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ROBERTA AFONSO VINHAL WAGNER
PAPEL DAS ELITES NO DESENVOLVIMENTO
POLÍTICO E ECONÔMICO DO MUNICÍPIO DE
UBERABA (MG) 1910 a 1960
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Geografia
da Universidade Federal de Uberlândia,
como requisito parcial à obtenção do título
de Mestre em Geografia.
Área de Concentração: Geografia e Gestão
do Território.
Orientadora: Profa. Dra. Vânia Rubia Farias
Vlach
Uberlândia MG
INSTITUTO DE GEOGRAFIA
2006
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ii
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
Roberta Afonso Vinhal Wagner
PAPEL DAS ELITES NO DESENVOLVIMENTO POLÍTICO E
ECONÔMICO DO MUNICÍPIO DE UBERABA (MG) 1910 a 1960
Profa. Dra. Vânia Rubia Farias Vlach
(Orientadora UFU)
Profa. Dra. Lia Osório Machado
(Examinador UFRJ)
Profa. Dra. Heloísa Helena Pacheco Cardoso
(Examinadora UFU)
Data: 24 de agosto de 2006.
Resultado: _____________.
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iii
Com amor, dedico esta pesquisa ao
meu esposo, Wellington e ao meu
filho, Germano, pela cumplicidade e
compreensão.
iv
AGRADECIMENTOS
Esta formalidade para agradecer os sujeitos constituintes que
participaram de todo o processo de pesquisa, desde o projeto até a
presente dissertação, torna-se uma mera exigência da academia
mediante a grandiosidade e dedicação de todos.
À minha orientadora, Vânia Vlach, a quem devo minha iniciação à
pesquisa, ao me apresentar o fantástico mundo do conhecimento como
crescimento moral e intelectual. Suas orientações não ajudaram
somente na presente dissertação, mas me ensinaram que o
compromisso do educador transcende a universidade ao fazermos do
conhecimento um instrumento de re-construção constante para uma
sociedade crítica e libertadora.
Aos professores do Instituto de História da UFU, cujas observações
foram imprescindíveis para a reformulação da análise proposta: Heloísa
Pacheco e Célia Rocha Calvo, bem como o Alcides Freire Ramos.
Ao prof. Julio Cesar Ramires, do Instituto de Geografia, pelas
colaborações no relatório de qualificação.
À grande amiga e cúmplice, Jeane Medeiros Silva, pela sua dedicação
ao corrigir a redação da dissertação e ao contribuir com suas análises
críticas. Pela paciência ao ouvir minhas angústias no decorrer da
pesquisa; sua simplicidade e competência foram estímulos para a
procura constante de superar os meus limites e fraquezas.
v
À Ínia Novaes Franco, a companheira e confidente que me ensinou que
cada indivíduo se supera no seu devido tempo. Obrigada pela sua
ternura e apoio durante esta caminhada.
À Elza Canuto, o meu porto seguro durante esta jornada do
conhecimento, que me ensinou a transformar minhas deficiências em
desafios capazes de superação.
Aos professores da graduação, Carlos Alberto Povoa,Sonia Cecílio,
Wilson Correia e Djalma Pelegrini, pelo incentivo e presteza que
antecederam esta pesquisa.
Aos compadres e amigos, Paulo e Andréia Ferreira, pelo carinho e
preocupação com meu filho Germano, suprindo as minhas ausências.
Às amigas Patrícia Bielert e Suely Gomes, pela cumplicidade e pelo
companheirismo nesta trajetória acadêmica.
À amiga Fernanda Borges, pelo sorriso e descontração, que me
ajudaram nos momentos de dificuldades no decorrer da pesquisa.
Ao meu esposo Wellington, eterno cúmplice e aliado em todos os
momentos de minha vida, grande incentivador e crítico da minha
pesquisa, cujas observações foram os alicerces da presente
dissertação, o meu muito obrigada.
Ao meu filho Germano, gerado ao mesmo tempo que esta pesquisa o
foi, reclamando, em alguns momentos, pois conheceu todos os buracos
da Br 050 (Uberaba-Uberlândia). A minha ausência como mãe nesses
dois últimos anos (primeiros dele), não atendendo seus vários pedidos:
vi
mamanha, chega de be (estudar e escrever), e mesmo assim um amor
incondicional de filho, que me fortaleceu durante toda a pesquisa.
A toda a minha família, em especial ao meu pai Antônio Luiz Vinhal,
meu irmão Renato Afonso Vinhal, minha cunhada Dilma e meu padrinho
Adalberto; sem a força e o estímulo de vocês eu jamais conseguiria.
À minha mamãe Leônia Afonso Ribeiro Vinhal (in memorian) para que
meu irmão Renato e eu pudéssemos estudar: sua lição de amor à vida
e às pessoas foi a minha inspiração para prosseguir na luta por uma
sociedade crítica, justa e solidária.
À minha tia Luzdalva, tia Lu, pelo carinho e dedicação, que foram
imprescindíveis para continuar a minha jornada de pesquisadora: o meu
obrigada pela dedicação ao me substituir, amparando e cuidando do
meu bem mais precisos meu filho Germano.
À tia Neiva Afonso (in memorian) pelo seu amor, força e superação,
que me ensinou que mesmo quando nos deparamos com os piores
abismos, a fé incondicional em Deus e no amanhã são essenciais.
À Senhora Wanda Wagner e Senhor Bittencourt Souza, meus sogros,
meu obrigada pelas palavras de incentivo no decorrer da pesquisa.
À minha cunhada Alcione Wagner, minha grande amiga e incentivadora
dos meus projetos profissionais e acadêmicos.
À amiga Ana Rita, pela força, amor e dedicação no período que mais
enfrentei dificuldades ao descobrir na maternidade a razão de nossa
existência.
vii
À minha grande amiga, Cristina Bracarense, sublime professora e
crítica da realidade, o meu obrigada pela força e estímulo.
A todos os meus alunos, que são a minha fonte inspiradora de saber.
Agradeço a Deus pelo estímulo constante, que iluminou toda a minha
trajetória de pesquisadora, transformando cada obstáculo em
conquistas.
viii
É surpreendente ver como o problema dos
espaços levou tanto tempo para aparecer como
problema histórico político: ou o espaço era
remetido à natureza, à Geografia Física, ou era
concebido como local de residência ou de
expansão de um povo [...]. O que importava
eram os substratos ou as fronteiras. Seria
preciso fazer uma história dos espaços, que
estudasse desde as grandes estratégias da
Geopolítica até as pequenas táticas do habitat.
ix
RESUMO
A presente dissertação de mestrado analisa o papel das elites no
desenvolvimento político e econômico do município de Uberaba, bem
como os reflexos na produção do espaço geográfico, no período que se
estende de 1910 a 1960. A partir de uma abordagem teórico-
metodológica da Geografia histórica, procuramos compreender as
relações de produção econômica, social, política e cultural na cidade
mencionada, construindo uma análise das elites em sua diversidade, e
do poder destes grupos em diferentes dimensões. O conhecimento da
historicidade de determinados grupos sociais ajuda a explicar as
transformações geográficas ocorridas em seu espaço, e impede a
construção de modelos que não condizem com a realidade. Nesta
perspectiva, é imprescindível compreender a (re)construção do poder
hegemônico destas elites, como também seus valores e estratégias. No
desenrolar da pesquisa, constatamos que o político, enquanto
instrumento de manutenção do poder nas relações econômicas,
elaborou em Uberaba (1910-1960) teias sociais que formaram uma
sociedade resistente ao processo de desenvolvimento capitalista.
Palavras-chave: Geografia Histórica Geografia Política Elites
Poder Uberaba (MG).
x
ABSTRACT
The present Master dissertation analyzes the elites paper in the
economic and political development of Uberaba city and the
consequences in the production of the geographic space. This research
occupy the period that extends of 1910 to 1960. We work with boarding
theoretician and methodological of historical Geography and we seek to
understand the relations of economic, social, cultural and politics
production in Uberaba, constructing an analysis of the elites in their
diversity and analyzing the power of these groups in different
dimensions. The knowledge of the historic aspects of some social
groups helps to explain the geographic transformations occurred in that
space, and hinders the construction of models that do not correspond
with the reality. In this perspective, we think that is essential to
understand the (re)construction of the hegemonic power of these elites,
as well as their values and strategies. In this research, in Uberaba
(1910-1960), while maintenance instrument of the power in the
economic relations, we evidenced that the political elaborated social
nets that had formed a resistant society to the process of capitalist
development.
Key Word: Historical Geography - Geography Politics - Elites Power
Uberaba (MG).
xi
LISTA DE FIGURAS
01 Brasão do Município de Uberaba (MG) 1928 ......................... 30
02 Rua São Sebastião, na área centra de Uberaba ....................... 32
03 Rua do Comércio cheia de lama e poças de água ................. 33
04 Ladeira do Rosário central excelente pasto para cabritos ... 35
05 Rua Vigário Silva localização central do município de
Uberaba no governo do coronel Manoel Terra ...................... 37
06 Rua da Constituição localização central no município de
Uberaba .............................................................................. 43
07 Rua Major Eustáquio localização central de Uberaba ............ 46
08 Rua Paschoal Totti, com buracos e imundice ........................... 46
09 Rua 24 de Fevereiro localização central de Uberaba
somente mato e buracos ....................................................... 47
10 Inauguração em 1939 do Monumento à introdução do zebu .... 103
11 Senhor José Caetano e sua esposa Cherubina Machado
Borges ................................................................................ 103
12 Fazenda Laranjeiras que pertenceu a Rodolfo Machado
Borges, um dos pioneiros da seleção de Gir e Nelore no
xii
município de Uberaba ......................................................... 104
13 - Mapa mundi com o roteiro das viagens de Teófilo de Godoy e de
João Martins Borges ............................................................ 105
14 Vacada guzerá, importada da Índia no ano de 1920 ............... 109
15 Armazém da Fazenda Ponte Alta .......................................... 112
16 No alto: Príncipe, magnífico reprodutor Gujera, de 06 ano de
idade. Teve uma prole esplêndida, vendida anualmente por
preços elevados ................................................................. 114
17 - Balancetes da produção pecuária do Coronel Alceu de
Miranda .............................................................................. 115
18 - Balancetes da produção pecuária do Coronel Alceu de
Miranda .............................................................................. 115
19 Selo comemorativo à entrada do zebu no Brasil ..................... 126
20 Residência de José Caetano Borges, um dos pioneiros do
zebu .................................................................................. 127
xiii
24 Fazenda (Chácara) do Mirante que pertenceu a Delfino Gomes da
Silva um dos introdutores do zebu no município de Uberaba .. 132
25 Fazenda da Glória que pertenceu a Alceu de Miranda ............ 133
26 Fazenda Gengibre que pertenceu a Guiomar Rodrigues
Cunha ................................................................................ 133
xiv
LISTA DE QUADROS
01 Receita e despesa da Prefeitura Municipal de Uberaba (1837-
1859) .................................................................................. 65
02 Estatística sobre o comércio no Triângulo Mineiro (1904
1905) ................................................................................... 91
03 Ascensão da atividade pastoril nos primeiros anos do século
XX ....................................................................................... 92
04 Principais transações comerciais compra e venda do gado zebu
nas décadas de 1930 e 1940 ............................................... 125
xv
LISTA DE MAPAS
01 Rota Salineira, conhecida como Caminho de Goiás .............. 57
02 Rota salineira do Rio de Janeiro a Mato Grosso ...................... 58
03 A nova rota salineira ............................................................. 62
xvi
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................. 01
CAPÍTULO 1 - GEOGRAFIA HISTÓRICA: algumas considerações
Metodológicas ........................................................ 07
1.1 A contribuição da história oral para a Geografia ..................... 14
CAPÍTULO 2 AS TRANSFORMAÇÕES SÓCIO-ECONÔMICAS
NO MUNICÍPIO DE UBERABA NO PERÍODO DE
1870 A 1910 .......................................................... 49
2.1 - O município de Uberaba: situação geográfica privilegiada ou
geopolítica do território? ....................................................... 54
2.2 O início do declínio comercial de Uberaba (1860) ................... 70
2.3 O desenvolvimento comercial de Uberaba (1860 a 1910) ......... 72
2.4 A concepção de hegemonia de uma elite dominante ................ 77
2.5 A força política uberabense ou... uma elite situacionista? ........
85
CAPÍTULO 03 A CONSOLIDAÇÃO DE UMA NOVA ELITE
UBERABENSE E SUA ATUAÇÃO NO CENÁRIO
POLÍTICO E ECONÔMICO (1910-1960) .................. 90
3.1 O agravamento da crise econômica (e política) de Uberaba ..... 98
3.2 A mudança da atividade econômica no município de Uberaba. 100
3.2.1 A introdução do Zebu no Triângulo Mineiro, via Uberaba .... 101
xvii
3.3 O gado zebu provoca polêmica entre Minas Gerais e São
Paulo: a campanha contra o zebu ....................................... 109
3.4 O fortalecimento dos criadores do gado zebu: a união dos
fazendeiros e a criação do Herd Book Zebu (HBZ) .............. 119
3.5 O apogeu da comercialização do gado zebu (1935 a 1945) .... 129
3.6 A Revolução Urbanística promovida pela fase áurea do zebu
no município de Uberaba ..................................................... 125
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................... 135
REFERÊNCIAS ........................................................................... 139
FONTES: JORNAIS, DOCUMENTOS OFICIAIS E MEMORALISTAS . 148
ANEXO 1 ................................................................................... 149
ANEXO 2 ................................................................................... 150
OUTROS ANEXOS ...................................................................... 151
1
INTRODUÇÃO
A presente dissertação propõe compreender a temática das
elites no município de Uberaba (Minas Gerais), no período entre 1910 e
1960, e sua influência no desenvolvimento político-econômico desta
cidade. Tal análise, considerada sem importância nos trabalhos
acadêmicos e leigos apresentados anteriormente sobre este tema,
surgiram de duas inquietações que me acompanham desde a infância.
A primeira delas refere-se ao fato de que quando eu viajava
do interior de Goiás para o município de Uberaba, ouvia com
freqüência os comentários de meus familiares, ao passarmos por
Uberlândia: Estamos chegando na famosa Uberabinha. Sendo assim,
eu ficava sempre me perguntando sobre o motivo pelo qual Uberlândia
era chamada de Uberabinha, se Uberaba era menor que Uberlândia.
Essa contradição na escala geográfica de ambas as cidades me
intrigava.
Outra inquietação envolvia meus avós maternos. Meu avô
Aristoclides Afonso, na década de 1950, era um grande fazendeiro e
criador de zebu; possuía uma extensa fazenda e fazia da criação de
gado zebu a sua linha de produção. Numa certa manhã, contava a
minha mãe, um sobrinho solicitou ao meu avô o seu aval no Banco do
Brasil, pois ele estava comprando várias reses (zebu). Meu avô
concedeu e avalizou o negócio, pois naquele período a comercialização
2
do gado zebu era de grande rentabilidade. Porém, após concretizarem
a negociação, imediatamente o zebu sofreu desvalorização no mercado
e o sobrinho de meu avô (Leônidas Afonso) faliu literalmente. No
momento de desespero, suicidou-se, deixando todas as dívidas no
Banco do Brasil para meu avô Aristoclides Afonso honrar, que as
pagou, dispondo, para isso, de todos os seus bens a ponto de toda a
família ter que mudar do município de Uberaba para a fazenda de um
amigo, vivendo ali de favor por um longo período.
Estes dois acontecimentos, reportados acima, motivaram
minha trajetória de pesquisadora na academia, como geógrafa.
Inicialmente, procurei entender os motivos pelos quais o município de
Uberlândia, com o dobro de habitantes do município de Uberaba, era
chamado por um diminutivo do nome Uberaba. Quais os motivos que
levaram Uberlândia a superar essa posição, digamos, hierárquica, em
relação à produção do espaço geográfico uberabense? Como Uberaba
se posicionou nesse processo? Quais os elementos constituintes deste
processo? Quais fatores contribuíram para que o município de Uberaba
considerado no início do século XX o principal entreposto comercial
(a Boca do Sertão), o elo de ligação comercial do Triângulo Mineiro
com outros espaços do território nacional, como São Paulo, Goiás e
Mato Grosso perdesse sua hegemonia no processo de produção
capitalista?
A criação do gado zebu foi a alternativa econômica ao
marasmo no qual se encontrou o município de Uberaba após sua
falência. Nesse contexto, qual a relação estabelecida entre este novo
3
meio de produção e as elites uberabenses? Tornou-se imprescindível
questionarmos a atuação dos criadores no contexto político, como os
mesmos estabeleciam suas redes de pessoalidade que,
concomitantemente, repercutiam no âmbito político e econômico em
diferentes escalas.
A presente pesquisa, portanto, foi elaborada em função destas
questões. Dessa maneira, organizamos o trabalho em três capítulos.
O primeiro capítulo analisa a importância da geografia
histórica para compreendermos as relações que envolvem os sujeitos
sociais na sua diversidade. A questão histórica torna-se imprescindível
para percebermos a cultura com um sistema rico de significados e
valores intrínsecos, que, conseqüentemente, permite uma melhor
análise dos diferentes modos de vida de uma sociedade e, ainda, as
relações de poder nela estabelecidas.
Nesta perspectiva, a contribuição da História Oral foi
determinante na elaboração da presente dissertação. O diálogo entre a
História e Geografia é pertinente, pois ambas disciplinas fornecem
subsídios para compreendermos a dinâmica do poder em toda a sua
diversidade.
É importante ressaltarmos que, ao utilizarmos a História Oral,
consideramos que as narrativas vêm carregadas de significados que
precisam ser interpretados, para promoverem um debate no sentido de
avançarmos na elaboração de novos questionamentos teórico-
metodológicos.
4
No decorrer do primeiro capítulo, Geografia Histórica:
algumas considerações metodológicas, estabelecemos um diálogo
com os memorialistas do tema em Uberaba, para avançarmos no
debate, ou seja, a análise política e econômica da realidade
uberabense, pois devíamos ultrapassar os limites da factualidade.
Nesta perspectiva, o diálogo foi pertinente, nos propiciando um melhor
entendimento da postura não crítica dos memorialistas.
No segundo capítulo, As transformações sócio-econômicas
no município de Uberaba no período de 1870 a 1910, discutimos,
inicialmente, a situação geográfica do município de Uberaba, que tem
uma localização privilegiada, dispondo de terras férteis e água em
abundância, fatores decisivos para o início do processo de ocupação
da região. Porém, aprofundamos esta discussão ao afirmamos que a
situação geográfica privilegiada do município de Uberaba não se deve
somente às terras férteis e às boas pastagens. No contexto da
produção capitalista da época, Uberaba localizava-se no caminho das
grandes rotas salineiras, e se apresentou como uma rota alternativa,
além de viável e rendosa, para abastecer as regiões interioranas de
Goiás e Mato Grosso. Outro fator determinante, presente neste
capítulo, foi a constatação de que as elites, quanto à origem das
mesmas, não estavam somente ligadas à criação de gado, mas
igualmente ao comércio. No período que antecede a 1910, já existia
uma elite (nos termos que defendemos na dissertação), o que tornou
necessária uma análise do desenvolvimento comercial do município de
Uberaba entre 1860 e 1910. Neste contexto, analisamos a força política
5
uberabense por meio da atuação de uma elite política situacionista, que
reconstrói suas ações na produção do espaço geográfico como forma
de manter sua hegemonia política e econômica.
O terceiro capítulo, A consolidação de uma nova elite
uberabense e sua atuação no cenário político e econômico (1910-
1960), enfatiza a consolidação de uma nova elite uberabense e sua
atuação no cenário político e econômico no período de 1910 a 1960. A
produção capitalista do espaço geográfico uberabense revigorou-se
com a chegada da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. Por outro
lado, no sistema capitalista, a dinâmica do lucro fez com que os trilhos
não ficassem apenas no município de Uberaba, prolongando-se até o
município de Araguari. Neste contexto, constatamos uma retratação na
atividade comercial de Uberaba. Diante desta crise no comércio, os
latifundiários organizam-se e criaram o Club Lavoura e Commercio que,
mais tarde, originaria o Partido da Lavoura, cujo objetivo central era
defender os interesses dos grandes proprietários de terra. Neste
capítulo, analisamos a mudança da atividade econômica no município
de Uberaba, com a introdução do gado zebu que, concomitantemente,
refletiu-se no fortalecimento de uma elite agrária que, por sua vez,
repercutiu no espaço político e econômico, re-elaborando os valores e
significados dessa classe social.
É imprescindível salientarmos, aos leitores desta dissertação,
que o conteúdo que se segue está fundamentado em uma análise
crítica da realidade sócio-econômica e política (em outras palavras,
histórico-geográfica), que constitui uma perspectiva das relações de
6
poder que envolvem as redes de pessoalidade, o simbólico e toda a
sociedade uberabense.
7
CAPÍTULO 1
GEOGRAFIA HISTÓRICA: algumas considerações metodológicas
Um dos pontos centrais da problemática dessa pesquisa foi o
cuidado de não realizarmos um trabalho propriamente histórico, dado
que nos situamos no campo da Geografia. Procura-se, sobretudo,
geografizar as discussões, de maneira interdisciplinar com a História.
Vários trabalhos já foram realizados em nível de mestrado e doutorado,
no Brasil, nos quais a Geografia e a História caminham juntas no
processo da construção do conhecimento. Como exemplo, podemos
citar os trabalhos de Lourenço (2002), Brandão (1998), Dias (2001) e
Bilac (2001), nos quais há uma verdadeira cumplicidade entre estes
dois campos do saber científico. Neles, discutem-se as relações
espaço/homem e poder, bem como a pertinência de se analisar a
historicidade nos contextos geográficos.
Muitos geógrafos e historiadores acreditam que suas
respectivas disciplinas trabalham com objetos e metodologias distintos.
No entanto, vários outros autores ressaltam a pertinência de se
trabalhar de maneira interdisciplinar ambas as ciências, sublinhando a
importância da construção de novos questionamentos frente à produção
do conhecimento. Dentre estes, citamos um dos nomes mais relevantes
da Geografia Cultural, o estadunidense Carl Sauer (1889-1975), cujos
trabalhos foram imprescindíveis para liberar a Geografia
8
estadunidense
1
do Determinismo Ambiental e construir estreitas
ligações com a História e a Antropologia (CORREA, 2001).
Dentre os métodos utilizados por Sauer, os atribuídos à
Antropologia são os seus preferidos. Conceitos como os de difusão
cultural e de área cultural estão presentes nos trabalhos sauerianos.
Em relação ao método, Sauer afirma:
Um lema do tipoa Geografia é a história do presente
carece de significados. Introduz-se, portanto,
necessariamente, um método adicional, o
especificamente histórico, com o qual se utilizam os
dados históricos disponíveis, via de regra, diretamente
no campo, para a reconstrução das condições anteriores
de povoamento, do uso do solo e de comunicação, quer
se trate de testemunhos escritos como de testemunhos
arqueológicos ou filológicos (SAUER, 2003, p. 24).
A questão da historicidade é de extrema importância na
concepção de método de Sauer, pois este geógrafo constata que todo
grupo ou sociedade humana precisa conhecer a sua gênese, ou seja, a
história de seu desenvolvimento, para compreender determinadas
escolhas realizadas pelo grupo (LOURENÇO, 2002).
Sendo assim, a Geografia cairia na mediocridade se se
preocupasse somente com questões relacionadas à ocupação do
espaço, sem correlaciona - la à historicidade do grupo. Portanto, o
conhecimento de uma Geografia Histórica e, conseqüentemente, da
historicidade de determinadas comunidades, ajuda a explicar as
1
É importante ressaltar que a Geografia estadunidense originou-se ligada às ciências naturais, em
especial à Geologia. Este período remonta ao início do século XIX, quando a Geologia era
considerada de grande importância devido ao papel que desempenhava no levantamento dos
recursos do subsolo nacional.
