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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE
PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
MESTRADO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
(RE) VISITANDO A PRÁTICA EDUCATIVA DE PROFESSORAS DE SÃO JOSÉ DO
NORTE: um olhar para as vivências em Educação Ambiental.
FERNANDA MATTOS OPAZO
RIO GRANDE (RS)
2008
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FERNANDA MATTOS OPAZO
(RE) VISITANDO A PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORAS DE SÃO JOSÉ
DO NORTE: um olhar para as vivências em Educação Ambiental.
.
Dissertação apresentada ao programa de Pós
Graduação, Mestrado em Educação Ambiental
como requisito parcial para obtenção do título
de Mestre em Educação Ambiental.
Orientadora:
Profª. Drª. Cleuza Maria Sobral Dias
RIO GRANDE (RS)
2007
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Ao meu pequeno Guilherme
Com muito amor
AGRADECIMENTOS
A realização deste estudo envolveu um grande número de pessoas. Foi, especialmente,
a boa vontade de todos que me permitiu concluir esta pesquisa com satisfação, entusiasmo e
um sincero veemente “muito obrigada” a tantas criaturas, que ainda se mostram disponíveis
para colaborar, compartilhando, com simplicidade, seus conhecimentos, sua experiência
profissional, seu humanismo, cumprindo sua missão, no afã de incentivar novos estudos pelo
prazer de servir à causa da Educação, como meio de aproximar as pessoas, estimular
interesses, criar novas perspectivas no campo ilimitado do saber pelo saber.
Na impossibilidade de nomear todas essas pessoas, faço este agradecimento geral,
lembrando sobremaneira:
- Meu companheiro de todas as horas, Lucimar, que me incentivava diariamente para
a realização deste trabalho.
- Meus pais, minha irmã e meu cunhado, pelo apoio e dedicação prestados a mim e ao
meu filho, e que na minha ausência, marcaram presença na vida do Guilherme.
- À Cleuza, orientadora e incentivadora desta pesquisa, pela sua excelente orientação e
paciência comigo, tornando-se uma pessoa muito especial na minha vida, desde meu início no
curso de Pedagogia, acreditando na minha capacidade e me mostrando outros caminhos a
seguir.
- À coordenação e equipe de professores do curso de pós-graduação em Educação
Ambiental, da Universidade Federal do Rio Grande, que sempre demonstraram eficiência e
capacidade no desempenho de suas funções.
- Às professoras participantes da pesquisa e à Escola Monteiro Lobato, pelo apoio e
tempo dedicado ao estudo.
- Aos colegas do mestrado, pelas idéias, angústias e aflições que trocamos durante o
curso.
- À Jeruza, amiga de todas as horas, pela disponibilidade e dedicação com que me
auxiliou para marcar as entrevistas.
- À Maria do Carmo Galiazzi e Maria Emilia Amaral Engers, pela participação na
banca examinadora deste trabalho.
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo perceber como as professoras articulam as questões
ambientais nas temáticas abordadas em sala de aula, de uma escola situada numa comunidade
pesqueira, evidenciando a influência dos cursos de formação na concepção da Educação
Ambiental. O presente estudo foi realizado durante o ano de 2006 em uma escola Municipal
localizada em uma comunidade pesqueira no Município de São José do Norte, com a
participação de três professoras dos anos iniciais do ensino fundamental. Para isso, utilizei
entrevistas individuais, observações na sala de aula e no contexto geral da escola. Os dados
coletados foram analisados qualitativamente por meio de análise de conteúdo. Através das
narrativas, procurei resgatar as relações entre comunidade e escola, o que as professoras
entendem sobre Educação Ambiental e como aplicam esses conhecimentos em sala de aula. O
contato com as professoras e com o cotidiano da escola revelou as dificuldades encontradas
por elas em trabalhar com o conteúdo cultural dos alunos, na maioria filhos de pescadores,
que moram na encosta da Lagoa dos Patos em meio à poluição, a falta de saneamento básico
entre outros. Estas carências influenciam a ação das professoras e seu papel no processo
educativo. Ao concluir o estudo, pude perceber que as professoras têm conhecimento e
expressam a necessidade de que os sujeitos estejam conscientizados sobre as questões
ambientais relacionadas à pesca e a poluição. No entanto, elas não se colocam no processo,
não se sentem responsáveis por isso. O que reforça uma visão antropocêntrica da EA.
Palavras-chave: Formação de professores, Educação Ambiental, Práticas
ambientais.
ABSTRACT
The goal of this investigation is to understand how the teachers articulate the ambient
questions in the thematic boarded in classroom of a school located in a fishing community.
This investigation evidences the influences of the formation courses in the environmental
Education conception. This study was done at 2006 in a municipal school located in a fishing
community of São José do Norte city, with the participation of three teachers of the initial
years. For that, I used individual interviews, classroom and school general context
observations. The collected data were qualitatively analyzed through content analysis.
Through interviews, I looked for to rescue what teachers understand about environmental
Education and how they apply this knowledge in classroom. The contact with the teachers and
the daily of the school showed the difficulties found by them at working with the cultural
content of the students, witch at most are fishing children and live in the side of Lagoa dos
Patos in way to the pollution, lack of basic sanitation, among other things. These lacks
influence the teachers’ action and her role in the educative process. Concluding the study, I
could perceive that the teachers had knowledge and they express the necessity of that the
citizens are acquired knowledge about the ambient questions related to fish and the pollution.
However, they do not place themselves in the process, and do not feel themselves responsible
therefore. This strengthens an anthropocentric vision of the environmental Education.
Keywords: Formation of Professors, Environmental Education, Ambient
Practices.
SUMÁRIO
MEMÓRIAS DE UMA MESTRANDA... Refletindo sobre as possibilidades na
educação. ................................................................................................................................. 10
O PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES LEIGOS NO CONTEXTO
EDUCACIONAL: um olhar sobre a formação de professores. ......................................... 19
O MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO NORTE: sua gente e sua cultura. ............................ 27
Os primeiros habitantes ........................................................................................................ 30
Situando o Bairro “Vila do Bumba” ..................................................................................... 33
Apontamentos e considerações sobre a Escola Municipal de Ensino Fundamental Monteiro
Lobato ................................................................................................................................... 36
PERCURSOS DA PESQUISA: construindo a pesquisa. .................................................... 43
Coleta de Dados: ................................................................................................................... 46
Análise dos dados: ................................................................................................................ 47
TRAJETÓRIAS E NARRATIVAS: sonhos, frustrações, desejos, expectativas, dúvidas,
angústias, aflições... Enfrentando os desafios. ...................................................................... 50
As professoras Participantes ................................................................................................. 52
Jussara ............................................................................................................................... 53
Vanderléia ......................................................................................................................... 54
Vera Eni ............................................................................................................................ 55
Interações escola e comunidade no processo de transformação do saber ............................ 57
Os Conhecimentos das Professoras sobre Educação Ambiental .......................................... 72
Aspectos da Educação Ambiental, presentes nos conteúdos escolares e na prática das
professoras. ........................................................................................................................... 79
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 89
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 95
ANEXO A – Termo de consentimento livre e esclarecido ................................................ 100
ANEXO B – Entrevista realizada com a Professora Vera Eni Labriolla, 25/05/2007, em
São José do Norte no Sinterj – sindicato dos professores ................................................. 102
MEMÓRIAS DE UMA MESTRANDA... Refletindo sobre as possibilidades
na educação.
Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho
de pipoca, para sempre. Assim, acontece com a gente. As grandes
transformações acontecem quando passamos pelo fogo.
(RUBEM ALVES, 1999, p.62).
Durante os quatro anos em que freqüentei o curso de pedagogia e, também, no
primeiro ano do Mestrado em Educação Ambiental (EA), meu pensamento era o de que
poderia, com meus estudos e pesquisas, transformar o mundo, encontrar uma fórmula mágica
que pudesse resolver os problemas educacionais e sociais que afetam o Brasil. A partir das
discussões propostas nas aulas de metodologia onde problematizamos a idéia de ciências e
com a leitura do livro de Boaventura Souza Santos (1996), “Um Discurso Sobre As Ciências”,
comecei a ter clareza sobre a dimensão de uma pesquisa em ciências sociais, reformulando
minha visão de ciência e, conseqüentemente, de pesquisa. Com isso, passei a perceber as
limitações que todo estudo enfrenta no seu processo de desenvolvimento. Essas limitações
foram constatadas também, no processo da minha pesquisa, quando busco compreender a
articulação da formação de professores e de sua prática com os propósitos da EA: como as
professoras articulam as questões ambientais nas temáticas abordadas em sala de aula, de uma
escola situada numa comunidade pesqueira. Aos poucos, fui entendendo com Boaventura que:
As ciências sociais não podem estabelecer leis universais porque os fenômenos
sociais são historicamente condicionados e culturalmente determinados; as ciências
sociais não podem produzir previsões fiáveis porque os seres humanos modificam o
seu comportamento em função do conhecimento que sobre ele se adquire (1996, p.
20).
Após as discussões provocadas pelas idéias desse autor, percebi que minhas
concepções acerca de pesquisa, de modo a resolver os problemas sociais, e a possibilidade de,
11
através de uma dissertação de mestrado, ter de mudar os rumos da educação, é algo
impossível, na medida em que estou lidando com seres humanos, os quais são mutáveis,
imprevisíveis e tendem a mudar seus comportamentos a partir de suas experiências de vida.
Num “mar” de dúvidas e conflitos, fui delineando e refazendo minha proposta de mestrado
que resultou nesta dissertação, embora, ainda hoje, ao final do estudo, os conflitos e
frustrações são presentes, enquanto vou escrevendo. No entanto, tenho clareza, ou, pelo
menos, mais segurança para pensar na relevância deste estudo agora, sem querer “mudar o
mundo”, mas tão somente contribuir com as discussões e com a busca de alternativas para a
formação docente, a partir das reflexões acerca das histórias vividas e contadas pelas
professoras participantes.
Nóvoa (1995) aponta:
É preciso trabalhar no sentido da diversificação dos modelos e das práticas de
formação, instituindo novas relações dos professores com o saber pedagógico e
cientifico. A formação passa pela experimentação, pela inovação, pelo ensaio de
novos modos de trabalho pedagógico. E por uma reflexão crítica sobre a sua
utilização. A formação passa por processos de investigação, directamente articulados
com as práticas educativas (p.28).
No momento, é oportuno falar sobre a escolha do tema da pesquisa e,
consequentemente, a história do grupo de professoras participantes desta investigação e,
ainda, o porquê da escolha do mesmo. Para isso, é preciso voltar a minha graduação e contar
meu envolvimento com o Programa de Formação de Professores Leigos da Fundação
Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
Minha participação neste projeto foi como bolsista
1
, o que me oportunizou o
envolvimento com o grupo de professoras - alunas, do Programa. Convivi com elas, com seus
saberes, suas alegrias, mas também com suas angústias e frustrações, em um diálogo
permanente com as teorias estudadas. Na época, meus conhecimentos e dúvidas se
1
Como bolsista minha tarefa era acompanhar os professores e auxiliá-los na busca de materiais, além de
acompanhá-los nas visitas aos estágios supervisionados e na correção dos refazeres das professoras.
12
aproximavam aos delas, pois eu também fazia o curso de Pedagogia, embora com uma
significativa diferença: elas viviam as práticas educacionais, eu não.
O contato com este grupo foi fundamental na minha formação, instigando-me a
realizar o mestrado e dando origem ao projeto que hoje se constitui nesta dissertação, ao
revisitar a prática de algumas das alunas do referido Programa de Formação. Com estas
profissionais aprendi e continuo aprendendo sobre a dinâmica do cotidiano da sala de aula e
as implicações da Educação para a formação dessas professoras.
Entre idas e vindas a São José do Norte, como bolsista, aprendi com a história das
professoras e dos alunos daquela comunidade. A experiência que eu não tinha na vida
acadêmica eu ganhei na convivência com o grupo. Nesse espaço, novas reflexões sobre o
processo educativo e sobre o que acredito ser fundamental para nossos alunos foram sendo
elaboradas e (re)elaboradas, a partir de experiências e de estudos realizados, ou seja, tais
reflexões alteravam as preocupações com minha formação no curso de Pedagogia e com
minha futura atuação como educadora. Antes, minha atenção voltava-se às notas e
cumprimento dos trabalhos acadêmicos. A vivência com o grupo me fez pensar: O que é
realmente ser – professor? Qual seu papel social? Este processo que me fez (re)ver minha
formação encontra eco nas palavras de Azevedo e Alves (2004):
Esses encontros e confrontos de nossas redes com as redes dos múltiplos sujeitos
escolares acontecem cotidianamente, às vezes de forma tão silenciosa e sutil que não
chegamos a perceber que ocorreram. Outras vezes, de forma ruidosa, em seus
diferentes graus – do simples ruído a turbulência, do que consideramos facilmente
enfrentável ao que nos abala e desequilibra. (p. 10)
Acredito que estava me constituindo professora e rompendo com uma cultura do
ensino escolar tradicional
2
. Com os “pés no chão”, passei a perceber que tinha muito mais a
conhecer.
2
Este método de ensino apresenta características gerais como: aulas expositivas, centradas no professor, cabendo
ao aluno assimilar os conteúdos. Paulo Freire (1987) denominou esse método como educação bancária onde
acontece a acumulação de conhecimentos, não acontecendo à conscientização dos estudantes.
13
A escola, ainda hoje, mantém essa cultura, somos fruto de um processo de
escolarização que não nos permitiu refletir e ter nossas próprias idéias sobre os conceitos
apreendidos, não fomos estimulados a ter nossa própria visão de mundo, mas sei também que
alguns professores em algumas escolas buscam o diferente. Para, como diz Loureiro (2004):
Educação que procura entender a realidade objetiva sem considerar os sujeitos e a
subjetividade é objetivismo e negação da ação histórica (assim, o máximo que
podemos fazer é interpretar o mundo e não o transformar). Educação que é
exclusivamente voltada para o “eu” isolado da sociedade, para a subjetividade sem
objetividade, é psicologismo, subjetivismo, negação da realidade para além da
consciência e da ação consciente dos sujeitos na sua constituição (p.29).
Claro que o processo vivido nas mudanças de concepção não foi nada fácil, ao
contrário, difícil e angustiante. Quando retomo minhas memórias, tudo parece simples, mas
tive que enfrentar conflitos até conseguir me despir de alguns preconceitos que faziam parte
de mim, inclusive, sentia-me, em alguns momentos, inferior aos outros, pensando em desistir
de ser - professora, acreditando que não superaria os desafios encontrados ao longo do
caminho.
Nesse processo, conheci com mais profundidade o cotidiano das escolas, através das
conversas com as professoras, dos seus relatos em aula e das suas próprias dúvidas. Entendi,
também, que as próprias críticas que recebemos ao longo de nossa carreira, que no início
podem parecer bastante “duras”, são fundamentais para as reflexões e avaliação da prática.
Minha vivência aliada ao desejo de algumas professoras, que buscavam saber mais, ia
além do que o curso proporcionava e, assim, buscava outras alternativas, outras leituras sobre
os assuntos suscitados nas aulas. Por outro lado, presenciava o descaso de outras alunas-
professoras, em relação ao conhecimento, mostrando mais interesse na conclusão do curso
pela titulação. Isso tudo me fez reconstruir alguns valores e modos de ser pessoa e
profissional.
Ficaram muitas marcas do período em que estive inserida como bolsista no Programa
de Formação de Professores Leigos, ampliando meu olhar para as questões educacionais, em
14
especial para a possibilidade de outro modelo de formação, que em parte se diferenciava
daquele vivido por mim no curso de Pedagogia.
Como será apresentado no capítulo a seguir, esse curso tem seu diferencial não só na
forma do desenho curricular, mas, principalmente, nos fundamentos teóricos que têm como
base, as idéias de Freire (1999):
O que se coloca à educadora ou ao educador democrático, consciente da
impossibilidade da neutralidade da educação, é forjar em si um saber especial, que
jamais deve abandonar, saber que motiva e sustenta sua luta: se a educação não pode
tudo, alguma coisa fundamental a educação pode. Se a educação não é a chave das
transformações sociais, não é também simplesmente reprodutora da ideologia
dominante. O que quero dizer é que a educação nem é uma força imbatível a serviço
da transformação da sociedade, porque assim eu queria, nem tampouco é a
perpetuação do “status quo” porque o dominante o decrete. O educador e a
educadora críticos não podem pensar que, a partir do curso que coordenam ou do
seminário que lideram, podem transformar o país. Mas podem demonstrar que é
possível mudar. E isto reforça nele ou nela a importância de sua tarefa político –
pedagógica (p.29).
As idéias de Freire são defendidas no contexto da EA e reforçam minha idéia de
pesquisar o grupo de professoras, participantes do referido programa, com o intuito de
investigar suas práticas voltadas à comunidade pesqueira, pois considero de extrema
importância saber o que as professoras discutem com seus alunos em torno da pesca, no
cotidiano de suas salas de aula, visto que é desta atividade que sobrevivem as famílias.
É preciso pensar em outro modelo de escola e de profissional que tenta buscar, dentro
das dificuldades encontradas, uma outra maneira de ensinar e aprender, encarando desafios,
mas acreditando que uma educação alternativa é possível e que existem outros caminhos a
serem descobertos. Com esse grupo de professoras constatei que existem trabalhos
diferenciados sendo desenvolvidos, e conhecê-los foi uma aprendizagem relevante na minha
formação e me fez acreditar numa “escola possível” como nos fala Arroyo (2002).
Não se pode negar que o ensino público encontra-se, ainda, num estado de carência.
Depois de anos de uma sucessão de modelos pedagógicos, apesar dos avanços no campo da
educação, resultantes de pesquisas e experiências, as mudanças, no entanto, foram poucas
para reverter o quadro. O que acontece no interior das salas de aula e nos corredores das
15
escolas é o que precisa ser transformado em objeto de estudo, não pode mais ser considerado
“abobrinhas”. Segundo Azevedo (2004):
Os “calos nas mãos” vão se formando aos poucos, (...). Formar “calos nas mãos” nos
ajuda a perceber quando estamos enfrentando situações inusitadas.
Esses “calos” não se produzem por acumulação, como página de uma enciclopédia.
Eles se produzem à medida que vivemos e refletimos sobre nossas vivencias, que
falamos de “abobrinhas” e “trocamos figurinhas”, visto que, ao fazê-lo, esgarçamos
nossas redes e tornamos a tecê-las, mesmo quando não nos damos conta de que isso
acontece, num processo operado cotidianamente (p.23).
Essa passagem mostra um pouco de minha história, não somente com o grupo de
professoras, conforme relatei, mas nas mais diversas experiências nas quais troquei
“figurinhas”, sanando dúvidas e criando outras, mas tentando compreendê-las com o Outro,
num “processo dialógico”, como salienta Paulo Freire nos seus diversos discursos sobre
Educação.
Uma das experiências foi o próprio curso de Pedagogia Habilitação das Matérias
Pedagógicas do Ensino Médio, que freqüentei, no horário noturno, enquanto atuava como
bolsista no Programa de Formação de Professores Leigos (PFPL).
Com algumas limitações, a vivência nesse curso me ajudou a construir meus
referenciais, pois foram momentos de reflexão onde toda a teoria estudada podia ser
questionada, problematizada. Sem dúvida, o curso de Pedagogia me auxiliou a organizar as
idéias, para ter uma visão mais abrangente da educação, não a reduzindo à escolarização, e
sim, com um significado sócio-cultural de alcance político.
Nestas minhas trajetórias aprendi que devo promover situações e condições para que
os alunos possam exercer a dúvida e a crítica, quebrando a aceitação passiva de conteúdos;
desenvolvendo a noção de que o conteúdo de uma matéria não é algo acabado e verdadeiro,
mas provisório, relativo, passando para uma situação de equilíbrio entre reprodução e análise,
levando ao desenvolvimento de habilidades de expressão e escrita, organizando as idéias e
não apenas reproduzindo-as, pois afinal, é isso que levamos conosco no nosso processo de
vida e não nossas “notas”.
16
Ao lembrar da experiência junto ao grupo de professoras do Programa de Formação de
Professores Leigos, analiso a relevância das aprendizagens ocorridas nesse contexto, quando
ao concluir o curso de Pedagogia, ingressei como Professora Substituta na área da Didática,
da Fundação Universidade do Rio Grande, para trabalhar com formação de professores.
No início, o trabalho pareceu um pouco tumultuado, as aulas haviam começado na
Universidade, e outros professores já estavam ministrando aulas aos alunos. Eu cheguei um
pouco “perdida”, querendo resolver todas as problemáticas apresentadas pelos alunos.
Minha primeira aprendizagem como professora se deu aí, descobri que jamais
agradamos a todos, mas, buscando uma relação de afeto entre os alunos, acreditava na
importância de todos gostarem do meu jeito de ser e de ministrar as aulas.
Assim, apesar de saber teoricamente o conceito de complexidade (MORIN, 1999), foi
na prática que aprendi a complexidade do ser professor; aprendi a lidar com o imprevisto;
conheci as dimensões do trabalho docente; vivi a dinâmica do cotidiano e as relações que ali
se estabeleciam influenciadas por diversos e diferentes fatores.
Ainda como professora substituta da Universidade, tive a oportunidade de trabalhar
com os Estágios Supervisionados, tendo acesso ao cotidiano das escolas públicas do Estado.
Com essa experiência surgiram outros conflitos em minha constituição como profissional da
educação e me senti impotente, ao ver a situação em que se encontram as escolas do Ensino
Médio. Salas de aula em péssimas condições de conservação, professores sem acesso aos
aparelhos eletrônicos, pois a maioria encontra-se estragado, alguns descrentes do seu papel
social, entre outras situações que se apresentavam a cada dia nas escolas.
Hoje, tenho como referência as idéias de Demo (2000) ao defender o “educar pela
pesquisa” como possibilidade de o professor construir um conhecimento contextualizado com
as comunidades, evitando o academicismo exagerado. Para ele, a pesquisa é à base da
transformação do mero ensino em educação.
17
Concordando com Galiazzi (2005), acredito que:
O ser humano é um ser vivo que aprende pela investigação, na procura de soluções
para os problemas, na curiosidade, pela ausência de algo. Muito embora a espécie
humana seja uma espécie investigativa, existem tipos diferenciados de investigações
construídos culturalmente. A pesquisa é um produto cultural ligado essencialmente à
escola. De outra parte, a pesquisa é uma forma de aprender, e, como a escola é um
espaço de aprendizagem, essa escola precisa se transformar em um espaço de
pesquisa (p.19).
O convívio como professora formadora de professores, em especial, o contato com os
estágios mostraram-me as lacunas deixadas pelo Curso de Graduação em relação à pesquisa
como prática educativa. Essas questões levaram-me a fazer um Curso de Especialização, para,
através da pesquisa, aprofundar teorias da Educação.
O trabalho de monografia realizado no curso concluiu com a pesquisa sobre a
influência das campanhas publicitárias na vida dos jovens e adultos inseridos no 3º ano do
ensino médio de duas escolas do município, uma pública, outra particular, e analisei
campanhas publicitárias de algumas Universidades particulares.
Com essa experiência, conheci outras situações e problemas escolares além de
constatar que os jovens estão imersos na busca pela profissão sem estarem preparados, não
sabendo exatamente a profissão que querem seguir, mas influenciados constantemente de que
precisam “ser alguém” e sofrem com a competição, a falta de cooperação, enfim, aspectos
bem preocupantes para o desenvolvimento humano, e que estão presentes no cotidiano desses
adolescentes. Sobre esse assunto, considero relevante citar Mesquida e Santos (2004):
Nesse contexto, o projeto educacional do neoliberalismo persuade a escola a ajustar-
se ao mercado, e os saberes por ela trabalhados devem qualificar as pessoas para a
ação individual competitiva no mercado. Dessa maneira, as escolas são concebidas
não enquanto instituições públicas, responsáveis pela organização/transmissão da
herança cultural e histórica da humanidade e como construtoras de novos
conhecimentos, mas são revestidas de impessoalidade e objetividade, voltadas para o
ajustamento dos sujeitos à realidade estabelecida. As escolas viram empresas. Os
alunos clientes (p.141).
Assim, posso destacar que a palavra competência carrega um forte significado para
esses jovens. Esse termo está relacionado à busca de vantagem, vitória (que nesta lógica há
sempre um vencedor, mas também um vencido) aspectos estes essenciais ao “capitalismo
18
selvagem”, provocando competição no interior das escolas e fora delas, causando exclusão.
Dessa maneira, a pedagogia acaba por ser um gerenciamento, a ponto de pensar o professor
como um “gerente” da sala de aula e que a escola trabalha de acordo com as exigências do
mercado, influenciando e transformando os estudantes em objetos.
Com o propósito de dar continuidade a minha formação, em Janeiro de 2005,
ingressei no Curso de Mestrado em Educação Ambiental da FURG. Nessa época, já havia me
decidido pelo tema de pesquisa e pelo campo empírico, ou seja, a sala de aula e as professoras
que participaram do Programa de Formação de Professores Leigos. Em tratativas com a
minha orientadora, fomos definindo os rumos da pesquisa: entrevista com as professoras;
observação das aulas e do bairro onde está localizada a escola; análise de documentos como
os diários de aula, o Projeto do Programa de Professores Leigos e o Projeto Político da
Escola.
