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A Questão Cavalier
– música e sociedade no Império e na República (1846-1914) –
Antonio J. Augusto
2008
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A Questão Cavalier
– música e sociedade no Império e na República (1846-1914) –
Antonio José Augusto
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em História Social, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de
Doutor em História Social.
Orientador: Prof. Dr. Manoel Luiz Salgado
Guimarães
Rio de Janeiro
Março de 2008
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A Questão Cavalier: música e sociedade no Império e na República (1846-1914)
Antonio José Augusto
Orientador: Manoel Luiz Salgado Guimarães
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História Social,
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro -
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor História Social.
Aprovada por:
________________________________________
Presidente, Prof. Manoel Luiz Salgado Guimarães
________________________________________
Prof. Arnaldo Daraya Contier
________________________________________
Prof.ª Martha Abreu
________________________________________
Prof. André Cardoso
________________________________________
Prof. Marcos Bretas
Rio de Janeiro
Abril de 2008
iv
Augusto, Antonio José.
A Questão Cavalier: música e sociedade no Império e na República
(1846-1914)/ Antonio José Augusto. – Rio de Janeiro: UFRJ: PPGHIS,
2008.
xi, 308f.: il.; 31cm.
Orientador: Manoel Luiz Salgado Guimarães.
Tese (doutorado) – UFRJ/ Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/
Programa de Pós Graduação em História Social, 2008.
Referências bibliográficas: f. 262-281.
1. Música. 2. Teatro. 3. Teatro-musicado. 4. Mágica. 5.
Conservatório de Música. 6. Clubs e sociedades musicais. I.
Guimarães, Manoel Luiz Salgado. II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós
Graduação em História Social. III. Título
v
Esta tese é dedicada aos meus amores: Andréa, Victor e César.
vi
Agradecimentos
Aos meus pais, Luiz e Olinda, princípio de tudo.
Ao meu orientador Manoel Luiz Salgado Guimarães, pela confiança e orientação segura.
À Virginia Albuquerque de Castro Buarque e César Maia Buscacio, pela ajuda valorosa
nos primeiros momentos.
À Celeste Zenha, pelo intenso período de convivência e aprendizado.
À Berenice Cavalcante, por seu incentivo e ajuda quando tudo ainda era somente uma
possibilidade.
À Isabel Creão Augusto, sobrinha querida e leitora atenta.
A Aldrin Figueiredo, por suas sugestões, críticas e, sobretudo, por sua amizade.
À Silvia Cristina Martins de Souza, por sua leitura apurada e generosidade.
A Daniel Havens e Terão Chebl, amigos de toda a vida.
A Francisco Augusto, que está sempre na minha memória e no meu coração.
À Maria, Márcio, Joaquim, Cristina, Ana Lúcia, Marinalva, Daniel, Raquel, Fernando e
Manuela, família querida e porto seguro de todas as horas.
À banca examinadora, composta pelos professores Arnaldo Daraya Contier, Martha
Abreu, André Cardoso e Marcos Bretas.
vii
RESUMO
A Questão Cavalier: música e sociedade no Império e na República (1846-1914)
Antonio José Augusto
Orientador: Manoel Luiz Salgado Guimarães
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em
História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de
Doutor História Social.
Ponto de partida desta tese, a Questão Cavalier é um conjunto de documentos
relativos à tentativa de Carlos Severiano Cavalier Darbilly – antigo professor do
Conservatório de Música do Império, formado no célebre Conservatório de Paris –
provar seu direito a ocupar uma posição no Instituto Nacional de Música,
estabelecimento oficial para o ensino musical instituído com o advento da República.
Este impedimento suscita o questionamento dos fatores que proporcionaram seu
reconhecimento no Segundo Reinado e seu posterior afastamento das posições de
prestígio musical pela nova ordem republicana. Esta problemática é abordada partir do
entrecruzamento da trajetória pessoal deste músico com a constituição de uma rede de
relações sócio-culturais, a “sociedade dos músicos”. A “sociedade dos músicos”, por
sua vez, torna-se presente em alguns lugares diretamente voltados à produção e à prática
musical: o Conservatório de Música e o Instituto Nacional de Música; os Clubs e
Sociedades Musicais e os teatros. Tais lugares são núcleos de complexas inter-relações
e tensões, que envolvem dimensões do poder, da sociabilidade e da linguagem musical.
Desta forma, analisamos a sedimentação da “sociedade dos músicos” no período do
Império e sua posterior ação nos primeiros anos da República, atentos ao trânsito entre a
prática musical oficial e a popular, evidenciando a diferença de interesses, percepções e
condutas sobre a música, especialmente no que tange a um gênero específico do teatro-
musicado: a Mágica.
Palavras-chave: 1. Música. 2. Teatro. 3. Teatro-musicado. 4. Mágica. 5. Conservatório
de Música. 6. Clubs e Sociedades Musicais.
Rio de Janeiro
Abril de 2008
viii
ABSTRACT
The Cavalier Question: music and society in the Empire and the Republic
(1846-1914)
Antonio José Augusto
Orientador: Manoel Luiz Salgado Guimarães
Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em
História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de
Doutor História Social.
Starting point of this thesis, the Cavalier Question is a set of documents relative
to the attempt of Carlos Severiano Cavalier Darbilly – former professor of the
Conservatory of Music of the Empire, formed at the renowned Conservatory of Paris –
to prove his right to occupy a position in the National Institute of Music, official
establishment for musical education instituted with the advent of the Republic. This
impediment excites the questioning of the factors that had provided his recognition
during the Empire and his posterior removal from positions of musical prestige by the
new republican order. This problem is approached crossing Cavalier Darbilly’s personal
trajectory with the constitution of a net of socio-cultural relations, the “society of the
musicians”. The “society of the musicians”, in it’s turn, becomes present in some places
straightly directed to the musical practices and production: the Conservatory of Music
and the National Institute of Music; the Clubs and Musical Societies and the theaters.
Such places are centers of complex inter-relations and tensions, which involve
dimensions of the power, the sociability and the musical language. In such a way, we
analyze the sedimentation of the “society of the musicians” in the period of the Empire
and its posterior action in the first years of the Republic, observing the official musical
practices and also the practices of a popular idiom, evidencing the difference of
interests, perceptions and conducts on music, especially when it refers to a specific sort
of the musical theater: A Mágica.
Key-words: 1. Music. 2. Theater. 3. Musical theater. 4. Mágica. 5. Conservatory of
Music. 6. Clubs and Musical Societies.
Rio de Janeiro
April of 2008
ix
SUMÁRIO
Introdução ................................................................................................. 1
1. A Questão Cavalier ............................................................................... 17
2. Os lugares de prática musical .............................................................. 52
2.1. O Conservatório de Música ................................................................. 54
2.2. Os Teatros do Império ......................................................................... 77
2.3. Os Teatros da capital do Império ......................................................... 96
2.4. As Sociedades e Clubes Musicais ....................................................... 119
3. Da sociedade de música à sociedade dos músicos ............................... 135
4. A Mágica .................................................................................................. 189
5. Mágicas tensões ....................................................................................... 229
6. Conclusão ................................................................................................. 259
7. Bibliografia ............................................................................................... 262
8. Anexos
Anexo A: Cronologia de Cavalier Darbilly ................................................... 282
Anexo B: Mágicas ......................................................................................... 287
Anexo C: Valores de multa do Regulamento da Companhia Lírica. 1852 ... 304
Anexo D: Óperas no Teatro S. Pedro (1844-1850) ....................................... 306
Anexo E: José Amat ...................................................................................... 307
x
ÍNDICE DE GRÁFICOS, TABELAS E ILUSTRAÇÕES.
Gráficos:
1. Número de alunos do Conservatório ..........................................................................59
2. Número de professores do Conservatório ..................................................................59
3. Relação entre alunos matriculados e que prestaram exames (1870-1888) ................69
4. Resultados dos exames ..............................................................................................70
5. Disposição dos alunos nas aulas do Conservatório ...................................................71
6. Variação dos alunos do Conservatório de acordo com o gênero ..............................72
7. Teatros e Clubes na Capital do Império ...................................................................97
8. Relação Ópera e música de concerto .......................................................................130
9. Club Mozart: Repertório vinculado à ópera ............................................................131
10. Conservatório: Repertório vinculado à ópera ........................................................132
11. Professores de música no Rio de Janeiro (1847-1888) ..........................................138
12. Mágicas: material temático ....................................................................................209
Tabelas:
1. Composição interna dos teatros (1883) ....................................................................113
2. Denominações dos teatros (1863-1888) ...................................................................114
3. Preços de ingressos dos teatros (1883) .....................................................................115
4. Professores do Conservatório de Música (1848-1865) ............................................140
5. Administração do Conservatório de Música (1848-1865) .......................................140
6. Professores do Conservatório de Música (1866-1880) ............................................173
7. Ocupação das Mágicas nos Teatros (1888-1905) ....................................................219
8. Ocupação das Revistas nos Teatros (1888-1905) ....................................................220
Ilustrações:
1. Teatro São João. Bahia ............................................................................................. 79
2. Teatro São Pedro. Rio Grande do Sul .......................................................................82
3. Teatro São Luiz. Maranhão .......................................................................................86
4. Teatro Imperial D. Pedro II .................................................................................... 102
5. Teatro São Luiz. Rio de Janeiro ............................................................................. 106
6. Teatro Recreio Dramático .......................................................................................111
7. Concerto em favor da família do finado Francisco Manuel da Silva,
na noite do dia 1º de dezembro de 1871 ......................................................................122
8. Concerto dado pelo Club Mozart na noite de dez de dezembro de 1870.
Aspectos do salão principal na noite da inauguração ................................................. 126
9. Companhia Lírica ....................................................................................................165
10. Partitura do Ali-Babá............................................................................................. 215
11. Fonógrafo “Concerto” .......................................................................................... 248
12. Lirofone ................................................................................................................ 248
13. Catálogo da Casa Edison, 1902 ............................................................................ 249
Esta tese é dedicada aos meus amores: Andréa, Victor e César.
Agradecimentos
Aos meus pais, Luiz e Olinda, princípio de tudo.
Ao meu orientador Manoel Luiz Salgado Guimarães, pela confiança e orientação segura.
À Virginia Albuquerque de Castro Buarque e César Maia Buscacio, pela ajuda valorosa
nos primeiros momentos.
À Celeste Zenha, pelo intenso período de convivência e aprendizado.
À Berenice Cavalcante, por seu incentivo e ajuda quando tudo ainda era somente uma
possibilidade.
À Isabel Creão Augusto, sobrinha querida e leitora atenta.
A Aldrin Figueiredo, por suas sugestões, críticas e, sobretudo, por sua amizade.
À Silvia Cristina Martins de Souza, por sua leitura apurada e generosidade.
A Daniel Havens e Terão Chebl, amigos de toda a vida.
A Francisco Augusto, que está sempre na minha memória e no meu coração.
À Maria, Márcio, Joaquim, Cristina, Ana Lúcia, Marinalva, Daniel, Raquel, Fernando e
Manuela, família querida e porto seguro de todas as horas.
RESUMO
A Questão Cavalier: música e sociedade no Império e na República (1846-1914)
Antonio José Augusto
Orientador: Manoel Luiz Salgado Guimarães
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em
História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor
História Social.
Ponto de partida desta tese, a Questão Cavalier é um conjunto de documentos
relativos à tentativa de Carlos Severiano Cavalier Darbilly – antigo professor do
Conservatório de Música do Império, formado no célebre Conservatório de Paris – provar
seu direito a ocupar uma posição no Instituto Nacional de Música, estabelecimento oficial
para o ensino musical instituído com o advento da República. Este impedimento suscita o
questionamento dos fatores que proporcionaram seu reconhecimento no Segundo Reinado e
seu posterior afastamento das posições de prestígio musical pela nova ordem republicana.
Esta problemática é abordada partir do entrecruzamento da trajetória pessoal deste músico
com a constituição de uma rede de relações sócio-culturais, a “sociedade dos músicos”. A
“sociedade dos músicos”, por sua vez, torna-se presente em alguns lugares diretamente
voltados à produção e à prática musical: o Conservatório de Música e o Instituto Nacional
de Música; os Clubs e Sociedades Musicais e os teatros. Tais lugares são núcleos de
complexas inter-relações e tensões, que envolvem dimensões do poder, da sociabilidade e
da linguagem musical. Desta forma, analisamos a sedimentação da “sociedade dos
músicos” no período do Império e sua posterior ação nos primeiros anos da República,
atentos ao trânsito entre a prática musical oficial e a popular, evidenciando a diferença de
interesses, percepções e condutas sobre a música, especialmente no que tange a um gênero
específico do teatro-musicado: a Mágica.
Palavras-chave: 1. Música. 2. Teatro. 3. Teatro-musicado. 4. Mágica. 5. Conservatório de
Música. 6. Clubs e Sociedades Musicais.
Rio de Janeiro
Abril de 2008
ABSTRACT
The Cavalier Question: music and society in the Empire and the Republic
(1846-1914)
Antonio José Augusto
Orientador: Manoel Luiz Salgado Guimarães
Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em
História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de
Doutor História Social.
Starting point of this thesis, the Cavalier Question is a set of documents relative
to the attempt of Carlos Severiano Cavalier Darbilly – former professor of the
Conservatory of Music of the Empire, formed at the renowned Conservatory of Paris –
to prove his right to occupy a position in the National Institute of Music, official
establishment for musical education instituted with the advent of the Republic. This
impediment excites the questioning of the factors that had provided his recognition
during the Empire and his posterior removal from positions of musical prestige by the
new republican order. This problem is approached crossing Cavalier Darbilly’s personal
trajectory with the constitution of a net of socio-cultural relations, the “society of the
musicians”. The “society of the musicians”, in it’s turn, becomes present in some places
straightly directed to the musical practices and production: the Conservatory of Music
and the National Institute of Music; the Clubs and Musical Societies and the theaters.
Such places are centers of complex inter-relations and tensions, which involve
dimensions of the power, the sociability and the musical language. In such a way, we
analyze the sedimentation of the “society of the musicians” in the period of the Empire
and its posterior action in the first years of the Republic, observing the official musical
practices and also the practices of a popular idiom, evidencing the difference of
interests, perceptions and conducts on music, especially when it refers to a specific sort
of the musical theater: A Mágica.
Key-words: 1. Music. 2. Theater. 3. Musical theater. 4. Mágica. 5. Conservatory of
Music. 6. Clubs and Musical Societies.
Rio de Janeiro
April of 2008
SUMÁRIO
Introdução ................................................................................................. 1
1. A Questão Cavalier ............................................................................... 17
2. Os lugares de prática musical .............................................................. 52
2.1. O Conservatório de Música ................................................................. 54
2.2. Os Teatros do Império ......................................................................... 77
2.3. Os Teatros da capital do Império ......................................................... 96
2.4. As Sociedades e Clubes Musicais ....................................................... 119
3. Da sociedade de música à sociedade dos músicos ............................... 135
4. A Mágica .................................................................................................. 189
5. Mágicas tensões ....................................................................................... 229
6. Conclusão ................................................................................................. 259
7. Bibliografia ............................................................................................... 262
8. Anexos
Anexo A: Cronologia de Cavalier Darbilly ................................................... 282
Anexo B: Mágicas ......................................................................................... 287
Anexo C: Valores de multa do Regulamento da Companhia Lírica. 1852 ... 304
Anexo D: Óperas no Teatro S. Pedro (1844-1850) ....................................... 306
Anexo E: José Amat ...................................................................................... 307
ÍNDICE DE GRÁFICOS, TABELAS E ILUSTRAÇÕES
Gráficos:
1. Número de alunos do Conservatório ..........................................................................59
2. Número de professores do Conservatório ..................................................................59
3. Relação entre alunos matriculados e que prestaram exames (1870-1888) ................69
4. Resultados dos exames ..............................................................................................70
5. Disposição dos alunos nas aulas do Conservatório ....................................................71
6. Variação dos alunos do Conservatório de acordo com o gênero ...............................72
7. Teatros e Clubes na Capital do Império .....................................................................97
8. Relação Ópera e música de concerto ...................................................................... 130
9. Club Mozart: Repertório vinculado à ópera ............................................................ 131
10. Conservatório: Repertório vinculado à ópera ........................................................132
11. Professores de música no Rio de Janeiro (1847-1888) ......................................... 138
12. Mágicas: material temático ................................................................................... 209
Tabelas:
1. Composição interna dos teatros (1883) ...................................................................113
2. Denominações dos teatros (1863-1888) ................................................................. 114
3. Preços de ingressos dos teatros (1883) ....................................................................115
4. Professores do Conservatório de Música (1848-1865) ........................................... 140
5. Administração do Conservatório de Música (1848-1865) .......................................140
6. Professores do Conservatório de Música (1866-1880) .............................................173
7. Ocupação das Mágicas nos Teatros (1888-1905) .....................................................219
8. Ocupação das Revistas nos Teatros (1888-1905) .................................................... 220
Ilustrações:
1. Teatro São João. Bahia ............................................................................................. 79
2. Teatro São Pedro. Rio Grande do Sul ........................................................................82
3. Teatro São Luiz. Maranhão ........................................................................................86
4. Teatro Imperial D. Pedro II .................................................................................... .102
5. Teatro São Luiz. Rio de Janeiro ............................................................................. .106
6. Teatro Recreio Dramático ........................................................................................111
7. Concerto em favor da família do finado Francisco Manuel da Silva,
na noite do dia 1º de dezembro de 1871 ......................................................................122
8. Concerto dado pelo Club Mozart na noite de dez de dezembro de 1870.
Aspectos do salão principal na noite da inauguração ................................................. 126
9. Companhia Lírica ....................................................................................................165
10. Partitura do Ali-Babá............................................................................................. 215
11. Fonógrafo “Concerto” .......................................................................................... 248
12. Lirofone ................................................................................................................ 248
13. Catálogo da Casa Edison, 1902 ............................................................................ 249
1
Introdução
No dia 18 de Janeiro de 1890, poucos meses após o golpe militar que resultou na
Proclamação da República, o governo provisório anunciava através de decreto os nomes
dos integrantes que formariam a direção e o corpo docente de sua nova instituição oficial
de ensino musical, o Instituto Nacional de Música. Entre os eleitos para assumir esta
posição de destaque, uma ausência ressoava: era Carlos Severiano Cavalier Darbilly (1846-
1914), prestigiado músico formado pelo Conservatório de Paris, professor do
Conservatório de Música do Império e detentor das mais diversas distinções galgadas em
sua trajetória social.
Dizendo-se vítima de uma perseguição, Darbilly apresentou em 20 de Fevereiro de
1890 uma Representação
1
à Secretaria de Estado dos Negócios do Interior, iniciando um
processo somente encerrado em 1911, através do qual ele tenta provar seu direito de
pertencer ao quadro de professores do Instituto Nacional de Música. Pelas páginas desse
processo, batizado em 1895 na Secretaria da Presidência da República como a Questão
Cavalier, encontramos nomes importantes da história da música brasileira como Leopoldo
Miguez (1850-1902), Alberto Nepomuceno (1864-1920), Rodrigues Barbosa (1857-1939)
e vários ministros e funcionários do governo que participaram deste embate.
A extinção do Conservatório de Música e a criação do Instituto Nacional de Música
através do decreto nº. 143, de 12 de janeiro de 1890, era o marco do tratamento que a nova
ordem de poder daria à música no Brasil, o início de um processo que tinha como primeira
etapa a reformulação dos métodos de ensino e do conteúdo programático. Com orgulho,
Leopoldo Miguez, primeiro diretor da instituição, relatava que o programa de ensino
organizado para o Instituto era equivalente aos dos Conservatórios de Paris, Munique,
1
O termo representação, aqui utilizado, refere-se a uma exposição escrita de pedido, queixa ou reclamação.
2
Milão, e que não tardaria a apresentar seus resultados incluindo o Brasil no grande concerto
das nações.
2
A não adequação de Cavalier Darbilly a este novo patamar de referência é
instigante, colocando dois problemas ao historiador: que fatores propiciaram seu
reconhecimento no Segundo Reinado e o que levaria a seu posterior afastamento das
posições de prestígio musical após a instauração da República? Tais problemáticas só
podem ser respondidas a partir do entrecruzamento da trajetória pessoal deste músico com
a constituição de uma rede de relações sócio-culturais, denominada por Avelino Romero,
com base nas pesquisas sociológicas de Halbwachs, “sociedade dos músicos”
3
. A
sociedade dos músicos, por sua vez, corporifica-se em alguns lugares diretamente voltados
à produção e à prática musical: a Capela Imperial; o Conservatório de Música e o Instituto
Nacional de Música; os Clubs e Sociedades Musicais e o teatro. Tais lugares, mais do que
espaços meramente institucionais, são núcleos de complexas inter-relações e tensões,
abrangendo dimensões do poder, da sociabilidade e da linguagem musical.
Eram espacialidades que disputavam as atenções do Governo, como também as
concessões de subvenções ou loterias, instrumentos que corroboravam a interferência do
Estado nos diversos aspectos que compreendiam o cotidiano desses estabelecimentos. Era
prerrogativa do Governo assinar os contratos com as empresas (ou os empresários) que
ocupariam os teatros, contratos esses que previam desde utilização da verba concedida até
o formato das companhias e orquestras a serem utilizadas; a ele cabia a nomeação do
diretor, do secretário, do tesoureiro, e dos professores que serviriam ao Conservatório, o
mesmo acontecendo no Instituto Nacional de Música; também era o responsável pela
contratação e pagamento dos músicos e dirigentes da Capela Imperial.
2
INSTITUTO NACIONAL DE MÚSICA. Informação ao Sr. Ministro do Interior Dr. José Cesario de
Faria Alvim, feita pelo diretor do Instituto Nacional de Música Leopoldo Miguez. 29 de Março de 1890.
Documento manuscrito. Acervo Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
3
Romero utiliza o conceito de Maurice Halbwachs para quem a relação música e sociedade se estabelece
através da utilização de uma linguagem e de uma técnica aprendidas e apreendidas coletivamente, no seio
da “sociedade dos músicos”, subgrupo no interior da sociedade. O termo, esclarece o autor, designa o
subgrupo social formado por compositores, regentes, instrumentistas, cantores, professores, estudantes,
críticos, editores de música, “todos aqueles que diretamente ou indiretamente possibilitam ou
inviabilizam um projeto estético”. PEREIRA, Avelino Romero Simões. Música, sociedade e Política:
Alberto Nepomuceno e a República Musical do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007. p.
29.
3
Estes lugares de atuação musical estão diretamente relacionados à formação deste
segmento cultural particular – o dos músicos – e, de maneira singular, à trajetória pessoal
de Darbilly. Permitiam o acesso a posições de prestígio e, sobretudo, delimitavam os
embates em torno do direito de poder afirmar quem pertence ou não ao segmento. Se em
um primeiro momento as ações se voltam para a formalização do espaço social dos
músicos, em seguida é forçosa a luta pela manutenção desse espaço, ameaçado em sua
ordem pela própria expansão da sociedade dos músicos e de seus lugares de prática
musical. Coerente com a sua trajetória, de um músico que busca uma existência social
marcada pela distinção, Darbilly não se furtaria às disputas inerentes à tentativa de ocupar
as posições de prestígio disponibilizadas por esses lugares.
Esses espaços eram núcleos de tensões e articulações que constrangiam diretamente
os gêneros/formas musicais em voga no período proposto. Neste aspecto destaca-se a
importância simbólica de Darbilly: de compositor erudito formado no Conservatório de
Paris ao reconhecimento como autor de Mágicas e música para teatro, revela em suas
opções estéticas a tensão que marcava a produção musical do período proposto,
influenciada pela expansão dos lugares de prática musical e pelas relações sociais
construídas ou às quais se submetiam os agentes musicais.
Uma interpretação da sinuosidade do percurso de Darbilly em meio à sociedade dos
músicos remete à discussão historiográfica acerca dos critérios identitários de uma
produção musical “nacional”. Em artigo publicado em outubro de 1999, a musicóloga
Vanda Freire alertava para a necessidade de se repensar a historiografia da música
brasileira em outras bases, libertando a reflexão sobre nossa identidade musical da ótica do
início do século, incluindo-se aí Mário de Andrade. Pois havia no século XIX, segundo a
pesquisadora, “uma proliferação de manifestações nacionalistas acontecendo nos diversos
espaços em que se faz música, dos salões às ruas e aos teatros”.
4
Com precisão, Freire coloca as questões centrais que permeiam nossa reflexão sobre
a historiografia musical brasileira. Primeiro, por se referir à ampla influência do
pensamento modernista e, em particular, a Mário de Andrade e sua concepção de história
4
FREIRE, Vanda Lima Bellard. “A mágica”. In OPUS. Revista Eletrônica da Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Música – ANPPOM. Volume 6, Outubro de 1999.
4
da arte – que, como bem descreve Daraya Contier
5
, é marcada por seu caráter
evolucionista, iluminista e de traços positivistas –. Sob esta ótica, desvinculam-se do
contexto sócio-cultural as particularidades das práticas artísticas, impedindo o estudo de
suas teias de relações sociais. Segundo, por nos remeter ao alijamento da produção musical
do séc. XIX das discussões historiográficas. De acordo com André Cardoso
6
, o preconceito
contra a música deste período teria surgido com o movimento modernista e ocasionado a
“rejeição” de toda a produção artística brasileira anterior ao movimento.
Entretanto, essa característica evolucionista de traços positivistas não era particular
a Mário de Andrade, mas já se manifestava entre os intelectuais que, em meio ao
surgimento da República nos fins do séc. XIX, intensificaram as discussões em torno de
uma história da música brasileira. Fruto desse período é a primeira publicação dedicada ao
tema – A música no Brasil –, publicada originalmente em 1908, onde, de acordo com
citação de Araújo
7
, o seu autor, Guilherme Melo sublinha seu desejo de demonstrar com
provas exuberantes que não somos sem arte e sem literatura e “que pelo menos a música no
Brasil tem feições características e inteiramente nacional
8
. Em A música no Brasil
encontramos a descrição do mito das três raças formadoras que durante muito tempo
influenciaria as produções sobre cultura brasileira.
Ainda dentro da linha evolucionista, foi lançada na Itália, em 1926, a Storia della
Musica nel Brasile – dai tempi coloniali sino ai nostro giorni de Vicenzo Cernicchiaro,
seguida neste mesmo ano da obra de Renato de Almeida: História da Música Brasileira
(uma segunda edição revista e ampliada foi lançada em 1942). Em 1956 é a vez de Luiz
Heitor Azevedo lançar seu compêndio 150 anos de Música no Brasil (1800-1950),
delimitando uma primeira etapa da historiografia da música brasileira.
Em comum, todas têm o fato de centralizar sua atenção na produção erudita,
priorizando dados, personagens e acontecimentos relacionados com essa linha de produção
musical. A questão popular é tratada na ordem do folclore ou em citações não aprofundadas
5
CONTIER, Arnaldo Daraya. “História e Música, novas abordagens”. In: História hoje: balanço e
perspectivas/ IV encontro regional da ANPUH-RJ, 16 a 19 de outubro de 1990. Rio de Janeiro: Associação
Nacional dos Professores Universitários de História, 1990. p. 83-99.
6
CARDOSO, André. A música na capela real e imperial do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Academia
Brasileira de Música, 2005. p. 9.
7
ARAÚJO, Samuel. “Identidades Brasileiras e representações musicais: músicas e ideologias da
nacionalidade”. In: Brasiliana. Revi6(r827per)-e Janeiros41siliana
5
dos nomes de “maior destaque”. Ignora-se o processo estabelecido da formação do choro, a
expressão do samba e, sobretudo, a produção fonográfica – processo iniciado ainda na
primeira década do séc. XX – e suas relações com a difusão da música popular urbana, fato
determinante para o estabelecimento desta no inconsciente musical brasileiro.
Em uma segunda etapa da historiografia brasileira, surgem obras dedicadas
exclusivamente ao fenômeno da música popular. Ary Vasconcelos lança, em 1964,
Panorama da Música Brasileira, e em seguida Raízes da Música Popular Brasileira
(1977); Panorama da Música Brasileira na Belle Époque (1977) e Carinhoso e etc.-
História e Inventário do Choro (1984). Em 1966, José Ramos Tinhorão inicia sua vasta
produção da qual destacamos a Pequena História da Música Popular Brasileira: da
modinha à canção de protesto (1973), agora já na sua 6ª edição, revista e ampliada e com o
novo título de Pequena História da Música Popular Brasileira: da modinha à lambada
(1991) e a História Social da Música Popular Brasileira (1990).
Esses dois autores realizam trabalhos com metodologias opostas. Enquanto Ary
Vasconcelos opta por uma verdadeira catalogação dos personagens – compositores,
instrumentistas, cantores e etc. – que marcaram a história da música, o segundo assume as
formas estabelecidas e suas relações com o contexto – para ele “problema cultural é um
problema político
9
– como material central de suas reflexões.
Tinhorão registra o processo de nacionalização sonora pelo choro, visto aqui, como
uma ampliação das práticas musicais dos grupos de música de barbeiros, das bandas e liras
que exerciam a função de “fornecedores” de música nas festas públicas. Substituindo os
barbeiros – negros e mestiços – apareciam os pequenos funcionários de serviços públicos e
de empresas particulares, como aquelas da área de transporte urbano, iluminação pública e
da produção de gás. Nesta linha, o autor conduz seu pensamento a respaldar sua definição
do choro, como uma expressão das classes “média e baixa” da sociedade do final do séc.
XIX. Classes essas, que por não mais se identificarem com a música dos negros, nem
tampouco compreenderem a música erudita da classe “superior”, formatam uma produção
condizente com seu gosto e gesto social.
Porém, existe um dado que Tinhorão não esclarece: o fato de que os sedimentadores
da música popular urbana – aqui leia-se Henrique Alves Mesquita (1830-1906), Joaquim
9
TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo: Ed. 34, 199. p. 11
6
Callado (1848-1880), Chiquinha Gonzaga (1847-1939), Cavalier Darbilly, Anacleto de
Medeiros (1866-1907), José Soares Barbosa (1820?- 1876) e outros –, não só eram
profundos conhecedores da música erudita, como exerciam suas práticas, e delas retiravam
elementos para suas formalizações musicais.
Outro momento de nossa historiografia da música brasileira acontece a partir dos
anos noventa, quando se intensifica a produção acadêmica, dedicada em sua grande parte
ao estudo da música popular. Para pensar sobre essa produção fizemos um levantamento
bibliográfico
10
de 80 títulos, incluindo dissertações de mestrado, teses de doutorado e
publicações em revistas especializadas em história. Dentro desse universo está clara a
opção pelos estudos centralizados na década de 60, enfocando a canção, a bossa-nova, e,
especialmente, a tropicália, suas ligações com o pensamento modernista e suas
“implicações” antropofágicas. Da mesma forma, os trabalhos que abordam a identidade
cultural brasileira recorrem ao movimento modernista para a elucidação de nossa situação
cultural. Vimos, assim, a pertinência das palavras de Eduardo Jardim ao afirmar que
continuamos a dialogar com o modernismo, como ele o fez com os momentos que o
antecederam
11
.
Assim podemos perceber que o modernismo constitui a retomada e o
adiantamento de um caminho já aberto na nossa vida intelectual. Poderemos
perceber igualmente que ele opera uma releitura do passado da discussão em
torno do tema da brasilidade.
12
Porém, mesmo se expressando claramente como um movimento de retomada, de
continuidade de um caminho já aberto, institui-se no nosso imaginário a conexão entre a
construção de uma identidade cultural brasileira e o movimento modernista. Essa idéia irá
se projetar de maneira indiscutível, a ponto de reduzir a produção musical anterior ao
movimento a uma melancólica qualificação de “lindas bonecas de biscuit, barro chinês,
celulóide ou de massa, com olhares ternos de brasilienses, mas muito bem vestidas à
maneira e costumes estrangeiros”, como fez Villa-Lobos.
13
10
Referências desta produção foram, em grande número, encontradas no artigo de NAVES, Santuza
Cambraia; COELHO, Frederico Oliveira; BACAL, Tatiana; MEDEIROS, Thais. “Levantamento e
comentário crítico de estudos acadêmicos sobre música popular no Brasil”. In ANPOCS bib – Revista
Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais 51, São Paulo, 1o. semestre de 2001.
11
MORAES, Eduardo Jardim. A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1978. p. 17
12
Idem. Ibidem. p. 16 e 17
13
apud. NEVES, José Maria. Música contemporânea brasileira. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1981, p. 27
7
Deste breve recorte podemos, então, perceber três enfoques básicos no contexto da
historiografia da música brasileira: o primeiro ligado a uma prática historiográfica onde a
produção musical está vinculada ao gênio individual, ignorando-se as relações da obra
musical, bem como dos agentes responsáveis por sua produção, com a sociedade onde está
inserida. O segundo relaciona o pensar sobre a produção musical popular urbana e a erudita
do final do séc. XIX e começo do séc. XX como resultados de processos de formalização
diferenciados, desconhecendo seus mecanismos de “circularidade”, de mútuo alimentar. O
terceiro enfoque está relacionado à recorrência ao pensamento modernista como referência
à reflexão sobre identidade cultural brasileira e consequentemente a “rejeição” da produção
musical do séc. XIX.
Portanto, de maneira mais geral, é como contribuição ao pensar histórico sobre a
relação música e sociedade no Brasil que observamos nosso projeto, ampliando para além
do modernismo as possibilidades de referências de nosso arcabouço cultural. Neste sentido,
após apresentarmos no primeiro capítulo a Questão Cavalier, inter-relacionaremos a
trajetória pessoal de Darbilly com a espacialidade sócio-cultural configuradora da
“sociedade dos músicos” na segunda metade do século XIX, destacadamente os lugares de
prática musical (segundo capítulo); os agentes e seus embates na formalização do
segmento, bem como suas disputas por posições de prestígio (terceiro capítulo); os
gêneros/formas musicais em voga no período proposto, destacando-se a produção do
teatro-musicado e mais especificamente a Mágica (quarto capítulo). No quinto e último
capítulo visamos reconstituir a formulação de um ideário musical republicano e suas
imbricações às concepções de “nacional” e de “moderno”, indicando mudanças e/ou
continuidades frente às perspectivas que o antecederam. Assim, é aqui que discutiremos a
Questão Cavalier relacionada às diferentes opções estéticas, e o que nos revela sobre a
tensão que marcava a produção musical do período proposto.
O ponto de partida de nosso trabalho é a possibilidade de entrecruzar a trajetória
pessoal de Cavalier Darbilly com a constituição de um segmento social particular: a
sociedade dos músicos. Assim, levantamos duas questões gerais, uma ligada à trajetória
deste músico e seus embates até o reconhecimento como artista ocupante de um espaço
social privilegiado, e outra ligada ao seu alijamento desta posição com o advento da
República.
8
Nossa hipótese central é que este alijamento de Darbilly, para além de sua
vinculação com o Império, está essencialmente ligado à sua prática musical, que entre
outros aspectos era marcada pela utilização de materiais da cultura popular urbana. Esta
produção entrava em conflito com os ditames da nova liderança musical republicana, que,
fortemente influenciado pelo pensamento positivista e seu entendimento da música erudita
como o gênero possível de ser observado como “científico”, dedicava-se a uma produção
que se enquadrasse na concepção ocidental, única aceitável, de uma identidade cultural:
branca, educada, refinada.
14
Maria Isaura de Queiroz
15
indica que os processos de identificação de grupos e
sociedades apresentam-se como estratégias de defesa contra perigos que ameaçam
coletividades e suas maneiras de ser. A partir da segunda metade do século XIX, com a
sociedade musical estando em uma nova ordem, distante da centralizada e hierárquica que a
marcava em sua origem, vamos encontrar suas atividades divididas nas diversas
espacialidades de atuação musical. Tais lugares, regidos por suas leis próprias e com uma
opção estilística particular, disputavam as atenções do público e do poder instituído e,
sobretudo, eram os espaços onde os agentes musicais travavam embates em torno do
monopólio de poder afirmar quem era digno de ser chamado músico e por conseqüência, de
ter sua arte reconhecida como a mais autêntica.
O advento da República marca a ascensão aos postos de prestígio de determinado
grupo que atuava em um desses lugares de práticas musicais. Desta forma, a tentativa de
impor conceitos e normas não era um fato novo, mas um estágio diferenciado das disputas
travadas ao longo dos anos no Império. Representava não uma ruptura, mas a continuidade
de um discurso baseado em conceitos como “civilização”, “nacional” e “moderno”, que se
adaptariam à construção do novo ideário republicano.
16
Assim, ao observarmos os resultados sociais desta tensão – e o perigo que
representam às suas coletividades referentes – e apontarmos os significantes desses
processos de identificação, acreditamos estar contribuindo para ampliar, para além do
movimento modernista, a compreensão de nosso arcabouço cultural.
14
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de Queiroz. Identidade Cultural, Identidade Nacional no Brasil. In Tempo
Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 1sem. 1989, p. 26-46.
15
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de Queiroz. Op.cit. p. 45.
16
MELO, Maria Teresa Chaves. A República Consentida: cultura democrática e cientifica do final do
Império. Rio de Janeiro: Editora FGV: Editora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Edur), 2007.
9
Ao se trazer uma questão musical para o âmbito da história social da cultura, deve-
se, antes de tudo, questionar a idéia de que a obra de arte, em nosso caso especificamente a
música, pertença ao reino do inexplicável, fruto de um trabalho criativo meramente
individual, e que por sua natureza subjetiva somente possa ser avaliada por critérios
estéticos. Em seu artigo sobre a escrita da história da música, Lydia Goehr
17
discorre sobre
como essa visão puramente estética está quase sempre ligada à ideologia romântica, que em
sua transcendental expressão, refere-se à estética como um domínio erguido acima do
mundo “ordinário” e “mundano”.
Sendo um objeto estético, a obra musical estaria consequentemente dissociada do
curso regular dos acontecimentos e, sendo assim, seria um produto ‘não-histórico’. Sob esta
lógica – pergunta a Goehr –, como uma entidade ‘não-histórica’ pode ser tratada
historicamente? A resposta poderia vir do paralelo entre obra musical e indivíduo:
Just as a person is both an individual and a social animal – has an inward and an
outward-looking face – so a music work is both an aesthetic and a historical
entity. And just as people define themselves from inside out, so a musical work
gives priority to the aesthetic. But the point is that the opposite follows just as
well. Just as people might define themselves from the outside in, so too a
musical work. This way around, the aesthetic character of a work is derived or
extrapolated, without derogatory connotation, from its historical character.
18
Goehr sugere que, pelo contraste, os domínios da estética e da história são
mutuamente dependentes, influenciando e reforçando um ao outro. Essa interdependência
se caracteriza pela sua forma não reducionista e pela falta de processos de absorção de uma
pela outra. Cada uma se define por suas diferenças, e nestas diferenças afirmam a
impossibilidade da existência de uma sem a outra
19
. Faz-se necessário, dentro do processo
de escrita da história da música, o equilíbrio na utilização de suas dimensões estéticas e
históricas, preservando a autonomia da música e ao mesmo tempo, atentando para os
aspectos sociais e históricos que ajudam a dar à obra musical seu caráter. Portanto, sem
detrimento de suas propriedades estéticas, a produção musical pode ser encarada como um
problema histórico passível de discussão, pronto a ser explorado, questionado.
17
GOHER, Lydia. “Writing Music History”. History and theory. Vol. 31, n.2, may, 1992. p. 182-199
18
idem. p. 194
19
idem. p. 195
10
Leonardo A. M. Pereira e Sidney Chalhoub afirmam que para os historiadores a
literatura é testemunho histórico
20
. Esta mesma afirmação pode ser feita em relação à
música. A obra musical é uma evidência histórica objetivamente determinada, pois situa-se
em um processo histórico e é possuidora de uma lógica social em seu discurso. A chegada a
essa lógica deve ser trilhada, à luz dos autores supracitados, a partir do questionamento das
intenções do sujeito; do seu representar para si mesmo as relações entre o que produz e o
real; sobre o que esse sujeito testemunha mesmo sem ter intenção de fazê-lo; e sobre o que
suas obras incitam em seus intérpretes, críticos e público.
Em Nobert Elias
21
, Henry Raynor
22
e John Shepherd
23
encontramos o referencial
que nos permite observar a obra musical como matéria historiográfica a ser vinculada à
dinâmica da sociedade, possível de observação em suas teias de interlocução social e
investigável não em sua suposta independência da sociedade (posto que seria produto do
gênio individual), mas na forma que estabelece sua relação com a realidade social.
Pensar as relações que permeiam a produção musical da segunda metade do século
XIX e do início do séc. XX é pensar um passado não de histórias isoladas, mas de uma teia
onde as ações e relações assumem seu caráter de interdependência. Porém, devemos estar
atentos não somente a essas relações como finalidade, mas à ação social gerada na qual se
articulam e no significado que assumem na sua utilização pelo contexto. A ação social
deste segmento, a sociedade dos músicos, corporifica-se nos lugares de prática musical que,
por sua vez, assumem posições concretas dentro do corpo maior da sociedade. Ao
pensarmos esses lugares dialogamos com Michel de Certeau, que os descreve como
elementos distintos, onde, imperando a “lei do próprio”, assumem uma configuração
instantânea de posições.
24
Como referencial para pensarmos a sociedade dos músicos e sua ação social,
recorremos a Pierre Bourdieu, para quem a ciência das obras culturais pressupõe operações
20
CHALHOUB, Sidney e PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. A história contada: capítulos de história
social da literatura no Brasil. Sidney Chalhoub e Leonardo Affonso de Miranda Pereira, (org). Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p. 7
21
ELIAS, Nobert. Mozart, sociologia de um gênio. Organizado por Michael Schöter. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1995.
22
RAYNOR, Henry. História social da música: da idade média a Beethoven. Rio de Janeiro: Guanabara,
1986.
23
SHEPHERD, John. Towards a sociology of musical styles. In: Lost in music: culture, style and the musical
event. WHITE, Avron Levine et all. Londres, Nova Iorque: Routledge & Kegan Paul, 1987
24
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. p. 201.
11
básicas necessárias e necessariamente ligadas aos planos de realidade social que
apreendem
25
. Destarte, apresenta como fundamental a análise das relações entre o campo a
ser estudado e o campo do poder, bem como a análise de sua estrutura interna e seus
mecanismos de legitimação. Analisamos assim, a partir do pensamento de Bordieu, as
relações da sociedade dos músicos e de seus lugares de prática com o poder estabelecido e
sua evolução no transcurso do tempo. As disputas por aportes financeiros e simbólicos
ressaltavam a interferência do Governo no cotidiano das instituições ao mesmo tempo em
que revelavam as buscas de organização, codificação e autonomia deste segmento social.
No que concerne à análise da estrutura interna da sociedade dos músicos e suas
concorrências por legitimidade
26
, observamos os conflitos de definição que marcam este
segmento, através de seus princípios fundadores e das estratégias de manutenção e
sustentação destes, garantidas na criação de mecanismos de imposição de uma definição
legítima de músico: o monopólio do poder de consagração
27
. Igualmente importante, foi a
necessidade de dar atenção às disputas por posições de prestígio e marcas de distinção que
conferiam o poder de determinar o pertencimento ou não a este segmento social.
O estudo da sociedade dos músicos careceu de um olhar mais específico sobre a
constituição da nacionalidade brasileira em suas articulações com o Estado e com os
espaços de produção cultural por ele subvencionados. Assim, como referencial sobre a
sociedade brasileira do séc. XIX recorremos a autores como José Murilo de Carvalho,
Maria Teresa Chaves de Melo, Manoel Salgado Guimarães, Ilmar Rohloff de Mattos e
Robert Rowland.
Rowland
28
, em seu artigo Patriotismo, povo e ódio aos portugueses: notas sobre a
construção da identidade nacional no Brasil independente, ofereceu-nos dados para
pensarmos sobre a idéia da construção da nação baseada em um projeto de civilização,
onde a elite imperial brasileira procurava cultivar a imagem de uma civilização européia
transplantada para a América tropical. Esta civilização, agregada de valores “americanos”,
seria edificada e afirmada através do Estado e da Coroa.
25
BORDIEU, Pierre. As regras das artes: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das
letras, 1996. p. 243.
26
Idem. Ibidem.
27
Idem. Ibidem. p. 253.
28
ROWLAND, Robert Rowland. Patriotismo, povo e ódio aos portugueses: notas sobre a construção da
identidade nacional no Brasil independente. In Istvan Jancó: Brasil. Formação do Estado e da Nação. São
Paulo: Hucitec, 2003. P. 365-388.
12
Ilmar Rohloff de Mattos, em seu elucidativo texto Do Império do Brasil ao Império
do Brasil
29
, observa que a construção do Império do Brasil – e aqui se remete não ao
projeto de Império luso-americano – implicava a própria constituição da Nação. Esta
constituição se estabeleceria no rompimento com idéias geradas pela colonização, na
difusão de valores, signos e símbolos imperiais, na elaboração de uma língua, de uma
literatura e de uma história nacionais. O Império empreende uma expansão para dentro
30
,
indo ao encontro dos brasileiros que forjava. Neste sentido, Manoel Salgado Guimarães, em
seu artigo Nação e Civilização nos Trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
e o Projeto de uma História Nacional, ampliou nossos subsídios de entendimento da ação
do Estado corporificada em espaços distintos de difusão de conceitos, signos e valores que,
segundo o autor, são indicativos da utilização de tradições intelectuais muito precisas.
31
José Murilo de Carvalho, em A construção da Ordem e Teatro de Sombras
32
, nos
oferece elementos para a compreensão das vicissitudes políticas inerentes à constituição do
Estado nacional brasileiro e o conseqüente amoldamento da elite política no Brasil a esta
ordem. Os elementos dispostos para a compreensão da relação entre elite e Estado foram
de importância primordial para a realização da nossa pesquisa.
Para um melhor entendimento das relações estabelecidas entre a sociedade dos
músicos e a ordem republicana recorremos a alguns conceitos básicos que serviram de
norte para nosso trabalho. O primeiro destes, quem nos lega é Celso de Castro
33
, e versa
sobre o espírito cientificista que movia uma geração de militares, responsável pelas ações
que desencadeariam no novo sistema de governo. Ao citar, além de Comte, os diversos
autores que influenciavam o pensamento dessa geração, como Spencer, Darwin, Haeckel,
Büchner, Vogt, Moleschott e Huxley, Castro identifica a transformação do positivismo no
29
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Do império do Brasil ao Império do Brasil. Texto apresentado pelo autor na
Disciplina História e Idéias. Prof. Marco Pamplona e Don Doyle. Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. 1º semestre de 2004.
30
Grifo do autor.
31
GUIMARÃES. Manoel Luiz Salgado Guimarães. Nação e Civilização nos Trópicos: O Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 1,
1988. P.5-27.
32
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro das sombras: A
política imperial. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2003.
33
CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1995.
13
cientificismo, deixando na maioria dos casos, de representar uma proposta de sistema, para
se tornar uma atitude
34
. Assim, diz o autor:
O mais importante para os jovens "científicos" não eram filigranas doutrinárias,
e sim o espírito geral dessas doutrinas. Se havia diferenças entre os autores, estas
eram minimizadas por aquilo que afirmavam em comum: a fé no progresso e na
posição de destaque devida à ciência.
35
Desta forma, apresenta-se a ciência vinculada à idéia de transformação social. Este
discurso emergia em um grupo social urbano e ilustrado, formado por pequenos
proprietários, profissionais liberais, jornalistas, professores e estudantes que na dinâmica da
sociedade escravista e rural, sufocava-se diante da prevalência do prestígio em detrimento
do mérito. A instituição de um sistema que invertesse essa ordem poderia significar a
possibilidade de acesso ao reconhecimento social.
O modelo desse sistema que mais se adequava aos interesses deste segmento,
segundo José Murilo de Carvalho, era a versão positivista da República, visto que sua
oposição centralizava-se no regime monárquico e não na presença de um Estado forte e
centralizado:
(...) a idéia de ditadura republicana, o apelo a um executivo forte e
intervencionista, servia bem a seus interesses. Progresso e ditadura, o progresso
pela ditadura, pela ação do Estado, eis aí um ideal de despotismo ilustrado que
tinha longas raízes na tradição luso-brasileira, desde os tempos pombalinos do
século XVIII.
36
Assim, chegamos à construção exposta por Maria Tereza Chaves de Melo
37
de uma
Republica consentida. Este consentimento, segundo a autora, perpassa por um longo
caminho de remodelação da forma discursiva “romântico-liberal-hierárquica” do Império,
através da linguagem cientificista e sua conseqüente elaboração simbólica
38
. Tratava-se de
apresentar a República como cultura democrática e científica, vinculando a esta o
progresso, a ciência e a valorização do mérito, em oposição a um regime monárquico
vinculado ao atraso, à teologia e à manutenção de privilégios.
34
Idem. Ibidem. P. 72.
35
Idem. Ibidem. P. 73.
36
CARVALHO, José Murilo de. Pontos e Bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2005. p. 95.
37
MELO, Maria Teresa Chaves. A República Consentida: cultura democrática e cientifica do final do
Império. Rio de Janeiro: Editora FGV: Editora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Edur), 2007.
38
Idem. Ibidem. p. 11.
14
Deste modo, atrelava-se à República a idéia de única opção para a vivência de uma
democracia legítima, onde a noção de distinção social advinha do mérito e o do talento. A
dicotomia privilégio e atraso versus talento e progresso foi de grande força persuasiva,
afirma a autora, graças às visualizações de fácil compreensão popular utilizadas em
periódicos como a Revista Ilustrada.
39
Entretanto, se houve uma conformação do povo a modernidade das idéias
republicanas
40
, não houve uma conformação do novo regime ao povo. Explica José Murilo
de Carvalho:
Mais que indiferente, a modernidade era alérgica ao povo brasileiro. As
teorias racistas, consideradas avanços da ciência, difundiam a descrença na
capacidade da população negra e mestiça para a civilização. (...) A República foi
particularmente hostil aos negros e mestiços que formavam a maior parte das
populações de Canudos, do Contestado, e mesmo das classes populares do Rio
de Janeiro. Uma das primeiras ações do novo governo foi prender e exilar os
capoeiras.
41
Assim, observamos que a República se conforma sobre idéias postuladas a partir de
um imaginário que envolvia ciência, mérito, democracia. Porém suas ações indicam a
ausência do popular e a presença das antigas distinções sociais erguidas sobre novas bases.
A Questão Cavalier, ponto de partida de nossa pesquisa é uma série documental
encontrada no Arquivo Nacional, que transpassa os anos de 1890 a 1911, e é composta de
representações endereçadas a Ministros e até ao Presidente da República; ofícios; avisos;
informações; despachos de altas autoridades que traduzem de maneira simbólica as tensões
que se estabeleciam na sociedade dos músicos na passagem da monarquia para o regime
republicano.
Para podermos dimensionar estas relações e o que representava a documentação da
Questão Cavalier, fez-se necessário entrecruzar a trajetória deste músico com o segmento
social ao qual estava inserido e seus lugares de atuação musical. Assim, a esta
documentação específica, juntamos outras que abrangem a organicidade dos lugares de
prática musical; a atuação do Estado nestas espacialidades, bem como a produção artística
aí realizada.
39
Idem. Ibidem. p. 181.
40
Diz Maria Teresa: “A República já estava na forma da difundida cultura democrática e cientificista,
consciente ou inconscientemente. Uma população conformada.” MELO, Maria Teresa Chaves. Op. Cit. p.
231.
41
CARVALHO, José Murilo de. Pontos e Bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2005. p. 120.
15
Assim, sobre o Conservatório de Música, encontramos no acervo do Museu D. João
VI importantes registros, como livros de atas, ofícios, cartas, relatórios, etc., que nos
permitem entrar no cotidiano deste que foi um dos lugares de atuação da sociedade dos
músicos e em particular de Cavalier Darbilly. Na Biblioteca Nacional encontramos
documentação complementar envolvendo agentes e instituições, assim como periódicos que
nos auxiliam na análise da recepção e na representação destes. Entre os periódicos
consultados, destacamos o Almanak Laemmert, publicação anual que circulou na Corte do
Império entre os anos de 1844 e 1889; o periódico Vida Fluminense onde encontramos
referências primorosas sobre a intensificação das representações de Mágicas a partir de
1870; e os periódicos O Paiz e o Jornal do Comércio, fontes fundamentais para mapear as
atuações e tensões da “sociedade dos músicos”.
Sobre o Instituto Nacional de Música e seus agentes encontramos no Setor de
Documentos Históricos da Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ
os livros de Atas de Congregação (livros I e II), que compreendem o período entre 1890 a
1926, além de correspondências, relatórios, ofícios e outros documentos que fornecem
informações sobre a organicidade da instituição, bem como alguns dados relacionados à
Questão Cavalier.
Para compreendermos a abrangência da atuação do Estado nas instituições culturais,
recorremos aos Relatórios do Ministério dos Negócios do Império; do Ministério da
Justiça; dos Presidentes de Províncias, bem como suas Falas endereçadas às Assembléias
provinciais. De igual forma recorremos a decretos, avisos e decisões oficias do Governo
ligados aos lugares e práticas musicais.
Estas fontes despertam questionamentos em sua natureza e objetivo. Em sua grande
parte composta de documentos oficiais, carregam em si a dubiedade de falarem do
indivíduo que as produz, e da representação tendenciosa de seus intentos. Esta ambigüidade
pode ser exemplificada na série de documentos escritos por Darbilly, onde era necessária a
fixação do seu argumento em torno da injustiça que havia sofrido e das qualidades de seus
lugares de prática musical. Por outro lado, cabia a quem respondia às acusações
desconstruir argumentos e ao mesmo tempo valorizar a ordem recém-instaurada. As
tensões são claramente reveladas na interposição destes documentos, que, analisados
isoladamente, podem conduzir a armadilhas em sua estrutura de significação. Da mesma
16
forma, a documentação oficial do Estado pode levar a uma supervalorização de sua
atuação, cabendo ao pesquisador o rigor da análise contextual para poder definir de maneira
mais apurada a dimensão desta ação.
Os periódicos consultados devem ser pensados em sua potencialidade, com a
observância de seus aspectos originais, como a que público se destinava, quem publicava,
quem escrevia, etc. Assim, é necessário, em um trabalho que pretende discutir música,
músicos e sociedade, a averiguação das fontes no que concerne à sua estrutura de
significação, à configuração de sua base social e à importância e pertinência do objeto
proposto. Com esta finalidade, utilizamos a proposta metodológica de Pierre Bourdieu
explicitada em sua obra Regras das Artes.
42
Bourdieu pondera que para uma ciência social que tenha como objeto uma produção
cultural são necessárias três operações
43
, que traduzidas para o nosso propósito,
apresentaram-se da seguinte forma: análise das relações da sociedade dos músicos com o
poder estabelecido, através de seus lugares de prática musical; análise de suas estruturas
internas e de seus embates em torno do direito de determinar quem pertence ou não ao
segmento; análise das práticas e conhecimento produzidos refletidos, ou não, em suas
opções estilísticas e formais.
Trilhando esse caminho, esperamos ter-nos aproximado de uma História Social da
Música, não restrita à análise dos sons, mas apta a discutir dialeticamente as possíveis
conexões autor/obra/patrocinador/intérprete/público. Atentos à condição social dos
indivíduos, ligados por dependências recíprocas, claras ou obscuras, que formam sua
personalidade e moldam suas construções, esperamos ter contribuído para desvelar mais
sobre esta espacialidade sócio-cultural, a “sociedade dos músicos”.
42
BOURDIEU, Pierre. Op. Cit.
43
Idem. p. 243
17
Capítulo 1
– A QUESTÃO CAVALIER –
Nós entramos em uma época brilhante de prosperidade, de vida e
progresso, e o artista brasileiro conta hoje com o apoio do governo
republicano, esclarecido bastante para compreender que o adiantamento de
um povo se aquilata pelo seu progresso nas belas-artes.
1
Em seu relatório sobre o primeiro ano de funcionamento do Instituto Nacional
de Música, Leopoldo Miguez festejava a nova era de progresso e prosperidade que a
República trazia. Entronizado como dirigente do estabelecimento musical mais
importante do novo governo, não faltavam motivos para o otimismo exagerado que
demonstrava em suas palavras. O mesmo não aconteceria para Cavalier Darbilly.
A chegada da República para este representou o seu afastamento como docente
do prestigiado Instituto de Música, e o começo de uma longa trajetória de tentativas em
quebrar o impedimento imposto por Leopoldo Miguez ao antes influente professor do
Conservatório de Música do Império. O que poderia ser entendido apenas como uma
discriminação quase natural contra um nome outrora identificado com o Império,
apresenta-se no desenrolar da documentação da Questão Cavalier como algo mais além.
Entreveros pessoais, questionamento de méritos, de métodos e de qualidade profissional
atravessam esses papéis e denunciam uma complexidade nesta postura impeditiva, que
transborda para a própria tensão estabelecida com a adoção de ideais cientificistas na
missão que se auto-atribuíram os novos líderes da “sociedade dos músicos”.
Desta forma, podemos perceber através desta luta por um espaço de prestígio a
própria consolidação de um espaço social e suas atribuições estéticas, doutrinárias e
metodológicas. O impedimento a Cavalier não se resumiria, assim, ao impedimento
imposto a um indivíduo, mas ao que se representava nas práticas e no prestígio
alcançado por este, em seu percurso como artista e como professor.
1
BRASIL. Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Relatório do Diretor do Instituto
Nacional de Música Leopoldo Miguez, relativo ao ano de 1890. Documento anexo ao Relatório
apresentado pelo Dr. João Barbalho Uchoa Cavalcanti ao Presidente da Republica dos Estados Unidos
do Brasil, em maio de 1891. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891.
18
O governo republicano foi ágil em organizar o que seria a sua instituição oficial
destinada ao ensino da música. Apenas quinze dias após a proclamação do novo regime,
o Ministro do Interior Aristides Lobo (1838-1896), convoca uma comissão para cuidar
da reorganização da Academia de Belas Artes e do Conservatório de Música. Para esta
finalidade foram convidados Rodolfo Bernardelli
2
, Rodolfo Amoedo
3
, Leopoldo
Miguez, Alfredo Bevilacqua
4
e José Rodrigues Barbosa.
Este último era o elo entre os novos líderes da sociedade de músicos e o governo
republicano. Músico amador, comerciante, amigo do nomeado Ministro do Interior,
José Rodrigues Barbosa foi a influência que viabilizou a criação do Instituto Nacional
de Música e a nomeação de Leopoldo Miguez como seu diretor. Conta Rodrigues
Barbosa
5
que no dia 30 de novembro o Ministro do Interior mandou expedir o seguinte
memorando a cada membro escolhido:
2ª Diretoria da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior, 30 de
novembro de 1889.
O Sr. Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Interior resolveu
nomear-vos para, com Leopoldo Augusto Miguez, Alfredo Bevilacqua,
Rodolfo Bernardelli e Rodolfo Amoedo, elaborardes um projeto de reforma
da Academia de Belas Artes e do Conservatório de Música, com a audiência
do respectivo diretor, ao qual deve a comissão solicitar-lhe comunique as
idéias que ao dito funcionário sugerir o assunto; e recomenda à referida
comissão que, logo que possa, se informe do prazo que considere necessário
para tal fim, e com ela se entenda a respeito das reuniões que terá de
celebrar; do que vos dou conhecimento para os devidos efeitos.
Saúde e fraternidade. Sr. José Rodrigues Barbosa. O diretor, B. J. Coelho.
6
Na primeira reunião desta comissão, acordaram seus membros que esta se
dividisse em duas, uma responsável pela Academia de Belas Artes e outra pelo
Conservatório de Música. Com a aprovação do Ministro, sacramentava-se a divisão
entre as duas instituições. Os trabalhos não foram demorados, e em 12 de janeiro de
1890 era publicado o decreto nº. 143, que extinguia o antigo Conservatório de Música e
criava o Instituto Nacional de Música, para o qual eram transferidos todos os bens
2
Rodolfo Bernadelli nasceu na cidade de Guadalajara, México, em 1852, e faleceu em 1931 no Rio de
Janeiro. Professor de escultura estatuária na Academia Imperial de Belas Artes, foi nomeado diretor da
Escola Nacional de Belas Artes após as reformas realizadas pelo governo republicano na antiga
Academia.
3
Rodolfo Amoedo (1857-1941). Pintor e decorador, professor honorário da Academia Imperial de Belas
Artes, ocupou o cargo de vice-diretor na Escola Nacional de Belas Artes.
4
Alfredo Bevilacqua (1887- 1959). Pianista e compositor carioca estudou na Itália, Áustria e França,
sendo nomeado professor catedrático de piano por Leopoldo Miguez no Instituto Nacional de Música.
5
INSTITUTO NACIONAL DE MÚSICA. BARBOSA, José Rodrigues. Instituto Nacional de Música.
In: Notícia histórica dos serviços, instituições e estabelecimentos pertencentes a esta instituição,
elaborada por ordem do respectivo ministro Dr. Amaro Cavalcanti. Ministério da Justiça e Negócios
Interiores. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1898. Cap. XXIV. Biblioteca Alberto Nepomuceno. Setor
de Documentos Históricos.
6
Idem. Ibidem.
19
materiais do extinto Conservatório. A data não poderia ser mais simbólica: era
aniversário de Rodrigues Barbosa, artífice das negociações que viabilizaram a criação
do novo local privilegiado de ensino musical da República.
Concomitantemente às suas articulações em torno da criação do Instituto,
Rodrigues Barbosa foi o responsável pela idealização de um concurso para a escolha do
novo hino nacional, em substituição ao antigo, de autoria de Francisco Manuel da
Silva
7
. O concurso foi lançado em 22 de novembro de 1889 e para ele se inscreveram
vinte e nove compositores, esperançosos de terem seus nomes imortalizados como
músicos das glórias republicanas.
Entre os inscritos destacavam-se os nomes de Kinsmann Benjamin (1853-1927),
Jerônimo de Queiroz (1857- 1936), Francisco Braga (1868-1945), Alberto Nepomuceno
e Leopoldo Miguez. A iniciativa despertou no crítico musical do periódico O Paiz,
Oscar Guanabarino (1851-1937), uma incisiva posição contrária, apontando com ironia
a relação entre o idealizador do concurso e Miguez.
Foi encerrado o concurso estabelecido pelo cidadão Ministro do interior,
para a composição do novo hino nacional brasileiro. Para a poesia não houve
concurso, mas apenas escolha do honrado cidadão que dirige os negócios da
arte, escolha que recaiu sobre a produção de um distinto poeta republicano –
é lógico que para a composição musical também se podia dispensar o
concurso. Neste caso, seria comissionado pelo governo um musico capaz
(...). Leopoldo Miguez aceitaria essa honrosa incumbência, e o novo hino
seria escrito pelo autor da ode sinfônica A Parisina, da grande sinfonia em si
bemol e da marcha elegíaca intitulada Camões.
8
Decidido a interromper esta tentativa de criação de um novo hino nacional,
Guanabarino utiliza a estratégia de identificar o antigo hino com a pátria,
desvinculando-o da monarquia, ou mais ainda, da figura do monarca. Para o crítico,
mesmo que se oficializasse a escolha de um novo hino, este nunca seria reconhecido
pelo povo e sugeria que se houvesse de ser escolhido algum, que esse fosse oficializado
como o hino da República. Ao final lançava uma constrangedora questão ao chefe do
Governo Provisório:
(...) Tínhamos três hinos: o de D. Pedro I; o da Independência e o Nacional
Brasileiro. Este último nunca foi considerado pelo povo como hino do ex-
imperador. Era o hino nacional e a ele está associada a idéia de pátria.(...)
Adotado outro hino, seria oficial, mas para o povo hino nacional seria
sempre o mesmo.(...) O novo, ser for adotado algum, deve ser o hino da
republica, mas o antigo deve ser e será o hino nacional brasileiro. Apelamos
para o chefe do governo provisório, a quem perguntamos:
7
Em 1888, o republicano Silva Jardim havia lançado um concurso que resultou na escolha de um hino
composto por Ernesto Souza, com letra de Medeiros e Albuquerque.
8
O Paiz. Sábado, 4 de janeiro de 1890. Ano VI. Nº. 1915.
20
-Marechal, nos campos do Paraguai, quando a frente das colunas inimigas, a
vossa espada conquistava os louros da vitória, e as bandas militares tangiam
o Hino Nacional, qual era a idéia, o nome que acudia a vossa mente no
instante indescritível do entusiasmo – a pátria ou o imperador? Decidi,
portanto, digno cidadão, de acordo com a resposta de vossa consciência.
9
No dia 16 de Janeiro de 1890, nas páginas de O Paiz, um cronista exultante
relatava que, em meio à solenidade que reuniu a Marinha e o Exército em torno do
contra-almirante Wandenkolk (1838-1902) e do Marechal Deodoro da Fonseca (1827-
1892), Serzedelo Corrêa (1858-1932) pediu ao Governo, como “homenagem ao nosso
passado de glórias nos campos das batalhas, aos nomes dos heróis que vivem na nossa
memória, em nome de toda a nação, que o hino nacional fosse considerado o da pátria,
porque ele nunca foi o hino da monarquia
10
. O pedido foi aceito e o concurso mantido,
mas agora para a escolha do hino da República. Guanabarino festejou sua conquista,
mas em tom discreto. Afirmava nas páginas de O Paiz que a vitória tinha sido da
opinião pública, e que ele era um mero “despertador” de um sentimento que “estava na
alma de todos”, portanto não havia vencidos, porque “triunfou o direito”.
11
Com este novo objetivo, no dia 20 de Janeiro realizou-se o concurso, tendo
como jurados Carlos de Mesquita (1864-1953), Alfredo Bevilacqua, Frederico
Nascimento (1852-1924), Inácio Porto Alegre (1854-1900) e Miguel Cardoso (1850-
1912). Todos estes haviam sido nomeados por Leopoldo Miguez, através de portaria do
dia 18 de Janeiro de 1890, professores do Instituto Nacional de Música, o que lançava
grandes suspeitas sobre a isenção do corpo de jurados
12
. Como bem se sabe, Leopoldo
Miguez foi o grande vencedor do concurso, tendo sua composição, com a letra de
Medeiros e Albuquerque, imortalizada como o Hino da República. A indicação de
Miguez como diretor do Instituto e a tentativa de consagrá-lo como autor de um novo
hino nacional brasileiro demonstram o prestígio que este gozava ante a nova liderança
republicana.
Rodrigues Barbosa, ao discorrer sobre a criação do Instituto, realça as
características necessárias daquele que viria a ser o dirigente desta instituição:
(...) era necessário colocar à sua frente um homem que, além de
competência incontestável, oferecesse ao governo certas garantias de
9
Idem. Ibidem.
10
O Paiz. Quinta-feira, 16 de janeiro de 1890. Ano VI. Nº. 1927.
11
O Paiz. Sexta-feira,17 de janeiro de 1890. Ano VI. Nº.1928.
12
BRASIL. Ministério da Instrução Pública Correios e Telégrafos. Relatório do Diretor do Instituto
Nacional de Música. Documento anexo ao Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados
Unidos do Brasil pelo Dr. João Barbalho Uchôa Cavalcanti, em maio de 1891. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1891.
21
respeitabilidade, amor ao estabelecimento e dedicação sem limites, para
levá-lo desassombradamente ao fim que se propunha alcançar, resistindo à
guerra infrene dos despeitados, dos invejosos e dos inimigos.
13
Entretanto, ainda segundo o autor, a procura por aquele que enfrentaria esta
guerra infrene” não seria longa; o nome de Miguez se apresentava “vitoriosamente,
oferecendo todas as garantias” para ocupar a direção do estabelecimento. Iniciava-se,
assim, o que Avelino Pereira descreve como o período da “ditadura Miguez
14
. Pereira
vincula a criação do Instituto Nacional de Música ao surgimento de uma “República
Musical”, pel(e)-6r a dir45 C( queuseve componsamesbel)]TJ-0.0001 Tc 342532 T6.83.91 0 Tdaa; ovo5(,glecim)8(e),e A(br atra)2(51sC( qe, )]TJ0.0004 Tc1480246 T20.62.91 -1.725 (suas id2(51ant5(sat4(goA[(as,evenvertra )Tj0.2004 Tc1492018 T 717815 0 Tia-ez o do )5(t(enn5( ap(d1(alsstava )Tj/TT1 1 Tf0.1007 Tc 0 Tw 2815 0 T223Repúbluez)Tj/TT0 1 -Tj0.0008 Tc 502018 4.05.815 0 T,evampoira )Tj0.0005 Tc 0.437 Tw -12.815 -1.725 Tdprivil,gla3o eecimndorn343o qud1(eecimbames43o seecimnbel)]TJ-0.0001 Tc 452529 T8.813.85 0 Tdtra)a3ot5(6(En ot5dignosC( qpertenc2(52- peo pe)qe, )]TJ0.3001 Tc 3.1337 TT8.813.68 -1.725 Tdsel(eto s3ot,evendena3ot5aa;olhcup o sinata3ora )Tj0.9001 Tc 3.2018 Tw 113.85 0 Tdr sobr queusee um2(51rit4(goDia esfore um))5(,latpara )]TJ0.0007 Tc 0 -Tw 113.68 -1.725 T(. Pere:m( )TjETEMC /P <</MC6D 4 >>BDC BT/TT0 1 Tf010005 Tc 778529 Tw 10.02 0 0 10.02 202.509J0.3003 TmAot5 su1Ins88(e)-d(s e Jan( d)52)13(ir8(e))4(o )6 1Ins885(98(e)07ar)5(o p)8(or)4(t)ri4(t)4o)-)4(m)13(inresi)4eri4(t)4o)a al; o nam)1entaLe)8(opol)10 )6 M(st)4(ig8(ou8(e)iguimnbel)]TJ-010003 Tc 720003 T* TmDa ddor4(o )4(i)o4(i)4(o ofe2(51)-7i)4(0(-fun4(i))4(i)culado4(i)4In4(i) )5(t4(i)to4(i)4(o to Nan4(i)d1(a4(i))8(e)-Muime M(i) 2bl. Coeci)-4(0o)6quee)-7ir4(i)dm340 )]TJ0.6003 Tc 694003 Tw 0 -1.145 TD o nam)1edot5 suot5 supr-1(i)4(m)(speirdsel(, d)f( d)ssor( d)52)(goCvej)4(o))4(m)p4(o)[(l)4(et4(t)4o)va-eztor[(a4(0o)4(m), pe)qo quduimd(, d):4(0o)A9(a )]TJ2TT0 1 Tf0.0001 Tc05.0003 Tw 0 -1.15 TD223Rep, d372bli[(Musl224)]TJ/TT0 1 Tf-026003 Tc064003 8.0.2091 0 Tdtinh peoa
22
primeiras ações do Ditador Miguez. A primeira parte é dedicada a louvores ao sábio e
patriótico governo republicano que, através dos ministros Aristides Lobo e Benjamin
Constant (1836-1891), soube apoiar a instituição que já podia “apresentar resultados
proveitosos e a bem compensar todos os sacrifícios que têm sido pedidos ao Estado”.
17
Em seguida, sintomaticamente, apresenta seu projeto de criação do Ginásio
Militar. Este projeto, apresentado ao Ministro da Guerra, Benjamin Constant, em maio
de 1890, visava a criação de um novo estabelecimento, anexo ao Instituto, destinado ao
“ensino e organização das músicas de nosso exército”. Pretendia, assim, uniformizar as
bandas e fanfarras desta corporação, melhorando as “condições desta classe do nosso
exército, sempre esquecida pelas reformas”.
18
Após apresentar alguns detalhes sobre as condições físicas do Instituto, Miguez
se detém sobre um assunto digno de um músico que possui uma visão científica
19
de
seu objeto. Anunciava ter mandado adotar, para o grande órgão a ser instalado na sala
de concertos do Instituto, o diapasão
20
de 870 vibrações simples, utilizado nos grandes
centros como a França, Bélgica, Áustria e Alemanha, e destacava a importância de ser
adotado com urgência, por lei, este padrão para todo o país:
No nosso país nunca se cuidou em semelhante necessidade; e daí o uso de
diapasões diferentes e extraordinariamente altos, que trazem como
conseqüência a impossibilidade de conseguir-se afinação nas nossas
orquestras e como resultado sérias dificuldades para os nossos cantores, que
lutam por alcançar diapasão muito elevado e só conseguem arruinar a voz,
em um clima como o nosso, onde tão raramente aparece uma que seja
notável.
21
Para esta decisão, Miguez se baseou no relatório apresentado por uma comissão
instituída pelo Governo francês, em 1858, e formada pelos mais representativos músicos
da época, como Berlioz, Ambroise Thomas, Meyerbeer, Auber, Halévy e Rossini. Nas
recomendações apontadas por esta comissão destacam-se a utilização do diapasão de
17
BRASIL. Ministério da Instrução Pública Correios e Telégrafos. Relatório do Diretor do Instituto
Nacional de Música. Documento anexo ao Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados
Unidos do Brasil pelo Dr. João Barbalho Uchôa Cavalcanti, em maio de 1891. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1891.
18
Idem. Ibidem.
19
Observamos este tratamento científico que Miguez destina à música em suas preocupações para além
das atividades meramente práticas, como a discussão em torno do estabelecimento de um diapasão, com o
objetivo de dotar a afinação praticada no Brasil de um padrão geral; a sua ação em torno da criação do
Museu do Instituto Nacional de Música, que seria em seu projeto um centro de referência e pesquisa para
músicos e musicólogos nacionais.
20
Aqui Miguez não está se referindo ao aparelho diapasão, que segundo o Grove é um tipo de
instrumento que fornece uma ou mais alturas sonoras determinadas, mas sim a afinação referenciada por
este. Ao ser percutido um diapasão fornece a freqüência relativa a nota Lá, e sobre essa referência é
realizada a afinação dos instrumentos. Ou seja, adotar um diapasão era adotar uma referência de afinação.
21
Idem. Ibidem.
23
870 vibrações por segundo e a determinação em ser utilizada esta referência em todos os
teatros, escolas e outros estabelecimentos musicais. Deste modo, o Governo francês,
através de decreto datado de 16 de fevereiro de 1859, normatiza essa utilização. Este
decreto é transcrito por Miguez em seu relatório, com a clara intenção de sua utilização
como base de uma ação do Governo nesta direção. Tal medida, somente poderia
encontrar eco no ambiente ilustrado da República, pois como explica o diretor:
Não valeria à pena, de certo, pugnar por uma medida de necessidade urgente
como esta para este ramo da arte no tempo do regime decaído.
Encolheriam os ombros os homens públicos, e pensariam que era
desnecessário legislar sobre estas coisas, que julgavam futilidades a par da
lavoura, do comércio e da política local.
22
Somente naquele momento, de uma época brilhante de prosperidade, de vida e
de progresso, como proclama o Ditador, tínhamos um Governo esclarecido o bastante
para compreender que o “adiantamento de um povo se aquilata pelo seu progresso nas
belas-artes”
23
. Um velho mote, para os novos tempos!
Ainda neste aspecto cientificista, o diretor anuncia suas ações em direção à
constituição de uma biblioteca, do arquivo e do Museu do Instituto. Este Museu, obra
cara ao Diretor, destinado a abrigar uma coleção de instrumentos de diversas origens,
seria o local onde os artistas brasileiros poderiam se dedicar ao estudo e comparação dos
progressos na arte de sua fabricação, nas modificações executadas no país e no
estrangeiro e na sua utilização entre diferentes povos.
24
Seguindo sua linha de reformador, de legislador da nova realidade que cerca as
atividades musicais da República, Miguez lança mais uma proposta. Expunha ao
Governo a necessidade de unificar o ensino teórico elementar da música, em todo o
país, ou pelo menos na capital federal. Neste sentido, afirmava que, sendo o Instituto o
estabelecimento modelo de ensino musical, todas as escolas deveriam obedecer a seu
programa e método de ensino elementar, eliminando as insuficiências dos compêndios
utilizados e a “opinião controversa dos professores”.
25
Assim, Miguez impunha novos padrões à prática musical, ao ensino e, sobretudo
dirimia opiniões controversas que ameaçassem seu projeto cientificista. Tendo
postulado sobre as bases da atuação de seu campo, faltava anunciar os eleitos para
auxiliá-lo nesta guerra infrene, para usar mais uma vez as palavras de Rodrigues
22
Idem. Ibidem.
23
Idem. Ibidem.
24
Idem. Ibidem
25
Idem. Ibidem.
24
Barbosa. Entre as diversas atribuições do diretor, que Miguez fizera constar nos
estatutos do Instituto, estava a de designar para aprovação do Governo os professores
que comporiam o quadro da instituição. Na lista divulgada pela portaria de 18 de
janeiro, havia cinco professores egressos do antigo Conservatório: Duque-Estrada
Meyer (flauta); João Rodrigues Côrtes (solfejo); José Lima Coutinho (clarinete); Carlos
de Mesquita (harmonia) e Henrique Alves de Mesquita (trompa e congêneres). Entre os
novos, constava Alfredo Bevilacqua (piano); Frederico Nascimento (violoncelo);
Francisco Pereira da Costa (violino); Ignácio Porto Alegre (solfejo) e Miguel Cardoso
(solfejo).
26
A ausência que ressoava era a de Cavalier Darbilly. Assim, em 20 de fevereiro
de 1890, Cavalier representa ao Ministro do Interior contra a “manifesta injustiça que
sofreu por parte da comissão encarregada da reforma do Conservatório”
27
. O termo
empregado – reforma – é o ponto essencial na argumentação apresentada pelo artista.
Este princípio seria também utilizado na Representação levada ao Ministro do Interior
por grupo de alunas do Conservatório. Em 24 de fevereiro de 1890, organizadas em
uma comissão, 18 alunas da classe de piano endereçam ao Ministro do Interior um
documento onde lamentavam que na reorganização do Conservatório fossem excluídos
os professores de piano, Cavalier Darbilly e Arnaud Duarte Gouvêa.
28
Em sua Representação, Cavalier tentou provar que sendo professor concursado
tinha direito adquirido à vaga de professor do Instituto. Baseava-se para esse intento na
idéia de ser o Instituto uma prolongação do antigo Conservatório, e seu não
aproveitamento um vilipêndio ao direito à vitaliciedade inerente ao cargo exercido
neste. Inicia sua argumentação relatando que após seu retorno de Paris, em 1872, onde
foi graduado no Conservatório daquela cidade, obtendo distinção e vários prêmios,
ofereceu-se ao Governo para criar a aula de piano, até então inexistente naquela
instituição. Aceito o oferecimento, em 1873, inicia suas atividades de professor,
lecionando gratuitamente, três vezes por semana, duas horas por dia durante dez anos.
26
Em seu relatório de 1891, Miguez informa que em março esta lista havia sido acrescida de novos
professores, bem como a morte de Francisco Pereira da Costa, substituído por Vincenzo Cernicchiaro e a
exoneração de seu amigo Carlos de Mesquita, por estar envolvido em um processo de ofensa a moral
pública. Idem. Ibidem.
27
Representação apresentada por Carlos Severiano Cavalier Darbilly à Secretaria de Estados e
Negócios do Interior em 20 de Fevereiro de 1890. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do
Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
28
Representação ao Sr. Ministro do Interior apresentada por uma comissão de alunas. 24 de fevereiro de
1890. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-
221.
25
Neste período, negócios de família o obrigaram a abandonar o lugar durante dez meses,
findos os quais voltou a reger a aula de piano nas mesmas condições.
Esta situação se manteve até o ano de 1881, quando, após as reformas nos
estatutos do Conservatório, obrigaram-no a submeter-se a um concurso para sua
efetivação como professor catedrático da aula de piano. Aprovado, em 1883, o Governo
Imperial decreta sua nomeação. Além da aula de piano, Cavalier informava ter exercido
interinamente o lugar de professor da 1ª aula de piano por seis anos; o de professor de
canto durante dois anos; e a de harmonia durante a ausência do professor Carlos
Mesquita.
29
Nos serviços prestados e no concurso, Cavalier depositava sua confiança em ter
direito adquirido e, por conseqüência, direito a ser contemplado na reforma do
Conservatório. Entretanto, a comissão organizadora, nas palavras do artista, “ignorou
completamente e em absoluto” estes direitos, propondo ao Governo a contratação de
outro para seu lugar com o “exorbitante ordenado de 2:400$000 e gratificação de
600$000 anuais, quando o suplicante apenas percebia 1:000$000 anuais de ordenado e
gratificação”.
30
Pela ênfase dada ao elemento “ordenado”, percebe-se que tão grave quanto
ignorar seus direitos era ter-se contratado outro professor com um salário acima do que
por tantos anos havia recebido. Era a perda simultânea do valor simbólico que
representava sua não inclusão entre os meritórios artistas da República, e a
desvalorização material de seu trabalho de magistério.
Após essa parte relativa a sua qualificação e demonstração de seus direitos
usurpados, Cavalier parte ao ataque em relação às reformas efetivadas no ex-
Conservatório. Estas seriam mais ilusórias do que reais, afirmava, posto que de acordo
com o quadro que desenhara – reproduzido a seguir – provava não ter havido nenhuma
inovação técnica ou de melhoramento no ensino:
29
Representação apresentada por Carlos Severiano Cavalier Darbilly à Secretaria de Estados e
Negócios do Interior em 20 de Fevereiro de 1890. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do
Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
30
Idem. Ibidem. Sintomaticamente, na Representação apresentada pelas alunas do Conservatório a
mesma argumentação é utilizada, acrescida de uma pitoresca sugestão: “No antigo Conservatório havia
três professores (de piano), ao passo que agora só há um com ordenado e gratificação superiores à soma
do que ganhavam os três. Feita a redução no ordenado, com os mesmos vencimentos agora marcados
para um professor poderão continuar três, lucrando com isso o ensino”. Representação ao Sr. Ministro
do Interior apresentada por uma comissão de alunas.. 24 de fevereiro de 1890. Questão Cavalier.
Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
26
Havia no Conservatório Há no Instituto
3 aulas de solfejo 3 aulas de solfejo
3 aulas de piano:
2 de teclado, 1 de aperfeiçoamento.
1 aula de piano:
Sendo 1ª supr. E mais 2 adjuntos
1 aula de canto 1 aula de canto
1 aula de rabeca 1 aula de violino
1 aula de violoncelo 1 aula de violoncelo
1 aula de contrabaixo 1 aula de contrabaixo
1 aula de flauta 1 aula de flauta
1 aula de clarineta 1 aula de clarineta
1 aula de trompa e instrumentos de
metais
1 aula de trompa
1 aula de Harmonia e contraponto 1 aula de Harmonia e contraponto
Deduzia da comparação deste quadro que, excluídas as aulas de órgão,
composição, harpa, oboé e estética, que foram indicadas para serem criadas a posteriori,
todas as outras aulas já existiam no antigo estabelecimento, o que tornava o Instituto,
artisticamente, uma continuação do extinto Conservatório. De igual forma, acusava a
comissão organizadora de não cuidar em absoluto do progresso da arte e da difusão da
música. Respaldava sua opinião no fato de que os novos estatutos da instituição
restringiam o número de alunos, enquanto no Conservatório este número era ilimitado.
Se houve reforma, finalizava, “foi só nos vencimentos e na criação de lugares, alguns
dos quais são por enquanto supérfluos”.
31
Exposto seus argumentos, Cavalier acreditava ter “claramente” provado que a
Comissão, “valendo-se do sofisma ocasionado pela significação da palavra Extinção”
agira de má fé em sua exclusão da nova instituição. Por isso, pedia ao Ministro a
reintegração ao lugar que ocupava no extinto Conservatório de Música.
A resposta a este documento é dada por Leopoldo Miguez através de uma
Informação requisitada pela Secretaria Geral do Ministério dos Negócios do Interior ao
diretor do Instituto Nacional de Música. Datado de 29 de Março de 1890, este
documento é um verdadeiro libelo destinado a denegrir o antigo Conservatório e seus
professores, bem como os artistas ligados à instituição. Entre os atingidos pela
ferocidade do ditador, encontrava-se Carlos Gomes (1836-1896) qualificado como um
compositor “cujos trabalhos deixam muito a desejar”.
32
31
Idem. Ibidem.
32
Informação do Diretor do Instituto Nacional de Música, Sr. Leopoldo Miguez ao Ministro do Interior
Dr. José Cesário de Faria e Alvim. 29 de Março de 1890. Questão Cavalier. Documento manuscrito.
Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. Neste documento, Miguez responde também as
Representações de Arnaud Duarte Gouvêa (1865-1942) e Leonor Tolentino, que, como Cavalier, não
foram incluídos na nova instituição. Duarte não demoraria a ter sua posição revista, apesar das graves
27
Miguez construiu sua argumentação a propósito das deficiências do método de
ensino e da organização do antigo Conservatório, sobre o fato de que em quarenta anos
de existência o estabelecimento não teria preparado “um só discípulo”. Em sua
organização anômala, a instituição oferecia aos seus mestres um ordenado
insignificante, ocasionando que os “bons artistas”, aqueles que “possuíam alunos
particulares”, não participassem nos concursos ficando as cadeiras, com poucas
exceções, entregues aos professores “de segunda ordem”.
33
Apesar de ser referir aos concursos, o diretor fez questão de salientar não ser
partidário desta prática. Para um estabelecimento desta ordem, assevera, devem ser
“nomeados os primeiros professores, os mais distintos artistas”. Os concursos
realizados no Conservatório, onde “artistas ou professores sem mérito” avaliavam os
concorrentes, só contribuíam para a “anarquia que ali reinava”.
34
Para Miguez, esta anarquia também se manifestava nas relações “malquistas”
dos professores, no número ilimitado de alunos, na desorganização administrativa, nas
discussões travadas nos periódicos entre alunos e professores. Ou seja, “tudo era
caótico, desorganizado, sem obedecer a um plano, sem orientação, sem método, eis o
que era o extinto Imperial Conservatório de Música”.
35
Este estado era reflexo direto da “indiferença que sempre tiveram pelas belas-
artes os governos monárquicos”, o que naquele momento era contraposto com o desejo
do Governo provisório de dar às artes no Brasil “o impulso que merecem”. E é nesse
desejo que se inseria a extinção do Conservatório e a criação do Instituto Nacional de
Música. Para Miguez era claro que tendo se extinguido o Conservatório também se
extinguiam com este todos os cargos que ali eram “mal desempenhados e muito
principalmente os dos professores, únicos culpados do atraso em que se achava este
estabelecimento de ensino
36
. Desta forma, deduz implacável, seria “caso virgem” que
se reformando uma instituição de ensino por não alcançar os resultados dela esperados,
fossem conservados os mais culpados desse defeito que obrigou a reforma”.
37
Em seguida, o diretor trata diretamente da comparação entre as instituições
apresentada por Cavalier Darbilly, que, em suas palavras, só prova sua “má fé e vontade
acusações imputadas por Miguez. Sobre Leonor Tolentino, não encontramos nenhuma referência
posterior.
33
Idem. Ibidem.
34
Idem. Ibidem.
35
Idem. Ibidem.
36
Idem. Ibidem.
37
Idem. Ibidem.
28
de questionar mesmo desaroadamente (sic)”. Pois o programa da nova instituição se
equiparava ao dos conservatórios de Paris, Munique e Milão, que, sendo “os mais
notáveis do mundo”, não apresentavam programa “superior ao que organizamos para o
Instituto Nacional de Música”. Deste modo, afirma Miguez:
Em um prazo não muito longo eu espero, aproveitando as aptidões e as
vocações que se encontram no nosso país, obter do Instituto um aluno
compositor que vá provar a Europa o nosso adiantamento, provando ao
mesmo tempo que, se os trabalhos de Carlos Gomes muito deixam a desejar,
porque lhe faltavam os principais elementos de ensino e porque só teve a
auxiliá-lo o seu talento e sua inspiração, pode-se hoje conseguir, sem sair do
Brasil, adquirir-se todos os conhecimentos necessários a um compositor
moderno de mérito real.
