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das práticas sociais o ‘eu’ se forja em peles, delimitando corpos normatizados,
identidades contidas em papéis definidores: mulher e homem; assim fomos
criados por uma voz tão ilusória quanto real em seus efeitos de significação, cujos
desígnios se materializam nos contornos do humano”, ou seja, essas muitas
identidades correspondentes ao feminino, na verdade, são formas de atuação, são
papéis constituintes da história, dos silêncios e das condutas das mulheres por
décadas. Apesar do feminino ainda manter raízes nos conceitos de mulheres
“burguesas”
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ou ainda “mulheres de boa sociedade”
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, muitas coisas passaram
por mudanças e a representação da mulher ganha novos delineamentos com suas
funções sociais e os papéis assumidos perante a família, a mídia e os homens. É
importante ressaltar que existem resistências e fugas nas imagens representativas
escolhidas pelas garotas, como é caso de mulheres sensuais ou ‘molecas’, além
da representação da força em uma mulher guerreira. Essas representações não
vão de encontro as imagens de mãe, esposa e empresária, são imagens
diferenciadas que atribuem as mulheres outras possibilidades de subjetividades. A
mulher sensual mostra-se com propriedade em meio a lingeries e biquínis, assim
como as ‘molecas’ usam chapeis, saias curtas de xadrez e cabelos de menina. As
mulheres guerreiras vestem papéis cinematográficos que atenciosamente
relembram historicamente poucas mulheres que lutaram por ideais libertadores.
Essas mulheres não são apenas representações de mundos diversos, elas são a
cartografia de um universo feminino ampliado e repaginado para transpor os
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Mulheres consideradas belas, delicadas, compenetradas aos afazeres domésticos e sociais. As
chamadas elegantes damas da sociedade, que estão sempre na moda, informadas e distantes de
uma cultura feminina por anos. Segundo BADINTER (1980, 201-205), a descrição de mulher ideal
herdado pelo discurso moralizador de Rosseu remete-se ao retrato da “natureza da mulher” como
aquela que possui condições de boa educação. A autora ressalta, ainda, que essa idealização da
mulher não é de cunho utópico, mas sim um reforço e uma reprodução acentuada dos traços da
mulher burguesa que o próprio Rosseu tinha diante de seus olhos. A autora relata que para
Rosseu a mulher teria três finalidades naturais e femininas, são elas: saber apenas as coisas que
convém, ser amante em belos trajes e “saber a usar a agulha e a desenhar”.
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“A conveniência ordena às mulheres da boa sociedade que sejam discretas, que dissimulem
suas formas com códigos, alias variáveis segundo o lugar e tempo. O peito, as pernas, os
tornozelos, a cintura são , cada qual por sua vez, objeto de censuras que traduzem as obsessões
eróticas de uma época e se inscrevem nas imposições da moda. Os cabelos, signo supremo da
feminilidade, devem ser disciplinados, cobertos, enchapelados, por vezes cobertos com véu. A
mulher ‘tal como deve ser’, principalmente a jovem casadoura, deve mostrar comedimento nos
gestos, nos olhares, nas expressões das emoções, as quais não deixara transparecer senão com
plena consciência. A mulher decente não deve erguer a voz. O riso lhe é proibido. Ela se limitará a
esboçar um sorriso (...). PERROT, 2003.