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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A EDUCAÇÃO SALESIANA NO INTERNATO DE BARCELOS
ANALISADA À LUZ DO SISTEMA PEDAGÓGICO SALESIANO
E DA VISÃO DE EX-ALUNOS
JOÃO ALBERTO FERREIRA FACÃO
MANAUS-AM
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE S-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
JOÃO ALBERTO FERREIRA FACÃO
A EDUCAÇÃO SALESIANA NO INTERNATO DE BARCELOS
ANALISADA À LUZ DO SISTEMA PEDAGÓGICO SALESIANO
E DA VISÃO DE EX-ALUNOS
Dissertão apresentada ao Programa de
s-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Amazonas, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em
Educação, sob orientação do Prof. Dr. José
Silvério Baia Horta.
MANAUS-AM
2008
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Ficha Catalográfica
F137e
Facão, João Alberto Ferreira
A educação salesiana no internato de Barcelos analisada à
luz do sistema pedagógico salesiano e da visão de ex -alunos /
João Alberto Ferreira Facão. - Manaus: UFAM, 2008.
153 f.; il.
Dissertação (Mestrado em Educação) –– Universidade
Federal do Amazonas, 2008.
Orientador: Prof. Dr. José Silvério Baia Horta
1. Internatos 2. Dom Bosco Sistema preventivo 3. Igreja
católica Educação 4. Salesian os Barcelos (AM) I. Horta,
José Silvério Baia II. Universidade Federal do Amazonas III.
Título
CDU 371.4(811.3) (043.3)
JOÃO ALBERTO FERREIRA FACÃO
A EDUCAÇÃO SALESIANA NO INTERNATO DE BARCELOS
ANALISADA À LUZ DO SISTEMA PEDAGÓGICO SALESIANO
E DA VISÃO DE EX-ALUNOS
Dissertão apresentada ao Programa de
s-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Amazonas, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em
Educação, sob orientação do Prof. Dr. José
Silvério Baia Horta.
Aprovado em 05 de novembro de 2007 .
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. José Silvério Baia Horta Presidente
Universidade Federal do Amazonas
Prof.ª Dr.ª Valéria Augusta Cerqueira de Medeiros Weigel Membro
Universidade Federal do Amazonas
Prof. Dr. Damásio Raimundo Santos de Medeiros Membro
Faculdade Salesiana Dom Bosco
RESUMO
Este é um estudo sobre as práticas educativas salesianas, a partir do regime de internato. Ele
está dividido em três capítulos. No primeiro capítulo apresentamos o sistema educativo de
Dom Bosco como um estilo de educação preventiva, tendo como tripé de sustentação a razão,
a religião e a amorevolezza e também alguns aspectos dos acontecimentos que influenciaram
o contexto histórico-político-social e religioso italiano na época de Dom Bosco. No segundo
capítulo, apresentamos os salesianos no Brasil com um enfoque especial sobre a chegada e a
implantação das obras Salesianas na Amazônia e no terceiro capítulo, apresentamos o
contexto histórico-político-social de Barcelos, a ação educativa dos salesianos no internato
por eles fundado em 1927 e uma análise das práticas pedagógicas, ali implementadas, à luz da
teoria pedagógica salesiana, tendo como bases o Sistema Preventivo de Dom Bosco e a visão
atual de ex-alunos do referido estabelecimento de ensino.
PALAVRAS-CHAVE: Sistema Preventivo; Salesianos no Brasil; Barcelos.
ABSTRACT
This is a study on the Salesian educative practices, from the regime of boarding school. It is
divided in three chapters. In the first chapter we present Dom Bosco´s educative system as a
style of preventive education, taking to reason as a tripod of sustenance, the religion and the
“amorevolezza” and also some aspects of the events that influenced the Italian social political
historical and religious context in the time of Dom Bosco. In the second chapter, we present
the salesians in Brazil with a special approach on the arrival of the introduction of the salesian
works in the Amazon region and in the third chapter, we present the social -political historical
context of Barcelos, the educative action of the salesians in the boarding school established
on 1927 and an analysis of the pedagogic practices, there used through the pedagogic theory
view, taking as bases the preventive system of Dom Bosco and the current vision of the ex -
pupils of the above mentioned establishment of teaching.
KEYS-WORDS: Preventive System; Salesians in Brazil; Barcelos
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................... ....................................................09
CAPÍTULO I
1. SISTEMA PREVENTIVO ...................................................... ...........................................14
1.1. Contexto Histórico Político-Religioso E Social Italiano ...............................................18
1.1.1. Contexto Político-Religioso do Piemonte na época de Dom Bosco (1815-1888)..........21
1.1.2. Contexto Sócio-Econômico do Piemonte e de Turim (1841 -1861)................................23
1.2. O Sistema Preventivo De Dom Bosco ............................................. ................................27
1.2.1. Razão, Religião e Amorevolezza................................................... ..................................35
1.2.2. Razão............................................................................................. ..................................37
1.2.3. Religião........................................................................................ ...................................39
1.2.3.1. Confissão e Comunhão.............................................................. ..................................41
1.2.3.2. Instrução Catequética............................................................ ......................................42
1.2.3.3. Devoção Mariana....................................................................... .................................43
1.2.3.4. Piedade.................................................................... .....................................................43
1.2.3.5. Fidelidade à Igreja Católica e ao Papa ....................................... ................................44
1.2.3.6. Um programa de vida pessoal e prático para cada jovem ..........................................45
1.2.4. Amorevolezza................................................................................ ..................................46
CAPÍTULO II
2. OS SALESIANOS NO BRASIL ..................................................... ...................................49
2.1. Implantação da Obra Salesiana no Brasil ......................................... ............................51
2.2. Salesianos na Amazônia ....................................................................... ............................68
CAPÍTULO III
3. INTERNATO SALESIANO DE BARCELOS .................................... .............................82
3.1. Contexto Histórico-Político-Social de Barcelos.............................................................82
3.2. Internato Salesiano de Barcelos ........................................................ ..............................93
3.2.1. Estrutura hierárquica e administrativa do Internato de Barcelos... .................................96
3.2.2. Espaço físico do Internato de Barcelos.......................................... .................................98
3.2.3. Admissão dos internos............................................................. .....................................100
3.2.4. Horários do internato.................................................................. ..................................106
3.2.5. Alimentação................................................................................... ...............................108
3.2.6. Disciplina....................................................................................... ...............................112
3.2.7. Castigos.......................................................................................... ...............................114
3.2.8. Atividades Escolares...................................................................... ...............................120
3.2.9. Artes e Ofícios.............................................................................. ................................125
3.2.10. Atividades e Práticas Religiosas................................................... ..............................127
3.2.11. Concepção de educação dos ex -alunos do internato de Barcelos ...............................133
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................... ...........................136
REFERÊNCIAS................................................... ...................................................... ...........142
INTRODUÇÃO
Este estudo tem por objetivo analisar as práticas educacionais pedagógicas
implementadas pelos salesianos no internato de Barcelos à luz da teoria pedagógica salesiana,
tendo como bases o Sistema Preventivo de Dom Bosco e a visão atual de ex-alunos do
referido estabelecimento de ensino. Para atingirmos esse objetivo, fez -se necessário, antes de
chegarmos à Barcelos, onde o sistema de internato, objeto primeiro de nossa análise, perdurou
por 58 anos, analisarmos o Sistema Preventiv o de Dom Bosco e a implantação das obras
salesianas no Brasil e na Amazônia.
Sabemos que inúmeros trabalhos teóricos foram escritos sobre o sistema
educacional pedagógico salesiano ou sistema educativo de Dom Bosco, especialmente na
Itália, onde ele viveu, “mas o mesmo não se pode dizer sobre os estudos da sua prática”
(SANTOS, 2000, p.24).
Na Itália, Pietro Braido, um dos maiores estudiosos da pedagogia de Dom Bosco, em
colaboração com Antônio da Silva Ferreira, Francesco Motto e José Manuel Prellezo,
começou a desenvolver a história da prática educativa do sistema preventivo com a obra: Don
Bosco educatore; scritti e testemonianze .
No Brasil, como trabalhos teóricos, merecem atenção o de Mário Casassanta, um dos
próceres do movimento da Escola Nova, q ue, em 1934, escreveu um ensaio intitulado Dom
Bosco Educador - Um mestre velho da Escola Nova
1
; o de João Modesti - Uma pedagogia
perene; o de Franz Victor Rudio - Em busca de uma Educação para a Fraternidade
2
; o de Ítalo
Rucco - O Amor Pedagógico pesquis ado de Platão a Dom Bosco, uma constante sem solução
de continuidade na obra educativa
3
; a dissertação de Tarcísio Scaramussa O sistema
preventivo de D. Bosco: um estilo de educação
4
; a dissertação de Delarim Martins Gomes
5
; a
de dissertação de Mauro Go mes da Costa - Pró-Menor Dom Bosco: a história, as ações sócio -
educativas, os cursos profissionais para adolescentes em situação de vulnerabilidade social
(1979-2003)
6
e a obra de Mamoel Isaú Souza Ponciano dos Santos - Luz e Sombras:
internatos no Brasil. Esta obra merece uma atenção especial, por ser, provavelmente, a
1
Para Santos (2000), esta obra procura responder a pergunta: "Dom Bosco foi um educador? Ela faz um paralelo
entre Rousseau e Dom Bosco. Diz que Dom Bosco o nos deixou um Emílio, mas" elevou estabeleci mentos,
deu-lhes admirável organização pedagógica e neles recolheu [...] todos os Emílios [...] que se lhe depararam no
caminho da vida". Afirma ainda que "se pode duvidar das virtudes pedagógicas de Rousseau, p or ser escritor e
doutrinador, mas [...] o se pode duvidar das virtudes pedagógicas de Dom Bosco, porque, sempre ocupado
com a prática, ofereceu concretamente os melhores frutos”. Distingue duas alas de educadores, os teóricos e os
práticos e classifica Dom Bosco entre os últimos (SANTOS, 2000, p. 24).
2
Rudio (1983) propõe o sistema preventivo de Dom Bosco como o mais adequado para a busca de uma
Educação para a Fraternidade. E na conclusão do seu trabalho, afirma: [...] o homem pode se salvar a si
mesmo da situação de violência em que o mundo conturbado de hoje o colocou [...]. E somente uma Pedagogia
de Amor é capaz de servir de caminho para esta redenção, pois só no amor existe a força que faz suportar, que
anima, que cura e que redime (p. 148 e 1 81).
3
Rucco (1977) em sua pesquisa bibliográfico -documental, partindo de que a "Educação é obra de amor" ou, em
outras palavras, do Amor Pedagógico, um dos elementos que compõem o Sistema Preventivo, investiga este
tema desde o período clássico do helenis mo, da "Humanitas Latina", da educação no Cristianismo até o
Romantismo Pedagógico, onde está incluído Dom Bosco (1815 -1888). Pretendia investigar se o "Amor
Pedagógico" fora uma constante na obra educacional. Procurou analisar os pedagogos e educadores qu e
implícita ou explicitamente escreveram e viveram este amor, aperfeiçoando sua teoria no decorrer dos séculos
(Tese de Doutorado, p.1).
4
SCARAMUSSA (1977) reconhece a necessidade de se fazer um estudo do Sistema Preventivo na realidade
latino-americana. No entanto, frente a falta de uma base histórica sobre o que foi feito em mais de cem anos
pelos salesianos no continente ele se propõe realizar apenas "uma introdução ao estudo do Sistema Preventivo
de Dom Bosco como indicação de um possível caminho de pe squisa, de aprofundamento, de aplicação desse"
à realidade concreta do mesmo continente. Apresenta os elementos descritivos do tempo, da personalidade e
da obra de Dom Bosco, as estruturas essenciais e os diversos componentes integrativos de seu sistema e o seu
significado hoje ( p. 14 e 15).
5
GOMES (1991) enfoca o Sistema Preventivo utilizado nos internatos, procura avaliá -lo dentro do modelo
arqueogenealógico de Michel Foucault, concluindo que o Sistema Preventivo é um sistema de "docilização" e
"adestramento". Dando a impressão de que a ciência e o poder, além de aliados intrínsecos, são maus.
Contrapondo esta analise, Santos (2000) esclarece que Gomes “ignora ou parece prescindir do aspecto
transcendente, sobrenatural do sis tema, fora do qualo difer e dos demais modelos pedagógicos utilizados e o
modelo considerado perde toda a sua consistência” e “como não foi realiza da uma pesquisa sobre os resultados
de sua aplicação, talvez a sua análise seja útil no sentido de prevenir reais ou possíveis desvios na sua
aplicação, que o autor não nos apresentou de modo claro ( p. 26).
6
Investiga a história da instituição salesiana “P -Menor Dom Bosco” e analisa as ações sócio -educativas, os
cursos profissionais e os egressos para o mercado de trabalho (COSTA, 20 04, p.13)
primeira obra a fazer uma apreciação teórica do sistema ou modelo pedagógico salesiano,
apresentando a história da prática desse modelo pedagógico, ou seja, o sistema preventivo de
Dom Bosco aplicado nos internatos no Brasil a partir de suas origens, desde 1885 até 1975.
Este trabalho visa reconstituir, pelo menos em parte, a história de quase
cem anos de uma experiência educativa que vigorou na rede escolar salesiana, em
grande parte dos Estados da Federação, e que deixou influências bem características
nas pessoas que a freqüentaram, em outras palavras, as práticas educativas utilizadas
como instrumento para a execução do sistema educativo de Dom Bosco, chamado
comumente de Sistema Prevent ivo, nas escolas em regime de internato e que foram
adaptadas e são utilizadas ainda hoje, em sua maioria, nos externatos (SANTOS,
2000, p. 26).
De acordo com o objeto de nosso estudo, que é de caráter histórico, a metodologia
utilizada foi equacionada se gundo os critérios exigidos pela investigação histórica. Seguimos
as orientações de Barros e Lehfeld (1999), utilizamos uma investigação histórica e uma
exposição sistemática capaz de transferir do fenômeno à essência do problema levantado.
Esse estudo, no entanto, não é um estudo de caráter histórico -descritivo em sentido
restrito. Por isso, seguimos também as orientações de Fachin (2003), ou seja, realizamos uma
pesquisa de coleta de dados por meio de questionários, entrevistas e dois encontros com
alguns dos ex-alunos do internato de Barcelos.
As entrevistas foram feitas com perguntas de forma semi -abertas, através de
formulários ou questionários.
A partir da análise do resultado da pesquisa, refletimos o processo e as práticas
educativas do internato e r espondemos como é que os ex -alunos se posicionam, hoje, em
relação à educação que lá receberam.
Para a realização da pesquisa foram feitas duas visitas à Barcelos. Na primeira, com
duração de 16 dias, foram colhidas as informações documentais na Secretaria da Escola São
Francisco de Sales; escola onde estudaram todos os alunos do internato e na segunda, com
duração de 21 dias, foi realizado o trabalho de campo junto a 39 ex -alunos do internato,
mediante dois encontros informais e as entrevistas propostas, c om resultado de 38 formulários
preenchidos e devolvidos e aproximadamente 4 horas de gravação.
Enfim, considerando ser a pesquisa uma busca de respostas para indagações propostas,
ou “um processo formal e sistemático de desenvolvimento do método científic o, cujo objetivo
fundamental é descobrir respostas para problemas mediante o emprego de procedimentos
científicos” Gil (1999, p.42), para a realização deste estudo, como um todo, utilizamos fontes
bibliográficas, documentais e pesquisa de campo.
A priori, queremos salientar que grande parte dos dados pesquisados é proveniente de
fontes primárias, como atas de reuniões, livros de registros, cartas, crônicas, relatórios
(manuscritos). Outra parte foi retirada dos regulamentos, prospectos, anuários, de regimen tos
institucionais e de outros documentos que foram levantados na biblioteca e no Centro de
Documentação Etnográfico Missionário (CEDEM), da Inspetoria Salesiana Missionária da
Amazônia (ISMA).
É mister dizer, também, que a maioria das fontes pesquisadas f oi produzida por
pessoas envolvidas no processo educacional: dirigentes, ex -alunos do internato, no caso de
Barcelos, ou amigos da obra educativa e que
suas informações, notícias ou observações nem sempre são completas; às vezes,
tentam minimizar ou, mesm o, excluir fatos desabonadores de pessoas ou das
instituições ou, pelo menos, reduzir o impacto negativo que porventura possa causar -
lhes. Isso constitui uma dificuldade para o historiador (SANTOS, 2000, p. 33).
Tentamos eliminar o aspecto propagandístico e aproveitar o dado frio, na medida do
possível, sabendo, no entanto, que “a neutralidade absoluta é um ideal praticamente
inatingível, apesar de buscado pelo pesquisador, que ele próprio é fruto da história
sociocultural do ambiente” (idem, p. 34).
Este estudo está dividido em três capítulos. No primeiro capítulo apresentaremos o
sistema educativo de Dom Bosco como um estilo de educação preventiva, tendo como tripé
de sustentação a razão, a religião e a amorevolezza. Ainda no primeiro capítulo, serão
apresentados alguns aspectos dos acontecimentos que influenciaram o contexto histórico -
político-social e religioso italiano na época de Dom Bosco. No segundo capítulo,
apresentaremos os salesianos no Brasil com um enfoque especial sobre a chegada e a
implantação das obras Salesianas na Amazônia e no terceiro capítulo, apresentaremos o
contexto histórico-político-social de Barcelos e uma análise do sistema educacional
pedagógico salesiano, enquanto práticas aplicadas no internato de Barcelos, a partir da visã o
atual dos ex-alunos do referido estabelecimento de ensino.
Entendemos que este estudo, sobre as práticas educativas do internato de Barcelos,
possa ser uma reflexão a mais sobre o Sistema Preventivo de Dom Bosco; um sistema de
educação que no decorrer de 58 anos (1927-1985) influenciou profundamente o modo de
pensar de algumas gerações de meninos, de jovens e rapazes de Barcelos e que ainda hoje tem
forte repercussão.
CAPÍTULO I
1. SISTEMA PREVENTIVO
Inicialmente, gostaríamos de salie ntar que quando se fala sobre o Sistema Preventivo
ou o projeto "criado" e executado por Dom Bosco, não se trata de um projeto educativo
original nem na teoria nem na prática. Segundo Santos (2000), o sistema preventivo na
educação
é tão velho quanto o C ristianismo. Faz parte da tradição judaico -cristã, a existência
de um processamento paralelo de dois modelos educativos distintos: o repressivo e o
preventivo, conotando elementos contrapostos como temor e amor, severidade e
indulgência, desconfiança do ho mem e confiança em Deus, sentido do pecado e
entrega à graça divina, pessimismo e otimismo em relação ao homem quanto à sua
idade evolutiva e educabilidade (p.120).
E o próprio Dom Bosco tinha consciência disto ao afirmar que d ois eram os sistemas
usados em todos os tempos na educação da juventude, o Preventivo e o Repressivo.
Outros educadores, antes de Dom Bosco, na mesma época em que ele viveu e depois
dele, também optaram pela prática preventiva em seus sistemas educacionais. No final da
Idade Média, por exemplo, se distinguia na pedagogia humanista italiana, entre outros,
Vitorino
7
da Feltre (1373/8-1445/7), cujas características preventivas de sua casa de educação
7
Vittorino vivia entre seus alunos, na escola, no refeitório, nos jogos, nos passeios e mantinha -os com uma
vigilância ativa no caminho da virtude e do dever. Dom Bosco recebeu influência significativa de seu sistema
educativo ( BRAIDO, 1993, p 21-22).
La Giocosa, conjugavam disciplina severa com manifestações de afeto, tendo um protóti po de
educador que era, ao mesmo tempo, pai, mãe, amigo e companheiro.
O desenvolvimento econômico -social, a expansão das trocas e do comércio; as
exigências de uma nova cultura laica e a revalorização da razão na própria elaboração
teológica, no século XV I, “realçaram o aprimoramento dos valores humanos, [...] o
refinamento dos costumes e a suavização dos métodos educativos [...] apesar de insistir -se em
maior vigilância na idade evolutiva” (SANTOS, 2000, p. 121). Dentro deste contexto
“apareceram propostas baseadas em uma pedagogia do amor e inspiradas no modelo familiar,
com base na doutrina cristã, no trabalho e na assistência amorável e preveniente” (Idem,
ibidem). São Carlos Borromeu (1538 -1584), que, apesar de, em seus seminários, adotar
módulos preferentemente repressivos, nas suas regras da Companhia das Escolas de Doutrina
Cristã, apresentava elementos virtualmente preventivos. Silvio Antoniano (1540 -1603)
adotava um modelo inspirado no amor e no temor, em que a autoridade fosse moderada pela
suavidade e doçura. São José Calasanz (1556 -1648), iniciou, em Roma, um projeto pioneiro
de escola popular, com o objetivo de re formar o Cristianismo. Na Itália, especialmente em
Roma, o preventivo unificava a inteira gama de obras de beneficência em favor dos pobres,
como: instrução elementar, caixas de poupança, associações de auxílio mútuo. “Até no campo
penal, o preventivo integrava o conceito de correção e de punição
8
” (SANTOS, 2000, p. 123).
Na França, do final do século XVI aa Revolução Francesa (1789 ), as Ursulinas
Claustrais desenvolviam atividade educativa em favor das educandas internas e externas,
fundamentando-se na espiritualidade religiosa, onde se conjugava contemplação e obras de
caridade, especialmente educativa. São Pier Fournier (1565 -1640) e Alix Le Clerc (1575 -
1622) fundaram a Congregação de Nossa Senhora, constituída de senhoras e mestras -escolas
em favor das meninas, em cujas Constituições também apareciam traços preventivos . “Até
8
Com destaque, nesta época, para a construção de uma teoria do jurista Cesare BECCARIA (1738 -1794)
(SANTOS, 2000, p. 123).
nas relações de governo das comunidades religiosas, as novas formas de vida religiosa
optavam pelo método da bondade e da doçura” (idem, p. 121), neste caso, São Francisco de
Sales e Santo Inácio de Loiola.
Santo Inácio de Loiola (1491 -1550) fundou em 1540 a Companhia de Jesus, que
exerceu influência significa tiva sobre a educação intelectual e moral. A Ratio atque institutio
studiorum Societatis Jesus, elaborada em 1588 e editada em 1599, teve supremacia nos
o princípio preventivo inspir ava o nível político, que redesenha a nova carta política
da Europa: os soberanos pretendiam apresentar -se aos súditos como pais de família,
dirigi-los no espírito de fraternidade, proteger a religião, a paz e a justiça e prestar
serviços uns aos outros, d entro de uma concepção de que todos são membros de uma
mesma nação cristã. O problema da pobreza, vista como perigo social, sentida nos
séculos precedentes, era recolocado, no século XIX, em chave mais preventiva
(SANTOS, 2000, p. 123).
Nesse contexto, o debate repressão-prevenção atravessa o século XIX e chega aaos
nossos dias. Dom Bosco, portanto, esteve próximo a vários educadores, sobretudo, franceses e
italianos cujas práticas preventivas lhe influenciaram. Alguns lhe eram, além de conhecidos,
amigos, como o bispo de Orléans, Dupanloup, educador e catequista
11
; Marcelino
Champagnat (1789-1840), fundador dos Irmãos Maristas que se inspirava largamente nos
métodos lassalistas; os irmãos Antônio (1772 -1858) e Marco Cavanis (1774 -1853), que
baseavam sua ação educativa na familiaridade paterna
12
; Ludovico Pavani, de Brescia, que
recorria aos métodos e meios costumeiros da pedagogia preventiva: religião, razão, amor e
doçura, vigilância-assistência, dentro de uma estrutura familiar e de intenso compromisso d e
trabalho; Antônio Rosmini (1797 -1855) que propugnava por uma pedagogia preventiva
diretiva; Ferrante Aporti (1791 -1858) que concebia a educação como preventiva. Este
bastante ligado a Dom Bosco cujo trabalho conheceu, elogiou, deu apoio e com o qual h á
idéias e pontos afins
13
; Gian Antonio Rayneri (1810 -1867) e José Allievo (1830 -1913).
11
Dom Bosco teve o primeiro encontro com Dupanloup em: 01/05/1877. Provavelmente leu L'Education (talvez
não os 3 volumes), embora na época tivesse pensamento pedagógico formado. afinidades quanto ao
ambiente, clima cristão e tradicional, quanto à prevenção; quanto à paternidade que forma a dignidade do
educador. Outro seu princípio é: "Uma casa de educação não se sustenta sem lei e regulamento, porque esses
são a ordem, e na Educação, como em qualquer outra coisa, a ordem é a força e a vida". Para alcançar a
disciplina é preciso manter o regulamento, por uma direção correta, prevenir sua violação pela vigil ância e
reprimir a transgressão com pontualidade de justiça ( SANTOS, 2000, p. 124).
12
Foram os iniciadores de uma Congregação Mariana e da Congregação dos Clérigos Regulares de escolas de
caridade que ofereciam instrução primária gratuita e média, formaçã o religiosa, assistência nas atividades
recreativas, "prevenção dos perigos físicos e morais" (SANTOS, 2000, p. 124).
13
Dizia Aporti, em seus Elementi di Pedagogia que os princípios geradores do bom método o a consideração
da índole, do caráter e do des envolvimento das faculdades dos meninos e a própria experiência e de outros
deduzida da aplicação de regras preestabelecidas (a importância de conseguir seu afe to é pela benevolência e
amorevolezza). Recomendava aos pedagogos a seguinte xima: "Conquistar primeiro o afeto e a confiança
dos meninos". o confundir doçura, amorevolezza e afabilidade, no tratamento dos meninos, com
familiaridade que degrade a autoridade. Dom Bosco usou, na Storia Sacra, de seu método dialógico no ensino
(SANTOS, 2000, p. 124) .
Dom Bosco não criou o sistema preventivo. Todavia, quanto ao estilo pessoal e
inconfundível de educar preventivamente, é inegável a sua originalidade.
Seus escritos nascem da exposição e descrição de fatos, que são tratados
como diretrizes para a ação concreta. Trata -se de grandes idéias, de amplas diretrizes
pedagógicas, de conclusões e de orientações conscientes e precisas, sem técnicas
definidas, frutos de reflexões e spontâneas. Seu sistema trata mais de uma "anima,
um espírito aberto", que não se prende a receituários fechados e definitivos, ou
segundo o padre Pedro Ricaldone, trata de "modos de fazer", de "comportar -se em
determinadas circunstâncias", segundo o mais elementar bom senso, o ligados,
necessariamente, a um sistema científico ou filosófico. É, antes de tudo, uma
restauração
14
. Conseqüência, sobretudo, da Revolução Francesa, estourada em Paris 28 anos
antes (1789) e em seguida da Revolução Industrial.
Não pretendemos traçar aqui a história da Revolução Francesa nem da Revolução
Industrial. Mas parece -nos oportuno aludir a alguns aspectos dos acontecimentos que
influenciaram profundamente o contexto histórico político -religioso e social italiano vivido
por Dom Bosco.
Com a Revolução a França, que séculos vivia sob o domínio absoluto do rei e dos
nobres, explodiu. A burguesia e o povo reclamavam seus direitos e a cessação dos privilégios
da nobreza e do alto clero. Foram proclamados os "direitos do homem" e a "soberania do
povo". "Os homens nascem e permanecem livres e iguais em seus direitos [...] Esses direitos
são a liberdade, à propriedade, a segurança e resistência à opressão. A fonte de toda a
soberania está essencialmente na nação" (Preâmbulo da Constituição de 17 91).
Mas, como acontece em todas as épocas de transformações radicais, decisões que
parecem formidáveis e justas se misturam à violências facciosas e injustificadas. Os burgueses
que chefiavam a revolução ampliaram seus direitos e reconheceram o direito de voto somente
para os proprietários. O povo se revoltou e entusiasmado e impulsionado pela euforia do
momento, foi à luta
15
. Agora era uma revolução em meio à revolução, ou como denominam
alguns historiadores: uma “revolução paralela”.
De agosto de 1792 a j ulho de 1794 a "revolução paralela" tomou o poder. Os
burgueses foram substituídos pelos representantes populares.
14
A época denominada "restauração", iniciada a de novembro de 1814, com a abertura, em Viena ustria),
do Congresso das nações vencedoras, época que, na maior parte da Itália, iria durar até 1847, isto é, até o início
do chamado Rissurgimento. A restauração é uma época de enganos colossais. Por vontade do Congresso os
reis destronados pela revolução e por Napoleão retomam aos seus palácios e pretendem com algumas penadas
cancelar 25 anos de história . Na festa de Viena, a Itália foi dividida como um bo lo em oito pedaços: o Reino da
Sardenha (Piemonte, Sardenha, Sabóia, Nice, designando -lhe também como "anexa" a república de G ênova), o
Reino Lombardo-Vêneto (estritamente submetido à Áustria), o Ducado de Módena, o Ducado de Placência, o
Grão-Ducado da Toscana, o Principado de Luca, os Estados Pontifícios e o Reino das Duas Sicílias ( BOSCO,
1993, p. 26).
15
A Europa contemplava estarrecida. Os fatos de Paris naqueles meses pareciam manifestações de loucura
coletiva. Até as pessoas mais progressistas, que in icialmente haviam simpatizado com a revolução, estavam
agora desnorteadas ( BOSCO, 1993, p.23).
Em setembro de 1792, grupos populares armados invadiram as prisões repletas de
aristocratas e de supostos conspiradores e massacraram mais de mil pessoas. Em janeiro de
1793, o rei foi declarado réu de traição, e guilhotinado. No mesmo ano de 1793, teve início o
"período do terror". Atribuiu -se o delito de traição a todas as pessoas "suspeitas" de serem
inimigas da revolução. Em outubro, os con denados à guilhotina foram 177; em julho do ano
seguinte, 1.285. Os "inimigos da revolução" iam sendo sumariamente liquidados, sem a
menor aparência de processo.
Procedia-se, ao mesmo tempo, a uma maciça "descristianização": proibição
do culto católico, f echamento das igrejas, destruição dos símbolos cristãos,
perseguição aos sacerdotes, substituição do culto a Deus pelo "culto à Razão" (com
mascaradas degradantes na mesma catedral de Paris) (BOSCO, 1993, p. 23).
Em julho de 1794, o terror e a "ditadura p opular" terminaram com a condenação à
morte dos seus próprios chefes: os fanáticos "jacobinos" Robespierre, Saint Just e Couthon, a
revolução voltou a ser burguesa
16
.
Em 1796 um exército da revolução chegou à Itália, comandado por Napoleão
Bonaparte, e em sangrentas batalhas, derrotou os austríacos no Vale do Pó.
Em 1799, o exército de Napoleão
17
estava no Egito e os austro -russos invadiram
novamente o norte da Itália. Napoleão voltou e outra vez a guerra semeou miséria nos ricos
campos do Vale do Pó.
A Itália e toda a Europa vão sentir -se aliviadas do terror das guerras a partir de
outubro de 1813, quando nas planícies de Leipzig, a gigantesca "batalha das nações" marca o
16
A nova Constituição (publicada em 1795) reconheceu o direito de voto somente a 30.000 pessoas (Paris tinha
600.000 habitantes). Atribuía -se a direção do país somente à classe restrita dos grandes proprietários. Logo,
verificar-se-ia uma "involução": o regime republicano acabaria por virar império (BOSCO, 1993, p.24).
17
Napoleão suga dinheiro e soldados de todas as regiões da Itália: servem -lhe para a guerrilha na Espanha e para
a expedição à Rússia. Invade esse longínquo e misterioso país à frente do maior exército de todos os tempos.
No rígido inverno de Moscou, -se o grande revés e a desastrosa retirada. Napoleão morrerem -lhe ao lado
600.000 homens, dent re os quais 25.000 italianos (sem contar os 20.000 liquidados na Espanha)
(BOSCO,1993, p. 24).
fim do grande Império francês e, aos olhos de muitos, o sepultamento dos ideais da
Revolução.
1.1.1. Contexto Político-Religioso do Piemonte na Época de Dom Bosco
(1815-1888)
A queda de Napoleão, em Waterloo, a 18 de junho de 1815, assinalou o fim de uma
época para toda a Europa.
Com o desaparecimento do imperador, a It ália voltou a ser uma simples "expressão
geográfica", agrupando oito Estados, sob o controle e proteção da Áustria. Nesse ano de 1815,
ela vivia o clima da Restauração.
Turim, a capital do Piemonte, recebia com entusiasmo a volta da velha dinastia da casa
Sabóia
18
, que desempenharia papel de primeira importância na unificação do país. O governo
contava, então, com os pilares tradicionais da monarquia: nobreza, clero e exército.
O clero, sobremaneira, mantinha estreita colaboração com o novo regime. Naquele
momento histórico “a história eclesiástica da Itália se entrelaçava com a história política.
Havia uma acentuada presença eclesiástica no mundo político e cultural: uma situação de
compromisso entre trono e altar” (SCARAMUSSA, 1977, p. 17). E as primeiras m edidas
adotadas pelo novo regi me foram restabelecer as ordens e as festas religiosas e recompor o
patrimônio da Igreja.
Assim foi no governo de Vítor Emanuel I, de 1802 a 1821 e, sobretudo, no governo de
Carlos Alberto, de 1831 a 1849, que deu uma orienta ção decididamente religiosa e clerical ao
seu governo. Ele acreditava de fato que a religião era a base e o complemento de toda
instituição política. A prática religiosa chegou a assumir caráter de imposição estatal. O clero
18
A juventude das melhores famílias alinha -se na oposição, entra nas sociedades secretas ; e depõe suas
esperanças num jovem príncipe da casa de Sabóia -Carignano, Carlos Alberto, que parece sensível aos novos
tempos (BOSCO, 1993, p. 30).
inspecionava as escolas e mant inha o monopólio do ensino público e da promoção de Obras
de Beneficência em Turim.
Mas ao longo desse período, duas grandes forças cresceram e se infiltravam no país: o
liberalismo e o nacionalismo, cujos objetivos eram claros: sacudir o jugo austríaco, r eformar
ou derrubar os governos absolutos e reconstruir a unidade política da península
19
.
O processo revolucionário ganhou terreno e apoio das massas populares. De tal forma
que, nos últimos anos do período Albertino, Turim se encontrava em meio de uma sé rie de
manifestações populares promovidas pelo movimento liberal
20
.
Em 1848, com a vitória da Áustria, na batalha de Novara e a abdicação do rei Carlos
Alberto (1849), o Governo do novo rei, Vítor Emanuel II, tomou outro rumo em relação à
política de seu antecessor. Suprimiu, de imediato, a Companhia de Jesus e estabeleceu o
controle estatal das escolas, eliminando toda autoridade eclesiástica das mesmas.
A reação do clero foi enérgica, pois via o fim da supremacia de que desfrutara durante
séculos sobre as demais classes sociais, mas mesmo assim não teve consistência.
Segundo Scaramussa (1977) “a tensão entre clero e governo se agravou de forma
definitiva, quando a direção política passou para as os de Camillo Benso di Cavour, talvez
o personagem mais sign ificativo deste período, de Urbano Ratazzi, e da esquerda anticlerical”
(p. 18).
O período Albertino, se caracterizou como um regime de rígida observância religiosa
enquanto que o período cavouriano, pelo esforço constante para derrubar o monopólio
clerical.
19
Os ambientes mais sensíveis às novas idéias pertenciam aos intelectuais imbuídos de tradição revolucionár ia e
à classe burguesa, que aspirava à liberdade política e econômica (SCARAMUSSA, 1977, p. 18).
20
O movimento liberal, que em poucos anos tomou conta do governo, adotou uma política antieclesiástica,
provocando um mal -estar na vida religiosa do Piemonte. Ao anticlericalismo e à atitude das seitas
correspondia a atitude apologética dos eclesiásticos em defesa da verdade tradicional (SCARAMUSSA, 1977,
p. 25). Na verdade, tratava-se de um movimento anticlerical, mas, particularmente, antijesuítico ( MB, v.3, p.
296-7). Para Scaramussa, o se tratava de um movimento anti -religioso, mas de um movimento nitidamente
anticlerical (1977, p. 18) .
Tratava-se substancialmente da passagem de uma acentuada presença
eclesiástica no mundo político e cultural a um crescente separatismo, imposto por
um regime agnóstico, mas também favorecido pela incapacidade dos católicos de
discernir os novos acontecimentos e interpretar as novas exigências e aspirações de
liberdade, de sociabilidade, de autonomia e de progresso (SCARAMUSSA, 1977, p.
18).
Em síntese, poderíamos dizer que a situação religiosa da cidade de Turim, no decurso
dos anos de 1841 a 1861, passou por dois momentos distintos. No primeiro momento a
religião penetrava a vida pública; floresciam as obras de beneficência, fundadas por Decreto
Real que contavam com aprovação e subvenções oficiais. No segundo momento ela perdeu
poder e teve que enf rentar a mudança de situação imposta pelo contexto daquele momento
histórico-político e pela crise decorrente dela própria.
É importante observar que “a primeira atuação apostólica de Dom Bosco na capital do
Piemonte se situou justamente no auge dessas tra nsformações e a sua obra refletiu
substancialmente todo esse clima de tensão político -eclesiástica” (idem, ibidem).
1.1.2. Contexto Sócio-Econômico do Piemonte e de Turim (1841 -1861)
O século XIX assistiu ao aparecimento de uma nova sociedade na Europa O cidental,
fruto do fenômeno que se caracterizou na história como "Revolução Industrial". De fato a
Revolução Industrial fez surgir uma nova Europa, tanto no aspecto político quanto no aspecto
econômico.
A economia, agora, em constante mutação, impulsionand o o progresso, trouxe consigo
um problema grave e novo por sua extensão e características sociológicas: “o problema do
proletariado, nascido do capitalismo, constituído à margem da influência moral da Igreja”
(SCARAMUSSA, 1977, p. 19).
A Itália, no entanto, não acompanhou o mesmo ritmo do resto da Europa. No início do
século XIX, ela ainda possuía uma economia pré -industrial e essencialmente agrícola.
muito lentamente evoluiu para outra de tipo claramente industrial, que se consolidou por volta
de 1870. Os efeitos sociais dessa transformação estrutural básica manifestaram -se também
gradualmente.
A situação sócio-econômica do Piemonte e de Turim estava condicionada pelo
desenvolvimento industrial da região e da capital. O primeiro reflexo das mudanças mais
profundas de caráter estrutural nos campos econômico e social verificou -se no aspecto
demográfico
21
.
