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EMILIA DEVANTEL HERCULES
A PERCEPÇÃO DO CORPO FEMININO EM ALUNAS DE ENSINO MÉDIO: uma
composição do discurso feminino e suas imagens corporais.
Dissertação apresentada como requisito parcial
para à obtenção do grau de Mestre em
Educação, Curso de Pós-Graduação em
Educação, Setor de Educação, Universidade
Federal do Paraná.
Orientador: Prof. Dr. Nilson Fernandes Dinis
CURITIBA
2007
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EMILIA DEVANTEL HERCULES
A PERCEPÇÃO DO CORPO FEMININO EM ALUNAS DE ENSINO MÉDIO: uma
composição do discurso feminino e suas imagens corporais.
Dissertação apresentada como requisito parcial
para à obtenção do grau de Mestre em
Educação, Curso de Pós-Graduação em
Educação, Setor de Educação, Universidade
Federal do Paraná.
Orientador: Prof. Dr. Nilson Fernandes Dinis
CURITIBA
2007
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ii
TERMO DE APROVAÇÃO
EMILIA DEVANTEL HERCULES
A PERCEPÇÃO DO CORPO FEMININO EM ALUNAS DE ENSINO MÉDIO: uma
composição do discurso feminino e suas imagens corporais.
Dissertação apresentada como requisito parcial para à obtenção do grau de
Mestre em Educação, Curso de Pós-Graduação em Educação, Setor de
Educação, Universidade Federal do Paraná, pela seguinte banca examinadora:
Orientador: Prof. Dr. Nilson Fernandes Dinis
Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação, UFPR
Prof. Dr. Cláudia Barcelos de Moura Abreu
Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação, UFPR
Prof. Maria
Virginia Filomena Cremasco Grassi
Departamento de Psicologia, UFPR
Prof. Tânia Maria Baibich Faria
Departamento de Teoria e Prática de Ensino, UFPR
iii
DEDICATÓRIA
Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos.
Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles.
A amizade é um sentimento
mais nobre do que o amor,
eis que permite que o objeto dela se divida em outros afetos, enquanto o
amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade.
E eu poderia suportar, embora não sem dor, que
tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem
todos os meus amigos!
Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus
amigos e o quanto minha vida depende de suas existências ..
A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem.
Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida.
Mas, porque não os procuro com assiduidade, não
posso lhes dizer o quanto gosto deles. Eles não iriam acreditar.
Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabem
que estão incluídos na sagrada relação de meus amigos.
Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os
procure.
E às vezes, quando os procuro, noto que eles não tem
noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu
equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente,
construí e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida.
Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado.
Se todos eles morrerem, eu desabo!
Por isso é que, sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles.
E me envergonho, porque essa minha prece é, em
síntese, dirigida ao meu bem estar. Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo.
iv
Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles.
Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos,
cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele
prazer ...
Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a
roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando
comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus
amigos, e, principalmente os que só desconfiam ou talvez nunca vão saber
que são meus amigos!
A gente não faz amigos, reconhece-os.
Amigos
Vinicius de Morais
v
AGRADECIMENTOS
A
Nivaldo Hercules e Lucinda
Devantel Hercules, meus pais,
por todo o esforço.
A
Nilson Fernandes Dinis,
pela amizade, pelo ensino e
dedicação a pesquisa.
A
Sérgio Hercules,
pelo apoio e disponibilidade para
contribuir com este processo de
aprendizagem.
A
Marcelo Moraes e Silva,
fonte incondicional de apoio e
amizade
A
todos os amigos que
enfrentaram essa longa
caminhada ao meu lado.
Aos
professores do Curso de Pós-
graduação em Educação, pela
atenção e dicas.
vi
Quem somos nós, assim, encerrados em corpos
sexuados, construídos enquanto natureza,
passageiros de identidades fictícias, construídas
em condutas mais ou menos ordenadas? Quem
sou eu, marcada pelo feminino, representada
enquanto mulher, cujas práticas não cessam de
apontar para as falhas, os abismos identitários
contidos na própria dinâmica do ser?
Tânia Navarro Swain
vii
SUMÁRIO
viii
ix
x
xi
xii
1
11
15
27
30
31
32
33
33
34
34
35
35
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45
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112
116
117
120
LISTA DA TABELAS..............................................................................................
LISTA DE GRÁFICOS............................................................................................
LISTA DE ILUSTRAÇÕES.....................................................................................
RESUMO................................................................................................................
ABSTRACT............................................................................................................
1. INTRODUÇÃO....................................................................................................
1.1 CAMINHOS E HISTÓRIAS DE UM PROBLEMA.............................................
2. O OLHAR GENEALÓGICO: APONTAMENTOS SOBRE A METODOLOGIA.
2.1 SOBRE O LOCAL.............................................................................................
2.2 SOBRE OS SUJEITOS.....................................................................................
2.3 SOBRE A TEMPORALIDADE..........................................................................
2.4 SOBRE OS INSTRUMENTOS..........................................................................
2.4.1 Observação....................................................................................................
2.4.2 Redação: Carta de Pesquisa.........................................................................
2.4.3 Captação da Imagem.....................................................................................
2.5 VERIFICAÇÃO DOS DADOS...........................................................................
2.5.1 Referente às imagens...................................................................................
2.6 PERCURSOS DE PESQUISA..........................................................................
2.7 DISPOSIÇÕES GERAIS DOS DADOS............................................................
3. AS PERCEPÇÕES DO FEMININO....................................................................
4. IMAGENS DO FEMININO..................................................................................
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................
REFERÊNCIAS......................................................................................................
ANEXOS.................................................................................................................
ANEXO 01: Documento de Contato com a Escola.................................................
ANEXO 02: Carta de Pesquisa...............................................................................
viii
LISTA DE TABELAS
TABELA 01: Disposição do processo de interpretação dos dados.......................
TABELA 02: O que é ser feminino?.......................................................................
44
49
ix
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1: A representação do feminino relacionado a idade............................ 68
GRÁFICO 2: As mulheres representantes do feminino... ...................................... 71
GRÁFICO 3: As outras faces da representação do feminino................................. 82
GRÁFICO 4: As representações dos estilos relacionados ao feminino................. 88
GRÁFICO 5: Os corpos das imagens refletem fatores sociais............................... 92
GRÁFICO 6: As diferentes posturas das mulheres................................................ 94
GRÁFICO 7: Modulando expressões... ................................................................. 97
x
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 01: As transgressões da ‘normalidade’ e da ‘anormalidade’................... 08
FIGURA 02: Exemplo de Panóptico ...................................................................... 30
FIGURA 03: A possibilidade de construção do eu....................................................... 42
IMAGEM 02: As vontades de ser mulher............................................................... 64
IMAGEM 03: Representações do corpo jovem-adulto............................................ 69
IMAGEM 04: Os papéis do feminino....................................................................... 72
IMAGEM 05: Multiplicidade midiática e socialização.............................................. 74
IMAGEM 06: Resistir?............................................................................................ 76
IMAGEM 07: Corpos sem órgãos, órgãos sem corpos.......................................... 77
IMAGEM 08: Masculinidade figurativa.................................................................... 79
IMAGEM 09: Um entendimento do feminino.......................................................... 81
IMAGEM 10: Um feminino mais que biológico....................................................... 83
IMAGEM 11: Inserções culturais............................................................................ 85
IMAGEM 12: Estilos multifacetados....................................................................... 89
IMAGEM 13: Corpos maternos............................................................................... 91
IMAGEM 14: Diferentes escolhas do feminino....................................................... 95
IMAGEM 15: Símbolos construídos ...................................................................... 97
IMAGEM 16: Linguagem escrita e imagética.......................................................... 98
FIGURA 04: Um exemplo das passarelas e dos desejos juvenis........................... 103
FIGURA 05: O estranhamento nada estranho........................................................ 106
xi
RESUMO
As concepções de corpo estão sendo exploradas pela mídia, pode-se perceber um
discurso expressivo na valorização de um corpo magro, linear, longilíneo e dito
saudável. Parece haver uma ditadura da moda vinculada à mídia e exposta nos
corpos das jovens, as quais, às vezes, fazem da escola sua passarela e seu
sucesso. Nessa perspectiva parece ocorrer certa homogeneização do todo, mas é
preciso também atentar-se a alguns movimentos de resistência representados por
esses corpos jovens. No espelho social chamado escola, alegrias e frustrações
são promovidas e confundidas. Assim é também na instituição escolar que
saberes sobre corpo, gênero, mídia, moda e saúde são produzidos e deveriam ser
da mesma forma discutidos. Esta pesquisa pretende cartografar como se formam
essas concepções de corpo na escola por meio da verificação das percepções das
jovens sobre esse corpo. Para tal recorre-se aos conceitos de disciplina, discurso
e controle de Michel Foucault e as colaborações dos estudos pós-estruturalistas.
A obtenção dos dados referentes à pesquisa é constituída por meio de uma
produção escrita sobre “o que é o feminino”, somada à coleta de imagens
representativas deste mesmo corpo, realizadas pelas jovens do ensino médio. Os
entendimentos das garotas perante a temática permitem uma análise ampla que
aponta para algumas respostas simplistas e em voga como a relação de um corpo
feminino materno e disciplinado, ou até outras formas novas de entender a
constituição do corpo, esboçando formas de resistência. Assim este estudo
entende que a percepção do corpo resulta, principalmente, dos processos de
subjetivação e formação do indivíduo, assim como a desconstrução dos discursos
sociais.
Palavras-chaves: corpo, educação, mídia e gênero.
xii
ABSTRACT
Body conceptions are explored by the media and an expressive speech on the
valorization of a thin and lineal body, called healthy, may be noticed. It seems to
exist a fashion dictatorship linked to the media and exposed by young women’s
bodies, which, sometimes, make their school, catwalk and success. In that
perspective a certain homogenization of the whole seems to happen, but it is
necessary to attempt to some resistance movements represented by those young
bodies. In the social mirror called school, happiness and frustrations are promoted
and confounded. It is also at the school that knowledges about body, gender,
media, fashion and health are produced and should be discussed. This research
intends to map how these body conceptions are formed in the school, through the
verification of the female youths' perceptions on their body. For this we appeal to
the concepts of discipline, speech and control by Michel Foucault and to the
contributions of the post-structuralists studies. The data referring to the research
was obtained through written papers on "what is the feminine", produced by female
students of a secondary school added to representative images they have about
their bodies. The girls' comprehension about this theme allows a wide analysis that
points to some simplistic and in vogue answers, such as a relationship between a
maternal and a disciplined feminine body, or even other new forms of
understanding the constitution of the body, including resistance forms. This study
points out that the perception of body results, mainly, from subjectivation
processes and individual's education, as well as the deconstruction of social
speeches.
Key words: feminine, body, gender, media and education
1. INTRODUÇÃO:
Há de alguma forma uma formatação, um pouco individualizante, um tanto
quanto coletiva, que mostra como a mídia se faz presente, concomitantemente, na
forma de ilusão e realidade. Estereótipos são criados em instantes e clones se
multiplicam como grãos de areia em tempestades no deserto. Será que possuir
um corpo da moda é o melhor? Tatuar, furar, pendurar, refazer...?
Ao presenciar a sociedade do consumo, na qual tudo o que é novo se
anseia possuir, na qual os limites para comprar e recriar são ampliados
assustadoramente, seria talvez hipocrisia dizer que o melhor corpo é o que se
tem. Talvez, sejam essas mudanças e essas técnicas de ressignificação do ‘eu’,
que transformaram o sujeito, as mesmas que podem ser um caminho de
resistência e subjetivação da sociedade. Ou ainda, se mencionarmos uma
sociedade imersa no controle fica mais difícil fugir a um padrão de conduta
corporal e moral, pois a sociedade exige formas padronizadas de atitudes e
condutas.
Nos últimos tempos, com o avanço dos meios de comunicação e com a
atuação da publicidade, o jovem tornou-se um personagem a ser edificado,
melhorado e não mais entendido como régua de formatação. Na verdade, o jovem
não é mais um elemento a ser normalizado, disciplinado, pois seu corpo é um
meio de comunicação e relação social. É uma nova forma de exploração do
mundo. Assim, a estrutura educacional, enquanto instituição, possui parte do
papel na formação individual de jovens comprometidos com o mundo, inseridos
em uma sociedade contemporanizada e preocupados em tornar seus corpos
sinalizadores de uma “singularização, na qual incontáveis fios diagonais tramam o
contínuo das metamorfoses”
(ORLANDI, 2002, p.237). A outra parte da formação
deste jovem está relacionada aos valores e condutas que a sociedade lhes impõe
por meio da família, dos amigos e, principalmente, por meio da mídia.
A presença dos meios de comunicação nesta sociedade, acaba por revelar-
se como grande influenciador de opinião, formação e objetivação do sujeito,
levando a crer que a formação educacional do indivíduo no meio cultural esteja
2
intimamente ligada a este fator. Nesse sentido, existe uma preocupação eminente
em relação ao que é vinculado nos espaços midiáticos, pois as explorações do
corpo e das artificialidades estão claras e predominam na propagação de novos
estereótipos infanto-juvenis. Da mesma forma como as modificações corporais,
físicas, impulsionam um foco reflexivo para a formação de resistências relacionada
ao sujeito. Afinal, proporcionam ao mesmo, novas experiências e contatos de
outros ‘eus’ que convergem para a formação de um sujeito múltiplo e polivalente,
instigando-o a procurar novos focos de criação e recriação de estigmas sociais.
O que é mostrado na mídia é consumido com assiduidade, pois existe a
necessidade eminente sentir-se incluído socialmente, de fazer-se presente e
integrado. Segundo BRANCO (2002, p.182), “o resultado desse processo de
controle nada mais é do que o sujeito assujeitado a normas e padrões de
constituição de sua subjetividade, e auto-identificado através de regras
previamente perpetradas de conduta”. Esse fator faz com que se levantem
questões importantes sobre o processo de formação, pois este reflete-se na
escola, lugar onde todas as diferenças e semelhanças se revelam aos jovens de
forma mais contundente. Essa necessidade de integrar-se, de alguma forma,
respalda e reafirma alguns dos discursos sociais, como o caso da saúde, do
feminino, da estética, entre outros.
Na escola pode-se perceber nas crianças e nos jovens o reflexo de muitos
moldes e padronizações, principalmente nas expressões corporais e na linguagem
utilizada. A indagação presente é relacionada a essas formas diferenciadas e ao
mesmo tempo, iguais dos jovens mostrarem-se à sociedade, por meio de “tribos”
sócio-afetivas. Segundo FISHER (2005, p.25) os jovens cobram certa normalidade
entre si ”os colegas também excluem aquele que não se enquadra nos padrões do
pequeno grupo. E as exclusões passam por particularidades como a roupa que
alguém veste, uma ‘calça inútil’, que ‘não é de marca’”. Algumas reflexões estão
sendo feitas sobre a função da beleza e estética corporal influenciadas pela mídia,
tema pesquisado em trabalho monográfico anterior (HERCULES e SILVA, 2004),
fato este que fez despertar o interesse na investigação dos corpos padronizados e
explorados pela mídia e também dos corpos jovens que partilham da resistência.
3
A escola é, na maioria das vezes, um espelho das realizações sociais, é por
meio desta instituição que se podem perceber os acontecimentos e as principais
influências que se apresentam. Os jovens são considerados “público alvo” e
sofrem bombardeios, diariamente, de informações e signos sociais que acabam
por produzir novas formas de corpos e de linguagens. Afinal, segundo FISHER
(2005, p. 24):
Interessante a destacar é o casamento entre as práticas de pedagogia escolar e as
práticas da pedagogia midiática: ambas se irmanam na produção diária de desigualdade, a
partir especialmente de um olhar que identifica, classifica e ordena, produz e reproduz
corpos, objetiva sujeitos, esforça-se em reduzir diferenças e em aplainar possibilidades de
surpresa ou experiências não pensadas.
Algumas pesquisas (CÉSAR, 2004; FIGUEIRA, 2003; GASTALDO, 1997)
indicam como se dá a percepção do corpo feminino na sociedade e de como a
beleza e a saúde vinculadas pela mídia influenciam sobre as formações das
subjetividades dos ditos outros. Talvez isso seja um meio de dissipação dos
discursos na sociedade, os discursos midiáticos parecem ser aqueles que
comentam e possuem seu suporte nos saberes da medicina e da biologia, pois,
segundo FOUCAULT (1970, p.23), existem os “discursos fundamentais ou
criadores; e, de outro, a massa daqueles que repetem, glosam e comentam”.
O que é preciso entender é que novos saberes estão sendo produzidos,
recriados e espalhados e que, os sujeitos dessa sociedade, não são mais
controlados, unicamente, por muros institucionais (como a escola ainda pretende),
mas, sobretudo, por meios mais coercitivos e menos evidentes. É possível que
esse controle ‘invisível’ que a sociedade exerce, ainda não tenha ofertado grandes
ameaças ao sistema educacional, afinal as instituições tem absorvido e
apropriado, continuamente, as perspectivas culturais e sociais inerentes aos
controles cartografados na sociedade contemporânea. Assim, perceber como as
jovens constituem-se enquanto sujeitos em meio às influências do processo de
escolarização e as regras sociais vigentes associadas à mídia, é uma forma de
presenciar a criação de subjetividades variadas. O desafio é observar os fatores
estéticos e os discursos de feminino, na tentativa de compreender um pouco mais
4
sobre a formação de novos sujeitos sociais, que tem a possibilidade de criar e
produzir outras formas de subjetividade.
Atualmente, a responsabilidade educacional está voltada à escola, à família
e, mais especificamente, à televisão, pois o acesso a outros meios ainda é restrito,
como no caso da internet, por exemplo. Pode-se perceber que tudo o que é
veiculado pela mídia passa a ser presenciado e muitas vezes discutido no
ambiente escolar. Acredita-se que o jovem é o público mais afetado em relação às
vendas mercadológicas, pois a sociedade está pautada na relação de produtos e
consumo, que enfatiza a exploração do feminino, da qualidade de vida e da beleza
jovem. Entretanto, surge a questão: Como essa enfática constituição de discursos
de corpos jovens, femininos e belos reflete-se nas jovens escolares?
Neste sentido é necessário compreender a mídia não mais como um meio
capturador e indutivo, pois ela é feita de pessoas para pessoas, é um meio
construído por diversas formas, através do qual divulgam-se valores, posturas,
condutas morais e até mesmo discute-se, de forma superficial e, muitas vezes,
ambígua, o processo de exclusão dos chamados “outros”. A televisão é, em
primeira instancia, uma fonte informativa, mas a mídia já está inserida em meio ao
processo educacional, este é um fator que não pode mais ser negado, sendo
necessário compreender que esta educação midiática é fruto de instigantes
desejos mercadológicos produzidos e comercializados.
Nesse contexto, há uma vontade em esclarecer como as formações
sociais, escolares e midiáticas, transformam e evidenciam os discursos de
feminino em meio aos cuidados e as tecnologias do ‘eu’, cartografando um
indivíduo que tem a possibilidade de percepção sobre as determinações sociais e
assim passa a reagir e a apropriar-se de muitas coisas para transformar-se a si
mesmo. Compreender a importância de outros fatores, como a necessidade da
felicidade social, do pertencer ao grupo, de sentir-se bem consigo, de não passar
despercebida, e nem mesmo ser criticada por não corresponder aos padrões
exigidos, devem ser postos em questão. Afinal, a relação estabelecida pelas
jovens com o mundo é muito mais abrangente, pois sua rede de exigências e
5
desejos compõe-se a cada dia e não é linear e nem mesmo tão clara como se
entende ser.
É preciso investigar essas relações com maior profundidade para que as
interpretações não se baseiem apenas em julgamentos preliminares para que, as
ditas “verdades” e os discursos já constituídos e consolidados possam ser
questionados e repensados, relatando assim, um processo de desconstrução e
desnaturalização de conceitos sociais, como é o caso do feminino. Essa questão
tem sua importância na escola pelo fator educativo, ao questionar-se padrões
corporais, estéticos, pertencimento social e, principalmente, as questões ligadas à
saúde, beleza e feminino, está se questionando o papel escolar na sociedade
atual. A escola é, necessariamente, produtora e dissipadora de conhecimento,
saberes, poder e cultura, como se não houvesse limite para a produção escolar. É
justamente nesse espaço que se constitui uma cultura de valores, na qual se pode
criar uma conduta de comportamentos, normas e necessidades que evidenciam
um tempo/espaço da escola, mas que pode ser assimilada e difundida por outros
ambientes, escolares ou não. Dessa forma, a escola, sua cultura e suas
produções e apropriações, é uma tentativa de apreender e refletir sobre temáticas
tão importantes para a sociedade, como é o corpo.
Ainda assim, nesse universo escolar, é necessário prestar atenção aos
mínimos detalhes e aos microcosmos que tecem as relações de poder detalhadas
pela escola e por outros fatores, como a mídia e a própria constituição da
subjetividade do sujeito que está inserido neste meio. Este trabalho enfoca a parte
da percepção do indivíduo constituído por meio da educação do corpo e seus
muitos critérios de constituição do feminino. Afinal, os discursos de felicidade,
feminino e beleza permeiam a sociedade. A intenção é discutir como esse corpo,
formado por uma escolarização para ser dócil, torna-se comprometido e
intensamente ‘preocupado’ com sua feminilidade e com uma estética do corpo, no
sentido de cuidar-se, manter-se jovem e amado. Afinal não basta apenas ser
saudável, tem que ser bonito, ou ainda como menciona PIOVEZANI FILHO (2004,
p.146), existe um “controle-estimulação, das sociedades de controle, no qual se
observa a eficiência da fórmula :‘Fique nu... mas seja magro, bonito, bronzeado!’”.
6
Com perspectiva de investigar os discursos e as imagens do feminino por
meio do entendimento das relações entre o processo de escolarização e a mídia,
este trabalho lança um olhar para a percepção de jovens garotas que, de certa
forma, são produtos sociais de ambos os processos de formação para, assim,
entender a constituição e repercussão desses discursos em meio a sociedade do
controle.
O entendimento de um corpo cartográfico, diverso e plural ganha força em
uma sociedade que cria novos brinquedos e próteses corporais, o cuidado de si é
refletido na insatisfação e na busca de melhorias corporais para um ‘eu’ mais
bonito, mais saudável, mais sensível ao mundo e ao outro. Assim como a
emergência de uma nova utilidade comportamental, as questões do feminino
abrem-se a uma nova conformatação social, a possibilidade do universo “dito
feminino” constituir-se culturalmente como importante, coerente e, de certa forma,
resistente a uma sociedade de controle e ainda patriarcal, fazem com que esta
investigação aborde as temáticas vivenciadas e discursadas nesta
contemporaneidade.
O feminino é tema recorrente na mídia, passou a constituir um discurso
repetitivo e incansável, que a cada dia impulsiona-se e fixa-se nos conceitos da
moda, pois as dicas, as receitas e os programas direcionados a esta temática são
apresentados por modelos ou ex-modelos que instigam uma cultura ao corpo
jovem, esbelto, longílineo e saudável. Ainda com intuito educativo esses
programas direcionados ao público jovem apresentam as ditas “excentricidades”
ou formas de tratamento do corpo que chocam a formatação e homogeneização
da beleza midiática. Corpos esses que demonstram subjetividades diferenciadas,
resistentes que confrontam os conceitos recorrentes dos discursos da sociedade.
Esses intuitos publicitários são cartografados pela literatura por diversas formas,
pois para SANT´ANNA (2002, p.105):
Juntamente com a busca dos prazeres ilimitados, a nova ordem, que vive sob o poderio
inacreditável da megaindústria constituída pela reunião entre beleza, nutrição e saúde,
prega que tudo pode e deve funcionar como um remédio: a publicidade não cessa de
anunciar alimentos que previnem doenças, superenriquecidos, diante dos quais os
alimentos não passam de seus primos pobres; ou ainda, cosméticos (...) com função
terapêutica e que sugerem o apagamento das fronteiras entre beleza, saúde e bem-estar.
7
Os corpos evidenciados por vezes como excêntricos, tatuados, coberto por
piercings e alterações de diversos tipos, compõem uma forma de resistência às
muitas cobranças sociais relacionadas à objetivação do corpo. Esses jovens
constituíram uma forma diferenciada de subjetivação que, aos olhos da sociedade
controladora, fogem aos estereótipos esbeltícos, saudáveis e muito bem
delineados. Assim segundo SANT´ANNA (2002, p. 102):
Diferente de um monstro, uma relíquia comum é uma quimera. Os corpos dessa nova
ordem se aproximam das quimeras na medida em que devem estar constantemente
disponíveis as inusitadas manipulações da ciência que, por sua vez, reivindica com
freqüência, o estatuto e o tratamento das artes. O primeiro estágio dessa tendência é a
adoção progressiva de intervenções no corpo quase assemelham a ‘novos upgrades’ para
a melhoria da aparência física.
Os corpos se proliferam, moldam-se, modificam-se e transformam-se de
acordo com as mais variadas intenções. Atualmente, presencia-se uma vontade
incontrolável de ser Narciso, segundo SANT’ANNA (2001, p. 58), esta figura
mitológica parece inspirar “a todos na conquista de ‘um tempo para si’”, assim
dedicando ao corpo mais atenção, de forma minimalista fazer dele um acúmulo de
experiências e experimentações prazerosas e belas. Para a autora essa forma de
viver não é a banalização da vida e muito menos tratar o corpo com leviandades,
mas sim “curtir”, fazer da vida um trabalho sobre si mesmo de maneira legítima.
8
FIGURA 01: As transgressões da ‘normalidade’ e da ‘anormalidade’
9
É fato que essas mudanças corporais pareçam um tanto quanto agressivas,
afinal o corpo durante muito tempo sofreu com o processo disciplinador e
regulador das instituições, aprendendo a ser conformado e dito ‘normal’, sendo
que tudo o que foge à regra estipulada é julgado como anormalidade. Dito de
outra maneira, tudo aquilo que não está de acordo com os padrões conhecidos, é
evidenciado como o ‘outro’, a parte excluída e de certo marginalizada. É
importante atentar-se que, neste processo de normas e condutas, criou-se um
conceito de feminino que permeia, desde a sua infância, todo o universo feminino.