9
transformações geográficas ocorridas, o que questiona a construção de
modelos que não condizem com a verdadeira realidade dos diferentes
grupos.
Rogério Haesbaert, no livro Territórios Alternativos, enfatiza a
importância de um diálogo interdisciplinar entre a História e a
Geografia para uma análise mais coesa da realidade:
Não é de hoje que Geografia e História colocam questões
comuns, sendo imprescindível estimular o diálogo e a
interdisciplinaridade. Ainda que a Filosofia e outras áreas
das ciências sociais de longa data advirtam para a
indissociabilidade entre espaço e tempo, nossas áreas não
raro se divorciaram, inclausurando-se em redutos
individuais, o que pouco contribui para nossas respectivas
leituras da realidade (HAESBAERT, 2002, p. 101).
Nesse contexto, ressaltamos as contribuições de Wagner e Mikessel
(2003) e Williams (1979), no que se diz respeito às noções de cultura,
área cultural, paisagem cultural e história da cultura.
Na presente dissertação, a análise e o entendimento dos
temas supracitados são fundamentais para entendermos a atuação das
elites no contexto político e econômico de Uberaba, ou seja, a
problemática deixou de ser apenas econômica e passou para o campo
das relações culturais que norteiam o processo de reconstrução diário
da hegemonia mantida por um grupo que possui interesses comuns em
um determinado espaço de atuação: o município de Uberaba.
Conforme afirma Williams (1979, p. 7):
10
No centro mesmo de uma importante área do
pensamento e da prática modernos, que ele
habitualmente descreve, há um conceito, cultura, que
em si mesmo, através da variação e complicação,
incorpora não só as questões, mas também as
contradições através das quais desenvolveu. Esse
conceito funde e confunde as experiências e tendências
radicalmente diferentes de sua formação. È impossível,
portanto, realizar uma análise cultural séria sem
chegarmos a uma consciência do próprio conceito: uma
consciência que deve ser histórica.
Nesta concepção, a questão histórica torna-se imprescindível
para analisarmos a cultura como um sistema de significados e valores
que, concomitantemente, estabelece uma análise dos modos de vida de
uma sociedade; por conseguinte, compreendem-se as relações de
hegemonia estabelecidas para a manutenção do poder.
A cultura, conforme Williams (1979), denota o modo de vida e,
quando analisada na perspectiva de um desenvolvimento histórico,
promove uma forte pressão nos demais conceitos. As redes de
pessoalidade
2
e a importância do simbólico são fundamentais para a
análise, neste sentido.
Neste primeiro momento, não detalharemos o processo de
funcionamento das redes de pessoalidade e o uso do simbólico na
construção das relações de poder no município de Uberaba, mas
faremos esta discussão nos próximos capítulos.
2
Na análise de documentos e no trabalho de campo da presente pesquisa, constatamos, no
município de Uberaba, a importância que as pessoas dão a conhecer quem realmente interessa, ou
seja, a existência das redes de pessoalidade faz parte do cotidiano uberabense. Silva (2002, p. 28)
constatou o mesmo em relação à cidade de Guarapuava (PR): há um grupo coeso, com forte
identidade local, que concentra prestígio social, poder econômico e mantém redes de relações
pessoais altamente restritivas e, de alguma forma, viabiliza a manutenção de sua posição social e
econômica por meio de suas redes de pessoalidade.
11
Inicialmente, pretendemos entender que não basta apenas
analisarmos a atuação das classes sociais distintas no espaço e as
mudanças decorrentes das mesmas no município de Uberaba.
Torna-se, assim, necessária não somente a análise do
contexto geográfico, mas também a análise histórica do processo de
ocupação sócio-espacial. Pretendemos, mais uma vez reafirmarmos,
demonstrar a importância do conhecimento da cultura e da
historicidade em todas as etapas de nossa pesquisa.
Estes elementos conflituosos são analisados, por Thompson
(1998), como a relação existente entre os sujeitos sociais, haja vista a
cultura como recurso imprescindível para entendermos os processos de
dominação que permeiam os espaços. Conforme Thompson (1998, p.
17) afirma em relação à cultura:
Mas cultura é também um conjunto de diferentes
recursos, em que há sempre uma troca entre o escrito e
o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a
metrópole; é uma arena de elementos conflitivos, que
somente sob uma pressão imperiosa por exemplo, o
nacionalismo consciência de classe ou a ortodoxia
religiosa predominante assume a forma de um
sistema. E na verdade o próprio termo cultura, com
sua inovação confortável de um consenso, pode distrair
nossa atenção das contradições sociais e culturais, das
fraturas e oposições existentes dentro do conjunto.
Esse autor ressalta a importância da cultura como uma forma
de se relacionar o escrito e o oral, ou seja, a análise dosviveres e
saberes que constituem nosso objeto de estudo. Na análise que
empreendemos, está clara a existência do dominante e do subordinado,
12
em uma reconstrução constante do poder hegemônico pré-estabelecido,
o que caracteriza um espaço de histórias e constantes conflitos no
município de Uberaba.
Analisar a atuação das elites uberabenses nos cenários
político e econômico requer bem mais que uma pesquisa cujo foco
principal seja a análise das conseqüências do poder exercido pelas
mesmas. Precisamos elaborar questionamentos que evidenciem a
atuação das elites na sociedade, visto que as mesmas não existem
sozinhas. É preciso, no primeiro momento, identificar que elite é essa,
buscar compreendê-la na sua diversidade interna e nas relações que
constrói com outros segmentos sociais. Nessa perspectiva, torna-se
imprescindível compreendermos a historicidade dos próprios sujeitos
sociais nesse/desse espaço geográfico.
Os instrumentos teóricos precisam seguir não somente uma
análise geográfica, visto que, sem o embasamento teórico e prático do
histórico, não teríamos compreendido a gênese do nosso objeto de
estudo.
O entendimento da historicidade dos diversos sujeitos sociais
está presente na metodologia de Sauer, conforme referimos de início,
na qual todo grupo humano estabelece sua realidade de vida, conforme
a maneira mais condizente.
Portanto, a compreensão das razões que levaram certos
grupos sociais a determinadas ações apenas torna-se possível a partir
do momento em que entendemos sua história, isto é, as técnicas e os
instrumentos, bem como as ações, utilizados por este grupo e,
13
concomitantemente, os significados ali apresentados e como são
representados.
A aplicação desta metodologia, segundo Lourenço (2002, p.
22), perfaz uma tarefa do geógrafo historiador, a de reconstruir
paisagens passadas, tarefa para a qual evidencia três etapas
importantes:
Conhecimento do funcionamento da cultura na sua
totalidade;
Conhecimento das evidências contemporâneas à
cultura em questão.
Conhecimento do terreno, isto é, do meio físico que
a cultura ocupou.
Este autor descreve os caminhos que o geógrafo histórico
deve trilhar para realizar uma análise centrada na cultura/meio
ambiente/sujeitos sociais. Por outro lado, o presente trabalho aborda
não somente a relação cultura/meio ambiente e sujeitos sociais, como
refaz uma leitura política e econômica da atuação das elites no
município de Uberaba.
Esta relação espaço/política perfaz uma análise de não
neutralidade dos sujeitos sociais que interagem e produzem um campo
de ação entre diferentes interesses, conforme afirma Lacoste (1973, p.
234):
Mas devemos também levar em consideração que o
espaço não é nem neutro nem inocente; ele é um
dos campos de ação por excelência das forças
políticas: o Estado também é uma entidade
14
geográfica e o aparelho de Estado organiza o
espaço geográfico de modo a exercer seu poder
sobre os homens.
Conforme afirmamos anteriormente, esta análise iniciará pela
compreensão das elites na sua diversidade, bem como na importância
destes sujeitos sociais nas alterações promovidas no espaço
geográfico em questão e os possíveis reflexos nos cenários político e
econômico do referido espaço.
1.1 A contribuição da história oral para a Geografia
A prática das narrativas ocupa grande importância no
processo de elaboração de uma pesquisa acadêmica como a nossa. A
história oral, a esse propósito, se consolidou como prática e movimento
de 1960 a 1970, com um debate cujo enfoque central é a relação entre
memória e história.
Este debate, segundo Thomson (1998), deixa claro as
restrições existentes entre os historiadores praticantes da história oral
e os historiadores documentalistas tradicionais, os quais afirmavam
que a memória não poderia ser uma fonte histórica confiável.
Os historiadores documentalistas aumentavam o tom de
críticas à historia oral no instante em que apresentam o fato de a
memória sofrer distorções em decorrência da velhice ou por existir
15
algum tipo de alteração por parte de preconceitos entre o entrevistador
e o entrevistado.
Por outro lado, os historiadores criaram novos métodos de
análise, como demonstra Thomson (1998, p. 69):
Nos últimos anos alguns historiadores orais criaram
métodos de análise e de entrevistar que se fundamentam
num entendimento mais complexo da memória e da
identidade, e que sugerem meios novos e estimulantes
para tirar o maior proveito das memórias para fins de
pesquisa histórica e sociológica. Procuramos explorar as
relações entre reminiscências individuais e coletivas, entre
a memória e identidade, ou entre entrevistador e
entrevistado. De fato, freqüentemente estamos tão
interessados na natureza e nos processos de
rememoração quanto no conteúdo das memórias que
registramos.
No presente trabalho, a análise das narrativas é
imprescindível para compreendermos a dinâmica do papel das elites no
município de Uberaba.
Não é objetivo deste trabalho identificar as elites e
simplesmente apontar as conseqüências de sua atuação no contexto
político e econômico para o município, pois consideramos que as
narrativas vêm carregadas de significados que precisam ser
interpretados, visto que, ao entrevistarmos os sujeitos, partirmos do
pressuposto de que os entrevistados identificam as elites em suas
próprias perspectivas. Outro ponto importante que devemos
acrescentar, quanto à contribuição da história oral para o presente
trabalho, é a capacidade de questionarmos a atuação dos sujeitos
sociais que fazem parte do contexto político e econômico.
16
Os trabalhos dos escritores regionais não acadêmicos foram
de extrema importância para conhecermos o espaço geográfico da
época, bem como os testemunhos dos sujeitos sociais que faziam parte
desta realidade.
Conforme afirma Lourenço (2002, p. 24):
Os trabalhos dos historiadores regionais, não
acadêmicos, são inestimáveis, pois não só coligem
fontes às quais nunca teremos acesso, como soa
também o testemunho de personagens da época e da
região que iremos estudar. Assim em nosso estudo,
trabalhamos com Antonio Borges Sampaio [...],
Hildelbrando Pontes [...], Pedro Pezzuti [...], Tito
Teixeira [...], Edelweiss Teixeira [...], Pedro dos Reis
Coutinho [...], e Jorge Alberto Nabut [...], foram
fundamentais dentro outros motivos pela riqueza fatual
que apresentam. A leitura e o cotejo da contribuição
desses historiadores, cada qual relativa à sua cidade de
origem, permitiu-nos visualizar o desenvolvimento
histórico e espacial de toda a região.
Discordamos do autor em alguns aspectos. Dos autores
citados por ele, lemos obras de Antonio Borges Sampaio (2001),
Hildebrando Pontes (1978) e José Alberto Nabut (1986), e concluímos,
sem dúvida alguma, que há riqueza factual presente nessas obras,
porém não encontramos uma postura crítica nesses autores.
Estas obras retratam fatos do período em que o município de
Uberaba surgiu no cenário nacional como importante entreposto
comercial, em destaque já no ano de 1889, com a chegada da
Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, aumentando as relações
comerciais do município; em seguida houve o prolongamento da
ferrovia até Uberabinha (Uberlândia), em 1895, e Araguari, em 1896,
17
ocasionando o declínio do comércio em Uberaba e, conseqüentemente,
a cidade deixou de ser o entreposto comercial da região
3
(REZENDE,
1983).
Este período da história de Uberaba foi de grandes
transformações no âmbito econômico, que atingiram de forma direta a
vida de todos que residiam na cidade, ou seja, tais acontecimentos
eram passíveis de análise não somente pela sociedade, mas por parte
dos escritores que retratavam o cotidiano do município. Estas
observações não foram encontradas nas obras acima citadas, pois as
mesmas apenas apresentam fatos ocorridos, omitindo uma análise do
discurso político que as engendrou, o que seria uma forma de
questionar a conjuntura política e econômica do município em seus
acontecimentos.
Por conseguinte, a interpretação das narrativas torna-se
indissociável do presente trabalho, visto que as mesmas contêm
significados que precisam ser compreendidos e re-elaborados para a
realização de uma releitura que permita uma análise política e que
ultrapasse a factualidade.
Outro acontecimento importante que ocorreu no município de
Uberaba, no ano de 1911, foi a canalização do comércio entre os
Estado de Mato Grosso e São Paulo. Tal fato acarretou complicações
para a economia do município, pois diminuiu de forma drástica o
comércio de Uberaba. Ao analisarmos Pontes (1978), não encontramos
3
Este período, que abrange a importância do comércio para ascensão comercial do município de
Uberaba e as conseqüências com a chegada da Cia de Estradas de Ferro Mogiana, será melhor
detalhado no próximo capítulo.
18
uma análise crítica deste acontecimento; ao contrário, o mesmo se
posiciona de forma clara: não questiona tais acontecimentos.
Podemos constatar esta postura não crítica do autor ao lermos
sua análise da situação do município de Uberaba no ano de 1911, na
qual Pontes (1978, p. 97) afirma que:
A Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, em 1911,
penetrando o Estado do Mato Grosso, canalizou de
São Paulo, para lá, inteiramente o comércio que,
antes, fazia com Uberaba, e esta cidade, dentro em
pouco, limitou as suas transações a si própria, pois
a parte oeste do Triângulo passou a se relacionar
com as praças de Barretos e Bebedouro, então ponto
terminal da Estrada de Ferro Paulista, pelo porto
João Gonçalves modernamente Antonio Prado; a
parte norte, Uberabinha (hoje Uberlândia), ligou-se,
por estradas de rodagem, ao sudoeste goiano, e de
Araguari,ponto inicial da Estrada de Ferro de Goiás,
e canalizou tudo para o sul do Estado daquele nome.
O autor descreve o processo do desvio da rota comercial que
até então passava por Uberaba e, a partir desta ligação direta entre
São Paulo e Mato Grosso, pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil,
evidencia-se o declínio do comércio na cidade de Uberaba, haja vista a
mesma passar a estabelecer relações comerciais apenas nos seus
limites territoriais.
O município de Uberaba passou por dois momentos críticos
4
na sua história em relação à atividade comercial, o que incidiu
4
Estes dois momentos críticos na atividade comercial predominante serão analisados com detalhes
nos próximos capítulos, visto que estamos nos referindo a eles, neste momento, apenas para
analisarmos a posição dos autores da época em relação à questão política e econômica do município
de Uberaba.
19
diretamente na posição de destaque que ocupara, como entreposto
comercial na região.
Diante desses acontecimentos, de grande relevância para o
cenário político, econômico e social do município de Uberaba, não
encontramos questionamentos passíveis de análise crítica da situação
que destituiu Uberaba da posição de destaque na região.
O conservadorismo de alguns autores torna-se evidente nos
seus discursos, quando sustentam que Uberaba na verdade se
libertou de algumas praças, conforme podemos observar nas
afirmações de Pontes (1978, p. 97):
Uberaba, insulando-se, libertou-se, afinal, da
dependência daquelas praças e se entregou,
animadamente, à agricultura e à indústria pastoril,
as quais colocam este município em lugar de
marcado destaque no Brasil Central.
Ao lermos esta afirmação, torna-se notória, mais uma vez, a
essência que norteia nosso trabalho: uma releitura dos processos
econômicos e políticos do município de Uberaba, considerando-se as
transformações causadas pelos agentes sociais e as relações de poder
que circundam o processo de transformação do espaço, bem como suas
especificidades.
A contradição de autores como Pontes (1978) é evidente no
instante em que consultamos os jornais locais, como a Gazeta de
Uberaba (1895-1911), Lavoura e Comércio (1903-1910) e o Correio
Católico (1901). As respectivas datas dos jornais acima foram
criteriosamente escolhidas para evidenciarem o início e término do
20
processo de decadência das atividades comerciais no município de
Uberaba, considerando-se o fim da posição de destaque econômico
como entreposto comercial na região. Os Jornais deste período
constatam um grande retrocesso no movimento das casas comerciais
5
.
O jornal A Gazeta de Uberaba, no ano de 1892, por meio de seu
editorial, publicou duas reportagens, chamando a atenção dos
uberabenses em relação ao prolongamento dos trilhos da Estrada de
Ferro Mogiana até Uberlândia
6
.
Outros jornais da época também chamam a atenção para os
pontos negativos que ocorreram e que ainda poderiam afetar mais
profundamente a situação econômica do município de Uberaba,
simultaneamente enfatizando a urgência de se investir na abertura de
novas indústrias, ou correr-se-ia o risco de sofrer um grande
retrocesso
7
.
5
Várias casas comerciais pediram concordata, entre elas a firma Lames Bernardes (1903) (Jornal
Lavoura e Comércio, n. 377 – 12/02/1903, p. 2)
6
A prosperidade aduzida pelo comércio à [sic] localidades de trânsito não se pode negar é
ephêmera, apenas se desenvolve e se mantém enquanto maior facilidade e maior distância não
oferecem ao produtor outra localidade mais próxima ao consumidor. Disto temos evidentes provas em
cidades que foram algum tempo ponto terminal de estrada de ferro e que depois desta prolongar-se
ficaram em piores circunstâncias do que aquelas em que se achavam primitivamente. Este fenômeno
tem sido observado em todas as cidades por onde tem passado a linha de Estrada de Ferro Mojiana.
Quem viu Moji Mirim, no tempo em que aquela cidade era o ponto terminal da estrada de ferro, o
comércio ativíssimo e principalmente de tropeiros e depois que a estrada continuou para Casa
Branca, o desaparecimento quase completo do comércio, não acreditaria que ela jamais se
levantasse do abatimento que a deixou. As estradas de ferro trazem para todos os lugares por onde
passam, aumento das riquezas e desenvolvimento, das existentes e além disso, uma população que
na linguagem popular e chamada de volante que sempre acompanha a estrada de modo que quando
esta prossegue há como que uma solução de continuidade na vida comercial, no progresso desse
lugar” (Gazeta de Uberaba, n. 874 e 1008, p. 01).
7
O Correio Católico, em 08/09/1901, anunciou: “O comércio da praça uberabense tão florescente
outra, tem diminuído sensivelmente, e assim continuará, se não desenvolvermos indústrias”. E disse
o Jornal Lavoura e Comércio 11/07/1905: “É fato observado por todos, verdade de todos,
infelizmente reconhecida que de 05 anos a esta parte, a nossa bela Uberaba, retrógrada a olhos
vistos, caminhando com incrível velocidade para aniquilamento fatal, se medidas eficazes não vieram
embaraçar este desfecho para e qual o governo do Estado, não pouco tem contribuído” Gazeta de
Uberaba, n. 3059 16/10/1907: “Não descuidemos. É bem seria a crise porque passa atualmente a
nossa cidade, crise que vem acentuando de longa data e que chegará a tocar o seu auge se
persistirmos neste indiferentismo e não mudarmos de rotina”.
21
A contradição, por conseguinte, é evidenciada ao
confrontarmos alguns autores, a exemplo de Pontes (1978), com a
realidade descrita pelos jornais da época.
É fundamental ressaltar e reconhecer a importância de Pontes
(1978) no que se diz respeito à descrição de fatos ocorridos na época
em análise, e também o contato com os agentes sociais deste período,
fato que talvez seria impossível sem a colaboração do autor.
Outro autor que também nos chamou a atenção, mediante seu
conservadorismo, presente em suas obras, foi Antônio Borges
Sampaio. Dentre suas obras, destacamos Uberaba: história, fatos e
homens (2001), na qual encontramos textos referentes às
nomenclaturas das ruas, travessas, becos, colinas, templos e edifícios
públicos de Uberaba (1880); Estradas Primeiras no Sertão da Farinha
Podre (1889); Hospital da Misericórdia de Uberaba (1902); A música
em Uberaba (1902); Sertão da Farinha Podre, atual Triângulo Mineiro
(1906).
Sampaio (2001) escreveu sua autobiografia, na qual enfatiza
sua atuação na política, na justiça e na vida pública. Fazem parte
também, de sua obra, as biografias de personalidades uberabenses de
destaque, como o Cônego Hermógenes, o Padre Antônio José da Silva,
o primeiro Vigário de Uberaba, o Padre Manuel Joaquim da Silva
Guimarães, o Barão da Ponte Alta, o Capitão Joaquim Antônio Rosa, o
Tenente-Coronel Francisco Rodrigues Barcelos, o Capitão João Batista
Machado, o Comendador José Bento do Vale, o Major Joaquim José de
Oliveira Pena, o Juiz de Direito Zeferino de Almeida Pinto, o Doutor
22
Tomás Pimentel de Ulhoa, a neta do inconfidente e Alferes Tiradentes
Carolina Augusta Cesarina e, para finalizar, fez a biografia de sua
esposa, a Senhora Maria Cassimira de Araújo Sampaio.
O autor atuou em vários segmentos da sociedade uberabense;
pertenceu ainda a diversas entidades, como afirma Bilharinho (Jornal
Uberaba, 2002, p. A6):
Sampaio pertenceu a inúmeras entidades locais (a
exemplo do Clube Literário Uberabense e do Grêmio
Literário Bernardo Guimarães, fundados
respectivamente em 1880 e 1904), bem como de
outras cidades (Institutos Históricos e Geográficos
do Rio de Janeiro e São Paulo e do Arquivo Público
de Minas Gerais, além de outros).
A participação de Antonio Borges Sampaio no cotidiano da
sociedade uberabense deixa claro sua atuação nos cenários políticos,
econômicos e sociais da cidade em questão e do seu entorno rural. A
atuação de Borges Sampaio foi de grande importância para a elevação
da vila Uberaba à condição de cidade, no ano de 1856, visto que, em
1855, com a ajuda do professor Manuel Garcia da Rosa Terra,
realizaram voluntariamente um recenseamento urbano da vila, o qual
foi acatado pela Câmara Municipal e serviu de fundamento para a
Assembléia Legislativa Mineira promover a elevação de Uberaba, até
então na condição de vila, à categoria de cidade (BILHARINHO, 2002).
Fizemos um esboço das obras e da participação de Antônio
Borges Sampaio nos diversos segmentos sociais da cidade, sejam eles
políticos, econômicos ou sociais, visto que constatamos sua
23
importância para nós, pesquisadores, que temos a oportunidade de
acessar vários dos sujeitos sociais que fizeram a história do município
de Uberaba.
Por outro lado, não podemos nos restringir apenas à análise
de sua importância; é preciso seguir além das publicações de Antônio
Borges Sampaio, questionando seu posicionamento, pois o autor
deixou de agregar uma postura crítica às suas análises, tendo seus
motivos para isso.
Ao lermos as biografias de personalidades uberabenses que
escreveu, não constatamos, igualmente, uma análise crítica da atuação
destes no contexto do município de Uberaba; nas demais obras,
também não questionou a realidade do município no cenário regional.
Outro autor de grande importância para Uberaba é o Doutor
José Mendonça
8
; do conjunto de sua obra podemos destacar História
de Uberaba, utilizada em nossa análise.
Mendonça (1974) apresenta características que o diferenciam
dos autores já analisados, embora ainda não seja o que consideramos
como um autor realmente comprometido com o desenvolvimento do
município de Uberaba.
