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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Certame de Atletas Vigorosos/as:
Uma análise dos processos de seleção de professores/as
no séculoXIX (1855 – 1863)
INÁRA DE ALMEIDA GARCIA PINTO
2005
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Certame de Atletas Vigorosos/as :
Uma análise dos processos de seleção de professores/as no século XIX
(1855 – 1863)
INÁRA DE ALMEIDA GARCIA PINTO
Dissertação apresentada ao programa de
Pós-Graduação em Educação da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre em
Educação.
ORIENTADOR: PROF.º DRº: JOSÉ GONÇALVES GONDRA
Rio de Janeiro
2005
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/NPROTEC
P659 Pinto, Inára de Almeida Garcia.
Certame de atletas vigorosos/as : uma análise dos processos de
seleção de professores/as no século XIX (1855-1863) / Inára de
Almeida Garcia Pinto. – 2005.
236 f.
Orientador : José Gonçalves Gondra
Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Faculdade de Educação
1. Professores Seleção e admissão Sec. XIX Teses.
I. Gondra, José Gonçalves. II. Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Faculdade de Educação. III. Título.
CDU 371.12.082
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos amigos principalmente aqueles que acompanharam mais de
perto, acreditaram, estimularam e desculparam minha ausência.
À “equipe técnica” Carine, Caroline, Aline, Nilo, Thiago e Sérgio pela
atenção, apoio, paciência e crítica construindo um ambiente favorável para a produção e
escrita deste trabalho.
As amigos do Arquivo Nacional, Sátiro, Joyce, Carla, Rosane e toda a equipe
que em um momento de mudança se esforçaram em disponibilizar as “preciosas” fontes
para este estudo.
Aos amigos do NEPEH da UERJ, pelo diálogo, troca, cumplicidade, torcida e
toda o carinho que têm demonstrado, esperando que continuemos juntos.
Ao professor Gondra, pelo questionamento constante, provocações bem
vindas, apontando caminhos, corrigindo trajetórias, virgulas e crases, em fim, pela amizade,
dedicação e tranqüilidade que demonstrou nesses sete anos de orientação. Foi um privilégio
tê-lo por perto.
A Deus por mais esta oportunidade.
Muito obrigada a todos vocês!
ÀS MINHAS MENINAS E AO PEDRO
1
RESUMO
O estudo tem como objeto a profissionalização docente, com destaque ao processo de
recrutamento de professores para a instrução pública. Tenho como foco a administração do
Ministro dos Negócios do Estado Coutto Ferraz, procurando explorar principalmente três
questões: Que perfil de professor atenderia às políticas públicas impostas pelo Governo?
Que medidas tomadas pelo Governo vão tentar organizar, definir e controlar o cargo do
professor público? Quais as reações encontradas à essa intervenção? Para tal exercício tratei
de explorar a hipótese de que o “concurso” se constitui em medida auxiliar no processo de
modelação do ofício, buscando examinar o efeito das regras instituídas na constituição do
modelo de profissional para o Estado imperial. Para tal empreendimento o trabalho foi
organizado em cinco capítulos: o primeiro procurou caracterizar a sociedade imperial a fim
de perceber a forma como ela associa a idéia de Civilização com Instrução. Nesta
perspectiva, pretendi destacar as estratégias produzidas pela administração do Estado
imperial em relação à educação da população como um dos meios de controle e
manutenção da ordem monárquica. No segundo capítulo, procurei refletir sobre o processo
de estabelecimento das ordens desenvolvido em meio à construção do próprio Estado
monárquico. Para isso destaquei as ordens: religiosa, médica e militar pela forte ligação
destes campos com a questão da instrução no século XIX. Este esforço teve por fim,
entender o processo de profissionalização desses agentes sociais no Brasil, aproximando-os
da questão da qualificação e recrutamento do profissional desejado para estas diferentes
ordens, percebendo os possíveis isomorfismos e desvios entre as formas de construção
desses campos disciplinares. No terceiro capítulo, analisei as fontes (legislativas, relatórios,
provas, atas, requerimentos e ofícios diversos) com as quais trabalhei na intenção de
compreender a forma como a ordem docente foi configurada no processo de recrutamento e
profissionalização do magistério primário, secundário e superior, procurando entender o
sentido do recrutamento de professores no período estudado. Na quarta parte deste estudo,
tratei da identidade destes profissionais, examinando o estatuto dos professores do século
XIX, formas de adequação e de afastamento em relação às normas de controle e a
contribuição para o processo de profissionalização docente ocorrido no período. No quinto
e último capítulo procurei analisar as técnicas de recrutamento baseado em representações
da classe, produzidas a partir de diferentes posições de Governo.
ABSTRACT
This work aims the lecturing professionalization, particularly the recruiting process of
teachers to the public education. I focus on the administration of the Minister Coutto
Ferraz, trying to address three main questions: What sort of teacher would attend the
Government demands? What measures, undertaken by the Government, define and control
the position of public teacher? What reactions to this intervention occurred? To achieve
these objectives I studied the hypothesis that the examination constitutes itself as an
auxiliary measure in the teaching modeling, and aims to determine the effect of the rules of
the Imperial State professional Model constitution. In order to successfully consider all
facts involved, this work has been organized in five chapters: the first has the objective of
describing the imperial society in such a way that it becomes comprehensible how it
associates the concept of Civilization with the one of Lecturing. From this point of view, I
intended to mark the strategies developed by the Imperial State regarding people education
as a way of control and support of the monarchist order. In the second chapter I considered
the process of the orders establishment developed at the same time of the Monarchy itself.
To that purpose I pointed out the religious, military and medical orders, strongly related to
the theme lecturing in the 19
th
century. As a result it was possible to understand the process
of professionalization of these social agents in Brazil. This way they could be studied
considering the professional qualification and recruiting issues to the mentioned orders.
Eventually the isomorphism and deviations between the construction form of these
disciplinary field could be noticed. In the third chapter I analyzed the sources (legislative,
reports, exams, records, solicitations and several official letters) which I made use in order
to comprehend how the teaching order was configured during the process of the primary,
secondary and superior professorship recruiting and professionalization, trying to determine
the meaning of the recruiting of teachers in the studied period. In the forty part, the
professionals identity was studied, the 19
th
century teachers statute, ways of suitability and
removal regarding the control rules and the contribution to the process of lecturing
professionalization were considered as well. In the fifth and last chapter I intended to
analyse the recruiting techniques based on representations of the class, derived fron
different Government.
1
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 01
I - REFLEXÕES ACERCA DOS OBJETOS E DAS FONTES ........................... 07
II - CIVILIDADE E INSTRUÇÃO UMA QUESTÃO DE ORDEM PARA AS
ELITES DO IMPÉRIO BRASILEIRO ................................................................. 15
2.1- Liberdade ao “cidadão” branco, livre e proprietário: O ideário liberal do
Brasil dos oitocentos .............................................................................................. 15
2.2 - A “boa sociedade” e a manutenção da ordem monárquica ........................... 22
2.3 - “Os Saquaremas” e o laboratório da Província do Rio de Janeiro ................ 29
2.4 - Instrução elementar do “povo mais ou menos miúdo” .................................. 33
2.5 - Regras de seleção de professores na Corte .................................................... 37
2.6 - A “boa sociedade” na transição Império-República ...................................... 46
III –RELIGIÃO, MEDICINA E EXÉRCITO: A RE-FORMA DAS ORDENS
NO IMPÉRIO DO BRASIL................................................................................... 55
3.1 - Saberes e Ordens no Brasil ............................................................................ 60
3.2 - O Altar e o Trono .......................................................................................... 62
3.3 - Razão médica e o Estado ............................................................................... 79
3.4 - Exército e ordem política .............................................................................. 87
3.5 - A profissionalização das/nas ordens ............................................................. 96
IV - O RECRUTAMENTO DOCENTE NA CORTE INPERIAL ....................... 102
4.1 - O “Lugar de Professor” na Corte .................................................................. 108
4.2 - Nos bastidores dos concursos ....................................................................... 122
V - TECNICAS DE RECRUTAR: REPRESENTAÇÃO DOS PROFESSORES
A PARTIR DE DIFERENTES POSIÇÕES DE GOVERNO ............................... 172
5.1 - Uma prévia de si ............................................................................................ 174
5.2 - Representações da classe ............................................................................... 183
5.2.1 - O Professor Frazão ............................................................................... 183
5.2.2 - O Professor Jobim ................................................................................ 187
5.2.3 - Relatório Abranches ............................................................................. 198
APONTAMENTOS FINAIS ................................................................................ 208
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 212
ANEXOS ............................................................................................................... 221
ANEXOS
I
Confirmação dos provimentos dos professores. .......................................
221
II
Mapa de Aulas, Colégios e Casa de Educação em 1829. .........................
223
III
Regulamentos dos concursos às Cadeiras públicas de primeiras letras
em 1845 no Município da Corte................................................................
225
IV
Instruções para a verificação da capacidade para o magistério e
provimento das cadeiras públicas de Instrução Primária e
Secundária..................................................................................................
229
V
Ata de concurso para a Cadeira pública de Instrução
primária......................................................................................................
233
VI
Fragmento de prova de Matemática com parecer da banca examinadora
em concurso para professor primário.......................................................
237
VII
Parecer com ênfase na prova oral do candidato a professor
primário.....................................................................................................
239
VIII
Dispensa das provas de capacidade concedida pelo Governo ao Abade
do Mosteiro de São Bento a fim de dirigir Colégio gratuito de Instrução
primária e secundária. ..............................................................................
241
IX
Ata de concurso para o Imperial Colégio de Pedro II. .............................
243
X
Parecer sobre os candidatos ao concurso para o Colégio de Pedro
II................................................................................................................
246
XI
Conjunto de Atas de concurso para o magistério na FMRJ em
1855..........................................................................................................
250
XII
Panfleto pela moralização dos concursos públicos no ano de
2005..........................................................................................................
270
XIII
Licença para o ingresso no Magistério Público, sem a realização de
concurso. ..................................................................................................
273
XIV
Tabela dos vencimentos dos Lentes e empregados da FMRJ em
1862...........................................................................................................
276
XV
Ata de concurso em que nenhum dos candidatos foi
aprovado...................................................................................................
281
XVI
Ata de concurso anulado ..........................................................................
284
XVII
Ata de concurso em que todos os candidatos foram considerados
plenamente habilitados.............................................................................
288
XVIII
Título de capacidade ...............................................................................
290
.
1
“O mui digno e illustrado director geral, tem
constantemente se esmerado no desempenho de sua
árdua missão, já chorando trabalhos importantes para
a realização das reformas que o governo iniciou pelo
ministério a meo cargo no regulamento de 17 do
corrente anno passado, já procurando dirimir nas
escolas, no collegio de Pedro 2, e em todos os
estabelecimentos de instrucção, a direção necessária,
afim de que não se malogrem as benéficas intenções
do poder legislativo e do governo”. (Relatório do
Ministro dos Negócios Coutto Ferraz, RJ - 1955)
“Sem dúvida, quando um Estado faz sacrifícios para
o melhoramento do ensino, quando offerece
sufficientes vantagens e garantias de subsistência,
consideração e futuro aos que quizerem se dedicar á
honrosa carreira do magistério, póde ter homens
instruídos e habilitados que aceitem o convite e
respondão ao chamado da sociedade que lhes deseja
confiar os destinos da professores; é necessário ter
dado uma direcção especial aos estudos, e possuir-se
certa espécie de conhecimentos que constituem a
sciencia da pedagogia...”. (Eusébio de Queirós-
Relatório do Inspetor Geral- 1855)
2
CERTAME DE ATLETAS VIGOROSOS/AS: UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS
DE SELEÇÃO DE PROFESSORES /AS NO SÉCULO XIX (1855-1863)
INTRODUÇÂO
Pensar a carreira docente no Brasil nos remete aos tempos em que ela ainda
não se encontrava afirmada como profissão. Nas epígrafes, Ferraz e Queirós, prescrevem
reformas necessárias à instrução no Império do Brasil. O primeiro chama atenção para a
necessidade de direção e controle da instrução, afim de que “não malogrem as benéficas
intenções” do Governo. O segundo destaca a formação de professores qualificados com
saberes específicos ao cargo, como um dos caminhos para o melhoramento do ensino e da
“honrosa carreira do magistério”. Já naquela época, portanto, alertava-se para o fato da
necessidade de uma formação diferenciada, assim como da garantia do exercício da
profissão em condições favoráveis que despertasse o interesses de homens “instruídos” e
“habilitados”. Mais adiante, o mesmo documento, acrescenta “é necessário que tenha o
Estado sempre uma reserva de futuros professores e que os vá fornecendo á proporção que
o forem exigindo as circunstâncias e as necessidades do ensino”. Diante desses discursos de
formação, controle administrativo, qualificação e organização de um quadro de professores
em meados dos oitocentos é possível pensar que o século XIX se constitui em uma período
interessante para a investigação do processo de profissionalização docente.
Diferentes autores interessados na docência como objeto de análise têm
destacado as mais variadas questões sobre esse tema. É possível termos uma idéia
aproximada desta produção atual com o mapeamento do conjunto de artigos publicados nos
Anais dos Congressos de História da Educação Brasileira. Este exercício contribui para
melhor compreensão da forma como a questão do Recrutamento e Profissionalização
Docente, investigada neste estudo, vem se configurando no âmbito da produção
historiográfica brasileira.
3
O corpus inventariado congrega os trabalhos produzidos pelos três
Congressos da Sociedade Brasileira de História da Educação (2000, 2002 e 2004)
1
Expressão, portanto, de um dos importantes focos de reflexão nesta área. Os temas
debatidos neste fórum estão sendo pensados nos diferentes níveis de formação de seus
autores: doutorado, mestrado e graduação. Portanto, neste espaço é possível ter acesso à
trabalhos de iniciação científica, monografias, dissertações e teses e também à produção
acadêmica de um conjunto de especialistas, representando os Programas de Graduação e
Pós-Graduação, não apenas da área de educação, das diferentes Universidades e Centros
educacionais espalhados pelo Brasil.
De acordo com a comissão organizadora do III CBHE, esses eventos têm
indicado a consolidação e o fortalecimento da pesquisa neste setor, uma vez que, os
pesquisadores têm feito da Sociedade um “espaço por excelência de interlocução sobre os
resultados de suas pesquisas quer sejam realizadas exclusivamente em instituições no
Brasil, quer em parceria com instituições internacionais”. Surge daí uma produção
diversificada, afirmando um leque de tendências que promovem um detalhamento
historiográfico da Educação importante para o desenvolvimento das pesquisas nesta área.
Portanto, o conjunto dos artigos publicados nesses Anais foi organizado em
eixos temáticos, de acordo com as especificidades de cada estudo. Classificação arbitrária,
para a qual, Foucault (1981)
2
chama atenção, a fim de que não a tomemos como natural.
Artificialidade criada para ordenar os trabalhos, que orienta o leitor, sem contudo, deixar de
ressaltar as fronteiras frágeis desta ordenação. Considerando tais características, o
mapeamento proposto pode nos fornecer uma idéia de como a questão da profissão docente
aparece entre as demais nesta área de estudo. Para melhor compreensão o quadro I nos
mostra a forma como foram organizados os eixos em cada um dos CBHE:
1
O ICBHE, realizado na UFRJ, teve como tema central “Educação no Brasil, História e Historiografia”; no
IICBHE, realizado na UFRN o tema central foi “História e Memória da Educação Brasileira” e o IIICBHE,
realizado na PUC/PR, teve como centro “A Educação Escolar em Perspectiva Histórica”
2
Sobre o tema, conferir “As palavras e as coisas” Foucault 1981.
4
Quadro I - Organização dos eixos no I, II e III CBHE
ICBHE IICBHE IIICBHE
Estado e Políticas
Educacionais (30); Fontes,
categorias e métodos de
pesquisa em história da
educação (30); Gênero e
Etnia (22); Imprensa
Pedagógica (9); Instituições
Educacionais e/ou
científicas(41); Pensamento
educacional (40); Práticas
escolares e processos
educativos (37); Profissão
Docente (22)
História Comparada da
Educação (12); História dos
Movimentos Sociais na
Educação Brasileira (18);
História das Culturas
Escolares e Profissão
Docente no Brasil (111);
Intelectuais e Memória da
Educação Brasileira (93);
Relações de Gênero e
Educação Brasileira (51);
Estado, Nação e Etnia na
História da Educação (49);
Processos Educativos e
Instâncias de Sociabilidade
(94)
Arquivos, Fontes e
Historiografia (80); Estudos
Comparados (13); Políticas
Educacionais e Modelos
Pedagógicos (107); Cultura
Escolar e Práticas
Educacionais (112);
Profissão docente (46);
Movimentos Sociais e
Democratização do
Conhecimento (11); Ensino
da História da Educação (06).
Atendendo aos limites deste tipo de avaliação, podemos observar que muitos
nomeiam seu objeto de estudo genericamente, caracterizando-o amplamente dentro do tema
profissão docente, outros porém, trabalham num campo restrito, delimitando o foco de
estudo, e, com esta prática seus trabalhos acabam sendo distribuídos pelos demais eixos da
programação, sem contudo deixar de pertencer a temática da profissionalização. Nesta
perspectiva, foi possível encontrar referências à carreira de professor espalhadas entre os
diferentes eixos temáticos que integram o tema central de cada um desses eventos. Este
fato, no meu entender, colabora para afirmar a importância deste aspecto da história da
educação no conjunto da produção da área em questão.
Sendo assim, de acordo com os quadros estatísticos destes Anais fornecidos
pelas secretarias destes congressos, o tema profissão docente aparece representado nos três
eventos com os seguintes números de artigos:
5
Quadro II - Profissão Docente no I, II e III CBHE
Ano Total de artigos Nº de eixos temáticos
Nº de artigos no
eixo profissão
docente
2000 231 08 22
2002 428 07 111/34
3
2004 418 08 51
Estes números, além de constatar a consolidação e o fortalecimento da
pesquisa nesta área, como indicam os organizadores dos CBHE (s), apontam a produção de
trabalhos no eixo da profissão docente, com um percentual de 10%, 8% e 12%
respectivamente em relação ao total de trabalhos aceitos em cada um dos eventos. Estes
números, como vimos, contestados, uma vez que a busca do tema nos demais eixos dos
congressos nos forneceriam, pelo menos, mais 30 artigos diretamente relacionados com a
formação de professores.
É interessante destacar, que os historiadores analisam a docência por
intermédio das mais diferentes entradas, como por exemplo, as políticas educacionais,
reformas, o exercício da profissão, processo de profissionalização, representações acerca do
professor e seu ofício, da pedagogia, das instituições de formação, dos periódicos, dos
saberes escolares, entre outras possibilidades. Ainda se pode observar que, entre os temas
privilegiados por estes autores encontram-se as questões relativas a profissionalização, o
exercício da profissão e a história das instituições de ensino, escritas sob perspectivas
variadas.
Sendo assim, a investigação das relações entre o tema “Recrutamento e
Profissionalização Docente” de que trata este estudo, e as demais produções no sub-tema
profissão docente, 184 no total, apenas 4 autores em 5 artigos, estão pensando nos
procedimentos de acesso a carreira de professor. Dentre estes, encontram-se dois artigos
que fazem parte dos resultados parciais desta dissertação.
No primeiro CBHE, Yolanda Lobo, da UENF, analisa o concurso público
para provimento da 4º cadeira do sexo feminino da freguesia de São Cristóvão, em abril de
1884, no qual a candidata classificada em 1º lugar não pôde assumir a cadeira. Um relato de
caso, que descreve acontecimentos em relação a este concurso público no século XIX. No
6
segundo CBHE, apresentei parte dos resultados das minhas pesquisas com o objetivo de
destacar o processo de recrutamento de professores públicos primários no período entre
1855-1863 e, no terceiro, procurei analisar os pedidos de inscrição e isenção aos concursos
públicos do ensino elementar, numa tentativa de identificar o perfil do candidato a
professor primário neste período. Neste mesmo congresso, Rosiley Souto/PUC/SP,
apresentou uma proposta bastante semelhante a esta última, com destaque para os critérios
de inscrição aos concursos, contemplando o período de 1892-1896, e Liéte Accácio/UENF
descreveu a organização de concursos, para o provimento dos cargos de catedráticos da
Escola Normal para quinze cadeiras, entre 1928-1930.
Como podemos perceber, a questão dos exames para o provimento dos
cargos de professor se constitui em temática ainda pouco explorada nos Anais dos
Congressos da SBHE. Acredito que este quadro se mantenha em relação aos demais
espaços de difusão da pesquisa em História da Educação, uma vez que, como já foi citado
anteriormente, a Sociedade tem representado satisfatoriamente a função de concentrar parte
da produção acadêmica. No entanto, em relação ao período estudado, é imensa a massa
documental referente aos concursos, existindo, portanto, possibilidades variadas de
entrarmos em contato com o futuro de um passado guardado nos arquivos, a espera de
diligências bem definidas, do olhar e compreensão dos historiadores da educação brasileira,
principalmente os interessados na história da profissão docente.
Para tal empreendimento o trabalho foi organizado em quatro blocos: o
primeiro apresenta uma reflexão mais detalhada acerca dos procedimentos de trabalho no
que se refere ao objeto e o modo como o mesmo foi recortado, bem como às fontes, suas
características e a relação que se procurou manter com o corpus documental instituído neste
estudo. No segundo, procurei caracterizar a sociedade imperial, a fim de perceber a forma
como ela associa a idéia de Civilização com Instrução. Nesta perspectiva, pretendo destacar
as estratégias produzidas pela administração do Estado imperial em relação à educação da
população como um dos meios de controle e manutenção da ordem monárquica. No
terceiro capítulo procuro refletir sobre o processo de estabelecimento das ordens
desenvolvido em meio à construção do próprio Estado monárquico. Para isso procurei
destacar as ordens religiosa, médica e militar, pela forte ligação destes campos com a
3
Neste ano, o tema da profissão docente foi associado ao tema da cultura escolar no eixo: “História de
Culturas escolares e Profissão docente no Brasil”, daí a diferença do nº de artigos. Apenas 34 relaciona-se
7
questão da instrução no século XIX. Este esforço tem por fim entender o processo de
profissionalização desses agentes sociais no Brasil, aproximando-os da questão da
qualificação e recrutamento do profissional desejado para estas diferentes ordens. Neste
sentido pretendo detectar os possíveis isomorfismos e desvios entre as formas de
construção desses campos disciplinares.
No quarto capítulo estarei analisando a forma como a ordem docente foi
configurada no processo de recrutamento e profissionalização do magistério primário,
secundário e superior, procurando entender o sentido do recrutamento de professores no
período estudado. Na quarta e última parte deste estudo, tratarei da identidade destes
profissionais: quem eram os professores do século XIX? De que forma adequavam-se as
normas de controle e modelação ou, se afastavam delas reagindo e desviando-se do
estabelecido pelo Governo imperial? De que classe social emergiram? E, por fim, como
contribuíram para o processo de profissionalização docente ocorrido no período?
com a carreira do professor.
8
I – REFLEXÕES ACERCA DOS OBJETOS E DAS FONTES
Viñao Frago (2001) chama a atenção para o poder da escrita como vestígio:
“O textual não é um espelho do real; como a fotografia, interpreta-o, transforma-o, mas
sempre remete a, e indica a existência de um contexto de produção e de uma realidade
posta por escrito. Tanto um como a outra deixam seus vestígios no escrito”. Este autor, cita
Claude Nicolet:
...uma das transformações ligadas, na Roma antiga, à passagem da República
para o Império, da Cidade ao Estado, foi o processo de centralização
administrativa ou de concentração na capital do império, e nas de cada uma das
províncias, da informação e das decisões políticas ou governo. A par deste
processo, como parte do mesmo, teria lugar o recurso crescente do documento
escrito e o incremento e aperfeiçoamento das técnicas de obtenção, circulação e
conservação do escrito. (...) Tais documentos e arquivos, lugares da memória e
do poder e do esquecimento- tornavam-se assim no símbolo e na representação
deste poder. De um olhar único e uniforme do poder sobre um espaço
dominado, conhecido e registrado nas suas características, população e
riquezas. Daí a necessidade política de uma cartografia – mapas -, de
comunicações - estradas correios- e de tombos, inventários, censos, estatísticas
e séries contáveis e administrativas, orçamentos, finanças. De aumentar e
melhorar, em definitivo, a memória da administração, ou seja, do poder. (p.24)
No entanto, Frago acrescenta que,
a necessidade de deixar uma permanência escrita dos direitos do Estado- ou
seja, do monarca em relação aos particulares, a outros Estados e ao poder
religioso, com finalidades probatórias perante a justiça ou perante aos mesmos
poderes políticos, foi mais um outro traço –apreciável também, entre os
nobres, comerciantes e particulares- desse processo geral de progressiva
escrituração e normalização da legislação estatal e dos procedimentos
judiciais, em especial os probatórios. (apud. p.25)
.
Nesta perspectiva, podemos fazer um paralelo com as iniciativas de
institucionalização da instrução por parte do Estado imperial brasileiro. Documentos
anexados aos pedidos e atestados, como afirmavam os próprios requerentes, deveriam
comprovar a verdade das informações dirigidas ao Inspetor Geral. Assim, a expressão
“como tudo comprovam os documentos juntos” era referida com freqüência nos escritos
endereçados à Inspetoria Geral de Instrução Primária e Secundária (IGIPSC), durante o
9
tempo em que esta centralizou a administração dos negócios da instrução na Corte imperial.
Toda a correspondência provinda das escolas, da prática do recrutamento de professores e
demais papéis comprobatórios, passaram pela diretoria da instrução deixando aí seus
registros, guardando os sinais de uma época, que agora é possível destacar, olhar e elaborar
uma reflexão a partir destas fontes.
No movimento da “progressiva escrituração” foi instituída a prática do relato
oficial, forma de registro do estado das coisas, do já feito e do ainda a fazer. Dispositivo de
poder que articulados a em lugar de produção, contém traços das forças e do sujeito que
produzem este tipo de texto. Nesse caso, encontram-se os relatórios do Ministro e
Secretário Estado dos Negócios do Império e os do Inspetor Geral de Instrução, nos quais
podemos perceber boa parte do discurso oficial sobre a instrução no período
4
. Por
intermédio dessas escritas administrativas, os sujeitos que ocupam tais posições vão
prestando contas ao Governo (Assembléia Geral Administrativa) do desempenho de suas
funções nos respectivos cargos, ao mesmo tempo que promovem e interferem um debate
5
sobre a escola e o ensino em diferentes espaços. Neste caso interessa analisar as referências
ao município da Corte.
Eusébio de Queirós
6
, na direção da Inspetoria Geral de Instrução Primária e
Secundária da Corte (IGIPSC), inaugurou em 1855, uma série de relatórios que, segundo
suas próprias palavras, tentava descrever “o estado lastimável em que se encontra a
educação em todo Império”. O ex-chefe de polícia
7
, permaneceu no cargo de inspetor geral
durante quase uma década, defendendo a instrução como forma de civilização e progresso.
Seu primeiro relatório inicia-se com uma convocação: “Nem uma ambição há mais nobre
do que promover a felicidade futura da nação, dando a todos os meios de dissiparem para
seus filhos as trevas da ignorância, e de conquistarem assim sua emancipação moral”. Por
intermédio desses documentos, de acordo com Gondra & Garcia (2002) o Inspetor Geral
desenvolveu um conjunto de questões tão vasto quanto as competências regulamentares do
cargo que ocupava:
4
Sobre uma reflexão à respeito dos Relatórios do Ministro ver Borges (2005)
5
Sobre o tema conferir Gondra, Garcia e Sacramento, 2000.
6
Sobre as demais atuações do político conferir em Gondra e Garcia (2002)
7
De acordo com Gondra e Garcia (2002), Eusébio de Queirós foi designado para o cargo de chefe de polícia,
três meses antes de completar 21 anos, exercendo essa função durante quase onze anos, sendo o que mais
10
Coube, portanto à Eusébio de Queirós, na qualidade de Inspetor-Geral, no
período de 1855 a 1863, inspecionar as escolas, colégios, casa de educação e
estabelecimentos de instrução primária e secundária, públicos e particulares;
presidir exames de capacidade para o magistério e conferir títulos de
aprovação; autorizar a abertura de escolas e estabelecimentos particulares de
instrução, responsabilizar-se pelos compêndios adotados nas escolas
públicas; coordenar a estatística anual anual das províncias e apresentar
relatório referente ao estado da instrução nas Provinciais e na Corte;
convocar e presidir o Conselho diretor; organizar o regimento das escolas e
dos outros estabelecimento de instrução; apresentar orçamento anual; julgar
as infrações disciplinares; propor ao Governo as gratificações e aumento dos
vencimentos dos professores; indicar os habilitados ao magistério e ao cargo
de adjuntos; indicar os jubiláveis e os alunos gratuitos ou meios pensionistas
do Colégio Pedro II; remeter ao governo as notas dos alunos; informar os
isentos de provas de capacidade para o exercício do magistério dentre outras
funções. (Gondra & Garcia, 2002, p.319)
Sob a direção de Queirós, portanto, a IGPSC ficou encarregada da
elaboração e coordenação de medidas de controle em relação à instrução primária e
secundária, além de colaborar com a seleção de alunos para o ensino superior
8
. Esta
instituição, foi organizada para colocar em vigor a lei de 17 de fevereiro de 1854
9
. Ao
concentrar e tentar regularizar os procedimentos em relação à Instrução pública e particular,
acaba por registrar e guardar uma vasta documentação à respeito desta época, que hoje
encontra-se, quase exclusivamente, sob a guarda da Biblioteca Nacional, do Arquivo
Nacional e do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. A partir deste acervo.poderemos
ter uma idéia do que representou o regulamento de 1854 para a instrução na segunda
metade do século XIX.
Gondra & Tavares (2004) afirma que esta norma de autoria do então
Ministro dos Negócios do Império Coutto Ferraz, procurou forjar um modelo de escola
moderna, com prescrições voltadas para a estrutura administrativa, idade e condição dos
alunos, saberes a serem ensinados, a questão dos métodos e dos problemas de formação e
tempo permaneceu no cargo. Esta secretaria foi a semente a partir da qual se desenvolveu a Polícia Civil que
conhecemos. (p.316-317)
8
Esta competência apesar de não e constar entre as designadas pela lei de 1854, ela é conferida ao Colégio
Imperial de Pedro II, no sentido de preparar os exames de ingresso ao curso superior. Os alunos inscritos
neste exame, caso aprovados, passariam direto para a faculdade escolhida.
9
Gondra (2000) cita Blake (1899), Moacir,(1837) e Sisson, (1948) para informar que as bases desta reforma
foram lançadas, em 1851, pela autorização da Assembléia Geral Legislativa, aprovada sem debates, em 15
dias, a partir da proposta do então deputado Luiz Pedreira do Coutto Ferraz que, à época, além de integrar os
quadros daquela assembléia, também presidia a Província do Rio de Janeiro (1848-1853).
11
recrutamento de professores, distribuição do tempo, regime de inspeção das escolas
públicas e particulares, gratuidade e obrigatoriedade escolar, entre outros aspectos.
Segundo este autor, o modelo escolar presumido para esta reforma supõe um mecanismo de
auto-regulação e a criação de uma estrutura administrativo-policial, com dispositivos de
controle que associam agentes do poder executivo e legislativo a um corpo de inspeção,
destinado a fazer valer os princípios da lei, de modo a instaurar uma escola menos arcaica e
mais profissionalizada: “Modelo de governo que vai produzindo uma estrutura cada vez
mais hierarquizada, por meio de uma forte ramificação de poder”.
Coutto Ferraz, no relatório de 1854, anunciou sua intenção chamando
atenção para a necessidade de:
vulgarizar e estender o ensino público, organizar melhor o magistério, dando
vantagens no presente e segurança no futuro aos professores, mas exigindo
delles também mais aptidão e maior zelo: preparar bons professores; regular
as condições do ensino particular; e chamar para um centro de inspeção por
parte do governo os collegios.
Gondra & Tavares (2004) ao analisar os regulamentos elaborados por Ferraz
nas províncias do Espírito Santo (1848), Rio de Janeiro (1849) e na Corte (1854), associa-
os a um projeto reformador que objetivava, ‘levar a nação à luz da modernidade’: “Cabe
dizer que na luta por uma ‘modernidade’, o que se propunha, muitas vezes, era fruto de
articulações internacionais, nas quais a Europa (principalmente a França e os Estado
Unidos) assumem uma posição destacada”. No Relatório acima citado, Ferraz acrescenta
que “depois de haver compulsado os trabalhos, que já encontrou adiantados, e de ter
consultado as pessoas habilitadas por sua leitura e practica neste ramo do serviço público,
formulou o Governo pelo ministério a meo cargo o regulamento, que baixou com o decreto
de 17 de fevereiro do corrente anno”, o que reforça a tese de que suas medidas são
articuladas à medidas assemelhadas, postas em curso em outros lugares.
Esta norma, portanto, torna-se peça fundamental para a construção deste
estudo, uma vez que aponta para a forma legal dos procedimentos de controle promovidos
pela IGIPSC. Assim, o Regulamento de 1854 legisla sobre educação prevendo, entre outros
pontos, o controle da profissão docente pela seleção, admissão e inspeção, além de ditar
normas relativas ao ingresso, ao comportamento, deveres e direitos dos professores que
12
deveriam atuar nas escolas públicas primárias e secundárias da Corte. Junto a esta
legislação, o Ministro também produz a reforma do ensino superior, na qual propõe
mudanças nos Estatutos das Faculdades de Medicina e Direito do Império, estabelecendo os
procedimentos que vão determinar, entre outros aspectos, as normas para o ingresso de
alunos e o recrutamento de professores para estas instituições
10
.
Os referidos regulamentos da instrução primária e secundária, assim como as
reformas do ensino superior tinham, na seleção de professores por concursos públicos, uma
das estratégias de recrutamento e modelação do profissional, ficando caracterizado a
preferência pela qualificação docente por intermédio da seleção e do controle do exercício
da profissão. Apesar deste estudo se concentrar nesta primeira intenção, será interessante
estabelecer um estudo paralelo das formas como o Governo desejava controlar o “ser
professor” e, neste caso, os Regulamento e Estatutos sobre a organização escolar e seus
sujeitos podem colaborar para estas reflexões O trabalho com estas fontes, segundo Gondra
(1999), indica que devemos compreendê-las como um discurso que procura construir
determinada unidade das escolas públicas de instrução, no Município Neutro. No caso, esta
iniciativa integra um conjunto de intervenções realizadas pelo Poder Público no sentido de
inventar e regular uma rede de escolas públicas de instrução primária, secundária e
superior.
Ao analisar este conjunto do que seria o Regimento interno para as escolas
elementares, o destinado ao Colégio Imperial de Pedro II e os estatutos das Faculdades do
Império, nota-se uma estrutura semelhante de conformação dessas práticas no interior das
instituições a que se dirigem, procurando destacar os principais pontos “sobre os quais se
procura estabelecer um código de unificação para a vida escolar traduzindo, deste modo,
uma dada representação de escola, de seus agentes e de suas práticas”
11
.
Gondra sugere que as fontes sejam analisadas a partir de interrogações que
as tornem, elas mesmas, um problema, como advertem Nunes e Carvalho (1993). Nesta
expectativa estarei trabalhando com as fontes na sua perspectiva histórica procurando
identificar a sua produção, os sentidos e os usos deste material no período em que se
10
O Ministro Coutto Ferraz, inicia seu relatório de 1854, indicando a legislação que autorizaram tais
reformas: “Começarei este artigo por dar-vos conta do uso que fez o Governo das autorizações concedidas
pelas leis nsº 608 de 16 de agosto, e de 630 de 17 de setembro de 1851, e de 714 de 19 de setembro de 1853,
para a reforma da instrução primária e secundária da corte e do ensino superior do Império.
13
estabelece o seu aparecimento. Desta forma, ao tentar responder as questões propostas às
fontes , Gondra (op. cit.) indica que se deve procurar estabelecer o que Faria Filho (1997)
denominou de “construção de uma teoria da fonte, produzindo sua inteligibilidade,
procedimento que procura evitar que o documento funcione apenas como suporte ou
ilustração para interpretações pré-estabelecidas”. Ao contrário, os documentos serão aqui
analisados, no confronto entre o que foi escrito e estabelecido como norma pelo Governo e
os que representam os sinais das práticas deste processo de seleção e conformação dos
profissionais, a partir dos elementos fornecidos pela problematização.destas fontes.
Portanto, estarei considerando, o que foi padronizado e os procedimentos que se
estabeleceram a partir desta busca de uniformização da instrução na Corte.
Sendo assim, uma parte desta documentação produzida no âmbito da
Inspetoria será analisada neste trabalho com o objetivo de fazer uma reflexão sobre os
concursos de seleção ao magistério público do Município da Corte em seus três níveis de
ensino, reconhecendo, nesse processo, uma importante estratégia de Governo dos
professores, no sentido de modelar e atualizar o profissional docente, de acordo com as
regras impostas pelo Estado imperial em meados do século XIX até os momentos que
antecedem à República.
Cabe ressaltar que, este estudo, procura dar seguimento a um primeiro ensaio
de Gondra (1998), no faz uma reflexão acerca dos concursos ao cargo de professor primário
no período de 1876-1878, indicando a importância deste tipo de análise para a compreensão
do modelo de professor “desejável” para o Estado Imperial.
Com esse esforço, focalizando a administração do Ministro dos Negócios do
Estado Coutto Ferraz e a implementação da IGIPSC, mais precisamente o tempo em que
esta inspetoria encontra-se sob a direção de Eusébio de Queirós no cargo de Inspetor Geral,
objetivei explorar uma tripla interrogação: Que perfil de professor, neste momento de
construção do Estado Imperial, atenderia às políticas públicas impostas pelo Governo? Que
medidas tomadas pelo Governo vão tentar organizar, definir e controlar o cargo do
professor público? Quais as reações encontradas à essa intervenção?
Assim, o estudo tem como objeto a profissionalização docente, questão que
poderia ser analisada, como já vimos, em diferentes dimensões. Neste estudo, procurei dar
destaque ao processo de recrutamento de professores para a instrução pública, sem contudo
11
Conforme aponta Gondra & Gama (1999, pág. 25)
14
deixar de observar, no caso do ensino primário e secundário, o movimento de professores
no interior das instituições de ensino particular, uma vez que, como já foi citado, a IGIPSC
também encarregava-se de controlar esta esfera da instrução.
Ao definir tal foco, tratei de explorar a hipótese de que o “concurso” se
constitui em medida auxiliar no processo de modelação do ofício, medida esta que, na
história da profissão docente, antecede as iniciativas de formação profissional.
Concentrando atenção no processo de seleção de professores por intermédio dos concursos
públicos, busquei examinar o efeito das regras instituídas na constituição do modelo de
profissional autorizado à ingressar no quadro de funcionários do Estado imperial. O
trabalho foi desenvolvido a partir da análise dos documentos consultados, postos em
confronto com o regulamento de 1854, os estatutos das Faculdades, e com a prática dos
concursos, procurando dar conta da forma pela qual o Estado se esforçou em construir
determinadas características do profissional docente. Assim, destaco estes exames como
parte do processo de configuração da profissão pela seleção, modelação e atualização das
exigências ao exercício do cargo de professor.
Sobre este aspecto, Bourdieu (1975) ajuda a compreender o papel dos
exames de seleção para a qualificação do profissional e a atualização do cargo. Pare este
autor, um certificado, um diploma, assim como uma autorização ao exercício profissional,
garante uma competência de direito que, nem sempre, corresponde a uma competência de
fato, por ser:
O tempo do diploma não é o da competência: a obsolescência das
capacidades (equivalente ao desgaste das máquinas) é dissimulado-negado
pela intemporalidade do diploma. Eis aí um fator suplementar de defasagem
temporal. As propriedades temporais são adquiridas de uma só vez e
acompanham o indivíduo durante toda a sua vida. Resulta daí a
possibilidade de uma defasagem entre as competências garantidas pelo
diploma e as características dos cargos, cuja mudança depende da economia,
é mais rápida.
Com este entendimento, considero os exames de capacitação, nos dão uma
idéia do perfil profissional desejado pela instituição responsável pelo recrutamento. No
exame dessa hipótese, busquei reconstituir a história dos concursos realizados no período
com base em diferentes documentos. Inicialmente, trabalhei com um conjunto de provas de
professores encontrado no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro e no Arquivo
15
Nacional. Ao lado dessas fontes primárias referentes aos exames dos candidatos para
concursos públicos do período, analisei também, as atas dos mesmos nas quais são
confirmados os saberes exigidos em cada prova, identificadas a comissão responsável por
sua elaboração e a relação dos pareceristas que, cabe assinalar, eram professores públicos
escolhidos pela comissão. Do mesmo modo, estudei os relatórios do Inspetor Geral e as
Instruções para a verificação da capacidade para o Magistério e Provimento das Cadeiras
Públicas de Instrução Primária e Secundária. Nestes, encontram-se especificadas as
exigências para o ingresso na profissão, ditando as regras, propondo normas, definindo
programas e, com isso, conformando o perfil dos candidatos que poderiam se apresentar ao
concurso. No que diz respeito ao recrutamento de professores para o ensino superior, tomei
como referência os estatutos das escolas de Medicina, Jurídica e Comercial, assim como
editais, atas de exames e provas dos candidatos à docência nestas instituições.
A fim de conhecer um pouco mais desses futuros profissionais, procurei
analisar os saberes exigidos nas provas desses concursos, assim como investigar o modo
como entendiam as questões formuladas no programa. Esse exercício permite conhecer as
práticas pedagógicas valorizadas no período e a distinção entre estas e a indicada pela
oficialidade por intermédio da legislação em vigor. Além disso, ao entender que o concurso
serve também como meio de comunicação entre o órgão que seleciona e os candidatos ao
cargo de professor, dei destaque, não apenas ao discurso oficial mas também as
representações do professor quando remete ao modo como sua experiência profissional está
sendo significada. Assim, ao aprofundar o estudo dos concurso ao cargo de professor,
entendendo-o não só como estratégia de seleção mas também como forma de modelação e
atualização do cargo, proponho uma reflexão mais detida sobre o tema, afim de se
compreender o sentido da prática dos concurso para uma sociedade que precisa nomear,
classificar e controlar os profissionais que dela participam.
16
II- CIVILIDADE E INSTRUÇÃO: UMA QUESTÃO DE ORDEM PARA AS
ELITES DO IMPÉRIO BRASILEIRO
O objetivo deste capítulo é discutir os aspectos que caracterizaram, segundo
a visão de determinados autores, a sociedade do século XIX. Além disso, procuro analisar
as estratégias de manutenção da ordem produzidas pelos integrantes da sociedade imperial,
importando considerar as relações sociais, políticas e econômicas que implicaram nas
condições de emergência da profissionalização docente neste período. A análise destas
questões, ajuda a caracterizar o momento histórico em que ocorreram os concursos para
professores e o sentido desse recrutamento no Império do Brasil. Nesta expectativa,
pretendo chamar atenção para a forma como as novas idéias chegaram ao Brasil no século
XIX e como estas foram apropriadas pelas elites políticas; caracterizar o que se chamou
“Boa sociedade”, e como ela formula uma série de estratégias de governo, no sentido de
manter a ordem monárquica destacando o laboratório da província do Rio de Janeiro como
um exemplo desta ação; e, por fim, produzir uma idéia do que representou a instrução da
população neste período e o sentido do recrutamento de professores na sociedade imperial.
2.1 - Liberdade ao “cidadão” branco, livre e proprietário: O ideário liberal no Brasil
dos oitocentos.
Ilmar Mattos torna-se referência importante para o entendimento deste
período histórico. Em “O Tempo Saquarema”, constrói uma análise do complexo processo
em que ocorreu a construção do Império brasileiro, a partir da vinda da Corte portuguesa
para o Brasil. Outros autores como Alencastro (1998), Schawarcz (1998), Engel (2003),
Neves (2003), Guimarães (2003), Gondra (2004), Alves (2003), colaboraram na
17
problematização das questões postas nesse capítulo, que conta, também, com Heitor Lyra
12
e Antônio de Oliveira
13
, ambos, políticos do Império que partilharam dos momentos
decisivos do apogeu e decadência da monarquia. Estes últimos, foram incluídos na revisão
bibliográfica, por serem contemporâneos do período estudado, contribuindo, desta forma,
para nos dar uma idéia de como determinados integrantes dessa sociedade imperial estavam
compreendendo o seu tempo.
Os estudos de Mattos (2003) assinalam que a Família Real e sua comitiva
desembarcaram na colônia portuguesa com um projeto: “Criar um poderoso império no
Brasil, donde se volte a reconquistar o que se possa ter perdido na Europa”.
14
. Uma nova
Lisboa para uma velha metrópole ameaçada pelos novos tempos, novos ideais de liberdade,
nova concepção de mundo
15
. O autor esclarece que os dirigentes imperiais procuraram ao
mesmo tempo difundir determinados valores como condição para o exercício tanto de uma
direção intelectual e moral quanto de uma dominação. Uma dominação que, segundo ele,
pretendia ser ilimitada em três sentidos: o espacial, por não haver fronteiras para o seu
domínio, o sentido temporal, uma vez que o domínio imperial é apresentado como
necessário e eterno, e o domínio ideológico, pois o império busca controlar toda a
experiência social.
16
Neves (2001)
17
afirma que o século XIX nasceu sob a égide do embate entre
o Antigo Regime e as Luzes:
Para aqueles que defendiam o fim do Antigo Regime, tornava-se essencial
assegurar ao indivíduo as garantias consideradas essenciais – os direitos do
cidadão, a liberdade de expressão, de imprensa, de reunião e de associação.
Nesse sentido a única forma de garantir esses direitos e liberdades era
através de uma Constituição, que limitasse os poderes do soberano e desse
voz à sociedade por meio de uma representação nacional.
18
.
12
Heitor Lyra foi um político do Partido Conservador,
13
De acordo com Vieira (2003), Antonio Oliveira, foi deputado do Partido Liberal do Maranhão (1882-1885),
tendo criado a escola noturna para adultos, chamada “Onze de Agosto” e uma biblioteca pública em São Luiz
, com mais de cinco mil volumes. Pronunciou várias conferências sobre educação, publicadas em 1871, sob os
títulos: “A necessidade da Instrução”, “A instrução e a ignorância”, “A sociedade e o princípio da associação”
e “Discurso sobre a educação feminina”.
14
Ibidem, p.149
15
Ibidem, p.149.
16
Ibidem, p.150.
17
Neves (2001): Liberalismo Político no Brasil: Idéias, Representações e Práticas (1820-1823), p.76.
18
Ibidem,p.76
18
Neste cenário de novas exigências em nome de idéias liberais e
constitucionais, o movimento militar no Porto em 1820, propunha uma “regeneração
política”, prevendo uma “nova ordem de coisas” com as quais pretendiam “substituir as
práticas do Antigo Regime pelas do liberalismo, sob a ótica das mitigadas Luzes ibéricas”.
No Brasil, esse movimento foi incorporado pelos componentes das suas elites
19
que,
mesmo na presença de noções reformadoras, “estavam mais identificados com a idéia de
um grande Império luso- brasileiro do que com a de separatismo político”
20
. Nesta
perspectiva, Mattos (2003) observa que, o ideário político do movimento de 1820 acabou
contrariando os interesses forjados no Rio de Janeiro
21
, fazendo com que as aspirações da
recém formada Corte imperial no Brasil se opusesse aos da Revolução. Este movimento
liberal em Portugal, portanto, acaba provocando a independência política da colônia em
relação à metrópole
22
.
Assim, separado politicamente da antiga metrópole, a despeito de correntes
opostas, importava agora, fazer com que “a idéia de um império luso-brasileiro começasse
a dar lugar a um novo projeto: o Império do Brasil”
23
. Segundo Mattos, nesta configuração,
emerge o corpo político auto-denominado “Brasileiros” representados por aqueles que se
posicionaram em defesa da permanência da Corte portuguesa no Rio de Janeiro em
contraste com os adeptos da causa portuguesa. Nesta ocasião os “brasileiros”, acreditavam
que podiam fazer a sua própria história, mesmo que em condições determinadas
24
.
Contudo, estes e aqueles que defendiam a causa portuguesa representavam
uma minoria que, junto com os demais componentes da sociedade imperial governaria o
Império sob o comando do Imperador. Esta camada contrastava vivamente com a
19
Segundo Neves (2001, p.77), a incorporação dessas idéias liberais, resultantes da revolução de 1820,
transcorreu sem dificuldades pelos componentes das elites políticas e intelectuais do mundo brasileiro, pois a
geração atuante nesta época passara, em sua maioria, pela Universidade de Coimbra reformada em 1772,
segundo os moldes ilustrados portugueses
20
Ibidem, p. 77
21
A política externa joanina, segundo Mattos (2003), objetivava-se na conquista de novos territórios- como a
o da Guiana Francesa e da Banda Oriental do Uruguai. Esta não deixava de se articular com a política interna
na qual a política joanina privilegiava os antigos colonizadores vindos para a América portuguesa com a
Família Real, que ao se tornarem proprietários de escravos e de terras enraizavam seus interesses nas áreas
próximas ao Rio de Janeiro. (pág.151)
22
Ibidem, p.152.
23
Ibidem, p.152.
24
Ibidem, p.152
19
heterogeneidade física e civil da maioria dos que viviam no Brasil
25
. A este grupo,
representantes da nobreza, acrescentavam-se outros tantos, que ocupavam este espaço em
formação:
... entre.os não brancos, não livres, não proprietários sequer do próprio
corpo encontrava-se um enorme contingente de mulatos, cabras, pardos,
mestiços, mamelucos, caboclos, crioulos e quantos mais que receberiam as
mais diferentes classificações no decorrer do século: “vadios”, “agregados”,
“moradores”, “vagabundos”, “maltas”, “a pobreza”, “a mais vil canalha
aspirante”, e ainda – no dizer provavelmente mais generoso de um
memorialista – o povo mais ou menos miúdo
26
.
Este autor lembra a observação do viajante naturalista Sant-Hilaire “pouco
tempo após a emancipação política, havia um país chamado Brasil, mas absolutamente não
havia brasileiros”
27
. Portanto, para Mattos:
A independência política criara a liberdade em fase da dominação
metropolitana mas não fora capaz de gerar uma unidade, quer se
considerasse do ponto de vista entre as diversas províncias que constituíam
o Império do Brasil, quer se a considerasse sob o aspecto de uma nação
moderna, constituída por indivíduos livres e iguais perante a lei e partícipes
de uma comunidade imaginada.
28
.
Assim, a liberdade política, no Brasil, “repelia a igualdade, deixando-se
guiar por um sentimento aristocrático que se apresentava como uma espécie de gramática
pra todos aqueles que reproduziam a cada instante as hierarquias e as práticas que regiam a
sociedade”
29
.
Neste sentido, Engel (2002).destaca que na constatação de que apenas uma
minoria se auto-determinava “brasileiros” não reconhecendo a cidadania a todo o restante
dos que habitavam o Brasil, podemos compreender os diversos fatores que colaboraram
para que o “Império brasileiro nascesse e se mantivesse de forma singular, em relação aos
demais modelos de império”. Esta autora entende que, entre estes aspectos, encontrava-se
todo o processo de independência política, no qual: “a primeira Constituição do novo
regime político ter conjugado o poder moderador que cabia ao imperador, a um
25
Ibidem, p.156
26
Cf. Mattos, p.156 . Esta frase é atribuída a Rezende, em “Minhas recordações”. Rj: J. Olympio, 1944.
27
Ibidem, p.156.
28
Cf: Mattos (2003), p.157. Este dizer é atribuído à Andersom Benedict. Nação e consciência Nacional” SP.
Ática, 1989.
29
Ibidem, p.157.
20
liberalismo
30
que assegurava direitos civis e políticos apenas aos brasileiros livres e
proprietários - os, cidadãos”.
Ao que tudo indica, a norma constitucional apontava para a harmonia entre a
Coroa e suas elites, fazendo com que estes construíssem interesses comuns que, apesar de
não uniformizá-los no que diz respeito as vertentes políticas, aproximava-os na forma pela
qual compreendiam o novo Império em formação. Assim, com a transformação da antiga
Nação luso-brasileira em uma Nação exclusivamente brasileira, tornava-se urgente a
construção do nacionalismo. Porém, este nacionalismo encontrava-se de acordo com a
ideologia burguesa que propunha uma unidade nacional sem alteração social significativa,
sem comprometer o Império e a ordem a que ele estaria condicionado
31
.
Esta autora assinala que essa forma de organização da sociedade,
encontrava-se, no entanto, em oposição às novas ideologias que transformavam os
governos imperiais em democracias. Nestas conjunturas, as luzes do liberalismo político e
econômico começavam a ditar as regras impostas pela emergência do capitalismo e a
necessária expansão do comércio entre as nações. Para tal empreendimento, Engel afirma
que a escravidão impunha limites importantes, pois, os escravos, assim como os demais
excluídos do direito a cidadania e, portanto, do próprio consumo, ficavam de fora do
sistema, impedidos de engrossarem a massa de consumidores da qual dependeria o sistema
capitalista em expansão desde o final do século XVIII.
Assim, a partir da idéia da não universalidade da ideologia liberal, e da
forma com qu,e no Brasil, ela foi ressignificada, vão se formar na sociedade imperial, dois
partidos políticos, apresentando cada um deles suas facções “moderadas” e “radicais”. Esta
divisão, lembra a autora, conduzia a projetos distintos sem que, contudo, pusesse em risco a
ordem monárquica, que os sustentava e por eles era sustentada. Deste modo, o partido
conservador e o liberal formaram as bases do que podemos caracterizar como as forças
30
Engel fala da existência de dois liberalismos, um deles do tipo conservador e outro auto denominado
liberal. O primeiro sustentava uma concepção de liberdade antiga (ou positiva), fundamentada por Hobbes e
Benthan, afirmando que as desigualdades naturais, em dotes e habilidades, entre os seres humanos,
legitimavam, no seu entendimento, a desigualdade e hierarquia social. As desigualdades, nesse caso, eram
entendidas como naturais aos indivíduos. O segundo, sustentava uma representatividade mais equilibrada
entre os múltiplos interesses da classe senhorial, estabelecendo uma associação entre liberdade e igualdade
que “conduzia virtualmente ao aniquilamento das diferenças que também deveriam distinguir o interior do
mundo do governo”. Tais distanciamentos, contudo, se harmonizavam na mesma lógica que, de um lado,
recusava em tese certos elementos da hierarquia social do Antigo Regime, mas, de outro, serviam para
legitimar e manter as bases da desigualdade social, não apenas nas sociedades européias mas também nas
escravistas americanas. (Cf. Engel, 2002, p.477).
21
políticas do Império brasileiro que, nas mãos das elites, resguardavam-se pela proteção do
Imperador, intitulado como chefe do Poder Moderador
32
. Estava formada, pois, a ordem
política brasileira que iria governar no Império em parceria com o imperador.
Esta instância moderadora responsável por resguardar as ações dos
integrantes dos dois partidos, fora pensada a princípio para criar um campo neutro com o
objetivo de controlar os “exageros”. Porém, desde cedo, ela “foi identificada com o partido
conservador, produzindo, desta trilogia, uma dualidade, que representava, porém, uma
uniformidade, uma vez que estas instâncias se vinculavam, como vimos, a um liberalismo
que assegurava direitos civis e políticos apenas aos brasileiros livres e proprietários”
33
.
Portanto, os cidadãos que formavam as elites imperiais compartilhavam
princípios conservadores no que toca aos ideais de liberdade, na concepção do direito à
propriedade e às hierarquias sociais, tratando de assegurar que as mudanças fossem
realizadas dentro da ordem, o que garantiria a manutenção e a reprodução de uma
sociedade estruturada sobre a desigualdade, hierarquia e a escravidão. Mattos
34
, recorre a
Joaquim Nabuco para caracterizar:
Essa oligarquia chamada vermelha tinha o espírito de desconfiança contra
todas as mudanças que pudessem afetar o domínio que ela exercia.
Conservadores, eles seguramente o eram, ainda que mais de uma vez se
tenha mostrado, como Eusébio de Queirós se mostrou, reformadores mais
adiantados do que os seus adversários liberais; mais a conservação principal
para eles era a do governo em suas mãos.
35
31
Engel, (op. cit. p. 477)
32
De acordo com Grimberg (2002, p.582) a ideologia do Poder Moderador surge da doutrina do francês
Benjamim Constant – 1767-1830, na qual o sistema parlamentarista inglês, dependia da existência de uma
esfera de poder não sujeita a barganha ou à disputa político partidária. Caracterizaria a Monarquia
Constitucional, na qual o poder moderador, exercido pelo rei, seria o elemento conciliador dos conflitos entre
os demais poderes e, portanto, um importante recurso para os momentos de crise. Porém o conceito de poder
moderador, foi ressignificado ao ser adotado no Brasil, como regime político. Ver verbete Dicionário do
Império, organizado por Vainfas.
33
Cf. Mattos, op.cit
34
Ibidem, p.269.
35
“Joaquim Nabuco – Um estadista do Império”. 4º ed. Rio de Janeiro. 1975, p.314.
22
Estes cidadãos, ao iniciar o governo de D. Pedro II
36
, estavam organizados
em duas facções políticas, Conservadoras e Liberais
37
que, segundo Guimarães (2002),
“vinham das imprecisões e combinações do período regencial”. A autora, lembra a frase de
efeito pronunciada por Holanda Cavalcanti: ‘nada mais igual a um saquarema que um luzia
no poder’. Mattos também destaca o fato de que liberais e conservadores, na sua pretensão
de monopolizar o ‘mundo do governo’, apresentavam-se a um só tempo semelhantes,
diferentes, hierarquizados, dependendo das circunstâncias. Porém, o contraste entre estes
grupos pode ser percebido, de acordo com Mattos, no enredo das principais idéias
defendidas pelos dois partidos:
Os liberais apegavam se ao mote de que o rei reina, mas não governa, ao
passo que os conservadores argumentavam que o exercício do poder
moderador impedia ao monarca de se manter alheio aos negócios públicos-
premissa que deu origem ao princípio de que o rei reina, governa e
administra, sustentado pelo visconde de Uruguai.
38
Assim, o ideário iluminista encontra no Brasil forças que o apreende dentro
própria concepção de mundo da monarquia brasileira. A Coroa e as forças políticas e
sociais predominantes no Estado imperial, “no conjunto dos interesses dominantes no
Império – reivindicava para si um novo monopólio, e o exercia efetivamente- o do
36
No Primeiro Reinado não houve formações partidárias definidas, conquanto a abertura das Câmaras, em
1826, tivesse propiciado o início de um movimento de tendência liberal, que passou a oferecer resistência
sistemática às práticas autoritárias de D. Pedro I. Porém, os integrantes da oposição não constituíam um grupo
coeso. Se a maioria desejava tão somente que o monarca cumprisse os preceitos constitucionais, havia uns
poucos elementos, mais radicais, que não escondiam suas aspirações republicanas.Com a abdicação em 1831,
alterou-se o canário político na Câmara dos deputados, pois cessada a motivação que os reunia, os liberais
deixaram vir a tona suas diferenças. Os moderados ou chimancos, que ascenderam ao governo após 7 de abril,
lutavam para preservar as estruturas vigentes, embora aceitassem algumas mudanças na Constituição. Os
exaltados ou farroupilhas pressionavam por reformas constitucionais, sobretudo a supressão do Poder
Moderador e a descentralização administrativa, por meio de uma monarquia federativa. Já os antigos
correligionários do ex-imperador, os caramurus, postulavam a volta de D. Pedro I, para reocupar o trono
brasileiro ou mesmo como regente para dirigir os negócios do Estado. (Cf. Guimarães- 2002, p. 563)
37
Guimarães, (2002), diz que Conservadores e Liberais, não constituíam, a rigor, partidos políticos, pois
careciam de programas definidos, de documentos públicos sujeitos a verificação e registro, nem eram dotados
de disciplina partidária.
38
Além desta distinção, o autor também afirma que: os liberais defendiam uma certa descentralização
administrativa e alguma autonomia provincial, enquanto os conservadores julgavam a centralização política
fundamental para manter a integridade territorial do Império, os liberais desejavam reduzir ao mínimo a ação
da política e pleiteavam a eleição popular de magistrados e agentes judiciais, a exemplo do que ocorria nos
Estados Unidos, ao passo que os conservadores entendiam que a manutenção das prerrogativas do Poder
Judiciário, sobretudo a independência e a inamovibilidade, era condição sine qua non para a administração da
justiça”
23
imperium
39
. As “Luzes” no Império do Brasil deveriam focalizar uma minoria
privilegiada, pelo título de cidadão, posse de terras e escravos. Neves (2002) afirma que os
dirigentes do novo Império pretendiam “estabelecer uma monarquia constitucional
inspirada pelas doutrinas liberais, mas fizeram-no através do filtro exercido pelas pálidas
luzes portuguesas em que se tinham educado”
40
, mostrando-se mais preocupados em
preservar a ordem pública do que “garantir a ordem e a igualdade perante a lei de todos os
indivíduos, conforme a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789
definira”.
41
2.2 - O Império das elites: A “Boa Sociedade” e a manutenção da ordem monárquica
Chefe do Governo do Estado Imperial, o jovem imperador precisava
articular e promover uma série de estratégias de construção e manutenção do Império
brasileiro. Tornava-se fundamental controlar a população de escravos, libertos, imigrantes e
outros tantos que não participavam do grupo seleto da minoria privilegiada, detentora de
cidadania e co-responsáveis pela direção e destino do Estado Imperial. Para o monarca e a
esfera política brasileira, um povo instruído e civilizado ajudaria a confirmar a soberania da
Coroa, e com, ela a manutenção das condições especiais dos cidadãos sob seu governo.
São inúmeras as representações sobre o período imperial na historiografia
brasileira, todas elas ajudam na compreensão da forma como a sociedade foi forjada em
meio às condições sociais, políticas e econômicas que a mantinha tão distinta dos demais
segmentos do Império do Brasil. Neste cenário de forças políticas que, ora se afastavam,
ora se aproximavam transitava esta pequena e singular esfera de indivíduos que, segundo
(Mattos, 2003), formavam o que Francisco de Paula Rezende (1832-1893) chamou de “Boa
Sociedade”, expressão que procurou designar a reduzida elite econômica, política e cultural
do Império, que partilhava códigos de valores e comportamento modelados por uma
concepção européia de civilização.
Mattos (op. cit) entende que a possibilidade de associar as noções de ordem
monárquica e progresso à idéia de Império expressavam a singularidade e se constituía em
condição necessária à manutenção do regime monárquico. “O Império do Brasil deveria ser
39
Mattos (2003, p. 158)
40
Ibidem, p. 95
24
– e somente poderia ser- o Império da boa sociedade porque abdicava a uma dominação
ilimitada”. Apesar da pretensão de domínio sem fronteiras, como vimos, à monarquia
impunham-se limites radicais, e, na impossibilidade desta dominação espacial ilimitada era
necessário garantir uma única possibilidade de domínio ilimitado. Era preciso que a “Boa
Sociedade”, “se expandisse para dentro”, portanto, esta deveria exercer seu domínio sobre
as demais camadas da população, “somente aí o império pode exercer um domínio que se
pretende ilimitado.”
42
A tarefa que se impunha consistia no essencial em fazer com que cada um
dos componentes da boa sociedade- homens e mulheres, crianças e adultos-
sentisse, agisse, pensasse, antes de tudo como brasileiro- isto é, como
membro de uma sociedade imaginada, que não se reduzia a um corpo
político autônomo.
43
Portanto, esta Nação, de acordo com o autor, não podia se confundir com as
demais nações contidas naquele continente – as nações indígenas, “as nações de cor”, as
nações africanas” -, e os “dirigentes imperiais sabiam que assim era e assim deveria
continuar sendo, porque somente deste modo o Império do Brasil poderia ser o Império da
boa sociedade”
44
. Neste sentido, se a Nação brasileira, “correspondia numa primeira
aproximação, ao conjunto dos homens livres, no fundo ela deveria corresponder quase que
com exclusividade aos membros da boa sociedade”
45
.
Portanto, os representantes da Boa Sociedade, fossem eles Liberais ou
Conservadores, “Luzias” ou “Saquaremas”
46
, constituiriam os cidadãos da sociedade
imperial reivindicando para si uma competência específica: “governar”, ação que Mattos
determinou como reger bem, quer a casa, quer o Estado dando leis e fazendo-as executar. O
Ato de Governar transformava, desta forma, os membros da boa sociedade em cidadãos
ativos, grupo seleto, proprietários e brancos que se auto denominavam “povo”. Esta
41
Ibidem, p. 95
42
Cf. Mattos, 2003, p.164
43
Ibidem, p.165.
44
Ibidem, p.164.
45
Ibidem, p.164.
46
Mattos (1994) cita as expressões Luzias e Saquaremas usadas na Corte para denominar Liberais e
Conservadores e a relação que mantinham com a política da Conciliação.
25
competência para o governo das pessoas e das idéias conferida a esta elite era completada
pela que se atribuía à massa de escravos negros: trabalhar
47
.
O mundo do governo e do trabalho, segundo o autor, eram completados pelo
mundo da desordem: a peble ou o “povo mais ou menos miúdo” que, para a boa sociedade,
era constituído por diferentes tipos de homens livres e pobres. O povo e a plebe
distinguiam-se dos escravos por serem livres, mas entre estes havia outras diferenças como
atributo racial, grau de instrução e a propriedade de escravos
48
.