As trajetórias e experiências narradas são formadoras das minhas idéias, conceitos e
concepções e deram origem ao estudo que ora apresento, o qual teve o propósito de pesquisar
como as professoras articulam as questões ambientais nas temáticas abordadas em sala de
aula, de uma escola situada numa comunidade pesqueira.
Como já registrei, anteriormente, a escolha do grupo diz respeito à formação das
professoras participantes no Programa de Formação de Professores Leigos e a vivência que
tive como bolsista no referido programa e as aprendizagens que fui construindo no convívio
com o cotidiano dessas profissionais. Dia-a-dia marcado por conflitos, frustrações, mas
também, por desejos, realizações e conquistas.
O PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES LEIGOS NO
CONTEXTO EDUCACIONAL: um olhar sobre a formação de professores.
Quero uma escola que compreenda como os saberes são
gerados e nascem. Uma escola em que o saber vá nascendo das
perguntas que o corpo faz. Uma escola em que o ponto de referencia
não seja o programa oficial a ser cumprido...
(RUBEM ALVES, 2001, p. 55)
A formação de educadores sempre foi motivo de intensas discussões no Brasil. A
qualificação e a remuneração são questões discutidas e que para a grande maioria, o
investimento na educação é o único caminho para se poder alterar as dinâmicas
reprodutivistas e mecanicistas que são aspectos presentes ainda nas metodologias de muitos
professores e professoras.
Considerando a necessidade de qualificar a implementação do ensino surgiram
diversas leis para a educação, em destaque a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), que sofreu ao longo dos tempos diversos ajustes. A primeira LDB foi a lei 4024/61
que sofreu alterações pelas leis 5540/68 e 5692/71, que reformularam seus dispositivos sobre,
respectivamente, o ensino superior e o ensino de 1º e 2º graus. Após tantos anos, surge uma
nova situação e encaminhamentos para uma nova LDB. A proposta e discussão nascem de
todo um movimento, razoavelmente articulado, da própria sociedade civil, representada por
entidades ligadas direta ou indiretamente à causa educacional, instituições, entidades como
UNE, ANDES, ANPED
3
.
O projeto se consagra num esforço de democratizar a estrutura e a gestão dos sistemas
educacionais e da prática educativa, tendo como princípio, proposta de descentralização, de
3
UNE – União Nacional dos Estudantes; ANDES – Associação Nacional dos Docentes das Instituições de
Ensino Superior; ANPED – Associação Nacional de Pesquisadores em Educação.
20
gestões colegiadas, de delegação de poderes e de valorização da autonomia das unidades
educacionais e do trabalho dos profissionais do ramo, prestigia a criação de instâncias
colegiadas, com constituição mais representativa dos grupos envolvidos com a educação,
como forças democráticas de controle; preocupa-se em garantir os meios para a efetiva prática
dos fins estabelecidos; busca construir um sistema nacional integrado de educação,
consagrando inclusive a idéia de um Plano Nacional de Educação; insiste no princípio de que
a educação é direito de todos e obrigação do poder público, a sua oferta universal.
Mas, sem dúvida, o projeto incorre em alguns equívocos e acaba, às vezes, sendo
contraditório.
Sobre a formação dos profissionais da educação, a lei recebe destaque, com relação
aos docentes, pois há uma grande ênfase na exigência de sua profissionalização e no
tratamento que devem receber os profissionais como: exigência de regulamentação de
carreira, ingresso através de concurso de provas e títulos, de oportunidades de capacitação e
aperfeiçoamento, entre outros.
No contexto da LDB
4
fica estabelecido que a formação do profissional da educação
deve ser feita em curso específico, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis de
ensino e as características de cada fase do educando, insistindo na exigência de uma política
sistemática e contínua de incentivo ao aperfeiçoamento e atualização dos professores, seja
mediante formas regulares de cursos, seja mediante cursos de educação à distância, desde que
asseguradas atividades em sala de aula e avaliações periódicas.
Outros artigos introduzem uma proposta onde as universidades poderão promover
experiências alternativas para a formação de profissionais da educação, devendo levar em
consideração que essa formação exige cursos específicos com características próprias e maior
4
Art. 61; Art. 62; Art. 63; Art. 64; Art. 65; Art. 66.
21
consistência curricular, superando os atuais modelos de cursos de magistério e licenciaturas
curtas, dando preferência ao ensino superior para a preparação de docentes.
Essa proposta dá diretrizes que indicam rumo à inovação, abrindo novas
possibilidades. No entanto, tudo depende da capacidade e da decisão dos responsáveis de
superar a rotina mecanicista, criando condições para um novo tipo de prática. A LDB lei nº
9394/96 traça um início, dando abertura e autonomia para as universidades. Traçando um
paralelo entre as leis anteriores, percebe-se que a lei 5540/68 dedicou apenas um artigo à
formação de professores (art.30). A lei 5692/71 dedicou 11 artigos à formação de professores,
mas numa linha muito burocrático-administrativa, reforçando os cursos de curta duração, ou
seja, as licenciaturas curtas.
A partir das atribuições contidas na nova LDB, estabelecendo como prazo o ano de
2007, estendendo logo após para 2010, para a qualificação em curso superior dos professores,
as universidades tomam partido na implementação de programas para a formação de
professores em serviço. Assim, na Fundação Universidade do Rio Grande (FURG) em 1998,
foi criado o Programa de Formação de Professores Leigos das Redes Públicas de Ensino de
São José do Norte – Curso de Pedagogia – Séries Iniciais.
O referido curso teve como proposta atender professores leigos atuantes na rede
pública municipal de ensino, com segundo grau completo.
O programa de ensino foi implementado com a parceria entre a Fundação
Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e a Prefeitura Municipal de São José do Norte.
Consta no Projeto do Curso:
A comissão de educação do COREDE-SUL formada por representantes da 5º DE,
18º DE, UFPEL, UCPEL, FURG, secretarias Municipais de Educação da Zona Sul e
escolas particulares, tem se reunido sistematicamente desde junho de 1993, com o
propósito de discutir a Educação da nossa região. A principio foram realizados
trabalhos de mobilização das entidades e um amplo debate sobre o compromisso de
cada Universidade com a educação dos Municípios de sua área de abrangência, dos
quais surgiu um levantamento das principais necessidades dos municípios da Zona
Sul para atendimento à educação. Após a definição das prioridades recebidas dos
secretários Municipais de Educação por documento encaminhado às Universidades,
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a comissão elaborou um Plano Plurianual de Educação, contendo as metas a serem
perseguidas nos próximos anos, entre elas a que objetivou este curso (1998, p.5).
Tomando como base a análise do projeto é significativo descrever elementos
fundadores da proposta pedagógica. Em sua justificativa encontro:
Os municípios têm assumido, nos últimos anos, a política de atendimento à demanda
por ensino de primeiro grau, principalmente na zona rural (políticas de
municipalização e nuclearização) onde é mais difícil preencher as vagas com
professores habilitados. A docência nestas escolas, efetivamente, mesmo sabendo-se
da diligencia das administrações escolares, vem sendo desempenhadas
persistentemente por professores leigos. Apesar de sua boa vontade, do interesse, da
disponibilidade e do obséquio de suprirem positivamente a carência citada, faltam a
esses professores as condições legais de habilitação profissional para o exercício de
sua atividade e o gozo pleno de seus direitos como docente (1998, p.6).
Face à constatação acima, bem como a solicitação da prefeitura de São José do Norte,
mostrando interesse em graduar os professores da rede municipal de ensino, o programa
apresenta os seguintes objetivos;
Os objetivos propostos com o grupo de professoras – alunas são:
Atender a necessidade de habilitação de professores que exercem suas
funções nas escolas municipais de primeiro grau do município de São
José do Norte em cumprimento às exigências legais, buscando-se, assim a
qualificação do trabalho docente do ensino fundamental;
Habilitar professores para o exercício do magistério, nas séries iniciais
do 1º grau para atuar nas redes públicas de ensino, recuperando e
tratando sistemática e metodologicamente a experiência profissional
desses docentes, potencializando a capacidade de observação e
conceituação da realidade, e possibilitando-lhes uma atuação
profissional mais enraizada nos processos históricos regionais;
Possibilitar capacidade de análise cientifica da sua prática pedagógica;
estudo sobre as teorias de ensino e aprendizagem e suas implicações na
prática pedagógica;
Estudo dos fundamentos metodológicos do ensino de 1° e 2º graus
pertinentes ao curso oferecido;
Recursos técnicos e teóricos para analisar o currículo das suas escolas
com maior flexibilidade e atendimento às demandas;
Formação profissional suficientemente consistente que garanta aos
professores um processo continuado de formação.(1998, p11).
A fim de alcançar tais objetivos, a proposta pedagógica do curso tinha como
orientação:
Os professores têm uma responsabilidade social com a produção do conhecimento
demandado pelas pessoas e grupos sociais a partir do enfrentamento de seus limites
e de seus problemas históricos. A atividade de conhecimento não é atribuição
exclusiva de professores ou pesquisadores. A atividade profissional que
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desempenham, entretanto, colocam-nos em condições relativamente privilegiadas de
elaboração cognitiva. Cabe-lhes, portanto, muito da tarefa de elaboração de
conceitos que ajudem as pessoas e grupos sociais a explicar as relações históricas
construtivas não só de São José do Norte mas também de todo o rio Grande do Sul e
do Brasil. De nada adianta, entretanto, as condições relativamente privilegiadas dos
professores, se não desenvolverem a sensibilidade para captar as peculiaridades de
nossa formação social, de seus conflitos, de seus problemas, de suas contradições.
Pouco ajudam a avançar a consciência social da nossa gente se, acriticamente, se
dedicarem a simplesmente reproduzir conhecimentos elaborados a partir de outras
realidades. Importa, pois, formamos professores que, através de estudo aprofundado,
desenvolvam uma percepção mais apurada da realidade local, regional e nacional,
com auxilio das categorias/conceitos elaboradas por outras pessoas em outros
lugares, que possam construir explicações consistentes sobre nossa realidade,
capazes de potenciar a ação nossa e de nossa gente com perspectiva de construir
uma sociedade melhor. Dessa maneira poderemos, efetivamente, construir escolas
como instituições sociais destinadas a transmissão, à apropriação e elaboração do
saber (1998, p.12).
No contexto do currículo o curso visa a desvelar o mundo, apresentar outro olhar sobre
a educação, estimulando a criticidade, incluindo um trabalho integrado entre o pensar e o
fazer.
Com esse intuito, a proposta pedagógica era pautada em Fundamentos Educacionais
defendidos por autores como Paulo Freire, Moacir Gadotti, Carlos Rodrigues Brandão,
Boaventura Santos, Miguel Arroyo, Jurjo Santomé, Eduardo Galeano, Pedro Demo,
Vygotysk, entre outros autores que se situam numa perspectiva crítica, aproximando-se em
suas idéias nas discussões atuais pautadas por autores da Educação Ambiental, como
Loureiro, Genebaldo Dias, Marcos Reigota, Michele Sato, ao defenderem que: Educar é
emancipar a humanidade, criar estados de liberdade diante das condições que nos colocamos
no processo histórico e propiciar alternativas para irmos além de tais condições (Loureiro,
2004, p. 32).
Ainda que no projeto do curso não se discutisse diretamente ou explicitamente os
princípios da Educação Ambiental, o diálogo, a solidariedade, o respeito às diferenças entre
outros, eram defendidos pela maioria dos professores em suas aulas. Além disso, a proposta
interdisciplinar desenvolvida por alguns docentes oportunizava o desenvolvimento da
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consciência crítica e autônoma, que são aspectos defendidos pela Educação Ambiental, como
salienta Sato (2002, p. 23):
A Educação Ambiental é um processo de reconhecimento de valores e clarificação
de conceitos, objetivando o desenvolvimento das habilidades e modificando as
atitudes em relação ao meio, para entender e apreciar as inter – relações entre os
seres humanos, suas culturas e seus meios biofísicos. A Educação Ambiental
também esta relacionada com a prática das tomadas de decisão e a ética que
conduzem para a melhoria da qualidade de vida.
O curso de Pedagogia oferecido pelo Programa de Formação de Professores Leigos
acontecia em forma de blocos intensivos no mês de janeiro e julho, sendo que o currículo do
curso foi composto por:
08 blocos intensivos, em períodos de férias escolares; com 08 horas/aula
de segunda a sexta – feira e 05 horas/aula no sábado, perfazendo 45 hs/a
semanais;
07 blocos em serviço, durante os semestres letivos, integrados por
atividades de docência/pesquisa, reuniões/seminários de discussão das
observações da prática.
Além das atividades culturais que lhes são de difícil acesso, tais como
cinema, teatro, dança, exposições de arte etc.
Faço um parágrafo aqui sobre este tipo de horário de aula, em tempo integral, pois
vivenciei junto com o grupo, durante dois anos, este tipo de prática, quando acompanhava os
professores e as aulas do curso. Esse momento de trabalho era bastante exaustivo para o
grupo, pois o dia todo em aula durante todo o mês, principalmente no mês de janeiro, onde o
calor, às vezes, era insuportável, não era tarefa fácil. Era necessário muita força de vontade de
todas as alunas - professoras bem como dos professores que trabalhavam as disciplinas, que
tinham uma meta a alcançar e a responsabilidade de superar os limites do grupo e estimulá-los
a seguir com o curso.
Outro aspecto fundamental é a questão da avaliação do curso, que também foi pensada
a partir de alguns pressupostos teóricos, tendo como base a compreensão crítica do processo
de aprendizagem. Dessa forma seguem as dimensões da avaliação do curso:
A avaliação diagnóstica e terapêutica que, ao procurar detectar lacunas
e deficiências ocorrentes no desenvolvimento do projeto e problemas que
os alunos não consigam resolver, objetiva a corrigir distorções no
25
processo de desenvolvimento do curso e orientar a recuperação a melhor
aprendizagem dos alunos;
A avaliação da aprendizagem que, ao final das disciplinas e de cada
bloco, estabelecerá as condições de progressão do aluno para o bloco
seguinte. A avaliação será expressa com as menções aprovado ou não –
aprovado (1998, p. 14).
Considerando o método avaliativo da proposta desse Programa de Formação, cabe
ressaltar que as atividades complementares ou o “refazer”, como era chamado pelos alunos, se
davam em horário não concomitante com as atividades normais. Os mesmos tinham o
objetivo de levar as alunas a rever as temáticas em estudo com a orientação dos professores e
bolsistas. Caso o aluno não conseguisse um desempenho satisfatório no “refazer”, ele era
reprovado no bloco.
Pela vivência que experimentei nesse curso, pude constatar que esse tipo de avaliação
surtiu efeitos bem positivos em relação aos alunos, possibilitou que o grupo pudesse se
envolver na avaliação junto com os professores, tendo a possibilidade de refazer os textos e
provas que eram feitos de forma a perceber os erros cometidos e poder aprender com isso.
Tendo em vista que o grupo, como professoras dos anos iniciais, vive problemas constantes
na avaliação com seus alunos, puderam vivenciar com essa prática algo novo no que se refere
às questões avaliativas, não punitivas, mais preocupadas com a aprendizagem do aluno.
O resultado deste trabalho vai além do que se pode apresentar neste capítulo, porque a
história das pessoas continua. Tomei como ponto de partida essas questões apresentadas para
que nos próximos capítulos desta pesquisa, possa apresentar um pouco mais sobre o processo
de formação desse grupo e sua prática cotidiana.
Cabe ressaltar que o referido Programa também foi oferecido no município de Santa
Vitória do Palmar e, atualmente, encontra-se na sua 3º edição no município de Santo Antônio
da Patrulha. Muitos municípios continuam procurando fazer esta parceria, não só com a
FURG, mas também com outras universidades do Estado. A Universidade Federal de Pelotas
(UFPEL), por exemplo, também trabalha com esse tipo de projeto que tem como objetivos
26
formar professoras em exercício de suas práticas pedagógicas, dando continuidade a sua
formação, possibilitando espaços diferenciados para esses grupos, visando, desta forma, à
melhoria da educação em seus municípios.
O MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO NORTE: sua gente e sua cultura.
Em todos esses espaçostempos, temos ou não nossos “estalos
de Vieira”, nos metamorfoseamos ou não de lagartas a borboletas.
(JOANIR G. DE AZEVEDO E NEILA G. ALVES, 2004,
p.8).
São José do Norte, município escolhido para a realização desta pesquisa, teve sua
emancipação política em 25 de outubro de 1831, quando foi criada a vila de São José do
Norte, sendo elevada à categoria de cidade em 31 de março de 1938. Suas origens vão sendo
abordadas no decorrer deste capítulo, conforme as especificidades socioeconômicas, culturais
e políticas de sua realidade.
Inicio pontuando alguns aspectos da localização deste município. São José do Norte,
município gaúcho, distante 326 km da capital, localizado no litoral sul entre a Laguna dos
ntextigeação rtunôma6-1.1largltue,
28
precária, pois esta se dá por lanchas ou balsas e pela “estrada do inferno
5
”, como é conhecida
a BR 101 nessa região.
Nesse cenário, algumas tendências se tornaram dominantes, sobretudo nos campos da
saúde, educação, habitação e infra-estrutura urbana, o que, via de regra acaba acontecendo, a
procura em outras localidades dos serviços e bens que lá não são oferecidos, o que acarreta
desemprego e subemprego pela maioria dos moradores da cidade.
Outro fator que também gera o desemprego é o crescimento da população sem
29
O investimento na área portuária e industrial poderia ter gerado um maior
desenvolvimento ao município de São José do Norte, não se limitando à dependência dos
setores primários como a pesca e a agricultura. Saint-Hilaire manifesta sua compreensão a
respeito desta realidade, escrevendo que:
[...] caso se estabeleça um porto alfandegário no Norte, sem se suprimir o
do Sul, o Norte entraria de novo, sem prejuízos, na posse dos direitos que sua
posição parece lhe assegurar, sua população e seu comércio aumentarão pouco a
pouco; os inconvenientes atuais cessarão, pelo menos em parte, e nenhum interesse
será sensivelmente lesado (1987, p. 68).
A população atual de São José do Norte chega em torno de 23.792 habitantes, 17.286
destes localizados na área urbana (72,65%) e 6.506, na área rural (27,35%). O município
enfrenta um deslocamento crescente da população do campo para a cidade (censo 2000).
Nesse caso, a população acaba migrando para a cidade em busca de melhores condições de
vida. No entanto, ao contrário do que pensa a população rural, ao deixarem o campo não
encontram as oportunidades almejadas. Muitos não têm a escolaridade nem a qualificação
exigida na cidade.
Além disso, a economia do município está baseada na agricultura e na pesca, sendo a
cebola, o arroz e a floresta de pinus as principais riquezas, juntamente com o pescado,
destacando que a agricultura e a pesca têm seus períodos de plantio e safra, respectivamente,
dependendo muito dos aspectos climáticos para que possa ocorrer a colheita e a produção dos
pescados. Além disso, outro fator agravante da situação de pobreza desse município é o fato
de perder a arrecadação do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços
(ICMS) sobre produtos como o pescado, por não possuir indústrias próprias, sendo este
produto destinado às indústrias de Rio Grande, não constando, desta forma, nas notas fiscais,
como produção de São José do Norte.
30
Esse vínculo de dependência, acredita Ribes (1993)
8
produz uma certa acomodação
dos moradores nortenses, ofuscando a reivindicação pelo progresso do município, pois se
descuidam no empenho para melhorar suas próprias condições de vida baseados no fato de
que “em meia hora de lancha já se está em um centro maior (p.52)”.
Portanto, percebi que a situação gera índices crescentes de desemprego, sendo que o
poder local tem papel fundamental a desempenhar na perspectiva de melhorias no campo do
trabalho, melhorando o acesso das estradas, tendo uma melhor distribuição de renda,
tentando, desta forma, reverter os processos que produzem e reproduzem a exclusão social.
Não importa apenas a melhoria da renda monetária, mas também o acesso qualificado
à educação, moradia, saúde, cultura, ao direito de ir e vir, além da convivência segura na
comunidade, sem discriminações religiosas, de raça, gênero, idade entre outros. Não se pode
esquecer que a inclusão social está relacionada ao acesso universal, ao sentimento de
pertencimento e ao fortalecimento da identidade social, que o povo nortense, bem como todo
nosso país, esquece um pouco de acreditar em suas raízes, na luta histórica que vivenciou o
povo brasileiro. Portanto, para além do adequado diagnóstico e da indispensável denúncia que
costuma-se fazer, é preciso ter consciência de que os poderes públicos, escolhidos para serem
representantes da comunidade, precisam acionar os mecanismos necessários e capazes de
concretizar novas e ampliadas possibilidades, desenvolvendo políticas que consolidem o bem
estar do seu povo.
Os primeiros habitantes
O processo de urbanização no Brasil teve início pelo litoral. O município de São José
do Norte não foi exceção a esse processo. Segundo os dados encontrados na Secretária de
Educação do Município - SMEC, São José do Norte teve um passado histórico muito rico,
8
O estudo de Ribes, trata da Educação Rural e das Políticas Públicas, a qual estudou a história e o cotidiano de
duas escolas do município de São José do Norte.
31
pois o município teve extrema importância no povoamento do Rio Grande do Sul,
inicialmente com índios carijós, charruas e minuanos que deixam vestígios por estas terras.
Outro aspecto importante a destacar é que a partir de 1750, chegaram casais de
açorianos e fixaram-se no Estreito (atual 2° Distrito) onde plantaram os primeiros trigais,
iniciando a agricultura do município. A dedicação açoriana à produção do trigo, hortaliças e
frutas, fazendo uso de suas experiências na agricultura constituíram-se em importante forma
de refazerem suas vidas e fazerem crescer a região, deixando como legado para a população a
cultura agrícola, usada até os dias atuais pelo povo Nortense, como uma das condições para
sua subsistência.
Os perfis culturais e educacionais de São José do Norte estão traçados num contexto
de exploração e submissão ao sul, ou seja, a cidade do Rio Grande. O município apresenta um
alto índice de analfabetismo, pois cerca de 28,4% da população de 15 anos ou mais não sabe
ler e escrever (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2006).
Inseridos em um contexto educacional pouco incentivador, o que acarreta sinais de
pouco desenvolvimento, a população precisa migrar para outras localidades a fim de concluir
seus estudos, mas nem todos podem dar continuidade devido à carência financeira e o difícil
acesso. As dificuldades de expansão das atividades educacionais, para as zonas localizadas
em lugares mais distantes, são um dos fatores que definem uma das maiores carências acerca
da instrução pública (GOMES, 2001).
O baixo investimento em políticas agrícolas, a concorrência com a cebola produzida
em outras localidades como, Santa Catarina e São Paulo, as limitações que o agricultor
nortense encontra para entrar nessa competição devido, principalmente, à defasagem de seus
conhecimentos e de recursos financeiros para aperfeiçoar o trabalho, geram um sentimento de
desesperança em relação à agricultura.
32
Em busca de melhores condições de vida e da proximidade dos benefícios com o
contato com centros maiores, famílias abandonam suas terras no interior e tentam melhor
sorte na cidade. Encontram, porém, um ambiente urbano nada acolhedor em termos de novas
oportunidades para trabalharem. Uma das únicas possibilidades de geração de emprego, na
atual forma como a cidade está organizada, é a prefeitura municipal, mas que não tem
recursos suficientes para acolher tantos trabalhadores.
Em relação à pesca, percebi que esta atividade vem diminuindo sua quantidade e
qualidade devido à pesca predatória, a falta de investimentos e aos barcos de pesca do Estado
de Santa Catarina, grandes concorrentes na busca pelo pescado. Segundo Gomes (2001) “a
produção de pescado, em torno de 50 mil toneladas na metade da década de 60, foi reduzida
para cerca de 8 mil toneladas, incluindo o camarão (p.65)”.
As águas que margeiam a cidade do Rio Grande e São José do Norte, no estuário da
Lagoa dos Patos, constituem um dos maiores criadouros de várias espécies de peixes e
crustáceos. Mas têm recebido constantemente efluentes orgânicos e inorgânicos sem
tratamento primário ou secundário, causando grande impacto ambiental. O desconhecimento
ou a desconsideração da beleza natural e cultural, a riqueza e diversidade da natureza local,
geram despreocupação com a preservação destes recursos e, principalmente, com a qualidade
das águas que contornam a cidade. Acrescenta-se a isso o lançamento de dejetos industriais e
domésticos, aterros para construção de casas entre outros, o que acarreta a diminuição dos
pescados.
Por ocasião das visitas realizadas no município, percebi o precário estado em que
vivem os pescadores exclusivos, ou seja, aqueles que têm na pesca sua única fonte de renda.
A situação em que vivem é precária em função da baixa renda adquirida em seu trabalho.
É importante salientar o elevado índice de professores não habilitados pertencentes
ao quadro do magistério municipal. Em 1977, 54% deste quadro era composto por professores
33
leigos, sendo que, destes, 44% estavam entre os que possuíam primeiro grau completo ou
incompleto. Compondo o “quadro em extinção” do novo plano de carreira do magistério
municipal, o número de professores leigos é hoje representado por 21% dos professores,
número muito inferior ao de antes, mas nem por isso menos significativo (dados Secretaria
Municipal de Educação e Cultura (SMEC) do município, 2006).
Através das apresentações traçadas sobre o município de São José do Norte, pode-se
melhor entender o contexto em que a população está inserida e, também, suas dificuldades,
denúncias e desejos.