8
José Mendonça (1904-1968), advogado, professor, jurista e jornalista com mais de 1500 artigos
publicados, autor, entre outras obras, do clássico A prova Civil (1940) e de Ação Nacional (1937), que
mereceu carta ao autor, artigo e citação encomiástica em conferências por parte de Monteiro Lobato,
entre outros artigos elogiosos de Nelson Werneck Sodré do Correio Paulistano de 15/07/1937, Plínio
Barreto, no jornal Estado de São Paulo de 03/07/1937, e Carlos Chiachio na Folha da Tarde de
Salvador/BA, em 15/08/1937, tendo este afirmado que José Mendonça seria quem melhor estuda
nossa realidade precária naquele momento (Guido Bilharinho, Jornal de Uberaba – 19/03/2005):
Conexões Nacionais e internacionais de personalidades uberabenses.
24
No decorrer do seu livro História de Uberaba, constatamos o
mesmo fato analisado por Pontes (1978), ou seja, a construção da
Estrada de Ferro Noroeste do Brasil ou Estrada de Ferro Uberaba-
Coxim, no ano de 1911. Contudo, ao contrário de Pontes (1978), que
diz que Uberaba se libertou daquelas praças e se entregou à
agricultura e à indústria pastoril, Mendonça (1974) assume uma postura
mais crítica em relação ao cancelamento da construção da Estrada
Ferro Noroeste do Brasil, que deveria ter sido construída a partir de
Uberaba, com destino a Coxim no Mato Grosso
9
.
O cancelamento da construção da Estrada de Ferro no
município de Uberaba foi motivado por questões políticas que
perpetuavam as relações de poder predominantes, conforme afirma
Mendonça (1974, p. 93):
Veio a Uberaba uma brilhante comissão de engenheiros,
notando-se entre eles, os Doutores Paulo Sousa (chefe)
e Pederneiras.
O Doutor Paulo Sousa trouxe uma carta de Bento Quirino
ao Sr. Carlos Batista Machado, solicitando-lhe o seu
apoio e seu auxílio par a comissão e, particularmente,
para o portador.
Carlos Batista Machado forneceu-lhe um Gueiro que
atendia por Tonico Menagem.
Houve um magnífico baile, no prédio onde está
instalado, hoje, o colégio Diocesano.
O escritório dos engenheiros instalou-se na rua Santo
Antonio.
Mas... a política fez-nos perder a estrada.
9
“Trata-se de um dos capítulos mais constrangedores da história de Uberaba. A Estrada de Ferro
Noroeste do Brasil, hoje uma das mais opulentas e eficientes vias férreas do Brasil, que faz a riqueza
e o progresso do noroeste paulista, devia ser construída a partir de Uberaba ruma a Coxim, no
Estado de Mato Grosso. Denominar-se-ia Estrada Ferro Uberaba Coxim. Contou-se o meu ilustre e
saudoso amigo Carlos Batista Machado, que por muitos anos, honrou o cargo de oficial de registro
civil desta cidade, que chegaram a ser feitos estudos e a localização da estrada” (MENDONÇA, 1974,
p. 92-93).
25
Rodrigues Alves, na presidência da Republica,
comprometeu-se como o governo de Minas a eleger
Afonso Pena para presidência, como seu sucessor,
desde que a Estrada de Ferro para o Mato Grosso se
construísse no Estado de São Paulo.
Houve a troca.
E a Noroeste é, hoje um das mais poderosas alavancas
do admirável progresso de São Paulo.
A análise do autor evidencia a questão política como fator
determinante na produção do espaço e, concomitantemente, interfere
de forma negativa no desenvolvimento das atividades comerciais,
predominantes na época.
O cancelamento da construção desta Estrada de Ferro gerou
grandes infortúnios para os comerciantes uberabenses, visto que
restringiu o mercado consumidor, ocasionando uma estagnação e, por
conseguinte, uma forte crise.
Conforme afirma Rezende (1983), as perdas das praças que
eram o sustentáculo do comércio uberabense, ocasionaram, além da
crise comercial, a perda definitiva da hegemonia comercial de Uberaba,
até então.
Em decorrência desses fatos, o município de Uberaba mudou
suas atividades comerciais, transformando-se em um grande centro
pecuarista pela criação de gado zebu
10
.
Todas estas transformações no cenário econômico, político e
social são fatores determinantes no modo de produção do espaço, isto
10
O declínio da atividade comercial e a ascensão do gado zebu no município de Uberaba serão
analisados detalhadamente nos próximos capítulos da pesquisa, haja vista a discussão empreendida
por esta pesquisa quando à presença do zebu no cenário político e econômico, bem como as
conseqüências deste cenário para a sociedade uberabense que participou deste processo.
26
é, fazem-se necessárias à discussão e a análise crítica em todo o
processo geográfico.
É esta discussão crítica que muitos autores uberabenses não
conseguiram transpor para suas obras. É importante ressaltarmos que
Mendonça (1974) iniciou a discussão ao afirmar a questão política
como fator decisivo nas grandes decisões no município de Uberaba.
Porém, não aprofundou o debate e o questionamento para uma análise
coesa e que realmente forneça subsídios para entendermos as relações
de poder que determinam, na maioria das vezes, a produção do
espaço.
A relação poder/política indicia outras relações, que se
perpetuam em determinadas sociedades. Para Bobbio (2003), a política
está de forma direta ou indireta relacionada à prática do exercício de
poder. O poder e a política se inter-relacionam no território, conforme
afirma Bobbio (2003, p. 137):
Emprega-se o termo política, normalmente, para
designar a esfera de ações que têm relação direta
ou indireta com a conquista e o exercício do poder
último (supremo ou soberano) sobre uma
comunidade de indivíduos em um território.
A afirmação de Bobbio (2003) é enfatizada pela ação de
grupos que detêm o poder no município de Uberaba e, por meio de
ações políticas, delineiam as ações que devem acontecer no espaço
27
em construção, desde que tais ações fortaleçam a reconstrução
constante da hegemonia de determinados grupos
11
.
Por conseguinte, esta análise da política e do poder, ausente
nas obras dos escritores uberabenses que analisamos, é imprescindível
para entendermos as transformações políticas, econômicas e sociais, e
deixa para nós algumas inquietações, as quais nos motivam a avançar
na pesquisa.
Na verdade, para quem estes autores escreviam? Quais os
interesses que representavam? Existia alguma preocupação realmente
no desenvolvimento econômico do município de Uberaba, ou, na
verdade, contribuíram para a reconstrução do poder hegemônico
atuante?
Em contrapartida, nos deparamos com um autor na década de
1930 que apresenta uma outra análise das relações de poder que
permeia todo o município de Uberaba. Trata-se de Orlando Ferreira
(1928), que, dentre suas obras mais instigantes, está Terra Madrasta,
de 1928, e o Pântano Sagrado, de 1948. No livro Terra Madrasta,
Ferreira contradiz de forma clara e objetiva todos os autores, até então
analisados por nós. Refaz a leitura da situação política e econômica do
município de Uberaba, tecendo fortes críticas aos grupos que estavam
no poder.
11
Segundo Bobbio (2003, p.137), “Para determinar o que o âmbito da política abrange, não se pode
prescindir de especificar as relações de poder que em toda a sociedade se estabelecem entre
indivíduos e grupos, entendendo-se poder como a capacidade de um sujeito influir, condicionar e
determinar o comportamento de outro indivíduo. O vínculo entre governantes e governados, no qual
se dissolva a relação política principal, é uma relação típica de poder”.
28
A postura dos políticos que se encontram no poder é o início
da análise de Ferreira (1928, p. 25):
Uberaba é uma cidade mineira. Infelizmente está
encaixada no Estado de Minas e por isso sofre também
as conseqüências do atrazo mineiro: não progride.
Entretanto, há homens aqui, uns uberabenses e outros
não, que absolutamente não se corromperam, vencendo
a influência do meio: possuem todos os requisitos para
erguer o município, mas estão à margem porque a
malfadada política mineira não os quer.
Desde começo de sua vida municipal, em 1836, até o
ano de 1926, Uberaba não teve administradores que
soubessem promover a nossa felicidade, desenvolvendo
uma acção efficaz, intelligente e enérgica; foram todos
nullos, inproductivos, tímidos e rotineiros.
O autor acima deixa clara a sua postura, enquanto
questionador da situação do município de Uberaba, mudando
completamente o foco de análise dos autores uberabenses, ou seja, ao
lermos suas obras, constatamos uma postura crítica definida, diferente
dos outros autores.
Outra característica importante de Ferreira (1928) é a clareza
com a qual o autor se mantém quanto a todos os fatos descritos no
decorrer de suas obras. Ao retratar as forças concorrentes e as forças
oponentes que atuaram no município de Uberaba, o autor nomeia todas
as famílias responsáveis, a seu ver, pela estagnação do município de
Uberaba
12
.
12
Para Ferreira (1928, p. 26-27), “Ao contemplarmos Uberaba actual de todas as épocas, temos
diante dos olhos a visão clara e nítida da grande desproporção que aqui existe entre as forças
concorrentes e as forças opponentes. Uberaba é uma obra de liliputianos. Entre nós tem sido e são
terríveis forças opponentes ao progresso do município:
1º - A administração
2º - A política
3º - O Clero
29
Outra análise feita por Ferreira (1928) diz respeito ao
codinome de Uberaba, aPrincesa do Sertão. A origem deste título,
segundo Pontes (1978), teve início com a Lei Municipal 582, de 11
maio de 1928, que criou o Escudo do Município
13
(Cf. FIGURA 01). É
importante entendermos o significado dado pelos que, até então,
estavam no poder, do título Princesa do Sertão, por intermédio do
Escudo do Município e, em seguida, confronta-lo-emo
30
FIGURA 01 Brasão do Município de Uberaba (MG) 1928.
FONTE: BOLETIM INFORMATIVO DO ARQUIVO PÚBLICO DE UBERABA
(2004).
Nessa perspectiva, a dos que estavam no poder,
representados pelo Presidente da Câmara e Agente Executivo, o
Doutor Olavo Rodrigues da Cunha, o município de Uberaba com seu
rio de águas brilhantes é a principal cidade do Triângulo Mineiro. O
memorialista Pontes (1978) apenas descreve os símbolos que
reafirmam a condição de Princesa do Sertão, sem questionar os
referidos atributos concedidos ao município de Uberaba. O que fica
claro nos dizeres de Pontes (1978, p. 2): O escudo de Uberaba é um
conjunto de símbolos que resumem, expressivamente, a história e a
Geografia do Município.
31
Por outro lado, Ferreira (1928, p. 48) agrega outros
significados ao titulo de Princesa do Sertão, ao confrontar a realidade
do município de Uberaba:
Existia na época um grande equívoco em relação ao
título de Princesa do Sertão.
As ruas de Uberaba... Ah! Essas ruas da famosa
Princesa do Sertão. Eu até medito sobre impropriedade
desse título. Ficaria melhor: Mucama do Sertão...
Algumas photografias que eu público (sic) no presente
volume falam melhor do que qualquer narrativa.
Verdadeiras alfurgas, são a nossa maior vergonha e a
prova do desleixo, relaxamento e frouxidão que
infelizmente emperam em nossa terra. Chamo portanto a
atenção do leitor para as referidas fotografias, afim de se
capacitar da verdade e do quadro espantoso que a velha
Uberaba oferece aos olhos de todo o mundo. Vê-se em
completo abandono, com as ruas sujas, cheias de capim,
vassouras e buracos!
As fotografias a que o autor se refere estão nas próximas
páginas, nas quais constata-se um total descaso com o município de
Uberaba e reforçam ainda mais as inquietações que resultaram nesta
nova leitura da realidade política e econômica e, conseqüentemente,
do campo de poder aqui estabelecido. Torna-se claro que o aposto de
Uberaba, Princesa do Sertão, não reflete a real situação do município
ou, ainda, que para uma elite situacionista, ela realmente fosse uma
Princesa do Sertão, porém, não com reis ou rainhas, mas com
coronéis que impunham seu poder na política, na economia e no
cotidiano de cada cidadão.
Ao analisarmos a foto da FIGURA 02, a qual retrata uma rua
de Uberaba, no período em questão, constatamos o total descaso com
a infra-estrutura urbana da cidade: as ruas com enormes buracos, sem
32
calçamento, a precária rede de esgoto a céu aberto, como podemos
verificar. A cidade de Uberaba, conforme relata o autor Orlando
Ferreira, era considerada a terceira maior cidade do Estado de Minas
Gerais. Porém, nestas condições? A rua descrita acima (Rua São
Sebastião), localiza-se na área central e nobre da cidade, o que nos
remete a uma inquietação, mediante o total descaso. O que faziam os
políticos uberabenses para a melhoria da cidade? Ou será que mesmo
depois da Proclamação da República ainda permanecia a ação
retrógrada e politiqueira dos coronéis que iniciaram a história do
município?
FIGURA 02 Rua São Sebastião, na área centra de Uberaba.
FONTE: FERREIRA (1928).
33
Na foto da FIGURA 03, constatamos o total descaso com uma
das principais ruas do comércio local uberabense a famosa Rua do
Comércio, atravessada de lama e buracos.
FIGURA 03 Rua do Comércio cheia de lama e poças de água.
FONTE: FERREIRA (1928).
O total descaso em que se encontra o município de Uberaba
requer uma análise minuciosa das relações políticas locais, bem como
o jogo de poder entre os políticos uberabenses. Neste contexto,
faremos uma retrospectiva da conjuntura política desde a Proclamação
da República (1889) até o ano de 1924, pois a continuação desta
releitura política, até o ano de 1960, continuará no Capítulo 3 da
dissertação.
Ao ser proclamada a República, assumiu a presidência da
Câmara Municipal de Uberaba o coronel Wenceslau de Oliveira, o qual
governou por poucos meses, e que nada acrescentou ao município,
34
apenas tapou alguns buracos, capinou as ruas e, como bom político
uberabense, nomeou muitos empregados na câmara municipal
(FERREIRA, 1928).
Com a renúncia do coronel Wenceslau, assumiu o jornalista
José Augusto de Paiva Teixeira, cuja administração foi inexpressiva e
também nada acrescentou ao município.
Com a primeira eleição na república, retornou ao poder o coronel
Wenceslau de Oliveira que, mais uma, vez nada agregou ao município,
contraindo uma dívida de 140 contos de réis e nomeando mais
empregados para a câmara.
O descaso político torna-se uma rotina no município, as ruas
esburacadas e com animais pastando por toda parte, conforme
podemos observas nas FIGURAS seguintes, na Ladeira do Rosário
(centro Cf. FIGURA 04), caracteriza um município a mercê do total
desinteresse de seus governantes.
O próximo a assumir a administração uberabense foi o coronel
Anthero Ferreira da Rocha, cuja administração foi um grande desastre
para o município, pois se apropriou do dinheiro público nas poucas
obras que executou, conforme afirma Ferreira (1928, p.31):
Vem depois o coronel Anthero Ferreira da Rocha,
homem de muito pouco cultivo, cuja administração
foi um pavoroso desastre: durante o seu apagado e
condenado governo, no intuito de tapar buracos,
removeu muita terra para as enxurradas levarem
[...], fez alguns metros de muros, capinou algumas
ruas, mandou roçar as vassouras de certos lugares,
nomeou e demitiu funcionários, matou cachorros,
mando o engenheiro dr: PENNAFORTE construir por
35
35:000$000 um açude na chácara do DR: Josué da
Costa Lage, afim de trazer a água em regos para a
população [...], açude este que foi completamente
destruído na primeira chuva! [...]; mandou o referido
engenheiro DR: PENNAFORTE construir a ponte da
rua próxima ao pontilhão da Mogyana, approvando o
seu orçamento de 75:000$000 mas, nomeada uma
comissão de engenheiros pela nova câmara a fim de
examinar os serviços e dar o parecer sobre este
preço exageradíssimo, a mesma ponte foi depois
orçada em 35:000$000 [...], mandou o citado
engenheiro consertar o velho pardieiro onde
funcionava o theatro público, serviço este que ficou
em 35:000$000, quando o competentíssimo
profissional DR: CAPELACHE fazia-o mais bem feito
e por 10:000$000.
FIGURA 04 Ladeira do Rosário central excelente pasto para
cabritos.
FONTE: FERREIRA (1928).
Torna-se evidente o descaso do poder público em relação ao
município e o jogo de interesse político de uma elite política que, em
36
momento algum, preocupou-se com o desenvolvimento de Uberaba; ao
contrário, procurou perpetuar seu poder a cada nova eleição na câmara
municipal, conforme veremos a seguir, com o substituto de Anthero
Ferreira da Rocha.
O coronel Manoel Terra chegou ao poder da câmara municipal,
gastou dinheiro público e nada modificou no desenvolvimento do
município, realizou apenas alguns consertos, capinou o mato e
construiu alguns metros de passeio, porém deixou uma dívida de
291:118$385 (FERREIRA, 1928).
A ausência de estrutura urbana na cidade de Uberaba, mesmo
com outra administração na câmara municipal, é constatada ao
analisarmos a fotografia da FIGURA 05, da rua Vigário Silva,
localização central da cidade, a qual retrata a situação do município de
Uberaba no período de governo do coronel Manoel Terra.
Por outro lado, no ano de 1908 uma verdadeira onda de
otimismo atingiu grande parte da população uberabense, com a eleição
do médico Philippe Ache, que prometia retirar Uberaba do marasmo
político e econômico. Contudo, outra vez a frustração ocupou toda a
cidade, pois no seu governo nada ocorreu em termos de mudanças no
cotidiano político e econômico, seguindo os mesmos passos de seus
antecessores com medidas rotineiras como plantação de jardim, capina
de mato nas principais ruas e nomeação de funcionários na prefeitura,
dentre eles, professores analfabetos.
37
FIGURA 05 Rua Vigário Silva localização central do município de
Uberaba no governo do coronel Manoel Terra.
FONTE: FERREIRA (1928).
A decepção dos uberabenses com a administração do Dr.
Philippe Aché foi muita intensa, de modo que o médico ausentou-se do
município ao viajar para Índia sem data para retornar. Em
contrapartida, foi eleito como vice-presidente da câmara, em junho de
1912, o Dr. Hildebrando Pontes, que assumiu definitivamente a câmara
de Uberaba, após a confirmação do não retorno de Philippe Ache da
Índia (FERREIRA, 1928).
Mais uma vez, a esperança de uma administração direcionada
para o desenvolvimento do município de Uberaba e ao bem comum da
população foi projetada no governo de Hildebrando Pontes.
Inicialmente, eram grandes os projetos para o município, cujo ponto de
partida seria a viabilidade de um empréstimo junto ao governo de Minas
38
para a execução de grandes obras; dentre elas, pode-se destacar o
serviço de água e esgoto, o calçamento de 10 quilômetros de ruas e a
encampação da empresa Força e Luz.
Nesta conjuntura política, o nome mais indicado para
candidatar-se a presidente da câmara para substituir Philippe Ache,
que definitivamente não retornou da Índia, era o do Dr. Hildebrando
Pontes. Porém, mais uma vez a vontade política de uma elite traiçoeira
que busca apenas fortalecer os seus interesses resolveu, no último
momento, eleger para presidente da câmara o Dr. Silvério Bernardes.
Este acontecimento na politicagem uberabense evidencia a
mesquinhez de alguns que jamais pensaram na coletividade e no bem
comum da população. O plano de investimento idealizado por
Hildebrando Pontes abalou a estrutura da elite local e mexeu com os
interesses de grupos econômicos que se instalaram na cidade. Dentre
estes, podemos citar a empresa Força e Luz, que, no ano de 1906, veio
para Uberaba fornecer energia elétrica para o desenvolvimento do
município.
A empresa Força e Luz, representada por Ferreira Caldeira e
Cia, ao assinar o contrato de prestação de serviço, segundo Ferreira
(1928, p. 220), estabeleceu o seguinte:
Por este contrato, os srs. Ferreira Caldeira e Cia,
obtiveram um privilégio por 25 anos para iluminação
publico e particular da cidade de Uberaba pela
eletricidade e para a utilização desta como força
motora, não podendo durante o privilégio ser dada a
concessão para iluminação publica ou particular por
qualquer outro sistema, assim como não poderá
39
nenhuma corporação ou particular fazer instalação
elétrica para iluminação ou força.
Constata-se, assim, o papel desta empresa no processo de
desenvolvimento de Uberaba, haja vista a importância da eletricidade
no contexto econômico. Porém, ao construir a usina para a geração de
energia, a empresa não pensou no desenvolvimento a longo prazo do
município, pois construiu a mesma em uma pequena cachoeira, que
não comportava condição de gerar energia para um município que
galgava o desenvolvimento econômico.
Somente depois de cinco anos de inauguração da empresa
Força e Luz foi que a população percebeu o grande problema gerado
pela falta de capacidade geradora de energia por parte da empresa.
Com a inauguração da Exposição Agropecuária, era grande o
movimento na cidade e no comércio, o que acarretava um
desenvolvimento no município.
Mas a grande decepção ainda estava para acontecer no
momento em que a empresa Força e Luz comunicou à população que,
para o parque de Exposição ser iluminado pela energia elétrica, seria
necessário desligar a energia do restante do município, devido à falta
de capacidade da usina de gerar eletricidade.
Todo o progresso uberabense mais uma vez estava
comprometido. Como desenvolver a cidade, em pleno século XX, sem
energia elétrica suficiente para alavancar o tão esperado progresso
econômico? A pressão popular começou a exigir da câmara as devidas
40
providências, ou seja, era preciso agir urgentemente e encontrar
alternativas mediante o caos instalado pela empresa Força e Luz.
Este breve relato do poder instalado no município pela Força e
Luz é imprescindível para entendermos os motivos que levaram a
câmara de Uberaba a não escolher o Dr. Hildebrando Pontes como
presidente, contrariando todas as perspectivas políticas. Era evidente o
interesse de Pontes ao elaborar seu plano de desenvolvimento para o
município, como afirmou Ferreira (1928, p. 223):
Consistia o magnífico plano no seguinte: a câmara
contraria um empréstimo de 3.000:000$000 que seria
aplicado aos seguintes melhoramentos: compra da
empresa Força e Luz, abastecimento de água,
esgoto, calçamento de 10 Km de ruas, escola normal
e ajardinamento de cinco praças, construção de
vinte pontes, etc.
Torna-se claro o interesse por parte de Hildebrando Pontes de
encampar a empresa geradora de eletricidade e promover o
desenvolvimento do município, haja vista que o governo de Minas já
havia se comprometido em emprestar a determinada quantia para a
câmara de Uberaba, a ponto de enviar um engenheiro do governo
mineiro para vir a Uberaba e orçar as devidas obras.
Por outro lado, a elite política uberabense não tinha interesse
algum neste desenvolvimento; os coronéis pretendiam perpetuarem seu
poder e sua força, o que não seria possível com o desenvolvimento
econômico, ou seja, esta elite teria grandes obstáculos para se
reconstruir e continuar no poder.
41
Confirmada a renúncia de Philippe Ache, a eleição do novo
presidente da câmara torna-se imprescindível, a qual foi marcada para
o dia 1º de Abril de 1913.
A esperança uberabense poderia se confirmar com a eleição
de Hildebrando Pontes, porém, quem foi eleito foi o membro do PRM
Democrata e acionista da empresa Força e Luz. A indignação era
visível, mas os interesses de uma elite dominante prevaleceram, como
afirma Ferreira (1928, p. 227-228):
O coronel Manoel Alves Caldeira Junior, então
deputado estadual, membro influente do diretório
situacionista e filho (portanto herdeiro) do milionário
Manoel Alves Caldeira, grande acionista da empresa
Força e Luz e mais o seu correligionário Dr: Silvério
Bernardes, também grande acionista da mesma
empresa, e mais o seu adversário Dr: José Ferreira,
igualmente forte acionista da citada empresa, neste
dia fatídico para Uberaba, divididos sempre os três
por tricas políticas, resolveram unir-se por altas
razões estomacais, afim de defender os seus
interesses ameaçados e os de suas respectivas
famílias. E os três de comum acordo, conceberam
um plano que era infalível para deitar abaixo o
magnífico projeto do dr: Hildebrando Pontes e,
consequentemente não venderiam a sua luz elétrica
- e a barriga estava salva.
