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Atores e interesses que articulam as transformações sócio-
espaciais de uma localidade caiçara: o caso de Pouso da
Cajaíba no litoral sul-fluminense.
“Como o Futuro não é único, mas deve
ser escolhido, são as ciências sociais que
se tornam as ciências de base para a
construção voluntária da história.”
Milton Santos
“O conhecimento do mundo social e,
mais precisamente, as categorias que o
tornam possível, são o que está, por
excelência, em jogo na luta política, luta
ao mesmo tempo teórica e prática pelo
poder de conservar ou de transformar o
mundo social conservando ou
transformando as categorias de
percepção desse mundo” Bourdieu
(Imagem de Satélite: NASA)
Autor: Henrique Campos Moreira Rosa
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UFRRJ – CPDA
Dissertação de mestrado:
Atores e interesses que articulam as transformações sócio-espaciais de
uma localidade caiçara: o caso de Pouso da Cajaíba no litoral sul-
fluminense.
Autor: Henrique Campos Moreira Rosa
Orientador: Prof. Jorge O. Romano
Nota:
Rio de Janeiro, agosto de 2005.
2
ads:
Membros da Banca Examin
Nelson Delgado (presidente)
_____________________________________________________________
Antônio Carlos Robert de Moraes
______________________________________________________________
John Cunha Comerford
adora:
____________________________________________________________
3
Dedicatória
Este trabalho é dedicado às seguintes pessoas:
Aos amigos do CPDA-UFRRJ, que me permitiram desenvolver uma leitura mais
omplexa sobre o mundo.
Aos eternos amigos do MOVIMENTO GEOMATA, que participaram de todos
s momentos de minha vida acadêmica e pessoal, desde que entrei na faculdade em
994.
À minha família, em especial a minha mãe.
paciência e me ajudaram a editar o texto final, meu pai e
inha namorada.
itam que a sociedade deve ser pensada e analisada
om o propósito de construir um mundo com maior justiça social e melhor qualidade de
Em especial, aos habitantes de Pouso da Cajaíba.
c
o
1
Às pessoas que tiveram
m
A todos aqueles que acred
c
vida.
4
Resumo
da integração de uma localidade
caiçara, habitante de um refúgio de mata atlântica no município de Paraty, ao conjunto
de nov
o o aumento do turismo, a desestruturação de atividades
tradicionais, a demarcação de unidades de conservação e o desenvolvimento do meio
técnico
tiva de como uma comunidade pesqueira e extrativista -que apresenta grande
interde e, resiste e se modifica diante destes
processos. Posteriormente, busca-se compreender como os agentes externos percebem a
localid
Este trabalho visa relacionar a problemática
os interesses e processos que estão alterando a organização sócio-espacial do
litoral brasileiro, tais com
científico informacional. Os interesses e processos em questão serão analisados
a partir das políticas públicas em suas relações com os atores locais. Parte-se da
perspec
pendência com o meio ambiente local - reag
ade de Pouso da Cajaíba.
5
Sumário:
- Introdução .................................................................................................................... 7
1.1 – Desenvolvimento do Objeto de Pesquisa ............................................................ 7
1.2-
basa
jaíba ........................................................................... 34
34
Principais origens da Localidade de Pouso da Cajaíba .......................................... 36
3.2 Pouso da Cajaíba: uma Comunidade Caiçara ....................................................... 39
3.3 Particularidades de Pouso da Cajaíba: como reconhecer os princípios de
sociabilidade local ...................................................................................................... 41
3.4 As relações sócio-espaciais: origens das particularidades locais (os sistemas de
objetos e os sistemas de ações) ................................................................................... 45
3.5 – Particularidades sociais em Pouso da Cajaíba ................................................... 52
3.6 – Formas de sociabilidade da Localidade: solidariedades e divergências ............ 57
3.7 Formas de Organização Interna e Pressões Externas ........................................... 62
3.8 – A Localidade de Pouso da Cajaíba e as principais transformações sócio-
espaciais ...................................................................................................................... 65
3.9 As possibilidades de organização da localidade ................................................... 75
4. Políticas e Instituições Públicas em suas relações com Pouso da Cajaíba ................. 78
4.1- Políticas Públicas e o uso da escala local - introdução ....................................... 78
4.2- Formas de atuação das Instituições Públicas em Pouso da Cajaíba .................... 85
A Emergência de Novos Mediadores para o Desenvolvimento Local ................... 93
4.3 - Possibilidades de Utilização da noção de Localidade nas Políticas públicas .... 95
A localidade como uma unidade sócio-espacial para receber financiamentos
articulados com as Políticas Públicas Ambientais.................................................. 95
A Localidade como um instrumento de estímulo a participação local e ao
empoderamento ...................................................................................................... 98
5 Conclusões ................................................................................................................. 101
Bibliografia ................................................................................................................... 111
1
Desenvolvimento da Pesquisa ............................................................................. 11
2 - Em mento Teórico ............................................................................................... 18
2.1- Um Debate Sobre a Noção de Localidade .......................................................... 18
A localidade enquanto uma instância de análise que permite integrar os objetos
espaciais e as ações sociais. .................................................................................... 18
A construção interna da localidade se faz a partir de suas relações com o exterior 19
A Importância do Sistema de Objetos Espaciais para a Identidade da Localidade 20
A Localidade Enquanto um Campo Onde o Capital Social Pode Ser Pensado de
Forma Coletiva ....................................................................................................... 24
2.2 - A proposta de abordagem sobre a localidade ..................................................... 26
A escolha da noção “localidade” ............................................................................ 26
A localidade enquanto um instrumento de integração local e objeto de luta social 27
2.3 As Políticas Públicas Litorâneas e o Uso da Escala Local ................................... 31
A Evolução das Políticas de Planejamento e Gestão das Áreas Litorâneas ........... 31
Os Municípios – Possibilidades de utilização da Noção de Localidade................. 32
3 – A Localidade de Pouso da Ca
3.1 introdução .............................................................................................................
6
1- Introdução
m
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a soc
ha
mu
as modo de
vi
re
ag
da
m
tu
be
De a
trans
senti
Atualmente, localidades como Pouso da Cajaíba despertam interesses políticos,
acadêmicos e de ativistas sociais, a partir das mais diferentes escalas geográficas.
Diversas ONGs ambientalistas e de causas sociais poderiam criar estratégias de atuação
na localidade, com o objetivo de promover o “desenvolvimento local sustentável”. A
1.1 – Desenvolvimento do Objeto de Pesquisa
No litoral sudeste, entre os dois principais centros metropolitanos do país, no
unicípio de Paraty, existe uma península constituída por um relevo montanhoso
erto por exuberante mata atlântica, onde se encontra a Área de Proteção Ambiental
) do Cairuçú. Dentro desta APA encontra-se a Reserva Ecológica da Juatinga,
está situada a localidade caiçara de Pouso da Cajaíba (com cerca de 2
antes). O acesso à localidade só pode ser feito através da navegação, pois não bit
em estradas interligando Paraty à enseada onde se localiza Pouso.
O modo de vida local apresenta características bem singulares nas relações entre
iedade e seu espaço. A emergência de novos atores e interesses sobre este território
está alterando profundamente os rumos destas relações e da própria trajetória social dos
bitantes locais. O turismo está se desenvolvendo rapidamente, provocando diversas
danças nas relações de trabalho e na realidade espacial (fundiária, por exemplo),
sim como a delimitação de unidades de conservação também influencia no
da local, tradicionalmente baseado na pesca e na agricultura de subsistência. Novas
des sociais vêm se formando junto aos nativos, intensificando suas relações com
entes externos que possuem os mais variados interesses sobre a localidade de Pouso
Cajaíba.
Os exemplos de ocupação e exploração das áreas turísticas do litoral brasileiro
ostram que esta atividade é normalmente implantada de fora para dentro, com o
capital externo se apropriando de terrenos estratégicos, construindo o equipamento
rístico e canalizando os principais lucros, deixando para a população nativa pequenos
nefícios em comparação à desestruturação da vida local imposta pela nova atividade.
cordo com Becker (1996) “na zona costeira nós encontramos, efetivamente, a
ição entre dois padrões de desenvolvimento: o padrão desenvolvimentista no
do de desenvolver a qualquer preço, rápido, desenfreado, e já também uma
tentativa de se ordenar, de regular, disciplinar o uso do território”.
7
criação das unidades de conservação demonstra que as principais preocupações políticas
bre a região possuem interesses conservacionistas. É interessante observar que
que haja a elaboração de um
estudo
diversos outros
trabalh
undo, justificando-se pela necessidade de promoção do chamado
“desen
icas e sociais que
dos grupos locais. Pode-se dizer que diversas ações externas estão se materializando no
espaço de pequenas localidades em forma de objetos e de novas ações por parte de
grupos sociais locais.
Procurar os interesses que orientam as ações
2
de planejamento ambiental-
territor
algumas propostas de intervenção espacial, oriundas de agentes que atuam
a escala internacional, estão se naturalizando como solução para os problemas sócio-
mbien
em escala local. O próprio lema ambientalista “pense
globalm
ial que se materializam em forma de Unidades de Conservação e financiamento a
projetos de agricultura ecológica ou de inclusão digital, por exemplo, nos leva a refletir
sobre as diferentes escalas de análise geográfica envolvidas: local, regional, nacional e
global. A Eco-92 no Rio de Janeiro serve como exemplo para mostrar que ONGs,
governos de diferentes países e instituições internacionais, como OCDE, Banco
Mundial e G7(8), estão interessadas e participam das políticas de planejamento
ambiental elaboradas pelos governos nacionais, estaduais e municipais. Pode-se
perceber que
n
a tais a partir de algumas políticas públicas, bem como pelas ações de algumas
ONGs. Fica claro, antes mesmo de iniciar o debate sobre quais seriam os múltiplos
interesses por trás da construção de novas realidades sócio-espaciais, que tais interesses
são muito variados, já que são muito diversos os atores internacionais e nacionais que
participam destes processos.
Se de um lado as ações relacionadas às políticas ambientais apresentam origem
nacional e global, os objetos criados por estas políticas passam a alterar profundamente
as pequenas comunidades
ente, haja localmente” é uma pista para observar como as relações entre o local
e o global se intensificaram, criando assim novos mediadores para as relações entre os
interesses dos atores internos de pequenas localidades e os interesses de atores externos
sobre as pequenas localidades.
Com ou sem a elaboração de políticas ambientais, públicas ou não, a
complexidade de interesses em torno de uma pequena localidade, que apresenta uma
grande oferta de recursos naturais e um relativo isolamento em relação ao espaço
urbano, está sendo alterada pela ação de diferentes atores externos e internos com uma
velocidade cada vez maior. Isto decorre das características das redes que formam a atual
sociedade técnico científica informacional - que facilitam o fluxo de informações,
2
De acordo com Santos (2002), os objetos não podem ser separados das ações, o que cria a constante
necessidade de relacionar os objetos espaciais com as ações e interesses que os constroem, bem como com as
influências que estes objetos e ações criam e recriam nos grupos sociais.
9
pessoas e interesses pelo espaço. Desta forma, analisar e criticar o relacionamento entre
os diversos grupos de atores que possuem interesses sobre uma pequena localidade
torna-se ainda mais complexo e importante.
resente tema de pesquisa amadureceu naturalmente com
mpo.
os anos, a partir da intensificação de ações de atores
externo
possam promover a melhoria das condições de vida local aproveitando as características
Por acreditar que é na escala local que os objetos espaciais ganham
verdadeiramente vida social e as ações sociais ganham sentido particular, este trabalho
pretende apontar a noção de localidade como uma importante base para analisar a
percepção e o conjunto de ações (suas possibilidades e limites) que os atores locais
apresentam na construção da realidade sócio-espacial local, diante da intensificação das
relações que têm se estabelecido entre o conjunto de interesses oriundos da localidade e
o conjunto externo de interesses sobre a localidade.
Desde 1994, ano em que iniciei minha graduação em geografia, freqüento a
enseada da Cajaíba. Durante este período houve uma grande alteração na paisagem e no
modo de vida em Pouso da Cajaíba e nas comunidades em torno; em cada nova visita à
região, percebia alterações que nem sempre indicavam uma melhora na qualidade de
vida local. Durante a minha formação acadêmica, procurei cursar matérias ligadas às
áreas litorâneas, bem como busquei estudar pesquisas e projetos sobre o tema
Desenvolvimento. Assim o p
te
Nos últimos anos, a produção de dados sobre a região litorânea vem crescendo
proporcionalmente ao número de projetos que vêm sendo elaborados para geri-la e
planejá-la. Este trabalho se propõe a contribuir com este processo, de um lado
observando as relações entre sociedade e meio ambiente na localidade de Pouso da
Cajaíba, e, de outro lado, discutindo como estas relações vêm evoluindo através do
tempo, principalmente nos últim
s, públicos ou não, que foram se processando na localidade e envolvendo
diversos atores internos.
De um ponto de vista mais subjetivo, acredito que a localidade de Pouso da
Cajaíba se desenvolveu a partir de uma relação entre sociedade e natureza que merece
ser estudada e compreendida, para que as intervenções propostas para esta localidade (e
outras que apresentem características semelhantes) respeitem a realidade anterior e
culturais (sócio-espaciais) da comunidade do lugar.
10
Este trabalho pretende analisar as transformações sócio-espaciais que vêm
acontecendo na comunidade caiçara de Pouso da Cajaíba, no litoral sul-fluminense
(município de Paraty), a partir de alterações nas suas atividades tradicionais (pesca,
extrativ
A pergunta central do trabalho é: como os grupos sociais de Pouso da Cajaíba,
a lo
torno de uma abordagem interpretativa, pois
pretend
ilidade do ser humano de compreender e entender os
ismo e agricultura de subsistência) e da emergência de novas atividades (turismo
e preservação de serviços ambientais).
Para tanto, desenvolveu-se um debate sobre a noção de localidade, que visou
facilitar a compreensão sobre os processos que envolvem a realidade física (sistema de
objetos) e social (sistema de ações) de Pouso da Cajaíba. Em torno desta noção buscou-
se identificar o conjunto de interesses e agentes, internos e externos, que vem
influenciando o desenvolvimento social local.
um calidade que se destaca pelo relativo isolamento do mundo urbano e técnico-
científico, assim como pela aparente harmonia com que convive com a floresta tropical
local, percebem e reagem às transformações técnicas, econômicas e políticas que vêm
acontecendo a partir de ações nas escalas local, regional, nacional e global?
1.2- Desenvolvimento da Pesquisa
Este trabalho desenvolveu-se em
e destacar a importância do reconhecimento por parte dos agentes externos, que
participam do desenvolvimento local, sobre a complexa percepção interna que os
agentes locais possuem a respeito de sua própria realidade. Como aponta Alencar:
“Embora a abordagem interpretativa reconheça a importância da
perspectiva externa para produzir conhecimento sobre a vida social,
sua orientação fundamental assenta-se na perspectiva interna, a qual
enfatiza a hab
outros através da reconstrução das definições que estes fazem das
situações em que desenvolvem suas ações. Em outros termos, sendo o
homem um manipulador de símbolos, ele somente será entendido pela
percepção e compreensão dos símbolos que são por ele manipulados.”
(Alencar, E.2000 pág 85)
11
Dentro de uma abordagem interpretativa, as metodologias utilizadas para
realização deste trabalho foram:
a) observação (podendo ser participante ou não).
b) roteiro de entrevistas.
c) recuperação da história de vida da localidade.
A hipótese preliminar elaborada ainda na fase de projeto de pesquisa foi: as
ense, como Pouso da Cajaíba, estão tendo
rofund
locais.
Com as prim
propósitos da pesquisa passaram
-Primeiro, perceber como e até que ponto a localidade de Pouso da Cajaíba se pensa (e
pode ser pensada) como um
aspectos da inter-relação en
contribuem
- Segundo, mostrar até que ponto a localidade de o
uma unidade sócio-esp
como o IEF (Institu ), o IBAMA e a prefeitura de Paraty.
-Terceiro, identificar as dificuldades que os agentes internos têm para se organizar e se
perceber como um conjunto nas suas relações com os agentes externos.
d) pesquisa documental.
A parte de pesquisa de campo foi dividida em dois focos diferentes: a pesquisa
junto aos moradores de Pouso da Cajaíba e a pesquisa junto às instituições responsáveis
pelas Unidades de Conservação e pelas políticas ambientais municipais.
O processo para elaboração de questionamentos e hipóteses não se concluiu
completamente e nem poderia sê-lo, já que este trabalho desenvolveu-se dentro de uma
perspectiva interpretativa de análise e a elaboração de seus questionamentos fez-se
dentro de uma seqüência circular, com o surgimento de novos questionamentos
conforme o desenvolvimento da pesquisa.
pequenas localidades do litoral sul-flumin
p as dificuldades em participar de decisões políticas e econômicas que alteram sua
própria realidade sócio-espacial. Portanto, seus modos de vida são alterados
profundamente sem que haja uma percepção clara, tanto dos agentes internos quanto
dos externos, em relação às conseqüências deste fato para as pequenas comunidades
eiras visitas de campo e as seguidas conversas com o orientador, os
a se concentrar em três pontos principais:
a unidade sócio-espacial, destacando principalmente os
tre seus habitantes, sua paisagem e seu território que
para isto.
Pouso da Cajaíba é reconhecida com
acial pelas instituições que tem atuação em seu território, tais
to Estadual de Floresta
12
e redes mais complexas, assim como a decadência de
rmas local, pode produzir novos
lidade que venham a estimular profundas
que os cerca,
em como identificar os elementos centrais que integram a comunidade em torno de
hábitos
a elaboração de questionamentos sobre as
formas
e principal atividade responsável pela reprodução da sustentabilidade da
comun
o?
ouxe para o desenvolvimento destas atividades. Posteriormente,
cioeconômica e
espacial da comunidade. Para tanto, buscou-se reconhecer: os principais meios de
Para organizar estes pontos, os questionamentos foram surgindo da seguinte
forma:
Primeiro: a emergência d
fo tradicionais de reprodução da comunidade
interesses dentro da própria loca
transformações sociais, econômicas e culturais.
A idéia inicial foi compreender a existência de uma identidade local baseada em
maneiras comuns de socialização dos habitantes com o meio ambiente
b
e costumes comuns, a partir de um histórico sobre a sua trajetória social. Porém,
desde os primeiros momentos da pesquisa, o que se destacou foi o intenso e constante
processo de mudança nas formas de socialização interna. A partir disto, identificaram-se
os principais processos responsáveis por essas mudanças.
Portanto, a pesquisa iniciou-se com
de organização interna da comunidade e acabou se concentrando nos
questionamentos em torno das alterações econômicas e sociais que a localidade vem
enfrentando nos últimos anos.
Diversos questionamentos sobre as relações entre a pesca e as alterações que
vêm se processando na localidade surgiram, tais como: a pesca continua sendo a
atividade econômica mais importante da comunidade? Ou, a pesca está perdendo o
status d
idade de Pouso da Cajaíba para o turismo? Ou ainda, qual o nível de renovação
da força de trabalho na pesca por parte das novas gerações nascidas na regiã
As outras atividades tradicionais, como o extrativismo vegetal e a agricultura de
subsistência, também foram abordadas inicialmente, procurando compreender sua
importância para a sustentabilidade da localidade e as implicações e conflitos que a
legislação ambiental tr
tentou-se identificar até que ponto a entrada de produtos externos e sua comercialização
contribuíram para a organização econômica e social da comunidade, diminuindo a
importância das atividades trad icionais.
Em relação à evolução da atividade turística, procurou-se compreender os
impactos que tal atividade cria para a identidade e as estruturas so
13
acesso utilizados pelos turistas; os principais hábitos e ambientes freqüentados por eles;
os fatores que têm gerado o crescimento desta atividade; a influência econômica do
rismo; o percentual de moradores envolvidos nesta atividade e, principalmente, a
percep
mo se desenvolve esta especulação e a
constru
tu
ção que os moradores locais têm sobre o turismo e os turistas. Com o tempo,
percebeu-se que além da grande influência cultural, o turismo exerce grande
especulação fundiária e imobiliária na localidade. A partir desta conclusão, foram
realizadas pesquisas para identificar as formas co
ção civil dela decorrente.
Com base no amadurecimento dessas idéias e da realização de algumas
atividades de campo, concluiu-se que a pesquisa junto aos moradores locais deveria ser
feita a partir de entrevistas em torno de um roteiro previamente elaborado (Anexo IA),
tendo como objetivos centrais:
- 1
o
reconhecer os principais aspectos sociais, espaciais e históricos que representam a
identidade coletiva da localidade.
- 2
o
identificar as principais formas de organização social e de sustentabilidade
econômica da localidade.
- 3
o
reconhecer possíveis alterações que estejam acontecendo no modo de vida da
localidade a partir dos seguintes processos: demarcação de unidades de conservação no
seu território, busca de empregos na pesca fora da comunidade e aumento no fluxo de
turistas.
- 4
o
compreender as perspectivas que os moradores locais têm em relação ao seu futuro
e ao futuro da localidade de Pouso da Cajaíba.
Segundo: existe um grande interesse de atores externos pela localidade, devido
à sua
am para a localidade.
paisagem e seus recursos espaciais, manifestado pela crescente pressão
internacional para a preservação do patrimônio ambiental litorâneo e pela expansão
de atividades mercantis a partir dos grandes centros nacionais e internacionais, que
estão alterando profundamente a realidade sócio-espacial de Pouso da Cajaíba.
Para se reconhecer os interesses e os agentes externos que vêm atuando junto à
localidade, procurou-se identificar como os moradores locais percebiam estes agentes e
quais as implicações que suas ações trazi
Inicialmente, buscou-se avaliar a importância do meio ambiente para a
população local, partindo da hipótese de que a preservação ambiental é fundamental
para as principais atividades econômicas geradoras de renda ou de subsistência. Porém,
14
a limitação no manejo ambiental imposta pelas novas legislações (principalmente a
partir da criação da REJ – Reserva Ecológica da Juatinga) pode estar alterando
justamente a sustentabilidade da comunidade em suas relações com os recursos naturais.
A partir disto, a pesquisa procurou compreender quem eram os principais agentes
externos que participavam da regulação das atividades locais e quais eram os grupos
locais mais afetados. Para tanto, foi necessário identificar: os principais impactos
ambientais gerados pelo extrativismo e pela agricultura; as formas como a fiscalização e
a legislação ambiental incidem sobre a área e suas conseqüências para as atividades
tradicio
oncentrando muito mais na identificação dos projetos,
as formas de articulação entre os agentes externos e
s em projetos de desenvolvimento local além das instituições
nais; as formas de atuação das instituições responsáveis pelas unidades de
conservação presentes na área; como a população encara a preservação ambiental e se
articula para isto.
A pesquisa acabou se c
públicos ou privados, que estão em andamento na localidade, procurando identificar os
interesses dos agentes externos e
internos. Com o desenvolvimento da pesquisa, foram identificados diversos outros
agentes externos envolvido
públicas.
Por fim, a pesquisa de campo se realizou junto ao IBAMA e ao IEF, a partir da
elaboração de um roteiro de entrevistas (Anexo IB) tendo por meta identificar:
1
o
os principais objetivos destas instituições sobre a localidade de Pouso da Cajaíba.
2
o
as principais ações destas instituições sobre a localidade de Pouso da Cajaíba.
3
o
a percepção destas institu ições sobre a localidade de Pouso da Cajaíba.
4
o
a pe epção e os principais interesses destas instituições em relação ao crescimento rc
do turismo na região.
5
o
o que estas instituições sabem sobre a realidade do dia a dia da localidade de Pouso
da Cajaíba.
O roteiro utilizado nas entrevistas junto aos responsáveis pelas políticas
ambientais municipais, apresentou os seguintes objetivos:
1
o
Identificar as principais políticas ambientais municipais em relação à localidade de
Pouso da Cajaíba.
2
o
Identificar as principais políticas de turismo municipais em relação à localidade de
Pouso da Cajaíba.
15
3
o
Reconhecer as principais ações e os principais projetos do poder municipal junto à
localidade de Pouso da Cajaíba.
Terceiro: existem alguns problemas internos na localidade de Pouso da Cajaíba,
tais como rivalidades familiares e territoriais, e diferentes redes de relações com o
exterior, que dificultam a integração da comunidade em torno de objetivos comuns.
Ao iniciar a pesquisa ainda havia uma idéia romântica de que os habitantes da
localidade conviviam em uma excelente harmonia, desenvolvendo formas de
cooperação inerentes ao seu convívio sócio-espacial. Esta idéia foi se diluindo já na
leitura de alguns textos e nas conversas com o orientador e outros professores. Porém,
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com destaque para a permanência durante 15 dias no inverno de 2004 e durante 20 dias
no verão de 2005. Com o levantamento deste material, foi elaborado um capítulo sobre
a Localidade de Pouso da Cajaíba, destacando não só os elementos de coesão, mas
também
tas
acabara
xecução do seu trabalho.
de disputa interna, e suas formas de organização política.
Na segunda parte da pesquisa, em Paraty, visitas foram feitas às seguintes
instituições: IEF, IBAMA e Secretaria Municipal de Meio Ambiente. As entrevis
m sendo mais reduzidas do que pareceu ser necessário anteriormente, devido a
motivos que serão assinalados no decorrer do trabalho. A partir destas entrevistas,
surgiu a necessidade de pesquisar mais sobre as políticas públicas para a região, o que
levou a um novo trabalho de levantamento bibliográfico que acabou resultando em um
capítulo sobre as políticas públicas que incidem sobre Pouso da Cajaíba e as formas de
articulação local.
Por fim, foram apresentadas conclusões a respeito das condições em que vêm se
apresentando os processos de transformação sócio-espaciais nas pequenas localidades
caiçaras dentro de áreas de conservação ambiental e a possibilidade de fortalecer o uso
da escala local por parte dos planejadores e gestores durante a e
17
2 - Embasamento Teórico
“As duas categorias, objeto e ação, materialidade e evento, devem ser
tratadas unitariamente. Os eventos, as ações não se
geografizam
anto uma instância de análise que permite integrar os objetos
social. Por vezes, no discurso geográfico, a noção de localidade ganha mais
complexidade no sentido de apresentar uma maior inter-relação entre as características
espaciais e culturais, enquanto que na sociologia as características espaciais são
normalmente pouco relevantes para a configuração social e cultural dos lugares. Isto se
deve, em parte, ao processo de separação e consolidação das diferentes escolas
acadêmicas do final do século XIX e início do século XX, quando a sociologia passou a
identificar o plano espacial como pouco importante e secundário na formação das
comunidades, enquanto que a geografia, sim, trataria de investigar as diferenças naturais
que existem no planeta e as diferentes potencialidades que isto poderia representar para
os grupos sociais.
Formulações como as de Ratzel, em sua obra Anthropogeographie (1882-91),
que procuravam mostrar a interdependência entre a sociedade e a natureza, foram
duramente criticadas pela sociologia
3
, principalmente a partir das formulações sobre a
morfologia social propostas por Mauss. Para Mauss, a influência do solo (com o sentido
de mostrar as condições naturais) seria secundária na formação e organização dos
grupos sociais: “longe de ser o fato essencial para atrair quase que exclusivamente o
indiferentemente. Há, em cada momento uma relação entre o valor
da ação e o valor do lugar onde ela se realiza; sem isso, todos os
lugares teriam o mesmo valor de uso e o mesmo valor de troca,
valores que não seriam afetados pelo movimento da história.”
Milton Santos
2.1- Um Debate Sobre a Noção de Localidade
A localidade enqu
espaciais e as ações sociais.
A noção de localidade está de uma forma geral ligada à delimitação e
localização de uma realidade espacial, ou melhor, à identificação espacial de um grupo
3
- Dentro da então em formação academia geográfica os trabalhos de Ratzel também foram duramente criticados
como sendo deterministas, estas críticas partiram principalmente da escola francesa com Vidal de La Blache, que
viria formular a corrente da geografia possibilista.
18
olhar, a situação propriamente geográfica constitui apenas uma das condições das quais
depende a forma material dos agrupamentos humanos” (Mauss, 1974, p.241).
No in (cada
ciência busc iando
especializações que dificultav acial
e ambiental. Contudo, o discurso científic XI
passou a v
transdisciplin ente em relação ao tema ambiental. Com isto, a idéia de
calidade (enquanto um lugar identificável culturalmente e espacialmente) que
a interdependência entre os
a-se relevante para o debate
construção interna da localidade se faz a partir de suas relações com o exterior
abitam e princípio de inteligibilidade para quem o observa”.
de forma decisiva para a formação do sentimento de identidade
ício do século XX houve uma profunda fragmentação das ciências
ando justificar a existência dos seus objetos de estudo), cr
am uma visão mais abrangente da realidade sócio-esp
o do final do século XX e início do X
alorizar o conhecimento interdisciplinar, ou ainda, o conhecimento
ar, principalm
lo
pretende ser debatida no presente trabalho apontando
bjetos espaciais e os sistemas de ações sociais, torno
científico.