A boa sociedade ao monopolizar os dois atributos fundamentais da época,
conferidos pela constituição de 1824 – liberdade e propriedade – tendeu a confundir-se com
a elite política, que pretendia ordenar o país real de acordo com uma imagem de civilização
e progresso. Porém esta Nação fora construída, como vimos, por diferentes mundos,
diferentes grupos humanos, entre os quais destacava-se a sociedade imperial. Este fato, de
acordo com Mattos, distinguia o império do Brasil das “Nações Civilizadas”, fato que,
correspondia a mais um elemento que tornava singular a experiência histórica do império
do Brasil. Este, não reproduziu, segundo Mattos, “nenhuma das experiências imperiais
anteriores, singularizou-se na forma como foi constituído e apropriou, a sua maneira, das
novas idéias que chegavam das Nações civilizadas”.
Para o autor, a boa sociedade, conformada no interior do império brasileiro,
em condições privilegiadas em relação às demais esferas sociais, tinha como principal
objetivo manter a ordem e com ela o Império. Porém, como vimos, este Império enfrentava
constantes resistências internas e externas, muitas delas em relação à forma como foi
configurado. A forma como associou a idéia de Império com civilização, progresso e
escravidão, conforme Mattos chama a atenção. Para contornar as questões políticas-sociais
e econômicas, acreditava-se na força do Estado para a contenção de tais problemas.
Buscavam inventar uma forma de “unificar” as idéias e, com elas, promover um maior
entrosamento entre os políticos, apaziguando um pouco os conflitos numa tentativa de
enfrentar a política externa que forçava uma nova ordem mais de acordo com as doutrinas
liberais democráticas.
Sobre este tempo, Lyra (1872) e Mattos (1994) constroem representações do
processo que conformou a construção, o apogeu e a queda do Império, contribuindo para
47
Cf. Mattos, op. cit, p.159.
48
Ibidem, p.159.
26
melhor caracterização deste período. No diálogo comesses autores, podemos refletir sobre o
que se considerou, na época, a política da “Conciliação”. Uma das estratégias proposta pelo
Governo imperial para a direção que deveria tomar a ordem política, a fim de manter o
Império e suas elites.
No entender do contemporâneo do período estudado, uma das medidas para
o enfretamento das dificuldades impostas no período, foi o pretendido fortalecimento dos
partidos políticos com o estabelecimento do “Gabinete da conciliação”, no qual os partidos
e suas facções deveriam governar unidos em torno de um só ideal: manter a todo custo o
Império do Brasil. Sendo assim, com a autoridade que lhe confere sua inserção neste
contexto político, fala da gênese da “Conciliação” afirmando que,
Vinha, desde muito, evoluindo no espírito de grande número de nossos
homens públicos. Exprimia um sentimento que se formara lentamente na
consciência da Nação. Paranhos, futuro Visconde do Rio Branco, já o
pregava em 1844, pelas colunas do Novo Tempo, quando reclamava o que
ele chamava “o bálsamo da conciliação.
49
.
Ainda de acordo com Lyra, “A Conciliação de nada valeria se não fosse
objetivada num largo e generoso programa, dentro do qual cada um pudesse trazer os seus
ideais e contentar todos os anseios de suas aspirações”. Precisava, além disso, que houvesse
alguém que, estivesse à altura de implantá-lo no mundo político desarticulado do Império.
Assim, o Imperador, em 1853, confia a Hermeto Carneiro Leão, o Marquês de Paraná, a
tarefa de organizar o Governo da Conciliação. Este político, liberal sob o Primeiro Reinado,
fizera-se moderado após 7 de abril, e acabara francamente conservador.
De acordo com o autor, organizava-se, a partir do Gabinete Paraná, o
Gabinete da Conciliação, ou ainda, “Arca de Noé”, “Torre de Babel”, como seus críticos o
chamavam. Contudo, na opinião de Lyra, nenhum outro organizador ministerial no Império
conseguiria “congregar em torno de si uma igual coleção de capacidades” e, recuperando a
descrição de Joaquim Nabuco relativa aos componentes deste Gabinete. Assim o descreve
Eram homens que iriam bastar a todas as exigências do Império até quase a
República, estreantes, por assim dizer, no cenário político do Império, mas
que o faro de Paraná iria descobrir nos bancos do Parlamento para trazê-los
49
Ibidem, p.182.
27
para a grande cena aberta de alta administração do país.
50
Mattos (op. cit.) afirma que esse grupo de jovens políticos, por intermédio do
Gabinete da Conciliação deveria promover políticas que garantissem a manutenção do
regime monárquico, e, como veremos, a própria manutenção dos privilégios concedidos à
“boa sociedade” no interior do Império. À nova administração, portanto, caberia “inventar
uma espécie da ‘maquinaria’, de onde proveriam as estratégias de governo com a intenção
de universalizar a “ideologia” de uma parcela mínima da população. Valores,
procedimentos, demarcação de limites que deveriam conduzir a Nação brasileira, de acordo
com os preceitos do Imperador e sua Corte.
Este autor, também chama atenção para a forma como esta iniciativa foi
entendida “uma trégua nas lutas partidárias, congregando “em torno de uma mesma
bandeira, gregos e troianos, Liberais e Conservadores”. Essa estratégia, segundo Gondra
(2000) enfrentou reações amenas, como a recusa em participar dessa conjuntura, e, outras,
mais vigorosas, que denunciavam tal esforço como uma “adesão em massa, Babel de
interesses e de ambições pessoais que se abrigava à sombra da ‘Conciliação’. ‘Corrupção
e ‘Conciliado’ eram os adjetivos empregados para condenar a política e os políticos do
Gabinete Paraná”.
Neste cenário de organização de uma nova forma de governar, o Imperador
instituído de seu poder moderador e, de acordo com a lógica conservadora: “o rei reina,
governa e administra”, produziu as Instruções para a orientação do Gabinete da
Conciliação, abrangendo vários setores políticos e da administração pública. Um gabinete
que deveria seguir as instruções do monarca, portanto, com um poder de deliberação
controlado. Assim, o Imperador, representante do poder moderador, determinava, as
garantias, os limites e possibilidades de governo auferidas ao grupo constituído para
governar em conjunto, porém, constrangidos por D. Pedro II. Este poder conferido ao
monarca, na visão de Lyra, não era exercido por D. Pedro II, uma vez que, para este
deputado do partido conservador:
Se o Imperador fosse um homem de ambições políticas, ou valesse a Paraná
na larqueza de vistas e intenções de mando, teria facilmente se substituído a
este, não somente na direção da política geral do Império, consagrada sob o
princípio da Conciliação, como de todas as forças vivas da Nação. E
50
Ibidem, p.184.
28
teríamos então quarenta anos de ditadura imperial. Mas faltavam ao
Imperador todos os atributos de um ditador. Ele tinha uma repugnância
instintiva por tudo quanto era prepotência e desejo de mandar, e não
compreendia nem aceitava nada que não fosse dentro do espírito e da letra
da Constituição, no que era oposto – diga-se entre parêntese ao seu pai.
Enquanto este tinha rasgado a primeira constituição que lhe haviam dado, D.
Pedro II tinha pela que lhe limitava os poderes um verdadeiro culto, dogma
que era para ele infalível e indiscutível. (Lyra, p.189)
Temos portanto, uma representação do Imperador e do governo a ele
conferido, divulgada por ocasião da morte de Paraná, três anos após ter inaugurado a
política da Conciliação. Para Lyra, apesar da falta desta direção ter marcado o fim da
Conciliação, era, ainda, para ele, apenas um primeiro sinal de sua fragilidade. Desta forma,
diante da “fatalidade”, o autor considera que:
Sua morte, em setembro de 1856, iria deixar esta obra em suspenso. Tirava-
lhe o sopro que a animava. E, se não a destruiu desde logo, foi porque os
fundamentos, os alicerces em que se assentavam tinham a solidez de sua
têmpera. Mas deixou-a em começos de decomposição. Uma decomposição,
aliás, que já vinha ameaçando ainda em vida de Paraná, ou melhor, pouco
antes de sua morte. A política generosa e idealista que lhe havia dado
origem e marcado os seus primeiros passos, ia se transformando numa outra
bem diferente, onde prevaleciam o interesse pessoal de cada um e a
conquista de posições. (Ibidem, p.87)
Podemos considerar, portanto, como o início de um período que fatalmente
levaria ao fim da política de conciliação, pois, de acordo com este autor, graças à “energia”
e “prestígio de chefe”, Paraná “havia conseguido, vencendo todas as dificuldades, lançar os
alicerces dessa larga trégua política reclamada por todo o país depois de sucessivos anos de
lutas, de sedições, de guerras civis ou de revoluções, que punham constantemente em
perigo a unidade e a integridade da Nação Brasileira”.
51
Contudo, na avaliação de Mattos, Liberais e Conservadores na pretensão de
monopolizar o “Mundo do Governo”, apresentavam-se a um só tempo: semelhantes,
diferentes e hierarquizados, dependendo das circunstâncias e, que a política da Conciliação
não modificou o quadro partidário, mas demonstrou que havia espaço político para novas
composições. Ele se refere ao discurso de Nabuco de Araújo em 1862 que identifica a
existência de três blocos no Parlamento: os conservadores puros, os conservadores
moderados ou independentes e os liberais.
29
Este autor mostra que nos meados do séc. XIX, a obra do império brasileiro
parecia ter se completado. Instituída uma ordem legal, para criar uma burocracia, com o
exercício de uma jurisdição compulsória sobre o território e pelo monopólio da utilização
legítima da força: “A figura do Imperador, sempre representado como um ‘Monarca
ilustrado’ – simbolizava, por sua vez, a conclusão de uma obra. O Império do Brasil vivia,
na visão dos contemporâneos, o momento do seu apogeu”.
52
A respeito deste tempo, Alencastro (1998) contribui para a caracterização da
sociedade imperial, acrescentando outros aspectos também importantes:
É no Rio de Janeiro que se desenrola o ‘paradoxo fundador’ da história
nacional brasileira: transferida de Portugal, sede de um governo parlamentar
razoavelmente bem organizado para os parâmetros da época, capital de um
império que pretendia representar a continuidade das monarquias e da
cultura européia na América dominada pelas repúblicas, a corte do Rio de
Janeiro apresenta-se como pólo civilizador da nação. Tal era o motor do
centralismo imperial em face das municipalidades e das oligarquias
regionais. Tal era o suporte da legitimidade monárquica diante das
repúblicas latinos-americanas. No entanto, é justamente na corte que o
escravismo, na sua configuração urbana, assume seu caráter mais
extravagante, tornando emblemático o desajuste entre o chão social do país e
o enxerto de práticas e comportamentos europeus. (Ibidem, p. 10)
Diante dessas considerações, o Império do Brasil dos anos 50, em parte
expressiva historiografia nacional, experimentava a “estabilidade política”, a “conciliação
dos partidos” imperiais, e, apesar das restrições que poderíamos fazer a esse sinais de
civilidade, encontrava-se, como vimos, de acordo com os historiadores, vivendo seu
apogeu
53
. Por outro lado, considerando outros sinais de civilidade e progresso, Abreu
(2002) também fala das décadas de 50/60, lembrando que em função da própria
estabilidade do regime imperial, a cidade do Rio de Janeiro, neste período, começava a
receber uma série de melhoramentos e reformas, condizentes com a sua necessidade de
expansão e mais adequadas à Corte de um Império que pretendia civilizar-se. Assim, neste
51
Ibidem, p.187.
52
Ibidem, p.158.
53
De acordo com Mattos (op.cit), no interior de complexas relações econômico-político-sociais em confronto
com a conjuntura internacional, procedeu-se, por exemplo, o estabelecimento da extinção do tráfico negreiro
intercontinental, as intervenções militares na área platina, o desenvolvimento da comunicação regulares à
vapor com a Europa, construção de vias férreas, melhoramentos urbanos, a expansão da lavoura cafeeira que
derramava-se no Vale do Paraíba. Portanto, esses acontecimentos justificavam que sentimentos de otimismo e
orgulho proporcionavam que o império fosse associado à Civilização, o que fortalecia a tese da estabilidade e
conservação da própria Ordem imperial.
30
tempo, esta cidade tornara-se:
A maior porta de entrada das novidades européias, passando a ser o
local de desfile e difusão, para todo o Império, do progresso, das novas
diversões e práticas culturais, da moda e dos valores requintados. Em termos
de infra-estrutrura, investiu-se na limpeza urbana, na canalização do mangue
da cidade nova, no calçamento das principais ruas, na iluminação a gás dos
locais públicos e algumas casas particulares, no armazenamento da água, na
instalação de canos e torneiras em toda a cidade, e na construção de uma
rede de esgoto subterrâneo. Em relação aos transportes, foram instalados
trilhos de ferro para os bondes puxados a animais, (...) em pouco tempo toda
a cidade ficou interligada por meio de bondes, facilitando-se sua extensão
para os subúrbios e para as áreas litorâneas, locais onde passariam a ser
construídas as residências aristocráticas, dentro dos mais modernos padrões
para a época, distantes do centro e da maioria da população pobre da cidade.
54
.
Mattos afirma que, ao lado de todas as transformações, a “europeização” da
Corte na segunda metade do século XIX, além dos limites já citados, encontrava
resistências nas persistentes marcas coloniais da sociedade carioca: os costumes africanos e
as festas religiosas, tornavam-se cada vez mais, práticas comuns entre a maior parte da
população pobre, dos libertos, escravos e imigrantes
55
.
Desta forma, o Império vai se configurando, com o monarca e as forças
políticas empenhados na manutenção e controle de uma situação que lhes era favorável,
mantendo a idéia de progresso e civilização possíveis de serem atingidos em uma sociedade
escravista, na qual os direitos constitucionais deveriam ser conferidos às elites, isto é, aos
membros da “boa sociedade”.
2.3 – “Os Saquaremas” e o laboratório de Governo na Província do Rio de Janeiro
É preciso destacar que nesta conjuntura política-social, com formação
concomitante à configuração da boa sociedade, organizaram-se os “Saquaremas”, elite
conservadora que após o ato adicional de 1834
56
, dentre outras medidas, desmembrou a
54
A este panorama acrescentam-se as construções do Senado do Império, o Museu Nacional, a Câmara dos
Vereadores, a Casa da Moeda (Dic. do Império, p.176)
55
Cf. Mattos (2003, p. 163).
56
Ato promulgado pela Lei nº 16 de 12 de outubro de 1834, estabeleceu algumas modificações na
Constituição de 1824. Entre ela encontra-se a descentralização política, na qual às províncias caberiam o seu
“próprio governo” , por intermédio das Assembléias Provinciais. Porém, neste novo rearranjo político, as
31
província da Corte e se torna dirigente da recém criada província do Rio de Janeiro. De
acordo com Mattos (op.cit.), “o núcleo original e gerador dos Saquaremas teve a
possibilidade de estabelecer, em alguns casos, expandir e aprofundar em outros, um feixe
de relações fundamentais, propiciadoras elas também, da expansão ulterior da classe que
representavam e buscavam consolidar”. A partir deste lugar privilegiado, foi possível fazer
com que esta província “cumprisse o papel de um laboratório, no qual os Saquaremas tanto
testavam medidas e avaliavam ações que buscavam estender à administração geral, quanto
aplicavam decisões do Governo Geral, sempre com a finalidade última de consolidar a
ordem do Império”.
57
Para explicar a força política-administrativa deste grupo, o autor enumera
fatos que ajudaram na sua formação e expansão. Entre estes destacam-se duas
características principais que atestaram, de imediato, o papel que se reservava à província
do Rio de Janeiro, o que efetivamente a distinguiu das demais províncias do Império:
De um lado, delas difere, particularmente nas primeiras décadas após o Ato
Adicional, no que diz respeito à alta rotatividade de sua principal autoridade
– o Presidente de Província, fato que, ainda em 1836, já era apontado pelo
Ministro do Império como uma das razões, talvez a principal, do malogro
das presidências e, como decorrência, do atraso em que vive as
províncias.
58
.
No entendimento de Mattos, se na maior parte das províncias o tempo médio
de permanência no cargo dos presidentes nomeados pelo Governo Geral era de seis meses,
na Província do Rio de Janeiro ele foi de dezesseis meses, fortalecendo assim, as ações
dirigidas neste período, em que “num sentido bastante estrito, vimos denominado de
Tempo Saquarema, isto é, de 1834 até o início dos anos 60”.
59
Este grupo, afinado como vimos com o poder central, torna-se importante
nesta reflexão, pois, entre outras estratégias de governo, apostava na instrução como meio
de controle e como promoção de progresso e civilização. Sendo assim, pelos motivos
citados anteriormente, os integrantes do grupo dos Saquaremas procuraram definir práticas
províncias teriam seus limites em um projeto que pressupunha um Executivo e um Legislativo fortes, no
âmbito do poder central, e uma autonomia provincial subordinada. Em resumo, um projeto pautado na
reafirmação da hegemonia da província do Rio de Janeiro combinada a certa flexibilidade institucional em
relação às demandas descentralizadoras. (Engel, 2002, p.60)
57
Conforme Mattos (1994, p.240)
58
Cf. Relatório do ministro dos Negócios do Império, 1836 – José Inácio Borges. (In: Mattos-1994)
59
Ibidem, p.240
32
educacionais. Uma das iniciativas do “tempo saquarema”, válida para a Corte, se refere às
reformas das instituições educacionais promovidas na gestão de Coutto Ferraz, detalhada
no próximo item deste estudo.
No entanto, não é possível avaliar o quanto esta configuração política foi
decisiva para a pretendida unificação e universalização da instrução em todo o Império,
uma vez que, nas demais províncias, as condições financeiras de cada uma dessas d nEMC /P <</MCID 1 >>BDC0 Tdd u TdnNo entantorg.1495grt88 0 0 T 8 d0ieh.,nais promol6ol(a ni03 Tc 0.1148.24 Tm(No.585 756.9102 ]>ulnd) estudo. 3n e8 a)]TJ4dl8 t Imps dea(o)1( i9uo 15.o 4)7(grt88al30 .5e0585 T.16 TJ4o0.0s8)c 0.02òt88al3i daulrc
províncias do Império, como, Minas Gerais
61
e Mato Grosso
62
. Por exemplo, nestas
províncias encontram-se as determinações sobre a obrigatoriedade escolar, métodos de
ensino simultâneo em 1840 o estabelecimento de escolas públicas de 2º grau ou primário
superior anterior à 1854 e a referência aos ajudantes de Pedagogos, entre outros aspectos.
Tal percepção nos sugere que as práticas modeladoras do laboratório da
província do Rio de Janeiro, pretendidas pelos Saquaremas, poderiam não ter acontecido na
direção apontada por aquele grupo. Estariam eles, tentando modelar e unificar a instrução
no Império por intermédio do Regulamento de 1854, ou esta norma representava um
conjunto de medidas já experimentadas pelas demais províncias, que neste caso, elas sim,
estariam servindo de modelo à lei de 1854? Esta interrogação aponta para a concepção de
poder, defendida por Foucault (1995), na qual observamos a possibilidade deste encontrar-
se descentralizado, disperso nas relações entre os diferentes agentes e instituições,
afastando-se da tese do poder como titularidade de um “centro”.
Nesse sentido, não podemos afirmar que o núcleo de poder do Rio de
Janeiro, que procurou modelar as práticas educacionais, tenha atingido e influenciado as
províncias, nem que estas tenham efetivado práticas uniformes no interior de sua malha
escolar. Sendo assim, as províncias poderiam estar também sugerindo ao Governo central,
práticas possíveis de serem tidas como modelo a ser legitimado pela legislação geral. Uma
hipótese que não pode ser descartada, associada à alta rotatividade dos governos
provinciais, remete a circulação nacional e internacional de saberes e modelos pedagógicos,
o que pode ter inspirado reformas nas diferentes províncias. A própria circulação de Coutto
Ferraz ajuda a sustentar esta hipótese
63
.
Sobre outros possíveis resultados das estratégias de governo implementadas
pelo grupo político conservador, Alencastro (1998, p.24) afirma que no Rio de Janeiro os
cativos representavam de metade a dois quintos do total de habitantes da Corte e que em
1849, em números absolutos, esta era a maior concentração urbana de escravos existente no
mundo desde o final do Império romano: 110 mil escravos para 266 mil habitantes. Com
estas considerações, chama atenção para o fato de que a província do Rio de Janeiro
60
Sobre o tema conferir o projeto “A Instrução Inspecionada” – Formulação, implantação e funcionamento da
Inspetoria Geral da Instrução Primária e Secundária da Corte (1854-1863)”; (Gondra,-2002)
61
Sobre o assunto conferir Faria Filho (2000), Brasil 500 anos, p.150, nota 18, Inácio UFMG, Anais do
IICBHE, p. 113,Walkíria, Anais do IICBHE, p. 159, 160 e X, IIICBHE, p. 270.
62
Sobre o assunto conferir Nicanor (1998), p.9
63
A respeito de outras ações reformadoras de Coutto Ferraz, conferir, Gondra & Tavares, (2004).
34
aparece como a unidade do Império que conta com a maior proporção de escravos africanos
e relaciona a proximidade desta com a corte, fazendo com que os interesses negreiros e
escravocratas fluminenses tivessem colaborado com o imobilismo da Coroa e do império
sobre a matéria
64
. Este fato, faz com que, no Brasil, a discussão político-ideológica da
então chamada questão servil se desenvolvesse em uma sociedade cada vez menos
comprometida com a escravidão em função da enorme concentração da propriedade
escrava
65
.
Alencastro (op. cit.) procura demonstrar que as conseqüências internas do
tráfico negreiro preocupavam a elite imperial e cita que no Aurora Fluminense, “o grande
jornalista Evaristo da Veiga verberava, desde 1831, os negreiros que queriamafricanizar o
Brasil’ introduzindo cada vez mais escravos no império”. Este autor cita também as
considerações de Gonçalves Dias estranhando a quantidade de negros na cidade, no poema
em prosa ”Meditação” de 1846, escrito depois que de seu retorno da Universidade de
Coimbra:
E nessas cidades, vilas e aldeias, nos seus cais, praças e chafarizes- vi
somente escravos (...) Por isto o estrangeiro que chega a algum porto do
vasto império- consulta de novo a sua derrota e observa atentamente os
astros – porque julga que um vento inimigo o levou às Costas D’África. E
reconhece por fim que está no Brasil.
66
.
Contudo, Abreu (2002) chama atenção para um outro lado da cidade que se
desenvolvia no contraditório processo de civilização pensado pela Coroa e pelas elites
brasileiras e, entre elas, o grupo Saquarema. Esta autora lembra que as décadas de 50/60,
em função da própria estabilidade do regime imperial, a cidade do Rio de Janeiro, neste
período, começava a receber uma série de melhoramentos e reformas, condizentes com a
sua necessidade de expansão e mais adequadas à Corte de um Império que pretendia
civilizar-se. Assim,nesse tempo, essa cidade tornara-se:
64
De acordo com Alencastro, (1998), onze dos doze deputados da província do Rio de Janeiro e da corte
votaram contra a Lei do Ventre Livre (1871). Do mesmo modo, em 13 de maio de 1888, oito dos nove
deputados eleitos pela província fluminense, votaram contra o fim da escravidão sendo, por isso, considerada
por Joaquim Nabuco como a mais “reacionária” do Império, porque nela, “a escravidão estava politicamente
organizada”.
65
De acordo com Souza no Ver “Questão da mão –de-obra” no Dicionário. do Império organizado por
Vainfas, p.604.
66
Alencastro, 1998, p.29
35
A maior porta de entrada das novidades européias, passando a ser o local de
desfile e difusão, para todo o império, do progresso, das novas diversões e
práticas culturais, da moda e dos valores requintados. Em termos de
arquitetura investiu-se na limpeza urbana, na canalização do mangue da
cidade nova, no calçamento das principais ruas, na iluminação a gás dos
locais públicos e algumas casas particulares, no armazenamento da água, na
instalação de canos e torneiras em toda a cidade, e na construção de uma
rede de esgoto subterrâneo. Em relação aos transportes, foram instalados
trilhos de ferro para os bondes puxados por animais, (...) em pouco tempo
toda a cidade ficou interligada por meio de bondes, facilitando-se sua
extensão para os subúrbios e para as áreas litorâneas, locais onde passariam
a ser construídas as residências aristocráticas, dentro dos ais modernos
padrões da época, distantes do centro e da maioria da população pobre desta
cidade.
67
Enquanto as “Luzes”, de um lado, clareavam as mentes em direção aos
novos hábitos e saberes, estes, no Brasil, por outro lado, não impediam que a população
excluída de cidadania se mantivesse, em sua maioria, fora dos interesses públicos e
particulares dos políticos em geral.
2.4 - INSTRUÇÃO “DO POVO MAIS OU MENOS MIUDO” NA CORTE
BRASILEIRA
Tornava-se urgente que o Gabinete da Conciliação formulasse uma política
dirigida ao governo da “Casa” e da “Rua”, Saquaremas e Luzias, deveriam revezar-se na
tarefa de governar que implicava nas ações de formar, controlar e modelar a massa da
população excluída do império
68
(cf. Mattos, 2003). Entre as estratégias de Governo
encontrava-se, como vimos, a intervenção na instrução elementar, como um dos meios para
alcançar o progresso da Nação.
Esta tarefa, no caso da Corte, foi entregue ao Ministro Coutto Ferraz
69
e à
Eusébio de Queirós
70
. O primeiro, titular da pasta do Ministério das Negócios do Império,
tratou de promulgar a reforma do ensino primário e secundário do município da Corte de 17
67
Conforme verbete “Corte” , ( Abreu, 2002, p.176)
68
Conforme Mattos (2003, p.159).
69
A respeito de sua atuação ver .(Gondra e Sacramento, 2001, p. 723)
70
Ver Dicionário de Educadores do Brasil. (Gondra e Garcia, 2001, p. 316)
36
de fevereiro de 1854
71
, assim como promover modificações nos Estatutos das Faculdades
de Medicina, Direito, Belas Artes e do Comércio, entendendo que estas constituem-se em
uma das muitas medidas que colaboraram no projeto de construção do Estado imperial. O
segundo, Inspetor Geral da Instrução, foi quem, na direção da Inspetoria Geral de Instrução
Primária e Secundária da Corte, colocou em vigor o regulamento de 1854.
Sobre a instrução do povo como um dos meios de alcançar o progresso da
Nação, o Inspetor Geral defende a necessidade do investimento nesta área,
Em todos os países chamados ao grêmio da civilização, tem modernamente
sido a instrucção primária objeto de especial solicitude da parte dos
governantes illustrados. E com effeito, nem uma ambição há mais nobre do
que promover a felicidade futura da nação, dando a todos os meios de
dissiparem para seus filhos as trevas da ignorância, e de conquistarem assim
sua emancipação moral. (Queirós – Relatório de 1855)
“Dando a todos os meios de dissiparem para seus filhos as trevas da
ignorância”, diz o Inspetor. Contudo, é preciso determinar o grupo de indivíduos que
poderiam ser incluídos nessa noção de totalidade. Certamente, aí não se encontravam os
escravos, os não vacinados, os pobres impedidos de freqüentarem a escola por motivos de
trabalho, pela distância entre a casa e a escola, ou mesmo por não se interessarem pelo
estudo, entre outros fatores possíveis de serem considerados. Estas observações, apontam
para uma parcela mínima da população com possibilidade jurídica de ter acesso a escola.
Contudo, não devemos desconsiderar a possibilidade da instrução informal, aquela
estabelecida na família, ou mesmo em escolas improvisadas que ficavam à parte do
controle do Estado
72
.
Contudo, o regulamento de 1854 procura institucionalizar a instrução
primária e secundária, reforçando a Lei Geral de Instrução de 1827 que sugeria a abertura
de uma escola para cada sexo em todas as províncias, promovendo mudanças nas forma de
ensinar, nos saberes e nas formação de professores, como veremos mais adiante. Segundo
seus promotores, esta norma deveria promover o ingresso do Império brasileiro no rol dos
71
Vale o registro de que as bases dessa reforma foram lançadas em 1851, pela autorização da Assembléia
Geral Legislativa, aprovada sem debates, em 15 dias, a partir da proposta do então deputado Luiz Pedreira de
Coutto Ferraz que à época, além de integrar os quadros daquela Assembléia, também presidia a Província do
Rio de Janeiro (1848-1856). (Cf. Blake, 1899, Moacyr, 1937 e Sisson, 1948.)
72
Devemos considerar que a documentação investigada aponta para iniciativas de escolarização de filhos de
escravos, autorizadas pelo governo. A esse respeito, cf. Silva, A, (2000).
37
países civilizados. Para o Inspetor Geral, a reforma da instrução era o único caminho a
seguir para a “felicidade e o bem estar que todos almejão”.
Com effeito, quando um paiz bem organizado reconhece que vai no
caminho errado, quando, apezar de sábias e reflectidas leis, e das mais bellas
instituições que razão aconselha, e em despeito de germens fecundos de
prosperidade e engrandecimento, não consegue o bem estar e a felicidade
que todos almejão; em desespero de causa, volvem-se os espíritos para a
instrucção e a educação da mocidade, que encerra em si os destinos das
gerações vindouras, e então como que uma revelação se produz, aparece a
convicção de que os males que affligem a sociedade resultão da falta de
cultura intellectual, da ignorância da maioria dos cidadãos, da consciência
obscura dos deveres de cada um, da má direcção da juventude, (...): é então
também que a indifferença succede o entusiasmo, o espírito público
pronuncia-se, a reforma de ensino publico torna-se uma necessidade que
todos sentem e todos reclamão, e o legislador tem consciência de sua
missão.
73
Segundo Gondra (op.cit.), esta lei pode ser caracterizada como uma tentativa
de repor a centralidade e exemplaridade da Corte na direção das políticas de instrução, na
medida em que procurava servir como exemplo para as demais províncias que deveriam
seguir as indicações propostas pelo regulamento. Contudo, como vimos, cabe manter a
indagação acerca dos contornos dessa exemplaridade.
Nos traços desta reforma firmam-se princípios tais como: o da ausência de
monopólio sobre a instrução, obrigatoriedade do ensino elementar, formação e carreira
docente, graduação do ensino, construção das classes de idade, educação feminina e
financiamento, a distinção dos saberes em cada nível de ensino, o interesse pela construção
dos prédios escolares, assim como as regras para a seleção dos professores que deveriam
estar à frente desta luta pela instrução. Assim, “a idéia de unificação e de uniformidade,
marcos do Gabinete da Conciliação, transbordam e comparecem no desenho desta reforma
educacional ”
74
Este autor indica a institucionalização da instrução primária e secundária
como estratégia adicional de controle da população. A manutenção da ordem e construção
da civilidade garantiria à monarquia um lugar entre os países adiantados. Para tal
empreendimento, o regulamento de 1854 cria a Inspetoria Geral da Instrução Primária e
73
Relatório do Inspetor Geral à IGIPSC – 1855.
74
Gondra, op. cit.
38
Secundária da Corte
75
, com a incumbência de nomear, inspecionar, autorizar, presidir,
convocar e julgar, dentre outras ações, configurando uma gramática que indica o grau de
controle a que a instrução deveria ser submetida, passando tanto pela estrutura criada, como
pelo detalhamento das competências. Com isto, evidencia uma disposição em modelar a
instrução, seja pela instalação de mecanismo de autorização para a abertura das “casas de
educação”, dos dispositivos de controle acerca da formação, ingresso e exercício do
magistério, do orçamento, materiais e práticas escolares, estrutura e funcionamento da
organização escolar”
76
.
Entre esses aspectos, torna-se evidente a necessidade de intervir na
instrução, não só pela abertura de escolas, nem pelo seu efetivo controle, mas também por
intermédio da profissionalização docente, questão posta em evidência neste regulamento,
pelo modo com que procura regular as três dimensões deste processo: formação escolar,
recrutamento e exercício da profissão. Era necessário também, definir os saberes que
guiariam estes profissionais nas suas aulas, e os compêndios aos quais deveriam consultar,
numa tentativa de conformar tanto o conhecimento do aluno quanto do profissional da
instrução. Portanto, por intermédio do regulamento de 1854, estariam sendo definidas as
normas que conformariam o perfil de professor desejável ao Brasil imperial.
Porém, como já vimos, a vida política do Império brasileiro, não se
harmoniza com o estabelecimento da política da Conciliação, nem com o aparecimento de
Instituições que procuraram por em prática as idéias do partido conservador, como é o caso
da IGIPSC, mesmo porque, pela própria estrutura da “conciliação”, esta, também não
representava um consenso no interior do grupo “conciliado”, tampouco na esfera que o
excede. Assim, temos que as constantes mudanças de Gabinetes, como anteriormente
citado, poderiam ter dificultado a implementação das medidas de controle sobre a da
instrução, considerando o pequeno espaço de tempo em que os ministros permaneciam no
75
A atribuição da IGIPSC era inspecionar estabelecimentos públicos e particulares, sendo composta pelo
Ministro, 1 inspetor geral, 1 conselho diretor e pelos delegados dos distritos. O inspetor geral, nomeado por
decreto imperial, não poderia ser professor ou diretor de qualquer estabelecimento escolar, seria auxiliado por
um secretário e quantos funcionários fossem necessários . Os delegados, nomeados a partir da indicação do
IG., também não podiam exercer o magistério. O Conselho diretor era composto pelo IG., Reitor do Colégio
de Pedro II, dois professores públicos e um particular – “que se houverem distinguido no exercício do
magistério” e de mais dois membros nomeados anualmente pelo governo. (Gondra, Sacramento & Garcia,
2000).
76
Gondra, Garcia & Sacramento (op.cit)
39
cargo e “a diversidade das idéias dos governantes neste jogo de interesses particulares” (cf.
Mattos, 1994).
Este caráter de contraste de opiniões nesta difícil conjuntura, também foi
percebida por Lyra (1872), quando cita o Barão de Uruguaiana, membro do grupo que
combate violentamente a política conciliada, e que denuncia a Conciliação como sendo “a
de homens e não de idéias, que falseava o sistema parlamentar, rebaixava os caracteres,
satisfazendo os instintos e estimulando as ambições”.
Contudo, entre as constantes mudanças de Gabinetes, tornam-se
significativas para este estudo, duas permanências que vão, de algum modo, afirmar
medidas de controle sobre a instrução pública. Assim, a administração de Coutto Ferraz
77
como Ministro dos Negócios do Império no período de 1853- 1857 e de Eusébio de Queirós
como Inspetor Geral, na direção da IGIPSC entre 1855 e 1863, ajudam a consolidar a
intervenção do Estado na instrução pública e particular. Este último, ex-Chefe de Polícia,
dirige a instituição por quase uma década, favorecendo, desta forma, a manutenção e
consolidação da Inspetoria Geral de Instrução como órgão normativo, executor e
controlador da instrução primária e secundária da corte, mesmo em um meio de constantes
mudanças no corpo político do Governo “conciliado”.
2.5 - O Recrutamento de Professores para o Século XIX
No que se refere ao magistério, as reformas de 1854 propõem e reafirmam
determinadas regras à escola primária, secundária e superiores da Corte, esperando, como
vimos, que estas servissem de modelo para todo o Império. Entre outros aspectos, para o
ensino elementar, afirma uma nova política de formação docente, subtraindo tal
competência das escolas normais, em favor de um novo formato no qual o professor
passaria a ser selecionado ao longo de sua escolarização com base em uma combinatória de
três critérios: o aproveitamento (verificado nos exames finais), o bom procedimento, e a
propensão para o magistério (cf. art. 35), antecedidos, todos, pelo atendimento à exigência
77
Titular da pasta do Ministério dos Negócios do Império que, à época era responsável pela questão da
instrução, tendo promulgado a reforma e seu regulamento em 17 de fevereiro de 1854. Ocupante da pasta do
“negócios do Império” de 1853 a 1856, no chamado Gabinete Paraná, o Gabinete da “Conciliação”. Com 35
40
da idade mínima nunca inferior aos 12 anos. A historiografia lembra que o deslocamento da
formação de professores das escolas normais para uma formação pela prática dos
concursos, ocasiona um retrocesso na profissionalização docente, uma vez que acaba com
sua especificidade passando a ênfase da formação para os procedimentos de controle do
exercício da profissão e para a seleção dos professores por concursos
Esta política de formação de professores incorpora o princípio de “formação
pela prática”, constituindo a classe dos chamados “professores adjuntos”, nas escolas
primárias de primeiro e segundo graus. Com a adoção desta nova lógica, os professores
seriam formados ao longo de três anos, exercendo a condição de auxiliar dos professores
públicos, tempo no qual se aperfeiçoariam nas matérias e práticas de ensino. Ao final de
cada um desses anos, os “adjuntos” seriam examinados em seus conhecimentos, moralidade
e aptidão. Caso fossem reprovados em qualquer desses anos, permaneceriam na classe que
atuavam por mais um ano até o próximo concurso, ao qual deveriam se submeter. Os
aprovados ao final do 3º ano de prática como alunos-mestres, obteriam o título de
capacidade por meio de concurso, podendo ser nomeados pelo governo para substituir
professores públicos ou preencher as cadeiras vagas, desde que fossem maiores de 18 anos.
Esse processo podia ser entendido como conveniente às necessidades da
Nação, uma vez que, em menos tempo
78
, além de formar professores “mais qualificados”,
já que trariam a consciência, conhecimento e a prática do ofício, também representava um
modelo mais econômico, na medida em que pouco seria acrescentado aos gastos com a
educação elementar. Assim, em um mesmo tempo e espaço, dois objetivos seriam
atingidos: escolarizar a população e formar os professores.
A nova modalidade de formação como alternativa à ineficácia e o “alto
custo” das Escolas Normais, contudo, não se torna consenso entre o Ministro do Império e
o Inspetor Geral. Este, marca, desde o início de suas atividades, sua posição em relação a
esta medida de formação. Assim, no 1º relatório a IGIPSC em 1855, Eusébio de Queirós
duvida da eficácia do novo modelo e, em 1859, reabrindo o debate em relação às duas
formas de formação docente, nesta disputa, ele se posiciona em favor da reabertura da
escola normal da Província do Rio de Janeiro:
anos na ocasião, este bacharel era um dos “estreantes” do “governo dos moços”, modo como Lyra (1977)
caracteriza o gabinete constituído pelo Marques de Paraná. (Gondra, Sacramento e Garcia, 2000).
41
Pelo que deixo exposto, além de não corresponder às exigências do ensino
público primário, o número actual de adjuntos, nos exames annuaes mostrão
em geral tão pouco aproveitamento que não promettem adquirir em breve as
habilitações indispensáveis ao professorado; frustrando dest’arte um dos
principais fins que teve em mira o regulamento. E se bem que se trate de
uma instituição que pode se facilmente melhorada, como declarei, todavia a
experiência vai mostrando que, sendo indispensável a classe de adjuntos,
estes não recebem entretanto nas escolas primárias a educação e o ensino
necessários afim de que um dia se tornem dignos da honrosa missão do
magistério público. Essas considerações me levão a insistir nas que tenho
expendido nos relatórios passados, e principalmente em 1856, acerca das
escolas normaes. Se estes estabelecimentos, pouco proveito tem produzido
no Brasil, sou ainda inclinado a crer que isso se deve antes a ensaios mal
dirigidos, e á pratica menos judiciosa da instituição, do que á defeito
inherente à sua natureza. [..] Deste internato sáião os adjuntos para as
escolas que necessitão de seus auxílios nelle recebão a educação primária os
meninos esparsos pelas freguezias de fóra da cidade,[...], seja finalmente o
viveiro de professores primários para todo o Império, que delle tanto e tanto
necessita, concorrendo e combinando nesse intuito as provincias seus
esforços. Fácil ou difícil, é um estabelecimento indispensável, para o qual
chamo a attenção esclarecida de V.Exª. (IGIPSC, relatório de 1859 –
Eusébio de Queirós)
Assim, desde o início da sua implementação o novo modelo de formação
docente encontra sinais de exaustão nos próprios discursos oficiais. Sinais que terminam
reabilitando em 1859, a “velha” estratégia da profissionalização no interior dos
estabelecimentos pedagógicos, buscando retificar os aspectos que indicavam que a
experiência local ainda não se constituía em um “decalque refinado” do modelo europeu-
civilizado. Portanto, na perspectiva do Inspetor se tornava necessário que novos
investimentos fossem feitos nesta instituição para que ela pudesse mostrar todo o seu
potencial.
Segundo o relatório do Inspetor Geral, a partir de 1859, os professores
seriam formados por um sistema misto de ensino, conjugando o sistema de professores
adjuntos com o das Escolas Normais mantendo-se, ao final de cada uma dessas
modalidades de ensino, a obrigatoriedade da realização de concursos públicos para a
habilitação definitiva da prática da profissão docente. Esse debate em relação a melhor
estratégia para se formar o profissional docente aponta para a constatação da importância
desse processo na configuração do campo educacional no século XIX, o que é analisado no
capítulo IV.
42
Diante destas considerações, é preciso questionar: Como compreender o
processo de recrutamento dos professores na sociedade imperial? O que esperava o governo
ao atualizar, em 1854, o processo de seleção de professores, previsto anteriormente pela Lei
Geral de ensino de 1827? A fim de compreender estas questões, a análise do funcionamento
da IGIPSC na coordenação destes concursos, por intermédio das práticas que produziram
na realização destes eventos, nos dá a dimensão do grau de controle e modelação a que esta
instituição procurou submeter os docentes no período contemplado, assim como, os modos
como alguns deles procuraram desviar-se destas normas de controle. A partir desta
reflexão, perceber o sentido do recrutamento de professores no período em questão.
É importante ressaltar, então, o processo de estatização do ofício do
professor e sua relação com a questão do recrutamento. Tornava-se necessário que o
Governo tomasse para si a direção da instrução, nos três níveis de ensino. O quadro docente
nessas instituições deveria ser ocupado pelo professor laico a serviço do Estado, controlado
no seu ingresso, na sua formação e no exercício da função como já foi citado anteriormente.
Nóvoa (1991) contribui para o entendimento deste aspecto quando afirma
que o processo de estatização do ensino passa, antes de mais nada, pelo estabelecimento de
procedimentos uniformes de seleção e de designação dos docentes:
...os reformadores do século XVIII compreenderam que o controle do
recrutamento dos corpos docentes era a única maneira de assegurar sua
renovação e de os colocar a serviço de uma nova ideologia. A diversidade
de situações educativas do Antigo Regime não serve mais aos desígnios das
classes dirigentes: é preciso subtrair os docentes à influência das populações
e dos notáveis locais e de os considerar como corpo de Estado. (1991, p.
120)
Este autor considera que os professores vão aderir a este projeto, na medida
em que ele lhes propõe um estatuto de autonomia e de independência frente aos párocos,
aos notáveis locais e às populações, de uma forma que eles não tinham nunca
experimentado: “de agora em diante, eles passam a se constituir em funcionários do Estado,
com todos os direitos e deveres que isto implica”
79
. É preciso, portanto, entender a
funcionarização como um projeto sustentado ao mesmo tempo pelos docentes e pelo
Estado: os primeiros buscando constituir um corpo administrativo autônomo e
hierarquizado; o segundo buscando garantir o controle da instituição escolar.
43
No Império brasileiro, o Regulamento de 1854 procura seguir este ideal
reforçando, entre outros pontos, a obrigatoriedade do concurso para a seleção ao
magistério. Esta exigência representava apenas uma das diversas medidas de controle da
profissão docente, nas quais os candidatos ao cargo de professores públicos. Estes deveriam
se enquadrar em normas rígidas, expressão do perfil do profissional desejado naquela
conjuntura. Com isso, pode-se notar que a questão do recrutamento está intimamente ligada
à profissionalização, qualificação e estatização do magistério. Por este motivo, estarei
destacando, no processo de profissionalização docente, a forma como esta ordem procurou
produzir o modelo de profissional, considerando o recrutamento como uma das estratégias
de qualificação e seleção ao cargo de professor.
A IGIPSC procurava representar os anseios da ordem política, ditando as
regras para o ingresso na profissão docente, para o exercício do magistério e para o controle
das práticas envolvidas em todo processo de escolarização da população e
profissionalização de docentes, dentro da lógica da monarquia. Importava recrutar homens
e mulheres para que servissem à causa do Imrio das elites. Desta forma, sob a égide dos
regulamentos de 1854, estavam postas as regras que deveriam presidir a pretendida
conformação do profissional docente “desejável” para as escolas, colégios e faculdades da
sociedade imperial em formação.
Além desta norma, é importante destacar em relação ao ensino primário e
secundário, as Instruções para a Verificação da Capacidade para o Magistério
80
, que vai
reger os concursos para professores desses graus de instrução, produzindo um ritual
sistemático na realização dos mesmos, prática que permanece inalterada durante o período
estu(caão e t5]TJ00.0 0 0034 Twd)6.ye 6 351gid 0 oncursos para professores desses03051 na slamue nsidetl/gid 0 oncursos paeoTc >]TJ0grAodtc 0.13oaG Tw 0TboEMC 25 jaIq ,31351rue nsidetl/gid 0 onc0c >3a
capacidade profissional. Na seqüência deste estudo, destaca-se os aspectos religiosos e
morais presentes neste processo seletivo, assim como os saberes valorizados pelas
autoridades imperiais.
Bourdieu (1975), ao nos alertar quanto à não inércia dos programas, assinala
que estes definem um momento político e econômico. Assim, de acordo com o autor, as
mudanças na política e na economia tenderiam a provocar mudanças também nos
programas exigidos aos cargos dos candidatos à profissão. No caso do Brasil, as mudanças
políticas ocorridas na segunda metade do século XIX ficaram, muitas delas, apenas no
domínio legal sem provocar transformações significativas na vida da população. Por isso,
apesar da reabertura da escola normal, em 1859, da reformulação nos seus programas,
econômico, põe-se por toda parte a questão de saber o que significa ser um
bom docente: Deve ser leigo ou religioso? Deve fazer parte de um corpo
docente ou não ser mais que um mestre dentre os outros? Como deve ser
escolhido e designado? Como deve ser pago? De qual autoridade deve
depender?” (...) O processo de secularização do ensino é antes de tudo a
substituição de um corpo docente religioso (ou sobre o controle da Igreja)
por um corpo docente laico (ou sobre o controle do Estado), sem que por
isso as antigas motivações, nem as normas e os valores que caracterizaram
as origens da profissão docente, tenham sido substancialmente modificadas:
o modelo docente permanece muito próximo daquele do padre.
A respeito das exigências postas em relação à um determinado objeto, vale
lembrar Foucault (1994) quando diz que o conjunto de questões que estão aparecendo em
determinado espaço e tempo caracteriza um processo de constituição de um campo
discursivo articulado a um determinado saber. Nesta perspectiva, podemos entender que,
naquele momento, a ordem docente está sendo reconstituída com um conjunto de
significações que vão aos poucos produzindo o que vem a ser um professor, e, neste caso
um professor para o século XIX. Nesta perspectiva, Loureiro (2001) afirma que
A tarefa de definir o conceito de profissão em termos derivativos torna-se
problemática, pois são constructos sociais e, neste caso, só podem significar
o que uma sociedade ou um grupo social numa determinada cultura e num
determinado tempo lhe atribuem. Daqui se infere que ‘profissão’ é um
conceito que não deriva nem de um dado adquirido nem de um fenômeno
estável, mas que se inscreve num processo onde interagem o contexto
histórico, econômico e social, as decisões do Estado e as estratégias dos
grupos ocupacionais.
Trabalhando com o registro de que “profissão” é uma construção histórica,
consideramos que a IGIPSC, nas deliberações que prepara para os futuros mestres, tentou
formar um conjunto de saberes e normas de comportamento moral e ético, definindo
fundamentos que buscaram modelar o professor, o que contribuiu para uma
profissionalização bem determinada desse grupo de “funcionários públicos”. Ao lado do
regulamento de 1854, as Instruções de 1855, também procuraram cumprir esta finalidade,
podendo-se acrescentar o Regimento Interno das Escolas Públicas, estabelecido no mesmo
ano. Este conjunto de normas com direito e deveres, aos quais os profissionais docentes
estiveram submetidos a partir de então constituíram uma espécie de solo comum, a partir do
que se pode pensar ao estatuto profissional da docência.
46
É preciso reconhecer que não apenas os professores primários e secundários
estavam sendo submetidos ao controle do estado. O nível superior também sofreu
intervenção por parte do governo que procurou, no período, promover mudanças nos
estatutos das escolas superiores do Império. Por intermédio destes, foram produzidas novas
orientações acadêmicas para o campo médico, jurídico e artístico, por exemplo. Estas
normas além de legislarem sobre as formas de recrutar professores para estas instituições,
os regimes e os saberes conferidos nesta seleção, definem obrigações e deveres de docentes
e alunos, procurando, como nos outros níveis de ensino, controlar não só o ingresso desses
profissionais no magistério, mas também o exercício da profissão.
Para exemplificar, temos o Decreto Nº 1387 de 28 de abril de 1854, o qual
“Dá novos Estatutos ás Escolas de Medicina do Império”. Assim, o Imperador, estabelece:
“Hei por bem que nas Escolas de Medicina do Império se observem os
Estatutos, que com este baixão, assinados por Luiz Pedreira de Coutto
Ferraz, do meu Conselho, Ministro e Secretário do estado dos Negócios do
Império, que assim o tenha entendido, e faça executar. Palácio do Rio de
Janeiro, 28 de abril de 1854, trigésimo terceiro da Independência do
Império”
82
.
Destaca-se a presença do Ministro Coutto Ferraz, que vai reformular na
mesma data, não só a área médica, mais as faculdades de Direito e do Comércio,
produzindo novos Estatutos que vão promover uma intervenção generalizada no ensino
superior do Império. Para efeito deste estudo, tomarei como exemplo as deliberações do
Governo nas Faculdades de Medicina, uma vez que, as demais instituições foram, também,
objeto de intervenções semelhantes estabelecidas pelo Estado.
O Título I deste Estatuto, “Da sua organização”, apresenta os seguintes
capítulos que vão determinar os pontos onde se promove o controle na instituição: Da
Instituição das Faculdades; Dos Cursos da Faculdade; Dos Gabinetes e outros
Estabelecimentos Especiais; Das Comissões e investigações em benefício das ciências e do
ensino da medicina; das habilitações; do pessoal da faculdade; do provimento das cadeiras
e das substituições, e dos opositores
83
. .Mais adiante o trabalho desenvolve uma reflexão
82
A.N.:cód: IE5- 127, doc.209
83
No Capítulo IV desenvolvo uma reflexão mais detalhada desta norma, ao destacar o processo de
recrutamento docente para as Faculdades de Medicina do Império.
47
mais detalhada desta norma, ao destacar o processo de.recrutamento docente para as
Faculdades de Medicina do Império.
Um aspecto interessante a considerar é que a leitura deste documento dá
sinais do alcance do Regulamento de Instrução Primária e Secundária de 17 de fevereiro de
1854, pois determinados artigos deste estatuto fazem referência a esta Lei como se esta
também estivesse, de certa forma, controlando e conformando o ensino superior. Como
exemplo, no artigo 83 temos: “Os professores nomeados não podem escusar-se sem motivo
legítimo julgado tal pelo governo, sob as penas do artigo 115
84
do Regulamento de
Instrução primária e secundária do Município da Corte”
85
. Esta aproximação se percebe,
mais especificamente, como veremos mais adiante, na seleção a cargo da IGIPSC dos que
ingressavam nas faculdades do Império e na forma como os Estatutos mantêm os
procedimentos de controle sobre os alunos e professores, estabelecidos por esta instituição
para os demais alunos do nível primário e secundário.
Esta abrangência nos leva a considerar a importância deste Regulamento
destinado na sua origem para o ensino primário e secundário, na conformação do
profissional docente no Brasil, uma vez que procura intervir na instrução em seus diferentes
níveis. Nesse sentido, podemos entender que o processo pelo qual passou a docência no
Império do Brasil aproxima-se dos estudos de Nóvoa (1987) acerca da docência como
profissão. Este autor, retoma a problemática da relação das profissões com o Estado, da
importância do saber e da ética enquanto dimensões constitutivas das profissões e sublinha
quatro elementos organizacionais que constituem os diferentes estágios do processo de
profissionalização docente:
- o exercício a tempo inteiro (ou, pelo menos, como ocupação principal) da atividade
docente, constituindo, o ensino, o modo de vida de um grupo profissional cada vez mais
especializado – os professores.
- a criação, pelas autoridades públicas ou estatais, de um suporte legal para o exercício da
atividade, sob a forma de diploma ou licença adequada.
- a criação de instituições específicas para a formação especializada e longa dos
84
Art. 115: Os professores públicos que por negligência ou má vontade não cumprirem bem os seus deveres,
instruindo mal os alunnos, exercendo a disciplina sem critério, deixando de dar aula sem causa justifcada por
mais de tres dias em hum mez, ou infrigindo qualquer das disposições deste Regulamento ou as decisões de
seus superiores, ficão sujeitos ás seguintes penas: Admoestação, Reprehensão, Multa de até 50$. Suspensão
de exercício e vencimentos de hum até tres mezes, Perda de Carteira.
85
Conforme AN, cód: IE5-127; doc.209
48
professores, que permita adquirir um corpo de saberes e de saberes-fazer próprios da
profissão através de um role-transition (passagem do papel de aluno para o papel de
professor) e não de um role-reversal como a maioria das outras profissões.
- a constituição de associações profissionais representativas do grupo profissional,
normalmente de características sindicais, que desempenham um papel fulcral no
desenvolvimento de um espírito de corpo e na defesa do estatuto socio-profissional dos
professores.
Embora o estudo de Nóvoa tenha recaído sobre os professores do ensino
“primário” como o grupo docente “que mais cedo se profissionalizou”, sua análise poderá
ser estendida a todos os professores, independente do nível de ensino, levando em
consideração o desenvolvimento precário do ensino secundário e superior neste período
86
.
Caso se considere o processo de criação de instituições de formação profissional, do tipo da
Escola Normal, percebemos que, também no Brasil, a profissão docente foi configurada a
partir do seu grau elementar. No entanto, se considerarmos outros dispositivos de formação
observamos que o interesse do Governo em selecionar professores primários foi
acompanhado por igual movimento em relação aos professores secundários e os que se
destinavam ao nível superior.
Sendo assim, podemos considerar que a profissionalização docente, assim
como o processo de recrutamento dos futuros profissionais para esta área no século XIX,
emergiram de relações complexas entre as necessidades do Estado, o interesse do grupo de
docentes, e as interações entre esses dois focos de poderes, que resultaram em práticas
educacionais específicas do período histórico em que foram empreendidas. No capítulo IV
essas práticas serão consideradas de modo mais aprofundado, no sentido de fazer uma
reflexão a respeito das mesmas, considerando-as integradas ao processo de construção e
manutenção do Estado Imperial.
2.6.- Fim da “Conciliação”: A “boa sociedade” na transição Império-República.
Para concluir, com o reconhecimento da Independência brasileira por
Portugal em 1825 e, a abdicação de D. Pedro I em 1831, enterrava-se de vez a idéia de um
86
Cf. Loureiro 2001, p.39
49
Império luso-brasileiro. Segundo Vainfas (2002), restava a tarefa de construir de fato o
Império do Brasil, ancorado em uma constituição com ares despóticos e uma máquina
político-administrativa herdada de Portugal, contra as quais se bateram as elites políticas da
Corte e de várias partes da antiga América Portuguesa. De norte a sul, algumas delas
propunham a República e, outras, a separação e, quase todas, exigiam autonomia para as
províncias e redução dos poderes imperiais. De acordo com este autor:
Tais cisões que surgiram abriram fendas de onde surgiram multidões
esfomiadas de oprimidos, lavradores pobres obrigados ao recrutamento
militar, gente inconformada com a ‘discriminação da cor’, libertos
insatisfeitos com sua exclusão da cidadania política. A elas se acrescentaram
outras multidões de escravos, a maioria de africanos que sequer falavam
português, despejados ano a ano nos campos e cidades do império, e tanto
mais despejados quanto mais ilegal se tornava o tráfico Atlântico.
Mulçumanos, uns, projetaram ‘matar todos os brancos’, na Bahia, como uma
espécie de jibad tropical. Bantos, a maioria, aquilombaram-se em toda parte,
sagrando seus próprios reis e imperadores, conforme os usos e costumes
d’África. (Ibidem, p.358).
Do mesmo modo, a regionalização instaurada pelo ato adicional de 1834, ao
criar as assembléias provinciais, procurou manter a supremacia ditada pela Corte Imperial,
no sentido de submetê-las à sua vontade e comando,. Prosseguindo, desta forma, uma
tendência antimunicipalista. Alencastro (1998) sublinha que, nesse movimento, o governo
central subtrai a autonomia das municipalidades e, sobretudo, a competência jurídica e
policial dos juízes de paz eleitos em cada cidade e dos juízes municipais indicados pela
câmara. O autor alerta que o exercício do poder público por autoridades designadas pelos
presidentes de províncias
87
, ou seja, pelo governo central, em detrimento das autoridades
locais escolhidas pelos proprietários, eleitores qualificados da região, afigurou-se como
mais uma ameaça à ordem privada, isto é, à ordem em geral. Nesse sentido, ele menciona
que o jornal Bentevi, órgão de autonomia maranhense, vai direto ao assunto: “a autoridade
nomeada pelo Rio de Janeiro desagregaria a ordem privada, subvertendo a organização
social vigente”, acrescentando que:
Um prefeito tem espalhado tantos quantos oficiais de polícia, espiões, ele
87
De acordo com Alencastro, o presidente da província falando na Assembléia maranhense, explicava o papel
dos novos “prefeitos da comarca” e justificava a redução das competências dos juízes de paz, expressão do
poder senhorial nas municipalidades, (...) cuja autoridade estender-se-ia sobre vários municípios, estaria
encarregado de instalar a ordem imperial no interior do país.
50
quer, para saber do que se passa fora e dentro das casas! Adeus sagrado das
famílias! Os prefeitos chamarão e corromperão nossos escravos para
dizerem tudo que em nossas casas se faz e diz, e acrescentarem o mais que
nem se faz, nem se diz! Com uma autoridade tão absoluta quem se julgará
seguro! Quem os poderá ter mão! Maldições pesem sobre a cabeça de quem
pediu e sancinou uma tal lei! (1998, p.18)
Assim o escravismo entranhava nos lares, no âmago da vida privada, um
elemento de instabilidade que carecia ser estritamente controlado, podendo o governo do
Rio de Janeiro, segundo o autor, “transformar os escravos domésticos em espiões, trazendo
a insegurança para dentro das casas, para “o sagrado das famílias” dos proprietários. Este
autor entende que o escravismo na sociedade imperial não se apresentou como uma herança
da colônia, com um vínculo com o passado que o presente oitocentista se encarregaria de
dissolver. “Apresenta-se, isto sim, como um compromisso para o futuro: o Império retoma
e reconstrói a escravidão no quadro do direito moderno, dentro de um país independente,
projetando-a sobre a contemporaneidade”. (Ibiden, p.17 )
Era esta situação política que os integrantes da “boa sociedade” precisavam
controlar e, para tal empreendimento, Conservadores e Liberais se “uniram” na intenção de
manter a ordem e ao mesmo tempo conformar o Estado Imperial brasileiro na sua
singularidade como foi visto anteriormente. “Conciliados”, trabalharam em prol da
manutenção deste Império, administrando as diferenças políticas e ideológicas com que
buscavam se caracterizar. Nesse sentido, Joaquim Nabuco, no discurso em 1853, afirma
que “A conciliação se afigurava como necessidade imperiosa para que o país pudesse ser
administrado, porém, a iniciativa não deveria partir das facções, mas do Governo, ao qual
não interessava exterminar os partidos políticos, mas sim ‘neutralizar suas exagerações’”
(Guimarães, 2002).
Posição compartilhada por um de seus contemporâneos, o deputado Ângelo
Ferraz, para o qual a política desenvolvida pelo Marques de Paraná não passava de “uma
amálgama indigesto de homens que conservavam princípios opostos”. Além disso, a autora
afirma que este político acusava a conciliação de ser uma concepção da Coroa interessada
em embaralhar, confundir e anular os antigos partidos. Este fato seria em parte confirmado
mais tarde pelo marquês de Olinda, quando atribuiu a paternidade do projeto ao próprio
Imperador. Como vimos, a primeira providência do Monarca ao estabelecer a Conciliação
51
foi preparar as instruções às quais estariam submetidos os integrantes da nova organização
política.
Para Guimarães (op. cit.), os problemas relativos à conformação do Império
brasileiro não se limitaram às disputas políticas entre os dois partidos “conciliados”. Tanto
a política interna quanto a externa provocaram impasses que desfavoreciam a manutenção
da ordem imperial naqueles termos. Assim, as questões: “Servil”, “Religiosa” e “Militar”,
de acordo com a autora, representaram a fragilidade com que estavam fundadas as bases da
sociedade imperial e, uma delas, obrigou o governo a usar sua diplomacia a fim de resolver
esses impasses, sendo que as medidas tomadas colocaram em dificuldades o próprio
Império. Portanto, as questões sociais, políticas e econômicas tornaram, a “capital do país,
a Corte, sede das legações diplomáticas, maior porto do território e área de forte
concentração urbana de escravos aparece, como o teatro das contradições imperiais”. (Cf.
Alencatro, 1998, p. 23)
Mattos (2003) afirma que a opção dos dirigentes imperiais pela associação
entre Império e Escravidão, no movimento de construção do “império da boa sociedade”
impunha ao Estado, talvez, a mais importante limitação, pois, tanto a política inglesa
quanto a resistência e negociação com a massa de escravos colocavam em xeque a
continuidade da ordem escrarvista, provocando dúvidas e questionamentos a respeito da
necessidade e permanência da escravidão. Esta crise, tendia a se desdobrar perigosamente
em dúvidas e questionamentos a respeito de o próprio Império ser necessário e eterno.”
88
Desta forma, o autor acrescenta que:
As diversas políticas levadas à cabo pelos dirigentes imperiais- dentre as
quais assumiram relevo a política da mão de obra e a política da terra-
tinham por finalidade adiar o final da ordem escravista- e nisto, consistia
tanto a estratégia do emancipacionismo- quanto possibilitar o deslocamento
do monopólio da mão de obra (escrava) para o da terra, e assim assegurar a
manutenção dos demais monopólios que fundavam a riqueza, o poder e o
prestígio dos membros da boa sociedade”.(2003, p.163)
Junte-se a todos esses problemas, o desenvolvimento e o progresso da
imprensa, que torna-se um veículo de informação e difusão cultural, do qual utilizam-se
tanto os defensores do Governo quanto seus opositores. Assim, jornais, revistas e
88
Cf. Mattos 2003, p.163.
52
periódicos, promovem intensa campanha contra a monarquia. Era a propaganda republicana
que, por intermédio da imprensa, tentavam vulgarizar as idéias empenhadas em mudar a
forma de governo. Entre os exemplos deste “movimento republicano”, temos a obra O
Ensino Público”, do maranhense Antonio de Almeida Oliveira (1843-1887) que teve a sua
primeira edição em 1873. Para o autor, a obra foi “destinada a mostrar o estado em que se
acha, e as reformas, que exige a instrução pública no Brasil”, tendo sido dedicada ao
“nascente mais já vigoroso Partido Republicano - Oferece, dedica e consagra o autor este
trabalho em sinal de adesão à democracia e dos votos que faz para que este só procure
triunfar por meio da instrução do povo”. (p.
A análise desta obra sugere que o autor mais que mostrar a situação do
ensino público, desejava ser ouvido e tinha uma intenção de propaganda e de
convencimento dos leitores. A partir daí, o texto do maranhense é cortado por uma
estratégia de convencimento à qual recorre de modo contínuo, empregando frases do tipo:
“O leitor vai ver e julgar por si. Eu não farei comentário algum”. (p.49); “Em casa não acho
exemplos que me apoiem. Mas se me é dado pedi-los a outros países, não faltarão
autoridades que os apresentem”. (p.207) Desta forma, inicia-se uma argumentação apoiada
nas estatísticas, no bom exemplo dos Estados Unidos e, principalmente, na pretendida
neutralidade com a qual desejava passar ao leitor, sentimentos de verdade, confiabilidade e
o conhecimento da “real” situação em que se encontrava a instrução no Brasil.
Na exposição dos motivos que o levaram a produzir este trabalho, o autor
indica que, entre estes, estava a necessidade de esclarecer e divulgar os males deste país.
Segundo Oliveira, o primeiro fator que produzia e reproduzia condições tão deploráveis era
“a centralização política e financeira em que vivemos é o primeiro mal do Brasil, ou o mal
a que quase todos os outros procedem”. A fim de combater este erro, propunha para as
províncias que:
Todas se governariam por si mesmas, todas administrariam os seus negócios
particulares. Mas para a gestão dos interesses comuns cada um delegaria ao
Estado os poderes necessários, e essa entidade, que todas sustentariam, seria
o representante da União. Entretanto assim não quiz o nosso arbitrário poder
constituinte, e o resultado foi a impotência em que se acham as províncias,
já não digo para conseguirem todo o bem-estar a que têm direito, mas para
satisfazerem as suas indeclináveis necessidades. ( ... ) Em vez de cada
província se reger e governar livremente, obedecem todas a um governo
longínquo, que faz e desfaz as suas autoridades, põe e dispõe nos seus
53
interesses. (p.25)
Acrescenta a este “mal” o atraso provocado pela escravidão, a ignorância da
população em geral, a falta de recursos para a população livre e, como conseqüência, a falta
de proteção da família que, sem apoio, permaneceria desagregada dificultando, entre outros
aspectos, o estabelecimento da política de emigração. Diante dessa exposição de
deficiências, o autor credita aos estadistas e políticos o dever de extinguir estes males.