Segundo DINIS (2003, p.32), “o processo de disciplinarização exige a renúncia do
presente em proveito do futuro. E ser feliz como nos contos de fadas que, quase
sempre, reserva ao gênero feminino um príncipe, um casamento, filhos e um
‘viveram felizes para sempre’, ou seja, os contos de fada já preparam a mulher
para o papel social de esposa e mãe”. Nessa perspectiva, tudo que foge deste
princípio acaba esbarrando no estranhamento. No entanto, pode-se mencionar
que na sociedade contemporânea a mulher desempenhe outros papéis e que seu
corpo ocupe outros espaços, mas segundo PERROT (2003, p.26) ”isso não
significa que tudo esteja resolvido”, pois zonas de silêncio relacionadas à mulher
ainda persistem e muitos são os discursos se ocupam em determinar o sujeito
feminino.
Com as perspectivas feministas (a partir da década de 70) e depois com os
estudos pós-estruturalistas, o conceito de feminino se amplia e perde sua
conotação biologicista partindo para uma compreensão de desempenho de papéis
sociais exercidos por atores que não necessariamente estão ligados ao sexo, mas
sim estão evidenciados pela cultura na qual estão inseridos. Assim, abrem-se
possibilidades de criarem-se muitas mulheres, muitos sexos diferentes e ainda
diversas combinações, afinal a utilização de uma oposição binária não relata mais
o que é masculino ou feminino. Pois, o conceito de gênero é a percepção de que
masculinidade e feminilidade transcendem a questão anatômica e partem para a
significação, que envolvem as diversas dimensões da vida. Segundo Traverso-
Yépez e Pinheiro (2005, p. 149), as categorias de gênero são dinâmicas e
“permanentemente reconstruídas pelas pessoas em suas interações e com elas
10
os valores, papéis, atribuições e normas de interações entre os sexos.” Onde o
gênero permeia a rede social e manifesta-se de diversas formas, em diferentes
grupos sociais.
O intuito deste estudo é entender como o corpo feminino é representado em
meio à sociedade e como ele é produzido pela história dos discursos da
normatividade. Procura-se perceber também qual é o entendimento de jovens
garotas acerca desta temática, relacionando suas opiniões a seus estereótipos
imagéticos. A princípio, tenta-se investigar quais as principais formas de
entendimento do corpo feminino e como elas se relacionam, tendo por base a
constituição das identidades culturais dos sujeitos formados pelas vertentes dos
discursos sobre corpo e gênero produzidos pela mídia. Um outro fator levado em
consideração, são as questões da pedagogia e do currículo cultural, relacionadas
às temáticas referidas anteriormente, afinal, entre outras coisas, produzem valores
e saberes, regulam as condutas e modos de ser, fabricam identidades,
representações e, de certa forma, constituem relações de poder e incitam meios
de resistência.
Muitos artifícios são utilizados para compor e sustentar o discurso do
feminino, portanto, é notório que a publicidade se valha das representações mais
significativas socialmente para produzir seus ícones e seus produtos. Segundo
SABAT (2001, p.14), “o discurso publicitário está se apropriando de significados
que estão circulando nas relações sociais. Ao mesmo tempo, ele está reafirmando
– e naturalizando – essas mesmas representações através de algumas
estratégias”.
As imagens publicitárias deste corpo não vendem apenas produtos, elas
tornam-se modelos que auxiliam na cartografia dos desejos femininos,
influenciando em processos de intervenções físicas (desde cabelos, maquiagens
até silicones, fios de ouro) com extrema facilidade. Esse fator intervencionista é
favorecido pelo desenvolvimento avançado da medicina e da tecnologia em
modificar as estéticas sociais. Segundo OLIVEIRA JR. (2005, p. 59),
a construção de imagens-corpos se dá tanto nos acessórios que colocamos sobre o corpo,
quanto naqueles que colocamos nele, a pele como limite e interface entre o que está sobre
11
e o que está dentro. Aquilo que é inserido no dentro, por ser entendido como conteúdo
interno corporal, deixa de ser (pensado como) acessório.
Assim, as modificações corporais ganham uma nova especialidade – a
autenticidade, pois a tecnologia do ‘eu’ é expressa no corpo do sujeito por meio de
suas subjetividades, por intermédio do olhar e do desejo de ser ‘eu’. Essa visão de
autenticidade ainda é expressa de forma diversificada por Oliveira Jr., pois é uma
autenticidade que parte de um desejo de ser mulher conciliada ao consumo de um
corpo que satisfaça as necessidades de um ‘eu’ múltiplo e imerso a intervenções
cirúrgicas que tensionam as temporalidades e as historicidades do corpo. A
autenticidade, por meio da tecnologia do ‘eu’, proporcionou um corpo imerso a
uma linguagem e consciência que condizem com as relações culturais em que
este corpo foi criado, desejado e refeito.
O objetivo é investigar as percepções do discurso do feminino nas jovens
do ensino médio, pois essas garotas já passaram por um processo
institucionalizado de disciplinarização - a escola – e, também, estão inseridas em
meio a uma sociedade de controle, o que pode possibilitar o entendimento da
produção do sujeito feminino de acordo com as temáticas propostas. Para que isto
fosse realizado foi necessário investigar como a disciplina e as muitas faces do
controle influenciaram na constituição do corpo das jovens. Foi importante
também, entender a presença da mídia e da escola perante a formação subjetiva
dessas jovens e como essa presença se apresenta perante as escolhas estéticas
das mesmas. Faz-se assim, uma tentativa de apresentar as temáticas como um
processo relevante na constituição do sujeito feminino na atualidade,
considerando os processos de objetivação deste sujeito, com ênfase na
percepção das subjetividades emergentes do sujeito.
1.1 CAMINHOS E HISTÓRIAS DE UM PROBLEMA:
O começo parece intervir rigorosamente nos momentos de desenvolvimento
da pesquisa, assim o interesse em investigar a problemática do discurso feminino
em meio às construções culturais, como a escola, a mídia e família, tornou-se de
extrema relevância. O estudo do feminino permitiu que se pudesse presenciar um
12
fator importante no meio social, justamente a questão da sobreposição dos
discursos, suas permanências e rupturas de acordo com o tempo e espaço.
A escolha da temática do feminino se deu por fatores apresentados
socialmente que relacionam a exaustiva presença do tema na sociedade, afinal
falar em feminilidade, feminino e feminismo parecem assuntos corriqueiros,
cotidianos e que de certa forma foram esgotados. A intenção é demonstrar que
este senso comum, ou obviedade, não apresenta argumentos suficientes para
esgotar esse tema, afinal o cotidiano demonstra apenas um discurso sobre o
assunto. Assim, este trabalho faz a tentativa de cartografar outras
intencionalidades dos discursos que envolvem as mulheres, ou seja, pretende
expor percepções femininas segundo seu próprio olhar.
Em meio aos discursos sociais, o feminino dispõe-se com freqüência na
mídia, na escola, nas ruas, na publicidade e na constituição de sujeitos de uma
sociedade contemporânea. Esse discurso feminino encontra-se moldado pelo
tempo e espaço que ocupa, sofre mudanças e ocupa-se de diversos corpos. O
corpo da mulher é o principal foco de objetivação deste feminino. Assim, o olhar
da mulher sobre si mesma e sobre esta objetivação compõe uma forma
diferenciada de discutir percepções que não são mais tão cotidianas. O fato de
proporcionar às garotas que falem sobre o feminino, é uma forma de instigar
reflexão e desconstrução sobre um tema que parece óbvio.
A temática do feminino demonstrou a preponderância de alguns discursos e
a instalação de outros. No desenvolvimento deste trabalho surgiram muitas pedras
que aos poucos foram sendo removidas. O primeiro obstáculo, que constitui o
primeiro capítulo desta dissertação, foi a composição de uma metodologia
coerente ao estudo e a temática. O percurso metodológico foi desenvolvido de
acordo com as perspectivas pós-estruturalistas, baseando-se principalmente nos
estudos do filósofo francês Michel Foucault e nos estudos de gênero, sexualidade
e educação.
Nesta perspectiva, tentou-se mapear alguns entendimentos importantes ao
desenvolvimento desta pesquisa, como os conceitos de saber-poder, sociedade
disciplinar e sociedade do controle, assim como a presença do discurso em meio a
13
essas relações. Parte-se do entendimento do método genealógico para interpretar
as principais funções desempenhadas pela escola e pela mídia na formação dos
sujeitos, para só depois apresentar algumas formas de resistência do sujeito
perante o processo disciplinador e controlador estipulados por essas instituições.
O momento de resistência é vislumbrado suavemente perante este trabalho e
aparece quando o olhar é lançado sobre os textos e as imagens, apropriando-se
de alguns conceitos foucaultianos.
Para o desenvolvimento da pesquisa de campo foi elaborada uma ‘carta de
pesquisa’ sobre a temática do feminino, esta desvela os discursos sociais mais
comuns relacionados aos papéis da mulher como sujeito formado e condicionado
ao meio social. A pesquisa foi realizada com jovens garotas estudantes do ensino
médio. Os discursos se apresentaram de duas formas diferentes, primeiramente
por meio da linguagem escrita, onde os textos desenvolvidos pelas jovens
demonstraram uma apropriação dos conceitos e discursos médicos, saberes
esses que são amplamente divulgados pela mídia e dissipados coerentemente
pela escola. O outro meio de apresentação dos discursos se deu por meio da
escolha de imagens representativas deste feminino, o que demonstrou a forte
apropriação dos meios midiáticos.
O segundo capítulo é relacionado com os estudos de gênero (feminino),
educação e a composição dos discursos que compõem os papéis sociais. É um
momento, no qual relacionam-se os discursos descritos pelas jovens com a
literatura acadêmica apresentada, compondo uma discussão sobre o feminino em
meio as categorias relacionadas por todos os sujeitos da pesquisa. Fica
evidenciada neste capítulo a sobreposição dos discursos e como eles entrelaçam-
se e muitas vezes se confundem. Há indicações da formação contínua do sujeito
por parte das instituições e, também, algumas tentativas de resistir aos discursos
e produzir outros tipos de subjetividades. Este capítulo inicia-se com a tentativa de
desnaturalização do feminino, desconstruindo os papéis e alguns discursos
recorrentes.
A terceira parte do trabalho é composta pela estruturação dos discursos
imagéticos, discutindo-os juntamente com a literatura. Investindo na perspectiva
14
de desconstrução, as imagens são transvestidas de significados culturais e signos
sociais que remetem aos discursos explorados no segundo capítulo. É explorada a
situação da mídia publicitária como um meio influenciador na formação dos
sujeitos. Afinal por meio da mídia há possibilidade de apropriações do currículo
cultural para a produção de novos sujeitos. A moda, as revistas, a televisão, as
vitrines são meios de exposição, intervenção e produção de sujeitos. Deve-se
levar em consideração o fator dos jovens serem um público muito visado pelas
agências de marketing e propaganda, sendo assim uma parte da população
afetada agudamente pelo processo normativo e controlador dos meios.
A escola constitui-se como um meio institucional e formador dos sujeitos,
dessa forma o trabalho levanta ressalvas sobre a relação da escola com a
sociedade de controle e com os sujeitos jovens e femininos. Da mesma maneira
como aborda as intervenções midiáticas e sociais na formação de um feminino
menos biológico e mais cultural. Instiga a percepção de olhares para uma mulher
que busca diversas técnicas para melhorar sua estética. As considerações finais
deste texto abordam as questões emergentes sobre a busca intensa de beleza,
fama, felicidade e autenticidade que estão sendo estampadas discursivamente em
imagens, textos e conversações cotidianas.
15
2. O OLHAR GENEALÓGICO: APONTAMENTOS SOBRE A METODOLOGIA
Afirmar que o corpo, tal como esta posto atualmente, é uma formação social
aceita, construída e permitida, é um dos princípios para compreender que
liberdade e autonomia são ilusões também implícitas nessa formação. Talvez no
intuito de produzir verdades e escolhas, difundam-se discursos que provocam
suposições de responsabilidade e assiduidade sem considerar o efeito meio
ambiente. Coloca-se que o sujeito é livre e autônomo para escolher, uma verdade
social naturalizada pelo discurso, mas o corpo presente nas ruas não se comporta
enquanto um corpo livre e sim enquanto uma produção momentânea, de modas
reversas e atenuantes de deformidades, podendo-se presenciar uma
padronização, não apenas de um corpo belo, mas, sobretudo, de uma moda a ser
seguida, estipulando um peso ‘ideal’, um rosto ‘ideal’, um conjunto de panos
‘ideais’ – que culmina no ser fantástico e estereotipado - os modelos midiáticos.
Nessa perspectiva pode-se perceber como se dá a constituição do sujeito.
O indivíduo está intimamente preso a uma identidade que reconhece como sendo
sua e a qual o faz ser reconhecido socialmente. Essa identidade é constituída
segundo FONSECA (2003), a partir de “processos de subjetivação”. Na formação
integral desse sujeito, percebem-se dois modos: o de objetivação e o de
subjetivação. Assim o sujeito é constituído pelos modos de objetivação “que o
produzem para que seja objeto de dócil-e-útil e da subjetivação que o produz para
que se torne sujeito preso a uma identidade determinada” (FONSECA, 2003, p.
29). Normalmente, o caráter dos modos de objetivação são difundidos e cobrados
pela sociedade, expostos por vigilância e captura do sujeito pelo sistema. Já os
modos de subjetivação estão relacionados à formação das novas subjetividades
do sujeito, relacionadas a como estão se formando, quais as novas possibilidades
de ser e de pertencer socialmente. Essas relações de constituição do sujeito são
permeadas pela questão político-econômica das situações de produção da
modernidade
1
. Todos esses fatores estão relacionados aos feixes de poder e
1
A modernidade é descrita por Foucault como sendo um período em que se produziu um
pensamento acerca de si. Uma época em que o discurso da razão rege os comportamentos e
necessidades sociais. Um momento em que se guarda uma vontade de poder embutida em cada
16
forças que operam com um caráter difuso pela sociedade e garantem a
capacidade de atingir a todos com seus discursos. Para Foucault (apud
FONSECA, 2003, p. 33), esse poder seria muito mais incitador, suscitador e
incentivador do que um regulador, um proibidor, para ele “o poder seria menos um
controlador de forças do que seu produtor e organizador”, ou seja, efetivando
assim um processo de dominação não explicito, mas gradativo com falsas
impressões de autonomia, como mecanismos sutis ligados à disciplina e
repetições de discursos.
Na sociedade atual o poder ligado à disciplina está voltado a determinações
de regras de vida e de vigilância – tecnologia disciplinar. Quem não se encaixa na
forma padrão é descartado. É assim com o saber, com a empregabilidade e com o
corpo. A disciplina está ligada às técnicas desenvolvidas para a sobrevivência na
selva social, ou seja, está envolta em sua funcionalidade.
2
Tal disciplina facilita e
possibilita a ação da dominação por autonomia, aquela na qual se tem a
impressão de que há escolha para tudo e o sujeito é determinante dessa escolha,
isso se dá graças ao desenvolvimento de um movimento caracterizado pelas
sujeito, e não se percebe. Modernidade, entenda-se aqui, também, como o período em que o
processo de controle sobre o corpo foi desenvolvido e intensificado. Sendo este explicitado pela
sociedade e pautado em disciplinas com o intuito preciso da formação adequada do sujeito. É o
momento histórico em que as proibições, as restrições e regras de conduta moral passam a fazer
parte recorrente do cotidiano. Segundo Foucault, as sociedades modernas criaram uma
mistificação perante alguns discursos, hipervalorizando-os criando um clima de obscuridade e
devotação. Segundo ARAÚJO (2001, p. 70), criou-se o que se “chamou de sociedade disciplinar,
que fabricou indivíduos dóceis e úteis”.Preocupando-se preferencialmente com o “problema da
individualização, da normalização, da disciplinarização e da formação simultânea de saberes e
poderes controladores, cujo resultado é o homem cognoscível pela medicina, pela psicologia, pela
pedagogia”.
2
Devo deixar claro nesta passagem a alusão de M. Foucault a certa limitação da sociedade
disciplinar. Para DELEUZE (1992, p.222), “as sociedades disciplinares tem dois pólos: a assinatura
que indica o individuo, e o número de matricula que indica sua posição numa massa. É que as
disciplinas nunca viram incompatibilidade entre os dois, e é ao mesmo tempo que o poder é
massificante e individuante, isto é, constitui num corpo único aqueles sobre os quais se exerce, e
molda a individualidade de cada membro do corpo (...). Nas sociedades de controle, ao contrario,
o essencial não é mais uma assinatura e nem um número, mas uma cifra: a cifra é uma senha, ao
passo que as sociedades disciplinares são reguladas por palavras de ordem (tanto do ponto de
vista da integração quanto da resistência). A linguagem numérica do controle é feita de cifras, que
marcam o acesso à informação, ou a rejeição. Não se está mais diante do par massa-indivíduo. Os
indivíduos tornaram-se “dividuais”, divisíveis, e as massas tornaram-se amostras, dados, mercados
ou “bancos”.
17
chamadas “tecnologias de si”
3
e a um instrumento descrito por Foucault em alguns
de seus escritos – o chamado panóptico, que constitui sua existência em treinar o
indivíduo a se autovigiar, portanto “cabe ao indivíduo aplicar sobre si mesmo o que
tiver de ser aplicado. Para o poder que vigia resta o papel de olhar, e não mais
coagir pela força física” (FONSECA,2003, p.57). Com isso não se pretende
conseguir a submissão do indivíduo coagido por ferros, mas sim contaminando
suas idéias, corroendo seu pensar e seu agir. Esta função disciplinar tem por si
uma sanção normalizadora, pois
A normalização tende a uma homogeneidade conseguida de uma atuação sancionada no
nível individual, em que desvios e inobservâncias ocorrem. Essa atuação sobre o particular
permite enquadrar as especificidades e diferenças no sistema operacional da disciplina, ou
seja, permite normalizar. (FONSECA,2003, p.60)
Nesse prisma, a individualização traz a autonomia como arma ilusória para
normatizar a sociedade, com uma disciplina voltada à formação dócil e útil, que
favorecerá a homogeneização dos gostos, vontades, costumes gerando, assim,
tradições antes, talvez, inimagináveis. A padronização do corpo é um desses
alvoroçados processos de individualização e normalização social, afinal cada
sujeito possui seu corpo e pode, através deste, operacionalizar suas vontades,
expressar desejos, modificar-se quando e como quiser! A verdade porém nem
sempre corresponde a essa realidade. De fato, pode-se fazer com o corpo aquilo
que se é permitido fazer, ou seja, pode ser gordo se assim a sociedade permitir,
mas essas permissões, autorizações estão pautadas não no prazer, mas sim na
ciência, que determina minuciosamente o que é importante, relevante e adequado
a qualquer fator social, entendamos assim o corpo.
O corpo a partir do séc. XVII sofreu severas modificações, passou de um
corpo suculento, cheio de carnes para um corpo útil e produtivo, e, desde que
sofreu intervenções cientificas, o mesmo vem se modificando e adequando-se ao
3
Essas tecnologias são uma forma de entendimento das experiências do sujeito para consigo
mesmo. Segundo LARROSA (1994, p. 43), “ a experiência de si, historicamente construída, é
aquilo a respeito do qual o sujeito oferece seu próprio ser quando se observa, se decifra, se
interpreta, se descreve, se julga, se narra, se domina, quando faz determinadas coisas consigo
mesmo, etc. E esse ser próprio sempre se produz com relação a certas problematizações e no
interior de certas práticas”.
18
que o saber lhe dita enquanto necessário. Atualmente esse corpo-científico tem se
constituído não apenas enquanto um corpo que segue questões práticas, como:
saúde, educação, moralidade, disciplina. O corpo está preocupado em mostrar-se,
deliciar-se com respaldo médico, afinal a medicina estética foi criada para expor
as beldades e criar belezas à flor da pele. Assim os códigos sociais passaram a
pautar-se em uma computação rentável de relações e lucros capitalizado pelas
forças econômicas.
É possível que neste momento, fique clara a concepção de um sujeito
objetivado disciplinadamente, moldado e útil que dispõem-se segundo discursos
médicos e submete-se aos dispositivos sexuais, fazendo de seu corpo um objeto
confessional, não apenas pela sua fala, mas por seu comportamento. O sujeito faz
por si só o controle de seus atos e julga-se em todos os instantes... ele não
precisa mais de alguém para controlá-lo – ele tornou-se a inspiração humana do
panóptico. Fala de seus comportamentos abertamente, a confissão é ‘assunto de
ônibus’, todos precisam sentir-se protegidos pertencendo ao sistema social. A
absorção de uma idéia de normalidade, de ser aceito é quase que um fator
preponderante socialmente.
Para tentar entender este processo pelo qual o corpo passou, como os
discursos sobre o mesmo foram elaborados e, com o tempo, refeitos e adequados
e ainda, para compreender como este corpo se impregnou de moralidade e
cientificidade, reforçando poderes coercivos, utilizou-se dos trabalhos de Michel
Foucault e de seu método genealógico. Este trabalho tentará explicitar algumas
dúvidas e elaborar alguns pressupostos relevantes em relação à formação do
corpo feminino e seu comportamento, relacionado a uma sociedade de consumo
vendida nos outdoors e televisores espalhados pelo espaço geográfico
globalizado.
Para tanto é necessário dizer o que é o método genealógico, como foi
constituído e, principalmente, quem foi Michel Foucault, afinal durante o percurso
deste trabalho pretende-se desenvolver uma de suas idéias fundamentais – a
genealogia.
19
Devido à importância deste autor para a metodologia e para a constituição
e escrita deste trabalho, será feita a partir deste momento uma breve
apresentação do mesmo, na intenção de contextualizarmos o método. Michel
Foucault, filósofo francês que teve o inicio de sua produção teórica no começo dos
anos 60 e enveredou-se pelo caminho da produção intelectual na década de 70,
públicou muitos livros, nos quais percorreu as temáticas da genealogia do poder e
o aparecimento dos saberes sobre o homem enquanto um dispositivo
essencialmente naturalístico da política e das relações de poder. Foucault esteve
inserido politicamente na sociedade, durante sua vida viajou muito e divulgou suas
idéias pelos continentes europeu, americano e asiático. Sofreu com o preconceito
institucionalista e moralizador, sua postura como homossexual não era
compreendida e nem mesmo aceita perante a academia. Durante sua primeira
fase, fez críticas fortes ao marxismo e ao estruturalismo. Por muito tempo parecia
não fazer parte de nenhuma corrente especifica na filosofia ou na história, mas
atualmente, ele encontra-se, se assim pode-se dizer, “classificado”, estipulado
pela postura pós-estruturalista, a qual busca quebrar com os binômios da verdade,
tenta abandonar os maquiavelismos naturais da sociedade na intenção de politizar
os sujeitos. Foucault assume uma postura hipercrítica, ele tenta aplicar a razão a
diversas circunstâncias e estimula esta análise até o limite, como se pudesse
incha-la afim de que possa explodir o objeto e levá-lo ao estranhamento. A todo
momento constituí-se um processo de desconstrução dos discursos, das
verdades, dos enunciados, do poder e principalmente, do sujeito.
Foucault era um filosófo edificante, daqueles reativos, satíricos, que
oferecem aforismos e paródias. Para ele não existe um método considerado
foucaultiano, sua teoria é composta apenas por um modo particular de escrita e
concepção de mundo que serve de ferramenta para pensar alguns problemas do
cotidiano. Que fique claro, no entanto, que não se pode pensar que os problemas
estão soltos no mundo, é necessário pensarmos a partir de teorias. Justamente
por isso, Foucault complementa, sua teoria não serve para qualquer objeto, ou
para operacionalizar uma pesquisa, pois afinal, como uma ferramenta, a mesma
passa a ser muito específica. Assim é necessário conhecer a teoria foucaultiana
21
mais detalhadamente este método, especificamente, por este trabalho condizer
com esta concepção de pesquisa.
A terceira fase, não menos polêmica, é a considerada como a fase ética, ou
a fase da discussão do ser-consigo. Ela está relacionada à função de obrigação
que o indivíduo assume socialmente. No período ético Foucault desenvolve o
conceito de “cuidado de si” que contribui para um outro entendimento do sujeito
atual. Segundo DELEUZE (1992, p.116), a ética de Foucault discuti a existência
do sujeito como obra de arte, “trata-se de inventar modos de existência, segundo
regras facultativas, capazes de resistir ao poder bem como se furtar ao saber,
mesmo se o saber tenta penetrá-los e o poder tenta apropriar-se deles.” Nesse
período também fica clara uma escrita sobre um sujeito subordinado “as
proibições sexuais (...) continuamente relacionadas com a obrigação de dizer a
verdade sobre si mesmo” (FOUCAULT, 1991, p.45, apud VEIGA-NETO, 2003,
p.96). Isso porque o sujeito discutido pela ética está exposto perante os juízos
morais referentes à cultura humana. A ética em Foucault confronta o processo de
objetivação do sujeito com a formação subjetiva do eu.
Importante deixar claro que este trabalho envolve aspectos de todas as
fases do autor, fator este que se mostrará com maior propriedade nas presentes
análises realizadas. É provável que em meio as muitas possibilidades escritas e
dos temas desenvolvidos por Foucault, a genealogia ou a chamada segunda fase
do autor conduzam em primeiro plano as discussões deste texto.
A genealogia é o momento que foi desenvolvido a idéia do ser-poder
(conceito muito explorado por Veiga-Neto). Este tenta por meio de estratégias
diferenciadas destruir sistematicamente princípios e conceitos ditos com valor de
universalidade. É um processo de desconstrução, ela aborda o objeto de pesquisa
na sua historicidade radical e na tentativa dessa desnaturalização. A genealogia é
feita da historicidade não linear, não existe neste caso causa e conseqüência e
sim elementos que constituem a cultura, a economia, os saberes, a sexualidade...
Desse modo, Foucault desenvolve um conceito importante de continuidade e
ruptura, ou seja, muitos discursos se proliferam e se mantém na sociedade, muitas
22
vezes sofrendo maquilagens, outros em compensação são repensados, deixados
para trás com as mudanças cotidianas.