A
O conceito de lugar tem sido muito debatido, tanto pelo discurso geográfico
quanto pelo discurso antropológico. Para a geografia humanística (com base
fenomenológica) é o sentido comum de tempo e de ritual que cria a longo prazo o
sentido de lugar e de comunidade. Para Relph (1980), o lugar seria um centro de
significações insubstituível para a fundação de nossa identidade como indivíduos e
como membros de uma comunidade, associando-se ao conceito de lar (home place).
Para Auge (1994, p.51) “Reservamos o termo lugar antropológico àquel a cons truçã o
concreta e simbólica do espaço que não poderia dar conta, somente por ela, das
vicissitudes e contradições da vida social, mas à qual se referem todos aqueles a quem
ela destina um lugar. (...) o lugar antropológico é simultaneamente princípio de sentido
para aqueles que o h
O texto ‘A Produção da Localidade’ de APPADURAI (1995), estimulou muito o
presente esforço de se pensar a noção de localidade. Pois, se de um lado a corrente
fenomenológica busca compreender o lugar como algo formado pela vivência de um
grupo com seu espaço, por outro lado o texto de Appadurai permite fazer uma relação
entre esta abordagem e uma abordagem mais analítica e relacional, já que a localidade
também se constrói nas suas relações com o exterior. Para ele são justamente essas
relações que contribuem
19
local, e deixam evidente que a localidade não é sólida dentro de um território fechado:
pelo contrário, ela é o que é devido às suas relações com o exterior.
De acordo com Appadurai (p.215) a localidade se forma de maneira relacional a
partir de experiências com elementos históricos e sociais maiores que os fenômenos
locais, que ele definiu como vizinhança
4
. Para Appadurai (1995, p.213) a criação da
localidade, enquanto “uma estrutura de sentimento, uma propriedade da vida social e
uma ideologia de comunidade estabelecida” faz parte de uma luta entre: 1- o aumento
constante dos esforços do moderno estado-nação para definir todas as vizinhanças sob o
cartaz de suas formas de submissão e aflição, 2- a crescente desconexão entre território,
subjetividade e movimento social coletivo. 3- a erosão constante dos relacionamentos,
principalmente devido à força e à forma da mediação eletrônica entre vizinhanças
espaciais e virtuais.
endo assim, a localidade pode ser reconhecida como um símbolo da identidade
e
não é cristalizada e tanto os processos históricos quanto os atuais projetos de gestão,
planeja
entos
técnico
S
coletiva por parte de seus moradores. Mas é fundamental reconhecer que esta identidad
mento e “desenvolvimento local” são responsáveis pela constante reconstrução
desta identidade.
A Importância do Sistema de Objetos Espaciais para a Identidade da Localidade
Para Santos (2002), a racionalidade que se exerce sobre os lugares não acontece
somente sobre o espaço social pensado pelos sociólogos, pois a racionalidade não pode
ser exercida sem a materialidade. A idéia de compreender a influência dos objetos
materiais não se restringe aos elementos naturais. Ou seja, as ações se constroem sobre
objetos e a identidade social de uma localidade também deve ser pensada a partir dos
objetos construídos baseados nas técnicas. Quanto maior for a quantidade de elem
- científicos informacionais
5
numa localidade maiores serão suas formas e
possibilidades de integração com outras localidades. No atual mundo da globalização,
os elementos técnico- científicos informacionais se propagam pelo território com grande
4
Ao diferenciar localidade de vizinhança, Appadurai se aproxima da dicotomia indicada por Milton Santos entre
sistemas de objetos e sistemas de ações, fixos e fluxos, configuração social e relações sociais. Appadurai exemplifica
esta dicotomia (entre localidade e vizinhança) a partir das relações entre texto e contexto, paisagens etnográficas e
mundos habitados
.
5
Este conceito é utilizado aqui a partir da definição do geógrafo Milton Santos (2002, p.238) de que existe uma
profunda união entre ciência e técnica sob a égide do mercado e que no período atual “os objetos técnicos tendem a
ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais, já que, graças a extrema intencionalidade de sua produção e sua
localização eles já surgem como informação”.
20
velocidade. Isto altera profundamente o relacionamento local com o exterior,
principalmente quanto aos mediadores desta relação. Porém, em diversas realidades
locais
rocessos de desenvolvimento regional que se processaram de fora
para de
e estabelece com seu território ao longo do tempo. O trabalho de
Pritcha sobre os Nuer é interessante neste sentido; suas definições de tempo ecológico
a
natureza local, apontando como grupos sociais apresentam uma percepção sobre tempo
e espaç
– é o singular (o fragmentado) e é também o global (universal) que o determinam
ntre si nunca serão iguais, não só devido às diferenças físicas, mas
o
ainda é possível perceber a existência de ritmos e hábitos próprios bem
particulares.
Maria de Freitas Campos elaborou em sua tese de mestrado no CPDA/UFRRJ
em 1992 um trabalho com paralelos muito interessantes a esta idéia. Sua tese procurou
analisar as alterações que a comunidade de Tarituba (também no litoral sul-fluminense)
sofreu devido à construção da BR-101 e ao crescimento do turismo. Isto se fez através
de um rico levantamento teórico que permitiu reconstruir a trajetória social da
comunidade a partir da percepção dos seus próprios moradores. Ela procurou identificar
como as formas com as quais os moradores locais percebiam seu espaço e tempo foram
sendo alteradas por p
ntro. O trabalho mostra como é importante reconhecer que as formas com as
quais estes moradores reagiram às transformações em curso no seu território estavam
diretamente ligadas ao seu modo de vida (sua percepção) anterior.
A noção de localidade pode ser pensada a partir dos ritmos e hábitos particulares
que a comunidad
rd
e tempo estrutural ajudam a compreender parte das relações entre a sociedade e
o particular, que muitas vezes é difícil de ser percebida por quem está de fora.
Dentro da geografia contemporânea encontramos algumas visões que
individualizam a localidade mesmo diante da modernidade atual que vem tornando os
lugares cada vez mais interdependentes. “A realidade do mundo moderno reproduz-se
em diferentes níveis, no lugar encontramos as mesmas determinações da totalidade sem
com isso eliminar-se as particularidades, pois cada sociedade produz seu espaço,
determina os ritmos da vida, os modos de apropriação expressando sua função social,
seus projetos e desejos” (CARLOS 1996, p. 17). O lugar surge como produto de uma
ambigüidade que se estende a todas as relações sociais que envolvem o homem e o meio
(SANTOS, 1996). Portanto, acredita-se que por mais que os locais apresentem
semelhanças e
principalmente pelo fato de haver uma memória coletiva, bem como uma percepçã
interna e externa sobre o próprio espaço que criam sempre localidades diferentes.
21
A análise weberiana sobre comunidades também pode ser importante para ajudar
a compreender a definição de localidade pretendida aqui, se considerarmos que os
elementos que dão coesão social às comunidades, seus rituais de culto, as regras de
filiação e controle social também servem para compreender a localidade. São diversas
as poss
riana de tipos ideais
de “re
e
quando
nta da
ibilidades para se pensar os elementos que dão coesão a uma localidade, tais
como a história comum, os rituais religiosos e as relações de parentesco. Porém, o
presente debate não pretende mostrar a localidade como tendo o mesmo sentido de
comunidade, mas sim, ser feito a partir das relações entre o grupo social e seu espaço,
ou seja, analisar a importância do espaço como um elemento fundamental de coesão
social.
Recorrendo ao artifício de pensar uma localidade enquanto um tipo ideal, pode-
se encontrar alguns bons resultados. O caso que será apresentado no próximo capítulo
poderia servir como um bom exemplo. Ao recortar uma localidade específica, como
Pouso da Cajaíba – uma pequena praia habitada por cerca de 280 caiçaras no litoral sul-
fluminense- nota-se o quanto seria interessante a abordagem webe
lação comunitária e de relação associativa em seus aspectos econômicos”.
Principalmente, dentro da lógica de uma comunidade de vizinhança passando a se
comportar como uma comunidade econômica “A comunidade de vizinhança pode
representar uma ação comunitária amorfa e fluída no círculo de seus participantes,
portanto aberta e intermitente. Somente procura estabelecer limites fixos em sua
extensão quando existe uma relação associativa “fechada”, o que ocorre regularment
a vizinhança se transforma como uma comunidade econômica ou reguladora da
economia dos participantes. Isto é feito, ..., por motivos econômicos, por exemplo,
quando a exploração de pastos e bosques, devido a escassez, é regulada de modo
cooperativista” (Weber, 1983, p.248). Portanto as relações entre a sociedade e seu
espaço podem ser fundamentais para que se reconheça os limites e a identidade de
grupos sociais, pensados então como uma localidade.
Sendo a localidade pensada a partir das relações entre grupo local e espaço local,
a defesa e o reconhecimento dos recursos espaciais (naturais ou técnicos) passa a ser um
campo de lutas político. Para Simmel a associação de hábitos cria o mundo social,
formado numa pequena escala pelos costumes e as tradições locais, que por outro lado,
são dependentes de uma escala maior que se impõem pela lei e definição de direitos e
deveres. Desse modo, a localidade está sujeita a um jogo político complexo. Por
exemplo, as unidades de conservação definidas nas montanhas e enseadas da Po
22
Juating
egundo ele “a humanidade vai se apegando cada vez mais à terra, harmoniza-se
cada v
orque a emergência de diferentes
ações c
a (litoral sul-fluminense), interferiram nos costumes tradicionais da localidade
Pouso da Cajaíba (pequena comunidade caiçara), alterando modos de vida e ampliando
problemas de sustentabilidade da comunidade local. Percebe-se que este novo objeto
espacial (unidade de conservação) surgiu de maneira independente da vontade dos
grupos sociais locais, porém, a reflexão sobre esta situação pode estimular uma melhor
organização política da comunidade.
Ao se observar que boa parte das políticas ambientais está relacionada
exclusivamente à conservação dos recursos naturais, pode-se fazer uma retomada às
origens da geografia humana acadêmica nos estudos de Antropogeografia propostos por
Ratzel. S
ez mais com ela, e se multiplica estabelecendo com a terra um estado cada vez
mais íntimo e utilizando com mais habilidade as condições dadas” (Ratzel p.47). Se
considerarmos que durante anos a melhor utilização da terra para fins conservacionistas
ao longo do litoral brasileiro foi realizada por pequenos grupos populacionais (com o
surgimento de pequenas localidades), os caiçaras, enquanto as grandes zonas urbanas e
portuárias iam alterando completamente a dinâmica dos serviços ambientais prestados
pela natureza. Pode-se afirmar que estas pequenas localidades caiçaras foram
desenvolvendo ao longo do tempo um tipo de sabedoria nas relações entre sociedade e
natureza, híbrido em sua origem cultural e eficaz em suas estratégias de
sustentabilidade. Isto pode valorizar em muito os modos de vida tradicionais locais, já
que foram justamente as diferenças que a localidade tem nas suas formas de se
relacionar com o espaço que levaram aos resultados que hoje são valorizados, como a
conservação das paisagens naturais. O interessante seria não só os agentes externos
perceberem isto, mas os próprios habitantes locais compreenderem que seus modos de
vida tradicionais possuem um valor especial para os próprios agentes externos.
Compreende-se ainda que estas comunidades não podem ser pensadas de
maneira independente de seu espaço, principalmente p
onservacionistas sobre elas têm se justificado destacadamente pela preocupação
com a manutenção dos “serviços ambientais”
6
(economia ecológica) a partir dos
6
A economia ecológica aponta a existência de serviços ambientais, tais como a provisão de água em qualidade e
regularidade apropriada para consumo humano pelos mananciais florestados, a manutenção da fertilidade dos solos
pelo controle da erosão, a preservação da biodiversidade (e do potencial biotecnológico) e a proteção contra
mudanças climáticas ao longo prazo e existência de áreas para o lazer humano. Bem como, aponta a necessidade de
reconhecimento por parte da sociedade sobre estes serviços, inclusive apontando que os responsáveis pela
manutenção destes serviços devem receber alguma compensação, financeira ou social. (MAY, 2002).
23
grandes centros econômicos, políticos e acadêmicos, que em diversas situações não
respeitam o modo de vida dessas pequenas localidades que propiciaram a preservação
destes mesmos serviços ambientais até os dias atuais.
Ainda em Ratzel podemos encontrar uma afirmação “O crescimento em
inteligência e cultura, tudo o que chamamos de progresso de uma nação, é bem
comparável ao crescer de uma planta; a natureza humana ergue a cabeça aos ventos,
mas os
ção, sua
estrutu
posições sociais, a partir das relações que se tem mantido com o exterior. “Pode-se
)
r dizer,
pés estão sempre no solo demonstrando a importância do ponto de vista
geográfico” (Ratzel. 1896, p.3). De alguma maneira, mesmo que puramente subjetiva, o
indivíduo e o povo possuem raízes com os lugares, com o solo e com o território. Isto
contribui para a formação do modo de vida das localidades.
De acordo com Marc Auge “o dispositivo espacial é, ao mesmo tempo, o que
exprime a identidade do grupo (as origens do grupo são, muitas vezes, diversas, mas é a
identidade do lugar que o funda, congrega e une) e o que o grupo deve defender contra
as ameaças externas e internas para que a linguagem de identidade conserve um
sentido” (Auge, 1994, p.45). A localidade não deve ser reconhecida somente como um
grupo social, mas como um grupo social ligado ao seu espaço, que se identifica com ele
e que reconhece suas territorializações nas suas estratégias particulares de
desenvolvimento. Uma localidade pode apresentar uma grande quantidade de conflitos
internos, dificultando as estratégias de articulação política interna. Nestas situações, o
sentimento de pertencimento a um lugar comum pode ser um importante elemento de
integração.
A Localidade Enquanto um Campo Onde o Capital Social Pode Ser Pensado de
Forma Coletiva
O potencial espacial da localidade, sua paisagem, seu sítio, sua localiza
ra viária, seu contexto regional, enfim, seus elementos geográficos devem ser
considerados como parte do capital social (no sentido apontado por Bourdieu, 1989)
apropriado pelos agentes políticos locais, bem como pelos indivíduos da localidade.
Diversos são os agentes presentes em uma localidade, que passam a alterar as antigas
assim representar o mundo social em forma de um espaço (a várias dimensões
construído na base de princípios de diferenciação ou de distribuição constituídos pelo
conjunto das propriedades que atuam no universo social considerado, que
24
apropriadas a conferir, ao detentor delas, força ou poder neste universo. Os agentes ou
grupos de agentes são assim definidos pelas suas posições relativas neste espaço.”
(Bourdieu, 1989,p.133). Por trás dessas mudanças estão interesses no capital existente
dentro
junto dos instrumentos de
produç
as (princípio do protetor-recebedor ligado à economia ecológica
7
). Esta
compensação não poderia se dirigir a um grupo dentro da localidade, mas sim à
lar
da localidade, coletiva e individualmente, “As propriedades atuantes, tidas em
consideração como princípios de construção do espaço social, são as diferentes espécies
de poder ou capital que ocorrem nos diferentes campos. O capital – que pode existir no
estado objetivado, em forma de propriedades materiais, ou, no caso do capital cultural,
no estado incorporado, e que pode ser juridicamente garantido – representa um poder
sobre um campo (num dado momento) e, mais precisamente, sobre o produto
acumulado do trabalho passado (em particular sobre o con
ão)” (Bourdieu, 1989,p.134). Isto pode ser pensado a partir das relações entre os
interesses locais e os interesses externos, e principalmente para compreender as relações
que ocorrem entre os diferentes atores e interesses que existem dentro da localidade, ou
até como sendo fundamental para estimular a solidariedade interna dentro da própria
sociedade local. A localidade poderia ser definida como uma espécie de campo onde se
desenvolvem algumas relações sociais que permitem um reconhecimento, por parte dos
habitantes locais, de seus potenciais de negociação e articulação.
Além disso, do ponto de vista puramente espacial, os serviços ambientais
prestados pelas localidades que venham a beneficiar outras áreas (ou localidades)
devem ser identificados, e caso haja possibilidade, as localidades devem ser
recompensad
localidade como um todo, com isto a localidade seria obrigada a se articu
internamente.
Por vezes pode se observar a existência de símbolos dentro de uma localidade
que façam parte da história cultural de uma região, ou mesmo de uma nação. Estes
símbolos normalmente são identificados por grupos externos às localidades, porém nem
sempre são percebidos pelos habitantes locais. Os diferentes moradores locais nem
7
A legitimidade das políticas de fiscalização e tributação ambiental não é facilmente observada pelo conjunto da
sociedade, daí a importância da utilização da noção de localidade como importante legitimador das políticas
ambientais, já que alguns benefícios gerados pela preservação ambiental acabam sendo distribuídos por uma grande
região. Porém a geração destes benefícios (serviços) ambientais acabam por produzir sérios impactos econômicos e
culturais em algumas localidades. Sendo assim, a criação de instrumentos de controle ambiental deve levar em
consideração o princípio do protetor-recebedor, apontando as localidades envolvidas na preservação como as
beneficiárias diretas da renda gerada pela tributação ambiental, compensando assim os agentes que conservam os
serviços ambientais, como é o caso do repasse do ICMS ecológico no Paraná e em Minas Gerais para os municípios
que prestam serviços ambientais. Esta idéia será melhor debatida mais adiante neste trabalho.
25
sempre fazem idéia de que para muitos visitantes (turistas) ali presentes eles são
símbolos da nação brasileira, bem como constituem o que se poderia chamar de
patrimônio cultural nacional. Por mais que esta definição seja externa à localidade, sua
compreensão e identificação pode se transformar num instrumento utilizado pela própria
comunidade local. Suas imagens, bem como a simbologia criada sobre suas imagens,
podem ser percebidas pela comunidade como uma estratégia, não só de manutenção de
identidade cultural, mas até como uma fonte de renda, já que muitas vezes empresas e
governos se apropriam dessas imagens e não repassam satisfação alguma à comunidade.
O turismo não se desenvolve somente sobre o patrimônio físico de um lugar, mas
também sobre seu patrimônio cultural; enfim, sobre a localidade.
2.2 - A proposta de abordagem sobre a localidade
A escolha da noção “localidade”
Se por um lado, a utilização da noção de localidade dificulta sua percepção como
algo nã
o e gestão litorâneos em curso no Brasil, evita-se estabelecer a localidade
exclusi
A idéia central em torno da utilização da noção de localidade é, de um lado, poder
de-se apontar a
o puramente espacial ou mesmo territorial, a utilização da noção de comunidade
retiraria em parte a importância do elemento espacial. A idéia de discutir a noção de
localidade é apontar que os aspectos físicos (sistemas de objetos) e os aspectos sociais
(sistemas de ações) devem ser pensados como um todo, já que ambos são parte do
conjunto de capitais e da história que configura a localidade (Santos 2002).
Como discutir a idéia de localidade tem por objetivo contribuir com os projetos
de planejament
vamente como um território (de acordo com Souza [1995, pág78], território é o
espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder), mas sim como uma
construção sócio-espacial (relacional e mutável), evitando-se a necessidade de delimitar
novas fronteiras, o que aumentaria ainda mais as sobreposições territoriais já existentes.
apontar que existe um dentro e um fora, um interno e um externo, que nem sempre são
facilmente percebidos e identificados por quem está de fora, seja pela delimitação
territorial ou pela identidade cultural; mas ao contrário, para quem está dentro, tais
fronteiras, sejam culturais ou territoriais, são mais facilmente percebidas. Por outro
lado, ao se observar a localidade como algo delimitado, preten
26
complexidade de interesses e atores dentro da própria localidade, que passam a ter
diferentes formas de relação com os agentes e interesses externos à localidade. A
delimitação territorial da localidade não é necessariamente sua identidade mais
importante, mesmo porque os habitantes locais podem perceber diferentes formas de
territorialização dentro da própria localidade. Porém, esta delimitação pode ser feita a
partir da coleta de informações junto aos próprios habitantes locais, que permitam
identificar um limite territorial comum, servindo como base para o estabelecimento de
uma identidade coletiva.
A localidade enquanto um instrumento de integração local e objeto de luta social
Pode-se dizer que a identificação entre sociedade e território torna-se
culadas sobre o espaço
geográfico, que criam possibilidades cada vez mais dinâmicas para a transformação das
calidades. A lógica globalizante integra os mais “distantes” lugares, atravessando
o de informações, produtos, interesses e pessoas,
provoc
questionável diante da constante formação de redes arti
lo
fronteiras com um crescente flux
ando os processos de desterritorialização apontados por Haesbaert (2002,p.29),
tanto no sentido de que a presença de redes e fluxos intensos desarticulam a estabilidade
da ordem anterior e estabelecem novas formas de controle, quanto no sentido da perda
de características culturais originas. O que diminuiria as particularidades
individualidades dos sistemas de objetos (os lugares teriam os mesmos elementos
técnicos científicos informacionais).
O conhecimento externo sobre os recursos das localidades é cada vez maior a
partir de novas técnicas, como imagens de satélite e a maior capacidade de
processamento, armazenamento e transmissão de informações. Tais informações são
precisas, mas genéricas (Santos 2002, p.243), cabendo aos atores que têm acesso a elas,
como grandes empresas, governos, ONGs e agências internacionais, retrabalhar os
dados obtidos, em função de objetivos específicos. Diante desta situação, cada lugar
aparece para os atores externos como um conjunto de possibilidades particulares, que
pode estar centrada nas suas características sociais (como a qualidade de sua mão-de-
obra) ou nas suas características territoriais (a beleza de suas praias). Este processo vem
gerando a especialização de áreas, no sentido que cada lugar passa a ter uma função
específica, complementar aos outros. Por vezes, o papel destinado a uma localidade não
27
interessa tanto aos habitantes locais quanto aos agentes externos que querem esta
especialização.
Grandes empreendimentos econômicos, como a construção de hotéis e a
exploração de petróleo na plataforma continental, são, de acordo com a legislação atual
(fruto de um histórico de política ambiental não somente nacional), obrigados a
enfrentar um processo de licenciamento ambiental. Neste momento, devem ser
definidos os grupos sujeitos aos impactos do empreendimento, cabendo ao consultor
ambiental e aos setores públicos responsáveis definir os grupos sociais que serão
ouvidos. Nesta esfera de lutas se confrontam interesses públicos e privados,
o
associações até então
o, reconhecida como um grupo.
políticas públicas reconheçam os principais conjuntos de interesses sobre o litoral
mercadológicos e sociais. A inserção dos empreendimentos mobiliza os grupos, gerand
inexistentes, re-estruturando e fortalecendo outras. São
confrontados os interesses do Estado, expressados através dos órgãos ambientais
(IBAMA, secretarias de meio ambiente, agências locais, Ministério Público, etc.), os
interesses das empresas empreendedoras em realizar o empreendimento, e os interesses
dos grupos locais na manutenção e reprodução de seus modos de sobrevivência.
Este exemplo é fundamental para nossa compreensão da localidade, pois a força
e a representatividade desses grupos locais podem promover sua manutenção, sua
decadência, ou até uma melhoria na sua qualidade de vida. Nesse campo de disputas, o
que está em jogo não são apenas os interesses diretos da apropriação dos recursos
naturais e sociais da localidade, mas a sua capacidade de se expressar, de impor as suas
visões de mundo e de ser, antes de tud
A definição de localidade não só facilitaria a percepção dos agentes externos,
mas principalmente dos agentes internos sobre o potencial de seus próprios recursos.
Este reconhecimento representaria o que Romano (2002) chama de empoderamento.
Para ele, uma das principais características do empoderamento é “o processo pelo qual
as pessoas, as organizações, as comunidades assumem o controle de seus próprios
assuntos, de sua própria vida e tomam consciência da sua habilidade e competência para
produzir, criar e gerir” (Romano, 2002, p.17).
Um planejamento regional ou nacional que não traz em si uma preocupação com
os interesses locais fortalece o receio de que atividades como o turismo e a exploração
de petróleo venham a se impor sobre as localidades, promovendo um desenvolvimento
de fora para dentro, centrado nos interesses externos. Portanto, é fundamental que as
28
brasileiro. Defende-se assim que as formas de planejamento devam respeitar os limites
e potencialidades das localidades, tanto ambientais quanto sociais, permitindo que uma
imposi
elação entre as
estraté
elhor identificar, justamente, os limites
entre
ção política externa respeite as formas de reconhecimento e relacionamento da
sociedade com seu meio ambiente.
As pequenas localidades litorâneas, como Pouso da Cajaíba, não estão sendo
formadas por políticas atuais; pelo contrário, elas já existiam muito antes das instâncias
públicas e privadas criarem propostas de ordenamento territorial. Porém, é justamente o
despreparo destas localidades para uma nova realidade onde suas características são
percebidas e apropriadas mais rapidamente por atores e interesses externos, que as
tornam frágeis e dificultam as possibilidades de seus grupos sociais se unirem em torno
de seu próprio capital social para controlar seu destino. Poderíamos destacar como
exemplo que para diversos atores externos à localidade, a preservação ambiental de seu
território torna-se mais importante que a preservação de sua cultura e seus espaços de
convivência. Portanto seria fundamental não só uma percepção interna como também
uma percepção por parte dos agentes externos sobre os limites da localidade.
A idéia é apresentar a noção de localidade como algo produzido por um
tecido social e por um sentimento social comum, que capacita um grupo local a
tomar atitudes coletivas na construção de seu espaço e sua paisagem, de acordo
com suas necessidades (possibilidades) e com as características físicas de seu
território. Esta definição de localidade se justifica por fazer a r
gias internas de reprodução social da comunidade com as características do
seu espaço local. “Sem sujeitos locais confiáveis, a construção de um território
local de habitação, produção e segurança moral não despertaria interesses. Mas ao
mesmo tempo, sem um território negociável conhecido já à disposição, as técnicas
ritualísticas para a formação de sujeitos locais seriam abstratas, portanto estéreis.”
Appadurai (1995, p.206). A idéia de se delimitar uma localidade a partir da
separação entre o dentro e o fora permite m
os atores estabelecidos e reconhecidos localmente diante da força dos
interesses externos. Acredita-se que não basta reconhecer a complexidade dos
interesses internos sem os relacionar com a complexidade dos interesses externos,
pois são justamente estas relações que contribuem decisivamente para a formação
do sentimento de identidade local, deixando evidente que a localidade não é sólida
29
dentro de um território fechado; pelo contrário, ela é o que é, devido às suas
relações com o exterior.
A constante formação de redes articuladas sobre o espaço goegráfico cria
possibi
r em três
grandes conjuntos de interesses. Primeiro, a crescente pressão internacional para
preservação do patrimônio ambiental litorâneo. Segundo, a expansão das atividades
mercan
lidades cada vez mais dinâmicas para sua transformação. Os grandes centros
urbanos estão cada vez mais próximos de pequenas localidades que tinham um modo de
vida mais independente, e desta forma os interesses do grande capital atuam de maneira
mais constante nessas pequenas localidades. São muito diversos os conjuntos de
interesses e ações que podem se materializar sobre as localidades, porém, acredita-se
que as políticas públicas, nas diferentes escalas de governo, que incidem sobre
localidades litorâneas podem servir como importantes pistas para sistematizar a
compreensão destes interesses e ações.
Para orientar o esforço de apontar a importância da utilização da noção de
localidade nas formas de planejamento e gestão territorial diante dos dinâmicos
processos de transformação sócio-espaciais pode-se, inicialmente, pensa
tis dos grandes centros nacionais e internacionais que encontram nas áreas
preservadas uma nova fronteira para seus investimentos. Terceiro, a realidade imposta
pela emergência de redes mais complexas, assim como, pela decadência de formas
tradicionais de reprodução da comunidade local, podem produzir novos interesses
dentro da própria localidade que venham a estimular profundas transformações sociais,
econômicas e culturais.
30
2.3 As Políticas Públicas Litorâneas e o Uso da Escala Local
A Evolução das Políticas de Planejamento e Gestão das Áreas Litorâneas
ram elaborados para tentar suprir um problema
que se
mentos que dificultam uma efetiva inclusão e participação da
escala local nos programas de gestão e planejamento por parte do poder público. Podem
ser destacadas as dificuldades que os planos de gestão e planejamento em escala
nacional e regional têm em chegar até a escala local e reconhecer suas reivindicações
Os anos 90 marcam um grande avanço no levantamento de dados para a
orientação das políticas públicas litorâneas. Percebe-se que houve um aumento na
quantidade de material produzido, assim como um avanço na disposição desses dados
por parte poder público. A metodologia utilizada na produção deste material para o
planejamento e gestão litorâneos normalmente parte das escalas regional e nacional, a
partir da sobreposição de diferentes informações, como os níveis de preservação
ambiental, de renda, de poluição, das redes viárias, entre outros, de onde se retiram
potencialidades regionais (e mesmo locais) para a elaboração de propostas de
planejamento e gestão. Esses trabalhos fo
identificou desde os anos 60, a fragmentação das políticas ambientais existentes
até então.