Assim, ao se referir às propostas que, até então, se apresentaram para solucionar os graves
problemas da instrução no Brasil, mais uma vez, “esclarece”: “todas as reformas não
passam de sonhos ou quimeras com que se entretêm os ignorantes ou se cansa a paciência
dos que o não são”. (p. 30)”
Portanto, segundo o autor, as causas da infelicidade da população brasileira,
residia no regime político que se tinha, e, para desprendermos do rochedo a que estávamos
acorrentados, “torna-se preciso ferir luta com o poder que se assenta da sua cumiada. Para
isso dois partidos se preparam: o liberal e o republicano”. Sobre estes partidos, Oliveira diz:
Conheço um e outro, e faço inteira justiça a suas intenções. Mas o liberal já
está condenado antes de subir ao poder. É mulher defeituosa, que tem na
gestação a causa da sua morte. Ele não quer abolir a realeza, mas conciliá-la
com o povo, ou simplesmente limitar o seu poder. Daí o presságio do seu
fim. A sua história será sempre a mesma que até agora: reagir contra o mal
dos adversários, e cair logo que, preparando o terreno para as suas
evoluções, se dispuser a praticar as reformas, incompatíveis com a sua
existência. (p.31) (...) Nestas condições, tornado-se cada vez mais difícil a
missão do Partido Conciliador, só o Republicano tem possibilidade de ser
bem sucedido. Este partido não tem meios-termos; não procura conciliar o
que é inconciliável, nem compatibilizar o que é incompatível. (...)
Conseqüentemente nada de esperanças na Coroa, nada de reformas com ela.
Ou a morte com ela ou a salvação com a República.(...) O partido
republicano é filho do patriotismo e da razão criado a luz das mais altas
dedicações
89
, tem se tornado o campo neutro, onde os membros dos outros
partidos vão depor seus ressentimentos e receber a água lustral da
abnegação e do desinteresse. (p.32)
Deste modo, podemos constatar que Oliveira (1873), tal qual Queirós duas
décadas antes (1854), utilizavam argumentações semelhantes, tanto na análise da questão
quanto no modo de enfatizar os bons resultados dos países desenvolvidos. O Inspetor Geral,
na ocasião, defendia os princípios da reforma ocorrida em 1854. Estes princípios tratavam,
89
Grifos meus.
54
entre outros aspectos, do monopólio sobre a instrução, da obrigatoriedade do ensino
elementar, da necessidade de formação da carreira do professor, da educação feminina e da
capacitação de professores por intermédio dos concursos. Portanto, as propostas desses
políticos se afinam, mesmo sendo Oliveira, republicano fervoroso, como ele mesmo diz, e
Queirós, como vimos, legítimo conservador, um dos integrantes da chamada “Trindade
Saquarema”
90
.
“O leitor vai ver e julgar por si. Eu não farei comentário algum”. Nesta
pretendida neutralidade, na narrativa detalhada das questões, na certeza da exposição da
mais pura verdade, o discurso de Oliveira traz, para o seu tempo, o debate sobre a instrução
pública no Brasil. Contudo, este discurso, como podemos perceber, é forjado no interior da
“boa sociedade”, na qual o autor se encontrava, tendo um perfil próximo ao desta pequena
parcela de brasileiros que detinha a cidadania e força política.
Nesta linha, é possível pensar que, no contexto de emergentes
transformações sociais, políticas e jurídicas, o livro de Oliveira estaria representando mais
uma estratégia utilizada na conversão do Império do Brasil em República brasileira, porém,
nos moldes que convinham aos interesses da aristocracia, impossibilitando que tais
mudanças trouxessem verdadeiro ganho social para a parcela da população que
permaneceria excluída desse processo.
A “boa sociedade”, precisava garantir, segundo Mattos (op. cit) o controle
do Estado a fim de proporcionar condições de sobrevivência aos seus integrantes. Para
tanto, entre outras medidas, utilizaram-se de antigas práticas que apontavam para a
construção de um modelo de professor, controlado no recrutamento, nos saberes e no
exercício da profissão. O mestre assim conformado, deveria espelhar o bom exemplo, a boa
moral, os bons costumes. Portanto, o profissional desejado pelo Estado deveria funcionar
como um agente difusor de saberes oficializados, agindo com fiel seguidor da ordem e
mantenedor das condições sociais do período.
Assim, as prescrições da obra de Oliveira, propondo transformações no
cenário educacional, ao tomar empréstimos enormes ao programa monárquico significou
mais uma reprodução de antigos modelos que colaboraram na permanência de práticas,
produzindo continuidades, historicamente mantidas e revitalizadas, à cada época, em
90
Trindade Saquarema, grupo político pertencente ao partido conservador originário da província do Rio de
Janeiro composto por Paulino José Soares, Eusébio de Queirós e o Visconde de Itaboraí. (cf. Mattos, 1994)
55
diferentes espaços como uma espécie de resultante do jogo das relações políticas e sociais
de um determinado momento histórico.
Neste jogo, nem a pretensa intervenção na instrução proposta pelo
Regulamento de 1854, nem o estabelecimento da IGIPSC, com o fim de por em execução e
controlar o implemento desta norma, conseguiram apaziguar as difíceis relações sociais
postas neste momento político. Porém, Lyra (1872), (Mattos (2001), Vainfas (2002) e
outros historiadores são unânimes em afirmar que, mesmo diante de todas as dificuldades, o
Gabinete da Conciliação, apesar das constantes mudanças na sua direção, apesar da difícil
convivência entre os partidos, e mesmo no interior de cada um deles com o surgimento de
facções que fracionavam cada vez mais as idéias, a “Conciliação” foi a responsável pela
manutenção do governo imperial até 1889, quando instaurada a República.
Inicia-se, desta forma, um novo esforço de construção do Estado, a partir de
agora republicano, e, entre as suas primeiras medidas, Schwarcz cita que ainda em 24 de
fevereiro de 1891, a República brasileira aboliu os títulos honoríficos imperiais: “Tendo a
nobreza como companheira próxima do rei, e dele dependente (ao menos para receber
título), sua continuidade poderia simbolizar a sobrevivência da própria monarquia” (1998,
p.194)
Porém, determinados fatos poderiam prever que estes títulos dificilmente
seriam esquecidos, uma vez que a autora descreve como “deslizes” o fato de na
Constituição de 1891, vários nobres assinaram como titulares, e sem usar parênteses, pois a
prática de incorporar o nome, que acompanha o título, ao próprio nome da nascimento,
buscava manter a marca da nobreza, que segundo a autora era “constantemente acionada
quando se trata de afirmar certo prestígio, autoridade e passado”. (Ibidem, p. 194)
56
III – QUALIFICAÇÃO E RECRUTAMENTO: A RE-FORMA DAS ORDENS NO
IMPÉRIO DO BRASIL
Políticos, religiosos, escravos, advogados, médicos, pequenos comerciantes,
militares, estrangeiros, pobres ou nobres, brancos, mulatos ou negros, tiveram a sua
participação na forma como a sociedade imperial foi se conformando, acabando por
produzir um determinado ambiente político e social marcado por relações de poder entre os
agentes que participaram desta constituição
Gondra (2004) afirma que o movimento provocado com a chegada do príncipe
regente, D. João, é responsável por uma ação local, denominada de europeização, ocorrida
especialmente no Rio de Janeiro:
Esse movimento compreende o ingresso e a instalação de hábitos, costumes e
equipamentos urbanos típicos da Europa, evidenciando a existência de um
descompasso entre a vida em Lisboa e no Rio de Janeiro, sendo que o modelo
a ser adotado encontrava-se na capital lusitana, cuja cópia deveria ser
estabelecida nos trópicos. (p.39)
Este autor destaca que no conjunto das intervenções previstas pelo monarca
encontrava-se a “construção de um horizonte mental que passou a fazer circular uma
profunda crença no poder da ciência”, afirmando mais adiante que: “Crer – e fazer crer – no
poder da Ciência funcionou, então, como requisito necessário para a construção, em um
segundo momento, de campos científicos mais específicos e mais autônomos, forjando o
que atualmente se designa de campos disciplinares”. (p.39)
As novas idéias, novos saberes, novo tempo que se queria implantar,
encontrava, porém, condições físicas da cidade não condizentes com este ideal de civilidade
e progresso. Referindo-se a Mattos (1994) e às descrições do Rio de Janeiro daquela época
deixadas pelos viajantes que aqui estiveram, este autor explica que apesar de tudo que já
havia sido feito no Rio de Janeiro:
57
...a população permanecia habitando uma ‘cidade feia’, que pouco diferia da
sede colonial. As ruas eram estreitas, escuras e imundas. Como nas demais
cidades do império, a remoção de lixo, das coisas podres e dos excrementos
humanos era feita em pipas ou barris, carregados nas cabeças dos escravos e
derramados em certas partes da Baía de Guanabara todas as noites, de modo
que não era só inseguro, mas desagradável andar pelas ruas depois das dez
horas. (p.91)
Assim, a cidade na qual a Corte se instalara encontrava-se muito distante
daquilo que se esperava de uma cidade moderna, que deveria absorver as luzes emanadas
do continente civilizado. Era preciso novos costumes, hábitos, maior desenvolvimento de
serviços que viessem a ser úteis à construção do progresso brasileiro. Era preciso defender
o país das ameaças externas e internas, garantir a unidade e integridade, catequizar e
evangelizar e, principalmente, manter a religiosidade da população a fim de mais
profundamente aproximar a imagem do monarca à de Deus, instruir, higienizar e
medicalizar a população.
Para isto, o Estado contou com o trabalho de estrangeiros encomendados
pela Coroa, mas, principalmente, com a ainda ineficiente rede dos diferentes ofícios aqui
estabelecidos. A partir das práticas que cada uma delas impunha para si, na relação com o
controle do Estado imperial, foram se afirmando na construção de uma identidade própria,
no interior da qual, legitimaram sua hierarquia e saberes específicos.
Diante destes aspectos, podemos entender que o século XIX, em meio ao
movimento de construção do Estado Imperial, acaba também sendo o tempo em que as
ordens chegadas ao Brasil a partir dos anos 1500, principalmente as religiosas, médicas e
militares, foram construindo novos significados, conformando-se no interior de
organizações cada vez mais individualizadas e institucionalizadas que vão, na medida em
que a conjuntura econômica, política e social se transforma, tornando-se cúmplices,
opositoras, rivais e sócias no conjunto do que se chamou sociedade imperial. Desta forma,
estes grupos acabaram participando intensamente da construção do Império brasileiro no
jogo especial que mantiveram entre si e com a ordem política, esta também em
organização. Estas relações de forças acaba por provocar entre o Estado, os religiosos e
militares, no Império, grandes questões diplomáticas que acabaram contribuindo para
enfraquecer a própria monarquia, como afirmam Guimarães (2002) e Neves (2002) entre
outros historiadores.
58
Perceber o sentido do recrutamento de professores no século XIX, supõe
entendê-lo, não em seu isolamento, mas na relação com os demais processos de seleção de
profissionais para as diferentes ordens no século XIX, tentando discutir apropriações e
afastamentos entre os modelos praticados.
Para Foucault (1985), este esforço caracteriza o estudo arqueológico que
pressupõe uma análise comparativa que “não se destina a reduzir a diversidade dos
discursos nem a delinear a unidade que deve totalizá-los, mas sim a repartir sua diversidade
em figuras diferentes. A comparação arqueológica não tem um efeito unificador, mas
multiplicador”. A arqueologia quer libertar, mantida a especificidade e a distância das
diversas formações discursivas, ela é inicialmente “o jogo das analogias e das diferenças,
tais como aparecem no nível das regras de formação”. (1985, p.184)
Para tal proposta, Foucault recomenda cinco tarefas distintas. Entre estas,
duas considero importantes para a compreensão deste estudo. A primeira delas é mostrar
como elementos discursivos inteiramente diferentes podem ser formados a partir de regras
análogas, isto é, mostrar entre formações diferentes, os isomorfismos arqueológicos. A
segunda preocupação diz respeito à necessidade de perceber até que ponto estas regras se
aplicam ou não do mesmo modo, se encadeiam ou não na mesma ordem, dispõem ou não
conforme o mesmo modelo nos diferentes tipos de discurso, portanto definir o modelo
arqueológico em cada formação.
Na tentativa de perceber regras análogas e seu funcionamento no que se
refere ao dispositivo de seleção, neste estudo, procurei destacar os discursos produzidos
pelas ordens, religiosa, médica e militar, procurando refletir sobre a forma como se
desenvolveram tais campos de conhecimento no Brasil Imperial, a relação deste processo
com a construção do Estado monárquico e o modo como cada uma recruta seus quadros.
Busquei entender o papel de cada uma dessas áreas de atuação, por intermédio dos modelos
civilizatórios que as mesmas projetaram e procuraram desenvolver para a Nação brasileira
no século XIX.
Desta forma é possível detectar a emergência da definição do ofício e da
identidade de diferentes “profissionais” “desejáveis” para as instituições, apontando para a
forma como estes foram conformados no interior de discursos/regras historicamente
produzidos. Com este entendimento, torna-se possível pensar no sentido do recrutamento
na configuração das ordens e, com isto, perceber as regularidades e desvios entre esta
59
prática nos diferentes campos, tendo como motor o processo de seleção de professores e de
profissionalização docente na sociedade imperial.
Nesta reflexão, trabalhei com a hipótese de que há íntima ligação entre
seleção de profissionais e qualificação para um determinado o ofício. Neste sentido, cabe
relembrar que, também trabalho com a hipótese de que o recrutamento pode ser
considerado uma das estratégias de qualificação e construção da identidade de uma
profissão. Justifica-se desta forma, o roteiro que procurei seguir, buscando, no interior de
cada um dos campos investigados, seus processos de formação, legitimação, autonomia e
seleção de saberes e práticas. Nesse sentido, ao refletir sobre a qualificação dos agentes das
diferentes ordens, pretendi detectar o perfil idealizado dos que seriam considerados
desejáveis no interior de cada uma delas. E, na seqüência, o sentido do recrutamento e as
práticas de seleção de seus profissionais. A estas questões impõe uma outra anterior, em
relação ao estabelecimento em terras brasileiras dos grupos de indivíduos que chegaram,
principalmente, com a transferência da corte portuguesa para o Brasil.
Alencastro (1998) afirma que este fato trouxe para a América portuguesa a
família real e o governo da Metrópole. Trouxe também e, sobretudo, boa parte do aparato
administrativo português. Personalidades diversas, funcionários régios continuaram
embarcando para o Brasil atrás da corte, dos seus empregos e dos seus parentes, após o ano
de 1808. Sobre este aspecto, o autor acrescenta que:
“Luccock calculava em dois mil o número de funcionários régios e de
indivíduos exercendo funções relacionadas com a Coroa. Juntem-se ainda os
setecentos padres, os quinhentos advogados e os duzentos ´praticantes` de
medicina residentes na cidade. Terminadas as guerras Napoleônicas, oficiais
e tropas lusas vêm da Europa para a corte fluminense (...). No total, pelo
menos 15 mil pessoas
91
transferiram-se de Portugal para o Rio de Janeiro no
período”. (1998, p. 12)
Buscar atender a estas questões impõe um estudo sobre a construção
histórica dessas ordens a fim de realizar a arqueologia das mesmas, de modo a definir as
fronteiras que as distinguem, assim como, os espaços comuns de disputa pelo poder de
intervir na sociedade em que estão sendo configuradas.
91
De acordo com o autor, a esse número deve-se acrescentar: administradores e colonos de outras partes do
Império português, notadamente Angola e Moçambique; os refugiados comprometidos pelas monarquias nos
60
Trabalho, portanto, com a concepção de poder defendida por Foucault
(1987)
92
em que o autor afirma que este não possui um núcleo central, mas se encontra
disperso em muitas direções. Nesse sentido, considero a possibilidade dele não ter ser
concentrado apenas no poder moderador, representado pelo monarca, nem apenas nos
órgãos da administração do Estado, mas diluído entre estes e as demais forças que
acabaram por contribuir para a construção, manutenção e desmoronamento do Império no
Brasil. Portanto, a idéia de um poder descentralizado disperso nas relações instituídas pelos
diferentes agentes pode ajudar a compreender o processo de conformação do Estado
imperial no jogo das definições das identidades das ordens religiosas, militares e médicas
no Brasil dos oitocentos e, também, da ordem docente.
Além destes aspectos, procuro também seguir as orientações de Foucault
(1995) no que se refere a forma com que se estabelecem as formações discursivas,
ajudando a compreender as condições de aparecimento de um determinado discurso.
Assim, importa entender um enunciado no seu lugar de aparecimento, na data em que é
escrito e no suporte em que se encontra. Estes saberes serão bastante úteis na compreensão
da legislação em vigor, na análise das fontes investigadas. Foucault contribuiu na pretensão
de se construir o modelo arqueológico sobre o qual as ordens se estabeleceram, construíram
discursos, por meio do qual fizeram aparecer os objetos de interesse a serem legitimados no
interior de cada uma delas.
Para o desenvolvimento deste estudo, além dos aspectos considerados no
item anterior sobre a formação da sociedade imperial destaquei, entre outras, a três obras
que, juntas, ajudarão na análise das questões envolvidas nesta parte do trabalho. Assim,
Beozzo (1992), Gondra (2004), Alves (2002) e Alencastro (1998), entre outros,
contribuíram na reflexão com obras minuciosamente detalhadas, voltadas, respectivamente,
para o desenvolvimento da Igreja, Medicina e do Exército no Estado imperial. Alves
constrói um estudo interessante sobre a conformação da ordem militar, por intermédio da
análise de um periódico, “A Revista do Exército Brasileiro”, publicada regularmente de
1882 a 1889. Beozzo preocupa-se em mostrar os caminhos percorridos pelos religiosos,
suas dificuldades e diferentes ações no período em que se dá a construção do Estado
imperial. Gondra utilizando-se, principalmente, as teses elaboradas pelos médicos da
países sul-americanos tomados pelas revoluções republicanas mudam-se para o Rio de Janeiro, único refúgio
da legalidade monárquica no Novo Mundo. (Ibidem, p.13).
61
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, produz um detalhamento da configuração do
discurso médico no período, indicando a forma como este procurou se legitimar como
representante da verdade, modernidade e progresso a serem impostos. Outros autores foram
inseridos no debate pelas interessantes contribuições que trazem ao tema por intermédio de
verbetes nos Dicionários organizados por Vainfas (2000 e 2002) a respeito do Brasil
Colonial e Imperial, respectivamente.
3.1 –Saberes e Ordens no Brasil
A leitura dessas obras indica que os trezentos anos de Colônia até as
primeiras décadas do século XIX, foram marcados por sensíveis variações no que diz
respeito às tarefas e indivíduos ligados aos afazeres religiosos, médicos e militares. Ao que
tudo indica, o pouco controle sobre os grupos e a falta de formação específica para os
“profissionais” desses diferentes campos no período colonial, além de dificultarem a
construção da identidade dos grupos, contribuía para a ausência do sentimento de
corporação, indefinição nos ofícios e a fragilidade nos limites de ação de cada uma dessas
ordens.
Portanto, desqualificação, múltiplas funções do ofício, desvalorização dos
cargos e recrutamentos aleatórios, só para citar algumas marcas desse tempo, concorreram
para que, no Brasil, estas frentes de trabalho se mantivessem durante muito tempo em um
campo comum de disputas por diferentes objetos, valendo-se de saberes ainda muito
indiferenciados, pela legitimação de posições e poder de intervenção em determinados
setores da sociedade. Nesse jogo de relações, entre confrontos e consórcios, já sob o
controle do Estado imperial, as ordens foram delimitando espaços, gerando necessidades,
divulgando conhecimentos cada vez mais específicos, ofertando serviços e criando uma
hierarquia interna entre seus agentes, que ajudaram, por fim, a definir e a delimitar os
diferentes campos de conhecimento considerados neste estudo.
Assim, a formação, qualificação e seleção tiveram e (têm) como finalidade
construir identidade, fortalecer e legitimar as profissões, segundo um modelo histórica e
socialmente construído. Modelo específico para cada área, mas que, nem por isso, deixa de
apresentar homologias, propriedades comuns entre os diferentes campos, que tornam
92
Conferir, por exemplo, Foucault (1987)
62
perceptíveis tanto as regularidades quanto os desvios presentes na forma como os ofícios
foram sendo estruturados.
A reflexão sobre os processos de configuração das profissões, que muitas
vezes se confundem, poderá ajudar na compreensão de como as diferentes profissões foram
se conformando, definindo seus objetos e, principalmente como resolveram seus problemas
em relação ao recrutamento de funcionários, principal interesse deste estudo, esclarecendo
seus critérios de inclusão e exclusão no que se refere ao exercício da profissão fazendo
aparecer, com isso, os limites do que é aceitável ou não no interior de cada uma dessas
ordens.
Para compor este quadro, o verbete de Hermann (2000) sobre as ordens
militares indica que estas apareceram no interior de frentes religiosas de cavalaria nos
séculos XI e XII, no contexto das cruzadas, criando, no interior da ordem religiosa, a figura
dos cavaleiros-monges, posto que obedecia ao critério da hereditariedade, no que diz
respeito ao ingresso nesta corporação. Pela citação percebe-se que o portador deste cargo
tornava-se responsável por uma espécie de atendimento religioso, médico e defesa do
patrimônio. À essas ordens caberiam:
Além dos votos religiosos de pobreza, castidade e obediência, era-lhes
exigida a obrigação de servir aos peregrinos e doentes e proteger o Santo
sepúlcro, em Jerusalém, contra os infiéis. (...) Na Idade Média, essas ordens
concentravam muito poder, tanto pelos castelos e riquezas que possuíam
como pela extensão de suas terras. Nelas ingressavam filhos segundogênitos
e terceiros da nobreza medieval, não raro ‘deserdados’ que, através das
ordens, tinham acesso a bens fundiários cada vez mais escassos na Baixa
Idade Média, aliviando as tensões no topo da hierarquia feudal. (p. 437)
O autor afirma que em Portugal existiam ordens semelhantes e, entre elas, a
Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo (Ordem de Cristo), da qual o Infante D. Henrique foi
mestre e governador. Como aponta a historiografia, estas frentes “militares” tiveram
importante papel nos descobrimentos ultramarinos do século XV, ocasião em que, de
acordo com o autor, os mestrados dessas ordens passaram ao domínio permanente de
príncipes seculares pertencentes à família do monarca
93
. A incorporação do patrimônio
dessas ordens aos bens da Coroa consolidou o poder monárquico sobre mais da metade do
93
Este fato fez com que as rendas, domínios e privilégios destinados a esses grupos, servissem para afrouxar
as tensões entre infantes que não teriam direito a herdar o trono. Ibidem, p.437.
63
território português, além de ter ajudado a promover a separação e distinção entre estas
frentes de ação:
A estatização das ordens militares se fez acompanhar da secularização de
seus mestres, que deixaram de estar ligados à vida eclesiástica, foram
autorizados a casar, possuir propriedade privada, passando a ser um sinal de
prestígio, somente acessível, em princípio, aos quadros da nobreza. (p.438)
Contudo, ainda no século XVI estabeleceram-se novos critérios de ingresso,
entre os quais a exigência da “pureza do sangue”
94
e a isenção de “defeitos mecânicos”
95
.
Cabia à Mesa da Consciência e Ordens
96
, fazer as diligências e apurar se os candidatos
eram ou não merecedores de honraria. Nas Colônias, como o caso do Brasil, abrem espaços
de ingressos por serviços prestados à Coroa. Tal dispositivo, torna-se critério importante
para a obtenção desses títulos
97
, não raro acompanhados de postos militares e soldos,
podendo, desta forma, ser contornada a impeditiva “nódoa de sangue”. Este fato aponta
para um início da distinção de profissionais que iriam funcionar como sementes da
organização das diferentes ordens no Brasil. Organizações antes vinculadas à Metrópole
portuguesa, mas que, no Brasil, foram adquirindo especificidades, inventando seus
interesses, numa construção histórica dos respectivos campos de ação.
3.2 – O Altar e o Trono
É possível pensar em proximidades nas relações entre Igreja e Estado,
configurando uma parceria ora mais, ora menos tensa, mantida no interior de um jogo
complexo de relações sociais, políticas e econômicas no Brasil e do mundo. Neves, afirma
que em Portugal, a expansão marítima e o conseqüente afluxo de riquezas, somados ao
Desta forma, apesar da dupla incumbência, no propósito de representar
Igreja e Estado, os religiosos acabavam por promover uma situação em que agiam em
benefício próprio, promovendo cada vez mais a independência econômica em relação ao
governo. Esta acumulação de bens, nas mãos de uma minoria do clero vai, mais adiante,
ocasionar uma forte reação do Estado no que diz respeito à continuidade deste modelo de
estruturação da ordem religiosa.
Um outro aspecto a ser considerado, é o fato de ser comum na historiografia
caso, é possível perceber a diferença nos “vencimentos” e na posição entre os ingressos na
ordem, sinal de heterogeneidade e de hierarquia.
Neves chama atenção para o fato de que o clero na segunda metade do
século XVIII, já era constituído majoritariamente de brasileiros, portanto reafirma a
eficácia da prática estabelecida pela Mesa da Consciência e Ordens, mas que este pouco se
distinguia da população em gera no que se refere aos valores e atitudes. Assim, este autor,
ao caracterizar o missionário afirma que ele:
Participava com o mesmo gosto das freqüentes e estrepitosas festas
religiosas; de suas atividades cotidianas na agricultura, no comércio e na
mineração; da vida familiar e da procriação de filhos, que em geral também
se ordenavam.
101
Ao que tudo indica, a indefinição do cargo dos sacerdotes daquele período,
dava sinais da pouca exigência da comissão da Mesa de Consciência das Ordens
encarregada do recrutamento dos religiosos, porque, ao selecionar os futuros sacerdotes,
não conseguiriam distingui-los da população em geral. Esta homologia ou indiferenciação
sugere um campo ainda bastante indefinido em relação aos deveres do ofício, assim como
da cultura a ser imposta pelos “missionários” católicos à sociedade em geral.
No entanto, apesar de pouco identificados com os preceitos da ordem, havia
uma população que, ao valorizar os rituais da religião católica, pouco se importava para o
comportamento dos religiosos, “desde que atendessem às suas limitadas necessidades
espirituais”
102
. O autor destaca que a população de origem portuguesa reivindicava a
presença de sacerdotes, “ávida pelos sacramentos, vistos como indispensáveis à salvação”.
Havia, portanto uma demanda aos seus serviços, reflexo, talvez, do discurso religioso
importado da Europa. Contudo o clero estabelecido no Brasil travaria um embate entre o
Papa e a Coroa, como veremos mais adiante.
Sobre este aspecto, Beozzo explica que os representantes da igreja católica
haviam perdido a identidade:
101
Ibidem, p.295
102
Ibidem, p.295.
67
O padroado
103
esvaziava de tal forma a função episcopal que os bispos não
chegam a constituir um centro de unidade. O papel exercido antes pelos
jesuítas, cuja rede de colégios cobria os pontos mais importantes do litoral,
não foi assumido por ninguém. O episcopado continuava pouco numeroso,
não acompanhando o aumento da população, e sua influência não era
significativa: a maior parte das funções episcopais era exercida pela
instituição leiga do padroado; bispos e sacerdotes encarregados de paróquias
eram nomeados e mantidos pelo rei. (1992, p.13)
Bispos e sacerdotes, portanto, espécie de funcionários do Estado
104
que,
além de representantes da Coroa, mais que da Igreja, ajudavam a identificar a monarquia
com a religião. A fim de comprovar esta condição o referido autor remete a carta pastoral
do Bispo da Bahia Frei Francisco de São Dâmaso de 1815, na qual a figura do rei é
comparada à idéia de Deus:
... o principal dever do cidadão é ser vassalo fiel; devem os párocos insistir
no dever de obediência ao soberano, pois ‘não pode amar a Deus quem não
ama o seu soberano’. Um bom cristão não pode ser mau cidadão, mas é mau
cidadão ‘aquele que, não se conformando com os preceitos de sua religião,
dá ouvidos à inquieta, turbulenta voz da rebelião, que arrasta após de si
todos os vícios, horrores e desordens, além de desafiar toda a cólera e as
mais terríveis maldições da divindade’; os confessores inquiram com o
maior cuidado os penitentes a respeito e lhes mostrem que ‘pecam
mortalmente todas as vezes que desobedecem a seus soberanos ou a seus
ministros, porque é desobedecer ao mesmo Deus’. Os confessores ‘são
responsáveis perante Deus de todos os males que pela sua incúria
sobrevivem à sociedade, ao Estado e à Religião. (Beozzo, 1992, p. 14)
Naturalizava-se a soberania do monarca, seu poder incontestável em relação
aos demais cidadãos brasileiros, assim como a superioridade em relação a Roma, ao papa e
aos demais participantes do governo eclesiástico: “Era quase nulo o relacionamento do
catolicismo brasileiro com o papa e a cúria romana, pois sob o regime do padroado todos os
assuntos eclesiásticos eram tratados e resolvidos por órgãos do Governo, principalmente
103
Padroado: “Regime cuja origem remonta à Idade Média, pelo qual a Igreja instituía um indivíduo ou
instituição como padroeiro de um certo território, a fim de que ali fosse promovida a manutenção e a
propagação da fé cristã. Em troca, o padroeiro recebia privilégios, como a coleta de dízimos e prerrogativa de
indicar religiosos para o exercício das funções eclesiásticas”. (Verbete no Dicionário do Brasil Colonial –
Neves, G.P., p. 466)
104
Beozzo chama a atenção para o fato de que “Não obstante o grande número de eclesiásticos
revolucionários, bispos e padres eram representantes de um religião de Estado, conscientes de seu papel de
funcionários, constituindo a segunda esfera administrativa do Governo, ligada aos interesses dos grandes
proprietários”. (História da Igreja no Brasil. p.14)
68
pela “Mesa de Consciência e Ordens”
105
. Beozzo assinala que para D. Pedro I era “mais
fácil o Brasil separar-se de Roma do que o Imperador deixar de exercer sua autoridade
soberana em assuntos religiosos”. (p. 78) Em 1827, o Concílio de Trento formaliza o papel
preponderante do clero em relação a religião católica, de acordo com Beozzo (op. cit., p.
78) “não encontraria aplicação no Brasil cujo catolicismo era marcadamente leigo”.
Constata-se, portanto, o poder do Estado na conformação da ordem
religiosa. Em relação a esta questão, no entanto, havia duas correntes de pensamento entre
os representantes do clero, pois a grande maioria aceitava como “natural” a autoridade do
rei em assuntos religiosos, enquanto uma pequena parcela do clero defendia o
reconhecimento do poder de Roma sobre a Igreja católica. Foi esta minoria, no entanto, os
chamados bispos reformadores que vai, aos poucos, “modificar a mentalidade, insistindo
principalmente na formação eclesiástica do clero”. (p.78) Para este grupo, tornava-se
urgente uma formação que aproximassem os missionários a realidade brasileira: “Era
necessário o planejamento de uma reforma a longo prazo, com tempo para modificar
hábitos arraigados e todos concluíram que era preciso começar com a reforma do clero”.
(op. cit. p. 82)
Nesta expectativa, o programa de reforma adotado foi o do Concílio
Tridentino, que previa que os futuros sacerdotes fossem representantes de um “clero
ilustrado e santo, verdadeiros homens da igreja, e instrução religiosa do povo pela
catequese”. Segundo os reformadores “era preciso fundar ou restabelecer seminários,
mesmo que para isto fosse preciso entrar em choque com o poder civil, que considerava o
assunto de sua exclusiva competência”. O passo mais importante para a reforma era um
clero sábio, virtuoso e apostólico a fim de contrapor-se ao padre secularizado e casado,
pouco distinto do leigo, o que era comum no Brasil. As novas regras passaram, então a
insistir no uso do hábito clerical como sinal de consagração – e no funcionamento das
conferências eclesiásticas.
Era preciso modelar os missionários aos preceitos estabelecidos por um
poder central. Roma, a sede deste poder coordenaria as dioceses no Brasil, conformando,
dirigindo e controlando os representantes da igreja católica, assim como, ditando regras
para os seminários nos quais deveriam ser formados os futuros sacerdotes. Apesar desta
105
Instituição criada em Portugal, 1532, afim de identificar os interesses da monarquia aos da hierarquia
eclesiástica, numa tentativa da Coroa lusa recorrer a igreja como instrumento de conservação dos poderes e
69
orientação procurar uniformizar os procedimentos em relação à religião, Beozzo afirma
que:
os bispos do Norte eram pessoas ligadas as realidades brasileiras; queriam
um clero reformado mas não segregado das tradições do povo, nem mesmo
afastado da lides políticas em que eles, os bispos, militavam com brilho.
Quando a liderança religiosa passar para o Sul, a europeização será um fato,
e o clero será formado numa segregação que vai insistir no caráter sagrado e
espiritual da pessoa do padre, enquanto a pastoral dará combate às chamadas
superstições do povo. (Ibidem, p. 84)
Estas considerações apontam para diferentes posições em relação à
conformação do ofício dos religiosos e ao poder ao qual deveria estar submetido. Parte
deste contingente, além das atividades sagradas do cargo, defendidas por Roma, desejava-
se manter ativa no campo político do Império, buscando, portanto, ampliar o leque das
competências da ordem religiosa. Sobre este aspecto, Beozzo defende que as funções
sacerdotais não preenchiam, no Brasil, a vida de pessoas de cultura presumivelmente
superior, nem davam-lhes o sustento. Desta forma, segundo este autor os padres buscavam
outras áreas de atuação:
Suas energias tendiam a canalizar-se para atividades mais dinâmicas, e
tornar-se traço marcante do clero a participação no movimento
revolucionário, constituindo uma das mais fortes lideranças do país, junto
com os militares e os maçons; ou melhor compondo com os outros uma só
liderança, pois muitos padres eram maçons, e bom número deles atuava
junto às tropas, não como capelães, mas tomando parte ativa nos
movimentos armados. (Ibidem, p. 85)
Tais ações os tornavam agentes nos campos religioso, político e militar
participando, desta forma, do projeto de construção do Estado imperial instalados nas mais
variadas posições. “Em todos as manifestações do movimento revolucionário é constante a
presença de padres e frades de 1789 a 1831, quando a revolução começa a descaracterizar-
se e a liderança política do clero é assumida pelos bacharéis” (Ibidem, p.86) Contudo,
apesar de representarem parte numerosa da elite intelectual do país, Beozzo destaca que a
vida econômica e financeira dos padres não era folgada, pois o que recebiam não dava para
viver, tendo que completar o salário cobrando taxas no exercício de suas funções religiosas.
Portanto, além de encontramos o clero envolvido em outras profissões a ordem religiosa
costumes estabelecidos. (Neves, 2000, p. 293)
70
absorvia elementos interessados, principalmente no desenvolvimento de atividades
intelectuais:
Poucos padres se dedicavam efetivamente ao sacerdócio; um relatório de
1843 fala da insuficiência do clero. Refugiavam-se no clero quase todos que
alimentavam pretensões intelectuais, ainda mais porque a carreira era aberta
a todos; comparados com outros funcionários públicos os eclesiásticos se
destacavam pela cultura, porque no mais se equiparavam. (Ibidem, p. 87)
Beozzo cita Saint- Hilaire, indicando a necessidade do controle sobre a
profissão: “ os padres não se dedicavam à instrução dos fiéis e participavam da corrupção
geral por não haver vigilância dos bispos, que vivem longe demais; o remédio seria
aumentar o número de bispados e paróquias, o que o rei não faz, por economia” (Ibidem, p.
87). Diante da descaracterização do que seria a função de um sacerdote no Brasil do século
XIX, Beozzo destaca a heterogeneidade de tipos de padres que poderiam ser observados:
Vivendo em regiões tão extensas, com pouca ou nenhuma comunicação
entre elas, são diversos os tipos de padres de que nos restaram notícias.
Diferiam os padres de engenhos e fazendas e os da cidade; hav995fn1 ipipos dsa.0185 T3sofis1pp
Sobre a questão da formação do clero, Beozzo (op. cit), afirma que, eram
precárias as instituições encarregadas em elaborar os saberes específicos aos cargo:
Não se exigia muita preparação para a ordenação sacerdotal. Alguns
mosteiros e conventos mantinham ainda algum programa de estudos; nos
seminários conservava-se a tradição de humanidades introduzida pelos
jesuítas. Cuidava-se bem da linguagem, pois a oratória era muito importante
no exercício do ministério, e muitos apreciavam os bons pregadores. De
conhecimentos teológicos, o que se pedia era pouco: bastava-se o
conhecimento do Catecismo de Montpellier
106
e do manual Teologia de
Lião
107
, ambos jansenistas e condenados por Roma. (Ibidem, p. 89)
Quanto ao exercício da religião católica por representantes femininas Não
faltavam conventos de religiosas, em geral situados nas grandes cidades, sendo que os ricos
comerciantes comemoravam com muita solenidade e aparato a tomada de hábito de suas
filhas, muitas vezes levadas ao convento por conveniência da família
108
. Ao mesmo tempo,
Beozzo afirma que as habitantes dos recolhimentos costumavam usar hábito religioso;
recebiam pensionistas, embora nada lhes pudessem ensinar por nada saberem. Viviam de
fazer confeitos, costuras e flores artificiais. Portanto, nota-se a diferença de formação em
relação ao gênero. Se a formação do clero era tida como insuficiente, o que dizer da
formação das ordens religiosas feminina. Estas eram submetidas a outro modelo de
formação, que as colocavam distante da intelectualidade religiosa masculina. É possível
pensar no lugar marginal destinado à mulher na ordem religiosa em relação ao poder de
ação dos missionários, traço que forjou uma tradição de longa duração, especialmente na
igreja católica, mas não exclusivamente.
Neste setor como se pode observar, as regras neste setor encontravam-se em
constante tensão, o que pode ser atribuído ao poder do rei sobreposto ao do papa, tornando
difícil a orientação no interior do campo sob o comando de duas hierarquias, a do Estado e
106
Beozzo esclarece que “o catecismo de Montpellier era a tradução das Instructions générales em forme de
catechisme, do oratoriano François-Aimé Pouget, diretor do seminário de Montpellier, impressas em Paris em
1702, diversas vezes condenados por Roma”. (p. 89)
107
De acordo com Beozzo, “As Institutiones Theologiae ad usum scholarum foram publicadas em Lião, em
1780, em seis volumes, pelo oratiriano Joseph Valla e colocadas no Índice dos Livros Proibidos em 17 de
setembro de 1792”. (p. 89)
108
O autor afirma que: havia também o recolhimento, espécie de convento para o sexo feminino
“desvinculado dos pesados compromissos dos votos religiosos e da burocracia do Governo. Estes locais
serviam para abrigo e possível recuperação de prostitutas, para a defesa de moças pobres, para a preservação
de moças ricas casamenteiras, refúgios de viúvas e até para a estadia de mulheres de maridos ciumentos em
viagens. Ibidem, p. 92
72
a de Roma. Organizada desta forma, e, submetida ao controle do Governo, representava,
como vimos, nas primeiras décadas do século XIX, o local no qual se concentrava a
intelectualidade na Corte
109
: Sobre este aspecto, Beozzo afirma que “até então, a área de
consumo intelectual era só o clero; em qualquer ramo que existisse cultura, havia padres e
frades”.
110
Tais considerações nos dão uma idéia da relação estreita entre Igreja e Estado
neste período em que o clero encontrava-se profundamente articulados às determinações da
ordem política. Porém, esta relação tende a modificar-se no período do “apogeu do
império” – 1848-1868 -, na medida em que o episcopado “toma consciência da missão
específica de Igreja, bem como sua autonomia face ao governo imperial”. (Ibidem, p.151)
Beozzo afirma que, a partir de então, ocorre uma vinculação crescente entre a Igreja
brasileira e a de Roma, tomando como exemplo desta inflexão, a ação de D. Viçoso
111
,
bispo de Mariana, que enviou nove alunos para estudar na Cidade Eterna, tendo sido
elogiado pelo papa Pio IX.
Buscava-se assim, qualificar os futuros religiosos, de acordo com a
orientação direta da mais alta hierarquia da Religião Católica. Esperava-se, então, recrutar
entre esses alunos os futuros bispos que deveriam coordenar as dioceses brasileiras. Outras
dioceses procuraram também mandar seminaristas para Roma, sendo que, em 1870,
estudavam no Seminário Latino-Americano 50 brasileiros
112
. Desta vinculação mais íntima
com Roma resultou uma dupla conseqüência: Primeiramente da parte da Igreja, ela se
tornava mais romana e menos nacional. Da parte dos liberais em luta contra o
109
De acordo com Beozzo, as lutas pela independência não encontraram uma aristocracia intelectual
desmembrada do clero, puramente leiga. Quando se fundaram as escolas de direito em Olinda e São Paulo,
em 1827, foram ambas estabelecidas em conventos, numa sobreposição de cultura profissional e eclesiástica;
só aos poucos daí por diante o clero perderá sua liderança intelectual. (Ibidem, p. 97). Sobre o tema conferir
também Pinho (2004) e Teixeira (2004).
110
Beozzo lembra que o Imperial Colégio de Pedro II, teve como primeiro reitor foi um padre, Frei Antônio
da Arrábida. Fundado em 1837, no seu programa, boa parte do ensino era de cunho científico, porém, sem
abandonar o ensino literário clássico. Após sete anos de estudos o Imperial Colégio de Pedro II dava o grau de
bacharel em letras” dando início, segundo o autor, a uma exagerada valorização do grau de bacharel e doutor.
(Ibidem, p. 97)
111
Além dos esforços de D. Viçoso no sentido de estreitar os laços com a Santa Sé, Beozzo cita, entre outras
causas deste movimento, o estímulo para uma centralização maior dos bispos em torno do papa pelas grandes
concentrações de bispos do mundo inteiro por ocasião do Dogma da Imaculada Conceição (1854), do 19º
centenário da morte dos apóstolos Pedro e Paulo (1867) e o Concílio Vaticano I (1869- 1870). (p. 182-183)
112
Os seminaristas encontravam-se assim distribuídos: 18 de Pernambuco, 12 do Rio Grande do Sul, 8 do
Ceará, 8 do Rio Grande do Norte, 7 da Bahia, 2 de Santa Catarina, 1 da Paraíba e 1 do Recife. (Ibidem, p.
183)
73
ultramontanismo
113
, a Igreja do Brasil era vista com hostilidade por causa dessa maior
aproximação com a Sé Romana.
Contudo, de acordo com Beozzo, o padroado régio continua um fator de
vinculação dos bispos brasileiros em torno do poder imperial, favorecendo a permanência
de uma tensão entre os dois centros de influência: Roma e o Império. É interessante
observar que ambas instituições desejavam reformas no clero brasileiro, apesar dos
conceitos diferentes em relação às mudanças necessárias à igreja brasileira. Os que lutavam
pela independência da Igreja em relação ao governo imperial não admitiam que a religião
se tornasse um ramo da administração civil.
Diversos religiosos entraram nesta luta, mas foi sobretudo D. Macedo Costa
que, a partir de 1863, liderou o movimento de autonomia da Igreja, cujo desfecho foi a
chamada “questão religiosa”, da qual também participa D. Vidal, bispo de Olinda. Os dois
bispos negaram-se categoricamente a reconhecer as chamadas prerrogativas imperiais,
como a freqüência de maçons em suas ordens. Não pretendiam também considerar os
recursos destes à Coroa, pois tal reconhecimento envolveria uma total dependência da
Igreja para com o Estado. Além desses aspectos, se negaram também a defender-se perante
o Supremo tribunal, por não reconhecerem autoridade nele em matéria que era da
competência exclusiva da Igreja.
Uma Igreja que se sentia ‘mestra da verdade’ não podia sujeitar-se a receber
lições do Estado sobre sua missão específica e como regulamentar sua
disciplina interna. Uma Igreja que se tornava mais intransigente quanto à
‘ortodoxia’ não podia calar-se perante doutrinas que os bispos chamavam de
‘subversivas’ do ensinamento e disciplina eclesiásticos. (Beozzo, 1992, p.
191)
Estabelecia-se, assim, o confronto assumido e enfrentado por parte dos
religiosos, que acabou condenando os bispos envolvidos no processo. O autor afirma que
condenação dos bispos não pode ser considerada como uma vitória do Governo imperial,
pois, apesar da manutenção do sistema de padroado régio e, com ele, uma certa sujeição da
Igreja ao Estado, a força das arremetidas do Governo dentro do âmbito da Igreja diminui
consideravelmente. Portanto, a Igreja passa a adquirir um certa autonomia em relação aos
113
Nome dado ao grupo de religiosos católicos que acreditavam no poder centralizado em Roma sobre as
questões da Igreja, em oposição àqueles que seguiam as ordens do rei em assuntos religiosos. (Beozzo, p.183
) Neves (p. )
74
assuntos a ela, mais diretamente ligados o que promove a consolidação de uma certa
identidade de um ofício próprio, favorecendo, deste modo, o processo de
profissionalização.
Sobre a questão religiosa, Joaquim Nabuco, favorável a monarquia e
contrario à escravidão, ironicamente lembrava que: “dois bispos foram presos e
encarcerados porque tiveram coragem de ‘atacar a maçonaria’, mas nenhum bispo pregava
do alto do púlpito contra a escravidão negra”. Sobre este destaque Beozzo acrescenta que:
A ‘Questão Religiosa’ retrata um pensamento de Igreja que dava um forte
acento às questões doutrinárias ou de ‘princípios’, mas tantas vezes se
omitia quanto aos direitos da pessoa humana. A linha de orientação da
Igreja de então se centralizava mais nos ‘deveres’ que nos ‘direitos’, mais
nos ‘princípios’ que nas pessoas; mais na hierarquia que no povo. (Ibidem,
p. 192)
Assim, o quadro geral do clero no Brasil neste período, procurou marcar o
seu campo de ação, preocupada com a formação de seus agentes, mas essa formação
indicava um desvio em relação a idéia de império moderno, ao confrontar-se com o direito
à liberdade do homem. Portanto, ainda no início da década de 70 o clero “oscilava entre
uma deficiência herdada de épocas anteriores e o esforço de reforma no tocante a formação
sacerdotal” (Ibidem, p. 193).
Em relação à situação econômica dos religiosos em geral, com exceção de
uma minoria favorecida pela fortuna, como citado anteriormente, no Brasil, o clero era
caracterizado como geralmente pobre
Viviam os párocos de uma côngrua
114
de trezentos mil réis e os coadjutores
de 50 mil réis, que no dizer do presidente da província da Bahia era
‘mesquinha’. Pelo que respeita aos padres e coadjutores sua sorte é bem
mesquinha e digna de comiseração. Ninguém desconhece que é impossível
que uma tão insignificante côngrua, sem outras considerações sociais, possa
atrair para a igreja cidadãos distintos que formem um clero virtuoso e
ilustrado. (Ibidem, p. 195)
Para Beozzo, durante todo este período histórico há um esforço de reforma
na formação sacerdotal. Para tanto, apóia-se no relatório do Ministro do Império em que
este afirmava que: “a instrução, porém, que se oferece aos aspirantes ao sacerdócio nos
114
Subsídio da Coroa, concedido a alguns conventos para serem gastos na tarefa da catequese e cura
espiritual. Sobre o tema, conferir, “Clero regular”, (Martins, 2000, p. 125).
75
diversos seminários, além de deficiente, é imperfeita e mal ordenada, já por não possuírem
alguns professores as habilitações desejáveis, já por defeitos de sistema”. Mas, de acordo
com este autor a causa é apontada pelos religiosos como provindo do próprio Governo
imperial, que interferia abusivamente na Igreja, em vista de sua má vontade em relação aos
negócios religiosos, ora reduzindo o ensino nos seminários, ora tomando medidas de modo
a limitar o mais possível o número de sacerdotes. (Ibidem, p. 196)
O autor também recorre às considerações do Bispo de Olinda, como um
pensamento compartilhado pela maioria dos bispos no Brasil: “Como, porém, ter tais
sacerdotes, se o seminário, que é o viveiro onde eles se preparam, não for uma escola séria,
uma escola verdadeira, de letras e virtudes sacerdotais? (Ibidem, p. 196) Essa idéia de um
lugar de formação específico para os agentes da ordem religiosa, como a melhor opção para
o surgimento e qualificação de novos profissionais, foi compartilhada também pelas ordens
militar e médica, assim como comparece no debate da formação de professores primários
no mesmo período.
Tais observações apontam para a gerência do Governo na organização do
ensino religioso, fato que também pode ser constatado na afirmação do princípio da
formação escolar para as demais profissões em processo de profissionalização. Em relação
ao ensino religioso, Beozzo afirma que:
o sustento dos seminários dependia em grande parte da subvenções
governamentais e do pagamento aos professores através do mesmo
Governo. Nos relatórios oficiais do Ministério do Império é alegada sempre
a vontade de elevar ‘pela instrução’ o nível do clero. E justiça seja feita,
muitas vezes há um apoio aos bispos também no que se refere a uma
reforma espiritual. Pena que este apoio venha dentro de um contexto
regalista. E justamente esta mentalidade regalista e galicana dificultava, por
vezes, a reforma dos seminários. A ingerência abusiva do poder estatal no
domínio religioso chegava ao ponto de o Governo imperial determinar os
manuais dos seminários ou que matérias deviam ter prioridade. (Ibidem, p.
197)
É possível reconhecer a subvenção do governo como uma das estratégias de
controle sobre a formação do clero. Se o próprio Estado que determinava sobre os saberes a
serem ensinados nos seminários, podemos pensar que, com esta estratégia, procurava
76
modelar o de sacerdote a ser formado
115
. Assim, a questão da formação escolar específica
sobre o controle direto do governo, em relação, principalmente, aos saberes a serem
desenvolvidos, pode ser identificada como uma das homologias entre os campos
intelectuais em construção no Império.
Portanto, a ordem religiosa, ao melhorar as condições de formação do clero
brasileiro
116
, esbarrava nas barreiras impostas pelo Governo, o regalismo dificultava o
projeto de reforma nos seminários, o que vai ajudar a provocar a decadência desses
seminários. Além desse ponto, acrescentava-se a mentalidade referente à vida religiosa no
sentido de sua “inutilidade” para o momento nacional na medida em que se reconhecia que:
“Os religiosos tinham desempenhado uma missão histórica na catequese dos índios, mas
agora eram considerados, ‘peças de museu’”. (Ibidem, p. 203) Em 1855 o discurso político-
econônomico formulado pelo governo acaba por proibir os noviciados:
até que se procedesse uma reforma das ordens religiosas, a ser estipulada em
uma concordata com a S. Sé. Esta medida do Governo que representava o
decreto de morte lenta das ordens religiosas, foi aceita por estas sem grandes
reações. Pois por um lado parecia ser uma medida provisória, e, por outro
lado, tais atitudes restritivas aos religiosos já eram um rotina legislativa. (...)
Só depois que as esperanças de uma concordata com a S. Sé, ou a
concretização de um reforma ‘aprovada’ pelo Governo, foram morrendo, é
que os religiosos se aperceberam da gravidade da medida restritiva de 1855.
(Ibidem, p. 203)
Parece que o esforço da Coroa em construir, fortificar e manter o Estado
imperial acabava atingindo o foco de onde deveriam emanar os novos religiosos, os
seminários. Estratégia semelhante, foi utilizada também, na mesma época, em relação à
formação de professores pela escola normal. Como vimos, nesta ocasião, as escolas
normais tidas como “viveiros” da ordem docente, foram fechadas em prol de uma nova
115
Beozzo afirma que em 1872, havia em todo o Império 1277 seminaristas, sendo que 977 eram dos cursos
preparatórios e 300 dos seminários maiores. (p. 0
116
Sobre esta questão da formação qualificada para o ofício, Beozzo afirma que os alunos entravam no
seminário entre 10 e 15 anos para fazer o curso do seminário menor durante 5 anos. Este curso incluía as
seguintes matérias: português, latim, grego, francês, inglês, história sagrada, retórica, geografia, história do
Brasil, história universal, geometria, instrução religiosa, e filosofia. Seguia-se o estudo teológico no seminário
maior, no decurso de 4 anos, com as seguintes matéria: história eclesiástica e sagrada, teologia exegética,
teologia dogmática, teologia moral, direito natural, direito público eclesiástico, eloqüência sagrada, liturgia,
canto gregoriano. Segundo este autor, procurou-se dar aos candidatos ao sacerdócio uma sólida formação
espiritual.
77
política de formação pela prática do magistério
117
. No caso da igreja, os novos
profissionais, os religiosos considerados “desejáveis” pelo Estado deveriam ser recrutados
no exterior. Os seminários europeus, portanto, abasteceriam a ordem clerical que atuaria no
Império brasileiro.
Em 1870 com o reconhecimento das manobras do Governo, os beneditinos
do Rio de Janeiro enviaram em 1870, três jovens brasileiros para fazerem o noviciado em
Roma. Em relação a este fato, o ministro de império impõe o aviso de 27-10-1870 ao abade
geral da Ordem Beneditina no Brasil e às demais ordens religiosas: “ainda quando os
referidos brasileiros professem em Roma na Ordem Beneditina, não poderão, voltando ao
império, formar parte da de que é vossa paternidade” (Beozzo, p. 204 ). Este autor chama
atenção para o fato de que, nesse momento, o Governo imperial incentivava a vinda de
capuchinhos e franciscanos italianos ou dos lazaristas franceses, chegando a interceder
junto ao governo da Itália, para que não impedisse a vinda dos missionários italianos ao
Brasil. Para ele,
A razão última diante dos religiosos brasileiros era econômica e política.
Razão econômica: os bens das ordens religiosa brasileiras cairiam na mão do
Governo, em vista da “mão morta”, a qual determinava a passagem dos bens
das corporações no caso de morte do último membro. Enquanto isto, os
religiosos estrangeiros vinham para o Brasil sob controle jurídico e numérico
do governo, o qual dificultaria a aquisição de patrimônios à maneira dos
antigos religiosos brasileiros. Razão política: toda uma linha de
“europeização” seguida pelo Governo imperial. (Ibidem, p. 204)
Sendo assim, este decreto de “morte lenta” das ordens religiosa brasileiras,
não obstante todas as tentativas de tentar salvá-las, permaneceu até o fim do império,
impedindo que novos missionários fossem formados nos seminários brasileiros. Tem início
desta forma, um lento e contínuo processo de desnacionalização dos religiosos substituídos
por ordens européias. Para o entendimento do Governo imperial, este clero renovado,
provindo do exterior, seria mais facilmente controlado pelo governo no tamanho de seu
contingente e por normas restritivas quanto à aquisição de terras.
Por um outro lado, quanto à educação religiosa da população em geral, o
próprio clero em 1853, propõe nas Constituições Sinodais da Bahia que a doutrina cristã
deveria ser considerada uma das partes principais, cuja difusão deveria ser uma obrigação
117
Sobre a Escola Normal da Província conferir: Villela (2002)
78
dos professores de primeiras letras considerando, portanto, que a educação religiosa era
“matéria de aula”, e, como tal, da competência do Governo. Parece que, menos que se opor
às determinações da reforma do clero, na qual, estes, deveriam insistir no papel da
formação religiosa da juventude, tal fato, aponta para uma das estratégias da igreja em
intervir na instrução da população compartilhando com o Estado o dever da catequese. Em
contrapartida, os religiosos, em estabelecimentos de ensino sob a direção da Igreja,
exerceriam a função evangelizadora que lhe cabia com a reforma, além do papel supletivo
em relação ao ensino em geral.
Sobre este aspecto, Estado e Religião na constituição dos respectivos
campos, disputam e compartilham o dever de educar, não somente nos preceitos da religião,
mas também na questão do direito de escolarizar a população. Este aspecto é retomado
neste estudo, por intermédio da análise dos relatórios do Inspetor Geral, quando as
estatísticas dão sinais de um número superior de escolas particulares em relação as do
Estado e a presença dos religiosos entre os que pediam licença para a abertura de escolas,
aulas e colégios no município da Corte.
Nesse sentido, é importante lembrar a relevância do aspecto religioso
considerado no ingresso ao cargo de professor primário o que, da sinais da disposição do
Estado em divulgar a religião católica e da força da igreja que, deste modo, ocupa uma
parte decisiva do funcionamento do equipamento escolar. Além das provas de Doutrina
Cristã e História Sagrada, os / as candidatos ao magistério deveriam apresentar por ocasião
da inscrição, um atestado da igreja e da polícia, confirmando a sua boa conduta moral. Esta
última exigência, também é pré-requisito para a realização dos concursos para professores
das Escolas de ensino superior.
Diante destas considerações, é possível pensar na complexa relação entre a
Igreja e o Estado, ora em disputa, ora em acordo, no que diz respeito à escolarização da
sociedade imperial por meio de saberes, religiosidade e moralização à que a população
deveria ser submetida a população.
Beozzo afirma que a reforma religiosa insistia que, independente da
evangelização escolarizada, tornava-se fundamental que os párocos assumissem o ensino
catequético como atividade específica de seu ministério, por que, a grande maioria das
crianças não freqüentavam escolas, acoplado ao problema da catequese dos escravos e seus
79
filhos. Assim, a evangelização recebeu uma tônica especial no plano de reforma da
atividade sacerdotal.
Tal entendimento contribui na constatação de que a profissionalização de um
ofício ocorre, entre outros aspectos, pela definição do grupo que exerce a atividade, dos
saberes ligados a este ofício e de uma formação específica
118
. Assim, é possível pensar que
as necessidades da população fazem parte de uma construção histórica, que os objetos de
interesse dos diferentes discursos aparecem e são elaborados no interior de cada um deles e
que a identidade profissional dos diferentes campos do conhecimento humano só pode ser
entendida nas relações que seus agentes estabelecem no interior e no exterior do seu próprio
campo de ação.
Assim, na definição das suas funções, e ainda no jogo de ajustes entre Igreja
e Estado, é importante destacar o entendimento da religião católica em relação ao pobre
como objeto de caridade e não de justiça. Este fato fez desenvolver-se, como assinala
Beozzo toda uma mística e todo um sistema de assistência e promoção dos pobres
119
como
uma atividade assistencial, reservada pelo Estado para a Igreja através de seus vários
organismos. O Estado, neste jogo, assumia a obrigação de contribuir com auxílios
especiais.
O autor assinala que neste período a assistência aos “desamparados da sorte”
toma um incremento especial pelas atividades dos lazarista e irmãs de caridade
120
. A Igreja,
além de se ocupar com a evangelização e catequeze da população, inclui entre seus
objetivos a proteção dos pobres desamparados no que diz respeito ao abrigo e a saúde. E a
historiografia sinaliza que esse contingente não era inexpressivo. Neste período, a
preocupação com esta classe torna-se objeto de interesse, também, das demais ordens
consideradas neste estudo, como se pode ver nos estudo de Alves (2003) e Gondra (2004).
Por fim, quanto à identidade e ao recrutamento para a ordem religiosa, a
formação nos seminários não era exigida. Os membros poderiam ser formados pela ajuda
de um sacerdote experiente, com posterior sanção do bispo encarregado das dioceses.
Nessas condições, as relações sociais mantinham uma definição marcadas nestes limites em
118
Sobre o tema conferir Loureiro (2001, p. 32).
119
De acordo com Beozzo, a Igreja administrava casa de expostos para crianças abandonadas, recolhimento
de órfãos, recolhimentos de crianças pobres, asilos de mendigos, asilos de mulheres desvalidas, hospícios de
alienados, hospitais de “lázaros”, consultórios de anexos aos hospitais para o atendimento de doentes pobres,
e, sobretudo as santas casas de misericórdias continuavam desenvolvendo o papel mais importante deste
atendimento aos pobres. Sobre o tema,conferir também, Gondra & Garcia (2004).
80
relação à função e à orientação ideológica a seguir. Estabelece-se, então, como vimos,
diferentes identidades de missionários, encarregados das mais diversas funções. Entre os
fatores que colaboraram para esta situação, se encontravam a forte interferência do Estado
em seus assuntos. O ideal que vai ser perseguido é que os novos religiosos deveriam passar
a serem formados em nível superior, com o ensino voltado para o estudo das humanidades.
Esta situação tende a ser transformada por volta da década de 1862, com a
questão religiosa no Brasil. A igreja adquire, neste período, uma certa autonomia
identificando-se às orientações de Roma. O papa passa a ser, a partir de então, o modelo
natural a que todo o sacerdote deveria seguir. Sobre este aspecto, apesar da presença do
Estado ainda ser observada nos assuntos da Igreja, esta se esforça por manter uma relação
mais próxima de Roma procurando, cada vez mais, formar seus agentes em Seminários
considerado, no período, como melhor maneira de formar os religiosos. Trabalhava-se com a
hipótese de que os seminários da própria ordem se transformariam em viveiros dos futuros
missionários, dando conta da qualificação do ofício e unificasse a linguagem, pois a oratória
tornava-se fundamental para o exercício da catequese. Vislumbrava-se, assim, preparar o
missionário para o ensino da religião católica e para catequese.
Beozzo afirma que, além da necessária fundação de novos seminários para a
reforma do clero, conferências eclesiásticas
121
foram propostas com o objetivo de melhorar
os conhecimentos teológicos dos padres. Contudo, só estas medidas não bastavam, tornava-
se necessário um trabalho em profundidade, de seleção e educação para o celibato e para o
trabalho de Igreja. Estas medidas apontam para a busca da qualidade do exercício das
funções sacerdotais por intermédio da formação profissional e da necessária seleção pelo
exame. Estas duas etapas de capacitação para o ofício deveriam melhorar o nível cultural dos
sacerdotes, preparando-os, principalmente, para a prática da missão religiosa junto à
população. O recrutamento deste profissional, no entanto, ocorre de forma desigual nas
diferentes partes do Império brasileiro. No período em questão, ainda não se exigia para a
ordenação, que o candidato freqüentasse o seminário; bastando um exame de conhecimentos
que costumava ser bastante indulgente. A respeito dos critérios de aprovação ou reprovação
dos candidatos, estes ficavam ao encargo dos bispos das dioceses que, de maneira geral,
trabalhavam de uma forma bastante heterogênea: “Nem todos os bispos exigiam tanto, nem
120
Sobre o tema conferir Maia (2004) e Irma (2004)
81
mesmo o exame; é conhecida a facilidade com que o bispo de São Paulo, Matheus de Abreu
Pereira, conferia as ordens sacras; os outros bispos preocupados em melhorar o clero
protestavam”. (Ibidem, p. 90)
Como é possível perceber, o simples deslocamento de orientação e a
conseqüente reforma da Igreja, não foi suficiente para que a instituição universalizasse, no
Brasil, um modelo de único de ingresso, formação e práticas no exercício da profissão.
Estas características, no entanto, não são específicas desta ordem, pois constatamos
semelhanças nas formas de ingresso e formação nos diferentes campos profissionais
examinados neste estudo.
3.3 – Ordem médica e Estado Imperial: parceria afinada na Corte.
A ordem médica vai também oferecer ao Estado Imperial sua racionalidade,
apresentando-se como titular de um discurso que precisava ser disseminado na sociedade, a
fim de se conseguir elevar o Brasil à categoria de país civilizado. Para abordar esta questão,
os estudos de Gondra e seu trabalho “Artes de Civilizar: Medicina, Higiene e Educação
Escolar na Corte imperial” contém reflexões relevantes no que se refere ao processo de
configuração da ordem médica no Brasil do século XIX e a presença da atividade
educacional neste processo. No prefácio desta obra, Carvalho alerta que o autor ao
examinar as tese médicas da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, no período
compreendido entre 1850-1890, “reconstitui os condicionamentos materiais e institucionais
da formação dos médicos no império, além dos códigos retóricos e científicos aplicados por
eles para inventar os discursos da profissão”. (Carvalho, In: Gondra, 2004, p.11)
Neste caso, a ação dos higienistas vai ao encontro da vontade de ver elevada
a Corte imperial à categoria de metrópole civilizada, impondo o modelo europeu de
civilização ao recém formado Império do Brasil. A este respeito, Gondra (op. cit.) afirma
que,
Ao lado do impacto demográfico, outros ocorreram em diferentes esferas,
inclusive a educacional. Tornava-se necessário formar quadros para gerir e
121
Esse dispositivo de controle também é previsto para a ordem docente. A este respeito conferir Borges
(2005).
82
produzir o passado e o futuro, no que se refere às questões urbanas,
industriais, comerciais e culturais. Necessidade de formação que, ao lado da
manutenção do modelo escolar das aulas régias e do ensino secundário,
propunha uma formação local de nível superior, fora do domínio da Igreja,
de modo a abastecer o país de médicos, engenheiros, bacharéis e de homens
das artes. Formação esta a ser criada e mantida pelo Estado, que tinha nesta
medida uma estratégia para amparar e constituir o próprio aparelho estatal.
(Ibidem, p. 20)
O autor, ao fazer uma reflexão a respeito da racionalidade médica,
apontando para a forma como esta se institucionalizou no Brasil do século XIX, colabora
para tornar perceptível estratégias que elaboraram para obter e manter legitimidade política
e social, assim como o entendimento da forma como ocorreu o recrutamento desses
profissionais para o quadro de médicos do Estado Imperial. Nesse sentido, cabe observar,
por exemplo, o tipo de qualificação que deveriam adquirir para serem aceitos na corporação
do ofício.
Assim, o seu estudo permite compreender também, como a ordem médica
procurou investir na educação escolar, “em sintonia com uma espécie de ‘prontuário
oferecido pela ciência médica”. Com esta intenção os médicos organizados, acabam
formulando um projeto civilizatório:
planejado, medido, controlado e hierarquizado, esse modo de intervenção
funcionaria como um efetivo programa civilizador, instituindo nos trópicos
uma réplica complexa do que então era considerado como padrão
civilizatório a ser disseminado, imposto e adotado no mundo ocidental.