Situando o Bairro “Vila do Bumba”
Mas, a história deste bairro surpreende muito a quem a conhece: a área onde está
localizada a escola é popularmente conhecida como Vila do Bumba, sendo uma parte da
propriedade da Prefeitura, e outra, da Empresa Guanapesca. Por acaso, o percentual maior
pertence à empresa, que opera no setor de pesca.
Essa empresa, que tem matriz no Rio de Janeiro, adquiriu por doação através de lei,
uma considerável área arenosa no ano de 1967, com o compromisso de implantar um parque
industrial e um estaleiro naval. Com o final do prazo estipulado pela lei municipal que doou o
terreno e sem a realização da obra até 1969, o terreno voltou para os domínios da prefeitura,
mas uma parte do terreno que esta empresa havia comprado da Família Gonçalves, continuou
sendo dela.
Quando o Prefeito Elias Zogbi assumiu o Cargo, em 1973, agricultores recorreram à
prefeitura para arranjarem um terreno para se instalarem. Esses agricultores tentaram a vida
na cidade, sem êxito, queriam espaço para se instalar. Eles foram aconselhados pelos órgãos
municipais a colocarem suas casas junto a Usina da CEEE, justamente na área onde a empresa
Guanapesca pretendia construir suas instalações.
34
A vila foi surgindo na mais completa desordem, sem incentivo da Prefeitura que
apenas indicou o local, mas não elaborou um projeto que contasse com saneamento básico,
calçamento de ruas, instalação de energia elétrica, enfim, uma urbanização adequada.
Segundo os moradores da região, talvez o apelido de Bumba (bumba meu boi) tenha surgido
desse modelo de desorganização.
Presencia-se, aqui, mais um capítulo na história de milhares de brasileiros, que são
explorados e vivem em estado de miséria por falta de políticas públicas coerentes e de um
planejamento urbano adequado às necessidades da população. Mas a história não termina aí...
Aproximadamente em 1985, a empresa de pescados entrou com uma ação de
reintegração de posse na justiça. Diante da ordem de desocupação do terreno, a Prefeitura
prontificou-se em remover as casas para outro local. Porém, poucos moradores foram
transferidos. Alguns regularizaram a situação comprando os terrenos da empresa Guanapesca,
mas a maioria ficou lá ilegalmente. Todavia, a ação, agora por ordem de outro proprietário
que aceitou o terreno como pagamento de dívida da Guanapesca, continua na justiça
aguardando julgamento.
Cabe ainda ressaltar que o bairro “Vila do Bumba” ainda encontra-se com falta de ruas
calçadas, pois em grande parte do bairro ainda vemos as ruas cobertas por areia solta. O mar é
bem próximo da escola; dali pode-se ver o mar e as pessoas trabalhando com barcos de pesca
artesanais.
35
Figura 1: Bairro Vila do Bumba 1
Fotos da pesquisadora
.
Fotos da pesquisadora
Figura 2: Bairro Vila do Bumba 2
36
Os tempos continuam sendo difíceis, marcados por incompreensão e preconceitos
contra a população, ao mesmo tempo em que, em vários setores, presenciamos a má
administração do dinheiro público. A dimensão humana é esquecida, não somos respeitados
como seres humanos pensantes, sensíveis e dotados de discernimento, deixamos de ser
cidadãos brasileiros, homens e mulheres que na sociedade brasileira, vivem suas vidas,
trabalham, amam, riem, choram, mas, muitas vezes, são julgados como meros objetos,
“coisas”.
Com o tempo, novos empreendimentos surgem, mas a vida continua sendo
desrespeitada.
Apontamentos e considerações sobre a Escola Municipal de Ensino
Fundamental Monteiro Lobato
É com orgulho que apresento esta escola e expresso meu reconhecimento ao trabalho e
ao talento de todas as professoras que farão parte desta trajetória, sem as quais esta pesquisa
não teria sido possível.
Durante o primeiro ano do mestrado em Educação Ambiental fiz algumas visitas à
Escola Monteiro Lobato, em São José do Norte, para conversar com o grupo de professoras
atuantes na escola e que fizeram parte do Programa de Formação de Professores Leigos, às
quais falei sobre a pretensão de minha pesquisa e conheci um pouco mais sobre a realidade da
escola.
Cabe destacar que os encontros com as professoras foram momentos de relembrar
algumas passagens de nossas vidas, além de falar da pesquisa das experiências e das futuras
observações e entrevistas desenvolvidas ao longo da pesquisa.
37
O meu Problema de pesquisa é: conhecer como as professoras formandas do curso de
Pedagogia Habilitação Séries Iniciais, do Programa de Formação de Professores Leigos, do
Município de São José do Norte, articulam as questões ambientais nas temáticas abordadas
em sala de aula, na Escola Monteiro Lobato, pois a mesma encontra-se numa localidade de
zona pesqueira e os alunos da escola, na sua maioria, são filhos de pescadores, obtendo seu
sustento nessa atividade.
Assim, nas visitas que se sucederam, tive contato com alguns materiais pedagógicos
das professoras e também com o Projeto Político Pedagógico da Escola, o qual me
possibilitou conhecer um pouco mais o trabalho e a comunidade escolar.
Através desse material, foi possível conhecer os dados históricos dessa escola, como
sua data de criação que foi no dia 08 de novembro de 1983, pelo decreto de criação N° 2.459
9
,
a qual funcionou, por um tempo, no Ginásio Municipal de Esportes. Seu prédio atual, situado
a Rua da Usina, no bairro Comendador Carlos Santos, foi inaugurado no dia 25 de outubro de
1989, data de aniversário do município de São José do Norte na gestão do Prefeito Pedro
Mario Porto Zogbi.
Segundo o Projeto Político Pedagógico (P.P.P.) a escola, conta com a Direção, uma
secretária, uma supervisora e uma biblioteca, além de quatro funcionárias que fazem a
merenda e a limpeza da escola.
O corpo docente da escola Municipal de Ensino Fundamental Monteiro Lobato é
constituído por 22 professores (as), alguns com regime semanal de 40 horas na mesma escola.
A Escola Monteiro Lobato foi construída em 1989 com recursos do UNICEF, que
enquadrou São José do Norte entre os cinco municípios mais carentes do Estado.
9
Dados da Secretaria Municipal de Educação e cultura (SMEC) do município, cedidos para a pesquisa no ano de
2006.
38
Fotos da pesquisadora
Figura 3: Escola Monteiro Lobato 1
Em relação ao espaço físico da escola, a mesma possui seis salas de aula, onde
estudam em média 25 alunos em cada sala, uma secretaria, quatro banheiros, uma cozinha -
refeitório e um parque infantil, que foi construído com recursos angariados através de
promoções da escola junto à comunidade.
A biblioteca não tem um espaço próprio; a solução foi separar uma pequena área da
cozinha – refeitório, mas o acervo da biblioteca não conta com muitos livros de literatura e
histórias infantis. Pelo que pude observar, a maioria dos livros são didáticos que, na verdade,
são distribuídos pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), através da Prefeitura
Municipal, os quais não despertam os interesses dos alunos para a leitura.
39
Fotos da pesquisadora
Figura 4: Imagem Interna da Biblioteca da Escola 1
Além desses espaços, a escola conta com recursos como televisão, vídeo cassete e
som.
Sobre a filosofia da escola, cabe destacar que as metas prioritárias são:
Aumentar a escolaridade da população local;
Buscar, constantemente, a qualidade de ensino;
Promover o intercâmbio família – escola – comunidade;
Ampliar a estrutura física;
Contar com n° suficiente de recursos e materiais para desenvolver um
fazer docente prazeroso e eficiente.(2000, p.10).
A construção do P.P.P. da escola surgiu no decorrer do Programa de Formação em que
participaram as professoras dessa escola. A integração da teoria estudada durante o curso e a
necessidade da implantação de um Projeto Político Pedagógico, construído através da
articulação dos professores resultaram em melhorias para a escola, para o ensino, e melhores
condições de trabalho.
Assim, seguem no P.P.P. da escola os objetivos pretendidos pela instituição:
Oportunizar a participação dos professores em encontros que favoreçam
a reflexão, enriquecendo a prática educativa;
Dar continuidade aos intercâmbios com instituições educacionais,
intensificando mecanismos de cooperação na melhoria do ensino.
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Aperfeiçoar as formas de comunicação, em especial da língua materna,
considerando expressões da cultura brasileira e as diversidades
lingüísticas;
Respeitar o saber que o aluno traz do meio em que vive e convive e a
partir dele ampliar os conhecimentos, experiências e habilidades
adquiridas;
Promover o exercício consciente da cidadania;
Aprofundar a discussão sobre as novas tecnologias, maneiras de
incorporação e utilização pedagógica;
Propiciar encontros para que o professor tenha sempre presente que
educar é um ato político e que de sua ação pedagógica podem surgir
cidadãos críticos ou sujeitos passivos, que contribuem para a
perpetuação das desigualdades sociais ou não;
Proporcionar o conhecimento de que o homem é um ser social e o
entendimento de que a vida é um processo de continuidade do passado e
do presente, facilitando o estabelecimento de relações sociais,
econômicas, políticas emancipadoras do sujeito histórico;
Atribuir à leitura um valor positivo, benéfico ao individuo e à sociedade
como forma de sensação, prazer, enriquecimento cultural e ampliação de
horizontes, funcionando como instrumento para se obter qualidades de
vida social;
Avaliar constantemente as ações contidas nesse projeto, reformulando-as
quando necessário (2000, p.11).
Segundo consta no P.P.P. os profissionais pertencentes à escola Monteiro Lobato se
reuniram para discutir as questões pertinentes, à escola e à comunidade em diferentes
perspectivas. O ganho desse trabalho reside justamente neste fato, pois a educação é uma
trama tecida num conjunto de significados, devendo todos os profissionais da comunidade
escolar fazerem parte dessa discussão, uma vez que todos fazem parte do contexto
educacional e da vida de cada estudante .
A construção do P.P.P.é pertinente ao que diz respeito à educação, pois se torna um
momento de reflexão e encontro entre os funcionários e a própria comunidade local, para que
a proposta da escola seja compreendida e possa gerar melhorias para o fazer pedagógico.
Na conversa que tive com as professoras da escola descobri que, a grande maioria dos
alunos matriculados são filhos de pescadores. Os pais saem para pescaria e as mães trabalham
na limpeza e venda dos pescados.
41
Nas safras de peixes como tainha, anchova e corvina, respectivamente nas épocas de
maio, setembro e novembro, são períodos em que os alunos acabam se afastando da escola,
para ajudar na limpeza e venda dos pescados. Esse dado faz com que as professoras
problematizem a situação do calendário escolar, pois, muitas vezes, os alunos se evadem da
escola pelo excesso de faltas causado no período da safra.
Segundo as professoras, na grande maioria dos casos, as famílias são de baixa renda,
sobrevivendo de forma precária, com o sustento familiar dependendo da pescaria, ou da
agricultura que aparece em segundo lugar como fonte de renda.
Ainda, com base nos dados apresentados pelas professoras, alguns alunos apresentam
problemas neurológicos, psicológicos e fonoaudiológicos. Nesses casos o atendimento é feito
por uma equipe de profissionais, através de um acordo feito com a Associação de Pais e
Amigos dos Excepcionais (APAE), já que a escola não conta com um espaço
psicopedagógico e nem com auxiliares para cuidarem desses casos.
A escola procura fazer parcerias com a comunidade tentando, desta forma,
aproximar os pais da instituição e, assim, poder ter apoio das famílias sobre as situações que
se apresentam no dia –a – dia dos educandos, como as citadas anteriormente.
A escola também contou, por algum tempo, com a parceria do projeto Mentalidade
Marítima, através da assessoria do NEMA (Núcleo de Educação e Monitoramento
Ambiental), buscando auxiliar a criança na construção de sua identidade, na valorização de
sua singularidade e no resgate de valores de cooperação, afetividade e respeito a todas as
formas de vida, inserindo, assim, a dimensão ambiental no trabalho escolar.
De acordo com o P.P.P. os pais têm espaço garantido na Escola, através de reuniões
gerais com toda a comunidade escolar e em particular no contato com os professores de seus
filhos. Os pais podem participar da avaliação de turmas, indicar prioridades e opinar sobre o
desempenho aluno – professor – escola.
42
Pelo que pude constatar, a escola não se encontra isolada da comunidade. Pelo
contrário, ela influencia e é influenciada pelos acontecimentos e relações que se desenvolvem
na localidade.
Para atingir diretamente a comunidade, as professoras relatam, no P.P.P., que
procuram trabalhar com o conteúdo “vivo”, significativo para a criança e seu grupo social.
Sempre que possível, tentam transportar a realidade da comunidade para a escola, através de
observações; formulam e reformulam hipóteses, que são constatadas por meio de entrevistas,
visitas. Desta forma, desejam que, através da escola e de suas práticas, possam propiciar
condições para que os alunos abandonem o lugar de espectadores e assumam o de atores no
processo de construção do conhecimento. Essa forma, ou melhor, essa metodologia
apresentada, tem base no curso que realizaram no âmbito do Programa de Formação de
Professores Leigos.
Saliento aqui dois objetivos expressos no P.P.P. que articulam com as questões de
estudo desse projeto no que diz respeito a:
Respeitar o saber que o aluno traz do meio em que vive e a partir dele ampliar os
conhecimentos, experiências e habilidades adquiridas; Promover o exercício da
cidadania; Proporcionar o conhecimento de que o homem é um ser social e o
entendimento de que a vida é um processo de continuidade do passado e do presente,
facilitando o estabelecimento de relações sociais, econômicas, políticas
emancipatórias do sujeito histórico.
Nessa perspectiva, retomo meu problema de pesquisa que trata de investigar como as
professoras articulam as questões ambientais nas temáticas abordadas em sala de aula, de uma
escola situada numa comunidade pesqueira, apresentando elementos teóricos que partem da
problematização, auxiliando o estudo com elaborações que possibilitam estabelecer novas
relações e compreensões sobre o tema.
PERCURSOS DA PESQUISA: construindo a pesquisa.
O determinismo mecanicista é o horizonte certo de uma forma de
conhecimento que se pretende utilitário e funcional, reconhecido
menos pela capacidade de compreender profundamente o real do que
pela capacidade de o dominar e transformar
(SANTOS, 1996, p.17).
No campo das ciências humanas, as pesquisas de cunho qualitativo, especificamente
na área da educação ganham espaço e credibilidade, por meio de suas possibilidades, sua
relevância científica. Essa abordagem supera a visão positivista que considera que para
realizar ciência é preciso a experimentação e matematização, ou seja, é necessário comprovar,
calcular objetivamente para ser reconhecido como ciência.
Os espaços estão se abrindo e a visão sobre pesquisa vai ganhando outros horizontes.
Para complementar essa idéia, Santos (1996) sugere que:
Em vez da eternidade, a história; em vez do determinismo, a imprevisibilidade; em
vez do mecanicismo, a interpenetração, a espontaneidade e a auto-organização; em
vez de reversibilidade, a irreversibilidade e a evolução; em vez de ordem, a
desordem; em vez de necessidade, a criatividade e o acidente (p.28).
Na pesquisa qualitativa são fundamentais, para o processo de investigação, de análise
e de compreensão do fenômeno pesquisado, aspectos como o diálogo, as observações, a
dinâmica e a confiança comunicativa entre os sujeitos: pesquisador e pesquisado. Para Demo
(2001):
A informação qualitativa é assim, comunicativamente trabalhada e retrabalhada,
para que duas condições sejam satisfeitas: do ponto de vista do entrevistado, ter
confiança de que se expressou como queria; do ponto de vista do entrevistador, ter a
confiança de que obteve o que procurava ou de que realizou a proposta (p.31).
Esta abordagem investiga, a partir de informações adquiridas em um contato direto
com o campo, proporcionando a interação entre pesquisador e pesquisado; o dialogo teórico e
44
empírico; e a construção de um novo conhecimento. Isto é, preocupa-se com o processo
investigativo e não apenas com o resultado. Este
45
A importância dessa linha de trabalho se deve ao fato de que ela traz pressupostos
teóricos sobre a natureza da vida humana, estudando a maneira pela qual os seres humanos
experimentam o mundo de forma narrativa (Connelly e Clandinin, 1995).
No contexto da pesquisa que realizei, cada professora relatou sua trajetória
profissional, contando suas experiências vividas nos cursos de formação (Magistério e
Pedagogia), bem como suas práticas pedagógicas cotidianas.
Tal abordagem é muito enriquecedora à educação e à formação de professores, pois
possibilita contextos de reflexão nos quais as professoras podem se tornar mais conscientes
sobre a formação profissional, além de contribuir para a ação emancipatória das professoras e
da pesquisadora. Contribuindo com esse pensamento, Dias (2005), expõe:
O uso das narrativas tende a superar o modelo de formação, que reduz o docente a
condição de audiência passiva, a mero executor de propostas idealizadas por outros
– especialistas que se consideram detentores do saber – (re)colocando-os como
participantes do processo de formação. Assim, recupera a autoria do trabalho do
professor, valorizando a experiência do sujeito e seus elos culturais com o coletivo
(p.162).
Ao analisar as narrativas dos eventos significativos para as professoras, abordei a
discussão em três diferentes categorias: Interações escola e comunidade no processo de
transformação do saber; Os conhecimentos das professoras sobre Educação Ambiental; e
Aspectos da Educação Ambiental, presentes nos conteúdos escolares e na prática das
professoras.
Todos os movimentos de reflexão através do tempo (passado– presente – futuro) no
contexto das narrativas foram analisados, considerando-se o desenvolvimento dessas
professoras em relação às suas crenças sobre: a formação no Magistério e no curso de
Pedagogia; o que estudaram sobre EA nos referidos cursos; o que levaram desses cursos para
suas práticas cotidianas; e o envolvimento com seus alunos.
46
Ao ouvir as narrativas das professoras, sem querer fragmentá-las, mas com o cuidado
de não me distanciar do foco da pesquisa, tomei como referência as seguintes questões
norteadoras:
O que as professoras entendem como Educação Ambiental?
O que estudaram e discutiram sobre EA na sua formação acadêmica?
Que aspectos são apontados pelas professoras como importantes de
serem trabalhados no contexto da EA?
Quais aspectos ambientais são abordados pelas professoras nas práticas
educativas?
Como a pesca, enquanto fonte de renda da comunidade, está inserida no
currículo e no cotidiano da sala de aula?
Qual o envolvimento da escola com as questões ligadas ao período de
safra e entre safra?
Coleta de Dados:
Com o propósito de conhecer como as professoras articulam as questões ambientais
nas temáticas abordadas em sala de aula, este estudo foi organizado em quatro etapas:
1. Apresentação da pesquisa para o grupo de professoras;
2. Entrevista individual;
3. Observação;
4. Análise de documentos e de dados.
Na 1ª etapa, depois de ter definido o grupo, o problema e as questões de pesquisa, o
passo seguinte foi fazer uma visita à escola para apresentar a proposta ao grupo e saber se
aceitavam o convite ou não. Neste mesmo dia, três professoras aceitaram fazer parte deste
estudo. No entanto, havia um pouco de apreensão e insegurança por parte delas, pois sabiam
que estavam sendo alvo de pesquisa, o que poderia ter um sentido avaliativo quanto à
formação e à prática que desenvolvem.
Nesta visita, também foi observada a localidade da escola participante da pesquisa,
além da possibilidade de contato com o Projeto Político Pedagógico da escola, o qual
contribuiu para conhecer um pouco mais das características e histórias desta instituição.
Durante a 2ª etapa, realizei entrevistas individuais, tendo como base as questões
norteadoras que serviram de apoio para o encaminhamento do diálogo. As entrevistas foram
47
gravadas e transcritas e logo devolvidas as entrevistados para que pudessem alterar suas falas,
conforme necessário.
Na 3ª etapa, considerada fundamental durante o processo de investigação deste estudo,
realizei observações do próprio cotidiano da sala de aula, momento este em que tive contato
com a prática pedagógica das professoras, facilitando, assim, a análise das entrevistas. As
observações oportunizaram a relação do que foi narrado com os trabalhos realizados em sala
de aula. Além disso, busquei apoio em materiais secundários como: fotografias, relatórios
pessoais, cadernos de planejamento, atividades realizadas pelos alunos e quaisquer outros
materiais que pudessem representar algo significativo para as professoras, com o objetivo de
conhecer mais sobre suas concepções teóricas e experiências educativas.
Observei, também, durante os encontros, o modo de expressão das professoras, a
relação mantida com os alunos, o tom de voz, o olhar e demais significados que surgiram
durante o processo.
Embora classificada a observação como 3ª etapa, esta foi realizada durante todo o
contato com o campo empírico.
Análise dos dados:
O primeiro passo da análise foi à organização do material selecionado durante o
processo investigativo no campo empírico. Os dados foram analisados por meio de uma
leitura atenta das entrevistas com o grifo de palavras, comentários, delimitação de categorias.
Também realizei leitura de outros documentos como fotos, e anotações do diário de campo.
Na continuidade dos procedimentos e o aprofundamento das questões norteadoras do
estudo, fui fazendo a ligação com outros materiais selecionados durante a pesquisa. Assim,
examinei todo material com o intuito de aumentar o conhecimento em relação aos sujeitos da
pesquisa aprofundando o estudo e procurando ampliar o campo de informações. Para André
48
(1986) “é preciso ler e reler todo o material até chegar a uma espécie de impregnação do seu
conteúdo (p.48)”. Ela reforça ainda que o material selecionado para análise “não se restrinja
ao que está explícito no material, mas procure ir mais a fundo (p.48)”.
A autora salienta a importância de o pesquisado ir além da mera descrição dos dados
coletados, mas que possa “acrescentar algo à discussão já existente sobre o assunto focalizado
(p.49)”, abrindo espaço para futuros estudos no tema investigado.
Assim, na pesquisa narrativa o pesquisador, segundo Clandinin e Connelly (2000), [...]
vem a experienciar não apenas o que pode ser visto e falado diretamente, mas tamm o não
dito e o não realizado que delineia a estrutura da narrativa de suas observações e suas falas
(CLANDININ e CONNELLY, p. 68).
Cabe salientar que cada leitor tem um olhar diferenciado sobre o conjunto de textos.
Para Moraes (2000): O leitor “sempre parte do pressuposto de que leitura já é uma
interpretação e que não existe uma leitura única e objetiva (p.03)”. Podem ocorrer
interpretações semelhantes, mas nunca idênticas, pois um texto possibilita múltiplas
interpretações, assim como a realização de um estudo, onde o encaminhamento para a
pesquisa se dá de diferentes modos, mesmo quando os temas são próximos.
O pesquisador, sujeito social, enreda-se numa teia de relações e interações, que fazem
parte de um tecido social, cultural e histórico e que influencia a sua forma de pensar e agir.
Ao analisar as narrativas, ele ressignifica, também, suas experiências. Sendo assim, somos
mais capazes de observar e analisar aquilo que conhecemos. Por fim, essas memórias trazem
uma recordação, muitas vezes, desprazerosas para elas e dialeticamente servem para que as
mesmas pudessem refletir que tipo de educador gostaria de ser. A possibilidade de falar e de
ser ouvido pode auxiliar no processo detonador das lembranças. O narrador não utiliza a
rememoração, apenas, como processo de nostalgia de um tempo vivido, mas como
possibilidade de aprofundamento da consciência histórica e, portanto, como possibilidade de
49
modificar o presente, agindo nele de maneira semelhante ou diferente da vivida
anteriormente, porém como ação ou sentimento consciente de algo carregado de significação.
No 3º passo, após a leitura e (re)leitura das narrativas, fui cruzando os depoimentos
das professoras tomando como referencia as categorias organizadas.
A escrita desse cruzamento esteve acompanhada com o meu olhar sobre minha
vivencia no programa, na escola, na comunidade e na prática das professoras. O processo de
coleta e análise de informações resultou nesta dissertação que é uma escrita que fala de um
contexto social, que pela localização, acaba sendo esquecido pelas políticas públicas e pela
própria sociedade.
TRAJETÓRIAS E NARRATIVAS: sonhos, frustrações, desejos,
expectativas, dúvidas, angústias, aflições... Enfrentando os desafios.
Com intuito de problematizar o contexto da escola Monteiro Lobato e as práticas
pedagógicas implementadas pelas professoras Jussara, Vanderléia e Vera Eni, considerando a
identidade cultural da comunidade de pescadores da “Vila do Bumba”, no presente capítulo
abordo a análise das narrativas das professoras e das observações realizadas por mim no
contexto pesquisado. Ao fazer isso, busco um diálogo com os autores que defendem a
possibilidade de construir uma outra educação que supere a exclusão e a manipulação,
defendendo a retomada de valores éticos que afirmem uma cultura de paz, do diálogo e da
tolerância, colocando a fraternidade, a solidariedade e a alteridade como elementos centrais
nas relações sociais e ambientais.
A retomada destes valores deve estar articulada com a luta política pela democracia e
abertura de novos espaços e mecanismos concretos de inclusão e participação. As estratégias
ambientais são indissociáveis da luta contra as enormes desigualdades e injustiças na relação
entre seres humanos.
Como nos lembra Loureiro (2004):
Somos seres com cultura, linguagem, racionalidade, ética e capacidade de
transformar conscientemente o mundo e construir nossos meios de vida, e não é
possível pensarmos em um novo patamar societário e de relações ecossistêmicas
ignorando tais aspectos (p.36).
