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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
JONI JOSSELITO JOHANN
A EDUCOMUNICAÇÃO COOPERATIVA E O NOVO
SENSO COMUM EMANCIPATÓRIO:
UM ESTUDO EXPLORATÓRIO A PARTIR DO PROGRAMA
“A UNIÃO FAZ A VIDA”
SÃO LEOPOLDO
2007
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JONI JOSSELITO JOHANN
A EDUCOMUNICAÇÃO COOPERATIVA E O NOVO
SENSO COMUM EMANCIPATÓRIO:
UM ESTUDO EXPLORATÓRIO A PARTIR DO PROGRAMA
“A UNIÃO FAZ A VIDA”
Dissertação apresentada à Universidade do
Vale do Rio dos Sinos como requisito parcial
para obtenção do titulo de Mestre em
Ciências Sociais.
ORIENTADORA: DRa. MARILIA VERÍSSIMO VERONESE
SÃO LEOPOLDO
2007
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A EDUCOMUNICAÇÃO COOPERATIVA E O NOVO
SENSO COMUM EMANCIPATÓRIO:
UM ESTUDO EXPLORATÓRIO A PARTIR DO PROGRAMA
“A UNIÃO FAZ A VIDA”
Dissertação apresentada à Universidade do
Vale do Rio dos Sinos como requisito final
para obtenção do título de Mestre em
Ciências Sociais.
BANCA EXAMINADORA
_______Dra_Marília Veríssimo Veronese - Unisinos_____________.
_______Dr. José Odelso Schneider - Unisinos .
______ Dr._Pedrinho Arcides Guareschi Pucrs .
AGRADECIMENTOS
Deixo aqui os meus sinceros agradecimentos,
A minha família:
A meu pai, Nelson, pela ajuda incondicional: és, de entre tantos doutores
que me circundaram, o meu maior exemplo de docência.
A minha mãe, pela paciência e carinho: és minha mestra na arte de
doar-se.
As minhas irmãs Cristriaine e Karoline pelo apoio e incentivo
A minha querida orientadora Marília Veríssimo Veronese: teu incentivo
carinhoso foi decisivo para o meu sucesso. Obrigado pelas tantas orientações
nem sempre acadêmicas. Guardarei pra sempre estes alegres e luminosos
momentos.
A Maristela, secretária do PPG, pela paciência, amizade, apoio e
carinho: muito, muito obrigado.
Ao meu amigo prof. José Rogério Lopes, pelas lições de vida,
acadêmicas e para além destas. Um forte abraço colorado!
Aos demais professores do programa na figura do Coordenador Luiz
Inácio Gaiger, e em especial para o meu exemplo cooperativista, prof. José
Odelso Schneider: aprender convosco fez o conhecimento mais humano.
Aos meus colegas de programa, e um abraço especial a Carlos Daniel e
Alex Pizzio, no que incluo sua família, pelo companheirismo, apoio e
cumplicidade.
As professoras e coordenadoras pedagógicas entrevistadas, em
especial a Vera Mejolaro, Coordenadora Pedagógica do Programa estudado.
E a Karen, com quem descobri ser possível conciliar amor e utopia.
RESUMO
O estudo explora como as diferentes inter-relações entre os campos de
conhecimento da comunicação e da educação, que se configuram no assim
denominado campo da educomunicação, podem favorecer o processo de
educação cooperativa, fomentando o desenvolvimento do cooperativismo e da
filosofia da cooperação. Abordando sociologicamente estas inter-relações,
pretende-se contribuir na construção de um ideário de formação
educomunicativa cooperativa contra-hegemônica e emancipatória,
fundamentado, sobretudo, nas idéias do sociólogo português Boaventura de
Sousa Santos. Para tanto, explora-se empiricamente o programa “A União Faz
a Vida” do Sistema Sicredi de crédito cooperativo. Os principais resultados
apontam para o desconhecimento acerca da esfera educomunicativa por parte
dos atores envolvidos no programa, embora neste existam experiências
enquadráveis como educomunicativas; destaca-se, também, a
educomunicação como um profícuo campo de investigação e produção do
novo senso comum emancipatório, sendo uma ferramenta chave para o
procedimento de tradução proposto para a sua elaboração.
Palavras chave: educomunicação, cooperativismo, emancipação,
procedimento de tradução, sociologia das ausências e das emergências.
ABSTRACT
This study explores like the different inter-relations between the fields of
knowledge of the communication and of the education, which are shaped in so
called a field of the educommunicacion, can favor the process of cooperative
education, promoting the development of the cooperativism and of the
philosophy of the cooperation. Boarding sociologically these inter-relations, one
intends to contribute in the construction of an ideas of formation
educommunicative cooperative against-hegemonic and emancipation mean,
based, principally, on the ideas of the Portuguese sociologist Boaventura de
Sousa Santos. For so much, there is explored empirically the program “The
Union Do the Life” of the system Sicredi of cooperative credit. The principal
results point to the ignorance about the sphere educommunicative for part of
the actors wrapped in the program, though in this there are experiences you
were fitting how educommunicatives; there detaches, also, the
educommunicacion as a useful field of investigation and production of the new
common sense emacipation mean, being a key tool for the translation
proceeding proposed for his preparation.
Key words: educommunicacion, cooperativism, emancipation, translation
proceeding, sociologies of the absences and of the emergences
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1: MAPA DE ESTRUTURA-ACÇÃO DAS SOCIEDADES
CAPITALISTAS NO SISTEMA MUNDIAL............................................................100
QUADRO 2: ESPAÇOS E DIMENSÕES EDUCOMUNICATIVAS NA
CARTOGRAFIA DE BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS.............................127
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................10
CAPÍTULO 1 CAMPO EMPÍRICO E METODOLOGIA.........................................15
1.1 O PROGRAMA “A UNIAO FAZ A VIDA”........................................................15
1.1.1 O SURGIMENTO DA PROPOSTA..............................................................15
1.1.2 O PROGRAMA HOJE....................................................................................18
1.2. METODOLOGIA ...............................................................................................20
1.2.1. PROCEDIMENTOS DE COLETA DOS DADOS......................................20
1.2.2 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DOS DADOS......................................27
1.3 O PROBLEMA..............................................................................................28
1.4 OBJETIVOS .......................................................................................................29
GRUPO 1 OBJETIVOS EMPÍRICOS.................................................................30
GRUPO 2 OBJETIVOS TEORICO-ANALÍTICOS............................................30
CAPÍTULO 2 EDUCAÇÃO COOPERATIVA: DIALOGO X HEGEMONIA.......31
2.1 A PRIMORDIALIDADE DA EDUCAÇAO PARA A COOPERAÇAO..........31
2.2. A DIALOGICIDADE E A EDUCAÇAO COOPERATIVA .............................36
2.3 FREIRE DIALOGA COM DESROCHE...........................................................38
2.4 EDUCAÇAO, HEGEMONIA E CONTRA-HEGEMONIA..............................41
2.5 EDUCAÇAO, COMUNICAÇAO E EXPANSAO COOPERATIVA...............47
CAPÍTULO 3 SOCIEDADE MEDIADA E EDUCOMUNICAÇÃO........................52
3.1. SOCIEDADE MEDIADA..................................................................................52
3.2 SUBJETIVIDADE CAPITALÍSTICA................................................................56
3.3 O CAMPO DA EDUCOMUNICAÇAO.............................................................59
3.3.1. EDUCAÇAO PARA OS MEIOS...................................................................63
3.3.2 MEDIAÇAO TECNOLÓGICA NA EDUCAÇAO........................................64
3.3.3 GESTÃO DA COMUNICAÇÃO NA EDUCAÇÃO......................................65
3.3.4 REFLEXAO EPISTEMOLÓGICA.................................................................66
3.5. O SISTEMA DE RESPOSTA SOCIAL...........................................................66
CAPÍTULO 4 CONTRA O DESPERDICIO DA EXPERIÊNCIA..........................70
4.1. O PARADIGMA MODERNO E A TRANSIÇÃO PARADIGMÁTICA..........71
4.2 A CRÍTICA DA RAZÃO INDOLENTE .............................................................74
4.2.1 A CRÍTICA DA RAZÃO METONÍMICA .......................................................78
4.3 A SOCIOLOGIA DAS AUSÊNCIAS E DAS EMERGÊNCIAS.....................80
4.4 A SOCIOLOGIA DAS EMERGENCIAS NO DOMÍNIO DO AINDA-NÃO..86
4.5 O PROCEDIMENTO DE TRADUÇÃO...........................................................88
4.6 O CONCEITO DE TOPOI E O NOVO SENSO COMUM EMANCIPATÓRIO
....................................................................................................................................90
4.7 UMA CARTOGRAFIA DA TRANSIÇÃO SOCIETAL....................................93
CAPÍTULO 5 A EDUCOMUNICAÇÃO COOPERATIVA E A PRODUÇÃO DO
NOVO SENSO COMUM EMANCIPATÓRIO........................................................101
5.1 COMO SE CONFIGURAM AS RELAÇÕES DE EDUCOMUNICAÇÃO
DENTRO DO PROGRAMA “A UNIÃO FAZ A VIDA” DO SISTEMA SICREDI?
..................................................................................................................................102
5.2 QUAIS AS PERSPECTIVAS DE UTILIZAÇÃO EDUCOMUNICATIVA
NUMA FORMAÇÃO COOPERATIVA CONTRA-HEGEMÔNICA DE CUNHO
EMANCIPATÓRIO E NA CRIAÇÃO DE UM NOVO SENSO COMUM
EMANCIPATÓRIO?...............................................................................................113
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................128
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................129
INTRODUÇÃO
A idéia deste estudo parte de nossa experiência como militante
cooperativo da área de comunicação. Essa vivência nos mostra que existe uma
sub-valorização do papel, ou sub-utilização das possibilidades da comunicação
dentro do meio cooperativista, atreladas ou não à perspectiva educativa; e que
a própria educação, tão fundamentalmente entendida na dinâmica cooperativa,
fora raras exceções, é trabalhada sob parâmetros não-dialógicos, muito mais
no seu aspecto formador de competências, técnico, do que realmente
educativo. Ademais, não conseguimos encontrar estudos identificados com a
esfera educomunicativa no campo da cooperação.
Desde a sua origem moderna em Rochdale, o cooperativismo aponta a
educação como condição fundamental de sua prática. Assim, iniciamos a
fundamentação de nosso estudo, logo após a apresentação do objeto empírico
e da metodologia adotada, por uma recuperação histórica deste entendimento.
Confrontamos, a seguir, dois posicionamentos acerca das razões desta
premissa educativa, ao tempo em que apresentamos as teorias sociais que
norteiam nosso entendimento e posicionamento sobre o papel social da
educação. Apresentamos os estudos de Paulo Freire sobre a ação educativa e
a concepção de Gramsci, baseada em seu conceito de hegemonia, sobre a
importância social e política da educação.
11
A escolha de nosso objeto de análise, o programa de educação
cooperativa realizado pelo sistema Sicredi de crédito cooperativo intitulado “A
União Faz a Vida”, como mostraremos, se deve à proposta metodológica do
programa, que se apresenta como participativa, e a sua consolidação ao longo
dos seus 11 anos de existência.
Ressaltamos que não é nossa pretensão uma avaliação criteriosa do
programa. Buscamos sim, através da verificação empírica, subsídios que
apóiem nossa proposta de exploração teórica do uso da educomunicação
como ferramenta para desenvolver, a partir da premissa educativa do
cooperativismo, uma concepção de educação contra-hegemônica e
emancipatória para o cooperativismo e a economia solidária como um todo. O
campo empírico será melhor apresentado no capítulo que segue.
Através do cerco epistemológico ao nosso objeto empírico buscamos, a
partir de nossas observações e das experiências relatadas, contribuições para
a exploração das possibilidades teóricas deste novo campo de saber a
educomunicação para a cooperação.
No terceiro capítulo, apresentamos este novo campo a
educomunicação possibilidade analítica que é a motivação principal de nosso
trabalho. Para tanto, recuperamos as circunstâncias de seu surgimento.
Segundo John B. Thompson (1998), o avanço das tecnologias de comunicação
propiciou e foi determinante para o desenvolvimento da sociedade ocidental
contemporânea, uma sociedade essencialmente mediada.
Sobretudo nos últimos 30 anos o desenvolvimento dos mass media e
das demais tecnologias da comunicação tem transformado a cultura e todo o
modo de viver das sociedades. Hoje, segundo Guareschi (2000), não existe
nada na sociedade moderna que não passe pela mídia:
12
O sinal dos tempos, hoje, é que vivemos um tempo de sinais.
Estamos inseridos num mundo e numa realidade cada vez mais
simbólicos. O capital que assume valor preponderante nos nossos
dias é o capital simbólico. E quem cria e legitima esse capital, são os
meios de comunicação. (GUARESCHI, 2000, p. 9).
Caracterizada a sociedade contemporânea em termos de sua
fundamentação mediada, apresentamos na seqüência os estudos de Félix
Guattari acerca da subjetividade. Ao estruturar seu mapa de formação
subjetiva, este autor credita à produção subjetiva midiática, que ele caracteriza
como maquínica, especial papel. Para ele a sociedade capitalista acaba,
valendo-se de sua essência midiática, por criar todo um novo modo de
subjetividade a subjetividade capitalística. Sua teoria será utilizada,
sobretudo, para apontar “cautelas” com relação à exposição e utilização
midiática numa abordagem educomunicativa dentro de um objetivo
cooperativo.
A educomunicação surge neste contexto de “mediação da vida”. Surge
num momento em que o espaço formal de educação é questionado e discutido.
Surge como a inter-relação entre os saberes da comunicação e da educação,
de forma a dar conta da intervenção da comunicação na esfera educativa e à
sua centralidade na vida. Abrem-se assim inúmeras possibilidades de
agrupamentos conceituais entre os vastos campos da comunicação e
educação. Nas palavras de Mário Kaplún:
A educomunicação pode ser definida como toda ação comunicativa
no espaço educativo, realizada com o objetivo de produzir e
desenvolver ecossistemas comunicativos. (KAPLÚN, in SOARES,
1999).
No quarto capítulo, apresentamos a sociologia de Boaventura de Sousa
Santos como o grande pilar de fundamentação sociológica de nosso trabalho.
A escolha pela utilização dos conceitos do sociólogo português se deve, dentre
outros fatores, pela identificação de um certo distanciamento entre o
13
cooperativismo formal e os demais campos da sociedade civil também
identificados com uma perspectiva de emancipação social, uma vez que
Santos trabalha numa perspectiva de reconstrução emancipatória.
A abordagem de Santos é inclusiva no que descentraliza e advoga a
união e a troca de experiências entre diferentes iniciativas, projetos e estruturas
organizativas, além de dar novo fôlego e nova conceituação do que seja a luta
contra-hegemônica. Seu pensamento remete a um conjunto de utopias, propõe
o que seja uma heterotopia, montada sobre o conjunto diverso e misto das
ações emancipatórias. Ao invés da grande utopia que daria conta da
transformação da sociedade como um todo, pequenas utopias, locais e
realizáveis na prática cotidiana dos atores sociais.
Em vez da invenção de um lugar situado algures ou nenhures,
proponho uma deslocação radical dentro do mesmo lugar: o nosso.
Partir da ortotopia para a heterotopia, do centro para a margem. A
finalidade deste deslocamento é permitir uma visão telescópica do
centro e uma visão microscópica de tudo o que o centro é levado a
rejeitar para reproduzir a sua credibilidade como centro. O objetivo é
experienciar a fronteira da sociabilidade enquanto forma de
sociabilidade. (SANTOS, 2002, p. 233).
Não se trata da concepção de um novo centro, contra-hegemônico o
cooperativismo mas do deslocamento do centro da análise e da experiência
para a fronteira, para a variedade das experiências. Não se trata de instaurar o
cooperativismo formal como hegemonia, mas de conectá-lo, talvez até com
alguma centralidade, às periferias, às demais iniciativas em economia solidária
e ao setor da sociedade conhecido hoje como Terceiro Setor: ONGs,
associações, organizações comunitárias, etc. Como faze-lo? Apostamos na
ação educativa! Acreditamos que a educomunicação possa contribuir para
essa aproximação, desde que pensada para tanto.
Assim, embora na interface das ciências da comunicação e da
educação, nossa abordagem da educomunicação nesta dissertação busca a
análise sociológica da problemática apresentada. Poderíamos, inicialmente,
14
pensá-la a partir de dois patamares de observação: o da sociologia da
educação e o da sociologia da comunicação; entretanto, abordaremos a
questão a partir da premissa teórica de re-construção emancipatória do
sociólogo Boaventura de Sousa Santos e de seus conceitos sociológicos de
ausência, emergência e tradução. Nossa idéia é de que as abordagens
educomunicativas possam constituir-se em exercícios de emergências de
possibilidades emancipatórias.
Utilizando a cartografia teórica dos espaços-tempo-estruturais de
Santos, pretendemos contribuir na elaboração de um marco teórico que
permita sob uma abordagem educomunicativa trabalhar para a emancipação
através da cooperação. A idéia: rediscutir a educação cooperativa, nos termos
de uma sociedade midiática, sob o olhar educomunicativo, objetivando o
CAPÍTULO 1
CAMPO EMPÍRICO E METODOLOGIA
Dividiremos este capítulo em duas etapas. Primeiramente
apresentaremos o campo empírico, subdividindo-o também em dois momentos,
um histórico e outro descritivo. Dando prosseguimento, apresentamos nossos
procedimentos metodológicos, nossos procedimentos de coleta e analise dos
dados.
1.1 O PROGRAMA “A UNIAO FAZ A VIDA”
Abaixo, um breve relato de referência sobre o surgimento e a elaboração
das idéias originais do programa e sobre o seu atual estágio.
1.1.1 O SURGIMENTO DA PROPOSTA
O “A União Faz a Vida” começa a surgir em 1992, a partir do desejo de
implementação de um programa de educação cooperativista que atingisse as
16
comunidades de atuação do sistema Sicredi de crédito cooperativo. A iniciativa
foi do então Presidente do que viria a se tornar o sistema Sicredi, Sr.
Schardong. Fizeram parte do grupo de professores da Universidade do Rio dos
Sinos convidado a idealizar o projeto, experientes estudiosos do
cooperativismo, entre eles o Pe Jose Odelso Schneider, Roque Lauschner,
Virgilio Perius e Derli Schmidt.
Segundo o professor Schneider, este colegiado de professores da
UNISINOS passou de imediato a trabalhar no projeto, inicialmente imaginando
trabalhar com jovens adolescentes do ensino médio. Acreditavam estes
pioneiros que este público seria mais apropriado por já possuírem “mais
capacidade de apreensão. Mas era totalmente ao contrário” (SCHNEIDER,
2007, entrevista ao autor).
Orientados por duas psicólogas, então também ligadas à universidade,
que se incorporaram ao projeto, a idéia foi abandonada. Iniciava-se a
concepção de projeto que se caracterizaria efetivamente como de formação e
disseminação de valores cooperativistas. Segundo Schneider, pelo
entendimento destas profissionais, a educação cooperativa teria seus objetivos
de educação de valores melhor alcançados com crianças. Teriam dito elas:
façam isso no ensino fundamental e não no ensino médio, porque no
ensino médio a gurizada vive a fase da adolescência, a fase da
crítica, a fase da reação, a fase da contestação. Então não vai cair
muito bem nessa faixa etária você trabalhar a questão cooperativa.
Tem que trabalhar com a gurizada lá no ensino fundamental porque
eles ainda estão abertos para valores, educação para valores, para
assimilar atitudes, filosofias de vida que depois para o resto da vida
os acompanham. (SCHNEIDER, 2007).
Definida esta premissa estratégica, os organizadores do projeto
passaram a recrutar educadores das mais diversas áreas para juntos
construírem-no. Optaram pela produção de uma cartilha, organizada por
capítulos das diferentes disciplinas. Chegaram a este formato após decidirem
sobre a estratégia pedagógica a ser utilizada: a criação de um momento
17
específico para o trabalho da cooperação ou a sua diluição entre as disciplinas
curriculares?
A opção recaiu sobre a distribuição do esforço no próprio desenvolver
das disciplinas curriculares postas. Esta opção pedagógica, em nosso entender
acertada, foi, todavia, acompanhada de uma preocupação em termos de
conteúdo. Foram então encomendados estes capítulos de forma a prover
subsídios, seja em metodologias de aprendizagem, seja em exemplos
aplicáveis, falando-se de conteúdo, para as diferentes matérias curriculares.
Gostaríamos de já ressaltar este ponto. Afirmamos como correta a
preponderância, o priorizar do pensar metodológico e pedagógico para o
processo educacional cooperativo, entretanto ressaltamos a preocupação
inicial dos idealizadores também com o abastecimento de conteúdo para uma
eficiente educação cooperativa. Nem só pedagogias de cooperação sobre o
mesmo conteúdo programático dado, nem só o trato da cooperação apenas
como um conteúdo, isoladando-o da realidade, sem apresenta-lo em função de
sua vivência através das técnicas pedagógicas. Foco pedagógico, mas trato do
conteúdo.
Após aproximadamente dois anos de elaboração e maturação do
projeto, o programa iniciou suas atividades no início de 1995. A idéia do projeto
é trabalhar primeiro a formação de educadores para atuarem através de uma
metodologia cooperativa, contribuindo, assim, para a melhoria da educação
fundamental das crianças e jovens das comunidades e a integração da escola
na comunidade, disseminando assim a cultura da cooperação.
18
1.1.2 O PROGRAMA HOJE
Lançado inicialmente em Santo Cristo, município de colonização
fundamentalmente alemã, região fronteiriça a Noroeste do estado do Rio
Grande do Sul, o programa atinge hoje 85 municípios no Estado, sendo
adotado por mais de 950 escolas. Mais de 9.000 professores já foram treinados
e cerca de 110.000 alunos são atingidos atualmente. Dado o êxito no Rio
Grande do Sul, o programa já é aplicado também nos Estados de Santa
Catarina e Paraná; e está em fase de implementação no Mato Grosso do Sul,
afirmando-se cada vez mais como a principal iniciativa de integração social do
sistema Sicredi com as comunidades e num dos mais bem sucedidos projetos
de educação cooperativa da América Latina.
Desde sua origem, e ainda hoje, o programa “A União Faz a Vida”
afirma-se como fundamentalmente interdisciplinar, objetivando a sensibilização
e educação para o cooperativismo. Segundo sua coordenação, isto implica em
desenvolver uma atitude e uma mentalidade solidária, de ajuda mútua e de
cooperação. Seu projeto pedagógico se apresenta como construtivista,
participativo e crítico-social.
uma metodologia participativa implica igualdade e liberdade no
direito de contribuir. Implica enfrentar e questionar as dificuldades
encontradas no cotidiano da sala de aula e da escola. Por isso
mesmo, o Programa estimula permanentemente as definições de
prioridades pelas próprias escolas e/ou secretarias de educação dos
municípios, conferindo uma “identidade” para cada um dos locais em
que está implantado. (SICREDI, 2006).
O programa conta com uma coordenação pedagógica central.
Regionalmente, universidades funcionam como centro de referência na
formação dos professores e de acompanhamento pedagógico; o programa tem
hoje 14 universidades coligadas. O “A União Faz a Vida” funciona em dois
momentos ou etapas: implantação e continuidade.
19
O início da fase de implementação se dá quando a cooperativa Sicredi
associada, ou o município interessado, com o apoio da coordenação regional
do programa, promovem a discussão com a comunidade escolar e da
localidade como um todo. Em seguida, iniciam-se os trabalhos de busca de
parcerias com outras empresas, órgãos municipais, estaduais e até federais;
entidades classistas e ONGs, sobretudo para o levantamento dos fundos
necessários ao processo.
Feito isso, inicia-se o processo de motivação e formação dos
professores. Este processo leva um ano em média; são realizados cinco
seminários de formação em torno da cooperação e do eixo temático do
programa, cada um deles com 40 horas (SICREDI, 2006). São eles:
I Cooperação e Cooperativismo.
II Metodologias Cooperativas.
III Escola e relações cooperativas na sociedade.
IV Ambiente, sustentabilidade e cooperação.
V Institucionalização das relações cooperativas no âmbito escolar.
Parece-nos oportuno comentar acerca do foco temático utilizado no
processo de formação cooperativa: ambiente e sustentabilidade. Como
apresentaremos adiante, na fundamentação teórica, Boaventura de Sousa
Santos institui a idéia de topoi: lugares de produção de conhecimento e valores
comuns. Segundo ele, esses “lugares”, constituem consensos sociais,
referências utilizadas na própria construção de visão de mundo, das práticas e
do comportamento.
As questões do meio ambiente, da sustentabilidade e da educação para
uma sociedade mais cooperativa e solidária, de uma maneira geral, são
20
possibilidades reais de topoi que podem aproximar o cooperativismo da
sociedade como um todo.
1.2. METODOLOGIA
Caracterizamos nossa investigação como uma pesquisa exploratória.
Nossa idéia foi relacionar teoricamente os estudos acerca da constituição do
campo da educomunicação com os estudos cooperativistas de educação,
trabalhando na elaboração de um marco teórico e conceitual de referência.
Para tanto, mergulhamos em nosso objeto empírico e buscamos descrever e
analisar, através de uma abordagem qualitativa, as ações comunicacionais
empregadas no espaço escolar do programa “A União Faz a Vida” que
poderiam ser enquadradas como educomunicacionais, ou que poderiam
iluminar a teorização educomunicacional visando, diretamente, o
desenvolvimento cooperativo e a construção de um novo senso comum
emancipatório, adiante apresentado.
1.2.1. PROCEDIMENTOS DE COLETA DOS DADOS
Optamos por um conjunto de procedimentos. Inicialmente imaginávamos
começar por um questionário, por um levantamento de dados através de um
questionário, distribuído entre as regionais de coordenação do programa, cuja
aplicação seria via e-mail. Com este questionário buscaríamos identificar quais
células ou escolas do programa utilizam técnicas e ferramentas
comunicacionais que pudessem ser enquadradas como de educomunicação.