É preciso entender que as descontinuidades e as continuidades não são
temáticas de fácil percepção social, devido as dificuldades na identificação para
perceber quando um discurso é novo ou modificado, se ele foi recuperado ou
reinventado. Segundo SARGENTINI (2004, p. 90) “é preciso reconhecer o
discurso produzido no interior de coerções. Assim pauta-se em uma concepção de
discurso que se articula com o poder”, pois esse poder articulado é mantedor dos
discursos, ele reproduz e garante a continuidade do mesmo em meio à sociedade.
As descontinuidades são os modos de percepção, que deve, ao menos, ser
considerado, pois é o lançamento de um olhar sobre os fatos de uma outra forma.
Significa compreender que a história não é linear e continua, que nem sempre
tudo o que acontece é de efeito causa e conseqüência. Apontar que as
descontinuidades são frutos da própria contrariedade do ser humano é, na
verdade, deixar olhar o mundo de forma mais descritiva e particular. Os discursos
são pessoais, sofrem uma gama de mudanças e muitas são esquecidas. Na
história também! Os fatos são considerados mais ou menos importantes de acordo
com um determinado contexto social. Com o corpo não seria diferente! Inserido no
contexto histórico-social ele é produzido e constituído pelos discursos vigentes.
O que constrói o objeto a ser pesquisado pode ser a proximidade do
pesquisador com o próprio objeto, ou seja, o olhar que é lançado sobre o objeto
faz dele algo importante, relevante e que necessita de uma historicidade, portanto
escrever sobre o corpo é escrever, particularmente, sobre o olhar que se lança
sobre o mesmo. O que cabe mencionar que essa pesquisa não se põe no lugar de
neutralidade, mas sim se constitui de uma postura ética em relação ao estudo.
Pois o pesquisador também está inserido em meio ao social pesquisado e tudo o
que se faz observável em uma pesquisa sofre influencias das subjetividades
implícitas no olhar do pesquisador e que são refletidas na pesquisa que se realiza.
É justamente esse olhar que tem uma postura, um referencial, uma ética que após
uma reflexão, revelará de certa forma o ‘novo”, aquilo que busca mostrar-se
23
diferente e que perceba-se com uma ressonância social, exprimindo certa fonte de
originalidade!
Na perspectiva de trabalho da genealogia, é necessário que fique claro que
a mesma é uma atividade minuciosa e que, através de estudos, ela está
relacionada com a desconstrução do poder e das questões institucionais. Uma
desconstrução não mediante a negação da historicidade, mas pela decomposição
da mesma em unidades heterogêneas.
O poder está posto enquanto uma rede difusa social e conformada, na qual
as forças não se concentram nas mãos de poucos. Essas forças espalhadas pelo
tecido social são agentes capazes de alterar o estado de um corpo. Temos como
exemplo as instituições disciplinarizantes como a escola, as prisões, os hospitais.
A disciplina é com extrema sutileza causadora de suplícios, afinal segundo
VEIGA-NETO (2003, p. 77) “a docilização do corpo é muito mais econômica do
que o terror”. Essa dócil-utilidade criada a partir do poder disciplinar desenvolvido,
principalmente, pela permanente vigilância panóptica, a qual fez do indivíduo
servo de sua própria vigilância, pois a interiorização de valores, condutas e
comportamentos formaram sujeitos em prisões virtuais. Segundo Foucault (1987,
152), existe um lugar para cada sujeito na rede social, esse lugar é determinado
“segundo suas aptidões e seu comportamento, portanto segundo o uso que se
poderá fazer deles”, exerce-se pressões constantes e oferecem-se modelos
propícios a serem clonados; valida-se um corpo padrão e regulamentado para que
assim todos sejam obrigados “à subordinação, à docilidade, à atenção [...], e à
exata prática dos deveres e de todas as partes da disciplina. Para que, todos, se
pareçam.”
Falar de poder disciplinar é mencionar a aplicação deste,
individualmente, sobre a atuação anátomo-política do corpo, gerando o que
Foucault chama de Biopoder
6
. O interessante é que este biopoder aliado à função
6
Segundo Foucault, o biopoder é o poder estritamente investido ao sujeito. Uma certa forma de
moldar e reescrever o indivíduo socialmente. È o poder disciplinar de um corpo que governa com
uma multiplicidade de muitas cabeças. É uma forma de poder individualizante que se exerce por
meio da anatomo-política do corpo individual. Segundo Veiga-Neto (2003, p.90), “a norma é o
elemento que, ao mesmo tempo que individualiza, remete ao conjunto dos indivíduos; por isso, ele
permite a comparação entre os indivíduos” O biopoder relaciona-se intimamente com a construção
24
da sociedade estatal (quando se aplica à disciplina no coletivo), passa a ser
entendido como uma função naturalizante, de normalidade chamada Biopolítica
7
.
Assim “a norma é o elemento que, ao mesmo tempo em que individualiza,
remete ao conjunto dos indivíduos; por isso, ele permite a comparação entre os
indivíduos”. Essa citação de VEIGA-NETO (2003, p.90) corresponde ao que pode-
se perceber enquanto padronização de sujeito, relacionando todas as questões
políticas e econômicas. Portanto, falar em corpo padrão ou padrão de corpo
saudável, ou ainda beleza exata, é falar explicitamente de um discurso social
naturalizado e absorvido com veemência durante séculos.
Como para Foucault as verdades são construídas por perspectivas
histórico-culturais, elas funcionam como um percurso a ser seguido, uma bandeira
a ser estiada para contemplar mentes ansiosas. O intuito da pesquisa é prestar-se
a rever os fatos com um olhar investigativo profundo, de maneira a desvendar
todas as possibilidades das verdades e não ficar apenas desenhando sempre as
mesmas preocupações. A intenção é analisar o contexto, fazendo perguntas sobre
a construção do objeto. Portanto, não podemos esquecer de outro fator, também
mencionado por M. Foucault, a temporalidade e a localidade, pois as coisas têm
períodos, tempos e espaços diferentes, não são uma estrutura fixa e determinada.
Temos o exemplo da modernidade, que na Europa ocorreu em um tempo muito
diferente do que acontece na América Latina.
Partindo desse princípio, é importante dizer como a escola teve sua
participação no processo de formação do sujeito disciplinar. A instituição escolar
sempre teve seu papel na educação dos corpos infantis, na moldagem do início da
vida do indivíduo. Através da instituição escolar criou-se a relação saber-poder
mais explícita. VEIGA-NETO (2003, p. 84-85) afirma que “A escola foi sendo
concebida e montada com a grande (...) máquina capaz de fazer, dos corpos, o
de um sujeito prescrito a utilidade, onde seu corpo é maquina de produção. Onde o corpo é dócil e
obediente. Relega as poucas possibilidades que tem ao meio a produção e a condução de sua
vida a favor das determinações do sistema em que está inserido. O biopoder foi a forma
encontrada de manutenção do controle e das normas com a ausência de violência. Para Piovezani
Filho (2004, p.140) essa nova maneira “não implicou na ausência de controle, nem mesmo a sua
atenuação, mas tão somente um funcionamento de outra ordem, de outra natureza, mais sutil,
menos agressivo, mas, possivelmente, mais eficaz.”
7
A biopolítica é na sua construção um objeto de dominação mais aguçada do coletivo. Enquanto o
biopoder se ocupa do indivíduo, a biopolítica ocupa-se da população.
25
objeto de poder disciplinar; e assim torná-los dóceis.” Sendo assim, mencionar
corpos dóceis corresponde a explicitar sua maleabilidade e sua tendência a
moldes sociais. E quanto à educação, pode-se observar que a sua promoção é
cada dia menos fechada aos muros escolares e ao distinto meio profissional, pois
a sociedade exige uma formação continuada (diga-se, para sempre) na qual o
aluno é o operário, o executivo é o universitário, ou vice-versa, constituindo com
clareza as sutilezas da sociedade do controle.
8
É importante mencionar que a
referência deste trabalho à sociedade de controle vai de encontro com o
entendimento deleuziano, no qual levanta possibilidades de as cobranças sociais
perante a escola e a educação ultrapassam a questão disciplinar e tornam-se de
poder público, tornando-se um fator preponderante e discutido por todos. Afinal
“em uma sociedade do controle nunca se termina nada”.(PIOVEZANI FILHO,
2004, p.145). Fato de extrema relevância, pois é ainda através da escola que os
discursos sociais são apropriados. Para GREGOLIN (2004, p.105) “toda
sociedade possui instituições responsáveis pela distribuição dos discursos, pelo
gerenciamento das apropriações.” Para Foucault, a idéia que rege, de certa forma,
as essas instituições presentes em sociedades disciplinares, é que o poder é
exercido sobre os corpos, obedecendo a técnicas e mecanismos que organizam a
submissão. Com isso o corpo é alvo de limitações e coerções transformando-se
em objeto de eficiência. Parece que a sociedade disciplinar e institucional inchou-
se e transpôs, de certa forma, algumas idéias e entendimentos para um
abrangente construto social. Essa extrapolação das técnicas, coerções e detalhes
antes institucionais, podem, talvez, apresentarem-se de formas diferenciadas ao
olhar da sociedade do controle.
Para GREGOLIN (2004, p.148) a genealogia, o objetivo de combater as
teorias que universalizam os conhecimentos do saber e assim questiona a
8
Segundo ORLANDI (2002, p.229), as sociedades de controle buscam e utilizam-se de novas e
diferenciadas moedas de funcionamento “o controle remete a trocas flutuantes, modulações que
fazem intervir como cifra uma percentagem de diferentes amostras”. Portanto não é mais o dinheiro
forjado em cédulas e moedas de prata ou ouro que formam um capital, nas sociedades de controle
o que vale é a dedicação, sempre busca-se mais do sujeito. Um exemplo disso é a conformação
educacional, se tem-se o titulo da graduação, logo pede-se o da especialização e depois o
mestrado e assim por diante. Exige-se movimento, aperfeiçoamento e dinamismo como lógicas de
funcionamento.
26
pretensão da ciência em achar-se poderosa. A pesquisa genealógica pretende
ativar os saberes locais enfrentando-os com os efeitos do poder embutidos na
sociedade. Ela opõe-se ao método tradicional e sua função seria demonstrar e
enfatizar as singularidades. Para a genealogia, não há estruturas fixas, nem
mesmo objetivos metafísicos.
A genealogia busca descontinuidades (em vez do contínuo); recorrências em jogo (em vez
de progresso e seriedade). Ela busca a superfície dos acontecimentos, os mínimos
detalhes, as menores mudanças e os contornos mais sutis: observado a correta distancia,
há uma profunda visibilidade nas coisas.(GREGOLIN, 2004, p. 164)
A genealogia é feita do presente e, portanto, serve a ela como documento
em tudo o que pertence, serve ou expressa o homem. Tudo o que demonstra sua
atividade, seus gostos e suas maneiras de ser homem. Esse documento não
possui a necessidade de ser algo “empoeirado” ou que possua uma neutralidade,
e sim espontâneo, voluntário. A única preocupação constante é que o investigador
deve olhá-lo de forma ética e coerente. É preciso lembrar que, na teoria
foucaultiana, nada é fixo ou permanente, portanto, o olhar do pesquisador também
se reconhece enquanto um sistema dinâmico. Pois FOUCAULT (2004), acredita
que: “A história será ‘efetiva’ na medida em que ela re-introduzir o descontínuo em
seu próprio ser.” Pois é necessário compreender que o dinamismo social é que
compõe a história cotidiana, afinal a deslinearidade é corriqueira, mas todos
parecem fechar os olhos a ela. A busca por uma linearidade e uma única verdade,
faz com que muitas das possibilidades do sujeito, do social e da vida sejam
deixadas para trás. A efetividade e a originalidade reside justamente em olhar o
cotidiano com outros olhos.
O pesquisador por esse ângulo, ocupar-se-á com o corpo e suas
modelagens históricas, lembrando e verificando os processos vivenciados para
criar hábitos, higiene e colaborações desse sujeito. A genealogia implica numa
história diferente daquela tradicional, um tanto quanto inquisitiva. A história e a
historicidade da genealogia estão ligadas aos pormenores da sociedade, núcleos
de informações e pequenos discursos repetitivos que compõem o sistema e que,
para a história tradicional, passariam despercebidos.
27
Para ARAÚJO (2001), o genealogista recusa a essência das coisas, elas
não são metafísicas e sim um jogo de forças, um acaso, uma construção. Neste
sentido, comporta ainda núcleos de resistência, de surpresas ou abalos.
Como mencionado anteriormente, a genealogia é um processo de
desconstrução da verdade, portanto, questiona e interpreta fatos do cotidiano de
uma outra forma. A pesquisa no método genealógico entende que a essência dos
objetos e das relações está subordinada a interpretações. Assim, não existe
essência, apenas a aparência criada por meios de discursos. A identidade é
formada por essa interpretação e compõe-se como complemento da montagem
dos grandes quebra-cabeças sociais.
Primeiramente é necessário compreender que a identidade e a constituição
do sujeito são fatores históricos e que a essência não passa de um discurso
seqüencial. Isso faz da genealogia a metodologia que conflui com a atualidade e
com a imagem corporal ideal. Afinal, esse corpo e as verdades de nossos dias
foram produzidos pela sociedade disciplinar, com suas muitas instituições
constituintes de formas de utilidade ao sistema. Já o formato se estende aos dias
em que (sobre)vivemos, alimentados pela sociedade de controle e por futilidades
que fazem tanto parte do cotidiano que se apresentam, como irremediáveis
necessidades. Assim é o corpo atual, cheio de mesclas históricas, étnicas e
sexuais – um corpo-identidade que pulsa para surpreender e faz de sua presença
um signo, um código cartográfico repleto de latitudes e longitudes. Um corpo
tatuado, não apenas por tintas e agulhas, mas por uma vida experenciada que
busca ser autêntico a sua maneira.
Para corresponder às expectativas das composições de uma pesquisa, aqui
está uma parte m0.0001 ll4getv aadar alza(çã (doet)-5.1(r)-1.4(balho am)-5.2(e05.7(t)-515(o)07(da)5.8(o)07(lógu)-4.5(i)0.9co,o )-5.1(uea)-4.5( )]TJ-7.22889 -1.7224 TD-0.0004 Tc041647 Tw[rpret)-532(e)5.6(ade )-5.1((sclrnecr( c)-943(o)5)6(m)-943(o)0.5 fun c)-943ianou da(ueset)-532ãoe do a(m)-943po,oquda o
entluz(a)6(dos )-5.2(e )]TJ2.13889 0 TD-0.0001 Tc001002 Tw[oa que aementueuebelho se bsuervars ae
com ppreender optanto,oeoss a pare( de )-5.1coldet(a)0.8( dein form)-517((çõesduroe)5.9ua)0.8(t)-5.1(e)5.9rm (iaotit)-(oe)5.9
semna se c ompoatum
28
possibilidades de construções culturais e educacionais, inserindo-se em meio aos
temas borbulhantes da sociedade contemporânea.
2.1 SOBRE O LOCAL:
A escola escolhida para a realização da pesquisa localiza-se na região
central de Curitiba, é um dos mais antigos colégios da capital e do estado – o
Colégio Estadual do Paraná. O principal motivo da escolha é a localidade central
que privilegia a possibilidade de acesso, favorecendo assim, observações mais
freqüentes, e também, pelo fato de estar no centro da cidade que faz com que o
estabelecimento agrupe um grande número de alunos de diferentes regiões de
Curitiba.
O Colégio Estadual do Paraná foi construído segundo uma configuração
arquitetônica muito evidenciada nos estudos de Michel Foucault. Como uma forma
de complementação deste estudo pode-se perceber sutilezas desta arquitetura
que são descritas a partir deste momento. O panóptico de Bentham é a figura
arquitetural na qual se baseia essa construção, assim é uma estrutura que
privilegia o processo de vigilância e de controle, individualizando e colocando em
evidencia cada unidade espacial e cada sujeito que ocupa o espaço escolar.
Segundo FOUCAULT (1987, p.165-166), o Panóptico de Bentham é constituído
segundo as seguintes descrições:
o principio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é
vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção
periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção,
uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outras, que dá para o exterior,
permite que a luz atravesse a cela de lado a lado.
A disposição dos elementos da escola favorece a indução de “um estado
consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento
automático do poder”. (FOUCAULT, 1987, p.166). Poder esse que se apresenta
nos corpos itinerantes dos jovens e que é exercido socialmente em meio aos
grupos por via de cobranças evidenciadas entre os pares. O poder institucional é
29
claro e evidente e este permeia as relações educativas e de socialização da
escola.
O panoptismo presente na escola permite que o poder seja inverificável,
através da dissipação, apesar de todos saberem que estão sendo observados. A
forma desta instituição permite que rituais, cerimônias e marcas próprias sejam
criadas e reconhecidas. O poder é exercido, ao mesmo tempo, por ninguém e por
todos. Os grupos de alunos são responsáveis por manterem um poder invisível.
Cada grupo tem uma posição e uma função dentro da escola, são como castas,
possuem status diferenciados e fazem da rede de poder uma malha densa e
provocativa aos estudos.
Além dos alunos, os professores também fazem a manutenção desse
poder, na sala dos professores muitos gráficos de rendimento, conceituação de
aproveitamento e discussões sobre alunos. Como o colégio é muito grande nem
todos os professores ministram aulas para todos os alunos, isso permite que os
alunos possam corromper mais facilmente as linhas tênues de poder-resistência
dentro dos portões da escola.
O formato arquitetônico favorece uma homogeneização do poder, pois a
vigilância é formada a partir dos desejos diversos dos próprios alunos. Cada aluno
sabe de suas responsabilidades e de seus deveres, ou seja, não é necessária
nenhuma força que os obrigue a movimentar-se dentro da escola. O
comportamento é preciso e coordenado.
É possivel perceber em algumas observações feitas na porta da escola,
durante as entradas e saídas dos alunos, como os jovens alunos e alunas desta
instituição transformam seus corpos a todo instante. Isso é notado tanto nas suas
roupas, cabelos, ornamentos e equipamentos, quanto nas modificações da pele,
como tatuagens e piercings. Talvez, para esses alunos o espaço geográfico de
mudança e resistência seja seu próprio corpo, sua propriedade expressiva. O
corpo como meio de arte e propagação de ideologias, conquistas e medos.
30
FIGURA 02: Exemplo de Panóptico
2.2 SOBRE OS SUJEITOS
Esta investigação teve o intuito de compreender como a percepção do
corpo feminino se dá em jovens que cursam o ensino médio, portanto restringiu-se
a observar as garotas de 14 a 17 anos regularmente matriculadas em uma
instituição escolar. A escolha dos sujeitos foi aleatória, todas as garotas presentes
em aulas no decorrer do segundo semestre de 2005 participaram da pesquisa,
desde que estivessem de acordo.
A pesquisa foi realizada com garotas e não garotos, pelo fato de que as
mulheres, normalmente, são alvos privilegiados pela publicidade e discursos
sociais. Pode-se perceber, em análises superficiais de programas televisivos e
trabalhos acadêmicos, que a mídia proporciona e desenvolve muitos discursos em
relação ao feminino na sociedade. De fato, são elas que presenciam todos os dias
a programação publicitária a elas destinada. Além dos fatores publicitários, elas
estão inseridas em uma instituição escolar que é responsável por dissipar os
discursos do saber e assim programar a manutenção dos mesmos. São garotas
31
produzidas por um universo que é questionado por este estudo. Foram escolhidas
por se apresentarem como produtos apropriativos do universo em que estão
inseridos. Ou ainda, por poderem relatar e demonstrarem suas fugas e suas
perspectivas diferenciadas de sujeito em meio a essa malha de poderes que as
cercam.
A possibilidade de escolha das garotas em participar ou não da pesquisa
proporcionou as mesmas uma perspectiva de revelar-se enquanto mulheres
ocupantes de papéis sociais femininos. Todas se mostraram motivadas e confusas
ao serem questionadas sobre o feminino, devido possivelmente, a temática, que
se revelou de forma evidenciada. Pensar sobre o feminino tornou-se uma tortura,
afinal falar sobre obviedades não constituía de certo, uma pesquisa inovadora,
segundo as jovens participantes. As garotas questionavam sempre o porquê de
responder sobre algo que todos já sabiam. Para elas, tudo parecia tão óbvio que
muitas vezes recorreram ao dicionário e a gramática para escrever, na intenção de
não se equivocar na elaboração das respostas.
Isso fez com que, em alguns momentos, a resistência se instalasse, pois
tamanha obviedade não merecia esforço e dedicação por parte das participantes.
Essa recusa por parte de algumas jovens em participar se deu pelo fato de as
mesmas não se proporem a pensar a respeito de sua própria situação como
mulher. Após o primeiro impacto sobre a questão, começaram a aparecer outras
opiniões e a constatação de que não era tão fácil assim pensar sobre essa
“obviedade”. Foi neste ponto que, algumas permaneceram com seus dicionários e
outras tentaram responder da forma mais adequada para elas, considerando sua
inserção social e sua história de vida.
2.3 SOBRE A TEMPORALIDADE
Houve um período de um mês para escolha da escola a ser pesquisada. As
observações dos corpos das jovens, dos signos que portavam e da forma que
agiam perante o sistema social proporcionaram a escolha desta escola.
32
Uma pesquisa qualitativa tem por si só, a intenção de estudar muito mais o
contexto, as possibilidades, a cultura e o cotidiano do que simplesmente recolher
dados e divulgá-los. Talvez, por isso, investigar a escola e as jovens durante um
período médio de tempo seria importante, pois descrever e entender as posturas,
comportamentos, signos e culturas inerentes a uma comunidade específica,
precisa de um tempo considerável. O tempo para observações dentro da escola
foi de dois meses, sendo ampliado em um mês para escrita da redação e escolha
das imagens.
O tempo parece pequeno, mas durante o processo de investigação foram
dedicadas muitas horas por dia observando as alunas desta escola. Não era
apenas uma visita e entrega de ‘cartas de pesquisa’, mas sobretudo uma forma de
aproximação, de entendimento daquele espaço e do tempo que aquelas garotas
dedicavam para a escola, para as tarefas e para todos os outros assuntos que
permeiam suas realidades.
Foi um tempo dedicado a observação da entrada à saída, das chegadas
atrasadas e das ‘matações’ de aula. Um período em que as garotas se permitiam
ser interrogadas sobre o feminino e seu papel social. Momentos de reflexão,
conhecimento e discussões entre elas, sobre o que poderia melhor responder a
‘carta de pesquisa’.
2.4 SOBRE OS INSTRUMENTOS:
Para compor a triangulação dos dados, que é esperada em uma
investigação do cotidiano, são utilizados instrumentos bem conhecidos como a
observação. Porém, para conhecer mais sobre o que é pensado por essas garotas
e o lhes que provocam fascinação, criou-se um formato diferenciado de “pesca
informacional”. Para isso, foi utilizada a escrita de uma redação temática e a
captura/escolha de imagens midiáticas. Esses instrumentos são explicitados com
maior clareza e objetividade nos tópicos seguintes.
33
2.4.1 Observação:
As observações são importantes para perceber a cultura do ambiente, a
forma como os jovens se comportam e quais signos que podem ser vistos, não
apenas na instituição escolar, mas também na sala de aula (ou nas quadras). A
escolha da observação, enquanto instrumento é de extrema complexidade pela
amplitude e olhar que esse instrumento requer. No entanto, compreender a
essência do observar é tão importante quanto. Afinal, não é um trabalho que se
resume em apenas “coletar dados”, na sua pura neutralidade, pois sempre que se
dispõe a observar algo, imprime-se brutalmente uma impressão subjetiva no
objeto. Com isso, propõe-se nesta pesquisa, um olhar ético e condizente com os
pressupostos teóricos adotados para a discussão dos dados. Pois eles são
produzidos e esta é a primeira diferença que deve ser mencionada, afinal olhar as
coisas é, com certeza, lançar sobre elas uma interpretação. Tudo que se pesquisa
já não é mais neutro, pois já ocorreu uma escolha em se pesquisar esse ou
qualquer outro objeto. A observação torna-se importante, pois a própria
genealogia é a percepção do presente através de um olhar histórico e atual.
Estando inserido socialmente e sendo parte do que se é observado as
subjetividades do pesquisador acabam por encontrarem-se implícitas no olhar e
refletidas na pesquisa realizada. É esse olhar que tem uma postura, um
referencial, uma ética e após uma reflexão, que revelará de certa forma o ‘novo’,
aquilo que se quer fazer diferente e que tenha uma ressonância social.
2.4.2 Redação: Carta de Pesquisa
Os dados têm sua base na redação que é temática. Por meio dessa escrita
busca-se o que as garotas entendem por: “O que é ser feminino?” As meninas
desenvolveram um texto livre sobre o tema. Neste sentido papel e caneta, até
lápis de cor para colorir, mas a intenção destas redações é perceber como os
discursos sociais, entre eles a mídia e a escola, detém um papel importante na
disseminação do que se torna feminino. A idéia deste texto escrito é
34
complementada com a imagem de saúde, feminino e beleza que as garotas
anexaram a suas cartas de pesquisa.
2.4.3 Captação da Imagem:
Este recurso é o aliado da redação. Os dois são a composição base para a
desenvoltura desta investigação. Foi solicitado as garotas, que trouxessem uma
imagem do corpo, que as mesmas consideram feminino. A partir desses dois
procedimentos é que as primeiras considerações e análises foram feitas. A
princípio todas essas técnicas (observação, redação, captação de imagem)
puderam fornecer um cenário escolar e dos atores escolares. Pois por meio da
escrita e da expressão imagética, as garotas demonstram a cartografia de suas
vidas, estipulam o tempo/espaço de seu conhecimento, seus saberes, seus
desejos e suas necessidades. As técnicas apresentadas buscam um
entendimento plural do feminino apresentando suas diversas possibilidades de
papéis inseridos no meio escolar e, principalmente, na sociedade.
Estes procedimentos tem a função de facilitar o entendimento das questões
norteadoras deste trabalho, formando uma triplície metodológica mais coerente.
2.5 VERIFICAÇÃO DOS DADOS
Foi realizado um levantamento dos dados adquiridos através da observação
e das cartas de pesquisa, por meio de uma verificação e confrontamento dos
resultados obtidos com as imagens e com a revisão de literatura mencionada.
