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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS SOCIOMORAIS E
SUAS IMPLICAÇÕES NA CONSTRUÇÃO DA
AUTONOMIA MORAL DOS ALUNOS
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Eleodora dos Santos Leonardi
Santa Maria, RS, Brasil
2008
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A RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS SOCIOMORAIS E SUAS
IMPLICAÇÕES NA CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA MORAL
DOS ALUNOS
por
Eleodora dos Santos Leonardi
Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de
Pós-Graduação em Educação, Linha de Investigação em Currículo,
Ensino e Práticas Escolares, da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM, RS),
como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Educação
Orientadora: Professora Doutora Lúcia Salete Celich Dani
Santa Maria, RS, Brasil
2008
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Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Educação
Programa de Pós-Graduação Em Educação
A Comissão Examinadora, abaixo assinada,
aprova o projeto de Dissertação de Mestrado
A RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS SOCIOMORAIS E SUAS
IMPLICAÇÕES NA CONSTRUÇÃO
DA AUTONOMIA MORAL DOS ALUNOS
elaborada por
Eleodora dos Santos Leonardi
como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Educação
COMISSÃO EXAMINADORA:
Profa. Dra. Lúcia Salete Celich Dani
(Presidente/Orientador)
Prof. Dr. Phil Jorge Luiz da Cunha
Prof. Dr. Joe Garcia
Profa. Dra. Dóris Pires Vargas Bolzan
Santa Maria, RS, Brasil, 17 de março de 2008.
4
Dedico este trabalho
para aquele que
amo.
Aquele que acolheu-me,
respeitou-me,
esperou-me,
compreendeu-me,
e
que, ainda, me ama:
Fernando Alberto Bohrer Filho.
5
AGRADECIMENTOS
Nunca estamos sozinhos. Em cada fase da nossa vida existem pessoas, de
lugares diferentes, com quem convivemos e dividimos cores e sabores, sentimentos,
alegrias, aventuras, sofrimentos, paz. Assim, quero agradecer:
A Deus, pelas oportunidades e pelas pessoas que colocou em meu caminho
para que auxiliassem no meu desenvolvimento intelectual e moral, para fazer-me
progredir.
Aos meus familiares, em especial à minha mãe Eva, amiga e companheira
de todas as horas.
Ao meu companheiro, Fernando, por seu amor, dedicação e compreensão
incondicional.
A Universidade Federal de Santa Maria, esta instituição pública da qual
tenho orgulho de ter sido aluna e que contribuiu significativamente na construção da
minha história pessoal e profissional.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), pelo apoio financeiro.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da
UFSM, em especial à professora Lúcia, orientadora, por seu trabalho.
Aos colegas Sharlene, Dani, Edílson, Dalila, Ilhana, Sandra e Clarissa pela
amizade e carinho.
Ao professor e amigo Valdir pelo apoio intelectual e bibliográfico.
Aos amigos e amigas, próximos e distantes que sempre estarão no meu
coração.
Aos sujeitos da pesquisa, professoras e alunos que foram essenciais na
construção desse estudo.
Por fim, agradeço a todos que, nesta história, foram personagens
importantes.
6
RESUMO
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Federal de Santa Maria
A RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS SOCIOMORAIS E SUAS
IMPLICAÇÕES NA CONSTRUÇÃO
DA AUTONOMIA MORAL DOS ALUNOS
AUTORA: ELEODORA DOS SANTOS LEONARDI
ORIENTADORA: LÚCIA SALETE CELICH DANI
Data e local da defesa: Santa Maria, 17 de março de 2008.
Este resumo refere-se à investigação inserida na Linha de Pesquisa
Currículo, Ensino e Práticas Escolares (PPGE/CE/UFSM). O objetivo foi
compreender as implicações da resolução de conflitos sociomorais na construção da
autonomia moral dos alunos. A metodologia utilizada caracterizou-se como
qualitativa sob uma perspectiva de estudo de caso. Os sujeitos que participaram da
pesquisa foram duas professoras da 4ª série dos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental e suas respectivas turmas. O contexto no qual a pesquisa realizou-se
foi uma escola estadual da rede de ensino público do município de Santa Maria-RS,
localizada na zona periférica da cidade. Os dados foram coletados através de
entrevistas semi-estruturadas e observações em sala de aula. A análise desses
dados organizou-se em três categorias, em função de sua freqüência e centralidade,
na busca de compreensão do estudo: a resolução dos conflitos sociomorais, as
regras e o ambiente sociomoral e os limites a serem transpostos: a autonomia
possível. Essas categorias foram exploradas tendo como eixo fundamental o
conceito de moralidade apresentada por Jean Piaget. A partir da análise dos dados
obtidos pode-se concluir que as formas como as professoras resolveram os conflitos
sociomorais não favoreceram a construção da autonomia moral dos alunos. Pois,
suas práticas se pautaram, principalmente, em relações de coação, fundamentadas
no respeito unilateral. A partir dessa investigação pode-se compreender a
importância da aprendizagem da resolução de conflitos sociomorais ser concebida
nos currículos das instituições educacionais como um conhecimento útil que
contemple uma prática pedagógica voltada para a construção da autonomia moral
dos alunos.
Palavras-chave: conflitos sociomorais; autonomia moral; limites
7
ABSTRACT
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Federal de Santa Maria
THE SOLUTION OF SOCIOMORAL CONFLICTS AND ITS
IMPLICATIONS ON THE MORAL AUTONOMY BUILDING OF THE
STUDENTS
AUTHOR: ELEODORA DOS SANTOS LEONARDI
SUPERVISOR: LÚCIA SALETE CELICH DANI
Date and place of defense: Santa Maria, March 17
th
, 2008.
This summation refers to the investigation inserted in the Curriculum,
Teaching and School Practices Research Line (PPGE/CE/UFSM). The objective was
to understand the implications of the solution of sociomoral conflicts on the moral
autonomy building of students. The methodology used, it was described as
qualitative under a case study perspective. The subjects who participated in the
research were two Beginner Years of Fundamental Teaching fourth grade teachers
and their respective groups. The context in which the research took place was a state
school that belongs to the public instruction net of the city of Santa Maria-RS, the
school being located at periphery of the city. The data was gathered through semi-
structured interviews and classroom live observation. The analysis of that data was
organized into three categories, according to its frequency and centralization, in a
quest for understanding the study: the solution of the sociomoral conflicts, the
sociomoral rules and environment and the limits to be trespassed: the possible
autonomy. Those categories were explored having the concept of morality presented
by Jean Piaget as axis. From the acquired data analysis, one can conclude that the
means the teachers used for solving the sociomoral conflicts did not favour the
sociomoral autonomy building of the students. Because their practices were ruled,
mainly, by coercion relationships, based on unilateral respect. From this
investigation, one can understand the importance of sociomoral conflicts solution
learning to be conceived in the educational institutions curriculum as an useful
knowledge which will grant a pedagogical practice aimed at the moral autonomy
building of the students.
Keywords: sociomoral conflicts; moral autonomy; limits
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................... 10
CAPÍTULO 1- CONTEXTUALIZANDO O TEMA..........................................15
A educação, os conflitos e sua importância para o desenvolvimento
humano ..........................................................................................................15
A educação moral e a resolução de conflitos sociomorais..................................21
Reflexões sobre a resolução de conflitos sociomorais e as pesquisas
relacionadas..................................................................................................23
CAPÍTULO 2- FUNDAMENTAÇÃO DO ESTUDO.......................................35
2.1 Por que Jean Piaget?..............................................................................35
2.2 A construção do conhecimento................................................................37
2.3 A construção da autonomia moral............................................................53
2.3.1Estágios quanto à prática das regras.................................................... 55
2.3.2 Estágios quanto à consciência das regras...........................................58
2.4 Procedimentos da Educação Moral..........................................................62
2.5 O ambiente sociomoral e a resolução de conflitos sociomorais...............68
CAPÍTULO 3- DELIMITAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DA
INVESTIGAÇÃO.............................................................................................76
3.1Área temática ............................................................................................76
3.2 Questões de pesquisa.............................................................................. 76
3.3 Objetivos....................................................................................................77
3.3.1 Objetivo Geral.........................................................................................77
3.3.2 Objetivos Específicos.............................................................................77
3.4 Explicação de termos, delimitação e explicitação das questões de
pesquisa..........................................................................................................77
3.5 Abordagem metodológica..........................................................................79
3.6 Contexto da Investigação..........................................................................81
3.7 Os sujeitos da investigação.......................................................................81
3.8 Instrumentos para a coleta das informações.............................................83
3.9 Período de produção das informações..................................................... 84
3.10 Tipo de análise........................................................................................84
9
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES............................................................. 86
4.1 Análises por categorias.......................................................................... 86
4.1.1 A resolução dos conflitos sociomorais................................................. 87
4.1.2 As regras e o ambiente sociomoral...................................................... 98
4.1.3 Os limites a serem transpostos: a autonomia possível........................108
IMAGINANDO UMA ESCOLA MELHOR
OLHARES SOBRE O IN-VISÍVEL ..............................................................116
REFERÊNCIAS ...........................................................................................123
10
INTRODUÇÃO
Este estudo desenvolveu-se com a finalidade de compreender as implicações
da resolução de conflitos sociomorais na construção da autonomia moral dos alunos
da 4ª série dos anos iniciais do Ensino Fundamental de uma escola pública.
Essa escolha está pautada inicialmente no fato de que não é difícil perceber
que vive-se uma considerável crise de valores em nossa sociedade, a qual incide
diretamente nas relações sociais, políticas, econômicas, morais e ecológicas.
Parece que os comportamentos, as normas e o sentido da vida individual e coletiva
não se guiam em padrões éticos de valores, e sim, seguem critérios imediatistas,
consumistas e hedonistas.
O valor econômico supera os valores humanos, e a falta de referenciais
interiores resultam em problemas sociais muito graves, como as guerras, elevados
índices de violência, o aumento de consumo de substâncias entorpecentes, a
prostituição, entre outros. Essa realidade reflete-se diretamente na escola, e
diariamente observamos pais relatarem que “não conseguem mais lidar com seus
filhos”; por sua vez, professores também reclamam da indisciplina dos alunos, da
falta de respeito, da falta de limites.
Também, não raras são as vezes que presencia-se cenas de crianças
agredindo seus pais ou professores. Entre os (as) alunos (as), ocorrem conflitos que
muitas vezes, são resolvidos de forma violenta, como brigas, tapas, pontapés,
apelidos cruéis, rejeições, exclusão, perseguição, entre outros. Os (as) professores
(as) também cometem atos de violência, quando são autoritários, quando usam de
coação ou intimidação para resolverem os conflitos que surgem.
Nesse contexto, desenha-se um dos principais problemas da escola
atualmente, que reside em como lidar com os conflitos que surgem no ambiente
escolar. Assim, trabalhar e vivenciar a ética e a moralidade nos ambientes escolares
suscita uma discussão muito freqüente em seminários e congressos educacionais,
encontros de professores e outros profissionais da área das ciências humanas.
As questões que envolvem a temática da moralidade são objetos de estudo
de muitos projetos educacionais, trabalhos de pesquisas, publicações científicas,
palestras, cursos de aperfeiçoamento pessoal e profissional. Esses estudos
desafiam os professores a refletirem sobre o tema. Além disso, a sociedade em
11
geral também se preocupa com as questões que envolvem moral e ética. Isso é
visto em reportagens de jornais, revistas, rádio e televisão.
Esse interesse encontra-se nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),
publicados em 1998 pelo Ministério da Educação e do Desporto do Brasil,
destinados para o Ensino Fundamental, cujas diretrizes propõe às escolas a tarefa
da formação ética de seus alunos. É sugerido que a Ética seja estudada de forma
articulada com as disciplinas clássicas (Língua Portuguesa, Geografia, etc.), para
que o aluno veja a relação entre essas disciplinas e a vida cotidiana, sendo úteis
para o exercício da cidadania.
Além das questões já relatadas, outras razões justificam a escolha do
desenvolvimento deste estudo. Tais questões envolvem
1
minha formação pessoal e
profissional. Assim, em 1999, através de um processo seletivo, ingressei na
Universidade Federal de Santa Maria, no curso de graduação em Pedagogia -
Habilitação nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
O primeiro contato com a temática da moralidade infantil foi proporcionado
pela participação em um projeto de iniciação científica, intitulado “As ações
pedagógicas e o desenvolvimento da moralidade na criança”. Esse projeto tinha por
objetivo investigar e analisar a relação existente entre as estratégias pedagógicas
praticadas pelas professoras da Educação Infantil e o desenvolvimento da
moralidade na criança, em três escolas do município de Faxinal do Soturno
(2000/2001), e nos semestres seguintes a pesquisa estendeu-se a outros dois
municípios: São João do Polêsine (2002) e Nova Palma (2003).
O estudo, primeiramente, configurou-se numa pesquisa bibliográfica,
destacando-se a leitura das obras de Piaget “O julgamento moral na criança” (1977),
de Bicudo “Fundamentos éticos da Educação” (1982), de Diáz-Aguado “Construção
moral e educação: uma aproximação construtivista para trabalhar os temas
transversais” (1999), entre outros.
A pesquisa de campo foi realizada em três escolas municipais, sendo sujeitos
colaboradores da pesquisa três professoras da Educação Infantil e suas respectivas
turmas, com alunos com idades entre 4 e 6 anos.
Os dados foram coletados através de um questionário de perguntas abertas,
o qual possibilitou às professoras investigadas expressarem seus conhecimentos
1
A 1ª pessoa do singular será utilizada apenas para explicitar as razões pessoais e profissionais da
escolha da temática de estudo.
12
teóricos, opiniões e idéias sobre a temática envolvendo o desenvolvimento da
moralidade. Realizaram-se observações em sala de aula e outros ambientes onde
os alunos desenvolviam atividades, como recreio, refeitório, pracinha, sala de jogos,
etc. Também, foram desenvolvidas algumas atividades programadas pelas
acadêmicas pesquisadoras, com o objetivo de vivenciar experiências pedagógicas
voltadas para a temática investigada.
A soma dessas atividades resultou numa riqueza enorme de dados, o que
possibilitou um estudo instigante, fundamentado na teoria piagetiana de
desenvolvimento, a qual defende que o processo de construção da moralidade na
criança ocorre numa relação simétrica com o desenvolvimento cognitivo.
As conclusões desse estudo indicam que as professoras investigadas
utilizavam alguns elementos morais para a realização de suas tarefas, como a
utilização de regras, da autoridade, procuravam desenvolver a justiça, a igualdade,
enfim, mostravam algum conhecimento sobre o desenvolvimento da moralidade.
Entretanto, a maioria das ações dessas professoras estava assentada no senso
comum, com base na intuição, revelando concepções equivocadas sobre o
desenvolvimento moral e cognitivo.
As leituras, as atividades realizadas durante essa pesquisa, as discussões e
reflexões sobre a moralidade, levaram-me a questionar sobre o currículo do curso de
Pedagogia, o qual não contemplava, em nenhuma das disciplinas cursadas, essa
temática.
Entretanto, foi durante o estágio na 3ª Série do Ensino Fundamental, no ano
de 2003, que percebi as lacunas na minha formação acadêmica, ao enfrentar
situações-problema em sala de aula. Nesse contexto, muitas questões surgiram:
Como agir frente a alunos que se agrediam física e verbalmente? Como impor os
limites? Como acabar com um conflito? Gritar? Deixar sem recreio? Afastar as
classes? Como manter a disciplina?
Nesse período, ainda não compreendia que essas situações poderiam ser
trabalhadas e, por isso, minhas ações, na maioria das vezes, culminavam em
desentendimentos entre mim e os alunos.
Diante deste cenário senti-me despreparada, mal informada, pois
desconhecia formas adequadas de resolver os conflitos em situações escolares.
Conclui que muitas das minhas ações pedagógicas, assim como a experiência das
13
professoras investigadas no projeto de pesquisa, citado anteriormente, não
contemplavam o desenvolvimento moral de meus (minhas) alunos (as).
Em 2004, atuei como professora substituta no Departamento de Fundamentos
da Educação, do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Santa Maria.
Muitos alunos (as) do Curso de Pedagogia também manifestavam, em muitas
ocasiões, sua insegurança ao ter assistido e vivenciado situações conflituosas em
escolas por eles (as) observadas. Eles (as) demonstravam interesse em conhecer e
aprender mais sobre os conflitos, mas lamentavam por apenas uma disciplina,
Psicologia da Educação, trabalhar essa temática.
Em 2005, ao assistir uma palestra no evento “Educação em Tese”, no qual os
Professores Doutores do Centro de Educação apresentavam suas teses de
doutorado, tive contato com a pesquisa da Professora Doutora Lúcia Salete Celich
Dani, intitulada “A relação pedagógica e suas imbricações na construção da
personalidade moral.” (2003).
Dani (2003), a partir de um estudo de caso, numa turma de 4ª série do
Ensino Fundamental, evidenciou que os procedimentos da consciência moral e os
guias culturais de valor, quando existentes numa sala de aula na qual a relação
pedagógica é pautada em posturas autoritárias, não favorecem a construção de
personalidades morais autônomas, e, sim, fomentam a exclusão, a discriminação e o
desrespeito.
Suas reflexões sobre a resolução de conflitos sociomorais, instigaram-me a
compreender como as relações sociais na escola constituem saberes, sujeitos e
comportamentos.
Percebi que os conflitos fazem parte das relações humanas e não podem ser
simplesmente “abafados” ou vistos como anormais. O que pode ser caracterizado
como incomum são salas de aulas sem conflitos.
Essa temática criou convicções sobre a sua importância para minha formação
profissional, o que me conduziu a participar do processo seletivo para ocupar uma
vaga no curso de Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Santa Maria.
Inscrevi meu projeto na Linha de Pesquisa “Currículo, Ensino e Práticas
Escolares”, na Área Temática: O desenvolvimento da Afetividade e Moralidade,
indicando como orientadora a professora Doutora Lúcia Salete Celich Dani, pois
14
suas pesquisas e atuação profissional somavam importantes elementos para a
construção de conhecimentos aprofundados sobre as questões morais.
Assim, busquei compreender as implicações da resolução de conflitos
sociomorais na construção da autonomia moral dos alunos. Isso constituiu uma
possibilidade de construir um conhecimento aprofundado sobre essa temática. Por
tais motivos, é que a hipótese defendida nesse trabalho compreende as situações
de conflitos sociomorais como um elemento essencial na construção da autonomia
moral.
Considero, portanto, que a resolução de conflitos sociomorais é uma
aprendizagem e, como tal, também é um conhecimento a ser construído. Nesse
sentido, acredito ser necessário que os currículos escolares abordem essa temática,
possibilitando a existência de práticas pedagógicas fundamentadas em
pressupostos teóricos favoráveis ao desenvolvimento da autonomia moral.
Este trabalho estrutura-se em quatro capítulos. O capítulo I apresenta a
contextualização da temática investigada e as pesquisas a ela relacionadas. No
segundo capítulo, é exposto o referencial teórico, contemplando o desenvolvimento
cognitivo e moral, os procedimentos da educação moral, o ambiente sociomoral e a
aprendizagem da resolução de conflitos sociomorais.
No terceiro capítulo, são descritas as delimitações e a fundamentação da
investigação. O quarto capítulo é composto pela análise dos dados coletados e os
resultados observados no processo de investigação a partir dos referenciais
teóricos.
E, finalmente, são tecidas reflexões a fim de expor possíveis respostas à
questão investigada, orientadas pelas referências bibliográficas que foram utilizadas
no desenvolvimento deste trabalho investigativo.
15
1. CONTEXTUALIZANDO O TEMA
Neste primeiro capítulo, são apresentadas teorizações e reflexões sobre a
temática da resolução dos conflitos sociomorais. Primeiramente, são pontuados
alguns significados sobre os conflitos, destacando as idéias dos seguintes autores:
Sigmund Freud (1964), Erik Erikson (1971), Alfred Adler (1967), Henry Wallon
(1981), Jean Piaget (1977/1993), Genoveva Sastre (2002), Montserrat Moreno
(2002), Rheta De Vries (1998), Bethi Zan (1998) e Josep Maria Puig Rovira (1998).
Em seguida, é realizada uma reflexão sobre a educação moral e suas
relações com a resolução de conflitos sociomorais. Finalmente, são descritas
algumas pesquisas relacionadas à temática desta investigação.