Eram notórias as formas que a elite utilizava para se
reconstruir e manter a sua hegemonia; o senhor deputado e coronel
Manoel Alves Caldeia Junior habilidosamente manipulou o voto de cada
vereador na câmara, elegendo o candidato que representava o
interesse de uma elite. Outra vez foi mantida a vontade de uma minoria
que não desejava o desenvolvimento para Uberaba, ao contrário,
manipula situações para fazerem do município um quintal de suas
42
fazendas, sem comércio, sem emprego para a população e sem a
perspectiva de alternância de poder. Viva o coronelismo!
A primeira medida do então eleito Dr. Silvério Bernardes, foi
dispensar o empréstimo de 3.000 contos feito pelo governo de Minas e
mandar de volta o engenheiro que já se encontrava no município para
orçar as obras que iriam aqui iniciar.
A indignação dos correligionários de Hildebrando Pontes e da
população tornou-se evidente por todo o município; mais uma vez o
marasmo apossou-se de Uberaba. E, nesta conjuntura, qual foi a
reação de Hildebrando Pontes, mediante uma absurda manipulação
política? Ele nada fez, simplesmente continuou como vice-presidente
da câmara e fez do silêncio resposta para todas as indagações que a
ele chegavam. Não expôs os verdadeiros acontecimentos ocorridos
naquele 1º de abril, ou seja, preferiu calar-se diante do jogo de poder
da elite local.
O descaso com o município de Uberaba continuou no governo
do Dr. Silvério Bernardes, que, evidentemente, durante o seu governo
nada acrescentou ao município, tratando-se de uma administração
marcada pela estratégia politiqueira uberabense e por um grande
número de nomeações na câmara.
A fotografia da FIGURA 06 retrata a rua da Constituição,
localização central no município, exemplo de descaso com a
população, marca forte da administração municipal.
43
FIGURA 06 Rua da Constituição localização central no município de
Uberaba.
Antes do término do seu governo, o Dr. Silvério Bernardes
deixou o governo e assumiu novamente Hildebrando Pontes, porém
sem força política e sem dinheiro, nada pôde fazer para Uberaba,
terminando o seu governo em 31 de dezembro de 1915. No mandato
seguinte, assumiu o senhor Silvino Pacheco e o Dr. João Henrique,
cujas ações nada contribuíram para o desenvolvimento econômico do
município de Uberaba, de igual modo.
Somente no ano de 1923 chegou à câmara municipal o Dr.
Leopoldino de Oliveira, que, mais uma vez, reacendeu a esperança de
desenvolvimento na economia uberabense, por se tratar de homem
culto e honesto, e não pertencer à elite dominante, um homem
44
comprometido com o desenvolvimento de Uberaba. Sua primeira
medida, ao assumir a câmara municipal, foi exonerar todos os
funcionários inúteis e solicitou a organização do ensino na cidade
(FERREIRA, 1928).
O governo de Leopoldino de Oliveira foi interrompido, pois o
mesmo foi substituir o Dr. Alaor Prata Soares na câmara dos deputados
federais, que foi nomeado prefeito do Distrito Federal. Assumiu a
câmara municipal o coronel Manoel Terra, cuja primeira ação no
governo foi readmitir todos os funcionários inúteis dispensados por
Leopoldino de Oliveira, e nada mais fez para o progresso da cidade;
em relação ao plano de ensino deixado por seu antecessor, o mesmo
não foi executado.
O coronel Manoel Terra faleceu no dia 7 de Janeiro de 1923,
sendo eleito o coronel Geraldino Rodrigues da Cunha e seu vice, o
coronel João Machado Borges; ambos cursaram apenas as primeiras
letras e deixaram o município no marasmo total, sem perspectiva
alguma de desenvolvimento, as ruas com enormes buracos, a falta de
infra-estrutura não oferecia condições para a instalação de fábricas, a
precariedade do fornecimento de energia elétrica, como ressaltamos
anteriormente, e a população sem emprego era a realidade da famosa
Princesa do Sertão.
Por conseguinte, constatamos a reorganização da hegemonia
da elite local; por meio da alternância do poder entre os coronéis, não
obstante o período republicano, Uberaba continuava governada pelo
45
coronelismo. Neste período, até o vereador mais votado era um coronel
o senhor Guiomar Rodrigues da Cunha.
Nas fotografias a seguir, constata-se a caótica situação da
realidade urbana do município de Uberaba nesse período.
O confronto de idéias sobre a denominação Princesa do
Sertão deixa claro que um grupo de memorialistas procura justificar o
titulo da cidade, lastreado em um passado histórico, atendendo, assim,
aos interesses da elite dominante, enquanto Ferreira (1928) mostra
uma outra perspectiva, visualizando uma cidade abandonada à própria
sorte, questionando o poder político local.
O debate entre os autores é imprescindível para o
enriquecimento da pesquisa, haja vista a necessidade de buscarmos,
na diversidade de postura dos autores, algumas respostas para nossas
inquietações de pesquisadora.
Além das divergências entre os memorialistas uberabenses,
defrontamo-nos com a predominância de uma bibliografia memorialista,
e quase total ausência de bibliografia que induza a um debate
realmente crítico das relações de poder no município de Uberaba. Os
memorialistas trabalham a história regional a partir de uma temática
ufanista e, ao mesmo tempo, saudosista
14
. Porém, as informações do
cotidiano por eles apresentados foram de grande importância para
nossa pesquisa.
14
Dentre os memorialistas citamos – Antônio Borges Sampaio – Uberaba: história, fatos e homens;
Hildebrando Pontes - História de Uberaba e A Civilização do Brasil Central; José Mendonça
História de Uberaba.
46
FIGURA 07 Rua Major Eustáquio localização central de Uberaba.
FONTE: FERREIRA (1928).
FIGURA 08 Rua Paschoal Totti, com buracos e imundice.
FONTE: FERREIRA (1928).
47
FIGURA 09 Rua 24 de Fevereiro localização central de Uberaba
somente mato e buracos.
FONTE: FERREIRA (1928).
A especificidade de cada obra, por conseguinte, permitiu-nos
o acesso aos personagens da história uberabense. Complementamos
esta investigação com a leitura de trabalhos de mestrado, dentre eles o
de Silva (1998), no qual a autora aponta as mesmas observações
referentes aos memorialistas que estudou.
A história escrita por autores que privilegiam o poder é
analisada por Silva (1998, p. 25), nesses termos:
Assim, nessas cidades, a história social é pouco visível
e relegada a um plano secundário. Isso, resultante da
predominância de uma concepção e um modo de fazer
história que privilegia o poder, entrando, portanto, todo o
viver sócio-cultural em torno deste.
48
Nessas dissertações, questionam-se as obras dos memorialistas, haja
vista a história como instrumento de justificação do poder.
Nesse primeiro capítulo, por conseguinte, abrimos o debate
salientando a importância da história na produção geográfica para
conhecermos a historicidade dos sujeitos sociais e para entendermos
as relações de poder que permeiam o território. Este início do debate
mostra nossas inquietações enquanto pesquisadora, sendo a principal
delas a necessidade de uma releitura das relações de poder
predominantes no município de Uberaba, bem como a influência do
político no cenário municipal.
No próximo capítulo, enfatizaremos o surgimento de uma elite
inicialmente comercial e, depois, agrária e pastoril.
49
CAPÍTULO 2
AS TRANSFORMAÇÕES SÓCIO-ECONÔMICAS NO
MUNICÍPIO DE UBERABA NO PERÍODO DE 1870 A 1910
Para iniciar esse capítulo, torna-se necessário enfrentar, a
nosso ver, uma interrogação: a situação geográfica determinou a
fundação do município de Uberaba e, conseqüentemente, sua formação
sócio-espacial?
Sobre essa questão, Correa (2003, p. 26-27) afirma:
O mérito do conceito de formação sócio-espacial, ou
simplesmente formação espacial, reside no fato de
se explicar teoricamente que uma sociedade só se
torna concreta através de seu espaço, do espaço
que ela produz e por outro lado, o espaço só é
inteligível através da sociedade. Não há assim, por
que falar em sociedade e espaço como se fossem
coisas separadas que nós reuniríamos a posteriori,
mas sim de formação sócio-espacial.
Assim, constata-se a relevância do espaço na formação de
uma sociedade, como fator determinante na produção desta ao influir
nos seus fatores econômicos, por exemplo.
Seguindo esta linha de abordagem, percebe-se que o povoado
à beira dos rios das Lajes foi aglomerando mais e mais pessoas, visto
que, na data de 13 de fevereiro de 1811, foi elevado à condição de
Distrito de Índios em razão, dentre
outras, do adensamento
demográfico naquele local; em 2 de março de 1820, o distrito foi
50
elevado à condição de freguesia; em 22 de fevereiro de 1836, a
freguesia foi elevada à condição de vila e, finalmente, no dia 2 de maio
de 1856, a vila foi elevada à condição de cidade
15
.
Com uma localização privilegiada e dispondo de terras férteis
e de boas pastagens em seus arredores, o núcleo urbano de Uberaba
propiciou um rápido desenvolvimento sócio-econômico para o
município. Discutiremos adiante esta questão da localização geográfica
em face do desenvolvimento, visto que, antes dessa discussão, é
imprescindível entendermos o cenário econômico do período em
análise.
A grande maioria da população da região dedicou-se,
inicialmente, à atividade pastoril (e à agricultura de subsistência); por
conseguinte, a pecuária foi a primeira atividade econômica do
município. Assim, ocorreu a predominância da atividade pecuária na
região; as fazendas eram compostas de extensas áreas que
pertenciam, na maioria das vezes, a uma única família
16
.
Estas fazendas eram originárias das sesmarias, conforme
afirma Rezende (1983, p. 29):
Eram inicialmente oriundas de sesmarias quase
sempre doadas e quando vendidas, eram por um
preço irrisório. O valor da terra era, portanto, quase
nulo, o que é bastante compreensível, pois
sobravam terras; por outra parte, os colonos não se
contentariam em enfrentar o sertão desconhecido
pela posse e a exploração de propriedades
15
Sobre este processo de formação urbana, ler Distrito dos Índios até a condição de cidade no ano
de 1850”, de Pontes (1978, p. 86).
16
As fazendas pertenciam a uma única família caracterizando, neste período, o patriarcalismo.
51
pequenas. Além disso, a grande propriedade era um
traço marcante da colonização; terra não era
onerada com impostos e o poder do Estado era
quase nulo. Dentro deste contexto o gado valia mais
do que a terra.
Tem-se o começo da formação dos grandes latifúndios e de
uma elite que não será somente pecuarista, mas terá grande influência
também no comércio.
A agricultura não conseguiu progredir: os custos da produção
eram altos, o escoamento não propiciava a comercialização dos
produtos excedentes. O predomínio da prática da pecuária em grandes
extensões de fazendas ocasionou o aumento do poder dos grandes
fazendeiros. O mesmo ocorreu em relação ao comércio, igualmente
monopolizado pelos grandes fazendeiros. Este monopólio provocou a
concentração da renda nas mãos dos fazendeiros que passaram a
controlar o comércio e a dificultar a abertura de novas e pequenas
casas comerciais.
Constatamos, desse modo, o surgimento de uma elite agrária
e, ao mesmo tempo, comercial.
Durante os trabalhos de campo desta pesquisa, constatamos
que, no período antecedente a 1910, já havia uma elite cuja origem não
estava somente na criação de gado, mas também nas relações
comerciais. Por esse motivo, para entendermos as relações de poder
centradas no espaço decorrentes da atuação dessas elites é
necessária uma apresentação dos sujeitos sociais que participaram
deste processo, das relações comerciais ali estabelecidas, bem como
52
uma compreensão da dinâmica espacial e das formas de atuação na
modificação do espaço.
Esta relação espaço-tempo histórico foi imprescindível para a
análise da atuação dos principais atores que construíram sua
hegemonia no espaço em análise.
A análise de Santos (2004, p. 153) torna clara a questão
espaço-tempo suscitada acima:
O espaço deve ser considerado como um conjunto
de relações realizadas através de funções e de
forma que se apresentam como testemunho de uma
história escrita por processos do passado e do
presente. [...] Isto é, o espaço se define como um
conjunto de formas representativas de relações
sociais do passado e do presente e por uma
estrutura representada por relações sociais que
estão acontecendo diante dos nossos olhos e que se
manifestam através de processos e funções. O
espaço é então, um verdadeiro campo de forças cuja
aceleração é desigual. [...] Daí por que a evolução
espacial não se faz de forma idêntica em todos os
lugares.
O autor enfatiza, entre as relações sociais do passado e do
presente, o seu espaço de atuação, haja vista a importância que
possuem na produção do espaço e nas alterações destes decorrentes
de aspectos políticos, econômicos e sociais.
Para Carlos (1996), o espaço possui elementos reveladores
que remontam à história de um determinado lugar e,
concomitantemente, revelam a história de um grupo por meio da
produção do espaço. E, ao mesmo tempo, mostra uma história com
53
diferentes campos de análises o que aponta um campo de luta e
poder.
Neste espaço ocorre, de acordo com Carlos (1996), uma
produção espacial no cotidiano dos sujeitos sociais, sendo que esta
produção se manifesta nos modos de apropriação, ocupação e
utilização de determinados lugares e, por conseguinte, fragmentam-se,
hierarquizando os espaços.
Por outro lado, Santos (2004) afirma que o espaço não pode
ser apenas o resultado final nos modos de produção atual, em virtude
da memória dos modos de produção do passado, visto que suas formas
permitem, às práticas dos novos modos de produção, sobrevivência.
Santos (2004) vai além desta análise ao afirmar que não
existe uma dependência exclusiva do espaço em relação ao econômico.
Nesta perspectiva, o autor não restringe a análise do espaço
ao contexto econômico. Santos (2004, p. 184) afirma, ainda, que o
dado político está presente nas diferentes formas de reprodução do
espaço:
O espaço organizado não pode ser jamais
considerado como uma estrutura social dependendo
unicamente da economia. Se esse pudesse ter sido o
caso em situações do passado, nos dias de hoje é
mais que evidente o fato de que outras influências
interferem nas modificações da estrutura espacial. O
dado político, por exemplo, possui um papel motor.
Portanto, entender o espaço em uma perspectiva que
considera o tempo histórico, por meio da memória dos meios de
54
produção do passado, mostra que a política é fundamental na análise
da organização do espaço geográfico, qualquer que seja sua escala.
2.1 - O município de Uberaba: situação geográfica privilegiada ou
geopolítica do território?
A discussão da posição geográfica privilegiada do município
de Uberaba requer uma análise crítica da relação território/poder,
tendo-se em vista a relevância estratégica de Uberaba para as redes
de transporte (e comunicação) que sustentavam o comércio local.
Desde sua fundação, os memorialistas, dentre eles, Pontes
(1978, p. 88) celebram as riquezas naturais que circundavam o
município de Uberaba, enquadrando-os como elementos definidores da
ocupação deste espaço:
O ar era puro, as águas salubres, a terra fecunda, as
pastagens nutritivas; foram estes os atrativos que
fixaram a atenção dos primitivos descobridores e a
razão que motivou o primeiro estabelecimento que
nesta localidade fundaram...
Não negamos a importância destas condições naturais para a
edificação de uma cidade. Por outro lado, não podemos restringir nossa
análise somente às condições naturais: é preciso avançar o debate,
agregando justificativas que possam explicar a importância geográfica
55
que o município de Uberaba representou no cenário econômico desde
sua fundação.
A agricultura praticada no início do século XIX passava por
dificuldades, emperrando seu desenvolvimento pleno.
A dificuldade de escoamento dos produtos produzidos nas
fazendas obrigava o consumo em seus próprios limites, restringindo o
desenvolvimento das relações comerciais. E esta dificuldade de
escoamento da produção e a restrição dos locais de comercialização se
refletiam no custo dos produtos, o que contribuiu para o desestímulo à
agricultura, uma vez que a produção não pagava seu transporte
(REZENDE, 1983). Diante destas dificuldades, cada fazenda fechou-se
em seus limites territoriais, tornando-se o centro de produção e
consumo dos seus produtos.
A falta de condições para o escoamento da produção,
portanto, fez com que cada fazenda se transformasse em um pequeno
centro comercial, acarretando o aumento do poder dos grandes
fazendeiros.
Em virtude destas dificuldades, a atividade pastoril se
destacou no cenário comercial. Agregando este motivo às condições
naturais, Uberaba era considerada, já na metade do século XIX, um
entreposto comercial importante, o que agregava valores de diversos
níveis à sua posição geográfica privilegiada.
56
O município tornou-se passagem obrigatória dos mercadores,
o que acarretou um considerável crescimento do povoado e uma
posição de destaque nas relações comerciais.
Nesta perspectiva, surgiu a necessidade de ampliar ainda mais
as atividades agrícolas e comerciais, para colocar Uberaba em posição
de destaque regional.
A necessidade de uma comunicação eficiente e segura tornou
imprescindível intensificar o comércio e amenizar o árduo transporte
que era feito pelo carro de boi.
Conforme afirma Sampaio (2001, p. 140):
Nesse tempo duas únicas estradas punham o Sertão
da Farinha Podre em comunicação com o litoral a
de Goiás pelo porto da Espinha, no Rio Grande com
Santos por São Paulo; a do Araxá por Patrocínio
para Catalão e Goiás, a quem viesse do Rio de
Janeiro por São João D´El Rei. Por esta última e que
também se fez o trânsito do Rio de Janeiro para
Cuiabá, até abrir-se o Porto da Ponte Alta, que
encurtou a distância para Santos.
As rotas descritas acima enfatizaram as condições dos
transportes e deslocamentos da época.
Guimarães (1990, p. 35) detalha estas rotas imprescindíveis
para a ligação entre o Centro-Oeste e o litoral do Sudeste (Cf. a fala
deste autor com os MAPAS 01 e 02, que situam os caminhos
mencionados):
O primeiro, chamado caminho de Goiás, nada mais era
do que a rota de Anhanguera, que partia do litoral
paulista, passava por São Paulo, Jundiaí, Campinas,
57
58
59
ogi Mirim (antiga Mogi dos Campos), chegando até
Franca, daí cruzava o porto da Espinha nas
proximidades de Conquista, percorria o território
triangulino até atingir seu destino que era Goiás. [...]
A segunda era a rota salineira, que partia do litoral
carioca, adentrava o sul de minas, passando por São
João Del Rei, indo até Araxá, Patrocínio, seguindo
em direção a Goiás e Mato Grosso. Por esta rota era
feito o trânsito do Rio de Janeiro com Cuiabá.
Após analisarmos ambas as rotas comerciais, conclui-se que,
na primeira, a que ligava Uberaba com Franca, havia uma articulação
importante desempenhando o papel de entreposto comercial e de
distribuição do sal.
Neste contexto, o Arraial da Capelinha seria apenas um
pequeno vilarejo, sem relevância estratégica na rota comercial.
O mesmo pôde ser constatado na análise da segunda rota
salineira, que fazia de Araxá um ponto estratégico para a
comercialização do sal e para a ligação do sertão mineiro com a corte
brasileira. Por outro lado, o fato de Uberaba se sobrepor como centro
comercial neste período nos provoca inquietações no sentido de
entendermos a dinâmica espacial da região.
A abertura do Porto da Ponte Alta pelo Major Eustáquio, em
sociedade com o Vigário Antônio José da Silva, foi de grande
importância estratégica devido à navegação do rio Mogi-Guaçu até o
Rio Grande. Pontes (1978) afirma, a propósito, que, em decorrência da
abertura do Porto da Ponte Alta, o comércio do sal intensificou-se na
região, sendo este produto escasso no interior do país, a despeito de
60
ser um artigo de primeira necessidade, temperando e conservando
alimentos.
O reflexo desse processo no comércio em Uberaba
materializou-se na produção do espaço, conforme relata Pontes (1978,
p. 92):
Abriram-se estradas novas em direção ao sul de
Goiás onde o sal e outros gêneros procedentes dos
portos de Santos, em escala por Uberaba, tiveram
pouca entrada. Esses trinta e dois anos (1827-1859)
foram, no princípio, à época mais pujante do
desenvolvimento de Uberaba, que alcançou as
prerrogativas de Vila a Cidade. A sua população
aumentou e o comércio nos três últimos anos
quadruplicou a venda do sal, cuja importância subia
a 135 mil sacas ou alqueires.
Constata-se que a ampliação do transporte foi importante para
o avanço do capital comercial e para a consolidação da importância de
Uberaba como ponto estratégico no interior triangulino.
Por conseguinte, o Triângulo Mineiro passou a ser um
importante canal de mercantilização; Uberaba centralizava o comércio
regional e ainda transpunha sua força comercial para o sul de Goiás e
Mato Grosso (como dependentes), além de tornar possível sua
iniciativa de abastecer com gado o litoral paulista. Em contrapartida,
como assinalado, comprava o sal litorâneo.
É notória a importância do papel exercido por Uberaba neste
período de acumulação e circulação do capital comercial, refletida na
produção do seu espaço geográfico.
No dizer de Corrêa (1989, p. 48- 49),
61
A lógica capitalista de acumulação, caracterizada
pela minimização dos custos e maximização de
lucros e apoiada no progresso técnico, suscita, o
aumento da escala de produção assim como da área
onde esta se realiza. [...] Amplia-se também a
circulação, e a acessibilidade é redefinida em função
dos novos modos de circulação. Verifica-se a
valorização de certas localizações em detrimento de
outras: mais do que isto, para cada atividade, nova
ou transformada, há padrões locacionais específicos
que melhor atendem à lógica capitalista. Como
conseqüência algumas cidades perdem a
importância, enquanto outras são valorizadas; criam-
se novos centros urbanos.
Neste momento, todo o comércio, que antes era feito em larga
escala por São João Del Rei e Formiga, dirige-se para Uberaba,
transformando-a no centro comercial mais importante da província de
Minas Gerais e um pólo do mercado salineiro do Brasil Central.
Esta nova rota (Cf. o MAPA 03) foi descrita por Saint Hilaire
(1975, p. 154):
A nova rota salineira passava por São Paulo,
Jundiaí, Campinas, Porto de São Bartolomeu (rio
Moji), descia pelo Rio Grande buscando o porto da
Ponte Alta daí, através dos carros de bois, chegava
a Uberaba. O porto da Ponte Alta possuía nesta
época um rancho coberto de telhas, fato
extraordinário, visto que comumente os abrigos eram
cobertos de palha ou folhas de bananeiras.
Assim, a vila Uberaba consolida sua posição estratégica no
cenário comercial do Triângulo Mineiro; constata-se, pois, sua
superioridade comercial firmada na geopolítica do território, e não
apenas em suas riquezas naturais, como é apregoado pelos estudiosos
em geral.
62
63
O desenvolvimento do comércio em Uberaba, no período de 1827 a
1859, marca a pujança da cidade e sua elevação à condição de cidade,
devido, principalmente, ao aumento da população e das atividades
comerciais, refletidos na comercialização do sal, conseguindo alcançar
a marca de 135 mil sacas (PONTES, 1978).
Outro acontecimento relevante foi a construção do Hospital de
Misericórdia, pelo Frei Eugenio Maria de Gênova. Relata PONTES
(1978, p. 92):
O missionário Frei Eugenio Maria de Gênova
construiu no último lustro, o cemitério de São Miguel
e o Hospital de Misericórdia. Muitas famílias,
perfazendo cerca de setecentas pessoas entraram
para Uberaba. [...] Em 1858, a praça regorgitava de
capitais fornecidos pelos Bancos Rurais Hipotecários
criadas para auxiliar as transações comerciais do
interior.