A população do Piemonte, que segundo o censo de 1838 era de 2.655.892
unidades, com uma média de 86,48 habitantes por quilometro quadrado, subiu para
2.847.416 de habitantes em 1861, o equivalente a uma média de 98,17 habitantes por
quilometro quadrado. O incremento populacional se fez sentir particularmente na
capital do Piemonte. Em 1838 Turim possuía 117.072 habitantes. Vinte anos depois,
em 1858, sua população aumentou para 179.635. Em 1861 Turim contava com
204.715 habitantes (AZCARATE apud SCARAMUSSA, 1977, p. 20).
Esse aumento populacional deve -se principalmente ao movimento migratório, que
estava em estreita dependência do desenvolvimento econôm ico
22
e como em outros países da
Europa, “esta primeira fase do desenvolvimento industrial foi superada à custa de sacrifício e
de austeridade das massas operárias” (idem, ibidem).
Convém descrever rapidamente aqui as condições em que viviam os trabalhadore s, na
época, por ser a categoria de pessoas à qual pertenciam os primeiros jovens com os quais
Dom Bosco se ocupou
23
.
21
A tendência migratória no Piemonte no século XIX se caracterizava por um lento e progressivo abandono dos
territórios de montanha, e foi adquirindo proporções graves nos meados do século. Essa população emigrava
do ambiente agrícola, em demanda de melhores salários e melhores condições de vida. O movimento se
verificava em todas as cidades do Piemonte, mas Turim era o cent ro preferido (SCARAMUSSA, 1977, p. 20).
22
Às custas da opressão, o Piemonte conseguiu um significativo progresso econômico nesta época. E os
principais fatores desse progresso foram, além do incremento da população, uma inteligente política econômica
proposta por Cavour, baseada principalmente no incentivo e desenvolvimento das vias de comunicação como
infra-estrutura que condicionava o desenvolvimento econômico (SCARAMUSSA, 1977, p. 21).
23
Uma descrição mais detalhada da situação e um estudo sobre a forma como Dom Bosco reagiu a essa "questão
social", podem ser encontrados em Mattai (1948).
Horários excessivos de trabalho, ausência de segurança, salários de fome,
falta de relações contratuais garantidas por uma séria legislaç ão trabalhista e a
exploração da mão de obra feminina e infantil [...]. Os subsídios da Assistência
Social para operários feridos ou enfermos, as pensões para viúvas e filhos menores
de 10 anos de operários mortos por acidente de trabalho, e para aposentad oria, eram
praticamente insignificantes. Havia umas poucas sociedades de assistência, sem
qualquer alcance social. O liberalismo em matéria econômica suprimia as
associações de trabalhadores e as antigas "Corporações": o operário ficava assim
isolado e sem meios de defesa. Os políticos da época permaneciam indiferentes à
questão social: estavam empenhados nos problemas de independência e de unidade
nacionais (SCARAMUSSA, 1977, p. 21)
A massa de operários imigrados entrava em crise ao tomar contato com a no va
realidade da vida da cidade. Desenraizados de seu meio rural, limitados pelo analfabetismo e
“dominados pelo ritmo do trabalho e pelas explorações de todo tipo, não conseguiam
estabelecer uma nova síntese religiosa” (idem, p. 26), em contrapartida “a pr omiscuidade das
fábricas favorecia a imoralidade, os operários procuravam esconder suas goas e seu vazio,
entregando-se ao vício” (idem, ibidem).
A situação da massa proletária de Turim apresentava -se assim complexa e
problemática. Além do mais, provenie ntes de regiões muito diversas
24
, os jovens
permaneciam isolados uns dos outros, não viviam em grupos e daí advinham os inevitáveis
sentimentos de depressão, solidão e estranheza que uma condição como essa pode causar
25
.
O exposto acima, esboça a situação c oncreta em que, nos meados do século XIX vivia
a juventude operária do Piemonte e de Turim onde Dom Bosco começou a trabalhar entre os
jovens emigrantes, “pertencentes a esta massa de proletários agrícolas emigrados, semi -
analfabetos, à procura de trabalho , que, por sua ignorância e miséria, com extrema facilidade
eram vítimas da exploração, do vício e da delinqüência” (MB, v.3, p. 172 -3, 191-2; v.4, p.
24
Muitos jovens chegavam a Turim juntamente com a população operária proveniente de Biella, de Vercelli, de
Novara, do Valle d'Aosta e de outras províncias do Reino. Alg uns eram de Milão, de Como, e alguns ada
Suíça (BOSCO, 1946, p. 152).
25
É característica a descrição dos primeiros encontros de Dom Bosco com esses jovens abandonados ( MB, v.2,
p. 377-8).
20)
26
. Frente a tal situação é fácil imaginar que o ambiente cultural e escolar no Piemonte e
em Turim, naquele período, não seria dos melhores e realmente não era.
Estudos realizados sobre o grau de instrução da população do Piemonte e de Turim,
neste período focalizado, demonstram que a percentagem de analfabetos era realmente
considerável, reduzindo -se um pouco essa percentagem na cidade
27
.
Em 1822, o governo piemontês havia proposto uma reforma escolar, instituindo
escolas primárias por toda parte. Todavia até 1840, muitos lugares estavam ainda desprovidos
de escolas elementares.
As características das escol as existentes eram principalmente:
O monopólio do clero, que centralizava todo o ensino em tomo da doutrina
cristã e realizava um rígido controle sobre o cumprimento dos deveres religioso -
morais e civis, tanto com relação aos mestres, como com relação aos alunos; o
caráter muito rudimentar e elementar do ensino; a multiplicação de escolas de ensino
humanístico, descuidando -se da organização escolar de aprendizagem profissional
(SCARAMUSSA, 1977, p. 23)
A partir da Lei Orgânica de 4 de outubro de 1848, ela borada pelo Ministério da
Instrução Pública, quando o ministro era Cario Boncompagni, mudou completamente a
legislação escolar. Entre as proposições da reforma estava justamente a emancipação da
escola da ingerência da Igreja. A questão se tornava polêmica em torno da liberdade de ensino
e centralizava-se no art. 58, que excluía toda intervenção eclesiástica na disciplina e na
atribuição de cargos.
26
As Memórias Biográficas de São João Bosco foram escritas por L EMOYNE, Giovanni; AMADEI, Angelo e
CERIA, Eugenio e editadas em 20 volumes com 14.189 paginas. Várias editoras foram responsaveis pela sua
publicação: Libraria salesiana (volumes de 1 a 7, até 1907), Tipografia S.A.ID. e Buona Stampa ( volumes 8 e
9) e Società Editrice Internazionale ( os restantes). A coleção completa encontra -se na Biblioteca da Inspetoria
Salesiana Missionária da Amazônia ( ISMA). As citações dessa obra o feitas pelas primeiras letras das
duas palavras iniciais MB, seguidas do mero do volume e das páginas, p. ex.: MB III, 234. Para tornar mais
fácil e ágil a sua citação, usamos aqui a norma usada na Itália de citar abreviadamente, seguida do volume e da
página.
27
Em 1848 25% da população do Piemonte sabia ler e escrever, 10% ler e 65% era analfabeta. Em 1858 33%
da população do Piemonte sabia ler e escrever, 8% só ler e 59% era analfabeta. Em 1861 35% da população do
Piemonte sabia ler e escrever, 7% ler e 58% era analfabeta. Quanto ao grau de instrução da população de
Turim em 1848: Até 20 anos 31% sabia ler e escrever, 9% só ler e 60% era analfabeta. Acima de 20 anos 63%
sabia ler e escrever, 8% só ler e 29% era analfabeta (SCARAMUSSA, 1977, p. 23) .
Aos poucos, porém, foram diminuindo as suspeitas e os temores. E em 22 de junho de
1857, a Lei "Lanza" se decl arava a favor da liberdade de ensino, liberdade essa ratificada na
lei "Casati", de 13 de novembro de 1859.
Segundo Scaramussa (1977) nenhuma dessas reformas resolveu o problema do
analfabetismo, principalmente para a maior parte das populações rurais. Nas montanhas as
escolas permaneciam desertas por um bom tempo. Na maior parte da planície os alunos as
abandonavam antes de terminar o período letivo. A lei Casati não percebeu a necessidade de
um tipo de escola menos clássica e mais voltada para as necessi dades da época, de uma
sociedade em mutação, que preparasse trabalhadores qualificados para a emergente realidade
industrial” (idem, p. 24).
1.2. O Sistema Preventivo de Dom Bosco
Conforme salientamos anteriormente, Dom Bosco não foi o criador do sistema
preventivo, mas de um modelo preventivo de educação onde a originalidade da praticidade
lhe é inegável. Dom Bosco ocupa lugar de destaque na história da educação, o por ter sido
um teórico da educação, mas pela sua visão essencialmente prática e experim ental do
problema educativo.
Para Santos, citando Casassanta (1934), Dom Bosco foi mais um educador prático do
que teórico, ainda que não lhe fossem estranhas as correntes pedagógicas de seu tempo. Dom
Bosco lia tudo. Estudava sempre. Buscava a verdade em toda a parte. A sua vida foi um longo
aprendizado. Para os historiadores da educação, porém, de ficar como o realizador por
excelência, que, em suas realizações pedagógicas, alcançou o que poucos mestres de nosso
tempo vingariam alcançar. (SANTOS, 2000, p. 24).
As idéias, os princípios filosófico -pedagógicos, as diretrizes e os processos
metodológicos, ele buscou em outros educadores, mas o estilo todo especial que imprimiu em
todo o complexo de seu sistema educativo - este lhe era próprio.
Para entender em que consiste e como funciona o Sistema Preventivo de Dom Bosco
ou “estilo de educação”, conforme é denominado por Scaramussa, precisa -se, antes de
qualquer especulação epistemológica, entender que Dom Bosco não escreveu nenhum tratado,
do ponto de vista filosófico-científico
28
. “Ele escreveu muito, mas sempre em função de suas
preocupações de sacerdote educador” (SCARAMUSSA, 1977, p.57). Por isso, o seu “Sistema
Preventivo” deve ser entendido a partir do confronto de seus escritos com a descrição de sua
ação educativa.
Para Santos (2000), “Dom Bosco foi aprendendo, em sua ‘missão’ juvenil e popular
com a própria realidade que vivenciava no dia -a-dia, de modo que, ao escrever, expressava o
que de fato experimentava” ( p. 177). Dom Bosco, além de escrever a partir do que vivenciava,
taQ0 g4-50(m)87 4102 Tm[( )-5 TzB7( )-100(popul3ô-10( )-291(a8 Tf1 0 0 1 1)-1(p)96(o)1 0 0 1 1)-1Lpn99 TzgreW n99 TzB ( pa i a8 Tf1 0 0 1 1po(
Para Braido (1994), as fontes sobre o sistema preventivo podem ser encontradas em
escritos aos quais Do m Bosco teve acesso em diferentes momentos de sua vida e que
contribuíram para criar ou reafirmar uma determinada mentalidade ou acentuar experiências e
intuições. Os primeiros escritos de Dom Bosco são textos biográficos com destaque para as
virtudes cristãs dos biografados, exortações ético -religiosas, em geral, enfatizando o papel
decisivo da religião na educação dos jovens, até chegar a fase de produção de textos onde
prevalecem as questões pedagógicas, às quais nos ateremos um pouco mais. Nas biografias de
Besucco
30
(1844) e Magone
31
(1861), aparecem nitidamente idéias e conteúdos que constituem
a essência da pedagogia de Dom Bosco: personalidade cristã sobrenatural e
formação humana do jovem, estudado e respeitado na sua individualidade, com o
uso coerente dos meios da graça, com o apelo ao empenho humano do dever, do
esforço e na formação das inclinações naturais para a alegria, a bondade do coração,
a amizade, a gratidão (BRAIDO apud SCARAMUSSA, p.61)
A dimensão religiosa, a referência explícita à ca ridade, à paciência, à amorevolezza e
outras recomendações sobre princípios e métodos de educação, foram expressos por Dom
Bosco, sobretudo, nos "Ricordi Confidenziali” ( Lembranças Confidenciais). O próprio Dom
Bosco, anos depois da publicação, transformo u as recomendações das Lembranças
Confidenciais
32
“numa rie de preceitos e exortações que passaram a ter valor de código ou
testamento para os diretores salesianos” (idem, p.62).
30
A biografia de Besucco é um documento que reflete o método de Dom Bosco, entendido como "pedagogia
espiritual", na qual o núcleo essencial está colocado no componente religioso, sobrenatural e cristão, princípio
e fim da educação (SCARAMUSSA, 1977, p. 61 -62).
31
Nesta biografia Dom Bosco coloca n ovamente em foco a tese do valor insubstituível da religião no processo
eduvativo e afirma que s ó depois de conquistar o coração do jovem é que se pode propor -lhe, com eficácia, os
valores da educação ( idem, p. 61).
32
Como Dom Bosco, em suas contínuas via gens, o podia estar presente na vida dos seus primeiros diretores
de colégios e era obrigado a escrever centenas de cartas aos Salesianos e a outras pessoas, julgou oportuno
sintetizar o seu pensamento sobre o governo de suas casas e instituições educaci onais em forma de conselhos
práticos. O ponto de partida foi uma carta endereçada ao padre Miguel Rua (1863), quando nomeado Diretor
da casa de Mirabello. Depois vieram outras edições sucessivamente ampliadas (l 871, 1875, 1876, 1886). O
conteúdo dessa carta, intitulada Lembranças Confidenciais aos Diretores, estava dividido em pequenos
capítulos, onde eram tratados os diversos tipos de relacionamento: "contigo mesmo - com os professores - com
os assistentes e chefes de dormitório - com os coadjutores e com as pessoas de serviço - com os alunos - com
os da sociedade - no dirigir". Substancialmente, são normas para a aplicação do Sistema Preventivo em todas
essas situações. (SANTOS 2000, p. 179).
Outra obra importante, considerada por Braido como "fonte primária para a
compreensão das inspira ções fundamentais, das orientações educativas de Dom Bosco e das
estruturas organizativas através das quais foram originariamente e, para grande parte,
definitivamente expressas" ( BRAIDO, 1965, p. 3) é "Memorie dell’Oratono
33
", ou Memórias do
Oratório de São Francisco de Sales (na tradução em português).
Na introdução das Memórias do Oratório de São Francisco de Sales, o padre Eugênio
Ceria explica porque Dom Bosco as escreveu:
Em sua primeira viagem a Roma (1858), Dom Bosco expôs a Pio IX de que
modo havia surgido a obra do Oratório Festivo. Intuindo nela a presença de
elementos sobrenaturais, o pontífice quis inteirar -se de tudo e recomendou ao santo
que, voltando para Turim, escrevesse circunstanciadamente os sonhos e tudo o mai s.
[...] Não obstante, Dom Bosco deixou passar nove anos sem executar a
recomendação.
Quando, em 1867, voltou a visitar o Papa, este, recordando o que lhe havia
dito da primeira vez, quis saber se havia sido atendido. Dom Bosco respondeu que
as muitas ocupações não lhe haviam permitido fazê -lo. O Papa insistiu:
Pois bem, se é assim, deixe de lado qualquer ocupação e escreva. Desta
vez não é apenas um conselho, mas uma ordem (BOSCO, 1982, p. 5).
Dom Bosco, no entanto não obedeceu de imediato a ordem do pa pa. E quando
começou a escrever as Memórias, quase aos 60 anos e com tantas ocupações, apenas “limitou -
se a narrar os fatos ocorridos até o ponto que coincidia com o tempo em que Pio IX o havia
exortado a escrever, julgando assim haver atendido ao desejo d o Papa, sem necessidade de
prosseguir” (idem, p. 6).
Segundo Scaramussa (1977) as “Memórias” foram escritas por Dom Bosco como
orientação e lição para os educadores que deviam continuar a sua obra. Elas constituem uma
coleção de fatos e informações, em ord em cronológica, que descrevem o início e os primeiros
33
As diversas biografias de o João Bosco citam, ou pelo meno s mencionam as "Memórias", que por muito
tempo permaneceram como envoltas numa sombra de mistério, talvez por não terem sido publicadas na íntegra
senão em 1946, graças a um trabalho dedicado do padre Eugênio Ceria, historiador da Congregação Salesiana.
Até então obedecia-se a uma determinação de Dom Bosco: "Escrevo para os meus caríssimos filhos salesianos,
com proibição de dar publicidade a estas coisas, tanto antes como depois da minha morte". A proibição de
Dom Bosco significava que seu escrito não devi a sair de dentro de casa. Nas "Memórias" ele fala de si, de
acontecimentos e fatos pessoais, cujo conhecimento podia ser muito útil para seus filhos, mas não se
destinavam ao grande público. Dentro das paredes domésticas, um pai pode abrir -se em confidências, que
devem naturalmente ficar entre os íntimos (BOSCO, 1982, p.6).
dez anos do desenvolvimento da obra educacional de Dom Bosco. Quando Dom Bosco
escreveu as "Memórias" ele estava com 60 anos de idade, aproximadamente, e as
experiências vividas até àquele momento i nfluenciaram, certamente, na interpretação dos seus
escritos (p. 62-3).
Além dos escritos, acima mencionados, podemos citar também a "Storia
Eecclesiastica" (1845) e a "Storia Sacra" (1847), onde Dom Bosco expõem sua preocupação
ético-religiosa
34
; "Il Giovane Provveduto"(1847), em que Dom Bosco recomenda a
obediência, o respeito e a confiança nos pais e nos educadores; o "Regolamento dell'0ratorio
di San Francesco di Sales "(1877), no qual a religião aparece como fim e instrumento de
educação e as práticas re ligiosas e as atividades recreativas como recursos educativos; "La
Forsa della Buona Educazione" (1855), este foi “o primeiro documento a relatar uma
representação de experiências vivas de Dom Bosco educador”(SCARAMUSSA, 1977, p. 60).
O texto é repleto de afirmações categóricas sobre o papel decisivo da religião na realização
do homem e na educação” (idem, p. 60). Nele Dom Bosco afirma claramente que: "somente a
religião ou a graça de Deus pode fazer o homem contente e feliz" (BOSCO, 1855, p. 48); “La
Storia d'Italia"
confiança paterna e filial como característica do tipo d e relação educador-educando; a
intervenção do educador para orientar e moderar o educando e para solicitar um empenho em
irradiar a bondade e a alegria no próprio ambiente , entre os próprios colegas (p. 60 -61);
“Valentino o la Vocazione Impedita” (1866), neste romance Dom Bosco coloca em confronto
a educação cristã e a educação laicizada. A esse respeito, Santos (2000) se reportando a
Cerruti, esclarece que:
Dom Bosco, quando em viagem a Marselha (l885), tratando, em um
discurso, da situação atual das naç ões, outrora eminentemente religiosas, mas muito
paganizadas em fato de fé e de moral, considerava aberração a distinção de católicos
teóricos e católicos praticantes e atribuía -a a educação pagã, realizada nas escolas
secundárias e superiores, porquanto, embebida de ideais pagãos e executadas por
métodos pagãos, corrompia a mente e o coração da juventude, nos seus mais belos
anos. Para enfrentar esse problema. Dom Bosco decidiu publicar uma edição
expurgada dos clássicos latinos profanos, existentes nas es colas, e, ao mesmo tempo,
a dos clássicos latinos cristãos para complementar os primeiros, que eram produtos
da razão pura, do naturalismo pagão, e, desse modo, colocar em posição de destaque
tudo o que se havia produzido de significativamente grande no Cr istianismo. No
final de sua vida, entretanto, lastimava não ter sido compreendido e não ter podido
ver realizada esta obra de reforma na educação e no ensino (CERRUTI apud
SANTOS, p.153).
Dom Bosco escreveu também um opúsculo sobre o Sistema Preventivo qu e foi
publicado, pela primeira vez, como um apêndice a um escrito que celebrava a Inauguração do
Patronato de S. Pedro, em Nizza a Mare, no ano de 1877.
Para Scaramussa (1977) este opúsculo, embora não dispondo de uma sistematização
de rigor científico, c ontém uma formulação concreta dos elementos constitutivos do sistema
educativo de Dom Bosco. Nele estão os “caracteres distintivos e as razões de sua utilização” e
foi nele que Dom Bosco pela primeira vez denominou seu sistema educativo de preventivo”
(p. 63-64).
O opúsculo uma atenção especial à amorevolezza
35
, um dos elementos constituinte
do sistema preventivo que
exprime adequadamente o modo de agir de Dom Bosco educador: apresentando -se
como pai e declaradamente como amigo dos alunos, participa ndo com interesse de
suas diversões, em comunhão de vida com eles, mas com a função e a efetiva
capacidade de guiá-los e ajudá-los a adquirir os valores religiosos, éticos, culturais
ou profissionais, ele consegue, ao mesmo tempo, a confiança e o respeito,
fundamentos da interação educativa. O amadurecimento dos jovens acontece, assim,
num ambiente de familiaridade, de espontaneidade e de liberdade, na convivência
com o educador, sempre presente entre os alunos (idem, p.640).
Segundo Stella (1969) todo o v alor do opúsculo sobre o Sistema Preventivo apresenta
visíveis limitações. Se for confrontado com toda a riqueza de experiência e de fórmulas
pedagógicas de que se tem conhecimento através da documentação escrita por Dom Bosco ou
daquela relativa à sua vid a, há de se concluir que, na verdade, ele é apenas um índice
indigente e um esquema, não de todo harmônico, daquilo que poderia ser um amplo tratado
sistemático (p. 463).
Scaramussa (1977) diz que o "Sistema Preventivo do opúsculo expressa a época da
colegialização nas instituições e no pensamento de Dom Bosco” (p.65). Talvez por esta razão
Stella (1969) tenha afirmado:
se Dom Bosco tivesse redigido os seus princípios pedagógicos quando tinha
somente o oratório festivo ou o pensionato [...] com toda proba bilidade teria dado
outras aplicações aos princípios basilares de 'razão, religião, amorevolezza'[...], teria
percebido as limitações da assistência 'visiva' e contínua [...] e da presença física [...]
tal como é descrita no opúsculo [...] possível no inte rnato [...] e teria dado maior
ênfase àquele tipo de assistência amável que ele prestou a Sávio e a Magone, quando
estavam espiritualmente em crise [...] que faz com que o educando gravite em
verdadeiro estado presencial em torno do educador radicado na su a vida como pai,
amigo, conselheiro iluminado, desejado e ouvido, co -participando dos mais íntimos
segredos do coração [...] (STELLA , 1969, p.463 -4).
35
Não um correspondente português que traduza adequadamente o sentido da palavra amorevolezza. As
palavras cordialidade, amabilidade, afeto, carinho e amor são similares, mas o esgotam suficientemente seu
significado. Alguns estudiosos de Dom Bosco utilizam a palavra amor, outros amabilidade e outros ainda,
carinho em suas traduções. Nós, no entanto, optamos em usá -la na sua forma original.
Ainda a respeito do conteúdo do opúsculo, ao apresentar o sistema preventivo de Dom
Bosco como “um estilo de educação”, Scaramussa (1977) observa que
o quadro do pessoal empenhado com a educação nas casas de Dom Bosco apresenta -
se falho, no opúsculo. o mencionados apenas o diretor, os assistentes e o porteiro.
Faltam referências a outros encargos import antes e às normas relativas aos mesmos,
apesar de já existirem no tempo de Dom Bosco. O opúsculo menciona apenas alguns
dos elementos religiosos tidos como fundamentais do Sistema Preventivo. -se
toda ênfase aos sacramentos da penitência e da eucaristia, mas não se aprofundam os
aspectos da formação na fé, no exercício da caridade, na oração, entre outros ( p. 65 -
66).
Em resumo, poderíamos dizer que o sistema educacional proposto no opúsculo tinha
por objetivo fazer com que as prescrições e as regras da s instituições fossem observadas de
modo que os alunos estivessem sempre sob os olhares atentos dos diretores ou dos assistentes.
Os quais deveriam agir como “pais carinhosos”, orientando e servindo de guias em todas as
circunstâncias, ou seja, aconselhand o, corrigindo com bondade e colocando cada aluno na
impossibilidade de cometer faltas ou delitos
36
.
Existem outros documentos importantes no Epistolário de Dom Bosco
37
e em uma
seleção de cartas organizadas na obra de Braido (1965). Há, no entanto, dois dent re os
documentos escritos por Dom Bosco, que são considerados por muitos, como fundamentais
para o entendimento de sua pedagogia.
O primeiro deles são os seus sonhos, ou melhor, os sonhos de Dom Bosco. Estes
escritos se destacam tanto pelo conteúdo como p ela influência que exerciam sobre os jovens.
Um destes, escrito de Roma para o Oratório, a carta de 10 de maio de 1884, é considerado
"um dos mais eficazes e dos mais ricos documentos pedagógicos de Dom Bosco" (STELLA,
36
Por faltas, entendia-se tudo que procedia de leviandade pueril ou juvenil e, por delito, tudo que nascia de
teimosia ou de índole má. A primeira devia ser corrigida com palavra s, nunca com ameaças mais ou menos
pesadas; contra o segundo, devia -se usar todo o rigor e, se o delito for de obscenidade escandalosa, de furto
grave ou repetido, o único castigo seria a exclusão do oratório (SANTOS, 2000, p.164).
37
No Epistolario de Dom Bosco documentos preciosos, também do ponto de vista pedagógico. Em algumas
cartas, o conteúdo pedagógico prevalece ou é exclusivo. Em outras, os motivos educacionais estão também
presentes, de maneira explicita. Em outras ainda, estes de forma mais ou menos visíveis (SCARAMUSSA,
1977, p. 67). Sobre o mesmo assunto pode -se consultar CERIA, E. Epistolaria di S. Giovanni Bosco. Torino,
Società Editrice Internazionale, 1955 -1959. 4v.
1969, p. 467), ou ainda como "o docum ento mais expressivo e essencial da pedagogia de Dom
Bosco, e um dos mais importantes também da educação cristã" (Idem, p.137).
O outro documento é uma circular sobre castigos escrita em 1883 e publicada em
1935. Esta circular é, cronologicamente, posterio r ao opúsculo sobre o Sistema Preventivo e
foi “escrita provavelmente por algum dos colaboradores de Dom Bosco e este simplesmente a
aprovou como sua” (SCARAMUSSA, 1977, p.66).
A orientação ideal e as formulações gerais conformam -se perfeitamente com o es pírito
do Sistema Preventivo, embora uma definição de Sistema Preventivo diferente daquela do
opúsculo, pois o opúsculo diz que o Sistema Preventivo “consiste em tornar conhecidas as
prescrições e as regras de uma instituição e depois assistir de modo q ue os alunos estejam
sempre sob os olhos atentos do Diretor ou dos assistentes”(Idem, p.67), a circular sobre
castigos afirma que o Sistema Preventivo"consiste em dispor de tal maneira o ânimo dos
alunos, que, sem nenhuma violência externa, se sintam incl inados a obedecer [...] (MODESTI,
1975. p. 149).
1.2.1. Razão, Religião e Amorevolezza
A Razão, a Religião e a Amorevolezza são considerados pilares de sustentação do
sistema preventivo ou “estilo educativo” de Dom Bosco. Ele mesmo diz, em um dos seus
escritos O Sistema Preventivo na Educação dos Jovens
38
- que:
38
Fui instado várias vezes a expressar, verbalmente ou por escrito, o meu pensamento sobre o chamado Sistema
Preventivo, que se costuma praticar em nossas Casas. Por falta de tempo, o pude ainda satisfazer esse
desejo. Querendo imprimir o Regulamento, que até hoje tem sido usado quase sempre tradicionalmente entre
nós julgo oportuno expor aqui um rápido esboço. Isso será como o índice de um tratadinho que estou
elaborando, se Deus me der vida para levá -lo a termo. Move-me a isso apenas a vontade de colaborar na difícil
arte da educação juvenil. Direi, portanto, em que consiste o Sistema Preventivo, e por que se deve preferir; sua
aplicação prática e vantagens (BOSCO, 1983, s.p).
O sistema apóia-se todo inteiro na razão, na religião e no carinho. Ex clui, por
isso, todo o castigo violento, e procura evitar até as punições leves. Parece preferível
pelas seguintes razões: O aluno, previamente avisado não fica abatido pelas faltas
cometidas como sucede quando são levadas ao conhecimento do superior. Não se irrita
pela correção feita nem pelo castigo ameaçado, ou mesmo infligido, pois a punição
contém em si um aviso amigável e preventivo que o leva a refletir e, as mais das vezes,
consegue granjear-lhe o coração. Assim o aluno reconhece a necessidade do castigo e
quase o deseja.
A razão mais essencial é a volubilidade do menino, que num instante esquece
as regras disciplinare s e o castigo que ameaçam. Por isso amiúde, se torna um
menino culpado merecedor de uma pena em que nunca pensou e de que absolutamente
não se lembrava no momento da falta cometida, e que teria por certo evitado, se um
voz amiga o tivesse advertido.
O Sistema Repressivo pode impedir uma desordem, mas dificilmente
melhorará os culpados. Diz a experiência que os jovens não esquecem os castigos
recebidos, e geralmente conservam ressentimento acompanhado do desejo de sa cudir o
jugo e até de tirar vingança. Pode m, às vezes, parecer indiferentes mas quem lhes
segue os passos sabe quão terríveis são as reminiscências da juventu de. Esquecem
facilmente os castigos que recebem dos pais; muito dificilmente, porém, os dos
educadores. casos de alguns que na velhice s e vingam com brutalidade de
castigos justos que receberam nos anos de sua educação. O Sistema Preventivo, pelo
contrário, granjeia a amizade do menino, que vê no assistente um benfeitor que adverte,
quer fazê-lo bom, liv-lo de dissabores castigos e desonra.
O Sistema Preventivo predispõe, persuade de tal maneira o aluno que o
educador poderá em qualquer lance falar -lhe com a linguagem do coração, quer no
tempo da educação, que ao depois. Conquistado o ânimo do discípulo, poderá o
educador exercer sobre el e grande influência, avi-lo, aconselhá-lo, e também corrigi-
lo, mesmo quando colocado em qualquer trabalho ou empregos públi cos, ou no
comércio ( BOSCO, 1983, s.p.)
Na gênese da concepção educativa de Dom Bosco
39
havia, nitidamente, duas
preocupações fundamentais: a salvação da alma e a promoção da juventude. A primeira
realizada mediante a ação pastoral e a segunda pela assistência material. Essas duas
dimensões, denominadas por Scaramussa (1977) como: caritativa e pastoral “exprimem [...] o
conteúdo e os componentes essenciais ético -religioso-humanísticos do sistema educativo e da
ação juvenil e popular de Dom Bosco” (p. 72).
A estrutura psicológica da personalidade de Dom Bosco, a formação
nitidamente sacerdotal, o ambiente sócio -cultural de sua época, condicionaram a sua
mentalidade religiosa e a sua espiritualidade. Sacerdote católico, uma idéia central
dirigia toda a sua atividade: a idéia da salvação que se realiza na Igreja Católica.
Dom Bosco associou sua vocação sacerdotal à "atitude pastora l" que iniciou no
Convitto Ecclesiastico’ . O contato concreto com a realidade social da juventude
pobre e abandonada suscitou nele uma ação que tinha por objetivo promover a
inserção adequada desta juventude no mundo e na Igreja (Idem, ibidem).
39
A mentalidade religiosa de Dom Bosco constituía os objetivos, as justificativas e o conteúdo de sua
experiência educativa, e a sua espiritualidade dav a consistência a um método que se espelhava no modelo
religioso que caracterizava a sua ideologia (SCARAMUSSA, 1977, p. 73).
Dentro dessa concepção havia um fim bem definido para a educação e para a pastoral:
a glória de Deus e a salvação das almas. Logo, educar a juventude, para Dom Bosco,
“significava ajudá-la a salvar-se. Esse fim era único
40
, supremo, religioso-moral, sobrenatural,
mas incluía também em si condicionamentos terrenos
41
, individuais e sociais” (idem, p. 73).
Tendo por finalidade zelar pela salvação da alma e pelo desenvolvimento da juventude
Dom Bosco escolheu para sustentáculo de seu sistema educativo a razão, a religião e a
amorevolezza. Por isso todo o ambiente educativo, proposto por ele, aparece permeado de
racionalidade, amabilidade e, sobretudo, de religião.
1.2.2. Razão
Segundo Santos (2000) a racionalidade, um dos principais pilares de sustentação do
sistema educativo de Dom Bosco, significa bom senso, simplicidade, normalidade,
naturalidade, visto que seguir o normal, o natural, era evitar artifícios, exageros e
complicações. Além de que, na prática, a racionalidade também significava isenção de
formalismos e de distanciamentos (p.165).
Santos afirma também que:
40
Na mentalidade religiosa de Dom Bosco, Deus estava no vértice de tudo: Ele é Criador, Senhor, Redentor,
princípio e fim de todas as coisas. Ele criou o homem, a mais perfeita das criaturas visíveis. O homem é um
composto de alma e de corpo. É a alma que toma o homem imagem e semelhança de Deus e lhe os
requisitos essenciais do espírito: memória, intelecto, razão, vontade. O corp o é um instrumento da alma. Nessa
visão dualista do homem, transpareciam os vestígios do platonismo que penetrou a linguagem e a literatura
espiritual cristã; no entanto, o modo de exprimir -se de Dom Bosco ia além de uma pura especulação filosófica,
e buscava na revelação outros elementos complementares desse conhecimento do homem (SCARAMUSSA,
1977, p. 73).
41
A atividade educativa de Dom Bosco estava marcada pelo senso do concreto e do prático. Sua pedagogia ele a
viveu numa realidade concreta. A sua teoria brotava dessa experiência de vida. Por isso ele o se limitava a
indicar objetivos gerais e grandes ideais de vida. Não se detinha em anunciar princípios metodológicos de
índole universal, mas mostrava como fazer concretamente, indicando métodos e proced imentos educativos.
Descendo do céu dos ideais, indicava ao jovem um programa de vida pessoal e prático, que lhe tornasse
próximas aplicáveis e realizáveis as grandes metas, e que o ajudasse a resolver o problema da própria vocação
pessoal e a responder, c om consciência madura e constante energia, às exigências de tais ideais e de tal
vocação (idem, p. 76).
A razão está no início do processo educativo na forma de pré -aviso leal e
sem ambigüidade. O menino deve conhecer, antecipada e claramente, o que deve
fazer e ser ajudado a lembrar. depois é que se po de, racionalmente, exigir. Era
esse o objetivo da prática da leitura pública do Regulamento, no começo do ano, das
normas de civilidade, durante o ano, e da contínua e insistente admoestação.
Lembrava que deviam ser afastados da instituição os meninos que não se
conformassem com as normas [...] ou demonstrassem o querer ficar ou se
sentissem insatisfeitos na instituição. Não se devia admitir a existência ou
permanência de alunos forçados. Usavam apenas, como todos: a razão, a
persuasão e o convencimento . Até no castigo, fosse o aluno muitas vezes avisado
amigável e preventivamente. Para isso utilizava a "boa -noite" como instrumento
preciosíssimo de persuasão, cortando o mal antes de nascer (SANTOS, 2000, p 165 -
6).
A racionalidade no sistema educativo d e Dom Bosco aparece, sobremaneira, como
meio para a manutenção da ordem. Dom Bosco a tinha como princípio fundamental e a
utilizava para justificar a autoridade e a disciplina. Pois, para ele, tanto uma quanto a outra
eram essenciais ao “modo de viver conf orme as regras e os costumes de uma instituição”
(SANTOS, 2000, p. 166) e entendia também que por meio da razão seria possível “superar a
posição hierárquica de ‘superior’ e ‘inferior’, uma ordem consciente constituída, excluindo -se
toda espécie de autorit arismo personalista ou ‘dominador’” (idem, ibidem).
Para Scaramussa (1977), até mesmo em se tratando da relação para com Deus o
eram suficientes apenas vontade e amor. Exigia -se também o uso da razão, pois, se conhecer a
graça divina era ter uma consciên cia afetiva que, por sua natureza, levasse o indivíduo a dar -
se sempre mais a Deus e a inclinar sempre mais o seu coração para o bem, a condição para
essa convicção religiosa era uma fé esclarecida, fundada em argumentos racionais e históricos
(p.75).
Todo esse processo estava marcado pela racionalidade e se dava num clima
de liberdade, de espontaneidade e de alegria. Por isso, Dom Bosco exigia um
mínimo de práticas de piedade exteriores e incentivava os momentos de diversão
sadia, de trabalho empenhado, de estudo sério (Idem, ibidem).
1.2.3. Religião
Para Dom Bosco, o Sistema Preventivo poderia ser aplicado dentro da religião
cristã (católica), entendida como vida de Fé, de Esperança e de Caridade
42
sobrenaturais. Sem
religião, ele afirmava ser imp ossível educar a juventude. O que torna os jovens “bons e
estudiosos não é o temor do castigo, mas o temor de Deus e a freqüência dos Santos
Sacramentos. Se não se usam estes elementos de religião, é necessário recorrer às ameaças e
ao bastão" (MB, v.11, p.221).
Santos (2000) afirma categoricamente que o “Sistema Preventivo resume -se em
infundir nos corações o temor de Deus
43
e que todos os cuidados de Dom Bosco estavam
endereçados em impedir a ofensa a Deus e viver na sua presença, como se estivesse realmen te
vendo-o” (p. 171).
Deus te vê! Era a palavra misteriosa que sussurrava, freqüentemente, aos
ouvidos de muitos. Deus te vê! Era a única palavra, [...] o único meio coercitivo de
seu sistema para obter disciplina, a ordem, a aplicação ao estudo, o amor a o
trabalho, a fuga dos perigos e das más companhias, o recolhimento na oração, a
freqüência aos Sacramentos, a alegria expansiva e clamorosa nos recreios e
diversões (idem, ibidem).
No Regulamento do Colégio -Intemato de S. Carlos de Mirabello (1863), que deveria
servir de modelo para os colégios, posteriormente, abertos, encontra -se, resumidamente, o
seguinte objetivo: “Finalidade deste colégio é a educação moral, literária e civil da juventude
que aspira a carreira dos estudos. A educação será ministrada com o ensinamento dos
princípios e das máximas da nossa Santa Religião” (MB, v.4 p.735). O nosso fim principal é
42
Sua pedagogia resume -se na caridade (amor a Deus e amor ao próximo) e no temor de Deus. Este aparece
como início da sabedoria e princípio de seu siste ma educativo: Define-se como um dom do Espírito Santo e
inspirador da reverência filial a Deus, suprema majestade, de modo a levar à fuga do pecado por ser -lhe uma
ofensa, não por temor dos castigos (temor servil), mas por um misto de respeito e de amor a Ele (SANTOS,
2000, p. 171).