1.1 A educação, os conflitos e sua importância para o desenvolvimento
humano
A educação, na concepção de Vinyamata (2005), tem um importante papel a
desempenhar no que se refere à resolução de conflitos. O autor argumenta que é
através da mesma que a sociedade poderá construir ferramentas para compreender
os conflitos como parte do desenvolvimento humano, bem como, aprender a
solucioná-los de forma não violenta. Mesmo que,
(...) encarado como negativo e destruidor, o conflito é necessário à vida,
inerente e constitutivo, tanto da vida psíquica como da dinâmica social. Sua
ausência indica apatia, total submissão e, no limite remete à morte. Sua
não explicitação pode levar à violência. Mesmo que se possa confundir
com ela, conflito não é sinônimo de violência. Violentos podem ser os
meios de resolução ou os atos que tentam expressar um conflito que não
pode ser formulado, explicitado. (GALVÃO, 2004, p.15)
Entretanto, muitas instituições escolares procuram evitar, a qualquer custo, os
conflitos, pois são vistos como negativos e prejudiciais, e optam por “abafar” esse
tipo de manifestação própria da vida humana. Os profissionais que trabalham
nessas escolas, alegam não ter formação para resolver as brigas, as discussões
entre as crianças, entre professores e alunos e, até mesmo, entre seus pares.
Dessa forma, é necessário refletir sobre a seguinte questão: Por que os
conflitos são importantes para o desenvolvimento humano?
16
Para essa reflexão, esta pesquisa foi amparada em alguns autores dos
campos da Psicanálise e da Psicologia, cujas teorias abarcam discussões sobre a
vida psíquica, destacando a importância dos conflitos para o desenvolvimento
humano.
Na concepção freudiana, nada ocorre por mero acaso, havendo, assim, uma
causa para todos os processos mentais, ou seja, cada fato mental é determinado
pela intenção consciente ou inconsciente e pelos eventos que o precederam.
Segundo Nuttin (1964), sob esse prisma, Freud dividiu em três domínios a
estrutura da personalidade humana, os quais têm origem na libido, que, segundo
ele, é a única força construtiva da personalidade. Nuttin (1964) descreve que Freud
chamou de Id a base mais profunda do psiquismo. Essa base contém tudo aquilo
que é herdado, que nasce com o ser humano e é instintiva. O Id compreende as
pulsões e desejos que não são aceitos na vida consciente.
Um segundo domínio é denominado por Freud de Ego, o qual compreende as
funções do conhecimento consciente, sendo composta de uma parte do Id que foi
modificada pelo contato e influência do meio exterior. O Ego regula os impulsos do
Id, de forma que a pessoa possa buscar soluções mais adequadas, não tão
imediatas, porém mais realistas para os conflitos que se apresentam.
O terceiro domínio da personalidade humana é o Superego, que se
desenvolve a partir do Ego, atua como um juiz sobre as ações do Ego,
compreendendo as normas sociais, códigos morais, modelos de conduta e os
parâmetros que inibem a personalidade.
Portanto, nesses domínios se originam conflitos psíquicos. Um instinto pode
opor-se a outro, as delimitações sociais impelem as pulsões biológicas e, dessa
forma, os modos de enfrentar situações conflituosas chocam-se umas com as
outras.
A psicanálise considera o conflito como constitutivo do ser humano e originado
de diferentes perspectivas: o conflito entre o desejo e a defesa, conflito entre os
diversos sistemas ou instâncias, conflitos entre as pulsões e, por fim, o conflito
edipiano. Esses não apenas se defrontam com desejos contrários, mas enfrentam a
interdição, ou seja, a possibilidade de renunciar à satisfação de um desejo. Portanto,
não há evolução mental sem escolhas, sem a existência de sofrimento, de queixas,
sem eventuais regressões. (NUTTIN, 1964)
17
Para Erikson (1971), há uma adaptação mútua entre o sujeito e o ambiente.
Nesse processo, os conflitos são essenciais e compreendidos como crises ao longo
de todas as etapas do desenvolvimento humano. Ele apresenta uma concepção do
desenvolvimento psicossocial em oito estágios, sendo que cada um deles é marcado
por uma crise entre uma vertente positiva e uma negativa. As duas vertentes são
vitais, mas, para o desenvolvimento, é importante que a positiva predomine. Assim,
ao superar essas crises, o indivíduo torna-se capaz de resolver os conflitos próprios
à vida.
No entendimento de Adler (1967) é na infância que recebemos as influências e
impressões do meio as quais irão compor nossos objetivos de vida. Dessa forma,
desde muito pequena, a criança aprende como se posicionar frente aos conflitos que
a vida oferece. Diante disso, então, a sociedade será responsável por estabelecer
muitos dos limites que a criança encontrará durante seu desenvolvimento. Existem
conflitos que precisam ser ultrapassados. Assim, trava-se uma luta para superar o
complexo de inferioridade. Essa luta depreende uma soma de habilidades e
competências, além de um empenho pessoal capaz de transpor esses limites e
conquistar a superioridade. (ADLER, 1967)
Esse mesmo autor chama a atenção para a necessidade de olhar atentamente
os objetivos para os quais as ações das crianças estão direcionadas. Perceber e
conhecer os sentimentos que permeiam o comportamento das crianças possibilita
compreender como os limites podem ser superados. Assim, a família e,
principalmente, a escola devem considerar formas de superação dos mesmos.
(ADLER, 1967)
Wallon (1981) também destaca em seus estudos a existência de crises e de
conflitos que se encontram no processo de desenvolvimento do ser humano. Para
ele, o conflito eu-outro tem um significado positivo, pois está diretamente ligado à
construção da personalidade da criança. Seus estudos destacam a fase do terceiro
ano, na qual a criança está envolvida numa verdadeira crise representada pela
freqüência dos conflitos interpessoais nas suas condutas e nas suas relações com o
meio.
O conflito na opinião de Wallon (1981) é um fator que beneficia o
desenvolvimento dos aspectos cognitivos, afetivos e motores dos indivíduos em
suas interações com o meio social.
18
A sucessão entre as várias fases em que se possa decompor a infância é
descontinua, sujeita a rupturas e mudanças bruscas. A passagem de um a
outro estágio não é uma simples ampliação, mas uma reformulação.
Atividades proponderantes numa idade são reduzidas ou mesmo
aparentemente suprimidas na idade seguinte, como se o sujeito tivesse
que escolher entre um antigo e um novo tipo de comportamento. O conflito
é, além da expressão do desenvolvimento, o seu motor, o que gera a sua
dinâmica. (GALVÃO, 2004, p. 21)
Sob a ótica walloniana, o professor que consegue interpretar as causas dos
conflitos e estimular a sua resolução por meio da reflexão, apoiado em informações
teóricas sobre as características do comportamento emocional, está desenvolvendo
um trabalho que permitirá avaliar e melhor compreender essas situações.
Piaget (1993) apresenta o desenvolvimento psíquico, desde o nascimento até
a idade adulta, como uma construção contínua, caracterizada por estruturas
variáveis, ou seja, formas ou estados sucessivos de equilíbrio. É através da
equilibração progressiva, a qual compreende a passagem de um equilíbrio inferior
para um superior, que a vida mental, os sentimentos e as relações sociais dos seres
humanos tendem para o equilíbrio.
Para melhor explicar a sucessão dessas estruturas do desenvolvimento, esse
autor apresenta quatro estágios: Sensório-motor (0 aos 2 anos), Pré - Operacional (2
a 7 anos), Operatório-Concreto (7 – 12 anos) e Operatório-Formal (a partir dos 12
anos). Esses, exceto o sensório-motor, seguem uma ordem seqüencial invariável,
pois etapas não podem ser “puladas”, e o que pode ser observado, segundo alguns
estudos interculturais, são apenas algumas mudanças nas idades médias que os
caracterizam, em função das especificidades dos meios socioculturais onde os
sujeitos desenvolvem-se. (ASSIS, 2003)
Assis (2003), no que se refere à sucessão dos estágios na teoria piagetiana,
escreve que as variações na duração ou velocidade, nos atrasos ou acelerações,
estão relacionadas aos ambientes específicos que se caracterizam pela existência
ou ausência de atividades e experiências proporcionadas ao sujeito. Nesse sentido,
o ambiente exerce um papel importante, pois oferece condições para a evolução do
desenvolvimento. Novas estruturas desenvolvem-se durante os estágios,
caracterizando uma resposta do organismo às estimulações ou solicitações do meio.
(ASSIS, 2003)
Para Piaget (1993), a possibilidade de construir novas estruturas deve-se
essencialmente a duas formas de conflitos: o conflito intra-individual e o conflito
19
interindividual. Quanto à primeira forma de conflito, ou seja, o conflito dentro do
indivíduo, Piaget (1993) nos diz que a criança, assim como o adulto, só executa
alguma ação interior ou exterior impulsionada por uma necessidade, física ou
mental, que gera sempre um desequilíbrio. Esse desequilíbrio, ou conflito, ocorre
quando qualquer coisa em nós ou fora de nós se modifica, por força de uma
necessidade, o que implica um reajustamento da conduta humana em função dessa
mudança. Assim, sempre que uma estrutura interna for provocada por alguma coisa,
há um desequilíbrio e esse conflito conduzirá a busca de um novo equilíbrio.
Piaget (1993, p.14) afirma que “toda a ação humana consiste num movimento
contínuo e perpétuo de reajustamento ou de equilibração.” Para ele, o conflito é uma
condição psicológica que promove o progresso do processo cognoscitivo. Nesse
sentido, entre o conhecimento que a criança possui e o contato com um novo objeto,
estabelece-se uma inquietação, um conflito. É esse conflito que impulsiona o sujeito
a superar suas atuais dificuldades, fazendo com que ele aja para transformar-se
qualitativamente, construindo, assim, novos esquemas cognitivos.
Quanto ao conflito interindividual, ou seja, aquele que se estabelece nas
relações com o outro, Piaget (1993) afirma que pode originar-se tanto durante o
desenvolvimento moral como durante o cognitivo. A capacidade de descentração
auxilia os sujeitos na reorganização dos conflitos interindividuais. Essa capacidade
permite que os sujeitos considerem pontos de vista diferentes dos seus. Assim,
estes desenvolvem condições de analisar mais de um aspecto sobre um
determinado conflito, ao mesmo tempo, e, de estabelecer relações sociais, morais e
trocas intelectuais mais equilibradas.
Piaget (1976, p. 80) salienta que “a vida social é uma condição necessária para
o desenvolvimento da lógica”. Dessa forma, quando a criança relaciona-se com
outros sujeitos, percebe que a coerência entre suas ações e seus pensamentos são
fundamentais para que se estabeleçam tais relações. Portanto, os conflitos
existentes nessas relações proporcionam um rico contexto no qual as crianças
podem se tornar conscientes de que os outros também possuem sentimentos, idéias
e desejos. De acordo com De Vries & Zan (1998, p. 90) “o aumento na consciência
sobre outros e esforços para coordenar a perspectiva de si mesmo com a dos outros
resultam em um entendimento interpessoal de nível superior.”
Para Piaget (1993), a criança que nasce com esquemas iniciais reflexos,
imprescindíveis para se tornar um ser inteligente, só alcançará as fases finais do
20
desenvolvimento em função dos conflitos com os quais ela se defrontará
diariamente, sendo também importantes aqueles conflitos que as pessoas lhes
apresentam de forma dosada e organizada nas situações de aprendizagem formal.
Neste sentido, o meio escolar desempenha um papel fundamental, oferecendo
elementos para que esses conflitos, interindividuais e intra-individuais, constituam
objeto de desenvolvimento e conseqüente construção do conhecimento e autonomia
moral.
Nesta mesma linha de compreensão teórica, Puig (1998, p. 161) entende que
os conflitos favorecem a construção da personalidade moral autônoma. Sem
conflitos não há necessidade de reestruturação de estruturas mentais, pois “só se
atinge a formação moral encarando os conflitos que a sociedade apresenta; ou seja,
enfrentando situações sociomorais problemáticas”. O autor acentua que os
problemas sociomorais surgem em diversos meios, com características peculiares,
produzindo processos de construção social, previsíveis ou não, expressos na
capacidade moral do sujeito que experimenta. Essa dinâmica gera um processo de
desequilíbrio, sendo preciso dirigir ações no sentido de alcançar novamente um
equilíbrio, o que contribui para o processo global de construção da personalidade
moral.
Sastre e Moreno (2002) acentuam que os conflitos fazem parte da vida e, a
forma como são solucionados pode desencadear mudança e crescimento pessoal.
As autoras destacam a necessidade de compartilhar e resolver com agilidade e sem
violência os problemas que ocorrem nas relações pessoais. Dessa forma, ao
referirem-se à aprendizagem da resolução de conflitos, propõem que cada situação
de conflito precisa ser compreendida em suas peculiaridades, assim como os
sentimentos das pessoas neles envolvidas.
Entretanto, expressam que é possível construir algumas constantes gerais de
comportamento que possam levar à resoluções satisfatórias, ou a descobrir
comportamentos que jamais poderiam ser usados por serem inadequados para as
relações humanas.
Deste modo, quando os conflitos acontecem no ambiente educacional,
demandam respostas por parte do (a) professor (a). Logo, a forma utilizada pelos
professores para resolver essas situações conflituosas e as relações que
estabelecem com seus alunos, influenciam expressivamente o desenvolvimento
moral e cognitivo das crianças. Conseqüentemente, todos os professores, mesmo
21
que não percebam, constituem-se em “educadores morais”, pois em suas atividades
diárias influenciam na educação moral de seus alunos. Os professores estão,
sucessivamente, contribuindo para a constituição da sociabilidade dos alunos,
favorecendo ou não a construção da autonomia moral. A questão moral está,
portanto, atrelada à educação. (RESENDE, 2005)
A partir das concepções teóricas apresentadas anteriormente, pode-se
afirmar que a existência de conflitos, de ordem psíquica ou social, é essencial para o
desenvolvimento humano. Por conseguinte, os conflitos não podem ser vistos como
situações prejudiciais ou nocivas, mas como excelentes oportunidades para que
sejam trabalhados valores, regras, princípios, sentimentos, etc. Portanto, a escola,
como uma instituição especificamente destinada à educação, precisa desenvolver a
educação moral voltada para a construção da autonomia. É necessário que a escola
assuma o compromisso de educar moralmente os alunos, priorizando o
estabelecimento de relações sociais pautadas no respeito mútuo e na cooperação.
1.2 A educação moral e a resolução de conflitos sociomorais
Conforme foi ressaltado acima, acredita-se que a escola pode contribuir com
mais eficiência na formação sociomoral dos sujeitos. Logo, é importante que se
desenvolva um trabalho nas instituições escolares que tenha por finalidade favorecer
a construção da autonomia moral dos alunos. Nesse sentido, destaca-se a educação
moral como fundamental para que tais objetivos sejam alcançados.
Ao mencionar sobre um tipo especial de educação, Puig (1998, p. 24) propõe
que a educação moral é "uma dimensão formativa, que atravessa todos os âmbitos
da educação e da personalidade. Desse modo a educação moral converte-se no
ponto central da educação porque pretende dar direção e sentido ao ser humano
como um todo.”
Os profissionais que exercem suas atividades na escola precisam
compreender que ensinar a convivência em comunidade suscita o respeito às
diferentes necessidades, anseios, pontos de vista e a distintas aspirações de
felicidade. Considerando essa perspectiva, é essencial pensar a educação moral
como
uma tarefa complexa que os seres humanos realizam com a ajuda de seus
companheiros e dos adultos para elaborar aquelas estruturas de sua
22
personalidade que lhe permitirão integrar-se de maneira crítica ao seu meio
sociocultural. É um processo, portanto, de elaboração de formas de vida e de
maneiras de ser que não são dadas totalmente de antemão nem aparecem
graças ao aparecimento de disposições prévias, mas que também não
surgem por acaso. (PUIG, 1998, p. 150)
Trata-se, então, de um processo de construção, do qual tomam parte
elementos socioculturais (conhecimentos, valores, regras, leis, etc.) já existentes que
nos indicam uma direção. Compreende também um processo em que cada indivíduo
intervém de forma responsável, autônoma e criativa nas relações que estabelece
com os outros. Essa construção pessoal tem a finalidade de conseguir um modo de
viver ótimo em um meio social, cultural e histórico definido.
Entre os elementos que compõe esse processo formativo, Puig (1998)
destaca os meios sociais e os problemas morais. Ele compreende que só há
construção moral quando há problemas morais contextualizados. Assim, a
construção de personalidades morais autônomas processa-se em contextos que
proporcionem dificuldades valorativas, conduzam a uma conduta moral específica e
sejam espaços nos quais se desenvolva a formação moral dos sujeitos. Em outras
palavras, um contexto que apresente as experiências vitais a partir das quais os
sujeitos possam reconhecer o que para cada um deles se configura como um
problema sociomoral significativo. (PUIG, 1998)
Por proporcionar experiências morais significativas, um dos meios de
experiência moral mais relevante é, sem dúvida, a escola. Nesse ambiente, os
sujeitos vivenciam relações sociais complexas que compreendem as relações com
os iguais, com os adultos, com as regras e com as tarefas socialmente
estabelecidas. (PUIG, 1998)
Na escola, a dinâmica dessas relações apresenta diferentes conflitos. Há os
conflitos específicos dos sujeitos que nela se encontram, há os conflitos relativos à
sociedade na qual a escola está inserida e os conflitos que se relacionam
especificamente a essa instituição de educação coletiva, entre outros. (GALVÃO,
2004).
Para Sastre e Moreno (2002), os conflitos advindos das relações
interpessoais na escola são dos mais variados tipos, motivados por diferentes
interesses e circunstâncias. Nas diferentes idades eles variam de freqüência e
intensidade, surgindo, assim, a necessidade de administrá-los e compreendê-los.
23
Essa tarefa configura-se, na maioria das vezes, como um dos principais desafios
para os profissionais que atuam na escola. Nesse sentido, as autoras afirmam que
as maneiras como os professores irão lidar com as situações de conflitos precisam
levar em consideração a idade dos alunos. Para tanto, sugerem que a aprendizagem
da resolução de conflitos sociomorais inicie desde a mais tenra idade.
Destacam, ainda, que não há soluções mágicas imediatas para resolver os
conflitos sociomorais em sala de aula. O que se torna urgente é o investimento em
atividades que possibilitem aprender maneiras diversificadas para compreender e
agir educativamente frente aos conflitos que surgem. Dessa forma, professor e
alunos, precisam construir caminhos de resolução dos conflitos que utilizem
estratégias não violentas e que favoreçam o desenvolvimento intelectual, social e
moral dos sujeitos envolvidos. (SASTRE E MORENO, 2002)
Serão abordados a seguir alguns trabalhos de pesquisa relacionados com o
tema da aprendizagem da resolução de conflitos e suas contribuições para a área
educacional e para o ensino em geral.
1.3 Reflexões sobre a resolução de conflitos sociomorais e as pesquisas
relacionadas
Com base na literatura consultada, são apresentados, neste tópico, alguns
estudos que evidenciam o contexto no qual a discussão da temática investigada se
torna relevante. Assim sendo, são descritas pesquisas com diferentes perspectivas e
resultados. Elas permitem uma melhor compreensão da necessidade de
investigações nessa área temática.
Candau (2001) investigou professores com a intenção de conhecer aspectos
sobre a incidência ou não da violência na escola, suas manifestações e causas.
Perguntou também quais as principais dificuldades encontradas pelos professores e
professoras para o enfrentamento das expressões de violência no cotidiano escolar.
Seus estudos mostraram que a problemática das diferentes manifestações da
violência no cotidiano escolar é complexa e multidimensional.
Para os (as) professores (as) investigados (as), a violência está aumentando,
do ponto de vista quantitativo e qualitativo, sendo considerado um fenômeno
diversificado e intenso. Para eles (as), a manifestação da violência na escola é o
“reflexo” da violência social, constituindo-se num fenômeno derivado e que se
24
origina fora da escola. Não identificaram formas de violência geradas na própria
escola, não vendo a cultura escolar como fonte de violência. (CANDAU, 2001)
Fante (2005) relata que, numa escola da rede pública de ensino, com 450
alunos, buscou-se identificar o número de alunos envolvidos no fenômeno bullying,
sua localização e identificação, e a visão dos professores e demais profissionais da
escola sobre o fenômeno. Entre os achados desta pesquisa, destaca-se o fato das
crianças vítimas de bullying sentirem-se chateadas, desesperadas, sem saber o que
fazer ou a quem recorrer, além de desprotegidas e humilhadas, e uma minoria não
se incomodava por acreditarem ser “apenas” brincadeiras dos colegas.
Em relação à opinião dos professores, os dados colhidos pela pesquisa
mostram que 95% acreditavam que o fenômeno bullying deveria ser considerado um
problema para a convivência escolar; 65% percebiam os maus tratos entre os
alunos, 47% responderam que dedicavam entre 21% e 40% do seu tempo escolar
aos problemas de indisciplina e de conflitos entre os alunos.
Para os professores investigados, as causas determinantes do fenômeno era
o contexto familiar social. Eles consideraram a violência verbal a mais praticada
entre os alunos, seguida da violência física, sendo que as condutas agressivas
ocorriam mais freqüentemente na sala de aula e no pátio. A opinião dos professores
quanto às possíveis soluções para este tipo de fenômeno consistiu em adotar
programas de prevenção (FANTE, 2005).
Assim, é possível compreender porque alguns professores não conseguem
lidar com os conflitos sociomorais em sala de aula. Frente a agressões e maus
tratos, reagem com atos agressivos, pois não têm capacidade de dar respostas
eficazes aos problemas que surgem.