Porém, a construção do Hospital de Misericórdia, no ano de
1858, foi marcada por contratempos, assim relatados por MENDONÇA
(1974, p. 46):
Sim, o Frei Eugênio sofreu amargas contrariedades,
porque o Juiz Direito da Comarca do Paraná, a qual
pertencia Uberaba, o Juiz Municipal do Termo de
Uberaba e mais uns três indivíduos irritados por
terem incorrido em censuras feitas pelo missionário
com prudência e critério, dirigiram-se ao Ministro da
Justiça, ao Presidente de Minas, ao Vigário Geral do
Bispado, à Cúria Diocesana e ao Superior dos
capuchinhos, no Rio de Janeiro, Frei Fabiano
tecendo intrigas contra o padre mestre e solicitando
a sua retirada desta cidade.
A cidade, com a construção do Hospital de Misericórdia,
estava reafirmando sua posição de destaque na região, pois somente
as cidades com destaque regional possuíam uma instituição religiosa
64
de filantropia, cujos patrocinadores eram pessoas importantes da
sociedade uberabense (REZENDE, 1983). Vejamos, no QUADRO 01, a
receita e a despesa da Prefeitura Municipal de Uberaba, no período de
1837 a 1859 (em Réis). É importante ressaltarmos que os dados
anteriores a 1837 não se encontram disponíveis, pois o município foi
criado em 1836.
A existência de um Hospital que, na essência de sua
idealização pelo Frei Eugenio, teria com prioridade atender às
necessidades dos pobres e desvalidos, passou por contratempos
diversos no decorrer de sua história, reflexos da força de uma elite que
vai além dos agrupamentos ligados ao comércio ou à atividade
agropecuária, porque igualmente corporificada e personificada nos
representantes da Igreja Católica, que detinham grande parcela de
poder e dominação na cidade de Uberaba.
Ferreira (1928, p. 183), ao falar do clero católico, deixa clara
sua insatisfação: Além do males que pesam sobre Uberaba, já citados,
outro terrível existe, com um verdadeiro e perigoso entrave ao nosso
progresso: o clero cathólico.
A influência do clero católico nas relações de poder na cidade
de Uberaba é constatada ainda com maior ênfase ao analisarmos a
presença destes personagens na política uberabense, como membros
participantes dos partidos políticos situacionistas, como FERREIRA
(1928, p. 194) verificou:
O clero, entre nós, domina infelizmente sobre as
classes estúpidas, sobre as classes dirigentes e
que é pior sobre as consciências das esposas dos
65
RECEITA ANOS
FINANCEIROS
ARRECADAD A COM
O SALDO DO
EXERCÍCIO
ANTERIOR
DESPESA
Saldo que
passa para o
exercício
seguinte
1837 1838 353.790 332.194 21.596
1838 1839 254.046 243.666 10.380
1839 1840 449.530 321.370 128.160
1840 1841 489.272 314.927 172.345
1841 1842 540.000 179.770 360.230
1842 1843 972.130 583.630 388.500
1843 1844 859.700 757.523 102.177
1844 1845 356.170 356.170 0
1845 1846 980.350 621.795 358.555
1846 1847 819.835 700.798 119.037
1847 1848 694.880 600.084 94.796
1848 1849 1.047.041 733.314 313.727
1849 1850 734.407 676.631 57.976
1850 1851 528.967 507.361 21.606
1851 1852 381.560 377.622 3.938
1852 1853 721.542 641,694 79.848
1853 1854 1.138.768 1.127.588 11.180
1854 1855 1.331.660 1.331.660 0
1855 1856 2.154.740 2.154.740 0
1856 1857 1.227.960 1.054.765 173.195
1857 1858 1.232.795 868.742 364.053
1858 1859 1.808.145 1.416.356 391.789
QUADRO 01 Receita e despesa da Prefeitura Municipal de Uberaba
(1837-1859).
FONTE: PONTES, H. op. Cit., p. 553-554
17
.
chefes políticos, o que lhe permite com faculdade obter
muita cousa inderectamente, quando não o consegue
directamente. Todos os membros do clero em Uberaba
são filiados ao partido situacionista ou detentor do poder
local e, na Câmara Municipal, sempre tiveram
17
Apud Brandão, C. A. Triângulo Capital Comercial, Geopolítica e Agroindústria. 1989.
Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1989.
p. 32.
66
representantes, quer entre os vereadores, quer na
própria agência executiva.
Torna-se claro o fato de o clero católico pertencer à elite
uberabense; a esse propósito, verificamos, ao aprofundarmos mais a
pesquisa referente à construção do Hospital Santa Casa de
Misericórdia, que o clero tinha como objetivo atender aos pobres e
necessitados, ficando esta responsabilidade, durante um determinado
período, sob os cuidados dos frades dominicanos, que residiam na
cidade de Uberaba.
Os padres dominicanos se apossaram da Santa Casa de
Misericórdia com o objetivo de atender a seus interesses particulares;
esqueceram do fim primeiro de sua existência: prestar ajuda aos
pobres e desvalidos.
As reclamações surgiram em vários setores da sociedade,
como nas associações, empresas, a ponto de a situação ficar
insustentável, obrigando a Câmara a intervir, fazendo uma solicitação
ao Bispo Diocesano, que se tornou artigo do jornal Gazeta de
Uberaba, na edição publicada em 31/01/1889:
Requeiro que a Câmara officie ao Exmo. Sr.Bispo
Diocesano, solicitando do mesmo abertura do
hospital na parte do edifício da Santa Casa de
Misericórdia desta cidade, que comprometteu-se de
funda-lo, e que ainda não o fez até agora, não
obstante estar o isso obrigado para comarca e meza
administrativa. Sala das sessões, 9 de janeiro de
1889.
Antero Rocha.
67
A Câmara Municipal votou e aprovou a solicitação, porém com
um voto contra, do beato vereador Honório Pontes (Ferreira, 1928).
A tentativa da Câmara foi inútil; o bispo Dom Cláudio Ponce
de Leon não se sensibilizou com a real situação e os dominicanos
continuaram na Santa Casa de Misericórdia.
Todavia, a imprensa não se conformou com a situação
vergonhosa que envolvia o clero católico e o Hospital de Santa Casa e,
mais uma vez, lançou outro ataque aos dominicanos, conforme
podemos analisar a seguir.
O Jornal Gazeta de Uberaba, em sua edição do dia
31/05/1889, chama mais uma vez a atenção da sociedade uberabense
para a omissão dos dominicanos em relação aos pobres e desvalidos:
É assim que a Gazeta de Uberaba reclama mais uma
vez, do Senhor Bispo Diocesano, o hospital de
Misericórdia pertencente aos pobres e usurpado
cruel e desonrosamente pelos senhores frades
dominicanos. É lamentável e estranho que estejamos
nós - a Imprensa a advogar a causa dos pobres
perante sacerdotes que devem ser os legítimos
defensores e protectores da pobreza. Invertem-se os
papéis para a honra da Igreja. O sacerdote esquece
o mendigo de joelhos e nós, os sacerdotes sem
sotaina, nos ajoelhamos ao lado do mendigo.
O Jornal A Gazeta gritava para a sociedade o descaso com
os pobres, e o Bispo Diocesano, juntamente com seus frades,
continuava sem manifestação alguma de piedade em relação aos
pobres.
68
A Igreja Católica não demorou muito para se pronunciar em
relação aos ataques do jornal A Gazeta de Uberaba; para isso, o
Bispo Dom Cláudio enviou uma carta ao Senhor Tobias Rosa, diretor do
periódico, na qual podemos observar a arrogância do clero católico e o
total desinteresse pela situação dos menos favorecidos da sociedade
local:
Paço de São Vicente de Paulo em Goyaz, 17 de
setembro de 1889.
Sr. Tobias Rosa.
Tem esta por fim de declarar à Umce, que desta data
em diante não quero mais receber a Gazeta de
Uberaba, nem como assignante, nem sob qualquer
outro título. Sou Bispo Catholico Romano; não
posso, nen quero favorecer a jornal algum, inimigo
da Igreja, que chega do ponto de caluniar, de
desrespeitar, dos mais leviano do mesmo Leão XIII,
estimado, considerado por herejes, até pelos mesmo
muçulmanos. A Gazetasó respeita aquelles, que
estão dispostos à responder a seus artigos por meio
de capangas com força bastante para mimosear seus
redatores com chicotadas, pauladas ou mesmo com
chumbo; quero pois, não a recebendo mais, deichar-
lhe maior liberdade de cumprir sua triste e odiosa
missão: de insultar, de caluniar, de ridicularisar
todos aqueles que merecem respeito, gratidão, e
amor por suas virtudes, por seus serviços prestados,
por sua dedicação sem limites. [...] Cada dia dou
menos importância á tudo, quanto se chama jornal;
tanto receio tenho artigos dos jornais, que pedi com
instancia a meus amigos do Rio, de Uberaba, de
Goyaz, que nunca respondessem a artigo algum,
embora nesses artigos os redatores do jornais me
pintassem mais feio do que o diabo. Nem a Deus
peço vingança, ele muito bem sabe o que deve
fazer. Como Pai e Pastor imploro a infinita
misericórdia do mesmo Deus em favor de todos os
meus filhos, e particularmente em favor daqueles,
que procedem como inimigos meus. Para castigo dos
redactores da Gazeta, basta ela mesma. Citarei um
só exemplo: a história do senhor Dr. João Caetano a
respeito de questões religiosas de 1881, para cá
melhor a conhece Vmce, do que eu. Hoje que mais
desmoralisa, flagela esse pobre moço? É a Gazeta.
Quanto ás obras que, por espírito de caridade em
cumprimento de meus deveres e não por capricho,
tenho em preendido em favor dos católicos desta
69
Diocese, e de que se podem aproveitar os
protestantes os ímpios, todos enfim, à medida da
guerra que lhes fazem procuro eu dar- lhes o
desenvolvimento maior ou menor. A guerra,
segundo os princípios cristãos significa que aquela
obra está causando prejuízo ao inferno, que ela é
agradável a Deus: portanto devo eu desenvolvê-la.
A Santa Casa estava caindo aos pedaços, ninguém
se queria utilizar dela nem para hospital, nem para
nada. Hoje que eu já gastei uns vinte contos ou mais
reparações, com benfeitorias, é que a Gazeta se
põem de acordo com uns doutorzinhos chegados
ontem a Uberaba, que só querem celebrisar-se,
fazer-se um nome de bemfazejos, sendo de facto
malvados, para me hostilisar, para fazer reclamar
esse edifício, ou parte dele. Já deve ter chegado
ali, a resposta do Ministro do Império, mandando que
continue a Santa Casa sob administração do
Diocesano. Nosso Senhor Jesus Cristo abençoe à
Vmce e lhe conceda grande abundância de suas
luzes, de suas graças, lhe toque o coração e o faça
um bom filho da Igreja Católica, em que nasceu e foi
batizada. Cláudio Bispo de Goyas (FERREIRA,
1928, p.197-198).
Ao analisarmos a carta do Bispo Dom Cláudio, constatamos a
ausência de preocupação com os pobres. A autoridade eclesiástica
pretende, na verdade, reafirmar o poder do clero católico na sociedade
uberabense, a ponto de o mesmo recorrer ao Ministro do Império para
permanecer no controle e posse do Hospital Santa Casa de
Misericórdia.
Este acontecimento da história de Uberaba reafirma a força
política da Igreja católica, que se manteve resistente às criticas
sofridas quanto à administração da Santa Casa de Misericórdia, que
não atendia pessoas pobres e desvalidas, inicialmente seu motivo de
existência, conforme referido anteriormente.
70
A carta acima descrita é imprescindível para compreendermos
a inserção da Igreja Católica no poder político (e econômico) local, pois
muitos integrantes do clero católico pertenciam ao partido político
situacionista, comungando, desta forma, os ideais de manutenção do
poder, privilegiando uma elite tradicional, da qual fazia parte, e que
refletia sua atuação no espaço uberabense, ou seja, em uma cidade
sem infra-estrutura básica eficiente, com poucas perspectivas de
progresso.
2.2 O início do declínio comercial de Uberaba (1860)
A cidade de Uberaba tinha uma grande dependência sócio-
econômica, principalmente em relação aos resultados da atividade
pastoril, realizada nas imensas propriedades rurais.
Por causa da economia dependente da criação do gado e com
sérios problemas de circulação (em face da falta de estradas para
escoamento dos produtos), o desempenho econômico insuficiente do
município se refletiu na produção do espaço urbano. O que se torna
claro no dizer de Rezende (1983, p. 47):
A economia foi basicamente rural, predominando a
agricultura de subsistência, baseada no cultivo de
milho, feijão, arroz e cana ( para açúcar e água
ardente). Não havia exportação por falta de estradas
e dificuldades de transportes. A criação do gado se
deu em grande escala se bem que a criação de
71
ovelhas e cavalos ocupou também lugar significativo.
[...] As fazendas de criação e cultura estavam em
mãos de mais de 2.000 proprietários de terra.
Outro acontecimento que abalou a posição de entreposto
comercial de Uberaba foi a navegação do rio Araguaia, no Estado de
Goiás, que passou a fazer frente ao comércio na região Norte,
desviando as rotas comerciais da cidade.
Para agravar mais ainda a situação econômica de Uberaba,
outro desvio de rota comercial ocorreu no rio Paraguai, conforme
afirma Rezende (1983, p. 48):
A navegação do rio Paraguai desviou o comércio de
tropas para o Mato Grosso provocando sensível
diminuição de intercâmbio entre as diversas
localidades da província de São Paulo Mogi - Mirim
e Franca com Uberaba. O transporte fluvial mais
vantajoso que o terrestre, abastecia largamente de
sal as terras interioranas banhadas por aquele rio.
Coxim, ligado a Goiás por uma entrada muito
trafegada, passou a ser centro fornecedor de sal à
grande parte da província de Goiás.
As mudanças de rotas de comércio mudaram a vida econômica
de Uberaba, causando um declínio no comércio local; os bancos que
antes derramavam capitais no comércio local fecharam suas portas
para a cidade. Muitas casas comerciais fecharam, agravando mais
ainda a situação (PONTES, 1978).
O declínio comercial reflete a economia dependente de
Uberaba, e altamente restrita à atividade pastoril e às grandes
propriedades de terra. A formação de uma elite agrária e comercial
72
tornava-se reflexo da produção do espaço. Esta atividade pastoril
praticada em alta escala foi a grande responsável pela origem do poder
dos grandes proprietários de terra na região. É importante ressaltamos
que os grandes proprietários de terra controlavam também o comércio,
conforme afirma Rezende (1983, p. 31):
Muitos fazendeiros possuíam casas de comércio no
município de Uberaba. O Coronel Elói Cassimiro de
Araújo e o Comendador João Quintino Teixeira e seu
irmão José Teixeira Alves de Oliveira, o primeiro,
chefe do partido liberal (1854) e o segundo chefe do
partido conservador, possuíram armazéns no Porto
da Ponte Alta.
Constata-se, assim, o controle do comércio pelos grandes
fazendeiros, que também se estendia ao universo político, em que os
mesmos assumiam a liderança dos partidos na cidade.
Todo este domínio da elite política e econômica resultou na
concentração de capital nas mãos dos comerciantes e fazendeiros
existentes, dificultando, por esse meio, o aparecimento de novas casas
comerciais na cidade.
2.3 O desenvolvimento comercial de Uberaba (1860 a 1910)
No ano de 1864, um fato internacional a Guerra da
Secessão estadunidense (1861-1865) interrompeu a produção e a
73
exportação do algodão dos Estados Unidos da América para as
indústrias têxteis na Europa.
Neste contexto, o Brasil surgiu como o grande fornecedor de
algodão; Uberaba destacou-se na produção deste produto, apesar de
estar distante dos portos de Santos e do Rio de Janeiro. Este comércio
proporcionou um pequeno aumento no fluxo comercial da cidade, que
se encontrava, então, em plena crise.
Porém, esta melhoria no comércio durou pouco tempo; outra
vez a deficiência da circulação dos produtos aqui produzidos para
outros mercados, prejudicaria o desenvolvimento de Uberaba. As
péssimas condições das estradas que ligavam Uberaba aos grandes
centros urbanos, elevavam o custo da produção.
Outro fato que abalou o comércio do algodão na cidade foi a
produção do mesmo nas cidades próximas aos portos de Santos e do
Rio de Janeiro, provocando a decadência do comércio de Uberaba,
levando-o a uma total apatia.
Contudo, outro acontecimento internacional interferiu no
desenvolvimento urbano-comercial de Uberaba a Guerra do Paraguai
(1865-1870), quando a cidade se transformou em ponto de passagem
das tropas, conforme afirma Rezende (1983, p. 61):
Mas em seguida veio a Guerra do Paraguai (1865-
1870) que foi a grande responsável pela
recuperação e intensificação do movimento urbano
que já se iniciara na década de 1850. Uberaba
transformou-se em ponto de passagem de tropas,
rumo ao Mato Grosso chegando a aquartelar no ano
de 1865, por 47 dias, o Corpo Expedicionário da
Laguna que se destinava a invadir o Paraguai
chegando pelo norte.
74
O reflexo da Guerra do Paraguai no desenvolvimento de
Uberaba foi evidenciado pelo bloqueio do comércio com Mato Grosso,
que estava sendo feito por meio da rota do rio Paraguai-Coxim; assim,
a cidade passou a canalizar toda rota comercial na trajetória da estrada
Uberaba-Vila Boa-Cuiabá.
Esta estrada canalizou todo o comércio e operações militares
que tinham por objetivo abastecer e defender a província de Mato
Grosso (REZENDE, 1983).
Esta situação geográfica estratégica de Uberaba mais uma
vez, no decorrer de sua história econômica, avolumou as relações
comerciais e refletiu na produção do espaço geográfico.
Neste mesmo contexto de prosperidade no comércio, surgiu
ainda outro acontecimento que intensificou as transações comerciais
locais: a chegada de várias famílias ricas que abandonaram as lavras
de diamante de Bagagem (cidade atualmente conhecida como Estrela
do Sul), pois o preço do diamante caíra significativamente, deixando
aquela atividade econômica de ser atraente.
Buscando um novo local para fixarem residência, tais famílias
encontraram em Uberaba uma praça ideal, aplicando no comércio local
os capitais acumulados na extração do diamante, ampliando, dessa
maneira, a atividade comercial com um todo.
No ano de 1874, a situação econômica de Uberaba refletia o
progresso no comércio, conforme afirma Pontes (1978, p. 93):
75
Em 1874, a situação desta praça era a mais
lisonjeira possível, com tendência à elevação. Havia,
além de muitos armazéns de sal e molhados, dez
casas de varejo e doze de atacados e varejo. O
tráfego das mercadorias em trânsito pelas estradas
do município elevou-se a 3.206.521 quilogramas,
dos quais apenas 91.275 se destinavam a
localidades fora do mesmo. A exportação orçava
para 301.807 quilogramas.
O progresso no comércio uberabense reafirmou, mais uma
vez, sua posição de destaque na região, que atraiu instituições
financeiras como o Banco de Crédito Real de Minas Gerais (Rezende,
1983).
Estes bancos desenvolveram muito bem seu papel ao fazer
Uberaba ingressar definitivamente em uma nova ordem de pensar e
proceder economicamente o capitalismo industrial. A instalação de
fábricas na cidade transforma a produção do espaço, conforme
Rezende (1983, p. 78):
A partir de 1880, algumas fábricas foram fundadas
na cidade visando incentivar uma maior exportação
de produtos que naturalmente favorecia uma maior
permanência de capital na cidade. A fundação da
fábrica de chapéus em um velho engenho central
(propriedade do Barão da Ponte Alta) foram os
primeiros passos para uma diversificação
econômica, que só mais tarde, porém, justificaria.
Este progresso capitalista na cidade atraiu mais investimento
do capital que, naquele período desenvolvimentista, em nível mundial,
era representado pelos meios de transporte (em especial as ferrovias,
responsáveis pelo impulso do comércio mundial).
76
As ferrovias representavam o moderno e a possibilidade de
crescimento econômico, como afirma Guimarães (1990, p. 39):
Já nas regiões marginais das economias periféricas,
a ferrovia era apenas a possibilidade do intercâmbio
comercial com os principais mercados consumidores
e produtores do país. Representava o advento do
moderno, que rompia as barreiras geográficas e
possibilitava incorporação extensiva do mercado
onde a ferrovia tocava seus braços, aumentava a
renda da terra e expandia as relações comerciais.
A primeira ferrovia que cortou o Triângulo Mineiro foi a
Companhia Mogiana de Estrada de Ferro, com sede no Estado de São
Paulo, prolongando seus trilhos até Uberaba, tendo como marco de
fundação o dia 23 de abril de 1889.
Com a chegada da ferrovia, consolidou-se a hegemonia
uberabense no comércio, resvalada na abertura de caminhos
econômicos e modernos.
O fomento do núcleo urbano foi considerável, conforme
explica Pontes (1978); esse autor afirma que a cidade, em 1886,
possuía cerca de 986 prédios urbanos; com o passar de quatro anos
podia-se contar em torno de 1500 construções.
Por conseguinte, no contexto econômico e da produção do
espaço, a ferrovia teve um papel imprescindível na circulação do
capital, mostrando a força do modelo capitalista, a percepção evidente
nos dizeres de Guimarães (1990, p. 44):
77
A ferrovia em Uberaba representou o coroamento de
esforços anteriores para fazer desta cidade um elo
de ligação entre o sertão da produção extensiva e o
litoral do assalariamento capitalista.
A cidade de Uberaba sobreviveu a diversas fases
envolvendo a pujança econômica ou declínio de suas atividades
basicamente pastoris.
E a força política da cidade? Como atuou neste processo?
Será que os políticos uberabenses participaram de todo o processo?
Ou foram barreiras que procuram atravancar o desenvolvimento para
que, assim, fosse reconstruída sua hegemonia situacionista?
2.4 A concepção de hegemonia de uma elite dominante
A análise do desenvolvimento econômico da cidade de
Uberaba, como afirmado anteriormente, está diretamente ligada a sua
situação geoestratégica na região do Triangulo Mineiro.
Por outro lado, as forças políticas também estão
intrinsecamente relacionadas em todo o processo de desenvolvimento
econômico, confirmando o seu papel na configuração de um espaço
urbano diferenciado na região.
Inicialmente, predominou, em Uberaba, uma elite agrário-
comercial, pois os grandes comerciantes também eram proprietários de
78
terra, haja vista uma mudança radical na produção do espaço, marcada
pela introdução do gado zebu na cena econômica do município, o que
reorientou os interesses das elites (cf. próximo capítulo).
Contudo, o que caracteriza uma elite? Será somente seu
âmbito econômico? E o político? Ou será que ambos aspectos o
econômico e o político - compõem os mesmos interesses e, dessa
maneira, constituem ou representam uma única elite?
É importante ressaltarmos que, na presente dissertação, não
se quer classificar a elite uberabense e, sim, entendê-la em sua
diversidade e compreender como agem seus sujeitos sociais na
produção do espaço geográfico, e o processo de reconstrução que
utilizam para manter a hegemonia.
Ao consultarmos um dicionário de política (BOBBIO, 1996, p.
385), encontramos os seguintes sentidos para o termo elite:
Por teoria das elites ou elitista, de onde também o
nome de elitismo, se entende a teoria segundo a
qual, em toda a sociedade, existe, sempre e apenas,
uma minoria que, por várias formas, é detentora do
poder, em contraposição a uma minoria que dele
está privada. Uma vez que entre todas as formas de
poder (entre aquelas que socialmente ou
estrategicamente, são mais importantes estão o
poder econômico, o poder ideológico e o poder
político), a teoria das elites nasceu e se
desenvolveu por uma especial relação com o estudo
das Elites Políticas, ela pode ser redefinida com a
teoria segundo a qual, em cada sociedade, o poder
político pertence sempre a um restrito círculo de
pessoas: o poder de tomar e de impor decisões
válidas para todos os membros do grupo, mesmo que
tenha de recorrer a força, em última instância.