38
Depois desta desqualificação de tudo e de todos ligados ao regime Imperial, e da
demonstração da potencialidade dos novos métodos e modelos adotados sob o novo
sistema republicano, Miguez analisa com não menos veemência o caso dos três
professores não aproveitados na criação do Instituto. Em relação à Leonor Tolentino, a
questão passava somente por seus poucos méritos como professora. Mas em relação a
Duarte Gouvêa e Cavalier agregavam-se razões de outra ordem.
Duarte Gouvêa, segundo Miguez, não somente não tinha méritos para pertencer
a escola alguma, como não soubera ocupar convenientemente o seu cargo no extinto
Conservatório. Isto seria facilmente constatado através de violentos artigos publicados
nos jornais contra o professor, e por este nunca contestado, e pela exposição, na Rua do
Ouvidor, de uma carta dirigida ao pai de uma aluna onde o professor pedia determinada
quantia em troca da aprovação de sua filha.
Com relação às restrições ao nome de Cavalier Darbilly, o diretor apresenta duas
razões, expostas na seguinte ordem:
(...) não só porque eram repetidas as queixas contra ele pelo seu gênio
violento e atrabiliário, como principalmente, porque não conheço um único
discípulo de merecimento que tivesse estudado com este professor. Na sua
longa carreira de magistério o Sr. Cavalier não apresentou um único
artista.
39
Para o lugar que caberia a Darbilly, Miguez escolheu entre os professores de
piano o que “mais discípulos têm dado – por conseqüência o que melhor sabe ensinar”,
o “artista de sabido mérito”, “possuidor de uma escola magnífica”, de uma
“reputação bem conhecida”, o incontestável Alfredo Bevilacqua. Bevilacqua, além de
possuir todas as faculdades de um professor de mérito, também se enquadraria nas
expectativas do diretor de implantar um novo sistema de ensino de piano na instituição,
38
Idem. Ibidem.
39
Idem. Ibidem.
29
algo para o qual jamais poderia contar com Cavalier, “cujo método de ensino não
satisfaz absolutamente”.
40
Ao encerrar sua argumentação, Miguez ainda oferece uma provocação a
Cavalier. Afirmava deixar de responder a algumas acusações lançadas por este, posto
que o julgamento dos seus atos devesse ser apenas da apreciação do Ministro e do
Governo provisório que o havia honrado com a sua confiança.
41
Seguindo os trâmites burocráticos da Secretaria do Ministério dos Negócios do
Interior, a Representação de Darbilly e a Informação prestada por Miguez são
analisadas por funcionários, que apontam ao Ministro a pertinência de suas alegações,
indicando o deferimento ou não das pretensões do peticionário. Entre esses
funcionários, destaca-se Candido Augusto Coelho da Rosa, e sua interpretação do
Estatuto do Conservatório anexo ao Decreto nº. 5226 de agosto de 1881. Por esse
Estatuto, alega o funcionário, não eram vitalícios, nem tinham direito a jubilação, os
professores da antiga instituição. Assim sendo, baseado nos argumentos de Miguez
sobre a incompetência profissional de Cavalier, e nos de Candido da Rosa, a cerca da
falta de direito legal do peticionário, o indeferimento foi oficializado no Despacho do
Ministro do dia 28 de abril de 1890.
42
No ano seguinte, promulgada a Constituição de 1891 que no seu artigo 73
proibia a acumulação de cargos públicos remunerados
43
, criava-se assim nova
oportunidade para Cavalier Darbilly requisitar as atenções do Estado. Assim, em 21 de
março de 1891 representa ao Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, ao
qual naquele momento estava subordinado o Instituto Nacional de Música.
Argumentava Darbilly que sendo habilitado para lecionar música desde os rudimentos
até a harmonia e contraponto, “lembrava” ao Ministro o cumprimento da Constituição,
que obrigaria alguns professores, quer do Instituto Nacional de Música, quer da Escola
Normal a optar por um dos lugares. Pedia, então, ser nomeado para “preencher uma das
vagas que o derem”, “reparando” desta forma “uma injustiça que sofreu por ocasião
40
Idem. Ibidem.
41
Idem. Ibidem.
42
Despacho do Ministro. 28 de abril de 1890. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do
Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
43
Artigo 73 da Constituição de 1891: Os cargos públicos civis ou militares são acessíveis a todos os
brasileiros, observadas as condições de capacidade especial que a lei estatuir, sendo, porém, vedadas as
acumulações remuneradas. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. (De 24 de
Fevereiro de 1891). Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituição
91.htm. Acessado em 24 de outubro de 2007, às 20:14.
30
da organização do atual Instituto Nacional de Música, qual é de ter sido privado do seu
lugar de professor após um trabalho interrupto por mais de 16 anos”.
44
No Instituto de Música dois professores encontravam-se na situação de ter de
optar por uma posição: o de violino, Vicenzo Cernicchiaro (1858-1928) e o de solfejo,
Miguel Cardoso. Era para o lugar deste último, que Cavalier dirigia suas expectativas.
De fato, através de portarias datadas de 14 de abril de 1891, eram os dois servidores
exonerados e seus substitutos nomeados.
Mas, para o desencanto de Darbilly, o escolhido para a cadeira de solfejo foi
exatamente seu ex-aluno, aquele que há um ano havia sido qualificado por Miguez,
como o que não tinha méritos para pertencer à escola alguma, o imoral que pedia
dinheiro aos pais de alunas, o Sr. Duarte Gouvêa! Cavalier foi então nomeado professor
da Escola Normal
45
, mas para seu desespero a escola foi municipalizada no ano
seguinte e mais uma vez Cavalier perdia seu cargo de professor em uma instituição
pública.
Neste período intensificavam-se os ataques de Oscar Guanabarino ao Instituto e
ao seu diretor. Desafeto de Alfredo Bevilacqua, que impedia sua pretensão de ingressar
no corpo docente da instituição
46
, e discordante das opções estéticas do ditador Miguez,
em 1893, Guanabarino critica as novas reformas empreendidas por este, chamando-o de
ignorante e ditador por manter vinculada a nomeação dos professores à proposta do
diretor
47
. Criticava também a acumulação de cargos por alguns professores do Instituto,
como o professor Frederico Nascimento, que acumulava a cadeira de violoncelo e a de
harmonia. Aproveita a oportunidade para defender a integração de Cavalier Darbilly ao
corpo de professores da instituição, alegando que “seria mais racional que se
conservasse o Sr. Nascimento na sua especialidade e se nomeasse o maestro Cavalier
para o curso de harmonia”.
48
Em 1895, Leopoldo Miguez viaja à Europa, sendo incumbido pelo Governo a
visitar os conservatórios da França, Bélgica, Alemanha e Itália
49
. Aproveitando a
44
Representação de Carlos Severiano Cavalier Darbilly ao Ministro da Instrução Pública. 21 de março
de 1891. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-
221.
45
Correspondência do Diretor da Escola Normal Joaquim Abílio Borges ao Sr. Dr. Pedro Veloso
Rebello, Diretor Geral da Secretaria da Instrução Pública. 25 de Maio de 1891. Questão Cavalier.
Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
46
Apud. PEREIRA, Avelino Romero. Op. Cit. pp. 72, 73
47
Idem. Ibidem.
48
Idem. Ibidem. p. 73
49
Rodrigues Barbosa transcreve em artigo sobre Leopoldo Miguez, publicado no Estado de São Paulo em
setembro de 1922, o Aviso de 18 de março de 1895 do Ministro da Justiça e Interior endereçado a
31
ausência do diretor, Darbilly tenta mais uma vez ingressar no Instituto, desta vez
apelando diretamente ao Presidente da República.
A estratégia da argumentação era praticamente a mesma. Tentava provar seu
direito ao lugar de professor do Instituto por ter sido aprovado em concurso, sendo
nomeado por decreto Imperial em 1883. Na organização da nova instituição teria sido
“destituído de sua cadeira que lhe pertencia vitaliciamente, sem, aliás, ter dado
motivos para tamanha violência”
50
. A novidade ficava por conta de sua tentativa em
demonstrar seus méritos como professor.
Destacava que, por seus relevantes serviços prestados ao Conservatório, tinha
merecido ser condecorado com o grau de Cavaleiro da Rosa, e que entre os atuais
professores do Instituto encontravam-se três de seus discípulos: a Sra. D. Elvira Bello, o
Srs. Lima Coutinho, e Duarte Gouvêa. Esperava, desta forma, desvencilhar-se das
acusações de incompetência profissional e ausência de mérito, aludidas por Miguez
anos atrás.
A ocasião parecia ser propícia a Cavalier. Em 29 de agosto a Secretaria da
Presidência da República expede uma curta Instrução, determinando que se passasse o
professor Nascimento para a cadeira de violoncelo e reintegrasse Cavalier na de
harmonia
51
. Entretanto, Rodrigues Barbosa, ainda funcionário da Secretaria de Interior,
intercepta o comunicado e adia o desfecho, alegando que o requerimento do professor
Cavalier estava em estudo, e que ainda procuravam-se nos arquivos os papéis relativos
às representações anteriores. Aproveitava para lembrar que o professor Nascimento
ocupava efetivamente as cadeiras de violoncelo e harmonia, nas quais fora provido pelo
Decreto nº. 1863 de 30 de outubro de 1894, sendo em ambas vitalício, desde a data da
posse.
52
Leopoldo Miguez. Neste aviso o Ministro informa que “aceitando o oferecimento de vossos serviços,
resolveu o Governo Federal incumbir-vos de estudar, durante a vossa próxima viagem à Europa, a
32
Assim, se Miguez estava ausente e não poderia dar as informações pertinentes ao
requerimento de Cavalier, Rodrigues Barbosa assume o papel de algoz das pretensões
do artista. Apresentando-se como um dos integrantes da comissão que elaborara o plano
completo, na parte que se referia à música, na ocasião da reformas das Belas-Artes,
aceito sem restrições pelo Governo provisório, Barbosa destacava que todos os nomes
que deveriam compor o corpo docente da nova instituição foram apresentados ao
Governo, que nomeou todos os indicados. Enfatizava que o Governo provisório tinha
todos os poderes nessa ocasião e poderia ter “apresentado o Sr. Cavalier, mas não o
fez”.
53
Neste momento, Barbosa se referia talvez ao caso de Henrique Alves Mesquita.
Em Setembro de 1922, em sua série de artigos intitulada “Um século de Música
Brasileira” publicada no jornal Estado de São Paulo, Barbosa dedica um desses artigos
a Henrique Alves de Mesquita, onde relata:
Mesquita conseguiu, à custa de muito esforço e de muita coragem, vencer a
muralha da má vontade e penetrar no antigo Conservatório, onde conquistou
uma cadeira. Veio a República com as suas inovações e o homem, a quem o
autor destas linhas confiou a escolha do corpo docente da nova instituição
que sucedia ao Conservatório, não se lembrou do nome de Mesquita.
54
Segundo Barbosa, ele mesmo teria lutado para que o nome de Mesquita
constasse entre os indicados à nomeação por Leopoldo Miguez. Porém, afirma, foi
somente com a intercessão de Saldanha Marinho que o velho maestro passou a fazer
parte da lista de professores do Instituto. Marinho teria escrito a Aristides Lobo, o
primeiro Ministro do Interior e fundador do Instituto Nacional de Música: “Meu filho!
(era assim que ele chamava Aristides nas suas cartas) A República foi proclamada há
poucos dias e eu já preciso merecer dela um favor: o de ser nomeado professor do novo
Conservatório na pessoa do meu querido e bom amigo o velho Mesquita”. Sendo
impossível deixar de atender ao benemérito Saldanha Marinho, completa Barbosa,
Mesquita penetrou no Instituto, mau grado a indisposição que contra ele surgiu”.
55
Mas com Cavalier, Barbosa não demonstra nenhuma condescendência.
Continuando sua informação anexa ao Despacho do Ministro
56
, afirma que o professor
tentava “iludir o Governo”, posto que em suas alegações não conseguisse provar sua
53
Despacho do Ministro. 18 e 23 de setembro de 1895. Questão Cavalier. Documento manuscrito.
Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
54
Apud. CASTAGNA, Paulo. Um século de música brasileira de José Rodrigues Barbosa. Pesquisa
referente ao triênio 2004-2006 no Instituto de Artes da UNESP. São Paulo: (s.d.), 2007.
55
Idem. Ibidem.
56
Despacho do Ministro. 18 e 23 de setembro de 1895. Questão Cavalier. Documento manuscrito.
Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
33
competência. Em relação aos três discípulos que Cavalier cita como exemplo, assevera
que suas atividades no Instituto não estão relacionadas ao magistério de Cavalier.
Elvira Bello teria sido aluna de Cavalier, mas aluna de canto, enquanto no
Instituto era professora de piano; Lima Coutinho era professor de clarinete na nova
instituição, tendo sido aluno de Cavalier na classe de harmonia; e finalmente Duarte
Gouvêa, seu discípulo de piano, no Instituto era professor de teoria elementar para o
qual fora “habilitado com muita proficiência pelas lições do professor João Rodrigues
Cortês”. Conclui então: “Ou no Conservatório, ou fora deste, o Sr. Cavalier nunca
conseguiu fazer de um aluno seu um artista”
57
. Mais uma vez o Governo nega a
reintegração de Cavalier, agora alegando que as cadeiras requeridas já estavam
ocupadas e que a injustiça que afirmava ter sofridohavia sido reparada pela
nomeação para a Escola Normal.
As muralhas levantadas por Miguez se tornavam cada vez mais intransponíveis
para Cavalier. Enquanto aguardava nova oportunidade de ingresso no Instituto, envolve-
se em outras atividades que contariam com o reconhecimento da sociedade. Entre elas
destacam-se suas apresentações públicas ao lado do tenor Antonio Rayol, e sua
freqüente presença nos concertos da Escola de Música Santa Cecília, em Petrópolis, e
no Club Americano, no Rio de Janeiro. Em uma dessas apresentações patrocinadas pelo
Club, e dedicada “ao chefe da música nacional – o imortal Carlos Gomes”, a diretoria
faz questão de manifestar sua “gratidão ao conceituado componista (sic) maestro
Cavalier Darbilly pela espontaneidade com que prestou-se a acompanhar um dos
trechos extra programa”.
58
Mas foi durante as representações de sua Mágica, A Pandora, que Cavalier
colheu os melhores elogios sobre sua apurada competência artística. Qualificado como o
artista que “goza de grande reputação entre nossos músicos”
59
34
inteiramente diferente da postulada no ano anterior, quando, confirmando o parecer de
Miguez, afirmava falta de méritos profissionais do artista:
(...) o nome do Doutor Moreira Sampaio, aureolado por triunfos
anteriores, era uma sólida garantia para os créditos da nova peça, que reunia
ainda uma outra recomendação: a música expressamente escrita pelo
maestro Cavalier Darbilly, um compositor a quem não faltam os
conhecimentos da técnica de sua arte.(...) o conhecido professor compôs
quarenta e dois números, alguns dos quais distinguem-se pela deliciosa
frescura de suas melodias, todas elas bem orquestradas.
61
No ritmo de seu reconhecimento como artista de mérito, Cavalier, em 1897, alia-
se a Oscar Guanabarino para a criação da Academia Livre de Música. Esta empreitada
deve ter provocado as mais diversas reações no seio da “República Musical”, fato
possível de ser mensurado pelos comentários de Artur Azevedo (1855-1908) em sua
coluna na primeira página do O Paiz, onde festejava a inauguração da instituição,
criação de amigos que “prezo e considero como Oscar Guanabarino, Antonio Rayol,
Cavalier e outros”
62
. Sintomaticamente, afirma que não reconhecia nos fundadores da
Academia Livre o propósito de serem hostis ao Instituto Nacional de Música, porque se
assim o fosse, “não lhes viria trazer a minha saudação”. O que havia, de acordo com
suas palavras, era uma “dissidência”, com a qual “nada tinha que ver nem se
importava”.
63
Se Artur Azevedo estava sendo cuidadoso, protegendo seus amigos de qualquer
mal entendido em relação ao Instituto de Música – “um estabelecimento sério, que
honra o nosso país”
64
– e ao seu diretor, Leopoldo Miguez – “ compositor insigne, que
seria universalmente reconhecido se não fosse meu compatriota”
65
, o mesmo
procedimento não teria Oscar Guanabarino. No mesmo periódico, algumas páginas
adiante, em sua coluna Arte e Artistas, o cronista faz questão de reproduzir na íntegra
seu discurso proferido na ocasião da inauguração do novo estabelecimento. E, se o que
se viu ali foi o reflexo de uma dissidência, nem é bom imaginar o que seria se a intenção
fosse refletir uma hostilidade!
Guanabarino parte para o ataque direto ao Instituto Nacional, logo no primeiro
parágrafo. Informa que a Academia era destinada a educar artistas, visando à criação da
61
Jornal do Comércio. Theatros e música. Sexta-feira, 9 de outubro de 1896. Ano 75. Nº. 283. Grifo
nosso.
62
O Paiz. Palestra. Segunda-feira, 29 de março de 1897. Ano XIII. Nº. 4396
63
Idem. Ibidem.
64
Idem. Ibidem.
65
Idem. Ibidem.
35
arte nacional. Se aqui já se anunciava uma crítica ao Instituto, logo em seguida destilaria
com violência:
A academia livre de música não é um plano de comércio rendoso
entre o mestre e o discípulo, nem tão pouco reunião de um grupo de
invejosos que vem buscar em um centro educador uma recomendação a sua
indústria de professor de uma arte recreativa– mas é, é aí que está o seu
valor – uma reação no momento culminante de uma crise natural e tão
esperada como desprezada. A academia fundou-se fiada na força de vontade
de um grupo de artistas que se coligaram numa época de desânimo político,
e desesperados diante da triste vontade de um povo de três séculos que ainda
não produziu a sua arte.
66
Criticava a ação do Governo republicano, que criando o Instituto Nacional de
Música – “templo em que o primeiro musico do Brasil que se impôs a Europa, recebeu
a pena de excomunhão” – e investindo elevada soma de dinheiro, “não conseguiu senão
um grande colégio de meninas, só incompleto por faltar ali uma cadeira de trabalhos
de agulha e um confessor para preparar a primeira comunhão”.
67
Criticava também as bases do pensamento artístico da República Musical,
traçado entre “Beethoven, como código de princípios, e Wagner, como aspiração”
68
.
Desta forma, repele, oferecia-se o passado das nações européias como o futuro da arte
brasileira, tendo como resultado a esterilidade:
E, de fato, a criação oficial, apesar dos grandes sacrifícios da União,
em sete anos nada produziu. Mas a causa originária do atraso vem
exatamente do erro de se pretender parar a evolução do espírito humano e
julgar que a arte já encontrou as suas formas definitivas, que devem servir
de modelo a todas as nações e em todas as épocas futuras; e, não mais longe,
procuram ressurgir na música as modalidades gregas, servindo-se das
escalas modernas, criando assim aos psiquiátricos a enorme dificuldade de
classificar esta nova forma de loucura, que delira no passado e perde a noção
do futuro.
69
Para além dos méritos desta iniciativa, que atenderia a uma camada diferenciada
da população que não podia freqüentar os cursos diurnos do Instituto, estava claro que
Cavalier e sua tropa transformariam esse projeto em mais uma provocação à “República
Musical” de Miguez. Em suas palavras, a Academia era fruto da expansão natural do
meio artístico, forjada da exigência de circunstâncias naturais, propícias e poderosas
70
. Nesta oposição ao Instituto, a Academia, que teria surgido facilmente, em poucos
66
O Paiz. Arte e Artistas. Segunda-feira, 29 de março de 1897. Ano XIII. Nº. 4396
67
Idem. Ibidem.
68
Idem. Ibidem.
69
Idem. Ibidem.
70
Representação do diretor da Academia Livre de Música Carlos Severiano Cavalier Darbilly ao
Ministro da Justiça e Interior. 27 de agosto de 1897. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo
do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
36
meses já sentia a necessidade de expandir suas atividades, com a criação de um curso
noturno.
Dizia Cavalier que se o Governo não se preocupasse tanto com economias, a
criação de um curso noturno já teria sido realizada e a Academia não teria se imposto
tão cedo como se impôs
71
. Desta forma, solicitava do Governo o apoio que este dava a
todas as instituições que, sem ônus para a nação, se dedicam à obra civilizadora da sua
cultura artística. Este apoio se concretizaria na cessão de salas em algum prédio
público
72
, como o Externato do Ginásio Nacional onde, com a extinção da Escola
Normal Livre, haveria salas desocupadas no período noturno. Deste modo, afirma
Cavalier:
E permiti, Sr. Ministro, que sejamos francos a ponto de manifestar-vos que,
com essa concessão, não faríeis um sacrifício pela arte. Muito mais custaria
à nossa Pátria fundar uma escola noturna, sob o mesmo plano; muito mais
pesaria no orçamento da União a verba que a decretasses, por mínima que
ela fosse para se realizar o que prometemos mediante esse simples favor.
Com esse vosso ato de patriotismo a “Academia” se obrigará a dar
freqüência gratuita a 20 alunos das escolas oficiais que tenham revelado, nos
respectivos cursos, aptidão talentosa para a música.
73
Cavalier encerra sua petição dizendo-se no aguardo da patriótica proteção do
Ministro, reforçando sua tentativa em vincular o apoio oficial a um ato de patriotismo.
O apelo, entretanto, não surte efeito. O diretor do Ginásio Nacional, José Veríssimo
(1857-1916), em resposta ao encaminhamento do Ministério da Justiça
74
, explana que
não somente a ocupação do edifício por corporações estranhas resultava em prejuízo à
autoridade da Diretoria, como o indispensável serviço de limpeza do edifício e a maior
usura dos móveis e do mesmo edifício acarretavam em gastos que consumiam em pouco
tempo as escassas verbas que dispunha para esse fim.
Por todos estes motivos, pede que não seja atendida a pretensão de Darbilly, “em
nome de uma associação, que quaisquer que sejam os seus intuitos, visa também a fins
lucrativos e não está, pois no caso de merecer tão alto favor dos poderes públicos”
75
.
71
Idem. Ibidem.
72
Explica Darbilly que a Academia funcionava nas salas do Liceu de Artes e Oficio que “gentilmente lhe
foi cedida e fornece local preciso”. Entretanto, por conta de suas atividades o Liceu não podia dispor de
salas no período noturno. Idem. Ibidem.
73
Idem. Ibidem.
74
Oficio do Diretor do Externato Ginásio Nacional ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores. 23 de
setembro de 1897. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização:
GIFI 4H-221.
75
Idem. Ibidem.
37
O Governo acata as alegações de Veríssimo, e mais uma vez responde negativamente a
Cavalier Darbilly.
76
O sucesso da Academia não importaria na desistência das pretensões de Darbilly
em relação ao Instituto de Música. A nova oportunidade surgiria logo após a morte de
Leopoldo Miguez, em julho de 1902. A ausência do ditador impulsionava novas
adequações na sociedade dos músicos, suas relações hierárquicas e brigas por espaço de
prestígio. A própria atuação de Miguez, que alguns reconheciam como autoritária,
despótica e equivocada artisticamente, passa a ser revista e os possíveis erros,
imputados a terceiros, como o fez Guanabarino:
Os falsos amigos que o segregavam daqueles que podiam ser consultados, e
isso no interesse de manter as acumulações de cadeiras, sacrificando o
interesse geral ao próprio – forçaram as tendências cordatas do eminente
musico brasileiro, tornaram-no despótico, criaram jornais que, de artísticos
que eram em sua origem, se transformaram em polemistas e mais tarde em
francos agressores, que não mediam as injurias nem pautavam a linguagem
de seus artigos nos moldes talhados a gente de boa educação.
77
Artur Azevedo redimia o antigo ditador, afirmando que Miguez fora “vítima do
cargo” que exercia. Entretanto, pontuaria posições pessoais deste, que o fizeram afastar
do campo de atuação musical, personagens dignos como Cavalier Darbilly
78
. Relatando
o afastamento deste artista, e a tentativa de não incluir Henrique Alves Mesquita no
então recém-formado Instituto de Música, Azevedo afirma que Miguez não gostava de
Cavalier, como não gostava de Carlos Gomes, como não gostava de Francisco Braga.
Assim, conclui, tendo o antigo diretor morrido, “bem poderia o governo em havendo
oportunidade restituir ao ensino oficial um músico bem competente e provecto”.
79
Na semana seguinte, em artigo intitulado Voltando a Carga, Azevedo publica
uma carta de Rodrigues Barbosa, o fiel escudeiro do ditador Miguez. Nesta, rebatia as
afirmações de Azevedo, argumentando que o ex-diretor havia promovido concertos em
benefício de Carlos Gomes e fora o responsável pela nomeação de Francisco Braga ao
cargo de professor do Instituto. Quanto a Cavalier, a explicação foi a seguinte:
É verdade que ele não fez parte da corporação docente nomeada para
as diversas cadeiras do Instituto, mas o governo deu-lhe uma compensação
logo depois. (...) Não me parece bem provado que o Miguez não gostasse do
Cavalier: posso afirmar-te mesmo que chegou a convidá-lo em tempo para
reger a cadeira de harmonia, e só a discordância em que ambos se
encontraram sobre a orientação a dar ou o método a adotar para o ensino
76
Despacho do Ministro. 27 de setembro de 1897. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do
Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
77
O Paiz. Leopoldo Miguez. Segunda feira, 7 de julho de 1902. Ano XVIII. Nº. 6481.
78
O Paiz. Alberto Nepomuceno. Segunda-feira 14 de julho de 1902. Ano XVIII. Nº. 6488.
79
Idem. Ibidem.
38
desta matéria, impediu o Miguez de propor a nomeação ao governo,
recusando-se o maestro Cavalier a aceitar o programa e o método de que
fazia questão o glorioso autor de Os Saldumes. Entretanto, penso também
que a reintegração do maestro Cavalier é um ato de justiça. (grifo
nosso).
80
Estranha afirmação para quem, há poucos anos, havia pessoalmente articulado o
impedimento de uma certeira reabilitação do artista. Azevedo não se comoveu com as
afirmações de Barbosa e reafirmou suas posições esclarecendo ter ouvido do próprio
Miguez que este não gostava de Carlos Gomes
81
, e que a nomeação de Braga parecia-
lhe muito mais fruto da pressão da opinião pública, manifesta em várias oportunidades
na imprensa, onde, inclusive, teriam sido evidenciadas as opiniões de Miguez em
relação ao mesmo sem que nem ele ou os seus amigos refutassem. Novamente
contemporizava, afirmando que Leopoldo Miguez, antes de assumir o cargo de diretor
do Instituto, “era a meiguice que se fizera homem” e por isso repetia o que havia dito
anteriormente: “foi uma vítima do cargo que exerceu”.
82
Com a morte de Miguez, assume a direção do Instituto o compositor Alberto
Nepomuceno. Republicano e abolicionista de longa data, o que o levou a ter sérios
desconfortos no período monárquico
83
, Nepomuceno não tardaria a dar ao Instituto
conformação diferenciada, encerrando as práticas autoritárias de Miguez. No entanto,
este fato não representa uma contradição ao legado do ex-diretor, considerado por ele
como “artista de mérito incontestado, dono de uma ilustração invejável”, chegando
mesmo a afirmar que o Instituto seguiria a “orientação fecunda traçada pelo inolvidável
artista”.
84
Mas o respeito aos anos de convivência e a admiração sincera dispensada ao
antigo mestre não impediram de traçar uma reforma no regulamento do Instituto,
80
O Paiz. Voltando a carga. Segunda-feira 21 de julho de 1902. Ano XVIII. Nº. 6495.
81
Essa prevenção de Miguez para com Carlos Gomes, também se pode notar na Informação de 1890,
citada anteriormente, bem como as restrições que fazia ao temperamento e a competência de Cavalier
Darbilly.
82
O Paiz. Voltando a carga. Segunda-feira 21 de julho de 1902. Ano XVIII. Nº. 6495.
83
Em 1885, uma Petição enviada ao Governo Imperial pela Assembléia Legislativa Cearense, solicitando
recursos para a realização de viagem de estudos à Europa, é indeferida por conta de suas atividades
abolicionistas e de divulgação de idéias republicanas. Em 1886, convidado pela Princesa Isabel a tomar
chá no Paço Imperial, é recebido com reservas por conta da divulgação na imprensa de suas de suas
atividades republicanas. CORREA, Sergio Alvim. Alberto Nepomuceno, catálogo geral. Rio de Janeiro:
FUNARTE, 1985. p. 9
84
BRASIL. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Relatório apresentado ao Presidente da
República dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. J. J. Seabra, Ministro de Estado da Justiça e Negócios
Interiores em Abril de 1903. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1903.
39
imprimindo sua visão pessoal à condução da instituição. Na essência desta reforma
85
estava a flexibilização das relações entre a figura do diretor e o corpo docente e
discente. Desta forma, segundo Avelino Romero, opunha-se à figura do ditador
positivista o liberal Nepomuceno, em concordância com os novos tempos vividos pela
República Brasileira.
86
Entre os diversos pontos abordados na nova regulamentação do Instituto,
constava a ampliação de seu corpo docente, o que instiga Cavalier a mais uma tentativa
de ser integrado à instituição. Em 27 de março de 1903, ele apresenta uma nova
Representação ao Ministro da Justiça “reclamando a reparação de uma injustiça
clamorosa de que foi vítima e sofre há longos anos”
87
. Por esta razão, informando que
pelo último regulamento dado ao Instituto Nacional de Música haviam sido criadas mais
uma cadeira de piano e outra de harmonia, pede ser nomeado para uma delas.
88
Se a linha do discurso permanece a mesma, a reparação de uma injustiça, a
argumentação agora toma um outro tom e se dirige de maneira mais direta em
responsabilizar o Governo por sua desventura. Assim, após iniciar o documento com a
descrição de praxe sobre sua estada em Paris, os anos de dedicação ao serviço público,
Cavalier assevera:
Um longo período de tempo consagrado a serviço público, pois como tal
deve ser considerado o professorado exercido em estabelecimento custeado
pelo Governo, cuja direção administrativa e técnica incumbia a empregados
de sua nomeação, confere direitos respeitáveis cuja violação não pode ser
amparada pelos poderes públicos. A República prometeu e tem garantido os
direitos permanentes de atos e fatos provindos dos Governos do Império; o
suplicante era professor catedrático num estabelecimento público; só por
malversação ou incapacidade podia ser dispensado do cargo ganho em
concurso, a sua eliminação, pois do quadro dos professores constitui uma
acintosa ofensa a seus direitos. Cumpre, V. Ex. reparar essa ofensa e
restabelecer o domínio do direito.
89
As palavras de Darbilly causaram certo desconforto entre os funcionários do
Ministério da Justiça. Seguindo os trâmites do Ministério, o diretor do Instituto deveria
ser instado a informar sobre as pretensões do requerente. Mas o 2º oficial da Diretoria
do Interior, Bento de Barros, manifesta sua dúvida por conter a Representaçãotermos
85
O Regulamento do Instituto Nacional de Música foi sancionado através dos Decretos Nº. 968 de 2 de
janeiro de 1903 e Nº. 4.779 de 2 de Março de 1903.
86
PEREIRA, Avelino Romero. Op. Cit. p. 143
87
Representação de Carlos Severiano Cavalier Darbilly ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores da
República dos Estados Unidos do Brasil. 27 de março de 1903. Questão Cavalier. Documento
manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
88
Idem. Ibidem.
89
Idem. Ibidem.
40
que não deveriam figurar em petição dirigida ao Governo”
90
. O 1º oficial, A. J. Silva,
entretanto, baseado na existência de um precedente, indica que seja enviado ofício ao
diretor do Instituto com o pedido de informações.
91
Alberto Nepomuceno respondeu não “desconhecer os serviços prestados” por
Cavalier Darbilly no extinto Conservatório, mas entendia que nenhum direito lhe
assistia à cadeira de piano ou de harmonia criadas através do decreto de janeiro de 1903.
Baseava-se no argumento da falta de direito à vitaliciedade dos professores do
Conservatório, e que no decreto que o extinguiu nenhum direito assegurava-se a estes.
Assim sendo, concluía o novo diretor, só mediante concurso, parece-me poderá ser
nomeado professor deste Instituto.
92
Se de algum modo o reconhecimento de Nepomuceno aos serviços prestados por
Darbilly era um dado novo à Questão Cavalier, mais surpreendente seria o
posicionamento do funcionário do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, Candido
Augusto Coelho da Rosa, o mesmo que, em 1890, subscreveu a informação de Miguez,
ocasionando o indeferimento das pretensões de Darbilly.
Candido Rosa, agora na posição de diretor-geral da Diretoria do Interior do
Ministério da Justiça, inicia seu parecer relembrando as razões apresentadas por Miguez
para a não inclusão do pianista como professor do Instituto de Música. Destaca a
referência a seu gênio atrabiliário, sua suposta falta de mérito, por não ter formado um
único artista dos seus discípulos e a intenção de criar um sistema único de ensino do
piano, sob a supervisão de Alfredo Bevilacqua. Na época em que essas afirmações
foram ministradas, diz Candido Rosa, pareciam concludentes, mas posteriormente fatos
ocorridos viriam a demonstrar a improcedência dos fundamentos da exclusão.
93
Para o funcionário, o finado diretor teria indicado a incompetência de Cavalier e
não foi de certo modo contestado. Entretanto, contestava-o agora o diretor Nepomuceno
quando reconhecia os serviços do peticionário, e consequentemente seu mérito como
professor. Somente por este fato, de “importância capital”, apresentava-se a
necessidade de um novo estudo sobre a Informação prestada pelo ex-diretor,
90
Despacho do Ministro. 2 de Abril e 9 de maio de 1903. Questão Cavalier. Documento manuscrito.
Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
91
Idem. Ibidem.
92
Informação do Diretor Alberto Nepomuceno ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores Sr. José
Joaquim Seabra. 18 de abril de 1903. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo
Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
93
Despacho do Ministro. 2 de Abril e 9 de maio de 1903. Questão Cavalier. Documento manuscrito.
Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
41
verificando-se, “desde logo, que já em 1890, poderia tal conceito ser refutado com
vantagem”.
94
Neste sentido, Rosa apresenta suas conclusões tópico a tópico. Para as alegações
de incompetência como professor, imputa essa possibilidade como decorrência da má
organização do Conservatório. Arguto, baseia sua alegação nas próprias palavras de
Miguez, que depois de criticar com severidade o estabelecimento, terminou com as
seguintes palavras: “Foram estes abusos, foi esta má organização, foi esta falta de
método, este caos que se reformou com a criação do Instituto”. Assim, se considerava o
Conservatório uma instituição imprestável pela sua defeituosa organização, o que não
dependia dos professores, não poderia o ex-diretor, responsabilizá-los pela nulidade dos
resultados do ensino.
95
De igual maneira Candido Rosa recorre ao texto de Rodrigues Barbosa,
divulgado em “Notícia histórica dos serviços, instituições e estabelecimentos do
Ministério da Justiça e Negócios Interiores”, publicação oficial de 1898. Nesta
oportunidade, Barbosa estabelecia a relação entre a singular organização do
Conservatório e a contribuição desta na deficiência que se pretendeu imputar aos
professores. Enfatizava que apesar da nomeação de professores que tinham sido alunos
do estabelecimento - O Sr. Cavalier que obtivera o prêmio de viagem à Europa foi um
dos professores nomeados – isso poucos resultados representariam, pois “o esforço
individual de poucos nada podia diante da anormalidade daquela organização,
apendiculada à administração pública” pela dependência das subvenções, das
nomeações do pessoal e das disposições estatuídas pelo Governo que regia sua ação
docente e administrativa.
96
Com relação ao gênio atrabiliário do professor Cavalier – “ainda admitindo que
o vocábulo haja sido empregado na sua verdadeira acepção, e que também não tenha
havido exageração” – Candido Rosa observa que o atrabílis não o impediu o exercício
do magistério particular, visto que, desde 1897, dirige ele o Conservatório Livre de
Música
97
, exercendo também o cargo de professor. Contra a última razão alegada por
Miguez contra Cavalier Darbilly, a necessidade de unificar o ensino de piano, o
94
Idem. Ibidem.
95
Idem. Ibidem.
96
Idem. Ibidem.
97
Pela coincidência da data possivelmente Candido Rosa refere-se à Academia Livre de Música. Tanto
Cernicchiaro em sua Storia della Musica nelle Brasile quanto a Enciclopédia de Música Brasileira
também mencionam a existência do Conservatório de Música Livre, entretanto nenhuma outra referência
a essa instituição foi encontrada nas fontes consultadas durante nossa pesquisa.
42
funcionário do Ministério da Justiça esclarece que por pouco tempo esta prevaleceu.
Com a criação posterior de outras cadeiras daquela matéria, cada uma das quais
dirigidas por professor ou adjunto, este também vitalício e, de fato, autônomo,
desapareceu a unidade do ensino “que tão poderosamente influíra para a exclusão do
peticionário”.
98
Mas havia outras razões para Candido Rosa acreditar que as declarações do
finado Diretor houvessem perdido seu valor. Ao lado das provas de competência que
Cavalier continuou a dar, havia um fato que ele sentia a obrigação de expor, revivendo,
a seu pesar, “questão finda, porque assim é preciso para completar a demonstração da
tese que estou procurando sustentar por amor à justiça”. Neste momento Rosa se
referia ao caso de Duarte Gouvêa, qualificado por Miguez como o que não tinha mérito
de pertencer à escola alguma, e citado no caso da carta exposta na Rua do Ouvidor, com
pedidos de dinheiro para aprovação de uma aluna:
Isto escrevia o finado Diretor em 29 de março de 1890. Pois bem. Pouco
tempo depois, a 8 de abril do ano seguinte (oficio junto, nº. 143, da mesma
data) o dito Diretor propunha aquele mesmo ex-professor do Conservatório
para fazer parte do corpo docente do Instituto Nacional de Música.
O ofício nº143, cujo singular laconismo contrasta, de modo flagrante, com a
grandiosidade da acusação feita anteriormente, é documento que,
aniquilando-o evidencia a precipitação do juízo expresso em 29 de
março, precipitação que também atingiu o professor Cavalier. (grifo
nosso)
99
A escolha do vocábulo precipitação, alerta Rosa, foi marcado pela dúvida de
qual termo caberia corretamente ao caso em questão. Dúvida esta, conclui poeticamente,
agravada pelo constrangimento de dissentir, de modo tão profundo, de quem, em vida,
grande consideração mereceu-me”
100
. Nestes termos, Candido Rosa definia sua opinião
atinente às habilitações de Cavalier Darbilly. Restava agora apreciar a questão do
direito.
Apesar de reconhecer que nenhum direito cabia a um ex-professor do
Conservatório, pela não-vitaliciedade desta posição, entendia ser perfeitamente lícito
permitir a volta de Cavalier ao magistério oficial, revestindo o ato da forma de uma
nomeação. A licitude de tal ato devia-se ao fato de ter-se através de seu parecer
invalidado a informação que servira de base à exclusão. E, estando vagas uma cadeira
98
Despacho do Ministro. 2 de Abril e 9 de maio de 1903. Questão Cavalier. Documento manuscrito.
Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
99
Idem. Ibidem.
100
Idem. Ibidem.
43
de piano e outra de harmonia, seria de justiça restituir o lugar de que foi Cavalier
privado.
Tudo indicava que finalmente a vitória estava próxima para Cavalier. O
Ministro J. J. Seabra (1855-1942) informa que o peticionário seria atendido e tudo
parecia caminhar para o bom desfecho da Questão Cavalier. Parecia, mas não
aconteceu. Quase que concomitantemente a avaliação da Representação de Cavalier, um
impasse inusitado levaria ao afastamento de Alberto Nepomuceno da direção do
Instituto contribuindo para a não realização das indicações do Ministério.
No cerne deste impasse, um velho conhecido nosso: o jornalista e músico
amador, Rodrigues Barbosa. Na reforma do Instituto perpetrada por Nepomuceno, foi
efetivada a criação da Congregação, órgão consultivo e deliberativo da instituição,
composta de todos os professores e de três membros honorários por ela indicados. Na
primeira sessão da Congregação, exatamente quando esta deveria deliberar sobre a
escolha de seus membros honorários, surge o impasse com a indicação do nome de
Rodrigues Barbosa realizada por Duque-Estrada Meyer (1848-1905). Esta indicação foi
referendada por outro professor, Lima Coutinho, afirmando na ocasião que “já era
tempo de o Instituto dar uma prova de gratidão ao seu fundador”.
101
Esta indicação provocou uma enorme discussão entre os membros da
Congregação. Para alguns, ela violava o artigo 5º do regulamento, onde ficava
estipulado que os membros honorários deveriam ser indicados dentre os artistas mais
notáveis residentes na Capital Federal e estranhos ao corpo docente do Instituto. Assim,
era questionado por alguns membros, se o fato de exercer a posição de crítico musical
qualificava Rodrigues Barbosa como artista ou não. Ciente da importância de defender
o espaço de atuação profissional do músico, Nepomuceno foi um dos que
combativamente se posicionaram contra a indicação de Barbosa.
Entretanto, não foi o que decidiu a Congregação: por 11 votos a favor e 10
contrários decidiu-se pela indicação do jornalista ao cargo. Nepomuceno, certo de que
esta decisão contrariava o regulamento da instituição, resolveu levar o caso ao Ministro
J. J. Seabra. A princípio o Ministro apóia a visão de Nepomuceno, mas só até o
recebimento do parecer de Candido Rosa – sim, ele novamente – completamente
101
INSTITUTO NACIONAL DE MÚSICA. Ata da sessão da Congregação efetuada no dia 15 de Abril
de 1903. Atas da Congregação e Conselho do Instituto Nacional de Música. Livro I, 1890-1912.
Documento manuscrito. Acervo Biblioteca Alberto Nepomuceno. Setor de Documentos Históricos.
44
favorável à indicação de Rodrigues Barbosa, que naquele tempo ocupava um cargo na
Diretoria de Contabilidade do Ministério da Justiça e Interior.
Estava criada uma celeuma que rapidamente escapou para os jornais, com
acusações e suposições das mais diversas, incluindo suspeições de trocas de favores,
que se não podem ser confirmadas, pelo menos ficam cercadas de certas evidências,
como a nomeação, em 9 de abril de 1904, para o cargo de amanuense do Instituto de
Augusto Leal Coelho da Rosa
102
, (filho de Candido Rosa), depois transferido para a
Diretoria Geral de Saúde Pública. Para o seu lugar é nomeado o bacharel Christiano
Rodrigues Barbosa (filho de Rodrigues Barbosa), por portaria de 3 de junho de 1905.
103
O certo é que ao ter conhecimento do parecer favorável de Candido da Rosa,
Alberto Nepomuceno apresentou seu pedido de demissão, em 3 de maio de 1903:
Depois da leitura que V. Exª. teve a gentileza de fazer-me da informação do
Sr. Diretor Candido Rosa sobre a indicação do Sr. José Rodrigues Barbosa
pela Congregação para membro honorário do Instituto Nacional de Música,
medi bem minha situação, quer perante aquela Congregação, sendo
nomeado o referido Sr. Barbosa, quer perante as diretorias do Interior e da
Contabilidade não o sendo. É um dilema que devo evitar a todo o transe, e o
faço depositando nas mãos de V. Exª. meu pedido de demissão de Diretor do
Instituto Nacional de Música, pedido este irrevogável, qualquer que seja a
solução que V. Exª. der à referida questão.
104
No dia seguinte Nepomuceno publica um artigo no Jornal do Comércio,
afirmando que “a dialética do Sr. Diretor Geral do Interior teve mais peso que a
lei”
105
, acusando-o de estar, juntamente com o Ministro e Rodrigues Barbosa,
cometendo uma irregularidade. Nota-se que o último parecer de Candido Rosa sobre a
Representação de Cavalier foi escrito em 9 de maio, ou seja, após o envio da carta de
demissão e o artigo no Jornal do Comércio. As tensões que permeavam essa disputa
com certeza transparecem na facilidade com que o funcionário do Ministério enfrentou
as opiniões do diretor do Instituto. Além de qualificar como erradas algumas de suas
afirmações, Rosa não pestanejou em dirigir um ataque direto a Nepomuceno.
Neste sentido, citou o caso de Miguel Cardoso pondo em dúvida a
imparcialidade do diretor. Cardoso, em 1891, tivera que decidir entre os cargos que
102
BRASIL. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Relatório apresentado ao Presidente da
República dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. J. J. Seabra, Ministro de Estado da Justiça e Negócios
Interiores em Abril de 1904. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1904.
103
BRASIL. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Relatório apresentado ao Presidente da
República dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. J. J. Seabra, Ministro de Estado da Justiça e Negócios
Interiores em Março de 1906. Volume II. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1906.
104
Carta de Alberto Nepomuceno a José Joaquim Seabra. Petrópolis, 3 de maio de 1903. Apud.
PEREIRA, Avelino Romero. Op. Cit. p. 150.
105
Apud. PEREIRA, Avelino Romero. Op. Cit. p. 151.
45
ocupava no Instituto e na Escola Normal, em cumprimento aos ditames da Constituição
Federal, optando pela última. Posteriormente, um pedido de reintegração foi
referendado por Nepomuceno, fato que Rosa explora constrangedoramente:
Antes de concluir, notarei a contradição existente entre a informação do
atual Diretor, relativa ao professor Miguel Cardoso e a que prestou acerca do
professor Cavalier. Negou a possibilidade de reintegração deste que, aliás,
foi privado do respectivo emprego por ato da administração para o qual não
concorreu direta ou indiretamente, e, entretanto, pronunciou-se pela
reintegração dos primeiro que também não era vitalício, e, cumpre
rememorar, renunciou o seu lugar no Instituto Nacional de Música,
preferindo o da Escola Normal. Renunciou em obediência a preceito
constitucional, o que, absolutamente, exclui a hipói 6(di 6(e)jl)4(u )6(In)(tegaou)-4( i)4(1(re)-6( )]TJ91 Tf0 Tc69 Twaram)11(b)5t Po.ente:
45
46
velhos recursos de retórica invocando a injustiça, o homem ferido em seu amor próprio
e etc., a discussão passa ao largo da questão do mérito, tão pontuada nas ocasiões
anteriores. A questão agora é apresentada no âmbito da legalidade, e as alegações
baseadas em argumentos jurídicos, tanto por parte do peticionário, quanto pelo
funcionário incumbido de relatar o caso ao Ministro.
Deste modo, após se referir aos “memoráveis acontecimentos de 1889”, Cavalier
apresenta sua argumentação, contra a exclusão “ilegal e odiosa” de seu “humilde
nome” da lista dos professores:
O Governo Provisório declarou peremptoriamente que a sua principal
missão era “garantir a todos os habitantes do Brasil o respeito aos direitos
individuais e políticos”. “Reconhecer e acatar todos os compromissos
nacionais contraídos durante o regime anterior...os contratos vigentes e mais
obrigações legalmente estatuídas” (Diário Oficial de 16 de Novembro de
1889). Esse ato do Governo viola ainda a Constituição da Republica que, no
art 72, exara por extenso a garantia dos direitos individuais, e no art° 74 a
especifica dizendo: “as patentes, os postos e os cargos são garantidos em
toda a sua plenitude”, e o Decreto de 2 de Junho de 1892 interpretativo,
assim se exprime: art°-1° “os direitos adquiridos por empregados vitalícios,
na conformidade às leis anteriores à Constituição Federal, continuam
garantidos em toda a sua plenitude”.
110
Os argumentos são todos contestados, inclusive o que se baseia no citado artigo
74 da Constituição, e que abarca de maneira generalizada cargos militares e civis. Numa
incrível argumentação, diz o funcionário da 1ª seção da Diretoria do Interior, J. Cruz,
que o preceito do art. 74, que garantia as patentes, os postos e os cargos inamovíveis,
não deve ser tomado lato sensu, em face do art. 76 da mesma Constituição. Este artigo,
explica, prescreve que “os oficiais do Exército e da Armada só perderão suas patentes
por condenação a mais de dois anos de prisão, passada em julgado nos tribunais
competentes, e em obediência às leis criminais”.
111
Desta forma, conclui o funcionário a vitaliciedade desaparece quando o
“respectivo agente está legalmente privado de funcionar”. Ou seja, como Cavalier
esteve “privado de funcionar”, sua suposta vitaliciedade estaria suspensa!
112
Suposta,
por que em seguida o funcionário completaria o raciocínio: “não tendo o suplicante
adquirido direito à vitaliciedade do dito cargo, não podia ter sido lesado tal direito, e,
se o tivesse adquirido, poderia tê-lo perdido”.
110
Idem. Ibidem.
111
Despacho do Ministro. 25 e 31 de agosto de 1908. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo
do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
112
Idem. Ibidem.
47
Isso dito, entende o funcionário que não foram violados nem o citado art. 74 da
Constituição nem o art. 1º do citado decreto de 2 de junho, porque este se refere a
direitos adquiridos por emprega
48
Talvez atento a este detalhe, Cavalier tenha recorrido a uma outra instância em
busca de apoio. Entre o requerimento deste e a informação daquele, o 1ª Secretário da
Câmara dos Deputados envia requerimento ao Ministro da Justiça e Interior instando
que, conforme solicitado pela Comissão de Finanças, este emita seu parecer sobre o
pedido de Cavalier.
117
No trâmite pelas seções do Ministério, a representação de Darbilly é avaliada
pelo 1º oficial da seção do Interior que reafirma falta de base legal para o pedido de
integração no Instituto. Entretanto, opina que se fosse de entendimento do Governo, o
músico poderia ser aproveitado na futura reforma do Instituto Nacional de Musica, não
importando tal ato em reconhecimento de direito do peticionário. Ressaltava ainda que o
Ministro devesse se dignar a informar a Câmera dos Deputados se o requerimento fora
indeferido ou se o peticionário fora aproveitado no corpo docente do Instituto.
118
O Diretor Geral respondeu ao oficial em tom que demonstrava a tensão existente
entre as instituições. Afirmando que o governo “não tem que dizer à Câmara dos
Deputados o que pretende fazer por ocasião da reforma do Instituto Nacional de
Musica”, indicava que o Ministro deveria apenas se limitar a informar sobre o pedido
constante do requerimento. Quanto a este pedido, era claro para o Diretor Geral que não
havia direito a reintegração, por não haver vitaliciedade no extinto Conservatório; e não
era o caso de jubilação por o requerente não se considerar em estado de invalidez, ao
contrário, requeria voltar à efetividade por nomeação ou reintegração.
119
A resposta do Ministro Rivadávia Corrêa (1866-1920) foi lacônica, não
deferindo o requerimento por estarem preenchidos os lugares
120
. Entretanto, foi através
de uma reforma realizada sob os auspícios deste Ministro que Cavalier vislumbraria a
oportunidade para estabelecer vínculos com o Instituto. A Lei Orgânica do Ensino
Superior e Fundamental da República, conhecida como a Reforma Rivadávia Corrêa,
promulgada em Abril de 1911, possibilitava a criação de cursos livres nas instituições
oficiais de ensino, por profissionais de mérito. Neste sentido, o Instituto Nacional de
117
Requerimento do 1º Secretário da Câmara dos Deputados ao Ministro da Justiça e Negócios
Interiores. Secretaria da Câmera dos Deputados. 27 de setembro de 1911. Questão Cavalier. Documento
manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
118
Despacho do Ministro. 6 de outubro de 1911. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do
Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
119
Despacho do Ministro. 11de outubro de 1911. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do
Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
120
Despacho do Ministro. 27 de outubro de 1911. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do
Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
49
Música aprovou em outubro do mesmo ano novo regulamento, onde se normatizam as
regras para o exercício da livre docência na instituição.
De acordo com a Lei Orgânica, aquele que pertencia à categoria dos livres
docentes não era considerado como funcionário estável e efetivo do Estado. Não tinha
vínculos, nem recebia diretamente do Governo. Seu salário deveria advir da própria
instituição onde exercesse suas funções, através do pagamento dos alunos. Segundo as
normas do Instituto os candidatos a livre docência deveriam submeter um trabalho
escrito a uma comissão nomeada pelo Conselho Docente, a qual seria responsável pela
produção de um relatório para a aprovação ou não do pretendente.
Foi assim, na 6ª sessão do Conselho Docente realizada no dia 17 de Março de
1913, que o professor Lima Coutinho defendeu os méritos artísticos de Cavalier
Darbilly, candidato à livre docência de piano. Seus argumentos foram aceitos e na
votação realizada contou com 26 votos a favor e 2 votos contrários. Finalmente
estabelecia Cavalier uma ligação com o Instituto, ainda que sem direito à estabilidade,
pagamento ou qualquer outra vantagem de um funcionário estável. Agora, aos 67 anos
de idade, de alguma forma Darbilly era aceito na fechada “República Musical”, sediada
no Instituto Nacional de Música.
Entretanto, no ano seguinte, o diretor Alberto Nepomuceno informava ao
Ministro da Justiça
121
que dos professores aprovados para a livre docência no Instituto,
apenas Maria dos Santos Melo havia efetivamente exercido sua função, por ter sido a
única a contar com alunos inscritos em seu curso. O desfecho da Questão Cavalier veio
tarde demais. Esquecido e longe dos seus áureos tempos de reconhecimento, não contou
com nenhum discípulo interessado em receber sua orientação. Cavalier morreria pouco
tempo depois, pobre e abandonado na cidade de São Paulo.
Podemos observar no desenrolar desta trama envolvendo Cavalier Darbilly que a
adoção de discursos em suas alegações e argumentações não pode ser desvinculada de
seu entorno sócio-político. Deste modo, a discussão em torno do mérito, tão cara aos
primeiros letrados que se auto-atribuíam a missão de iluminar os caminhos do povo-
nação
122
, toma relevância nos primeiros anos do longo processo movido por Cavalier.
Essa prática advinda dos propagandistas da República vinculava a idéia do novo regime
121
Ofício do Diretor, Relatório de 1913. Apud. PEREIRA, Avelino Romero. Op. Cit. p. 243
122
GOMES, Angela de Castro e FERREIRA, Marieta de Moraes. Primeira República: um balanço
historiográfico. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 4, 1989, p. 244-280.
50
baseado nos valores do talento, do progresso em detrimento das práticas do velho
regime ao qual se agregavam noções como o privilégio e o atraso.
Portanto, vincular ao antigo Conservatório de Música e seus professores
qualificações como caótico, anárquico, incompetente era de certa forma reproduzir a
prática de denegrir as instituições e personagens ligados ao velho regime, ao mesmo
tempo em que se afirmava a nova perspectiva republicana. Mas, nas suas entrelinhas,
verifica-se a facilidade com que esse novo grupo recém-chegado à distinção social,
manipulava os favores do governo consubstanciados nas nomeações, privilégios e
proteção dos mandatários do poder do Estado.
A partir do decênio de 1900, o foco dos discursos apresentados muda de direção.
Centralizados num primeiro momento em argumentos jurídicos e no próprio
questionamento das atitudes do governo republicano, tais discursos passam a ser
revestidos da substância política que os marcariam. As utilizações desses argumentos
refletem a dinâmica do novo Regime, distinguido agora pela ação dos primeiros
presidentes civis e seu apego aos postulados do liberalismo clássico, bem como a
ampliação da burocracia estatal e dos campos de ingerência do Governo.
Entretanto, pode-se observar na documentação da Questão Cavalier que a
exclusão de Cavalier Darbilly não se baseia em um fato concreto, e está muito além de
uma simples discussão legal sobre um pretenso direito ao exercício do magistério em
uma instituição oficial republicana. Como dissemos anteriormente, a exclusão do
pianista pela “República Musical”, personificada no seu líder Leopoldo Miguez, não se
resumiria ao impedimento imposto a um indivíduo, mas a um gênero, a uma prática
representada no percurso deste artista e professor.
José Murilo de Carvalho afirma que a busca de uma identidade coletiva para o
País, de uma base para a construção da nação, foi tarefa que perseguiu a geração
intelectual da Primeira República
123
. Não é difícil inferir que, da mesma forma, a
República Musical” se atribuísse a missão de construção das bases para uma identidade
musical brasileira. Essas bases, como ironizava Guanabarino, tinhamBeethoven, como
código de princípios, e Wagner, como aspiração”
124
, ou seja, era na escola alemã, na
tradição musical germânica que os músicos-iluministas dos primeiros tempos da
República encontravam seus modelos.
123
CARVALHO, José Murilo de. Pontos e Bordados. Op. Cit. p. 102
124
O Paiz. Arte e Artistas. Segunda-feira, 29 de março de 1897. Ano XIII. Nº. 4396
51
Desta forma, não causa estranhamento notar que entre os artistas desqualificados
por Miguez incluíam-se os que exerciam uma prática musical distante dos padrões
estéticos pretendidos pelo Ditador. É assim que Carlos Gomes, seguidor da escola
italiana, foi considerado um compositor que deixa muito a desejar; que Henrique Alves
Mesquita e Cavalier Darbilly, formados em Paris e ligados à prática do teatro-musicado
– principalmente à Mágica, como veremos posteriormente – não eram meritórios de
pertencer à nova ordem que se impunha.
Neste sentido, observar a exclusão de Cavalier por parte da “República Musical
como uma exclusão de uma prática que trazia em seu cerne a utilização de uma forma
popular urbana, reveste a Questão Cavalier de um novo sentido. E sob este novo prisma
é interessante observar que num primeiro momento esta prática não é digna por seus
méritos de estar presente na nova instituição, em seguida seu dirigente reconhece seus
serviços e depois até percebe a veracidade de suas alegações, embora não reconheça seu
direito de pertença à ordem musical republicana. Curiosamente, no que se apresenta
como uma espécie de ápice da trajetória desta forma musical, em 1916, substituindo o
diretor Alberto Nepomuceno, foi nomeado para a direção do Instituto Nacional de
Música um compositor de mágicas: o pianista e teatrólogo Abdon Milanez (1858-1927).
Para realizarmos esta discussão, é necessário olhar a instigante trajetória de
Cavalier Darbilly, observando os fatores que propiciaram seu reconhecimento no
Segundo Reinado e sua exclusão do Instituto Nacional de Música, espaço de prestígio
da nova ordem republicana. Esta trajetória será entrecruzada com a constituição de uma
rede de relações sócio-culturais, a “sociedade dos músicos
que, por sua vez,
corporifica-se em lugares voltados à produção e prática musical: o Conservatório de
Música, o teatro e os clubs e sociedades Musicais.
Observaremos como se estabelece a articulação desses lugares com o poder do
Estado Imperial; as afinidades entre tais lugares e a formação de um segmento cultural
particular – o dos músicos; e as imbricações entre esses mesmos lugares e os
gêneros/formas musicais em vogas na segunda metade do século XIX, em nosso caso
observado a partir de um produto cultural específico: a Mágica.
52
Capítulo 2
– OS LUGARES DE PRÁTICA MUSICAL –
Em 1872, o pianista e compositor Carlos Severiano Cavalier Darbilly
retornou ao Rio de Janeiro após ter concluído seus estudos no Conservatório de
Paris. Nesta instituição, freqüentou a classe de composição de François Emmanuel–
Joseph Bazin (1816-1878) e a classe de piano do célebre professor Antoine-François
Marmontel (1816-1898), responsável pela formação de grandes nomes da música
francesa, como Georges Bizet, Claude Debussy, Vincent d'Indy, entre outros.
Nesta ocasião, ofereceu ao Governo seus préstimos para criar gratuitamente
uma aula de piano
1
no Conservatório de Música da corte, aula que não existia de
maneira regular. Segundo o próprio Cavalier Darbilly, o ensino do piano era
ministrado pelo então professor de canto, o maestro Arcângelo Fioritto (1813-1887),
recebendo a “gratificação de 20$000 mensais para lecionar uma vez por semana
algumas alunas que desejavam estudar piano. Aula de piano, pois realmente não
existia”
2
. Tendo o seu oferecimento sido aceito pelo Governo, o então Ministro de
Estado dos Negócios do Império, Conselheiro João Alfredo Correa de Oliveira,
através do Aviso de 20 de fevereiro de 1873, nomeia-o professor da aula de piano,
que ficava assim criada.
3
Por dez anos consecutivos ele exerceria gratuitamente o magistério,
lecionando três vezes por semana, duas horas por dia. Neste período, motivos
estranhos a sua atribuição junto ao Conservatório o obrigaram a abandonar o lugar
durante dez meses, findos os quais, voltou a reger a aula de piano nas mesmas
1
O termo “aula de piano” refere-se ao que seria hoje a disciplina Piano na grade curricular de um
estabelecimento de ensino musical.
2
Representação apresentada por Carlos Severiano Cavalier Darbilly à Secretaria de Estado dos
Negócios do Interior em 20 de Fevereiro de 1890. Documento manuscrito. Acervo Arquivo
Nacional. Localização: GIFI 4H-221
3
Esta seria a primeira classe de piano a ser instituída em um estabelecimento oficial de ensino
musical.
53
condições
4
. Por ocasião da reforma levada a efeito no Conservatório em 1881, a
aula de piano passou a ser dividida em duas cadeiras: uma de teclado e peças fáceis
e outra de aperfeiçoamento e peças difíceis. Relata Darbilly:
Suscitando-se dúvidas se o Aviso do Senhor Conselheiro João
Alfredo era suficiente para tornar efetiva a nomeação do suplicante
[Cavalier Darbilly] para catedrático da aula de piano, e abrindo-se a
inscrição para o concurso à 1ª cadeira de piano, o suplicante concorreu
e obteve o lugar sem competidor; requereu mais tarde transferência para
a 2ª cadeira e foi-lhe concedida por a junta dos professores julgado
proveitosa ao ensino tal transferência.
Durante este longo lapso de tempo de 16 anos, o suplicante
exerceu interinamente o lugar de professor da 1ª aula de piano 6 anos; o
de professor de canto durante 2 anos e a de Harmonia durante a
ausência do Senhor Carlos Mesquita. Em resumo os serviços do
suplicante correspondem a 25 anos, dos quais dez foram gratuitos.
5
Portanto, Cavalier ao longo de quase três décadas desempenhou a função de
professor do Conservatório ao mesmo tempo em que se tornava um compositor de
realce do Império, atuando no teatro, na Capela Imperial e nos clubs musicais.
Através de suas obras e de suas aulas, a sociedade brasileira ganhava um
revestimento sofisticado, erudito, vinculado ao projeto civilizatório que inspirava o
imaginário do Império. Com o passar dos anos, todavia, novos elementos foram
incorporados à atuação musical de Cavalier, culminando com seu paulatino
afastamento dos padrões clássicos da música do final do segundo reinado.
4
Representação apresentada por Carlos Severiano Cavalier Darbilly à Secretaria de Estado dos
Negócios do Interior em 20 de Fevereiro de 1890. Documento manuscrito. Acervo Arquivo
Nacional. Localização: GIFI 4H-221
5
Idem.Ibidem.
54
2.1 O Conservatório de Música
Os anos seguintes à proclamação da Independência do Brasil e à abdicação do
primeiro Imperador foram intensos. A necessidade de criar uma nação para o novo
Estado que se formava, era questão fundamental. Neste processo, a elite imperial
brasileira procuraria cultivar a imagem de uma civilização européia transplantada
para a América tropical. Esta civilização, agregada de valores “americanos”, seria
edificada e afirmada através do Estado e da Coroa. Assim, a consolidação política
no início do Segundo Reinado abria espaço para a emergência de um discurso
político que conferia ao Estado, personificado no imperador, a missão histórica de
constituição da nação.
6
O Governo, então, como artífice dessa construção, inicia uma série de
atitudes bem representadas na criação do Instituto Histórico Geográfico (1838), do
Museu Nacional (1842), ao mesmo tempo em que inaugura e reformula
estabelecimentos formadores de sua elite nacional, como o Colégio D. Pedro II
(1837) e a Imperial Academia de Belas-Artes (1842). Da mesma forma demarca
seus lugares de atuação no que diz respeito à música, reorganizando a orquestra da
Capela Imperial (1843), retomando as temporadas de óperas (1844) e inaugurando o
Conservatório de Música (1848). Robert Peachman pondera:
Essas instituições têm como "missão" colocar o país no fluxo
civilizatório europeu e, por isso mesmo, buscam um "padrão
civilizatório" que possa se tornar uma referência para todos os
brasileiros, mesmo aqueles excluídos do pacto do poder. É a partir
desse padrão mínimo, dessa referência elementar que o nacional e o
civilizatório se fundem, que o particular e o universal se estreitam,
redefinindo uma nova dinâmica.
7
O Conservatório revela em sua natureza a ambigüidade de ser uma
instituição governamental e ao mesmo tempo particular. Em 1875, no seu primeiro
relatório como diretor do Conservatório de Música, Antonio Nicolau Tolentino
(1810-1888) explanava sobre esta dupla constituição:
No entanto é evidente defectiva a anômala organização do
Conservatório tal qual existe. Estabelecimento de origem particular,
apenas auxiliado pelas dezesseis loterias que para a sua fundação foram
concedidas em 1841, o Conservatório desde 1847 tomou o caráter
6
ROWLAND, Robert. Patriotismo, povo e ódio aos portugueses: notas sobre a construção da
identidade nacional no Brasil independente. In: Istvan Jancó: Brasil. Formação do Estado e da
Nação. São Paulo: Hucitec, 2003. P. 365-388.
7
PECHMAN, Robert Moses. Cidades estreitamente vigiadas: o detetive e o urbanista. Rio de
Janeiro: Casa da Palavra, 2002. p. 31
55
ambíguo de associação privada e instituição pública, pelo mecanismo
que lhe imprimiu o Governo, tanto então como em janeiro de 1855,
subordinando-o por um lado, em todos os seus atos e funções a regras
pelo mesmo Governo pré-estabelecidas, e deixando-o por outro
desprovido dos elementos indispensáveis ao bom desempenho dos
deveres que lhe ficavam pautados, e entregue a seus meios
particulares.
8
Essa duplicidade já estava presente antes mesmo da inauguração do
Conservatório. A primeira manifestação governamental sobre a necessidade de se
oficializar na corte do Império o ensino da música foi realizada pelo Ministro
Antonio Pinto Chichorro da Gama (1800-1887), em seu relatório sobre o ano de
1833
9
. Ali, indicava a conveniência de se criar na ambiência da Academia de Belas-
Artes “uma aula de música, onde o talento dos Brasileiros, tão propenso as Belas-
Artes, possa também neste ramo desenvolver-se, e aperfeiçoar-se”.
10
No mesmo ano de 1833, reunia-se um grupo de músicos, capitaneados por
Francisco Manuel da Silva (1795-1865), para a criação da Sociedade de
Beneficência Musical, ou simplesmente Sociedade de Música, como ficou
conhecida
11
. Além das finalidades que envolviam a promoção de benefícios sociais
para seus membros, a Sociedade envolver-se-ia com a proposta de criação de um
Conservatório de Música na corte.
Assim, em 1841, é requerida ao Governo a concessão de duas loterias
anuais, pelo período de oito anos, a serem destinadas para esta finalidade, o que é
atendido pelo Governo através do Decreto nº. 238 de 27 de Novembro de 1841. No
entanto, apesar do Ministro Joaquim Marcellino de Brito (1799-1879) anunciar em
1846, que já estava nomeada e em exercício a Comissão Diretora responsável pela
efetiva instalação do estabelecimento
12
, o Governo demorava a concretizar a
8
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Relatório do diretor da Academia
de Belas-Artes e do Conservatório de Música, Antonio Nicolau Tolentino, ao Ministro dos Negócios
do Império em 30 de abril de 1875. Biblioteca Nacional, 255.402 a.a.
9
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro Antonio Pinto Chichorro da Gama.
Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral Legislativa na
Sessão Ordinária de 1834. Rio de Janeiro, Typographia Nacional. 1834.
10
Idem. P. 9.
11
18 November. Statutes elaborated by Francisco Manuel da Silva for the creation of the Sociedade
Beneficência Musical (variously known as Sociedade de Beneficência Musical, Sociedade Musical
Beneficência, Sociedade Musical Beneficente, Sociedade Musical, Sociedade de Música) are
approved; the society is installed at the church of Nossa Senhora do Parto (erected in 1653) twenty-
eight days later. cf. HAZAN, Marcelo. The Sacred works of Francisco Manuel da Silva (1795-
1865). Dissertation submitted to the Faculty of the Department of Musicology School of Music of
The Catholic University of America. In partial fulfillment of the requirements for the degree Doctor
of Philosophy. Catholic University of America: Washington, D.C., 1999. p. 31.
12
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro Joaquim Marcellino de Brito. Relatório
da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral Legislativa na 4ª Sessão
da 6ª Legislatura. Rio de Janeiro, Typographia Nacional. 1847.
56
extração das loterias, o que levaria Martins Pena (1815-1848) a protestar em seu
folhetim publicado no Jornal do Comércio em 14 de outubro de 1846:
Há três para quatro anos, senão mais, que o corpo legislativo
concedeu loterias para a criação de um conservatório de música:
aplaudimos semelhante concessão por muito útil e louvamos as pessoas
que lhe tinham dado impulso. (...) O Sr. Francisco Manuel da Silva,
professor bem conhecido, devia figurar à testa deste estabelecimento, e
isto já era por si a garantia de bom êxito.
A desgraça, porém quis que a realização dessa idéia encontrasse
obstáculos. Dezenas de loterias correm todos os anos para diferentes
objetos; só as concedidas para o mencionado fim não tem podido achar
uma aberta para serem extraídas. Lá se vão alguns anos e uma só ainda
não se vendeu ou nela não se cuidou.
Pensávamos que a chegada de uma companhia italiana, o bom
acolhimento que teve e a necessidade de cultivar-se com mais atenção a
arte de Rossini, desse mais impulso a este negócio. Infelizmente nos
enganamos. Um só passo não se tem caminhado e o marasmo continua.
(...)
Eia, senhores, coragem! Sacudam essa indolência que tantos
males causa: digam para que vieram ao mundo, e cumpram com dever
que tem todo o cidadão de contribuir com o seu contingente para o
edifício social. Nada de indolência, ou o ferrete de homens inúteis
recairá sobre vós!
13
O protesto surte efeito e no ano seguinte, 1847, extraía-se a primeira das
loterias autorizadas pelo Governo. Mas Francisco Manuel da Silva, já designado
diretor interino do estabelecimento, teria ainda de esperar a conclusão dos reparos
de uma das salas do Museu Nacional, destinada ao funcionamento do
Conservatório.
14
A sessão solene de inauguração ocorre, enfim, no dia 13 de agosto de 1848,
em um salão do andar térreo do Museu Nacional, que ficava no Campo da
Aclamação (atual Praça da República), com a presença do Ministro dos Negócios do
Império e autoridades civis e militares. No discurso proferido pelo Diretor Interino,
destaca-se a ênfase na contribuição que uma instituição de tal ordem, a primeira a
ser fundada no Brasil, proporcionaria ao progresso da nossa civilização.
Francisco Manuel revela as bases de seu pensamento ao buscar na utilização
dada pelos gregos à música sua função social. Estabelece desta forma uma ligação
direta entre música e nação, formalizada através da construção e estabelecimento de
princípios morais:
Por todas estas considerações de palpitante interesse, e por ser a cultura
da música útil, moral, e necessária, é que as Nações mais ilustradas do
13
Martins Pena Folhetins. P. 48-49
14
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro José Carlos Pereira de Almeida Torres
(Visconde de Macahé). Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a
Assembléia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 7ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1848.
57
século em que vivemos têm-se esmerado em estabelecer
Conservatórios, tendentes a propagar e conservar a arte em toda a sua
pureza, cônscia de que as instituições humanas devem ter por base a
moralidade, e que as Belas-Artes são essencialmente morais, porque
tornam o indivíduo que as cultiva mais feliz e melhor cidadão.
15
O discurso da moralidade como base da arte, ou da arte como possuidora de
uma essência moral, refletia diretamente os anseios de uma sociedade que buscava
sobremaneira distinguir-se como culta e, portanto, detentora dos quesitos básicos a
ser recebida no âmbito das nações civilizadas. A arte não só “amaciaria os gostos”,
como formaria cidadãos que, dentro de um projeto civilizatório voltado para a
estetização do cotidiano, pudessem integrar a ordem que se estabelecia: a ordem
cortesã, estimuladora da boa moral e da doçura dos costumes.
16
Estava, então, lançada oficialmente a instituição que iria alargar o
patrimônio moral e intelectual da pátria”, desenvolver vocações predestinadas e,
sobretudo, formar artistas de mérito que glorificariam a cena lírica e levariam aos
confins do globo “as inspirações do gênio Americano”.
17
A partir desse momento, Francisco Manuel afirmava ser o Conservatório não
mais um produto da Sociedade de Música, mas um estabelecimento nacionalizado
pelos Poderes Supremos do Estado
18
, destacando o papel que o Governo teria como
mantenedor e regulamentador da instituição. A ele caberia nomear a comissão
dirigente, composta de diretor, tesoureiro e um secretário, bem como os professores
sugeridos em um primeiro momento pela Sociedade de Música e posteriormente
pela Congregação do Conservatório.
Apesar de todo entusiasmo de Francisco Manuel com a ingerência do
Governo em relação ao Conservatório, somente em 1852 seria extraída a segunda
loteria das que foram autorizadas pelo Governo, sendo assim instalada em 13 de
novembro a segunda aula, dedicada ao ensino de Rudimentos e Solfejo para o sexo
feminino. As demoras e incertezas desanimavam os envolvidos no projeto de
sedimentação do Conservatório, e a despeito do enorme prestígio que Francisco
Manuel detinha, a situação tornava-se cada vez mais precária.
15
SILVA, Francisco Manuel. Discurso pronunciado por ocasião da instalação do Conservatório de
Música. Rio de Janeiro, 1848. Documento manuscrito. Biblioteca Nacional. Seção de Manuscrito:
II, 34,26,42.
16
PECHMAN, Robert Moses. Idem. P. 15
17
SILVA, Francisco Manuel da. Discurso pronunciado por ocasião da instalação do Conservatório
de Música. Idem .ibidem.
18
Idem. p. 22-28.
58
Denunciando esta situação Francisco Manuel, no Almanaque Laemmert
19
de
1854, em anúncio dedicado ao Conservatório de Música, informava em um adendo
que o desenvolvimento desta instituição estava fora do alcance da comissão de
artistas que a dirigiam, pela falta de regularidade na extração das loterias, sobretudo
pela pouca atenção que ainda merecem as artes neste país
20
. Forte manifesto de um
artista que gozava das graças do Estado, mais uma reação do Governo.
No mesmo ano é decidida a incorporação do Conservatório à Academia de
Belas-Artes, acrescendo a música ao quadro de especialidades existentes
(arquitetura, escultura, pintura, ciências) nesta instituição. Em janeiro do ano
seguinte, através de decreto
21
, o governo instituía uma nova organização para o
estabelecimento.
Duas mudanças seriam realizadas imediatamente: a mudança de sua sede do
Museu Nacional para o prédio da Academia e a ampliação de seu corpo docente e
discente, como podemos observar nos gráficos a seguir. Apesar de se tornar uma
seção da Academia, o Conservatório ainda continuava um corpo independente, com
direção e administração próprias. Entretanto, passava a incorporar certas facilidades
antes particulares da Academia, como a possibilidade de enviar à Europa alunos que
se destacassem.
19
O 'Almanaque Laemmert' foi publicado anualmente pela Editora Laemmert, na cidade do Rio de
Janeiro, no período de 1844 a 1889. Seu conteúdo relaciona nominatas dos oficiais da Corte e seus
ministérios, Guarda Nacional, nobreza titulada, profissionais dos mais diversos ramos de atividade, além
de suplementos com informações sobre legislação, dados do censo e propaganda comercial, entre muitos
outros.
20
Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o
anno de 1854. Organizado e Redigido por Eduardo Laemmert. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique
Laemmert, 1854. p. 324
21
. BRASIL. Decreto nº. 1542 de 23 de janeiro de 1855. Dá nova organização ao Conservatório de
Música. Collecção das leis do Império do Brasil de 1855. Tomo XVIII. Parte II. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1856. p. 54-57
59
Gráfico 1
0
50
100
150
200
250
300
1848 1853 1855 1856 1857 1858 1859 1860 1861 1862 1863 1864 1865 1866 1867 1868 1869 1870 1871 1872 1873 1874 1875 1876 1877 1878 1879 1880 1881 1882 1883 1884 1885 1886 1887 1888
Número de alunos do Conservatório
Fontes: Acervo Museu D. João VI; Relatórios do Ministro de Estado dos Negócios de Estado (1848-1889); Almanaque
Laemmert (1849-1889); Relatórios dos Diretores do Conservatório de Música ao Ministro de Estado dos Negócios do Império
(1856-1887).
Gráfico 2
0
2
4
6
8
10
12
1848 1853 1855 1856 1859 1860 1861 1862 1863 1864 1865 1866 1867 1868 1869 1870 1871 1872 1873 1874 1875 1876 1877 1878 1879 1880 1881 1882 1883 1884 1885 1886 1887 1888
Número de Professores do Conservatório
Fontes: Acervo Museu D. João VI; Relatórios do Ministro de Estado dos Negócios de Estado (1848-1889); Almanaque
Laemmert (1849-1889); Relatórios dos Diretores do Conservatório de Música ao Ministro de Estado dos Negócios do Império
(1856-1887).
O Relatório do Ministro dos Negócios do Império sobre o ano de 1855
festejava as mudanças e comemorava seus efeitos:
O Decreto nº. 1.542, de 23 de Janeiro do ano passado, que
reorganizou o Conservatório, dando-lhe o desenvolvimento que tanto
carecia, vai-se executando, e apresenta já resultados que se podem
considerar satisfatórios. Assim o demonstraram os exercícios públicos
que, no dia 15 de Março último, fizeram os alunos, em uma das salas da
Academia das Belas-Artes, onde em geral manifestaram adiantamento,
e deram algumas provas de vocação e talento especial, que lhes promete
um futuro esperançoso. (...) Continuam os alunos mais adiantados a ser
aproveitados no Coro da Capela Imperial, e nos de diversas Igrejas,
onde recebem um estipêndio, embora por em quanto limitado [sic],
suficiente para acoroçoá-los desde já na carreira a que se dedicam,
fazendo-lhes entrever um futuro que os acobertará da indigência. Seu
prestante Diretor, o Professor Francisco Manoel da Silva, prossegue no
60
desempenho de suas funções, com zelo e dedicação dignos de bem
cabido elogio.
22
A anexação do Conservatório era uma das várias facetas que marcaram a
reformulação da Academia de Belas-Artes, empreendida dentro da Reforma
Pedreira. Esta reforma, comandada pelo Ministro Luiz Pedreira do Couto Ferraz
(1818-1886), tinha como objetivo reformular a instrução pública, dotando as
instituições de ensino, incluindo os cursos superiores e as academias, com estatutos
e regras internas meticulosas.
Essas medidas disciplinadoras conferiam sustentação ao projeto de
centralização monárquica, delegando o controle da instrução ao governo central, e
utilizando-a como meio de difusão de valores como ordem, monarquia, entre
outros
23
. Em igual medida, a Reforma Pedreira refletia o processo civilizatório
capitaneado pelo Imperador, ao adotar para instrução pública modelos que,
observados à distância, escriturassem a possibilidade da participação do Brasil no
grande conjunto das nações civilizadas.
Para além de uma política de instrução pública, estava em jogo a construção
de um Estado imperial, embasado numa classe senhorial que forjava seus
mecanismos de expansão. Tratava-se, pois, de distinguir os cidadãos da massa de
escravos e, sobretudo, libertá-los da barbárie ao mesmo tempo em que, adotando
princípios diferenciadores e hierarquizantes presentes na sociedade, tornava-se claro
o papel que se reservava a cada um, de acordo com a posição social ocupada.
24
Sintomaticamente, ao Conservatório não seria destinado, ainda, um estatuto
próprio. Somente um Plano
25
, que deveria nortear a nova organização pretendida
para o estabelecimento. Neste Plano, retirava-se do Conservatório a finalidade de
formar artistas para o culto e o teatro como previsto em 1847. Agora, ele
simplesmente continuaria a admitir gratuitamente pessoas que quisessem se dedicar
ao estudo da música. O Governo afirmava sua ingerência na instituição ao
determinar que somente na forma de decretos poderia se nomear professores e
22
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro Luiz Pedreira do Couto Ferraz. Relatório
da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral Legislativa na 4ª Sessão
da 9ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1856. P. 68-69.
23
SQUEFF, Letícia Coelho. A reforma Pedreira na Academia de Belas-Artes (1854-1857) e a
constituição do espaço social do artista. Cadernos Cedes, ano XX, nº. 51, novembro de 2000. p.
106.
24
MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema. São Paulo: Hucitec, 2004. p. 287
25
BRASIL. Decreto 1.542 de 23 de Janeiro de 1855. Dá nova organização ao Conservatório de
Música. Collecção das leis do Império do Brasil de 1855. Tomo XVIII. Parte II. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1856. p. 54-57.
61
funcionários, criar novas aulas, determinar salários e aprovar os estatutos que
deveriam ser organizados e submetidos ao Governo pela Junta dos Professores.
O fato de não haver sido o Conservatório objeto de uma intervenção
disciplinar mais rígida, com a criação dos estatutos e definição de regras
meticulosas de funcionamento, pode ser entendido de duas maneiras. A primeira
delas está relacionada ao estágio ainda embrionário da instituição, que a despeito
dos anos de funcionamento, somente naquele momento passaria a ter aulas de canto,
regras de acompanhar e órgão, instrumentos de sopro (clarinete e flauta) e
instrumentos de corda (rabeca e violoncelo). Estas viriam a agregar-se às aulas de
rudimentos de música, solfejo e noções gerais de canto para sexo masculino e
feminino, que já existiam anteriormente. De fato, foi a partir desta nova organização
que tomava a instituição os ares de um pretenso Conservatório.
A segunda explicação está relacionada ao desconhecimento da posição
social a ser ocupada pelos músicos dentro da expansão pretendida na construção do
Estado Imperial. Segundo José Murilo de Carvalho
26
, o ensino superior somado à
ocupação contribuía para a unidade da elite imperial. A ocupação, explica o autor,
se “aliada a profissão pode constituir importante elemento unificador mediante a
transmissão de valores, do treinamento, e dos interesses materiais que se baseia”.
A ocupação “pode também ser vista como um indicador de posição social”.
Manuel Araújo Porto Alegre (1806-1879), nomeado diretor da Academia de
Belas-Artes em 1854, não estava alheio a estas particularidades. Ao realizar na
Academia uma vasta reforma, alinhada à Reforma Pedreira, foi além da simples
reestruturação curricular do estabelecimento: delimitou em espaços distintos
artífices e artistas.
Nas aulas de matemáticas aplicadas, de desenho geométrico, de escultura de
ornatos e de desenho de ornatos, os estatutos da Academia previam a existência de
duas espécies de alunos: os artistas e os artífices, ou seja, os que se dedicam às
Belas-Artes e os que professam as artes mecânicas
27
. Os artífices teriam ainda um
livro próprio de matrícula, no qual declarariam a profissão que exercem, para que
tivessem seus estudos convenientemente direcionados pelos professores.
26
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro das
Sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 95.
27
BRASIL. Decreto 1603 de 14 de maio de 1855. Estatutos da Academia de Belas-Artes. Collecção das
Leis do Império do Brasil de 1855. Tomo XVIII. Parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1856. p.
414.
62
Em discurso realizado na abertura solene das aulas em 2 de Junho de 1855,
Porto Alegre conclamava:
Mocidade deixai o prejuízo de almejar os empregos públicos, o
tilosses
28
(sic) das repartições, que vos envelhece prematuramente, e
vos conduz a pobreza e a uma escravidão contínua; aplicai-vos às artes
e à indústria: o braço que nasceu para o rabote
29
ou para a trolha
30
não
deve manejar a pena. Bani os preconceitos de uma raça decadente, essas
máximas da preguiça e da corrupção: o artista, o artífice e artesão são
tão bons obreiros na edificação da pátria sublime como o padre, o
magistrado e o soldado: o trabalho é a força, a força inteligência, e a
inteligência poder e divindade.
31
Desta forma, afirmando a importância do profissional das artes plásticas e
elevando o seu reconhecimento social ao mesmo nível das profissões destinadas à
elite, como o magistrado, o soldado ou o religioso, Porto Alegre afastava o
preconceito que cercava as atividades manuais e oferecia uma alternativa digna aos
membros da elite em busca de uma ocupação.
No âmbito do Conservatório, essa era uma distinção ainda não possível de
ser elaborada. Ao dedicar ao Imperador o seu Compêndio de Princípios
Elementares de Música
32
, que seria utilizado nas aulas do estabelecimento,
Francisco Manuel da Silva ao mesmo tempo em que concebe o Conservatório como
instituição destinada às diversas gamas da sociedade ainda limita o exercício da
profissão de músico a um determinado segmento:
A instituição de um Conservatório de Música pressagia grandes e
salientes vantagens; (...) já facilitando a todas as classes da sociedade o
ensino regular e metódico de uma arte, cujas fruições puras e
agradáveis dão vigor ao operário em suas fadigosas tarefas, minoram
as provações do pobre, dando-lhe uma profissão útil e lucrativa,
expelem o tédio do abastado (grifo nosso), e embelezam a existência
do gênero humano.
33
Todavia, o século XIX traria mudanças na própria organização interna da
“sociedade dos músicos”. A autoridade do compositor representado, por exemplo,
na figura do Mestre de Capela, ou Mestre da Música do Teatro, já não residia
somente na sua capacidade de compor obras para as finalidades circunscritas à sua
posição: a circularidade das partituras das obras musicais obrigava-o a atuar também
28
Pensamos que Porto Alegre se refere a týlosis, calosidade s. f., pequeno calo também chamado olho-
de-perdiz; calosidade em geral.
29
Espécie de plaina de carpinteiro.
30
Espécie de pá, em que o carpinteiro coloca a argamassa de que se serve.
31
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Manuel de Araújo Porto Alegre.
Discurso proferido na abertura solene das aulas. 2 de junho de 1855. Livro de registo das atas (1841-
1857). Acervo Museu D. João VI. Notação: 6151.
32
SILVA, Francisco Manuel da Silva. Compendio de Princípios Elementares de Música para uso do
Conservatório do Rio de Janeiro. 4ª edição Rio de Janeiro: Narciso Arthur Napoleão. Biblioteca
Nacional. Divisão de Música: OR. A-II. T-19fa. 15p.
33
Idem, ibidem. p. 2
63
como regente, cuja principal tarefa era organizar para que o crescente repertório
disponível fosse cuidadosamente ensaiado e apresentado.
34
Portanto, qual seria, no campo da música, a posição correlata ao “artista” de
Porto Alegre? O compositor, o regente, ou o virtuose instrumentista que começava a
ocupar seu espaço de distinção? Era necessário procrastinar as hierarquizações e as
adoções de princípios diferenciadores. Esperar fazer-se clara a posição a ser
ocupada pelos músicos na sociedade Imperial.
E foram necessários vinte anos para que o estatuto do Conservatório viesse a
ser tratado como uma questão imperativa. Em seu relatório de 1875, anteriormente
citado, Antonio Nicolau Tolentino, comunica ao Ministro do Império:
Prevalecendo-me da circunstância de se não haver ainda até hoje
cumprido a previdente disposição do artigo 15 do referido plano de
1855, que diz: “A Junta de Professores organizará e submeterá a
aprovação do Governo os estatutos do Conservatório, providenciando
de harmonia com as disposições dos artigos antecedentes sobre tudo
quanto for concernente ao regime, disciplina e economia das aulas,
método de ensino, admissão dos alunos, exames e prêmios destes, bem
como ao processo dos concursos para o provimento das aulas, e a
maneira de se regularem as condições e proposta para as viagens a
Europa dos alunos ou artista de que trata o artigo11 §2º”; entendi
oportuno dar execução a tão bem concebido preceito, e por isso, desde
logo reunindo uma junta de Professores, incumbia-a desse importante
trabalho, que espero, depois de revisto e discutido, ter em breve a honra
de submeter ao juízo esclarecido de V. Ex.