Dado o número grande de escolas no estado 950, tínhamos a idéia de
optar por uma amostragem da ordem de 10%. A idéia era enviarmos em torno
de 95 questionários. Faltava saber como distribui-los. Pensamos então em
envia-los aleatoriamente, por todo o estado, o que nos daria uma maior
21
possibilidade em termos de representação da realidade do estado. Porém,
dada a natureza regionalizada da segunda parte da pesquisa, estávamos
prontos a optar pela concentração regional dos questionários quando, alertados
sobre a dificuldade no controle do fluxo, quantidade e qualidade das respostas,
passamos a nos preocupar.
Foi quando, a partir do que já sabíamos por entrevistas preliminares com
a coordenadora do Programa “A União Faz a Vida”, Vera Mejolaro, optamos
por abolir o questionário, valendo-nos do levantamento feito em razão da então
primeira pesquisa de avaliação do programa realizado pela instituição.
Este levantamento nos deu, em parte, as respostas que buscaríamos no
questionário: o levantamento de que ferramentas comunicacionais eram
utilizadas, sendo passíveis de serem desenvolvidas em termos
educomunicacionais. Este levantamento nos forneceu dados sobre os recursos
comunicacionais disponíveis, como Televisão, vídeo/DVD, computadores e
internet, e, assim, nos indicou quais as escolas, uma vez definida a estratégia
de pesquisa de campo, deveríamos visitar.
Um outro ponto que buscaríamos no questionário, do conhecimento ou
não do termo educomunicação entre os professores e diretores das escolas
envolvidas, nos foi igualmente dado previamente pela coordenadora do
programa. Segundo Vera Mejolaro, essa idéia não era de conhecimento dos
envolvidos, pelo menos entre as coordenadorias pedagógicas regionais do
programa. Não sendo também de seu conhecimento. Assim sendo, visando a
confirmação deste desconhecimento, decidimos abordar a questão, que até
então não pretendíamos abordar diretamente de modo a não tensionar as
respostas dos atores envolvidos com o programa: coordenadores regionais e
municipais do programa e professores e diretores das escolas. Incluímos esta
questão no final das entrevistas.
22
Superada a possibilidade do questionário, passamos a definição de
como atuar, de como proceder para determinar as escolas visitadas e os
profissionais a serem entrevistados. Optamos por trabalhar regionalmente e
escolhemos a região da “subida da serra gaúcha”, e mais especificamente o
município de Nova Petrópolis.
Nossa escolha fundamentou-se em dois fatores. Um de ordem
eminentemente prática, de deslocamento de nosso local de estudo e moradia,
de proximidade relativa e mesmo de custo; e o outro, a uma questão histórica e
ao caráter de nossa pesquisa.
Foi justamente nesta região, de Nova Petrópolis e arredores, que o
cooperativismo, especificamente de crédito, surgiu no Rio Grande do Sul e no
Brasil. Trata-se de uma região onde as idéias de cooperação estão mais
presentes na cultura local. Além disso, ainda segundo as informações
concedidas por Mejolaro, “nesta região existem bons exemplos dentre os casos
de maior sucesso do programa”. Como nosso objetivo não era uma analise do
programa em si, achamos por bem focar uma região com maior concentração
de êxitos, de forma a melhor explorar as possibilidades de teorização
educomunicativa. Nosso objeto neste estudo, repetimos, não é o programa “A
União Faz a Vida”, e sim o uso da educomunicação na educação cooperativa.
Partimos então para o campo objetivando trabalhar com duas técnicas
basicamente: entrevistas semi-estruturadas e avaliação presencial (observação
direta). A escolha pelas entrevistas semi-estruturadas nos pareceu oportuna
dado o nosso desconhecimento da realidade local e ao desconhecimento,
presumido, da temática educomunicativa por parte dos atores. Não tínhamos
como, de antemão, presumir as visões que os atores envolvidos possuiriam
sobre o tema.
23
Uma entrevista fechada certamente nos limitaria a percepção da
experiência dos atores sobre a utilização de ferramentas de comunicação e
outras formas de atuação passíveis de serem desenvolvidas nos termos de
nossa temática de estudo. Preferimos construir um roteiro aberto prevendo
momentos de maior liberdade ao entrevistado, sem, entretanto, limitar suas
manifestações a estes momentos previstos. Neste sentido, apontamos uma
passagem do trabalho de Colognese e Mélo:
nela a formulação da maioria das perguntas previstas com
antecedência e sua localização é provisoriamente determinada, O
entrevistador tem uma participação bem mais ativa em relação a
entrevista não-diretiva, embora ele deva observar um roteiro mais ou
menos preciso e ordenado de questões. Contudo, apesar de
observar um roteiro, o entrevistador pode fazer perguntas adicionais
para elucidar questões ou ajudar a recompor o contexto.
(COLOGNESE e MÉLO, 1998, p. 144).
Nossa idéia era realizar um conjunto de 8 a 12 entrevistas. Realizamos
11. Os dados obtidos pelas entrevistas conformaram um corpus de dados que
analisamos sob uma perspectiva de análise de conteúdo (BAUER e GASKELL,
2002 e BARDIN, 1977).
A perspectiva de corpus de dados a que nos referimos provém da
lingüística. “A linguagem é um sistema aberto. Não podemos esperar uma lista
de todas as frases das quais se poderá selecionar aleatoriamente” (Bauer e
Gaskell, 2002, p.44). Segundo Barthes (in BAUER e GASKELL), relevância,
homogeneidade e sincronicidade são fundamentais para a construção de um
bom corpus de pesquisa.
O caráter de relevância está contemplado na escolha dos entrevistados.
A sincronicidade está dada no tempo da pesquisa: “Como se configuram (hoje)
as relações de educomunicação dentro do Programa “A União Faz a Vida” (...).
24
No que tange a busca pela homogeneidade, dado nosso objetivo
exploratório e a natureza teórica de nosso objeto não vislumbramos
dificuldades. Não era nosso objetivo identificar afirmativamente coincidências
de compreensões, ou a criação de variáveis de análise dos dados; e sim a
observação da prática educativa para o enriquecimento teórico das variáveis
propositivas.
Para o momento da observação direta, da avaliação presencial,
dependeríamos sempre das reais possibilidades em campo, do desenrolar
normal da prática educativa. Dado ainda o período restrito de observação de
que dispúnhamos, em razão de nossos compromissos profissionais, ao que já
apontamos uma limitação de nosso estudo, optamos por interferir o menos
possível na dinâmica das escolas. Mais uma vez, nosso objetivo é colher
experiências e não necessariamente presenciá-las.
Escolhemos duas escolas de realidades bem distintas de forma a captar
a maior variedade possível de experiências e pensamentos. Optamos por não
identificar diretamente estas escolas, assim como os professores entrevistados.
Não julgamos que isso tenha relevância em nosso trabalho e, uma vez que
assumimos este compromisso junto aos entrevistados, nos obrigamos a
cumpri-lo.
A primeira escola visitada trabalha somente com educação infantil, da
pré-escola até a quarta série. Localiza-se num bairro residencial da cidade de
cerca de 15 mil habitantes que tem como atividade econômica principal o
turismo. A escola funciona em dois turnos, de forma a possibilitar um local
seguro para os filhos dos trabalhadores. Muitos destes, funcionários e
associados de uma cooperativa local com uma história muito ligada ao
desenvolvimento da região A cooperativa PIÁ, de laticínios.
25
A segunda escola visitada já possui uma realidade bem diferente.
Localizada na zona rural do município, a cerca de 15 km do centro da cidade,
possui todo o ensino fundamental. A diferença de realidades, que em outro
estudo poderia constituir-se num problema de homogeneidade metodológica,
nos foi fundamental.
Especificamente com esta técnica, por concordamos com Bauer e
Gaskell, que afirmam que a observação participante “é a forma mais completa
de informação sociológica”; pretendíamos detectar possíveis falhas de
coomprensão e interpretação do conteúdo das entrevistas, bem como
eventuais contradições entre discurso e prática, e mesmo experimentar,
enquanto aprendizes de pesquisa, “que tipo de informação nos escapa quando
empregamos outros métodos” (BECKER, in Bauer e Gaskell, 2002, p. 72).
Segundo apontam os autores, existem fundamentalmente três limitações
ou possibilidades de falhas com respeito às entrevistas: a compreensão da
linguagem local, a omissão de detalhes importantes e a distorção da realidade
por parte do entrevistado. No que tange à linguagem local não registramos
qualquer dificuldade. O linguajar regional não se apresentou como problema. O
“jeitão” regional nos é bastante conhecido. Trata-se de uma região de
colonização alemã, cujo linguajar e valores estamos familiarizados, exatamente
por laços familiares. Ademais, o que se poderia chamar de “um linguajar
específico da cooperação” também nos é familiar dada nossa trajetória de
militante e dirigente cooperativo.
No que tange à omissão de detalhes, não enxergamos, em absoluto,
quaisquer intencionalidades. Primeiro, porque não buscávamos, de nenhuma
forma, a avaliação do programa e/ou dos atores envolvidos, o que deixamos
bem claro em todas as entrevistas. Segundo, porque, compreendendo os
objetivos de nosso trabalho, todos os entrevistados se mostraram bastante
comprometidos em nos auxiliar. Os atores entenderam a natureza do estudo,
26
nosso compromisso com o desenvolvimento da cooperação, e, assim, a
importância dos detalhes das experiências.
Apesar disso, conscientizando-nos anteriormente que a exploração dos
detalhes seria determinante para a qualidade de nosso trabalho, concentramo-
nos em explorar ao máximo as experiências e, ainda que não experimentadas,
as idéias de utilização destes atores de ferramentas comunicacionais no
programa. Não enfocamos questões de gestão do processo educomunicativo,
uma das áreas de estudo do tema, como veremos, nem mesmo com os
diretores. Acreditávamos que isso talvez os inibisse, podendo ocasionar
dúvidas sobre o caráter não-avaliativo de nosso estudo.
Já no que tange às possibilidades de distorção da realidade, dedicamos
especial atenção devido ao envolvimento pessoal e emocional que, conforme
Mejolaro, os atores possuem com o programa. Julgamos que a
supervalorização das experiências fosse possível. De fato, comprovamos o
envolvimento pessoal e emocional dos atores não só com o programa, mas
com o seu trabalho como um todo, muitas vezes identificado como missão
educacional, em seus diferentes aspectos e de uma maneira geral. Mas ao
contrário da supervalorização, a maioria se mostrou bastante realista com
relação a suas experiências e desejosa de maiores realizações. Enalteciam,
por vezes orgulhosas, suas experiências, mas reconheciam as limitações
delas.
Estes seriam os procedimentos pedagógicos a serem utilizados. A eles,
entretanto, acrescentamos uma entrevista coletiva com 10 das coordenadoras
pedagógicas do programa. Esta possibilidade se apresentou meio que ao
acaso. Conseguimos coincidir um de nossos encontros com a coordenadora
geral do programa, Vera Mejolaro, com a reunião semestral de sua
coordenação.
27
Utilizamo-nos, assim, da técnica de grupo focal. Esta técnica tem
algumas características específicas que bem se ajustavam aos nossos
objetivos. Nossa idéia era colher a maior variedade possível de pensamentos e
experiências relacionadas ao tema proposto.
Segundo Veronese (1999), fora da abordagem em grupo “dificilmente se
produziriam insights tão ricos e que é justamente a interação grupal que produz
os dados mais seguros e consistentes” (VERONESE, 1999, p. 84). Outra
característica desta técnica é a de que o entrevistador deve portar-se como
observador, ausentando-se do debate. Deve intervir apenas como um
mediador, e somente quando os entrevistados tenderem a se afastar do tema,
ou no caso de julgar necessário ou oportuno realizar alguma provocação aos
participantes.
Organizamo-nos de forma a abordar quatro questões com o grupo. Se
eles tinham conhecimento do termo educomunicação; qual a sua opinião
acerca da afirmação: “a mídia hoje educa mais que a escola”; como eles
entendem que a escola deve se comportar com relação à mídia; e uma última,
provocativa, que buscava entender como eles conceberiam, apesar de não
estarem familiarizados com a temática educomunicativa, o desenvolvimento da
cooperação através da mídia e da educação. Este procedimento mostrou-se
muito rico.
1.2.2 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DOS DADOS
Nos procedimentos de análise dos dados, do corpus da pesquisa,
optamos por utilizar o que Laurence Bardin chama de Análise Temática.
Segundo Veronese, o objetivo na utilização desta técnica de análise é “obter
uma correspondência entre o nível empírico e o teórico, estabelecendo as
relações entre eles”. (VERONESE, 1999, p. 90).
28
Obtemos uma unidade ao realizarmos um recorte semântico, ao
elencarmos uma frase, ou conjunto de frases, que expressem um
conteúdo temático. Afirmações acerca de um assunto, um conjunto
de formulações singulares que tenham um sentido. Assim, um tema
pode, por exemplo, ser desenvolvido em várias afirmações, numa só
frase, ou numa palavra; ocasionalmente, num parágrafo inteiro ou
em mais de um. Seu tamanho, portanto, é variável. (VERONESE,
1999, p. 91).
Dado que o termo educomunicação, bem como o conceito de “uma nova
área de confluência”, ou a concepção de um novo campo científico não eram
de conhecimento dos entrevistados, optamos por construir nossa análise a
partir de uma dialética entre educação cooperativa, os objetivos do programa e
a cultura da cooperação; e cultura e os ideais não-cooperativos ”dominantes”
na sociedade em geral, passíveis de serem recebidos e percebidos pela mídia,
sobretudo eletrônica, e os demais meios de comunicação não massivos.
A idéia era dar conta, ao mesmo tempo, da educação como contra-
hegemonia cooperativa e das possibilidades educomunicativas na construção
de uma contra-hegemonia em geral. Nisto ressaltamos novamente a
concepção de Veronese sobre a necessária integração entre as análises
empírica e teórica. Para ela, faz-se necessário construir “um saber que
pretende integrar o estudo no campo com o referencial teórico, formando um
todo coerente, onde o dado empírico não se descola da teoria, mas é com e
por ela articulado” (VERONESE, 1999, p. 31).
1.3 O PROBLEMA
Construir nosso problema de pesquisa constitui-se numa das grandes
aprendizagens ao longo deste mestrado. Dada nossa pequena experiência
científica e nossa considerável experiência cooperativa e na área da
comunicação alternativa e contra-hegemônica, nossa dificuldade era a de
formular um problema em separado de nossas hipóteses iniciais. Após várias
leituras e discussões, tanto em aula como em orientação, entendemos que a
natureza de pesquisa que mais se adequava, ao mesmo tempo, a necessidade
29
científica e ao nosso desejo de intervenção era a de exploração de
possibilidades. E foi objetivando esta forma de investigação que chegamos a
formulação de nosso problema central:
Como se configuram as relações de educomunicação dentro do
Programa “A União Faz a Vida” do sistema Sicredi; e quais as perspectivas de
utilização educomunicativa numa formação cooperativa contra-hegemônica de
cunho emancipatório e na criação de um novo senso comum emancipatório?
1.4 OBJETIVOS
Tendo este problema de investigação em mente, elaboramos uma lista
de objetivos de forma a instrumentalizarmo-nos para a sua solução.
Subdividimos estes objetivos em dois grupos. O primeiro grupo visa dar conta
de “como se configuram as relações de educomunicação dentro do Programa
“A União Faz a Vida” do sistema Sicredi”, de caráter eminentemente empírico.
Já o segundo grupo de objetivos visa investigar “quais as perspectivas
de utilização educomunicativa numa formação cooperativa contra-hegemônica
de cunho emancipatório e na criação de um novo senso comum
emancipatório”, investigação de caráter mais teórico-analítico. Abaixo, a
listagem dos objetivos a que nos propusemos para a solução de nosso
problema.
30
GRUPO 1 OBJETIVOS EMPÍRICOS
- Identificar a utilização de ferramentas comunicacionais nas ações
pedagógicas do programa investigado, que possam configurar-se como
educomunicativas.
- Verificar como se dá a utilização das diferentes ferramentas
comunicacionais no espaço educativo: áudio, vídeo, computador, internet entre
outras.
- Identificar como se dá a utilização de veículos de comunicação de
massa no processo educativo do programa estudado.
- Verificar a utilização de veículos de comunicação específicos do
cooperativismo.
GRUPO 2 OBJETIVOS TEÓRICO-ANALÍTICOS
- Relacionar os estudos existentes no campo da educomunicação com
os estudos de educação cooperativa.
- Contribuir na elaboração teórica do conceito de educomunicação
aplicado à educação cooperativa.
- Contribuir na construção de uma formação contra-hegemônica,
educomunicativa e emancipatória para o cooperativismo.
- Contribuir na construção de uma abordagem educomunicativa para a
construção de um novo senso comum emancipatório.
No que ressaltamos que, para a concretização dos objetivos teórico-
analíticos, a conclusão dos primeiros é de fundamental importância.
CAPÍTULO 2
EDUCAÇÃO COOPERATIVA: DIÁLOGO X HEGEMONIA
2.1 A PRIMORDIALIDADE DA EDUCAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO
A primeira tarefa, que entendemos como fundamental, ao tratar da
questão educacional para a cooperação é a indagação acerca de sua razão de
ser, do porque de sua importância. Estaria na sua primordialidade apenas,
numa perspectiva de tradição? Por quê?
Para tanto, voltamos a 1937, aos debates que perfizeram o congresso
da Associação Cooperativa Internacional ACI daquele ano em Paris.
Segundo Schneider, nesta oportunidade a primordialidade da educação dentro
do cooperativismo foi contestada. Alguns cooperativistas não a entendiam
dentro dos princípios dos pioneiros. Esta contestação não prevaleceu, mas o
registro deste embate cabe aqui como representação da importância da
recuperação histórica para a fundamentação do elemento educativo no agir
cooperativo e de como o seu questionar é recorrente, sempre que a viabilidade
econômica das organizações vem à tona.
32
Este encontro conclui que “a preocupação pela educação já estava
presente no preâmbulo ou artigo primeiro dos primeiros estatutos”
(SCHNEIDER, 2003, p. 121), onde se lê que é objetivo desta cooperativa
“organizar os poderes da produção, distribuição, educação e administração”
(BURR, 1965, p. 117).
Logo que seja possível, esta sociedade empreenderá a organização das
forças de produção, da distribuição, da educação e do governo ou, dito em
outros termos, o estabelecimento de uma colônia que se baste a si mesma e
na qual se unirão os interesses, ou prestará ajuda a outras sociedades para
estabelecer colônias desta classe. (SCHNEIDER, 2003, p. 46).
Se esta justificação histórica foi necessária mesmo entre aqueles que se
reconheciam como os herdeiros de Rochdale, é porque o elemento educativo,
ponto nevrálgico de equilíbrio da dialética econômico-social do cooperativismo,
será sempre palco de disputas político-ideológicas. Se, como bem afirma
Schneider, “a educação é fundamental para a prática cooperativa”, pois é onde
se estabelecem e re-estabelecem valores imprescindíveis para a cooperação
(SCHNEIDER, 2003), temos que pensar em que tipo de educação
pretendemos, qual o seu papel para, e o que realmente entendemos por esta
cooperação: atividade eminentemente econômica, democrática, mais
fundamentalmente material; ou uma ampla concepção de organização social e
econômica, uma concepção de mundo?
Não se trata de apresentar a questão educativa como uma questão
eminentemente ideológica, mas de não cair na tentação fundamentalmente
ideológica de negar esta constituinte. Para tanto, vamos buscar referência em
dois autores, um brasileiro, mundialmente reconhecido por sua atuação prática
e por suas idéias a cerca do tema Paulo Freire; e um marxista italiano cujo
trabalho é por vezes pouco reconhecido diante da importância que possui para
toda uma gama de possibilidades de entendimentos acerca, por exemplo, do
trabalho intelectual em dada sociedade Antônio Gramsci.
33
Antes, entretanto, de adentrarmos nestas teorias que baseiam nosso
entendimento do que seja o papel da educação na sociedade, recuperemos o
real objetivo dos pioneiros: afinal, o que pretendiam os pioneiros, dentre seus
demais objetivos, especificamente com a educação?
Alguns autores atribuem que a intenção, ou a visão dos pioneiros sobre
a necessidade da educação se fundamenta na quase totalidade do
analfabetismo entre as classes operárias, ou que se tratava de uma estratégia
para impedir a exploração por parte de comerciantes sem escrúpulos. Fosse
essa a razão, já haveria aí uma perspectiva de emancipação dos envolvidos.
Seguimos, entretanto, por outra linha de pensamento. Concordamos
com Schneider que o verdadeiro motivo, não descartando os apresentados
acima, mas o principal motivo da inclusão da educação entre os pioneiros era o
seu desejo objetivo de mudança social. A cooperativa como um instrumento de
mudança da vida das pessoas! Nossa maneira de entender reforça o caráter
visionário dos pioneiros uma vez que ainda hoje ao falarmos em mudança
social, em justiça social, e de um desenvolvimento que os contemple,
inevitavelmente mencionamos a necessidade de educação.
a preocupação com a educação já estava presente no preâmbulo ou
artigo primeiro dos primeiros estatutos, quando os pioneiros
propunham a constituição de colônias cooperativas, nas quais a
educação de todos os membros era proposta como uma atividade
relevante, inspirados que estavam na visão de Owen sobre a
importância da educação na formação do “Novo Mundo Moral”
(SCHNEIDER, 2003, p. 121).
Façamos, todavia, um breve parêntesis, um segundo apontamento
sobre a referida assembléia da ACI. Neste mesmo encontro, apesar de se
concluir definitivamente pela primordialidade da educação entre os pioneiros,
secundarizou-se essa importância entre os princípios do movimento
cooperativo. A educação é essencial à cooperação, mas não a filiação a ACI.
34
Logo, naquele momento, para filiar-se a ACI era mesmo possível a relativa
desconsideração do princípio da educação.
Apontamos esta conclusão, contraditória certamente, para realçar a
natureza sui generis desta forma de organização e assim apresentar o motivo
estratégico da não centralização de nosso estudo sobre o cooperativismo
formal. Trata-se, como referido, de uma motivação de integração das forças de
emancipação social, mas é também uma condição de estratégia.
Apesar de debruçarmo-nos sobre um objeto empírico inserido na
oficialidade cooperativa, não totalizamos nosso estudo nesta forma de
organização por nos parecer que, se assim fosse, teríamos necessariamente
de adentrar na paradoxalidade da dupla natureza econômica e social do
cooperativismo. Dada nossa intenção neste trabalho, de exploração teórica da
educomunicação, nos seria demasiado desgastante e pouco frutífero adentrar
neste paradoxo, assim como nos meandros políticos das esferas decisórias do
cooperativismo.
Nosso desafio já nos é imenso, neste momento, para termos de levar
em conta a paradoxabilidade da perspectiva política cooperativa. Mas,
entretanto, fazemos questão de salientar, que esta dupla natureza, econômica
e social, este paradoxo, o é na perspectiva de análise da hegemonia instituída
e não na análise que apresentaremos. Todavia, pensamos mais sobre a
cooperação e menos sobre o cooperativismo. Pensamos mais sobre a
cooperação e menos sobre suas contradições.
Mesmo sem adentrar na discussão entre as duas faces do
cooperativismo: econômica e social, é lógico concluir que se a racionalidade
mercadológica pende de um lado da balança em contraposição ao elemento
educativo da cooperação, considerar razões mercadológicas na formulação
teórica educativa seria, por certo, desequilibrar tal suposta balança.
35
Trabalhamos aqui sem considerar, a priori, a perspectiva econômica. O
que não impede que, como veremos em nossas conclusões, a
educomunicação adotada como estratégia não possa gerar benefícios
econômicos. Pensamos a perspectiva de uma educomunicação voltada a
mudança social, aplicada em instituições de natureza econômica e social, que
não só cooperativas.
Voltando, inspirados que estavam na visão de Robert Owen, de um
“novo mundo moral”, os pioneiros concebiam na educação, aliada a vivência
dos valores por ela disseminados, a estratégia de criação deste novo mundo.
Para um novo mundo, novos valores! Nas palavras de Schneider, “a
cooperação apela a motivações bem distintas das do auto-interesse ou de
impulsos egoístas”.
Não é segredo que os grandes cooperativistas foram também
grandes educadores. O esforço para mudar o sistema econômico
requer muita educação. A cooperação como uma forma especial de
ajuda mútua, apela a motivações bem distintas das do auto-interesse
ou de impulsos egoístas. Uma disciplina coletiva livremente assumida
requer um crescimento cultivado através da educação. Requerem-se
novos valores, novas idéias, novos padrões de comportamento,
novos hábitos de pensamento e de conduta. (SCHNEIDER, 2003, p.
134)
E que valores são esses? Encontramos, novamente nos Anais das
reuniões da ACI, importante referência. Em 1988, visando a estruturação de
um programa de educação, foram alinh -0.m alinh -0.m a5r a82551 da Tj0 9z T37347ão dDo7 pioneiros .3 ldéias, 7 m21.25 TD 0.1851 Tc 0 Tw (134)) itos de pensame.m alinh3Fe3 educaç,1tw (um prog347ãoie 7 i247ão como umuma foestrutTf0d1ii347ão. A cr3Tj267 ita ed1 Tcs.s7D4og3472. A cr3Tj26 das) Tj0 Tc -0tw (ua))n
36
sociológica do trabalho, como a relação entre universalidade e pluralismo.
Foram estes os valores essenciais a prática cooperativa retirados do congresso
da ACI de 1988.
1. Valores de auto-ajuda, que compreendem a criatividade, o
dinamismo, a responsabilidade, a independência e o espírito do “faça você
mesmo o que estiver ao seu alcance”.
2. Valores de ajuda mútua, como cooperação, unidade, ação coletiva,
solidariedade e paz.
3. Valores de interesse não lucrativo, quais sejam o da conservação de
recursos, eliminação do lucro como força orientadora, responsabilidade social e
a não exploração do trabalho alheio.
4. Valores democráticos, como os da igualdade, participação e
equidade.
5. Valores do esforço voluntário, como as da finalidade aos
compromissos assumidos, do poder criativo e do pluralismo.