79
Esta definição de Bobbio evidencia a existência de uma
pequena minoria que detém o poder engessado no fazer político-
econômico, passando a comandar e a impor todas as decisões para o
restante do grupo.
Outros teóricos que analisam a atuação das elites no espaço
as definem de forma mais generalizada, como Keller (1967, p. 13):
A existência e permanência de minorias influentes
constituem uma das características invariáveis da
vida social organizada. Pequena ou grande, rica ou
pobre, simples ou complexa, uma comunidade tem
sempre alguns de seus membros situados em
posições de grande importância, poder ou destaque.
A autora afirma que uma minoria sempre se destaca nas
camadas sociais, sejam estas ricas ou pobres, simples e complexas,
sempre ocorre o destaque de indivíduos que comandam determinados
grupos e que se utilizam do poder para tomar decisões e decidirem o
destino da maioria que constitui a sociedade.
O teórico clássico mosca (1975, p. 307), em sua obra História
da Doutrina Política, afirma a existência de uma classe político-
dirigente, que outro renomado pensador Vilfredo Pareto (apud op.
cit)denominou de elite nos seguintes termos:
O novo método dos estudos das Ciências Políticas
tende justamente a concentrar a atenção dos
pensadores sobre a formação e o organização da
classe dirigente a que chamamos geralmente na
Itália classe política dirigente (classe política). Esta
expressão começa a expandir-se igualmente nos
escritores estrangeiros, ao mesmo tempo em que a
de elite, empregada por Pareto.
80
Mosca afirma que, em qualquer país, ao atingir um grau
mínimo cultura organizada, a classe dirigente justifica seu poder em
determinados períodos, haja vista a relevância da harmonia política
com o grau de maturidade moral e intelectual do povo na conjuntura na
qual é aplicada (MOSCA, 1975).
Nesta perspectiva de análise, o autor acima reflete a
necessidade de uma reconstrução da hegemonia por parte da classe
política dominante, visando-se a manutenção do poder.
Podemos constatar esta análise em Mosca (1975, p. 308):
Desta forma, quando uma fórmula política acha-se
de qualquer maneira ultrapassada, quando a fé nos
princípios sobre os quais ela se apóia tornar-se
fraca, esta aí o sinal que indica a iminência de
sérias transformações na classe política dirigente. A
grande Revolução Francesa ocorreu quando a
imensa maioria dos franceses cessou de acreditar
no direito divino dos reis; a Revolução Russa
eclodiu quando a quase totalidade dos intelectuais e
talvez também a maioria dos operários e dos
camponeses russos cessaram de acreditar que o
Czar havia recebido de Deus a missão de governar
a Santa Rússia.
A reconstrução hegemônica para a perspectiva do poder de
uma classe dirigente, em especifico a classe política, é imprescindível
para sua permanência enquanto classe dominante. Os sujeitos sociais
atuam de maneira que suas práticas transmitem uma luta de forças
revigoradas por ações que reafirmam o poder de uma minoria que
delibera o modo de vida da maioria.
81
A leitura de uma obra de Raymond Williams, intitulada
Marxismo e Literatura, foi imprescindível para entendermos as
especificidades da ação hegemônica em determinados espaços,
suprimindo definitivamente o conceito de hegemonia como
simplesmente a relação de opressão de uma classe em detrimento do
interesse de outra.
Para Williams (1979, p. 111), a hegemonia ultrapassa dois
poderosos conceitos:
A hegemonia é um conceito que inclui
imediatamente, e ultrapassa, dois poderosos
conceitos anteriores; o de cultura como todo um
processo social, no qual os homens definem e
modelam todas as suas vidas, e o de ideologia em
qualquer de seus sentidos marxistas, no qual um
sistema de significados de valores é a expressão ou
projeção de um determinado interesse de classes.
A cultura, em Williams, é modo de vida, ou seja, um processo
social no qual o homem constrói e reconstrói suas experiências na
relação dinâmica entre os diferentes. A ideologia é analisada como um
sistema articulador de valores, considerando-se, aí, o seu conceito
abstrato.
A hegemonia não é simplesmente a relação entre
domínio/subordinação; ela é todo o contexto das relações vividas com
seus significados, como afirma Williams (1979, p. 113):
A hegemonia é então não apenas a nível articulado
superior de ideologia, nem são as suas formas de
controle apenas as vistas habitualmente como
manipulação ou doutrinação. É todo um conjunto
82
de práticas e expectativas sobre a totalidade da
vida: nossos sentidos e distribuição de energia,
nossa percepção de nós mesmos o nosso mundo. É
um sistema vivido de significados e valores
constitutivo e constituidor que, ao serem
experimentados como práticas, parecem confirmar-
se reciprocamente.
Nesta perspectiva, a hegemonia torna-se um processo
complexo no qual predominam a dominação e a resistência, em
detrimento da subordinação. Todas as ações estão voltadas pela
recriação de práticas que determinam uma cultura, vivida em
determinadas classes.
A hegemonia, segundo Williams, não pode ser vista como um
processo de manipulação ou doutrinação; ela ultrapassa esses termos,
utilizando-se de práticas que reafirmam significados diários e que,
conseqüentemente agregam valores que se afirmam na sociedade. Esta
concepção de hegemonia redimensiona totalmente nossa visão no
decorrer da pesquisa.
No início, pensávamos a hegemonia de forma estática,
imposta, pronta e acabada. Procuramos esta concepção nas ações das
elites uberabenses, acreditando estar tudo pronto, esperando apenas
para ser identificado.
Após analisarmos Williams (1979), no primeiro momento toda
concepção de reconstrução de poder foi desconstruída pelo autor. Este
momento foi importante para nossa trajetória de pesquisadora;
refletimos o que realmente pretendíamos ao analisar, isto é,
pesquisarmos o papel das elites no Município de Uberaba.
83
Assim, repensamos todo o caminho teórico e concluímos que a
pesquisa não se resumiria à simples identificação das conseqüências
da atuação das elites nos contextos político e econômico. Era preciso
caminhar para além desta perspectiva, identificando os valores que
estas elites professavam e que deram unicidade às suas práticas e
experiências.
A hegemonia das elites uberabenses passou a ser analisada
com um conjunto de experiências mutáveis, conforme afirma Williams
(1979, p. 115):
Uma hegemonia vivida é sempre um processo. Não
é, exceto analiticamente, um sistema ou uma
estrutura. É um complexo realizado de experiências,
relações e atividades, com pressões e limites
específicos e mutáveis. Isto é, na prática a
hegemonia não pode nunca ser singular. Suas
estruturas internas são altamente complexas, e
podem ser vistas em qualquer análise concreta.
Além do mais (isso é crucial, lembrando-nos o vigor
necessário do conceito), não existe apenas
passivamente como forma de dominação. Tem de ser
renovada continuamente, recriada, defendida e
modificada. [...] Também sofre uma resistência
continuada, limitada, alterada, desafiada por
pressões que não são as suas próprias pressões.
Nesta discussão, relacionam-se poder, elite e hegemonia, que
possuem uma complexidade, na qual estão apontadas divergências
entre os grandes pensadores da Teoria das Elites.
Pareto (apud GURVITCH, 1982) definiuelite de forma mais
geral, com análise estatística, deliberando um índice que representa o
sinal de sua capacidade, ou seja, atribuiu notas para cada indivíduo.
84
As que obtiveram as maiores notas, foram reunidas em uma categoria
denominada elite
18
.
Por outro lado, Mills (1968), no trabalho A Elite do Poder,
discorda de Pareto (apud, GURVITCH, 1982), ao afirmar que a elite não
é formada somente pelos que têm as melhores notas, mas pelos de
ocupam posições de destaque na sociedade, que é essencial para a
manutenção do poder e da riqueza.
Segundo Mills (1968, p. 20), a elite é:
A elite segundo esse conceito se considera, e é
considerada pelos outros, como o círculo íntimo das
classes sociais superiores. Forma uma entidade
social e psicológica mais ou menos compacta; seus
componentes tornaram-se membros conscientes de
uma classe social. As pessoas são ou não aceitas
nessa classe, havendo uma divisão qualitativa, e não
simplesmente uma escala numérica, separando os
que são a elite dos que não é. Tem certa
consciência de si como uma classe social e se
comportam, uns para com os outros de modo diverso
daquele que adotam para com os membros de outras
classes. Aceitam-se, compreendem-se, casam entre
si, e procuram trabalhar e pensar, se não juntos,
pelo menos de forma semelhante.
Constata-se que pertencer às elites significa estabelecer uma
rede de pessoalidade que estabelece procedimentos que devem ser
seguidos de modo que sejam diferenciadas classes de indivíduos
distintos.
O nosso objeto de pesquisa remonta à atuação das elites na
produção do espaço geográfico da cidade de Uberaba, haja vista a
18
Apud Bottomore (1974, p. 8).
85
complexidade de entendermos a dinâmica destas elites e os meios com
que ela se reconstrói na sua totalidade.
Torna-se, assim, imprescindível analisarmos o contexto
político da sociedade uberabense e a atuação de uma elite que, no
decorrer de sua trajetória, contemporizou ações no âmbito político, que
afetaram diretamente o desenvolvimento da cidade de Uberaba.
Analisaremos, a seguir, este processo de formação da elite
política uberabense
2.5 A força política uberabense ou... uma elite situacionista?
Na cidade de Uberaba, até o ano de 1848, a sociedade não se
preocupava com a política, nem com o progresso econômico do
município (PONTES, 1978).
Os liberais se mantiveram no poder até no ano de 1848; em
seguida, os conservadores assumiram o poder no município,
permanecendo até 1861. Foi um período de muita politicagem e de
perseguições envolvendo os conservadores e liberais.
No ano de 1858, um delegado de polícia, que era do Partido
Conservador, o Senhor João Teixeira, mandou prender um comerciante
que pertencia ao Partido Liberal, simplesmente pelo fato de o mesmo
não ter tirado o chapéu na presença do delegado.
86
Conforme relata Pontes (1978, p. 105):
De algemas nos pulsos e corrente no pescoço, o
infeliz negociante caminhou, a pé, as 104 léguas
desta cidade à metrópole de Minas. Mas o Tenente
Coronel Antônio Borges Sampaio, líder liberal de
Uberaba, pondo-se, imediatamente, a a caminho de
Ouro Preto e da Corte, falou ao imperador, de quem
tudo conseguiu, trazendo, de regresso o recruta e a
demissão de todas as autoridades, inclusive a do
delegado João Teixeira.
A rivalidade política entre os liberais e os conservadores é
evidenciada na falta de respeito e no abuso de autoridade de quem
estava no poder. O Tenente-Coronel Antônio Borges Sampaio marcou
de maneira significativa sua passagem pela política local, tanto que,
em pleno século XXI, seu nome e atuação são reverenciados. Não
discordamos de sua atuação e importância com contexto político da
cidade de Uberaba, mas o objetivo primordial de nossa pesquisa é
fazer uma leitura crítica dos personagens ilustres e pragmáticos da
política uberabense. É imprescindível deixarmos claro que o Tenente-
Coronel Borges Sampaio tinha fraca atuação na política, porém
elaborava planos nos bastidores, evitando, com isso, a ocupação do
front de batalha, ou seja, estava sempre à frente das decisões, sempre
por trás de seu cunhado, o Barão da Ponte Alta e do Coronel Antônio
Elói Cassimiro de Araújo, como expõe Pontes (1978, p. 105):
O tenente Coronel Antônio Borges Sampaio,
liberal, desde muito pela sua atuação na política de
Uberaba, vinha se constituindo o alvo das iras
adversárias. Ele fazia tudo quanto desejava sem que
o seu nome aparecesse, servindo-se, para tanto, do
Coronel Antônio Eloi Cassimiro de Araújo, e o Barão
87
da Ponte Alta, seu cunhado e pessoa da mais alta
distinção, moral e política. Por isso; os adversários
do Tenente Coronel Sampaio o acharam parecido
com certo felino brasileiro a jaguatirica que fere
com as unhas sem a mostrar.
No decorrer da pesquisa, nos deparamos várias vezes com
fatos e relatos da atuação do Tenente Coronel Borges Sampaio, no
contexto político de Uberaba, narrados até com certa empolgação pelos
memorialistas, aproximando-se, em alguns momentos, da idolatria e da
devoção impensada.
A disputa política na cidade tornou-se tão intensa que, no dia
03 de agosto de 1863, o Partido Progressista, apoiado pelo Partido
Liberal, buscava alcançar o poder local vencendo as eleições.
Os liberais que estavam no poder fariam qualquer coisa para
garantir a vitória do Partido Liberal e Progressista. Para garantir o
resultado positivo, medidas extremas foram tomadas pelo Coronel
Antônio Elói Cassimiro de Araújo; obedecendo às ordens do governo
liberal, processou quatro Juízes de Paz, que compunham a presidência
da mesa eleitoral. Como não havia nenhuma irregularidade, os liberais
mandaram inventar e as autoridades do judiciário foram colocados na
cadeia, como afirma Pontes (1978).
Outras medidas violentas foram tomadas pelo Partido Liberal
para a manutenção do poder, dentre elas Pontes (1978, p. 106)
destaca:
Cercou a igreja matriz com o destacamento de 30 e
tantos praças e mais 200 homens armados de
88
trabucos, bacamartes e clavinotes, e depois de
transformada a matriz em inexpugnável baluarte,
lançou em todas as violências imagináveis para
afastar as urnas do Partido Conservador que tinha a
maioria superior a 600 eleitores.
Neste processo eleitoral, não foram os liberais que venceram
e, sim, o bacamarte do governo, de forma violenta, com pessoas
armadas presentes na porta da Igreja Matriz, apoiando as perseguições
e prisões violentas dos que pertenciam ao Partido Conservador.
Nessa conjuntura política, não podemos esquecer que um dos
líderes do partido Liberal era o Tenente-Coronel Borges Sampaio, que
nada fez para conter a violência contra os membros do Partido
Conservador, visto que, na verdade, ambos desejavam o poder ou
manutenção do mesmo e seus privilégios.
A disputa entre liberais e conservadores prolongou-se até a
Proclamação da República em 1889, quando a elite política reconstruiu
sua hegemonia, manifestando o mesmo objetivo quanto à manutenção
da hegemonia na política local.
Os políticos locais utilizaram-se diferentes formas para se
perpetuarem de forma situacionista no período do Segundo Império,
procurando satisfazer o interesse de uma minoria, em detrimento do
desenvolvimento da cidade de Uberaba.
No próximo capítulo, discutiremos a consolidação de uma nova
elite com a mudança da atividade comercial, para a criação do gado
89
zebu, bem como a formação de uma elite, que reconstruiu suas forças
hegemônicas por meio de seus sujeitos sociais, na produção do espaço
urbano do Município de Uberaba.
90
CAPÍTULO 03
A CONSOLIDAÇÃO DE UMA NOVA ELITE UBERABENSE E
SUA ATUAÇÃO NO CENÁRIO POLÍTICO E ECONÔMICO
(1910-1960)
A chegada da ferrovia em Uberaba representou a ligação do
sertão da produção extensiva de gado e o litoral da produção
capitalista.
O desenvolvimento comercial no município de Uberaba e a sua
consolidação como entreposto comercial estão evidenciados nos dados
apresentados no QUADRO 02. Os dados desse quadro salientam a
hegemonia comercial uberabense no início do século XX na região do
Triângulo Mineiro, isto é, sua liderança econômica.
Por outro lado, no ano de 1897, os trilhos da Companhia
Mogiana de Estrada de Ferro se prolongaram até a cidade de Araguari,
desestabilizando Uberaba da situação de entreposto comercial para o
sudeste de Goiás e outras regiões.
Assim, ao analisarmos o quadro acima, fica claro o
crescimento comercial da cidade de Araguari, transformada em ponto
91
final da estrada de ferro, que levava consigo todo o aparato capitalista
para o sertão.
MUNICÍPIOS
NÚMERO
ESTABELECIMENTOS
VENDAS ANUAIS
(RÉIS)
ARAGUARI 23 1.260:000$000
ARAXÁ 50 500:000$000
MONTE ALEGRE 28 326:500$000
MONTE CARMELO 36 443:000$000
PATROCÍNIO 63 389:000$000
SACRAMENTO 87 1.304:000$000
UBERABA 88 5.198:000$000
UBERABINHA 11 672:000$000
QUADRO 02 Estatística sobre o comércio no Triângulo Mineiro (1904
1905).
FONTE: JACOB, apud GUIMARÃES, 1990, p. 45.
Após esse período, constatamos a retração da atividade
comercial na cidade de Uberaba, principalmente quando encontramos
informações que demonstram uma considerável diminuição dos
profissionais ligados ao comércio; em contra-partida, percebemos uma
ascensão provocada pela demanda de profissões que estão atreladas à
atividade pastoril, conforme demonstra o QUADRO 03.
92
OCORRÊNCIAS POR ANO
PROFISSÕES/ATIVIDADES
ECONÔMICAS
1895 1897 1901 1903 1905 1906
ADVOGADOS 9 7 5 9 7 6
ENGENHORES CIVIS 5 1 2 6 3 2
SELEIROS 3 4 5 8 5 9
BILHARES 2 1 3 3 2 3
AÇOUGUEIROS 4 16 7 7 8 18
JOALHEIROS 2 2 2 2 2 2
AGRIMENSORES - - - - 3 4
FERREIROS 6 10 7 11 15 23
GUARDA-LIVROS 10 10 3 3 6 6
ALFAIATES 7 7 10 8 9 8
CONSTRUTORES 6 6 5 6 2 2
FÁBRICA DE CERVEJA 3 4 3 4 5 5
FABRICA DE MACARRÃO - 3 1 2 2 2
FABRICA DE
BARRIGUEIRAS
- - - - 1 -
FÁBRICA DE CIGARROS 1 1 1 2 1 2
FÁBRICA DE TECIDOS 1 1 1 1 1 1
FÁBRICA DE CARROÇAS 1 1 1 - 1 -
FÁBRICA DE VINHO 1 1 1 - 1 -
FÁBRICA DE MANTEIGA - 2 2 3 2 -
FÁBRICA DE CANGALHAS - - - - 1 -
CAPITALISTAS 10 7 8 7 6 3
CIA. DE SEGUROS - - - - - 3
Continua
93
Continuação
PASTOS DE ALUGUÉIS - 3 6 8 - 9
MÉDICOS 7 6 5 6 8 6
RESTAURANTES 3 4 4 4 - 4
BOIADEIROS 6 11 17 18 22 15
QUADRO 03 Ascensão da atividade pastoril nos primeiros anos do século
XX.
FONTE: Correio Católico (1897); Almanaque 1895-1901-1903-1905-1906,
apud REZENDE, 1983, p. 87.
Porém, como afirma Pontes (1978, p. 95-96), as grandes
transações continuaram para o resto do Triângulo Mineiro, Sul do Mato
Grosso e mesmo com Goiás por intermédio de mascastes ou
boiadeiros.
E, para acirrar mais ainda a crise econômica pela qual o
município passava, a Câmara Municipal de Uberaba criou um imposto
sobre o comércio realizado pelos mascates (REZENDE, 1983).
Diante deste cenário de crise econômica, os latifundiários
criaram o Club da Lavoura e Commercio, em 23/01/1899 que tinha por
objetivo promover a união dos grandes fazendeiros, para defender seus
interesses abalados pela crise que assolava o município. Este clube
transformou-se, posteriormente, no Jornal Lavoura e Commercio em
06/07/1899.
Conforme afirma Rezende (1983, p. 88):
Com este objetivo foi criado o Jornal Lavoura e Comércio
- que defendeu os interesses dos fazendeiros e
comerciantes. A fundação do Club da Lavoura e Comércio
e do próprio Jornal com o mesmo nome evidenciam
94
naturalmente, a importância que o comércio e a
agricultura desempenhavam na economia uberabense.
Torna-se claro o desejo de manutenção do poder pelos
proprietários de terra e, principalmente, a união entre eles para, juntos,
defenderem seus interesses.
É importante ressaltarmos que, além da defesa dos seus
interesses, os grandes fazendeiros uniram-se também para questionar
o governo de Minas Gerais, representado pelo Senhor Silviano
Brandão, que pretendia criar o imposto territorial, que seria 3% do valor
da terra.
Tal medida gerou um descontentamento entre os proprietários
de terra, sendo este o verdadeiro motivo da união entre os fazendeiros,
ou seja, a defesa dos seus interesses e, em momento algum,
preocuparam-se com a terrível crise econômica pela qual atravessava o
município.
Por outro lado, existia um grupo liderado pelo Doutor Militino
Pinto de Carvalho, que era contrário ao objetivo do Club da Lavoura e
Commercio, provocando uma disputa entre os jornais do município.
O Jornal Gazeta de Uberaba (dos governantes) liderou uma
campanha contra o Jornal Lavoura e Comércio (dos fazendeiros).
Esta conjuntura política em nada beneficiava o município, pois
dividiu os políticos locais; isso é claramente percebido nos dizeres de
Pontes (1978, p.141):
95
Efetivamente, os mesmos elementos políticos, que, em
1897 entraram em divergência na organização da Câmara
que ainda não terminara o seu mandato, enviaram o seu
96
O diretor da Escola Normal, o Dr. Militino Pinto de Carvalho,
informou que havia perdido as chaves. Neste contexto, torna-se clara a
manipulação do processo eleitoral, conforme afirma Pontes (1978, p.
142):
Antes que a votação terminasse, caiu sobre a cidade uma
forte chuva, obrigando os mesários e votantes a se
recolherem, apressadamente, à casa do Coronel Otaviano
Martins Borges, vizinho mais próximo das mesas e onde
se concluíram os trabalhos das três seções, ao relento. A
vitória sorriu aos lavouristas.
O Partido da Lavoura aumentou ainda mais seu poder de
atuação no cenário político uberabense, fortalecendo-se para as
eleições de 1º de novembro de 1900, na qual foram inauguradas as
seções rurais, as chamadas seções das roças.
Estas seções eleitorais rurais localizavam-se nas grandes
fazendas, sendo que as mesas receptoras dos votos eram colocadas
em um cômodo (quarto) da sede do imóvel rural. Dessa maneira, só
entrava para votar quem o fazendeiro permitisse, e desde que fosse
seu correligionário político.
Os opositores políticos dos grandes fazendeiros não entravam
na casa para votar; assim, vencia o pleito o candidato que
representava os grandes proprietários de terra.
Desta forma, podemos perceber o poder político local sendo
manipulado pelos fazendeiros, por meio do Partido da Lavoura. Fica
claro que, em nenhum momento, os mesmos se preocupavam com o
97
desenvolvimento de Uberaba; antes buscavam reconstruir a hegemonia
de uma elite política.
A política era utilizada como instrumento de poder para
fortalecer os grandes fazendeiros no embate com o Governo de Minas
que, em represália às derrotas e ao crescimento do Partido Lavourista,
suprimiu várias instituições importantes para o município de Uberaba.
Durante este período, por ordem do Governo de Minas,
Uberaba teve suprimido o Instituto Zootécnico, ao passo que a Escola
Normal foi transferida da cidade que, em contra-partida sediou um
Batalhão da Polícia (REZENDE, 1983, p. 88).
Tais atitudes são reflexos de uma política que não previu o
desenvolvimento do município; ao invés disso, procurou apenas
reconstruir o poder hegemônico de uma elite política sem levar em
consideração as necessidades do município, como afirmamos diversas
vezes, demonstrando, ainda, nenhum respeito pelo povo que,
teoricamente, deveria receber de forma positiva as conseqüências do
ato de se fazer política, ou seja: qual o sentido de se fazer política que
não seja como instrumento de poder de uma minoria?