8
Um denso material foi produzido sobre a região costeira brasileira por iniciativa
dos órgãos governamentais ligados ao Ministério do Meio Ambiente. Dentre eles
ressalta-se o Gerenciamento Costeiro - GERCO, responsável por levantamentos como o
Macrozoneamento da Zona Costeira e o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro -
PNGC, entre outros. A iniciativa também se manifestou nas escalas públicas estadual e
municipal.
9
Dentro desta perspectiva, a escala local foi diversas vezes mencionada,
porém a utilização da escala local de forma semelhante ao conceito de localidade
debatido anteriormente não chegou nem perto de ser cogitado.
São muitos os ele
8
Um dos primeiros problemas identificados na década de 1960 foi a fragmentação das políticas existentes, sobretudo
aquelas relacionadas com o uso e a proteção dos recursos ambientais. Contudo, mesmo tendo sido identificada e
diagnosticada durante as últimas três décadas como uma questão relevante para a efetiva implementação de políticas
ambientais, as diferentes leis, agências, planos e programas e outros instrumentos criados durante esse período apenas
contribuíram para aumentar essa segmentação (Relatório Perspectivas do Meio Ambiente para o Brasil GEO-
BRASIL 2002).
9
Em relação à elaboração de projetos governamentais, destaca-se outro problema: as dificuldades de relacionar e
sincronizar as diferentes instâncias de poder público. No caso de Pouso da Cajaíba, sua fiscalização ambiental
apresenta um complexo cruzamento, pois o município deveria atuar com suas secretarias ligadas ao meio ambiente e
habitação, enquanto o poder estadual atuaria através do IEF (Instituto Estadual de Floresta) – responsável pela
Reserva Ecológica- e o poder federal atuaria através do IBAMA –responsável pela fiscalização da APA do Cairuçú.
31
(principalmente devido à pequena quantidade de funcionários disponíveis), bem como a
usência de uma maior organização interna das localidades que lhe permitam
formas de
elabora
a para o desenvolvimento municipal litorâneo. Este projeto foi formulado
para a
calidade
descentralização político-administrativa com distribuição de responsabilidades e poder
dor não encontra nas prefeituras municipais uma estrutura institucional
ase institucional e de instrumentos técnicos de planejamento e controle para a
a
reconhecer os planos de gestão e assim ter uma efetiva participação nas suas
ção.
É necessário ressaltar a importância destes trabalhos elaborados ao longo dos
últimos anos, que permitiram uma visão mais abrangente sobre as interdependências
entre as diferentes localidades, dentro da perspectiva regional, nacional e internacional.
Bem como pelo estímulo a uma maior organização e participação local provocado por
alguns projetos públicos e privados. Com isto, a percepção dos atores locais sobre as
novas redes que estão se rearticulando na região litorânea do Brasil tem sido
enriquecida, inclusive reorientando suas organizações sociais e políticas.
O Ministério do Meio Ambiente realizou em 2003 e 2004 o Projeto Orla, que
visa capacitar, articular e orientar os municípios sobre suas potencialidades, sendo quase
uma cartilh
tuar em escala municipal. É evidente que a mobilização do município não
significa uma maior participação das localidades (no sentido debatido nos capítulos
anteriores). Por outro lado, é também evidente que a mobilização municipal pode
estimular diversas formas de organização e participação local. Além disto, esta
articulação em nível municipal é importante para fornecer insumos e melhor reconhecer
o quadro de degradação ambiental e social do litoral brasileiro.
Os Municípios – Possibilidades de utilização da Noção de Lo
Ao se propor ‘localidade’ como palco concreto de ações de planejamento e
gestão da zona costeira, é necessário que haja clareza com relação às limitações
impostas pela estrutura administrativa que rege este tipo de espaço. A partir da
promulgação da Constituição de 1988 desenvolve-se no Brasil um processo de
decisório entre União, Estados e Municípios, transferindo-se aos municípios diversas
novas atribuições e responsabilidades (BUARQUE 2002). Entretanto, tal processo
descentraliza
capaz de dar resposta a essas demandas. A maioria dos municípios brasileiros não esta
preparada para as responsabilidades da descentralização. Esses municípios carecem de
b
32
promoção do desenvolvimento local em bases de sustentabilidade ecológica. Além
disso, os municípios sofrem diversas pressões por setores de peso na composição
política local, em sentido contrário à perspectiva da conservação ambiental.
Seguindo a lógica de beneficiar o município que protege seu patrimônio
ambien
re: onde estes
municí
tal (utilizando fundos específicos para a conservação ambiental, como o FECAM
- Fundo Estadual de Conservação Ambiental no Rio de Janeiro, FNMA – Fundo
Nacional de Meio Ambiente, ou recursos provenientes de multas, Termos de Ajuste de
Conduta, Medidas Compensatórias, etc.), é possível desenvolver projetos e programas
que preconizem o fortalecimento institucional em um sistema que beneficie
financeiramente esses municípios que mantém programas objetivando a preservação de
seu patrimônio ambiental e paisagístico. Ainda assim, fica a questão sob
pios vão investir estes benefícios ?
Apesar dos grandes benefícios gerados pela descentralização administrativa dos
projetos sócio-ambientais para escala municipal, uma análise mais detalhada e particular
das relações entre sociedade e natureza local parece ser fundamental e isto é o que será
debatido no capítulo 4.
33
3 – A Localidade de Pouso da Cajaíba
3.1 introdução
Pouso da Cajaíba
Mapa retirado do Plano de Manejo da APA do Cairuçu.
Para iniciar a discussão sobre a localidade, cabe apresentar em linhas gerais as
suas características físicas (sistemas de objetos). No litoral sudeste do Brasil, próximo à
fronteira do Rio de Janeiro com São Paulo, existe uma grande mancha de Mata
Atlântica localizada numa área onde a Serra do Mar entra em contato direto com o
oceano, formando um cenário de pequenas praias e ilhas marcadas por diversas
elevações do relevo. O índice pluviométrico desta área está entre os maiores do país,
ultrapassando 3.000 mm anuais. Dentro do Estado do Rio de Janeiro esta região é
conhecida como Baía da Ilha Grande, ou Litoral Sul-fluminense, ou, mais recentemente
para estimular o turismo, Costa Verde. Esta pequena região é formada por dois
municípios Paraty e Angra dos Reis.
34
No município de Paraty existe uma península, bem na fronteira com o Estado de
ão Paulo, constituída por um relevo montanhoso, que em alinhamento com a Ilha
da Ilha Grande. Esta península se destaca por ser quase totalmente
coberta por Mata Atlântica e apresentar algumas manchas de floresta primária. Não
existem estradas ligando a ponta desta península com o resto do município, bem como
não existem linhas transmissoras de energia elétrica. Habitando esta área encontram-se
diversas comunidades caiçaras espalhadas por diferentes praias e mesmo por portos de
pedra.
Devido às características de isolamento e conservação natural, além da
proximidade com os principais centros econômicos do país, esta península se tornou
muito importante para os interesses preservacionistas nacionais. Já em 1983 foi criada a
Área de Proteção Ambiental (APA) do Cairuçú abrangendo grande parte do município
de Paraty. Dentro desta APA em 1992 foi criada a Reserva Ecológica da Juatinga (uma
área de proteção ambiental e pesquisa, teoricamente mais restritiva ao desenvolvimento
de atividades humanas), abrangendo justamente a ponta desta península, que é a área
mais preservada e isolada da região.
É dentro desta reserva que se encontra a Enseada da Cajaíba e dentro desta
enseada há diversas praias, numa das quais encontra-se a localidade de Pouso da
Cajaíba. Além da localidade de Pouso da Cajaíba (habitada por uma pequena
comunidade com cerca de 280 habitantes e 60 famílias), existem outras comunidades
de 40 famílias), Praia Grande
om cerca de 12 famílias), Saco das Sardinhas (com cerca de 7 famílias) e a Ponta da
ating
S
Grande fecha a Baía
re
menores nesta enseada; são elas: Escalhéus (com cerca
(c
Ju a (com cerca de 22 famílias)
10
. Dentro da reserva, mas fora da enseada, ainda se
encontram outras comunidades como Ponta Negra e Sono. No distrito central de Paraty
a população local se refere a esta área como sendo a ‘região da reserva’.
O fato de não haver estradas deixa as comunidades locais bastante isoladas e a
localidade de Pouso, por ser a maior da enseada, exerce um poder de polarização sobre
as outras localidades em relação ao comércio e mesmo a alguns serviços. Pouso é o
centro de trilhas que se interligam com outras localidades. Atualmente, a rede de
telefonia celular é a principal forma de conexão destas localidades com o resto do
mundo.
10
Estes dados a respeito do número de famílias foram coletados junto a agente comunitária local em julho
de 2004. Outros dados estão dispon íveis em anexo no f inal do tranab lho.
35
Princip
do ouro- esta região começou a se desenvolver num ritmo mais acelerado.
Posteri
existe uma pequena trilha ligando as duas praias)
desta p
e comprovar a
import
s ligadas a construção da estrada que ligava as duas praias. Porém esta
ntativa não deu certo; um dos moradores mais antigos, seu José (83 anos), diz que seu
ais origens da Localidade de Pouso da Cajaíba
O histórico sobre a região de Paraty é muito antigo e remonta ao período inicial
da colonização. Porém, o momento decisivo para a região deixar de ser uma área
habitada apenas por índios e passar a ser ocupada pela população de origem européia e
africana foi o ciclo do ouro. A partir da intensificação do uso da trilha dos Goianas ou
Goi ami min is
11
, que ligava o Vale do Paraíba à atual cidade de Paraty -o histórico
caminho
ormente à decadência do ouro, a região teve alguns surtos de desenvolvimento
econômico; participou discretamente do ciclo do café, e passou a ser uma importante
área produtora de cana-de-açúcar e cachaça.
A partir de uma recuperação histórica junto a depoimentos de alguns habitantes
de Pouso da Cajaíba, acredita-se que durante o século XIX, numa enseada vizinha
(Martim de Sá), existia uma grande fazenda (provavelmente de café) que entrou em
profunda decadência no início do século passado. A origem do nome Pouso da Cajaíba
estaria ligada ao papel de passagem (
raia para se alcançar a grande fazenda, já que lá a força do mar dificulta a
atracação das embarcações. Por sua vez, Pouso é um local seguro para fundeio dos
barcos e para carregamento e descarregamento de material. Existem diversas histórias
curiosas contadas pelos moradores sobre esta antiga fazenda. Uma delas conta que o
antigo dono da fazenda (ainda no século XIX) falsificava moeda para comprar escravos
e acabou sendo preso. Outra história, quase uma lenda, muito comentada pelos
habitantes locais é sobre a existência de potes de ouro enterrados juntos com os escravos
que cavaram os buracos nas encostas de Martim de Sá.
Diante de observações locais, e de inúmeros depoimentos, pode-s
ância que a fazenda de Martim de Sá teve para a comunidade de Pouso. Consta
que, no início da segunda metade do século XX, uma família de Nova Iguaçu (Estado
do Rio de Janeiro) – identificada pela figura do seu Pacheco – comprou a fazenda. Esta
foi à última lembrança dos moradores mais velhos de Pouso terem visto alguém tentado
tocar a fazenda adiante, o que teria reestimulado a função portuária de Pouso e as
atividade
te
11
Dados coletados em diversos trabalhos históricos, com destaque para o livro A História do Caminho do Ouro em
Paraty de Marcos Ca e tano Ri ba s.
36
Pacheco só perdeu dinheiro lá, tentando produzir carvão. Mas o fato é que, além de
artim de Sá, seu Pacheco também adquiriu terras em Pouso para fazer a estrada e dois
galpõe
ck Caçador e avô de seu Manoel do Rock,
ou mai
r volta do século XIX. Alguns
entrevi
possuem mais terras, surgiram a partir da partilha das terras de Cândido Xavier entre
M
s na beira da praia. Seu Juracir (63 anos), conta que quando jovem trabalhou na
manutenção dessa estrada, por onde passavam jegues trazendo carvão de Martim de Sá.
Muitos antigos moradores do Pouso lembram de quando ainda havia gado em Martim
de Sá e dizem que os morcegos vampiros foram os responsáveis pela morte desses
animais.
Quando seu Pacheco morreu a fazenda ficou sob o controle de seu filho, seu
Clovis, que teria desistido de tocá-la adiante e abandonado as terras. A família de
antigos moradores de Martim de Sá, provavelmente os antigos donos da praia –
originada de seu Benedito Caçador, pai de Ro
s conhecido como seu Manoel dos Remédios (ou ainda, Manuel de Martim de
Sá) – voltou (apenas seu Manoel, pois os outros já estão mortos) a habitar a praia e estão
na justiça para oficializar sua situação. Seu Manoel organizou um camping com ajuda
de uma ONG (Verde Cidadania) e de algumas outras pessoas e hoje é o principal
protetor ambiental da praia de Martim de Sá, que nos picos de turismo já chegou a
receber mais de 700 pessoas acampadas (atualmente este número é limitado).
Os relatos sobre a origem da comunidade de Pouso, coletados junto aos
moradores mais velhos (mais de sessenta anos) chegam sempre num Bisavô comum,
cujo nome é Cândido Xavier, que teria sido um ex-escravo e teria comprado todas as
terras de Pouso, as quais posteriormente teriam sido divididas pelos seus descende ntes.
Portanto, os primeiros relatos sobre a intensificação da ocupação da enseada de Pouso
remontam ao período das fazendas de cana e café, po
stados mencionaram que já havia habitantes em Pouso da Cajaíba no século
XVIII, ligados ao tráfico de escravos e à Pirataria de Ouro. É do conhecimento geral
que existiam fazendas na região desde o século XIX, porém os membros atuais da
comunidade de Pouso são unânimes em apontar sua origem na própria praia de Pouso,
mencionando sempre a figura de seu Cândido Xavier como o patriarca original.
Levando em consideração que a origem da localidade de Pouso está ligada à
figura de Cândido Xavier, pode-se afirmar que foi no final do século XIX e início do
século XX que as atuais famílias locais se estabeleceram. As principais famílias, que
seus filhos. Estas famílias originais se misturaram com alguns outros grupos
37
populacionais que teriam migrado posteriormente para Pouso. A origem destes fluxos
migratórios foram outras comunidades caiçaras do litoral brasileiro e a chegada de
alguns mineiros que teriam buscado na região de Paraty melhores oportunidades no
início do século XX.
Pouso da Cajaíba sempre teve sua estrutura de subsistência ligada à pesca,
porém a atividade agrícola já teve um papel muito mais importante para a economia e o
modo de vida local. Inúmeros depoimentos destacaram este fato: seu Juracir (63 anos)
disse q
ue Pouso
da Cajaíba, já que não existiam estradas asfaltadas e os automóveis só foram surgindo a
partir d
ue só foi tomar café moído recentemente, pois antes só tomava café pilado
produzido ali mesmo; seu Piá (64) afirmou que quando pequeno não usava açúcar, mas
sim melado de cana (café de cana). Conversando com os mais velhos, nota-se que antes
a agricultura era muito mais importante para a comunidade local, pois na sua juventude
eles não tinham acesso ao barco a motor e a ligação com Paraty era feita por canoa.
Neste caso, eles tinham que esperar bom tempo e levavam cerca de seis horas para
tais como a exploração de recursos minerais e a intensificação (técnica e quantitativa)
da atividade pesqueira. É como se estas praias estivessem na mira de diversos interesses
e agentes, por algum tempo não tão interessados, mas que agora passam a atuar
diretamente nas transformações sócio-espaciais da localidade de Pouso da Cajaíba.
s últimas a manter uma paisagem tipicamente caiçara, onde se observam
pequen
nós estamos até
hoje q
te ao mar. Mas na verdade, passou a chamar caiçara
quando
Atualmente, as localidades dentro das reserva vivenciam uma situação
complexa, ao mesmo tempo em que os interesses externos vêm aumentando e se
materializando na chegada da telefonia celular ou na ação concreta de algumas ONGs.
A população local ainda não tem acesso a rede de energia perene de 110 volts, a escolas
para turmas acima da quarta-série do ensino fundamental e nem a um sistema de
transporte regular promovendo a inter-ligação com Paraty.
3.2 Pouso da Cajaíba: uma Comunidade Caiçara
A localidade de Pouso da Cajaíba, assim como as outras localidades da reserva,
é uma da
as casas escondidas pela floresta. A maior parte das pequenas localidades à beira
mar de Paraty apresentam grandes casas de pessoas de fora que costumam aproveitar a
beleza cênica da região para fazer o veraneio. Nestas localidades, um grande percentual
de moradores está envolvido em atividades ligadas ao turismo e à prestação de serviços.
Em Pouso da Cajaíba, a grande maioria das famílias ainda se sustenta com a pesca,
enquanto a floresta continua sendo uma fonte de recursos para sua subsistência.
Seu Piá (64): “O que é ser caiçara? Eu, para te falar a verdade,
uerendo saber o que é ser caiçara. Porque na costa de São Sebastião é tudo
caiçara, em Ubatuba é caiçara, aqui é caiçara, nessa parte é tudo caiçara. Agora, não
sabemos se vem pela parte da pesca, ou porque mora em porto do mar, isso a gente não
sabe”.
Seu Juracir (63): “Acho que é quando os troncos das famílias são caiçaras: avós ,
pais , filhos, que nasceram em fren
aumentaram os problemas no Mamanguá; os turistas de São Paulo estavam
tirando as terras deles e eles ficando sem lugar para morar. Aí veio uma lei que apoiou o
caiçara. Quem fez esta lei foi o pessoal do Mamanguá, para as praias serem
defendidas”.
39
Zorro (31): “Eu sou caiçara porque sou nativo daqui e faço o que uns dos
caiçaras fazem: pesca, planta, constrói e faz tudo, se tiver que fazer uma casa de bambu
a gente vai lá e faz. Por isso que eu me considero caiçara”.
Para a localidade de Pouso, a auto-definição como caiçara é unânime e
incontestável. Porém, como mostram os trechos transcritos acima, as origens dessa
definição e sua importância variam bastante. De um lado, não se compreende muito
bem seu significado, pelo sentido bastante abrangente que essa definição possui. Assim
como alguns percebem que esta definição está diretamente ligada a uma estratégia de
luta e resistência, a partir de sua valorização cultural. Também se percebe,
rincipalmente por parte dos jovens, que se busca uma definição mais precisa,
tidade cultural.
s caiçaras são reconhecidos por apresentarem um gênero de vida que combina
pesca c
s caiçaras sempre estiveram à margem da grande estrutura social patriarcal
analisa
e grupo apresenta características típicas de comunidades rurais, principalmente
quanto
solo e distância dos centros urbanos-comerciais. Adams aponta ainda que
esta situação variou ao longo do tempo, destacando que a partir da segunda metade do
p
apontando atitudes e comportamentos que formariam sua iden
O
om agricultura de subsistência ao longo do litoral sul e sudeste (podendo se
expandir para algumas áreas do nordeste), normalmente habitando áreas florestadas.
Estas comunidades se formaram desde um período em que as dificuldades de circulação
eram muito grandes, mesmo no litoral sudeste do Brasil. Porém, as comunidades
caiçaras nunca estiveram completamente isoladas em relação aos centros urbanos, nem
foram completamente auto-sustentáveis. “A conceituação das comunidades caiçaras
como tradicionais e semi-isoladas foi criada num período histórico de menor integração
destas com o mercado.”(Adams, 2000, pág 261).
O
da por autores como Gilberto Freire e Oliveira Viana como responsáveis
principais pela formação sócio-econômica nacional. Para alguns autores, como Silva
(1993), a cultura caiçara é uma subcultura da cultura caipira; para outros autores, como
Setti (1985), a cultura caiçara apresenta um modo de vida particular e único. Percebe-se
que est
aos padrões de moral e conduta.
De acordo com Adams(2000), diversos autores (Diegues, 1983;Maldonado,
1986; Silva, T.E. M., 1989; Hoefle, 1989) apontam uma distinção entre caiçaras
pescadores e caiçaras lavradores. Alguns grupos caiçaras seriam menos ou mais
dependentes da agricultura para sua subsistência, contribuindo para isto fatores como
condições do
40
século
tribuem para a tendência do
caiçara de se aproximar mais da pesca e se afastar da agricultura em Pouso da Cajaíba: a
influên
ade nas
ativida
stência e o extrativismo vegetal são
ativida
aciais particulares de Pouso da Cajaíba, seria
impossível pensar s
XX os barcos a motor se disseminaram entre os caiçaras do litoral sul-
fluminense, aumentando a capacidade da pesca e facilitando as relações comerciais com
os centros urbanos. Dois outros elementos mais recentes con
cia das novas legislações ambientais, dificultando práticas agrícolas como a
queimada, e o fato de grande parte da mão-de-obra local ter como destino trabalhar para
grandes ou médias embarcações pesqueiras fora da comunidade.
A cultura caiçara se assemelha à cultura caipira, pois elas se desenvolveram a
partir dos mesmos elementos populacionais, religiosos e políticos, à margem dos
principais centros econômicos do país. Porém, é interessante perceber que as intensas
relações que os caiçaras mantém com o mar sempre individualizaram sua cultura e seus
hábitos. É provável que os grupos caiçaras que apresentavam maior intensid
des agrícolas mostrassem maiores semelhanças com os caipiras quanto às
tradições de crença, religião e de suas principais festas, como destaca Begossi (1995).
Carvalho (1940) apresenta semelhanças quanto à casa caipira e a casa caiçara, fato ainda
verificável em Pouso da Cajaíba, onde grande parte das c asas apre sentam pa redes de
pau-a-pique, telhado de sapê e chão de terra batida.
Com a decadência da fazenda de Martim de Sá e a emergência da pesca como a
principal possibilidade de sustento da família, Pouso da Cajaíba passou a se desenvolver
com um modo de vida cada vez mais “caiçara”. Hoje a pesca é a atividade central de
economia local, enquanto a agricultura de subsi
des secundárias. Porém, como será apresentado adiante, as formas da atividade
pesqueira têm mudado muito nos últimos 30 anos.
3.3 Particularidades de Pouso da Cajaíba: como reconhecer os
princípios de sociabilidade local
Devido às características sócio-esp
eus elementos-chaves de sociabilidade local a partir de uma lógica
estritamente econômica e ligada exclusivamente a padrões produtivos. Partindo do
pressuposto que a localidade de Pouso ainda é uma área de fronteira para alguns dos
interesses puramente mercadológicos e que as relações sociais locais ainda se
desenvolvem dentro de uma perspectiva interna mais subjetiva, torna-se interessante
reconhecer que a comunidade local apresenta formas particulares de perceber suas
41
relações com o espaço, o tempo e, principalmente, suas relações sociais. Para
compreender a complexidade e as particularidades das relações sociais locais, deve-se
fazer uso de um arcabouço teórico mais subjetivo.
Maria de Freitas Campos elaborou em sua tese de mestrado no CPDA/UFRRJ
(1992) um interessante arcabouço metodológico que permitiu a reconstituição da
trajetória social da comunidade de Tarituba (uma localidade também do litoral sul-
fluminense), identificando as profundas alterações que se deram nas formas como os
membr
erado muito com o tempo. Porém,
acredit
as estratégias locais de adaptação a
sta situação de transformação estão baseadas no seu conjunto próprio de valores;
e com a plena destruição dos antigos; pelo
ma como a localidade se relaciona com as influências externas está
diretam
os da comunidade percebiam seu espaço e tempo antes e depois da Br-101, e
como eles reagiram às transformações em curso no seu território e modo de vida.
Ao fugir de uma análise estruturalista baseada nos princípios de reprodução
econômica que centralizam boa parte do pensamento acadêmico, tenta-se pensar que as
pessoas que habitam Pouso apresentam formas de imaginar sua reprodução e
sustentabilidade baseadas em rudimentos morais próprios, fundamentados em princípios
de valores particulares, que são, em certo sentido, ainda hoje contrários (diferentes) à
lógica mercantilista. É evidente que Pouso está vivenciando um processo de
transformação em seus princípios de sociabilidade mais acelerado nos últimos anos e a
particularidade de suas relações sociais tem se alt
a-se que o reconhecimento de algumas formas tradicionais das relações sociais
locais, baseadas em princípios morais tradicionais, seja fundamental para compreender
estas alterações (nos princípios internos de sociabilidade), bem como para entender suas
novas formas de percepção espacial.
Não se trata de idealizar um passado e cristalizá-lo como um momento ideal, isto
seria irreal, mas é importante que se perceba que
e
inclusive, a lógica mercantil é percebida de forma muito particular nesta localidade. A
aceitação de novos padrões não ocorr
contrário, a for
ente ligada aos seus padrões tradicionais de sociabilidade. Como aponta A.
Fanni Carlos, “a realidade do mundo moderno reproduz-se em diferentes níveis, no
lugar encontramos as mesmas determinações da totalidade sem com isso eliminar-se as
particularidades, pois cada sociedade produz seu espaço, determina os ritmos da vida, os
modos de apropriação expressando sua função social, seus projetos e desejos”
(CARLOS 1996, p. 17). Como já dito anteriormente, o lugar surge como um produto de
uma ambigüidade que se estende a todas as relações sociais que envolvem o homem e o
42
meio – é o singular (fragmentado) e é também o global (universal) que o determinam
(SANTOS, 1996).
O conceito de desterritorialização é utilizado pela geografia para caracterizar
alguma
ento
do flu
desenvolvimento de elementos técnico-científicos
inform
s formas de relação entre uma realidade interna (local ou regional) e uma escala
de realidade externa maior (global ou nacional). O conceito de desterritorialização pode
ser utilizado tanto no sentido de que a presença de redes e fluxos intensos desarticulam
a estabilidade da ordem anterior em uma localidade, estabelecendo novas relações de
controle e dominação, como no sentido de que algumas características culturais
oriundas de determinadas localidades se transformam e se perdem a partir do aum
xo externo de informações, produtos e pessoas (Haesbaert 2002,p.29). Este
processo seria resultado da perda de controle local sobre os processos de transformação
sócio-espaciais que acontecem sobre si mesmos. Observando-se a realidade atual de
Pouso da Cajaíba, nota-se claramente o processo de desterritorialização. Isto é o que
está em jogo em Pouso da Cajaíba. Não se trata de querer preservar a pureza ou a beleza
do modo de vida tradicional, mas sim de compreender as possibilidades e as
dificuldades que os habitantes locais têm em participar dos processos de transformação
sócio-espaciais em curso na sua própria localidade.
Para compreender a idéia de desterritorialização, deve-se entender como os
processos sociais em Pouso estão sendo influenciados pela rápida transformação na sua
realidade espacial nos últimos anos. Acredita-se que esta transformação deve-se em
grande parte ao intenso processo de
acionais
12
na localidade, já que quanto mais presentes estes elementos, maiores
serão as formas e possibilidades de integração de Pouso com outras localidades. Ao
longo do presente trabalho este tema será constantemente abordado.
Tendo por base reconhecer as formas de percepção interna com que os
moradores locais compreendem os processos de integração que estão vivenciando mais
intensamente nos últimos anos, buscou-se nesta parte do trabalho centralizar a análise
em torno de algumas noções básicas. Para tanto, as idéias de dom, troca e reciprocidade
apresentadas por Mauss (1974), complementadas pela idéia de campesinidade proposta
por Woortmann (1990) tornam-se centrais neste estudo.
12
Este conceito é utilizado aqui a partir da definição do geógrafo Milton Santos (2002, p.238) de que existe uma
profunda união entre ciência e técnica sob a égide do mercado e que no período atual “os objetos técnicos tendem a
ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais, já que, graças a extrema intencionalidade de sua produção e sua
localização eles já surgem como informação”.
43
Mauss (1974) apontou em seus escritos a existência de relações entre indivíduos
e grupos sociais que não se fundamentam em princípios mercadológicos, mas sim em
princíp
entro da perspectiva apontada por
Mauss
em
sua exterioridade como fator de produção, mas como algo
ria”.
(Woortmann 1990, p.12)
ios morais que são compartilhados pelos envolvidos. Estudando os textos
produzidos por outros antropólogos sobre comunidades na Polinésia, Mauss (1974)
apresentou a idéia de que a partir de uma doação (dádiva, dom) criam-se relações
sociais fortes, também ligadas aos princípios de reciprocidade e contradádiva. As trocas
não seriam feitas em torno de valores monetários, mas sim de valores morais; as
relações sociais girariam em torno de uma complexa ambigüidade derivada de formas
de aliança e conflito. Ou seja, não necessariamente o jogo de trocas levaria a uma
constante compensação facilmente calculada.