6. Valores do universalismo que significa abertura e mente esclarecida,
sensibilidade a uma visão de globalidade que supere o espírito bairrista ou de
seita.
7. Valores educacionais que apreciam o desejo por mais conhecimentos
e perspicácia na visão da realidade e por maior entendimento.
8. Valores de determinação no esforço e na busca de benefícios para os
membros. (SCHNEIDER, 2003, p. 77)
Tendo em vista o até aqui exposto, sobre valores e o que seja o objeto
da educação cooperativa, a mudança de valores, é que escolhemos os autores
que a seguir apresentamos para a fundamentação educativa do que
pretendemos pela educomunicação cooperativa.
2.2. A DIALOGICIDADE E A EDUCAÇÃO COOPERATIVA
37
Como bem afirma Paulo Freire, a educação é antes de tudo uma forma
de intervenção no mundo. Intervenção que “implica tanto o esforço de
reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento” (FREIRE,
2001, p.110). Nem apenas reprodutora, nem somente desmascaradora; mas
também nem por isso, por essa natureza dialética, neutra.
Neutra, ‘indiferente’ a qualquer destas hipóteses, a da reprodução da
ideologia dominante ou a sua contestação, a educação jamais foi, é, ou pode
ser. É um erro decretá-la como tarefa apenas reprodutora da ideologia
dominante como erro é tomá-la como uma força de desocultação da realidade,
a atuar livremente, sem obstáculos e duras dificuldades. (FREIRE, 2001, p.
111).
Nas palavras do autor, “para que a educação fosse neutra era preciso
que não houvesse discordância nenhuma entre as pessoas com relação aos
modos de vida individual e social, com relação ao estilo político a ser posto em
prática, aos valores a serem encarnados” (FREIRE, 2001, p. 125). Vimos os
valores que fundamentam os princípios cooperativos. Vimos ser a educação
sua via de objetivação. E agora vemos que, ao ensiná-los, não pode o
educador ser neutro com relação a eles. Não é possível ensinar valores sem
posicionar-se ideologicamente! “O que devo pretender não é a neutralidade da
educação, mas o respeito, a toda prova, aos educandos” (ibidem, FREIRE).
Em sua obra “pedagogia da autonomia”, Paulo Freire aborda como tema
principal o respeito à autonomia do educando. É neste respeito que se instala a
chave para uma educação formadora de consciência crítica, e não somente
contestadora, ou mesmo construtora de uma outra hegemonia. O respeito à
autonomia do educando é a condição da prática educativa contra-hegemônica
que desejamos e que não seja repressora da diversidade como o seria
embasada que fosse em qualquer outra ideologia.
38
Mas como realizar tal feito? Como preservar a diversidade do educando,
sua autonomia e ao mesmo tempo incentivar sua consciência crítica? A
resposta de Freire é a que adotamos: diálogo!
2.3 FREIRE DIALOGA COM DESROCHE
A concepção dialógica de Paulo Freire, alicerçada no respeito à
diversidade e na autonomia do educando encontra inúmeras correlações com a
metodologia da autoformação-ação de Henry Desroche, celebre militante e
educador cooperativista. O dialogo entre estes educadores, distantes local e
temporalmente, é também um belo exemplo de como determinadas diferenças
podem ser traduzidas a ponto de originarem uma base comum de alicerce para
a transformação social.
Segundo Schneider, “Desroche tinha a firme convicção de que a
verdadeira educação cooperativa não se dá bem com a metodologia da
educação tradicional, de caráter rígido” (SCHNEIDER, 2003, p. 209). Para
Desroche faz-se necessário transformar a atividade educacional numa
atividade também cooperativa. A educação cooperativa deve ter caráter
contratualista, e o indivíduo deve ser co-responsabilizado pela sua
aprendizagem.
Abaixo relacionamos os principais aspectos da educação tradicional que
para Desroche contradizem o ideário da cooperação e, portanto, acabam por
dificultar a efetivação de seus reais objetivos:
- Pela maior ênfase no discurso, no dizer, no falar do que no agir e
realizar, gerando uma atitude passiva e receptora entre os educandos;
39
- Pelo estabelecimento de uma relação paternalista e dependente entre
o educador e o educando, relação mais grave quando se trata da educação de
adultos;
- Pela segmentação do sistema educativo em compartimentos
estanques, que torna difícil o aprendizado especialmente para os adultos;
- Pela subvalorização das experiências que possui o adulto, conseguida
na “universidade da vida” e a conseqüente supervalorização do conhecimento;
- Pela desvalorização dos conhecimentos adquiridos através dos
diferentes meios não escolares. (in SCHNEIDER, 2003, p.209)
A conexão com os ensinamentos de Paulo Freire é imediata. “Não há
docência sem discência!” Para Freire, educar exige respeito aos saberes do
educando, a sua autonomia; apreensão da realidade e também das
particularidades culturais dos educandos (FREIRE, 2001). Para Freire, assim
como para muitos dos autores cooperativos, a educação “é fundamentalmente
um problema de comunicação” (SCHNEIDER, 2003, p. 163) e deve ser
dialógica.
Ser dialógico é vivenciar o diálogo, é não invadir, é não manipular, é
não sloganizar. O diálogo é o encontro amoroso dos homens que,
mediatizados pelo mundo, o pronunciam, isto é, o transformam e,
transformando-o, o humanizam. (in LAURITI, 1999).
Quando lemos as afirmações de Desroche e relacionamo-as com o
pensamento Freire, de imediato entendemos a conexão que se estabelece
entre eles. Trata-se do que Freire chama de “pensar certo”. Convicto da
incompletude do homem, Freire fundamenta o seu “pensar certo” na
possibilidade da ação sobre a história “o futuro é problemático e não
inexorável” (FREIRE, 2001, p. 21); na crença numa ética universal do ser
humano “marca da natureza humana, enquanto algo absolutamente
indispensável à convivência humana” (FREIRE, 2001, p. 19) e na coerência
entre pensar e agir.
40
Não vamos adentrar aqui na discussão filosófica da ética, nem
pormenorizar a compreensão de Freire. Apenas apresentamos as raízes de
seu entendimento do pensar certo por que este conceito, por mais que
relativamente abstrato, da luz e compreensibilidade ao sintetizado na primeira
afirmação de Desroche: “maior ênfase no discurso, no dizer, no falar do que no
agir e realizar” (in SCHNEIDER, 2003, p.209).
o pensar certo a ser ensinado concomitantemente com o ensino dos
conteúdos não é um pensar formalmente anterior ao e desgarrado do
fazer certo. Neste sentido é que ensinar a pensar certo não é uma
experiência em que ele o pensar certo é tomado em si mesmo e
dele se fala ou uma prática que puramente se descreve, mas algo
que se faz e que se vive enquanto dele se fala com a força do
testemunho (FREIRE, 2001, p. 41).
A idéia é que o pensar certo é um pensar que conecta o pensamento a
vivência, pensar certo é ser coerente, é buscar a coerência e combater a
transgressão ética, sem render-se, entretanto, a qualquer tipo de puritanismo
(FREIRE, 2001). Para Freire o ser humano é muito mais do que um ser no
mundo, ele “se tornou uma presença no mundo, com o mundo e com os outros”
(FREIRE, 2001, p. 20).
Conectando a Desroche, como seria possível, na perspectiva do pensar
certo e da coerência por Freire referida, estar com os outros no mundo e ao
mesmo tempo não valorizar ou subvalorizar as experiências e os
conhecimentos discentes? Mais que isso, mais que o respeito ao outro como
condição ética, Freire afirma que a aprendizagem de um está intimamente
ligada a forma como o dialogo permite a aprendizagem do outro, mesmo em
papéis aparentemente tão diferentes como professor e aluno. Novamente: não
há docência sem discência!
Se, na experiência de minha formação, que deve ser permanente,
começo por aceitar que o formador é o sujeito em relação a quem me
considero objeto, que ele é o sujeito que me forma e eu, o objeto por
41
ele formado, me considero como um paciente que recebe os
conhecimentos-conteudos-acumulados pelo sujeito que sabe e que
são a mim transferidos.(...) É preciso que, pelo contrario, desde os
começos do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora
diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem
é formado forma-se e forma ao ser formado.(...) Não há docência sem
discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças
que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro.
Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprender” (FREIRE, 2001, p. 25).
2.4 EDUCAÇÃO, HEGEMONIA E CONTRA-HEGEMONIA
Como apresentamos, a convicção de Freire no diálogo provém de seu
entendimento do homem como um ser inacabado. Este entendimento, que
isolado é aparentemente óbvio, é, entretanto, retomado por várias vezes em
sua obra. E por quê? Porque Freire, por suas próprias palavras, tem um ponto
de vista que “é o dos condenados da Terra, o dos excluídos” (FREIRE, 2001).
Gramsci chama este tipo de intelectual, preocupado, comprometido com a
mudança social e os desfavorecidos, de intelectual orgânico.
Para o autor, ser intelectual não é, unicamente, uma profissão.
Diferentemente de outras tentativas teóricas, que buscam responder a questão
através do exame daquilo que é intrínseco a atividade o pensar como
atividade profissional; Gramsci opta por buscar a resposta no exame funcional
do papel intelectual em determinado grupo social e na sociedade. Todos os
homens pensam, mas nem todos desempenham na sociedade, ou no seu
grupo social, a função do pensar.
Para Gramsci, cada grupo social gera os seus próprios intelectuais.
Fazem isso para assegurar a consciência da própria classe nos campos
político, econômico e social e para assegurar um certo grau de homogeneidade
interna. Intelectuais não são somente os que ocupam a função de pensar por
excelência, na academia, por exemplo, mas são todos aqueles que pensam o
seu grupo social.
42
Não existe atividade humana da qual se possa excluir toda a intervenção
intelectual, não se pode separar o homo faber do homo sapiens. Em suma,
todo o homem desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um
“filósofo”, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção de
mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim para
manter ou para modificar uma concepção do mundo, isto é, promover novas
maneiras de pensar. (GRAMSCI, 1995, p. 7)
Os grupos sociais dominantes ou estabelecidos formam constantemente
novos intelectuais intelectuais tradicionais para atuarem na perpetuação de
sua hegemonia. Esses intelectuais ocupam funções subalternas na
administração privada e no estado quer sejam de disciplina e coerção, ou de
consenso, conforme a função hegemônica desempenhada, vista adiante.
Antonio Gramsci, italiano, marxista, escreveu a maior parte de sua obra
encarcerado na condição de preso político durante o regime fascista de
Mussolini. Sua contribuição marxista não é por vezes reconhecida, mas é
fundamental para nosso estudo.
Gostaríamos de clarificar que não somos marxistas por excelência.
Todavia, nos identificamos e muito com a idéia de intelectualidade atuante
orgânica que a seguir apresentamos. Neste ponto, da atuação do intelectual,
assumimo-nos inteiramente gramscianos. Mas, em termos teóricos, de filiação
teórica, de macro-teorias, como a frente ficará mais claro, identificamo-nos com
as idéias e sobretudo com uma das premissas de Boaventura de Sousa
Santos: a multiplicidade.
Não alimentamos fidelidades teóricas. Somos, muitas vezes, marxistas
no macro e focados na ação individual weberianos no micro. Por outras,
conforme a necessidade do que se procura entender, até o oposto perfeito,
43
weberianos no macro e marxistas no micro. Mas, na maior parte das vezes,
nos constituímos múltiplos, deitados sobre um perspectiva epistemológica
Boaventurana da impossibilidade de uma única teoria geral, a frente
apresentada, e com uma preocupação orgânica, nos termos de Gramsci, com a
reinvenção da emancipação social, nos termos de Santos.
Gramsci faz uma crítica à interpretação que se tornou hegemônica
dentre os marxistas, de que é na esfera da dominação material, na posse dos
meios de produção que se dá a dominação da classe burguesa frente as
demais. Ele não nega a dominação econômica, a posse dos meios de
produção, mas constrói a sua concepção interpretativa da dialética de
dominação marxista como análise história baseada na hegemonia do poder
ideológico-político-cultural (GRAMSCI, 1986).
O poder da hegemonia, da dominação, imposta por uma classe
dominante, acaba consentida pelos dominados. Ideologicamente, essa
dominação é introduzida através da cultura, da moral e do senso comum. Para
Gramsci, mudar uma sociedade implica em modificar o conjunto ideológico que
constitui a hegemonia. Em Gramsci, é pela educação, pensada como
expressão política que permite a superação de limites, que as massas ganham
sua liberdade e sua humanidade.
Note-se que, se em Freire vemos a natureza dialética da educação
reprodução e contestação tratadas sobre a idéia de ideologia; em Gramsci,
vemos o termo hegemonia. Para alguns, e até concordamos em termos de
algumas utilizações de senso comum, seriam sinônimos. Mas não neste
estudo, trata-se de conceitos diferentes.
O conceito de hegemonia nos é precioso. Assim como a diferenciação
entre hegemonia e ideologia. E por quê? Porque é preciso respeitar as
diferenças, dialogar, temos dito. É preciso educar para a reprodução de
44
algumas idéias, ao mesmo tempo em que devemos educar na contestação de
outras; devemos somar ideologias, subtraindo algumas, é verdade; educar no
sentido da construção do que Boaventura chamará, à frente, de topoi.
Sobretudo, devemos educar no sentido de questionar a hegemonia, qual seja.
Para nós o educador, na medida da dialética da reprodução-questionamento,
na medida que cumpre seu papel, que pensa certo, é sempre um ator de
contra-hegemonia, mesmo que esteja identificado, no exemplo extremo, a
ideologia central da hegemonia. Seu papel é ensinar a crítica, o questionar
certo e não somente questionar.
Segundo Gramsci, diferentes ideologias se combinam para formar uma
hegemonia. Determinada classe, com determinada ideologia e interesses, age
sobre outras, menos, mas também dominantes, de forma a organizar seus
diferentes interesses e assim desenhar um composto ideológico que configura
a hegemônica. Para Gramsci, a hegemonia se perpetua atuando de duas
formas concomitantemente, como que se tivesse e ao mesmo tempo fosse
constituída de duas funções: domínio e direção, moral e intelectual.
a supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos, como
“domínio” e como “direção moral e intelectual”. Um grupo social é
dominante sobre os grupos adversários que tende a “liquidar” ou a
submeter com a força armada, e é dirigente em relação aos grupos
afins e aliados. (GRAMSCI, in MOSKOVITCH, 1992, p. 69)
A função de direção é, basicamente, a apresentada antes da citação.
Determinado grupo social dirigente acaba por assimilar as ideologias de outros
grupos, que se tornam seus aliados. Este processo não é passivo. A ideologia
do grupo dirigente é também, em parte, afetada pelo contato com as demais;
mas muito menos do que as dos demais, que se submetem, aderindo ao invés
de preponderar, à ideologia do grupo dirigente.
A função de domínio é aquela exercida sobre os grupos adversários, na
análise clássica do marxismo, a ampla maioria operariada da sociedade. A
45
“liquidação” dos grupos adversários se faz, no silenciar de suas vozes,
mediante a desqualificação de suas idéias, através do imperativo cotidiano do
senso comum. Este silenciar de vozes será à frente retomado na elaboração de
Santos.
Muito mais do que na função diretiva, onde o aderir pode por vezes ser
consciente, ou menos inconsciente, na função de domínio, as classes
oprimidas da sociedade são impelidas pela penetração ideológica nas suas
mais diversas instâncias culturais: religiosidade, folclore, credos; a aceitar a
dominação. Segundo Gramsci, sua visão do mundo, dada no senso comum, é
fragmentada. Isto os impede de enxergar a dominação. Não estamos, veja-se
bem, afirmando a total inconsciência da classe trabalhadora do processo de
dominação, nossa perspectiva é de negação do absoluto. Entretanto, a
dominação e o seu relativo desconhecimento, são inquestionáveis.
Esta característica fragmentária do senso comum, entretanto, não o
secundariza em importância na “luta de classes” vista por Gramsci, ou nas
análises sob a perspectiva da hegemonia. Pelo contrário, segundo ele, é na
superação do senso comum, ou na sua elevação a um bom senso que se
encontra a liberdade do homem.
Note-se que, no senso comum atual, ter “bom senso” representa, na
maioria das vezes, conformidade. Aí, um exemplo claro da estratégia
hegemônica neoliberal de eliminar a perspectiva ideológica da vida cotidiana.
No senso comum, ter “bom senso” é não ter senso algum, é não se preocupar
em construir e atingir um bom senso sistêmico e não fragmentário de uma
sociedade igualitária.
Para Gramsci é na educação projetada sobre o senso comum que está
a superação da hegemonia. Para ele a educação é o ponto central da
46
perpetuação hegemônica. Sua visão contra-hegemônica da educação pode ser
então assim expressa:
Educar é construir uma nova filosofia assimilável por todos os
homens que, possuindo a filosofia espontânea do senso comum, têm
o direito a uma compreensão crítica do mundo. (JESUS, 1989, p. 46).
Para Gramsci, todo homem carrega em si a potencialidade de se
desenvolver, de se pensar, de ser, então, um filósofo. Desde que tenha acesso
a informação, com educação de qualidade, ele pode converter-se, desenvolver
a sua condição de filósofo. A concepção gramsciana de filósofo e de filosofia
está intimamente ligada a sua idéia de devenir, que, para encerrar a
apresentação de seu pensamento, relacionamos a idéia constituidora do
pensamento de Freire acerca da incompletude humana, uma questão, em
essência, filosófica.
Para o italiano a filosofia de uma época não é a filosofia deste ou
daquele filosofo, grupo de intelectuais, ou parcela da massa: é uma
combinação destes elementos em determinada direção culminando numa
norma de ação coletiva ou história. Para Gramsci a importância histórica de
uma filosofia é dada na sua influência positiva ou negativa sobre a sociedade.
O valor histórico de uma filosofia pode ser calculado a partir da eficácia prática
que ela conquistou. Uma filosofia é uma visão de mundo. Sua visão é uma
concepção materialista-histórica da filosofia.
O senso comum é, em certa medida, a filosofia de uma época. Não se
pode menosprezá-lo. Mesmo porque em uma série de juízos o senso comum
identifica as causas exatas. É próprio seu não “desviar-se por fantasmagorias”
ou metafísicas pseudo-profundas e pseudo-científicas. Para o autor, há
também no senso comum certa dose de experimentalismo, de observação
direta da realidade.
47
Apresentada a dialética do senso comum, perguntamos: mas afinal o
que é o homem? Esta pergunta, a principal da filosofia, adquire para Gramsci
um caráter transformatório da seguinte ordem: o que é que o homem pode se
tornar? Ele pode controlar seu destino? Criar a sua própria vida? A resposta
para estas questões depende da maneira de considerar o homem e a vida.
Gramsci questiona o entendimento comum a grande maioria das
filosofias que limitam o homem a sua individualidade. Segundo ele, deve-se
conceber o homem como uma série de relações ativas (um processo), no qual,
se a individualidade tem a máxima importância não é, todavia, o único
elemento a ser considerado.
A relação com os outros não se da por justaposição, mas organicamente
na medida em que se faz parte de organismos. Dada a maior ou menor
inteligibilidade destas relações o homem modifica a si mesmo na medida que
modifica todo o conjunto de relações do qual faz parte. O homem está sempre
em transformação, eternamente inacabado.
2.5 EDUCAÇAO, COMUNICAÇAO E EXPANSAO COOPERATIVA
Voltando a idéia inicial dos pioneiros, de um novo mundo moral, de uma
mudança social, aliados aos fundamentos de nosso entendimento da função
orgânica da educação para este fim, pensemos a educação cooperativa agora
sob um perspectiva de abrangência.
Podemos pensar a expressão educação cooperativa de duas formas,
como a de educação para cooperados, membros de cooperativas, seus
familiares, etc, ou podemos pensá-la como educação para a cooperação,
igualmente contra-hegemônicas, emancipatórias e dialógicas, mas, no caso da
segunda, como um projeto, uma pedagogia para toda a sociedade. Neste caso,
48
temos como plano de fundo de objetivação a transformação social tanto pela
expansão cooperativista direta, tanto pelo processo de transformação de toda a
sociedade através da educação.
Esta perspectiva nos remete diretamente a nosso objeto empírico. O
programa, como visto, atinge crianças e adolescentes não necessariamente
ligados a cooperativas. Em nosso entendimento, pensar a expansão do
cooperativismo ou da cooperação na sociedade, a sua transformação, passa
necessariamente pela educação cooperativa e por uma educação cooperativa
da sociedade; o que não que dizer pensar somente a partir da educação, ou o
objetivar apenas pela educação.
Muitos autores cooperativistas pensam desta forma. De fato, a utilização
de técnicas de comunicação para a educação cooperativa não é uma novidade.
Segundo Schneider, todo veiculo de comunicação pode ser uma importante
ferramenta de educação desde que pensado para tanto (SCHNEIDER, 2003).
A novidade talvez esteja na concepção de todo um planejamento do processo
e do entender educativo cooperativo sob esta premissa de complementaridade.
Recuperando os estudiosos da cooperação, já na década de 60 o inglês
W. P. Watkins, por exemplo, relaciona as ferramentas da comunicação,
especificamente da propaganda, ao trabalho de educação cooperativa. Ele
trabalha a diferença entre os atos de educadores e propagandistas. O faz para
que se possa “distinguir claramente uma da outra, ainda quando elas se
apresentem mescladas”:
Una diferencia óbvia es que, mientras el educador por lo general
intenta influenciar a las masas a través de su acción sobre los
individuos, al propagandista a menudo se lo verá tratando de
influenciar individuos a través de su acción sobre las masas.
(WATKINS, 1989, p. 132-133).
49
Para Watkins o propagandista tem como propósito “persuadir a gente
para que pense, sinta e atue como ele deseja”, enquanto que o educador, por
outro lado, não está primariamente interessado no que pensa ou no que crê o
indivíduo, mas sim no como pensa e como forma suas opiniões.
O inglês trabalha a separação dos saberes. Mas, ainda que
inconscientemente, ele já vislumbrava as inter-relações entre os campos.
Entenda-se que no tempo em que seus trabalhos se deram a comunicação
ainda não tinha o grau de enraizamento na sociedade que tem hoje.
Hoje, falamos de uma maneira geral em interdisciplinaridades. Embora
concordemos com a explicitação de Watkins sob a forma como operam as
duas ciências, esta diferenciação entre as atividades não mais da conta da
realidade social contemporânea e da relação educação-comunicação vigente.
Carlos Burr é outro autor cooperativo que trabalha na mesma direção de
Watkins, mas de outro ponto de partida. Ele afirma que a educação cooperativa
pode ser dividida, para fins de análise, em educação interna e externa. Por
educação interna ele entende o trabalho junto ao conjunto dos públicos
internos de uma cooperativa. Atentemos para o conceito de públicos, próprio
das ciências da comunicação, utilizado por Burr, e vejamos como ele define o
“público” externo da cooperativa:
Hacia el exterior del movimiento, la educación se propone interesar y
atraer a los probables socios y al público em general, crear um
ambiente favorable para el movimiento por parte de quienes no tienen
vinculación alguna com él (BURR, 1965, p. 127).
Atentemos para a escrita utilizada por Burr: “Interesar y atraer”; não são
por excelência verbos educativos. Ao contrário, assemelham-se muito mais a
ações de propaganda. O que poderia redundar num conflito de propósito, quem
sabe entre o convencer e o educar, pode hoje, objetivando-se a contra-
50
hegemonia, entretanto, ser trabalhado numa perspectiva distinta, de
complementaridade.
Burr conceitua a educação cooperativa como “el conjunto de métodos
que permiten el logro de um hábito de ver, pensar y juzgar en conformidad a
los ideales y principios cooperativos” (BURR, 1965, p. 119). Segundo ele, este
conjunto inclui diferentes técnicas de comunicação.
Una revista cooperativa, concebida como una publicación no
especializada, de interés general es, sin duda, el instrumento de
mayor eficacia y puede citarse, a este respecto, la revista del
movimiento sueco de cooperativas de consumo, que se dirige a un
vasto público al cual se le presentean temas limitados sobre
cooperativismo insertos en una publicación de interés periodístico
general. (BURR, 1965, p. 127-128).
Apesar deste entendimento, raras são as referências a utilizações de
veículos “externos”, ou de comunicação de massa como estratégias de
educação-expansão cooperativistas.
Vemos que a relação entre educação e comunicação já é há muito
pensada pelos teóricos da cooperação, mas como campos independentes. A
educomunicação urge podendo diminuir a distância entre educar e comunicar,
e, aplicada à cooperação, aproximar as iniciativas de expansão e educação
cooperativas.
Como veremos em nosso capítulo de análise, é muito difícil, entretanto,
a qualquer processo de educação confrontar-se com toda uma exposição
midiática em contrário. Se a educomunicação carrega em si, como
apresentamos a seguir, toda uma gama de possibilidades, não podemos nos
esquecer do contexto social em que vivemos, onde a mídia e não mais
somente a educação garante a perpetuação da hegemonia.
51
Assim sendo, a seguir, além e antes de apresentarmos o que seja a
educomunicação, apresentamos o contexto de mediatização social que,
segundo Thompson, caracteriza toda a experiência humana das ultimas
décadas.
CAPÍTULO 3
SOCIEDADE MEDIADA E EDUCOMUNICAÇÃO
3.1. SOCIEDADE MEDIADA
O avanço das tecnologias de comunicação propiciou o desenvolvimento
de uma sociedade essencialmente mediada. Isto significa dizer que os padrões
de comportamento, as referências, mesmo os valores e por fim os hábitos de
consumo predominantes na sociedade são aqueles elencados e introjetados
pela mídia, principalmente a mídia eletrônica. A comunicação de massa
adentra todas as ciências humanas, apropriando-se dos seus saberes e
interferindo em todas as áreas, assim como na educação (Thompson, 1998). O
mundo hoje difere em muito da sociedade de Gramsci. Nossa cultura é
essencialmente mediada. E isso não diz respeito somente aos grandes
veículos de massa.
devemos nos conscientizar de que o desenvolvimento de novos
meios de comunicação não consiste simplesmente na instituição de
novas redes de transmissão de informação entre indivíduos cujas
relações sociais básicas permanecem intactas. Mais do que isso, o
desenvolvimento dos meios de comunicação cria novas formas de
53
ação e de interação e novos tipos de relacionamentos sociais
formas que são bastante diferentes das que tinham prevalecido
durante a maior parte da história humana. Ele faz surgir uma
complexa reorganização de padrões de interação humana através do
espaço e do tempo. (THOMPSON, 1998, p. 77).