Segundo Fante (2005), o fenômeno bullying existe em todas as escolas
pesquisadas, em todos os turnos, independente de localização ou tamanho, escolas
públicas ou privadas, das séries iniciais até as séries finais. Destacando-se, ainda,
que a sala de aula é o local onde ocorre com maior freqüência tal fenômeno.
Para combater o fenômeno e, também, conscientizar pais, professores,
alunos e demais envolvidos no processo educacional, a pesquisadora,
conjuntamente com outros pesquisadores, desenvolveu estratégias e ferramentas
para reduzir a manifestação do fenômeno, através de um programa denominado
“Programa Educar para a Paz”.
25
O fenômeno bullying pode ser considerado um multiplicador de conflitos
sociomorais por se configurar num elemento que define a maneira de agir das
crianças consideradas vítimas, bem como dos agressores que pressionam outras
crianças, impondo formas de agir, inibindo e maltratando seus pares. De acordo com
Piaget (1977), situações de constrangimento não favorecem o desenvolvimento
moral, porque impedem a construção da autonomia moral.
Considerando que o desenvolvimento moral depende principalmente da
qualidade das relações sociais que a criança estabelece com os outros, a escola
precisa olhar atentamente a questão da formação moral dos seus alunos. Menin
(1996) afirma que todas as escolas atuam na formação moral de seus alunos, nem
todas o fazem, no entanto, na direção da autonomia.
Menin (1996) investigou como se organizam as regras na escola, sua
imposição, sua prática e sua consciência. Observou, durante quatro meses, classes
do Pré II (crianças de 5 anos) até a 4ª série (crianças de até 10 anos durante as
aulas de Língua Portuguesa e Educação Artística). Mostrou que, em todas as
classes, as regras impostas eram as mesmas, prescritas como uma ordem pessoal,
dependentes da vontade da professora. Eram usadas ameaças de punição e
promessas de recompensas para manter a obediência (1ª série). Somente algumas
professoras (4ª série) mostravam às crianças a utilidade das regras para a vida em
comum e para a aprendizagem.
No que se refere à imposição das regras nas salas de aula, a autora afirma
que o tipo de relação social predominante era de coação, pois as professoras
usavam de sua autoridade para se fazer obedecer, recompensando os alunos
obedientes e punindo os desobedientes.
Quanto à prática das regras, a pesquisa mostrou que apesar do controle
excessivo sobre as crianças, elas desobedeciam freqüentemente às regras. Em
todas as classes a regra mais importante era “obedecer – fazer o que o professor
manda fazer”. Essa constatação caracterizou a prática egocêntrica das regras
escolares, ou seja, apesar de saberem o que deve ser feito, na hora de praticar as
regras, não o faziam.
Quanto às razões, à imutabilidade e às origens, a consciência das regras era
predominantemente heterônoma (no pré-primário e 1ª série) e as crianças mais
velhas, (2ª, 3ª e 4ª séries), gradativamente encaminhavam-se para a autonomia.
26
Fato que não foi evidenciado sobre o conjunto de todas as regras impostas pelas
professoras. (MENIN, 1996)
A pesquisa contemplou também os julgamentos infantis. Indagou como as
crianças julgam outras que transgridem as regras escolares; como julgam a
gravidade dos atos dos outros; quem deve resolver os conflitos – adultos ou
crianças; questões envolvendo o conflito entre ser obediente ou ser solidário.
As considerações acerca desse estudo apontaram para a idéia de que,
quando as crianças são submissas aos modelos impostos pelas professoras, as
quais definem o que é certo, bom, ou o que se deve fazer, elas estarão apenas
imitando suas professoras em suas ações.
As ações das crianças investigadas mostraram que elas buscavam a
aprovação das “tias” através do delato de seus colegas, julgavam somente o “erro”
dos outros e convocavam as “tias” – por serem mais fortes - para resolverem os
conflitos com os colegas. Esses apontamentos indicaram que as crianças apenas
repetiam o discurso do adulto, que prescrevia as regras sobre o que é “certo” fazer
na escola, provocando um distanciamento entre o discurso e sua prática efetiva
(MENIN, 1996).
Araújo (1996) pesquisou a relação entre o “ambiente escolar cooperativo” e o
desenvolvimento do juízo moral infantil. Os sujeitos da pesquisa foram crianças pré-
escolares com idades entre 6 e 7 anos, que encontravam-se na fase pré-operatória
do desenvolvimento e que ainda não eram capazes de co-operar, ou seja, operar
com os outros.
A classe investigada foi uma pré-escola de uma escola pública municipal que
atendia crianças pobres. A professora da turma pautava suas ações em
pressupostos construtivistas. Os dados coletados apontaram que as relações
interpessoais estabelecidas na escola, dentro e fora da sala de aula, em todas as
atividades, eram pautadas em relações que priorizavam o desenvolvimento da
autonomia das crianças, através das regras construídas pela professora
conjuntamente com os alunos, da cooperação e do respeito mútuo (ARAÚJO, 1996).
Ao final do ano escolar, foi feita uma avaliação do nível de desenvolvimento
do juízo moral das crianças que conviveram num ambiente escolar cooperativo
(escola A). Foram aplicadas provas piagetianas (histórias e dilemas) que versavam
sobre aspectos diversos da moralidade, com a intenção de fazer uma avaliação do
nível de juízo moral dessas crianças.
27
Para comparar esses resultados com outras realidades, as mesmas provas
foram aplicadas a outras duas escolas. Uma escola privada (escola B) e outra
pública (escola C) cujos ambientes escolares não eram cooperativos, mas sim
dominados por atitudes autoritárias das professoras. Por vezes, essas atitudes eram
agressivas, pois prescreviam sansões punitivas para os alunos. Todas as atividades
eram avaliadas e recompensadas pelas professoras. Nesses dois ambientes, não
era proporcionado às crianças fazer escolhas ou tomar decisões. Predominava nas
relações estabelecidas, pelas professoras, a coação, os castigos e recompensas e,
exigia-se o respeito unilateral (ARAÚJO, 1996).
Vinha (2003) investigou se o ambiente escolar influenciava na maneira como
os alunos relacionavam-se e lidavam com os conflitos interpessoais. Foram
selecionados para o estudo, duas classes do 3º Ano do Ensino Fundamental de
escolas públicas, cujas docentes atuavam em ambientes sociomorais distintos. Uma
atuava fundamentalmente nos pressupostos construtivistas e a outra nos
pressupostos da educação tradicional.
Observou-se ainda a forma como trabalhavam com o conhecimento, bem
como com as interações sociais. A autora descreve, também, que os modos como
os alunos compreendiam e lidavam com os conflitos interpessoais eram bem
diferentes. Constatou-se que uma das classes (A) o ambiente era caracterizado por
relações de coação e a outra (B) por relações de reciprocidade.
Em uma outra pesquisa realizada diretamente com professores, Vinha (2003)
relata o conteúdo de um curso ministrado sobre o desenvolvimento da moralidade e
as implicações pedagógicas decorrentes desses estudos. A autora analisa as
situações vivenciadas pelos educadores no cotidiano da escola, narrando as
dificuldades encontradas por eles ao trabalhar com essa questão.
Fundamentado na teoria construtivista piagetiana, o referido programa de
formação, concretizou-se por meio de um curso dividido em quatro módulos. Esses
módulos visam o desenvolvimento da moralidade infantil, a relação professor-aluno
e os procedimentos da educação moral. Nesses módulos, também estão incluídas a
supervisão direta do trabalho do professor, as reuniões pedagógicas, bem como
observações da interação professor-aluno no cotidiano da escola. (VINHA, 2003)
Pesquisando sobre o conteúdo relacionado à moralidade, ministrado ao longo
do curso, e exemplos observados nas classes ou relatados pelos educadores, os
resultados indicaram que os professores participantes do grupo experimental
28
apresentaram mudanças fundamentais na maneira de relacionar-se com seus
alunos e que estes também progrediram no que diz respeito à construção da
autonomia moral. Vinha (2003) sugere que é essencial auxiliar o educador não
somente a compreender a criança com a qual está trabalhando, mas também a
reformular sua atuação de modo a favorecer a conquista da autonomia infantil.
Dani (1996) investigou a temática “Recompensas e Castigos” a partir do
conceito de fracasso escolar, denominado o aluno exitoso. Esse estudo buscou
compreender de que modo as recompensas e os castigos podem contribuir para o
fracasso escolar, bem como sua influência sobre os elementos da relação
pedagógica.
A pesquisa, um estudo de caso, desenvolveu-se em uma escola da rede
pública municipal, tendo como sujeito uma professora de 1ª série do Ensino
Fundamental. A autora fundamentou seu estudo no conceito de fracasso escolar,
definido por Fernandez (1990 apud Dani, 1996, p.103) como “aquele no qual o aluno
considerado repetente, é aquele que passa de ano, porque se acomodou, não pensa
por si mesmo, mas triunfa, vence na escola, sendo visto como o “bom aluno” porque
repete o que o professor quer e diz”.
A autora constatou a existência do aluno repetente, aquele que é aprovado de
ano, sendo uma de suas causas a utilização de recompensas e castigos. Pode-se
dizer que em nome da disciplina, professores castigam seus alunos para que os
mesmos possam repetir o que eles querem o que não contribui para o
desenvolvimento do pensamento autônomo. (DANI, 1996)
Seus estudos mostram a existência de uma situação de fracasso escolar (o
aluno exitoso) e que a existência de um sistema disciplinar fundamentado em
castigos e recompensas, contribuiu para que essa situação se concretize com maior
eficiência.
A escola e os professores precisam assumir a existência desse fracasso. Na
forma como as atividades são desenvolvidas, como são organizados o tempo, o
espaço e a disciplina para realizar as tarefas pelas crianças, pode ser evidenciada a
maneira como a professora apresenta e trabalha o elemento conhecimento.
Se o conhecimento é transmitido como uma mera informação a ser copiada,
provoca a coação, respeito unilateral e moral heterônoma. Entretanto, se a
professora considera o conhecimento como um processo de tornar próprio o alheio,
29
desencadeará sentimentos de cooperação, respeito mútuo e moral autônoma.
(DANI, 1996)
O seu trabalho prediz a necessidade de promover na escola discussões que
possibilitem recuperar o conceito de autoridade nas relações pedagógicas; de
pensar a sala de aula como um espaço de liberdade no qual todos possam
aprender, viver, escrever, jogar, conhecer, imaginar, etc.; um espaço com
possibilidade de construir a disciplina a partir de sentimentos de cooperação e
respeito mútuo;
Dani (1996, p.143) afirma que a escola precisa “buscar o conhecimento,
enquanto ação, que perpassa os sentidos, os pensamentos e os afetos, para assim
tornar minha, de modo particular, a realidade que vivemos.” Em suas conclusões
enfatiza a importância de sanar problemas relacionados à escola (professores e
alunos), ao campo educacional (família e sociedade) e à formação de professores.
Dani (2003) investigou como alguns elementos que compõem a relação
pedagógica encontram-se imbricados no processo de construção da personalidade
moral em uma turma de quarta série do Ensino Fundamental. Em suas observações,
verificou que os conflitos que surgiam provocavam diferentes reações no grupo de
alunos e na professora, interligados aos elementos que compõem a relação
pedagógica.
A autora cita que o processo de construção da personalidade moral somente
irá se desencadear quando existirem conflitos sociomorais contextualizados. Assim,
sua construção dependerá de conflitos vivenciados pelas pessoas no meio onde
vivem e convivem, o que confirma a importância de se construir um ambiente
sociomoral favorável à construção da autonomia. Porém, sua pesquisa mostrou que
os conflitos que surgem na sala de aula, quando solucionados através de posturas
autoritárias e intervencionistas inibem a construção de personalidades morais
autônomas.
Seus estudos evidenciaram que os procedimentos da consciência moral e os
guias de valor, quando incorporados em um meio de experiência moral cuja relação
pedagógica orienta-se por posturas autoritárias, inibem a construção de
personalidades morais autônomas e favorecem situações de exclusão,
discriminação e desrespeito (DANI, 2003).
Dani (2004) buscou identificar como os professores estavam trabalhando com
os conflitos e sentimentos presentes em sala de aula. A realidade encontrada
30
apontou para uma diversidade de elementos complicadores do processo de
problematização das situações conflituosas e trabalho com os sentimentos. Os
professores investigados alegaram estar despreparados para lidarem com os
conflitos, devido a sua formação e a sobrecarga de responsabilidades no exercício
da profissão. A pesquisa mostrou que havia, nas salas de aula observadas, a
banalização/naturalização dos conflitos, a prática pedagógica priorizava os
conteúdos curriculares e as formas autoritárias de intervenção nas situações de
conflito.
De La Taille (1998, p.100) relata o resultado de uma pesquisa que aponta a
educação autoritária como geradora de indivíduos submissos, conformistas,
obedientes a uma autoridade, com traços fortes de heteronomia, pois a criança é
“submetida a constantes pressões e expressões que lhe dizem que obedecer e
pensar são atitudes contraditórias”.
Em pesquisa realizada no ano de 2004, com adolescentes do Ensino Médio
de uma escola pública, De La Taille (2005) propôs aos alunos que estes
escrevessem livremente sobre o que desejariam ser e como gostariam de viver.
Pediu, ainda, que se imaginassem dali a dez anos de maneira ideal. O autor
classificou essas perguntas no campo ético, porque privilegiam a questão do projeto
de vida. Para análise, dividiu os textos em duas categorias: a) aqueles textos que
apresentavam projetos de vida os quais incluíam o outro, fosse para ou com o outro;
b) aqueles textos nos quais o outro não aparecia.
Os resultados obtidos revelaram que apenas um terço dos sujeitos se
referiam ao outro em seus projetos de vida. A maioria dos textos não se referia em
nenhum momento ao outro, ou seja, não tinham projetos de vida em que o outro
aparecia, nem com nem para o outro, assim como não mencionavam a idéia de
justiça.
De La Taille (2005) se pergunta se atitudes como essas seriam típicas da
idade. Ele acredita que não, mas os resultados encontrados apresentaram um dado
preocupante sobre os jovens dessa geração. Mostraram um dado significativo da
nossa realidade: o fato de alguém imaginar um futuro bom no qual o outro não entra.
Essa pesquisa, em especial, nos faz refletir sobre as práticas que são
desenvolvidas na escola. O que objetivam? Que valores estão permeando tais
ações? Que convicções têm os profissionais que atuam nas escolas? Que tipo de
relações sociais se estabelecem num ambiente em que a projeção para o futuro é
31
solitária, individualista, injusta? Que sentido pode fazer na vida das pessoas uma
educação que apresente tais resultados?
As possíveis respostas para essas questões precisam considerar que a
autonomia moral pressupõe a existência de uma relação social, sendo essencial a
presença dos outros. Não há construção moral solitária, individual. Logo, uma
educação moral que concebe a autonomia como um objetivo compreende que a
moralidade desenvolve-se nas relações sociais estabelecidas pelos sujeitos.
Assim, para que essas relações sejam de qualidade, é essencial que se
priorize o respeito mútuo, a cooperação, capazes de contribuir de forma expressiva
para o desenvolvimento moral e cognitivo dos alunos.
Sastre e Moreno (2002) realizaram estudos com 120 estudantes, de primeiro
ano de uma universidade para obter dados sobre o que recordavam de algumas
coisas aprendidas no Ensino Fundamental e Médio. Na primeira parte da pesquisa,
foi perguntado aos alunos sobre as lembranças de alguns conhecimentos e sobre a
utilidade que os alunos lhes concediam. Na segunda parte da pesquisa,
questionaram os estudantes sobre a utilidade dos conhecimentos recebidos para a
resolução de seus conflitos pessoais.
A seguir perguntas e respostas da referida pesquisa:
Pergunta: “O que você lembra da Física que estudou no Ensino Fundamental
e Médio?" Respostas: 56% dos entrevistados afirmaram não recordar nada ou quase
nada e não nomearam nenhuma das noções estudadas, 39% responderam
enumerando vários conceitos isolados de física (força, velocidade, etc.); somente
5% das pessoas disseram recordar tudo ou quase tudo o que aprenderam na escola
sobre essa disciplina, embora não nomeassem nada do que afirmaram lembrar.
Pergunta: “Quantas vezes utilizou, em sua vida adulta, os conhecimentos de
que recorda?" Respostas: 42% alegaram que nunca os utilizaram; 19% disseram
que os utilizaram em sua vida diária, mas os exemplos citados não caracterizavam
conhecimentos da física; 16% referiram-se à utilidade dos conhecimentos da física,
através de conceitos muito gerais, como por exemplo, “para explicar o mundo”; 18%
atribuíram aos conhecimentos da física uma utilidade que não especifica, mas que
considera muito importante.
Para as autoras, esses resultados evidenciam o pouco significado que os (as)
alunos (as) atribuíram a sua aprendizagem escolar, mostrando que os entrevistados
32
não têm consciência do papel que ela representou em sua formação, da função
exercida e nem de sua aplicabilidade.
Sobre a questão: “Recorde um conflito importante que tenha vivido. O que o
ajudou naquele momento a superar a situação problemática?” Respostas: 45%
asseguraram que o fator mais importante foi encarar pessoalmente o problema,
assumindo a situação, analisando-a, refletindo sobre ela; 39% dos entrevistados
disseram que era útil recorrer a alguém, como familiares, amigos ou pessoas
próximas; 14% informaram que evitavam o problema; 2% não responderam a
questão.
Para saber a possível utilidade das aprendizagens escolares foi perguntado:
“Algumas das coisas que aprendeu na escola lhe foram úteis para resolver algum
conflito importante que tenha vivido?” Respostas: 37% afirmaram que o que
aprenderam na escola não lhes foi de nenhuma utilidade para resolver os conflitos
vividos; 32% afirmaram que algumas aprendizagens os auxiliaram, entretanto, as
aprendizagens realizadas fora da escola foram mais úteis; 26% responderam que
lhes foram úteis aspectos como: autodisciplina, o respeito pelos outros, a vontade de
fazer bem as coisas e outras atitudes estimuladas pela escola; somente 3%
afirmaram ter tomado conhecimento sobre como resolver conflitos com seus
professores; 2% não responderam.
Esses resultados mostraram que a maioria dos entrevistados afirmou que o
que mais lhes ajudou a resolver seus conflitos foi dispor de recursos pessoais ou
apelar para outras pessoas. Ao passo que, apenas ao serem questionados,
especificamente, sobre a formação escolar, uma minoria dos entrevistados
concedeu um lugar às aprendizagens recebidas na escola para resolver seus
conflitos. Esses apontamentos mostram com clareza que foram mais úteis para
resolver os conflitos algumas aprendizagens, afastadas das instituições de ensino, e
que os entrevistados realizaram por conta própria. (Sastre e Moreno. 2002)
Sastre e Moreno (2002, p. 45) questionam: “por que o que se aprende na
escola não é útil, e o que é útil não se aprende na escola? Vemos nossos alunos
com sua realidade, seus interesses, seus problemas refletidos no mundo que lhes
descrevemos?”
Buscar uma resposta para essa pergunta implica a necessidade urgente de
se trabalhar valores relacionados com a vida pessoal no ensino obrigatório. As
33
pesquisadoras enfatizam que “nunca” a ignorância de outro tema do currículo
provocou tantas mazelas individuais e coletivas.
As autoras propõem o desenvolvimento de um trabalho educacional que
contemple e integre os saberes racionais e emocionais. Compreendem que as
emoções e os sentimentos humanos podem ser trabalhados na escola, da mesma
forma que outras disciplinas do currículo, o que contribui para o progresso no campo
das relações interpessoais.
Nesse sentido, Guimarães (1996) esclarece que a escola precisa estar atenta
às manifestações dos conflitos que se configuram no seu interior. Ela enfatiza a
importância da construção de regras e normas claras, precisas, flexíveis e que levem
em consideração as relações interpessoais. Sugere que os educadores
compreendam a dinâmica da violência para além das suas causas, avaliando como
as diferenças e os antagonismos apontam uma rede de comunicação não explícita
que se fazem presentes no espaço escolar.
Nesse contexto, Estrela (1994) afirma que ao estabelecer regras no ambiente
escolar o professor está veiculando valores e definindo comportamentos. Isso
implica definir papéis, tanto para o aluno quanto para o professor. A autora enfatiza
que a coerência e consistência do sistema normativo são essenciais para que se
efetive um ambiente escolar com um bom clima relacional e disciplinar. Afirma ainda
que processos autoritários ao estabelecerem regras, definindo o modo como os
alunos as vivenciam, influenciam diretamente na dinâmica relacional da turma,
gerando aceitação, submissão, rejeição passiva ou indisciplina.
