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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA
PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO
A ÉTICA NAS RELAÇÕES INDIVIDUAIS DE TRABALHO
CURITIBA
2007
MAURO JOSELITO BORDIN
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A ÉTICA NAS RELAÇÕES INDIVIDUAIS DE TRABALHO
Dissertação de autoria do mestrando Mauro
Joselito Bordin para obtenção do grau de Mestre,
no Programa de Mestrado de Direito, na área de
concentração em Direito Empresarial e Cidadania,
na linha de pesquisa “Atividade Empresarial e
Constituição: inclusão e sustentabilidade”, sob a
orientação do Professor Doutor Eduardo Milléo
Baracat.
CURITIBA
2007
MAURO JOSELITO BORDIN
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A ÉTICA NAS RELAÇÕES INDIVIDUAIS DE TRABALHO
Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre no curso de Mestrado de Direito, na área de concentração em Direito
Empresarial e Cidadania, do Centro Universitário Curitiba.
Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:
Presidente: ___________________________________
Professor Doutor Eduardo Milléo Baracat
___________________________________
Professora Doutora Marta Marília Tonin
______________________________________
Professor Doutor Marco Antônio César Villatore
Curitiba, 18 de dezembro de 2007.
AGRADECIMENTOS
iii
Ao Centro Universitário Curitiba, que por intermédio de seu Programa de
Mestrado, possibilitou-me descortinar novos horizontes no mundo do conhecimento,
além de permitir-me a concretização do ideal do ofício do magistério.
À Professora Doutora Gisela Maria Bester, Coordenadora do Programa de
Mestrado, profissional que valoriza a qualidade da produção científica, pelo seu
admirável espírito de compreensão, que permitiu a conclusão da presente
dissertação.
À Professora Doutora Marta Marília Tonin e ao Professor Doutor Marco
Antônio César Villatore, membros da Banca Examinadora, pelo aceite do encargo,
pelas precisas intervenções (inclusive com o empréstimo de obras) e pelas
qualificadas recomendações repassadas, quando da passagem pela Banca de Pré-
Qualificação, as quais procurei observar e introduzir na presente dissertação.
Ao meu orientador Prof. Dr. Eduardo Milléo Baracat, magistrado probo e
trabalhador, além de jurisconsulto que se destaca pela qualidade da sua produção,
pelo aceite do encargo, pelos preciosos conselhos e pela dedicação e pelo
empenho demonstrados no fiel cumprimento de seu mister de me orientar.
Ao Prof. Dr. JoAffonso Dallegrave Neto, jurista dos mais respeitáveis no
cenário nacional na sua respectiva área de atuação, a quem muito admiro,
paradigma de homem escorreito, pela extraordinária contribuição à gênese da
presente dissertação, mediante a transmissão de seus conhecimentos e pelo
constante incentivo.
Ao sócio e amigo, Hélio Gomes Coelho Júnior, advogado trabalhista
brilhante, quiçá o mais competente com quem convivi, pela solidariedade e pela
companhia nos momentos mais árduos enfrentados no longo caminho trilhado do
mestrado.
Às duas mulheres da minha vida, a amada esposa Lisiane, a quem tanto
amo e por quem sinto tanto orgulho, por sempre estar ao meu lado, seja nas
calmarias, seja nos vendavais, e a minha amada filha Fernanda, que me fez
descobrir a existência de um outro tipo de amor e por ter tornado a minha vida
maravilhosa após o seu nascimento.
iv
“O grande desfecho civilizatório, em um futuro não mais distante,
será o triunfo da moral e da ética sobre o poder e a política.”
Fernand Braudel
v
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................... VI
RESUMEN ............................................................................................................... VII
INTRODUÇÃO............................................................................................................8
1 REVISITANDO O CONCEITO DE ÉTICA..............................................................14
1.1 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E CONCEITUAIS.........................................14
1.1.1 Análise Histórica...............................................................................................14
1.1.2 A Ética Empresarial..........................................................................................27
1.1.3 Deontologia: Paradigma Emergente ................................................................35
1.1.4 Códigos de Conduta.........................................................................................38
1.2 ÉTICA E BOA-FÉ OBJETIVA..............................................................................42
1.2.1 O Microssistema Juslaboralista........................................................................43
1.2.2 Princípio da Confiança .....................................................................................48
1.2.3 Cláusula Geral da Boa-fé.................................................................................52
1.2.4 A Empresa e a Linha de Fundo Tripla..............................................................61
2 ÉTICA: REFERÊNCIA NECESSÁRIA ENTRE EMPREGADO E EMPREGADOR68
2.1 CONTRATO DE TRABALHO: RUMO A UM FIM ÉTICO....................................68
2.1.1 Contrato de Trabalho como uma Totalidade....................................................69
2.1.2 A Boa-fé objetiva como cláusula geral.............................................................76
2.1.3 Valores Constitucionais....................................................................................77
2.2 CONCORRÊNCIA DESLEAL NA RELAÇÃO DE EMPREGO ............................81
2.2.1 Concorrência Desleal.......................................................................................81
2.2.2 Concorrência Desleal do Empregado: Hipóteses.............................................91
CONCLUSÃO .........................................................................................................102
REFERÊNCIAS.......................................................................................................106
vi
RESUMO
O tema proposto versa sobre a ética e sua repercussão nas relações individuais de
trabalho. A disseminação da aplicação dos comportamentos éticos entre os homens
é uma necessidade na busca de um mundo mais justo e equilibrado. A sociedade,
por sua vez, passou a exigir que os diversos segmentos que a compõem passem a
colocar em prática a aplicação de padrões éticos, onde as empresas têm sido o
destinatário mais cobrado de referida exigência. O mundo globalizado, com a
concorrência cada vez mais acirrada, fixa uma competitividade focada nos seguintes
objetivos: baixo custo e aumento do lucro. A presente dissertação parte dessa
constatação com a intenção de demonstrar a importância da obediência aos
conceitos éticos, por parte das empresas, pois também se inclui, entre as suas
obrigações, auxiliar na melhora da sociedade de onde extrai o seu lucro. Essa
preocupação com a ética nas relações individuais de trabalho é uma via de mão-
dupla, na exata medida em que tal comportamento também é o esperado por parte
dos trabalhadores. Pelo presente estudo, busca-se apresentar possibilidades de
propostas para alterar a situação existente, por meio da efetiva adoção pelas
empresas dos códigos de conduta, além da inserção em seus organogramas da
figura do profissional com sua atuação voltada à deontologia. Por meio da adoção
de um código de conduta, a empresa fica mais exposta ao efetivo cumprimento dos
seus preceitos éticos, demonstrando a transparência necessária do seu modo de
agir aos seus stakeholders, ao mesmo tempo em que tornam mais claras as
possibilidades de proceder determinadas cobranças de seus empregados. Por que,
apesar da evolução e modernização do relacionamento havido entre o capital e o
trabalho, a ética ainda não se faz tão presente como deveria nas relações
individuais de trabalho? É possível a empresa colocar em prática os seus preceitos
éticos sem comprometer o seu lucro e, ainda, extrair vantagens de referida
situação? São estas as indagações que se pretende sejam respondidas ao término
da presente dissertação. Palavras-chave: ética empresarial, deontologista, códigos
de conduta, boa-fé, linha de fundo tripla, relações individuais de trabalho.
vii
RESUMEN
El tema propuesto trata de la ética y su repercusión en las relaciones individuales
del trabajo. La diseminación de la aplicación de los comportamientos éticos entre los
hombres es una necesidad en la búsqueda por un mundo s justo y equilibrado.
La sociedad, a su vez, empezó a exigir que los diferentes segmentos que la
componen pongan en práctica la aplicación de padrones éticos, donde las empresas
son el destinatario s cobrado sobre dicha exigencia. El mundo globalizado, con la
competencia cada vez más grande, establece una competitividad centrada en los
siguientes objetivos: bajo costo y aumento del lucro. La presente disertación parte
de esta constatación con la intención de demostrar la importancia de la obediencia a
los conceptos éticos, por parte de las empresas, ya que entre sus obligaciones
también se incluye la de auxiliar en la mejoría de la sociedad de donde proviene su
lucro. Esta preocupación con la ética en las relaciones individuales del trabajo es
una autopista de dos vías, puesto que se espera también dicho comportamiento por
parte de los trabajadores. Por este estudio se presentan posibilidades de propuestas
para cambiar la situación existente mediante la efectiva adopción, por parte de las
empresas de códigos de conducta, además de la inserción en sus organigramas de
la figura del profesional con su actuación dirigida a la deontología. Mediante la
adopción de un código de conducta la empresa queda s expuesta al
cumplimiento efectivo de sus reglas éticas, demostrando la transparencia necesaria
de su forma de actuar a sus stakeholders, al mismo tiempo en que hace más claras
las posibilidades de efectuar determinadas exigencias a sus funcionarios. ¿Por qué,
a pesar del desarrollo y de la modernización del relacionamiento habido entre el
capital y el trabajo, la ética todavía no se hace tan presente como debería en las
relaciones individuales del trabajo? Y, ¿ es posible que la empresa ponga en
práctica sus preceptos éticos sin comprometer su lucro y aún obtener ventajas de
dicha situación? Éstas son las preguntas que se pretenden responder al término de
la presente disertación. Palabras-claves: ética empresarial, deontologista, códigos
de conducta, buena-fe, línea de fondo triple, relaciones individuales del trabajo.
8
8
INTRODUÇÃO
“Ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo.
Por isso, aprendemos sempre.”
Paulo Freire
1
O tema a ser versado no presente estudo tem a ambição de fazer uma
abordagem acerca da ética e sua repercussão nas relações individuais de trabalho.
A preocupação acerca da ética e a necessidade da disseminação da
aplicação dos comportamentos éticos entre a humanidade sempre se fizeram
presentes na sociedade, na busca de um mundo mais justo e equilibrado. Assim,
desde a época da Grécia Clássica, alguns dos seus principais pensadores
direcionavam os seus estudos em direção à ética, sendo que tal pensamento
perdurou pelos tempos chegando à atualidade, quando se encontra cada mais
valorizado.
Por parte da sociedade, uma verdadeira imposição para que os diversos
segmentos que a compõem coloquem em prática a aplicação de padrões éticos. Tal
cobrança é especialmente direcionada às empresas, em face da desilusão originária
da atuação do Estado, que através dos seus três poderes, não consegue dar o
retorno mínimo esperado. A própria família, por sua vez, que seria outra fonte de
geração de tais princípios éticos, tem o seu foco de atuação diminuído, em face de
não mais se encontrar investida das condições necessárias, eis que cambaleia
diante dos ataques que sofre em sua estrutura. Da mesma forma a religião tem
deixado a desejar nesta área de atuação, quer diante do excessivo aumento da
pluralidade de novas doutrinas e templos, quer diante da distância existente entre o
dogma pregado e a prática estabelecida.
Assim, diante desse vácuo que se estabeleceu, coube às empresas
ocuparem o espaço deixado pelo Estado, pela família e pela religião, no sentido de
propagar os preceitos éticos junto à sociedade.
1
FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler. 41. ed., São Paulo: Paz e Terra, 1992, p. 69.
9
9
Partindo-se da premissa de que vivenciamos num mundo globalizado, cuja
concorrência em todos os segmentos apresenta-se cada vez mais selvagem, sendo
a competitividade responsável pela imposição dos dois comandos mais reiterados
nas gestões empresariais, a saber: baixo custo e aumento do lucro.
Nessa disputa acirrada e cruel imposta pela globalização, em que as
decisões são tomadas visando, cada vez mais, ao barateamento da mão-de-obra,
inclusive com a conseqüente diminuição dos direitos dos trabalhadores, surge uma
nova e boa expectativa: a crescente preocupação das empresas com a ética.
A partir desse quadro é que o estudo em questão pretende demonstrar a
importância da efetiva implementação pelas empresas da obediência aos conceitos
éticos, de forma a incluir em suas obrigações, além da responsabilidade social,
também a conduta ética, pois igualmente é seu ônus auxiliar na melhora da
sociedade de onde se extrai o seu lucro, e não ficar apenas no campo da adoção
virtual e direcionada exclusivamente para o efeito publicitário. A mesma mudança de
comportamento também é esperada por parte dos trabalhadores, ou seja, que estes
também passem portar-se de forma mais ética perante os seus empregadores ou
tomadores de serviços.
A difusão e aplicação dessas condutas éticas, também nas relações
individuais de trabalho, tornaram-se uma imposição da sociedade, que não mais
admite que as empresas voltem os seus objetivos exclusivamente para os lucros,
mas que também incluam entre os seus objetivos o fiel cumprimento dos seus
deveres para com os seus empregados.
Este novo paradigma de comportamento ético que se exige das empresas
resulta numa via de duplo sentido, na exata medida em que tal cobrança também é
direcionada aos trabalhadores, de quem passou a se prescrever também obrigações
voltadas ao comprometimento no efetivo cumprimento do contrato firmado, com
obediência às normas ajustadas, com ênfase naquelas dirigidas à obrigação de
fidelidade, de resguardo do sigilo profissional, do combate ao suborno e à
corrupção, da concorrência desleal, etc.
Por meio da presente dissertação, buscar-se-á também, não apenas
apresentar a importância da Ética Empresarial, mas, principalmente, trazer ao
debate as suas repercussões nas relações individuais de trabalho, com intenção
direcionada para ao final, apresentar possibilidades de propostas para alterar a
10
10
situação existente através da efetiva adoção pelas empresas dos códigos de
conduta, bem assim da inserção em seus organogramas do novel cargo
denominado deontologista, cuja função encontra-se voltada exclusivamente para
zelar pela ética da sua empregadora, com os olhos voltados tanto para a
repercussão interna (empregados, diretores e acionistas) quanto à externa (clientes,
fornecedores, prestadores de serviços, concorrentes, sociedade em geral) do
comportamento ético da empresa.
Esta pesquisa tenciona demonstrar que, se por um lado, através da adoção
de um código de conduta, a empresa fica mais exposta ao efetivo cumprimento dos
seus preceitos éticos, possibilitando aos seus empregados, clientes, fornecedores,
prestadores de serviços e a sociedade em geral demandá-la com base em referido
documento. De outro lado, é assegurado à empresa proceder a cobranças mais
efetivas de seus trabalhadores, inclusive com a adoção de sanções, com base nas
regras insertas em referidos digos, como por exemplo, o art. 482 da CLT, o qual
elenca as possibilidades da rescisão do contrato de trabalho do empregado, por
justa causa, pelo empregador.
Pretende-se fazer também incursões direcionadas aos efeitos benéficos
decorrentes da colocação em prática dos conceitos éticos pelas empresas, quer de
forma a expor os alcances extraídos diretamente pelo próprio empregado, quer do
empregador, quer do meio social.
O estudo procurará demonstrar a real necessidade das empresas aliarem a
sua preocupação com a responsabilidade social, também a sua responsabilidade
com os ditames éticos, fazendo expressa abordagem à criação do cargo do
empregado que zelará por referida ética, no caso o deontologista.
Ao seu término, pretende-se sugestionar, com fulcro no trabalho realizado,
as vantagens da efetivação da implantação dos procedimentos éticos na relação
empresa e trabalhador, de forma a responder às seguintes investigações:
Por que, apesar da evolução e modernização do relacionamento havido
entre o capital e o trabalho, a ética ainda o se faz tão presente como deveria nas
relações individuais de trabalho?
É possível a empresa colocar em prática os seus preceitos éticos, sem
comprometer o seu lucro e ainda extrair vantagens de referida situação?
11
11
Para responder a essas indagações, este estudo apresenta-enta
12
12
A seguir, no capítulo 2, o estudo volta-se à ética e à boa-fé objetiva,
quando adentra no princípio da confiança e na cláusula geral da boa-fé, culminando
com a apresentação da linha de fundo tripla.
na segunda parte do trabalho, a ética é apresentada como referência
necessária entre empregado e empregador, sendo que, no capítulo 1, é abordado o
contrato de trabalho voltado para um fim ético, cujo objetivo é transformá-lo numa
ferramenta capaz para se atingir os valores constitucionais. No capítulo 2, por sua
vez, examina-se a concorrência desleal na relação de emprego, principiando pela
conceituação sob o aspecto ético e findando com as hipóteses de tal prática por
parte do empregado.
Por meio deste percurso a ser trilhado, a dissertação buscará demonstrar a
mudança ocorrida na forma com que às empresas passaram a se relacionar com
seus clientes, seus fornecedores, com a sociedade e, em especial, com seus
trabalhadores, fazendo o uso da ética como veículo de em busca de um mundo
mais justo, bem assim da melhora da imagem do seu negócio.
Cabe ainda
13
13
As considerações finais do autor a respeito do tema enfrentado se resumem
ao epílogo do trabalho.
14
14
1 REVISITANDO O CONCEITO DE ÉTICA
Nesta primeira parte da presente dissertação, buscar-se-á revisitar o
conceito de ética, principiando com um retorno à Grécia Clássica, onde os seus
principais pensadores encetaram as primeiras abordagens acerca do tema, trazendo
o tema aa atualidade, onde sedada ênfase à ética empresarial, procurando
demonstrar como as empresas devem se reestruturar diante das exigências
impostas pela sociedade, no sentido de que incluam entre os seus objetivos,
também as preocupações com os procedimentos éticos, no âmbito econômico,
social e ambiental.
1.1 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E CONCEITUAIS
Do termo ethos à figura do deontologista, das normas de conduta e da
virtude do homem aos códigos de condutas, no presente capítulo a intenção é
apresentar uma análise histórica da ética, com ênfase à ética empresarial, o
paradigma emergente que se apresenta, no caso a deontologia e a implementação
dos códigos de condutas.
1.1.1 Análise Histórica
Ao conceituar a ética, João Mauricio Adeodato inicialmente apresenta um
estudo etimológico das palavras para em seguida apresentar a sua definição, o que
faz da seguinte maneira:
O termo ethos, ao lado de pathos e logos, designa, na Grécia clássica, uma
das dimensões ontológicas fundamentais da vida humana. Ética constitui,
além da doutrina do bom e do correto, da ‘melhor’ conduta, a teoria do
conhecimento e realização desse desiderato.
2
2
ADEODATO, João Mauricio. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 185.
15
15
O ethos é conceituado fundamentalmente como hábito e como costume,
consoante a doutrina de Henrique Cláudio Lima Vaz:
De um lado a explicitação da racionalidade imanente do ethos se constitui
como teoria da práxis individual e assume a forma de uma doutrina da
virtude (areté) ou da Ética no sentido estrito. O ethos é, então,
conceptualizado fundamentalmente como hábito (hexis). De outro, a razão
do ethos irá exprimir-se na forma de uma teoria do existir e do agir em
comum e se apresentará como doutrina da lei justa (politéia), que é, na
comunidade, o análogo da virtude do indivíduo. O ethos é, então,
conceptualizado fundamentalmente como costume.
3
Com destaque também para o binômio doutrina da lei justa e a virtude do
indivíduo, José Renato Nalini, por sua vez, conceitua ética como sendo uma ciência
ao citar Adolfo Sánchez Vázquez:
Ética é a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade.
É uma ciência, pois tem objeto próprio, leis próprias e método próprio, na
singela identificação do caráter científico de um determinado ramo do
conhecimento. O objeto da Ética é a moral.
4
A ética teve suas primeiras abordagens na Grécia Clássica, por meio do
filósofo Sócrates, que pelas ruas indagava as pessoas acerca deste assunto, entre
outros de filosofia, fazendo uso do todo da maiêutica (processo dialético
constituído de perguntas e respostas). As duas máximas do pensamento socrático
eram: “só sei que nada sei” e “conhece-te a ti mesmo”, através das quais pregava
que o homem deveria agir com humildade frente ao universo do saber e que
somente por meio do auto-conhecimento seria possível atingir o verdadeiro
conhecimento.
Referido filósofo demonstrava o interesse pela questão da ética-política,
vendo o homem como cidadão da polis, que passa a organizar-se politicamente no
sistema da democracia. Foi Sócrates quem deixou o legado para os ensinamentos
de Platão e Aristóteles, que tinham a mesma visão acerca do homem, consoante
explica José Renato Nalini:
3
LIMA VAZ, Henrique Cláudio. Ética e Direito. São Paulo: Loyola, 2002, p. 205.
16
16
Todos os três consideram o homem não como ente isolado, mas como ser
social. Ou, na expressão aristotélica clássica, o homem é o animal político
por natureza. O aperfeiçoamento não é trilha a se percorrer sozinho. O
indivíduo só se aprimorará na convivência comunitária. Assim, entre ética e
política existe correlação íntima. O homem perfeito não é unicamente o
homem bom, mas o bom cidadão.
5
Ora, por meio da aplicação do seu método da maiêutica, crates chegou à
constatação da existência de normas de conduta, cuja validade é absoluta, sendo
que sua crença no conhecimento recebe o seguinte destaque de José Renato
Nalini: “Era tal a sua na virtude do conhecimento, que o levou a um rigorosíssimo
intelectualismo ético: a moral reduz-se ao conhecimento do bem; por ignorância
se comete o mal.”
6
Sucedendo Sócrates, proveio Platão, que na condição de principal discípulo,
criou a Academia, onde deu prosseguimento ao tema, sendo que no seu idealismo
platônico pregava que “Comportar-se eticamente é agir de acordo com o logos, ou
melhor, com retidão de consciência.”
7
Foi Platão quem desenvolveu a teoria das idéias, por meio da qual os
conceitos universais são descobertos pela alma nela mesma, sendo que para o
perfeito entendimento da ética platônica José Renato Nalini faz a seguinte ressalva:
se compreenderá a ética platônica se inserta nos supostos metafísicos,
epistemológicos, políticos e psicológicos sobre que se apóia. A intenção de
Platão era conferir à teoria da conduta uma base inquebrantável. A moral
se poderia fundamentar se os objetos do conhecimento fossem
incorruptíveis e imutáveis. As idéias, por não ocuparem lugar no espaço e
no tempo, revestem esses atributos.
8
Para Platão a principal idéia é a do bem, da qual deverão emanar todas as
demais virtudes, sendo que a questão da moral recebe a importância do ponto de
vista coletivo e não individual, em face da relevância dada também à política, pois
4
NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006, p. 25.
5
Id. Ib., p. 51.
6
Id. Ib., p. 51.
7
ARRUDA, Maria Cecília Coutinho; WHITAKER, Maria do Carmo e RAMOS, José Maria Rodrigues.
Fundamentos de Ética Empresarial e Econômica. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 25.
8
NALINI, op. cit., p. 53.
17
17
na sua obra “A República”, segundo Jo Renato Nalini “Platão desenvolve o
postulado de que a vida humana alcança o seu fim último no seio da cidade. A
cidade tem por missão tornar virtuoso o homem. O convívio social deve criar as
condições para aperfeiçoamento da humanidade.”
9
para Aristóteles, que foi o herdeiro do pensamento de Platão, fundador
do Liceu e que se utilizava do método peripatético (que se ensina caminhando,
passeando), o debate relativo à ética é aprofundado, sendo a mesma apresentada
como a ciência de praticar o bem, acompanhada da seguinte crítica “não se estuda
Ética para saber o que é a virtude, mas para aprender a tornar-se virtuoso e bom; de
outra maneira, seria um estudo completamente inútil.”
10
Na reflexão de Aristóteles, a ética está vinculada a vontade da pessoa,
cabendo a cada uma a prática constante da virtude e não mediante atos isolados,
ou seja, é por meio da ação que o homem aprende a exercer o seu papel perante a
sua comunidade, pois ele é um homem político.
Ao explicar a finalidade da ética para Aristóteles, José Renato Nalini
sintetiza como sendo descobrir o bem absoluto, pois a meta definitiva é:
O bem é a plenitude da essência. O homem busca naturalmente a essência
e consegue uma felicidade imperfeita, na também falível hierarquia de bens
que estabelece para si. Só será plenamente feliz quando atingir o bem
supremo. Esse é o bem absoluto ou a verdadeira felicidade. Para alcançá-
la, há de se contemplar a verdade e aderir a ela.
11
O cultivo ao hábito da virtude é indispensável, pois segundo Aristóteles,
somente através desta constante prática o homem se tornará efetivamente um
virtuoso.
A ética se apresenta de forma marcante ainda no período do Helenismo, em
três importantes correntes, a saber: Estoicismo, Epicurismo e Ceticismo. No
Estoicismo, com Zenão de Cítio, a ética, ao lado da física e da lógica, é uma das
três partes fundamentais da filosofia. Após descrever a parábola da árvore (onde a
física seria a raiz, a lógica representaria o tronco e os frutos seriam representados
pela ética).
9
Id. Ib., p. 54.
10
ARRUDA, WHITAKER e RAMOS, op. cit., p. 43.
11
NALINI, op. cit., p. 55.
18
18
Acerca de referido tema, Danilo Marcondes ressalta a relação entre a física
e a ética do ponto de vista do Estoicismo, assim:
O homem é um microcosmo no macrocosmo, ou seja, é parte do universo,
da natureza. Para ter uma conduta ética que assegure sua felicidade, suas
ações devem estar de acordo com os princípios naturais, com a harmonia
do cosmo, que equilíbrio a todo o universo, inclusive ao homem. A boa
ação, de um ponto de vista ético, é portanto uma ão de acordo com a
natureza.
12
Já no Epicurismo, com Epicuro, a ética tinha por princípio básico a felicidade
(eudaimonia), que se atingia através da tranqüilidade ou imperturbalidade (ataraxia).