Em Pouso da Cajaíba existem ainda diversas trocas não mercantis, que poderiam
ser analisadas de acordo com a idéia de dádiva apresentada por Mauss (1974). As
complexas redes de parentesco, que fazem dos moradores locais praticamente todos de
uma só família, facilitam ainda mais esta percepção. A troca de favores é muito comum,
bem como a expectativa de um retorno de favores é evidente, não como uma dívida
monetária, mas sim como uma dívida moral. Mais adiante serão analisadas diversas
formas de trocas de favores que se encaixariam d
e as transformações que elas vêm sofrendo.
Klauss Woortmann (1990) aponta a existência de um conjunto de valores nas
comunidades camponesas tradicionais que não se encaixam no conjunto de valores da
sociedade mercantil. Ele utiliza um exemplo que pode contribuir para o presente debate:
“Nessa perspectiva, não se vê a terra como objeto de
trabalho, mas como expressão de uma moralidade; não
pensado e repensado no contexto de valorações éticas. Vê-
se a terra, não como natureza sobre a qual se projeta o
trabalho de um grupo doméstico, mas como patrimônio da
família, sobre a qual se faz o trabalho que constrói a família
enquanto valor. Como patrimônio, ou como dádiva de
Deus, a terra não é simples coisa ou mercado
44
Esta idéia de que existem valores comuns dentro de determinados grupos rurais
que os diferenciam da lógica mercantilista tradicional é muito interessante para se
pensar a localidade de Pouso da Cajaíba. O próprio valor que se estabelece para a terra,
e mesmo para o barco, permite-nos compreender diversas formas e manutenção e
organização da localidade que fogem a regras puramente capitalistas.
3.4 As relações sócio-espaciais: origens das particularidades locais (os
sistemas de objetos e os sistemas de ações)
-- Sou nascido e criado aqui, não quero ir morar em nenhum outro lugar.(Zorro 31)
– Já m
oradores
locais recon
trabalho uma tentativa de apreender parte dos inúmeros elementos responsáveis pela
construção de um esforço para
identificar po
que nos perm ente
mercadológicos, m a cosmo-
visão própria dos m
A influência de condições espaciais be
elemento que contribui para a perm
ainda hoje. A ausência de redes técnico-cien
diminuta dissem acesso regular à TV) e
mesmo a sistem m-se
a isto o fato do acesso à localidade só poder ser feito através da navegação (não existe m
orei em Paraty, mas aqui é melhor. (Dona Ivanilda 43)
Durante as entrevistas que foram realizadas, sempre foi perguntado ao
entrevistado se ele tinha vontade de se mudar de Pouso. Com raras exceções, a maioria
destacava a falta de alguma infra-estrutura ou alguma promessa de um político não
cumprida, mas se dizia muito feliz em Pouso e não tinha a menor pretensão de se
mudar. Como explicação para isto, normalmente apontavam o mesmo motivo: o afeto, o
apego que tem por seu solo, sua localidade. (Bel 26) – “Nasci aqui, cresci aqui, sou
apegado a este lugar”. Portanto, de uma forma ou de outra, boa parte dos m
hecem um conjunto de valores e regras que os fazem ter uma identidade
local comum para se situar no mundo.
Apesar da difícil compreensão para quem está observando de fora, houve neste
a coesão interna dentro da localidade, bem como um
ssíveis formas de percepção em comum por parte dos moradores locais,
itam apontar a existência de padrões de sociabilidade não puram
as sim baseados em valores internos, gerados a partir de um
oradores, caracterizando a existência da localidade.
m particulares parece ser o principal
anência de valores tradicionais na comunidade local
tíficas básicas, como a rede elétrica, e a
inação e influência de redes de TV (poucos têm
as mais modernos como a rede Internet, pode ser destacada. Soma
45
estrada
de elementos que
estão ausentes, mas sim pela caracterização dos elementos presentes em sua paisagem e
istórica de redes técnico-científicas em sua paisagem, os
ais.
-se destacar dois como
centrais
de suas relações internas como seu
sistema ecológico e sua visão de m
a área rural
serrana de S
s interligando a Br-101 à enseada de Pouso) e o fato de Pouso se localizar dentro
de uma APA e de uma reserva ecológica.
Porém, estas características espaciais de isolamento não explicam por si só a
manutenção de um conjunto tradicional de valores na localidade de Pouso da Cajaíba.
Compreender o que esta localidade é não deve ser feito pelo destaque
seu espaço
13
.
Devido à ausência h
elementos naturais ressaltam sua importância para as relações sócio-espaciais loc
Dentre os principais elementos que formam sua paisagem, podem
para a formação do conjunto de valores sociais locais: a presença do mar e da
floresta. A dependência sobre os ritmos que o mar (e o barco) impõe são, juntamente
com o respeito e as atividades extrativistas que se desenvolvem junto à floresta, muito
importantes para manutenção da coesão interna da comunidade e de uma visão de
mundo própria.
Acredita-se que, a partir das relações sócio-espaciais, a comunidade possa ser
percebida e analisada como um todo, o que seria fundamental para compreender os
processos de transformação social e de desterritorialização que estão em curso. Pensar a
comunidade como uma personalidade a partir
undo também é uma proposição de Redfield (1965).
Para ele, a comunidade pode ser percebida como um todo, o que facilitaria compreender
suas relações com outras comunidades e com um outro todo ainda maior.
Em seu livro O Afeto da Terra, Brandão (1999) aponta como diferentes grupos
de pessoas podem apresentar distintas maneiras de perceber os mesmos lugares. Este
autor apresenta a percepção que os moradores têm sobre a natureza e suas formas de
relacionamento com ela a partir da visão dos próprios camponeses num
ão Paulo, buscando reconstruir sua cosmovisão de acordo com os hábitos e
atitudes da população que estava estudando. Com base na leitura deste livro, alguns
13
“A paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam
as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza. O espaço são essas formas mais a vida que as anima.”
(Santos 2002, p. 103) “A paisagem é, pois, um sistema material e, nessa condição, relativamente imutável: o espaço é
um sistema de valores, que se transforma permanentemente.” (Santos 2002, p.104)
46
questionamentos sobre a existência de uma cosmovisão particular em Pouso da Cajaíba
se tornaram mais claros. Apesar de existirem divergências e rivalidades internas, pode-
se perc
ara a construção do modo de vida local: o mar e a floresta.
O Mar
(1999) destaca que os antigos habitantes de áreas rurais desenvolvem
uma ét
fundamental,
já que
vantagem de ter uma visão mais panorâmica do mar e da praia e ainda podem ter mais
tranqui
gostam que se fale sobre
entos fortes ou ondas grandes “–pode atrair coisas ruins...” Em Pouso, quando o mar
eber que os principais elementos de homogeneidade dentro da comunidade local
se estabelecem justamente pelas formas de percepção ambiental ou pelas formas de
relacionamento comuns entre sociedade e natureza.
Desta forma, pretende-se destacar a influência de dois elementos espaciais
fundamentais p
-- A pesca está caindo, não dá para matar mais nada. (Seu Lorival, 67)
-- O peixe está sumindo porque tem muita gente pescando. (S eu Miguel, 70)
-- Antigamente íamos de canoa para Paraty, levava mais de seis horas. (Seu Zé,
83 anos)
Brandão
ica própria de relacionamento com a natureza em suas relações cotidianas. Em
Pouso existe um complexo código de relacionamento entre seus habitantes e o mar, que
pode ser exemplificado de diversas formas.
Uma das cenas mais comuns na praia do Pouso é a do caiçara parado por longos
períodos observando o mar; por vezes parece estar ali, no horizonte marítimo, as
respostas para suas dúvidas e aflições. Grande parte de suas atividades depende das
condições do tempo. Neste sentido, observar o mar se transforma em algo
nas formas do mar consegue-se observar diversos sinais de mudança no tempo.
Além disso, é através do mar que as pessoas e os produtos chegam e vão.
Os moradores do morro, que ficam mais distantes praia, destacam a vista
privilegiada da praia como uma vantagem. A praia é a principal área de sociabilidade da
localidade; portanto, habitar as áreas mais próximas à praia significa, a princípio, estar
mais próximo do cotidiano local. Porém, os moradores das encostas ressltam a
lidade por estarem longe do “agito” da praia.
O mar revolto tem para os nativos um significado mais complexo e subjetivo do
que para os de fora. Durante a navegação os pescadores não
v
47
está virado (ventando sudoeste forte) torna-se mais difícil a navegação até Paraty e,
mais ainda, a chegada de Paraty. Mesmo o vento de bom tempo, o leste, quando está
muito forte pode complicar bastante a chegada em Pouso. O mar revolto pode atrapalhar
muito as coisas para os nativos, incentivando a idéia de que a natureza é sagrada,
controlada por m ecanismos divinos e, portanto, deve ser ainda mais respeitada.
têm histórias
para contar sobre dificuldades que enfrentaram no mar, bem como sobre coisas boas que
fez. Basta pensar que a principal fonte de alimentos e renda para a comunidade
é o ma Portanto o sucesso ou o fracasso das famílias depende da ajuda do mar. Para
eles, o
que
trabalh
lários maiores do que os que trabalham em barcos menores. É unanimidade,
na opinião dos mais velhos, que houve uma redução no número de peixes na região
devido
os vínculos com o exterior, criando uma
relação
e quarenta e
cinco m
de cinqüenta anos atrás. Hoje, o
tempo
O respeito pelo mar como uma entidade divina é ainda maior devido à
experiência que os moradores têm em seu trabalho, a pesca. Quase todos
o mar já
r.
mar não pode ser profanado “–se não, ele pode se vingar”.
Atualmente, os pescadores mais bem sucedidos da localidade são os
am para os grandes barcos de fora da região. Estes têm carteira assinada e
ganham sa
ao aumento do número de barcos pescando com equipamentos cada vez mais
avançados. Mesmo assim, a maioria dos jovens ainda almeja ser pescador no futuro; a
admiração por esta profissão é muito grande na localidade.
O barco é o veículo que controla
de tempo que é compartilhada por todos. A maior parte das viagens é feita em
traineiras. O tempo de duração até Paraty gira em torno de duas horas. Atualmente,
alguns moradores têm pequenas lanchas que conseguem fazer este percurso em cerca de
uma hora. Todos os moradores são obrigados a aceitar este tempo e aprendem a ter
paciência nas suas relações com o exterior. Ao longe pode se observar um barco
chegando; uma traineira aparece na Ponta do Cairuçu e demora cerca d
inutos para chegar na praia. Avistar um barco ao longe pode significar muito
para os que estão esperando alguma encomenda ou alguma visita de Paraty.
Num paralelo com a situação de Pouso, é interessante destacar que a percepção
de tempo imposta pela velocidade e dependência das embarcações, e mesmo pelas
condições do tempo climático, ainda é muito semelhante a de quando os barcos a motor
passaram a se tornar parte de seu cotidiano –cerca
necessário para ir e vir ou para dar e receber algo de fora da localidade ainda é
muito semelhante ao de tempos remotos. Também é importante ressaltar que a maior
48
velocidade dos barcos depende de investimentos que grande parte da população local
está longe de ter condições de fazer.
A Floresta e a roça
– “Hoje se trabalha menos na roça e mais na pesca, antigamente não.” (seu Miguel, 70)
– “Hoje ainda pode tirar uma árvore, mas tem que pedir autorização.” (seu Piá, 64)
-- “Sem facão eu não entro de noite no mato.” (seu Zaquel, 42)
Uma das características marcantes da comunidade caiçara de Pouso da Cajaíba é
seu int
nejo florestal caiçara para a
sustent
ra qual os
homen
reconhecido como o principal marceneiro da localidade), fui perguntado por que aquela
er-relacionamento com a mata. Durante anos, a floresta foi sendo reconhecida
como uma fonte de alimentos e outros recursos para a subsistência da comunidade; cada
árvore (arvoredo, como eles chamam) tem sua utilidade e diversos animais também já
fizeram parte da dieta alimentar local. Alguns trabalhos já foram feitos sobre a relação
entre os caiçaras e a floresta. Um trabalho que se destaca é a tese de doutorado de
Rogério Ribeiro Oliveira (2001) no Departamento de Geografia da UFRJ -O rastro do
homem na floresta-, que versa sobre a importância do ma
abilidade ecossistêmica e mesmo para o conhecimento sobre a utilização de
algumas espécies da mata atlântica.
De certa maneira, pode-se observar que o mar é mais sagrado para os nativos do
que a mata, como se a mata pudesse e devesse ser dominada pelo homem, com árvores
virando canoas e bosques viram roçados, enquanto que o mar devesse ser contemplado e
dele retirado o que ele próprio oferece. Talvez isso seja explicado pela dependência
maior que os habitantes tem do mar em relação à floresta; ir ao mato coletar algo, caçar
e fazer o roçado são atividades não tão nobres, feitas por necessidade ou por diversão,
enquanto pescar é a principal atividade para o sustento familiar, aquela pa
s são treinados desde pequenos.
A mata é normalmente encarada como algo que tem que ser enfrentado e
dominado, não sendo reconhecida com um ambiente de socialização. O hábito de caçar
e ter passarinhos em gaiolas ainda é comum em Pouso, porém, atualmente os habitantes
locais têm medo de falar sobre caça, pois o IEF e o IBAMA proibiram estas práticas.
Durante uma conversa com seu Piá (um senhor de sessenta e quatro anos que é
49
região era uma reserva. Respondi que quase todas as áreas de Mata Atlântica já haviam
sido devastadas e que aquela era uma das poucas que ainda tinha algo a ser preservado.
Ele perguntou o que eles (moradores locais) ganhariam com isso. Eu disse que o manejo
seria bom para eles aprenderem a retirar melhor os produtos da floresta. Ele disse que já
uito tempo e que aprendeu com seu pai, só que agora era obrigado
a pedir autorização para fazer coisas que sempre tinha feito e que isso o atrapalhava
que,
o que é uma reserva,
como t bém existem interesses por parte dos moradores locais em reconhecer melhor
os poss
da da mesma forma. Este caso ganhou notoriedade,
pois os
res originais da localidade, mas a maior parte
dos nat
a
cobertu
manejava a área há m
muito. Disse também que não tinha culpa se os outros haviam destruído as florestas
longe dali, pois eles (os caiçaras) souberam preservar as suas matas. Isso mostra
não só parte dos moradores locais possui uma percepção sobre
am
íveis benefícios que poderiam ter por morarem numa reserva.
Perguntando sobre o IBAMA e o IEF para a população local, ouvi diferentes
opiniões, tais como: “--é bom, porque preserva mais a natureza; --está ouvindo o
barulho do rio? Ele só existe porque as matas cresceram de novo; este rio tinha quase
sumido; --o IBAMA quase nunca vem aqui, os ricos vem aqui e constroem suas casas,
mas a nós eles vêm querer impedir...” Tentando cruzar as opiniões, observa-se que as
instituições florestais têm realmente grande presença no imaginário local, porém sua
autoridade está desmoralizada por conta de alguns casos, como por exemplo a
construção de uma casa na ponta esquerda da praia que o IEF embargou diversas vezes;
só que a casa acabou sendo construí
moradores dizem que o dono da casa é um político importante.
Por outro lado, os moradores conseguem perceber com bons olhos o IBAMA
como um símbolo da preservação ambiental e controle sobre a entrada de estranhos na
localidade. A localidade apresenta um manejo florestal bastante conservacionista (desde
antes da criação da reserva) que foi reconhecidamente valorizado pelas instituições
responsáveis pela criação da reserva em 1992. Pode-se dizer que alguns moradores, que
pretendem continuar a viver em Pouso, percebem o IBAMA e o IEF como instituições
que podem ajudar a proteger os morado
ivos reclamam das suas formas de atuação. Por exemplo, o IBAMA impôs regras
limitantes às formas tradicionais locais de agricultura, principalmente quanto à prática
da queimada e a abertura de novos roçados.
Observando a paisagem de Pouso, destacam-se muitas capoeiras (áreas onde
ra florestal está em recuperação) que evidenciam a maior presença de roçados
em tempos passados. Alguns poucos habitantes de pouso ainda se dedicam à agricultura.
50
Muitos jovens disseram que plantar dá muito trabalho e que acaba sendo mais barato e
fácil fazer compras em Paraty. Já os moradores que ainda se dedicam à atividade
agrícola destacaram a preguiça dos mais jovens como uma das principais causas para a
decadência da agricultura. As principais dificuldades encontradas estão no combate às
formigas. Nenhum entrevistado se disse impedido de plantar pelas instituições de
fiscalização, mas alguns mencionaram que as limitações impostas dificultam a
atividade.
É fato que houve uma forte redução nas lavouras em relação a outros tempos,
mas a atividade ainda é presente em várias partes de Pouso da Cajaíba. Mesmo que esta
atividade não seja mais fundamental para a subsistência local, muitos ainda têm casa de
farinha e se orgulham de dizer que ainda plantam boa parte do seu sustento. Alguns dos
mais v
loresta.
elhos relataram a preocupação em manter algumas áreas desmatadas para a
lavoura devido ao medo da mata se recuperar e o IEF proibir que a área seja desmatada
posteriormente para a agricultura.
Foi interessante observar que durante a noite a mata ganha um caráter muito
mais mágico e o respeito aumenta substancialmente. Dificilmente os moradores locais
fazem qualquer coisa à noite na mata. Em diversas situações, habitantes locais de
diferentes idades demonstraram preferir desenvolver durante o dia qualquer atividade
que envolva caminhar em trilhas ou entrar na mata. Durante a noite buscam os espaços
totalmente socializados. Já as relações com o mar acontecem mesmo com a escuridão;
os pescadores se sentem mais seguros no mar durante a noite do que na f
51
3.5 – Particularidades sociais em Pouso da Cajaíba
De acordo com Woortmann (1990), a campesinidade seria uma ordem moral
onde as relações sociais aconteceriam baseadas em princípios de reciprocidade
(vinculados a valores familiares e de honra individual) e não em valores
mercadológicos. Para ele, diversos grupos rurais teriam esta campesinidade em maior
ou menor grau e muitos estariam atravessando um processo de transformação que
poderia
dológicos durante anos, justificam ainda mais esta
condiç
to pela
comunidade, já que negar carona para os nativos é algo que aparentemente cria antipatia
imediata. Quando alguma pessoa está doente ou se machuca, mais uma vez se cria a
necessidade do transporte; com isto, os donos dos barcos ganham um status maior e
desfrutam de um grande prestígio dentro da comunidade. Porém, como não existe um
sistema regular de transporte, os donos de barco acabam por absorver uma grande
responsabilidade, estimulando ainda mais essa pequena política. Nem sempre os donos
de barco podem ou querem dar carona. Quem conhece os códigos morais da
comunidade sabe reconhecer quando se deve ou não pedir carona; quem é de fora não
entende exatamente quando pode pedir carona. Por vezes é fácil pegar uma carona sem
pagar nada, mesmo para quem é de fora. Por vezes não se consegue condução nem
pagando. Até entre os nativos é comum ficar dias querendo ir para Paraty esperando por
uma carona.
levar à perda deste conjunto de valores morais. “Passa-se de uma ordem de
primazia da lei dos homens para a primazia da lei das coisas, de um universo relacional
para um universo atomizado; da sociedade para a economia.”W oortmann (1990,p.16)
Pouso é um típica área rural com um alto grau de campesinidade; a simplicidade
de sua infra-estrutura e a precariedade no acesso a serviços já justificariam isso. Mas a
origem familiar comum e o fato de terem tido uma sustentabilidade alimentar
independente dos interesses merca
ão. Portanto, veremos como diversas relações sociais em Pouso se constroem a
partir de princípios de reciprocidade, dádiva e contradádiva.
Segundo Baley (1971), a comunidade se forma diante de padrões de conduta em
torno de laços morais comuns, estabelecendo uma “comunidade moral”, com limites e
códigos claros para as relações entre seus membros. Em Pouso, a existência de uma
“pequena política” é facilmente perceptível em diversas situações. Os mestres dos
barcos dão carona para os moradores locais, o que é reconhecido como corre
52
A troca de peixes entre familiares e vizinhos é usual. Quando um filho volta da
embarcação em que estava trabalhando, é muito comum que ele traga peixes para sua
família
e
é um e
o peixe; os valores da
comerc
omo as relações de parentesco, de vizinhança, política e amizade. Na
comunidade de Pouso isto é notável. Quase todos são parentes; direta ou indiretamente
. Nos momentos em que está difícil conseguir pesca na praia, os familiares já
ficam contando com a ajuda dos parentes embarcados, principalmente nas relações entre
pais e filhos. Os habitantes com menos recursos dependem muito da pesca local.
Um dos momentos de maior integração em torno da atividade pesqueira se
estabelece na hora de preparar, colocar e recolher a rede de pesca artesanal -o cerco
Existem diversos cercos próximos à praia de Pouso, inclusive alguns foram financiados
por pessoas de fora da comunidade. Apesar do cerco estimular algumas atividades
comunitárias ele tem dono e este é o responsável por dividir o pescado. Preparar a red
vento que normalmente envolve mais de uma família nuclear; velhos, adultos e
crianças que estiverem disponíveis, na hora juntam-se para realizar tais tarefas em
forma de mutirão. Posteriormente o peixe é dividido entre as pessoas envolvidas nas
tarefas com o cerco.
Os produtos comercializados internamente na localidade têm preços diferentes
para os moradores locais e os de fora. Principalmente
ialização de peixe internamente são muito flexíveis, carregados de subjetividade.
De uma maneira geral, as atividades realizadas na praia em relação ao mar são
feitas de forma cooperativada; recolher a canoa e ajudar a desembarcar os produtos das
embarcações são típicas atividades realizadas coletivamente pelos que estão na praia.
Ajudar a desembarcar produtos na praia é uma atividade realizada por quem estiver por
perto, independentemente de haver relações próximas de parentesco.
A construção da reputação é algo importante para os habitantes locais. Aqueles
que sempre ajudam nas atividades da praia e respeitam as decisões dos idosos são bem
vistos pela comunidade, enquanto aqueles que pouco cooperam na praia e não respeitam
os padrões de conduta moral da comunidade perdem a simpatia da maior parte dos
nativos. Fica evidente que os códigos de conduta contribuem para o estabelecimento de
posições sociais dentro de uma lógica estabelecida internamente na comunidade.
Mesmo o comportamento dos não nativos na praia é muito observado pela comunidade;
quem participa das atividades comunitárias é reconhecido e prestigiado pelos moradores
locais.
Baley (1971) aponta a existência de relações sociais em diferentes planos de
integração, c
53
existem
roças,
em mu
os são símbolos de seu grupo familiar.
comun
junto de regras e
valores
es formas de preconceito ou mesmo de punição dentro da comunidade, não
conseg
complexas relações de parentesco em torno de algumas linhagens principais e
os casamentos entre primos são muito comuns. As relações de vizinhança também se
destacam; algumas áreas apresentam casas muito próximas umas às outras, o que
estabelece fortes vínculos, principalmente entre as mulheres e os idosos, já que estes
passam mais tempo em casa. O cuidado com as crianças, bem como o manejo das
itos casos são compartilhados por relações de vizinhança. Já as relações de
amizade e inimizade entre os homens também podem se construir em outros ambientes,
tais como embarcações, a praia e o bar.
É evidente na comunidade o papel de liderança que os mais velhos possuem, por
trazerem em si a história da comunidade e, principalmente, da família. O fato dos mais
velhos serem normalmente os donos dos terrenos aumenta seu poder de influência, mas
também fica claro que esta influência ocorre como uma forma de respeito à tradição e
ao passado. As famílias centrais normalmente são grandes: muitos irmãos e primos;
com isto, os mais velh
Uma característica marcante da paisagem em Pouso da Cajaíba, que demonstra
um grande respeito mútuo entre os moradores locais, é a ausência de cercas entre as
casas e a existência de trilhas abertas que tornam livre a circulação por toda a
idade. Na literatura, esta característica é considerada comum na paisagem
caiçara. Apesar de quase todos os moradores terem documentos de posse de suas casas e
terrenos, as únicas casas em que foram observadas cercas foram as de gente de fora
Nem as plantações apresentam cercas, mesmo as mais distantes da praia.
Para Thompson (1998), as comunidades apresentam um con
particulares que acabam por construir leis locais de comportamento, tendo clara
noção de pertencimento às regras de controle social que podem se estabelecer dentro da
própria comunidade. Isto acontece claramente em Pouso. Fui informado a respeito de
uma mulher que teve relações extra-conjugais e isto se tornou de conhecimento público.
Nitidamente esta mulher passou a ser estigmatizada pela comunidade e raramente ela sai
de casa para ir à praia; até à igreja ela deixou de ir. Este tipo de estigmatização também
é comum em relação aos moradores que se envolvem em bebedeiras e brigas. Mais uma
vez, volta-se à idéia da reputação; os indivíduos que não possuem boa reputação sofrem
diferent
uindo comprar fiado na venda ou mesmo sendo excluídos de alguns ambientes.
Algumas brigas violentas ocorridas entre moradores locais, que poderiam ter
terminado na delegacia de Paraty, são normalmente resolvidas (mal ou bem)
54
internamente, evitando-se assim a necessidade de utilizar as leis oficiais. Isto estimula
formas de alianças e conflitos internos que serão melhor abordados mais à frente neste
trabalho.
A divisão de atividades entre homens e mulheres é evidente. É nítida para
qualquer visitante que se demora um pouco mais na localidade, a ausência das mulheres
nas paisagens mais socializadas, como a praia e os bares; a presença dos homens é
muito mais intensa nestes ambientes, enquanto as mulheres vão sendo notadas na
medida em que se caminha pelas trilhas, observando os quintais das casas. A presença
feminin
as relações econômicas,
fazend
as de trabalho
em coo
a está ligada aos ambientes domésticos, geralmente associados às crianças
pequenas; de uma maneira geral, as mulheres cuidam das casas e das crianças. Quando a
ausência dos maridos é longa (os homens podem ficar meses trabalhando com a pesca
sem voltar para casa
14
), as mulheres também cuidam da roça. Cabem aos homens as
principais atividades para o sustento da família: a pesca e o extrativismo. Os homens
fazem as relações com o mar e a floresta e ainda controlam
o as compras em Paraty. Desde cedo, os meninos aprendem a nadar e a navegar
Buscando compreender as possíveis manifestações de uma campesinidade em
Pouso da Cajaíba, identifica-se o que se poderia chamar de espaço da campesinidade.
Os lugares onde persistem relações sociais fora de uma lógica estritamente economicista
apresentam características comuns. Para Woortmann (1990), esta relação pode ser com
áreas rurais; porém, seriam as condições sociais de cada área rural que gerariam uma
maior ou menor campesinidade. Não existe discordância quanto a isso, mas apenas um
destaque de que certas características espaciais são fundamentais para a existência desta
campesinidade. A menor integração espacial por meio de redes técnico-científicas é um
dos elementos chave para a resistência de padrões de campesinidade; outro seria a maior
dependência entre os habitantes e seu meio ambiente, como também ocorre em Pouso.
Como a cultura e o espaço são dinâmicos e se formam de maneira complementar com
influências mútuas não se pode menosprezar os sistemas de objetos (de certo modo a
paisagem) de uma localidade em seu conjunto de relações sociais.
56
3.6 – Formas de sociabilidade da Localidade: solidariedades e
divergências
De acordo com Marc Auge “o dispositivo espacial é, ao mesmo tempo, o que
exprime a identidade do grupo (as origens do grupo são, muitas vezes, diversas, mas é a
identidade do lugar que o funda, congrega e une) e o que o grupo deve defender contra
as ameaças externas e internas para que a linguagem de identidade conserve um
sentido” (Auge, 1994, p.45). A sazonalidade das atividades pesqueiras serve para
aumentar ainda mais a saudade e a identificação dos caiçaras com suas comunidades e
seus territórios.
O fato de Pouso da Cajaíba ser uma localidade de difícil acesso contribui para
tornar ainda mais particular e intensa a interação da comunidade com sua paisagem e
território. O tipo de relacionamento com o mar e a floresta que se desenvolve em Pouso
ula a cooperação entre seus habitantes. Por outro lado, as formas particulares de
relacionamento social da localidade contribuem para caracterização espacial do lugar.
Como citado anteriormente, segundo Auge (1994, p.51) “Reservamos o termo lugar
antropológico àquela construção concreta e simbólica do espaço que não poderia dar
conta, somente por ela, das vicissitudes e contradições da vida social, mas à qual se
referem todos aqueles a quem ela destina um lugar. (...) o lugar antropológico é
simultaneamente princípio de sentido para aqueles que o habitam e princípio de
inteligibilidade para quem o observa”. Dentre as comunidades que existem na região,
ocorre uma grande identificação de cada uma com sua praia; quando se encontra um
caiçara de fora da sua localidade, sua identificação passa sempre pela sua praia de
origem.