Quando Thompson se refere “aos meios de comunicação”, ele se refere
não só às mídias massivas, mas a todas as formas de comunicação que não
são estabelecidas face-a-face: telefone, e-mail etc. Quando, em geral, nos
referimos a mídia, estamos nos referindo ao tipo de interação que Thompson
chama de “quase-mediada” ou “quase-interação”, a saber: TV, rádio, jornal e
etc. Estas interações implicam numa não-reciprocidade da relação entre
emissor e receptor da mensagem, numa relação não-dialógica, monológica, e é
nelas que nos concentraremos.
Antes, contudo, cabe aqui o registro da relação proporcional entre o
aumento do interesse pela investigação comunicacional, entendida como
constituinte das diferentes relações sociais, e o ganho de complexidade destas
relações na medida do desenvolver das tecnologias de informação e
comunicação. Em outras palavras, com o implantar das diferentes tecnologias,
aquilo que podemos chamar como o objeto por excelência do campo da
comunicação, a conversação, ou o “modo como a sociedade conversa com a
sociedade” (BRAGA e CALAZANS, 2001, p. 16) ganha em complexidade,
instigando a pesquisa e tornando a sua investigação questão de suma
importância na análise social contemporânea. Ao que apresentamos o
entendimento de Francisco Rüdiger sobre a conversação:
uma espécie de mediação cotidiana do conjunto das relações sociais,
da difusão das idéias e da formação de condutas que têm lugar na
sociedade. (in BRAGA E CALAZANS, 2001, p. 16).
Esta mediação cotidiana é que acreditamos seja hoje com grande
influência pautada pela mídia. Não aprofundaremos o exame de como
evoluíram as diferentes relações sociais em termos da evolução tecnológica
comunicacional. Da mesma forma, não adentraremos em pormenor nas
54
experiências políticas, econômicas e sociais que ocorreram nos anos de
história entre o pensamento de Gramsci e a sociedade contemporânea e que
determinaram conjuntamente ao desenvolvimento tecnológico a constituição da
ordem social presente. Concentraremo-nos aqui no que, em nosso entender,
hoje centraliza a formação do senso comum e, por conseguinte, na
continuidade da hegemonia. Diferentemente da época do marxista italiano, não
é mais a educação, mas a mídia quem enuncia o senso comum.
Nosso entendimento é que, embora deva ser relativizada, dando como
ultrapassada a concepção totalizante da influência midiática sobre os
indivíduos, a mídia sim, no somatório das influências e, sobretudo, no jogo das
fluências das idéias sociais, acaba determinando, em expressiva medida, a
natureza das questões socialmente relevantes e o senso comum.
Segundo Goffman (in THOMPSON, 1998, p. 82), toda ação humana se
desenvolve dentro de uma estrutura de relação e que os indivíduos tendem a
adaptar seu comportamento a esta estrutura. Os veículos de mídia que não
sofrem diretamente a ação dos indivíduos estão em vantagem nesta relação.
Todo produtor de mensagem midiática está numa relação de poder em relação
aos receptores. Ele pode, inclusive, ao prever uma determinada resposta,
planejar, direcionar a “adaptação” do público. A indústria do entretenimento e a
indústria publicitária baseiam-se neste princípio.
Esta dialética de direcionamento e adaptação, de estímulos e respostas
entre o produtor mediático e seus receptores acaba por influenciar na relação
de adaptação e convívio dos indivíduos de dada sociedade, sem que
necessariamente, sejam todos eles receptores de determinado conteúdo
midiático. O processo adquire um poder tal de pauta das relações que
Thompson chama de “elaboração discursiva”.
Como os receptores não podem, geralmente, responder diretamente
aos produtores, as formas de ação responsiva que eles utilizam não
55
fazem parte da quase-interação como tal. Ao responder às ações e
expressões dos produtores, eles geralmente o fazem como uma
contribuição às outras formas de interação nas quais eles participam
(...) Deste modo as mensagens da mídia adquirem o que chamarei de
elaboração discursiva: elas são elaboradas, comentadas, clarificadas,
criticadas e elogiadas pelos receptores que tomam as mensagens
recebidas como matéria para alimentar a discussão ou o debate entre
eles e com os outros. O processo de elaboração discursiva pode
envolver indivíduos que não tomaram parte na interação quase-
mediada como quando, por exemplo, se descreve o que se viu na
televisão a amigos. (THOMPSON, 1998, p. 100).
Dito isso lembremo-nos ainda do conceito jornalístico de agenda setting,
segundo o qual os veículos de mídia tendem a se imitar, ou se referenciar nos
seus co-irmãos, no definir do “o que é notícia”: A força maior da mídia, não está
no que ela diz, mas naquilo que ela silencia!
Se Gramsci dedicou seu tempo ao estudo dos “intelectuais e a formação
da cultura” (GRAMSCI, 1981), hoje precisamos problematizar também a ação
dos comunicadores. Tomando por base os estudos do político italiano, cabe
hoje aos que poderíamos identificar como “comunicólogos tradicionais”,
produzir não só o conteúdo, mas solidificar um discurso hegemônico nem
56
3.2 SUBJETIVIDADE CAPITALÍSTICA
Se a mídia tem hoje papel determinante no fluxo das idéias e na
formação do senso comum das sociedades, poderíamos ingenuamente pensar
que para o desenvolvimento cooperativo bastaria a sua inserção nesta mídia e
que, como referido, para a educação ou educomunicação cooperativa
bastariam a discussão e a conscientização dos envolvidos sobre esta
influencia. Não nos enganemos neste sentido.
Existe um elemento que subjaz aos assuntos propriamente abordados
jornalisticamente e mesmo as idéias apreendidas indiretamente através de
produtos de entretenimento midiáticos e da elaboração discursiva que
resultam. Trata-se de toda uma forma de subjetividade. Um conjunto subjetivo
que acaba, como afirma Gofmann, desencadeando a adequação dos
indivíduos a ele. Trata-se de uma subjetividade própria do modo capitalista de
produção que Felix Guattari chama de subjetividade capitalística.
Nossa idéia, mais uma vez, não é a clássica confrontação capitalismo x
socialismo, mas clarificar o que sim consideramos um confronto necessário de
ser posto às claras e trabalhado, ao menos no que tange à educação
cooperativa: o confronto de subjetividades: subjetividade capitalística X
subjetividade cooperativa. Muitos estudos têm se debruçado sobre a temática
da identidade cooperativa. Cremos que é chegado o momento destes estudos
adentrarem nas subjetividades desta identidade.
Para Guattari, nem as ciências sociais, nem a psicanálise tradicional
estão preparadas para enfrentar sozinhas as questões de subjetividade atuais.
Ele propõe uma subjetividade transversal que possa responder “ao mesmo
tempo a suas amarrações territorializadas idiossincráticas (Territórios
existenciais) e a suas aberturas para sistemas de valor (Universos incorporais)
57
com implicações sociais e culturais” (GUATTARI, 2000, p. 14). Estaríamos,
assim, submetidos a três instâncias de elementos subjetivantes:
1. componentes semiológicos significantes que se manifestam
através da família, da educação, do meio ambiente, da religião, da
arte, do esporte; 2. elementos fabricados pela indústria dos mídia, do
cinema, etc. 3. dimensões semiológicas a-significantes. (GUATTARI,
2000, p. 13-14).
Uma primeira leitura deste trabalho poderia levar, num comparativo
entre Guattari e Guareschi, a identificação de um contra-senso. Guareschi
afirma que a mídia adentra todas as instâncias da vida e Guattari as separa, ao
menos no que tange as subjetividades. Não se trata disso. Guattari trabalha a
forma como as estruturas de relações produzem subjetividades, como as
relações familiares as criam, como são criadas na arte e no esporte; ele não
nega a influência da mídia nas demais estruturas formadoras do conjunto
subjetivo humano. Ele apenas estuda em separado as relações de
subjetividades diretamente geradas pela mídia.
Dito isso, sentimo-nos autorizados a afirmar que a subjetividade
produzida pelos meios de comunicação, uma vez que também adentra nas
demais instâncias produtoras de sentido e subjetividade da vida, é hoje a fonte
determinante de formação de subjetividade.
Guattari chama esta subjetividade dos meios de comunicação de
subjetividade maquínica. Ele a entende como toda a produção “através das
máquinas tecnológicas de informação e de comunicação”. Essa produção
opera no núcleo da subjetividade humana, “não apenas no seio das suas
memórias, da sua inteligência, mas também da sua sensibilidade, dos seus
afetos, dos seus fantasmas inconscientes” (GUATTARI, 2000, p. 14).
Até aqui, o problema levantado por nós não teria tanta razão de ser. O
trabalho de formação crítica com relação à mídia deveria ser capaz de alertar
58
para a influência de subjetividade dos meios. O problema está no que Guattari
chama de subjetividade capitalística.
Para Guattari, as forças que administram o capitalismo hoje, e, no nosso
entender, há muito tempo, entenderam “que a produção de subjetividade talvez
seja mais importante do que qualquer outro tipo de produção, mais essencial
até do que o petróleo e as energias” (GUATTARI, 1996, p. 41). Não se trata
apenas de ideologia, mas do próprio coração dos indivíduos, de sua maneira
de perceber o mundo, de se articular como tecido urbano e com o trabalho.
Todas as instâncias de interação estão “impregnadas” de uma mesma
subjetividade a capitalista:
A ordem capitalista produz os modos das relações humanas até em
suas representações inconscientes: os modos como se trabalha, como se é
ensinado, como se ama, como se trepa, como se fala, etc. Ela fabrica a relação
com a produção, com a natureza, com os fatos, com o movimento, com o
corpo, com a alimentação, com o presente, com o passado e com o futuro em
suma, ela fabrica a relação do homem com o mundo e consigo mesmo.
(GUATTARI, 1996, p. 42).
Em outras palavras, podemos dizer que a subjetividade capitalística está
contemplada nas três instâncias formadoras da subjetividade individual
apresentadas por Guattari. Ademais, esta teorização de Guattari, assim como a
de Boaventura, apresentada a frente, nos permite relacionar a dimensão
macro-social das relações de produção capitalistas, com a dimensão micro-
social das subjetividades individuais.
Recuperando o pensamento de Schneider, em que a educação
cooperativa vem a ser, na verdade, um processo de re-educação de valores,
preocupa-nos que, dado o grau de enraizamento, apontado por Guattari, que
os valores capitalistas têm na sociedade e nos indivíduos, o trabalho tradicional
59
de educação cooperativa, seja nas escolas ou fora delas, não seja suficiente
para confrontar toda essa subjetividade capitalística.
Se a subjetividade maquinicamente transmitida pode ser “combatida”
através de uma educação para a mídia, como combater a subjetividade
capitalística nas demais instâncias formadoras da subjetividade individual?
Com educação? Mas a instância educativa como formadora de subjetividade
não esta agrupada em um grupo outro que não o da mídia? E como combater a
subjetividade capitalística dentro do ambiente familiar? Através de uma
inserção midiática também? Onde podemos buscar estas respostas? Temos
uma hipótese. Acreditamos que estas respostas possam ser buscadas na
interface da comunicação e da educação, valendo-se de estudos sociológicos e
antropológicos sobre as relações que nestes espaços se estabeleçam. Dito
isso, lembremo-nos da importância da educação para a cooperação, apontada
por Schneider:
A cooperação como uma forma especial de ajuda mútua, apela a
motivações bem distintas das do auto-interesse ou de impulsos
egoístas. Uma disciplina coletiva livremente assumida requer um
crescimento cultivado através da educação. Requerem-se novos
valores, novas idéias, novos padrões de comportamento, novos
hábitos de pensamento e de conduta, baseados nos valores
superiores da associação cooperativa. Portanto, nenhuma
cooperativa pode dispensar a educação. (SCHNEIDER, 2003, p. 134)
3.3 O CAMPO DA EDUCOMUNICAÇÃO
Segundo Ismar de Oliveira Soares, principal articulador da temática
educomunicativa no Brasil, a genética do campo educomunicativo remonta aos
anos 50. Pode-se estabelecer sua origem nos estudos do uso de tecnologias
da informação de Burrhus Skinner (1904-1990).
No entanto, segundo o mesmo autor, é com Célestin Freinet (1896-
1966) e com o brasileiro Paulo Freire (1925-1997) que, através de suas
perspectivas criativas da inter-relação Comunicação/Educação, nasce o
60
entendimento pedagógico, de método, que norteia o desenvolvimento do
campo educomunicativo hoje. Voltemos à chave da concepção freireana de
educação: “o homem é um ser de relação e não só de contatos como o animal,
não está apenas no mundo, mas com o mundo” (FREIRE, 2001, p. 20). Ao que
recuperamos que a educação “é fundamentalmente um problema de
comunicação” (SCHNEIDER, 2003, p. 163).
Hoje, muito se tem produzido sobre o tema e dois autores têm sido
muito lembrados: Jesús Martín-Barbero e Mário Kaplún. Barbero, por sua
sólida reflexão sobre a relação Comunicação/Cultura e por suas teorias das
mediações. Kaplún, por seus estudos relacionando a comunicação com
processos educativos. Kaplún é pioneiro neste campo na América Latina.
Campo que ainda está em formação. Tanto que alguns autores
divergem da compreensão da maioria e questionam a interface entendida como
uma nova ciência. Parece existir um consenso quanto a se tratar de uma
transdisciplinaridade robusta em consolidação, mas, para os que com esta
crítica se alinham, para a constituição de um novo campo a partir das duas
ciências ter-se-ia que realizar a bidirecionalidade da intervenção dos saberes.
Entre estes autores está Edson Gabriel Garcia que afirma acerca do termo
educomunicador utilizado para descrever aqueles que na área trabalham:
É como se "comunicador" fosse o adjetivo, o qualificativo de
"edu"(cador). Passa uma idéia que estamos nos referindo a
processos de Comunicação na Educação. Isto poderia nos levar a
crer que o sentido maior dessa construção lingüística esteja voltado
para a Educação. E não creio que assim seja daí o paradoxo. A
discussão está sendo feita por educadores (em sua maioria), nas
instituições de natureza educativa (em sua maioria, escolas), mas o
que prevalece nas discussões, acertadamente, em minha opinião, é o
campo da Comunicação. (GARCIA, 2000)
Garcia aponta que os estudos intitulados de educomunicação se
apresentam como de mediações comunicacionais em educação. Segundo ele,
61
seria necessário, para a efetivação do campo, desenvolver a via inversa, por
ele chamada de processos educacionais em comunicação.
Enquanto que o primeiro campo trata de questões educacionais de
aprendizagem e método, o segundo trata de questões de comunicação e
remeteria, na visão de Garcia, a quatro preocupações por parte dos
comunicadores(GARCIA, 2000):
- pensar os meios como processos educativos;
- pensar os meios como espaço de polifonia e pluralidade cultural;
- programar e produzir com respeito à dignidade humana;
- programar e produzir de olho na construção do bem comum.
Nosso estudo busca investigar empiricamente a primeira e mais
difundida direção da relação: da comunicação na educação, entretanto, como
veremos adiante, acreditamos que a chave para que uma educomunicação
cooperativa alcance seus objetivos contra-hegemônicos e emancipatórios seja
o trabalho concomitante, em alguma instância, da educação na comunicação.
Na verdade, é preciso entender que as duas ciências funcionam, por
excelência, sob objetivos e premissas de investigação diferentes. A educação
tem como finalidade principal entender como podem melhor estabelecer-se os
processos de ensino e de aprendizagem.
Já a comunicação tem como primazia entender como se dão os
processos comunicacionais, agindo como uma ciência “indiciadora” de fatores
que auxiliam na explicação dos processos de interação social. Trata-se de
entender como a sociedade se relaciona com a mídia e como a mídia se insere
na sociedade como um todo, influenciando-a, ou de como a sociedade se
relaciona consigo mesma mediada, o que serve para entender a sociedade em
62
si mesma. Voltaremos a este ponto à frente ao apresentarmos o conceito de
sistema de resposta social.
Dada a influência da mídia na sociedade, gradativamente a inclusão da
mídia no espaço educativo vem se constituindo, também pela necessidade de
adaptação à dinâmica social, na própria forma de enfrentar a penetração da
mídia em mais esta esfera, derrubando as barreiras e as restrições dos
educadores mais conservadores ou cautelosos. Mas este processo contém
seus perigos e contradições, como afirma Martin-Barbero:
A simples introdução dos meios e das tecnologias na escola pode ser
a forma mais enganosa de ocultar seus problemas de fundo sob a
égide da modernização tecnológica. O desafio é como inserir na
escola um ecossistema comunicativo que contemple ao mesmo
tempo: experiências culturais heterogêneas, o entorno das novas
tecnologias da informação e da comunicação, além de configurar o
espaço educacional como um lugar onde o processo de
aprendizagem conserve seu encanto” (in LAURITI, 1999).
Na contramão deste entendimento, do espaço educacional encantado,
poderíamos colocar talvez o ensino a distância, afirmando daí que este não
conservaria o encanto da aprendizagem. Mas não pretendemos adentrar em
mais esta discussão. Preferimos enxergar esta “tendência” como mais uma
possibilidade a ser explorada.
A educomunicação surge neste contexto de “mediação da vida”. Surge
num momento em que o espaço formal de educação é questionado e discutido.
Surge como a inter-relação entre os saberes da comunicação e da educação,
de forma a dar conta da intervenção da comunicação na esfera educativa e à
sua centralidade na vida. Abrem-se assim inúmeras possibilidades de
agrupamentos conceituais entre os dois vastos campos. Nas palavras de Mário
Kaplún:
63
A educomunicação pode ser definida como toda ação comunicativa
no espaço educativo, realizada com o objetivo de produzir e
desenvolver ecossistemas comunicativos. (in SOARES, 1999).
É importante deixar claro que a educomunicação não é uma teoria, o
que até pode ser defendido, mas que, em essência, trata-se sim de um campo
de investigação novo que se instaura. Senão uma nova ciência, ao menos um
novo campo. Ismar de Oliveira Soares, que é responsável pelo núcleo de
educação e comunicação da escola de comunicação da USP, sustenta que
efetivamente o novo campo tem autonomia e se encontra em processo de
consolidação (SOARES. 2000). Ele caracteriza o novo campo como, “por
natureza, relacional, estruturado como processo midiático, transdisciplinar e
interdiscursivo”.
Segundo uma pesquisa (SOARES, 2000) envolvendo 178 especialistas
na área do Brasil, América Latina e Espanha, organizada pelo Núcleo de
Comunicação e Educação, o campo da Educomunicação se materializa em
quatro áreas de intervenção social: educação para a comunicação, mediação
tecnológica na educação, gestão da comunicação na educação, e a área da
reflexão epistemológica; detalhados abaixo.
3.3.1. EDUCAÇÃO PARA OS MEIOS
O primeiro ponto que pode ser trabalhado é a educação para os meios.
Educar para o poder de influência da mídia. Formar cidadãos mais conscientes
deste processo. Trabalhar a educação cooperativa de forma a confrontar a
dominação ideológica, a hegemonia transpassada por todas as instâncias de
mídia; trabalhar a cooperação e seus valores em oposição à lógica dominante
e aos valores verificados nos produtos midiáticos.
Através da abordagem educomunicativa podemos pensar numa
metodologia de re-educação cooperativa a partir da crítica da mídia e de seu
64
conteúdo. Uma metodologia de percepção da dominação ideológica através da
exposição midiática, controlada.
Essa forma de interação entre os espaços midiáticos e a educação
suscita-nos algumas indagações importantes: Quais os objetivos passíveis de
serem alcançados em termos da re-educação cooperativa? Que elementos da
cooperação podem se beneficiar da crítica a mídia? Como atingir tais
objetivos? As respostas a estas questões, e outras correlatas, não estão
dadas. Acreditamos que possam surgir de pesquisas de cunho
educomunicativo e de teorias a serem construídas sob este espectro de
conhecimentos.
3.3.2 MEDIAÇÃO TECNOLÓGICA NA EDUCAÇÃO
Ao serem introduzidos no espaço educativo, os meios tecnológicos
inauguram toda uma mudança no agir educacional. Os professores precisam
ser treinados. A dinâmica se altera. Não estamos nos referindo aqui somente a
meios massivos como a televisão ou mesmo os impressos, tratamos também
de ferramentas como a computação e, por conseguinte, a internet.
Se por um lado, podemos desenvolver a utilização da internet na
educação cooperativa a partir das idéias de autoformação-ação de Desroche,
por exemplo, num sentido de “entregar” ao educando a escolha dos caminhos
na rede mundial; por outro temos que estar conscientes de que a grande
maioria dos conteúdos acessados não será cooperativo.
Se o espaço educativo é invadido pela comunicação, pela tecnologia, a
educação cooperativa precisa ocupar-se também de ocupar estes espaços: da
comunicação, dos meios massivos, da internet. Se queremos avançar na
utilização de novas tecnologias da comunicação na educação; se não nos
65
parece conveniente, produtivo, e muito menos condizente com os valores
cooperativos limitar o acesso à informação, devemos pensar em proporcionar,
no uso destas tecnologias, espaços não governados pela hegemonia que se
pretende contrapor. Pensar a cooperação sob uma perspectiva
educomunicacional pede que pensemos em meios de comunicação
cooperativos. Lembremos Schneider, quando ao tratar dos meios de
comunicação internos de uma cooperativa ele aponta que:
se bem explorados, ou seja, quando, além das informações
administrativas, técnicas e comerciais, também veiculam conteúdos
de formação cooperativa, tais meios podem ser uma excelente forma
de diálogo. ( SCHNEIDER, 2002, p. 135).
Apesar desta referência a utilização de veículos de comunicação interna
na educação cooperativa, raras são as referências a utilizações de veículos
“externos”, ou de comunicação de massa.
3.3.3 GESTÃO DA COMUNICAÇÃO NA EDUCAÇÃO
O que os estudos aglomerados sob esta subárea procuram fazer é dar
conta de como elaborar estratégias de gestão do processo educacional uma
vez introduzidas as tecnologias da informação. Partem da presença da
mediação tecnológica no espaço educativo e da idéia, que pode ser
relacionada aos ensinamentos de Paulo Freire, de basear o processo educativo
no diálogo, na comunicação. Tratam da construção de um ecossistema
comunicativo. Trata-se de, fundamentalmente, estudar as questões educativas,
tanto de gestão como de aprendizagem no contexto da educomunicação.
Definimos, assim, a Educomunicação como o conjunto das ações
inerentes ao planejamento, implementação e avaliação de processos,
programas e produtos destinados a criar e a fortalecer ecossistemas
comunicativos em espaços educativos presenciais ou virtuais, assim
como a melhorar o coeficiente comunicativo das ações educativas,
incluindo as relacionadas ao uso dos recursos da informação no
processo de aprendizagem. (SOARES, 1999).
66
3.3.4 REFLEXÃO EPISTEMOLÓGICA
O último campo relacionado à educomunicação trata-se da reflexão
epistemológica. Se a origem da educomunicação é a interdisciplinaridade entre
educação e comunicação; a sua ascensão ao status de campo científico prevê
a participação de outras disciplinas em sua elaboração.
Além da Comunicação e da Educação, que fornecem os principais
aportes teóricos para o novo campo, as áreas da Antropologia e da Sociologia
apresentam-se com potencial para fornecer importantes subsídios a seu
aprofundamento teórico e metodológico. Além disto, outros profissionais como
psicólogos e psicólogos sociais terão de ser chamados a enriquecer o campo.
A verificação empírica como estratégia de teorização que definimos para
nossa pesquisa, adentra neste campo. A partir de nossas observações no
programa “A União Faz a Vida”, procuraremos dar luz a algumas possibilidades
de teorização e de atuação educomunicativas.
3.5. O SISTEMA DE RESPOSTA SOCIAL
Até aqui, temos centrado nossa fundamentação sobre a ótica educativa
da confluência entre comunicação e educação. Antes de adentrarmos na
teorização sociológica, gostaríamos de apresentar com um pouco mais de
profundidade, seguindo o pensamento de Garcia sobre a necessária
bidirecionalidade da relação comunicação-educação, a perspectiva
comunicacional deste binômio.
Para tanto, e também como forma de introdução da análise sociológica
desta confluência de saberes, apresentamos as duas principais linhas de
investigação do campo da comunicação social e aquilo que se poderia
67
estabelecer como um terceiro campo, mais amplo, que José Luiz Braga chama
de o Sistema de Resposta Social.
Para um bom entendimento sobre a situação contemporânea da
Comunicação Social, torna-se necessário extrapolar os domínios de
observação para além do sistema mediático disponível. Precisamos nos
perguntar como a sociedade interage, não somente em resposta, mas através
deste sistema.
Até meados da década de 80, os meios de comunicação foram
abordados sobre a perspectiva da investigação de sua atuação sobre seus
receptores. O ponto de partida destes estudos vira e volta se direcionava para
os efeitos que estes meios teriam sobre seus usuários. Esses estudos tendiam
a sub-valorizar as capacidades destes usuários e a dar ênfase à mídia como
sujeito da ação social. Isso se deveu, sobretudo, como enfatiza Thompson, a
forma como as tecnologias da comunicação “têm transformado a cultura e todo
o modo de viver das sociedades”; e também pela disputa ideológica na
geopolítica, que habitava os imaginários, tornando a perspectiva de
manipulação mediática extremamente presente no pensamento crítico.
A partir da segunda metade da década de 80, na medida do
esgotamento destes estudos, bem como do enfraquecimento da perspectiva
ideológica com a “abertura” do bloco socialista, e a incidência da quebra do
paradigma moderno, que veremos adiante, “redescobrem-se as inserções
culturais dos receptores”. Passa-se a considerar e estudar como as diferentes
experiências e identidades culturais trabalham como mediadoras na
interpretação dos produtos mediáticos (BRAGA e CALAZANS, 2001).