35
Reúnem-se então os professores, entre os anos de 1875 e 1876 para formular
o Projeto de Estatutos e Reorganização do Conservatório, a ser apresentado ao
Ministério dos Negócios do Império
36
. Entre os diversos nomes envolvidos na
formulação destacam-se os nomes de Joaquim Antonio Callado, Hugo Bussmeyer
(1842-1912) e Cavalier Darbilly que teria sido o relator do projeto
37
. Este projeto,
aprovado pelo Ministério, foi posto por em execução provisoriamente, pelo Aviso de
16 de julho de 1878. Provisoriamente – é a ressalva do governo –. Mais uma vez
procrastina a chancela e definição das regras específicas de funcionamento da
34
RAYNOR, Henry. História Social da Música, da idade média a Beethoven. Rio de Janeiro: Guanabara,
1986. p. 407.
35
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Relatório do diretor da Academia
de Belas-Artes e do Conservatório de Música, Antonio Nicolau Tolentino, ao Ministro dos Negócios
do Império em 30 de abril de 1875. Biblioteca Nacional, 255.402 a.a.
36
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Projeto de estatutos do conservatório de
música: organizado para o cumprimento do art. 15 do Decreto n° 1542 de 23 de janeiro de 1855, e
mandado por em execução provisoriamente pelo Aviso de 16 de Junho de 1878. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1878. 19p. Biblioteca Nacional. Divisão de Música: OR. A-II. I-24.
37
PAOLA, Andrely Quintella de; GONSALES, Helenita Bueno. Escola de Música da Universidade
Federal do Rio de Janeiro: História & Arquitetura. Rio de Janeiro: UFRJ, SR5, 1998. p. 34
64
instituição. Somente em 1881 seriam formalmente decretados os Estatutos do
Conservatório
38
. Na oposição destes dois estatutos percebemos o embate travado
entre professores e governo, em torno da regulamentação da instituição.
Enquanto para os professores, segundo os estatutos de 1878, o Conservatório
teria além da função de ensino da música a responsabilidade da propagação e
aperfeiçoamento no Império, o governo, laconicamente, mantém sua definição de
ser esta instituição simplesmente destinada ao ensino gratuito da música vocal e
instrumental. Ou seja, se na proposta dos professores havia a intenção de
transformar o Conservatório em instituição modelar para o ensino e difusão da
música no Império, o governo refuta tais pretensões, restringindo suas funções a
uma perspectiva meramente pedagógica, sem corroborar sua idéia de expansão.
Em geral, os estatutos de 1878 tentam dar destaque à atuação do professor,
ampliando sua ingerência, principalmente nas questões do ensino. Mas também
experimentam uma ampliação no que diz respeito à efetivação e controle do
concurso para preenchimento de vagas, bem como tentam intermediar a punição dos
professores faltosos, colocando-se como interlocutores do diretor ou do Ministro do
Império, conforme a gravidade da falta. Mas o governo rejeita esta participação,
limitando a ação da Junta dos Professores à questão pedagógica e à formulação das
instruções que regulam o concurso para os lugares de professor.
Os estatutos de 1878 trazem a inclusão na hierarquia do Conservatório do
cargo de Inspetor de Ensino
39
. Esta função seria desempenhada por um professor ou
por algum músico estranho ao Conservatório, de reconhecida distinção. O inspetor
de ensino seria a figura máxima do Conservatório, abaixo apenas do diretor e vice-
diretor da Academia de Belas-Artes, que também acumulava a direção do
Conservatório. Podia mesmo, segundo os estatutos de 1881, substituir o diretor
quando este não estivesse presente no estabelecimento ou em casos de seu
impedimento
40
.
A criação do cargo de Inspetor de Ensino era mais uma tentativa do
Conservatório de conseguir certa autonomia em relação à direção da Academia de
Belas-Artes. A definição do cargo de diretor
41
, no projeto dos professores,
38
BRASIL. Decreto n. 8.226 de 20 de agosto de 1881. Dá estatutos ao Conservatório de Música.
Collecção das Leis do Império do Brasil de 1881. Parte II. Tomo XLIV. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1882.
39
O cargo de inspetor de ensino será mantido nos estatutos de 1881.
40
Estatutos 1878. Art. 4.
41
Estatutos 1878. Art. 4.
65
mencionava vagamente a responsabilidade da direção e administração geral do
Conservatório, sem estabelecer qualquer vínculo para a ocupação do cargo.
Entretanto, o governo, em 1881, reafirma a dependência da instituição à Academia
ao estabelecer claramente que a direção do Conservatório seria exercida pelo diretor
da Academia, assim como também dividiriam os dois estabelecimentos o mesmo
secretário.
42
Outro ponto em comum aos dois estatutos era o caráter altruísta da função de
diretor, secretário e tesoureiro do Conservatório: as mesmas continuavam a ser
exercidas sem o direito de receber qualquer pagamento. Também professores
exerciam gratuitamente seus cargos sem gerar custos para o governo, tornando-se
esta particularidade uma rotina no Conservatório.
Como vimos anteriormente, Cavalier Darbilly ofereceu seus préstimos
gratuitamente para o Governo, exercendo o magistério, nestas condições, pelo longo
período de dez anos. Luiz Pedreira do Couto Ferraz destaca em seu relatório de
1855
43
os votos de louvor que merecem o Professor Francisco da Mota e o Padre
Manoel Alves Carneiro, por terem desempenhado gratuitamente os cargos de
secretário e tesoureiro do Conservatório. De igual forma, o flautista Joaquim
Antonio da Silva Callado foi nomeado por portaria de 4 de maio de 1870 para o
lugar de professor interino da cadeira de flauta, sem vencimento algum, conforme
requereu.
44
Esse fato permite um paralelo ao que Pierre Bordieu
45
chama de interesse
pelo desinteresse da ordem artística. Verdadeiro desafio a todas as formas de
economismo, esta atitude desinteressada assume relevante grau de autenticidade
pelo fato de em sua iniciativa não objetivar o ganho material. Entretanto, como bem
elucida o sociólogo francês, haveria uma lógica econômica embutida nesta atitude
altruísta: a possibilidade de acesso aos lucros simbólicos, que são eles próprios, nas
palavras do autor, suscetíveis de serem convertidos, em prazo mais ou menos longo,
em lucros econômicos.
46
42
Estatutos 1881. Art. 4.
43
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro Luiz Pedreira do Couto Ferraz. Relatório da
Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral Legislativa na 4ª Sessão da 9ª
Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1856
44
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do diretor ao Ministro dos
Negócios do Império Carlos Leôncio de Carvalho. 25 de Fevereiro de 1878.
Documento manuscrito. Acervo
Museu D. João VI. Notação 2109.
45
BORDIEU, Pierre. As regras das artes: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia
das letras, 1996. p. 245
46
Idem. p. 245
66
Assim, observamos que estar integrado ao Conservatório poderia ser a porta
de entrada para outros trabalhos nos diversos campos de atividades musicais, como
o teatro e a Capela Imperial, que representariam o ganho material necessário à
subsistência. É o caso, por exemplo, de Antonio Luiz de Moura, professor de
clarinete por várias décadas no Conservatório. A partir de 1851, ele passa a ser
citado como 1º secretário da Sociedade de Música
47
; em 1855, é nomeado professor
do Conservatório e começa atuar no Teatro Lírico Fluminense
48
; em 1856, já está
integrado como clarinetista da Capela Imperial.
49
No caso de Cavalier Darbilly, esta realidade se faz ainda mais presente ao
percebermos o músico à frente de uma instituição comercial que fornecia material de
escritório, desenho e pintura para a Academia de Belas-Artes, pela qual o
Conservatório fora anexado em 1855. Esta relação se estabelece por volta de 1856
50
,
quando surgem as primeiras notas de compras efetuadas pela Academia na Casa C. J.
Cavalier, a empresa familiar de Darbilly. A partir do decênio de 1870, a firma é
assumida por Cavalier Darbilly, que empresta seu nome à razão social da empresa:
Carlos Severiano Cavalier e Companhia.
Nas transcrições abaixo, podemos observar que o volume dos negócios era
significativo, e que esta relação antecede a chegada do pianista e compositor ao
Conservatório e permanecerá até o último ano de funcionamento desta instituição
51
.
Ela ainda continuaria após a proclamação da República e ao afastamento de Darbilly
de suas funções de professor de música do Conservatório.
Relação das Contas das diferentes despesas feitas na Academia das Belas-Artes durante o mês de
Março do ano financeiro de 1873 a 1874.
Nº. 1 Conta de Carlos Severiano Cavalier e Companhia. Papel de desenho e
outros artigos que forneceu.
249$400
Nº. 2 Conta de Antonio Bernardes Pereira Netto; sua gratificação como
ajudante do conservador da Pinacoteca.
20$000
Nº. 3 Conta de Antonio Joaquim Pereira Falcão; sua gratificação como
ajudante do conservador da Pinacoteca.
20$000
Nº. 4 Conta de João da Costa; Porteiro da Academia. 70$780
Somma 360$180
Thomaz Gomes dos Santos
Fonte: Museu D. João VI. Demonstrativo de receitas e despesas da Academia de Belas-Artes. Notação 2769
47
Almanaque Laemmert, 1851, 1853, 1854, 1855, 1856.
48
Almanaque Laemmert, 1855, 1856.
49
Almanaque Laemmert, 1856 e 1859.
50
No Almanaque Laemmert de 1888, há um anuncio da casa comercial de Cavalier Darbilly,
sucessora da Casa Cavalier, em atividade a partir do ano de 1855. Almanaque Laemmert, 1888.
51
No Acervo do Museu D. João VI encontramos a minuta de contrato entre o diretor da academia e o
negociante Carlos Severiano Cavalier Darbilly, para fornecimento de artigos de escritório, desenho e
pintura durante o ano de 1889. Acervo Museu D. João VI. Notação nº. 2639.
67
Relação das Contas das diferentes despesas feitas na Academia das Belas-Artes durante os meses de
Julho a Agosto do ano financeiro de 1887
Nº. 1 Conta de Carlos Severiano Cavalier Darbilly 604$900
Nº. 2 Conta de Manoel Pereira da Silveira Junior 40$320
Nº. 3 Conta de Aurélio Ferreira dos Santos 41$000
Nº. 4 Conta de Eusébio Pires Ferreira 70$120
Nº. 5 Conta de Benvenuto Berna 40$000
Nº. 6 Conta de João José da Silva 80$000
Somma 876$360
Importa esta relação em oitocentos e setenta e seis mil trezentos e sessenta reis.
Antonio Nicolau Tolentino
Fonte: Museu D. João VI. Demonstrativo de receitas e despesas da Academia de Belas-Artes. Notação 2769.
Notas Fiscais de compra de material pela Academia de Belas-Artes e Escola Nacional de Belas-Artes,
fornecidas pelas diversas razões sociais da Casa Cavalier.
Razão Social Data Valor
C. J. Cavalier e Cia. 1863 1.435$808
Carlos Severiano Cavalier e
Companhia
31 de Março de 1877 1:572$380
C. S. Cavalier-Darbilly – Antiga Casa
Cavalier
31 de Dezembro de 1890 365$800
Fonte: Museu D. João VI. Notas de despesas efetuadas pela academia, várias até o ano de 1890. Notação 451.
Com a formalização do concurso para o preenchimento do cargo de professor,
a possibilidade de oferta gratuita para o exercício do magistério ficava
comprometida, mantendo-se somente para os cargos altos da hierarquia do
Conservatório.
A normatização da relação dos professores com o Conservatório também
seria objeto dos estatutos de 1878, no que diz respeito à disciplina dos mesmos. Ao
estabelecer as penalidades aplicáveis às faltas e aos delitos praticados pelos
professores
52
, oferecem uma escala de valores a respeito de comportamentos e atos
considerados inadequados. A falta mais grave era usar de palavras afrontosas contra
os superiores ou contra seus colegas nas reuniões do Conservatório, mesmo depois
de ser chamado a atenção pelo diretor. Para esta falta, a maior das penas: suspensão
do exercício com o correspondente desconto do vencimento de 15 a 30 dias.
Esta
suspensão, porém, só seria aplicada depois de aprovada pelo Governo.
Menos importante do que a falta de bons modos para com seus pares era a
ausência em sala de aula. Para os que sem motivo justo deixassem de dar aulas
quatro vezes seguidas, a penalidade era apenas o desconto de 10 a 30 dias do
vencimento. Para os que sem motivo justificado faltassem à sessão da junta; não
comparecessem a atos e funções para os quais fossem nomeados; ausentassem-se
antes do devido tempo das suas aulas ou dos deveres que tivessem que desempenhar,
52
Estatutos 1878. Art. 70.
68
a penalidade era o desconto de um dia dos vencimentos. E por último, para aquele
que deslizasse do cumprimento do dever, a penalidade da repreensão e admoestação.
Os alunos também seriam contemplados com normas rígidas de
comportamento e disciplina, bem como na fixação de regras para exames, concursos,
prêmios e admissão. Pela primeira vez era exigido dos alunos que desejassem
ingressar no Conservatório um mínimo de escolaridade a ser comprovado por exame
ministrado pelo inspetor de ensino, onde deveriam mostrar que sabem ler, escrever e
contar
53
. Nos estatutos de 1881, a regra ainda seria mais abrangente, devendo os
alunos comprovar através de documentos terem sido vacinados em prazo menor do
que quatro anos, apresentar certificado de exame em escola pública, ou atestado
passado por professor público ou particular de que sabiam ler, escrever corretamente
e praticar as quatro operações aritméticas.
54
Esperava-se dos alunos um comportamento exemplar, devendo estes estar
sempre presentes as aulas com antecedência, conservando-se em silêncio até a
entrada dos professores e somente se retirando após os mesmos
55
. Poderiam ser
responsabilizados por qualquer dano causado ao prédio do Conservatório como a
qualquer material utilizado. Não lhes era permitida a recusa na participação de
qualquer ato público ou particular do Conservatório, nem poderiam atuar em
qualquer atividade musical fora deste sem a prévia autorização do inspetor de
ensino.
56
Nos atos públicos ou particulares da instituição, era proibida aos alunos
qualquer manifestação de aplauso ou de reprovação
57
. Mesmo fora do Conservatório,
os alunos ficavam sujeitos à autoridade e à vigilância da instituição, podendo, em
caso de cometerem qualquer ato considerado imoral ou indecoroso, serem
penalizados de acordo com as regras previstas nos estatutos.
58
Em 1881 o governo reitera essas normas de comportamento e define as
circunstâncias de aplicabilidade e o valor das penas
59
. Os delitos contra os costumes
eram considerados os mais graves, prevendo a imediata expulsão do aluno. Os alunos
que durante os exames, concursos ou atos públicos desrespeitassem o diretor, o
53
Estatutos 1878. Art. 30.
54
Estatutos 1881. Art. 22.
55
Estatutos 1878. Art. 64.
56
Estatutos 1878. Art. 66.
57
Estatutos 1878. Art. 67
58
Estatutos 1878. Art. 68
59
Estatutos 1881. Art. 50.
69
inspetor de ensino ou os professores, poderiam perder o direito de participação nos
concursos anuais, ou perder o ano escolar, ou mesmo serem expulsos, dependendo
das circunstâncias dos delitos.
Os alunos reincidentes na irregularidade de conduta ou na recusa em
participar de atos públicos do Conservatório poderiam perder o direito de
participação nos concursos anuais e perder o ano escolar, conforme a avaliação da
Junta dos Professores. Os alunos que apenas deixassem de comparecer uma vez a
estas ocasiões, seriam repreendidos particularmente ou em sala de aula.
Apesar de toda a regulamentação, o número de alunos que participavam dos
exames finais continuava a corresponder quase à metade dos alunos matriculados,
demonstrando que um significativo número de alunos não concluía seus estudos no
Conservatório.
Gráfico 3
Relação entre alunos m atriculados e que prestaram
exam es
155
139
152
124
108
116
112
146
112
142
168
175
137
127
99
118
148
181
200
60
56
61
65
45
53
65
66
78
83
84
60
48
60
68
80
96
103
63
0
50
100
150
200
250
1870 1871 1872 1873 1874 1875 1876 1877 1878 1879 1880 1881 1882 1883 1884 1885 1886 1887 1888
número total de alunos matriculados
tota l de m a tricu lad os prestaram exames
Fontes: Acervo Museu D. João VI; Relatórios do Ministro de Estado dos Negócios de Estado (1871-1889); Almanaque
Laemmert (1871-1889); Relatórios dos Diretores do Conservatório de Música ao Ministro de Estado dos Negócios do Império
(1871-1887).
Entre os aptos a realizar os exames, que podiam incluir também alunos-
ouvintes, o número de ausentes era significativamente maior que o de aprovados e
reprovados. O elevado número de ausentes poderia indicar uma tática para evitar a
expulsão após duas reprovações. Podemos observar no Gráfico 4 que logo após a
instauração dos estatutos de 1881, o número de ausentes cai e o número de
reprovados cresce significativamente. Os estatutos previam a possibilidade de
repetição do ano em caso de reprovação, sendo aplicada a pena de expulsão em caso
de reincidência. Mas não apresentava nenhuma previsão punitiva para os ausentes.
70
Entre os aprovados, havia diferença de categorias, sendo elas qualificadas em
“simplesmente”, “plenamente” e “com distinção”. Dentro dos estatutos de 1878, os
resultados dos exames eram obtidos através de escrutínio
60
, sendo aprovado
“simplesmente” o aluno que só tivesse a seu favor a maioria de esferas brancas, e
“plenamente”, o que obtivesse todas brancas. Os alunos aprovados plenamente
poderiam, por sugestão de um dos membros da comissão examinadora, ser objeto de
nova votação, recebendo o título de “aprovado com distinção” aquele que obtivesse a
unanimidade dos votos.
Gráfico 4
Resultados dos exames
0
20
40
60
80
100
120
140
número de alunos
não compareceram aprovados plenamente aprovados simplesmente aprovados com distinção reprovados
não compareceram
25 45 49 61 53 108 130 87 36 83 40 48 80
aprovados plenamente
21 13 29 22 26 19 55 29 25 32 36 28 37
aprovados simplesmente
18 37 24 38 25 49 16 29 15 19 25 37 29
aprovados com distinção
225315811989172427
reprovados
417 2117 2710
1874 1875 1876 1877 1878 1879 1880 1881 1883 1884 1886 1887 1888
Fontes: Acervo Museu D. João VI; Relatórios do Ministro de Estado dos Negócios de Estado (1871-1889); Relatórios dos
Diretores do Conservatório de Música ao Ministro de Estado dos Negócios do Império (1871-1887).
Observamos que na distribuição dos alunos pelas diversas aulas oferecidas
pelo Conservatório, grande número de estudantes concentra-se na aula de rudimentos
de música, solfejos e noções gerais de canto, a matéria elementar do curso de
música. A esperada migração dos alunos para os cursos de instrumento ou canto não
acontecia seja pela reprovação ou desistência de participar dos exames.
60
Estatutos 1878. Art. 38. Nos estatutos de 1881 o resultado dos exames era obtido através de votação
nominal, mas mantinham os critérios de aprovação. 1881. Art. 34.
71
Gráfico 5
Disposição dos alunos nas aulas do Conservatório
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
55
60
65
70
75
80
Número de alunos
Rudimentos masc.
72 41 60 64 53 38 28 37 25 25 25 28 15 31 11
Rudimentos fem .
49 40 31 50 40 61 50 54 39 53 70 59 52 57
Canto Geral
27 27 33 45 44 25 19 14 24 15 18 12
Rabeca
6101061151110107 7 5 2
Clarinete
3384536612232
Cello e C. Baixo
6786747645623
Flauta
31 661 324253
Regras de acompanhar ao orgão
25 16 11 11 10 10
Piano geral
8 101643351512
1848 1853 1855 1867 1868 1869 1870 1871 1873 1874 1875 1877 1878 1883 1884
Fontes: Acervo Museu D. João VI; Relatórios do Ministro de Estado dos Negócios de Estado (1848-1889); Almanaque
Laemmert (1849-1889); Relatórios dos Diretores do Conservatório de Música ao Ministro de Estado dos Negócios do Império
(1856-1887).
Outro ponto que se destaca em relação aos alunos do Conservatório é a
participação das mulheres no corpo discente da instituição. É interessante observar
que o acesso de mulheres a estabelecimentos de ensino era extremamente limitado.
Por volta de 1870 o Império possuía 5.077 escolas primárias, públicas e particulares,
freqüentadas por 114.014 alunos e 46.246 alunas.
61
O Imperial Colégio de Pedro II, estabelecimento de ensino secundário
modelar, era exclusivamente masculino, havendo curto período, no decênio de 1880,
quando algumas alunas foram admitidas. Este pequeno espaço de tempo foi
interrompido, de acordo com Ângela Reis
62
, pela recusa do governo em destinar
fundos para contratar uma mulher que acompanharia e vigiaria as alunas nas aulas.
Outra opção de ensino, diz a autora, era o Liceu de Artes e Ofícios, que em
1881 acrescenta para moças cursos especializados e de grande procura em música,
desenho e português, mas não em filosofia, álgebra e retórica, como existia no Pedro
II. Sendo o ensino secundário de difícil acesso, por conseqüência era ainda mais
restrito o ingresso a cursos superiores, que só a partir de 1879 passam a admitir a
inscrição de mulheres.
61
REIS, Ângela. Cinira Polônio, a divette carioca: estudo da imagem pública e do trabalho de uma atriz
no teatro brasileiro da virada do século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999. P. 63
62
Idem. P. 64.
72
No Conservatório de Música, entretanto, a partir do decênio de 1870 elas já
são maioria, e no decênio de 1880 o número de alunas é o dobro de alunos que
freqüentavam o estabelecimento.
Gráfico 6
Variação dos alunos do Conservatório de acordo comnero
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
1848
1853
1855
1856
1857
1858
1859
1860
1861
1862
1863
1864
1865
1866
1867
1868
1869
1870
1871
1872
1873
1874
1875
1876
1877
1878
1879
1880
1881
1882
1883
1884
1885
1886
1887
1888
N° de alunos
m asc. fem .
Fontes: Acervo Museu D. João VI; Relatórios do Ministro de Estado dos Negócios de Estado (1848-1889); Almanaque
Laemmert (1849-1889); Relatórios dos Diretores do Conservatório de Música ao Ministro de Estado dos Negócios do Império
(1856-1887).
Em seu relatório anual de 1871 sobre o Conservatório, apresentado ao
Ministério dos Negócios do Império, o diretor da Academia de Belas-Artes e do
Conservatório de Música Thomas Gomes dos Santos (1803-1874) desvenda o perfil
das alunas do estabelecimento:
Esta instituição, criada por iniciativa particular, e sem pesar aos
cofres da nação, tem dado um meio de vida honesto a grande número de
donzelas pobres, que tiram os meios de sua subsistência do exercício da
música. (...) Se for concedida ao Conservatório de Música uma suficiente
subvenção, dever-se-á em minha opinião, e na de seus professores, criar
imediatamente uma cadeira de piano, e outra de instrumentos de metal,
que serão de imensa utilidade. Muitas alunas, depois de aprenderem bem
a solfejar, e as principais teorias da música, vêem-se impossibilitadas de
aproveitar os seus estudos por faltar-lhes a voz para o exercício do canto,
ou por não terem sido pela natureza dotadas de um bom órgão, ou por
perderem a voz em conseqüência de qualquer enfermidade. A cadeira de
instrumentos de metal aumentará o número de profissões em que se
empreguem aqueles alunos que não podem ser cantores.
63
Da mesma maneira, o Dr. Antonio José de Souza em carta endereçada ao
prof. Arcângelo Fioritto, reclamando da atuação de Cavalier Darbilly em relação a
uma aluna, sua “afilhada e recomendada”, pondera que as moças por pertencerem
63
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música
Thomas Gomes dos Santos. Documento anexo ao Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa
na terceira sessão da décima quarta legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do
Império Dr. João Alfredo Corrêa de Oliveira. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1871.
73
em geral a classes menos favorecidas não deixam de ter direito a um tratamento
cheio de condescendências e atenções
64
. Percebe-se a delimitação da classe social a
qual pertenciam as alunas do Conservatório, como se percebe que a elas estava
destinado ou a prática do canto ou a do piano. Os instrumentos de metais, como
explana o diretor da Academia, serviriam aos alunos, também como uma segunda
opção em caso de não terem o talento para o canto.
O canto foi a principal opção dos alunos do Conservatório, como podemos
observar no Gráfico 5, até a instalação da aula de piano em 1873. A partir de 1875, o
número de alunos matriculados na aula de piano é superior ao de alunos matriculados
em canto, fato que se estende pela última década de funcionamento do
estabelecimento.
Entretanto, a proveniência de classes menos favorecidas não marcaria apenas
as alunas do Conservatório. Era representativo o número de alunos provenientes de
instituições como o Asilo dos Menores Desvalidos
65
, que o governo autorizava a
freqüentar as aulas do Conservatório.
66
Observa-se nos estatutos de 1878 e 1881 a tentativa de regulamentar em
vários aspectos o funcionamento do Conservatório. Se em alguns pontos estes
documentos revelavam a tentativa dos docentes de se integrar a uma nova ordem,
como por exemplo, ao determinar a existência de concursos para o preenchimento de
cadeiras vagas, o que predominava era uma concepção conservadora da vida e da
sociedade. A proposta minuciosa dos professores desvendava mais um apego às
velhas doutrinas do que uma irradiação de novas formas de conceituação. Prendiam-
se a um elaborado estatuto, que rapidamente se tornaria obsoleto, como obsoleta se
tornava a organização política e social do Império.
Enquanto no período do primeiro Plano de organização do Conservatório
estava em jogo a definição dos espaços sociais dentro da rígida estrutura senhorial,
no momento dos estatutos de 1878 e 1881 o crescimento urbano, principalmente no
64
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Dr. Antonio José de Souza. Carta ao
Maestro Archangelo Fiorito. 27 de julho de 1878. Documento manuscrito. Acervo Museu D. João
VI. Notação 4640.
65
Instituição criada em 1875 por iniciativa do Governo Imperial, com o apoio de negociantes e
industrialistas da Corte. Era destinada a crianças de rua, órfãs, desvalidas, pobres ou indigentes. RIZZINI,
Irma. O cidadão polido e o selvagem bruto: a educação dos meninos desvalidos na Amazônia Imperial.
Rio de Janeiro: UFRJ/PPGHIS, 2004. Tese (doutorado) – UFRJ/IFCS/ Programa de Pós-Graduação em
História Social, 2004. p. 179 e 184.
66
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofícios do Ministério dos Negócios do
Império. Documentos manuscritos. Acervo Museu D. João VI. Notação 2110, 2151, 2093, 2097 e etc. No
documento de notação 2110, destaca-se o nome de Raul Villa-Lobos, pai do compositor Heitor Villa-
Lobos, como um dos meninos do Asilo de Meninos Desvalidos a serem matriculados no conservatório.
74
sudeste, e o aumento de trabalhadores livres e de pessoas com educação superior,
ampliava os limites da sociedade para além da classe senhorial e escravista.
67
A questão do trabalhador livre se impunha diante da falência do sistema do
trabalho escravo, que agonizava diante das opções intelectuais influenciadas por
doutrinas como o positivismo, o materialismo e o germanismo. Diz Octávio Ianni
68
:
No plano moral a escravidão estava condenada por contradições
insuportáveis para os agentes da situação e para os grupos sociais
identificados com a civilização urbana florescente. O principio da
igualdade dos homens perante Deus precisava também ser instaurado na
esfera do comportamento efetivo das pessoas. Os subterfúgios utilizados
pelos senhores de escravos até meados do século dezenove já se haviam
tornado gastos e insustentáveis. O próprio clero e o exército não estavam
mais dispostos a dar cobertura a uma instituição condenada moral e
politicamente.
Na delicada polifonia da sociedade imperial dos decênios finais do Império, a
atuação do Conservatório se desvelava em atenções às diversas camadas que a
formavam
69
. Uma minuta de ofício da Academia de Belas-Artes
70
, com a data de 22
de março de 1884, comunicava aos professores e alunos o convite para os festejos
que a sociedade abolicionista cearense promovia em honra do Ceará, pela
emancipação total de seus escravos. Atendendo ao convite, anunciava que uma
comissão representando a Academia e o Conservatório de Música se apresentaria na
chegada à Corte do jangadeiro Francisco do Nascimento.
71
O Corpo Coletivo União Operária, fundado em 1882, cujos estatutos o
definiam com a finalidade de “tratar dos interesses gerais da classe operária e das
artes do país
72
, solicita através de ofício de seu secretário José Ponciano de Oliveira
ao diretor do Conservatório de Música, em 3 de agosto de 1885, que os alunos
67
ABREU, Martha. O Império do Divino: festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-
1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Fapesp, 1999. P. 316
68
IANNI, Octavio. O progresso econômico e o trabalhador livre. In: O Brasil Monárquico, v. 3: reações
e transações / por Francisco Iglesias... [et.al.] – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. P. 304
69
Utilizamos o termo polifonia de empréstimo da técnica composicional. Ele se refere à técnica que junta
duas ou mais linhas (vozes) melódicas sobrepostas e simultâneas.
70
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Minuta de Oficio. Documento manuscrito. Acervo Museu D.
João VI. Notação 4122.
71
O jangadeiro Francisco do Nascimento liderou o movimento que impediu o desembarque dos escravos
no porto de Fortaleza em 1881.
72
Apud. MATTOS, Marcelo Badaró Mattos. Trabalhadores escravos e livres no Rio de Janeiro da
segunda metade do século XIX. Disponível em
www.labhstc.ufsc.br/VI%20jornada%20trabalho/escravos%20e%20livres%20pel.rtf, acessado em
27/01/2006.
75
tomem parte da sessão solene comemorativa da Independência do Império. Nesta
ocasião os alunos cantariam “em acompanhamento o hino da independência”.
73
Igualmente, para uma solenidade de comemoração da Independência, o
Conservatório atende ao convite da comissão de solenidade da Sociedade
Comemorativa da Independência do Império
74
, que tinha entre seus membros o
próprio Imperador e o Conselheiro Senador Manuel Francisco Correia. Através de
minuta de ofício da Academia de Belas-Artes
75
, datada de 8 de agosto de 1887, é
informado ao Sr. Francisco Augusto de Almeida que o prof. Cavalier Darbilly levaria
as alunas para participar do festejo.
O Conservatório construía, assim, sua teia de relações que legitimava sua
atuação. Ao participar de atividades ligadas a diferentes frentes da construção social
do Império, as reconhecia ao mesmo tempo em que era reconhecido por elas como
instituição de destaque na área da prática musical. Ao mesmo tempo, não deixava de
atender às solicitações do governo que, a partir do exercício orçamentário de 1875-
1876, iniciara o pagamento de subvenção que garantia seu funcionamento
76
, após
vigoroso protesto do diretor Antonio Nicolau Tolentino:
Desde o exercício de 1872-1873 que nas leis de orçamento tem
vindo consignada uma subvenção de 7:200$000 para o adjutório deste
estabelecimento (...). Entretanto, encerram-se já três desses exercícios,
está a findar-se o quarto, e ainda o Conservatório não recebeu uma só
dessas consignações anuais. Apenas em 1874 mandou-se-lhe dar
3:796$000 para a compra de dois pianos usados, e de alguns móveis de
que tinha urgente necessidade. Entendo do meu rigoroso dever pedir com
instância a V. Ex. para que não permita a reprodução de um fato,que,
sobre ser incoerente, deixa ao desamparo uma instituição merecedora da
proteção do Estado por sua insinuante e feliz influência na civilização do
povo. (...). Mais valera poupar ao sentimento nacional o vexame de
permitir que uma instituição pública assim subsista tão abandonada: fora
preferível mandá-la fechar até que possamos compreender as vantagens e
queiramos prover as necessidades de um Conservatório de Música.
77
73
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do secretário do Corpo Colletivo
União Operária ao Diretor do Conservatório de Música. Acervo Museu D. João VI. Notação 3674.
74
No Almanaque Laemmert para o ano de 1888 encontramos o anúncio da diretoria da Sociedade:
Presidente honorário. D. Pedro II. Presidente: Conselheiro Senador Manoel Francisco Correia. Vice-
Presidente Francisco Augusto de Almeida. Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Império
do Brasil para 1888. Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1888. P. 1537
75
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Minuta de Ofício da Academia de Belas-Artes para a comissão de
solenidade da Sociedade comemorativa da Independência. Documento manuscrito. Acervo Museu D.
João VI. Notação 431.
76
Em ofício ao Ministério dos Negócios do Império, o diretor do Conservatório Antonio Nicolau
Tolentino revela que o pagamento da subvenção só inicia no exercício de 1875-76. ACADEMIA DE
BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Oficio do diretor do Conservatório ao Ministério dos
Negócios do Império. Documento manuscrito. Acervo Museu D. João VI. Notação 2147.
77
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música
Antonio Nicolau Tolentino. Documento anexo ao Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa
na primeira sessão da décima sexta legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do
Império Conselheiro Dr. José Bento da Costa e Figueiredo. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1877.
76
As críticas da falta de atenção do Governo para com o Conservatório são uma
constante até os últimos anos de atividade da instituição. A existência da subvenção
oficializaria o estabelecimento como instituição de ensino musical, mas não
garantiria aos professores e funcionários salários e vantagens que outras instituições
oficiais tinham direito. Em seu relatório de 26 de março de 1889, o diretor Ernesto
Gomes Maia reclamava que apesar da respeitabilidade do corpo docente, estes ainda
eram retribuídos com extrema exigüidade e mesquinhez de vencimentos, o que
produziria efeitos sempre mais ou menos desfavoráveis ao Conservatório
78
.
A aspiração do Conservatório em sua origem era a de ser o centro formador
dos artistas que atuariam no teatro e no culto. Em 1878, tenta se tornar a instituição
modelar da prática musical para todo o Império. A estas pretensões o governo
responde com a falta de recursos e desatenções que impediram o desenvolvimento
pleno da instituição.
Se na procrastinação da regulamentação do Conservatório havia uma
tentativa de viabilizar este estabelecimento como uma possível alternativa de
ocupação para uma classe privilegiada da sociedade imperial, isto não acontece. Em
seus últimos anos era evidente o destaque dado por seus administradores ao fato do
Conservatório munir as mulheres e homens pobres com a possibilidade de manterem-
se com decência na sociedade, através do exercício da música como executantes ou
como professores.
79
Exatas foram as palavras de Antonio Nicolau Tolentino citadas acima: melhor
seria fechar as portas da instituição até que houvesse a verdadeira vontade política de
satisfazer as necessidades básicas do estabelecimento. Entretanto, identificada como
uma instituição diretamente ligada ao discurso de civilidade e progresso, a opção
pelo encerramento seria um descompasso, ou mesmo um sinal evidente da ineficácia
do governo em garantir este tão almejado estágio de civilização. Optou-se pela
procrastinação, esta sim a marca indelével do Conservatório e de sua trajetória na
sociedade imperial.
78
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música
Ernesto Gomes Maia. Documento anexo ao Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na
quarta sessão da vigésima legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império
Antonio Ferreira Vianna. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889.
79
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música
Ernesto Gomes Maia. Documento anexo ao Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na
quarta sessão da décima oitava legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do
Império Francisco Antunes Maciel. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1884.
77
2.2 Os Teatros do Império
Olhava para o espelho, ia de um lado para outro, recuava,
gesticulava, sorria e o vidro exprimia tudo. Não era mais um
autômato, era um ente animado. Daí em diante, fui outro.
Cada dia, a uma certa hora, vestia-me de alferes, e sentava-me
diante do espelho, lendo olhando, meditando; no fim de duas,
três horas, despia-me outra vez. Com este regime pude
atravessar mais seis dias de solidão sem os sentir...
80
Em seu conto Espelho, esboço de uma nova teoria da alma humana, Machado
de Assis relata a incrível história de Jacobina, que feito alferes percebe o antagonismo
de sua alma interior com a sua exterior. De tantos rapapés e deferências, o alferes
eliminou o homem. Se por um tempo as duas naturezas puderam conviver, não tardou
que a primitiva cedesse espaço, reduzindo-se a uma parte mínima de humanidade. A
parte vitoriosa era aquela identificada com o novo posto, com as coisas e formalidades
da patente; a outra ficou no ar e no passado.
Não é difícil relacionar a criação dos Teatros-Monumento com o conto de
Machado. Com a grandiosidade de suas edificações impactavam os modestos espaços
urbanos onde se inseriam, fixando a ruptura com a simplicidade da arquitetura
colonial ainda presente nas principais capitais do país. Para além de sua utilidade
como espaço de práticas culturais, esses edifícios tornavam-se com sua presença o
marco reconhecível dos princípios de modernidade de uma sociedade ansiosa por se
reconhecer como detentora dos mais altos níveis de civilidade. Desta forma, esta
sociedade criava enormes espelhos em seus centros urbanos, onde pudesse ver
refletida a perfeita imagem que desejava construir de si mesma. E durante algumas
horas, ou mesmo em breve instantes de passagens, podiam olhar e se perceber como
participantes de um mundo civilizado e polido. “Termômetro da civilização” é como,
em diversas ocasiões, os documentos oficiais do Estado se referem a essa instituição.
Através da elaboração de severas regras de convivência, desenvolveu-se com o
passar dos anos, e principalmente depois de 1850, este espaço de sociabilidade que,
embora insistisse em expressar as suas rígidas hierarquias sociais, pelo menos deixava
do lado de fora os sinais de sua barbárie. A nova ordem, estimuladora da boa moral e
80
ASSIS, Machado de. O Espelho. In: Machado de Assis, Obra completa, org. Afrânio Coutinho. Rio
de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1997. Vol. II, p. 352
78
da doçura dos costumes, espalha-se pelas Províncias e em várias delas, as sociedades
locais se esmeram em captar e reproduzir seus discursos e práticas. Essa ordem,
servindo-se de imagens e conceitos cunhados em países distantes, buscava
adequações a suas limitações particulares, mas nunca perdia de vista a pretensão de
criar condições de semelhança às nações apresentadas como portadoras de uma
civilização.
A construção de teatros opulentos vai servir de estratégia para essa sociedade,
ao tornar visíveis, reais, os seus estágios adiantados de progresso e desenvolvimento.
Pois, afinal, entre todas as nações, estes estabelecimentos são o termômetro seguro
para se medir seu estado de civilização
81
. Dentro dessa lógica, teatros são fundados,
como o Santa Isabel, em Pernambuco, em 1850; o São Pedro, no Rio Grande Sul, em
1858; o Teatro da Paz, no Pará, 1878; ou readaptados à estética da nova ordem, como
os teatros São Luis, no Maranhão; São João, na Bahia; e o Imperial Teatro de S. Pedro
de Alcântara, no Rio de Janeiro.
O Teatro São Luis foi inaugurado em 1817, com o nome de Teatro União,
sendo seus proprietários Eleutério da Silva Varella e Estevão Gonçalves Braga. Anos
mais tarde, a parte deste último, em razão de dívidas, foi incorporada aos próprios
nacionais. Em 1850, a Presidência da Província comprou a parte pertencente aos
herdeiros de Eleutério Varella, realizando reformas e abrindo suas portas, já sob a
denominação de São Luis em 14 de Março de 1852. Atualmente é conhecido como
Teatro Artur Azevedo.
O Teatro São João, em Salvador, foi inaugurado a 13 de maio de 1812, sob os
auspícios do Conde dos Arcos, localizando-se na extremidade norte do então “largo
das portas de São Bento”. Sua entrada voltava-se para uma ampla praça (hoje Praça
Castro Alves), no centro da cidade. Em 1848, o Presidente da Província João José de
Moura Magalhães, após reformas realizadas, anunciava que o teatro estaria nos níveis
de asseio e decência que exigia o status da capital da Província da Bahia
82
.
Desaparece, destruído por um incêndio, em 1923.
81
BAHIA. Fala que recitou o Presidente da Província da Bahia, o Desembargador João José de
Moura Magalhães n’abertura da Assembléia Legislativa da mesma Província em 25 de Março de
1848. Bahia: Typographia de João Alves Portella. 1848.
79
Ilustração 1
Teatro São João. Bahia
O Teatro de São Pedro do Rio de Janeiro tem uma longa história de
denominações: inaugurado em 12 de outubro de 1813, com o nome de Real Teatro de
São João, foi destruído por incêndio em 25 de março de 1824. Reconstruído, recebe o
nome de Imperial Teatro de São Pedro de Alcântara e, embora ainda inacabado, abriu
suas portas no dia 22 de janeiro de 1826, por ocasião das comemorações de
aniversário da Imperatriz. A abertura oficial seria no dia 4 de abril do mesmo ano.
Por motivos políticos, em 03 de maio de 1831 passa a ser chamado de
Constitucional Fluminense. Em 1838, passa a ser denominado Teatro São Pedro.
Após um segundo incêndio é reaberto em 18 de agosto de 1852, já sob a direção de
João Caetano. Um terceiro incêndio determina novas obras, e, em 3 de janeiro de
1857, ressurge novamente para o seu público. A 24 de agosto de 1923, passa a ser
denominado Teatro João Caetano. Demolido, construiu-se no mesmo local o atual
Teatro João Caetano, inaugurado em 28 de junho de 1930.
O Estado cedo percebeu as vantagens e os perigos da utilização dos teatros
como instrumento de propagação ideária, e de várias maneiras tentou controlar, não
somente o que se apresentava sobre os palcos, como todos os agentes envolvidos.
Decretos, leis e regulamentos tentavam limitar e dirigir desde a ação dos autores ao
comportamento do público, em um processo onde civilização, moralidade, e outros
conceitos de modernidade se confundiam com submissão.
80
As finalidades e direcionamentos destes estabelecimentos podem bem ser
representados pelo Regulamento do Teatro São Luis, de 1854
83
. Ali está determinado
seu objeto central: promover o aperfeiçoamento da arte dramática, quer pelo trabalho
de artistas de reconhecido merecimento, quer pela escolha e representação de peças
nacionais e estrangeiras, cuja ação, linguagem e moralidade pudessem servir de lição
e ilustrar o público desta cidade.
Também define o que poderia ser representado em seu palco: a tragédia; a
comédia de caráter e de costume, bem como a comédia ligeira; o drama histórico, o de
paixão e o de atualidade; óperas líricas cantadas em língua nacional ou estrangeira;
danças completas com mímicas e bailados parciais; farsas, entremezes e todas as
peças de cômica vulgar, desde que não resultasse delas a depravação do gosto, o
atraso da boa declamação dramática, a ofensa da moral, da razão e da arte.
Do mesmo modo, proibia a representação de toda e qualquer diversão que
pudesse, direta ou indiretamente, alterar a seriedade da arte e ferir o decoro do
primeiro teatro da Província. Ficavam então, proibidos os intermédios de canto ou
dança que, por gestos ou palavras, ofendessem a moralidade pública e os bons
costumes, e causassem detrimento ao progresso das belas-artes, de que é o teatro uma
escola prática; dramas mímicos e peças mistas próprias de circo, ou admitidas
unicamente em teatro de ordem muito inferior; jogos de força e destrezas, habilidades
e prestidigitações, visualidades ou ilusões de física.
Ao largo dessas atribuições conceituais, o regulamento previa, ainda, a
delimitação do espaço, de acordo com a ordem social vigente, resguardando a
utilização do salão superior do teatro, dos camarotes e dos corredores destes, às
pessoas livres e decentemente trajadas. Nos camarotes, serventes decentemente
vestidos serviriam água aos seus ocupantes, assim como empregados vigiariam e
evitariam a aglomeração nos corredores de pessoas que ali não devessem ter entrada.
O teatro era público, mas as diferenças precisavam ser mantidas. Era a ritualização
das desigualdades, reflexo imarcescível de uma sociedade senhorial escravista, que
teimava em se esconder sob as tênues sedas dos discursos de civilidade.
As iniciativas de construção de um teatro no Império se distinguem em dois
modelos básicos: os que eram construídos por uma iniciativa particular, por vezes
83
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Regulamento do Teatro. Relatório do presidente da
província do Maranhão, o doutor Eduardo Olimpio Machado, na abertura da Assembléia Legislativa
Provincial no dia 3 de maio de 1854, acompanhado do orçamento da receita e despesa para o ano de
1855. Maranhão: Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1854.
81
uma sociedade organizada para essa finalidade, e os que eram fruto da iniciativa direta
do Estado. Entretanto, mesmo os de organização privada dependiam dos recursos
públicos, ou para sua construção ou na sua imediata sustentação.
Como exemplo da iniciativa privada, podemos nos deter sobre a construção do
Teatro São Pedro, no Rio Grande do Sul. Em 1850, o Tenente General Soares de
Andréa (1781-1858) anunciava:
As mais sentidas necessidades públicas em qualquer grande povoação são
os espetáculos. De todos os tempos, e por todas as formas de governo, tem
sido reconhecida esta necessidade. Hoje, e entre nós, os mais aceitos
divertimentos são os teatros, e as grandes reuniões de famílias, por
sociedades de baile, ou canto. Em muitos lugares desta província há
teatros, devidos a sociedades particulares mais ou menos abastadas; e são
muito regularmente construídos os dois, das cidades do Rio Grande e
Pelotas. Os outros são obras de menos importância, e de mais duvidosa
duração, mas quase todos superiores ao armazém, arvorado em teatro,
desta capital. (...) foi pois organizada uma nova sociedade, a qual, por
ações de 550$rs. sem premio ou juro, e ajudada do empréstimo provincial,
se encarregou da obra.
84
Nos documentos anexos ao Relatório do Presidente da Província, de 1858,
encontramos os estatutos da Sociedade do Teatro S. Pedro. Em seu artigo primeiro, a
finalidade maior da sociedade: a conclusão e manutenção do novo teatro; além disso,
deveria cuidar de sua conservação, nomear e demitir empregados quando fosse
necessário, entender-se com as autoridades, decidir as dúvidas que ocorressem, e
tomar todas as medidas indispensáveis para o desempenho de suas funções.
85
Entretanto, em 1856, o Presidente da Província, Barão de Muritiba (1807-
1896), advertia que apesar de ser iniciativa de uma associação particular, nem por isso
deixaria de estar sujeito à inspeção do Governo, visto como muito importantes tem
sido os auxílios prestados em diversas épocas pelos cofres públicos
86
. Em 2 de abril
de 1861, com o não cumprimento das metas da Sociedade, o Teatro S. Pedro seria
desapropriado e incorporado aos próprios nacionais.
87
84
RIO GRANDE DO SUL. Relatório do Estado da Província do Rio Grande de S. Pedro apresentado ao
Exm. Sr. Conselheiro José Antonio Pimenta Bueno pelo Tenente General Francisco José de Souza Soares
de Andréa tendo entregado a presidência da província no dia 6 de Março de 1850. Rio de Janeiro:
Typographia Universal de Laemmert. 1850.
85
RIO GRANDE DO SUL. Estatutos da Sociedade do Teatro de S. Pedro. Documentos anexos ao
Relatório do presidente da província de S. Pedro do Rio Grande do Sul, Angelo Moniz da Silva
Ferraz, apresentado a Assembléia Legislativa Provincial na 1.a sessão da 8.a legislatura. Porto
Alegre: Typ. do Correio do Sul, 1858.
86
RIO GRANDE DO SUL. Relatório com que o Conselheiro Barão de Muritiba entregou a
Presidência da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul ao Exm. Sr. Presidente e Commandante
das Armas, Conselheiro, e General Jerônimo Francisco Coelho no Dia 28 de abril de 1856. Porto
Alegre: Typographia do Mercantil, 1856.
87
RIO GRANDE DO SUL. Relatório com que o Desembargador Francisco de Assis Pereira Rocha
entregou a Presidência da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul ao Exm. Sr. Vice-Presidente
82
Ilustração 2
Teatro São Pedro. Rio Grande do Sul
No extremo oposto do país, na cidade de Belém, capital da Província do Grão-
Pará, reconhecida a necessidade indeclinável de um teatro decente, e que corresponda
a população e importância d’esta capital,
88
a Assembléia Provincial, em 11 de
outubro de 1867, autoriza a Presidência a contratar a construção de um teatro público.
Mas somente em 1869, José Bento da
83
executando as obras de conformidade com a planta e o orçamento respectivo,
utilizando argamassa feita na proporção de uma parte de areia, duas de terra amarela e
duas de cal, sendo a cal, de forno ou de pedra.
90
Se, de início, a proporcionalidade do edifício do teatro não estava claramente
proposta, as várias modificações feitas durante o processo de construção o tornariam
um imenso edifício que ocuparia a Praça de Pedro II, como relata impressionado o
Presidente da Província Domingos José da Cunha Junior
91
. Porém, mesmo antes de
ser entregue ao Governo Provincial, sérias dúvidas pairavam não somente sobre os
custos elevados da construção, mas sobre a solidez e segurança do prédio construído.
Quando, então, o arrematante João Fernandes dá por concluída a obra do teatro
e tenta, na conformidade do regulamento, entregar provisoriamente o edifício ao fiscal
nomeado pela Província, Dr. Antonio Joaquim de Oliveira Campos, este, pressionado
pelas acusações propagadas pela imprensa, requer a nomeação de uma comissão para
examinar o edifício e decidir sobre a conveniência do recebimento deste pela
Província
92
. Em 1876, o Presidente da Província, Francisco Maria Corrêa de Sá e
Benevides (1833-1901), relata o parecer da comissão e determina algumas atitudes:
Por ato de 10 de Fevereiro do ano passado foi nomeada uma
comissão de engenheiros para examinar este edifício a fim de ser recebido
provisoriamente. Reconhecendo-se do relatório e mapa apresentados pela
dita comissão:
Que pelo arrematante foi excedido o prazo para a conclusão das
obras, estipulado na clausula 2 do contrato; Que as obras não estavam
feitas de conformidade com os planos respectivos; Que do mapa
comparativo entre as obras executadas, orçadas e pagas, organizado pela
comissão, resultou diferença contra província de reis 170:363$400; Que
para a segurança do edifício se fazem precisas algumas obras e que a elas
estão o arrematante obrigado; bem como que das obras executadas devem
algumas ser substituídas e há moveis que não podem ser aceitos;por não
serem os estipulados no contrato; resolvi por ato de 30 de junho do
mesmo ano, impor ao arrematante, de conformidade com a 2a.condição
do contrato, a multa de reis 41:466$866, correspondente a 10a. Parte da
arrematação, que foi de 414:668$605 e sujeitá-lo de acordo com a
condição 6a., a indenização do que demais recebeu, calculado no mapa;
não sendo recebido o teatro sem que sejam feitas as obras e alterações
mencionadas no relatório. E porque se verificasse ter sido defraudada a
90
PARÁ. Cópia do contrato com João Francisco Fernandes. Relatório com que o Excelentíssimo
Senhor Presidente da Província Conselheiro José Bento da Cunha Figueiredo entregou a
administração da Província do Grão-Para ao Excelentíssimo Senhor 2º Vice-Presidente Coronel
Miguel Antonio Pinto Guimarães em 16 de Maio de 1869. Para: Typographia do Diário do Grão-Pará,
1869.
91
PARÁ. Relatório com que o Excelentíssimo Senhor Doutor Domingos José da Cunha Junior,
Presidente da província, abriu a 2.a sessão da 18.a legislatura da Assembléia Legislativa Provincial
em 1.o de julho de 1873. Pará: Typ. do Diário do Grão-Pará, 1873.
92
PARÁ. Relatório que o Excelentíssimo Senhor Doutor Guilherme Francisco Cruz 3º Vice-
Presidente passou a administração da Província do Pará ao Excelentíssimo Senhor Doutor Pedro
Vicente de Azevedo em 17 de Janeiro de 1874. Pará: Typographia do Diário do Grão-Pará. 1874
84
fazenda provincial com a medição feita em 1872 pela comissão
anteriormente nomeada, resolvi também mandar responsabilizar os
funcionários encarregados daquela comissão e os mais comprometidos,
sendo demitidos o engenheiro Antonio Joaquim de Oliveira Campos e
José Manuel Rodrigues, que nela fizeram parte. (...) o arrematante não deu
começo as obras no prazo estipulado, pelo que serão elas feitas
administrativamente, ou por nova arrematação por conta e
responsabilidade do mesmo.
93
No dia 15 de Fevereiro de 1878, o mesmo em que a Presidência da Província
recebe definitivamente o edifício lavrando o termo competente, é inaugurado o Teatro
da Paz, nove anos depois de iniciada a obra, quatro depois de concluída, e com um
custo total de 763:422$678 réis, algo bem distante dos 298:449$217 réis orçados pela
Assembléia Provincial em 1867.
Assim, não importando se a iniciativa era do Estado ou privada, os recursos
destinados à construção destes teatros estavam sempre ligados aos fundos públicos. E
como o Estado estava invariavelmente limitado em suas questões orçamentárias, um
dos mecanismos disponíveis e amplamente utilizado foi o das loterias. Esse hábito
remonta aos tempos de D. João VI, que, quando ainda Príncipe Regente, concede,
através de Carta Régia de 27 de Janeiro de 1809, uma loteria para a conclusão do
teatro da cidade da Bahia. De 1809 a 1858 serão pelo menos 23 decretos concedendo
loterias para iniciativas ligadas aos teatros.
Em 1843, em Recife, o Barão de Boa-Vista, discorrendo sobre o estado das
obras do Teatro Santa Isabel, lamentava que estas andassem lentamente devido aos
baixos lucros obtidos com a loteria concedida para essa finalidade. Assim ele explica
o fato:
Cheia a Capital de bilhetes a venda de diversas loterias, começou a
diminuir a procura, até mesmo dos do teatro, e perdendo o povo toda a
confiança pela falta do andamento das rodas nos dias anunciados, e por
algumas irregularidades provenientes de descuidos dos operários, tornou-
se difícil a extração das Loterias, e nenhum o lucro dos beneficiados, que
depois de faltarem a vários anúncios, viram-se na necessidade de verificar
a extração, tendo ainda grande porção de bilhetes por vender.
Para que as vossas benéficas intenções não continuem a ser
frustradas com prejuízo do cofre Provincial, que tem de ocorrer ás
precisões de uma obra indispensável no estado, a quem tem chegado esta
populosa cidade, parecia-me conveniente, que suspendêsseis a execução
das Leis, que permitirão o ano passado tantas loterias, continuando
somente com as do teatro, as concedidas ao Seminário Episcopal, e as três
igrejas desta cidade, que estão em concerto, até que este Edifício estivesse
em termo de fazer ao publico o interessante serviço, que tais
93
PARÁ. Relatório apresentado pelo exm. sr. dr. Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides,
presidente da província do Pará, à Assembléia Legislativa Provincial na sua sessão solene de
instalação da 20
.a legislatura, no dia 15 de fevereiro de 1876. Pará, 1876.
85
estabelecimentos prestam aos Paises, que encetam o caminho da
civilização.
94
Ao longo da informação, quase descritiva, da utilização em larga escala do
instrumento da loteria, o Barão oferece outro elemento para nossa reflexão: ao dividir
a concessão destas entre o Teatro e a Igreja, o Presidente da Província coloca estes
dois espaços públicos em níveis de importância iguais, e mais do que isso, defere ao
Teatro a posição de ser privilegiado, assim como a Igreja, dos favores do Estado. O
Teatro seria a alternativa profana, um novo lugar de sociabilidade da elite imperial.
Nele se criariam ritos e costumes, retratando fielmente suas ordenações sociais, e,
sobretudo, suas indagações e projetos em busca do civilizado, do progresso, do que a
distinguisse como uma sociedade culta e superior.
Esse novo templo, não devotado ao culto, mas às coisas do mundo, não
demora a entrar em conflito com a Igreja. O Teatro S. Luis, no Maranhão, teve seu
projeto original alterado, pois os frades Carmelitas, considerando anti-religioso um
teatro próximo à Igreja Nossa Senhora do Carmo, embargaram a obra. Desta forma, a
frente do teatro, que no projeto original estava voltada para o Largo do Carmo, foi
construída em direção oposta, para a rua do Sol, após os entendimentos entre o
Presidente da Província, Silva Gama, e o Padre José Antonio da Cruz Ferreira.
95
Como a Igreja interferia no teatro, este também promovia mudanças nos
rígidos cânones musicais do culto. Em 1846, O Mercantil proclamava que ao
introduzir as algazarras das sinfonias manchava-se a sublime pureza do caráter. As
ladainhas teriam sido convertidas em contra-danças, as súplicas em árias joco-sérias,
o Te Deum em música de folia. Saí do teatro, concluía, entrai na igreja, a diferença é
nenhuma!
96
94
PERNAMBUCO. Relatório que á Assembléia Legislativa de Pernambuco, apresentou na sessão
ordinária de 1843 o excelentíssimo barão de Boa-Vista, presidente da mesma província. Recife: Typ.
de M.F. de Faria, 1843.
95
SOTÃO, Lucy Mary Seguins; SILVA, Josimar Mendes. Diversidade Cultural Maranhense no
Século XIX In: Revista "Nova Atenas" de Educação Tecnológica. Cefet-Maranhão. Disponível em
www.cefet-ma.br/Revista. Acessada em 18 de novembro de 2004.
96
Apud Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva e seu tempo. Rio de Janeiro: Edições Tempo
Brasileiro. 1967. Vol. I P. 220
86
Ilustração 3
Teatro São Luiz. Maranhão
Fonte. Funarte. CTAC.
Sob estas dinâmicas surgiam os teatros-monumento do Império: referência
visível, crível, do estado de progresso, de civilização, e ao lado disso um instrumento
de propagação de idéias baseadas na ordem, bons-costumes e moralidade. Assim, não
são poucas as referências a esses monumentos e sua capacidade de retratar o estado de
desenvolvimento de determinada localidade
97
, de servir como termômetro do seu
estágio civilizatório
98
, ou mesmo como estabelecimentos que retificam e aperfeiçoam
os costumes públicos
99
. Tratava-se, pois, de inscrever de maneira clara no coração da
memória coletiva o estágio avançado, a imagem gloriosa de civilização que a
sociedade imperial projetava exibir como grupo e como uma série de indivíduos
dentro de um grupo.
100
O funcionamento de tais monumentos à civilização foi mantido graças às
subvenções públicas até os anos de 1868 e 1869, quando a grave crise financeira
vivida pelo Império limita o seu emprego. Em 1870, o Ministro dos Negócios do
Império anuncia o fim da Inspeção Geral dos Teatros Subvencionados, pelo simples
97
PARÁ. Relatório que o Excelentíssimo Senhor Coronel Miguel Pinto Guimarães, segundo Vice-
Presidente da Província dirigiu a Assembléia Legislativa Provincial no dia 15 de Agosto de 1869,
ocasião da Abertura da segunda sessão da 16ª Legislatura da mesma Assembléia. Pará: Typographia
do Diário do Grão-Pará. 1869
98
BAHIA. Fala que recitou o Presidente da Província da Bahia, o Desembargador João José de
Moura Magalhães n’abertura da Assembléia Legislativa da mesma Província em 25 de Março de
1848. Bahia: Typographia de João Alves Portella. 1848.
99
RIO GRANDE DO SUL. Relatório do presidente da província de S. Pedro do Rio Grande do Sul, o
87
motivo de não haver mais teatros subvencionados
101
; da mesma forma, o Presidente
da Província da Bahia lançava empresários e artistas à dura realidade das regras do
mercado livre:
Em tempos críticos como estes que correm, não havendo meios para
melhorar a viação indispensável à lavoura e ao comércio, parece que basta
conceder aos artistas que quiserem trabalhar em conta própria por
empresa ou associação, deixando ao seu interesse particular o esforço por
bem agradar ao público, que encontrando atrativos no desempenho e
escolha dos dramas e comédias por certo concorrerá para fazer face a
todas as despesas de pessoal e casa, com sobras para algum lucro como
por vezes tem acontecido.
102
Ao lançar a escolha do repertório a ser representado aos ditames do gosto do
público, o Presidente da Província da Bahia rompia com a ação do Estado marcada
pelo controle sobre o conteúdo ideológico dos textos, garantia da propagação de
idéias da boa moral, da imagem identitária de povo tranqüilo e ordeiro, do incentivo à
doçura das atitudes “civilizadas”. Cedo havia o Estado compreendido o poder de
propagação ideária do teatro. É assim que, em 21 de julho de 1829, D. Pedro I, através
de sua Secretaria de Estado dos Negócios do Império, determina que não se represente
mais no Teatro S. Pedro de Alcântara texto algum que não sofresse o julgamento
prévio do Desembargador encarregado do expediente da Intendência Geral da
Polícia
103
. Em 1830, ao proibir a representação de dramas ofensivos às corporações e
autoridades públicas, o Imperador realizava uma apreciação mais completa da
necessidade da censura:
Desejando ao mesmo tempo prevenir e evitar, por meio de uma
circunspeta vigilância e prévio exame das peças que se hajam de
representar, que tão úteis estabelecimentos degenerem daqueles louváveis
fins pela introdução de doutrinas, umas opostas aos bons costumes e à
moral publica, e outras tendentes a inflamar as paixões exaltadas, e a
destruir por qualquer maneira o sistema constitucional que felizmente nos
rege: Há por bem o mesmo Augusto Senhor que V. Ex. não consinta em
teatro algum, seja público ou particular, a representação de dramas em
que se ofendam corporações ou autoridades, que pelo contrário se devem
respeitar, para conservação da boa ordem, e pública tranqüilidade.
104
101
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório apresentado a Assembléia Geral na
Terceira Sessão da Décima - quarta Legislatura pelo Ministro e Secretario d’ Estado dos Negócios
do Império Dr. João Alfredo Correa de Oliveira. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1871. p. 25
102
BAHIA. Relatório apresentado a Assembléia Legislativa da Bahia pelo excelentíssimo senhor
Barão de S. Lourenço em 11 de abril de 1869. Bahia: Typographia de J. G. Tourinho. 1869. p. 52
103
BRASIL. Decisões do Governo do Império do Brasil. N. 123 - Império –Em 21 de Julho de 1829.
Colleção das Decisões do Governo do Império do Brasil 1829. Rio de Janeiro: Typographia Nacional.
1877. p. 109
104
BRASIL. Decisões do Governo do Império do Brasil. Nº. 141- Império - em 21 de Julho de 1830.
Proíbe a representação nos theatros de dramas offensivos de corporações e autoridades publicas.
Colleção das Decisões do Governo do Império do Brasil de 1830. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional. 1877. p. 112.
88
Na fundação, em 1843, do Conservatório Dramático Brasileiro, com a
finalidade de promover os estudos dramáticos e o melhoramento da cena brasileira, o
Governo outorgaria a esta instituição, em troca de uma subvenção de 600$000 por
ano, a censura das peças a serem representadas, e, através do Decreto nº. 425 de 19 de
julho de 1845, estabelecia regras extensivas, quando pertinentes, a todas as Províncias
do Império.
Determinava o Governo que as peças a serem encenadas nos teatros da Corte
fossem previamente remetidas pelas diretorias dos mesmos ao Secretário do
Conservatório Dramático Brasileiro. Este, após lançar o recebimento em um protocolo
para isso destinado, e dar recibo de entrega, as enviaria sem demora ao Presidente do
mesmo Conservatório, para que este, então, mandasse rever e censurar a peça por um
dos membros desta instituição. Se este censor não colocasse dúvidas à representação
da peça, o Presidente expediria logo a licença.
Porém, se o Presidente não se conformasse, ou entendesse que a matéria
deveria ser mais bem elucidada, mandaria a peça a um novo censor. Em caso de
concordância dos dois censores, o Presidente seria obrigado a licenciar a
representação; mas não havendo concordância, ficaria ao arbítrio do Presidente
conceder ou não a referida licença. No caso do Presidente não querer usar o poder de
arbítrio, a peça seria submetida ao Jury Dramático. Aos censores era garantido o
anonimato, guardando-se uma lembrança no protocolo, não sendo lícito publicá-la
jamais.
Depois de cumprido este ritual de censura, a peça estava apta a ser apresentada
ao Chefe de Polícia para a sua aprovação e conveniente imposição do “visto”. Se
algum teatro tentasse levar à cena alguma obra sem o “visto”, o Chefe de Polícia
imediatamente podia mandar fechar o teatro naquela noite ou obrigar a encenação de
outra peça. Neste caso, caberia ao responsável dar ciência ao público através de
anúncios fixados na porta do estabelecimento e mais lugares de costume. Insistindo na
representação da peça sem o “visto”, a pessoa, ou pessoas encarregadas da
representação, ficavam sujeitas a multa e prisão por três meses
89
submete ao Governo um plano para sua reestruturação, com a ampliação de suas
funções. Não mais se limitaria à censura das peças, mas também exerceria a crítica
literária nas produções subvencionadas, exerceria a inspeção interna dos teatros e
instituiria aulas necessárias ao progresso da arte, e da literatura dramática nacional.
O Governo reconhecia a necessidade de melhorar o estado de nossos teatros, e
de favorecer o desenvolvimento daquele ramo da literatura, concedendo ao
Conservatório bases mais convenientes
106
, mas apesar deste reconhecimento não
disponibiliza recursos financeiros para a instituição e nem realiza nenhuma ação
efetiva para manter a entidade.
Assim, em Assembléia do dia 11 de maio de 1864, o Conservatório Dramático
Brasileiro decide por sua dissolução. Ressurgiria em 1870, através do Decreto nº.
4.666 de 4 de janeiro, que garantia a prática da crítica literária, mas não a inspeção
dos teatros, que continuava prerrogativa da polícia interna dos teatros, que tinha suas
atribuições definidas pelo Aviso de 10 de junho de 1833, como veremos a seguir.
Quase que paralelamente à instituição da prática da censura, o Estado tomava
medidas com a intenção de normatizar o comportamento do público e dos artistas
durante as apresentações teatrais. Era a institucionalização de um rito social, que tinha
a aspiração de conter e direcionar não só as atitudes, como também as demonstrações
espontâneas de reação às obras e aos artistas que se apresentavam. O controle seria
exercido pela Polícia Interna do Teatro e, através do Aviso de 10 de Junho de 1833, o
Governo aprovava as instruções que regeriam tal instituição.
Em relação ao público, as instruções eram claras a respeito do comportamento
desejável: durante a representação, os espectadores deveriam estar sentados e
descobertos (sem chapéu); porém, na presença de alguma pessoa da Família Imperial,
entre os atos, deveriam estar descobertos e ficar em pé, voltados para o camarote
Imperial. Eram admitidos moderados sinais de aprovação, ou desaprovação, durante a
representação, porém sem perturbar a tranqüilidade com vozerias e estrépitos, nem
mesmo conversar de maneira que pudesse distrair a atenção.
Dos camarotes ou da platéia não era permitido pronunciar discurso nem
poesias, a não ser em dias solenes, durante os entreatos, e com a devida permissão do
Inspetor. Em caso de necessidade, por qualquer motivo, da interrupção de tais
106
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório apresentado a Assembléia Geral
Legislativa na Terceira Sessão da Décima – primeira Legislatura pelo Ministro e Secretario d’
Estado dos Negócios do Império Marquez de Olinda. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1863. p.
15
90
pronunciamentos, o Inspetor deverá mandar tocar a orquestra. Não seria permitido
entrar na platéia com capote, bengala, chapéu de chuva ou armas, nem tão pouco seria
permitido o acesso ao palco a qualquer pessoa que não fizesse parte do serviço do
mesmo. Também era vetada a permanência de pessoas paradas nas portas de entrada e
saída do público, nas escadas, corredores e coxias.
O Inspetor empregaria na Polícia do Teatro os oficiais dos Juizes de Paz, e os
da Polícia, encarregando aos que julgasse necessário vigiar a platéia, os corredores e
salas, trazendo oculta, uma medalha com a inscrição – Poíicia – que só apresentarão,
quando for necessário fazerem-se conhecer:
Se dentro da platéia, ou fora, mas no recinto do Teatro, se infringir algum
dos artigos deste Regulamento Policial, o Oficial da Policia intimidará
com toda a civilidade ao infrator, para que imediatamente o acompanhe á
presença do Inspetor; se o recusar, fará ver a medalha mencionada (...),
reiterando a intimação; se nem assim obedecer-lhe, dará a voz de preso á
ordem do Inspetor, sendo fora da platéia, ou camarote, fará logo efetiva a
prisão pelos meios que a Lei tem posto ao alcance dos Oficiais de Justiça
para esse fim; porém se for dentro da platéia, ou camarote, esperará que
saia vigiando-o sempre.
107
Ao público ficava garantido o direito à devida satisfação em caso de alteração
do espetáculo anunciado, da hora prevista ou de demoras maiores que as de costume.
Nestes casos, para se fazer menos sensível a demora, a orquestra, por ordem do
Inspetor, executará alguma peça de música.
Os atores também não escaparam à regulamentação de suas atitudes. Além de
respeitar a regularidade e a pontualidade do espetáculo deveriam, ainda, cumprir
prontamente as ordens do Inspetor, caso contrário estariam sujeitos a processo
judicial, como desobedientes. Da mesma forma, o ator que por gestos ou palavras,
ofendesse em cena a decência pública, ou cometesse algum abuso contrário à moral e
ao devido respeito com o público, seria preso em flagrante e conduzido à cadeia, ao
término da representação.
Cedo havia o Governo entendido que precisaria, dentro dos teatros de
representantes que observassem e garantissem suas determinações, o que foi feito de
diversas formas, através de comissões, diretorias e, sobretudo na figura do
administrador. A princípio, esse representante exercia uma função meramente de
observação do contrato empreendido entre o Estado e o empresário. Este sim, seria o
responsável por todos os aspectos práticos de administração e funcionalidade do
107
BRASIL. Aviso de 10 de Junho de 1833. Manda observar o Regulamento da Policia Interna do
Teatro. Colleção das Decisões do Governo do Império do Brasil 1833. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1873. p. 214-215
91
teatro. Exemplo desta função consultiva pode ser observado em Pernambuco, em
1855:
A Diretoria do teatro de Santa Izabel tem-se até hoje conservado
silenciosa a observar as deploráveis irregularidades da atual empresa
nestes dois últimos meses, por que ainda entretinha a esperança de ver o
respectivo empresário remediar os seus infortúnios sem grande detrimento
do público sem menosprezo da moral, e sem comprometimento da
Diretoria. Com estas vistas lhe foi sempre a Diretoria favorável em suas
exigências, e em extremo indulgente no exercício de suas atribuições.
Assim é que, por exemplo, ela consentiu que o empresário despedisse ou
licenciasse a vários atores de um e outro sexo, alguns dos quais fazem
uma notável falta na companhia, (...) e que desde o principio da empresa
assentou em deixar ampla liberdade ao empresário na escolha dos dramas
que devia por em cena, limitando-se a aprová-los ou rejeitá-los
simplesmente, mas não o obrigando nunca a representar tais ou tais outros
que lhe pareciam preferíveis, a fim de que ele pudesse conciliar os seus
próprios interesses com as necessidades do teatro. Assim é, que a
Diretoria nunca o obrigou a ter um tradutor dos teatros estrangeiros, que
nos desse o que hoje há de melhor no gênero histórico e familiar na
Europa, (...). Finalmente não tem querido a Diretoria obrigar o empresário
a ter completa a sua orquestra com o número de músicos a que se obrigou
por seu contrato, por que vê que todos esses rigores que usasse iriam
reduplicar a aflição de um homem que, na melhor fé do mundo e com as
mais nobres intenções, tomou a si a atual empresa, que o tem arruinado.
(...) não é possível que a Diretoria se conserve por mais tempo em
silencio, sem acudir ao formoso navio que lhe foi confiado (...). O clamor
não é só da tripulação: a gente de terra, a cidade inteira, começa a
murmurar com receio de que se interrompam os espetáculos até o fim da
empresa.
108
Em 1856, o Presidente da Província da Bahia anuncia sua preferência em
entregar a um administrador de confiança o teatro público, ao invés de fazê-lo a
alguma empresa que o pretendesse. Porque não podendo ambos jogar se não com os
recursos provenientes da subvenção e dos rendimentos do teatro, resulta em favor da
administração a vantagem de ficar nos cofres não só o excedente das receitas sobre as
despesas, que em outro caso ficaria para a empresa, mas também todos os objetos de
guarda-roupa, cenário, e mobília que se fizerem
109
. A figura do administrador
passaria a ser para o Governo uma fonte segura de informação e observância de seus
interesses.
A influência do administrador era exercida em várias esferas, modificando a
relação do Estado com o teatro e deste com as empresas que o ocupavam, bem como
introduzindo normas que até hoje ainda são preservadas. Em 1861, o administrador do
108
PERNAMBUCO. Documento anexo ao Relatório que á Assembléia Legislativa Provincial de
Pernambuco apresentou no dia da abertura da sessão ordinária de 1855 o exm. sr. conselheiro Dr.
José Bento da Cunha e Figueiredo, presidente da mesma província. Recife: Typ. de M.F. de Faria,
1855.
109
BAHIA. Fala recitada na abertura da Assembléia Legislativa da Bahia pelo presidente da
província, o doutor Alvaro Tiberio de Moncorvo e Lima em 14 de maio de 1856. Bahia: Typ. de
Antonio Olavo da França Guerra e Comp., 1856. p. 83-84
92
Teatro Santa Isabel, João Pinto de Lemos, solicita que no teatro de Pernambuco passe
a ser cobrada uma taxa percentual sobre o rendimento bruto de cada espetáculo. Essa
prática havia surgido em 1879, na Bahia, onde, afirma Lemos, eram cobrados 2% do
valor bruto de cada espetáculo
110
. Sendo o Teatro Santa Isabel, ainda de acordo com o
administrador, uma casa muito superior ao Teatro São João, essa taxa poderia atingir
o valor de 5%, o que não seria oneroso comparando-se aos aluguéis mensais pagos
nos teatros do Rio de Janeiro.
111
Até o final da regularidade de concessões de subvenções a ocupação dos
teatros era feita por uma ou duas companhias responsáveis pelas representações e, por
vezes, pela manutenção do prédio do teatro
112
. Essas companhias podiam ser líricas
ou dramáticas e, em alguns casos, lírico-dramáticas; e através dos contratos firmados
com os empresários responsáveis, o Estado garantia sua ingerência no produto final a
ser apresentado ao público local. Analisamos 12 desses contratos, realizados no
período que compreende os anos de 1853 a 1866, nas províncias de Pernambuco,
Bahia e Maranhão, e encontramos vários pontos em comum.
Em todos os 12 contratos ao lado do período de ocupação, que variava de seis
meses até seis anos, era constante o detalhamento do elenco da companhia, do
repertório e do número de récitas a serem apresentadas. Assim, em 1857, no
Maranhão, o empresário José Maria Ramonda comprometia-se a representar uma
ópera nova completa a cada mês, sendo obrigado a festejar com espetáculo novo os
dias de grande gala: 28 de julho e 7 de setembro. Ainda de acordo com esse contrato,
não apresentando o empresário todos os artistas mencionados no artigo referente ao
elenco da companhia (salvo por morte comprovada), estaria sujeito a descontos na
subvenção mensal, com valores que variavam de acordo com a importância do artista
ausente.
Da mesma forma, os representantes da Sociedade Dramática, que firmaram
contrato com a Província de Pernambuco em 1854, obrigavam-se a representar quatro
peças novas em cada um dos meses do seu trabalho, sendo sempre dois dramas ou
110
Essa é uma prática que perdura até os dias de hoje, tanto nos teatros da rede pública, como da rede
privada. O percentual atualmente varia entre 15% e 25% do rendimento bruto, dependendo das
condições técnicas ou de localização oferecidas pelo teatro.
111
PERNAMBUCO. Fala com que o Exm. Sr. dr. Lourenço Cavalcanti de Albuquerque abriu a
sessão da Assembléia Provincial de Pernambuco no dia 1 de março de 1880. Pernambuco: Typ. de
Manoel Figueiroa de Faria & Filhos, 1880. p. 34
112
A partir de 1869, em várias províncias, os teatros eram cedidos a diversas empresas dramáticas ou
líricas, sem subvenção, que os ocupavam por curtos períodos de tempo. Isso era visto como vantajoso
não só por livrar o Estado de despesas, como por oferecer ao público espetáculos variados.
93
melodramas, e duas comédias ou vaudevilles. Já o empresário Vicente Pontes de
Oliveira comprometia-se na Bahia, em 1864, a representar, durante cada ano de seu
contrato, quatro peças de autor brasileiro, esforçando-se para que durante as récitas
dos dias 2 de julho e 7 de setembro os textos abordassem assuntos históricos
nacionais.
Os contratos ainda abordavam questões como a manutenção dos preços dos
ingressos, a responsabilidade do custeio e fabricação de cenários e figurinos (sempre
de material de boa qualidade e depois incorporados aos bens do teatro), o número de
músicos que comporia a orquestra da companhia, e a exclusividade na utilização do
teatro. São constantes as observações contratuais sobre multas e garantias financeiras,
a submissão à Inspetoria dos Teatros e, em dois casos – na Bahia (1864) e Maranhão
(1862) –, a previsão de um “benefício” social, com a doação do produto líquido de um
número determinado de récitas para instituições de caridade escolhidas pelo Estado.
Até aqui, estamos explanando sobre uma atitude de vigilância do Estado sobre
o teatro, no que se refere ao seu controle e funcionamento. Entretanto, houve
momentos em que esse patrocinador tornou-se uma ameaça não só à integridade física
do teatro, como também às finalidades a que estava destinado. Em 1866, o Presidente
da Província do Rio Grande do Sul anunciava que devido à aglomeração de tropas na
capital e na falta absoluta de edifícios que servissem de quartéis, havia lançado mão
do Teatro S. Pedro para servir de alojamento a parte dessas forças. Informava ainda
que, a despeito do cuidado recomendado, não havia sido possível evitar estragos no
edifício
113
. Nove anos depois, a Presidência da mesma Província tenta vender o teatro
ao Governo Imperial, para que nele funcionasse o Tribunal de Relação. A transação
não foi efetuada por falta de recursos do Governo Imperial.
114
Em Pernambuco, 1860, a Presidência da Província compreendia que o edifício
do teatro não fazia justiça à grandeza da província, sua população e riqueza de sua
capital, além do que sua disposição fazia perder em beleza a grande praça onde estava
construído. Sugeria que, para o embelezamento e formosura da cidade era necessária a
demolição do teatro, sobretudo se tivesse de realizar a construção da nova ponte, que
113
BRASIL. Relatório apresentado ao Exmº Sr. Vice-Presidente da Província de S. Pedro do rio
Grande do Sul Dr. Antonio Augusto Pereira da Cunha pelo Visconde da Boa-Vista ao passar-lhe a
Administração da mesma Província no dia 16 de Abril de 1866. Porto Alegre: Typ. Do Jornal do
Commercio, 1866. p. 10
114
RIO GRANDE DO SUL. Fala dirigida á Assembléia Legislativa da província de S. Pedro do Rio
Grande do Sul pelo presidente, dr. João Pedro Carvalho de Moraes, em primeira sessão da 16ª
Legislatura. Porto Alegre: Typ. do Rio-Grandense, 1875. p. 40
94
por ordem de S. M. havia mandado orçar e planear
115
. Em 1870, ao anunciar a
destruição do teatro por um incêndio, o Presidente da Província se valeria dos mesmos
argumentos:
Como sabeis, esse belo teatro, que tanto servia para distrair e
divertir os habitantes desta capital, em poucas horas foi devorado pelas
chamas. (...) Convencido como estou da utilidade que resulta de um teatro
nesta populosa e mui importante cidade, todavia não estou de acordo com
os que entendem que deve ser reedificado o de que trato. A minha opinião
é que se deve construir um teatro em outro lugar. A praça mais importante
e mais espaçosa que há nesta cidade, é sem duvida o campo das Princesas,
onde se acham as ruínas do teatro; não convém que aquele espaço seja
ocupado por edifício algum, devendo ser aproveitado para um passeio
público, do que resulta máxima utilidade pública, tanto mais não havendo
localidade mais adaptada para isso, visto ser o ponto mais central com
relação aos três bairros em que esta dividida a cidade.
116
Notamos então que aos conceitos de moralidade, adoçamento dos costumes, de
honra e virtude, com a interferência direta do Estado no teatro, eram agregados
discursos sobre tranqüilidade e ordem pública e do respeito a ser observado com as
corporações e autoridades constituídas. O Estado concebia o teatro como um grande
instrumento nas suas estratégias de dominação, estando porém atento às possíveis
táticas de subversão e questionamento do sistema vigente que poderiam surgir deste
espaço, e amarra com suas teias as diversas faces desse artefato.
Esses teatros têm em comum a opção arquitetônica neoclássica; inspirados em
modelos do classicismo francês e italiano, ou nos neoclássicos franceses. Em seus
aspectos monumentais fugiam da simplicidade da arquitetura colonial, condicionando
suas presenças às aspirações visuais e estéticas de uma sociedade que pretendia se
reconhecer como culta e civilizada. De acordo com Marialice Faria Pedroso
117
, essas
edificações contrastam com as do período colonial em sua solidez, posicionamento, e
por serem relacionadas a uma idéia da arquitetura vinculada ao lazer.
Em seus aspectos externos, apresentavam-se isolados, com tratamento
arquitetônico que os valorizava e os destacava do ambiente urbano em seu entorno.
Eram concebidos em formas simples e com clara articulação de volumes, possuindo
115
PERNAMBUCO. Relatório que à Assembléia Legislativa Provincial de Pernambuco apresentou
por ocasião de sua abertura em 1º de março de 1860 o Excelentíssimo Senhor Doutor Luiz Barbalho
Muniz Fiúza. Pernambuco: Typographia de M. F. de Faria, 1860. p. 12-13
116
PERNAMBUCO. Relatório com o qual s. exc. o sr. senador Frederico de Almeida e Albuquerque
abriu a primeira sessão da Assembléia Legislativa Provincial no 1.o de abril de 1870. Pernambuco: Typ.
de M. Figueirôa de Faria & Filhos, 1870. p. 21
117
PEDROSO, Marialice Faria. Metáfora da modernidade: Theatro Municipal Carlos Gomes. Campinas,
SP: [s.n.], 2003. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas. P. 58
95
arcadas, pórticos para acesso de coches e terraços para a sociabilidade de seus
freqüentadores.
Nos seus interiores observava-se a busca do luxo, presente nas decorações dos
ambientes e no uso da mitologia greco-romana. Mas, sobretudo, destacavam-se as
divisões em camarotes e cadeiras de várias ordens, em uma espacialidade que refletia
a rígida e hierarquizada sociedade na qual se inseriam. Deste modo, o público
requintado desses espaços, cercados por iguais, engessados pelas severas regras de
convivência desenvolvidas, viviam instantes de civilidade, distantes sobremaneira da
pobreza dos excluídos.
Estes somente podiam olhar para os enormes espelhos de seus centros urbanos
e, quem sabe, imaginarem-se participantes de um mundo civilizado e polido.
96
2.3 Os Teatros da Capital do Império
Observamos na parte anterior que as origens dos teatros-monumento do Império
estavam diretamente ligadas ao projeto de construção da nação empreendido pelo
Estado. Qualificados como “termômetro de civilização”, refletiam em sua
grandiosidade os predicados sobre os quais se pretendeu edificar esse projeto:
modernidade e civilização. Na capital do Império, o Teatro S. Pedro era o representante
fiel desse modelo.
No entanto, após a Guerra do Paraguai, a cidade apresenta mudanças
significativas, sobretudo na instalação de negócios e empreendimentos de natureza
pública. A capital do Império nesse momento perdia sua feição de vilarejo, ao mesmo
tempo em que às lideranças políticas somavam-se outros agentes, além dos tradicionais
ligados à agricultura. Esta ampliação, segundo Maria Alice de Carvalho
118
, resultou na
alteração dos códigos convencionais da “civilização agrária” e dos limites institucionais
e públicos que derivavam dela.
Dessa nova dinâmica surge o confronto com o Estado centralizado, cuja
existência relacionava-se diretamente ao fortalecimento das bases de poder das elites
119
,
e com a máquina institucional pesada, lerda e excessivamente distante da vida ordinária.
Questionava-se, desta forma, a cultura constitucionalista da geração precedente e sua
ação política, que havia tornado possível tanto a manutenção de diferentes segmentos da
classe senhorial, bem como a própria experiência urbana que havia servido de moldura a
esta.
120
Assim, ainda guardando a idéia dos teatros como enormes “espelhos”, qual seria
a imagem a ser refletida pelos teatros da capital construídos ou reformulados a partir do
decênio de 1870, que longe do aspecto monumental inscreviam com a sua presença um
novo enredo para a trama social? Surgidos no contexto desse processo de
questionamento à ordem do estado centralizado, e por conseqüência às bases de poder
da elite, com certeza espelhavam um novo padrão de entendimento para os predicados
de modernidade e civilização com os quais outrora se pretendeu identificar a nação.
118
CARVALHO, Maria Alice Rezende de. Quatro vezes cidade. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1994.
119
CARVALHO, José Murilo. A construção da ordem: a elite imperial. Teatro das sombras: a política
imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 235
120
CARVALHO, Maria Alice Rezende de. Quatro vezes cidade. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1994.
97
Na esfera da ampliação dos espaços de atuação musical no século XIX incluem-
se os Clubs musicais, que juntamente com os teatros têm nos decênios de 1870 e 1880 o
momento de expansão de suas atividades na capital do Império. Através do Almanaque
Laemmert, podemos observar a linha de crescimento do número dessas instituições
121
:
Gráfico 7
Teatros e Clubs na Capital do Império
Almanaque Laemmert (1860-1888)
0
2
4
6
8
10
12
14
16
1860 1861 1862 1863 1864 1865 1866 1867 1868 1869 1870 1871 1872 1873 1874 1875 1876 1877 1878 1879 1880 1881 1882 1883 1884 1885 1886 1887 1888
Ano
N° de instituições
Teatros Clubs de música
Fonte: Almanaque Lammert (1860-1888)
No Almanaque Laemmert destacam-se, até o ano de 1865, os teatros S. Pedro,
Lírico Fluminense, S. Januário e Ginásio Dramático
122
. Esses teatros, de certa maneira,
orbitavam em torno do S. Pedro, nas semelhanças e diferenças de suas origens e de suas
propostas de repertório que os faziam existir dentro da sociedade da capital do Império.
Esta vinculação pode também ser observada em suas opções arquitetônicas. De
alguma forma, inspiravam-se no modelo neoclássico deste teatro, reproduzindo em sua
espacialidade a rígida hierarquização da sociedade senhorial a que estavam submetidos.
É certo que nem todos possuíam a amplidão, o luxo e o isolamento externo que marcam
este modelo. Alguns eram distinguidos pelas proporções exíguas de suas edificações,
mas tentavam projetar uma imagem de conforto e riqueza, mantendo em seu interior a
divisão de camarotes e cadeiras de várias ordens, que bem se adequava ao público que
pretendiam alcançar.
121
Nos anos de 1873 e 1874, somente o Teatro Phênix aparece citado no Almanaque Laemmert;
consideramos para efeito de formatação desta tabela os teatros anunciados em 1872 e que em 1875,
voltam a ser citados pelo anuário.
122
Um quinto teatro é também citado, o Santa Leopoldina, em Botafogo. O Almanaque Laemmert para o
ano de 1861 anuncia como diretor do teatro Manoel De-Giovanni, que era ao mesmo tempo diretor da
companhia dramática do teatro S. Januário. O teatro é citado entre os anos de 1861 e 1864.