Dentro da localidade de Pouso podem ser identificadas diferentes formas de
territorialização, que apresentam significados construídos coletivamente. A praia é o
principal exemplo disto, todos a reconhecem como um espaço coletivo que pode ser
utilizado tanto para atividades de lazer, quanto de trabalho.
Apesar da aparente harmonia em torno do compartilhamento do espaço local e
da forte identificação dos grupos sociais com suas praias (seus territórios), é notória a
existência de inúmeros pequenos conflitos entre os habitantes locais, inclusive como
uma característica de suas formas de organização interna. A compreensão deste fato não
foi inicialmente um dos objetivos centrais deste trabalho, mas o decorrer da pesquisa
acabou gerando a necessidade de investigar um pouco melhor esta questão, mesmo que
estim
57
sem um grande aprofundamento (devido principalmente às dificuldades de se realizar
este tipo de pesquisa num curto espaço de tempo).
pre mencionam a onda de violência carioca. Para um turista de final de
semana isto parece ser m
ivergências internas ocorrem independentemente dos elementos externos.
Antes do aum
lito e até estimulado
rivalidades antigas. Sem
Muitos destacaram a tranquilidade como o principal elemento da qualidade de
vida local (Zorro: “o melhor de viver em Pouso é a tranqüilidade”; Velho: “morar aqui é
tranqüilo, não tem as confusões da cidade grande”). Numa comparação com Paraty e
com o que escutam falar sobre outras grandes cidades, muitos dizem que mesmo diante
de diversos problemas a convivência tranqüila em Pouso cria um clima ideal para se
viver. Quando nos apresentamos como moradores do Rio de Janeiro, os habitantes
locais quase sem
esmo verdade, mas com um tempo maior de convivência, as
divergências cotidianas e mesmo formas de conflitos familiares entre os habitantes
locais se tornam perceptíveis.
Depois de alguns dias de conversas junto aos moradores locais, principalmente
em conversas informais, ouvi depoimentos revelando que a convivência entre os nativos
não é tão pacífica e tranqüila quanto aparenta. Foram relatadas histórias de brigas sérias,
conflitos entre jovens que permanecem durante a idade adulta e até casos de
assassinatos recentes, aparentemente de pessoas da localidade realizados por pessoas da
localidade. Pelo que disseram, motivos aparentemente insignificantes (durante o
trabalho, a travessia de barco até Paraty, ou mesmo por questões morais entre famílias)
poderiam gerar discussões e brigas sérias. Mesmo que estas desavenças ficassem anos
esquecidas, poderiam voltar à tona e gerar conflitos sérios, que seriam a razão de alguns
rompimentos entre famílias locais. Foi interessante perceber que diversas formas de
conflito e d
ento do turismo ou do crescimento dos interesses especulativos sobre
Pouso, a localidade apresentava algumas formas de controle social aparentemente
violentas (para observadores externos). Porém, pode-se também constatar que o
aumento da influência externa tem gerado novas formas de conf
abandonar o reconhecimento sobre a existência de conflitos há
muito tempo na localidade, este trabalho procurou demonstrar mais o surgimento de
conflitos proporcionados pela intensificação das transformações sócio-espaciais que
vêm se processando num período mais recente.
58
A bebida é um elemento central na convivência cotidiana e nos processos de
surgimento e resolução dos conflitos. O álcool aparece como um elemento importante
na construção da reputação entre os homens; seu consumo é tolerado e faz parte do dia a
dia lo
ntribuir para este problema, mas os efeitos do álcool não
devem
cal, porém os moradores que são conhecidos por andarem bêbados são
estigmatizados pela comunidade e passam a perder prestígio com isto.
Um dos maiores problemas observados em Pouso da Cajaíba é a violência entre
os homens quando estão bêbados, com casos de brigas que resultaram em ferimentos
graves e que geraram revanches, estabelecendo um clima de intranqüilidade entre
alguns nativos. Isto se liga ao fato de grande parte das diferenças e problemas entre os
moradores locais, surgidos durante o trabalho ou mesmo num futebol, não serem
resolvidos na hora em que acontecem. Em vez disto, acabam reaparecendo na hora da
bebedeira. A sazonalidade do trabalho pesqueiro e o baixo nível de escolaridade dos
habitantes locais
15
parecem co
ser desconsiderados.
Uma outra questão importante é que o incremento da atividade turística tem
provocado um aumento no consumo de drogas. Paraty é um centro portuário e turístico
onde é fácil comprar drogas e cada vez mais os moradores locais, principalmente os
mais jovens, se envolvem com este hábito. O surgimento de divergências relacionadas a
esta situação é evidente. Alguns moradores, principalmente aqueles ligados à igreja,
manifestaram forte preocupação com esta situação. Diversos entrevistados destacaram
que o turismo trouxe uma intranqüilidade para Pouso, já que surgiram novos hábitos
entre os moradores locais que se chocam com antigos valores. Alguns moradores
chegaram a dar depoimentos dizendo que o furto tem aumentado como resultado do
crescente consumo de drogas.
Apesar da realidade de Pouso da Cajaíba não apresentar nenhum tipo de
diferenciação e preconceito entre um grupo de moradores que tenha se estabelecido
antes na região, e se sinta no direito de ter um comportamento diferenciado quanto a um
conjunto de moradores que tenha se mudado posteriormente para a área, como
apresentado no livro Estabelecidos e Outsiders de Norbert Elias (1976). Pode-se utilizar
este livro para se pensar a comunidade de Pouso da Cajaíba em dois sentidos principais.
15
Na loca dade de Pouso das Cajaíbas o ensino se estende só até a quarta série, depois disto somente em Parati.
Entres os idosos os índices de analfabetismo são altíssimos, entres os adultos e jovens o mais comum é que só tenham
até a quarta sé ri e c ompleta.
li
59
No primeiro, pode-se buscar observar os estigmas que o convívio em Pouso da
Cajaíba estabelece para parte de sua população, já que os moradores locais
estabeleceram configurações de comportamento que se reproduzem nas formas como os
pescadores e suas mulheres se relacionam dentro de comunidade e mesmo fora dela,
estigmatizando aqueles que fogem destes padrões. Qualquer visitante externo é
facilme
maior parte, dizem não haver diferenciação alguma entre
eles e o
que mais se destacaram entre os moradores locais se
relacionavam a problemas de convivência comunitária. Durante as entrevistas feitas na
comun
Como já foi dito, a crescente influência externa tem provocado o surgimento de
nte identificado como tal e aqueles que vem de outras comunidades para morar
em Pouso, normalmente casando com alguém da comunidade, apresentam dificuldades
de adaptação.
Pode-se notar também alguns padrões de diferenciação sócio-espacias que, para
alguns, configuram formas de estigmatização. Os moradores do morro reclamam de não
receber benefícios como os moradores da praia. Quando perguntados, alguns moradores
do morro apontaram formas de discriminação, dizendo que os moradores da praia
sempre recebem a “ajuda” do governo na frente deles; já quando perguntados os
moradores da praia, em sua
s moradores do morro.
O segundo sentido refere-se à questão da fofoca que Elias (1976) coloca como
central para que o grupo original consiga se manter num status superior estigmatizando
o outro grupo. Em Pouso, a fofoca é um importante elemento de controle social; as
mulheres trocam informações fundamentais e assim passam a influenciar nas decisões
de seus maridos. As mulheres aparentemente não participam dos ambientes de
socialização tanto quanto os homens, mas percebe-se que decisões marcantes são
tomadas por elas, já que a estrutura de família nuclear (pai, mãe e filhos) é central
dentro da localidade.
Os pequenos conflitos
idade, as reclamações normalmente tinham uma entonação de fofoca. Por
exemplo: - - “quando falta água, ninguém pode ir arrumar o cano; esse pessoal da
associação que deveria ir...”; -- “tem gente que aluga a casa para os turistas e depois não
quer levar o seu lixo...”; “fulano, para não dar carona, diz que vai sair às sete horas, mas
na verdade sai às seis...”. Nota-se que algumas formas de cobrança sobre
comportamentos e ações comunitárias se desenvolvem pela fofoca.
algumas formas de conflito. Mesmo a chegada de alguns benefícios para a localidade,
como a instalação de uma rede coletiva de água e a colocação de postes de luz geraram
60
novas
senciei a construção de uma casa que acabou gerando um conflito sério
entre p
elemento interessante a ser observado na localidade.
Durant
astor na comunidade como um morador cria uma nova liderança,
não só
possíveis diferenças
de com
formas de conflitos. Porém, a construção de casas para serem alugadas aos
turistas é, provavelmente, o principal foco de conflito motivado por elementos externos
– estes conflitos só não são maiores porque a construção civil é reconhecida pela
localidade como uma fonte de renda fundamental (este assunto será melhor abordado
mais adiante).
As casas caiçaras costumam ficar distantes umas das outras. Porém, a construção
de novas edificações para serem alugadas no verão passou a alterar esse hábito
tradicional. Pre
arentes próximos que têm terrenos vizinhos; uma casa ficou muito colada à outra.
O caiçara que construiu sua casa primeiro ficou indignado com o tamanho da casa que
seu vizinho construiu e afirmou que ele não respeitou os limites do terreno. Sendo
parentes os dois caiçaras envolvidos, este conflito ganhou proporções ainda maiores,
envolvendo então a família.
A questão religiosa é um
e anos, o catolicismo predominou e as principais crenças e festas estiveram muito
relacionadas à esta religião. Atualmente o protestantismo está entrando com força; os
crentes já possuem sua igreja e o pastor passa a representar um papel central na
comunidade. Na beira da praia existe uma antiga igreja católica que só tem cultos em
dias de festa e raramente conta com a presença de padres, enquanto que na parte baixa
da encosta uma pequena igreja protestante tem culto todos os dias. Até mesmo a festa de
São Sebastião (padroeiro de Pouso) não tem acontecido com a frequência anual de
antes. A presença do p
como conselheiro dos moradores, mas também como alguém que pode ajudar
quando necessário, emprestando algum dinheiro ou comprando remédios para quem
precisa “–você não tem dinheiro para comprar remédio..., já pediu para o pastor?”. O
pastor é um pescador que nasceu numa praia vizinha, Ponta Negra. Sua liderança tem
aumentado muito em Pouso, numa das visitas de campo observei que um culto na
Figueira (uma espécie de praça central) mobilizou a participação de grande parte da
comunidade local, sendo o maior exemplo de socialização que presenciei na localidade.
Outra questão que mereceria ser melhor investigada são as
portamento entre protestantes e católicos. Aparentemente, os crentes são mais
preocupados em juntar dinheiro, dedicam-se mais ao trabalho e bebem menos do que os
católicos. Muitos jovens reclamam que já era difícil arrumar uma namorada em Pouso
61
antes e agora que quase todas as meninas são crentes, ficou ainda mais difícil. De fato, a
expansão da igreja protestante criou novos padrões de convivência local e de certa
forma acabou propiciando o surgimento de insatisfações.
3.7 Formas de Organização Interna e Pressões Externas
s dos agentes internos e externos.
comunidade não apresenta um histórico de organização política. A associação
de mor
Uma das questões que se desenvolveu ao longo da pesquisa foi a de conferir se
às alterações que vêm se dando na localidade, devido ao aumento das pressões externas,
têm ou não gerado, como conseqüência, uma melhoria nas formas de organização
interna. A partir das análises que serão desenvolvidas nesta e na próxima parte deste
capítulo se perceberá que, independente da maior ou menor organização interna, estas
formas de organização estão sendo, cada vez mais, influenciadas pela chegada de novos
mediadores
16
entre as relaçõe
A
adores é muito recente, tendo sido fundada em 1999 e registrada definitivamente
só em 2002, quando houve a chegada das placas solares (um pequeno comentário sobre
o processo de criação da associação será feito na próxima parte do trabalho). Não existe
uma associação local de pescadores atuante. A maior parte dos entrevistados, ao ser
indagada, mencionou a associação como uma coisa boa; porém sempre apresentava
alguma ressalva e acabava criticando algo como “– as reuniões acontecem, mas as
pessoas continuam a fazer as coisas do jeito que querem, por que eu vou mudar?”.
Alguns dos mais velhos chegaram a perguntar ironicamente se existia mesmo tal
associação. A impressão que o questionamento sobre a associação causou foi de que
esta ainda está num processo embrionário; alguns habitantes locais davam maior valor à
sua existência do que outros. Porém, quase todas as pessoas indagadas mencionaram a
grande importância de ter uma associação forte.
16
A pesquisa de campo apontou a emergência de novos mediadores nestas relações, já que diversos grupos locais
estão sendo influenciados por novos agentes que são capazes de afetar as formas locais de organização política e de
ações junto as instituições públicas. Em relação a isto pode-se considerar a atuação dos seguintes possíveis agentes
(alguns s
erão melhor apresentados ao longo do texto): um grupo de estudantes universitários que se propõe a realizar
palestras e ações para o melhor desenvolvimento local; um grupo político ligado aos governos estaduais ou
municipais, ou ainda, a um determinado partido político, que estejam buscando se relacionar com a localidade por
razões diversas. Isto sem mencionar a atuação de novas ONGs. Este assunto será melhor abordado no capítulo 4.
62
Apesar da associação ainda não ter grande influência sobre os moradores locais,
isto parece estar mudando, talvez mais por pressão externa do que por processos
endógenos. Recentemente se intensificaram os interesses externos sobre a localidade,
forçando uma maior organização interna. O governo estadual
17
inaugurou em 2003
de colocar postes
e iluminação que funcionam à noite até as 24 horas e um refrigerador para guardar
pescad
o. Alguns disseram: “--
reunião
m os filhos em Paraty, e na época da
inscrição para receber as placas elas estavam fora e, portanto, não participaram do
processo. É interessante observar que morando o tempo todo em Pouso ou não, estas
se
pequenas células de captação de luz solar com baterias nas casas, além
d
o. Para receber estes benefícios, a localidade teve que oficializar uma associação;
além disso, os moradores tiveram que delimitar as áreas onde se colocariam os postes de
luz e as casas que receberiam as células.
Durante este processo, inúmeras reuniões foram feitas com os moradores locais
e por mais que muitos tenham reclamado da realização de “reuniões chatas e inúteis”, a
comunidade passou a desenvolver o hábito de ser reunir ocasionalmente, nem que isto
ocorra apenas para garantir a chegada de algum novo benefíci
eu só vou quando é para ter algum benefício; ficar lá ouvindo os outros falar eu
não vou”. Atualmente, quando se fala em reunião, já existe a noção do significado e
importância desta ação. Em parte isto é fruto de pressões externas. O modelo do
chamado desenvolvimento local passa pela existência da representatividade local, o que
estimula a organização local, mas como veremos mais adiante nem sempre esta
representatividade se desenvolve a partir de reuniões orientadas por grupos externos, ou
mesmo pela simples criação de uma associação de moradores.
Conversando com algumas donas de casas na praia do Pouso, ouvi reclamações
de que elas haviam sido deixadas de lado e que não receberam placas solares. Inclusive
as reclamações mais graves que ouvi sobre a associação de moradores partiram destas
duas senhoras, principalmente em relação aos agentes da prefeitura que mediaram este
processo e aos membros da associação de moradores. Depois descobri que estas
senhoras nasceram em Pouso, mas moravam co
nhoras fazem parte da localidade, porém sua ausência num momento decisivo deixou
suas casas sem o benefício. São exemplos que mostraram aos moradores a importância
de participar das formas de organização interna.
17
As células solares foram financiadas pela empresa El Passo e foram instaladas pela empresa ATECH,
ediadas por agentes do governo estadual e municipal.
m
63
Por parte dos membros da associação de moradores, ouvi freqüentes
reclamações de que os habitantes locais passaram a achar que a associação deveria ficar
responsável por todos os problemas cotidianos da comunidade: “ -- Quando entope o
cano de abastecimento de água da comunidade, todos ficam esperando que eu vá lá; se
eu não for, ninguém vai; a praia pode ficar dias sem água que ninguém se mobiliza...”.
Desta forma, percebe-se que o estabelecimento dos deveres da associação ainda está em
processo.
Além da luz solar, um outro exemplo de pressão externa para a melhor
organização interna foi a coleta de lixo. Durante anos parte do lixo era queimado e o
lixo or
os moradores de Pouso
eram m
de receber por isso. Em seguida ficou
estabelecido que cada um deveria levar o seu próprio lixo. Com isto o conflito acabou
aumentando, pois o lixo dos turistas passou a ser um problema. Nem todos os
e
gânico era reciclado (transformado em matéria orgânica para o solo), sem que os
moradores tivessem a compreensão sobre reciclagem e educação ambiental criadas no
meio urbano. Para os moradores de Pouso, jogar restos de comida no mato, mesmo que
perto de casa, é algo muito comum “–jogue isto aí mesmo que os bichos vão comer...”
Percebe-se que o lixo pode fazer parte do mato (da floresta) para os nativos, de certa
forma por sua capacidade de limpar a sujeira produzida em casa, mas também por que o
mato é uma espécie de sujeira, de ambiente não social.
A prefeitura de Paraty, em parceria com a ONG SOS Mata Atlântica,
estabeleceu um sistema de coleta. No final dos anos 90, o fluxo turístico havia se
intensificado muito em Pouso. Em diversas visitas à região, antes mesmo de iniciar o
trabalho de pesquisa, ouvi relatos de turistas mencionando que
uitos despreocupados com a sujeira e que a situação como lixo era tratado
gerava uma imundice. De fato, o lixo ficava exposto; por vezes passavam-se semanas
até que alguém desse um jeito, normalmente queimando tudo o que lá estava. Isto era
comum em toda a região da reserva e o projeto desenvolvido pela SOS Mata Atlântica
para coleta de lixo visou abranger toda a área.
O sistema foi implantado a partir de reuniões que tentaram passar a importância
da coleta de lixo para a localidade. No início, um pescador local levava de traineira a
maior parte do lixo produzido. Porém, além de nem toda a comunidade participar
(alguns por não compreenderem exatamente a importância da coleta), este processo
acabou gerando desacordos entre os moradores. Primeiro, porque o morador
responsável por levar o lixo para Paraty deixou
moradores assumiam a responsabilidade sobre o lixo produzido pelos turistas qu
64
estavam
noções de educação ambiental, que parecem óbvias nos centros urbanos, não
são fac
rmazenado.
em suas casas, e o maior problema com o lixo ocorre justamente nos períodos
de aumento nas atividades turísticas. Sem mencionar que os moradores sem barco
dependem do favor de alguém com barco para levar seu lixo até Paraty. Apesar destes
problemas, as reuniões tiveram resultados práticos, pois a comunidade passou a se
preocupar muito mais com o destino de seu lixo em comparação ao período anterior, e
sem dúvida a paisagem de Pouso está bem mais limpa.
As
ilmente compreensíveis para os nativos. Por exemplo, muitas casas ainda não
têm banheiro e é um hábito comum em Pouso defecar no mato. Diversos moradores não
consideram isto um problema. Conversando com alguns nativos com casas sem
banheiro, percebe-se que o banheiro não é a grande prioridade para eles; caso tivessem
dinheiro, fariam outras coisas antes de construir um banheiro. Apesar das dificuldades
que a comunidade local tem em compreender certos padrões de higiene básicos e
garantidos constitucionalmente para qualquer cidadão, o aumento do turismo impõe
determinados padrões: poucos querem alugar uma casa sem banheiro, ou mesmo sem a
garantia de que seu lixo vai ser devidam ente coletado e a
A questão do saneamento básico é uma das grandes preocupações do poder
público em suas mais distintas escalas, além de ser uma das principais linhas de
financiamento de ONGs internacionais e mesmo do BID (Banco Mundial). Porém, a
compreensão por parte da comunidade local sobre sua importância nem sempre é muito
clara. Em Pouso, as pressões externas têm obtido efeitos, mas a mudança de hábitos não
depende só da ação do poder público, mas sim de uma tomada de consciência sobre a
importância dessas mudanças, o que vêm ocorrendo lentamente e deve ser levada em
conta nas próprias ações do poder público.
3.8 – A Localidade de Pouso da Cajaíba e as principais transformações
sócio-espaciais
Apesar da forte interdependência que a localidade de Pouso da Cajaíba sempre
apresentou em relação à cidade de Paraty e a outras comunidades caiçaras, é inegável
que nos últimos anos as pressões externas e internas sobre o espaço e o modo de vida
local vêm se intensificando muito. Independente da existência de formas de articulação
local, ou mesmo de interesses coletivos por parte dos moradores de Pouso da Cajaíba,
65
diversas alterações vem se processando sobre a localidade. Existe uma grande
complexidade de interesses que se mobilizam e interagem com a população local em
maior ou menor grau, propiciando alterações na realidade sócio-espacial local.
Aparentemente ressaltam-se interesses maiores sobre a paisagem e o espaço local do
que sobre sua população. A criação das áreas de preservação impondo novas formas de
relacionamento sócio-espaciais e mesmo a preocupação de ONGs e outras Instituições
com a
ritos e televisivos
mais d
preservação ambiental.
principais fatores de resistência e manutenção de padrões particulares de
onduta social dentro de Pouso da Cajaíba, diante dos processos de desterritorialização,
nas leis municipal e federal que protegem a terra do caiçara. Desta
forma, os moradores locais ganham força como agentes do processo especulativo.
Porém a of
conservação ambiental são os interesses que se destacam; porém, uma análise
mais detalhada mostra que diversos agentes externos podem intervir na região, inclusive
com interesses contrários aos conservacionistas.
Independente de onde e de quem são os interesses, a expansão do meio técnico
científico informacional em Pouso está se desenvolvendo num ritmo acelerado,
estimulando ainda mais as transformações sócio-espaciais locais. O apelo para a criação
de uma infra-estrutura mais complexa na região da reserva é enorme. Como pode um
município como Paraty, que fica entre os dois maiores centros metropolitanos do país,
não ter rede de energia e um sistema telefônico fixo individual à disposição de parte de
sua população? Esta realidade foi objeto de reportagens de jornais esc
e uma vez no ano de 2004, apresentando-a como algo que não deveria estar
ocorrendo de forma alguma,um grande atraso.
O fato de Pouso da Cajaíba ser uma localidade distante (em relação às
dificuldades de acesso) e próxima (em relação à visibilidade e distância espacial junto
aos grandes centros urbanos brasileiros) t orna a complexidade de interesses sobre a
região ainda maior. Não se trata apenas de uma disputa em torno de interesses
imobiliários, mas também de um exemplo de como diferentes agentes (a partir de
diferentes escalas) podem atuar nas áreas de
Um dos
c
é o fato das famílias locais serem donas de seus terrenos (com regularização). Além
disto, existem itens
erta de capitais tem crescido muito nos últimos anos, e com isto parte dos
moradores locais já não resiste e está se desfazendo de seu patrimônio.
Podem-se destacar alguns conjuntos de interesses com origem externa que estão
interagindo com a comunidade local nos processos de transformação sócio-espaciais:
66
1- os interesses ligados à expansão do turismo, que mobilizam tanto agentes
internos como externos;
2- os interesses ligados à preservação ambiental, que partem principalmente de
agentes externos à localidade, mas têm grande reflexo em alguns agentes internos;
3- os interesses ligados à preservação da cultura local, que ainda apresentam
origem externa, mas têm grande potencial de articulação interna;
4 - os interesses ligados à pesca;
5 - os interesses político-eleitorais (principalmente municipais, mas que também
se man
alisar os interesses externos sobre a
localid
ua realidade sócio-
espacia
ipais formas de
conseguir renda é com a hospedagem dos turistas. Alguns caiçaras construíram quartos
ou peq
ifestam em outras instâncias governamentais);
6 - os interesses de grandes empresas ligados aos princípios da razão social e da
propaganda positiva que podem ser conseguidos ajudando uma pequena comunidade
caiçara;
7-os interesses ligados à geração de contrapartida sócio-ambiental em que
algumas empresas são obrigadas a investir por lei, com projetos de desenvolvimento
local.
Um dos métodos utilizados para an
ade foi digitar Pouso da Cajaíba no site Google da Internet. O site encontrou mais
de 195 páginas relacionadas na web. Observou-se que estas páginas destacavam as
notícias sobre o turismo, os mutirões de coleta de lixo e a instalação de placas solares.
Porém, o turismo é o tema com maior destaque. O fato de haver tantas referências na
internet sobre uma localidade que não tem acesso a esta rede, mostra como os interesses
sobre a localidade podem estar muito distantes de seu território e de s
l.
O turismo apresenta diversas formas de influência; porém, é na complementação
da renda dos habitantes locais que esta atividade vem crescendo em importância para a
localidade.
Como o acesso a Pouso é complicado, os picos do turismo são muito curtos.
Basicamente na virada do ano e no mês de janeiro. Portanto os moradores tentam
levantar o máximo de renda possível nestes períodos. Uma das princ
uenas casas só para alugar e, além disto, muitos moradores saem de suas casas e
67
as alugam para os turistas durante o verão, ficando numa casa menor mais afastada, ou
na casa
mpo em janeiro de 2004, verifiquei que o aluguel de uma casa
por sei
toral
flumin
o a uma advogada de
Paraty que alugava as casas através de um site na internet, provocando uma inflação nos
preços.
uas casas antes da dela. Já outros
reclam
ade de construir casas somente para alugar passam a canalizar os lucros com o
turismo
os, dizendo que a pesca estava fraca e que estava difícil permanecer na
localidade. Porém em 2004, para minha surpresa, a falta de empregos deixou de ser a
preocu
Pouso já há algumas pessoas de fora trabalhando com construção civil.
ente existe uma legislação que impede o caiçara de vender sua casa para
alguém
comprar terrenos e construir no local, pois além do dinheiro do terreno, muitos ficam
de parentes.
No trabalho de ca
s dias estava entre 600,00 e 1500,00 reais, o que é bastante caro, comparando-se
ao aluguel de casas em praias com melhor infra-estrutura em outras áreas do li
ense. Já em julho, este aluguel caía bastante, para algo em torno de 200,00 reais.
Alguns moradores disseram que os aluguéis estavam caros devid
Como de costume, a opinião sobre a tal advogada estava dividida; alguns diziam
que ela era ‘legal’ e ajudava os moradores alugando s
aram que ela alugava sua casa e prejudicava os nativos que também queriam
alugar. É evidente que os moradores com as melhores casas, ou os que apresentam
possibilid
, incentivando até alguns desentendimentos (como já foi analisado antes).
Há cerca de cinco anos, os moradores locais reclamavam muito da falta de
empreg
pação central. Poucos entrevistados reclamaram disso; pelo contrário, muitos
disseram que agora estava fácil arrumar emprego. Em pouco tempo de observação,
cheguei à conclusão que a segunda atividade que mais gera emprego ao longo do ano,
depois da pesca, é a construção civil. Diversos moradores locais estão sendo
“recrutados” pela construção civil. Grande parte dos jovens já tem alguma experiência
como pedreiro e auxiliar de pedreiro. Ouvi diversas declarações como: “--- Agora
melhor; tem emprego para gente,( ...), cada saco de areia que eu subo, eu ganho dois
reais”. Em
A localidade está atravessando um processo de especulação imobiliária, com
rápida valorização dos terrenos. Muitas pessoas de fora estão interessadas em comprar
casas. Teoricam
de fora, bem como impede que alguém de fora construa uma casa na localidade,
porém isto parece não estar sendo respeitado. Os caiçaras vendem um terreno e
constroem a casa. Caso chegue alguma fiscalização, eles dizem estar construindo para si
próprios (o que é permitido). Desta forma, a fiscalização tem dificuldades para impedir
a construção. Em outras palavras, alguns caiçaras acabam apoiando pessoas de fora a
68
envolvidos com a construção civil mesmo durante o inverno, época de pouca atividade
turística na região.
Um dos objetivos do roteiro de entrevistas era procurar saber se os donos de
terreno não se preocupavam em vendê-los e prejudicar futuramente seus filhos e netos.
Muitos responderam que sim e que de forma alguma venderiam seus terrenos, mas
outros já falavam ser necessário vender para poder educar os filhos em Paraty. “-- Eu
acho ruim por um lado vender os terrenos, mas por (...) outro não. Acontece que nós não
temos dinheiro e tem gente que vai embora e precisa vender o terreno.” De fato, poucos
disseram estar interessados em vender os terrenos para sair definitivamente da
localidade, porém este sentimento (esta vontade) existe em alguns e a valorização dos
terrenos parece ser uma boa oportunidade para isso.
Por mais que os moradores locais não precisem de alguns elementos mais
sofisticados do meio técnico científico informacional em sua localidade, determinados
requisitos são fundamentais para os turistas. As exigências dos turistas para alugar casas
acabam
vida
basead
extrapolando muitas vezes as necessidades que os moradores locais têm para
suas habitações; sendo assim, surge mais uma forma de pressão para o desenvolvimento
de infra-estrutura no local.