Cool (1996) cita que a interação professor-aluno, supõe uma estrutura de
participação ou social, que define o que cada um pode ou não fazer, seus direitos e
obrigações no desenvolvimento das atividades, e uma estrutura de conteúdo ou
acadêmica, que engloba o conteúdo da atividade escolar e sua organização. O
mesmo autor chama a atenção para o fato de que nem sempre é fácil a articulação
entre essas estruturas, pois são construídas por pessoas que desempenham papéis
assimétricos, os quais envolvem trocas, poder de decisão, autoridade, valores, etc.
A intolerância, a ausência de parâmetros que orientem a convivência
pacífica e a falta de habilidade para resolver os conflitos são algumas das
principais dificuldades detectadas no ambiente escolar. Atualmente a
matéria mais difícil da escola não é a matemática ou a biologia; a
convivência, para muitos alunos e de todas as séries, talvez seja a matéria
mais difícil de ser aprendida. (FANTE, 2005, p.91)
34
Assim, na escola, atualmente a organização, o currículo, a metodologia, a
comunicação, as atividades e as relações interpessoais precisam ser revistas. É
necessário olhar com mais atenção para as relações sociais que se estabelecem em
seu interior, para que se constitua uma mudança qualitativa dessas relações. Sastre
e Moreno (2002) afirmam que em toda convivência humana existem conflitos e sua
resolução proporciona mudança e crescimento pessoal.
Portanto, acredita-se que a escola pode se tornar um espaço capaz de
construir regras justas, e não regras inflexíveis, que veiculem valores fundamentais
como respeito mútuo, honestidade, reciprocidade, tolerância, solidariedade, capazes
de estabelecer relações humanas sólidas.
Para tanto, é essencial que a aprendizagem da resolução de conflitos priorize
o diálogo, o respeito, o companheirismo e a comunicação verdadeira, essenciais
para o desenvolvimento e para a construção da autonomia moral dos (as) alunos
(as).
Esses estudos nos apontam uma realidade histórica, que nos faz refletir sobre
os caminhos que conduzem nossos currículos escolares, esse instrumento que
revela a teoria e as práticas educativas, composto por disciplinas, conteúdos, áreas
e temas de estudo, atividades, projetos, campanhas, metodologias e procedimentos
pedagógicos.
Assim, questionamo-nos se a forma como os professores equacionam os
conflitos sociomorais, em sala de aula, implica na construção da autonomia moral
dos (as) alunos (as). Sobre o que os professores “ensinam” a seus alunos em
situações conflituosas? Que currículo é esse? Que conhecimentos constroem? Que
alunos (as) são esses?
Buscar possíveis respostas para essas e outras questões conseqüentes é um
grande desafio que perpassam reflexões sobre o currículo, o ensino a as práticas
escolares.
35
2. FUNDAMENTAÇÃO DO ESTUDO
De La Taille (1998) afirma que as produções bibliográficas de psicologia
acrescentam dimensões singulares à reflexão sobre o fenômeno moral humano.
Olhar sob a ótica da psicologia traz subsídios significativos para orientar o trabalho
educacional de formação moral e ética das novas gerações.
Assim, esta pesquisa teve como base os trabalhos de Jean Piaget (1977,
1993,1998), Joseph Maria Puig (1998), Genoveva Sastre e Montserrat Moreno
(1998). Ao lado desses autores discuto as idéias de Yves De La Taille (1998), Rheta
De Vries (1998), Betty Zan (1998), Telma Vinha (2003) e Lúcia Dani (2003).
Esses autores compõem o referencial teórico dessa investigação a qual
objetiva realizar algumas reflexões sobre a resolução de conflitos sociomorais e
suas implicações na construção da autonomia moral dos (as) alunos (as).
2.1 Por que Jean Piaget?
A teoria de Jean Piaget é uma importante referência para entendermos o
desenvolvimento e a aprendizagem humana. Segundo Macedo (1994), Jean Piaget
pode ser considerado um autor genial, pela precocidade de seu talento intelectual e,
principalmente, por sua construção teórica.
Ries (2002) diz que Piaget foi sem dúvida o teórico que conseguiu levar mais
adiante um projeto de pesquisa para desvendar o ato de conhecer. Piaget não se
satisfez com explicações tradicionais da psicologia da sua época, que estudavam a
inteligência quantitativamente. Tais linhas teóricas se baseavam no fato de que o
adulto era mais inteligente que a criança, pois era capaz de resolver problemas mais
complexos. Através de comparações, os resultados apontavam que o adulto era
capaz de resolver mais problemas que uma criança, portanto, acreditavam que o
adulto seria mais inteligente. Entretanto,
Piaget levantou uma hipótese diferente desses dados: a criança não
resolve certos problemas porque ainda não dispõe de uma estrutura
cognitiva que lhe permita compreender problemas dessa ordem; no
momento que vier a dispor de tal estrutura terá condições de lidar com
problemas dessa natureza. Piaget, portanto, entendia que a diferença entre
crianças e adultos eram de natureza qualitativa e não quantitativa. À
medida que a criança desenvolve a sua inteligência irá construir estruturas
36
cognitivas progressivamente mais complexas e abrangentes. (RIES, 2002,
p. 103 e 104).
Para explicar as trocas adaptativas entre o organismo e o meio, Piaget
desenvolveu uma teoria da equilibração, que denominou de Epistemologia Genética.
Em toda a sua obra, Piaget buscou aprofundar e ampliar sua teoria, conservando
suas hipóteses sempre atualizadas em relação a outras teorias de sua época. Seus
pressupostos teóricos influenciaram e fundamentaram diferentes áreas do saber
como a psicologia, a pedagogia e as ciências da computação.
Macedo (1994, p. 4) salienta a simplicidade e fecundidade teórico-
metodológica de Piaget que continuamente tenha utilizado “situações experimentais
simples (ainda que muito criativas e pertinentes) e valorizado o controle mútuo, isto
é, a pesquisa comparativa em diferentes culturas e contextos.”
De La Taille (1992) esclarece que, no que se refere às influências das
interações sociais no desenvolvimento cognitivo, Piaget não considerou
significativamente, em sua teoria, fatores ligados às questões culturais, como
determinadas concepções ideológicas, religiosas, diferenças sócio-econômicas,
presença ou ausência de escolarização, características da linguagem, riqueza ou
não do meio, entre outros. Todavia, a alternativa determinante destacada por ele é
aquela que opõe a coação à cooperação, significando que Piaget considera o social
e suas influências sobre os indivíduos pela perspectiva ética. (DE LA TAILLE, 1992)
Decidir querer ser coercitivo ou cooperativo é uma atitude moral. Um sujeito
pode ter condições intelectuais para ser cooperativo, mas por algum tipo de
interesse, decide não o ser, em função do poder da coação. De La Taille (1992, p.
21) diz que “o desenvolvimento cognitivo é condição necessária ao pleno exercício
da cooperação, mas não condição suficiente, pois uma postura ética deverá
completar o quadro.”
A dimensão ética pressupõe uma dimensão política, e, por conseguinte, a
valorização da igualdade e da democracia, em instituições que contemplam essas
duas dimensões. A teoria piagetiana defende cientificamente o ideal democrático,
pois, buscou mostrar a democracia como condição essencial para o
desenvolvimento e para a construção de personalidades autônomas. Piaget
desenvolveu uma teoria do desenvolvimento cognitivo que resgata a dimensão ética
37
e política, uma fonte rica de informações para as ciências humanas (DE LA TAILLE,
1992).
Freqüentemente, vemos teorias sobre cognição limitarem-se a pensar a
inteligência somente sob seus aspectos lógicos e biológicos, sem lembrar
seu caráter social. Mas também, quando pensamos o social,
freqüentemente limitamo-nos a analisar processos de educação escolar ou
de aquisição de linguagem. Ora, a dimensão ética está sempre presente,
uma vez que qualquer relação interindividual pressupõe regras. O mérito
de Piaget foi o de integrar essas regras ao próprio processo de
desenvolvimento, embora sua teoria corra o risco de pretender demonstrar
o que era, na verdade, pressuposto: o valor ético da igualdade, da
liberdade, da democracia. Em uma palavra, o valor dos direitos humanos.
(DE LA TAILLE, 1992, p. 21)
A teoria piagetiana desequilibra, .coloca a pensar e refletir sobre as práticas
cotidianas na escola, suas relações com os objetivos do currículo a que estão
submetidas, sobre os processos educativos, sobre o ensino em geral.
Para o professor a escola não é apenas lugar de reprodução de relações
de trabalho alienadas ou alienantes. É, também, lugar de possibilidade de
construção de relações de autonomia, de criação e recriação de seu
próprio trabalho, de reconhecimento de si, que possibilita redefinir sua
relação com a instituição, com o Estado, com os alunos, suas famílias e
comunidades. (PCNs, 1998a, p.32)
A escolha teórica por Jean Piaget, reside num fato primordial: sua teoria nos
dá possibilidades. Seus apontamentos mostraram o quanto é importante conhecer o
outro. Reconhecer no outro uma possibilidade de construção... construção de
conhecimentos, de relações cooperativas, de uma vida mais feliz.
2.2 A construção do conhecimento
Jean Piaget (1896-1980) dedicou sua vida ao estudo do conhecimento
humano. Doutor em biologia, estudioso em física, lógica, epistemologia e psicologia,
ele acompanhou e estudou a evolução do pensamento de crianças até a
adolescência.
38
As concepções de Piaget sobre o desenvolvimento intelectual humano
foram influenciadas por seus estudos biológicos sobre a adaptação constante de
organismos vivos (moluscos) às mudanças das condições ambientais.
Para Piaget (1996), as atividades mental e biológica seguem as mesmas leis.
Assim, concebeu o desenvolvimento intelectual do mesmo modo que o
desenvolvimento biológico, compreendendo os atos cognitivos como atos de
organização e de adaptação ao meio.
Piaget (1993) compreendia que o desenvolvimento mental implicava em
importantes mudanças qualitativas, teorizando que havia enormes diferenças entre o
pensamento adulto e o pensamento infantil. Assim, ele buscou analisar,
compreender e descrever os mecanismos pelos quais o sujeito constrói o
conhecimento.
Para Piaget (1990), o conhecimento não está nem no sujeito, nem no objeto,
mas na interação entre ambos.
(...) o conhecimento não pode ser concebido como algo predeterminado, nem
nas estruturas internas do sujeito, porquanto estas resultam de uma
construção efetiva e contínua, nem nas características preexistentes do
objeto, uma vez que elas só são conhecidas graças à mediação necessária
dessas estruturas, e que estas, ao enquadrá-las, enriquecem-nas (quando
mais não seja para situá-las no conjunto dos possíveis). (PIAGET, 1990, p. 1)
Portanto, a criança, à medida que passa por uma série progressiva de
transformações, vai se ajustando a realidade que a cerca, de forma progressiva e
cada vez mais de acordo com as situações com as quais se confronta. Por exemplo,
se uma criança de três anos resolve um problema que aos dois anos ela ainda não
conseguia, isso significa que, a partir desse momento, ela possui um mecanismo
mental diferente do anterior e, possivelmente, mais elevado, pois permitiu que ela se
ajustasse à nova situação.
Desse modo, o conhecimento origina-se nas interações entre o sujeito e o
objeto. Progressivamente, o sujeito torna-se capaz de conhecer os objetos,
coordenando suas ações e as inter-relações entre os objetos, o que implica numa
construção. O conhecimento está incessantemente vinculado às ações ou
operações, ou seja, às transformações.
Assim, descreve a evolução da criança e do adolescente em termos de
equilíbrio, argumentando que o desenvolvimento mental é uma construção contínua.
39
Da mesma maneira que um corpo está em evolução até atingir um nível
relativamente estável - caracterizado pela conclusão do crescimento e pela
maturidade dos órgãos -, também a vida mental pode ser concebida como
evoluindo na direção de uma forma de equilíbrio final, representada pelo
espírito adulto. O desenvolvimento, portanto, é uma equilibração
progressiva, uma passagem contínua de um estado de menor equilíbrio
para um estado de equilíbrio superior. (PIAGET, 1990, p.13)
Assim, o desenvolvimento é uma equilibração progressiva, ou seja, passa-se
de um estado de equilíbrio inferior para um estado de equilíbrio superior. Segundo
Piaget (1993), é através desse processo que se podem observar as diferenças entre
o pensamento infantil e o pensamento adulto. O autor relata que na vida afetiva e
nas relações sociais o equilíbrio dos sentimentos aumenta e estabiliza-se com a
idade.
É, portanto em termos de equilíbrio que vamos descrever a evolução da
criança e do adolescente. Deste ponto de vista, o desenvolvimento mental
é uma construção contínua, comparável à edificação de um grande prédio
que, à medida que se acrescenta algo, ficará mais sólido, ou à montagem
de um mecanismo delicado, cujas fases gradativas de ajustamento
conduziriam a uma flexibilidade e uma mobilidade das peças tanto maiores
quanto mais estável se tornasse o equilíbrio. Mas, é preciso introduzir uma
importante diferença entre dois aspectos complementares deste processo
de equilibração. Devem-se opor, desde logo, as estruturas variáveis –
definindo as formas ou estados sucessivos de equilíbrio – a um certo
funcionamento constante que assegura a passagem de qualquer estado
para o nível seguinte. (PIAGET, 1993, p.12)
Piaget (1996, p. 16) explica que as ações são esquemas de ações; “o que,
numa ação, é assim transponível, generalizável ou diferenciável de uma situação à
seguinte, ou seja, o que há de comum nas diversas repetições ou aplicações da
mesma ação”.
Os esquemas organizam a relação do ser humano com o meio. Quando o
bebê nasce, dispõem de esquemas, chamados reflexos, como sugar e agarrar.
Inicialmente, são apenas movimentos mecânicos, mas sua prática originará
modificações, visando adaptações cada vez mais sofisticadas. Assim, os esquemas
após uma série de transformações que não são extintas, refinam-se.
Através das trocas do organismo com o meio, as estruturas mentais são
construídas. O sujeito, interagindo com o mundo, está constantemente num
processo de adaptação. Para Piaget (1996), a adaptação é responsável pela
evolução dos organismos que se transformam.
40
Os esquemas de ações são construídos pelo processo de assimilação, os
quais Piaget (1996, p. 13) define como a integração dos esquemas já adquiridos,
que podem permanecer invariáveis ou serem modificados por essa integração, (...)
sem serem extintos, mas simplesmente, acomodando-se a nova situação.
Por exemplo, a criança não suga somente o mamilo da mãe, mas também, o
dedo, a fralda, ou qualquer outro objeto. Essa prática repete-se sob os objetos que
estão ao seu redor, permitindo que ela assimile essa informação ao seu esquema.
Através desse processo, a criança transforma o meio de acordo com as suas
necessidades. A assimilação é necessária, pois permite a continuidade e a
integração de novos elementos aos esquemas de ações.
Entretanto, essa integração de novas estruturas está condicionada ao
processo de acomodação. Esse processo (por analogia aos “acomodatos”
biológicos) foi conceituado por Piaget (1996, p. 18) como “toda modificação dos
esquemas de assimilação”. O autor, conclui que não há assimilação sem
acomodação (anteriores ou atuais), nem acomodação sem assimilação.
Na acomodação o sujeito age para transformar-se, ajustando-se através de
um empenho pessoal e espontâneo frente aos obstáculos que o objeto de
conhecimento lhe impõe. Portanto, a acomodação compreende as transformações
do ser humano para melhor adequar-se ao ambiente e responder as suas
provocações.
É a necessidade que impulsiona o sujeito a executar alguma ação exterior ou
interior. Ela existe quando alguma coisa em nós ou fora de nós se modificou,
exigindo um reajustamento da conduta em função desta mudança (PIAGET, 1993)
Comer ou dormir, brincar ou conseguir suas finalidades, responder a
perguntas ou resolver problemas, ser bem sucedido na imitação,
estabelecer um laço afetivo, sustentar seu ponto de vista, são outras
satisfações que, nos exemplos precedentes, darão fim à conduta específica
suscitada pela necessidade. A cada instante pode-se dizer, a ação é
desequilibrada pelas transformações que aparecem no mundo, exterior ou
interior, e cada nova conduta vai funcionar não só para restabelecer o
equilíbrio, como também para entender a um equilíbrio mais estável que o
do estágio anterior a esta perturbação. (Piaget, 1993, p. 14)
Assim, toda ação humana pode ser entendida como um movimento contínuo
e perpétuo de equilibração. A relação de reciprocidade entre uma criança e os
objetos que correspondem a sua necessidade depende, a cada momento, das
41
estruturas que ela já possui e das disposições afetivas, que lhe permitem um melhor
equilíbrio (PIAGET, 1993).
Para Piaget (1993), existe um paralelismo entre o desenvolvimento afetivo e
intelectual. Assim, as ações que favorecem a inteligência também incidem na
afetividade e, por conseguinte, nas relações sociais.
É a necessidade que impulsiona o sujeito a conhecer, a superar suas atuais
dificuldades, a vencer os obstáculos que o meio lhe apresenta. O sujeito age para
transformar-se e acomodar-se ao novo conhecimento. Piaget sustenta que todo o
conhecimento é a ação do sujeito no mundo.
Como diz Becker (2001 p. 37), para Piaget, é “a ação que produz a psiqué, o
próprio inconsciente humano, que produz o conhecimento na sua forma e como
condição de possibilidade”.
Concebendo o conhecimento como construção, Piaget (1995) explica essa
construção através de um processo de abstração reflexionante. Sob a ótica
piagetiana, compreender é construir estruturas de assimilação por abstração
reflexionante. A abstração, enquanto empírica baseia-se em retirar (abstrair) o
conhecimento diretamente dos objetos ou das ações que se exercem sobre estes
objetos.
A abstração reflexionante consiste em retirar (abstrair) o conhecimento não
dos objetos, mas da coordenação das ações sobre os objetos. Assim, por exemplo,
o conhecimento resultante da aprendizagem da resolução de conflitos é “retirado”
(abstraído) da coordenação de várias ações, e não é observável. É um campo de
compreensão não de observação. Por exemplo, quando uma criança é operatório-
concreta, e é desafiada a compreender um conflito, a pensar sobre formas de
resolvê-lo e utiliza essas soluções posteriormente em outras situações conflituosas,
é uma abstração considerada como finalidade do desenvolvimento, pois implicou
numa tomada de consciência.
Tomada de consciência é, pois, apreensão dos mecanismos da própria
ação. É esse o caminho por onde transita uma pedagogia inspirada em
Piaget! Uma pedagogia inspirada por Piaget tem de ser centrada
necessariamente nesse processo, que tem dupla dimensão e flui
exatamente porque essa dupla dimensão existe, isto é, um sujeito pode
agir sobre o meio, sobre algum objeto, algum conteúdo, sobre as próprias
ações, interagindo com outros sujeitos e, ao fazer isso, ele tem condições
de voltar-se sobre si mesmo e apreender o que fez e os mecanismos do
seu fazer. (BECKER, 2001, p. 40)
42
Portanto, a abstração será maior ou menor dependendo do contexto no qual o
indivíduo está inserido. Assim, é preciso que exista uma constante preocupação em
apresentar a resolução de conflitos sociomorais como um conteúdo capaz de
construir conhecimentos, de tal forma que permita aos alunos abstraí-los.
De La Taille (1992, p. 112) menciona que, para a epistemologia genética, o
pensamento racional é, entre outras coisas, fruto da abstração reflexiva, ou seja, do
esforço que o sujeito faz para pensar seu próprio agir com a intenção de situar-se no
mundo.
Piaget (1995) argumenta que a “abstração reflexionante” (réfléchessante)
apóia-se sobre a “abstração empírica” e sobre todas as atividades cognitivas do
sujeito (esquemas ou coordenações de ações, operações, estruturas, etc.) para
abstrair delas características e utilizá-los para outras finalidades (novas adaptações,
novos problemas, etc.).
A abstração reflexionante pode ser observada em todos os estágios de
desenvolvimento, desde os níveis sensório-motores a criança, para resolver um
problema novo, utiliza estruturas já construídas para reorganizá-las em função de
novas informações, mesmo que ainda, segundo Piaget, não se possa inferir sobre a
tomada de consciência. Essas teorizações são fundamentos de uma avançada
teoria da aprendizagem humana.
Dani (2003, p. 38) acentua que “na concepção de aprendizagem proposta por
Piaget, o desenvolvimento cognitivo pressupõe sempre a atividade transformadora
do sujeito ao conhecer”. A autora argumenta ainda que, essa compreensão
fundamenta-se nas capacidades de criação, invenção e participação ativa e
consciente do sujeito.
Segundo Piaget (1973), existe três tipos de conhecimento, o físico, lógico-
matemático e o social:
• Conhecimento físico: é estruturado a partir da abstração empírica. A
criança abstrai as propriedades (cor, forma, textura, som, odor, etc.) dos objetos ao
agir sobre eles, observando como eles reagem às suas ações. Assim, as crianças
percebem que os objetos reagem de maneiras diferentes a mesma ação. Apalpar,
pegar, dobrar, apertar, sacudir, entre outras, são algumas ações através das quais o
conhecimento físico é estruturado. Os objetos são a fonte do conhecimento físico, e
é através dos seus sentidos que a criança abstrai as propriedades desses objetos.
