, com embasamentos mais
amplos do que os possíveis no viés monodisciplinar. Esses intercâmbios ajudam a
construir um conhecimento sólido, a partir da multiplicidade de informações e
experiências recolhidas e elaboradas nas disciplinas. Revoluciona a aprendizagem,
à medida que leva a repensar conclusões e certezas a partir de outras conclusões e
das certezas, construídas sob outros enfoques da mesma realidade. Os professores
trabalharão integrados, ao menos em alguns projetos, numa superação paulatina da
solidão disciplinar e terão também eles necessidade de repensar conceitos e
definições, antes dadas como certas, definitivas e únicas.
De vital importância para conferir à disciplina de Cultura Religiosa o espaço
necessário a fim de desenvolver o seu trabalho nesses termos é a estruturação de
um Departamento de Cultura Religiosa com infra-estrutura e pessoas suficientes.
Um Departamento que faça contatos com outros cursos, promova eventos, coordene
intercâmbios, chancele iniciativas de grupos interdisciplinares, mantenha contato ou
participe de investigações junto com áreas que dividem temas de interesse comum,
além de coordenar toda essa gama de iniciativas e atividades e ser referência para
professores e alunos. É necessariamente um trabalho em Equipe, articulando e
coordenando essas diferentes frentes e atividades, como também a relação com
outras disciplinas.
A religião, no nosso contexto cultural (res) surge, não como inimiga da razão
ou da ciência, mas como aliada do ser humano. Em diálogo com seus anseios e
aspirações mais profundas e radicais, com os constantes avanços técnico-
científicos, porém sempre limitados à finitude do espaço-tempo cósmicos,
testemunha a experiência do Transcendente, possibilitando que a realidade se torne
diáfana e a esperança justificada.
Em síntese, o ser humano acontece na cultura, que deve ser integral, para
abranger-lhe todos os níveis e dimensões, incluindo a sociedade e constituindo,
assim, um processo de humanização.
A dimensão religiosa é constituinte do ser humano, e a religião, segundo a
visão cristã, exerce função matricial na cultura. Faz parte da caminhada humana.
Na pluralidade de sistematizações da experiência do Transcendente e na busca de
sentido, para além do imanente, manifesta a universalidade do fenômeno religioso.
189
A educação integral expressa o processo de humanização a que todo o ser
humano deve ter acesso. Diz respeito ao desenvolvimento do homem todo e de
todos os homens, em todos os níveis e horizontes. Na perspectiva cristã, inclui a
possibilidade de conhecer melhor e de aprofundar mais a experiência de Deus na
história e na vida de cada um.
A disciplina de Cultura Religiosa constitui um espaço integralizador da
educação pela sua origem interdisciplinar. A experiência do sagrado, seu principal
objeto de estudo, suscita abertura à pluralidade e sensibiliza para a possibilidade da
diferença. É espaço integralizador da educação, porque, ao compartilhar a sua
abordagem multi, inter e transdisciplinar com disciplinas e áreas de conhecimento,
com ênfase monodisciplinar, ajuda-as a também entrarem em um processo
dialógico, que vai ao encontro da complexidade da realidade e da completude do ser
humano, sempre subjetividade e relação. É, então, espaço integralizador da
educação, como possibilidade de abarcar a totalidade da realidade e do ser humano,
condição para o resgate da sua inteireza.
A fim de tornar-se, efetivamente, um espaço integralizador da educação,
requer a disciplina de Cultura Religiosa as condições necessárias, recursos e
disposição. Requer atualização, disponibilidade ao novo, ao aprofundamento,
revisitação de conceitos, ampliação na compreensão do conhecimento, voltando-se
para a formação integral. Do ponto de vista4( )-272.32585(t)-2.16192(a)-e33117(ç)-0.295585(ã)-221.71032(o)-4.3311e.et5.67474( )-272Dona atooão abhualoloo da
190
Conhecimento
Religioso
Conhecimento
Científico
Conhecimento
Teológico
Conhecimento
Filosófico
Disciplina
de
Cultura
Religiosa
Cultura Religiosa
Busca de
Sentido
para a
vida
Teologia
Ciências
da Religião
Ecumenismo
Diálogo Inter-
Religioso
Ciências
Humanas
Ciências Exatas,
Biomédicas,
Jurídicas, da
Comunicação...
191
Cultura Religiosa
Busca de
Sentido
para a
vida
Teologia
Ciências
da Religião
Ecumenismo
Diálogo Inter-
Religioso
Ciências
Humanas
Ciências Exatas,
Biomédicas,
Jurídicas, da
Comunicação...
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