Como já foi apresentado antes, o modo de vida ainda bastante consolidado em
elementos tradicionais da localidade Pouso da Cajaíba dificulta a geração de respostas
previsíveis, por parte dos moradores locais, para os processos de transformação que
estão se desenvolvendo. Mesmo com a entrada de alguns novos sistemas de objetos
como a TV, alguns padrões da sociedade de consumo apresentam dificuldades para
entrar em Pouso e alterar os seus sistemas de ações. As respostas locais aos interesses
externos nem sempre são homogêneas. Pelo contrário, a chegada de novos elementos
vem aumentando as contradições dentro da localidade. É notório que o modo de
o em elementos tradicionais está sendo influenciado por uma nova realidade, que,
se não acaba com a realidade anterior, ao menos provoca uma adaptação do modo de
vida tradicional aos novos padrões de conduta que se mostram presentes na localidade.
Alguns jovens vêm se adaptando bem às temporadas de turismo, misturando-se
com os visitantes e sendo influenciados amplamente por novos hábitos culturais. Porém,
parte da população se isola dos turistas e reclama dos novos padrões culturais que vêm
se desenvolvendo junto à juventude local.
A influência cultural do turismo parece se fazer mais clara entre os jovens; a
moda “surfe” nas roupas dos jovens é evidente, as músicas e algumas gírias de surfista
69
também. A praia de Pouso é o principal caminho para se chegar a Martim de Sá, uma
praia freqüentada por turistas surfistas em quase todos os feriados. Os mais velhos ficam
assusta
rece ser questão de tempo. Apesar
omum quando se caminha perto das casas ouvir os rádios
ligados
urbano
ismo, tornam-se cada vez mais complexos os
interes
dos com o envolvimento dos jovens locais, principalmente em relação ao
consumo de maconha. O turismo do surf tem por característica movimentar usuários
desse produto e com o passar do tempo, vários jovens nativos passaram a fumar
também, principalmente junto com os turistas.
Mesmo a influência cada vez maior das novas redes técnicas não se apresenta de
forma homogênea. Com o tempo, pude notar que a maioria dos homens não assistia a
TV diariamente, e que assistir novela era um hábito ainda pouco comum em Pouso. Mas
algumas casas que tinham TV já recebiam visitas de mulheres para assistir novelas; a
maior influência desta rede de telecomunicações pa
disto, a TV ainda está longe de ser uma prioridade no local. Perguntando para várias
crianças que brincavam na praia se não assistiam desenho animado, ouvi que preferiam
brincar fora de casa.
O rádio parece ter um papel mais ativo no dia a dia da comunidade. Vários
moradores me disseram que tomavam conhecimento das notícias do país e do mundo
através do rádio. É muito c
, mesmo por que o radinho de pilha já faz parte do cotidiano da comunidade há
muito tempo.
Durante o trabalho de campo realizado em julho de 2004 estava acontecendo a
Copa América. Assisti a semi-final entre Brasil, e Uruguai e a posterior conquista do
título pelo Brasil numa final contra a Argentina na escolinha da localidade, junto com
uma grande quantidade de moradores. Durante os intervalos dos jogos, as propagandas
de TV com grandes efeitos especiais pareciam fazer maior sucesso que o jogo,
despertando risadas prolongadas dos moradores locais. Como já foi apontado antes,
objetos como televisão e rádio não chegam nas pequenas localidades apenas como
objetos técnicos, mas sim como veículos para a transmissão de informações; portanto,
são técnicos e informacionais (Santos, Milton 2002). É óbvio que o modo de vida
, baseado em padrões de consumo elevados que aparecem na TV se tornam cada
vez mais sedutores para os habitantes locais.
Além dos interesses ligados ao tur
ses em torno da preservação ambiental, cultural e, mesmo, da realização de
70
projetos sócio-ambientais ligados a grandes empresas que buscam se promover com
propaganda positiva, ou simplesmente são obrigadas a fazer isso pela legislação vigente.
“Moradores de comunidades “isoladas” na região de Paraty (RJ) vão sair do
escuro. Cerca de cem famílias das localidades de Pouso do Cajaíba, Ponta da Joatinga
e Praia de Calhaus serão beneficiadas com o sistema de energia solar.
O proj
plexidade de interesses. Conversando com uma ex-candidata à
veread
verba para iluminar a principal igreja de Paraty, mas por questões
burocrá
eto será implementado pela "ATECH - Fundação Aplicações de Tecnologias
Críticas" , com o apoio da Prefeitura de Paraty e da "Secretaria de Estado de Energia
da Indústria Naval e do Petróleo do Rio de Janeiro". Os recursos, estimados em cerca
de R$ 1 milhão, serão viabilizados pela empresa "El Paso Energy do Brasil Ltda."” -
www.brasilnews.com.br/fonte2. php3?Codreg=581&CodNext=999
A entrada das placas de energia solar foi um episódio interessante para
exemplificar esta com
ora, Ana Nardelle (esposa de um nativo de Pouso que apresenta alguma
influência local, porém mora com ela em Paraty), que também era o principal elo de
ligação entre a comunidade e o ex-prefeito (com mandato entre 2000 – 2004), ficou
mais fácil compreender como este episódio se deu. Segundo ela, a empresa El Paso
liberaria uma
ticas este projeto foi proibido. Então, para não perder esta verba a prefeitura fez
uma manobra, apresentou a região da reserva para os empresários da El Paso, os quais
visitaram Pouso e resolveram bancar a colocação de luz solar em todas as localidades da
região. A liberação desta verba está diretamente ligada a benefícios fiscais que estas
empresas recebem atuando no país. “A El Paso investirá em 2003 R$ 5 milhões em
projetos de eficiência energética no país. Esse montante foi a contrapartida oferecida
pela empresa em função do recebimento de isenção por 10 anos no pagamento de ICMS
relativo à usina de Macaé Merchant.” (fonte –
www.infoenergia.com.br/noticias.asp?codigo=24).
A El Paso contratou uma firma, a ATECH, para fazer o serviço. Esta firma
também se interessou muito pela localidade. Levar luz limpa e renovável para uma
equena localidade dentro de uma reserva ambiental no litoral brasileiro pode gerar uma
continuou mandando pessoas lá para orientar a comunidade local a fazer o melhor uso
p
propaganda em escala global e ainda servir como um importante laboratório de
pesquisas. Posteriormente ao estabelecimento das placas solares, a empresa (ATECH)
71
dos equipamentos implantados. Tive a oportunidade de presenciar uma dessas visitas.
Eles enviaram psicólogas para conversar com os moradores em reuniões na escolinha.
Foi a psicóloga que me disse quais eram os objetivos das visitas que vinham se
process
m se inserir melhor
na sociedade a partir do desenvolvimento de preocupações mercadológicas dentro da
comun
ando regularmente. Além das placas solares, a ATECH financiou uma central de
congelamento para armazenar peixes, com um refrigerador com capacidade para 500
litros de pescado e uma geladeira. A inauguração deste equipamento contou com a visita
da governadora Rosinha Garotinho e foi divulgada nos principais jornais do Estado.
Acompanhei uma das reuniões e percebi que elas tinham por objetivo
desenvolver um espírito empreendedor dentro da comunidade local, com perguntas do
tipo: qual o seu maior desejo,..., é ter uma lancha, então pense o que você pode fazer
para conseguir isso...? Ou seja, debatiam como os moradores poderia
idade, tentando implantar uma nova lógica empresarial nas atividades produtivas
locais. Descobri que já tinha havido diversas reuniões e que os níveis de participação da
população local já haviam sido maiores. A reunião que presenciei praticamente só tinha
mulheres assistindo.
Reconstruindo a situação: uma empresa transnacional do setor energético atuante
no norte do Estado do Rio de Janeiro faz uma contrapartida financeira num município
do litoral sul do estado e contrata uma outra empresa que também se interessa pela
região e desenvolve projetos paralelos, promovendo o que se pode chamar de
desenvolvimento local sustentável. Isto tudo supervisionado pelo governo Estadual e
com participação direta do governo Municipal. Este projeto de “desenvolvimento”
segue um modelo que vem sendo implantado em todo o mundo a partir de
financiamento de grandes empresas, ONGs e instituições, normalmente com origem em
países ricos. A localidade de Pouso é um ótimo lugar para se desenvolver este tipo de
projeto não só pela evidente carência de sua população, mas também pela localidade
estar dentro de uma reserva ecológica, ter poucos habitantes e estar próxima a duas
metrópoles nacionais brasileiras.
A partir desta constatação procurei compreender como os moradores locais
entendiam este processo e como eles se acharam beneficiados por esta nova infra-
estrutura. Conversando com os moradores sobre as placas de luz, foi óbvio perceber que
todos gostaram. Antes eles gastavam muito dinheiro com velas e querosene. Ouvi
relatos de que a chegada de luz era uma eterna promessa de campanha dos candidatos a
72
prefeito que nunca se realizava. Porém, alguns disseram com grande preocupação que
agora a luz na área da reserva já estava aparecendo na campanha eleitoral como um
projeto realizado e se mostraram contrariados com a possibilidade destas placas solares
serem a solução definitiva para a falta de luz. Isto porque a placa solar só segura três
pontos de luz de 12 volts. Sendo assim, quem não investiu num transformador não pode
usar aparelhos eletrodomésticos, e mesmo os que investiram em transformadores não os
podem usar por muito tempo, pois a bateria não agüenta muito.
A chegada da luz mobilizou formas de organização local, não por causa de um
processo de reivindicação, mas porque era preciso a localidade ter uma associação para
estar dentro dos padrões necessários para a promoção do desenvolvimento local
“participativo”, de acordo com as propostas vigentes para a promoção de tal
desenvolvimento. O interessante é que os principais articuladores e motivadores da
associação em torno da chegada das placas solares foram um ex-morador local que se
mudou para Paraty e sua esposa, a candidata a vereadora Ana Nardelle. Com sua maior
experiência eles tentaram articular uma associação local acreditando que isto poderia
permitir que a comunidade fosse beneficiada mais facilmente por projetos externos em
torno d
o desenvolvimento local.
Fica evidente para um observador externo que o fato da associação ter sido
formada de fora para dentro gerou um grande problema: a sua desarticulação interna,
pois, o processo de formação de uma cultura associativa ainda não se desenvolveu
completamente em Pouso. Por exemplo, quando entrevistei o presidente da associação
ele disse que estava como presidente devido à falta de pessoas dispostas a assumir este
papel, mas ele não queria mais ser presidente e que eles iriam fazer uma reunião para
debater isso. Além disso, entrevistei uma outra pessoa que também se disse presidente
da associação, mas que só o era pois ninguém mais queria ser. Mesmo que as pessoas de
fora mostrem que a associação local deve ser organizada e atuante para a localidade
poder receber benefícios, este é um processo lento, mas que vem se desenvolvendo no
seu ritmo.
No próximo capítulo serão debatidas algumas políticas conservacionistas que
vêm sendo implementadas no litoral brasileiro. Vale a pena ressaltar que a região da
reserva apresenta legislações ligadas à demarcação da APA e à demarcação da Reserva
Ecológica. Como já foi debatido antes, alguns hábitos tradicionais dos caiçaras em
relação ao uso da mata hoje dependem de autorização prév ia do IEF.
73
Aparentemente, as políticas ambientais parecem se preocupar mais com os
elementos físicos do que com os elementos sociais da localidade. Por outro lado, a
atuação do IBAMA e do IEF na região, além reduzir os impactos ambientais, parece
inibir de alguma forma a especulação imobiliária e a rápida transformação da localidade
num balneário turístico das classes média e alta. Porém, a falta de uma atuação mais
constante e menos contraditória (do ponto de vista da comunidade local) acabam
diminuindo o poder de influência dessas instituições.
Os moradores de Pouso da Cajaíba apontam que a quantidade de peixes na
enseada diminuiu muito nos últimos anos. Com isso, a influência dos grandes barcos
pesqueiros de fora da região em Pouso da Cajaíba tem aumentado ainda mais (pois esta
fonte de empregos existe desde os anos 60). Diversos moradores são contratados por
grandes empresas pesqueiras, ficando mais de três meses sem visitar Pouso da Cajaíba,
trabalhando em alto mar ou em outras localidades. Como foi dito antes, muitos
moradores locais acusam os grandes barcos de estarem acabando com o pescado na
região, porém, sem opções acabam servindo como fonte de mão-de-obra para esses
grandes barcos. Apesar da pesca ainda ser uma fonte de renda fundamental para a
localid
stá melhorando com a chegada das placas de luz solar e o aumento no fluxo
de turistas, pois isto estaria diminuindo a distância entre eles e a cidade.
ade, muitos buscam alternativas alegando que assim fica mais fácil ganhar
dinheiro.
A população percebe que existe um grande isolamento entre eles e o modo de
vida urbano: alguns acham isso bom e outros não. Muitos têm pessoas da família
morando em Paraty ou em Santos e que conhecem bem a realidade urbana. Parte da
população saiu de Pouso e hoje volta somente para visitar os parentes, mas alguns atuais
moradores tentaram a vida fora da localidade e acabaram desistindo. A falta de
possibilidades de terminar o ensino básico é mencionada por muitos como o principal
empecilho para residir em Pouso. É quase unanimidade entre os jovens a sensação de
que Pouso e
Quando perguntava em ‘papos’ informais sobre a necessidade de se construir
uma estrada, a enorme maioria era contra e dizia que isto acabaria prejudicando a paz
local. Por outro lado, a principal reclamação em relação às políticas públicas foi
justamente a ausência de um sistema de transporte regular para Paraty. O fato de só
74
haver e
e que não foram corretamente
investigados pela polícia.
es devido ao crescimento do turismo, por exemplo. Pode-se destacar alguns
elementos a serem pensados como parte do patrimônio sócio-espacial comum da
localid
desenvolvimento das atividades turísticas.
scola até a quarta série, e do morador local não ter transporte regular para estudar
em Paraty são reivindicações constantes.
Ouvi reclamações apontando o isolamento da localidade como algo perigoso,
destacando-se histórias de bandidos de Paraty que fugiram para se esconder em Pouso,
colocando em risco a segurança da comunidade local. Alguns mais idosos chegaram a
reclamar da falta de controle público sobre a segurança de Pouso. Segundo alguns
moradores, ocorreram crimes recentes na localidad
3.9 As possibilidades de organização da localidade
Será possível que a localidade possa se articular em torno da defesa de algum
capital social comum? Por mais que existam interesses discordantes, em diversos
momentos observam-se formas de solidariedade e cooperação interna. Mesmo que as
formas de cooperação ocorram sem uma conscientização por parte dos envolvidos e
simplesmente caracterizem a herança de uma trajetória social comum. Ou mesmo que
estas formas de agir em torno de interesses comuns sejam resultado de novas
necessidad
ade, servindo assim como uma espécie de capital social local (ou capital sócio-
espacial):
- A manutenção do modo de vida caiçara (com a manutenção de um reduzido
custo de vida a partir d as atividades tradicionais de subsistência);
- A manutenção de tradicionais formas de cooperação oriundas de uma trajetória
social comum;
- Uma organização política interna com maior participação de atores locais, que
permita uma melhor atuação da localidade junto às instituições, públicas ou não, que
estejam desenvolvendo projetos na região da reserva.
- A defesa do seu território mediante interesses puramente conservacionistas ou
interesses econômicos totalmente externos à localidade;
- A manutenção da qualidade ambiental e de uma paisagem agradável para o
melhor desenvolvimento de suas atividades tradicionais, assim como para o melhor
75
Nem todos os habitantes locais apresentam uma consciência prévia sobre os
elemen
cultura local; por outro lado, estão surgindo formas mais
inâmicas de articulação política local e, principalmente, interesses comuns a serem
efendidos coletivamente.
ndo uma forte perda de
caracte sticas culturais tradicionais locais em elementos como as festas, a agricultura,
as form
orma preliminar, pode-se pensar que o sentimento de identificação espacial
e a exi
ntos comuns a serem
conscie
, a existência de rivalidades internas e as transformações nas relações
de trab
econômica que determinadas
ativida
idade local, tanto por parte do
poder
s projetos de desenvolvimento local, assim
tos destacados acima, porém diversos moradores compreendem a necessidade de
se formar uma maior coesão interna em torno de elementos que são coletivos e que
poderiam ser considerados uma forma de capital social com um.
Após uma análise mais aprofundada sobre a localidade de Pouso da Cajaíba,
percebe-se que, por um lado, está ocorrendo uma perda de identidade coletiva e dos
elementos tradicionais da
d
d
Como foi discutido antes, pode-se dizer que está have
as de se vestir, as gírias, entre outros. Existe um intenso processo de
desterritorialização em andamento na localidade de Pouso da Cajaíba, não só devido às
alterações culturais, mas, principalmente, pela dificuldade que os habitantes locais têm
de controlar os processos de transformação sócio-espacial por que vêm passando.
Fica a pergunta no ar: será que a comunidade é capaz de compreender este
processo e de se articular em conjunto diante destes interesses? Antes de pensar sobre
esta pergunta, surge um outro questionamento: será que os habitantes locais reconhecem
seus principais interesses em conjunto e apresentam um sentimento de integração capaz
de mobilizá-los frente às mudanças que estão ocorrendo?
De f
stência de uma cosmovisão particular poderiam gerar uma resposta positiva para
estas perguntas, estimulando assim o estabelecimento de eleme
ntemente defendidos pela comunidade local na busca de gerar benefícios
coletivos. Porém
alho, que sustentaram a localidade ao longo do tempo, podem justificar a
percepção de que a localidade tende a se alterar completamente, tanto pela incapacidade
de organização interna, quanto pela dependência
des podem impor à localidade.
Existem interesses políticos em torno da comun
público como por parte de empresas e ONGs, mas é devido aos interesses na
paisagem local que se desenvolvem as principais ações sobre a localidade. Portanto, é
fundamental que as políticas públicas e o
76
como os novos mediadores, que atuam nas relações entre os agentes internos e externos,
reconh
legitimidade para suas
ações.
po necessário e as contradições que a comunidade apresenta
para re
eçam a existência da localidade (conforme o sentido debatido pelo presente
trabalho), bem como a própria localidade perceba a importância de pensar-se como tal.
Desta forma, os habitantes locais podem ter o tempo necessário para se articularem
politicamente, enquanto os agentes externos podem encontrar
Assim, acredita-se que a articulação interna depende não só de uma
conscientização dos habitantes locais, mas também dos agentes externos, que ao
promoverem projetos conservacionistas, ou mesmo ligados à idéia de desenvolvimento
local, devem respeitar o tem
conhecer seu capital social comum e suas formas de articulação em busca de
possíveis elementos comuns.
77
4 - Políticas e Instituições Públicas em suas relações com
Pouso da Cajaíba
4.1- Políticas Públicas e o uso da escala local - introdução
O caso de Pouso da Cajaíba pode ser um importante exemplo para se pensar a
respeito das idéias e ações ligadas às políticas públicas, que vêm se desenvolvendo em
torno d
as públicas aqui presente iniciou-se na unidade 2.3 deste
trabalho, “As Políticas Públicas Litorâneas e o Uso da Escala Local - A Evolução das
Políticas de Planejamento e Gestão das Áreas Litorâneas”. Nesta unidade foi
apresentado um pequeno histórico sobre as políticas públicas litorâneas federais e
algumas formas de articulação com as escalas estadual e municipal. O que segue agora é
uma análise sobre as principais políticas públicas que se destacam no caso estudado. No
final do capítulo, serão indicadas possíveis contribuições que a noção de localidade
pode gerar na elaboração e implementação de políticas públicas.
Como dito anteriormente, a região onde se localiza Pouso da Cajaíba apresenta
grande singularidade quanto a seus atributos ambientais. A região da baía da Ilha
Grande é a porção do Estado que apresenta a maior área contínua de remanescentes de
Mata Atlântica. Sendo assim, existe uma grande quantidade de unidades de conservação
presentes. Desde a APA de Mangaratiba, a floresta é praticamente uma só em direção ao
sul, onde encontra o Parque Nacional da Serra da Bocaina, a APA de Cairuçu e a
Reserva Ecológica da Juatinga. Já na divisa com o Estado de São Paulo, adjacente à
APA de Cairuçu, o Parque Estadual da Serra do Mar superpõe-se parcialmente ao
Parque Nacional da Serra da Bocaina, formando um continuo florestal com mais de 500
mil hectares de Mata Atlântica e ecossistemas associados. Suas unidades de
conservação localizam-se principalmente na Serra do Mar, da qual a Serra da Bocaina e
seus esporões fazem parte. Esta região está inserida no Corredor Ecológico da Serra do
Mar e na Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. ( SOS Mata Atlântica - Plano de
Manejo da APA do Cairuçu 2004, p.11 encarte III)
os princípios do desenvolvimento local e mesmo dos ideais do desenvolvimento
sustentável. O objetivo deste capítulo é discutir as formas e as dificuldades das relações
entre o poder público e uma localidade a partir do exemplo de Pouso da Cajaíba. Neste
trabalho a atuação de ONGs também será considerada uma forma de atuação do poder
público.
O debate sobre polític
78
A partir da relevância ambiental da área e da grande quantidade de unid
conservação presentes, um
ades de
a das questões que se destacou no caso estudado foi à
ificuldade de compreender as relações e a sincronia que as diferentes instâncias e
uação junto às
localid
hamento institucional de funções com a ausência de ações em torno das
funçõe
d
instituições de poder público apresentam nas suas formas de at
ades caiçaras. A área da reserva onde se encontra Pouso serve como um bom
exemplo para analisar as dificuldades de articulação entre os poderes Municipal,
Estadual e Federal, bem como entre as diversas instituições públicas na gestão das
questões sócio-ambientais. Diferentes responsabilidades são compartilhadas por
variadas instâncias e instituições públicas, porém, neste caso, isto não significa uma
maior facilidade para a execução das mesmas. Fica nítida uma contradição: o
compartil
s compartilhadas.
Em relação às unidades de conservação, observa-se o seguinte: o poder estadual
é representado pelo IEF (Instituto Estadual de Floresta), responsável pela Reserva
Ecológica da Juatinga; e o poder federal atua através do IBAMA, responsável pela
fiscalização da APA do Cairucú.
Observando o croqui da região nota-se que o território da REJ fica dentro da
APA. Por mais que as duas instituições mantenham
-----------Parque Nacional da Bocaina
-----------APA Cairuçu
-----------Reserva Ecológica da Juatinga
boas relações entre si e busquem
79
dividir
m a segurança pública. Recentemente, o Estado investiu no
sistema
ente relacionado com o projeto da El Paso de colocar
energia solar nas comunidades caiçaras.
As formas de atuação das instituições federais ocorrem com menor regularidade,
mas alguns exemplos podem ser destacados. Os moradores locais relataram que
representantes do Governo Federal teriam visitado Pouso recentemente, depois da
entrada do novo governo, para levantar dados censitários para o programa Fome Zero.
Em meados de 2005, foram expostas na cidade de Paraty propagandas do Governo
Federal afirmando que vai estender a rede elétrica a todas as comunidades da reserva.
Numa pequena visita feita a Pouso da Cajaíba em julho de 2005, os moradores locais se
mostraram otimistas quanto à chegada definitiva da luz, afirmando que as obras para
chegada da luz no Mamanguá já teriam começado e em breve os postes estariam
chegando em Pouso.
Além de instituições políticas e de projetos
governamen se novos mediadores nas relações entre a
localidade e as instituições públicas. Surgem cada vez mais novos personagens sociais,
como estudantes universitários pesquisando a realidade local e turistas interessados em
se organizar para atuar em projetos na defesa da cultura ou no combate as deficiências
sociais (estimulando o surgim
suas responsabilidades, não fica claro para a população caiçara qual o papel de
cada instituição. Por vezes este papel é melhor relacionado ao indivíduo que representa
a instituição do que à própria instituição.
Além disto, as diferentes esferas públicas confundem-se também na resolução
dos problemas sociais. Durante os dias do trabalho de campo, identificaram-se as
formas mais evidentes de ações das instâncias públicas junto a localidade de Pouso da
Cajaíba. O município atua (ou atuou) nos setores ligados a educação (a escola é
municipal), a saúde (os programas ligados ao agente de saúde) e a coleta de lixo (apoiou
projetos de coleta e de educação ambiental em parceria com ONGs). O poder estadual
compartilha responsabilidades com o município em setores como saneamento básico,
além de ser identificado diretamente com outros setores de infra-estrutura (como
energia e telefonia) e co
de coleta e abastecimento de água na localidade. Além disto, os moradores
também relataram a presença de representantes do Governo Estadual que teriam ido
levantar dados para o programa Cheque Cidadão e, como já foi mencionado antes, o
Governo do Estado esteve diretam
da enorme quantidade
tais para a região, observam-
ento de pequenas ONGs). Além disto, inúmeras ONGs
grandes (com respaldo para suas ações garantido por agentes em escala nacional e
80
internacional) estão firmando-se cada vez mais como agentes externos interessados em
financiar e participar de projetos preservacionistas e conservacionistas em áreas de
cobertura florestal do litoral brasileiro.
Mariana de Faria Benchimol em seu trabalho, “Análise das Ações de
Intervenção na Porção Sul do Estado do Rio de Janeiro: um Estudo de Caso no
Município de Paraty”, procurou analisar as ações públicas existentes no município de
Paraty que se direcionam à proteção e desenvolvimento sócio ambiental. Seu objetivo
central foi identificar os principais problemas existentes sob a ótica do gerenciamento
costeiro integrado (a partir da metodologia proposta pelo PNGC/GERCO
18
). Este
trabalho levantou 155 atores, sendo 42 governamentais e 113 atores não
governamentais. Isto ilustra o que vinha sendo apresentado antes: a grande quantidade
de tomadores de decisões que atuam dentro do município, gerando uma teia de projetos,
planos, idéias e opiniões, que podem trabalhar em parceria ou não (Benchimol 2004,
p.60).
Segue abaixo uma lista com algumas das ações identificadas por Benchimol
(2004, p.76) dentro do município de Paraty (algumas com influencia direta em Pouso da
Cajaíba), que servem para ilustrar ainda mais o que está sendo debatido aqui.
ncionários da área de saúde para visitar todas as comunidades do
municí
Ações Desenvolvidas Por Atores Governamentais:
- Secretaria Municipal de Obras, Arquitetura e Urbanismo de Paraty: Desenvolve ações
de mutirão comunitário para realização de obras de infra-estrutura básica em diversos
bairros.
- Secretaria Municipal de Educação: Desenvolve projeto de educação ambiental nas
escolas municipais, incluindo trilhas na mata, aulas práticas, um livreto educativo, entre
outros.
- Secretaria Municipal de Saúde: Desenvolve, através do CIS, o projeto Médico de
Família, que envia fu
pio, com periodicidade aproximada de 2 semanas, levando orientações referentes
a higiene básica, tratamento ginecológico, tratamento odontológico, entre outros.
18
- No ano de 1998, foi criado o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC), instituído pela Lei 7661/88. Os
detalhamentos e operacionalização foram objeto da Resolução no 01/90 da Comissão Interministerial para os
Recursos do Mar (CIRM), de 21/11/90, aprovada após audiência do Conselho Nacional de Meio Ambiente
(CONAMA). A própria Lei já previa mecanismos de atualização do PNGC, por meio do Grupo de Coordenação do
Gerenciamento Costeiro (COGERCO). O gerenciamento costeiro integrado se caracterizaria por estimular a
participação dos mais diferentes atores interessados.
81
- Secretaria Municipa l de Agricultura, Pesca e Meio Ambiente de Paraty: Capacita
algumas comunidades caiçaras para o cultivo de mexilhão Perna perna e presta
acessoria técnica nestes.
- Ibam
trabalhos.
Instit
Recicla Lixo: Recebe uma porcentagem dos resíduos sólidos produzidos e
zem a correta seleção do lixo e o
relacionados a candidatura de Paraty para Patrimônio da Humanidade. Desta
ata Atlântica: Desenvolveu projeto de capacitação comunitária para a coleta
de luz
solar em algumas comunidades ao sul do município, como a Ponta Negra, o Mamanguá
e o Pouso da Cajaíba.
a
a: Apoia o desenvolvimento cultural do Quilombo do Campinho, financiando
uma professora de dança afro, organizando o Encontro da Cultura Negra, realizando
palestras de preservação cultu ral, entre outros.
- Secretaria Municipal de Planejamento, Controle, Orçamento e Gestão de Paraty:
Procura organizar o orçamento municipal participativo, contudo até o momento este não
está contando com a participação efetiva da população.
Ações Desenvolvidas Por Atores Não Governamentais
- COMAMP: Edita um jornal bimestral que fornece informações gerais sobre o
município de Paraty e auxilia todas as associações de moradores, dando diretrizes para
os seus
-  uto Educacional Laranjeiras – IEL: Financiado pelo Condomínio Laranjeiras este
instituto constrói e equipa escolas principalmente na Vila Oratória e regiões adjacentes
ao condomínio.
-
“semiseparados” do município. Como função, estes fa
vendem para a reciclagem.