A valorização da inteligência prática e a inexistência de conflito entre razão e paixão
recebem o seguinte destaque de Danilo Marcondes:
Os epicuristas valorizavam a inteligência prática (phronesis), considerando
não haver conflito entre razão e paixão. O homem age eticamente na
medida em que vazão a seus desejos e necessidades naturais de forma
equilibrada ou moderada, e é isso que garante a ataraxia.
13
No Ceticismo, que teve em Sexto Empírico e em Pirro de Elis as suas
principais fontes de conhecimento, assim como as outras duas principais escolas do
helenismo (o estoicismo e o epicurismo), apresenta uma preocupação
primordialmente ética ou prática, cujo objetivo essencial é alcançar a ataraxia
(imperturbabilidade), atingindo desta forma a felicidade (eudaimonia).
Na Idade Média, influenciados pelo domínio dos valores religiosos, os
conceitos éticos sofrem uma mutação, de modo que os critérios do bem e do mal
ficam sujeitos à fé. Nesta visão, essencialmente religiosa, os valores passam a ser
considerados transcendentes, pois derivam de doação divina, possibilitando a
identificação do homem moral com o homem temente a Deus. Enfim, não se admitia
ser moral sem ser religioso. Nesta fase da história, o pensamento de o Tomás de
Aquino surge com enorme influência, tratando dos principais temas da filosofia e da
teologia, relançando os principais pensamentos de Aristóteles, contudo voltando os
estudos para Deus.
12
AQUINO São Tomás de, apud MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-
socráticos a Wittgenstein. 6.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 91.
13
Id. Ib., p. 92-93.
19
19
Para Fábio Konder Comparato, sob a ótica de São Tomás de Aquino, a lei é
um princípio ético, o qual não apresenta qualquer diferenciação entre moral, direito e
religião, sendo que assim descreve o seu pensamento:
O pensamento ético-teológico de São Tomás, todo impregnado de
aristotelismo, é francamente racionalista. O primeiro e inabalável postulado
do sistema é o de que o homem foi dotado pelo Criador da capacidade de
separar a verdade do erro, mediante o uso da razão.
14
Marta Marília Tonin, em um parágrafo, consegue sintetizar a influência da
religião, mais precisamente da Igreja Católica, com a ética na Idade Média, assim:
A ética, quando o homem consentiu dominar-se pela influência da religião
para os doutores do Concílio de Trento (realizado de 1545 a 1563,
convocado pelo Papa Paulo III) a não só excluía qualquer dúvida, mas o
próprio desejo de submeter a verdade à demonstração’ -, sofreu uma nova
alteração, pois os seus valores passaram a ser dados como transcendentes,
derivados de Deus, não se admitindo ser moral sem ser religioso, e assim é
administrada a expressão na Idade Média.
15
Contudo, na Idade Moderna, referido paradigma é substituído pela aceitação
do entendimento de que a moral e a religião são conceitos que podem ser
apartados. Com a tendência intelectual do Iluminismo, o pensamento é direcionado
sempre para a razão, sendo que a importância e abrangência deste novo
pensamento são retratadas com peculiar precisão por Danilo Marcondes, que após
situá-lo no tempo, como um movimento europeu da segunda metade do séc. XVIII,
assim o descreve:
Trata-se, portanto, de um movimento cultural amplo, que reflete todo um
determinado contexto político e social da época, embora adquira
características próprias em países e momentos diferentes, não consistindo
assim em uma doutrina filosófica ou teórica específica, mas sim em um
conjunto de idéias e valores compartilhados por diferentes correntes e tendo
diferentes formas de expressão nas ciências, nas letras e nas artes.
16
14
AQUINO, SãoTomás de, apud, COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no
mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 145-143.
15
TONIN, Marta Marília. Ética empresarial, cidadania e sustentabilidade. Anais do XV Encontro
Preparatório para o Congresso Nacional – CONPEDI – Conselho Nacional de Pesquisa e Direito, p. 3.
16
MARCONDES, op. cit., p. 201.
20
20
Neste novel conjunto de idéias, valores como a ética e a moral devem ser
buscados no próprio homem e não em Deus, sendo sua idéia principal, consoante
Danilo Marcondes a de “[...] que todos os homens são dotados de uma espécie de
luz natural, de uma racionalidade, uma capacidade natural de aprender, capaz de
permitir que conheçam o real e ajam livre e adequadamente para a realização de
seus fins.”
17
Com Immanuel Kant
18
, que teve em sua obra “Crítica da Razão Pura”, o seu
maior legado, que surge um novo marco na filosofia moderna, com a crítica se
opondo ao dogmatismo. Para abordar as questões éticas, Kant produziu três obras:
“Fundamentação da metafísica dos costumes”, “Crítica da razão prática” e
“Metafísica dos costumes.” Nas duas primeiras, a ética é abordada no sentido puro,
enquanto na terceira, a doutrina é voltada à aplicação dos princípios éticos.
Kant considerava o homem um agente livre e racional, não como sujeito do
conhecimento, conseqüentemente, a ética é precisamente racional e trata do uso
prático e da livre razão. Segundo Kant
19
, o comportamento ético de cada indivíduo
deve ser em conformidade com os princípios universais, que o aplicáveis a todos,
não se admitindo exceções, não se podendo exigir do próximo o que não se exige
de si próprio, enfim, apresenta uma ética racional e universal.
Ao analisar a proposta kantiana de reconstrução da unidade ética, Fábio
Konder Comparato faz menção à obra Fundamentos para uma metafísica dos
costumes, na qual Kant declara que suas reflexões éticas visavam à descoberta dos
princípios transcendentais ou puros do comportamento moral, sendo que por
meio da virtude, ou seja, a vontade moralmente boa, o homem se torna digno de ser
feliz.
20
Para Danilo Marcondes, a ética kantiana pode ser considerada como uma
ética do dever, uma ética prescritiva.
21
para Henrique Cláudio Lima Vaz os dois
conceitos fundamentais que sustentam a estrutura da Ética kantiana são a razão
prática e a liberdade.
22
17
Id. Ib., p. 202.
18
KANT, apud., COMPARATO, op.cit., p. 290.
19
KANT, apud., COMPARATO, op.cit., p. 290.
20
COMPARATO, op. cit., p. 290.
21
MARCONDES, op. cit., p. 213.
21
21
Para refutar o trabalho de Kant, um dos principais filósofos alemães, George
Wilhelm Friedrich Hegel, coloca a história no centro de seu sistema e combate o
pensamento de Kant, atacando incisivamente a divisão entre razão teórica e razão
prática, pregando a unidade da razão. Karl Marx, por sua vez, acompanha o
pensamento de Hegel, contudo, com uma ótica mais materialista, com ênfase no
trabalho e nas relações de produção.
Na Idade Contemporânea, destacam-se três modelos predominantes de
pensamentos em relação a ética, a saber: o modelo empirista (de tradição anglo-
saxônica), o modelo racionalista (de tradição francesa) e o modelo historicista (de
tradição alemã). Ao abordar estes três paradigmas éticos, Henrique Cláudio Lima
Vaz leciona que cada um deles irá privilegiar alguma das fontes que o alimentam,
quer em relação à forma, quer em relação ao conteúdo do agir humano. Assim,
segundo referido autor, enquanto o empirismo privilegia o psiquismo humano,
especialmente em sua estrutura pulsional; o racionalismo, por sua vez, volta-se
essencialmente para a natureza, onde as normas éticas deverão descobrir
correspondência ou padrões; e o historicismo tem na cultura o seu campo
privilegiado, onde o ethos é uma forma fundamental.
23
Decorrida esta epítome da evolução das reflexões sobre a ética, deparamo-
nos com Marcus Cláudio Acquaviva, que em suas considerações conceituais,
prefere realçar a similitude da ética com a moral quando afirma que: “Assim, a Ética
ou Moral não é mero estudo descritivo dos costumes de uma sociedade, mas
estabelece juízos de valor sobre o que torna bom este ou aquele proceder social.
24
na obra “Fundamentos de ética empresarial e econômica”, a ética é
assim conceituada: “[...] a Ética pode ser entendida como a ciência voltada para o
estudo filosófico da ação e conduta humana, considerada em conformidade ou não
com a reta razão.”
25
22
LIMA VAZ, op. cit., p. 73.
23
Id. Ib., p.92.
24
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Ética jurídica. São Paulo: Desafio Cultural, 2002, p. 26.
22
22
A imortal da Academia Brasileira de Letras Ana Maria Machado, ao abordar
o tema, sintetiza a ética com peculiar simplicidade, ao declarar que: “No fundo, ética
é uma coisa muito simples: não se pode fazer ao outro o que não gostaríamos que
fizessem com a gente.”
26
Partindo do termo ethos, vocábulo proveniente do grego, que significa
costumes, a ética pode ser entendida como o estudo de juízos referentes à conduta
humana, como um conjunto de princípios basilares que objetivam regular a moral, a
conduta e os costumes das pessoas.
Ao discorrer sobre a conceituação de ética, necessário se faz apresentar a
diferenciação entre referido conceito, a moral e a eqüidade, posto que embora
apresentem noções muito próximas, numa análise mais minuciosa restarão
constatadas as diferenças existentes, conforme a seguir será demonstrado.
Em que pese serem empregados na linguagem coloquial como sinônimos,
ética e moral não o são. Para Klaus M. Leisinger e Karin Schmitt a ética, vista como
ciência, tem sua atuação de forma descritiva e comparativa, além de fazer a
avaliação crítica da moral, enquanto a moral tem a característica normativa, ou seja,
é composta de determinadas normas que visam orientar a conduta humana, no
sentido de ela seja boa ou má, além de ser orientada por valores, acrescentando
que:
Com isto é expresso um valor ou desvalor; por conseguinte, a moral orienta-
se por valores. Porém, para realizara a moral não é suficiente emitir juízos
de valor a respeito de uma determinada ação. Pois o que caracteriza
essencialmente a moral é que ela pretende intervir orientando e mostrando a
direção antes que uma determinada ação seja concretizada. Devemos, pois,
acrescentar exigências pelas quais a moral adquire seu caráter normativo.
A moral, portanto, é constituída por valores e normas.
27
Joaquim Manhães Moreira, assim sintetiza a relação entre os dois conceitos:
“As teorias informadoras dos princípios éticos, são também chamadas de teorias
morais, dada a relação direta entre a ética e a moral. A nosso ver, a ética é a prática
da moral.”
28
25
ARRUDA, WHITAKER e RAMOS, op. cit., p. 41.
26
REVISTA ISTO É. São Paulo: Editora Três, n. 1818, 11/agosto/2004, p. 10.
27
LEISINGER, Klaus M.; SCHMITT, Karin. Ética Empresarial: responsabilidade global e
gerenciamento moderno. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 18.
28
MOREIRA, op. cit., p. 44.
23
23
Marcus Cláudio Acquaviva, por sua vez, afirma que, embora consideradas
sinônimas, ética e moral apresentam sutis diferenças, que não deixam margens a
qualquer confusão entre referidos conceitos, assim:
Nesse sentido, por moral se entende o conjunto de normas associadas a
idéias sobre formas lícitas e ilícitas de comportamento, conjunto esse aceito
e sancionado por uma determinada sociedade. Não se confunde, pois com
ética, que representa o estudo filosófico dos fundamentos da moral.
29
Padre Adriano Sella também comunga do pensamento de que apesar de
utilizadas como sinônimos, ética e moral são conceitos distintos, pois “Quando se
fala de práticas e de comportamentos se faz referência à moral. Com outras
palavras, a moral é a ética vivida e a ética é a vida em transparência.”
30
Prosseguindo no seu pensamento referido religioso apresenta as seguintes
explicações de Frei Betto para ambos os conceitos:
A moral vem do latim morale, relativo aos costumes, e é a expressão cultura
de nossa ética. Enquanto a ética é algo dentro da gente, a moral é algo fora,
ou seja, são aqueles princípios éticos que adquirem a força de valores e se
tornam determinantes nos modo de agir de todo um grupo ou sociedade.
31
A eqüidade, por sua vez, no dicionário apresenta-se como sendo a “1
Justiça natural. 2 Disposição para reconhecer imparcialmente o direito de cada qual.
3. Igualdade, justiça, retidão.”
32
Seus primeiros apontamentos surgiram através de
Aristóteles, na Grécia antiga, que via a eqüidade e a justiça como se fossem
praticamente a mesma coisa, com vantagem àquela, pois via o eqüitativo como
justo, por sua própria natureza, enquanto a justiça dependia da previsão de uma lei.
A eqüidade tem por finalidade suprir as omissões existentes na lei, propiciando ao
seu intérprete uma melhor orientação no ofício de aplicar a justiça.
Este verdadeiro poder da interpretação é assim ressaltado por Chaïm
Perelman:
29
ACQUAVIVA, op. cit., p. 27.
30
SELLA, Adriano. Globalização neoliberal e exclusão social: alternativas...? são possíveis! São
Paulo: Paulus, 2002, p. 105.
31
Id. Ib., p. 105.
24
24
Mas a eqüidade pode prevalecer sobre a segurança, e o desejo de evitar
conseqüências iníquas pode levar o juiz a dar nova interpretação à lei, a
modificar as condições de sua aplicação. Mesmo recusando ao juiz o direito
de legislar, é-se obrigado a deixar-lhe, em nosso sistema, o poder de
interpretação. Graças ao uso que dele fizer, o juiz poderá, em certos casos,
não se contentar com a interpretação tradicional e com a aplicação correta
da lei, em conformidade com a regra de justiça.
33
Para o referido autor a eqüidade poderia ser considerada a muleta da
justiça, na exata medida em que se constitui em um complemento indispensável da
mesma, pois “Consiste ela numa tendência a não tratar de forma por demais
desigual os seres que fazem parte de uma mesma categoria essencial.”
34
Assim, na
doutrina de Chaïm Perelman a tendência da eqüidade é:
[...] diminuir a desigualdade quando o estabelecimento de uma igualdade
perfeita, de uma justiça formal, é tornado impossível pelo fato de se levar
em conta, simultaneamente, duas ou várias características essenciais que
vêm entrar em choque em certos casos de aplicação.
35
Tem-se, portanto, que a eqüidade está fundamentada na noção de
igualdade, estando vinculada à isonomia, cujo objetivo é o de não permitir a singela
aplicação mecânica da lei.
É por meio da eqüidade que ocorrerá diminuição das diferenças de
tratamento, de forma a assegurar a igualdade de tratamento perante a lei, sendo
que “O dia em que uma lei trouxer a reavaliação obrigatória dos contratos anteriores,
a eqüidade tomará o lugar da justiça formal.”
36
Marcus Cláudio Acquaviva alerta que o aplicador da lei deve considerar
sempre o ensinamento de Aristóteles, de assegurar o tratamento igual às situações
iguais e o tratamento desigual às situações desiguais, estando o fundamento da
eqüidade, ou seja, a aplicação ideal da norma abstrata ao caso concreto.
37
32
MICHAELIS. Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos,
1998, p. 836.
33
PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 166.
34
Id. Ib., p. 36-37.
35
Id. Ib., p. 37.
36
Id. Ib., p. 40
37
ACQUAVIVA, op. cit., p. 44.
25
25
Na Exposição de Motivos do Código Civil brasileiro, na descrição da
metodologia utilizada pela comissão redatora, há expressa menção à eqüidade,
juntamente com os valores éticos e de boa-fé, da seguinte forma:
Não se compreende, nem se admite, em nossos dias, legislação que, em
virtude da insuperável natureza abstrata das regras de direito, não abra
prudente campo à ação construtiva da jurisprudência, ou deixe de prever,
em sua aplicação, valores éticos, como os de boa-fé e eqüidade.
No âmbito do Direito do Trabalho brasileiro, por sua vez, também se faz
presente a expressa previsão da aplicabilidade da eqüidade, mais precisamente no
artigo 8.º, da Consolidação das Leis do Trabalho:
Art. 8º. As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de
disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela
jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas
gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo
com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que
nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse
público.
Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do
trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios
fundamentais deste. (destacou-se)
Logo, no Direito do Trabalho brasileiro, diante da expressa previsão legal, a
eqüidade é perfeitamente aplicável, quer de forma direta, consoante o previsto no
caput do artigo 8º, retro transcrito, quer de forma subsidiária, nos moldes insertos no
parágrafo único, de referida regra.
Marcus Cláudio Acquaviva ilustra sua doutrina, com o seguinte exemplo
acerca da invocação da eqüidade por parte do Juiz diante de um caso concreto:
Se, por exemplo, o aplicador da lei tem pela frente um litígio entre uma
pessoa rica, influente, experiente nos negócios, e outra humilde,
desamparada e ignorante, hipossuficiente, portanto, deve o juiz, nos limites
impostos pela Ordem Jurídica, minimizar tal desigualdade, elevando, na
medida do possível, o inferior, de modo a equipará-lo ao favorecido social e
economicamente.
38
38
ACQUAVIVA, op. cit., p. 45.
26
26
Prosseguindo na sua lição, referido autor afirma que é a própria lei que
assegura ao Juiz esta forma de proceder, como nas hipóteses em que a mesma
favorece o consumidor, bem assim o inquilino, pois “Nestes casos o Juiz estará
decidindo com eqüidade, limitando-se a adaptar a norma genérica ao caso concreto,
sem refugir ao preceito nela contido.”
39
Para ilustrar o uso da eqüidade pela Justiça do Trabalho, a seguir
transcreve-se ementa referente a acórdão proferido pelo Tribunal Superior do
Trabalho, da lavra do Ministro Vieira de Mello Filho:
RECURSO DE REVISTA ADESÃO DO EMPREGADO AO PLANO DE
INCENTIVO À APOSENTADORIA TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL
DIREITO DO TRABALHO – PRINCÍPIO DA IRRENUNCIABILIDADE OU
DISPONIBILIDADE RELATIVA RES DÚBIA E OBJETO DETERMINADO
CONDIÇÕES ESPECÍFICAS DE VALIDADE DA TRANSAÇÃO DO ART.
477, § E § 2º, DA CLT EFEITOS ARTS. DA CLT E 51 DO CDC O
Direito do Trabalho não cogita da quitação em caráter irrevogável em
relação aos direitos do empregado, irrenunciáveis ou de disponibilidade
relativa, consoante impõe o art. consolidado, porquanto se admitir tal
hipótese importaria obstar ou impedir a aplicação das normas imperativas de
proteção ao trabalhador. Neste particularismo reside, portanto, a nota
singular do Direito do Trabalho em face do Direito Civil. A cláusula contratual
imposta pelo empregador que ofende essa singularidade não opera efeitos
jurídicos na esfera trabalhista, porque a transgressão de norma cogente
importa não apenas a incidência da sanção respectiva, mas a nulidade ipso
jure, que se faz substituir automaticamente pela norma heterônoma de
natureza imperativa, visando à tutela da parte economicamente mais
debilitada, num contexto obrigacional de desequilíbrio de forças. Em sede de
Direito do Trabalho a transação tem pressuposto de validade na assistência
sindical, do Ministério do Trabalho ou do próprio órgão jurisdicional, por
expressa determinação legal, além da necessidade de determinação das
parcelas porventura quitadas, nos exatos limites do art. 477, § e § 2º, da
Consolidação das Leis do Trabalho, sem prejuízo do elemento essencial
relativo à existência de res dúbia ou objeto determinado, que não se
configura quando a quitação é levada a efeito com conteúdo genérico e
indeterminado, pois ao tempo em que operada, nenhuma delimitação havia
quanto a supostos direitos descumpridos ou controvertidos, bem como
nenhuma determinação se especificou quanto ao objeto, se pretendia
apenas satisfazer todos os direitos e obrigações decorrentes do contrato de
trabalho. A transação ou a compensação pretendidas, em termos genéricos,
porque abusivas, e como tal consideradas nulas, afrontam as normas
citadas, que as desqualificam, máxime quando se tem em vista princípio
idêntico contido no art. 51 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor), segundo o qual são consideradas nulas de pleno direito as
cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas iníquas,
abusivas, que colocam o consumidor em desvantagem ou sejam
incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade, princípio inafastável do direito
e processo do trabalho. Recurso de revista conhecido e provido.
40
39
Id. Ib., p. 45.
40
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Relator: Ministro Vieira de Mello Filho. Brasília, DJU
02.02.2007.RR n. 6472/2004-037-12-00.9, Brasília. DF, 2 de fevereiro de 2007.
27
27
Acrescente-se aos exemplos ora citados a situação do trabalhador
hipossuficiente que demanda reclamação trabalhista contra empresa multinacional,
por meio da qual busca exclusivamente o reconhecimento da existência da relação
de emprego e o recebimento das verbas trabalhistas daí decorrentes, tal hipótese
exigirá do Juiz, quando for proferir o seu julgamento, aplicar a eqüidade, de modo a
diminuir a flagrante disparidade econômica presente entre as partes.
Na sua clássica obra Princípios de Direito do Trabalho, Américo Plá
Rodrigues, afirma que o respeito à dignidade do ser humano é para todos,
independentemente de quaisquer particularidades e complementa:
Esta distinção nos leva a afirmar que os seres humanos devem ser tratados
de uma forma igualitária, desde que se encontrem em situações
semelhantes, mas não quando se encontram em situações diferentes. É tão
injusto tratar diferentemente situações iguais como tratar igualmente duas
situações díspares.
41
De posse de tais concepções, a seguir será abordada a ética em sentido
mais focado, mais especificamente a ética empresarial.
1.1.2 A Ética Empresarial
No mundo globalizado que vivenciamos, cuja concorrência em todos os
segmentos apresenta-se cada vez mais selvagem, sendo a competitividade
responsável pela imposição dos dois comandos mais reiterados nas gestões
empresariais, a saber: baixo custo e aumento do lucro, trazemos o alerta de Milton
Santos
42
“[...] porque deixamos o mundo da competição e entramos no mundo da
competitividade. O exercício da competitividade torna exponencial a briga entre as
empresas [...].”
Na atual globalização e seu ideário neoliberal, a palavra de ordem é o lucro,
sendo que JoAffonso Dallegrave Neto descreve bem tal situação quando afirma
que:
41
PLÁ RODRIGUES, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. 3. ed. atual. São Paulo: LTr, 2000,
p. 441.
28
28
Nessa esteira de acontecimento conjugados, a mão-de-obra também se
tornou globalizada. Hoje não há qualquer restrição em se utilizar do
trabalho além-fronteira. A prioridade é a diminuição de custos sociais. Logo,
quanto mais barata a mão-de-obra, melhor. Líderes de mercado como a
Nike (calçados esportivos) ou a Martel (brinquedos, boneca Barbie) nem
produzem por sua conta. Terceirizam a produção, habilitando fornecedores
da Indonésia à Polônia, ou mesmo no México e Estados Unidos,
dependendo de onde encontrem os menores custos. Logo atrás da fronteira
do México, empresas americanas empregam quase 1 milhão de criaturas
por salários de fome em torno de 5 dólares por dia ou 50 centavos a hora de
trabalho, sem qualquer encargo social.
43
Em 1865, perante o Conselho Geral da Primeira Internacional em Londres,
Karl Marx havia feito a seguinte advertência: “A tendência geral da produção
capitalista não é de aumentar o nível médio das remunerações, mas sim de reduzi-
lo, ou achatar o valor do trabalho até seu limite mínimo.”
44
Nesta disputa imposta pela globalização, em que as decisões são tomadas
visando, cada vez mais o barateamento da mão-de-obra, inclusive com a
conseqüente diminuição dos direitos dos trabalhadores, surge uma nova e boa
expectativa, trata-se da crescente preocupação das empresas com a ética.
Aos poucos as grandes corporações estão se conscientizando de que não
contradição entre a ética e os negócios, ou seja, é perfeitamente possível
disputar o cada vez mais concorrido mercado, sem, contudo, deixar de lado os
preceitos éticos, pois:
Entre conduta moral e economia lucrativa não existe nenhuma relação de
exclusão: ‘ou uma ou outra’. Não é o lucro como tal, nem o seu valor, o que
importa para a análise ética, mas sim a maneira de obtê-lo, bem como a
justa aplicação situacional do princípio do lucro. Como critérios de qualidade
entram aqui grandezas como razão, justiça, adequação, dignidade humana
e lisura.
45
42
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal.
6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 31.
43
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Transformações do Direito do Trabalho. Curitiba: Juruá,
2000, p. 56-57.
44
MARTIN, Hans-Peter e SCHUMANN, Harald. A armadilha da globalização. 6. ed. São Paulo:
Globo, 1999, p. 16.
45
LEISINGER e SCHMITT, op. cit., p. 23.
29
29
A necessidade de se aprofundar o debate sobre a ética empresarial é
precisamente ressaltada por Marta Marília Tonin, quando, em seu artigo Ética
Empresarial, Cidadania e Sustentabilidade, apresenta a questão voltada à
possibilidade de a empresa e a ética trilharem pelo mesmo caminho, assim:
Uma discussão deste gênero se faz necessária porque a ética, como
querem alguns, não é tema apenas para reflexão dos filósofos ou de um
seleto e restrito grupo de pensadores (talvez por isso o mundo ainda se
depara com crises terríveis e absurdas, justamente porque certos temas
deixaram de ter, como pano de fundo de toda discussão, uma base
filosófica), mas, sim, representa um desafio para todos os indivíduos,
empresas e empresários. É imprescindível, nos dias atuais, ter consciência
ética, principalmente no mundo dos negócios, nos lucros que as empresas
obtêm fruto da mão-de-obra de seus empregados, do know how de seus
técnicos, enfim, da tecnologia empregada.