Esta nova geração de estudos, apesar do ganho de complexidade,
persiste na tensão bipolar entre “a mídia” e “os usuários”. Entende-se que,
mesmo agindo ativamente sobre as informações recebidas, “os usuários não
68
teriam condições de agir concretamente sobre as mensagens (para além do
nível elementar de selecioná-las ou não)”, bem como sobre seus processos de
produção. Surge o conceito de interatividade (BRAGA e CALAZANS, 2001, p.
22-23).
Nos anos 90 com a internet, a discussão sobre interatividade ganha
corpo, constituindo-se na “menina dos olhos” dos comunicólogos. Segundo
Braga, esta discussão acabou, novamente, por estabelecer um binômio, “uma
clivagem entre meios”. De um lado se localizariam os meios interativos, “vistos
positivamente e mesmo, às vezes, com deslumbramento”. Do outro lado,
sobrariam os meios não-interativos, “vistos então como superados ou
francamente negativos” (BRAGA e CALAZANS, 2001, p. 23).
Este tipo de posicionamento clivatório, bi-monolítico, não nos parece dar
conta da contemporaneidade. Posicionamo-nos contrários a ele. Existem
diferentes formas de interações sociais e é isto, fundamentalmente, o que urge
de ser estudado, a forma como estas interações se estabelecem, se
comunicam, e se intrincam. Abaixo, uma sintética exposição sobre o que seria
este conjunto de diferentes interações: o Sistema de Resposta Social:
Em vez de pensar a comunicação social como uma relação bipolar
entre mídia e usuários, deve-se observar a ocorrência de interações
sociais gerais da própria sociedade isto é, entre setores da
sociedade e entre pessoas através dos meios de comunicação.
(BRAGA e CALAZANS, 2001, p. 23).
E para finalizarmos, em outras palavras, o que precisamos é estudar a
mídia sem tomá-la como o centro da vida ou da análise comunicacional;
estudar a comunicação não como o todo das relações sociais; a tarefa é em si,
a de romper com estas perspectivas.
Assumir este novo olhar implica em primeiro lugar um movimento de
ruptura com o comunicacionismo(...) Ou, em termos sociológicos, a
idéia de que a comunicação constitui o motor e o conteúdo da
69
interação social.(...) O segundo movimento de ruptura é com o
midiacentrismo(...) segundo o qual as mídias fazem a história, ou
desde seu contrário, o ideologismo althusseriano, que faz das mídias
mero aparelho de Estado. (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 222-223).
CAPÍTULO 4
CONTRA O DESPERDICIO DA EXPERIÊNCIA
O pensamento do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos
encontra-se em evidência mundo afora. Tanto por suas contribuições na
caracterização da transformação paradigmática da modernidade, seja por suas
contribuições no re-elaborar do pensamento crítico-emancipatório do
paradigma que se instaura.
Neste capítulo, optamos por uma abordagem mais descritiva, para no
capítulo de análise interligarmos suas idéias as dos demais autores abordados.
Veremos, inicialmente, a apresentação de Boaventura sobre o paradigma
moderno e sobre o emergente, para então refletirmos a transição vivida.
Depois, enfocaremos alguns “procedimentos sociológicos” apontados por
Santos para a re-invenção da emancipação social.
Finalmente, apresentaremos a cartografia construída pelo autor de
forma a apresentar os diferentes espaços-tempo-estruturais da vida social
para, então, analisarmos como a educomunicação insere-se e pode contribuir
71
para a emancipação dos atores envolvidos com o cooperativismo e os demais
empreendimentos identificados com a sua doutrina.
Além de sua contribuição para o entendimento da transição
paradigmática, Santos introduz a idéia de uma dupla ruptura epistemológica a
partir da tradição ocidental. Para ele, a modernidade caracterizou-se por
sucessivas rupturas políticas e culturais, que incorriam, fossem quais fossem
os erros e acertos do “novo” que se instaurava, no mesmo erro: o desprezo do
anterior. O “ultrapassado” não é digno de crédito. Santos propõe a ruptura com
o paradigma moderno, sem, entretanto, jogar fora seus acertos. Propõe que
rompamos com a idéia de que é assim, simplesmente rompendo, que se
avança. Voltaremos a este ponto mais à frente.
4.1. O PARADIGMA MODERNO E A TRANSIÇÃO PARADIGMÁTICA
A modernidade ocidental emerge, por volta dos séculos XVI e XVII como
um ambicioso projeto sócio-cultural assente no humanismo, iniciado na arte
renascentista e consolidado no movimento iluminista, e que mais tarde
culminam na revolução francesa; e na crença no desenvolvimento, melhor
exemplificado no pensamento positivista.
Este binômio de projeto, base da cultura moderna ocidental, só é
possível e assim se construiu numa tensão constante e dinâmica entre forças
de regulação: de contenção, de regramento social; e de emancipação: de
liberdade individual, de justiça social; que se consolida ao convergir para o
então juvenil e promissor sistema capitalista do século XIX.
A idéia central de nosso teórico para explicar a contemporaneidade e
mesmo apresentá-la na transição paradigmática que fundamenta é de que o
pilar emancipatório encontra-se em colapso, com suas fundações rachadas,
72
como as de uma casa invadida por raízes de uma imensa figueira vizinha. As
forças emancipatórias encontram-se sufocadas. A emancipação não é mais o
avesso da regulação, mas um seu duplo, uma nova modalidade de regulação.
Toda a intenção de agir do braço emancipatório é contida, no iniciar de
seu movimento, de sua liberação, pelo abraço do co-irmão regulatório. De
braços cruzados, a modernidade não tem mais como se reinventar e afogar-se-
á no mar da história. Abaixo, a passagem que sintetiza o binômio moderno
regulação-emancipação.(SANTOS, 2002).
No projeto da modernidade podemos distinguir duas formas de
conhecimento: o conhecimento-regulação cujo ponto de ignorância se
designa por caos e cujo ponto de saber se designa por ordem e o
conhecimento-emancipação cujo ponto de ignorância se designa por
colonialismo e cujo ponto de saber se designa por solidariedade.
(SANTOS, 2002, p. 29).
Dentre as várias dimensões passíveis de se identificar e trabalhar a
transição paradigmática, Santos aborda duas, que distingue como principais: a
epistemológica e a societal, na qual inclusa a instância cultural. No que tange a
epistemológica, apresentamos os questionamentos do autor acerca da
racionalidade ocidental dominante para, depois, entrar nos procedimentos que
o autor apresenta para a re-construção da perspectiva emancipatória do
pensamento crítico nesta transição paradigmática. Veremos que estes
procedimentos podem ser bem objetivados numa perspectiva
educomunicacional. Abaixo, a nomeação de Santos para o novo paradigma
epistemológico que surge no lugar do da ciência moderna: o “conhecimento
prudente para uma vida descente”.
No que tange à perspectiva societal, apresentaremos a cartografia dos
espaços-tempo-estruturais desenvolvida pelo autor para caracterizar e analisar
a ordem social do paradigma que se instaura. Com este modelo, exploraremos
como a educomunicação de uma forma geral e especificamente aplicada ao
cooperativismo e a economia solidária pode auxiliar no dialogo entre os atores
73
destes diferentes espaços-tempo-estruturais. É com esta cartografia em vista
que adentramos em nossa pesquisa de campo.
Julgamos importante ressaltar que, no que se refira propriamente ao
cooperativismo e ao seu desenvolvimento, a transição societal se revelaria
mais oportuna de ser trabalhada, porque remete com maiores possibilidade e
propriedade a intervenção na realidade. Entretanto, como nosso objeto de
estudo neste trabalho surge da confluência de campos científicos, fez-se
necessário aprofundarmos o campo epistemológico. Começamos por esta,
para ao analisarmos os espaços-tempo-estruturais, conectarmo-los com os
objetivos do programa “A União Faz a Vida", e assim partirmos para a etapa de
análise do trabalho.
Boaventura esclarece que dentre as duas dimensões, a transição
societal é menos visível. A passagem “do paradigma dominante sociedade
patriarcal; produção capitalista; consumismo individualista e mercadorizado;
identidades-fortaleza; democracia autoritária; desenvolvimento global desigual
e excludente” (SANTOS, 2002, p. 15), se dá para um novo, ou um conjunto de
paradigmas de que ainda não conhecemos senão as vibrations ascendantes
(vibrações ascendentes).
Ao sinalizar como principais estas duas dimensões da transição,
Boaventura define seus eixos de análise: a ciência, o direito e o poder. Justifica
o direito, citando Durkeim, que afirmava ser este um identificador privilegiado
das contradições sociais (SANTOS, 2002, p. 16); no que acenamos para a sua
formação de origem: a sociologia do direito.
No que tange à ciência, apresentaremos o pensamento epistêmico do
autor e no que tange o poder, o enfocaremos sobre uma perspectiva da
comunicação social, que em nosso entender é uma das lacunas de seu
pensamento.
74
Nos distanciamos assim da análise de Boaventura em dois pontos. No
primeiro, optamos por deixar de lado a análise do direito, não por
desconsiderá-la ou entendê-la secundária, mas em razão de não se situar
dentro do nosso campo de análise educação/comunicação diretamente.
Segundo, acreditamos que o poder da comunicação social deva ser
melhor considerado em se tratando de discutir poder, hegemonia e contra-
hegemonia. Consideramos que há uma lacuna na análise de Santos do novo
paradigma, seja na perspectiva regulatória, seja na sua constituinte
emancipatória: o poder da mídia massiva.
Não se trata, como mencionado, de engendrar a mídia como o grande
centro-assunto de discussão da sociedade, mas de abordá-la no dimensionar
do novo mapa emancipatório. Qual o seu papel na interação entre os diferentes
espaços estruturais? Entendemos que sem esse dimensionar fica difícil
conceber como dar amplitude ao processo de tradução, defendido por Santos,
adiante apresentado.
4.2 A CRÍTICA DA RAZÃO INDOLENTE
Na nominação Razão Indolente Santos segue a Leibniz. Nosso autor a
estabelece a partir de três afirmativas ou conclusões a que ele chega após o
termino de sua pesquisa a respeito da globalização alternativa em 6 paises:
África do Sul, Brasil, Colômbia, Índia e Portugal, considerados semi-periféricos;
e Moçambique, considerado periférico. Achamos oportuna esta referência para
re-afirmar a aplicabilidade de suas idéias e conceitos para o desenvolvimento
do cooperativismo brasileiro.
75
A primeira afirmação é que “a experiência social em todo o mundo é
muito mais ampla e variada do que a tradição científica ou filosófica ocidental
conhece” (SANTOS, 2001, p. 778), e, principalmente, considera importante.
A segunda conclusão de Boaventura é de que esta riqueza social está
sendo desperdiçada, e que é deste desperdício que se nutrem as idéias que
proclamam a falta de alternativas, entre elas o “fim da história”, e de toda uma
postura de adaptabilidade, de inevitabilidade, invocada sob muitos aspectos,
sobretudo frente ao atual modelo excludente da globalização neoliberal.
A terceira afirmativa, e a conclusão mais relevante para nosso trabalho é
que para se combater este “desperdício da experiência, para tornar visíveis as
iniciativas e os movimentos alternativos e para lhes dar credibilidade, de pouco
serve recorrer à ciência social como a conhecemos” (ibidem,) e mais que isso:
não basta propor um outro tipo de ciência social.(...)é necessário
propor um modelo diferente de racionalidade. Sem uma crítica do
modelo de racionalidade ocidental dominante pelo menos durante os
últimos duzentos anos, todas as propostas apresentadas pela nova
análise social, por mais alternativas que se julguem, tenderão a
reproduzir o mesmo efeito de ocultação e descrédito. (SANTOS,
2002, p. 778).
Com base nestas observações empíricas, e em suas conclusões acerca
delas, Santos elabora conceitualmente as constituintes desta racionalidade
indolente, hegemônica no ocidente, e que se quer única e total. Para tanto,
propõe que a indolência da racionalidade ocidental se estabeleça de 4 formas
distintas: a razão impotente, a arrogante, a metonímica e a razão proléptica;
tão intrinsecamente arraigadas à nossa forma de entender a vida, que nem
mesmo remontamos suas origens.
A razão indolente subjaz, nas suas várias formas, ao conhecimento
hegemônico, tanto filosófico como científico, produzido no
Ocidente(...) a consolidação do Estado liberal(...), as revoluções
industriais e o desenvolvimento capitalista, o colonialismo e o
76
imperialismo constituíram o contexto sócio-político em que a razão
indolente se desenvolveu. (SANTOS, 2001, p. 780).
A primeira desta formas de indolência é a razão impotente. A razão
impotente é aquela que “não se exerce porque pensa que nada pode fazer
contra uma necessidade concebida como exterior a ela própria” (ibidem,
SANTOS). É a constituinte da razão que se considera externa à realidade, que
não imagina que a realidade influa no seu pensar, e que este, portanto, nada
deve a realidade.
A segunda forma de indolência identificada por Boaventura é a razão
arrogante. O motivo de sua arrogância é a sua presunção de liberdade total.
Ela “não sente necessidade de exercer-se porque se imagina
incondicionalmente livre e, por conseguinte, livre da necessidade de
demonstrar a sua própria liberdade” (ibidem, SANTOS).
A terceira e a quarta forma de indolência da racionalidade ocidental são
aquelas diretamente mais abordadas por Santos. As duas primeiras “são
aparentemente mais antigas e têm suscitado muito mais debate [o debate
sobre o determinismo ou livre arbítrio; o debate sobre realismo ou
construtivismo]”, entretanto, é pela falta de discussão, a que então o autor se
propõe, das duas últimas constituintes, que estes debates antigos sobre as
primeiras não tem logrado conclusão (SANTOS, 2001, p. 781).
A terceira forma que admite a razão indolente é a metonímica. A razão
metonímica “se reivindica como a única forma de racionalidade e, por
conseguinte, não se aplica a descobrir outros tipos de racionalidade ou, se o
faz, fá-lo apenas para as tornar em matéria-prima” (SANTOS, 2001, 780).
Trata-se da expressão da unicidade da razão ocidental, que, mesmo quando
busca outras racionalidades, orientais ou quais sejam, as investiga sobre seus
próprios patamares. Só ela se tem como racionalidade científica, as demais
77
são apenas formas de pensar indignas de crédito. A metonímia: a parte que se
entende pelo todo.
A quarta, mas não menos importante, forma em que se apresenta nossa
indolência é a razão proléptica, “que não se aplica a pensar o futuro, porque
julga que sabe tudo a respeito dele e o concebe como uma superação linear,
automática e infinita do presente” (ibidem, SANTOS). A prolepse: o
conhecimento do futuro no presente.
Para Boaventura, faz-se necessário desenvolver um trabalho de crítica
às racionalidades metonímica e proléptica, de forma a desconstruir a idéia de
que a história teve seu fim. Mostrar que, aqueles que assim pensam, o fazem
por viverem aprisionados em um ínfimo espaço de tempo entre um passado
cartesiano-dicotômico e um futuro dado como certo, infinitamente jogado a um
progredir linear de tempo e da tecnologia.
Por isso não houve nenhuma reestruturação do conhecimento. Nem
podia haver (...) a indolência da razão manifesta-se, entre outras
formas, no modo como resiste a mudança das rotinas, e como
transforma interesses hegemônicos em conhecimentos verdadeiros.
(SANTOS, 2001, p. 781).
Santos acredita que é duplo o desafio e o papel da nova racionalidade
por ele concebida como “conhecimento prudente para uma vida decente”. Por
um lado, é preciso combater toda uma racionalidade personificada no avanço
tecnológico, da infinitude do futuro (racionalidade proléptica). É preciso trazer o
futuro para perto, para o amanhã senão para o ainda hoje. Um amanhã
tangível fruto de um devir da ação humana hoje. Um amanhã que surgirá das
alternativas existentes, ausentes do discurso moderno, e/ou das que se
constituem viáveis na perspectiva de ainda-não, adiante apresentada.
Percebamos como estes movimentos podem ser concebidos dentro de um
projeto de educação contra-hegemônica.
78
Por outro lado, faz-se necessário um alargamento do espaço do
presente, fazendo emergir das ausências do discurso científico moderno todas
as experiências alternativas, sejam econômicas, de organização política
democracia direta, sejam quais sejam; que possam revigorar a criatividade na
teoria crítica. Ao que ressaltamos as palavras de Franz Kafka acerca da
adversidade com que vive o homem moderno:
Ele tem dois adversários. O primeiro empurrá-o de trás, a partir da
origem. O segundo impede-o de seguir adiante. Ele luta contra
ambos. Na verdade, o primeiro apóia-o na luta contra o segundo,
porque quer empurrá-lo para frente, e, da mesma forma, o segundo
apoia-o na luta contra o primeiro, já que quer força-lo a
retroceder.(...)De todo o modo, o seu sonho é poder, num momento
de desatenção mas para isso é precisa uma noite tão escura como
nunca houve nenhuma , saltar para fora da linha de combate e, por
causa da sua experiência de luta, ser promovido a juiz dos seus
adversários que se batem um contra o outro. (in SANTOS, 2001, p.
785-786).
4.2.1 A CRÍTICA DA RAZÃO METONÍMICA
A crítica da razão metonímica se faz urgente. “Obcecada pela idéia da
totalidade sob a forma da ordem”, esta constituinte não concebe nenhuma
forma de “compreensão nem acção que não seja referida a um todo e o todo
tem absoluta primazia sobre cada uma das partes” (SANTOS, 2001, p. 782).
Essa visão compreende que só há uma lógica que governa tanto o todo como
suas partes. Nessa lógica, o comportamento particular de dada parte não afeta
o todo.
A forma mais acabada desta totalização é a dicotomia. Esta combina,
“do modo mais elegante, a simetria com a hierarquia”. Na proclamada simetria,
na horizontalidade entre as partes ocultam-se relações verticais desiguais, de
dominação inclusas. É este falso entendimento que faz possível que o todo
seja visto como mais que o conjunto das partes, quando na verdade, o todo é
bem menos que o conjunto delas. O todo não é mais que os indivíduos. A
diversidade dos indivíduos supera o todo.
79
Na verdade, o todo é uma das partes transformada em termo de
referencia para as demais. É por isso que todas as dicotomias
sufragadas pela razão metonímica contem uma hierarquia: cultura
científica/cultura literária; conhecimento científico/conhecimento
tradicional; homem/mulher; cultura/natureza; civilizado/primitivo;
capital/trabalho; branco/negro; Norte/Sul; Ocidente/Oriente.
(SANTOS, 2001, p. 782).
Segundo Boaventura, a razão pela qual esta “racionalidade tão limitada
veio a ter tamanha primazia nos últimos duzentos anos”, é que surgiu a partir
de uma necessidade de legitimação do Ocidente sobre sua matriz originária,
esta sim robusta e multiplamente totalizadora o Oriente. O pensamento
oriental, longe de totalizá-lo e recairmos no mesmo erro, possui em comum a
“multiplicidade de mundos (terrenos e extraterrenos) e uma multiplicidade de
tempos (passados, presentes, futuros, cíclicos, lineares, simultâneos).”
(SANTOS, 2001, p. 783).
É este pensamento, fundado na multiplicidade, que lhe efetiva a
totalidade sem, entretanto, necessitar submeter suas partes a um todo
terrenamente compreensível. O todo oriental transcende o todo terreno (todo
ocidental), de forma que respeita a diversidade e a individualidade das partes
terrenas. O todo do ocidente é terreno e temporalmente limitado, e assim
condiciona suas partes.
O Ocidente, em resposta a esta matriz, “recupera dela apenas o que
pode favorecer a expansão do capitalismo”, a multiplicidade aplicada ao
consumo (ibidem). Também aqui, não se trata de desprezar ou abandonar
“junto à água do banho” tudo o que seja ocidental e/ou incorporar totalmente o
pensamento oriental. Estamos a proceder o entendimento do pensamento
ocidental.
A versão abreviada do mundo foi tornada possível por uma
concepção do tempo presente que o reduz a um instante fugaz entre
o que já não é e o que ainda não é. Com isto, o que é considerado
contemporâneo é uma parte extremamente reduzida do simultâneo.
(ibidem).
80
Hoje já é evidente que esta racionalidade metonímica “diminuiu ou
subtraiu o mundo tanto quanto o expandiu ou adicionou de acordo com as suas
próprias regras”. Nisto reside “a crise da idéia de progresso e, com ela, a crise
da idéia de totalidade que a funda” (SANTOS, 2001, p. 785).
A contracção do presente esconde, assim, a maior parte da riqueza
inesgotável das experiências sociais no mundo.(...) A pobreza da
experiência não é expressão de uma carência, mas antes a
expressão de uma arrogância, a arrogância de não se querer ver e
muito menos valorizar a experiência que nos cerca, apenas porque
está fora da razão com que a podemos identificar e valorizar.
(SANTOS, 2001, p. 783).
O que o autor propõe, então, é “pensar os termos das dicotomias fora
das articulações e relações de poder que os unem”. Santos afirma ser esse o
primeiro passo para libertar as partes destas relações, para assim “revelar
outras relações alternativas que têm estado ofuscadas” pelo pensamento
hegemônico (SANTOS, 2001, p. 786). Aplicando-se ao nosso trabalho: pensar
a cooperação fora da sua relação com o capitalismo. Pensá-la novamente
como um projeto de sociedade. Ou ainda, pensar a cooperação para além do
cooperativismo oficial.
4.3 A SOCIOLOGIA DAS AUSÊNCIAS E DAS EMERGÊNCIAS
A epistemologia dos conhecimentos ausentes parte da premissa de
que as práticas sociais são práticas de conhecimento. As práticas que
não assentam na ciência não são práticas ignorantes, são antes
práticas de conhecimentos rivais, alternativos. Não há nenhuma
razão apriorística para privilegiar uma forma de conhecimento sobre
qualquer outra. Além disso, nenhuma delas, por si só, poderá garantir
a emergência e desenvolvimento da solidariedade. O objetivo será
antes a formação de constelações de conhecimentos orientados para
a criação de uma mais valia de solidariedade. É esta mais uma via de
acesso à construção de um novo senso comum. (SANTOS, 2002,
p.247).
Na tentativa de reanimar a perspectiva crítica dentro das ciências sociais
no paradigma que se instaura, Santos elabora e define três procedimentos
81
sociológicos a serem realizados: a sociologia das ausências, a sociologia das
emergências e o trabalho de tradução.
Para ele, na fase de transição em que vivemos, onde a razão
metonímica “apesar de desacreditada, é ainda dominante” (ao que recordamos
a idéia de hegemonia e seus conceitos correlatos apresentados por Gramsci),
a “ampliação do mundo e a dilatação do presente” devem começar por um
procedimento que ele chama de sociologia das ausências (SANTOS, 2001, p.
786).
O que Santos propõe é algo impensável pela razão metonímica: “pensar
os termos das dicotomias fora das articulações e relações de poder que os
unem”. Ele não concede a este procedimento nenhum status de “salvação” das
partes/termos oprimidas nas dicotomias, apenas o define como necessário
para “os libertar dessas relações”, como um primeiro passo, falho e incompleto,
mas sem o qual, não se pode ir adiante: “Pensar o Sul como se não houvesse
Norte, pensar a mulher como se não houvesse o homem, pensar o escravo
como se não houvesse senhor” (ibidem). Como referimos no primeiro capítulo,
libertar-nos da dicotomia da balança mercado-educação para engendrar uma
educação cooperativa realmente emancipatória onde o cooperativismo seja,
efetivamente, alternativo.
Trata-se de uma investigação que visa demonstrar que o que não
existe é, na verdade, activamente produzido como não existente, isto
é, como uma alternativa não-credível ao que existe.(...) O objetivo da
sociologia das ausências é transformar objectos impossíveis em
possíveis e com base neles transformar as ausências em presenças.
(SANTOS, 2001, p. 786).
Segundo Boaventura, com este movimento epistêmico se pode
identificar aquilo que existe de específico nos “fragmentos da experiência social
não socializados pela totalidade metonímica”. São as experiências que existem
no Sul, no feminino, na medicina “natural”, na economia solidária, etc; que
podem ser entendidas, fora da relação com o par dominante, e que podem ser
82
convertidas em alternativas críveis e inspirar teorização crítica, outras
alternativas e por fim renovar a esperança (ibidem).
Santos adverte, contudo, que a não-existência não se dá de forma
unívoca, são várias as lógicas e os processos através dos quais ela se produz:
“há produção de não-existência sempre que uma dada entidade é
desqualificada e tornada indivisível, ininteligível ou descartável de um modo
irreversível” (SANTOS, 2001, p. 787). O sociólogo português distingue cinco
lógicas ou modos de produção de não-existência.
A primeira lógica deriva da monocultura do saber e do rigor do saber. É
o mais poderoso. Consiste em transformar a ciência moderna e a alta cultura
nos únicos critérios de verdade e de qualidade estética. “A não-existência
assume aqui a forma de ignorância ou de incultura”, respectivamente (ibidem).
A segunda lógica é a já mencionada monocultura do tempo linear. “A
história tem sentido e direcção conhecidos”. Esta lógica assumiu diversas
formas nos dois últimos séculos: progresso, revolução, modernização,
desenvolvimento, crescimento, globalização e porque não, terceirização, re-
estruturação. Somente aquilo que acontece nos paises centrais é
contemporâneo. O demais é resíduo de tempos passados: primitivo, tradicional,
pré-moderno, simples, camponês, subdesenvolvido, obsoleto (SANTOS, 2001,
p. 787).
A terceira lógica é a da classificação social assentada na monocultura
da naturalização das diferenças. A população é dividida por categorias que
naturalizam uma hierarquia. As classificações racial e sexual são as mais
salientes.
De acordo com esta lógica, a não-existência é produzida sob a forma
de inferioridade insuperável porque natural. Quem é inferior, porque é
insuperavelmente inferior, não pode ser uma alternativa credível a
quem é superior. (SANTOS, 2001, p. 788).