98
O primeiro exemplo de teatro que tinha sua origem ligada ao São Pedro é o
Teatro Januário. Construído por um grupo de atores portugueses da Companhia
Dramática contratados por D. Pedro I, em 1829, para o Teatro S. Pedro. Com a cessão
desses contratos, após a abdicação do Imperador em 1831, este grupo composto, entre
outros, por Ludovina Soares da Costa, João Evangelista da Costa, Vitor Porfírio de
Borja solicita ao Governo autorização para a edificação de um teatro na capital do
Império.
O Governo autoriza a construção com a condição contratual de que ao término
de três anos após a inauguração o teatro passasse a ser propriedade nacional. Desta
forma, inaugurado em agosto de 1834 sob a denominação de Teatro da Praia de D.
Manuel, em 1838, após a entrega à administração do Governo, passa a ser denominado
S. Januário.
123
Poucas são as informações sobre seu aspecto original, mas aparentemente não
possuía uma fachada de teatro. Lafayette Silva nos informa sobre o seu interior após
reforma realizada em 1842, quando o espaço foi dotado de mais conforto e elegância,
através de elementos como as pilastras dos camarotes ornadas por molduras douradas,
acompanhadas de varetas do mesmo metal e recamada de ornamentos verdes
124
. Apesar
desses incrementos, Martins Pena, ao noticiar a apresentação da Companhia Lírica
Francesa instalada no São Januário, definiu este espaço como um “pombal”
125
indigno
de ser chamado de teatro:
Apesar de todos os defeitos da sala de São Januário, que não merece o nome
de teatro, apesar do triste aspecto dos trapos a que por irrisão se dá o
pomposo nome de cenários, apesar do enfumaçado da pintura, cujas cores
fazem tão grande contraste com o asseio dos trajes e roupas dos atores,
apesar da má colocação da orquestra metida em uma cova com grande
prejuízo da harmonia, apesar, enfim, de todos os pesares, o público vai ouvir
e aplaudir os chefes da obra da escola francesa.
126
Apesar de todos os pesares, imitando Martins Pena, após o incêndio que destruiu
o Teatro São Pedro em 1851, a sociedade mobilizou-se em torno da discussão sobre a
123
Este teatro por um curto período de tempo recebeu outras denominações: em 1859 foi conhecido como
Variedades; durante o ano de 1862, passou a ser o Atheneu Dramático, mas já em 1863 retoma sua
denominação original, que permanece até o ano de 1868, quando é demolido. SOUZA, Silvia Cristina
Martins de. O TEATRO DE SÃO JANUÁRIO E O “CORPO CAIXEIRAL”: teatro, cidadania e
construção de identidade no Rio de Janeiro oitocentista. Associação Nacional de História –
ANPUHXXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – 2007. Disponível em:
http://snh2007.anpuh.org/resources/content/anais/Silvia%20Cristina%20Martins%20de%20Souza.pdf.
Acessado em 21 de junho de 2007.
124
SILVA, Lafayette. História do teatro brasileiro. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde,
1938. p. 39.
125
Sobre o cenário nada diremos, porque é coisa que não há nesse pombal chamado Teatro São
Januário.” Jornal do Comércio. 11 de novembro de 1846. In: PENA, Martins. Folhetins. Op. Cit. p. 66
126
Jornal do Comércio. 7 de outubro de 1846. In: PENA, Martins. Folhetins. Op. Cit. p. 44
99
possibilidade de o S. Januário vir a ser a nova sede das companhias lírica e dramática
antes sediadas no S. Pedro. O próprio Imperador, como relata José Maria da Silva
Paranhos
127
, teria visitado o teatro para analisar o estado do prédio e decidir sobre as
intervenções necessárias para este fim. Contra ele pesavam fortes restrições não
somente em relação a seu aspecto físico (Paranhos o definia como “estreito, acaçapado,
velho e feio Teatro de S. Januário”
128
), como também à sua localização, próximo à
ponte de descarga geral da cidade.
Silvia Cristina de Souza
129
observa um outro aspecto sobre a localização do
teatro e como esta contribuía para sua desqualificação no cenário da corte imperial.
Construído na Praia de D. Manuel, próximo ao cais Pharoux, em uma área onde se
concentrava grande número de escravos, libertos e homens livres pobres, este entorno
influenciava diretamente o público que freqüentava o teatro, tornando-o o preferido dos
caixeiros viajantes, de indivíduos de baixo poder aquisitivo e de condições sociais
humildes. A estes grupos, juntava-se outra parcela desconsiderada da vida social: as
mulheres de vida “duvidosa”.
130
Por conta desses aspectos o São Januário não foi considerado digno de substituir
o destruído São Pedro e continuou sua obscura trajetória no seio da sociedade
fluminense até sua demolição em 1868. O fato da não adequação do São Januário
proporcionou o surgimento de um novo teatro na capital do Império: o Teatro Lírico
Fluminense, denominado em seus primeiros anos como Teatro Provisório, erguido,
assim como o nome indica, como espaço provisório para as encenações líricas
131
. Em
uma primeira proposta, deveria existir somente pelo período de três anos, tempo
suficiente, na imaginação das autoridades, para que se construísse um novo espaço
adequado para estas encenações.
As primeiras etapas da construção deste edifício foram seguidas de perto por
José Maria da Silva Paranhos, que em suas “Cartas ao amigo ausente”
132
publicadas
127
Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 18 de agosto de 1851.
128
Idem. Ibidem.
129
SOUZA, Silvia Cristina. Op. cit. pp.51-52
130
Idem, ibidem , p. 52
131
Após o incêndio do Teatro São Pedro, o ator João Caetano, diretor da Companhia Dramática sediada
neste teatro, toma para si à responsabilidade de reconstrução do Teatro São Pedro, que desta forma
passaria a ser um espaço preferencial de representações dramáticas, enquanto as representações líricas
ficariam sediadas no Teatro Provisório.
132
As crônicas foram reunidas e editadas sob o título Cartas ao Amigo Ausente, pelo Ministério das
Relações Exteriores em 1953. PARANHOS, José Maria da Silva. Cartas ao amigo ausente. Rio de
Janeiro: Ministério das Relações Exteriores Instituto Rio Branco, 1953.
100
no Jornal do Comércio entre dezembro de 1850 e dezembro de 1851, detalha as tensões
e expectativas que a iniciativa proporcionava.
A primeira dessas tensões foi sobre o local da construção
133
. A escolha pairava
entre a Praça da Constituição e o Campo da Aclamação. Definido o Campo da
Aclamação como o ponto onde seria erguido o prédio, logo as divergências em relação à
escolha surgiriam. De acordo com Paranhos
134
, a distância em relação à centralidade
urbana do período e os presságios assustadores das recordações ligadas àquela praça
afastavam os compradores das ações colocadas à venda para as despesas da
construção.
135
A segunda, das tensões reveladas por Paranhos, diz respeito à escolha do projeto
sobre o qual se ergueu o Teatro Provisório. Realizado o concurso para a escolha deste,
foram apresentados sete desenhos, sendo escolhido o de um arquiteto alemão
136
. Este
arquiteto, contudo, não quis tomar à frente da construção, nem tão pouco assumir o
risco de realizar a empreitada no exíguo tempo de sete meses, proposto pelos dirigentes
da sociedade responsável pela construção do teatro. Assim, optou-se pelo desenho de
Vicente Rodrigues, um “construtor prático” que assumiu a execução da obra com o
orçamento e a brevidade exigida, ainda se sujeitando à multa de 100$ por cada dia que
excedesse o prazo de entrega.
A escolha do projeto de um “construtor prático” foi ponto de fortes críticas
137
.
101
Logo que findem os três anos dados de antemão ao provisório, o que
se fará dele? Será demolido? Não se me daria apostar que o tal teatro há de
ficar no Campo enquanto durar: – quem viver verá.
139
Não foi preciso viver muito. Em 1854, a despeito de suas condições pouco
adequadas
140
, o teatro assume sua condição definitiva, sendo nomeado Lírico
Fluminense. A precariedade desta sala de espetáculo pode ser medida pelo relato de
José de Alencar, apenas três anos após a fundação:
(...) o Provisório começa de novo a revoltar-se contra a permanência.
Na segunda-feira alguns barrotes do soalho entenderam que, estando
passados os três anos de existência, tinham todo o direito de apodrecerem e
partiram-se. E assim o fizeram, dando ao governo e à empresa um grande
exemplo de exatidão e lealdade no cumprimento dos contratos. A polícia,
que assistiu ao fato, registrou-o, e, como o soalho estava no seu direito,
assentou que seria uma violência inaudita o contrariá-lo. Vejam que respeito
se vota entre nós à lei dos contratos! Que boa-fé preside às convenções! O
Teatro Provisório pode cair em cima das nossas cabeças, e ninguém tratará
de prevenir semelhante desastre; porque enfim o edifício só tem obrigação
de existir três anos e estes três anos estão concluídos. Assim, pois, estamos
bem servidos de teatros líricos; um está em projetos, o outro em ruínas.
Veremos quem ganha a aposta: se o novo se constrói antes do velho cair.
141
O novo nunca foi construído e o velho manteve-se ainda por muitos anos em
funcionamento, apesar das ameaças que podia representar a seu público, oriundo das
mais abastadas classes sociais. Na verdade, somente em 1857 o Governo toma medida
efetiva em direção à construção de um grande teatro que pudesse abrigar de maneira
eficaz as representações líricas: a realização de um grande concurso internacional de
arquitetura com a finalidade de construir no Campo de Santana um imponente edifício
teatral.
Segundo Evelyn Lima
142
, o edital lançado em 13 de novembro de 1857 alcançou
enorme repercussão, inscrevendo-se para o certame arquitetos de vários países. No
resultado divulgado em 1859, o vencedor foi o arquiteto prussiano Gustav Waehneldt,
mas seu projeto nunca seria realizado. Desta forma manteve-se o provisório até o abril
de 1875, quando enfim foi demolido.
139
Idem. Ibidem.
140
“Construído sem as regras da arte, este edifício é defeituoso e indigno de servir de teatro em uma
capital. Não deve ser conservado; seria indecoroso para nós deixar viver esse mau edifício. O governo, a
quem pertence esse teatro, deve demoli-lo, erguendo outro, belo, vasto, majestoso, que seja um dos
monumentos que tenha de ornar a cidade do Rio de Janeiro”. MARINHO, Henrique. O teatro brasileiro;
alguns apontamentos para a sua história. Paris/Rio de Janeiro, H. Garnier, 1904 - p. 70-1 e 75.
Disponível em
http://www.ctac.gov.br/centrohistorico/TeatroXPeriodo.asp?cod=62&cdP=19. Acessado
em 6 de agosto de 2007.
141
Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 28 de Abril de 1855.
142
LIMA, Evelyn Werneck. Arquitetura do espetáculo: teatros e cinemas na formação da Praça
Tiradentes e da Cinelândia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000.
102
Com a demolição do Lírico Fluminense, as representações líricas passam a ter
como palco preferencial o Teatro D. Pedro II. Construído em 1871, localizava-se na rua
da Guarda Velha, na região onde hoje fica a rua Treze de Maio. Este teatro, propriedade
de Bartholomeu Corrêa da Silva, em setembro de 1875, através de despacho do
Imperador, passa a ser distinguido com título de Imperial. Vivaldo Coaracy
143
refere-se
a este espaço como o “vasto e feio casarão” que teria durante mais de trinta anos sido
um dos “centros de vida cultural e de comparecimento da sociedade elegante da
cidade”.
Ilustração 4
Teatro Imperial D. Pedro II
Fonte: Funarte. CTAC
Apesar da opinião depreciativa de Coaracy, o Teatro D. Pedro II tinha um
aspecto suntuoso para sua época, sendo descrito pelo Almanaque Laemmert como o
maior teatro da capital:
É o maior teatro da corte, e pode, quanto as suas vastas dimensões, competir
com os maiores teatros da Europa; comporta 2.500 pessoas, inclusive a
orquestra e os artistas cênicos, e tem 40 camarotes de 1ª classe, 40 ditos de
2ª, 426 cadeiras de 1ª classe, 384 ditas de 2ª, 234 cadeiras nas varandas e
500 lugares nas galerias.
144
Curiosamente, o teatro foi construído com a dupla finalidade de servir como
teatro e circo. O piso da platéia era removível, e uma vez retirado transformava-se em
picadeiro para exibições circenses. Em sua longa história, o D. Pedro II viveu
143
COARACY, Vivaldo. Memórias da cidade do Rio de Janeiro. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 1988. p. 130
144
Almanaque Laemmert, 1883.
103
momentos memoráveis como a estréia do maestro Arturo Toscanini à frente de uma
orquestra e apresentações de renomados artistas nacionais e internacionais. Sobreviveu
até o ano de 1935, quando foi demolido.
Percebemos nos dois exemplos de teatros da corte apresentados acima a
reprodução do modelo legado pelo Teatro São Pedro. Edifícios grandiosos, talvez não
em suas concepções arquitetônicas, mas em seus aspectos físicos imponentes e
destacados do cenário urbano nos quais estavam inseridos. Entretanto, o Teatro São
Pedro de alguma forma também influenciaria, através de uma contraposição, a criação
de outros espaços cênicos, de proporções pequenas, mas que rivalizariam com ele na
tentativa de conquistar a preferência das classes sociais mais “distintas”.
O primeiro destes foi o Ginásio Dramático, inaugurado em 1855. Na verdade, o
Ginásio utilizava o espaço físico do antigo Teatro São Francisco, construído em 1832, e
reformado, em 1846, por João Caetano (1808-1863), para abrigar além dos espetáculos
de sua companhia dramática as representações da Companhia Lírica Francesa. Ao
comentar esta reforma, Martins Pena afirmou que o S. Francisco não passava de um
teatro irregular, pois não tinha “a forma e dimensões exigidas nos edifícios dessa
qualidade
145
:
Um grande defeito se notava nesse teatro, e era a sua pouca largura; na sua
forma primeira menos sensível, por isso que havia uma só ordem de
camarotes ou varanda que ia encontrar-se nas paredes laterais: tornou-se
depois extremamente restrita pela necessidade dos corredores que dão
ingresso aos camarotes, cujas ordens superpostas deixavam perceber o
defeito nomeado. (...) O arco do proscênio, sentimos dizer, não tem estilo a
não ser o que lhe prestam as quatro colunas egípcias que figuram sustentá-
lo, e as quais faltam toda a elegância e proporção pela muita altura e pouco
diâmetro que tem.
146
Outra reforma de grande proporção, com a alteração de vários elementos de seu
aspecto físico acontece quando o espaço é batizado com o nome de Ginásio Dramático.
Entre essas alterações destacam-se no seu interior a criação da tribuna imperial e de
mais uma ordem de camarotes no interior da sala. Na sua composição exterior, recebeu
no primeiro pavimento três portas e, no segundo, duas janelas com sacadas, entre
pilastras com capitéis. Nas palavras de Silvia Cristina de Souza, essas mudanças
denotavam a preocupação da administração do teatro com a construção de uma imagem
de distinção social, que entre outros resultados, possibilitaria atrair para o Ginásio um
público específico: o das famílias e senhoras “distintas”.
147
145
PENA, Martins. Folhetins. 25 de setembro de 1846. p. 27
146
Idem. Ibidem.
147
SOUZA. Silvia Cristina. Op. cit. p. 61
104
Entretanto, se a arquitetura acanhada e as poucas dimensões físicas impediam
uma competição mais ampla com o Teatro São Pedro, o Ginásio trouxe em seu bojo um
conjunto de inovações à cena nacional que o elevou a um patamar de destaque entre a
elite intelectualizada da capital. A própria adoção da denominação Ginásio Dramático
representava a nova perspectiva sobre a qual se pretendeu distinguir este espaço dos
demais existentes na cidade
148
. A palavra ginásio deriva do grego, gymnásion,
significando o lugar para os exercícios corporais. O termo sofreu alterações semânticas,
passando a significar também o lugar dos exercícios intelectuais e morais, a escola, etc.
Desta forma, o teatro vinculava-se a uma idéia de espaço educativo, o que prontamente
é compreendido por José de Alencar:
O Ginásio por ora é apenas uma escola; mas uma escola que promete
bons artistas. A sala é pequena; entretanto a circunspeção que reina sempre
nos espectadores, a lotação exata das cadeiras e gerais, a regularidade da
representação, fazem que se passe uma noite agradável, e muito mais
divertida do que no Teatro de São Pedro de Alcântara
.
149
Podemos observar que para Alencar, a proposta educativa do teatro não se
limitava apenas aos artistas envolvidos: já sentia o autor os efeitos da atmosfera
intelectualizada no próprio público que o freqüentava, despertando nestes a
circunspeção necessária para o perfeito entendimento e elevado entretenimento que uma
gente culta e educada podia alcançar. Nesta mesma perspectiva, outros literatos, como
Machado de Assis e Quintino Bocaiúva, distinguiam o Ginásio como o espaço da
inovação, e celebravam os resultados em relação a seu público, que forçosamente
pretendiam divulgar.
150
Como os teatros Lírico e S. Januário, o Teatro Ginásio também não resistiu às
mudanças urbanas sendo desativado em 1884. Em comum esses espaços dividiram, até
o decênio de 1860, as atenções do Governo e a disputa pelo público socialmente
distinto, o que marcaria sua existência social na capital do Império. A atuação do
Governo era concretizada nas subvenções que, até 1868
151
, viabilizavam não somente a
148
De acordo com Evelyn Werneck Lima, a opção do termo Ginásio estaria vinculada à existência, em
Paris, do Teatro Gymnase Dramatique, espaço que a partir de 1830 seria palco das encenações de peças
realistas de autores franceses, o que seria também a opção estética do Ginásio Dramático. LIMA, Evelyn
Werneck. Arquitetura do espetáculo. P. 75
149
Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 22 de abril de 1855.
150
Silvia Cristina de Souza argumenta ser impossível que em tão pouco tempo pudesse se mudar toda
uma série de comportamentos e condicionamentos sociais incorporados ao longo de vários anos. Baseia
sua argumentação em relatos da imprensa sobre a ocorrência de incidentes envolvendo polícia e platéia,
em conseqüência de balbúrdias nos teatros, que “não deixavam de fora nem o Teatro Lírico considerado
o reduto finesse fluminense da época”. SOUZA, Silvia Cristina Martins. Op. Cit. p. 62-63.
151
Somente os teatros S. Pedro e Provisório receberam subvenções permanentes do Governo. Os teatros
S. Januário e Ginásio receberam subvenções em determinados períodos ao longo de seu funcionamento.
105
manutenção de seus prédios como a contratação de artistas e companhias responsáveis
pelas representações realizadas.
É certo que o público que freqüentava os teatros deste período era heterogêneo.
Podemos tanto encontrar indicações da presença do Imperador no Teatro S. Januário,
como a presença de “dorotéias” no teatro Ginásio Dramático
152
. Entretanto, a conquista
de uma marca de distinção, representada na freqüência de cidadãos ilustres e das
senhoras de família, poderia garantir o sucesso desses espaços. A opulência e o
conforto, condições básicas para atrair a atenção deste tipo de público, podiam ser
substituídos, como no caso do Ginásio, pela aceitação por parte da elite letrada, o que
garantia a este teatro a projeção de uma imagem ligada a termos como civilização,
modernidade e inovação.
Desta forma, freqüentar um espaço assim qualificado, mesmo sendo este
desprovido das condições de conforto e luxo pertinentes, era estar de acordo com todo o
imaginário construído em torno dele. Apenas três meses após a inauguração do Ginásio,
José de Alencar comemorava a aristocrática composição de seu público:
Ia-me esquecendo dar-vos notícia do vosso pequeno teatro, do vosso
protegido, minhas belas leitoras. Se soubésseis como vos agradece a
bondade que tendes tido em animá-lo, como se desvanece pelo interesse que
vos inspira!
Agora já não é somente um pequeno círculo de homens de bom gosto
que aí vai encorajar o seu adiantamento e aplaudir aos seus pequenos
triunfos. Na balaustrada dos seus camarotes se debruçam as senhoras mais
elegantes, as moças as mais gentis dos nossos aristocráticos salões.
153
Se o Ginásio surgiu na capital como um rival à altura do São Pedro, no decênio
de 1870 ele inspiraria a construção de um outro espaço cênico, o Teatro São Luiz.
Inaugurado em 1870 pelo ator Furtado Coelho, localizava-se exatamente ao lado do
Ginásio Dramático e pretendia rivalizar com este, na sedução de um público distinto.
Nesta disputa, Furtado Coelho lançou mão de dois artifícios: o repertório similar ao
praticado no Ginásio e de certo aprimoramento na sua opção arquitetônica.
Possuía, como podemos observar na gravura abaixo, publicada no periódico
Vida Fluminense em janeiro de 1870, uma fachada voltada para a rua do Teatro,
obedecendo aos padrões estéticos do estilo neoclássico.
152
SOUZA, Silvia. Op. cit. p?
153
Correio Mercantil, 8 de julho de 1855.
106
Ilustração 5
Teatro São Luiz. Rio de Janeiro
Fonte: Vida Fluminense. 08 de janeiro de 1870. nº. 106
Além de publicar a gravura do novo teatro, o periódico descrevia a reação do
público às instalações deste:
107
em seu aspecto físico a forma de teatro, mas com suas encenações de operetas e cenas
francesas, sedimentou-se na capital como espaço privilegiado deste repertório.
155
Ao lado do aspecto musical, com a introdução definitiva ao gosto pela música
ligeira francesa, cançonetas e cancãs esfuziantes, o Alcazar promoveu uma revolução
nos costumes, tendo sido alvo das mais calorosas críticas, que qualificavam este espaço
tanto como uma ameaça ao bom gosto musical como à construção da moralidade
pretendida pela elite letrada. França Junior, em folhetim publicado no Correio Mercantil
em 20 de julho de 1868, resume os “malefícios” desta instituição:
Como moralistas que somos, sem querermos ter todavia a pretensão
de pregar moral, não vamos também ao tal teatro francês; porque se
Offenbach está matando a música, as tais étoiles estão destruindo o que
nossos pais com tanto sacrifício construíram – o edifício da moralização.
156
Machado de Assis também promoveu uma verdadeira campanha contra o
Alcazar atacando os desvios de conduta moral vivenciados neste espaço. No período de
27 de março a 10 de abril de 1864, publicou na Semana Ilustrada uma série de cartas
sob o pseudônimo de Dr. Semana, onde questionava a permissividade do ambiente, e,
sobretudo, sua (do Alcazar) oposição à idéia de um teatro movido por uma missão
social: a educação moral da nação.
Embora críticos do Alcazar, tanto Machado como o literato França Junior se
rendiam aos encantos da diversão proporcionada pelo espaço, e principalmente aos
encantos da atriz francesa Aimée
157
. Machado de Assis imortalizou a atriz, ao se referir
a esta com a memorável descrição de “demoninho louro”
158
, enquanto França Junior
afirmava, em 1867, que para ele só restavam duas distrações: o Alcazar e a Câmara dos
Deputados, mas ao teatro da Rua da Vala só ia a soirées particulares, quando “o cancan
de Mlle. Aimée é mais inocente”.
159
155
Antes do Alcazar, o público da capital do Império já teria desfrutado do contato com a música
francesa, principalmente através da Companhia Lírica Francesa sediada no teatro de São Januário,
contratada por João Caetano em 1846. Com a reforma do Teatro São Francisco, empreendida por este
empresário, a companhia transfere-se para esse teatro em dezembro do mesmo ano. Martins Pena, em seu
folhetim publicado no Jornal do Comércio no dia 19 de dezembro de 1846, noticiava: “Efetuou-se, como
havíamos anunciado, a mudança desta companhia (Companhia Lírica Francesa) para o Teatro de S.
Francisco”. PENA, Martins. Folhetins. Op. cit. p. 93.
156
Correio Mercantil. 20 de julho de 1868. FRANÇA JUNIOR, José Joaquim de. Políticas e costumes –
folhetins esquecidos (1867-1868). Organização: R. Magalhães Júnior. Rio de Janeiro: Editora Civilização
Brasileira, 1957. p. 278
157
Aimée encantava os freqüentadores do Alcazar com suas performances, que incluíam participações em
operetas de Offenbach. Chegou ao Rio de Janeiro em 1864 e regressou à Europa em 1868.
158
Machado de Assis descrevia Aimée como um demoninho louro, uma figura leve, esbelta, graciosa,
uma cabeça meio feminina, meio angélica, uns olhos vivos, um nariz como o de Safo, uma boca
amorosamente fresca, que parece ter sido formada por duas canções de Ovídio”. Apud. SOUZA, J.
Galante. O teatro no Brasil. Tomo I. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1969. p. 223
159
Correio Mercantil. 11 de agosto de 1867. FRANÇA JUNIOR. Op. Cit. p. 89
108
Ao lado dos literatos citados, havia uma lista considerável de homens ilustres
que freqüentavam o Alcazar, incluindo nomes representativos da política nacional,
como o Barão de Cotegipe, o conselheiro Silveira da Mota, o Barão de Rio Branco, o
Conde de Porto Alegre, Gaspar Silveira Martins, entre outros
160
. Ao lado desta
expressiva presença da elite imperial juntavam-se diferentes tipos, oriundos das mais
diversas origens sociais, compondo a heterogeneidade que marcava o público deste
espaço.
De acordo com Fernando Mencarelli
161
, o Alcazar refletia ao mesmo tempo o
gosto afrancesado das elites locais e a demanda por divertimento gerada pela população
heterogênea que se instalava na cidade em processo de modernização. Desta forma,
observa o autor, o Alcazar consolidava na capital do Império uma visão do espetáculo
como divertimento urbano.
Esta visão, completamente em desacordo com o projeto educativo e moralizante
dos literatos, teria enorme influência nos espaços de práticas dramáticas surgidos após o
Alcazar, como podemos observar neste relato de Joaquim Manuel de Macedo:
Maligna foi sob todos os pontos de vista a influência do Alcazar, venenosa
planta francesa que veio medrar e propagar-se tanto na cidade do Rio de
Janeiro. (...)
O Alcazar determinou a decadência da arte dramática e a depravação do
gosto. O Alcazar francês propagou o seu veneno em Alcazares de maculada
língua portuguesa, que se foram chamando - Jardim de Flora, Cassino (...) e
outros mal chamados teatros.
162
Assim, para Macedo, o Alcazar, com sua influência “epidêmica, perniciosa,
palustre”
163
, marcaria de maneira indelével a existência dos teatros surgidos no final
do decênio de 1860. Exageros a parte, é certo que a opção do teatro-musicado, do
espetáculo como entretenimento, foi a marca que distinguiria esses espaços na
sociedade da capital do Império. Além da opção estilística, um outro elemento pode ser
agregado, o do aspecto físico simples e despojado que inscrevia com sua presença
outros significantes na vivência urbana fluminense.
Joaquim Manoel de Macedo refere-se, na citação acima, diretamente aos teatros
Jardim de Flora, depois nomeado Phênix Dramática, e ao Cassino, conhecido anos
depois como Teatro Santana. Esses espaços privilegiavam, usando ainda os termos de
160
Apud. SOUZA, J. Galante. Op. Cit. p. 223
161
MENCARELLI, Fernando Antonio. A voz e a partitura: teatro musical, indústria e diversidade
cultural no Rio de Janeiro (1868-1908). Tese de doutorado. Campinas: Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2003. p. 17-18
162
MACEDO, Joaquim Manuel de. Memórias da Rua do Ouvidor. Brasília: Editora UnB, 1988.
163
Idem. Ibidem.
109
Macedo, “as indecências da cena corrompida com o recurso de dramas fantásticos e
mágicos”.
164
O teatro Jardim de Flora, também conhecido como Francês das Variedades, foi
fundado em 1866, sendo localizado na Rua da Ajuda, 57, nos jardins do Hotel Brisson.
Anteriormente, este mesmo espaço era ocupado pelo Teatro Eldorado, inaugurado em
1863. Mas foi em 1868, sob a denominação de Phênix Dramática que este espaço
ocupou uma posição de destaque na cena dramático-musical da capital. Esse processo
iniciou-se com as representações das paródias do ator Vasques, das mágicas e operetas
de Henrique Alves de Mesquita, e com a profunda relação deste espaço com a
companhia do empresário Jacinto Heller, responsável por bem sucedidas produções do
teatro musicado nacional.
Existem poucas informações sobre o seu aspecto físico. Por sua localização nos
jardins do Hotel Brisson, não possuía uma fachada externa, sendo de pequena dimensão,
como podemos observar na descrição existente no Almanaque Laemmert de 1883:
É campestre e tem 12 camarotes, 368 cadeiras, 40 galerias nobres e 500
lugares nas galerias gerais. Preços: camarotes 12$, cadeiras e galerias nobres
2$, galeria geral ou entrada geral 1$500.
Silvia Cristina de Souza observa que parte do público que freqüentava o teatro
de São Januário, com o desaparecimento deste em 1868, elege o Phênix Dramática
como seu teatro cativo. Como exemplo, cita o caso dos caixeiros que nos últimos anos
da existência do São Januário foram os responsáveis pela sua sobrevivência
165
. A autora
cita o comparecimento em massa desta classe para assistir a um espetáculo que, além de
incluir a representação de uma cena cômica do ator Vasques intitulada O Advogado dos
caixeiros, foi encerrado com a execução do “Hino dos Caixeiros”.
A ligação com o gosto francês também marca o Teatro Cassino, nome pelo qual
ficou popularmente conhecido o Theatro Casino Franco-Brésilien. Fundado em 1872,
nos jardins do Hotel Richelieu, no Largo do Rocio, sendo a entrada para o teatro feita
por um corredor na Rua do Espírito Santo. Não possuía, assim, uma fachada para a rua,
164
Idem. Ibidem.
165
“Até esta data, e contrariando os prognósticos críticos que procuraram isolá-lo em relação às outras
salas de espetáculo da Corte, o teatro de São Januário manteve seu poder de sedução sobre os caixeiros
contando com eles para sua sobrevivência e oferecendo-lhes seu palco como um espaço de negociação
simbólica e de afirmação de diferenças e afinidades que expressavam conflitos vivenciados no cotidiano.”
SOUZA, Silvia Cristina Martins de. O Teatro de São Januário e o “corpo caixeiral”: teatro, cidadania e
construção de identidade no Rio de Janeiro oitocentista. Associação Nacional de História – ANPUH
XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – 2007. Disponível em:
http://snh2007.anpuh.org/resources/content/
anais/Silvia%20Cristina%20Martins%20de%20Souza.pdf. Acessado em 21 de junho de 2007.
110
mas gozava a fama de ser uma sala fresca e agradável, aberta pelos três lados sobre o
jardim que a cercava.
Este espaço foi rapidamente um sucesso de público, movido pelas produções de
mágicas realizadas pelo empresário e ator Antonio Martins. Entretanto, seus
freqüentadores eram apresentados pelo periódico Vida Fluminense, como algo bem
distante das moças aristocráticas e senhoras elegantes de outros teatros:
Na sala há rapazes folgazões, cocotes alambicadas, velhos gaiteiros e russos
endinheirados. Os primeiros riem a bom rir de tudo e de todos; as segundas
são, pela maior parte, candidatas à eleição russa e não poupam trejeitos nem
ademanes para conquistar um votinho; os terceiros encostam-se amuados
para os cantos, ou afogam em cerveja o despeito de se verem fora da cotação
cocotiana; os últimos, porém levam a coisa: a garrafas de champagne, que,
digam lá o que disserem, será sempre a flor em volta da qual adejarão as
abelhas (não sei se são mestras) que estabeleceram nos jardins do Cassino a
sua colméia predileta.
166
Não demorou muito para essa espécie de freqüência se tornar um problema para
o teatro. A associação do espaço com a prostituição, desordens e bebedeiras afastavam o
público apesar das boas encenações ali realizadas. Alguns anos depois de sua
inauguração, o teatro passa por reformulações que teriam seu ápice na mudança de sua
denominação para Teatro Santana, em 1880.
Este processo é retratado com muito humor por Artur Azevedo, na revista O Rio
de Janeiro em 1877:
Eu sou o Cassino. Andava dantes maltrapilho e malcheiroso... cheirava a
angu. As famílias tinham fugido de mim. Os pais não queriam que os filhos
me visitassem. A polícia tinha-me os olhos em cima. Andava por lá, apesar
de tudo isso, o primeiro cômico nacional... Quando, de repente, um homem
limpo enfeitou-me, lavou-me, ensaboou-me, almiscarou-me: as famílias
voltaram, os filhos obtiveram de novo licença dos pais para visitar-me, a
polícia descansou sobre o meu comportamento... Vejam: ando de casaca,
gravata branca, chapéu de pasta... Hein? Que lhes pareço?
Quando em 1880 o teatro é comprado por Pedro Ferreira de Oliveira Amorim,
passando a chamar-se Teatro Santana, seu proprietário tenta revesti-lo de alguma
distinção social. Ainda não apresenta uma fachada para rua – o que só iria acontecer no
século XX, já sob a denominação de Teatro Carlos Gomes, que ostenta até os nossos
dias – mas possuía agora um camarote imperial, camarotes de 1ª e 2ª ordem, varandas e
galerias. Agora o teatro era reconhecido na imprensa como um espaço elegante e
garrido
167
, digno de ser freqüentado pela alta sociedade, como podemos observar
através do periódico Novidades:
166
Vida Fluminense.18 de maio de 1872. nº 229
167
Méssager du Brésil. 25 de junho de 1880. Apud. LIMA, Evelyn. Op. Cit. p. 80
111
O Sant'Anna achava-se repleto: platéia e camarotes ocupados por pessoas da
melhor sociedade; as galerias cheias da gente que de ordinário a freqüenta.
No camarote imperial achavam-se, além de SS. MM. o Imperador e a
Imperatriz, SS. AA. a Sra. Princesa Imperial e o Sr. D. Pedro Augusto e
camaristas de semana. O espetáculo correu na melhor ordem. A atitude do
povo era de todo o ponto, pacífica e cortês.
168
A Rua do Espírito Santo (atual D. Pedro I), que abrigava o Teatro Santana,
surgiria na década de 1880 como o centro do teatro musicado, da boemia. Ao Santana,
agregaram-se os teatros Recreio Dramático, Lucinda e o Variedades, que com seu
repertório de teatro “ligeiro” atraíam grande número de freqüentadores de todas as
categorias e classes.
O teatro Recreio Dramático foi inaugurado em 1877, onde antes funcionava uma
antiga fábrica de sabão, com o nome de Teatro de Variétés. Em 1878, adotou a
denominação de Teatro Variedades; em 1879, era o Brazilian Garden; e finalmente, em
1880, recebeu o nome de Recreio Dramático, tornando-se um sucesso de público, com
as montagens de comédias nacionais, revistas, óperas e Mágicas.
Ilustração 6
Teatro Recreio Dramático.
Fonte: Acervo do CTAv - Centro Técnico Audiovisual Minc, 1910
Este teatro localizava-se ao fundo da estreita Rua Espírito Santo. Pouco se
avistava de sua fachada simples, mas aparentemente tinha uma boa proporção interna,
como podemos observar a partir da descrição contida no Almanaque Laemmert de
1883:
Este bonito teatro campestre tem 16 camarotes, 310 cadeiras e galerias, e
lugares de entrada geral para mais de 500 pessoas. Atualmente nele funciona
uma excelente companhia portuguesa, dando espetáculos todas as noites.
Preços: Camarotes 15$, cadeiras e galerias 2$, entrada geral 1$000.
169
168
Novidades. 16 de julho de 1889.
169
Almanaque Laemmert. 1883
112
De menor proporção era o Teatro Lucinda, localizado no nº 24 da Rua do
Espírito Santo. Construído pelo ator Furtado Coelho, o mesmo do Teatro São Luiz
citado anteriormente, em homenagem a sua esposa, a atriz Lucinda Simões. As
proporções exíguas do teatro renderam comentários na imprensa como este bem
humorado escrito pelo articulista do jornal O Paíz:
Estamos a espera do dia em que o empresário terá de pedir no anúncio que a
população da Corte compareça por partes, por turmas ou frações; pois assim
tudo por junto é impossível acomoda-la; o teatro é pequeno.
170
Entretanto, este detalhe não impediu que o Lucinda fosse um ponto de encontro
de intelectuais e políticos, e o primeiro teatro a adotar a iluminação elétrica, em 1888.
Para não fugir à regra, também teve diferentes denominações, como Teatro Novidades,
no período de 1882 a 1884, e Éden Dramático, em 1888.
O último teatro que viria a colaborar para a consolidação do entorno da Praça da
Constituição (atual Praça Tiradentes) como espaço privilegiado do teatro musicado
surgiu em 1881, com o nome de Príncipe Imperial. Em 1886 era denominado Éden
Fluminense; em 1887, Recreio Fluminense; e finalmente, em 1888, adota o nome pelo
qual seria reconhecido: Variedades Dramáticas.
Estes teatros afastavam-se do modelo de construção neoclássica que por longo
período influenciou a arquitetura dos espaços cênicos da capital. Alguns eram
localizados em jardins de hotéis, não apresentando fachadas externas, outros eram
edificações adaptadas ou construções sem o arrojo esperado em uma casa de
espetáculos. Mas a grande novidade era a adoção do estilo teatro-campestre. Ao redor
dos edifícios simples e despojados, como falamos anteriormente, agregava-se em seu
entorno uma área ao ar livre, um jardim. Este espaço, onde eram servidas bebidas e
refeições era utilizado como área de sociabilidade, colaborando para uma mudança de
hábitos e comportamentos. Se no seu interior a espacialidade ainda era marcada pela
divisão das classes sociais, nos jardins dos teatros-campestres essa divisão se perdia.
Contudo, é importante observar que esta hierarquização da sociedade –
representada em uma espacialidade onde os lugares ocupados podiam indicar sua
posição na pirâmide social – encontra nos teatros-campestres uma disposição mais
simples. Em sua maioria, estes teatros possuíam somente uma ordem de camarotes e de
cadeiras, apontando para uma estratificação menos complexa de seu público.
170
Apud. LIMA, Evelyn. Op. Cit. p. 82
113
Em 1883, o Almanaque Laemmert trazia em suas páginas detalhes sobre a
composição física dos teatros em funcionamento na cidade, distribuída da seguinte
forma:
Tabela 1
Composição interna dos teatros (1883)
Camarotes Cadeiras Galerias
Imperial
Classe
Classe
Classe
Classe
Classe
Varanda
Nobre
(lugares)
Geral
(lugares)
Imperial D. Pedro II
sim 40 40 426 384 234 500
São Pedro
sim 30 27 30 288 244 28 400
Santana (campestre)
sim 18 4 81 129 500
Phênix Dramática
(campestre)
não 12 368 40 500
Recreio Dramático
(campestre)
não 16 310 500
Príncipe Imperial
(campestre)
não 14 465 60 150
Lucinda (campestre)
não 13 306 96 200
São Luiz
não 18 356
150
Fonte: Almanaque Laemmert para o ano de 1883.
Percebe-se que dos oito teatros citados, somente três dispunham de camarote
imperial, o que em si já representava uma marca de distinção, por pressupor a
possibilidade da presença da família Imperial. Entre os teatros-campestres, somente o
Santana possuía, além do camarote Imperial, mais de uma ordem de camarote. Os
outros apresentavam uma espacialidade simples, com poucas divisões internas.
Evelyn Lima observa a precariedade das linhas arquitetônicas destes espaços,
através de inúmeros comentários nos periódicos da época. Segundo a autora, é possível
observar nas entrelinhas das notícias publicadas a relação entre a arquitetura não
elaborada e o público a que se destina, pouco exigente em matéria de conforto e
solidez
171
. Esta afirmação de alguma maneira está em desacordo com vários
trabalhos
172
que apontam para a diversidade social do público que freqüentava esses
espaços. Assim, essa precariedade arquitetônica parece-nos mais vinculada ao estado
efêmero desses espaços, que com rapidez mudavam de arrendatários, eram reformados e
tinham suas denominações alteradas para se adequar ao gosto volátil do heterogêneo
público urbano, como podemos observar nos exemplos expostos na tabela a seguir:
171
LIMA, Evelyn. Op. Cit. P. 80
172
Podemos citar como exemplo os trabalhos de MENCARELLI, Fernando Antonio; SOUZA, Silvia
Martins; já referidos neste capítulo, bem como GOMES, Thiago de Melo. Um espelho no palco:
Identidades sociais e massificação da cultura no teatro de revista dos anos 1920. Campinas, SP: Editora
da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), 2004.
114
Tabela 2
Denominações dos teatros (1863-1888)
LOCALIZAÇÃO DENOMINAÇÃO/ANO
R. da Ajuda, 57
Eldorado
(1863)
Recreio do
Comércio
(1864)
Francez das
Variedades ou
Jardim de Flora
(1866)
Phênix
Dramática
(1868)
Variedades
Dramáticas
(1888)
Phênix
Dramática
(1888)
Rua do Espírito
Santo, 43 e 45.
Variétés
(1877)
Variedades
(1878)
Brazilian Garden
(1879)
Recreio
Dramático
(1880)
Rua do Espírito
Santo, 24.
Lucinda
(1880)
Novidades
(1882)
Lucinda (1884)
115
nivelados os teatros Alcazar, Ginásio Dramático, São Luiz e São Pedro. E na última
categoria, com uma alusão ao gosto fácil do seu público, o Teatro Phênix Dramática.
O Almanaque Laemmert de 1883 também nos permite observar a possibilidade
de acesso a estes espaços através da divulgação dos preços de ingresso cobrados
174
:
Tabela 3
Preços de ingressos dos teatros (1883)
Camarotes
1ª Classe
Camarotes
2ª Classe
Camarotes
3ª Classe
Cadeiras
1ª Classe
Cadeiras
2ª Classe
Galeria
Nobre
Galeria
Geral
São Pedro
15$ 15$ 10$ 3$ 2$ 3$ 1$
Lucinda
15$ - - 3$ 2$ - 1$500
Santana
15$ 12$ - 2$ - - 1$
São Luiz
15$ - - 2$ - 2$ 1$500
Recreio Dramático
15$ - - 2$ - 2$ 1$
Príncipe Imperial
15$ - - 2$ - 2$ 1$
Phênix Dramática
12$ - - 2$ - 2$ 1$500
Fonte: Almanaque Laemmert para o ano de 1883.
Observando os valores mensurados no Almanaque Laemmert, percebe-se uma
diferença pequena entre os preços de ingresso praticados nos teatros mencionados.
Entretanto, chamam a atenção alguns detalhes desta tabela de preços. Detendo-nos
somente nos preços praticados para os camarotes – lugar superior na configuração
interna do teatro – observamos uma equivalência em todos os espaços, com exceção do
Phênix Dramática. Se nos detivermos somente nos preços tarifados para as cadeiras –
116
da produção a ser realizada. Entretanto, Artur Azevedo, em sua revista O Rio de Janeiro
em 1877, oferece uma perspectiva sobre este aspecto:
Eu sou o teatro Pedro II, o teatro dos extremos, ou o circo dos saltimbancos,
ou a sala da grande ópera. Este ano apareceu por lá uma novidade: as
ocarinas sopraram muito, mas não assopraram o público. Depois vieram
Fuci, Roles e Mendoros, artistas de primo cartello. Grandes espetáculos a
quarenta mil réis por camarote! (grifo nosso) Lindas óperas, Fausto,
Trovador, Aída... Vocês não vieram a Aída?
176
Quarenta mil réis por camarote! Parece soar como mais uma sátira de Artur
Azevedo, mas através de Machado de Assis percebemos que talvez esse valor não fosse
assim tão exagerado. Em 15 de setembro de 1876, nas crônicas intituladas História de
quinze dias, Machado reclama dos valores cobrados pela companhia lírica: “Cadeiras a
40 bicos! Camarotes a 200 paus!”. Em 26 de julho de 1883, agora nas crônicas
intituladas Balas de estalo, publicadas na Gazeta de Notícias, o autor informa: “Nem
todos terão treze mil-réis para dar por uma cadeira do Teatro Lírico. Eu tenho cinco;
faltam-me oito. Podia ir ao Teatro São Pedro onde a cadeira custa menos”.
Desta forma, podemos observar que se o acesso às representações líricas era
limitado à classe de alto poder aquisitivo, por conta dos valores cobrados de seus
ingressos, entre os demais teatros mencionados este dado não seria fator impeditivo.
Lílian Schwarcz nos informa que um bom almoço na corte custava entre 1$500 e 2$000
réis, e um mais modesto ficava em seiscentos
177
. Assim, notamos que outros fatores,
além dos preços praticados nestes espaços, podiam ser determinantes na escolha do
público.
Evelyn Lima
178
afirma que os edifícios teatrais construídos no final do século
XIX tinham uma identidade própria, tendo a arquitetura praticada um papel
identificador no sentimento do público, talvez tão significativo quanto o papel do
repertório ou dos artistas que se vinculavam a estes. Sob esta perspectiva, não é difícil
imaginar que a escolha do público sobre qual teatro freqüentar pudesse estar
diretamente ligada a sensação de pertencimento ao espaço escolhido. Desta forma, é
possível inferir que parte da heterogênea população da capital do Império que não se
encaixava nos espaços rígidos, hierarquizados, encontrava nos teatros-campestres o
espaço público para sua sociabilidade.
176
AZEVEDO, Artur. Teatro de Artur Azevedo - Tomo 1. Instituto Nacional de Artes Cênicas- INACEN.
V. 7: Coleção Clássicos do teatro Brasileiro.
177
SCHWARCZ, Lílian. As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. p. 107
178
LIMA, Evelyn. Op. Cit. p. 85
117
Voltemos ao início deste capítulo, quando colocamos alguns pontos sobre os
quais observaríamos os teatros da capital do Império. O primeiro destes pontos era
entender a relação entre os teatros-monumentos edificados em várias partes do Império
e os aqui construídos. Outro ponto importante era observar as relações destas
edificações com o processo de transformação urbana da capital, que perdia suas feições
de vilarejo e assumia uma feição de metrópole.
Esta transformação urbana por sua vez estava carregada de significantes, e
expressava a alteração dos códigos convencionais de uma civilização agrária, de seus
limites institucionais e públicos que dela derivavam. Tratava-se, pois, de questionar a
cultura constitucionalista e a ação política que havia tornado possível a manutenção de
diferentes segmentos da classe senhorial, e a própria experiência urbana que havia
servido de moldura a esta.
Por fim, lançamos a pergunta sobre qual seria a imagem a ser refletida pelos
teatros da capital construídos ou reformulados a partir do decênio de 1870. Talvez não
seja possível uma única resposta, mas no caminho percorrido até este momento algumas
considerações talvez sejam necessárias.
A consideração inicial diz respeito às opções arquitetônicas realizadas nas
edificações desses teatros. Basicamente poderíamos definir duas vertentes que se
solidificaram na capital do Império. A primeira estava relacionada ao modelo
neoclássico estabelecido pelo Teatro São Pedro. Este modelo se encaixava
perfeitamente à moldura urbana construída por uma sociedade senhorial, fortemente
hierarquizada e sustentáculo de um poder fortemente centralizado. Reproduzia em sua
espacialidade interior as rígidas divisões que marcavam esta sociedade, e em seu
aspecto externo grandioso impactava o espaço público com a presença monumental de
seus ideais de modernidade e civilização.
A segunda vertente estava relacionada a um modelo inverso ao da primeira,
vinculado ao despojamento e simplicidade do edifício teatral, com uma espacialidade
interna não elaborada e poucas divisões visíveis. A este aspecto juntava-se a
característica campestre que estes espaços exploraram. Com a presença de jardins no
entorno desses edifícios, toda uma gama de comportamentos e hábitos são revistos e
novas possibilidades de sociabilidade são geradas a partir do deslocamento da função
original desses espaços. Agora, além do espetáculo, esses teatros também oferecem uma
área para interlocução, refeições e bebidas.
118
Precisamos também considerar sobre o crescimento populacional da capital do
Império, que se traduzia em uma heterogeneidade nunca antes vivenciada. Desta
forma, diversos segmentos sociais que não se encaixavam nos espaços rígidos,
hierarquizados, nem tão pouco nas propostas intelectualizadas que transformavam os
teatros em escolas de moral e bons hábitos, substanciaram a criação de espaços que
pudessem atender as suas demandas. A população urbana descobria o prazer do teatro
como entretenimento, como possibilidade de expressão de seu cotidiano, como lugar
de ouvir sua própria voz, e, sobretudo, através das trocas de experiências e
interlocução, como um espaço propício a ampliação de sua existência social.
A última consideração necessária diz respeito à convivência desses modelos
arquitetônicos até o final do Império. Ou seja, o surgimento de um modelo não levou
ao desaparecimento de outro. O São Pedro, símbolo maior da experiência urbana
senhorial manteve-se ao lado dos teatros-campestres, formando perfeita moldura à
heterogeneidade que marcava a população da capital imperial.
Deste modo, não é possível mais pensar em um espelho somente. Agora são
vários os espelhos que refletem esta incrível polifonia social que marca os últimos
anos da cidade do Rio de Janeiro como capital do Império.
119
2.4 As Sociedades e Clubes Musicais
Em 23 de fevereiro de 1851, no Jornal do Comércio, José Maria da Silva
Paranhos comentava sobre as numerosas sociedades de baile, dança, musica e drama
que existiam naquele período na cidade do Rio de Janeiro. Citava as sociedades de
baile, como as do Cassino Fluminense, Cassino da Floresta, Recreação Campestre,
Recreação Brasileira, Terpsícore, Lísia, Paraíso, Uliséa, Sílfide, Nova Eleusina,
Vestal, Fidelidade, Filo-Euterpe, Assembléia Familiar Fluminense e Amante do
Recreio; sociedades dramáticas, como a Academia Dramática Niteroiense,
Melpomene, Recreio do Comércio e Recreio Botafogo; e as sociedades de música,
Filarmônica e Euterpe.
179
Em 1885, associações deste tipo ainda proliferavam de tal maneira na cidade,
que Machado de Assis sob o pseudônimo de “o cronista Lélio”
180
, dizia que não havia
“rua digna deste nome, que não possuísse uma ou duas sociedades de música como o
Clube Terpsícore, a Sociedade Musical Prazer da Glória ou o Clube Politécnico com
seus saraus dançantes”
181
. Em espaços como o Cassino Fluminense, diz o cronista, a
alta sociedade se reunia para ouvir a música dos grandes mestres, em momentos
sublimes marcados pela sensação do belo e do gozo.
No transcorrer do Império, as sociedades e clubes de música iriam marcar
profundamente a prática musical do século XIX. Além de oferecer um espaço de
sociabilidade destacado, onde se reunia seleto grupo da sociedade, viabilizava a
convivência de músicos amadores com os que exerciam profissionalmente esta
atividade. Estes seriam também os espaços onde novos musicistas sedimentariam suas
carreiras. Não pertencentes ao círculo que envolvia a Capela Imperial e o
Conservatório de Música e o teatro, alguns deles tornar-se-iam personalidades
influentes no meio musical, na passagem da Monarquia para a República.
Foi durante o século XIX que a prática dos concertos públicos tomou forma,
saindo do ambiente palaciano e privilegiando o repertório instrumental. Neste
processo, destaca-se a atuação das “sociedades musicais”, que, organizadas por
179
Jornal do Comércio. 23 de fevereiro de 1851. In: PARANHOS, José Maria da Silva. Cartas ao amigo
ausente. Rio de Janeiro: Instituto Rio Branco, 1953. p. 51
180
Apud. BORGES, Valdeci Rezende. Em busca do mundo exterior: sociabilidade no Rio de Machado de
Assis. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n° 28, 2001.
181
Idem. ibidem
120
músicos e apadrinhadas por nomes distintos da sociedade local, tiveram papel
fundamental na divulgação e acesso à música orquestral e de câmera.
182
Embora as origens das sociedades musicais remontem ao século XVIII, é em
1805 que o Allgemeine Musikalische Zeitung divulga com comentários e elogios as
normas da recém-formada Musikalische Gesellschaft de Varsóvia, revelando o que
parecia ser o esquema ideal para uma organização musical deste tipo:
Devia haver membros – músicos amadores que, como cantores ou
instrumentistas, tomariam parte nos concertos (a recusa a tocar ou cantar
quando isso fosse solicitado devia ser considerada como o equivalente a
um aviso de afastamento) – e membros honorários que não participariam
da direção da sociedade, mas que teriam prioridade com as assinaturas dos
membros; os membros integrais pagavam 1,5 táler por mês, e os membros
honorários 1 táler. A sede da sociedade tinha uma sala de concertos, salas
para reuniões e relaxação e uma biblioteca com livros e periódicos sobre
música. O simples pagamento de uma subscrição tornava alguém membro
honorário, mas os candidatos a membros tinham de submeter-se a uma
prova para demonstrar à sociedade os seus valores como futuros
executantes. (...) A subscrição era bastante barata a fim de permitir
ingresso de membros de todas as classes sociais; os dois diretores
musicais, com um mestre de coro e um professor de canto, eram músicos
profissionais empregados pela sociedade.
183
Este esquema influenciaria a sistematização das sociedades musicais no
mundo inteiro, inclusive as do Brasil. De acordo com Cristina Magaldi
184
, no Rio de
Janeiro estas organizações eram comumente baseadas em um sistema de membros
associados; contratavam professores de música e diretores musicais entre os mais
reconhecidos instrumentistas da cidade e eram gerenciadas por um quadro de
dirigentes formado por aristocratas e novos-ricos. Este tipo de organização já era
observado pela primeira das grandes sociedades de música instituídas na capital do
Império, a sociedade Filarmônica.
A data de início das atividades desta sociedade é controversa. Ayres de
Andrade
185
afirma que o ano de fundação da Filarmônica teria sido 1834 ou mesmo
antes, pois, em 24 de agosto deste ano Francisco Manuel da Silva era nomeado
regente da orquestra da sociedade. Entretanto, em vários anúncios da sociedade
182
Um bom exemplo disso é o relato que nos faz Henry Raynor sobre o surgimento da Filarmônica de
Viena, um dos mais tradicionais organismos orquestrais de nossos tempos. Henry Raynor afirma que
somente em 1842 foi possível, em Viena, a realização de concertos profissionais, quando o Kapellmeister
da Ópera Imperial, Otto Nicolai, realizou um concerto em favor das viúvas e órfãos de membros finados
desta instituição. Entretanto, somente em 1860, a orquestra da Ópera Imperial obteve permissão para a
realização de concertos regulares, embora ainda limitados aos dias de que não houvesse funções de ópera.
Surgia, assim, a Sociedade Filarmônica de Viena, reconhecida em nossos dias como uma das mais
importantes orquestras do mundo.
183
Idem. Ibidem. pp. 365-366
184
MAGALDI, Cristina. Music for the Elite: musical societies in Imperial Rio de Janeiro. In: Revista de
Música Latino-americana. 1995, Vol. 16, nº. 1. pp. 1-41.
185
ANDRADE, Ayres de. Francisco Manuel da Silva e seu tempo. Op. Cit. pp. 177
121
publicados no Almanaque Laemmert
186
, como no ano de 1851, lê-se que a sociedade
foi “instalada no dia 24 de agosto de 1835”. Em seus concertos mensais, realizados
nos salões de sua sede, cada sócio recebia um convite extensivo à sua família, sendo
restrito o número de convites extras a que cada um tinha direito. O acesso a estes
convites era vinculado à aprovação de uma comissão especialmente destinada para
esta finalidade.
187
Esta sociedade, segundo Araújo Porto Alegre, apesar dos sacrifícios e do amor
à música de seus sócios, não resistiu ao avanço das encenações líricas na capital
188
.
Em 1851 encerrou suas atividades, para somente ressurgir quinze anos depois com a
denominação de Sociedade Filarmônica Fluminense. A receptividade às
apresentações realizadas pela Filarmônica nesse período parece ter sido intensa, como
relata o periódico Vida Fluminense, em 1870, sobre um concerto que reunia duas
atrações: trechos da ópera O Guarany, de Carlos Gomes, e a presença do Imperador e
sua família:
O Sr. Moutinho – a quem deve a Filarmônica a sua crescente prosperidade
– não era procurado para se lhe pedirem, com o sorriso nos lábios, os
cartões de ingresso: exigiam-lhos desta vez, punham-lhe uma pistola ao
peito; e alta noite, ao entrar em casa, ao entrar em casa, via-se o digno
presidente assaltado por alguns indivíduos de má cara e piores bigodes,
que, longe de empregarem o rifão [sic] do salteador a bolsa ou a vida,
diziam-lhe em voz cavernosa, um convite, ou era uma vez o sustentáculo
da Filarmônica!
Os sócios cujo número tem crescido prodigiosamente, e as respectivas
famílias enchiam por tal forma o salão principal, as salas adjacentes, a
escada e o vestíbulo que, se um alfinete caísse do teto só tocaria o chão
após porfiada luta entre panos, rendas, gazes e filós. O aspecto da casa
era, pois, imponente, e mais imponente se tornava ainda perante a
curiosidade que pairava no rosto de todos, e a ânsia com que se esperava o
começo da festa.
189
Ao lado da Filarmônica, outras sociedades como a Campesina, o Clube
Fluminense e o Cassino Fluminense, contribuíam para a construção do hábito da
realização de concertos na capital. Ofereciam concertos ou saraus de forma regular,
semanalmente ou mensalmente, em ocasiões que podiam incluir, além de
186
Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para
o anno de 1851. Organizado e Redigido por Eduardo Laemmert. Rio de Janeiro: Eduardo e
Henrique Laemmert, 1851.
187
MAGALDI, Cristina. Op. Cit. p. 6
188
A Filarmônica foi uma filha necessária, que engrandeceu, brilhou e adornou a sua época enquanto
não preencheu a sua missão; porque o gosto da música se generalizou e reapareceu a necessidade do
teatro italiano e se formaram espetáculos líricos, a sua queda era inevitável. Os sacrifícios dos sócios
eram todos por amor da música, eram todos por esta necessidade que devia minorar com a presença dos
espetáculos líricos e suas diárias representações”. Apud. ANDRADE, Ayres de. Francisco Manuel da
Silva e seu tempo. Op. Cit. pp. 178-179
189
Vida Fluminense. 24 de setembro de 1870. nº. 143
122
performances musicais de canto e música instrumental, leituras de poemas e
encenações de peças teatrais curtas. Após as exibições artísticas, eram oferecidos
jantares, chá, biscoitos e bebidas ao que se seguia um baile até as altas horas da noite.
Ilustração 7
Concerto em favor da família do finado Francisco Manuel da Silva,
na noite do dia 1º de dezembro de 1871.
Fonte: Vida Fluminense. 23 de Dezembro de 1871
Em 1867, um grupo de jovens diletantes reunidos no Hotel Provenceaux
fundou o Club Mozart
190
, que se tornaria junto com o Club Beethoven, fundado em
1882, referência na prática de concertos orquestrais e de câmera no Brasil. Sua
finalidade, de acordo com seus estatutos de 1868, era “o culto e o desenvolvimento da
música vocal e instrumental”.
191
Como na Musikalische Gesellschaft de Varsóvia, seus sócios se dividiam em
categorias: sócios prestantes, que pagavam somente a taxa de entrada, mas que
deveriam saber música e participar nas atividades promovidas pelo Club; sócios
contribuintes, que deveriam pagar uma taxa de admissão no valor de 10$000, além de
190
Diz Cernicchiaro: “Fu nel 1867 che um gruppo di giovani dilettanti, in un bel pomeriggio dopo um
lauto pranzo all’ Hotel Provenceaux, fondare il nominato Club, coll’intento di coltivare la musica.”
CERNICCHIARO, Vincenzo. Storia della musica nel Brasile: daí tempi coloniali sino ai nostro giorni,
1549-1926. Milano: Fratelli Riccioni, 1926. p. 544
191
Estatutos do Club Mozart no Rio de Janeiro. 1868. Rio de Janeiro: Tipografia Perseverança, 1868.
Capítulo I Artigo 3º.
123
adquirir assentos nos concertos mensais no valor de 5$000; sócios beneméritos, que
deveriam contribuir com uma soma substancial, nunca menor que 500$000, além do
compromisso de trazer pelo menos trinta novos sócios
192
. Outra categoria era a dos
sócios honorários, título oferecido pelo club a artistas de reconhecido mérito.
A entrega dos títulos de sócios honorários era realizada em grande evento que
mobilizava os associados e o público geral, e merecia destaque na imprensa local:
Não despreza a atual diretoria do Club Mozart o ensejo de tornar-se
credora dos louvores da imprensa. Se um artista notável aporta às nossas
plagas hospitaleiras, recebe horas depois o diploma de sócio honorário e
um convite especial para assistir aos saraus daquela sociedade; se dentre
os seus membros algum se distingue por qualquer ato meritório, não
olvida ela a necessidade de galardoar quem assim contribui para o seu
progresso e esplendor.(...)
José Heine (o rabequista cego), Mme. Ada Heine
193
e o baixo cômico
Pedro Ferranti tomavam parte do programa, eram acolhidos no meio de
aclamações espontâneas, e recebiam o quinhão da glória respectivo ao
talento especial de qualquer deles; André Grewestein, o atual regente da
oquestra, agradecia comovido a magnífica batuta de prata, que em nome
de todos os sócios do Club lhe fora oferecida na ocasião de começar o
sarau, e bem dizia a hora em que aceitara o honroso encargo de dirigir a
parte artística de uma associação que sabia aquilatar os seus esforços por
forma tão digna, quão adequada.
194
Desta forma, ao ungir com sinais de distinção artistas de reconhecido talento, o
Club Mozart criava em torno de si a áurea de detentor do poder de consagração. Nesta
ação dinâmica, como se refere Pierre Bordieu, a instituição se reveste de distinção ao
promover a consagração dos artistas, tornando-se detentora do poder de definição
entre arte e não arte, entre artistas que merecem ser expostos publicamente como tal, e
os outros, que nas palavras de Bordieu, seriam “devolvidos ao nada pela recusa do
júri”.
195
Nesta estratégia, cabe também a redescoberta ou reavaliação de artistas e suas
obras. Em 1871, o Club Mozart realiza um grande concerto em homenagem a
Henrique Alves Mesquita. Este artista, de reconhecido mérito, não gozava das graças
do Imperador, como veremos em detalhes no próximo capítulo, o que limitava sua
atuação a espaços menos “dignos”. Por esta ocasião, foram oferecidos ao compositor
192
MAGALDI, Cristina. Op. Cit. p. 9
193
“Se trataba del virtuoso ciego Josef Heine y de su mujer, pianista acompanante Ada Heine, que
actuaron tambien en Rio de Janeiro, Montevideo y Buenos Aires.” LANGE, Francisco Curt. Los
conjuntos musicales ambulantes de Salzgitter y su propagacion en Brasil y Chile durante el siglo XIX. In:
Latin American Music Review / Revista de Música Latinoamericana, Vol. 1, No. 2 (Autumn - Winter,
1980), pp. 213-252
194
Vida Fluminense, 3 de setembro de 1870. n° 140.
195
BORDIEU, Pierre. As regras da arte. Op. Cit. p. 260
124
objetos de valor material repletos de significados, bem como realizaram a execução
de uma de suas obras mais representativas:
É como disse França Junior no seu primoroso folhetim do Jornal da
Tarde, os membros daquela sociedade, tomados de admiração e simpatia
por Henrique Alves de Mesquita, foram desencavar da poeira do
esquecimento a pérola mais luminosa do diadema do artista; e a ópera O
Vagabundo, cujas harmonias soavam ainda em nossos ouvidos como
murmúrios de uma harpa eólia, ressurgiu em todo brilho do seio protetor
daquela plêiade de distintos amadores.
É que as ovações justas que se fizeram ao talentoso maestro, distinguindo-
se entre elas a oferta de uma pena de ouro e de um álbum com capa de
veludo carmezim enfeitado nos cantos com ornatos de ouro e tendo no
centro uma lira cujas cordas são entrelaçadas por um ramo de louro
(trabalho artístico devido à perícia do Sr. Valentim) haviam por tal forma
interessado os verdadeiros amadores do belo que nem um só deles
desejava perder o ensejo de assistir a esse sarau esplendido, de que tantas
maravilhas se esperavam.
196
O prestígio conquistado pelo Club Mozart pode ser observado através dos
anúncios do Almanaque Laemmert. Em 1874, anunciava já possuir cerca de 400
sócios, entre os quais perto de cem amadores; em 1875, este número é de 500 sócios,
entre os quais 150 amadores. Divulgava também que anualmente eram dados de
quatro a seis grandes concertos, quase sempre com assistência da família Imperial
197
,
e que seus salões eram franqueados aos sócios todos os dias das 6 às 12 horas da
noite, para todos os divertimentos concebidos nos estatutos
198
. Entre seus dirigentes,
agora apareciam nomes de elevada posição social, como Dr. Antonio Agripino Xavier
de Brito, Dr. Francisco Maria Correa de Sá e Benevides, Conselheiro Dr. Antonio
José do Amaral, e artistas como Joaquim da Rocha Fragoso e João Maximiano Mafra.
Cristina Magaldi
199
afirma que os clubes surgidos no Império eram
empreendimentos dirigidos por poucos privilegiados que por seu dinheiro, posição
política ou por status intelectual eram qualificados a se tornar sócios. Esta afirmação
pode levar à falsa idéia de que somente membros de uma elite econômica ou
intelectual estariam aptos a freqüentar e participar das atividades promovidas pelo
Club. É certo que para a sobrevivência da instituição, a aceitação e o acolhimento por
parte da sociedade “distinta” eram fatores necessários; mas em sua origem o Club não
estava vinculado somente a esta particular gama da sociedade fluminense, como
podemos observar na crônica publicada no Vida Fluminense dias antes do primeiro
concerto ali promovido:
196
Vida Fluminense. 18 de Fevereiro de 1871. N° 164
197
Almanaque Laemmert. Anos de 1874 a 1882.
198
Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial para o ano de 1875. Rio de Janeiro: Eduardo e
Henrique Laemmert, 1875.
199
MAGALDI, Cristina. Op. Cit. p. 8
125
A mocidade que, após o trabalho penoso do dia dedica as horas livres da
noite ao estudo consciencioso das belas artes, dá uma prova tal de
sentimentos elevados, que dispensa toda a sorte de comentários. Nem é
intento meu fazê-los aqui. A imprensa, porém não deve deixar
desapercebidas as ações que concorrem para o engrandecimento de um
país; embora seja ainda acanhado o apreço que entre nós se dê as coisas
da arte.
As sociedades de música são o passatempo mais útil e agradável de todos
quanto por aí se vêem; e é para sentir que as tentativas feitas até hoje no
Rio de Janeiro para estabelecê-las solidamente, não tenham sido coroadas
de um resultado brilhante e duradouro.
O luxo matou umas; a intriga ou a inveja deu cabo de outra e todas se
flúaram (sic) sem que delas se colhessem bem maduros os frutos que
prometiam dar.
O club Mozart começou modestamente: começou como devia: a continuar
assim encontrará na própria modéstia os elementos de duração e
estabilidade, que o luxo não pôde conceder às outras sociedades, que o
precederam.
200
A clara citação ao trabalho penoso executado pela “mocidade” que se dedica
à prática musical revela que pelo menos dentro da categoria sócios prestantes, não
encontraríamos nem pessoas ricas, nem de posição política de destaque. O trabalho
penoso não se vincula ao conceito do bourgois gentil-homme, típico da elite brasileira,
como nos informa Emília Viotti da Costa.
201
Magaldi também embasa sua argumentação sobre o Club Mozart ser um
ambiente restrito à elite do Império no fato de seus concertos não serem divulgados na
imprensa, nas colunas dedicadas às atividades de entretenimento
202
. Entretanto, vale
notar que em seus primeiros anos, as atividades do Club eram constantemente
anunciadas e analisadas nas colunas dedicadas às atividades musicais – Assunto de
Várias Cortes e Crônicas Musicais – do periódico Vida Fluminense. Nestes anúncios,
feitos com a antecedência necessária, divulgavam-se os nomes dos artistas envolvidos
e estimulava-se a presença do público em geral nas atividades do Club, como
podemos observar no exemplo abaixo:
Quarta-feira próxima é o sarau musical do Club Mozart. A execução do
programa acha-se a cargo dos sócios honorários Arthur Napoleão, Pedro
Ferranti, Reichert, Domingos Miguel e de vários amadores distintos.
A noite promete, pois, ser uma das mais próprias a registrar nos anais
festivos daquela sociedade.
203
200
Vida Fluminense. 23 de maio de 1868. n° 21
201
Emilia Viotti descreve esse grupo como “empreendedor” em suas ações e “aristocrático” em suas
convicções, variando entre o lucro e a etiqueta, identificados por sua relação com a ordem providencial
católica. Nesta ordem, pontificava o conceito hierárquico e estático de organização de classe,
sacramentando-se as desigualdades sociais. COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República:
momentos decisivos. São Paulo: Editora Grijalbo, 1977. pp. 196 e 219
202
MAGALDI, Cristina. Op. Cit. p. 8
203
Vida Fluminense. 27 de agosto de 1870. n° 139
126
Assim, observamos que estratégias como a vinculação da imagem do Club a
um local privilegiado da sociedade “distinta”, de acesso restrito a seus membros; de
instituição detentora do poder de consagrar, e, portanto, digna de distinção, é
construída paulatinamente no percurso desta associação na vida social da corte. Este
fato pode também ser mesurado nas condições físicas do Club. Até 1870, o club
funcionava em um espaço pequeno e “antigo” que o impedia de apresentar o “caráter
imponente que deveria caracterizar as festas de uma sociedade daquela ordem”
204
.
Mas, em dezembro deste mesmo ano, o Club inaugurava suas novas instalações,
somente comparáveis ao suntuoso Cassino Fluminense
205
, o que seria a garantia de
um “futuro lisonjeiro e brilhante sob todos os pontos de vista”.
206
Ilustração 8
Concerto dado pelo Club Mozart na noite de dez de dezembro de 1870.
Aspecto do salão principal na noite da inauguração.
Fonte: Vida Fluminense, 24 de dezembro de 1870. nº. 156
204
Vida Fluminense. 17 de dezembro de 1870. N° 155
205
Idem. Ibidem.
206
Vida Fluminense. 10 de dezembro de 1870. N° 154
127
A comparação com o Cassino Fluminense não era sem propósito. O Cassino
desfrutava da posição de espaço privilegiado da alta sociedade fluminense, onde se
realizavam concertos, bailes e festas que marcaram um novo período de luxo e de
riquezas na Corte
207
. Deste modo, depois dos salões do Cassino, somente o Club
Mozart podia oferecer um espaço onde as comodidades e o caráter imponente, podiam
ser desfrutados pela parte elegante da sociedade fluminense.
Para o cronista do Vida Fluminense, o Club Mozart “encontraria na própria
modéstia os elementos de duração e estabilidade” que o luxo não pôde conceder às
outras sociedades que o precederam
208
. Este, entretanto, não foi o caminho trilhado
por esta associação. Contudo, ao contrário dos prognósticos, o luxo não a matou:
continuou em atividade até os últimos tempos do Império, ofuscada em seus últimos
anos pelo afamado Club Beethoven.
Sobre o Club Beethoven, quem nos fala é Machado de Assis, que durante
alguns anos serviu como bibliotecário da associação:
Assim como a história política e social têm antecedentes, é de crer
que esta parte da história artística do Rio de Janeiro tenha os seus
também, e quer-me parecer que podemos ligá-la ao quarteto do Clube
Beethoven. Esse clube era uma sociedade restrita, que fazia os seus saraus
íntimos, em uma casa do Catete. Nada se sabendo cá fora senão o raro que
os jornais noticiavam. Pouco a pouco se foi desenvolvendo, até que um
dia mudou de sede e foi para a Glória. Aquilo que hoje se chama
profanamente Pensão Beethoven, era a casa do clube. O salão do fundo,
tão vasto como o da frente, servia aos concertos, e enchia-se de uma
porção de homens de várias nações, várias línguas, vários empregos, para
ouvir as peças do grande mestre que dava nome ao clube, e as de tantos
outros que formam com ele a galeria da arte clássica. O nome do clube
cresceu, entrou pelos ouvidos do público; este, naturalmente curioso, quis
saber o que se passava lá dentro. Mas, não havendo público sem senhoras,
e não podendo as senhoras penetrar naquele templo, que o não permitiam
as disciplinas deste, resolveu o clube dar alguns concertos especiais no
Cassino. Não relembro o que eles foram, nem estou aqui contando a
crônica desses tempos passados. Pegou tanto o gosto dos concertos
Beethoven, que o Clube, para obedecer aos estatutos sem infringi-los,
determinou construir no jardim aquele edifício ligeiro, onde se deram
concertos a todos sem que a casa propriamente da associação fosse
violada. Os dias prósperos não fizeram mais que crescer; entrou a ser mau
gosto não ir àquelas festas mensais. Mas tudo acaba, e o clube Beethoven,
como outras instituições idênticas, acabou.
209
Machado inicia suas palavras revelando o aspecto restrito da associação. Ao
contrário do Club Mozart, a presença de proeminentes personalidades da vida social e
207
PINHO, Wanderley. Salões e Damas do Segundo Império. São Paulo: Livraria Martins Editora, (s.d.)
2ª. Edição. p. 290
208
Vida Fluminense. 23 de maio de 1868. n° 21
209
ASSIS, Machado. A semana. Obra Completa, vol. III, Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994.
128
política fluminense foi uma constante em toda a sua trajetória
210
. Não poderia ser
diferente, pois, de acordo com seus estatutos, a proposta do Club era “proporcionar
aos homens de boa sociedade (grifo nosso) um ponto de reunião onde gozassem de
todas as vantagens dos principais clubes europeus” e ao mesmo tempo oferecer aos
seus associados a música “da mais alta escola, interpretada pelos melhores
executantes que o Rio de Janeiro possuísse”
211
. Para essa finalidade, o club fundado
pelo violinista e regente Robert Kinsman Benjamin
212
mantinha um quarteto de
cordas permanente, que teve como integrantes em diferentes períodos os violinistas
Kinsman, Vincenzo Cernicchiaro, Felice Bernadelli, Otto Beck, o violista L.
Gavenstein e os violoncelistas J. Cerrone e Benno Niederbuger.
213
Seguindo ainda o esquema da Musikalische Gesellschaft de Varsóvia, o Club
mantinha várias categorias de sócios. No Almanaque Laemmert de 1885
214
divulgava
o número de associados: 553, divididos entre sócios contribuintes, temporários,
visitantes, honorários e prestantes. Estes podiam usufruir dos salões do Club, aberto
todos os dias, das 11 horas da manhã até 1 hora da madrugada, dispondo da
biblioteca, buffets, sala de esgrima, de bilhar, de leitura, de jogos de xadrez, whist
215
,
e dos 80 principais jornais recebidos da Europa.
216
Quando fala sobre os freqüentadores do Club, Machado de Assis refere-se aos
homens de várias nações, várias línguas. Na verdade, o Beethoven incentivava a
participação destes agentes, convidando a freqüentá-lo o corpo diplomático
estrangeiro, assim como a oficialidade dos navios de guerra durante a sua
permanência na corte
217
. A presença de mulheres, até o ano de 1888, era vetada nos
210
Nas diversas diretorias que se sucederam nos sete anos de existência do club, encontramos nomes
como Barão Homem de Mello, M. J. Amoroso Lima, Conselheiro Antonio Ferreira Viana entre outros.
211
Apud. MAGALDI, Cristina. Op. Cit. p. 10
212
Segundo Carlos Wehrs, Kisman Benjamin era regente, compositor e violinista amador. As estas
atividades e ao Club Beethoven, dedicava suas horas vagas do cargo de gerente da famosa empresa de
seguros de vida, The New York Life Insurance Company. WEHRS, Carlos. Machado de Assis e a magia
da música. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1997. p. 41
213
Sobre o quarteto de cordas do Club Beethoven ver: ALMEIDA , Renato. História da música brasileira.
Rio de Janeiro: F. Briguiet e comp. Editores, 1942. p. 390. CERNICCHIARO, Vicenzo. Op. Cit. p. 548
214
Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Império do Brazil para 1885. Rio de Janeiro:
Laemmert e C., 1885.
215
O Whist é um jogo de raciocínio utilizando baralho de cartas. Surgiu na Inglaterra no século XVIII e,
rapidamente, tornou-se um dos jogos mais populares do país, atingindo também os Estados Unidos no
século XIX com grande impacto. O Whist tornou-se tão importante na época que acabou sendo o primeiro
jogo para o qual se escreveu um livro de regras, isto em 1742.
216
Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Império do Brazil para 1885. Rio de Janeiro:
Laemmert e C., 1885.
217
Idem. Ibidem.
129
salões do Club, mas permitida nos grandes concertos anuais realizados nos suntuosos
salões do Cassino Fluminense.
Ao iniciar suas palavras sobre o Club, Machado de Assis pondera que se a
história política e social tem antecedentes, a história artística do Rio de Janeiro
também teria os seus, e, com certeza ligados ao Club Beethoven
218
. Não poderiam ser
mais acertadas as palavras do escritor. Nas apresentações promovidas pelo Club,
constavam os nomes dos que mais tarde atuariam no Instituto Nacional de Música,
estabelecimento criado na República em substituição ao Conservatório. Cernicchiaro
cita como músicos atuantes no Beethoven os futuros diretores Leopoldo Miguez e
Alberto Nepomuceno, os professores nomeados Duque Estrada-Meyer, Vicenzo
Cernichiaro, J. Cortes, Frederico Nascimento, Carlos Mesquita Alfredo Bevilacqua,
entre outros, e um professor excluído e nosso personagem central: Carlos Severiano
Cavalier Darbilly.
219
Desta forma, podemos observar alguns aspectos importantes na trajetória
dessas associações musicais. Intimamente ligadas à prática de música instrumental, na
forma de câmera ou orquestral, esses espaços seriam o local privilegiado de atuação
da sociedade dos músicos em seus diferentes estágios de consolidação. A este
elemento agrega-se a função educativa destes espaços, que mantinham aulas de
instrumento e de teoria musical para seus sócios. O Club Beethoven manteve, por
exemplo, uma Academia de Música que contava com mais de vinte professores e
duzentos alunos.
220
Os freqüentadores dessas aulas como podemos observar mais claramente no
Club Mozart, apontam para uma diversificada origem social o que consequentemente
nos impede de reduzir estes espaços somente a um local de sociabilidade da elite
imperial, como indica Cristina Magaldi
221
. É certo que a presença de membros
oriundos desta classe poderia ser fator essencial para a sobrevivência e distinção
destas sociedades na vida social da corte. Entretanto, da mesma forma era necessária a
adesão de músicos prestantes, na sua maioria aprendizes e amadores, para o sucesso
das apresentações públicas realizadas por estas sociedades. Assim, além de um local
exclusivo das elites, estes espaços eram apropriados, ainda que com objetivos
diferentes, por uma gama ampla da sociedade local.
218
ASSIS, Machado. A semana. Obra Completa, vol. III, Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994.
219
CERNICCHIARO, Vincenzo. Op. Cit. p. 547
220
ALMEIDA, Renato. Op. Cit. p. 390
221
MAGALDI, Cristina. Op. Cit.
130
Outro aspecto importante a ser observado é sobre a prática de concertos de
música instrumental, na qual os clubs Mozart e Beethoven e o Conservatório de
Música tiveram papel fundamental. É preciso ressaltar que durante a segunda metade
do século XIX a música instrumental erudita, desprovida do recurso cênico da ópera
ou do teatro musicado, ainda causava certo estranhamento, como podemos observar
em uma crônica publicada em 1870, no periódico Vida Fluminense, sobre uma
apresentação da 6ª sinfonia de Beethoven, A Pastoral:
Não há ali ilusão cênica, personagem que fale, nem os mil
acessórios de uma ópera. Nada disso. O leitor vê apenas uns sessenta
músicos sentados em face das respectivas estantes, e um regente a cujos
sinais obedece a plêiade musical. Nada mais há sobre o palco.
222
Ao se referir a falta de ilusão cênica, o cronista revela a ligação direta entre
práticas de música erudita e representações líricas. Desta forma, neste momento de
passagem da música erudita do teatro para os salões dos clubes e do Conservatório –
onde a performance sem a intermediação da cena ou de qualquer outro recurso visual
entre o público e a música se fez presente –, o repertório operístico e a música vocal
ainda exerciam forte influência.
Entretanto, na análise de 259 obras apresentadas nestes três espaços
223
, entre
1868 e 1887, foi possível perceber a gradual diminuição dessa preponderância, como
podemos ver abaixo:
Gráfico 8
Relação Ópera e Música de Concerto
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Club Mozart Conservatório Club Beethoven
Total de obras
Ó
p
era Música de concerto
222
Vida Fluminense. 30 de julho de 1870. n° 135. Esta apresentação da 6ª sinfonia de Beethoven fazia
parte do ciclo de Concertos Patti. Este ciclo, composto de seis apresentações, tinha como estrela a soprano
Carlota Patti.
223
Esta análise foi realizada tendo como fontes programas de concertos destas três instituições
encontrados no Setor de Obras Raras da Divisão de Música da Biblioteca Nacional; e de referências
encontradas no periódico Vida Fluminense. Foram analisadas 99 obras executadas no Club Mozart; 65 no
Conservatório e 95 no club Beethoven.
131
Podemos observar que embora os três espaços fossem lugares privilegiados à
prática da música erudita, suas opções de repertório evidenciavam certas diferenças.
Enquanto o Club Mozart, fundado em 1867, manteve o seu repertório mais vinculado
à tradição operística, o Conservatório e principalmente o Club Beethoven
apresentavam como opção o enfoque ao repertório de cunho instrumental.
Contudo, dentro da esfera do repertório operístico e do instrumental
apresentados nesses espaços também havia diferenças. No Club Mozart e no
Conservatório, o repertório vinculado à ópera era apresentado não somente em forma
de árias ou aberturas, mas também em fantasias para instrumentos e piano. Fantasia é
uma forma musical, de acordo com o Dicionário Grove de Música
224
, onde a
imaginação do compositor tem precedência sobre os estilos e formas convencionais.
Este termo foi muito utilizado no século XIX, por compositores na designação de
peças virtuosísticas baseadas em temas de uma ópera.
É exatamente este tipo de Fantasias que vamos encontrar com freqüência no
Club Mozart e no Conservatório: peças onde a virtuosidade dos instrumentistas era
intermediada, em sua entusiasta receptividade, pelo conhecido repertório das óperas
encenadas na Capital do Império. Assim percebemos, nesses dois espaços, a seguinte
distribuição desse repertório de cunho operístico:
Gráfico 9
Club Mozart: Repertório vinculado à ópera
72%
28%
Aria ou abertura fantasia p/ instrumento
224
Dicionário Grove de música. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994. p. 311
132
Gráfico 10
Conservatório: Repertório vinculado à ópera
76%
24%
Aria ou abertur
a
fantasia p/ instrumento
Esse processo de aproximação da música instrumental através das fantasias
sobre temas de ópera pode ter viabilizado a implementação do repertório do Club
Beethoven em 1882. Desta forma, discordamos da historiografia que reveste o
repertório praticado no Club Beethoven com um sentido de ruptura dos padrões até
então vigentes. Neste clube, o repertório vinculado à ópera era apresentado em forma
de árias e aberturas, executadas principalmente nos grandes concertos anuais, quando
a presença de uma grande orquestra era praxe. Na temporada de concertos que se
estendia durante o ano, a presença rotineira era de um quarteto de cordas, mantido
pelo clube e que ocupou importante papel na divulgação da prática de música de
câmera no Brasil.
A presença de um quarteto de cordas, formação tradicional da música de
câmera instrumental, por si só já se reveste de significados. Ao manter um quarteto de
cordas permanente, o Club Beethoven explicita sua devoção à tradição musical não-
vocal, que tem sua fixação, como gênero, vinculada a compositores austríacos e
alemães, como Haydn, Mozart e Beethoven. Goethe definia o quarteto de cordas
como uma “conversa entre quatro homens racionais
225
e essa definição não poderia
ser melhor para ilustrar a aura pretendida: a perfeita associação entre intelectualidade
e música.
Os reflexos desta posição são percebidos em outros dois aspectos do repertório
praticado nesse espaço e que merecem destaque. O primeiro é sobre a presença de
obras nacionais. No Club Mozart, dentro do universo das obras analisadas, 20% eram
225
Apud: BASHFORD, Christina. The string quartet and society. In: The Cambridge companion to the
string quartet. Robin Stowell et all. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p. 4
133
de autores nacionais; no Conservatório, 15%; no Club Beethoven, 6%. Esta gradual
queda da presença de autores nacionais, que tem seu cume no Club Beethoven, pode
ser explicada pela opção preferencial à música de cunho instrumental, sinfônica ou de
câmera. A grande maioria dos compositores nacionais tinha sua produção voltada para
as encenações líricas ou do teatro musicado; a prática da composição sinfônica ou de
música de câmera havia há pouco se instalado no Brasil, e entre os novos nomes
comprometidos com esse exercício encontramos Leopoldo Miguez e Alberto
Nepomuceno, diretamente ligados ao Club Beethoven.
Outro aspecto importante é a forte presença, dentro do repertório do Club
Beethoven, de compositores alemães, em total contraste com a clara preferência do
Club Mozart pelos autores italianos, como Verdi e Donizetti. Assim, através de suas
apresentações, o público carioca entra em contato com as obras de R. Schumann, F.
Schubert, F. Mendelssohn e Richard Wagner. A presença de Wagner neste repertório
é associada à atuação de Leopoldo Miguez como regente dos grandes concertos
anuais, como o de 1884, quando é executada a Kaiser Marcha, do célebre compositor
germânico. Seguem-se, em 1887, a abertura do Tanhauser e, em 1889, a abertura da
ópera Rienzi.
Segundo Luiz Heitor
226
, Miguez teria se deixado “arrastar pela correnteza
wagneriana”, como aconteceu a jovens compositores em várias partes do mundo. O
uso do cromatismo, do leitmotive
227
, e as orquestrações rebuscadas estão entre os
elementos de transformação técnica que tornaram Wagner um paradigma da música
erudita. Com ele não somente a música é transformada, mas a própria arte, a maneira
de pensá-la e sua conseqüente ação social. E é com este manto de mudança e
novidade impregnado do pensamento wagneriano que Miguez vai se cobrir, ao se
tornar um dos mais influentes líderes da sociedade dos músicos sob as asas da
República.
Ao falar sobre o Club Beethoven, Machado de Assis – como citamos
anteriormente – ponderou que a história artística do Rio de Janeiro encontrava neste
espaço de atuação uma referência significativa
228
. Podemos de certa forma, ampliar
esta observação às demais sociedades e clubs musicais do Império. Pois além de
oferecer um espaço de sociabilidade onde músicos amadores, profissionais e
226
HEITOR, Luiz. Música e músicos do Brasil: história, crítica, comentários. Rio de Janeiro: Editora da
Casa do Estudante do Brasil, 1950. p. 231
227
Leitmotiv: um tema ligado a algum significado alusivo, como um personagem, um conceito, um objeto
e etc. Dicionário Grove de Música. Op. Cit. p. 1011.
228
ASSIS, Machado. A semana. Obra Completa, vol. III, Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994.
134
aprendizes podiam desfrutar das atenções e aplausos da sociedade fluminense, ali
também seria o local privilegiado para troca de conhecimentos e de opções estéticas.
É nesses espaços que a prática de concertos instrumentais, longe do aparato da
ópera, toma forma e se instala no gosto e apreço de uma gama representativa da
sociedade dos músicos. Esta opção, para além de seu elemento estético, apresenta-se
como uma mudança de mentalidade que, ao aproximar-se das vertentes cientificistas
que dominavam os últimos anos do Império
229
, encontram eco certeiro nas novas
lideranças que dominariam a sociedade dos músicos nos tempos da República.