46
O pensamento inicial de que o lucro trata-se de um acréscimo indevido, visto
sob a ótica da moralidade, muito restou suplantado, pois consoante ensina
Joaquim Manhães Moreira:
No século XVII, Adam Smith conseguiu demonstrar, na sua A Riqueza das
Nações, que o lucro não é um acréscimo indevido, mas um vetor de
distribuição de renda e de promoção do bem-estar social. Com isso, logrou
expor pela primeira vez a compatibilidade entre ética e atividade lucrativa.
47
Com esta evolução no pensar, as empresas acordaram para o tema e se
percebe que a ética vem sendo apresentada, inclusive, como um atrativo a mais
para sacramentar a feitura de uma opção negocial, pois o acréscimo concorrencial
numa economia mundial cada vez mais globalizada faz dela um diferencial.
Para a produção de bens e serviços, segundo a economia tradicional, é
necessária a combinação de três fatores: trabalho, capital e meio ambiente. O
trabalho apresenta-se como o mais importante destes fatores, pois sem ele, não
como agir na natureza, enquanto o capital desaparece. Ademais, é a produção que
está a serviço do homem, não o contrário, sendo este um juízo ético da economia.
46
TONIN, op. cit., p. 2.
47
MOREIRA, op. cit., p. 28.
30
30
Na obra “Fundamentos de Ética Empresarial e Econômica”, o trabalho e o
capital humano são apresentados como conceitos diversos, sendo aquele a
aplicação do esforço na realização de uma tarefa, enquanto este se refere às
habilidades adquiridas. Todavia, ambos sujeitam-se às normas éticas.
48
Os conceitos de ética empresarial geralmente estão atrelados as normas,
aos padrões e aos princípios morais acerca do que é correto ou errado. De forma
mais singela, a ética empresarial “compreende princípios e padrões que orientam o
comportamento no mundo dos negócios”
49
. Harmonizando os conceitos de moral
com ética, tem-se:
Moral empresarial é o conjunto daqueles valores e normas que, dentro de
uma determinada empresa, são reconhecidos como vinculantes. A ética
empresarial reflete sobre as normas e valores efetivamente dominantes em
uma empresa, interroga-se pelos fatores qualitativos que fazem com que
determinado agir seja um agir ‘bom’.
50
Numa definição mais investigativa, Laura L. Nash conceitua a ética nos
negócios como:
O estudo da forma pela qual normas morais e pessoais se aplicam às
atividades e aos objetivos da empresa comercial. Não se trata de um padrão
moral separado, mas do estudo de como o contexto dos negócios cria seus
problemas próprios e exclusivos à pessoa moral que atua como um gerente
desse sistema.
51
Foi através da Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, que surgiram
os primeiros princípios éticos dirigidos à relação capital e trabalho, ou seja, empresa
e seus empregados, com ênfase à obediência aos direitos dos trabalhadores, bem
assim à dignidade dos mesmos.
48
ARRUDA, WHITAKER e RAMOS, op. cit., p. 156.
49
FERREL, O.C.; FRAEDRICH, John; FERREL, Linda. Ética Empresarial: dilemas, tomadas de
decisões e casos. 4. ed. Rio de Janeiro: Reichmann & Affonso, 2001, p.7.
50
LEISINGER e SCHMITT, op. cit., p. 22.
51
NASH, Laura L. Ética nas empresas: guia prático para soluções de problemas éticos nas
empresas. São Paulo: Makron Books, 2001, p. 6.
31
31
Tal documento, que representa um dos marcos na conquista dos
trabalhadores por melhores condições de trabalho, pregava diretrizes de cunho
éticos endereçadas tanto à classe trabalhadora quanto à classe empregadora,
contendo um tópico específico denominado de “obrigações dos operários e dos
patrões”, no qual pregava as seguintes recomendações:
Entre estes deveres, eis os que dizem respeito ao pobre e ao operário: deve
fornecer integral e fiel-mente todo o trabalho a que se comprometeu por
contrato livre e conforme à equidade; não deve lesar o seu patrão, nem nos
seus bens, nem na sua pessoa; as suas reivindicações devem ser isentas
de violências e nunca revestirem a forma de sedições; deve fugir dos
homens perversos que, nos seus discursos artificiosos, lhe sugerem
esperanças exageradas e lhe fazem grandes promessas, as quais
conduzem a estéreis pesares e à ruína das fortunas.
52
Especificamente neste capítulo da Encíclica, o Papa Leão XIII faz expressa
menção à condenação do trabalho escravo, manifestando uma preocupação de
ordem moral quando destaca o respeito que os patrões devem dedicar aos seus
operários:
Quanto aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo,
mas respeitar nele a dignidade do homem, realçada ainda pela do Cristão. O
trabalho do corpo, pelo testemunho comum da razão e da filosofia cristã,
longe de ser um objecto de vergonha, honra o homem, porque lhe fornece
um nobre meio de sustentar a sua vida. O que é vergonhoso e desumano é
usar dos homens como de vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão
na proporção do vigor dos seus braços. O cristianismo, além disso,
prescreve que se tenham em consideração os interesses espirituais do
operário e o bem da sua alma. Aos patrões compete velar para que a isto
seja dada plena satisfação, para que o operário não seja entregue à
sedução e às solicitações corruptoras, que nada venha enfraquecer o
espírito de família nem os hábitos de economia. Proíbe também aos patrões
que imponham aos seus subordinados um trabalho superior às suas forças
ou em desarmonia com a sua idade ou o seu sexo.
53
No arremate de referida parte da Encíclica, o seu autor cuida de transmitir
uma das principais premissas éticas da relação de trabalho, que é a de assegurar a
cada trabalhador a contraprestação pecuniária que o mesmo merece:
52
DE SANCTIS, Antonio, Frei O.F.M. Cap. Enciclicas e documentos sociais. São
Paulo: LTr, 1972, p. 22-23.
53
DE SANCTIS, op. cit., p. 23.
32
32
Mas, entre os deveres principais do patrão, é necessário colocar, em
primeiro lugar, o de dar a cada um o salário que convém. Certamente, para
fixar a justa medida do salário, numerosos pontos de vis-ta a considerar.
Duma maneira geral, recordem-se o rico e o patrão de que explorar a
pobreza e a miséria e especular com a indigência, são coisas igualmente
reprovadas pelas leis divinas e humanas; que comete-ria um crime de
clamar vingança ao céu quem defraudasse a qualquer no preço dos seus
labores: «Eis que o salário, que tendes extorquido por fraude aos vossos
operários, clama contra vós: e o seu clamor subiu até aos ouvidos do Deus
dos Exércitos»(6). Enfim, os ricos devem precaver-se religiosamente de
todo o acto violento, toda a fraude, toda a manobra usurária que seja de
natureza a atentar contra a economia do pobre, e isto mais ainda, porque
este é menos apto para defender-se, e porque os seus haveres, por serem
de mínima importância, revestem um carácter mais sagrado. A obediência a
estas leis pergunta-mos Nós não bastaria, de per si, para fazer
cessar todo o antagonismo e suprimir-lhe as causas?
54
As primeiras notícias com referência à ética empresarial surgiram no
Continente Europeu, mais precisamente na Alemanha, na década de 60, quando
ocorreram as primeiras tentativas de conceder ao trabalhador a possibilidade de
participar dos conselhos de administração das organizações.
A Organização das Nações Unidas, em 1972, em Estocolmo, na Suécia,
realizou a Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente, evento este que
chamou a atenção do mundo para a importância de se proteger e preservar o
planeta. O alerta foi dirigido a todos os grupos sociais, inclusive às empresas, sendo
33
33
A partir da década de 1970 começa a estar na moda, tanto nos Estados
Unidos como gradativamente na Europa, a chamada “ética dos negócios”
(“business ethics”), que recebe também outros nomes como “ética
empresarial”, ética da gestão”, ética da organização” ou “ética da direção”,
todos eles justificados – como veremos – sob diferentes perspectivas.
56
O Brasil, por sua vez, não ficou atrás, pródigo em legislação que o é, editou
várias normas em tal direção, procurando regulamentar através de textos legais a
ética empresarial. Para tanto criou a lei que proibia o abuso do poder econômico e
das práticas anticoncorrenciais, além de regras específicas no âmbito da proteção
ao trabalho, ao meio ambiente e ao consumidor.
Assim, as grandes corporações passaram a harmonizar seus procedimentos
pautados nas condutas éticas levando-
34
34
c) lucro sólido atuando com ética, respeitando os direitos de terceiros, o
lucro produzido pela empresa não fica à mercê de eventual condição
futura, como por exemplo uma condenação judicial decorrente de
procedimento ilícito; e
d) estreitamento das relações - adotando condutas éticas como
norteadoras do seu modo de operar, a empresa não apenas facilita os
seus relacionamentos com os clientes, fornecedores e demais parceiros,
como fortalece tais convívios, em razão do respeito que adquire.
Assim, os empresários descobriram, conforme discrimina José Pio Martins,
que: “não poluir o meio ambiente, não depredar a natureza, zelar pelo bem-estar
dos empregados, fazer produtos saudáveis, não mentir para o cliente e contribuir
para reduzir com os flagelos sociais são práticas que dão lucro.”
57
Para obter tais lucros, ficamos na expectativa de que, cada vez mais, as
empresas incluam no seu elenco de obrigações inerentes a sua responsabilidade
social, a conduta ética, pois, também, é de sua responsabilidade auxiliar na melhora
da sociedade de onde se extrai o seu lucro.
Para atingir tal objetivo, na nossa ótica, uma empresa para ser ética tem que
proceder em perfeita harmonia com os princípios constitucionais da liberdade, da
justiça e do solidarismo, que se apresentam dispostos na Constituição Brasileira no
art. 3.º, I (que elenca entre os objetivos fundamentais da República o de construir
uma sociedade livre, justa e solidária), bem assim no art. 1.º, III (que insere entre os
seus fundamentos o da dignidade da pessoa humana) e no art. 170, caput (ordem
econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social).
57
JORNAL GAZETA DO POVO. Curitiba. Paraná. Brasil, 2 de setembro de 2004, p. 10.
35
35
1.1.3 Deontologia: Paradigma Emergente
A preocupação e atenção que se têm dado a ética nas empresas, vem
ocasionando o surgimento nas estruturas funcionais e organogramas das grandes
corporações de um novel cargo, cuja função encontra-se voltada, exclusivamente,
para zelar pela ética da sua empregadora.
Este recente cargo que se apresenta é denominado de “deontologista.”
A deontologia é definida segundo o dicionário Michaelis como “parte da
Filosofia que trata dos princípios, fundamentos e sistemas de moral; estudo dos
deveres”, enquanto deontologista, por sua vez, na mesma obra e página, é descrito
como “especialista em deontologia, filósofo que advoga uma teoria deontológica de
ética.”
58
Ao abordar a deontologia, Marcus Cláudio Acquaviva cita o criador de
referida expressão:
Quanto à Deontologia, do grego deontos, dever, e logos, estudo, é
expressão criada pelo filósofo inglês Jeremias Bentham (1748-1832), que,
em sua obra Deonthologie or Science of Morality, a designa como a ciência
dos deveres do homem em geral, cidadão ou profissional.
59
Numa leitura mais pragmática, o deontologista nada mais é do que aquele
executivo encarregado de estimular a ética protegendo a empresa.
Se na ontologia o estudo é voltado para o ser, na gnosologia o foco está
direcionado para o como ser, enquanto na deontologia, por sua vez, o ponto para
onde converge o exame é o dever ser.
Diante da necessidade de se ouvir os reclamos dos clientes e
consumidores, surgiu a figura do ouvidor, ou ainda do próprio ombudsman, cuja
tarefa era de identificar e criticar as falhas da própria empresa. O paradigma
emergente que se apresenta é o do deontologista.
58
MICHAELIS, op. cit., p. 655.
36
36
Nesse caso, o deontologista vem a ser o profissional incumbido de ser o
protetor da ética da empresa, cuja tarefa é desenvolvida através da criação de
códigos de conduta e da implementação de regulamentos internos para os
empregados, cujas bases espelham os fundamentos éticos traçados pela
companhia.
Ao delinear seus comentários acerca da importância da implementação de
tal função na estrutura das empresas, Maria Cecília Coutinho Arruda ressalta as
qualidades exigidas do executivo de referido cargo e seu principal objetivo, assim:
O profissional deve estar alinhado com as políticas da empresa missão,
visão, valores – e ter capacidade de conquistar a confiança dos membros do
comitê e dos demais funcionários. Sua principal tarefa é manter vivo e
atualizado o código de ética e promover os meios necessários para a
formação contínua de todos os funcionários da empresa neste campo
específico.
60
A importância que se tem dado a este profissional de ética é de tal monta
que na maioria das empresas ele está vinculado diretamente à Diretoria, estando
investido de poderes e independência necessários a lhe possibilitar atingir os
resultados que a sua missão se propõe.
O executivo em questão deve ter os seus olhos voltados para todos os
lados, sendo que o seu campo de atuação está dirigido a espelhar os princípios
éticos da empresa para os seus stakeholders, ou seja, os seus mais diversos
públicos, que de alguma forma influenciam o desempenho da empresa, começando
pelos consumidores, os clientes, os fornecedores, os distribuidores, passando pelos
seus próprios empregados, os seus proprietários e os seus acionistas, até chegar
aos concorrentes, à comunidade em geral e ao governo.
Os interesses dos stakeholders, tem sua legitimidade e diversidade assim
postas por Klaus Leisinger e Karin Schmitt:
59
ACQUAVIVA, op. cit., p. 27.
60
ARRUDA, WHITAKER e RAMOS, op. cit., p. 68.
37
37
Todos os stakeholders possuem interesses legítimos, mas diversamente
estruturados nas atividades de uma empresa e – embora em medidas
diferentes têm direito a que seus interesses sejam levados em
consideração. O espectro de seus interesses começa com a política de
pessoal, passa pela política de produtos e de marketing, e chega a um
comportamento eticamente responsável nas aquisições, fusões e
fechamentos de fábricas. Da mesma maneira como estes são atingidos pela
empresa, a empresa também é atingida por eles.
61
A tarefa do exercente de tal função tem repercussão interna e externa na
vida da empresa, pois segundo Herbert Lowe Strukart:
A ética e os negócios não são contraditórios, mas costumam ficar distantes.
A ética geralmente é deixada aos cuidados da consciência de cada gerente.
As decisões empresariais podem provocar efeitos nos acionistas, gerentes,
gestores e empregados quanto à parte interna; e nos clientes, fornecedores,
autoridades, bancos, concorrentes e mídia quanto à parte externa.
62
Para dimensionar o valor que se tem dado ao profissional responsável pela
ética da empresa, na França, a partir de 1997, o regulamento do Conselho dos
Mercados Financeiro (CMF), que vem a ser a entidade controladora das atividades
financeira em referido país, impõe a obrigatoriedade de cada empresa do setor ter
em seu quadro um deontologista. Tal exigência também se faz presente na
Inglaterra
63
.
Portanto, no momento em que a ética está tão valorizada, chegando ao
ponto de ser apresentada como um atrativo para sacramentar a feitura de uma
opção negocial, a figura deste novo paradigma profissional veio, não apenas para se
fixar nas estruturas empresariais, mas também multiplicar-se cada vez mais, até
chegar ao ponto de deixar de ser um nome tão estrambótico e passar a fazer parte
do cotidiano, pois a deontologia está se impondo cada vez mais como um dos
alicerces da gestão empresarial.
61
LEISINGER e SCHMITT, op. cit., p. 108.
62
STRUKART, Herbert Lowe. Ética e corrupção. São Paulo: Nobel, 2003, p. 67.
63
REVISTA EXAME. São Paulo: Abril, ano 36. n. 9, maio/2002, p. 16-17.
38
38
1.1.4 Códigos de Conduta
Com o crescimento das grandes empresas transacionais, ocorreu uma
difusão de filiais pelo mundo, sendo que, uma vez instalada em um novo país,
referidas corporações passaram a enfrentar os naturais conflitos decorrentes das
diversas culturas, o que os levou a pautar suas condutas éticas, desde a matriz até
a mais longínqua filial, em razão da constante vigilância e as incessantes cobranças
feitas pela opinião blica, organizações não governamentais, consumidores,
sindicatos, etc.
Adela Cortina defende que a ética das organizações é indispensável à
reconstrução da sociedade:
A empresa é uma organização, e acontece que, como comentamos, as
organizações constituem o núcleo básico a partir do qual se organizam as
sociedades nos países pós-capitalistas. O segredo de tais sociedades não
é tanto a família ou o Estado-Nação, mas as organizações. Uma ética das
organizações é, por isso, indispensável para reconstruir o tecido de uma
sociedade, para remoralizá-la, no sentido que fomos expondo ao longo do
livro.
64
Surgem os códigos de conduta, cuja conceituação Luciane Cardoso divide
em três fases, a primeira da seguinte forma:
[...] declarações de empresas que tornam expressos os compromissos da
empresa com a
39
39
Por derradeiro, na terceira fase, sustenta que os códigos de conduta:
São instrumentos de gestão das grandes empresas e um modo de a
empresa apresentar-se aos consumidores e aos Estados nacionais como
entes responsáveis capazes de realizar escolhas éticas e não somente
economicamente vantajosas.
67
Prosseguindo no tema Luciane Cardoso acrescenta que o código de
conduta é um documento que a empresa adota como diretriz a ser observada pelo
seu quadro funcional, sendo uma declaração de valores e práticas corporativas.
68
O objetivo do código de ética, segundo Joaquim Manhães Moreira, é a
padronização e a formalização do entendimento da empresa em seus mais variados
relacionamentos e operações, sendo que:
A existência do Código de Ética evita que os julgamentos subjetivos
deturpem, impeçam ou restrinjam a aplicação plena dos princípios. Além
disso, o Código de Ética, quando adotado, implantado de forma correta e
regularmente obedecido, pode constituir uma prova legal da determinação
da administração da empresa, de seguir os preceitos nele refletidos.
69
Os códigos de ética nada mais o do que “declarações formais do que a
empresa espera em matéria de conduta informam aos empregados que tipos de
comportamento são aceitáveis ou impróprios”
70
. Para se obter uma melhor resposta
na implementação de um código de ética, referido documento deve zelar pela
especificidade, através do estabelecimento de padrões de condutas éticas que
coíbam a má conduta. Códigos de ética genéricos, em regra não surtem o efeito
desejado.
Apesar de exigir a qualidade de ser específico, o código de ética não
pode, como deve abranger as mais variadas situações, de forma que, uma vez se
caracterizando a hipótese prevista, não fique no campo da subjetividade, ou seja,
todos têm ciência das conseqüências. Para o êxito do código de conduta é
fundamental dar publicidade ao mesmo, ou seja, fazer com que todo empregado
que a ele esteja sujeito tenha plena ciência do seu teor, inclusive das punições,
quando do cometimento de alguma violação às normas nele inseridas.
67
Id. Ib., p. 917.
68
Id. Ib., p. 921.
69
MOREIRA, op. cit., p. 33-34.
40
40
Os códigos de conduta ética não devem ficar restritos à relação empresa e
empregado, devendo estender-se também na vinculação da empresa e seus
stakeholders, que o todos os públicos com que a mesma se relaciona
(proprietários, empregados, acionistas, clientes, distribuidores, fornecedores,
concorrentes, poderes públicos e a comunidade em que atua).
A necessidade de que a ética seja uma via de mão dupla, ou seja, voltada
tanto às relações externas quanto às internas da empresa é assim defendida por
Adela Cortina:
Segundo outros autores, como é o caso de Gélinier, a ética dos negócios é
a que diz respeito às relações externas das empresas ou dos profissionais
independentes com seus clientes, fornecedores, com o poder público, etc., e
às relações internas entre pessoas na empresa, incluindo-se os dirigentes.
Trata-se de destacar nela os valores positivos que permitam jogos de não
somar zero frente à idéia dos jogos de somar zero, ou seja, trata-se de
escolher entre um modelo de cooperação ou de conflito.71
Prosseguindo no seu pensamento, no mesmo parágrafo, Adela Cortina, ao
ressaltar a importância dos códigos de conduta, menciona, também, que os
mesmos não devem se limitar apenas às empresas privadas, mas também perante
outros seguimentos e instituições assim:
Na minha forma de ver, aqui entram plenamente os chamados códigos de
conduta, que atualmente estão tendo um auge espetacular, não apenas nas
empresas, mas também em vários tipos de instituições e atividades, como é
o caso de Hospitais, da Administração Pública, ou da Imprensa, entre outros
tantos.
72
70
FERREL, FRAEDRICH e FERREL, op. cit., p.163.
71
Según otros autores, com es el caso de Gélinier, la ética de los negocios es la que concierne a las
relaciones externas de las empresas o de los profesionales independientes con sus clientes,
proveedores, con los poderes públicos, etc., y a las relaciones internas entre personas en la empresa,
incluyendo a los dirigentes. Se trata en ella de destacar los valores positivos que permitem juegos de
no suma cero frente a la idea del juego de suma cero, es decir, se trata en ella de optar por um
modelo de cooperación frente a un modelo de conflicto. (CORTINA, op. cit., p. 87)
72
A mi modo de ver, aquí entran con pleno sentido los llamados códigos de conducta, que hoy están
cobrando un auge espectacular, no sólo en las empresas, sino en otros tipos de instituciones y
actividades, como es el caso de Hospitales, el de la Administración Pública, o el de la Prensa, entre
muchos otros. (Id., Ib., p. 87.)
41
41
Contudo, para efeitos jurídicos, as regras inseridas em referido código de
conduta somente têm o condão de gerarem direitos e obrigações entre a empresa e
os seus empregados, possuindo igual natureza jurídica do regulamento empresarial.
Apesar da similitude existente no que tange a natureza jurídica, o digo de
conduta diferencia-se do regulamento da empresa na medida em que, enquanto
aquele é um documento adotado pela empresa que visa definir os principais valores
éticos relativos às condutas dela exigidas e dos seus empregados, este tem por
objetivo sistematizar as regras do empregador no âmbito técnico e/ou disciplinar, ou
seja, é um documento mais focado no ponto de vista organizacional.
O código de conduta, portanto tem uma conotação mais de declaração de
princípios éticos da empresa, cujo objetivo é o aprimoramento dos relacionamentos
internos (empregados) e externos (stakeholders). o regulamento da empresa é
voltado mais para o âmbito do relacionamento interno, através da edição de regras
específicas direcionadas à organização do trabalho e a disciplina dos empregados.
Ao discorrer sobre o poder regulamentar do empregador, Emílio Gonçalves
denomina regulamento de empresa como sendo o “conjunto sistemático das normas
sobre as condições especiais de trabalho na empresa e sobre a disciplina das
relações entre o empregador e seus empregados.”
73
A principal finalidade do regulamento da empresa é regular a organização
do trabalho em conformidade com as particularidades de cada empresa, consoante
sintetiza Emilio Gonçalves.
74
As regras e cláusulas insertas tanto no código de conduta quanto no
regulamento da empresa inserem-se no contrato de trabalho, na medida em que
fixam procedimentos e condições de trabalho de modo a disciplinar as relações
entre o empregador e o empregado. Portanto, necessário se faz que referidos
documentos estejam revestidos da publicidade necessária de forma a garantir aos
empregados a devida ciência da existência dos mesmos, bem assim do seu inteiro
teor.
Ao assegurar a publicidade do seu código de conduta, bem assim do seu
regulamento, a empresa age com correção, em que pese ficar exposta aos
73
GONÇALVES, Emilio. O poder regulamentar do empregador: o regulamento do pessoal na
empresa. 2.ed. São Paulo: LTr, 1997, p. 39.
74
Id. Ib., p. 39.
42
42
possíveis questionamentos acerca do eventual descumprimento de alguma das
condições reguladas.
Mas apesar de referido risco, as empresas cada vez mais constatam a
necessidade de se registrar a sua preocupação com a conduta ética nos seus
negócios, pois para Julio Lobos “Um código de ética não passa de um pedaço de
papel, é verdade. Mas reforça os comportamentos certos ao sinalizar a todos os
stakeholders os padrões dentro dos quais os negócios devem ser conduzidos.”
75
Em conseqüência dos inúmeros escândalos financeiros que recentemente
abalaram o mercado mundial (vide o caso Enron, nos Estados Unidos), as grandes
corporações passaram a dedicar mais atenção na elaboração dos seus códigos de
conduta, cuidando não apenas de disseminar as suas normas éticas, mas
principalmente as penas por suas infrações, além de oferecer um maior
investimento no controle ético, pois constataram que é mais barato prevenir do que
remediar.
O destaque concedido à deontologia é de tal monta, que nos organogramas
das empresas já aparece figura do profissional deontologista.
Assim, a deontologia ganha uma importância cada vez mais forte e
estratégica junto às grandes empresas, tornando-se essencial ao êxito do grupo, na
medida em que, além de fazer o controle interno, transmite, externamente, ares de
justificativa aos lucros conquistados.
1.2 ÉTICA E BOA-FÉ OBJETIVA
A ética e a boa-fé objetiva são abordadas no presente capítulo, através do
estudo acerca do princípio da confiança e da cláusula geral da boa-fé, pois segundo
a precisa doutrina de Eduardo Milléo Baracat “A boa-fé tem inegável conteúdo ético,
além de somente ser possível sua aplicação no caso concreto.”
76
75
LOBOS, Julio. Ética & Negócios. São Paulo: Instituto da Qualidade, 2003, p. 65.