83
A quarta lógica é da escala dominante. Segundo esta lógica, nada que
não tenha “relevância” na escala global importa ou é credível de mérito. Todas
as outras escalas são irrelevantes. No ocidente, esta escala dominante, total,
assume duas formas: universal e global. Tudo o que é local e regional não é
digno de crédito perante as entidades de alcance global.
A quinta lógica é a produtivista e se estrutura na monocultura dos
critérios da produtividade capitalista. O crescimento econômico é
inquestionável, da mesma forma como são inquestionáveis todos os critérios e
procedimentos que bem o sirvam. “A não-existência é produzida sobre a forma
do improdutivo que, aplicada a natureza, é esterilidade e, aplicada ao trabalho,
é preguiça ou desqualificação profissional” (SANTOS, 2001, p. 789).
A produção social destas ausências resulta, em ultima análise, no
desperdício da experiência social. Tornar presentes estas experiências significa
torná-las alternativas consideráveis às experiências hegemônicas, significa “a
sua credibilidade poder ser discutida e argumentada e as suas relações com as
experiências hegemônicas poderem ser objecto de disputa política” (ibidem).
Para tanto, Santos recomenda por em questão cada um dos modos de
produção mencionados acima. No lugar de cada uma destas cinco lógicas
excludentes, não uma contra-lógica, mas uma ecologia de lógicas. Para cada
modo de produção de não-existência, uma ecologia de produção da totalidade
das existências.
Assim, no lugar da monocultura do saber, ou do rigor do saber, uma
ecologia de saberes, cuja idéia central é de que não há ignorância em geral
nem saber em geral. “Toda ignorância é ignorante de um certo saber e todo o
saber é a superação de uma ignorância particular” (SANTOS, 2001, p. 790).
84
Não se trata de desprezar o saber científico, mas de não totalizá-lo.
Existe saberes que operam quase que inquestionáveis em determinados
contextos e práticas sociais dadas como ausentes ou não-existentes pela razão
dominante.
Da mesma forma, no lugar da monocultura do tempo linear, faz-se
necessário instrumentar a ecologia das temporalidades. Instaurar a idéia de
que o tempo linear é uma entre muitas concepções de tempo, e de que, “se
tomarmos o mundo como nossa unidade de análise, não é sequer a concepção
mais praticada.” (SANTOS, 2001, p. 791).
O domínio do tempo linear não resulta da sua primazia enquanto
concepção temporal, mas da primazia da modernidade ocidental(...)a
partir da secularização da escatologia judaico-cristã. (SANTOS, 2001,
p. 791).
Em vez da naturalização das diferenças, uma ecologia dos
reconhecimentos. Um colegiado de concepções que permita confrontar a
confusão dentre diferença e desigualdade, instaurando “uma nova articulação
entre o princípio da igualdade e o princípio da diferença”. Buscando a
igualdade entre os diferentes: “uma ecologia das diferenças produzidas a partir
de reconhecimentos recíprocos.” (SANTOS, 2001, p. 792).
A solidariedade como forma de conhecimento é o reconhecimento do
outro como igual, sempre que a diferença lhe acarrete inferioridade, e
como diferente, sempre que a igualdade lhe ponha em risco a
identidade. (SANTOS, 2002, p. 246).
Confrontando a quarta lógica de não-existência, no lugar da lógica de
escala, uma ecologia das trans-escalas. Trata-se de recuperar o que no local
não é efeito, independe da globalização hegemônica. Para tanto, e este ponto
nos remete muito a nosso objeto empírico, organizado por uma organização de
natureza econômica, é preciso que o local seja conceitualmente
desglobalizado.
85
É preciso também identificar com clareza o que no local não foi
assimilado pela globalização. Faz-se necessário diferenciar o autenticamente
local do que Santos chama de globalismo localizado os efeitos
transformantes da globalização o local transformado pelo global.
Ao desglobalizar o local relativamente à globalização hegemônica, a
sociologia das ausências explora também a possibilidade de uma
globalização contra-hegemonica. Em suma, a desglobalização do
local e a sua eventual reglobalização contra-hegemônica ampliam a
diversidade das práticas sociais ao oferecer alternativas ao
globalismo localizado. (SANTOS, 2001, p. 792).
Neste conjunto específico de contra-lógicas, na ecologia das trans-
escalas, é que imaginamos, conjuntamente com a que segue, como contribuir
via educomunicação, para o desenvolvimento do local, via cooperativismo.
Por último, mas para este estudo de suma importância, precisamos
contrapor a lógica produtivista, própria do sistema capitalista, por uma ecologia
de produtividade. Esta constituinte da não-existência se firma num binômio de
exploração da natureza e do trabalho. Nas próprias palavras do autor, “este é
talvez o domínio mais controverso da sociologia das ausências”. E por quê?
Porque põe em cheque todo o paradigma desenvolvimentista, “do crescimento
econômico infinito e a lógica da primazia dos objectivos de acumulação sobre
os objectivos de distribuição que sustentam o capitalismo global.” (SANTOS,
2001, p. 793).
É evidente que o capitalismo nunca desprezou por completo as formas
ditas alternativas, e há que se reiterar que essa expressão carrega em si uma
legitimação indesejada do modelo dominante “alternativa a algo”.
Conjuntamente as mega atividades transnacionais, essas alternativas, como o
cooperativismo, por exemplo, foram muitas vezes usurpadas da sua índole
transformadora e emancipatória para funcionar como paliativos da exclusão
gerada pelo modelo hegemônico.
86
Em resumo, em cada um destes domínios, do saber, do tempo, das
diferenças, das escalas e da produção, “o objectivo da sociologia das
ausências é revelar a diversidade e multiplicidade das práticas sociais e
credibilizar esse conjunto por contraposição a credibilidade exclusivista das
práticas hegemônicas” (SANTOS, 2001, p. 793). A idéia de multiplicidade,
possível a partir de relações não-destrutivas, ou, em outras palavras,
cooperativas, entre os agentes é o que compõe a nomenclatura “ecológica”
utilizada por Santos:
Comum a todas estas ecologias é a idéia de que a realidade não
pode ser reduzida ao que existe.(...)O exercício da sociologia das
ausências é contrafactual e tem lugar através de uma confrontação
com o senso comum científico tradicional. (SANTOS, 2001, p. 793).
Vimos até aqui como, através da sociologia das ausências, expandir o
horizonte das experiências sociais existentes, fazendo-as emergir da ausência
de consideração da metonímia dominante. Mas este procedimento é somente o
meio do caminho apontado por Santos. Além de tornar visíveis estas
experiências, faz-se necessário expandir o horizonte do pensamento também
para aquelas experiências possíveis, habitantes do domínio do ainda-não, mas
que podem surgir em razão do que já foi tornado presente, visível. Este é o
trabalho da sociologia das emergências.
4.4 A SOCIOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS NO DOMÍNIO DO AINDA-NÃO
É preciso deixar claro que estes dois procedimentos sociológicos estão
interligados, estando o segundo, muitas vezes, em relação de conseqüência
com o primeiro. Quanto mais experiências estiverem hoje disponíveis, mais
experiências serão possíveis no futuro. No entanto é importantíssimo apontar
que a visibilidade proporcionada pela sociologia das ausências nem
necessária, nem isoladamente, conduz a uma maior diversidade no futuro. Os
movimentos criativos da sociologia das emergências são fundamentais.
87
Quanto maior for a multiplicidade e diversidade das experiências
disponíveis e possíveis[conhecimentos e agentes], maior será a
expansão do presente e a contracção do futuro. (SANTOS, 2001,
799).
A sociologia das emergências se revela “por via da amplificação
simbólica das pistas ou sinais” colhidos no presente, nas experiências visíveis
e que podem estabelecer uma idéia de possibilidade que, apesar de ainda-não
ser, pode vir a ser. É neste sentido que acreditamos que a aproximação do
cooperativismo com as demais iniciativas econômicas alternativas, bem como a
outros movimentos de emancipação, possa se revelar produtiva. Seja por
revelar eventos de sucesso, como o programa estudado, bem como para
revelar possibilidades: “A possibilidade é o movimento do mundo” (SANTOS,
2002, p. 796).
A sociologia das emergências consiste em proceder a uma ampliação
simbólica dos saberes, práticas e agentes de modo a identificar neles
as tendências de futuro( o Ainda-Não) sobre os quais é possível
actuar para maximizar a probabilidade de esperança em relação à
probabilidade da frustação (ibidem).
A idéia de ainda-não é peça chave da sociologia das emergências.
Santos o importa do pensamento do filósofo Ernst Bloch. Ele chama a atenção
ao fato da filosofia ocidental ser aficionada aos conceitos de Tudo e Nada, “nos
quais tudo parece estar contigo como latência, mas donde nada novo pode
surgir”. Para Bloch, no que Santos concorda, é este o motivo para a estática da
filosofia ocidental. “Para Bloch, o possível é o mais incerto, o mais ignorado
conceito da filosofia ocidental” (SANTOS, 2001, p. 794). Ao tempo em que, só
nos seus domínios se pode revelar a inesgotabilidade do mundo.
O Ainda-Não é a categoria mais complexa, porque exprime o que
existe apenas como tendência, um movimento latente no processo de
se manifestar. O Ainda-Não é o modo como o futuro se inscreve no
presente e o dilata.(...) Objetivamente o Ainda-Não é, por uma lado,
capacidade (potência) e, por outro, possibilidade(potencialidade).
(SANTOS, 2001, p. 795).
88
Segundo Santos, os campos sociais onde estas possibilidades
provavelmente mais se revelarão são as experiências de conhecimentos; de
desenvolvimento, trabalho e produção; experiências de reconhecimento; de
democracia; e as experiências de comunicação e informação.
Nesta passagem o que acreditamos que os estudos do campo
espistemológico da educomunicação aplicados ao cooperativismo possam
contribuir para a emergência de novas possibilidades emancipatórias.
Precisamente, na coligação de experiências de desenvolvimento, trabalho e
produção com as experiências de comunicação e informação.
4.5 O PROCEDIMENTO DE TRADUÇÃO
O procedimento de tradução é complementar a sociologia das ausências
e das emergências, e essencial a revitalização da emancipação social no novo
paradigma. Se as primeiras visam enriquecer o mundo, “o trabalho de tradução
visa criar inteligibilidade, coerência e articulação” a esta enriquecida
diversidade (SANTOS, 2001, p. 807).
“O trabalho de tradução é, simultaneamente, um trabalho intelectual e
um trabalho político”. A tradução não é somente a técnica de traduzir.
Obviamente que esse elemento é relevante, dado seu necessário
funcionamento democrático, implícito ao objetivo emancipatório; entretanto, é
também emoção.
Pressupõe o inconformismo perante uma carência decorrente do
caracter incompleto ou deficiente de um dado conhecimento ou de
uma dada prática. (SANTOS, 2001, p. 808).
Apesar de plural em suas premissas, a tradução necessita impor uma
negativa: a da impossibilidade de uma teoria geral. A única teoria geral é a
89
“teoria geral da impossibilidade de uma teoria geral”(ibidem, SANTOS). Sem
este pressuposto, a tradução fatalmente passa de um conceito emancipador
para mais uma instância regulatória. Na realidade, o primeiro e maior dos
“hercúleos” trabalhos da tradução é a tradução deste pressuposto teórico.
Mas para além disto o que devemos traduzir? Como devemos fazê-lo?
Quem deve traduzir? E para quem deve voltar-se, a todos? Existe momento
para que seja feito?
A estas perguntas devemos responder caminhando. Santos afirma que
“cabe a cada saber ou prática decidir o que é posto em contato com quem”.
Para fazer isso ele nos coloca à luz do conceito de zona de contato. As zonas
de contato são “campos sociais onde diferentes mundos-da-vida normativos,
práticas e conhecimentos se encontram, chocam e interagem” (SANTOS, 2001,
p. 808-809).
Trata-se de lugares fronteiriços às margens dos processos. E é do
convívio nestas zonas que, gradualmente, os sujeitos, sejam pensadores e/ou
atores, devem buscar o aprendizado do que é realmente relevante de ser posto
em contato. Essas zonas serão sempre seletivas, na medida que os saberes e
práticas excedem “o que de uns e outras é posto em contato”. A experiência
ensinará o que, o como e o quando traduzir.
Entretanto, Santos chama a atenção para dois aspectos com relação a o
que traduzir. Primeiro, nem tudo que necessita ser traduzido será selecionado.
Pelo contrário, muito do que realmente precisa ser traduzido como as origens
de determinado tabu, por exemplo, tenderá a jamais aparecer. É preciso estar
ciente que, fruto de séculos de opressão, certos aspectos de dada cultura
podem ter se tornado impronunciáveis naquela cultura.
90
O segundo aspecto salientado por Boaventura é de que, nenhuma
cultura ou micro-cultura é monolítica. Várias interpretações podem surgir no
momento de definir o que traduzir. Estas decisões devem provir da experiência
do contato e não dos pressupostos de uma ou outra parcela do grupo. O
processo de tradução terá, normalmente, uma etapa de tradução interna.
Os atores necessitarão criar experiência no sentido de entender e
buscar a “conjugação de tempos, ritmos e oportunidades” para a tradução
(SANTOS, 2001, p. 811). É este, em excelência, o aspecto político da tradução.
É igualmente importante que sejam eles, os atores, os sujeitos da tradução.
Este trabalho não pode ser destinado a academia.
Os intelectuais que desejarem fazê-lo não poderão reclamar
exclusividade, e deverão estar “fortemente enraizados nas práticas e saberes
que representam, tendo de uns e de outras uma compreensão profunda e
crítica” (SANTOS, 2001, p. 812). Como podemos observar na escrita do autor,
os intelectuais deverão efetivamente representar as práticas e saberes.
Necessitarão estar envolvidos com elas no sentido orgânico apontado por
Gramsci para que a tradução leve a construção de um topoi emancipatório.
4.6 O CONCEITO DE TOPOI E O NOVO SENSO COMUM EMANCIPATÓRIO
Assim como Gramsci que fala da “superação do senso comum”,
Boaventura, apesar de pouco mencionar o italiano, centra na criação de um
“novo senso comum emancipatório” a renovação da emancipação social, seu
correlato contemporâneo da idéia marxista-gramsciana da superação da
hegemonia.
Boaventura defende que para pensarmos a renovação da emancipação
social, afogada na modernidade, faz-se necessário recorrermos a uma nova
forma de pensar: o conhecimento prudente para uma vida decente. Já para a
efetivação desta renovação, Santos defende que as idéias e os atores devam
91
desenvolver-se de forma a gerarem um novo senso comum. Para que isto
aconteça é preciso alterar e superar os elementos que fundamentam,
solidificam e sustentam o atual. Estes elementos são os topoi de uma dada
sociedade.
Os topoi ou loci são “lugares-comuns”, pontos de vista amplamente
aceites, de conteúdo muito aberto, inacabado ou flexível, e facilmente
adaptável a diferentes contextos de argumentação” (SANTOS, 2002,
p.99).
Estes topoi podem ser identificados em todas as áreas das diferentes
culturas. Eles geralmente surgem agrupados em pares de elementos opostos.
Na medida em que estes opostos se confrontam e os vencedores se articulam,
nasce, estabelece-se a referência, solidifica-se o pilar de sustentação de uma
dada hegemonia.
O conjunto dos topoi dominantes nos diferentes pares, num
determinado tempo e lugar, constitui a constelação intelectual
hegemônica desse período e introduz-se, de uma maneira ou de
outra, em todas as áreas de conhecimento. (SANTOS, 2002, p. 102)
Ressaltamos que os topoi vencidos não são extintos. Permanecem
ausentes, ou marginalizados. Muitas vezes, alterar o senso comum implicará
em recupera-los; outras vezes se fará necessário redefini-los na superação da
dicotomia que os instituiu. Somente a experiência poderá nos guiar nestas
estradas. Construir esta experiência da própria recuperação/redefinição
destes topoi contra-hegemônicos é a tarefa do trabalho de tradução.
Muitos destes topoi contra-hegemônicos já se configuram na sociedade.
Vem-me à mente um exemplo claro, que nos remete a um dos duelos de topoi
mais fundamentais para a ciência e os tempos modernos como um todo,
apontado por Santos: a relação entre a harmonia com a natureza e a qualidade
de vida.
92
A idéia da qualidade de vida surge a partir do esgotamento da
perspectiva quantitativa, vencedora do embate travado na modernidade. O
próprio consumismo se baseia na idéia de “mais viver”, mais intenso é ter mais
coisas. O homem moderno, sobretudo nas últimas décadas depositou na
perspectiva de quantidade a sua idéia de “aproveitar a vida”. Segundo Santos,
Aristóteles era quem afirmava que “um grande número de coisas boas é mais
desejável que um pequeno número” (SANTOS, 2002, p. 102).
Isto está mudando. Vejamos a medicina, representante “de excelência”
do pensamento científico ocidental, na medida em que abre seus horizontes
para outros saberes, deixa de focar a longevidade numa perspectiva de
conquista de, de quantidade; para enfoca-la numa perspectiva de
conseqüência de, de qualidade de vida.
Este movimento entra em choque direto com o desejo
desenvolvimentista do domínio da natureza. A sua preservação passa, na
medida da ineficácia da idéia do seu domínio, a ser fundamental no novo topoi
de fundamento da idéia de “aproveitar a vida”, o da qualidade. O topos da
qualidade, apesar de suprimido do discurso científico e do senso comum em
geral, sobreviveu no domínio da estética e da expressividade como um todo.
Para a construção deste novo senso comum emancipatório, Santos
afirma necessária uma dupla ruptura epistemológica. Segundo Boaventura a
“ciência moderna constitui-se em oposição ao senso comum”, foi esta a
primeira ruptura epistêmica. Entretanto ao fazê-lo, na medida do colapso do
paradigma moderno na incapacidade da ciência moderna de levar a cabo a
emancipação prometida, e da intenção de reinventá-la, esta distinção não foi,
não é suficiente para explicar a diferença entre conhecimento verdadeiro e
senso comum.
93
Santos propõe que para sair deste “beco-sem-saída” faz-se necessário
não uma segunda, que seria uma nova ruptura simplesmente, ou um
retrocesso a medievalidade, mas uma dupla ruptura epistêmica: “romper com a
primeira ruptura epistemológica”, que representa a mera separação por
distinção, “a fim de transformar o conhecimento científico num novo senso
comum”, que re-invente a emancipação social (SANTOS, 2002, p. 107).
Em outras palavras, o conhecimento-emancipador, aquele que objetiva
organicamente a emancipação social, precisa romper com o senso comum
conservador e mistificador. Não se trata de criar “uma forma autônoma e
isolada de conhecimento superior, mas transformar a si mesmo num senso
comum novo e emancipatório” (SANTOS, 2002, p. 107). Ou ainda, o
conhecimento daqueles que buscam a emancipação precisa deixar de
referendar-se unicamente no conhecimento científico moderno para aproximar-
se do que Gramsci chama de bom senso, algo que possa substituir na
sociedade o senso comum anterior.
A ciência moderna ensinou-nos a rejeitar o senso comum
conservador, o que em si é positivo, mas insuficiente. Para o
conhecimento-emancipação, esse ensinamento é experiencidado
como uma carência, a falta de um novo senso comum emancipatório.
O conhecimento-emancipação só se constitui enquanto tal na medida
em que se converte em senso comum. Só assim será um
conhecimento claro que cumpre a sentença de Wittgenstein: ‘tudo o
que pode dizer-se, pode dizer-se com clareza. (SANTOS, 2002, p.
108).
4.7 UMA CARTOGRAFIA DA TRANSIÇÃO SOCIETAL
Como afirmamos no princípio deste capítulo, a transição societal é
menos visível do que a epistêmica. Temos apresentado até aqui os
movimentos epistêmicos propostos por Boaventura visando à construção de
um novo senso comum emancipatório o conhecimento prudente para uma
vida decente.
94
A partir de agora, passamos a apresentar a cartografia de análise
apresentada por Santos em que se processa a transição societal nesta
transição. A partir deste mapa pretendemos mergulhar nas possibilidades que
a confluência educomunicativa abre para a emancipação e para o
desenvolvimento da cooperação de uma forma específica.
Na construção deste mapa, Santos parte de uma premissa tripla, o
poder, o direito e o conhecimento. Como já mencionado, deixaremos de lado a
análise do direito por falta de aplicabilidade em nosso objeto e também por falta
de propriedade para discuti-lo.
Santos concebe que “as sociedades capitalistas são formações ou
constelações políticas constituídas por seis modos básicos de produção de
poder” (SANTOS, 2002, p. 272), que, em interação, levam a constituição de
seis formas básicas de poder. Da mesma forma, estas sociedades são
formações ou constelações epistemológicas constituídas de seis modos de
produção de conhecimento, e geram seis formas básicas de conhecimento.
Construir a emancipação é compreender como as diferentes formas de
conhecimento corroboram para a perpetuação das diferentes formas de poder.
Para Santos, “o poder é qualquer relação social regulada por uma troca
desigual” (SANTOS, 2002, p. 266).
Entender estas trocas desiguais é fundamental para o conhecimento-
emancipação. Como estas trocas, estas relações de poder não acontecem
isoladamente, mas sim “como uma constelação de diferentes formas de poder
combinadas” (SANTOS, 2002, p. 265); conceber esta constelação de saberes e
ações emancipatórias combinadas talvez seja a forma mais acertada para guiar
o desenvolvimento do conhecimento prudente para uma vida decente.
Para chegar a estas afirmativas e depois para explorá-las Santos
concebe as sociedades como a articulação de seis modos ou espaços
95
estruturais distintos e conectados de produção da prática social. “Um modo de
produção de prática social é um conjunto de relações sociais cujas
contradições internas lhe conferem uma dinâmica endógena específica”
(SANTOS, 2002, p. 277).
Os seis espaços estruturais identificados por Santos são o espaço
doméstico, o da produção, o espaço do mercado, o espaço da comunidade, o
da cidadania e o espaço mundial. Santos reconhece nestes espaços os
“conjuntos mais elementares e mais sedimentados de relações sociais nas
sociedades capitalistas contemporâneas” (ibidem).
Ele chama atenção para o fato de que a distinção dentre estes espaços,
bem como as suas autonomias frente aos demais se apresentam de formas
diferentes no centro, na periferia e na semiperiferia do sistema mundial, devido,
“em grande medida, as diferentes trajectórias históricas em direção a
modernidade ocidental” (SANTOS, 2002, p. 274).
Isso quer dizer que as formas como os diferentes modos de poder agem
e são produzidas nos diferentes espaços estruturais são diferentes em cada
espaço nacional e até, em certo ponto, regional. Para Santos, o poder nunca é
exercido numa forma exclusiva, mas sim “como uma constelação de diferentes
formas de poder combinadas” (SANTOS, 2002, p. 265).
Dito isso, apresentamos o quadro 1, ao final deste capítulo, onde
reproduzimos na integra o mapa de estrutura-acção das sociedades
capitalistas no sistema mundial de Santos, para então apresentarmos a
caracterização destes espaços.
O espaço doméstico é o conjunto de relações sociais de produção e
reprodução da domesticidade e do parentesco (...) e pode ser
considerado entre as relações de conjugalidade, entre pais e filhos,
entre estes últimos, e com os demais parentes. (SANTOS, 2002, p.
277)
96
O espaço da produção é “o conjunto de relações sociais desenvolvidas
em torno da produção de valores de troca econômicos e de processos de
trabalho” (SANTOS, 2002, p. 277). Reflete-se na relação entre os diferentes
setores da economia, entre trabalhadores e gestores de dada empresa. Santos
sustenta ainda que é neste espaço onde o modelo de exploração da natureza,
chave para a cultura moderna, é reproduzido.
Além disto, neste espaço as relações desiguais de poder se expressam
de forma muito mais direta que nos demais espaços. Assim sendo, abordar
alternativas neste espaço é chave para toda a questão de sustentabilidade, que
apresentamos interligada com a idéia de qualidade de vida. Voltaremos a este
ponto ao correlacionarmos o insurgente topoi da sustentabilidade ecológica
com o foco temático do programa estudado ambiente e sustentabilidade.
O espaço do mercado é “o conjunto de relações sociais de distribuição e
consumo de valores de troca”. Para Santos, é neste âmbito que se produzem e
reproduzem a “mercadorização das necessidades” e a “cultura do
consumismo”: a “ideologia do consumismo sem a prática do consumismo” que
caracteriza vastos grupos sociais, sobretudo, nas nações periféricas e semi-
periféricas (SANTOS, 2002, pgs 277 e 271). É neste espaço que se dão a
produção e a reprodução da subjetividade capitalística observada por Felix
Guattari. Acreditamos que esta influência se dê fundamentalmente pela mídia.
Daí entendermos como urgente analisarmos as possibilidades
educomunicacionais versus o incentivo mediático a essa subjetividade, que
subjaz a cultura do consumismo.
O espaço da comunidade é constituído pelas relações sociais
desenvolvidas em torno da produção e da reprodução de territórios
físicos e simbólicos e de identidades e identificações com referência a
origens ou destinos comuns”. (SANTOS, 2001, p, 278)
Já o espaço da cidadania é dado no conjunto das relações sociais da
“esfera pública”. Trata-se de um espaço privilegiado para o trabalho das
97
sociologias das ausências e das emergências e é nele que, fundamentalmente,
pode-se buscar a essencial legitimação do trabalho de tradução; tão essencial
como a busca de amplitude e visibilidade para este trabalho. Ao que atentamos
para o caráter de “serviço público” implícito nas concessões das mídias
eletrônicas e ao fato de que, segundo o próprio autor, um dos campos mais
profícuos para as novas emergências seja o campo das experiências comunica
e informacionais.
Finalizando, o espaço mundial é “a soma total dos efeitos pertinentes
internos das relações sociais por meio das quais se produz e reproduz uma
divisão global do trabalho” (SANTOS, 2002, p. 278).
Apresenta-se aqui o sistema mundial, sob a forma de espaço
mundial, ou seja, como uma estrutura interna das sociedades
nacionais. O espaço mundial é o conjuntos das relações sociais
locais ou nacionais em que o sistema mundial se inscreve através de
efeitos pertinentes. (SANTOS, 2002, p. 275).