229
CARVALHO, José Murilo de. Pontos e bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 1998. p. 109
135
Capítulo 3
Da Sociedade de Música à Sociedade dos Músicos
Neste terceiro capítulo traçaremos as afinidades entre os lugares de atuação
musical e a formação de um segmento cultural particular – o dos músicos –. Destacamos
a utilização desses lugares pelos agentes musicais, como forma de obter posições de
prestígio e a conseqüente legitimidade para dizer quem está autorizado a denominar-se
músico. Bourdieu define esta como uma das questões centrais da rivalidade literária, no
nosso caso das rivalidades musicais, ou seja, o monopólio do poder de consagração dos
produtores ou dos produtos, ou, mais precisamente, do poder de legitimação do músico.
1
No início do reinado de Pedro II, a sociedade dos músicos apresentava-se
fortemente hierarquizada e, sobretudo, centralizada na figura de Francisco Manuel da
Silva. Representado como o “anjo que governa a arca possuidora dos códices
2
da
música no Brasil; a “garantia de êxito
3
em qualquer projeto, este músico vai exercer
forte influência na regulamentação da profissão, na distribuição de posições e de marcas
de distinção.
Sua atuação acontece nas principais instituições musicais do Império: a Sociedade
de Música, a Sociedade Philarmônica, o Conservatório de Música, a Capela Imperial,
bem como o Conservatório Dramático, onde era um dos responsáveis pela censura das
obras a serem representadas. Nos teatros, exercia a função de diretor tendo o poder de
escolha e veto dos agentes envolvidos na produção. Determinava, deste modo, quem
poderia ou não ter acesso aos espaços privilegiados das práticas musicais.
Após sua morte, já em meio ao questionamento da sociedade hierárquica senhorial
e às alterações da ordem política, a luta pela ocupação do espaço deixado por ele torna-se
1
BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996. p. 253
2
ANDRADE, Ayres. Francisco Manuel da silva e seu tempo. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro,
1967. Vol. 1. pag. 177.
3
PENA, Martins. Op. cit. p. 49
136
complexa. Não havia ambiente para tamanha centralização em torno de um único nome,
não só pelo contexto geral, mas pelo próprio crescimento da população de músicos e a
ampliação de seus espaços de atuação. A despeito das impossibilidades da antiga ordem,
embates eram travados na tentativa de ocupar a posição conspícua de Francisco Manuel,
e o acesso aos locais privilegiados de produção musical.
No dia 14 de abril de 1831 ouvia-se no Teatro S. Pedro, neste período sob o nome
de Constitucional Fluminense, o hino ao Grande e Heróico Dia 7 de Abril de 1831
4
,
composto por Francisco Manuel da Silva, com letra do Desembargador Ovídio Saraiva de
Carvalho e Silva:
Os bronzes da tirania/Já no Brasil não rouquejam;
Os monstros que o escravizavam/Já entre nós não vicejam.
.....................
Arranquem-se aos nossos filhos/Nomes e idéias dos lusos...
Monstros que sempre em traições/Nos envolveram, confusos.
Ingratos à bizarria/Invejosos do talento,
Nossas virtudes, nosso ouro, /Foi seu diário alimento.
Homens bárbaros, gerados/De sangue judaico e mouro,
Desenganai-vos: a Pátria/Já não é vosso tesouro.
......................
Uma prudente regência, /Um monarca brasileiro
Nos prometem venturoso/O porvir mais lisonjeiro.
......................
Não é impossível imaginar a euforia com que tal hino foi recebido, em meio aos
recentes fatos políticos que propiciavam as mais variadas expectativas. Em versos
precisos, rejeitava-se a herança lusitana, afirmava-se nossa superioridade de virtudes, e
ainda deslumbrava-se a trajetória venturosa que um novo monarca brasileiro garantiria ao
futuro da nação. Com a aceitação popular deste novo Hino Nacional, estava Francisco
Manuel da Silva iniciando sua escalada ao cargo de músico mais influente do reinado de
D. Pedro II.
A sentida ausência do Estado como promotor da vida musical no decênio de 1830
– quando foram interrompidas as temporadas de óperas e a Capela Imperial é reduzida
em seus componentes músicos ao mínimo necessário para os ofícios religiosos – propicia
o surgimento de novas lideranças. Sensível ao momento político, Francisco Manuel, ao
4
A mesma melodia deste hino, serviria para o Hino da Consagração, e para o Hino Nacional Brasileiro de
nossos dias com letra de Osório Duque Estrada.
137
lado de destacados nomes da música do Rio de Janeiro, funda em 1833 a Sociedade
Beneficência Musical
5
.
Esta sociedade, elaborada aos moldes da antiga Irmandade de Santa Cecília
6
,
destinava-se a propagar a arte musical, bem como oferecer auxílios pecuniários a seus
membros. Para além de suas funções, a Sociedade vai se tornar neste período, citando as
palavras de seus membros, na instituição que evita a “ruína da música”
7
no Brasil, a
ordenadora do ofício de músico.
Através dos Estatutos da Sociedade Musical editados em 1853
8
podemos alcançar
sua organização interna e perceber seus mecanismos de controle do fazer musical. O
número de associados era limitado a cem músicos (Cap. I; art. 2º), e para se tornar
membro da Sociedade era exigido, nesta ordem exata, ser morigerado; ter o
conhecimento da arte da música e a exercer por pelo menos três anos no Rio de Janeiro;
não ter mais do que quarenta anos (Cap. II; art. 3º). A admissão como membro efetivo
dependia da aprovação da Assembléia Geral da Sociedade, onde o candidato, obtendo a
terça parte mais um voto contrário, seria reprovado, podendo requerer nova admissão
passado o período de um ano. Aprovado, efetuaria o pagamento da jóia de admissão: se
menor de 30 anos, 80$; acima desta idade, o valor dobrava (Cap. II; art. 5º, 6º e 7º).
Os associados não poderiam exercer a sua arte em atos públicos religiosos sem ser
por convite dos diretores da Sociedade (Cap. III; art. 3°). Entendia-se por diretores,
aqueles sócios autorizados pela Sociedade, por meio de uma patente, a dirigir funções
públicas da arte
9
. Esta patente poderia ser obtida por aqueles que estivessem no gozo de
5
Em toda bibliografia que trata da Sociedade de Música encontramos a afirmação que Francisco Manuel da
Silva, além de primeiro sócio e organizador de seu primeiro estatuto, teria sido também diretor da instituição
até 1865, ano de sua morte. Curiosamente, nos Anais da Biblioteca Nacional 1881-1882, encontramos a
seguinte referência: Discurso pronunciado pelo presidente da Sociedade Beneficência Musical (Manuel
Joaquim Corrêa dos Santos) no dia 10 de Julho de 1834, por ocasião da posse da nova administração. Rio de
Janeiro. Typ Nac. 1834, in-16° de 11 pp (BN). Infelizmente, apesar de termos percorrido todos os setores da
biblioteca, e da ajuda de seus funcionários, ainda não foi possível localizar o documento citado.
6
Sobre a Irmandade de Santa Cecília, seus estatutos e finalidades, ver ANDRADE, Ayres de. Op. cit.
7
Petição para a criação de um Conservatório de Música na Corte. Documento Manuscrito. Biblioteca
Nacional. Seção de Manuscritos: C 774,35.
8
Estatutos da Sociedade de Música do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Emp. Typ. Dous de Dezembro de
Paula Brito Impressor da Casa Imperial, 1853. 19p. Biblioteca Nacional. Divisão de Música. OR. A-II. L-85
9
BRASIL. Decreto nº. 2.769 de 6 de abril de 1861. Concede à sociedade Musical de Beneficência,
estabelecida nesta Corte autorização para continuar a exercer suas funções e aprova os respectivos
Estatutos. Collecção das leis do Império do Brasil de 1861. Tomo XXIV. Parte II. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1861. p. 228-238.
138
todos os direitos garantidos pela Sociedade; tivessem três anos como associados, e
pagassem por ela a jóia de cem mil réis.
Obrigavam-se, os diretores, a desempenhar suas atividades com decência e ordem,
de maneira a não prejudicar os sócios e a Sociedade. Seriam obrigados ainda a contribuir
com determinada percentagem sobre seus ganhos em funções religiosas ou de teatro. A
Sociedade poderia, quando entendesse conveniente aos seus interesses, tomar ao seu
encargo a direção da parte musical nos atos públicos, cessando o direito concedido aos
Diretores.
Da Sociedade de Música, através de sua Assembléia Geral, seria a competência da
escolha de professores para as escolas de música que houvessem de se estabelecer na
Corte (Cap. VI; art. 22; § 6). Abrangia, deste modo, o controle sobre duas práticas
musicais essenciais no século XIX: os ofícios religiosos, que importavam tanto os cultos
internos, quanto as festividades que, de acordo com Marta Abreu, não cessaram de
crescer ao longo do século
10
; e o ensino da música, que, como podemos observar através
dos anúncios no Almanaque Laemmert, crescia ao longo dos anos em oferta de
professores.
Gráfico 11
Professores de Música no Rio de Janeiro (1847-1888)
0 102030405060708090100110
1847
1848
1849
1851
1852
1853
1854
1855
1856
1857
1858
1859
1860
1861
1862
1863
1864
1865
1866
1867
1868
1869
1870
1871
1872
1873
1874
1875
1876
1877
1878
1879
1880
1881
1882
1883
1884
1885
1886
1887
1888
ano
nº de professores
Professores de Música na cidade
Fonte: Almanaque Laemmert: 1847 a 1888
Além de suas funções regulamentares, a Sociedade iria se tornar um espaço de
sociabilidade, promovendo apresentações que além de reunir os melhores instrumentistas
10
ABREU, Marta. Op. cit. p. 36
139
e cantores, agregavam ao redor da Sociedade a elite carioca. A cada uma de suas
apresentações, a Sociedade era consagrada como a entidade que mantinha a arte musical
viva e ao mesmo tempo consagrava os músicos que participavam das Academias
11
promovidas.
Reconhecida então como a entidade que conservava a prática musical viva, a
Sociedade parte para seu projeto maior, a criação do Conservatório de Música:
A missão de conservar está realizada, mas esta não pode durar, se a
criação de novos Artistas não vierem substituir aqueles que desaparecem para
sempre. Desde meio século a Música tem sido o florão mais belo do Brasil, o
seu mais brilhante ornato, e que até mesmo o caracterizava e distinguia entre
todas as Nações do nosso Mundo; já pela vocação e talento natural de seus
filhos, já pela eficaz proteção que recebera sempre dos diferentes governos até
1831, e hoje caminha a passos rápidos para a decadência, ou talvez para a sua
total extinção, se a mão daqueles a quem foi cometido a direção dos destinos
públicos, a não suster e reanimar.
12
Em 1848, o Conservatório é efetivado e Francisco Manuel conduzido ao cargo de
Diretor. Nesta época, seu nome já estava consagrado. Era mestre compositor de música
da Imperial Câmera (1841), Cavaleiro da Ordem da Rosa (1846), Regente da Sociedade
Filarmônica (1846), e representado na imprensa, como citamos anteriormente, como a
âncora que suspendeu o naufrágio
13
da música, o hábil professor
14
, a presença que
agregava valor a qualquer projeto que estivesse envolvido.
15
Como vimos no capítulo anterior, somente em 1855, com a anexação do
Conservatório à Academia de Belas Artes, é que se delimita um formato mais completo
desta instituição, com a efetiva contratação de professores que completariam o quadro
das sete disciplinas oferecidas pelo estabelecimento, como podemos observar na tabela a
seguir:
11
Nobert Elias refere-se ao termo Academia como sendo um concerto cuja renda ia diretamente para o bolso
dos artistas. No casa das Academias patrocinadas pela Sociedade, a renda era revestida em fundos para a
própria Sociedade Beneficência Musical. ELIAS, Nobert. Mozart, sociologia de um gênio. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1995. p. 34
12
Petição para criação na Corte de um Conservatório de Música. Acervo Biblioteca Nacional. Documento
manuscrito. Seção de Manuscritos, C-0774,035.
13
ANDRADE, Ayres. Op. cit. p. 177
14
ALENCAR, José. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 17 de Dezembro de 1854.
15
PENA, Martins. op. cit. p. 48
140
Tabela 4
Professores do Conservatório de Música (1848-1865)
Rudimentos Masc. Rudimentos Fem. Flauta Clarineta Rabeca
(violino)
Violoncelo e C.
Baixo
Contraponto, regras
de acompanhar
1848
a
1852
Francisco da Luz
Pinto
1853
Francisco Manuel
da Silva
1854 Dionísio Vega
1855
João
Scaramela
Antonio Luiz
de Moura
Demetrio
Rivero
José Martini Giochino Giannini
1856
1857
Francisco da
Motta
1858
1859
Vago
1860
1861 Demetrio Rivero
Vago
1862
1863
1864
1865
Na parte administrativa, poucas alterações ocorreram no período de Francisco
Manuel como diretor da instituição:
Tabela 5
Administração do Conservatório de Música (1848-1865)
Diretor Secretário Tesoureiro Arquivista Porteiro
1848 -
1858
Francisco Manuel
da Silva
Francisco da Motta Padre Manoel Alves
Carneiro
1859 -
1860
Dionísio Vega
Eloy José da Cunha
1861 -
1865
Antonio Luiz de Moura
Todos os nomes escolhidos por Francisco Manuel para compor os quadros do
Conservatório estavam ligados aos seus espaços de atuação: a Sociedade de Música, a
Capela Imperial e o Teatro Lírico
16
. Estes músicos, por sua vez, também integravam a
rede dos que transitavam entre estes locais privilegiados da prática musical.
Através de sua atuação como diretor do Conservatório, Francisco Manuel
ampliaria a ação de delimitar a população de músicos, contribuindo para o
estabelecimento de elementos de distinção, como a concessão de medalhas e prêmios de
viagem aos alunos destacados do Conservatório, bem como influenciando na outorga de
condecorações como a Ordem da Rosa. Mas, sobretudo, tentaria expandir o controle e a
regulamentação do exercício do ensino musical, como podemos observar quando intenta
16
Ver anexos.
141
estender aos professores de música as regras impostas ao demais professores de nível
primário e secundário.
Em 10 de outubro de 1859, Francisco Manuel assina, com Manuel Alves
Carneiro, uma proposta para que, de acordo com os Avisos de 23 de abril e 29 de julho de
1856, o Conservatório de Música assuma a responsabilidade da comprovação das
habilidades específicas daqueles que se dedicam ao ensino musical, bem como suas
provas de boa moralidade:
Chegando ao conhecimento do Diretor do Conservatório de Música
desta Corte os repetidos abusos praticados por indivíduos que se apresentam
ostensivamente lecionando Música por colégios e casas particulares sem
terem exibido prova de sua capacidade artística na 5ª seção desta Academia,
bem como de sua moralidade, como expressamente determinam os Avisos de
23 de Abril de 1856 e 29 de Junho do mesmo ano, dando lugar a contínuas
reclamações, [a] diretoria pelas justas queixas de diversos chefes de família, e
estabelecimentos de educação, não só por serem tais indivíduos inábeis no
exercício do Magistério como pelo comportamento menos regular de alguns
deles: propõe:
Que se façam extensivas ao Conservatório de Música as medidas e
multas estabelecidas pela Repartição de Instrução Pública, aos que não se
acharem munidos dos títulos de habilitação artística e de moralidade.
Digne-se V. S. levar ao conhecimento do Sr. Diretor esta proposta para
que se sirva solicitar das Repartições competentes s medidas que a Diretoria
do Conservatório de Música propõe, e as que V. S. julgar em sua sabedoria.
17
A proposta encaminhada ao secretário da Academia das Belas Artes, João Mafra,
é apresentada à congregação da instituição em 12 de outubro
18
e defendida pelo
secretário do Conservatório, Dionísio Vega. A congregação decide que para poder
debater sobre a questão deveria ter acesso aos Avisos citados, o que é providenciado por
Vega. Em 15 de outubro, ele solicita que a Secretaria de Estado dos Negócios do Império
se digne mandar passar por certidão os Avisos de 23 de Abril e 29 de Julho de 1856, na
parte em que diz respeito aos professores de artes liberais, bem como tudo e mais que
houver a este respeito.
19
17
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Proposta assinada por Francisco Manuel da
Silva, Manuel Carneiro do Conservatório de Música ao Secretário da Academia para que se façam
extensivas ao Conservatório as medidas e multas estabelecidas pela Repartição de Instrução Pública. Acervo
Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2126
18
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Livro de Registros das Atas da Congregação da Academia de Belas-
Artes 1856-1874. Ata da Sessão de 12 de Outubro de 1859. Acervo Museu D. João VI. Documento
manuscrito. Notação: 6152.
19
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Requerimento do secretario interino do
Conservatório de Música Dionísio Vega ao Ministro do Império. Acervo Museu D. João VI. Documento
manuscrito. Notação: 2120.
142
No Aviso de 23 de Abril era clara a determinação da obrigatoriedade da
apresentação de provas de moralidade aos professores de artes liberais:
Sua Majestade o Imperador conformando-se com o parecer de Vossa
Excelência, e do Conselho diretor, sobre as medidas propostas no mesmo
ofício relativamente à exigência de provas de habilitação não só para serem
admitidos a lecionar os professores de artes liberais, mas também para se
permitir aos de instrução primária e secundária o exercício do magistério por
casas particulares, houve por bem determinar:
Primeiro. Que os professores de artes liberais devem ser obrigados a
exibir provas de moralidade não só quando forem chamados pelos Diretores
de Colégios e outros Estabelecimentos de Instrução e educação, mas ainda
quando lecionarem por casas particulares, sendo que façam profissão habitual
do magistério em qualquer dos ramos das referidas matérias apresentando-se
pública e ostensivamente como professores e recebendo retribuição
pecuniária.
Segundo. Que devem ser sujeitos às provas de moralidade e habilitação
os professores de instrução primária e secundária que lecionarem em casas
particulares, achando-se nas mesmas circunstâncias que acabam de ser
especificadas. O que comunico a V. Excelência para sua inteligência e
execução.
20
O Aviso de 29 de Julho atesta a necessidade da prova de títulos e diplomas para o
exercício do magistério:
O Conselho Diretor resolveu submeter à decisão do Governo que
determinando o Aviso de 23 de Abril do corrente ano que os professores de
artes liberais, e os de instrução primária e secundária que lecionam por casas
particulares devem prestar provas de sua moralidade para continuarem no
exercício do magistério, suscita-se a dúvida, para a execução do citado Aviso,
se os referidos professores para provarem que se acham autorizados para o
magistério deverão munir-se de Título ou Diploma igual ao que se confere aos
professores que ensinam por colégios, (...); tenho de declarar-lhe que a
respeito dos ditos professores se deve seguir o mesmo que se pratica com os
que ensinam por Colégios.
21
Diante dos Avisos e da argumentação de Dionísio Vega, a congregação da
Academia de Belas-Artes, novamente reunida em 31 de outubro, resolve não apenas
acatar a sugestão de Francisco Manuel, mas ampliá-la para todas as seções da Academia:
Resolve a Academia que se solicite do governo Imperial para tornar
extensivas aos Professores de Belas Artes, que ensinarem sem título de
habilitação conferida por esta Academia, as multas estabelecidas para os
professores de Instrução primária e secundária pela Inspetoria Geral de
Instrução Pública. Resolve-se igualmente que poderão ser, pelo diretor,
dispensados de exibir provas de capacidade artística perante as respectivas
20
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Idem. ibidem.
21
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Idem.ibidem.
143
secções da Academia, aqueles professores que apresentarem documentos
autênticos de sua habilitação.
22
Se antes, através da Sociedade de Música, Francisco Manuel teria o poder sobre a
designação dos professores que lecionariam nas escolas, agora, através do Conservatório,
estendia seu poder a todos os envolvidos na prática do magistério, mesmo os que
atuavam em casas particulares. Desta forma, ao pretender exigir dos professores de
música a titularidade, codificava juridicamente um ofício, e afirmava o Conservatório
como a entidade que poderia determinar quem estava apto a ser chamado de músico.
O prestígio do músico é facilmente observável no acúmulo de posições de poder na
produção musical da Corte, em 1852: era diretor do Conservatório, Mestre-Capela da
Capela Imperial, e diretor da Companhia Lírica Italiana. Esta companhia deveria fazer parte
do elenco do Teatro S. Pedro e havia sido recrutada, na Itália, por Dionísio Vega, velho
companheiro de Francisco Manuel. Com o incêndio de 1851, ela é removida, juntamente
com a companhia dramática, para o Teatro de S. Januário.
Esta soberania somente seria ameaçada em 1856, com a decisão do Governo de criar
uma nova instituição, descrita nas palavras de seus organizadores como agradável, útil, e
até mesmo necessária ao País em seu presente estado de civilização
23
. No Programma,
anexado ao relatório do Ministro Luiz Pedreira do Couto, de 1856, anunciava-se que o
Governo de sua Majestade, o Imperador, havia acolhido benignamente a idéia da instalação
de uma Academia de Ópera Nacional, destinada a propagar e desenvolver o gosto pelo
canto em língua pátria, e criar um Teatro Lírico Nacional em que possa ser cultivado o
natural talento e a reconhecida vocação de tantos brasileiros.
24
Na assinatura do Programma, o nome de Francisco Manuel da Silva e outras
personalidades
25
. Entretanto, seria o espanhol José Amat que o Governo nomearia como
empresário da companhia. Como estímulo à realização do novo e “necessário”
22
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Livro de Registros das Atas da Congregação da Academia de Belas-
Artes 1856-1874. Ata da Sessão de 31 de Outubro de 1859. Acervo Museu D. João VI. Documento
manuscrito. Notação: 6152.
23
BRASIL. Programma da Academia de Ópera Nacional. Anexo do Relatório da Repartição dos Negócios
do Império Apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 1ª Sessão da 10ª Legislatura. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1857.
24
Idem. Ibidem.
25
Assinando o Programma, aparecem os nomes, nesta ordem, do Marquês de Abrantes, Visconde de Uruguay,
Barão do Pilar, Manoel Araújo Porto Alegre e os músicos Joaquim Gianini, Dionizio Vega, Isidoro
Bevilacqua e Francisco Manuel da Silva.
144
empreendimento, concedia diversos favores: dava à Academia o título de “Imperial” –
honraria nunca dispensada ao Conservatório de Música –; franqueava o Theatro Lyrico para
suas representações; comprometia-se a promover e auxiliar a educação de quatro a oito
meninos de ambos os sexos destinados à Academia; proibia, durante oito anos, que em
teatro algum subvencionado pelo Governo Imperial se representasse óperas líricas em
língua nacional; obrigava o Conservatório de Música cooperar, pelos meios ao seu alcance,
para o bem da Academia. Esta última determinação poderia ser entendida como uma
provocação a Francisco Manuel, ou seria uma estratégia do mestre para manter seu tão
sonhado Conservatório vinculado a uma iniciativa que recebia tantos favores do Governo
Imperial?
De certo parecia soar estranho. Francisco Manuel gozava de destacada posição na
Corte, mas no Almanaque Laemmert de 1854, no anúncio dedicado ao Conservatório de
Música, informava em um adendo que o desenvolvimento desta instituição estava fora do
alcance da comissão de artistas que a dirigiam, pela falta de regularidade na extração das
loterias, e, sobretudo, desabafava, pela pouca atenção que ainda merecem as artes neste
país
26
. Forte manifesto de um artista que gozava das graças do Estado. Mas voltemos à
Ópera Nacional.
Embora o Governo houvesse cedido as instalações do Teatro Lírico para suas
apresentações, o que não foi do agrado de seus dirigentes
27
, a então Imperial Academia de
Música e Ópera Nacional tem sua estréia no teatro do Ginásio Dramático no dia 17 de julho
de 1857. Não fica muito tempo nesse teatro, passando a representar no Teatro de S.
Januário e em seguida no S. Pedro de Alcântara, onde foi acolhida mais por benevolência
do que por interesse do respectivo diretor e empresário
28
.
No ano seguinte, no mês de setembro, o Conselho Diretor da Imperial Academia de
Música e Ópera Nacional representa ao Governo, expondo a irregularidade com que fora
estabelecida e continuava a existir esta instituição, e pedia autorização para reorganizá-la,
26
Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de
1854.Organisado e Redigido por Eduardo Laemmert. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1854.
p. 324
27
Ver SOUZA, Silvia Cristina Martins de. Op. cit. p. 84-85
28
BRASIL. Ministro Pedro de Araújo Lima, Marquez de Olinda. Relatório da Repartição dos Negócios do
Império Apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 2ª Sessão da 10ª Legislatura. Rio de Janeiro:
Typographia Universal de Laemmert, 1858 P. 13.
145
formulando Estatutos que a regessem
29
. Aceitando o Governo os argumentos do Conselho,
nomeia um novo Conselho, composto pelo Marquês de Abrantes, Visconde de Uruguay e o
Conselheiro Luiz Pedreira do Coutto Ferraz, encarregando-os não somente da
reorganização como da administração superior da Academia. O novo Conselho decide
sobre a impossibilidade da manutenção desta, suspendendo suas atividades e propondo que
a mesma fosse convertida em um conservatório de música que preparasse novos artistas
para a formação de uma futura companhia de ópera nacional. Sobre essa proposta o
Ministro Sergio Teixeira de Macedo manifesta:
Devo declarar-vos eu, existindo já um conservatório de música, no qual
são mantidas diversas aulas com o auxilio das loterias que lhe tem sido
concedidas, e com os rendimentos do seu patrimônio, me parece uma inutilidade
a sustentação da Academia de Música, como estabelecimento de idêntica
natureza; e por isso, tendo ouvido o parecer de pessoas competentes, tenciono
reunir ambas as instituições em um só estabelecimento, dando-lhe maior
desenvolvimento. Por este modo, melhorando-se o ensino da música em suas
diversas aplicações pela uniformidade e maior extensão do plano de estudos que
se organizar, conseguir-se-á ao mesmo tempo notável economia de despesas.
30
Somente no ano seguinte, em 1859, o Governo extingue oficialmente a Academia,
dada a conveniência de oferecer mais desenvolvimento ao já existente Conservatório de
Música
31
.Vitória de Francisco Manuel? Talvez. Mas José Amat não desistiria de sua
empreitada. No ano seguinte o Ministro José Antonio Saraiva noticiava que depois da
extinção da Imperial Academia o Governo tratou de estabelecer as condições para a
concessão dos favores outorgados pela Assembléia Geral Legislativa para a manutenção de
uma Ópera Lírica Nacional.
32
De acordo com essas condições, firma novamente o Governo contrato com José
Amat, para a fundação da companhia Ópera Lírica Nacional. Alerta o Ministro que as
condições estipuladas são convenientes aos interesses da fazenda pública, e que são
tomadas as seguranças necessárias para que tenham a devida aplicação os auxílios
29
BRASIL. Ministro Sergio Teixeira de Macedo. Relatório da Repartição dos Negócios do Império
Apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 3ª Sessão da 10ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia
Universal de Laemmert, 1859. P. 20
30
Idem. Ibidem.
31
BRASIL. Ministro João de Almeida Pereira Filho. Relatório da Repartição dos Negócios do Império
Apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 4ª Sessão da 10ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia
Universal de Laemmert, 1860. p. 54
32
BRASIL. Ministro José Antonio Saraiva. Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a
Assembléia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 11ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1861.
P. 41-42
146
concedidos pelo Tesouro. E é esta nova companhia que vai realizar o projeto da primeira
ópera com música e libreto nacional. Intitulada A noite de S. João, teve sua estréia em 14 de
dezembro de 1860, no Teatro S. Pedro de Alcântara, sendo a composição musical do
paulista Elias Álvares Lôbo e o libreto de José de Alencar.
Apesar de todo o sucesso da companhia, novamente envolve-se o empresário José
Amat em circunstâncias que levam o Governo a interromper as atividades desta empresa
33
.
Assim, no relatório de 1862, o Marquês de Olinda, Ministro dos Negócios do Império,
informa que tendo findado o contrato da Ópera Lírica Nacional e havendo sido extinta a
companhia de Ópera Italiana, o Governo resolve reunir as duas companhias em uma só
empresa
34
, assinando contrato para essa finalidade com Francisco Manuel da Silva, Dr.
Antonio José de Araújo e Joaquim Norberto de Souza e Silva. Francisco Manuel logo se
afastaria da sociedade, passando a exercer a função de fiscal do Governo na parte
puramente artística. A proposta da nova companhia de ópera era mais arrojada do que suas
antecessoras: em um espaço de 22 meses realizaria 110 apresentações, sendo pelo menos 46
em língua nacional.
Além disso, obrigavam-se a apresentar a cada ano duas óperas de língua nacional, o
dobro do que propusera a antiga Imperial Academia de Música e Ópera Nacional. Em uma
clara demonstração da influência de Francisco Manuel a companhia obrigava-se ainda:
admitir entre seus artistas os alunos do Conservatório de Música; sustentar uma aula de
canto aperfeiçoado e outra de declamação, que segundo o relatório do Ministro já estavam
abertas e anexas ao dito Conservatório
35
, bem como um pequeno teatro para os exercícios
dos respectivos alunos; e manter na Europa um aluno do Conservatório, designado pelo seu
Diretor, a fim de aperfeiçoar-se na composição de música. Brilhava mais forte a estrela de
Francisco Manuel da Silva e fechavam-se as portas da Corte para José Amat
36
.
33
Sobre as circunstâncias “desagradáveis” criadas pelo empresário José Amat,ver Ayres de Andrade.
Francisco Manuel da Silva e seu tempo 1808-1865 uma fase do passado musical do Rio de Janeiro a luz de
novos documentos. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1967. vol II, p. 94-95 e 103-106.
34
BRASIL. Ministro Pedro de Araújo Lima, Marquez de Olinda. Relatório da Repartição dos Negócios do
Império Apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 3ª Sessão da 11ª Legislatura. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1863. P. 29-30
35
Idem. Ibidem.
36
Interessante observar que a Enciclopédia da Música Brasileira, no seu verbete dedicado a Amat, indica
1865 como o ano de sua morte, e diz que “a partir de 1864 não se tem mais notícias sobre ele”. Entretanto,
analisando os relatórios de presidentes de províncias, constatamos que a informação não procede. Incluiremos
como anexo à tese alguns dados sobre José Amat que se estendem até o ano de 1869. Enciclopédia da Musica
Brasileira: popular, erudita e folclórica. 2. ed. São Paulo: Art Editora: Publifolha, 1998. p. 30
147
O prêmio de viagem a ser patrocinado pela nova companhia lírica, não era uma
novidade. Após se tornar uma das seções da Academia de Belas Artes, instituía-se no
Conservatório, através da Instrução de 27 de abril de 1857
37
, a premiação dos alunos e,
sendo o prêmio de viagem o de maior importância. Desta forma, ao incluir tal prêmio entre
as obrigações da nova companhia, Francisco Manuel consegue garantir a manutenção desta
prática, sem depender dos parcos recursos financeiros do Conservatório.
O prêmio de viagem era ao mesmo tempo um atestado de mérito e a real
oportunidade de aperfeiçoamento técnico nas escolas européias, o que constituía uma
importante marca de distinção. Roger Chartier, ao comentar a obra Regras das Artes de
Pierre Bordieu, afirma:
Bourdieu considera as lutas de representação, que levam ao estabelecimento
de quem é digno da categoria de artista, ou de um título, como no caso do
título acadêmico. Quem é artista? Quem é escritor? Quem é intelectual ou
filósofo? Estes conflitos para definir essas identidades remetem à luta pelo
direito ou pelo monopólio do poder da consagração estética ou intelectual, isto
é, diria Bourdieu, o monopólio do poder para dizer, como autoridade, quem
está autorizado a chamar-se escritor, ou até mesmo para se designar quem é
escritor e quem tem autoridade para dizer quem é escritor, artista ou filósofo.
Aqui, a dimensão fundamental das tensões ou dos conflitos dentro deste
espaço diz respeito aos limites destes espaços e ao direito de dizer quais são
estes limites, e ao direito de dizer quem pertence a este espaço social
particular.
38
Desta forma, percebemos Francisco Manuel sendo revestido mais uma vez do
poder de, através da atribuição de uma marca de distinção, determinar quem era digno de
ser reconhecido como músico. Para além do pertencimento a este espaço social particular,
Francisco Manuel seria determinante na escolha dos que mereceriam a atribuição de
marcas de distinção.
As obrigações dos alunos agraciados com tal distinção eram minuciosamente
detalhadas na Instrução de 1857. O aluno distinguido receberia do Estado ou do
Conservatório a pensão anual de três mil francos, valor igual aos pensionistas da
Academia de Belas Artes. O pagamento seria realizado trimestralmente, e a primeira
37
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. 25 de abril de 1857. Instruções concernentes aos alunos do
Conservatório e Música que forem mandados à Europa como pensionistas, afim de se aperfeiçoarem no
estudo da música e do contraponto. Documento anexo ao Relatório apresentado à Assembléia Geral
Legislativa na Primeira Sessão da Décima Legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do
Império Luiz Pedreira do Couto Ferraz. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1857.
38
CHARTIER, Roger. Pierre Bordieu e a história. Debate com Jorge Sergio Leite Lopes. Transcrição de Ana
Luiza Beraba e Virna Virgínia Platino. In: Topoi: Revista de História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-
graduação em História Social da UFRJ. Nº. 4, março de 2002, pp. 139-182. p. 142
148
cota, solicitando o Diretor do Conservatório de Música, poderia ser paga ainda no Brasil.
Curiosamente, a Instrução já determinava o local de estudos: Paris, mais precisamente o
conservatório de música desta capital.
Chegando à cidade o pensionista teria um prazo de quinze dias para se apresentar
ao ministro brasileiro
39
, para que este lhe facilitasse os meios de ser admitido no
Conservatório, concluindo no mesmo prazo sua inscrição na instituição. O pagamento da
pensão estava vinculado à apresentação de atestado de freqüência assinado pelo professor
ou pessoa competente do estabelecimento. Poderia o pensionista requisitar da legação
brasileira em Paris os serviços necessários para, sem prejuízo dos seus estudos, assistir
aos concertos e reuniões nos quais se executassem músicas clássicas.
O pensionista deveria manter estreita comunicação com o diretor do
Conservatório, enviando-lhe de seis em seis meses, as lições ou exercícios que realizar;
atestados de seus professores referentes ao seu aproveitamento e progresso; as obras que
compusesse; e, finalmente, os regulamentos e métodos adotados no Conservatório de
Paris, ou em qualquer outro que freqüentasse, bem como as obras clássicas e notícias
cujo conhecimento pudesse interessar ao estudo e progresso da música no Brasil.
Esta comunicação seria condição básica para uma possível permissão do Governo,
precedida de requisição do Diretor do Conservatório, para visitas às instituições
conceituadas de outros países, onde pudesse o pensionista continuar a aperfeiçoar sua
instrução musical. Em caso de premiação por algum Conservatório que freqüentar com a
permissão do Governo, receberia o pensionista mais mil francos anuais, até completar o
tempo de sua estadia como pensionista na Europa.
O pensionista não poderia dar publicidade a nenhuma obra sua, por pequena que
fosse, sem sujeitá-la previamente à revisão e aprovação de seu mestre. Porém, aquele que
no prazo de dois anos não enviasse nenhuma composição que demonstrasse o progresso
na sua técnica teria de retornar ao Brasil, perdendo a pensão. O mesmo aconteceria nos
casos de falta de aplicação; exclusão do Conservatório onde estivesse estudando;
processos envolvendo dívidas; apresentação de falsos atestados à legação brasileira ou ao
Diretor do Conservatório de Música; e aquele que tivesse um procedimento contrário à
39
Denominação do período para Embaixador.
149
moral e aos bons costumes, depois de advertido duas vezes, por escrito, pelo Ministro do
Brasil.
O primeiro aluno a ser distinguido com o prêmio de viagem foi Henrique Alves
Mesquita. Em 20 de março de 1857, portanto antes mesmo da portaria que regulamentava
as obrigações dos pensionistas, Francisco Manuel apresentava à congregação da
Academia o nome do premiado:
O Sr. Diretor apresenta a proposta da 5ª seção, para que seja mandado
pela Academia, como Pensionista do Estado, a completar os seus estudos na
Europa, o aluno da aula de Contraponto e Composição Henrique Alves de
Mesquita, premiado o ano passado com a grande medalha de ouro. Discutida a
proposta é unanimemente aprovada. O Sr. Diretor traz à Academia a questão
que se tem suscitado a cerca da cidade que mais servirá preferir para
residência do Pensionista, se Paris ou Bolonha, e depois de ouvida a opinião
de alguns Srs. Professores, decide-se por indicação do Sr. Diretor que seja
mandado para Paris, transferindo-se para Bolonha no caso de que ali se não dê
bem de saúde, ou se a Academia assim julgar necessário.
40
Partia Henrique Alves Mesquita, em julho de 1857, no vapor Petrópolis rumo a
Paris, aonde iria se tornar discípulo do célebre compositor Basin – que anos depois teria
entre seus alunos Cavalier Darbilly – no Conservatório de Paris. Se o prêmio de viagem
poderia representar uma carreira gloriosa para um jovem compositor, no caso de
Mesquita esta expectativa não se cumpriu totalmente. Envolto em uma circunstância não
totalmente explicada, a estadia do jovem maestro em Paris é motivo até hoje de uma série
de desencontros na bibliografia musical. Parece ser certo o envolvimento do músico em
uma aventura amorosa que o levaria a amargar algum tempo de prisão e ao descrédito do
Imperador, que não o perdoaria por tal falta. Mas não é certo que este incidente galante
como descreve Luiz Heitor
41
, o faria perder os estudos
42
, sendo expulso do Conservatório
de Música de Paris.
43
Em agosto de 1858, o diretor da Academia de Belas Artes comunica à Secretaria
de Negócios do Império a falta de informações sobre o pensionista Henrique Alves de
40
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Livro de registro das Atas 1856-1874. Ata da Sessão de 20 de março de
1857. Acervo Museu D. João VI. Documento Manuscrito. Notação 6152.
41
HEITOR, Luiz. 150 anos de música no Brasil (1800-1950). Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1956. p.
70
42
SIQUEIRA, Baptista. Três vultos históricos da música brasileira: Mesquita-Callado-Anacleto. Rio de
Janeiro: Edição do autor, 1969. p. 46.
43
VASCONCELLOS, Ary. Raízes da música popular brasileira. Rio de Janeiro: Rio Fundo Ed., 1991. p.184.
150
Mesquita
44
. Luiz Pedreira do Couto Ferraz, agora diretor da Instrução Pública, requer que
seja feita uma sindicância junto a Legação do Brasil em Paris sobre o pensionista
45
. Em
11 de setembro é encaminhado ao Ministro de Paris o pedido de informações sobre o
músico
46
.
Em 3 de dezembro, o Ministro responde ao pedido anunciando ter recebido uma
representação onde Henrique Alves de Mesquita explicava a falta e suplicava desculpas.
Acrescentava ter as melhores informações quanto ao comportamento e aplicação deste
jovem artista
47
. O próprio professor do Conservatório de Paris, já havia atestado a
freqüência e a aplicação aos estudos do aluno:
Je me fais un plaisir de certifier qui jusqu’a ce jour Mr. Henrique
Mesquita, qui suit mon cours d’ harmoni, traivaille avec assiduité. Je constate
aussi qu’il a obtenu de trés heureux resultats dans ses etudes. François Basin,
Professeur au Conservatoire Imperial de Musique. Paris 20 Juillet 1858.
48
Diante dos resultados alcançados pelo artista o Governo decide em 1861 prorrogar
por 18 meses o prazo de estadia do artista em Paris. Ele seria a partir de 1º de maio deste
ano subsidiado pela Ópera Lírica Nacional, nas formas do contrato celebrado entre o
Governo e o empresário José Amat
49
. Em 5 de junho de 1862, Francisco Manuel da Silva
encaminha ofício ao diretor da Academia, informando que no mês de agosto, Henrique
Alves completaria seus estudos no Conservatório de Paris. Entretanto, sem meios para
pagar seu regresso, pedia ao diretor da Academia que solicitasse do Governo Imperial
44
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minutas de ofícios da Academia sobre a falta
de noticias do pensionista Henrique Alves Mesquita. Minuta de ofício de 5 de agosto de 1858. Acervo Museu
D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 3702.
45
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Documentos relativos ao pensionista do
Conservatório de Música, Henrique Alves de Mesquita, baseado em Paris. 10 de agosto de 1858. Acervo
Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2123.
46
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Documentos relativos ao pensionista do
Conservatório de Música, Henrique Alves de Mesquita, baseado em Paris. 10 de novembro de 1858. Acervo
Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2123.
47
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Documentos relativos ao pensionista do
Conservatório de Música, Henrique Alves de Mesquita, baseado em Paris. Extrato do ofício do Enviado
Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil em Paris de 3 de Dezembro de 1858. Acervo Museu D.
João VI. Documento manuscrito. Notação: 2123.
48
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Cópia de atestado de freqüência escolar de
Henrique Mesquita passado por François Bazin, professor do curso de Harmonia, do Conservatório de Música
de Paris. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 3347.
49
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofício do Ministério dos Negócios do Império ao Diretor da Academia
de Belas-Artes. 1 de maio de 1861. Notação: 2265.
151
qualquer coadjuvação de que já há exemplo, a fim de que o referido aluno possa
recolher-se ao país no vapor francês de Setembro.
50
A resposta do Marquês de Olinda, então Ministro dos Negócios de Estado do
Império, foi seca:
Em solução ao oficio de 18 do corrente mês, em qual V. S. acedendo ao
pedido do diretor do Conservatório de Música, e de acordo com o parecer da
Congregação dessa Academia, solicita ao Governo Imperial uma ajuda de
custo para as despesas de torna-viagem do pensionista do mesmo
Conservatório Henrique Alves Mesquita, que se acha em Paris: declaro a V.S.
que não havendo verba especial para esta despesa, nenhum auxílio pode ser
concedido pelo governo para aquele fim, tanto mais quanto este mesmo favor
foi ultimamente negado ao pensionista do Estado Joaquim José da Silva
Guimarães Junior.
51
Mas em 7 de julho, a Secretaria de Estado dos Negócios do Império comunica ao
Diretor da Academia que naquela mesma data estava dirigindo Aviso ao ministro
brasileiro em Paris, para que se efetuasse no mês de agosto próximo o regresso do
pensionista. As despesas de torna-viagem correriam por conta do adiantamento de dois
meses da subvenção, mandadas pagar pelo empresário da Ópera Lírica Nacional
52
.
Como podemos observar à luz desses documentos, em nenhum momento é citado
qualquer transtorno em relação aos estudos de Mesquita em Paris. Além do atestado do
Prof. Basin aludindo a felizes resultados, Francisco Manuel afirma que o músico, em
agosto de 1862, completaria seus estudos no Conservatório daquela cidade, e seu
regresso, marcado para Agosto do mesmo. Entretanto, Baptista Siqueira afirma que
somente em 1866, Mesquita retornou ao Brasil
53
. Podemos deduzir que o fato que teria
levado Mesquita a ser privado de sua liberdade somente pode ter ocorrido no final de
seus estudos em Paris, portanto não sendo pertinente a versão corrente de que o músico
não teria completado seus estudos por ter sido expulso do Conservatório de Paris.
Mais feliz foi a viagem do segundo distinguido com o prêmio de viagem. Antonio
Carlos Gomes foi indicado à congregação da Academia de Belas Artes por Francisco
Manuel, em 13 de novembro de 1863. Autor das Óperas Noite do Castelo e Joana de
50
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do Diretor do Conservatório de
Música ao Diretor da Academia de Belas-Artes. 5 de Junho de 1862. Notação: 2265.
51
ACADEMIA DE BELAS-ARTES . Ofício do Ministro dos Negócios do Império Marques de Olinda ao
diretor da Academia de Belas-Artes. 28 de Junho de 1862. Notação: 2265.
52
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofício da Secretaria de Estado dos Negócios do Império ao diretor da
Academia de Belas-Artes. 7 de Julho de 1862. Notação: 2265.
53
SIQUEIRA, Baptista. op. cit. p. 48
152
Flandres, como destaca o diretor do Conservatório, o jovem músico deveria, às expensas
da Empresa de Ópera Lírica Nacional conforme o contrato desta com o Governo,
aperfeiçoar-se no estudo de sua arte em qualquer dos Conservatórios de Música da
Itália
54
.
Essa era conseqüência do impacto que a chegada do compositor ao Rio de Janeiro
em 1859 ocasionara no meio musical. Francisco Manuel não tardou a perceber que estava
diante de um caso singular e rapidamente tratou de vincular o talento do músico ao
Conservatório. Logo em 1861, depois da apresentação da Ópera a Noite do Castelo, que
ocorreu em 4 de setembro do mesmo ano, escrevia ofício ao diretor da Academia, onde
informava a prova de talento e aplicação que acaba de exibir o aluno do Conservatório
Antonio Carlos Gomes.
55
Este jovem filho da província de São Paulo chegou ao Rio de Janeiro em fins
do ano de 1859, e manifestando desejo de se iniciar na ciência da composição
a fim de poder com mais segurança por em prática as inspirações do seu
gênio, matriculou-se na aula de contraponto, e sendo incansável neste estudo,
conseguiu de dia em dia fazer progressos consideráveis.
Sem fazer menção de pequenas obras, compôs em 1860 uma cantata oferecida
a Sua Majestade a Augusta Imperatriz, a qual foi executada no dia 19 de
março desse ano nesta Academia, e na Augusta presença de suas Majestades
Imperiais, pelo que lhe foi conferida uma pequena medalha de ouro.
56
Ao contrário do que afirma Francisco Manuel, não foi no Conservatório de
Música que Carlos Gomes se iniciou na ciência da composição. Filho de um reconhecido
mestre de banda e professor de música, Manoel José Gomes desde cedo recebia do pai
noções de contraponto, tendo suas obras apresentadas ao público ainda em sua terra natal,
Campinas
57
. De igual forma é conhecida a pouca atenção que dispensava ao jovem
compositor (e a todos os alunos do Conservatório) o mestre Giochino Gianinni, professor
de contraponto e composição do Conservatório de Música. Luiz Heitor cita dois
biógrafos de Carlos Gomes que afirmavam com a mesma convicção a falta de paciência
para ensinar e a pouca assiduidade do mestre às aulas do Conservatório.
58
54
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Livro de registro das Atas 1856-1874. Ata da Sessão de 13 de novembro
de 1863. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação 6152.
55
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do diretor do Conservatório de
Música solicitando que esta obtenha do governo imperial uma condecoração para o aluno Antonio Carlos
Gomes. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2263.
56
Idem. ibidem.
57
CARVALHO, Ítala Gomes de. A vida de Carlos Gomes. Rio de Janeiro: A Noite Editora, 1937. p. 23 e 24
58
Os dois biógrafos são André Rebouças e Luiz Guimarães Junior. HEITOR, Luiz. Músicos e música do
Brasil. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1950. p. 161,162.
153
Se a ligação do compositor com o Conservatório não seria na exata proporção que
afirmava Francisco Manuel, correta era a descrição do efeito das apresentações realizadas
na corte, da obra do compositor campineiro:
Nesse mesmo ano fez uma Oratória que foi executada na Igreja de Santa Cruz
dos Militares por ocasião das Festas de Nossa Senhora da Piedade, com geral
aceitação dos artistas e de pessoas gradas e de apurado gosto.
Esse ano escreveu a Ópera lírica A Noite do Castelo que foi executada no dia
4 de Setembro aniversário de consorcio de Suas Majestades Imperiais: esta
composição produziu verdadeiro entusiasmo, sendo que o público vitoriou o
artista por maneira tão surpreendente, quanto surpreendente foi a composição
do jovem Mestre.
59
Já contava Carlos Gomes então com o reconhecimento de seus pares, bem como
dos que, como cita Francisco Manuel, se destacavam como pessoas gradas e de apurado
gosto. A estréia da ópera A Noite do Castelo, a que se refere o ofício do diretor do
Conservatório, foi um verdadeiro ritual de consagração, onde em meio ao delírio
frenético do público foi entregue ao jovem compositor pelo mesmo Francisco Manuel
uma batuta de unicórnio, como homenagem da orquestra; por uma comissão vinda
especialmente de Campinas, recebeu um valioso presente em nome de sua cidade natal; e
a Sociedade Campesina
60
ofertou uma coroa de ouro maciço. Em representação da ópera
semanas depois, um grupo de senhoras fluminenses ofereceu ao compositor, em cena
aberta, uma batuta de ouro finamente lavrada.
61
Para finalizar a consagração, faltavam as honras do Imperador. E é esta a
finalidade do ofício de Francisco Manuel para o diretor da Academia:
É para galardoar esse artista que hoje me dirijo a esta Academia a fim de obter
do Governo Imperial uma condecoração, como prêmio para esse moço de
talento e bom comportamento; animando-o assim a prosseguir em
semelhantes trabalhos.
A Ópera – A Noite do Castelo – é na realidade uma inspiração que honraria
qualquer Mestre digno desse nome: esta é a opinião da seção de Música, e
geralmente dos artistas, os pequenos defeitos que por ventura possam ser
notados nesta composição não a obscurecem, e são inerentes ainda aos
maiores prodígios da arte, quando enceta tão difícil carreira.
62
59
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do diretor do Conservatório de Música
solicitando que esta obtenha do governo imperial uma condecoração para o aluno Antonio Carlos Gomes.
Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2263.
60
A Sociedade Campesina, criada em 12 de Abril de 1851, iniciou seus concertos no Pavilhão Paraíso. A
princípio se caracterizava como uma orquestra composta de músicos amadores. Em pouco tempo com o
aumento do número de participantes e de sua qualidade artística, ocupou o espaço deixado pela Sociedade
Philarmônica. ANDRADE, Ayres. Op. cit. p. 239.
61
HEITOR, Luiz. Músico e música do Brasil.... p. 176
62
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do diretor do Conservatório de
Música solicitando que esta obtenha do governo imperial uma condecoração para o aluno Antonio Carlos
Gomes. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2263.
154
O Imperador responde com rapidez e no dia 20 de outubro concede o hábito da
Ordem da Rosa ao compositor, ocasião em que distingue com a mesma condecoração o
pintor Vitor Meirelles, autor de A primeira missa no Brasil. Na imprensa a comparação
entre os dois homenageados não tardou. Qualificava-se o fato da condecoração de
Meirelles ter partido de maneira espontânea do monarca, enquanto a do compositor teria
sido a pedido de uma corporação, bem como as diferenças de estágio artístico: enquanto
Carlos Gomes era a inteligência virgem a quem faltava a lição do tempo, o pintor seria o
exemplo do talento robustecido pelo estudo.
63
O prêmio de viagem aconteceria após a apresentação na corte da segunda ópera
de Carlos Gomes Joana de Flandres, em setembro de 1863. O Imperador assistiu a
performance e, segundo Luiz Heitor
64
, teria recomendado a Francisco Manuel que criasse
as condições para mandar o jovem compositor completar seus estudos na Europa. No
final do mês de outubro o Marquês de Olinda, em resposta à recomendação do diretor do
Conservatório, aprova a designação de Carlos Gomes ao prêmio de viagem
65
. Portanto, a
comunicação de Francisco Manuel à congregação da Academia em 13 de novembro é
apenas o cumprimento de uma formalidade, estando a indicação já acertada em instâncias
superiores.
Francisco Manuel depositava sua confiança na volta dos premiados como maneira
de ampliar a respeitabilidade técnica do Conservatório. Em carta endereçada a Carlos
Gomes, aconselhava a não se perder em poéticas inspirações que o afastasse do método
indicado por Lauro Rossi, emérito compositor e professor do Conservatório de Milão, e
antevia o momento no qual o jovem artista, completados os seus estudos científicos da
arte, haveria de transmitir seus conhecimentos aos alunos do nosso jovem
Conservatório.
66
A constante atenção com o Conservatório não deixaria de se revelar nem mesmo
nos últimos dias da vida do renomado músico. Quatro dias antes de sua morte, já
combalido, escreve ao Ministro dos Negócios do Império solicitando uma licença de três
meses, que deveria ser concedida sem delongas, pela natureza grave de sua enfermidade e
63
Diário do Rio de Janeiro, 17 de novembro de 1861. apud. HEITOR, Luiz. Músicos e música... p. 177
64
HEITOR, Luiz. Músicos e música no Brasil....p. 199
65
Idem, ibidem.
66
Carta de Francisco Manuel da Silva a Carlos Gomes. Apud: HEITOR, Luiz. Músicos e músicos do
Brasil.....p. 209
155
pelo risco de comprometer o restabelecimento de sua saúde ou mesmo da sua própria
vida
67
. Mesmo sob o impacto da ameaça à sua existência, Francisco Manuel ainda
encontra espaço para orientar o Ministro sobre duas de suas preocupações centrais: a
construção do novo prédio para o Conservatório e a sua sucessão na direção da
instituição:
No estado atual a minha ausência deve acarretar alguns obstáculos a marcha
do Conservatório de Música, que o Governo Imperial confiou a minha
direção, por isso peço respeitosamente permissão para dar alguns
esclarecimentos para que na minha ausência se possam remover as
dificuldades.
Logo que fui autorizado para mandar construir o edifício do Conservatório
ofereceu-se o Major Dr. José Carlos de Carvalho para gratuitamente tomar a
direção da obra. Aceitei imediatamente esta oferta e considerei-a de imensa
vantagem porque além do mais me exonerava de toda a responsabilidade. (...)
A não ser o estado valetudinário do Tesoureiro do Conservatório o
Reverendíssimo Padre Manuel Alves Carneiro seria ele incontestavelmente a
pessoa idônea para dirigir o Conservatório não só pelo conhecimento pleno
que tem dos negócios do mesmo Conservatório, mas ainda por sua
reconhecida e proverbial sisudez. Devia imediatamente na falta deste
substituir-me o mui digno secretário deste Conservatório Antonio Luiz de
Moura a este, porém faltam as habilitações e conhecimentos que sobram
naquele, com quanto seja um excelente artista e pessoa de reconhecida
probidade.
68
Reconhecendo o Padre Manuel Alves de Carneiro como seu mais idôneo sucessor,
156
qualidades artísticas ou pessoais, era necessário que o novo Diretor tivesse acesso aos
níveis de decisão da administração do Governo Imperial. Thomaz Gomes dos Santos,
diretor da Academia, por suas atribuições já assumidas dentro do Governo
70
, poderia ser
o nome indicado para esta finalidade.
O Aviso determinando ser o diretor da Academia o responsável pela condução do
Conservatório durante o período de licença de Francisco Manuel chega às mãos do
Conselheiro Thomaz Gomes dos Santos momentos antes do anúncio da morte do bravo
músico
71
. Ainda sob o impacto da notícia, o Conselheiro aconselha o Governo a colocar
na frente do estabelecimento um sucessor digno do falecido maestro, um mestre que pelo
seu mérito profissional, mereça o respeito dos alunos e a deferência dos professores
72
. A
quem caberia tal distinção?
A morte de Francisco Manuel abre o ambiente para os embates em torno das
tentativas de preencher a lacuna de liderança deixada pelo mestre. Entretanto, as
atividades musicais vão assumindo uma proporção maior do que a realidade vivenciada
até então na sociedade dos músicos. A próxima década revelará novos espaços sociais de
atuação, assim como o aumento das atividades relacionadas com a produção musical.
Entre esses espaços, o teatro será um importante lugar de atuação da sociedade dos
músicos. Esta atuação estava sobremaneira vinculada a uma estrutura denominada
“companhia”, comandada de maneira estrita pelo empresário. O empresário era o
responsável pela arregimentação dos artistas, músicos e técnicos que davam vida e cor aos
espetáculos líricos ou dramáticos que dominavam a cena nacional.
Em um primeiro momento a atuação dos empresários está diretamente relacionada à
subvenção do Governo aos espaços de atuação profissional destes agentes. Assim, além dos
aspectos técnicos que mencionamos, o empresário necessitava ser um hábil articulador,
pois era do sucesso de suas relações sociais e políticas que dependia a possibilidade de
acesso ao patrocínio governamental, representado nas concessões de subvenções que
viabilizavam a produção cultural no âmbito dos teatros.
70
Médico da Câmera Imperial, Vice-Presidente da Província do Rio de Janeiro.
71
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minuta de ofício do Diretor Interino do
Conservatório de Música ao Ministro do Império informando o falecimento do seu diretor Francisco Manuel
da Silva. Notação: 2127.
72
Idem. Ibidem.
157
Silvia Martins de Souza afirma que a prática das concessões de subvenção estava
diretamente relacionada a uma política de boas relações entre os empresários e os
deputados e senadores responsáveis por sua aprovação. Logo, diz a autora, os favorecidos
eram sempre aqueles que usufruíam de uma situação de livre trânsito entre parlamentares
influentes. Destaca ainda o peso simbólico de que estas deferências eram revestidas, como
marcas de reconhecimento e diferenciação.
73
As relações, obrigações e poucos direitos destas companhias eram estipulados em
forma de “regulamento”, que além de normatizar detalhes da atuação profissional também
regulamentava as regras de convivência e trabalho, revelando uma intrincada rede de
hierarquias e funções. Nada que pudesse arrefecer as intrigas e brigas por posições de
destaque. Conta Martins Pena, em seu Folhetim sobre a temporada lírica do Teatro São
Pedro, publicado no Jornal do Comércio no dia 3 de agosto de 1847, o caso do tenor
Clemente Mugnay
74
, que ouvindo uma observação picante de sua colega, a Sra. Canonero,
durante os ensaios da ópera Safo, jurou vingar-se em pleno espetáculo.
Mugnay teria às suas ordens, segundo as palavras de Martins Pena, uma companhia
de cavalheiros de lustro, tornando assim fácil concretizar as ameaças que impingia aos seus
colegas de palco. Também imprimia um periódico, distribuído gratuitamente, em cujas
colunas alguns de seus colegas são maltrados por maneira pouco decente. No dia do
espetáculo a expectativa era grande:
Desceu o pano para finalizar o primeiro ato, e subiu para dar começo ao
segundo. Viu-se então Climene sentada a uma mesa, mirando jóias e as suas
damas toucando-a. Aproximava-se o momento da pateada. O juiz, que havia
recebido denúncia da ameaça que o Sr. Mugnay fizera a Sra. Canonero, olhava
para a platéia com escrutadora atenção; a platéia olhava para Sua Senhoria e para
a Sra. Canonero, e esta olhava para a platéia; e neste cruzar de vistas o coro das
damas ia seguindo o seu caminho. Levantou-se a Sra. Canonero e o tumulto
rebentou. Não se lhe pode dar o nome de pateada, porque esta tem também as
suas fórmulas; foi, pois uma assuada que rompeu na platéia contra a cantora, à
qual se dirigiam insultos e doestos.
75
A ação do Juiz Inspetor foi implacável: estando junto à platéia, prendeu um dos
ouvintes que participou da manifestação, e tendo confirmado através deste o envolvimento
do tenor Mugnay e não aceitando, deste, os esclarecimentos, espera o final da representação
73
SOUZA, Silvia Martins. As noites do Ginásio: teatro e tensões culturais na Corte (1832-1868). Campinas,
SP: Editora da Unicamp, CECULT, 2002. p. 48
74
Clemente Mugnay foi também empresário, contratado pela Província da Bahia durante os anos de 1857 a
1860, para com uma companhia lírica ocupar o Teatro de S. João.
75
PENA, Martins. Folhetins - A semana Lírica. INL: Rio de Janeiro, 1965. p. 311-313
158
para recolher à prisão, por uma noite, o artista indelicado. Sua atuação era completamente
respaldada pelo Regulamento da Polícia Interna do Teatro, editado em 10 de junho de
1833
76
, uma tentativa do Estado em ordenar e controlar comportamentos no interior do
teatro. Dos seus 16 artigos, três são dedicados diretamente aos artistas que se apresentavam
nos palcos
77
:
Art. 4º. Se qualquer ator por gestos, ou palavras, ofender em cena a
decência publica, ou cometer algum abuso contrário a moral, e ao respeito
devido ao público será preso em flagrante, logo que se recolher aos bastidores, e
conduzido a cadeia depois que acabar a parte, que tiver que executar.
Art. 15º. Em tudo que respeita a regularidade, decência, e pontualidade do
espetáculo, deverão os atores, e mais empregados no Teatro cumprir
prontamente as ordens do Inspetor, tendentes ao bom desempenho de cada um.
Art. 16º. Os atores, e mais empregados no Teatro que não cumprirem as
ordens do Inspetor, e bem assim quaisquer outras pessoas, que infringirem as
disposições deste Regulamento Policial, serão processados como desobedientes,
na forma dos arts. 203 e 204 do Código do Processo, e incorrerão nas penas do
art. 128 do Código Criminal.
Mas não eram somente às normas e punições do Estado que estavam sujeitos os
artistas dos teatros do Império. Havia também uma regulamentação interna das
companhias, que não somente determinava as regras de convivência e trabalho como
revelava uma intricada rede de hierarquias e funções a serem observadas, como demonstra
o Regulamento
78
de uma companhia lírica italiana que em 1855 atuava no Teatro São Luis.
Esse Regulamento compõe-se de dez capítulos, organizados na seguinte ordem:
Capitulo I, dos ensaios; Capitulo II, dos espetáculos, Capitulo III, do regente e professor de
orchestra; Capitulo IV, dos mestres; Capitulo V, do contra-regra; Capitulo VI, do fiel;
Capitulo VII, do ponto; Capitulo VIII, do arquivista; Capitulo IX, do avisador; Capitulo X,
disposições gerais. Esses capítulos estão subdivididos em um total de 50 artigos, 22 deles
demarcando valores de multas para diversas infrações, 20 artigos garantindo as
responsabilidades e poderes do empresário, e o restante especificando detalhes de funções
de cada cargo e outras conveniências.
76
BRASIL. Aviso de 10 de Junho de 1833. Colleção das Decisões do Império do Brasil. 1833. N.º 307. -
Justiça. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1873. p. 212-215
77
Os outros artigos referem-se aos empresários, a função do Inspetor e, sobretudo, ao comportamento do
público. Voltaremos a esse documento no capítulo destinado ao Público.
78
MARANHÃO. Relatório do presidente da província do Maranhão, o doutor Eduardo Olimpio Machado,
na abertura da Assembléa Legislativa Provincial no dia 3 de maio de 1855, accompanhado do orçamento da
receita e despesa para o anno de 1856, e mais documentos. Marannão [sic]: Typ. Const. de I.J. Ferreira,
1855.
159
O empresário reunia em si as funções de diretor artístico e administrativo da
companhia, exercendo o seu domínio através de aplicações de multa e distribuição de
cargos. Assim, de acordo com o Regulamento, cabe ao empresário o pleno arbítrio na
distribuição dos papéis, que mesmo depois de distribuídos ou executados poderiam, se
assim fosse conveniente, ser trocados e confiados a outros artistas, sem que ninguém
pudesse julgar-se com direito de protestar contra essa deliberação (Cap. X art. 39). Era ele
quem designava as posições que os professores deveriam ocupar na orquestra e concedia
dispensas de ensaios ou de espetáculos (Cap. III, art. 20 e 23). Também determinava as
tarefas do mestre, proibindo que sem a sua permissão, mesmo sob a requisição dos artistas,
fosse suprimido, transportado
79
ou substituído qualquer trecho da música a ser executada
(Cap. IV. art. 25 e 26). Sem a sua licença era vetada a pessoa alguma estranha à companhia
assistir aos ensaios, excetuando os pais, irmãos, esposos e criados das damas (Cap. I, art. 1).
Aos artistas cabia comparecer aos ensaios, para os quais poderiam ser convocados
em casa ou mesmo na rua até meia hora antes do início destes (Cap. I, art. 4), e estar no
teatro, nos dias de espetáculo, uma hora antes de seu início. Nos dias de festividade
nacional, essa antecedência era maior ainda, a fim de que o mesmo pudesse ter lugar, logo
que estivesse presente a primeira autoridade da Província (Cap. II, art. 6). Era dever
também dos artistas, quando houvesse a primeira representação de uma ópera, observarem
se estavam ou não providos de tudo o que lhes fosse necessário para o espetáculo, a fim de,
no caso de falta, prevenir até o meio dia o empresário ou diretor, que tomaria as
providências como fosse conveniente (Cap. II, art. 15).
A eles não era permitido sair dos limites da cidade sem a devida licença do
empresário (Cap. X, art. 38), nem recusar-se a desempenhar um papel secundário nos dias
de festividade nacional ou para remediar uma falta repentina, evitando assim alteração de
última hora do espetáculo (Cap. X, art. 40). No caso de realização de Benefício em seu
favor
80
, cabia ao artista toda a despesa extraordinária, assim como a diária, ficando a
79
O sentido de transportar aqui, se refere à tonalidade da música. Desta forma, tentava-se policiar a prática,
por parte dos cantores, de baixar a tonalidade para facilitar o alcance de notas agudas, o que era encarado com
severidade pela crítica e diletantes. A utilização deste recurso demonstraria a pouca habilidade técnica do
intérprete, ou sua inadequação ao papel a ser representado.
80
Benefício era um espetáculo onde a renda era revertida em favor do artista (ou de uma determinada pessoa
ou instituição). Muitas vezes o número de benefícios ou mesmo a existência dele era objeto de contrato entre
artistas e empresários.
160
escolha do espetáculo dependente da aprovação do empresário, sendo obrigado a repeti-lo
em proveito da companhia (Cap. X, art. 41 e 42).
Um dos itens mais curiosos do Regulamento que está diretamente ligado aos artistas
é o que determina o tempo máximo de estudo e preparação das obras musicais (Cap. 1, art.
2). Assim, para o estudo ou ensaio de uma ópera o tempo máximo fixado era de 15 dias;
para uma ária, um dueto, outra peça de música, 2 dias. Imaginando que uma ópera compõe-
se de dezenas de árias, duetos, trios e coros, pode-se ter uma idéia do quão inapropriado
representavam 15 dias como tempo máximo de preparação.
Ao regente da orquestra competia, além de manter a ordem da mesma e exigir os
ensaios que julgasse convenientes para a perfeita execução musical das peças, providenciar
os substitutos para as faltas temporárias de qualquer professor
81
, devendo sempre informar
a tal respeito ao empresário ou na falta deste, ao mestre da companhia. Era de sua obrigação
assistir aos últimos ensaios dos cantores com piano
82
, e desta forma tomar conhecimento
dos andamentos
83
que o mestre determinar (Cap. III, art. 17), bem como fornecer, quando a
empresa o ordenasse, aberturas e sinfonias para os intervalos.
Esta ultima função devia ser bem observada, pois não era somente no caso de desejo
ou necessidade da companhia que a orquestra deveria executar peças avulsas. Também o
Inspetor do Teatro poderia demandar tal participação, de acordo com os artigos 1º e 3º do
Regulamento da Polícia Interna do Teatro
84
. Em duas ocasiões o Inspetor fará tocar a
orquestra, diz o Regulamento: quando os intervalos se prolongarem além do necessário,
para se fazer menos sensível a demora, e quando houvesse de ser interrompida, por
qualquer motivo, as récitas de discursos ou poesias realizadas pelo público.
Aos músicos da orquestra caberiam duas funções básicas: tocar e obedecer.
Obedecer ao empresário, ao mestre e ao regente. A desobediência era considerada falta
grave, e, junto com a falta de freqüência, a negligência, a omissão, o erro indesculpável e o
mau procedimento no serviço poderiam levar à demissão sumária, efetivada pelo
empresário. Esse também era o caso quando injúrias, ofensas e/ou ameaças eram dirigidas
pelos músicos ao mestre ou empresário. Interessante observar, que nas categorias listadas
81
Professor de Orquestra é como são chamados os músicos que compõe o corpo orquestral. Esse tratamento é
utilizado até hoje.
82
Essa é uma pratica regular na montagem de óperas: primeiro ensaios com piano, depois com a orquestra
completa.
83
O termo Andamento refere-se ao “tempo” que a obra deve ser executada, se mais rápida ou mais lenta.
84
Aviso de 10 de Junho de 1833. op. cit. p. 213
161
pelo Regulamento, a única em que era prevista a possibilidade de demissão era a categoria
dos professores de orquestra (Cap. III, art. 24). Ao mesmo tempo, os músicos não eram
tratados como artistas, nem tampouco como empregados, e a listagem de situações que
poderiam levar à demissão revelam uma relação de tensão entre estes e a companhia. Sobre
isso falaremos detalhadamente nos próximos parágrafos.
Dos mestres era incumbência executar os trabalhos determinados pelo empresário
ou diretor, como ensaios, espetáculos, revisão de partituras, instrumentação de qualquer
peça ou composição. Como citamos anteriormente era proibido ao mestre, sem a permissão
do empresário, mesmo sob requisição dos artistas, suprimir, transportar ou substituir
qualquer trecho da música a ser executada (Cap. IV. arts. 25 e 26). O mestre deveria, ainda,
participar ao empresário as faltas de comparecimento dos artistas, tanto aos ensaios, como
aos espetáculos, bem como qualquer infração ao Regulamento, com a finalidade de tornar
efetivas as multas nele estabelecidas.
O contra-regra deveria assistir a todos os ensaios de cena e espetáculos,
apresentando-se diariamente ao empresário na hora marcada. Era sua função prevenir os
artistas a tempo, indicando-lhes o lugar e a ocasião das entradas e saídas; dar com
antecedência a nota dos comparsas, e da gente de movimento (figurantes) que tivessem de
entrar no espetáculo ou ensaio; exigir antecipadamente todos os arranjos e preparativos de
cena, a fim de que nunca faltasse nada; verificar nos ensaios e espetáculos se os comparsas,
a gente de movimento, e os serventes estavam em seus respectivos lugares. Como última
obrigação, nunca dar o sinal de levantar o pano sem ordem do empresário ou diretor.
O fiel da companhia era o responsável pela guarda dos móveis, alfaias e demais
objetos do teatro; bem como pela limpeza do edifício e tudo que disesse respeito ao seu
asseio interno e externo. Era ainda de sua função providenciar que não faltasse água potável
e fiscalizar a iluminação; velar sobre os depósitos de água e outros objetos necessários para
o caso de incêndio; mandar afixar os cartazes; e cumprir as ordens dadas pelo empresário
(Cap. VI, art. 32).
Ao ponto da companhia
85
, além das funções próprias de seu cargo, deveria
comparecer à hora marcada para os artistas e empregados; e assistir não só aos ensaios de
orquestra, como aos quatro últimos de piano, se assim fosse preciso (Cap. VII, art. 33). O
85
A principal função do ponto é ler a fala dos atores para evitar falhas de memória.
162
arquivista, além de manter em boa ordem toda a música da empresa, deveria ter total
controle sobre qualquer tipo de empréstimo de partituras, não podendo realizar nenhuma
concessão, a não ser sob as ordens diretas do empresário ou do mestre. Como responsável
pela música, era sujeito a pagar indenização por extravio de qualquer partitura (Cap. VIII,
art. 35). O avisador tinha a obrigação de estar todo o dia às ordens da companhia, para
qualquer serviço que fosse preciso, assim como obedecer às ordens dos mestres (Cap. IX,
art. 37).
Como citamos anteriormente, dos 50 artigos que compõe o Regulamento, 22
contemplam punições em forma de multas. Essa listagem de atitudes ou comportamentos
indesejáveis forma um painel da hierarquia de valores que deveriam reger as relações
internas das companhias, agindo, sobretudo, como uma tentativa de controle,
principalmente dos artistas, no que diz respeito aos hábitos e à submissão ao poder do
empresário.
86
A multa mais severa, que correspondia à totalidade do salário mensal, era aplicada
em três casos: quando o artista faltasse ou ocasionasse por algum motivo alteração ou
transferência do espetáculo; quando o artista por qualquer motivo promovesse, direta ou
indiretamente, insultos e pateadas a alguns de seus companheiros (nosso Mugnay, além de
passar uma noite na cadeia, se fosse membro dessa companhia, ainda perderia seu rico
ordenado!); e na desobediência em objeto de serviço. A desobediência é explicada: toda
ação que perturbar a ordem e o decoro em ocasião de serviço, assim como qualquer
alteração entre artistas e empregados que não terminar às primeiras advertências do
empresário, ou do mestre, será qualificada de desobediência, e como tal punida. (Cap. X,
art. 45). Uma segunda faixa de punição também era exclusiva dos artistas. Ela poderia
variar entre 20 e 50% do salário mensal e era aplicada em caso de recusa ao desempenho de
um papel secundário, para remediar uma falta repentina, ou evitar a alteração do espetáculo
à última hora ou em dia de festividade nacional.
As multas que variavam entre 10 e 50% do salário, e que integram um terceiro nível
de punição, estavam ligadas diretamente ao espetáculo e eram, por conseqüência, aplicáveis
essencialmente aos artistas. Eram motivos para a aplicação da multa: chegar atrasado, faltar
86
Anexo a este trabalho, uma tabela completa das multas previstas no Regulamento.
163
ou ausentar-se antes do término do ensaio geral
87
, sem impedimento justificado; fazer
demorar o espetáculo em sua exibição ou continuidade; escusar-se de cantar nos
espetáculos, a não ser por motivo de moléstia. Estava também sujeito à multa, o artista que
por negligência ou quaisquer outros motivos, cometesse erros notáveis em cena, praticasse
ações que deturpassem o papel, ou alterasse o figurino.
A quarta faixa de punição, variando entre 5 e 50% do salário, era uma tentativa de
resguardar a imagem artística da companhia e suas opções de repertório. Assim, era
proibido ao artista ou empregado do teatro, diante de pessoas estranhas à companhia, emitir
juízo desfavorável sobre qualquer peça, que se ache em ensaios ou execução, sob pena de
sofrer a multa.
Uma quinta faixa de punição era destinada exclusivamente aos professores da
orquestra. Variava entre 5 e 40% do salário e era aplicada no caso de desobediência, injúria,
ofensa ou ameaça ao mestre ou empresário. Mas a multa era aplicada apenas uma vez;
havendo reincidência, a solução prática e eficiente era a demissão.
A próxima faixa de punição era direcionada a ordenar os bastidores das
apresentações, podendo ser aplicada aos artistas, empregados, comparsas e serventes. Era
da ordem de 4 a 30% do salário, e punia aquele que não mantivesse seu respectivo lugar,
conversasse em voz alta, fumasse, “passeasse”, ou praticasse alguma ação que alterasse a
ordem, a decência e a regularidade dos trabalhos. Também proibia aos citados aproximar-se
dos bastidores ou de outro lugar de onde pudessem ser vistos pelo público.
O artista ou empregado que tivesse dado parte de doente não poderia sair à rua sob
pena de incorrer em multa, que variava entre 10 e 20% dos salários. A última faixa de
multas, novamente bastante direcionada para os artistas, criava mecanismos de
subordinação destes à companhia; assim, sob a pena de serem multados em valores que
variavam de 2 a 20% dos salários, não poderiam os artistas sair dos limites da cidade sem
licença do empresário; chegar atrasado, faltar ou se ausentar antes do término do ensaio
parcial
88
, sem impedimento justificado (essa penalidade era aplicada também aos
empregados); nem recusar o figurino fornecido pela companhia. Ainda podia ser aplicada
no caso de não se encontrar o artista em casa ou no teatro, mesmo que não tenham sido
87
É o último ensaio que precede o espetáculo. Geralmente é feito sem interrupções para correções e com todo
o material de cena a ser utilizado, como figurinos, cenários, iluminação e etc.
88
Ensaio que não é o Geral.
164
designados para determinado serviço, em caso de necessidade de sua atuação para suprir as
faltas que pudessem ocorrer.
De certo, assim como podemos ver com o caso da pateada organizada pelo
Mugnay, os comportamentos que o Regulamento tentava ordenar eram uma constante no
dia-a-dia das companhias, marcado principalmente pela rígida presença do empresário. As
punições mais severas estavam relacionadas com a desobediência, a injúria, a ofensa, e as
ameaças à não realização dos espetáculos, pelos quais recebiam os empresários as
subvenções. A própria vida particular dos artistas, estava de alguma maneira controlada por
esta figura, uma vez que deveriam os primeiros estar sempre de sobreaviso para compensar
as faltas de outros, nem mesmo podendo ausentar-se da cidade sem a devida autorização.
Mais explícita fica a tensa relação entre músicos e a rígida organização das companhias.
Como citamos anteriormente, é com dificuldade que entendemos como situar,
dentro da companhia, os professores da orquestra. Em alguns pontos poderíamos supor que
o Regulamento os fixava como artistas, mas logo em seguida poderíamos entender que
eram reconhecidos como empregados, para adiante ver um capítulo dedicado ao Regente e
Professores colocando-os como categoria à parte. E é desta forma que a comissão
encarregada de reorganizar o Teatro S. Pedro, em 1851, relacionava em suas Informações
sobre o estado do Theatro da Corte
89
, os professores da orquestra: nem como artistas nem
como empregados da Companhia Lírica. Como artistas constavam os cantores solistas de 1ª
e 2ª partes e os coristas; a única exceção era Giovanni Tronconi, harpista contratado na
Europa para integrar a orquestra do teatro. Como empregados da companhia figuravam
apenas o regente da orquestra, o violinista João Victor Ribas; o diretor da companhia,
Francisco Manuel da Silva; os diretores de cena, dos coros e o ponto; o mestre, o
escriturário e o arquivista da música.
Tronconi era mesmo uma exceção, não somente pela deferência de ser tratado como
artista, como pelo salário que recebia: 1:848$000. No mesmo documento citado, a
Comissão relatava ter gasto com a orquestra, em cem apresentações, a quantia de
21:000$000, ou seja, 210$000 por récita! Só a Prima-dona Regina Stolz recebia anualmente
89
BRASIL. Informações dadas pela Comissão Diretora do Teatro da Corte sobre o estado do mesmo Teatro.
Documento anexo ao Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na quarta Sessão da oitava
legislatura pelo Ministro e Secretario d’ Estado Visconde de Monte Alegre. Rio de Janeiro, Typographia
Nacional, 1852.
165
a quantia de 28:000$000, como podemos ver abaixo, na reprodução da relação de
vencimentos da companhia
90
:
Ilustração 9
Fonte: Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa
na quarta Sessão da oitava legislatura pelo Ministro e Secretario d’ Estado Visconde de Monte Alegre.
Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1852
.
Se pensarmos que na temporada lírica de 1851 e na de 1852 foram levadas à
cena óperas de Donizzeti (Lucia de Lammermoor, O Elixir de Amor, entre outras) e Bellini
(Norma, A sonâmbula, e os Puritanos)
91
, podemos deduzir que a orquestra utilizada não
90
Idem. Ibidem.
91
Sobre as óperas apresentadas nos Teatros do Rio de Janeiro entre 1851e 1852, ver Ayres de Andrade, op.
cit. p. 20 a 29.
166
poderia ser de poucos integrantes. As instrumentações destas óperas seguiam um padrão de
orquestração que utilizavam, no mínimo, duas flautas, dois oboés, duas clarinetas, dois
fagotes, quatro trompas, dois trompetes, três trombones, uma tuba, tímpano, três
instrumentos de percussão
92
, harpa, violinos I e II, viola, violoncelo e contra-baixo. Ou
seja, só de instrumentistas de sopro, percussão e harpa eram vinte e três músicos. O naipe
de cordas podia ser mais variável dependendo da estrutura da orquestra, mas com certeza
não poderiam deixar de ser pelo menos três violinos I, três violinos II, duas violas, dois
violoncelos, e um contra-baixo, ou seja, no mínimo onze instrumentistas.
Desses instrumentistas podíamos descontar a figura do Regente, que, como
demonstra a relação de empregados da Companhia Lírica, era exercido pelo 1º violino, o
Sr. João Victor Ribas. Concluindo, era de se esperar que esta orquestra fosse formada de
pelo menos 33 músicos. Contratados ao preço de 210$000 por récita, ou seja, 6$363 por
músico, cada um destes receberia, então, pela temporada de cem representações a
importância de 636$300. Um nível salarial que se equivalia ao do escriturário da
Companhia, ou das partes menos valorizadas do coro. Mas qual a razão do baixo salário
dos músicos em relação aos números gerais da Companhia Lírica?
Sobre isso quem nos socorre é Martins Pena, que nos seus Folhetins de 3, 19 e 25 de
agosto de 1847
93
relata a crise que havia se abatido no Teatro S. Pedro e seus
desdobramentos com a orquestra. Os professores, inconformados com o baixo valor de seus
rendimentos, reclamavam da forma como estes eram calculados, com base no número de
espetáculos. Esqueciam os em-0.85 2>>BDC 2d6 Tw5 0 T cada um des 0.1596 Tw 0 8 Tc númerosensai 0 8 T queaentcediaom ab
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167
músicos receberam por quatro funções, quando na realidade trabalharam outras 19. Prejuízo
certo!
Mas as negociações para um novo método de pagamento não eram simples de serem
realizadas. Os temores e desconfianças de ambas as partes, embora muito mais por parte
dos músicos, refletia-se na tentativa de elaboração de uma representação a ser enviada aos
empresários. Na tentativa de evitar retaliações contra um possível chefe da “revolta”, os
músicos resolveram assinar a dita representação em círculo, evitando assim a
personificação de um primeiro signatário como “cabeça” do movimento.
Mas a alguém cabia entregar o documento. A escolha recaiu sobre Cláudio Antunes
Benedito, trompista e também regente da orquestra do S. Pedro, que durante as tentativas
de negociação acabou sendo declarado como opositor aos interesses da Companhia, e,
portanto, demitido. Todos os professores pediram demissão e ficou assim o Teatro S. Pedro
sem orquestra. Não por muito tempo, pois se aproximavam os dias de festividade nacional,
onde por contrato os empresários deveriam dar espetáculos de gala. Assim, tentam
convencer o clarinetista João Bartholomeu Klier a arregimentar uma nova orquestra, no que
não foi bem sucedido.
A diretoria da Companhia resolve então representar ao Ministro da Justiça,
prevendo o terrível constrangimento que iria passar se não realizasse os seus espetáculos
nos dias de gala, 4 e 7 de setembro. O Ministro convoca Francisco Manuel da Silva para
intermediar a difícil situação, e, não querendo os músicos assumir o ônus de uma briga
política a esse nível, nomeiam uma comissão para oferecer ao Senhor Ministro seus
serviços para os dias de gala, sem retribuição alguma. Assim resolveu-se a complicada
situação e de todos quem levou a melhor foi o clarinetista João Bartholomeu Klier, que no
Almanaque Laemmert de 1848
94
figura como regente da orquestra do Teatro S. Pedro.
Notamos no episódio envolvendo os professores da orquestra do S. Pedro, a
presença de Francisco Manuel da Silva e mais uma vez sua relação de proximidade com os
círculos de poder do Império. Aliás, uma coisa que chama a atenção é o fato de que os
vencimentos deste compositor não aparecem na listagem dos artistas e empregados da
Companhia Lírica, que reproduzimos anteriormente. Refizemos os cálculos da listagem e
vimos que, somando os valores que aparecem, o resultado não poderia ser de 145:315$600,
94
Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de
1848. Organizado e Redigido por Eduardo Laemmert. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1848.
168
como está escrito ali. A soma encontrada resulta no valor de 136.828$000, ou seja, uma
diferença de 8:487$600. Seria este o valor do vencimento anual do diretor da Companhia?
Na verdade, de acordo com o contrato de Francisco Manuel com a Companhia
Diretora do Theatro Lyrico firmado em 27 de setembro de 1851
95
, seus vencimentos seriam
calculados da seguinte maneira: 3% de toda a receita que produzirem os espetáculos e mais
10% sobre a economia que houver na despesa de todo o material, comparada com a do
orçamento que a Comissão fizer quando se julgar para isso habilitada. Podemos perceber
nesta negociação o reconhecimento e a diferenciação que Francisco Manuel gozava entre
seus pares.
Refletindo sobre a posição de Francisco Manuel como diretor da companhia,
podemos enxergar uma questão que não havia ficado esclarecida anteriormente. No
Regulamento da Companhia Lírica, ao qual nos referimos anteriormente, embora não
constasse discriminado o cargo de diretor da companhia notamos que em algumas
passagens o texto se refere às atribuições desta função.
A necessidade deste cargo surgia no momento em que os empresários
encarregados de determinadas companhias não tinham o conhecimento – ou o
reconhecimento – artístico para exercer com autoridade esse poder específico, ou
simplesmente quando o empresário não podia estar presente no dia-a-dia da companhia.
Podemos então afirmar que as atribuições de um diretor, como constam no contrato de
Francisco Manuel, em muito se assemelham com as de empresário, subentendidas no
Regulamento maranhense: fazer a programação artística, distribuir o serviço dos mestres
e demais artistas, conceder aos artistas licenças de ensaios, escolher o regente e formar a
orquestra, mandar verificar as partes de doente dos artistas pelo médico da casa, entre
outras.
*****
Mas voltemos ao ano da morte de Francisco Manuel e ao âmbito do Conservatório
de Música. Francisco Manuel da Silva, preocupado com a sobrevivência do
estabelecimento, designa como seu sucessor o diretor da Academia de Belas Artes, o
Conselheiro Thomaz Gomes dos Santos. Este, por sua vez, demonstrava ser imperativa a
95
Apud Ayres de Andrade. Op. cit. Vol II, p. 25-26
169
presença de um músico de mérito na direção da instituição, um mestre que pudesse ao
mesmo tempo ter a deferência dos professores e o respeito dos alunos
96
. O Governo não
ouviria o argumento do Conselheiro, mantendo até os últimos dias de funcionamento do
estabelecimento a direção do Conservatório sob a égide da Academia de Belas Artes.
Porém, durante toda a gestão do Conselheiro Thomaz Gomes de Souza, os anúncios do
Conservatório no Almanaque Laemmert o qualificavam como Diretor Interino da
instituição.
97
O novo diretor encontrou em Arcângelo Fioritto os seus ideais de músico de
mérito. Cantor, nascido em Nápoles, Itália, freqüentou no Real Conservatório desta
cidade a classe de harmonia de Saverio Mercadante
98
, a de canto de Louis Lablache
99
.
Veio para o Brasil na comitiva da Imperatriz Tereza Cristina, em 1843, sendo no mesmo
ano nomeado para o coro da Capela Imperial
100
. Pouco assíduo às funções desta
instituição, era, no entanto, participante ativo das temporadas líricas da Corte até o ano de
1852, quando interrompeu as suas atividades no teatro. A crítica de Martins Pena nem
sempre era favorável às performances do baixo:
Cumpre-nos agora felicitar os dilettanti pela reaparição do Sr. Fioritto (...).
Está a mesma pessoa, seja Deus louvado; gordo e anafado como sempre o
conhecemos. Ainda é o grande depósito de voz de toda a companhia; mas
está na mesma posição de um milionário alienado que, não sabendo empregar
proficuamente seus cabedais, atira as burras cheias de ouro pelas janelas fora e
esmaga as cabeças dos que vão passando. O Sr. Fioritto entende que basta ter
voz, que não é mister modulá-la como a música lhe indica, que isto de
cadências, de harmonia, são tudo pêtas....
101
Não só no Conservatório Fioritto ocupa os espaços deixados por Francisco
Manuel. Em 1866 é nomeado Mestre Compositor Honorário da Imperial Câmera, e na
Capela Imperial, onde exercia de maneira discreta a função de mestre-capela, ante a
ampla liderança de Francisco Manuel, passa a ter domínio sobre a instituição, afastando
96
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minuta de ofício do Diretor Interino do
Conservatório de Música ao Ministro do Império informando o falecimento do seu diretor Francisco Manuel
da Silva. Notação: 2127.
97
Almanaque Laemmert, 1866 a 1874.
98
Saverio Mercadante (1795-1870). Compositor e professor italiano, considerado uma figura de transição na
escola de composição de óperas italianas, estando entre Gaetano Donizetti, Rossini, Bellini e Giuseppe Verdi.
99
Luigi (Louis) Lablache (1794-1858). Cantor franco-italiano, nascido em Nápoles. Professor de canto da
Rainha Vitória em Londres. Reconhecido como um dos maiores baixo-cantante de sua época apresentou-se
nos principais teatros da Europa entre os anos de 1830 e 1851.