Os dizeres de Arendt (2002, p. 38) deixam evidente a essência
da política ao afirmar que
Para a pergunta sobre o sentido da política existe uma
resposta tão simples e tão concludente em si que se
poderia achar outras respostas dispensáveis por
completo. Tal resposta seria: o sentido da política é a
liberdade
98
Em contrapartida, esta liberdade descrita por Arendt (2002)
não fazia parte da realidade política uberabense refletida na produção
do espaço geográfico por meio do atraso econômico, mesmo sendo em
alguns momentos considerada a Princesa do Sertão.
Estas ações políticas de grupos que visam apenas ao
fortalecimento de uma minoria, por conseguinte, produziram
conseqüências desastrosas para o município, um marasmo econômico
que se aprofundou com o suceder dos anos, sobre os quais
construiremos, a seguir, uma análise específica.
3.1 O agravamento da crise econômica (e política) de Uberaba
No ano de 1910, o Governador de Minas Gerais provocou uma
grande indignação no comércio local ao criar um imposto sobre o
comércio de exportação; conseqüentemente, os comerciantes de Goiás
e Mato Grosso passaram a comercializar diretamente com São Paulo
(REZENDE, 1983).
Outro fato agravante, mencionado anteriormente, foi o desvio
da construção da Estrada de Ferro Noroeste, que deveria partir de
Uberaba rumo a Coxim; todavia, por questões políticas, o trajeto foi
mudado, conforme afirma Rezende (1983, p. 89):
99
O projeto inicial da futura Estrada de Ferro Noroeste;
deveria partir de Uberaba, rumo a Coxim. Os
compromisso políticos feitos pelo presidente Rodrigues
Alves, como o governo de Minas Gerais objetivando
apoiar Afonso Pena para seu sucessor desde que a
estrada de ferro, para o Mato Grosso partisse do Estado
de São Paulo.
Este acontecimento agravou mais ainda a crise econômica em
Uberaba, que detinha a hegemonia da intermediação comercial com o
Mato Grosso.
Por conseguinte, o município de Uberaba perdeu o domínio
comercial que exercia no Triângulo Mineiro. Mas, quanto a este fato,
temos algumas inquietações: como a elite política e econômica do
município se posicionou frente a esse acontecimento? E a sua força
representativa na Câmara dos Deputado, como agiu? Inquietações que
se adensam quando se reconhece que a mudança do trajeto da Estrada
de Ferro Noroeste foi um acordo Político.
E o partido governista liderado pelo Dr. Militino Pinto de
Carvalho, opositor do Partido da Lavoura? Que posturas teve em
defesa dos interesses econômicos do município de Uberaba naquele
momento?
A elite política apenas assistiu aos acontecimentos, não se
posicionando, preferindo se omitir. A população uberabense, mais uma
vez, assistiu e viveu o marasmo econômico do município
Os grandes fazendeiros e proprietários de terra, o que fizeram
em face de tal situação? Nada. O conformismo era geral, ou será que
ambos temiam o desenvolvimento comercial do município?
100
Por conseguinte, diante desse novo contexto, os coronéis,
aparentemente, perderam sua hegemonia política e econômica na
região.
Essas indagações são pertinentes; porém, somente após
analisarmos a mudança da atividade econômica em Uberaba, ou seja, a
pecuária concretizada na criação de Gado Zebu, transformando o
município em um grande centro da indústria pastoril, é que poderemos
tentar respondê-las.
3.2 A mudança da atividade econômica no município de Uberaba
Com o declínio da atividade comercial no município de
Uberaba e a perda da hegemonia de cidade pólo do comércio
triangulino, ocorreu uma estagnação econômica de conseqüências
devastadoras, tornando-se imprescindível a mudança da atividade
produtiva.
Nesta conjuntura econômica, a comercialização do gado zebu
transformou o município de Uberaba em um grande centro pecuarista
da região.
Analisaremos, a seguir, como ocorreu o processo de
introdução do zebu na economia uberabense e os reflexos na produção
do espaço, bem como as conseqüências para a sociedade, para a
ocupação urbana do município.
101
3.2.1 A introdução do Zebu no Triângulo Mineiro, via Uberaba
A introdução do zebu no Triângulo Mineiro é motivo de
discussão, pois produziu várias versões, em diferentes segmentos da
sociedade, ou seja, não há um consenso sobre o assunto.
No município de Uberaba, a introdução do Zebu também é
contada por intermédio de várias versões
19
. De acordo com a
apresentação da versão do Senhor Silvio Caetano Borges, para
analisarmos a construção do momento da introdução do zebu.
O Senhor Silvio Borges afirma que seu avô, o Coronel Antônio
Borges de Araújo, resolveu vender uma casa comercial no final do
século XIX, devido à forte crise comercial do município. Em seguida, o
Coronel Antônio Borges comprou uma fazenda e resolveu ir ao Rio de
Janeiro, no de 1889, comprar gado. Nesta viagem, adquiriu o famoso
touro Lontra, sendo este o primeiro zebu a chegar no município de
Uberaba.
O fato fundamental que pretendemos analisar vai além de
simples versões da introdução do zebu no município; interessa-nos, na
realidade, considerar o poder simbólico que o zebu exerceu em
Uberaba, o que se reflete até os dias correntes.
A citação da chegada do touro Lontra tem por objetivo mostrar
a força do zebu na sociedade uberabense, tanto que, no ano de 1949, o
19
Não detalharemos cada versão da introdução do zebu no Triângulo Mineiro e no município de
Uberaba, dado que estas versões já são abordadas na obra ABCZ: Histórias e Histórias”, de Lopes;
Rezende (Cf. REFERÊNCIAS).
102
pai do Senhor Silvio Caetano, o Senhor José Caetano Borges, ergueu
na Praça Dom Eduardo um monumento comemorando a data da
introdução do zebu no município de Uberaba.
A referida Praça Dom Eduardo fica localizada em frente ao
Colégio Marista Diocesano, que tinha em regime de internato os filhos
da elite; assim, tal homenagem buscou também anunciar aos
companheiros de sociedade a família pioneira, em um expresso
desejo de respeito e admiração por seu espírito empreendedor (Cf.
FIGURA 10).
O Senhor José Caetano Borges foi um dos pioneiros na
formação e seleção do gado Indubrasil, que chamava anteriormente
Induberaba. Confira, abaixo, a fotografia da FIGURA 11, com o Senhor
José Caetano e sua esposa, Cherubina Machado Borges.
Os grandes criadores de zebu, portanto, são representados
principalmente pelas famílias Borges e Machado.
Outro pioneiro na introdução do gado zebu no município de
Uberaba foi o Senhor Rodolfo Machado Borges, principalmente na
criação de Gir e Nelore. A fotografia da FIGURA 12 mostra uma
paisagem da sua Fazenda Laranjeiras.
103
FIGURA 10 Inauguração em 1939 do Monumento à introdução do zebu.
Erguido na Praça Dom Eduardo, em comemoração aos 50 anos da chegada
do touro zebu Lontra, em Uberaba.
FONTE: LOPEZ; REZENDE (2001, p. 28).
FIGURA 11 Senhor José Caetano e sua esposa Cherubina Machado
Borges
FONTE: LOPEZ; REZENDE (2001, p. 28).
104
FIGURA 12 Fazenda Laranjeiras que pertenceu a Rodolfo Machado
Borges, um dos pioneiros da seleção de Gir e Nelore no município de
Uberaba.
FONTE: LOPEZ; REZENDE (2001, p. 29).
O que caracterizava a comercialização do zebu era o
monopólio das importações, exercido pelas Casas do Rio de Janeiro.
Neste contexto, os uberabenses resolveram buscar o zebu diretamente
na Índia. Esse fato evidencia a força dos fazendeiros do município de
Uberaba e o alto investimento para fazer da criação de gado zebu a
principal atividade econômica da região e, concomitantemente,
refletindo-se na produção do espaço geográfico (Cf. o mapa da FIGURA
13).
105
FIGURA 13 - Mapa mundi com o roteiro das viagens de Teófilo de Godoy e
de João Martins Borges.
FONTE: LOPEZ; REZENDE (2001, p. 31).
O zebu, de fato, representou uma força econômica no
município de Uberaba, o que passamos a analisar.
Os coronéis uberabenses, dentre eles podemos citar José
Borges de Araújo e Antônio Fontoura Borges, comissionaram o Senhor
Teófilo de Godoy para buscar o zebu na Índia e, conseqüentemente,
enfraqueceram a exploração das Casas importadoras do Rio de
Janeiro.
O ciclo das importações caracteriza a fase da introdução do
zebu, conforme afirmam Lopes; Rezende (2001, p. 31): Entre 1904 e
106
1921 são importados diretamente da Índia cerca de 45 levas de gado
zebu, totalizando aproximadamente 5.500 cabeças.
A importação direta do zebu tornou-se rentável para os
grandes fazendeiros, a ponto de os mesmos abrirem uma firma
especializada na compra direta do gado zebu na Índia. Os proprietários
desta firma são coronéis que, mesmo com o declínio da atividade
comercial no município de Uberaba, reconstroem seu poder
hegemônico para efetivarem suas relações de poder no espaço e,
conseqüentemente, lucrarem com todo o processo econômico; porém,
desta vez, com a comercialização do zebu:
Organiza-se, então, em Uberaba, a firma Borges e
Irmãos (liderada pelo Cel. José C. Borges) que envia, à
Índia, Ângelo Costa, português radicado nesta cidade.
Ele retorna no mesmo, com 49 reprodutores de diversas
raças (guzerá, gir, killari e nelore). Entrega a maioria
das reses ao promotor da importação e vende as
restantes, a diversos criadores por preços altamente
compensadores (LOPES; REZENDE, 2001, p. 31):
A política também beneficiou os grandes fazendeiros criadores
do gado zebu. No governo de Minas Gerais, o então presidente João
Pinheiro concedeu incentivos para a criação e a comercialização dos
animais importados da Índia.
Os grandes fazendeiros criadores do gado zebu pressionavam
os deputados para votarem leis que privilegiassem as importações dos
referidos animais, como afirmam Lopes; Rezende(2001, p. 34):
107
Nos anos de 1910/12, aportaram no Brasil, e
especialmente no Triângulo Mineiro, várias levas
importadas sob o patrocínio do Ministério da Agricultura
(compostas por lotes de zebu totalizando cerca de 720
reses). Esta decisão é o resultado da pressão dos
criadores mineiros, sobre os deputados na Câmara,
exigindo a votação de leis que estabelecessem facilidades
e auxílios aos importadores. Um decreto federal (nr. 6454
de 18/04/1907), já havia regulamentado a importação de
animais de raça.
Mais uma vez, a elite agrária demonstra que, além de possuir
poder econômico, tinha também força política, sendo esta
imprescindível para a relação espaço/homem/poder, como afirma
Bobbio (2003, p. 138):
A relação política é uma das muitas formas de relação de
poder existentes entre os homens. Para caracterizá-la,
pode-se recorrer a três diferentes critérios: a função que
desempenha, os meios de que se serve e o fim que
persegue.
O autor acima deixa clara a relação da política e do poder
como fator determinante entre o homem e sua atuação no espaço em
diferentes escalas.
Outro autor que enfatiza a questão do espaço/poder é
Foucault (1979, p. 212), que relaciona a história dos espaços com a
própria história dos poderes:
Seria preciso fazer uma história dos es4(m)-90.913(“)-90.91323os que seria
ao mesmo tempo uma história dos p“ deres que
estudasse desde as grandes estratégias da geopolítica até
as pequenas táticas do habitat, arquitetura institucional,
108
o espaço era remetido à natureza ao doído, às
determinações primeiras, à geografia física, ou seja, a
um tipo de camada pré-histórica, ou era concebido como
local de residência ou de expansão de um povo, de uma
cultura de uma língua ou de um Estado.
A força política e econômica dos grandes fazendeiros
criadores do gado zebu consolidou-se mais ainda entre os anos de
1913 e 1921, anos-auge das importações (A foto da FIGURA 14 mostra
alguns desses exemplares).
Nesta conjuntura política e econômica, precisamos analisar,
ainda, o reflexo da comercialização do gado zebu na economia local.
Podemos observar que o Jornal Lavoura e Commercio, n. 2234 de
02/11/1919, em sua primeira página, não retrata de forma positiva os
grandes negócios provenientes do gado zebu no âmbito da economia
local.
O imposto recolhido pela criação de gado era inferior em
relação ao pago pela indústria, ou seja, a criação e a comercialização
do zebu beneficiavam uma minoria, visto que os impostos gerados com
o comércio do zebu eram quase simbólicos. Observamos isso por meio
de dados informados pelo Jornal Lavoura e Commercio citado acima:
imposto de criação de gado, 1.250$000, e imposto de Indústria e
Profissão: 15.000$000 (réis).
109
FIGURA 14 Vacada guzerá, importada da Índia no ano de 1920.
FONTE: LOPES; REZENDE (2001, p. 34).
3.3 O gado zebu provoca polêmica entre Minas Gerais e São
Paulo: a campanha contra o zebu
Na época da introdução do gado zebu em Uberaba, a pecuária
nacional sofria uma crise devida à impossibilidade do desenvolvimento
das raças européias nas regiões tropicais. Surgiram, então, duas
alternativas para a salvação da pecuária nacional, conforme afirmam
Lopes; Rezende (2001, p. 41):
Uma adepta da seleção do Caracu (derivado do Bos-
taurus) representada pelos criadores de São Paulo e
outra defensora da introdução do gado indiano (Bos
indicus), representada pelos criadores do Triângulo
Mineiro.
110
Torna-se clara a rivalidade dos pecuaristas dos estados de
Minas Gerais e São Paulo, principalmente depois que o Governo de
Minas aprovou, no 1º Congresso Agrícola, Industrial e Comercial
(1903), a preferência pelo gado zebu, acirrando a polêmica entre
ambos os estados.
A campanha contra o zebu era liderada pelo famoso Dr. Luis
Pereira Barreto, que atacava diretamente o gado de origem indiana,
conforme retrata Mendonça (1974, p. 152):
Dizia que o zebu não possui valor econômico, pois sua
carne é dura, não é gado leiteiro (sua produção de leite
é inferior à das raças européias), e é um animal rude e
selvagem. Além disso, tem carne almiscarada.
Os fazendeiros e criadores do zebu sofreram os impactos
desta campanha; o gado passou a não ser aceito nas exposições,
elevando-se os custos para a aquisição e a manutenção dos animais.
Contudo, os coronéis uberabenses não deixaram a campanha
contra o zebu se prolongar demasiadamente, a ponto de o Coronel
Antonio Borges de Araújo abater uma novilha de raça em plena Praça
da Matriz de Uberaba (atual Praça Rui Barbosa), com a finalidade de
provar para a população que a carne bovina da raça zebu não era
almiscarada ou fétida, como propagavam certos boatos.
Nesta disputa de Minas Gerais com São Paulo, venceram os
coronéis criadores do gado zebu, que continuaram com a importação
do gado da Índia e sua comercialização para o restante do Brasil.
111
É notória a força política e econômica que o zebu
representava, embora, conforme afirmamos e comprovamos por meio
do Jornal Lavoura e Comércio, a riqueza proveniente da
comercialização do gado não se refletia no município, ou seja, uma
minoria era privilegiada pela nova atividade econômica a criação e a
comercialização do zebu.
Selecionamos alguns proprietários e criadores de zebu que,
além do acúmulo de capitais, possuíam força política, como o Coronel
João Quintino Teixeira que citamos anteriormente (Cf. reportagens os
ANEXOS).
Em seguida, analisaremos a força econômica do zebu,
representada pela fazenda Ponte Alta, de propriedade do Coronel
Olympio Casimiro de Mendonça.
Ao lermos a reportagem sobre a Fazenda da Ponte Alta (Cf.
ANEXO 1), constatamos a importância do Zebu no município de
Uberaba, bem como o poder econômico dos criadores de zebu. É
notória a relevância que o Jornal Lavoura e Commercio concede ao
gado zebu, considerando-o como a força econômica não somente do
município, mas de todo o Estado de Minas Gerais (claramente um
exagero retórico).
112
FIGURA 15 Armazém da Fazenda Ponte Alta.
FONTE: Jornal Lavoura e Commercio (junho de 1919).
É evidente a postura do Jornal a favor de
a criação e comercialização do gado zebu, haja vista que, em
alguns trechos de seus editoriais e reportagens, a defesa do zebu
como uma das maiores fontes de renda do Estado. O foco tendencioso
do jornal é claro, quando afirma que:
Quem nunca viajou pelo Triângulo Mineiro difficilmente
poderá fazer uma idéia do desenvolvimento espantoso
que anima todas as suas forças de progresso.
Neste último decênio, a indústria pecuária deu-lhe um
impulso econômico de resultados tão rápidos e
satisfatórios, que nenhuma zona criadora do paiz se lhe
pode comparar em riqueza e prosperidade. Enquanto os
outros factores da economia nacional sofrem nos
113
dia a dia, attingindo a preços verdadeiramente
fantásticos, o que prova a evidência a superioridade
intrínseca da raça que adaptamos e defendemos sobre
qualquer outra espécie bovina adaptada no Brasil
(JORNAL LAVOURA E COMMERCIO ILUSTRADO n. 6,
6/6/1919).
No decorrer da reportagem, o Jornal deixa explícita a
importância dada aos coronéis criadores do gado zebu, e ainda traz em
evidência a riqueza acumulada pelos seus proprietários devido à
criação e à comercialização dos animais.
O Jornal Lavoura e Commercio, datado de 01/1919, continua
sua saga em defesa dos interesses dos criadores do gado zebu ao
trazer uma reportagem relatando o poder econômico do Coronel Alceu
de Miranda, proprietário da Fazenda da Glória. A seguir, podemos
analisar uma fotografia trazida pelo jornal, a qual reflete o poder do
proprietário na região e, ao mesmo tempo, destaca a força econômica
proveniente do gado zebu.
Ao lermos a reportagem mencionada, constatamos novamente
um engrandecimento por parte do Jornal Lavoura e Commercio,
expressa nos seguintes dizeres:
A fazenda da Glória, situada cerca de 11 léguas desta
cidade, pertencentente ao Sr: Alceu de Miranda, é,
incontestavelmente, uma das modelares e completas de
quantas há no município de Uberaba. Tivemos occasião
de visitá-la e a impressão que nos ficou de tudo que lá
vimos, difficilmente se apagará da nossa memória.
O edifício, admiravelmente construído sob o rigor dos
mais modernos princípios de hygiene e esthetica, com
amplas e ventiladas accomodações, é todo iluminado a
luz electrica, apresntando no seu conjuncto um aspecto
encantador.
114
Quem, pela primeira vez, visita a casa de residência do
Sr: Alceu de Miranda, na fazenda da Glória, sente a
impressionadora sensação de quem entra num desses
luxuosos e confortáveis palacetes das grandes cidades
(JORNAL LAVOURA E COMMERCIO ILUSTRADO, n. 01,
01/1919).
FIGURA 16 No alto: Príncipe, magnífico reprodutor Gujera, de 06 ano de
idade. Teve uma prole esplêndida, vendida anualmente por preços elevados.
Foi considerado como um dos animais de maior perfeição e valor do
município. Seus produtos eram disputadíssimos. Em baixo: um grupo de
finíssimas vacas de puro sangue das raças gujera e nelore.
FONTE: Jornal Lavoura e Commercio (n. 01, janeiro de 1919).
O trecho da reportagem acima deixa visível a postura do
jornal, que avança mais ainda ao trazer, em seqüência, o balancete de
compra e venda de gado do Sr. Coronel Alceu de Miranda, em 1918,
como observamos nas FIGURAS 17 e 18.
115
FIGURAS 17 e 18 - Balancetes da produção pecuária do Coronel Alceu de
Miranda.
FONTE: Jornal lavoura e Commercio Illustrado (n. 01, janeiro de 1919).
116
Ao analisarmos o balancete do Coronel Alceu de Miranda,
torna-se evidente o poder econômico refletido pela comercialização do
gado zebu, as transações de compra e venda dos animais, tendo como
conseqüência um acúmulo de capital representado pelos lucros obtidos,
mostrando, em paralelo, a força econômica do Coronel, refletida,
inclusive, no espaço de sua fazenda, que tem uma sede luxuosa. A
íntegra desta reportagem pode ser consultada no ANEXO 2.
Por conseguinte, torna-se imprescindível analisarmos o poder
econômico acumulado pelos grandes proprietários do zebu, o que o
Jornal Lavoura e Commercio retrata com uma certa fidelidade,
bajulando e reverenciando os coronéis uberabenses.
Primeiramente, é importante ressaltar que este Jornal teve sua
origem na união dos fazendeiros, ou seja, possui na sua essência
características tendenciosas, expressas nas reportagens acima
destacadas, mas que refletem uma realidade da época.
O jornal editou uma revista, já referenciada como fonte,
intitulada JornaLaavoura e Commercio Ilustrada, que refletia a
riqueza e a prosperidade dos coronéis proprietários do gado zebu.
Em momento algum, encontramos uma análise crítica por
parte do Jorna Lavoura e Commercio (em especia da revista), da rea
situação econômica e po-84(L)ítica do município, aLum aspecto que
considerasse, por exemplo, os préstimos da população.
Já que o acúmulo de capita decorrente da compra e venda do
zebu é notório, devido à opulência dos grandes fazendeiros,
117
perguntamo-nos: onde estes homens aplicaram este capital? E o
desenvolvimento do município de Uberaba?
Constatamos o descaso com o espaço urbano do município
(Cf. Capítulo 1), no período enquadrado por esta pesquisa; sendo
assim, onde era empregado este capital? Será que os fazendeiros e os
coronéis apenas utilizavam o município de Uberaba para criar e
comercializar o gado, auferindo lucros espetaculares e, depois,
aplicavam o lucro obtido em outro lugar, nada realizando pela cidade?
Os fazendeiros, de fato, não se preocupavam com o
desenvolvimento econômico do município; importavam-se apenas com o
comércio do gado zebu, como confirma Pontes (1978, p. 98):
Pois antes, quando o preço do zebu era alto, nas
118
em outros municípios, ampliando e aprofundando o marasmo do
comércio local.
Análise idêntica pode-se apreender em Rezende (1983, p. 91):
Neste aspecto observou-se uma paralisação das atividades sócio-
econômicas urbanas que sempre marcaram a vida da sociedade.
A autora avança mais ainda na sua análise, ao afirmar que a
criação do gado zebu se refletiu de forma negativa na vida social, pois
houve um declínio na urbanização do município e um grande
empobrecimento na vida cultural uberabense (REZENDE, 1983).
Por conseguinte, podemos fazer uma outra análise,
observando uma realidade conflituosa, totalmente diferente à que foi
apresentada pelo Jornal Lavoura e Commercio.
Ao entrevistarmos o advogado Dr. Guido Bilharinho (em
06/02/2006), o mesmo analisa a questão do desenvolvimento
econômico do município de Uberaba, nos seguintes termos:
Os fazendeiros criadores do zebu só prosperando, e
dominando a política e prejudicando Uberaba nesse
ponto. Não pensavam na cidade... o negócio deles era
apenas o zebu. O mal deles, como classe dominante era
domínio na política... eles ganhavam e manipulavam
tudo... era um absurdo. Um dos melhores prefeitos foi
Leopoldino de Oliveira e tinha como vice o Geraldino
Rodrigues da Cunha, tudo o que o Leopoldino mandava
fazer para melhorar Uberaba, o Geraldino desmandava...
foi um período difícil para Uberaba.
A análise do Dr. Guido Bilharinho reflete uma outra situação
do município e a atuação dos criadores do zebu no contexto econômico
e político. Por outro lado, ao entrevistarmos uma uberabense ilustre, já
119
em seus 105 anos de idade, e que presenciou grandes acontecimentos
políticos e econômicos do município de Uberaba, a conhecidaDona
Fiuca (Ermínia Baptista Mendes), em uma entrevista no dia
14/01/2006, afirmou que:
O zebu minha filha, foi muito importante para Uberaba,
trouxe desenvolvimento, progresso para essa terra... os
fazendeiro dominavam a economia e a política, eram os
pacholas e os araras, hoje não existe isso mais. Tinha
grandes zebuzeiros, como os Borges, sem querê
vangloria, o meu marido era também um grande zebuzeiro,
era o Lamartine Mendes, chegou até a ganhar prêmio pelo
nosso boi Oceano, das mãos do Getúlio Vargas. Essa
terra ainda vai melhorar, falta um homem de fibra na
política minha filha.