43
• Conhecimento Lógico-Matemático: esse conhecimento é estruturado a
partir da abstração reflexiva, ou seja, através das coordenações das ações que a
criança exerce sobre os objetos. Enquanto o conhecimento físico é abstraído dos
objetos, o conhecimento lógico-matemático é abstraído das coordenações das
ações que o sujeito exerce sobre os objetos. Assim, pode-se dizer que a fonte do
conhecimento físico são os objetos, e a fonte do conhecimento lógico-matemático é
o sujeito. Tanto o conhecimento físico quanto o conhecimento lógico-matemático são
estruturados a partir das ações que a criança realiza sobre os objetos.
Dani (2003, p. 39-40) argumenta que o conhecimento físico “não pode ser
construído sem um quadro lógico-matemático, (...) não pode ser compreendido,
aprendido ou lido sem a mediação de um quadro de relações, classificações,
enumerações, ordenações, seriações, etc.”.
• Conhecimento Social: esse conhecimento é assim conceituado, porque é
construído através da interação com as pessoas. Assis (2003) afirma que, enquanto
o conhecimento lógico-matemático tem como fonte o sujeito, o conhecimento físico e
o conhecimento social têm por fontes os objetos e as pessoas, respectivamente.
Desde muito pequena, a criança recebe influências do meio social. Os adultos
lhe dão afeto, cuidados, alimentos, brincadeiras, também determinam hábitos e
proibições, aprovam ou desaprovam seu comportamento. Nessa interação com os
adultos, são conhecidas e construídas a linguagem, os valores, as regras e normas
sociais do grupo no qual a criança se insere.
Assis (2003) esclarece que é a partir das interações com as pessoas que as
crianças constroem representações que lhe permitem compreender e explicar a
realidade social. Portanto, o conhecimento social é um conjunto de idéias, que
concede ao indivíduo o poder de conhecer a si mesmo e aos outros, de
compreender as relações interpessoais, os grupos e a sociedade em geral.
Acredita-se que é essencial conhecer e compreender esses tipos de
conhecimento, pois, assim, os professores poderão auxiliar seus alunos a construí-
los.
Compreendendo o desenvolvimento como um processo contínuo, e para
melhor explicar o que acontece no desenvolvimento humano, Piaget (1994)
descreveu, a partir de seus estudos, uma seqüência de estruturas que compõem o
desenvolvimento:
44
Primeiro Estágio: Sensório-motor (0 – 2 anos).
Pode-se dizer que esse período é decisivo para todo o curso da evolução
psíquica, pois representa a conquista, por meio da percepção e dos movimentos, de
todo o universo prático que cerca a criança. No início desse desenvolvimento, o
recém-nascido traz tudo para si, para seu corpo, no final, com o aparecimento da
linguagem e do pensamento, ele se coloca, praticamente, como um elemento ou
corpo entre os outros (PIAGET, 1993).
Esse período caracteriza-se por uma inteligência prática, baseada na ação,
no movimento e nas percepções. Inicialmente, a capacidade da criança é puramente
reflexa, suas únicas ferramentas são os atos biológicos que gradativamente vão se
modificando.
A modificação dos reflexos é através do seu próprio funcionamento que aos
poucos vão se tornando esquemas sensório-motores. Por exemplo, da necessidade
de sugar para sobreviver à fome, que inicialmente é um ato reflexo, esse primeiro
sugar vai se transformar num ato voluntário, num “saber sugar”, que pode ser
aplicado a outros objetos como o brinquedo, a roupa, o canudinho, etc. e não
somente ao seio materno. Assim, a criança desenvolve ações para se adaptar cada
vez melhor ao meio em que vive, como ver, ouvir, tocar, etc. que também são postos
a funcionar (ASSIS, 2003).
Esses esquemas, que inicialmente permitem a criança organizar os estímulos
ambientais, ao final desse estágio, darão a criança condições de lidar, mesmo que
de modo rudimentar, com uma variedade de situações.
Durante esse período, o bebê desenvolve a permanência do objeto, ou seja, a
compreensão de que os objetos do ambiente existem mesmo que ele não os
perceba ou toque e torna-se capaz de representá-los mentalmente.
No ponto de partida da evolução mental, não existe, certamente, nenhuma
diferenciação entre o eu e o mundo exterior, isto é, as impressões vividas e
percebidas não são relacionadas nem à consciência pessoal sentida como
um “eu”, nem a objetos concebidos como exteriores. São simplesmente
dados em um bloco indissociado, ou como que expostos sobre um mesmo
plano, que não é nem interno nem externo, mas meio caminho entre esses
dois pólos. Estes só se oporão um ao outro pouco a pouco. Ora, por causa
desta indissociação primitiva, tudo que é percebido é centralizado sobre a
própria atividade. O eu, no início, está no centro da realidade, porque é
inconsciente de si mesmo e à medida que se constrói como uma realidade
interna ou subjetiva o mundo exterior vai-se objetivando. Em outras
palavras, a consciência começa por um egocentrismo inconsciente e
45
integral até que os progressos da inteligência senso-motora levem à
construção de um universo objetivo, onde o próprio corpo aparece como
elemento entre os outros, e ao qual se opõe a vida interior, localizada neste
corpo. (PIAGET, 1993, p. 19).
Nesse estágio, gradativamente a criança constrói uma diferenciação entre os
objetos externos e o próprio corpo. Ela constrói uma imagem de si, de seu corpo,
diferenciada das outras pessoas e objetos. A afetividade também evolui, e os
sentimentos desenvolvem-se interligados ao desenvolvimento cognitivo sendo
expressos por meio das ações das crianças.
Piaget (1993, p. 22) afirma que “a afetividade e a inteligência são
indissociáveis” e são complementares de toda a conduta humana. Primeiramente, os
sentimentos são instintivos e impulsivos, num segundo momento, estão voltados
para si mesmo e podem caracterizar uma espécie de egocentrismo geral. Evoluindo,
os sentimentos são projetados para outras pessoas, mas permanecem ainda como
os afetos perceptivos, ligados às ações da criança. Por se configurarem em
conceitos construídos não se encontram evidências da existência de conceitos
morais nem de regras nesse estágio, pois as regras são puramente motoras.
Segundo Estágio: Pré - Operacional (2 a 7 anos)
Nesse período, a linguagem aparece e evolui significativamente, modificando
as condutas nos aspectos afetivo e intelectual. Uma das características básicas
desse estágio é a interiorização de esquemas de ação construídos no estágio
anterior (sensório-motor). A partir de agora, a criança é capaz de reconstituir suas
ações passadas, sob forma de narrativas e de antecipar suas ações futuras através
da fala.
Daí, resultam três conseqüências essenciais para o desenvolvimento
mental: uma possível troca entre os indivíduos, ou seja, o início da
socialização da ação: uma interiorização da palavra, isto é, a aparição do
pensamento propriamente dito, que tem como base a linguagem interior e o
sistema de signos, e, finalmente, uma interiorização da ação como tal, que,
puramente preceptiva e motora que era até então, pode daí em diante se
reconstituir no plano intuitivo das imagens e das “experiências mentais”. Do
ponto de vista afetivo, segue-se uma série de transformações paralelas,
desenvolvimento de sentimentos interindividuais (simpatias e antipatias,
respeito, etc.) e de uma afetividade interior organizando-se de maneira
mais estável do que no curso dos primeiros estágios. (PIAGET, 1993, p. 23
e 24)
46
A troca e a comunicação entre os indivíduos são a conseqüência mais
evidente do aparecimento da linguagem, o que o autor chamou de socialização da
ação. A imitação favorece as relações interindividuais, inicialmente a criança imita
movimentos visíveis em seu próprio corpo, como por exemplo, o movimento das
mãos. Posteriormente, a imitação torna-se uma cópia dos movimentos conhecidos e,
mais tarde, a criança será capaz de reproduzir movimentos mais complexos que
envolvem as partes não visíveis do seu próprio corpo, como o rosto e a cabeça.
Com a linguagem, a criança se comunica com os outros e primeiramente as
relações sociais estão fundamentadas em atos de subordinação e em relações de
coação exercida pelo adulto sobre a criança (PIAGET, 1993). Tais relações
apresentam uma realidade superior à criança, sendo os adultos com quem ela
convive os responsáveis por orientar todas as suas ações.
Um “eu ideal” (...), se propõe ao eu da criança, e os exemplos vindos do
alto serão modelos que a criança deve procurar copiar ou igualar. São
dados ordens e avisos, sendo, como mostrou Bovet, o respeito do pequeno
pelo grande que os torna aceitáveis e obrigatórios para as crianças. Mas,
mesmo fora desses núcleos de obediência, desenvolve-se toda uma
submissão inconsciente, intelectual e afetiva, devida à coação espiritual
exercida pelo adulto. (PIAGET, 1993, p. 25-26).
Assim, as trocas entre as crianças e seus pais, representam uma escala de
valores moldada à imagem dos pais. Entre esses valores, Piaget (1993) destaca o
respeito unilateral, ou seja, aquele que a criança utiliza com pessoas mais velhas.
Esse tipo de respeito, mescla de afeição e temor, caracteriza uma relação afetiva
desigual.
Piaget (1993) afirma que o respeito está na origem dos sentimentos morais,
bastando apenas que os adultos emitam ordens e avisos que esses serão
observados pelas crianças como obrigatórios, produzindo dessa forma o sentimento
do dever. Com efeito, a primeira moral da criança é a da obediência, devendo-se
essencialmente ao respeito pelas regras propriamente ditas. Piaget (1993, p. 41)
afirma que “a moral da primeira infância fica essencialmente heterônoma, isto é,
dependente de uma vontade exterior”.
Em grupo, as crianças pré-operatórias falam cada uma por si, porém
acreditam que se escutam e se compreendem. Esse fato, Piaget (1993) denominou
de “monólogo coletivo”, característica que pode ser encontrada em brincadeiras
47
coletivas ou de regras. Por exemplo, no jogo de bolitas, as crianças desse período
jogam cada um por si sem se preocupar com os outros jogadores, ao passo que os
mais velhos seguem regras semelhantes e organizam seus jogos individuais em
acordo com os outros.
(...) as trocas interindividuais das crianças de 2 a 7 anos são caracterizadas
por um “egocentrismo” que permanece a meio caminho do individual e do
social e que se pode definir por uma indiferenciação relativa do ponto de
vista do outro. É assim que a criança fala pra si tanto quanto pelos outros,
que não sabe discutir, nem expor seu pensamento segundo uma ordem
sistemática, etc. Nos jogos coletivos dos pequenos, vê-se cada um jogar
em parte por si, sem coordenação do conjunto (PIAGET, 1973, p.179)
De La Taille (1992, p. 15) diz que nessa fase “a criança ainda não faz relação
entre suas afirmações e suas definições em um diálogo, não parecendo incomodar-
se com os equívocos que podem complicar o diálogo”. O autor argumenta que a
criança pequena tem dificuldade em se colocar no ponto de vista do outro, não
sendo ainda capaz de manter relações de reciprocidade.
Piaget (1993) destaca nesta fase o aparecimento do jogo simbólico,
caracterizado por uma atividade real do pensamento, embora significativamente
egocêntrica. Sua função é satisfazer o “eu” através de uma transformação do real
em função dos desejos. Um exemplo, citado pelo autor, remete a brincadeira de
bonecas, na qual a criança refaz sua vida, mudando os fatos, e revivendo os
prazeres ou conflitos, resolvendo-os, compensando-os de acordo com a sua
imaginação. Com efeito, quando a criança joga está organizando, associando os
conhecimentos através da fala nas suas ações.
É importante salientar que esses jogos podem nos dar indicações sobre as
relações das crianças na família, na escola, etc... Por exemplo, quando a criança é
vítima de maus tratos, ao brincar com bonecas pode salientar uma relação violenta
entre “boneca-mãe” e “boneca-filha”.
Ao analisar as crianças, Piaget (1993) afirma que o egocentrismo do
pensamento da criança pré-operatória apresenta três formas: o artificialismo, o
animismo e o finalismo. O artificialismo é a crença de que todas as coisas foram
construídas pelos seres humanos, como por exemplo: a montanha foi feita por um
homem muito grande; o animismo é a tendência da criança em atribuir
características humanas a seres inanimados, como por exemplo, dizer que a
almofada está sentada no sofá; o finalismo é a tendência da criança em considerar
48
que, se as coisas existem, têm que ter uma finalidade e esta é lhe servir, como por
exemplo, a cama existe porque é para “eu dormir”.
Quando fazemos perguntas a crianças de menos de sete anos, sempre nos
surpreendemos pela pobreza das suas respostas, pela incapacidade de motivar as
afirmações e até pela dificuldade que sentem em achar por retrospectiva a maneira
como se conduziram. Do mesmo modo, a criança de quatro à sete anos, não sabe
definir os conceitos que emprega e limita-se a designar os objetos correspondentes
ou a definir pelo uso (“é para”) sob a dupla influência do finalismo, o da “dificuldade
de justificação”. (PIAGET, 1993)
Nesse estágio, a criança faz muitas perguntas, e o adulto desempenha um
papel muito importante, pois, suas respostas e atitudes serão responsáveis por
conduzir a criança a níveis mais elevados de desenvolvimento, a promover a
transição da criança deste estágio para um superior. Portanto, pais e professores ao
longo desse período pré-operatório, podem ajudar às crianças a construírem
progressivamente novos conceitos para que, posteriormente, elas possam
compreendê-los melhor.
A criança pré-operatória ainda não possui um domínio verbal acentuado,
assim como já o possui na ação e na manipulação. Existe uma inteligência prática
prolongando a inteligência senso-motora e preparando as noções técnicas que se
desenvolverão até a idade adulta. A criança, até os sete anos, permanece pré-lógica
e amplia a lógica pelo mecanismo da intuição, caracterizando uma interiorização das
percepções e movimentos sob a forma de imagens representativas e de
“experiências mentais” que prolongam os esquemas senso-motores sem
coordenação propriamente racional. (PIAGET, 1993).
Entre muitos exemplos, Piaget (1993) destacou que, ao mostrarmos a uma
criança de cinco anos duas fileiras de fichas uma ao lado da outra e perguntarmos
se as fileiras são iguais (se têm a mesma quantidade de fichas) possivelmente ela
dirá que sim. Se deixarmos a primeira das fileiras intocável e deslocarmos uma das
fichas da segunda fileira, e fizermos a mesma pergunta para a criança, ela
possivelmente dirá que a segunda fileira tem mais fichas. O mesmo ocorrerá em
relação à conservação de volume, massa e peso.
Nesse período, desenvolvem-se os sentimentos interindividuais nas crianças
(afeições, simpatias, antipatias) relacionados à socialização das ações, a aparição
49
dos sentimentos morais, provenientes das relações entre crianças, adultos e as
regularizações de interesses e valores, ligados ao pensamento intuitivo em geral.
Aos interesses e valores somam-se os sentimentos de autovalorização, ou
seja, os sentimentos de inferioridade e de superioridade. Nesse período, os
sucessos e fracassos das atividades da criança compõem uma escala de valores e
resultam num autojulgamento, que pode repercutir em todo o desenvolvimento. As
relações afetivas interindividuais são condicionadas por estes valores, fazendo com
que os sentimentos entre os sujeitos originem-se de uma troca, cada vez mais rica,
desses valores.
Ao concluir, ao autor acentua que os interesses, as autovalorizações, os
valores interindividuais espontâneos e os valores intuitivos são os elementos que
caracterizam a vida afetiva nesse nível de desenvolvimento.
Terceiro Estágio: Operatório-Concreto (7 – 12 anos).
Este estágio, compreendido entre os sete e os doze anos de idade,
caracteriza-se pelas operações intelectuais concretas, começo da lógica e dos
sentimentos morais e sociais de cooperação.
Nesse estágio, a assimilação egocêntrica está em vias de transformar-se em
uma assimilação racional, ou seja, em estruturar a realidade pela própria razão. As
noções de conservação são o resultado de um jogo de operações, coordenadas
entre si em sistemas de conjuntos, cuja propriedade mais notável, desse estágio, é a
de serem reversíveis. (PIAGET, 1993)
De dois a sete anos – período pré-operatório – embora a inteligência já
seja capaz de empregar símbolos e signos, ainda lhe falta a reversibilidade,
ou seja, a capacidade de pensar simultaneamente o estado inicial e o
estado final de alguma transformação efetuada sobre os objetos (por
exemplo, a ausência de conservação da quantidade quando se transvaza o
conteúdo de um copo A para um copo B, de diâmetro menor). Tal
reversibilidade será construída nos períodos operatório concreto e formal.
(DE LA TAILLE, 1992, p.17)
Com efeito, o que leva as crianças nesse período a admitir a conservação de
uma substância, por exemplo, é a possibilidade de retorno ao ponto de partida.
Tomando o exemplo já citado no estágio anterior, no caso das duas fileiras de
fichas, como a criança já terá adquirido a noção de conservação de quantidade,
50
compreenderá que o número de fichas permanecerá igual nas duas fileiras, apesar
de mudar a disposição das fichas.
Piaget (1993, p.51) destaca as conquistas do pensamento assim
transformado: “as de tempo (e com ele o de velocidade e de espaço), além da
causalidade e noções de conservação, como esquemas gerais do pensamento e
não mais simplesmente, como esquemas de ação ou intuição”. Deste modo, nesse
estágio, a criança desenvolve as noções de tempo, de velocidade, de espaço, de
volume, é capaz de classificar e seriar e de realizar operações numéricas.
Por volta dos sete, idade que coincide com o início da aprendizagem escolar,
há uma modificação decisiva no desenvolvimento mental da criança. Em crianças
com essa idade há um duplo progresso: concentração individual e colaboração
efetiva, enquanto que nos pequenos não se consegue distinguir com nitidez a
atividade privada, da atividade realizada em colaboração.
Do ponto de vista das relações interindividuais, a criança depois dos sete
anos, torna-se capaz de cooperar, porque não confunde mais seu próprio
ponto de vista com o dos outros, dissociando-os mesmo para coordená-los.
Isto é visível na linguagem entre crianças. As discussões tornam-se
possíveis, porque comportam compreensão a respeito dos pontos de vista
do adversário e procura de justificações ou provas para a afirmação
própria. As explicações mútuas entre crianças se desenvolvem no plano do
pensamento e não somente no da ação material. A linguagem
“egocêntrica” desaparece quase que totalmente e os propósitos
espontâneos da criança testemunham pela própria estrutura gramatical, a
necessidade de conexão entre as idéias e de justificação lógica. (PIAGET,
1993, p. 43)
Nos jogos com regras, por exemplo, no jogo de bolitas, evidencia-se uma
mudança no comportamento coletivo das crianças, pois reconhecem e respeitam um
número significativo de regras. Em função das regras estipuladas para uma partida
do jogo, as crianças procuram manter uma unidade das regras, controlando as suas
ações e a dos companheiros. As crianças, ao definirem o vencedor de uma partida,
consideram aquele que, dentro das regras acordadas entre os jogadores, alcançou o
maior êxito. (PIAGET, 1993)
Ao invés de condutas impulsivas, a criança pensa antes de agir, começando,
assim, a conquista deste processo difícil que é a reflexão. Nesse contexto, ao
analisar as respostas que as crianças desse estágio dão a determinada questão, o
professor, ao invés de indicar a resposta correta diretamente, poderia instigar,
51
desafiar seus alunos sobre a resposta. Primeiramente, questioná-los sobre como
chegaram àquela resposta, discutir as idéias que surgirem, etc.
Quando ocorrem conflitos sociomorais em sala de aula, o professor também
tem a possibilidade de problematizar a situação, iniciando um processo de reflexão
sobre as ações dos alunos. Para tanto, é importante, conjuntamente com os alunos,
elucidar os motivos do conflito, tentar descobrir quais sentimentos estão envolvidos,
exercitar o “colocar-se no lugar do outro”, dialogar sobre quais as melhores formas
de resolução, etc.
A criança começa a liberar-se de seu egocentrismo social e intelectual. É o
início da construção da lógica, que constitui, precisamente, o sistema de relações
que permite a coordenação dos pontos de vista entre si.
Para a afetividade, o mesmo sistema de coordenações sociais e individuais
produz uma moral de cooperação e de autonomia pessoal, em oposição à
moral intuitiva de heteronomia característica das crianças. Ora, este novo
sistema de valores representa, no campo afetivo, o equivalente da lógica
para a inteligência. Os instrumentos mentais que vão permitir esta dupla
coordenação, lógica e moral, são constituídos pela operação, no tocante à
inteligência, e pela vontade, no plano afetivo. (PIAGET, 1993, p.45)
Nesse período, a afetividade caracteriza-se pelo aparecimento dos novos
sentimentos morais, por uma organização da vontade que conduz a integração do
eu e a uma regulação da vida afetiva. A cooperação entre as crianças e as formas
de vida social dela decorrentes fazem surgir um novo sentimento, o respeito mútuo.