76
BARACAT, Eduardo Milléo. A boa-fé no direito individual do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p.
39.
43
43
A necessidade de as empresas inserirem em seus objetivos, além dos
lucros, a preocupação com o desempenho econômico, ambiental e social, trinômio
de responsabilidade este, que é denominado de “linha de fundo tripla”, merecerá o
devido destaque, através de tópico próprio, qual seja, “A empresa e a Linda de
Fundo Tripla.”
1.2.1 O Microssistema Juslaboralista
A fonte subsidiária do sistema trabalhista é o Código Civil de 1916, cujo
modelo é classificado como fechado Eduardo Milléo Baracat que assim o descreve:
O Código Civil oitocentista, portanto, tem a finalidade de fornecer um
sistema completo, pleno, total e harmônico e auto-referente de leis civis. É
fechado, porque não permite que o intérprete busque fora daquele conjunto
de normas válidas (ordenamento jurídico) constante no Código Civil outras
regras e valores para solução das controvérsias. O sistema do Código Civil
não possibilita contato com o mundo externo, sendo, por isso, fechado.77
Neste modelo de fonte O âmbito jurídico dentro do qual se desenvolvem as
decisões dos indivíduos deve ser tanto mais seguro quanto mais estável e rígido, ou
seja, previsível.
78
, consoante ensina Eduardo Milléo Baracat, pois ao Direito Civil
cabia assegurar ao indivíduo a segurança na aplicabilidade das regras existentes.
Natalino Irti afirma que O sentido da segurança nasce das estruturas
profundas da sociedade
79
, para logo em seguida destacar a importância do
indivíduo assim:
O valor originário e fundamental está constituído pelo indivíduo, por sua
capacidade para desenvolver-se sobre as coisas externas, para correr o
risco do êxito ou do fracasso e assim integrar-se na valorosa continuidade
das gerações. Em torno do indivíduo, fonte de iniciativas e centro de
responsabilidade, se edificam todas as relações sociais.
80
77
Id. Ib., p. 58.
78
Id. Ib., p. 58.
79
El sentido de la seguridad nace de las estructuras profundas de la sociedad.
IRTI, Natalino. La edad de la descodificación. Barcelona: Jose Maria Bosch Editor, 1992, p.17.
80
E valor originário y fundamental está constituído por el individuo, por su capacidad para
desarrollarse sobre lãs cosas externas, para correr el riesgo del éxito o del fracaso, y así intergrarse el
la laboriosa continuidad de las generaciones. En torno al individuo, fuente de iniciativas y centro de
responsabilidad, se edifican todas las relaciones sociales.
44
44
Esta segurança jurídica era garantida através das codificações, pois o direito
se limitava a leis editadas pelo Estado, que se concentravam nas estruturas fixas e
permanentes dos códigos, sendo que este paradigma entrou em declínio, em
conseqüência das condições desfavoráveis decorrentes da Primeira Grande Guerra
mundial, que impuseram ao Estado uma intervenção de forma mais incisiva na
economia, mediante a criação de uma legislação mais densa e especializada, como
a Consolidação das Leis do Trabalho, conforme enfatiza Eduardo Milléo Baracat
81
.
Surge assim uma nova era jurídica, denominada na doutrina de
descodificação.
Pietro Perlingieri ressalta que as controvérsias estabelecidas nas lides
deverão ser solucionadas à luz do ordenamento jurídico como um todo,
especialmente de seus princípios fundamentais e não mais exclusivamente com
base no texto da lei aplicável.
82
Mais adiante, referido autor prega a descodificação
do Código Civil em favor de uma fragmentação em diversos microordenamentos e
microssistemas, de modo a orientar o intérprete na busca dos princípios insertos na
legislação denominada especial, pois segundo sua doutrina:
O respeito aos valores e aos princípios fundamentais da República
representa a passagem essencial para estabelecer uma correta e rigorosa
relação entre poder do Estado e poder dos grupos, entre maioria e minoria,
entre poder econômico e os direitos dos marginalizados, dos mais
desfavorecidos.
83
Neste novo modelo, o Direito Civil volta a sua preocupação principal não
mais para o indivíduo, mas sim às atividades por ele desenvolvidas e suas
conseqüências e impactos sociais.
Ocorreu, portanto, uma inversão de papéis, pois o direito comum através
das leis insertas no Código Civil brasileiro passou a ser a fonte subsidiária da
Consolidação das Leis do Trabalho, em face da norma inserta no art.
consolidado.
Na nova proposta, as Constituições assumem fundamental importância ao
ditar os princípios que nortearão a legislação ordinária.
81
Id. Ib., p. 58.
82
PERLINGIERI, P. op. cit., p.5.
45
45
Ao discorrer sobre a realidade social e o ordenamento jurídico, Pietro
Perlingieri, ao abordar especificamente a Constituição, ressalta a supremacia das
normas nela expressas e salienta a prioridade hierárquica ao defender que:
Daí a obrigação não mais livre escolha imposta aos juristas de levar em
consideração a prioridade hierárquica das normas constitucionais, sempre
que se deva resolver um problema concreto.
84
Os códigos deixaram de ter a posição central que até então detinham, pois
as Constituições, através do papel pacificador do sistema, passaram a ocupar novos
espaços através dos princípios nelas insculpidos, conforme leciona Pietro
Perlingieri.
85
No Brasil, referida realidade surge com a Constituição Federal de 1988, que
através dos seus princípios e valores, bem assim a sua opção social, permite ao
intérprete a aplicação de normas contidas em microssistemas que até então se
mantinham enclausurados.
Ao tecer sua análise acerca da descodificação Pietro Perlingieri faz preciso
aclaramento em relação a o ocorrência do risco da quebra da unidade do
ordenamento jurídico:
Falar de descodificação relativamente ao Código vigente não implica
absolutamente a perda do fundamento unitário do ordenamento, de modo a
propor a sua fragmentação em diversos microordenamentos e em diversos
microssistemas, com ausência de um desenho global. Desenho que, se não
aparece no plano legislativo, deve ser identificado no constante e tenaz
trabalho do intérprete, orientado a detectar os princípios constantes na
legislação chamada especial, reconduzindo-os à unidade, mesmo do ponto
de vista de sua legitimidade.
86
Portanto, no ordenamento jurídico Brasileiro, foi somente através da
vigência da Constituição Federal de 1988 que foi criado espaço à interpretação e
aplicação das cláusulas abertas.
83
Id. Ib., p.6.
84
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil; tradução de: Maria Cristina de Cicco. 1. ed., ver. e
ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 4-5.
85
Id, Ib., p. 6.
86
Id, Ib., p. 6.
46
46
José Affonso Dallegrave Neto faz expressa menção ao solidarismo
constitucional ao abordar com precisão este novo modelo:
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, adveio um novo
paradigma para as relações contratuais, consentâneo com os valores nela
plasmados, em específico o da função social dos contratos, da dignidade da
pessoa humana e da igualdade material. A par do chamado solidarismo
constitucional, revigorou-se a cláusula geral da boa-fé objetiva, a qual
chegou ao seu ápice com a edição do Código de Defesa do Consumidor em
seu art.51, IV.
87
O ordenamento deve possuir dispositivos que permitam a amplitude, a
generalidade e a elasticidade na aplicação das normas de forma que, inclusive
naquelas situações em que não se tenha uma regra específica a ser seguida, ainda
assim permita ao intérprete a busca de outros valores que o permitam auxiliar na
decisão a ser proferida.
Esta necessidade de que as regras sejam revestidas de mais amplitude e
elasticidade é assim enfatizada por Miguel Reale:
[...] capaz de atender, em maior ou menor grau, às variações fático-
axiológicas, de modo que a norma jurídica pode sofrer profundas alterações
semânticas, não obstante a inalterabilidade formal de seu enunciado, ou a
permanência intocável de sua roupagem verbal.
88
Nesta busca por regras mais generalizadas, Judith Martins-Costa apresenta
as cláusulas gerais, que no seu entender admitem uma imensa variedade de
conteúdos, as quais “Os códigos mais recentes, em que pese as suas diversidades,
têm em comum, contudo, a técnica de legislar mediante o emprego de cláusulas
gerais.”
89
As cláusulas gerais dão ênfase à interpretação, quer dizer que não se
destinam a regular determinado procedimento, mas sim cuidar de fixar condições
hermenêuticas, ou seja, são referenciais de interpretação, os quais permitem a
abertura do sistema, consoante leciona Judith Martins-Costa:
87
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho. São Paulo:
LTr, 2005, p. 277.
88
REALE, Miguel. O Direito como experiência. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 210.
89
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo
obrigacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 294-295.
47
47
As cláusulas gerais têm a função de permitir a abertura e a mobilidade do
sistema jurídico. Esta mobilidade deve ser entendida em dupla perspectiva,
como mobilidade externa, isto é, a que ‘abre’ o sistema jurídico para a
inserção de elementos extrajurídicos, viabilizando a ‘adequação valorativa’, e
como mobilidade interna, vale dizer, a que promove o retorno,
dialeticamente considerando, para outras disposições interiores aos
sistema.
90
Assim, através das cláusulas gerais, ao intérprete cabe ajustar a regra
existente aos princípios constitucionais.
Referidas regras gerais servem como verdadeiro “elemento de conexão” ao
intérprete aplicador da lei quando da fundamentação da sua decisão, conforme
esclarece Judith Martins-Costa.
91
Daí que, mediante a aplicação dos princípios constitucionais, a
hermenêutica é colocada em posição de destaque na aplicação do direito,
pois impõe ao intérprete, quando da aplicação da lei, observar a efetiva
garantia dos direitos fundamentais por eles consagrados.
E o Direito do Trabalho brasileiro não ficou à margem deste novo modelo,
pois a Constituição Federal de 1988 ao incluir os direitos trabalhistas no rol dos
“direitos sociais”, mais precisamente no título “dos direitos e garantias
fundamentais”, assegurou a aplicação das leis trabalhistas através dos princípios do
respeito à dignidade da pessoa humana, inserto no art. 1º, inciso I e o da
solidariedade previsto no art. , inciso I, condições estas que representaram um
considerável avanço social.
O próprio Código Civil Brasileiro de 2002 contém cláusulas gerais,
permitindo a abertura do sistema, como por exemplo, a regra contida no art. 113 que
determina que a interpretação dos negócios jurídicos deva ser feita em
conformidade com a boa-fé, ou ainda a norma inserta no art. 421 que fixa o princípio
da função social do contrato, bem assim a ordem posta no art. 422 que obriga os
contratantes a guardar os princípios da probidade e da boa-fé.
90
Id. Ib., p. 341.
91
Id. Ib., p. 341
48
48
Bem a propósito é o comentário de Judith Martins-Costa:
Um standard ou um valor moral, retirados da prática da sociedade civil, se
considerados por si sós não são, por evidente, normas juridicamente
aplicáveis. Contudo, mediados pelas fontes, constituirão o conteúdo e,
portanto, o critério de aplicabilidade dos enunciados (ou modelos)
abstratamente previstos nas cláusulas gerais.
92
Através da abertura do sistema, via utilização das cláusulas gerais, o
microssistema trabalhista admite a conexão com outros ramos do Direito,
possibilitando assim o efetivo respeito aos princípios constitucionais, em especial ao
da valorização do trabalho humano e ao da dignidade da pessoa humana que é
assegurado a todo indivíduo trabalhador.
Portanto, é por intermédio de referidas cláusulas gerais que a ética é
introduzida no sistema jurídico brasileiro, ou seja, através dos valores vigentes a
partir da Constituição Federal de 1988, em especial dos princípios dos direitos
fundamentais, sendo que a cláusula geral da boa-fé igualmente tem a força de abrir
o sistema, servindo como se fosse uma janela aberta permitindo a entrada da ética.
1.2.2 Princípio da Confiança
O fundamento ético basilar encontra-se amparado na dignidade da pessoa
humana. Espelha-se em normas de comportamento gerais e no modo de agir que
leve à sua preservação.
Na doutrina de Klaus M. Leisinger e Karin Schmitt o respeito aos direitos
humanos está inserido como norma ética irrenunciável:
Existem usos e costumes com os quais não é possível se admitir tolerância:
os que infringem os direitos humanos. A preservação dos direitos humanos
constitui o mínimo de norma ética ao qual jamais se pode renunciar – seja o
que for que digam as leis, usos e costumes locais.
93
92
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo
obrigacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 335.
93
LEISINGER e SCHMITT, op. cit., p. 64.
49
49
Neste sentido, tem-se que um dos princípios no qual a sociedade de
trabalho se pauta para a preservação da ética é o princípio da confiança.
Por princípio tem-se o começo, o início, a geração do conhecimento, sendo
o princípio jurídico é a premissa de todo o ordenamento, ou seja, é ele que irá
delimitar a aplicação de todas as normas existentes, mesmo nos casos de omissões
da própria regra.
Menezes Cordeiro afirma que a confiança é um dos elementos formadores
do conteúdo substancial da boa-fé e acerca do seu princípio aduz que:
A confiança exprime a situação em que uma pessoa adere, em termos de
atividade ou de crença a certas representações, passadas, presentes ou
futuras, que tenha por efetivas. O princípio da confiança explicitaria o
reconhecimento dessa situação e a sua tutela.
94
Nesta linha de pensamento, não podemos nos olvidar de que a confiança é
um patrimônio agregado ao ser, que depende do mútuo. Não confiança, sem
reciprocidade, de modo que a quebra da confiança gera como conseqüência o
afastamento da ética.
O princípio da confiança pressupõe conhecimento, verdade e honestidade
em via dupla, portanto está intrinsecamente ligado ao princípio da boa-fé e a
lealdade das relações humanas.
No âmbito da relação contratual, Eduardo Milléo Baracat cita Véra Jacob de
Fradera, para quem o princípio da confiança é “fonte de vários deveres, dos quais o
mais importante é o de agirem as partes, na relação contratual, com lealdade.”
95
A confiança interage com a ética, na medida em que filosofia da última,
surgida na Grécia, como observado por Fábio Konder Comparato “como reflexão
sobre o comportamento humano, considerado em seu duplo aspecto, subjetivo e
objetivo.”
96
Ao elemento subjetivo, referido autor afirma que corresponde a noção de
êthos, ou seja, a maneira de ser ou os hábitos de uma pessoa, enquanto ao
elemento objetivo, discorre que a noção de ethos, refere-se aos usos e costumes de
uma coletividade.
97
94
MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da Boa-Fé no Direito Civil. Coimbra:
Almedina, 2001, p. 1234.
95
FRADERA, apud BARACAT, op. cit., p. 178.
96
COMPARATO, op. cit., p. 496.
97
Id. Ib., p. 496.
50
50
Ao abordar a ética na atualidade, prossegue Fábio Konder Comparato:
Sucede que no mundo moderno as normas éticas, antes consubstanciadas
em usos e costumes tradicionais, formando o que os gregos denominavam
lei não escrita (nómos ágraphos), passaram, sempre mais, a ser expressas
em declarações ou tratados internacionais, constituições e leis. A idéia de
progresso, dominante no período da Ilustração européia, atribuiu à lei
estatuída pelos governantes a função de renovar os antigos costumes, tidos
como atrasados.
98
Fábio Konder Comparato ressalta o entendimento em direção oposta de
Montesquieu que sustentava que somente novos costumes, mudariam costumes
antigos e que através das leis isso não seria possível.
99
Ao pensar o princípio da confiança, constata-se que a alteração de
costumes baseava-se essencialmente na confiança, enquanto que a introdução de
leis que pretendessem alterar determinado padrão de conduta social, não tinha essa
preocupação como vertente.
A condição histórica do ser humano sempre foi de existência de classes
dominantes e classes dominadas, de modo que a primeira tentasse apresentar à
segunda, uma conjugação de valores deturpados, correspondentes aos seus
próprios interesses, impondo os seus valores gerais de conduta, que eram
apresentados através de uma falsa idéia de reciprocidade de confiança.
Segundo enfatiza Fábio Konder Comparato:
Com a progressiva expansão do capitalismo aos quatro cantos do planeta, o
código ético da burguesia empresária a satisfação prioritária do interesse
individual, o espírito de competição, a defesa da liberdade de iniciativa
econômica como algo mais importante que a liberdade política, o predomínio
do valor da utilidade passou a ser inculcado a todas as classes e a todos
os povos, como o novo modelo de virtude.
100
Inerente, pois, às relações contratuais, mormente entre empregados e
empregadores que esses novos valores sejam agregados, que esse novo modelo de
conduta se faça presente, que a confiança, geradora de nova gama de outros
valores, como a boa-fé, se faça reagente.
98
Id. Ib., p. 498.
99
Id. Ib., p. 498.
100
Id. Ib., p. 499.
51
51
Finalizando sua introspecção acerca do tema, Fábio Konder Comparato
defende a necessidade de se distinguir o bem comum do interesse particular
aduzindo que:
É preciso voltar a distinguir, como salientou a filosofia grega, o bem comum
do interesse particular, e é indispensável mostrar a todos que um regime
político de supremacia do interesse público sobre os interesses privados é
não só possível, mas urgentemente necessário.
101
Neste sentido, contrapõe-se ao princípio da confiança, a concorrência
desleal entre as empresas, a fraude, a conduta irregular e a violação de segredos da
empresa.
Agregam-se assim ao princípio da confiança, os códigos de conduta,
instrumentos estes necessários para a percepção de um comportamento ético e de
uma relação equilibrada entre as partes envolvidas.
Está na confiança, portanto, a base de toda relação humana, mormente da
relação contratual de trabalho, na qual ambas as partes em confiança mútua se
obrigam entre si, pois segundo José Affonso Dallegrave Neto, o contrato de trabalho
vincula dois sujeitos: empregado e empregador, com obrigações de dar e de fazer
pois:
Trata-se, contudo, de uma relação jurídica complexa, na medida em que o
empregado é concomitantemente devedor do trabalho pactuado e credor do
salário, sendo o empregador, também de forma simultânea, credor do
trabalho e devedor do salário.
102
Diante da globalização, onde os cidadãos parecem querer viver cada vez
mais a sua individualidade, em detrimento do social, onde as pessoas são levadas a
crer que o padrão financeiro supera o padrão moral e comportamental e onde a
confiabilidade parece cada vez mais ceder lugar a desconfiança e ao sucesso a
qualquer preço, permite-se afirmar que o princípio basilar da confiança será o
responsável pelo resgate moral, ético e valorativo das relações inter-pessoais e
corporativas das próximas décadas.
Confiar para coexistir em harmonia, com a vigilância indispensável da ética
e dos códigos de conduta que visem preservar a dignidade da pessoa humana.
101
Id. Ib., p. 499.
52
52
A seguir é tratado como a cláusula geral da boa-fé insere-se nesse contexto,
alinhando-se com a confiança.
1.2.3 Cláusula Geral da Boa-fé
Do ponto-de-vista ético, a boa-fé é observada no sentido de honestidade, ou
seja de retidão.
A origem do conceito da boa-fé repousa no Direito Romano, cuja idéia era
no sentido de dever de adimplemento. No Direito Germânico, por sua vez, a boa-fé
estava relacionada com a necessidade de se respeitar os interesses da outra parte,
no exercício dos direitos. É aqui que restou firmada a boa-fé objetiva como fonte de
interpretação de cláusulas contratuais, limitando por um lado os direitos e criando de
outro lado os deveres. A boa-fé é o antagonismo da -fé, esta vista como a
intenção de prejudicar alguém.
A boa-fé divide-se em boa-fé subjetiva, que é aquela conduta psicológica do
indivíduo, ou seja, está inserida no âmbito da intenção, enquanto boa-fé objetiva
vem a ser a exteriorização dele, ou seja, revela-se através do comportamento de
respeito em relação à outra pessoa. Assim, pode-se afirmar que a boa-fé objetiva
configura-se no campo das obrigações, pois a imposição de determinado padrão
de conduta.
José Affonso Dallegrave Neto apresenta a boa-fé subjetiva como sendo a
crença, ou seja, o propósito do contratante em não ocasionar prejuízo à outra parte,
enquanto a boa-fé objetiva trata-se de norma de conduta apoiada na lealdade, na
probidade e especialmente na preocupação para com o interesse do outro
contratante.
103
Acerca do princípio da boa-fé, Eduardo Milléo Baracat afirma que, ao atuar
como regra, ele impõe a deveres de conduta às partes, em conformidade com as
noções elementares de justiça e moral, decorrentes da consciência jurídica da
comunidade.
104
Américo Plá Rodrigues registra que a boa-fé não é uma norma, assim como
não se limita a uma ou mais obrigações e acrescenta que a mesma é:
102
DALLEGRAVE, op. cit., p. 51.
103
DALLEGRAVE NETO, op. cit., p. 276.
53
53
[...] é um princípio jurídico fundamental, isto é, algo que devemos admitir
como premissa de todo o ordenamento jurídico. Informa sua totalidade e
aflora de maneira expressa em múltiplas e diferentes normas, ainda que
nem sempre se mencione de forma explícita.
105
A ética é de fundamental importância para este padrão de comportamento
que se exige, eis que os valores cobrados restam determinados por padrões de
honestidade, transparência e lealdade, com o intuito de não quebrar a confiança
depositada pelo outro. Desta forma, a ética propicia à boa-fé objetiva que esta se
apresente como um paradigma de conduta social através do qual são ressaltados o
respeito e a lealdade com a outra parte contratante. Cabe às partes que firmam um
contrato, o efetivo cumprimento do ajustado, cujo objetivo, para ser atingido, ter que
ser trilhado pelo caminho da ética, mais ainda, quando se impõe o registro de que
as relações contratuais contemporâneas sofreram profundas modificações ao longo
dos anos.
Desta forma, modificou-se praticamente tudo nas relações pessoais, o
conceito de família foi alterado passando a existir no mundo jurídico tantas outras
possibilidades de constituição de pátrio poder, de relações inter pessoais, de
regimes de adoção, que se avaliadas nos moldes tradicionais, seriam inaplicáveis
no século passado.
A sociedade sempre manteve uma moral média a respeito das instituições
que lhe são afetas.
Judith Martins-Costa, ao tratar da boa-fé no direito privado, leciona que:
Hoje não á admissível aquele estático modelo de positividade. O acelerar
da história, de um lado, e o conceito de positividade no direito que considera
a dinâmica dialética do processo formativo e aplicativo das normas jurídicas,
de outro, impõem a configuração de um diverso paradigma metodológico,
tendo em vista não mais o modelo de sociedade hegemonicamente
centrado na figura do indivíduo, do burguês empreendedor e confiante no
progresso o pai de família, o homem de negócios, o proprietário de que
falara Thibaut ao propor a codificação na Alemanha-, mas fulcrado na
pluralidade e na complexa tessitura das suas relações sociais de base.
106
104
BARACAT, op. cit., p. 67.
105
PLÁ RODRIGUES, op. cit., p. 420.
106
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999,
p. 284.
54
54
Assim é que Hans Kelsen, citado por Eduardo Milléo Baracat, disserta sobre
a relatividade e da grande diversidade dos conceitos de bom, mau, justo e injusto,
em diferentes épocas.
107
Ainda, prossegue em sua teoria pura do direito, avaliando
que os conceitos de bom, mau, justo ou injusto variam de acordo com o critério de
avaliação e que este já seria um critério relativo, dependente do sistema moral que o
aplicasse.
108
Hodiernamente, também as relações comerciais, contratuais, aí inseridas as
relações de trabalho, passaram a ter novos significados, novas posturas e visões.
Longe do conceito puro de Hans Kelsen, porém, não há como não se
estabelecer um critério universal que permita a interação empresa-empregado, sem
a co-existência do princípio da confiança e da cláusula geral da boa-fé.
Antônio Manoel da Rocha e Mendes Cordeiro defendem o elo entre a
confiança e a boa-fé, quando afirmam que:
A aproximação entre confiança e boa-fé constitui um passo da Ciência
Jurídica que não mais se pode perder. Mas ele só se torna produtivo
quando, à confiança, se empreste um alcance material que ela, por seu
turno, comunique à boa-fé.
109
Ao ressaltar a importância do princípio da boa-fé, Américo Plá Rodrigues
esclarece que se por um lado a obrigação por parte do empregado de cumprir o
contrato em respeito a tal preceito, estando inserida a exigência de colocar o seu
empenho no cumprimento da atividade determinada, por outro lado obrigação
para que o empregador cumpra de forma leal com as suas obrigações. Assim,
acrescenta referido autor, desta vez citando Nelson Nicoliello: “a boa-fé aparece
presidindo à contratação e, portanto, como elemento jurídico indispensável para sua
interpretação e integração.”
110
Passando necessariamente pelo princípio da confiança, visto em tópico
anterior, atinge-se a indispensável presença da cláusula geral da boa-fé, que deve
nortear as relações de trabalho, inseridas no contexto de ética empresarial a fim de
manter as relações estáveis.
107
KELSEN, apud BARACAT, op. cit., p. 31.
108
Id. Ib., p. 33.
109
MENEZES CORDEIRO, op. cit., p. 1241.
110
NICOLIELLO, apud PLÁ RODRIGUEZ, op. cit., p. 420.
55
55
A finalidade do Poder Judiciário, como poder do Estado de dizer o direito, é
de equilibrar relações desiguais, o que nos ensinamentos de Eduardo Milléo
Baracat, mormente no Direito do Trabalho, de fundo ideológico individualista-
proprietário, em que a expressão da livre vontade predomina.