Nesses depoimentos, notam-se alguns posicionamentos sobre
a relação capital/poder no contexto da economia zebuzeira no
município de Uberaba, notadamente o isolamento dessa elite em torno
dos seus interesses políticos.
3.4 O fortalecimento dos criadores do gado zebu: a união dos
fazendeiros e a criação do Herd Book Zebu (HBZ)
Os fazendeiros criadores do zebu, portanto, com o objetivo de
se fortalecerem economicamente, resolveram se organizar e criaram a
associação do Herd Book Zebu (HBZ), cuja proposta era registrar
genealogicamente o gado zebu do Estado de Minas Gerais, bem como
120
processar o aprimoramento da espécie zebu, assegurando a pureza da
raça.
Esta associação Herd Book Zebu reafirmou mais uma vez
as relações de poder existentes no nicho dos criadores do zebu, e foi
mais um instrumento organizado por eles com a finalidade de perpetuar
seu poder na produção do espaço geográfico e reconstruir uma
hegemonia em substituição à comercial, abalada pelos nos insucessos
comerciais da cidade. Sobre isso, Lopes; Rezende (2001, p. 54)
afirmam:
Para utilizar as vantagens conferidas pela associação do
HBZ, o criador teria que manter sempre em dia os livros
e registros particulares. À diretoria compete nomear os
inspetores e comissões de juízes, para inspecionar o
gado importado logo ao desembarcar e classificar os
diversos grupos de reprodutores expostos em concursos,
feiras, exposições ou submetidos ao registro. As
despesas relativas às comissões julgadoras. Também
ficam regulamentadas as formalidades de inscrição de
inscrição, registro e transferência de produtores puros,
importados ou nascidos no país.
O Herd Book Zebu passou por três fases distintas, que Lopes;
Rezende (2001) destacam; na primeira fase, o período compreendido
entre 1919 e 1924, notou-se a preocupação do HBZ com a organização
da propaganda e defesa do gado zebu, com o objetivo de o Brasil e
outros países conhecerem o potencial da espécie.
A segunda fase, de 1925 a 1929, foi caracterizada pelo
enfraquecimento do Herd Book Zebu devido à campanha contra o zebu,
liderada pelo Estado de São Paulo e conduzida pela pessoa do Dr. Luiz
Pereira Barreto (LOPES; REZENDE, 2001).
121
Já a última fase do Herd Book Zebu, compreende o período de
1929 a 1934, caracterizada pelas várias tentativas de se reorganizar o
quadro associativo e anexá-la à Sociedade Rural do Triângulo Mineiro;
porém, esta anexação só ocorreu a partir de 1934.
No decorrer da pesquisa de campo, conseguimos entrevistar o
filho de um criador de zebu, no dia 12/08/2005, que nos autorizou a
publicação de sua entrevista, desde que seu nome não fosse revelado,
pois ele continua com a criação de gado que herdou do pai (chama-lo-
emos de entrevistado A):
O meu pai tinha muito zebu, dava muito dinheiro, ele
vendia um boi apenas e dava para sustentar toda a
família e os gastos da fazenda. O meu pai sempre
quando nós íamos jantar na mesa ele dizia que o zebu
era negócio do futuro, mas que os fazendeiros
precisavam se juntar pra fica mais forte e mais rico... foi
quando ele falou nessa associação de criado de zebu,
esse Herd Book, ele falava que era preciso todos pensa
também no futuro. Eu lembro que ele participou de muita
reunião com outros fazendeiros.
Estas, dentre outras ações, consolidaram o período áureo da
economia zebuzeira no município de Uberaba.
3.5 O apogeu da comercialização do gado zebu (1935 a 1945)
Após a fundação da Sociedade Rural do Triângulo Mineiro
(SRTM), ocorreu o período de apogeu da comercialização do gado
122
zebu. O comércio do gado tornou-se cada dia mais lucrativo,
provocando um acúmulo considerável de capitais nas fazendas dos
criadores.
A rentabilidade promovida pela comercialização do gado zebu
tornava-se evidente, porém sabiam que a qualquer momento os preços
voltariam à realidade, como pode ser percebido na afirmação de Lopes;
Rezende (2001, p. 97):
Pagavam-se preços elevados por determinado animal,
com certeza de que num futuro próximo, os grandes
lucros facilmente compensariam as despesas iniciais.
Muitos, entretanto, admiravam-se dos altos preços
alcançados pelo zebu. Para os zebuzeiros esta
admiração simplesmente significa desconhecimento do
mercado.
A lucratividade proveniente da comercialização do gado zebu
é notória nesse período e, concomitantemente, a acumulação de capital
no município, é um fato. Porém, é necessário saber se os criadores do
zebu reinvestiam no próprio município o lucro apurado.
Um antigo criador de gado zebu, hoje com 82 anos de idade, e
que possui uma grande propriedade e continua a comercializar o gado
zebu, em entrevista, em sua residência (10/11/2005), nos autorizou a
publicação de seu depoimento, desde que seu nome não fosse
revelado, por ser muito conhecido na cidade e permanecer zebuzeiro;
(chama-lo-emos entrevistado B):
O zebu era uma febre, todo mundo queria comprar, eu
comecei com poucas cabeças e depois os pasto da
minha fazenda ficaram pintadinho de zebu, logo
123
enriqueci, construí uma casa boa na fazenda e depois na
cidade. Os meus fio iam estudá na cidade, pois nois
podia paga escola boa, as menina ia para o colégio das
frera, o nossa senhora das dor, e os menino para o
colégio dos padre, o diocesano. Nas férias eles vinha de
trem para a fazenda.
Os criadores não reinvestiam o lucro obtido com a
comercialização do zebu no município de Uberaba. Para isso, basta
lembrar que se beneficiavam de uma política fiscal lesiva às contas
públicas do município. Conforme afirmamos, os grand
124
Ao entrevistarmos um comerciante de 94 anos de idade e que
tinha um comércio na época, uma loja de secos e molhados (autorizou
a publicação da entrevista, mas como os filhos e noras continuam no
comércio, pediu para não ser identificado), ele mesmo nos disse (C):
O comércio do Beraba não ia pra frente, todo mundo
falava do zebu, mas nois comerciante não via o dinheiro
do zebuzeiro. Eles comprava tudo fora daqui, as ropa, os
móvel pra casa, até os azulejo das casa vinha da tal de
Oropa. As casa dos fazendeiro era so vendo!!! Uma fartura
só.
Seguem, abaixo, no QUADRO 04, alguns dados que remetem
às transações comerciais com o zebu no município de Uberaba nas
décadas de 1930 e 1940.
No QUADRO 04, evidenciam-se o poder econômico dos
criadores do gado zebu e a movimentação de capital em torno do
comércio do zebu. Como conseqüência, o zebu passou a ser
reconhecido nacionalmente, a ponto de ser homenageado pelo
Departamento de Correios e Telégrafos, como afirmam Lopes; Rezende
(2001,p. 100):
O zebu serve de modelo para a emissão de selo
comemorativo do cinqüentenário da introdução das raças
indianas no Brasil. Em 1941, tendo por efígie uma
cabeça de Indubrasil Baralho I de propriedade do
criador José Barbosa de Souza, o Departamento de
Correios e Telégrafos presta uma homenagem do gado
responsável pela recuperação do rebanho nacional.
125
Ano Transação Comercial
1931 O criador Guiomar R. da Cunha vendera a Olímpio de
Freitas dois garrotes no valor de 15.000$000 réis;
1941 O touro gir, Aragão, que pertencia ao plantel da viúva José
Jorge Penna, de propriedade de José Gastão da Cunha, foi
vendido por 500.000$000 réis a Antenor Machado de
Cássia.
1944 O Ministro e zebuzeiro Francisco Campos ofereceu a Mario
A. Franco a quantia de Cr$ 2.500.000,00 réis, por dois
reprodutores Nero e Mundial. A proposta foi recusada.
1945 A maior transação concretizada: a compra do reprodutor
Tigre, pertencente a Miguel Gonçalves, pelo criador
mineiro o Coronel Francisco Aureliano, por meio milhão e
duzentos mil cruzeiros.
QUADRO 04 Principais transações comerciais compra e venda do
gado zebu nas décadas de 1930 e 1940.
FONTE: LOPES; REZENDE (2001, p. 98).
ORGANIZAÇÂO: WAGNER, Roberta Afonso Vinhal, 2006.
Veja-se na FIGURA 19 o selo do correio com a cabeça do Touro
Baralho.
3.6 A Revolução Urbanística promovida pela fase áurea do zebu
no município de Uberaba
Na primeira metade do século XX, muitas transformações
ocorreram no município de Uberaba que, concomitantemente, se
refletiram na produção do espaço geográfico. A propósito, Lopes;
126
Rezende (2001) afirmam que a remodelação urbanística promovida em
Uberaba ocorreu como conseqüência do processo econômico.
FIGURA 19 Selo comemorativo à entrada do zebu no Brasil.
FONTE: LOPES; REZENDE (2001, p. 100).
Torna-se imprescindível ressaltar que o objetivo central de
analisarmos, na presente dissertação, a revolução urbanística no
município de Uberaba, se deve à fase áurea do zebu, na qual se pode
verificar uma revolução urbana, de sentido homogêneo, ou seja, que
atingiu o município como um todo, mas sem impacto significativo na
vida urbana de Uberaba, pois foi mais um reflexo do acúmulo de
capitais dos criadores do zebu, imprimindo marcas pontuais na cidade.
127
Nesses termos, teremos uma remodelação urbanística
centralizada, empreendida junto às propriedades urbanas dos grandes
detentores do capital zebuíno. As construções dos primeiros 30 anos
do século XX são marcadas pelo estilo eclético, tanto que este período
foi denominado de Ecletismo do Zebu, o que podemos constatar nas
fotografias abaixo, a exemplo da residência do Senhor Arthur de Castro
Cunha, construída nesse estilo (LOPES; REZENDE, 2001 - Cf. FIGURA
20).
FIGURA 20 Residência de José Caetano Borges, um dos pioneiros do
zebu. Construída em estilo eclético.
FONTE: LOPES; REZENDE (2001, p. 102).
128
Em seguida, também no estilo eclético, temos exemplos da
residência do Senhor José Caetano Borges, um dos grandes pioneiros
do gado zebu (Cf. FIGURA 21). Podemos constatar a exuberância da
construção e o trabalho magnífico dos artesões, que eram contratados
pelos grandes fazendeiros para transformarem suas residências em
verdadeiras obras de arte, o que refletia a força econômica do período
áureo do zebu, para não dizer que estava localizada no centro da
cidade, perto da Câmara Municipal de Uberaba, local onde também se
refletia com grande força o poder dos coronéis, abastados pela riqueza
produzida pela pecuária.
FIGURA 21 Residência de Arthur de Castro Cunha, situada à Praça Rui
Barbosa também construída em estilo eclético.
FONTE: LOPES; REZENDE (2001, p. 102).
129
Outro pioneiro da introdução do gado zebu no município de
Uberaba foi o Senhor Elieser Mendes dos Santos, e sua residência
estava situada na Praça Rui Barbosa, refletindo, igualmente, a
realidade econômica dos que fizeram da criação e comercialização do
gado zebu um instrumento de poder. A residência desse Senhor ficou
conhecida como o Solar dos Mendes (Cf. FIGURA 22).
FIGURA 22 Residência de Elieser Mendes dos Santos, um dos pioneiros na
introdução do zebu. Está situada à Praça Rui Barbosa, sendo conhecida
como Solar dos Mendes.
FONTE: LOPES; REZENDE (2001, p. 45).
Pode-se constatar a hegemonia dos criadores do gado zebu
ao analisarmos suas residências no espaço geográfico; a exuberância e
o esplendor das construções refletem a força econômica dos
130
fazendeiros. Porém, a realidade do município de Uberaba não reflete
por completo a riqueza produzida pela criação e comercialização do
gado zebu, haja vista o caos urbano do município neste período, como
analisado no Capítulo 01. Lopes; Rezende (2001, p. 101), a esse
respeito, ponderam:
Entretanto os benefícios da modernização não atingiam a
cidade com um todo. Ficavam restritos a algumasilhas
de progresso, que ainda permitiram comentários amargos
de viajantes e mesmo de uberabenses mais esclarecidos.
Os grandes fazendeiros não se contentavam apenas em
demonstrar sua força econômica na cidade. As construções, em suas
fazendas, também refletiam o poder econômico conquistado pelo
criador de zebu.
Abaixo, podemos constatar a fotografia da Fazenda Santa
Gertrudes, de propriedade do Coronel João Quintino Teixeira, um dos
introdutores do zebu em Uberaba (FIGURA 23).
Outro exemplo é da propriedade de um dos introdutores do
zebu no município de Uberaba, o Senhor Delfino Gomes da Silva, dono
da Fazenda do Mirante, que reflete a força econômica do zebu no
campo.
Segue abaixo a fotografia da Fazenda da Glória, de
propriedade do Coronel Alceu de Miranda, que citamos neste mesmo
capítulo, e que igualmente reflete o poder econômico do criador do
zebu (FIGURA 24). Na mesma linha, observe-se a Fazenda Gengibre,
131
de propriedade do Senhor Guiomar Rodrigues da Cunha, grande
proprietário de gado zebu (FIGURA 25).
Os grandes fazendeiros transformavam suas casas nas
fazendas em verdadeiros palacetes, ornamentados com luxo e grande
ostentação, pois o lucro auferido com a comercialização do zebu
proporcionava tal feito. Ressalva-se, contudo, que essa prosperidade
era insulada dentro do processo da materialização econômica no
município.
Por conseguinte, a produção do espaço geográfico em
diferentes escalas reflete a reconstrução de uma elite que,
primeiramente, mantinha sua força no comércio e que, com a
decadência da atividade comercial, procurou maneiras para reconstruir
sua hegemonia, mantendo o poder político e econômico.
Nesta perspectiva, a mudança da atividade comercial para a
criação e a comercialização do gado zebu foi um instrumento de
manutenção e perpetuação do poder de uma elite comercial que se
transformou em agrária.
Neste contexto, o desenvolvimento econômico do município de
Uberaba não ocorreu paralelamente ao enriquecimento dos grandes
fazendeiros: o que constatamos foram alguns segmentos de
desenvolvimento ou pequenas ilhas isoladas no município,
representadas pela elite agrária.
132
FIGURA 23 Fazenda Santa Gertrudes que pertenceu ao Cel. João Quintino
Teixeira, um dos introdutores do zebu em Uberaba.
FONTE: LOPES; REZENDE (2001, p. 26).
FIGURA 24 Fazenda (Chácara) do Mirante que pertenceu a Delfino Gomes
da Silva um dos introdutores do zebu no município de Uberaba.
FONTE: LOPES; REZENDE (2001, p. 26).
133
FIGURA 25 Fazenda da Glória que pertenceu a Alceu de Miranda.
FONTE: LOPES; REZENDE (2001, p. 53).
FIGURA 26 Fazenda Gengibre que pertenceu a Guiomar Rodrigues Cunha.
FONTE: LOPES; REZENDE (2001, p. 106).
134
Esta elite, portanto, não contribuiu para o desenvolvimento do
município, pois, além da continuidade do seu poder ali estabelecido
acabou perpetuando o desemprego, o analfabetismo, a ausência de
investimentos no setor produtivo, de maneira que o município de
Uberaba se transformaria em uma grande fazenda a serviço dos
coronéis.
135
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao terminamos algo, incorremos na ilusão de colocar um ponto
final na tarefa em questão. Dessa maneira, ao iniciar o mestrado, todas
as angústias e inquietações acomodam-se no dia que recebemos a
notícia da aprovação no processo seletivo. Pensamos, então, que todos
os nossos problemas estão resolvidos: um engano. Eles reaparecem
com outros significados; a angústia é transformada na busca constante
de respostas para nossos questionamentos.
No início de todo o processo, quando apresentamos o Projeto
de Pesquisa, cuja proposta era compreender o processo de formação
das elites no município de Uberaba no período que compreende 1910 a
1960, bem como a influência que exercem no desenvolvimento
econômico e político da cidade, não imaginávamos a complexidade da
pesquisa.
A obtenção do material bibliográfico para iniciarmos a
pesquisa foi o primeiro de vários obstáculos, pois os intelectuais
uberabenses acham-se donos da cultura e do conhecimento, sendo
estes bens tratados como pertences de uma minoria. E, por isso, as
portas se fechavam a um sujeito-pesquisador de fora das altas rodas
da sociedade uberabense, e muito menos zebuzeira.
Após seis meses de luta incessante, chegamos a uma
conclusão: precisávamos colocar em prática as redes de pessoalidade,
136
ou seja, precisávamos, de alguma maneira, ultrapassar a barreira
imposta por aqueles que tinham o sentimento de posse da cultura, do
conhecimento e da informação.
Neste momento, a minha atitude passou a ser simplesmente a
persistência: jamais desistir ao ouvir volte mais tarde, não vou
emprestar estas fotografias, querida não mecha neste vespeiro.
Coincidentemente, sempre estávamos no cabeleireiro, na farmácia, na
padaria, em reuniões beneficentes; onde os donos do saber estavam,
eu também estava.
Depois de um ano, os resultados começaram a surgir. Os
documentos que não estavam no Arquivo Público de Uberaba,
conseguimos consultar nas residências de historiadores e políticos
ilustres. Por sinal, são acervos particulares riquíssimos em
informações, mas distantes do acesso público e guardados a sete
chaves.
A princípio, consideramos isso tudo um absurdo, mas, com o
amadurecimento intelectual, compreendemos que o desenvolvimento de
nosso objeto de estudo dependia dessas ações.
Nesta dissertação, primeiramente, nos propusemos explicar o
motivo da introdução do gado zebu no Brasil, especificamente, no
município de Uberaba. Mas, antes desta análise, tornou-se
imprescindível alavancar duas outras discussões.
Precisávamos deixar bem claro o diálogo pertinente entre a
História e a Geografia, primordial no presente trabalho. E depois, o
137
período proposto para a análise (de 1910 a 1960), precisava ser
revisto, pois, antes de 1910, já existia uma elite comercial que
participaria do processo de construção do espaço geográfico a partir
das atividades pecuárias. As reconsiderações foram feitas, o que
acarretou uma discussão mais coesa, com outras implicações teóricas.
Ao longo do desenvolvimento da dissertação, procuramos
explicar o processo de surgimento das elites uberabenses, não com o
objetivo de apenas reconhecer e classificar esta elite. Era preciso
avançar no debate, ou seja, reconhecer a elite na diversidade e,
depois, analisar sua influência no processo de produção do espaço e a
maneira como o espaço (e a sociedade como um todo) reflete suas
ações.
Neste contexto, tornou-se impreterível a análise da mudança
da atividade econômica uberabense no início do século XX, e a
introdução da criação de gado zebu como atividade econômica forte e
dominante neste período.
Portanto, analisamos inicialmente uma elite comercial que, por
força do capitalismo, foi obrigada a re-elaborar seus significados e a
alterar sua atividade econômica, antes ligada ao comércio, para a
atividade pastoril, o zebu.
Esta elite, tanto a comercial como a agrária, não beneficiou
por completo o município de Uberaba, haja vista a perda da hegemonia
comercial, antes inquestionável para as praças uberabenses e que, de
certa forma, impulsionava o desenvolvimento do município ao
diversificar os empregos, as áreas de atuação da sociedade,
138
economicamente falando, pois, politicamente, o período antecessor e
pós-sucessor (ao período-foco da pesquisa) são equivalentes.
E as elites nada fizeram para reverter tais perdas; só se
importaram com os quintais de suas fazendas. Nada fizeram nas
diversas crises econômicas que o município de Uberaba atravessou até
1960. Preocupavam-se apenas em manter sua hegemonia no contexto
político e econômico, por décadas e décadas.
Não por coincidência: esse é o comportamento de qualquer
elite político-econômica.
Porém, não conseguimos responder a todas as inquietações
de nossa pesquisa, que foram sendo re-elaboradas no decorrer do
trabalho. Uma delas, o investimento na circulação dos produtos, ou
seja, na década 1920, Uberlândia já investia na rodovia para circular
seus produtos no Brasil central. E Uberaba? Reportando-nos à primeira
inquietação mencionada na Introdução da pesquisa, podemos afirmar
que Uberaba, manipulada pelos bastidores de suas elites, mais uma
vez perdeu o bonde da história, pois suas rodovias foram
consideradas domésticas, por que não tinham uma ligação estratégica
para circulação de seus produtos. Este é um aspecto que permite
compreender a ascensão econômica de Uberlândia, outrora a
Uberabinha em relação ao município de Uberaba. Eis um novo
desafio!
139
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Correio Católico, n. 102, de 08/09/1901.
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Jornal Uberaba, 31/082002.
Jornal Lavoura e Commercio, n. 377, 02/02/1903.
Jornal Lavoura e Commercio, n. 442, de 11/07/1905.
Jornal Lavoura e Commercio Illustrado, n. 01, janeiro 1919 Anno I
Jornal Lavoura e Commercio Illustrado, n. 03, março 1919.- Anno I
Jornal Lavoura e Commercio Illustrado, n. 06, junho 1919.- Anno I
Jornal Lavoura e Commercio Illustrado, n. 12, dezembro 1919 Anno I
Jornal de Uberaba 19/03/2005 p. A 02.
150
FONTES ORAIS
Entrevistado A natural de Uberaba, 45 anos, casado, criador de
gado zebu. O entrevistado autorizou a publicarmos sua entrevista,
desde que o seu nome não fosse revelado, por ser uma pessoa ilustre
da cidade e pertencer à sociedade uberabense. Possui uma
considerável propriedade rural, na qual cria em torno de 1800 cabeças
de gado zebu. Entrevista realizada em 12/08/2005.
Entrevistado B natural de Uberaba, 82 anos de idade, casado,
criador de gado zebu. O entrevistado autorizou a publicarmos sua
entrevista, desde que o seu nome não fosse revelado, por pertencer à
altas rodas da sociedade uberabense. Comercializa o gado zebu a mais
de quarenta anos e ainda continua a comercializar o gado na sua
propriedade rural no município uberabense, criando mais de 700
cabeças de gado zebu. Entrevista realizada em 10/11/2005.
Entrevistado C - natural de Uberaba, 94 anos, casado,comerciante. O
entrevistado autorizou a publicarmos a entrevista, mas como os filhos e
noras continuam no comércio, pediu para não ser identificado. Durante
toda a sua vida dedicou-se ao comércio no município uberabense,
testemunhando a fase áurea da criação do zebu. Entrevista realizada
em 05/10/2005.
Ermínia Baptista Mendes natural de Uberaba, 105 anos, viúva,
esposa do ilustre zebuzeiro, senhor Lamartine Mendes. A senhora
151
Ermínia é conhecida em Uberaba como a dona FIUCA, sendo uma
referência para historiadores e pesquisadores, pois ela presenciou
grande parte do desenvolvimento político e econômico do município de
Uberaba. Entrevista realizada em 14/01/2006.
Guido Bilharinho natural de Uberaba, 55 anos, casado, advogado e
historiador. Exerce, atualmente, a advocacia, destacando-se na área
trabalhista. Possui uma coluna no Jornal de Uberaba aos domingos que
retrata a história do município de Uberaba. Entrevista realizada em
06/02/2006.
152
ANEXO 1
153
ANEXO 2
154
OUTROS ANEXOS
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
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