Nas palavras de Gentili (1995), os modelos pedagógicos foram se (re)construindo ao
longo dos anos tcultu Twba( steorivras dPiagetsa)]TJ20.53 0 T.9(Vygotsky, Foureade[(entr( )Tjc02561 0 TD-0.0005 Tc02883 Twa ouanos óréticos quo )]TJ3c05.95 -2.3 TD0.0017 Tc01.183 Twa sa5(ram)1.56(pen9(rtra eo )2.7(r)-5.8(aç nuram)1.ica rsp7(eati ci)]TJ10368 0 TD0.0003 Tc01.737 Tws pb elem)8.1talizo8(raacos q: )]TJ129.15 0 TD0.0001 Tc012904 Twstações sooa políti7(s e6)0.1( )]TJ-232.95 -2.3 TD0.0017 Tc019183 Tw( culo )2.ntra.o )2. Atiguramo mbéramderensociaias E educao Arambienlis so4o( sàs idéivras s)
51
contribuições de Loureiro (2004), Genebaldo Dias (2004), Carvalho (2004), Reigota (2001) e
Sato (2002) vão nesta direção. Tanto a primeira base teórica, quanto esta última lançam um
desafio ao professor: Qual será o papel da escola e do conhecimento socializado por elas neste
novo século, que exige um olhar mais voltado para as questões das interações ambientais?
Essa questão permite que se arrisque uma concepção diferenciada de escola, de ambiente, de
ensino, no qual o professor possa realizar um trabalho competente com o conhecimento, tendo
em vista a formação da cidadania e da ética do educando; um espaço onde o docente possa
criar condições, coordenar, acompanhar e avaliar permanentemente o diálogo dos alunos com
o conhecimento.
Dias (2004) alerta que:
A educação Ambiental busca, no fundo, estimular o exercício pleno da cidadania
(deveres e direitos) e fomentar o resgate e o surgimento de novos valores capazes de
tornar a sociedade mais justa e sustentável (p.32).
Apesar de alguns avanços, perduram ainda diversas dificuldades de incorporar nas
instituições educacionais algo novo que corresponda a novas alternativas que possam reduzir
as desigualdades sociais e criar estratégias sustentáveis que viabilizem as condições de vida
das populações.
Compreender como as professoras articulam as questões ambientais nas temáticas
abordadas em sala de aula foi o objetivo desta pesquisa, o que implicou uma visão
multifacetada revelando toda a complexidade da formação de professores e do contexto em
que atua esse professor. Desse modo, este estudo exigiu um olhar atento no dia a dia da
escola, através de um mergulho profundo que permitiu o conhecimento de práticas,
concepções, atitudes e sentimentos que expressam o cotidiano dos professores.
Para amparar esta idéia, busco as palavras de André (1995), que expressam meu
pensamento:
Conhecer a escola mais de perto significa colocar uma lente de aumento na dinâmica
das relações e interações que constituem o seu dia a dia, apreendendo as forças que a
impulsionaram ou que a retêm [...] compreendendo o papel e a atuação de cada
52
sujeito nesse complexo interacional onde as ações, relações, conteúdos são
construídos, negados, reconstruídos ou modificados (p. 41).
Dialogando com as narrativas das professoras, com os dados das observações e, ainda,
fundamentada pelas idéias dos autores Loureiro (2004), Sato (2002), Dias (2004), Carvalho
(2004) o capítulo está dividido em temáticas. A primeira, é um retrato das professoras, com o
objetivo de apresentá-las ao leitor. Logo após, trago as temáticas que se formaram a partir das
categorias de análise, com o propósito de responder as questões que nortearam o estudo. São
elas: Apresentação das professoras; Interações escola e comunidade no processo de
transformação do saber; Os Conhecimentos das Professoras sobre Educação Ambiental;
Aspectos da Educação Ambiental abordados nos conteúdos escolares e nas discussões em
sala de aula.
As professoras Participantes
Apresento brevemente as professoras participantes da pesquisa, trazendo elementos
que as identificam enquanto pessoa e profissional. A apresentação das professoras é baseada
no meu olhar sobre a história de cada uma e do grupo. São reflexões sobre aquilo que falamos
e fizemos durante o período que passamos juntas. Dias (2002) salienta:
Este é um dos desafios, quando adentramos no campo das histórias de vida, das
narrativas ou dos relatos orais: transitar entre a subjetividade e a objetividade nas
histórias contadas pelos sujeitos.
Dois elementos, em especial, contemplam as três educadoras e dizem respeito à
formação profissional e ao local de trabalho. Todas são pedagogas (graduadas através do
PFPL) e atuam na Escola Monteiro Lobato.
Cabe registrar que o fato de as professoras participantes aceitarem contribuir para a
realização deste estudo, oportunizou um reencontro do grupo com a pesquisadora, e através
desses encontros, buscamos compreender melhor o momento pelo qual passamos como
profissionais da educação.
53
Jussara
Jussara é calma, de fala mansa, mas com uma postura muito firme em relação à
disciplina e regras, com sua turma de 2º série, uma turma heterogênea, com alunos repetentes,
de várias faixas etárias. Criada numa família com quatro filhos, na qual a “a mãe sempre nos
ensinou que a gente tem que respeitar os mais velhos, que a gente não tem que baixar a
cabeça pra tudo”.
Jussara tem 45 anos, sempre morou em São José do Norte e é, realmente, apaixonada
por sua cidade natal. Ela é casada, é avó, mãe de um único filho do qual ela se considera ter
sido ausente durante seu crescimento: “eu não vi as coisas passarem, porque eu não tinha
tempo de ficar com ele, sempre tinha que ter alguém pra cuidar porque eu sempre trabalhei a
maioria do tempo 40 horas”.
Jussara conta que começou a trabalhar por acaso, no ano de 1986, para substituir uma
professora que precisava entrar em licença maternidade. Depois dessa substituição, Jussara
continuou a trabalhar como professora, tornando-se efetiva, pois na época não faziam
concursos no município. Narra que:
Eu morava no interior e a professora, que dava aula na escola perto de onde eu
morava, precisou entrar em licença. Ela me perguntou se eu queria pegar a licença
dela, trabalhar por ela. Ai eu disse: - por mim tudo bem. Eu vim aqui na prefeitura,
naquela época não se fazia concurso, só assinava o contrato e começava a
trabalhar. Eu dei aula três meses pra ela, isso em 85. Depois, em 86, eu já comecei
[com turma própria]. A Secretária de Educação foi na escola, me visitou no início
do ano e gostou do meu trabalho e como aumentou mais o número de alunos, era de
1° a 4° série que a escola funcionava as disciplinas todas juntas [turma
multisseriada] , ela me indicou e eu fiquei trabalhando. O ano de 86 eu assinei
contrato de março a dezembro e em 87 eu já fiquei efetiva praticamente.
Atualmente, tem 20 anos de experiência na docência e, nesse tempo, realizou o curso
de Magistério
10
no ano de 1995, organizado para qualificar especialmente os professores
“leigos” que já atuam nas escolas da rede municipal. Esse curso foi promovido pela Prefeitura
da cidade no período de férias, com duração de três anos. Da mesma forma, realizou o Curso
de Pedagogia para Professores Leigos, em 1998.
10
O curso de Magistério corresponde hoje ao Curso Normal.
54
Quanto à experiência profissional, Jussara ressalta que trabalhou um período de três
anos no interior com as classes multisseriadas e após o falecimento do pai veio para cidade,
onde trabalhou em uma das escolas municipais da sede. Além de atuar em sala de aula,
também, trabalhou na Secretaria de Educação: “Eu trabalhei sempre um turno na secretaria e
outro turno na escola, sempre tava com turma.
Conta que: “Teve uma época que eu trabalhava por área também, mas a maioria com
currículo [...]. Eu trabalhei bastante tempo com alfabetização, acho que uns 4 ou 5 anos,
depois que eu vim para o Norte [centro da cidade], porque lá no interior eu trabalhava com
mais séries, porque era multisseriado [1°, 2°, 3° e 4° tudo junto]”.
A experiência de Jussara na escola Monteiro Lobato é de seis anos, Esses 20 anos de
trabalho, durante quatro anos eu trabalhei aqui, fiquei doze anos fora [trabalhando em
outras escolas municipais] e voltei este ano, porque eu trabalhei no CAIC, no Soares de
Paiva”. Atualmente, ela trabalha com uma turma de 2ª série no período vespertino.
Vanderléia
Vanderléia é a mais nova das três professoras participantes, tem 32 anos. É casada e
tem uma filha. É uma mulher muito tímida, voz suave, posiciona-se de maneira humilde
diante de seu conhecimento. Seu percurso profissional é de 11 anos. Iniciou sua carreira
profissional dentro do ensino regular, logo após fazer o magistério em São José do Norte,
onde reside até hoje.
Vanderléia não traz em sua narrativa muitas lembranças da infância. Conta mais suas
vivências e aventuras em torno de seu trabalho e como iniciou sua carreira profissional.
Conta que precisava estudar durante o dia, pois morava afastada da escola, o que a
levou a fazer o Magistério. No entanto, não tinha o desejo de tornar-se professora, queria
apenas fazer o segundo grau, nem pretendia fazer o estágio. Mas com o passar do tempo,
acabou se apaixonando pelo curso. Após a conclusão do Magistério, no de 1996, prestou o
55
concurso público para o município. Logo em seguida, foi chamada para lecionar. “Foi tudo
muito rápido, aí comecei a trabalhar no interior, fiquei três meses no interior, porque quando
eu fiz o concurso não tinha vaga aqui na cidade”.
Depois de sua vinda para a sede do município Vanderléia não parou mais, e diz gostar
de sua profissão até, porque: “para ser professor tem que gostar, nós tivemos muitas perdas
de salário, a gente perdeu nosso plano de carreira. Nosso salário reduziu uma media de 40%,
então quem não gosta abandona, ou fica descontente, não faz um bom trabalho”.
Atualmente, Vanderléia exerce o cargo de diretora da escola, mas durante os onze
anos que atua já trabalhou com diversas séries inclusive com classes multisseriadas.
Vera Eni
Vera é uma mulher de imensa coragem, lutadora desde jovem, uma pessoa muito
vibrante. É extremamente comprometida com a promoção da reflexão de suas ações e a busca
de novas estratégias para enfrentar o dia-a-dia. É casada, está com 42 anos e tem apenas uma
filha. Viveu sua infância no interior da cidade de São José do Norte com os pais e mais
quatro irmãos, que não estudaram por falta de condições financeiras. Com 12 anos foi para
Rio Grande continuar seus estudos, estimulada pela tia, que a recebeu em sua casa. Quando
podia, Vera ia até São José do Norte para visitar sua família, “porque a minha família sempre
foi muito pobre. Meu pai é pescador, então a gente não tinha condições de estar viajando”.
Quando terminou a 8º série, Vera chegou a fazer o teste de seleção para o curso de
magistério no Juvenal Miller
11
, sendo aprovada. No entanto, por insistência de seu pai, acabou
voltando para casa: “resolvi voltar para São José do Norte e comecei a fazer secretariado. Aí
no primeiro ano eu fiz o curso na parte da manhã. No segundo ano, já comecei a trabalhar
como empregada doméstica, para poder me sustentar, para poder comprar as minhas coisas,
que eu não tinha condições de comprar, as coisas normais da idade, eu estava com 16 anos”.
11
Instituto de Educação Estadual Juvenal Miller situado na cidade do Rio Grande.
56
Após terminar o curso de secretariado, surgiu uma vaga para trabalhar como
professora na Barra, bairro onde reside até hoje. Como Vera tinha interesse em atuar como
professora resolveu procurar ajuda para conseguir a vaga. Narra que:
Eu procurei, não muito diferente de hoje, tu tinhas que ter um padrinho político,
hoje tu fazes um concurso, mas mesmo assim tu precisas ainda desse padrinho, para
que tu sejas chamado neste concurso. E aí, consegui este padrinho político, que era
o rapaz da casa onde eu trabalhava de empregada doméstica, que ele era do mesmo
partido. Aí eles me levaram lá, e me ofereceram uma vaga.
Vera começou a trabalhar no ano de 1984, como professora leiga. Em 1989, prestou
concurso público, no município de São José do Norte, e passou a ser professora efetiva com
20 horas de trabalho semanal.
Em 1995, Vera fez o curso de Magistério para professores leigos. Ela conta que o
curso de magistério ajudou a superar alguns medos, suas dúvidas começaram a ser
esclarecidas pelo apoio de professoras do curso e da troca de experiência e de informações
com as colegas de turma que lecionavam em outras escolas do município. Assim, sentindo-se
mais preparada, começou a mudar a forma de avaliação com seus alunos, pois agora tinha
embasamento teórico, para enfrentar os desafios do cotidr.p 1995,
Vera
57
Interações escola e comunidade no processo de transformação do saber
Os atuais modelos de urbanização e industrialização concentram riquezas e distribuem
miséria e degradação ambiental. E não é diferente na localidade pesquisada onde presenciei
desigualdades sociais, culturais e ecológicas.
Neste tema destaco o contexto socioeconômico da comunidade do “Bumba” e as
interações com a escola, busquei compreender os valores e as formas de agir das professoras
com o intuito de melhorar a qualidade de vida das famílias e do ambiente que as circunda.
Ao falar na comunidade, as professoras relatam que, ao longo dos anos, aconteceram
poucas mudanças. Essas dizem respeito à situação socioeconômica e cultural das famílias, à
infra-estrutura e à geração de renda:
Continua a pobreza que eles tinham, continua a mesma. [Em relação aos primeiros
anos em que trabalhou nesta comunidade], tem alunas que hoje já são casadas, já
são mães e a gente percebe que a mesma dificuldade que elas tinham, quando
pequenas que estudavam aqui, hoje elas também têm com os filhos. E a historia da
bolsa escola, eles vivem em função disso. Porque a pesca é assim, se tem serviço
ganhou se não tem não ganhou. Eles saem para pescar, não encontram nada e
voltam, mas não é assim uma coisa que tem salário certo. A maioria das crianças
aqui, os pais não têm dinheiro. É a velha história, eles usam o dinheiro da bolsa
escola, uma boa parte dos pais, pra comprar coisas pra casa. Mas sempre tem
aqueles que usam desviando pra outras coisas, porque eles sempre pedem material,
lápis, que é uma coisa tão baratinha (Jussara).
Em relação à pesca, salienta a professora, que a quantidade de peixe capturado
próximo da praia vem diminuindo a cada ano,As capturas no estuário da Lagoa dos Patos
decresceram abruptamente a partir de 1982 (REIS, 1993, p. 38)”
, gerando uma
58
quantidade e no preço oferecido pelo peixe. Isso se reflete nas relações familiares, acarretando
violência, miséria, decorrentes das necessidades do dia a dia.
Sobre isso, Jussara diz:
Eu acredito que a grande maioria dos pais aqui dos nossos alunos nem tem
emprego fixo, acho que muitos poucos estão embarcados, eles pescam em períodos
que tem peixe e, muitas vezes, não têm o que pescar e trabalham como diaristas na
safra da cebola [outra atividade econômica do município]. Eles não têm uma coisa
certa, ficam meio ociosos no serviço, porque eles não têm trabalho.
Sobre a situação dos pescados, Betito e Juliano (2001), destacam que o uso de malhas
fora de regulamentação e a pesca em áreas proibidas, são fatores que contribuem para a
diminuição dos pescados. Os autores destacam que:
A situação social dos pescadores artesanais da região sul-sudeste do Brasil, no
entanto, é bem mais complexa e crítica. É uma questão de sobrevivência de toda
uma classe trabalhadora e de seus familiares, pois as capturas são progressivamente
mais escassas em safras cada vez mais curtas, que não lhes rendem o sustento anual,
forçando-os a aceitarem subempregos ou tornarem-se indigentes nos períodos de
entressafra (IBAMA, 1993a; Lima,1995; Cabral, 1997), como vem ocorrendo há
vários anos. São considerados como o setor ‘produtivo’ de menor qualidade de vida
na região (p.406).
Deve-se levar em consideração, também, o fato de que as águas que margeiam a
cidade estão bastante poluídas devido à falta de saneamento básico, principalmente os de
origem doméstica e industrial, comprometendo a pesca e a própria saúde da população, que
utiliza as águas para recreação.
Falando sobre a infra-estrutura da localidade Jussara destaca que:
O centro ali da vila, os alunos mesmos disseram que se morre uma pessoa não tem
nem como tirar, não passa o caixão, porque não tem rua é tudo beco, bequinho,
uma pessoa grande, gorda não passa ali, tem que passar de lado, de tão pequenino
que é. Quando eu trabalhei aqui, há doze anos atrás, quatro anos nessa escola, eu
andei pelo bairro. A gente ia sempre ali, teve um ano que eu fui vice-diretora e a
gente ia atrás das crianças quando precisava. Era horrível! Não sei se ainda
continua, tu tinha que te cuidar até pra andar no chão, não tem nada, nada assim de
higiene. Às vezes eles dizem:” Ah! Professora, mas tu moras lá no centro, tu tens as
coisas, nós não temos aqui “. E não tem, na verdade, e eles conseguem perceber
isso”, É professora lá na tua rua tem calçada, nós nem rua temos. É uma situação
bastante difícil.
A situação sobre a infra-estrutura do bairro onde está situada a Escola Monteiro
Lobato, já foi apresentada no contexto da dissertação, onde estão registrados aspectos do
bairro, chamado “Vila do Bumba”, justamente pela população e a maneira como os moradores
59
foram se distribuindo na localidade: “Até uma das questões discutidas é a estruturação do
bairro, porque não tem saneamento, muitas casas ainda não têm energia, porque o bairro
não tem estrutura. Até a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) não coloca luz,
porque não tem como chegar. Esse é o lugar onde moram os nossos alunos” (Vanderléia).
Nas visitas que realizei no Bairro, pude perceber a inexistência de redes de esgoto,
água tratada, transporte coletivo, postos de saúde. Há, também, um investimento muito baixo
para lazer, habitação e segurança. A própria escola encontra-se bastante deteriorada em
relação ao lazer; a pracinha que existia esta abandonada e a pintura esta descascada. Aspectos
60
Além do aterro, Jussara salienta que o lixo é jogado na praia porque não há coleta,
devido ao difícil acesso para caminhões: “a grande maioria joga na praia mesmo”. Além
disso, “o esgoto a céu aberto sai direto na praia”, o que registra a falta de estrutura dessa vila
e, pouco ou nenhum compromisso social da Prefeitura local, buscando alternativas para
resolver o problema constatado.
O lixo é um dos maiores problemas urbanos da atualidade, fruto de um consumo
exacerbado; geralmente, tem destino e manejo inadequados, provocando efeitos indesejáveis,
como é o caso de São José do Norte, em especial do Bairro do Bumba. Porém, percebi que
pouco, ou praticamente nada, foi realizado em termos de mudança de comportamento frente à
produção de lixo, tanto pelos alunos quanto pela escola em si.
Esta é uma realidade que demonstra de, forma restrita, um dos grandes dilemas que o
planeta enfrenta, no que se refere às questões ambientais, e que nem sempre são olhadas de
forma responsável pelos governantes e de, certa forma, também não são consideradas pela
população que fica alienada das oportunidades de busca de melhorias para a qualidade de
vida, pelo escasso ou nenhum conhecimento a respeito das alternativas, de novas tecnologias
de manejo do lixo entre outros, e tampouco aos seus direitos e deveres de cidadão.
Nessa direção, cabe fomentar na comunidade o sentimento de solidariedade
13
, a visão
crítica e a percepção da realidade, fundamentais para a construção de uma nova consciência,
entendida, conforme Genebaldo Dias (2004), como a busca para sensibilizar as pessoas
levando-as a participar ativamente da tomada de decisões e da possibilidade de inserir-se no
processo histórico.
Ao longo da história do município de São José do Norte, em especial a Vila do
Bumba, nota-se, pelo depoimento das professoras, que poucas medidas foram tomadas no
sentido de vir a oferecer melhores condições às famílias desta comunidade, através de um
13
Solidariedade tratada aqui como uns dos princípios da Educação Ambiental, onde busca estimular o exercício
pleno da consciência da cidadania (direitos e deveres) e fomentar o resgate e o surgimento de novos valores
capazes de tornar a sociedade mais justa e sustentável (Dias, 2004).
61
planejamento urbano, visando a criar uma infra-estrutura adequada às necessidades de
sobrevivência, evitando, assim, a degradação ambiental.
Cabe ressaltar que ao longo destes anos, com a sucessão de diferentes governos, a
situação dessa comunidade é posta como prioridade nos discursos, o que não existe é a
efetivação da ação.
Tudo isso aponta para a necessidade de se estabelecer práticas sociais voltadas para os
diferentes aspectos das relações entre sociedade e ambiente, ou seja, a necessidade de
constituir, segundo Carvalho (2004), um ‘campo ambiental’, visando a uma nova maneira de
os grupos sociais se relacionarem com o meio ambiente. Seja pela ação da escola, das
instituições religiosas, das associações de bairro ou de outras organizações da sociedade, que
possam olhar para a natureza de um modo diferente, respeitando todas as formas de vida,
considerando a inter-relação e interdependência entre todos os elementos presentes no meio
ambiente.
A situação socioeconômica das famílias dos alunos da escola em estudo é bastante
precária, o que afeta diretamente as atividades escolares, quando se constata que: “No forte do
inverno, uma boa parte deles não tem tênis, vem de chinelinho; eles vêm sem meia, às
roupinhas que era do irmão, a meia canela. Tem um monte de criança nesse nível, são bem
pobres mesmo, bem carentes”, diz Jussara, ao relatar as dificuldades dos professores no trato
com os alunos que chegam à escola sem as necessidades básicas atendidas.
O mesmo caso pode ser verificado no depoimento da professora Vera: “na escola
onde eu trabalho, eles são muito carentes, eles são carentes de afeto, das coisas materiais, em
todos os sentidos eles são carentes”.
Posso ouvir no depoimento dessa professora o eco de muitas outras narrativas que
vêm justificando a dificuldade de aprendizagem das crianças das classes desfavorecidas
socialmente e o papel assistencialista assumido por professores e pela própria escola, visando
62
a minimizar a fome e as péssimas condições de vida dos alunos. Essa situação não justifica o
fracasso escolar destas crianças, mas aponta elementos fundamentais e influentes no processo
de ensino e aprendizagem, uma vez que para que este ocorra de forma efetiva é preciso o
envolvimento dos sujeitos com o conhecimento em questão. Nessa realidade, a criança, não
raramente, vai à escola em busca da alimentação, e as famílias, em busca do benefício da
bolsa-escola.
A professora Vera, mesmo com um trabalho diferenciado encontra dificuldades e acaba,
muitas vezes, tendo que agir de forma tradicional como relata em sua narrativa:
Eu não me assumo como construtivista nem como tradicional; eu tento fazer uma
mesclagem de tudo isso. Se tu me perguntares hoje como é o teu trabalho, qual a
metodologia que tu utilizas, eu utilizo dentro do que eu vejo que está sendo melhor
para aquele tipo de turma, ou para aquele tipo de conteúdo.
Os dilemas dos professores no convívio com as crianças em situação de miséria
acabam por levá-los a assumir um outro papel que não é de ensinar conhecimentos e sim de
dar assistência. Deste modo, na situação apresentada há uma substituição do trabalho
pedagógico pelo assistencialismo. Esse fato não seria tão grave se a escola problematizasse
esta situação, construindo alternativas e favorecendo o pensamento crítico e a “consciência
ecológica”.
Além das questões financeiras, também, a situação cultural das famílias interfere no
envolvimento das crianças com a escola. Jussara diz que:
A grande maioria dos pais aqui da escola nem estudaram, outros estudaram muito
pouco, não tem muita noção [conhecimentos para auxiliar os filhos com as tarefas
da escola]. Tem muita disparidade, as coisas cresceram muito rápidas e a grande
maioria da população não têm acesso a computador, não tem acesso a nada de
tecnologia que tem disponível hoje em dia, e o mundo ta aí. Então estas pessoas vão
ficando pra trás, não tem muita noção. Agora mesmo, tem uma professora que
trabalha aqui e trabalha numa escola lá do centro e ela disse que ficou com uma 1º
série e presenciou a diferença que tem de nível social e nível também de
conhecimento, porque as crianças de 1ª série [da escola do centro] já têm acesso à
Internet, tem acesso a tudo. É uma escola do centro e de pais que têm mais
recursos, que têm acesso muito maior ao conhecimento. Lá, os alunos conversam,
têm assunto interessante, eles sabem discutir e estão na 1º série e é completamente
diferente daqui, que Coitadinhos mal escutam uma música, um rádio e, televisão
muitos poucos têm.
63
Vanderléia, que trabalhou em uma escola do Centro, destaca, também, questões a
cerca da cultura das famílias:
Eu fui convidada pela secretaria para ir para o Soares (escola Soares de Paiva). Lá
a realidade é bem diferente, peguei uma terceira série de alunos filhos de
professores, de pessoas do comércio. E no Soares, eu sempre dava tarefa, ler uma
historinha, procurar alguma coisa em jornal, revista e todos faziam, chegava a ter
uma competição sobre quem conseguiu mais, quem fez; o retorno é muito bom,
coisas que a gente não tem aqui.
O relato da professora leva a pensar no modelo de escola que pressupõe um modelo de
aluno. Isto quer dizer que, historicamente, é o estudante que precisa se adaptar à cultura
escolar em detrimento da sua própria cultura que é geradora e gerada por saberes específicos.