111
Prosseguindo na sua doutrina, Eduardo Milléo Baracat ensina que:
Diversamente do Direito Civil, onde a autonomia da vontade continuou
sendo, durante todo o século XIX e nos três primeiros quartéis do século XX,
a principal característica das relações obrigacionais, no Direito do Trabalho,
foi a limitação da autonomia da vontade, por meio da intervenção do Estado
que caracterizou este ramo do Direito.
112
É o Estado, pois, o grande gestor das relações de trabalho, atuando como
interventor quando agredidas as condições gerais que permeiam a relação capital e
trabalho no contexto contemporizador de apaziguamento social.
assim, uma escala de ordens e desordens sociais que podem ser
definitivamente inseridas ou excluídas das relações contratuais de trabalho, a fim de
que a ordem social não seja invertida.
No âmbito das relações de trabalho, existe a necessidade da atuação do
Estado com o objetivo de harmonizar o convívio entre o capital e o trabalho,
possibilitando gerar o equilíbrio necessário aos contratantes. Para tanto, através do
princípio da boa-fé objetiva, há uma delimitação da autonomia da vontade das
partes envolvidas numa relação contratual, pois o mesmo gera obrigações
contratuais, ainda que não se encontrem previstas em lei de forma expressa.
A proteção gerada pela cláusula geral da boa-fé nos contratos recebe o
destaque de José Affonso Dallegrave Neto, assim:
A cláusula geral da boa-fé que norteia os contratos, sobretudos os bilaterais,
comutativos e de trato sucessivo, exsurge como verdadeiro dique de
proteção aos contratantes mais frágeis: no contrato de consumo, o
consumidor; no contrato de emprego, o empregado.
113
A função do sistema ético vigente na sociedade apresenta-se assim descrito
por Fábio Konder Comparato:
111
BARACAT, op. cit., p. 34.
112
Id. Ib., p. 34-35.
56
56
O sistema ético em vigor na sociedade exerce sempre a função de organizar
ou ordenar a sociedade, em vista de uma finalidade geral. Não existe ordem
social desvinculada de um objetivo último, pois é justamente em função dele
que se pode dizer se o grupo humano é ordenado ou desordenado; se está
diante de uma reunião ocasional de pessoas, ou de uma coletividade
organizada.
114
Para Fábio Konder Comparato, ordem é um conceito relativo que depende
de uma finalidade, pois segundo ensina:
Essa verdade lógica elementar é, no presente, desconhecida pelos
ideólogos da ordem por si mesma (law and order). O que se esconde por
trás dessa fórmula de propaganda, é obviamente o favorecimento de
determinadas classes sociais ou corporações específicas, em detrimento do
bem comum de todo o povo.
115
A confiança e a boa-fé nas relações de trabalho, portanto, não devem ser
vistas como conceitos independentes e sim como condições autônomas, mas
paralelas que se entrelaçam na manutenção do equilíbrio das relações.
Quando se trata da boa-fé como elemento indispensável aos contratos, logo
se vislumbra uma boa intenção. Assim, aquele que detém boa-fé, é um bem
intencionado, desarmado das intenções desregradas, das intenções prejudiciais à
parte-contrária.
A observância da boa-fé nos negócios jurídicos deve ser observada tanto no
momento em que se pactuam as regras, quanto na execução do ajustado, em
expressa obediência as normas legais insertas nos arts. 113 e 422 do Código Civil
Brasileiro, a perfeita aplicação de referidas regras abstratas ao caso concreto,
constata-se através da seguinte ementa extraída do acórdão da lavra do Juiz do
Trabalho Renato Buratto, do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas-SP, senão
vejamos:
1. CLÁUSULA PENAL (MULTA CONVENCIONAL) INEXECUÇÃO
EXIGIBILIDADE SOMENTE EM CASO DE FATO IMPUTÁVEL AO
DEVEDOR (CÓD. CIVIL 2002, ART. 408) 2. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
IMPERATIVO LEGAL, TANTO NA PACTUAÇÃO COMO NA EXECUÇÃO
DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS (CÓD. CIVIL 2002, ARTIGOS 104, 113 E
113
DALLEGRAVE NETO, op. cit., p. 276.
114
COMPARATO, op. cit., p. 23.
115
Id. Ib, p. 23.
57
57
422) 3. LIDE TEMERÁRIA CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DO
ADVOGADO APENAS MEDIANTE AÇÃO PRÓPRIA OFÍCIO À OAB
(CPC, ART. 17, II E V E LEI Nº 8096/94, ART. 32, PARÁGRAFO ÚNICO – 1.
A vigente Lei Civil (cód. Civil 2002) dispõe expressamente, em seu artigo
408, que a inexecução da cláusula penal deve decorrer de fato imputável ao
devedor, daí o acréscimo do advérbio ‘culposamente’, em relação à redação
do dispositivo correspondente no código de 1916 (artigo 921). A mora
noticiada nos autos se deve a fato imputável ao credor, melhor dizendo, ao
advogado do reclamante, pois ressalta evidente sua conduta maliciosa, não
quando forneceu número da agência em que mantém sua conta
bancária, bem diferente da verdadeira, como ainda, em gesto de gritante
desfaçatez, ao pleitear a multa por retardamento no depósito, mora esta a
que ele mesmo havia dado causa violando, assim, o princípio da boa-fé. 2. A
contar de janeiro/2002, com a vigência do novo código, se tornou
imperativo legal a observância da boa-fé nos negócios jurídicos, tanto
em sua pactuação como na respectiva execução, consoante ensina
Miguel Reale ao destacar dois artigos do digo de 2002 entre si
complementares, o de 113, segundo o qual ‘os negócios jurídicos
devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua
celebração’, e o art. 422 que determina: ‘os contratantes são obrigados
a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os
princípios de probidade e boa-fé’, donde se conclui que o art. 104,
quando dispõe sobre a validade do negócio jurídico, referindo-se ao
objeto lícito, segundo o ilustre professor supra mencionado, traz
‘implícita a sua configuração conforme à boa-fé, devendo ser declarado
ilícito todo ou parte do objeto que com ela conflite’. Esta é a hipótese
dos autos. 3. A condenação solidária de cliente e advogado, por lide
temerária (lei 8096/94, art. 32, § único) somente pode atingir o causídico
mediante ão própria (art. 32, § único, in fine), para a qual tem interesse
processual a parte prejudicada em virtude da conduta desleal praticada.
Configurada infração ao código de ética e disciplina, que estabelece deveres
de cumprimento obrigatório (art. 33), deve ser expedido ofício à ordem dos
advogados do Brasil, para que a apure e decida, como entender de direito
(CPC, art. 17, II e V e lei 8096/94, art. 32, § ún.). 4. Recurso a que se
provimento, para isentar a agravante da obrigação de pagar a multa
convencional estipulada no acordo e determinar a expedição de ofício à
ordem dos advogados do Brasil a fim de que apure, querendo, infração ao
código de ética e disciplina, como entender de direito.
116
(destacou-se).
Os códigos de conduta empresariais visam no primeiro momento
estabelecer regras de comportamento humano, contratual, relacional, a fim de que
fiquem garantidas às partes envolvidas condições mínimas e um plus coerente com
as normas gerais de conduta estabelecidas em códigos legais.
Fábio Konder Comparato, bem estabelece um paralelo entre a ética e o
ideário social, como princípio vital para sua manutenção, ao que Max Weber por ele
citado, denominaria de espírito de uma sociedade.
117
116
SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho 15ª Região. Turma. Acórdão 26825/04. Relator:
Juiz I. Renato Buratto. Campinas, DOESP 16.07.2004.
117
COMPARATO, op. cit., p. 23.
58
58
Não existem códigos de conduta sem que se permeie da boa-fé a eles
inerentes. Não se pode codificar com ausência de boa-fé. Não se pode forjar a
introdução de novos valores, na defesa dos valores existentes. Segundo Fábio
Konder Comparato é preciso um mínimo de “justificação ética.”
118
Daí que a necessidade das empresas de estabelecerem padrões éticos
justificados com a necessidade que impõe a globalização, com modelos locais,
atrelados a padrões sociais moderados, ao ideário social, e às funções de
capacitação geradas pelo Estado, que não delega poderes, mas permite a
estipulação de novas condutas, impõe a existência dos códigos de conduta
pautados em confiabilidade e boa-fé.
Desse modo a autonomia privada deve se direcionar para uma formatação
de códigos de conduta que priorizem a condição social dos seus empregados,
vislumbrando no contrato de trabalho não mais um instrumento de compra e venda,
consoante defende Eduardo Milléo Baracat, mas instrumento de projeção do
trabalhador no contexto sócio econômico, fruto indispensável para um equilibrado
desenvolvimento comum progressivo.
119
É na boa-fé que se insere o fio condutor dos novos códigos de ética
empresariais. A primazia de que todos os envolvidos agem intencionalmente
pautados em confiabilidade e boa-fé gera uma sociedade produtiva mais serena e
mais segura.
Portanto é necessário que sejam inseridos nos contratos firmados nas
relações de trabalho, a cláusula geral da boa-fé, que tem sua similitude com o
princípio da boa-fé, assim defendida por Eduardo Milléo Baracat:
Conquanto, em tese, admita-se que haja distinção entre os ‘princípios
jurídicos’ e as ‘cláusulas gerais’, não se verifica efetiva diferenciação entre o
princípio da boa-fé e a cláusula geral da boa-fé. Isto porque a cláusula geral
da boa-fé contém precisamente o princípio da boa-fé.
120
Insta ressaltar que o Código Civil Brasileiro, contém normas legais com
expressa previsão da boa-fé objetiva, consoante extrai-se do regra inserta no seu
art. 113: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os
118
Id. Ib., p. 24.
119
BARACAT, op. cit., p. 150.
120
Id. Ib., p. 68.
59
59
usos do lugar da celebração.” Na mesma direção é o comando contido no art. 422:
“Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato em sua
execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
Referidas regras vêm sendo utilizadas às largas pela Justiça do Trabalho,
na fundamentação das suas decisões, consoante extrai-se, do julgamento proferido
pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região, com sede em São Paulo-SP, em
cujo acórdão da lavra do Juiz do Trabalho, Rovirso Aparecido Boldo há expressa
citação a norma inserta no art. 422, do Código Civil Brasileiro, bem assim manifesta
invocação ao princípio da boa-fé, consoante extrai-se da leitura da respectiva
ementa de tal julgado:
RESOLUÇÃO CONTRATUAL AUSÊNCIA DE ELEMENTOS FÁTICO-
JURÍDICOS LESÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA VULNERAÇÃO DA
FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO ABUSO DE DIREITO Ainda que a
dispensa sem justa causa seja ato imotivado, a volição do empregador não
remonta à injuridicidade; a proteção da Lei ao emprego procura restringir o
exercício do direito subjetivo do empregador, que, se exercido, é sancionado
com o pagamento da indenização respectiva (CLT, art. 477). Destarte, a
opção pela Resolução contratual, sem elementos fático-jurídicos que a
justifiquem, representa igualmente o exercício de um direito subjetivo. Nesse
caso, contudo, a pretensão é colidente com o princípio da boa-fé objetiva
(CC, art. 422), e atenta contra a função social do contrato, estribada no
princípio da solidariedade (CF, art. 3º, inciso I). Configurado o abuso de
direito, nos moldes do CC, art. 187.
121
É de se observar que toda empresa que se vestindo no pólo da relação
contratual com o manto da justiça social, fará diferença no contexto globalizado,
proporcionando aos seus empregados um maior número de possibilidades no
campo profissional, gerando mais eficiência, mais produtividade e
conseqüentemente indivíduos mais bem centrados em sua condição social, o que
refletirá no campo individual, com uma sociedade mais equilibrada e ordenada.
A atuação concreta voltada para um novo pensamento é proposta por
Eduardo Milléo Baracat ao afirmar que:
121
SÃO PAULO, Tribunal Regional do Trabalho 2.ª Região. Turma. Processo RO n.º 01273-2004-
481-02-00-0. Relator: Juiz Rovirso Aparecido Boldo. São Paulo, DOESP 28.11.2006.
60
60
Dentro dessa ótica, da relação de emprego como uma totalidade, não é
possível aceitar o trabalho como uma mercadoria, o salário como um preço,
e o contrato de trabalho como um instrumento desta compra e venda. Não
se trata, simplesmente, de anunciar que o trabalho não é mercadoria e o
salário não é preço, mas de pensar e atuar concretamente nesse sentido.
122
A concepção de relação social perfeita, contudo, não passará a existir como
uma fotografia instantânea, segundo leciona Eduardo Milléo Baracat, pois “[...] da
mesma forma que os ductos permitem que o sangue irrigue o coração, o princípio
da boa-fé é o instrumento pelo qual os princípios constitucionais fluem em direção à
realidade latente.”
123
Assim, tem-se que, segundo Baracat “O princípio da boa-fé é, portanto,
instrumento indispensável para uma interpretação constitucional do direito
obrigacional em geral, e do contrato de trabalho, em particular.”
124
Para referido autor, através do princípio da boa-fé, é possível admitir-se a
existência simultânea do lucro com o salário merecido:
A aplicação do princípio da boa-fé objetiva, é importante que se diga, não
eliminará e nem é essa a pretensão as controvérsias entre empregados
e empregadores, mormente porque existem interesses que se contrapõem
definitivamente, como o lucro e o salário, a empresa e o emprego. O
princípio da boa-fé interessa como forma de permitir a mudança da
mentalidade social, no sentido de que o lucro deve coexistir com o salário
digno, e a empresa só tem sentido para criar empregos.
125
É um caminho inevitável diante da constante modificação da realidade
social, do avanço tecnológico, das mutações incessantes das categorias
profissionais, de modo que o mundo empresarial consiga subsistir a tudo, mesmo
sofrendo abismais alterações e transformações econômicas.
Sobre as referidas mudanças José Renato Nalini assevera que:
122
BARACAT, op. cit., p. 151.
123
Id. Ib., p. 152.
124
Id. Ib., p. 152.
125
Id. Ib., p. 152.
61
61
Ética, para a empresa contemporânea, significa tanto quanto lucro. Por
aperceber-se disso, foi que muitos dos conglomerados sofreram as
conseqüências das profundas transformações econômicas, de
desregulamentação, de desaparição de profissões e de afazeres, sem eles
próprios deixarem de existir.
126
Assim é que a existência de códigos éticos baseados na boa-fé e por
conseguinte no princípio da confiança, propicia às partes envolvidas, empregados e
empregadores uma maior segurança jurídica, entre direitos e obrigações
decorrentes e uma maior segurança social.
Desta forma busca-se atingir, enfim, a paz social, tão almejada.
1.2.4 A Empresa e a Linha de Fundo Tripla
A sociedade e os governos têm feito exigências perante as empresas, para
que estas, além do lucro financeiro, incluam em seus objetivos, também, a
preocupação e responsabilização do desempenho econômico, ambiental e social.
Este trinômio de responsabilidade é denominado de “linha de fundo tripla”, que é
assim apresentada por Luciane Cardoso:
De outro, tem-se a pressão exercida pela opinião pública, associações de
consumidores, organizações não governamentais, sindicatos, sobre as
grandes empresas multinacionais, exigindo maior responsabilidade quanto
ao impacto social e ambiental de operações de empreendimentos
tansnacionais ou multinacionais de grande porte. A pressão crescente para
que as companhias sejam responsáveis em aspectos não financeiros tem
sido chamada de ‘linha de fundo tripla’, ou, em inglês, triple bottom line,
referindo-se ao desempenho econômico, ambiental e social das grandes
empresas. Os governos, estudam mecanismos de ação para monitorar os
avanços nesta tríplice área de atuação das grandes empresas.
127
A denominada “linha de fundo tripla” também é expressamente ressaltada
por Eldir Paulo Scarpim ao abordar a responsabilidade das empresas nestas três
áreas de atuação:
126
NALINI, op. cit., p. 238.
127
CARDOSO, op. cit., p. 917.
62
62
Conforme Ashley (2002) as organizações têm responsabilidade direta e
condições de abordar muitos problemas que afetam a sociedade. Outro
modelo de RSC é a construção multi-dimensional proposta por Niskata e
Tarna (2003), é apresentada por acentuar a interdependência entre
dimensão econômica, ambiental, e social do comportamento da
responsabilidade empresarial, referenciadas como ‘Linha de Fundo
Tripla’.
128
Esta tripla preocupação tem por objetivo a busca de um desenvolvimento
global sustentável.
A primeira preocupação, ou seja, o crescimento econômico é indispensável
para assegurar uma melhor qualidade de vida nos países em desenvolvimento, daí
a importância da empresa no processo de desenvolvimento industrial, com a
conseqüente geração de novos empregos e postos de trabalho.
Maria Cecília Coutinho Arruda define o crescimento econômico como
incremento do produto interno bruto ou renda per capita de um país e afirma que a
verificação do desempenho da economia de uma nação deixou de ser analisada
exclusivamente sob a ótica quantitativa e passou a ser avaliado também através dos
seus elementos qualitativos.
A mesma autora aponta o término da cada de 70 e o princípio da década
de 80, como sendo a época do surgimento desenvolvimento econômico, que veio
em substituição ao crescimento econômico.
129
Para referida autora este novo conceito é mais abrangente na medida em
que avalia também o desempenho do país em outras áreas, não ficando focado
exclusivamente na produção, assim:
O processo de desenvolvimento econômico de um país deve sinalizar não
somente a melhoria das condições produtivas ou da renda per capita, mas
também o avanço nos indicadores de qualidade de vida dos países. Temas
como educação, pobreza, distribuição de renda e inflação, entre outros, não
diretamente relacionados com o crescimento, fazem parte do círculo de
assuntos em torno dos quais gira o desenvolvimento.
130
128
SCARPIM, Eldir Paulo. Percepções sobre o empreendedor social privado, público e do
terceiro setor. Disponível em: http:/www.administradores.com.br/artigos/12738/. Acesso em: 10 ago.
2007.
129
ARRUDA, WHITAKER e RAMOS, op. cit., p. 161.
130
Id. Ib., p. 162.
63
63
A mesma autora sintetiza seu pensamento afirmando que em face de ser
mais amplo que o crescimento, o desenvolvimento econômico inclui elementos
sociais, culturais, políticos e ambientais
131
.
Nesta busca pelo desenvolvimento econômico, em razão dos problemas
globais ambientais, surge a segunda preocupação, a qual exige da empresa que
passe a destinar, também, parte da sua capacidade para preservar o meio
ambiente, em face das cada vez mais intensas e destrutivas alterações climáticas
que se manifestam ora através de inundações, ora via estiagens, aliada a cada vez
maior preocupação em relação à diminuição da água potável, o esgotamento do
solo rtil, as conseqüências advindas da poluição, etc. Situação esta que exige a
busca do equilíbrio conforme propõe Roldão Alves de Moura “Considerando que os
recursos ambientais não são inesgotáveis, necessário é o equilíbrio entre o
desenvolvimento das atividades econômicas e os recursos naturais de que o
homem se vale para satisfazer suas necessidades.”
132
A Constituição Federal no caput do art. 225, concede a devida importância
ao tema, assegurando o desenvolvimento sustentável, o que faz nos seguintes
termos: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado... essencial
à qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
André Franco Montoro, em seu artigo “Retorno à ética na virada do milênio”,
cita Samuel Branco para ressaltar este dever, assim:
Samuel Branco, em seu trabalho sobre ‘Conflitos conceituais nos estudos
sobre meio ambiente’, lembra que a questão essencial gira em torno da
relação homem/natureza e que os movimentos ambientalistas têm como
base o dever moral para com a sociedade de manter o equilíbrio vital à sua
sobrevivência. Em última análise são ações que visam, acima de tudo, à
melhor qualidade de vida para a espécie humana, como um todo.
133
Na continuação do seu pensamento, André Franco Montoro, invoca uma lei
natural que buscou junto aos ensinamentos de Cícero, para ilustrar a necessidade
de o homem respeitar o meio ambiente:
131
Id. Ib., p. 162.
132
MOURA, Roldão Alves de. Ética no meio ambiente do trabalho. São Paulo: Juarez de Oliveira,
2004, p. 95.
64
64
O reconhecimento de que existem normas inflexíveis do universo cósmico,
com a tomada de consciência de que os homens devem respeitá-las, é o
sentido fundamental do movimento ambientalista contemporâneo. Ele
significa a condenação da tese positivista de que a lei escrita não encontra
outros limites senão a vontade e a determinação da autoridade. E,
representa o retorno à antiga lição de Cícero: ‘Há uma lei verdadeira,
conforme a natureza e o homem não a pode violar sem negar a si e à sua
natureza, e receber o maior castigo’.
134
Para Klaus Leisinger e Karin Schmitt esta proteção ambiental exige o
comprometimento por parte dos países ainda não desenvolvidos da seguinte forma:
A condição para um desenvolvimento global sustentável é que os esforços
de industrialização por parte dos países em desenvolvimento se dêem de
acordo com os mais elevados padrões de proteção ambiental de que
dispomos hoje, e não segundo os padrões ecologicamente destrutivos de
nossos anos 60.
135
Esta preocupação com a preservação do meio-ambiente de modo que o
mundo seja conservado para as futuras gerações, para André Franco Montoro é um
dever ético:
O movimento ecológico universal lembra-nos, queiramos ou não, que nós
fazemos parte do mundo e da sociedade. O que nos impõe a necessidade
de respeitar a natureza e o dever ético de ‘conservá-la para as futuras
gerações’. É a ‘ordem cósmica’ da natureza a comandar a ‘ordem ética’ do
comportamento humano.
136
Ao abordarem a empresa consciente, Messias Mercadante de Castro e
Lúcia Maria Alves de Oliveira, inicialmente alertam para o fato de que as empresas
que atuam de forma consciente ao respeitar o meio ambiente, no primeiro momento
podem apresentar prejuízos, em face dos gastos com os investimentos necessários,
bem assim diante da atuação da concorrência, que por sua vez, não demonstra o
mesmo grau de conscientização e mantém os seus objetivos voltados
exclusivamente para o lucro, não se interessando com a preservação ambiental.
133
BRANCO, apud, MONTORO, André Franco; POZZOLI, Lafayette (orgs). Ética no novo milênio:
“busca do sentido da vida.” 3. ed . São Paulo: LTr, 2004, p. 28.
134
Id. Ib., p. 28.
135
LEISINGER e SCHMITT, op. cit., p. 88.
65
65
Após, os doutrinadores em foco, transmitem um registro de esperança ao
afirmarem que o cuidado com o meio ambiente vem conquistando cada vez mais a
atenção perante as empresas, assim:
Felizmente, as preocupações ecológicas vão garantindo cada vez mais
espaço no mundo empresarial e alguns exemplos significativos de
resoluções contemporâneas se manifestam com visões mais expandidas,
devotados a trajetórias mais coerentes relacionadas a questões
ambientais.
137
Referidos autores assim concluem a possibilidade das empresas fixarem
metas de crescimento sustentável aliadas aos seus objetivos empresariais:
Concluindo: no âmbito empresarial, é possível condicionar condutas
empresariais a bons procedimentos ecológicos e estabelecer processos de
crescimento sustentável nas empresas, cumprindo, assim, mais um
requisito para configurá-las como empresas conscientes.
138
O desempenho social da empresa é a terceira responsabilidade que
compõe a denominada linha de fundo tripla, que nas palavras de Adriano Sella é
necessário para se assegurar a dignidade da pessoa humana:
Uma postura social. O resgate do social como primado e, por isso acima do
econômico. Isto é inverter o processo que está entregando o bem comum
aos interesses econômicos particulares, como está fazendo o sistema
neoliberal através das privatizações. É necessário recuperar a primazia do
social para que a economia possa retomar a sua função social: criar
igualdade e bem comum, ou seja, realizar a sua verdadeira função que é
prover para que a humanidade possa ter o necessário para uma vida
digna.
139
A responsabilidade social da empresa, nas palavras de Messias Mercadante
de Castro e Lúcia Maria Alves de Oliveira não se trata apenas de um modismo,
sendo de tal monta a sua importância que chega a colocar em cheque a própria
sobrevivência da empresa, pois:
136
MONTORO, apud, LIMA FILHO e POZZOLI, op. cit., p. 30.
137
CASTRO, Messias Mercadante de; OLIVEIRA, Lúcia Maria Alves de. A gestão ética, competente
e consciente. São Paulo: M. Books do Brasil, 2008, p. 96-97.
138
Id. Ib., p. 97.
66
66
Entre as características que julgamos essenciais para dar sustentação à
empresa consciente, a responsabilidade social representa o primeiro passo
nesse sentido. A responsabilidade social não é um modismo. Ela veio para
se estabelecer definitivamente, e as empresas que não se empenharem no
estabelecimento de programas sociais correrão riscos de
desaparecimento.
140
Esta necessidade das empresas de incluir entre os seus objetivos também a
responsabilidade social, segundo Messias Mercadante de Castro e Lúcia Maria
Alves de Oliveira ocasionou uma evolução nos projetos sociais, na exata medida
que os mesmos deixaram de ser voltados para o interior da empresa, ou seja, para
os seus próprios empregados e expandiram-se de modo a atingir a comunidade,
com retorno econômico assegurado, em face da divulgação de uma boa imagem.
141
José Renato Nalini ressalta a importância da responsabilidade social da
empresa e que o seu objetivo não deve se delimitar ao lucro, quando afirma que:
A impressão que as pessoas têm da empresa está vinculada ao conceito de
responsabilidade social. Ou seja, a empresa não tem apenas de procurar o
lucro. Precisa também exercer o seu papel social. Ela é um agente produtor,
dela dependem muitas pessoas e ela interage com o meio em que atua.