(Ibidem, p. 22)
Neste sentido, desenvolveram estratégias de afirmação do lugar de recepção
e produção do conhecimento médico, buscando conformar o perfil de profissional a ser
admitido na área. Assim, no processo de construção do campo médico na Corte imperial
configurou-se em:
um movimento que procurou unificar aquilo que genericamente designava-
se como “medicina”, implicando, portanto, o estabelecimento de regras, em
seleções e expulsões, de modo a produzir um ordenamento institucional que
unificasse internamente os “médicos”, e ao mesmo tempo construísse a
legitimação deles para o ambiente externo às suas instâncias de formação e
organização. (Ibidem, p.26)
83
Sobre este aspecto, ao na citar Patto (1996) remete à “presença dos
profanos” relacionando os que, no Brasil, exerciam de modo indiscriminado a arte de curar:
Em terras brasileiras, os médicos propriamente ditos (os físicos e
licenciados) eram, até 1808, poucos e estrangeiros, e estavam a serviço dos
representantes da Coroa nas cidades mais importantes. O grosso da medicina
era praticado por cirurgiões-barbeiros (aprovados sumariamente em exames
realizados pelos comisários. (Ibidem, p. 29)
Além desses grupos, Gondra acrescenta que a medicina era praticada
também por curandeiros, pajés, padres, jesuítas
122
, feiticeiros e demais curiosos. A fim de
apontar as condições em que a medicina era exercida neste período, Gondra, mais uma vez
remete ao estudo de Patto (op. cit.), apontando as representações produzidas acerca da
precariedade de instalações e procedimentos utilizados pelos ativistas da medicina:
A situação dos hospitais não era diferente: raros e carentes de recursos
materiais e humanos, eram a mesmo tempo enfermarias, hospícios, asilos e
orfanatos, nos quais se praticava a caridade segundo os mandamentos da
irmandade de Misericórdia de ‘curar, remir os cativos, visitar os presos,
cobrir os nus, dar de comer aos famintos, dar de beber a quem tem sede, dar
pouso aos peregrinos e enterrar os mortos’. Na falta de boticas e
medicamentos, as mezinhas, os amuletos, as rezas e os benzimentos eram
freqüentes em todos os segmentos sociais. (Ibidem, p. 30)
Podemos considerar, então, que o exercício da “profissão” encontrava-se
difuso no corpo social, indefinido na identidade do ofício dos “profissionais” e da própria
instituição que os detém. Nesta perspectiva, é possível sustentar que foi no processo de
construção do Império que, no Brasil, o discurso médico se afirmou no meio de práticas
médicas bastante rudimentares. Uma das primeiras providências do Estado em relação a
esta situação foi a criação do curso de form
para dispor sobre os corpos, a saúde, a doença, a morte e a vida”. (Ibidem, p. 31)
Procurava-se definir, desta forma, o espaço e o objeto do ofício médico, numa relação
direta entre medicina e sociedade:
Ao demonstrar tais preocupações, esses homens tinham e expressavam o
objetivo de tornar especializado o domínio da medicina, desautorizando e
desqualificando outros discursos e outras práticas, de modo a se projetarem
nos diferentes estratos da sociedade como autoridades portadoras de um
conhecimento suficiente e necessário para regular tanto a vida do indivíduo
como a ordem social. (Ibidem, p. 31)
Segundo o autor, tornava-se imprescindível que as pesquisas médicas se
constituíssem sobre novas bases, cujos fundamentos deveriam ser a definição das causas
das doenças, a descoberta de seus efeitos e as conseqüências resultantes, a fim de se
escolher o procedimento terapêutico adequado e eficaz. Além disso, era preciso fiscalizar
123
o exercício da prática médica e o comércio de drogas, cuja falta de controle sobre estas
atividades facilitavam o exercício da Medicina por diferentes sujeitos alheios ao
“conhecimento científico” ditado pelas “faculdades” de medicina. Gondra afirma que o
controle e a inspeção sobre os saberes e o cargo, tornaram-se objetos de preocupação no
interior do campo médico e, a ausência de delegados do físico-mor e do cirurgião mor,
justificava então,
a entrada de um outro sujeito na conformação do campo médico, fazendo
com que as questões de saúde/doença fossem transferidas para a alçada da
polícia. Seus homens, em casos de presença de epidemias e ausência de
médicos, ocupavam o lugar de agentes da medicina, prescrevendo, punindo
prendendo. (Ibidem, p. 37)
Ainda acrescenta que:
123
Sobre a existência de fiscalização, Gondra cita Santos Filho.(1991, v. I. p.64) “Os representantes das
autoridades reinóis aqui examinavam candidatos à “carta de examinação”, para o exercício da profissão de
cirurgião-barbeiro cassavam diplomas e licenças, inspecionavam as boticas, interferiam nos preços das
drogas, vistoriavam hospitais, preconizavam medidas de defesa sanitária em tempos de epidemia e
fiscalizavam o exercício da profissão por parte dos físicos, cirurgiões-barbeiros, barbeiros e parteiras.
Regiam-se por meio de regulamentos, avisos e alvarás periodicamente expedido. Dado que eram poucos os
comissários, resultava aleatória a ação dos mesmos e, quando sobrevinham as epidemias, eram os “bandos”
dos capitães-generais que regulavam as questões de higiene e saúde, determinando providências como
limpeza de ruas e casas, isolamento, fechamento de portos, prescrição de medicamentos tidos como
preventivos e prisão para recalcitrantes na obediência”. (p.37).
85
“foi neste cenário de falta de condições, de conhecimentos e de recursos, e
de presença de muitos saberes e práticas, com características e saberes muito
distintos, que a medicina tentou se estabelecer enquanto campo de
conhecimento especializado, arvorando-se em único revestido de
competência para lidar com questões relacionados à vida no âmbito
individual e coletivo. (Ibidem, p. 38)
Assim, tem-se a conformação de um vocabulário específico e conceitos
médicos “orientando a compreensão do funcionamento das sociedades e justificando
cientificamente intervenções, com vistas a curar a sociedade patológica e torná-la normal e
sadia, colocando-a, portanto, em plena expansão” (Ibidem, p. 41). O autor apoiado em
Laplantine (1991), afirma que este conceito de medicina ganhou contornos bem definidos,
“causando impacto sobre a moral social e apresentando-se como uma outra espécie de
“religião”, só que, desta vez, revestida de um caráter objetivo e neutro”.
124
.
O saber médico instituído na condição de verdade absoluta, acaba por se
aproximar de um caráter religioso, para o qual recebe a contribuição do Estado por meio de
um campo educacional, também em formação:
Os educadores participavam no enobrecimento dos médicos, não deixando
de integrar, nos livros que dirigiam às crianças, diálogos como, por exemplo,
o seguinte: ‘He preciso honrar ao médico? Deos assim o manda, e que lhe
pagássemos, pois diz, honra ao médico por causa da tua necessidade’. (...) A
questão punha-se assim: com falta de religião, havia o risco de se perder,
para sempre, a felicidade eterna;com falta da medicina, era a saúde e a vida,
os maiores bens do homem mortal que se desvaneciam. (Gondra cita Crespo,
1990, Ibidem, p. 42)
Gondra afirma que a correspondência, também poderia ser evidenciada na
conduta do ato médico em relação ao exercício da profissão, pois,
o que se pedia ao médicos, afinal, não era mais do que aquilo que sempre
fora reclamada como a orientação mais adequada ao comportamento dos
sacerdotes: uma conduta austera, esforçada, dominada por severos princípios
morais, que fossem capaz de sustentar o controle sobre si próprio e ter uma
grande atenção a seus semelhantes. Assim, a repartição dos domínios de
atuação entre a religião e a ciência médica não implicava a adoção de
condutas diferenciadas, o que fez com que não fosse diferenciada
propriamente uma oposição entre estas duas práticas. A .partilha dos
domínios parece ter selado uma aliança entre ambas, sendo que a uma
caberia cuidar do domínio celestial e à outra do domínio da terra, adotando
para tanto, procedimentos semelhantes. (Ibidem, p. 42)
124
Ibidem, p.42.
86
Gondra assinala que a ordem médica, construída nesses termos, passou a
exigir para si uma autoridade e poder até então só experimentado pelo discurso de matriz
religiosa mas que o fato não representou uma renúncia ao modelo religioso. Pelo contrário,
tratava-se de adotar o modelo da religião, revestindo-o com os elementos das ciência,
mantendo-se conservado o lugar de quem ouve, analisa, avalia, julga, prescreve e ameaça.
Este autor também chama atenção, para a importância dos três dispositivos ativados pelos
médicos no sentido de construir a autonomia do campo da ciência médica: A instituição de
formação (a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro), a organização da corporação (a
Academia Imperial de Medicina) e a produção escrita dos médicos (as teses, livros, jornais,
periódicos, dentre outros)
Quanto à construção de um sentimento de pertencimento comum, este
processo toma corpo na ação de um grupo de médicos que funda no Rio de Janeiro, uma
Sociedade Médica dedicada aos interesses médico-sociais e do ensino da medicina com a
parceria do governo, destinada a promover a ilustração, progresso e propagação das
ciências médicas. Gondra indica que esta sociedade deveria se dedicar, também, a socorrer
gratuitamente, com seus conhecimentos e conselhos, os pobres nas suas enfermidades e a
beneficiar a humanidade de modo geral, favorecendo a conservação e melhoramento da
saúde pública. É bom lembrar que para tal dedicação contaria, sobretudo, com a autorização
e proteção do governo e que, de acordo com os estatutos da instituição, o ganho financeiro
era descartado, na medida em que a SMRJ deveria se guiar por sentimentos filantrópicos.
Porém, esta solidariedade, se definia “com o ‘socorro de seus conselhos’ em dias
determinados para consultas gratuitas” nos quais, uma ou duas vezes por mês a Sociedade
dará consultações gratuitas aos pobres e durante uma hora”.
125
Indícios, portanto, de que
este tipo de ação não representava a grande função da sociedade, objetivava imprimir um
caráter filantrópico para obter reconhecimento e legitimidade social. Um outro aspecto a ser
considerado, diz respeito às marcas da oficialidade no interior da ordem médica, indicada
no reconhecimento, pela sociedade, do cargo de presidente honorário perpétuo ao ministro
dos Negócios do Império
126
.
125
De acordo com Gondra, esta disposição encontrava-se definida no artigo 9º, título VI, dos estatutos de
1830, Ibidem p.55.
126
Segundo Gondra este cargo era instituído pela Constituição do Império (leia-se, pelo próprio imperador)
na direção da instrução pública e de tudo que dissesse respeito às “associações sábias e industriais”.
87
Esta associação se transforma em 1835 em uma instituição oficial do
governo, a Academia Imperial de Medicina, cuja contribuição maior constituiu-se em
traduzir os princípios higienistas para o contexto natural e social brasileiro, colaborando na
“invenção dos problemas médicos sanitários do país a partir da avaliação das relações entre
sociedade, natureza e doenças brasileiras” (Ibidem, p. 57) Este modelo associativo deve ser
entendido como estratégia adotada pelos médicos para que tivessem um local de debates no
qual fossem patrocinadas amplas discussões, pois, para Pacheco, “as associações de
médicos, eram, são e serão sempre os instrumentos necessários às reciclagens de seus
conhecimentos, isto é, meios para permanente atualização”. (apud Gondra, 2004, p. 57)
Desta forma, Gondra entende que essa associação de médicos, em pareceria
com o governo antes de terem sido os agentes de um pretenso processo de medicalização da
sociedade, as ações da SMRJ foram mais importantes como estratégia de legitimação social
da própria medicina e, para tanto, transformaram em meta a aproximação com o Estado.
Para o autor, a intencionalidade da associação é possível de ser identificada nos diferentes
designações que esta recebe durante seu trajeto histórico
127
. Nesse sentido, fazendo uso
desta estratégia, os médicos: “se confundiram paulatinamente com os interesses do trono,
que, diante da necessidade de parceiros para intervir na vida social e desenvolver processos
civilizadores, fez a corte aos médicos, transformando-os em aliados”. (Ibidem, p. 61)
Um outro aspecto a considerar diz respeito à formação escolar destes
profissionais, a qual deve ser entendida como uma segunda arma no combate travado contra
os “charlatães”. Sobre este aspecto, as Faculdades de Medicinas acabam por impor um
complexo projeto desenvolvido pela corporação médica para obter e manter o controle
exclusivo sobre os processos de formação, seleção, organização e fiscalização da medicina,
isto é, para garantir o monopólio da ‘arte de curar’. Assim, às congregações foi garantida a
autonomia nas decisões e na elaboração de regras internas à faculdade.
Neste sentido, a formação escolar torna-se critério, exigência e condição
necessária para o pleno exercício da medicina configurando-se como pedra fundamental na
edificação do templo da racionalidade médica. Portanto, as reformas produzidas no interior
das faculdades de medicina com vistas ao processo de formação dos médicos destacam a
importância da conformação dos agentes que integram a institucionalidade médica.
127
Inicia como Sociedade Imperial do RJ, logo após o reconhecimento da Coroa, torna-se Academia Imperial
do RJ, e, na República, muda imediatamente para Academia Nacional de Medicina
88
No que diz respeito à ordem médica, as Faculdades de Medicina do Império
passaram a impor regras que começavam a definir o comportamento moral e os saberes que
deveriam ser comprovados no ingresso
128
do curso e na obtenção do título de doutor
129
.
Organizado o Estatuto, no qual definiriam-se estes e outros aspectos, o diploma conferido
pela Instituição passa a funcionar como:
uma credencial e não mais apenas uma carta ou licença para o ‘fazer
médico’. Diploma como atestado de acúmulo cultural, de uma longa
formação e de posse de um saber fundado na razão. Enfim, como um
documento oficial e oficializador que, recoberto por esta tripla representação
concorreria para desautorizar um outro conjunto de discursos, procedimentos
e práticas, sendo simultaneamente um documento que indicava a
composição de uma maquinaria do poder médico, sujeita a reparar tanto as
práticas dos profanos como a medicina dos físicos e cirurgiões. Composição
que visava constituir aquilo que viria a ser reconhecido como um campo de
práticas e saberes especializados: o chamado campo médico. (Ibidem, p. 72)
As novas regras estabelecidas impuseram às faculdades uma “grade
curricular” mais ampla e especializada, de acordo com a qualificação pretendida pela
ordem:
com a fixação da necessidade de uma formação de longa duração,
estabelecimento de professores-médicos especializados para cada uma das
disciplinas, distribuição do tempo escolar, de regras de avaliação, separação
de competências entre o médico, o farmacêutico e a parteira, bem como a
proibição da atividade dos leigos- desde então, posta em uma região de não
mais apenas de ilegitimidade, mas também de ilegalidade – produziam uma
nova arquitetura para a medicina no Brasil. (Ibidem, p. 73)
Estava assim estabelecida mais uma estratégia de governo e manutenção do
Estado imperial, organizada a partir do conhecimento produzido pela ordem médica
autorizada a funcionar como “formadores de almas” como afirma Mattos (2004); uma
conquista da consciência da população a ser conformada pelo poder imperial na pretensão
de uma “expansão para dentro” do Império do Brasil.
Esta organização, como vimos, tratou de qualificar os futuros profissionais
de acordo com as competências conferidas à função que deveriam ocupar no interior da
128
Gondra afirma que para efetuar a matrícula, os candidatos deveriam comprovar conhecimentos de latim,
francês, lógica, aritmética e geometria. (Ibidem, p.71)
129
Para a conclusão do curso o futuro médico deveria defender tese em português ou latim, a respeito de
assuntos sobre a área médica. (Ibidem, p. 71)
89
ordem. Para o recrutamento desse profissional idealizado, exigia-se que o candidato fosse
formado por uma das Faculdades de Medicina do Império brasileiro ou instituição
correspondente no exterior
130
. Neste caso, não havia previsão nas normas para os que se
afastassem desse modelo de formação. Ao contrário, eram previstas sanções para o
exercício ilegal do ofício.
Entre as ordens consideradas neste estudo, esta comparece como uma
exceção pela forma rigorosa com que admite ser, o curso completo nas Faculdades de
Medicina, único meio de qualificação profissional colocando os demais envolvidos na “arte
de curar” em uma região de ilegalidade e charlatanismo, excluídos portanto de um campo
médico que se oficializa.
É bom lembrar que as faculdades
na segunda metade do século. Por outro lado durante todo o império, o exército “debateu-se
com as dificuldades impostas pelo recrutamento forçado, concretizado na captura de
escravos fugitivos ou de jovens pobres, levados a servir como se estivessem sendo
aprisionados”. (Ibidem, p. 228)
O estudo sobre o Exército brasileiro desenvolvido por Alves (2002) e (2003)
aponta para a necessidade de compreensão do que seria “ser militar” no Império do Brasil,
tomando como base as especificidades das práticas dessa atividade corporativa:
ser militar no Império era, também, ser professor, ser engenheiro, geólogo e
cartógrafo, ser administrador, ser desbravador de regiões inóspitas, ser chefe
de quartéis e ser instrumento de civilização e nacionalidade em regiões sem
qualquer identidade com a Nação e em que, muitas vezes, o exército
constituía-se na única, ou principal, fonte de criação de infra-estrutura.
(Ibidem, p. 29)
No Brasil, a primeira Academia Real de Guardas-Marinhas foi trazida por
D. João na sua comitiva em 1808. Guimarães (2002) esclarece que esta instituição,
passando a funcionar nas dependências do Mosteiro de São Bento, tornou-se o mais antigo
estabelecimento de ensino superior do país. O ingresso nesta instituição só poderia ser
pleiteado por jovens fidalgos e filhos de militares de carreira, com idade entre 14 e 18 anos.
Para garantir a formação de oficiais para o exército, o príncipe regente instituiu a Academia
Real Militar na cidade do Rio de Janeiro, em abril de 1811. Os candidatos a aspirantes
deveriam ter 15 anos, haver sentado praça no exército, saber ler e escrever em português e
efetuar as quatro operações matemáticas básicas. (Ibidem, p. 547).
Esta autora também recorre a Schulz (1994) para afirmar que em meados do
século XIX, o ingresso na Escola Militar era uma das poucas possibilidades de acesso aos
estudos superiores para as camadas médias da sociedade brasileira, pois a instituição
oferecia moradia, alimentação e uma bolsa de estudos para seus alunos: “A partir daí,
formou-se o embrião de uma elite intelectual, detentora de uma nova mentalidade e
recrutada de seguimentos sociais distintos”. (Ibidem, p. 548)
Neste sentido, Alves (2003) indica que,
No Brasil a formação militar assumiu um caráter mais sistemático com a
criação da Academia Real Militar, por Decreto de 4 dezembro de 1810, a
qual teria contado com 72 alunos na primeira turma. Sua formação em
91
engenharia, atendendo aos preceitos da época, deveria abranger a habilitação
de oficiais em engenharia e artilharia, geógrafos e topógrafos. A idade
mínima prevista para o ingresso era de 15 anos. Em 1839, a Academia
transformou-se em Escola Militar. Em 1855 começou a funcionar a Escola
de Aplicação do Exército, destinada a ministrar a instrução prática a oficiais
e praças. (Ibidem, p. 229)
Como citado anteriormente, a autora faz uma reflexão sobre o discurso da
ordem militar a partir da análise dos artigos publicados pelos militares na Revista do
Exército Brasileiro, apontando para uma diversidade de aspectos que vão ajudar no
entendimento das relações do exército com a sociedade, da forma como ele se conformou,
e, principalmente como eles resolveram a questão do recrutamento dos seus quadros..
Assim, ela chama atenção para a importância da reforma de 1850 na
organização do campo militar, indicando que esta norma constitui-se em um marco de
referência na conformação do discurso produzido pelo exército. Na intenção de instalarem-
se como força de ação no processo de construção do Império, esta norma cria, entre outros
pontos, as repartições e distritos militares, estabelecendo uma carreira cada vez mais
baseada no mérito e no tempo de serviço, fato que promove a atração dos setores médios da
sociedade e a crescente identificação dos militares com a corporação.
Sob o último aspecto, além da marginalização sofrida pela área militar no
interior da sociedade, estes apresentavam-se altamente preconceituosos na organização da
sua própria corporação, uma vez que, “... os oficiais das armas científicas – engenharia e
artilharia (...) eram mais valorizados e recebiam instrução superior aos da infantaria e
cavalaria” A autora apoiada em Viotti Costa e Celso Castro, distingue duas características
da corporação militar.
De um lado encontravam-se os científicos – artilheiros e engenheiros
militares – recebendo uma formação mais prolongada, estudando mais
matemática, mais física, e química, aprofundando-se em desenho e história
militar e recebendo conhecimentos específicos de topografia, geologia e
direito. Seriam os intelectuais por excelência da corporação, habilitados para
pensar mais do que fazer. Esse viés intelectualista, chegou mesmo a criar um
oficial pacifista, mais simpático às leituras e salas de aula do que às guerras.
De outro lado encontravam-se os ‘tarimbeiros’. Eram os oficiais das armas
de infantaria e cavalaria, para as quais havia um pressuposto tácito de que
não haveria necessidade de tanto preparo intelectual. A sua formação era
reduzida no tempo de estudos e no conteúdo e poderia ser dado em escolas
92
distintas, como era o caso da Escola de Infantaria e Cavalaria do Rio Grande
do Sul. (Ibidem, p. 66)
Os historiadores que trataram do exército têm concordado com a afirmação
de que as armas da infantaria e cavalaria sofriam o desprezo dos engenheiros e artilheiros
que, sentiam-se superiores pela sua qualificação. Assim, a formação distinta provocava uma
espécie de fenda na corporação militar, além da já citada distância entre a classe dos
oficiais e da tropa, esta última recrutada compulsoriamente entre os indivíduos das classes
inferiores da sociedade imperial.
Sendo assim, além da formação distinta esses grupos militares recebiam
tratamento diferente em relação a outros aspectos da carreira. Como exemplo, a autora cita
as medidas discriminatórias referentes às promoções entre os oficiais:
Chegou a tal ponto a disparidade, que já têm sido elevados a major, por
antiguidade, capitães de infantaria com mais de 25 anos de demora neste
posto, de cavalaria com 23 e 19, de artilharia com 14, do estado maior de 1ª
classe com 10 e do corpo de engenheiros com 4 apenas! (Ibidem, p. 69)
Portanto, além da hierarquia dos cargos produzida no interior do Exército,
percebe-se também a hierarquia das armas, o que faz aparecer no campo militar, sub-
campos, definidos principalmente, pelas representações que estabeleceram entre a validade
dos saberes a eles relacionados. A autora afirma que a qualificação diferenciada no interior
da ordem militar, assim como a divergência entre as propostas
132
dos oficiais organizados.
No lugar de enfraquecer a corporação,
terminou por fortalecê-la, na medida em que, ao expressar-se mediante
discurso articulado e fundamentado, foi adquirindo poder de combate e de
persuasão. As diferenças assumiram posição secundária num cenário
unificado pela insatisfação e por uma certa capacidade de apontar
alternativas elaboradas no interior do próprio exército. (Ibidem, p. 73)
Neste processo de legitimação da ordem militar, no que diz respeito a
oficialidade, é interessante perceber como se esforçaram em caracterizar-se como grupo
qualificado que “se desejavam influir em decisões políticas que afetavam a corporação, não
93
queriam correr o risco de confundirem-se com os políticos imperiais considerados, na sua
maioria despreparados intelectualmente, tendo chegado aos seus lugares por
relacionamentos pessoais”.
133
A autora apoiada em Castro (1995), enfatiza o “papel da
qualificação científica fornecida pela Escola Militar na conformação de uma superioridade
simbólica, assumida pela oficialidade jovem frente aos bacharéis, na disputa por um
reconhecimento social que não possuíam”.
134
Junto a este aspecto, buscaram também construir um sentido para a sua
existência, tratando de promover uma idealização do exército como instituição fundamental
para o povo e o país, afirmando a importância da instituição para garantir a paz. Assim,
incorporaram ao discurso a idéia de naturalidade da guerra:
A ciência proclama, e de seus princípios não é dado afastar-nos, que a guerra
é um fenômeno antropológico normal; que ela é um cautério necessário para
aviventar as virtudes sociais enfraquecidas por um longo período de sossego
e que os exércitos, fazem o mesmo papel na sociedade, que a agulha de
Franklin faz sobre os edifícios públicos, preservam dos raios. (Ibidem, p. 85)
Neste sentido, a autora afirma que tal enunciado deveria ser entendido como
aceitação da guerra como necessidade natural na promoção do homem para os avanços da
civilização. Desta forma:
A guerra não deveria ser encarada como um malefício, embora se pudesse
desejar a paz. Entendendo-a como decorrência das forças naturais que
impulsionariam o homem, caberia buscar mecanismos capazes de neutralizar
seus efeitos negativos, (...) justamente por isso seria necessário manter os
exércitos. (Ibidem, p. 85)
Ainda na construção da identidade da ordem como uma área, “naturalmente”
indispensável, ao progresso do homem e da Nação procuraram reafirmar seu campo de ação
ao defenderem que:
132
A autora esclarece que da parte dos oficiais, se nos primeiros anos formularam posições individuais de
peso, ao final da década de 80, começaram a surgir propostas coletivas, como a elaborada por uma comissão
criada pelo Clube Militar com essa finalidade. (p.73)
133
Ibidem, p.75.
134
A autora afirma que, acompanhando esse debate por intermédio da Revista do Exército Brasileiro foi
possível observar o papel que essa qualificação viria a possuir na sedimentação de elos de ligação que
conseguiram ultrapassar as barreiras que separavam os diferentes grupos dentro da oficialidade e, ao mesmo
94
Sua tarefa não se reduziria a garantir a paz pela demonstração de sua força.
Eles também deveriam ser valorizados como lócus de idéias. O exército não
só estimularia o avanço tecnológico com a aplicação dos mais modernos
equipamentos. Ele também produziria idéias e valores necessários à paz
social. (Ibidem, p. 87)
Para defender a sociedade e protegê-la com a égide capaz de salvaguardar
seus mais caros interesses, cumpre fortificar o elemento conservador e
estável que nela existe, o exército. (Ibidem, p. 89)
ao mesmo tempo em que se procurava construir uma auto-imagem
exageradamente caracterizada por sua nobreza de intenções e contribuição
social, de um exército, por isso mesmo, merecedor do mais alto
reconhecimento por parte da sociedade imperial, acentuava-se a situação
deslocada em que se encontrava a instituição na sociedade. (...) Justificava-
se por esse caminho tanto o ressentimento militar quanto a necessidade de
reação àquele contexto. (Ibidem, p. 91)
As citações apontam para parte das questões elaboradas no interior do
discurso militar, reafirmadas constantemente nos artigos do periódico. Estes temas,
discutidos nas palestras e na própria produção literária de militares das diferentes armas,
procuravam reorganizar o Exército por intermédio da exposição e reflexão de seus
problemas. Organização construída, portanto, de dentro para fora, na luta contra os
preconceitos externos e internos à ordem militar.
Alves afirma que, apesar das iniciativas de reformas produzidas no interior
do campo, elas pareciam não provocar mudança alguma no Exército brasileiro. Entre as
múltiplas preocupações com a reformulação acreditavam que o serviço obrigatório,
abrangendo as diferentes classes sociais, se constituiria em uma questão fundamental, pois
a oficialidade nutria a esperança de que, estando os filhos das camadas mais ricas inseridos
nas fileiras o exército seria tratado de outra maneira, assim como a guerra deixaria de ser
“um brinco dos governos, que mais cautelosamente a farão, desde que todas as classes
sociais estivessem nas fileiras”. (Ibidem, p. 98)
Um outro aspecto igualmente importante, que não poderia deixar de ser
tratado, era a questão da instrução no Brasil, a sociedade escravista e de corte aristocrático
dirigida pelo Estado imperial, não vivia a intensidade de transformações que operavam no
tempo, fortalecer sua identidade institucional fornecendo bases para os próprios exercícios de disputa de
poder. Ibidem, p.75.
95
novo mundo, embora sofresse o influxo do discurso liberal
135
. A autora lembra a
fragilidade das iniciativas no campo da instrução, indicando as Faculdades de Medicina e
de Direito e o Colégio Pedro II como umas das poucas instituições que mantinham uma
certa perenidade: “Neste quadro emergiu a figura do bacharel, corporificando um ideal de
formação profundamente associado à preparação para a vida política do país, embora de
pouca consistência intelectual”. (Ibidem, p. 124) Para a autora, a formação militar se
distinguiria neste cenário, sobretudo por dois aspectos: o primeiro deles dizia respeito à sua
clientela, que se alterou gradativamente, assumindo, na segunda metade do século,
características cada vez menos aristocráticas. Entre a Real Academia Militar criada em
1810, e a Escola Militar dos anos 1880, pode-se observar uma mudança qualitativa na
caracterização do seu alunado.
A Academia estava voltada para os seguimentos senhoriais, na tradição de
seus privilégios nobiliárquicos da oficialidade próprios do Exército do
Antigo Regime. Por outro lado, a Escola era freqüentada, sobretudo, por
filhos de militares, mas também de pequenos comerciantes e proprietários,
funcionários públicos e profissionais das camadas médias. O segundo
aspecto dizia respeito ao seu conteúdo, cuja vinculação com a atividade
profissional do militar, exigia um compromisso prático com os
conhecimentos científicos. (Ibidem, p. 125)
Como podemos verificar no estudo de Gondra sobre o funcionamento da
ordem médica, essa também reivindica para si a introdução das ciências no Brasil, o que
indica a importância das duas instituições na organização dos estudos científicos no século
XIX
136
. A primeira com fins específicos para a cura das doenças do corpo e do meio, a
segunda para dar conta da própria necessidade colocada pela prática bélica, além da
preocupação com os estudos da topografia e da natureza de um modo geral. Alves (op. cit)
sinaliza também para uma tensão existente entre os que defendiam a predominância do
ensino militar ao das ciências, produzindo uma alternância entre os regulamentos
científicos e militarizantes. Nesse sentido a autora, explica que:
135
Ibidem, p.124.
136
A autora cita Sant’Anna ao afirmar que, junto com as Escoals Militares – do Exército e Marinha – e as de
Medicina, a Escola de Minas e Ouro Preto, criada em 1875, e a Escola Politécnica de São Paulo, em 1893,
constituíram-se nos centros de difusão mais importantes do ensino científico no Brasil de fins do século XIX.
(p.127)
96
a fragilidade da formação estritamente militar provinha certamente, do
desprestígio da própria carreira durante o Império. Procurada cada vez mais
por filhos de militares, funcionários modestos, pequenos comerciantes ou
proprietários, sofria com a posição marginal a que estava relegada na
sociedade imperial onde a ascensão social dependia dos relacionamentos
pessoais. O título que abria as portas, conseguia emprego e bons casamentos
era o de bacharel. (Ibidem, p. 132)
Contudo, dois outros aspectos da prática militar apareciam associados à
necessidade de eficiência educacional no interior do exército, a disciplina, pensada de
acordo com os fundamentos morais do conhecimento militar e as inovações tecnológicas
das guerras do século XIX que pressionavam as transformações por que passavam o
exército do ocidente. No discurso militar enfatizava então o papel da disciplina e da
instrução para a própria sobrevivência do exército:
Em última instância, as forças de ação armada têm, em suas mãos, o poder
de morte e destruição que deve ser dirigido ao inimigo designado, mas que
também pode se voltar contra si mesmas. A garantia de que os subordinados
não se volte contra os próprios chefes ou que as tropas se mantenham coesas
e avancem em direção ao campo contrário, pondo em risco a própria vida, se
apóia sobre alicerces disciplinares construídos no interior de cada
corporação. (Ibidem, p.143)
A instrução potencializaria, portanto, o cumprimento das ordens pela
compreensão que passariam a ter os comandos a seu respeito. Nesse sentido, quanto mais
bem informados os componentes do exército, mais disciplinado se apresentaria seu
conjunto. Assim, a educação da sociedade não era pensada somente a partir de suas
supostas necessidades, mas das demandas geradas por um projeto de sobrevivência e
modernização do exército.
Nascido de preocupações corporativas e, diante da imobilidade do Estado em
empreender políticas mais conseqüentes com relação à educação do povo, o discurso da
intelectualidade militar começou a edificar uma representação que conferia um lugar de
liderança às forças armadas. Neste discurso o exército passou a ser.caracterizado como
responsável também pela educação dos cidadãos. O campo militar, desta forma, se
empenhava em instruir a população para melhor educa-la e discipliná-la. Neste ponto, a
autora chama atenção para a distinção que emerge entre instrução e educação:
97
A noção de instrução se ligava mais nitidamente às habilidades intelectuais
adquiridas nas instituições escolares, tais como ler, escrever, calcular,
identificar acidentes naturais ou conhecer a história do país. Traduzia-se,
portanto, nos conteúdos selecionados, nos métodos adotados, na organização
do espaço das escolas, na atuação dos professores. Quando se referiam às
escolas existentes no exército e à sua administração, usavam prioritariamente
a palavra instrução. O substantivo, educação, menos usado na rotina
administrativa (...), ficava reservado para momentos do discurso
grandiloqüente, em que a exaltação do exército e de sua missão punham a
ênfase no seu papel educativo. (Ibidem, p. 202)
Por fim, construída uma identidade, inventados os objetos de interesse,
assim como os saberes que deveriam dominar, os agentes do campo militar precisavam
resolver seus problemas em relação ao recrutamento de seu contingente. Nesse sentido, a
autora destaca a diferença entre o recrutamento da tropa e da oficialidade, duas classes
distintas no interior da ordem. A última, recrutada entre os filhos de militares e de pequenos
ou médios proprietários ou comerciantes que se interessavam em elevar o seu nível de
instrução, incorporando-se nas escolas superiores do Exército:
As inovações introduzidas nos exércitos ocidentais, em decorrência da
fabricação de novas modalidades de armamentos e de equipamentos bélicos,
era o motor da necessidade de maior qualificação intelectual. A valorização
da força física e da capacidade de combate cedia terreno à imposição do
raciocínio, do domínio do cálculo, do conhecimento sobre a natureza e das
estratégias da engenharia militar. (Ibidem, p. 228)
Além disso, segundo o autora (2003, p. 549), a Lei n 585 de 6 de setembro
de 1850, reestruturou as normas para a progressão nos quadros do Exército: “Doravante,
em vez de se orientar pelos tradicionais vínculos de origem política ou social, as promoções
deveriam se basear na antiguidade, no mérito e na ordem acadêmica”. Portanto, as
exigências ao ingresso à carreira militar passaram a ser vinculadas ao posto pretendido pelo
candidato, variando desde o necessário ingresso na escola Militar para o oficialato, ao
recrutamento de pessoas, ora de forma voluntária, ora arbitrária, com a única exigência do
sexo e idade, no que diz respeito ao pertencimento da tropa. Mais tarde, com a instituição
da obrigatoriedade do serviço militar, o recrutamento do contingente para as forças armadas
passa a ter pretensão universal, previndo-se possíveis exceções à obrigatoriedade.
Neste caso, percebe-se dois modelos na qualificação e recrutamento de
profissionais para o Exército. Para os oficiais exigia-se a formação de nível superior nas
Escolas militares sem contudo desconsiderar o acesso à oficialidade pelo tempo de serviço
98
ou mérito no exercício da profissão. Desta forma, a qualificação para os cargos de oficiais
passava pela formação escolar do candidato ou por intermédio da formação pela prática do
ofício.
Em relação à tropa percebe-se dois aspectos importantes que podem servir
para distinguir o processo de recrutamento desta classe: a forma arbitrária de recrutamento,
com a posterior obrigatoriedade de, pelo menos, um tempo mínimo estipulado para o
exercício, e a preocupação com a formação especial do contingente no exercício da
profissão. O recrutamento, apesar de ser feito pelo Exército, a aprovação das promoções
realizadas no seu interior era conferido ao Governo imperial.
3.5.-Recrutamento e Modelação: a profissionalização das/nas ordens
A configuração das ordens religiosa, médica e militar no Estado imperial, se
aproxima na forma como se apresentavam indefinidas em relação às instituições, seus
agentes e aos objetos em disputa. No título deste capítulo, a referência ao termo re-forma
aponta para a necessidade de se observar o processo de formulação dos campos que
conviviam em um espaço de formação ainda pouco diferenciado, no qual, múltiplos agentes
“inventaram” seus objetos e disputaram sua titularidade com os demais campos em
formação. Neste sentido, a direção do governo imperial, a ordem política do império
também em formação, funcionou, ora como um caminho seguro e confortável para alguns
destes setores, como no caso da medicina, ora como uma limitação de poder, ainda que
aproveitando-se da sua ação missionária, como no caso do campo religioso, e, ainda, como
fonte de insatisfação que funcionou como estopim para o desenvolvimento, fortalecimento
e legitimação de outras demandas, como no caso do exército.
Trabalho com a hipótese de que, o perfil da sociedade brasileira em
formação, foi construído em meio a estas diferentes forças instituídas no decorrer do século
XIX, contrapondo-se ou associando-se, mas sobretudo, se afirmando como instituições que
tiveram e ainda têm uma forte participação na construção dos Estados Nacionais.
Nesse sentido, pode-se destacar a forma com que as áreas analisadas neste
capítulo procuraram intervir na área social, como um das principais estratégias de
99
legitimação de poder, buscando o reconhecimento dos saberes à elas relacionados, como
verdadeiro caminho para a civilização e o progresso da Nação, pretendido pela ordem
política imperial. E foi nesse jogo de relações sociais, entre o interesse em conformar a
sociedade às normas monárquicas, na construção da moralidade católica apostólica romana,
na imposição da higiene do espaço e do corpo e na defesa da integridade da Nação que,
campos de saberes e práticas diferenciadas se afirmaram na pretensão comum de
civilização e progresso conforme o modelo dos países europeus. Assim, é possível afirmar
que as ordens analisadas encontravam-se todas elas, a seu modo, integradas ao projeto de
construção do Estado imperial.
É importante perceber como a sociedade imperial foi, configurada por
intermédio das relações entre estes diferentes discursos e, com ela, a organização escolar,
tida como “máquina de civilizar”
137
tornava-se objeto de interesse comum a esses campos.
Nestas condições, o campo educacional é conformado na integração dos processos de
configuração das ordens, das quais acabou, incorporando de modo descontínuo,
fundamentos dos diferentes campos de conhecimento. Talvez, por esse motivo, durante
muito tempo, considerou-se os profissionais formados nas áreas, religiosa, médica, militar,
entre outras
138
, como “naturalmente capacitados” para exercerem o ofício de professor nas
escolas de diferentes níveis de ensino. Como pode ser destacado, a gerência dessas ordens
trabalhou com a idéia de intervenção na sociedade por intermédio da educação escolar. Esta
convergência aponta para a importância concedida à instituição da escola na configuração
dos campos profissionais em emergência no século XIX.
É bom lembrar na forma como, no Brasil, o Estado apostou na escolarização
do “povo mais ou menos miúdo”, a fim de controlar e manter ordem monárquica; como o
exército ao investir na instrução de seu contingente acaba por exercer papel importante na
conformação do campo escolar neste período; e, ainda como vimos, o clero que instituiu
também o espaço da escola como local mais apropriado para a catequese e evangelização
dos povos, mesmo diante das recomendações dos integrantes da cúpula da Igreja, de que
estes tipos de práticas deveriam ser concentradas, principalmente, no âmbito das atividades
missionárias dos religiosos, diretamente com a população a ser tanto “confortada
espiritualmente” quanto “moldada”, de acordo com os princípios da doutrina cristã.
137
Expressão usada por Gondra (2005) em “A Emergência da Escola” para desenvolver a hipótese de que a
escola foi usada como um instrumento civilizatório no século XIX.
100
Além dessas homologias, foi possível destacar também, as múltiplas funções
dos agentes dentro de um mesmo campo. Como exemplo, um sacerdote no exercício de
suas funções deveria cuidar da saúde do corpo e do espírito, ensinar nas escolas, atender
aos necessitados de alimento e abrigo, fazer parte da tropa nas batalhas enfrentadas pelo
exército, entre outros poderes. Ao militar e ao médico, igualmente, eram conferidas funções
diversas dependendo do momento e do lugar em que se encontravam. Não havia, portanto,
limites rígidos aos papéis que estas ordens exerceriam na sociedade.
É importante perceber que as reformas pretenderam a definição do ofício,
buscando uniformidade no interior da cada um dos campos. Elas ocorreram, em maior
proporção, por volta de 1850, período que, como visto anteriormente, foi considerado pela
historiografia como o “apogeu do império brasileiro”. Entre os religiosos, ocorre a reforma
da Igreja brasileira em 1862; para os militares, a proposta de organização se dá a partir de
1850; em relação aos médicos, uma nova orientação data em 1832 a partir do controle da
concessão do grau de doutor pelas Faculdades de Medicinas do Império; por fim, a reforma
do ensino primário, secundário e superior entre 1851-1854, pensada e instituída pela ordem
política deste período.
Um outro aspecto bastante semelhante entre esses campos diz respeito aos
pontos em que incidiram as determinações das reformas postas em execução. É possível
perceber o destaque à necessidade de formação escolar específica, a definição dos objetos
de interesse e saberes correspondentes a cada uma delas, direção e controle do exercício da
profissão; o estabelecimento de conferências nas quais discutiriam temas relevantes ao
ofício; a estratégia dos periódicos para o debate de questões próprias ao campo e para a
vulgarização dos respectivos discursos dentro e fora da própria ordem; a formulação das
exigências aos candidatos que pretendessem o ingresso
139
, as respectivas isenções previstas
nas normas e o exame como um dos modos de qualificação e recrutamento para o cargo.
No que diz respeito à questão de gênero na configuração dos campos, é
possível evidenciar um outro traço que os aproxima. Podemos perceber a posição destinada
à mulher na ordem religiosa, incapacitando-a ao ingresso na ordem hierárquica da Igreja. A
exclusão da presença feminina entre os militares, a abertura gradual concedida à
138
Entre estes encontravam-se principalmente os bacharéis em letras, advogados e juízes.
139
Entre essas, pode-se encontrar a exigência comum da comprovação da moralidade, da conduta exemplar,
da comprovação da capacidade por intermédio do exame.
101
profissionalização da mulher na ordemdica e a ascensão da mulher no campo da
educação, principalmente em relação ao magistério nas escolas primárias do século XIX.
Dentre as homologias no recrutamento dos profissionais no século XIX, não
se pode deixar de destacar neste processo, a primeira e última etapa de seleção dos
candidatos aos cargos pretendidos. Como podemos perceber, e, mais adiante será
reafirmado, as ordens consideradas neste estudo exigiam como pré-requisito ao ingresso na
profissão, a comprovação da conduta moral dos candidatos
140
. Este fato aponta para a
forma como o Estado pretendia controlar as nomeações, no sentido de confirmar o controle
político-administrativo sobre os grupos que ocupariam posição privilegiada na difusão do
conhecimento no período em questão.
As referidas analogias entre modelos de qualificação e recrutamento no
interior das ordens encontram, contudo, determinados afastamentos em relação aos
respectivos procedimentos de profissionalização. O mais significativo se relaciona ao grau
de escolaridade exigido dos interessados nos cargos oferecidos. Apesar da importância
conferida ao ensino superior para o ingresso e promoção no interior das ordens, em
determinados campos, previa-se uma qualificação pelo exercício da função. Este critério,
não foi considerado na área médica, que determinou como único modo de formação
profissional, a freqüência em uma das faculdades de medicina, com a exigência de defesa
de tese para o grau de doutor. Esta ordem, como vimos, desconsidera a possibilidade de
ingresso diferente do estabelecido, assim como a promoção no interior da ordem pelo
exercício da prática ou por mérito nos serviços prestados. No entanto, estes últimos
critérios foram aceitos, no período, como qualificador de agentes para as áreas religiosa e
militar. A esses profissionais, a qualificação fora dos seminários e das escolas militares,
como já foi citado, podia ser tomado como suficiente. Este critério de formação pela
prática, torna-se, também, o principal modelo de formação para a educação elementar, no
período em questão.
À respeito do grau de especialização estabelecido para o ingresso nas
corporações, Adorno (1998, apud Gondra 2004, p. 45)) questiona a formação dos bacharéis
ao analisar as práticas de qualificação intelectual dos acadêmicos da Faculdade de Direito
de São Paulo, entre 1825 e 1883. Este autor afirma que as salas de aula não constituíram o
único espaço responsável pela profissionalização dos bacharéis. A fim de confrontarmos
140
Exigência que cumpria papel decisivo na nomeação final dos/as candidatos/as.
102
ainda que topicamente, esta ordem cujos quadros, de acordo com a historiografia,
engrossavam os cargos políticos no Império, com as demais problematizadas neste estudo,
é interessante perceber o que Adorno afirma em seu estudo:
Conquanto os princípios lapidares da ciência do Direito fossem transmitidos
em sala de aula, o aprendizado foi caracterizado pelo autodidatismo, não
consolidou a formação de discípulos e sequer foi dotado de padrões mínimos
uniformes no desempenho de suas atribuições pedagógicas. A diversidade na
composição do corpo docente revela contradições relacionadas quer a uma
conformação ideológica que buscou conciliar, no mesmo espaço
institucional, fundamentos filosóficos de distintas origens, quer às
ambivalências decorrentes do contraste entre a academia formal e a
academia real. Essas contradições desnudam, por sua vez, uma conclusão
profundamente intimidativa e, a um só tempo, perturbadora: o “segredo” do
ensino jurídico no Império foi, justamente, o de nada ou quase nada haver
ensinado a respeito de ciências jurídicas. (Adorno, 1998, p. 236-237, apud
Gondra, 2004, p. 46)
As ordens no Império do Brasil, do início da colonização até as iniciativas de
profissionalização desenvolvida no século XIX, na maioria das vezes, encontravam-se
interligadas não por uma formação escolar especializada, mas pelo interesse comum em
“Civilizar a Nação”, a fim de instalá-la no rol das Nações civilizadas. Para tanto, deveriam
seguir o modelo europeu de progresso, com base no pensamento científico em
desenvolvimento no período. Como exceção, é possível destacar determinada parcela das
ordens religiosas que buscavam um processo semelhante, porém, sob os dogmas da religião
católica. Contudo, como vimos, todas elas produziram um projeto de Nação que previa uma
determinada direção para ss escolas elementares e, este fato, implica, no que diz respeito ao
presente estudo, uma significativa “unidade” de ação entre esses grupos.
Quando Mattos (1994) afirmou que, na impossibilidade de expansão
temporal e espacial do Império brasileiro, este procurou expandir-se para dentro, constrói
uma representação das ações estratégicas que o governo impetrou a fim de construir, em
cada um dos “cidadãos”, a consciência da importância do regime monárquico. Para isto,
contou com a ordem política, organizada em partidos que se confrontavam, mas que, como
vimos, eram compostos por membros de uma mesma camada social, a “boa sociedade” que,
por último, desejava manter-se como os representantes “naturais” da esfera dominante desta
sociedade. De acordo com a historiografia considerada neste estudo, é possível pensar que
103
junto com a ordem política ou mesmo confundida com ela por meio de seus representantes,
as ordens religiosa, médica e militar participaram deste processo de construção de uma
espécie de consciência coletiva a respeito do regime monárquico, sob direção e controle do
Imperador. Contudo, apesar da “cumplicidade” entre diferentes campos neste projeto de
Nação, parte da ordem militar, como vimos, participa de um movimento contrário ao
regime monárquico e acaba por implodi-lo nas sua bases. Este fato porém, não significou a
instituição de um regime democrático, oposto ao suposto despotismo do Império, pois o
regime republicano surge com características típicas da sociedade em que foi conformado.
O Império foi, portanto, banido em prol de uma nova forma de império, construído a partir
da articulação de setores da produção e do capital representantes da “nova boa sociedade”.
Para finalizar, o século XIX pode ser representado como em espaço-tempo
de luta em que as ordens procuraram legitimar seus saberes com um objetivo comum, que
sugeria, “menos disputa que aliança entre os intelectuais estrategicamente unificados em
torno de uma cruzada a ser empreendida como exigência para organizar o Estado Nacional
independente, moderno e civilizado”.(Shwarcz, 1995, apud Gondra, 2004, p. 47)
104
IV- O RECRUTAMENTO DOCENTE NA CORTE IMPERIAL
Le Goff chama a atenção para o descobrimento, no ocidente de um caminho
possível à nobreza.- o conhecimento. Contudo, o autor trata aqui do conhecimento
adquirido no interior da Universidade.
Examinar, selecionar, classificar, qualificar, recrutar, práticas presentes nas
diferentes conjunturas das relações sociais em tempos e espaços diversos na história da
humanidade. Tais ações demandam da necessidade do homem do Ocidente de comparar,
medir e hierarquizar suas ordens, a fim de promover, de acordo com Le Goff (1996), a
evolução profissional, social e institucional com um único objetivo: o poder. Segundo este
autor, na obra intitulada “Os Intelectuais da Idade Média”, a prática dos exames públicos
tem seu início na Idade Média e servia como meio de recrutamento de intelectuais para a
constituição das universidades
141
, entendidas como lugar de estudos superiores laicos.
141
Nesta obra, Le Goff cita Santini (1979) “ O nascimento do ‘intelectual’ como tipo sociológico novo
pressupõe a divisão de trabalho urbano, da mesma forma que a origem das instituições universitárias
pressupõe um espaço cultural comum, onde essas novas ‘catedrais do saber’ possam surgir, prosperar e
confrontar-se livremente”. Para Le Goff, é fundamental a clivagem entre a escola monástica, reservada aos
futuros monges, e a escola urbana, em princípio aberta a todos, inclusive a estudantes que continuarão laicos.
O autor ressalta também, a atração que as escolas e as universidades urbanas exerceram sobre o meio
monástico: “Se as Ordens Mendicantes imediatamente se infiltraram no mundo das escolas urbanas, (...), mais
significativa ainda foi a conversão de certas ordens monásticas (...), ao ensino universitário, mediante a
fundação, desde o século XIII, de colégios para os noviços de suas Ordens nas cidades universitárias”. (1996,
p.8)
105
Assim em seu trabalho ele afirma que:
O Ocidente havia conhecido até então apenas três modos de acesso ao poder:
pelo nascimento, o mais importante; pela riqueza, muito secundário até o
século XIII, exceto na Roma Antiga; e por sorteio, de alcance limitado, entre
os cidadãos gregos da Antigüidade. A Igreja cristã tinha, em princípio,
aberto a todos o caminho para as honrarias eclesiáticas. Na verdade as
funções episcopais, as abaciais e as dignidades eclesiáticas eram reservadas
predominantemente aos membros da nobreza, senão da aristocracia. É certo
que jovens nobres, e logo em seguida também jovens burgueses, constituíam
a maioria dos estudantes e dos mestres, porém o sistema universitário
permitia uma real ascensão social para um certo número de filhos de
camponeses. (1996, p. 9)
Nesse sentido, o autor contribui para esclarecer a forma pela qual a
promoção social passa a ser feita também, por meio de um procedimento inteiramente novo
e revolucionário no Ocidente: o exame, destacando que este seria mais uma forma de
recrutamento dos profissionais que iriam formar as elites governantes. Estamos, portanto,
diante da possibilidade, ainda que estreita, do homem comum daquela época ascender
socialmente. Assim, Le Goff (op.cit) assinala “a emergência e o triunfo de um novo tipo
socio-profissional nos séculos XII e XIII”, acrescentando que nos séculos XIV e XV, as
universidades:
vão formando um número crescente de juristas, médicos e professores para
os Estados onde camadas sociais novas, voltadas para as profissões mais
utilitárias e menos brilhantes, exigem um saber melhor adaptado às suas
carreiras e para as cortes que garantem aos sábios proeminentes sua
subsistência e reputação. (Le Goff, 1996, p. 15)
Ainda de acordo com o autor, para conferir o grau de doutor foram
regulamentados os exames, sobre os quais cada universidade tinha seus próprios usos. Le
Goff, tomando como exemplo a obtenção de grau de doutor na Universidade de Bolonha,
registra que este intelectual obtinha esta concessão em duas etapas: o exame propriamente
dito (examem ou examen privatum) e o exame público (conventus, conventus publicus,
doctoratus) cerimônia pública e festiva de confirmação do grau obtido.
Para o melhor entendimento deste interessante processo de qualificação, este
autor descreve os detalhes deste acontecimento que pode nos dar uma idéia da forma como
os exames foram impostos, a fim de conformar um modelo de intelectual. Podemos ainda
106
perceber a importância da presença do Arcediago para a realização da cerimônia e da igreja
católica como local onde deveriam ocorrer estes exames:
Algum tempo antes do exame privado, o candidato era apresentado ao reitor
pelo consiliarius de sua nação, a quem jurava que preenchia as condições
exigidas pelos estatutos e que não procuraria corromper seus examinadores.
Na semana precedente ao exame, um dos mestres o apresentava ao
arcediago, respondendo pela sua capacidade de enfrentar a prova. Na manhã
desta, após assistir a missa do Espírito Santo, o candidato comparecia diante
do colégio de doutores, um dos quais lhe dava dois encertos para comentar.
Retirava-se então para sua casa a fim de preparar este comentário, que
apresentaria no fim do dia, em um lugar público (geralmente na catedral),
diante de um júri de doutores e na presença do arcediago, que não podia
intervir. Após o comentário exigido, respondia às perguntas dos doutores,
que se retiravam em seguida para votar. Obtida a decisão por maioria, o
arcediago anunciava o resultado.Aprovado no exame o candidato se tornava
licenciado, mas não recebia o título de doutor nem podia de fato ensinar, a
não ser após o exame público. Conduzido com pompa até a catedral, o
licenciado ali fazia, nesse dia, um discurso e lia uma tese sobre o ponto de
direito, que ele defendia em seguida contra os estudantes que o inquiriam,
desempenhando assim, pela primeira vez , o papel de mestre em um debate
universitário. O arcediago lhe entregava então, solenemente, a licença para
ensinar e lhe outorgava as insígnias de sua função: uma cátedra, um livro
aberto, um anel de ouro e a touca ou o gorro. (Ibidem, p. 68)
Ainda seguindo os estudos de Le Goff (1996), os intelectuais assim
formados encontravam-se diante de uma grave crise que sacudiu as universidades. A
disputa entre regulares e seculares com a violenta oposição destes últimos à ampliação do
espaço tomado nas universidades pelos mestres pertencentes às novas Ordens Mendicantes.
Entre outras queixas, os mestres seculares censuravam os Mendicantes pelo fato de
violarem os estatutos universitários, acrescentando que eles “não são verdadeiramente
universitários, que fazem uma concorrência desleal à Universidade, apoderando-se dos
estudantes e desviando-os para a vocação monástica. Vivendo de esmolas, eles não cobram
pelos cursos, e eles próprios não se sentem comprometidos com as reivindicações de ordem
material dos universitários”
142
.
Esta oposição mantém-se por muito tempo entre os seculares e as Ordens
Mendicantes, e a obra de Le Goff aponta para a situação vantajosa por parte dos clérigos.
Este autor relata que a renovação deste pessoal é bloqueada pela tendência a se recrutarem
142
Ibidem, p.83.
107
os universitários hereditariamente. Este privilégio garantia aos filhos de Doutores à
sucessão de cadeiras vagas em Bolonha, diminuindo cada vez mais o número de estudantes
pobres que ingressavam na universidade. Assim, a constituição de uma oligarquia
universitária, ao mesmo tempo que contribuía para baixar acentuadamente o nível
intelectual, conferia ao meio intelectual, uma característica essencial à nobreza: a
hereditariedade. Desta forma, o anel de ouro, e o capuz que recebem no dia do convetus
publicus ou da inceptio são cada vez menos insígnia de função, e cada vez mais emblema
de prestígio. Para finalizar, Le Goff chama atenção sobre os usos do conhecimento
científico na sociedade ocidental: “Eis a ciência transformada em posse e tesouro,
instrumento de poder e não mais fim desinteressado”
No que se refere à América Portuguesa, as reformas pombalinas representam
a reedição da idéia e da prática dos concursos como meio obrigatório à seleção dos novos
quadros do Império português. Tornara-se necessário recrutar professores para o sistema
escolar reformado em Portugal e em seus domínios. De acordo com Maxwell (1996), em
Portugal e na colônia, esse conjunto de reformas educacionais executadas pelo Marques de
Pombal nas últimas décadas do século XVIII, além de redefinir os exames como meio de
seleção, visava principalmente trazer a educação para o controle do Estado com a
secularização e a padronização do seu currículo. O autor esclarece que este fato promove
uma crise entre Estado e Igreja, pois esta não se considerava submissa à autoridade real,
ameaçando a figura do Rei. Assim, o problema que se colocava é que, neste período, na
Metrópole portuguesa desenvolveram-se duas monarquias: a real e a da Igreja.
A monarquia se preocupava com o poder do Estado. Este deveria se sobrepor
ao poder do Clero, e sob este aspecto, Neves (2003) afirma que o Governo português
precisava “desvencilhar a monarquia da influência religiosa, a fim de implantar uma razão
de Estado efetivamente absolutista”. Para alcançar este fim os jesuítas foram constituídos
em um alvo privilegiado pois, além de praticarem voto especial de obediência a um
soberano estrangeiro, o papa, exerciam enorme influência na corte e junto a população.
(Ibidem, p. 502)
De acordo com Maxwell (op.cit.), no Brasil, a educação antes de Pombal
estava quase exclusivamente nas mãos dos jesuítas. Após sua expulsão, a Metrópole
portuguesa criou as Aulas Régias no reino e seus domínios, para as quais os professores
seriam nomeados diretamente a partir do poder central. Tornava-se necessário estabelecer
108
as condições em que se daria a instrução e para o exercício de tal função, Pombal criou
inicialmente o posto de Diretor de Estudos, com a finalidade de fiscalizar o estabelecimento
de um sistema Nacional de educação secundária. Este tipo de ensino deveria ser custeado
pelo “subsídio literário”, imposto
143
criado por Pombal para financiar a educação fornecida
pelo Estado. Assim, segundo Maxwell (op. cit.):
Os diretores deveriam ocupar os lugares dos missionários e duas escolas
públicas deveriam ser estabelecidas em cada aldeia indígena, uma para
meninos e outras para meninas. Aos meninos se ensinariam a ler, escrever e
contar, assim como a doutrina cristã, enquanto as meninas, em vez de contar,
aprenderiam a cuidar da casa, costurar e executar outras tarefas ‘apropriadas
para este sexo’. Os diretores, diferentemente dos missionários, deveriam
impor às crianças indígenas o uso do português e proibir o uso de sua
própria língua. (Maxwell, 1996, p. 101)
O Alvará de 28/9/1759 reformou instrução em seus três níveis de ensino,
prevendo o exercício do magistério superior condicionado à realização de rigoroso exame e
que, por intermédio destes, “Os novos professores universitários que seriam pagos pelo
Estado, deveriam passar por um exame público para obter suas posições e desfrutariam de
privilégios concedidos aos nobres por direito consuetudinário”. Porém, só em 1772, quase
uma década depois das primeiras medidas, Pombal deu novo impulso ao ensino público
oficial.
Sob este aspecto, Tanuri (2000), afirma que é por intermédio do alvará de
6/11/1779 que Portugal regulamenta os exames de seleção para o professor de ensino
elementar em Portugal e seus domínios, tornando-os obrigatórios ao provimento das
cadeiras vagas nas aulas régias. Esta autora chama atenção para o fato de que: “antes que
fossem formadas as primeiras instituições destinadas a formar professores para as escolas,
já existiam preocupações no sentido de selecioná-los. Assim, as iniciativas de seleção não
somente antecedem a formação, como permanecem concomitante com estas”.
No Brasil a prática dos concursos seleciona professores para as escolas
régias aqui estabelecidas no início do século XIX. Primitivo Moacir (1936) assinala que
estes poderiam ser realizados tanto na Corte Portuguesa quanto na Colônia, destacando o
precário desenvolvimento dessa instituição bem como as dificuldades em promover a sua
143
De acordo com Carvalho, este imposto não funcionou a contento, pois o subsídio ou não era cobrado
adequadamente ou era desviado para Portugal; os melhores professores não permaneciam no posto por causa
dos baixos salários. (p.55)
109
vulgarização. Com a transferência da Corte portuguesa em 1808, a instrução passa a ser
controlada diretamente do Rio de Janeiro produzindo um conjunto de documentos que
representam as práticas do que foi possível guardar nos arquivos da cidade sobre a
educação deste período.
É para este lugar que o olhar se volta, para o que já se contou sobre ele e
para o muito que ainda há para contar. Nesta perspectiva, as primeiras perguntas que se
impõem dizem respeito às relações de poder envolvidas nas práticas sociais, políticas e
econômicas que emergiram nesta conjuntura. Parte destas questões já foram apontadas nos
capítulos anteriores, tornando-se importante agora, analisá-las com maior profundidade no
interior daquilo que se constitui o objeto deste estudo, a fim de perceber, de uma maneira
mais geral, o papel das normas na sociedade moderna.: qual a sua função? quais os seus
usos? qual seu alcance e limite? Mais especificamente, qual o sentido da estratégia de
seleção para a sociedade imperial? De que forma, pelo estudo do processo de recrutamento
docente, poderíamos identificar as possíveis funções do próprio exame, do examinador e do
examinado?
Na busca destas respostas, algumas das reflexões de Foucault (1987) podem
nos ajudar a entender o complexo jogo de relações envolvido na discussão dos exames. De
acordo com o autor, a prática do exame não encontra-se separada da norma que o sanciona,
determina a recompensa ou a pena dos que se submetem a ele. A norma que o ritualiza, o
uniformiza a fim de torná-lo estratégia eficaz de classificação, qualificação e recrutamento
de pessoas por um determinada instituição. O autor assinala que a regulamentação torna-se
um dos grandes instrumentos de poder no fim da era clássica:
As marcas que significavam status, privilégios, filiações, tendem a ser
substituídas ou pelo menos acrescidas de um conjunto de graus de
normalidade, que são sinais de filiação a um corpo social homogênio, mas
que têm em si mesmos um papel de classificação, de hierarquização e de
distribuição de lugares. Em certo sentido , o poder de regulamentação obriga
à homogeneidade; mas individualiza, permitindo medir os desvios,
determinar os níveis, fixar as especialidades e tornar úteis as diferenças,
ajustando-as umas às outras. (Foucault,1987, p. 153)
Para Foucault “o sucesso do poder disciplinar se deve ao uso de
instrumentos simples: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e a combinação de um
procedimento que lhe é específico, o exame”. Sobre esta última estratégia acredita que esta:
110
É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar,
classificar e punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através
da qual eles são diferenciados e sancionados. É por isso que, em todos os
dispositivos de disciplina, o exame é altamente ritualizado. Nele vêm-se
reunir a cerimônia do poder e a forma da experiência, a demonstração da
força e o estabelecimento da verdade. No coração do processo de disciplina,
ele manifesta a sujeição dos que são percebidos como objetos e a
objetivação dos que se sujeitam. (op.cit. p.154)
Portanto, ele propõe que analisemos os exames em seus rituais, métodos,
personagens e papéis, em seus jogos de perguntas e respostas, seus sistemas de notas e de
classificação, acreditando que, nesta técnica, “estão comprometidos todo um campo de
saber, todo um tipo de poder”:
E o exame é a técnica pela qual o poder, em vez de emitir os sinais de seu
poderio, em vez de impor suas marcas aos seus súditos, capta-os num
mecanismo de objetivação (...) O exame que coloca os indivíduos num
campo de vigilância situa-os igualmente numa rede de anotações escritas;
compromete-os em toda uma quantidade de documentos que os captam e os
fixam. Os procedimentos dos exames são acompanhados imediatamente de
um sistema de registro intenso e de acumulação documentária. (...) O caso
não é mais, como na casuística ou na jurisprudência, um conjunto de
circunstâncias que qualificam um ato e podem modificar a aplicação de uma
regra, é o indivíduo tal como pode ser descrito, mensurado, medido,
comparado a outros isso em sua própria individualidade; e é também o
indivíduo que tem que ser treinado ou retreinado, tem que ser classificado,
normalizado, excluído, etc....(Ibidem, p. 156-159)
144
.
Nesta perspectiva, o exame está no centro dos processos que constituem o
indivíduo como efeito e objeto do poder, como efeito e objeto de saber: “O indivíduo é sem
dúvida o átomo fictício de uma representação ‘ideológica’ da sociedade; mais também é
uma realidade fabricada por essa tecnologia específica de poder que se chama disciplina.
(p. 161)
Com este entendimento que procurei desenvolver este estudo, tornando o
exame, seus saberes e rituais, a instituição, o examinador e examinado protagonistas de
uma história, a história da profissionalização docente por intermédio da análise do
dispositivo da seleção do contingente de professores para o ensino primário, secundário e
144
Ibidem, p.156-9
111
superior da segunda metade do século XIX.
4.1- O “lugar de professor” na Corte
Ao instituir a IGIPSC o Governo imperial tinha como finalidade normalizar
o funcionamento da instrução primária e secundária da Corte. Os relatórios do Ministro dos
Negócios do Estado e do Inspetor Geral da época apresentam a reforma como uma nova
experiência que procuraria vulgarizar a instrução na Corte e por extensão, no Império.