- Associação Pró-Paraty Patrimônio Mundial Cultural: Esta associação trata dos
assuntos
forma tenta elaborar projetos que façam a cidade se enquadrar nos quesitos das ONU
para ser aceita na candidatura.
- SOS M
seletiva de lixo. Este projeto atingiu diversas comunidades, porém após esta capacitação
apenas algumas continuaram separando o seu lixo.
- El Paso: Realizou o projeto GERA-SOL, em parceria com o Governo do Estado do
Rio de Janeiro - SEINPE e com a Prefeitura Municipal de Paraty, instalou painéis
- Instituto Arruda Botelho: Implantou tanques-redes em algumas comunidades caiçaras
com o objetivo de armazenar o pescado ainda vivo. Desta forma o pescador dispensari
82
o uso de gelo para a conservação do pescado, ganhando tempo para a negociação deste
sem estragar a mercadoria.
- Silo Cultural José Kleber: Projeto de aulas de dança afro para a comunidade
s observar estas hortas na Praia do Sono
stituições atuando na área da
s mais destacaram foi a omissão das instituições políticas diante de
da eleição; ou, --eles não estão interessados em resolver nossos
ande. Foi relatado por moradores da localidade que, quando
desta secretaria. Durante a
desarticulada, até os computadores
políticas.
cotidianas das pequenas localidades e não simplesmente com interesses eleitorais, já que
quilombola do Campinho, em parceria com o Ibama.
- Fundação Margaret Mee: Desenvolve o projeto Cultura de Quintal, que organiza
hortas comunitárias em alguns bairros. Podemo
e na Ponta Negra, por exemplo.
- Associação Cultural e Artística Nhandeva: Desenvolve projeto para resgatar a cultura
guarani.
Apesar da diversificada e numerosa presença de in
REJ (Reserva Ecológica da Juatinga), a impressão junto aos moradores não foi
condizente com isto. Ao invés de percebê-los apontando diferentes ações das instâncias
públicas, o que ele
inúmeros problemas sociais locais. Os moradores apresentam sinais de desconfiança em
relação aos atores políticos. Em diversos momentos ouvi frases como: “--eles só vêm
aqui na época
problemas, mas sim em ganhar fama...”.
Principalmente na escala municipal, observa-se uma rotatividade de programas e
interesses políticos muito gr
muda o prefeito todos os projetos sociais da prefeitura se alteram. Na entrevista
realizada junto ao secretário de meio ambiente da prefeitura isto foi claramente
observado. A entrevista se realizou em fevereiro, a prefeitura havia entrado em janeiro,
e, neste curto período, já havia acontecido trocas na chefia
entrevista o que mais se destacou foram as apresentações dos problemas políticos
oriundos da herança recebida da antiga prefeitura, como: “a prefeitura anterior deixou
uma dívida enorme...; ou, -- a secretaria estava toda
eles levaram, não temos material para trabalhar.” Se de um lado, estes problemas são
típicos dos momentos de troca de poder político, por outro lado, eles comprovam as
reclamações da população de Pouso, que tem razão em se preocupar com a falta de
continuidade das ações
Mesmo quanto às ações do Governo Estadual, também fica a clara impressão de
existirem dificuldades em se relacionar as ações públicas com as necessidades
83
grande parte destas ações teria forte interesse político. A visita da Governadora à
localidade de Pouso da Cajaíba no episódio de inauguração do centro de refrigeração de
a relembrar que este proj eto foi
is (como foi mencionado no capítulo3).
malmente ocorrem de forma desarticulada. Por vezes, a prefeitura pede ajuda
junto ao IEF ou IBAMA, ou uma ONG busca atuar em conjunto a estas instituições. Um
exempl
ação de projetos como os de coleta de lixo e
treinam
lado, promover a democratização do uso do solo nas
áreas d
pescado foi resultado de uma articulação política entre as escalas municipal e estadual,
que eram do mesmo partido na época. Vale a pen
financiado por uma empresa, como uma forma de compensação ambiental. Apesar de
ter havido um grande alarde na inauguração desta central, sua relevância é muito
questionada pelos habitantes loca
Os planos e projetos das instituições públicas nem sempre estão interligados e as
ações nor
o de sucesso na parceria entre as principais instituições que atuam junto a
reserva foi a elaboração do Plano de Manejo da APA do Cairuçu, este foi elaborado por
iniciativa de uma ONG, a SOS Mata Atlântica, que em parceria com o IBAMA e com a
colaboração de outras instituições, gerou um importante material que disponibiliza um
grande levantamento de dados sobre a região. Além disto, este trabalho também atinge
seus objetivos ao apresentar propostas para o melhor gerenciamento e ordenamento da
unidade de conservação. A ONG SOS Mata Atlântica teve papel fundamental junto às
localidades da reserva através da elabor
ento de guias turísticos.
Como apresentado na unidade 2.3, o Governo Federal criou um projeto para
tentar melhor integrar e orientar as diferentes instâncias públicas na elaboração de ações
concretas em torno do ordenamento das questões ambientais da área litorânea, o Projeto
de Gestão Integrada da Orla Marítima – Projeto Orla. Por iniciativa do Ministério do
Meio Ambiente, em parceria com a Secretaria do Patrimônio da União, este projeto
envolve a articulação dos três níveis de gestão de governo (federal, estadual e
municipal). Neste projeto são repassados aos municípios os fundamentos teóricos sobre
os problemas ambientais existentes nos espaços litorâneos; além disso, é construída uma
articulação entre poder público municipal e sociedade civil, no sentido de identificar e
propor soluções para conflitos associados ao uso e ocupação do solo nas áreas
litorâneas. O projeto visa, por um
e praia e suas adjacências; e por outro lado, que as diretrizes gerais de
conservação ambiental propostas pelo Ministério do Meio Ambiente sejam cumpridas.
84
Para tanto, após o processo de capacitação de gestores locais, é desenvolvido pelo
município participante do Projeto um Plano de Intervenção na Orla Marítima.
Este Plano é elaborado com o apoio dos Órgãos Estaduais de Meio Ambiente e
do Ministério do Meio Ambiente e será utilizado para o estabelecimento de um termo de
convênio entre prefeituras e a Secretaria do Patrimônio da União, visando a cessão dos
terrenos de marinha para a gestão municipal. Dessa forma, verifica-se uma integração
entre as políticas ambiental e patrimonial do governo federal e com isso uma alternativa
que en
a foi tratada de maneira secundária sem a apresentação
de nenhum projeto particular Em grande parte isto se deve ao fato de já existirem
justapo
globa, no mesmo processo, desenvolvimento institucional e articulação dos
diversos agentes envolvidos na conformação espacial e territorial; além disso, prevê
benefícios aos municípios, com a cessão de terrenos da união para os projetos
ambientais.
A idéia do Projeto Orla é muito interessante, diversos municípios do litoral
brasileiro são carentes de maiores conhecimentos sobre as políticas ambientais e foram
muito beneficiados por esta iniciativa. Porém este não é bem o caso de Paraty, já que em
seu território as políticas ambientais são uma realidade presente a bastante tempo, fato
comprovado pela presença de diversas unidades de conservação. Ao se consultar o
Projeto Orla de Paraty, percebe-se que a maior preocupação política do município se
concentrou nos distritos urbanos, onde os problemas ambientais são bem mais
evidentes; toda a área da reserv
sições de poderes e regras a serem seguidas na REJ. Caso o Projeto Orla entrasse
na reserva, estaria sendo estabelecido mais um conjunto de regras em contrapartida a
outros já existentes. Por outro lado, isto também demonstra que a execução do Projeto
Orla, de maneira participativa e abrangente, depende muito dos interesses políticos
presentes na prefeitura.
4.2- Formas de atuação das Instituições Públicas em Pouso da Cajaíba
Em janeiro de 2005 foram realizadas entrevistas junto a três instituições públicas
que apresentam formas de atuação nas questões sócio-ambientais junto à localidade de
Pouso da Cajaíba: o IEF (Instituto Estadual de Floresta), que é o principal responsável
pela fiscalização da Reserva Ecológica da Juatinga; o IBAMA, que é o principal
responsável pela fiscalização da APA do Cairuçu; e a Secretaria de Meio Ambiente da
85
prefeitura de Paraty. Além disto, a pesquisa sobre estas instituições utilizou-se dos
dados levantados pelo Plano de Manejo da APA do Cairuçu.
Como dito anteriormente, existe uma evidente confusão quanto aos conceitos,
instrumentos e metodologias que se apresentam nas relações entre as instituições de
fiscalização e os grupos locais na área da REJ. Porém, durante as entrevistas, ficou
ainda mais claro algo que já havia sido apontado em diferentes trabalhos sobre o tema.
Esta deficiência não é resultado das ações dos responsáveis regionais ou locais pela
administração das instituições públicas, mas sim de uma desorganização do próprio
Sistema de Unidades de Conservação em escala federal e da falta de diretrizes políticas
ambientais claras, que permitam a elaboração de planos de manejo a longo prazo nas
unidades de conservação brasileiras.
no Rio de Janeiro. Para Brito, a criação de muitas unidades de
onservação surgiu de situações de emergência e resistência de forma autoritária pelo
onserv
O trabalho de Maria Célia Wey de Brito (Brito 2003) apresenta uma notável
análise crítica sobre o Sistema Brasileiro de Unidades de Conservação. Pode-se destacar
aqui um pouco do seu esforço intelectual quanto às unidades APA do Cauruçu e
Reserva da Juatinga. Para ela, existe uma contradição entre a definição técnica de
Reserva Ecológica (que é uma unidade de proteção integral
19
) e a presença de
comunidades caiçaras no local, “a análise da Reserva Ecológica da Juatinga e da APA
do Cairuçu permite perceber, também, que o fator determinante para a escolha das
categorias de manejo não foi, como sugere internacionalmente, o objetivo precípuo
destas e as reais condições de seu atendimento” (Brito 2003, p.213). Ela aponta ainda
que a escolha das definições técnicas para as UCs parece ser mais um resultado das
circunstâncias técnico-políticas reinantes no momento da sua criação do que resultado
das necessidades locais e regionais. Vale lembrar que a criação da Reserva Ecológica da
Juatinga está relacionada ao momento da realização da conferência internacional
conhecida como Eco-92
c
poder público, que de um lado é o principal responsável pela execução dos atividades
c acionistas, mas por outro lado não consegue, sem uma eficiente participação da
sociedade, realizar os seus objetivos.
A criação da Reserva Ecológica da Juatinga objetivou favorecer às populações
caiçaras pressionadas na época por conflitos pela posse da terra na Praia do Sono e
19
Estas unidades visam a proteção integral dos atributos naturais, permitem apenas o uso indireto dos
atributos naturais e prevêem a manutenção dos ecossistemas em estado natural, com o mínimo de
alteração.
86
outros locais, porém isto vem sendo objeto de muita polêmica, já que a Reserva
Ecológica é uma área decretada como de proteção integral, o que não favoreceria a
perman
o Cairuçu 2004).
Desta forma as atividades do IEF e IBAMA
na região acabam dependentes de uma vontade pessoal dos administradores em superar
obstácu
ência destas populações caiçaras. Desta forma, a gestão da área, a cargo do
Instituto Estadual de Florestas do Rio de Janeiro, apresenta grandes dificuldades, tendo
em vista a necessidade de conciliar a preservação ambiental com o direito das
populações caiçaras de se desenvolver social e economicamente, bem como impedir a
construção de mansões de veranistas no Saco do Mamanguá, que continuam ocorrendo
apesar de embargos judiciais em favor do Estado. Fica exposta uma dupla função desta
unidade de conservação, que deverá, além de garantir a preservação dos recursos
naturais, permitir o desenvolvimento sustentável das suas comunidades ( SOS Mata
Atlântica -plano de manejo da APA d
Conversando com os representantes do IBAMA e do IEF percebeu-se que ambos
têm uma compreensão clara da relevância ambiental da região da APA e da Reserva.
Tanto sua importância regional quanto nacional foram mencionadas João “Bi”-
administrador da Reserva Ecológica da Juatinga (principal responsável pelo IEF na
região), destacou o fato da reserva apresentar uma grande quantidade de espécies em
extinção, que podem ser vistas nas caminhadas pelas matas como algo muito
importante, deixando transparecer um sentimento de orgulho e felicidade por seu
trabalho. Assim como, tanto o representante do IBAMA quanto o representante do IEF,
demonstraram conhecer as carências sociais e econômicas das comunidades caiçaras e o
processo especulativo que o crescimento do turismo tem provocado na região.
Apesar dos representantes do IBAMA e do IEF terem demonstrado grande
motivação para realizar suas tarefas, ambos destacaram problemas comuns para
execução das mesmas: a falta de pessoal e de material adequado para suas ações. A
indefinição política, ou mesmo o cruzamento de funções institucionais na área, foi
apontado por eles como um problema menor que a falta de pessoal e de condições
materiais para realização de seu trabalho.
los, ou de pressões políticas que costumam ser pontuais e momentâneas. Surge
desta forma uma contradição evidente entre os objetivos das unidades de conservação e
o que se consegue fazer na prática.
87
O senhor Júlio, que é um dos dois administradores regionais do IBAMA, disse
que sua atuação fica muito limitada pela dificuldade burocrática da fiscalização.
Justificou isso dizendo que, por vezes, o IBAMA chega no local, autua a irregularidade
e multa os responsáveis, porém que “durante a noite as ações continuam”, ou seja, a
atuação do IBAMA depende de uma burocracia complexa ligada aos órgãos de Brasília
e mesmo de uma parceria com a polícia. Desta forma, as ações de fiscalização e
controle não conseguem inibir todas as atividades predatórias. Esta realidade não deve
ser pensada como algo que só ocorra numa área de difícil acesso como a Reserva
Ecológica, mas sim como algo que pode ocorrer até em áreas próximas ao distrito
central de Paraty.
De acordo com os representantes do IBAMA, as principais ações dentro da
Reserva da Juatinga são responsabilidade do IEF e, portanto, o contato do IBAMA com
a localidade de Pouso da Cajaíba não é muito grande. Mesmo assim, ele apontou que a
maior d
Martim
o estão sendo respeitadas pelos moradores
locais. Desta forma ele prevê que a derrubada das casas será um grande problema, mas
ificuldade para atuar junto as comunidades caiçaras é a falta de esclarecimento
e, principalmente, a falta de cumplicidade junto as ações conservacionistas por parte dos
habitantes locais.
Um outro problema destacado durante a entrevista no IBAMA foi a dificuldade
de aprovar o Plano de Manejo da APA do Cauruçu, elaborado em parceria com a SOS
Mata Atlântica. Este plano ainda precisa ser debatido e aprovado pelos representantes
da sociedade civil e grupos interessados. Há dificuldades em reunir todos os
representantes envolvidos, até janeiro de 2005 poucas reuniões haviam acontecido.
Neste processo de reuniões, a localidade de Pouso está sem representantes, em grande
parte isto se deve a desarticulação interna, já que as localidades de Praia Grande e
Sá tem representantes.
O senhor João Fernandez (ou João Bi), responsável pelo IEF, disse-se
preocupado com a decadência da cultura caiçara e considera que as formas de atuação
do IEF podem ser benéficas para esta cultura. Para ele, as comunidades caiçaras
continuam tendo o direito de tirar madeira para fazer canoa e até de utilizar suas
técnicas tradicionais de agricultura (itinerante com queimadas), contanto que o IEF seja
previamente avisado. Porém, ele mencionou que os caiçaras ainda apresentam
dificuldades para compreender e respeitar as regras da reserva. Em relação a Pouso da
Cajaíba disse ter mandato para demolir 19 edificações e que suas ordens para
interromper a construção de novas casas nã
88
que ist
Área d
- Enco
o será inevitável. Sua orientação para os habitantes de Pouso é não vender e não
edificar, porém segundo ele: “eles acham que não tem problema e continuam
construindo”. A placa avisando da demolição já estava pronta em janeiro de 2005,
porém em julho ela ainda não estava exposta no Pouso da Cajaíba.
Segue abaixo uma pequena ficha sobre as instituições analisadas com base
nos dados obtidos no Plano de Manejo da APA do Cairuçu: (este texto se encontra
no encarte III nas páginas 16 -18 e 35-38)- o texto original praticamente não foi
alterado.
e Proteção Ambiental - APA de CAIRUÇU (administrada pelo IBAMA)
- Área: continental de 33 800 ha, e insular com 62 ilhas.
- Criada pelo Decreto Federal n
o
89.242, de 27 de dezembro de 1983, que dispõe sobre a
criação da Área de Proteção Ambiental de Cairuçu, no Estado do Rio de Janeiro e dá
outras providências. Área de abrangência: Setor sul do município de Paraty e todas as
suas ilhas.
ntra-se totalmente inserida na Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e
parcialmente no Parque Nacional da Serra da Bocaina e na área do Tombamento da
Serra do Mar e Mata Atlântica no Estado do Rio de Janeiro.
- Em seu território estão totalmente inseridas a Reserva Ecológica da Juatinga, as
aldeias Guarani Araponga e Paraty Mirim e ainda a Área Estadual de Lazer de Paraty
Mirim.
- A APA de Cairuçu é administrada pelo IBAMA, por meio de um escritório em Paraty.
"A APA Cairuçu foi criada com a finalidade de proteger um dos
últimos redutos de mata atlântica, manguezais, espécies animais e
vegetais raras ou ameaçada de extinção e as comunidades caiçaras ali
estabelecidas. Compõe-se de uma parte continental que se inicia no
Rio Mateus Nunes e termina na fronteira com o Estado de São Paulo, e
de uma parte insular, com 62 ilhas, desde a Ilha do Algodão, em
Mambucaba, até a Ilha de Trindade em Trindade. Faz também limite
com o Parque Nacional da Serra da Bocaina."
89
Apesar de não contemplar as águas do município, em sua legislação encontra-se
o art 6° # 5° que determina especial atenção ao cumprimento da legislação pertinente à
extinta SUDEPE, visando impedir a pesca predatória nas águas marítimas ou interiores
da APA. Infelizmente as atividades dos gestores da APA concentram-se na sua porção
territorial, com grande prejuízo ambiental para as regiões costeiras e insulares cujo
acesso
alguns poucos pequenos posseiros que ainda vivem isolados nos confins da
ona rural.
ao IEF- Instituto Estadual de
a Lei Estadual n
o
1.859, de 1 de outubro de 1991, e Decreto N
o
17.981 de 30
dades caiçaras do
o modo de vida caiçara e as dificuldades de acesso a região.”
Os principais problemas apontados pelo chefe da REJ: João Fernandes de Oliveira,
sargent : Área
decreta stão do
morado vidades;
inexist asas de
verane tura de
recepti nicação
e trans palmito
clandes reas de manguezal, carência de
só é feito por mar.
A APA de Cairuçu é cortada praticamente ao meio pela Br 101 e apresenta
dentro de seus limites várias comunidades tradicionais de caiçaras, quilombolas, indios
Guarani e
z
Reserva Ecológica da Juatinga, REJ- (subordinada
Florestas do Rio de Janeiro, da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Urbano - SEMADUR.)
- Área: de 8.000 ha, se localiza no maciço e contrafortes do Pico do Cairuçu.
- Criada pel
de outubro de 1992, que dispõe sobre a criação da Reserva Ecológica da Juatinga.
“A Reserva encontra-se inserida dentro da APA do Cairuçu.
Nesta área vivem da pesca e do turismo as comuni
Saco do Mamanguá, Cajaíba, Juatinga, Ponta Negra e Praia do Sono.
Sua mata ainda encontra-se bastante preservada devido a permanência
d
-
o licenciado do Corpo de Bombeiros, bacharel em turismo, foram
da como "NON AEDIFICANDI", gera problemas de gestão pela que
r tradicional caiçara poder ou não continuar desenvolvendo suas ati
ência de zoneamento; crescente especulação imobiliária e construção de c
io em seu interior, pressão turística nas vilas caiçaras sem infra-estru
vo turístico; ausência de saneamento básico, atendimento de saúde, comu
porte comunitário nas comunidades tradicionais; caça e extração de
tinas; coleta clandestina de caranguejo nas á
90
fiscaliz
refeitura, do IBAMA e do IEF no Rio de Janeiro. (aqui
termina
apresentado anteriormente, existe um evidente conflito legal em torno da
EJ. Torna-se interessante destacar esta questão de acordo com o Plano de Manejo:
rma a denominação tem causado muita
e é
Atlânti
resolve, o
oneamento ambiental da REJ definiu uma Zona de Preservação de Vida
ação adequada por falta de estrutura funcional, dificuldade em fazer cumprir a
lei, mesmo após sentenças judiciais em favor da Reserva
- Segundo o senhor João Fernandes as atividades de rotina são: a emissão de
autorizações para construção por moradores caiçaras e a fiscalização ambiental na REJ e
em outras localidades do município, principalmente manguezais, geralmente em
conjunto com fiscais da p
a parte transcrita do Plano de Manejo)
Como
R
“Os objetivos de uma Reserva Ecológica estão descritos na Lei
4771/65 - Código Florestal, e em sua área não se pode produzir nenhum
tipo de alteração antrópica. Desta fo
polêmica e dificuldade na aplicação da lei no interior da Reserva,
praticamente consenso entre os gestores ambientais do Estado do Rio de
Janeiro e a comunidade local, incluindo-se a Fundação SOS Mata
ca, que cabe avaliar com mais profundidade se a categoria atual
atende às necessidades de preservação e conservação dos recursos naturais
e culturais da área.
A proposta das comunidades envolvidas é que a unidade permita o
seu desenvolvimento sustentável. Enquanto a questão não se
z
Silvestre, Zona de Conservação Costeira, com possibilidades de manejo e
cultivo pelas comunidades, desde que em bases sustentáveis, e a Zona das
Vilas Caiçaras, delimitando o perímetro que pode ser ocupado
exclusivamente pela comunidade caiçara.
A polêmica, no entanto, só será resolvida definitivamente pela
Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, pois qualquer modificação em
sua categoria ou delimitação terá que ser por meio da modificação da Lei
Estadual que criou a Reserva.” (Plano de Manejo, encarte III, pág. 37-38)
91
As relações entre as instituições responsáveis pela administração e as
comunidades locais normalmente se desenvolve mediante conflitos. Como apresentado
nto das comunidades. Se não o fazem,
estão prevaricando. As decisões significativas só podem ser tomadas por instâncias
uito contato com o que ocorre em campo, sujeitas muitas
vezes
es,
fica impossíve ção
é semp al e
tem me ata
Atlânti
pos
locais e a a
existên que
permiti rma,
as regras seguidas pelos caiçaras se devem muito mais ao medo de uma punição do que
pela compreensão sobre a im
a fiscalização não é eficiente e, de acor
Pouso, é co ), os
conflitos acabam
conflitos internos à lo
biente da atual prefeitura,
não se conseguiu extrair informações mais complexas. Na época da entrevista o corpo
político da sec o e
planeja álise
subjetiv seus
acessor de de
ouso da Cajaíba. De acordo com seus comentários, a localidade estaria apresentando
forte decadência cultural devido a influência do turismo e que alguns de seus
no capítulo anterior, os habitantes locais reconhecem as instituições muito mais pelos
problemas que suas proibições geram do que pelos benefícios que elas podem
apresentar. Segundo o Plano de Manejo da APA do Cauruçu ocorre o seguinte:
“Quando aplicam a lei por retirada de produtos florestais ou embargam a construção de
novas casas, estão impedindo o desenvolvime
superiores que não têm m
a pressões políticas e econômicas. O resultado é que as comunidades e as
agências governamentais vivem em pé de guerra, e sem a colaboração das comunidad
l garantir a integridade ambiental dos parques e reservas, cuja fiscaliza
re precária, e onde os pequenos posseiros ou os caiçaras, que vivem no loc
nos articulação política, são quase sempre os mais prejudicados” (SOS M
ca 2004, encarte III, página 12).
Portanto, fica claro que realmente não existe uma cumplicidade entre os gru
as instituições de fiscalização. O pequeno número de funcionários dificult
cia de um contato maior entre as instituições e pequenas localidades, o
ria um reconhecimento mais detalhado sobre as realidades locais. Desta fo
portância de preservar as características ambientais. Como
do com o depoimento de alguns habitantes de
ntraditória (pois alguns tem autorização para construir e outros não
se tornando inevitáveis e por vezes podem estimular novas formas de
calidade.
Em relação à entrevista com a secretaria de Meio Am
retaria havia recém assumido e ainda estava em fase de estruturaçã
mento de suas políticas. Mesmo assim, pode-se fazer uma pequena an
a sobre esta entrevista. O secretário, senhor Marco Antônio, e alguns de
es aparentaram ter uma visão bem particular e pessoal sobre a localida
P
92
moradores, principalmente os mais jovens, estariam usando drogas e abandonando as
atividades tradicionais. É interessante destacar isto, pois fica claro, mais uma vez, que
as ações em escala municipal são movidas por relações sociais bem subjetivas e sofrem
alterações muito fortes com as mudanças de governo, ficando assim mais dependente
dos interesses pessoais dos grupos políticos que chegam ao poder. Neste sentido,
também se torna relevante mencionar que o número de eleitores dentro da reserva é bem
reduzido, provocando um impacto muito pequeno nas definições do processo eleitoral
municipal, diminuindo assim a importância político-eleitoral da região.
A Emergência de Novos Mediadores para o Desenvolvimento Local
Com a intensificação do processo de globalização e com o maior
desenvolvimento do meio técnico-científico informacional junto às áreas que antes
pareciam isoladas, estão emergindo novas formas de relacionamento entre os atores
internos e externos no processo de desenvolvimento local. Definir quais seriam estes
agentes numa localidade como Pouso da Cajaíba já é um esforço complexo. Porém,
perceb
s em financiar (para nativos ou não) a construção de
ovos equipamentos para uso dos turistas (como, por exemplo, uma empresa de material
eu-se que, ainda assim, este esforço seria insuficiente, pois tornou-se necessário
reconhecer os agentes mediadores que, cada vez mais, aparecem nas relações entre os
agentes internos e externos. Diversas são as formas como este processo se desenvolve e
variados são os novos agentes que vêm desempenhando este papel. A partir do exemplo
de Pouso, pode-se apresentar reflexões sobre isto.
Podem ser apontados como exemplos de novos agentes mediadores:
- turistas que desenvolveram redes sociais com os nativos e buscam captar recursos para
estimular projetos junto aos moradores locais, aqui considerando também a criação de
pequenas ONGs.
- grupos ou agentes interessado
n
de construção).
-grupos de pesquisadores que além de produzir dados queiram desenvolver projetos de
desenvolvimento sustentável junto a localidade.
- grupos políticos ligados a governos ou partidos que se interessem por alguma causa
local.
Existem inúmeros grupos interessados em financiar e participar direta e
indiretamente de projetos de desenvolvimento local sustentável no litoral brasileiro,
93
ainda mais dentro de uma Unidade de Conservação. Como foi apontado nas unidades
3.7 e 3.8 da presente tese, a emergência de novos interesses numa localidade como
Pouso da Cajaíba pode ser relacionada à presença de novos mediadores como os citados
acima. Suas formas de ação e os resultados destas ações estão se tornando cada vez mais
importantes para o destino destas localidades. Os agentes mediadores podem
proporcionar o surgimento de novas redes, aproximando os agentes locais de agentes
externos, como grandes ONGs e empresas, ou mesmo importantes figuras políticas.
Por mais diversos que sejam os interesses dos agentes mediadores, os grupos
cais têm encontrado em suas ações, novas oportunidades para reconhecer e executar
raia de Martim
lo
os seus próprios interesses. Um bom exemplo para se pensar nisto é a p
de Sá, onde uma ONG criada por freqüentadores conseguiu articular uma defesa
jurídica para ajudar “seu Maneco” na luta pela posse definitiva da terra onde vive, além
de tê-lo ajudado na elaboração e sinalização das regras que devem ser adotadas pelos
turistas, freqüentadores da reserva (intermediando as relações entre seu “maneco”e o
IEF).
Mais uma vez fica claro que, independente da realização de políticas públicas ou
da criação de planos de gerenciamento e manejo, as localidades vão sendo alteradas em
seus aspectos físicos e sociais. Compreender as formas e os agentes que participam
deste processo de mudança vem se tornando um trabalho cada vez mais difícil.