Não pode permanecer alheia às transformações que afetam a sociedade.
142
Portanto, consoante a doutrina de José Renato Nalini, é dever da empresa
inteirar-se acerca das necessidades da comunidade em que atua, de modo que,
uma vez conhecidos os principais temas, possa ajustar a sua política de
responsabilidade social, visando contribuir de alguma forma, quer através de
investimento econômico propriamente dito, quer via estímulos e incentivos,
procurando, também, harmonizá-la aos interesses de seus stakeholders.
143
A pressão que as empresas estão sofrendo no sentido de que direcionem os
seus negócios de forma em que haja um comprometimento com a linha de fundo
tripla é assim ressaltada por Messias Mercadante de Castro e Lúcia Maria Alves de
Oliveira:
139
SELLA, op. cit., p. 79.
140
CASTRO e OLIVEIRA, op. cit., p. 98.
141
CASTRO e OLIVEIRA, op. cit., p. 99.
142
NALINI, op. cit., p. 241.
143
Id. Ib., p. 242.
67
67
À medida que consumidores e outros agentes sociais vão direcionando cada
vez mais suas críticas sobre comportamentos empresariais, suas
consciências mais apuradas pressionam com mais vigor as empresas nos
sentido de condicioná-las a novos comprometimentos não somente com
questões sociais, mas também com questões éticas e ambientais.
144
Diante da constante vigilância dos stakeholders, pode-se afirmar que às
empresas não mais é concedida a opção de concentrar suas atividades
exclusivamente para o desempenho econômico, pois se passou a exigir que as suas
preocupações conceituais e práticas, voltem-se também para questões ambientais e
sociais.
144
CASTRO e OLIVEIRA, op. cit., p. 99.
68
68
2 ÉTICA: REFERÊNCIA NECESSÁRIA ENTRE EMPREGADO E EMPREGADOR
O ambiente das relações individuais de trabalho está contaminado pela
acirrada e cruel disputa concorrencial estabelecida entre as empresas, em face das
imposições decorrentes da globalização, que induzem a cada vez buscar-se o
barateamento da mão-de-obra, sem ocasionar a perda da competitividade, de forma
que em muitas vezes ocasiona a conseqüente diminuição dos direitos dos
trabalhadores.
Para enfrentar tal clima desconfortável que se instalou nas relações
individuais de trabalho, não pode mais haver ambiente para o pensamento singular,
na medida em que a nova ordem que se apresenta é a da prevalência da
solidariedade, da colaboração mútua, frente ao fato de que o objetivo a ser
alcançado passa a ser comum à ambas as partes, razão pela qual empregado e
empregador devem seguir os princípios da boa-fé e da confiança.
Assim, o novo paradigma que se apresenta exige que nas relações
individuais de trabalho, os preceitos éticos deverão referenciar o comportamento,
tanto do empregado quanto do empregador, de modo a garantir o efetivo exercício
dos direitos tornando a relação mais justa e equilibrada.
2.1 CONTRATO DE TRABALHO: RUMO A UM FIM ÉTICO
No presente capítulo o propósito é demonstrar que por meio da ética, os
dois lados do capital e trabalho, ou seja, empregador e empregado, ao firmarem o
contrato de trabalho, assim o façam cientes que podem utilizá-lo como uma
ferramenta que lhes permitirá atingir os valores sociais.
O fundamento ético basilar encontra-se amparado na dignidade da pessoa
humana. Entre os princípios inspiradores da sociedade na busca da preservação da
ética, merecem relevo o da confiança e o da boa-fé. O princípio da confiança exige
o conhecimento, a verdade e a honestidade. a boa-fé, do ponto de vista ético,
repousa na honestidade, no agir com retidão. Através da cláusula geral de boa-fé, o
Estado procura harmonizar as relações individuais de trabalho, de modo a garantir o
69
69
equilíbrio necessário aos contratantes. A cláusula geral da boa-fé produz a proteção
aos contratantes mais frágeis.
2.1.1 Contrato de Trabalho como uma Totalidade
Ao discorrer acerca das características do contrato de trabalho Arnaldo
Süssekind inicialmente ressalta a autonomia de referido pacto, o que faz da
seguinte forma:
Porque a relação de emprego não corresponde nem ao contrato de compra
e venda, nem ao de locação de serviços, nem ao de sociedade, forçoso é
concluir que se trata de um contrato autônomo, com fisionomia e
características próprias.
145
Passo adiante, referido autor enumera as características jurídicas do
contrato de trabalho, afirmando que tal ajuste é: a) de direito privado, na medida em
que o vínculo resta fixado entre o trabalhador e a pessoa física ou jurídica que o
contrata, no âmbito das relações de direito privado; b) consensual, pois para ser
válido, observadas as exceções, não está sujeito a norma especial, sendo certo que
até o pacto verbal é reconhecido; c) intuitu personae, apenas em relação ao
empregado, inexistindo tal obrigação em relação ao empregador; d) de trato
sucessivo, pois sua execução tem natureza contínua através do tempo, as
obrigações deverão ser executadas sucessivamente; e) sinalagmático, porque
impõe obrigações recíprocas para ambas as partes contratantes; e f) subordinativo,
porquanto estabelece-se uma dependência hierárquica por parte do empregado em
relação ao poder de comando do empregador.
146
José Affonso Dallegrave Neto acrescenta, ainda, que o contrato de trabalho
é do tipo de adesão, pois no seu entender, empregado e empregador, com apenas
duas exceções (domésticos e empregados exercentes de cargos de alto escalão),
não debatem as suas cláusulas.
145
SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 225.
70
70
Enfim, sustenta referido autor que ao procurar o emprego, o trabalhador
depara-se com regras fixadas, restando-lhe apenas a opção de aceitá-las ou
não.
147
Tal posicionamento encontra eco no discurso de Eduardo Milléo Baracat
que emite posição firme em relação a ausência de liberdade e da manifestação de
vontade por parte do trabalhador quando firma o contrato de trabalho, assim:
“Vende-se a ilusão da liberdade do trabalhador para decidir sua própria sorte, como
forma de legitimar juridicamente a relação meramente mercantil de compra e venda
de trabalho.”
148
Referida opinião soa como um verdadeiro grito de alerta aos operadores do
Direito do Trabalho, pois hodiernamente, é de fácil constatação que a regra geral é a
de utilização de contratos estandartizados, que são impostos pelo empregador,
com suas cláusulas já previamente fixadas, sem permitir ao empregado sequer a
emissão da opino, restando apenas firma-lo por adesão.
Esta realidade que se apresenta no modelo vigente ocasiona o desequilíbrio
contratual desde a sua origem, pois ao tolher a liberdade do empregado no que
tange a discussão acerca das cláusulas contratuais do pacto laboral, o empregador
deixa de ter um comportamento ético, pois assim procedendo, demonstra o
desrespeito aos direitos da outra parte contratante.
Assim, empregado e empregador, quando fossem firmar o contrato de
trabalho, deveriam agir em conformidade com a seguinte lição de Roldão Alves de
Moura:
O comportamento ético nas relações de trabalho pressupõe a
dispensabilidade das regras jurídicas trabalhistas, considerando que estas
relações se concretizam em bases sólidas de respeito mútuo, ou seja, o
empregador, observando os princípios fundamentais da dignidade humana,
e o empregado, desempenhando suas funções básicas indispensáveis para
o sucesso e o alcance dos objetivos da empresa.
149
146
Idem, ibidem, p. 225-226.
147
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Contrato individual de trabalho: uma visão estrutural. São
Paulo: LTr, 1998, p. 83.
148
BARACAT, E. M. op. cit, p. 142
149
MOURA, Roldão Alves de. op. cit, p. 95.
71
71
Para compreender-se o contrato de trabalho sob a ótica da totalidade, é
importante que se faça uma análise de suas premissas individualmente, a partir do
ponto em que se pode juntá-las, formando o conjunto que representa fatores
econômicos, sociais e jurídicos.
Para Eduardo Milléo Baracat o salário pode ser visto sob os três prismas
acima mencionados, sendo que pela ótica econômica, o salário seria a
contraprestação pelo labor, sob a ótica social, seria a garantia de subsistência do
empregado e de sua família e sob a ótica jurídica seria a obrigação decorrente da
contratação.
150
Judith Martins-Costa, afirma que em relação ao último prisma, da
conceituação jurídica, o contrato assume contornos amplos, e cita Savigny,
afirmando que foi o criador do dogma segundo o qual a liberdade de contratar é o
exercício de um direito subjetivo consubstanciado na expressão da liberdade
humana, assim como o sistema do Direito Civil, que se amparava basicamente na
vontade humana, de onde partiam direitos básicos, relações e institutos jurídicos.
151
Referida autora, no mesmo artigo ora citado, prossegue sua doutrina,
asseverando que nesse sistema “está expressa uma arché, no sentido aristotélico,
um Logos, no sentido estóico: algo que explica o porquê da totalidade das coisas
num determinado setor da vida. Ainda, faz menção, novamente, a fórmula de
Savigny, afirmando que essa “autoridade explicativa” era a vontade humana. No
campo dos contratos foi, em conseqüência, dada uma resposta congruente a esse
Logos: a liberdade humana expressava-se pela vontade; a vontade jurisdicizada
expressava-se em “manifestações de vontade”; duas manifestações concordes
entre si geravam um contrato. Daí que a resposta congruente à “fórmula de Savigny”
tenha cumprido a notável função de incluir, na própria definição de contrato como
acordo de vontades livres, “a explicação dos misteriosos efeitos contratuais.”
Aduz Judith Martins-Costa que o início do séc. XX veio traçar uma nova
trilha, agora em direção à funcionalização do direito subjetivo. São formuladas
teorias negativas ao conceito de direito subjetivo, substituindo-o por outras figuras.
Entre as mais relevantes estão as de Léon Duguit, que reconstrói a idéia de direito
150
BARACAT, E. M. Op. cit, p. 139.
151
MARTINS-COSTA, Judith. Notas sobre o princípio da função social dos contratos. Disponível
em: < http://www.realeadvogados.com.br/pdf/judith.pdf>. Acesso em 3 nov.2007, p. 2.
72
72
subjetivo afirmando existirem posições vantajosas para certas pessoas porque
garantidas pelo poder estatal, na medida em que desempenham funções dignas
dessa garantia; e de Otto Von Gierke, sustentando a existência de “limites
imanentes” aos direitos decorrentes da impossibilidade da existência de direitos sem
deveres.
152
Segundo Judith Martins-Costa, no mesmo trabalho ora em análise, toda a
teoria do direito subjetivo estaria, portanto, situada em dois pólos e sustentada em
duas teses: os limites internos ao direito e os limites externos.
Na teoria interna, os direitos e os respectivos limites são inerentes a
qualquer posição jurídica e o conteúdo definitivo de um direito é aquele que resulta
dessa compreensão do direito limitado, “logo, o âmbito de proteção de um direito é o
âmbito de garantia efetiva desse direito.“
Pela teoria externa os direitos e os limites são ordens separadas, sendo que
as limitações são sempre desvantagens impostas externamente aos direitos e o
âmbito de proteção de um direito é mais extenso do que sua garantia efetiva porque
aos direitos sem restrições são apostos limites que diminuem o âmbito inicial de
proteção.
No entender de referida autora, para a teoria externa existe a possibilidade
de existirem direitos sem limites que nascem do direito subjetivo, consubstanciado
na vontade humana, amparados por uma norma, princípio ou regra, que intervenha
no campo de aplicação do direito. A dimensão é sempre negativada, pois as
limitações existiriam apenas em face da lei impositiva, de interesses de ordem
pública e de outros contornos indefinidos. Era o chamado dirigismo contratual, de
claro sentido oposicionista entre o que se busca frente a uma função social e a
liberdade contratual.
Tem-se que vislumbrar, portanto, o contorno limítrofe entre o que se pode
chamar de princípio da liberdade de contratar, como função social, gerando limites e
deveres negativos.
Judith Martins-Costa invoca as lições de Almeno de , ao afirmar que
referido autor idealiza o pensamento contratual de “tutela” deixando de ser visto
como uma exceção, “para passar a ser compreendido e atuado como um princípio
152
COSTA-MARTINS, Judith. Op. cit., p. 3.
73
73
não apenas dirigido a certos sujeitos jurídicos, definidos pelo seu status ou pertença
grupal, mas antes um princípio próprio do direito contratual geral.”
153
Assim é que como princípio de ordem geral, aplica-se a uma variedade de
situações, pelo que se pode mencionar - direcionando-se para o tema em
abordagem - a repressão de condutas que signifiquem a supremacia injustificada do
poder de uma parte sobre a outra (empregado-empregador e vice-versa) ou
situações de desvirtuamento da finalidade econômico-social da empresa.
Se for analisada a função social do contrato dentro do contexto da limitação
da liberdade de contratação, chega-se ao ponto de que a função social do contrato
integra, o modo de liberdade contratual, que para Judith Martins-Costa:
[...] é o seu fundamento, assim reconhecendo-se que toda e qualquer
relação contratual possui, em graus diversos, duas distintas dimensões:
uma, intersubjetiva, relacionando as partes entre si; outra,trans-subjetiva,
ligando as partes a terceiros determinados ou indeterminados.
154
Não seria, assim, a função social apenas um limite externo, mas também
um elemento integrativo do campo de função da autonomia privada no domínio da
liberdade contratual.
Judith Martins-Costa afirma ainda que:
a partir dessa concepção percebe-se decorrerem várias eficácias próprias
ao art. 421, que podem ser repartidas nos dois grandes grupos acima
sinalizados, quais sejam, as eficácias intersubjetivas e eficácias trans-
subjetivas. No primeiro grupo está a possibilidade da imposição de deveres
positivos aos contratantes, pois o direito subjetivo de contratar (direito de
liberdade) já nasce conformado a certos deveres de prestação.
155
No caso do grupo de contratos que instrumentalizam a propriedade de bens
de produção há uma relação direta com a função social da empresa e com o
princípio da função social da propriedade. Ambos os campos possuem a nota
dominante da prevalência dos valores e interesses comunitários sobre os interesses
individuais.
153
SÁ, apud COSTA-MARTINS. Judith. Op. cit. p. 4.
154
Idem, ibidem.p. 4.
74
74
Judith Martins Costa desta vez cita a doutrina de Calixto Salomão Filho, o
qual avalia que o princípio da função social da empresa constitui primordial diretivo
na regulamentação externa dos interesses da empresa, ou seja, é em razão da
influência da empresa sobre o meio em que se insere, que decorre a necessidade
de imposição de obrigações positivas à mesma, sendo esta a concepção social
intervencionista, cuja influência é de reequilibrar relações sociais desiguais.
156
Assim, é na força da empresa na vida comunitária, vista como pólo gerador
de empregos e riquezas, que se encontram os deveres negativos e positivos, alguns
dos quais previstos em leis, outros oriundos da contemporização do princípio da
função social com outros princípios constitucionais e legais, todos, como fonte dos
códigos de conduta e ética empresariais.
Assim é que sendo o contrato, mormente o contrato de trabalho, visto não
apenas como um acordo jurídico, mas também como um fato de interesse social,
que sua realização não pode ser vista como cláusulas isoladas, agregadas em um
instrumento único, amparadas por lei, mas sim, como cláusulas de um contrato
totalidade, onde as obrigações positivas e negativas encontrem uma interpretação
ampliativa a favor do apaziguamento das forças geradas pelo capital e pelo trabalho,
possibilitando amparo em normas, princípios e códigos de conduta e ética
empresariais.
Seu principal fundamento é sociológico, gerado pela interdependência
existente nas diversas camadas das relações humanas contratuais, onde não basta
a existência de cláusulas não-lesivas, é preciso que as cláusulas contratuais sejam
sociais e benéficas a toda a cadeia que será atingida pela relação trabalhista
decorrente da pactuação empregado-empregador, concretizando o tão almejado
bem comum. Daí a necessária existência do princípio da confiança e das cláusulas
de boa-fé para compor o contrato totalidade.
Na defesa desta nova forma de leitura do contrato de trabalho, Eduardo
Milléo Baracat invoca a Constituição Federal, ao afirmar que:
155
Idem, ibidem.
156
SALOMÃO FILHO, apud Idem, ibidem.
75
75
[...] quando o art. 1.º da Constituição brasileira dispõe que o Estado
Democrático de Direito funda-se, entre outros, nos princípios da dignidade
da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho e da iniciativa privada
(inciso III e IV, respectivamente), significa que as normas que compõem o
ordenamento jurídico brasileiro deverão ser interpretadas conforme estes
princípios.
157
Portanto, por meio da boa-fé objetiva que deve reger as relações individuais
de trabalho e pela aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, o novo
paradigma que se apresenta em relação ao contrato de trabalho, é de oferecer uma
nova linha de interpretação, pela qual se tem uma visão total do ajuste firmado e
não apenas uma leitura das meras cláusulas frias inseridas em determinado pedaço
de papel.
Eduardo Milléo Baracat ao afastar novamente a hipótese de tratamento do
contrato de trabalho como instrumento de compra e venda de trabalho, defende que
referida pactuação seja o instrumento quer permita a inserção socioeconômica do
trabalhador, tornando-o membro indispensável de uma sociedade e acrescenta que:
Nesse aspecto, a relação decorrente do contrato de trabalho deve ser vista
como uma totalidade, ou seja, conforme lição de Clóvis do Couto e Silva,
‘como uma ordem de cooperação, formadora de uma unidade que não se
esgota na soma dos elementos que a compõem’, sendo que dentro ‘dessa
ordem de cooperação, credor e devedor não ocupam mais posições
antagônicas, dialéticas e polêmicas’, mas praticam atos jurídicos que,
repercutindo no mundo jurídico, visam a um fim. As partes da relação
obrigacional atuam, portanto, em um sentido de cooperação para a
realização de um objetivo comum.
158
Mais adiante, o mesmo autor conclui que sob a ótica da relação de
emprego como uma totalidade, não se admite a visão de que o trabalho é uma
mercadoria e o salário o respectivo preço, sendo o contrato de trabalho o
instrumento desta transação.
159
Assim, na hipótese de prevalecer esta nova concepção que se apresenta,
fica a expectativa de que no âmbito das relações individuais de trabalho, empregado
e empregador alcancem os seus interesses, conforme apregoa Roldão Alves de
Moura:
157
BARACAT, E. M. Op. cit, p. 147.
158
Idem, ibidem, p. 150-151.
159
BARACAT, E. M. Op. cit, p. 151.
76
76
Esta relação harmoniosa entre as partes interessadas propiciará o alcance
de seus objetivos, como o resultado econômico-financeiro, obtido por meio
de redução de custos, qualidade de produtos e serviços e lucros para o
empregador, e a satisfação e o amor ao trabalho, com a respectiva contra-
prestação salarial, meio ambiente adequado e crescimento intelectual do
empregado.
160
2.1.2 A Boa-fé objetiva como cláusula geral
Nas relações individuais de trabalho, as partes ao ajustarem o contrato de
trabalho, em regra têm apresentado um procedimento que merece crítica, na
medida em que é comum a inserção cláusulas pré-estabelecidas que irão dar
formato a um contrato fechado, ao qual uma das partes, no caso o empregado, tem
tolhida a sua manifestação de vontade e o assina, por meio de adesão.
Assim, tem-se que nas relações individuais de trabalho, em que não o
necessário equilíbrio entre as partes que firmam o contrato de trabalho, em
atendimento as necessidades empresariais, muitas vezes são inseridas cláusulas
que desrespeitam os direitos do empregado.
Para evitar tal situação, tem-se que a cláusula geral permite uma saída ao
aplicador do direito, na medida em que diante da constatação da inaplicabilidade ou
inconveniência de uma determinada previsão contratual, admite-se que o Direito
seja adaptado àquela realidade tica, de modo que seja preenchido a lacuna
deixada, pela jurisprudência e pela doutrina, de modo que apresentem novos
critérios de interpretação.
Assim, especificamente nas relações individuais de trabalho é a boa-fé
objetiva que deve ser adotada como cláusula geral, como instrumento de controle
das cláusulas que atentem contra os direitos dos trabalhadores.
A Justiça do Trabalho ao apreciar os conflitos entre o capital e o trabalho,
tem dado a merecida importância a efetiva aplicação dos princípios norteadores das
relações individuais de trabalho, em especial ao da boa-fé, consoante extrai-se da
seguinte decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo,
através de acórdão da lavra do Juiz do Trabalho Edivaldo de Jesus Teixeira:
160
MOURA, Roldão Alves de. Op. cit, p. 95.
77
77
COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA NULIDADE O princípio da
boa fé deve ser o cerne de todo contrato. O atual Código Civil, em atitude
inovadora do legislador, incluiu-o expressamente no ordenamento jurídico
ao dispor em seu artigo 187 que: " Também comete ato ilícito o titular de um
direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo
seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. " Ora, ao
despedir o empregado encaminhando-o diretamente à Comissão Prévia de
Conciliação com o escopo manifesto de conseguir a quitação geral do
contrato de trabalho, o empregador comete ato ilícito, não pela
inobservância do princípio da boa-fé, mas também por exceder os
limites impostos pelo fim econômico e social do direito previsto nos
artigos 625-A usque 625-H da CLT. Essa a conclusão a que se chega a
partir de interpretação sistemático-teleológica das normas em questão, à luz
do artigo da LICC c/c o artigo 1º, III e IV, da Constituição Federal.
161
(destacou-se).
Decisões em tal direção são proferidas com intensidade pela Justa do
Trabalho, que ao assim julgar, o faz com base no princípio da boa- objetiva, que
tem seu fundamento na Constituição Federal de 1988, decorrente dos princípios da
dignidade da pessoa humana e da solidariedade, cujo objetivo é assegurar o
equilíbrio entre as partes nas relões individuais de trabalho.
2.1.3 Valores Constitucionais
Diante de uma sociedade em que impera o individualismo, a desigualdade e
a exploração do trabalho humano, torna-se fundamental que o Estado assuma a
indispensável tarefa de mediador, de modo a intervir com o seu poder para
assegurar ao seu povo o efetivo exercício dos seus direitos, não permitindo que
movimentos mundiais, quer na política, quer na economia, atentem contra a
diminuição da dignidade humana.
As condições precárias em que muitos trabalhadores desempenham as
suas atividades resultam numa verdadeira perda dos seus direitos, não apenas os
trabalhistas, mas também aos valores constitucionais.
Chaïm Perelman em sua doutrina inicialmente defende o respeito pela
dignidade humana:
161
SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região. 10.ª Turma. Processo RO 02461-2004-
064-02-00. Relator: Juiz Edivaldo de Jesus Teixeira. São Paulo, DOESP 20.03.07.
78
78
Se é o respeito pela dignidade da pessoa que fundamenta uma doutrina
jurídica dos direitos humanos, esta pode, da mesma maneira, ser
considerada uma doutrina das obrigações humanas, pois cada um deles
tem a obrigação de respeitar o indivíduo humano, em sua própria pessoa
bem como na das outras.
162
Em seguida, referido autor invoca a necessidade da intervenção do Estado
para que sejam protegidos tais direitos humanos:
Assim também o Estado, incumbido de proteger esses direitos e de fazer
que se respeitem as obrigações correlativas, não é por sua vez obrigado
a abster-se de ofender esses direitos, mas tem também a obrigação positiva
da manutenção da ordem. Ele tem também a obrigação de criar as
condições favoráveis ao respeito à pessoa por parte de todos os que
dependem de sua soberania.
163
Esta obrigação por parte do Estado se faz imprescindível para evitar que os
trabalhadores efetivos, vítimas da incessante busca pelo lucro por parte das
empresas, continuem sendo substituídos cada vez mais por estagiários, por
temporários, por prestadores de serviços, em decorrência da tão almejada
diminuição dos custos das empregadoras, com o objetivo de tornarem-se cada vez
mais competitivas dentro um mundo globalizado.
Para obter tais lucros, no entanto, a sociedade fica na expectativa de que,
cada vez mais, as empresas incluam no seu elenco de obrigações inerentes a sua
responsabilidade social, a conduta ética, pois também é de sua responsabilidade
auxiliar na melhora da sociedade de onde se extrai o seu lucro.
Para atingir tal objetivo, uma empresa para ser ética, tem que proceder em
perfeita harmonia com os princípios constitucionais da liberdade, da justiça e do
solidarismo, que se apresentam dispostos na Constituição Brasileira no art. 3.º, I
(que elenca entre os objetivos fundamentais da República o de construir uma
sociedade livre, justa e solidária), bem assim no art. 1.º, III (que insere entre os seus
fundamentos o da dignidade da pessoa humana) e no art. 170, caput (ordem
econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social).
162
PERELMAN, op. cit., p. 401.
163
Id. Ib., p. 401.
79
79
Estes valores constitucionais buscam permitir o desenvolvimento
econômico, de forma que se promova a justiça social, propiciando uma vida mais
digna ao povo.
Milton Santos está convencido de que é possível acreditar em uma outra
globalização e em um outro mundo. O problema central, segundo ele, é o de
retomar o curso da história, isto é, recolocar o homem no seu lugar central
164
. Para
referido autor, vem um novo mundo, cuja construção não será de cima para
baixo, como a atual, mas uma edificação cuja trajetória vai se dar de baixo para
cima, com a implantação de um novo modelo econômico, social e político que, a
partir de uma nova distribuição dos bens e serviços, conduza à realização de uma
vida coletiva solidária, assegurando uma reforma do mundo, através de outra
maneira de realizar a globalização
165
.