43
O verdadeiro sentido da religião estava na conversão do coração para Deus, o que equivalia a dizer: dar -se
completamente a Deus, aderindo à sua graça, correspondendo aos seus chamados, fazendo escolhas que
respondessem aos seu s apelos "Temor de Deus" (SCARAMUSSA, 1977, p. 75).
a educação humana, ou seja, cristã dos jovens, toda una, pois o homem - cita Tertuliano é
naturalmente cristão” (CERRUTI apud SANTOS, p.156) . Até mesmo os deveres e a “boa
educação”, expressos nos regulamentos, pressupõem uma interação com a religião,
“porquanto tudo o que é humano está compreendido na visão cristã, como o bom, o belo e o
verdadeiro” (idem, p.172) e a boa educação se revelaria “na consciência tranqüila, mesa
frugal, vida ativa, boas companhias ou a fuga dos viciados e as boas maneiras” ( idem,
ibidem).
Para Scaramussa (1977), na concepção religiosa de Dom Bosco, “o único caminho de
salvação era a Igreja Católica, a verdadeira I greja de Cristo. Não aderir à Igreja Católica
equivalia a não aderir a Cristo que a instituiu” (p.74). Na Igreja Católica, Dom Bosco via
seguramente, os meios necessários para “a santificação e para a salvação do cristão
44
(MB,
v.14, p. 229).
Todo o modelo educativo de Dom Bosco tinha sua inspiração no "modelo divino"
cristão: “O educador é um instrumento nas mãos de Deus e deve ser um sinal do amor de
Deus pelos jovens” (STELLA, 1969, p. 470). Por isso
a relação educador-educando tornava-se uma relação "pai-filho", a exemplo da
relação de Deus com seu Filho Jesus Cristo, com as criaturas e, em particular, com
os homens, chamados à filiação de Deus. Também o espírito de família, a
paternidade, a "amorevolezsa", a caridade, a paciência, a mansidão, a assistê ncia, a
liberdade, a alegria e outros, encontravam a sua motivação em elementos religiosos
e tinham uma conotação sobrenatural, de tal forma que se podia falar numa
"divinização da ação humana", ou uma "teologia da educação" (SCARAMUSSA,
1977, p.74).
A religião, ainda que utilizada como meio, ou como instrumento pedagógico não tinha
apenas uma função puramente exterior e instrumental;o indicava apenas o cumprimento de
práticas religiosas, ou a freqüência aos sacramentos simplesmente por causa de sua ef icácia
44
Ajudar os jovens a salvar -se significava, pois, levá -los a aderir a Cristo como modelo, como mestre que
"ensinou tudo o que é necessário crer e fazer para nos salvarmos", e como salvador; significa va inseri-los na
Igreja, instruindo-os de acordo com a doutrina católica, usando os meios de que ela dispõe para a santificação
e para a salvação (STELLA , 1969, p. 101-17).
educativa; ela tinha também um fim sobrenatural. A "amorevolezza", por exemplo,
provavelmente o mais importante dos princípios pedagógicos do método educativo de Dom
Bosco, significava muito mais que um simples sentimento de afeto demonstrado. Ela
expressava algo de sobrenatural, de místico, como uma energia espiritual que se projetava
sobre os jovens, cativando -os e despertando-os para o amor de Deus e para evitar tudo que
pudesse ir contra Ele” (idem, p. 76).
Na síntese elaborada por Scaramussa (1 977), a religião e a ação pedagógica de Dom
Bosco aparecem como sendo uma "teologia pedagógica", ou seja, uma pedagogia que tinha na
religião um elemento fundamental, "condição geral de educação" (MB, v.7, p.556 -7); onde os
recursos religiosos se tornavam também procedimentos educativos: uma educação a partir dos
elementos religiosos e, ao mesmo tempo, uma educação para a vivência religiosa (p. 76 -81).
Para explicitar melhor a “teologia pedagógica” de Dom Bosco, mesmo que de forma
sucinta, convém considerar alguns pontos básicos desse processo, que são: a confissão a
comunhão, a instrução catequética, a devoção mariana, a piedade, o acatamento à Igreja, na
pessoa do Papa e a indicação de um programa de vida pessoal e prático para cada jovem.
1.2.3.1. Confissão e Comunhão
A confissão
45
e a comunhão eram duas das colunas do edifício pedagógico de Dom
Bosco, elementos comumente inseridos no quadro da prática religiosa do culo XIX, cuja
ênfase era colocada na relação confessor -penitente, ou seja, na relação en tre o padre,
representante de Deus e o pecador arrependido buscando o perdão de seus pecados.
45
Dom Bosco fala bastante da Confissão, que era a forma mais comum e ordinária de dir eção espiritual
realizada pelo diretor, até sua proibição pela Santa Sé. Mas não estava, porém, essencialmente unida à direção
espiritual, a não ser quando se tratava da tomada de decisão vocacional. Insistia para que houvesse confessor
estável, facilitando os encontros e os colóquios. Os sacerdotes não deviam ser simplesmente "absolvidores",
mas plenamente "educadores" dos jovens, pois considerava a confissão como a base, o apoio da instituição
educativa. Por isso, requeria do confessor do jovem: preparaçã o e estudo particular da teologia, da psicologia e
da mentalidade juvenil (SANTOS, 2000, p. 184).
Como confessor, Dom Bosco procurava ser o pai, o amigo, o confidente, o
guia, que conquistava o coração dos seus jovens; a confiança paterna e filial não
distinguia muito entre confissão e outros momentos da vida ordinária de cada dia.
Com respeito à comunhão, a sua experiência de educador que conhecia a
"mobilidade juvenil", levava -o a incentivar a freqüência a esse sacramento como
alimento da vida espiritual e fo rça para vencer o pecado, e como meio eficaz para
superar o perigo da superficialidade, da inconstância e do hábito mecânico (
SCARAMUSSA, 1977, p. 77 -8).
Nos escritos sobre o sistema preventivo na educação dos jovens, Dom Bosco diz que:
A comunhão freqüente e a Missa cotidiana são as colunas que devem
sustentar um edifício educativo, do qual se queira eliminar a ameaça e a vara. Nunca
se obriguem os jovens a freqüentar os santos sacramentos, mas animem -se apenas, e
se lhes proporcione facilidade de se aproveitarem deles. Nos Exercícios Espirituais,
tríduos, novenas, pregações, catecismos, ponha -se em relevo a beleza, a
sublimidade, a santidade da Religião, que oferece meios tão fáceis, tão úteis à
sociedade civil, à paz do coração, à salvação da alma, c omo o precisamente os
santos sacramentos. Dessa maneira, estimulam -se os meninos a querer,
espontaneamente, essas práticas de piedade, e cumprem -nas de boa vontade, com
prazer e fruto (BOSCO, 1983, s.p.).
1.2.3.2. Instrução Catequética
A instrução catequética, por sua vez, visava o amadurecimento dos jovens na religião
católica e na moral. Era uma prática instrutiva, mas
tinha o escopo de mover o coração do jovem, de tal modo que ele sentisse o desejo
de empenhar-se em evitar o pecado, de pensar seri amente em salvar sua alma, de
praticar os próprios deveres cotidianos com alegria e de tender assim para a
santidade. A evangelização era feita nas celebrações eucarísticas, nas funções
litúrgicas, nas festas, nos "exercícios espirituais", no "exercício me nsal da boa
morte" (SCARAMUSSA, 1977, p. 78).
Na instrução catequética era dado um enfoque especial aos sacramentos, considerados
também instrumentos aptos para se conseguir a salvação eterna, a santidade e o crescimento
na e inseridos no contexto da e strutura religiosa de Cristo salvador e da Igreja. Nesse
mesmo contexto, eram apresentados ainda outros temas religiosos, como os Novíssimos
46
, a
Devoção Mariana, a Oração e as Práticas de Piedade (MB, v.13, p. 827).
1.2.3.3. Devoção Mariana
Maria, também era considerada uma das “colunas de sustentação do edifício
pedagógico de Dom Bosco” (MB, v.3, p. 354 -5). A devoção Mariana era concebida como
valor dogmático. Maria era a guia, a mestra, a mãe, a auxiliadora. “Na sua devoção, o jovem
devia encontrar o sustento e a mediação segura para chegar a Cristo e conseguir a salvação”
(MB, v.7, p. 284). Para uma população em grande parte de órfãos e abandonados, observa
Scaramussa (1977): “a figura de uma mãe era, naturalmente, um elemento rico de significado”
(p.78) e Dom Bosco soube inseri -la em seu sistema educacional com muita propriedade.
1.2.3.4. Piedade
A piedade assim como a devoção mariana e os sacramentos, na “pedagogia teológica”
de Dom Bosco, exerciam a função de “preparar os jovens para o uso adequado dos meios
sobrenaturais da religião, como alimento para a construção e o amadurecimento de sua
personalidade humano -cristã integral” (SCARAMUSSA 1977, p. 78 -9).
“A educação à piedade exigia convicção pessoal de inteligência e de fé; exigia
racionalidade e discrição; visava adesão do coração” (idem, p.79). "A piedade tornava -se viva
e inspiradora do dever e da conduta em todas as suas manifestações, segundo o notável
trinômio: piedade, estudo, alegria” (BRAIDO apud SCARAMUSSA, 1977, p.79).
46
A concepção pedagógica de Dom Bosco está impregnada do pensamento dos Novíssimos, ou seja, das últimas
máximas relativas aos destinos finais do homem: morte , juízo final, inferno e paraíso ( SANTOS, 2000,
p.170).
1.2.3.4. Fidelidade à Igreja Católica e ao Papa
A fidelidade à Igreja Católica e ao papa, vigário de Jesus Cristo na terra, era
proclamada, incentivada e defendida por Dom Bosco. A partir de 1847, quando se deu a
emancipação dos judeus e dos protestantes e, sobretudo, dep ois de 1848, com a proclamação
da liberdade de culto, momento em que a ação evangelizadora dos protestantes se intensificou
e começaram a surgir seus templos e a serem propagados seus escritos, Dom Bosco também
intensificou sua defesa a favor da Igreja Cat ólica. Exemplo disto são as leituras católicas
47
,
cujas publicações tiveram início em março de 1853 e outros escritos que as antecederam, com
o objetivo de combater a ação evangelizadora dos protestantes, conforme é mencionado nas
Memórias do Oratório de o Francisco de Sales:
Em 1847, quando se deu a emancipação dos judeus e dos protestantes, fez -
se necessário algum antídoto para oferecê -lo aos fiéis em geral, especialmente à
juventude. Parecia que com aquele ato o governo queria apenas dar liberdade a to dos
os credos, sem detrimento, porém, do catolicismo. Não entenderam assim os
protestantes, e puseram-se a fazer propaganda com todos os meios possíveis. Três
jornais (La buona Novella, La luce Evangélica, II rogantino piemontese ), muitos
livros bíblicos e não bíblicos, eram meios com que intentavam fazer prosélitos.
Ademais ofereciam ajuda, arrumavam empregos, proporcionavam trabalho,
ofereciam dinheiro, roupa, comestíveis aos que iam às suas escolas ou freqüentavam
suas conferências ou simplesmente seus t emplos.
O governo de tudo sabia e deixava o barco correr, e com seu silêncio
acobertava-os de maneira eficaz. Acrescente -se que os protestantes estavam
preparados e fornecidos de todos os meios materiais e morais, ao passo que os
católicos confiados nas le is civis que até então os haviam protegido e defendido,
dispunham apenas de alguns jornais, de algumas obras clássicas ou de erudição; mas
não tinham um jornal ou livro que estivesse propriamente ao alcance do povo
simples.
47
Percebi então que era urgente preparar e publicar livros para o povo, e ocorreu -me a idéia das Leituras
Católicas. Preparados alguns fascículos, queria publicá -los imediatamente. Surgiu, entretanto , uma dificuldade
que não podia esperar nem imaginar. Nenhum bispo se atrevia a assumir -lhes a responsabilidade. Vercelli,
Biella, Casale recusaram se, alegando ser perigoso travar batalha com os protestantes. Dom Fransoni, que
então residia em Lião, aprov ou, recomendou, mas ninguém quis assumir sequer o risco da revisão eclesiástica.
O Cônego José Zappata, vigário geral, foi o único que, a pedido do arcebispo, reviu a metade de um fascículo;
depois me devolveu o manuscrito dizendo -me: "Aí tem seu trabalho; o me atrevo a assinar; o que aconteceu
a Ximenes e Palma é ainda muito recente. O senhor desafia e ataca de frente o inimigo, e eu prefiro bater em
retirada enquanto é tempo". De acordo com o vigário geral, expus tudo ao arcebispo, o qual me respondeu c om
uma carta para ser apresentada a Dom Moreno, bispo de Ivrea. Nela pedia ao prelado que tomasse sob sua
proteção a publicação planejada e a avalizasse com sua aprovação e autoridade. Dom Moreno prestou -se de
boa vontade a colaborar; delegou, para a revis ão, o advogado Pinoli, seu vigário geral, que, todavia, não pôs o
nome do censor. Estudou -se logo um plano, e a primeiro de março de 1853 saiu o primeiro fascículo do
Cattolico Istruito etc. (BOSCO, 1982, p.173).
Nessas circunstâncias, para f azer frente a esta necessidade, comecei a
redigir alguns quadros sinóticos sobre a Igreja Católica e outros folhetos intitulados:
Lembrança para os Católicos. Fi -los distribuir entre os rapazes e os adultos,
especialmente por ocasião de exercícios espiritu ais e de missões. Os folhetos e
opúsculos foram acolhidos com vivo interesse, e em pouco tempo foram distribuídos
vários milheiros. Isso me persuadiu da necessidade de algum meio popular para
facilitar o conhecimento dos princípios fundamentais do catolici smo. Então
publiquei o livreto Avisos aos Católicos, com a finalidade de alertar os católicos
para que não se deixassem prender nas malhas dos herejes. A venda foi realmente
extraordinária; em dois anos difundiram -se mais de duzentos mil exemplares. Se
isso agradou aos bons, enfureceu os protestantes, que se acreditavam os únicos
donos do campo evangélico (BOSCO, 1982, p.172 -3).
1.2.3.5. Um Programa de Vida Pessoal e Prático para cada Jovem
O fim último da ação “educativa teológica” de Dom Bosco, conforme mencionamos
anteriormente, era a salvação eterna das almas dos jovens. Procedimento comum em todas as
instituições de ensino religioso do século XIX. Todavia, em Dom Bosco, a forma como essa
ação se processava era específica. Embora houvesse a dicotomia - corpo-alma, própria do
cristianismo, fruto da herança platônica, a dinâmica do fim religioso e transcendente
implicava na valorização da dimensão humana
48
e natural. Por isso, na mente e na ação
educativa de Dom Bosco, ao lado de ‘bom cristão’ estava a pr eocupação de formar o ‘bom
cidadão’” (MB, v3, p.293).
A ação teológica, portanto, concebida como prática das virtudes, sobremaneira como
cumprimento dos deveres do próprio estado, implicava, necessariamente, numa formação
humana, moral e profissional; um p rograma de vida pessoal e prático para cada jovem
49
,
como “alicerce que possibilitasse essa prática (MB, v6, p. 68). Com isso os valores
48
Para alguns jovens, era necessário pensar até nas condições imediatas e elementares: prover o o, a roupa, o
alojamento, um trabalho rendoso que os defendesse da ociosidade, do vício e da insegurança social. O
programa que desenvolveu, porém, foi além disso: procurou, de todas as formas, criar c ondições para
possibilitar o crescimento humano -religioso-cristão dessa juventude ( SCARAMUSSA, 1977, p.82).
49
O jovem devia ser preparado para enfrentar com responsabilidade e seriedade a vida. O apelo à
responsabilidade era feito incessantemente por Dom Bosco. Recomendava continuamente "o uso escrupuloso
do tempo e a diligência no cumprimento do dever". Mas ele não se limitava a fazer apelos: educava
concretamente para a responsabilidade através do trabalho (idem, p. 83).
especificamente humanos estavam ligados aos valores religiosos e dependiam deles tanto
quanto eles dos humanos, conform e expõe Scaramussa (1977) ao citar Braido:
Ao lado da santidade, os valores da saúde física e mental, e da sabedoria.
Ao lado da catequese, a “educação vica, moral e científica da juventude”. Ao lado
da religião, a “moralidade” e a ciência”. Ao lado da piedade, a “alegria, o estudo e
o trabalho
50
" (BRAIDO apud SCARAMUSSA, p.82).
1.2.4. Amorevolezza
A amoevolezza
51
é o terceiro elemento que compõe o tripé de sustentação do sistema
educativo de Dom Bosco.
Santos (2000) explica que por amorevolezza entende-se o amor sobrenatural, misto
de racionalidade e de compreensão humana
52
, paterna e fraterna e que transforma o ambiente
de educação (Oratório, internato, etc.) em uma família
53
(p. 173) e que ela se fundamenta,
metodologicamente, “na prática da caridade” (idem, ibidem).
O posicionamento de Scaramussa (1977), em relação a amorevolezza é semelhante ao
de Santos. Entretanto, na analise de Scaramussa, a racionalidade se destaca, entre os demais
constituintes, ou atributos da amorevolezza, por ser o elemento q ue permite o equilíbrio do
amor, do carinho e da afetividade sadia entre o educador e o educando:
50
Dom Bosco confiava na eficácia redentora e educativa do trabalho. Muito cedo surgiu nele essa convicção. Em
suas "Memórias", referindo -se à época da fundação dos oratórios, escreveu: "Foi então que eu pude verificar
que, se os rapazes, saídos do lugar de punição, encontram alguém que, de forma benévola, os ampare e guie,
os assista nos dias festivos, procure empregá -los junto a patrões honestos, e os visite uma vez ou outra durante
a semana, tais rapazes passam a levar uma vida honrada, esquecendo o passado e tomando -se bons cristãos e
honestos cidadãos" (MB, p.127).
51
Vede nota 35.
52
A amorevolezza tem por requisitos, além da "caridade sobrenatural" (virtude teologal de amor a Deus e ao
próximo), a "racionalidade" (o amor humano é feito de adaptação e de compreensão inteligente) e a
"afetividade" (a expressão externa e visível do coração) (SANTOS, 2000, p. 174).
53
A amorevolezza, não funcionaria nem se desenvolveria se não encontrasse um ambiente propício, ou seja, o
"clima de família", a educadora por excelência, o lugar da alegria, da espontaneidade, do aconchego, do calor
humano, da confiança cordial e afetuosa, sem a qual a educação não se realiza (idem, p .175).
A racionalidade permitia, por um lado, evitar qualquer tipo de sujeição, de
pressão emotiva e sentimental, de estranhezas, de artifícios e complicações, e casos
de patologia afetiva. Por outro lado, permitia guiar os ânimos com a clareza das
idéias e da verdade, num clima de vida familiar, marcado pela normalidade,
simplicidade e naturalidade; e habilitava o educador a um amor equilibrado, aberto,
racional (p. 88).
Scaramussa, (1977), tentando explicar as razões que poderiam ter levado Dom Bosco a
colocar a amorevolezza como sustentáculo de seu sistema educativo diz que
entre as exigências juvenis mais fortemente senti das por Dom Bosco, como
transparece nas suas "Memórias", estavam as necessidades de afeto e de
familiaridade. Este sentimento permanecia o vivo nele que, muito cedo, pensou
em criar condições para que outros jovens não viessem sofrer as mesmas privações
pelas quais passou (p. 86 -7).
Neste sentido, a "amorevolezza" parece responder, adequadamente, aos desejos de
Dom Bosco e à sua mentalidade religiosa -humanística-educativa fundamentada na caridade
sobrenatural
54
e passa a ser “o coração do sistema educativo
55
”se materializando, na prática,
no fazer-se amar em oposição ao fazer -se temer. “Se queres ser amado, sê amável” (MB, v.10,
p. 1022) - dizia a um assistente.
Para Dom Bosco, diz Scaramussa (1977), “a única condição para que a relação
educativa se mantivesse era este clima de dedicação human a, amorosa e visível, de vibração
do coração, de reconhecimento, de confiança” (p. 90). Ele, em 1883, escreveu uma carta
circular sobre os castigos que expressava, exatamente, a convicção de que a amorevolezza,
(traduzida no clima de dedicação humana, amor osa e visível, de vibração do coração, de
reconhecimento e de confiança), era o elemento de ligação entre a ação educativa e a ação
divina.
54
A "amorevolezza" era, com efeito, caridade sobrenatural, no sentido das motivações religiosas da relação entre
educadores e educandos: pequenas atenções, respeito, dedicação afetuosa aos jovens tinham um sentido de
dedicação e respeito para com o próprio Cristo, representado e presente neles. Ao mesmo tempo, significavam
o amor de Deus a desdobrar -se sobre eles, através do e ducador (SCARAMUSSA, 1977, p. 88).
55
Cf. Santos, 2000, p. 174.
Lembrai-vos de que a educação é coisa de coração, do qual Deus é o
dono, e não podemos ter poder algum sobre ele , se Deus o for o nosso mestre e
não puser ao nosso dispor as chaves de acesso. Procuremos, pois, de todos os
modos, incluindo a humilde e inteira dependência a que podemos aludir,
assenhorear-nos dessa cidade cujas portas jamais se abrem à força do rigo r e
aspereza. Tornemo-nos amáveis, insinuemos o sentimento do dever e da intimidade
de Deus, e veremos como por encanto franquearem -se as portas de tantos corações
para cantar os louvores daquele que quis tornar -se nosso modelo, nossa vida, nosso
exemplo em tudo, mas, especialmente, na educação da juventude (Bosco apud
SANTOS, 2000, p 174).
Em resumo, podemos dizer que a amorevolezza, esse misto de racionalidade, de
compreensão humana, paterna e fraterna, fundamentada metodologicamente na prática da
caridade, capaz de transformar o ambiente de educação em uma família”, onde por meio da
persuasão, ou através de um diálogo efetivo e respeitoso, tentava -se conseguir que o educando
adquirisse uma consciência de sua responsabilidade pessoal, social e religiosa cristã, foi o
grande diferencial do sistema educativo de Dom Bosco.
Quanto ao sistema preventivo, como um todo, fundamentado na razão, enquanto guia,
na religião enquanto certeza da salvação da alma e na amorevolezza, como a maneira de
demonstrar o amor, o afeto, a gratidão e a familiaridade, ainda que não tenha sido uma criação
teórica original de Dom Bosco, como realmente o foi, visto não ter sido ele, conforme
afirmam aqueles que o estudam, um teórico da educação, é mister dizer que, na prática, o
estilo de educar, capaz de possibilitar a interação entre o humano e o divino, entre a
racionalidade e a emotividade, este lhe foi próprio; a este lhe é inegável a originalidade.
E é por esta visão essencialmente prática e experimental do problema educativo,
marco diferencial no ensino religioso na Itália e em outros países, a partir da terceira década
do século XIX e durante todo o século XX, que Dom Bosco, até hoje, em pleno século XXI,
ocupa lugar de destaque na história da educação.
CAPÍTULO II
2. OS SALESIANOS NO BRASIL
A chegada dos primeiros Salesianos ao Brasil, em 1883, coincide historicamente com os
últimos anos do Império Brasileiro e os primeiros momentos da República. Se contarmos da
abertura da primeira casa salesiana em Niterói, ao mov imento republicano de 15 de novembro de
1889, vão-se apenas seis anos. Um espaço de tempo ínfimo, todavia repleto de acontecimentos,
tanto no contexto político-ideológico-militar, quanto no ecomico, no social e no eclesiático;
acontecimentos que, por si só, mereceriam um capítulo a parte. Mas, considerando o objetivo
primeiro deste trabalho, optamos apenas por ressaltar, em poucas pavavras, alguns dos
aspectos marcantes daquele momento em que se delimitou o fim do Império e o ínicio da
República; aspectos referentes às Forças Armadas
56
, ou aos militares, à economia e à situação
eclesiástica brasileira. Eles poderão nos ajudar a entender, com mais clareza, as transformações
ocorridas no país e consequentemente o desenrolar do processo histórico que marcou a vinda e a
permanência dos salesianos no Brasil.
O primeiro aspecto, diz respeito aos militares, ou mais especificamente, às conseqncias
56
As Forças Armadas Brasileiras eram constituídas pela Guarda Nacional, pelo Ercito e pela Marinha. Nesta
encontravam-se também inúmeros oficiais pertencentes ao mesmo nível social formado pela Guarda Nacional. A
estrutura do Exército brasileiro com a Independência conservou -se semelhante àquela do exército português. Em Lisboa
para que algm pudesse seguir a carreira de oficial, tinha que pertencer a uma família nobre. No Brasil era suficiente
ser filho de um oficial.
da Guerra da Tríplice Aliaa (1864 - 1870), que na visão de alguns historiadores foi o “despertar
dos [...] militares para uma nova consciência de si, um papel mais ativo na sociedade nacional”(
SILVA, s.d, p.17). O fato deve -se, em parte, à experiência vivida por eles em contato com os
argentinos e os uruguaios, durante o conflito. Isto poque enquanto entre os brasil eiros a
“Monarquia relegara os militares a um segundo plano
57
, naquelas nações eles participavam
ativamente das vicissitudes nacionais (SILVA, s.d, p.17).
Ao retornar à pátria, trazendo os louros da vitória, a corporação começou a
planejar outra guerra. O objetivo era a reforma do Estado. No território nacional, a
partir de então, passou a existir um estamento vico, provado na luta, que merecia
respeito e queria exercer poder, para o bem da nação. Esta idéia difundiu -se
paulatinamente entre a oficialida de (SILVA, s.d, p.18).
O Novo Estado vislumbrado na mente dos militares contemplava o fim da Monarquia
e uma reforma social que abolisse a escravidão. A ordem social e política vinha sendo
criticada por eles, mesmo antes da guerra contra Solano Lopes e lo go após a Guerra contra o
Paraguai concluiu-se que a Guarda Nacional
58
seria ineficaz para uma guerra moderna e que seria
necessário e urgente a modernização do Ercito e da Marinha
59
. Em suma, os militares ainda que
aparentemente desorganizados
60
queriam mudanças nas estruturas do ps.
Entretento, o clima reformista, do fim do império, não era apenas apanágio dos
57
Os recrutas do Exército regular provinham normalmente das classes sociais menos favorecidas . A situação era
ainda mais restritiva, em virtude de uma lei de 1874 que facultava pagar uma taxa ou apresentar um substituto
quem não quisesse servir nas Forças Armadas . Existia uma visível fenda entre oficiais e soldados. A grande massa
destes era formada por negros ou mulatos, rudes e sem voz nem vez nos negócios poticos do país (SILVA, s.d, p.18).
58
A Guarda Nacional, preferida pela elite civil, convocava para suas fileiras os que estivessem entre 21 e 60 anos
e apresentassem um ganho mensal acima dos 100S000 (Cem mil is). Representava, por conseguinte uma casta
do mais alto padrão aquisitivo do país. Não se incluíam na convoca ção os oficiais das outras corporações, os clérigos e
oficiais de justa.
59
Com este escopo fundou-se a escola da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. O país passou a ter dois tipos de oficiais no
Exército. Um grupo formado por militares de carreira, quase cinquenta por cento ex-combatentes na guerra contra o
ditador argentino Rosas e os que haviam combatido Solano Lopes no Paraguai, quase noventa por cento. Uma
segunda categoria era formada pelos jovens oficiais que saiam da Praia Vermelha. Estes não tinham a experiência bélica
que haviam conquistado os ex-combatentes na Argentina e no Paraguai.
60
Para Fausto o 15 de Novembro apareceu como um movimento "superficial". Por um lado, na expressão consagrada de
Aristides Lobo, o povo teria assistido "bestializado " à parada militar da Praça da Aclamão. Dentro do Exército, a
articulação faz-se por intermédio de um punhado de oficiais jovens de baixa patente que, se estavam isolados da
soldadesca - que parece não ter-se dado conta do alcance de seus atos mesmo quan do reunida em frente ao Minisrio
da Guerra no dia 15- tamm não se havia articulado, se o muito parcialmente e à última hora, com os oficiais
superiores ( FAUSTO apud SILVA, s.d, p.19).
militares. Somada à problemática dos quartéis estava a queso servil, referente à libertação dos
cativos, “esposada pelo mesmo Imperador D. Pedr o II e por alguns escravistas”( SILVA, s.d, p.
19), a questão econômica, cuja política de enchilhamento
61
, logo no ínicio da república, levara
o país economicamente à desordem e a questão religiosa, ou eclesiástica, inflamada pela separão
da Igreja com o Estado
62
, tanto em relação ao padroado
63
quanto em relão a laicizão do ensino.
O segundo aspecto diz respeito à economia, cuja base deixada pelo Império fora a
exportação agrícola, sobretudo o café e as matérias primas.
No raiar da Reblica, o Governo P rovisório resolveu impulsionar a economia
incentivando a industrialização. Entretanto, o sistema bancário, com o lançamento de papel
moeda, e as empresas, comtulos e ações, desencadearam uma pesada inflão.
O país, carente de insumos e incapaz de alime ntar por si as indústrias, teve que
importar máquinas, produtos químicos e até mesmo matéria prima. O resultado foi o
endividamento com os bancos e com os fornecedores do capital para as transões realizadas. À esta
política inflacionária se contrapunha a corrente dos fazendeiros de ca. Eleso concordavam com o
encilhamento que favorecia o protecionismo aos banqueiros, endividando as instrias. O
encilhamento estonteava. Fechavam -se diariamente na bolsa negócios fabulosos, subindo a
milhares de contos de réis”. (CORREIA apud SILVA, s.d, p. 20).
61
Período logo após a proclamação da República (1889 - 1891) quando, em decorrência da expansão de crédito
para as empresas industriais, houve criação de numerosas sociedades anônimas e intensa especulação com ações
(Aurélio).
62
Nos idos da Conia e mesmo durante o Imrio a religo calica, unida ao Estado, constituía uma das características
da populão brasileira. A primeira Constituão que veio a lume, dois anos após a Indepenncia, declarou como
religião oficial do Império a Igreja de Roma( SILVA, s.d, p.19).
63
O Padroado era urna instituição ibérica pela q ual a Igreja Católica e as monarquias luso -hispânicas
estabeleciam tratados e alianças entre si. Por ele, a permuta de favores consistia nos privilégios outorgados à
Igreja, entre os quais o reconhecimento da religião católica como religião oficial, e em c ontrapartida, a Igreja
atribuía à monarquia o poder de controlar e fiscalizar uma série de iniciativas que hierarquicamente falando,
caberiam à própria instituição religiosa. Desse modo, até a nomeação dos bispos dependia da autoridade
imperial e os clérigos seculares eram de fato funcionários públicos. O Imperador provia cargos eclesiáticos em
troca de pagamento das atividades eclesiásticas exercidas p elos clérigos. Por outro lado, uma série de cargos
públicos (que, politicamente falando, caberiam à instit uição política) tinham como pré -condição de investidura
o juramento de fé. É nesse sentido que havia o juramento à fé católica exigido dos professores que assumissem
cadeiras de ensino nos estabelecimentos oficiais ( CURY, 1993, p. 22).
Outro aspecto de efeito negativo para a economia, no florescer da República, foi o
desequilíbrio da política orçamentária originado pelos gastos militares com as revoltas, que a
partir de 1892, o Presidente Floriano Peixoto foi obrigado a enfrentar.
Em 1898, quando o cafeicultor paulista Campos Sales (1898 - 1902) substituiu o Presidente
Prudente de Moraes ele tentou de imediato sanear as finanças. Insurgiu -se contra a política de
desvalorização da moeda, fechou boa parte das torneiras dos gastos blicos, tanto os de consumo
como os de investimentos. Suas medidas, no entanto, geraram forte crise econômica interna, a
quebradeira de vários bancos e o aumento dos preços. É importante ressaltar que neste momento os
representantes da burguesia agrária apoiavam firmemente o governo central e que os negócios da
República eram controlados pela classe dos agricultores, ou mais especificamente dos cafeicultores,
os porta-vozes da fonte da riqueza nacional, mediante a deno minada "política dos coronéis”
64
.
O terceiro aspecto diz respeito à questão religiosa ou eclesiástica. Com a Proclamação da
República, afirma Vieira (1990), as tenncias secularizantes existentes no Imrio ganharam foa.
A laicidade era uma das metas do Partido Republicano, assim como do Partido Liberal, do
Positivismo, da Monaria e de rios grupos protestantes. Isto, evidentemente, amedrontava a
Igreja Católica, que poderia perder privigios e inquietava e apavorava o governo, visto que a
grande maioria da população brasileira era católica.
Talvez por esta rao, no início da Reblica, o Governo Provisório tentou dar uma forma
às tenncias laicizantes, de modo a não criar atritos com a Igreja. A Igreja Calica, por sua vez, fez
de tudo para que as leis gerais da separão e da secularizão "fossem feitas por meio de um
64
A "política dos corois" tem muito a ver com a hisria da atividade educacional dos Salesianos - bem como de outros
religiosos educadores - que então trabalhavam no Brasil ou foram posteriormente desenvolver suas atividades naquela
nação. Os que atendiam, com a ajuda do governo ou da sociedade, à juventude, ou infância pobre - órfãos,
ingénuos, meninos de rua - tiveram seus subsídios governamentais ou sociais cortados. A crise econômica
atingira a todos, inclusive as famílias que não mais tinham condições de ajudar as organizações beneficentes ( SILVA,
s.d, p. 20).
entendimento cordial com a Santa Sé
65
" (PACHECO, 1968, p. 421), a porque a Santa Sé
reconhecera oficialmente a República Brasileira.
Havia uma tensão e, ao mesmo tempo, uma preocup ão de ambas as partes. Exemplo disto,
por parte da Igreja, foi um telegrama enviado no dia 21 de novembro de 1889, pelo Arcebispo da
Bahia, D. Luiz Annio dos Santos, ao Marechal Deodoro “implorando as bênçãoq104.542 23(d1p29(n)19(i)d791.5189( )-20(a)23(s)28( )-20(b)29(ê)23(n)19(ç)23(ã)23(o)29(q104.542 23(d1p29(n)19(i)d791.5189( )-20(819.895 59)23(g895 18.786 426.497 25.944 reW nQQq104.542 683.968 429.204 26.057 ref0 Tr0.113 w0 gq25.92 -1.518 559.601 791.518 r699 TzBT/F)23(ã)9(d)19R797 201 791.51t)27(3 r697 2)19(i)d791.518r1t)27(3 r697 2)23(o)29 4o46. -1.518 559.6-1.518 43h5659.6-1.5181.51(A)30(n)29(t3660 Tr0.1eQ6-1.54 r697 2).13..d46657(a)23(.88.,)11Cul3wep)29(o)36 429.204 26.057619(i)d791.7.2Ro46. -1.504.2Ro46. -1.5to,4.2Ro46. -1.5m8 2.(,)46. -1.791.5191.518r2.d44.2Ro46. -1.5mT05.179681372(e)6(7.A)201372(e)2.3-.146. -1.518 559.6-.446. -1.791.5191.518r2.d4.am6619(i)d790(n)6nnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnn2..78t(n2..7790(n)6)d790(n)6nnnnnnnnnnnn6931372(e)6(7.A)201372(e)2.3-.146. -1.518 559.6-.446. -1.791.5191.518r2.d4.am6619(i)d766n792 41.,8t(n2466)7F2 11.,8t(n2..78t(n2..7790(n)6)d790(n)6)d790(nn)66nnn2..7790(n)6nnnnnnnnnnnnn2n3 r61nenenenen.6-190(n)46191.518m63IciTo5(n)224g(nn)6onn2190(n)6ena7F2.6o,9(o)19( )-5J2916j6eeee IgreIestei4.2ee8"6m691.518r2.d4.am6619(i)d790(n)6nnnnn 9d.T/F2.T/F7(a3m1i)d790(n-n90(n-n90(n(n)6.d4n)2o9r2.d4.l)(nn)6o)66nD1 71 p11e8018(p)29(o)M w0.27(e)2n3 r61D1 e 4Mi(.)]TJETQ0 gq25.92 -1.518 559.601 791.518 reW nQ1 w1 g104.542d4nntop12n39mp12n39mp12n39mp12n39mp12n39mp12n39mp12n39mp12n39mp12n39mp12n39mp12n3936op12n39mp1Tr0 63639mp1Tr0p174e(.)]TJ2p1Tr0nn IgreIestp1B, 9moit(.)]TJETQ0 gq25.92 -1.518 559.601 791.518 reW nQ1 w1 g104.542d4n.
Quanto ao da separação da Igreja do Estado, reforma absolutamente necessária,
mas que o Governo, ao ter de levá -la a efeito, tinha necessariamente de ir com cautela e
cuidado, porque a presunção era de que a maioria do povo brasileiro era católico.
Vínhamos de um regime de consó rcio entre Estado e Igreja, da influência imediata e direta
do Imperador, até a nomeão dos prelados: nhamos de um congraçamento cada vez
mais estreito entre o poder temporal e o poder espiritual, e a reforma devia ser radical; com
o tacto fino com que, em geral, procediam, os membros do Governo Provirio
procuraram os luminares do clero, as altas dignidades da Igreja, para o efeito da sua opinião
e de sua colaboração na reforma. O Mal. Deodoro fez ir ao Pacio o eno padre Luiz
Raymundo da Silva Britto, uma das mentalidades mais robustas do clero brasileiro de eno
(apoiados), orador fluente e brilhanssimo, cultura a mais aprimorada, maneiras as mais
fidalgas que honravam a tribuna eclesiástica e atraia fiéis e curiosos a ouvirem a torrente de
eloqüências que promanava de seus bios. O Mal. Deodoro ouviu -o, e, sacerdote
inteligente bastante, encarando devidamente a situação do Brasil, então República em face
da Igreja, ele aceitava a separação [...] (HERMES apud CURY, 1993, p.23 -24).
E continuou Fonseca Hermes:
Mas, Sr. Presidente, da colaborão do clero, nasceu o decreto de 7 de janeiro.
Entretanto, o Governo manteve o subsídio às cadeiras dos seminários, por um ano, e as
ngruas do clero. Era uma espécie de aliança indireta com o culto cali co. Era uma
transão necessária [...] (Idem, ibidem).