Consta em um agrupamento de respostas referentes a análise subjetiva e
baseada nos conceitos trabalhados por autores que tratam das temáticas sobre o
corpo. Fazem parte, também, da discussão, depoimentos retirados das
observações que transparecem os conceitos de corpo saudável e suas muitas
facetas, assim como a seleção das imagens mais significativas.
35
2.5.1 Referente às imagens:
Todas as imagens utilizadas no decorrer dos resultados desta pesquisa são
frutos da seleção das próprias imagens feitas pelas garotas. As imagens
escolhidas pelas alunas pesquisadas foram digitalizadas e utilizadas para compor
os resultados desta pesquisa. Assim, cada figura presente nos resultados desta
pesquisa esta identificada de acordo com a identificação da garota que a
escolheu.
2.6 PERCURSOS DE PESQUISA
Para compor esta pesquisa um certo tempo foi gasto pensando no local, ou
seja, em qual escola ela poderia ser realizada. Escolas públicas? Particulares?
Ambas? Até o momento em que um colega de mestrado disponibilizou-se a
ajudar, cedendo suas turmas de primeiro ano do ensino médio em um colégio
estadual renomado – Colégio Estadual do Paraná – que tem uma localização
central, fato este que facilitou a realização da pesquisa e também contribuiu para
uma maior amplitude dos dados, pois neste colégio concentra-se um grande
número de alunos de diversas partes da cidade, de certa forma, abrangendo um
perfil mais amplo e rico na composição dos sujeitos.
É preciso lembrar que toda pesquisa tem um perfil, de certo, padronizador.
É uma forma de enquadrar o outro segundo uma perspectiva teórica e subjetiva. A
observação é uma técnica que proporciona dar visibilidade ao sujeito e dessa
forma também pode provocar uma reação de resistência do mesmo, afinal nem
todos os corpos estão dispostos a serem vistos. Deve-se lembrar, também, a
impossibilidade de neutralidade cientifica, pois sempre ao se lançar um olhar
sobre o outro cria-se também, uma interpretação subjetiva repleta de conceitos e
cobranças institucionalizadas, que acaba por interferir no resultado da observação.
Portanto, esta pesquisa entende a observação como um instrumento que favorece
o entendimento cultural e social em que os sujeitos estão inseridos, vislumbrando
os dados observáveis de forma ética.
36
Outro fator que tomou certo tempo foi a elaboração de um instrumento de
pesquisa, no caso a, “carta de pesquisa”, que pretende cartografar a relevância da
temática: corpo, mídia e educação. Assim foi composto um recorte com duas
temáticas em voga na sociedade, a questão da saúde e sua qualidade de vida e,
também, a personificação do corpo feminino e sua erupção social. Ambas
relacionadas à composição do corpo. Este instrumento foi pensado como uma
composição, onde os alunos levariam para casa, responderiam e depois
retornariam no próximo encontro. Essa decisão, no entanto, foi um tanto arriscada,
afinal, jovens na sua maioria, não gostam muito de tarefas e cobranças.
Com relação à escola, esta requisitou antes de receber a pesquisa, um
registro do que seria feito e para que fins seriam utilizados os dados. Para tanto,
uma carta de “contato com a escola” (anexo 1), foi encaminhada pessoalmente. O
documento foi apresentado e discutido juntamente com a vice-diretora da
instituição. Este foi um passo importante, pois a escola pode compreender melhor
a pesquisa e apoiar a realização da mesma.
A partir da aprovação da instituição todos os trâmites foram combinados
diretamente com o professor que havia disponibilizado suas aulas como meio para
a realização da pesquisa. Após muitas conversas por telefone, a primeira visita
aos/às alunos/as foi realizada. A situação era estranha a todos, a dificuldade em
expressar o sentido da pesquisa, sem deixar que os/as alunos/as rastreassem
respostas da pesquisadora as questões lançadas a eles, foi de extrema
dificuldade, afinal a indução as respostas pode ocasionar o comprometimento de
todos os dados. Neste dia os alunos receberam a primeira fase da pesquisa e
levaram para casa, responsabilizando-se em retornar a “carta de pesquisa” na
semana seguinte. O relato abaixo faz parte das primeiras observações na escola e
correspondem ao primeiro dia da pesquisa com os alunos
9
, que foram registrados
em uma espécie de diário de trabalho; no qual constam registradas impressões
subjetivas da pesquisadora sobre o local e os sujeitos observados.
9
Durante o procedimento de coleta de informações foi utilizada uma estratégia para compor de
forma mais cômoda para a escola a presença da pesquisa – todos os alunos (garotas e garotos)
assumiram a responsabilidade de participar da pesquisa, sem terem esclarecido o recorte da
mesma, que é direcionado as representações das garotas.
37
Cheguei às 12h30min para que pudéssemos acertar alguns detalhes de última hora que
pudessem aparecer e também para retirar qualquer dúvida que restara. Com um frio no
estômago enfrentei minha primeira turma de ensino médio. Neste dia observei a entrada,
desordenada e sempre repentina, muitos chegam com exatidão para o inicio das aulas.
Neste dia também encontrei colegas de pós-graduação que lecionam neste ambiente.
Percebi também que as paredes estavam recheadas de cartazes dos alunos. Na sala dos
professores folhas com os rendimentos dos alunos em todas as disciplinas, quadros de
avisos, datas importantes e também um grande número de alunos de graduação da UFPR
que estavam disponibilizando-se para realizar a prática de ensino. Preenchi minhas turmas
com as cinco aulas, que aconteciam no mesmo dia - quarta-feira. Uma semana depois os
horários mudaram, assim passei a visitar uma turma aos sábados pelas manhãs, quando
possível. Muitas vezes essas visitas foram feitas em terças e sextas, alternadamente, para
conseguir cumprir a pesquisa e os créditos da pós-graduação. As duas primeiras turmas
pareciam muito participativas, já a terceira era pacata e parecia desinteressada. O primeiro
contato deu-se com uma breve apresentação do professor sobre mim e convidou-me a
conversar com os alunos. Apresentei-me em poucas palavras e sanei as dúvidas sobre
meu processo de formação. Os alunos queriam saber mais sobre a pesquisa, mas para
evitar qualquer influência não mencionei detalhes ou discursos que pudessem responder
as perguntas. Expliquei que ao fim da pesquisa falaria sobre o assunto e “todos
concordaram”. Neste dia expliquei a primeira fase da pesquisa e entreguei a ‘carta de
pesquisa’ que se referia ao corpo saudável. Lemos juntos e esclareci os procedimentos,
tirando as dúvidas e outros. Combinamos a entrega para a semana seguinte. Enquanto
explicava passei uma lista de e-mail/telefone para que pudesse manter contato com os
alunos, o que fiz durante o período da pesquisa. Permaneci na sala até o fim da aula,
assim deu-se em todas as turmas.
As devidas concordâncias do primeiro momento eram, apenas, uma forma
clara de engano, pois o comprometimento viria a ser abalado no próximo encontro.
A princípio, quase a totalidade dos alunos concordou em participar. Os garotos
pareciam mais afoitos e as garotas bastante desconfiadas. Algumas meninas de
uma turma, em específico, mostraram-se avessas a participar, pois essas garotas
não responderam a nenhuma fase da pesquisa.
As alunas em questão demonstraram sua resistência à pesquisa não
participando outras, ainda, diziam-se participantes, mas não retornavam as “cartas
de pesquisa”, arrumavam justificativas e o tão famoso “esqueci, amanhã eu trago”.
Era a frase predileta.
Essas garotas utilizaram-se de uma forma de resistência válida, pois,
talvez, não desejassem se submeter ao olhar normalizador da pesquisadora e
esquivaram-se, esconderam-se e não deixaram que seus corpos fossem alvo de
visibilidades que pudessem depois enquadrá-las e observá-las.
38
No segundo momento do contato, segundo dia na escola com os alunos, as
reais intenções começam a aparecer, algumas turmas (2) se apresentam de forma
quase impecável – a maioria dos alunos retornou a carta. Para compensar o
sucesso, as outras quatro turmas não têm o mesmo comparecimento. Abaixo
descreve-se uma breve passagem do relato de campo:
Neste dia me reapresentei aos alunos e cobrei as ‘tarefinhas’, as cartas de pesquisa,
alguns lembraram de fazer, outros esqueceram. Recolhi as folhas respondidas e estabeleci
mais uma semana para os outros. Para que não esquecessem colei cartazes com a data
de entrega nas salas, além disso, enviei e-mail para todos lembrando-os da importância do
trabalho e data de entrega. Ainda criei uma comunidade no orkut
10
, para caso tivessem
dúvidas sobre o trabalho.
Perante este fato, inicia-se uma espécie de chantagem educacional,
ameaças de perda de nota na disciplina, apelos emocionais para que tocassem
seus corações e para que respondessem a pesquisa. Algumas coisas funcionam
como a manutenção ou ganho de nota para os/as alunos/as que participassem da
pesquisa, outras são apenas parte da encenação. Os memorandos, que foram
feitos e colados nas salas, simplesmente sumiram. E-mails eram enviados todas
as semanas para que os/as jovens se lembrassem. A opção de recorrer ao orkut
para lembrá-los do dever, também não funcionou muito bem, pois apenas quatro
garotas fazem parte da comunidade, sendo que apenas uma mantêm contato,
perguntando sobre a pesquisa.
Muitas vezes as meninas parecem resistir, de diversas formas, a um
mapeamento, a um enquadramento e um exacerbado controle que a pesquisa
pode ofertar. Era como se elas percebessem que seus corpos estão sendo
submetidos a um doce, sutil e perigoso jogo de poder, no qual elas são o produto
de um processo útil e disciplinante. Na pesquisa, segundo FOUCAULT (1987, p.
118), há possibilidades de “coerção ininterrupta, constante, que vela sobre os
processos da atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com
uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os movimentos.”
10
Orkut é uma forma muito popular entre os jovens que possuem acesso a internet. É uma forma
de comunicação que pretende reunir e organizar contatos com as pessoas do mundo inteiro.
39
Com medo deste olhar, as garotas apresentaram-se resistentes por meio das
desculpas, dos esquecimentos e das inseguranças.
Durante as semanas seguintes, as cobranças mantiveram-se, assim como
a presença da pesquisadora. Por vezes, a história que se desenrolava era a
mesma: “esqueci, posso trazer semana que vem?” Assim as meninas resistiam
em responder as questões indicadas pela pesquisa. Por vezes a frustração foi o
elemento principal desses encontros, pois as cartas de pesquisa pareciam não
mais voltar e a situação começou a não mais sustentar-se, afinal mais de um mês
se passou e tudo permaneceu na mais plena mesmice. Foi então que surgiu a
idéia de levar até as garotas possibilidades de imagens que pudessem ser um
meio de escolha. Recolheu-se então uma porção de revistas, variadas (Veja, Isto
É, Gente, Capricho, Super Interessante, entre outras), e também uma destemida
“montanha” de jornais com diversas imagens que poderiam de certa forma
colaborar para a conclusão da pesquisa de campo. Como resultado deste
fechamento de trabalho, todas as garotas que não haviam respondido até o dado
momento as cartas de pesquisa, participaram em um momento de aula (cedido
pelo professor).
As revistas e jornais foram colocados em uma sala de reuniões do Colégio,
as garotas que participaram deste momento saiam de suas respectivas salas e
encaminhavam-se para esta sala específica, na qual se portavam de forma tímida,
como se estivessem sendo coagidas, em um primeiro momento. Todas se
sentavam ao redor da mesa e respondiam as perguntas feitas nas duas fases da
pesquisa e conforme iam terminando começavam a manusear as revistas.
Importante salientar que eram sempre as revistas as escolhidas e a “montanha” de
jornais sequer foi tocada. É como se houvesse uma barreira entre os jornais e as
garotas, ou ainda, é como se todas aquelas folhas de jornal nem mesmo
existissem. Possivelmente porque o manuseio e os assuntos das revistas fossem
mais interessantes e condizentes com o cotidiano delas.
Todas as revistas foram manuseadas e folheadas por diversas vezes, mas
uma delas esteve em voga – a revista Capricho foi a mais requisitada pelas
garotas, demonstrando assim a coerência das pesquisas feitas por FIGUEIRA
40
(2003, p. 128), na qual se menciona que: “é possível afirmar que há uma
identidade adolescente feminina fixa ”exposta nesta revista. Pois são textos e
imagens que orientam,acompanham e informam as garotas sobre o uso dos eu
corpo, mas sobretudo são meios de produzir esse mesmo corpo. É uma
identidade preocupada com a aparência, o desejo e o afeto, são imagens que
compreendem uma sedução de corpos belos e bem cuidados.
Muitas vezes as garotas tentavam persuadir a pesquisadora em busca de
respostas para as questões, ou ainda, na escolha das imagens. Na tentativa da
não indução das respostas a pesquisadora pôs-se em silêncio observacional e
auxiliava apenas no fornecimento de materiais como: lápis, papel, canetas e
revistas.
Em uma turma a maioria das garotas não havia respondido a pesquisa, por
sugestão do professor ficamos em sala e todos passaram a fazer a tarefa do dia
as cartas de pesquisa. Durante o processo, algumas meninas começaram uma
discussão momentânea sobre estilos, moda, ser mulher e como ser mulher,
argumentações surgiram e muito do que pretende este estudo foi mencionado nas
falas das garotas. Cada uma criou seu texto, escolheu sua imagem, mas os
discursos proferidos constituíram-se em um momento de avaliação para elas, para
suas condutas e principalmente para esta pesquisa.
Após o término deste dia, todas as garotas desejavam saber sobre quando
a pesquisa ficaria pronta, quando poderiam saber mais sobre os temas que
escreveram e quais eram os objetivos de tais questões. Algumas dúvidas foram
sanadas ali mesmo em sala de aula, mas o compromisso firmado com a escola,
de um retorno desta pesquisa para essas garotas, se dará apenas ao fim deste
estudo.
As observações renderam a este trabalho a possibilidade de compreender
a cultura e a escola em que essas garotas estão inseridas. Outro ponto para qual
a observação colaborou foi a demonstração de como as jovens reagem a
trabalhos ou ‘lições de casa’, pois esse comportamento determinou o andamento
desta pesquisa.
41
Para a composição da pesquisa foram ‘coletadas’ 77 cartas de pesquisa,
que compuseram os dados aqui representados. As cartas foram distribuídas no
primeiro encontro em sala de aula juntamente com o professor responsável pelas
turmas. Quanto ao número de sujeitos relacionados à idade, a presença das
meninas foi mais intensa na faixa dos 15 anos. Esse fato pode estar relacionado a
faixa escolar em que as garotas se encontravam que, na sua grande maioria,
primeira série do ensino médio.
A situação de pesquisa transformou as aulas de história em alvoroço. Afinal
durante dez encontros as jovens foram chamadas a contribuir com opiniões por
meio dos textos. O que poderia ter durado apenas duas aulas tornou-se uma
tortura escolar: lição de casa, pesquisa, redação e muitos compromissos para
cumprir. A desculpa das provas e do pouco tempo era a preferida, mas o recurso
do famoso ‘esqueci’ também apareceu.
Desenvolver o procedimento e a metodologia deste trabalho não foi de
extrema facilidade, pois muitas questões devem ser consideradas para compor o
universo da pesquisa. A delimitação do problema em perceber as resistências dos
corpos foi a parte mais complicada, pois na maioria das vezes as produções
culturais proporcionam um olhar mais moldado às necessidades e desejos
comerciais, assim como um olhar que menciona por vezes a reprodução e a
massificação dos discursos e dos corpos.
A tentativa é a elaboração de um olhar para os processos de resistência de
um corpo, de uma imagem ou discurso, como se as miudezas transpusessem os
estereótipos criados para contemplar as sinuosidades sociais. Olhar um corpo
que foi objetivado institucionalmente e fez dos seus desejos, formas fagocitárias
de apropriação e transformação de conceitos ‘naturalísticos’ impressos na
sociedade. A percepção das garotas sobre o feminino é uma percepção delas
sobre elas mesmas, sobre o papel que assumem frente ao contexto histórico-
cultural.
42
FIGURA 03: A possibilidade de construção do eu.
2.7 DISPOSIÇÕES GERAIS DOS DADOS
Foram distribuídas 145 cartas de pesquisa, das quais retornaram 82, essas
cartas é que compõem as respostas reveladas neste trabalho. As garotas
participantes da pesquisa, são alunas da primeira série do ensino médio e na sua
maioria (57) encontram-se na faixa etária dos 15 anos, 21 delas têm 14 anos e
apenas 04 têm 16 anos. As 82 cartas de pesquisa continham textos que
respondiam a questão sobre ‘o que é o feminino’. Textos esses que compõem a
primeira parte da discussão destes dados. É um momento em que as garotas
participantes dispõem-se a falar sobre uma temática do cotidiano e mostram em
inúmeras palavras, idéias e indignações as formas aparentes e sociais do
feminino. Para esse primeiro momento, os textos foram lidos e dispostos em
categorias. A formação das categorias foi composta pelo número de vezes que
43
uma resposta aparecia no texto de cada garota. Cada categoria expõe um
conjunto de respostas que indica uma forma de feminino. As repostas foram
agrupadas de acordo com a indicação de feminino, por exemplo: categoria
“relacionado ao lar” indica posturas e denominações escolhidas pelas garotas
como a de ser mãe, esposa ou ações como cuidar dos filhos e casar-se. Cada
categoria se autodenominou e fez-se importante juntamente com o fator que as
indicou, ou seja, o texto das garotas.
Quando se trata da segunda parte deste trabalho, na qual são exploradas
as imagens escolhidas pelas garotas tem-se que das 82 cartas de pesquisa, as
escolhas das imagens pelas garotas foram, na sua grande parte (56 cartas),
simples, na qual apenas uma imagem foi escolhida para esta representação. Oito
garotas escolheram duas imagens representativas apenas seis jovens optaram
por um número maior de imagens (3) e ainda cinco garotas escolheram quatro ou
mais imagens que representassem o feminino. Ocorreram cinco casos de opção
de não representação, os quais as garotas não ‘colaram’ nenhuma imagem de
feminino. Algumas justificam que o feminino que elas descreveram não pode ser
representado por nenhuma imagem. Outras, mencionam que a imagem que
procuraram para a representação não pode ser encontrada. Esse é um fator
diferenciado e também, de resistência, não apenas a um corpo dito feminino e
representado por imagens padronizadas, mas também, ao olhar investigador e,
muitas vezes, inquisidor da pesquisa. a percepção de que as algumas garotas
preocupam-se em resistir a um corpo padrão, in-5.1(ati-4(ão r1êdeet)-9deet)-a50.1744 .cTw(o)0.9(.)-4.9(4(r)-6(gnosrt)-5.3(as), )]TJ0 0 TD-200002 Tcs)5.1 Twis4.3(u)0.(-se)(enao)6( a cinco9 Twnas )174-se menci qu-serpo dim31129 Twé qu31gem que
44
TABELA 01: Disposição do processo de interpretação dos dados
Imagens do Feminino
Não consta imagens.......................... 05
Representação por gráfico................. 01
Representação por desenho.............. 01
Utilização de uma imagem................. 56
Utilização de duas imagem................ 8
Utilização de mais de duas imagens.. 11
Total de cartas................................... 82
O processo de interpretação das imagens foi feito pela pesquisadora, que a
partir dos conjuntos textos e imagens compôs seu olhar sobre cada imagem
fazendo indagações e levantamentos sobre o significado de cada foto, gráfico ou
desenho. Cada garota ao exemplificar “o que é o feminino” lançou seu olhar e sua
interpretação a essas imagens, pois apesar do texto ter sido escrito antes, ele
necessariamente conflui com a imagem escolhida, pois esta é o exemplo. Na
verdade, é como se olhasse de forma a enquadrar uma opinião em um quadro,
podendo condizer ou não com o que está escrito, pois entende-se que a
contradição é um processo comum e encontrado em cada um. O processo é uma
tentativa de perceber este conjunto de palavras e imagens compondo um quadro
estético a ser montado e desmontado a cada instante.
As inferências feitas sobre as imagens são um misto de entendimentos dos
olhares das próprias garotas e do olhar da pesquisadora. Os dados surgem da
reflexão do olhar investigativo sobre a imagem, complementado pelo texto – que
serve de base para entender a escolha do exemplo da imagem. Por intermédio
das inferências do olhar investigador, e um tanto padrão, foram criados gráficos,
quadros e entendimentos relacionando todas as imagens escolhidas pelas
garotas. Foi verificada uma grande diversidade nas possibilidades de ser feminino
e seus desejos, estilos e compreensões do modo de viver.
45
3. AS PERCEPÇÕES DO FEMININO
A sociedade está permeada por discursos que foram construídos através
do processo histórico e da consolidação de um estilo de vida próprio ocidental.
Essa inserção e as apropriações de discursos, se devem a proliferação de
tratamentos sociais, baseados nas restrições e prescrições que constituíram as
formas genéricas de sujeitos e sociedade. Menciona-se que essa sociedade, tem
uma forma particular de funcionamento, pautada em certos rituais de palavras.
Assim, as “sociedades de discurso”, têm por função, não apenas conservar e
produzir esses mesmos discursos, mas também “fazê-los circular em um espaço
fechado, distribuí-los somente segundo regras estritas, sem que seus detentores
sejam despossuídos por essa distribuição”. (FOUCAULT, 1970, p.39). Pode-se
dizer que os discursos que fundamentam as “sociedades de discurso”,
particularizam-se em meio às formulações que são ditas, permanecem ou que
ainda estão para se dizer. Ou seja, muitos dos discursos são implícitos em meio a
outros. Todas essas formas de apresentar-se são meios de buscar um interlocutor
que seja autorizado a interpretar, elaborar e distribuir da melhor forma as
entrelinhas que importam em meio a essa discursividade.
Talvez, seja por essa função social que os discursos produzem-se e
inserem-se intimamente no cotidiano, embora seja necessário lembrar que a
educação foi a forma mais eficiente de proliferação desses discursos, pois a
escola, segundo Foucault, é a forma política de fazer a manutenção e a
modificação desses discursos. Visto que a sua forma institucionalizada traz
consigo a detenção de saberes e poderes que são investidos sobre os corpos,
garantindo “espécies de grandes edifícios que garantem a distribuição dos sujeitos
que falam diferentes tipos de discursos e a apropriação dos discursos por certas
categorias de sujeitos” (FOUCAULT, 1970, p.44).
Essa introdução é para explicitar as possibilidades de compreender os
discursos apresentados socialmente e para investir em uma discussão sobre um
deles – o discurso do feminino. Ele é entendido, de uma forma consensual, sendo
relacionado a coisas de mulher, do universo habitado e criado para as mulheres.
46
Entendimento esse criado e construído por homens investindo em uma postura
machista e perseverante socialmente. Provavelmente, esses discursos do senso
comum, precisem passar por um processo de desconstrução que evidencie outras
formas de ser e apresentar o feminino. Assim, o processo de contextualização
desta discussão, necessita de um começo e esse estaria em reconhecer que o
feminino é um dos papéis assumidos socialmente e que esses papéis, emergem
com os estudos de gênero.
A princípio, gênero era uma concepção de cunho feminista, relacionada à
discriminação e ao direito de igualdade da mulher perante a sociedade. A partir de
estudos feministas e pós-estruturalistas, este conceito sofreu diversas mudanças.
Atualmente se revela não mais nas diferenças sexuais, mas sim nas
representações que este corpo mostra socialmente. O conceito de caráter
baseado no sexo, tornou-se insuficiente ao se entender que o corpo é uma
construção social e cultural, formado por interseções de experiências objetivas e
subjetivas do sujeito. O sexo é apenas uma tangente em meio a tantos outros
fatores constituintes dos papéis de gênero. Portanto, segundo LOURO (1999,
p22): “gênero se constitui na prática social que se dirige aos corpos. O conceito
pretende se referir ao modo como as características sociais são compreendidas e
representadas.”. Assim,
Na medida em que o conceito afirma o caráter social do feminino e do masculino obriga(...)
levar em consideração as distintas sociedades e os distintos momentos históricos.(...) o
conceito passa a exigir que se pense de modo plural, acentuando que os projetos e as
representações sobre mulheres e homens são diversas. (LOURO, 1999, p.22)
Deve-se considerar neste sentido que, ser homem e ser mulher não
corresponde somente a um estereótipo que, obrigatoriamente, foi construído –
inventado segundo uma tradição patriarcal. É necessário ter em mente que estes
conceitos variam de acordo com a sociedade, o momento histórico e os diversos
grupos étnicos, religiosos, etc.
No Brasil a questão de gênero passou a ser abordada, mais amplamente, a
partir do final dos anos 80. Discutir questões voltadas para o gênero, é discutir
sobre a construção dos papéis femininos e masculinos, como determinantes de
comportamentos considerados socialmente adequados ou não, para um homem e
47
uma mulher. Sinteticamente isso significa entender gênero, como constituinte de
uma identidade. Segundo LOURO (1999) ao afirmar que uma identidade institui o
sujeito, pretende-se referir a algo que transpõe os papéis. A idéia é perceber o
gênero fazendo parte do “ator”, como constituinte do mesmo. Afinal a identidade é
que desenvolve uma percepção social do sujeito. Cada “ator” refere-se a sua
atuação segundo um tempo/espaço e uma linearidade ou ruptura. Cada identidade
constitui um sujeito perante sua história e sua objetivação social, combinadas
infinitamente com a composição de suas subjetividades e suas múltiplas funções
de artista.