100
Enciclopédia da Música Brasileira: popular, erudita e folclórica. 2ª Edição. São Paulo: Art Editora:
Publifolha, 1998. p.293
101
PENA, Martins. op. cit. p. 72
170
com astúcia seus concorrentes
102
. Fioritto fora nomeado mestre-capela em 1861, após a
morte de Giochino Giannini, cuja vaga foi pleiteada por outros quatro músicos: Francisco
da Luz Pinto, Dionísio Vega, Romualdo Pagani e José Joaquim Goyano.
André Cardoso, em seu livro A música na Capela Real e Imperial do Rio de
Janeiro
103
, transcreve um documento com informações sobre cada um dos pretendentes,
a partir de dados fornecidos pelo inspetor da Capela Imperial:
O 1º peticionário, Francisco da Luz Pinto, mostra que na qualidade
de músico cantor foi transferido da antiga Sé, no ano de 1808, para a Imperial
Capela, onde serve até hoje, havendo nela ocupado o lugar de arquivista,
regido o coro musical muitas vezes e apresentado boas composições que até
hoje são executadas com satisfação: que serviu de Professor da cadeira de
rudimentos e solfejos do Conservatório de Música desta Corte; que exerceu as
funções de Mestre de música do Colégio de Pedro II, e que finalmente, por
Aviso de 12 de Novembro de 1855 foi nomeado substituto dos Mestres de
Capela. O Monsenhor Inspetor informa que serviços tão valiosos, como os
que o suplicante apresenta juntos à perícia artística, assíduo comparecimento e
fiel desempenho das respectivas obrigações e ordens superiores, o tornam
digno de louvor e consideração, e que por isso o julgo nos termos de ser
atendido.
O 2º peticionário, Dionísio Vega, serve na Imperial Capela, como
músico cantor, desde 15 de Setembro de 1842, e foi agraciado com as honras
de Mestre de Capela por portaria de 27 de setembro do ano próximo passado.
É Professor do Conservatório de Música desta Corte, e nele exerce as funções
de Secretário. O Monsenhor Inspetor informa que suplicante está nos termos
de ser atendido.
O 3º peticionário, Arcângelo Fioritto, não é atualmente empregado na
Capela, porém já exerceu nela o lugar de músico cantor desde outubro de
1843 até maio de 1859. O Monsenhor Inspetor informa que o suplicante,
mestre de música e composição pelo Conservatório de Nápoles, teve a honra
de acompanhar à S. M. a Imperatriz quando veio ao Brasil, que já ocupou o
lugar de músico da Capela por espaço de sete anos e que por isso lhe parece
estar nos termos de ser atendido.
Sobre o 4º e 5º peticionários, Romualdo Pagani e José Joaquim
Goyano, não pode o Monsenhor Inspetor da Capela emitir juízo algum, como
diz em seu oficio de 16 e 18 do corrente mês, por não haverem provado com
documentos as suas habilitações, e por isso nenhum deles se acha no caso de
ser escolhido.
104
Ainda no ano de 1866, encontramos Fioritto no Conservatório de Música
apresentando ao diretor a lista dos alunos a serem premiados com as pequenas medalhas
de ouro, prata e menção honrosa
105
. Esta não seria, entretanto a primeira ligação entre o
102
CARDOSO, André. A música na Capela Real e Imperial do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Academia
Brasileira de Música, 2005. p. 119
103
Idem. Ibidem.
104
Idem. Ibidem. p. 118 e 119
105
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Relação dos alunos do Conservatório de
Música selecionados para ser premiados com a pequena medalha de ouro, de prata e menção honrosa,
segundo o Maestro Arcângelo Fioritto. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2137.
171
cantor italiano e o Conservatório. Em 26 de outubro de 1859, depois de sua participação
como cantor nas na missa de Réquiem nas exéquias do Rei das Duas Cecílias
106
,
Francisco Manuel indica seu nome para receber o título de Professor Honorário do
Conservatório de Música.
107
No ofício encaminhado ao secretário da Academia de Belas Artes, assinado pela
diretoria do Conservatório (Francisco Manuel, diretor; Manuel Alves Carneiro,
tesoureiro; Dionísio Vega, secretário interino), reconhecia-se o talento artístico e o
serviço que havia prestado às Artes e ao Governo ao participar generosamente da missa
de Réquiem. Desejavam, ao indicar o título para o cantor, manifestar o apreço que davam
aos artistas desta ordem
108
. O Governo comunica, em 7 de novembro de 1859, ter
aceitado a indicação do artista Fioritto ao título de professor honorário da 5ª seção da
Academia de Belas Artes.
109
Rapidamente Fioritto foi assumindo funções de destaque no Conservatório. Em
1866 já era diretor de concertos da instituição, responsável pela programação e produção
das apresentações vocais e instrumentais realizadas. Em 1869, a Congregação da
Academia solicita ao Governo que conceda a honra da Ordem da Rosa ao artista
italiano
110
. Esta era a marca de distinção que afirmaria Arcângelo Fioritto como o nome
mais importante neste período do Conservatório de Música.
Em carta ao Imperador Pedro II, Fioritto desenha sua atuação como mentor das
opções estéticas seguidas pelo Conservatório:
Senhor,
Depositando nas Augustas Mãos de Vossa Majestade Imperial, o Kyrie
que compus e foi executado pelos meus discípulos no Imperial Conservatório
de Música na Augusta Presença de Vossa Majestade Imperial e de Sua
Majestade a Imperatriz, na Pinacoteca da Academia das Belas Artes, tenho a
106
Pai da Imperatriz Tereza Cristina.
107
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício da diretoria do Conservatório de
Música ao secretário da Academia propondo a concessão de titulo de professor honorário a Arcângelo
Fioritto e Rafael Mirate por terem participado da execução musical da missa de réquiem por ocasião das
exéquias de sua Majestade o Rei das Duas Sicílias. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito.
Notação 2121.
108
Idem. Ibidem.
109
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofício da 4ª seção do Ministério do Império ao diretor da Academia
aprovando a eleição do artista Arcângelo Fioritto para professor honorário da 5ª seção da Academia. 07 de
novembro de 1859. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2119.
110
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Documento da academia aprovado em seção, propondo que se solicite
do governo imperial para o professor de Canto do Conservatório de Música e diretor dos concertos
Arcângelo Fioritto. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2246.
172
maior satisfação de poder assim mostrar a profunda gratidão que conservarei
toda a minha vida pelas graças que de Vossa Majestade Imperial hei recebido.
Encarregado há quatro anos pelo EXMO.SR. Conselheiro Dr. Thomaz
Gomes dos Santos de inspecionar o ensino e dirigir os concertos do
Conservatório, reconheci, desde logo, a necessidade de implantar nos alunos o
gosto pela música clássica única que deve fazer o estudo de um ensino
acadêmico, e Vossa Majestade Imperial, dignando-se de aceitar o fruto de
minhas lucubrações, fez-me a subida honra de aprovar a direção técnica com
que me tenho esforçado por corresponder a confiança em mim depositada.
Digne-se, pois Vossa Majestade Imperial de permitir que beije suas
sagradas mãos e as de Sua Alteza, a Imperatriz.
Rio de Janeiro, em março de 1870.
Archângelo Fioritto.
111
Destaca-se a observação feita por Fioritto sobre a “necessidade de implantar o
gosto pela música clássica”. Ao mesmo tempo em que remete a uma possível crítica a
anterior direção artística do Conservatório, revela seu desejo de se afirmar diante do
Imperador, como aquele que implementa no Conservatório a opção pelo gênero, único
objeto digno de ser tema do estudo acadêmico. Delimita, ainda, os que podem freqüentar
a instituição: os que desejam aprender e os que podem ensinar a música clássica.
Entretanto, na década de 1870, dois fatos apontam para modificações no
Conservatório: a inauguração da nova sede, que colocaria o conservatório como novo
espaço de sociabilidade para músicos e membros da sociedade letrada; e o ingresso de
novos nomes no corpo discente da instituição, propiciando disputas por espaços dentro e
fora da instituição. Com a chegada dos novos professores, também penetram no
Conservatório as influências da música popular urbana, que precisamente nesta década
inicia seus processos de formalização, e nos quais as ações de Antonio Joaquim Callado e
Henrique Alves Mesquita seriam fundamentais.
111
Carta de Arcângelo Fioritto ao Imperador D. Pedro II. Biblioteca Nacional. Documento manuscrito.
Seção de manuscrito: I- 35, 6, 26.
173
Tabela 6
Professores do Conservatório de Música (1866-1880)
Rudimentos
Masc.
Rudimento
s Fem.
Flauta Clarineta Rabeca
(violino)
Violoncelo e
C. Baixo.
Contra ponto,
regras de
acompanhar
Canto
(masc. e
fem.)
Piano
1866 Archangelo
Fioritto
D. Leonor
Tolentino
Vago Antonio L.
de Moura
Demetrio
Rivero
José Martini Vago
1867 José de
Santa Rosa
Archang
elo
Fioritto
1868
1869
Antonio L.
de Moura
1870 Demetrio
Rivero
Joaquim
Callado
1871
1872 Henrique A.
Mesquita
1873
Cavalier
Darbilly
1874
Hugo
Bussmeyer
1875
1876
Vago
1877
Cavalier
Darbilly
1878
1879
1880
Em 1872 é inaugurada a nova sede do Conservatório. Foram oito anos de obras
para a construção de um prédio suntuoso, visitado pelos turistas e admirado pela
sociedade local
112
. O Almanaque Laemmert de 1864 anunciava a autorização do Governo
para a construção do prédio que estava há anos em projeto. Os custos seriam de
59:414$100rs., a serem obtidos através da extração das seis loterias que restavam das 16
concedidas ao Conservatório. O novo prédio seria erigido onde anteriormente existiam
três pequenas casas, compradas em anos passados para esta finalidade. A cerimônia de
assentamento da pedra fundamental ocorreu no dia 15 de março do mesmo ano, com a
presença de SS. MM. Imperiais e das Augustas Princesas.
113
No programa do concerto que encerrou a solenidade de inauguração da nova sede
constavam obras dos mais ilustres nomes ligados a história do Conservatório. Iniciava-se
com uma Overture, de Archângelo Fioritto; o Hino às Artes, de Francisco Manuel da
Silva; Batalha da ópera O Guarani, de Carlos Gomes; um Dueto da ópera O Vagabundo,
112
SIQUEIRA, Baptista. Do conservatório a Escola de música- ensaio histórico. Rio de Janeiro: Edição do
autor, 1972.
113
Almanaque da Corte e Província do Rio de Janeiro para o ano bissexto de 1864. Rio de Janeiro: Eduardo
e Henrique Laemmert, 1864.
174
de Henrique Alves Mesquita. A novidade estava na inclusão do Trio para piano, violino e
violoncelo de Cavalier Darbilly.
114
O recém-chegado pianista, formado no Conservatório de Paris, iria em seguida
juntar-se a Antonio Callado e Henrique Alves de Mesquita no quadro de professores do
Conservatório de Música. Callado e Darbilly ofereceram seus préstimos ao Governo
Imperial para lecionar gratuitamente no Conservatório. Callado, em 1870, foi nomeado
por portaria de 4 de maio para o lugar de Professor interino da cadeira de flauta, sem
vencimento algum conforme requereu
115
. A proposta de Darbilly foi aceita pelo Ministro
dos Negócios do Império em fevereiro de 1873, sendo festejado pelo diretor do
Conservatório o generoso oferecimento deste ex-aluno desta instituição, ressaltando ser o
músico vantajosamente conhecido como pianista habilíssimo e da pertinência de se poder
oferecer de maneira proveitosa o utilíssimo estudo do piano.
116
Henrique Alves de Mesquita foi um caso diferente. Sua contratação, com direito a
receber salário, foi um ato direto do Governo dispensando a indicação da Congregação
dos professores. Este fato é ressaltado pelo Conselheiro Thomaz Gomes dos Santos em
seu Relatório apresentado em março de 1872:
Dignou-se o Governo Imperial de nomear ultimamente professor
interino da aula de rudimentos e solfejos para o sexo masculino o distinto
compositor, filho e ex-pensionista do Conservatório, Henrique Alves de
Mesquita: nomeação por certo muito honrosa, pois que partiu
espontaneamente do Governo.
117
Embora fosse uma marca de distinção ser indicado diretamente pelo Governo para
ocupar uma das cadeiras do Conservatório, destaca-se o fato de Mesquita não ter sido
nomeado para a cadeira de Regras de Acompanhar e Órgão
118
, que se encontrava vaga e
114
SIQUEIRA, Baptista. Do conservatório a Escola de Música... p. 50
115
ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS-ARTES. Ofício do Diretor da Academia ao Ministro do Império
propondo a efetivação dos professores Joaquim Callado e Henrique Alves Mesquita, que já estão servindo
interinamente e o concurso para todas as vagas que sobrarem no Conservatório de Música. Acervo Museu
D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2109
116
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música
apresentado em março de 1873. Documento anexo ao Relatório apresentado à Assembléia Geral na Terceira
Sessão da Décima Quinta Legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Dr.
João Alfredo Corrêa de Oliveira. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1874.
117
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música
apresentado em março de 1872. Documento anexo ao Relatório apresentado à Assembléia Geral na Quarta
Sessão da Décima Quarta Legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Dr.
João Alfredo Corrêa de Oliveira. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1872.
118
Esta aula seria a disciplina Composição, dentro da grade curricular de uma Escola de Música de nossos
dias.
175
que, com certeza, seria a mais adequada para o ilustre compositor, formado no
Conservatório de Paris. Ao contrário, Mesquita é indicado para a cadeira mais elementar
do curso de música: a aula de Rudimentos e Solfejos para o sexo masculino.
Para a aula de Regras de Acompanhar é nomeado, em 1874, Hugo Bussmeyer,
músico alemão que, após realizar uma série de apresentações por diversas capitais
litorâneas chegou ao Rio de Janeiro, onde assumiu imediatamente o posto no
Conservatório
119
. Com a entrada de Bussmeyer, fecha-se o ciclo de contratações de
professores para o Conservatório, no decênio de 1870.
Diz Baptista Siqueira
120
que Bussmeyer teria ficado no Rio de Janeiro por
insistência do Imperador, que o cumulou de honrarias
121
. Recebido desta forma, o
músico alemão passaria a ser uma ameaça em potencial à hegemonia de Fioritto, e assim
o foi como podemos observar no âmbito da Capela Imperial. Aos tempos da chegada de
Bussmeyer ao Rio de Janeiro, a posição de Fioritto na Capela estava ao ponto de ser
questionada, tendo o próprio Imperador, em 1873, admoestado o Mestre de Capela em
razão da baixa qualidade da execução musical no serviço da Semana Santa. A este
constrangimento somava-se a antipatia e suspeição dos funcionários do Ministério dos
176
Cumpre acrescentar que não vejo razão para o adiantamento que pede o
Mestre Fioritto. O Inspetor da Capela tem quantia adiantada para despesas de
prompto pagamento.
122
Fioritto não demoraria a ser exonerado do cargo. Em 30 de Janeiro de 1875 o
Governo decretava seu afastamento nomeando, em fevereiro do mesmo ano, o alemão
Bussmeyer para o cargo de Mestre de Capela, criando a inusitada situação de ter um
protestante à frente da mais representativa instituição religiosa do Império
123
. A despeito
dos ataques recebidos pela sua condição de não-católico, Bussmeyer reinou sozinho na
Capela Imperial até o ano de 1880, período em que conseguiu aumentar os salários dos
músicos, colocando-se em uma posição de prestígio junto aos mesmos, o que em muito
contribuiu para sua permanência na direção da instituição.
A Capela Imperial previa que o trabalho da direção musical em suas cerimônias
deveria ser exercido por dois mestres de capela que se revezariam semanalmente na
função. Fioritto e Bussmeyer, que exerceram sozinhos a função de mestre de capela,
recebiam os dois salários previstos, sendo o segundo pago a título de gratificação. O fato
do Regimento de Estatutos da Capela Imperial determinar a existência de dois mestres de
capela foi o argumento para Manoel Joaquim Macedo
124
pedir ao Imperador a graça
dessa nomeação
125
. Entretanto, mesmo atendido em sua solicitação, o músico nunca
assumiu as funções, nem mesmo tomou posse do cargo, abrindo, em 1881, nova disputa
para ocupação do espaço.
Nesta ocasião apresentaram-se dois concorrentes: Bento das Mercês e Carlos
Severiano Cavalier Darbilly. Esta não seria a primeira tentativa de ingressar na Capela
por parte de Darbilly: em 1874, ele havia requerido ao Governo o posto de organista,
desistindo posteriormente da disputa pela vaga. Pela importância do cargo o Governo
realizou a regular consulta às pessoas de sua confiança sobre os pretendentes. O diretor
122
Apud. CARDOSO, André. Op. cit. p. 127-128.
123
É importante observar que a nomeação do protestante Bussmeyer ocorre durante os processos da Questão
Religiosa. Principais agentes desta querela entre Estado e Igreja os bispos D. Vital Maria Gonçalves de
Oliveira, bispo de Olinda, e D. Antônio de Macedo Costa, do Pará, determinaram que as Ordens Terceiras e
Irmandades excluíssem os seus membros que também pertencessem à Maçonaria. Estas apelaram ao
Imperador, alegando abuso de poder por parte dos bispos. D. Macedo Costa reagiu de forma firme:
reconhecer no poder civil autoridade para dirigir as funções religiosas equivalia a uma apostasia. D. Vital foi
preso em janeiro e D. Macedo em abril de 1874. Os dois foram anistiados em setembro de 1875.
124
Compositor e violinista, estudou no Real conservatório de Bruxelas e foi spalla da Orquestra do Covent
Garden. Sobrinho do romancista Joaquim Manuel de Macedo, escreveu sob o libreto deste, a opereta
Antonieta da Silva.
125
Apud. CARDOSO, André. Op. cit. 144.
177
da Academia de Belas Artes, Antonio Nicolau Tolentino, foi um dos consultados, e sobre
eles manifestou-se com clara preferência ao professor do Conservatório:
Em cumprimento da respeitável ordem de V.Exª. pra que eu informe
sobre as habilitações de Bento Fernandes das Mercês e Carlos Severiano
Cavalier Darbilly, que pedem para ser providos no lugar de Mestre da Capela
Imperial, tenho a honra de informar que Cavalier Darbilly tem as habilitações
precisas; pois tendo seguido todo o curso do Conservatório de Paris, onde
alcançou diversos prêmios, e as melhores aprovações até a aula superior de
contraponto e fuga, é compositor e hábil regente; quanto ao outro sei que é
Diretor de Música da Sociedade Musical de Beneficência desta Corte, e não
tenho nenhum conhecimento de suas habilitações.
126
Apesar das boas referências e dos méritos do pianista a escolha do Governo recaiu
sobre Bento das Mercês, que, após trinta anos de serviços na Capela, finalmente seria
designado para o cargo que já exercia esporadicamente, sendo nomeado no dia 7 de
janeiro de 1881
127
. Por este período, já se sentia na Capela o desgaste das reformas
implementadas por Bussmeyer. A falta de aumento dos vencimentos dos músicos faria os
salários chegarem novamente a um nível deplorável, e a solução para uma sobrevivência
digna estava na busca de trabalhos fora da esfera da instituição. Em conseqüência, a
qualidade musical dos serviços religiosos atingia também os mais baixos níveis.
Em 1886, o Governo começa a dar sinais de sua insatisfação em relação aos
trabalhos da Capela, chegando a sugerir medidas drásticas, como podemos ver no
documento assinado pelo funcionário Jacy Monteiro, da 2ª diretoria do Ministério dos
Negócios do Império:
Se parecer conveniente, podem ser demitidos os atuais Mestres de
Capela. Para substituí-los, talvez estejam nas condições precisas os
professores do Conservatório de Música Cavalier e Côrtes. È muito habilitado
Henrique de Mesquita; mas consta que não pode ser nomeado. O Diretor do
Conservatório provavelmente terá conhecimento de outros professores de
música aptos para o cargo de Mestre de Capela.
Substituídos os Mestres atuais, aos novos caberá apresentar ao Inspetor
da Capela os seus planos para o melhoramento do serviço da música.
128
Novamente Cavalier Darbilly é citado como um músico nas condições de
preencher o mais alto cargo da instituição. Ao seu lado, João Rodrigues Côrtes, recém
aprovado em concurso para o Conservatório de Música para o lugar de professor de
126
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Minuta de oficio do diretor da Academia ao ministro do império,
informando sobre as habilidades de Bento Fernandes das Mercês e Carlos Severiano Cavalier Darbilly,
candidatos ao lugar de mestre de Capela Imperial. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito.
Notação: 2679.
127
CARDOSO, André. Op. cit. p. 152.
128
Apud. CARDOSO, André. Op. cit. p. 159
178
Trompa e instrumentos de metais e presidente da Sociedade Musical de Beneficência,
desde 1879. Novamente, também, recaía sobre Henrique Alves de Mesquita o misterioso
impedimento. Mesmo reconhecido como muito habilitado e já com uma carreira de
sucesso estabelecida, ao grande compositor não era possível nem ao menos concorrer a
um lugar de prestígio, como o cargo de Mestre de Capela.
No documento de Jacy Monteiro é clara a intenção do Governo de operar mais
uma reforma na Capela Imperial. Para este fim dirige ofícios ao diretor da Academia e do
Conservatório
129
, requerendo uma análise do estado da Capela e uma proposta de reforma
que incluísse nomes de músicos gabaritados para assumir o cargo de Mestre de Capela.
Em sua resposta, o diretor Antonio Nicolau Tolentino indicava como as principais causas
do estado precário da Capela a inconveniente direção dos serviços e a deficiência dos
meios pecuniários para realizá-los.
Entendia que, com seus 80 anos de idade, Bento das Mercês não tinha mais forças
para o cargo e criticava Bussmeyer por não conseguir, nem nas menores festas, que não
exigiam tantas despesas, melhorar o serviço musical. A solução apontada era a nomeação
de um bom Mestre de Capela, a aposentadoria de alguns artistas e a dispensa dos que não
se encontrassem em condições. Apontava a urgência da organização de um novo quadro
de pessoal necessário ao serviço musical da Capela, com vencimentos referentes à sua
categoria. Para isso era necessário que o Governo elevasse a despesa com a Capela, fato
que não obteve apoio imediato da administração Imperial.
Ao fazer um aditamento ao parecer de Antonio Tolentino, o funcionário Jacy
Monteiro tece comentários sobre a inadequação do plano de reforma ao orçamento
vigente e revela que o plano apresentado foi realizado, na verdade, por Carlos Severiano
Cavalier Darbilly
130
. Durante as tentativas de adequar o plano de reforma ao orçamento
disponível para a Capela, um fato abre novas possibilidades: a morte do Mestre de Capela
Bento das Mercês no dia 12 de julho de 1887.
Esta era a oportunidade para a nomeação de um músico com as características
necessárias para a realização da desejada reforma. Como verdadeiro autor do plano
apresentado ao Governo pelo diretor da Academia e do Conservatório, por seus méritos
129
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofícios do Ministério do Império solicitando ao diretor da academia a
necessidade de se melhorar o serviço de música da Capela Imperial e propondo sua reorganização. Acervo
Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2385.
130
CARDOSO, André. Op. cit. p. 163
179
de pianista formado no Conservatório de Paris e por sua posição como professor do
Conservatório de Música, Cavalier Darbilly despontava como o nome mais cotado para
assumir a função. Outros dois concorrentes apresentaram-se para a disputa, Miguel
Cardozo e João Pereira da Silva. O resultado é surpreendente: nenhum dos postulantes é
indicado ao cargo, ficando o Governo com a opção mais improvável, a manutenção de
Bussmeyer como Mestre de Capela e a realização de um plano de reforma proposto pelo
mesmo, que nada mais era do que uma cópia do apresentado por Darbilly, com a devida
redução de custos.
Se na Capela Imperial as investidas de Cavalier Darbilly não teriam resultados
favoráveis, no âmbito do Conservatório de Música seus embates por um lugar de
prestígio não seriam mais simples. A entrada de Cavalier Darbilly no Conservatório
coincide com várias mudanças que ocorriam na instituição, como a inauguração da nova
sede e a reformulação de seu corpo discente, com a contratação de quatro novos
professores. Mas a maior das mudanças foi a criação do Estatuto do Conservatório,
processo comandado pelo diretor Antonio Nicolau Tolentino, como vimos no capítulo
anterior.
A participação de Cavalier Darbilly na realização do projeto de estatuto foi
intensa. De acordo com Baptista Siqueira
131
no livro de Atas do Conservatório dos anos
de 1875 e 1876
132
encontrava-se referência sobre o papel de Darbilly: “uma junta de
professores foi eleita para elaborar o Projeto de Estatuto de Reorganização do
Conservatório. O Professor Carlos Severiano Cavalier Darbilly ficou incumbido de
relatar a matéria”
133
. Em outro texto, Baptista Siqueira afirma:
Pelo livro de atas do antigo Conservatório, nos anos de 1875 e 1876,
vemos que Mesquita [Henrique Alves de Mesquita] nessa época era obrigado
a estar ausente da repartição, justamente quando se tratava de um dos períodos
mais importantes para a música: a reorganização do Conservatório Musical
(sic.). Vemos ali discutindo o relevante problema Callado, Bussmeyer,
Darbilly, sem que Mesquita se pudesse manifestar a respeito da reforma
auspiciosa.
134
Ao lado de Mesquita outra ausência se destaca: a de Fioritto. Talvez ressentido
com a exoneração da Capela Imperial sob rajadas de críticas às performances artísticas e
131
SIQUEIRA, Baptista. Do Conservatório a Escola de Música....Op. cit.
132
Baptista Siqueira afirma que durante o processo de pesquisa para a escrita de seu texto, o livro de atas
desapareceu “misteriosamente”.
133
SIQUEIRA, Baptista. Do Conservatório a Escola de Música....Op. cit. p. 53
134
SIQUEIRA, Baptista. Três Vultos Históricos.... p. 63
180
suspeições de sua conduta administrativa, concentra-se na sua função de diretor de
concertos, como podemos ver em 1875, quando, por ocasião do concerto da solenidade
de distribuição de prêmios, solicita a contratação de músicos extras
135
. Sintomaticamente,
neste caso, com o devido cuidado de anexar a nota de despesas relativas à orquestra a ser
formada.
Como podemos observar, Darbilly estava na linha de frente da discussão em torno
do que viria a se tornar os Estatutos do Conservatório de Música. Entretanto, em junho de
1876, alegando motivos independentes a sua vontade
136
, pede demissão do cargo de
professor de piano do Conservatório. No mesmo ano, desiste de concorrer ao cargo de
organista da Capela Imperial. Na verdade, negócios de família levariam Cavalier a passar
alguns meses fora da Corte
137
, mas em abril de 1877 tendo cessado os motivos que o
obrigaram a demitir-se e desejando ele continuar
138
requeria novamente ser admitido
ao Conservatório de Música.
Para Archângelo Fioritto esta não foi uma boa notícia. Desprovido de seus
vencimentos dobrados como Mestre de Capela, o baixo italiano assumira as aulas de
piano durante a ausência de Darbilly, e no mesmo mês de abril requeria do Governo a
gratificação a que teria direito pelo trabalho realizado. No entanto, a 2ª diretoria do
Ministério do Império informa ao diretor da Academia não ser possível conceder a
Arcângelo Fioritto uma gratificação pelas lições de piano, e que Cavalier Darbilly seria
admitido, novamente, para lecionar a matéria. O Secretário da Academia apressa-se a
informar ao professor e diretor de concertos a decisão do Governo e sua imediata
135
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Carta de Arcângelo Fioritto solicitando auxílio de professores para o
concerto da solenidade de distribuição de prêmios, visto que o Conservatório de Música não está organizado.
Contém nota com a despesa da orquestra. Acervo Museu D. João VI. Documento Manuscrito. Notação 2302.
136
ARQUIVO NACIONAL. Questão Cavalier. Documento Manuscrito. Acervo Arquivo Nacional.
Localização: GIFI 4H-221
137
ARQUIVO NACIONAL. Questão Cavalier. Representação ao ILMO.SR. Ministro da Justiça e
Negócios da República dos Estados Unidos do Brasil. Documento manuscrito. Acervo Arquivo
Nacional. Localização: GIFI 4H-221
138
ARQUIVO NACIONAL. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo Arquivo Nacional.
Localização: GIFI 4H-221
181
dispensa dos serviços de professor da aula de piano
139
. Na mesma data escreve a Cavalier
Darbilly comunicando sua readmissão ao Conservatório de Música.
140
Ao regressar à instituição Darbilly encontra um ambiente tenso. Às vésperas da
implementação do projeto de estatuto, estavam abertas as disputas para o importante
cargo de inspetor de ensino a ser oficializado com as novas diretrizes do Conservatório.
O primeiro movimento para dirimir dúvidas é trazer à luz a posição de legalidade dos
professores interinos do estabelecimento. Sobre este assunto discorre o diretor Antonio
182
professores interinos para as cadeiras que na época estivessem vagas ou que viessem a
vagar pela primeira vez
143
, mas para Henrique Alves de Mesquita não havia subterfúgios
a serem propostos. Entretanto, afirma o diretor:
(...) o concurso, embora regra geral estabelecida foi sempre letra morta,
nunca teve o lugar no provimento das cadeiras do Conservatório, e recorrer
agora a este, nas vésperas da abertura das aulas, seria pelas delongas de sua
realização prejudicar o ensino. E se esta observância do preceito estabelecido
recair tão somente no atual Professor Mesquita quando a respeito de todos os
outros assim se não tem praticado; e, sobretudo se não for esta extensiva aos
atuais professores interinos Bussmeyer e Callado, talvez podia parecer que os
ditames da equidade não foram consultados para todos os três casos
ocorrentes.
Nestas circunstâncias como sair das dificuldades em que tem sido
enredada uma questão na qual tantos arbítrios se praticaram?
144
Na opinião do diretor só havia uma possibilidade: confirmar como efetivos os três
professores interinos, por, nas palavras de Antonio Nicolau Tolentino, possuírem para
isso notória e provada aptidão
145
. Assim, quando chegou a hora da escolha do novo
inspetor de ensino, de acordo com os Estatutos mandados observar pelo Aviso de 16 de
Julho de 1878, os indicados pelo diretor do Conservatório foram os professores efetivos
do Conservatório, Arcângelo Fioritto, Antonio Luiz de Moura e Demétrio Rivero
146
.
Sendo que, dentre estes, o vice-diretor da Academia, Ernesto Maia, consideraria
Arcângelo Fioritto como o mais idôneo para o cargo
147
. Sua opinião foi acatada pelo
Governo, e Fioritto nomeado inspetor de ensino do Conservatório de Música, cargo que
exerceria até a sua morte, em 1887.
143
As duas cadeiras ocupadas por Callado e Bussmeyer estavam vagas pela primeira vez após a publicação do
Decreto de 1859. A de Callado, através de uma complicada operação que incluía a anexação da cadeira de
Flauta a cadeira de corne-inglês e fagote, regida pelo Prof. Francisco da Mota entre os anos de 1857 e 1859.
Desta forma, ao reabilitar a cadeira de Flauta, esta vagava pela primeira vez desde a morte de João
Scaramella, que ocupou a função entre 1855 e 1857. O mesmo acontecia com Bussmeyer. A cadeira de
Regras de acompanhar e órgão vagara pela primeira vez em 1860, com a morte de Giochino Giannini,
primeiro professor desta matéria no Conservatório, tendo sido preenchida somente com a contratação do
músico alemão.
144
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do Diretor do Conservatório de
Música Antonio Nicolau Tolentino. 27 de fevereiro de 1878. Acervo Museu D. João VI. Documento
manuscrito. Notação: 2109.
145
Idem. Ibidem.
146
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minuta de ofício do Vice-diretor da
Academia ao Ministro do Império apresentando os nomes dos professores efetivos do Conservatório de
Música para inspetor de ensino. 28 de junho de 1879. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito.
Notação: 2107.
147
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minuta de ofício do Vice-diretor da
Academia informando que o professor Arcângelo Fioritto é o mais idôneo para o cargo de inspetor de ensino
do Conservatório de Música. 17 de julho de 1879. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito.
Notação: 2106.
183
Cavalier Darbilly, ocupando a cadeira de piano criada após a reforma, estava livre
de questionamentos a respeito de sua condição legal de professor interino, mas não dos
embates travados pela disputa de posição de prestígio. Em 27 de julho de 1878, Antonio
José de Souza endereça uma carta a Arcângelo Fioritto, queixando-se do comportamento
de Darbilly, bem como a maneira que tratou sua afilhada, e pedindo providências para
reprimir abusos do referido professor de música:
Permita V.S. que leve-lhe minha queixa pelo procedimento incivil, e brutal do
Sr. Carlos Cavalier, seu colega no Conservatório para com suas discípulas;
proceder tanto mais repreensível, quanto se dá para com moças, e que por
pertencerem em geral à classe menos favorecida, não deixam de ter direito a
um tratamento cheio de condescendências e atenções. Minha afilhada, sua
discípula e recomendada foi há pouco chamada de – sem vergonha – e que no
andamento da lição procedia como cavalos [?]. Eu estou disposto a lançar mão
de outros meios para reprimir tais abusos, desde que pela intervenção de V. S.,
o mestre não proceder como deve.
Espero que o meu ilustre amigo e colega faça a ver a seu colega professor de
música, que eu não quero, por ora, mais do que é de justiça e da boa
educação.
148
Fioritto escreveu acima do texto: como inspetor antigo, tenho obrigação de
remeter a V.Ex. esta carta, para V.Ex. saber. Sinal que não perdeu a oportunidade de
comunicar a seus superiores a queixa contra o colega professor.
Como que para dissolver as rusgas internas causadas pela disputa do cargo e o
grau de tensão que marcava as relações internas, o Imperador decide condecorar com o
Grau de Cavaleiro da Ordem da Rosa, pelos relevantes serviços que prestaram na
qualidade de professores do Conservatório, Demétrio Rivero, José Martini, Antonio Luiz
de Moura, Joaquim Antonio da Silva Callado e Carlos Cavalier Darbilly. Se de alguma
forma nivelou os professores com a mesma marca de distinção que somente Fioritto
possuía, o Governo acabou criando duas situações incômodas com o ato. A primeira foi o
anúncio da condecoração dos cinco professores de uma vez só, tirando destes a graça da
conquista individual. Não era mais a distinção de um indivíduo, mas de um grupo
passível de ser observado com olhares críticos e mordazes por seus oponentes. E a
segunda, ao deixar de fora da lista o mais ilustre dos professores: Henrique Alves de
Mesquita, mais uma vez penalizado pelas agruras do passado.
A Revista Musical e de Bellas Artes, editada por Arthur Napoleão e Leopoldo
Miguez, deu destaque à notícia com um acentuado tom de humor e ironia:
148
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Carta de Antonio José de Souza ao Maestro
Arcângelo Fioritto. 27 de julho de 1878. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 4640.
184
O governo querendo remunerar por atacado os serviços de todos os
professores do Imperial Conservatório, calculou o número de kilos que
pesavam os dignos artistas e, pelas reduções da balança romana, achou a
quantidade de gramas e por conseqüência, o número de veneras de cavaleiro
que tinha que distribuir.
Depois encarapitou-se no telhado do edifício, tirou-lhe algumas telhas e,
quando apanhou todos os professores amaçarocados num só grupo, entornou-
lhe por cima a cornucópia das graças, com a mesma consciência com que no
último Entrudo se despejava sobre os transeuntes um caneco d’ água!
Os professores ficaram a princípio atarantados com o mimo; alguns que
apanharam a venera em cheio no alto da cabeça chegaram mesmo a encordoar
com o carôlo, mas passado o primeiro pânico deitaram-se as condecorações
como gatos a bofes.
149
Segundo o editorial da revista, a surpresa dos professores foi tão grande que
somente depois de algumas horas é que perceberam a ausência de Henrique Alves na lista
de condecorados. Mas em seguida refere-se ao fato desta ter sido proposta pela própria
congregação dos professores do Conservatório, o que demonstraria ser ou um descaso
com o talento e méritos do compositor, ou então a retomada das questões misteriosas que
envolveram Mesquita em Paris. Se este foi caso, tratava-se então de atribuir a
responsabilidade deste ato não somente à congregação, mas à sociedade como um todo:
É tão grande esta injustiça, é tão mesquinha esta desconsideração que não
vemos senão motivos para tirar dela causa de hilaridade.
Mesquita tem sido até hoje artista para mostrar. Quando um estrangeiro visita
o nosso Conservatório, nunca esquece recomendar-se-lhe Henrique de
Mesquita e apresentá-lo como uma das glórias musicais do Brasil.
A congregação entendeu não o dever propor para Cavaleiro da Ordem da
Rosa, e, mais uma vez, mostrou como aprecia o verdadeiro talento.
Há quem dê como motivo dessa exclusão razões especiais que não nos é grato
tratar pela imprensa.
Se assim é, se são ainda liquidações antigas que tem afastado as recompensas
do peito de Mesquita, as nossas queixas estender-se-hão da congregação até a
sociedade.
Todas as dívidas pagas têm direito a uma quitação. Expiadas as faltas, não
assiste mais direito a sociedade de falar nelas. Se assim não fosse, tanto
valeria uma multa de dois mil réis como o degredo por toda a vida. (...)
Fazer pesar sobre toda a vida de um homem umii7(gaçç( qto a soilidcom) da )]TJ0.0014 Tc 8.4799 Tw T*2( com)pu(r t)2(ju [(vem) )6(um)idatvalemi8(o)4(i)adr tesp7(gau c)8(o)8(o )6(tval)48mumrur deldrdadm13(a)s
185
passando a dedicar-se à Capela Imperial e a seus negócios particulares, que o levariam a
despender cada vez mais tempo longe da capital do Império.
151
Darbilly por sua vez aumentava seu espaço de atuação envolvendo-se em produções
teatrais com Arthur Azevedo. Em março 1879, no Teatro Phênix Dramática, estreava a
comédia em um ato Amor por Anexins. Segundo Azevedo, esta obra já havia sido musicada
pelo compositor maranhense Leocádio Rayol, mas na versão apresentada no Teatro Phênix
tinha agora nova música, e não inferior, de Carlos Cavalier.
152
Ainda no ano de 1879, no mês de outubro, o Jornal do Comércio anunciava As
mulheres do mercado, um magnífico drama, em um prólogo e cinco atos divididos em sete
quadros, ornado em música e bailados, original francês de Anicet Bourgeois e Michel
Masson, tradução do muito festejado escritor Arthur Azevedo
153
. No mês de novembro,
grandes anúncios destacavam a estréia no Teatro São Pedro do drama A torre negra, de
Paul Feval e Ponson du Terrail, com música do Maestro Cavalier
154
e a participação da
grande atriz Ismênia dos Santos e de Guilherme Silveira nos papéis principais.
Estavam abertas as portas dos teatros para Darbilly, que em parceria com grandes
nomes da cena nacional, como Artur Azevedo, Moreira Sampaio, Fagundes Varela,
Chiquinha Gonzaga e Henrique Alves de Mesquita, entre outros, participava desta forma da
verdadeira revolução estética que tomaria conta dos palcos dos teatros da capital do
Império. Esta revolução, marcada em sua essência pela utilização das formas populares
urbanas, alcançaria enorme sucesso através das representações de Mágicas, como veremos
em detalhes no próximo capítulo.
Paralelamente a sua atuação nos teatros, Darbilly, em 1883, é aprovado em
concurso para o Conservatório
155
, conseguindo a efetividade e afirmação de sua posição
de destaque no âmbito da instituição. É freqüente sua participação em bancas de
151
CARDOSO, André. Op. cit. 164.
152
AZEVEDO, Arthur. Amor por anexins. Rio de Janeiro: Typ. de Serafim José Alves, 1879. Disponível em
www.terra.com.br/virtualbooks.
153
Jornal do Comércio. 1 de outubro de 1879; Rio de Janeiro, ano 58, n° 273. p. 6
154
Jornal do Comércio. Sábado, 15 de novembro de 1879; Rio de Janeiro, ano 58, n° 318.
155
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minutas de ofício comunicando como
vencedor do concurso Darbilly para 1 cadeira de piano. Sendo já professor da 2ª aula pede a efetiva
transferência e sua nomeação conforme o Programa e Instrução e dos Estatutos. 18 de maio de 1883 a 24 de
dezembro de 1884. Acervo Museu D. João VI. Documentos manuscritos. Notação: 2697.
186
concursos e mesmo na elaboração dos programas destes
156
. Darbilly havia se tornado a
referência musical para a direção do Conservatório, como podemos observar no plano
elaborado para a reforma da Capela e assinado por Antonio Nicolau Tolentino, e em sua
indicação para o cargo de inspetor de ensino e professor de canto, quando morre
Arcângelo Fioritto em 1887.
157
Ao se referir sobre o caráter cosmopolita do Rio de Janeiro nas últimas décadas do
Século XIX, representado na proliferação de atividades musicais e teatrais na cidade
Cristina Magaldi lista as principais atrações que incluíam companhias líricas italianas no
Teatro D. Pedro II e concertos no Cassino Fluminense, e destaca:
Em julho [1888], cariocas que gostavam da música de concerto
podiam ouvir Mendelssohn, Haydn, Mozart e Beethoven num concerto regido
por Cavalier Darbilly apresentado no teatro São Pedro de Alcântara.
158
Em oposição ao que acontecia nos tempos de Francisco Manuel, que imperava no
Conservatório, na Capela Imperial e no teatro, o último decênio de 1880 apresenta os
espaços divididos entre as lideranças que se firmaram musicalmente. Bussmeyer na
Capela; Fioritto, até sua morte em 1887, no Conservatório; Henrique Alves de Mesquita
no Teatro Phênix Dramática – onde foram representadas várias de suas obras até o ano de
1885, quando se afastou do teatro –; Carlos Gomes no Teatro Lírico; e Leopoldo Miguez
e Alberto Nepomuceno, os líderes musicais da República, no Club Beethoven. Cavalier
Darbilly por sua vez ainda insistia em acumular posições concorrendo ao cargo de Mestre
de Capela, atuando fortemente no Conservatório e envolvendo-se em produções nos
teatros Santana e Phênix Dramática, além de apresentações no Teatro S. Pedro, como a
citada por Magaldi. Transitava, assim, por todos os lugares de prática musical, bem como
pelo repertório praticado e que marcava cada um desses lugares.
Ao pensar sobre esta divisão de espaços nos remetemos a Nobert Elias, que, em
seu livro Mozart, a sociologia de um gênio, aborda dois aspectos sobre música/músicos e
156
Sobre a participação de Darbilly em bancas ver: Acervo D. João VI. Documentos manuscritos. Notações:
2337 e 2350. Sobre elaboração do programa das provas de concursos: Acervo D. João VI. Documento
manuscrito. Notação: 2367.
157
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do diretor da academia ao ministro
do império comunicando o falecimento do professor de canto e inspetor de ensino, Arcângelo Fioritto, e a
designação interina de Carlos Darbilly para os cargos, até que sejam abertos concursos. Acervo Museu D.
João VI. Documento manuscrito. Notação: 2170.
158
MAGALDI, Cristina. Chiquinha Gonzaga e a música popular do Rio de Janeiro do final do séc. XIX.
Disponível em
http://www.dc.mre.gov.br/brasil/textos/46a49%20Po.pdf. Acessado em 20/03/2006 às
23h:01m.
187
suas relações com a sociedade de corte do séc. XVIII. O primeiro refere-se ao caráter
pessoal da relação entre músicos e senhores, que ocorria de igual forma em cortes mais
pomposas, como a imperial de Viena, ou em pequenas, como a corte do arcebispo de
Salzburgo
159
. Embora a distância social fosse enorme, afirma, a distância espacial era
pequena. As pessoas estavam sempre juntas, o senhor estava sempre presente.
160
O segundo aspecto abordado por Elias, destaca a relação entre o acesso aos postos
de trabalho musical e o desenvolvimento da música. Exemplifica, com a comparação
entre países como Alemanha e Itália em oposição à Inglaterra e França, como o
desenvolvimento da arte musical nestes países estava diretamente ligada à estrutura do
poder e ao número variado de seus organismos musicais. Na Alemanha e na Itália,
fragmentadas em um grande número de territórios soberanos, os governantes desses
territórios mantinham uma organização oficial que incluía como item essencial de
prestígio uma orquestra permanente e remunerada. Este fato permitia uma circularidade e
até certa possibilidade de escolha por parte dos músicos das condições e lugares que lhes
fossem mais vantajosas.
Em países como França e Inglaterra as posições musicais mais importantes
estavam, em razão da centralização estatal, localizadas em suas capitais, Paris e Londres.
Contra estas poderosas cortes, não havia outras que rivalizassem em poder e prestígio.
Desta forma, havendo algum conflito que inviabilizasse a presença de determinado
músico nas organizações musicais destes países, não havia uma alternativa de refúgio que
não representasse uma ameaça à existência social deste artista
161
. Atribui, assim, a
extraordinária produtividade da música de corte nos territórios do Império alemão e na
Itália à rivalidade e aos embates pelo prestígio entre as cortes, e, por conseqüência, ao
grande número de possibilidades de trabalho musical.
162
Guardadas as devidas proporções, podemos fazer uma relação entre as colocações
de Elias e o desenvolvimento da sociedade dos músicos no Brasil de D. Pedro II. A
princípio a presença do Imperador, consolidada através das instituições subvencionadas
diretamente ou indiretamente pelo Estado, era fator primordial para a vida musical da
cidade e para a própria subsistência dos músicos. Exercia destarte o controle e a direção
159
ELIAS, Nobert. Mozart... p. 21
160
Idem. ibidem
161
Idem. Ibidem. p. 30
162
Idem. Ibidem. p. 30
188
das práticas musicais da mesma forma que controlava o acesso ao trabalho em sua
faculdade de nomear e/ou recusar aqueles de seu entendimento. Não havia cortes rivais
onde se encontrar refúgio. De igual forma, internamente a sociedade dos músicos refletia
essa hierarquização representada em Francisco Manuel da Silva e na Sociedade Musical
de Beneficência, como pudemos observar no início deste capítulo.
A partir do decênio de 1870 esta presença do Imperador, através da ação do
Estado, entra em declínio. Cessam as subvenções aos teatros, os serviços da Capela
Imperial decaem e o Conservatório arrasta sua existência sem os devidos aportes de
verbas. Ao mesmo tempo, ou talvez por conseqüência, surgem novos espaços de atuação,
abrindo acesso a novos postos de trabalho. Multiplicam-se as sociedades, clubes e teatros,
possibilitando que mesmo os que sofreram grandes sanções por parte do Imperador
continuassem a produzir, criar e serem reconhecidos em seu talento, como no caso de
Henrique Alves de Mesquita.
Havia agora a alternativa do refúgio. Havia a possibilidade de uma existência
social mesmo para os não protegidos pela longa capa do poder imperial. Se não eram
cortes rivais, como no séc. XVIII de Elias, eram grupos que competiam, demarcavam
seus lugares de atuação e não se furtavam ao embate na manutenção ou na criação de
suas posições de prestígio. Estes embates e disputas pelo prestígio, além do surgimento
de novos postos de trabalho, refletiriam diretamente sobre a produção musical. E é isto
que vamos detalhar no próximo capítulo.
189
Capítulo 4
- A Mágica -
“Os governos não são os competentes para imporem o
gosto à população; ele há de regular-se segundo as tendências
que nela forem desenvolvidas pelos seus novos hábitos, ou
imitados de nações mais adiantadas, ou inspiradas pelas luzes
do século”
1
Em 11 de fevereiro de 1861, Agrário de Souza Menezes
2
redige seu relatório
anual como administrador do Teatro São João. Movido pelas mudanças que aconteciam
no campo da encenação dramática, representada na estréia da companhia de Joaquim
Heleodoro, em 1855, no Teatro Ginásio do Rio de Janeiro, que inaugurava o realismo
teatral no Brasil, escreve um verdadeiro libelo sobre a situação artística dos teatros do
Império.
Entendia que naquele momento esses teatros reproduziam o que acontecia em
vários paises do mundo ilustrado: sobre o palco aparecia sucessivamente toda a sorte de
mediocridade, e até mesmo de nulidade. Pois, desde que Sófocles e Eurípides sumiram da
Grécia; desde que Shakespeare repousou na Inglaterra; desde que Corneille e Racine
deixaram de falar à França, desde que Schiller soltou o extremo suspiro no coração da
Alemanha, a cena dramática foi se anuviando, como se o astro que a iluminara houvesse
desaparecido no espaço. Desta forma, prossegue Menezes:
O teatro dramático é quase um nome, uma tradição, um monumento: ou
cairá em breve para sempre, ou há de ainda nascer o gênio que lhe regenere a
gloria. Os governos da Europa têm mais ou menos deixado correr à solta os
elementos civilizadores, em cujo número se conta o teatro e então a cena
dramática ressente-se por seu turno do geral desfalecimento.
3
1
BAHIA. Agrário de Souza Menezes. Relatório do Administrador do Theatro São João. Documento anexo a
Falla recitada na Abertura da Assembléia Legislativa da Bahia pelo Presidente da Província Antonio Costa
Pinto. Bahia: 1861.
2
Agrário Menezes foi nomeado administrador do Teatro S. João pelo Conselheiro Francisco Xavier de Paes
Barreto, ex-presidente da Província. Menezes era advogado, ex-deputado provincial e autor de dramas como
Calabar, Mathilde, O Dia da Independência.
3
Idem, ibidem. p. 2
190
Assim, a cena dramática não se propunha mais, de acordo com Menezes, a uma
função civilizadora, mas continha em sua nova fase aplicações mais diversas, longe da
função moralizadora e educativa propagada pelos literatos. Agregado ao fato das
profundas alterações de seu desenvolvimento estético, Menezes vislumbrava o drama em
um profundo estado de desfalecimento. Mas se morria o drama o que o substituiria?
Para Agrário Menezes a resposta não era de todo surpreendente, pois desde a
idade média lograva-se a concatenação de dois elementos que, se aparentemente
discordes, encontravam nessa época sua cabal satisfação, um nobre desideratum das
belas-artes: a poesia e a música, unidas, compreendendo o que há de mais útil e
agradável nas esferas dos sentimentos:
A poesia e a música, irmans (sic) germanas e gêmeas, que po ng(sicir)-(úisTm(P1(is d2 dei7as vee mr 8(a)-que3473)-2d[7as st dr)nc7as aum d7m)8nuas nce ma
191
dinâmica livre do pensamento, utilizando-se, por vezes, exatamente do que contradiz as
expectativas da ordem estabelecida.
E é exatamente nas vagas desta tensão que surgiu com impacto devastador,
durante o decênio de 1870, um gênero dramático-musical que rapidamente cairia no
gosto popular, arrasando ao mesmo tempo com o projeto idealizado das cenas lírica e
dramática e com a possível utilização destas à “formação” de um público civilizado e
moralmente instruído: a Mágica. Envolvidos em sua produção encontramos agentes
culturais de destaque no cenário artístico do Império, entre eles, Cavalier Darbilly.
A repercussão da Mágica é registrada por Machado de Assis em Noticia da Atual
Literatura Brasileira - Instinto de Nacionalidade, publicada em 1873, onde o escritor
afirmava que já não havia teatro brasileiro:
Hoje, que o gosto do público tocou o último grau de decadência e
perversão, nenhuma esperança teria quem se sentisse com vocação para
compor obras severas de arte. Quem lhes receberia, se o que domina é a
cantiga burlesca ou obscena, o cancã, a mágica aparatosa, tudo o que fala aos
sentidos e aos instintos inferiores? (...)
A província ainda não foi de todo invadida pelos espetáculos de feira;
ainda lá se representa o drama e a comédia, - mas não aparece, que me conste,
nenhuma obra nova e original. E com estas poucas linhas fica liquidado este
ponto.
6
Decadência e perversão! Assim Machado de Assis qualifica o gosto do público
cada vez mais voltado para os espetáculos dramático-musicais, onde o apelo aos recursos
cênicos, ao entretenimento fácil e descompromissado rivalizava e expunha os limites da
ação moralizadora e educativa de um teatro pautado, usando as palavras do autor, em
severas obras de arte. Entretanto, para além da atração do público por espetáculos
aparatosos e ricos em recursos cênicos, havia um novo elemento que se incorporava ao
teatro e à música e com o qual os que sonhavam com uma prática artística de cunho
civilizador não sabiam lidar: a cultura popular urbana. Essa cultura popular, impregnada
das contradições sociais do espaço urbano, desorganizava e questionava a visão
centralizada, homogênea e paternalista da cultura nacional, idealizada pela elite letrada
do Império.
6
ASSIS, Machado de. Noticia da Atual literatura Brasileira - Instinto de Nacionalidade. In: Machado de
Assis, Obra completa, org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1997. Vol. III p. 808
192
Desta forma, não era a decadência ou o final do teatro brasileiro, mas sim uma
transformação, onde o teatro musicado, especialmente a Mágica, traria para os palcos o
som das ruas e as vozes de uma população urbana cada vez mais numerosa e heterogênea.
A Mágica, caracterizava-se por sua forma híbrida, contendo elementos da ópera
italiana, da zarzuela e da opereta francesa, além das peculiaridades de elementos como a
utilização de temas fantásticos em seus enredos e a engenhosa maquinaria empregada em
seus recursos visuais. Mas no centro de suas inovações estava o uso de formas musicais
urbanas como o tango de negros, a polca e o maxixe. Assume desta maneira a
característica de verdadeira síntese das diversas práticas musicais e dramáticas realizadas
no Brasil Império.
Sendo a síntese uma das principais características da Mágica, para entendê-la é
necessário lançar um olhar sobre estas práticas e observar os diversos movimentos da
dinâmica cultural do Império. Era praxe nos teatros do Império a divisão dos palcos entre
companhias líricas e dramáticas, alternando suas temporadas de representações a fim de
preencher a pauta anual. No Teatro S. Pedro, no Rio de Janeiro, essa situação só seria
alterada a partir do incêndio de 1851, quando se dividem os espaços: João Caetano e sua
companhia dramática assumem o teatro, ficando as representações líricas concentradas no
Teatro Provisório, mais tarde chamado de Lírico Fluminense. Até a reconstrução do S.
Pedro, a companhia dramática de João Caetano poderia utilizar o novo espaço destinado
às representações líricas, mas seus limites eram claros, e bem mais clara ainda era a
intenção de proteger as encenações líricas de quaisquer transtornos, como observamos em
documento anexo ao Relatório do Ministro dos Negócios do Império de 1851:
A comissão pretende continuar a permitir essas Recitas Dramáticas em
quanto deixarem ao Teatro livres de despesas para mais de 400$000 em cada
noite: com tanto que essas representações não sirvam de embaraço algum aos
ensaios e espetáculos da Companhia Lírica, e que a Companhia Dramática, ou
seu Empresário não tenha no Teatro domínio, ou autoridade alguma, o que
não é possível admitir sem grave transtorno, e perturbação da marcha dos
espetáculos Líricos.
7
O inverso se dera no ano de 1829, quando D. Pedro I, na tentativa de ordenar a
cena nacional, mandou vir de Lisboa uma companhia dramática para o Teatro S. Pedro,
liderada pela atriz Ludovina Soares da Costa. A média de montagens de óperas que desde
7
BRASIL. Informações dadas pela comissão diretora do Teatro da Corte sobre o estado do mesmo Teatro.
Documento anexo ao Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa, na Quarta Sessão da Oitava
Legislatura, pelo Ministro e Secretário d’ Estado dos Negócios do Império, Visconde de Monte Alegre. Rio
de Janeiro: Typographia Nacional, 1852.
193
1826 mantinha uma média de quatro por ano, em 1829 e 1830 passara a duas
representações, cessando no ano seguinte, para retornar aos palcos cariocas somente em
1844 com a chegada da Companhia Lírica Italiana.
8
A chegada da Companhia Dramática é saudada como a possibilidade de colocar a
cena nacional voltada para os princípios civilizadores e em sintonia com as novas
dimensões da dramaturgia mundial, fugindo das representações que atentavam contra a
boa conduta da população e aos atentados à cultura social:
Falamos das farsas abjetas, e obscenas com que se corrompe a moral
publica, e se torna o Teatro uma verdadeira escola de indecência, e de
perversidade. Entremezes, como o daParteira Anatômica” e outros do
mesmo jaez, nunca deveriam ser oferecidos na cena a um Povo polido, e que
já saiu das mantilhas da ignorância bárbara. [...] Por não aparecer no tablado o
“Capitão Mor das Mauricias” ou outros personagens de igual sal, e força
cômica, não é que este há de ficar deserto: os mesmos que dão hoje palmas a
semelhantes inépcias, se amoldarão a peças de melhor gosto, saberão por fim
apreciá-las, e todos ganharão nesta necessária reforma.
9
Pouco tempo ter-se-ia para a realização deste projeto de reforma. Em 1831, após
os embates em torno da abdicação do Imperador, os contratos com estrangeiros foram
suspensos, e os atores portugueses passaram a ocupar o Teatro da Praia de Dom Manuel.
Ao contrário do pretendido, o palco do Teatro S. Pedro não serviu à esperada reforma.
Carl Seidler relata que nesse período pós-abdicação a principal atração do teatro era o
fandango de Ricardina Soares, marcado pela sensualidade e beleza da artista. Ao lado
dessas apresentações eram encenados, nas palavras do viajante, alguns dramas modernos
e traduções horríveis das novidades estrangeiras, condimentadas com as mais ridículas
alusões aos funestos dias de abril.
10
Mas a idéia da reforma nas práticas dramáticas não desapareceu. Em 1834,
assumiu a direção do São Pedro o ator João Caetano, marcando o que anos mais tarde
Machado de Assis chamou de reforma romântica. É desta forma que Machado nomeia a
entrada em cena da nova escola dramatúrgica, constituída sob a direção de Victor Hugo
11
e distinguida pelo início da longa carreira de João Caetano e das encenações da produção
teatral de Gonçalves Magalhães, Martins Pena e Luis Antonio Burgain.
8
Ver em Anexos a tabela referente às óperas encenadas no teatro S. Pedro no período entre 1822-1830.
9
Aurora Fluminense, 1º de maio de 1829. apud. SOUZA, Carlos Eduardo de Azevedo e. Dimensões da vida
musical no Rio de Janeiro: de José Mauricio a Gottschalk e além, 1808-1889. Tese de Doutorado em História
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, 2003.
10
SEIDLER, Carl. Dez anos no Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003. p. 71-73
11
ASSIS, Machado de. O Teatro Nacional. In: Machado de Assis, Obra completa, org. Afrânio Coutinho. Rio
de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1997.vol. III p. 861-862
194
Considerada por muitos como a obra que marca o início do teatro brasileiro,
Antonio José ou o Poeta e a inquisição, de Gonçalves Magalhães, estreou em 13 de
março de 1838 no Teatro S. Pedro, com João Caetano no papel principal. Magalhães
viveu na Europa entre 1833 e 1837, presenciando, como nos informa João Roberto Faria,
o processo de afirmação da estética romântica
12
. Escreve portanto a sua obra ainda sob o
impacto das inovações que assistira em Paris. Entretanto, não utiliza a forma de drama,
como se poderia esperar, mas opta pela tragédia, embora empregando elementos
estranhos a esta, como não obedecer a unidade de tempo e envolver tipos comuns.
Essas liberdades em relação ao modelo clássico de tragédia se explicariam,
segundo Faria, pelo fato de Magalhães considerar o ecletismo em arte uma solução para
fugir dos extremos
13
, em uma tentativa de apropriação dos elementos que considerava
positivos nos dois sistemas dramáticos. Sobretudo, destacava-se na representação de
Antonio José o fato de ser obra escrita por brasileiro, encenada por brasileiros, tendo
como tema um assunto nacional. Da mesma forma, sobressaíam-se as mudanças na
encenação, que abandona a forma recitativa clássica para dar espaço à encenação natural.
Ao contrário de Magalhães, Martins Pena tem como opção estilística a comédia
marcada por uma crítica de costumes. Décio de Almeida Prado, em sua História Concisa
do Teatro Brasileiro
14
, associa a comédia de Martins Pena à prática do entremez,
afirmando que este chegara ao Rio de Janeiro com a companhia dramática de Ludovina
Soares da Costa, em 1829. Esta informação pode ser questionada a partir da citação que
fizemos acima, do periódico Aurora Fluminense, que explicita a existência desta prática
anteriormente. Entretanto, não restam dúvidas de que a prática de complementar os
espetáculos com encenações de vinte ou trinta minutos adquiriu uma nova dimensão com
Martins Pena. Sobre sua obra nos informa Prado:
Martins Pena assimilou (...) processos tradicionais, na medida em que
se foi assenhoreando da técnica e dos truques do ofício, mas sempre
adicionando-lhes uma nota local, de referência viva ao Brasil, de crítica de
costumes, na linha de certas comédias de Molière, de quem foi logo
considerado discípulo. O seu teatro revela um pendor quase jornalístico pelos
fatos do dia, assinalando em chave cômica o que ia sucedendo de novo na
12
FARIA, João Roberto. Idéias Teatrais – o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2001. p.
31
13
Idem, Ibidem. p. 32
14
PRADO, Décio de Almeida. História Concisa do Teatro Brasileiro: 1570-1908. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1999. p. 56
195
atividade brasileira cotidiana, com destaque especial para a cidade do Rio de
Janeiro.
15
Desde O juiz de paz da roça, comédia em um ato representada pela primeira vez
em 4 de outubro de 1838, no Teatro São Pedro, até A barriga de meu tio, comédia
burlesca em três atos, representada no mesmo teatro em 17 de dezembro de 1846, Martins
Pena escreveu aproximadamente 30 peças, marcando o nascimento da comédia de
costumes no Brasil.
Luis Antonio Burgain, francês de nascimento, mas que escreveu em português as
suas peças, assemelha-se a Martins Pena, no que João Roberto Faria
16
nomeia universo
teatral de João Caetano. Enredos emaranhados, repletos de surpresas, coincidências
extraordinárias, reviravoltas e muita imaginação são ingredientes utilizados, inspirados
nos autores franceses de melodramas que promoviam a justa recompensa da virtude e a
punição do crime. Em 1837, João Caetano representou duas obras deste autor: Glória e
infortúnio ou a morte de Camões e A orfã ou a última Assembléia dos condes livres.
17
O caminho que demonstrava seguir em direção a tornar o São Pedro o centro de
referência da vanguarda das representações dramáticas é interrompido, em 1840, com a
exclusão de João Caetano da companhia do teatro
18
e a posterior chegada ao teatro da
Companhia Lírica Italiana, que dominaria a cena até o fatídico incêndio de 1851. O
recomeço das representações líricas são marcadas pela clara preferência a Donizetti e
Bellini em lugar do Rossini dos primeiros anos do Império.
Os dois compositores podem ser considerados uma síntese do movimento
romântico italiano no decênio de 1830, tendo suas obras marcadas pelas influências das
peças de Vitor Hugo, Friedrich Schiller; dos romances de Walter Scott e Alexandre
Dumas (pai); da poesia de Ossian, Goeth e Byron, nas quais, como afirma Lauro
15
Idem, ibidem. p. 57
16
FARIA, João Roberto. Idéias teatrais – o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2001. p.
38
17
Ver em anexo a lista de obras de Magalhães, Pena e Burgain encenadas no Teatro S. Pedro.
18
João Caetano foi empresário e ator do S. Pedro no período entre 1834 e 1838. Neste ano, o teatro, que na
época era denominado Constitucional Fluminense e era propriedade do Banco do Brasil, vai à venda, sendo
adquirido por uma sociedade comercial que, sem recursos, desmembra a companhia dramática. João Caetano
passa a atuar em teatros como o S. Januário e o de Niterói. A volta de Caetano para o S. Pedro se dá em 1839,
como ator e ensaiador, mas logo em dezembro de 1840, após desavenças com o diretor geral do teatro,
motivada por um novo regulamento, ele é sumariamente despedido não somente do S. Pedro como também
do S. Januário. Ver PRADO, Décio de Almeida. João Caetano: o ator, o empresário, o repertório. São Paulo:
Perspectiva, EDUSP, 1972. p. 55
196
Coelho
19
, os libretistas encontravam suas inspirações temáticas. Outra forte influência era
a forma livre e natural com que Shakespeare expunha suas idéias e emoções em suas
peças, longe da formalidade e das regras características do teatro clássico francês, que por
mais de um século serviu de modelo para os libretos das óperas barrocas e clássicas.
Estava a Corte em dia com as mais novas produções européias. Donizetti havia
realizado a estréia da Filha do Regimento na Ópera Cômica de Paris em 1840; Pacini
estreara A Rainha do Chipre em 1846, Safo em 1840 e A Noiva da Córsega em 1846;
Mercadante ouvira as estréias mundiais de suas óperas A Vestal, em 1840, e A Nau de
Vasco da Gama, em 1845; Verdi estreara Ernani em 1844, em Veneza, que apenas dois
anos depois era encenada no Teatro São Pedro.
20
Martins Pena
21
relata a velocidade com que as óperas eram montadas, seguindo as
orientações dos empresários para evitar o afastamento do público dos teatros. Assim,
descreve Pena, hoje dão a Norma, amanhã Safo, depois Norma e Safo juntas e mexidas,
levando ao êxtase a audiência que se dividia cada vez mais em torno de seus artistas
preferidos.
22
Com a demanda do repertório exibido pela Companhia Lírica, a necessidade de
profissionalização de técnicos e artistas brasileiros era uma realidade que demandava
adaptações. Não havia centro oficial de formação de músicos e cantores. Nos Folhetins,
Martins Pena denunciava a ausência de medidas para a viabilização do Conservatório de
Música, para o qual havia sido destinado um número de loterias anos atrás
23
. A
profissionalização das atividades relacionadas à representação lírica era uma demanda e
ao mesmo tempo uma nova possibilidade de inserção social para as camadas menos
privilegiadas.
24
Ao relatar a deficiência dos coros nas encenações levadas a cabo no Teatro São
Pedro, Martins Pena evidencia que embora havendo na Corte mulheres com o
19
COELHO, Lauro Machado. A ópera romântica italiana. São Paulo: Perspectiva, 2002. p. 26
20
Citando as óperas encenadas nesse período, Ayres de Andrade atribui a autoria da A prisão de Edimburgo a
Caetano Rossi. Entretanto vários compêndios atribuem a autoria a Federico Ricci, que estreou La prigione di
Edimburgo (título original) em 13 de Março de 1838, na cidade de Trieste, Itália.
21
PENA, Martins. Op. cit. p. 49
22
Ver em anexo a tabela referente às representações de óperas no Teatro S. Pedro no período entre 1844-
1850.
23
Idem, ibidem. p. 48
24
Como vimos anteriormente, o aumento das atividades líricas representavam o incremento de postos de
trabalhos para músicos, coralistas e demais agentes envolvidos na produção cenográfica e técnica dos
espetáculos.
197
conhecimento musical necessário para formar um bom grupo de coralistas, esta função
ainda permanecia com o estigma de pertencer a uma condição menos digna:
Muitas existem entre nós com tal prenda; porém demonstrando essa
uma educação mais cultivada, coloca as pessoas que a possuem em
circunstâncias de não aceitarem uma posição no teatro tão mal conceituada e
de insignificantes vantagens. O resultado, pois, é darem-se a esse emprego
pessoas sem as necessárias habilitações, e que, não tendo outro meio de
ganhar a vida, procuram-no na garganta que Deus lhes deu.
25
Mas o sucesso das representações líricas era inquestionável, tomando conta por
completo do palco do Teatro São Pedro. Nenhum drama novo era preparado, mantinha-se
a Companhia Dramática a repetir o velho e safado repertório, como nos informa Martins
Pena
26
, concluindo que os Empresários mantinham um simulacro de Companhia
Dramática apenas para honrar seus compromissos contratuais com o Governo. A
possibilidade de lucros com o gosto lírico disseminado no público teatral da Corte neste
período, anima outros empreendimentos.
João Caetano, banido dos teatros subvencionados pelo Governo, havia encontrado
como alternativa de espaço o pequeno e desprestigiado S. Francisco
27
. E é para esse
teatro que leva em 1847 a Companhia Lírica Francesa que havia pouco tempo iniciara
suas representações no Teatro S. Januário. As montagens dessa Companhia revelavam ao
público da Corte as obras de Auber, Meyerbeer, Halevy entre outros, bem como
realizavam montagens de óperas italianas cantadas em francês. Mais um sucesso para
João Caetano, mais um importante elemento na construção de um repertório de ar
nacionalista que anos depois teria sua eclosão.
Mas se empresários, folhetinistas, público e artistas estavam atentos às revoluções
impostas pelo Teatro Lírico, também a censura, na figura do Conservatório Dramático –
que Martins Pena chama de uma associação quase literária
28
–, observava e apontava
seus tentáculos ao que era representado nos palcos da Corte. O Conservatório Dramático,
em seus esforços moralizantes, impediu, por exemplo, a montagem do Barbeiro de
Sevilha durante o período da quaresma
29
, e mutilava textos que tivessem como temas
quaisquer referências consideradas impróprias. Assim acontece na tentativa de encenação
25
Idem, ibidem. p. 46
26
Idem, Ibidem. p. 271
27
PRADO, Décio de Almeida. João Caetano... p. 53-54
28
PENA, Martins. Folhetins..., p. 109
29
Idem, ibidem. p. 183
198
da ópera Les Diamants de la Couronne
30
, no início do ano de 1847. O libreto conta a
façanha de uma rainha portuguesa, que nas vésperas de sua maioridade, encontrando
vazios os cofres do Governo, junta-se a bandidos, contrabandistas e joalheiros
falsificadores, para substituir por diamantes falsos todas as jóias da Coroa, vendendo os
originais em outras cidades européias. Traz, assim, riquezas para seu povo e a
possibilidade de iniciar seu reinado sem empréstimos ou novas taxações.
Bom exemplo de Governante? Não para o Conservatório Dramático, que associa a
imagem da protagonista a Maria I de Portugal, bisavó do Imperador Pedro II, vista em
posição indigna ao negociar com a baixa laia de criminosos, investindo em ações ilegais e
de moralidade duvidosa. Mesmo com a argumentação utilizada por aqueles que
defendiam a encenação, invocando: o fato de ser uma peça em língua estrangeira, e assim
sendo, poucos entenderiam as falas; o fato da mesma ópera ter sido encenada até em
Lisboa, aplaudida como em todas as outras capitais onde fora representada; o fato de, no
final, a atitude da Monarca ser por uma causa mais do que justa – o bem estar do
Governo e da população –, nada demovia os censores da proibição da representação.
A solução afinal acontece quando se resolve alterar o texto da ópera, dando a
Rainha uma nova nacionalidade. A peça deveria se passar na Dinamarca, e em
conseqüência tudo deveria tomar ares dinamarqueses. Explica Martins Pena:
Santa Cruz passou a ser Tuvik, Pedro passou a ser Peters e assim por
diante. Feita essa transformação, Jesus, meu Deus! Que espantoso milagre se
operou! A ópera cessou de ser antimonárquica, antidinástica; (...) Nesse
dinamarquesamento da peça a atenção não podia ser completa que não
deixassse alguma cousa aportuguesada, nem a memória dos atores tão fiel que
tivesse sempre pronta a substituição: assim, se Santa Cruz chamou-se Tuvik,
um Sebastião sempre lá ficou para dizer que a ação da peça era portuguesa; se
deram à coroa de Dinamarca um diamante de grande valor chamado – a
brasileira – em compensação deram-lhe a inquisição, que nunca fez em
Kopenhagen arder as suas fogueiras.
31
Talvez se levada à cena no decênio de 1830, a trama provocasse emoções
diversas. O processo de criação de uma identidade “brasileira”, em oposição a uma
identidade “portuguesa” ou “africana”
32
, era embalada aos sons da degradação da
imagem portuguesa. Vale lembrar a letra do Hino a Sete de abril:
30
Esta ópera de Daniel Auber, compositor francês, foi estreada na Ópera Cômica de Paris em 6 de março de
1841.
31
Idem, ibidem. P. 112-113
32
ROWLAND, Robert. Patriotismo, povo e ódio aos portugueses: notas sobre a construção da identidade
nacional no Brasil independente. In Istvan Jancó: Brasil. Formação do Estado e da Nação. São Paulo:
Hucitec, 2003. p. 372
199
Arranquem-se aos nossos filhos/Nomes e idéias dos lusos...
Monstros que sempre em traições/Nos envolveram, confusos.
Ingratos à bizarria/Invejosos do talento,
Nossas virtudes, nosso ouro, /Foi seu diário alimento.
Homens bárbaros, gerados/De sangue judaico e mouro,
Desenganai-vos: a Pátria/Já não é vosso tesouro.
Mas os tempos eram outros, e a questão anti-lusitana perdia relevância, como nos
informa Rowland
33
, diante do processo civilizador cujo sujeito e impulsionador era o
Estado, representado pelo Imperador. Assim, nesta perspectiva de agente reformulador, o
Estado resolve intervir fortemente no Teatro São Pedro com a intenção de trazer de volta
a este palco não somente uma boa companhia lírica, mas também uma dramática e outra
de baile que pudessem dividir com igual qualidade artística os aplausos da Corte.
Em 1850, nomeia uma comissão de sua confiança para administrar o teatro e
finalmente saber com exatidão qual o valor necessário a ser subsidiado a fim de manter
no teatro as três companhias completas
34
. Com a subvenção concedida, esta comissão não
demorou a mostrar sua produtividade: compraram-se novos cenários, figurinos, objetos
de cena para a Companhia Dramática; mandou-se contratar na Itália cantores necessários
para o incremento das representações líricas, e da mesma forma procedeu-se em relação à
Companhia de Baile. E efetivamente, no dia 14 de março de 1851, aniversário da
Imperatriz, o teatro foi aberto com a Companhia Dramática capitaneada por João
Caetano, que voltava aos palcos do S. Pedro, desta vez para um longo período que
somente seria interrompido com sua morte, em 1863.
Como mencionamos anteriormente, um terrível incêndio pôs abaixo o S. Pedro
em agosto de 1851, destruindo não somente o teatro, mas os planos do Governo de
manter ali as três grandes companhias. João Caetano toma para si a reconstrução do
teatro que passa a ser quase exclusivo para representações dramáticas
35
, passando a
Companhia Lírica a representar no Teatro Provisório, mais tarde batizado de Lírico
Fluminense. Com João Caetano, retornam aos palcos do S. Pedro as tragédias francesas,
os dramas românticos, autores espanhóis e portugueses. Mas sem perder de vista a
33
Idem, Ibidem. p. 382
34
BRASIL. Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa, na Quarta Sessão da Oitava Legislatura,
pelo Ministro e Secretário d’ Estado dos Negócios do Império, Visconde de Monte Alegre. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1852.
35
O Decreto N° 1.307 de 30 de Dezembro de 1853 aprova e manda executar as Instruções porque se deve
regular o empresário do Teatro S. Pedro d’Alcantara. Nestas Instruções, no artigo 2°, parágrafo 1º, proibia-se
ao empresário dar no Teatro de S. Pedro representações líricas de operas italianas ou francesas, o que,
todavia não compreende os vaudevilles em qualquer língua que sejam.
200
necessidade de manter o público freqüentando o teatro, também os melodramas eram
montados em profusão, como relata Décio de Almeida Prado:
O seu mais duradouro título de glória consistiu na criação da
personalidade selvagem de Otelo – o Otelo de J. F. Ducis, é verdade,
classicizado e domesticado na versão francesa do séc. XVIII, mas de algum
modo ainda ligado à grandeza shakesperiana. Quanto ao pão de cada dia,
medido pela média da bilheteria, quem se encarregou de fornecê-lo ao ator
brasileiro foi o imbatível melodrama, que, transbordando do palco para o
romance, tingia de cores berrantes tanto a imaginação popular quanto a
letrada. Nesta linha forte de teatralidade, que por isso mesmo ensejava
vigorosas interpretações cênicas, J. C. percorreu toda a série de melo
dramaturgos franceses, de Guilbert de Pixderécourt a Anicet-Bourgeois.
36
A presença de João Caetano, a quem o Estado entregava suas esperanças de
manter na Corte uma companhia dramática de qualidade, afastaria do Teatro São Pedro
uma geração de jovens intelectuais que introduzia no Brasil uma nova forma de
realização cênica. A partir de 1855, com a criação do Teatro Ginásio Dramático, na
verdade o mesmo Teatro S. Francisco que poucos anos atrás era administrado por
Caetano, começa a ser ameaçada a hegemonia do empresário do S. Pedro. Em lugar dos
surrados dramas e tragédias encenados por este, oferecia o empresário do Ginásio,
Joaquim Heleodoro Gomes dos Santos, um repertório renovado pelas últimas realizações
francesas. Obras de Alexandre Dumas Filho, Émile Augier atraíam para o teatro não
apenas o público comum, mas também uma jovem geração de literatos, jornalistas e
críticos de teatro. José de Alencar, Quintino Bocaiúva, Machado de Assis figuram entre
os intelectuais que vão tomar o Ginásio como centro de suas referências.
Desta forma, tendo como modelo a comédia realista francesa, inicia-se uma
produção intensa de dramaturgia nacional. Convergiam os literatos para a criação do
teatro nacional que retrataria os costumes da vida social não com a proposta de divertir
ou entreter, mas para através de uma crítica civilizadora educar, regenerar e moralizar a
sociedade brasileira. Rapidamente a nova tendência foi se espalhando pelos vários
redutos literários nacionais, chegando mesmo aos mais declaradamente românticos, como
o de Agrário de Souza Menezes. Em 1862, apenas um ano depois de seu libelo sobre a
situação da arte dramática que apresentamos acima, Menezes experimentava os novos
procedimentos dramáticos em seu Os miseráveis, representado no teatro Ginásio.
37
36
PRADO, Décio de Almeida. História Concisa do Teatro Brasileiro..., p. 38
37
FARIA, João Roberto de. Idéias..., p. 128
201
Se no decênio de 1830 João Caetano impressionava pela introdução nos palcos
nacionais de uma nova maneira de atuação, desprezando o recitativo monótono, no
decênio de 1859 sua escola já era considerada ultrapassada. Com o surgimento em cena
de Furtado Coelho no teatro Ginásio e sua técnica realista de atuação, mais claro ainda
ficava o envelhecimento artístico do ator e empresário do Teatro S. Pedro. Machado de
Assis não se conformava em ver o maior teatro do Rio de Janeiro entregue a alguém que
representava as “velhas concepções teatrais” e, mais do que isso, impedia com sua busca
de fortuna e realização pessoal o encontro do São Pedro com as aspirações mais
meritórias do fazer artístico.
38
Entretanto, não seria a atuação de João Caetano que impediria o alcance do nível
teatral idealizado pelos literatos. Assim como o Governo, nas palavras de Agrário, não
podia impor o gosto à população, tampouco poderiam aqueles que haviam se devotado à
construção de uma dramaturgia voltada à questão nacional. Pouco a pouco o público se
afasta das encenações realistas, deixando aberta a porta para outras manifestações
dominarem o espaço cênico.
Essas novas manifestações utilizavam novos elementos que se tornariam
fundamentais no gosto do público da corte: a diversão e o prazer do entretenimento
descompromissado. A inserção desses elementos foi iniciada em 1859, com a abertura no
Rio de Janeiro do Alcazar Lírico, aonde cançonetas, cenas cômicas e vaudevilles vindas
da França eram representadas por artistas franceses. Iniciava-se o processo de
substituição do teatro de cunho literário pelas formas mais populares do teatro musicado
em nossos palcos.
39
A penetração do teatro musicado francês tem seu ápice em 1865, com a
representação no Alcazar, da opereta Orphée aux Enfers, música de Offenbach
40
, texto de
Hector Crémieux e Ludovic Halévy. A receptividade à opereta foi tamanha, que
permaneceu um ano inteiro em cartaz acenando aos empresários com uma forma nova e
fácil de lucros, e por conseqüência decretando enormes dificuldades às futuras
encenações de peças de cunho literário.
38
FARIA, João Roberto de. Machado de Assis, leitor e crítico de teatro. In: Estudos Avançados 18 (51),
2004. p. 309-310
39
FARIA, João Roberto de. Machado de Assis..... p. 324-325
40
Compositor francês, de origem alemã. Nasceu em Colônia em 20 de junho de 1819 e morreu em Paris a 5
de outubro de 1880.
202
Um dos reflexos imediatos à encenação da opereta de Offenbach é o sucesso de
um gênero considerado menor entre os literatos: a paródia. O responsável por esse
movimento é o ator e dramaturgo Francisco Correa Vasques, que em 31 de outubro de
1868, no Teatro Phênix, realiza a representação de Orfeu na roça, paródia da opereta
Orphée aux Enfers de Offenbach. Se a opereta original havia sido um sucesso de público,
o Orfeu na roça em poucos meses atingiria a incrível marca de quatrocentas
apresentações, realizando uma verdadeira transformação na cena teatral brasileira, como
nos informa Silvia Martins de Souza:
Essa recepção estrondosa das platéias fluminenses ao Orfeu na roça é
paradigmática e a transforma em testemunho importante sobre um momento
de transformação da cena teatral brasileira quando se aumentou a encenação
de diferentes gêneros de teatro musicado pelas companhias teatrais em
funcionamento no Rio de Janeiro, o que significou uma mudança nas
concepções estéticas então vigentes e um aumento ponderável de público com
benefícios financeiros para atores, autores e empresários.
41
Podemos perceber até aqui a ausência do Teatro São Pedro nas renovações e
conquistas das representações dramáticas. É certo que em um pequeno período o teatro
abrigou a iniciativa de criação da Ópera Nacional, mas isso ocorreu mais por
benevolência do que por interesse do respectivo diretor e empresário, como explicitado
no Relatório do Ministro do Império de 1857
42
. A Imperial Academia de Música e Ópera
Nacional, criada pela iniciativa do espanhol José Amat, que pouco interessou a João
Caetano, também contribuiria, em seus poucos anos de funcionamento, com novos
elementos que seriam agregados ao processo que Silvia Martins de Souza denomina de
mudança nas concepções estéticas vigentes.
Entre esses elementos, além de ópera escrita e musicada por brasileiros, a capital
imperial foi apresentada a um novo gênero do teatro musicado: a Zarzuela. Suas origens
remontam ao século XVII, mas foi no decênio de 1840 que a zarzuela toma na Espanha a
configuração de entretenimento popular, com revestimento de caráter nacionalista. Em
sua forma, que intercalava trechos falados e cantados, eram incluídas árias e danças
populares, e seus enredos abrangiam da farsa à tragédia. Amat, que chegou ao Rio de
41
SOUZA, Silvia Cristina Martins de. Um Offenbach tropical: Francisco Correa Vasques e o teatro musicado
no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX. In: Histórias e Perspectivas. Uberlândia (34): 225-259,
jan.jun. 2006. p. 229
42
BRASIL. Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na Segunda Sessão da Décima Legislatura
pelo Ministro e secretario d’ Estado dos Negócios do Império, Marquez de Olinda. Rio de Janeiro:
Typographia Universal de Laemmert, 1858.
203
Janeiro em 1848, acompanhou o estabelecimento desse gênero como expressão musical
nacionalista espanhola. Talvez, em seu pensamento, a Zarzuela pudesse ser o modelo
para o alcance da tão desejada expressão lírica nacional.
Ayres de Andrade observa que nos periódicos da época, possivelmente sob
influência de Amat, eram publicadas referências a Zarzuela e sua serventia como modelo
para a ópera brasileira, como podemos ver nesta citação do Correio Mercantil:
A ópera nacional, que deve inaugurar-se por estes dias, terá de recorrer
por muito tempo à ópera espanhola; com isso ganhará o nosso teatro mais
novidade: os compositores e poetas nacionais terão belos modelos para
estudar, avigorando assim a própria inspiração.
43
Desta forma, a Imperial Academia de Música e Ópera Nacional apresenta no
Teatro Ginásio, em 17 de julho de 1857, seu primeiro espetáculo, a zarzuela A estréia de
um artista, tradução do espanhol realizada por José Feliciano de Castilho
44
. Ainda em
1857, a empresa levaria à cena no teatro S. Januário, em 26 de outubro, Boas noites, D.
Simão, zarzuela em um ato de Cristobal Oudrid; e no mesmo teatro, em 7 de dezembro, a
tradução de Quintino Bocaiúva para a zarzuela As colisões de um ministro, de Asenjo
Barbieri.
Além de zarzuelas e óperas cômicas de diversos autores, como Arrieta, Ricci,
Copola, Ferrari, Degiosa, a Ópera Nacional realizou representações de óperas italianas
cantadas em português. A primeira foi Norma, de Bellini, encenada no Teatro S. Pedro
em 1858; e a segunda, com um toque pitoresco, foi La Traviata, de Verdi, que na versão
para o português foi apresentada como A Transviada em sua representação no Teatro
Lírico Fluminense, em março de 1862.
Somente nos últimos anos de existência da companhia de Ópera Nacional foram
montadas óperas compostas por brasileiros. A primazia coube ao compositor paulista
Elias Álvares Lobo, com sua ópera Noite de São João, libreto de José de Alencar,
encenada no Teatro S. Pedro em 14 de dezembro de 1860. A ópera de Elias Lobo foi
recebida com muitos aplausos, mas nem de longe causou o impacto que um ano depois
distinguiria um outro jovem compositor paulista.
43
ANDRADE, Ayres. Francisco Manuel e seu tempo. Op. Cit. Vol II, p. 90
44
Os nomes dos autores espanhóis são desconhecidos, não constando nos periódicos da época. Segundo Luiz
Heitor, a ausência dos nomes dos autores devia-se evitar o pagamento de direitos autorais. HEITOR, Luiz.
Música e músicos do Brasil. Op. Cit. p. 61.
204
Era Carlos Gomes, que com a representação de sua ópera Noite do Castelo,
libreto de Antonio José Fernandes dos Reis, no Teatro Lírico Fluminense, em 4 de
setembro de 1861, foi içado ao posto de “artista sagrado pelo voto da multidão”, como a
ele se referiu Saldanha Marinho
45
. Entre as várias homenagens que recebeu pelo advento
de sua ópera, destacam-se a coroa de ouro ofertada pela Sociedade Musical Campesina e
uma batuta de ouro, ofertada por um grupo de quarenta senhoras.
46
O próximo destaque nas produções da Ópera Nacional seria a montagem, em 24
de outubro de 1863, no Teatro Lírico Fluminense, da ópera
205
tinha como empresários Charles Ducommun e Charles Dengremont. Logo estaria a
Companhia do Alcazar ocupando os palcos do teatro, o que foi registrado pelo periódico
Vida Fluminense:
Asseguram que na próxima semana a Companhia do Alcazar Lyrico Francez
dará uma representação no Theatro S. Pedro. A opereta escolhida é a moderna
Reine Crinoline, que tantos aplausos têm merecido no teatro da Rua da Valla.
As famílias que tem escrúpulos de freqüentar o Alcazar não devem perder este
ensejo de apreciar não só as belíssimas e frescas melodias, como também as
engraçadas peripécias e xistosas frases da opereta.
49
Assim, de lugar permitido somente a determinado segmento da sociedade, as
representações do Alcazar tornavam-se acessíveis até às respeitosas famílias que ainda
mantinham distância de um local de reputação tão dúbia. Oficializavam-se desta maneira
os espetáculos marcados pelos imbatíveis cortejos de diabretes, fogos de bengala e
visualidades do seu PetitFaust
50
. Esse elemento da visualidade, da utilização do recurso
cenográfico como centro das encenações marcaria fortemente mais uma etapa da
transformação da linguagem teatral no Brasil do século XIX.