O respeito mútuo conduz a novos sentimentos morais, como por exemplo, as
transformações quanto aos sentimentos da regra, nas relações entre crianças e
destas com os adultos. Piaget em suas análises, concluiu que nesse estágio as
regras do jogo de bolitas, por exemplo, são aceitas por serem resultado de um
acordo mútuo entre os jogadores. Por isso, o respeito mútuo conduz a uma série de
sentimentos morais desconhecidos até então, como a honestidade, o
companheirismo, a justiça, etc.
Pode-se dizer, então, que o respeito mútuo, que se diferencia
gradualmente do respeito unilateral, conduz a uma organização nova dos
valores morais. Sua principal característica consiste em que implica em
uma autonomia relativa da consciência moral dos indivíduos, podendo-se
deste ponto de vista, considerar esta moral de cooperação como forma de
equilíbrio superior à moral da simples submissão. PIAGET (1993, p. 59)
52
Logo, as crianças desse estágio apresentam um significativo interesse pelas
regras que permitem o convívio, conscientes desta condição. Desse modo, as
discussões entre as crianças objetivam compreender os diferentes pontos de vista,
numa relação de reciprocidade.
Quarto Estágio: Operatório-Formal (a partir dos 12 anos)
Por volta dos doze anos, efetua-se uma transformação fundamental no
pensamento da criança: é a passagem do pensamento concreto para o pensamento
formal. É o estágio das operações intelectuais abstratas, da formação da
personalidade e da inserção afetiva e intelectual na sociedade dos adultos, equivale
à adolescência.
Piaget (1993, p. 63) diz que “o pensamento formal torna-se possível, isto é, as
operações lógicas são transpostas do plano da manipulação concreta para o das
idéias”, que são expressas através da linguagem (palavras, símbolos matemáticos,
etc.), sem a necessidade de apoiar-se na percepção, experiência ou crença.
O pensamento formal é hipotético dedutivo, ou seja, é a capacidade do
adolescente em realizar conclusões com base em hipóteses e não apenas por uma
observação real. Essa forma de pensar exige um trabalho mental mais elaborado
que o pensamento concreto.
Para a criança, trata-se não somente de aplicar as operações aos objetos,
ou, melhor, de executar, em pensamento, ações possíveis sobre estes
objetos, mas de “refletir” estas operações independentemente dos objetos
e de substituí-las por simples proposições. Esta “reflexão” é, então, como
um pensamento de segundo grau; o pensamento concreto é uma
representação de uma ação possível e o formal é a representação de uma
representação de ações possíveis. (PIAGET, 1993, p. 64)
As operações formais fazem com que o pensamento seja capaz de construir e
elaborar reflexões e teorias, independentemente do real. A inteligência formal é a
libertação do pensamento, agora o sujeito é capaz de refletir espontaneamente.
Nesse estágio, revela-se uma forma de egocentrismo, representado pela
crença na onipotência da reflexão, como se o mundo devesse submeter-se aos
sistemas e não estes à realidade. Piaget (1993, p. 65) argumenta que “é a idade
metafísica por excelência: o eu é forte o bastante para reconstruir o Universo e
suficientemente grande para incorporá-lo”.
53
Esse egocentrismo metafísico vai gradativamente sendo superado quando há
equilíbrio entre o pensamento formal e a realidade, ou seja, quando a reflexão
compreende que sua função não é contradizer, mas, sim, adiantar-se e interpretar a
experiência. (PIAGET, 1993)
A vida afetiva do adolescente fixa-se pela conquista da sua personalidade e
pela sua inserção na sociedade adulta. Piaget (1993) afirma que a personalidade
implica em cooperação; a autonomia da pessoa opõe-se a anomia, ou ausência de
regras (eu) e à heteronomia, ou seja, a submissão às regras impostas do exterior.
Com efeito, a pessoa é solidária com as relações sociais que mantém e produz.
Essas descrições piagetianas sobre o desenvolvimento da criança constituem
um instrumento explicativo, no qual Piaget elege a função intelectual como
referência básica, desafiando o conhecimento inativo. É importante observar que as
idades sugeridas por Piaget (1993) referem-se às médias, não excluindo o fato de
que as crianças possam, em dimensões distintas, apresentar características de um
ou mais estágios.
Cada estágio apresenta estruturas originais, cuja construção distingue-os dos
estágios anteriores. Estas estruturas apresentam uma forma particular de equilíbrio,
no sentido de uma equilibração que proporciona a evolução mental da criança e do
adolescente. Observa-se que as crianças passam por uma seqüência de
desenvolvimento cognitivo sempre em direção a um estágio mais avançado.
Portanto, em cada estágio a criança precisa ser desafiada a construir suas
estruturas, sendo importante lhe oportunizar experiências e tempo suficiente para
interiorizar essa ação. Os estudos piagetianos nos conduzem a uma melhor
compreensão do desenvolvimento humano, auxiliando-nos a desenvolver métodos
pedagógicos ativos e condizentes com a realidade da criança.
Educar, numa perspectiva piagetiana, seria propiciar às crianças situações
adequadas aos estágios de desenvolvimento. Portanto, a educação precisa começar
onde a criança encontra-se, o que implica em repensar o papel do educador, o qual
pode ser considerado um agente do desenvolvimento do aluno.
2.3 A construção da autonomia moral
Piaget (1977, p. 344) afirma o “paralelismo existente entre o desenvolvimento
moral e a evolução intelectual”. Dessa forma, a seguir, será descrito o estudo do
54
julgamento moral na criança, que orientou as análises das entrevistas com os (as)
professores (as) dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e as observações em sala
de aula, para melhor compreender as implicações da resolução de conflitos
sociomorais na construção da autonomia moral dos alunos.
Em seu livro “O Julgamento moral na criança” (1977), Piaget não analisa
diretamente a moral infantil, como é experienciada na escola, família ou grupo, e sim
analisa qual o juízo que a criança faz a respeito da moral.
Inicialmente, o autor busca saber o que vem a ser o respeito à regra a partir
da própria criança através da análise da prática e consciência das regras do jogo. A
partir dessa análise, o autor dirige-se ao estudo das regras morais, prescritas pelos
adultos, discutindo sobre fatos morais para perceber quais as concepções das
crianças, sobre seus deveres e os valores morais em geral. Assim, examinou os
julgamentos das crianças sobre a mentira, a verdade, etc. relacionando-os aos
efeitos da coação adulta.
Finalmente, Piaget discorre sobre as relações das crianças entre si a partir da
noção de justiça, como fundamental para compreender tais relações. Em suas
pesquisas, o autor apresenta uma seqüência de desenvolvimento moral análoga a
que ele encontrou no próprio desenvolvimento da inteligência.
Nas relações que estabelecemos com os outros, faz-se necessário à
existência de regras que permitam um convívio social satisfatório, mas, para Piaget,
o importante não são as regras em si, mas, sim, o porquê de segui-las. Deste modo,
a moralidade é concebida por Piaget (1977, p. 11) como “um sistema de regras, e a
essência de toda a moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo
adquire por essas regras”. Sendo assim, Piaget (1977), para estudar a moralidade
humana, escolheu jogos coletivos, sendo o jogo de bolitas para meninos e a
amarelinha para meninas. Ele pesquisou a prática e a consciência da regra,
interrogando cada criança a fim de evidenciar como se adapta às regras do jogo e
como as cumpre em função de sua idade.
Piaget (1977) diz que as regras do jogo podem derivar tanto dos rituais
produzidos pelas crianças e suas relações com os objetos, como derivam de um
simbolismo que se tornou coletivo. O autor sugere que esses rituais, assim como os
esquemas motores da criança, que dão origem (com exceção de adaptações
propriamente ditas) a uma espécie de funcionamento em vão, dando prazer à
criança como se fosse um jogo, anunciam as regras.
55
Os símbolos surgem por volta do 1º ano e depois dos próprios rituais, quando
à inteligência motora soma-se a linguagem e a representação, o símbolo torna-se
objeto de pensamento. Piaget enfatiza que o ritual e o símbolo individuais são
necessários, mas não suficientes ao desenvolvimento das regras e dos sinais
coletivos. O autor diz que a regra motora (ou ritual) e a regra propriamente dita, têm
em comum a consciência da regularidade, sendo necessário distinguir os
comportamentos nos quais apenas intervém o gosto pelo que é regular dos
comportamentos que se constituem por um elemento de obrigação.
Desde que um ritual é imposto a uma criança pelos adultos os quais ela
respeita, ou resulta da colaboração de outras crianças, esse ritual passa a compor a
regra propriamente dita. Ao tipo de respeito predominante (unilateral ou mútuo),
intervém um elemento de submissão, que caracteriza o aparecimento de toda a
regra: a obrigação.
Os estudos de Piaget (1977) descrevem em estágios as características que
dominam cada etapa do desenvolvimento das regras sucessivamente. A seguir,
serão descritos esses estágios:
2.3.1 Estágios quanto à prática das regras:
• 1º Estágio - Estágio das regras motoras: este estágio é denominado por
Piaget, como puramente motor e individual, referindo-se as primeiras regras motoras
da criança (0 a 2 anos). Essas regras estão relacionadas ao contato da criança com
os objetos em função de seus próprios desejos e hábitos motores. Assim, a criança
primeiramente busca conhecer os objetos e acomodar seus esquemas motores a
essa realidade nova para ela.
Piaget caracteriza esse estágio pela ausência de seqüência e de direção na
sucessão de comportamentos (há regras permanentes), embora exista uma
ritualização de comportamentos. O autor também destaca o aparecimento de
simbolismos, assim, os comportamentos são muito mais “jogados” do que pensados,
mas implicam uma participação da imaginação.
• 2º Estágio - Egocentrismo: esse estágio inicia quando a criança recebe do
exterior o exemplo das regras codificadas, em média entre os dois e cinco anos.
Mesmo imitando as regras do outro, a criança as pratica como deseja.
56
Quando jogam juntas, cada criança joga para si (todas podem ganhar) e sem
se preocupar com a “codificação” das regras. Esse duplo caráter de imitação e
utilização individual dos exemplos recebidos, Piaget denominou de egocentrismo.
Este surge como um comportamento intermediário entre os comportamentos
socializados e os puramente individuais.
A socialização da criança inicia desde que existam trocas verbais através da
linguagem, da imitação. O pensamento adulto predomina sob o pensamento da
criança.
(...) a própria natureza da relação entre a criança e o adulto coloca a
criança numa situação a parte de tal forma que seu pensamento permanece
isolado, e, mesmo acreditando partilhar do ponto de vista de todos, ela fica,
de fato, fechada em seu próprio ponto de vista. (PIAGET, 1977, p. 32).
Portanto, nesse estágio, por seguir um conjunto de regras e exemplos vindos
do exterior, a criança ainda não consegue igualar-se aos mais velhos, utilizando
para si própria, mesmo sem se dar conta de seu isolamento, o que aprendeu da
realidade social ambiente.
Piaget observou que não há contato real entre as crianças que jogam, pois
elas não se importam com os pormenores das regras. Sintetizando essa idéia,
Piaget (1977, p. 29) afirma que “cada um por si e todos em comunhão com o mais
velho, poderia ser a fórmula do jogo egocêntrico”.
• 3º Estágio- Cooperação nascente: nesse estágio, por volta dos seis, sete
anos surge a necessidade do desenvolvimento mútuo do jogo. Assim, a criança
começa a observar as regras comuns do jogo, ao tentar vencer, fica atenta às ações
dos outros jogadores. O jogo então, deixa de ser muscular e egocêntrico para tornar-
se social.
Há um interesse crescente em conhecer as regras do jogo e seus detalhes.
Entretanto, mesmo conhecendo as regras comuns a todos os jogadores, se forem
questionadas, separadamente, as crianças darão respostas diferenciadas sobre as
explicações do jogo. Isto, segundo Piaget explica-se pelo fato de que, nesse estágio,
a criança joga como raciocina.
Essas novas maneiras de pensar conduzem às deduções, que derivam das
experiências da criança, entretanto, ainda são incapazes de levar a criança a
raciocinar formalmente.
57
• 4º Estágio- Codificação das regras: nesse estágio, o código das regras a
seguir é conhecido por todos os jogadores. As crianças empenham-se em cooperar
ou combinar, mostrando prazer em codificar e prever todos os possíveis casos do
jogo. Também, aplicam adequadamente, as regras do jogo dominando-o em todo o
seu rigor.
Nesse estágio o interesse dominante é pela regra, tal como ela é, o que se
evidencia nas ações das crianças/adolescentes quando se interessam em discutir,
decidir, prever e fixar as regras que serão aplicadas no jogo.
Para Piaget (1977, p. 41) nesse estágio é possível que a criança/adolescente
“tome consciência das regras do raciocínio a ponto de aplicá-las não importa em que
caso, também naqueles puramente hipotéticos (simples assunções)”. Assim, pode
aplicar conscientemente as regras do jogo, chegando a raciocinar formalmente.
Para o autor, a aquisição e a prática das regras de jogo obedecem a leis
simples e naturais, cujas etapas podem ser definidas da seguinte maneira: 1)
simples práticas regulares individuais; 2) imitação dos maiores com egocentrismo; 3)
cooperação; 4) interesse pela regra em si mesma (PIAGET, 1977).
Piaget (1932) salienta que a prática das regras está intimamente ligada à
consciência que as crianças possuem sobre elas. Para conhecer a que consciência
da regra corresponde os esquemas individuais (rituais), o autor lembra que, desde o
nascimento da criança, tudo exerce pressão sobre ela para lhe impor a noção de
regularidade.
Os conhecimentos físicos (sucessão de dias e noites) favorecem o
aparecimento de esquemas motores de previsão. Unidas às regularidades
exteriores, os pais impõem a criança certas obrigações morais que originam outras
regularidades: refeição, sono, asseio, etc.
Portanto, a criança está mergulhada desde os primeiros meses numa
atmosfera de regras, e torna-se, desde então, extremamente difícil discernir
o que vem dela própria nos rituais que respeita, e o que resulta da pressão
das coisas ou da imposição do círculo social. No conteúdo de cada ritual,
certamente, é possível saber o que foi inventado pela criança, descoberto
na natureza ou imposto pelo adulto (PIAGET, 1977, p. 45).
Piaget faz essa distinção, quando suas observações mostram que as regras
motoras impostas para si pela própria criança, sem que exista intervenção nenhuma,
não originam um sentimento de obrigação propriamente dita. Observou também que,
58
quando as regras são inventadas, imitadas ou recebidas do exterior e sancionadas
pelo ambiente, elas estão acompanhadas de um sentimento de obrigação, ou seja,
constitui a regra como ela é.
Bovet (sem data apud PIAGET, 1977, p. 46) em sua tese sobre a gênese da
obrigação consciente afirma que “o sentimento de obrigação surge quando a criança
aceita as imposições de pessoas pelas quais demonstra respeito”. Piaget (1977)
amplia essa tese, distinguindo, ao lado do respeito unilateral, aquele do maior pelo
menor, um respeito mútuo de igualdade entre eles. Afirma que a regra coletiva
surgirá como resultado desses dois tipos de respeito.
Assim, Piaget descreve três estágios que expressam a progressão da
consciência das regras:
2.3.2 Estágios quanto à consciência das regras:
• 1º Estágio - Regras Motoras: nesse estágio a criança desenvolve rituais
puramente individuais através de repetições, estabelecendo para si própria
esquemas de ação. A regra não é coercitiva, pois é puramente motora não
constituindo obrigatoriedade.
• 2º Estágio - Prática do Jogo: seu início é marcado pelo interesse da
criança em querer jogar, de acordo com as regras estabelecidas pelos outros, por
imitação ou contato verbal. A criança começa a imitar as regras dos outros e
qualquer que seja, na prática, o egocentrismo do seu jogo, considera essas regras
“imutáveis”. Qualquer alteração das regras é vista pela criança como uma falta
grave. Entretanto, quando joga, foge às regras, fazendo o que deseja.
As crianças desse estágio, mesmo juntas jogam cada uma para si, sem se
preocuparem com os outros. Em seu íntimo, as crianças mantêm um respeito
místico às regras, pois as consideram eternas, devidas às autoridades (pais,
legisladores, Deus) que às concebeu, portanto não podem mudá-las. Esta constitui a
característica mais fundamental da moral do estágio egocêntrico. Piaget (1977, p.
53) diz que o “egocentrismo é pré-social em relação à cooperação”. Ao conjunto
dessas características Piaget (1977) chamou de pensamento moral egocêntrico.
O egocentrismo infantil não é um comportamento anti-social, seguindo ao
lado do constrangimento do adulto. Dessa forma, o autor distingue dois tipos de
59
relações sociais: a coação, que implica respeito unilateral, de autoridade, de
prestígio, e a cooperação, que implica uma simples troca entre indivíduos iguais.
Somente a cooperação é capaz de socializar o indivíduo, a coação, ao contrário,
alia-se constantemente ao egocentrismo infantil, impedindo que a criança estabeleça
uma relação recíproca com o adulto. (PIAGET, 1977)
No jogo de bolinhas, a submissão das crianças menores às regras das
crianças mais velhas não provoca uma cooperação na ação, mas produz uma
espécie de “mística”, de sentimentos redundantes de participação coletiva. A regra,
portanto, nesse estágio, é considerada uma lei imposta pelo consentimento mútuo,
cujo respeito é obrigatório.
• 3º Estágio - Consciência da Regra: a partir dos dez anos, em média, a
consciência da regra transforma-se completamente. Piaget (1977, p. 56) afirma que
“à heteronomia sucede a autonomia: a regra do jogo apresenta-se à criança não
mais como uma lei exterior, sagrada, quando imposta pelos adultos, mas como
resultado de uma livre decisão, e como digna de respeito na medida em que é
mutuamente consentida.”
A criança, nesse estágio, consente em modificar as regras, desde que todos
os jogadores concordem. Renunciam o fato das regras serem consideradas como
eternas e transmitidas de geração em geração. Quanto às origens do jogo e das
regras, acreditam que foram sendo estabelecidas pouco a pouco, pelas próprias
crianças.
A partir desse estágio, a regra é concebida como uma livre decisão das
próprias consciências, não é coercitiva nem exterior, podendo ser modificada e
adaptada de acordo com as necessidades do grupo. As regras deixam de ser vistas
como verdades absolutas, como sagradas e historicamente definidas, constituindo
uma construção progressiva e autônoma.
Piaget (1932, p. 60) afirma que “quando a regra da cooperação sucede a
regra da coação, torna-se uma lei moral efetiva”. O autor observa que a cooperação
efetiva é capaz de conduzir a criança à prática da reciprocidade em suas relações
sociais.
É a autonomia, portanto, que torna possível a prática verdadeira das regras.
Nesse estágio, a criança torna-se legisladora, assim, ao modificar as regras, toma
60
consciência da razão de ser destas. A regra, portanto, constitui para a criança uma
condição necessária de entendimento.
A autonomia supõe um melhor respeito à regra, no sentido político e
democrático com o qual as crianças definem as regras que irão conduzir o jogo. Não
se trata de impor tais regras, mas construí-las a partir de argumentos bem definidos
e colocados ao exame de todos os participantes. Piaget (1977, p. 62) diz que “a lei
emana doravante do povo soberano e não da tradição imposta pelos antigos.”
Daqui por diante, pelo fato da criança cooperar com os outros com
reciprocidade, ela tem condições de discernir entre o costume imposto pelos mais
velhos e o ideal racional. (PIAGET, 1977)
O autor conclui que o desenvolvimento progressivo da prática e consciência
da regra distingue-se por três fases:
• A primeira delas é a anomia. Num primeiro momento (1 aos 2 anos), as
ações das crianças são puramente motoras, manipula os objetos em função de si
mesma. Posteriormente, (2 a 5 anos), jogam exclusivamente sós, apesar de receber
do exterior os exemplos das regras. A criança de até cinco anos não segue regras
coletivas;
• A segunda é a heteronomia, nessa fase as crianças delegam a origem das
regras ao sagrado, de origem adulta e as consideram inalteráveis. Qualquer
mudança é vista pela criança como uma violação, algo inconcebível.
A criança heterônoma não assimilou ainda o sentido da existência de
regras: não as concebe como necessárias para regular e harmonizar ações
de um grupo de jogadores e por isso não as segue à risca; e justamente
por não as conceber desta forma, atribui-lhes uma origem (...) estranha à
atividade e aos membros do grupo, e uma imutabilidade definitiva que faz
as regras assemelharem-se as leis físicas. (DE LA TAILLE, 1992, p.50)
Logo, apesar de não compreenderem as regras, as crianças as aceitam em
função da fonte de onde emanam tais regras;
• A terceira fase é a autonomia, com características opostas à fase da
heteronomia, e correlaciona-se a concepção adulta do jogo, revelando-se como
resultado do consentimento mútuo entre os jogadores.