Os educadores habituaram-se ao longo dos anos a estudar e lecionar em escolas com
salas de aulas convencionais, com alunos ideais, sentados, perfilados, mesa do professor à
frente, um grande quadro negro na parede frontal da sala, além dos conteúdos padronizados,
da exclusão, do preconceito, do não respeito às diferenças, entre tantas outras características
expressas na “Educação Bancária” como denominou Paulo Freire (1987, p.57): “estes saberes
são práticas, reguladoras e reguladas, concebidas para nos tornarmos o que somos”. Esse
tipo de sala de aula reflete uma concepção de escola, de ensino e de aprendizagem, de aluno e
de professor, que não respeita o modo de ser de cada um, que não costuma dialogar, trocar
experiências de vida, basicamente voltada para um ensino fragmentado, descontextualizado
do mundo.
Sabe-se que, como diz Loureiro (2004): “a educação sozinha não transforma o
mundo”. No entanto, pela Educação é possível emancipar os sujeitos, num processo de
autonomia e reflexão. Ainda segundo o autor:
Emancipar não é estabelecer o caminho único para a salvação, mas sim a
possibilidade de construirmos os caminhos que julgamos mais adequados a vida
social e planetária, diante da compreensão que temos destes em cada cultura e forma
de organização societária, produzindo patamares diferenciados de existência (p. 32).
Ainda em relação à família, a professora Vanderléia expressa sua opinião quanto à
falta de incentivo nas atividades escolares. Se por um lado, a escola nessas comunidades pode
64
representar a única possibilidade de acesso ao conhecimento e as possibilidades de melhoria
nas condições de vida, por outro, são passivas ao reconhecer os limites que os filhos
apresentam em relação aos conhecimentos que são trabalhados na escola. É muito comum
ouvir pais de comunidades carentes que os filhos são “burros” e não adianta ensinar. Ao fazer
isso, não valorizam a escola e a capacidade que cada um tem de aprender. Como relata Dias
(1996), “O rotulo de “burro” manifestado pela família, pode acomodar o professor em relação
à aprendizagem daquele aluno, pois não encontrando apoio familiar, pode descomprometer-se
e aceitar o fracasso do aluno (p.133)”.
Outro aspecto destacado pelas professoras diz respeito aos limites e valores de
responsabilidade das famílias. Para Vanderleia, hoje as famílias estão desestruturadas, eles
(os alunos) chegam sem limites, tanto é que não fazem os trabalhos de casa”. Segue dizendo
que:
Hoje, a falta de estruturação da família é muito grande; a família não é mais
composta pelo pai pela mãe, então nós temos muitos alunos aqui que têm que
ajudar a mãe que vive numa situação difícil, têm que ajudar os irmãos, então qual é
a forma mais rápida dele ajudar a mãe? Sair da escola e ir pra pesca.
Nessa região, caracterizada pela pobreza, pelos altos níveis de analfabetismo, pela
distância entre cultura escolar e a cultura popular, a escola deve tentar estimular, aos poucos,
o envolvimento das famílias, através de atividades voltadas ao contexto da comunidade como
oficinas de formação para a saúde, o trabalho.
De fato, a interação entre escola e famílias parece ser uma proposta que acarretaria
ganhos para a família, para a escola, para os alunos e para a sociedade. Mas, é importante
destacar que as professoras também comentam que muitos pais não freqüentaram a escola,
não dominam a leitura e a escrita, então fica difícil exigir deles este envolvimento com as
tarefas escolares. Essa idéia fica clara na narrativa da professora Vanderléia: “Mas a escola
para eles (pais) é um ponto de referência. Umas coisas assim bem básicas: querem telefonar,
65
não sabem usar o orelhão, quem eles procuram? A escola. Lê um documento, não
entenderam, eles procuram a escola”.
Reconhece-se que os baixos níveis de escolaridade e renda das famílias desestimulam
tanto a participação dos pais nas reuniões escolares quanto nos deveres de casa.
Nesse contexto, é preciso pensar na possibilidade de mudança da escola: esta precisa
conquistar sua essência como lugar onde se (con)vive e aprende, e não apenas aonde se vai
para aprender. E, sobremaneira, precisa ser um lugar onde o aluno se sinta bem. Ela é também
um tempo, tempo a não desperdiçar, tempo de curiosidade, tempo de desenvolvimento de
capacidades e competências como a memória, a observação, a comparação, o raciocínio, a
expressão e a comunicação, tempo de atividade e iniciativa, tempo de convivência e de
cooperação. De acordo com Garcia e Alves (2000):
A escola há de ser um espaço/tempo de redes de múltiplas relações e movimentos
que permitam a criação, rica e turbulenta, de novos conhecimentos, que nem sempre
são aqueles que pretendíamos ser os que “devem” ser aprendidos por nossos alunos.
A riqueza de entrar na rede é que cada um pode escolher ou mesmo dar um nó, e
quanto mais nós, mais surpresas. E se aprender não é se surpreender, então o que
seria? (p. 101)
Num mundo marcado pela diversidade cultural, torna-se fundamental não ficar preso
aos esquemas escolares como conteúdos repetitivos, a classificação dos alunos por notas ou
conceitos. É preciso colocar em prática as discussões sobre o racismo, o machismo, os
preconceitos, a exclusão, a ética, as questões ambientais, tão importantes para a escola poder
ultrapassar as barreiras impostas pela sociedade capitalista e neoliberal que exige a
homogeneização dos sujeitos. Como afirma Garcia (2000, p. 156) “o neoliberalismo cria os
desejos de consumo e a impossibilidade de consumir”, ele se infiltra na educação, colocando
esta a seu serviço, que é manter a sociedade como está.
Também Jussara destaca nos seus depoimentos aspectos ligados à construção de
valores e as relações interpessoais no contexto da educação escolar, em especial fazendo uma
relação com o passado e o presente. Diz que:
66
[...]. Não sei se antes tinha mais respeito, eles obedeciam mais, hoje eles têm muitos
direitos e dizem ‘ah o meu pai não pode me bater, porque eu vou lá no Conselho
Tutelar, faço e aconteço’. Então parece que eles tão com muitos direitos e poucos
deveres. Porque antes quando eu comecei a trabalhar, não é nem um pouco
parecido com o que é hoje! Com relação à educação deles, a forma com que eles se
tratam dentro da sala de aula, muito rebeldes, revoltados, é difícil pegar uma
turma. É, eles dizem que vão [para a escola] porque a mãe manda, pois tem o
‘Bolsa Escola’, porque se não eles não ganham a bolsa. Eu acho que as series
iniciais, principalmente, eles tinham que ter uma base mais forte, fazer alguma
coisa que prendesse eles na escola, por vontade deles e não porque tem que vi.
Ainda sobre esse assunto, ela posiciona-se dizendo que as famílias estão transferindo
toda a responsabilidade para a escola:
Eu acredito que escola é para ensinar, e ensinar e educar são diferentes. As pessoas
confundem um pouco. E aqui no Monteiro é muito forte, a gente ensina a pedir
licença, sentar, pedir, por favor. Esses dias eles disseram para mim, eu vou lá
mandar a Jerusa apontar meu lápis. Não é mandar, tu vai pedir e depois tu
agradeces. Então é assim, eles vêm com muita coisa faltando de casa. As mães a
gente chama pra uma reunião, elas não têm horário para vir, a escola não é
importante. Eu acho que enquanto a família não tiver essa clareza de que a escola é
importante, eu acho que a coisa fica bem complicada”.
No que se refere às famílias, percebe-se que as professoras desabafam e protestam
sobre a falta de apoio dessa instituição, ambas enfatizam a importância da participação das
famílias na escola, como uma oportunidade de melhorar o ensino, como narra a professora:
“É, aqui na escola são apenas 4 horas, e é preciso também em casa. Além da escola
a função dos pais é ajudar, mas no meu ponto de vista a sala de aula ainda é mais
forte do que os pais. A gente tem caso de pais que não ajudam em casa porque são
analfabetos, também tem essas particularidades, então tem os dois lados”
(Vanderléia).
Sobre esse tipo de queixa, que é comum entre os professores, principalmente das
escolas públicas, posso levantar vários fatores que justificam a ausência dessas famílias na
escola: o tempo disponível; a responsabilidade com a educação dos filhos; e ainda o
reconhecimento da escola.
Posso, ainda, relacionar o não comprometimento das famílias em relação às atividades
escolares, com o próprio envolvimento e a valorização da escola pelos alunos. Criaram-se
culturas e hábitos dentro da escola, como, por exemplo, subestimar o conhecimento dos
alunos e dos pais, ensinar conteúdos sem significados para a vida, que são aspectos capazes de
afastar toda a comunidade, gerando não só a ausência dos pais, mas também do próprio aluno
que, embora presente na aula, está olhando para além das paredes da sala de aula.
67
Ao considerar uma educação voltada para a realidade, será possível pensar no
envolvimento das famílias com a escola, com a participação nos conselhos de classes,
conselho escolar e nos projetos desenvolvidos pela escola.
Entretanto, se os conteúdos escolares não estão relacionados com o cotidiano dos
alunos, como se pode exigir que as famílias olhem para escola como um espaço de interação?
É essencial que se resgate, no contexto da escola, uma concepção de homem, de vida,
de cidadania, de caráter, de felicidade.
As professoras revelam que sentem essa necessidade de envolvimento dos pais, mas,
ao mesmo tempo, parecem não fazer algo novo para chamar as famílias para contribuir com a
escola, como fica claro no depoimento de Jussara:
Tu chamas o pai aqui, aquele que vem o aluno muda completamente, tem uns que
não adianta tu chamares, tu chamas 10 vezes e não vem. Não vem por quê? Porque
eles sabem que vão reclamar, então eles nem aparecem. Tem pais que eu não
conheço da minha turma, e eu já to praticamente um ano trabalhando com eles,
nunca vieram pegar boletim, por exemplo, os boletins ficam aí. A gente pergunta e
eles dizem “Ah, a minha mãe não pode vir porque ela ta trabalhando”, sempre tem
uma desculpa, quer dizer que elas não podem, tirar uma hora pra vir na escola
saber do filho e a gente fica com 30 alunos aqui, de pais diferentes, tentando levar.
Todos os aspectos apontados pelas professoras são relevantes e interferem no processo
de aprendizagem, no entanto, o professor parece usar essa realidade para disfarçar sua própria
passividade diante desse contexto. Uma forma de se eximir do compromisso social do
professor e da escola. Nesta direção Dias (1996) diz:
As escolas públicas, principalmente as situadas nos bairros periféricos da cidade,
onde o nível socioeconômico das famílias é bastante baixo, são responsáveis pelo
grande número de alunos que abandonam a escola já na primeira série do 1º grau.
Alguns desistem na primeira reprovação, outros persistem por mais um ou dois anos,
mas a maioria acaba por abandonar a escola, aprendendo que são incapazes de
aprender (p. 133).
Essa situação é bastante deprimente, pois as crianças acabam saindo da escola
acreditando em sua incapacidade. No caso da comunidade pesquisada, os alunos precisam
lidar também com a dificuldade de conseguir emprego, pois a maioria das pessoas sobrevive
dos barcos de pesca e precisa lidar com as dificuldades da escassez do peixe, o preço baixo, a
concorrência, entre outros fatores. Ainda assim, muitos alunos não acreditam na possibilidade
68
de melhoria de vida através da educação e acabam abandonando a escola para trabalhar com
os pais, como mostra Jussara em seu depoimento: “professora, também de que adianta a
gente estudar, vai estudar pra quê? Pra depois não ter emprego, a gente sai daqui, pega o
barco, vai pescar e pelo menos traz um peixe pra casa pra comer”.
Vanderléia também se posiciona a respeito dessa questão quando diz que: “eles
deixam a escola pela necessidade, a perspectiva que eles têm é de que a escola não dá
dinheiro, eles pensam assim, estão estudando e o retorno vai ser demorado (...)”.
Através das observações no cotidiano da escola foi possível perceber que poucas
situações de envolvimento da escola com a comunidade e com seus alunos acontecem. A falta
de planejamento faz com que a escola realize práticas individualizadas, dificultando o
entrosamento entre as professoras e seus alunos.
As professoras revelaram que sentem necessidade da aproximação das famílias e
apontaram alguns eventos promovidos pela escola e pela Secretaria de Educação, como por
exemplo, palestras relacionadas à saúde da mulher, onde houve a participação de algumas
mães. Estas características apontam sinal de uma mudança, ainda tímida, que precisa ser mais
bem elaborada pelo grupo de professoras da escola, e não, apenas, atitudes fragmentadas que
não sejam relevantes para a comunidade.
Nesse sentido, e num contexto como este em estudo, torna-se importante discutir
princípios da Educação Ambiental, com o grupo de professoras da escola e com a
comunidade, sendo este um tema de bastante relevância para o bairro. Situações que
demonstrem uma visão do ser humano como parte inerente da natureza e, que, por essa razão,
tendo o homem que preservar a natureza, preserva a si mesmo e aos outros.
Apesar de alguns avanços, perduram as dificuldades de incorporação das questões
ambientais nas escolas. Tratar da educação em relação ao ambiente não quer dizer, apenas,
cuidar do lixo e da poluição; a questão é bem mais complexa, exige dos professores um saber
69
filosófico, pois a EA não insere em si apenas, a parte pedagógica, mas ela envolve, tamm, a
esfera econômica, social, política, cultural e ecológica.
A conferência intergovernamental de Tbilisi -1977 (in SATO 2002) definiu que:
A Educação Ambiental é um processo de reconhecimento de valores e clarificação
de conceitos, objetivando o desenvolvimento das habilidades e modificando as
atitudes em relação ao meio, para entender e apreciar as inter-relações entre os seres
humanos, suas culturas e seus meios biofísicos. A Educação Ambiental também esta
relacionada com a prática das tomadas de decisões e a ética que conduzem para a
melhoria da qualidade de vida (p.24).
Sendo assim, fica claro que EA vai além do conhecimento sobre os mecanismos que
regem o sistema natural; é necessário capacidade de participar ativamente, resgatando os
direitos e promovendo uma nova ética capaz de conciliar a natureza e a sociedade. Sato
(2002) define alguns princípios fundamentais para a EA como: sensibilização ambiental,
compreensão ambiental, responsabilidade ambiental, competência ambiental, cidadania
ambiental.
Dentro dessa perspectiva, fica evidente que os professores necessitam de capacitação
para obterem mais conhecimentos e técnicas para desenvolverem atividades, além da
necessidade de promover os fundamentos da EA para reorientar ou orientar as suas atividades
educativas.
A Educação Ambiental na escola, como mediadora de elaboração de alternativas
práticas para a resolução das questões ambientais, precisa buscar desenvolver o hábito e a
cultura da reflexão das ações cotidianas frente à realidade existente. Cada cidadão encontra
sua importância e sua capacidade de mudança para a transformação e conscientização global.
As escolas como mediadoras da socialização de informações e como construtora de novos
saberes, podem possibilitar a participação dos educandos em atividades relacionadas aos
processos econômicos, sociais, culturais e políticos que afetam suas vidas.
Reiterando a idéia de respeito, Jussara ressalta:
“A forma também que eles não têm respeito, muitas vezes eles não respeitam os
professores, porque também não respeitam em casa, porque eu não acredito que um
70
aluno que tenha uma educação em casa que o pai e a mãe digam que não pode ser
assim, que ele vai chegar na escola e vai fazer.
E o respeito pelo próprio aluno? Como a escola trabalha com as questões do descaso,
do abandono e da situação de risco vivida pelas crianças e jovens da comunidade? Essas, são
questões sociais que se integram às discussões da EA, quando se trata do resgate de princípios
como solidariedade e inclusão social.
Torno a repetir que a direção é buscar múltiplos meios para o alcance da educação
ambiental nos diversos setores da sociedade e sob diversos aspectos, respeitando o outro, a
especificidade de cada contexto, partindo da dimensão educacional e voltando-se para ela,
considerando-a como estratégica para a construção de um conhecimento ambiental que pode
contribuir, da mesma forma, com as demais áreas.
Cito as palavras de Loureiro (2004):
A Educação Ambiental promove a conscientização e esta se dá na relação entre o
“eu” e o “outro”, pela prática social reflexiva e fundamentada teoricamente. A ação
conscientizadora é mútua, envolve capacidade critica, diálogo, a assimilação de
diferentes saberes, e a transformação ativa da realidade e das condições de vida
(p.29).
Algo de novo os homens precisam aprender. Algo parecido com as relações humanas
que inserem o homem no universo social e tentam mantê-lo nessa rede cheia de
comprometimentos, que é a vida em sociedade. Os caminhos da educação têm demonstrado
que o verdadeiro aprender só se efetiva numa mudança de comportamento, num modo
diferente de se ver o mundo e relacionar-se. Sobre esse assunto a professora Vera se expressa:
“Então, são estes aspectos de tentar conscientizá-los de que eles são o futuro, pra
que eles, quem sabe, quando chegarem à idade dos pais, eles possam estar com uma
outra visão. A cultura que está arraigada é difícil tu mudar, até tu tentas, até
algumas coisas tu consegues, tu não vai desistir, mas a gente tem que tentar plantar
isso, é com eles, agora”.
A professora Vera acredita que a conscientização de seus alunos é a melhor opção
para melhorar os aspectos ambientais e a vida em sociedade: “Por isso que eu te digo, a
conscientização deles, através de cursos (...)”. Ela se diz espantada com as ações e reações
71
humanas. Muitos de seus alunos acreditam que serão pescadores e que não precisam estudar
para exercer essa atividade, mas a professora justifica que, atualmente:
“Pra ti ser pescador, tu tem que ter primeiro grau completo, então uma das
mudanças que está tendo sobre a pesca é isso, antes tu não precisava tirar carteira,
mas agora tu tens que ter uma carteira pra ser pescador pra tu teres os direitos, se
não, tu não vais ter. Se tu pesca aí fora com os barquinhos, antes não precisava ter
a carteira, agora eles estão sendo obrigados a tirar a carteira, e tem que ter toda a
documentação, e tem que ter cursos na capitania e eles vão precisar saber ler e
escrever. Então, eu tenho tentado usar essa coisa da pesca, mesmo que eles queiram
ser pescadores, pra estimular eles estudarem o mínimo possível, pra que eles
possam ser pescadores, mas eu vejo com bastante preocupação a questão do
conteúdo da pesca nas escolas.”
Em relação à obrigatoriedade do “primeiro grau completo” para ser pescador, é
necessário questionar a validade desse grau, se não há a construção de conhecimentos
relevantes à atividade da pesca.
Na visão de mundo desses alunos, a pesca é o que há de mais importante para eles,
porque se trata daquilo que eles conhecem, da realidade e do contexto de onde eles estão
inseridos. Nesse sentido, a escola precisa trabalhar com conhecimentos que sejam
aproveitados, também, pelos futuros pescadores, pois como diz Carvalho (2004):
A educação acontece como parte da ação humana de transformar a natureza em
cultura, atribuindo-lhe sentidos, trazendo-a para o campo da compreensão e da
experiência humana de estar no mundo e participar da vida. O educador é por
natureza um interprete, não apenas porque todos os seres humanos o são, mas
também por oficio, uma vez que educar é ser mediador, tradutor de mundos. Ele está
sempre envolvido na tarefa reflexiva que implica provocar outras leituras da vida,
novas compreensões e versões possíveis sobre o mundo e sobre nossa ação no
mundo (p.77).
Por isso, em muitos momentos, os professores sentem-se vitoriosos, em outros
momentos, sentem-se derrotados. Estes são sentimentos que acompanham os professores no
seu dia-a-dia, quando ensinam algo que agrada e estimula os alunos, e ao contrario, quando
não conseguem, apesar do esforço de envolver os alunos nos conteúdos trabalhados. Estes
sentimentos presentes na sala de aula, nas conversas com os alunos também fazem parte do
‘currículo pessoal’ de cada professor, pois através de gestos e expressões, também, se ensina
os alunos. O ambiente escolar é um meio de formação, tanto dos alunos quanto dos
professores. Como afirma Dias (1996):
72
Penso que uma mudança na prática pedagógica do professor se realiza através da
reflexão da sua ação fundamentada numa teoria, com a qual possa refletir, não só
pedagogicamente, mas como pessoa, com sua bagagem de conhecimento e sua
relação histórico-social (p.10).
É nesse sentido, que se deve refletir sobre a postura profissional, mas é preciso, ainda,
discutir muito acerca de como a educação pode contribuir para uma sociedade efetivamente
emancipada a fim de promover a socialização e a justiça social, ao invés da domesticação.
É urgente e necessário que se passe desse estágio de desencanto e de desinvestimento
profissional a uma dinâmica de satisfação e afirmação profissional. Para que ocorra esse
redirecionamento, é necessário que educadores pensem criticamente o exercício de sua função
e da instituição escolar, responsabilizando-se pelo seu êxito, pelo êxito da classe profissional,
na busca pelo reconhecimento profissional, transformando em conhecido o que está oculto.
No dizer de Demo, “transformar é termo forte. Implica, no mínimo, passar para o
outro lado (2000, p. 59)”, e esta situação não pode intimidar ou levar à resignação. Convida-
se, antes, a reafirmação dos valores que tem feito a humanidade progredir, como justiça
social, tolerância, solidariedade, ou seja, aqueles ideais de emancipação que continuam a
mover-se pela transformação social.
Os Conhecimentos das Professoras sobre Educação Ambiental
Diante das inúmeras discussões sobre a necessidade de se conhecer o que os
indivíduos e os grupos sociais pensam sobre o que é meio ambiente, neste item analiso o que
dizem as professoras sobre seus conhecimentos em educação ambiental, tendo como
referência a experiência vivida no curso de formação e na sua prática.
Tardif (1991) chama a atenção para a importância de considerar que os professores são
produtores de saberes e que estes são plurais na sua constituição e natureza. O autor aponta
três tipos de saberes como constituintes da docência: saberes das disciplinas, saberes
curriculares e saberes de experiência. Sendo assim, os saberes variam no tempo e no espaço,
73
dando contornos ao papel docente, orientando estudos e políticas necessárias para sua
formação, quase sempre de uma forma externa ao seu cotidiano.
Em novas contribuições Tardif ampliou, através de suas pesquisas, o estudo dos
saberes dos professores, no intuito de compreender melhor a profissão docente, concluindo
que:
Os saberes que servem de base para o ensino, tais como são vistos pelos professores,
não se limitam a conteúdos bem circunscritos que dependeriam de um conhecimento
especializado. Eles abrangem uma diversidade de objetos, de questões, de problemas
que estão relacionados com seu trabalho. Nesse sentido os saberes profissionais são
plurais, compostos e heterogêneos... bastante diversificados, provenientes de fontes
variadas, provavelmente de natureza diferente (2002, p. 213)
Mais do que conhecimentos advindos da racionalidade técnica, a profissão docente
está imersa em dimensões éticas, tais como valores, senso comum, saberes cotidianos,
julgamento prático, interesses sociais, etc.
Ao discutir sobre os conhecimentos que as professoras têm acerca da Educação
Ambiental e como elas consideram este conhecimento na sua prática educativa, constatei que
esta temática esteve pouco presente nos processos de formação, inclusive no curso de
Magistério. Segundo Jussara: “eu não lembro de a gente falar muito sobre isso”, já no curso
de graduação em Pedagogia, ela ressalta que “na faculdade sempre teve mais coisas sobre
isso, em algumas disciplinas”. Comenta que:
A gente falou bastante sobre Educação Ambiental com a professora que dava artes,
mas não me lembro muito de autores assim, mas ela fazia coisas bem interessantes
nas oficinas de reciclagem. Também os professores de Educação Física faziam
saídas de campo, fomos à praia do mar Grosso. As aulas deles eram muito boas,
pois depois dessa saída de campo nós fazíamos analise dos materiais recolhidos,
mas não foram muitas aulas.
A professora Vanderléia também diz lembrar muito pouco em relação ao que
aprendeu sobre Educação Ambiental nos cursos de formação: “Na graduação, a gente
trabalhou, eu não me lembro agora com quais professores, mas a gente trabalhou. Porque
assim, na verdade, a minha formação em Educação Ambiental foi com o NEMA
14
”.
14
Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental.
74
A professora argumenta que sua formação na área foi através de um projeto com o
NEMA, através de atividades práticas. No curso de Pedagogia, segundo ela, discutiram-se
aspectos teóricos: “O curso de pedagogia foi mais em nível de conhecimento; eu lembro que
a gente fez um trabalho, mas tudo era mais teoria. A prática que a gente já tinha aprendemos
com o NEMA”.
Nesse sentido, Vanderléia completa:
Eu lembro que antes do NEMA, a gente pensava mais na função do lixo, tudo
envolvia o lixo; depois, percebemos que Educação Ambiental é todo contexto social.
Através das saídas de campo na prainha, na barra, percebemos que Educação
Ambiental é tudo, porque quando a gente vai nesses bairros, se apavora, são
pessoas mal informadas, então, são questões ambientais que envolvem todo o
contexto social.