Em alguns momentos, as questões de gênero parecem não terine8(vân.1(.5( )]T2(e8843933 -1.7275 TD-0.0004 Tc541234 Twno âmbujelas )-5educacio11(que)5.deetio .1(a )-5maneir(.5( )]J-1517933 0 TD0.3004 Tc537413 Tw[ cosm nencar.1(suj)6s, .3(sej(suj)6,6(a)-4.(suj)6t6(a)-4ravés.5( )]TJ-1517912 -1.7224 TD-0.0005 Tc1390871 Tw1(a in.7(stit)45.3(u55.9(i6(fun3(u55spaç)-9.9( )5[(qforjao um)-5.) )-5.1de2(m)-4leari)5o um)-5.9(i6(iniberq2(m)-4uspõe )5é1(a )-5(o m(stit)45.9(i6(d3(u55.2(o-6ue1(a )-5o.9( )5[dad)-4.8(a ro8(t)-4.8ri)5bi(dad)-4.2(o-6.(Em)-5.É)-75.5( )]TJT*0.0005 Tc28.0921 Twatr(Em))5.)r)-1vés.1(suj55s )1(in54.7(stin)-4.3(6p)5.7(8n54õ(in54e( as .4( )5.s [(con55.7e )]TJ4756332 0 TD-0.2005 Tc28.0008 Twepçõque)5.1(e)0s.4( )5sm na.1(5(zi1(a e )1(5)-3.8(t)-5.1(e)0rioriz.1(a,.5( )]TJJ475630 -1.7224 T005 Tc1790008 Tw “a9(r)3i)6(n)5.7(i)do(re,ões d )-10certs m)-4.7(i.4( )5fs m)-4o6(n)5rm.7(i,s m)-4.4( )5[d)0.de-n[(r.7(ii8(e)1s.s m)-4.4 )-10P9(r)55.2-4rtpero7(i,s m)-4.4( )5exição)6spaç0.7 .7(i.npar))5.61j)6spaç0ição)6ntidade2(m)34.6( )]TJ0 -1.7275 TD-0.0002 Tc463008 Tw[s[(struieber)6(c)-9.2(e)0rátcebpque)5.1(e)0r9(r)55.8(m)-0aneerando(es )-57( qlg)-4 éqlg)-4 5( )-5.1rero f)-5.1(e)0minf1(5)-3.5(o)0.es )-5.1es )-5.m do se-4u1es i(uqlg)-4gar1es e a minin co(in)6adas mbém [(s.dad)-4u tr9(r)25.balho,dad8tdadin
48
Nessa perspectiva moldada pelo poder da produção e manutenção do
discurso e, também, na procura de focos de resistência a esse padrão discursivo
predominante, buscar-se-á compreender algumas falas sobre o feminino
desenvolvendo, assim, uma pesquisa com garotas em idade escolar, regularmente
inscritas no curso de ensino médio de um dos mais tradicionais colégios de
Curitiba. Para que isso se viabilizasse, foi composta uma “carta de pesquisa” que
questionava “o que é ser feminino?”.
Como a questão proposta era aberta, a mesma possibilitou muitas
respostas e cada garota pode definir a sua maneira ‘o que é feminino’. A imensa
gama de respostas fez com que se tornasse quase impossível ser demonstrada
objetivamente, por isso, foram criadas algumas categorias, num total de 10
categorias, que serão explicitadas e esclarecidas a partir deste ponto. A tabela a
seguir é uma provocação, no sentido de que se podem perceber algumas
“qualidades” que são representadas socialmente como inerentes ao feminino, pois
foram forjadas segundo o olhar vigilante da educação e da sociedade. Olhar esse
que individualizou o sujeito e assegurando que a vigilância externa se tornasse um
processo intrínseco, portanto, o poder foi cuidadosamente protegido pelas
amarras do saber (FOUCAULT, 1979 p.210). Este processo de internalização e
naturalização de uma vigilância e de um controle foram formados, principalmente,
pelas intervenções institucionais. As amarras do saber fizeram-se presentes por
meio da escola e dos hospitais, o primeiro pela função educacional e pela
dissipação de “verdades” perante o conhecimento generalista; o segundo perante
sua intensa proteção higienista e seus discursos de saúde, qualidade de vida e
bem estar que, de certa forma, explodiram indiscriminadamente nas áreas da
educação física, medicina estética e nutrição. Porém, nesta tabela encontram-se
os cunhos de resistência a esse enfoque, pois constam duas categorias
diferenciais, que somadas equivalem a 10% de todas as repostas e que
evidenciam outras formas de apropriações do conceito do feminino em meio aos
discursos sociais.
49
TABELA 01: O que é ser feminino?
Categorias %
Relacionado ao lar 8%
Regalos e roupas 10%
Delicadeza 16%
Fortaleza 6%
Romântico 8%
Vaidade 18%
"Mulher moderna" 10%
Feminismo 14%
Comportamentos 6%
Novos Entendimentos 4%
A partir deste momento é importante esclarecer o que compõem as
categorias da tabela 01. A primeira delas, com 29 respostas, foi denominada de
“relacionado ao lar”: Esta categoria abrange as seguintes denominações: ser mãe,
ser esposa e casar-se. Essas composições de ser feminino representam ainda as
antigas funções da mulher na sociedade. Como se ainda o que imperasse para o
feminino, estivesse intimamente ligado a antigos papéis representados pela
mulher. Tal naturalização foi fortemente construída e segundo LOURO (1999,
p.70) “muitas análises têm apontado para a concepção de dois mundos distintos
(um mundo público masculino e um mundo doméstico feminino), ou ainda para a
indicação de atividades ‘características’ de homens e atividades de mulheres.”
Esse modo de pensar está, de certa forma, claro aos olhos sociais, pois os
sujeitos presentes nesta sociedade, são frutos da fabricação e da normatização de
corpos por meio da escola, na qual várias formas de identidades, sejam elas de
gênero, classe, étnicas ou outras, foram produzidas e sustentadas por meio dos
50
atitude é tomada neste trabalho como forma representativa, pois as falas das
garotas indicam o que é esse feminino social e culturalmente visto e aceito. Alguns
exemplos:
“Feminino é como se define o sexo de uma pessoa, ou seja, uma mulher, ou também é,
um termo para se definir o quanto uma pessoa é vaidosa.”
11
“Feminino para mim é você poder ser mãe, casar, se sentir bem como mulher”
“Feminino é a delicadeza, é poder gerar uma nova vida”.
“O feminino tem uma maior capacidade de percepção e de pegar as coisas com mais
facilidade, como por exemplo, o amor materno, pois a mulher carrega nove meses o bebê
em seu ventre, o amamenta, então esse amor tende a ser maior que o paterno.”
Esses textos se mostram de forma coerente com os discursos sociais de
formação e normalização de um feminino, que é contido na aparência de uma
mulher, expresso por sua vaidade e concretizado no seu poder de ‘gerar a vida’.
Deve-se atentar para um outro enfoque desta produção de um sujeito feminino
que está ligado a sua biologia, ao seu corpo natural e governado por uma
linguagem ‘dita’ feminina, ou seja, um outro fator chamado mídia e suas possíveis
aderências na formação do sujeito. Pois esses podem incitar o consumo e a
manutenção de discursos como o de ‘ser mãe’ e o de ‘ser vaidosa’, por meio da
venda, exposição e consumo de brinquedos que vinculam a imagem feminina à
figura materna (com o uso de bebês variados), Ou ainda, através de figuras como
de uma mulher consumidora de maquiagens e salto altos, como é o caso das
Barbies e dos kits de maquiagens e bijuterias. Neste sentido, a alusão a um
mundo feminino e recorrente, pode ser cartografado deste a infância. Pode-se
observar em meios publicitários, corpos infantis que vendem produtos para
mulheres em tamanho extra pequeno, ou seja, o foco é nas crianças, futuras
consumidoras de bolsas, roupas, sapatos, acessórios... Atualmente, existem grifes
especializadas neste tipo de mercado, o que pode favorecer uma formação muito
mais voltada aos cuidados pessoais, desde a mais tenra idade.
11
Destaca-se que todos os textos das alunas participantes foram descritos literalmente ao longo da
dissertação, inclusve com erros gramaticais e ortográficos.
51
A segunda categoria chamada de “roupas e regalos” (10%) está
relacionada aos estereótipos do feminino que são: “usar roupas femininas, portar-
se como mulher, ter um estilo, ter elegância”. Ou seja, como se o feminino
pudesse estar, unicamente, imbricado pelas coisas materiais e culturais da
sociedade, como se fosse algo apenas tangível a um universo paralelo que
dissesse respeito à mulher. Então ‘coisas de mulher’ seriam, segundo as garotas,
necessariamente femininas, coisas que agradam às mulheres e as fazem
elegantes. Essas “roupas e regalos” são um modo de produção de significados
culturais, são uma linguagem própria que implicam e influenciam na relações
sociais e na constituição do sujeito. É segundo LOURO (2003, p.47), um “conjunto
de códigos, representações e práticas discursivas utilizadas para sinalizar sua
identidade.” Além destes fatores, é preciso levar em consideração algo chamado
“moda” que está de alguma forma, implícito nesses regalos femininos. Esta
categoria remete, de alguma forma, a possibilidades de construção de um
feminino parcial, de passarelas e, talvez, inatingível. Um feminino que tem a
preocupação da aparência, na “transitoriedade dos corpos, sua fluidez e
inconstâncias, seu perfil efêmero” (ANDRADE, 2003, p. 113). Podem-se perceber
algumas coisas com os textos abaixo:
“Feminino está relativo ás mulheres, coisas de mulheres. Basicamente, essas coisas de
mulheres seriam objetos que podem ser usados por mulheres, e que, pelo julgamento
da sociedade, o homem que é homem não usa.” [Grifos meus]
“Feminino para mim, é você ter traços leves de rosto, usar roupas femininas, tipo, bolsas,
salto alto, usar varias coisas, tipo brincos grandes, rímel, batom, etc...”
‘“As mulheres amam tudo o que é simples, elegante e bonito.”
Os dados apresentados juntamente com as falas exprimem que quando
existe uma roupa que é feminina, presume-se que exista uma que não é. Quando
o estilo e elegância são mencionados, eles também remetem a mulheres
midiáticas que se tornaram ícones de beleza, moda e elegância com seu estilo,
sustentando e inventando modas, que posteriormente serão copiadas. Assim,
havendo um apelo constante e uma supervalorização de uma beleza expressa por
52
corpos retilíneos e alongada, tudo segundo a silhueta de cuidados que se apóiam
na normalização.
Nesta categoria, é possível perceber a questão do corpo consumo, um
corpo que é objeto de desejo, de venda e de compra. Um produto fabricado
segundo as intervenções da escola e da mídia publicitária, que transformaram o
corpo em um look de venda instantânea e/ou em uma pedagogia de ensino de
valores para compor uma sedução e criar um vínculo afetivo com as garotas. Isso
caminha para a adoção de um estilo de vida mais coerente com as funções da
beleza. Figueira (2003, p. 129), menciona que a mídia publicitária [e
acrescentando a escola] “são textos e imagens que estão não apenas orientando,
acompanhando e informando as leitoras sobre os usos do seu corpo, mas estão,
sobretudo, produzindo esse corpo.”.
A terceira categoria chamada “delicadeza” é uma das mais mencionadas
pelas garotas, ela aparece 57 vezes nas respostas (16%), entre essas respostas
estão: “ser delicada ou demonstrar delicadeza, ter traços do rosto leves, ser
cuidadosa, ser sensível, possuir harmonia, ser simples, gentil e educada”. Com
essas qualidades, o formato do feminino esta se compondo de acordo com uma
mulher idealizada e não real. Cria-se uma figura delicada, dos traços físicos ao
comportamento social. Parece neste instante, transparecer uma universalidade
das vontades, desenvolvida por um corpo social construído por meio do exercício
do poder sobre o corpo. Existe uma estimulação por meio do controle, não basta
apenas um fator, é necessário ser delicada na genética
12
e nos atos.
A delicadeza em si, é um modo de descrever uma postura social que se
remete aos séculos XVIII e XIX, tempos em que as mulheres portavam-se com
refino e esmero perante seus “mestres” (pais, maridos e irmãos). Um tempo em
que as mulheres eram negociadas como propriedades e eram de algumas formas
subjugadas. Porém, a delicadeza também pode ser multifacetada, plural e
demonstrar algumas formas de resistência, pois nem sempre o que é delicado
para um, o é para outro. Pode se dizer que a forma mais subjetiva do olhar é que
12
Relacionando aos traços genéticos herdados, como contorno do rosto, cor da pele e dos olhos,
tipo de cabelo, entre outros.
53
distingue em que momento e lugar, ou seja, em que tempo e espaço, essa
delicadeza se encaixa. Essa categoria é descrita, de certa maneira, com base no
senso comum. É como se todas pessoas portassem os mesmos signos e
desenvolvessem os mesmos significados em um olhar. A desmistificação desse
sujeito subjetivo é que permite rever as formas de resistência perante uma
descrição padrão. Há alguns textos que podem exemplificar as categorias
mencionadas durante o trabalho, mas que remetem à questão da delicadeza e da
gentileza.
“O feminino no sentido de ser mulher, seria uma pessoa, delicada, gentil, simpática, entre
outras qualidades não que o masculino não possa ser assim mas no feminino essas
qualidades são mais fortes e intensas, ...”
“São delicadas frágeis são consideradas o ‘sexo frágil’ além de terem esse lado são
guerreiras e lutam por seus ideais.”
“Feminino é algo sutil e delicado, minucioso, que exige atenção, preservação. Algo de
capricho e cuidado, que subjetivamente causa uma ação zelosa por antecipação, chama a
atenção, o interesse e uma série de dúvidas... fascínio.”
O olhar lançado sobre esses textos pode ser padrão, focalizando as
características femininas mais evidentes pela formação e objetivação do poder em
meio ao construto social. Deste modo, às menções de “sexo frágil”, sutil, que exige
atenção e gentileza se sobrepõem a outras formas de entender o que é ser
feminino. Como exemplo, a possibilidade de entender que o feminino também é
aquele que se volta para si através de cuidados, que constitui fascínio e
demonstra meios de fuga para uma idéia antiga de “sexo frágil”. Os discursos
sociais constituem uma rede muito bem tecida para que o poder aconteça na
formação do sujeito. Em todos os momentos, o individuo é confinado a
instituições, sendo cobrado de aprender e seguir regras objetivas, que passam a
fazer parte de sua conduta de relacionamentos e cuidados pessoais em meio à
sociedade. Cada sujeito tem a possibilidade de mostrar-se diferente perante à
normalização social. Para isso, mudar o foco do olhar e perceber que existem
momentos de descontinuidade nesses discursos, descontinuidade que, segundo
FOUCAULT (1970, p.58), “golpeia e invalida as menores unidades
tradicionalmente reconhecidas ou as mais facilmente contestadas: o instante e o
55
institucionais e, principalmente, midiáticas, o discurso passa a ser incorporado,
capturado pela rede de formação, pela “ordem moral pedagógica” (SILVA, 1998, p.
53).
Ainda é preciso ressaltar que a força, além de ser uma forma resistente, ela
esta amarrada aos discursos de inserção da mulher no mercado de trabalho, por
meio da necessidade de mão-de-obra barata durante o período da segunda guerra
mundial. Essa ruptura discursiva fez com que a mulher adquirisse outra
identidade, de nova mulher, a chamada mulher “moderna”. Essa trabalha fora,
podendo exercer atividades outrora exclusivamente masculinas, mas que continua
com as incumbências dos papéis de esposa e mãe. É importante mencionar que
apesar das categorias estarem postas, elas não são fixas. Pelo contrário, são na
verdade, meios de entendimento que flutuam, esticam e oscilam entre si, pois o
objeto é apenas um – o feminino
O “romântico” para denominar a quinta categoria (8%) deve-se à aparição
de falas que qualificam o ser feminino como: “ser sentimental, ser carinhosa,
apaixonar-se, mostrar-se romântica, ser encantadora, ser surpreendente, ser
feliz”. Essas respostas são um tanto quanto contemplativas ou sonhadoras, pois
revelam o desejo de um feminino de épocas antigas que, distante das novas
formas de subjetividades que se vive hoje, se tornam como um ‘sonho’ de menina.
Transparece, como em contos infantis de príncipes e princesas
13
, no qual todos
são felizes para sempre. Por exemplo:
“O feminino é um mundo colorido, delicado, divertido, romântico, muito agitado. Cheio de
alegrias e ao mesmo tempo cercado de tristezas. Um mundo cheio de encantos,
curiosidades, carinho e surpresa.”
13
Menção feita aos insistentes meios de comunicação, às instituições escolares e às indústrias de
brinquedos que remodelam e reforçam por várias vezes as antigas histórias infantis como Branca
de Neve, A Bela Adormecida, entre outras, fazendo com que algumas garotas passem, por vezes,
a vida sonhando com tal felicidade e realização. Apesar da sociedade ter crescido e desenvolvido
outros modos de ser mulher, ainda permanecem implícitos muitos discursos em relação ao papel
do feminino. Talvez, a insistente forma de vender bebês de brinquedo e dvds que contam histórias
infantis seja uma forma de manutenção do elo social da mulher mãe e esposa. É necessário
lembrar que essa não é uma história apenas de rupturas e descontinuidades, mas também de
“linearidades”, de processos seqüenciais e reconhecidos socialmente por seus signos.
56
Neste sentido, percebe-se a influência da linguagem e dos discursos
escolares sobre a configuração de um sujeito social. A atenção à problematização
da linguagem deve ser entendida como indispensável, pois é por meio desta
linguagem que os sentidos são atingidos. LOURO (1999, p. 61) menciona que
“evidentemente, os sujeitos não são meros receptores passivos de imposições
externas. Pelo contrário, ativamente eles se envolvem e são envolvidos nessa
aprendizagem – reagem, respondem, recusam ou assumem inteiramente” seus
sentidos, significados e desejos. Dessa maneira, é preciso renovar o olhar de
desconfiança para uma forma de “verdade” que conduz o pensamento para um
mundo feminino que estaria de acordo com as possibilidades e os estigmas
medievais. Neste sentido, é necessário reconhecer que o individuo é sujeito de
suas escolhas, perante uma descontinuidade discursiva que direciona e
estabelece, muitas vezes, o feminino, mas que também participa desta
construção, justamente por estar intimamente ligado a ela.
Muitas vezes as garotas sentem a necessidade de pertencer a um grupo
que as faça feliz, que traduza seus sentimentos e suas apreensões. Assim as
jovens se fecham em grupos que possuem características próprias, criam um
mundo paralelo para “fugir” de cobranças sociais, é o processo de resistência a
uma norma de um corpo cada vez mais programado e controlado. É neste
momento de constituição de identidades receptivas, entre elementos de um
mesmo grupo, que o desejo de investir em imagens corporais passa a tomar
proporções criativas que atingem o meio social, de tal forma que, esse corpo
torna-se alvo de assombro e admiração.
A sexta menção é denominada de “vaidade” (18%) por envolver respostas
relacionadas ao corpo ou à estética como: “não ser magra e não ser gorda, ser
definitivamente bela, ser vaidosa e cuidar do corpo”. Esta seria o próprio cuidado
de si
14
, sobretudo para considerar que o feminino é o que cuida, o que é belo e
aceito perante a sociedade.
14
Segundo DELEUZE (1992, p. 123) “não se trata mais de formas determinadas, como no saber,
nem de regras coercitivas, como no poder: trata-se de regras facultativas que produzem a
existência como obra de arte, regras ao mesmo tempo éticas e estéticas que constituem modos de
57
É provável que, nesta categoria apareçam, mais evidentemente, as
transformações do corpo, no sentido de compor um controle de si por meio de um
cuidado acentuado do “eu”. Segundo SANT’ANNA (2002, p.100), existem dois
movimentos que vêm sendo suscitados:
O primeiro é o movimento de expansão externa – impelindo cada corpo a se conectar
direta e cotidianamente com as necessidades do mercado global; o segundo, é a expansão
interna, incitando cada um a voltar-se para seu corpo e a querer o controle e o aumento
dos seus níveis de prazer. Ou seja, no primeiro caso, o corpo aparece intimamente
conectado com interesses que em muito ultrapassam a esfera da ação e de compreensão
de cada um. É quando o corpo, com suas singularidades e potências, tende a desaparecer.
Já, no segundo caso, o corpo ganha uma importância exagerada, porque são multiplicadas
as exigências e as sensibilidades que cada indivíduo tem em relação a si mesmo.
Os elos sociais, portanto, faz com que se criem a necessidade de existir
um espaço para cada um, de formas diferenciadas, como uma excessiva
individualização e vaidade do corpo. Pois, se o corpo é o último espaço
cartográfico a ser explorado, então as proposições de melhorias para esse espaço
crescem vertiginosamente. Afinal, os corpos devem estar disponíveis a constantes
modificações cientificas em prol de melhorias da aparência física. A fabricação de
corpos vaidosos por meio de suas possibilidades é desencadeada desde o uso de
infinidades de novos cosméticos, até a implantação de próteses modificadoras.
Pois o que existe, de certa forma, é a imensa vontade de manter o corpo atual,
“sexualizado, jovem, potente e no controle de todas as situações” SANT’ANNA,
(2002, p.105). Assim o feminino compõe-se de forma coordenada com essa nova
conjuntura social, impregnada de potência criadora de corpos coerentes com o
cuidado de si e de suas necessidades fabricadas. Com isso, um corpo feminino
relaciona-se com a vaidade sem pudores e não apenas em busca do prazer de
existência ou estilos de vida (mesmo o suicídio faz parte delas). È o que Nietzsche descobria como
a operação artista da vontade de potencia, a invenção de novas ‘possibilidades de vida’”.
Segundo EIZIRIK (2005, p. 120-121) “o cuidado de si se coloca mais especificamente nas técnicas
de si e nas diversas formas como essas técnicas vão produzindo uma atualidade da ética. Ética do
presente”. Para compreender de maneira mais completa a ética foucaultiana é necessário uma
retomada do percurso do sujeito em suas obras e perceber a intersecção entre “história da
subjetividade e a análise das formas de governabilidade”. Talvez, essas formas de governabilidade
sejam de fundamental importância para o desenvolvimento das tecnologias de si, ou ainda,
técnicas de si, que são as formas pelas quais nos relacionamos com nos mesmos e que
contribuímos com nossas subjetividades para e experiência e o governo do outro.
58
sentir-se belo e amado, mostrando-se pronto a ser capturado pelas cobranças
sociais.
Esses corpos vaidosos criam-se em meio à interferência e correlação entre
fatores de disciplinarização como a escola, a mídia, a tecnologia e a família. Os
sujeitos apropriam-se de idéias, modos e comportamentos expostos e exigidos
socialmente de formas diferentes, o que proporciona uma individualização deste
pequeno universo que está contido neste mesmo sujeito. As apropriações que
este meio oferece compõem uma forma de escolha, o que se pode fazer com a
informação, o conhecimento e a desenvolvimento sócio-cultural? Essas decisões
são tomadas em função de um sujeito que, de acordo com suas experiências,
necessidades e desejos, fazem da sua subjetividade objetivada uma forma de
expressão e comunicação com o mundo.
Devido possivelmente, a essa necessária comunicação com o mundo, com
o outro e com os meios de controle social, o feminino acabe por resplandecer tão
fortemente com o cuidado de si, para a experimentação e melhoria do meu corpo
– ou o que para o senso comum é chamado de vaidade.
“O feminino para mim é a mulher. A mulher que cuida de si mesma, de seu corpo. A mulher
de atitude determinada e que batalha pelos seus ideais, sem perder a pose.”
“Feminino lembra muito a beleza da mulher. Principalmente a vaidade de cada uma, dentro
de cada estilo.”
Os textos acima citados contemplam a intenção de posse de um corpo, que
se cuida e é transformado em ícone e estilo. Uma forma de corpo único e criado
com cartografia própria e exclusiva para conviver na sociedade de controle, na
qual os corpos transitáveis e mutáveis prevalecem por sua possibilidade de
mobilidade e trânsito, no sentido de transpor suas experimentações e
sensibilidades para uma forma diferenciada e mais interessante de viver.
A sétima denominação adotada foi “mulher moderna”. Não que as outras
categorias menosprezem esta adjetivação, mas as características levantadas
pelas garotas denominam, esta em especifico, como algo que se diferencia no
contexto atual. Com 10% do total, as respostas que fazem parte desta categoria
estão de acordo com novos papéis assumidos pela mulher no processo histórico,
59
como: “ser organizada, possuir um espírito jovem, ter muita personalidade, ser
divertida, possuir a igualdade social, ser racional e inteligente, ser independente” –
uma mulher constituída segundo os valores da modernidade. Segundo as garotas
essa ‘mulher moderna’ pode ser descrita das seguintes formas:
“O feminino é a figura da mulher moderna, que cuida da casa, dos filhos, da beleza, do seu
bem estar e trabalha. É aquela mulher que é independente, toma decisões, que é
respeitada por todos e que sempre tem na bolsa um batom brilho e uma escova de
cabelo.”
“Para mim feminino é ser uma mulher de negócios bem sucedida, com status social
relativamente alto e além de tudo isso ser uma boa dona de casa, ou seja, dar atenção
para os filhos, o marido e para si mesma. Feminino não é apenas usar salto alto, e sim
ter oportunidade de um dia na vida ser mãe.” [Grifos meus]
Essa mulher moderna está impregnada nas concepções de ser feminino no
imaginário das garotas. Sempre o feminino de uma mulher moderna está ligado a
alguém bem de vida, com família padrão e que não passa por dificuldades, pois
tem sempre a possibilidade de cuidar de todos e de si mesma. Além disso, tem
sua ocupação profissional, o que a torna independente e, de certa forma,
detentora de alguma forma de poder no meio em que está inserida, podendo
despender dinheiro para produtos de higiene e beleza como ‘batons brilhos,
escovas e salto altos’.
Acrescenta-se ainda que, essa ‘mulher moderna’ desperta nas garotas uma
sensação de possibilidades de independência com estilo, o que não deixa de ser
uma forma de apropriação de discursos sociais evidenciados de diversas
maneiras pela mídia, pela escola e pela família, que reconhecem esses valores e
qualidades em mulheres ‘bem sucedidas’.
Algumas respostas acabaram por conduzir ao caminho da luta e dos
conceitos ditos feministas. Por tal situação uma categoria, “feminismo”, foi
constituída com 14% das questões mencionadas, segundo a qual o feminino seria:
“aquilo que se difere do masculino, é ser definitivamente mulher, é estar disposta a
lutar contra o machismo e ser feminista”. Talvez, em alguns momentos, esta
categoria confunda um pouco o feminino e o feminista, pois deve-se perceber que
60
a história do feminino, socialmente está ligada ao processo de constituição do
sujeito mulher.
“Muitas meninas ao pegarem esse texto já falaram que iriam colocar sapato de salto e
batom, tudo bem, mas eu acho que feminino significa mais que isso. No dicionário está
assim, FEMININO oposto a masculino, mulheril, feminil, o gênero feminino. Não querendo
discordar do dicionário, mas eu continuo achando que é mais que isso. Talvez uma
descrição complete a outra, mas eu gosto de imaginar que feminino seja uma legião, uma
força indestrutível, um aglomerado poderoso, é claro que as componentes desta legião
podem usar salto alto e batom.”