Contudo, as considerações sobre esta documentação produz uma interrogação sobre as
condições da instrução anteriores a IGIPSC. Se os exames, como vimos, foram instituídos
pela Lei Geral de 1827, quem estaria autorizado a realizá-los, quem os controlava, que
organização anterior a 1854 era encarregada de recrutar professores para os quadros do
Governo? Os relatórios do Inspetor Geral, a partir de 1854, representam a estrutura anterior
como pouco desenvolvida, desorganizada ou mesmo sob o signo da falta, na medida em
que não existia uma instituição específica para organizar e controlar a instrução. Se este
fato, como vimos, é possível de ser entendido como efeito de uma retórica própria das
reformas, como alerta Gondra, o que é possível perceber sobre a instrução e o recrutamento
docente na primeira metade do século XIX?
Com estas perspectivas, a pesquisa dos códices da Série Educação do A.N. e
do AGCRJ, associada às contribuições de Faria filho (), Fachada (1999), Haidar (1972),
Villela (2000) é possível produzir uma idéia do estado em que se encontrava a instrução
anterior à IGIPSC e, a partir deste entendimento, dar a ver as condições de ingresso no
magistério anteriores ao Regulamento de 1854.
Neste sentido, a análise da documentação referente a este período indica que
foi pelo decreto de 17 de janeiro de 1809 que D. João VI deliberou sobre o provimento dos
professores para as diversas cadeiras de ensino público estabelecidas na Colônia
portuguesa:
Hei por bem enquanto não tomo sobre esta materia mais ampla deliberação,
que nas Capitanias deste Estado se continuem a prover pelos Governadores e
Capitães Generaes e pelos Bispos, na fórma ordenada pela Carta Régia de 17
de Agosto de 1779, devendo os providos por esta maneira, requererem a sua
confirmação pela Mesa do Desembargo do Paço, a qual sou servido
112
autorizar para isto, e para que nesta Corte e Capitania do Rio de Janeiro,
possa prover pessoas aptas, precedendo os exames e informações necessárias
ás cadeiras que vagarem, devendo nomear algum Magistrado para examinar
a conducta e procedimento dos referidos Mestres, sem embargo de
quaesquer leis e disposições em contrário. A Mesa do Desembargo do Paço
o tenha entendido e o faça executar. Palácio do Rio de Janeiro em 17 de
janeiro de 1809. Com rubrica do Príncipe Regente Nosso Senhor. (Notação
IE5.1, Série Educação A N.)
No dia 27 do mesmo mês, o príncipe Regente confirma por Decreto, como
indica o anexo I, na p. 218 os provimentos dos professores Régios e a autorização para que
os Bispos, Governadores e Capitães Gerais organizem o provimento de professores para as
cadeiras que vagarem nesta Corte.e Capitania
145
De acordo com esta norma, o recrutamento de professores estava a cargo dos
Governadores, Capitães e Bispos, que nomeariam “algum Magistrado” para examinar a
conduta e procedimento dos mestres “precedendo os exames e informações necessárias às
cadeiras que vagassem”. Estariam, portanto, os representantes das ordens política, militar e
religiosa, encarregados de promoverem o concurso de professores primários e
secundários
146
para as cadeiras vagas. Sinais dos tempos em que as ordens iniciariam o
processo de qualificação e construção de identidades próprias a cada campo disciplinar.
De acordo com Cardoso (1999), as aulas régias permanecem até 1822 e, o
que antes pertencia aos estudos menores como as aulas de primeiras letras e as de
humanidades, após a independência, transformam-se em Aulas Públicas aparecendo
separadas em dois níveis, as de instrução primária e as de instrução secundária, que ficou
conhecida pela antiga denominação de Aulas de ensino menores ou mesmo Aulas das
Humanidades. Estas aulas do ensino secundário, após 1835, foram reunidas em Liceus
147
.
A autora afirma que havia um contrato entre os professores e o Estado, prevendo que os
primeiros deveriam submeter-se a uma avaliação periódica.
Junto a estes documentos, datados a partir da vinda de D. João VI para o
Brasil, encontra-se um significativo número de abaixo-assinados de moradores de
diferentes localidades atestando a moral dos candidatos a professores, declarações de
145
Conforme Notação IE5.1, Série Educação, A N.
146
De acordo com Cardoso (1999, p.106) as Aulas Régias pertenciam aos estudos menores com as aulas de
primeiras letras e as aulas de humanidades que correspondiam ao ensino primário e secundário, sem
distinção.sobre o controle do Governo.
147
Cf, Cardoso (1999, p. 106-107)
113
professores sobre o método de ensino empregado em sua escola, assim como o mapa desses
locais de instrução, relação de Colégios e Aulas com o endereço, nomes dos professores e
mestres, os respectivos número de alunos e alunas, a esfera da administração, pública ou
particular e ainda o tipo de ensino a que se destinam. Essas informações apontam para
prática administrativa instaurada no Brasil no período e, apesar da maioria desses papéis
não identificar a autoridade ou órgão a quem são endereçados, outros, porém, indicam que
os pedidos eram dirigidos a uma determinada “Directoria das Escólas do Ensino Mutuo”,
dando sinais da organização e do controle da Instrução na primeira metade do século
XIX.
148
.
É interessante notar a convocação de um representante da Igreja para
comissão examinadora de tais concursos, assim como a presença de atestados de boa
conduta moral e religiosa dos candidatos. Estes fatos poderiam estar confirmando que,
apesar da pretensa separação entre Igreja e Estado, estabelecida por Pombal em 1759, estas
duas instituições, na América portuguesa assim como no Império brasileiro caminharam
durante muito tempo em parceria nos negócios do Governo. Traço compreensível seja pelas
relações mantidas, ainda no período pombalino, com outras ordens religiosas, seja pela
nova conjuntura desenhada com o término do reinado de D. José e de seu ministro
ilustrado.
O primeiro concurso para professores públicos realizado no Brasil aconteceu
em Recife, a 20 de março de 1760 e a fim de que fossem aceitos ao exame, os candidatos
teriam que “apresentar documentação atestando seus bons antecedentes, sendo submetidos
a uma investigação de suas vidas e os seus costumes não se permitindo a inscrição daqueles
cujas informações fossem desabonadoras de seu comportamento”
149
. No Rio de Janeiro, os
primeiros exames para professores régios de Gramática Latina foram realizados em 7 de
maio de 1760 seguindo “um ritual formal já estabelecido visando garantir a lisura do
processo”
150
.
Cardoso (op. cit) chama atenção para o fato de, ao contrário do concurso
realizado em Recife, as informações sobre os candidatos no primeiro concurso realizado
148
Esse conjunto de documento encontra-se no NA. Série Educação, pacote IE5.1.
149
Cardoso (op. Cit) cita Carvalho R. (1986, p.827-8) História do ensino em Portugual. Lisboa: Caloustre
Gulbenkian.
150
Este exame constituiu-se numa tradução para o oprtuguês de um texto de Tácitoe de uma versão para o
latim, de um texto em português, de Cícero. Compareceram neste primeiro exame do Rio de Janeiro, sete
candidatos que já exerciam a atividade de professor na cidade: 5 padres e dois leigos.
114
para o provimento dos cargos de professor Régio no Rio de Janeiro foram “obtidas
secretamente e muitas inscrições recusadas, por não se enquadrarem nas exigências morais
rigorosas pretendidas pelo Comissário”
151
. Entretanto, segundo a autora,
a prática mais comum em relação aos demais concursos realizados
posteriormente foi a do candidato, ao requerer sua inscrição no exame, já
apresentar os atestados necessários sobre a sua boa conduta, fornecidos pelo
pároco, que informava se o suplicante era bom cristão, cumpridor de suas
obrigações, como a de freqüentar a missa ou as cerimônias da Semana
Santa; fornecidos pela polícia, que certificava sobre os bons antecedentes do
futuro professor, além de outros atestados opcionais, todos recomendando o
candidato para o cargo pretendido, fosse por suas virtudes morais , ou então
pela experiência profissional que já possuía, segundo atestam vários
documentos que consultamos, sobretudo do século XVIII e os primeiros
anos do XIX. (Cardoso, op. cit., p. 116)
Entre outros aspectos detalhados nos estudo de Cardoso, está a questão dos
professores substitutos que, de acordo com as Instruções de 1759, os professores podiam
ter, em alguns casos, como doença, substitutos. “Criou-se, então, a figura do professor
substituto, que manteve-se ao longo do tempo, principalmente para as aulas de Latim ou
primeiras Letras, tornando-se objeto também de exame público para o preenchimento da
vaga”
152
Lembra ainda que, neste período, havia professores “proprietários”, cuja
provisão no cargo era vitalícia e professores “substitutos”, para suprir as ausências dos
primeiros. À respeito deste tempo, Almeida (2003, pág. 100)
153
afirma que entre os
aspectos mais marcantes, presentes em quase todos os estudos da reforma de Pombal, está a
idéia de que sua implementação no Brasil foi um fracasso e esse fracasso estaria visível na
comparação entre o pequeno número de professores examinados, de Aulas Régias
efetivamente abertas e a mais extensa rede de professores religiosos em exercício desde
1759.
Sobre esta questão, no decreto de 28 de Junho de 1821, D. João VI, às
vésperas da independência, legisla sobre educação, pondo fim à obrigatoriedade dos
151
Relato do Chanceler na carta enviada ao Diretor Geral de estudos, datada de 11 de março de 1761. Cf.
Cardoso (op. cit)
152
Cf:Cardoso, (op cit) pág. 118
153
Cf. Almeida (1995)A República das Letras na corte da América Portuguesa: a reforma dos estudos
menores no Rio de Janeiro “ Dissertação de Mestrado em História , UFRJ.
115
exames e de qualquer licença para a abertura de escolas de primeiras letras, tanto públicas
como particulares. No documento, o monarca, justifica sua medida pela “necessidade de
facilitar por todos os modos a instrução da mocidade, no indispensável estudo de primeiras
letras”. Sendo assim, decreta o que pode representar o reconhecimento do princípio da
“liberdade do ensino” no país, admitindo oficialmente os limites da ação oficial neste
campo:
Attendendo que não hé possivel desde já estabelecer, como convém,
Escollas em todos os lougares deste Reino por conta da Fazenda Pública, e
Querendo assegurar a liberdade, que todo Cidadão tem de fazer o devido uso
de seus talentos, não seguindo dahi perjuizo publico, decretão: Que da data
deste em diante seja livre a qualquer Cidadão o ensino, a abertura de
Escollas de primeiras letras, em qualquer parte deste Reino, quer seja
gratuitamente, quer por ajuste dos interessados, sem dependência de exame,
ou de alguma licença. A Regencia do Reino o tenha assim entendido; e o
faça executar. Paço das Cortes. (Coleção de Leis do Brasil, 1821, p.115)
O requerimento de 7 de agosto de 1822, de José Santiago Mendonça,
Presbítero secular e Pregador Régio, exemplifica esta prática. Neste documento o padre
pede licença para abrir escola de primeiras letras, por não ter nenhum rendimento e por que
no lugar onde mora não tem nenhuma escola deste tipo de ensino. Em seu pedido, informa
que gostaria de ensinar Gramática Latina e Francesa mas que, para estas aulas, não
conseguia nenhum aluno. O Diretor Geral de Estudo concede licença para abrir uma escola
pública, reafirmando que “para as Aulas de primeiras Letras não precisa pedir licença
conforme a “Lei do Soberano”. Além disso, como resposta a um segundo requerimento, por
ocasião em que o padre encontra aluno para as aulas de Gramática Latina e Francesa,
concede também licença sem exame de capacitação para a abertura desse tipo de ensino
154
.
Abre-se, ou se reconhece oficialmente, assim, um espaço para a iniciativa
privada em relação à Instrução ainda no período Colonial e, neste contexto de relativa falta
de controle sobre a educação pelo Estado, Jamil Cury (1985) cita que, após a independência
a Constituição Imperial de 1824 ao garantir direitos civis e políticos a todos os cidadãos
brasileiros faz apenas duas menções à educação: a garantia da instrução primária gratuita e
a referência aos Colégios e Universidades como lugares onde serão ensinados os Elementos
das Ciências, Belas Artes e Letras. O autor chama atenção para a forma ainda pouco
154
Notação IE5.1. Série Educação. A N.
116
acentuada com que a educação aparece nesta norma, explicadas pela estrutura de relações
sociais e a marcante presença da Igreja Católica como religião oficial do Império.
A lei de 15 de Outubro de 1827, no entanto, retomando a questão da
educação, procura regular a instrução pública no Brasil, criando em todas as cidades, vilas e
lugares mais populosos, as escolas de primeiras letras que forem necessárias, estabelecendo
o ensino mútuo e tornando o exame novamente obrigatório para o preenchimento dos
cargos de professores primários. Vale lembrar que a estratégia dos concursos para a
capacitação profissional, no Brasil Imperial, data desta norma, obrigando que os candidatos
ao cargo de professor “fossem examinados publicamente perante os presidentes em
Conselho e, estes, proverão os que forem julgados mais dignos, dando parte ao governo
para a sua legal nomeação”. Além destes pontos, a lei determinava que só seriam admitidos
à oposição e examinados, os cidadãos brasileiros que estivessem no gozo de seus direitos
civis e políticos, sem nota na regularidade de sua conduta, assim como, tornava o exame
obrigatório para os professores em exercício que desejassem o prover as cadeiras vagas.
Portanto, o acesso ao cargo de professor estaria sendo aberto a todo o
indivíduo que quisesse exercer o magistério público ou particular, desde que observadas as
determinações da legislação. Desta forma, os que passassem pelas etapas de seleção, seriam
considerados aptos a pertencer ao quadro de Professores primário do Estado Imperial,
independente de formação profissional anterior. Entretanto, cabe sublinhar que, mesmo
após a constituição de 1824 e a lei de 1827, a instrução pública mantinha-se pouco
difundida na Corte.
Foi possível perceber nos documentos analisados neste trabalho, que a
grande maioria dos requerimentos dirigidos ao Diretor de Estudos, relacionavam-se com
pedidos de licença para a abertura de Colégios de primeiras letras, de Casas de educação e
Aulas. Um mapeamento desses papéis aponta para uma desproporção entre o número de
estabelecimentos públicos e os particulares. Este fato pode ser verificado no quadro abaixo
que, além de destacar a organização geral da instrução em 1829, aponta para os efeitos da
política educacional estabelecida nesse período. Atendendo às exigências do Governo
imperial foi enviada pelos Comandantes de Companhia ao Corpo de Ordenança sob o
Comando do Coronel Caetano José de Almeida e Silva uma relação de “Aulas, Collégios e
Cazas de Educação” existentes na Corte.
117
A análise deste documento aponta para o controle exercido sobre o ensino
nas esferas públicas e particulares, assim como a estrutura administrativa por conta dos
“districtos da Companhias da Cidade”. É interessante observar que este mapa identifica as
Companhias pertencentes a cada uma das Freguesias, endereços, nome dos diretores,
número de aluno e alunas, natureza dos estabelecimentos e o tipo de ensino administrado
em cada uma delas. Como podemos verificar, em agosto de 1829 dos 78 estabelecimentos,
35 pertencia ao ensino para meninos, 25 para meninas e 18 “mistos”. Nestes últimos, o
professor se encarregava de ensinar para meninose meninas, não ficando claro se, em uma
mesma classe ou em classes diferentes. De qualquer forma se configura uma prática em
desacordo com a lei de 1827, pois, esta norma além de não prever o ensino misto, não
autorizava ao professor dar aulas para meninas. Neste caso, o ensino feminino deveria
sofrer algum tipo de acomodação em relação aos trabalhos de agulha. Para exemplificar no
anexo II, p. 219, encontra-se uma amostra deste tipo de “mapa das escolas” .
Observa-se também neste documento que entre as escolas, somente 11 eram
públicos, 1 para o sexo feminino e 10 para o masculino correspondendo a um percentual de
14% sobre o total dos estabelecimentos de ensino primário e secundário da corte.
A norma de 1827 buscou centralizar a educação a partir da Corte, sem
contudo, assegurar a uniformização da instrução nas diferentes províncias. Para
exemplificar, esta prática, nos Decretos de 6 de julho de 1832 e 7 de agosto de 1832
155
, os
Ministros e Secretários de Estado e Negócios do Império, José Lino Coutinho e Antonio
Hollanda Cavalcante de Albuquerque, do Palácio do Rio de Janeiro determinam “o
methodo que se deve observar no provimento das cadeiras de primeiras letras”,
respectivamente na província de Minas Gerais e São Paulo. Estas normas, a primeira com 8
e a segunda com 13 artigos, confirmam a centralidade do Governo no controle sobre a
Instrução e a forma diversa como esta se dava em um período anterior ao Ato Instituciomal
de 1834
156
.
155
Arquivo Nacional – Códice – IE5 1 ou Coleção de Leis do Império do Brasil (1809, pág. 15)
156
Cardoso (op. cit.pág. 120) refere-se a um episódio interessante que reflete as diferenças de procedimentos
entre as províncias, mesmo antes da descentralização de 1834. Apesar da lei de 1827 indicar que “as mestras
vencerão os mesmos ordenados e gratificações concedidos aos mestres”, a professora de primeiras letras de
Campos , Maria do Carmo Moreira de Sá, requereu, em 29 de agosto de 1832, que “a reconhecessem como tal
e, portanto, que fizesse juiz ao aumento de salário que constava no decreto de 6 de julho de 1832, que elevava
o ordenado dos professores das vilas coma mais de quinhentos fogos”. Segundo a autora, o pedido da
professora não foi atendido, uma vez que o tal decreto referia-se apenas aos professores de Minas Gerais e a
professora era do Rio de Janeiro.
118
Para São Paulo, o decreto autorizava ao seu Presidente mandar fazer o
exame dos Professores e Mestras em qualquer outro ponto da Província, toda vez que eles
ou elas o requeressem. Esta norma também concede a licença ao provimento da cadeira a
quem não tivesse feito o exame de Geometria, uma vez que não houvesse concorrentes que
o tivesse feito dignamente. Permite ainda, que os Professores e Mestras tivessem
professores substitutos, desde que pagos a suas custas e que, estes também, deveriam ser
aprovados do mesmo modo que são os professores e mestras.
Neste sentido, seria interessante averiguar que critérios estariam
determinando procedimentos diferentes nas diversas províncias? Qual seria o sentido de
centralizar sem uniformizar? É interessante o fato da exigência da realização do exame da
geometria prática como condição para que os professores recebessem seus salários
integrais. A não realização do exame desta matéria, mesmo que não reprovasse o candidato,
impediria que este recebesse o salário integral
157
. Neste caso, o exame deste saber estaria
sendo qualificador do modelo de professor desejável pelo Estado, para as províncias de
Minas Gerais e São Paulo. Contudo, em Minas Gerais, por intermédio destes decretos, não
foram previstos os “substitutos particulares”, isto é, pessoas que poderiam ser contratadas
nos lugares dos professores públicos que ficassem impedidos, temporariamente, de
exercerem suas funções. Uma outra diferença de conduta, estaria no fato de que, ainda
nesta Província, não se exigia que as Mestras prestassem concursos, ficando seu
recrutamento à cargo dos Presidentes do Conselho, com base em proposta das respectivas
Câmaras Municipais.
Sobre este aspecto, para se ter uma idéia das relações entre o que diz a
norma e os efeitos dos exames destaco o requerimento do professor, dirigido a “Magestade
Imperial” que, entre outros aspectos, também sinaliza para a forma de organização da
instrução e as condições do exercício da profissão, no período posterior à lei Geral de
Ensino em 1827:
“Diz João José Pereira Sarmento que tendo sido examinado e approvado na
escola Normal do Ensino Mutuo d’esta Capital em 13/12/1828 para reger a
Cadeira de primeiras letras da Freguezia de Sant’Anna d’esta mesma Corte,
157
O artigo 4 do Decreto de 06/07/1832, assinala que: “Os Professores que forem providos sem o
conhecimento das noções geraes de geometria pratica, vencerão o ordenado de 200 mil réis; e o mesmo terão
as professoras interinas”. Os salários dos professores que forem providos em conformidade da Lei serão de
400 mil réis nas cidades e villas que contiverem 500 fogos habitados; e de 300 mil réis nos lugares que
tiverem número menor de fogos.
119
até agora não pode obter do Governo o edificio arranjado com os utensilios
necessarios á custa da Fazenda Publica na fórma determinada no artigo 5 da
lei de 15 de outubro de 1827, havendo terreno da Nação, e planta ou desenho
do edifício, á muito tempo feita pelo Architecto: supplica a Vossa Magestade
a Graça de mandar fazer a Escola de ensino mutuo, pois que de outro modo
he impossivel ao supplicante preencher suas obrigaçõens com desvelo,
grande numero, e aproveitamento de discipulos, pagando casa casa para ter
nela a Escóla, com seu ordenado, que mal chega para o sustento de sua
pobre, numerosa familia. Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1832.. (Notação
E5-1, Série Educação, A N.)
O oficial desta Secretaria incumbido de inspecionar as Aulas Públicas de
Primeiras Letras encaminha seu parecer ao Diretor de Estudo, indicando que “Julga a
pretensão do supplicante justa e conforme a Lei, e tanto mais attendivel, por ser sua casa,
em que ora se acha estabelecida a Aula muito acanhada, contendo um espaço de menor que
dous palmos quadrados”. Logo depois, um novo requerimento informa a obtenção de uma
casa com 10 (ou 50) palmos quadrados e volta a pedir ao governo os materiais necessários
às aulas de primeiras letras do ensino mútuo, mencionando, também os dispositivos legais
que lhe concedem o direito de fazer este tipo de reivindicação.
Diante destas considerações, qual teria sido o significado do Ato Adicional de
1834 para a questão da Instrução primária e secundária no Império? Esta norma, transfere
para as províncias os encargos com a educação elementar e secundária, ficando o Governo
imperial com o ensino em todos os níveis no Município da Corte e do superior em todo o
Império. É consenso na historiografia que, na prática, essa descentralização do ensino
sobrecarregou as províncias, promovendo maior dispersão e heterogeneidade na qualidade
do ensino elementar e na formação dos docentes que viriam a ocupar os cargos de
professores primários, pois esta tarefa estaria condicionada ao potencial econômico de cada
província no Brasil imperial. Sendo assim, a regionalização do ensino desenvolve e reforça
as diferenças regionais, ocasionando, deste modo, práticas diferenciadas na instrução
elementar do período. (Villela, 2002)
A partir desse momento, a necessidade imposta pelo Ato de 1834 estimula, no
Brasil, como vimos, a chamada “cultura da reforma”. A descentralização promovida por
esta norma provocou o acúmulo de normas relativas à instrução, devido à tendência de uma
administração negar a anterior, com a produção da necessidade de uma nova proposta,
recorrentemente descrita e apresentada como “inovação”.
120
Na Corte, numa tentativa de formalizar as provas de seleção de professores
primários, o decreto nº 440 de 10 de dezembro de 1845
158
, no anexo III, na p.220 delibera
que os exames dos Candidatos ao magistério deveriam obedecer a um modelo único de
acordo com esta norma. Assim, “Convindo regular o modo, por que devem ser feitos os
concursos ás Cadeiras públicas de primeiras letras pertencentes ao Município da Corte”,
Manuel Alves Branco, Conselheiro de Estado, Ministro e Secretário de Estado dos
Negócios da Fazenda, estabelece o ritual ao qual deveriam ser submetidos os candidatos a
professor no momento do concurso.
Esta norma traz aspectos interessantes que ajudam a pensar a organização da
Instrução pública em um momento imediatamente anterior ao estabelecimento da IGIPSC e
da administração de Couto Ferraz como Ministro dos Negócios do Império. Seus 16 artigos
fazem referência à Lei Geral de Ensino de 1827, destacando as autoridades presentes ao
concurso, as matérias pedidas nos exames, além de indicarem o processo de avaliação dos
candidatos. Desta forma, os exames eram assistidos pelo presidente dos concursos, cargo
delegado ao Ministro dos Negócios do Império, Manoel Alves Branco
159
, o Diretor de
Estudos, que coordena os trabalhos e uma banca de professores que avalia as perguntas
feitas pelo professor examinador determinado a cada um dos candidatos. Esta banca tem
autorização de intervir no exame, caso as questões propostas pelo professor designado para
fazê-las não tenha satisfeito às autoridades.
Em relação aos saberes exigidos, a legislação aponta para uma prova de
Leitura, na qual o candidato lerá um parágrafo do Compêndio e responderá, sobre ele, as
questões formuladas pelo examinador a respeito da Análise gramatical, Sintaxe, Regência e
Concordância, em um ou mais períodos. A seguir, procederá o exame da Escrita, com o
ditado de um trecho do Compêndio, do qual o professor extrairia perguntas sobre a
Ortografia, Acentuação e Pontuação. O exame de Aritmética seria distinto para os
professores e professoras. Estas deveriam cumprir somente os exames das matérias
descritas no artigo 12 da lei de 1827. Os professores, por sua vez, prestariam exames sobre
as matérias do artigo 6, que exige o conhecimento das quatro operações, práticas de
quebrados, decimais e proporções, além de conhecimentos práticos sobre Geometria. Os
candidatos e candidatas prestavam também exames sobre os princípios da moral cristã e da
158
Notação. IE5-96 Série Educação, A N./ e/ou Coleção de Leis do Brasil – ano 1845.
121
Doutrina da religião Católica Apostólica Romana, e, por fim, deveriam passar pelo exame
da prática do ensino mútuo “do qual o examinando explicará um só processo, fazendo-o
executar pelos meninos”.
Em relação ao ensino secundário, os Estatutos do Imperial Colégio de Pedro II
de 10 de outubro de 1838, com 239 artigos, dos quais, 8 referem-se à competência de
professores e substitutos. Os demais descrevem plano detalhado de organização e controle
dos alunos internos e externos, dos empregados e do ensino. Em relação ao recrutamento
docente o artigo 12, indica que: “Os professores serão nomeados pelo Governo, dando
preferência aos Empregados do Collegio que se acharem habilitados”. Provavelmente esta
habilitação não se referia aos concursos, uma vez que para a fundação do Colégio, de
acordo com Pires de Almeida (1989), foram aproveitados os professores das respectivas
aulas avulsas que funcionavam na Corte. Como veremos mais adiante este quadro só
mudaria com a reforma de Coutto Ferraz em 1854, quando reforça a idéia dos exames.
No que diz respeito ao ensino superior, a Secretaria do Estado dos Negócios
do Império em 3 de outubro de 1832 dá nova organização as atuais Academias Médico-
Cirúrgicas do Rio de Janeiro e da Bahia, passando a denominá-las Escolas ou Faculdades
de Medicina. Os artigos 2 e 3 desta norma indicam que “Haverá em cada uma delas 14
professores que serão todos de profissão médica, ocupando cada uma das Cadeiras do
Magistério” e “Haverá também 6 Substitutos: Os substitutos serão também os preparadores
das Cadeiras da secção respectiva”. O Magistério para as recém-fundadas Faculdades,
estaria sendo reformulado por intermédio deste regulamento, uma vez que, os artigos 4, 5, e
6 indicam, respectivamente, as seguintes mudanças propostas pelo Governo:
Art. 4: O Governo fica autorizado a jubilar com ordenado actual aqquele dos
Lentes e Substitutos agora existentes, que pela idade, ou infermidade não
poderem continuar a formar parte activa nas funcções do Magistério; a
destinar outros ás cadeiras , para que forem mais idoneos; e a prouver os
lugares restantes de Professores e Substitutos, em pessoas que tenham a
necessária capacidade, podendo admitir estrangeiros na falta de nacionaes.
Art. 5: Os Lugares de Substitutos que vagarem depois de organizadas as
Escolas, serão providas nas pessoas, que mediante concurso, forem por elas
apresentadas como hábeis.
159
Este homem do Governo assina o Regulamento de 1845 como Conselheiro de Estado, Ministro e
Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda e encarregado interinamente dos do Império.
122
Art. 6: Para entrar em concurso, cuja fóma será determinada no Regulamento
das Faculdades, é preciso que: 1º ser cidadão brasileiro; 2º Apresentar título
legal de médico ou cirurgião. Passado porém 4 anos depois da organização das
Escolas, ninguém será a ela admitido, sem apresentar título de Doutorem
Medicina, por ellas conferido e approvado.
Estes artigos dão idéia da nova organização e da forma como o governo
pretendia selecionar professores para as Faculdades de Medicina. Em um primeiro
momento nomearia por si os docentes e a partir das novas vagas, a incorporação na
Congregação somente se realizaria por concursos. Desta forma, a Faculdade de Medicina
do Rio de Janeiro, fundada em 1832, aprova um projeto de organização cinco anos depois,
formulado pelo próprio diretor que estabelece os Estatutos a que se deveriam submeter a
administração, os discentes e docentes desta instituição. Composto de 210 artigos, referem-
se à realização de Concursos para o preenchimento da vaga de Substituto pelo artigo 137
que esclarece: “Para ser admitido a concurso, deverá o pretendente satisfazer as seguintes
condições: 1º Mostrar que é cidadão brasileiro, e estar no gozo dos direitos civis; 2º
Apresentar diploma de Doutor em Medicina, conferido ou approvado por qualquer das
Faculdades do Brasil; 3º Produzir um attestado de bons costumes, passado pelo Juiz de Paz
do seu domicilio.” Oito dias após encerradas as inscrições, o conselho se reuniria para votar
sobre a moral dos candidatos e decidir sobre a “admissão e rejeição de cada hum delles”
160
.
De acordo com esta norma, as provas dos concursos teriam: “1º huma composição por
escripto, 2º- huma lição oral, 3º huma These; as quais versarão sobre mattérias relativas á
secção em que houver vaga”.
Para as duas primeiras etapas, os pontos seriam tirados por sorte “com a
diferença de ser o Ponto da Composição extrahido no mesmo dia e o da lição oral, vinte e
quatro horas antes”. O assunto da tese, contudo seria “ad libitum”, desde que estivesse
restrito a matéria do Concurso.”
161
O processo de recrutamento foi organizado dentro de
um plano amplamente descrito a fim de promover o controle sobre os procedimentos da
seleção. Os candidatos deveriam ser vigiados no momento da prova, alternando-se de hora
em hora o Lente ou Substituto encarregado da fiscalização no momento do exame. Ao
término de quatro horas as provas escritas deveriam ser rubricadas pelos representantes da
Congregação que estivessem na última hora “mettendo-as depois de lacradas e timbradas
160
Conforme artigo 140 dos Estatutos das Faculdades de Medicina de 1837
123
com o sello pequeno
162
, dentro de huma caixa com duas chaves para isto destinada; e sendo
então esta depositada no archivo, ficará em seu poder huma das chaves, e a outra será
immediatamente remettida ao Presidente do Júry”.
163
A prova oral ficaria marcada para o
terceiro dia útil após o término da escrita, na qual cada um dos candidatos “leccionará por
tempo de huma hora; não devendo assistir á este acto os que tiverem de fallar depois sobre
a mesma matteria”. Neste caso, concluído os exames, a banca examinadora deveria passar
imediatamente à avaliação, “escrévendo cada Membro do Jury, em uma cédula o nome do
Candidato que julgar tê-la melhor desempenhado. Estas cédulas sem exame prévio, serão
depositadas perante o mesmo Júry, na caixa das composições, a qual depois de fechada
voltará ao archivo, ficando as chaves em poder das mesmas pessoa supra”.
164
Dentro do
espaço de dois meses deveria ter lugar a última prova. A tese que deveria constituir-se em
“huma dissertação, e pelo menos, em doze proposições e seis aphorismos em Latim”. Este
mesmo artigo esclarece que “Serão arguentes outros candidatos, havendo-os, e na falta
destes, os Lentes e Substitutos que nomear o Jury; devendo cada candidato entregar ao
Secretário, quarenta e oito horas antes do acto, sessenta exemplares. (...)”. A avaliação dos
candidatos deveria ocorrer exatamente como na prova oral, na qual o juri, coloca na urna os
pareceres referentes aos candidatos. Um dia depois, em sessão pública “proceder-se-há, á
apuração das cédulas de todas as provas, devendo ellas ser lidas pelo Director, e conferidas
por dous Membros que nomear o Jury; e concluida esta, será pelo mesmo Director
proclamado – Substituto da Secção de ... – o candidato que tiver obtido a maioria relativa
dos votos”. De acordo com o artigo 150, concluído o concurso o Director apresentará ao
Governo o candidato ou candidatos para o competente provimento.
Para a cadeira de Lente proprietário haveria concurso, sendo que “Entrarão
somente os Substitutos effectivos, e, quando estes se não apresentem, os Substitutos
honorários sendo desnecessário anunciar o concurso pelas folhas publicas, salvo o caso de
ausência de hum ou de outro”.
165
Ao que tudo indica, o concurso para esta categoria de
161
De acordo com artigo 144 dos Estatutos de 1837
162
professor só abriria para candidatos de fora da instituição caso não houvesse
disponibilidade ou interesse dos substitutos em participar da seleção. Quanto as provas, o
mesmo artigo desta norma afirma que “versarão também sobre as matérias da cadeira ou
cadeiras em concurso, terão de differença, relativamente á composição, doze questões, das
quaes seis deverão abranger matérias pertencentes aos diversos ramos do curso Médico”
166
.
Diante dessas considerações é possível pensar que a massa de documentos
relativa à instrução da qual faz parte as fontes consideradas neste trabalho, não estivesse só
representando os resultados dos investimentos do Estado em relação à educação, mas
também poderíamos considerar que a organização, a “maquinaria” de governo posta em
funcionamento neste período tenha propiciado a possibilidade de estar produzindo e
concentrando em um só lugar os papéis relativos à Instrução primária e secundária, na
segunda metade do século XIX. O “Expediente da Secretaria de Negócios do Império”,
livro aberto em 17 de dezembro de 1852, serve como exemplo desta fase de re-organização
administrativa. Na página de abertura o Sr. Aguiar inscreve:
“Este Livro pode servir para o lançamento do expediente relativo á
Instrucção Pública na Corte e Municipio. 2ª Secção da secretaria d’Estado
dos Negócios do Império em 17 de Dezembro de 1852. Bento Francisco da
Costa Aguiar.”
167
.
O documento se apresenta sob a forma de caderno tipo brochura contendo
avisos ocorridos entre 17 de dezembro de 1853 a 31 de dezembro de 1855. Contabilizando
as ocorrências desse período temos, entre avisos, ofícios e decretos do ano de 1853, 59
ocorrências, já em 1854, 141, e em 1855, 253. Esse documento torna-se interessante por
representar o registro de práticas estabelecidas um ano antes e um depois da inauguração da
Inspetoria de Instrução Primária e Secundária, fornecendo sinais da organização e do
expediente dessa Instituição no período. Sendo assim, nas considerações deste item do
trabalho pode-se perceber que, parte da estrutura estabelecida pela IGIPSC poderia ser
detectada antes mesmo de sua instalação e que, de certa forma, apesar de não uniformizadas
a prática dos exames de seleção docente já se encontrava presente em um período anterior
ao focalizado neste trabalho.
166
Idem, Ibidem.
167
Conforme Notação IE4.2, A N. Série Educação
125
A intenção de modelar, contudo, foi complementada com a de organizar e
expandir a rede de escolas públicas na Corte, e, nesse sentido, o relatório do Inspetor Geral
em 1852, o nº de aulas públicas, de acordo com a Relação Nominal dos Professores
Públicos das Aulas Menores do Município da Corte, constava de 25 aulas com 18
professores e 9 professoras, enquanto em 1861, os relatórios do Inspetor Geral apontam
para 131 estabelecimentos sendo que 41 da rede pública de 90 da privada. Apesar do
contraste ainda grande entre a quantidade de estabelecimentos públicos e privados, o
número de escolas sob a direção do governo apresentou um acréscimo significativo.
Portanto, é possível que a partir desta nova organização tenha se intensificado
uma forma mais racional, mais elaborada, de apresentar e guardar os resultados do
investimento do Governo na Instrução da pública. Contudo, onde estavam os aspectos da
reforma de 1854, que nesta época já apareciam como marcas das reforma provinciais de
Minas Gerais e Mato Grosso? Onde estavam, na Corte, as idéias das escolas primárias de 2º
grau? A prática dos professores adjuntos? Ou mesmo a preocupação com a obrigatoriedade
escolar? Nesse sentido, torna-se necessário pesquisas mais aprofundadas, a fim de
esclarecer mais um pouco sobre a identificação da Corte como modelo de instrução que
deveria servir de inspiração para as demais províncias do Império.
4.2 – Nos Bastidores dos Concursos
Art. 1. Qualquer pessoa que, na fórma do Regulamento de 17 de fevereiro de
1854, pretende provar capacidade para o Magistério, deverá dirigir-se ao
Inspector Geral por meio de requerimento, a que ajuntará os documentos
exigidos pelos artigos 13, 14 e 16 do mesmo Regulamento.. (Instrucções para
a Verificação da Capacidade para o Magisterio e Provimento das Cadeiras
Publicas de Instrucção Primária e Secundaria. 5/1/1855)
Art. 66: A nomeação dos Oppositores será fita em virtude de concurso. Os
candidatos deverão ser Cidadãos Brasileiros, estar no gozo dos direitos civis e
126
políticos, e ter o gráo de Doutor em Medicina por qualquer das Faculdades do
Império. (Estatuto das Faculdades de Medicina do Império – 28/04/1854))
Os concursos são novamente exigidos pelo regulamento de 1854 e Estatutos
das Faculdades do Império. Estas normas produzem, entre outros aspectos, as condições
para o ingresso no magistério primário e secundário, público e particular na Corte e ao
magistério superior em todo o Império.
Gondra (2000), se refere ao regulamento de 17 de fevereiro de 1854, como
uma norma de especial interesse para se pensar a instrução do povo no Brasil imperial, já
que busca instituir uma máquina de governo, a IGPSC, tendo como uma das finalidades
intervir na profissionalização da instrução, impondo regras para o ingresso e permanência
dos professores e alunos, ao mesmo tempo em que se instaura uma rede de vigilância sobre
a organização escolar e seus sujeitos, por intermédio da qual se pretendia garantir a eficácia
na instrução primária e secundária da Corte
168
.
Nesta expectativa, posta em funcionamento, a IGIPSC correspondia à
produção do aparelho de controle necessário ao desenvolvimento do programa disciplinar
que deveria apresentar um sistema de vigilância total, contínuo e eficiente, como afirma
Foucault. Para este autor, devemos entender o exame aí estabelecido, como uma das
práticas disciplinares que “combina as técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que
normaliza”
169
. Esta técnica, transplantada das prisões, por volta do século XVIII e XIX
para o interior da administração dos Estados, foram disseminadas no tecido social e
empregadas nas diferentes categorias da vida das pessoas. Entre estas, encontram-se as
práticas de recrutamento de indivíduos pelos exames que procuram classificá-los de acordo
com as formas como atendem as questões propostas pelo examinador.
O exame, então, pode ser entendido como o momento da confissão do sujeito,
capturado pela tecnologia da disciplina. Este é forçado a “confessar-se” pelas respostas às
questões das provas, nas quais, como adverte Foucault, ocorre sua subjetivação. Nos
pareceres da Comissão examinadora, o julgamento, que, além de classificar, normaliza
certo tipo de resposta no esforço de modelar. De acordo com o grau de aproximação ou
afastamento do modelo proposto, o candidato recebe o prêmio da aprovação ou castigo da
3
Gondra, Garcia e Sacramento (2000) fazem um estudo sobre o regulamento de 17/02/1854, ampliando este
tema.
169
Cf, Foucault (1975, p.154)
127
reprovação, que o exclui do processo de seleção ao cargo requerido. Daí, a importância da
análise dos rituais dos concursos, que vão dar sinais desse tipo de disciplina imposta pelo
aparelho do Estado. E, no caso deste estudo, estas observações estarão possibilitando
refletir acerca da idéia do modelo de professor que o Estado imperial buscava conformar.
Portanto, ao pretender analisar os bastidores da IGPSC na coordenação desses
concursos, busco flagrar, na sua prática, o grau de controle e modelação a que os
profissionais docentes estavam submetidos no período contemplado, isto é, de 1855 a
1863
170
. É importante lembrar que, não por acaso, a direção da Inspetoria de Ensino, como
órgão de controle do Governo sobre a instrução foi entregue ao ex-chefe de polícia Eusébio
de Queirós, “conservador puro”, “monarquista ao extremo”, como é descrito na
historiografia. Nessa conjuntura, como veremos, tornou-se mais fácil observar os aspectos
da administração que estariam representando a política da monarquia em relação à
instrução primária e secundária.
A pretensão de controle da IGIPSC também vai ser estendida, ao nível
superior uma vez que, pelo artigo 112 do Regulamento de 1854, o Imperial Colégio de
Pedro II representaria mais uma forma de acesso às faculdades do Império. Este Colégio de
instrução secundária fora pensado para preparar os alunos para o ensino superior, tendo os
aprovados em seus exames finais o direito ao acesso a qualquer um desses cursos. Esta
regra estendia-se aos demais interessados neste nível de ensino, os quais eram aceitos aos
exames oferecidos ao final de cada ano no respectivo Colégio da Corte
171
. Porém, ao que
tudo indica, pelo menos em relação ao Curso de Medicina, esta instituição obteve o
monopólio sobre o ingresso nas faculdades do Império, uma vez que, apesar dos Estatutos
dessas faculdades preverem os exames para o ingresso de alunos, o Aviso do seu Diretor,
de 29 de Dezembro de 1854 declarava que “os Estudantes approvados em preparatórios na
Inspetoria Geral de Instrução primária e secundária da Corte não precisão para matricular-
se na mesma Faculdade de passar por novos exames”
172
. Acrescenta ainda que:
Em resposta ao officio que V. Ex. me dirigio com data de 19 do corrente
propondo Instruções para os exames de preparatórios da Faculdade de
Medicina da Corte, tenho a ordem de sua Majestade, o Imperador, para
170
Mancini, A P.G.(1999) e Souto (2005), realiza um estudo aproximado em relação aos concursos para
professores primários para a Corte e para o Estado de São Paulo respectivamente.
171
Sobre o tema conferir Haiddar (1972)
172
Conforme Coleção de Leis do Brasil, ano 1854.
128
declarar a Vossa Exelência, para sua intelligencia e para que assim o faça
constar pela imprensa e por editaes onde convier, que devendo proceder-se
pela Inspetoria Geral de Instrução primária e secundária no corrente mez o
exame público das matérias que constituem os preparatórios para a faculdade e
sendo pelo artigo 112 do Regulamento de 17 de fevereiro de 1854 e pelos
Estatutos que baixarão com o decreto de 28 de abril do ano próximo passado,
validos taes exames nas Faculdades do Império, nenhuma necessidade há de
que elles se fação também nesta faculdade, devendo por consequinte os
Estudantes que se quizerem matricular apresentar em tempo seus
requerimentos ao Inspetor Geral da Instrução primária e secundária, a fim de
serem por elle admittidos aos referidos exames, e obterem no caso de
aprovação, as respectivas certidões exigidas para matrícula. Deos guarde a V.
Ex – Luiz Pedreira de Coutto Ferraz – Sr. José Martins da Cruz Jobim
173
.
Este documento estabelece um diálogo entre o diretor do colégio e da
faculdade, no qual o primeiro sugere que o segundo estabeleça as instruções para o ingresso
de alunos diretamente nas próprias faculdades. Como podemos perceber, este reage a idéia
de promover esses exames, indicando que, de acordo com o Imperador, esses exames
deveriam ocorrer pela administração da IGIPSC. No entanto, no que se refere aos cursos
jurídicos, o artigo 57 dos Estatutos afirma que: “Continuão em exercício as aulas
preparatórias actualmente existentes nos edifficios dos Cursos Jurídicos. O Governo lhes
dará, ouvidas às Congregações, Regulamento especial”. O artigo seguinte indica que os
professores para essas aulas pertenceriam a uma classe especial e que o provimento dessas
aulas seria feito por meio de concurso, regulado por instrucções apropriadas. E ainda “Os
professores e substitutos respectivos terão as mesmas vantagens e obrigações que tiverem
os professores do Imperial Collegio de Pedro II”. Verifica-se uma ligação entre a
administração do ensino primário e secundário com o ensino superior, uma vez que estes
cursos deveriam ser controlados pela IGIPSC, tanto no que diz respeito aos concursos de
ingresso dos alunos nas faculdades quanto à seleção de professores e o programa que
deveriam seguir
174
. Desta forma, o Governo por intermédio dos Estatutos das Faculdades
173
Conforme Coleção de Leis do Brasil, ano 1854.
174
Em relação ao controle sobre esses exames, Haiddar (1979) remete à “Memória Histórica dos
acontecimentos mais notáveis da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro” em 1860: De acordo com este
documento: “A retidão e a moralidade que presidiam aos trabalhos das bancas examinadoras da Corte, bem
como a fiscalização rigorosa exercida pêlo Governo sobre as atividades dos estabelecimentos particulares e
sobre as habilitações dos professores, nos anos subseqüentes à reforma de 1854, refletiram-se benèficamente
sôbre os estudos preparatórios na Capital do Império”. Apesar do elevado número de reprovações decorrentes
da precipitação de muitos jovens dispostos a tentar a sorte nos exames, e do pouco escrúpulo de muitos
professores que os davam prematuramente como habilitados, o Inspetor Geral Euzébio de Queirós admitia em
1860: “O Estado de adiantamento de alguns examinandos demonstra que há quem saiba ensinar”
129
reformados pelo Ministro Coutto Ferraz em 1854, apesar de algumas especificidades
observadas em cada uma dessas normas, impõe regras assemelhadas no que se refere ao
preenchimento do cargo dos Lentes para os cursos superiores do Império.
Nesta parte do trabalho estarei mais uma vez me aproximando da forma com
que Foucault propõe o estudo dos exames. Para ele, é necessário examiná-los em seus
rituais, métodos, personagens e papéis, em seus jogos de perguntas e respostas, seus
sistemas de notas e de classificação, acreditando que, nesta técnica, estavam
comprometidos todo um campo de saber e todo um tipo de poder. Neste sentido e, nesta
ordem, é que organizei este estudo, partindo, então, das reflexões sobre os concursos para o
magistério primário. A partir daí, procurei estabelecer em que medida o recrutamento de
professores para o ensino secundário e superior se aproxima ou se afasta deste modelo de
recrutamento, lembrando que o objetivo deste estudo encontra-se ancorado na hipótese de
que os concursos ao magistério estariam conformando um modelo de professor para o
século XIX.
Assim, por intermédio dos regulamentos citados na epígrafe deste item
percebemos a disposição de Estado imperial em promover, uma política mais centralizada
no que se refere a instrução, na medida em que o governo central intervém diretamente na
reorganização da instrução no município da Corte em seus diferentes níveis, assumindo o
seu controle
Diversos autores vêm investigando a formação de professores, ocupando-se
principalmente com o que ocorre nas escolas normais. Remeto-me aqui a Villela a fim de
estabelecer um paralelo entre as formas de configuração do professor no Estado imperial.
Segundo Villela
é possível afirmar que as décadas de 50 e 60 não foram muito propícias à
consolidação da formação dos professores em escolas normais [...] Os
governos provinciais oscilaram por todo o período entre um discurso de
valorização dessa formação e uma prática que, na realidade, subtraía os meios
para bem realizá-la. Haveria aí uma contradição? Teria a elite dirigente
deixado de acreditar na importância da formação de seus professores?
Observar-se-á mais adiante que o descompromisso com a formação na escola
normal não significava a desistência de um projeto de direção da sociedade
pela via da atuação dos professores pois, na verdade, acionavam-se outros
mecanismos para garantir o mesmo fim. (Villela, 2002)
130
Considerar-se, portanto, que a seleção de professores por concursos, inspeção
e controle do exercício da função, concorriam para delinear um determinado perfil dos
candidatos ao cargo de professores públicos e particulares.
Em relação ao magistério do ensino primário, as já referidas leis de 1827 e
1854, as Instruções de janeiro de 1855 e o Regimento Interno das Escolas Públicas
compõem um conjunto de peças que forjam uma tradição no que se refere ao procedimento
da seleção. Na análise destes, e mais especificamente do Regulamento de 1854 e das
Instruções para a Verificação da Capacidade para o Magistério, podemos constatar que
estas duas leis vão tornar as regras dos concursos mais específicas, prescrevendo um ritual
sistemático na realização dos mesmos, prática que permanece inalterada durante o período
estudado, uma vez que a variação nos registros de suas Atas, no modelo das provas, na
forma de avaliação entre um concurso e outro é mínima. Mudam os pareceristas, o próprio
Inspetor Geral se afasta em determinados períodos e a estrutura dos exames se mantém tal
como as Instruções de 05/01/1855 inserida no anexo IV, p.221, indicando que este
documento serviu como uma espécie de edital para os concursos, uma vez que, em relação
a este nível de ensino, todos eles fazem referência a este documento.
Ritualizado na estrutura, as atas dos exames, como o exemplo no anexo V, p.
222, demonstram o cenário cerimonioso em que ocorrem esses eventos. Cada etapa é
descrita nos detalhes pela comissão examinadora que parece se esforçar em deixar evidente
a legalidade nos critérios de seleção Sendo assim, por intermédio destes documentos, fica
claro que a habilitação ao magistério constituía-se em dois concursos distintos, sendo o
primeiro pré-requisito do segundo. Assim, temos o exame prévio, também chamado “das
suficiências”, compreendendo a prova de moralidade, na qual o candidato dá provas de sua
maioridade lega,l por intermédio de uma certidão ou justificação da idade e da moralidade,
provada por: “Folhas corridas nos lugares onde haja residido nos anos mais próximos à data
do requerimento e os atestados dos respectivos párocos”. Nesta parte do concurso as
candidatas ainda teriam que provar o seu estado civil, e, para isto, seria necessário
apresentar caso fosse casada a certidão de casamento, se viúvas, a certidão de óbito do
marido, e, se separadas, a sentença esclarecendo os motivos da separação. As solteiras
menores de 25 anos, só receberiam autorização para lecionarem nas casas dos pais, se estes
dessem provas de moralidade.
131
A partir daí, caso o candidato fosse aprovado na primeira fase do concurso,
estaria habilitado a realizar o exame de capacidade profissional, compreendendo as provas
escritas e orais das matérias relacionadas ao tipo de ensino a que se destinava, mas para isto
era preciso apresentar requerimento a IGIPSC em ofício, dando ciência de sua habilitação
para a segunda fase do concurso.
No entanto, a legislação, assim como, os ofícios dos professores ao Inspetor
Geral nos dão uma idéia de que ainda poderíamos distinguir, uma terceira e última etapa
nesta seleção, uma vez que depois de avaliados pela comissão julgadora, os nomes dos
selecionados eram levados ao Ministro dos Negócios do Império, de acordo com o artigo
21 da lei de 1854, o qual estabelecia: “O Inspetor Geral proporá ao governo, d’entre os
candidatos aprovados, aquelle ou aquelles que lhe parecem preferíveis, acompanhando á
sua proposta as provas de todos os concorrentes”. Sendo assim, ainda havia um momento
final de arbitragem do Governo, funcionando como mais uma forma de controle e exclusão
que, ao lado dos exames das “suficiências” e do das “capacidades”, constituíam o triplo
critério para recrutar professores na Corte Imperial.
No entanto, as exigências dessa etapa da seleção não foram acompanhadas, de
rigor, no que se refere aos conhecimentos que os candidatos a professor deveriam provar no
momento do exame. É bom lembrar que, com o fechamento da escola normal da província
de Niterói ocorrida em 1851, o Regulamento de 1854 reintroduz a formação dos
professores no interior do ensino elementar, apostando na formação pela prática e nos
concursos, como dispositivos para impor um determinado padrão à docência..
A fim de fazer uma análise do tipo de saber que os concorrentes deveriam
possuir ao se candidatarem ao magistério público primário, as atas dos concursos registram
o que estava sendo exigido nos exames orais e escritos, evidenciando o que se esperava
naquele momento do professor do ensino elementar. Com isto, estes futuros profissionais
deveriam ser submeter às provas de Doutrina Cristã, História Sagrada, Leitura e Escrita,
Gramática Portuguesa, Aritmética, Sistema de Pesos e Medidas do Império, Sistema Prático
e Métodos de Ensino. Esses saberes, privilegiavam determinados pontos que se repetiram
sistematicamente no conjunto de provas examinadas, indicando o quanto previsível teria se
tornado essa prática. Também devemos considerar que nem todas as disciplinas eram
exigidas da mesma forma e regularidade nesses exames. A constância com que algumas
delas se apresentavam dão sinais de sua valorização em relação aos outros domínios. Entre
132
elas, estavam as provas de Doutrina Cristã, História Sagrada, Métodos de Ensino, Pesos e
Medidas e Aritmética. As três primeiras disciplinas deveriam estar bem desenvolvidas para
serem consideradas aceitas. O erro ou o desenvolvimento insuficiente nesses pontos
justificava a avaliação do candidato como inabilitado.
Este fato sinaliza a ênfase na difusão dos métodos de ensino e da religião
católica que deveriam estar inseridos no cotidiano escolar, se transformando em conteúdo
de ensino, como afirma Gouvêa (2000). Percebemos então, a dimensão religiosa instaurada
também no exame de capacidade, estando a moral cristã representada por duas disciplinas –
História Sagrada e Doutrina Cristã, consideradas de grande importância para a habilitação
do candidato. Porém, não só elas estariam sendo privilegiadas. A preocupação com a
questão dos métodos de ensino obedecia à mesma lógica, apontando para a polêmica
instalada no meio educacional em torno dos diferentes métodos de ensino. Nestas provas, o
professor não só deveria demonstrar conhecer os métodos, era preciso dissertar sobre eles
produzindo uma defesa em relação ao que considerasse o mais interessante para ser
utilizado na escola pública elementar. Os métodos pedagógicos estavam sendo entendidos
como mais uma forma de disciplinar no que se refere a melhor maneira de ensinar. Por isso,
a sua análise poderá nos dar uma idéia de como o aspecto metodológico usado como mais
uma estratégia de modelação docente.
Ainda a respeito das disciplinas, também vale registrar, o fato de que as
instruções de 05 de janeiro de 1855 facultavam à comissão o direito a escolher dentre as
matérias exigidas, quais seriam pedidas por escrito ou oralmente. Portanto, a ausência da
gramática na maioria das provas examinadas, sugere que este ponto deveria ser,
preferencialmente explorado, na prova oral e, outros, como já citados, sempre presente nos
exames escritos, exigindo conceitos, forçando a definição de preferências, dando sinais de
adesão dos futuros profissionais às prescrições da IGPSC e às diretrizes da política
educacional. Assim temos, tanto na estrutura dos concursos quanto nos conteúdos
contemplados indícios da formação profissional pretendida por intermédio do recrutamento,
que, seguindo esse raciocínio, concorria para definir e modelar o futuro professor primário.
Ainda que se reconheçam os mecanismos postos em ação para selecionar o/a
professor/a exemplar é, do mesmo modo, importante investigar algumas outras questões
relativas às exigências feitas aos professores nesse período da história. Neste sentido
procurei perceber o que era fundamental para o exercício da função docente nos diferentes
133
níveis de ensino? O que poderia ser relevado pelo Governo, ou o que representaria uma
impossibilidade de acesso ao cargo? E, ainda, com este esforço, ter uma idéia do nível
intelectual dos candidatos que se apresentavam aos concursos. As respostas a estas questões
nos aproximam do ideal de professor que estaria sendo formado neste momento do Estado
imperial. Para desenvolver tal reflexão, trabalhei com as considerações feitas pelos
pareceristas nos exames dos candidatos.
Para melhor entendimento destas questões, busquei retirar dos exames
analisados uma amostra dos pareceres emitidos pelos seus avaliadores. Uma parte deles se
refere às provas como “Bôa”, “Soffrivel”, “Má”, e “Péssima”, suprimindo os motivos da
aprovação e reprovação, porém, outros apresentam questões relevantes na avaliação dos
candidatos, definindo mais precisamente os critérios imobilizados pela Comissão julgadora.
Assim, o quadro III pretende oferecer uma idéia aproximada do universo das avaliações no
processo de recrutamento desses professores.
Para isso, foram analisadas as provas aplicadas a 96 candidatos em 30
concursos realizados entre 1855-1863, nas quais, buscaremos identificar e analisar os
motivos que habilitavam e os que excluíam do concurso, nesta etapa do recrutamento.
Quadro III – Amostra de pareceres – Concurso de 1855-1863
Candidatos Parecer Condição
Alcida Brandelina da
Costa
Foi esta aluna mais feliz na prova argumental do que nas
provas escritas, reconhecendo por si mesma n’aquelas os
erros cometidos nestas. Como satisfizesse muito beme
com muita prontidão a prova de aritmética, e mostrasse
em suas respostas muita disposição para o magistério,
entendeu a comissão dá-la como habilitada para
professora adjunta, visto que os exames posteriores podem
excluí-la do magistério, se neles não mostrar progresso
algum.
Habilita
da
Analia Justa dos
Passos Coelho
Graduamos o merecimento desta senhora em quarto lugar,
não pelas provas escriptas que são inferiores a concorrente
imediata mas pela prova oral em que mostrou
superioridade as duas últimas.
Habilitad
a
Thomaz Francisco
de Paula Santos
abundam tantos erros em todas as provas deste aluno, e
tão mal respondeu as perguntas que lhe foram feitas que o
damos por inhabilitado.
Inabilitad
o
Ana Evangelista
Pereira
Foi esta aluna mais feliz na prova oral do que na escrita, e
n’aqulella reconheceu por si mesma alguns erros
cometidos nesta, e a commissão examinadora, tendo em
Habilitad
a
134
vista o dispositivo da Lei de 17/01/1854 pela qual ainda
ficará sujeita a outros exames annuais, entendeu poder
dal-a por habilitada, apesar de não saber mais do que as
quatro operações fundamentais.
Joana Analia de
Andrade
Graduamos o merecimento desta senhoraem 5º lugar, não
tanto pelas provas escritas que satisfizeram, mas pela
prova oral em que se mostrou inferior as quatro anteriores.
Inabilitad
a
Policarpo José Dis
da Cruz
A prova escripta acho bôa. soube multiplicar e somar; a
regra não entendeu, porém nem fez o cálculo como se
pedia. A commissão julga o candidato habilitado.
Habilitad
o
Deolinda Maria da
Cruz Almeida
Apesar de não ter essa aluna satisfeito o ponto de
aritmética, declarando mesmo que só sabia as quatro
operações fundamentais, o que praticou bem o problema
que lhe foi dado, e atendendo que tem as professoras
adjuntas que passar por outros exames anuais, não exitou a
comissão em vista das outras provas, sem dúvida as
melhores hoje, da-la como habilitada para professora
adjunta.
Habilitad
a
Thomaz Francisco
de Paula Santos
Abundam tantos erros crassos em todas as provas desse
aluno, e tão mal respondeu as perguntas que lhe foram
feitas que o damos por inabilitado.
Inabilitad
o
João de Parma
Garcia
Atendendo as provas escritas e orais, a comissão não o
julga habilitado para professor adjunto do 2º ano,
parecendo ele poder continuar no exercício do ano que se
acha, a ser possível, em vista da necessidade que há de
adjuntos que auxiliem aos professores.
Inabilitad
o
Melquíades L. dos
Santos
O candidato indicou bem o cálculo, mas enganou-se na
prática, apresentando os três resultados errados. Na prova
oral porém sobressaiu, por cuja razão a comissão coloca-o
em primeiro lugar.
Habilitad
a
Assim, os pareceres da banca examinadora, além de comprovarem que a
avaliação estava balizada pelo desenvolvimento das provas escritas de Doutrina Cristã,
História Sagrada, em detrimento dos conhecimentos demonstrados nas demais provas,
também apontam para a importância da parte teórica sobre o desenvolvimento prático dos
pontos. Como mostra o anexo VI
175
, na p. 223, escrever por extenso a forma de se resolver
o exercício era considerado suficiente para comprovar o conhecimento sobre o ponto em
questão.
Podemos detectar também o poder conferido à prova oral
176
, através da qual o
candidato, mesmo não fazendo uma boa prova escrita, pelo resultado da prova de
175
Este documento corresponde a folha final do exame de matemática no concurso para professor primário
em 1857, mostrando também o parecer da banca examinadora. (Notação, IE4.6, A N.)
135
“argumentação” poderia ser considerado habilitado. È possível considerar que essa etapa do
exame servia para a reparação dos erros da prova anterior, cumprindo papel decisivo na
definição da avaliação dos examinadores. Deste modo, um número reduzido de candidatos
conseguia aprovação por ter realizado com “satisfação” todos os exames propostos. A
grande maioria tem na prova oral a oportunidade de reavaliar os conceitos da escrita,
retratando-se diante dos pareceristas, criando condições para alterar a direção e o resultado
de seu exame. Também podemos conferir, a tolerância que se oferecia aos candidatos aos
cargos de professores adjuntos e os motivos pelos quais eram aceitos na instituição, mesmo
não obtendo resultados positivos nos exames a que se submetiam. Como se pode ver, o
parecer final é resultante de uma combinatória dos elementos presentes nas provas escrita e
oral. Esta última, sem deixar grandes vestígios, alterava o próprio julgamento da escrita.
A fim de avançar um pouco mais no debate, resta-nos refletir acerca dos
saberes de cada disciplina avaliada nesses exames. Para tal exercício, é necessário comparar
os conhecimentos exigidos no momento do concurso e o currículo da escola normal, na
época da reforma de 1847, ocasião em que esta se funde ao Liceu Provincial. O programa
exigido na formação de professores pouco antes do fechamento da escola normal de Niterói
estaria sendo simplificado, adequando-se à nova política de formação profissional por
intermédio dos concursos. Percebemos que os candidatos ao ensino “preliminar” na
instituição extinta, deveriam cursar em dois anos as seguinte disciplinas: língua nacional,
aritmética, álgebra, geometria elementar, catecismo, religião do estado, didática, música e
canto, desenho linear, geografia e história nacional (Villela- 2002) Este Liceu, é fechado
após quatro anos de existência, pela deliberação do Governo Imperial em formar os futuros
mestres de maneira mais econômica, trazendo vantagens imediatas às escolas públicas.
Neste sentido, a desconsideração de disciplinas nessa política de habilitação
por concursos, produz uma significativa simplificação dos conteúdos que, segundo a autora,
vem diminuir o grau de exigência para a profissionalização docente, provocando um
rebaixamento no nível da instrução primária, indicando que ao professor deste nível de
ensino bastariam apenas as noções de primeiras letras: ler, escrever e contar.,
O professor assim formado dentro da escola elementar, é treinado nas matérias
desse nível de ensino e familiarizado com os métodos de ensino. Os alunos, escolhidos
dentre os que se sobressaiam na escola, permaneciam no mínimo, três anos no cargo,
176
Uma amostra desse tipo de parecer no anexo VII, na p. 224 conforme códice 11-1-11, AGCRJ.
136
ajudando ou substituindo os professores na sua falta e no final de cada ano, prestavam
exames para a ascensão na carreira de professores adjuntos. Ao término do terceiro ano, se
aprovados no concurso para o magistério primário, eram nomeados professores públicos.
A comparação entre o processo de recrutamento de professores primários
estabelecido pelo Regulamento de 1854 e o anterior à conjuntura da IGIPSC aponta para a
simplificação dos saberes exigidos pelo novo regulamento para este nível de ensino.
Nesses exames, os saberes de cada uma das disciplinas, eram sorteados e
estes, privilegiavam determinados pontos que, na prática, ofereciam uma variação mínima
de um concurso para outro. Podemos ter uma idéia ao constatar no quadro IV, o conjunto
de questões com títulos fixos que de forma sistemática e repetitiva foram pedidas nos
exames que constam na massa documental analisada.
Quadro IV – Disciplinas e pontos dos exames no período 1855- 1863
História Sagrada
O que são os profetas: Isaias e Geremias / Ressureição de Jesus Cristo,
Descida do Espírito Santo. Estabelecimento da Religião Cristã / Estado dos
Israelitas no Governo dos Juizes e no./Aliança que Deus fez com Abrahão,
sua prosteridade de Isac a Jacób. Servidão dos Israelitas no Egyto, sua
liberdade por meio de Moysés / Salomão: do templo de Jerusalem – Arca da
Aliança / Josué seus milagres e seu fim / Mousés: seus milagres e suas leis /
Do cativeiro dos Judeus sua libertação / Viagem do povo Israelita pelo
deserto / Abel e Caim / Concepção Geral do Dilúvio./Quem foi Jacó e Isaú?
/
Doutrina Cristã
O que se entende por Sacramento? Quantos e Quais são? /Os mandamentos
da Santa Amada Igreja e da Lei de Deus / O que é religião? Pode-se deixar
de se ter Religião? Qual a primeira verdade que a religião nos ensina? / O
Mistério da Santíssima Trindade era conhecido antes da vinda de Jesus
Cristo? Quem é Jesus Cristo? Onde Nasceu? Como morreu e porquê? / Os
Sacramentos da Eucaristia / Do pecado e suas diversas espécies / Do
Sacramento da Penitência e suas diversas partes/ Sacramento da Extrema-
Unção./Mistério da Encarnação – Vida de Jesus Cristo Mistério de
Redenção e Encarnação / Diferença entre Graça, Oração, Oração
Dominical, Saudação angélica.