A professora Jussara também relata sobre o projeto com o NEMA
15
, desenvolvido por
meio de um convênio entre a Secretária Municipal de Educação, onde as escolas do interior
foram o foco principal. A Escola Monteiro Lobato foi escolhida para o projeto piloto, por
estar situada em uma comunidade de pescadores, próxima ao mar e onde a poluição e a erosão
são muito grandes. Ela relata:
Tinha um projeto relacionado com o ambiente para as crianças. E agora deu uma
caída, acho que não tão realizando muito. Pelo menos é o que eu percebo nas
escolas. Aqui nessa escola, mesmo que eu to trabalhando, agora, não se vê que seja
tão trabalhado o ambiente, a gente até fala em aula pra eles, mas não tem tantas
cobranças nos objetivos. Teve uma época que nos conteúdos tinha, até foi feito tudo
direitinho. O NEMA trabalhou muitos anos, acho que quatro anos ou mais. Aí elas
(professoras do Projeto) vinham, a gente fazia encontros no interior, encontros com
os professores da cidade, também, e isso era passado pras crianças. Elas faziam
experiências, levavam coisas pra gente ver e tudo; o pessoal gostava bastante, só
que depois foi ficando meio caro, foi desinteressando, vai mudando a secretaria e já
não é a mesma coisa, mas eu acho que foi bem proveitoso. E as gurias traziam
pessoal de fora, não eram só as gurias que trabalhavam no NEMA, vinha sempre
mais alguém junto com elas também.
A professora comenta que as aulas vinculadas ao NEMA eram muito interessantes,
traziam muitos exemplos:
Os educadores do NEMA trabalhavam com os professores e depois nós
repassávamos para os alunos. Elas explicavam, davam tipo uma aula ali, como
deveria trabalhar, davam sugestões, trocava idéia, era uma troca de idéias na
15
O NEMA é uma organização não governamental – ONG, sem fins lucrativos e de utilidade publica municipal,
criada em 1985 por estudantes de oceanologia da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG) em
parceria com a ABC – Autarquia do Balneário Cassino. A sede do NEMA localiza-se na praia do Cassino, na
cidade do Rio Grande.
75
verdade com as sugestões delas que têm um baita conhecimento em cima disso. Eu
acho, particularmente pra mim, que foi muito bom, eu penso que muitas coisas que
eu passo para os meus alunos têm relação com tudo àquilo que eu vi.
Embora os depoimentos não estejam claros a respeito do que exatamente era
trabalhado junto ao Projeto do NEMA, fica constatado que a Educação Ambiental está, de
alguma forma, relacionada com o cuidado do ambiente a partir de atividades práticas que
podem ou não ser trabalhadas junto com o conteúdo da escola. A razão disso, é uma certa
fragilidade em relação ao conhecimento do que seja a perspectiva da educação ambiental.
Constatei no depoimento das professoras um discurso bastante generalizado em
relação à EA, presente na sociedade, mas sem o envolvimento do todo. Para Reigota (2003) é
necessário lutar por uma EA que considere a comunidade, a política, o trabalho de interação,
em equilíbrio dos seres humanos com a natureza, além da preservação dos meios naturais, que
são naturalmente importantes, mas não os únicos a quem devemos dar atenção.
A concepção de EA demonstrada na fala das professoras é uma concepção utilitarista,
de preservação e conservação dos recursos naturais para beneficio do homem (Reigota 1998)
na qual o trabalho centra-se no cuidado na natureza, considerando que o homem está fora
dela. Nesse sentido, não há a compreensão de que esta perspectiva de educação tem a base no
diálogo, na capacidade crítica voltada à prática social reflexiva e à relação entre os sujeitos,
consigo mesmo e com natureza.
A idéia expressa pela professora Jussara reforça essas considerações:
Eu acho que a sociedade deveria ter um entendimento, porque tudo isso tem a ver
com a vida da gente, o ambiente que a gente está; o meio que a gente vive, acho que
é a base da vida de todo mundo, o ambiente onde tu está, se tu não cuidar do teu
ambiente, tipo o ar que tu respira, tu colocar tudo em qualquer lugar e não cuidar e
não conscientizar as crianças que tem que ter aquele cuidado, aquela coisa toda,
vai ficar difícil, porque o próprio lixo, aqui mesmo em São José do Norte.
Já a professora Vera aborda os conhecimentos acerca da Educação Ambiental
relacionado com uma perspectiva interdisciplinar de ensino e da relação com o contexto dos
alunos no trabalho com o conteúdo escolar. Diz que:
76
Com a faculdade, no caso, ainda tive mais embasamento sobre a educação
ambiental de sempre relacionar a teoria e a prática, sempre trazendo para a
realidade deles. Então, os aspectos ambientais que a gente via na faculdade,
principalmente com esse trabalho trans16 das professoras, eu tentava sempre levar
pras minhas aulas, tanto na matemática, quanto nas artes, um trabalho conjunto.
Ao falar da sua prática, a professora lamenta ter tido dificuldades com esse tipo de
trabalho por causa dos pais que exigiam que os alunos tivessem um caderno para cada
disciplina, de forma a fragmentar o conhecimento. Este ainda é, para alguns pais, o método
mais valorizado de ensino pela forma aparente com que os conteúdos são registrados nos
cadernos, independente da aprendizagem dos alunos: “No trabalho diferenciado tu mandas
uma atividade para casa; o pai, a mãe, ou tio, ou alguém que está em casa também não sabe
como ajudá-los. Então é difícil, é uma coisa que leva muito tempo (Vera)”.
De qualquer forma, argumenta a professora defendendo a sua proposta:
“Mas eu sempre tentei, em todo conteúdo que eu podia relacionar com Educação
Ambiental. Por exemplo; saídas de campo, quando tinha conteúdos que dava para
levá-los para observar; depois chegavam, faziam relação daquilo que viram com
Português, com matemática; eu sempre tentei relacionar”.
A professora Vera lembra, em sua narrativa, das aulas do curso de Pedagogia, onde
aspectos ambientais foram trabalhados pela utilização das artes, a partir de elementos
artísticos, estéticos e éticos, envolvendo uma proposta interdisciplinar. Esse processo
vivenciado sugere que a sensibilização e a percepção podem ser importantes ferramentas para
provocar uma evolução das representações mentais e sociais, importante para iniciar um
trabalho de sensibilização ambiental, um primeiro passo para a conscientização nas práticas
de EA.
Para aproximar teoria e prática, o passo seguinte da professora foi realizar saídas de
campo com seus alunos, a fim de colocá-los em contato direto com problemas ambientais da
comunidade onde vivem, de forma a refletirem sobre as questões ambientais da região,
relacionando-as com suas atividades escolares.
16
A professora se refere ao trabalho que tem a função de promover a integração entre as áreas de conhecimento
ou disciplinas. Esse trabalho se concretiza com a prática interdisciplinar realizado dentro do espaço escolar e fora
dele.
77
Reigota (2001) defende esta prática educativa, dizendo:
(...) a educação Ambiental, como perspectiva educativa, pode estar presente em
todas as disciplinas, quando analisa temas que permitem enfocar as relações entre a
humanidade e o meio natural, e as relações sociais, sem deixar de lado as suas
especificidades (p.25).
Avaliando o processo vivenciado pela professora, através das atividades realizadas,
constatei que este tipo de interação provoca conflitos cognitivos no grupo, provocando,
também, mudanças de comportamento em relação à ética e responsabilidade social sobre as
questões ambientais da comunidade.
A professora Vera diz que encontra bastante dificuldade para dar continuidade a esse
tipo de metodologia, pois acredita que o mesmo deve envolver o coletivo, e que, muitas vezes,
a escola e a secretaria de Educação não apóiam tal proposta:Uma coisa que eu sinto falta, e
as gurias lá na escola também, se tu queres fazer uma saída de campo, nós não temos
transporte pra levar nossos alunos, nós não temos apoio, os recursos são precários”.
Nesse caso, verifiquei a necessidade de um comprometimento maior dos gestores e,
quem sabe, de uma argumentação mais fundamentada das próprias professoras na defesa de
uma proposta diferenciada a fim de possibilitar mudanças nos conteúdos escolares e poder
contribuir de maneira adequada para a efetivação de uma educação ambiental, voltada para a
formação de uma sociedade mais justa e ecologicamente equilibrada, visto que a comunidade
enfrenta diversos desafios em torno das questões ambientais, como: falta de infra-estrutura,
empregos, moradia, segurança.
Fica claro que a construção da identidade do professor e educador ambiental, não pode
se limitar, apenas, à transmissão de conceitos ecológicos sobre os ecossistemas, mas também
que ele possa agir crítica e efetivamente na realidade ambiental, refletindo e buscando
entender, na práxis, a complexidade das causas e das inter-relações que levam ao agravamento
dos problemas políticos, sócio-ambientais, culturais, históricos, econômicos, causados, por
exemplo, pela ocupação urbana e o desenvolvimento desordenado nas cidades, o que causa
78
uma pressão crescente e a própria destruição de ecossistemas naturais, como é o caso da
comunidade pesquisada.
Durante as entrevistas, quando questionadas sobre o conceito de EA, as professoras
enfatizaram a relação com a preservação e a conservação, com o meio ambiente e a natureza,
relacionando com o processo educacional em que o aluno aprende a preservar e respeitar a
vida e o meio ambiente.
Ao que posso constatar, os aspetos mais significativos nas aprendizagens e discussões
acerca da EA, de forma geral, para as professoras, relacionam-se às atividades práticas que
realizaram no curso de Pedagogia ou no Projeto do NEMA, e que são por elas reproduzidas
no contexto escolar, ainda que de forma restrita e, muitas vezes, sem aprofundamento das
questões sociais e ambientais.
Diante do exposto, fica claro que o sucesso do processo da implantação de um novo
projeto educacional depende de alguns fatores importantes como: autonomia da escola, gestão
participativa, planejamento escolar e do ensino, coordenação pedagógica, trabalho coletivo e
formação contínua em serviço e, principalmente, um investimento dos governantes nas
políticas de educação.
Visto sob este prisma, a implantação de novos projetos que visem à inovação da
educação, não podem ser improvisados, pelo contrário, requer muita discussão em torno da
temática, investimentos na escola como um todo, em especial de materiais necessários aos
professores. Por esse motivo, torna-se fundamental ter cautela para que os projetos não se
transformem na reedição do ensino tradicional, num ambiente arrumado e enfeitado, com
aparência de renovação, mas que permanecem com os mesmos princípios de um ensino
memorístico, enciclopédico e repetitivo. As idéias devem estar comprometidas com uma
escola interdisciplinar que ofereça além de quantidade, qualidade de conhecimentos para
79
todos os educandos, características estas encontradas na pedagogia problematizadora, que,
segundo Velasco (2003):
visa formar professores capazes de desvelar criticamente a realidade social vigente e
de lutar pelas transformações desta, que conduzam a uma sociedade sem opressores
nem oprimidos (p.231).
A pedagogia problematizadora oportuniza um espaço para a opinião dos professores
sobre os aspectos relevantes às suas necessidades, e para que avaliem as mudanças estruturais
e técnicas - pedagógicas que estão sendo introduzidas nas escolas, de forma a exercer sua
autonomia e não receber os projetos e leis prontas, que, muitas vezes, não constituem
mudança alguma na estrutura das escolas. Os professores precisam ser sujeitos e não apenas
meros executores.
Aspectos da Educação Ambiental, presentes nos conteúdos escolares e na
prática das professoras.
O ambiente escolar constitui um espaço extremamente privilegiado para o
desenvolvimento da EA, possibilitando a realização de inúmeros estudos na área, como por
exemplo, a análise da percepção ambiental pelos atores e comunidades, a organização de
projetos envolvendo a comunidade escolar e do entorno da escola no sentido de
diagnosticar e propor soluções, para minimizar os problemas ambientais das mesmas.
Para conhecer os aspectos da EA presentes nos conteúdos escolares e na prática das
professoras, é preciso analisar as narrativas de forma a compreender os rumos do processo
de formação das professoras e os desafios encontrados por elas no cotidiano escolar,
entendendo seus limites dentro dos estudos relacionados com EA.
A partir da análise da entrevista da professora Jussara sobre os aspectos pedagógicos
e a possibilidade de inserção da dimensão ambiental em suas aulas, destaco em uma de
suas falas:
80
Hoje, mesmo, eu estou trabalhando com eles sobre a poluição do mar, da laguna, e
pergunto o que os pais fazem com o lixo? Aí uns disseram: “eles colocam num
saquinho e quando o lixeiro passa”. Outros disseram: “Ah! Meu pai e minha mãe
jogam tudo na praia”. Aí eu disse: “mas vocês acham que é certo?” Aí uns
disseram: “não, professora, porque daí mata os peixes”. Eu disse: “pois é, e a água
ta ali encostadinha da casa de vocês; todo lixo que vocês jogam ali está poluindo,
ainda está poluindo até a própria água, porque muitos usam água de bomba, não é
água encanada e fica poluindo também”.
Nesse relato verifico que o trabalho realizado pela professora está relacionado à
preservação e conservação dos recursos naturais. Há o predomínio da visão antropocêntrica
que, segundo Reigota (1995), evidencia a utilidade dos recursos naturais para “a
sobrevivência do homem”. Mesmo reconhecendo uma certa interdependência entre elementos
da natureza e a ação transformadora do homem sobre os sistemas naturais, alterando o
“equilíbrio ecológico”, a prática demonstrada pela professora carece de relacionar o social e
o ambiental.
Também a Professora Vanderléia, que atualmente é a diretora da escola Monteiro
Lobato, destaca em sua narrativa os aspectos pedagógicos trabalhados pelas professoras da
escola:
As gurias, elas integram a matéria de acordo com as disciplinas. Por exemplo, 3º
série trabalha todo o município, então entra agricultura, pesca, comércio, as
atividades econômicas. Aí já fazem essa integração com a educação ambiental. 1º
série trabalha por tema, dependendo do tema que elas estão, já fazem a integração
com EA. A maioria dos professores aqui da escola trabalham por temática, então,
de acordo com a temática, vai se desenvolvendo essas coisas da Educação
Ambiental. Na semana passada a professora da 3º série já começou as saídas pelo
bairro, e a professora é de Rio Grande. Então. é interessante pra ela e pra eles que
podem mostrar o lugar onde moram, essas coisas.
O mesmo acontece nas aulas da professora Vera que diz:
Eu tento assim trabalhar aspectos para que eles tenham idéia do que é Educação
Ambiental, mas eu não vou te dizer que eu trabalho muito com essa questão nesse
sentido, porque tudo que tu trabalhas está envolvido com a natureza. Eu trabalho
assim, nem sei se estou no caminho certo, mas eu tento trabalhar com eles dizendo:
a natureza somos nós, o nosso futuro e de todos depende da forma como nós a
tratarmos, se vocês hoje, cuidarem, amanhã, nós teremos, se não, não’.
As práticas representadas pelo discurso das professoras estão em acordo com o
entendimento delas sobre a EA e seus princípios. Como já foi dito, há a preponderância dos
81
aspectos pontuais de preservação do meio. Nesse sentido cabe retomar os processos de
formação das professoras e as contribuições no âmbito da EA.
Pelos relatos constatei que, embora o curso de Pedagogia tenha em seus fundamentos
as idéias de autores como Freire, Gadotti, Brandão, entre outros, que defendem uma proposta
de educação numa perspectiva crítica e emancipatória, e que alguns professores realizaram
ações voltadas ao contexto social e ambiental, não houve um compromisso mais efetivo com
uma proposta direcionada a EA. Ou melhor, a discussão sobre os princípios e conceitos da EA
defendido pelos autores. Segundo depoimento das professoras, ficaram limitados a
determinadas disciplinas com o foco na metodologia de ensino e nas questões ambientais mais
amplas.
Sobre a questão da educação ambiental nas salas de aula, Guimarães (1995) aborda
que:
No trabalho de conscientização é preciso estar claro que conscientizar não é
transmitir valores “verdes” do educador para o educando; essa é a lógica da
educação “tradicional”; é, na verdade, possibilitar ao educando questionar
criticamente os valores estabelecidos pela sociedade, assim como os valores do
próprio educador que está trabalhando em sua conscientização. É permitir que o
educando construa o conhecimento e critique valores a partir de sua realidade, o que
não significa um papel neutro do educador que negue os seus próprios valores em
sua prática, mas que propicie ao educando confrontar criticamente diferentes valores
em busca de uma síntese pessoal que refletirá em novas atitudes (p.31).
Nessa mesma direção, encontrei outra questão que parece ser pertinente para a
discussão. Como a educação ambiental acaba se restringindo à dimensão física do meio
ambiente, verifica-se que a educação ambiental se resume à realização de ações pontuais,
como semanas científicas, do meio ambiente ou em passeios externos. Na análise das
entrevistas, pode-se notar que as atividades que desenvolvem aptidões formadoras do ser em
sua totalidade são trabalhadas em eventos ou projetos especiais.
Mostrando-se preocupada com as questões ambientais a professora manifesta-se:
Eu acho que é a questão de saber preservar o meio onde eles estão, a função de
cuidar da praia, porque eles moram aqui num setor bem de praia, pra que eles não
joguem coisas ali na praia, que é o meio ambiente onde eles estão, onde eles vivem
82
e até na própria casa onde eles moram em quintais pequeninos, pra eles cuidar de
tudo isso. Explicar para os pais quando chegam em casa o que a gente conversa em
aula, tentar passar pra eles como é a realidade das coisas, o que tem que ser feito,
mais ou menos por aí; explicar tudo isso pra eles, que a vida não é só ficar
discutindo. Que a gente tem que ter um lado de prazer, um lado bom da vida, se
passam dificuldades, não podem ficar revoltados porque passam por tudo isso,
porque cada um tem a sua maneira de viver, a sua maneira de passar. Que a coisa
não é resolvida assim só no empurrão e deu e fazer as coisas como eles acham que
devem, respeitar as pessoas que estão do lado deles, eu tenho a minha opinião e as
pessoas têm que respeitar; eu não posso dizer que a tua ta errada e a tua ta certa,
ninguém sabe qual é a certa e qual é a errada. Eu acho que a minha ta certa, tu
acha que a tua está certa, nós vamos discutir agora sobre isso (Jussara).
O mesmo acontece com a professora Vera, que por morar em outra localidade do
município, vivencia outros fatores ambientais além da poluição do mar. Ela refere-se à
questão das dunas e sua preservação:
As dunas, por exemplo, aqui em São José do Norte, porque lá na localidade onde
eu moro tinha uma plantação, e um cuidado para que as dunas não invadissem. Na
época, eles usavam cedrinho e depois eles fizeram uma plantação de, ‘Lomba
verde’, que era um outro tipo de árvore daqui. O que aconteceu? A comunidade
tirava pra fazer lenha para o fogão deles. Hoje, a areia já invadiu, cobriu várias
casas, e tudo isto, por quê? Por não ter uma conscientização, por causa dos seus
próprios atos.
As práticas em EA requerem de maneira muito cuidadosa, fundamentação conceitual,
para a superação do senso comum, em relação ao conceito de meio ambiente, e da própria
EA, e evidencia a necessidade de um aprofundamento filosófico e epistemológico dos
conceitos e das práticas em EA.
Para se formar a consciência ambiental, ou seja, uma mudança de valores e condutas
por parte dos professores, alunos e da comunidade é necessário que a prática pedagógica
seja realizada de forma articulada com as questões ambientais entre as diferentes
disciplinas.
A EA implica em uma ação política, pois ela se propõe a preparar cidadãos que devem
adotar como princípios a reivindicação por justiça social, cidadania e ética nas relações
sociais (REIGOTA, 1995). Dessa forma, a Educação Ambiental se propõe a questionar a
própria educação atual, revigorando a vida escolar e dando novo ímpeto ao debate entre
83
escola e comunidade. Quer dizer, a EA propõe uma prática pedagógica que forme a
consciência ambiental nos alunos e trabalhe questões da sustentabilidade desta sociedade.
Para entender a EA dentro de uma perspectiva da sustentabilidade, torna-se necessário
compreender o meio ambiente como um todo, de forma holística, onde há relações de
interação e interdependência entre os diferentes aspectos que o compõem: biológicos,
físicos, econômico, político e cultural. Um lugar determinado onde estão em relações
dinâmicas e constante interação os aspectos naturais e sociais (Reigota, 2001).
A idéia de uma sociedade sustentável é um dos importantes pilares da educação
ambiental. Nesse sentido, cito Ruscheinsky (et al 2002) quando diz:
Uma sociedade sustentável pode ser definida como a que vive e se desenvolve
integrada à natureza, considerando-a um bem comum. Respeita a diversidade
biológica e sociocultural da vida. Está centrada no pleno exercício responsável e
conseqüente da cidadania, com a distribuição eqüitativa da riqueza que gera. Não
utiliza mais do que pode ser renovado e favorece condições dignas de vida para as
gerações atuais e futuras (p.08).
Nessa perspectiva, pode-se discutir o papel da escola e dos conteúdos escolares para a
formação dos alunos com consciência ecológica
17
. Que assuntos são tratados nos conteúdos
que se relacionam com as questões ambientais? Quais as contribuições dos conteúdos
escolares para a vida dos alunos?
17
Sobre consciência ecológica, a noção focalizada se contextualiza, historicamente, no período pós Segunda
Guerra Mundial, quando setores da sociedade ocidental industrializada passam a expressar reação aos impactos
destrutivos produzidos pelo desenvolvimento tecnocientífico e urbano industrial sobre o ambiente natural e
construído. Representa o despertar de uma compreensão e sensibilidade novas da degradação do meio ambiente
e das conseqüências desse processo para a qualidade da vida humana e para o futuro da espécie como um todo.
Expressa a compreensão de que a presente crise ecológica articula fenômenos naturais e sociais e, mais que isso,
privilegia as razões político-sociais da crise relativamente aos motivos biológicos e/ou técnicos. Isto porque
entende que a degradação ambiental é, na verdade, conseqüência de um modelo, de organização político-social e
de desenvolvimento econômico, que estabelece prioridades e define o que a sociedade deve produzir, como deve
produzir e como será distribuído o produto social. Isto implica no estabelecimento de um determinado padrão
tecnológico e de uso dos recursos naturais, associados a uma forma específica de organização do trabalho e de
apropriação das riquezas socialmente produzidas. Comporta, portanto, interesses divergentes entre os vários
grupos sociais, dentre os quais aqueles em posição hegemônica decidem os rumos sociais e os impõe ao restante
da sociedade. "(...) a consciência ecogica é historicamente uma maneira radicalmente nova de apresentar os
problemas de insalubridade, nocividade e de poluição, até então julgados excêntricos, com relação aos
'verdadeiros' temas políticos; esta tendência se torna um projeto político global , já que ela critica e rejeita, tanto
os fundamentos do humanismo ocidental, quanto os princípios do crescimento e do desenvolvimento que
propulsam a civilização tecnocrática." (Morin, 1975)
84
No que diz respeito ao papel central da educação, ressaltados em diversos autores
como Guimarães (1995), Sato (2001), Reigota (1995), Loureiro (2004), cabe ressaltar
aspectos como o reconhecimento de valores e ações, o desenvolvimento de habilidades e
mudanças de atitudes em relação ao meio, a formação de sociedades socialmente justas e
ecologicamente equilibradas; o entendimento das inter-relações entre estes e os seres
humanos, suas culturas; a promoção de ações de tomadas de decisões efetivas para mudanças
sociais e éticas; o comprometimento para a melhoria das condições de vida no planeta, em
todas suas formas, o que requer responsabilidade individual e coletiva em nível local, global e
planetário.
Considerando a perspectiva da EA, alguns princípios norteadores precisam ser
discutidos no contexto escolar, principalmente pelo fato de que estes princípios se pautam,
como afirma Reigota (2001), na conscientização, conhecimento, comportamento,
competência, capacidade de avaliação e participação. Defendo aqui dois aspectos indicados
pelo autor: conscientização e participação, sendo que os demais vêm como conseqüência do
processo pedagógico. Nesse sentido, é oportuno citar Ruscheinsky et al (2002) ao afirmar:
A EA pode se constituir num espaço revigorado da vida escolar e da prática
pedagógica, reavivando o debate dentro e fora da escola. Esta permite uma maior
conexão com a realidade dos educandos, possibilitando uma ação consciente
transformadora das posturas em relação ao mundo e aos semelhantes. De uma
maneira geral, aproxima os estudantes dos conteúdos programáticos, pois leva-os a
perceber a proximidade da teoria com a realidade, bem como a riqueza de sua mútua
fecundação (p.76).
Notadamente, por meio da observação dos autores e em face do debate proposto no
contexto escolar sobre a relação com a educação ambiental, almejo ir além de perspectivas
que se pontuam nos planos de ensino dos professores, ou mesmo nos planos de aula. E neste
âmbito, mostrar a educação ambiental como um espaço de discussão e como uma linha que
permite a costura de outras perspectivas e campos disciplinares distintos.
85
Nessa direção, cabe salientar que as preocupações das professoras vão além da
aprendizagem dos conteúdos, embora suas ações estejam direcionadas a estes. Como diz
Jussara:
A gente vive se preocupando. Eu me preocupo muito em relação à educação das
crianças, a maneira como elas estão sendo educadas. E imagino daqui pra frente
como é que vai ser, o que essas crianças vão ser quando ficarem maiores, com a
idade de ser pai e mãe, pois eles não dão bola pra nada”.
“A gente tenta fazer com que eles aprendam. Eu to trabalhando com uma 2º série
agora, e eu tenho 4 ou 5 alunos que eles não conseguem ler direito ainda. Fico
imaginando como que essas crianças vão conseguir ir pra uma série mais
avançada, se vai ter mais conteúdo pra eles ainda. Ao menos ler, eles têm que
saber; ler e interpretar, e está cada vez mais difícil, e tu fica ali e fica tentando e
falando; parece que está entrando num ouvido e saindo no outro; não tão ligados
naquilo ali. Para mim, tinha que ter uma maneira diferente de quando tu passasse
as coisas pra eles, que chamasse a atenção deles”.