Em alguns momentos, esses textos que evidenciam uma força legionária
feminina, parecem estar relembrando seu processo educativo, no qual durante
anos de escolarização, presenciaram as discrepâncias entre as posturas
masculinas e femininas no processo histórico social. Ou ainda, podem ser uma
forma de resistir aos conceitos referidos a elas mesmas, em falas de familiares e
conhecidos, demonstrando assim, uma designação a mudança de estigma, uma
fuga de estereótipos convencionais, instigando a uma nova experimentação e
constituição de uma história diferente de suas vidas.
Uma outra interpretação possível, pode estar ligada ao olhar de rebeldia e
revolução desencadeado pela atuação das primeiras mulheres que,
historicamente, desafiaram a sociedade patriarcal. Neste sentido, poderia ser um
olhar romântico e idealizador de mulheres ‘guerreiras’, que enfrentam de forma
“indestrutível” as coerções institucionais e os meios de controle, não se deixando
sufocar pelos estigmas masculinos. Mulheres cartografadas como feministas, com
uma identidade forte e um estilo de matrizes sensíveis e delicadas, permitindo
intensas posturas sociais com um toque de leveza e sensualidade de um ‘salto
alto e batom’.
Duas outras categorias foram criadas para contemplar as respostas das
garotas, que são amplas e diversas. Assim, tem-se ainda a construção de uma
categoria chamada “comportamento” (6%), que se constitui com a somatória de
respostas aleatórias mais importantes sobre o que o feminino pode ser (ou deve
ser): “recatado, paciente, simpático, amigo e companheiro, sexy e atraente, cheio
de respeito e frágil”. Como é possível perceber, são inúmeras e diversas as
questões levantadas nos textos, embora estas questões aparecem de forma mais
61
rarefeita. Talvez o fato de respeito, recato e fragilidade dividirem o mesmo espaço
com sexy e atraente pareça um pouco constrangedor ou incoerente, mas trata-se
de comportamentos exigidos, de certa forma, pela sociedade. Algumas falas que
contemplem esta miscelânea comportamental podem exemplificar melhor esta
categoria:
“É feminino é delicado, é chamar atenção, saber ser sexy, sem exageros.”
“Feminino para mim é sinônimo de belo, algo frágil, uma pessoa feminina é uma pessoa
delicada. É feminino que pode gerar em si outro ser humano, a mulher é a roda que gira o
mundo. Feminino é a vida, a fragilidade, os traços delicados, o amor e o respeito.”
Os textos acima apesar de referirem-se a alguns temas e categorias já
propostos neste trabalho, ainda suscitam discussão acerca de comportamentos
exigidos como femininos perante o enfoque social. A insistência em mostrar a
delicadeza como sendo essencial ao feminino, remete à discussão de
comportamentos moldados e remodelados por moças de um século que deveria
ser passado. Porém, devido a renovação ou recuperação dos discursos, ainda
mantêm-se em voga como uma exigência. Estes textos permitem apontar outros
fatores como a sexualidade, que por muito tempo aparentava ser tratada com
discrição, medo ou indiferença, mas que, na realidade, manteve sua presença
instigada e hipervalorizada por um ritual de permissão, desenvolvido pelo
dispositivo da sexualidade. Segundo FOUCAULT (1988), o discurso sobre o sexo
para as sociedades modernas seguia uma mecânica de incitações, pois o fato de
tratá-lo como segredo valorizava ainda mais o desejo e a vontade de saber sobre
o mesmo. Assim o ser sexy é um fator feminino extremamente valorizado, pois
incita a vontade de saber, a todo momento, sobre algo que o discurso social diz
estar velado.
Nesse viés percebe-se, que nem todo ‘comportamento’ está distanciado do
outro como se costuma pensar. O olhar dualista que se costuma ter perante o
mundo e a formação das subjetividades de cada sujeito, deve ser revisto, pois a
compreensão de que, as experiências do outro modificam o modo de cada sujeito
pensar, ver e sentir o mundo, contribui para perceber que as coisas estão
62
intimamente ligadas por teias invisíveis que rompem e sustentam o poder e a
resistência social.
A última categoria criada, que também abrangeu diversas respostas é
chamada de “novos entendimentos”. Ela recebeu este nome em virtude de formar-
se por respostas diferentes e raras, perante o contexto analisado. Apesar dos 4%
que apresenta, esta categoria menciona novos fatores sociais que podem indicar
novas perspectivas de subjetivação dos indivíduos. Entre as respostas estão: “o
feminino não está ligado apenas ao sexo, o homem também pode ser feminino ou,
ainda, existem várias formas de ser mulher”. Estas respostas apontam outras
formas de vivenciar e entender o processo de subjetivação dos sujeitos. Outras
formas de desconstruir uma história e um discurso linear pré-existentes.
“Feminino na minha concepção, quer dizer mais do que apenas um sexo, por exemplo, a
palavra feminino quer dizer também um jeito de agir, de ser e também ser feminino não
limita-se só as mulheres. Hoje homens também estão mais femininos e isso não é mais tão
tabu como antigamente.”
Essa fala retrata uma mudança social e cultural, demonstrando que o
feminino não está relacionado, mais apenas a fatos corriqueiros das mulheres,
compondo-se como uma nova forma de agir, uma forma de subjetivação das
condutas masculinas e femininas. Ou seja, vai além da simplicidade gramatical da
palavra. É importante perceber que apesar dessas formas de desconstrução
aparecerem poucas vezes nos textos e nas imagens das garotas, elas indicam a
presença de um novo conceito social sobre as formações de subjetividades
femininas e masculinas.
A formação de novos discursos passa, inevitavelmente, pela reconstrução
de conceitos sociais pré-existentes, pelo processo de objetivação dos sujeitos,
mas de forma mais importante, forma e deforma as subjetividades dos que
presenciam esta mudança. Não que haja um rompimento definitivo ou ruptura,
mas sim uma tentativa de disseminar uma nova forma de entender o que é ser
feminino, e o que ele representa socialmente.
Nesse sentido, que o feminino pode estar representado por diversos
discursos e corpos, sejam eles moldados e delineados de acordo com a disciplina,
63
com a mídia e com a escola ou sejam eles focos de resistência a esses mesmos
fatores. O fato de o sujeito apropriar-se dos discursos para fazer deles uma parte
de sua subjetividade, o torna um novo sujeito. A experiência de interagir, integrar-
se e sentir-se o “outro” proporciona ao sujeito novas formas de ser ele mesmo.
Afinal, segundo DINIS (2005, p.75):
O Outro é tudo aquilo (humano, não humano, visível, não visível) que me arranca de
pretensa estabilidade de uma identidade fixa (um modo padronizado de pensar, sentir,
agir) provocando-me com um incessante convite para diferentes formas de ser-estar no
mundo.
Pois o “outro” é o desafio, é tudo aquilo que está fora do eu, é tudo aquilo
com que o sujeito pode estabelecer e criar formas de relacionar-se expressando
inúmeras composições por meio de somas do eu e do “outro”. Criando uma
identidade móvel, dinâmica e processual, que se constitui a cada sentir e agir com
o mundo. Assim pode-se perceber que não existe apenas um sujeito, único e
autônomo, mas sim vários ‘eus’, que se misturam voluntária e voluptuosamente,
ressignificando sua identidade a todo o momento.
Uma das garotas descreve o feminino da seguinte forma:
“quando pensamos em feminino já pensamos nas mulheres. O feminino tem por base
sedução, a sedução não é de buscar um homem, mas sim de atraí-lo, a mulher é bem
delicada, cuidadosa, caprichosa e outras coisas mais. Ser mulher (feminino) é muito bom,
claro tem suas desvantagens, mas tem muitas vantagens, um exemplo é engravidar, poder
imaginar que alguém que você tanto ama sair de dentro de você, é um orgulho muito
grande. Mulher é muito sentimental e por mais que digam que não toda mulher fica triste
ao perder alguém que ama. A mulher só quer ser feliz, algumas pensam em construir
famílias, outras não, mas sendo felizes do jeito delas, no que elas querem. Mulher é ser
lutadora, pois muitas mulheres são sofridas, mas não é o fim do mundo, elas batalham
para tentar deixar esse sofrimento e na maioria das vezes conseguem. Não existe um
homem feliz que por trás dele não tenha uma mulher maravilhosa, pode ser mãe, avó,
esposa, mas um ser feminino. Ser feminino é ser mulher!”
Esse feminino relaciona-se intimamente com o intuito da maternidade, uma
construção social clássica do papel da mulher na sociedade. Descreve uma
mulher maternal, que está em casa e cuida do marido fazendo com que ele torne-
se um ícone social. Ou ainda, é uma mulher que orgulha-se de suas tarefas
diárias, executando-as com cuidado e esmero. Segundo BADINTER (1980, p.
199), o amor materno foi construído forçosamente, pois a maternidade no século
64
XX adquire um outro sentido, com muito mais responsabilidades. Segundo ela
“enriquecida de novos deveres, ela se desdobrava além dos nove meses
irredutíveis (...), logo se descobriu que a mãe devia igualmente assegurar a
educação dos filhos e uma parte importante de sua formação intelectual”. Neste
processo os encargos e deveres maternos passam a ser considerados como
“naturais” a uma boa mãe e mulher. BADINTER (1980, p. 199) menciona ainda
que: “graças à psicanálise, a mãe será promovida a ‘grande responsável’ pela
felicidade de seu rebento. Missão terrível que acaba por definir seu papel. Sem
dúvidas, esses encargos sucessivos que sobre ela foram lançados, fizeram-se
acompanhar da promoção da imagem da mãe”.
IMAGEM 02: As vontades de ser mulher
Este texto exemplifica muito das categorias mencionadas, pois demonstra
como é constituída a identidade da mulher e como o discurso feminino permeia as
qualidades e as vontades de “ser mulher”. A sociedade investiu muito tempo na
formação e objetivação dos sujeitos mulheres, afinal o papel de ser mulher muda a
65
cada novo momento histórico e a cada novo espaço que deseja ou tem que
ocupar. No texto acima, se menciona o poder da sedução, mas é de certa forma
uma forma velada e discreta, que assim como no passado era evidenciada por
formas delicadas e cuidadosas de olhares sugestionadores. Este feminino está
imbricado de características ditas medievais
15
, o que demonstra que, apesar do
‘continum’ do tempo e das rupturas que envolvem o histórico do feminino, ainda
existe a presença de discursos que se remodelam e ganham novos formatos de
acordo com a época e a exigência social imposta. Isso também pode ser
representado na idéia de que engravidar e gerar uma vida é uma vantagem da
mulher, e de que o amor materno é intenso e soberano. Segundo SABAT (2001,
p.11), alguns signos, como a maternidade, são reforçados por diversas formas
pela mídia, desde o cabelo, das roupas até suas funções como mãe. Durante
muito tempo, o processo de disciplinarização foi exercido, compondo uma
vigilância social do que se poderia ser ou fazer, controlando o indivíduo por meio
das leis, e principalmente, por meio das inserções dos sujeitos em ambientes
institucionalizados, como a família, a escola e as fábricas (FOUCAULT, 1975).
Foi por meio dos saberes que as instituições exerceram o poder de
disseminação e implementação dos discursos sociais. O que merece destaque,
atualmente, é como esses saberes-poderes relacionam-se entre os sujeitos de
forma muito mais ampla, extrapolando os muros disciplinares das instituições e
produzindo uma sociedade de controle instantâneo (DELEUZE, 1992), na qual o
sujeito não precisa mais de alguém para vigiá-lo, ele mesmo se autocontrola e
tenta agir de forma coerente com a sociedade, apropriando-se dos discursos que
nela estão dispostos. Ou ainda tornando-se um foco de resistência a essa relação
de saber-poder. Assim as menções de feminino relacionadas ao sentimentalismo,
ao ser feliz e ao sofrimento de uma mulher, podem ter duas faces que se trançam
e formam a expressividade e a representação de um sujeito no mundo. Afinal, ser
sentimental pode ser a caricatura de uma mulher vulnerável e insegura, mas
15
Talvez, para melhor explicar os papéis femininos e essas características sejam necessários
relembrar as muitas funções que a mulher desempenhou durante o percurso histórico da
sociedade. Afinal Segundo MATOS e SOIHET (2003), o corpo da mulher sempre esteve ligado a
concepções temporais, médicas, trabalhistas e maternas. Esses discursos parecem ecoar durante
séculos ainda mantendo-se vivos na contemporaneidade.
66
também pode ser uma forma de entender o mundo não tão racional como o
tempo-espaço contemporâneo exige. A busca pela felicidade pode ser um estigma
carregado de imagens de princesas de contos de fadas, mas a felicidade também
se tornou um momento de resolução de problemas e vibrações. Tornou-se uma
busca pela auto-realização e para estimular o cuidado de si. A significação do
sujeito, depende da apropriação que este faz da realidade, tornando-a uma forma
de subjetividade evidenciada e concordante, ou uma subjetividade resistente e
incompleta, que busca no ‘outro’ formas para se tornar mais ‘eu’. Assim segundo
SILVA (1998, p. 12), “o ser contemporâneo é, sem dúvida, um objeto situado por
tecnologias do eu que vão da religião até as formas mais ‘científicas’ de regulação
da conduta”. Com esta questão levantada por SILVA, pode-se dizer que tudo o
que está ao redor dos sujeitos pode torná-lo diferente. A cultura permeia e é
permeada por linguagem, comportamentos, necessidades, desejos e consumo,
elementos esses que, se tornam meio para a dissipação e organização discursiva,
que é por diversas vezes hegemônica quando se trata dos saberes. Para SILVA
(1998, p.10) “na medida que a subjetividade(...) não existe nunca fora dos
processos sociais, sobretudo de ordem discursiva, que a produzem como tal”, faz-
se necessário o entendimento de um feminino que faz parte de uma construção
teatral da sociedade discursiva e que por suas diversas formas ganha força e
justificativa no meio social, discursivo e científico.
Outros exemplos podem ser citados quando toma-se por base a
perspectiva das garotas em relação ao feminino. Um discurso que ainda é
relacionado à mulher é o do desejo que a mesma desperta no homem. Desejo
esse que é utilizado como meio publicitário para atingir a auto-estima feminina.
Afinal compra-se e vende-se muitos aparatos, roupas e acessórios vinculando a
imagem dos mesmos ao desejo feminino ou masculino de pertencer ao sexo
oposto. Talvez, o desejo seja uma prática discursiva que interliga, sorrateiramente,
os intuitos do saber, do poder e da sexualidade.
67
4. IMAGENS DO FEMININO
Na perspectiva deste trabalho, entende-se que possa haver muitas formas
de representações de uma mesma temática, assim as respostas das garotas
determinaram diversas formas do feminino. O fato das imagens terem procedência
de revistas e serem escolhidas por garotas jovens de faixa etária de 14 a 15 anos,
acaba por inferir no processo de escolha. Entende-se que o procedimento de
escolha de imagens seja um pouco limitado, pois acaba por evidenciar um
procedimento midiático de comunicar-se com o mundo. Deve-se considerar que,
segundo FABRIS (2003, p.62), a “semelhança e diferença imbricam-se
necessariamente no retrato, uma vez que ele pode afirmar tanto a unicidade da
pessoa na multiplicidade dos sujeitos(...) quanto a multiplicidade das pessoas na
unicidade do sujeito”. Assim, as imagens podem ser um meio de visualização, por
meio de diferentes linguagens, o discurso social. Porém, a possibilidade de ser
muitos em um só, é que faz a diferença em meio às tecnologias de si, pois essa
forma de experimentação proporciona ao sujeito perspectivas de subjetividades
construídas segundo diversos olhares. No primeiro momento, não é qualquer
feminino que aparece, mas sim especificamente aquele relacionado com as
mulheres jovens e adultas. Aparecem, com pouca freqüência, mulheres idosas ou
crianças nesta forma de representação. O gráfico abaixo especifica estas
proporcionalidades.
68
GRÁFICO 1: A representação do feminino relacionado à idade.
O feminino relacionado a idade
79%
21%
jovens adultas
Isso revela parece que as mulheres femininas devem estar sempre
jovens
16
, bonitas, apresentando-se de forma ‘cuidada’, delicada e sutil. As jovens
que aparecem estão em evidência na moda e as adultas,
17
são mulheres bem
sucedidas, famosas e bonitas. Mulheres que preservaram suas linhas de
juventude. Segundo SILVA e SOARES (2003, p.86), “a juventude e a sexualidade
são categorias sociais que a mídia explora como indissociáveis uma da outra e
como centrais na nossa vida” esse discurso da juventude eterna é desejado e
consumido, pois a cada novo dia surge uma nova forma de manter-se em dia com
o espelho. Uma sociedade do cuidado de si, na qual segundo GOELLNER (2003,
p.28), “o corpo é provisório, mutável e mutante, suscetível a inúmeras
16
As jovens estão prescritas neste gráfico como sendo as representantes do público alvo desta
pesquisa, ou seja, mulheres que estão começando sua vida social, que se encontram na faixa
etária de 18 a 25 anos e que ainda estão firmando-se profissionalmente.
17
As mulheres adultas são referenciadas como sendo aquelas que foram ícones na sua juventude
e preservaram seus padrões estéticos, sendo admiradas pela preocupação em estar sempre bem
consigo mesmas. Elas encaixam-se na faixa etária de 25 a 45 anos.
69
intervenções consoante o desenvolvimento científico e tecnológico de cada cultura
bem como suas leis, seus códigos morais, as representações que cria sobre os
corpos, os discursos que sobre ele produz”.
Pode-se entender que, as possibilidades de mudança corporal
proporcionadas pelo processo de avanço científico, estimulam os cuidados com o
corpo e o consumo de produtos de beleza que, diminuem, atenuem ou disfarcem a
idade com a intenção de ressaltar a beleza feminina de cada mulher. Deve-se, no
entanto, mencionar que esse consumo e esta vontade de cuidar-se estão
intimamente relacionados ao forjamento de modelos exemplares que desfilam a
concretude dos discursos de beleza, estética e feminino.
As beldades femininas apresentam-se constantemente. Algumas mulheres
selecionadas pelas garotas não estão necessariamente na mídia, mas passaram
por um processo de evidencialização momentânea, ou seja, foram surpreendidas
em um momento que retratava uma reportagem ou venda especificas de interesse
midiático. Têm-se abaixo dois exemplos desse feminino representado como
jovem/adulto.
IMAGEM 03: Representações do corpo jovem-adulto
70
Este corpo feminino jovem/adulto segue algumas evidências sociais, uma
linguagem condizente com os discursos e meios de dissipação do poder na rede
social, pois segundo GOELLNER (2003, p. 29), “com relação ao corpo, a
linguagem tem o poder de nomeá-lo, classificá-lo, definir-lhe normalidades e
anormalidades, instituir exemplo, o que é considerado belo, jovem e saudável”.
Assim, as imagens tornaram-se tão cotidianas quanto a fala, e suas expressões
formaram-se como uma linguagem própria, delineada pelos apelos publicitários e
pelas histórias romanceadas dos canais abertos de televisão. É, de certa forma,
esta linguagem visual que demonstra e evidencia exemplos de corpos e mulheres
“perfeitos”, cria idealizações efêmeras, difusas e muitas vezes regionalizadas, mas
sempre com um toque de normalidade, disciplina e feminilidade inerentes à
produção social. Como um formato básico de elegância, educação e signos
sociais que não podem faltar em uma imagem feminina. Para especificar melhor
pode-se compor um gráfico das mulheres que se apresentam enquanto ‘feminino’
para as garotas. Entre noivas, mães, atrizes e modelos, o feminino compõe-se de
forma abrangente e diferenciada, ou seja, podem ser ‘feminino’ ‘todas as idades’,
71
todas as beldades, todas as mulheres, etc..., mas a percepção desta abrangência
é subjetivada pelas falas e pelas repetidas imagens de felicidade e delicadeza que
as imagens trazem em comum.
GRÁFICO 2: As mulheres representantes do feminino
Das mulheres que aparecem...
1%
21%
7%
7%
18%
44%
2%
noiva
e
senhoras
cantoras
atrizes
modelos
atletas
Segundo FIGUEIRA (2003, p.129) a “centralidade na estética pressupõe
uma atitude já naturalizada de que o interesse primeiro de todas as garotas
sustentam se refere aos cuidados com a aparência”. Sobretudo o que parece
evidenciar-se no intuito das garotas seria uma estética de sensações, de figuras e
representações que se encontram de forma coerente com o seu processo de
formação subjetiva, ou seja, imagens que confluam com o “sonho” criado e
sustentado de felicidade, amor de belas princesas. O gráfico apresenta alguns
papéis sociais, como o papel da mãe que remete à beleza de gerar uma vida e se
doar para a felicidade de seus filhos. Ou ainda, o papel da noiva que resgata no
seu vestido branco a ideologia da pureza e a necessidade de buscar a felicidade
em um relacionamento harmonioso do “felizes para sempre”. Os papéis de maior
destaque são os das atrizes (18%) e das modelos (44%), pois essas imagens
72
referem-se, diretamente, a um exemplo jovem e mais, enaltecem posturas
diferenciadas de comportamento, beleza e sucesso, qualidades essas que se
ensina às meninas, desde muito cedo e que se acredita serem importantes para a
realização pessoal. Neste ponto os corpos femininos podem inspirar uma
elegância e uma coesão com os discursos que envolvem esta criatura que é o
universo feminino.
IMAGEM 04: Os papéis do feminino
73
Em meio a tantas formas de papéis que são atualmente assumidos pelas
mulheres, duas representações chamem a atenção, como é o caso das senhoras
e das atletas, pois se compõem de forma diversa das mencionadas até o
momento. Essas imagens não correspondem fidedignamente a um exemplo
exaltado. Seria então um processo de resistir a esses discursos? Pode ser, afinal
a exaltação do corpo jovem está em voga, mas a presença de outras mulheres,
com mais idade, também se faz presente, ressaltando formas de ver este corpo,
que pode ser meio da história que ele conta, pode ser pela imagem de
preservação que apresenta ou ainda pelo ícone que sustenta perante uma época.
O aparecimento das atletas (2%) ressalta uma outra forma de entender o
corpo feminino, demonstra que também se devem transpor barreiras, comporem-
se como saudável e belo. A imagem da atleta transmite uma estética diferente,
muito mais voltada ao biológico, um corpo livre de gorduras e, por conseqüência,
mais definido e delineado anatomicamente, demonstrando uma tendência
publicitária de estilo de vida – um corpo que aparece e representa uma escolha de
“saúde”. Talvez, esse corpo atlético demonstre com mais propriedade o corpo de
forma publicitária, o corpo outdoor. Segundo FIGUEIRA (2003), esse tipo de corpo
é um meio de despertar desejo, afeto e emoções. Essa forma publicitária acaba
por tornar-se uma pedagogia, pois é por meio dessas imagens que se pretende
vender e principalmente ensinar valores, condutas, comportamentos e estilos de
vida. Ou seja, compor novas formas de subjetividades, outras identidades. Esse
corpo outdoor é um corpo que se diferencia do modo escolar normativo, ele
dispõe-se a ser uma forma individualizada e expressiva do ‘eu’. Essa pedagogia
atua diferentemente da escola, como explica ROSA (2004, p.28):
Muitos episódios nos levam a crer que a escola, por não se dar conta, por não reconhecer
as senhas dos acontecimentos da atualidade que estão a disposição como se a vida
passasse ao lado, ainda faz uma pedagogia enrijecida, asséptica, idêntica, uniformizada,
desprovida de escuta e significados que digam, que interpelem, que façam sentido às
demandas, às necessidades e às individualidades de seu público de estudantes.
A autora ainda apresenta, com muita propriedade, essa nova forma de
presenciar, viver e sentir o corpo. Segundo ela, “um corpo outdoor, referindo-se a
jovens que utilizam seus corpos como se fossem páginas ampliadas de suas
74
agendas, como espaços de conversação, de marcas, registros, adesivos,
tatuagens, desenhos, pinturas, marcação de compromissos, partes rasgadas,
visibilidades, insinuações, segredos ou exibicionismos” (ROSA, 2004, p.18). Esse
corpo compõe uma outra forma de viver e entender o mundo, assim como uma
forma de pedagogia, de transmissão de valores, crenças, condutas e
comportamentos.
Assim, corpos que adotam estilos de vida, confluem para uma conversa
simultânea, compõem elos de representações próprias de ser, gerando uma
identidade reconhecível no meio social. As visibilidades juvenis desses corpos
femininos, jovens, outdoors de suas identidades desfilam principalmente nos
meios institucionais. Segundo ROSA (2004, p.27) “a escola pensa que o aluno vai
lá só para estudar, mas ‘quero me socializar também’”, assim as identidades
proporcionam a vida social das garotas e constroem seus estilos de vida segundo
suas escolhas.
IMAGEM 05: Multiplicidade midiática e socialização
75
Nas imagens, tornam-se constantes as formas famosas e bem sucedidas
das atrizes e modelos, as diferenças constituem-se principalmente nas posturas
assumidas e nas roupas selecionadas. Parece que existe uma centralidade no
76
IMAGEM 06: Resistir?
Seguindo uma outra vertente na escolha das imagens há figuras que
ressaltam partes de mulheres, como se fossem pequenas seleções corporais
possíveis de representarem tudo ‘o que é feminino’. São lábios grossos e
carnudos, bustos com decotes, olhos pintados e mãos delicadas, que evidenciam
o dito universo feminino. Parece haver uma preponderância a aspectos que
ressaltam o valor de cuidar de si e manter bela bem apresentável ao social, ou
ainda, a volta da melhor e mais destemida função da mulher – a de ser mãe. Seria
então possível perceber que tais imagens são evidências publicitárias para
idealizar a compra e venda de produtos e idéias? Segundo SANT´ANNA (2002,
p.104), “no lugar do corpo sem órgãos, abre-se a possibilidade para fabricar, aqui,
órgãos, células sem corpo. E, ainda, órgãos, células e corpos liberados da ‘forma
homem’”. Ou seja, podem-se fabricar não apenas próteses e implantes, mas
também, uma outra forma de entender o corpo que não esteja restrita aos padrões
de discursos sociais. Desta maneira, abrem-se possibilidades de resistência,
77
principalmente quando se tenta minimizar ou atenuar os processos de impacto
social desses estereótipos. Segundo OLIVEIRA JR. (2005, p.57):
As subjetividades contemporâneas (notadamente aquelas em formação – de crianças e
jovens) têm na imagem do corpo físico um de seus pontos centrais, senão o seu centro
único. E é este corpo que o cinema (e a tevê) nos exibem quase o tempo todo,
exaustivamente, de maneira fragmentada (mãos num momento, pés em outro, músculos
em outro, face em outro...), deixando aos expectadores a tarefa de reagrupar, juntar,
organizar esses fragmentos corporais em seu imaginário.