Esta conceitualização da dinâmica global dentro de uma dada sociedade
(nacional ou regional) é que, segundo Boaventura, compatibiliza teoricamente
as interações entre as dinâmicas globais e a diversidade das dinâmicas locais.
Se podemos argumentar que essa dinâmica está diretamente ligada aos
espaços da produção e do mercado, é através da mídia que ela se manifesta
nos espaços doméstico e da cidadania. Como já referimos não se trata de
centralizar na mídia a totalidade das questões sociais, mas de estudar como o
sistema de resposta social se manifesta nestes diferentes espaços estruturais
propostos.
Para entender como se articulam estes espaços Boaventura estabelece
três dimensões de referência: a unidade de prática social, a dimensão
institucional e a dinâmica de desenvolvimento.
98
A unidade de prática social é dimensão ativa do espaço estrutural, é o
princípio que organiza a ação seja coletiva ou individual dos envolvidos. É o
“principal critério de identidade e identificação dos indivíduos e grupos sociais
envolvidos em relações sociais agregadas em torno de cada espaço estrutural
particular” (SANTOS, 2002, p. 279-280).
A dinâmica de desenvolvimento trata da direcionalidade da ação social,
do “princípio local de racionalidade que define e gradua a pertença” das
relações a um determinado espaço particular. É este processo também que
define a mudança, o movimento social normal que ocorre em cada espaço
estrutura.
A dinâmica de desenvolvimento do espaço domestico é, de entre as
orientações emocionalmente investidas, uma das mais centrais na
sociedade.(...) Pelo contrário, a dinâmica de desenvolvimento do
espaço da produção parece ser a menos investida emocionalmente.
(SANTOS, 2002, p. 282).
Já a dimensão institucional refere-se “a organização da repetição na
sociedade”; as formas, processos, aparatos, contratos e “esquemas” que
organizam as relações sociais em seqüências rotinizadas e normatizadas.
Através destes procedimentos que “os padrões de interacção são
desenvolvidos e ‘naturalizados’ como normais, necessários, insubstituíveis e de
senso comum” (SANTOS, 2002, p. 281). Ao que apresentamos a definição do
autor do papel institucional nas sociedades.
As instituições são instrumentos de controle do risco e da
imprevisibilidade; é através delas que as sociedades estabilizam as
expectativas dos indivíduos e dos grupos sociais. (SANTOS, 2002, p.
282).
Dito isso, encerramos a apresentação sociológica conceitual de
Boaventura de Sousa Santos e partimos para a etapa de análise de nosso
trabalho. A sociologia de Boaventura de Sousa Santos é demasiado ampla
para ser aqui apresentada; assim como não nos cabe uma análise aprofundada
99
de sua implícita abordagem comunicacional ou de sua não-abordagem da
comunicação social massiva.
Reiteramos, como forma de apresentar nossa etapa de análise, que a
perspectiva midiática é, estranhamente, pouco abordada pelo autor. Dizemos
estranhamente porque seu trabalho possui íntimas constituintes
comunicacionais, podendo-se mesmo afirmar que a comunicação é peça chave
no pensamento de Boaventura. Acreditamos termos abordado os aspectos
mais importantes de seu trabalho para nosso estudo.
Quadro 1: Mapa de estrutura-acção das sociedades capitalistas no sistema mundial
DIMENSÕES
ESPAÇOS
ESTRUTURAIS
UNIDADE
DE
PRÁTICA
SOCIAL
INSTITUIÇÕES
DINÂMICA DE
DESENVOLVIMENTO
FORMA DE
PODER
FORMA DE
DIREITO
FORMA
EPISTEMOLÓGICA
ESPAÇO
DOMÉSTICO
Diferença
sexual e
geracional
Casamento,
família e
parentesco
Maximização da
afetividade
Patriarcado
Direito
doméstico
Familismo, cultura familiar
ESPAÇO
DA
PRODUÇÃO
Classe e
natureza
capitalista
Fábrica e
empresa
Maximização do lucro
e maximização da
degradação da
natureza
Exploração e
“natureza
capitalista”
Direito da
produção
Produtivismo, tecnologismo,
formação profissional e
cultura empresarial
ESPAÇO
DO
MERCADO
Cliente-
consumidor
Mercado
Maximização da
utilidade e
mercadorização das
necessidade
Fetichismo
das
mercadorias
Direito de
troca
Consumismo e cultura de
massa
ESPAÇO
DA
COMUNIDADE
Etnicidade,
raça,
nação, povo
e religião
Comunidade,
vizinhança,
região,
organizações
de base, Igrejas
Maximização da
identidade
Diferenciação
desigual
Direito da
comunidade
Conhecimento local, cultura
da comunidade e tradição
ESPAÇO
DA
CIDADANIA
Cidadania Estado
Maximização da
lealdade
Dominação
Direito
territorial
Nacionalismo educacional e
cultural, cultura cívica
ESPAÇO
MUNDIAL
Estado
Nação
Sistema inter-
estatal,
organismos e
associações
internacionais,
tratados
internacionais
Maximização da
eficácia
Troca
desigual
Direito
sistêmico
Ciência, progresso
universalístico, cultura global
Fonte: (SANTOS, 2002, p. 273)
CAPÍTULO 5
A EDUCOMUNICAÇÃO COOPERATIVA E A PRODUÇÃO DO NOVO SENSO
COMUM EMANCIPATÓRIO
De forma a dar conta da variedade de nossos objetivos, decidimos
proceder esta análise em dois momentos distintos. Num primeiro, refletiremos
sobre as informações colhidas no campo empírico que digam respeito mais
diretamente aos objetivos relacionados como do grupo 1 (ver 1.4 objetivos).
Trata-se mais de responder a primeira parte do problema formulado: Como se
configuram as relações de educomunicação dentro do Programa “A União Faz
a Vida” do sistema Sicredi.
Já no segundo momento, enfocaremos o segundo grupo de objetivos a
que nos propomos, de forma a dar conta da segunda pergunta formulada em
nosso problema de investigação: “quais as perspectivas de utilização
educomunicativa numa formação cooperativa contra-hegemônica de cunho
emancipatório e na criação de um novo senso comum emancipatório”.
102
Neste momento, concentraremos esforços na elaboração das
possibilidades educomunicativas. Logicamente, voltaremos, sempre que
possível e necessário, ao campo empírico para abastecermo-nos de dados e
assim fomentarmos nossa criatividade. É esta a natureza de um estudo
exploratório. Dito isso, partamos. Antes, porém, gostaríamos de registrar que,
longe de centrarmos nossa análise nas certezas supostamente garantidas pelo
saber científico, a conceberemos seguindo o procedimento da sociologia das
emergências de Santos, não abrindo mão do rigor cientifico, mas autorizando-
nos a desenvolver uma dimensão propositiva baseada na imaginação do
possível no domínio do Ainda-Não.
5.1 COMO SE CONFIGURAM AS RELAÇÕES DE EDUCOMUNICAÇÃO
DENTRO DO PROGRAMA “A UNIÃO FAZ A VIDA” DO SISTEMA SICREDI?
Primeiramente, ressaltamos, mais uma vez, que não tínhamos o objetivo
de avaliar o programa “A União Faz a Vida”, nem mesmo no que tange a
utilização de ferramentas comunicacionais no ensino. Não teríamos condições
de amplitude para fazê-lo. O programa está hoje distribuído por quatro estados
da federação. Da mesma forma, não teríamos a formação adequada para
avaliar qualitativamente a utilização destas ferramentas, não somos estudiosos
da educação. Nossa intenção no que tange o uso destas ferramentas era
eminentemente observatório, dada a exploração.
A pergunta acerca do conhecimento do significado e mesmo da
expressão educomunicação começa a ser respondida, na verdade, no seu
próprio elaborar. Sem encerrar conclusão, o que seria pré-conceito, uma vez
que o campo da educomunicação é novo, e ainda em construção, era passível
presumirmos que o seu conhecimento não tivesse, ou pouco tivesse, chegado
ao ensino fundamental público. As dificuldades, limitações, bem como os
esforços dos profissionais para superá-los são de domínio público.
103
Quando conversamos com a coordenadora pedagógica do programa
tivemos quase essa certeza, mas, para encerrar quaisquer dúvidas, ainda
assim abordamos a questão junto aos entrevistados. De fato, a expressão não
era conhecida, nem o seu significado. Apesar de nossa pequena amostragem,
podemos afirmar que o termo educomunicação, bem como a idéia de
constituição de um campo científico convergente entre a educação e a
comunicação não era de conhecimento dos atores do programa; nem de
professores, nem de coordenadores pedagógicos.
Isto poderia nos levar a concluir como correta uma de nossas hipóteses
iniciais, apresentada na introdução deste trabalho, ainda que não sob esta
forma de hipótese: que a educação cooperativa é pensada e, principalmente
executada, sob padrões conservadores, ou seja, centrados numa perspectiva
verticalizada da relação professor-aluno e, unicamente dentro do ambiente
escolar, fora algumas exceções. Entretanto, de uma maneira geral, tanto os
professores como os coordenadores apresentaram um discurso bastante
dialógico sobre a educação. Discurso que não consideramos conservador e
que pode ser enquadrado, mencionada a raiz educomunicativa em Paulo
Freire, tanto no campo epistemológico da confluência, como no que tange à
gestão educomunicativa do processo educacional. Atente-se a que o
afirmamos enquanto discurso, uma vez que pouco conseguimos observar do
processo educativo de fato.
Podemos inferir, todavia, que este discurso seja coerente; e o fazemos,
no que se refere aos coordenadores pedagógicos, pelo êxito do programa, e
em se tratando dos professores pela particular e reconhecida qualidade do
ensino no município de Nova Petrópolis. Nisto estamos considerando, seguindo
novamente a Freire, que a qualidade da educação está diretamente ligada ao
nível de diálogo existente.
A partir do estudo empírico, acreditamos que o programa estudado seja
uma exceção a nossa hipótese, de que a educação cooperativa segue, via de
104
regra, padrões não-dialógicos, de encontro às observações apontadas por
Desroche. Nessa perspectiva, ao analisarmos mais a frente as possibilidades
da educomunicação, esta hipótese persistirá no nosso imaginário. Abaixo,
reproduzimos dois trechos da técnica de grupo focal em que os coordenadores
pedagógicos comentam acerca da necessidade dos professores dialogarem
com a estrutura midiática.
a escola, de forma alguma, pode ficar alheia ao que a gente tem aí
nos meios de comunicação. O que realmente ta sendo difícil dentro
das escolas é como o professor vai trabalhar, como ele vai lidar com
esse processo, com a mídia.
Hoje o professor que trabalhar com jovem, se não assistir pelo menos
alguns clipes da MTV pra saber depois debater, já é complicado dar
aula, entendeu? Então tu tens que estar um pouquinho na linguagem
deles e saber, porque se não, depois fica complicado.
Nesta linha, verificamos que os professores, embora ressaltem sempre
as dificuldades, ora de recursos a segunda escola não tem computadores à
disposição dos alunos, - ora de tempo, na necessidade de cumprir cronograma
e calendário letivos, procuram efetivamente utilizar os recursos
comunicacionais disponíveis, sejam eles audiovisuais, escritos ou quais sejam.
Todavia, reiteramos que inexiste um trabalho específico para tanto. As
professoras entrevistadas, de uma maneira geral, enfatizaram atentar à
utilização destes recursos, no sentido pedagógico da atividade, de busca do
interesse e da interação dos alunos, mas não efetivamente sob enfoque
educomunicacional. Esta idéia inexiste, assim como um planejamento para
tanto. Entretanto, algumas iniciativas podem ser apontadas dentro do campo
educomunicacional das “Mediações Tecnológicas na educação”.
De uma maneira geral, podemos concluir que as formas/técnicas de
comunicação mais utilizadas, a partir das entrevistas com professoras e
coordenadoras, são o vídeo, seja cassete ou DVD, e o jornal. As duas escolas
105
visitadas possuem DVD e recebem a assinatura de jornais. Todas as escolas
do município as recebem. O número destas assinaturas não seria suficiente
para se realizar um trabalho direto focado especificamente neles, nem mesmo
com uma determinada turma de alunos. O objetivo das assinaturas não é esse.
Apesar disto, segundo professoras e diretoras, o que foi confirmado
pelas alunas entrevistadas, “as professoras costumam perguntar se a gente viu
aquela notícia”, e utilizar, na medida do possível determinadas matérias para
apresentar determinado tema ou resgatar determinada discussão. Todos os
professores foram unânimes, entretanto, que não receberam nenhuma
formação neste sentido, seja de utilização de mídias, quais forem, em sala de
aula mediação tecnológica na educação, seja de educação crítica aos meios.
O jornal nós usamos bastante, é um recurso que a gente usa muito
na sala de aula.(...) Seja pra dar aula de reforço, desenvolver a
leitura, colocar eles, conhecer o que está acontecendo no mundo.
(Professora).
Com respeito às mídias eletrônicas, as professoras mencionaram um
uso similar ao uso dos jornais, de temáticas apresentadas nas novelas
televisivas: preconceito contra portadores de Síndrome de Down, a questão da
bulimia. Já o uso de vídeos mostrou-se mais esporádica. Apenas dois
professores afirmaram utilizá-los, um deles fazendo referência a DVDs do
Ministério da Educação sobre temas específicos como ética e ecologia com
turmas de 7a e 8a séries, e o outro ao mencionar uma atividade realizada
com crianças de 3a e 4a séries.
106
a partir de objetos recolhidos também coletivamente. E o foco foi colocado na
questão da ecologia, da reciclagem. “O dragão era o lixo que nós produzimos,
e nós trabalhamos como nós podemos derrotá-lo juntos”.
O dragão do lixo é de um vídeo que a gente assistiu, que é o Dom
Quixote, ele cria um dragão, na cabeça dele aparece um dragão.(...)
Então ele é todo feito com embalagens vazias. E pra que eles
conseguissem construir esse dragão, cada um tinha que trazer
alguma coisa(...) Mas depois que eles viram que eles tinham que
fazer a cooperação, eles em conjunto tinham que separar o plástico,
o papel, o metal e o vidro, eles viram que o dragão se desfazia. Então
era necessário que existisse a cooperação deles pra montar o dragão
e trazer as embalagens, e a mesma cooperação tinha que existir pra
que eles pudessem desmontar aquele dragão do lixo. ( Professora
Oficina de Teatro).
Outra atividade lúdica que mereceu o destaque dos professores e a
nossa atenção foi uma “exposição” itinerante de fotos, um álbum de fotos que
os alunos levam pra suas casas, em regime de rodízio. O álbum, produzido
pelos próprios alunos, possui fotos de um passeio educativo ao porto de Rio
Grande e de um mutirão de limpeza de uma praça na comunidade, atividade a
qual voltaremos adiante. Nesta atividade, mais uma forma de inserção da
cooperação no espaço doméstico e no espaço da comunidade.
Já com relação à internet, os entrevistados afirmaram não ser um meio
muito utilizado. Na primeira escola, onde as crianças têm acesso a uma sala
com computadores e possuem aula de informática, dada a idade, não há
acesso à internet. Já na segunda escola, como referido, não existem
computadores e, apesar dos professores identificarem na internet um bom
meio de pesquisa, “de cada 100 alunos, talvez 5 ou 10, tenham acesso” a ela.
Reiteramos que esta segunda escola localiza-se na zona rural do
município e registramos que a primeira possui bem mais recursos, tendo
inclusive um dormitório onde as crianças, que lá permanecem por dois turnos,
fazem uma sesta, todas juntas, do maternal a quarta-série, após o almoço.
107
Abaixo apresentamos algumas passagens do debate gerado entre as
coordenadoras regionais do programa a cerca do uso da internet.
eu acho que a grande sacada aí é como usar a internet e como
orientar o uso dessa mídia.
a escola tem que se atualizar pra poder resgatar esses alunos, trazer
esses alunos porque eles tão tendo acesso a muita informação.
E qual o papel da escola? Não ir contra isso, e sim mostrar meios,
mecanismos de como aproveitar isso. Não só copiando e sim de eu
pesquisar nela.
Apesar do acesso limitado dos alunos desta escola, a coordenadora
pedagógica da prefeitura, Sussana Werle, mencionou o desejo por parte da
administração municipal de criar um “portal” do programa, no âmbito do
município, dentro do site da prefeitura. Segundo ela, das oito escolas do
município quatro possuem acesso à internet, “nas demais a gente está
procurando viabilizar. Aí a questão do acesso é difícil, mesmo via rádio”
(internet via rádio).
Ainda conforme Sussana, a idéia do portal é que as próprias escolas
possam gerir os seus espaços dentro deste site, possibilitando a publicização
das atividades realizadas dentro do programa “A União Faz a Vida” e a
conseqüente troca de experiências. Além disso, seria mais uma forma de
incentivar o envolvimento da comunidade com o programa.
ainda não conseguimos terminar, nós criamos o site, dentro do
município, o site do programa, é justamente com o desejo de que
cada escola conhecesse um pouquinho o que a outra escola faz
dentro do programa(...) as nossas escolas são meio longe uma da
outra, elas não são muito perto. Então assim, leva-los um a conhecer
as suas propostas de trabalho nem sempre é tão fácil, requer mais
recursos, transporte e outras questões. (Sussana Werle,
Coordenadora Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação).
108
Durante o exercício de grupo focal, a questão do uso da internet também
foi abordada e gerou uma discussão interessante. Enquanto que uma das
coordenadoras a julgou “perigosa”, posicionando-se, inclusive, favorável à
restrição de acesso aos alunos, dado o uso exagerado em casa; a maioria
posicionou-se favoravelmente, e o assunto tomou o rumo da educação do
discernimento, da crítica, do como utilizar.
eles têm que aprender que a internet é uma ferramenta
poderosíssima (...) que existem textos bons é também existem coisas
que não são tão boas assim.
Esta discussão levou a uma outra mais geral, sobre a mídia de massa
como um todo, se ruim ou benéfica à educação. A discussão, como era de se
esperar, centrou-se então na televisão. A discussão tomou por ora um viés
moral, quando se apresentaram, novamente, posições antagônicas com
respeito ao televisionamento de “maus exemplos”, relacionando a veiculação
de relacionamentos homossexuais à desestruturação das famílias e a
conseqüente má educação das crianças; assim como a banalização da
sexualidade e da violência e mesmo do sensacionalismo do jornalismo
televisivo.
a mídia se preocupa muito hoje porque vendem muito mais em
divulgar o negativo, o ruim, e deixam de colocar pra comunidade, pra
sociedade, coisas boas que acontecem porque vende pouco.
Contem todo dia quantas noticias boas tem. E se elas colocam
noticias boas, ninguém assiste. Quanto mais coisas ruins eles
colocam, mais IBOPE dá.
Nesse momento a discussão adentrou no campo da educação para a
mídia. Sem que interferíssemos diretamente, o debate foi levado para a idéia
do questionamento, da comparação, e, de uma maneira geral, as
coordenadoras demonstraram preocupação e importância a este ponto.
Eu trabalho a idéia assim: quem está falando isso? (...)cada pessoa
vai ter uma opinião sobre determinada coisa (...) o político vem falar
109
alguma coisa, ele tem uma visão. O que ele quer? Ele quer vender o
seu peixe, ele quer vender a sua opinião, ele tem que formar uma
opinião. Agora se um professor falar ele vai ter uma outra visão. Um
médico vai ter outra visão.
O que nos temos que ver é que elas possam estar sabendo
interpretar aquela informação.
Outro ponto de destaque, que de certa forma nos surpreendeu, foi a
menção da mídia rádio. A surpresa se apresentou no número e na forma como
os comentários se deram. Quatro dos entrevistados mencionaram o fato do
rádio ter uma penetração muito forte na comunidade. O relato foi sempre no
sentido de como a comunidade de imediato responde as notícias sobre o
programa “A União Faz a Vida”.
eu fico assim, encantada com o poder de persuasão, penetração, sei
lá como podemos chamar, do rádio. Porque todo mundo fala, todo
mundo: ‘deu no rádio que vai ter o Programa União Faz a Vida’”.
(professora).
Essa menção nos fez refletir acerca da diversidade das conjugações de
influência midiática possíveis de serem arquitetas visando à construção do
novo senso comum apresentado por Santos. No interior do estado, para fora
dos grandes centros urbanos, a mídia radiofônica possui uma audiência mais
qualificada, mais atenta.
Como a produção televisa requer grande aparato e a geração
radiofônica possui uma capilaridade maior, este veículo acaba sendo mais
próximo das comunidades. Enquanto que a televisão é efetivamente a mídia de
maior amplitude, e nisto incide sua grande influência regional e nacional; o
rádio possui uma penetração e influência local a ser explorada. Além disso,
conforme a coordenadora geral do programa, Vera Mejolaro, “mais de 50% dos
municípios têm somente até 10 mil habitantes” (dos municípios atingidos pelo
programa). Isso faz com que, muitas vezes, o rádio seja o único veículo local
de comunicação daquela comunidade.
110
são municípios que às vezes não tem jornal, usa o jornal da cidade
próxima, ou tem aquele jornal que é uma vez por semana (...) E a
rádio é aquela que dá a notícia quentinha todo dia, porque a do jornal
só vai aparecer daqui uma semana. (Vera Mejolaro, Coordenadora
Geral do programa).
Pensando acerca dos espaços-tempo-estruturais de Santos, a tradução
entre os diferentes atores e iniciativas contra-hegemônicas no âmbito dos
espaços comunitário, doméstico e cidadão pode ser muito potencializada
através do rádio. Além disso, entre as grandes cooperativas agroindustriais do
estado muitas possuem programas de rádio, em geral semanais.
No que tange à gestão do processo educativo nas escolas, reitera-se
que a mesma não se concentra nas mãos do programa. O programa é aplicado
nas escolas que possuem uma gestão, deficitária talvez, dos órgãos públicos
municipais e estadual. Acreditamos que, apesar de não ser fundamentada
numa idéia de gestão educomunicativa, a inserção do programa representa um
incentivo a esta linha de atuação nas escolas. Segundo a coordenadora
pedagógica da região, Cristiane Ludvig, muitas prefeituras interessadas
acabam modificando o seu planejamento de forma a enquadrar-se no
programa.
O programa é feito numa parceria legal por contrato com a Secretaria
de Educação, então as escolas municipais todas elas trabalham
dentro da proposta, ate porque a própria proposta pedagógica da
secretaria de educação passa a ter um outro caráter pra contemplar o
que o União Faz a Vida deseja buscar. (Cristiane Ludvig,
Coordenadora Regional do Programa).
Assim, cabe uma referência à dupla ruptura proposta por Santos, não no
sentido propriamente epistêmico, mas no que diz respeito ao direcionar do
olhar, ao fim da figura de um único centro, de uma única referência. Não
estamos propondo que a educomunicação seja a solução de todos os
problemas e muito menos que se deva desconsiderar tudo o que existe
anteriormente e fora dela. Trata-se de proceder à sociologia destas
111
experiências ausentes publicizando-as, divulgando-as, de forma a trazê-las à
tona e possibilitar a emergência de novas experiências.
112
material pertinente a determinado tema. Estranhamente, não foram
mencionados materiais deste tipo abordando a cooperação, o cooperativismo
ou qualquer outra possibilidade econômica alternativa.
O uso do jornal é realizado em algumas matérias como história e
geografia, também na medida da possibilidade de vinculação de determinada
matéria ao conteúdo então estudado. Não existe igualmente qualquer
planejamento neste sentido. Também não há formação neste sentido.
Incentivo, mas não formação. Ressaltamos também que as mídias
cooperativas, jornais e outros, segundo nossos entrevistados, não são
utilizados, não havendo nenhuma menção a esta possibilidade ou a uma
estratégia em faze-lo.
Entretanto, mesmo quando não estão presentes diretamente na sala de
aula, os produtos mediáticos, com destaque para o jornal impresso, o televisivo
e a novela, estão presentes nas exemplificações e discussões, até porque
“fazem parte de nossa vida”, como afirma um professor. Os atores, de uma
maneira geral, procuram trazer determinados assuntos mencionados nestes
veículos para a realidade local, no que podemos atentar que, neste processo,
existe um certo procedimento de comparação/discussão, entre os espaço
global e do mercado(nos produtos mediáticos, sobretudo os ficcionais) e o da
comunidade. Este procedimento pode, uma vez assim planejado, constituir-se
num produtivo exercício de tradução nos termos de Boaventura e auxiliar no
entendimento e na construção do novo senso comum emancipatório defendido.
Com relação à internet, a computação e a internet, a visão geral é de
que a escola deva atualizar-se e responsabilizar-se, conjuntamente com os
pais, por uma educação de uso, fundamentada na diversidade de meios de
pesquisa e de estudo e na formação de uma consciência crítica, no que
ressaltamos a consciência da importância do trabalho de crítica à mídia por
parte da maioria dos envolvidos com o programa. Esta consciência, entretanto,
113
é incipiente e não se converte em ações e nem mesmo em hipóteses
desenvolvidas de implementação.
Vimos ainda indícios da existência de várias outras iniciativas passíveis
de serem enquadradas como de educomunicação. Concluímos também que,
de certa forma, a gestão educativo-pedagógica do programa reflete, na
perspectiva da dialogicidade prevista no método pedagógico, a idéia da gestão
educomunicativa.
Podemos inferir que o êxito do programa se deva, em parte, ao projeto
pedagógico que prevê a dialogicidade, que pode, por fim, ser entendida como
uma visão educomunicativa.
5.2 QUAIS AS PERSPECTIVAS DE UTILIZAÇÃO EDUCOMUNICATIVA
NUMA FORMAÇÃO COOPERATIVA CONTRA-HEGEMÔNICA DE CUNHO
EMANCIPATÓRIO E NA CRIAÇÃO DE UM NOVO SENSO COMUM
EMANCIPATÓRIO?
Dando prosseguimento, procederemos agora à análise das perspectivas
elaborativas da educomunicação aplicada a educação cooperativa e a
construção de um novo senso comum emancipatório. Procederemos pela
análise no âmbito da cooperação, para então transpô-la para a sociedade
como um todo. Imaginamos que esta última possa se estabelecer, numa
perspectiva dialética, na medida da implantação da primeira.