O decênio de 1870 marca o fortalecimento de um gênero musical que questionaria
de maneira avassaladora os projetos de um teatro civilizado e culto e que de certa forma
marcaria a produção de Cavalier Darbilly: a Mágica. Geralmente associada à opereta e a
revista, gêneros do teatro musicado que fizeram grande sucesso na segunda metade do
século XIX, a Mágica, entretanto, antecede a estes, sendo já nos primeiros anos de 1870
encenada costumeiramente na capital do Império.
51
Para Décio de Almeida Prado
52
e João Roberto de Faria
53
a Mágica seria uma
simples tradução da féerie francesa. A féerie, como gênero de teatro musicado, foi muito
popular no século XVIII e tem sua origem ligada à prática da utilização de temas
49
Vida Fluminense. Sábado, 19 de setembro de 1868. N° 38
50
Vida Fluminense. Sábado, 15 de janeiro de 1870. N° 107. Esse artigo refere-se a outra apresentação da
companhia do Alcazar no Teatro S. Pedro em 1870.
51
Segundo João Roberto Faria, a opereta em sua trajetória é vinculada à paródia, gênero criado por Francisco
Correa Vasques, posteriormente explorado por Augusto de Castro e Joaquim Serra. A paródia explorava as
operetas francesas, como as de Offenbach, encenadas no Alcazar Lírico, mantendo a música original e
adaptando o roteiro à cena brasileira. Após essa primeira fase, somente em 1877, Artur Azevedo escreveria
sua primeira opereta original, mas sem música composta especificamente para a encenação. Isto somente
acontece em 1880, quando, nas palavras de Faria, se nacionalizaria a opereta. FARIA, João Roberto. Op. Cit.
p. 147. Neyde Veneziano afirma que a revista somente se instala no Brasil em 1884, com a estréia de O
Mandarim, também de Artur Azevedo. VENEZIANO, Neyde. O teatro de revista. In: O teatro através da
história. Carlinda Fregale Pate Nuñez et alii. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil; Entourage
Produções Artísticas, 1994. p. 152.
52
PRADO, Décio de Almeida. História Concisa do Teatro Brasileiro. p. 32
53
Além da opereta, diz Faria, outro gênero que obteve o favor do publico naqueles anos foi a Mágica (na
França, féerie). FARIA, João Roberto de. Idéias Teatrais. p. 147
206
mitológicos, tendo sido iniciado na França por Jean-Philippe Rameau e suas opéras-
ballet, como Les fêtes d'Hébé or les Talens Lyriques (1739), e Les fêtes de Polymnie
(1745). Esse gênero tem seu ápice no século XIX, nas obras de Offenbach: Le Voyage
dans la Lune (opéra-féérie, 1875) e Les Contes d'Hoffmann (opéra fantastique, 1881).
Em 1870 foi encenada no Teatro S. Luis a Mágica Amor e o diabo, muito
possivelmente uma tradução da opéra-féerie Les amours du diable, música de Albert
Grisar e libreto de Henri Saint-Georges, editada em Paris em meados de 1853. Além do
título semelhante, a divisão cênica em quatro atos e nove quadros realça esta
possibilidade. Juntando-se a esse elemento, observamos que Eduardo Garrido,
personagem fundamental na introdução da Mágica no Brasil, como será visto em seguida,
não somente adaptou outra féerie de Albert Grisar
54
, como realizou traduções, como a
Viagem à lua (traduzida da férrie de Offenbach) e a Corça do bosque (tradução da féerie
La biche au bois
55
).
Essas informações denotam a clara presença da féerie francesa e sua influência
nas Mágicas realizadas no Brasil. Entretanto, tratar a Mágica como uma simples tradução
desse gênero da ópera francesa é não estar atento a um de seus elementos fundamentais: a
música. Não só, desde suas primeiras apresentações, a parte musical das Mágicas
encenadas era de compositores brasileiros, como já em 1872 a introdução de uma forma
popular urbana, o tango brasileiro, definiria um padrão, sendo constante a presença destas
formas (tangos, tangos-serenata, maxixes, polcas e valsas). Porém, mesmo em seu
aspecto literário, é necessário destacar que, se em uma primeira fase a Mágica enfatiza os
temas do sobrenatural, do mitológico, do fantástico, o que a coloca bastante próxima da
féerie, em uma segunda fase, ainda utilizando o recurso do fantástico, aproxima-se da
crítica social e do relato dos acontecimentos da vida cotidiana.
Assim, a Mágica estabelecida como gênero no Brasil realiza uma verdadeira
síntese das práticas musicais e dramáticas que ocuparam os palcos dos teatros do Império,
como pudemos observar ao longo deste capítulo, todas subjugadas pelo impacto da
enorme receptividade deste espetáculo ante ao público. De alguma forma as trajetórias
destas duas linguagens caminharam à procura da criação de uma expressão nacional,
54
GARRIDO, Eduardo. A filha do inferno. Peça phantástica em 4 atos e 12 quadros, música de Grisar. Rio de
Janeiro: H. Garnier, 1877.
55
La nouvelle biche au bois : grande féerie en 5 actes et 17 tableaux. De Théodore Cogniard e Hippolyte
Cogniard. Paris : Barbé, 1867.
207
balizadas pelas produções desenvolvidas na Europa. O percurso desta busca pode bem ser
simbolizado por João Caetano e suas encenações das obras de Magalhães, Pena e
Burgain; pelo realismo teatral iniciado pela companhia de Joaquim Heleodoro e seu
repertório de autores nacionais representados no Teatro Ginásio; bem como na tentativa
de criação de uma Ópera Nacional, que revelou ao público o talento de Henrique Alves
de Mesquita e Carlos Gomes em suas produções de óperas ao estilo italiano, mas
cantadas em português.
Mas a ópera italiana não seria a única influência do gênero lírico. As zarzuelas
espanholas e particularmente a música francesa e sua ópera bouffe, personificadas na
figura do compositor Jacques Offenbach, também marcaram fortemente os palcos do
Império. Sua obra foi levada ao público da corte pelo Alcazar Lírico, pela Companhia
Lírica Francesa e especialmente pela companhia dos Bouffes Parisiennes, que
freqüentaram além dos palcos da corte os de diversas províncias do Império. Offenbach
foi o responsável pela popularização e fama da opereta, gênero no qual empregava seu
talento na criação de melodias atraentes e fáceis de memorizar, geralmente em ritmo de
dança, como no famoso cancan de Orfeu no inferno.
Desta forma, concordamos com a afirmação de Vanda Freire a propósito da
síntese musical realizada na Mágica:
Parece-nos claro que a Mágica resulta de uma curiosa síntese de
características musicais diversas, de gêneros musicais brasileiros e
estrangeiros, como a opereta francesa, a ópera italiana e a zarzuela, entre
outros, cabendo-nos, ainda, supor que ela não é uma simples ‘tradução’ da
féerie francesa. (...) Configurar-se-ia, assim, na Mágica, a articulação de
significados residuais, atuais e latentes (...), assinalando-se, nessa articulação,
a construção de uma das instâncias do nacionalismo musical brasileiro.
56
Vanda Freire
57
observa a articulação de significados residuais, atuais e latentes da
Mágica com a féerie, como a presença de personagens mitológicos ou fantásticos e a
utilização de efeitos especiais; mas também observa essa articulação com a ópera italiana
e a opereta, as farsas e o vaudeville. Entre os elementos que a aproximam da ópera
italiana podemos citar a utilização formal de uma introdução orquestral e o virtuosismo
vocal, com árias que exigem conhecimento da técnica do bel-canto. As semelhanças com
com a zarzuela manifestam-se na presença de partes faladas, intercaladas a outras
56
FREIRE, Vanda Lima Bellard. A Mágica. In: Opus Revista Eletrônica da Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Música. ANPPOM. Volume 6, Outubro de 1999.
57
Idem. Ibidem
208
estritamente instrumentais; mas, sobretudo, na utilização de danças populares na
composição de sua estrutura musical.
Nas partituras remanescentes, observamos o emprego da formação tradicional de
orquestra: cordas completas (violinos I e II, violas, violoncelos e baixos), madeiras em
pares (duas flautas, dois oboés, duas clarinetas e dois fagotes), metais (dois trompetes,
duas trompas, dois trombones tenores e um trombone baixo) e percussão (tímpanos,
bumbo, pratos e triângulo). Sua organização cênica aparece sob a forma de atos e
quadros, e em alguns casos, acrescidas de prólogo ou apoteose. Das 78 Mágicas
58
que
catalogamos, conseguimos obter informações sobre a organização cênica em 35 casos: 26
eram divididas em três atos; seis em quatro atos e uma em cinco atos. O número de
quadros apresenta-se bastante variável, com o menor número de quatro e o maior de
dezenove.
59
A adição de prólogo e apoteose ocorre a partir do decênio de 1890
60
, quando a
Mágica, em sua segunda fase, apropria-se de alguns elementos da revista. Assim, sete
apresentam prólogo e três apresentam apoteose, como na Mágica A bicha de sete cabeças
– apresentada em sua partitura como uma "deslumbrante e espirituosa Mágica acomodada
à cena brasileira”
61
–, conta com três atos, quinze quadros e uma "ofuscante" apoteose. A
Bota do diabo
62
ia mais além, conta com três atos, dez quadros e três apoteoses!
Nas Mágicas catalogadas em nossa pesquisa, pudemos observar a utilização do
fantástico em seu material temático, através de referências satânicas (diabos, satanases,
inferno); personagens e símbolos mitológicos e/ou mágicos; animais fantásticos; objetos
mágicos; lugares fantásticos ou mitológicos; personagens vinculados à nobreza (reis,
rainhas, príncipes, princesas e etc.); lugares mágicos ou mitológicos e sentimentos como
58
Nesse número total incluíram-se obras que em sua denominação utilizam o termo fantástico como subtítulo,
como operetas fantásticas, operetas cômico-fantásticas, dramas fantásticos ou peças fantásticas. Não
incluímos nesse total as denominações que denotam vinculação com a revista, como as revistas fantásticas ou
cômico-fantásticas.
59
A Mágica Pandora, de Cavalier Darbilly e Moreira Sampaio, é dividida em três atos e quatro quadros. Já a
Mágica A cornucópia do amor, de Costa Junior e Moreira Sampaio, é dividida em três atos e 19 quadros. Esta
Mágica foi representada no Teatro Santana em 5 de dezembro de 1894.
60
A exceção é o drama lírico-fantástico Remorso Vivo, de 1867, que utiliza a organização cênica de 1
prólogo; quatro atos e oito quadros. Esse drama foi representado no Teatro Ginásio Dramático em 21 de
fevereiro de 1867. Música de Arthur Napoleão. Libreto de Francisco Serra, Furtado Coelho e Machado de
Assis.
61
Música de Henrique Alves Mesquita, Chiquinha Gonzaga, R. Domenech e Luiz Moreira. Libreto de
Moreira Sampaio. Encenada no Teatro Santana, com estréia em 19 de novembro de 1892.
62
Música de Chiquinha Gonzaga. Libreto de Avelino de Andrade. Encenada no Teatro Avenida de Lisboa.
Estréia em 18 de dezembro de 1908.
209
o remorso e a tentação. A preponderância destas referências pode ser visualizada no
gráfico abaixo:
Gráfico 12
Mágicas: Material temático
23%
22%
13%
13%
8%
5%
5%
11%
22%
Referências Satânicas Símbolos ou personagens mitológicos, fantásticos
Animais fantásticos Objetos mágicos
Lugares fantásticos ou mitológicos Nobres (reis, principes, etc)
Sentimentos Não definido.
A utilização dessas referências não era marcada pela verossimilhança, mas sim
pela liberdade no tratamento do material temático, como podemos observar na Mágica
Pandora, de Cavalier Darbilly. Na Ária de Pandora, a personagem descreve seus poderes
e a sua inteligência em enganar o próprio destino e os fantásticos percalços que encontra:
Bem sei que não és ladino, mas aqui vou te contar como foi que do destino
soube Pandora zombar. Mal eu vi dormir o dragão, sem demora fui tratando
de escapar à prisão e ir-me embora. Altaneiras montanhas escalando sem
parar; vales, prados, campinas fui cortando pelo ar. Para ao homem ser, foi
que eu fugi. Pois que ele é meu tesouro, mas a correr quando saí, tirei os
pomos de ouro.
Não chames por compaixão, deixe a terra namorada guardar a mulher que
adora. Deixa, deixa que a pobre Pandora seja muito, muito amada. Ouve o
bosque, o prado, a flor cantando a canção do amor. Deixa a terra namorada
guardar a mulher amada. Ah!
63
No texto, destaca-se a referência aos pomos de ouro e ao dragão. Tais elementos
em nenhum momento aparecem na descrição do mito grego de Pandora, mas
assemelham-se em muito ao mito de Hércules e os doze trabalhos sobre-humanos por ele
realizados como expiação pelo assassinato involuntário de seus filhos com Mégara.
63
Biblioteca Alberto Nepomuceno. Mágica Pandora de Carlos Cavalier Darbilly e Moreira Sampaio. Setor
de Documentos manuscritos.
210
Condenado pelo Oráculo de Delfos a realizar essas façanhas, o 11º trabalho era
exatamente resgatar os Pomos de Ouro das Hespérides.
Esses pomos de ouro foram presentes de casamento de Gaia para Hera, que
mandou plantá-los em seu jardim no extremo oriente. As belíssimas hespérides e um feio
e imortal dragão de cem cabeças (ou uma serpente, conforme a versão) guardavam as
preciosas árvores. De acordo com Ribeiro Jr.
64
, há uma discordância entre os mitógrafos
na maneira como Hércules teria conseguido se apossar dos pomos. Para alguns ele
encontrou o jardim no extremo Ocidente e fez o dragão adormecer (ou matou a serpente),
e as hespérides deram-lhe as maçãs de ouro. Outra versão, igualmente muito difundida,
relata que Hércules conseguiu as maçãs com a ajuda de Atlas. Enquanto Atlas estava no
Jardim colhendo maçãs, Héracles teria ficado em seu lugar, sustentando o céu...
Essa liberdade no tratamento dispensada ao material temático original é uma das
características marcantes do gênero, pois, como explica Faria, o enredo proposto é
simplesmente um pretexto para a encenação repleta de truques e surpresas
65
. Essas
liberdades, entretanto, somente incomodavam aos literatos, no público o efeito parecia ser
exatamente o contrário.
Em 1873, como citamos anteriormente, Machado de Assis, em sua Noticia da
Atual Literatura Brasileira - Instinto de Nacionalidade
66
, afirmou que já não havia teatro
brasileiro, referindo-se ao impacto das Mágicas e de outros gêneros “menores” que
roubavam a cena na capital do Império. Suas palavras concretizavam o que já previra em
1871 o cronista
67
do periódico Vida Fluminense, quando afirmou que “o futuro é das
mágicas
68
. Chamando a atenção para profusão de Mágicas na cidade, o autor informava
as produções que estavam sendo ensaiadas nos teatros: no S. Luiz se preparava a Pêra de
Satanás; no Phênix Dramática “se davam os últimos toques” na Flor de Maio; e no
Ginásio em breve estrearia o Mazalipatão.
Essas produções parecem marcar o ápice de um lento processo impulsionado pela
disposição do público da capital em favorecer os espetáculos aparatosos, para usar um
64
RIBEIRO JR., W.A. Héracles. Portal Graecia Antiqua, São Carlos. Disponível em
http://greciantiga.org/mit/mit06.asp. Data da consulta: 17.06.2007.
65
FARIA, João Roberto. Op. Cit. p. 147
66
ASSIS, Machado de. Noticia da Atual literatura Brasileira - Instinto de Nacionalidade. In: Machado de
Assis, Obra completa, org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1997. Vol. III p. 808
67
Algumas crônicas deste periódico eram assinadas por A de A., de quem não conseguimos desvendar a
identidade.
68
Vida fluminense. 11 de novembro de 1871. n° 202.
211
termo da época, que recorriam cada vez mais ao luxo, aos efeitos cênicos e à temática do
fantástico. Em 1870, esses espetáculos não eram denominados de Mágicas, como
podemos notar nas crônicas do periódico Vida Fluminense, mas de peças fantásticas ou
de efeito mágico – como era citada a obra o Amor e o diabo, representada no Teatro S.
Luis
69
–; ou como fantasia, composição galhofeira e fantástica, como era referida a obra
Ilha do amor, representada no Teatro Phênix.
70
A partir de 1871, a denominação Mágica parece estar estabelecida, e em 1872,
quando Amor e o diabo foi reapresentado no Teatro Cassino, o periódico a anunciava
como “a mágica outrora muito aplaudida no S. Luis”
71
. De toda forma, era evidente a
intenção de ressaltar o aspecto aparatoso dessas encenações e a reação entusiasta da
platéia:
Vão ao Teatro S. Luis em qualquer noite que se represente o Amor e o diabo.
Verão como a sala se enche, as palmas rebentam, e são espontâneas as
ovações ao Rocha, que pintou um incêndio capaz de intimidar o nosso corpo
de bombeiros e pôr a arder o juízo do respectivo comandante.
72
O fim das subvenções do estado aos teatros, em 1868, acirrava a disputa pelo
público, que cada vez mais se distanciava das encenações do teatro “sério”. Na tensão
criada por este afastamento e na conseqüente baixa rentabilidade das encenações
dramáticas, sobravam acusações para todos. Questionavam-se a qualidade artística das
obras e dos atores que as representavam, e os empresários e suas buscas por lucros; e
atribuía-se responsabilidades ao público, por sua indiferença aos dramas encenados nos
palcos da capital do Império. Era necessário encontrar um elemento novo, algo que
modificasse a situação lamuriosa dos teatros, e esse elemento surge através de Eduardo
Garrido, como afirma o cronista da Vida Fluminense:
O drama já não dá dez reis de mel coado à empresa alguma. (Rossi e
Salvini tornaram-no impossível no Rio de Janeiro). A alta comédia está fora
de moda, por falta de um núcleo de artistas habilitados a representá-la. A farsa
propriamente dita ainda chama gente ao teatro nas duas ou três
representações...mas depois as vazantes sucedem-se com incrível rapidez, e,
esvaziando burras das empresas, levam os empresários direitinhos ao abismo
bancarrota.
Tornava-se, pois necessário um salvatério (sic) que de um momento
para outro mudasse a face das coisas teatrais, e obrigasse o nosso público a
pôr de lado essa indiferença, que o persegue há tempos a esta parte. Eduardo
Garrido achou o almejado salvatório, e olhando desdenhosamente para o
69
Vida Fluminense. 5 de novembro de 1870. n° 149
70
Vida Fluminense. 30 de Julho de 1870. n° 135 e Vida Fluminense. 27 de agosto de 1870. n° 139
71
Vida Fluminense. 21 de setembro de 1872. n° 247
72
Vida Fluminense. 12 de novembro de 1870. n° 150
212
drama, sem atender as súplicas da comédia, que lhe gabava o espírito, e
despedindo a pontapés a farsa que bem desejava entrar-lhe pela casa dentro –
foi-se direitinho à mágica, que há muito lhe piscava olho, e lançando-se-lhe
nos braços exclamou: Sê minha, e eu serei todo teu. A mágica gostou do
rapaz, aceitou a proposta, e brasdessous, brás dessus, em breve verá o leitor
por esse Rio de Janeiro fazendo o diabo a quatro.
73
Se a inexistência de atores habilitados à representação da alta comédia pode de
alguma forma ser uma opinião extremamente pessoal, e por isso questionável, a
constatação que o público se afastava das encenações dos dramas e farsas, levando os
empresários a sérios transtornos financeiros e à aproximação com as elaboradas e
lucrativas encenações das Mágicas, parece ser irrefutável. E mais irrefutável era a
profecia em torno de Eduardo Garrido e do sucesso dessas encenações.
Menos de um ano depois o periódico destaca a encenação de uma obra de
Eduardo Garrido que recebeu uma verdadeira multidão em suas representações: era o Ali-
Babá, encenada pela companhia Heller, no Teatro Phênix, com música original composta
pelo maestro Henrique Alves de Mesquita. A estréia aconteceu em outubro de 1872, e
mais uma vez o periódico Vida Fluminense
74
relaciona a presença das Mágicas nos
palcos da capital com a decadência das representações de dramas e comédias e a
disposição do público para o teatro fantástico. E seria exatamente esta pronta
receptividade do público que justificaria, nas palavras do cronista, o empenho da
companhia Heller em não poupar despesas na realização desta montagem.
O autor chama atenção à falta de escola literária do libretista Garrido e à distância
que este toma em relação ao conto original, mas reconhece sua maestria em prender a
atenção da platéia do primeiro ao último ato, bem como a utilização de recursos técnicos
como a prosa rimada e as cenas de efeito. Destaca ainda a atuação dos atores principais
Francisco Lisboa, Correia Vasques, José Severiano da Costa Galvão, Júlia Heller e
Eugenia Câmara, que por sua boa interpretação receberam do público aplausos constantes
e calorosos. Entretanto, são dois elementos que merecem sua maior atenção: os efeitos
cenográficos e a música de Henrique Alves de Mesquita:
Ficamos deslumbrados diante de tanta magnificência, e nossa imaginação
incitada por cenas tão bem reproduzidas galopava através desses desertos em
caravanas, visitando todos os haréns e até fomos a Meca orar sobre o túmulo do
Profeta! Á que a ilusão era completa. (...)
73
Vida fluminense. 11 de novembro de 1871. N° 202.
74
Vida fluminense. 26 de outubro de 1872. N° 252. Crônica assinada por P. R.
213
Os coros e os dançados satisfazem por estarem bem ensaiados, e a sua execução
em correspondência com o capricho, fantasia e detalhe da peça.
Todo o ornado de música, o drama perderia muito de seu efeito se a composição
lírica não fosse, como é, de um efeito maravilhoso, acrescendo a isso que, além
de bem adaptada ao pensamento literário, tem o grande mérito de ser original.
Felicitamos ao ilustre maestro, o Sr. Mesquita, por ter tido mais esta ocasião de
exibir os seus talentos, mantendo-se na altura de suas glórias.
P. R.
75
O cronista destaca a elaborada cenografia que permitia a mais completa ilusão em
seu perfeito acabamento. Essa sensação da ilusão, da fantasia descompromissada, foi um
dos elementos que contribuíram para a aproximação e identificação do público com esse
gênero dramático musical. A Mágica obrigava a utilização de um elaborado esquema de
maquinaria, fundamental para a grandiosidade do espetáculo e a criação de efeitos visuais
impactantes. Em outra situação, o cronista do Vida Fluminense tenta de maneira irônica
restringir a Mágica aos efeitos de seus aparatos cênicos, acabando por nos revelar alguns
destes elementos que compunham seus efeitos cenográficos: - Sabe o que é a mágica nos
teatros? Pergunta para responder com humor: “É uma câmara-ótica de vistas, um arsenal
de acessórios, um armazém de costumes, uma fábrica de alçapões, um novelo de cordas,
uma casa de fogueteiro e uma verdadeira sucessão de milagres”.
76
As funções de maquinista (o operador de cenários e efeitos), cenógrafo e
figurinista eram assim elevadas a um grau de importância igual ao dos artistas envolvidos
na encenação, como atesta outra crônica na Vida Fluminense:
O futuro é das mágicas, disse eu na minha crônica passada. Só podem duvidar
desta profecia os que não tiverem freqüentado a Phênix nestas últimas noites.
Os que já se extasiaram perante o dragão, e admiraram a cidade iluminada
acreditam piamente como eu, que o salvatério dos teatros repousa agora na
exibição desse gênero de peças onde o maravilhoso predomina e o luxo
impera. (...)
Recebam, pois o autor, o empresário, os atores, o maquinista, o Vasques, o
cenógrafo, e o alfaiate as contumelias (sic) a que tem direito.
77
O destaque dado aos cenógrafos responsáveis pelo deslumbramento cenotécnico
torna-se tão dimensionado que, em janeiro de 1890, ao comentar a encenação no Teatro
de Variedades da Mágica Gato Preto, Arthur Azevedo protesta contra os altos salários
recebidos por esses profissionais, o destaque de seus nomes nos anúncios das
75
Idem. Ibidem.
76
Idem. Ibidem.
77
Vida fluminense. 25 de novembro de 1871. n° 204.
214
representações e, sobretudo, o exagero nos efeitos que acabavam sendo colocados no
primeiro plano da encenação, o que ofuscaria a arte de escrever e de representar peças
78
.
Ao lado das rebuscadas encenações, a música também assumiu importante papel
na receptividade das Mágicas pelo público do Império. Ao levar à cena as formas
populares urbanas, como a polca, o tango e o maxixe, os compositores de Mágicas levam
os sons das ruas para dentro dos teatros, em um processo de apropriação que Vanda
Freire
79
compreende como uma “ciranda”. Como nesta dança de roda, sem início nem
fim certo, esta apropriação estabelece um processo onde diferentes percepções se
unificam, gerando, ainda que parcialmente, a sensação de identidade.
O público do teatro por sua vez também tem a possibilidade de se apropriar das
músicas compostas para a Mágica, trazendo essas obras para dentro de suas residências e
salões. Da mesma forma que, durante o período áureo das temporadas de ópera na corte,
era costume arranjar as principais árias ou trechos instrumentais em versão para canto
e/ou piano, o mesmo aconteceu com as Mágicas. Seus temas principais, suas árias mais
melodiosas, os tangos e maxixes que provocavam a excitação da platéia, eram reduzidos
em versões para canto e piano, arranjados em fantasias ou quadrilhas para serem tocados
e cantados na intimidade familiar, nas recepções e saraus.
Grande número de partituras de Mágicas que sobreviveram são exatamente essas
reduções para piano solo ou piano e canto, como podemos observar no exemplo abaixo,
na versão para piano de um Tango da Mágica Ali-Babá de Henrique Alves de Mesquita,
editada pela Casa Viúva Canongia e Cia:
78
AZEVEDO, Artur. Folhetim publicado no Correio do Povo, a 9 de janeiro de 1890. Apud. FARIA, João
Roberto. Op. Cit. 173
79
FREIRE, Wanda. Óperas e Mágicas em Teatros e Salões no Rio de Janeiro - Final do Século XIX, Início do
Século XX. In: Latin American Musica Review. Vol. 25, n.1. Texas / USA: University of Texas, 2004. Texto
gentilmente cedido pela autora.
215
Ilustração 10
Fonte: Biblioteca Nacional. Divisão de Música.
Na impressão dessas partituras dois detalhes chamam a atenção. Primeiro, a
prática de nas próprias publicações se fazer propaganda de outras partituras lançadas pela
mesma casa de impressão. Observando essas listas, podemos constatar a presença
significativa de peças oriundas de espetáculos teatrais (trechos de óperas, operetas,
revistas e mágicas), adaptadas em repertório de salão na forma de fantasias, quadrilhas ou
arranjos dos principais temas para canto e piano.
Dentro desse universo de peças oriundas de espetáculos teatrais e impressas para o
consumo do público, destaca-se a presença das formas populares urbanas. Assim, além da
receptividade das composições realizadas para as encenações dramático-musicais,
observa-se a circularidade desse material, deslocado em uma primeira ação para o teatro,
e em seguida conduzido em novas versões aos salões, ao uso cotidiano. Em uma possível
terceira ação, este material volta aos próprios teatros e outros espaços de prática musical
na forma de peças de concerto.
A apropriação da Mágica pelo público da Corte toma um vulto de dimensão
inquestionável. Novamente o periódico Vida Fluminense nos oferece uma bem humorada
216
visão desse fenômeno: o cronista que assina com o pseudônimo de X. reconhece as
qualidades das encenações dramáticas produzidas no Teatro Ginásio pelo seu diretor,
José Antonio do Valle, embora a ausência de público demonstrasse exatamente o
contrário. Diante desta s
pertório interpretado por atores de primeira
rre às mágicas.
Ele tem artes para encher o Cassino sete noites por semana, e acredita, meu
80
ento assume sua condição ativa na determinação das linhas estéticas a serem
s intenções de intervenção social marcada pelo discurso da modernidade e
ituação, somente uma solução:
Luta o empresário para dotar a capital do Império com um teatro que mostre o
nosso adiantamento em matéria de bom gosto, e o público deixa-lho às moscas!
Não tens outro recurso diante de ti, meu pobre Valle: põe de parte a realização
da idéia, ante a qual o próprio Governo recuou; não apenas penses mais na
criação de uma cena, onde o bom re
o
plana, seja o principal atrativo,e rec
Mágicas meu bom amigo, mágicas.
O povo quer divertir-se, diverte-o.
Talvez a consciência te chore; mas olha, isto de consciências sem vintém é coisa
que não enche a barriga.
Resigna-te, meu Valle: pede lições ao Martins sobre as nossas tendências teatrais
e verás se o conselho te aproveita ou não.
Valle, que ninguém lá vai pelos seus belos olhos.
Essa pequena crônica nos revela as tensões que permeavam as produções
artísticas daquela época. De um lado a tensão interna entre os agentes que desenvolviam
essa ou aquela linha de encenação, representada na contínua oposição entre Mágica e
teatro de “bom gosto”; a tensão entre o Governo, que encerra a prática das subvenções, e
os agentes responsáveis pela produção de um teatro de cunho civilizador ou moralizante,
entregues a uma sensação de abandono; a tensão entre esses agentes e o público, que
nesse mom
seguidas.
A ação social representada em um projeto de teatro civilizador, sonhado pelos
literatos que utilizavam o palco, a imprensa e o Conservatório Dramático na propagação
de sua visão de mundo, enfrenta seus limites diante da falta de apoio financeiro do
Governo e do pouco interesse do público. Qualificar de maneira negativa essas novas
tendências, marcadas por recursos da cultura popular urbana, era o que restava para
nobilitar sua
civilização.
Entretanto, para além de um processo de decadência ou vulgarização que os
literatos tentaram atribuir às novas tendências artísticas, o que se viu foi um processo de
transformação no qual as práticas culturais refletiam e correspondiam à sociedade na qual
80
Vida Fluminense. 21 de setembro de 1872. N° 247
217
estavam inseridas. Empresários, atores, autores e músicos foram sensíveis a esta
transformação, oferecendo produtos culturais longe dos idealizados pelos homens de
letras, mas próximos a uma população cada vez mais heterogênea e carente de voz e
rosto. Assim, a Mágica foi um dos primeiros gêneros dramático-musicais no qual o
res, foi a Mágica. Desta
forma p
e Azevedo e Moreira Sampaio –, que o gênero fixa sua trajetória nos palcos
nacion
público das cidades viu reproduzidos os sons das ruas e as vozes de seus habitantes.
Como citamos anteriormente, Agrário Menezes previa que a cena lírica seria o
teatro da civilização moderna, a perfeita junção de dois elementos distintos e
complementares. Com certeza, imaginava a ópera italiana como modelo dessa perfeita
junção, mas na dinâmica livre da sociedade o modelo que iria realizar essa síntese de
maneira mais completa, com a inclusão de elementos popula
odemos concebê-la como uma ópera popular nacional.
As influências da Mágica na produção teatral não demoraram a surgir no cenário
do Império. Operetas-fantásticas e operetas cômico-fantásticas, peças-fantásticas,
tragédias-fantásticas e dramas-fantásticos, e, mais posteriormente, as revistas-fantásticas
e cômico-fantásticas, denunciam a apropriação que os autores realizaram para adequar e
atender à demanda do público. Alguns autores, como Vanda Freire e Paulo Queiroz
81
,
observam as semelhanças entre Mágicas e revistas; porém, vale lembrar que embora a
primeira revista tenha sido apresentada em 1859
82
, é somente em 1884, com o Mandarim
– parceria d
ais.
Podemos assim afirmar que, quando a revista sedimenta-se como um gênero no
Brasil, a Mágica já estava estabelecida tanto em sua forma como em sua receptividade
pelo público. É certo que na dinâmica de suas trajetórias os dois gêneros irão se
aproximar, apropriando-se de características antes restritas a um ou a outro. A revista
utilizará o elemento do fantástico em sua construção, bem como a Mágica irá utilizar o
81
QUEIROZ, Paulo Sérgio Trindade. A Mágica e sua inserção nos processos culturais do Rio de Janeiro:
Final do século XIX e inicio do século XX. Dissertação de mestrado. Escola de Música da UFRJ, Janeiro de
2004.
82
A primeira revista apresentada no Brasil foi As surpresas do Sr. Piedade, de Figueiredo Novais. As
próximas revistas representadas antes de O Mandarim, foram Rei morto, rei posto de Joaquim Serra,
apresentada no Teatro Vaudeville em 1875 e, em 1878, Rio de Janeiro em 1877, de Artur Azevedo, encenada
no Teatro S. Luis. Sobre o tema, ver: RUIZ, Roberto. O teatro de revista no Brasil: das origens à primeira
guerra mundial. Rio de Janeiro: INACEN, 1988. VENEZIANO, Neyde. O teatro de revista. In: O teatro
através da história. Carlinda Fregale Pate Nuñez et alii. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil;
Entourage Produções Artísticas, 1994.
218
relato e
Pataca, em
referência à desvalorizada moeda brasileira. O momento de destaque dessa personagem
acontece no segundo ato
A pataca antigamente taí quem sabe informá era muito mais decente, era
moeda brasileira. Entre os resultados desta reforma urbana encontra-se a
demoli
a crítica do cotidiano como elemento narrativo, fato mais perceptível no final do
século XIX e início do XX.
Um exemplo dos resultados desta dinâmica pode ser observado na Mágica A
Rainha da Noite, música de Barroso Neto
83
, datada de 1905 e sem informações sobre
data e local de estréia. Em meio a um enredo que mistura personagens fantásticos como
satanases, o rei de latão e a rainha da noite, aparecem as brasileiríssimas figuras do
malandro e da mulata maxixeira. A mulata, segundo Neyde Veneziano
84
, é tipo
paradigmático da revista, e, na Rainha da Noite, apresenta-se personificada na
, 11º quadro, com apresentação do maxixe da pataca:
Sou a pataca do pobre, sou dinheiro populá. Não brio por sê de cobre, mas
ora, Deus, não faz má. Vaio trezentos e vinte, trezentos e vinte só. Mas como
eu não há quem pinte, não há quem se dê mió.
Não sou de oiro nem de prata, mas não é por me gabá o maxixe esta mulata
mostra saber maxixá.
preço de jorná. Mas chegando o bota abaixo tudo, tudo se mudou, de dez
tostões para baixo, dinheiro não tem valo.
Neste exemplo podemos observar a assimilação de elementos peculiares à revista
pela Mágica como a tipificação social, o relato e a crítica de acontecimentos cotidianos
recentes. A mulata era aqui associada a uma moeda de baixo valor, ao uso popular da
língua portuguesa e, sobretudo, atrelada ao imaginário sensual da dança do maxixe. O
relato e a crítica social aparecem nas alusões ao bota abaixo, a reforma urbana
empreendida por Pereira Passos, e que entre suas conseqüências obriga a população
pobre a se deslocar do centro da cidade para bairros distantes ou morros adjacentes. Além
das mudanças geográficas havia o desmonte de uma trama complexa de relações sociais e
seus reflexos econômicos, aludidos no Maxixe da Pataca através da referência à perda do
valor da
ção, em 1905, do Teatro Phênix Dramática, berço importante das encenações de
Mágicas.
83
Paulo Sérgio Queiroz afirma que na partitura do terceiro ato existe uma indicação ao texto de Artur
Azevedo. J Galante lista A Rainha da Noite como uma das obras de Raul Pederneiras. QUEIROZ, Paulo
Sergio. op. cit, p. 110. GALANTE, J. op. cit, p. 404.
84
VENEZIANO, Neyde. O teatro de revista. In: O teatro através da história. Carlinda Fregale Pate Nuñez et
alii. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil; Entourage Produções Artísticas, 1994. p. 152.
219
Essa apropriação de elementos da revista pela Mágica pode ser uma das
explicações para a gradual dissipação das encenações deste gênero dramático-musical, o
que acontece a partir da primeira década do século XX. A este fato agrega-se a divisão
dos espaços de atuação dos agentes culturais envolvidos na produção desses espetáculos.
No período que compreende os decênios de 1860 e 1870, as representações de Mágicas
ocorriam nos teatros São Pedro, Ginásio Dramático, São Luis, Cassino e Phênix
Dramática. Os três primeiros tidos como símbolos do teatro erudito. Os teatros Ginásio e
São Luis foram palcos dos dramas realistas, e o São Pedro dos dramas vitorianos e
franceses do repertório de João Caetano. Eram freqüentados por parte da população que
podia
va denominação do Teatro Cassino a partir de 1880), Lucinda, Recreio
Dramático, Variedades, Éden Lavradio . Dentre as 78 Mágicas catalogadas
encontramos 29 ref rências sobre os es s i t i ídos na seguinte
proporção:
Tabela 7
as Mágicas nos Teatros 1905)
arcar com o elevado preço de seus ingressos e exibir as luxuosas toaletes
costumeiras entre os freqüentadores
85
. Porém, eram os teatros Cassino e Phênix
Dramática os responsáveis pelo maior número de encenações de Mágicas.
A partir do decênio de 1880, a Mágica passa a ocupar os palcos dos teatros
Santana (no
e Apolo
e paço cên cos u ilizados, d stribu
Ocupação d (1888-
1888 1890 1895 1899 1900 1905
Teatro Santana 45%
Teatro Apolo
19%
Teatro Lucinda 12%
Teatro Variedades 12%
Teatro Recreio Dramático 4%
Teatro Éden lavradio
8%
Fonte: vários
Para podermos estabelecer uma relação entre os teatros ocupados pela Mágica e
pela revista, realizamos um levantamento dos espaços de encenação das revistas de Artur
Azevedo, Moreira Sampaio, Oscar e Raul Pederneiras e da maestrina Chiquinha
Gonzaga
86
, profundamente identificados de encenação.
com a produção deste gênero
85
LIMA, Evelyn Furquim Werneck. Arquitetura do espetáculo: teatros e cinemas na formação da Praça
Tiradentes e da Cinelandia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000. p. 84
86
As listagens das obras de Artur Azevedo, Moreira Sampaio, Oscar e Raul Pederneiras foram retiradas do
livro O teatro no Brasil de J. Galante. A listagem das obras de Chiquinha Gonzaga foi retirada do livro
Chiquinha Gonzaga de Edinha Diniz. GALANTE, J. O teatro no Brasil. Op. cit. DINIZ, Edinha. Chiquinha
Gonzaga: uma história de vida. Rio de Janeiro: Record, 1999.
220
Totalizamos 29 referências sobre esses espaços, e os teatros listados foram exatamente os
mesmos das encenações de Mágicas, distribuídos nesta proporção:
Tabela 8
ação das Revistas nos Teatro -1905) Ocup s (1888
1888 1890 1895 1899 1900 1905
Teatro Apolo 31%
Teatro Recreio
Dramático
23%
Teatro Lucinda 19%
Teatro Variedades 15%
Teatro Santana 8%
Teatro Éden lavradio 4%
Fonte: J. Galante e Edinha Diniz
O Teatro Apolo foi, em seu curto período de funcionamento, entre os anos de
1890 e 1916, o grande centro das representações de Mágicas e revistas. Evelyn Lima
87
afirma
teatro era
denom
ios, identificado como “ligeiro”, permitiam um
comportamento mais d
possibilitava uma freqü
discorrer sobre o Teatro
(...) Isto significa simplesmente que a opereta é de todos os trabalhos
nde a atenção e que nos merece alguns desvelos.
que o Apolo era um dos melhores teatros da área da Praça Tiradentes, e entre
outros grandes momentos, foi em seu palco que representou, em outubro de 1905, a
célebre atriz francesa Sarah Bernhardt, em sua última apresentação no Brasil.
O Teatro Santana, entretanto, desponta como o palco preferencial das encenações
de Mágicas. O início destas representações data do decênio de 1870, quando o
inado Teatro Cassino, e perduraram até o início do século XX, quando é
reformado por Paschoal Segreto e passa a se chamar Teatro Carlos Gomes. Nas décadas
de 1920 e 1930 vai ser o palco preferencial dos grandes espetáculos de revista.
Como todos os teatros relacionados
88
, o Santana estava localizado nos arredores
da Praça Tiradentes, que no final do século XIX tornou-se o centro da boemia e ponto de
encontro dos artistas. Pelas suas próprias características arquitetônicas, como também
pelo caráter de seus repertór
esenvolto e de menos ostentação de seu público. Este aspecto
ência bastante heterogênea, como demonstra Aluízio Azevedo ao
Santana:
literários o único que nos pre
87
LIMA, Evelyn Furquim Werneck. Op. Cit. p.117
88
O Teatro Variedades, que depois de 1900 havia se transformado no Moulin Rouge Café-Concerto, em 19
passa a se chamar S. José. O Teatro Recreio Dramático existiu até o ano de 1933, enquanto o Teatro Lucind
aclamado como o primeiro teatro a utilizar a iluminação elé
03
a,
trica e por suas amplas galerias perfeitamente
1895 e 1899.
ventiladas
88
, passa a ser denominado, em 1909, Teatro Novidades. O Éden Lavradio teve curto período de
funcionamento entre os aos de
221
E se assim não fosse, o Santana não seria o teatro mais popular, mais
o e compartilhamento não se dava apenas nesse
aspecto
i ões
Nunes
de Arthur Napoleão. Furtado Coelho anos
depois
procurado e mais querido, não só do público grosso (grifo nosso), mas
igualmente do público escolhido e da imprensa e até, valha-nos a paciência,
até de sua Majestade, o senhor Imperador.
89
Portanto podemos notar que a Mágica rivalizava com outros gêneros dramático-
musicais, entre eles a revista, nas disputas pelos mesmos espaços e, possivelmente, pelo
mesmo público. Mas esse dado de tensã
. A Mágica, a revista e outros gêneros musicais compartilhavam os mesmos
empresários, autores, atores e músicos.
A primeira encenação de Mágica no segundo reinado já seria fruto desse
compartilhamento “indiscriminado”. Segundo Artur Azevedo, foi João Caetano,
reconhecido ator dramático e empresário do Teatro São Pedro, o responsável pela
introdução da Mágica no Rio de Janeiro. Caetano trouxe de Portugal o ator José S m
Borges, e com este encenou a Romã Encantada. Diz Azevedo
90
que “efetivamente,
antes da Romã Encantada, nenhuma outra peça do gênero foi aqui representada”.
91
A próxima encenação de que se tem notícia foi o Remorso Vivo, encenada no
templo do teatro realista, o Ginásio Dramático, em 1867. O texto é de Furtado Coelho,
Joaquim Serra e Machado de Assis, a música
seria o responsável pela construção do Teatro S. Luis, palco importante para a
explosão das Mágicas na capital do Império.
89
AZEVEDO, Aluísio. Nosso Teatro. Gazeta da Tarde. Rio de Janeiro, 8 de fevereiro de 1882. Apud. FARIA,
João Roberto. Op. Cit. p. 582
90
AZEVEDO, Artur. Em defesa. Publicado no jornal O País, 16 de maio de 1904, Rio de Janeiro. Apud.
FARIA, João Roberto. Op. Cit. p. 609
91
Apesar desta afirmação de Artur Azevedo, a pesquisadora Vanda Freira destaca a presença esporádica da
Mágica nos palcos do Rio de Janeiro: “A referência mais antiga que encontramos à Mágica, até o presente
momento, embora não possamos precisar se já se reporta especificamente ao gênero em questão, está na
Gazeta do Rio de Janeiro, de 25 de janeiro de 1815, que anuncia para o Teatro São João a nova comédia
mágica, intitulada o Mágico em Valença. Outra referência antiga está no Jornal do Comércio, de 31 de agosto
de 1833, que anuncia para 1 de setembro, no Teatro Constitucional Fluminense (denominação, à época, do
teatro S. Pedro), a peça mágica Adele e Alfeno, ou a Tirania Castigada, pela companhia cômica, em dois atos.
O periódico O Despertador, de 24 de abril de 1838, anunciou o drama mágico em três atos O Gênio do Bem
ou Os Mouros de Ormuz, e, em 29 de outubro do mesmo ano, a comédia mágica em três atos O Mágico em
Catalunha ou O Mouro Beneficente”. FREIRE, Vanda. A Mágica: Um gênero musical esquecido. In: OPUS-
Revista Eletrônica da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – ANPPOM. Volume 6,
Outubro de 1999. Texto gentilmente cedido pela autora.
222
Outros empresários responsáveis pela expansão desse gênero nos palcos cariocas
foram Eduardo Garrido, Antonio de Souza Martins e Jacinto Heller. Garrido, ao lado de
ter seu nome associado às representações de Mágicas na capital, em sua longa carreira
como empresário atuou na produção das mais diversas encenações do teatro musicado.
Martins iniciou sua carreira teatral como ator do Teatro S. Pedro, em 1854, quando ali
ainda era João Caetano o empresário. Foi contratado das companhias de Furtado Coelho e
de Bra
s diversos gêneros do teatro dramático-musical.
Recebi
araci.
gêneros dramático-musicais. É curioso observar que as parcerias eram
costum
ga Junior antes de se tornar o empresário do Teatro Cassino e de promover
encenações de Mágicas, que, nas palavras do cronista da Vida Fluminense,
correspondiam a inundação na sala, a cobre grosso na gaveta e a sorriso perene nos
lábios do Martins.
92
Jacinto Heller tem uma longa história no teatro brasileiro. Como ator, foi
contratado pelas companhias de João Caetano e de Joaquim Heliodoro. Em 1870, ao
assumir o Teatro Phênix, iniciou a carreira de empresário, formando a Companhia Heller,
que até o ano de 1905 estaria em atividade nos palcos cariocas. Heller é o nome mais
significativo do compartilhamento entre o
a aplausos por suas produções de Mágicas
93
; tinha forte presença nas produções de
operetas e revistas de Artur Azevedo e Moreira Sampaio e nas paródias realizadas pelo
ator Vasques, bem como podemos encontrá-lo na direção de dramas, como o Novo
Guarany, de Corina e Visconti Co
Essa múltipla atuação do empresário fica mais clara quando a partir do final do
século XIX surgem as companhias de operetas, mágicas e revistas. Com esta
denominação tiveram companhias os empresários Pepa Ruiz , Paschoal Segreto, Dias
Braga e o próprio Jacinto Heller.
Entre os autores de Mágicas encontramos com uma representativa produção os
nomes de Moreira Sampaio, Eduardo Garrido, Artur Azevedo, Orlando Teixeira, Augusto
de Castro, Soares de Souza e Vicente Reis. Todos esses reconhecidos escritores dos mais
diversos
eiras, o que demonstra a rede de relacionamentos criada por esses dramaturgos.
Neste aspecto, destaca-se o nome de Moreira Sampaio e sua capacidade de criação
92
Vida Fluminense. 28 de setembro de 1872. n° 248.
93
Vida Fluminense. 26 de outubro de 1872.n° 252.
223
coletiva, associando-se a nomes como Artur Azevedo, Orlando Teixeira e Eduardo
Garrido.
Entre os atores figuram os nomes de Francisco Lisboa, José Severiano da Costa
Galvão, Júlia Heller, Eugenia Câmara, Isabel Porto e João Cólas. Mas merecem especial
destaque os nomes de Francisco Correia Vasques e Xisto Bahia. Correia Vasques tem seu
nome
tes de Oliveira, e torna-se um dos
mais r
ares da música popular brasileira, sendo o primeiro compositor a publicar um
tango
ligado à Mágica ainda na década de 1870, nas montagens do Teatro Phênix.
Entretanto, em suas atuações e como autor de paródias, burlescas e paródias-fantásticas,
atinge um universo muito mais amplo, tornando-se uma importante referência na prática
do teatro musicado oitocentista
94
. Apresenta-se pela última vez em 1892, no Teatro
Apolo, fazendo papel de Tribofe, na revista de mesmo nome de Artur Azevedo.
Xisto Bahia foi um dos mais proeminentes atores do teatro musicado no Brasil do
século XIX. Iniciou sua carreira profissional em 1859, na companhia lírica de Clemente
Mugnai, no Teatro São João da Bahia. Viajou pelo norte do país como membro de
companhias dramáticas, entre elas a Companhia de Mágicas de Lopes Cardoso. Em 1875
vem ao Rio de Janeiro na companhia de Vicente Pon
equisitados atores da capital. Nesta cidade trabalhou para as companhias de
Furtado Coelho, Jacinto Heller e Braga Junior, realizando com esta, como diretor da
companhia, produções de revistas e mágicas no Teatro Lucinda, em 1897. Encerrou sua
carreira como membro da Companhia Garrido, sendo seu último espetáculo a Mágica O
filho do averno, encenada em 1892, no Teatro Apolo.
Entre os compositores de Mágicas, indubitavelmente o nome de Henrique Alves
Mesquita é o que mais se destaca no decênio de 1870. Mesquita foi o grande responsável
pela parte musical das mais variadas produções do teatro oitocentista. Sua obra se tornou
um dos pil
brasileiro, forma que seria explorada aos extremos por Ernesto Nazareth
95
. Na
Mágica Ali-Babá, de 1872, Mesquita incorpora o tango brasileiro à Mágica, abrindo
94
SOUZA, Silvia Cristina Martins de Souza. Um Offenbach tropical: Francisco Correa Vasques e o teatro
musicado no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX. In: Histórias e Perspectivas, Uberlândia (34):
225-259, jan.jun.2006. Disponível em
http://www.historiaperspectivas.inhis.ufu.br/include/getdoc.php?id=43&article=33&mode=pdf. Acessado em
21 de junho de 2007.
95
Ernesto Nazareth (1863-1934). Pianista e compositor reconhecido como um dos mais importantes na
música brasileira. Foi o grande sedimentador do tango brasileiro, escrevendo mais de noventa obras com esta
forma, utilizando diversas denominações, como tango característico, tango carnavalesco, tango meditativo,
tango de salão, tango fado, tango habanera, tango milonga e etc.
224
portas para que as formas musicais urbanas, entre elas o maxixe, se incorporassem a esse
gênero, permitindo a circularidade destas formas pelas diversas camadas da sociedade
brasileira.
Nas décadas seguintes outros nomes de relevo na música brasileira agregam-se ao
de Mes
ilizando as formas do “popular”
acabara
máticos
musica
egressou ao Rio de Janeiro em 1872, após completar seus estudos no
Conser
teatro musicado.
, de
quita como importantes compositores de Mágicas. Entre eles destacamos Abdon
Milanez, Assis Pacheco, Barroso Neto, Chiquinha Gonzaga, Costa Junior e Cavalier
Darbilly. É importante ressaltar que, diferente da revista, a Mágica se caracteriza por ter
música composta por um único autor, criada especificamente para cada peça
96
, o que
demanda do artista um alto conhecimento de orquestração, harmonia e escrita para a voz.
Esses requisitos técnicos obrigavam o envolvimento nessas produções de
compositores de sólida formação erudita, que ut
m criando um produto cultural distinto. Este produto, até a entrada das
transmissões de rádio nas décadas de 1920 e 1930, tinha no teatro musicado seu mais
importante meio de circularidade. Portanto, se a Mágica e outros gêneros dra
is impulsionaram uma transformação da linguagem teatral, o mesmo se pode
afirmar em relação à linguagem e práticas musicais.
Com a Mágica inicia-se um processo, onde a música vai estar fortemente
vinculada às encenações teatrais em seus mais diversos gêneros. E entre os agentes
musicais que atuaram ativamente neste processo, encontramos Cavalier Darbilly.
Darbilly r
vatório de Paris, encontrando a cidade tomada pelas encenações de Mágicas, nas
quais se destacava a figura de Henrique Alves Mesquita, então maestro do Teatro Phênix.
Após se fixar como professor do Conservatório de Música e tentar ocupar um posto na
Capela Imperial, Darbilly inicia seu percurso em direção a um outro espaço de atuação: o
Assim, em 1879, assinava a partitura de três importantes produções teatrais: em 3
de março estreava no Teatro Phênix Dramática a farsa em um ato Amor por Anexins
Arthur Azevedo; em outubro, no Teatro S. Pedro, o drama As mulheres do mercado, uma
96
Encontramos entre as mágicas catalogadas, apenas dois exemplos que quebram essa regra. Estão incluí
na segunda fase da Mágica, quando esta se apropria de alguns elementos da revi
das
sta. A primeira é A bicha de
sete cabeças, já citada anteriormente e a Filha do fogo, música do maestro português Ciríaco Cardoso,
Offenbach e Lecoq. O texto é uma tradução livre de Artur Azevedo.
225
tradução de Artur Azevedo da obra de Anicet Bourgeois e Michel Masson
97
; e em
novembro, no mesmo Teatro S. Pedro A Torre Negra, encenada pela companhia de
Guilhe
além de compor algumas partes foi o responsável pela coordenação e
sultou na revista D. Sebastiana, encenada em 22 de janeiro de 1889 no
Teatro
acidade de criar redes de relacionamento e parcerias de
sucesso
rme Silveira.
98
A parceria com Azevedo renderia muitas outras obras, como a revista cômica
Cocota, representada em 6 de março de 1885 no Teatro Santana; e a revista O Carioca,
representada no dia 31 de dezembro de 1886 no Teatro D. Pedro II, ambas com texto de
Artur Azevedo e Moreira Sampaio. Nesta revista, que utilizava música de vários
autores
99
, Cavalier
arranjos das obras.
Com Moreira Sampaio, Cavalier Darbilly produziu, além de sua Mágica Pandora,
estreada no dia 7 de outubro de 1896 no Teatro Recreio Dramático, as comédias
Mulheres garantidas por atacado e a varejo, e Os Botucudos, ambas encenadas no
mesmo teatro, em 17 de junho de 1882 e 30 de setembro de 1882, respectivamente. Esta
parceria ainda re
Santana.
Com o jornalista e literato França Junior, Darbilly realizou a comédia Como se
fazia um deputado, encenada em 1882 no Teatro Recreio Dramático, e em 1884, no
Teatro da Paz, em Belém. É claro o envolvimento de Darbilly com os grandes autores
teatrais de sua época, o que demonstraria seu prestígio entre os literatos. Entre os seus
companheiros músicos essa cap
não parecia ser menor.
97
No Jornal do Comércio encontramos um grande anúncio sobre essa peça: Teatro São Pedro de Alcântara:
Companhia Dramática dirigida pelo Artista Guilherme da Silveira. Hoje, quarta 1 de outubro. Esplendido
sucesso! Novidade: Quarta representação do magnífico drama em 1 prólogo e 5 atos, divididos em 7 quadros,
ornado em música e bailados, original francês de Anicet Bourgeois e Michel Masson, tradução do muito
festejado escritor Arthur Azevedo. As mulheres do Mercado. Tomam parte os artistas Guilherme da Silveira,
Silva Pereira, Areas, Ferreira, Phebo, Pereira, Lopes, Marques, Pecedo, Villas, Mello, Germano, Souza,
Alberto, DD. Apolônia, Gertrudes, Dolores, Ignez, Lucinda, Vicência, Amélia.
Título dos quadros: 1° O incêndio; 2° A colareja do Rei; 3° O jogo da loteria; 4° O ramilhete!; 5° A prisão;
6° O carnaval de Paris!; 7° A justiça de Deus. Música do Maestro Cavalier.
O bailado é ensaiado pelo artista coreógrafo E. Poggiolesi. Mise-en-scene do artista Amoedo. Principiará as 8
e 1/4 e terminará as 11 ½. Jornal do Comercio: 1 de outubro de 1879; Rio de Janeiro, ano 58, n° 273. p. 6
98
No Jornal do Comércio encontramos o anuncio: Teatro São Pedro de Alcântara, A Torre Negra, de Paul
Feval e Ponson du Terrail. Música de Cavalier Darbilly. Companhia de Guilherme Silveira. Com a atriz
Ismênia Santos e Guilherme Silveira. Jornal do Commercio. Sábado, 15 de novembro de 1879. Ano 58, nº
318
99
A revista utilizava obras de Offenbach, Genée, Audran, Sullivan e L. Gregh, Abdon Milanes, José Simões,
além do próprio Darbilly.
226
Em 12 de janeiro de 1886, no Teatro Santana, ocorreria a estréia de A mulher
homem, de Valentim Magalhães e Filinto de Almeida. Era uma revista cômico-fantástica
dos acontecimentos de 1885, e que pelo gênero utilizado parecia mesmo ser uma síntese
da prática musical de Darbilly no espaço do teatro: em um só espetáculo a revista, a
coméd
haveria a amargura. Não percebia Azevedo a íntima
associa
ociais do espaço urbano, desorganizava e questionava a visão centralizada,
ia e o fantástico das Mágicas. Para tal empreitada, Darbilly foi cercado de grandes
nomes da música nacional, parceiros nas composições utilizadas na encenação: o
aclamado Henrique Alves de Mesquita; o mineiro Miguel Cardoso, formado no Real
Conservatório de Milão, autor da opereta fantástica Ramo de Ouro
100
; a pianista,
maestrina e compositora Chiquinha Gonzaga, um dos grandes pilares da música popular
brasileira; e Henrique Magalhães, possivelmente o irmão de Valentim Magalhães, autor
entre outras obras da Mágica A mosca azul.
Percebe-se mais uma vez que a prática do teatro musicado tecia uma enorme rede
de relacionamento que se cristalizava em uma ação cultural de grande efeito social. Esta
ação estava longe dos ideais moralizantes e formadores, sonhados pelos literatos que não
cansavam em denegrir e reprovar a transformação que ocorria nos palcos brasileiros.
Aluísio de Azevedo afirmou, em 1882, que o teatro acompanha as transformações de seu
tempo e “toma feição e sabor do povo que representa”, e conclui com alguma amargura:
Nós nos fazemos representar no teatro pela mágica e pela opereta.
101
Talvez naquele momento Aluísio Azevedo não pudesse entender a exata dimensão
de suas palavras, do contrário não
ção entre muitos dos textos produzidos no teatro musical e a matéria histórica de
seu tempo; o fato de que, através destes, era dada voz a muitos segmentos sociais
ignorados, por exemplo, pelos dramaturgos realistas; que através da exposição de
assuntos do cotidiano, abriam-se novos espaços de debates e trocas de experiências. E,
sobretudo, não se atentava ao fato de que se o público foi a elas receptivo é porque o que
era ali vinculado falava diretamente a ele, sobre ele, à maneira dele, possibilitando novas
dimensões à sua existência social.
Dissemos no começo deste capítulo que a cultura popular, impregnada das
contradições s
100
Libreto de Eduardo Garrido, tradução da peça Chatte merveilleuse, de Dumanoir e Enery e adaptada por
Moreira Sampaio. Apresentada em 6 de março de 1888, no teatro Santana, pela companhia Heller.
101
AZEVEDO, Aluisio. A flor-de-lis. Gazeta da Tarde. Rio de Janeiro, 3 de fevereiro de 1882. Apud. FARIA,
João Roberto. Op. Cit. p. 577-578
227
homog
ção identitária, sob a longa batuta do
Impera
lma, da poesia austera e pura, da feição
melanc
dos os detalhes, pendendo a cabeça, levantando a perna, fechando os olhos
nos mo
ênea e paternalista da cultura nacional, idealizada pela elite letrada do Império.
Esta noção orgânica da cultura nacional servira durante os anos de predomínio de uma
classe senhorial e a seus processos de constru
dor. Agora, instituída a articulação com a vida e a cultura popular, esse processo
se estabelece exatamente na ruptura com a prevalência do Estado sobre uma massa
amorfa de indivíduos e com seus processos de construção de uma cultura homogênea e
centralizada.
Neste ponto, cabe citar um conto de Machado de Assis
102
intitulado O Machete
103
(1878). Nele, Assis apresenta a história do violoncelista Inácio Ramos e sua esposa
Carlotinha, e um tocador de machete, o Barbosa.
Ao primeiro era reservado o âmbito da a
ólica e severa. Morava em lugar afastado, em um dos recantos da cidade alheio à
sociedade que o cercava e que não o entendia; quando executava seu instrumento entrava
em uma espécie de transe: “não via a mulher, nem o lugar, nem o instrumento sequer”.
Ao segundo era destinado o mundo dos “nervos”; quando tocava, o corpo acompanhava a
música em to
mentos “patéticos”. “Ouvi-lo tocar era o de menos; vê-lo era o mais. Quem
somente o ouvisse não poderia compreendê-lo”.
Carlotinha, a esposa amada do violoncelista, não alcançava o amor de Inácio pelo
violoncelo e sua música melancólica, mas “acostumara-se a ouvi-lo, apreciava-o, e
chegara a entendê-lo alguma vez”. Ao ouvir o machete de Barbosa, entretanto,
reconheceu a “infinita graça e vida naquela outra música, e não cessava de o elogiar em
toda parte”.
O sucesso alcançado por Barbosa junto à esposa leva Inácio a um mergulho na
preocupação e tristeza, até que revela em desespero: “estou arrependido do violoncelo; se
eu tivesse estudado o machete!”, e ainda pensa em outra possibilidade (colocada como
uma ironia?): “penso em fazer uma coisa inteiramente nova; um concerto para violoncelo
e machete.” O final da história é marcado pelo anúncio de Inácio: “ela foi-se embora, foi-
102
Machado de Assis. “O machete”. In: Obra completa v. II , org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: José
Aguilar, 1962, p. 856-865.
103
Machete: Pequena viola de quatro cordas, popular em Portugal e no Brasil, também conhecida como
cavaquinho. Apud. Mário de Andrade. Dicionário Musical Brasileiro. São Paulo: Instituto de Estudos
Brasileiros: Editora da Universidade de São Paulo, 1989. p.295
228
se com
apreciá-la, mas no encontro com a música popular urbana, sem
escond
Essa dinâmica obriga um
rearran
o com o
teatro musicado encontra paralelo na função que Michel de Certeau destina aos contos e
lendas
104
, como um espaço excetuado e isolado das competições cotidianas, revelando-se
em aspectos que incluem o maravilhoso, o passado, as origens. Assim, vestidos como
deuses ou heróis, modelos são expostos e tornam-se passíveis de serem utilizados na vida
cotidiana. A própria formalidade das práticas cotidianas e suas relações de força são
invertidas nessas obras, garantindo ao oprimido a vitória em um espaço maravilhoso,
utópico. Desta forma, é na Mágica que a população urbana da capital do Império encontra
a possibilidade de redimensionamento da dura realidade da ordem estabelecida.
o machete. Não quis o violoncelo, que é grave demais. Tem razão; machete é
melhor”.
Machado de Assis, com seu estilo inconfundível, revela de maneira clara a tensão
que permeava naquele momento a relação do erudito com o popular na cultura musical
brasileira. Inácio, a personificação da música culta, reservada às coisas da alma, mora
distante, isolado da sociedade que o cerca e não o entende. Esta sociedade, até se
acostumara a ouvi-la,
er sua empolgação, não cessa de elogiá-la “em toda parte”.
A música “elevada”, outrora hegemônica, agora se confrontava com outro gênero,
que não somente ameaçava a sua prática como o seu espaço social. Ao sair das ruas e
invadir o teatro, as formas populares urbanas ocuparam um lugar de atuação antes
reservado aos apreciadores e agentes da música erudita.
jo de posições e conquistas de espaços, pois o público, como Carlotinha, preferia
cada vez mais a música dos “nervos”, reconhecendo nela sua voz e a expressão de suas
vivências cotidianas.
Neste sentido, vamos observar que os espaços de práticas musicais vão estar
territorialmente demarcados no final do Império de acordo com seu repertório. Os clubes
e o Conservatório de Música exercitam a música instrumental de concerto; o Teatro D.
Pedro II é o templo da ópera; e nos teatros-campestres as Mágicas, operetas e revistas,
desfrutam as atenções de grande parte da população urbana.
A contribuição da Mágica neste processo de identificação da populaçã
104
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. pp. 84-85.
229
Capítulo 5
Mágicas Tensões
Através da análise da documentação da Questão Cavalier, notamos que para
além das demandas materiais e de direito, um embate era travado em torno da ocupação
de um lugar de prestígio. Figurar entre os escolhidos a participar da instituição modelar
de ensino musical era ocupar uma posição de destaque no seio da “sociedade dos
músicos”, agora sob a égide da nova ordem republicana. Para atingir essa finalidade
seus agentes não se furtavam às mais diversas estratégias, incluindo o acionamento de
uma rede de relações que perpassava por vários níveis da hierarquia social e política da
capital, ligadas ao centro do poder.
Entretanto, o que estava em jogo era a própria consolidação deste espaço e suas
atribuições estéticas, doutrinárias e metodológicas. Desta forma, o impedimento a
Cavalier não se resumiria ao impedimento imposto a um indivíduo, mas também ao que
se apresentava nas práticas e no prestígio alcançado por este, em sua trajetória social.
Tratava-se da afirmação do direito de poder dizer quem era digno de ser chamado
músico, e qual música era digna de ser reconhecida como arte. A Questão Cavalier foi
um embate que envolvia relações de poder e práticas culturais e as conseqüentes
disputas por sua legitimação.
Na “República Musical”, embasada em um projeto estético e ideológico que a
colocava como detentora e propagadora da música culta, elevada, não cabia a presença
de uma prática musical identificada com os termos mais baixos, ligada a formas
populares urbanas. Contudo, na dinâmica das mudanças que se impunham à sociedade –
com a consolidação do regime republicano e sua inserção num mundo cosmopolita e
cada vez mais movido pelas engrenagens do capital –, essa posição assume vários
matizes.
Assim, cabe relembrarmos no percurso da Questão Cavalier os discursos
utilizados na fundamentação do afastamento do artista. Se em um primeiro momento a
falta total de méritos era o argumento principal, gradativamente este se reveste de
“reconhecimento aos seus serviços” e, posteriormente, de um reconhecimento a uma
possível veracidade de suas alegações. Não é difícil fazer a transposição destes
230
argumentos para a própria relação estabelecida entre a “República Musical” e as
práticas que envolviam a música popular urbana.
Em um primeiro estágio a “República Musical” busca, para longe destas, sua
construção de uma música nacional, para em seguida, em sintonia com as grandes
escolas européias, reconhecer seu valor como elemento temático e sua possível
“veracidade” como instrumento de uma criação musical de características próprias. Mas
diante da estrutura que baseia sua existência, esta relação com o popular não consegue
ultrapassar a fronteira de uma vizinhança perturbadora que é bem representada no
desenlace da Questão Cavalier: ela pode até penetrar em seu espaço, porém sem
vínculos, mantida à distância suficiente que não implique um aceite oficial de
pertencimento.
Esta tentativa de concepção de uma música nacional estava inserida no contexto
da busca de uma identidade coletiva para o País, de uma base para a construção da
nação republicana. Segundo José Murilo de Carvalho
1
, a construção desta identidade foi
tarefa que perseguiu a geração intelectual da Primeira República. As tentativas foram
muitas, como demonstra Carvalho
2
, mas no final as mais intensas se revelaram na
permanência do velho hino nacional de Francisco Manuel da Silva e uma bandeira
remodelada, onde as velhas cores do império prevaleceram. A ruptura republicana de
alguma forma se adequava ao diálogo com o passado e suas memórias coletivas.
No caso específico da música, a entronização de Leopoldo Miguez como líder da
sociedade dos músicos” – respaldada em sua indicação como diretor do Instituto
Nacional de Música e na tentativa de fazê-lo o bardo republicano através do mal-fadado
concurso do hino nacional – revela o desejo da ruptura com as idéias musicais que
marcaram o império. Mas essa ruptura haveria também de ser marcada pelo diálogo
com as práticas do império. Não é difícil conectar os preceitos estéticos que marcavam
as opções de Miguez com o repertório praticado no Club Beethoven, nem esquecer a
importância de seu congênere mais antigo, o Club Mozart, na viabilização da música
puramente instrumental, a grande modernidade introduzida pelo primeiro.
Da mesma forma, a prática do teatro-musicado oriunda dos tempos
monárquicos, continuava sua trajetória em muito imbricada com as formas da música
popular urbana. Raul Pompéia, descrevendo os dias que sucederam a “suprema febre
1
CARVALHO, José Murilo. Pontos e bordados. Op. Cit. p. 102
2
CARVALHO, José Murilo. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990.
231
política” da Proclamação da República, dizia que quem esperava ver o povo reunido em
comício palpitante de cidadãos, ao redor da urna do sufrágio miúdo”, donde deveria
“sair a constituição da nova nacionalidade”, encontrava-o no teatro, absorto “na
suprema ansiedade de verificar que nova surpresa vai produzir, ali na cena, a cauda
prodigiosa de um gato de mágica”.
3
Referia-se Pompéia à Mágica Gato Preto, de Eduardo Garrido, que, como as
diversas montagens de Mágicas ocorridas após a proclamação
4
, alcançava um
expressivo sucesso de público. Compartilhando o mesmo espaço cênico das “elevadas”
representações dramáticas e por vezes as do teatro lírico, as mágicas e os outros gêneros
do teatro-musicado continuavam a incomodar com sua aparatosa vizinhança as
aspirações dos letrados envolvidos com o teatro de cunho literário. Antonio Sales, em
1898, afirmava:
A nossa cidade é bastante civilizada para que não conte na sua população
uma certa quantidade de pessoas que possam freqüentar um teatro onde se
representem peças de valor literário; por outro lado ela é bastante populosa
para que não possua, e em grande maioria, um público refratário às obras de
artes e que pelas suas condições intelectuais e morais não pode gostar de
outras coisas que não sejam revistas, mágicas e coisas semelhantes.
5
Aqui já se percebe um discurso, que analisaremos com mais detalhes em
seguida, segundo o qual a sociedade é dividida entre os que podiam compreender uma
obra-de-arte e os que, por sua condição moral e intelectual inferior, não conseguiam
alcançar seus sentidos mais profundos. Nesta linha de pensamento, mágicas, revistas e
coisas semelhantes” eram revestidas de um sentido raso, vulgar, destinado ao
entretenimento fácil dos desprovidos de tais condições intelectuais e morais.
Deste modo, era necessária a definição de espaços de atuação que ordenassem,
sob a lógica missionária dos intelectuais republicanos, as ações artísticas que deveriam
combater a “perversão do gosto” que corrompia e atrofiava o sentimento geral da
população. Entre as primeiras ações neste sentido encontramos a solicitação endereçada
ao “Generalíssimo chefe do governo provisório” pelo ator Furtado Coelho para a
construção de um teatro e das bases que deveriam nortear a manutenção das companhias
lírica e dramática a serem subvencionadas pelo Estado
6
. Esta solicitação era assinada
3
Jornal do Comércio, 12 de janeiro de 1890. Apud. FARIA, João Roberto. Idéias Teatrais. Op. Cit. p. 598
4
Ver, em anexo, tabela sobre as mágicas pesquisadas.
5
Apud. FARIA, João Roberto. Idéias Teatrais. Op. Cit. p. 599
6
O Paiz. Artes e Artistas. Terça-feira, 11 de março de 1890. Ano VI. Nº. 1981
232
por 400 nomes ligados aos mais diversos ramos da sociedade
7
, incluindo Leopoldo
Miguez e outros membros ilustres da “República Musical”.
No documento, transcrito por Oscar Guanabarino em sua coluna de O Paiz, os
signatários lastimavam a falta de um teatro nacional, onde a arte dramática e a ópera
lírica concorressemcom os elementos indispensáveis para o desenvolvimento
intelectual da população desta grande capital”. Esta ação, entretanto, só poderia ser
desenvolvida com a subvenção do Estado, que ao mesmo tempo influiria na formação
do gosto pelas artes e promoveria o concurso dos escritores e compositores nacionais,
garantindo a estes, como aos artistas intérpretes de suas obras, um futuro tranqüilo e
honroso.
8
Como não poderia faltar em um documento que recorria à retórica da inserção
do Brasil nas “repúblicas americanas”, que a exemplo das nações “adiantadas
demonstravam seu apoio às artes, a culpa pelo estado de depravação da cena nacional
era depositada no regime monárquico:
Durante o regime monárquico, a cena brasileira foi sempre desdenhada pelos
poderes públicos, os quais, culposamente indiferentes permitiam a sua
exploração, pelo lado lírico a empresários aventureiros, e, pelo lado
dramático, a maior parte das vezes se não sempre ao baixo mercantilismo de
meros especuladores, que arrastaram o nosso infeliz teatro ao estado de
degradação ignóbil de que é hoje documento clamoroso a maioria dos palcos
fluminenses.
9
Ao mesmo tempo em que declarava como responsáveis pela “degeneração da
arte” no Brasil o descaso do regime monárquico, os empresários aventureiros e o
espírito mercantilista, apontava que a “regeneração”, pelo menos na visão dos
signatários da proposta de Furtado Coelho, deveria não somente passar pela construção
de um espaço destinado às representações de cunho “elevado”, como também garantir o
futuro tranqüilo de escritores, compositores e intérpretes. A República deveria, deste
modo, cobrir com suas asas protetoras os envolvidos no projeto iluminista, os
missionários dos novos tempos, que levariam a luz da razão e da arte a um povo
desprovido de predicados morais e intelectuais.
7
Guanabarino se propôs a divulgar em sua coluna todos os signatários da solicitação de Furtado Coelho.
Desta forma sabemos que além do citado Leopoldo Miguez, assinaram artistas como Ignácio Porto
Alegre, professor do INM; Aloísio Azevedo e Arthur Azevedo e o pintor Henrique Bernadelli assim
como pessoas de outros ramos de atividade como Joaquim da Rosa, médico; Fernando Dobbert, corretor
de fundos públicos; Eduardo Gelley, empregado no comércio.
8
Idem. Ibidem.
9
Idem. Ibidem.
233
O Governo, entretanto, não parecia movido a atender em curto espaço de tempo
as pretensões de tal feita. Não se sensibilizou a estender seu manto protetor – garantia
de futuro tranqüilo – sobre os artistas, escritores, compositores e intérpretes e somente
atenderia a pretensão da construção de um teatro em 1909, com a inauguração do Teatro
Municipal do Rio de Janeiro. Arthur Azevedo, um dos maiores entusiastas da criação
deste espaço, morreria como outros, sem ver concluída a obra tão sonhada.
Desiludidos com a falta de iniciativa do Governo na promoção da “cultura
intelectual”, que nas palavras de Coelho Neto preferia destinar suas atenções à “cultura
do voto e das batatas
10
, um grupo formado de distintos artistas e intelectuais ensaia
uma reação materializada na criação do Centro Artístico. Segundo Rodrigues Barbosa, o
Centro foi criado em 12 de outubro de 1897 e liderado pela seguinte diretoria: Leopoldo
Miguez, Rodrigues Barbosa, Delgado de Carvalho e Fertin de Vasconcelos
11
. Nas
diversas comissões que compreendiam sua organização encontramos nomes como
Arthur Napoleão, Alberto Nepomuceno e Alfredo Bevilacqua (comissão de música);
Arthur Azevedo, Luís de Castro e Henrique Chaves (comissão de teatro); Henrique
Bernadelli, Rodolpho Amoedo e Ângelo Agostini (comissão de pintura); Rodolpho
Bernadelli e Augusto Girardet (comissão de escultura e arquitetura); Ferreira Araújo,
Araripe Junior e Coelho Neto (comissão de letras).
Assim, sob a liderança de Leopoldo Miguez, as maiores notabilidades artísticas
da época se reuniram em torno de um programa destinado a regenerar a cena dramática
e ressuscitar o teatro lírico nacional
12
. Ao lado deste objetivo primeiro, o Centro
organizou concertos de música de câmera e sinfônicos, como o realizado em setembro
de 1898, tendo Leopoldo Miguez como regente da orquestra. No repertório, o PeerGint
de Grieg; Idílio de Siegfried de Wagner; Prelúdios, poema sinfônico de Liszt; e Pelo
Amor!, melodrama em dois atos de Miguez, com libreto de Coelho Neto.
Mas a grande realização do Centro, nas palavras de Rodrigues Barbosa, e que
por si só já justificaria a curta existência deste
13
, foi a apresentação da ópera Ártemis, de
Alberto Nepomuceno. Este, junto com Coelho Neto, o libretista oficial da nova ópera
10
234
nacional
14
, criaram uma obra baseada na estética Wagneriana, na nova linguagem
moderna que nortearia os preceitos musicais deste primeiro momento da “República
Musical”. A obra, entretanto, não alcançou o sucesso esperado, como relata Luiz Heitor:
Malgrado a finura e as múltiplas belezas da partitura, a obra foi recebida
com reservas pelo público e pela crítica, devido à crueza do argumento
imaginado por Coelho Neto, no qual um escultor ateniense, maravilhado
com a estátua da deusa que acabara de esculpir, e não se conformando em
vê-la inerte, assassina friamente sua própria filha e lhe arranca o coração
para oferecer a Ártemis, na esperança de que o sopro da vida, roubado à
criança venha a animar as formas ideais lavradas no mármore.
15
Embora Heitor confira ao libreto a responsabilidade da pouca aceitação, a
música longe do padrão operístico a qual estava acostumado o público carioca muito
contribuiu para o estranhamento em relação à obra. Esta opção pela estética “moderna
da música Wagneriana, não era entretanto, uma primazia de Nepomuceno. Ela
correspondia aos ditames estabelecidos pela nova ordem musical vigente.
Quando erguido à função de liderança na “República Musical”, Miguez não
titubearia em apresentar seus modelos, que se tinham Beethoven como princípio,
desembocavam nas caudalosas águas Wagnerianas e sua poderosa construção musical.
Esta, por sua vez, resvalava em uma nova concepção de uma possível ação social da
música e dos músicos. Esta ação, se não em seu corpus principal, mas com certeza no
centro de seus gestos, incorporava os conceitos de uma identidade nacional musical e
sua potência como doadora de uma voz, o canto único de uma nação.
Esta proposta encontrava eco no regime republicano que trazia em seu advento,
citando Sevcenko
16
, a vitória sonora do cosmopolitismo. Desta forma, seus padrões
básicos de referência operavam com abstratos universais como os de humanidade,
nação, bem, verdade e justiça. A tensão se apresentava no conflito entre pretender ser
membro do grande concerto das nações e a interferência na ordenação de sua
comunidade de origem.
Na busca desta sonoridade cosmopolita, garantia de participação no grande
concerto das nações, é na música erudita e não nas formas populares que a “República
Musical” vai buscar seus instrumentos de criação identitária. Entretanto, não bastaria
apenas essa utilização, visto que no Império a presença da ópera italiana, da música
14
HEITOR, Luiz. Música e músicos do Brasil. Op. Cit. p. 51. Além das duas obras citadas, Coelho Neto
realizou o libreto de Hóstia, do compositor Delgado Carvalho.
15
HEITOR, Luiz. 150 anos de música no Brasil (1800-1950). Rio de Janeiro: José Olympio Editora,
1956. pp. 167-168
16
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira
República. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 31
235
francesa e da zarzuela espanhola eram uma constante e marcavam com sua presença o
gosto e os gestos da produção artística local. A ruptura teria de ser mais profunda.
Sintomaticamente, Miguez revela, em seu relatório sobre suas andanças pelos
conservatórios europeus, sua percepção de determinadas escolas. Nos conservatórios
italianos observa afalta de disciplina” e o “conservatorismo
17
impertinente”, e em
Paris, a “promiscuidade de alunos com alunas”. Somente na Alemanha encontra a
ordem e a disciplina desejáveis, abalizadas por professores que são “verdadeiros
ministros do culto artístico e sinceros apóstolos da evolução”
18
. Ali havia tudo a ser
aprendido, organizações, programas, prática de ensino, ordem, disciplina, etc.
Estas observações encontram paralelos com as de Wagner, expostas em 1849,
quando propõe ao Rei de Saxe a criação de um teatro nacional alemão. Dizia o
compositor poder afirmar com alguma segurança que os entusiastas da música de
Beethoven foram cidadãos mais ativos e mais energéticos; em contrapartida, entre os
admiradores da música italiana – Rossini, Bellini e Donizetti – encontrava-se uma
classe de ricos e nobres ociosos. Com a mesma virulência, via Paris como a “prova
conclusiva” dos efeitos corruptores da música ruim.
19
Como explica Esteban Buch, a reflexão estética em Wagner é sempre, ao mesmo
tempo, pensamento político
20
. Se na citação acima é claro o seu tom anti-aristocrático,
com o tempo esse registro é alterado para a crítica anti-modernista de uma cultura
burguesa que ele entendia dominada pelo dinheiro e a frivolidade. Operava assim o
deslocamento de seu foco para a civilização francesa, fonte de toda degenerescência,
mas que influenciava de maneira inconteste a produção musical daquele período.
Quando, em 1870, esta vive os embates da guerra franco-prussiana, Wagner festeja a
penetração vitoriosa das armadas alemães no centro da civilização francesa, porém não
sem deixar aflorar um sentimento de vergonha porque “vivemos da dependência dessa
civilização”.
21
17
Miguez utiliza esse termo em referência à metodologia empregada nos conservatórios italianos,
considerada por ele, arcaica e ultrapassada.
18
INSTITUTO NACIONAL DE MÚSICA. Leopoldo Miguez. Organização dos Conservatórios de
Música na Europa. Relatório apresentado ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores por Leopoldo
Miguez, Diretor do Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, em desempenho da comissão de que
foi encarregado em aviso do mesmo Ministério de 16 de Março de 1895. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1897. Biblioteca Alberto Nepomuceno. Setor de Documentos Históricos.
19
Apud. BUCH, Esteban. Música e política: a nona de Beethoven. Bauru, SP: EDUSC, 2001. p. 202
20
Idem. Ibidem.
21
Idem. Ibidem. p. 203
236
Desta forma, alinhando-se nesta negação das dimensões aristocráticas da música
italiana e na dubiedade corruptora da civilização francesa
22
, Miguez não hesita em
ofertar à elite republicana o norte das opções estéticas musicais a ser seguido: a
elaborada concepção Wagneriana da “religião da música”, marcada pela ideologia do
nacionalismo musical
23
. Restava somente inventar esta tradição músico-nacionalista
republicana.
Enio Squeff afirma que a emergência do nacionalismo artístico tem relação
freqüente com a solidificação de uma consciência nacional, dos direitos de uma classe
sobre o resto da nação
24
. Deste modo, estabelece a relação direta entre nacionalismo e
confrontos políticos, sendo o nacionalismo a ideologia da classe que ascende ao poder.
Ilustrando essa concepção, Squeff remete-se ao exemplo de Carlos Gomes, músico que
pertence a uma geração que se segue imediatamente à Independência, portanto envolta
em um processo identitário que tinha seu centro na oposição ao português.
Deste modo, segundo o autor, embora não produzindo uma arte autenticamente
nacional, é ao figurar entre os grandes de seu tempo, tendo suas obras aplaudidas em
grandes teatros, como o Scala de Milão e do São Carlo, de Nápoles, e sendo
reconhecido por personagens ilustres, como Verdi, que Carlos Gomes insere o Brasil no
concerto das nações civilizadas, dignas portanto de gerirem seu próprio destino. Assim,
Squeff infere um conceito de nacionalidade baseado na naturalidade, ou seja, o ser
nascido brasileiro. Para o autor esta geração não tinha outro ideal que a “emulação com
os estrangeiros no terreno deles, sem reivindicar nada mais do que a igualdade com os
êmulos europeus”.
25
Squeff, entretanto, assevera que com o advento da República este processo,
assegurado por sua simples condição de brasileiro, seria diferenciado por um “mundo
que exige algo mais do que simples rivais ou iguais aos grandes estrangeiros da
época”
26
. Citando nomes cuja atuação profissional ocorreu em diferentes períodos
como Henrique Oswald, Alexandre Levy, Luciano Gallet e Leopoldo Miguez, o autor
22
Optamos por este termo baseados no fato que neste período, se era clara a aversão de Miguez à música
italiana, o mesmo não acontece em relação à música francesa, que, como bem destaca Avelino Pereira,
ora se harmonizava como matriz “moderna” com a música alemã, ora entrava em choque. PEREIRA,
Avelino. Op. Cit. p. 113
23
Idem. Ibidem. p. 204
24
WISNIK, José Miguel e SQUEFF, Enio. O nacional e o popular na cultura brasileira. Música. São
Paulo: Brasiliense, 1982. p. 34
25
Idem. Ibidem. p. 35
26
Idem. Ibidem. p. 35
237
infere a prática de um nacionalismo atuante, cristalizado em sua sistemática por Alberto
Nepomuceno. Parece-nos que esta ampliação merece um olhar mais criterioso.
A própria dinâmica da estabilização do regime Republicano sugere que não
houve uma idéia sobre arte nacionalista, mas sim diferentes matizes que foram
incorporados, digeridos e estabelecidos em processos que desaguaram na Semana de
Arte Moderna de 1922. Neste sentido, é revelador o que expressou Miguez em 1890, na
Informação apresentada à Secretaria de Negócios do Interior, citada anteriormente:
O nosso programa foi equiparado ao dos conservatórios de Paris, Munique e
Milão que, sendo os mais notáveis do mundo, não apresentam programa
superior ao que organizamos para o Instituto Nacional de Música. (...) Em
um prazo não muito longo eu espero, aproveitando as aptidões e as vocações
que se encontram no nosso país, obter do Instituto um aluno compositor que
vá provar a Europa o nosso adiantamento, provando ao mesmo tempo que,
se os trabalhos de Carlos Gomes muito deixam a desejar, porque lhe
faltavam os principais elementos de ensino e porque só teve a auxiliá-lo o
seu talento e sua inspiração, pode-se hoje conseguir, sem sair do Brasil,
adquirir-se todos os conhecimentos necessários a um compositor moderno
de mérito real.
27
Se de algum modo, Miguez externava uma oposição ao regime monárquico,
simbolizado na sua referência demeritória a Carlos Gomes, clara era a permanência da
emulação com o estrangeiro. Neste momento, ele não só definia a Europa como o
território de nossa afirmação como nação adiantada, como implicitamente revelava que
era a partir das matrizes européias – Paris, Munique, Milão – que se tornaria possível o
surgimento de um artista nacional, de umcompositor moderno de mérito real”.
Nacional, ainda era música feita por brasileiro, nos padrões das modernas escolas
européias.
Esse padrão se revela nas obras de Miguez, ora direcionadas ao culto
republicano – como Ave Libertas, poema sinfônico comemorativo da Proclamação da
República e dedicado ao Marechal Deodoro e a Ode Fúnebre a Benjamim Constant
ou à música dramática, como a ópera Os Saldumes ou o Crepúsculo das Gálias e Pelo
Amor, drama lírico com sua ação passada na Escócia. Os Saldumes, segundo Luiz
Heitor, elaborado a partir de um libreto de Coelho Neto, é como um resumo em
linguagem musical facilitada de todos os processos, “das próprias situações musicais
mais marcantes do conjunto de dramas do divino” Wagner.
28
27
Informação do Diretor do Instituto Nacional de Música, Sr. Leopoldo Miguez ao Ministro do Interior
Dr. José Cesário de Faria e Alvim. 29 de Março de 1890. Questão Cavalier. Documento manuscrito.
Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
28
HEITOR, Luiz. Música e músicos do Brasil. Rio de Janeiro: Editora da Casa do Estudante do Brasil,
1950. p. 30
238
Em seu poema sinfônico Ave Libertas, Miguez pretendeu imortalizar os
processos de construção do ideário republicano e a figura de seu “chefe-maior”, o
marechal Deodoro da Fonseca. O enredo, em descrição realizada por Rodrigues
Barbosa
29
, na qual se ressalta sua própria apologia ao regime, iniciava com um olhar ao
passado onde era possível ouvir o gemido das primeiras vítimas “que foram esmagadas
pelos tiranos, por terem sonhado com um ideal republicano”.