Um dos documentos eclesiásticos de peso, entre outros, que veio a lume na época das
discuses constitucionais foi a Pastoral Coletiva, publicado em 19 de março de 1890. N este
documento
os bispos se alegravam pelo fato de a Igreja se desvincular da tutela do Estado.
Reafirmavam os princípio fundamentais da doutrina calica e recusavam o fato de a Igreja
Católica Apostólica Romana ser tratada de igual para igual com as demais igrejas
evangélicas. Esta era também a posição dos fis católicos romanos. (SILVA, s.d, p.21).
Moura e Almeida (1977), afirmam que o episcopado brasileiro laou a Pastoral Coletiva
em março de 1890, como uma tentativa de mesclar o aplauso discreto e as repreensões às queses
colocadas pela mudança constitucional. No entanto, o documento também revela sinais de uma
abertura da Igreja à conciliação:
Basta que o Estado fique na sua esfera. Nada tente contra a religião. Não é
impossível, nesta hipótese, que haja conflito s, mas ao contrário, a ação da Igreja se para o
Estado sempre salutar, e os filhos dela, os melhores cidaos, os mais dedicados à causa
pública, os que derramarão mais de boa mente o seu sangue em prol da liberdade da pátria.
Ah! Não se consigne, pois, na carta Constitucional da Reblica Brasileira uma palavra
que ofender possa a liberdade de consciência religiosa do ps que é na sua quase totalidade
Calica Aposlica Romana [...] É o que esperamos para que se evitem o funesto flagelo
das dissenes religiosas, a desunião profunda dos esritos, nesta quadra melindrosa
(1977, p. 326).
Para Cury (1993) a Pastoral recebeu com acidez a extinção da religião nas escolas, mesmo
porque logo a seguir, pelo Aviso 17 de 24 mao de 1890, a Teodiia
67
seria eliminada do
currículo do Colégio Pedro II e o pagamento dos professores de religo o seria mais atribuão do
Estado.A Igreja submete-se ao poder existente, mas exige tanto independência entre ambos quanto
união através de entendimentos e acordos” (p .24). “A Pastoral celebra a possibilidade de acordos e
concordatas, trazendo os argumentos específicos da catolicidade como tro distintivo do caráter
nacional e da religo como tendência vital de qualquer processo social” (Idem, ibidem).
Cury (1993), explica também que existia uma ambiidade no decreto
68
e na ppria
posão da Igreja e que tal ambiidade fez com que, de imediato, aparecessem focos de
insubordinação no clero, sobretudo na aplicação do Decreto 181 de 24.01.1890, que tornava
oficial apenas a realização civil do casamento. E devido às resisncias a tal medida, o governo
impôs pelo Decreto 521 de 26.06.1890 precedência obrigatória do casamento civil a qualquer
cerimônia religiosa de união conjugal
69
(p.24).
67
Teodiia é o conjunto de doutrinas que procuram justificar a bondade divina, contra os argumentos tirados da
existência do mal no mundo, refutando as doutrinas atéias ou dualistas que se apóiam ness es argumentos. Parte da
filosofia que trata da demonstração racional da exisncia e natureza de Deus (AURÉLIO).
68
O Decreto de separação da Igreja e do Estado é de 07.01.1890 sob o n 119 -A. Segundo Cury, o Decreto de separação
da Igreja e do Estado o é inteiramente interditivo e até permite, pelo art. , espaço de negociação da Igreja com os
Estados. Mas, por outro lado, a separação ofendia alguns pressupostos da Igreja na sua perspectiva de origem do poder
e da integrão entre Igreja e Estado. Por iss o, a Pastoral Coletiva dos Bispos Brasileiros, de 19.03.1890,o só aponta
essa separação como ofensiva à "ordem das coisas", como lamenta o decreto pelo fato de que o Estado querer se
separar daquela instituão que tanto fizera pelos costumes e pela uni dade nacional (1991, p. 71-8).
69
Esta e outras restrições estavam presentes no Decreto 510 de 22.06.1890. Esse decreto - na verdade a primeira
Constituão republicana do País, outorgada continha várias restrições à Igreja Católica: bens de mão -morta, casamento
civil antes do religioso, secularização de cemirios, proibão de subvençã, e ensino blico leigo ( CURY, 1993, p.
24).
A reão da Igreja foi imedi ata. No dia 6 de agosto de 1890, o episcopado nacional
encaminhou ao Governo Provisório uma Reclamação
70
contra os termos do Projeto de Constituição
que o lhes eram do agrado (na verdade Constituão em vigor, ainda que proviria) e concluem
dizendo:
Sr. Marechal! O atsmo social nos ameaça! Se cerrando os ouvidos aos nossos
patrióticos protestos, assentou o Governo Provisório enveredar pelos caminhos tortuosos de
uma política de violência, ficaremos com a alma enlutada sim, mas não sucumbiremos ao
peso do desalento. Com os olhos levantados aou, cercados de doze milhões de católicos,
pela verdade, pela justiça combateremos, com as armas do nosso sagrado ministério,
defendendo os interesses da fé e a liberdade das almas. A Igreja recebeu do céu promess as
de vida e de imortalidade (PACHECO, 1968, p. 426).
A Igreja se posicionou ativamente em todos os sentidos. Ela, além de contar, em plenário,
com o apoio dos deputados católicos, especialmente os representantes baianos e mineiros, enviou
tamm à Constituinte uma representão. Todos procuravam emendar o projeto constitucional
apresentado pelo governo, ou ao menos pressionar como fez Dom Antônio Macedo, o então bispo
Primaz do Brasil, ao enviar, em janeiro de 1891, um memorial no qual defendia a liberdad e de culto
e de consciência, mas solicitando, ao mesmo tempo, a eliminão de dispositivos contrios à
liberdade da Igreja Católica como o da laicidade do ensino. Pois, segundo o prelado, ela conduziria
a uma "decadência geral".
A Constituinte, contudo, p ermaneceu firme em relação ao dispositivo que tratava da
laicidade do ensino e o manteve
71
. Nem mesmo a emenda que franqueava a laicidade para a
autonomia estadual foi aceita. Tudo deveria se resolver, para a Igreja, no âmbito da liberdade de
ensino e, para o Estado, no interior da aceitação plena, fora de si, da liberdade de culto. Não haveria
religo oficial(CURY, 1993, p. 24). Estava introduzido o ensino leigo nas escolas públicas.
70
Ao que parece, esse documento foi redigido em São Paulo, em julho de 1890. De lá, os bispos foram ao Rio de Janeiro
a fim de "intervirem nos trabalhos Constituinte, com o seu prestígio particular, junto aos deputados amigos.Esta medida
deu bons resultados [...]" (PACHECO, 1968, p. 428). Tanto é que, na segunda vero da Constituição outorgada e
proviria o Decreto 914-A, de 23.10.1890 , ocorreram várias alterações nesses dispositivos. Mas o
atingiram o ensino laico. E é essa versão que se o anteprojeto do Governo para os trabalhos da Constituinte.
71
Para se chegar a essa formulão, o caminho político -normativo foi bastante sinuoso, conforme afirma Cury ( 1991, p.
372-382)
Queremos lembrar também que em conseências da separão entre Igreja e Estado, estava
confirmada, entre outras coisas, pela Constituição Republicana promulgada em fevereiro de 1891: a
abolão definitiva da probletica referente aos bens de mão-morta
72
, um dos temas mais discutidos
e candentes e as portas do país estavam a bertas para as Congregações Religiosas
73
. Mas, em
contapartida, “aos clérigos era vedada a participão na política, eles não podiam ser eleitos ou
eleitores”( SILVA, s.d, p.21).
Para Horta
A Reblica, que se instala no Brasil em novembro de 1889, encont ra a Igreja
enfraquecida e incapaz de negociar um novo pacto que viesse a substituir o regime do
Padroado e a sua situão de religião oficial do Estado, que lhe havia sido atribda pela
Constituão de 1824 (HORTA, 1994, p. 94).
O enfraquecimento da Igreja era notório. Ela ainda tentou “estabelecer uma estratégia de
‘reforma pelo alto, voltando -se prioritariamente para a formação das elites e dos filhos das classes
dominantes através da implantação de uma rede de estabelecimentos de ensino dio em todo o
ps” (HORTA, 1994, p. 94), todavia “esta mesma estragia fa com que as denúncias do aparelho
eclesstico, quanto ao cater leigo do Estado, o cheguem a sensibilizar a opinião blica
74
(
Idem, ibidem).
Entretanto, nem tudo estava perdido para Igre ja. Ela aceitou, pouco a pouco, o novo regime
e, de certo modo, tirou proveito dele(HORTA, 1994, p. 93). Se por um lado, as vantagens
auferidas pela Igreja não significam adesão total ao Estado Republicano, conforme observa Cury ao
72
Bens inalienáveis, como os das agremiações religiosas e hospitais. Parte dos constituintes positivistas e maçons
propugnavam a expropriação daqueles bens.
73
Entre as Congregações a entrar, estavam, como veremos, os Salesianos, que fundaram um cogio em Nitei (1883) e
outro em São Paulo (1885), os quais se desenvolveram rapidamente, e outros que foram aparecendo, no primeiro
decênio republicano, demonstrando boa coexistência com as elites
afirmar que: “se a Reblica é aceita, o mesmo o acontece com o clima laicista dentro do qual a
mesma foi proclamada” (CURY, 1978, p. 14); por outro, “a sua separação oficial do Estado
permitia-lhe reestruturar com mais liberdade os seus quadros e estreitar as suas ligões com Roma
(HORTA, 1994, p. 93) e assim tornar “posvel a aplicação das doutrinas calicas elaboradas na
Europa aqui no Brasil ( CURY, 1984, p. 14).
A maior ligação com a Santa Sé, a partir da proclamação da República, foi uma das
principais características da reforma calica defendida pelos bispos brasileiros
75
. Eles, de imediato
tentaram se reorganizar em defesa da doutrina calica. E uma de suas primeirasões foi a criação
de novas dioceses. Silva explica que:
Diante do novo quadro, os bispos, se m darem nenhuma satisfação ao governo,
criaram ainda em 1892, três dioceses: a de Manaus, a da Paraíba e a de Curitiba. Veio a
reação, mas as autoridades governamentais perceberam que não convinha, era perigoso
enfrentar a força potica da Igreja, apoiada pela população calica. Houve diversas
propostas de entendimento entre ambos os poderes, chegando -se a um acordo em 1893. A
Cúria romana aguardou algum tempo para endossar os entendimentos havidos ( SILVA, s.d,
p. 21).
A criação de novas dioceses, princ ipalmente na Primeira República, foi um artifício
usado com objetivos claros: “facilitar e dinamizar o controle e a formação do clero, tendo em
vista que a imensidão do nosso território sempre foi apontada como obstáculo à uniformidade
doutrinária e litúrgica defendida no processo de romanização da Igreja católica no Brasil”
(PRATTA, 2002, p. 110). Um mero maior de dioceses e de bispos intensificaria o controle
sobre a atuação dos rocos. É mister salientar que a carência de sacerdotes, naquele peodo,
frustrava, de certa maneira, os anseios da Igreja. Mesmo assim, esclarece Pratta (2002), que foi
75
Essa fase também é conhecida como período de romanização da Igreja no Brasil. Em sentido lato, a romanização é
caracterizada pela centralidade do controle, a partir da Sé Romana, sobre a evangelizão e a ão missionária.
fundamental a atuação de um grande mero de religiosos estrangeiros, padres e freiras,
que praticamente constituem a marca da religo católica no Brasil d urante a República
Velha. Esses religiosos foram os principais elementos do processo de romanização da
Igreja Calica no País (p.111).
A expectativa dos bispos “com relação à atuão dos salesianos no Brasil o fugia à
perspectiva do movimento de reform a eclesiástica, isto é, de defesa da doutrina calica, contra os
princípios liberais” (COSTA, 2004, p. 81). “Ao chegar ao Brasil em 1883, os salesianos estavam
sintonizados com Roma (Idem, ibidem). A este respeito, uma carta datada de 1893, do Pe. Pedro
Rota, diretor da primeira obra salesiana no Brasil, citada por Azzi (2000), diz, ao comentar a
reorganização das dioceses brasileiras e a elevão da diocese do Rio de Janeiro à condição de
arquidiocese: “os novos bispos e arcebispos o [...] homens de gr ande virtude e ciência, quase
todos educados em Roma, e por isso verdadeiramente Romanos (o que antes faltava um pouco) e se
espera que farão um grande bem à Igreja do Brasil ( p. 60).
Foi neste contexto, explicitamente marcado pela separão da Igreja co m o Estado; onde a
laicidade do ensino, proposta pelo Estado, se sobres ao desejo da Igreja, fazendo com que esta,
necessariamente, se reorganizasse e buscasse sustentação em Roma, que começou a ser implantada
a obra salesiana no Brasil. Inicialmente por solicitão de Dom Pedro Maria de Lacerda, bispo do
Rio de Janeiro e em seguida, já em plena Reblica, por solicitão de outros bispos e da Santa Sé,
conforme veremos a seguir.
2.1. Implantão da Obra Salesiana no Brasil
A obra dos salesianos de Dom Bosco
76
começou a ser conhecida no Brasil antes
mesmo deles terem aqui chegado, isto porque a imprensa francesa e de outros países há muito
76
Os salesianos são membros de uma Congregação religiosa da Igreja Católica Apostólica Romana fundada em
1859, por São João Bosco e aprovada em 1874 pelo Papa Pio IX. Seu nome oficial é Pia Sociedade de São
Francisco de Sales em homenagem a o Francisco de Sales . Os salesianos são popularmente conhecidos por
salesianos de Dom Bosco, o que determina sua sigla: SDB.
falavam de suas viagens e exaltavam suas realizações. Todavia, foi D. Pedro Maria de
Lacerda, Bispo do Rio de Janeiro , por ocasião do Concílio Vaticano I, aproveitando sua
estada em Roma, após visitar pessoalmente, o Oratório de Valdocco, onde passou uma
semana e tomou contato com a experiência educativa de Dom Bosco, quem deu início às
primeiras negociações, na tentativ a de trazê-los para sua diocese.
Santos (2000), esclarece que
os primeiros contatos com os Salesianos deram -se em 1876, com D. Pedro Lacerda,
Bispo do Rio de Janeiro, em Turim, e prolongaram -se até 1882, primeiro por falta de
pessoal, segundo porque Dom Bosco desejava conhecer uma proposta concreta bem
clara sobre o que ele desejava dos Salesianos e que fosse condizente com os
objetivos da Congregação (p. 203).
Em 14 de maio de 1878, o padre Luís Lasagna foi ao Rio de Janeiro e visitou Dom
Pedro Lacerda e diversas instituições de caridade e de ensino e presenciou muitos meninos
nas ruas, órfãos e abandonados. A Lei do Ventre Livre
77
fez com que muitos filhos de
escravos, menores de 21 anos, fugissem das fazendas para as cidades, onde se tornavam
pequenos infratores indo parar na cadeia ou no cemitério.
A situação no Rio de Janeiro parecia ser pior que a encontrada por Dom Bosco ao
iniciar a sua obra, em Valdocco (Idem, ibidem). Frente a tal situação o padre Luís Lasagna
prometeu fazer o possível para tra zer os Salesianos para o Brasil.
77
Lei 2.040 de 28 de setembro de 1871 declara de condição livre os filhos de mulher escrava que nascerem
desde a data desta lei, libertos os escra vos da Nação e outros, e providencia sobre a criação e tratamento
daqueles filhos menores e sobre a libertação anual de escravos.
A Princesa Imperial Regente, em Nome de Sua Majestade o Imperador o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos
os súditos do Império que a Assembléia Geral Decretou e ela Sancionou a Lei seguinte:
Art. - Os filhos da mulher escrava, que nascerem no Império desde a data desta lei, serão considerados de
condição livre.
§ - Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autor idade dos senhores de suas mães, os quais terão
obrigação de criá-los e tratá-los até à idade de oito anos completos.
Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá a opção, ou de receber do Estado a indenização
de 600$000, ou de utiliza r-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos.
No primeiro caso, o Governo receberá o menor, e lhe dará destino, em conformidade da presente lei
(GASMAN, Lydinéa. Documentos históricos brasileiros. Brasília: MEC/FENAME, 1976, p. 133 -134).
Com o apoio de Dom Lacerda e a promessa do padre Lasagna a vinda dos salesianos
para o Brasil parecia certa. Segundo Azzi (2000), Dom Lacerda, em suas cartas, chegou a
comunicar a aquisição de um local em Niterói e os prepa rativos para a chegada dos
salesianos. Todavia em uma carta datada de de agosto de 1878, Dom Bosco escreve a Dom
Lacerda, e, demonstrando -se cauteloso com relação à vinda dos salesianos para o Brasil,
propõe que o prelado brasileiro se dirija diretament e ao Papa Leão XIII e a ele solicite a vinda
dos salesianos para a sua diocese. Dom Lacerda, no entanto, se recusou a escrever ao Papa e
Dom Bosco sabendo de sua recusa resolveu adiar o projeto da obra salesiana no Brasil (p. 58 -
59).
O boletim salesiano de agosto de 1881 publica parte de uma carta em que Dom
Lacerda, após quatro anos de tentativas sem sucesso, sem esperanças de ter os salesianos
em sua diocese se despede de Dom Bosco lastimando:
Ah! Querido Dom Bosco quanto custa ao meu coração dizer o último adeus
às minhas esperanças de quatro anos, sempre desfeitas! No paraíso terei o prazer de
viver com Dom Bosco e seus salesianos. [...] Adeus a a vista no céu
(http://www.sdb.org/BS/1881/18810 8.PDF, acessado em 19 de março de 2007).
A partir de 1881, outros bispos
78
, além de Dom Lacerda, começaram a solicitar a
vinda dos salesianos para suas dioceses.
Os Bispos, angustiados [...], "solicitavam os Salesianos de Dom Bosco para tentar
uma reforma lenta e eficaz, a partir da juventude pobre, que despertassem vocações,
pregando, confessando e edificando o povo com seu bom comportamento e zelo."
Afirmava . Ls Lasagna, ainda, que a maçonaria era "onipotente e ai de quem ousasse
enfrentá-la e que os salesianos deviam trabalhar sem ostentação, ocupando -se, às
escondidas, dos pobrezinhos, para poder restaurar insensivelmente o reino de Deus" (
SANTOS 2000, p. 62).
78
Entre os bispos que solicitavam a presença dos salesianos em suas dioceses estavam o de Belém do Grão -Pará,
Dom Macedo Costa e o de Cuiabá, Dom Carlos D´Amour.
Os salesianos, no entanto, conheciam muito pouco sobre o império brasileiro. A visita
do padre Lasagna ao Rio de Janeiro, em 1878, parecia insuficiente para lhes garantir a vinda
para o Brasil.
Para Santos (2000) o Império Brasileiro constituía um mistério para os salesianos
79
.
Provavelmente por essa razão, Dom Bosco tenha, novamente, design ado, em 1882, o padre
Lasagna, para estudar as possibilidades concretas de expansão da obra salesiana em território
brasileiro.
Os relatos desta nova viagem
80
de Lasagna aparecem nas correspondências com os
superiores de Turim, onde ele fala que virá ao Bra sil em atendimento ao mandado de Dom
Bosco. Em uma das correspondências, escrita de Villa Cólon (Uruguai) a 6 de maio de 1882,
Lasagna (1995) informa que a viagem vai começar no Rio de Janeiro e mostra -se apreensivo
com a grandeza do empreendimento que est á para realizar, mas ao mesmo tempo, sente -se
fortalecido por “esperanças ainda maiores”. A fim de planejar melhor a expansão da futura
obra, o inspetor iria percorrer grande parte do território brasileiro, passando pelo Pará até a
foz do rio Amazonas ( p. 371-2).
Assim, em 14 de maio de 1882, vindo do Uruguai, a pedido de Dom Bosco, o padre
Lasagna visita novamente o Brasil. Desta vez, para conhecê -lo melhor e tratar, com Dom
Lacerda, da implantação da obra salesiana em terras brasileiras.
79
P. Luiz Lasagna, fundador da obra salesiana no Uruguai, Brasil e Paraguai, conhecia a real idade brasileira através da
leitura de livros, jornais e os relatórios que a Nunciatura brasileira enviava à Santa. A viagem de 1882, da Capital do
Império brasileiro à foz do Amazonas foi uma oportunidade ímpar de observar "in loco" a situação do país. As longas
conversas com os bispos, religiosos e outras pessoas foram de enorme utilidade na execução de seu plano missionário
( SILVA, s.d, p. 21-2).
80
Sobre esta viagem são significativos dois relatórios escritos em 1882, pelo Pe. Luís Lasagna e pelo seminarista Teodoro
Massano, na longa viagem exploratória do Rio a Belém do Pará, em que os dois protagonistas salesianos narraram tudo
o que viram e ouviram. Carta de LASAGNA a DOM BOSCO, de 24 de novembro de 1882, Projeções
Epistolares;Preciosas recordações dos 25 anos, p. 16-24. Juan Edmund BELZA, Lasagna et obispo missionero;
introducción a Ia historia dei Uruguay, dei Brasil e dei Paraguay, p. 247-8.
Chegando ao Rio de Janeiro, o padre Lasagna visitou a cidade e seus arredores, as
instituições religiosas e teve uma
audiência particular com o Imperador Pedro II, em Petrópolis
81
. Este tomou
informações pormenorizadas sobre os Salesianos, os seus objetivos e seu papel na
Igreja, seus métodos de ensino e de educação da juventude, sobre os meios para
sustentar as obras de beneficência que empreendiam e os resultados alcançados. Ao
ouvir falar de oratórios, de internatos, de escolas profissionais, de colônias agrícolas,
manifestou o desejo de que se transplantasse para o Brasil a instituição de Dom
Bosco. (SANTOS, 2000, p. 204).
Durante a visita ao Rio de Janeiro o padre Luís Lasagna
estava maravilhado em ver todos os Bispos disputarem -no, em oferecendo semirios,
pensionatos ("hospízi"), colégios, dispostos a qual quer sacricio, contanto que fossem
colaboradores em suas dioceses. Proncias imensas, Dioceses enormes sem clero, sem
operios evanlicos e portanto sem piedade e sem moralidade! O paganismo invadindo
todas as classes sociais, todas indistintamente demasiado ignorantes em matéria de
religião. O governo desconfiadíssimo e, por tradição, cesarista, tirano da Igreja. As ordens
religiosas condenadas ao ostracismo. Os Bispos desorientados e sem saber o que faz er,
vendo brilhar uma jovem Congregação, a transbordar de zelo e vitalidade, aceita pelos
pprios inimigos por seu esrito democrático, popular e humanirio, sem precedentes
odiosos, virgem ainda aos ultrajes e prevaricações. Devia -se comar pela obra dos
Orarios de Artes e Ocios que encontrava simpatias em toda parte e por conias
agcolas e escolas modestas e pobres para o despertar inveja e perseguição. Seria preciso
que se escolhesse um Diretor bem instruído, muito ativo e de grande piedade ( SANTOS,
2000, p. 62-63).
Ao retornar ao Rio de Janeiro, o padre Lasagna, “i mpressionado com os meninos pobres
dos portos por onde passara, em geral, grande parte, nus e abandonados, por quem só a pocia se
interessava. Paradoxal [...] um país rico em p rodução e milhares a morrer de fome(SANTOS
2000, p. 59) e percebendo queas Congregões Religiosas eram odiadas e reprimidas pelo
governo, mas que a Sociedade dos Salesianos era bem acolhida por ser eminentemente filantrópica
( Idem, ibidem) e que a ocasião era favorável para a implantão do projeto salesiano
82
, propôs ao
81
No Brasil, o projeto missionário salesiano gozava do beneplácito do Imperador Pedro II, dos favores do
Internúncio Apostólico, de numerosos pedidos dos Bispos, além do apoio do Papa. O projeto de Pé. Luís
Lasagna, em relação ao Brasil, assemelhava -se ao de Dom Bosco para a Patagônia (SANTOS, 2000, p.202).
82
No Brasil, o existia instituição semelhante à dos salesianos e o governo, que o era o diabo, não lhes criaria
obsculos, pois traziam vantagem para o povo. Meios o faltavam. Pe. Luís Lasagna mostrava -se maravilhado e
afirmava: "Sem sa-lo, abris-nos um novo mundo, uma nova fase para a nossa con gregação". Todos lhe solicitavam
que falasse das obras salesianas. Estava enamorado da natureza, dos ssaros e já pensava em organizar um mu seu de
ciências ( FERREIRA apud SANTOS 2000, p. 60)
governo imperial criar um vicariato apostólico na Amazônia, uma nova diocese em Alagoas e
estabelecer a sede da futura Província Salesiana Brasileira no Rio de Janeiro
83
, que serviria
como centro de apoio a outros dois centros, Cuiabá e Belém, desse modo, atenderia à
evangelização da Amazônia e do Planalto Brasileiro.
Santos citando Belza (1970), diz que
no dia 26 de julho de 1882 foi comprada uma modesta casa’ em Niterói, no bairro
Santa Rosa
84
, juntamente com o terreno anexo, planejada para ser ‘grande asilo de
meninos pobres e abandonados e talvez um viveiro de novos missionários’, à
imitação do Oratório de Valdocco, para levar a cruz e a civilização cristã ao centro
da América Meridional (BELZA, apud SANTOS, 2000, p. 204).
É importante, porém, esclarecer que apesar do prestígio de Dom Bosco nos meios
católicos, do apoio de Dom Lacerda, que “em 22 de junho de 1882, publicara uma longa carta
pastoral conclamando seus diocesanos a pre starem apoio e ajuda aos Salesianos” (SANTOS,
2000, p.204); de outros bispos, da impressa católica
85
e até mesmo do governo Imperial, a
implantação da obra salesiana no Brasil não foi aceita pacificamente por todos os seguimentos
da sociedade, como ás vezes nos parece, sobre tudo em se tratando do Rio de Janeiro e de São
Paulo
86
. Costa (2004), explica que
83
Preocupado em iniciar uma nova fundação em bases que possib ilitasse a sua futura expansão, Lasagna excluiu
algumas propostas de local e optou por Niterói (RJ) para a fundação da obra salesiana no Brasil (AZZI, 1982,
p. 189-9). No entanto, em outra obra Azzi (2000), explica que pelos laços que ligavam Dom Bosco ao bispo do
Rio de Janeiro, Dom Bosco prioridade ao pedido de Dom Lacerda ( p. 59) e consequentemente o local
escolhido foi Niterói.
84
se por um lado, o nome de Dom Bosco facilitava a aceitação das instituições
salesianas por parte dos católicos, por outro, despertava a hostilidade de out ros
segmentos, em razão da colaboração ao movimento de reforma da Igreja no Brasil (
p. 86).
Os primeiros salesianos, ainda que entusiasmados, logo perceberam que sua
permanência no Brasil não seria tão pacífica como pensara inicialmente o padre Lasagna.
Azzi (1982), diz que com agudo senso crítico a imprensa passou a atacar os religiosos recém -
chegados. Eles eram considerados como mais um reforço ao movimento dos bispos
reformadores e ao jesuitismo (p. 301 -314).
O periódico - A Folha Nova (Niterói), em sua edição de 1/12/1883, atacou o
“salesianismo” e em tom de esclarecimento alertava: “pode o salesiano que veio explorar
multiplicar-se em milhares de salesianos de encomenda, pelo influxo das devoções e
histerismo do beatério” (Apud AZZI, 2000, p. 134).
Marcigaglia (1955) relata que no carnaval carioca de 1884 os salesianos e outros
religiosos foram alvos de críticas mordazes, através dos desfiles de máscaras.
Azzi (1982), explica que o clima de oposição aos novos institutos religiosos foi
supostamente reforçado no início de 1884, com os atos do governo no sentido de dar melhor
utilização aos bens dos antigos conventos, considerados infrutíferos. Os protestos do clero
contra a aplicação da lei foram numerosos. Os salesianos e seus benfeitores, naquele
momento, temiam que tais medidas extinguissem o trabalho, por eles, recém -iniciado (p. 368;
376-378). E Marcigaglia (1955), afirma que diante de tal situação, até mesmo Dom Lacerda
chegou a se questionar sobre a permanência dos salesianos em sua diocese, mas que foi
tranqüilizado pelo diretor do Colégio de Niterói quando este lhe disse: “foi Dom Bosco quem
nos mandou. uma ordem dele poderia tirar -nos daqui. E tal ordem nunca virá, estou certo.
Sr. Bispo, continuaremos na nossa trincheira e haveremos de venc er, com o auxílio de Deus”(
Idem, p. 24).
Somente a partir de 1884, com a implantação do Liceu de Artes e Ofícios de Niterói
87
,
no Rio de Janeiro e do Liceu Coração de Jesus
88
em 1886, em São Paulo, foi que as críticas
aos salesianos começaram a diminuir. E les rapidamente foram adquirindo prestigio, apoio
popular e até elogios dos grandes jornais
89
do Rio de Janeiro. Mesmo assim, 20 anos depois,
em São Paulo, um segmento dos liberais, publicou um texto em O Estado de São Paulo na
edição de 13/05/1903, contra a presença dos salesianos. O texto, segundo Azzi, pretendia
“esclarecer o povo paulista acerca das intenções dos exploradores da religião chamados
salesianos” (AZZI, 2000, p. 135).
Entretanto, depois de consolidadas as duas primeiras obras, a presença sale siana
expandiu-se rapidamente. Do Rio de Janeiro foi para São Paulo, onde podemos destacar, entre
as fundações de maior expressão, o Liceu Coração de Jesus (Capital, em 1885), o Colégio São
Joaquim de Lorena, (Vale do Paraíba - 1890) e o Liceu Nossa Senhor a Auxiliadora de
Campinas (Oeste Paulista - 1897); De São Paulo para Minas Gerais
90
, em seguida para o sul,
para o nordeste e em 1914 já havia chegado ao norte do país.
87
Em janeiro de 1884, as oficinas de tipografia, enca dernação, alfaiataria, sapataria e marcenaria iniciaram os
trabalhos, com dez alunos, passando para 46 ao término do ano. Apesar de dificuldades e contratempos, os
salesianos procuraram relacionar -se bem com as autoridades civis e religiosas e a obra foi a dquirindo prestígio.
Assim, em 1886, conseguia do Governo seis contos de réis em favor do colégio que se obrigava a receber
doze meninos pobres. A tipografia desenvolveu -se de tal maneira que em 1890 pode assumir o lançamento das
Leituras Católicas em p ortuguês. A matrícula cresceu chegando a triplicar entre 1886 a 1898. Em 1900, sua
escola tipografia foi premiada com Medalha de Ouro e Prêmio de Honra na Exposição Industrial Fluminense.
Um levantamento publicado no Jornal do Com ércio (8 de dezembro) calc ulava, até 1900, terem sido educados
neste instituto, cerca de 4.000 alunos. SANTOS, Manoel Isaú. Educação Salesiana no Brasil Sudeste de 1880 a
1922: Dimensões e Atuações em Diversos Contextos, p. 13-14. Disponível em:
<http//www.histedbr.fae.unicamp.br/ >. Acessado em 4 de maio de 2007.
88
Em 5 de junho de 1885, chegaram os Salesianos chefiados pelo Pe. Lourenço Giordano. Em 1886, iniciaram o
internato (29 de junho) e, no mesmo ano, instalaram as oficinas de encadernação, alfaiataria, sapataria e
carpintaria. Em 1888, conseguiram as máquinas para montar a tipografia, doadas por um padre, proprietário do
jornal católico Thabor. O crescimento do Liceu foi rápido e, em 1889, era um dos maiores de São Paulo,
contando com 200 alunos, em sua maioria pobres (Ide m, p. 14).
89
Na última cada do século XIX, os salesianos recebiam elogios dos grandes jornais do Rio de Janeiro:
Jornal do Brasil (9/12/1891) e Jornal do Comércio (30/09/1896 e 2/12/1897). O Jornal do Comercio (8 de dez
de 1900) considerava a obra sal esiana de Niterói uma "honra ao município" e "um padrão de glórias para o
Estado do Rio”. (Idem, p. 14).
90
Em Minas Gerais, a presença salesiana se iniciou com a fundação das Escolas Dom Bosco de Cachoeira do
Campo em 1896. Consultar: AZZI, Riolando. A obra de Dom Bosco no Brasil: cem anos de história . A
implantação da obra salesiana . 2000, p. 163; 165-175; 182-184.
Em 1919, apenas 36 anos, a contar da chegada dos primeiros 7 salesianos enviados por
Dom Bosco para trabalhar em Niterói, o Brasil já contava com 45 obras salesianas
91
, média de
1,25 obras abertas anuais, um número significativo, visto que a Congregação, no mesmo ano,
contava com um total de 127 casas abertas
92
, espalhadas por vários países.
Atualmente, no Brasil, os salesianos desenvolvem suas atividades por meio de seis
Inspetorias
93
com sedes em Belo Horizonte - MG, Recife - PE, Porto Alegre - RS, São Paulo -
SP, Manaus - AM e Campo Grande MS. Possuem dez universidades e centros universitár ios
(mais de cem cursos), 118 instituições de ensino fundamental e médio, com aproximadamente
noventa mil alunos e quatro mil educadores
94
.
As obras salesianas, no Brasil, se dividem em casas de formação religiosa, paróquias,
retiros, missões entre os indí genas, oratórios festivos e diários, obras sociais, escolas do vel
infantil ao universitário, rádios comunitárias, editora, centros audiovisuais, de vídeo -
comunicação e de documentação e pesquisa.
91
1883 - Niterói (Santa Rosa), 1885 - S. Paulo (Sagrado Coração), 1890 -Lorena (São Joaquim), 1892
Guaratinguetá (FMA), 1894 - Cuiabá, 1894 - Recife (Sagrado Coração), 1895 - Araras, 1895 - Colónia Teresa
Cristina (MT), fechada em 1898, 1895 - Ouro Preto, Capelania fechada em 1911, 1896 - Lorena Or. S. C (Oratório
Sagrado Coração?, obra fechada em 1902, 1896 - Cachoeira do Campo, 1897 - Campinas, 1897-Coxipó da Ponte,
1899 - Corumbá, 1899 - Guaratinguetá, fechada em 1908, 1900 - Guaratinguetá (Capelania do Hospital), fechada
em 1902, 1900 - Liceu Salesiano do Salvador, Bahia, 1900 -
2.2. Salesianos na Amazônia
Orginalmente, os salesianos foram constituídos como uma congregação voltada para a
educação da juventude abandonada dos centros urbanos. Assim, inicialmente, atuavam na
Itália e em outros países e nesta mesma perspectiva começaram suas atividades no sul e
sudeste do Brasil
95
. Mas como, na visão da Igreja, era necessário consolidar os valores da
cultura européia e cristã entre os povos indígenas, considerados ímpios, selvagens e violentos,
Pio IX fez um pedido a Dom Bosco: “é preciso que na América Latina os salesianos se
preocupem em cristianizar os índios” (AZZI apud BRANDÃO, 1986, p. 109).
O pedido do papa a Dom Bosco, provavelmente, fez com que os salesianos traçassem
um projeto indígena-missionário e se preparassem para colocá -lo em prática no Brasil.
Santos (2000) diz que as longas conversas com bispos, religiosos e outras pessoas, no
decorrer da viagem realizada pelo padre Lasagna, em 1882, da Capital do Imrio brasileiro à foz
do Rio Amazonas, além de ter sido uma oportunidade para se observar a situação do país e o marco
histórico da presença salesiana na Amazônia, foi também de enorme utilidade na execução do plano
missionário salesiano.
Talvez pensando na implatação do almejado projeto missionário, pedido do Papa à Dom
Bosco, e de Dom Bosco aos seus salesianos, foi que a o retornar ao Rio de Janeiro, o padre Luís
Lasagna tenha proposto ao governo imperial a criação de um vicariato apostólico na
Amazônia e uma nova diocese em Alagoas. É importante lembrar que o padre Luís Lasagna,
logo no ano seguinte à viagem de 1882, da Capital do Império brasileiro à foz do Rio Amazonas ,
foi encarregado pela Santa de coordenar o trabalho missionário entre os índios do Brasil. “A
tarefa foi-lhe atribuída em 15 de junho de 1883, através de um Consistório romano que o
95
Entre as classes populares, os salesianos se apresentavam ao País, no final do século XIX, como educadores
engajados na promoção da educação popular e da formação profissional através dos oratórios festivos, escolas
agrícolas e dos liceus de artes e ofícios que atuavam na ótica da inserção social da juventude desvalida,
destacando-se os meninos de rua (COSTA, 2004. p.95).
nomeava Bispo dos índios do Brasil (SILVA, s.d, p. 22). Portanto, a ação missionária entre os
índios, conforme esclarece Azzi (2000), interessava diretamente à Congregação Salesiana, por
isso foi considerada prioritária a presença dos salesianos no Mato Grosso
96
, iniciando por
Cuiabá (1894) e Corumbá (1899) ( p. 200-214), de onde partiram para o Amazonas em 1914.
Segundo Santos (2000), Mato Grosso foi escolhido porque apresentava as condições
ideais para o estabelecimento do plano missionário salesiano entre os indígenas. O clima er a
favorável, não havia febre amarela, o solo era fértil e Mato Grosso estava geograficamente no
centro da América do Sul. Seria, portanto, um ponto estratégico para o atendimento
missionário à região norte do país e aos países andinos limítrofes” (p. 202) . Além do mais,
Mato Grosso ficava mais próximo da sede da Província Salesiana Brasileira, fixada no Rio de
Janeiro, do que Belém do Pará, de onde os salesianos pretendiam iniciar o projeto. Por isso,
ter um ponto de apoio em Mato Grosso lhes era de suma i mportância na evangelização da
Amazônia.