Assim, os corpos fragmentados podem sugerir uma escolha de constituição
física. Os pedaços podem provir de vários corpos diferentes para transformar-se
em um corpo idealizado e desejado no imaginário. Esse fator pode instigar a
necessidade de modificação corporal e a produção de uma melhora do ‘eu’
levando a constituir novas tecnologias de si
18
.
IMAGEM07: Corpos sem órgãos, órgãos sem corpos
18
“Tecnologias de si, que permitem aos indivíduos efetuar, por conta própria ou com a ajuda de
outros, certo número de operações sobre seu corpo e sua alma, pensamentos, conduta, ou
qualquer forma de ser, obtendo assim uma transformação de si mesmo, com o fim de alcançar
certo estado de felicidade, pureza, sabedoria”. (EIZIRIK, 2005, p. 79).
78
De alguma forma essas imagens parecem sustentar a limitação dos
saberes de um corpo fragmentado e utilitário. Exacerbando cuidados específicos
para cada parte do corpo, ou ainda, ressaltando um corpo e um feminino sempre
em construção e em manutenção. Esse desejo expansivo de cuidar, modificar ou
produzir um corpo foi impulsionado, pelo desenvolvimento genético e pelos
movimentos globais de bens industrializados.
Pode ser que haja o desejo de apropriar-se dessas imagens femininas,
muitas vezes, fragmentadas no intuito de preparação para intervenções corporais
(desde tatuagens e piercings até modificação de seios, barrigas e glúteos) que
representem um novo conceito de autenticidade a essa mulher, a esse feminino.
Um exemplo disso pode ser visto em Agrado
19
que segundo OLIVEIRA JR (2005,
p. 58):
Vem propor uma idéia de autenticidade cada vez mais exeqüível em nossa sociedade em
que os recursos tecnológicos de todo tipo se fazem mais presentes a cada dia (e aqui
incluo não as cirurgias plásticas, mas também todo o aparato das academias de ginástica e
da industria dos cosméticos e dos hormônios). Uma autenticidade, eu diria, urbana,
específica do ambiente técnico no qual vivemos hoje. Uma autenticidade que vincula os
(corpos de) homens e mulheres não mais (e somente) à natureza, mas principalmente à
história e à cultura.
Parece então que o corpo é o espaço para os acessórios em um tempo de
desenvolvimento de novas tecnologias do ‘eu’. Afinal as muitas formas de
subjetivação proporcionam novas experiências e sensações. As formas de
resistência são mais difíceis e muito mais fáceis do que se possa imaginar. Mais
difíceis, pois as modificações às vezes tornam-se tão estranhas aos olhos de
seres ‘normais’, dóceis e disciplinados que o preconceito, os estigmas e situações
desagradáveis podem aparecer. Mas também são fáceis, afinal tudo o que é
modificação é uma forma de resistência, de chamariz. Neste trabalho a resistência
não é ideológica, mas sim experimental – de sensações a serem experimentadas.
Nesse sentido, cada criação de uma nova forma corporal é uma forma de
resistência. Essa forma mutante faz com que a necessidade de conhecer e
superar possam ser mantidos. Importante ressaltar que a presença da mídia
19
Personagem do filme Tudo sobre minha mãe, de Pedro Almodóvar, citado por OLIVEIRA JR.
(2005, p. 53-65)
79
também conforma mais rapidamente essas resistências, fazendo com que se
tornem mais espontâneas e gerem uma nova cultura a cada dia.
O feminino tem sido representado por mulheres e seus artefatos, mas,
como já mencionado nos textos analisados, o feminino também pode estar
relacionado aos homens. No entanto, a postura das jovens está muito mais
voltada a entender que os homens são meros coadjuvantes na vida das mulheres,
os colocando sempre em segundo plano, como o cabeleireiro, o marido, os
amigos, mantendo a figura essencial da imagem como sendo a mulher. Podem-se
perceber estes fatores nas imagens abaixo:
IMAGEM 08: Masculinidade figurativa
80
81
IMAGEM 09: Um entendimento do feminino
O que a fala pode suscitar de dúvidas, com relação a que homem é esse
que tem um jeito feminino, a imagem esclarece. A jovem não fala de um
homossexual e sim de um homem heterossexual que cuida de si e que é vaidoso.
Talvez o que as outras jovens entenderiam por qualidades femininas e segundo
elas ”naturais as mulheres”. Esse novo homem começa a ser referenciado em
estudos acadêmicos e também socialmente com o adjetivo de “metrossexual”,
pois é uma forma diferenciada de subjetividade masculina. Um homem que
assume sua sensibilidade, que é definido como heterossexual mais que possui
uma vaidade quase feminina. Este fator sugere, segundo GARBOGGINI (2005,
p.102) “adoção de novos produtos e serviços de um modo moderno, associado à
aquisição de novos hábitos”. Isso contribui para a formação de um novo tipo de
consumidor, de público alvo e assim de novas particularidades da cultura,
interferindo lentamente nas atitudes de toda uma sociedade. O entendimento do
82
papel masculino por muito tempo permaneceu quase sem alterações, mas a
evolução do feminino interferiu de forma contundente no papel do homem.
As representações, até este momento, estão ligadas ao sexo – homens e
mulheres – mas as garotas interpretam que o feminino também pode ser
representado por outras coisas, sendo elas características do lar como é o caso
de uma mesa na varanda, ou ainda, as muitas maquiagens que desfilam pelas
cartas de pesquisa. Há a proposição de flores (como margaridas, gérberas e
rosas) para designar o feminino, levando, a crer que, a delicadeza é inerente ao
feminino. O gráfico abaixo pretende expor de forma objetiva estas poucas, mas
significativas, aparições de um feminino que não é exposto em pessoas, mas sim
em coisas e objetos característicos de uma produção histórica do que é ser
mulher.
GRÁFICO 3: As outras faces da representação do feminino
0246810
n aparições
maquiagens
mesa
flores
Outras representações do feminino
83
Essa forma de representação do feminino, foi construída de acordo com a
evolução social. São signos que delimitam, de alguma forma, a cultura e o
universo feminino. Desde cedo a pedagogia social envolve as meninas em meio a
discursos sobre o feminino que se construiram como parte do cotidiano. Segundo
SABAT (2001, p.12) “a publicidade não inventa coisas; seu discurso, suas
representações, estão sempre relacionados com o conhecimento que circula na
sociedade. Suas imagens trazem sempre signos e significados significantes que
nos são familiares”. Assim as representações do feminino dispostas neste
momento estão envolvidas pelo processo midiático, pela compra e venda, mas
também estão evidenciadas principalmente pela cultura social de um determinado
espaço/tempo.
IMAGEM 10: Um feminino mais que biológico
84
Talvez, esse processo cultural possa se colocar da seguinte forma,
segundo LOURO (2004, p.15), ao se fazer a seguinte
declaração ‘é uma menina!’ ou ‘é um menino!’ também começa uma espécie de ‘viagem’,
ou melhor, instala um processo que, supostamente, deve seguir um determinado rumo ou
direção. A afirmativa, mais do que uma descrição, pode ser compreendida como uma
definição ou decisão sobre um corpo.
Ou seja, a partir de uma definição biológica, menino ou menina, passam a
traçar um caminho cultural que é reconhecido e previsto socialmente. O fato de
nomear o corpo possibilita atribuir a ele um caráter imutável da feminilização ou da
masculinização. O sujeito é classificado e moldado, por processos disciplinadores
85
e normativos, de acordo com os signos e necessidades sociais. Estigmas esses,
que proporcionam a diferenciação entre o que é feminino e o que é masculino.
Assim, tudo aquilo que não se concentra em distinguir o universo feminino passa a
ser visto com olhar de desconfiança e, muitas vezes, é desprezado pelas
mulheres. O processo cultural é determinante nas experiências de subjetivação do
sujeito, pois constituí todo o contexto e as cobranças inerentes ao mesmo.
IMAGEM 11: Inserções culturais
Como já mencionado, o feminino é especificado por diversas vezes, como
sendo algo representativo das mulheres, algo que vem sendo culturalmente
atribuído ao ‘universo feminino’. Esse mesmo universo tem se modificado há muito
tempo, as reverberações do movimento feminista e dos estudos culturalistas
fizeram o mundo repensar o lugar da mulher, refletindo a respeito processo das
mudanças da sexualidade e dos antigos momentos estereotipados por uma
sociedade patriarcal.
Assim, muito do que é novo é criado e presenciado na sociedade atual. O
feminino não está apenas nas mulheres, ele transpõe as determinações
86
biologicistas do sexo e faz parte de uma cultura feminina que, aos poucos, se
sobrepõe ao universo masculino. Hoje, uma mulher é na verdade muitas
mulheres, pois a objetivação que ela sofre todos os dias, compõe seu modo de
ser, agir, pensar e de se subjetivar. Segundo SABAT (2001, p.11), deve-se pensar
em deslocamentos significantes em relação à identidade feminina, pois “mesmo
que ainda esteja bastante ligada a representações tradicionais, como a
maternidade, por exemplo – consegue dispor de um número maior de significados
do que a representação do homem”. Afinal, o sujeito é constituído de uma
multiplicidade de existências, que lhe permite multiplicar-se e, assim, produzir
novas identidades.
Uma dessas representações da mulher pode ser construída por meio dos
estilos, criados pela moda e sustentados por uma rede de marketing e consumo.
Os estilos na sociedade atual compõem uma forma de controle, de normatividade,
talvez quase tão grande quanto às formas disciplinares das antigas instituições.
Determinam grupos, identidades e maneiras de vida específicas. Estes estilos
revelam-se principalmente na composição das roupas utilizadas, pois a elegância
e a delicadeza, assim como a força e o sucesso são compostos com figurinos
estilísticos
20
que ressaltam ou indicam uma postura ou uma idéia referente a um
feminino desejado. Segundo PERROT (2003, p.14), “a elegância da moda é um
dever seu”, ou seja, um dever da mulher e essa idéia faz parte da normatividade
feminina desde 1900. A moda, atualmente, associada com a mídia sugerem “a
adoção de novos produtos e serviços de um modo moderno, associado à
aquisição de novos hábitos” (GARBOGGINI, 2005, p.102). Assim, os meios de
controle social constroem redes de poder para estipular estilos/meios de vida,
entre eles o saudável, o feminino, o “metrossexual” e todos os que transformam-se
em discursos hegemônicos.
Segundo SILVA (1998, p.12), “o ser contemporâneo é, sem dúvida, um
objeto situado por tecnologias do eu que vão da religião até as formas mais
‘cientificas’ de regulação da conduta”. Nesse sentido, o controle é cultural, social,
biológico e tecnológico. Os estilos de vestir-se e comportar-se socialmente são
20
Entende-se o termo estilístico, neste caso, como uma referência ao meio da moda.
87
elementos culturais de constituição identitária que estruturam sujeitos distintos em
meio aos discursos normativos da mídia, da escola, da família, enfim, do meio em
que esses sujeitos estão inserido.
Talvez, essa tecnologia do eu quando evidenciada pela moda possa se
tornar uma maneira quase perfeita de expressar um mundo de identidades
incomensuráveis e fragmentadas, a qual oferece uma procissão dinâmica de
signos flutuantes e trocas simbólicas. Portanto, há a possibilidade de afirmar que a
perfeição reduz a moda a medidas e como conseqüência essa simbologia métrica
reluz e reflete-se nos corpos ambíguos e desestabilizados da beleza
contemporânea.
A invenção da moda nasce no ápice da modernidade, e transforma o fetiche
e o corpo nas grandes cidades, pois o olhar moderno aprendeu a desejar o corpo
enfeitiçado das mercadorias que foram sacralizadas pela publicidade e pela moda,
corpo este que, exposto, incita a cobiça por meio dos vidros reluzentes das
vitrines. Assim,cartografando não apenas a venda de uma moda, mas também de
um corpo. Esse modo de entender uma identidade e um corpo-moda aparecem
juntamente com a cultura transitória e passageira relacionada às imagens dos
jornais, das revistas, do cinema e da televisiva. Ou seja, o corpo-moda se fez por
meio da emergência da globalização e tornou-se símbolo efêmero, alucinógeno e
teatral de um mundo contemporâneo e mutante. Segundo SANTAELLA (2004,
p.118) “a moda ultrapassa até mesmo os limites do mundo fashion, constituindo-
se em tecnologia específica de construção, sempre instável e fugaz, de eus
ansiosos por meio da transfiguração das aparências do corpo, um corpo volátil...”
A moda se aprofunda quando se torna encenação do próprio corpo e
quando este se transforma em função da moda, ou seja, quando se estabelece
uma relação de micro e macropoderes sobre o corpo, pois essa moda pode servir
para simular ou dissimular expressões e estratégias de um corpo afetado, ou
ainda para a produção de novas formas de subjetivação social, depende de como
o sujeito se apropria desse saber. E em meio aos discursos permanentes existe a
percepção métrica do amolduramento do corpo perante as criações da moda e da
mídia, sistemas que privilegiam a função mercadológica e supérflua.
88
A moda e a mídia podem proporcionar uma hegemonia aparente na sua
transposição como vestimentas, pois evidenciam um padrão que é fortemente
codificado. Antes de tudo, os estilos de vida e a moda são formas de negociação
social por trás das quais o corpo pode se apagar.
As imagens selecionadas pelas garotas revelam que os estilos (pautados
na moda) são os mais variados, mulheres esportistas, mulheres empresárias,
sensuais e transgressoras. Roupas sociais, de festas a estilos sexys em belas
roupas intímas. O gráfico abaixo traz esta representação.
GRÁFICO 4: A representação dos estilos relacionados ao feminino
5
45
21
3
1
4
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
n aparões
O estilo relacionado
esporte casual social punk figurinos roupas íntimas
89
IMAGEM 12: Estilos multifacetados
Os estilos podem indicar uma forma de enraizamento do pensamento
contemporâneo, pois se vive um momento imerso na constituição das identidades
individuais criadas no meio privado. Segundo FISCHER (1996, p.13), “uma forma
de adquirir identidade hoje é, por exemplo, vestir o corpo com uma roupa de griffe
90
ou calçar o tênis importado, da mesma forma que uma grande empresa se
promove e estabelece visibilidade no mercado, através de um sistema de signos
que ‘marcam’ aquele empreendimento como coisa individual”. É por meio dessa
comunicação com uma linguagem imagética que reside o sucesso da mídia e a
admirável constituição do sujeito.
O que se pode perceber nos corpos, é que eles foram selecionados pelas
jovens sem nenhuma forma de coerção por parte da realização da pesquisa, pois
foi dada a possibilidade de ‘livre’ escolha as garotas. Porém, parece que o
imaginário social e as cobranças de uma sociedade do controle responderam por
si só. A grande maioria dos corpos são magros (77), longilíneos e marcados pelos
padrões esbeltícos de uma sociedade de consumo. Há a presença de alguns
corpos de gestantes (2), que parecem corpos deformados momentaneamente pela
formação de uma vida, mas que demonstram características de corpos
previamente magros e que não terão problemas em retornar a sua antiga forma.
Existe a presença com certa freqüência de corpos de mães – com seus filhos –
que parecem ter criado uma categoria própria, pois eles não aparecem em
consenso com as outras formas, reafirmando a idéia de que ser mãe é algo
inerente ao feminino. As imagens e o gráfico poderão exemplificar. Primeiramente,
o fator deste corpo mãe, que se tornou tão específico e importante ao tratar-se do
feminino. Após, poderiam constar algumas imagens desses corpos magros
inerentes a esta exacerbação da beleza ocidental almejada pelas jovens e
representada pelas modelos, no entanto, anteriormente neste trabalho estas
imagens já se fazem presentes, assim para que o estudo não se torne repetitivo e
incoerente faz-se a opção da apresentação apenas do gráfico que relaciona esses
corpos.
91
IMAGEM 13: Corpos maternos
92
GRÁFICO 5: Os corpos das imagens refletem fatores sociais
93
das práticas sociais o ‘eu’ se forja em peles, delimitando corpos normatizados,
identidades contidas em papéis definidores: mulher e homem; assim fomos
criados por uma voz tão ilusória quanto real em seus efeitos de significação, cujos
desígnios se materializam nos contornos do humano”, ou seja, essas muitas
identidades correspondentes ao feminino, na verdade, são formas de atuação, são
papéis constituintes da história, dos silêncios e das condutas das mulheres por
décadas. Apesar do feminino ainda manter raízes nos conceitos de mulheres
“burguesas”
21
ou ainda “mulheres de boa sociedade”
22
, muitas coisas passaram
por mudanças e a representação da mulher ganha novos delineamentos com suas
funções sociais e os papéis assumidos perante a família, a mídia e os homens. É
importante ressaltar que existem resistências e fugas nas imagens representativas
escolhidas pelas garotas, como é caso de mulheres sensuais ou ‘molecas’, além
da representação da força em uma mulher guerreira. Essas representações não
vão de encontro as imagens de mãe, esposa e empresária, são imagens
diferenciadas que atribuem as mulheres outras possibilidades de subjetividades. A
mulher sensual mostra-se com propriedade em meio a lingeries e biquínis, assim
como as ‘molecas’ usam chapeis, saias curtas de xadrez e cabelos de menina. As
mulheres guerreiras vestem papéis cinematográficos que atenciosamente
relembram historicamente poucas mulheres que lutaram por ideais libertadores.
Essas mulheres não são apenas representações de mundos diversos, elas são a
cartografia de um universo feminino ampliado e repaginado para transpor os
21
Mulheres consideradas belas, delicadas, compenetradas aos afazeres domésticos e sociais. As
chamadas elegantes damas da sociedade, que estão sempre na moda, informadas e distantes de
uma cultura feminina por anos. Segundo BADINTER (1980, 201-205), a descrição de mulher ideal
herdado pelo discurso moralizador de Rosseu remete-se ao retrato da “natureza da mulher” como
aquela que possui condições de boa educação. A autora ressalta, ainda, que essa idealização da
mulher não é de cunho utópico, mas sim um reforço e uma reprodução acentuada dos traços da
mulher burguesa que o próprio Rosseu tinha diante de seus olhos. A autora relata que para
Rosseu a mulher teria três finalidades naturais e femininas, são elas: saber apenas as coisas que
convém, ser amante em belos trajes e “saber a usar a agulha e a desenhar”.
22
“A conveniência ordena às mulheres da boa sociedade que sejam discretas, que dissimulem
suas formas com códigos, alias variáveis segundo o lugar e tempo. O peito, as pernas, os
tornozelos, a cintura são , cada qual por sua vez, objeto de censuras que traduzem as obsessões
eróticas de uma época e se inscrevem nas imposições da moda. Os cabelos, signo supremo da
feminilidade, devem ser disciplinados, cobertos, enchapelados, por vezes cobertos com véu. A
mulher ‘tal como deve ser’, principalmente a jovem casadoura, deve mostrar comedimento nos
gestos, nos olhares, nas expressões das emoções, as quais não deixara transparecer senão com
plena consciência. A mulher decente não deve erguer a voz. O riso lhe é proibido. Ela se limitará a
esboçar um sorriso (...). PERROT, 2003.
94
discursos simplistas de mães e esposas que trabalham para sua família e seu lar.
São imagens de mulheres em versões multifacetadas que se transformam a cada
instante em meio a possibilidade de vivenciar novas experiências.
GRÁFICO 6: As diferentes posturas das mulheres
O que pode ser mencionado com tais escolhas é que a imagem neste caso
pode transparecer muitas coisas que foram traficadas em pacotes biologicistas e
culturais, delimitando o desejo, o consumo e as formas de ser de um sujeito.
FABRIS (2003, p. 61), sugere que:
O retrato refere-se imediatamente à pessoa, ao deixar de lado qualquer preocupação com
a verossimilhança. Inserida em uma situação ideal, a pessoa exprime-se por intermédio de
dois códigos historicamente determinados – o ‘fisionômico’, que implica a transformação do
corpo pelo uso de diferentes artifícios; e o ‘vestinômico’, alicerçado na moda, que contesta
o caráter biológico do sujeito, ao negar por sua nudez primordial. Ao criar uma imagem
ficcional, isto é, ao referir-se à pessoa, a pose permite analisar o retrato fotográfico pelo
prisma do artifício, não apenas em termos técnicos, mas também pelo fato de possibilitar a
construção de inúmeras máscaras que escamoteiam de vez a existência do sujeito original.
Assim o sujeito se transveste, compõe-se e constitui-se em meio às
objetivações, normativas e disciplinadoras, e em meio as suas subjetivações,
regras e escolhas levemente facultativas. A multiplicidade de ser feminino
constrói-se de acordo com as ‘verdades’ adotadas pelos sujeitos participantes. Os
Diferentes Mulheres
hippie mamãe compenetrada
delicada sensual dedicada
executiva moleca forte
95
discursos envolvidos proporcionam uma formação e uma produção de sujeitos por
intermédio das apropriações, mas cada sujeito torna-se um pela forma que atua
em meio a esses discursos e produções.
IMAGEM 14: Diferentes escolhas do feminino
As imagens ainda revelam em si mesmas as possibilidades expressivas de
seus modelos. As fotos transpõem um sentimento, uma realidade que passa a ser
almejada e desejada. Suas mensagens são direcionadas e as jovens desta
pesquisa procuraram em suas imagens ‘o feminino’ e revelaram de certa forma
que ele deve se compor de muitas expressividades do cotidiano, que poderiam
passar despercebidas.
96
O investimento publicitário em demonstrar essas expressividades esta
voltado para a composição de um quadro que primeiro deve ser desejado e depois
consumido, mas para isso deve demonstrar sintonia com as perspectivas culturais
da sociedade e com o público que deseja atingir. Segundo SABAT (2001, p. 14):
Ao utilizar essas estratégias como forma de atingir consumidoras/es, a publicidade está
trabalhando a partir de um currículo cultural que é constituído nas relações sociais que
opera como constituidor dessas mesmas relações. Tal currículo cultural faz parte de uma
pedagogia específica, composta por um repertório de significados que, por sua vez,
constroem e constituem identidades culturais hegemônicas. Pelas imagens publicitárias,
podemos observar como as relações de gênero estão sendo vistas por determinada
sociedade, ou seja, quais os significantes mais diretamente relacionados aos
comportamentos masculinos e femininos desejados socialmente.
Essa seria talvez a forma mais objetiva de evidenciar o papel midiático na
sociedade e na determinação do gênero feminino, mas a autora ainda menciona
algo de extrema importância, o fato de que algumas imagens não normativas
aparecerem, mesmo que com pouca freqüência, relatando hábitos e
comportamentos nem sempre muito aceitos ou de alguma forma excluídos.
SABAT (2001, P. 17), ressalta que “é a partir de tais representações e das
relações de poder nelas envolvidas que devemos buscar compreender de que
maneira identidades de gênero podem ser constituídas e representadas pela
publicidade”.
O gráfico abaixo remete às expressões demonstradas nas imagens,
selecionadas pelas garotas. Essas formas de apresentar-se “mulher” podem
compreender as multiplicidades de ideais e realidades que são, de certa forma,
evidenciadas nas imagens publicitárias. Deve-se compreender que as diferenças
não são pontuais e se apresentam ao olhar do espectador, mas não remetem a
lugares específicos, mas sim a uma construção social firmada na sociedade
contemporânea e suas exigências.
Ainda pode se perceber que as menções de feminino das imagens remetem
muito a questão da felicidade, do sonhar, da serenidade e da força, lembrando dos
contos de fadas, nos quais a princesas tem um toque de beleza, elegância,
coragem e bom senso. Assim, muitas das imagens levam a representações de
mulheres belas e símbolos de um imaginário jovem construído culturalmente
desde a infância.
97
GRÁFICO 7: Modulando as expressões
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
Expressões reveladas pelas imagens escolhidas
felicidade
alegria
preocupação
indiferença
serenidade
irreverência
concentração
sonhando
dificuldade
sedução
foa
IMAGEM 15: Símbolos construídos
No gráfico anterior existe a presença de outras expressões como é o caso
da alegria, da preocupação, da irreverência, da concentração e da dificuldade,
qualidades e palavras que atualmente fazem parte do cotidiano das mulheres, pois
98
a transformação do papel da mulher na sociedade evidencia outras formas de
feminino além da forma hegemônica. Não que esta forma de representação seja
parte de uma resistência, afinal estas representações já foram inseridas e
reconhecidas no meio social, já se tornaram discursos e técnicas de
comportamentos. Mas, antes de tornarem-se objetivações já foram produtos de
novos modos de existência.
IMAGEM 16: Linguagem escrita e imagética
Uma garota, que escolheu a imagem acima, chamou atenção para a sua
forma de compreender o feminino, talvez de forma singela ela possibilitou a
99
visualização da multiplicidade de sujeitos femininos existentes na sociedade
contemporânea. A diversidade é muito maior e muito menos evidenciada, mas o
entendimento desta jovem parece enfocar pensamentos mais relevantes sobre o
corpo feminino. Afinal se é no corpo que traçam-se as marcas da educação e da
normatividade, também é no corpo que essas marcas sofrem as rupturas, as
rugosidades e as resistências. Segundo OLIVEIRA JR. (2005, p.56), a “construção
imagética acerca do que seja feminino e o masculino que, (...), têm (na imagem
do) corpo físico o seu lugar privilegiado de concretização”, ou seja, é no corpo que
a linguagem se inscreve e se revela a todo instante.