De La Taille (1992, p. 50) afirma que “foram esses apontamentos que
serviram de referência para que Piaget concebesse o desenvolvimento do juízo
61
moral”. Os estudos de Piaget (1977) demonstram que a moralidade é um processo
de construção, e o define em estágios universais e organizados hierarquicamente.
Portanto, o autor considera três fases de julgamento moral nas crianças: a
anomia, no qual o indivíduo não tem obrigação para com as regras sociais; a
heteronomia, estágio em que há uma relação de submissão à autoridade e a
autonomia moral, que é caracterizada pelo sentido que é dado às normas, que são
fundamentadas nas relações de trocas mútuas e reciprocidade.
Piaget (1977) afirma que existem duas morais na criança: a coação e a
cooperação. A moral da coação é a moral do dever puro e da heteronomia, a criança
obedece cegamente às imposições vindas do adulto, que prescreve formas de agir,
de pensar, critérios, crenças, etc. Não há reciprocidade nas relações interindividuais
e as regras são impostas.
Para Piaget, as relações de coação são contraditórias com o
desenvolvimento intelectual das pessoas a elas submetidas. No caso
específico das crianças, ela reforça o egocentrismo, que, entre outras
coisas, representa justamente a dificuldade de se colocar no ponto de vista
do outro e assim estabelecer, com ele, relações de reciprocidade. A coação
impede, ou simplesmente não pede, que tal reciprocidade ocorra, e,
portanto, não possibilita à criança construir as estruturas mentais
operatórias necessárias à sua conquista. (DE LA TAILLE, 1992, p. 59).
Outro tipo de relação interindividual é a da cooperação. Esse tipo de relação é
regulada pela reciprocidade, pois permite aos participantes realizarem acordos
mútuos e a construção das regras. Através da cooperação, há o desenvolvimento
moral e mental, pois, ele demanda a descentração, assim o sujeito é capaz de
compreender o ponto de vista do outro.
Em suas conclusões, Piaget (1977) afirma que a moral do indivíduo imposta
pela sociedade não é homogênea, assim como, a própria sociedade não é singular.
Foi através do conjunto de relações sociais que constituem a sociedade que Piaget
distinguiu esses dois tipos de relação:
Oriundas dos elos de autoridade e de respeito unilateral, as relações de
coação caracterizam, portanto, a maioria dos estados de fato de dada
sociedade e, em particular, as relações entre a criança e seu ambiente
adulto. Definidas pela igualdade e pelo respeito mútuo, as relações de
cooperação constituem, pelo contrário, um equilíbrio limite mais que um
sistema estático. Origem do dever e da heteronomia, a coação, é assim,
irredutível ao bem e à racionalidade autônoma, produtos da reciprocidade,
62
se bem que a própria evolução das relações de coação tenda a aproximá-
las da cooperação (PIAGET, 1977, p. 342-343).
De La Taille (1992) argumenta que somente a moral da cooperação permite a
autonomia necessária à construção e consolidação do mundo democrático.
Para Vinha (2003), ser moralmente autônomo é agir de forma livre,
coordenando fatores relevantes para a ação, decidindo da melhor maneira possível
para todos os envolvidos. O indivíduo que é autônomo segue um código de ética
interno, regras morais próprias que emergem dos sentimentos internos da
necessidade de considerar os outros além de si. Assim, a fonte das regras não está
mais nos outros, mas no próprio indivíduo.
A essência da autonomia é que as crianças tornem-se aptas a tomar
decisões por si mesmas. Mas a autonomia não é a mesma coisa que a
liberdade completa. A autonomia significa levar em consideração os fatos
relevantes para decidir agir da melhor forma para todos. Não pode haver
moralidade quando se considera apenas o próprio ponto de vista. Quando
uma pessoa leva em consideração os pontos de vista das outras, não está
mais livre para mentir, quebrar promessas e ser leviano. (KAMÏI, 1984, p.
108)
Portanto, para Piaget (1977), os desenvolvimentos moral e intelectual
fundem-se, com efeito, o progresso de um corresponde ao progresso do outro. As
teorizações piagetianas sobre o desenvolvimento da moralidade na criança
constituem-se num importante instrumento intelectual para todos, mas,
especialmente, para os professores que atuam junto às crianças.
2.4 Procedimentos da Educação Moral
Piaget (1998) cita que qualquer procedimento de educação moral precisa ter
como ponto de partida a própria criança. Para tanto, é preciso compreender o
desenvolvimento da moral infantil, considerando as relações das crianças entre si e
delas com os adultos.
O que é dado pela constituição psicobiológica do indivíduo como tal são as
disposições, as tendências afetivas e ativas: a antipatia e o medo –
componentes do “respeito” -, as raízes instintivas da sociabilidade, da
subordinação, da imitação, etc., e, sobretudo dessa capacidade indefinida
de afeição, que permitirá à criança tanto amar um ideal como amar a seus
pais e tender ao bem tanto como à sociedade de seus semelhantes.
(PIAGET, 1998, p. 26)
63
Entretanto, o autor chama a atenção para o fato de que, se essas
manifestações inatas dos indivíduos mantivessem-se desordenadas, seriam fontes
dos piores excessos, e dos desenvolvimentos, a natureza psicológica do indivíduo
como tal permaneceria neutra do ponto de vista moral.
Piaget (1998) conclui que para a construção da moralidade é necessário que
os indivíduos organizem relações uns com os outros.
Quer consideremos as normas morais como impostas a priori ao espírito,
quer que nos atenhamos aos dados empíricos, é sempre verdade, do ponto
de vista da experiência psicopedagógica, que é nas relações
interindividuais que as normas se desenvolvem: são as relações que se
constituem entre a criança e o adulto ou entre ela e seus semelhantes que
a levarão a tomar consciência do dever e a colocar acima de seu eu essa
realidade normativa em que consiste a moral. . (PIAGET, 1998, p. 26 e 27)
Sob a ótica piagetiana não há moral sem uma educação moral. Todavia, não
há uma moral única, pois haverá tantos tipos de moral quantas forem as relações
sociais ou interindividuais que acontecerem entre a criança e o meio ambiente.
Por exemplo, se num ambiente sociomoral o professor for autoritário, exigindo
o respeito unilateral, sua atuação conduzirá seus alunos por caminhos muito
diferentes dos que são conseqüência de um ambiente sociomoral onde o professor
permite a livre colaboração entre as crianças. Portanto, dependendo da escolha por
um ou outro ambiente sociomoral, o professor moldará consciências e determinará
comportamentos bem diferentes.
Piaget (1998) descreve a existência de duas “morais”, isto é, de duas
maneiras de sentir e de se comportar que resultam da pressão no espírito da
criança, de dois tipos fundamentais de relações interindividuais. Essas duas morais
combinam-se, embora durante a infância sejam distintas, durante a adolescência, se
reconciliam. Piaget (1998) argumenta que esse dado é fundamental para o estudo
dos diversos procedimentos da educação moral.
O autor define o respeito como o sentimento fundamental para adquirir as
noções morais. Bovet (1912 apud Piaget, 1998, p.28) diz que “duas condições são
necessárias para que se desenvolva a consciência da obrigação: em primeiro lugar,
que um indivíduo dê ordens a outro e, em segundo, que esse outro respeite aquele
de quem emanam as ordens”. Ou seja, basta que a criança respeite seus pais ou
64
professores para que as ordens prescritas por eles sejam aceitas e, assim, tornem-
se obrigatórias para a criança.
Contudo, é essencial que se distingam dois tipos de respeito: o respeito
unilateral (caracterizado pelo respeito que a criança tem em relação ao adulto,
através da relação de coação) e o respeito mútuo (caracterizado pelo respeito
recíproco e pela relação de cooperação). Piaget (1998, p. 28) afirma que ”essa
cooperação constitui a essência das relações entre crianças ou entre adolescentes
num jogo regulamentado, numa organização de self-government ou numa discussão
sincera e bem conduzida”.
Essas reflexões conduzem-nos a pensar sobre a aprendizagem da resolução
de conflitos sociomorais como uma ferramenta essencial para o desenvolvimento da
autonomia moral dos alunos.
Piaget (1998, p. 29) argumenta que “a moral resultante do respeito mútuo e
das relações de cooperação pode caracterizar-se por um sentimento diferente, o
sentimento do bem, mais interior à consciência, cujo ideal de reciprocidade tende a
tornar-se inteiramente autônomo”.
O mesmo autor (1998, p. 32) afirma que “o fim da educação moral é constituir
personalidades autônomas aptas à cooperação”. Ele nos convida a refletir sobre os
procedimentos em curso na educação moral, sendo que alguns recorrem
exclusivamente para o respeito unilateral e a coação do adulto, outros recorrem
somente para a cooperação entre crianças, e há ainda outros, que evocam em
diferentes graus estes dois tipos de organização.
Os componentes da moralidade da criança não constituem uma forma
harmoniosa, mas estão em oposição uns em relação aos outros, pois existem duas
morais na criança, as quais desenvolvem conflitos que se manifestam frente a
situações vivenciadas capazes de produzir reflexões.
Compreende-se que os conflitos sociomorais constituem ótimas
oportunidades para que os professores possam desenvolver estratégias
pedagógicas para resolvê-los. Nesse contexto, a aprendizagem da resolução dos
conflitos sociomorais pode ser fundamentada no self-government, pois poderá ser
um instrumento capaz de identificar o mecanismo psicológico das diversas relações
que unem os alunos aos professores.
65
Qualquer que seja nossa concepção sobre a consciência moral e a razão,
como inatas ou produzidas pela sociedade, evidencia-se, no exercício da moralidade
e da lógica, a vida em comum.
Dessa forma, todos os grupos sociais são cerceados por regras morais e
formas de pensar comuns a todos os indivíduos, que as repassam de geração em
geração. Essas regras morais e lógicas devem-se a uma consciência humana
independente da sociedade. Entretanto, a sociedade é necessária para possibilitar
um conteúdo concreto às regras e para obrigar os indivíduos a submeterem-se a
elas.
A seguir, será pontuado alguns fatores psicológicos para a melhor
compreensão do funcionamento e dos resultados do self-government.
Inicialmente, é importante destacar que a evolução da criança consiste não só
no desenvolvimento de suas aptidões inatas, mas também, e principalmente, numa
socialização real capaz de transformar qualitativamente sua personalidade. A
sociedade contribui formando e estruturando a personalidade da criança.
Desde o nascimento, quando a criança por não saber falar, desconhece a
realidade social – somente instintivamente a criança procura o outro e o imita – até a
idade adulta, quando as regras morais e lógicas estão interiorizadas, podemos
observar uma evolução gradual de cada indivíduo.
Quando as regras são exteriores ao indivíduo, a criança ainda é incapaz de
socializar sua conduta e seu pensamento, o que a impossibilita de estar no mesmo
plano dos outros indivíduos. A criança é influenciada por um egocentrismo
inconsciente e espontâneo, próprio das realidades ainda não assimiladas.
Como resultado, antes de interiorizar as leis do mundo social, a criança
considera o grupo em função de si mesma, ao invés de manter relações recíprocas
e impessoais com os outros.
Do ponto de vista moral, esse egocentrismo é evidente nas relações entre as
crianças e os adultos, quando observa-se as dificuldades que as crianças têm em
compreender o porquê das regras e obedecê-las.
Nas relações entre as próprias crianças, o egocentrismo manifesta-se como
uma dificuldade de coordenação. Podemos observar, no jogo de bolitas, quando as
crianças de seis a sete anos utilizam as regras cada uma do seu jeito e aceitam que
todas possam vencer, sem preocuparem-se com os pormenores das regras, primam
pelo prazer individual, o que caracteriza uma socialização artificial. Piaget (1998)
66
indica que esse egocentrismo é inconsciente, pois cada jogador pensa que os outros
também pensam da mesma forma que ele.
O mesmo ocorre do ponto de vista intelectual. Por um lado, quando os
interesses do eu estão em conflito com as normas da verdade, o
pensamento prefere inicialmente a satisfação à objetividade: donde as
pseudo-mentiras, a fabulação e, de modo geral, os jogos da imaginação ou
os jogos simbólicos dos pequenos. Por outro lado, quando, nas suas
conversas ou discussões a criança tenta compreender o outro e se faz
compreender, observamos um certo número de deformações sistemáticas
devidas ao egocentrismo: incapaz ainda de se colocar no ponto de vista do
alheio, o indivíduo no começo não consegue nem expor sem equívocos
seu pensamento nem apreender o dos outros sem assimilá-lo ao seu.
(PIAGET, 1998 p. 116)
O indivíduo ainda não sabe discutir ou refletir, pois a reflexão é uma
discussão interna que harmoniza a afirmação pessoal imediata confrontando-a com
a objeção possível dos outros.
Piaget (1998, p. 116) refere-se à reflexão como “uma estrutura do julgamento
e do raciocínio, que está mais ou menos condicionada pelo egocentrismo e pela
socialização do pensamento”. A reflexão coletiva, em parte, é responsável por definir
e estabelecer conceitos, por outro lado, a lógica das relações supõe a reciprocidade.
É devido ao egocentrismo que a criança não compreende a dinâmica das relações
sociais mais comuns. Por exemplo, quando a criança não compreende ainda a
relação entre dizer que tem um irmão, e que seu irmão também tem um.
Não interiorizar as regras sociais exteriores à criança é condição de um
egocentrismo inconsciente e espontâneo cujas repercussões morais e intelectuais
são consideráveis. Um egocentrismo inconsciente e espontâneo, que se caracteriza
pela incapacidade da criança em interiorizar as regras sociais exteriores, se constitui
num importante elemento de desenvolvimento moral e intelectual. Para libertar-se
desse egocentrismo e socializar sua conduta e seu pensamento, o indivíduo
necessita transpor limites.
Inicialmente, a ação dos pais e dos adultos em geral sobre o pensamento da
criança constitui-se no primeiro processo de socialização dos indivíduos. Ela é eficaz
na medida em que as crianças sentem pelos adultos um sentimento mescla de amor
e medo: o respeito. O autor denomina de coação social essa relação de pressão do
adulto sobre o pensamento da criança, e de respeito unilateral, o respeito que o
inferior sente pelo superior e que torna possível a coação.
67
Moralmente, o respeito unilateral conduz a criança a julgar as regras
recebidas dos pais ou dos mais velhos como obrigatórias. Assim, pode-se explicar o
sucesso da autoridade. A moralidade adquirida de fora é heterônoma, e origina uma
espécie de “realismo moral”, no qual os atos são avaliados em função de sua
concordância externa com a regra. Do ponto de vista intelectual, o respeito unilateral
possibilita a coação do adulto sobre o pensamento da criança, tanto positiva como
negativamente.
Piaget (1998) destaca que os pontos negativos não são muito conhecidos
dos educadores. Ele observa que, com freqüência, o que é falado pelos adultos
rapidamente constitui-se em verdades, entretanto, essas verdades de autoridade
não fazem com que as crianças esforcem-se, empenhem-se em construir seu
conhecimento, pois o adulto ao prescrever atividades e atitudes elimina essa
construção.
Posteriormente, Piaget (1998) refere-se a um segundo processo de
socialização, indissociável do primeiro, que se constitui pela ação dos indivíduos uns
sobre os outros quando a igualdade supera a autoridade. Sob essa circunstância, a
coação desaparece cedendo lugar à cooperação, e o respeito torna-se mútuo.
Enquanto a coação impõe regras e verdades prontas, a cooperação impõe a
superação de si mesmo, constituindo um efeito qualitativo para o desenvolvimento
moral e intelectual dos indivíduos.
Do ponto de vista moral, a cooperação conduz a criança a não mais
simplesmente obedecer às regras impostas pelos adultos, mas a uma ética da
solidariedade e da reciprocidade. Essa moral caracteriza-se, quanto à forma, por
uma progressiva autonomia da consciência, que prevalece sobre a heteronomia dos
deveres primitivos. Quanto ao conteúdo, certas noções fundamentais como a justiça,
devem-se à cooperação gradual entre iguais.
Do ponto de vista intelectual, essa mesma cooperação entre indivíduos
conduz a uma crítica mútua e objetividade progressiva. Dessa forma, todo o sujeito
capaz de pensar é um ponto próprio de referência e de interpretação, sendo a
verdade uma coordenação entre esses pontos de vista.
Pensar em função dos outros é, portanto, substituir o egocentrismo do
ponto de vista próprio e os absolutos ilusórios da coerção verbal por um
método de estabelecimento de relações verdadeiras, que garante não
apenas a compreensão recíproca, mas também a constituição da própria
razão. (PIAGET, 1998, p. 119).
68
O autor diz que a cooperação produz como conseqüência a “lógica das
relações”, uma ferramenta capaz de permitir à criança libertar-se gradualmente do
egocentrismo e das noções verbais devidas à autoridade adulta mal-compreendida.
O respeito mútuo, também conduz os indivíduos a observarem as regras em função
da não-contradição (do ponto de vista formal) e a concordarem com a experiência
objetiva (do ponto de vista real).
Piaget (1998, p. 119) justifica que, para compreender o mecanismo
psicológico do self-government, é preciso “situar-se sempre do triplo ponto de vista
do egocentrismo dos indivíduos, da coerção dos mais velhos e da cooperação entre
os iguais”.
Portanto, concorda-se com Piaget (1998) e encontra-se no self-government
um procedimento de educação social que objetiva ensinar os indivíduos a sair de
seu egocentrismo para colaborarem entre si e submeterem-se a regras comuns.
2.5 O ambiente sociomoral e a aprendizagem da resolução de conflitos
sociomorais
Piaget (1998) sustentou que a vida social entre crianças é um contexto
necessário para o desenvolvimento da inteligência, moralidade e personalidade.
Assim, é na convivência diária, desde a mais tenra idade, que a criança irá
defrontar-se com problemas e situações conflituosas com seus pares, com adultos,
e será conhecendo e atuando que ela irá construir seus valores, princípios e normas
morais.
Apesar dos estudos de Piaget não se originarem de relações entre
professores e alunos em sala de aula, suas concepções contribuem com valiosos
conceitos para se pensar e organizar a educação. Sendo o pensamento o
fundamento sobre o qual as aprendizagens se formam, torna-se essencial que os
professores compreendam a forma como as crianças constroem o conhecimento e
como se desenvolve a mente infantil. Pensar deveria ser o objetivo maior dos
currículos escolares, e não apenas leituras e cópias passivas da realidade. (DANI,
1996)
69
A escola não só intervém na transmissão do saber científico organizado
culturalmente, como influi em todos os aspectos relativos aos processos de
socialização e individuação da criança, como são o desenvolvimento das
relações afetivas, a habilidade de participar em situações sociais, a
aquisição das destrezas relacionadas com a competência comunicativa, o
desenvolvimento do papel sexual, das condutas pró-sociais e da própria
identidade pessoal (autoconceito, auto-estima, autonomia).
(Coll, 1995,
p.254)
Nesse sentido, De Vries & Zan (1998), definem o ambiente sociomoral como
uma rede de relações interpessoais em uma sala de aula. As autoras salientam que
uma educação construtivista tem como meta o desenvolvimento da criança, sendo o
melhor ambiente escolar aquele que gera o desenvolvimento social, moral, afetivo e
intelectual.
Os professores comunicam continuamente mensagens sociais e morais
enquanto dissertam para as crianças sobre regras e comportamentos e
enquanto administram sanções para o comportamento das crianças.
Portanto, a escola não é livre de valores ou neutra quanto a esses. Por
bem ou por mal, os professores estão engajados na educação social e
moral. (DEVRIES & ZAN, 1998, p.35)
O ambiente sociomoral pode contribuir significativamente para o
desenvolvimento da criança, se as relações que se estabelecem nesses ambientes
permitem à criança interpretar o mundo que a cerca. Entretanto, o ambiente
sociomoral de muitas escolas não promove a autonomia, reduz-se a relações de
coação, onde as crianças são desrespeitadas, pois são meras receptoras de tudo o
que o adulto (professor) impõe. Num ambiente sociomoral construtivista, os
professores instigam, desafiam as crianças, permitindo, assim, que elas construam a
si mesmas. A autoridade é exercida de forma sensata e todo o empenho do
professor é em direção à formação de personalidades com autoconfiança, respeito
por si mesma e pelos outros, nesse ambiente, a criança é um ser ativo. (DE VRIES
& ZAN, 1998)
Sastre e Moreno (2002, p. 51) enfatizam que os conflitos devem ser
resolvidos a partir de uma reflexão prévia, pois deixar-se levar pelas emoções e
impulsos “conduz a respostas primitivas, tais como agredir, inibir-se para agir,
esconder-se no ressentimento e outras respostas afins.” Resolver conflitos de modo
satisfatório implica descentrar-se do próprio ponto de vista, considerar diferentes
pontos de vista e desenvolver a capacidade de, através de ações de reciprocidade,
70
elaborar sínteses entre todos esses pontos de vista. Para tanto, é necessário
organizar, ordenar, definir aspectos relevantes e analisar as situações conflituosas
que se apresentam, definindo, assim, uma solução que seja adequada para todos os
envolvidos.