Mato Grosso foi escolhido, mas não era a primeira opção para o projeto indígena
missionário salesiano. Isto porque em 1881 Dom Macedo Costa, bispo de Belém do Grão-
Pará, havia solicitado à Santa salesianos par a sua diocese
97
e esta solicitação chegou até
Dom Bosco, que por sua vez, recomendou ao padre Lasagna, então superior da inspetoria
uruguaio-brasileira, que, ao viajar ao Brasil, chegasse até o Norte do país para estudar a
possibilidade de uma fundação sale siana na diocese paraense. Depois de ter concluído a
viagem, do Rio de Janeiro à foz do Amazonas, o padre Lasagna, em uma carta
98
datada de 24
96
Em 1894, o Pe. Balsola deixara a nação platina, transportando -se ao Brasil para dirigir a Colônia Ter esa Cris-
tina, no São Lourenço, Estado de Mato Grosso. Anos depois, penetrando a selva, dis tante 500 kilometros de
Cuiafundara, denominando -a Sagrado Coração, a missão do Barreiro, no país dos Bororós, que até então
só tinham contato com brancos nas so rtidas bélicas que faziam contra as partidas de sertanistas que se
aproximavam de suas malocas. Fora sua primeira vitória, celebrada por quantos compreendiam a sig nificação
do entendimento com os Bororós, que o ouviram e obedeceram em trans portes de docilidade singularmente
impressionantes.( MASSA, 1965, p. 39).
97
Segundo Ceria (1934), o primeiro bispo a solicitar salesianos para a Amazônia, por meio da Santa Sé, foi o
bispo de Belém do Grão-Pará, Dom Macedo Costa, em 18881 (p. 819 -20).
98
Carta do Pe. Lasagna a Dom Bosco, de 24 de Novembro de 1882. Disponível em:
<http://www.donbosco.ro/resurse_ecl/BS/pub/188302.php >. Acessado em 4 de julho de 2007.
de Novembro de 1882, faz um relato a Dom Bosco e nele fala, entre outras coisas, da
necessidade de uma obra salesi ano no Pará:
Já escrevi sobre isso outras vezes, detendo -me de preferência sobre as
missões do Pará, que é a chave dos misteriosos e riquíssimos vales do Amazonas,
povoado por muitas tribos indígenas. lhe demonstrei a conveniência e quase a
necessidade de enviar logo para aquela região um grupo de missionários
(BOLLETTINO SALESIANO, Anno VII, n. 2, febbraio de 1883). Disponível em
<http://www.donbosco.ro/resurse_ecl/BS/pub/188302.php >. Acessado em 4 de julho
de 2007.
Em julho de 1882, Dom Macedo Costa escreve novamente à Santa Sé. Agradece pela
intercessão sobre o envio de missionários à sua diocese e suplica ao Papa que:
[...] dirija uma palavra a Dom Bosco para que se decida a fu ndar um Instituto
Salesiano nesta diocese. Eu sei que para esse padre um desejo do Santo Padre é lei.
Reconheço-me indigno de merecer esta graça, mas peço -a em nome de milhares de
pobres e de uma multidão de almas que querem ser instruídas e salvas ( CERIA,
1934, p. 820).
Segundo Ceria (1934), a carta de Dom Macedo foi repassada a Dom Bosco com a
exortação de que, na medida do possível, ele atendesse ao pedido do mesmo: “julgo supérfluo
acrescentar que o Santo Padre veria com muita satisfação que o senhor correspondesse plena e
solicitamente aos votos expressos pelo zeloso Dom Macedo Costa” (p. 626 -7).
Ceria (1959), diz também, que o pedido da Santa fez com que Dom Bosco
escrevesse ao seu Procurador em Roma, o então padre Francesco Dalmazzo, para que o
mesmo comunicasse à Cúria Romana que as duas casas de missão no Brasil, nas dioceses do
Pará e do Rio de Janeiro, estavam aprovadas definitivamente em conformidade com a vontade
do Santo Padre
99
(p. 172).
99
Ceria (1934), conta que poucos dias depois, Dom Bosco recebeu a informação de que o Papa ficara satisfeito
em saber sobre as fundações em andamento no Brasil: Sua Santidade sentiu com muito prazer o interesse de V.
S. em preparar uma colônia agr ícola no Pará e descobrir vocações para o estado eclesiástico (p. 626 -7).
Entretanto, apesar do desejo de Dom Macedo e da solic itação da Santa Sé, a vinda dos
salesianos para o Pará foi adiada
100
. O primeiro motivo do adiamento foi a distância
101
, tanto
de Montevidéu, onde ficava a sede da Inspetoria uruguaio -brasileira, quanto do Rio de
Janeiro, onde estava sendo implantada a sede da Província Salesiana Brasileira. O segundo
motivo foi a falta de pessoal
102
e o terceiro, afirma Belza (1970), foi porque Dom Macedo
tinha um modo de agir muito pessoal. Ele não se dera bem anteriormente com os jesuítas e
agora, mesmo disposto a custear todas as despesas para trazer os salesianos para sua diocese,
não iria aceitar a independência da direção da obra (p. 245). “Estes motivos foram
determinantes na decisão de Lasagna em adiar a fundação salesiana no Pará”(COSTA, 2004,
p. 102).
Costa (2004), diz que “tal como fizera seu predecessor, D. Antônio de Castilho
Brandão, sucessor de D. Macedo, solicitou em 1896 ao padre Lourenço Giordano, a presença
salesiana na diocese paraense” (p. 102). Diz também que “no relatório da visita, o padre
Giordano descreve, em 1897, com evidente imprecisão geográfica, suas impressões aos
superiores em Turim” (Idem, ibidem), fato confirmado por Massa: “Senhor Dom Rua, o
Amazonas merece a atenção dos filhos de Dom Bosco, pois ele mesmo os prometeu àquele
sábio e eminente bispo e espera que Dom Rua cumprirá (sc) a promessa paterna” (MASSA,
1965, p. 221). Mas, assim como acontecera anteriormente, os salesianos se negam outra vez a
assumir tal compromisso.
Silva (1966) esclarece que, em 1904, Dom Francisco do Rego Maia, sucessor de Dom
Brandão na diocese paraense, também solicitou a presença dos salesianos para o Pará e que o
100
A presença salesiana no Pará só vai acontecer 47 anos depois (1929).
101
Em carta de 24 de novembro de 1882, Pe. Lasagna informa que os salesianos de Montevidéu estão “distantes
milhares e milhares e léguas daquelas regiões quatoriais [...] daquelas longínquas praias [...]
BOLLETTINO SALESIANO, Anno VII, n. 2, febbraio de 1883). Disponível em
<http://www.donbosco.ro/resurse_ecl/BS/pub/188302.php >. Acessado em 4 de julho de 2007.
102
Na mesma carta de 24 de novembro de 1882, Lasagna diz que ele e seus companheiros suplicam a Deus para
que socorra Dom Bosco e suscite missionários que ajudem a sustentar as obras de caridade e de evangelização
( Idem, ibidem).
padre Giordano, agora inspetor da recém criada inspetoria de São Luís, foi até Belém para se
entender com ele; entretanto, as negociações, novamente, não fr utificaram (p. 95-6).
Costa explica que:
A parcimônia dos trâmites denotava os diversos interesses e as diferentes
estratégias para o controle do território. O Estado brasileiro priorizava a garantia da
soberania nacional; a Santa o envio das ordens m issionárias; as dioceses a aliança
com os setores econômicos e a política local e as ordens religiosas buscavam um
território para realizarem um determinado trabalho -fim. Os interesses se chocavam e
as negociações se arrastavam por tempos (COSTA, 2004, p. 103).
Com tantos entraves no Pará o Amazonas passou a ser favorecido. A região do Rio
Negro, propícia ao trabalho missionário
103
e com uma vasta extensão de fronteira, a quem os
interesses do governo se voltavam com maior empenho, favoreceu as negociações e ntre
estado e igreja; negociações que começaram com uma solicitação de Dom Frederico da Costa
Aguiar
104
, bispo do Amazonas, ao papa Pio X e se concretizaram com a criação da Prefeitura
Apostólica do Rio Negro
105
, em 1910, pela Santa Sé.
Com a criação da Pref eitura Apostólica do Rio Negro as portas se abriam para as
Congregações e quatro anos depois, coube à congregação salesiana, pelo Decreto da Sagrada
Congregação da Propaganda Fidei de 18 de junho de 1914, cuidar do novo e vasto
empreendimento, ou seja, cui dar das Missões do Rio Negro.
103
A Igreja na Amazônia refletia o que se passava no restante do Brasil: a retomada missionária, a reorganização
de suas estruturas e a presença, em grande escala, de ordens e congregações religiosas que ocuparam os
espaços dos antigos missionários, abrindo novas perspectivas para a ação evangelizadora ( MATA, 1992, p.
343-4).
104
Massa (1965), explica que Dom Frederico Costa, Bispo do A mazonas, fez esta solicitação ao papa Pio X após
ter percorrido, em 1908, o Rio Negro, desde sua foz até Uaupés, e ter presenciado o grau de abandono e de
“primitividade” em que os habitantes da região se encontravam. No decorrer da viagem ele realizou 378
casamentos, l.507 batizados, mais de mil crismas e outro tanto de comunhões, dirigindo -se a Roma, solicitou a
Pio X a sua bondosa interferência para a evangelização daquele pedaço da Pátria brasileira e consultou, em
Turim, a Ordem Salesiana, na tentativa de trazê-los para sua diocese ( p. 37).
105
A Santa Sé, no tempo do Papa Pio X, criou -a em 10 de outubro de 1910, através de um Decreto da Sagrada
Congregação da Propaganda Fidei. O Papa insistiu para que P. Paulo Álbera, Reitor Mor dos Salesianos, a
aceitasse, o que aconteceu em 18 de junho de 1914 ( SILVA, s.d, p. 6).
No ano seguinte o padre João lzola, na condição de Visitador Apostólico, fez a
primeira viagem de reconhecimento da nova região missionária
106
. Saiu de Cuiabá em janeiro
de 1915, juntamente com o padre José Solari e o Irmão Jo Canuto. No dia 19 de abril
chegou a Manaus e de prosseguiu para São Gabriel da Cachoeira, destino principal da
viagem, aonde chegou em 21 de maio do mesmo ano, dando início aos trabalhos salesianos no
Norte do Brasil, ou mais especificamente, nas mis sões do Rio Negro, conforme relata o padre
Bálzola: “Nós chegamos sem novidade a 21 de maio, no tríduo de Maria Auxiliadora,
quando toda a gente do sítio se estava preparando para as festas do Espírito Santo que se
costumam celebrar com toda a solenidad e possível” (BOLETIM SALESIANO, ano XV, vol.
7, n.3, mai-jun, 1916, p. 74).
Em seguida, o padre João Bálzola visitou os principais pontos da missão
107
, chegando
até o forte de Cucuy, na fronteira entre Brasil e Venezuela, conforme descreve Silva:
Ao se instalar em S. Gabriel da Cachoeira, Pe. João lzola iniciou de
imediato (25 de maio de 1915) uma visita às aldeias e aos poucos civilizados da
região. No dia 30 alcança o forte de Cucuhy (cerca de 80 km de S. Gabriel), limite
no extremo Norte com a Colômbia e a Venezuela. O missionário foi muito bem
acolhido pelo Comandante do destacamento local, Sargento Tobias de Souza
Reboredo (assumira interinamente o Comando no lugar do Tenente Aprígio), esposa
e soldados. A mesma acolhida tinha acontecido em S. Gabriel por parte do Cel.
Joaquim de Aguiar e demais autoridades locais. Na manhã seguinte, a sala de armas
do forte foi desocupada e virou Capela. Foi, então, celebrada a primeira Missa
daqueles cafundós verdes, assistida pêlos militares, famílias vizinhas e indí genas das
três fronteiras. No pequeno altar uma imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, a
quem no último dia 24 passado tinha sido consagrada a Prefeitura Apostólica. Pe.
Bálzola retorna a S. Gabriel em 16 de junho de 1915 ( SILVA, s.d, p. 6).
Após concluir a viagem pelo Rio Negro, o padre lzola voltou para Manaus e, em
seguida, viajou para a Europa onde fez várias conferências em favor das missões no Brasil.
106
Pe. João Bálzola partira da Colônia indígena de S. José do Sangradouro, em Mato Grosso, aos 26 de
novembro de 1914. Cuiabá era sua primeira parada em busca do Setentrião amazônico. Em seg uida Corumbá
e Porto Esperança, onde a estrada de ferro, inaugurada poucos dias, o levou ao Rio de Janeiro, após seis
dias de aventuras, inclusive dormindo ao lado dos trilhos e do trem em pane. Em S. Paulo (Lorena) encontra -
se com Pe. Rota e em Aracaju com Pe. L. Giordano, que desconhecia ser o próximo Prefeito Apostólico do
Rio Negro. Em Pernambuco j untaram -se dois outros companheiros, Pe. José Solari e o Coadjutor José
Canuto. O salesiano J. Batista Zanella cedido pelo Pe. Rota em Lorena, por motivos de saúde não pode
continuar, permanecendo em Recife ( SILVA, s.d, p. 6).
107
Na época a população era formada por alguns portugueses e brasileiros que s e dedicavam ao comércio e à
extração da borracha. Os demais eram índios civilizados ou semi -civilizados.
Em maio de 1916 o padre Lourenço Giordano foi nomeado e, em seguida, eleito
Prefeito Apostólico do Alto Rio Negro
108
. Imediatamente ele partiu de Recife rumo à missão
de São Gabriel da Cachoeira; missão onde funcionaria, também, a sede da Prefeitura
Apostólica
109
. Junto com ele estavam cinco salesianos, entre os quais o padre Bálzola,
nomeado diretor da mi ssão.
Quatro anos após a fundação da missão de São Gabriel da Cachoeira, 1919, o padre
Giordano faleceu e foi substituído pelo padre Pedro Massa
110
.
É importante salientar que os primeiros salesianos enfrentaram muitas dificuldades na
Amazônia. Eles impuser am um ritmo acelerado no processo de fundação das novas obras. No
início da década de 50 eles contavam com seis residências missionárias
111
no Rio Negro,
além da de São Gabriel da Cachoeira. O território da Prefeitura era imenso e obras como
Barcelos e Santa Izabel, por exemplo, eram visitadas uma vez por ano para realizar as
desobrigas
112
. E como se não bastasse, em de maio de 1925 a Prefeitura Apostólica do Rio
Negro foi elevada à categoria de Prelazia Apostólica e em 25 de julho, do mesmo ano,
Monsenhor Massa foi nomeado Administrador Apostólico da Prelazia de Porto Velho
113
,
também criada em 1º de maio de 1925, pela bula Inter Nostri Pastoralis. No governo das duas
prelazias os salesianos começaram, concomitantemente às obras do Rio Negro, uma segunda
108
Segundo Silva, a eleição para prefeito apostólico aconteceu em primeiro de agosto de 1916 e a sede seria São
Gabriel da Cachoeira ( SILVA, s.d, p.7).
109
Monsenhor Giordano enfrentou sérios obstáculos. A vida ali era muito difícil, faltava tudo. Além das enormes
distâncias e as viagens perigosas através dos rios e selvas, havia o problema das enfermidades tropicais, como
a malária. Não obstante o novo Prelado empreendeu diversas e longas visitas para conhecer diretamente e
fazer amizade com os índios e civilizados da Prefeitura (SILVA, s.d, p.7).
110
Durante o ano de 1920, o padre Bálzola foi Prefeito Apostólico interino do Rio Negro (SILVA, s.d, p.8).
111
Barcelos (1924) e Santa Izabel (1947), no rio Negro; Taracuá (1923) e Yauaretê (1929), no rio Uaup és; Pari
Cachoeira (1940) no rio Tiquié, afluente do Uaupés; e Assunção (1953) no rio Içana.
112
Visitas às populações mais distantes para administração da catequese e dos sacramentos (confissão, missa,
batismo, casamentos e unção dos enfermos). Uma tipologi a sacramentalista de desobriga encontra -se em
BALDISEROTTO, Paulo. Rio de água viva. Cartas de Pe. Antonio Scolaro para a missão e testemunho,
2000, p. 70-72.
113
A Prelazia Apostólica do Rio Negro e a de Porto Velho foram criadas em de maio de 1925, pela bula Inter
Nostri Pastoralis (HUGO, 1991, p.306); A Santa pelas Bulias Pontificais Christianae Religionis, de SS.
Pio XI, datadas de de Maio de 1925, elevava a Prefeitura do Rio Negro à categoria de Prelazia Apostóli ca e
criava a Prelazia de Porto Velho, que confiava à família de D. Bosco. As obri gações cresciam, consequência
dos frutos admiráveis que estavam aos olhos de todo mundo( MASSA, 1965, p. 40)
frente missionária na Amazônia, as obras do Colégio Dom Bosco de Porto Velho (1927), de
Humaitá (Amazonas, 1928), de São Carlos do Jamari (1943), da Vila Rondônia (atual Ji -
Paraná, 1954) e do Areal (Porto Velho, 1959)
114
.
Paralela às primeiras fundações na região missionária dos rios Negro e Madeira, os
salesianos tinham ainda uma terceira frente missionária com as primeiras fundações em
território paraense, conforme registrou, em 1929, o padre Ângelo Cerri, em seus escritos:
4 da tarde do memorável 2 de j unho [...] em uma das mais abandonadas praças de
Belém, um humilde salesiano, o primeiro e único de que podiam dispor os
Superiores para cumprir a promessa do amado Pai, foi ter com uns rapazotes e
moleques que brincavam na rua [...] Com boas palavras trav ou conversa com eles,
terminando por convidá -los a entrar na abandonada capelinha, sita num canto da
praça [...] Estava começado o novo Oratório Festivo [...] uma pequena aula de
catecismo e jogos inocentes (BOLETIM SALESIANO. Órgão dos Cooperadores
Salesianos. Ano XXVII, n. 2, mar -abr, 1930, p. 45-6).
Esta primeira fundação salesiana no Pará, a partir de 1932, passou a denominar -se
Colégio Salesiano Nossa Senhora do Carmo. Posteriormente foram fundadas a Escola
Agrícola Dom Lasagna, também conhecida como Casa do Filho do Seringueiro em
Ananindeua (Pará, 1946), a Escola Salesiana do Trabalho (Belém, 1958) e a República do
Pequeno Vendedor (posteriormente Movimento Emaús, 1971).
Os salesianos, uma vez estabelecidos nas missões do Rio Negro (1915) e do Rio
Madeira, precisaram implantar uma quarta frente de obras missionárias na Amazônia, ou mais
exatamente em Manaus, no Amazonas, para lhes servir de apoio e de contato, facilitando a
comunicação com as prelazias de São Gabriel e de Porto Velho. Esta nova frente de obras
começou com a fundação do Colégio Dom Bosco de Manaus em 1921.
A necessidade de uma obra em Manaus parecia ser de suma importância aos
salesianos. O padre Balzola, escrevendo aos superiores da congregação, em Turim, dizia:
114
Além das obras mencionadas, todas abertas até à década de 50, os salesianos abriram, posterio rmente, em
Rondônia, as obras de Abu(1964), de Calama (1967), Vilhena (1970), de Ariquemes (1981) e uma casa de
formação para noviços (Candeias, 1987). E no Rio Negro as obras de Maturacá (São Gabriel da Cachoeira -
AM, 1956), de Marauiá (Santa Isabel do Rio Negro, Amazonas, 1961), de Manicoré (Amazonas, 1963) e de
Auxiliadora do Uruapiara (Amazonas, 1968).
Sou do parecer [...], que deveríamos estar dispostos a qualquer sacrifício,
contanto que os salesianos levantem aqui uma residência. Além do bem que se
poderia fazer, seria útil também para nós, para tomar um pouco de repouso sico e
moral, depois de longas excursões [...]. Uma casa em Manaus seria também
necessária para toda a correspondência e negócios da Prefeitura (D’AVERSA, 1996,
p. 14).
O padre Pedro Rota, provincial da Inspetoria do Sul e do Norte do Brasil, ao passar
por Manaus em visita às missões, também escreveu para Turim aconselhando a fundação de
uma obra salesiana em Manaus
115
:“Sendo Manaus a chave e a porta das nossas Missões, acho
que esta é a fundação mais urgente do Brasil. Pode -se abrir um ou mais oratórios, mais tarde
um pequeno externato e, depois [...] o que Deus quiser” (Idem, ibidem).
Outras três fundações importantes dos salesianos em Manaus foram: a Escola
Industrial Salesiana Domingos Sávio (1954), uma escola de ensino fundamental e profissional
que funcionou durante três décadas e encerrou suas atividad es escolares no ano de 1984
116
; o
Pró-menor Dom Bosco, uma obra voltada para o ensino profissionalizante, inaugurada no
final da década de 80 do século XX e o Centro Vocacional João Paulo II, inaugurado em
1983
117
, ano da comemoração do centenário da chegada d os salesianos no Brasil (1883 -
1983)
118
.
115
A partir de julho de 1921, nas instalações do antigo prédio episcopal começaram a funcionar as primeiras
séries do Curso Primário e no terreno ao la do, um pequeno Oratório festivo. Somente no ano de 1927,
iniciou-se a construção do antigo prédio do Colégio Dom Bosco que passou a ser a primeira fundação
salesiana em Manaus sob a direção dos padres João Pedro Ghislandi, Estélio Dalizon e Agostinho Caba llero
Martin. Posteriormente à nova construção, iniciou -se o Curso Ginasial que atendia, nos turnos matutino e
vespertino, os filhos da classe média da cidade e, no noturno, os filhos dos operários, gratuitamente. Em 1940,
iniciaram os Cursos Científico e Técnico em Contabilidade, que formaram inúmeros profissionais ao longo
dos vários anos de funcionamento. Uma nova etapa da história do Colégio Dom Bosco teve início no ano de
1971 com a matrícula das primeiras alunas. Na mesma época, abriu -se o Pré-Escolar. Com o aumento
considerável de alunos, iniciou -se a construção de um novo prédio escolar, inaugurado em agosto de 1976. O
prédio antigo também entrou em reforma e foi reativado com novos ambientes escolares no ano de 1985. Para
melhor atender os membros d a comunidade escolar, o Colégio procurou proporcionar ambientes modernos e
equipados, entre os quais o complexo esportivo -cultural inaugurado no decorrer do ano de 1998. O 80º ano de
existência do Colégio Dom Bosco em Manaus foi festejado no ano de 2001 (B reve histórico do Colégio Dom
Bosco de Manaus - Agenda Escolar, 2001, p. 3 -5).
116
Hoje, funciona nesta obra a sede da Inspetoria Salesiana Missionária da Amazônia ISMA.
117
A data da ereção canônica desta obra é 1982, segundo dados estatísticos da Inspetori a, em 2007.
118
A partir de 1979, no antigo Aleixo, hoje o José, um dos bairros que forma a atual zona leste da cidade de
Manaus, formou-se uma comunidade com jovens candidatos à vida religiosa (casa de formação, ou
seminário). Esta comunidade foi inaugura da por ocasião do centenário da chegada dos salesianos no Brasil
(1883-1983), e denominada Centro Vocacional João Paulo II. Hoje ela funciona como escola de segundo grau
para alunos da 1ª série do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio.
É importante esclarecer que a1958 as obras salesianas de Rondônia, do Pará e do
Amazonas pertenciam juridicamente à inspetoria São Luiz do Norte do Brasil com sede em
Recife. Somente a partir de 05 de dezembro de 19 58, os salesianos que trabalhavam no Norte
do Brasil foram constituídos como província religiosa autônoma denominada Inspetoria
Salesiana Missionária da Amazônia (ISMA)
119
“São Domingos Sávio”.
Depois dos anos 80 do século XX, quando as prelazias de Ji -Paraná e Porto Velho
(Rondônia) e de São Gabriel da Cachoeira (Amazonas) passaram a ser dioceses, os novos
bispos incentivaram e favoreceram a vinda de padres seculares de outras regiões do país e
religiosos de outras congregações para as referidas dioceses, qu ebrando o domínio da
presença salesiana na Amazônia. Após a década de 1980, os salesianos se retiraram de várias
paróquias e fecharam, em definitivo, algumas de suas obras
120
.
Hoje, os salesianos da Inspetoria Missionária da Amazônia são em número de 107
121
e
mesmo com o fechamento de algumas obras, ainda possuem 15 casas na Região Norte. Duas
casas na área do Pará: o Colégio Nossa Senhora do Carmo, em Ananindeua e a Escola
Salesiana do Trabalho, em Sacramenta. Cinco casas na área de Manaus: o Colégio Salesiano
Dom Bosco Leste, no Aleixo; o Pró -Menor Dom Bosco, no Alvorada; a Casa Inspetorial, no
centro da cidade; o Centro Salesiano de Formação - CESAF, no Zumbi e o Colégio Dom
Bosco, também no centro da cidade. Cinco casas nas áreas de Rondônia e Madeira: O C entro
do Menor em Humaitá, no Rio Madeira; a Comunidade Salesiana de Manicoré, em Manicoré;
119
Juridicamente a ISMA é uma instituição filantrópica, beneficente, de assistência social e de utilidade pública
federal (Elenco da Inspetoria, ano de 2007, p. 9).
120
Nos anos 80, os salesianos retiraram -se da direção de diversas paróquias, dentre as quais podemos sitar :
Vilhena (1980), São Carlos do Jamari (1983), Calama (1986), Ariquemes (1988) e Abunã (1994), em
Rondônia. No Estado do Amazonas: Cucuí (1983), Humaitá (1988), Barcelos (1990), São Gabriel da
Cachoeira (1996) e Pari Cachoeira (1998). ISMA. Relatório do inspetor sobre a situação da inspetoria .
1998, p. 06. Atualmente, além de paróquias, os salesianos também fecharam várias de suas casas, dentre elas,
a de Barcelos.
121
A Inspetoria conta com 107 salesianos, sendo que 6 deles encontram -se fora da Inspetoria. Dos 101 salesianos
que estão na Inpetoria, 57 são padres, 15 são coadjutores, ou irmãos, 11 deles com votos perpétuos e 4 com
votos temporários. 33 estão em formação: 12 no tirocínio, 8 cursando teologia e 13 no pós -noviciado (Elenco
da Inspetoria, ano de 2007 p. 105). Obs. No elenco o total de salesianos é 113 e o 107 conforme a nota
acima, todavia 6 dentre eles são bispos e não deveriam ser relacionados como membros da Inspetoria.
a Paróquia São José, em Ji -Paraná (RO), o Colégio Dom Bosco e a Paróquia Nossa Senhora
de Fátima, ambos em Porto Velho. Três casas na área do Rio Negro: a Missão Sa lesiana de
Iauareté, no alto Rio Uaupés; a Casa Residencial de São Gabriel, em São Gabriel da
Cachoeira; a Missão Salesiana de Maturacá e a Missão Salesiana de Santa Isabel, no Rio
Negro.
É mister salientar que a vinda dos salesianos para a Amazônia, a cri ação da Prefeitura
Apostólica do Rio Negro e a criação das Prelazias no norte do país se inserem na lógica da
retomada do processo evangelizador da Igreja Romana, no Brasil
122
. Nesta dinâmica a
estratégia de organização eclesiástica na Amazônia estava subord inada à administração de
Roma e, segundo Hoornaert (1992), tinha por objetivo dois propósitos: resolver uma questão
típica de “terra de missão”, ou seja, a falta de clero e de infra -estrutura em termos de finanças,
prédios, igrejas e a intenção de superar de vez a tradição do padroado e da lusitanização do
sistema eclesiástico na Amazônia (p. 395 -6). Ainda a este respeito, Mata (1992), esclarece
que a criação de novas prelazias assinalou o reavivamento do elã missionário, a reorganização
das antigas ordens e o nascimento de novas congregações, mas ao mesmo tempo contribuiu
para a dispersão dos religiosos estrangeiros, provocada pelo anticatolicismo europeu, a
exemplo do que ocorrera na França (p. 354) e Costa (2004) afirma que a presença de novas
Ordens Religiosas na Amazônia, no alvorecer do século XX, orientava -se por objetivos bem
definidos e
a mudança de Prefeitura para Prelazia Apostólica demonstrava que a organização
missionária visava, ao mesmo tempo, organizar fisicamente as instalações dos
prédios da missão no núcleo urbano ou nas aldeias e visitar as comunidades mais
distantes, chamadas de viagens de itinerâncias, a fim de conhecer o espaço físico e
as populações que habitavam estes territórios (p. 112).
122
A Igreja católica estabeleceu uma política de propagação da sua doutr ina, dirigindo seus esforços,
principalmente, para as populações pobres da América, África e Oceania, onde promoveu grandes investidas
de evangelização, ações civilizatórias e trabalhos pastorais, destinadas a ampliar seu quadro de adeptos no
mundo (WEIGEL, 2000, p. 111).
Portanto, a criação de Prelazias, da Prefei tura Apostólica do Rio Negro e
consequentemente a vinda dos salesianos para a Amazônia não aconteceram, apenas, por
força da política eclesiástica da Santa Sé. O Estado Brasileiro, sobremaneira, para manter e
ampliar suas fronteiras tinha grande interesse numa aliança com a Igreja.
Sabe-se que na política indígena e religiosa da colônia e sobretudo do Império, o envio
de missionários para a Amazônia
123
estava relacionado com a questão dos limites
internacionais do país e que estas questões foram reabertas nos primeiros anos da República
em relação às Guianas com a Inglaterra, ao Amapá com a França e ao Acre com a Bolívia.
E o Estado Brasileiro, agora, apesar de ser laico, em se tratando da proteção de suas
zonas fronteiriças, continuava considerando a igreja como uma forte aliada
124
. A este respeito,
afirma Costa, citando Hauck (1992):
cumpria, pois, ocupar de algum modo àquelas terras. Chegou -se à conclusão de que
a ocupação menos onerosa seria finalmente a reabertura da Amazônia às missões
religiosas. Os índios aldeados e iniciados, ainda que por frades estrangeiros, nos
rudimentos da língua portuguesa seriam a prova mais convincente da efetiva posse
brasileira sobre as imensidões da Amazônia [....] Pois queria que os índios, a serem
aldeados pelos missionário s, garantissem as zonas fronteiriças contra o perigo da
invasão e anexação dos povos vizinhos (COSTA, 2004 p. 98).
E Weigel diz que
123
Sobre a atividade missionária, Eduardo Hoornaert observa que, desde os primeiros séculos, a evangelização
no Brasil foi caracterizada por ciclos missionários que acompanhavam os diversos estágios da colonização
portuguesa (HOORNAERT, 199 2, p. 42-100). E Para Possidônio da Mata, a situação da Igreja na Amazônia
em fins do século XIX e inícios do século XX é marcada pela tentativa de reativação do processo
evangelizador, interrompido pelas leis imperiais do século XIX, com a criação de nova s dioceses, prelazias,
fazendo chegar a à Região novos religiosos e religiosas (MATA, Possidônio da. A Igreja católica na
Amazônia da atualidade. HOORNAERT, Eduardo (coord). História da Igreja na Amazônia
a ação missionária foi fundamental para assegurar o domínio do território e
ampliação das fronteiras nacionais, implan tando povoados, convencendo os
indígenas a virem habitá -los e desenvolvendo atividades produtivas tal como
aconteceu nas atuais cidades de Barcelos, o Gabriel, Tomar, Carvoeiro, Moreira e
Santa Izabel, antigas aldeias missionárias ao longo do rio Negro. Ninguém melhor
do que os missionários para ocupar a região do Alto Rio Negro e, com suas ações,
contrabalançar as ações dos comerciantes, nem sempre muito patrióticos, e assegurar
a permanência dos indígenas que sempre emigraram do país, fugindo das
perseguições, ou buscando vida melhor (WEIGEL, 2000, p. 109).
O contexto histórico da trajetória dos missionários na Amazônia, mostra em várias
passagens, a colaboração entre a Igreja e o Estado. Costa (2001), por exemplo, identifica a
colaboração do Estado par a com a Igreja, ou mais especificamente, para com as missões
religiosas em relação à civilização, à imigração e à colonização dos índios, em dois dos
dispositivos da Constituição do Estado do Amazonas de 1935:
Um dos dispositivos da Constituição do Estad o do Amazonas de 1935
atribuiu ao Governador do Estado o desenvolvimento do ‘trabalho de civilização de
índios, imigração e colonização’, na possibilidade, relativamente ao primeiro, de
‘utilizar os serviços das missões religiosas’ (29, art. 65). O outro, no título da
educação, o Estado promoverá a criação de escolas primárias e normais rurais,
podendo quanto a estas entrar em ajuste com as missões religiosas do interior’ (art.
152), (COSTA, 2001, p. 229).
Outro exemplo de colaboração e apoio do governo b rasileiro para com as missões, e
desta vez para com as missões salesianas do Alto Rio Negro, está nas palavras de Dom Guido
Bora, do Capítulo Superior da Congregação:
As fronteiras não seriam melhor defendidas por um exército do que o fazem
os missionários, integrando nas leis nacionais os índios, cuja pátria já foi, um tempo,
a floresta. Por isso o governo do Brasil sempre foi generoso em auxílios para
sustentar as missões, e a Congregação lhe é grata por tantos favores (MASSA, 1965,
p. 9).
Logo, tanto para a Igreja, impulsionada, naquele momento, pelas idéias propugnadas,
em 1893, pelo Papa Leão XIII
125
, na encíclica Rerum Novarum, quanto para o Estado
Brasileiro, preocupado com suas zonas fronteiriças, a vinda de missionários para a Amazônia,
entre eles os salesianos, foi de suma importância. Politicamente, ambos saíram ganhando.
125
A Igreja Católica, orientada pela genialidade de Leão XIII, promovia então uma ofensiva para expansão da fé,
semeadura da verdade divina e civilização dos primitivos que se contavam por alguns milhões de almas
espalhadas pela América, África e Oceania. As congregações religiosas, num movi mento renascentista,
atiravam-se aos cometimentos catequistas, numa cruzada que revelava heróis e santos e traria, à fraternidade
entre os homens, rendimentos muito mais sensíveis que os das conferências internacionais e os dos acordos
políticos para afixação da paz no mundo (REIS apud WEIGEL, 2000, p. 111).
CAPÍTULO III
3. INTERNATO SALESIANO DE BARCELOS
Neste capítulo falaremos sobre o contexto histórico -político-
O município de Barcelo s
126
, com uma área total de 122.476 K m
2
, é o maior município
do Amazonas. Ele faz parte da imensa região amazônica, cuja história está ligada aos
primeiros passos das conquistas européias; conquistas que começaram com os espanhóis,
conforme comenta o jornali sta e escritor Fernando Collyer: a conquista da região começou
em janeiro de 1500, antes mesmo de Cabral ter ancorado em terras brasileiras” (COLLYER,
2002, p. 21), ou como descreve Ugarte:
A região amazônica foi tocada pela primeira vez por europeus em fevereiro
de 1500. Comandava a expedição o espanhol Vicente Yañez Pinzón
127
, cujas
caravelas singravam vinte léguas do futuro rio Amazonas. Tal qual um Adão
geógrafo, Pinzón - eivado de religiosidade cristã e admiração ante o fenômeno
observado - estabeleceu uma curiosa analogia entre a “doçura” da Virgem Maria e o
volume de águas doces que avançava no mar, batizando o rio com o nome de Santa
Maria de la Mar Dulce . (UGARTE, 2003, p.5).
Logo depois de Pinzón, em fevereiro de 1500, uma segunda expedição espanh ola
128
,
comandada por Diego de Lepe, foi enviada à Amazônia. Esta expedição chegou
126
O Município de Barcelos limita-se: Com o Estado de Roraima, começando na interseção da Serra do Parima
com o paralelo da nascente principal do rio Catrimani; este paralelo, para leste, até alcançar s ua interseção
com o divisor de águas rios Caírimani Demini, este divisor para sudeste, até alcançar as cabeceiras do rio
Jutari; este rio até alcançar sua confluência com a margem esquerda do rio Negro; este rio, por sua linha
mediana, descendo, até alcanç ar a foz do rio Jauaperi. Com o Município de Novo Airão: começa no rio
Negro, na foz do Jauaperi, o rio Negro por sua linha mediana, descendo até alcançar a foz com o rio Jaú na
margem direita do rio Negro; o rio Jaú por sua linha mediana, íindo até alcanç ar a confluência do igarapé
Pauini, este igarapé por sua linha mediana, até suas cabeceiras; das cabeceiras do igarapé Pauini, no sentido
oeste, pelo divisor de águas rios Pauní -Jaú, até alcançar a interseção dos divisores de águas rios Jaú -Piorini-
Pauini. Com o Município de Codaiás: começa na interseção do divisor de águas rios Jaú -Piorini-Pauini, para
noroeste aalcançar as cabeceiras do rio Piorini. Com o Município de Maraã: começa nas cabeceiras do rio
Piorini, pelo divisor de águas lago Havana no rio Preto, depois rio Urumutum igarapé Água Preta,
Urumutum-Cuiní, até alcançar as cabeceiras do igarapé Catuá. Com o Município de Santa Isabel do Rio
Negro: começa nas cabeceiras do igarapé Catuã, este igarapé, por sua linha mediana, até alcançar sua
confluência com o rio Urubaxi; este rio descendo por sua linha mediana até alcançar sua confluência com a
margem direita do rio Negro, desta confluência, por uma linha, até alcançar a confluência do rio Daraã com a
margem esquerda do rio Negro; o rio Negro, desce ndo por esta margem, até alcançar a confluência do rio
Padauari; este rio, por sua linha mediana, até alcançar a confluência do rio, por sua linha mediana, até
alcançar suas cabeceiras na Serra de Tapirapecó e com a República da VenezueSa: começa nas cabeceiras do
rio Marati, na Serra de Tapirapecó, esta fronteira, até alcançar a interseção da Serra do Parima com o paralelo
da nascente principal do rio Catrimani ( BELTRÃO, 1998, p. 229).
127
A viagem de Pinzón resultou em introduzir aquela região recém -contatada nos planos de conquistas e
colonização que a Coroa espanhola dirigia no novo mundo. Os reis espanhóis nomearam o próprio Pinzón,
como recompensa ao seu feito, capitão e governador das novas terras (UGARTE, 2003, p.5).
128
Esta expedição foi recebida p elos nativos de armas nas mãos, por causa do cativeiro de 36 índios, levados por
Vicente Pinzón"(UGARTE, 2003, p. 6).
“coincidentemente, ao mesmo lugar onde estivera a expedição anterior” (UGARTE, 2003, p.
6).
A Espanha enviou ainda uma terceira expedição à Amazônia a de Francisco
Horellana
129
. A expedição de Horellana saiu de Quito, em dezembro de 1541, percorreu todo
o rio Amazonas e chegou ao Oceano Atlântico em 24 de agosto de 1542, depois de nove
meses de viagem.