Essas vítimas teriam deixado como herança suas aspirações democráticas, seus
sofrimentos e torturas para um grupo agora mais numeroso ao qual cabia este
sacrossanto legado de fé política”. Estes sucessores, por sua vez, retemperados e
revigorados na sua fé multiplicavam-se: “se um cai morto, erguem-se dez combatentes
novos” para a luta que recrudesce. Ao avanço dos “apóstolos da idéia santa”, que
desfraldavam o lábaro da liberdade, segue-se o dia da vitória e do triunfo, representado
nas fanfarras triunfais e na marcha heróica dos vencedores
30
:
A alma dilata-se num êxtase, e nas gradações do entusiasmo sentimos, no
final daquele poema, o deslumbramento de uma apoteose, e na vitalidade da
nossa memória reaviva-se com relevo de escultura o perfil marcial e glorioso
do herói: M. Deodoro da Fonseca. Efetivamente nada de mais fortemente
ousado em colorido, de mais pujante e viril, mais sanguíneo e luminoso, do
que aquele estilo maravilhosamente dominador, que a arte estruturou com
uma assombrosa simetria de projeções e uma convulsa opulência de
relevos.
31
A utilização da forma poema sinfônico por Miguez é perfeitamente adequada
para inserção da música no contexto da formação de uma identidade de nação. Com seu
aspecto descritivo, Miguez dispunha do instrumento perfeito para a visualização que
associava à Republica um passado de lutas, cuja herança era fundamental na realidade
que se formava, ao mesmo tempo em que incorporava a presença mítica de um herói
nacional, o Marechal Deodoro. Em seu didatismo, apropriava-se de um gesto que
revestia sua obra de um sentido objetivo, como o fizeram os compositores da Boemia e
da Rússia ao utilizarem esta forma como veículo de suas idéias nacionalistas.
32
29
BARBOSA, Rodrigues. Um século de Música Brasileira. Leopoldo Miguez. Estado de São Paulo, 14
de setembro de 1922. Texto transcrito em: CASTAGNA, Paulo. Um século de música brasileira de José
Rodrigues Barbosa. Pesquisa referente ao triênio 2004-2006 no Instituto de Artes da UNESP. São Paulo,
2007.
30
Idem. Ibidem
31
Idem. Ibidem.
32
Em 1857, o compositor Smetana deu início a uma série de poemas sinfônicos entre os quais se destaca
Má vlast (Minha Pátria), baseado sobre episódios e idéias da história Tcheca. Na Rússia Balakirev,
Mussorgsky e Borodin compuseram poemas sinfônicos baseados em temas nacionais. Dicionário Grove
de Música. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. p. 731
239
A morte de Leopoldo Miguez, em 1902, propicia a elevação de Alberto
Nepomuceno à liderança da “República Musical”, e, com ele, novos gestos e ações
revestem a busca da nacionalidade musical. Esta direção ele já desvendara quando de
volta de seus estudos na Europa promove, em 1895, um concerto onde além da
demonstração de seus potenciais como instrumentista apresenta canções de sua lavra,
em idioma vernáculo, e a obra Quatro Peças Líricas. Nesta, a última peça, intitulada a
Galhofeira, foi composta sob a clara influência do maxixe fluminense.
Em 1896, Nepomuceno foi mais além ao apresentar sua Série Brasileira
33
,
música de caráter descritivo, dividida em quatro partes, a saber: Alvorada na Serra,
onde se remete à imagem de uma floresta tropical, com os gorjeios de aves e a
utilização da melodia folclórica Sapo Cururu; Intermezzo, desenvolvido a partir de um
motivo rítmico do lundu; Sesta na rede, onde os instrumentos de cordas reproduzem o
ranger dos ganchos na rede, sob uma melodia langorosa; por fim, o Batuque, em versões
anteriores apresentado como Dança de Pretos, onde além de introduzir ritmos afro-
brasileiros Nepomuceno inclui o reco-reco entre os instrumentos da orquestra.
Desta forma, incorpora o compositor uma outra forma de pensar a música de
inspiração nacionalista, agregando o particular à forma composicional européia. Embora
ainda no Brasil já abordasse esses elementos em suas obras, a consolidação desta
técnica composicional reflete de alguma maneira sua convivência, durante seus anos de
estudos na Europa, com compositores como Grieg, Herzogenberg (amigo de Brahms) e
Vincent D’Indy.
Na imprensa os comentários tratavam a presença do popular com empolgação.
Rodrigues Barbosa, no Jornal do Comércio, poetizava que através da obra de
Nepomuceno vislumbrava-se a cor tropical”, a “luz intensa do nosso belo
continente”. No periódico A Notícia, Luís de Castro enaltecia o uso das “melodias
ingênuas”, elevadas ao nível de “aperfeiçoamento”, e pontuava que todas as escolas de
música tiveram suas origens na canção popular.
34
De fato, a transposição de danças ou temas populares para a música de concerto
estava longe de ser uma novidade. Compositores como Dvorak, Smetana, Grieg entre
outros, mesmo compondo em formas tradicionais como sinfonias, poemas sinfônicos ou
concertos incorporavam a temática popular de seus países em suas produções musicais.
33
Algumas partes desta obra foram apresentadas anteriormente. O Intermezzo em 1895, e o Batuque, sob
a denominação de Dança de Pretos em 1888.
34
Apud. PEREIRA, Avelino. Op. Cit. p. 152
240
Neste sentido, vale observar as considerações de José Maria Neves sobre a produção
musical brasileira deste período:
Tratava-se de um trabalho composicional caracterizado pelo emprego de
temas (quase sempre melódicos) da música popular, temas que eram tratados
segundo métodos harmônicos e polifônicos europeus. Este material de base
era sempre deformado, uma vez que os esquemas estruturais eram mais
importantes que ele (grifo nosso). (...) Em termos estruturais, as influências
predominantes são as de Grieg e Brahms (com os modelos das “Rapsódias
Húngaras”), além da escola russa da segunda metade do século XIX.
35
Destaca-se nesta citação a relação entre o material primário utilizado e os
esquemas estruturais aos quais era submetido. A forma tem preponderância sobre a
temática, tornando-se essa um elemento de diferenciação. Música nacional era, então,
aquela que utilizava o material temático folclórico ou popular submetido às formas e
cânones da música européia.
A ascensão de Nepomuceno à liderança da “República Musical” coincide com o
período que Sevcenko
36
descreve como frenético na definição das mudanças sociais,
políticas e econômicas. Aqui já haviam sido extintos os focos monarquistas organizados
e dispersada a oposição jacobina, atrelada ao fechamento da Escola Militar da Praia
Vermelha. O regime estava consolidado e a estabilidade política garantida através da
“política dos governadores” efetivada no governo Campos Sales. No plano econômico,
os empréstimos estrangeiros garantiam a restauração financeira e a credibilidade do país
junto aos centros internacionais. Assim, conclui o autor, “estava aberto o caminho para
o desfecho inadiável desse processo de substituição das elites sociais: a remodelação
da cidade e a consagração do progresso como o objetivo coletivo fundamental”.
37
Estas mudanças, que operavam uma transformação na espacialidade da cidade,
no seu cotidiano e na mentalidade carioca, diz Sevcenko, eram regidas por princípios
que iam da condenação dos hábitos e costumes ligados pela memória à sociedade
tradicional à exclusão dos grupos populares da área central da cidade. Atrelada a essa
ação havia a negação de qualquer elemento de cultura popular que pudesse macular a
imagem civilizada da sociedade dominante.
38
Neste sentido, o popular só era digno de se levar aos palcos fluminenses
emoldurado pelas formas e técnicas de composição européias. Era botar a “casaca do
35
NEVES, José Maria. Música Contemporânea Brasileira. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1981. p. 19
36
SEVCENKO, Nicolau Op. Cit. p. 38
37
Idem. Ibidem. p. 42
38
Idem. Ibidem. p. 43
241
contraponto” no maxixe, para usar uma expressão de Guanabarino
39
. Sintomaticamente,
no mesmo momento em que se aplaudia a inclusão de elementos da cultura popular na
música de concerto, os críticos musicais louvavam a não inclusão do maxixe na Mágica
Pandora de Cavalier Darbilly, levada aos palcos apenas três meses após a estréia da
versão completa da Série Brasileira de Nepomuceno.
Rodrigues Barbosa, no final de sua crítica à Mágica festejava: “Não podemos
deixar de consignar um fato importante: A Pandora não tem maxixe!!!”
40
. Guanabarino
por sua vez ressaltava que os números alegres e saltitantes haveriam de popularizar-se,
em que pesasse “a ausência absoluta, e muito para louvar, do gênero que já agora não
perde e denominação de maxixe” (grifo nosso).
41
Aplaudia-se na produção elaborada da música de concerto a inserção do popular;
e na produção tida como aparatosa, voltada ao entretenimento vulgar, primeira entre as
formas do teatro musicado a levar o maxixe para os palcos, louvava-se exatamente sua
ausência! Aqui já se percebe o que José Miguel Wisnik reflete sobre o posterior
nacionalismo musical modernista:
O popular pode ser admitido na esfera da arte quando, olhado à distância
pela lente da estilização, passa a caber dentro do estojo museológico das
suítes nacionalistas, mas não quando, rebelde à classificação imediata pelo
seu próprio movimento ascendente e pela sua vizinhança invasiva, ameaça
entrar por todas as brechas da vida cultural, pondo em xeque a própria
concepção de arte do intelectual erudito.
42
Ampliando o enunciado de Wisnik, percebe-se um grupo social que se coloca
como detentor do poder de impor sua visão musical para o resto da sociedade. Implícita
nesta imposição, encontramos a premissa – questionável – que a sociedade é dividida
entre os que possuem uma inerente superioridade intelectual e os intelectualmente
inferiores. Neste sentido, origina-se uma visão de arte, e da própria cultura, onde
somente aqueles com mente superior podem abarcar os mais profundos sentidos de uma
expressão artística, ao mesmo tempo em que somente os que podem alcançar esse
sentido são os que por definição possuem mentes superiores. De igual forma, aqueles
com mente inferior não conseguem alcançar estes sentidos, e exatamente por não o
39
Expressão utilizada por Oscar Guanabarino em sua crítica ao concerto de Alberto Nepomuceno,
realizado em 27 de outubro de 1895. O Paíz. Artes e Artistas. 28 de outubro de 1895.
40
Jornal do Comércio. Theatros e Música. 9 de outubro de 1896. Ano 75. Nº. 283
41
O Paíz. Artes e Artistas. Sexta-feira, 9 de outubro de 1896. Ano XII. Nº. 4390.
42
WISNIK, José Miguel. Getúlio da Paixão Cearense (Villa-Lobos e o Estado Novo). In: WISNIK, José
Miguel e SQUEFF, Enio. O nacional e o popular na cultura brasileira. Música. São Paulo: Brasiliense,
1982. p. 133
242
conseguirem são os que possuem uma mente inferior
43
. Este tipo de pensamento
viabilizava discursos como o de Antonio Sales, citado anteriormente. Viabilizava
também um olhar sobre a produção artística independentemente da existência social de
seu criador, ou do grupo social que a propagava. Reveste-se desta forma a criação
musical de elementos míticos, imarcescíveis, fruto glorioso do trabalho individual do
gênio. Esta deificação, diz Norbert Elias, apresenta uma outra face, que é o desprezo
pelas pessoas comuns
44
:
Ao elevar o primeiro [o gênio] acima da medida humana, reduzem-se as
outras a um nível abaixo dela. Nossa compreensão das realizações de um
artista e a alegria que se tem com suas obras não diminui, mas se reforçam e
aprofundam quando tentamos captar a conexão entre as obras e o destino do
artista na sociedade de seus semelhantes. O dom especial - ou, como se dizia
no tempo de Mozart, o “gênio” que uma pessoa tem, mas não é - em si
mesmo constitui um dos elementos determinantes de seu destino social e,
neste sentido, é um fato social, assim como os dons simples de uma pessoa
sem gênio.
45
Sob esta linha de pensamento, dois pontos distintos se apresentam. O primeiro
permite que observemos nosso objeto em seu recorte temporal, percebendo as
implicações deste olhar à música, como o produto de um processo de um indivíduo
regido por forças que extrapolam o humano. O produto do gênio individual, desprovido
portanto, de qualquer sentido como fato social, embasa uma visão de mundo onde
poucos têm o direito de impor sua idéia de música sobre muitos. Retirar o aspecto
sublime, quase divino, e de qualidades perceptíveis apenas a poucos, seria
implicitamente colocar em questionamento a própria estrutura social e política em que
viviam. Ou seja, na medida em que fosse possível reconhecer em uma forma urbana –
como o maxixe – os méritos de uma “música artística” significaria, parafraseando John
Shepherd, aceitar a relatividade social e moral de diferentes padrões de realidade que ela
representa e articula
46
. Reconhecimentos deste tipo desarrumariam esta sociedade
fortemente centralizada, que dependia, e muito, do controle e manipulação de elementos
referenciais, como os desta ordem, para sua manutenção e sobrevivência.
O segundo ponto nos remete as práticas músico-historiográficas que utilizam
largamente da dicotomia superior versus inferior, alto versus baixo, que se em si já
possuem um forte componente moral, acabam revelando a concepção de um mundo
43
SHEPHERD, John. Towards a sociology of musical styles. In: Lost in music: culture, style and the
musical event. WHITE, Avron Levine et all. Londres, Nova Iorque: Routledge & Kegan Paul, 1987. pp.
64-67
44
ELIAS, Norbert. Mozart, sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995. p. 54
45
Idem. Ibidem. p. 54
46
SHEPHERD, John. Towards a sociology of musical styles. Op. Cit. p. 65
243
partido na simples oposição do “elaborado” contra o “simples”. Esse embasamento
permite um discurso comumente usado que vincula o popular a um estado “primitivo”,
não somente no que representa e articula, mas no seu próprio corpus musical. Assim, a
partir de um conjunto fixo de critérios musicais, geralmente baseados na linguagem do
grupo dominante, acredita-se ser possível julgar todos os tipos de música.
Este posicionamento, bem exemplificado na obra de Mário de Andrade, assume
amplo contorno, como desvenda Arnaldo Contier:
Essa concepção de História da Arte proposta por Mário de Andrade, de
natureza evolucionista, iluminista e de traços positivistas, ainda é muito
imitada por historiadores brasileiros contemporâneos. Essa análise nega o
estudo intrínseco da linguagem, desvinculando-a de seu contexto sócio
cultural e, além disso, prende-se a uma visão eurocêntrica da História da
Arte e à recuperação de valores estéticos defendidos pelos agentes sociais
contemporâneos aos “fatos históricos”. O gosto musical, neste caso, não é
discutido de acordo com sua função social no âmbito de uma sociedade
historicamente determinada.
47
Sob esta linha de pensamento é possível entender a dificuldade de compreensão
da produção musical do teatro-musicado, e especialmente a Mágica, no tempo de seu
acontecimento, bem como sua ausência como objeto na produção historiográfica. Esta
forma não encontra seu lugar nem entre a música culta, elevada, nem tampouco pode ser
reconhecida como uma produção inferior, primitiva, conectada somente com a camada
mais baixa dos estratos sociais da população. A dificuldade desta classificação também
se apresenta na trajetória social de seus compositores e em seus aspectos técnicos de
elaboração.
Como exemplos emblemáticos, podemos nos deter nos casos de Cavalier
Darbilly e Henrique Alves Mesquita, primeiro grande compositor de mágicas no Brasil.
Afro-descendente, Mesquita, nas palavras de Batista Siqueira
48
, teve “a pouca sorte de
nascer num lar humilde, em condições adversas”. Porém, em sua trajetória pessoal
Mesquita conseguiu atingir não somente uma sólida formação musical – que inclui anos
de estudos no Conservatório de Paris sob a orientação de célebres professores – como o
reconhecimento de seu talento e de sua atividade profissional, o que o levava a transitar
entre os diferentes espaços de atuação musical.
47
CONTIER, Arnaldo Daraya. História e música: novas abordagens. In: História hoje: balanços e
perspectivas. IV Encontro Regional da ANPUH-RJ, 16 a 19 de outubro de 1990. Rio de Janeiro:
Associação Nacional dos Professores Universitários de História, 1990. pp. 91-92
48
SIQUEIRA, Baptista. Três vultos históricos da música brasileira: Mesquita, Callado, Anacleto. Rio de
Janeiro: Edição do autor, 1969. p. 41
244
Era professor do Conservatório de Música e organista da Igreja de São Pedro, ao
mesmo tempo em que regia e escrevia Mágicas e outras partituras destinadas ao teatro-
musicado. Seu vasto campo de atuação musical levou à produção de uma obra que
inclui com a mesma qualidade ópera, música sacra, polcas, jongos, lundus, modinhas,
quadrilhas e tangos, denominação transversal do maxixe
49
. Cabe a Mesquita a primazia
como compositor de tangos, que incorporados à mágica tornam-se um de seus
elementos formais.
Cavalier Darbilly por sua vez, era filho de um trompetista da Capela Imperial e
dono de uma pequeno comércio fornecedor da Academia de Belas Artes. Sua formação
também compreendia uma estada em Paris, onde foi aluno de célebres professores do
Conservatório desta cidade. Sua obra também compreende além de música de concerto,
Mágicas e tangos, além de ser, segundo Mello Moraes Filho
50
, um dos que contribuíram
efetivamente para a sobrevivência da modinha.
A própria estrutura formal da Mágica, que utilizava elementos da ópera italiana e
da férrie francesa, empregando em suas performances orquestra, coros e solistas, exigia
uma sólida formação musical e um amplo domínio da técnica de composição. Esta
característica, que podia indicar sua localização dentro de uma arte culta, alta, era
transgredida em seus processos formais pela incorporação da música popular urbana. O
detalhe perturbador, no entanto, talvez não fosse somente a questão da incorporação do
popular, mas o fato de que, em seu percurso na mágica, o tango, ou tango de pretos, ou
o gênero que já agora não perde e denominação de maxixe, como relatou Guanabarino
em 1896
51
, trazia para os palcos a complexa presença do “gestual negro”.
52
Ainda no Império, a presença deste gestual definido não somente pela utilização
de ritmos afro-brasileiros, mas por suas imbricações com a dança, provocavam, além
49
José Ramos Tinhorão relata que havia uma dificuldade para se designar qualquer forma que não viesse
estruturada da Europa (como a valsa, a quadrilha, a mazurca, a schottisch ou a polca). Desta forma a
palavra tango serviu durante muito tempo para encobrir - embora sem exclusividade - o tipo de música
que mais se adaptava à dança maxixe. De igual forma, a denominação tango era utilizada nas versões
impressas do maxixe, pois “sua origem popular de última categoria, estava de tal maneira ligado à
noção de coisa reles e imoral, que a sua indicação ostensiva implicava necessariamente no desagrado e
no veto dos compradores de partituras para piano, que era gente de classe média para cima”.
TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música popular. São Paulo: Circulo do livro, s.d. pp. 70-
71
50
Apud. FERLIM, Uliana Dias Campos. A polifonia das modinhas: diversidade e tensões musicais no Rio
de Janeiro na passagem do século XIX ao XX. Dissertação (mestrado). Universidade Estadual de
Campinas. Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. 2006. p. 43 e 99
51
O Paíz. Artes e Artistas. Sexta-feira, 9 de outubro de 1896. Ano XII. Nº. 4390.
52
Enio Squeff relaciona o gestual negro presente na música a uma reminiscência do trabalho escravo. Nos
movimentos repetidos durante a execução de suas tarefas o negro incorpora elementos que seriam
transpostos em sua rítmica para o universo da dança e da música. SQUEFF, Enio e WISNIK, José
Miguel. O nacional e o popular na cultura brasileira. Música. São Paulo: Brasiliense, 1982.
245
das possíveis aversões estéticas, a delicada situação de se reconhecer como arte o
produto de uma raça desprovida de humanidade. Reconhecer sua expressão era
dignificá-la e, por conseqüência, questionar o sistema sócio-político que viabilizava a
existência da sociedade senhorial e hierárquica. A República por outro lado, coloca-se
de maneira ambígua em relação ao negro, pois, como bem explana Letícia Reis, se seu
legado cultural fazia dele um ator social, o paradigma evolucionista impedia a sua
incorporação ao novo pacto como ator político.
53
A abordagem à questão da presença negra no país toma corpo a partir do final do
século XIX, quando as transformações sociais – em particular a Abolição –
demandavam esforços em sua compreensão. Neste sentido, iniciou-se a construção de
uma imagem de nação forjada na união das três raças e, como expõe Martha Abreu, na
ideologia da mestiçagem
54
. Esta construção, influenciada pelo ideário cientificista,
naturalista, positivista e evolucionista, atrelada a teorias sobre a inferioridade das raças
não-brancas, acendia a discussão em torno da preocupante mistura racial,
principalmente dos malefícios da mestiçagem e das possibilidades virtuosas do
embranquecimento da população. A mestiçagem, diz Abreu, quando reconhecida, vinha
associada a uma segura alternativa para um futuro embranquecimento.
55
Desta forma, era possível aplaudir a presença da música negra em uma obra
artística como a de Alberto Nepomuceno. O gesto negro, diluído na perfeita moldura
das estruturas harmônicas e formais oriundas das mais respeitadas escolas européias, se
embranquecia aos olhos e ouvidos dos distintos freqüentadores das salas de concertos
cariocas. Era digna de méritos. Mas quando aparecia mais próxima de sua forma pura
com a presença de sua rítmica sensual
56
merecia ser, invertendo a expressão de
Guanabarino, expressamente não-louvada.
No entanto, a dinâmica frenética com que se definiam as mudanças sociais,
políticas e econômicas nesse período concorria para a fragmentação do poder que
instituía a poucos o direito de impor sua visão sobre arte, sobre a música. Diz Sevcenko
53
REIS, Letícia Vidor de Sousa. “O que o rei não viu”: música popular e nacionalidade no Rio de Janeiro
da Primeira República. In: Estudos Afro-Asiáticos, Ano 25, nº. 2, 2003, pp. 237-279
54
ABREU, Martha. Mello Moraes Filho: festas, tradições populares e identidade nacional. In: A história
contada: capítulos de história social da literatura do Brasil. CHALHOUB, Sidney e PEREIRA,
Leonardo Affonso de Miranda et all. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. p. 181
55
Idem. Ibidem.
56
Ao falarmos da sensualidade nos referimos a Oscar Guanabarino: “O maestro Cavalier sem apelar
para o gênero já estafado dos ritmos sensuais tão em voga em nossos teatros, conseguiu uma peça de
fina elegância, graciosa e por vezes de muito efeito”. O Paíz. Artes e Artistas. Quinta-feira, 15 de
outubro de 1896. Ano XII. Nº. 4396.
246
que a penetração do capital estrangeiro, ativando energicamente a cadência dos
negócios e a oscilação das fortunas, viria corroborar o ritmo dessa dinâmica, alastrando-
a numa amplitude que arrebataria todos os setores da sociedade
57
. No caso da música, a
indústria cultural que se consolidava contribuiria muito para esse processo.
Apesar da franca resistência às formas da música popular urbana, as casas de
impressão musical propiciavam sua circulação na sociedade. Já em 1879, um leitor da
Revista Musical escrevia sobre a sua insatisfação com as edições musicais, relatando
que “quase todos os dias se publicam peças de música”, o que tornaria o Rio de Janeiro
em seu movimento de produção musical comparável aos grandes centros de produção
artística, como Milão, Paris, Viena e etc. Entretanto, lamentava o autor, estas
publicações compreendiam apenas polcas, valsas, contradanças e lundus que em sua
opinião revelavam apenas duas coisas: “muito talento e pouco estudo”.
58
Se a vizinhança invasiva – usando a expressão de Wisnik – da produção popular
no setor da imprensa musical já se mostrava perturbadora neste período, no final do
século XIX e início do XX a situação se provaria ainda mais ameaçadora. Mônica Leme
afirma que a edição musical se tornou um pólo dinamizador do mercado musical,
refletindo a grande diversidade social e cultural carioca. Desta forma, a produção
musical erudita contrastava com uma modalidade de consumo musical representada nas
modinhas, lundus, polcas, maxixes e outros gêneros. Tornando-se um dos importantes
braços desta “indústria de músicas”, este repertório reconhecido como “música ligeira”
constituirá a base para aquilo que pouco a pouco será reconhecido como “música
popular”.
59
Como mencionamos no capítulo anterior, dentro desse universo de publicações
do repertório “ligeiro”, é significativa a presença de peças oriundas de espetáculos
teatrais, destacando-se as que recorrem a formas populares urbanas. Assim, para além
da receptividade das composições realizadas para as encenações dramático-musicais,
observa-se a circulação deste material, deslocado em uma primeira ação para o teatro,
e em seguida conduzido em novas versões aos salões, ao uso cotidiano. Sua presença
57
SEVCENKO, Nicolau. Op. Cit. p. 38
58
Revista Musical e de Bellas Artes. 02 de agosto de 1879. Ano I. . 31. Biblioteca Nacional. Setor de
Obras Raras. PR-Sor 3317 (1).
59
LEME, Mônica. Mercado editorial e música impressa no Rio de Janeiro (século XIX) - modinhas e
lundus para “iaiás” e “trovadores de esquina”. I Seminário Brasileiro sobre Livro e História Editorial.
Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro. 8 a 11 de novembro de 2004. Disponível em:
http://www.livroehistoriaeditorial.pro.br/pdf/monicaleme.pdf. Acessado em 18 de novembro de 2007, às
19h28.
247
significativa no comércio de música impressa reflete a existência de uma clientela de
consumidores ampla o suficiente para tornar possível e sustentar este braço editorial.
A apropriação desse material impresso por esses consumidores pressupõe a
existência de condições materiais suficientes para o emprego de capital na aquisição
de partituras, assim como o conhecimento musical suficiente para a leitura e execução
da notação musical. A “música ligeira” competia, desta forma, com a produção
erudita pelo mesmo público consumidor.
A dimensão deste mercado seria impactada na primeira década do século XX
com o início das produções fonográficas no Brasil. A produção fonográfica opera uma
revolução nas práticas musicais, comparável ao surgimento da notação e da impressão
musical. Se a escrita – ou notação – musical havia permitido a difusão de uma música
antes restrita ao seu local de origem e a impressão havia viabilizado um largo acesso e
a conseqüente interação musical entre diferentes culturas
60
, a produção fonográfica
implicaria processos que garantiriam a emergência de novos gêneros e estilos
musicais; a influência sobre as políticas editoriais da imprensa musical; e a
massificação do acesso à música popular e sua posterior adoção como forma
identitária.
A história dos registros fonográficos no Brasil muito se mistura com a de
Frederico Figner, ou simplesmente Fred Figner, como ficou conhecido. Figner que
havia conhecido o fonógrafo em San Antonio, no Texas, em 1889, resolveu em
parceria com um cunhado comprar um punhado de cilindros, e saiu exibindo o
aparelho por países latinos. Durante esta viagem, conta Humberto Franceschi
61
,
Figner teria encontrado um judeu, vendedor de vernizes, que o aconselhou a vir para o
Brasil.
Aceito o conselho, em agosto de 1891 embarcava em um navio de cargas e
doze dias depois, aportava em Belém do Pará, para finalmente se instalar no Rio de
Janeiro em abril de 1892. Seu sucesso em terras brasileiras materializar-se-ia na
fundação da Casa Edison, em 1900. Em 1902, em seu catálogo informava a venda de
diversos produtos, que variavam entre graduadores de punho – “indispensáveis” à
toillete do “gentleman” – até os vários modelos de fonógrafos, grafofones,
60
Ver Henry Raynor, Música Impressa. RAYNOR, Henry. História Social da Música: da idade média a
Beethoven. Op. Cit. pp. 118-128
61
FRANCESCHI, Humberto. A casa Edison e seu tempo. Rio de Janeiro: Sarapuí, 2002. p. 17
248
gramofones e zonofones, de diferentes tamanhos, além de uma infinidade de
acessórios.
Ilustração 11 Ilustração 12
Fonógrafo “Concerto”
Lirofone
Fonte: CD-Rom Casa Edison e seu tempo. Fonte: CD-Rom Casa Edison e seu tempo.
Uliana Ferlim descreve dois modelos de fonógrafos vendidos na Casa Edison:
o mais caro e o mais acessível. O fonógrafo “Concerto”, vendido ao preço de 700$000
(setecentos mil réis), era próprio para a utilização de cilindros de 11 centímetros,
funcionando por meio de cordas duplas que davam para a exibição de seis a oito
fonogramas de uma vez. Possuía detalhes ornamentais, sendo enfeitado com filetes a
ouro e esmalte, e era apresentado como o auge da evolução dos fonógrafos de Thomas
Edison. O mais barato deles, o lirofone, era um modelo que utilizava cilindros de cera,
colocado sobre uma caixa ou tábua envernizada, mais simples e menor, e portanto “de
preço ao alcance de qualquer bolsa”; custava entre 29$000 e 25$000 (vinte e nove e
vinte e cinco mil réis). Diz Ferlim:
A julgar pelo salário de um professor do quadro do funcionalismo
municipal do Rio de Janeiro, em 1897, que era de 333$000 (trezentos e
trinta e três mil réis), o lirofone parecia ser acessível. Um amanuense
ganhava em torno de 300$000 (trezentos mil réis) e um servente, em torno
de 75$000.3 Se observarmos as estratégias de venda de Figner, veremos
que essas quantias podiam parecer mais acessíveis ainda.
62
No mesmo catálogo de 1902, a Casa Edison também anunciava sua lista de
cilindros de cera gravados com artistas brasileiros. O processo de gravação neste
primeiro período obedecia ao modo mecânico de gravar, ou seja, havia a produção do
som, e o deslocamento de ar produzido por este som fazia com que um diafragma
62
FERLIM, Uliana Dias Campos. A polifonia das modinhas: diversidade e tensões musicais no Rio de
Janeiro na passagem do século XIX ao XX. Dissertação (mestrado). Universidade Estadual de
Campinas.Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. 2006. pp. 55-56
249
fizesse um desenho na cera
63
. Desnecessário dizer que quanto maior a massa de som
produzida maior a qualidade do desenho na cera e maior a qualidade da reprodução.
Desta forma, o piano, por exemplo, sofria com as restrições impostas pelo
processo mecânico, tornando-se um instrumento inadequado para a limitada faixa de
registro de freqüências da gravação em cera. Franceschi afirma que daí resulta a
preferência pelos grupos de sopro e cordas que rapidamente se profissionalizavam
para atender à demanda da Casa
64
, assim como as potentes vozes masculinas como as
de Cadete, Bahiano e Eduardo Neves.
O catálogo, em sua sessão dedicada aos cilindros, apresenta duas divisões
básicas, uma dedicada ao repertório estrangeiro, com franca predileção à ópera
italiana, em forma de duetos, solos e trechos instrumentais, e outra ao repertório
nacional, onde se destaca a presença de modinhas, lundus, valsas, polcas, tangos e
maxixes. Entre os registros de tangos, a presença do teatro musicado: a mágica Bico
de Papagaio, de Abdon Milanez; as revistas fantásticas O Jocoto, de Costa Junior e
Amapá; a revista cômico-fantástica Rio Nu, de Costa Junior.
Ilustração 13
Catálogo da Casa Edison, 1902.
Fonte: Humberto Franceschi. Registro sonoro por meios mecânicos no Brasil. p. 50
63
FRANCESCHI, Humberto. Registros sonoros por meios mecânicos no Brasil. Rio de Janeiro: Studio
HMF, 1984. pp. 11-15
64
FRANCESCHI, Humberto. A casa Edison e seu tempo. Op. Cit. p. 148
250
Nota-se a ausência da música de concerto nacional. Na verdade, os dois líderes
da “República Musical” somente teriam obras gravadas décadas depois da introdução
do mercado fonográfico no Brasil. Alberto Nepomuceno teria seu primeiro registro
fonográfico em 1953, o Batuque da Série Brasileira realizado pela Orquestra
Sinfônica Brasileira, sob a regência de Eleazar de Carvalho
65
. Já Leopoldo Miguez
teria seu primeiro registro
66
realizado em 1958, o Noturno (opus 10), pelo pianista
Arnaldo Estrela.
67
O descompasso das duas produções musicais – erudita e popular – no setor de
gravações era o primeiro sinal, ainda que não percebido, das importantes mudanças
que se operavam em torno da “sociedade dos músicos”. Essas mudanças abrangiam
não só a ampliação e a regulamentação do mercado de trabalho de instrumentistas e
compositores como a dinâmica da relação entre o mercado fonográfico e a imprensa
de música e sua conseqüente influência nas práticas musicais.
Se antes o acesso e a permanência de uma obra eram viabilizados pela
imprensa musical agora se agregava o fonograma a esta função. E não demoraria a
que o registro fonográfico passasse a representar a garantia real para o sucesso e a
permanência da obra na sociedade. Diz Franceschi
68
que a chegada até a gravação era
muito mais difícil do que o acesso à impressão, por ser aquela o resultado final de um
sistema em que a vendagem das partituras é que indicava, embora tacitamente, o que
deveria ser gravado. Esta relação não tardaria a apresentar também o caminho
inverso: o sucesso de uma gravação suscitava a impressão ou novas edições de
partituras para o ávido mercado que se formava.
Se antes a legitimação e o reconhecimento de uma obra, ou do artista, estavam
vinculados a um grupo restrito que detinha o poder de consagração, o direito de impor
o que era música e quem era digno de ser chamado de músico – bem expresso no
mote do compositor alemão Arnold Schoenberg “se é arte não é para as massas, se é
para as massas não é arte
69
–, este direito passa a ser também vinculado ao gosto e
aceitação do público e aos ditames capitalistas da indústria cultural que se
consolidava.
65
CORREA, Sergio Alvim. Alberto Nepomuceno: Catálogo geral. Rio de Janeiro: Funarte, 1985. p. 43
66
Excetua-se aqui o Hino da República, que consta no catálogo de 1913 da Casa Edison.
67
CORREA, Sergio Alvim. Catálogo de obras: Leopoldo Miguez. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de
Música, 2005. p. 73
68
FRANCESCHI, Humberto. Registros sonoros por meios mecânicos no Brasil. Op. Cit. p. 88
69
Apud. LEIBOWITZ, René. Schoenberg. São Paulo: Editora Perspectiva, 1981. p. 21
251
Entretanto, as obras impressas privilegiavam a escrita para piano solo, ou
piano e canto. Quando alcançavam a vendagem expressiva que as habilitava ao
registro fonográfico eram revestidas de novos arranjos para as formações
instrumentais mais adequadas para o processo de gravação. Este fato foi determinante
para a fixação da função de arranjador no mercado musical brasileiro. O exercício
desta função pressupunha a habilidade e o conhecimento de uma técnica oriunda da
música de concerto aliados à capacidade de contemplar as exigências específicas do
mercado fonográfico e atender ao gosto do público.
Se em suas origens na música erudita o arranjo tinha muitas vezes a função de
facilitar a execução de determinada obra,
252
para o velho mundo. Foi nomeado Secretário da Superintendência Geral
de Imigração na Europa. Vai residir em Bruxelas.
70
O autor aproveitava para indicar ao compositor, não sem alguma ironia, que
estando em uma cidade que possuía um dos melhores Conservatórios do mundo, que
dedicasse suas horas vagas aos estudos musicais. A falta de uma formação rebuscada
e sua ligação com o popular valeram a Milanez as mais duras críticas da “República
Musical”, que não tolerava ver na direção do “mais alto estabelecimento” de ensino
musical o autor de “Assim Yayá!, Até nisso me querem tirar, Gosto dela só por isso,
Quem me dança sente cócegas, etc. etc.”, como citavam os professores do Instituto
71
.
Na mesma ocasião deste emprego pejorativo da obra de Milanez, os docentes
argumentavam que Milanez não dispunha dos mais elementares conhecimentos da
teoria musical e no que concernia à ilustração geral, também comprometia a
instituição, “chamando sobre esta o ridículo”.
72
Diversas foram as tentativas de expurgo do “estranho” que se infiltrara no
cerne da “República Musical”, porém não encontraram eco junto ao Governo, que
apoiava a presença de Milanez na direção do estabelecimento. Entre os principais
agentes destas ações encontramos alguns fundadores da “República” como Rodrigues
Barbosa, Alberto Nepomuceno e Frederico do Nascimento.
Assim, nota-se a fragmentação do recurso amplamente utilizado na criação e
sustentação deste grupo que, sob as fortes lideranças de Rodrigues Barbosa, Leopoldo
Miguez e Alberto Nepomuceno, controlaram por anos este subgrupo da “sociedade
dos músicos”: o apoio do Estado. A prerrogativa do apoio do Estado, fundamental
para a existência da “República Musical”, apresentava-se como uma via de duas
mãos. Ao mesmo tempo em que sustentava suas ações, constrangia o limite de suas
atuações, limite este codificado em suas opções estéticas perfeitamente emolduradas
pelo ideário cientificista e positivista vigente.
Do mesmo modo, internamente, articulado em suas redes de relacionamento
ligadas ao centro do poder, constrangiam a “sociedade dos músicos” à conformidade
de seus modelos, únicos dignos de serem consagrados como artísticos, profundos,
conectados com a modernidade pretendida. A não aceitação destes princípios indicava
a falta de predicados morais e intelectuais suficientes para a compreensão de seus
70
O Álbum. Março de 1893. Ano I. Nº. 12.
71
Apud. PEREIRA, Avelino. Op. Cit. p. 353
72
Idem. Ibidem.
253
mais profundos objetos, ao mesmo tempo em que qualquer produção realizada fora
deles representa a manifestação de uma arte indigna, e, portanto, recusável.
Entretanto, esta adoção do discurso de modernidade não se enquadra aos
ditames da experimentação levadas ao extremo na Europa, matriz básica de seus
modelos. Embasados na visão Wagneriana “da música serva do drama”, os
compositores ligados à “República Musical” construíram suas referências formais
erguidas sobre a canção, a micro-peça lírica, o drama musical. Quando inseridos à
linguagem puramente instrumental recorriam à música programática, descritiva, o
poema sinfônico, onde a música em posição subalterna servia ao comentário de um
texto literário, a aspiração máxima do compositor
73
. Afastavam-se, desta maneira, da
instauração da independência musical
74
e das novas concepções harmônicas e
estruturais bem representadas nas obras de Stravinsky (Sagração da Primavera, 1913)
e Schoenberg (Pierrot Lunaire, 1912).
Sintomaticamente, mantiveram-se imunes às experiências de Schoenberg em
direção a atonalidade, realizadas a partir de 1908, mantendo-se fiéis, em suas opções
harmônicas, ao sistema tonal. Neste sistema, onde uma nota é o centro, a tônica, as
demais assumem posições hierarquicamente dispostas em uma ordem de importância.
Esta opção, longe de ser uma demonstração de submissão a uma superestrutura sócio-
político-econômica, revela a interação possível entre realidade social e prática
musical. Se por um lado esta realidade social recebia de maneira cômoda os sons
produzidos dentro de um sistema reconhecível, de igual maneira, não havia interesse
por parte dos compositores, através de suas práticas, em suscitar nenhum
questionamento a uma realidade social na qual o espaço confortavelmente ocupado
garantia sua atuação e sobrevivência.
Entretanto, ao conformar sua produção a uma determinada vertente, a música
de concerto, a “República Musical” romperia com a prática musical do Império, que,
principalmente a partir de 1870, era marcada exatamente pelo trânsito de seus agentes
entre o popular, a música religiosa e a ópera. É desta forma que Francisco Manuel da
Silva, outrora importante líder da “sociedade dos músicos”, fundador do
73
PAZ, Juan Carlos. Introdução à música de nosso tempo. São Paulo: Duas Cidades, 1976. p. 26
74
Juan Carlos Paz define a produção pós-romântica inserida em busca que pretendia despir a música de
seus truques literários e sentimentais, concedendo-lhe autonomia estética, delimitação definida,
concretude espacial. Desta forma, previa-se a criação de uma música pura, desvinculada de qualquer
outro fator que não a criatividade, a música pela música: “a música não mais consistirá na aplicação de
cânones de beleza adaptados à simples assimilação das coisas, mas sim no que o músico criador for
capaz de conceber e realizar além de qualquer cânone consagrado, estabilizado, oficializado e
mumificado”. Idem. Ibidem. p. 28
254
Conservatório de Música, mestre da Capela Imperial e músico atuante do teatro lírico,
foi também reconhecido por obras como o Lundu da Marrequinha e a valsa O
primeiro beijo. Também Carlos Gomes, autor de famosas óperas, compôs modinhas,
valsas e schottischs. A esses nomes podemos agregar os de Henrique Alves Mesquita,
Cavalier Darbilly, Luiz Antonio Moura e tantos outros que, possuidores de uma
formação musical rebuscada, não se furtavam à exploração das formas populares.
É deste modo que Henrique Alves Mesquita após ter lançado em 1871 a
primeira peça a ser denominada tango, Olhos Matadores, incorpora com naturalidade
esta forma ao corpo estrutural da Mágica. E o que se percebe neste primeiro momento
da Mágica é que as críticas a ela dirigidas não têm origem na “sociedade musical”,
mas partiam dos literatos que questionavam seu valor dramático e literário. A Mágica
incomoda enquanto ameaça a um projeto ilustrado, que tinha no teatro dramático um
instrumento de educação sócio-moralizante.
Em 1872, durante as encenações da Mágica Ali-Babá, o cronista do periódico
Vida Fluminense, ressentia-se que o libreto não possuísse uma “escola puramente
literária”, mas exaltava a música original de Mesquita, composição de “efeito
maravilhoso”, “bem adaptada ao pensamento literário”, e digna do talento e “altura
das glórias” alcançadas pelo ilustre maestro
75
. Em 1879, a Revista Musical e de
Bellas Artes, editada por nada menos que Leopoldo Miguez e Arthur Napoleão,
lamentava a não inclusão de Mesquita entre os condecorados com a Ordem da Rosa
louvando de igual maneira suas obras “eruditas” e “populares”:
Como os hábitos da Rosa foram despejados de um só jato sobre o grupo,
só depois de algumas horas é que se verificou que um dos professores
tinha ficado sem venera. Era Henrique de Mesquita! Era Mesquita - o
autor do Vagabundo e d'Une nuit au chateau, da Missa de Pariz e da
de D. Pedro V. O compositor de tantas músicas populares que ainda
são hoje ouvidas e dançadas com frenesi, em alguns bailes públicos de
Paris (grifo nosso). É tão grande esta injustiça, é tão mesquinha esta
desconsideração que não vemos senão motivos para tirar dela causa de
hilaridade.
76
O domínio da técnica musical também seria característica de compositores
plenamente identificados com a produção da música popular urbana, como Chiquinha
Gonzaga, Joaquim Callado (professor do Conservatório de Música), Anacleto de
75
Vida Fluminense. 26 de outubro de 1872. Nº. 252
76
Revista Musical e de Bellas Artes. Sábado 20 de Dezembro de 1879. Ano I. N°. 51. Biblioteca
Nacional. Setor de obras raras. PR-Sor 3317 (1)
255
Medeiros, Ernesto Nazareth, que nas palavras de Samuel Araújo, já haviam
construído em sua música, sólidas pontes entre as diferenças étnicas e sociais.
77
E é exatamente na sua inadequação às diferenças étnicas e sociais que a
República Musical” buscou, para longe destas fontes, seu arcabouço modelar. E de
maneira não menos emblemática a Mágica passa a ser criticada, além de suas
implicações dramático-literárias, também em seus aspectos musicais, principalmente
no que concernia a presença das formas populares urbanas, expressão das diferenças
ameaçadoras.
Entretanto, é curioso que em sua estrutura musical a Mágica operava com os
mesmos padrões da música de concerto. Era completamente tonal, apresentava uma
métrica rítmica tradicional, utilizava orquestras, cantores, coros, e era cantada em
língua portuguesa, o que seria um dos baluartes dos nacionalistas republicanos como
Nepomuceno. Nas críticas à Mágica Pandora de Cavalier Darbilly destacam-se as
referências ao domínio técnico do compositor – “A partitura da Pandora é um primor
de harmonia
78
; “um compositor a quem não faltam os conhecimentos da técnica de
sua arte
79
–, aos coros escritos para cinco e seis vozes, e a menção ao trecho “o
despertar da natureza, página de música descritiva e imitativa, além de ser feita com
muita arte e gosto” (grifo nosso)
80
. Mas apesar destes elementos em comum, do
reconhecimento à técnica e instrução musical de seus compositores, a Mágica
continuava a ser vista como uma arte menor, sem sentidos profundos.
Porém, independente desta qualificação imposta pelos líderes da “República” e
os literatos e intelectuais, a Mágica – e o teatro-musicado em geral – gozava da clara
preferência do público. Esta preferência refletia-se também, para além do ganho
direto com suas montagens, em seu sucesso nos mercados circundantes, como a
impressão musical e, posteriormente, a produção fonográfica. Nesta vizinhança cada
vez mais ameaçadora, a crítica às Mágicas passa a abranger também as suas práticas
musicais, associando-se a música assim, aos aspectos “vulgares” e “mercenários”
desta. Desta forma, utilizando um recurso já empregado pelos literatos do Império em
relação a arte dramática, estabelece-se a divisão entre “música comercial”, destinada à
77
ARAÚJO, Samuel. Identidades brasileiras e representações musicais: músicas e ideologias da
nacionalidade. In: Brasiliana. Revista Quadrimestral da Academia Brasileira de Música. Nº. 4, janeiro de
2000. p. 43
78
O Paiz. Artes e Artistas. Oscar Guanabarino. Quinta feira, 15 de outubro de 1896. Nº. 4396
79
Jornal do Comércio. Theatros e Música. Rodrigues Barbosa. 9 de outubro de 1896. Ano 75. Nº. 283
80
O Paiz. Artes e Artistas. Oscar Guanabarino. Quinta feira, 15 de outubro de 1896. Nº. 4396
256
mercenária obtenção de lucros, e “música culta”, liberta dos baixos interesses
materiais.
Esta divisão, para além de uma qualificação realizável no seio da “sociedade
dos músicos”, resvala para os próprios públicos que as consomem, sendo estes
também qualificados de acordo com seus gostos, de seus consumos musicais. Neste
sentido, cria-se a sensação de independência em relação ao público reconhecido como
inferior, colocando-se a produção realizada sob os preceitos “desinteressados” do
capital comprometida somente com os possuidores de um determinado nível moral,
intelectual e social. Não há compromissos com o todo, mas com uma parte distinta da
sociedade, culta o suficiente para entender e absorver os princípios mais profundos da
música artística.
Ao se encastelarem nesta gloriosa torre de marfim, a “República Musical
fecha os olhos para o processo de articulação empreendido pelo teatro-musicado,
igual ao destacado por Samuel Araújo em relação à música popular urbana: a criação
de pontes sólidas entre as diferenças étnicas e sociais. Aluisio de Azevedo, já em
1882, como citamos no capítulo anterior, detectava esta realidade ao afirmar que “nós
nos fazemos representar no teatro pela mágica e pela opereta”
81
. Na manipulação de
elementos da “música culta”, acrescidos da gestualidade negra e da musicalidade
popular urbana, criava-se, nestes gêneros do teatro-musicado, outra gama de
significantes a princípio desprezíveis à “elite” musical republicana.
E aqui novamente recorremos ao paralelo que firmamos no capítulo anterior
entre a Mágica e a função que Michel de Certau destina aos contos e lendas
82
. A
Mágica tornando-se um espaço isolado do cotidiano através de seus elementos
cênicos que remetem ao maravilhoso, ao imaginário, inverte a formalidade das
práticas deste cotidiano e suas relações de forças, oferecendo neste espaço utópico,
mítico, a possibilidade do triunfo do oprimido.
Aliavam-se a estes elementos a possibilidade de ouvir seus próprios sons,
originados nas ruas de sua cidade; de ouvir os sons do outro, e num gesto astuto
apropriar-se dele em um novo significante; de se reconhecer sobre o palco nos seus
personagens extraídos do seu cotidiano; de ouvir suas vozes elevadas ao plano do
fantástico e retornarem revestidas dos mais diversos sentidos em suas existências
81
AZEVEDO, Aluisio. A flor-de-lis. Gazeta da Tarde. Rio de Janeiro, 3 de fevereiro de 1882. Apud.
FARIA, João Roberto. Op. Cit. p. 577-578
82
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. pp. 84-85.
257
sociais. Desta forma, a Mágica servia à população urbana como instrumento de
redimensionamento da ordem estabelecida ao impregnar com seu imaginário esta
massa que, assumindo uma posição ativa, afirma suas preferências e gostos
desorganizando e questionando a visão centralizada, homogênea e paternalista da
República Musical”.
Não é à toa que, quando em sua busca de se apropriar do particular
emoldurando-o nas estruturais harmônicas e formais das escolas nacionalistas
européias, os compositores da “República Musical” vão buscar exatamente neste
mesmo gestual negro e popular urbano, já amplamente utilizado na Mágica, o material
temático de suas obras: “reconhecem seus serviços” na construção desta ponte entre
as diversidades étnicas e sociais e percebem a “veracidade em suas alegações”
coletivas, mas insistem em engessá-lo nos seus padrões estéticos estrangeiros. Assim,
cultivavam-no na distância suficiente da estilização, na tentativa de ordená-lo para
que não perturbasse sua visão de mundo.
Acontece que este gestual acaba assumindo a própria posição de uma
identidade musical nacional, dispensando qualquer interlocução formal. Apresenta-se
puro e reconhecível a quem de direito: a população urbana que o formatou. Dispensa
desta forma tanto a moldura escolástica da “música culta” quanto a intermediação
sócio-cultural da Mágica. Impõe-se soberano nos discos de domingo, nas ondas do
rádio, e dissemina com sua força novos embates na “sociedade dos músicos”.
Em 1914, a apresentação do Corta-Jaca de Chiquinha Gonzaga em uma
recepção presidencial provocava a revolta dos que não aceitavam a elevação deste
gênero à altura de uma instituição social, como definiu Rui Barbosa. Do alto da
tribuna do Senado Federal, Barbosa protestava:
Diante do corpo diplomático, da mais fina flor da sociedade do Rio de
Janeiro, aqueles que deveriam dar ao país o exemplo das maneiras mais
distintas e dos costumes mais reservados, elevaram o corta-jaca à altura
de uma instituição social. Mas o corta-jaca de que eu ouvira falar há muito
tempo, que vem a ser ele, Sr. Presidente? A mais baixa, a mais chula, a
mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque do
cateretê e do samba. Mas nas recepções presidenciais o corta-jaca é
executado com todas as honras de música de Wagner, e não se quer que a
consciência deste país se revolte, que as nossas se enrubesçam e que a
mocidade se ria.
83
83
Apud. DINIZ, Edinha. Chiquinha Gonzaga, uma história de vida. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos
Tempos, 1999. p. 205
258
Rui Barbosa manifestava seu desprezo a uma expressão popular, seu repúdio a
presença desta no círculo do poder, e evocava o modelo primeiro da “República
Musical” como contraste de qualidade e elevação. Colocando-se entre os que seriam a
consciência deste país”, demonstrava o que José Murilo de Carvalho descreve como
a marca da modernidade republicana: a alergia ao povo.
84
Em sua visão missionária, estes reformadores da sociedade percebiam-se como
salvadores de um povo doente, analfabeto, incapaz de ação própria, bestializado, se
não definitivamente incapacitado para o progresso
85
. Para além de uma visão
reducionista do outro, este discurso se adequava à própria manutenção de um grupo
que se arvorava o direito de impor sua branca e eurocêntrica visão de mundo. Reduzir
o outro, negar seus méritos, constituía-se em mais que um preconceito, era a
demarcação de seu espaço, a defesa de uma posição de prestígio.
84
CARVALHO, José Murilo. Pontos e bordados. Op. Cit. pp. 120
85
Idem. Ibidem. p. 121
259
Conclusão
“Chego aos campos e vastos palácios da memória onde estão os
tesouros de inumeráveis imagens trazidas por percepções de toda espécie. Aí
está também escondido tudo o que pensamos, quer aumentando quer
diminuindo ou até variando de qualquer modo os objetos que os sentidos
atingiram. Enfim, jaz aí tudo o que se lhes entregou e depôs, se é que o
esquecimento ainda o não absorveu e sepultou...”
1
260
ocupar posições de prestígio nos lugares de atuação disponíveis naquele período,
afirmava o monopólio do poder de reconhecer aquele que poderia ser definido como
músico, e não se esquivava de ações que visavam delimitar o campo de atuação deste.
Nos anos seguintes a sua morte, em 1865, deflagram-se os embates em torno da
ocupação de sua posição, para a qual concorreriam, entre outros, o agora respeitado
artista Cavalier Darbilly, que retornava ao Rio de Janeiro após completar seus estudos
em Paris. Entretanto, as mudanças que marcavam a capital do Império no decênio de
1870 – como o aumento de lugares de prática musical, o crescimento e a feição cada vez
mais heterogênea da população local e o fim das subvenções do Governo aos teatros ,
tornavam tal centralização impossível, ao mesmo tempo em que ampliavam as
possibilidades de uma existência social do músico, já não necessariamente submissa às
ações do Governo.
O fim da subvenção oficial aos teatros gerava uma ampla disputa pelo público,
empreendida pelos artistas e empresários envolvidos na produção cultural do período.
Tratava-se não apenas de criar laços entres os espaços e determinados segmentos da
sociedade, como também de realizar um produto cultural que motivasse e despertasse
interesse em uma população cada vez mais movida pelo apelo da arte como
entretenimento.
Atento a este movimento, Darbilly não se furtaria a participar, como compositor,
das produções do teatro-musicado, entre elas as encenações de Mágicas, que levavam
pela primeira vez aos teatros da capital os sons e os ritmos da música popular urbana. A
identificação gerada entre o público e esse gênero do teatro musicado é possível de ser
mensurada não somente através da incrível aceitação por parte deste, como pela
extremada reação da elite intelectual, que enxergava nesta prática dramático-musical
uma ameaça aos seus projetos de uma arte culta, moralizante e sócio-educativa.
Estas críticas ficam ainda mais acirradas quando, com o advento da República, o
compositor Leopoldo Miguez é elevado à condição de líder da “sociedade dos
músicos”. Novamente este subgrupo é submetido a uma liderança centralizadora, que
tenta impor não somente um controle sobre a atuação dos músicos, como uma visão de
mundo e de prática musical embasada em princípios rígidos, que dividiam a sociedade
entre os que podiam alcançar os sentidos mais profundos da verdadeira obra de arte e os
que não podiam.
Neste sentido, a presença da música popular urbana, e principalmente de uma
forma gerada a partir de um gestual negro, o maxixe, era indubitavelmente considerada
261
uma expressão artística menor e, portanto, não digna desta nova ordem que se
estabelecia. O afastamento de Darbilly do centro desta nova ordem, o Instituto Nacional
de Música, impunha-se assim, não somente como uma ação direcionada a um indivíduo,
mas a todo significante que sua prática musical trazia.
Entretanto, esta liderança não percebia a sólida ponte que havia sido construída
pelos músicos que utilizavam o elemento popular urbano em suas composições e o
público que as consumia. Ao tentar afastar de sua vizinhança a perigosa presença do
popular, enclausurava-se em uma “torre de marfim” que a distanciava da realidade
social que a circundava.
E não demoraria a que sua produção artística viesse a ser incluída, juntamente
com a que tentava sufocar, na terrível qualificação de arte-menor, de imitação
pretensiosa, como se refeririam à produção musical do século XIX os envolvidos no
movimento modernista, na década de 1920. Villa-Lobos definiria a produção musical
erudita desse período como bonecas de biscuit, bem vestidas à maneira e costumes
estrangeiros; o popular somente podia ser admitido quando olhado à distância, filtrado
pelas lentes da estilização e moldado às conveniências das suítes nacionalistas, de
acordo com as normas estabelecidas por Mário de Andrade.
É sob a influência desta ótica que a representativa produção cultural do século
XIX – em especial a música e as manifestações do teatro-musicado –, permanece com
tanto a ser desvendado, apropriado e, sobretudo, utilizado com a propriedade devida nos
debates que envolvem questões como identidade, nação e arte brasileira. Neste sentido
esta tese, longe de ser conclusiva ou de preencher lacunas, propõe-se como um
instrumento de auxílio e motivação para a intensificação desses debates.
No processo de escrita desta tese, além de todo o aprendizado que a pesquisa
trouxe, descobrimos o quão afetivamente o assunto nos motiva. Sendo objeto de estudo,
tornou-se objeto de paixão. E é movido por esta paixão que almejamos trazer aos
vastos palácios da memória a história de um artista e de sua arte, arte de um tempo
imarcescível, que o esquecimento, por pouco, ainda não absorveu e sepultou.
263
QUESTÃO CAVALIER. Despacho do Ministro. 27 de setembro de 1897. Documento manuscrito.
Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
QUESTÃO CAVALIER. Representação de Carlos Severiano Cavalier Darbilly ao Ministro da
Justiça e Negócios Interiores da República dos Estados Unidos do Brasil. 27 de março de 1903.
Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
QUESTÃO CAVALIER. Despacho do Ministro. 2 de Abril e 9 de maio de 1903. Documento
manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
QUESTÃO CAVALIER. Informação do Diretor Alberto Nepomuceno ao Ministro da Justiça e
Negócios Interiores Sr. José Joaquim Seabra. 18 de abril de 1903. Documento manuscrito. Acervo
do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
QUESTÃO CAVALIER. Representação de Carlos Severiano Cavalier Darbilly ao Doutor
Augusto Tavares de Lyra, Ministro de Estado dos Negócios do Interior e Justiça. 19 de julho de
1908. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
QUESTÃO CAVALIER. Despacho do Ministro. 25 e 31 de agosto de 1908. Documento
manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
QUESTÃO CAVALIER. Requerimento de Carlos Severiano Cavalier Darbilly ao Ministro da
Justiça e Negócios Interiores. 6 de Setembro de 1911. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo
Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
QUESTÃO CAVALIER. Oficio de Alberto Nepomuceno ao Ministro da Justiça e Negócios
Interiores. 5 de outubro de 1911. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional.
Localização: GIFI 4H-221.
QUESTÃO CAVALIER. Requerimento do 1º Secretário da Câmara dos Deputados ao Ministro da
Justiça e Negócios Interiores. Secretaria da Câmera dos Deputados. 27 de setembro de 1911.
Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
QUESTÃO CAVALIER. Despacho do Ministro. 6 de outubro de 1911. Documento manuscrito.
Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
QUESTÃO CAVALIER. Despacho do Ministro. 11de outubro de 1911. Documento manuscrito.
Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
QUESTÃO CAVALIER. Despacho do Ministro. 27 de outubro de 1911. Documento manuscrito.
Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.
2. Documentos do Acervo Museu D. João VI
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Manuel de Araújo Porto Alegre.
Discurso proferido na abertura solene das aulas. Livro de atas (1841-1856). Ata da sessão de 2
de junho de 1855. Acervo Museu D. João VI. Notação: 6151.
264
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Projeto de estatutos do conservatório
de música: organizado para o cumprimento do art. 15 do Decreto n° 1542 de 23 de janeiro de
1855, e mandado por em execução provisoriamente pelo Aviso de 16 de Junho de 1878. Rio de
Janeiro: Typographia Nacional, 1878. 19p. Biblioteca Nacional. Divisão de Música: OR. A-II. I-24.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do diretor ao Ministro dos
Negócios do Império Carlos Leôncio de Carvalho. 25 de Fevereiro de 1878. Documento
manuscrito. Acervo Museu D. João VI. Notação 2109.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Minuta de contrato entre o diretor da academia e o
negociante Carlos Severiano Cavalier Darbilly, para fornecimento de artigos de escritório,
desenho e pintura durante o ano de 1889. Acervo Museu D. João VI. Notação nº. 2639.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofícios do Ministério dos Negócios
do Império. Documentos manuscritos. Acervo Museu D. João VI. Notação 2110, 2151, 2093, 2097.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Minuta de Oficio. Documento manuscrito. Acervo Museu
D. João VI. Notação 4122.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Oficio do secretario do Corpo
Colletivo União Operária ao Diretor do Conservatório de Música. Acervo Museu D. João VI.
Notação 3674.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Proposta assinada por Francisco
Manuel da silva, Manuel Carneiro do Conservatório de Música ao Secretário da Academia para
que se façam extensivas ao Conservatório as medidas e multas estabelecidas pela Repartição de
Instrução Pública. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2126
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Livro de Registros das Atas da Congregação da Academia de
Belas-Artes 1856-1874. Ata da Sessão de 12 de Outubro de 1859. Acervo Museu D. João VI.
Documento manuscrito. Notação: 6152.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Requerimento do secretario interino
do Conservatório de Música Dionísio Vega ao Ministro do Império. Acervo Museu D. João VI.
Documento manuscrito. Notação: 2120.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Minuta de Oficio da Academia de Belas-Artes para a comissão
de solenidade da Sociedade comemorativa da Independência. Documento manuscrito. Acervo
Museu D. João VI. Notação 431.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Oficio do diretor do Conservatório
ao Ministério dos Negócios do Império. Documento manuscrito. Acervo Museu D. João VI.
Notação 2147.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Livro de registro das Atas 1856-1874. Ata da Sessão de 20 de
março de 1857. Acervo Museu D. João VI. Documento Manuscrito. Notação 6152.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minutas de ofícios da Academia
sobre a falta de noticias do pensionista Henrique Alves Mesquita. Minuta de ofício de 5 de agosto
de 1858. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 3702.
265
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Documentos relativos ao pensionista
do Conservatório de Música, Henrique Alves de Mesquita, baseado em Paris. 10 de agosto de 1858.
Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2123.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Documentos relativos ao pensionista
do Conservatório de Música, Henrique Alves de Mesquita, baseado em Paris. 10 de novembro de
1858. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2123.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Documentos relativos ao pensionista
do Conservatório de Música, Henrique Alves de Mesquita, baseado em Paris. Extrato do ofício do
Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil em Paris de 3 de Dezembro de 1858.
Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2123.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Cópia de atestado de freqüência
escolar de Henrique Mesquita passado por François Bazin, professor do curso de Harmonia, do
Conservatório de Música de Paris. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação:
3347.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofício do Ministério dos Negócios do Império ao Diretor da
Academia de Belas-Artes. 1 de maio de 1861. Notação: 2265.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do Diretor do Conservatório
de Música ao Diretor da Academia de Belas-Artes. 5 de Junho de 1862. Notação: 2265.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofício do Ministro dos Negócios do Império Marques de Olinda
ao diretor da Academia de Belas-Artes. 28 de Junho de 1862. Notação: 2265.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofício da Secretaria de Estado dos Negócios do Império ao
diretor da Academia de Belas-Artes. 7 de Julho de 1862. Notação: 2265.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Livro de registro das Atas 1856-1874. Ata da Sessão de 13 de
novembro de 1863. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação 6152.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do diretor do Conservatório
de Música solicitando que esta obtenha do governo imperial uma condecoração para o aluno
Antonio Carlos Gomes. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2263.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do diretor do Conservatório
de Música ao Ministro do Império solicitando três meses de licença por motivos de saúde.
Acompanha esclarecimentos sobre as obras de construção do Conservatório de Música. Acervo
Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2128
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minuta de ofício do Diretor Interino
do Conservatório de Música ao Ministro do Império informando o falecimento do seu diretor
Francisco Manuel da Silva. Notação: 2127.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Relação dos alunos do Conservatório
de Música selecionados para ser premiados com a pequena medalha de ouro, de prata e menção
honrosa, segundo o Maestro Arcângelo Fiorito. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito.
Notação: 2137.
266
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício da diretoria do Conservatório
de Música ao secretário da Academia propondo a concessão de titulo de professor honorário a
Arcângelo Fiorito e Rafael Mirate por terem participado da execução musical da missa de réquiem
por ocasião das exéquias de sua Majestade o Rei das Duas Sicílias. Acervo Museu D. João VI.
Documento manuscrito. Notação 2121.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofício da 4ª seção do Ministério do Império ao diretor da
Academia aprovando a eleição do artista Arcângelo Fiorito para professor honorário da 5ª seção
da Academia. 07 de novembro de 1859. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito.
Notação: 2119.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Documento da academia aprovado em seção, propondo que se
solicite do governo imperial para o professor de Canto do Conservatório de Música e diretor dos
concertos Arcângelo Fiorito. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2246.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofício do Diretor da Academia ao Ministro do Império
propondo a efetivação dos professores Joaquim Callado e Henrique Alves Mesquita, que já estão
servindo interinamente e o concurso para todas as vagas que sobrarem no Conservatório de
Música. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2109
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Minuta de oficio do diretor da Academia ao ministro do
império, informando sobre as habilidades de Bento Fernandes das Mercês e Carlos Severiano
Cavalier Darbilly, candidatos ao lugar de mestre de Capela Imperial. Acervo Museu D. João VI.
Documento manuscrito. Notação: 2679.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofícios do Ministério do Império solicitando ao diretor da
academia a necessidade de se melhorar o serviço de música da Capela Imperial e propondo sua
reorganização. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2385.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofício da 2ª diretoria do Ministério do Império ao Diretor da
Academia declarando que não foi possível conceder a Arcângelo Fiorito uma gratificação pelas
lições de piano. Acompanha minuta de carta do secretário minuta da carta do secretario a Arcângelo
informando o fato e sua dispensa dos serviços. 10 de abril de 1877 e 16 de abril de 1877. Acervo
Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2307.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Minuta de oficio do secretario da academia a Carlos Severiano
Cavalier, comunicando sua readmissão para ensinar piano, gratuitamente, no Conservatório de
Música. 16 de abril de 1877. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 3366.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Oficio do Diretor do Conservatório
de Música Antonio Nicolau Tolentino. 27 de fevereiro de 1878. Acervo Museu D. João VI.
Documento manuscrito. Notação: 2109.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minuta de oficio do Vice-diretor da
Academia ao Ministro do Império apresentando os nomes dos professores efetivos do Conservatório
de Música para inspetor de ensino. 28 de Junho de 1879. Acervo Museu D. João VI. Documento
manuscrito. Notação: 2107.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minuta de oficio do Vice-diretor da
academia informando que o professor Arcângelo Fiorito é o mais idôneo para o cargo de inspetor
267
de ensino do Conservatório de Música. 17 de julho de 1879. Acervo Museu D. João VI. Documento
manuscrito. Notação: 2106.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Carta de Antonio José de Souza ao
Maestro Arcângelo Fiorito. 27 de julho de 1878. Acervo Museu D. João VI. Documento
manuscrito. Notação: 4640.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Carta de Arcângelo Fiorito
solicitando auxílio de professores para o concerto da solenidade de distribuição de prêmios, visto
que o Conservatório de Música não está organizado. Contém nota com a despesa da orquestra.
Acervo Museu D. João VI. Documento Manuscrito. Notação 2302.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minutas de oficio comunicando como
vencedor do concurso Darbilly para 1 cadeira de piano. Sendo já professor da 2ª aula pede a efetiva
transferência e sua nomeação conforme o Programa e Instrução e dos Estatutos. 18 de maio de 1883
a 24 de dezembro de 1884. Acervo Museu D. João VI. Documentos manuscritos. Notação: 2697.
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Oficio do diretor da academia ao
ministro do império comunicando o falecimento do professor de canto e inspetor de ensino,
Arcângelo Fiorito, e a designação interina de Carlos Darbilly para os cargos, até que sejam abertos
concursos. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2170.
3. Documentos do Acervo Biblioteca Nacional
ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Relatório do diretor da
Academia de Belas-Artes e do Conservatório de Música, Antonio Nicolau Tolentino, ao
Ministro dos Negócios do Império em 30 de abril de 1875. Biblioteca Nacional, 255.402 a.a.
SILVA, Francisco Manuel da Silva. Compendio de Princípios Elementares de Música para uso do
Conservatório do Rio de Janeiro. 4ª edição Rio de Janeiro: Narciso Arthur Napoleão. Biblioteca
Nacional. Divisão de Música: OR. A-II. T-19fa. 15p.
Estatutos da Sociedade de Música do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Emp. Typ. Dous de Dezembro
de Paula Brito Impressor da Casa Imperial, 1853. 19p. Biblioteca Nacional. Divisão de Música. OR.
A-II. L-85
Petição para criação na Corte de um Conservatório de Música. Acervo Biblioteca Nacional.
Documento manuscrito. Seção de Manuscritos, C-0774,035.
Carta de Arcângelo Fiorito ao Imperador D. Pedro II. Biblioteca Nacional. Documento
manuscrito. Seção de manuscrito: I- 35, 6, 26.
SILVA, Francisco Manuel. Discurso pronunciado por ocasião da instalação do Conservatório
de Música. Rio de Janeiro, 1848. Documento manuscrito. Biblioteca Nacional. Seção de
Manuscrito: II, 34,26,42.
268
4. Documentos da Biblioteca Alberto Nepomuceno - Setor de Documentos Históricos
INSTITUTO NACIONAL DE MÚSICA. Leopoldo Miguez. Organização dos Conservatórios
de Música na Europa. Relatório apresentado ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores por
Leopoldo Miguez, Diretor do Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, em desempenho
da comissão de que foi encarregado em aviso do mesmo Ministério de 16 de Março de 1895.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1897.
INSTITUTO NACIONAL DE MÚSICA. BARBOSA, José Rodrigues. Instituto Nacional de
Música. In: Notícia histórica dos serviços, instituições e estabelecimentos pertencentes a esta
instituição, elaborada por ordem do respectivo ministro Dr. Amaro Cavalcanti. Ministério da
Justiça e Negócios Interiores. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1898. Cap. XXIV.
INSTITUTO NACIONAL DE MÚSICA. Ata da sessão da Congregação efetuada no dia 15 de
Abril de 1903. Atas da Congregação e Conselho do Instituto Nacional de Música. Livro I, 1890-
1912. Documento manuscrito.
INSTITUTO NACIONAL DE MÚSICA. Ata da sessão da congregação efetuada no dia 25 de
novembro de 1903. Atas da Congregação e Conselho do Instituto Nacional de Música. Livro I,
1890-1912. Documento manuscrito.
5. Documentos Oficiais.
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro Antonio Pinto Chichorro da Gama.
Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral Legislativa
na Sessão Ordinária de 1834. Rio de Janeiro, Typographia Nacional. 1834.
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro Joaquim Marcellino de Brito.
Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral
Legislativa na 4ª Sessão da 6ª Legislatura. Rio de Janeiro, Typographia Nacional. 1847.
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro José Carlos Pereira de Almeida
Torres (Visconde de Macahé). Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado
a Assembléia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 7ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1848.
BRASIL. Informações dadas pela Comissão Diretora do Teatro da Corte sobre o estado do mesmo
Teatro. Documento anexo ao Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na quarta
Sessão da oitava legislatura pelo Ministro e Secretario d’ Estado Visconde de Monte Alegre. Rio de
Janeiro, Typographia Nacional, 1852.
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro Luiz Pedreira do Couto Ferraz.
Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral Legislativa
na 4ª Sessão da 9ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1856.
BRASIL. Programma da Academia de Ópera Nacional. Anexo do Relatório da Repartição dos
Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 10ª Legislatura.
Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1857.
269
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. 25 de abril de 1857. Instruções concernentes aos
alunos do Conservatório e Música que forem mandados à Europa como pensionistas, afim de se
aperfeiçoarem no estudo da música e do contraponto. Documento anexo ao Relatório apresentado à
Assembléia Geral Legislativa na Primeira Sessão da Décima Legislatura pelo Ministro e Secretário
de Estado dos Negócios do Império Luiz Pedreira do Couto Ferraz. Rio de Janeiro: Typographia
Universal de Laemmert, 1857.
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro Pedro de Araújo Lima, Marquez de Olinda.
Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 2ª
Sessão da 10ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1858.
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro Sergio Teixeira de Macedo. Relatório da
Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 3ª Sessão da
10ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1859.
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro João de Almeida Pereira Filho. Relatório
da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 4ª Sessão
da 10ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1860.
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro José Antonio Saraiva. Relatório da
Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral Legislativa na 1ª Sessão da
11ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1861.
BRASIL. Ministro Pedro de Araújo Lima, Marquez de Olinda. Relatório da Repartição dos
Negócios do Império Apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 3ª Sessão da 11ª Legislatura.
Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1863.
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música
Thomas Gomes dos Santos. Documento anexo ao Relatório apresentado a Assembléia Geral
Legislativa na terceira sessão da décima quarta legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos
Negócios do Império Dr. João Alfredo Corrêa de Oliveira. Rio de Janeiro: Typographia Nacional,
1871.
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório apresentado a Assembléia Geral na
Terceira Sessão da Décima - quarta Legislatura pelo Ministro e Secretario d’ Estado dos
Negócios do Império Dr. João Alfredo Correa de Oliveira. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1871.
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música
apresentado em março de 1872. Documento anexo ao Relatório apresentado à Assembléia Geral na
Quarta Sessão da Décima Quarta Legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do
Império Dr. João Alfredo Corrêa de Oliveira. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1872.
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música
apresentado em março de 1873. Documento anexo ao Relatório apresentado à Assembléia Geral na
Terceira Sessão da Décima Quinta Legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios
do Império Dr. João Alfredo Corrêa de Oliveira. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1874.
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música
Antonio Nicolau Tolentino. Documento anexo ao Relatório apresentado a Assembléia Geral
Legislativa na primeira sessão da décima sexta legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos
270
Negócios do Império Conselheiro Dr. José Bento da Costa e Figueiredo. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1877.
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música
Ernesto Gomes Maia. Documento anexo ao Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa
na quarta sessão da décima oitava legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do
Império Francisco Antunes Maciel. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1884.
BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música
Ernesto Gomes Maia. Documento anexo ao Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa
na quarta sessão da vigésima legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do
Império Antonio Ferreira Vianna. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889.
BRASIL. Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Relatório do Diretor do Instituto
Nacional de Música Leopoldo Miguez, relativo ao ano de 1890. Documento anexo ao Relatório
apresentado pelo Dr. João Barbalho Uchoa Cavalcanti ao Presidente da Republica dos Estados
Unidos do Brasil, em maio de 1891. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891.
BRASIL. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Relatório apresentado ao Presidente da
República dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. J. J. Seabra, Ministro de Estado da Justiça e
Negócios Interiores em Abril de 1903. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1903.
BRASIL. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Relatório apresentado ao Presidente da
República dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. J. J. Seabra, Ministro de Estado da Justiça e
Negócios Interiores em Abril de 1904. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1904.
BRASIL. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Relatório apresentado ao Presidente da
República dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. J. J. Seabra, Ministro de Estado da Justiça e
Negócios Interiores em Março de 1906. Volume II. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1906.
BRASIL. Aviso de 10 de Junho de 1833. Colleção das Decisões do Império do Brasil. 1833. Nº 307.
- Justiça. – Em 10 de Junho de 1833. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1873. p. 212-215
BRASIL. Decreto nº. 2.769 de 6 de abril de 1861. Concede à sociedade Musical de
Beneficência, estabelecida nesta Corte autorização para continuar a exercer suas funções e
aprova os respectivos Estatutos. Collecção das leis do Império do Brasil de 1861. Tomo XXIV.
Parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1861. p. 228-238.
BRASIL. Decreto nº 425 de 19 de Julho de 1845. Estabelece as regras que se devem seguir para
a censura das peças que houverem de ser representadas nos Teatros desta Corte; e faz extensivas
aos das Províncias as que lhes são aplicáveis. Collecção das Leis do Império do Brasil. Tomo
VIII. Parte II. Secção 24ª. Rio de Janeiro: Typographia Nacional. 1846.
BRASIL. Decreto n° 496 de 21 de Janeiro de 1847. Estabelece as bases segundo as quais se
deve fundar nesta Corte um Conservatório de Música, na conformidade do Decreto nº. 238 de
27 de Novembro de 184l. Collecção das Leis do Império do Brasil de 1847. Tomo X. Parte II..
Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1848.
BRASIL. Decreto 1.542 de 23 de Janeiro de 1855. Dá nova organização ao Conservatório de
Música. Collecção das leis do Império do Brasil de 1855. Tomo XVIII. Parte II. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1856.
271
BRASIL. Decreto 1603 de 14 de maio de 1855. Estatutos da Academia de Belas-Artes. Collecção
das Leis do Império do Brasil de 1855. Tomo XVIII. Parte II. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1856.
BRASIL. Aviso de 10 de Junho de 1833. Manda observar o Regulamento da Policia Interna do
Teatro. Colleção das Decisões do Governo do Império do Brasil 1833. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1873.
BRASIL. Decreto n. 8.226 de 20 de agosto de 1881. Dá estatutos ao Conservatório de Música.
Collecção das Leis do Império do Brasil de 1881. Parte II. Tomo XLIV. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1882.
BRASIL. Decisões do Governo do Império do Brasil. N. 123 - Império –Em 21 de Julho de
1829. Colleção das Decisões do Governo do Império do Brasil 1829. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional. 1877.
BRASIL. Decisões do Governo do Império do Brasil. Nº. 141- Império - em 21 de Julho de
1830. Proíbe a representação nos theatros de dramas offensivos de corporações e autoridades
publicas. Colleção das Decisões do Governo do Império do Brasil de 1830. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional. 1877.
BAHIA. Agrário de Souza Menezes. Relatório do Administrador do Teatro São João. Documentos
anexos a Fala recitada na Abertura d´Assembléa Legislativa da Bahia pelo Presidente da Província
Antonio Costa Pinto. Bahia: 1861.
BAHIA. Relatório apresentado a Assembléia Legislativa da Bahia pelo excelentíssimo senhor
Barão de S. Lourenço em 11 de abril de 1869. Bahia: Typographia de J. G. Tourinho. 1869. p.
52
BAHIA. Relatório com que o excelentíssimo senhor doutor José Bonifácio Nascentes de Azambuja,
presidente da província, abriu a Assembléia Legislativa da Bahia no dia 1. de março de 1868.
Bahia: Typ. de Tourinho & Comp., 1868
BAHIA. Documentos annexos ao relatório com que abriu a Assembléa Legislativa Provincial da
Bahia o excellentissimo senhor doutor José Nascentes de Azambuja, no dia 1.o de março de 1868.
Bahia: Typ. de Tourinho & Comp., 1868.
BAHIA. Relatorio que apresentou a Assembléa Legislativa da Bahia o excellentissimo senhor
Barão de S. Lourenço, presidente da mesma provincia, em 11 de abril de 1869. Bahia: Typ. de J. G.
Tourinho, 1869.
BAHIA. Fala recitada na abertura da Assembléia Legislativa da Bahia pelo presidente da
província, o doutor Alvaro Tiberio de Moncorvo e Lima em 14 de maio de 1856. Bahia: Typ. de
Antonio Olavo da França Guerra e Comp., 1856.
BAHIA. Fala que recitou o Presidente da Província da Bahia, o Desembargador João José de
Moura Magalhães n’abertura da Assembléia Legislativa da mesma Província em 25 de Março
de 1848. Bahia: Typographia de João Alves Portella. 1848.
272
MARANHÃO. Regulamento do Teatro. Documento anexo ao Relatório do presidente da
província do Maranhão, o doutor Eduardo Olimpio Machado, na abertura da Assembléia
Legislativa Provincial no dia 3 de maio de 1854, acompanhado do orçamento da receita e
despesa para o ano de 1855. Maranhão: Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1854.
MARANHÃO. Relatório com que o Excelentíssimo Senhor Doutor Antonio Epaminondas de Mello
passou a administração deste Província ao Excelentíssimo 1º Vice-Presidente Doutor Manoel
Jansen Ferreira no dia 5 de maio de 1868. S. Luiz do Maranhão: Typ. Imperial e Constitucional de
I. J. Ferreira, 1868.
MARANHÃO. Relatório do presidente da província do Maranhão, o doutor Eduardo Olimpio
Machado, na abertura da Assembléa Legislativa Provincial no dia 3 de maio de 1855,
accompanhado do orçamento da receita e despesa para o anno de 1856, e mais documentos.
Marannão [sic]: Typ. Const. de I.J. Ferreira, 1855.
PARÁ. Relatório que o Excelentíssimo Senhor Vice-Almirante e conselheiro de Guerra Joaquim
Raymundo de Lamare passou a administração da Província do grão-pará ao Excelentíssimo
Senhor Visconde de Arary, 1º Vice-Presidente em 6 de Agosto de 1868. Pará: Typographia do
Diário do Gram-Pará. 1868
PARÁ. Relatório com que Excelentíssimo Senhor Presidente da Província Conselheiro José
Bento da Cunha entregou a administração da Província do Grão-Pará ao Excelentíssimo
Senhor 2º Coronel Miguel Antonio Pinto Guimarães em 16 de Maio de 1869. Pará: Typographia
do Diário do Grão-Pará, 1869.
PARÁ. Cópia do contrato com João Francisco Fernandes. Relatório com que o Excelentíssimo
Senhor Presidente da Província Conselheiro José Bento da Cunha Figueiredo entregou a
administração da Província do Grão-Para ao Excelentíssimo Senhor 2º Vice-Presidente Coronel
Miguel Antonio Pinto Guimarães em 16 de Maio de 1869. Para: Typographia do Diário do Grão-
Pará, 1869.
PARÁ. Relatório com que o excelentíssimo senhor doutor Domingos José da Cunha Junior,
presidente da província, abriu a 2.a sessão da 18.a legislatura da Assembléia Legislativa
Provincial em 1.o de julho de 1873. Pará: Typ. do Diário do Grão-Pará, 1873.
PARÁ. Relatório que o Excelentíssimo Senhor Doutor Guilherme Francisco Cruz 3º Vice-
Presidente passou a administração da Província do Pará ao Excelentíssimo Senhor Doutor
Pedro Vicente de Azevedo em 17 de Janeiro de 1874. Pará: Typographia do Diário do Grão-Pará.
1874
PARÁ. Relatório apresentado pelo exm. sr. dr. Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides,
presidente da província do Pará, á Assembléia Legislativa Provincial na sua sessão solene de
instalação da 20.a legislatura, no dia 15 de fevereiro de 1876. Pará, 1876.
PARÁ. Falla com que o exm. sr. general visconde de Maracajú presidente da provincia do Pará,
pretendia abrir a sessão extraordinaria da respectiva Assembléa no dia 7 de janeiro de 1884. Pará:
Diário de Noticias, 1884. p. 123
PARÁ. Relatório que o Excelentíssimo Senhor Coronel Miguel Pinto Guimarães, segundo Vice-
Presidente da Província dirigiu a Assembléia Legislativa Provincial no dia 15 de Agosto de
273
1869, ocasião da Abertura da segunda sessão da 16ª Legislatura da mesma Assembléia. Pará:
Typographia do Diário do Grão-Pará. 1869
PERNAMBUCO. Relatório que á Assembléia Legislativa de Pernambuco, apresentou na sessão
ordinária de 1843 o excelentíssimo barão de Boa-Vista, presidente da mesma província. Recife:
Typ. de M.F. de Faria, 1843.
PERNAMBUCO. Documento anexo ao Relatório que á Assembléia Legislativa Provincial de
Pernambuco apresentou no dia da abertura da sessão ordinária de 1855 o exm. sr. conselheiro
Dr. José Bento da Cunha e Figueiredo, presidente da mesma província. Recife: Typ. de M.F. de
Faria, 1855.
PERNAMBUCO. Fala com que o Exm. Sr. dr. Lourenço Cavalcanti de Albuquerque abriu a
sessão da Assembléia Provincial de Pernambuco no dia 1 de março de 1880. Pernambuco: Typ.
de Manoel Figueiroa de Faria & Filhos, 1880.
PERNAMBUCO. Relatório que à Assembléia Legislativa Provincial de Pernambuco apresentou
por ocasião de sua abertura em 1º de março de 1860 o Excelentíssimo Senhor Doutor Luiz
Barbalho Muniz Fiúza. Pernambuco: Typographia de M. F. de Faria, 1860.
PERNAMBUCO. Relatório com o qual s. exc. o sr. senador Frederico de Almeida e Albuquerque
abriu a primeira sessão da Assembléia Legislativa Provincial no 1.o de abril de 1870. Pernambuco:
Typ. de M. Figueirôa de Faria & Filhos, 1870.
PERNAMBUCO. Relatório que o Exmo. Sr. 1º vice-presidente Manoel Clementino Carneiro da
Cunha apresentou ao Exmo. Sr. Conselheiro Dr. Francisco de Paula Silveira Lobo por occasião
de entregar-lhe em novembro de 1866, a administração da Província de Pernambuco. Pernambuco:
Tipographia de Manoel Figueiroa de Faria & Filhos, 1867.
PERNAMBUCO. Relatório com que o Sr. Desembargador José Manoel de Freitas entregou a
administração da Província ao Exm. Sr. Dr. Sancho de Barros Pimentel em 20 de setembro de
1884. Recife: Typ. De M. Figueiroa de Faria & Filhos, 1884. p. 31
PERNAMBUCO. Relatório que á Assembléia Legislativa Provincial de Pernaambuco [sic]
apresentou na sessão ordinária do 1. de março de 1852 o excelentíssimo presidente da mesma
província, o dr. Victor de Oliveira. Pernambuco: Typ. de M.F. de Faria, 1852. p. 27
PERNAMBUCO. Relatório que á Assembléa Legislativa Provincial de Pernaambuco [sic]
apresentou na sessão ordinaria do 1. de março de 1852 o excellentissimo presidente da mesma
provincia, o dr. Victor de Oliveira. Pernambuco: Typ. de M.F. de Faria, 1852
RIO GRANDE DO SUL. Fala dirigida á Assembléia Legislativa da província de S. Pedro do Rio
Grande do Sul pelo presidente, dr. João Pedro Carvalho de Moraes, em primeira sessão da 16ª
Legislatura. Porto Alegre: Typ. do Rio-Grandense, 1875.
RIO GRANDE DO SUL. Francisco José de Souza Soares de Andréa. Relatório do estado da
Província do Rio Grande de S. Pedro apresentado ao Exmo. Sr. Conselheiro José Antonio Pimenta
Bueno tendo entregado a presidência no dia 6 de março de 1850. Rio de Janeiro: Typographia
Universal Laemmert, 1850. p. 30
274
RIO GRANDE DO SUL. Relatório do Estado da Província do Rio Grande de S. Pedro
apresentado ao Exm. Sr. Conselheiro José Antonio Pimenta Bueno pelo Tenente General Francisco
José de Souza Soares de Andréa tendo entregado a presidência da província no dia 6 de Março de
1850. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert. 1850.
RIO GRANDE DO SUL. Estatutos da Sociedade do Teatro de S. Pedro. Documentos anexos ao
relatório do presidente da província de S. Pedro do Rio Grande do Sul, Angelo Moniz da Silva
Ferraz, apresentado a Assembléia Legislativa Provincial na 1.a sessão da 8.a legislatura. Porto
Alegre: Typ. do Correio do Sul, 1858.
RIO GRANDE DO SUL. Relatório com que o Conselheiro Barão de Muritiba entregou a
Presidência da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul ao Exm. Sr. Presidente e
Commandante das Armas, Conselheiro, e General Jerônimo Francisco Coelho no Dia 28 de
abril de 1856. Porto Alegre: Typographia do Mercantil, 1856.
RIO GRANDE DO SUL. Relatório com que o Desembargador Francisco de Assis Pereira
Rocha entregou a Presidência da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul ao Exm. Sr.
Vice-Presidente o Comendador Patrício Correa da Câmera no dia 18 de dezembro de 1862.
Porto Alegre: Typographia do Mercantil, 1865.
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Sul, o conselheiro José Antonio Pimenta Bueno, na abertura da Assembléia Legislativa
Provincial no. 1.o de outubro de 1850; acompanhado do orçamento da receita e despesa para o
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RIO GRANDE DO SUL. Relatório apresentado ao Exmº Sr. Vice-Presidente da Província de S.
Pedro do rio Grande do Sul Dr. Antonio Augusto Pereira da Cunha pelo Visconde da Boa-Vista
ao passar-lhe a Administração da mesma Província no dia 16 de Abril de 1866. Porto Alegre:
Typ. Do Jornal do Commercio, 1866.
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(1848 - 1888)
Correio Mercantil. (1854)
Jornal do Comércio. (1879 - 1914)
Revista Musical e de Bellas Artes. (1879)
Vida Fluminense, Folha Joco-Seria-Illustrada. (1868; 1870; 1871)
O Álbum. (1893-1895)
O Paiz. (1890 - 1914)
275
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