Métodos de
Ensino
Qual o sistema de punição mais conveniente?/Quantos e quais são os
métodos de ensino? / Qual o método que julga mais profícuo? / Vantagens e
inconvenientes dos métodos mais conhecidos?/ Quais as vantagens do
método simultâneo? Como pode o professor de primeiras letras cultivar
Sistema de Pesos
e Medidas
Divisão de braça, tempo e Quintal / Moedas de ouro e prata no Brasil, sua
divisão e seus valores. Diferença entre conto e milhão nos seus valores em
reis. Divisão da Toesa e suas subdivisões / Quais as unidades para se medir
extensão?/Medidas de capacidade e suas subdivisões./Medidas do tempo e
suas subdivisões. Medidas de distância e suas subdivisões./ Graus e suas
137
subdivisões / Cálculo dos palmos cúbicos de uma sala / Redução de
toneladas a oitavas / Medidas lineares e suas subdivisões /
Aritmética
Operações de frações com o mesmo denominador e com denominadores
diferentes / Redução de quebrados ao mesmo denominador / Dos números
inteiros considerados como quebrados / Redução de quebrados a expressão
mais simples e as regras particulares que lhe são aplicadas/ Somar e dividir
números decimais / Redução do decimal em quebrado ordinário / Redução
de fração decimal a fração ordinária / Representação de inteiros em forma
de quebrados / Redução de dízima em quebrados ordinários / Operação com
números inteiros: somar, diminuir, multiplicar e dividir /
Trabalhos de
agulhas
: crochet, fillet, tricot, matiz, estufo, flores e obras de missangas
Chervel (1991), afirma que o termo disciplina surgirá ao final do séc XIX,
relacionando-se à capacidade de disciplinar a mente nos diversos campos do pensamento,
do conhecimento e da arte. No contexto europeu, é esse momento que se afirma a noção de
disciplina escolar, compreendida como a instrução que o aluno recebe do mestre. Assim,
mais do que transmitir saberes e conhecimentos, a conformação das disciplinas escolares
buscará ordenar os processos de conhecimentos, submetendo-o à lógica escolar. No caso
deste estudo, trata-se da submissão à lógica controladora disciplinar do Estado imperial.
Nesse sentido, vale lembrar que o regulamento de 1854 exigia das professoras
que, além dessas disciplinas, fossem ouvidas acerca de diversos “trabalhos de agulhas”,
com o juízo de uma professora pública ou uma senhora nomeada pelo governo. Estas
candidatas, caso aprovadas, receberiam certificado com parecer separado dos demais
exames. Sendo assim, havia uma diferenciação nos saberes exigidos nesse nível de ensino,
de acordo com o gênero dos candidatos, o que dá a ver que a educação feminina estava
fortemente voltada para uma ação nos espaços da casa. Para exemplificar, trago o
documento recebido pela candidata à professora pública no concurso de outubro de 1855:
A Ilm. Srª Amalia Justa Passos Coelho apresentou suas prendas de habilidade
e respondeu satisfatoriamente sobre todos os processos de agulha mais
necessarios, sendo os objetos que apresentou feitos por ela de extremo
trabalho e dificil execussão os envio em número de seis para serem
devidamente apreciados. (cód. 10-4-27. AGCRJ)
O estudo de Gondra (1998), ao examinar concursos no período 1876 – 1878
torna perceptível a manutenção de determinadas exigências e variação em outras.
138
No concurso de 1876, os candidatos/as ao magistério público tiveram que
dissertar sobre conhecimentos de Aritmética, Metrologia, Gramática, Religião,
História Sagrada e Caligrafia, atendendo quase exclusivamente as
determinações do Regulamento de 1854. E em 1878, encontram-se também
mantidas as mesmas exigências, caracterizando o ensino de primeiro grau
mais reduzido que o ensino de primeiras letras, instituído pela legislação de
1827.
Deste modo, se pode afirmar que em 1878 foram mantidas as exigências de
determinados saberes nos concursos. Este fato nos leva a perceber uma certa regularidade
no campo das políticas públicas voltadas para a educação primária, sobretudo no que se
refere à preocupação com uma seleção exemplar.
Em relação às disciplinas, as pesquisas de Gouvêa referentes às avaliações
nas escolas normais mineiras afirmam que a partir de 1860 é introduzido nesse currículo o
estudo de História, Geografia e Pedagogia, sendo que os professores que já se encontravam
em exercício deveriam se submeter a novas avaliações como forma de atestar a capacidade
de ministrar aulas nestas disciplinas, anteriormente inexistentes. Porém, como já vimos, no
ano de 1860, no Município da Corte, não encontramos esta prática, uma vez que não
ocorrem modificações na forma, nem nos conteúdos com que os exames são estruturados.
Sendo assim, mesmo que novas disciplinas e métodos de ensino estivessem sendo
introduzidos no currículo da escola normal, no caso da Corte, estas ainda não estariam
sendo exigidas nos exames analisados. Portanto, as possíveis modificações trazidas por esta
instituição não contribuíram, para uma reformulação das exigências ao cargo de professor
do ensino primário. Este fato poderia estar indicando uma desconexão entre a proposta de
formação de professores pela escola normal e o ideal de formação docente pela prática
indicado pelo Governo no Regulamento de 1854. Ao que tudo indica, este mecanismo de
formação de profissionais com mais “eficácia e rapidez” para os quadros de professores
públicos e particulares na Corte permaneceria por um tempo mais prolongado, avançando
pela segunda metade do século XIX.
Afim de marcar um pouco mais o debate sobre a formação docente, modelo
de professor, recrutamento docente e o controle do Governo sobre estes setores, é
significativo o relatório do Abade do Mosteiro de São Bento, em 1861, propondo à IGIPSC
a abertura de uma Escola Normal dentro do Mosteiro a fim de formar professores primários
em modelo diverso daquele proposto pelo Estado. É interessante destacar os pontos em que
139
o Abade faz críticas ao processo de qualificação docente por concursos estabelecido pela
Inspetoria de Instrução e propõe, segundo ele, uma maneira mais eficiente de formar
professores para as escolas elementares. Assim, podemos perceber em um trecho do
relatório do Abade que ele defende a necessidade de uma formação prévia para o exercício
do magistério:
Sente que por falta de autorização não possa o Mosteiro sujeitar os alunnos a
seguirem o plano de estudos que julga mais conveniente para uma preparação
efficaz da mocidade. – Julga que o Mosteiro poderia proporcionar ao Governo
uma Escola Normal nesta Corte, onde já há casas formadoras de Médicos, de
Militares, de Engenheiros de Negociantes, e de Artistas, sendo entretanto
sensível a falta de um bom seminário de Mestres aptos para se encarregarem
da educação pública – Eis como: animando o Governo alguns moços que se
quisessem prestar a estudar o latim, o Francez, a geographia, a Historia, a
Arithimética, Álgebra, Geometria, Religião, Philisophia, Rethorica e Practica,
fechando estes dois estudos pelo da Grammática philosóphica com analyse e
crítica dos Clássicos prosadores e poetas. Moços assim preparados terão de
certo atingido a um bom curso normal para Mestres de Instrução primária,
curso que se tornaria completo com a practica de um ou dois annos nas duas
aulas primárias do Mosteiro. (Série Instrução Pública, códice, 11.1.11.
AGCRJ)
O estado nega ao Mosteiro o direito de formar professores nos moldes
propostos pelo Abade: a formação de professores em um curso superior, igualando o grau
de estudo exigido para as carreiras dos médicos, militares e engenheiros. Tal impasse entre
Estado e Igreja acaba sendo ampliado para outras questões a respeito do magistério
primário,.promovendo constrangimentos entre a direção do Mosteiro, seus professores e o
Governo imperial. No parecer do Abade:
Os professores do Collegio do Mosteiro são todos habilitados pela Inspetoria
de Instrução Pública, mas esse particular causa ao Mosteiro um grande
embaraço; por quanto devendo as cadeiras de sciencias e mórmente a de
Philosophia ser confiada a homens consagrados em tal doutrina e
completamente orthodoxos; pessoas que reumam tais predicados recusão-se ao
convite do Mosteiro por não se quererem sujeitar ás provas publicas de um
concurso. Entretanto o Mosteiro que tem todo o empenho em adquirir
Professores habilitados, vê-se por falta de qualquer autorização privado de
nomear por sua autoridade Professores para seu Collégio – em 4 de Maio de
1861.
140
Este relatório dá sinais da forte tensão entre poder laico e religioso na Corte
em relação a instrução
177
. Além de exemplificar o monopólio do Estado sobre a
formação docente reservando para si o direito de estabelecer o modelo de professor
primário desejável, aponta também para a resistência do privado em submeter-se às
regras impostas pelo Governo. Neste caso, o Abade refere-se a exigida habilitação de
professores por intermédio dos concursos estabelecidos pela IGIPSC. Todo o professor
deveria, portanto, ser formado e selecionado sob a autorização do Estado. Este fato
parecia contrapor-se à liberdade de ensino proposta pela lei de 1854, porém sobre esta
questão o governo entende que tal liberdade refere-se à abertura de escolas primárias e
secundárias em relação ao ensino regular, do qual a formação de professores não estaria
incluída
178
.
Este mesmo Abade recebe autorização em 1858, para a “dispensa das provas
de capacidade exigidas pelo Regulamento de 17 de fevereiro de 1854, para dirigir o
estabelecimento de instrução gratuita primária e secundária, que pretende naquelle
Mosteiro franquear á freqüência pública”
179
, como pode ser verificada no anexo VIII, p.
225. Porém, já nesta ocasião, o representante do Mosteiro de São Bento referia-se à
indesejável submissão de seus professore aos exames do Governo, provocando forte
reação visível em uma carta extensa e detalhada sobre os motivos pelos quais o Mosteiro
deveria obrigar seus professores ao concurso de capacitação docente oficializado pela
citada Inspetoria de Instrução
180
.
No entanto, sobre o estabelecimento da Escola Normal desejada, em 1861,
com o modelo proposto pelo religioso, o Governo responde que:
Conquanto a Escola Normal, se houver um dia alguma resolução a este
respeito, deva ser estabelecida pelo governo. (...) lhe é diffícil prouver a certas
cadeiras porque os concurrentes, aliás habilitados nas respectivas matérias,
tem relutância em se expor aos azares de um concurso. Também sobre o
processo dos concursos nada se pode fazer enquanto não for de novo estudada
a legislação vigente. (Série Educação, Notação IE4.9, A N.)
177
Foi possível perceber o desdobramento desta crise em um diálogo estabelecido entre o mosteiro e o
representante do Governo produzindo em cartas extensas, nas quais ambos os lados defendem suas
respectivas posições. Este debate pode ser acompanhado, nos referidos códices sob a guarda do A N. e
AGCRJ: Série Educação, notação IE4.9, A N. e Série Instrução pública, códice 11.1.11 do AGCRJ.
178
Conforme Série Educação, Notação IE4.9, do Arquivo Nacional.
179
Conforme Série Educação, Notação IE4 6, do Arquivo Nacional.
180
Conforme carta do representante do governo ao Abade do Colégio São Bento em 24/12/1858. (Série se eonal51rrisobre78om[.02 58
diferentes tipos de escola, entendidas em sua construção histórica, uma vez que, como
vimos, estes níveis de ensino nem sempre tiveram o mesmo sentido nem a mesma função,
portanto, o recrutamento de seus professores deveria acompanhar as características de cada
tipo de ensino.
Neste item, trabalho com dois tipos de documentação: a que provem da
legislação produzida para o recrutamento docente para o ensino secundário e as que podem
ser consideradas como representação das práticas originadas desta tentativa de
normalização. Em ambos busco detectar as semelhanças e diferenças em relação aos
processos de seleção de professores para o ensino primário analisado no item anterior.
No primeiro caso, entre as normas que regularizam os concursos para o
magistério secundário encontram-se o Regulamento de 17 de fevereiro de 1854, as
Instruções de 1855 e o Regulamento de 24 de outubro de 1857, os dois primeiros, comuns
ao nível primário e secundário, o último, destinado exclusivamente para os colégios
públicos de instrução secundária no município da Corte, entre eles, o Colégio Imperial de
Pedro II (ICPII), que apesar de não ter sido o único, torna-se referência para o modelo de
instrução secundária, sugerido pelo Governo Imperial.
182
Assim, a IGIPSC ao legislar novamente sobre o ensino secundário propõe no
artigo 47 e 48 do Regulamento de 1857:
Os actuaes professores do collegio de Pedro II poderão ser nomeados por
decreto para regerem no internato e externato as cadeiras que ora ocupão no
ditto collegio. (...) Para o futuro as vagas que se verificarem, quer num, quer
noutro, estabelecimento, serão providas por concurso, precedendo as mesmas
solenidades e requisitos específicos nos artigos 12 a 15, 17, 18 e 20 a 22 do
Regulamento de 17 de Fevereiro de 1854.
183
Este regulamento especial composto de cinco títulos com 78 artigos, procura
definir as regras para o plano e a divisão dos estudos nesses estabelecimentos, para a
definição da diretoria, assim como para o ingresso, as vantagens e os meios disciplinares de
seus alunos e professores. Entre os aspectos destacados nesta norma encontram-se os
modos pelos quais serão recrutados os professores e repetidores do Colégio Pedro II. Estes
182
Sobre a malha de escolas de ensino secundário no século XIX na Corte, conferir Pinho (2005)
183
Decreto nº 2006 de 24 de outubro de 1857.
143
deveriam prestar concurso referentes às cadeiras a que se destinavam a ensinar. Assim, para
termos uma idéia deste quadro, a norma de 1857 refere-se no artigo 4 que:
Em ambos os collegios o curso de estudos será de 7 annos; o systema de
ensino será o mesmo. Os estudos recahirão sobree as matérias seguintes:
Doutrna cristã, grammatica portuguesa, latim, francez, inglez, grego, allemão,
italiano, geographia, história, chorographia, história do Brasil, philosophia
racional, ethica, rhetorica, poética, scienciasnaturaes, mathematicas, desenho,
musica, dansa e exercícios gynasticos
184
.
Como exceção a essa regra, o parágrafo 3º do art. 48 deste Regulamento
indica que o ensino de história sagrada e doutrina cristã ficava a cargo do capelão nomeado
pelo governo e os professores de dança e música seriam nomeados pelo reitor com
aprovação do inspetor geral. Portanto, para estas cadeiras os mestres seriam escolhidos
diretamente sem o critério dos concursos.
Um outro ponto importante desta norma, diz respeito aos critérios de
desempate dos candidatos quando em circunstâncias de igualdade. Neste caso, serão
preferidos para o provimento das cadeiras as seguintes categorias de mestres:
1º- Os repetidores do internato e do externato, quando os houver. 2º - Os
bacharéis em letras que tiverem feito os seus estudos em qualquer dos dous
estabelecimentos. 3º Os professores públicos. 4º Os professores particulares,
que por mais de cinco annos houverem exercido o magistério com reconhecida
vantagem para o ensino. 5º os graduados em qualquer ramo de Instrucção
superior do Império.7º Os que tiverem se distinguido nos exames de que trata
o artigo 112
185
do regulamento de 17 de fevereiro de 1854. (Art. Nº 49, do
Regulamento de 24 de outubro de 1857)
Este artigo se reveste de valor, por destacar os diferentes tipos de pessoas que
poderiam participar desse tipo de acontecimento. O regulamento não condiciona o pedido
de inscrição ao concurso ao tipo de formação anterior do candidato, não se constituindo tal
capital, em fator impeditivo à realização do concurso. Este aspecto torna o exame uma
medida decisiva na qualificação dos que podiam ingressar no magistério, como visto
anteriormente para o caso do ensino primário. Percebe-se, então, pela norma que, entre eles,
184
Um Detalhado estudo sobre o ensino Secundário no Brasil encontra-se em Silva (1969) e Haiddar (1972)
185
O artigo 112 do regulamento de 1854, refere-se aos exames preparatórios para a admissão nos cursos de
estudos superiores, realizado pelo Colégio Pedro II, dos alunos da aulas e estabelecimentos particulares de
instrução secundária.
144
poderiam ser encontrados desde os que ainda estavam em processo de formação, até
candidatos já diplomados em outras áreas de atuação.
Ao buscar na investigação das práticas de seleção docente as pistas para o que
estaria representando o perfil do profissional para o ensino secundário, a análise das atas
186
,
provas e pareceres
187
da comissão examinadora forneceu, mais uma vez, dados sobre os
candidatos, aspectos que o Governo, por intermédio da IGIPSC, considerava importante no
perfil do profissional desejado.
Nesta perspectiva, é possível destacar cinco pontos que ora reforçam as
semelhanças, ora apontam descontinuidades no contraste com as questões relativas ao
ensino primário. O primeiro, traço comum diz respeito ao pouco preparo da maioria dos
candidatos que se apresentavam aos exames. Como exemplo, a ata do concurso de 7 de
junho de 1855 para a cadeira de Matemática do Colégio Pedro II afirma que:
“Eis o conceito final que fizemos dos concurrentes: apreciamos as qualidades
boas e más; estão longe da perfeição, mas como sabemos que estas raras vezes
se encontra ou antes nunca; que o exercício do magistério muito concorre para
a atenuação das primeiras e aperfeiçoamento das segundas: somos de parecer
que os 4 candidatos estão habilitados para ocupar a cadeira de Mathemathicas
a que se propõem e os classificamos quanto ao merecimento relativo na ordem
seguinte: 1º o Sr Matheus da Cunha, 2º O Sr José Ventura Boscole, 3º O Sr.
Joaquim Pedro Da Silva, 4º o Sr, José Albano Cordeiro. (Concurso de 7 de
junho de 1855, Série Educação, Notação IE$. 6, A N.)
A Comissão examinadora ao avaliar os “concurrentes” sinaliza uma situação
mais generalizada quando afirma a dificuldade de se encontrar, nestes concursos,
candidatos mais bem mais preparados. É interessante destacar uma parte do parecer
individual sobre o candidato classificado em primeiro lugar:
Quer pela prova oral, quer pela escripta reconhecemos que este candidato não
se tinha convenientemente preparado para o concurso, acto para o qual
convêm que se tenha feito uma revisão completa das matérias de que se
compõe, de maneira a ter bem presente na memória, não só o complexo da
doutrina, mas ainda mesmo os seus detalhes, do que não deu prova este
candidato, já por ocasião de ser argüido, em que aproveitando-se da disposição
186
Uma amostra de ata de concurso para o ICPII encontra-se no anexo IX, p. 226, com destaque para a
realização de dois tipos de prova oral, respostas decoradas pelos candidatose a consideração dos documentos
apresentados no ato da inscrição. (Série Educação, IE4.10. A N.)
187
Parecer sobre o concurso de Matemática elementar, no anexo X na p. 227, com indicação da dificuldade
em encontrar bons candidatos, a avaliação com base na prova escrita. (Série Educação, IE4.6)
145
loquaz de seo arguinte quase se conservou mudo durante a meia hora fixadas;
já pelas provas escriptas em que não deo o devido desenvolvimento aos
assumptos sobre o que tinha da tratar e commeteo mesmo alguns leves erros.
(Concurso de 7 de junho de 1855, Série Educação, Notação IE$. 6, A N.)
Podemos verificar que apesar do pouco desenvolvimento das questões pelo
candidato, a sua condição de aluno da Escola Militar foi ressaltada em outra parte do
parecer. A formação nesta instituição, assim como na Escola Central e na Escola de
Medicina, funcionavam como indicativo de qualificação, algo destacado nos pareceres
relativos a candidatos aos demais concursos analisados, principalmente para o magistério
nas cadeiras “das matemáticas” e de ciências naturais. No caso do SR. Matheus da Cunha, a
comissão julgadora ao destacar o pouco preparo deste candidato em função da sua
escolarização, acaba valorizando-o pela lógica e precisão demonstrada no conjunto de sua
prova oral e escrita:
A maneira porem por que arguio (para o que se vio claramente que se tinha
preparado) e o modo por que fez a exposição dos pontos de que tratão por
escripto, confirmão o bom juizo que já delle formavamos como alunno da
Escola Militar, e nos convencerão que á falta de preparo conveniente e não a
circunstancias inherentes á sua capacidade intellectual se leva athribuir a
deficiencia nas provas que apresentam. Juiso resumido: Exposição clara e
methodica, espírito lógico e preciso, inteligência desenvolvida. (Concurso de 7
de junho de 1855, Série Ed., Notação IE4. 6, A N.)
Contudo, na maioria das vezes, o pouco preparo, torna-se fator decisivo para a
eliminação do candidato. É comum encontrar na documentação, concursos em que todos os
candidatos foram considerados inabilitados. Como exemplo, nos exames para professor de
inglês em 19 de agosto de 1858, os avaliadores afirmam que:
A prova oral foi confusa e não permittio formar juízo algum favorável das
habilitações dos candidatos: a pronuncia viciada, excepto a do Dr. Cordeiro,
até incompreensível. A prova de tradução do Sr. Bel. Alves nogueira ,
soffrivel. A do Sr. Dr. Cordeiro em algumas partes difficil de entender-se, e
em outras incorrecta: inferior ao antecedente. A do Sr Antenor mui difícil de
entender-se: inferior a do Sr. Cordeiro. A prova de tradução do Sr. Bel. Alves
Nogueira, em dois ou três lugares mostrou não haver bem comprehendido a
letra do original, em outras muitas serve-se de expressões impróprias. (Série
Educação, Notação IE4. 10, A N.)
146
Em outras ocasiões, menos comum, mas também significativas, encontra-se o
concurso em que todos os candidatos foram considerados aptos ao magistério, é possível
citar o parecer encaminhado ao Governo, apresentando os três candidatos em 17 de Março
de 1860. Este documento, assinado por Eusébio de Queirós, refere-se a um requerimento
envolvendo Benjamin Constant Bothelho de Magalhães, Jose Arthur de Murinelli e Dr.
José Eugenio de Lossio Seilbtx em que se pede esclarecimentos no que se refere às
condições legais para o aproveitamento de um dos candidatos em preferência aos outros.
De acordo com o despacho do Inspetor Geral:
qualquer d’elles está habilitado para exercer a Cadeira supplementar, mas
desde que se apresenta como candidato o Dr. D. Jorge, parece que nenhum dos
outros pode entrar com elle em concorrência, por que em quanto os outros
ainda estudão na Academia, elle é já Doutor em Mathematicas, Lente da
Academia, onde é dos apontados como dos mais distintos, e foi Professor,
senão de todos, de quase todos os concurrentes. Parece pois que seria a
Cadeira mais bem prenhechida por elle. Não creio que o artigo 52 do
Regulamento de 24 de outubro de 1857 possa servir de embaraço por que
n’elle o que se prohibe, e que os Professores ensinem por Collégio ou casas
particulares e nesse caso não está a Academia Militar. ( Série Educação,
Notação IE4. 10, A N.)
Mais uma vez o destaque cabe aos candidatos que procedem da Academia
Militar, sendo que desta vez, entre os excluídos no processo de seleção, encontrava-se os
estudantes desta instituição.
Portanto, a maioria dos concursos analisados aponta para o baixo percentual
de candidatos aprovados com louvor, o que se aproxima da situação encontrada, no mesmo
período, entre os candidatos ao nível elementar de ensino. Em relação ao concurso para o
preenchimento das vagas de repetidor, encontram-se sinais de que, assim como para os
professores adjuntos da escola elementar, também a estes eram feitas concessões no sentido
de afrouxamento das exigências para o cargo. No concurso para repetidor de Latim, de 29
de agosto de 1859, o Conselho Diretor, em acordo com a banca examinadora, conforma-se
com a classificação dos candidatos, mas esclarece:
Se se tratasse do provimento de uma cadeira por certo que o Governo Imperial
não poderia nomear qualquer dos Candidatos apresentados, à vistas das suas
provas escritas, porém attendendo-se a que se trata de nomear para o lugar de
Repetidor, entendo que se poderia aceitar qualquer dos Candidatos. (
147
Concurso de 29 de agosto de 1859, para Repetidor de Latim, Série Educação,
Notação IE4. 7, A N.)
Apesar da classe dos repetidores do Colégio Pedro II não corresponder
exatamente à classe dos professores adjuntos, é possível encontrar pontos comuns entre
esses dois grupos de docentes. Ambos se aproximavam na forma como ajudavam nas aulas
e substituíam os professores na sua falta
188
. Sobre este aspecto, a legislação anterior
autorizava aos professores que precisavam se ausentar a escolher uma pessoa que iria
substituí-los nas aulas garantindo o salário do substituto às custas do professor licenciado.
Neste caso é comum na documentação, a presença de pedidos de licença por um tempo
determinado e com a manutenção dos vencimentos do professor primário, dirigido ao
Ministro da Fazenda e ao Diretor das Escolas. Como exemplo o pedido de licença de João
F. Jordão em 1852, que afirmava a condição: “deixando elle uma pessoa idônea que o
substitua paga ás suas custas”.
189
Neste caso, submeter estes professores substitutos a
concursos, seria submete-los ao controle da IGIPSC.
Portanto, o parecer citado, muito se aproxima dos pareceres dos concursos
para professores adjuntos das escolas elementares, como visto anteriormente. A pouca
preparação destes candidatos ao cargo de professores adjuntos, fato que poderia estar
sugerindo a conveniência do governo em facilitar o ingresso e permanência dessas classes
de professores.
Uma outro aspecto a ser destacado é a exigência de que o candidato fosse
avaliado por intermédio dois tipos de prova, uma escrita e outra oral. Neste caso, a ênfase
da avaliação recaía no desenvolvimento da primeira prova e não da segunda, considerada
mais importante na seleção de professores primários. Assim, a legislação de 3 de janeiro de
1855 e os pareceres da banca examinadora confirmam essa inflexão, quando, em grande
parte das atas analisadas, encontra-se a referência: “Para a classificação dos candidatos por
ordem de preferência, attendendo-se para este fim com especialidade para a prova escripta;
julgão dever apresentar os dous concurrentes na ordem seguinte a saber”.
190
188
Podemos destacar como principais diferenças, o fato da classe dos repetidores não obedecer a um plano de
formação docente pela prática, a possibilidade de prestarem concurso para as cadeiras do Colégio em
qualquer ocasião, a necessidade de provarem com documento a “aptidão literária” e, principalmente pelo fato
de encontrarem-se no cargo de repetidores professores, doutores, bacharéis.
189
Conforme, Notação IE4.2, do A N. Série Educação.
190
Concurso de 31 de Março de 1856. A N Notação: IE4.4, Série Educação.
148
Em relação à prova oral, esta, apesar de ser preterida em favor da prova
escrita, sua significação, ao que tudo indica, continua importante dentro de todo o processo
seletivo. Sobre ela, as atas dos concursos e os pareceres dos examinadores esclarecem que
era dividida em dois momentos: O primeiro quando os candidatos proporiam uma argüição
livre entre si: “sendo o assumpto do objeto da prova oral deixado á livre escolha dos
mesmos Candidatos”.
191
E, no segundo, os examinadores sorteariam um ponto, passando a
perguntar sobre ele. Nesta última etapa, este, apontavam que avaliavam, além dos
conhecimentos, a propensão para o magistério: “Nesta prova o Dr. Moreira de Azevedo
sobressahio muito ao seo competidor porque provou notória aptidão para o magistério”
192
.
Em outro momento parece que a prova oral recupera a sua força
principalmente quando os candidatos se mostram pouco qualificados na prova escrita.
Neste caso, os pareceres indicam que:
Nas provas escriptas que inclusas apresenta a V. Exc.ª commetterão ambos os
candidatos erros sensíveis e graves. Entretanto a commissão julgadora tendo
em attenção os conhecimentos que mostrarão na prova oral, entendo que se
achão em circunstâncias de serem propostos , classificando em primeiro lugar
na ordem de merecimento relativo, o Dr. João da Cruz Santos”.
193
(...)
“Se tivesse de dar minha opinião unicamente baseada nas provas escriptas dos
candidatos eu seria forçado a negar a reprovar a todos, por isso, que todos
deixarão de tratar completamente do ponto de Phisica”.
194
Este último parecer dá lugar a um pedido de anulação do concurso pelo Dr.
José Monteiro, em 21 de Julho de 1859
195
, justificando-se pelo contraste observado entre a
posição da banca examinadora e os aspectos legais em relação à questão. Desta forma, o
requerente, considerando o parecer da Comissão julgadora:
Não se seguiu a risca, como fora mister, a disposição dos artº 3º e 12º das
instruções de 3 de janeiro de 1855; as quais determinou formalmente que a
base de tais pareceres seja a prova escrita, e que a prova oral só sirva para
191
Ata do concursos a Ata do Concurso de 31 de Março de1856. A N Notação: IE4.4, Série Educação.
192
Ata do concurso de 31 de Janeiro de 1863, A N., Notação IE4.7,Série Educação
193
Concurso para Repetidor de Latim ocorrido em 18 de Agosto de 1859. A N Notação IE4.7, Série
Educação.
194
De acordo com a ata do Concurso de 3 de junho de 1856, A N. NotaçãoIE4.7, Série Educação.
195
De acordo com a Notação IE4.7 da Série Educação do A N.
149
justificar, para melhor aquilatar o merecimento, para melhor fundar a
graduação dos candidatos pelo exame da prova escrita. Ora se a Commissão
entende que a prova escripta de qualquer dos concurrentes não tem
merecimento, torna-se de pouca ou nenhuma significação a classificação que
faz; a qual neste caso, se deve e pode exprimir que esses quatro candidatos
teem conhecimento da matteria, mas não os que seriam indispensáveis para a
professarem”.
196
O Dr. José Monteiro em seu requerimento pede que “A vista do que fica
exposto, entendemos que, para bem da instrução pública, para crédito dos novos atos
solenes de julgamento, se deve mandar proceder a novo concurso, por não ter sido
satisfactorio aquelle de que tractamos”.
197
Este doutor recebe como resposta do Governo o
seguinte parecer: “Parecem justas as reflexões do Sr. Dr. José Monteiro, porem julgo que
será difficil annullar um Concurso que foi honrado com a Augusta presença de S.M. o
Imperador”.
198
. O caso se reveste de alguma exemplaridade na medida em que um
candidato apela para a “letra da lei”, como estratégia de defesa. Ao mesmo tempo, o caso
também serve para demonstrar que a força da lei é mediada pela força da banca, legitimada,
por vezes, pela força que a institui (o poder do Estado) que, em algumas situações, se faz
presente fisicamente na figura do Imperador. Esta é, em última instância, o argumento
empregado para matizar os termos da lei, mantendo um concurso que, segundo o médico-
candidato, continha vestígios de fraude/favorecimento, como é possível de pensar a partir
de seu movimento.
Além desses aspectos, os pareceres da banca examinadora apontam para
outras características que habilitavam ou inabilitavam os candidatos. Como exemplo,
destaco três concursos para o ICPII, a partir de amostra dos pontos valorizados pelos
pareceristas:
Quadro V – Provas de Matemática, 1858.
196
Conforme a ata do Concurso de 3 de junho de 1856. (A N. NotaçãoIE4.7, Série Educação).
197
Ibidem
198
Ibidem É interessante notar que, conforme os documentos analisados, é corrente a presença do Imperador
nos concursos as cadeiras de Química e Física.
150
CANDIDATOSs PARECERES CONDIÇÃO
S. Matheus da
Cunha
Exposição clara e methodica, espírito lógico e preciso,
intelligencia desenvolvida.
199
Habilitado
“O Sr.Joaquim
Pedro da Silva
Exposição fácil e clara, espírito lógico, com penetração;
intelligencia ainda não amadurecida; Disposição para com
mais algum tempo ser um bom professor”
200
.
Inabilitado).
O Sr. José Albano
Cordeiro
Exposição fácil, espírito pouco lógico e sem methodo ,
intelligencia já formada, pouco susceptível de
aperfeiçoamento
201
Inabilitado)
O Sr.José Ventura
Boscole
Exposição clara e methodica, conhecimentos firmes da
matéria, intelligencia acanhada e estacionaria
202
Inabilitado
Quadro VI – Prova de Física e Química, 1859
CANDIDATOSs PARECERES CONDIÇÃO
Sr. Dr. José da
Silva Lisboa
Apresenta na sua prova escripta pouco méthodo de
exposição, alguns erros posto que não graves e
imprevisões quando trata dos gases, mostrando contudo
ter conhecimentos positivos
203
Habilitado
Sr. Dr. Pedro
d’Alcantara Lisboa
Mostrou na sua prova escripta, methodo d’ expressão,
porém tratou muito pouco da matéria do ponto para
estender-se sobre considerações gerais sem relação com
elle mostrando tendências a manifestar conhecimentos de
chimica industrial
Habilitado
Sr. Joaquim
Baptista Torres
Tupaberaba
Manifesta em sua prova escripta espírito um tanto
philosóphico, e algum méthodo d’exposição. Intertendo-
se com a discussão se a liga he huma simples mistura ou
uma combinação, e que não resolve, deixou de tratar as
ligas como considera o ponto. (...) dando contudo maior
desenvolvimento ao ponto dos gases do que a todos os
outros
Inabilitado
Quadro – VII – Prova de História Antiga e Moderna
199
Concurso de Matemática elementar de 7 de junho de 1858. (A N. IE4.6. Série Educação)
200
Ibidem.
201
Ibidem.
202
Ibidem.
203
De acordo com a ata do concurso de 3 de junho de 1859 para a cadeira de Física e Química. A N. Notação
IE4.7, Série Educação
151
CANDIDATOSs PARECERES CONDIÇÃO
Dr. Bernardo
Gomes Braga
Decorou os factos sem mostrar comprehender o espírito
da história, e a causa dos acontecimentos, confundindo-se
muitas vezes com notória incoherencia
204
Inabilitado
Dr. Manuel Duarte
Moreira de
Azevedo
Com quanto ignorou alguns pormenores, mostrou
comprehender os factos que tratou. Nesta prova o Sr.
Moreira sobresahio muito ao seo competidor por que
provou notória aptidão para o Magistério.O autor narra
com exatidão os factos de D. João 1º; segue com clareza o
methodo chronologico, e revela uma critica (...) nas
observações que faz, sem prejuizo da correção. Alem
d’isso está em geral escripta em um estilo correcto e a
exposição é sempre feita com lucidez
205
Habilitado
Percebem-se sinais de que, para este nível de ensino, esperava que os
candidatos comprovassem compreensão sobre os fatos, coerência, lucidez, clareza e espírito
crítico, tornando-se desvalorizado o método da memorização, como constatado nos
concursos para o ensino primário do mesmo período.
Como vimos anteriormente, o curso secundário funcionava como preparatório
para os cursos superiores, e, entre eles a Faculdade de Medicina e a Escola Militar
funcionaram como instâncias de organização e de difusão das Ciências, comprometidas
com a ilustração vinda dos países civilizados. O Colégio Imperial de Pedro II, como ponte
para o ensino superior, precisava se conformar a estes novos tempos, comprometendo-se
com os ideais científicos, pelo menos, no que diz respeito às cadeiras do ensino das
Ciências Naturais, Química, Física e Matemáticas.
Nesse sentido, cabe abrir um espaço para caracterizar os saberes que estavam
sendo exigidos a fim de termos uma idéia do que deveria ser conhecido pelos candidatos a
professores para cada uma das cadeiras do ensino secundário, o que pode ser visto no
quadro VIII:
Quadro VIII - Pontos destacados nas provas dos concursos para o CIPII:
Cadeiras Saberes Datas/Códices
Mathemathicas Progressões por diferenças e suas principaes
propriedades. Progressão por quociente e suas principais
propriedades. Aplicação da theoria dos logarithimos.
1856 -
AN.IE4.5
204
Conforme concurso para Cadeira de História antiga e moderna de 23 de janeiro de 1863. A N. Notação
IE4. 10, Série Educação.
205
Ibidem
152
Resolução de equação do 2º gráo. Relação entre os
coefficientes das raises da equação completa de 2º grãos.
Valores imagináveis. Dos polygonos convexos.
Decomposição dos polygonos em triângulos. Formulas
trigonomethricas. Relação entre as linhas
trigonomethricas de um meio qualquer
Sciencias
Naturaes
Botânica – Raiz, Tronco, Folhas e suas principaes
Modificações. Seiva e Enxertos. Zoologia- Os quatro
grandes reinos animaes, seus caracteres distintos.
Mineralogia –Classificação dos Minerais e Instrumentos
indispensáveis ao mineralogista. Tipos de Terrenos
Zoologia: classificação e características dos insetos, citar
os mais importantes.
Respiração e seus phenomenos chimicos; como se
executa ella nas diversas classes de animais. Palmeiras,
gramíneas e musaceaes.
.Mineralogia e geologia: Silicidez; Phenomenos
Geológicos actuaes próprios para fazerem comprhrnder
os phenomenos antigos; Formação dos sedimentos e
concreções. Torrentes d’agua e de gelo. Origens das
thermas e poços Arthesianos.
1860 - AN.
IE4.8
1959 -
AN..IE4.7
1856 -
AN.IE4.5
1856 –A
N..IE4.5
Química Ligas- Noções sumárias sobre as mais usuais .
Azoto. Ar Atmosférico: por em evidencia sua
composição. Hidrogênio: Águas sua composição e
recomposição. Chloro, acido clhloridrico e água regia. .
(1/10/.
1959 - AN-
IE4.7
1856 - A
N.IE4.5
Física Pressão atmosférica- propriedades dos gazes –
Barômetros
Causas da eletricidade. Distinção das duas eletricidades.
Machina electrica. Eletrophisica.
1959 - AN-
IE4.7;
1856 - A
N.IE4.5
História
Antiga e
Moderna
Historia Antiga: Legislação de Moyseis, História
Sagrada de Abraão; Historia de Portugal desde D. João
1863 -
AN.IE4.10
Latim Tácito, livro treze capitulo quarenta e três. Horacio, livro
primeiro epistola terceira. Português para versão: A
Morte dos grandes homens - Thesouro da Mocidade
pagina 206.
1856 – A N.
IE4.5
Francês Tradução para o português: Drama de D. Inez de Castro
e o Infante D. Pedro. Ditado em Francês com tradução
para o portugues: A natureza bruta e a natureza
cultivada;
Execução de Carlos Primeiro: Ditado em português com
tradução para o francês. Amor a Pátria, texto em francês
para tradução em português.
A Verdadeira e a Falsa Honra, portugues para o francês.
Características dos habitantes nativos do Brasil: francês
para português.
1855.- AGCRJ,
cód. 10.4..27
1855.- AGCRJ,
cód. 10.4.27
1855 - .AGCRJ,
cód. 10.4.27
1855 - AGCRJ,
153
Amor do príncipe ao seu povo: texto em francês para
tradução em português.
Texto: Da Ventura moral e do bem estar material (
Prosa: Noel et de la Plorce, pagina 214 Saint Louis.
Verso: mesma obra pagina trezentos e trinta e cinco. La
Vendange.
cód. 10.4.27
1959 - AN-
IE4.7
1856 – AN-
IE4.5
Inglês Tradução: Blan’s Class Book. Verso: Milton: Paraíso
perdido. Livro 3º, Vers: 80 a 128. Composição:
Thesouro da Mocidade, pág. 47. D. Pedro e D. Ignes de
Castro.
1856 -
AN.IE4.5
Philosofia Dos principaes atributos de Deos. Exame das objecções
tiradas do mal phisico e do mal moral contra a existência
e atributos de Deos. (25/09
1856 - A N.
IE4.5
Rethorica Quantas espécies há de figuras. Figuras de
pensamento.(1/10/
1856 - A
N.IE4.5
Esses pontos fazem parte de uma lista mais extensa de onde eram extraídos
por sorteio no momento da prova escrita e oral de cada um dos candidatos. Podemos
perceber que os exames de Latim, Inglês e Francês eram compostos de ditado, tradução
para a língua portuguesa e transcrição do português para a língua em questão, com destaque
para questões associadas ao aspecto moral, religioso e político. A ênfase na religião
também pode destacada nas provas para as cadeiras de História antiga e Filosofia. Neste
sentido, apesar das Disciplinas História Sagrada e Doutrina Cristã ficarem a cargo do
Capelão do Colégio, a religiosidade não deixava de comparecer de forma explícita nos
exames das cadeiras das disciplinas da área humana.
Os exemplos da moralidade cristã e do sentimento “natural” de amor à pátria
permeavam as escritas propostas pelo Governo, sugerindo mais um esforço de modelação
do profissional a ser recrutado pelo Estado. Para termos uma idéia dessa pedagogia, trago
como exemplo, trecho do texto “Amor á Pátria”, bastante usado para tradução nos exames
das línguas estrangeiras:
(...) Amor á pátria é a alma da Sociedade, consiste em preferir o bem publico
ao particular, encarar os perigos, enfrentar a morte, sacrificar a vida para a
defesa pública. Inimigo jurado do egoísmo, da indolência e do temor, não
conhece por companheiros senão o valor e a intrepidez, nem tem outros
conselheiros que a honra e o dever. Cego na obediência das leis, é muitas
vezes insensível ás vozes do sangue e da natureza para só escutar os ditames
da honra e da fidelidade. Foi o modelo sem dúvida exemplaríssimo, do
verdadeiro amor á pátria, o que desde a sua infância mostrou em sua pessoa o
grande D. Nuno Álvares Pereira escutando antes os gemidos da Pátria, que as
vozes da própria mãe, e preferindo seguir antes o impulso da honra que o
154
exemplo dos próprios irmãos. Apesar de ver que muitos dos seus se deixaram
amedrontar com a desigualdade do número, e que n’elles começava a
extinguir-se aquelle fogo de amor á Pátria que tão vivamente o abrasava,
virando-se para elles, lhes disse: que fardo nos arrasta a ser verdugos de tantos
inocentes que se abrigam á sombra de nossas armas, cujo sangue nos acusa de
covardes? Temos os campos abrasados, devastadas as povoações, e apenas há
lugar que se console nas misérias do outro: Movão-se (...) (códice 10-4-27,
AGCRJ)
Coragem, espírito de sacrifício, obediência, fidelidade, exemplaridade eram
qualidades a serem afirmadas e os textos nos exames dos professores podem estar
sinalizando que, apesar do programa do Colégio já esboçar disciplinas científicas, como
requeria as idéias positivistas, o Imperial Colégio de Pedro II, conservou no programa dos
concursos, o caráter humanista cristão, nas formas como procurou reforçar a religiosidade,
o amor à Pátria e ao Imperador nos exames para as cadeiras referentes às “humanidades”.
Um outro ponto a considerar se refere ao fato de que a Comissão julgadora,
antes de mandar a lista dos candidatos aprovados para a escolha final do Governo atentam
não só para as considerações sobre as provas escritas dos “concurrentes”, mas também para
toda a documentação apresentada no ato da inscrição. Desta forma, as atas, ao término das
avaliações dos exames de capacidade, afirmam que: “O Inspetor Geral de Instrucção,
conformando-se com o parecer do Conselho Director que reconsiderou todos os
Documentos concernentes ao concurso de que se trata, indicam os candidatos na seguinte
classificação (...)”.
206
Este aspecto vem reforçar a idéia do controle do Governo, não só nos
exames de capacidade, mas também reconsiderando os documentos que já passaram pela
seleção da IGPSC na inscrição dos candidatos.
Um quinto e último aspecto, não descartando outros possíveis de serem
observados, dado o detalhamento em que as bancas examinadoras se detinham, relaciona-se
com o grau de instrução dos integrantes da banca examinadora desses concursos. Todos
eles possuíam o título de doutor, contrapondo-se, deste modo, às bancas dos concursos para
professores do ensino elementar, composta por professores públicos escolhidos pelo
Governo sem nenhum sinal de titulação, como indicam as atas. Este fato poderia estar
ligado à compreensão de que ao avaliador bastava o conhecimento das disciplinas
examinadas, assim como do professor se exigia apenas o conhecimento das disciplinas a
serem ensinadas na escola elementar.
155
A investigação do processo de recrutamento docente para o ensino primário e
secundário mostra que esses eventos foram regidos por duas normas comuns aos dois níveis
de ensino, proporcionando, com isso, certa unidade na forma de selecionar. A manutenção
de certas características, se dá em relação aos mecanismos controle que o Governo
estabelece no processo de recrutamento docente, enquanto as diferenças entre os dois
procedimentos ocorrem, principalmente, pela especificidade de cada um desses eventos.
Observa-se, que a IGIPSC, em relação ao nível secundário, conserva as
condições de ingresso ao magistério referidas no Regulamento de 1854 e, com isso,
mantém, neste nível de ensino, aspectos importantes na conformação e um perfil
profissional desejável ao Estado imperial. O tom cerimonioso verificado nas atas desses
exames dá sinais do cumprimento de regras bem definidas nesses rituais e que
permaneceram inalteradas durante o período estudado. O relatório de Dunshee de
Abranches
207
de 1904, ao se referir aos exames preparatórios instituídos pela reforma de
1854 afirma que, nos mesmos, “foram as solenidades e o modo de proceder às provas
estatuídas em instruções especiais a fim de se evitar toda e qualquer fraude”. Outros
aspectos de vigilância e seleção reforçam esta idéia tais como a comprovação da
maioridade e moralidade no ato da inscrição ao exame de capacidade e a escolha final do
Governo, entre os candidatos considerados habilitados pela Comissão julgadora.
208
O esforço em analisar em bloco único o recrutamento de professores nos três
níveis de ensino apresenta-se como questão a ser elaborada com cuidado. Por isso, é
interessante rever os fundamentos que sustentam esta parte do estudo. Embora os
profissionais recrutados para o cargo de professor constituíssem categorias diferentes de
docentes, portanto, não próprias para serem pensadas em conjunto, como uma espécie de
unidade, as leis, regimentos, instruções, assim como os demais dispositivos de
normalização elaborados no período deste estudo, procuraram unificar a estrutura e o
funcionamento da organização escolar no âmbito da Corte, tanto no que se refere ao ensino
primário e secundário, quanto ao ensino superior.
Assim, tanto o Regulamento de 17 de fevereiro de 1854, que propôs reformas
no ensino primário e secundário, quanto os estatutos das Faculdades de Medicina do Rio de
206
Conforme ata do Concurso de 23 de Janeiro de 1863, Notação IE4. 10, Série Educação, A N..
207
No Capítulo V encontra-se informações sobre Dunshee de Abranches e o relatório de 1904.
156
Janeiro e da Bahia, o Instituto Comercial, a Academia de Belas Artes, o Conservatório de
Música, foram reformulados no período entre 1854-1856, além das Faculdades de Direito
nas províncias de São Paulo e Recife
209
. Nesse sentido, podemos entender que as ações
políticas produzidas pelo Governo buscavam promover a uniformização e controle da
administração da instrução na Corte em relação ao ensino primário e secundário e, em todo
o Império, no que diz respeito ao nível superior. Estas medidas representaram em seu
conjunto, uma das estratégias de construção do Estado imperial, por intermédio da
instrução pensada em seus três níveis de ensino. Práticas que estiveram durante quatro anos
deste percurso (1854-1857), sob a direção do Ministro Ferraz e do Inspetor Geral Eusébio
de Queirós por quase dez anos, ambos monarquistas pertencentes ao partido conservador,
amigos particulares do Imperador, e, ainda, envolvidos nesse período, como vimos, em um
regime de Conciliação dos partidos que preparou um ambiente propício às reformas
210
.
Nesse sentido, as normas aqui consideradas apresentam aspectos de
aproximação mesmo que consideremos as distâncias entre as construções históricas dos
ensino primário, secundário e superior. O mapeamento dessas regularidades aponta para
ações semelhantes principalmente em relação ao controle sobre o exercício da profissão,
nos saberes, processos disciplinares, hierarquia e recrutamento de professores para os
quadros de professores das instituições públicas e particulares. Desta forma, nesta parte do
trabalho, busco analisar as normas relativas ao ensino superior na Corte, procurando
identificar os aspectos em que estas regras se afinam com a prescrita para os níveis
primário e secundário, a fim de garantir o sucesso da política educacional do Governo
imperial.
É interessante observar que a análise deste conjunto de leis fornece
elementos que identificam certa relação entre os Estatutos para o ensino superior e o
regulamento de 17 de fevereiro de 1854. Portanto, é possível pensar que essa direção dá às
208
As atas dos exames também esclarecem a forma como é composta a comissão julgadora: Inspetor Geral
que presidirá o evento, do reitor do Colégio Pedro II, de um membro do Conselho Diretor nomeado pelo
Governo além de dois examinadores específicos para cada uma das cadeiras em concurso.
209
Decreto nº 1331A de 17 de fevereiro de 1854, aprovando a reforma do ensino primário e secundário da
Corte, autorizado pela Decreto de 17 de setembro de 1851; Decreto nº 1387 de 28 de abril de 1854, reforma
os Estatutos das Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, autorizada pelo Decreto nº 714 de 19
de setembro de 1853; Decreto denº 1763 de 14 de Maio de 1856, reforma os Estatutos do Instituto Comercial
do Rio de janeiro autorizada pelo Decreto nº 769 de 9 de agosto de 1854; Decreto 1386 de 28 de abril de
1854, reforma os Estatutos dos Cursos Jurídicos, autorizado pelo Decreto nº 714 de 19 de setembro de 1853;
Belas Artes
Conservatório Nacional de Música
157
normas produzidas neste período uma certa uniformidade, provocando aproximações nos
processos de organização da instrução. Este aspecto torna a legislação produzida nos anos
cinqüenta do século XIX, resguardando as especificidades de cada nível de ensino, como
estratégia de controle sobre a instrução que tem no Regulamento da Instrução primária e
secundária, uma espécie de parâmetro. Este fato é verificado tanto na referência direta que
os Estatutos fazem aos artigos desta norma, principalmente aos que dizem respeito aos
direitos, deveres e às penas a que os alunos e professores se encontravam submetidos,
quanto na estrutura semelhante de seus artigos. Nesse .sentido, os estatutos de 1854 da
FMRJ estabelecem nos artigos 86 e 83 respectivamente:
Art. 86: São isentos dos exames preparatórios os que apresentarem diploma
de Bacharel em Letras do Collegio de Pedro II; ou título de aprovação nos
cursos annuaes da Caital dp Imperio; na conformidade do artigo 112 do
Regulamento da Instrução primária e secundária do município da Corte; ou
certidão de approvação nos ditos exames em qualquer das Faculdades de
Medicina. Fora destes casos nenhuma prova dispensará os exames.”
(...)
Art. 83: Os exames preparatórios serão feitos perante professores públicos
designados pelo Governo na Corte, e pelo presidente da província na Capital
da Bahia. Os professores nomeados não poderão escusar-se sem motivo
legitimo, julgado tal pelo Governo, sob as penas do artigo 115 do
Regulamento da Instrucção primaria e secundária da Côrte”
No Instituto Comercial, há artigos que regulam, a admissão de alunos,
exames durante o ano escolar, distribuição pública dos prêmios, penas impostas aos
professores, e processos disciplinares. No que se refere à demissão e jubilação dos
docentes, remetem ao Regulamento de 17 de fevereiro de 1854, tendo-o como modelo a ser
seguido. Em relação aos Estatutos das Faculdades de Direito nas províncias de São Paulo e
Recife, os artigos 54, 58 acompanham estes procedimentos, valendo-se dos mesmos
procedimentos previstos na específica para o ensino elementar e secundário.
Fora dos casos de referência direta a tal regulamento, a estrutura geral dos
Estatutos acima citados obedece a uma regra comum de procedimentos em relação aos
seguintes aspectos: a definição dos cargos do diretor, professores e demais empregados
dessas instituições, a hierarquia a que estariam subordinados, os processos de recrutamento
de professores (distinguindo semelhanças entre as etapas de inscrição), os exames escrito e
210
Cf. Haiddar (1972), Mattos (1994), Alves (2003), entre outros.
158
oral, e a escolha final do governo, e policiamento de alunos e professores, entre outros.
Como exemplo, em relação aos concursos de professores, este conjunto de normas deixa
claro no que tanto na falta de inscrições às Cadeiras quanto na inexistência de candidatos
aprovados, o governo ficaria autorizado a nomear diretamente o que julgasse mais certo:
Se o Governo, a vista das provas escriptas que lhe serão remettidas, e das
informações que obtiver sobre a moralidade dos concurrentes, entender que
nenhum dos propostos deve ser escolhido, mandará proceder um novo
concurso, nomeando entretanto quem interinamente reja a cadeira vaga. (Cf.
art. 87 do Estatuto do Instituto Comercial do Rio de Janeiro, 1855).
Apesar deste artigo integrar o Estatuto do Instituto Comercial, esta regra se
faz presente nos demais regulamentos analisados
211
. Um outro aspecto que merece maior
atenção, diz respeito ao ingresso dos alunos nas faculdades. Como foi observado
anteriormente, o Imperial Colégio de Pedro II acabou monopolizando o direito de decisão
sobre o ingresso ao curso superior em todo o Império. Quem não fosse formado pela
instituição deveria se inscrever nos exames preparatórios realizados no Colégio no final de
cada ano. Desta forma, o Governo confere ao ICPII, por intermédio do Regulamento de 17
de fevereiro de 1854, o poder de autorização às matrículas nas Academias e Faculdades do
Império. Os Estatutos, portanto, fazem referência a esta condição, e, apesar de indicarem a
possibilidade de ingresso diretamente pelas faculdades, pelo menos no que diz respeito às
faculdades de medicina, os exames eram realizados pelo Colégio modelo da Corte imperial.
Diante dessas considerações, as práticas estabelecidas pelo Regulamento do
ensino primário e secundário organizadas pelas IGIPSC acabaram sendo incorporadas nos
Estatutos das escolas superiores do Império, fato que ajudaria a confirmar os estudos de
Nóvoa (1991), considerado no capítulo anterior, quando este se refere à profissionalização
do magistério superior a partir do ensino primário.
Desta forma, ao analisar os mecanismos de controle do Governo sobre a
instrução superior, e dele destacar o recrutamento de professores, busquei investigar os
procedimentos verificados na Faculdade de Medicina, entendendo que, estes se
aproximavam daqueles previstos para as demais instituições deste nível de ensino. Desta
211
O mesmo sentido verifica-se no art. 46 dos Estatutos dos Cursos Jurídico, no art. 67 do Regulamento para
a Instrução Pública Secundária de 24 de outubro de 1857; no artigo 75 dos estatutos das Faculdades de
Medicina.
159
forma, nos Estatutos da FMRJ
212
, reformulados em 1854, no conjunto das reformas da
instrução primária e secundária, o Título I, Capítulo I, deste documento dispõe sobre a
organização das faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, prescrevendo nos
dois primeiros artigos desta norma:
Art. 1º As actuaes Escolas ou Faculdades de Medicina continuarão a
denominar-se – Faculdade de Medicina – designando-se cada huma pelo nome
da Cidade que tem assento.
Art. 2º. Cada Faculdade será regida por um Director, e por uma Junta
composta de todos os Lentes, a qual se intitulará – Congregação de Lentes.
(Decreto de 28 de abril de 1854)
De acordo com estas regras, o magistério no ensino superior estaria
organizado no interior de uma hierarquia verificada na composição da “Congregação de
Lentes” a que se refere o artigo 2. Cabia ao Diretor e a junta formada pelos Catedráticos,
Substitutos e Opositores, além da docência, a participação nos procedimentos específicos
para a organização das disciplinas nesta instituição. Direção autorizada e controlada
diretamente pelo atual Ministro Coutto Ferraz: “Os actos do Director ficão debaixo da
immediata inspecção do Ministro e Secretário d‘Estado dos Negócios do Império”.
Este Estatuto além de prever regras para os cursos administrados pela
Faculdade: Medicina, Farmácia e Obstetrícia, determina o tempo, as cadeiras e as matérias
para cada uma das disciplinas, e ainda o interesse na qualificação dos professores definida
pelo artigo 13:
De tres em tres annos cada huma das Congregações deverá propor ao governo
hum Lente, ou Oppositor para ser encarregado de fazer investigações
scientificas e observações medico topographicas no Brasil, ou para estudar nos
países estrangeiros os melhores methodos de ensino , e examinar os
estabelecimentos e instituições medicas das Nações mais adiantadas a este
respeito”
212
Este estatuto se estrutura em 195 artigos, distribuídos em 4 Títulos: Iº- Da sua organização com 79 artigos
em 7Capítulos – (Da instituição das faculdades, Dos cursos da faculdade, Dos gabinetes e outros
estabelecimentos especiais, Das Comissões e investigações em benefício das ciências, e do ensino da
medicina, Das habilitações dos facultattivos autorizados com diplomas de Academias ou Universidades
Estrangeiras, Do Pessoal da Faculdade, Do provimento das cadeiras, das substituições e dos opositores)
Do Regime das faculdades com 95 artigos e 8 Capítulos. – (Do tempo dos trabalhos, Das habilitações para as
matrículas, Das matrículas, Dos exercícios escolares, Dos exames, Da defesa de teses, Da colação de grau de
Doutor, Da disciplina acadêmica; 3º Dos empregados acadêmicos, com 1 Capítulo e 11 artigos; 4º
Disposições gerais com 1 capítulo e 10 artigos.
160
Sobre os resultados dessas viagens “os Directores se corresponderão com os
nomeados acerca de todos os descobrimentos e melhoramentos importantes para a
sciencia”
213
levando a presença da “Congregação e do Governo, tanto o que ocorrer durante
a commissão como o resultado final desta”
214
. Este aspecto confirma a disposição do
Governo em tomar o exterior (Europa e EUA) como modelo, buscando atualizar e
uniformizar as práticas médicas no Império de acordo com às dos países mais adiantados.
Quanto à seleção de professores para as Faculdades de Medicina, a análise
desses Estatutos, no Capítulo VII referente ao “provimento das cadeiras, das substituições,
e dos oppositores” determina no artigo 57 que: “Vagando qualquer lugar de Lente
Cathedratico, será nomeado por Decreto para preenche-lo o Substituto mais antigo da
Secção da Faculdade, em que a vaga se der”. O artigo 61 indica a forma como seriam
escolhidos estes Substitutos: “... serão conferidos também por Decreto, devendo sempre
recahir a nomeação em um dos oposittores, proposta pela Congregação da respectiva
Faculdade”. De acordo com as regras, deveriam ser indicados para a vaga de professor
substituto, os três opositores que mais se distinguiram em concurso Neste sentido, o
preenchimento das vagas dos Catedráticos e Substitutos deveria obedecer a uma espécie de
recrutamento endógeno, sancionado por Decretos do Imperador e, somente previa o
ingresso de Doutores fora do seu quadro docente, caso o número de opositores não
preenchesse o número de seis candidatos para o Lugar dos Substitutos. Portanto, a
contratação dos mestres seria feita pela classe dos opositores
215
, que tinham como principal
função servir como “preparadores debaixo da direcção dos Lentes Cathedráticos ou
Substitutos em exercício”. Sobre este aspecto, os Artigos.62 e 64 indicam que:
213
Conforme artigo 16 dos Estatutos da FMRJ.
214
Conforme artigo 18 dos Estatutos da FMRJ
215
No projeto dos Estatutos para a FMRJ de 1837, não contava com categoria dos Opositores. Contudo, o
Decreto nº 1169 de 7 de Maio de 1853 que dá novos Estatutos as Escolas de Medicina, o artigo 6 indica que
“Além dos respectivos Lentes cada secção conservará o número de dous Substitutos; e mais terá o de
oppositores, que o Governo determiar sob proposta da Faculdade. O mesmo Governo fica autorizado a
suprimir os lugares de substitutos, logo que os opositores forem em número suficiente, e com as habilitações
precisas para preencher as funcções daquelles”. Desta forma os opositores permanecem nas reformas de 1854,
1856 e 1865. Nos Estatutos de 25 de outubro de1884, além dos Lentes referem-se a adjuntos e professores
particulares, deixando de apresentar as categorias de substitutos e opositores. O artigo 558 desta norma indica
que “Os actuais substitutos continuam a servir comoadjuntos das cadeiras das secções a que pertenciam,
segundo a designação feita pelo Ministro do Império” e no artigo 560 “Cada um dos lugares de Substituto que
161
“O concurso terá lugar somente entre os oppositores que para elle se
inscreverem no prazo de 30 dias, que será annunciado pelo Director da
Faculdade, quando o número destes exceder de 5. Em quanto não houver
pelo menos 6 oppositores, poderão concorrer com elles os Doutores em
Medicina que tiverem as habilitações do Art. 66, e se inscreverem no prazo
acima designado”
216
.
Os candidatos ao magistério
217
deveriam ser cidadãos brasileiros no gozo
dos seus direitos civis e políticos e ter o grau de Doutor em Medicina em qualquer das
Faculdades do Império. È interessante observar que é o único caso em que a legislação dos
concursos para o magistério exige explicitamente a comprovação da formação anterior.
Para o ensino primário e secundário as normas não previam esta condição.
Observando mais especificamente os rituais estabelecidos pelos estatutos para
o recrutamento de professores, verifica-se que este previa um processo estabelecido em três
etapas: a inscrição dos candidatos com a comprovação da idade e moralidade, o exame de
capacidade com a defesa de uma tese e a realização de prova escrita, oral e prática, sobre as
Cadeiras a que se destinava o candidato. Por último, como vimos, os candidatos indicados
na lista dos mais votados nesta seleção ainda passariam por uma escolha do Governo,
momento em que este indicaria, entre os aprovados, aquele que deveria ser nomeado. Estas
etapas conferem com os procedimentos realizados na seleção de professores elementares e
secundários. É possível observar que na parte final do recrutamento, o Governo
reconsiderava os documentos apresentados pelos candidatos no início da seleção. Para
exemplo, o artigo 64 desta norma esclarece que: “D’entre os propostos escolherá o Governo
o Lente para o preenchimento da vaga de Substituto, attendendo não só á aptidão dos
mesmos para o magistério, como também ao seu procedimento moral e civil”.
vier a vagar será substituídos pelo de adjunto. Já em 1891, a designação de substituto volta a compor junto
com os Catedráticos a Congregação de Lentes
216
Conforme artigo 62. dos Estatutos da FMRJ
217
É interessante observar que cabia a FMRJ elaborar os concursos para os diplomados em faculdades
estrangeiras que desejavam exercer a medicina no Brasil. O artigo 20 do referido Estatuto, indica que
“deverão se quiserem exercer a sua arte no Império, habilitar-se previamente por meio de exame perante
qualquer das faculdades”. Para este fim deveriam apresentar como documento, o próprio diploma, a
justificação da idade e documentos que abonassem a moralidade, reconhecidos previamente pelas Autoridades
Brasileiras residentes no país em que tiverem sido passados. Este fato, tornava a Faculdade de medicina um
órgão de normalização da ordem médica, pois, além dos grau de Doutor conferido aos que fossem aprovados
nos seus cursos, o profissional estrangeiro deveria ser submetido à concurso, a fim de provar o
enquadramento nas normas do Estado Imperial sobre as ações e saberes reconhecidos pela instituição como
fundamentais para o exercício da profissão.
162
Complementando esta legislação, ainda em 1854, Couttto Ferraz propõe e
assina as instruções pelas quais deveriam ocorrer os concursos para os lugares de opositores
das Faculdades de Medicina. Este documento, com 62 artigos detalha os procedimentos a
que estariam submetidos os pretendentes ao magistério nestas instituições. Entre outros
aspectos destaca-se a preocupação com a visibilidade dos concursos. Cada etapa é marcada
por regras bem definidas que buscam controlar as ações dos candidatos e da Comissão
examinadora encarregada de organizar os concursos.
Assim, de acordo com o artigo 2: “Sempre que houver de preencher algum
lugar de Oppositor, mandará o Director anunciar o concurso pela imprensa e por editaes,
declarando o dia em que se abrirá a inscripção e o prazo em que deverá fechar-se”. Para a
inscrição dos candidatos, além dos documentos estabelecidos pelo artigo 66
218
dos estatutos
de 1854, poderiam entregar também, conforme o artigo 5: “os documentos que julgar
convenientes ou como títulos de habilitações ou prova de serviços prestados ao Estado, á
humanidade ou á sciencia, ...” O conjunto desses papéis seriam submetidos a análise pela
Congregação com posterior apresentação ao Governo da lista dos candidatos habilitados ao
concurso. Esta parte da norma, que constitui o Capítulo I “Das inscrições”, aproxima-se das
referentes ao “exame prévio” para o cargo de professores primários, no qual se verifica uma
diversidade de comprovações que se juntam à documentação exigida oficialmente.
Vale destacar que na organização do quadro docente do ensino superior, a
presença dos substitutos sugere uma previsão de mestres para a ajudar os professores nas
aulas ou mesmo substituí-los na sua falta. Em relação a esta hierarquia estabelecida pela
legislação, este estudo aponta para a correspondência entre as funções realizadas pelos
agentes da classe dos substitutos e o grupo dos adjuntos e repetidores do ensino primário e
secundário respectivamente. Neste aspecto, destaca-se ainda a classe dos opositores como
um reforço de professores para a Faculdade de Medicina. É interessante observar que,
apesar da não indicação sobre os salários dos opositores dos cursos médicos, os Estatutos
do Instituto Comercial sinalizm, no artigo 110 e 111, que “para esta classe serão preferidos
218
Este artigo refere-se a “A nomeação dos oppositores será feita em virtude de concursos.Os candidatos
deverão ser Cidadãos Brasileiros, estar no goso dos direitos civis políticos, e ter o grão de Doutor em
Mediicna por qualquer das Faculdades do Império. Para provarem estas condições, deverão apresentar ao
Secretário da Faculdade no momento da inscripção, seus diplomas, ou públicas formas destes, justificando
impossibilidade de exhibição dos originais; certidão de baptismo e folha corrida dos lugares de seus
domicílios. Se o exame do documento se suscitar dúvida acerca de algum, a Congregação, segundo a natureza
desta duvida, poderá ouvir o candidato que o tiver apresentado, para o que se adiará, se for necessário, a
decisão por três dias”. (Estatutos para as Faculdades de Medicina de 28 de abril de 1854)
163
os filhos do Instituto, que tiverem concluído o Curso de Estudos” e “Ao Oppositores não
vencerão ordenado, mas perceberão um gratificação igual a dos professores quando os
substituírem, e quando houverem mais de três só eles poderão ser nomeados para
preencherem as vagas de Professores”. Os cursos jurídicos, no entanto, de acordo com os
estatutos, não previam a classe dos opositores e os concursos selecionavam os lentes
diretamente para os lugares vagos entre os Substitutos.