Uma outra expedição, intitulada Jornada de Omágua e Eldorado, também percorre u a
Amazônia, ainda no século XVI, 18 anos após a expedição de Horellana. “Ao longo do rio
Amazonas, a expedição esteve em contato, praticamente, com as mesmas sociedades que, 18
anos antes, recepcionaram amistosa ou belicosamente a expedição de Horellana" . (UGARTE,
2003, p. 22).
Esta expedição foi comandada inicialmente pelo governador Pedro de Ursua e
finalizada por Lopo de Aguirre que cruelmente assassinou Pedro de Ursua e trocou os
objetivos da expedição.
Mergulhada em sangue desde o assassinato do gov ernador Pedro de Ursua
até a saída no Oceano Atlântico, a expedição, a partir do comando de Lopo de
Aguirre, desviou seu objetivo para uma nova conquista, a do vice -rei do Peru, com
suas riquezas em ouro, prata, terras e índios encomendados (UGARTE, 2003, p.26).
Ela saiu do Peru em setembro de 1560 e chegou ao Oceano Atlântico em julho de
1561, percorreu a região de oeste a leste, ou seja, desceu o rio Amazonas.
Depois da desastrosa jornada da expedição de Ursua, os espanhóis abandonaram a
navegação pelos rios da Amazônia e parecem ter desistido de colonizar a região.
129
Em verdade, começava uma epopéia que duraria nove meses, de dezembro de 1541 a agosto de 1542, e seria
a primeira expedição a percorrer todo o rio Amazonas até a foz, no Oceano Atlântico, uma vez que esse
pequeno grupo de espanhóis não teve condições de voltar, por causa da correnteza do rio. Os detalhes da
viagem foram narrados pelo dominicano frei Gaspar de Carvajal, que fez parte desse pequeno grupo
(UGARTE, 2003, p. 10).
Depois dos espanhóis, chegaram à região os ingleses e os holandeses
130
que se fixaram
nas terras do Macapá, assim como no Rio Amazonas e Rio Xingu onde permaneceram por
trinta anos, até serem e xpulsos pelas tropas luso -brasileiras, conforme narra o escritor
Fernando Collyer:
Essa aventura dos ingleses e holandeses, que no futuro poderia assumir
ânimos de permanência, pois apresentava altos interesses de grandes companhias
comerciais de Londres e Amsterdã, ligados a membros da Coroa inglesa e a ricos
comerciantes dos Países Baixos, foi interrompida pela ação dos luso -brasileiros, que
os combateram por longos trinta anos, findando por expulsá -los (COLLYER, 2002,
p.23).
Segundo Collyer (2002), a p assagem de Horellana por Portugal, a caminho da
Espanha, em 1543, despertou nos portugueses o desejo de colonizar a tão rica e sonhada
região. O então rei de Portugal, Dom João III, queria organizar uma expedição e enviá -la à
Amazônia, mas como não dispunh a de pilotos competentes, João de Sande foi enviado à
Espanha para contratá-los. Sua missão, no entanto, fracassou, pois os espanhóis dificultaram
de todas as formas as pretendidas contratações. Consta que a Espanha chegou a detê -lo até a
nova viagem de Horellana, dia 11 de maio de 1545, quando partiu do porto de São Lucas,
com a missão de reverter a rota de sua viagem anterior, isto é, subir o Amazonas aQuito, de
onde havia partido no Natal de 1539. Esta proeza não foi possível, pois, segundo Collyer, “ ele
perdeu-se no labirinto de ilhas, paranás e furos” ( Collyer, 2002, p.35).
Os portugueses, entretanto, não desistiram de seus objetivos e 76 anos, depois da
primeira expedição de Horellana, ordenaram que se fizesse, mais rápido possível, a ocupação
do Amazonas. Essa tarefa foi confiada ao capitão Pedro Teixeira. A expedição, por ele
comandada, imediatamente partiu de Cametá, no Pará, no dia 26 de outubro de 1637, com
130
A parte atlântica da região Amazônica foi invadida pelos ingleses e holandeses mais ou menos por volta de
1600. Isto porque eles não encontraram resistência por parte da Espanha, aos quais as terras pertenciam pelo
tratado de Tordesilhas. Mas, o o encontraram resistência por parte dos espanhóis como também não
encontraram por parte dos portugueses, visto que naquela época eles eram ditos do rei da Espanha, Dom
Felipe III, pois Portugal tinha sido incorporado a esse país depois da morte de Dom Sebastião e do cardeal
Dom Henrique, e só se liberaria do domínio espanhol a partir de 1640.
destino a Quito. Esta foi, sem sombra de dúvida, a mais importante das expedições no
processo de expansão territorial da Amazônia feita pelos portugueses na época. Ela alterou
substancialmente o tratado de Tordesilhas
131
, deslocando seus limites da ilha de Marajó para
as margens do rio Javari, que significou 2.665 K m
2
A criação da capitania foi uma exigên cia da imensidão do território. Os
governantes portugueses tomaram essa providência não por amor à região ou pelo
bem-estar do povo ali residente, mas sim para defendê -la dos holandeses, que
rondavam por aqui em busca de riquezas. A soberania de Portugal d everia ser
garantida, evitando qualquer ameaça à integridade portuguesa na América. Não
havia intenções humanísticas em defesa das populações, incluindo as indígenas. O
Amazonas era rota de aventureiros, criminosos, desertores, que se lançavam em
busca da fortuna. Essas incursões poderiam ser embaraçosas para Portugal no futuro
(COLLYER, 2002, p. 55).
Dentro deste contexto surgiu Barcelos, a primeira sede da Capitania de São José do
Rio Negro, cuja história, por sua riqueza de detalhes e sua importância pa ra o Amazonas,
merece um capítulo a parte, o que não faremos, evidentemente, por não ser um dos objetivos
deste estudo. Outrossim, não podemos deixar de mencionar dois fatos históricos que
marcaram profundamente o destino de Barcelos.
O primeiro deles acon teceu em 1791 quando Manoel da Gama Lobo D‘Almada,
governador da Capitania, resolveu, por decisão própria, transferir a sede da referida capitania,
Barcelos, para o Lugar da Barra
136
.
A este respeito, esclarece Collyer:
A grande verdade é que a região do A mazonas viveu por mais de cem anos
no marasmo econômico e social. A população alimentava -se de caça e pesca e de
produtos naturais ensinados pelos índios. o havia escolas por desinteresse dos
governantes e também por falta de professores. Os poucos que s e aventuraram em
vir para cá, logo regressavam a Belém, capital da Província, que, por essa condição,
e por sua proximidade com o oceano dispunha de melhor estrutura. A região era
insalubre. Os brancos ficavam expostos a doenças e muitos morreram no exercí cio
de suas funções. Barcelos chegou a possuir uma escola, mas o professor, mandado
de Belém, em 1787, logo retornou. Por todas essas condições de pobreza e atraso e
mais pela equivocada localização na sede, foi que Lobo D‘Almada, ao assumir o
governo, em fevereiro de 1788, tratou de transferi -la para o Lugar da Barra, em
1791, onde permaneceu até 1799. (COLLYER, 2002, p. 57).
Além do mais Barcelos ficava muito longe, no médio Rio Negro, distante dos rios
Madeira e Amazonas, exatamente por onde se desenvol via a navegação e o comércio naquela
136
Lugar da Barra era o antigo nome de Manaós que depois passou a ser chamado, como até hoje é: Manaus. Em
1791 o que existia no Lugar da Barra, além das ruínas do velho forte, erguido em 1669, era uma pequena
aldeia habitada por cerca de 300 pessoas, contando com o vigário, funcionários e militares. Existiam dois
bairros separados por um igarapé, provavelmente o igarapé do Espírito Santo, hoje a Avenida Eduardo
Ribeiro (COLLYER, 2002, p. 62).
época. Isso, provavelmente, contribuiu para que Lobo D‘Almada tomasse a decisão de
transferir a sede de para o Lugar da Barra
137
, “mesmo sabendo que faltavam condições
jurídicas para tanto, pois a Barra ainda não era v ila, era um simples povoado” (Idem, ibidem,
p. 61).
Na Barra, povoado até então sem nenhuma expressão política,
Lobo D‘Almada cuidou de construir prédios para as repartições, além de mandar
erigir a nova igreja de Nossa Senhora da Conceição, pois a prime ira, edificada pelos
Carmelitas, em 1695, estava em ruínas. Construiu o palácio do governo, na Praça da
Trincheira, hoje denominada Praça 9 de Novembro, nas proximidades do atual
prédio da Manaus Harbour. O governador melhorou consideravelmente as rendas d a
Capitania, podendo pagar o saldo dos funcionários e militares. No setor produtivo
incentivou o plantio de tabaco, café, algodão, milho e implantou pequenas
indústrias, utilizando a abundante matéria -prima da região. Para tanto montou
pequenas fábricas pr oduzindo cordoalha com a piaçava do Rio Negro; redes de pano
de algodão e rede de tucum e instalou uma olaria no local onde hoje está a Igreja da
Matriz, que produzia tijolos e telhas para suas obras. Incentivou a pesca e iniciou o
comércio de peixes e tar tarugas, além de inaugurar a indústria de madeiras com a
instalação de serrarias. Criou fazenda de gado no vale do Rio Branco para abastecer
a sede que dependia do gado trazido da região de Marajó. Essa medida talvez tenha
sido a mais importante e duradour a de sua administração, pois aquele vale (atual
Estado de Roraima) possui hoje o maior rebanho bovino da Amazônia Ocidental.
Essas medidas administrativas aumentaram as rendas, e a população quase dobrou
(COLLYER, 2002, p. 62).
Obviamente que a atitude d e Lobo D‘Almada e o êxito de sua administração não
agradaram o governador do Pará, Dom Francisco de Sousa Coutinho, a quem a Capitania era
subordinada. Coutinho “iniciou, então, uma campanha para interromper o crescimento do
florescente Lugar da Barra, aud aciosamente transformada em sede” (COLLYER, 2002, p.
62). As alegações continham dois motivos. Primeiro, a Barra ainda não era uma vila e isto a
impedia, legalmente, de ser a sede da capitania. Segundo, a acusação, junto à Coroa, de que
Lobo D‘Almada empr egara “índias velhas na fabricação de redes de panos o que era
terminantemente proibido pelo rei” (Idem, ibidem).
137
Entretanto, para Monteiro (1994), as razõe s parecem ter sido outras. Segundo ele, no ano da mudança “a
ameaça de invasão dos espanhóis sediados em Ega (Tefé), quando a Comissão Espanhola de Demarcações
pretendia ocupar aquela parte, induziram o brigadeiro Manuel da Gama Lobo d’Almada a mudar a sed e do
governo da Capitania, de Mariuá (Barcelos) para o lugar da Barra, mais enxuto e mais estratégico. Acredi to
que Lobo d’Amada pretendesse evitar assim ser a sede da Capitania atingida pela insurreição, ou pelas
insurreições costumeiras, ficando mais ab rigado à sombra do forte” (MONTEIRO, 1994, p.74).
Em seguida, Coutinho suspendeu o envio de verbas a que a capitania tinha direito,
tentando esvaziar-lhe o cofre, e, “para comprometer moralmen te Lobo D‘Almada o
governante paraense o acusou de apropriar -se de dinheiro público” (COLLYER, 2002, p. 62).
Devido a essa acusação “a Coroa editou o aviso de 17 de julho de 1797, mandando retornar a
sede da capitania para Barcelos” (Idem, ibidem, p.63). L obo D‘Almada ainda tentou se
defender, “mas suas correspondências com prestação de contas eram interceptadas em Belém
e jamais chegaram a Corte” (COLLYER, 2002, p. 63). A Corte por sua vez, em Carta Régia
de 2 de agosto de 1798, determinou que Lobo D‘Almad a fizesse retornar imediatamente à
Barcelos a sede do governo, o que segundo Monteiro (1994), aconteceu no ano seguinte,
1799.
Barcelos, entretanto, estava em lamentável decadência. Não resistira aos anos de
ausência do poder público, enquanto que “o luga r da Barra se havia permitido umas tantas
regalias e superado aque la povoação mesquinha em matéria de progresso, e aalargado um
passo de gigante na obtenção de muitos privilégios e prerrogativas” (MONTEIRO, 1994,
p.74).
O segundo fato histórico, be m semelhante ao primeiro, aconteceu em 1803, quando,
por ordem do então governador da Província do Pará Dom Marcos de Noronha e Brito, Conde
dos Arcos, que depois foi vice -rei do Brasil, a sede da Capitania foi transferida em definitivo
para o Lugar da Barra. E como se não bastasse, em 1816, Dom Marcos mandou demolir todos
os edifícios existentes em Barcelos, com exceção do palácio, da Igreja e da provedoria
138
.
138
Segundo Collyer (2002), Dom Marcos sensibilizado com os relatos recebidos da Capitania do Rio Negro e
inteirado das obras realizadas por D‘Almada, determinou o retorno da sede para o Lugar da Barra na t entativa
de resgatar a memória de D‘Almada. Sua ordem foi cumprida pelo governador José Joaquim Vitório da
Costa, que segundo os relatos da história do Amazonas, foi um péssimo administrador e não morria de
amores pela Capitania, cuidando apenas de adminis trar seus próprios negócios de sua chácara, no Rio
Tarumã, onde cultivava frutas européias com grande sucesso. Criou impostos exorbitantes, desestimulou a
agricultura e semeou ódio e intriga. Em sua gestão Barcelos chegou as ruínas, tendo autorizado seu ge nro
Ricardo Zany a demolir todos os edifícios de Barcelos, exceto a igreja e a provedoria. Sua única ação
louvável foi trazer de volta ao Lugar da Barra, no dia 29 de março de 1808, a sede da Capitania, por
imposição do governador do Pará, Dom Marcos de No ronha (p. 65).
Massa (1965), explica que em conseqüência da transferência da sede da capitania de
Barcelos para o Lugar da Barra
toda a seiva que irradiava de Barcelos para o alto e baixo rio perdeu a intensidade e
aos poucos foi desaparecendo, dando lugar à terrível decadência que se registrou
com uma força e uma rapidez verdadeiramente sensacionais. Barcelos, na s egunda
década do século, estava reduzida a minúsculo povoado, cujos palá cios, levantados
no ciclo anterior para a administração pública, cujo traçado urba no, riscado com
maestria por um engenheiro de nome Felipe Sturn, que trabalhava para a Coroa
Portuguesa, quase se não descobriam no meio do matagal, das ruí nas, da tremenda
opressão que a destruía. Como Barcelos, os demais núcleos rio -negrinos padeceram
de então em diante, uma decadência que o foi obstada por uma medida oficial.
Essa decadência não parou no período que se abriu com a independência do Brasil.
Em 1854, o major de artilharia e bacharel em matemáticas Hilário Maximiano
Antunes de Gurjão, visitando o vale em missão do governo do Amazonas, cons tatou
a existência de uma condição de vida q ue passava da classificação de precária para
tornar-se miserável. Os povoados arrastavam -se numa verdadeira odisseia. Muitos
núcleos, que datavam do período colonial, tinham deixado de existir. Em 1861, o
engenheiro Joaquim Leovigildo de Souza Coelho, em c omissão da Presidência da
Província, subia o Rio Negro até a fronteira com a Venezuela e, com o major
Hilário, verificava uma extensão de decadência que imprimia à região o aspecto de
uma terra que tivesse sido revolvida em sua estrutura por ter remoto. Barcelos, por
exemplo, reduzia-se a 109 casas, uma população de apenas 602 pessoas e era o
único centro urbano onde havia uma escola de primeiras le tras (p. 36-7).
A precária situação de Barcelos e de todo o alto e baixo rio Negro se alongou por todo
o século XIX e ainda que amparentemente tenha melhorado com o apogeu da borracha na
região, piorou novamente n a década de 1910 diante da crise econômica, com o declínio do
extrativismo da mesma
139
.
“A situação de abandono e de decadência é visível nos povoados ao longo do Rio
Negro. As missões dos Rios Içana e Uaupés encontram -se devastadas desde a saída dos
franciscanos, expulsos pelos índios, em 1888” (WEIGEL, 2000, p.110).
Diante deste contexto foi que, em 1908, Dom Frederico Costa, Bispo do Amazonas,
após ter percorrido todo o vale do Rio Negro, de Manaus a Cucuí, teve a idéia de criar uma
grande obra missionária no Alto Rio Negro. Com esta intenção, Dom Frederico Costa fez uma
139
Na Amazônia, o efeito [da crise da borracha] foi o de um massacre ou cataclismo. Fechamento de seringais,
falências de 'casas aviadoras', prejuízos múltiplos, inclusive do Banco do Brasil, etc. [...] As trepidações no
palco político regional, tais como o golpe de destituição do governador Ant ônio Clemente Ribeiro
Bittencourt no Amazonas, em 1910, e a captura e expulsão do senador Lemos do Pará, em 1912, guardaram
um nexo efetivo com a sucessão de crises econômicas iniciadas em 1900 e sua f inal culminância’ ( SANTOS,
apud WEIGEL, 2000, p.110) .
solicitação
140
ao papa Pio X, conforme expomos no capítulo anterior e consultou, em Tu rim, a
Ordem Salesiana, na tentativa de trazê -los para sua diocese.
A solicitação de Dom Frederico Costa, após um período de negociações com o
governo brasileiro, foi aceita. A Santa criou, então, a Prefeitura Apostólica do Rio Negro,
em 1910 e quatro anos mais tarde, por Decreto da Sagrada Congregação da Propaganda Fidei
de 18 de junho de 1914, entregou aos cuidados dos salesianos o novo e vasto
empreendimento, ou seja, as Missões do Rio Negro.
Em 21 de maio de 1915 os salesianos chegaram a o Gabriel da Cachoeira, onde foi
instalada a sede da Prefeitura Apostólica e de onde deram início as atividades educativas com
a criação das missões do Rio Negro, cujas funções, segundo Massa seriam:
arrancar os pobres caboclos do Rio Negro da lamentabilíssima vid a errante pelas
“estradas” impervias em demanda da borracha, para fi -los ao solo, fonte de
abastança e prosperidade quando devidamente traba lhado, e livrando assim aos
poucos os índios da quase escravidão de contratos one rosos de trabalho, sendo a este
respeito dolorosamente exatas as ginas do livro Margem da História", em que
Euclides da Cunha retrata na mais desoladora verda de a existência infeliz dos
habitantes dos rios do Inferno Verde. Mas não se subs titui a secular rotina sem
perseverantes esforços de uma nova educação baseada no amanho racional da terra:
a distribuição de sementes e de instrumentos agrícolas, a fundação de escolas de
agricultura primária ao lado do ensino elementar, que redi me e que ilumina, foram
os primeiros passos dados pela missão, a fim de introduzir experimentalmente no
povo a convicção da excelência da lavoura, havendo já alguns sintomas promissores
nesse sentido. Estimula-se assim o espírito de iniciativa de tantos pobres brasileiros,
que vivem no desânimo oriundo d o mais completo abandono, e espera -se que dentro
em breve novos lavradores do Rio Negro poderão contribuir para o aumento da
riqueza econômica da nação. E assim pretende aos poucos, com os minguados
recursos de que dispõe, continuar a missão a corrigir os falsos preconceitos daqueles
habitantes, que ainda agora julgam humilhante o trabalho agrícola e o amanho da
terra promissora (MASSA, 1965, p. 174).
Em 1923 os salesianos fundaram a missão de Taracuá e no ano seguinte, 1924,
chegaram à Barcelos onde, imed iatamente, iniciaram os trabalhos paroquiais e, para começar
as atividades educativas, criaram o internato, sobre o qual falaremos no próximo tópico deste
140
Massa (1965), explica que Dom Frederico Costa fez esta solicitação ao papa Pio X após ter percorrido, em
1908, o Rio Negro, desde sua foz até Uaupés, e ter presenciado o grau de abandono e de primiti vidade” em
que os habitantes da região se encontravam (p.37).
capítulo. Antes, porém, voltemos ao contexto histórico e, de forma sucinta, vejamos como
está Barcelos hoje.
A cidade de Barcelos, sede do município, situada à margem direita do Rio Negro, 40
metros acima do nível do mar, 396 km em linha reta, da capital do Estado do Amazonas,
Manaus, e 496 km por via fluvial, tem hoje, 252 anos após sua criação, uma popu lação de
aproximadamente 33.633 habitantes
141
.
As principais atividades econômicas do município são: a extração de piaçava, a pesca
de peixe ornamental e a pesca esportiva
142
.
Em relação às principais atividades de comércio e serviço, a cidade possui: 5
supermercados, 48 estabelecimentos varejistas, 45 bares, 5 hotéis e 1 albergue, 7 restaurantes,
5 lanchonetes, 25 estabelecimentos de confecção, 4 locadoras de vídeos, 3 escolas de
informática, 4 clubes de danças, 4 barbearias, 1 casa lotérica, uma agência banc ária e 51
vendedores ambulantes
143
.
Em se tratando da área educacional, Barcelos tem 63 escolas de ensino fundamental,
sendo três delas estaduais e 59 municipais. Cinco das 59 escolas municipais ficam na zona
urbana e 54 na zona rural
144
. O número de alunos ma triculados no ensino fundamental em
2006 foi 5.000. Sendo 1.955 nas escolas públicas estaduais e 3.045 nas municipais.
Em duas das três escolas estaduais de Barcelos funciona o ensino médio com 341
alunos matriculados. Barcelos possui também seis pré -escolas, ambas municipais, com 539
alunos matriculados e 141 alunos cursando o ensino superior, por meio da Universidade
Estadual do Amazonas.
141
Dados do IBGE do ano de 2006 .
142
Em Barcelos, a atividade turística desenvolvida por empresas exploradoras da pesca esportiva vem
aumentando nos últimos anos. Já são 11 empresas em plena ativid ade.
143
Estas informações foram fornecidas pela secretaria da Escola Salesiana São Francisco de Sales.
144
As três principais escolas de ensino fundamental de Barcelos são: Escola Estadual o Francisco de Sales,
Escola Estadual Angelina Palheta Mendes e Esco la Estadual Padre João Badalotti. As 5 escolas municipais
da zona urbana o: Evaristo Brás, Padre Clemente Saleri, Alcibíades de Vasconcelos, Creche Taie Dom
Francisco Dezem. Uma das 54 escolas da zona rural é indígena.
O quadro docente de Barcelos é composto por 183 professores de ensino fundamental,
69 do estado e 114 do município. Tr inta e dois professores de ensino médio, todos do estado e
trinta e um professores do pré -escolar, todos do município
145
.
É mister dizer que Barcelos, além de ter um dos menores índices de analfabetismo,
dentre os municípios do Estado do Amazonas, tem também uma das maiores quantidades de
professores de ensino fundamental formados na sede do próprio município. Para sermos mais
normal” (ARIES apud SANTOS, 2000, p.205). E que os Salesianos, [...] o con sideraram
como o modelo mais completo de educação por mais de 100 anos” (SANTOS, 2000, p.206).
O florescimento e a multiplicação dos internatos como sistema de educação é
característico da segunda metade do século XIX, quando a política e a legislação ital iana e
piemontesa foram perpassadas por princípios liberais. Naquele momento, enquanto as escolas
estatais do governo liberal adotavam uma orientação aconfessional e até mesmo anticlerical,
os católicos reagiram criando associações religiosas, entidades de mútuo socorro, bancos
populares e instituições educativas.
Dentro deste contexto Dom Bosco deu início ao seu projeto educativo: preocupado
com a situação em que estava vivendo a juventude e tentando colaborar com a igreja
católica
147
. Sua obra educativa com eçou com a criação dos oratórios. Mas logo depois da
organização da Casa Anexa, Dom Bosco pensou em comunidades colegiais e a partir de 1852,
após as instalações das oficinas de sapataria, de encadernação (1854), de carpintaria (1856),
de tipografia (1861) e de ferreiros (1862), os aprendizes e os estudantes não precisavam mais
deixar o oratório para ir ao trabalho ou à escola, pois já existiam os internatos
148
.
O sistema de internato, portanto, enquanto estrutura modelo, fazia parte do processo
educativo da pedagogia salesiana e como tal os acompanhou até o Brasil e, em se tratando
deste trabalho, até Barcelos.
Conforme descrevemos no item anterior, após a aceitação da solicitação de Dom
Frederico Costa, a Santa criou a Prefeitura Apostólica do Rio Negro e a entregou aos
147
Na época de Dom Bosco (1815 1888), a Europa, e conseqüentemente a Itália, passavam por profundas
transformações sociais, políticas e religiosas. Havia uma efervescência generalizada em toda a península de
aspirações, idéias e projetos de restauração. Conseqüência, sobretudo, da Revolução Francesa , estourada em
Paris 28 anos antes (1789) e em seguida da Revolução Industrial. Detalhes sobre a situação da juventude e da
Igreja católica no tempo de Dom Bosco, encontram -se no capítulo I, em Contexto Sócio -Econômico do
Piemonte e de Turim (1841 -1861) e Contexto Histórico Político -Religioso e Social Italiano.
148
Stella (1968) assinala que análogo complexo de causas contribuiu para a abertura dos internatos destinados à
educação da juventude. No Piemonte, a resistência contra a educação nos internatos só fo i superada na
segunda metade do século XIX, período em que a escola era predominantemente estatal. Até aquela data, o
termo colégio indicava primeiramente a escola pública estatal, mas com a proclamação da liberdade de
ensino e da escola particular adquiri u o sentido estrito de internato (p.122).
cuidados dos salesianos. Estes imediatamente partiram para a região do Rio Negro e em maio
de 1915 chegaram a São Gabriel da Cachoeira, onde instalaram a sede da Prefeitura
Apostólica e de onde deram início às suas atividades educativas com a criação das missões do
Rio Negro. Entre as primeiras missões salesianas do Rio Negro, ou para sermos mais exatos,
como sendo a terceira delas, estava a de Barcelos, fundada em 1924, nove anos depois da
fundação da missão de São Gabriel.
Chegando à Barcelos os salesianos iniciaram os trabalhos paroquiais e, para começar
as atividades educativas, criaram, em 1927, o internato, ou melhor, montaram o sistema, ou o
regime de educação no qual, explica Santos (2000), os alunos ficam reclusos, separados dos
pais, para receber instrução e educação da parte de pessoas que a eles se dedicam em tempo
integral, dia e noite, num espaço exclusivamente reservado (p.206).
Este mesmo modelo foi implantado em Barcelos. Nele os alunos internos ficavam
isolados do mundo. O am biente externo em nada, ou dificilmente, o influía. Tudo, na medida
do possível, era controlado: entrada de jornais, correspondência, livros, revistas e cinema
(censurado), entre outras coisas.
Os alunos internos eram separados em grupos, chamados divisõe s: por idade,
tamanho, ou por seriação, em relação às salas de aulas. Cada divisão ou turma possuía
espaços próprios exclusivos. Os ambientes de uso comum eram a igreja, o refeitório e as salas
de aulas.
Por meio do regime de internato os salesianos se ded icavam à formação integral dos
alunos. Nele havia uma organização temporal: horário, calendário escolar, férias e tempos
especiais de formação, que facilitava o controle e o acompanhamento das atividades.
3.2.1. Estrutura Hierárquica e A dministrativa do Internato de Barcelos
Toda casa salesiana possui uma estrutura hierárquica e administrativa desde o tempo
de Dom Bosco. Seguindo a tradição os salesianos continuaram a obra de Dom Bosco “com
veneração filial, procurando reviver a sua experiência pedagóg ica quase nos mesmos termos
[...]” (SCARAMUSSA, 1977, p.11).
A estrutura hierárquica e administrativa do internato de Barcelos era composta, quase
sempre, por cinco ou mais salesianos, conforme determina o Regulamento da Congregação. O
diretor
149
, responsável por todo o andamento espiritual, escolar e material da casa. O prefeito,
encarregado da economia da casa. O Catequista, incubido da educação religiosa dos internos e
o assistente, ou os assistentes, dependendo da quantidade de alunos internos. Estes vivi am
juntos com os alunos na igre ja, no estudo, no dormitório e nos recreios. Organizavam as
festas, os esportes e outras atividades mais diretas da vida dos internos. “Onde houvesse
alunos, deviam estar os Assistentes”, dizia o regulamento. Eles eram os en carregados de
vigiar a disciplina e a boa ordem.
Apesar da estrutura hierárquica e administrativa, t odos os salesianos eram
responsáveis pela formação dos internos. A este respeito esclarece Santos:
Dom Bosco estabeleceu uma hierarquia e uma estrutura am biental cujo
objetivo dominante era colocar os jovens na impossibilidade de cometerem faltas.
Inicialmente, responsabiliza todos os ocupantes de cargos pelo cuidado dos jovens,
de sua vantagem temporal e espiritual (SANTOS, 2000, p.248).
Em Barcelos, esta estrutura nem sempre seguia, na prática, o que era deternminado na
teoria, ou pela tradição. Um dos salesianos da casa, por exemplo, recebia a incubência da
149
O Regulamento do Oratório de o Francisco de Sales prescreve que o diretor seja sempre amigo,
companheiro e irmão de seus alunos. Que tenha como qualidade fundamental a caridade. O diretor deve ser
como um pai no meio dos próprios filhos. Sempre paciente, deve vigiar e corrigir. A confiança expressa a
modalidade do amor paterno e filial que deve existir entre o diretor e os jovens (SCARAMUSSA, 1977, p.
59).
itinerança, ou seja de viajar em visita às comunidades pertencentes à paróquia e isso o
ausentava, por vários dias, da comunidade. Algumas destas visitas chegavam a durar meses.
O diretor, responsavel primeiro da comunidade, às vezes assumia o papel de ecônomo,
de catequista e até mesmo de assistente, em alguns momentos. Ele só se ausentava da casa po r
motivo de saúde ou para cumprir as determinações estipuladas pelo calendário da Inspetoria,
nos casos mais comuns: retiros e encontros de diretores, o que geralmente acontecia no
período das férias dos internos.
No decorrer de 64 anos (1926 a 1990), of icialmente, passaram por Barcelos 22
diretores ou encarregados, conforme relação fornecida pela Inspetória Salesiana Missionária
da Amazonia (ISMA)
150
. Foram eles:
1. P. João Bálzola - em 1926 a 1927 (Encarregado).
2. P. José Domitrovitsch - de 1928 a 1930 (Diret or).
3. P. José Domitrovitsch - de 1931 a 1935 (Encarregado).
4. P. Francisco Fabbri - de 1936 a 1938 (Diretor).
5. P. Luiz Pasquale - em 1939 e 1940 (Diretor).
6. P. Miguel Ghigo - de 1941 a 1943 (Diretor).
7. P. Maximiliano Foks - em 1944 (Encarregado).
8. P. Carlos Galli em 1945 e 1946 (Diretor).
9. P. José Tomasoni - em 1947 (Encarregado).
10. P. João Seu - de 1948 a 1953 (Diretor).
11. P. Estevão Domitrovitsch - de 1954 a 1959 (Diretor).
12. P. Luiz Venzon - de 1960 a 1965 (Diretor).
13. P. João Seu - em 1966 (Diretor).
14. P. Pedro de Martis - em 1967 (Diretor).
150
Sobre este assunto pode ser consultado: ISMA. Elenco 1997-2007. Manaus: ISMA, 1997/2007. PONTES,
Agenor Vieira. Centenário da Obra Salesiana no Brasil . Belo Horizonte: SSV, 1983 e Salesiani di Don
Bosco. Elenco 1979-1997. V.2. Roma: S.D.B. 1979/1997.
15. P. Miguel Angelo Bastos - em 1968 (Encarregado).
16. P. João Badalotti - de 1969 a 1971 (Diretor).
17. P. Ludovico Karczewski - em 1972 e 1973 (Encarregado).
18. P. Luciano Chiappini - em 1974 e 1975 (Diretor).
19. P. Bruno Bianchi - de 1976 a 1981 (Diretor).
20. P. Pedro Maria Gawlik - de 1982 a 1987 (Diretor).
21. P. Humberto Ribeiro da Costa - em 1988 e 1989 (Encarregado).
22. P. André Gil - em 1990 (Encarregado).
3.2.2. Espaço Físico do Internato de Barcelos
Santos (2000), diz que o espaço si co era considerado um dos e lementos importantes
no Sistema Preventivo de Dom Bosco. Além da construção de um ambiente sadio e do
protagonismo juvenil, as casas salesianas prezavam por grandes espaços. Citando as
orientações do padre Felipe Rinaldi
151
, que posteriormente foi o terceiro sucessor de Dom
Bosco no governo da Congregação Salesiana, Santos afirma que
os internatos não podiam ter aparência de ambientes fechados como se fossem casas
correcionais, inaceitáveis para os jovens, por os envergonharem. As casas salesianas
deveriam ser construídas para elevar os jovens, jamais para rebaixá -los, respeitar-
lhes a liberdade de sair e entrar ( SANTOS, p. 211).
Os salesianos, no Brasil, receberam ou adquiriram grandes espa ços, com terrenos
extensos, quase sempr e bem localizado
152
, nos quais construiram colégios imponentes
153
. Em
151
Padre Felipe Rinaldi dizia que, para Dom Bosco, "os gra ndes locais, além de abrigar a todos, facilitam a
estarem juntos. Se por vezes aceitou pequenos, foi por necessidade”( SANTOS, p. 212)
152
Como exemplos, podemos citar o Liceu Coração de Jesus (1885), no centro velho de o Paulo, com
15.178,87 m
2
e 20.100,27 m
2
de área construída, o Colégio o Joaquim (1890), inicialmente com 18.108,21
m
2
, depois 21.437,71 m
2
, em Lorena, o Liceu Nossa Senhora Auxiliadora (1897), com 140.000 m
2
, de terreno
próprio ( SANTOS, 2000, p.213), e até mesmo os terrenos das Missões do Rio Negro, todos bem localizados
e com muito espaço.
Barcelos não foi diferente. O espaço físico do internato era condizente ao de tantos outros
espalhados pelo Brasil e digno de apreço por sua localização. Próximo do rio, na rua principal
e no centro da cidade. Com uma área construída de aproximadamente 8.000 m
2
, três campos
de futebol, com dimensões diferentes, uma quadra
154
, uma vastas extensão de pasto para os
bovinos e para o cultivo de hortas e plantios de roça ( macacheira, mandioca, bana na, etc...).
A área construída tinha dois pisos (tem ahoje). No primeiro piso, ou térreo, ficava o
refeitório dos internos, o refeitório dos salesianos ( que era separado dos internos), algumas
salas de aulas, a bíblioteca, o escritório do diretor, algu ns banheiros individuais, as oficinas de
artes e um pórtico de aproximadamente seis metros de largura por cem de comprimento, com
várias colunas. No segundo piso, ficavam os aposentos dos salesianos, ( quartos individuais),
as demais salas de aulas, a sala de estudos, ( ou salão como era chamado pelos internos) e o
dormitório
155
. Bem ao lado da residência, de frente para o Rio Negro e na rua principal
encontra-se a igreja.
Foi dentro do espaço físico, acima mencionado, imponente, bem estruturado, sob os
olhares e o zelo dos salesianos, que algumas gerações de crianças e jovens estiveram no
decorrer dos 58 anos de duração do internato de Barcelos. E é sobre o que acontecia, ou
como funcionava, na prática, o processo educativo salesiano, que iremos falar e m seguida,
considerando, principalmente, o que nos foi dito na pesquisa de campo ( questionários e
entrevistas) pelos ex-alunos do internato de Barcelos. Antes, porém, é mister dizer que toda a
estrutura construída, em Barcelos, sob a administração dos sal esianos, foi entregue à diocese
de São Gabriel em 1990, quando eles de saíram, mas que o colégio contunua funcionando,
153
Conforme o pensamento salesiano: “u m colégio bonito, imponente por si, favorece a elevação do âni mo do
jovem [...] Em se tratando de internato, pode até facilitar a sua regeneração” (SANTOS, 2000, p.212).
154
Em nossa pesquisa não conseguimos dados oficiais, esta metragem, portanto, é aproximada. Mediante a
pesquisa de campo ficamos sabendo que o terreno da missão era imenso e que depois que os salesianos
saíram de Barcelos a diocese de São Gabriel fez loteamento e vendeu grande parte do mesmo.
155
No espaço do dormitório e dos refeitórios, logo após o término do internato e da saída dos salesianos, foram
construídas salas de aulas.
como externato, em convênio com o governo do Estado do Amazonas, sob a direção das
irmãs salesianas.
3.2.3. Admissão dos Internos
Em se tratando da admissão de alunos nos colégios salesianos, o r egulamento de 1888,
depois confirmado na edição de 1906, determina va que cada entidade elaborasse um
prospecto
156
, ou programa em que fos sem declaradas as condições de aceitação dos alunos.
Os prospectos dos colégios salesianos brasileiros tinham poucas diferenças entre si, mesmo
assim não significativas”( SANTOS, 2000, p. 264). A base para os propectos era o
Regulamento para as Casas da Congregação de São Francisco de Sales
157
, que, no capítulo l,
reza na íntegra:
O fim geral das casas da Congregação é soccorrer, beneficiar o próximo,
especialmente educando a mocidade nos anos mais perigosos, instruindo -a nas
ciências e nas artes, e encaminhando -a para a pratica da Religião e da virtude. A
Congregação não faz distinção de classes de pessoas, comtudo prefe re dedicar-se à
classe media e à última por serem as que mais carecem de soccorro e assistência.
Entre os meninos da cidade e aldeias, existem não poucos em tal condi ção, que é
inútil qualquer meio moral sem o soccorro material. Alguns adianta dos em anos,
orfãos ou privados de assistência, por não poderem ou não quere rem cuidar d'elles
os respectivos pais, sem profissão, sem instrucção, vivem expostos aos perigos de
um infeliz futuro si não acharem quem os acolha e os enca minhe para o trabalho,
ordem e Religião. Para tais meninos a Congregação de S. Francisco de Sales abre
hospícios, oratórios e escolas, especialmente nos cen tros de população, onde
costuma ser maior a necessidade. Acont ecendo porém não se poder receber todos os
que se aprezentam, é mister estabelecer normas que sirvão para limitar a aceitação
àqueles que pelas circumstâncias devam ser preferidos ( BOSCO apud SANTOS,
2000, p. 493).
156
Os prospectos, em edi ções sucessivas, foram tomando vulto e deram ori gem aos projetos educativos, cujo
desenvolvimento se acentuou, de maneira cada vez mais aprimorada, a partir dos anos setenta, em nova
realidade de estrutura escolar ( SANTOS, 2000, p. 264).