Considerando que o sucesso convertido e entendido na consolidação do
programa “A União Faz a Vida” se deva em muito a sua natureza pedagógica,
que apresentamos como educomunicativa, ainda que desvinculada deste
entendimento, a educomunicação é um caminho promissor para a educação
114
cooperativa, devendo ser melhor e mais desenvolvida, para além de nosso
trabalho, pelos estudiosos e educadores da cooperação.
Tal consideração necessita, entretanto, ser analisada com maior
profundidade, de forma a instituir-se em conhecimento útil para o fomento de
intervenções construtivas. No nosso entender, é esta, também, a função de um
intelectual orgânico. Fazer isso requer, da perspectiva científica, explicitar,
entender os diferentes processos sociais que se estabelecem na órbita de
todas as instâncias potencialmente educativas. Isso porque, como bem afirmou
um dos coordenadores durante a atividade de grupo focal: “o conhecimento
não é construindo somente na escola”.
Entendemos que, mencionando novamente Desroche, a educação
cooperativa, que visa em sua essência, segundo Scheneider, a mudança de
valores, não pode pecar, entre outros possíveis, “pela desvalorização dos
conhecimentos adquiridos através dos diferentes meios não escolares” (in
SCHNEIDER, 2003, p. 209). Entendamos nisso, não só a capacidade
autodidata de aprendizagem fora do meio escolar, mas, sobretudo, toda a
exposição informativa fora deste, em tempos de uma sociedade
essencialmente mediada, que, em última análise, contribui na formação interior
do conhecimento, e do senso comum.
Devemos conceber a educação cooperativa para fora dos ambientes
escolares, para além da relação educador-estudante, ainda que dialógica.
Devemos conceber a educação cooperativa como uma estratégia de mudança
dos valores emplacados no senso comum. Em outras palavras, devemos
entender a educação cooperativa como uma ferramenta de construção de um
novo senso comum. Sem este entendimento, julgamos muito difícil conceber
como suplantar, ou ao menos confrontar em condições, 24 horas de exposição
contrária, não só em termos mediáticos, de uma subjetividade maquínica, mas
de uma subjetividade capitalística, hegemônica em muitos e presente em todos
os diferentes momentos da vida.
115
Recomendamos o investimento no pensar educomunicativo. Não que
seja a resposta derradeira, ou que seja este o único caminho, ou a questão
primordial de todo o pensamento emancipatório, mas acreditamos que o seu
pensar possa abrir novos caminhos; como propõe a sociologia de Boaventura.
Isso certamente necessitará e, numa relação dialética, acarretará num
processo de auto-reflexão do movimento cooperativo. Como mencionamos,
existem muitas contradições dentro do cooperativismo. Contradições acerca
mesmo da educação. Construir uma educação cooperativa educomunicativa,
nos termos que propomos, necessitará re-posicionar estrategicamente a
cooperação. Reposicioná-la em oposição à lógica hegemônica, que não é uma
lógica competitiva, mas uma lógica conflituosa, de exclusão. Ao que
recuperamos duas passagens, uma metáfora e um pensamento, utilizados por
duas professoras entrevistadas para refletir sobre o que seja a cooperação e o
papel da educação cooperativa.
porque tu é Gremista; porque tu é do Inter; porque tu é colorado.
Então, no momento que existe uma disputa, um jogo, no outro dia
tem que ter aquele respeito, aquela cooperação: ‘nós ganhamos
porque vocês perderam; se vocês não tivessem perdido nós não
teríamos ganhado.
Eles não vão fugir da competição, isso a gente sabe, mas a gente
não quer que eles partam pra uma competição predatória, seja
aquela competição que pra eu ganhar você tem que morrer. Por que
a gente não pode competir junto? Por que a gente não pode dividir,
compartilhar?
116
O cooperativismo precisa desvencilhar-se da arrogância presente em
algumas expressões de seus atores, de se entender o todo viável da
emancipação, de forma que o contato com as partes permita-lhe um
desenvolvimento em outros termos que não os hegemônicos. Precisa entender
que existem diferentes tempos e escalas (SANTOS, 2001) e que todos e todas
devem ser considerados para o seu desenvolvimento segundo seus princípios.
Precisa conceber, de forma múltipla, que a escala globalizada agro-
macro-exportadora de produção, que hegemoniza suas posições, precisa
dialogar com as necessidades de produções pensadas em outras escalas,
como a local e a regional; no que ressaltamos que isto implica e necessita de
um diálogo interno com os seus demais ramos, como o ramo do trabalho e o
habitacional, ausentes muitas vezes de suas decisões. Para tanto, precisará
desvencilhar-se, muitas vezes, da certeza da premissa científica
desenvolvimentista, que por vezes se confrontará com as temporalidades
locais.
O cooperativismo precisa proceder a uma ecologia dos saberes, de
forma a proceder segundo a afirmativa de que “não há ignorância em geral
nem saber em geral” (SANTOS, 2001, p. 790). Talvez esteja aí, na concepção
moderna fundada na arrogância da razão indolente e na consequente
separação dos conhecimentos, a explicação do porque, embora inseridas no
mesmo princípio cooperativo, educação e comunicação sejam abordadas com
tamanha distância e sem a articulação que lhes possibilitaria a maximização de
seus objetivos.
Não que essa articulação já não tenha sido proposta, nós mesmos já
referimos autores que assim o propõem; entretanto, ao analisarmos o mais
expressivo programa de educação cooperativo brasileiro e, talvez, latino-
americano, percebemos que a comunicação não é entendida como uma
possibilidade de educação, talvez, porque pela comunicação se entenda
unicamente ou principalmente uma idéia maquiavélica de marketing.
117
Maquiavélica no sentido de concebê-lo, conjuntamente a publicidade, em um
conhecimento menor, limitado e incondicionalmente a serviço da ótica
capitalista-consumista. No que perguntamos: não seria produtivo para a
cooperação, se sua mensagem educativa tivesse a audiência do marketing? E
ainda, que marketing seria melhor para o cooperativismo do que a própria
educação para a cooperação da sociedade?
Certamente contribuiria para isso, passarmos mesmo a denominar por
educomunicação cooperativa, as ações em busca da mudança de valores.
Faremos isso a partir de agora. Usaremos a força das palavras e das
denominações a favor do que vislumbramos. Talvez o próprio estranhamento
da expressão possa transformar-se em oportunidades de tradução.
O próprio procedimento de tradução que pode, e acreditamos que deva,
ser trabalhado numa ótica educomunicativa, pode, o que resultaria numa
dialética entre tradução e educomunicação, inclusive, ser compreendido como
um conceito arquitetado por uma lógica educomunicativa.
Para tanto, lembremos de Gramsci, que concebe na educação a
superação do senso comum e na sua elevação a um bom senso a liberdade do
homem e a superação da hegemonia (GRAMSCI, 1986 e JESUS, 1989); e a
menção de Santos dos objetivos do trabalho de tradução: “o trabalho de
tradução visa criar inteligibilidade, coerência e articulação” (SANTOS, 2001, p.
807), e nestes fundamentalmente o contato e a comunicação.
Podemos daí sugerir que o procedimento de tradução seja
fundamentalmente um trabalho de educação e comunicação articulados. Ao
fazer isso poderíamos incorrer em redundância na medida em que Freire
argumenta que “a educação é fundamentalmente um problema de
comunicação” (FREIRE, 2001, p. 21). Mas acreditamos que não, dada nossa
menção ao fato de que o pensamento comunicacional, citando Martín-Barbero,
118
deva romper com o comunicacionismo: “em termos sociológicos, a idéia de que
a comunicação constitui o motor e o conteúdo da interação social” (Martín-
Barbero, 2004, p. 222-223). Além disso, quando Freire fala em comunicação
ele se refere ao fato de não existir docência sem discência, na medida em que
“quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e
forma ao ser formado” (FREIRE, 2001, p. 25), e não nos estudos do campo da
comunicação.
Ao considerar a agora educomunicação cooperativa e o procedimento
de tradução como um conceito fundamentalmente educomunicativo, temos
dadas as possibilidades e mesmo a necessidade de se aprofundar os estudos
neste campo tendo em vista a construção do novo senso comum
emancipatório. Construção esta, que é o correlato Boaventurano pós-moderno
para o bom senso marxista de Gramsci.
Ao apresentarmos esta última idéia mencionamos a ação de contato
como necessária à tradução. Boaventura apresenta a idéia de zonas de
contato. Entendemos que uma boa forma de trabalhar educomunicativamente
para a construção do novo senso comum seja estudarmos como, nestes
termos, podemos estabelecer zonas de contato entre os diferentes espaços-
tempo-estruturais apontados por Santos. Nosso trabalho empírico nos rendeu
bons exemplos neste sentido.
Apresentamos, então, uma atividade que nos iluminou a reflexão e que
acabou por envolver estudantes, pais (espaço domestico), a comunidade, e
algumas empresas da região (espaço da produção) acerca do consumo de
água (espaço do mercado).
A partir de resíduos adesivos gráficos, donde já se adentra no espaço da
produção, os estudantes confeccionaram “recadinhos” adesivos ecológicos e
foram até a praça central da cidade (espaço da comunidade), que, dada à
119
vocação turística do município, estava tomada por eles. Os estudantes
distribuíram os adesivos, juntamente com copos de água mineral doados pela
empresa de tratamento local, o que também pode ser vinculado ao espaço da
produção. Podemos inferir que esta iniciativa, que esta idéia, certamente
chegou como exemplo até as localidades de partida destes turistas,
caracterizando a penetração num outro espaço comunitário.
tem muita coisa que vem das empresas, das gráficas pra usina de
triagem, tem muita coisa que a gente pode reaproveitar. Eu trago
muita coisa pra escola. Tem umas etiquetas brancas, uns
adesivos(...)Daí a gente criou uns recadinhos de ecologia: ser
ecológico é cuidar da natureza; ser ecológico é não atirar pedra nos
pássaros, eles criaram, eles desenharam.(...) Daí pegamos e fomos
um dia na praça. Porque nossa praça, que nem agora, nessa época,
vêm muitos turistas, e a gente foi distribuindo pros turistas. Aí eles
questionaram eles, os alunos, e tu tinha que ver como eles se saiam
bem. Eles falavam, e falavam e disso e daquilo, foi feito aquilo e
aquilo outro. (Professora).
Outra atividade na mesma linha, de educação ecológica, essa mais
ligada diretamente ao consumo (espaço do mercado), se deu no “dia da água”.
Novamente em parceria com a distribuidora de água local, ao que inferimos
uma boa repercussão da primeira atividade na comunidade e, por
conseqüência, na empresa (espaço de produção); os estudantes distribuíram
os copos de água, conjuntamente com folders de conscientização, como que
num “pedágio”, nas sinaleiras, onde os motoristas “tinham que adquirir um copo
para passarem”, mas não necessariamente, claro. A idéia era conscientizar
para o custo ambiental do desperdício de água. A água era distribuída
gratuitamente.
Posteriormente, em sala de aula, os alunos transmitiram a sua
indignação, na verdade, o seu aprendizado, ao reproduzirem as falas dos
motoristas. Teriam dito estes nas palavras da professora: “mas água tem que
cobrar? Quanto custa? Então não quero”. Os alunos de imediato fizeram a
relação entre o preço e o pagar em dinheiro e o custo da água.
120
Esta atividade não envolveu nenhum veículo de comunicação massiva,
mas utilizou folders, e foi uma atividade educativa criativa e lúdica, que
repercutiu por todo o município. Atentamos para nossa menção a “dupla
ruptura epistêmica”. Não é porque defendemos a educomunicação que o resto
deva ser desperdiçado, somos contra o desperdício da experiência. Mesmo
porque, esta atividade pode ser enquadrada dentro do campo educomunicativo
da gestão educomunicativa, que resulta de um entendimento dialógico de todo
o processo educacional, e não só das mediações comunicacionais.
Dito isso, lembramos que o eixo temático do programa seja “ambiente,
sustentabilidade e cooperação”. O programa dá total liberdade para a ação dos
envolvidos, mas as incentiva neste sentido. Abaixo, uma fala de uma
professora que apresenta o seu modo de trabalhar a sustentabilidade
ambiental conjuntamente a uma idéia de “educação para a poupança”, ao que
relacionamos a possibilidade de desenvolvimento da cooperação a partir da
construção de um topoi de sustentabilidade, a sua tradução para a perspectiva
cooperativa de economia, e a tradução de ambas em relação a uma visão de
consumo diferente da hegemônica.
é uma preocupação que a gente quer passar pras crianças, ou seja,
essa preocupação de sustentabilidade do futuro sim, a água, é o
ambiente, floresta, devastação, poluição, tudo isso.(...)a gente não
pensa só na questão de poupança dinheiro, por exemplo, se tu for
poupar água, é uma poupança, se tu for pensar que tu está poupando
luz, é uma maneira de poupar.
Todas estas iniciativas para além de iluminar a reflexão energizam a
esperança. Entretanto, nossa formação prévia em comunicação social, os
entendimentos de Thompson e Guareschi acerca do poder da mídia, mais a
ausência deste elemento de poder na análise de nossa fonte teórica de
emancipação Boaventura de Sousa Santos, nos remete a uma preocupação,
já apresentada, que é a de Guattari: como confrontar a subjetividade
capitalística?
121
Ao analisar a subjetividade, visando fugir da concepção totalizante e
paralisante de uma determinação macro-estrutural marxista, presente ainda, de
certa forma, em termos da hegemonia, no pensamento de Gramsci, Guattari
concebe que a subjetividade seja constituída de três instâncias de
subjetivação, já relacionadas.
A contraposição à subjetividade capitalística na primeira instância
proposta por Guattari, constituída de significantes manifestos na família, na
religião, na educação, pode ser pensada na perspectiva de um trabalho contra-
hegemônico de tradução, e ainda, no que tange à escola, no campo da crítica a
mídia. Mas como fazê-lo na segunda instância, especificamente sobre os
elementos maquínicos de subjetividade?
Nossa idéia é de que esta resposta possa estar, em alguma medida, na
análise teórica e intervencionista da educomunicação como meio de tradução.
Na medida da dificuldade imposta pela regulamentação das concessões
governamentais de rádio e televisão, a saída, além da ação dos movimentos de
democratização da comunicação como o Fórum de Democratização da
Comunicação da luta por espaço na mídia massiva, poderia ser ações em
nível de eventos, congressos, cursos, festivais, encontros onde a produção
ausente da grande mídia de uns implica-se na emergência de outras
experiências. Além de ações de comunicação comunitária. Quem sabe
pequenas conquistas de espaço midiático para as produções alternativas, mais
estes encontros de ausências, mais as emergências por eles despertas
pudessem tornar a possibilidade de um veículo/canal midiático alternativo uma
idéia viável do ponto de vista político?
Trataria-se de um processo de autoformação-ação, como o proposto por
Desroche, onde os atores, produzindo a sua própria subjetividade maquínica,
estariam articulando suas instâncias subjetivas de forma contra-hegemônica,
no que mais uma vez apresenta-se uma dialética, desta vez entre este fazer e
as formas de despertar/incentivar este fazer; desenvolvendo as suas próprias
122
sensibilidades e visões de mundo (de forma a refutar, por exemplo, a
perspectiva ideológica hegemônica do fim das ideologias). Tratar-se-ia não de
“ensinar a pescar” mas de “propiciar o pescar” e esperar “que o gosto pelo
peixe vire uma preferência”.
Em nosso estudo empírico “pescamos”, por assim dizer, uma
experiência onde, de certa forma, esta catarse diante da própria produção
parece ter atingido os efeitos que mencionamos acima, ao mesmo tempo em
que procedeu à tradução entre os espaços doméstico e comunitário. Os alunos
da primeira escola visitada fizeram um vídeo sobre o bairro destacando alguns
pontos positivos e cujo principal foi uma praça por eles completamente
reformada com o auxílio dos pais e da comunidade, além de um boneco feito
de “garrafas pet”, que a comunidade adotou e, conforme o tempo e a estação,
lhe mudavam as “vestimentas”.
Este vídeo foi, posteriormente, rodado em alguns estandes da feira do
livro do município. O efeito sobre os visitantes da feira, segundo a professora
que relata, “só não for maior que a reação dos meninos” que ficaram
“surpresos e orgulhosos”. Muitos habitantes da cidade teriam expressado as
suas surpresas no sentido da recuperação da praça, “eu nem reconheci que
era ali”, e no sentido do desconhecimento de sua própria cidade.
daí eles foram conhecer o bairro e destacaram alguns pontos
importantes, que eles acharam importantes no bairro. Eles
conheceram esses pontos e depois eles explicaram nesse vídeo.
Ficou muito, muito interessante, bem bacana. E depois o fato deles
se verem na TV, deles se mostrarem, conhecer, falar o que eles
conheceram(...)Porque assim, a gente trabalhou, a gente mostrou o
vídeo aqui, mas lá na feira do livro nem eu sabia que ia estar lá
rodando(...)Mas quando a gente estava passando nos estandes e a
gente viu aquele vídeo e aquele vídeo era deles, imagina, eles se
sentaram ali e se alojaram, ficaram porque aquilo era deles(...)e o
pessoal comentava ‘onde é que fica aquilo alí?Mas é aquela praça!?.
(Professora).
123
Queremos e podemos inferir que a sociologia das ausências e das
emergências, aliada ao trabalho de tradução, na medida de uma atuação
educomunicativa, fortaleceria as constituintes subjetivas contra-hegemônicas,
de forma a confrontar a subjetividade capitalística dada na subjetividade
maquínica.
Entretanto, não temos como garantir que isto seja suficiente para
contrapor toda a exposição maquínica de subjetividade capitalística a que os
estudantes são expostos diariamente. De encontro ao que argumenta outra das
coordenadoras presentes no grupo focal:
porque a escola pública, tem quatros horas, e ali ela está na escola, e
em vinte horas ele está em contato com o quê? (...) É uma luta
desigual!
Desta forma, na medida em que Boaventura não se aventura na
proposição da confrontação do poder midiático, nem mesmo enfocando-o,
achamo-nos num vácuo de referência, ao mesmo tempo em que deparamo-nos
carregados da necessidade desta confrontação. Como podemos dar amplitude
a este processo educomunicativo de tradução/construção do novo senso
comum emancipatório?
Não querendo ser totalitário na resposta, mesmo porque nossa
prerrogativa epistêmica não nos permite, concluímos ser inevitável para que
esta construção se concretize, a existência de alguma instância midiática
massiva comprometida em cooperar para tanto, talvez concebível no
movimento de articulação pouco acima descrito. Para confrontar esta posição,
convidamos as participantes do grupo focal, após colocarmos o debate sobre a
afirmativa “a mídia educa mais que a escola”, a colocarem-se no papel de um
grande executivo de uma empresa de mídia cooperativa, comprometida com
seus valores e a disseminação deles. Assim as indagamos:
124
A mídia em geral não é cooperativa. Ela é então o que, competitiva,
talvez? Como vocês imaginariam na condição de executivos de uma
empresa de comunicação que é cooperativa, a atuação desta
empresa visando formar, trabalhar a opinião do público para a
cooperação? O pensamento é livre, nada estará errado. Tudo vai ser
muito útil e vai me ajudar muito. Como vocês acham? Que tipo de
conteúdo, o que vocês acham que tinha que ter nessa mídia pra
facilitar que essas crianças sejam mais cooperativas, e que a
sociedade assim o seja?
Muitas intervenções refletiram então a fundamentalidade da criatividade
publicitária, recuperando ainda a indagação anterior de quem educa mais, e a
espécie de consenso produzida, de que a mídia não educa, mas certamente
influência mais que a escola: ela “é mais atrativa, mais lúdica, possui cores,
movimento” afirmou uma das pedagogas.
Neste mesmo caminho, foram expressas também posições de
“absolvição da mídia”, de que ela não somente retrata uma sociedade
consumista e, como argumento, algumas campanhas publicitárias foram
citadas. Nelas, mensagens de irmandade, de comunhão, de paz, campanhas
natalinas e outras foram apareceram. Em comum, a idéia de que a publicidade
pode ser usada “para o bem”.
As participantes esboçaram também, a mesma preocupação de Watkins
e Burr, do risco de, ao intentar uma comunicação massiva cooperativa,
esquecermos dos verbos educativos em prol dos verbos capitalísticos: vender,
influenciar, promover, etc. Esta questão deverá ser aprofundada em outros
estudos.
De uma forma geral, concluímos, junto às participantes, que as mídias
são espaços contraditórios, podendo servir tanto à produção de produtividade
capitalística quanto a sua confrontação. Nesta perspectiva, apontamos para a
exploração da ótica menos desenvolvida da educomunicação, o olhar a partir
da comunicação.
125
Esta indicação aponta, para além do conceito de sistema de resposta
social apresentado e abordado na perspectiva da tradução entre os diferentes
espaços estruturais, para as afirmativas de Garcia acerca da direção
comunicativa dos estudos educomunicativos, que ao menos indica uma saída
para a preocupação “verbal” acima referida: devemos pensar os meios, “como
processos educativos, como espaço de polifonia e pluralidade cultural, com
respeito à dignidade humana, e de olho na produção do bem comum”, do bom
senso gramsciano e do novo senso comum emancipatório de Santos.
Devemos pensar, para o desenvolvimento do cooperativismo, tanto em
termos qualitativos como de escala, e para a construção de um novo senso
comum emancipatório, educomunicativamente.
Dado que Santos não se ocupa de forma central da mídia e da
educação, não concebendo nem um espaço educativo, nem uma forma de
poder específica para a mídia, diluindo-os na análise dos diferentes espaços e
formas de poder, respectivamente, apresentamos o quadro 2, onde inserimos
na cartografia de Santos, os espaços a serem preenchidos por estudos futuros
no que tange a educomunicação.
Pelo espaço educacional entendemos o âmbito escolar, incluindo o
universitário. Pelo espaço midiático entendemos a ampla esfera midiática
massiva, incluindo a internet. Já pelo no espaço educomunicativo, entendemos
o conjunto das relações constituídas no variado, amplo e ainda em construção
campo/âmbito da educomunicação. O diferenciamos da soma dos espaços
educacional e midiático pois o imaginamos incerto e mais rico que tal soma
direta, na perspectiva apresentada da crítica a razão metonímica.
Temos a consciência de pouco termos explorado das suas
possibilidades em comparação à riqueza possível. Entretanto, salientamos que
não era nosso objetivo, nem o era possível fazê-lo neste trabalho. Nosso
126
objetivo era de discutir as possibilidades educomunicativas no âmbito
cooperativo e de apontar, apenas, algumas formas de fazê-lo visando a
construção do novo senso comum emancipatório.
Encerrando, concluímos que, visando o desenvolvimento do
cooperativismo, tanto em termos qualitativos como de amplitude, e a
construção de um novo senso comum emancipatório, devemos aprofundar os
estudos educomunicativos.
Quadro 2: Espaços e Dimensões Educomunicativas na Cartografia de Boaventura de Sousa Santos
DIMENSÕES
ESPAÇOS
ESTRUTURAIS
UNIDADE DE
PRÁTICA SOCIAL
INSTITUIÇÕES
DINÂMICA DE
DESENVOLVIMENTO
FORMA DE
PODER
FORMA DE
DIREITO
FORMA
EPISTEMOLÓGICA
ESPAÇO
DOMÉSTICO
Diferença sexual e
geracional
Casamento, família e
parentesco
Maximização da afetividade Patriarcado
Direito
doméstico
Familismo, cultura
familiar
ESPAÇO
DA
PRODUÇÃO
Classe e natureza
capitalista
Fábrica e empresa
Maximização do lucro e
maximização da degradação
da natureza
Exploração e
“natureza
capitalista”
Direito da
produção
Produtivismo,
tecnologismo, formação
profissional e cultura
empresarial
ESPAÇO
DO
MERCADO
Cliente-consumidor Mercado
Maximização da utilidade e
mercadorização das
necessidade
Fetichismo
das
mercadorias
Direito de
troca
Consumismo e cultura de
massa
ESPAÇO
DA
COMUNIDADE
Etnicidade, raça,
nação, povo e
religião
Comunidade,
vizinhança, região,
organizações de base,
Igrejas
Maximização da identidade
Diferenciação
desigual
Direito da
comunidade
Conhecimento local,
cultura da comunidade e
tradição
ESPAÇO
DA
CIDADANIA
Cidadania Estado Maximização da lealdade Dominação
Direito
territorial
Nacionalismo
educacional e cultural,
cultura cívica
ESPAÇO
MUNDIAL
Estado Nação
Sistema inter-estatal,
organismos e
associações
internacionais, tratados
internacionais
Maximização da eficácia
Troca
desigual
Direito
sistêmico
Ciência, progresso
universalístico, cultura
global
ESPAÇO
EDUCATIVO
Saber ?
ESPAÇO
EDUCOMUNICATIVO
Saber /
Persuadir
?
?
ESPAÇO
MIDIÁTICO
TRABALHO EDUCOMUNICATIVO
Influência
Manipulação
?
TRABALHO
EDUCOMUNICATIVO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como apresentado, a exploração da educomunicação nos termos
abordados não se encerra, nem mesmo é possível cogitá-la, neste trabalho.
Estamos muito satisfeitos com o resultado colhido. Acreditamos termos
satisfeitas, por hora, nossas necessidades científicas, jornalísticas,
cooperativistas e de intelectualidade orgânica. Entretanto, nossa curiosidade e
interesse pelo tema só aumentam.
Temos a intenção de prosseguir nesta linha de estudo. Quem sabe
dando continuidade a nossa formação acadêmica e, certamente, em nossas
demais atividades. Abrem-se agora, novas perspectivas profissionais.
Encontramo-nos ansiosos pela experiência docente.
Ao concluir este ciclo, estamos muito satisfeitos com o experimentado
nestes 2 anos. Fizemos aprendizagens, relacionamentos e amizades que
temos certeza nos acompanharão por toda a nossa trajetória. A experiência
acadêmica superou em muito nossas expectativas. O convívio foi tão
harmonioso, que, por vezes, nosso ímpeto combativo manifestava-se perplexo.
Apesar destes momentos, segue convicto, todavia, de sua natureza e de seu
papel social.
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