Na narrativa de Jussara é possível constatar a ação limitada no contexto das
aprendizagens escolares, ou seja, o necessário para progredir de ano. Nessa direção, salienta
que os alunos não sabem ler, interpretar e que não estão envolvidos com as atividades
propostas. Cabe perguntar o significado do que é ensinado na escola. Por que os alunos não
têm interesse?
Compreendo, assim, que, o professor se habitua ao domínio da prática, “como ensinar”
sem ter o conhecimento necessário de “o que se ensina”, “o porquê se ensina”. Desse modo, a
qualidade do professor se resume na habilidade de saber usar determinada técnica, ou método.
Quando não alcançam os objetivos previstos com o uso destes, perdem totalmente o
referencial e não sabem qual caminho seguir.
É importante compreender que os desafios apresentados à escola não serão resolvidos
apenas por ela, mas se ligam aos contextos
86
O cotidiano se constitui num espaço de formação porque nele se dá a relação com
um outro (singular e plural), com o saber, com o não saber, comigo mesmo. Nele
transitam e são operadas múltiplas e complexas negociações e traduções entre as
políticas educacionais e as redes de cada um dos sujeitos do processo, nelas
incluídas as trajetórias escolares, a formação acadêmica as expectativas e os desejos
(p.15).
Quando se analisa o conteúdo escolar, deve-se considerar que os estudantes são filhos
de pescadores, questiono a relação das atividades escolares com a atividade pesqueira que é a
fonte de renda da comunidade e faz parte da realidade dos alunos e alunas da escola.
Jussara diz que:
Poucas vezes eu discuto sobre a pesca; por enquanto, eu ainda não entrei muito
nessa parte; agora que a gente vai começar a falar do município é que a gente vai
entrar; é claro que a gente comenta, eles sabem, a grande maioria do pessoal vive
da pesca, eles comentam sobre a pesca na sala de aula, comentam sobre as épocas
de pesca, o que pecam naquela época. Às vezes até eu nem sei, mas eles sabem, eles
me dizem por que eu nunca pesquei, e não sou filha de pescador, não sei; agora eles
sabem tudo, a grande maioria deles sabem quando é a abertura da tainha, quando é
o período do camarão; eles sabem bastante sobre isso, mas essa parte mesmo é
agora quando a gente vai entrar no município.
No mesmo sentido, a professora Vera relata que a escola também não dá apoio para
que seja explorado o assunto da pesca com os alunos. Ela diz que:
Na nossa escola, eu converso muito com eles sobre tudo isso [pesca], mas não está
inserida no currículo, mesmo a escola estando dentro de uma comunidade
pesqueira, não tem no currículo; talvez no conteúdo de 4° série, eu não sei não
estou por dentro, mas eles não dão à ênfase que deveriam dar. A Secretaria de
Educação (SMEC) não da ênfase a pesca como deveria ser, poderia estar no
currículo desde a 1° série, porque é o que tu tens aqui.
Nessa percepção, o que se constata é um certo distanciamento entre a realidade social
dos sujeitos e as questões que envolvem a EA. No contexto das escolas, a EA assume como
pressuposto o fato de que se está diante de uma realidade determinada e concreta e, portanto,
esta realidade deve ser o ponto de partida. Nessa mesma direção, seguem as considerações de
Reigota (2001) que assim afirma:
A educação ambiental não deve estar baseada na transmissão de conteúdos
específicos, já que não existe um conteúdo único, mas sim vários, dependendo das
faixas etárias a que se destinam e dos contextos educativos em que se processam as
atividades. (...) O conteúdo mais indicado deve ser originado do levantamento da
problemática ambiental vivida cotidianamente pelos alunos e que se queira resolver.
Esse levantamento pode e deve ser feito conjuntamente pelos alunos e professores
(p.35).
87
Por meio das palavras do autor, pode-se interpretar que o projeto político-pedagógico
da escola e a prática pedagógica do professor devem levar em consideração a realidade
concreta do estudante, isto é, onde se situa a escola, o que a cerca, quem é o público
freqüentador deste ambiente, quais são as condições sócio-econômicas e culturais, enfim, um
conjunto de aspectos que, juntos, permitem a construção de um desenho do grupo social, para
o qual o projeto está proposto. Por meio desse desenho, é possível a definição de temas que
poderão nortear a construção de agendas para a escola.
Para Freire (1987) a inserção da realidade vivenciada pelos educandos nos currículos
escolares é de extrema importância. O autor diz:
Falar da realidade como algo parado, estático, compartimentado e bem –
comportado, quando não falar ou dissertar sobre algo completamente alheio à
experiência existencial dos educandos vem sendo, realmente, a suprema inquietação
desta educação, a sua irrefreada ânsia. Nela, o educador aparece como seu
indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é “encher” os
educandos dos conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da realidade
desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariam
significação (p.57).
Um trabalho eficiente de educação ambiental nas escolas pressupõe que todos
envolvidos no processo educacional, alunos, funcionários, professores, diretores e a
comunidade participem da elaboração e da realização prática do projeto político pedagógico
da escola. Nesse sentido a contribuição da EA nos currículos das licenciaturas é fundamental
para que os profissionais sejam capacitados apensar para além dos muros da escola e,
principalmente, para além da luta de conteúdos escolares.
A concretização de ideais, sonhos e utopias poderão se realizar na medida em que se
quebre o “círculo vicioso” que apenas reproduz padrões, rótulos e estereótipos, servindo para
acelerar a deterioração da educação.
É inegável, também, se vivemos uma crise social e ambiental, a existência de uma
crise de identidade profissional nos professores, que está enraizada nas carências de formação
e nas deficientes condições de trabalho, na falta de reconhecimento social, na desvalorização
88
de saberes profissionais, na injusta responsabilização social, pelos fracassos da escola que
conduz ao desencantamento com a profissão docente. Segundo Alencar e Gentili (2001):
O desencanto é, por assim dizer, um subproduto do pragmatismo que, por sua vez,
costuma ser o eufemismo usado para definir o conformismo, o ceticismo, a aceitação
anestesiante das circunstâncias que temos a sorte (ou a desgraça) de enfrentar (p.11).
Percebo claramente, que não interessa às políticas publicas da educação educacional
considerar as condições reais em que se processa o ensino. É necessário encarar a realidade de
outra forma, com outro olhar, possibilitando mudanças consistentes não apenas da dinâmica
educacional, mas social, lutando por uma sociedade mais justa, sem exploração do trabalho,
sem seguir as exigências do mercado capitalista, gerando uma conduta diferente, a
conscientização da urgência da transformação.
Assim, em matéria de educação, o que ainda hoje tem maior peso não é a qualidade do
processo de ensino e aprendizagem, mas sim, a quantidade de conteúdos. Conceitos como
autonomia, cidadania, justiça social, precisam estar nos discursos e práticas pedagógicas, a
fim de superar o modelo de educação e de escola, como aponta Fabris (2001):
Olhemos para a escola e para o mundo fora dela: algo parece desconectado. O
espaço escolar é marcado por sinetas, por momentos estanques nos quais o relógio e
o calendário assumem uma importância capital. Os muros altos da escola, as paredes
da sala de aula, as carteiras escolares delimitam o território dentro e fora da escola.
No interior da escola, os assuntos versam sobre um tempo passado e projetos para o
futuro, o presente não entra, parece que não é o seu momento ainda (p.91).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A inquietante vida da sala de aula e a incessante reflexão sobre seus acontecimentos
levaram-me a dar início a uma pesquisa que a cada momento abre novos caminhos, novas
perspectivas, determinando inúmeros desequilíbrios e exigindo constantes (re)equilibrações. É
nessa constante busca de equilíbrio que me encontro escrevendo o resultado de uma
caminhada, com toda a ambigüidade, inquietude e beleza implícitas no processo construtivo.
Em Dias (2002) encontrei o ponto de apoio para investigar e desenvolver as questões
desta pesquisa. Em seu percurso de formar professores a autora diz: Experimentei (e continuo
experimentando) diversas situações geradoras de conflitos, que marcam as diferenças entre a
proposta pedagógica trabalhada no curso de pedagogia e a proposta pedagógica
desenvolvida nas escolas (p.22).
Penso que é necessário tomar conhecimento desses conflitos, para uma reflexão
cuidadosa, e considerar os possíveis avanços para, assim, permitir a visualização de propostas
alternativas para a educação. Estamos bastante divididos entre um passado que negamos, um
futuro que vislumbramos e um presente que está arraigado dentro de nós. “Por um lado, ainda
são evidentes as marcas deixadas pelo paradigma positivista, que se enraizou no meio
acadêmico, dificultando a penetração de novas abordagens” (Dias, 2002, p.50),
Após as entrevistas e as conversas informais com o grupo de professoras, pude
fortalecer ainda mais a idéia de que fomos formados por uma academia que julga que o
sujeito necessita, primeiro, sofrer um processo que é, basicamente, reprodutivo, para depois se
tornar apto a tomar suas decisões. A partir disso, pode-se constatar que o fazer transmissivo e
90
imutável que a escola tem assumido é a ação mais coerente que poderia ser efetivada frente à
concepção que prevalece a respeito da natureza e aquisição do conhecimento.
Como um dos instrumentos de reprodução, a escola tende a manter as convenções
sociais e a moldar o sujeito de forma que ele se adapte e mantenha essas convenções. Nesse
caminho e nesta visão de mundo, não é de se admirar que os professores sigam receitas
prontas de currículos e atividades, na existência de um discurso pedagógico imposto que
absorve teorias e teóricos da moda e produzem falsos movimentos de mudança, na
inconsistência teórica que se mantém na prática dos professores (as) entre outros casos que
são presenciados diariamente nas escolas brasileiras.
Paulo Freire (1998), ao apresentar os níveis de consciência, afirma que ser crítico não
é negar o que se faz nem absorver tudo que é novo pelo simples fato de ser novo. Ser critico é
refletir sobre o que se faz e transformar constantemente esse fazer num melhor e maior fazer.
Acredito que somente desta maneira, o professor possa refletir e transformar seu fazer
docente, dando-lhe condição de sujeito que constrói conhecimento.
Dessa forma, insiro-me como investigadora, como pesquisadora inquieta e curiosa,
com o apoio de alguns autores como Freire, Moraes, André, Dias, que tiveram relevância na
construção dos pressupostos que me orientam e na constante busca de equilíbrio.
Como toda pesquisa qualitativa, esta investigação não descartou a possibilidade da
subjetividade do pesquisador no momento da análise dos dados, por isso não houve
neutralidade na minha ação. Muitas vezes, durante o caminho percorrido, questionei minha
ação como pesquisadora e o modo como minhas concepções poderiam influenciar no
cotidiano das professoras e, consequentemente, na própria análise dos dados. Afinal, as
práticas estão carregadas de ideologias, sentimentos, valores e crenças.
Busco o problema inicial da pesquisa para amparar minhas considerações – como as
professoras articulam as questões ambientais nas temáticas abordadas em sala de aula de uma
91
escola situada numa comunidade pesqueira. Ao fazer isso, também, busquei compreender o
reflexo da formação profissional das professoras sobre o que estudaram sobre EA nos cursos
de formação, o que elas entendem sobre EA, e a relação da escola com a comunidade.
Sendo assim, minha ação, através desta investigação, vem se dando no sentido de
provocar a discussão e a reflexão sobre a formação do professor e educador ambiental.
Pretendi com este estudo não só apontar as falhas, mas quem sabe um caminho a seguir?
Todavia, ao provocar as discussões e reflexões tenho consciência dos limitantes sociais que
têm interferido nas questões educacionais e que se mostraram presentes no cotidiano
observado: a situação social do professor, as carências dos alunos, a falta de recursos da
escola, entre outros.
Minhas conclusões levam-me a compreender que um dos fatores que distancia as
professoras das questões ambientais nas temáticas em sala de aula é o fato de terem pouco
conhecimento em relação ao assunto, além de compreenderem a EA, apenas, como forma de
preservação e conservação. Segundo Carvalho (2004):
A conseqüência de uma visão predominantemente naturalista-conservacionista é a
redução do meio ambiente a apenas uma de suas dimensões, desprezando a riqueza
da permanente interação entre a natureza e a cultura humana. O caráter histórico e
sempre dinâmico das relações humanas e da cultura com o meio ambiente está fora
desse horizonte de compreensão, o que impede, consequentemente, que se
vislumbrem outras soluções para o problema ambiental (p.38).
Isso ficou evidente no relato das professoras, quando argumentaram e justificaram
suas ações junto aos alunos, demonstrando os conhecimentos a respeito da EA e as
aprendizagens referentes aos cursos de formação. Para elas, a educação ambiental fica restrita
à dimensão física do meio ambiente, a partir de ações pontuais, geralmente voltadas à
preservação do meio, como por exemplo, a reciclagem do lixo. Não estou desconsiderando a
relevância deste tipo de ação, mas a discussão ambiental precisa ir, além disso. Ou seja, é
fundamental que estabeleça a discussão e reflexão acerca das causas e das inter-relações que
levam ao agravamento dos problemas sócio-ambientais. No caso da comunidade em estudo, a
92
própria ocupação urbana e o desenvolvimento desordenado da cidade, que tem causado a
própria destruição de ecossistemas naturais. Para isso, a escola é a possibilidade de mediação
de saberes e fazeres para a elaboração de alternativas para a resolução das questões
ambientais.
Mas como pensar nesta escola se os cursos de formação tratam a Educação Ambiental
de foram restrita à determinada disciplina ou a prática de determinados professores?
No caso das professoras participantes do estudo, ainda que a proposta do curso de
Pedagogia tenha como fundamento as idéias de Paulo Freire, com base no diálogo, na
emancipação e numa educação transformadora, ficou evidente que a relação com a Educação
Ambiental e seus fundamentos, ficou marcada pela prática de alguns professores que se
utilizaram de estratégias metodológicas voltadas às interações pessoais e à integração de
conhecimentos, a partir da interdisciplinaridade.
Por outro lado, nos relatos das professoras constatei a preocupação com o processo de
conscientização dos alunos acerca da necessidade de se resgatar valores como a solidariedade,
o diálogo e cooperação, visando à transformação da situação ambiental em que vivem. Ao
fazer essa defesa, elas retomam conhecimentos e autores socializados no curso de Pedagogia,
demonstrando a importância deste curso na construção dos seus saberes, inclusive em relação
ao que entendem de Educação Ambiental.
Nesse sentido, é que a formação continuada torna possível a revisão permanente dos
saberes docentes, visando à revisão e à transformação da prática. É uma possibilidade de
ampliação da consciência crítica sobre o fazer educativo pela reflexão da, sobre e para a ação
pedagógica.
Não só os cursos de formação, mas a própria escola é espaço de formação capaz de ser
espaço de reflexão sobre as concepções e teorias implícitas na sua ação do professor. Um
espaço que permita que aconteçam as relações entre a teoria e a prática através das vivencias
93
de alunos e professores, permitindo a investigação no cotidiano escolar como parte da
construção de um saber que emerge da realidade, um espaço que faça presente a teoria, não
como um conhecimento em si mesma, mas com o fundamento para as interrogações do
cotidiano.
Também, torna-se fundamental destacar que a formação docente é um processo
permanente, para que assim, ocorra à transformação da prática. Esta decorre da ampliação de
sua consciência crítica sobre essa mesma prática. As escolas precisam passar por profundas
transformações em suas práticas e culturas para enfrentarem os desafios do mundo
contemporâneo.
Compreendo que o professor não se forma só através do curso de magistério e
licenciaturas, mas sabendo que estes são responsáveis por grande parte de sua formação,
proponho para estes cursos um espaço capaz de levar o professor a uma reflexão sobre as
concepções e teorias implícitas na sua ação. Um espaço que permita que aconteçam as
relações entre a teoria e a prática, através das vivências de alunos e professores, que permita a
investigação no cotidiano escolar como parte da construção de um saber que emerge da
realidade, um espaço que faça presente a teoria, não como um conhecimento em si mesma,
mas com o fundamento para as interrogações do cotidiano.
Aponto, aqui, a necessidade de redimensionar a escola entendendo-a como um espaço
de construção do saber não só do aluno, mas do professor, através do trabalho coletivo e
consciente. É fundamental que esta seja, além de um ambiente de trabalho, um espaço para a
formação permanente do professor. O trabalho de equipe na escola é uma alternativa que
garante a construção continuada do docente levando-o a investigar seu cotidiano e, a partir
daí, encontrar novas formas de ação.
A escola precisa ser concebida como um novo meio social e cultural e, na interação
neste meio com outros sujeitos, é que se efetivará a construção do conhecimento. A escola
94
negou e nega a vida em sua potencialidade. Na escola a vida tem sido desvinculada do sujeito;
a teoria tem sido desvinculada da prática; o sentimento desvinculado da razão. Romper com
estas amarras, oportunizará a transformação.
Assim, terminada esta etapa, ficou a certeza de que, apesar da construção realizada
nesta investigação, muitos caminhos ainda faltam a percorrer no envolvimento da EA no
cotidiano escolar e nos cursos de formação de professores. Mais que isso, crescem as
possibilidades para seguir avançando no meu processo de formação como um sujeito que
busca transformar sua prática em ação pesquisada através da construção e (re)construção de
seus fundamentos teóricos.
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ANEXO A – Termo de consentimento livre e esclarecido
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL – PPGEA
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O projeto de pesquisa “(RE)visitando a Pratica Pedagógica de Professoras de São José
do Norte: um olhar sobre as vivências em Educação Ambiental”, tem o objetivo de investigar
como as professoras articulam as questões ambientais nas temáticas abordadas em sala de
aula. O projeto de pesquisa apresentado é o foco de pesquisa da mestranda Fernanda Mattos
Opazo, aluna do Programa de Pós Graduação em Educação Ambiental, na linha de Educação
Ambiental: Ensino e Formação de Professores. O estudo foi realizado na Escola Monteiro
Lobato, no município de São José do Norte.
Assim, venho através deste pe
ANEXO B – Entrevista realizada com a Professora Vera Eni Labriolla,
25/05/2007, em São José do Norte no Sinterj – sindicato dos professores
1. Apresentação das professoras:
Eu comecei a trabalhar eu era professora leiga, no período que eu comecei a trabalhar não
precisava ser professora formada, não precisava ter o magistério para dar aula. Então eu
terminei o ensino médio, que era secretariado, e fui para casa, porque eu moro no interior (...)
Hoje tem o Normal, que agora esta sendo chamado de Normal, mas antes não tinha. Primeiro
foi assim, eu sai do interior de São José do Norte, da Barra , para Rio Grande, com 12 anos,
para estudar, fiz da 5° a 8° série em Rio Grande.
Sim, eu ficava na casa de parentes. Uma vez por mês, de quinze em quinze dias, eu vinha
visitá-los, porque a minha família sempre foi muito pobre. Meu pai é pescador, então a gente
não tinha condições de estar viajando.
E – Sim. Nós somos cinco irmãos, três são mais velhos do que eu, eu sou a quarta e depois
tem a mais nova. Esses três não estudaram, uma porque não teriam condições, e outra porque
eles não quiseram mesmo. Não completaram nem o que a escola da barra oferecia. Ai eu fui
pra Rio Grande para estudar.
E – Incentivo da minha madrinha também, eu queria e minha madrinha me ajudou para que eu
pudesse ir. Quando eu terminei a 8º série, o meu pai disse: ‘ ah porque tu não vens morar no
Norte que é mais próximo’. Eu cheguei a fazer o teste de seleção no Juvenal Miller, que era
bem concorrido, mas ai como ele pediu e, eu também, já estava com saudades de casa, resolvi
voltar para São José do Norte e comecei a fazer secretariado. Ai no primeiro ano eu fiz de
manhã, no segundo ano eu já comecei a trabalhar como empregada doméstica, para poder me
sustentar, para poder comprar as minhas coisas, que eu não tinha condições de comprar, as
coisas normais da idade, eu estava com 16 anos.
E – Comecei a trabalhar, e depois quando eu terminei o ensino médio, que era na época o
secretariado, apareceu uma oportunidade, uma vaga de professora, lá onde eu moro ate hoje,
na Barra. E ai eu procurei, não muito diferente de hoje, tu tinhas que ter um padrinho político,
hoje tu fazes um concurso, mas mesmo assim tu precisas ainda desse padrinho, para que tu
sejas chamado neste concurso. E aí, consegui este padrinho político, que era o rapaz da casa
onde eu trabalhava de empregada doméstica, que ele era do mesmo partido. Ai eles me
levaram lá, e me ofereceram uma vaga. Uma coisa bem interessante que aconteceu na época é
que a Secretaria de Educação, ela me disse assim: ‘tu vais ficar com a vaga por duas razões:
uma porque das quatro candidatas tu tens o segundo grau completo, a segunda razão é porque
a pessoa que te trouxe é do mesmo partido’. Eu achei bastante interessante, porque em 1984,
essa pessoa tinha essa posição, que é difícil, geralmente eles querem omitir. Aí, eu comecei a
trabalhar como professora leiga, em 1984, sem ter concurso. Depois em 1989 eu prestei
104
concurso público, porque quem não tinha Cinco anos ainda de tempo de serviço, e faltavam
três meses para eu completar esse período, teria que prestar o concurso público. Eu passei, no
concurso e fui nomeada (...)
E – Sim. Sem magistério podia fazer o concurso. Não era exigido, foi quando saiu o plano de
carreira dos professores, em 1989, foi o primeiro plano de carreira do município. Depois do
concurso eu continuei dando aula onde eu já lecionava, no mesmo local. Depois veio a
oportunidade de fazer o magistério, isso no ano de 1996, se não me engano, não lembro bem
da data. Houve então essa oportunidade para quem era professor leigo, aqui do município de
São José do Norte. Fiz o Magistério de Férias, assim era chamado. Durante o Magistério de
Férias foi oferecido para mim e outras colegas que já tinham o segundo grau, fazer uma
faculdade em Pelotas, que também seria paga pelo município. Só que como eu tinha vontade
de fazer o magistério, eu fiquei pensando, deixo o magistério e vou fazer o curso superior e
posso não gostar, porque era em Pelotas, tinha o ir e vir. Eu já estava no segundo ano do
magistério, aí eu não fico nem com uma coisa nem outra. Então optei por continuar o
magistério.
E – Não. Não iria influenciar. Porque hoje tem, inclusive este ano, é a década da Educação,
que todos devem ter no mínimo o curso Normal, que voltou a ser Normal, que era o
magistério. Mas era uma opção minha, já que eu estava como professora, eu tinha aquela
coisa, quando era menina já queria ser professora, mas a profissão professora, eu fui ser
realmente professora com a oportunidade que apareceu.
E – Quando eu comecei, eu trabalhei com um a 1° série, depois no outro ano na 2° série.
E – A minha cunhada, que era professora leiga, ela só tinha ate a 8° série, mas ela já tinha
uma experiência em alfabetização, diga-se de passagem, mesmo com o magistério eu sempre
achei que ela alfabetizou melhor do que eu, ela já tinha muita prática, pra ti ver com ela, com
a diretora da escola eu fui começando o meu trabalho. Porque eu tinha um segundo grau, mas
aquele segundo grau não me dava base nenhuma pra lecionar, tu chegas sem saber lidar com
os alunos. E eu peguei uma turma de 30 alunos, tinha alunos de Oito anos, tinha alunos de 10,
com idades bem variadas. No segundo ano, que eu estava cursando o magistério, eu peguei
uma 2° série, e eu tinha alunos de 14 anos, eu muitas vezes estive pronta para desistir,
chegava em casa chorando, não quero mais ser professora, não é isso que eu quero.
E – Exatamente, eu moro e a escola onde trabalho também é numa zona pesqueira, onde os
pais não incentivam muito, até eles querem que estude, mas eles não têm aquela perspectiva
de melhorar, de ser alguém, a não ser pescador, principalmente os meninos, e era o que eu
tinha a maioria na minha sala. Então eles não tinham pretensão de estudar, de ser alguém alem
105
de ser pescador. Eu sem experiência, muito nova, ai depois quando eu fiz o magistério eu
comecei a ter uma noção (....)
E – Mudei em algumas coisas assim que eu não sabia, por exemplo, como fazer uma
avaliação, eu fazia minha avaliação de acordo com o que as professoras que já atuavam na
escola me passavam, mas das colegas que trabalhavam comigo, somente uma tinha o Normal,
aquele antigo, que faziam na época que eram normalistas e que ficavam internadas, e que já
eram bem arcaicas nesse sentido, e as outras todas eram leigas também, então era o que elas
me passavam. Depois que eu fiz o magistério, comecei a ver que algumas coisas que eu
achava certo, eu comecei a perceber que não era, e comecei a mesclar.