157
A tradução portuguesa Regulamento para as cazas da Congregaç ão de S. Francisco de Sales, Nictheroy,
Typographia - Salesiana - do Collegio de Artes e Officios (Santa Rosa), 1888, não traz ainda traduzido o
texto específico sobre o Sistema Preventivo, escrito por Dom Bosco, talvez por respeito ao texto original.
Este documento parece ser o mais antigo editado no Brasil ( SANTOS, 2000, p. 493). A xerox deste
documento encotra-se anexada em Santos, 2000, p. 493 a 515.
O capítulo II do mesmo Regulemento diz, entre outras coisas, que deveria ser exigido
de todos: certidão de nascimento, atestados de vacina e de saúde e que seriam aceitos, de
preferência, os meninos que frequentavam os Oratórios Festivos.
Existiam, portanto, preferências e exigências nas admiss ões aos colégios salesianos e,
em se tratando de internatos, elas eram rigorosas, sobretudo em relação à saúde física, para
entrar e à moral para lá permanecer.
Santos (2000), diz que eram admitidos gratuitamente os meninos órfãos de pai e mãe,
que o tivessem parentes ou outras pessoas que deles cuidassem. O número de gratuitos,
entretanto, era proporcional aos recursos fornecidos pela "caridade pública" e pela
"Providência Divina".
Não eram aceitos os meninos que padecessem de moléstias contagiosas ou r e-
pugnantes, ou que tivessem grave defeito físico notável e nem os que tivessem sido expulsos
de outras escolas. Eram também recusados os que, sob qualquer pretexto, não quisessem se
conformar com o regimento interno disciplinar ou acadêmico ( p. 264).
Em Barcelos, porém, a admissão do interno, independia de ser ele órfão ou não. A
exigência principal era a de que os seus pais não morassem na cidade de Barcelos ou de
Manaus.
A preferência era dada aos meninos que moravam no interior do município. Esta
exigência parece se comprovar em nossa pesquisa: “eu estudei três anos no internato [...] foi
em 1960, eu tinha meus nove a dez anos. Eu morava no nosso castanhal”, diz um ex -aluno.
Um outro afirma: “em 1971 eu ingressei direto na vida de internato, porque a ntes eu era muito
jovem e não agüentava a falta dos meus pais que moravam no interior”.
Ainda a este respeito, e ntrevistamos um comerciante, regatão (dono de barco) na
época, o senhor Thomaz. Ele chegou a ser o responsável por até 22 alunos
158
, os quais eram
158
Dos 22 alunos, 3 eram filhos do Senhor Thomaz.
conduzidos, em seu barco, para o internato. Segundo este senhor, os meninos que iam para o
internato sob sua responsabilidade: eram meninos, filhos de moradores do interior do
município de Barcelos e de outros municípios vizinhos. Alguns deles, filhos de seus fregueses
que moravam no baixo Rio Branco
159
.
Ele diz que as exigências feitas pelos salesianos eram: certidão de nascimento,
localidade onde moravam os pais dos meninos, um responsável com residência fixa em
Barcelos. A presença dos pais ou dos respons áveis, que deveriam pegar os filhos nas férias de
julho e no fim do ano letivo, que acontecia final de novembro.
A pontualidade no retorno ao internato e dois alqueires de farinha
160
(paneiro com 40
litros) por semestre para cada aluno e só. Livros cadernos , material escolar, tudo era por conta
dos salesianos. No final da entrevista ele nos diz que os alunos reprovados perdiam a vaga e
os expulsos eram entregues aos responsáveis que ficavam na cidade.
A admissão dos dois primeiros internos, em Barcelos, data de 24 de janeiro de 1927.
Eram eles: Mário Gonçalves Pinheiro e Olympio da Silva Aguiar, ambos com 14 anos de
idade. No ano seguinte, o número de internos aumentou para quinze e dez anos depois, 1937,
chegou a cento e onze.
A partir da década de 40 até a década de 60, o número de internos, na média, manteve -
se próximo de cem, com exceções para os anos de 1942, 1951 e 1954. Depois de 1961, não
encontramos registros que especificassem a quantidade de internos.
Todavia, pela pesquisa de campo, tudo nos leva a crer que o número de internos
manteve-se próximo de cem até o início da década de 1980, bem próximo do rmino do
internato, 1985.
159
Este senhor tem hoje 66 e mora na cidade de Barcelo s. As informações fornecidas por ele foram confirmadas
por dois dos ex-alunos da época que fizeram parte daquele grupo.
160
Na região entende-se por um alqueire: 40 litros de farinha. Esta farinha era armazenada em um recipiente
artesanal chamado paneiro. Pa neiro é um cesto de talas de palmeira.
Em 1938 começou o externato
161
, todavia as atividades comuns entre internos e
externos eram apenas as de sala de aula. Talvez por isso o número de externos tenha
aumentado tão pouco e devagar. Em 1952, por exemplo, apenas um aluno externo foi
matriculado
162
.
A separação entre externato e internato, com preferência pelo segundo, não aconteceu
apenas em Barcelos.
No Brasil, a intervenção de pessoas estranhas, ou seja, não salesia nos
religiosos, não pôde ser afastada nos três colégios em questão (sem falar dos
demais), pela falta crônica de pessoal salesiano interno. O pessoal externo sempre
esteve presente desde os inícios da obra salesiana no Bra sil, o que era considerado
como uma grave falha contra o espírito salesia no. [...] o Visitador, Padre Giuseppe
Reyneri, recomendava a separação dos alunos internos dos externos ( SANTOS,
2000, p. 268).
Em Barcelos até a década de 1 960, amesmo as atividades curriculares, das oficinas,
eram separadas. Os internos tinham seus horários e os externos o deles. A partir dos anos 70
esta separação foi perdendo a consistência, sobretudo em relação às atividades esportivas e às
comemorações patrióticas.
161
O externato começou em 1938 com 14 alunos, manteve esta média até a segunda metade da década de 40 e a
partir de 1950 passou por um período de declínio chegando em 1952 com apenas 1 aluno externo. Em 1959
subiu para 40 e não parou mais de crescer. De 1964 para 1974 o número de alunos do colégio saltou de 121
para 448, isto porque a quantidade de externos havia superado a de internos. Em 1984, 639 alunos e em
1990, 655.
162
Sobre a quantidade de alunos externos e int ernos, consultar tabela 1.
TABELA 1
Relação quantitativa de alunos internos e externos, em Barcelos,
do início do internato, 1927, até 2005
Ano
Observações
1927
Começou o internato
1928
1929
1930
1931
1932
1933
1934
1935
1936
1937
1938
Começou o externato
1939
1940
1941
1942
Número de externos, não especificado.
1943
Número de externos, não especificado.
1944
1946
Número de externos, não especificado.
1947
Número de externos, não especificado.
1948
Número de externos, não especificado.
1949
Número de externos, não especificado.
1950
Número de externos, não especificado.
1951
Número de externos, não especificado.
1952
1953
1954
1955
1956
1957
1958
Número de externos, não especificado.
1959
1960
1961
Os livros de matrículas, a partir de 1961, não
1962
especificam mais quem era interno ou externo.
1963
1964
1965
1966
1967
1968
Relação quantitativa de alunos internos e externos, em Barcelos,
do início do internato, 1927, até 2005, continuação.
Ano
Observações
1969
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
Fim do internato.
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2001
2003
2004
2005
Fonte: Livros de Registros de Matrículas da Escola São Francisco de Sales, em Barcelos.
3.2.4. Horários do Internato
Em se tratando de horário, “os Salesianos consideravam o modelo da Escola de
Valdocco (Turim - Piemonte - Itália), criado pelo próprio Dom Bosco, como o protótipo
educativo a ser utilizado em qualquer parte e no todo” (SANTOS, 2000, p. 208). Entretanto,
no Brasil, o horário determinado pela Congregação, demonstrou -se inadequado e tornou-se
um tema de discussão.
Dom João Cagliero, ao visitar os três primeiros colégios Salesianos do Brasil (Niterói,
Lorena e São Paulo), verificou que neles era adotado um horário diferente do italiano. Ele
então determinou que o horário fosse trocado pelo italiano que era seguido pela Casa Geral de
Turim. Este horário, porém, não parecia conveniente aos salesianos que aqui estavam. Niterói,
por exemplo, “havia adotado o horário italiano e as doenças atingiram os membros desta
instituição” (Idem, ibidem).
Para solucionar o problema, o padre Luís Lasagna determinou
que se retornasse ao horário antigo se esta dispos39.ed
descobri que era a melhor forma de chamar a atenção de meus superiores . Na época me dei
bem”, nos expôs um outro. E um terceiro conclui: “pra tudo tinha hora. Pro café, merenda,
almoço, estudo, jantar e diversões e trabalhos incluindo as atividades religiosas”.
Realmente para tudo tinha hora. Os horários, tudo indica, faziam parte, ou contribuíam
para a manutenção da disciplina e ao mesmo tempo eram tidos como dom de Deus. Era
comum no bom-dia, ou na boa noite, os internos ouvirem, dos salesianos, frases como esta:
“não gaste uma hora naquilo que você pode fazer em menos temp o”, ou como esta outra,
quando algum interno perguntava a um superior, que horas são? “São horas de louvar a Deus,
meu filho”. O tempo dos internos era entendido como uma dádiva preciosa de Deus e por ser
precioso e sagrado deveria ser bem utilizado.
À guisa de exemplo, vejamos o que nos disse um dos ex -aluno do internato de
Barcelos, sobre o horário diário da época, em que ele viveu: “Sinceramente, na época eu
não gostava, porque, às 6:00 horas todos os internos tinham que tomar banho. Às 6:30 íamos
para a igreja, às 7:00, tomávamos café, às 7:30 bom dia, às 8:00 todos para sala de aula, às
12:00 almoço, às 13:00 intervalo do almoço, às 13:30 todos para o estudo (uma sala onde
todos íamos fazer tarefa ou melhor deveres de sala de aula), 15:00 merenda, 1 5:30 intervalo
da merenda, 16:00 íamos todos fazer ofício (limpar o colégio), as 17:30 íamos tomar banho,
18:00 todos para o refeitório para jantar, 18:30 intervalo do jantar, 19:00 todos para igreja
para rezar o terço, 20:00 todos para sala de estudo, 21: 30 todos para o dormitório para dormir,
assim terminava os horários e as atividades diárias do internato da minha época”.
E para finalizar este item, vejamos a declaração de um outro ex -interno:
“Acordava muito cedo, ia tomar banho no rio em frente à igrej a matriz, trocava de
roupa, descia em fila após receber um forte bom dia do assistente quase sempre casca dura
tipo [...] e seguia para a missa diária, depois ia ao refeitório para tomar café da manhã, um
pequeno intervalo, em seguida aulas, outro pequeno intervalo para o lanche, retornava as
aulas até ll:00h e parava para o almoço. Em seguida ao almoço, concentração na área de
estudos até mais ou menos 15:00 h. quando então, após o lanche da tarde, havia atividade de
serviços pesados tipo capinação no terr eno pertencente ao colégio até 17:00h, em seguida
recreação por meia hora, depois banho, jantar, recreação novamente, toque de recolher,
reunião para orações, depois dormir. Era uma realidade que a princípio foi dureza aceitar,
porém com o tempo teve boa r ecepção e hoje lembro com saudades e digo que eu era feliz e
não sabia!”
3.2.5. Alimentação
Aos internos eram servidas, normalmente, cinco refeições diárias: café, merenda,
almoço, merenda da tarde e jantar.
Parte da alimentação dos internos era produzid a por eles: “A alimentação não era boa!
Mas você não morria de fome, saía gordo do colégio, você comia feijão arroz farofa de
conserva. [...] dia de festa a gente sempre matava um boi. A gente plantava! A gente tinha
macaxeira, tinha batata, cará. Não f altava comida não”. Outra parte da alimentação, a porção
maior, era fornecida pela Prelazia do Rio Negro, com sede em São Gabriel da Cachoeira.
Aos cuidados da Prelazia ficava quase toda a manutenção dos internatos
163
das
missões do Rio Negro. O dinheiro era doado à Prelazia, por instituições nacionais e
internacionais, dentre as quais podemos destacar:
a) A Legião Brasileira de Assistência (L.B.A), que foi homenageada, em 1965, pelo
então bispo da Prelazia Dom Pedro Massa:
163
Além do internato de Barcelos a Prelazia era responsável pela Escola Agrícola de São Gabriel, com 118
internos gratuitos; pelo Asilo Maria Auxiliadora, com 115 internas, também em o Gabriel; pelo Asilo
Santa Teresinha, com 110 internas, em Barcelos; pelo Colégio do Sagrado Coração, com 65 internos, todos
índios Tucanos, e pelo Asilo Maria Auxiliadora, com 62 internas, todas Tucanas, em Taracuá; pelo Colégio
São Miguel, com 165 alunos internos, também Tucanos, e pelo Asi lo Maria Auxiliadora, com 108 internas,
Tucanas, em Jauareté e pelo Colégio D. Bôsco, com 145 alunos, em Pari -Cachoeira.
Dentre as várias entidades de assistên cia social criadas durante o governo
do Presidente Getúlio Vargas manda a justiça que se destaque a L.B.A., que,
fundada com a finalidade de amparar as famílias dos que seguiam para a guerra,
acabado o conflito europeu, continuou suas atividades benfazejas , ampliando e
desenvolvendo seu programa de assistência social e caridade, especialmente para a
infância e juventude desamparadas [...] O Amazonas, como os demais Estados da
Federação, são devedores do amparo que a Legião vem distribuindo às suas obras
assistenciais e as Missões Salesianas juntamente com a Prelazia do Rio Negro,
especialmente favorecidas à vista da importân cia e excelência de seu programa
social, assim como das dificuldades com que há anos vêm lutando, consignam aqui a
expressão do seu reconhecimento pela proteção que lhe vem sendo dispensada.
(MASSA, 1965, p. 290 -1).
b) A Congregação da Propaganda Fide, que segundo Massa (1965), recolhia no Brasil,
a vultosa contribuição de quase cem milhões anualmente, através de colégios,
escolas, paróquias, dioceses e outras contribuições que vinham de Roma e as re -
partia entre “as trinta e tantas Prelazias do Brasil para suas obras missionárias e
assistenciais” (p.291).
c) A Obra Pontifícia da Santa Infância, fundada em Lion, transportada depois para
Paris e Roma, por quem as Prelazias amazônicas, eram “contempladas nes ta longa
distribuição mundial, recebendo apreciável importância que cada ano se renova em
proporções sempre mais avantajadas” e a quem “a s Prelazias Salesianas da
Amazônia, declaram-se profundamente agradecidas por esta generosa colaboração,
que mostra a valiosa união de corações num ample xo universal, verdadeiramente
ecumênico de simpatia e caridade” ( Idem, ibidem).
d) A Catholic Relief Services , Instituição organizada por b ispos americanos que
contribuiam “com gêneros alimentícios e outras modalidades, às deficiências e
necessidades de países subdesenvolvidos, enviando regularmente as sobras da
produção americana para atender aos povos irmãos da América do Sul” ( MASSA,
1965, p.291).
e) A Congregação dos Santos Anjos
164
, dedicada à educação da juventude, que por
muitos anos, também, contribuiu com as obras missionárias salesianas
165
.
As contribuições feitas pelas instituições, eram administradas pela Prelazia do rio
Negro, que comprava os almentos e os enviava para os vários internatos das Missões, entre
eles o de Barcelos. As compras, nos disse o padre Bruno Bianchi
166
, em entrevista: “eram
feitas no sul e sudeste do Brasil e às vezes aqui em Manaus”.
A dispensa, ou armazém da Prelazia, ficava na av enida Sete de Setembro ( no centro
de Manaus). Lá eram separados, ou divididos os alimentos e depois enviados, via fluvial, para
cada uma das missões.
Os alimentos, amiúde, eram transportados em uma balsa que pertencia à Prelazia.
Segundo alguns dos ex -internos o nome da balsa era “Auxiliadora” e “no dia em que ela
ancorava em Barcelos as aulas eram suspensas. Todos os alunos, sem exceção, ajudavam a
descarregá-la”, relata um dos ex-alunos.
Em Barcelos, os alimentos eram colocados em um armazém próprio e de eram
retirados, semanalmente, para serem preparados pelas cozinheiras das irmãs salesianas
167
(
Filhas de Maria Auxiliadora).
No refeitório cada interno era responsável pelo seu prato. Após o almoço cada um
lavava seu prato e sua colher. O prato era de alumínio [...], rapaz, eu tinha maior cuidado
com essa vasilha
168
. Deus me livre! Cada qual era dono do seu”, explica um ex -interno.
164
A Congregação dos Santos Anjos, dedicada à educação da juventude, tem pronunciados pontos de contato
com a Congregação Salesiana, especi almente pela educação moral e disciplina pedagógica, pelo "sistema
preventivo" adotado, o que não é para admirar porque a fundadora Madre Maria o Miguel, laureada
escritora pela Faculdade de Besançon, apresentou à mesma e defendeu mais de século os p rincípios de
uma educação em moldes novos de persuasão e assistência maternal à juventude, de conformidade com
quanto Dom Bôsco, poucos anos depois, afirmava e praticava, deixando esta herança preciosa à sua
Congregação(MASSA, 1965, p. 193).
165
Sobre estas e outras Instituições que contribuíam para a manutenção do internato, consultar Massa (1965).
166
O padre Bruno Bianchi foi diretor em Barcelos de 1976 a 1981.
167
O colégio das irmãs salesian as ficava ao lado do colégio dos salesianos. Elas além de cuidar do internato
feminino e da direção da escola, cuidavam também da alimentação dos internos e dos salesianos. Elas eram
auxiliadas por um grupo de funcionárias, quase sempre indígenas, vindas de outras missões, que juntamente
com as internas cuidavam da lavage m de roupa dos internos e dos salesianos.
168
O cuidado para com o prato justifica -se devido ao castigo dado a quem o deixava cair.
Quanto à qualidade da comida as opiniões dos ex -internos divergem. Vão desde,
aqueles que entendem que: “era meio russa, ni nguém tomava café, ninguém sabia o que era
café, era mingau de farinha com sal”, passando pelos que entendiam que “não era tão boa,
mas dava para alimentar qualquer pessoa”, chegando àquele que afirma: “eu gostava muito
devido ser a única alternativa e, além do mais, servia para nos manter fortes e sadios durante o
ano todo”.
Em geral, tirando as festas comemorativas e a visita do brigadeiro Eduardo Gomes”,
a alimentação rotineira era: “farofa de conserva com arroz, feijão branco ou preto com
gorgulho, mungica de toda espécie de peixe, inclusive arraia”, esclarece um dos entrevistados.
“No café, tomávamos mingau de farinha sem absolutamente nada, isso de segunda a sábado,
aos domingos era que vinha um café com leite e pão. No almoço, almoçávamos um tr iste
feijão gorgulhento com arroz, farofa de conserva, alguns peixes, quando aparecia, e aos
domingo uma carne de gado, água a gente bebia das torneiras
169
”. Se ele não aceitasse a
comida, o tinha pra onde correr não. Ficava o prato do cara e ele tinha de resolver a vida
dele”. “Não havia escolha, gostando ou não, não sobrava nada”.
Não conseguimos saber quanto era gasto anualmente no internato de Barcelos, mas,
não nos resta dúvida de que, das despesas para a manutenção dos internos, a alimentação era a
maior delas e a ausência das contribuições, a partir dos anos 80, juntamente com a falta de
salesianos, foram as principais causas do fechamento do internato.
169
A água que os internos consumiam era retirada diretamente do Rio Negro até 1976, ano em que o padre
Bruno Bianchi assumiu a direção da casa, no lugar do padre Luciano Chiappini, e mandou fazer um poço
artesiano.
3.2.6. Disciplina
Os primeiros Salesianos procuraram executar, fielmen te, no Brasil, o Sistema
Preventivo de Dom Bosco, ainda que admitissem “certa abertura às dou trinas pedagógicas
católicas tradicionais” (SANTOS, 2000, p. 258). Eles recomendavam “a leitura de li vros de
pedagogia que respondessem a situações concretas, privilegiando aqueles que estivessem mais
consonantes com as idéias de Dom Bosco e por ele elaboradas no opúsculo de 1887” ( Idem,
ibidem). Dentre estes livros estãos os Appunti de Pedagogia Sacra: Dell'Educazione Morale,
escritos pelo padre Júlio Barberis
170
, que segundo Santos “não são mais do que as normas de
aplicação do modelo pedagógico que ele (Dom Bosco) legou e que ele mesmo ensinou a
praticar” (SANTOS, 2000, p. 258).
A seção quarta, dos escritos do padre Júlio Barberis, é sobre a disciplina e ele a define
como “a constante observância daquelas regras que produzam a ordenada correção dos
costumes dos jovens”. E diz mais:
As regras disciplinares de uma casa de educação, em parte, são escritas e
tradicionais. Estas consistem em disposições ordenadoras do cotidiano e nos
costumes ou nas tradições que guiam a ação disciplinar do instituto e que
complementam o regulamento escrito. O colégio é o melhor tirocínio da disciplina.
Aí, o jovenzinho apren de oportunamente a respeitar a lei, o que é uma imensa
vantagem para a vida social (BARBERIS apud SANTOS, 2000, p. 260).
Não podemos nos esquecer que n a gênese da concepção educativa de Dom Bosco
havia, nitidamente, duas preocupações fundamentais: a salvação da alma e a promoção do
jovem. E a disciplina, instrumento capaz de cond uzir o jovem à ascese, ao domínio de si, à
“liberdade”, assim como de fa -lo obedecer à lei e as autoridades que os guiava, era
170
Os dois mestres mais importantes em assuntos pedagógicos, na Congregação Salesiana, nos seus primeiros
tempos, foram os padres Francesco Cerruti e Júlio Barberis. Am bos estudaram pedagogia na Uni versidade de
Turim, a melhor, quiçá, na época, da Itália e da Europa (PRELLEZO apud SANTOS, 2000, p. 258). O padre
Júlio Barberis era considerado o mestre de noviços por excelência e seus escritos, especialmente o Vade
mecum, era usados em todos os noviciados salesianos.
fundamental, até porque “um corpo disciplinado é a base de um gesto eficiente”
(FOUCAULT, 2007, P.130).
Dentro dessa concepção havia um fim bem definido para a educação salesiana: a glória
de Deus e a salvação das almas
171
. Esse fim era único, supremo, religioso -moral,
sobrenatural, mas incluía também em si condicionamentos terrenos, individuais e sociais”
(SCARAMUSSA, 1977, p.73) e tais condicionamentos seriam impossibilitados, na prática,
sem a ação disciplinar, cuja função, segundo Foucault (2007), é “estabelecer as censuras,
obrigar as ocupações determinadas e regulamentar os ciclos de repetição” (p.128).
Este mesmo pensamento p ermeava a ação educativa salesiana no internato de
Barcelos. Daí as exigências no cumprimento dos horários e das demais obrigações, pois,
assim sendo, abrir-se-iam as portas para se alcançar o fim almejado; daí tamanha vigilância
disciplinar.
“Era uma disciplina quase que militar. Muito boa,” diz um ex -interno. O interessante
era que era aquela gritaria, algazarra. Batia o sino da primeira chamada o pessoal corria pras
filas. Batia da segunda, morria tudinho”, menciona um outro. “O regime era bom! Não era
severo, tinha organização”, explica um terceiro. Como meios para estimular a boa observância
disciplinar eram indicados o bom exemplo, o cumprimento dos deveres escolares e religiosos,
o exercício contínuo de alguma atividade até adquirir -se o hábito, as notas de comportamento,
os prêmios, o temor de Deus
172
e também os castigos.
171
O sistema salesiano estava baseado no princípio "Dai -me almas e ficai com o resto" ( "Da mihi animas
coetera tolle "). Tal sistema implicava a montagem de uma estrutura física tão completa e de um quadro de
pessoal em regime de dedicação total e exclusiva que conseguissem dar uma educação em tempo integral,
sem interferência alguma do exterior, inclusive da família, considerada então incapacitada de conservar a
inocência de seus filhos e torná -los imunes das influências maléficas da sociedade (SANTOS, 2000, p.266 -
7).
172
O temor de Deus é necessário é a base de toda a sabedoria e da ciência e dele depende todo o bem temporal e
eterno. Para conservá-lo, o de utilidade a oração, os sacramentos e a palavra de Deus que o princípios de
todo o bom comportamento e do bom relacionamento com o próxi mo. O fundamento da obediência em um
menino é a obediência aos supe riores, conforme as palavras de São Paulo: "Obedecei àqueles que vos foram
propostos por vossa guia, e direção, e sujeitai-vos a eles, porque deverão prestar contas a Deus de vossas
almas" (Regulamento para as Casas da Congregação de S. Francisco de Sales, Cap. VIII, Art. 2°).
A disciplina, entretanto, não era exigida apenas dos internos, mas também dos
salesianos. Eles sabiam que n ão poderia haver boa ordem e boa disciplina, em uma casa, se os
superiores não fossem disciplinados. O sucesso do internato dependia deles. Segundo
Scaramussa (1977), o amadurecimento dos jovens acontecia, assim, num ambiente de
familiaridade, de espontaneidade e de liberdade, na convivência com os educadores, sempre
presente entre os alunos (p. 64). Sendo os educadores os primeiros a dar o bom exemplo.
3.2.7. Castigos
No opúsculo que trata do Sistema Preventivo na Educação dos Jovens, Dom Bosco
dedica cinco itens sobre os castigos. Para ele, dentro do possível, jamais se dever ia fazer uso
de castigos, entretanto, se necessário fosse, eis os procedimentos a serem adotados:
a) O educador entre os alunos procure fazer -se amar, se quer fazer -se
respeitar. Nesse caso, a subtração de benevolência é um castigo que desperta
emulação, infunde coragem sem deprimir.
b) Entre os meninos é castigo o que se faz passar por castigo. Observou -
se que um olhar não amável produz para alguns maior efeito que uma bofetada. O
elogio quando uma ação é bem feita, a repreensão quando desleixo, é um
prêmio ou castigo.
c) Salvo raríssimos casos, as correções. Os castigos, nunca se dêem em
público, mas em particular, longe dos companheiros, e empregue -se a máxima
prudência e paciência para que o aluno compreenda a sua falta, à luz da Razão e da
Religião.
d) Bater, de qualquer modo que seja, pôr de joelhos em posição dolorosa,
puxar orelhas, e outros castigos semelhantes, devem -se absolutamente banir, por
que são proibidos pelas leis civis, irritam sobremaneira os jovens e desmoralizam o
educador.
e) Torne o diretor bem conhecidas as regras, os prêmios e os castigos
sancionados pelas leis disciplinares, a fim de que o aluno não possa desculpar -se
dizendo: "Eu não sabia que isso era mandado ou proibido".
Dom Bosco finaliza suas observações dizendo:
Se em nossas casas se puser em prática este sistema, creio, poderemos
alcançar grande resultado, sem recorrermos a pancadarias, nem a outros castigos
violentos. quarenta anos, mais ou menos, que trato com a juventude, o me
lembro ter usado castigo de espécie alguma. Com o auxílio de Deus, o obtive
sempre o que era de dever; mais ainda, o que eu simplesmente desejava, e isso
daqueles mesmos meninos dos quais se havia perdido a esperança de bom resultado.
( BOSCO, 1983, s.p)
173
.
Assim como em outros internatos salesian os, em Barcelos, os castigos sempre
estiveram presentes. Até porque era o procedimento adotado pela maioria dos pais, em suas
casas, e também por outras instituições de ensino da época; era um procedimento comum
174
,
ainda que não justificável. Santos (2000) reconhece que “a cruz dos educadores tem sido o
problema dos castigos”(p.262) e como salesiano, conhecedor profundo do Sistema Preventivo
de Dom Bosco, diz que é necessário “prevenir para que os castigos não sejam aplicados por
paixão, por amor próprio of endido”(Idem, ibidem) e os classifica em naturais
175
e artificiais:
173
Este texto, redigido segundo a edição publicada em A pedagogia de Dom Bosco atr avés de seus escritos,
Editora Salesiana Dom Bosco, São Paulo, 1983, encontra -se, anexado em Santos, 2000, p. 481-5.
174
Em São Paulo, a boa aceitação das escolas era prejudicada pela severidade excessiva dos mestres -escolas para
com os alunos, que mal podia m responder às perguntas com medo dos rigorosos códigos disciplinares. Havia
castigos físicos (a varada, o puxão de orelhas, o bolo de palma tória) ( SANTOS, 200, p.112). [...] na família,
o menino estava habituado, desde a mais tenra idade, a ouvir calado e rígido as repreensões paternas e, no
colégio, a suportar as durezas da disciplina escolar, que, muitas vezes, massacrava a natural curiosidade dos
alunos. Alguns colégios, sobretudo os internatos de religiosos, sequer permitiam que seus alunos saíssem, nos
períodos destinados, para as férias ( Idem, ibidem).
175
Os castigos naturais o sempre os melhores, porque, além serem produtos de uma ação má, levam o
aluno a punir a si mesmo; po rém, nem sempre o suficientes. Devem sempre ser destinados a corri gir e
sempre ser o último recurso a utilizar, após terem sido exauridos todos os outros meios e no momento
oportuno. Jamais sejam humilhantes. Para que um castigo consiga efeito, o educador deve estar consciente de
que a pena a infligir é justa, moderada e proporcionada à falta cometida ( BARBERIS apud S ANTOS, 2000,
p. 263).
Os primeiros consistem em fazer ver as consequências provenientes de uma
ação, como perda do crédito por ser preguiçoso. Os segundos variam. O
educador pode castigar exprimindo o seu desa grado com a conduta do aluno; ao
repreendê-lo com palavras, mediante o gesto, o olhar, o silên cio; mostrando-lhe
desatenção; deixando-o de lado; concedendo-lhe um lugar separado dos outros;
negando-lhe a participar de diversão com os colegas; ou privando -o, por algumas
horas, da liberdade pondo -o junto a uma coluna do pórtico; impondo -lhe privação de
alguma coisa, dando-lhe más notas [...] de procedimento; comunicando aos pais ou
responsáveis sua má conduta (SANTOS, 2000, p.262)
No internato de Barcelos o castigo sempre existiu. Às vezes de forma sutil, mediante
um olhar não amável do diretor, ou por meio de uma repreensão em particular, de forma
racional, conforme ensinava Dom Bosco e outras vezes, de forma tal que o próprio Dom
Bosco, se lá estivesse, certamente reprovaria.
Por exemplo, o castigo do “cavaquinho”, mencionado por alguns dos ex -alunos do
internato: eu me lembro como se fosse hoje tudo o que acontecia naquele tempo. O padre
diretor [...] era um grande rígido e cruel. Eu me lembro que ele t inha uma pequena vara, de
mais ou menos uns 60 cm, envernizada. Ele a chamava de cavaquinho. E qualquer coisa que a
gente fazia de errado, ele, o padre, chamava na diretoria e dava umas lapadas nas pernas. A
pessoa pulava, chorava e gritava de tanta lambad a nas pernas e após estas lambadas, ainda
tinha de enfrentar mais alguns minutos em pé no toco da coluna”.
Ainda sobre o cavaquinho: pra falar a verdade tinha um interno naquela época que
todo o dia ele provava do cavaquinho do padre, e até hoje ele é con hecido por cavaquinho
devido as traquinagem que ele fazia”.
“Na minha época, tinha um que apelidaram de cavaquinho. O padre [...] andava com
uma varinha chamada cavaquinho, ele dava “vápite” nas pernas o caboclo começava a pular.
Diziam que ele tava tocand o cavaquinho e o cara dançava. Então esse camarada, por incrível
que pareça, todo o dia ele pegava [...] lá do padre”.
“Em algumas ocasiões foi aplicado o "cavaquinho" que era um bastão de madeira
polida, usado por um certo vigário que batia nas pernas do interno infrator, chegando muitas
vezes a ferir a batata da perna, hoje, panturrilha para os nobres. Em outras situações eram
aplicadas penas maiores, dependendo do infrator, como até derrubada de árvores sob sol
torrencial para ser utilizada como lenha na cozinha do colégio”. Eu briguei. Eu e o [...]. Aí o
assistente viu e disse pro diretor. [...] o diretor disse: “vocês estão vendo aquela castanheira,
vocês vão ter de derrubar aquela castanheira”. A gente terminou o resto do horário do trabalho
lá. A gente não chegou nem na metade da castanheira. Aquele foi o castigo da briga”.
Estes tipos de castigos, entretanto, não eram condizentes com o pensamento de Dom
Bosco, para quem, o sistema preventivo, na prática, c onsistia em tornar conhecidas as
prescrições e as regras da instituição, e depois vigiar de modo que os alunos estevessem
sempre sob os olhares atentos do diretor ou dos assistentes. Que por sua vez, “como pais
carinhosos”, deveriam orientar e servir de guia em todas as circunstâncias, dando conselho s,
corrigindo com bondade e colocando os alunos na impossibilidade de cometerem faltas(
BOSCO apud SANTOS, 2000, p.481).
Vejamos outras situações narradas pelos ex -internos, onde aparecem outros tipos de
castigos:
“Após a merenda da tarde fomos para o cam po de gado roçar, e quando chegamos,
essa pessoa do qual eu estou falando , subiu num de jaqueira e tirou uma jaca mais ou
menos pesando de 7 a 8 kg, que pra desgraça dele a jaca estava verde. Quando o assistente
chegou onde nós estávamos e viu a jaca no chão, perguntou quem tinha apanhado a jaca e nós
falamos quem foi. Ele chamou essa pessoa, cortou a jaca no meio, amarrou dois cipós,
colocou sobre o pescoço dele e mandou que ele ficasse em , no sol quente, até a hora que
nós voltamos”. No internato, portanto, a disciplina era rígida, a vigilância era constante e aos
desobedientes restavam as punições, ou os castigos.
As orientações a serem seguidas eram dadas, quase sempre, pelos assistentes. Primeiro
deveriam ser obedecidos os horários de levan tar, rezar, estudar, comer, brincar, dormir, etc.
Depois tinha orientação para cada ambiente. No dormitório e no estudo, por exemplo, o
silêncio e a pontualidade eram exigidos com rigor. No refeitório a causa mais comum de
castigo acontecia devido a queda do prato. Quem deixasse o prato cair, sabia: depois do
almoço, nada de recreio, era coluna. No esporte, entretanto, era que acontecia o maior número
de castigos e a causa era sempre a mesma: briga.
Aos sábados à noite ou aos domingos, na sala de estudo, era feito a leitura de uma lista
de nomes tendo por base o comportamento da semana. Aqueles internos, cujos nomes
constavam na lista, não tinham direito de assistir ao filme, permaneciam na sala de estudo a
a hora de dormir, “ao bem comportado na semana , assistir ao filme era prêmio”, explica um
ex-interno. O mesmo procedimento era adotado em relação a outras atividades como peças
teatrais e passeios aos domingos: quem estivesse na lista permanecia no colégio.
Todo final de mês, o assistente lia as nota s de comportamento de cada interno. A
leitura era feita em público. Quem não conseguia nota ótima ou boa, depois seria chamado
pelo diretor, em particular, para saber o porquê da nota tirada e receber as orientações
devidas. Além da nota de comportamento d o internato havia as notas de comportamento em
sala de aula, determinadas pelo regimento da escola e as notas das disciplinas, ambas
contavam como prêmio ou como punição. O aluno interno que reprovasse nas disciplinas
escolares, assim como o que fosse repr ovado por mau comportamento, perdia a vaga no
internato.
No internato de Barcelos, motivos para punição ou para premiação não faltavam. Eram
muitos. “Para receber o castigo tinha os motivos: conversa na hora do silêncio. Olhar na igreja
para as meninas. Ficar no estudo conversando com os colegas. Chegar atrasado quando tocava
o sino para terminar o recreio”, explica um ex -aluno do internato. O castigo era dado de
conformidade com a gravidade do caso. Roubar um terço do colega: pedir perdão e confessar
em público, prometendo que o mais iria praticar aquele ato. Brigar, a briga era o cotidiano,
era inevitável, castigo: ficar em pé ao lado de uma coluna de cimento [...]. Caso fosse
reincidente a pena dobrava”, explica um segundo. “O castigo variava de acordo com que ele
era praticado, havia o castigo que a pessoa ficava em na coluna, de fazer faxina, de não
merendar. Motivos: brigas, apelidos, quando saia escondido para fazer qualquer coisa sem
consentimento do assistente” diz um terceiro. “F icávamos de na frente de uma coluna ou
então não participávamos das brincadeiras, desobediência ao superior ou brigas com os
colegas” (motivos), menciona um quinto ex -aluno.
Os ex-internos citaram vários tipos de castigos, sendo que o castigo da coluna
176
foi o
vencedor. Todos, sem exceção, o mencionaram: “ O mais comum era a coluna, que era
brindado ao aluno que vacilava com frequência ou cometia pequenos deslizes”. O castigo da
coluna é bem antigo, de vez enquanto tinha um lá”. “[...] no primeiro ano que estudei eu er a
muito danado e por isso digo: se aquelas colunas falassem todas as vezes que eu fosse ao
colégio, elas me dariam boa tarde”.
Os castigos quase sempre eram individuais, todavia, relatos, em nossa pesquisa, de
castigos coletivos. Por exemplo: Certa vez nós ficamos de castigo e a punição foi sem
merenda e sem jantar porque um colega, o [...], mexeu com as meninas”.
Podemos concluir este item dizendo que alguns dos ex -internos consideravam o
regime severo, mas ao mesmo tempo bom e organizado: “ os meninos aprontavam, mas
naquele tempo era diferente, não era como hoje. Hoje você vai para a sala de aula os alunos
tão bagunçando. Ninguém sabe quem é professor e quem é aluno. Antigamente tinha respeito,
não podia nem olhar pro outro assim pra traz, que vinha um puxar sua orelha, dar uma
bofetada, uma reguada na cabeça, se você estivesse na fila era pra se aprumar. Tinha que ser
bem na linha, dos pequenininhos para os maiores”. Pra vocês verem que naquele tempo a
vida no internato não era nada fácil, mas mesmo assim eu gostei e sentia falta e a minha
vontade era de voltar pro colégio. [...] era rígido, mesmo assim aprendi muitas coisas boas”.
176
Segundo Santos (2000) alguns dos castigos, citados na Circular de Dom Basco sobre os castigos (1883),
foram incluídos nos Appunti. Várias disposições, porém, dessa Circular, não era m observadas, normalmente,
nos colégios internatos [...], como por exemplo, o caso das cópias e ficar em pé frente a uma coluna.