Neste novo paradigma, impõe-se uma repersonalização do sujeito de direito,
o qual passa a ser visto mais como um “ser” (na concepção de ser humano), do que
como um “ter” (na visão patrimonialista). É o solidarismo constitucional que se
apresenta disposto na Constituição brasileira no art. 3.º, I (que elenca entre os
objetivos fundamentais da República o de construir uma sociedade livre, justa e
solidária), como também no art. 1.º, III (que insere entre os seus fundamentos o da
dignidade da pessoa humana) e no art. 170, caput (ordem econômica fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social).
Na Constituição Federal do Brasil, está inserido no Título I - dos Princípios
Fundamentais, em seu artigo 1º, mais precisamente no inciso III, o princípio da
dignidade da pessoa humana e em seu art. 170, norma que, de forma expressa,
regula que a ordem econômica está fundada na valorização do trabalho humano e
na livre iniciativa, com o objetivo de garantir a todos existência digna, observados os
ditames da justiça social, regras estas que, pela realidade brasileira, assolada pela
política do neoliberalismo e pela processo da globalização, remete-nos a relembrar
de Ferdinand Lassalee a sua denominada constituição folha de papel.
166
164
SANTOS, op. cit., p. 125.
165
Id. Ib., p. 170.
166
LASSALE, op. cit., p. 23.
80
80
Chaïm Perelman afirma que “o respeito pela dignidade humana é
considerado hoje um princípio geral de direito comum a todos os povos
civilizados.”
167
Já para Roldão Alves de Moura:
O princípio da dignidade da pessoa humana tornou-se o centro do
ordenamento jurídico. Os direitos à vida, à honra, à integridade física, à
integridade psíquica, à privacidade, dentre outros, são essencialmente tais,
pois, sem eles, não se concretiza a dignidade humana, ensina o professor
Paulo Luiz Netto Lobo.
Acrescente-se que a boa-fé objetiva igualmente tem fundamento
constitucional, pois emana dos princípios fundamentais da dignidade humana e da
solidariedade, produzindo eficientes resultados na busca pela diminuição das
desigualdades.
De outro lado, não se pode fazer “vistas grossas” à inevitável necessidade
de modernização da relação entre o trabalho e o capital, que ainda continua sendo
regida por uma consolidação de leis reunidas e aprovadas no longínquo ano de
1943, as quais são vagarosamente alteradas, quase que a passos de cágado. E tal
evolução no relacionamento entre as categorias profissional e econômica, impõe-se
como uma das alternativas de combate ao desemprego, sendo que ao caminharem
juntas, ambas as categorias deverão ter o objetivo único de estabelecerem novas
regras em perfeita harmonia e respeito ao princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana, a valorização do trabalho humano, de modo a garantir a todos
existência digna, em conformidade com a justiça social.
Corroborando com referido pensamento Kátia Magalhães Arruda assevera
que:
A proteção ao trabalho implica condições dignas de trabalho, o que deflui de
ambientes saudáveis, nos padrões exigidos pelas normas de higiene e
segurança do trabalho, além de pactos relativamente harmônicos, ou , pelo
menos, equilibrados, sob pena de o princípio fundamental da dignidade da
pessoa humana restar absolutamente inerte em face da sua dissonância
com a realidade social.
168
167
PERELMAN, op. cit., p. 401.
168
ARRUDA, Kátia Magalhães. Direito Constitucional do Trabalho: sua eficácia e o impacto do
modelo neoliberal. São Paulo: LTr, 1998, p. 44.
81
81
De forma mais incisiva Norberto Bobbio pregava que “o problema
fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los,
mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político.”
169
2.2 CONCORRÊNCIA DESLEAL NA RELAÇÃO DE EMPREGO
A caracterização da concorrência desleal, inclusive as inúmeras hipóteses
legais previstas no ordenamento jurídico como crimes, com as suas conseqüências
danosas aos mercados econômicos, bem assim à sociedade em geral é o foco que
se pretende tratar no próximo pico, com ênfase em sua ocorrência no campo da
relação de emprego e no tópico seguinte, de forma mais aguda ainda, serão
abordadas as hipóteses de tal prática por parte do empregado.
2.2.1 Concorrência Desleal
O tema da concorrência desleal oferece uma abordagem bem variada nos
dias atuais, considerando-se fatores como a globalização, a rede internacional de
computadores - internet, com a diminuição ou a mesmo a eliminação das
distâncias e o alcance imediato de informações, muitas vezes de forma simultânea
aos próprios acontecimentos.
Caberiam, dentro do tema, questões como aquelas que dizem respeito aos
crimes contra a propriedade imaterial, contra a propriedade industrial, crimes de
propaganda desleal, crimes contra a propriedade intelectual, dos crimes contra as
marcas de indústria e comércio, dos crimes contra o privilégio de invenção, dos
crimes contra a administração pública, dos crimes contra a existência, segurança e
integridade do Estado, dos crimes contra a Família, dos crimes contra a fé pública,
dos crimes contra a incolumidade pública, contra a organização do trabalho, dos
crimes contra a paz pública, contra a pessoa, contra o seu patrimônio, crimes contra
169
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 24.
82
82
o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos, dos crimes contra os
costumes, impedimento, perturbação ou fraude de concorrência, violação de sigilo
de proposta de concorrência, enfim, todos ligados ao crime de concorrência desleal.
Contudo, em que pese o amplo leque de crimes retro descritos, no presente
tópico, a proposta que se apresenta é de focar o tema através de uma abordagem
sob a ótica da ética empresarial.
Na tentativa de tornarem-se mais competitivas, as empresas não medem
esforços na busca pela modernização dos seus meios de produção, situação esta
que vem refletindo diretamente na relação de emprego, de forma a gerar um
aumento de inquietações entre o capital e o trabalho, pois, em regra, diante das
decisões tomadas, fica em evidência a questão das garantias dos direitos de ambas
as partes.
Neste campo da preservação dos direitos das partes surge a questão da
concorrência, que cada vez mais tem o seu nível de acirramento aumentado, por
imposição dos mercados econômicos em que as empresas desempenham as suas
mais variadas atividades.
Assim, em face da preocupação com a concorrência, as empresas
intensificam os seus cuidados com a intenção de proteger os seus segredos, em
qualquer das suas áreas, desde a administrativa, passando pela produção até
chegar a comercial, de forma que o know-how da corporação deve ser
cuidadosamente preservado, para não ser repassado às empresas concorrentes.
Tais cuidados têm sua área de atuação expandida também para a
continuidade da vigência do contrato de trabalho daqueles profissionais que
dominam as técnicas de forma mais qualificada, cujos resultados colocam seus
empregadores em vantagem com os concorrentes, enfim aqueles trabalhadores que
detém uma qualificação diferenciada em relação aos demais do mercado de
trabalho.
Neste tema, cuidam as empresas de inserir, em seus contratos de trabalho,
as denominadas cláusulas de sigilo profissional, bem assim de não concorrência,
cujos objetos são proteger-se contra eventuais comportamentos o éticos
associados à concorrência desleal por partes de seus profissionais, quer durante a
vigência do contrato de trabalho, quer empós a resilição contratual.
83
83
A concorrência desleal trata-se de um delito tipificado no Código Penal e
que apresenta várias espécies.
A Lei 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula as questões atinentes à
propriedade industrial, menciona que uma das formas de proteção dos direitos
relativos à mesma é a repressão à concorrência desleal.
Referida norma, mais precisamente nos capítulos VI e VII, estabelece
acerca dos crimes de concorrência desleal, especificando a partir de seu artigo 195,
quais atos enquadram-se na tipificação criminosa. Na hipótese da prática de
qualquer um dos crimes previstos em referida norma legal é fixada como pena,
detenção de 3 meses a um ano ou multa.
A prática da concorrência desleal assegura à vítima, além da punição ao
autor na esfera criminal, também o direito de reivindicar indenização pelas perdas e
danos sofridos, em conformidade com as seguintes regras:
Art. 207. Independentemente da ação criminal, o prejudicado poderá intentar
as ações cíveis que considerar cabíveis na forma do Código de Processo
Civil.
Art. 208. A indenização será determinada pelos benefícios que o prejudicado
teria auferido se a violação não tivesse ocorrido.
Prosseguindo, o Estatuto Processual Civil regula ainda que:
Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos
em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de
propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta
Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar
confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de
serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.
§ 1.º Poderá o juiz, nos autos da própria ão, para evitar dano irreparável
ou de difícil reparação, determinar liminarmente a sustação da violação ou
de ato que a enseje, antes da citação do réu, mediante, caso julgue
necessário, caução em dinheiro ou garantia fidejussória.
§ 2.º Nos casos de reprodução ou de imitação flagrante de marca registrada,
o juiz poderá determinar a apreensão de todas as mercadorias, produtos,
objetos, embalagens, etiquetas e outros que contenham a marca falsificada
ou imitada.
Art. 210. Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais
favorável ao prejudicado, dentre os seguintes:
84
84
I - os benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse
ocorrido; ou
II - os benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito; ou
III - a remuneração que o autor da violação teria pago ao titular do direito
violado pela concessão de uma licença que lhe permitisse legalmente
explorar o bem.
A fim de vislumbrar na prática, a ocorrência de algumas das atitudes
inseridas no contexto da legislação supramencionada, em especial no âmbito da
relação do trabalho, aparece o recente o caso de concorrência desleal que ocupou
importante espaço perante a mídia, o qual se refere à espionagem industrial, que
levou a McLaren a ser excluída da classificação do Campeonato Mundial de
Construtores na temporada 2007 e a ser condenada pela FIA Federação
Internacional de Automobilismo, a pagar uma multa de 100 milhões de dólares.
Referida situação se enquadra como o caso típico de concorrência desleal,
quando em julho de 2007, cerca de 780 páginas de informações técnicas e
profissionais da equipe Ferrari foram encontradas na casa do projetista-chefe da
concorrente McLaren.
O dossiê de 780 páginas que estava de posse de um empregado da
McLaren foi levado pela esposa do mesmo a uma loja de fotocópia. Um empregado
da loja, da escuderia italiana, percebeu que se tratava de material confidencial e
de propriedade da equipe Ferrari para quem procedeu a denúncia, via e-mail.
Não fosse isso, como admitiu a própria Ferrari e a espionagem não seria
detectada. Provavelmente uma clara identificação de que se tratava de
documentação confidencial, tenha inspirado o empregado da loja de fotocópias a
levantar suspeitas sobre o material.
A McLaren, diante da negativa repercussão do acontecido, imediatamente
suspendeu seu projetista-chefe e afirmou que nenhum dado técnico havia sido
utilizado em seus carros e que nenhum outro componente da equipe sabia da
existência de tal dossiê.
A escuderia italiana Ferrari, por sua vez, ingressou com ações na Justiça
contra um seu ex-projetista e seu ex-empregado por suspeitas de ser dele a fonte
do vazamento.
85
85
Como conseqüência, o Conselho Mundial da FIA, sob o argumento de
insuficiência de provas de que a McLaren havia se beneficiado das informações da
concorrência, absolveu a escuderia inglesa. Todavia, após novas evidências, novo
julgamento foi realizado e a Federação Internacional pediu intervenção do Tribunal
de Modena, na Itália, responsável pelo processamento de ação cível movida pela
Ferrari contra a McLaren.
Dentre as novas informações coletadas está uma lista com as ligações
telefônicas entre os projetistas da Ferrari e da McLaren, cujos telefonemas se
intensificavam nos finais de semana de grande prêmio, o que pode evidenciar que a
troca de informações era constante.
Dentre as perspectivas de punibilidade, havia a possibilidade da McLaren
ser excluída da Fórmula 1 no Mundial atual e na próxima temporada, sendo que
alguns sites especializados chegaram a cogitar dessa informação, mas a Federação
Internacional de Automobilismo, decidiu por não punir os pilotos e por uma sentença
menos severa para a escuderia.
A utilização imprópria de conteúdo confidencial de propriedade de outro é
crime na maioria dos países.
José de Oliveira Ascensão, professor catedrático da Faculdade de Direito de
Lisboa, aduz que o ponto de partida da concorrência desleal está diretamente
relacionado à economia de mercado, ou seja, há na concorrência desleal, uma
concorrência econômica.
170
Prosseguindo na sua doutrina acerca do tema, o Professor José de Oliveira
Ascensão acrescenta que “Num mundo cada vez mais incitado para a concorrência
econômica, torna-se também cada vez mais aguda a problemática da lealdade da
concorrência.”
171
As regras relativas à concorrência desleal se destinam a regular o
relacionamento entre todas as empresas indistintamente.
Em que pese possa parecer um paradoxo, frente a sua noção de liberdade,
a livre concorrência, o é irrestrita, pois para o seu efetivo exercício são impostas
determinadas regras com o objetivo de evitar a prática da concorrência desleal.
170
ASCENSÃO, José de Oliveira. Concorrência desleal. Parte geral. Lisboa: Associação Acadêmica
da Faculdade de Direito Lisboa, 2000, p. 16.
171
Id. Ib., p. 17.
86
86
Nesse contexto, apresenta-se que a proteção de indústrias nacionais e
internacionais, contra a prática de atos de concorrência desleal, é preocupação
global.
Dentre as formas combatidas de concorrência desleal está o dumping que
pode ser definido como a venda de mercadorias abaixo do preço do próprio custo
ou a venda de produtos no mercado internacional a preços inferiores àqueles
praticados no mercado interno. Referida prática é comumente utilizada através da
importação de produtos estrangeiros com preços mais favoráveis, posto que
oriundos da utilização de mão-de-obra de países periféricos, onde os trabalhadores
não têm assegurado os seus direitos mínimos, além da reprovável utilização do
trabalho infantil.
Tal prática de concorrência desleal tem o intuito único de atingir ou mesmo
eliminar o concorrente, em procedimento totalmente prejudicial à economia em
geral.
Para combater a reprovável prática do dumping, o adotadas as medidas
antidumping que impõem ações que visam a adequação das relações de comércio
aos níveis exigidos pela globalização, constituindo-se de aplicações tarifárias e para-
tarifárias, visando o equilíbrio do mercado interno.
Aliam-se a estas medidas, as necessárias regras de ética empresarial e de
conduta leal, bem como medidas preventivas e coibitivas da inversão da ordem
sócio-econômica.
A Constituição Federal, em seu artigo 173, mais precisamente no parágrafo
4.º, estabelece que a “lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à
dominação de mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário de
lucros”, assegurando que o Estado atue de forma preventiva e repressiva contra
referidas práticas.
O CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica, órgão este que é
ligado diretamente ao Ministério da Justiça, tem sua importância e atuação no
campo administrativo, cujos objetivos são reprimir e prevenir a ocorrência de
infrações contra a ordem econômica do Brasil, de forma a limitar, falsear ou
prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa. Os direitos aqui preservados, não
se limitam aos de interesses individuais, mas sim da sociedade em geral, que se
torna a vítima quando ocorre a diminuição ou a eliminação da concorrência.
88
88
preço para ganhar a concorrência e depois sacrificando direitos dos
trabalhadores, com a leniência do poder público. Aliás, não se pode
esquecer que os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e
dos valores sociais do trabalho, são fundamentos da república brasileira e
balizadores da ordem econômica e dos serviços públicos (arts. 1.º e 3.º, da
CF/88).
172
Ainda analisando-se a concorrência desleal na relação de emprego, tem-se
a ocorrência de referida prática, também, por parte do próprio empregado, como no
exemplo daquele profissional que exerce determinado cargo estratégico dentro de
um conglomerado empresarial e é contratado pelo grupo concorrente. A utilização
das informações que referido trabalhador detém acerca do seu ex-empregador em
favor do seu novo patrão configura a prática de concorrência desleal.
Outra forma de caracterização da concorrência desleal por parte do
empregado é a prática da prestação de serviços à outra empresa concorrente da
sua empregadora, simultaneamente a vigência do contrato de trabalho. Esta prática
condenável, uma vez comprovada em juízo, tem sido condenada pela Justiça do
Trabalho, consoante pode-se certificar através do julgamento proferido pelo Tribunal
Regional do Trabalho da 2.ª Região, localizado em Campinas-SP, cujo acórdão é da
lavra da Juíza do Trabalho Rilma Aparecida Hemenetério e contém a seguinte
ementa:
TEXTO E VIGÊNCIA DE LEI ESTRANGEIRA ÔNUS DA PROVA Se a
inicial não traz qualquer pedido fundamentado em norma estrangeira, o ônus
de comprovar o texto e a vigência de lei estranha ao ordenamento jurídico
pátrio é da reclamada, que a invocou em defesa, não do reclamante, que
nada pleiteou com tal embasamento Inteligência do art. 14 da LICC.
JUSTA CAUSA ATO DE CONCORRÊNCIA ATO DE IMPROBIDADE
O empregado que presta serviços de consultoria a empresa que atua no
mesmo ramo que sua empregadora, visando, de maneira confessa,
alavancar os negócios da primeira, sem autorização da segunda, e que
admite que recebia ‘gratificação espontânea’ dos distribuidores desta,
pratica, indubitavelmente, os atos de concorrência desleal e de
improbidade a que se referem, respectivamente, as letras ‘c’ e ‘a’ do art.
482 da CLT, mormente em se considerando que tais condutas irregulares
eram expressamente proibidas por norma regulamentar interna da
empregadora.
173
172
SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho 15ª Região. Processo RO nº. 00887-2004-125-15-00-
0. Relator: Juiz Edison dos Santos Pelegrini. Campinas, DOESP, 12.01.2007, p. 119.
173
SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho Região. 10ª Turma. Processo RO nº. 01602-2000-
028-02-00-7. Relatora: Juíza Maria Aparecida Hemenetério. São Paulo, DJSP 05.07.2005, p. 13.
89
89
O mais importante aqui são as partes, empregador e empregado, quando
firmam o contrato de trabalho, fixarem de forma mais clara e transparente possível
as condutas que reputam éticas e lícitas, de forma a criar mecanismos que possam,
senão eliminar, pelo menos diminuir a existência dos vácuos existentes na
legislação, de modo a propiciar a prática da concorrência desleal.
As mega fusões entre os grandes grupos de determinados segmentos,
também são formas de concorrência desleal, pois diante do poderio estabelecido
após a reunião das empresas, os concorrentes ficam ainda mais enfraquecidos
diante das agressivas políticas de mercado que são adotadas. Tal problema afeta
também os atores da relação de emprego, pois os concorrentes menores não mais
conseguem obter os lucros previstos, por conseguinte começam a dispensar seus
empregados. De outro lado, a grande empresa que resultou da mega fusão começa
a colocar em prática sua política de achatamento salarial, com flagrantes prejuízos
aos seus empregados.
Assim, constata-se que no ambiente dos negócios, campo este de extrema
competitividade, necessidade de que os princípios éticos devam nortear todas as
empresas, seus administradores e seus empregados, sendo inclusive recomendável
a adoção de um código de conduta e ética, pois em pese da existência de farta
legislação tratando do tema voltado à concorrência desleal, os ilícitos continuam
sendo praticados, e o que é pior, sem a devida punição.
José de Oliveira Ascensão, acerca da concorrência desleal faz expressa
menção ao prejuízo que ela causa, quando afirma que:
No ponto de vista meramente econômico, os concorrentes causam-se
mutuamente prejuízos. Mas o prejuízo atinge o limiar da relevância, no
ponto de vista jurídico, se o acto puder ser qualificado como de concorrência
desleal. então que verificar qual o significado do prejuízo, num ponto de
vista jurídico, dentro da estrutura do acto da concorrência desleal.”
174
Todavia, tal análise não é tão simplista como pode parecer à primeira vista,
pois há necessidade de se adentrar ao campo das responsabilidades civis, pois
sempre que houver prejuízo, a causa será elemento essencial a decifrar as
174
ASCENSÃO, op. cit., p. 199.
90
90
possibilidades indenitárias, bem como verificar ao longo do tempo, estatisticamente,
como se comportou a fatia de mercado que teoricamente sofreu a ação do
monopólio.
A concorrência desleal, independentemente de causar danos efetivos,
deverá sempre ser coibida, para garantia de sistemas comerciais seguros e
desenvolvidos, bem assim que os relacionamentos entre as empresas concorrentes
sejam pautados por conceitos éticos, afastando as práticas reprováveis, quer do
ponto de vista legal, quer do ponto de vista moral.
Voltamo-nos novamente à necessidade de estabelecimento de digos de
conduta e éticos, para padronizarmos na sociedade contemporânea,
comportamentos individuais e coletivos, que afastem do convívio sócio-econômico,
infrações de toda ordem, mormente àquelas pautadas em deslealdade comercial, a
chamada concorrência desleal.
Conclui-se, portanto, que a concorrência empresarial e comercial é benéfica,
desde que assim, observados os critérios concretos de liberdade, porém não de
uma liberdade irrestrita, mas que tenha no seu exercício limites necessários, ao
estabelecimento de uma ordem moral e ética que assegure a todos a possibilidade
de lucro, de distribuição de empregos, de renda, de inserção cio-econômica, de
proteção ao trabalhador.
A legislação brasileira prevê tais possibilidades, contudo, diante da
globalização, cada vez mais as empresas estarão empenhadas em buscar soluções
preventivas internas, que visem a melhoria da sua lucratividade, sem que isso
implique na prática de qualquer ato de deslealdade comercial ou industrial, ou seja,
de concorrência desleal.
Nessa busca, a proteção de seus colaboradores, empregados ou não, será
fator substantivo, visando-se a uma melhor integração sócio-econômica do
indivíduo, como paradigma de universalidade.
Contudo, cada vez mais, deles também estará se protegendo a empresa
contemporânea, na medida em que cláusulas de confidencialidade e sigilo
profissional, poderão ser cada vez mais comuns nos contratos de trabalho.
Resta aguardar no panorama nacional e internacional, a evolução das
condições de trabalho, com as cada vez mais presentes comunicações em tempo
real e o ilimitado acesso às informações, para saber-se qual será a postura da
91
91
empresa do futuro, como irá se proteger e como protegerá seus colaboradores,
respeitando os limites que a legislação e os códigos de ética, lhes impõem.
2.2.2 Concorrência Desleal do Empregado: Hipóteses
Com as mudanças das relações de trabalho processando-se cada vez de
forma mais rápida e globalizada, não podemos fugir à discussão do tema acerca da
concorrência desleal, sob a ótica do agente ativo empregado.
Quando chegam notícias a respeito da transmissão televisiva em HD- high
definition, ou seja, digital de alta definição, quando surgem lançamentos de novos
aparelhos de telefonia celular, ondese é possível falar e ver o interlocutor, não se
tem a noção precisa de qual é o limite, sabe-se apenas até que ponto foi atingido
em termos de tecnologias de informação, de comunicações, de alternativas de
energia, de preservação da camada de ozônio, de preservação ou destruição do
planeta.
A flexibilização das normas protetoras dos direitos dos trabalhadores,
aparecerá no horizonte inevitavelmente, diante das diversas possibilidades
referidas, que se descortinam em um futuro próximo.
Contudo, se de um lado, regras mínimas de proteção ao trabalhador terão
que ser mantidas, de outro, regras que protejam as empresas, relativamente ao seu
patrimônio de subsistência, também terão que ser cuidadosamente revistas e
mesmo ampliadas. Tratam-se das obrigações do empregado para com a empresa.
Neste sentido, Mauricio Godinho Delgado afirma que os principais efeitos do
r
92
92
Como exemplo de tais omissões, cita-se a obrigação do empregado de não
praticar concorrência com as atividades do empregador.
Ao meditar acerca do conceito da boa-fé, Américo Plá Rodrigues apresenta
o seguinte conceito para a boa-fé lealdade:
A boa-fé lealdade se refere à conduta da pessoa que cons
93
93
quebra da fidúcia. Grifo nosso. De acordo com as provas dos autos,
durante o contrato de trabalho o autor passou a fazer vendas externas de
livros sem a autorização da reclamada. A testemunha do reclamante (fls.
8/9) afirmou que sabe que isso ocorreu efetivamente apenas na última
semana, palavras, contudo, que não desalentam à reclamada quanto à
penalidade aplicada. Infere-se que o autor, juntamente com outro
empregado de nome Messias, engendrou um esquema de vendas de livro,
inclusive com tentativa de imiscuir-se no mercado com editoras que não
abasteciam a livraria da reclamada, o que demonstra que a intenção não era
a de proceder a uma venda isolada, mas a de solidificar-se no ramo de
vendas de livro, fomentando um mercado paralelo, o que, de fato, culminou
na abertura da "Livraria Dom Quixote Ltda.", conforme certidão expedida
pela Junta Comercial, à fl. 15. Cabe ressaltar que, com a concretização do
empreendimento, o autor tão-somente formalizou a concorrência que vinha
sendo praticada, de antiga data, contra a empregadora, e com início no
curso do pacto de trabalho, já que ninguém se aventura a abrir uma
empresa de um dia para o outro. Fica patente, portanto, que foi no ínterim
do vínculo empregatício que o reclamante iniciou a atividade paralela de
vendas de livro, conforme admitido pela prova oral, aproveitando-se da
estrutura da ré e dos caminhos por ela abertos para lucrar com a venda
externa, em trabalho concorrente com a empregadora e omitindo-lhe o
fato, o que gera falência na confiança que deve existir no contrato de
trabalho e autoriza o despedimento por justa causa. Grifo nosso. Pela
ofensa à lealdade implícita ao contrato de trabalho, fica suprimido o direito
do empregado às verbas rescisórias pleiteadas, uma vez ratificada a justa
causa aplicada. Nego provimento ao recurso. Destarte, conheço do recurso
e das contra-razões e, no mérito, nego-lhe provimento. Márcio Vasques
Thibau de Almeida Juiz-relator
177
No caso referido, ficou cristalinamente demonstrado que o empregado havia
feito negociação de produtos concorrentes ao seu empregador, livros na espécie,
por conta própria e sem autorização deste, inclusive abrindo empresa em sociedade
com outro empregado, incidindo na prática de ato de concorrência desleal.