Sobre as provas de capacidade, a que estariam submetidos, o Capítulo II
define as condições em que esses exames deveriam ocorrer. O primeiro deles se refere à
apresentação das teses dos candidatos. Nesta etapa, os Catedráticos e Substitutos ficariam
encarregados de apresentar em, cada um, 10 pontos relativos à sua cadeira, para que fossem
escolhidos por uma Comissão nomeada pela Congregação de Lentes. A partir desta seleção
é que se sorteariam os pontos pelos candidatos, que teriam 1 mês e meio para desenvolver
um estudo sobre : “1º: de
concurrentes sirva-se de livro ou papel que lhe possa ser de adjutório, ou tenha
communicação com qualquer pessoa”
219
. Segundo as Instruções, terminado o prazo de 4
horas, as folhas da composição de cada um será rubricada no verso pelos dois Lentes que
tiveram assistido ao trabalho da última ora e pelos demais candidatos. Para finalizar esta
fase dos exames, os artigos 37 e 38 determinam que “Fechadas e lacradas, as composições,
serão encerradas em huma urna de três chaves, das quaes huma guardará o director e as
outras duas os dous Lentes de que trata o artigo antecedente”, e, “a urna será lacrada com o
sello da Faculdade e com a rubrica do Director e dos referidos Lentes”.
No que diz respeito à prova oral dois dias depois da prova escrita deveriam ser
cumpridos todos os procedimentos para a determinação dos pontos e “a prelecção terá lugar
24 horas depois do candidato ter tirado o ponto, tendo este o espaço de meia hora para
fazel-a, sempre na ordem de inscripção não podendo os que se seguirem ouvir a lição dos
precedentes”.
220
O ritual a ser cumprido nesta etapa do exame apresentava-se de forma
bastante aproximada nos três níveis de concursos, já que os candidatos nestas ocasiões eram
submetidos a dois tipos de interrogatório, um primeiro em que os candidatos deveriam
apresentar questões aos demais concorrentes e uma outra parte em que eram submetidos ao
interrogatório da banca examinadora. Os pareceres indicam que, nesta etapa, avaliava-se o
conhecimento dos candidatos tanto por intermédio das respostas que davam às questões
formuladas pelos examinadores e demais candidatos, quanto da capacidade que
apresentavam em formular as perguntas no momento em que argüiam seus opositores.
Em seqüência no primeiro dia útil depois da “lição oral”, teria início as
formalidades para a prova prática. Caso o concurso fosse para professor de ciências
cirúrgicas ou acessórias, sendo escolhidos os professores que irão examinar “os candidatos
farão imediatamente pela ordem de sua inscrição a prova prática que lhes tiver cabido por
sorte, não podendo os subseqüentes assistir á prova dos anteriores”. Para o exame do
candidato a Seção médica, Clínica ou Cirurgia, não haverá pontos: “... escolherá aquella
Comissão na Santa Casa da Misericórdia hum enfermo de moléstia, o qual será examinado
separadamente por cada candidato, e logo pela ordem da inscripção, cada um sem
assistência dos subseqüentes, fará sobre a moléstia as reflexões que lhe parecem
219
Artigo 35 das Instruções de dezembro de 1854.
220
Conforme artigo 41 das Instruções de 1854.
165
cabidas”.
221
Em relação à prova prática
222
, os concursos para o ensino primário e
secundário não apresentavam esta etapa. Contudo, no que diz respeito aos exames para a
escola elementar, a prova escrita sobre métodos de ensino poderiam estar representando as
possíveis práticas desses professores, uma vez que as questões desses exames, como vimos
anteriormente, pedia que os candidatos respondessem a questões como: “os methodos mais
utilizados, os preferíveis e por que?”. Portanto, a análise dessas provas indicam que os
futuros mestres deveriam expor suas idéias a respeito das práticas pedagógicas, assim
como, definir-se por uma delas, justificando a sua escolha.
No que diz respeito à avaliação final, o regulamento aponta para a votação do
candidato que deveria ser considerado o mais preparado para exercer a carreira do
magistério. Desta forma, no primeiro dia útil depois da prova prática, na presença da
Comissão examinadora e dos candidatos, “abrir-se-há a urna das provas escriptas, e
recebendo cada candidato a que lhe pertence, a lerá em voz alta guardada a ordem de
inscripção”. O candidato que pela ordem de inscrição for o segundo a ser examinado,
“velará sobre a fidelidade da leitura. Sobre a prova do último velará o primeiro inscripto”
223
A partir desta exposição, os candidatos se retiram tendo lugar a votação sobre os seus
exames. De acordo com o artigo 53 e 54 “distribuir-se-hão pelos Lentes três cédulas
impressas e todas de igual tamanho, e do mesmo papel, contendo o nome de cada candidato
e outras tantas brancas”, e “terá lugar a votação de preferência sobre aquelle que deva
ocupar o primeiro lugar na lista que tem de ser apresentada ao Governo, lançando cada
professor na urna o nome do candidato que julgar neste caso, ou huma cédula em branco se
a nenhum considerar habilitado”. Neste sentido, quando houvesse a maioria absoluta de
cédulas brancas, entenderia a Comissão que nenhum dos candidatos fora habilitado, ou em
caso de “empate de dois candidatos, por haver cada um obtido metade do número dos votos
dos Membros presentes, passarão ambos por novo escrutínio e será incluído aquelle que
reunir maioria”
224
. Em caso de permanecer o empate, ambos ocupariam o primeiro lugar na
lista dos candidatos, sendo a decisão final dada pelo Governo.
221
Conforme artigo 48 das Instruções de 1854.
222
Embora no Regulamento sobre os concursos para professores públicos primários organizados em 1845,
indicaavam que estes eram submetidos a exames práticos nos quais deveriam provar suas habilidades fazendo
executar as práticas do ensino mútuo em uma turma de meninos de acordo com o artigo desta norma.
223
Conforme artigo 51 das Instruções de 1854.
224
Conforme artigo 59 das Instruções de 1854.
166
É interessante observar a forma como se estabelecia a avaliação dos
candidatos. Este critério impede que os pareceres da Comissão responsável pelos
Concursos fossem encontrados nas provas escritas dos candidatos, como o observado nos
concursos para o ensino primário e secundário. Como vimos, os exames nas faculdades
eram lidos em voz alta pelos candidatos para que os avaliadores determinassem,
individualmente, qual deveria ocupar o primeiro lugar e, desta eleição, sairia a lista dos
resultados desses concursos. Portanto, as provas escritas, de acordo com a Instruções,
poderiam nos informar apenas sobre os saberes e as assinaturas dos componentes da Banca
e dos demais candidatos ao cargo de professor. No entanto, trabalhei com a possibilidade de
encontrar nas atas desses concursos alguma informação sobre estes sujeitos uma vez que,
no dia seguinte, a Congregação deveria se reunir para assinar o ofício de apresentação dos
candidatos, fazendo acompanhar da cópia das atas de todo o processo do concurso, e, além
disso, “de huma informação particular do Director sobre cada candidato não só em relação
á maneira porque se houverão no concurso, como no tocante ao merecimento litterario e
serviços, á vista dos títulos e documentos que tiver apresentado”
225
.
Ao contrapor as atas e provas desses concursos ao magistério do ensino
superior com a análise da legislação, percebe-se os sinais das práticas estabelecidas no
âmbito do recrutamento docente para o preenchimento das Cadeiras da FMRJ. Diferente
das atas e provas para o ensino elementar e secundário, encontradas dispersas entre os
códices pertencentes tanto ao Arquivo Nacional quanto ao AGCRJ, as atas dos concursos
para o magistério na FMRJ encontra-se organizada pelos ofícios
226
que a encaminharam ao
Ministro do Estado e Negócios do Império. Nesse sentido, o documento de apresentação
dos candidatos aprovados pela banca examinadora dos concursos envolve e concentra em
um mesmo bloco, os procedimentos relativos a cada um desses eventos. Portanto, esta
225
Conforme artigo 61 das Instruções de 1854.
226
Essa documentação pertence ao conjunto de Notações referentes a Série Educação com os títulos “Ofícios
do diretor da FMRJ” emitidos entre o período de 1820-1864 que abrangem as Notações entre IE3.10 ao
IE3.24. Podemos também encontrar nas Notações IE3: 148-149-150- as provas dos Concursos entre 1883-
1900. Vale destacar que nos pacotes referentes a estes documentos encontram-se, além das atas e provas
analisadas neste estudo, uma diversidade de outros documentos tais como: relação das faltas dos professores
nas aulas, as justificativas dessa ausência, assim como a dos demais funcionários da faculdade, as folhas dos
vencimentos, os programas de ensino, as queixas do diretor sobre as precárias condições de funcionamento da
faculdade, os casos de insubordinação de professores, alunos e funcionários, os pedidos de licença do serviço,
os relatórios do diretor, as Memórias Históricas Acadêmicas da FMRJ, comunicação sobre o início e
encerramento do ano letivo, convites ao Imperador para assistir aos concursos de professores, pedidos de
instrumentos para o laboratório, e livros para a biblioteca, diárias de serventes livres e de aluguéis de escravos
167
organização facilita a análise do processo de recrutamento em suas diferentes etapas,
produzindo uma idéia das práticas envolvidas nos concursos para o magistério da FMRJ.
Esses documentos, além de confirmar a norma destes concursos, apontam
outros aspectos importantes ao estudo. Entre eles destaca-se a forma como esses eventos
estariam sendo controlados pelo Governo. Um primeiro olhar para estas fontes, chama
atenção para a presença constante do Imperador nas diferentes etapas desses exames, além
do modo como a Congregação se preocupava em preparar o ambiente para receber “Sua
Magestade” pedindo autorização ao Ministro para utilizar uma das salas do Hospital
Militar
227
. Além deste fato, outros aspectos tornam-se fundamentais e ajudam a análise da
legislação em torno dos concursos. São quatro os pontos a serem considerados. Primeiro, a
confirmação das etapas envolvidas no processo de recrutamento de professores para as
Cadeiras vagas na FMRJ, com o desdobramento destas em múltiplos procedimentos, aos
quais, tanto a comissão examinadora quanto os candidatos deveriam submeter-se a um
“longo e desgastante” ritual flagrado principalmente nas atas desses exames.
No conjunto dos papéis relativos a cada um dos concursos analisados para as
diferentes cadeiras da FMRJ, encontram-se sistematicamente um total de, pelo menos, 13
atas, possíveis de serem observadas no anexo XI, p. 228, que descrevem os seguinte
procedimentos: inscrição e habilitação dos candidatos aos concursos com a lista de
apresentação destes ao governo; escolha dos pontos pela comissão dos concursos para a
defesa da tese de cada um dos candidatos; apresentação dos pontos das teses aos
candidatos; sustentação das teses; escolha dos pontos para a prova escrita com a preparação
das urnas para o sorteio; prova escrita, com o ponto tirado a sorte pelo candidato de
inscrição mais antiga; escolha dos pontos para a prova oral; sorteio e entrega ao candidato;
prova oral; organização dos pontos para a prova prática; sorteio do ponto e prova prática
para os candidatos; leitura da prova escrita com a imediata votação sobre os lugares que
deveriam ocupar os candidatos na lista a ser entregue ao Governo; e uma última ata
referente a apresentação da lista de candidatos ao Governo com a escolha do candidato que
deveria ocupar a Cadeira vaga na Congregação dos Lentes, assim como um parecer sobre o
africanos para os trabalhos pesados, folhas de duplicata de fornecedores, pedidos de afastamento do diretor,
entre outros aspectos de interesse da faculdade, que deveriam ser comunicados ao Governo.
227
Nesta ocasião o diretor da FMRJ aproveitava para lembrar as condições do espaço em que funcionava a
instituição, alojada “em modestas, precárias, úmidas e barulhentas” acomodações dentro do Hospital Militar.
168
merecimento e a conduta do candidato nos exames
228
. Em cada uma dessas atas
identificam-se o dia do evento, a cadeira posta em concurso, os componentes da banca
examinadora, a relação dos candidatos inscritos, a referência à presença do Imperador, e,
especificamente a cada uma delas, as questões tiradas por sorteio e o tempo em que deveria
ocorrer cada parte do exame em questão.
Entre as escolha dos pontos para as teses e a sustentação destas pelos
candidatos decorriam em média de 45 a 60 dias. Os demais procedimentos deveriam
acontecer em dias simultâneos, com exceção da prova oral, que ocorreria 48 horas após o
sorteio do ponto. Para exemplificar, o Concurso para “O Lugar de Substituto para a Secção
Cirúrgica” em 1857 foi realizado entre 04 de março a 13 de maio do mesmo ano.
É importante destacar ainda o ritual estabelecido em cada uma das etapas do
concurso. Segundo a própria Comissão organizadora a única chance do candidato anular
um concurso consistia no fato da não observância dos critérios que organizavam sua
realização. Daí o detalhamento nas atas de todo o processo em que ocorreu cada uma dessas
etapas, com o propósito de promover a visibilidade e credibilidade destes acontecimentos.
Contudo, essas próprias atas dão sinais da forma como a Congregação da
FMRJ procura escapar ao prolongado processo de recrutamento docente. Como exemplo, o
concurso de 21 de maio de 1859 para o preenchimento da vaga de Substituto da Seção de
“Sciencias Accessorias”, na ata desse exame considera-se o requerimento do Doutor Paula
Fonseca, membro da Comissão examinadora que, nesta reunião, depois de expor as
considerações a respeito do concurso propõe que:
Considerando que terminando o prazo para as inscripções, não compareceo
para se escrever senão um Oppositor da referida secção, o qual já deo provas
da habilitação no concurso a que se submetteo para obter o logar que occupa,
requeiro que se proponha ao Governo a alteração dos Estatutos, para que em
casos identicos sejão dispensados as provas exigidas pela última parte do Art.
70 dos mesmos estatutos”.
229
Não há indicação sobre a resposta do Governo, mas este concurso é detalhado
nas demais atas deste evento.
228
Entre as atas dos concursos analisados neste trabalho, é insignificante a diferença entre o número de atas
apresentadas em cada concurso. Algumas vezes encontram-se acumuladas em uma delas o procedimento da
prova escrita com o sorteio do ponto para a prova oral.
229
Conforme Série Educação, Notação IE3.22. do A N.
169
Um segundo aspecto a ser considerado diz respeito aos documentos
apresentados no momento da inscrição dos candidatos. Tal como a norma sugere, o Dr.
José Victorino da Costa:
Formado a mais de seis annos (desde 1852), e ter desde então praticado a
clínica médica cirúrgica na Cidade de Nicteroy, provando isto; bem como o
conceito que goza como médico e como Cidadão com os atestados da Câmara
Municipal da Cidade, do chefe de polícia, dos médicos e dos pharmaceuticos
do lugar – Ajunta a estes documentos os certificados de sua aprovação nos
diversos annos do curso médico- um officio do Barão de Tramandahi de 28 de
julho de mil novecentos e cinqüenta e cinco agradecendo-lhe os serviços que
prestou gratuitamente como médico do Batalhão de infantaria destacado em
Nicteroy- um oficio do Chefe de Polícia da província, Dr. Caetano de Andrade
Pinto, de 22 de outubro de 1855, agradecendo a coadjuvação que prestou
durante a epidemia; e um atestado do Dr. Ricardo de Sá Rego, Vice provedor
do Asylo de Santa Leopoldina, 14 de novembro de 1856, sobre os serviços
que prestou gratuitamente aos doentes do Asylo”.
230
Como podemos perceber, esta forma de apresentação do candidato aproxima-
se bastante do processo verificado no exame prévio para os concursos ao magistério da
escola elementar, nos quais, diferentes documentos buscam comprovar a capacidade e
moralidade dos candidatos.
Com base nestas fontes, foi possível identificar um terceiro ponto
considerando as atas de apresentação dos candidatos considerados habilitados pela banca
examinadora para a escolha do Governos. Estes documentos apontam para considerações
gerais sobre a avaliação de cada um dos participantes. Para melhor exemplificar, apresento
os pareceres sobre os candidatos formando um quadro no qual pode-se perceber os aspectos
considerados importantes para habilitação à Seção de Ciências Acessórias e Cirúrgica na
Faculdade de Medicina da Corte imperial:
Quadro IX – Concursos para a Seção de Ciências Acessórias
Candidato
s
Data/Códic
e
Cadeira Pareceres Habilitaç
ão
Dr.João
Joaquim
Gouvêa
13/09/1855
Notação
Ie3.20.
Opositor
da Seção
de
“Quanto a informação que devo dar a V. Exa.
Sobre este candidato não pode ser
desfavorável á vista da votação quasi unânime
15
cédulas
com a
230
Conforme Série Educação, Notação IE3.22. do A N.
170
S.Ed. AN. Sciencias
Accessór
iais
que obteve, depois de passar pelas provas
exigidas pelo Regulamento, durante as quais
portou-se com decência. No emprego que o
concurrente tem exercido nesta faculdade de
preparador das lições de chimica mineral e
medicina legal, ter cumprido suas obrigações,
e nenhuma queixa tenho a seu respeito”.
palavra
sim e
uma com
a palavra
não,
entre 16
votantes.
Dr.João
Joaquim
Gouvêa
21/06/1859
/ IE3.22.
S.Ed. A N.
Substitut
o
daSecção
. De
Scienciai
s
Accessor
ias
“Parece á vista da prova escripta que
acompanham o processo deste concurso, que o
concurrente está no caso de merecer a
nomeação do Governo. A Dissertação é bem
escripta, o stylo é bom e a linguagem correta;
quanto ao seu objecto abstenho-me, por
incompetente de formular qualquer juízo”.
19
cédulas
de um
total de
19
votantes.
Quadro X – Concursos para a Seção Cirúrgica
Candidato
s
Data/Códic
e
Cadeira Pareceres Habilitaç
ão
Dr.
Antonio
Ferreira
França
05/10/1855
IE3.20.
S.Ed.. A N
Opositor
es da
Secção
Cirurgica
“Em quase todas as provas o Dr. França
formado em medicina pela Faculdade de Paris,
sahio-se bem; na prova pratica de Anatomia,
demostrou o objeto que lhe coube por sorte do
modo mais satisfatório possível, sobresahindo-
se admiravelmente aos seus competidores,
como era de se esperar do seu amor e
dedicação, geralmente reconhecidos por
aquelle ramo tão difícil e importante do ensino
médico”.
Quasi
unanimid
ade dos
votantes
231
.
Dr.
Antonio
Ferreira
França
13/05/1857
IE3.21
S. Ed. A N
Substitut
o da
Secção
Cirurgica
“A Faculdade segundo o meu modo de pensar
foi levada a proceder dessa maneira não só
pelas duas últimas importantíssimas provas
(escripta e practica) que foram superiores ás
dos Dr. Chaves, como pelos bons serviços que
aquelle Dr. tem prestado ao ensino desta
escola por espaço de dois annos, na cadeira de
Anatomia Discriptiva Além dos
conhecimentos practicos, na especialidade,
para que concorreu,.o Dr. França mostrou
erudição cirúrgica, como se vê na sua prova
escripta, e muita practica nas dissecções, por
quanto elle em 2 horas ”.
1º lugar
com 14
cédulas
do total
de 19
votantes
231
Os dois outros candidatos que concorreram a mesma vaga ficaram empatados pelo número de votos em
segundo lugar e a Congregação decidiu pelo desempate confrontando as notas que obtiveram no curso
médico. É interessante destacar os modos como eram feitas as avaliações durante a formação.
171
Dr. José
Maria
Chaves
13/05/1857
IE3.21.
S. Ed. A N
Substitut
o da
Secção
Cirurgica
“Direi que o Dr. Chaves esteve superior nas
duas primeiras provas (these e lição oral) é
moço de muito talento, que o seo espírito
generalizado muito recomenda, e que, pelos
seus conhecimentos, é elle um dos bellos
ornamentos desta Escola.
2º lugar
na
segunda
votação
com 13
votos de
um total
de 19
votantes
no dia da prova escrita, outros dez para sortearem um dia antes da prova oral, e ainda mais
dez para a prova prática. As atas dos exames nos informam “dos pontos tirados á sorte
pelos candidatos, obedecendo o critério da antiguidade de suas inscrições”. Neste sentido, o
quadro XI confere os saberes exigidos em quatro concursos, observando as etapas
empreendidas pelos candidatos às vagas em questão:
Quadro XI – Amostra dos saberes exigidos nos concursos:
Candidatos Data
/Notação
Cadeira Saberes
Dr. João
Vicente
Torres
Homem
05/05/1860 -
IE3.22
Oppositor
da Secção
Medica
Pr. Escripta - Funções do Nervo pneumo-
gastrico/Pr. Oral – Dephiteria/ Pr.práctica - Exame
de um dos doentes de moléstia médica enfermaria
da Santa Casa da Misericórdia, com posterior
história sobre o diagnostico, tratamento e
prognósticos do doente observado./
Dr. João
Joaquim
Gouvêa
21/06/1859
IE3.22.
Substituto
da Secção
Sciencias
Accessória
Pr. Escripta – Teoria da Visão/Pr. Oral- Do álcool
em geral, em particular do vinico e sua preparações
pharmaceuticas/ Pr. Practica- Determinar a Classe e
a espécie a que pertence um dos frutos presentes.
Descrever botanicamente as diversa partes de que se
compõe
Dr. José
Thomaz de
Lima
13/09/1856
IE3.20
Oppositor
da Secção
Sciencias
Accessorias
Pr. Escripta – Do Magnetismo/ Pr. Oral – Tratar das
idade e identidades das pessoas/ Pr. Practica –
Reconhecer a falcificação do cremor solúvel do
sulfato de quinina
Dr. Antonio
de Oliveira
Cotta Preta
13/05/1857
IE3. 21
Substituto
da Secção
Cirurgica
Pr. Escripta – Considerações anatomo-pathologicas
à respetio das adhesões mórbidas e das
restauradoras/Pr. Oral – Rachitismo/ Pr. Practica –
Orelha média interna
Dr. José
Maria
Chaves
24/09/185
8IE3. 21
Substituto
da Secção
Cirurgica
Pr. Escrita- Das indicações fornecidas pelas feridas
penetrantes ao abdômen, dos meios de prehenche-
las/ Pr Oral – Da Castração/ Pr. Practica- Músculos
do Pharinge e véo do paladar.
Em relação à defesa das teses dos candidatos, foi possível observar que apesar
da presença das atas que descreviam o processo de escolha do tema e defesa das teses que
os candidatos deveriam apresentar nestes concursos, estes documentos não fazem
referência ao seu conteúdo, assim como não foi possível encontrar, também, o registro das
mesmas no acervo do A N.
173
Este quadro torna-se importante por fornecer uma idéia dos temas que
estariam entre as preocupações dos membros da FMRJ, produzindo uma amostra das
questões postas naquele tempo. Junto a estas é possível identificar no conjunto de atas a
referência a outros temas, como por exemplo: “Febre puerperal”
233
; “Da práctica da versão
no caso de apresentação da espadua direita”
234
; “Disposição e atitudes do feto no útero”
235
;
Da Febre Amarela”
236
; “Hemorragias”
237
; “Dos estreitamentos e das obliterações
arteriaes”
238
.
Considerar estas informações nos permite acrescentar dados sobre o processo
de seleção ao magistério superior, uma vez que, como vimos, este tema tem sido pouco
explorado pelos pesquisadores em história da educação brasileira
239
Um quinto e último ponto a destacar diz respeito à tensão entre Governo e
Congregação de Lentes, quanto à pouca procura pelos candidatos aos cargos de professores
da FMRJ. Este fato provoca duas situações de conflito detectadas nas atas dos concursos,
ofícios do Diretor e do Governo referentes a esta questão. A primeira em relação à
manutenção da classe dos Substitutos e a segunda sobre a situação de trabalho conferida
aos Opositores.
Para acompanhar este diálogo, considero os ofícios que o Diretor da
Faculdade José Martins Jobim em 28 de março e 27 de abril de 1960 envia ao Governo e a
resposta do Ministros à Congregação da FMRJ, uma boa oportunidade para pensar sobre
questões da docência na FMRJ. Desta forma, nessas ocasiões, o representante da
Congregação de Lentes da Faculdade de Medicina expõe ao Ministro que:
A falta de concurrentes aos logares de oppositores das Faculdades de
Medicina, no estado actual das coisas, em minha opinião revella defficiencia,
ou má organização desta classe e que junto á módica retribuição de seus
serviços affugenta a mocidade intelligente e estudiosa dos logares que com
muitos honrosos, pouco e precário jubilo oferecem. Isto é principalmente
devido a existência da classe de Substituto, a qual affasta para um futuro
233
Conforme Notação IE3.22. do A N.
234
Idem
235
Idem
236
Conforme Notação IE3. 21. do A N.
237
Idem.
238
Conforme Notação IE3.20 do A N.
239
Um aspecto a ser aprofundado na análise das provas escritas dos candidatos ao magistério nos diferentes
níveis de ensino diz respeito a forma como em seus escritos os professores defendem suas posições,
afirmando ou não práticas estabelecidas no período. No âmbito deste trabalho não foi possível considerar este
interessante aspecto.
174
muito remoto a possibilidade do Oppositor conseguir sua entrada da classe dos
Lentes. Entendo que será muito conveniente que se declare de uma vez e já
que nem hum logar de Substituto será mais provido, e a par disto se decretem
maiores vencimentos aos Oppositores que servirem. (28 de março de 1860)
Em resposta a última parte do meo officio de sete de março do corrente anno,
em que comunicava a V. Ex.ª.ter a Comissão decidido que fosse o Governo
consultado si queria usar da autorização que lhe confere o artigo 75 dos
Estatutos, para fazer directamente as nomeações de oppositores, depois de já
annunciado o concurso por três vezes sem ter aparecido concurrentes, ou si
queria manda-los pôr de novo a concurso, determinou-me Vossa Ex.ª em
Aviso de 28 de março último, para fazer constar a Congregação, que
organizasse uma relação dos indivíduos que julgasse mais habilitados
remettendo a V. Ex.ª para ser tomada em consideração; e para que chegasse
esta determinação ao conhecimento de todos os que estivessem no caso de
merecer dita nomeação, e por outro lado parecendo-me que não nos devíamos
expor a apresentar ao Governo quem depois de feita a nomeação a recusasse,
mandei annunciar por quinze dias pelas folhas públicas, que se me
apresentassem com requerimentos os pretendentes, que estivessem no caso da
lei, e, e apresentando-me sete, mandei tirar as notas que tinhão obtido nos
exames escolares por que elles passarão, juntei os ditos requerimentos e
levando tudo ao conhecimento da Congregação em sessão de hontem resolveu
ella unanimente que se pedisse ao Governo houvesse por bem despensa-la de
organizar a lista determinada naquele aviso, visto que não lhe seja possível
formá-la em boa consciência, em proveito real do ensino médico, senão por
meio de concurso. Ora, entendo eu, a vista do crescido número de
pretendentes que se apresentarão, que este concurso se for de novo anunciado,
poderá agora ter lugar uma vez desenganados os pretendentes, que não podem
ser nomeados senão por este modo. Transmitindo a V.Exª essa decisão da
Congregação tenho a honra de remetter os requerimentos que me foram
dirigidos de oito pretendentes dos quais um, o Dr. Augusto Candido Fortes de
Bustamontes Sá, não se acha comprehendido na disposição do já citado Artigo
75 dos Estatutos, por não ter seis annos de practica para que V. Exª possa
deliberar sobre este assumpto, como julgar mais acertado”. (27 de abril de
1860, Notação IE3.22, A N.)
Diante dessas considerações, o Governo responde ao Diretor da FMRJ:
Não obstante saber o Governo que podia prescindir dessas informações, não
esperava todavia semelhante recusa por parte da Congregação, que uma vez
admittido tal precedente, poderá dar, debaixo de iguais protestos a mesma
resposta sobre outro objecto, a cujo respeito a queira ouvir o Governo.
Devolvo pois a V. Exª os requerimentos dos Candidatos, afim de que a
referida Congregação, á vista dos documentos com que se acham instruídos e
do conhecimento que tem dos pretendentes, informe se elles poderão ser
175
nomeados com vantagens para o ensino. (29 de abril de 1860, Notação IE3.22,
A N.)
O embate entre Congregação e o Governo aponta para questões relativas ao
recrutamento docente neste período, tais como: a pouca concorrência de candidatos aos
concurso, o exame das atas sinaliza que era comum a procura de somente um ou mesmo
nenhum candidato as vagas dos Opositores; os baixos salários desta classe, mesmo com o
recebimento legal de uma gratificação quando estiverem substituindo os Lentes
proprietários; o fato de se apresentarem a nomeação direta pelo governo oito candidatos a
vaga de opositor depois de permanecer aberta as inscrições durante seis meses, sugere que
estes possíveis candidatos esperassem o esgotamento dos prazos para obterem uma vaga
sem participação no processo de recrutamento; a intolerância da Congregação quanto as
nomeações de professores sem a realização de concursos, este fato também pode ser
constatado, nos relatórios que apresentavam ao Governo; a afirmação de que mesmo no
caso de nomeação direta sem concurso, os candidatos precisavam adequar-se aos preceitos
da Lei; enfim a interessante relação de poder entre estas duas instituições.
O debate relativo à regra do concurso, ultrapassa as fronteiras da FMRJ, sendo
objeto de reflexão na esfera política, como é possível perceber na discussão da Câmara dos
Deputados de 18 de agosto de 1854. Ao discutirem o aumento dos ordenados, o deputado
Paranaguá defende o concurso público como princípio, se contrapondo, porém, à nomeação
de professores que ocorriam fora deste dispositivos de controle. Outro sinal de que o poder
da lei era mediado pelo poder do homem da política. Nesse sentido, cabe acompanhar os
termos e tom do debate na Assembléia Legislativa.
Inicialmente, o Sr. Paranaguá, ao se aventurar em algumas reflexões relativas
aos concursos defende que os mesmos ofereciam garantias mais reais e mais efetivas para o
provimento do lugares vagos. Ao ser contestado pelo Sr. Octaviano afirmando que este
caso não se aplicava ao ensino superior, Paranaguá responde tecendo críticas na forma
como os exames são realizados:
Não desconheço que a prova do concurso tem seus inconvenientes; mas,
senhores, se o concurso não trouxer aos estabelecimento de instituições
públicas os homens mais eminentes, sem dúvida não trará aquelles que forem
inteiramente destituídos de habilitação para o magistério. (...) O concurso tem
seus espinhos, e aquelles que não tiverem bastante confiança em seus talentos
176
e instrucção, não se atreverão a expor-se a essa prova pública, não quererão
aventurar-se a um certame em que tenhão de lutar com atletas vigorosos que
os possão levar de vencidos, lançando-lhes um dezar. Sem o concurso todos se
julgam habilitados a pretender, e ao governo não é fácil a melhor escolha. Por
outro lado os bons eminentes, os verdadeiros sábios, não devem por meios
preconceituosos recuar perante a prova do concurso, principalmente quando a
este prendar o saber e a imparcialidade. Não sei que um homem
verdadeiramente habilitado deva temer a prova escripta, as dissertações oraes,
e nem a argumentaçãocom outros candidatos. São actos que devem ser
familiares áquelles que se destinão ao magistério. Reconheço, como disse, os
inconvenientes do concurso, mas quis todavia, que elle não fosse banido, que
deixasse de ser considerado como o meio ordinário, a prova mais usual e
positiva para fazer apparecer o mérito. Tenho toda a confiança no honrado
Ministro do Império, mas entendo que mesmo para Vª. Exª. melhor era que a
isenção do concurso unicamente fosse reservada a essas reputações conhecidas
geralmente, e que assim houvesse uma combinação no mais adaptado para o
provimento das cadeiras. (...) Dando preferência ao concurso, eu não exprimo
um voto de desconfiança ao nobre Ministro do Império: sou o primeiro a
reconhecer o acerto de algumas nomeações de S. Exª, e a boa vontade com
que se dedica a tudo quanto respeita á instrução do paíz;porém, senhores, o
que é o governo representativo senão o systema de desconfiança? Os ministros
estão eternamente no poder? Não, no systema representativo. Sempre se
procura cercear o executivo de toda a garantia afim de que os seus actos sejão
sempre em proveito do paiz; nas leis e regulamentos se deve ter mais em
vistas as leis que as pessoas. (RJ., Typographia de Hippolito José Pinto, 1876
– Tomo IV, p. 203)
Ao analisar os exames e seus rituais, considerando as etapas percorridas pelos
candidatos até o ingresso na função de professor, percebe-se os mecanismos acionados para
afirmar um projeto de modelação docente por parte do governo. Da inscrição no concurso,
à defesa da tese passando pelas provas escrita, oral e prática e, ainda, por uma escolha final
do Governo, os sujeitos que participavam deste recrutamento, ao submeterem-se às regras
impostas a fim de ocuparem o lugar de professor na Faculdade de Medicina do Império,
estariam de certa forma, atendendo às exigências de um modelo cujo molde é dado pelo
processo de recrutamento, ainda que se possa observar certos desvios em relação ao
profissional exemplar.
Como vimos, havia uma preocupação em tornar o exame um ato solene,
qualificador da docência do ensino superior e, nesse aspecto, considerando-se as
aproximações entre os Estatutos formulados para as instituições de nível superior, é
possível que práticas assemelhadas também tenham sido desenvolvidas nas Faculdades de
Direito e no Instituto Comercial, consideradas superficialmente neste trabalho.
177
Na atualidade os concursos se mantêm como meio de seleção e qualificação
profissional e apesar do tempo em que estes vêm se constituindo, algumas queixas antigas
permaneceram. Nesse sentido, só para exemplificar uma das inúmeras representações atuais
sobre os concursos, chamo atenção para a convocação divulgada em junho de 2005 pelo
Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro em favor da “Moralização do Concurso
Públlico” no anexo XII, p. 229.
Este panfleto refere-se ao esforço dos candidatos aos cargos públicos em
realizar as provas, ao problema dos contratos “temporários” sem a realização de concursos
públicos, à “moralização” dos exames em épocas passadas, ao poder nas mãos dos políticos
do país, aprovações não confirmadas, enfim, aspectos verificados no século XIX, como
efeito de uma tradição que deveria ser combatida.
Mais que apresentar o processo de recrutamento docente no período no
império do Brasil julgo que considerar estas questões ajuda a sedimentar a hipótese de que
a legislação produzida em meados dos oitocentos e o modo como ela foi posta em vigor
procurou construir um modelo idealizado de professor, que permaneceu no imaginário dos
homens e mulheres do período em questão. Como vimos no capítulo anterior, esta
estratégia normalizadora impetrada pelo Governo atingiu não só o magistério público e
particular, mas também propôs mudanças nos demais setores profissionais que estiveram
sobre as determinações das reformas imperiais em meados do século XIX.
178
V TÉCNICAS DE RECRUTAR: REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORES A
PARTIR DE DIFERENTES POSIÇÕES DE GOVERNO.
Neste momento do trabalho, proponho pensar o processo de recrutamento e
modelação docente na segunda metade do século XIX considerando que o mesmo se
desenvolve no interior de relações de poder entendendo o exercício de poder como um
modo de ação de alguns sobre outros. O que quer dizer, para Foucault (1995, p. 243) que
não há algo como “o poder” ou “do poder” que existiria globalmente, maciçamente ou em
estado difuso, concentrado ou distribuído. Neste sentido, me aproximo da tese de que: só há
poder exercido por “uns” sobre os “outros”; o poder só existe em ato, mesmo que, é claro,
se inscreva num campo de possibilidade esparso que se apóia sobre estruturas permanentes.
Deste modo a definição de um ofício e de seu estatuto se dá marcada por jogos de poder, o
que forja representações variadas acerca do mesmo. Assim, trabalhei com representações
questões centrais deste estudo, o poder centralizado na Corte e a pretendida modelação
docente para os diferentes níveis de ensino. sobre o processo de recrutamento docente no
período, considerando, dispositivos legais, e, massa documental que contem vestígios das
práticas no campo da instrução. Sinais de um poder difundido no corpo social, orquestrado
por um conjunto de complexas relações entre “aquele que manda” e “aquele que “deve
obedecer”. Desta forma, penso que o exame das relações entre as regras impostas que
procuram modelar o “profissional” e o “ofício” de professor e as ações efetivadas pelos
sujeitos “regulados” ajudam a problematizar duas
Nesse sentido, procurei trabalhar com a tese de que a centralização pretendida
pelo Governo imperial poderia ser melhor compreendida aproximando-a da concepção de
poder defendida por Foucault (op.cit) que consiste em entender que “aquilo que define uma
relação de poder é um modo de ação que não age direta e imediatamente sobre os outros,
mas que age sobre sua própria ação” (Ibidem, p. 243)
179
Neste sentido, a fim de melhor observar “a ação sobre ações” no processo de
recrutamento docente dei destaque a documentos que trazem representações sobre a prática
dos concursos ao cargo de professor entendendo que a análise destas fontes apontam para
um perfil de professor construído entre relações de poder, do poder em funcionamento,
como Foucault propõe. Desta forma, é possível perceber que não há o sujeito determinado
“que manda”, nem o “que obedece”. O poder vai depender tão somente das relações e do
lugar que os sujeitos ocupam em todo o processo.
Ao refletir a respeito do magistério em geral, procurei destacar a função do
recrutamento de professores na conformação da profissão, por intermédio das
representações possíveis de serem percebidas nas fontes consultadas. Para este exercício,
considerei, documentos trabalhados nos capítulos anteriores e as representações sobre a
instrução pública presentes em por três novas fontes. Tais fontes apontam para a forma
como seus autores compreendiam as questões educacionais do seu tempo, e entre elas a
seleção de professores.
Assim, as “cartas” do prof. Manoel Pereira Frazão
240
, os relatórios do Dr. José
Martins da Cruz Jobim
241
e de Dunshee de Abranthes
242
ancorados em posições bem
marcadas, debatem questões ligadas à instrução, com as quais pretenderam mostrar, cada
um a seu modo e a partir do lugar que ocupavam, as condições em que se encontrava o
magistério e o recrutamento de professores no século XIX.
É interessante observar que estas análises trazem outros pontos importantes
para o trabalho, e, mais do que propriamente as questões que problematizam, esses escritos
240
De acordo com Gondra no artigo “Ao Correr da Pena: Reflexões Relativas às Cartas de Professores” (In:
Mignot, A C. V., 2002) o professor Frazão é autor de compêndios e manuais para uso de escolas, relatórios,
métodos de ensino para a escola primária, pareceres, além de ser organizador e signatário de manifestos e
jornais pedagógicos.
241
Doutorou-se em Medicina em 1831, idealizador e fundador junto com mais 5 médicos da Sociedade de
Medicina do Rio de Janeiro em 1829, transformada em Academia Imperial de Medicina, hoje Academia
Nacional de Medicina. Dos membros desta instituição sai o acordo para que os Cursos de Medicina do Rio de
Janeiro e da Bahia passassem à categoria de Escolas à Faculdades. Professor de Medicina Legal, dirigiu a
FMRJ de 1842-1872. (Conforme a Apresentação do Volume 1 do Catálogo de Teses 1832-1985, feita pela
Profª Lea Camilo-Coura
242
De acordo com Octaviano Nogueira (1998) João Dunshee de Abranches Moura nasceu no Maranhão, no
ano de 1867. Sua mãe, educadora, fundou e lecionou no Colégio Nossa Senhora das Graças. Aos 17 anos, vai
para o Rio de Janeiro, onde cursa durante 5 anos a Faculdade de Medicina, curso que abandonou para se
diplomar em Direito. Advogado, cronista e redator político, envolvido com as questões sociais do seu tempo,
recebeu do Governo Rodrigues Alves a tarefa de elaborar um relatório sobre o ensino secundário e superior.
Este fato lhe conferiu prestígio que o lançou na carreira política a partir de 1905 como Deputado estadual e
depois federal do Estado do Maranhão até 1917.
180
tornam-se interessantes, também, pela oportunidade que apresentam de observarmos as
complexas relações de poder estabelecidas entre diferentes posições de governo.
5.1 – Uma prévia de si
A documentação considerada neste trabalho estabelece uma ponte entre a
administração pública e o candidato, uma vez que, o pedir, o informar, o atender aos
requisitos da norma, ou mesmo a tentativa de diminuir as exigências faz com que os
candidatos tenham enquadrado no regular ou na exceção. Contudo, mesmo nesta última
condição, os concorrentes encontravam-se sob os princípios dos regulamentos. Portanto,
mesmo não aderindo completamente ao enquadramento legal, as ações desses sujeitos
podem estar significando que de certa forma, ao tentarem justificar seus pedidos de
isenção, ao se colocarem como exceção, o faziam sob a alegação de exercerem a profissão
de acordo com as expectativas do Governo. Estão, portanto, afirmando a norma. A medida
que são atendidos, acabam exercendo uma ação sobre a ação do Estado imperial. De certa
forma, estabelecem mais uma possibilidade de entendimento de quem e como deve “ser
um professor”. Como exemplo, é bom relembrar o caso do professor Pretextato dos Passos
Silva, Diretor de uma Escola de Instrução primária destinada para meninos de cor, que em
27 de março de 1856, pede e obtém dispensa do Governo das provas de capacidade para
continuar dirigir o seu estabelecimento
243
. O Conselho Diretor ao conceder a solicitação
justifica:
A vista dos documentos que junta o supplicante ao seu requerimento, e
attendendo á conveniencia de haver estabelecimentos em que possam
receber instrução os meninos a que se refere o supplicante julga que se lhe
poderia conceder a dispensa que requer. (S.Ed., Notação IE425, A N.)
Assim, mais uma concessão é feita quando o professor pede para ser
dispensado do exame prévio, como já vimos, bastante valorizado na seleção dos
candidatos. Este diálogo entre o imperativo que está de fora, e a legislação imposta pelo
Governo aponta para questões sobre o poder do que é regular. A força do regular existe,
mas o “ser professor” pode estar sendo constituído, também, fora dele, ao lado, dialogando
com ele. É bom lembrar a freqüência com que filhos de professores, tanto da esfera
pública quanto particular, substituíam seus pais na função, ou mesmo recebiam isenção
dos exames ao ingresso ao cargo de professores adjuntos, e, também os filhos de
professores particulares que tornaram-se diretores de Colégios com o falecimento dos pais.
Para tanto recorriam a justificativa da experiência, de uma espécie de formação pela
prática, na medida em que alegavam que, já havia algum tempo, participavam do processo
da docência. Como exemplo de um destes documentos, no anexo XIII, na p. 230
244
verifica-se a resposta do Governo ao pedido de professora jubilada
245
que pretendia
reingressar no magistério público, sem a participação nos exames de seleção, justificando
a possibilidade de estar ajudando a sua filha no impedimento desta.
Portanto, considerar estes tipos de documentos foi importante para a melhor
compreensão do processo de recrutamento docente, uma vez que dão sinais de como os
candidatos estariam se adaptando às regras. Sendo assim, seja atendendo às condições da
norma ou procurando se desviar destas regras, ou mesmo, achando-se já incluídos dentro do
modelo de professor desejado pelo Estado, os pretendentes ao magistério público e
particular dirigiam seus requerimentos ao ministro ou inspetor de ensino, para que fossem
aceitos no quadro de seus funcionários, independente da realização de concursos.
Outras indagações se apresentam além das demais formuladas neste capitulo.
Além das informações sobre a forma como o Governo propõe o recrutamento docente,
afinal, quem era o candidato a professor na segunda metade dos oitocentos? Qual o perfil
dos que se encontravam aptos ao exame de habilitação ao magistério? Como eram descritos
nos atestados de moralidade e maioridade? De que grupo social partiam? Qual a formação
anterior exigida aos candidatos a professor?
243
Conforme IE4-25, Série Educação, A N. Um detalhado estudo sobre esta escola para negros e escravos
encontra-se em
244
Conforme IE4.7, Série Educação, A N.
245
De acordo com o artigo 29 do Regulamento de 1854 “O professor jubilado que contar com 25 annos de
serviço effetivo poderá ser jubilado com o ordenado por inteiro. Aquelle que antes desse prazo ficar
impossibilitado de continuar no exercício do magistério poderá ser jubilado com a parte do ordenado
proporcional ao tempo que houver effectivamente servido, não podendo porêm gozar deste favor antes de
haver exercido o magistério por dez annos”.
182
A análise destas questões acaba fornecendo informações sobre a identidade
dos que pretendiam ingressar na carreira do magistério e isto se dá pelas representações
estabelecidas pelos diferentes sujeitos envolvidos ou não no processo do recrutamento e na
auto-representação do candidato no processo de recrutamento docente.
Considerando a documentação relativa aos exames de seleção, a investigação
desta primeira etapa da seleção mostra, como já visto anteriormente, que o pedido de
inscrição para o concurso deveria vir acompanhado de documentos que comprovassem a
idade e a moral do candidato a professor. É por intermédio destes ofícios que pretendi
identificar, no perfil deste profissional, os sinais de sua procedência, procurando conhecer
um pouco daqueles que, naquele momento de construção do Estado imperial, se
reconheciam como sujeitos autorizados a participar do processo de seleção de professores.
Em relação ao magistério elementar, considerei a hipótese de que já no
primeiro momento do concurso, na apresentação do candidato, poderíamos identificar
marcas de seu perfil e que um mapa destes pedidos nos forneceria um quadro da demanda
pelo magistério elementar na segunda metade do século XIX. Busquei então, na série
Instrução Pública sob a guarda do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro investigar
este acervo que disponibiliza uma massa concentrada de documentos referentes ao exame
“prévio” dos candidatos ao magistério primário.
É possível pensar o ato de inscrição ao concurso de professores públicos
primários, na segunda metade do século XIX, como momento de auto-representação do
candidato, no qual os sujeitos procuravam por intermédio de diferentes certificados,
produzir uma imagem próxima do tipo considerado “desejável” ao Estado Imperial. Com
esta expectativa, uma primeira análise dos códices pertencentes à série Instrução Pública
apontam para três sub-séries, nas quais, poderíamos perceber os sinais da identidade destes
candidatos a professor. Portanto, para o desenvolvimento deste estudo, considero
importante refletir sobre estas diferentes formas de apresentação dos indivíduos ao
concurso público.
Assim, os ofícios, atestados e requerimentos apresentados ao Inspetor Geral
como pré-requisitos ao exame “Prévio”, formalizam as duas primeiras classes de
documentos, aqui organizados, de forma a facilitar esta reflexão. Neste sentido, os quadros
XII e XIII relacionam as possibilidades de comprovação da moralidade e maioridade no
exame prévio dos candidatos e uma estatística das amostras analisadas neste estudo. É
183
importante lembrar que o período contemplado, ainda que não recubra todo o período deste
estudo, aponta uma idéia do que é possível encontrar na massa documental examinada.
QUADRO XII - Amostra de Atestados de Moralidade. (AGCRJ – 1855-1861)
Autoridade Documento / Códice
Ats.
Pároco Atento que nada me consta da supplicante Dª Maria
Angélica de Ataíde Pestana de Simas, além de ser
digna de todo louvor no seu comportamento público e
particular, e da sua correta conduta Religiosa. (Cód.
11.1.7/ p. 42)
18
Juíz de Paz Attesto que a SªDª Maria Angélica de Ataíde Pestana
de Simas, dirige desde o anno de 1852, nesta
freguezia, hum Collegio de meninas e nessa ocupação
tem empregado zelo e huma conduta moral e civil a
toda próva, o que lhe tem valido ser a sua casa de
educação frequentada anualmente por trinta a
quarenta pensionosta. (...) Cód. 11.1.7 / p 41.)
27
Inspetor de Quarteirão Attesto em observancia do despacho supra que o
suplicante, a quem de longa data tenho a fortuna de
conhecer, sobre ser de sua moralidade superior a todo
elogio, prossue em gráo subido outras e intermináveis
qualidades. Inspector do 14º Quarteirão da Freguesia
de São Cristóvão. (11.1.11 / p.64)
05
Pessoas dignas Attestado de senhores respeitáveis a respeito da
conduta do senhor Joaquim José de Souza Ribeiro.
(11.1.4 / p.416)
07
Professores públicos e
particulares
Nós abaixo assignados Professores públicos
d’Instrução Elementar do Município da Corte,
attestamos que a Ilma Srª D. Joaquina de Braga
Carrão, esposa do Ilmo Srº Joaquim de Mello Carrão,
se acha sufficientemente habilitada nas materias
disciplinares que constituem o curso elementar e o
affirmamos, por ter a mesma Ilma Srª se dignado
consultarnos muitas vezes sobre as matterias de
ensino (...). (11.1.5 / p.71)
06
Diretores de colégios
particulares.
Attesto que o Senhor José Cardoso da Silva, estudou
no Collégio São Pedro de Alcântara, cumprio os
deveres de estudante com extraordinária applicação,
notável aproveitamento e conduta exemplar (...).
Atualmente no quadro de Professor (...), hé dígno de
nossa particular consideração. (Cód. 11.1.5. / p. 65)
05
184
Delegado da IGIPSC Attesto que o Senhor Candido Miguel P. de Carvalho,
professor do Culeigio particular desta Freguezia ,
muito bem tem desempenhado as funçoens de Seu
Magistério, exforçando-se na boa educação,
moralidade e intelectual de seus alunnos,
frequentando constantemente seu Coleijo, o qual é
frequentado por 31 alunnos e goza muito conseito e
Confiança dos abtantes desta freguesia. (11.1.6/ p.
420)
01
Delegados de polícia Diz José Bernardes Moreira, cazado, morador a rua
dos Quartéis que para habilitar-se a fim de entrar em
concurso para a cadeira pública de instrução primária,
precisa exhibi rmoralidade, e como essa faça parte da
attestação ou certidão do Sº inspetor respectivo, por
isso requer. .(11.1.11/ p.64)
02
Militares Benjamim Carneiro de Campos, Capitão de Fragata
da Armada Nacional e Imperial (...) Comandante da
Fortaleza da Ilha das Cobras (...). attesto que a Ilma
Srª Dª Maria Angélica de Ataíde Pestana de Simas
(...) regêo um Collegio de meninas, ao qual
frequentárão minhas filhas e aproveitarão (...).
(11.1.7/ pág 6)
02
Maridos Attesto em como sou Casado com a Senhora Joaquina
Rosa Braga Carrão e que a presente tem vivido em
minha companhia sem que até ao presente tenha dela
desgosto algum, outrossim que a annos a conheço
como profeçora do Collégio de N.S. da
Piedade.(Cód:11.1.7 / p.39)
02
No que diz respeito à moralidade, os
Quanto à maioridade, o quadro XIII aponta para forma semelhante de
comprovação:
Quadro XIII - Amostra dos atestados de Maioridade
Autoridade Documento/ Códice
Vigário –
Certidões de
Batismo
Certifico que revendo os livros de assenptos de baptizados de
pessoas livres desta Parochia, em hum d’elles af169, acha-se o
theôr seguinte= Aos seis de Maio de mil oitocentos e trinta e
oito nesta Matriz de Resende, baptizei e puz os Santos oleos
em o inocente Hermenegildo Leite Barbosa, Filho natural de
(...). Nada mais consta no supra dicto assento ao qual me
reporta. Affirmo o referido em fé do meu cargo.(Cód.
11.1.5/.p. 87)
1
4
8
Pessoas da
localidade
Nós abaixo-assinados residentes nesta Corte, attestamos por
nos ser pedido que o José de Maya hé pessoa maior de vinte e
cinco annos. Resende, 7 de Julho de 1858. (Cód. 11.1.11/.
p.73)
0
5
Atestado de Juíz
de Paz
“(...)1ª testemunha: E sendo lhe perguntado o que sabia a
respeito das folhas duas, disse que julga que a justificante tem
a idade de trinta e quatro a trinta e seis annos Nada mais disse
nem mais lhe foi perguntado (...). (Cód 11.1 7/ p.:2,3,4,5)
0
4
Declaração do
pai
Manoel Gomes da Silva Braga. Attesto que minha filha Dona
Joaquina Rosa da Braga Carrão, hoje cazada com o Senhor
Joaqquim José de Mello Carrão, foi baptizada e foram
padrinhos(...), masceo no anno de 1828. (Cód.11.1.5/ p.105)
0
3
A certidão de batismo foi mais largamente usada como atestado de
maioridade, sem, contudo deixar de aparecer a informalidade no atendimento a esta
exigência, como mostra o quadro acima. O documento fornecido pelo pároco, é o mais
preciso em relação à idade do candidato, já que os demais indicavam uma idade
aproximada, ou mesmo, um intervalo de tempo no qual poderia estar contida. Ao final
destas comprovações, o inspetor geral escreve seu parecer, no canto superior esquerdo da
folha, autorizando ou não a inscrição do “suplicante”.
Porém, não só estes certificados serviram para a análise deste estudo. A
pesquisa também mostrou que nos pedidos de inscrição, ou mesmo nos de isenção aos
exames “prévios” e/ou de “capacidade”, os candidatos davam sinais de sua identidade. Isto
186
porque, neste momento, precisavam se justificar mais detalhadamente a fim de
convencerem a Inspetoria Geral de Instrução, da necessidade ou não de prestarem os
exames prescritos em lei. Desta forma, a análise desta terceira sub-série da Instrução
Pública contribuiu significativamente para uma melhor caracterização dos “opositores” às
cadeiras do ensino elementar.
Esta parcela da documentação, como a anterior, aponta uma diversidade de
justificativas nos pedidos de inscrição e isenção desses exames. O quadro III, pode nos dar
uma idéia dessa variedade, ao sinalizar a forma como o candidato identificava-se na
pretensão de obter esta concessão, assim como, a quantidade de cada um dos tipos de
requerimentos analisados.
Quadro XIV – Amostras dos pedidos de inscrição e isenção aos concursos
Justificativasdos candidatos: Documentação e Códices Nºº
Formação na Escola Normal
do Rio de Janeiro
Diz João Marciano de Carvalho
Diretores de Colégios D. Firmina Candida Cordeiro, Diretora e professora do
Collegio D. Firmina que funciona a mais de quatro
annos, desejando escrever-se para ao concurso á uma
das Cadeiras de Instrucção primaria da Corte, vem
respeitosamente pedir a Vossa Exª que por seu despacho
a mande contemplar na lista das concurrentes. (11.1.9/
p.220)
07
Por serem parentes (filhos
(as), irmãos (ãs) mulheres de
professores públicos e
particulares
Barbara Julia de Oliveira, solteira, filha do finado
Manoel da Silva Oliveira(que durante 26 anos applicou-
se ao ensino particular d’esta Corte (...), como prova os
documentos juntos, dos quaes também se vê qual tem
sido o seu proceder até o presente, e os annos de idade
(...), pretende concorrer para o prehenchimento da
cadeira (...), ultimamente creada (...). (cód.11.1.9/ p.49).
07
Professores adjuntos de
escolas públicas/ particulares
Francisco Rodrigues d’Assumpção Adjunto effetivo que
desejando inscrever-se para o concurso á cadeira
pública de Instrucção primária da Freguezia de Irajá,
precisa que V. Exª mande que o suplicante seja
admittido a exame de habilitação dignando-se V.Exª
marcar o dia desse exame. (cód. 11.1.6/ p.441)
10
Aprovados em outros
concursos e não efetivados
Diz João da Matta Araujo, tendo concorrido á cadeira de
primeiras letras da Ilha do Governador, sendo colocado
em primeiro lugar, não tendo até agora decisão do
governo a este respeito, pede a V. Exª que se digne
mandal-o inscrever para o concurso da cadeira do
Curado de Santa Cruz. (Cód. 11.1.10/ p..305)
03
Por serem professores
público em outra provincias
Diz o Srº Leopoldo Fernandes Pinheiro, professor de
Instrucção primária da cidade de Campos que desejando
concorrer para a cadeira da Ilha do Governador, que se
acha em concurso espera merecer a V, Exª a Graça de
ser dispensado do exame de habilitação(...) attendendo a
circunstancia de ja ser professor. (...) (Cód. 11.1.10/ p.
291)
02
Na análise deste quadro é possível marcar, um pouco mais, as características
do perfil do candidato, produzindo uma idéia da demanda ao cargo de professores públicos
primários no período estudado. Percebe-se, no conjunto dos documentos analisados, que
tanto os candidatos que pediam inscrição ao concurso, quanto os interessados na isenção
destes exames, mantinham uma certa aproximação com a carreira docente. Destaca-se um
significativo número de professores (as) públicos e particulares, de professores (as)
188
adjuntos acrescentando os Diretores (as) de
Portanto, se havia um conjunto de normas controlando a seleção e a
profissionalização docente, as mesmas regras deixavam brechas para que ocorresse
dispersão no que se refere a este tipo de prática disciplinadora. No exame dos pedidos dos
candidatos e das respostas do Governo, nota-se que as barreiras previstas pela legislação
poderiam ser removidas de acordo com as vontades dos representantes do Estado, fora os
casos em que a própria lei favorecia aos que a elas recorriam.
Para exemplificar um pouco mais, o Regulamento para o ensino primário e
secundário aponta para a possibilidade de isenção, dos profissionais com habilitação
comprovada, aos quais o Governo poderia, ou não, conceder a dispensa dos exames de
seleção. Algo assemelhado se verifica nos Estatutos para o ensino superior, indicando que o
Estado poderia convidar qualquer estrangeiro reconhecidamente habilitado para reger as
cadeiras criadas na instituição, assim como nomear diretamente em conformidade com os
Estatutos qualquer professor para o lugar vago na Congregação. Em ambos os casos, os
candidatos que atendessem a este dispositivo deveriam requerer esta concessão, além de
cumprir todas as exigências do exame “prévio”.
É bom lembrar que esta lei procurou manter sob seu domínio tanto a rede de
instrução pública quanto a particular, exigindo destes últimos as mesmas condições
previstas para os primeiros. Sobre este aspecto, cabe assinalar a pouca distinção entre estas
duas classes de professores, principalmente por que, como vimos, ambas encontravam-se
submetidas ao controle da IGIPSC, a partir de 1854. Sendo assim, para se ter uma idéia da
quantidade de professores públicos em relação ao número de professores particulares, o
relatório do Inspetor Geral indica que, em 1861, havia 95 estabelecimentos de instrução
primária no Município da Corte, sendo que 40 pertenciam ao Governo, o que representava
42% do total de escolas primárias da Corte. Nesta contabilidade, não estão computadas as
escolas que funcionavam sem habilitação do professor ou diretor o que, por certo, se
contabilizadas, faria despencar o percentual das escolas oficiais, estas sim, mapeadas em
sua integralidade pela administração da IGIPSC.
É importante assinalar que na solicitação de abertura de escolas e colégios
particulares, assim como nos pedidos de inscrição aos exames de professores para este tipo
de instituição, consta a presença de Padres (5), Militares (3), Bacharéis (8) e Estrangeiros
(14), principalmente franceses (6), ingleses (4) e portugueses (4), enquanto, não foi
constatada, como mostra o Quadro XIV, a presença deste tipo de profissional nas inscrições
190
aos concursos públicos para o ensino elementar. Este fato pode estar indicando o
desinteresse desse tipo de profissional pelo magistério do ensino público primário, o que,
contudo, merece um estudo mais aprofundado
5.2 – Representações da Classe
5.2.1 – O professor Frazão
O quadro de controle pela seleção e vigilância articulável à economia
imperial, não ocorre sem tensões. Considerando-se outras posições, cabe discutir a
representação da profissão docente e do seu processo de recrutamento distinto do que foi
até aqui considerado. Para exemplificar, temos o caso do professor público Manoel José
Pereira Frazão que, entre outras atuações, escreveu no Jornal, “O Constitucional” em 1863,
uma série de artigos denominados “Cartas do Professor da Roça” nos quais denuncia a
prática dos concursos como “burlas com que se pretende iludir os tolos”. Este professor
apresentou-se como candidato em 1859 e 1863, nos concursos para o magistério particular
e público respectivamente, realizando todas as etapas exigidas pela legislação. Assim,
considerar o perfil do professor Frazão colabora para ampliar o entendimento sobre as
características dos que se apresentavam ao exame de seleção docente para a escola
elementar.
Os escritos deste professor podem ser considerados em mais uma forma
possível de se perceber as características do educador ideal, por intermédio das
representações de integrantes da classe docente. Gondra (op. cit.) chama atenção para a
forma como o professor se refere às cartas: “artigos soltos, filhos de uma impressão do
momento, feitos ao correr da penna, e publicados immediatamente”, nos quais o autor só
tinha em vista “chamar a attenção das pessoas competentes para tantas irregularidades que
entorpecem a marcha regular dos trabalhos escolares”. Para Frazão a entrada no magistério
publico, pouco depois da publicação da ultima destas cartas, tirou-lhe toda a competência
para, sob a responsabilidade de seu nome, ocupar-me na imprensa de coisas relativas à
repartição em que era empregado. Na sua primeira carta, avisa ao leitor que não podendo
satisfazer o desejo “de analysar uma por uma todas as circunstancias que concorrem para
191
essa descrença geral sobre a regularidade dos exames de Instrucção Publica” contentava-se
em apenas lembrar aos homens que se ocupavam da matéria a necessidade de uma reforma:
Em 21 de março de 1863, depois de tecer críticas ao procedimento da maioria
dos professores envolvidos nos exames para admissão ao curso superior, procura suavizar
suas palavras indicando que nem tudo estava perdido:
Entre uns e outros ha homens conscienciosos e trabalhadores, que esquecidos
até de seus interesses, só attendem ao beneficio que do seu contingente de
trabalho possa vir á sociedade. (...) Isso posto, quaes são os homens que entre
nós se occupam do magisterio? Ou antes, é este entre nós uma profissão? Não!
Nenhum homen que dispõe de um certo cabedal de conhecimentos deixa
occupações muitissimo mais vantajosas, para dar-se á uma vida ingloria e
penosa, a um sacerdocio todo de abnegação, como o magisterio!Dos homens
distinctos que conta hoje a classe uns são distrahidos com occupações de
diversa ordem, e só dão ao magisterio a hora designada para leccionar, e isso
mesmo nem sempre; outros fazem do magisterio uma ante-camara para
esperarem os melhoramentos que almejam. Commo leccionam os primeiros?
Cançados de mil outros afazeres, qual atarefado da politica, qual dos trabalhos
de sua repartição, que lhe absorveria todo o tempo, não é possivel que
satisfaçam ás condições de um professor dedicado. (...) Vejamos os segundos.
Estes, tendo sempre em mira melhorar de posição, estão attentos ao lado donde
lhes acenam maiores vantagens. Ora, esse estado anormal do espirito de uns e
outros é incompativel com a assiduidade indispensavel ás lidas do magisterio!
Não tratarei dessa invasão de pseudo-professores que infestam a classe, e que
tanto mal lhe fazem: disso cumpre cuidar a autoridade.
O professor Frazão dá sinais da existência de um professor modelar, ainda que
se questionasse sobre o estatuto do magistério daquele tempo. Descreve o ofício como uma
espécie da sacerdócio, da vida inglória e penosa de trabalhadores conscienciosos e
abnegados. Em sua “carta” referia-se ao profissional digno e desvalorizado pelo governo e
sociedade, em oposição a um outro tipo que tornava o magistério “ante-câmara para outras
profissões”, burlando regras, utilizando-se de procedimentos irregulares em proveito
próprio. Acrescenta ainda que:
Resulta deste concurso de circumstancias, que em um ministerio tão honroso
conta-se apenas uma meia duzia de professionaes, cujo numero fica muito
áquem das necessidades do ensino. Estes dividem-se e subdividem-se; as
horas do dia são poucas para as lições que têm; as da noite, que não são
tambem occupadas, ficão para o repouso indispensavel ao corpo. Quando
estudam?! Vêm-se forçados a limitar seus conhecimentos aos poucos que já
tiverem adquirido, que já são demasiados para o systema preparatorio, de que
192
fallei na minha ultima carta!...Eis, meu caro redactor, em toda a nudez da
verdade, o que é o magisterio na Côrte! E como não ser assim?! Poderá o
professor limitar-se a tres ou quatro horas de lição? O que o fizesse morreria
de fome! Os ordenados são os mais acanhados, e as necessidades da época
são exorbitantes! O mesmo magisterio superior não é muito bem retribuido; e
a prova disso é que os que delle se encarregam sollicitam outras occupações!
Agora (aqui para nós) qual é o papel que representa um professor,
propriamente tal, perante uma sociedade constituida como a nossa? De que
importancia goza? (...)
Na caracterização que faz do magistério e dos poucos profissionais que
honram a classe chama atenção para a má remuneração, sobrecarga nos trabalhos com o
ensino, conhecimentos limitados e acumulação de funções por questão de sobrevivência.
Assim, procurava mostrar as condições do magistério, a fim de chamar atenção das
autoridades e da sociedade para a questão da instrução na Corte. Apesar das críticas, afirma
que não desejava “ferir o melindre de quem quer que seja”; e, que nem tem o “orgulho de
persuadir-me que a minha voz possa acordar o paiz do somno da indifferença”. Contudo,
faz um esforço em mostrar que “à esse quadro de abandono não responsabiliza o governo
que tudo fez para que a classe fosse valorizada”, e, para comprovar, lembra a reforma de
1854 destinada ao ensino primário e secundário, com a qual, segundo o professor, o Estado
procurou melhorar a sorte dos professores:
Ninguem ignora que a educação da nossa mocidade esteve sempre em quasi
completo abandono, até que um homem eminente (á exemplo do que se
pratica nos paizes civilisados) lembrou-se de collocal-a sob a égide da lei.