3.2.8. Atividades Escolares
As atividades escolares dos internos de Barcelos, passaram por três momentos
distintos. A escola onde eles começaram seus estudos era uma escola informal que depois
passou a funcionar como escola Distrital com o nome de Escola São José e a partir de “1968,
pelo decreto 1212 de 10 de setembro de 1968, publicado no diário oficial 21603 de
11
Maria Auxiliadora e a Prelazia do Rio Negro, as despesas eram arcadas pela Prelazia: “a
Prelazia, através do bispo prelado, com ou sem convênio, seria a única responsáv el pela parte
financeira, pela contratação de pessoal, pela ampliação e pelo equipamento escolar” (Art.
do Regimento da Unidade Educacional Dom Pedro Massa, 1977). Este mesmo
posicionamento aparece no Regimento de 1998, mas com uma alteração. Ele tr az,
explícito, o convênio feito com a Secretaria de Educação e Cultura: “A entidade Mantenedora,
por si, ou mediante convênio com a SEDUC ou outros órgãos, procurará o aperfeiçoamento
do pessoal Docente, Técnico e Administrativo em todos os níveis” (Art. 5 2 do Regimento da
Ecola São Francisco de Sales, 1998, p.12).
Pelo convênio firmado entre a SEDUC e a entidade Mantenedora, a SEDUC paga os
professores e os demais funcionários da escola e a entidade Mantenedora dispõe do prédio
179
.
A escola conta também co m o auxilio do Programa dinheiro direto na escola (PDDE),
mediante a Associação de Pais, Mestres e Comunitários.
Como todas as escolas que pertencem à Diocese possuem propostas pedagógicas e
Regimentos próprios, na prática, a relação entre as determinações legais da SEDUC e as do
Regimento, nos explicou, em entrevista, a secretária da Escola, acontecem por meio de um
calendário que obedece ao total de dias letivos exigido pela SEDUC, mas que ao mesmo
tempo sofre algumas mudanças, como por exemplo, a antecip ação, em alguns dias, no início
do ano, para que as aulas terminem antes da data prevista pela SEDUC
180
. “Aqui em Barcelos
nós nos amparamos no Regimento e vamos tentando seguir as propostas da SEDUC, olhando
sempre as normas do Regimento. O todo de avali ação do rendimento escolar é totalmente
de acordo com o Regimento da Escola”, conclui a secretária.
179
É importante ressaltar que a Escola de Barcelos, de acordo com seu último Regimento (1998), é denominada
de Escola “São Francisco de Sales” enquanto que na SEDUC ela é registrada como: Esc ola “Estadual” São
Francisco de Sales.
180
Segundo a secretária da Escola São Francisco de Sales, para que ocorra a mudança da data do término do ano
letivo é preciso que se faça um calendário próprio e o leve à SEDUC para apreciação e aprovação (isso no
início do ano letivo).
Percebemos que os alunos do internato, desde o início, estiveram submetidos a um
misto de atividades escolares, aquelas próprias do Regime do Internato mais as estipuladas
pelo Regimento da escola, que por sua vez se entrelaçam às propostas da SEDUC.
Antes de 1968, por exemplo, as salas de aulas dos internos e consequentemente as
demais atividades escolares, ainda que sob a direção das irmãs salesianas, ficav am no prédio
dos salesianos, ou seja, no internato. “Naquela época as meninas pra lá e os meninos pro outro
lado, não tinha nada de mistura”, relata um ex -interno.
Depois da junção dos Colégios São José e Patronato Santa Terezinha houve uma
reformulação regimentar, mas nem todas as atividades escolares passaram a ser “mistas”.
Durante várias décadas a escola ofereceu aos alunos internos e aos externos (a partir
de 1938
181
), apenas o curso elementar (primeira à quarta série). Somente em 1975, p ela
Resolução n° 23/74 do CEE/AM publicada no Diário Oficial do dia 24 de abril de 1975, foi
oficialmente reconhecido o Curso de 1
a
a 8
a
série
182
do 1° Grau (hoje, Ensino Fundamental) e
em 1977 pela resolução 026/77 do CEE/AM foi reconhecido o Pré -Escolar, sendo que não
eram aceitos alunos internos no Pré -Escolar.
Em relação às matérias da grade curricular, os alunos do curso elementer, nos
primeiros anos da escola e consquentemente do internato, estudavam Português, Matemática,
Geografia, História e Conhecimentos Gerais
183
. O ensino religioso era obrigatório, mas não
era mencionado como disciplina da grade curricular, ele fazia parte do regimento do internato
ou da catequese praparatória para os sacramentos. Com as mudanças ocorridas a partir de
1968, as disciplinas da gra de, de primeira a quarta ries, passaram a ser: Comunicação e
Expressão, Estudos Sociais, Matemática e Ciências.
181
Início do externato na escola.
182
A primeira turma de 8
a
série formou em 1976. Eram 14 alunos, 6 meninos e 8 meninas. Anexo a este trabalho,
encontra-se o gráfico com a relação dos alunos formados na Escola São Francisco de Sales, de 1 976 a 2005.
183
Segundo a Ata de Exames da Escola São Francisco de Sales datada de 14 de novembro de 1938.
Após 1975, com a implantação gradual de 5
a
à 8
a
séries, os internos passaram a
estudar: Português, Língua Extrangeira, Educação Artística, Ed ucação Física, História,
Geografia, Educação Moral e Cívica, O.S.P.B
184
, Ensino Religioso, Matemática, Ciências e
Artes.
Os internos tinham aulas pela manhã e mais dois momentos diários para a realização
das atividades escolares
185
( tarefas). O primeiro moment o acontecia à tarde das 14 horas às
15:30 e o segundo à noite das 20 horas às 21:30. Estes horários, de segunda a sexta, raramente
sofriam alterações. As exceções aconteciam aos sábados, domingos, dias santos e feriados
nacionais.
Entre as atividades escol ares, como parte integrante, tanto da grade curricular, com
educação física, quanto do regime de internato, havia também as práticas esportivas
186
. Elas
eram consideradas necessárias à vida dos alunos nos colégios salesianos: “Não de se negar
que os esportes exerceram papel significativo na vida dos internatos, como fator de descanso,
relaxamento, de sociabili dade, de alegria e de bem -estar físico” (SANTOS, 2000, p. 453).
No internato de Barcelos as modalidades esportivas mais praticadas eram: o futebol, o
voleibol, o pingue-pongue, o espiribol, as corridas e mais algumas atividades como barra
bandeira, bolinha de gude, corrida de saco, andar com colher na boca, etc. A este respeito
comentam os ex-internos: “As atividades esportivas funcionavam logo após o almoço, aos
sábados e aos domingos”. No domingo havia futebol depois da missa, durante a semana
havia futebol depois do almoço, das 12:30 até às 13:30, todos os dias”. “Nos esportes todos
tinham participação direta, todo aluno era obrigado a praticar es porte, fazíamos olimpíadas,
enfim, era muito divertido”. “O esporte era praticado de forma competitiva, pois os padres
184
Educação moral e Cívica começou a fazer parte da grade curricular em 1979 e O.S.P.B. em 1980.
185
Segundo a entrevista de um ex -aluno, houve uma época, logo nos primeiros anos do internato, em que um
grupo de internos tinha aulas pela manhã e outro grupo à tarde: “Tinha uma turma que trabalhava e outra que
ia pra aula. Tinha uma turma á tarde [...] enquanto uma turma trabalhava a outra brincava ou estuda va”.
Provavelmente este ex-aluno estava se referindo às aulas de arte (marcenaria, carpintaria, etc.) que
aconteciam em horários diferentes dos das aulas do período matutino.
186
Para as práticas de esportes coletivos os alunos eram separados em grupos: maio res, médios e menores e cada
grupo tinha seu próprio campo ou espaço reservado.
selecionavam os alunos, principalmente os médios e os maiores, [...] para disputar o
campeonato colegial aos sábados à tarde e nas manhãs de domingo”.
Vejamos, também, os relatos de alguns dos ex -internos em relação à educação que eles
receberam no intenato: “O internato para mim foi um período [...] bastante proveitoso, pois
quase tudo que sei hoje aprendi no internato, era uma educação mu ito boa, os professores
eram quase sempre os padres e as freiras que eram bastante preparados e quem tinha interesse
em aprender saía de com uma educação bastante boa e aqueles que podiam continuar em
outros centros sempre se saiam bem”. “H oje sinto saudades daquela época. O internato era um
convívio de alunos que moravam juntos durante um período de 8 meses, e onde todos
dividiam as mesmas tarefas, onde recebiam a educação e a colocavam em prática”. “Eu
comecei a estudar no ano de 1959 e estudei até o ano de 1965. O Colégio São Francisco era
bom. O que eu achei do internato foi que era uma educação muito rígida, mas que valeu a
pena recebê-la. Até hoje ainda me recordo e ainda tento praticar”. “H oje vejo o fruto, muito
embora não seja possível por em pr ática um percentual elevado de tudo o que aprendi na
ocasião [...] considero muito válido o aprendizado adquirido”. “Na minha concepção foi uma
grande soma de bons resultados, todos os ensinamentos, cobranças de deveres e obrigações
valeram muito. Se hoje sou um cidadão que sei discernir o certo e o errado, devo a Deus, aos
meus pais e à educação tão rígida que recebi no internato”. E m 57 fui interno, ai no colégio
dos Salesianos. O ensino era bom, muito bom. Por sinal, muito forte. Com uma diferença
tamanha da educação que a gente vê hoje”.
Percebe-se que a rigidez com que a disciplina era aplicada no internato, é entendida
hoje, pelos ex-internos, como um fator positivo. Para alguns parece ser motivo de orgulho
dizer-se ex-aluno do internato. Todos os ent revistados consideram o ensino que tiveram como
“bom, muito bom ou ótimo”.
3.2.9. Artes e Ofícios
Uma da metas dos estabelecimentos salesianos era transformar meninos pobres em
operários qualificados, que pudessem ganhar honestamente o próprio sustento, além de torná-
los “bons cristãos e honestos cidadãos”; este era o pensamento de Dom Bosco e
conseqüentemente dos seus seguidores. Este mesmo pensamento, adequado aos objetivos das
missões do Rio Negro, cuja função primeira seria tirar os caboclos dos serin gais dando-lhes
uma formação profissional e uma educação cristã, foi implantado pelos salesianos, em
Barcelos, por meio de oficinas de artes ou ofícios
187
.
Para Azzi (2000), a orientação para as “artes e ofícios” mostra que o público -alvo da
educação salesiana, logo no início, era, de preferência, a juventude das classes populares e
que o setor destinado às artes e ofícios ocupava uma posição prioritária. As oficinas tinham
um caráter fundamental de escolas e não de atividade comercial. Nelas os alunos se
preparavam para a aprendizagem de um ofício e somente num segundo momento, estudava -se
a possibilidade de comercializar os produtos (p. 237 -242).
Em Barcelos os internos tinham atividades de artes como parte da grade curricular e
outras atividades como parte do regimento do próprio internato. As atividades de artes mais
comuns eram carpintaria e marcenaria e as demais atividades, ou atividades do internato, eram
limpeza da casa (todo o colégio mais a igreja) e as atividades agrícolas: hortas, roças,
plantação e manutenção do pasto para o gado
188
. De 1976 a 1981, porém, um grupo de
internos juntamente com alguns externos tiveram cursos básicos em eletricidade, mecânica
geral, hidráulica geral, solda elétrica e torno mecânico. Estes cursos tinham orientações
187
Segundo Azzi (2000) quase todas as primeiras fundações salesianas no Brasil foram iniciadas mediante o
ensino de artes e ofícios. Entre outros se destacam o Liceu de Artes e Ofícios de Santa Rosa de Niterói, o
Liceu Coração de Jesus de São Paulo, o Liceu São Gonçalo de Cuiabá, o Liceu de Salvador e a Escola
Profissional da Cachoeira do Campo ( 222 -3)
188
Houve uma época em que um grupo de internos, dentre os maiores, era escala do para ajudar a cuidar do gado,
mas para tal atividade existia um funcionário (o vaqueiro dos padres como era chamado).
3.2.10. Atividades e Práticas Religiosas
Para Dom Bosco, o Sistema Preventivo poderia ser aplicado mediante as máximas
da religião cristã. Sem a religião seria impossível educar a juventude; sem ela seria necessário
recorrer às ameaças e aos castigos
189
.
Para Scaramussa (1977), a religião e a ação pedagógica de Dom Bosco compõem uma
"teologia pedagógica"; uma pedagogia que busca n a religião os elementos fundamentais da
educação, onde os recursos religiosos se tornam procedimentos educativos, numa relação
intrínseca, capaz de modelar a educação, a partir dos elementos religiosos; em uma educação
para a vivência religiosa (p. 76 -81). Por isso “a vida de um aluno interno era, praticamente, a
mesma de um seminarista” (SANTOS, 2000, p. 289).
O fim último da ação “educativa teológica” de Dom Bosco, conforme mencionamos
no primeiro capítulo deste estudo, era a salvação eterna das almas dos jovens e os pontos
básicos que os conduziriam a tal finalidade seriam: a confissão a comunhão, a instrução
catequética, a devoção mariana, a piedade, o acatamento à Igreja, na pessoa do Papa e a
indicação de um programa de vida pessoal e prático para c ada jovem
190
. Estes pontos eram
contemplados diariamente dentro dos internatos salesianos a partir de práticas e atividades
religiosas. Santos (2000) diz que no dia -a-dia da vida do internato, até mesmo nos esportes,
não se dispensavam as manifestações relig iosas
191
(p.285).
189
Para Bosco (1983), dois eram os sistemas até hoje usados na educação da juventude: O Pre ventivo, por ele
utilizado e defendido pedag ogicamente e o Repressivo. O Sistema Repressivo consiste em fazer que os
súditos conheçam a lei, e depois vigiar para saber os seus transgressores e infligir -lhes, quando necessário, o
merecido castigo. Nesse sistema, as palavras e o semblante do superior devem constantemente ser severos e
até ameaçadores, e ele próprio deve evitar toda a familiaridade com os dependentes. O diretor, para dar mais
prestígio à sua autoridade, raro deverá achar -se entre os dependentes e quase unicamente quando se trata de
ameaçar ou punir. Esse sistema é fácil, menos trabalhoso. Serve especialmente para soldados e, em geral,
para pessoas adultas e sensatas, que devem, por si mesmas, estar em condições de saber e lembrar o que é
conforme às leis e outras prescrições( em: O Siste ma Preventivo na Educação dos Jovens).
190
Sobre os pontos básicos da Teologia Pedagógica de Dom Bosco, consultar Scaramussa (1977).
191
“Se se examinam as crô nicas, as revistas escolares, ou as publicações tanto sobre a vida escolar do internato
como do externato, pode-se averiguar a realidade dessa vitalida de religiosa que o se contentava com uma
simples aula semanal de Reli gião ou de uma Missa esporádica”(SANTOS, 2000, p.285).
Em Barcelos, as atividades religiosas estavam profundamente arraigadas à pedagogia
educativa salesiana. Elas permeavam o dia -a-dia do internato e eram consideradas
indispensáveis à vida de cada interno. Para termos uma idéia da veracidade dessas afirmações,
vejamos como as práticas religiosas eram executadas, diariamente, no internato de Barcelos.
Os alunos, às 5:45, despertavam sob as palmas e o convite do assistente que em voz
alta, quase gritando, dizia: “Bendigamos ao Senhor” e todos , ou quase todos
192
, respondiam
em coro: “demos graças a Deus” e imediatamente pulavam das redes
193
. Em silêncio faziam
fila, caminhavam até o rio, onde tomavam banho e escovavam os dentes e ainda em silêncio
voltavam ao dormitório, trocavam de roupa e dirigia m-se para a igreja, para a missa que
começava às 6:30.
Após a missa, todos se dirigiam para o refeitório, ainda em silêncio, e antes de se
sentarem à mesa, o assistente, em voz alta, iniciava o sinal da Cruz, que era seguido pelos
internos. Depois recitavam uma Ave-Maria e concluiam aquele momento de oração com uma
invocação à Nossa Senhora Auxiliadora
194
sentavam e era iniciada a aula. Amiúde as aulas iniciavam e terminavam com uma Ave Maria
e uma invocação à Nossa Senhora Auxiliadora.
Ao meio dia, no refeitório, antes das refeições serem servidas, rezavam -se o Angelus,
uma Ave Maria e a seguinte oração: “Abençai -nos Senhor e o alimento que vamos tomar para
nos manter no vosso santo serviço” e terminava -se com uma invocação à Nossa Senhora
Auxiliadora seguida do sinal da Cruz, como de praxe.
Ao término do almoço rezava -se, mais uma vez, em agradecimento ao alimento
recebido. Esse processo, ou ritual de orações era realizado antes e após o término das
principais atividades do internato.
A última oração dos internos era feita às 22 horas e normalmente seguia esta ordem:
sinal da Cruz, Eu vos adoro, Ave -Maria, Credo, Salve Rainha. Po r três vezes se repetia
"Querida Mãe, Virgem Maria, fazei que seu salve a minha a alma", seguida cada vez de uma
Ave-Maria, do Glória ao Pai e finalizada com a invocação à Maria Auxiliadora e o sinal da
Cruz. Encerradas as orações, o assistente, ou um outr o salesiano, dava o Boa -Noite e em
seguida silêncio absoluto entre todos
195
. A este respeito comentam alguns dos ex -internos:
“Até hoje ainda sei das rezas que eu aprendi”. “A gente rezava demais”. “Rezava antes de
comer, depois de comer, antes do trabalho d epois do trabalho, antes de tomar banho depois do
banho, rezava demais”. “Religião era demais! Missa todo santo dia, terço antes de dormir na
igreja, hora de meio dia, acabava de almoçar, todo mundo pra igreja visitar Nossa
Senhora
196
”. “Hoje eu vou à igreja alguma vez, ouço a missa no rádio. rezei muito. rezei
pra vida toda”.
195
Segundo Santos (2000), a pós as orações da noite, seguia -se silêncio absoluto, chamado silêncio sagrado, para
todos, superiores e alunos, que se es tendia até o café da manhã. Este procedimento era comum em todos os
internatos salesianos(p. 288).
196
Este procedimento era comum no Mês de maio. Nos outros meses a visita, após o almoço, era feita ao
Santíssimo Sacramento.
Além das práticas diárias o calendário
197
anual dos salesianos dava destaque à algumas
datas especiais, comumente chamadas de datas comemorativas, ou simplesmente de festas
198
.
As principais datas comemorativas no internato de Barcelos eram: Semana Santa, no
mês de abril; Nossa Senhora Auxi liadora, no mês de maio, no dia 24
199
, precedida de novena;
encerramento do mês mariano, com a queima das cartas a Nossa Senhora e a distribuição de
um santinho contendo, no verso, sua "resposta", ou seja, um pensamento edificante, um
conselho, ou uma advertência
200
. A este respeito comenta um ex -interno: “a gente tinha o
costume de festejar o mês de maio, o mês de maio era todinho de festa”. “Aí tinha a quele
negócio de fazer cartas pra nossa senhora e depois, no dia 31, queimava e vinha a resposta; a
resposta do santinho e tal e a gente gostava por que era a forma como a gente vivia”.
Outra prática comum nos internatos salesianos, no s de maio, também realizada no
internato de Barcelos, nos dias de novena, era a Prática da “flor” que consistia
na construção de um altarzinho, à frente do qual se faziam orações, nticos,
alocuções de homenagem à padroeira. Diariamente, após as orações da noite, o
diretor ou outro salesiano designado por ele, ao dar a Boa -Noite, lia e explicava um
"pensamento' um "dito, uma sentença", uma virtude ou uma proposta sobre algum
artigo do Regulamento, denominada "flor", que devia ser praticada no dia seguinte:
Essa "flor" normalmente ficava exposta num quadro para que os alunos pudessem
lembrar (SANTOS, 2000, p.297).
Festa do Corpo de Deus (Corpus Christi), no mês de julho, com procissão solene, ruas
enfeitadas e a participação dos internos e dos demais cristãos católicos da c idade e também as
197
Santos (2000) diz que o calendário geral era o mesmo em todos os colégios salesianos, com alguns
acréscimos, dependendo do local em que estavam situados. Essas diferenças, contudo, o eram
significativas (p. 289).
198
As festas, quaisquer que fossem, apresentavam quase sempre esta estrutura: a) parte religiosa, b) parte
esportiva e c) a parte lítero -artístico-musical. O almoço era mais sortido e bem preparado e, por isso, muito
esperado pelos alunos ( SANTOS, 2000, p. 289).
199
Nos internatos salesianos o mês mariano iniciava -se em 23 de abril e terminava no dia 24 de maio, podendo
chegar até 31. No caso de Barcelos o mês mariano terminava, com festa solene, no dia 31 de maio.
200
Esta prática também acontecia em o utros internatos salesianos. Por exemplo no no Liceu Salelesiano do
Sagrado Coração de Jesus, em o Paulo, no dia do encerramento , 24 ou 31 de maio, ocorria uma cerimônia
em que se queimavam as "cartinhas" escritas p elos alunos, dirigidas a Nossa Senhora com os seus pedidos, e
logo, de imediato, com a chegada das respostas no verso de uma pequena estampa, um santinho. Quase
sempre as respostas consistiam num conselho, numa admoestação, num aviso, numa virtude, cuja prática era
mais recomendada (SANTOS, 20 00, p.298).
festas juninas onde eram comemorados: Santo Antônio, no dia 13, São João, no dia 24 e São
Pedro e também o Papa
201
, no dia 29; Festa de Nossa Senhora da Assunção e aniversário do
nascimento de Dom Bosco, no dia 16 de agosto; a Semana da pátria, em setembro e a festa de
Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Barcelos, no dia 8 de dezembro.
As atividades religiosas, explica um ex -interno, “eram executadas com muita
veemência e respeito, principalmente porque a gente achava que quando mais fe rvorosas
fossem as orações ou as atividades litúrgicas, mais se assegurava o lugar no céu”.
As festas, ou comemorações, eram sempre esperadas pelos internos com ansiedade,
porque constituíam dias bem diferentes dos comuns e até hoje o por eles lembradas: Essas
comemorações eram muito esperadas pelos alunos porque era quando havia café com leite
e pão e no almoço uma carnezinha de gado suíno ou bovino. Era uma grande animação”.
Ainda sobre as comemorações do s de maio, relembra um outro ex -interno: as
atividades religiosas eram bem organizadas, [...] nosso professor reunia uns dois grupos de
meninos para ensaiar cânticos em duas vozes e no dia da festa religiosa a gente fazia a
representação”. Diz um outro: “Não havia preocupação em se tratando de qu em organizava o
evento, nossa intenção era participar até porque sempre éramos recompensados com uma
alimentação de melhor qualidade que o tradicional ‘bozó
202
’".
No internato havia também os Retiros Espirituais, as práticas catequéticas, como
preparação para os Sacramentos da Primeira Comunhão e do Crisma e mais as práticas
religiosas pessoais como: visita ao Santíssimo Sacramento e sobretudo a participação efetiva
nos Sacramentos da Confissão e da Comunhão.
201
A fidelidade à Igreja Católica e ao papa sempre foi incentivada e defendida por Dom Bosco. Exemplo disto
são as leituras católicas, iniciadas em março de 1853, com o objetivo de combater a ação evangelizadora dos
protestantes. Esta mesma fide lidade era ensinada nos internatos.
202
Bozó era a denominação dada pelos internos à alimentação cotidiana.
Estas práticas, fervorosamente executadas no inte rnato de Barcelos e comum à
pedagogia educativa dos demais internatos salesianos no Brasil, têm suas justificativas. A
confissão geral, por exemplo, ao retorno para o internato, no começo do ano escolar ou por
ocasião dos exercícios espirituais, tinha para Dom Bosco, explica Santos:
um significado terapêutico, não certamente indiferente ao desenvolvimento moral da
obra de educação cristã. Trata -se de criar as condições normais para uma vida
normal de graça, requisito básico para a construção de qualquer vi da cristã. Mesmo
sob o ponto de vista psicológico, o aluno está moralmente doente e, muitas vezes, é
um anormal psíquico, sem tranqüilidade, sem segurança. Recomendava,
insistentemente, a seus alunos a sinceridade na Confissão, pois além de necessária
para a validade e eficácia do Sacramento, era -o ainda para uma leal e aberta direção
espiritual. Insistia muito na bondade da confissão, garantida pela sinceridade e
seriedade da dor, da firmeza dos propósitos, demonstrada por uma reforma gradual
prática da vida, com a freqüência, no ximo, semanal (para jovens desejosos de
uma vida espiritual regular) a, um mínimo, mensal, até anual aos mais fracos
(SANTOS, 2000, p. 185 6).
A comunhão era defendida com veemência pela igreja católica. Além das
recomendações do catecismo e do Concílio Tridentino, Dom Bosco também a defendia com
propriedade. Para ele a comunhão era uma das colunas do seu edifício pedagógico e quanto
antes ela acontecesse melhor para os meninos:
Afaste-se como a peste a opinião dos que pretendem diferir a primeira
comunhão, para uma idade demasiado adiantada, quando em geral o demônio se
apossou do coração dos meninos com incalculável dano da sua inocência. Conforme
a disciplina da Igreja primitiva, costumava dar -se às crianças as hóstias cons agradas,
que sobrava da comunhão pascal. Isso demonstra quanto preza a Igreja sejam os
meninos admitidos mais cedo à santa comunhão. Quando uma criança pode
distinguir entre Pão e pão, e revela instrução suficiente, já não se olhe para a idade, e
venha o Soberano Celeste a reinar nessa alma abençoada (BOSCO, 1983, s. p.).
A preparação dos internos para a primeira comunhão, apesar de, na maioria das vezes,
ser feita pelas irmãs salesianas, não fazia parte da grade curricular da escola e sim do
regimento do internato. As aulas tinham por base a Bíblia Sagrada e o Catecismo de Pio X.
Uma vez feita a primeira comunhão o interno passava a freqüentar diariamente,
durante a missa, ao Sagrado Sacramento. Entretanto, era orientado a o participar da
comunhão aquele que se achasse em pecado ou que não estivesse em jejum eucarístico
203
.
3.2.11. Concepção de Educação dos Ex -Alunos do Internato de Barcelos
Considerando o posicionamento dos ex -internos, mediante as respostas dos
questionários e das entrevistas do trabalh o de campo, parece-nos correto dizer que a
concepção que eles têm da educação que receberam no internato é a de que ela foi sumamente
positiva. Consideram -na, em seus vários aspectos, como sendo: boa, muito boa ou ótima.
Quando perguntamos se eles colocari am seus filhos no internato se o internato ainda
existisse, com exceção de um deles, que disse: “eu não colocaria, porque eu moro aqui na
cidade”, os demais disseram que os colocariam e assim justificaram: “Se o internato ainda
existisse e fosse igual a o de antigamente sim. Eu colocaria porque a pessoa aprendia muita
coisa, como: trabalho, esporte, boa educação e os estudos eram mais puxados do que os de
hoje. Agora se fosse totalmente diferente eu não colocaria. Talvez hoje não valha apena por
causa dessa lei que criaram amparando a criança e o adolescente, porque eles iam achar que
ninguém poderia castigá -los como antigamente”. Se ainda existisse internato eu colocaria o
meu filho no colégio, porque [...] os alunos aprendiam muitas coisas”. “Sim, o achando que
a educação dada hoje aos meus filhos seja insuficiente, porém para que houvesse um
complemento por uma formação religiosa que muito contribui para a minha formação”. “Se
fosse o mesmo regime da minha época, eu colocaria”. “Se voltasse o internato, mesmo
203
Poucos eram aqueles que se abstinham da comunhão diária, até porque se sentiam constrangidos, visto ser
quase impossível não serem percebidos pelos colegas e pelos salesianos. Jejum eucarístico é uma exigência
da Igreja aos seus fiéis. Hoje a Igreja recomenda uma hora de jejum antes da comunhão. Na época, em
Barcelos, o jejum eucarístico era de seis horas.
morando na cidade eu colocaria meus filhos no colégio, tenho certeza que o aproveitamento
seria nota 10”.
Para os ex-alunos do internato, aquela era e ainda continua sendo a forma ideal de
educar. Alguns até reconhecem que houve exageros em det erminados momentos no regime de
internato, sobretudo em se tratando dos castigos que receberam de alguns salesianos, como,
por exemplo, este que diz: “tirando os castigos, eu acho que foi um regime que não deveria ter
sido extinto”. A maioria, porém, aplau de o sistema e até acha que se o internato ainda
existisse muitos problemas causados pelos jovens, em Barcelos, seriam evitados. Um deles
afirma que dos meninos que estudaram naquela época, é difícil se ver um bandido, não
existe, ali tinha disciplina e h orário pra tudo: de brincar, de estudar, de rezar [...] e hoje a
juventude não tem em quem confiar, não tem alguém que olhe por ela”.
A idéia de que a existência do internato salesiano seria a solução para vários
problemas sociais; idéia que certamente não seria aceita por muitos educadores por não
parecer condizente com os conceitos atuais de educação, aparece também, na reflexão feita
por este outro ex-interno
204
: Hoje, muitos pais deixam seus filhos com parentes ou mesmo
com pessoas estranhas aqui em Barc elos para que terminem o curso médio. Mas, vários não
conseguem chegar ao fim do curso, pois seguem o caminho da bebida e a das drogas.
Outros, devido às mudanças de costumes, ou devido ao ensino ser diferente daquele que
tiveram numa escola rural, onde o sistema era de multi -seriados, não conseguem aprovação na
série do ensino fundamental, se sentem desanimados e não continuam. Não se adaptam e
voltam para seu povoado de origem”.
Um outro problema que poderia ser amenizado, se ainda existisse o intern ato, afirma
ele: seria o problema da desistência escolar: “Quando os pais resolvem acompanhar os filhos
e se mudam para a sede do município, eles precisam sobreviver, mas não têm estudo
204
Este ex-aluno do internato é, hoje, profess or e coordena as atividades das escolas rurais do município.
suficiente para conseguir um emprego e ficam sem alternativa e resolve m voltar para o sitio
ou para os igarapés de onde vieram em busca de piaçava ou de peixes ornamentais levando os
filhos de volta com eles. Isto acarreta um número de desistência muito alto nas nossas
escolas”.
CONSIDERAÇÕES FINAI S
essencialmente católico -cristã, à realidade concreta do ambiente em que ele viveu, em meados
do século XIX.
Seguidores e adeptos ferrenhos da visão educativa teológica de Dom Bosco e
obedientes à Igreja Católica Romana, os salesianos, espalharam -se rapidamente por várias
partes do mundo e, em 1883, após um l ongo período de negociações entre a Cúria Romana, a
Diocese do Rio de Janeiro e o Governo Imperial, chegaram ao Brasil.
No Brasil, inicialmente contaram com o apoio do Governo Imperial e de vários bispos
que ansiosos por aumentar o número do clero de sua s dioceses e consolidar os desejos da
Igreja Romana, os queriam a qualquer custo.
Depois da Proclamação da República, mesmo esta se declarando laica, o povo, na sua
grande maioria, era católico e a Igreja, apesar de desgastada e enfraquecida politicamente,
contava com a catolicidade do povo a seu favor. Era um momento de transição política e
religiosa. De um lado, o Estado vivia seus primeiros momentos de República e lutava para se
consolidar como um Estado laico. Do outro, a Igreja perdia poder, desvincula va-se do regime
de padroado e voltava -se para Roma, tentando consolidar os valores da cultura européia e
cristã entre os povos da América Latina, considerados “ímpios, selvagens e violentos”.
Entretanto, a luta travada entre a Igreja e o Estado, de certa f orma, não impediu que os
salesianos implementassem suas obras educacionais no país. Com exceção de alguns
empecilhos acontecidos, por um curto espaço de tempo, em São Paulo e no Rio de Janeiro, as
atividades educacionais salesianas foram bem recebidas, rec onhecidas e aceitas em várias
partes do Brasil.
Após a consolidação das primeiras obras no Sudeste do Brasil, os salesianos se
espalharam pelas demais regiões do país. Do Rio de Janeiro foram para São Paulo, de São
Paulo para Minas Gerais, em seguida para o Sul, para o Nordeste e em 1914 já estavam
chegando ao Norte. Em 1919, 36 anos depois da chegada dos primeiros sete salesianos
enviados por Dom Bosco para trabalhar em Niterói, eles tinham 45 obras educacionais e
continuavam crescendo.
Antes, porém, em 1910, a Santa criara a Prefeitura Apostólica do Rio Negro, e
quatro anos mais tarde, por Decreto da Sagrada Congregação da Propaganda Fidei, a
entregou aos salesianos. Na época, a região do médio e alto Rio Negro encontrava -se
abandonada, tanto pelas a utoridades governamentais quanto pelas eclesiásticas, conforme
mencionamos no capítulo III.
Diante de tal situação os interesses do Estado Brasileiro coincidiam com os da Igreja
Católica. As portas da Região Norte abriam -se novamente para a entrada de miss ionários e
assim, os salesianos, com o apoio do governo brasileiro e a aprovação da Santa ,
começaram suas abras missionárias no extremo norte da Amazônia.
Sem sombra de dúvida, podemos afirmar que o Estado Brasileiro, apesar de ser laico,
naquele contexto histórico, via a Igreja como uma forte aliada, capaz de ajudá -lo, outra vez,
na proteção de suas zonas fronteiriças.
Ao assumir a o governo da Prefeitura Apostólica do Rio Negro, em 1915, com sede
em São Gabriel da Cachoeira, os salesianos começaram a i mplantação de suas obras
educacionais. Criaram três frentes de obras quase que ao mesmo tempo. As do Rio Negro, as
do Rio Madeira e as do Pará. Entre as obras do Rio Negro encontra -se a de Barcelos, fundada
por eles, em 1924.
Quando os salesianos chegaram à Barcelos, a cidade, assim como toda a região do
médio e alto Rio Negro, também estava em pleno estado de abandono, resultado de um longo
período de desentendimentos políticos entre as autoridades governamentais, conforme
explicam Monteiro (1994) e Collye r (2002). A cidade que um dia fora a capital da Província
do Amazonas era apenas uma vila sem nenhuma expressão política. Economicamente falida,
sobretudo, em razão da decadência do extrativismo da borracha, a partir de 1910.
Em 1927, após três anos de est ada em Barcelos, os salesianos implantaram o sistema
de internato; um sistema que, mesmo não sendo original de Dom Bosco, era parte integrante
do processo educativo pedagógico utilizado por eles na Europa e em outras regiões do Brasil.
A análise que fizemos sobre as práticas educacionais aplicadas no internato de
Barcelos à luz do Sistema Pedagógico Salesiana, por meio da visão atual de ex -internos,
mostra que, em se tratando da questão religiosa, teoria e prática sempre caminharam de
comum acordo. Mas o me smo não pode ser dito, a contento, em relação à razão e à
amorevolezza. Nestes dois pilares de sustentação do sistema pedagógico salesiano, a teoria
pedagógica nem sempre esteve em conformidade com a prática.
Dos três principais objetivos, propostos inici almente pela Prefeitura Apostólica do
Rio Negro, sob as orientações dos salesianos e depois pela Prelazia: “tirar os caboclos dos
seringais, dar-lhes uma formação profissional e uma educação cristã”, apenas o primeiro e o
terceiro tornaram-se realidade.
Se por um lado os salesianos conseguiram tirar os filhos dos caboclos dos seringais e
dar-lhes uma educação cristã, por outro lado a qualificação profissional, teoricamente
pensada, o foi possível. Neste ponto, teoria e prática não se aferiram. A praticid ade
imprimida por Dom Bosco em seu sistema pedagógico, adequada à realidade concreta do
ambiente em que ele viveu e que enalteceu o nome dos salesianos, sobretudo no sul e no
sudeste do país, por meio das escolas de artes e ofícios, parece não ter sido ade quada à
realidade de Barcelos, ou não ter sido implantada no internato.
Os internos, desde o início, estiveram submetidos a um misto de atividades escolares:
as do Regime de Internato, as do Regimento da escola e as da SEDUC. Todavia, nem as
atividades das oficinas, nem as do internato e nem as propostas pela SEDUC eram atividades
de um curso profissionalizante. Portanto o internato de Barcelos jamais qualificou,
profissionalmente, um interno para o mercado de trabalho.
A análise nos mostrou, também, outro s pontos onde teoria e prática não estiveram em
conformidade. Em relação aos castigos, por exemplo, transparece, em toda a exposição, uma
contínua tensão entre o ideal proposto, ou seja a teoria, e a realidade concreta. Alguns tipos de
castigos aplicados por determinados salesianos não eram condizentes com o pensamento de
Dom Bosco. Bater, punir com violência física ou aplicar castigos em público, eram
procedimentos inaceitáveis e deveriam ser banidos das práticas pedagógicas salesianas, o que
não aconteceu em Barcelos.
Mesmo que a rigidez com que a disciplina era aplicada no internato, seja entendida
hoje, por vários ex-internos, como um fator positivo, muitas vezes, ela ultrapassou, na prática,
sem que fosse percebida, os limites do aceitável.
Ainda que a concepção de educação dos ex -internos entrevistados seja fruto da mesma
educação que os convenceu de que ela era boa, muito boa e ótima, alguns salesianos
entendem que o sistema de internato seria inadequado à realidade do mundo atual. Outros,
dentre os mais antigos, embora o ousem negar que funcionou e produziu resultados
positivos, afirmam “terem sido os internatos um mal necessário”.
A tentativa de justificar que a existência do internato salesiano, ou que a educação
proporcionada no regime de internat o seria a solução para vários problemas sociais existentes
em Barcelos hoje, nos parece simplista e inadequada aos conceitos atuais de educação. Hoje,
sabe-se que a transformação social não se efetivará, nem se consolidará sem a educação, mas,
ao mesmo tempo, sabe-se também que a educação não deve ser colocada como o único fator
responsável pela transformação da realidade social.
Por fim, queremos dizer que esta pesquisa não pretendeu esgotar o assunto sobre as
práticas educativas aplicadas pelos salesianos nos regimes de internatos. A conclusão deste
estudo certamente, ainda que utilizássemos os mesmos critérios e metodologias, não seria a
mesma se ele fosse realizado com outros atores sociais. E provavelmente seria diferente até
mesmo se ele fosse realizad o com ex-alunos de outros internatos salesianos do Rio Negro.
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