De acordo com o Juiz relator, a decisão de primeira instância que havia
mantido a justa causa aplicada pela empresa ao empregado, deveria ser mantida,
em razão da quebra da confiança que deve nortear a relação de trabalho.
O fato de o empregado ter constituído empresa, apenas formalizou o que na
prática vinha sendo feito, que era a venda concorrente de livros paralelamente ao
seu emprego como vendedor de livros.
177
MATO GROSSO DO SUL. Tribunal Regional do Trabalho 24ª Região. Turma. Processo ROPS
nº. 00505-2004-004-24-00-0. Relator: Juiz Márcio Vasques Thibau de Almeida, DJMS 04.08.2004.
94
94
No caso em exame, constata-se bem a prática de concorrência desleal por
parte de empregado, caracterizada pela quebra da confiança relativamente a
obrigação de não fazer, que como visto alhures, é a obrigação do empregado de
não praticar concorrência com as atividades do empregador.
Nessa esteira, surgem contratos de trabalho cada vez mais elaborados em
relação às cláusulas de não concorrência e de sigilo.
Na primeira o empregado assume a obrigação de não praticar ação que
induza desvio de clientela de seu empregador.
Na segunda, o empregado se obriga, mesmo após não manter mais vínculo
empregatício com determinada empresa, a não divulgar seus princípios comerciais,
fórmulas de produção, equações tecnológicas, fontes, ou mesmo a não trabalhar
para empresa similar ou concorrente à sua antiga empregadora. Tratam-se de
hipóteses de responsabilidades pós-contratuais.
No regramento consolidado, a proibição do empregado praticar ato de
concorrência em relação à empresa durante a vigência do contrato de trabalho
encontra-se no art. 482, alínea c, da CLT, que permite a dispensa por justa causa
em tais circunstâncias, assim: “a negociação habitual, por conta própria ou alheia,
sem permissão do empregador e quando constituir ato de concorrência à empresa
para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço.”
Com base em referida norma legal, tem-se que à configuração da justa
causa por ato de concorrência desleal é necessário que no procedimento do
empregado reste configurado o seguinte: a) a existência da negociação habitual, por
conta própria ou alheia; b) quando constituir ato de concorrência desleal ao
empregador; c) e que seja prejudicial ao serviço, sem a devida anuência do
empregador.
Portanto, necessário se faz que no ato praticado ocorra a inequívoca
demonstração da presença deste três requisitos, sob pena de não ocorrer o
reconhecimento da justa causa autorizadora da rescisão contratual por empregador,
pela Justiça do Trabalho.
Maurício Godinho Delgado acrescenta a necessidade da ocorrência do
prejuízo:
95
95
Aqui, na verdade, o centro do tipo jurídico não é o negócio feito ou tentado,
mas o distúrbio que causa sua tentativa ou realização no ambiente
laborativo. Em princípio, se não houver prejuízo ao serviço, não a
infração mencionada (embora seja difícil imaginar-se que um empregado
que se arvore em vendedor informal, atuando, dentro da empresa, de modo
permanente, contínuo, insistente e generalizado, não acabe atrapalhando
suas obrigações contratuais e o próprio ambiente laborativo).
Ao enfrentar o tema em foco, Arnaldo Süssekind critica o entendimento de
que, para caracterizar a concorrência desleal ocorra a necessidade da repetição do
ato praticado, pois segundo a sua posição existe a possibilidade de restar
configurada referida infração disciplinar mediante a prática de um negócio ilícito
por parte do empregado.
178
A jurisprudência, ao analisar a questão da concorrência desleal, tem-se
revelado extremamente rígida ao exigir a demonstração da efetiva caracterização da
prática do ato, o qual deve estar revestido das características retro descritas.
também, a permissividade do parágrafo 1.º, do art. 462, da CLT, para o
empregador, durante a vigência do contrato de trabalho, efetuar descontos dos
salários do empregado, do prejuízo decorrente de dolo ou de culpa, nessa última
desde que com previsão contratual.
Surgem as chamadas quarentenas, onde o empregado, durante
determinado período de tempo e em determinada região, pré-estipulados em
contrato, sob penas normalmente fixadas em valores pecuniários elevados,
compromete-se a não trabalhar, nem prestar qualquer assessoria para empresa do
mesmo ramo, da sua anterior contratadora.
Para Carlos Henrique Bezerra Leite não óbice legal à implementação de
referida cláusula contratual durante a vigência do contrato de trabalho, uma vez que
a própria lei impõe ao empregado a vedação à prática de ato de concorrência à
empresa.
179
Referido autor ao admitir a possibilidade de tal hipótese de convenção entre
empregador e empregado, acrescenta a necessidade daquele arcar com a
obrigação em relação a este, no que tange ao seus vencimentos, assim:
178
SÜSSEKIND, Arnaldo. Op. cit, p. 331.
96
96
Noutro falar, não proibição para que as partes convencionem, por
exemplo, a possibilidade de o empregado se afastar do serviço durante
certo período, com ônus para o empregador (percebendo salários), e esteja
obrigado a, durante o mesmo período, permanecer na empresa em regime
de exclusividade. O descumprimento desta cláusula pode, inclusive, ensejar
a justa causa e a indenização acima mencionadas.
180
Não há, no ordenamento jurídico pátrio, nenhuma referência expressa a
essa possibilidade de quarentena que é muito presente na legislação de outros
países.
Sergio Pinto Martins, ao discorrer acerca da hierarquia das normas, aclara
que:
No caso, o contrato de trabalho esposicionado hierarquicamente abaixo
da convenção e do acordo coletivo; se houver disposição que contrariar
aquelas normas, não poderá ser observada. O art. 623 da CLT também
dispõe que não terá validade o acordo ou a convenção coletiva de trabalho
que contrariar a política salarial governamental, o que mostra que aquelas
normas são inferiores hierarquicamente à lei.
181
A norma legal inserta no art. 619 da CLT dispõe que “nenhuma disposição
do contrato individual de trabalho que contrarie normas de Convenção ou Acordo
Coletivo de Trabalho poderá prevalecer na execução do mesmo, sendo considerada
nula de pleno direito”, ou seja, deixa explícita a supremacia das Convenções e
Acordos Coletivos sobre o contrato de trabalho.
Na pirâmide da hierarquia das normas apresentada por Sergio Pinto Martins
o ápice das normas trabalhistas é a norma mais favorável ao trabalhador.
182
Diante de tal hierarquia, em nosso ordenamento jurídico, a princípio, não se
cogita da aplicabilidade da cláusula de quarentena, todavia, ante a omissão do
legislador, o art. 8.º da CLT remete a análise ao Direito Comparado.
Consoante a doutrina de Carlos Henrique Bezerra Leite, no direito alemão, a
legislação prevê a chamada cláusula de concorrência, denominada
179
BEZERA LEITE, Carlos Henrique. Contrato de trabalho e cláusula de não-concorrência.
Procuradoria Regional do Trabalho 17ª Região Artigos. Disponível em:
http://www.prt17.mpt.gov.br/n_nconcor.html. Acesso em: 12 nov.2007.
180
Id. Ib.
181
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 16. ed., atualizada até maio/2002. São Paulo: Atlas,
2002, p. 68.
182
Id. Ib., p. 68.
97
97
Konkurrenzklausel mas com algumas limitações, especialmente em relação aos
empregados no comércio, para cujos contratos de trabalho o período máximo, para
efeito da cláusula de não concorrência é de dois anos. A limitação alemã, busca
equilíbrio nas relações empregado-empregador, pautada na necessidade de
proteção do empregador, de concorrência desleal, mas também na possibilidade de
não estagnação profissional, por parte do empregado.
183
Prosseguindo na sua lição, referido autor aclara que na França, a inserção
de cláusulas de não concorrência no contrato de trabalho ocorre, normalmente em
decorrência de Convenções Coletivas que prevêem uma indenização paga pelo
empregador ao empregado, em decorrência da limitação imposta à sua liberdade de
trabalho, a partir da rescisão do contrato. Dentre as possibilidades de proibição,
estariam a de se estabelecer por conta própria em mesmo ramo de atividade de seu
ex-empregador e a de trabalhar em outra empresa de mesmo ramo de atividade.
184
Assim, segundo o mesmo autor, a jurisprudência francesa tem admitido a
validade de tais cláusulas, impondo, todavia, limitações, no tempo, no espaço e na
natureza da atividade.
na Itália, esclarece Carlos Henrique Bezerra Leite que a cláusula de o-
concorrência denominada de pacto de não concorrência, está prevista no art. 2.125
do Código Civil italiano e tem por escopo, também, a limitação das atividades do
empregado, após a extinção do pacto laboral. Da mesma forma estabelecida pelo
vizinho europeu, na Itália, o pacto de o concorrência, estabelece uma
compensação financeira e limites de tempo, região e objeto da limitação.
185
Enquanto na Espanha, consoante os ensinamentos de referido autor, o
Estatuto dos Trabalhadores prevê a possibilidade do chamado pacto de o
competência, ou seja a contratação da cláusula de não-concorrência para vigência
também após a extinção do contrato de trabalho.
186
Do mesmo modo que os demais partícipes da comunidade européia, na
Espanha também a cláusula trás, a previsibilidade de uma compensação
econômica, agregada a comprovação de que o ex-empregador tenha real interesse
industrial ou comercial na celebração do pacto, em razão de sua atividade. Para
183
LEITE, op. cit..p. 3
184
Id. Ib. p. 3
185
Id. Ib. p. 3
98
98
tanto, ainda a limitação temporal, do não exercício da mesma atividade, que para
os espanhóis é de seis meses após a extinção do pacto laboral ou de até dois anos,
quando for caso de qualificação técnica específica, consoante extrai-se da lição
inserta no mesmo artigo retro citado, onde seu autor esclarece ainda que, também o
art. 21.4 do Estatuto referido, contempla outro pacto relacionado a limitação de
trabalhar do empregado, relativa a sua permanência na empresa, quando dela
tenha recebido treinamento profissional especializado, para a realização de
determinado trabalho, às custas do empregador. Daí que complementa que neste
99
99
Portanto, o se vislumbra óbice na legislação brasileira, para que se
adotem cláusulas de não concorrência, ou quarentenas nos contratos individuais de
trabalho, relativamente à empregados, cujas atividades exercidas ao longo do tempo
em determinadas empresas possam vir a acarretar prejuízos de diversas espécies,
se vierem a ser exercidos por conta própria ou em empresas concorrentes em
seqüência ao rompimento do pacto laboral anterior.
Referido tema, assim como todo novo pensamento jurídico, deve comportar
diversas discussões e estudos, a fim de que se de um lado, busca-se proteger a
atividade empresarial, métodos, descobertas, fórmulas, segredos de empresa, de
outro, necessária a compensação financeira adequada a limitação imposta ao
trabalhador.
Neste sentido, os contratos de trabalho poderão conter cláusulas
específicas regulando a matéria, assim os códigos de ética empresariais, servirão
como grande fonte de direitos e obrigações, para empregados e empregadores,
reservados à complementação de normas de caráter geral, ainda inexistentes.
Ressalte-se que, perante a Justiça do Trabalho o reconhecimento da justa
causa para rescindir o contrato de trabalho pela prática da infração disciplinar da
concorrência desleal somente será aceito se devidamente comprovados os fatos
alegados, em especial o agir com dolo ou culpa do empregado, demonstrando-se
assim a deslealdade no procedimento. Caso em contrário, se afastado o justo
motivo autorizador da rescisão, consoante se extrai do entendimento inserto na
seguinte ementa do acórdão proferido pelo Juiz do trabalho M. Marcelinni, do
Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região, localizado em Belo Horizonte-MG,
assim:
JUSTA CAUSA CONCORRÊNCIA DESLEAL NÃO CONFIGURAÇÃO
AUSÊNCIA DE HABITUALIDADE. Se demonstrado nos autos, através da
prova produzida na instrução oral do feito, que o reclamante prestou serviço
por conta própria e que tais eram da mesma natureza daqueles oferecidos
pela reclamada, mas apenas por quinze ou dezesseis dias, não como
reconhecer a justa causa capitulada no artigo 482, alínea c, da Consolidação
das Leis do Trabalho. É que, no dizer sempre oportuno do mestre José
Martins Catharino, praticar ato de concorrência é violar obrigação de
não fazer, como o de revelar segredo da empresa, podendo ser desleal,
ou ilícito. É proceder com culpa ou dolo para desviar freguesia ou
clientela, seja trabalhando para outro empregador concorrente, seja de
maneira autônoma. Não observada na hipótese factual tal circunstância,
100
100
nada cogita de ocorrência de justa motivação para ruptura do pacto,
devendo a dispensa ser considerada injusta e a reclamada arcar com todos
os ônus de tal ato.
189
(destacou-se)
Assim, não cuidando a empresa de comprovar em juízo os atos praticados
pelo seu empregado, atribuídos de concorrência desleal, não obterá o
reconhecimento por parte da Justiça do Trabalho da justa causa aplicada.
Tal reconhecimento pela Justiça do Trabalho ocorrerá se efetivamente
estiverem configurados se na prática do ato estiverem configurados todos os
requisitos tipificadores da infração disciplinar, consoante extrai-se do entendimento
inserto na seguinte decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da
Região, através do acórdão da lavra do Juiz do Trabalho Luiz Eduardo Gunther:
O artigo 482, letra c, da CLT, ao estabelecer a concorrência desleal em
relação a empresa, como motivo ensejador de justa causa para o
despedimento do empregado exige, segundo a doutrina, a presença
concomitante de habitualidade de atos, desconhecimento do empregador, e
existência de prejuízo. Não comprovados, com rigor, esses requisitos,
afasta-se a justa causa entendendo-se como injusta a dispensa.
190
Insta ressaltar que não óbice legal ao empregado para prestar serviços a
mais de um empregador, sendo que tal situação por si não configura a hipótese
de concorrência desleal, salvo se presente a expressa previsão contratual em
contrário.
Para ilustrar tal afirmação, cita-se a seguinte decisão proferida pelo Tribunal
Regional do Trabalho da Região, através do acórdão da lavra do Juiz Luiz Felipe
Haj Mussi:
Para a caracterização da justa causa, a falta grave consistente em
concorrência desleal, deve restar cabalmente configurada, em face das
repercussões que acarretará na vida profissional do trabalhador. É unânime
na doutrina e jurisprudência que inexiste impedimento legal para que um
empregado preste serviço a mais de um empregador. A exclusividade não é
requisito do contrato de trabalho, salvo se tratar de cláusula expressa do
189
MINAS GERAIS. Tribunal Regional Do Trabalho Região. Processo RO nº. 17427/1996. Belo
Horizonte, DJMG 17.05.1997.
190
PARANÁ. Tribunal Regional do Trabalho 9ª Região. 2ª Turma.Processo RO nº. 8737/1998. Relator:
Juiz Luiz Eduardo Gunther. Curitiba, DJPR, 12.03.1999.
101
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contrato; incompatibilidade de horários; a natureza da função exercida e
existência de concorrência desleal. A concorrência desleal é caracterizada
quando a atividade desenvolvida pelo empregado a outra empresa
prejudicar os serviços ou acarretar sensível diminuição no potencial e lucros
do empregador. Não demonstrado o ato faltoso pela Reclamada, tem-se que
o Autor foi demitido injustamente. Sentença mantida.
191
Imprescindível ressaltar que a cláusula de não-concorrência não viola o
princípio que assegura a liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão previsto no art. 5.º, inciso XIII, da Constituição Federal, uma vez que a
própria norma, em sua parte final, fixa limitações ao princípio, assegurando que
devem ser atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.
Assim, tem-se presente que o caráter de limitação no tempo e no espaço,
do exercício de uma profissão, ofício ou trabalho, ocorrerá em situações
excepcionais, cujas hipóteses foram ventiladas, e sempre se garantindo ao
trabalhador, como medida de retribuição às limitações impostas, uma indenização
compatível com o sacrifício exigido.
Sacrifício este, parcial, haja vista que de qualquer forma, o trabalhador não
estará impedido de exercer seu trabalho ou profissão em atividades outras, que não
ensejem concorrência em relação ao ex-empregador. Neste diapasão de limitação
de trabalhar, encontra-se no Direito Administrativo, a permissão para afastamento
de servidor, a fim de desenvolver estudos no exterior pelo período máximo de quatro
anos, com limitação à exoneração ou a pedido de licença para tratar de interesse
próprio, sem que antes tenha decorrido o prazo igual ao tempo do afastamento.
Antes de ter-se contudo uma legislação completa a respeito das cláusulas
de não contratação ou de limitação ao exercício de atividade ou ainda às chamadas
cláusulas de quarentena, que coíbam a concorrência desleal por parte do
trabalhador, que propiciem, como dito, direitos e obrigações recíprocas aos
empregados e empregadores, pautados em códigos de ética empresariais que
permitam uma tratativa mais acessível entre as partes, a idealização do tema,
passa, necessariamente pela negociação coletiva, onde os interesses de ambos os
lados poderiam ser livremente discutidos e contemporizados.
191
PARANÁ. Tribunal Regional do Trabalho 9ª Região. 5ª Turma.Processo RO nº 00769/1998.
Relator: Juiz Luiz Felipe Haj Mussi. Curitiba, DJPR, 03.07.1998.
102
102
CONCLUSÃO
“En este mundo, señor no hay verdad ni mentira
pues todo tiene el color del cristal con que se mira”
Ramon de Campoamor
192
Tendo como pano de fundo este belo verso, que se apresenta tão conciso e
ao mesmo tempo com uma mensagem tão intensa e precisa, a seguir, adentramos
nas nossas derradeiras considerações.
No âmbito das relações individuais de trabalho, o caminho que se descortina
é aquele em que empregado e empregador deverão trilhar de os atadas e não
mais em pólos opostos, pois em direção oposta ao que se até então praticava,
hodiernamente está muito claro que os interesses buscados por ambas as partes é
comum.
Nesta busca pelo mesmo interesse, empregado e empregador devem ter na
ética uma referência necessária e indispensável para regular as suas relações, na
medida em que houve uma conscientização dos direitos e a preocupação com o
efetivo alcance dos mesmos, diante da evolução ética da sociedade.
Não mais espaço para o pensamento singular, eis que deve imperar nas
relações individuais de trabalho a solidariedade, pois o objetivo a ser alcançado
passa a ser comum às ambas as partes, sendo que em respeito ao princípio da boa-
fé e da confiança, impõe-se que empregado e empregador atuem em colaboração.
Dentro destes preceitos éticos que deverão referenciar as relações
individuais de trabalho, o lucro não é condenado, na realidade o que se espera das
empresas é que, na busca para obter tais lucros, as empresas incluam no seu
elenco de obrigações inerentes a sua responsabilidade social, a conduta ética, pois
além do seu compromisso de assegurar o efetivo exercício dos direitos por parte
dos seus empregados, também é de sua responsabilidade auxiliar na melhora da
sociedade de onde se extrai o seu lucro.
192
COMPOAMOR, apud, BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. 2. ed., Rio de
Janeiro: Renovar, 2002, p. 611.
103
103
Surge a necessidade das empresas se conscientizarem de que não
contradição entre a ética e os negócios, na medida em que a disputa pelo cada vez
mais concorrido mercado, não ocasiona uma excludente dos preceitos éticos.
As empresas passam a sentir a exigência de que incluam em seus
organogramas funcionais a figura do profissional deontologista, cujo campo de
atuação dirige-se a espelhar os seus princípios éticos para os seus stakeholders, da
mesma forma passam a sofrer cobrança acerca da implementação dos códigos de
conduta, que irão padronizar e formalizar os seus padrões éticos. Tais medidas
relativas à ética o uma via de mão dupla, pois se destinam tanto às relações
externas quanto às internas da empresa.
O fundamento ético basilar encontra-se amparado na dignidade da pessoa
humana. Entre os princípios inspiradores da sociedade na busca da preservação da
ética, merecem relevo o da confiança e o da boa-fé. O princípio da confiança exige
o conhecimento, a verdade e a honestidade. a boa-fé, do ponto-de-vista ético,
repousa na honestidade, no agir com retidão. Através da cláusula geral de boa-fé, o
Estado procura harmonizar as relações individuais de trabalho, de modo a garantir o
equilíbrio necessário aos contratantes. A cláusula geral da boa-fé produz a proteção
aos contratantes mais frágeis.
Além do lucro financeiro, as empresas têm o dever ético de incluir entre os
seus objetivos, a preocupação e responsabilização em relação ao desempenho
econômico, ambiental e social, trinômio este denominado de linha de fundo tripla. O
objetivo desta tripla responsabilidade é o da busca de um desenvolvimento global
sustentável, de modo que o mundo seja conservado para as futuras gerações. Ao
implementarem entre os seus objetivos também a responsabilidade social e ao
exteriorizarem os seus projetos sociais, direcionando-os à comunidade, as
empresas passaram a assegurar um retorno econômico, diante da divulgação de
uma boa imagem.
A nova leitura do contrato de trabalho passa pela interpretação do contrato
totalidade, onde o pactuado não se limita apenas a um acordo jurídico, constituído
de regras frias e isoladas que são lançadas no papel, mas também como um fato de
interesse social, que unifica em um só documento as cláusulas sociais e benéficas à
toda a cadeia que será atingida pela relação trabalhista decorrente da pactuação
empregado-empregador, sendo imprescindíveis na sua composição, o princípio da
104
104
confiança e das cláusulas de boa-fé, que culminam na efetivação da aplicação do
princípio da dignidade da pessoa humana.
É imprescindível que o Estado assuma a sua obrigação de mediador, a fim
de intervir com o seu poder para assegurar ao seu povo o efetivo exercício dos seus
direitos, evitando desta forma que movimentos mundiais, quer na política, quer na
economia, possam produzir atentar contra o princípio da dignidade da pessoa
humana, via diminuição dos direitos sociais dos trabalhadores.
A prática de quaisquer atos que caracterize a concorrência desleal é
reprovável de forma veemente, pois se chocam frontalmente contra os preceitos
éticos que devem nortear as relações individuais de trabalho, bem assim o
relacionamento entre as empresas concorrentes.
Em que pese a inexistência em nosso ordenamento jurídico pátrio, de
qualquer referência expressa a possibilidade de se exigir as denominadas cláusulas
de quarentena (hipótese em que o empregado, durante determinado período de
tempo e em determinada região, condições estas pré-fixadas em contrato, assume o
compromisso de, após desligado da sua empregadora, não desempenhar a sua
atividade profissional, sequer prestar qualquer tipo de serviço à empresa do mesmo
ramo da sua ex-empregadora) não se vislumbra qualquer impedimento a feitura de
ajuste em tal direção, pois a própria lei impõe ao empregado a vedação à prática de
ato de concorrência à empresa, devendo observar, contudo, a inclusão da previsão
de pagamento de respectiva indenização ao trabalhador.
Diante de tudo o até aqui versado, pode-se afirmar que a ética ainda não se
faz presente nas relações de individuais de trabalho com a intensidade que deveria,
principalmente em face do pensamento retrógrado daqueles que tem o comando
das empresas que insistem em direcionar o objeto de seus negócios através do
binômio aumento da competitividade e maiores lucros, por força de um mercado
cada vez mais disputado decorrente da globalização, situação esta que em muitas
oportunidades ocasionam as tomadas de decisões que levam à diminuição dos
direitos dos trabalhadores, quando não à própria negação dos mesmos.
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De outro lado, com fundamento nos argumentos até aqui aduzidos, admite-
se a possibilidade da empresa colocar em prática os seus preceitos éticos, sem
comprometer o seu lucro e, ainda, extrair vantagens de referida situação. Para tanto,
é necessário que as empresas incluam no seu elenco de obrigações inerentes a sua
responsabilidade social, a conduta ética, pois também é faz parte das suas
obrigações auxiliar na melhora da sociedade de onde se extrai o seu lucro, pois ao
assim agir, obterá da sociedade o devido retorno, através do reconhecimento dos
seus procedimentos, repercutindo no aumento do consumo de seus produtos e
marcas, eis que vinculados às boas causas, na mesma direção terá um grupo de
empregados que lhe dedicará um grau maior de comprometimento e colaboração,
que resultará no acréscimo da produtividade, bem assim na melhora da qualificação
dos seus produtos.
Para atingir tal objetivo, empresa e trabalhador devem trilhar pelo caminho
das relações individuais de trabalho de mãos atadas, tendo por princípio a ética,
impondo-se que procedam em perfeita harmonia com os princípios constitucionais
da liberdade, da justiça e do solidarismo, que se apresentam dispostos na
Constituição brasileira no art. 3.º, I (que elenca entre os objetivos fundamentais da
República o de construir uma sociedade livre, justa e solidária), bem assim no art.
1º, III (que insere entre os seus fundamentos o da dignidade da pessoa humana) e
no art. 170, “caput” (ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano
e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme
os ditames da justiça social).
Por derradeiro, faz-se necessário repisar o alerta de Norberto Bobbio no
sentido de que “O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje,
não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não
filosófico, mas político.”
193
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BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Campus, 1992, p. 24.
106
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