E – Então as dúvidas que eu tinha eu comecei a saná-las no curso de magistério. E uma coisa
bastante interessante foi que o curso de magistério todos os professores eram leigos, tinham
que ter no mínimo dois anos de magistério para poder freqüentar, ali naquele momento a
gente acabava trocando muitas informações, experiências, então quando chegávamos na sala
de aula a gente via que muitas coisas que os teóricos falavam não funcionava na sala de aula,
outras a gente modificava um pouco e eles davam certo. E assim tu já começas a ter uma outra
visão, uma coisa que eu tive desde que comecei, eu sempre fui muito de ouvir os alunos,
mesmo não tendo experiência eu era muito assim. E às vezes eu me questionava será que eu
ouvindo eles, ensinando dessa forma, é a correta, depois eu fui vendo que não tinha uma
receita pronta, dependia da turma, dependia da faixa etária, dependia da escola, dependia de
uma série de coisas, não apenas uma então eu consegui nesse sentido melhorar. Fiquei
bastante tempo e depois tive vontade de fazer a faculdade. No inicio, assim que eu terminei o
2° grau, até antes, eu tentei dois vestibulares. Na primeira vez eu tentei para Português, não
consegui, e na terceira, como já tinha surgido à oportunidade de ser professora, eu tentei
Pedagogia e não consegui. Isso para fazer em Rio Grande, no período integral, eu teria que me
virar-nos 30, como se diz para poder dar as aulas ate porque neste período, uma coisa que eu
esqueci de te contar, porque antes de entrar para o curso de Pedagogia de professores leigos,
veio o magistério Normal, aqui para o município, na escola de São José do Norte, e eu fiz, e
essa primeira vez teve que ter um teste de seleção, porque tinha muita procura, eu fiz e
consegui passar, só que o meu marido era professor e passou para o curso de Geografia, ele
era professor leigo, só que ele não precisou fazer o concurso, e ele tinha que atravessar para ir
para Rio Grande de CAIC, porque ele dava aula na Barra, para fazer a universidade. Só que
quando dava temporal ele ficava em Rio Grande, não tinha como vir, e eu substituía ele no
turno dele. Eu dava aula a tarde, e substituía-o no turno da manhã, nós entramos num acordo
com a direção, elas aceitaram que eu substituísse ele. Ele trabalhava com 5° série, e lá era 5°
106
série de currículo, e isso foi muito bom pra mim também, porque aí eu desisti do magistério,
mas aquela 5° série me deu embasamento, e eu vi que era aquilo mesmo que eu queria, eu
queria continuar sendo professora. E aí foi quando eu entrei depois de tudo isso, teve a
oportunidade da Faculdade de Férias.
2. Interações entre escola e comunidade no processo de transformação do saber:
E – São José do Norte é toda assim, não houve planejamento, ele foi crescendo muito com o
êxodo rural e foi se expandindo, não tinha espaço pra todos, eles foram colocando, a erosão
das águas mesmo, muitas casas eram bem distantes da maré, a maré foi subindo, eles não tem
essa idéia, eles vão jogando lixo, esta totalmente a mercê da natureza, e a natureza pede
socorro. Porque no período que eu estava trabalhando na Barra ainda, não estava no Monteiro,
no Monteiro eu estou a cinco anos, que o NEMA fazia um trabalho a escola participava, a
escola da sede que trabalhava com o NEMA era o monteiro Lobato, por ser mais próxima e
ter o maior numero de pescadores, a maioria dali é pescador, nos outros bairros já mistura, ali
é raro encontrar alguém que não seja pescador. Durante este projeto a prefeitura foi lá e
colocou em toda escola, e aterrou com pedaços de madeira, serragem, quer dizer que vai
totalmente contra do trabalho que tu faz em Educação Ambiental. Nós comentávamos, tu vais
continuar dizendo pro aluno que aquilo ali é errado, se depois ele são obrigados a aterrar o
local. Eu tento assim trabalhar aspectos para que eles tenham idéia do que é Educação
Ambiental, mas eu não vou te dizer que eu trabalho muito com essa questão nesse sentido,
porque tudo que tu trabalhas está envolvido com a natureza, eu trabalho assim nem sei se
estou no caminho certo, mas eu tento trabalhar com eles dizendo: ‘a natureza somos nós, o
nosso futuro e de todos depende da forma como nós a tratarmos, se vocês hoje cuidarem
amanha nós teremos, se não, não’. Então a gente trabalha neste sentido, porque ate o conteúdo
de 3° série é assim neste trimestre a gente trabalha seres vivos, então dentro destes seres
vivos, eu tentei trabalhar tudo isto, até porque que tem que ter o sapo?
E – Uma simples coisa faz a diferença pra eles. Ali, principalmente na escola onde eu
trabalho, eles são muito carentes, em todos são sentidos, eles são carentes de afeto, das coisas
materiais, em todos os sentidos eles são. Então pra eles a natureza, que dependem dela, muitas
vezes eles vêem como uma coisa não boa. E isso já vem da cultura. Eles estão loucos pra
conhecer o museu oceanográfico, eles sabem que tem o peixe de óculos. E ali por serem mais
carentes eles usam muito as coisas da natureza, o peixe, é claro que eles usam também muita
coisa industrializada, porque infelizmente com essa coisa de trabalhar fora, deixou de se
comer coisa do ambiente, pra comer mais enlatados, chips, balas, e não adianta dizer pra não
107
comer, porque o habito alimentar deles é aquele. As gurias vendem na hora do lanche essas
porcarias, mas se tu não vender ali, eles compram fora. A alimentação ali tem vindo muita
fruta, verdura, carne, alguns comem, outros não gostam daquilo, porque tudo é um habito, e aí
a gente volta aquela historia da conscientização.
E – Muitas vezes eles não têm dinheiro pra comprar, mas aí quando têm, eles dizem: ‘ aí há
fulana todo dia come um chips, eu nunca comi, então hoje eu vou comer’.
3. Os conhecimentos das professoras sobre EA:
E - Sim, nós falamos bastante, nós tínhamos até um trabalho transdisciplinar, com a
professora Cleusa, o professor Jóse Vicente, e matemática que era a professora Ivani. Então
por eu trabalhar numa comunidade que era pesqueira, que tinha esse envolvimento, eu já tinha
feito alguns projetos. Porque na escola em que eu trabalhava, apesar de eu ser professora
municipal, a escola era estadual, então era um convenio que eles tinham entre a Prefeitura e o
Estado, o prédio era do Estado, mas a Prefeitura cedia os professores. De vez em quando tinha
trabalhos ambientais, pela coordenadoria, eu participei de alguns trabalhos, então eu tentava
sempre envolver os alunos com essas questões. Com a faculdade, no caso, ainda tive mais
embasamento de sempre relacionar a teoria e a prática, sempre trazendo para a realidade
deles, então os aspectos ambientais que a gente via na faculdade, principalmente com esse
trabalho trans das professoras, eu tentava sempre levar pras minhas aulas, tanto na
matemática, quanto nas artes, um trabalho conjunto. As provas eu tentava fazer as provas
juntas, no início os pais achavam meio estranho, porque eles queriam um caderno de
português, um caderno de ciências, um de matemática, a forma tradicional a qual eles estavam
acostumados. Mas eu sempre tentei, em todo conteúdo que eu podia relacionar com Educação
Ambiental, por exemplo saídas de campo, quando tinha conteúdos que dava para levá-los para
observar, depois chegavam faziam relação daquilo que viram com Português, com
matemática, eu sempre tentei relacionar.
E – Bom pra mim, Educação Ambiental é tudo aquilo que nos envolve, é tudo, porque assim
como existe essa correlação de nós seres humanos, seres vivos que dependem um do outro,
isso é Educação Ambiental, se tu tens uma formação de quer tudo é importante, que tu precisa
preservar as coisas para que futuramente, não venha a ter problemas. Uma das coisas que a
gente vê muito, por ser filha de pescador, que o pescador ele não tem esse lado ambiental,
então quando vem algum projeto como o NEMA que trabalha em Rio Grande, ou o IBAMA,
eles acham que esses órgãos são contra eles, e eu sempre tento dentro das minhas aulas, fazer
com que os alunos levem para casa que aquilo eles estão fazendo é para preservação, para o
108
futuro deles. Porque se hoje as pessoas dizem: ‘ah não existe peixe’ mas quem é o culpado de
não existir a quantidade de peixe que existia há tantos anos atrás, por causa do pescador,
porque ele não soube preservar o meio onde ele vive. Então Educação Ambiental para mim é
tudo, se tu tiveres uma conscientização. A pessoa tem que estar consciente do que que é e para
que serve, porque se tu não tiver essa maturidade de entender que se tu não preservares, se tu
desperdiçar a água por exemplo. Eu não sei se por conviver com uma pessoa que tem
formação em geografia, que sempre teve muito esse lado, o Paulo sempre teve muito forte
esse lado de preservação, de cuidados, dessa parte, ele sempre me ensina, mesmo antes dele
cursar geografia, ele já tinha esse olhar pra Terra, pro mundo, e dizer que nós somos culpados
por tudo isso que existe hoje. A gente costuma dizer, não existe mais as estações do ano bem
definidas. E saber que nós mesmos, nós Homens acabamos com a Natureza, nós mesmos não
preservamos a Educação Ambiental. As dunas, por exemplo, aqui em São José do Norte,
porque lá na localidade onde eu moro tinha uma plantação muito grande, e um cuidado para
que as dunas não invadissem que na época eles usavam cedrinho e depois eles fizeram uma
plantação de, ‘Lomba verde’, que era um outro tipo de árvore daqui, que aconteceu, a
comunidade tirava pra fazer lenha para o fogão deles. Hoje a areia já invadiu, cobriu várias
casas, e tudo isto porque, por não ter uma conscientização, por causa dos seus próprios atos. E
isso eu lembro, porque uma das casas que a areia tomou conta foi a escola que o meu marido
começou a dar aula. A areia veio tomou conta, ela ficou totalmente tomada, hoje já esta
aparecendo às ruínas da escola, porque a areia já esta se movimentando. Quer dizer tudo isso
se tivesse essa conscientização, a gente sabe que ao longo é pouco, mas se cada professora
plantar uma sementinha na sala de aula. Tem dias que tu ficas desgostosa, porque tu falas com
eles, eles saem dali e fazem exatamente aquilo que tu falaste pra não fazer. E uma das coisas
que me deixa bastante triste é a lancha, nós temos uma professora que trabalha com artes aqui,
que tem uma poesia que fala sobre a lagoa pedindo pra não jogarem, porque assim é habito
das pessoas irem à janelinha da lancha e jogar saqu
109
não lembro bem, mas tem algo ai que eles não querem que tirem. Os educadores ambientais,
só querem proibir de fazer as coisas, eles não vêem que esta proibição é um futuro.
E – Por isso que eu te digo a conscientização deles, através de cursos, mas também a gente diz
cursos, não sei seria o ideal, porque pra ti te conscientizar de uma coisa, a gente que estuda às
vezes custa, não é de um dia pro outro, porque tu vens de uma cultura, tu vês o teu pai, os
irmãos todos te falando aquilo. E eles acham assim o período do defeso que tem agora uma
ajuda, antes não tinham. Então agora eles têm durante aquele período eles ganham pra não
pescar. É pouco, é, mas é uma ajuda, mas mesmo assim sempre tem aqueles que vão ali e
pescam. Ai quando chega ao período de pescar, as vezes não tem mais, se tu parares pra
analisar tem toda uma situação. Ontem por exemplo, as traineiras, até o pessoal de Santa
Catarina vêm bastante, pegaram muito peixe. Aí deu peixe aqui, e ninguém esperava, a
quantidade de peixes que deu, e os pescadores ficaram abismados de ver as redes tão cheias. E
os pescadores daqui pegaram, mas não tinham pra quem vender, porque deu muito peixe,
faltou nas fabricas de Rio Grande caixas pra botar os peixes. Aí caiu o preço de R$ 1.40
passou pra R$1.00. E isso é difícil de trabalhar com eles, porque tu chegar pra eles e dizer por
que eles dizem: ‘ah, eu não pesquei porque eu não podia, mas tava R$1.40, agora eu to
pescando que é quando eu posso e é R$1.00’. Então tudo isso leva muito tempo. Eu tenho
muita esperança, eu estou com 42 anos, então daqui a uns 20 anos, quando eu já tiver netos e
que ele tenha uma educação melhor, que já tenha uma conscientização. Porque do jeito que
esta se as pessoas não se conscientizarem eu não sei onde nós vamos parar. E uma das coisas
que aqui ajudou bastante foi à reciclagem de lixo, e as pessoas começaram a ganhar um
dinheirinho. Então diminuiu o lixo porque aqui era assim os combros era só lixo. Então pelo
menos aquele lixo que esta sendo vendido, que são os papelões, as garrafas pete, o alumínio,
isso já deu uma diminuída na sujeira, porque aí é sujeira. Porque tem o lixo e a sujeira, eles
jogavam tudo junto, e eles não vêem isso como Educação Ambiental, eles vêem isso como um
meio de sobrevivência, muitos estão vivendo daquilo, mas ainda falta à conscientização, que
se tu arrancares uma árvore tu tens que plantar mais uma ou duas.
4. Aspectos da EA abordados nos conteúdos escolares e nas discussões em sala de
aula:
E – os aspectos que geralmente eu trabalho com eles, no período da entre safra, conversar
com eles pra que eles levem esses assuntos pra casa, pra ver se os pais entendem também.
E – Com 3° série, eles são pequenos ainda, como eles têm a tendência, nós enquanto crianças,
a gente tem a tendência de acreditar nos professores, o professor pra gente é um ídolo, eles até
110
nos questionam, mas tu acabas tendo esse cuidado, de passar pra eles algo que eles possam
passar pros pais, mas também ao mesmo tempo tu tens que fazer o contra ponto de quando
eles trazem pra ti, porque eles vêm meio tristes porque o pai não acreditou nele. Então eles
são pequenos, mas os pais já vêm a anos sofrendo. Então são mais estes aspectos de tentar
conscientizá-los de que eles são o futuro, pra que eles quem sabe quando chegarem a idade
dos pais, eles possam estar com uma outra visão. A cultura que esta arraigada é difícil tu
mudar, até tu tentas, até algumas coisas tu consegues, tu não vai desistir, mas a gente tem que
tentar plantar isso é com eles agora, porque (....)
E – Não, não é. Ali cada um trabalha o seu conteúdo. Nós temos um conteúdo.
E - Mais ou menos. Eles mandam conteúdo onde dentro deste conteúdo não se tem uma
Educação Ambiental propriamente dita.
E – É 1° série BE- A- BA, é aquelas coisinhas assim, vai de cada professor se acha que é
interessante trabalhar ou não. Eu não trabalho o nome Educação Ambiental, porque eu
acredito em Educação Ambiental de um modo bem mais abrangente, então tento trabalhar
neste sentido assim de os animais, por exemplo, porque um depende do outro, a cadeia
alimentar. O sapo, as pessoas reclamam, este ano foi um absurdo a quantidade de mosquito e
mosca. Mas não tem mais sapo, e porque não tem mais sapos? Eles começaram a usar muito
agrotóxico nas lavouras, e estes agrotóxicos acabaram com os sapos. E eu contei isso para eles
e eles disseram: ‘ah professora sapo é um bicho nojento’. Eu disse: ‘eu também acho’, eu
tenho horror a sapo, mas ele faz falta. E a gente
111
ênfase a pesca como deveria ser, poderia estar no currículo desde a 1° série, porque é o que tu
tens aqui.
E – eu penso assim, dentro dos aspectos, usarem a pesca como a importância, imagina se não
tivesse pescador, não haveria os peixes, e também tem o outro lado de incentivá-los a estudar,
porque eles têm a tendência de querer ser pescador. Então eu tento trabalhar com esses dois
aspectos, o aspecto bom de ser pescador e o aspecto ruim, eles chegam as vezes na aula no
inverno dizendo: ‘aí que frio professora’, mas tem outros que dizem: ‘professora eu não vou
estudar porque eu quero ser pescador, pra ser pescador não precisa estudar’ , eu digo: ‘não é
bem assim’. Hoje pra ti ser pescador, tu tem que ter primeiro grau completo, então uma das
mudanças que esta tendo sobre a pesca é isso, antes tu não precisava tirar carteira, mas agora
tu tens que ter uma carteira pra ser pescador pra tu teres os direitos se não tu não vais ter. Se
tu pesca aí fora com os barquinhos, antes não precisava ter a carteira, agora eles estão sendo
obrigados a tirar a carteira, e tem que ter toda a documentação, e tem que ter cursos na
capitania e eles vão precisar saber ler e escrever. Então eu tenho tentado usar essa coisa da
pesca, mesmo que eles queiram ser pescadores, pra estimular eles estudarem o mínimo
possível, pra que eles possam ser pescadores, mas eu vejo com bastante preocupação a
questão do conteúdo da pesca nas escolas. Lá na escola, por exemplo, eu não vejo muito
trabalho, talvez ate por a gente não ter esse trabalho coletivo, a gente tem algumas reuniões,
algumas conversas, mas não se tem um trabalho assim que seja bom, como assim, todos vão
trabalhar um projeto que sejam do mesmo conteúdo de acordo com a idade, não é fazer um
trabalho igual, desenvolver os temas, eu vejo com preocupação nesse sentido, eu sempre tento
nas minhas aulas, independente da turma que eu for trabalhar, sempre quando surge, porque
sempre surge na sala de aula, o conteúdo que tu estiveres trabalhando sempre surge uma
curiosidade, agora na época da tainha eles chegam comentando, ‘pegou tainha’ essas coisas.
Eu tenho um aluno maiorzinho que ta com 12, 13 anos, o irmão pesca, e esse irmão pra ele é o
máximo, sair com ele pra pescar no barco, o irmão passa dias fora ai ele pede dinheiro pro
irmão, o irmão sempre tem dinheiro, ele acha que aquilo é tudo. Eu digo: ‘bom, quantos dias
teu irmão fica lá? Quantos dias ele poderia ter saído pra passear, ele não pode, se ele tivesse
tido um outro emprego, ele trabalharia durante o dia, ou à noite e folgaria o dia’. Eu tento
mostrar o outro lado pra eles, não dizendo assim: ‘tu não tem que ser pescador’. E agora ali na
escola a gente também, não na escola, mas no bairro tem um projeto que é a semente da
esperança que é da igreja católica que eles fazem oficinas com algumas coisas. E também eles
têm, mas eles sempre tendem a dizer, as meninas não, mas os meninos que vão querer ser
pescador. Porque eles acham assim, o peixe, a profissão do pescador ela é sacrificante, mas
112
teve um período que tu não precisavas estudar pra ser pescador, mas agora já ta começando
mais de tu teres que ter cursos, de tu teres que pelo menos passar naqueles cursos. E outros
pensam pra que eu vou trabalhar se eu vou acabar sendo pescador mesmo, porque eles sabem
que às vezes tu fazes faculdade te forma e tem que trabalhar em outro setor. Mas pelo menos
eu digo pra eles: ‘pessoal, mas às vezes tem que tentar’, aí tu é pescador, tu vai vender o teu
peixe, não sabe escrever não sabe fazer conta, eles te passam à perna e tu não sabes. Então tu
tens que ter uma prática pra somar, pra diminuir, dividir, tu vai ter que fazer as tuas contas. A
calculadora tu tens que saber usar, e ela também erra. Hoje eu tento conversar com eles, mas
não é que seja o conteúdo mesmo, eu tento trabalhar dentro deste aspecto de conscientizar.
Eles acabam trazendo muitas coisas tamm, e eu sempre tento explorar, não fico dizendo que
isso não é assunto, eu tento aproveitar o máximo possível, como se diz: ‘do limão fazer uma
limonada’, e tirar algum proveito disso.
E – Não. Não tem nenhum envolvimento. Que seja do meu conhecimento não.
E – Sim, é o período que o peixe esta desovando.
E – Teve um período, eu acho que com conteúdo de 4° série, acho que trabalhavam esse
conteúdo com eles, mas não vejo. Eu sempre digo, como eu te disse no inicio, eu sempre
converso quando surge assim: ‘ meu pai foi pescar’, ou então: ‘hoje meu pai vai receber o
seguro desemprego’. Hoje tem também o auxilio para a mulher do pescador, se ela tiver
matricula ela também recebe, parece que são quatro meses que eles recebem, ajuda um pouco
na família, não é todo mundo que tem, ali não é todos que são pescadores.
E – Acredito que era isso mesmo, como eu te falei eu tento sempre dentro do que eu aprendi,
tanto no magistério como na universidade, pegar a teoria e a prática e fazer uma reflexão do
meu trabalho, to sempre me questionando, pra saber se o que eu estou fazendo é realmente o
melhor, às vezes eu tento fazer um trabalho diferenciado, não dá muito certo, por causa da
cultura deles. E eu me questiono, às vezes, e quando vejo eu tenho que entrar no tradicional,
porque é o que faz mais efeito. No trabalho diferenciado tu mandas uma atividade para casa o
pai, a mãe, ou tio, ou alguém que esta em casa também não sabe como ajudá-los. Então é
difícil, é uma coisa que leva muito tempo.
E – Sim muda porque coisas que tu consideravas certo, tu julgavas que estava fazendo certo
como, por exemplo, premiar um aluno por ele acertar a tabuada toda, e eu fazia achando que
era benéfico, e aí tu vês pelas teorias que aquilo não é certo, dentro da psicologia e tudo, que
não é certo, ao contrario, vai criando barreiras neles, vai estimulando a competição. Então tu
vai aprendendo alguma coisa tu modificas, enquanto tu ta fazendo a faculdade tu modificas
depois, de um tempo, já faz seis anos, eu me formei em 2002, aí tu vai vendo não é por aí,
113
coisas que tu vê que tu estavas no caminho errado e tu muda e outras que tu mudou e não
podia ter mudado, porque tu tens que ver que não depende só de ti, depende de todo um
contexto da escola, se não existi um coletivo na escola fica muito difícil dependendo da
situação como tu trabalhas, o teu trabalho pode ser julgado como não sendo bom, tanto pelos
pais quanto pelos colegas. Porque a parte do construtivismo, outro lado da fita – eles precisam
ter toda uma situação, vivenciar aquilo.
E – Eu não me assumo como construtivista nem como tradicional, eu tento fazer uma
mesclagem de tudo isso. Se tu me perguntares hoje como é o teu trabalho, qual a metodologia
que tu utilizas, eu utilizo dentro do que eu vejo que está sendo melhor para aquele tipo de
turma, ou para aquele tipo de conteúdo, eu tento fazer com que teoria e prática andem sempre
juntas, e utilizar o máximo da vida deles, o cotidiano deles, o ambiente onde eles vivem, uso
muito a minha vida também, a vivencia de vida que eu tive, todo o trabalho que eu tive desde
a minha infância ate a minha adolescência, eu sempre quando vou dar um exemplo pra eles,
eu sempre uso aminha, da minha filha, pra que eles se sintam motivados, e sempre digo que é
possível, pra que eles entendam isso, porque muitas vezes eles vem de casa com a auto estima
lá em baixo não são incentivados pelo pai, pela mãe, então eu tento incentivá-los ao máximo,
colocar eles a par, não esconder nada deles, eu sempre digo pra eles que tem dois caminhos a
seguir, a gente mostra e eles tem que escolher qual deles, um vai dar em um lugar, e o outro
num outro lugar, e que as vezes, não quer dizer que a gente não possa voltar e sempre
deixando bem claro pra eles que o professor também se engana, que o professor não é o dono
da verdade, eu uso muito isso na sala de aula sempre com eles. E que nunca a gente sabe tudo.
Eu uso também muito o exemplo do meu marido, porque eles são muito machistas, os
meninos tendem, nós vivemos numa sociedade muito machista, infelizmente ainda estamos e
lá na escola mais ainda, eu tento passar pra eles dizendo: ‘o homem pode ajudar sim, meu
marido ajuda, cuida da minha filha, se tiver que arrumar a cama, e não é bichinha’, porque
eles acham que quem faz isso é ‘bichinha’, é bichinha pra cá, bichinha pra lá, até quando eles
mexem com um colega, eu aproveito aquilo ali pra puxar pra sala de aula e explicar: ‘olha não
é bem assim’, porque a gente percebe, a gente não vê muito, ah não tem futuro, então vou
desistir disso tudo. Se tu for trabalhar esse lado com eles, tu fica entristecida, porque tem dias
que tu percebe assim que não é, principalmente os meninos, as meninas nem tanto, o
preconceito é muito forte, eles vivem assim dentro de casa, porque a maioria das mães ali não
trabalha fora, a maioria das mães é do lar, então eles tem uma visão da mulher..... eu tento
dentro das condições deles, das limitações, eu consigo desenvolver bem este lado, uma coisa
que eu sinto falta, é uma parceria entre professor e aluno, é claro que tem limites, tem que
114
saber a hora de parar, mas eu sempre tento fazer com que eles entendam assim, eu sou
professora, eles são meus alunos, mas nós somos colegas, não tem aquela coisa assim ‘ah tu
não pode falar’ tem que ter ordem.
E – ser professora hoje é um desafio, se já era, é um desafio maior ainda, ser professor hoje, é
ser psicóloga, é ser mãe, principalmente lá na comunidade onde eu trabalho, é ser amiga
deles, é gostar do que tu estas fazendo, porque tem momentos, como em toda profissão, tem
momentos que tu estas angustiada com mil e uma coisa que acontece, tem que pensar em
primeiro lugar assim, eu estou aqui por opção ou por necessidade, então eu tenho que
desempenhar, desenvolver um bom trabalho, errando, acertando, refletindo, principalmente,
ser professor é estar em constante momento de reflexão. Este ano em maio eu completei 20
anos de magistério, eu vejo que cada dia eu aprendo e cada dia eu modifico e estou refletindo
e converso muito com as gurias, parece que eu não sei nada, parece que eu não sei mais ser
professora. Porque cada momento, hoje tu vive assim uma dificuldade maior, eles são mais
questionadores, então tu tem que saber não ser autoritária, mas que também tu não percas a
tua autoridade. Eu acho que o principal é isso, tu teres uma amizade e não te colocar assim eu
sou professor e deu principalmente numa cidade como São José do Norte onde a Educação
ainda não é valorizada como deveria ser, não é a prioridade. Pra mim ser professor é isso.
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