Ainda nesta imagem que representa muitos femininos, há a presença de
uma chamada publicitária, ou seja, uma frase: “a dama que veio do lixo”, que
evidencia e reforça uma idéia, chamando a atenção para o significado da imagem
ou do texto. Percebe-se que esta imagem foi retirada de uma reportagem e
ganhou uma posição de destaque na montagem feita pela garota. Talvez, seja
uma forma de dizer que mulheres que não possuem uma posição social elevada
podem constituir-se como femininas tanto quanto grandes mulheres midiáticas.
Segundo SABAT (2001, p.12):
em um anúncio publicitário, imagem e texto constituem uma unidade narrativa que tem
como objetivo proporcionar ao/à consumidor/a uma leitura correta a respeito daquele
produto que está sendo anunciado. Na publicidade, normalmente, essa é a função do
texto: informar sobre as qualidades e as vantagens de um produto ou serviço.
Assim muitas vezes a mensagem escrita, a linguagem, exerce uma forte
influência sobre a imagem, e mais, instiga e influencia quem olha, pois as palavras
são às vezes mais objetivas em seus significados do que as imagens.
Em muito as imagens podem construir subjetividades , afinal por meio delas
é que são despertadas relações culturais, simbólicas e de consumo. Pois ao se
olhar e interpretar uma imagem passa-se a relacioná-la com o processo educativo
pelo qual o sujeito foi formado, mas o que é importante ressaltar é que nenhum
sujeito, apesar do controle e da disciplinarização, entende e vislumbra o mundo de
100
uma mesma forma. O olhar do sujeito se apropria da imagem de acordo com sua
experiência
23
.
É preciso ressaltar ainda que a frase “a dama que veio do lixo” transmite
muitos valores e agrega uma possibilidade de formação subjetiva voltada à idéia
de uma ‘autonomia’, de um sobrevôo das condições históricas e culturais, pois
relata a intenção de “quem quer pode, basta correr atrás”. Ou seja, a percepção
de que a própria mulher transpõe todas as coisas da realidade e assume ser quem
é por efeito de suas obras, ou graças ao poder de transformação que imprimiu
sobre si mesma. O entendimento desta linguagem pode mostrar-se da seguinte
forma: o sujeito aliado às tecnologias adequadas pode transformar-se em seu
próprio mito.
Esse mito de “querer é poder” também pode relacionar-se intimamente com
as outras imagens já que o corpo demonstrado constituí-se, muitas vezes, por
ilustrações midiáticas criadas a partir de desejos de homens e mulheres que
parecem dizer:
“meu corpo corresponde àquilo de que gosto, àquilo que sou, independentemente das
minhas heranças genéticas, das minhas filiações culturais e de classe, do meu estado civil
e das maneiras pelas quais eu ganho dinheiro; minha casa tem a minha cara, [assim como]
minha banheira e minhas roupas não cessam de expressar aquilo que sou”.(SANT’ANNA,
2001, p.69)
Como se o trabalho sobre si mesmo concedesse ao indivíduo uma
liberdade infinita de se auto administrar, de transformar-se em único responsável
por seus sucessos e fracassos, segundo SANT’ANNA (2001), ser empresário de si
mesmo, usar as tecnologias a favor de tornar-se campeão, um herói fictício e
patrocinado pela mídia.
23
Entende-se experiência enquanto “a correlação, numa cultura entre campos de saber, tipos de
normatividade e formas de subjetividade” segundo FOUCAULT (1985, p.10)
101
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Existem muitas formas de se fazer ‘eu’, muitas formas de se fabricar
corpos, e, mais ainda, voluntariedade em fazer-se ser um sujeito diferenciado,
individualizado e com um certo toque de consciência. O corpo feminino é uma
forma desses corpos que são itinerantes, voluntariosos e cheios de vontades de
serem diversos e autênticos. O corpo que foi cartografado por este estudo
caminha com seus estigmas de beleza e feminilidade, fatores esses que são
intrínsecos à constituição de um tipo de desejo, demonstrado em um corpo que
almeja sempre ser imbuído de qualidades estéticas e forjado segundo uma norma
de utilidade, que compõe uma normalização dos sujeitos por meio da
institucionalização do seu corpo. Talvez, a escola se posicione como a grande
instituição que favoreceu a separação por gêneros e a estimulação dos papéis
sociais, sejam eles femininos ou masculinos. É também na escola que se aprende
alguns dos saberes pretensamente científicos, que relacionam as potencialidades
físicas e as potencialidades culturais relacionadas ao sexo feminino.
Ainda vigoram na sociedade enunciados e posturas construídos com o
intuito de controlar e ‘naturalizar’ algumas imagens representativas do feminino, a
exemplo daquelas ligadas à maternidade e ao casamento. Entende-se então que
a necessidade de processos de resistência a estes enunciados e uma atitude de
desnaturalização desse feminino, colaborando para a superação de conceitos
dualistas e biológicos sustentados por um contexto machista e patriarcal.
Masculino e feminino são papéis sociais assumidos por homens e mulheres, não
impedindo que outros papéis possam se apresentar de formas múltiplas, pois a
produção de outros sujeitos também se faz presente na sociedade. O feminino
pode ser assim uma forma transgressora de um corpo que pretende resistir
aprimorando-se, apropriando-se e destacando-se, segundo muitas utilizações das
diversas tecnologias, que proporcionam melhorias corporais para compor um ‘eu’
pretensamente identitário, único e belo.
Quando o feminino se expõe neste trabalho, ele é trasvestido de muitos
discursos, e busca-se ir além das explicações reducionistas da biologia, as jovens
102
garotas participantes apontam para um feminino cultural, composto por signos e
necessidades sociais. Propõe-se discutir e cartografar a sobreposição de muitos
discursos que demonstram a importância da criação de um papel para a mulher.
Em outras palavras não significa ser apenas biologicamente mulher, tem que ser
mãe, noiva, empresária, estudante, entre outros, ou seja, é preciso criar e assumir
um personagem relevante ao contexto cultural de realidade existente. Em meio a
todas essas posturas sociais algumas são mais focadas pelo meio publicitário,
como as mulheres jovens e independentes, constituindo um meio de atingir mais
rapidamente as jovens, pois promovem um consumo de estilo, beleza, saúde e
felicidade.
Ao escolher esse corpo, que condiz com um consumo incessante, a
magreza tornou-se um desejo, uma cobrança e fez-se quase sempre presente, a
mídia mostrou-se como dissipadora de modelos a serem seguidos, não apenas
nos contornos corporais, mas também nos estilos das roupas (moda) e nos
lugares que se deve freqüentar, incitando um discurso que representa um
determinado estilo de vida. Estilo de vida que SILVA (2001) discute e menciona
como o novo arquétipo da felicidade, construído pelos moldes da medicina e de
seus discursos higienistas (também dissipados pela escola nas aulas de
Educação Física e nas aulas que tematizam o cuidado com a saúde). Este
arquétipo está intimamente ligado às pulsões da ciência e do mercado, pois o
corpo é o novo espaço de construção e gestação de uma sociedade diferenciada
não apenas de novas formas de controle e novas formas de disciplinariedades,
mas também uma sociedade moldada pelos novos meios de subjetividades
forjados pelo processo social em que se encontra cada indivíduo.
A sociedade do controle parece ter se estabelecido e tem na mídia sua
fortalecedora, pois essa supre as necessidades e desejos de novos corpos e
novas imagens instigando o público jovem. Um exemplo disso é a necessidade
que os jovens possuem de pertencer a um grupo social, isso faz com que a
televisão influencie até mesmo na moda que é desfilada na escola. Assim o corpo
moldado pelos discursos da saúde, da beleza e da moda circula nos corredores
vastos sobre olhos gulosos dos jovens.
103
Talvez, isso aconteça, como menciona SANT´ANNA (2002, p.106), pelo
fato de que “o desejo de investir nas imagens corporais torna-se proporcional à
vontade de criar para si um corpo inteiramente pronto para ser filmado,
fotografado, em suma, visto e admirado”. Um corpo que tenha destaque com suas
curvas e linearidades, que seja condizente com as percepções culturais em que
esses sujeitos criaram suas identidades. Um dos fatores que contribuem para o
desejo desse corpo são as políticas investidas sobre o corpo que determinaram o
que ele é hoje e que, de certa forma, continuarão a fazê-lo segundo as
necessidades de novas configurações sociais.
FIGURA 04: Um exemplo das passarelas e dos desejos juvenis.
FOUCAULT(1979) mencionava que para governar e gerir uma população
todos os detalhes devem ser vistos e revistos minuciosamente, nada escapa aos
olhos do controle disciplinar e, durante anos, parece que a escola teve em seu
propósito estruturar um sujeito enquadrado nos moldes sociais, mas as coisas
parecem estar aos poucos se invertendo. A sociedade, por meio de muitos focos
104
(alguns de resistência), está destacando o sujeito e formando-o, segundo outros
princípios éticos, estéticos e tecnológicos.
Atualmente a sociedade do controle tornou-se contundente, afirmando e
colaborando para a manutenção de algumas perspectivas sobre o feminino. A
sociedade cobra uma profissão mulher, na qual acentua direitos e deveres desse
feminino e faz com que este se torne modelo de criações para utensílios, roupas,
acessórios e sujeitos. Já o ‘outro’ que se faz estranho, excêntrico e marginalizado
aos olhos da normatividade, demonstra formas de subjetivação diferenciadas
mapeando também, em diversos momentos, uma resistência aos entendimentos e
signos desta sociedade vigilante.
O conceito de feminino é levado ao extremo, no seu limite enfrenta os
questionamentos sociais em relação às escolhas sexuais, mas pode mostrar-se
flexível e múltiplo. Ser feminino poderia ser compartilhar dos discursos sociais e
portar os signos de uma mulher “moderna, sensível, delicada e que usa batom”?
Ou seria mostrar-se impetuosa e resistente aos controles sociais, remanejando
sua existência de acordo com as potencialidades da vida e do meio? As respostas
podem ser inúmeras, mas o que realmente se almeja questionando essas formas
de existir é, desconstruir as naturalidades e os discursos que percorrem o sistema.
É também entender que há potencialidades de resistência sempre que houver
poder.
O corpo feminino foi o produto de uma identidade que a disciplina
denominou mulher. Assim esse corpo traçou uma história no tempo e no espaço
que o tornou foco de estudos, medos, coerções, resistências, poderes e ciência.
Mas o corpo feminino também pode ser um mapa que cartografa novas fronteiras
e transpõe limites sociais exatamente por proporcionar ao sujeito a possibilidade
de ser muitos em apenas um.
Importante ressaltar que o corpo feminino, formado na multiplicidade de
corpos, tem a chance de produzir-se segundo uma obra de arte, dispondo-se das
possíveis regras de existência, de forma ética e estética, transformando-se em
vontade de potência. Como menciona DELEUZE (1992, p.123), ao analisar as
contribuições de Nietzsche e Foucault, “...trata-se de regras facultativas que
105
produzem a existência como obra de arte, regras ao mesmo tempo éticas e
estéticas que constituem modos de existência ou estilos de vida (...) a operação
artista da vontade de potência, a invenção de novas ´possibilidades de vida´”.
Assim o feminino também pode inventar “possibilidades de vida” inteiramente
variáveis, resultantes de um processo de subjetivação intensivo e temporal que
permite ao sujeito formar-se diferentemente a cada instante. Isso acontece porque
o sujeito se abre para experimentar diversas formas de ser ele mesmo. Assim se
entende que cada obra de arte é uma experimentação, cada sujeito é uma
fronteira a ser transposta para compor um quadro, uma sinfonia ou uma bela
escultura chamada vida.
Parece haver, socialmente, um olhar um pouco menos repressor aos
corpos que cruzam as fronteiras entre o dito ‘normal’ e o ‘anormal’. Corpos que
tatuam-se, furam-se, penduram-se e dilaceram-se em busca de uma satisfação
mais própria ao estilo de ser de cada sujeito. E ainda outros se utilizam da
biotecnologia e da medicina estética para construir o desejado corpo e assim criar
uma identidade autêntica a seu modo. São silicones, fios de ouro, lipoaspiração,
retoques...pernas e bundas, braços e rostos totalmente modificados. Mulheres
construídas à imagem e beleza de outras mulheres, exemplos e modelos que se
destroem e se reconstroem a cada uso de bisturi. Corpos femininos
potencializados segundo técnicas, às vezes, primitivas outras vezes de extremo
progresso tecnológico, que permitem upgrades. Tudo é permitido em função de
um sujeito mais satisfeito e feliz.
É possível entender essas evoluções como uma forma de manipulação
social, de compra e venda mercadológica instigada pelo poder da mídia e seus
atributos discursivos, mas é também possível entender esse descobrimento do
corpo com um potencial criador insuperável.
Nos últimos anos, o corpo feminino, mais fartamente, tornou-se via de
venda e de consumo de múltiplas coisas, além de produtos para as mulheres,
também aparecem os produtos para homens e para crianças. O feminino tem sido
falante, tem exibido um cardápio vasto, farto e variado em questões de estilo de
vida, modos de existência e moda, e mesmo assim tem passado despercebido,
106
quase que ingenuamente pela maioria da população. Enquanto a mídia e grandes
instituições já perceberam que a mulher conquistou seu espaço, tornou-se diversa
e intensa, a sociedade ainda prende-se em discutir o papel que esta mulher pode
assumir socialmente. Neste sentido, parece que o controle, que as instituições de
captura tem sobre o sujeito, pode estar sempre um passo a frente do mesmo.
FIGURA 05: Um estranhamento nada estranho
107
Durante meses foram reunidos e lidos um conjunto de reportagens de
jornais e revistas que mencionam um feminino atingido pelos ‘novos’ discursos
sociais de controle, ou seja, um feminino representativo de mulheres com
distúrbios alimentares como a anorexia e a bulimia, mulheres com ares e vontades
juvenis, mulheres modificadas consideravelmente por cirurgias plásticas e
mulheres que buscam um corpo diferente e mais bonito por meio de outras
intervenções como piercings e tatuagens. Assim como há, também, mulheres que
percebem o feminino como sendo fruto de habitualidades e cotidianidades.
Enfoques diferentes para públicos diversos, mas dois discursos em destaque e em
convergência – a felicidade e o sucesso. Pode parecer estranho a primeira vista,
mas essas mulheres, todas elas, buscam um meio de autenticidade único que as
mostrem e as identifiquem socialmente. Os discursos de beleza, saúde, felicidade
e bem-estar alimentam constantemente a insatisfação com o ‘eu’ biológico.
Existem programas específicos para a formação de cada tipo diferenciado
de mulher. Existem aqueles que se propõem ensinar culinária, outros que
investem na moda e comportamento feminino, outros que demonstram os avanços
tecnológicos da medicina estética e alguns que discutem a sexualidade voltada
para o prazer da mulher. Todos esses investimentos midiáticos visam,
principalmente, a mulher que está formando sua subjetividade contemporânea
instigando-a a estar sempre atenta aos cuidados para consigo mesma, sejam eles
alimentares, de saúde, de estética, entre outros. Uma tentativa normalizadora,
que enche o contexto social explorado e conhecido pelas garotas desta pesquisa
quando falam de sua percepção de um feminino na atualidade.
Muitas vezes, o feminino se fez reduzido a meras coisas de mulher, mas
como já discutido esse feminino está nos papéis assumidos por mulheres e
homens, pois atualmente o homem e a dita masculinidade também têm sofrido
grandes transformações sócio-culturais, transformando de forma significativa os
nossos entendimentos de masculino e feminino.
Ao longo desta pesquisa ao ouvir os relatos e discussões das garotas
comecei a questionar meu conceito de feminino, quais os desejos que me
consumiam e quais os desejos que eu tinha em consumir um feminino mais
108
estereotipado. A partir dos textos das jovens pude perceber que para desconstruir
um discurso social é preciso primeiro despojar-se de seus próprios discursos. Para
entender o feminino com suas múltiplas possibilidades foi necessário perceber o
que ele representa na minha formação e na condição sócio-cultural em que me
encontro. Foi necessário me descobrir enquanto sujeito feminino, falante e
consumidor de um padrão que antes criticava, ou seja, desconstrui muitos de
meus conceitos, discursos e , principalmente, moralidades.
Talvez, as grandes limitações desta pesquisa encontrem-se na
pesquisadora, pois esta, no inicio, buscava uma pesquisa neutra e científica e ao
caminhar ao lado das jovens garotas disciplinadas pela escola, pela mídia e pelo
controle das amarras social, viu-se semelhante nos desejos, angústias e
(in)felicidades. Foi a partir deste momento que questionando e degladiando-me
com conceitos de gênero, discursos e corpos afáveis passei a perceber que
encontrei nas garotas, nas imagens e nos textos delas um significado interessante
de ser mulher – o fato de poder apresentar um feminino que é repleto de
possibilidades, paixões e sensações a serem construídas.
Apesar de ter me limitado durante muito tempo, acabei percebendo que a
problemática do corpo feminino me intrigava porque não me reconhecia como um
sujeito feminino, pois entendia que o feminino das mulheres apresentava-se,
unicamente, nos seus acessórios, cabelos e salto-altos. Na leitura dos textos das
jovens comecei a surpreender-me ao perceber que sensualidade, romantismo e
delicadeza eram apenas algumas das possibilidades vislumbradas para o
feminino. No princípio, choquei-me com a possibilidade de finalmente reconhecer-
me como uma mulher que não era feminina, todas as palavras dos textos
daquelas jovens pareciam apontar uma mulher idealizada, quase inatingível.
Conforme os textos confluiram com as imagens apresentadas e começaram a
serem discutidos à luz da literatura escolhida, as palavras passaram a ter
significados diferentes, os acessórios, que antes eram quase uma afronta,
passaram a fazer parte do meu cotidiano.
Desconstruir cada ‘naturalização’ possibilitou o entendimento que ser
mulher e assumir um papel de feminino socialmente é estar sempre em
109
suspensão, é integrar-se e relacionar-se em prol de uma experiência que modifica
o corpo, o feminino e a ética a qual se está acostumado.
As garotas, muitas vezes durante as aulas, discutiam sobre a obviedade da
pesquisa e mencionavam que era muito fácil responder à ‘carta de pesquisa’,
talvez em uma tentativa de saber se a pergunta era tão simples e fácil, comecei
também a submeter-me a mesma pergunta: O que é feminino? Encontrei, então,
um estranhamento, pois não consegui responder a essa questão sem pensar em
constituições históricas e sociais como: uma mulher que esteja repleta de
acessórios, roupas e trabalhos incessantes no meio público e no meio privado.
Uma mulher que trabalha e tem suas ‘obrigações diárias com sua família e sua
casa, sem nunca esquecer de estar bela. Ou seja, uma definição que remete aos
textos e imagens das jovens, expostas e discutidas por este trabalho. Assim ao
desconstruir os discursos desses textos e imagens acabei por desconstruir a mim
mesma, tornei-me um quebra cabeças com peças que antes não tinha a mínima
idéia que existiam. Como se no meio de um quadro ou de um jogo, peças
faltassem e buracos aparecessem.
Contudo quando comecei a pensar sobre o corpo feminino insistia em
pensar em um corpo investido de futilidades e, de certa forma, submisso ao
controle midiático. Com o percurso da pesquisa entendi que as objetivações estão
sim presentes no cotidiano, mas são apenas uma parte da formação do sujeito.
Pois pude perceber que o processo de subjetivação faz com que esse sujeito se
aproprie e crie outras formas de entendimentos de si mesmo e do mundo que o
cerca. Percebi, também, que essa formação é continua e incessante, cada
instante é diferente do outro e todo sujeito é modificado a cada encontro e
desencontro na vida.
Talvez, a segunda limitação desta pesquisa seja a insistente resistência da
pesquisadora em não se expor enquanto sujeito feminino. Ao passar por um
processo de avaliação dos conceitos que tinha para meu próprio corpo e minha
formação como mulher pude transformar-me enquanto pesquisadora e também
como pessoa. Como pesquisadora, porque entendi a percepção de uma pesquisa
ética e constituída segundo os pormenores do cotidiano, assim podendo rever a
110
todos os instantes as preocupações sócio-culturais. Aprendi, enfim, a ter uma
diferenciação em como olhar para o cotidiano e para meu próprio objeto de
pesquisa. Como pessoa, percebi que sou sujeito de um universo proposto para o
consumo e controle, tornei-me mais propensa a novas possibilidades e passei a
entender o que considerava, antes, como futilidades como sendo apenas formas
diversas de interpretar e apropriar-se de um mesmo pressuposto cultural.
Meu corpo passou a buscar outras respostas e a procurar por outras
experiências, como se a desconstrução de mim mesma fosse apenas o começo
pra a construção de um outro sujeito a ser desconstruido. O reconhecimento do
feminino em mim instigadou-me a experimentar as coisas que antes criticava,
permitindo-me seguir modelos, corrompê-los e transformá-los segundo os meus
desejos. Em muito fui constituída a semelhança de minhas criticas e depois restou
apenas à vontade de não ser sujeito finito. Resta a vontade de ser mutante! Assim
como Pagu:
Minha força não é bruta
Não sou freira nem sou puta
Sou rainha do meu tanque
Sou Pagu indignada no palanque
Fama de pora-louca, tudo bem
Minha mãe é Maria-ninguém
Não sou atriz-modelo-dançarina
Meu buraco é mais em cima
Porque nem toda feiticeira e corcunda
Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito homem.
Não sei como mencionar os frutos desta pesquisa em minha vida, mas
devo reconhecer que as coisas que aprendi e os erros que cometi me fizeram
melhor. Do que sou feita eu não sei, mas tenho a certeza que esse material se
111
renova todos os dias quando me proponho a conhecer, a desejar e a experimentar
os outros, a mim mesma e as coisas novas que o mundo oferece. Afinal
transfigurar-se como mulher é uma brincadeira que faz de mim uma e muitas em
um curto espaço de tempo.
112
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SARGENTINI, V. M. O. A descontinuidade da história: a emergência dos sujeitos
no arquivo. In: SARGENTINI, V. M.; BARBOSA, P. N. Michel Foucault e os
domínios da linguagem: discurso, poder, subjetividades. Campinas: Clara luz,
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115
SILVA, A. M. Corpo, ciência e mercado: reflexões acerca da gestação de um
novo arquétipo da felicidade. Florianópolis: UFSC, 2001.
SILVA, R.A. e SOARES, R.Juventude, escola e mídia. In: LOURO, G.L.; NECKEL,
J.F.; GOELLNER, S.V. Corpo, gênero e educação: um debate contemporâneo
na educação. Petrópolis: Vozes, 2003. p.82-94.
SILVA, T. T. Liberdades Reguladas: a pedagogia construtivista e outras formas
de governo do eu. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.
SOARES, C. L. e FRAGA, A. Pedagogias dos corpos retos: das morfologias
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v. 14, p. 77 -88, 2003.
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adolescência. In: Estudos Feministas. Florianópolis, v13; n1, p. 147-162, 2005.
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VEIGA-NETO, A. Foucault e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
116
ANEXOS
117
ANEXO 01: “Documento de Contato com a Escola”
118
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE CULTURA, ESCOLA E ENSINO
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
Pesquisadora: Emilia Devantel Hercules
Orientador: Prof. Dr. Nilson Fernandes Dinis
À Senhora Diretora,
Venho por meio desta apresentar minhas intenções de pesquisa. Ao
pertencer ao programa de pós-graduação da Universidade Federal do Paraná e
tendo por base as discussões sobre a escola, a pesquisa que venho tentando
realizar está vinculada às alunas do Ensino Médio. O objeto de pesquisa tem sua
relação estreitada na visão das adolescentes sobre seu corpo e como esse corpo
se relaciona com a mídia e a educação. Para a realização dessa pesquisa
selecionamos as alunas de 15 a 17 anos como delimitação da faixa etária, pois
nesta fase parece ficar mais explícita as relações do jovem com o mundo. A
possibilidade do mundo escolar ser um espelho social faz com que se possa
refletir e procurar o ambiente escolar.
Talvez pareça um pouco estranho pesquisar apenas as garotas, mas por
questões de delimitação do problema e do objeto de pesquisa as questões
relacionadas ao gênero são um dos motivos. O principal objetivo é de entender
como as garotas, as quais sofrem bombardeiros diários de cobranças e padrões
corporais, relacionam-se com o meio social, relacionando educação e mídia.
Para a realização da pesquisa é necessário um número relevante de
sujeitos participantes, entendemos que para cumprimos com as exigências do
programa de pós-graduação e para realizarmos um trabalho sério e comprometido
precisaríamos de 100 alunas para compor o quadro dos sujeitos.
A intenção é de desenvolver um trabalho que não atrapalhe a dinâmica da
instituição e que duraria um prazo máximo de 6 encontros, sendo destes 3 para
coleta de informações, 1 para aplicação de um questionário, 1 para resolver os
119
últimos detalhes (caso haja necessidade) e o último deles seria para que a escola
obtivesse um retorno do pesquisador. Para esse encontro propomos uma palestra
ou algo semelhante sobre o tema pesquisado, neste momento, “gênero, mídia e
corpo”.
Ao esclarecer os fatores principais é de fundamental importância a
transparência da metodologia aplicada a esse trabalho e quais os instrumentos de
pesquisa que serão trabalhados com as jovens.
INSTRUMENTOS:
¾ Aplicação de 1 redação: na qual as garotas deverão expressar suas
opiniões em relação a seguinte questão:
O que é o feminino?
¾ Escolha de uma imagem: as alunas deverão representar através da escolha
de uma foto que represente o que é o feminino. As fotos serão entregues
junto às redações.
¾ Observação: durante o período de estada na instituição a pesquisadora fará
simples observações dos grupos e dos alunos para compreender melhor o
universo estudado. Esta observação compor-se-á como um complemento,
preenchendo lacunas que podem ser sociais e de relacionamento entre as
alunas.
Desde já agradeço pela oportunidade concedida,
Grata,
Emilia Devantel Hercules
Curitiba, 13 de agosto de 2005
120
ANEXO 02: ”Carta de Pesquisa”
121
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Curso de Pós Graduação em Educação – Linha de Cultura, Escola e Ensino.
Departamento de Educação
Orientador: Nilson Fernandes Dinis
Pesquisadora: Emilia Devantel Hercules
Carta de Pesquisa
Nome: ______________________________________________ Turma: _______
Sexo: ______________ Idade: __________
Dê sua opinião escrevendo sobre o tema: o que é o feminino? Para exemplificar,
procure uma imagem que represente o “feminino”.
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