94
4.3 - Possibilidades de Utilização da noção de Localidade nas Políticas
públicas
A noção de localidade pode contribuir com a execução de políticas públicas de
diversas formas, porém este trabalho limitar-se-á a explorar duas possibilidades. Uma é
a delimitação sócio-espacial desta noção, que pode ser utilizada para legitimar o repasse
de verbas compensatórias e a entrada de projetos sócio-ambientais. A outra é a
utilização da noção de localidade como um instrumento que facilitaria os próprios
morado
eos, a partir do estabelecimento de uma delimitação sócio-espacial. Ou seja, a
efiniç
vem ser
direcionadas aos responsáveis pela manutenção da geração de serviços ambientais. Na
nota de rodapé número 7 do presente trabalho foi apresentado o seguinte: “A
legitimidade das políticas de fiscalização e tributação ambiental não é facilmente
observada pelo conjunto da sociedade, daí a importância da utilização da noção de
localidade como importante legitimadora das políticas ambientais, já que alguns
benefícios gerados pela preservação ambiental acabam sendo distribuídos por uma
grande região. Porém, a geração destes benefícios (serviços) ambientais podem produzir
sérios impactos econômicos e culturais em algumas localidades. Sendo assim, a criação
de instrumentos de controle ambiental deve levar em consideração o princípio do
protetor-recebedor, apontando as localidades envolvidas na preservação como as
res locais a compreender os elemento
beneficiárias diretas da renda gerada pela tributação ambiental, compensando assim os
agentes que conservam os serviços ambientais”.
ma definição sócio-espacial que permita
elhor reconhecer não só os lugares, mas também os atores beneficiados.
e para
s pela preservação ambiental são
istribu
ORAES (1999), “uma possibilidade teórica
geraram. Porém, caso haja uma concordância com o princípio da valoração ambiental e
reservação da biodiversidade (e do potencial biotecnológico) e a proteção
Torna-se cada vez mais evidente que devem ser criadas políticas de controle
sobre o uso dos recursos naturais, visando minimizar os efeitos da degradação do meio
ambiente. Porém, a legitimidade destas políticas não é facilmente observada por todos
os atores envolvidos. Identificar as áreas e os atores que devem ser beneficiados e os
critérios para que ocorra esta compensação é um debate bastante complexo. Dentro
deste debate, a proposta de localidade ganha força como legitimadora das políticas
públicas ambientais e sociais, a partir de u
m
Como foi apresentado anteriormente, a definição espacial é important
identificar a região em que os benefícios gerado
d ídos e as localidades que sentem diretamente as implicações econômicas e
sociais desta preservação. Por exemplo, nos últimos anos, um número crescente de
unidades de conservação vem sendo decretado nos ambientes costeiros, mesmo que sem
uma estratégia nacional de conservação bem definida, o que muitas vezes obrigou
pequenas localidades a mudarem seus modos de vida para contribuir com a geração de
determinados serviços ambientais. Para M
genérica de equacionar a problemática em tela é buscar a valoração de base espacial,
tendo por eixo a definição do valor dos lugares”. Ainda, segundo esse autor, o lugar é
visto como uma unidade de investigação e gestão, uma realidade material físico-biótica
e social, cuja denominação obedece ao recorte pelo qual é analisada por seu
investigador ou gestor. A localidade é um espaço de produção e reprodução de um
grupo humano, “uma possibilidade de uso social com um dado potencial produtivo”
(MORAES, 1999, p. 15).
Concordando ou não com a idéia de valoração ambiental, a noção de localidade
pode contribuir para medir os custos sociais e econômicos que uma área sofre por adotar
determinadas regras preservacionistas, pela simples delimitação das áreas afetadas e
identificação dos problemas econômicos que as alterações no modo de vida anterior
conseqüentemente exista reconhecimento sobre o “valor dos serviços ambientais, tais
como a provisão de água em qualidade e regularidade apropriada para consumo humano
pelos mananciais florestados, a manutenção da fertilidade dos solos pelo controle da
rosão, a pe
96
contra mudanças climáticas a longo prazo e existência de áreas para o lazer
humano(May 2002)”, fica mais fácil mostrar que os prestadores destes serviços devem
receber
do poluidor-
pagado
vam os serviços ambientais possam ser recompensados pelo
seu tra
alguma compensação, financeira ou social.
Por exemplo, se algumas localidades caiçaras foram afetadas por leis que as
proíbem de desmatar para plantar ou para utilizar a madeira na construção da canoas
(para que assim as futuras gerações habitantes de outros lugares conheçam os
ecossistemas florestais tropicais o mais próximo possível do original), é fundamental
que estas localidades sejam compensadas por isso e esta compensação deve promover a
melhoria da qualidade de vida das pessoas.
A definição de localidade pode facilitar a implantação do princípio
r como um dos instrumentos de políticas públicas, para os agentes produtivos
poluentes assumirem a responsabilidade pelos estragos que estão sendo causados aos
serviços ambientais, como é o caso do imposto florestal cobrado sobre o desmatamento
em Minas Gerais, ou mesmo do recém criado imposto sobre a utilização de água na
bacia do rio Paraíba do Sul. Este princípio estimula a redução dos impactos ambientais a
partir do aumento dos custo na realização das atividades poluidoras, porém também
estimula a formulação de uma pergunta: para onde vai o dinheiro arrecadado? A partir
de um consenso em torno da idéia de que as áreas sacrificadas para que se realize a
proteção dos serviços ambientais devem receber benefícios por isso, pode-se utilizar a
noção de localidade debatida aqui. Com uma metodologia (possívelmente a partir da
valoração ambiental
21
) que permita apontar os prejuízos sócio-ambientais que o grupo
local (e seu território) estão sofrendo, pode-se utilizar a localidade como a beneficiária
direta da renda gerada pelo princípio do poluidor-pagador. Desta forma os mecanismos
de controle também levariam em consideração o princípio do protetor-recebedor, para
que os agentes que conser
balho (VEIGA, 2000), como é o caso do repasse do ICMS ecológico no Paraná e
em Minas Gerais para os municípios que prestam serviços ambientais. Os municípios
poderiam repassar estes benefícios para as localidades realmente envolvidas na geração
21
A valoração econômica ambiental tem crescido em importância para a gestão de recursos ambientais,
bem como para a tomada de decisões que envolvam projetos com grande impacto ambiental. Esta metodologia
permite inserir de forma mais realista as questões ambientais nas estratégias de desenvolvimento econômico, sejam
estas locais, regionais ou nacionais. Existe uma crescente possibilidade de obter recursos junto a instituições
nacionais e internacionais, que poderiam estimular projetos para melhorar a qualidade de vida de diversas
localidades, baseados em metodologias que envolvem as noções de valoração ambiental. Como exemplo disto, pode
ser apontado o Protocolo de Kioto. A noção de localidade poderia contribuir neste debate tornando a aplicação e os
resultados destes financiamentos mais eficientes.
97
de determinados serviços ambientais, que assim seriam melhor recompensadas, o que
facilitaria sua organização e reprodução social.
A Loca
empod
as por algum projeto apresentem formas de
este problema. Eventualmente, quando se pretende dar algum caráter
lidade como um instrumento de estímulo à participação local e ao
eramento
Atualmente os chamados projetos de desenvolvimento local utilizam muito as
noções de participação e, cada vez mais, empoderamento. As instituições financiadoras
estão exigindo que as localidades beneficiad
organização social, como uma associação de moradores, por exemplo. Dentro de um
princípio democrático, busca-se legitimar as políticas públicas pela participação local
que, através de suas associações, estaria contribuindo com os projetos. A idéia de
participação pensada aqui ultrapassa a simples criação de associações e se baseia na
necessidade dessas associações serem realmente representativas dos interesses locais. É
a partir desta idéia que a noção de empoderamento vem se fortalecendo. Diversas
instituições que atuam com preocupações sociais acreditam que os atores locais devem
ter capacidade de influenciar no seu destino a partir do maior conhecimento sobre si e
sobre os processos que envolvem sua realidade sócio-espacial. Neste sentido estes
grupos estariam se empoderando.
Em seu trabalho sobre as unidade de conservação brasileiras Brito (2003) faz um
comentário que pode servir como uma boa ilustração para in
Todos os grupos sociais localizados dentro de uma área de reserva deveriam
conhecer as implicações deste fato para seu modo de vida, porém nem sempre isto é
tual, os
tores locais têm dificuldades em compreender porque as instituições públicas tomam
estas ou aquelas atitudes quanto ao seu território. Acredita-se que um reconhecimento
por pa
anizações, as comunidades assumem o controle de
seus próprios assuntos, de sua própria vida
empoderamento com noção a de localidade apresentada pelo presente trabalho consiste
em afirmar que os habitantes locais deve
possam
empoderada quando seus habitantes consegui
unem, possibilitando-os a tom
defende-se q
e se m
Porém, quando este grup
os elem
se desenvolva ainda mais. Portanto, dete
preocupar em criar uma identif
proposta) para tornar estes gr
suas form
re
possível. Por diversos motivos, que não só um insuficiente instrumento intelec
a
rte do grupo local sobre os seus direitos e deveres deve ser estimulado pelo
próprio poder público, para que suas políticas participativas possam ganhar
legitimidade, além de obter melhores resultados.
Para que a idéia de localidade possa ser útil às proposições de políticas públicas,
é fundamental que os habitantes locais reconheçam a existência de um capital social e
espacial comum e se identifiquem enquanto uma localidade. “A idéia é apresentar a
noção de localidade como algo produzido por um tecido social e por um sentimento
social comum, que capacita um grupo local a tomar atitudes coletivas na construção de
seu espaço e sua paisagem, de acordo com suas necessidades (possibilidades) e com as
características físicas de seu território” (capítilo 2).
Como mencionado no capítulo 2, a noção de empoderamento aqui pensada é “o
processo pelo qual as pessoas, as org
e tomam consciência da sua habilidade e
competência para produzir, criar e gerir” (Romano, 2002, p.17). A idéia de relacionar
m se auto-conhecer o suficiente para que
se identificar enquanto uma localidade. Ou seja, a localidade estaria
ssem reconhecer os elementos que os
ar atitudes conjuntas em benefício próprio. Neste sentido,
ue existem determinados grupos que compartilham relações sócio-espaciais
antém coesos sem saber os motivos que os levam a ter este comportamento.
o local reconhece estes motivos, ele passa a identificar melhor
entos que devem ser defendidos em conjunto para que a qualidade de vida local
rminadas políticas públicas poderiam se
icação local (a partir da noção de localidade aqui
upos locais mais ativos e participativos (empoderados) nas
as de desenvolvimento.
99
É evidente que nem todas as localidades se reconhecem como tal. Algumas
apresen
ônio (capital) sócio-espacial
omum
muns. É justamente neste ponto que
a idéia
tam maiores e outras menores níveis de empoderamento. A literatura aponta que
tal fato pode derivar da existência de redes sociais internas muito fortes (por vezes
familiares), ou de um histórico de lutas que provocaram uma maior organização social.
A idéia aqui não é debater a noção de empoderamento ou as formas como isto se
manifesta nas comunidades, mas de mostrar que a noção de localidade pode ser pensada
como uma possibilidade de estimula r este processo de empoderamento.
A produção de estudos, como o realizado pelo presente trabalho, sobre os
elementos que podem ser considerados parte do patrim
c da localidade, se repassados aos grupos locais podem estimular suas formas de
empoderamento. Observando o caso de Pouso da Cajaíba, percebe-se que a influência
externa foi fundamental para a criação da associação, porém isto não foi suficiente para
que esta associação funcione eficientemente e tenha legitimidade junto aos habitantes
locais. É evidente que a melhor organização interna deve acontecer, não só pela
imposição de agentes externos, mas pela necessidade que as comunidades locais têm de
melhor se organizar em torno dos seus interesses co
de empoderamento pode se juntar com a noção de localidade, para que tanto os
agentes externos quanto (e principalmente) os agentes internos possam melhor
participar deste processo de organização.
Se as formas de organização local acabam sendo estimuladas por um aumento
das pressões externas, nem sempre estas pressões conseguem resultar em melhores
formas de empoderamento. Acredita-se que os agentes externos, interessados em
estimular formas de organização interna, poderiam mostrar aos habitantes locais a
importância destes reconhecerem os elementos de coesão interna e os objetos de luta
comum que identificam sua localidade. Ou seja, a noção de localidade pode servir como
uma base para projetos que venham a fortalecer formas de empoderamento de pequenos
grupos. Por vezes as formas de coesão interna das localidades são recheadas de
conflitos, portanto estimular a identificação de patrimônios sócio-ambientais comuns
poderia facilitar as formas de organização das localidades.
100
5- Co
uma atividade
fundam
portunidades de emprego e maiores salários.
Estas a
o ponto de vista econômico,
a redução da agricultura de subsistência e do extrativismo, já que estas atividades
ajudam a diminuir o custo de vida. Portanto, percebe-se que a manutenção das
atividades tradicionais é importante para a qualidade de vida local. Afirmar que está
havendo decadência nas atividades tradicionais é uma verdade em parte, pois além de
ainda serem fundamentais para a sustentabilidade da localidade, qualquer projeto que
nclusões
Diversas conclusões foram apontadas ao longo dos capítulos 3 e 4, portanto esta
unidade se concentrou apenas em responder os questionamentos iniciais da pesquisa e
av.2420.0P.o352ncividei im ttiv
vise o desenvolvimento da localidade deve levar em consideração o fortalecimento
s, principalmente da pesca. Caso alguns habitantes locais fossem donos
de gran
al na localidade, se não para
r a principal fonte de renda, ao menos para ser um importante complemento de renda.
Os hab
oderarem) como uma
localid
mo a praia, a roça e a
floresta
destas atividade
des barcos pesqueiros, ou mesmo, se existissem barcos com grande capacidade
de pesca geridos de forma comunitária, a renda local aumentaria muito.
A atividade turística apresenta um enorme potenci
se
itantes de Pouso carecem de cursos de capacitação que permitam uma maior
eficiência e rentabilidade junto a esta atividade. O turismo, da forma como vêm sendo
implantado, acaba estimulando mais formas de conflito do que de cooperação. A
localidade apresenta diversos potenciais turísticos que poderiam ser melhor explorados,
caso houvesse uma maior organização e capacitação por parte dos moradores do lugar.
A pesquisa realizada apontou diversos aspectos que caracterizam a existência de
uma identidade sócio-espacial coletiva por parte dos habitantes de Pouso, o que
configuraria a existência de uma localidade (no sentido apresentado pelo presente
trabalho). Mas, por outro lado, a pesquisa também apontou elementos que mostram as
dificuldades dos habitantes locais em se compreenderem (se emp
ade.
Como aspectos que indicam que Pouso da Cajaíba pode ser pensado enquanto
uma localidade, destacam-se:
- o compartilhamento de uma trajetória social comum entre as famílias nativas.
- a existência de uma cosmovisão comum, baseada numa percepção particular
sobre tempo e espaço compartilh ada pelos habitantes locais.
- a existência de aspectos que podem ser considerados como um tipo de capital
sócio-espacial comum.
- a identificação de pertencimento a um território comum.
- o compartilhamento de espaços (territórios) comuns co
.
- a existência de redes sociais internas muito fortes, derivadas principalmente de
relações de parentesco.
- a manutenção de atividades econômicas tradicionais que integram diversos
habitantes locais.
Nota-se que existem diversas formas tradicionais de regulação e organização
internas da comunidade local, que seguem padrões “naturalmente” estabelecidos ao
longo do tempo. Porém, o estabelecimento de formas de organização que sejam
102
representativas para os agentes externos não tem sido um processo fácil. A criação da
associação de moradores local se deu sob pressão externa e até hoje sua
representatividade junto aos moradores locais não é forte. Porém, mesmo que de forma
desorganizada e lenta (de um ponto de vista externo), a associação apresenta grande
potenc
ública
xto): deve-se priorizar a conservação do ambiente caiçara e,
conseq
timulando a redução das intervenções antrópicas. Ao se
observ e
uma au
de determinados aspectos
cultura
rem uma área de reserva e, principalmente, sobre os processos
de espe m se processando em
alguma
mo apresentado no capítulo 3 da presente tese, existe uma relação de
descon
scalização ambiental. Os habitantes locais alegam não haver
coerên
uvidos comentários como: “Quem tem dinheiro constrói casa na
reserva
ial para se fortalecer como um importante instrumento para a organização política
local.
Enquanto a localidade de Pouso não se articula politicamente, dificilmente as
instituições externas vão reconhecer suas reivindicações. Devido a alguns problemas
mencionados no capítulo 4, as instituições públicas não conseguem identificar
claramente as necessidades das localidades caiçaras. Sem formas de organização que
permitam a localidade se articular em torno de seus objetivos comuns, as instituições
p s (IBAMA, IEF e Secretaria Municipal de Meio Ambiente) não têm como
identificá-los e, normalmente, suas ações entram em conflito com os habitantes locais.
A elaboração de um estudo sobre as políticas públicas, em relação às populações
caiçaras habitantes da Reserva Ecológica da Juatinga, nos leva ao dilema que tem sido
apontado por diversos autores (Adams, Brito e Diegues– para citar alguns utilizados no
presente te
uentemente, do ambiente “natural”como está; ou deve-se priorizar a preservação
do ambiente “natural puro” es
ar a realidade do dia a dia de algumas destas comunidades caiçaras, percebe-s
sência de linhas claras de ações políticas, em qualquer dos sentidos apontados
acima. O que se nota com clareza é uma enorme carência
is e educacionais, que permitam a estas comunidades compreender melhor o
significado sobre habita
culação fundiária e aumento da dependência externa que ve
s localidades.
Co
fiança entre o habitantes da localidade de Pouso da Cajaíba e as ações realizadas
pelas instituições de fi
cia nas ações destas instituições e, portanto, questionam suas regras. Durante a
pesquisa foram o
, nós que somos moradores daqui não podemos construir por quê?”.
Independente desta questão ser verdadeira ou não, sua afirmação demonstra uma falta
103
de sintonia entre os caiçaras e as instituões de fiscalização, portanto é interesse de
ambos os lados que haja um melhor reconhecimento mútuo.
A chegada do meio técnico-científico informacional em Pouso da Cajaíba tem se
acelerado nos últimos anos. Foram instalados, recentemente, redes de telefonia celular e
placas de luz solar (fora outros projetos para a região), isto aumentou o interesse de
turistas por casas e terrenos na localidade de Pouso da Cajaíba. A oferta de capitais tem
aument
s
patrimô
haja uma identificação, por parte das instituições públicas nas
diferen
estudado, percebe-se que a idéia de participação local não se constrói por uma
ado e as casas e terrenos estão se valorizando muito. Fica cada vez mais difícil
para os moradores locais resistir ao assédio e a sedução do dinheiro. Os benefícios
gerados pela melhoria da infra-estrutura são desejados por todos e o capital para
comprar novos bens de consumo vêm se transformando numa necessidade cada vez
maior. Desta forma, torna-se urgente uma maior conscientização por parte dos agentes
internos, sobre o valor de suas propriedades. Deve haver uma preocupação em
desenvolver formas constantes de gerar renda, evitando assim a perda do seu
nios sociais e ambientais.
O zoneamento das diferentes atividades territoriais (como o zoneamento
ecológico econômico) tem sido apresentado pelos geógrafos como uma forma de
contribuição ao equacionamento dos problemas entre desenvolvimento econômico e
preservação ambiental. Porém estas metodologias acabam se desenvolvendo nas escalas
nacional e regional e assim ficam muito distantes das realidades locais. Os mapas
resultantes destas metodologias são muito interessantes para orientar as políticas
públicas, porém a legitimidade destas políticas pode se fortalecer com uma maior
aproximação junto a realidade local.
Percebe-se que a descentralização administrativa tem sido apontada como
importante solução para os projetos de desenvolvimento, apesar das políticas públicas
continuarem centralizadas. É neste sentido que a presente proposta de localidade pode
contribuir, basta que
tes escalas, sobre a existência de unidades sócio-espaciais básicas que possam ser
objetos de políticas, bem como fonte de propostas para tais políticas. É evidente que
para que isto ocorra é necessário que haja um fortalecimento das formas de organização
social local e do reconhecimento por parte dos habitantes locais sobre o seu capital
sócio-espacial comum.
Conclui-se ser muito importante que as políticas públicas consigam chegar na
escala local, não só na sua execução, mas também na sua elaboração. Analisando o caso
104
imposição externa, porém a compreensão por parte dos agentes externos sobre a
existência de formas próprias de articulação interna, que de
Anexo I - Roteiros de entrevistas
A - Roteiro de entrevistas junto aos moradores locais:
- O que você acha da vida em Pouso da Cajaíba? Gosta de viver aqui? Por que?
- O que mais faz você se sentir um morador/habitante de Pouso da Cajaíba? (buscar
identificar um passado comum/ sonho mítico/ símbolo de criação)
- Gostaria de se mudar de Pouso?Para onde? Por que? Por que não?
- Você tem percebido alguma decadência nas atividades econômica tradicionais em
Pouso? (Quais são as atividades tradicionais da comunidade? - Pesca, agricultura e
extrativismo?)
- Qual a importância da caça, da agricultura e do extrativismo para você e sua família?
- Tem percebido mudanças nas tradições culturais de Pouso (ex: em festas e comidas
típicas)?
- Você se considera um caiçara? Por que?
- Quais os problemas mais graves de Pouso da Cajaíba?
- Diante destes problemas e da situação atual, você tem achado a comunidade local mais
unida ou não? Por que?
- O que você acha da associação de moradores? Existe algum a outra liderança local?
- Você sabe que Pouso (seu lugar) se localiza dentro de uma Unidade de Conservação
Ambiental?
- Pode dizer se alguma coisa mudou em sua vida desde que esta região se transformou
numa reserva ecológica em 1992?
- A comunidade foi beneficiada com a criação da reserva ecológica?
- O que você acha do IBAMA?(IEF e ONGS, ex:SOS Mata Atlântica)
- Tem percebido o aumento do turismo? Como?
- O que você acha do turismo? Tem trazido coisas boas ou ruins para a comunidade?
- Você acredita que a comunidade local está sendo beneficiada pelo aumento do número
de tur i stas ? Como?
-O que acha dos turistas comprarem terrenos e casa dos nativos?
- A comunidade tem sido beneficiada por atitudes do poder público?
- Qual a importância da prefeitura, governo estadual e governo federal para a
localidade?
106
- Quais os benefícios que a recente instalação das placas solares para a geração de luz
- Roteiro de entrevistas realizado junto ao IBAMA e ao IEF:
?
mportância da participação da população local para o sucesso dos objetivos de
casas pelos caiçaras?
edidas adotadas para impedir a geração de novos impactos
ensados os impactos gerados pelos turistas?
ção à existência de
envolvimento desta área de Paraty?
para a prefeitura, sobre as pequenas comunidades caiçaras, como
dade de Pouso da
ojetos em relação ao turismo para a localidade de Pouso?
elétrica trouxe para a comunidade?
B
- Quais os principais aspectos que garantem a relevância ambiental da APA do Cairuçu
e da reserva ecológica da Juatinga?
- Quais os principais objetivos das UCs (unidades de conservação)?
- Qual a percepção que existe sobre as relações entre os habitantes caiçaras e os
objetivos de preservação/conservação ambiental dentro das UCs? Existe algum exemplo
em destaque?
- Como a Praia de Pouso é percebida pelos agentes (IBAMA – Conselho da APA)
Quais os principais problemas detectados?
- Qual a i
preservação da biodiversidade?
- Quais as formas de ação diante da construção de novas
- Quais as principais estratégias de relacionamento com os moradores locais?
- Quais as principais m
ambientais na localidade de Pouso da Cajaíba?
- Qual a percepção existente sobre o aumento do número de turistas?
- Como são p
- Quais as ações tomadas diante da construção de novos empreendimentos turísticos?
- Quais os planos para o futuro?
- Qual a importância (política e econômica) para a prefeitura em rela
uma UC na região do Pouso da Cajaíba?
- Quais os principais projetos e planos para o des
- Quais as relações entre a prefeitura e o IBAMA?
- Por que a região de Pouso da Cajaíba ficou de fora do Projeto Orla?
- Qual a percepção,
Pouso da Cajaíba, que habitam o Município?
- Quais os projetos (educação, saneamento e emprego) para a locali
Cajaíba?
- Quais os pr
107
- Quais medidas têm sido adotadas para evitar o desmatamento e a expansão
desordenada de casas nas áreas preservadas?
Quais medidas têm sido adotadas para evitar o turismo desordenado? -
108
AnexoII – Fonte Plano de Manejo da APA do Cairuçú:
Historia do bairro segundo os moradores: Segundo Ananias que é
nascido no Pouso, sua família e descendentes de escravos. Conta
que o bairro foi formado a partir da atividade do porto e lugar de
parada onde as pessoas chegavam de barcos ou pelas trilhas e
aguardavam para seguir para outros lugares. Nessa ocasião existia
um casarão que funcionava como estalagem. Daí o nome POUSO.
Havia muito transporte de ouro para a Praia de Martim de Sá. Existe
uma lenda de que muito ouro foi enterrado na Martim de Sá, que era
a sede de uma fazenda. O dono da fazenda mandava os escravos
transportarem e enterrarem o ouro, e estes eram enterrados juntos.
Até hoje, quem tenta descobrir o paradeiro desse ouro enterrado,
morre. Essa fazenda vivia, além desse ouro, do café e gado. A
produção saia pelo mar. Até os anos 70, havia uma estrada que
ligava a Martin de Sá ao Pouso. Existem vestígios de trilhos de trem
na área da antiga fazenda.
POUSO DA CAJAÍBA
Numero de famílias: 72 e 24 casas de turistas
Numero de famílias que descendem dos primeiros moradores: a
maioria
Atividades econômicas: pesca e turismo
Atividade que produz maior rendimento financeiro para a
comunidade: pesca e turismo
Embarcações: 48 canoas, 18 barcos motor diesel
Estabelecimentos comerciais: 1 bar e restaurante, na temporada
mais 4 de moradores locais. Em 2002 já eram mais de 8 bares
Estabelecimentos de transformação - pequena industria rural: 3
casas de farinha, estão sendo desativadas.
Contribuição que o turismo traz para o bairro: Positivo: dinheiro,
informação, maior interesse dos jovens pelo estudo. Negativo: lixo e
perda de liberdade no bairro.
INFRA ESTRUTURA
Vias de acesso ao bairro / tipo de pavimentação: mar e trilhas
Transporte coletivo: não tem
Abastecimento de água: mangueira da cachoeira, e 2 redes de água
de uma caixa d'água .
Esgoto: fossa negra
Coleta de resíduos sólidos: alguns separam o lixo sêco, ensacam e
levam para Paraty
Energia elétrica: 12 geradores particulares
Telefone : Sinal de celular e telefone público (2001)
EQUIPAMENTOS PUBLICOS E SOCIAIS
Educação: Ensino até a 4 ª série
Saúde: não tem
Igrejas: 1 crente e 1 católica
Associação de moradores: criada em outubro de 1999 mas ainda
não se estruturou, fato que dificulta muito o trabalho com a
comunidade
109
Atividades que a associação promove: nenhuma
mata e mar Principais atributos ambientais e culturais:
Principais atividades tradicionais
pinturas
exercidas pela comunidade:
de canoas e barcos, redes de pesca e tapetes.
Formas de encaminhamento para a solução dos problemas da
comunidade: informalmente na prefeitura.
Maiores problemas que a comunidade encontra no bairro: falta de
atendimento medico
Instituições governamentais, não governamentais e ou pessoas que
auxiliam a resolver os problemas comunidade: Casal de fora que
tem casa no bairro e preparou a documentação da associação de
moradores.
Interesse da comunidade para desenvolver atividades que não
esgotem ou mesmo recuperem os recursos naturais: turismo
Sabe que este bairro está dentro da Reserva da Juatinga Sim ( x )
Sabe o que é APA ? Sabe o que é Reserva? Não sabem a diferença
entre APA e Reserva
Madeiras e uso: canela, aricurana para construção de casas
Ervas medicinais: bastante usada pela população local
Conclusão do entrevistador: Os jovens estão bastante dispostos a
terem ma
ior conhecimento dessa nova a
acham que é o único caminho econômic
tividade que é o turismo,
o para comunidade, mas
a entrevista foi colocado a falta de
o fazem mais o
s de sobrevivência. Entendem que a
reservada, que não pode mexer em nada,
AMA
da Amazônia, em vez de impedirem
abar descaracterizando a vila caiçara que
falta profissionalização da atividade turística. Outra questão
relevante, é que durante toda
entendimento entre os moradores do Pouso. Nã
mutirão, nem mesmo para ações de benefício do bairro. Existe muita
rivalidade entre eles e competição. Para os entrevistados, a
estruturação da associação poderá melhor as relações dentro da
comunidade, a partir da agilização dos encaminhamentos e
soluções das questões do bairro. Como em
todas as comunidades
visitadas, o isolamento, decorrente das dificuldades de acesso, e o
abandono por parte dos órgãos governamentais, coloca essas vilas
e bairros em sérias dificuldade
Juatinga é uma região
que é um patrimônio do governo. Perguntam porque que o IB
não vai multar os madereiros
eles de tirarem alguns paus para a construção de suas casas. O
maior problema atual é a retaliação de posses para venda a
ac
veranistas, que vai
ainda é o Pouso
110
Anexo III – Fotos:
111
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