Baixou com effeito o decreto imperial de 17 de Fevereiro de 1854 chamando
os professores particulares á exhibição de provas de capacidade intellectual e
moral, e creando uma inspecção ad hoc..Sublime idéa era sem duvida esta de
dar aos professores um titulo á consideração publica, para que se não
confundissem com os charlatães que impingem á descuidada sociedade o seu
ouropel por ouro do mais fino quilate! Mas que vale entre nós a lei de 54, se
(como acontece á tudo quanto é nosso) pregaram-lhe um nariz de cêra, que
qualquer piparote faz prestar-se a todos os abusos?! Pedro quer leccionar uma
materia que .... sabe; mas não quer sujeitar-se á prova. É bom moço, póde vir
a ser util; zas, um piparote no nariz da lei: obtem uma dispensa, e com ella
um titulo de capacidade!!
É interessante notar que a situação que ele descreve, de certa forma, foram
sinalizadas, também, nos documentos analisados anteriormente, porém, avança mais um
pouco quando considera situação semelhante no que se refere ao ensino secundário e
superior, denunciando, ainda, uma situação em que, aqueles que não conseguiam título de
193
capacidade para lecionar no magistério público ou particular, recorriam a uma outra
categoria de “professor” que funcionava fora da norma, ao lado dela, aproveitando-se dos
casos em que ela não dava conta: o “explicador”:
João não conseguiu atttestados que pudessem ao menos cohonestar a
dispensa. Não é embaraço: não lecciona, explica e prepara para o collegio de
Pedro II, e para as escolas superiores! Ora, quem explica para o collegio de
Pedro II, a fortiori explica para outros collegios, e por consequencia n’elles.
Este defeito organico dá em resultado um grande numero de irregularidades
que infelizmente temos a lamentar. (...) Infelizmente é assim, mas nem por
isso é menos certo que a falta de escrupulo na concessão de dispensas, e a
pouca exigencia que se faz para as provas de capacidade, são factos que
concorrem para que se mescle a classe, e para fazer desertar della os que fóra
acham outros recursos, e que vêm no magisterio uma especie de degradação
social.
Frazão culpa a “pouca exigência” dos concursos e a “baixa qualificação”
profissional pela desvalorização e evasão do magistério: “Em um paiz em que se exigem
tantas habilitações para o escripturario do thesouro, e o empregado publico de qualquer
ordem, estuda-se para tudo, menos para professor!”. Para tanto, propõe a formação de
professores pela criação de escola Normal na Corte
246
Nunca os dinheiros publicos chegaram para crear-se uma escola normal, onde
um professor se instruisse; e que, a exemplo das de Allemanha, se ramificasse
por todos os pontos do imperio! E se se vier a fazer, será mais um valhacouto
de abusos, que só servirá para degradar-nos cada vez mais! Não sei de quem é
a culpa; mas o facto é, que temos professores que desconhecem as mais
comezinhas questões de pedagogia, que ignoram a logica, poderoso e
indispensavel auxilio para todas as operações de espirito; e que entretanto
ensinam e têm um diploma!
A defesa da Escola Normal tornara-se importante, porém o que ele não diz, é
que a legislação por ele defendida era a mesma que deslocava a formação de professores da
escola normal, tida como dispendiosa para o Governo, impondo a formação pela prática,
dentro da própria escolarização elementar, como vimos no capítulo IV. Ainda assim, o
professor mantém o discurso em defesa daqueles que produziram o regulamento de 1854:
246
Neste tempo encontrava-se funcionando a Escola Normal da Província do Rio de Janeiro, de acordo com
Villela (2000 e 2002). A Escola Normal da Corte data da década de 70. A este respeito cf. Uekane (2005).
194
Tudo isso fôra previsto pelo legislador, quando pela sabia lei já citada
chamou a exame o professor particular! Mas fez-se o que se devia fazer para
que a sociedade tirasse partido dessa sublime inspiração de um grande
estadista?! Ahi estão os regulamentos posteriores para responderem. Quais
eram as vantagens da lei de 1854: 1a Garantir á sociedade uma instrucção
inspeccionada pelo governo, substituíndo o juizo illustrado deste aos dos
pais nem sempre competentes. 2a Garantir tambem ao professor o respseito
e a consideração da sociedade.Tudo, porém, tem sido annullado; e não só a
sociedade é muitas vezes enganada, como o professor nunca obteve o gráo de
consideração que lhe compete, e que a lei muito explicitamente lhe quiz
garantir. Preste, pois, o governo alguma attenção a tão sagrados deveres;
lembre-se que é ao professor que está confiada a maior de todas as missões, o
preparar a nação futura; lembre-se que em pequenas idades imita-se tudo, e os
defeitos e vicios não são por certo o que mais custa a imitar; tenha mais
escrupulo em conferir titulos; trate com alguma deferencia, e faça retribuir
melhor a mais importante classe dos servidores do estado; e teremos dado um
passo avantajado no caminho do progresso. Então veremos que para o
magisterio concorrerão homens que pela sua illustração possam prestar
serviços relevantes á educação da mocidade!
Os sinais do combate ao atual gabinete que, naquela ocasião, se encontrava-se
sobre a direção do partido liberal, marca o discurso de Frazão. Sobre esta questão, Gondra
(2003) ao propor refletir sobre a intenção deste professor em escrever esta série de cartas
em um jornal do partido Conservador, em pretendido anonimato, chama atenção para:
A inserção destacada desse homem no mundo editorial (livros e
jornais), sua presença nas conferências pedagógicas, sua condição de
articulador de manifestos, pareceres, de viajante oficial e de perseguido
pelos liberais sugerem não tratar de um homem comum, mas de um
sujeito que encarna posições, articulado com a ordem política e
comprometido com o programa, do qual as cartas podem ser
consideradas como uma das expressões.
Este parecer torna-se importante para a compreensão do lugar deste homem,
de onde ele fala sobre o professor e o magistério no século XIX, compreendendo que este é
apenas um dos olhares sobre a profissão docente e que, ao abordar os três níveis de ensino,
colocando o seu foco principal no ensino secundário, ajuda a tornar mais complexas as
demais representações sobre o magistério e os exames
247
considerados neste trabalho.
Gondra (op. cit) chama também atenção para o fato de que por ocasião das reformas de
247
É importante destacar, que as críticas de Manoel Frazão referem-se tanto as bancas examinadoras dos
concursos para o ingresso de alunos no ensino superior realizados no Colégio de Pedro II, quanto aos dos
concursos de professores realizados pela IGIPS, nas dependências deste mesmo Colégio.
195
1854, o partido Conservador estava no Governo, daí a simpatia do professor com as
medidas dos reformadores. Independente desta questão importa perceber as características
do professor que ele procura defender e as do professor que combate. Seja com for, os
“bons professores” caracterizados por Frazão, provavelmente se enquadravam na regra
instituída pelo governo, segundo ele, “preocupado” com a instrução na Corte e que soube
muito bem “valorizar a classe”, procurando garantir ao professor por intermédio das
reformas de 1854, respeito e consideração, mas que infelizmente, o professor nunca obteve
o “gráo de consideração” que lhe competia, e que a lei “muito explicitamente lhe quiz
garantir”.
5.2.2 – O professor Jobim
O segundo escrito a ser considerado, refere-se a um relatório
248
encomendado
pelo Ministro e Secretário de Estado e Negócios do Império, Ildefonso de Souza Ramos em
1862 ao Diretor da Faculdade de Medicina, Dr. José Martins da Cruz Jobim quando este lhe
pede para se reunir com a Congregação a fim de elaborar um plano que visasse a melhoria
do ensino na FMRJ. Após alguns meses de espera o ministro recebe como resposta um
amplo relatório, em nome dos professores da instituição, indicando as questões mais
problematizadas pelos professores e propondo reformas em sete itens, considerados mais
urgentes para o ensino médico.
Assim, o Dr. Jobim, inicia seu relatório, com data de 7 de março de 1862,
justificando a demora em responder ao Governo:
Recebi o aviso de dezesseis de outubro de mil oitocentos e sessenta e um em
que me determina que depois de acurado exame e ouvido a respectiva
Congregação proponha as modificações que me parecem mais convenientes
para melhorar-se quanto possível o ensino das Faculdades de Medicina do
Império, aproveitando as lições da experiência, e tendo a atenção a
distribuição das cadeiras feitas no artigo 3º dos Estatutos vigentes nomeei
uma comissão de Professores desta Faculdade para dar cumprimento ao
referido Aviso. Propus a cada Lente algumas proposições capitaes pedindo
lhes que me remetessem as suas respostas até o dia 20 de dezembro do anno
findo o que tudo teve a honra de levar ao conhecimento de V. Exª em officio
de 23 de novembro do anno passado.
É interessante observar que na maioria das vezes, o diretor da faculdade
escreve na primeira pessoa mas, percebe-se a participação dos demais componentes da
Congregação na forma como expõe as condições de produção do relatório, informando que
“A maior parte dos Lentes respondeu coletivamente com o parecer que incluso remetto.
Outros deram isoladamente sua opinião e alguns em número de três nenhuma resposta me
derão apesar de a ter solicitado segunda vez”.
A congregação inicia o relatório destacando os quatro pontos que seriam
considerados em suas análise: o primeiro dizia respeito à parte administrativa considerando
o “principio administrativo do maior proveito público, maior instrucção possível
combinados com o menor dispêndio dos cofres públicos”. A segunda questão aproxima-se
do foco deste estudo, questionando a hierarquia estabelecida na Congregação, assim como
os exames de seleção às Cadeiras vagas. O terceiro tema refere-se aos métodos de ensino
que vigoram entre os mestres, e os motivos pelos quais eles ainda persistia no interior dos
cursos médicos no Brasil. A última questão problematizada relaciona-se aos modos como
os alunos eram examinados, procurando o melhor meio de reconhecer o saber prático e
teórico, assim como o modo de apresentação das teses tanto dos Concursos quanto do
Doutoramento. É interessante perceber a forma como a Congregação vai descrevendo o
ideal de instrução médica e o que se esperava do “bom professor”. Perfis construídos nas
relações entre o Estado e a FMRJ, nas quais, o primeiro impõe regras exigindo dos sujeitos
regulados propostas para a organização e o funcionamento das Faculdades.
Sobre este aspecto, é bom destacar que nos Estatutos de 1837 entre as
competências do Diretor estava a de “Dirigir com assíduo cuidado a administração da
Escola, manter a polícia della, e velar na execução da Lei de sua organização e de seus
Estatutos sobretudo na parte relativa ao ensino”
249
., conferindo portanto, plenos poderes ao
Diretor da Faculdade. No entanto, os Estatutos de 1854 indicavam que cabia ao diretor,
“propor ao Governo tudo quanto for conducente ao aperfeiçoamento do ensino, e ao
regimem na Faculdade, não só na parte administrativa que lhe pertence, como ainda na
parte scientifica; devendo neste último caso ouvir previamente a Congregação”,
acrescentando, porém, que “Os actos do Director ficão debaixo da immediata inspecção do
197
Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios do Império”
250
. Desta forma, é possível
compreender as queixas da Congregação de Lentes da FMRJ, uma vez que este último
artigo impunha limites a ação desses professores.
O relatório do Dr. Jobim, portanto, dá sinais do jogo de força estabelecido
entre o Estado e a FMRJ em relação à organização e ao funcionamento da instituição.
Contudo a falta de unanimidade a respeito das questões apresentadas no
documento, dá sinais da tensão também estabelecida entre os professores da FMRJ,
indicando que não bastavam Estatutos detalhadamente elaborados para que se estabelecesse
o consenso relativo à determinadas práticas.
Nesse sentido, o relatório do Dr Jobim torna-se interessante por nos indicar
aproximações e afastamentos entre a norma que procura unificar os professores, e estes que
aderem ou reagem ao regulamento. A fim de melhor verificar tais aspectos, procurei
apresentá-lo em recortes, obedecendo a ordem em que estas foram discutidas no
documento, chamando atenção para o fato da presença constante desses temas também
entre os requerimentos e ofícios emitidos pelo Diretor da FMRJ ao ministro do Estado. O
primeiro ponto explorado diz respeito ao número de Faculdades necessárias para a
formação de médicos em quantidade suficiente para atender às difíceis condições de saúde
da população no Império brasileiro, assim como a redução na quantidade de professores
que atuavam em cada uma das Escola de Medicina regular
251
. A partir desta idéia o Diretor
faz um inventário das Faculdades de medicina estrangeiras, afirmando que: “Se olharmos
para o que se passa a esse respeito no mundo civilizado, vemos que não há nas diversas
Faculdades de Medicina
252
conhecidas, número determinado e constante de Professores,
249
De acordo com o artigo 12, parágrafo 2 dos Estatutos de 1837 da FMRJ.
250
No caso da Faculdade de Medicina da Bahia, o Diretor deveria dar explicações ao presidente da província
acerca de seus atos e informações sobre qualquer ocorrência na Faculdade.
251
O relator refere-se a dois tipos de escolas de medicina: as regulares e as secundárias (estas só encontradas
no estrangeiro, autorizadas a não só a preparar para a admissão a exames afim de obter o doutoramento, mas
também a fazer “officiaes de saúde que tem de exercer a Medicina e particularmente a cirurgia nas aldêas e no
campo”.
252
Sobre o número de professore nas faculdades o relatório informa que: Na França existem três das quais a
de Paris tem 26 professores com 3 agregados ou Substitutos em exercício, além de um número indeterminado
de avulsos.A de Montpellier, tem 14; outra de Strasburgo, apenas 12. Na Prússia há 6 Universidades cada uma
com sua Faculdade de Medicina contendo de 7 a 9 professores pagos pelo Estado. Na Itália algumas
Faculdades há que tem até 17 professores, com Bolonha, mas ahi não há substitutos, suprindo os próprios
lentes uns aos ouros, o mesmo acontece na Gran-Bretanha onde se contam 9 Universidades com suas
Faculdades de Medicina, não havendo em cada uma de 7 a 8 Professores retribuídos.Além disso, há pelo
menos 15 Colégios de medicina que embora tenham professores que mais ou menos ensinam, não estão
autorizados a conferir títulos. Nos Estados Unidos, 17 Universidades que é escusado nomear, cujas
Faculdades de Medicina não contém mais de 7 a 13 Professores, sendo este último, o da Faculdade de Nova
198
sendo elle variável até no mesmo paiz:”. Para tanto, cita o exemplo da Alemanha que com
um limitado número de professores “tudo ensina, como antigamente em Leyde ensinava
Bochaave ao mesmo tempo três a quatro matterias, com geral aproveitamento dos
nacionaes e estrangeiros que de todas as partes do mundo corrião a ouvil-o”. No caso do
Brasil, de acordo com o Diretor,
“Já tínhamos 14 Professores antes da reforma das duas únicas Faculdades que
possuimos no Rio de Janeiro e na Bahia, e augmentarão-se mais quatro com 6
Substitutos e 15 Oppositores em cada uma! Esse pessoal contrubuhio muito
para elevar-se a despesa de pouco mais de 40:000$000 que o Estado fazia por
anno com cada uma dellas, a mais de 120 que actualmente faz. Ora não nos
parece nem justo nem razoável, que num território tão extenso, tenhamos
apenas duas Faculdades Médicas, organizadas de modo a esgotar com ellas
todos os recursos do Estado applicaveis a este serviço, ficando as províncias
privadas do benefício de instrucção médica.
Neste sentido, afirma que a centralização do Governo em relação ao ensino
superior,
“é sem dúvida nociva, odiosa e não acha exemplos em parte alguma do
mundo. Portugal que por hábito muitas vezes temos por exemplo em matteria
de instrução superior, em um território tão circunscripto, além da Faculdade
de Coimbra, que consta apenas 10 Professores, tem mais duas Escolas
Médicas Cirurgicas, uma no Porto e outra em Lisboa; além das que hoje
existem nas Ilhas de cabo Verde, Angola, Moçambique e Goa, cada uma com
5 a 6 Professores, Por que razão devem ficar perpetualmente privadas destas
instituições algumas das capitais das nossas províncias, que já possuem
hospitaes mais que sufficientes para o ensino da Anatomia, da Cirurgia, das
Clínicas e das pharmacias?
Assim, temos que o Diretor em nome da Congregação passa a expor ao
Ministro de Estado as condições em que se encontrava a instrução médica no Estado
imperial, tendo como parâmetro o exemplo dos países civilizados e colocando a ênfase na
defesa da necessidade de se enfatizar o ensino prático nas Faculdades de Medicina do
Império,
“Parece que somos condenados a oscilar constantemente de excesso em
excesso: antigamente a sombra da phisicatura-mór e do proto-medicato,
faziam-se todos os annos Cirurgiões aos centos que mostravam algum saber
nos exames que passavão, depois de practicar com bons practicos e vinhão a
York, onde existem 3 cadeiras importantíssimas para o ensino pratico. A Escola de Medicina do México, tem
apenas 7 Professores, dos quais 5 estudaram em Paris
199
ser o recurso de nossas povoações remotas, das aldeãs e dos campos, e que
servirão até no exercito e na armada com bom êxito, porque eram muito deles
excellentes practicos; hoje porém que só queremos grandes e sábios doutores
sujeitamos os povos a horrorosas privações! (...); e diaga-se o que se quizer
em abono do exclusivismo das nossas duas escolas; (...)não é menos verdade
que hoje bem poucos são os moços que podem vir da províncias estudar
medicina no Rio de Janeiro ou na Bahia. (...) Calcula-se que na França com
32 a 35 milhões de habitantes existem 20 mil facultativos, tocando assim a
cada facultativo, vellar sobre a saude de 1500 a 1700, e se é certo que o Brasil
tem 8 milhões de habitantes, devem na mesma proporção ser-lhes necessárias
perto de 5 mil facultativos. Ora, eu creio que actualmente nem 1000 exixtem,
e se entendermos que mais da metade dos existentes conservão-se unicamente
nas grandes cidades, reconheceremos quão grande deve ser a miséria a este
respeito no interior do paíz (...). Na nossa profissão pode-se dizer que há
sempre duas classes, uma de médicos sábios, e outra de médicos puramente
práticos , que sem conhecerem infinitas curiosidades scientíficas são contudo
optimos prácticos como succedia antigamente com muito dos nossos antigos
cirurgiões! (...)
A crítica em relação ao exercício da medicina leva a Congregação a buscar
exemplos nos “bons resultados” da prática médica no passado, em um tempo em que muito
se praticava com pouca teoria, em oposição ao excesso de teoria com a pouca prática dos
“novos tempos”. É bom lembrar que a autorização para formar médicos era um monopólio
das duas faculdades do Império. Daí a insistência do Dr. Jobim em buscar na Europa os
exemplos para sustentar a necessidade em aumentar o número de Escolas médicas, além
das reformas no ensino da medicina do Brasil. Desta forma, na busca dos saberes e do
melhor modo de se formar médicos, a Congregação procurou definir um ideal de professor:
:
Qual deve ser a origem dos professores? Se as letras e as sciencias tivessem
entre nós tanto adiantamento como em quase toda a Europa, nenhuma duvida
teria em rejeitar aos concursos para a nomeação dos Professores pelos
inconvenientes que podem ter, e de adoptar as nomeações pelo Governo, mas
nas nossas circunstancias peculiares e políticas, nada me parece mais funesto
do que este arbitreo, suppondo que o Governo exclusivamente dominado pelo
zelo do bem público, e pelo pudor de errar, sempre imparcial, sempre justo, e
desembaraçado dos empenhos e das transações políticas, quaes são os meios
de informações que elle tem a sua disposição para nomear os mais sábios, os
mais morigerados, e os mais dignos de cadeiras? (...); entre nós não há
também corporações scientificas, que façam sobressahir o merecimento de
cada um ao que possão ser consultadas pelo Governo, visto não ser elle por si
mesmo competente para um juízo exato; também não se fazem cursos
200
particulares em que apareçam e sobressahião os moços mais hábeis e
talentosos, não vejo pois meios mais seguros por ora que os concursos;
A Congregação procura defender a idéia de que o professor deveria ser
avaliado de modo diverso dos concursos, procurando sua qualificação na própria formação
profissional e na produção de estudos científicos, porém na impossibilidade de tal recurso
deveria o Governo, ao menos, conceder autonomia à banca examinadora em relação ao
processo de seleção docente:
Mas como é indispensável que os juizes sejam competentes e pertinentes ao
assumpto dos concursos, entendo que só devem se-los membros das
Faculdades pertencentes a Seçcção, em que se der a vaga; e como é também
justo, que o poder executivo que tem o direito exclusivo de nomear para os
empregos públicos, tenha influencias nessas nomeações, a elle deve competir
a nomeação do número necessário de julgadores para preencher aquelle de
que deve compor-se o jury do concurso que irá de 8 a 12, sempre presidido
pelo Director; para esse complemento seriam nomeados por elle médicos
habilitados ou pharmaceuticos, Lentes jubilados e deste modo também não
perderia a Faculdade tanto tempo como costuma suceder, entrando também
ella nos concursos com detrimento das Lições que não convém interromper.
Mas nesse caso deve o Governo sujeitar-se francamente ao resultado do
concurso aceitando o primeiro appresentado, e não obrigando indirectamente
o jury a apresentar três para escolher um, pois deste modo nullificado fica o
mesmo concurso; e para que recorrer a elle como meio de informação, se
Governo julga-se com capacidade para escolher o segundo ou o terceiro
proposto como o mais digno do que o primeiro! Não há nesse proceder um
contra senso?
Este ponto parece representar uma das principais divergências entre os Lentes
da FMRJ e o Governo imperial. Como vimos no capítulo anterior esse debate se estendeu a
outros espaços de discussão nos quais se ressaltavam as críticas ao Estado no que diz
respeito ao seu poder de decisão final.
O próximo problema questionado se refere à hierarquia entre os Lentes da
Congregação. A constância em que os requerimentos do Diretor da Faculdade ao Governo
apresentavam os inconvenientes da manutenção da Classe dos Substitutos, apontavam essa
questão como um dos motivos para a pouca concorrência nos exames de seleção, fator que
dificultava a seleção dos melhores profissionais, uma vez que a escolha se daria entre um
número reduzido de candidatos. Nesse sentido, a comissão combatia o processo de
preenchimento das vagas para Lentes Catedráticos e Substitutos, indicando que:
201
Acabada a Classe dos Substitutos a quem o Governo concedeo um monopólio
ou privilegio, sempre odioso em matéria scientifica, onde a antiguidade nunca
póde dar talento nem saber, terão os actuais Oppositores de passar por novo
Concurso para chegar a ser Lente. Se o concurso porque eles já passarão não
tivesse sido tão rigoroso, eu proporia a abolição não dos concursos, como se
fez para os Substitutos mas do privilegio de serem elles os únicos a concorrer,
no que concordaria com o parecer da Comissão da Faculdade, que com razão
pronuncia-se contra esse privilegio, mas é notável que assim pense, ao
mesmo tempo que parece desejar com avidez execussão prompta do
dupplicado monopólio ou privilegio que o Governo concedeo aos actuaes
Substitutos, únicos que podem subir a lentes, e independente de Concursos.
Além deste aspecto, para a melhoria da qualidade do ensino e do atendimento
médico da população em todo o Império, a Congregação acreditava e defendia a
necessidade de uma instrução médica secundária
253
, com ênfase na prática do ofício. De
acordo com a FMRJ, este modelo de formão estaria de acordo com a carência de
profissionais na sociedade, além de promover a valorização do cargo dos opositores: “Se o
Governo se convencesse da necessidade de criar escolas secundárias em algumas das
províncias do Império, serviriam os Oppositores em um viveiro de excelentes Professores
para essas Escolas”. É interessante observar que a idéia do lugar de formação como
“viveiros” está posta também, tanto para os seminários em relação aos sacerdotes quanto às
escolas normais em relação aos professores primários.
Ainda sobre a formação profissional o Diretor propõe que nas Faculdades de
Medicina houvesse a distinção dos diplomas. Ao aluno que cursasse os seis anos e não
defendesse a tese receberia o título de Bacharel em Medicina, os demais seriam Doutores e
Opositores honorários sendo estes os únicos que teriam direito a concorrer para o lugar de
Lentes e Opositores efetivos.
No que se refere à valorização profissional, a Congregação entendia que “haja
as inspecções que houver, e dê-se aos professores os privilégios e vantagens que se quiser,
tudo será baldado, se o seo amor próprio não for fortemente estimulado, como o é em todas
as Universidades do Norte da Europa”. Assim, diferentes medidas deveriam concorrer para
a idéia da importância do magistério nas Escolas médicas, construindo-se uma identidade
profissional que deveria elevar a carreira docente ao mais alto status social. Porém,
202
resolvida esta questão, uma outra se impunha para reforçar as características do professor
para as Escolas de Medicina: o entendimento sobre a melhor maneira de ensinar em um
curso de nível superior. Nesse sentido:
Infelismente Portugal, que nos serve de exemplo em quase tudo, tem perdido
tempo e dinheiro mandando por vezes vir Lentes de diversas partes da Europa
para reformar a sua Universidade de Coimbra; ainda hoje ella de tão pouca
consideração scientifica como dantes, e o methodo de ensino adoptado nella
continua a ser sempre o mesmo, porque sendo muito cômodo para favorecer a
negligência do mestre, os sábios estrangeiros chamados para o seu seio nunca
tiverão a força moral necessária para reformar hábitos inveterados e ainda que
devesse escarnecer de semelhante systema de ensino, o seguião de bom grado
por commodidade propria. Com effeito, nada é mais fácil, mais ao mesmo
tempo mais rediculo, do que seguir-se nos estudos superiores o mesmo
méthodo de ensino, que é necessário seguir-se nos primários, ou mesmo nos
secundários, aqui é indispensável guiar o mesmo pela mão, ensinar-lhe tendo
directamente, tomar lhe a lição, habitual-os ao estudo, e tudo explicar-lhes
com muita perceverança e paciência, mas nos estudos superiores em que os
numerosos preparatórios, que o estudante apprendeo, o habilitarão para tudo
estudar e comprehender por si mesmo, os mestres tem uma missão mais
elevada e difficil de preencher. Sem perder tempo de averiguar-se se o
estudante decorou ou não um compendio, elle apresenta em todo a sua
subliminidade o estado actual das sciencia, e nas suas lições que diferença
entra o professor de Coimbra, e o de Paris, ou de Edimburgo ou Vienna ou de
Berlin! Para o primeiro basta o decantado compendio, depois de ouvir a lição
dos discípulos continua a tel-o; e muitas vezes o defender as idéias desse
compendio é para elle um ponto de honra, por extravagantes ou atrasadas que
sejão; e como nas sciencias não se póde aprender a pensar senão com o
mestre que também saibão; pensar por si mesmos o resultado desse méthodo
de ensino é, que o saber que delle se adquire é mais de memória do que de
intelligencia e raciocínio
A Congregação ao criticar o professor altamente livresco e tradicional,
encontrado na FMRJ, propõe mais uma vez, um ideal de professor inspirado nos exemplos
dos estrangeiros. A busca do melhor método de ensinar deveria corresponder a um
professor:
No segundo systema, sem cingir-se os Professores a um compendio,
endereção contudo ao alunno qual o melhor proveito; e sem perder tempo
com sofrer os que não quizerão ou puderão naquelle dia estudar, apresente-se
253
Não fica claro no relatório, se o que se pretendia era uma escola médica de nível secundário, ou um
modelo diferente de formação médica, o que requer um estudo mais aprofundado da questão para analisar o
grau de extensão do princípio da “formação pela prática”.
203
como o melhor e mais completo representante da sciencia que ensina; tudo
que elle expõe, na melhor ordem, com a maior correção, a maior
simplicidade, e clareza possível parece que foi por elle mesmo achado e
verificado, por que é o resultado de um estudo próprio e da mais attenta
reflexão. Assim elle é por si mesmo uma authoridade e é a authoridade que
constitue o verdadeiro professor; quem ensina se não a possue, não passa as
vezes de um ‘histrião’ destituído até de bom senso, sentado apenas em uma
cadeira mais alta para servir de divertimento á multidão, e as intelligencias
curiosas que escutão por mera distração! E que bella Escola é essa onde tais
fatos possão dar? Esse espetáculo póde ser admirável mas não é possível ver-
se onde, do aspecto interessante e novo com que falla o professor, resulta-lhe
uma consideração e respeito que attrahe fortemente a atenção dos allunos, ao
mesmo tempo que promove nelle uma avidez incansável de instrucção; em
uma hora de exposição este professor ensina muito mais e mais aproveitão os
alunnos do que quatro ou seis horas de leitura; e se depois alguma duvida lhes
resta elles a propõe por escripto; e como sentem uma necessidade real de
aprender e saber, attenta a severidade do exame, combinão-se entre si, e
conferencião para explicar-se mutualmente, o que tiver sido por um melhor
entendido do que por outros, ou recorrem a cursos particulares. Porém qual é
o motivo por que este professor tanto se avantaja no ensino? (...) Aquella
liberdade dos alunnos de algum modo os constituem juizes da capacidade e
intelligencia dos seus próprios mestres, os quaes para não se verem
abandonados primeiramente pelos ouvintes, e depois pelos Governos, fazem
todos os esforços para lhes serem úteis (...), para o que torna-se o ensino, o
mais completo possível com pouco sacrifício do Estado; deste modo sabe
também o professor que sua conservação no emprego depende de sua
assiduidade e zelo; destas condições depende a sua vitalicidade, e o mesmo
succede hoje em França, por uma lei de 1852, que acabou com a
perpectuidade dos Lentes. (...)
Um professor simples, claro, dotado de “estudo próprio” e da mais “attenta
reflexão”, constitui-se em autoridade, tornando-se responsável em promover o interesse dos
alunos pelo estudo. O modelo do professor, regulado pelo “mercado”, deveria ser o ideal
para a esfera pública e privada, mas este entendimento, de acordo com Dr. Jobim, era
pouco aceito pela Congregação, uma vez que:
No parecer da maioria da Faculdade regula-se este systema por dois motivos,
que convem avaliar, diz ella que sendo melhor prevenir do que castigar o
resultado da adopção delle entre nós seria ficarem desertos os bancos das
Escolas, e nada aprendendo os alunnos, por não serem sujeitos á chamada e
obrigados assim a freqüência, serião quase todos reprovados. (...) se houvesse
entre nós bastante coragem para resistir á força do habito e as preocupações,
que nos embaração de adoptal-o, a instrucção médica entre nós, seria
certamente mais sólida e complexa, e ainda menor dispêndio o Estado que
204
seguindo as practicas de Coimbra, que transpirão de todos os poros dos
nossos estatutos.
É interessante observar certas questões do século XIX, problematizadas como
um hábito a ser corrigido, uma tradição que era preciso ser superada
254
para que o Estado
imperial alcançasse o progresso nas ciências e na instrução médica, e, também o fato da
Congregação criticar o modelo de formação, propor novo método e, no entanto, não deixar
de mostrar a falta de consenso a respeito da idéia deste novo modelo. Nesta resistência, a
Congregação procura se resguardar das críticas em relação à qualidade dos professores da
FMRJ, justificando no relatório: “contudo devo declarar a bem da justiça e da verdade que
a grande maioria dos Professores deste Estado, esforça-se por neutralizar, quanto dependa
delles, os effeitos deste máo systema de ensino”, e, para que a instrução médica melhorasse,
a Congregação propunha ao Governo a realização de reformas nos Estatutos. Assim, de
acordo com a Comissão organizadora do relatório, depois de ter explorado amplamente os
problemas enfrentados por professores e alunos da faculdade, aponta sete pontos que
deveriam servir de guia para a próxima reforma dos seus Estatutos:
1º- É indispensável nesta Escola uma Cadeira de Clínica de Parto, cujo
professor tratará das moléstias de mulheres grávidas e paridas além da cadeira
theorica que atualmente existe;
2º- O Lente de Pathologia Geral dará também lições de Terapêutica Geral e
de moléstia da Pele, a não querer se abolir completamente esta cadeira, como
deve também ser abolida a de Química orgânica, passando estes dois
professores para as primeiras cadeiras que vagarem, admitidas nessa ocasião
algumas troca convenientes ao ensino,
3º Para assistir a cada um dos exames escolares serão nomeados pela
Congregação três médicos externos ou três pharmaceuticos, ou três dentistas
aprovados, os quais reunidos aos professores interroguem de preferência, se
quiserem e vottem com elles todos precedidos pelo Lente mais velho.
4º-Ficam abolidos os pontos para os exames que serão todos vagos, e
circunscripto ás matérias ensinadas nas Escolas.
5º-Para a confecção das theses não é conveniente, que como exige o artigo 21
dos Estatutos, que todos os três pontos sejam escolhidos ao arbítreo do
candidato, seja elle obrigado a aceitar pelo menos um tirado a sorte. Do
contrário a escolha de quase todos os candidatos recahem sobre certos pontos
ficando sempre desprezados todos os outros.
6º - A vottação da Faculdade não deve ser nominal, como determina que seja
o artigo 43 dos estatutos, senão quando for exigida por três Lentes ou o
254
Neste caso, o modelo coimbrão aparece como metáfora de um modelo de formação médica que precisava
ser superado.
205
Director julgar conveniente; do contrário faz perder inutilmente muito
tempo; é uma vottação por chamada de 20 pessoas pelo menos não se póde
fazer em menos de 10 minutos, e se há 12 questões a vottar-se perdem-se 2
horas de sessão em mera vottação.
7º- É necessário fixar-se definitivamente a sorte dos Oppositores em
Exercício como requereo esta faculdade no seo parecer ao Governo de 30 de
julho do anno passado.
Nos pontos da pretendida reforma é interessante observar, a ausência de
questões tidas no relatório como fundamentais para a Congregação. Entre estas podemos
destacar do texto as críticas e sugestões sobre a livre nomeação pelo Governo em caso de
não haver candidatos ao concurso à cadeiras vagas, a necessidade de fundar corporações
científicas que estimulasse os estudos acadêmicos, a criação de escolas secundárias de
medicina, cursos particulares sobre determinadas cadeiras, comissão julgadora dos
concursos com professores habilitados de fora da faculdade, a escolha final dos candidatos
concedida ao governo, fim do monopólio dos Substitutos para o cargo de Lentes
proprietários, e a concessão de título de Bacharel para os que se formassem sem defender
tese.
A fim de verificar os efeitos dessa convocação, busquei nos Estatutos de 1865
sinais da forma como estas questões foram consideradas pelo Governo. Esta nova regra dá
aponta para mudanças no interior da FMRJ, conservando, contudo, dois dos principais
pontos de tensão entre a Congregação e o Estado. Entre os artigos revistos encontram-se os
de nº 52 e 53 determinando que “As cadeiras das faculdades serão regidas pelos Lentes e
Oppositores, nomeados em conformidade com estes Estatutos” e “Os Oppositores serão
obrigados a fazer os cursos practicos que a Congregação determinar”. Duas concessões
consideradas importantes pela Congregação, uma vez que laçaram forte críticas quanto à
permanência da Classe de Substitutos e ao curso excessivamente teórico ministrado na
Faculdade. Ainda entre as conquistas, o artigo 60 indica um alargamento das possibilidades
de acesso para o candidato externo em participar do concurso a vaga de Lente Catedrático:
“Poderão ser admitidos no concurso, a que se proceder em uma faculdade, não só os
Oppositores da outra, que para isso solicitarão licença do Governo. Como também os
Doutores em Medicina”. Esta norma indica também novos vencimentos para os Lentes
Proprietários e Opositores que podem ser conferidos no quadro XV, não ficando claro, se a
206
diferença verificada indica uma valorização do magistério ou uma desvalorização da
moeda.
Quadro XV – Vencimentos dos Lentes da FMRJ em 1854 – 1863 – 1865.
Lentes 1854 1863 1865
Diretor 333$333 333$333 4:000$000
Proprietários 266$266 266$266 3:200$000
Substitutos 200$000 200$000 -
Opositores 100$000 100$000 1:8000$000
Entre as questões mantidas nos Estatutos de 1865, encontram-se
principalmente aquelas relativas à nomeação dos candidatos pelo Governo em caso de
ausência de concorrentes nos concursos e a escolha final entre os selecionados como
competência do Governo. Outra questão que se mantém diz respeito à livre escolha dos
pontos pelos candidatos para a defesa das teses. Os Estatutos de 1854 indicam que estas
constariam “... de hum número certo de proposições devendo a Congregação designar com
antecedência pontos que comprehenderão todas as matérias do Curso Medico, d’entre as
quaes o candidato fará a sua escolha...”. Em 1865, esta formulação permanece, apesar da
oposição da FMRJ, defendendo o direito da Congregação em exigir que dois desses pontos
ficassem determinados por sorteio permitindo, desta forma, maior variação nos temas das
teses de candidatos e alunos.
Como se pode ver, a própria ordem médica, discute uma disciplina para si,
problematizando a subordinação da corporação docente às autoridades a ela exteriores.
Portanto, o professor recrutável para esta instituição é delineado em meio a tensões
indicadas em uma espécie de disputa entre a ordem política e a FMRJ.
5.2.3 – O relatório Abranches
As representações heterogêneas acerca da docência também apareceu no
relatório de Dunshee de Abranches. Ao lado de informações sobre os professores
secundários, faz uma interessante representação sobre a IGIPSC 50 anos após a
implementação chamando a atenção para os efeitos e a importância dos procedimentos de
207
“controle e moralização” instituídos pela inspetoria de instrução. O relator, encarregado
pelo Ministro J.J. Seabra em 1904 para realizar um estudo sobre os exames preparatórios ao
ensino superior, produziu um relatório no qual procurou mostrar as causas do
obscurantismo em que se encontrava a instrução no seu tempo. Além de informações sobre
os professore secundários faz uma interessante representação do Governo e da reforma de
1854. O relatório que apresentou ao Ministro dos Negócios Interiores e Justiça em 1904
255
,
avisa “fui buscar nos antecedentes históricos os elementos básicos das conclusões a que
cheguei no delicado inquérito de que fui encarregado”. Neste documento destaca a
relevância do seu trabalho por ter sido organizado antes de qualquer outro na bibliografia
nacional: “um importante repositório de informações e documentos que, a cada hora,
podem servir de consulta ou de aviso salutar aos que houverem de conhecer de perto todas
as fases pôr que tem passado o ensino secundário em nossa Pátria” e esclarece que sua
intenção é “salvar a instrução nacional da temerosa crise que atravessa”. Assim, Abranches
se refere às iniciativas monárquicas em relação à instrução indicando que:
“No Império mesmo, existindo embora obstáculos semelhantes aos que ora se
levantam aos governos da República na questão do ensino, mais de uma vez
houve gabinetes que conseguiram moralizar profundamente os costumes em
voga, modificando de modo sensível a indulgência reinante pelas provas de
capacidade dos aspirantes às láureas acadêmicas, e fazendo com que a
instrução fosse mais cuidada e mais bem distribuída pôr aqueles que tinham a
responsabilidade imediata do preparo intelectual das novas gerações”.
O republicano fundamenta esta preleção citando Eusébio de Queirós em 1854,
defendendo que a sociedade “tem incontestável direito de exigir também garantias de
capacidade e moralidade dos que se entregam à missão mais importante, pelos seus
resultados imediatos e de maior alcance pelas suas futuras conseqüências – a instrução e
educação da mocidade”. Ao entender que estas se encontravam diretamente ligadas às
práticas do regime anterior afirmou: “As revoluções que haviam acentuado a nossa
libertação geográfica no continente, não haviam conseguido logo como se supusera, senão
desmembrar-nos politicamente da metrópole”.
255
Elomar Tambara (1999), transcreve relatório o dirigido ao Ministro J. J. Seabra, no Governo de Rodrigues
Alves, no qual o relator faz uma análise sobre os exames parcelados e a transformação do processo de
ingresso ao ensino superior pelo exame de madureza.
208
Avança mais um pouco no tempo para comentar os efeitos do ato adicional de
1834 que, “concedendo às províncias a faculdade de legislarem sobre a instrução primária e
secundária, parecera aliviar os governos gerais do Império de tão pesadas
responsabilidades”, porém, esperando promover o “espírito de autonomia” dessas regiões
do Império, segundo o autor, “os fatos se incumbiram de demonstrar que as províncias não
correspondiam, na prática, às largas concessões com que munificentemente as dotara a
revisão constitucional”. Sendo assim ele afirma que as administrações locais em nada se
importavam de combater o analfabetismo crescente das massas, e, portanto, sob o ponto de
vista intelectual, continuávamos ainda colônia, tendo como resultado a prática de “... as
famílias mais esclarecidas e bafejadas pela fortuna se viam coagidas, pela falta de
estabelecimentos idôneos no país, a manter a tradição colonial, enviando para Coimbra,
Lisboa e mais raramente para Paris os raros jovens que aspiravam seguir carreira das
ciências e das letras”.
Acrescenta ainda que a ênfase na instrução superior, quando a secundária e
primária se voltavam “ao mais cruel olvido, e, acima de tudo, essa falta de unidade na
direção, encaminhamento e distribuição do ensino pelo país, não tardavam a produzir as
mais perniciosas pôr conseqüência”. Nesse sentido, o autor chama atenção para a
complicada situação da instrução:
“Ao passo que os cursos superiores iam sendo dotados de todos os
aperfeiçoamentos, que o progresso das ciências descortinava sob o influxo
fecundo e previdente do governo geral, os estudos preparatórios se
conservavam na maior da incúria pelas províncias e mesmo na Corte, onde,
apenas antes da instalação normal do Colégio Pedro II, a iniciativa particular
conseguia às vezes, certas vantagens em algumas das denominadas aulas
avulsas, espalhadas pôr todos os recatos da cidade, à guisa de mercearias em
que se vendiam exames a retalho aos candidatos à matrícula nas Faculdades
do Império”.
Ao reforçar a idéia de abandono da instrução pelo Governo e da falta de
correspondência entre os três níveis de ensino, Abranches aponta para o que considerou
como um “monumental relatório” produzido pelo Dr. Justiniano José da Rocha que por
ordem do Ministro do Império, “descarnava severa e imparcialmente todos os males que
atrofiavam o ensino secundário no Brasil”. Assim, os destaques do autor a este documento
209
ajudam a pensar nas representações sobre a instrução secundária e superior na primeira
metade do século XIX, revigoradas no início do século XX.
“Atenta a desregrada aplicação, escrevia esse erudito brasileiro, da liberdade
de indústria do ensino, há no Rio de Janeiro uma infinidade de colégios e
escolas, de cuja existência nem é possível dar fé. Multiplicam-se tais
estabelecimentos pôr quase todas as ruas. Quem quer que pode, pôr quaisquer
meios reunir meia dúzia de meninos, arvora-se em educador da mocidade e
daí tira um lucro que, embora insignificante, de sobejo compensa o seu
trabalho”. (...) Sob essa condição de estudos, acanham-se e perdem-se os
alunos. Mal começam a habilitar-se afluem para o Colégio Pedro II, onde
ganham ao cabo de dois anos, o diploma de bacharel, que os dispensa dos
exames preparatórios, ...”
É interessante observar que em seu relatório, além das considerações sobre o
estado da instrução na Corte, Abranches se refere sobre as reformas produzidas no âmbito
da IGIPSC. Segundo o autor, estas medidas vieram de encontro às aspirações do momento
entre aqueles que tinham como responsabilidade imediata os negócios públicos e, sobre
estas medidas, nos dá uma idéia daquilo que ele considerou como “prática louvável da
conjuntura política da época”:
Baixada pelo Ministro Coutto Ferraz, despertara fundadas esperanças de
moralizar os costumes nefastos, que haviam arrastado o sacerdócio do ensino
aos mais desabusados desregramentos, e parecia aí todos vir rasgar novos
horizontes a vida intelectual do país. (...) Como se isso não bastasse, foi com
maior escrúpulos que se procedeu à escolha do homem superior e
independente, a que se deveria entregar a superintendência do ensino
secundário em todo o país. Buscou-se então um nome entre os vultos mais
proeminentes e respeitados pela nação inteira. E, se o primeiro nomeado era o
Visconde de Itaborahy, não tardava a sucede-lo, em tão alto posto, o estadista
emérito, a quem o Brasil deverá a abolição do tráfico dos africanos
256
.
O republicano ao comentar a importância das reformas de 1854, para o que
chamou de moralização do ensino na Corte remete ao comentário de Eusébio de Queirós,
no cargo de Inspetor Geral
257
, sobre as provas a que estavam obrigados, não só os
professores públicos mas também os professores e diretores dos colégios particulares, a fim
de exercerem o magistério:
256
Cabe sublinhar o modo como descreve o conservador Eusébio de Queirós.
210
O resultado desses exames veio ainda uma vez mais atestar a necessidade,
que havia de uma reforma do ensino; e confirmou, como causa, o que os
exames dos alunos tinham patenteado como efeito. Dos 77 professores e
diretores que, não obstante a nímia indulgência do conselho e da fácil
concessão de dispensas, foram chamados a exames de habilitação das
diversas matérias, que lecionavam, só 50 se apresentaram, sendo 13 senhoras,
e, desses que foram examinados, apenas 31 obtiveram aprovação.
Este inspetor ainda acrescenta que os exemplos desses resultados da reforma
poderiam “contribuir para que se tentem também melhoramentos urgentes no ensino das
províncias, que ainda os não tem seriamente empreendido”. É interessante destacar a
pretensão do Governo da Corte em constituir-se como modelo, como foi discutido
anteriormente. Abranches reforça a função modeladora da legislação de 1854, que deveria
de servir de exemplo, também, para o seu tempo, ao apontar a “verdade”, “retidão” e
“moralidade” que haviam presidido às mesas de preparatórios neste ano de 1855 e nos
subseqüentes,
Se refletiram beneficamente pelo país inteiro. Pôr toda a parte, caprichou-se
em imitar a probidosa severidade, com que se haviam conduzido as
comissões julgadoras no município neutro. Começou-se mesmo a ter um
certo escrúpulo na passagem de atestados de habilitações a estudantes, que
não estavam suficientemente aparelhados nas matérias que cursavam.
Cita ainda o inspetor em 1860, que ao considerar o estado de adiantamento da
reforma de 1854, que este investimento acabou demonstrando “que há quem saiba ensinar”.
Neste sentido, parece que o Sr. Abranches compartilhava de idéias do Governo de 1854, de
que a reforma acabou produzindo efeitos desejáveis, melhorando as condições em que se
encontrava a instrução pública e o magistério na Corte.
Abranches, tal como Frazão, ao indicar a precária instrução de grande parte
dos mestres e mestras do período como uma das causas do pouco preparo dos alunos,
aponta também para o que considerou “importante controle” estabelecido pela Inspetoria
Geral de Instrução. Segundo o relator, esta instituição promoveu a organização e
moralização não somente do magistério público, mas também sobre a esfera privada de
ensino. Este relatório de 1904 colabora, portanto, para gerar uma representação sobre da
257
Esta parecer encontra-se no relatório apresentado por Eusébio de Queirós ao Ministro de Estado, em 1855.
211
IGIPSC, já na primeira república, com um tom laudatório e saudosista. Esta instância de
poder é representada como órgão moralizador da instrução no Império e referido como um
modelo a se reeditado, para a melhoria das condições da instrução, na República do Brasil.
Apontamentos Finais
Considerar as representações acerca do professor e das forças que os
estabelecem exige reconhecer que este debate ultrapassa as fronteiras nacionais. Sobre esta
constatação vale referir Silva (2004), quando cita os estudos de Bergesen (1980) para
apoiar a idéia de que o século XIX foi marcado por mudanças na maneira de pensar a
ordem internacional e de conceber o sistema mundial como uma realidade exterior às
nações, mas que a elas se impõem. Contudo, a autora chama a atenção de que este fato não
significa pensar num sistema que se constrói abstratamente e se impõe, mas num sistema
que tenha como alicerce premissas discursivas decorrentes de numa circulação
internacional de idéias, gerenciadas por uma correlação de forças não desprezível,
(certamente que as maiores economias, as forças políticas mais expressivas têm maior
poder de força na construção de modelos, ainda que discursivos) que age como um peso e
pressiona as demais nações. No caso interessa pensar tais relações no que se refere à
implantação e funcionamento dos sistemas educacionais. (p.75)
No entanto, essas idéias circulantes, contribuindo para a idealização do
modelo de professor tanto para a Escola de Medicina, conferida pelo relatório do Dr.
Jobim, quanto para as escolas elementares e secundárias, discutidas nas cartas do professor
Frazão, indicam que, apesar do detalhamento das competências dos cargos do diretor e
professores, dos rituais a que deveriam ser submetidos a prática dos concursos de seleção
ao magistério, assim como, as demais regras de organização e controle da instrução
instituídas pelo governo em forma de leis, regulamentos internos, avisos, relatório, enfim,
por meio de um conjunto de instrumentos formais que procuraram linearizar
procedimentos, é possível perceber no perfil do educador representado tanto pelo professor,
quanto pelo médico, uma identidade que se pretende construir na tensão e disputas entre
diferentes instituições, dentre elas, a igreja, os militares, a medicina e a escola.
212
Para finalizar, este estudo favorece o aparecimento de uma série de questões.
Entre elas, encontra-se a vulgarizada representação do professor do século XIX como
modelo de virtude, missionários resignados, para os quais, a vocação de ensinar deveria
valer mais do que desejo de profissionalizar-se. É certo que estavam obrigados a apresentar
atestados de moralidade emitidos pela Igreja e Delegacia de Polícia, porém, o que pensar da
forma flexível de aceitação pelo Governo de tais atestados. O que pensar das demais
“autoridades” que acabaram assinando este tipo de documento? Os sacerdotes,
“missionários oficiais” da Igreja, de acordo com os documentos analisados
258
, parecem que
preferiam as instituições particulares de ensino. Sendo assim, será que a caracterização do
professor do século XIX como missionário, não estaria mais marcada nos discursos dos
dirigentes imperiais? Estas questões se aproximam as de Silva (2004)
259
quando a autora
afirma que “Há uma tensão a ser explorada na visão que associa magistério a vocação. O
espírito de abnegação próprio do sacerdócio parece ser evocado pelo Estado, muito mais
para servir a seus próprios interesses do que para qualificar a atuação docente”. Para
explorar mais esta problemática recorre à Eça de Queirós para refletir sobre a questão do
sacerdócio e dos padres como funcionários do Estado pela história de um de seus
personagens:
O que em padre Salgueiro me encantou logo (... ) foi a sua maneira de
conceber o sacerdócio. Para ele o sacerdócio (...) não constitui de modo
algum uma função espiritual – mais unicamente e terminantemente uma
questão civil. Nunca, desde que foi colocado à sua paróquia, padre
Salgueiro se considerou senão como um funcionário do Estado, um
empregado público, que usa um uniforme, a batina, e que em lugar de entrar
todas as manhãs numa repartição do Terreiro do Paço para escrivinhar ou
arquivar ofícios, vai, mesmo nos dia santificados, a uma outra repartição,
onde, em vez da carreira, se ergue um altar, celebrar missas e administrar
sacramentos. As suas relações portanto, não são e nunca foram com o Céu
(do céu só lhe importa saber se está chuvoso ou claro) – mas com a
Secretaria de Justiça e dos Negócios Eclesiásticos. Foi ela que colocou na
sua paróquia, não para continuar a obra do Senhor guiando docemente os
homens pela estrada limpa da salvação (missões de que não curam as
Secretarias do Estado), mas, como funcionário, para executar certos actos
258
Sinais desse caráter encontra-se no Mapa das escolas em 1829, na p. X , no qual a presença dos padres é
conferida entre as escolas particulares e nos documentos referentes ao capítulo V, nos quais as justificativas
para as inscrições e isenção aos concursos não registram a presença dos religiosos nos concursos para as
escolas públicas elementares. Contudo este aspecto merece maior investimento em um outro momento de
discussão do tema.
259
Sentidos da profissão docente: Estudo comparado acerca de sentidos da profissão docente do ensino
primário, envolvendo Santa Catarina, São Paulo e Portugal na virada do século XIX para o XX. Tese de
Doutoramento apresentada na FEUSP. SP., 2004.
213
públicos que a lei determina a bem da ordem social – batizar, confessar,
casar, enterrar os paroquianos.
È preciso esclarecer que Silva (op.cit) tem como foco a primeira república,
tempo em que ela reconhece as evidências entre o trabalho do professor e do pároco a
serviço dos interesses do Estado: “Ao caráter sacerdotal, tantas vezes evocado na referência
aos professores primários, se entrelaçam interesses do Estado em difundir valores na forma
de crenças supremas e de culto ao desprendimento em relação aos aspectos materiais”.
(p.113) Nesta perspectiva a autora ainda acrescenta:
As exigências de conduta imposta espelham um modelo idealizado de
professor e professora, cunhado para servir como funcionário do Estado e
seu representante legítimo, ‘obreiro a edificar a Nação’, assentando em
princípios morais que não necessariamente estão vinculados a um outro
modelo político ou ideológico.” (p.114)
Esta autora, problematiza também o modelo de professor pretendido pelo
Estado, e considera que:
“Ao regular a profissão docente, o Estado aspirou à formação e organização
de um corpo homogêneo, despido de diferenças e subjetividades, apto ao
desempenhar suas competências cívicas. Embora a forte regulamentação da
formação e atuação do professorado exercesse em um controle por vezes
opressor, esta mesma regulamentação favoreceria a organização da categoria
e contribuiria para a construção de uma identidade bastante singular. Parece,
de certa forma, que houve acordos entre o que o Estado impunha do alto, o
que a sociedade esperava, as expectativas sociais do professorado e os
anseios dos próprios professores. Contudo, isto não pode ser analisado sem se
recorrer, mesmo que não se possam identificar, que os supostos acordos são,
muitas vezes, produtos de longas disputas e tensões, objetos de resistência de
uns e apreciados por outros”. (p.115)
Decorre daí a idéia de modelação docente conferida pelo controle da
administração pública sobre o ingresso no magistério dos três níveis de ensino. Aspecto
presente já no ingresso da profissão, havendo previsão de continuidade, posto que a
legislação cuida de regularizar os procedimentos do exercício da profissão.
Apesar de, neste estudo, dado seu foco, pouco se poder afirmar sobre a prática
docente sob o controle do Governo, é possível perceber, que os concursos promoviam uma
espécie de filtro, cuja eficácia fica restringida pelo fato de que, em muitos deles não haver
214
candidatos aprovados
260
. O anexo XIV, na p. 231 apresenta a ata dos exames de 17 de julho
de 1860, para a cadeira de instrução primária, podendo servir como um bom exemplo deste
aspecto. Neste concurso a comissão julgadora apresenta os candidatos para a escolha do
Governo, indicando, porém, que o faz pela necessidade de professores e não pelo
merecimento real dos candidatos. A mesma ata indica a resposta governo a esta decisão da
banca do concurso.
Aliado ao aspecto modelar nos exames analisados, percebe-se, uma prática
ritualizada em que a presença do Inspetor geral de instrução, os membros do Conselho
Diretor, os componentes da banca examinadora, os próprios candidatos, e, em certas
ocasiões a presença do Imperador impõe formalidade, distinção e credibilidade a essas
ocasiões.
Este trabalho ao destacar documentos oficiais do Rio de Janeiro procurou
analisar um tempo em que múltiplas ações foram pensadas para atender uma rede de
escolas ainda muito dispersa, não unificada. Nesse sentido, o trabalho de Silva (2004)
contribui para sustentar de certa forma a intenção modeladora dos projetos de governo.
Assim, autora lembra:
Os projetos de modernização, embalados pelas idéias de progresso,
implicam uma alteração de comportamento, do modo de se estar no mundo e
de com ele relacionar-se. A Escola Normal foi edificada como um templo
capaz de arregimentar e formar profissionais, cuja função principal seria
alinhar a população aos projetos de modernidade (p.119)
Em Portugal,
“os normalistas eram chamados de “obreiros que iriam edificar a Nação”; os
tijolos deste edifícios seriam os cidadãos mas, para construí-lo de forma a
não ruir, os tijolos deveriam corresponder a um certo padrão
261
.
Provavelmente, as diferenças poderiam ser representadas em portas, janelas,
clarabóias com formatos diferenciados, mas as paredes precisavam estar
alinhadas e concentram o peso principal do material que compõe a obra”
262
.
(p.119-120)
Porém não só as escolas normais deram conta em modelar o professor no
século XIX. Outros tipos de formação, como vimos, foram postos em prática, incluindo-se,
260
Este documento é interessante por apresentar também a resposta do Governo a tal situação
261
De acordo com Silva (op. cit), esta referência consta no Preâmbulo que acompanha o texto da Reforma do
Ensino Infantil, Primário e Normal de 29 de março de 1911.
262
De acordo com Silva (op. cit)
215
entre eles, tanto a formação de professores pela prática no interior das escolas públicas e
particulares da Corte como também no interior da família pela constância em que os filhos
e filhas, assim como demais parentes costumavam ajudar e até substituir os professores nas
suas funções. Sobre esta forma especial de formação docente conferida no âmbito da
família, os documentos apontam para determinados sobrenomes que se repetem entre as
nomeações de professores, e, a verificação dos pedidos de inscrição, os de isenção aos
concursos, assim como nos atestados de maioridade e moralidade exigidos no exame prévio
dão sinais da familiaridade entre os candidatos e os professores em exercício da profissão.
Ao buscar o modelo de professor no período estudado, penso que as normas
produzidas pelo Estado imperial, propondo uma espécie de comportamento exemplar ao
docente, ao tentar definir os modos como deveriam acontecer os concursos, os saberes
examinados, a moralidade comprovada por documentos, entre outros aspectos examinados
neste estudo, acabou configurando ações de sujeitos que aderiram amplamente às
exigências da norma, outros que tentaram desviar-se delas pedindo isenção a esses exames,
ainda os que teriam entrado para o quadro docente do Estado por nomeação direta do
Governo sem passar por tais processos de recrutamento. É bom lembrar que as três
possibilidades foram previstas em lei. Portanto, o Estado, também procurou regularizar os
casos possíveis de ingresso sem a realização de concursos. Ainda resta considerar a figura
do “explicador” denunciada por Frazão, que se mantém fora da regra, portanto fora do
controle do Governo, mas nem por isso deve ser desconsiderada entre os possíveis modelos
de docente.
Em todo caso, é possível pensar que, entre as aprovações, reprovações e
ainda na constatação de concursos nos quais nenhum dos candidatos foi aceito, ocorre, de
certa forma, um projeto de modelação que, sinalizado nas representações sobre as práticas
nele instituídas, nos levam a considerar que esta pretensão em modelar o docente ocorreu
de forma específica no interior das relações de poder entre os sujeitos do governo e os
representantes da classe de professores no processo de profissionalização docente no
Estado imperial. Contudo, ainda nesta mesma linha, como mais alguns exemplos, outros
são aprovados com restrições, caso do concurso para repetidor do Imperial Colégio de
Pedro II em que o candidato rege a cadeira interinamente até que se promova um novo
concurso. E ainda outros, como pode ser verificado no anexo XV, na p. 232 em que os
candidatos a professor de Matemática do ICPII foram aprovados com louvor como o
216
concurso em que Benjamim Constant foi o excluído entre os habilitados
263
, ou ainda, o
concurso para a 1ª cadeira da Seção Cirúrgica da FMRJ, no qual entre dois aprovados,
“competindo ao Governo Imperial escolher um destes Candidatos”, o Dr. Adolpho Bezerra
de Menezes Cavalcante, foi preterido
264
. Desta forma, percebemos que no processo dos
exames esboça-se um tipo de seleção do profissional que obedece a um modelo daquilo que
se considerava ser um bom professor. No entanto, tal medida, não caracteriza unidade,
homogeneidade e linearidade pretendida pela lei.
Este trabalho, aponta para um quadro, no qual a procura pelo ofício de
professor não se faz de modo uniforme, e, esta pluralidade poderia estar sinalizando para
um tempo em que a definição do sentido da profissionalização do magistério torna-se uma
importante estratégia, tanto de modelação docente por parte do governo imperial, quanto de
luta pela a valorização do professor enquanto categoria profissional, que precisava ser
reconhecida pela sociedade em formação.
Neste sentido, considerando todo esse jogo de relações, como e onde se fixa
o poder? Que tradição foi construída pelo modelo de professor que o Estado imperial
procurou conformar? E hoje, que modelo de professor está sendo produzido no interior ou
fora do controle da legislação, em uma conjuntura na qual se impõe uma espécie de
reedição da noção de Império?
Responder a estas questões permite perceber o poder através de ações sobre
ações. Este jogo é o que possibilita compreender a transformação de uma prática ordinária
em prática profissional. Nesta mutação, combinadas, três forças, três dispositivos de poder,
três tempos articulados de modo descontínuo comparecem: a formação prévia, a formação
continuada e o recrutamento. Este último, analisado de um corte vertical (do nível primário
ao superior) foi transformado em objeto deste estudo porque entendemos o mesmo como
uma ação sobre outras tantas que colabora para normatizar e normalizar o “bom mestre”
263
Conforme Notação IE4.8 do A N. Série Educação.
264
Conforme Notação IE3.21do A N. Série Educação. É possível pensar que o fato de Bezerra de Menezes
encontrar-se envolvido com a religião espírita tenha influenciado para que não fosse escolhido pelo governo
para a vaga de professor da FMRJ.
217
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10-4-33- Avisos e Portarias, 1855
10-4-34- Atas de exames 1855-1857
10-4-35- Registros de Nomeações para o Magistério- 1855-1863
10-4-36- Registros de Nomeações para o Magistério- 1856
11-1-1- Provas e exames, CPII, 1856
11-1-2- Provas e Exames – 1855-1856
11-1-3- Provas e exames -1856
11-1-5 - a - 11.1.7 - Certidões e Atestados –1857
11-1-8 - a – 1-1-10- Certidões e Atestados –1858
11-1-11- Provas e exames 1858
11-1-18- Ofícios ao Inspetor Geral 1858-1859
11-1-20- Provas e exames, Atas de Concursos 1860
11-1-21- Requerimento para exames- 1860
11-1-24- Concursos- 1860- 1877
11-1 25- Castigos Corporais- 1860-1907
11-1-27- Provas e Exames 1861
224
11-1-30- Aprovação de Métodos de Ensino e Cartas- 1861
11-2-3- Ensinio Público Primário -1862
11-2-4- Requerimentos CPII, 1862
11-2-5- -Programas, pontos, provas, pareceres e certidões- 1863
13-2-26- Instituto Comercial - Provas e Exames - 1859
13-2-27- Instituto Comercial - Provas e exames 1860
Arquivo Nacional – Notações:
IE1.1- Registro de Portaria- 1859-1868
IE1.13 – Ministro do Império – 1859 -1868
IE1.14- Nomeações e exonerações – Registro de Decretos relativos aos professores. 1860
IE1.19 a IE1.21 - Minutas de avisos e ofícios – 1861
IE1.22 a IE1.24 - Minutas de avisos e ofícios – 1862
IE1.25 a IE1.27 - Minutas de avisos e ofícios – 1863
IE1.253 e 254 - Requerimentos sobre a instrução em ordem alfabética, 1850-185IE1.438 –
Ministério do Império -, Avisos e Ofícios, 1859-1861.
IE2.42 – Ministério do Império, Diretoria das Escolas Avisos e Ofícios 1847- 1855.
IE3.10 a IE3.13 – Academia Médico Cirúrgica da Corte -1820 a 1840
IE3-14 a IE3.16 –Relatórios e Ofícios do Diretor da EMRJ. – 1851-1855
IE3.17 – Escola de Medicina – 1849 –1850 –1851
IE3.18 - Escola de Medicina – 1852 - 1853
IE3.19 -- Escola de Medicina –1854
IE3 .20-- Relatórios e Ofícios do Diretor da Escola de Medicina - 1855-1854
IE3 .21-- Relatórios e Ofícios do Diretor da Escola de Medicina - 1857-1858
IE3 .22-- Relatórios e Ofícios do Diretor da Escola de Medicina - 1859-1860
IE3 .23-- Relatórios e Ofícios do Diretor da Escola de Medicina - 1860-1862
IE3.24 - Relatórios e Ofícios do Diretor da EMRJ – 1863 -1864
IE3.207 a 209 - Conselho Superior de Ensino – Processos, Relatórios e Ofício
IE3.260 - Ementas e Decretos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1812-1871)
IE3. 259 - Pareceres das Congregações das Faculdades do Império sobre a criação de uma
Universidade
IE3. 717 - Faculdade de Medicina – Documentos variados- 1852
225
IE4.1 - Registro e avisos, Instrução primária e secundária ao Inspetor Geral- 1858- 1861
IE4.2- Expediente da Secretaria de Negócios do Império. 1852
IE4-4- Ofícios ao Inspetor Geral – 1856
IE4-5- Ofícios ao Inspetor Geral-1856
IE4-6- Ofícios ao Inspetor Geral 1857- 1858
IE4. 7- Ofícios ao Inspetor Geral- 1859
IE4. 8- Ofícios ao Inspetor Geral- 1860
IE4. 9- Ofícios ao Inspetor Geral- 1861 -1862
IE4. 10- Ofícios ao Inspetor Geral- 1863 -1864
IE4.14- Registros e decretos, Nomeações e exonerações1859-1868.
IE4-25- Ofícios - ao Inspetor Geral 1856-1857
IE4.35- CPII- Ofício do Reitor 1853- 1857
IE4.36- CPII- Ofício do Reitor 1860- 1862
IE5.1- Ministério do Reino/Ministério do Império- após 1809
IE5. 96- Ementas sobre a Instrução Pública Primária- 1828-1870
IE5. 97- Nomeações de professores Públicos 1829-1861
IE5.127-Ofícios à IGIPSC – 1854-1856
226
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