Essa capacidade para resolver conflitos de forma adequada requer uma
aprendizagem. Sastre e Moreno (2002, p. 52) recomendam que “quanto mais cedo
atue a aprendizagem no campo das relações sociais (...) e dos conflitos que nelas se
originam, mais fácil será neutralizar as respostas violentas e descontroladas.”
Conseqüentemente, os professores necessitam refletir sobre as relações que se
estabelecem neste ambiente. Se ele estabelece uma relação de coação com a
criança, prescrevendo tudo que pode ou não pode ser feito antecipadamente,
controlando e impondo regras prontas, estará reforçando a moral heterônoma.
Entretanto, o professor que estabelecer uma relação de cooperação,
caracterizada pelo respeito mútuo e reciprocidade, conduzirá a criança a construir a
sua autonomia moral. O professor, neste ambiente, permite que a criança se
desenvolva, torne-se capaz de pensar independentemente.
Muitas pesquisas (ARAÚJO, 1993; DE VRIES & ZAN, 1998; PUIG, 1998; DE
LA TAILLE, 1998; VINHA (2003); DANI, 2003;) evidenciam que as instituições
escolares influenciam de modo significativo na formação moral das crianças. Assim,
os valores morais precisam estar alicerçados numa convicção pessoal, pois as
crianças não estarão prontas para seguirem as regras, especialmente na ausência
de uma autoridade. Em situações educacionais, a atuação da autoridade define-se
por emprego de autoritarismo, culminando em ações que se fundamentam na
obediência e não na autonomia.
As crianças pequenas são naturalmente heterônomas e podem se sentir
coagidas mesmo quando um professor usa métodos cooperativos.
Entretanto, o professor construtivista apela para a cooperação das crianças
em vez de à sua obediência. A diferença entre apelar para a obediência e
para a cooperação é que em uma relação cooperativa o professor pede, ao
invés de dizer, sugere, ao invés de exigir, e persuade, ao invés de
controlar. As crianças, portanto, têm a possibilidade de decidir como
responder, e os conflitos pelo poder são evitados. O professor
construtivista encoraja as crianças a serem auto-reguladoras – isto é, a
agirem de forma autônoma. (Vinha, 2003, p. 46)
71
Durante o seu desenvolvimento, a criança heterônoma acata procedimentos,
que caracterizam relações de respeito unilateral, assim, seu comportamento é
controlado por prescrições arbitrárias.
A moral é uma construção de práticas – trocas entre as pessoas, de
consciência sobre as regras e leis, de julgamentos. Essas práticas,
consciência e julgamento têm que ter espaço para ocorrerem: o grupo é um
deles, a elaboração de regras em classe ou em casa é outro. (MENIN,
1996, p. 95)
Assim, os professores não podem simplesmente chegar à sala de aula com
todas as regras prontas, a não ser que desejem que os alunos pensem
heteronomamente. As regras precisam ser construídas no dia-a-dia da sala de aula,
frente às necessidades, aos conflitos que surgem.
Entretanto, conforme vão crescendo e desenvolvendo-se moralmente, esses
mecanismos não funcionam. É nesse momento que se observa o aumento de
controle através da coação, com a finalidade de conseguir o “bom comportamento”
das crianças.
Dessa forma, torna-se necessário que os adultos os quais convivem com as
crianças tenham conhecimentos sobre o desenvolvimento moral para estabelecerem
relações de respeito mútuo que exijam coerência e reciprocidade. Mas essa tarefa
nem sempre é desempenhada, pois gera conflitos e inquietações.
Os conflitos sociomorais entre as crianças formam um contexto rico para a
cooperação. No processo de resolução dos conflitos, é preciso agir considerando
sentimentos e perspectivas dos outros, portanto, essa resolução é cooperativa.
Entretanto, observa-se com freqüência, na escola, que os conflitos são vistos como
prejudiciais, negativos ou nocivos. Assim, todos os esforços dos profissionais que
trabalham nesse âmbito, são direcionados para evitá-los e solucioná-los
rapidamente. Essas ações são muitas vezes meramente intervencionistas, os
professores agem por meio de intimidação e coação, usando o autoritarismo como
solução para os problemas.
Sob a ótica piagetiana, o conflito serve para motivar a reorganização do
conhecimento em formas mais adequadas. Piaget (1975) afirmou que o conflito é o
fator mais influente na aquisição de novas estruturas de conhecimento, portanto,
constituem numa fonte de progresso do desenvolvimento.
72
São compreendidos, como momentos que estão presentes no cotidiano de
todas as salas de aula, nos dando pistas sobre o que as crianças precisam
aprender. As situações conflituosas, muitas vezes, são desgastantes, mas
essenciais para aprender a conhecer e reconhecer diferentes pontos de vista,
sentimentos e desejos envolvidos que só são possíveis nas interações sociais. A
ausência de conflitos reflete um ambiente no qual o respeito unilateral prevalece,
pois não há discordância, atritos, brigas ou discussões, o que caracteriza que só
uma das partes detém a autoridade, o respeito, a razão. (VINHA, 2003)
Em concordância com essa idéia, De Vries e Zan (1998, p.89), afirmam que
os conflitos são inevitáveis em uma sala de aula onde ocorre a livre interação social,
destacando a importância do papel do conflito no desenvolvimento da criança.
Na visão piagetiana,
a criança, como o adulto, só executa alguma ação exterior ou mesmo
inteiramente interior quando impulsionado por um motivo, e este se traduz
sempre sob a forma de uma necessidade (uma necessidade elementar ou
um interesse, uma pergunta, etc.). Ora, como já bem mostrou Claparède,
uma necessidade é sempre a manifestação de um desequilíbrio. Ela existe
quando qualquer coisa, fora de nós ou em nós (no nosso organismo físico
ou mental) se modificou, tratando-se, então, de um reajustamento da
conduta em razão desta mudança. (PIAGET, 1993, p.14)
O conflito está presente em todas as ações humanas (conflito interno ou
externo) que consiste num movimento contínuo e eterno de reajustamento ou
equilibração. Assim, na fase de construção inicial, podem-se considerar as
estruturas mentais sucessivas, que produzem o desenvolvimento, como formas de
equilíbrio, onde cada uma constitui um progresso sobre as precedentes. (PIAGET,
1994).
Essas afirmações nos fazem refletir sobre as ações dos professores em
situações conflituosas, os quais, ao equacionarem problemas, deveriam considerar o
conteúdo, as diferentes necessidades, os interesses dos alunos, pois o equilíbrio de
cada um só será alcançado mediante o conjunto de seus conhecimentos adquiridos
e de suas disposições afetivas naquele momento.
No cotidiano escolar uma das questões que mais afligem os professores,
gerando desconforto e insegurança, é o fato de não saberem lidar com os conflitos
sociomorais. Vinha (2003, p. 231) afirma que esse fato deve-se ao “despreparo
desses profissionais para atuar frente a situações conflituosas” como brigas,
agressões, atritos entre as crianças, entre os alunos e os professores, e entre os
73
integrantes da equipe escolar. Entretanto, o que mais chama a atenção é a forma
como as instituições resolvem ou evitam essas situações, e são essas ações que
indicam as concepções que esses profissionais têm sobre a resolução dos conflitos
sociomorais.
Todavia, Sastre e Moreno (2002) argumentam que
Não fomos preparados para compartilhar nem para resolver com agilidade
e de forma não-violenta os problemas que iam surgindo em nossas
relações pessoais. Não desenvolvemos a sensibilidade necessária para
saber interpretar a linguagem de nossos sentimentos. Nossa razão não foi
exercitada na resolução de conflitos e tampouco dispúnhamos de um
repertório de atitudes e comportamentos práticos que nos permitissem sair
dignamente de uma situação. Em síntese, nossa formação nos tornou mais
hábeis para lidar com o mundo físico do que com o social; aprendemos
mais coisas do mundo exterior que de nossa própria intimidade,
conhecemos mais os objetos que as pessoas do nosso convívio. (SASTRE
E MORENO, 2002, p.19)
Para as autoras, a aprendizagem da resolução de conflitos conduz a formas
de convivência mais satisfatórias e à melhoria da qualidade de vida das pessoas,
possibilitando a soma dos recursos mentais, intelectuais e emocionais.
No entendimento de Sastre & Moreno (2002, p. 47), resolver os conflitos na
escola “passa pela integração dos saberes, isto é, pela reorganização da
metodologia do ensino de maneira que os sentimentos e conflitos não fiquem fora
dela, mas que façam parte do espelho nos quais, os (as) estudantes se olham”. As
autoras sugerem que é preciso refletir sobre os conflitos previamente, pois a não
reflexão nos levará a agir pelas emoções e pelos impulsos, resultando em soluções
inadequadas. Também, indicam que, para resolver um conflito, é preciso considerar
os pontos de vista de todos os envolvidos; é preciso descentrar-se a partir do ponto
de vista do outro.
Resolver conflitos é um importante objetivo construtivista, porém, o valor do
conflito na teoria piagetiana é complexo, exigindo dos professores a construção de
um suporte teórico para fundamentar suas ações. (DE VRIES & ZAN, 1998)
Do ponto de vista educacional, Piaget (1977) indica a possibilidade de
promover relações de cooperação entre as crianças, que favoreçam a descentração
com base no diálogo e no acordo. Essa possibilidade encontra fecundidade na
aprendizagem da resolução de conflitos sociomorais.
Nesse sentido, para Puig (1998, p. 161-162), os conflitos sociomorais “são
desafios que surgem em um determinado meio de experiência moral”. Para ele,
74
“Ninguém inicia uma mudança pessoal sem se sentir pressionado por um conflito
sociomoral, ou sem pressionar a si mesmo problematizando a realidade ou a sua
realidade ou a sua relação com ela”.
A autonomia moral é
é construída pelo sujeito em interações sociais e tais interações provocam
o que Piaget chama de processo de descentração, ou seja, a capacidade
de se colocar no ponto de vista de outras pessoas para melhor
compreendê-las e, reciprocamente, melhor compreender o próprio ponto de
vista (tomando consciência de sua “situação” e, decorrentemente, de seus
limites). (DE LA TAILLE, 1998, p.13)
O mesmo autor (1998, p. 15) nos diz que a educação, escolar ou familiar, “ao
invés de contribuir para que a criança transponha limites, a mantém no seu estado
infantil”. Chama a atenção para a necessidade dos professores conhecerem como
as crianças constroem o seu conhecimento e como elas se desenvolvem,
objetivando uma aprendizagem significativa.
Para que a aprendizagem da resolução de conflitos tenha sentido, para
transpor os limites, é necessário permitir ao aluno re-construir o que eles estão
aprendendo e encorajar suas ações.
De La Taille (1998) salienta que a infância é por natureza uma fase marcada
pela transitoriedade, pelo caminho em direção ao estado adulto. Nesse período
transpor limites é uma constante, e na aprendizagem da resolução dos conflitos o
educador deve levar as crianças a identificar os limites, motivá-las e instrumentalizá-
las para superá-los.
Por conseguinte, De La Taille (1998, p. 12) argumenta que procurar a
excelência nada mais é senão ir além de si mesmo, tornar-se melhor do que se é,
não sendo melhor do que o outro, pois excelência implica competição, mas uma
competição de alguém consigo mesmo. A excelência é importante para que se
transponham limites, ela mesma é um “ir além”.
A tendência natural da criança ao tornar-se adulta pode ser ajudada ou
dificultada pela influência dos adultos e da sociedade como um todo, e a busca da
excelência nas interações sociais pode ser rica ou não.
De La Taille (1998) referindo-se ao conceito de limite a ser transposto,
considera que não é a pura maturação biológica que explica o desenvolvimento,
mas, sim, as múltiplas interações com o meio físico e social.
75
Analisando esse pensamento a respeito do desenvolvimento humano, o limite
é visto como uma fronteira que necessita ser transposta. Portanto, para que se
possa atingir a maturidade ou buscar a excelência, é preciso ultrapassar fronteiras,
desafiar-se, pois para De La Taille (1998), desenvolver-se é superar limites, transpô-
los.
Outro conceito apresentado pelo autor é o de limite a ser respeitado, o qual
indica a necessidade de respeitar as fronteiras e não transpô-las. De La Taille
aponta dois tipos de limites que devem ser respeitados. O primeiro refere-se aos
limites físicos, a partir dos quais a criança, desde cedo, vai aprendendo a situar sua
liberdade em relação às leis físicas. O segundo tipo de limite a ser respeitado é o
limite normativo que, criado e imposto pela sociedade, coloca a dimensão do
proibido, estabelece regras sociais de convivência, ditando o que pode ou não pode
ser feito.
A legitimidade dos limites dá-se sob duas condições: em função do bem estar
e do desenvolvimento dos indivíduos e em função do bem-estar dos outros membros
da sociedade. São limites, portanto, que devem ser respeitados para garantir não
apenas o próprio bem-estar, mas também o bem-estar do outro. Esses são limites
essencialmente adquiridos pela convivência social. (DE LA TAILLE, 1998)
Muitos professores acreditam que promover a aprendizagem do aluno e ao
mesmo tempo favorecer o desenvolvimento sociomoral são problemas distintos.
Entretanto, Vinha (2003) afirma que essa dissociação é equivocada, pois são
sistemas solidários.
Portanto, partindo das referências apresentadas, busca-se compreender as
implicações da resolução de conflitos na construção da autonomia moral dos (as)
alunos (as).
76
3. DELIMITAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO
Neste capítulo, são delimitadas e explicitadas as questões da pesquisa, bem
como a abordagem metodológica, os instrumentos utilizados para a coleta de dados
e os sujeitos da pesquisa.
3.1 Área temática
A pesquisa possui como tema a resolução de conflitos sociomorais e suas
implicações na construção da autonomia moral dos (as) alunos (as). Nesse sentido,
o estudo objetivou compreender se as práticas dos professores, dos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental, na resolução de situações de conflitos sociomorais favorecem
a construção da autonomia moral. Dessa forma, propôs-se a seguinte temática:
Os conflitos sociomorais e suas implicações na construção da autonomia moral dos
alunos da 4ª série do Ensino Fundamental de uma Escola Estadual
do Município de Santa Maria/RS.
3.2 Questões de pesquisa
A partir da temática proposta, foram definidas as seguintes questões de
pesquisa:
Questão geradora:
• A forma como são resolvidos os conflitos sociomorais, em sala de aula,
favorecem a construção da autonomia moral dos alunos?
Questões conseqüentes:
• Como são equacionadas as situações de conflitos sociomorais em sala de
aula?
77
• Qual a compreensão que os professores têm do conceito de conflitos?
• Qual a compreensão que os professores têm do conceito de limite a ser
transposto?
3.3 Objetivos
3.3.1 Objetivo Geral:
Compreender como a resolução das situações de conflitos sociomorais implica na
construção da autonomia moral dos alunos.
3.3.2 Objetivos Específicos:
• Compreender como são equacionadas as situações de conflitos sociomorais em
sala de aula.
• Descrever as concepções que os (as) professores (as) investigados (as) dos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental têm sobre o conceito de conflitos sociomorais e de
limites;
• Analisar se a forma como são resolvidas as situações de conflitos sociomorais
favorece ou inibe a construção da autonomia moral dos (as) alunos (as).
3.4 Explicação de termos, delimitação e explicitação das questões de
pesquisa
Frente à temática escolhida, é relevante que se pontuem conceitos
pertinentes ao estudo proposto:
78
Conflitos sociomorais:
Puig (1998) entende que os conflitos sociomorais “(...) são desafios que
surgem em um determinado meio de experiência moral”. Para ele, “Ninguém inicia
uma mudança pessoal sem se sentir pressionado por um conflito sociomoral, ou
sem pressionar a si mesmo problematizando a realidade ou a sua realidade ou a sua
relação com ela” (p. 161-162). Segundo Puig (1998, p. 161), só se atinge a formação
moral encarando os conflitos que a sociedade apresenta; ou seja, enfrentando
situações sociomorais problemáticas.
Nesse sentido, as seguintes questões foram investigadas:
A professora utiliza-se de situações de conflitos sociomorais para desafiar
os alunos a resolvê-los?
Os sentimentos envolvidos na resolução de situações conflituosas são
considerados pela professora?
Há diálogo ou ações intervencionistas na resolução dos conflitos?
Limite a ser transposto: O conceito de “limite a ser transposto” foi enfocado
a partir dos estudos realizados por De La Taille (1998), o qual compreende que
“limite” nos remete à idéia de fronteira, de linha que separa territórios. De La Taille
(1998, p. 12) acentua que “a idéia de fronteira leva-nos à ação de transpor, ir além, e
o que atualmente nos limita poderá ser ultrapassado no futuro.”
Nessa perspectiva, foram observadas as seguintes questões:
Qual a concepção das professoras sobre o conceito de limites?
Se há regras/normas em sala de aula, que tipos de limites elas
contemplam?
Autonomia moral:
Piaget (1977) pontua significativamente como se desenvolve a moralidade na
criança. Para ele existem dois tipos de moral: a moral heterônoma, que se baseia na
obediência, na submissão e no castigo; e a Moral Autônoma que está baseada no
respeito mútuo e na reciprocidade. Para o autor, a autonomia não é um dado de
natureza, mas um efeito do ato educativo e, sendo assim, haveria a possibilidade do
reconhecimento de níveis mediante os quais o ensino procederia com vistas à
construção da moral autônoma do indivíduo.
79
Nesse sentido, nesta investigação foi analisada a seguinte questão:
A aprendizagem da resolução de conflitos sociomorais implica na
construção da autonomia moral dos alunos?
3.5 Abordagem Metodológica
Este estudo foi desenvolvido com base em uma abordagem qualitativa. A
temática desta investigação, as questões de pesquisa e os objetivos que foram
definidos justificam a escolha.
Considerando que a pesquisa não esgota uma realidade, e seu conhecimento
não apura a totalidade da riqueza que é o objeto investigado, Lüdke e André (1986,
p. 3), afirmam que “como atividade humana e social, a pesquisa traz consigo,
inevitavelmente a carga de valores, preferências, interesses e princípios que
orientam o pesquisador”.
Bogdan e Biklen (2003) inferem que a metodologia qualitativa compreende as
seguintes características que orientam esse estudo:
1. A pesquisa qualitativa tem como fonte direta dos dados o ambiente natural e
o pesquisador como seu instrumento fundamental;
2. Os dados coletados são, na sua maior parte, descritivos;
3. Os pesquisadores qualitativos interessam-se pelo processo e não apenas
pelos resultados e o produto;
4. O "significado" que as pessoas dão às coisas e a sua vida é uma questão
fundamental na abordagem qualitativa.
Na visão de Minayo (1993, p. 21-22), a pesquisa qualitativa lida com um
mundo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, que
“corresponde a um espaço profundo das relações dos processos e dos fenômenos
que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.” A perspectiva
escolhida de pesquisa qualitativa para esta investigação, foi o estudo de caso que se
caracteriza pela análise profunda e completa de seu objeto, permitindo uma
aproximação da realidade estudada. Nesse sentido, Lüdke e André (1986, p. 17)
80
inferem que o estudo de caso destaca-se por “se constituir numa unidade dentro de
um sistema mais amplo (...) e incide naquilo que ele tem de único, de particular,
mesmo que posteriormente venham a ficar evidentes certas semelhanças com
outros casos ou situações”.
Nessa modalidade de pesquisa, a partir de um referencial teórico estruturado,
é possível ao pesquisador ampliar e aprofundar suas proposições de investigação,
enriquecendo a construção do conhecimento pretendido.
Usando uma variedade de fontes de informação num estudo de caso, o
investigador, através de diferentes técnicas, pode recorrer a uma variedade de
dados, coletados em diferentes momentos e com uma variedade de informantes.
(LÜDKE E ANDRÉ, 1986)
Como os dados não são padronizados e não existe nenhuma regra objetiva
que estabeleça o tempo adequado de pesquisa, um estudo de caso pode
durar algumas semanas ou muitos anos. O pesquisador deve estar
preparado para lidar com uma grande variedade de problemas teóricos e
com descobertas inesperadas, e, também, para reorientar seu estudo.
(Goldenberg, 2005, p. 34 e 35).
Um dos procedimentos de pesquisa qualitativa que mais se relaciona com o
estudo de caso é a observação. É através da observação que o pesquisador
aproxima-se do fenômeno investigado, podendo recorrer aos seus conhecimentos e
experiências pessoais como auxiliares no processo de compreensão e interpretação
desse fenômeno. (LÜDQUE E ANDRÉ, 1986)
Outro procedimento relevante em um estudo de caso é a entrevista, sendo
que
a entrevista qualitativa, fornece os dados básicos para o desenvolvimento e
a compreensão das relações entre os atores sociais e sua situação. O
objetivo é uma compreensão detalhada das crenças, atitudes, valores e
motivações, em relação aos comportamentos das pessoas em contextos
sociais específicos. (BAUER E GASKELL, 2002 p. 65).
Entretanto, não há regras específicas sobre as técnicas utilizadas neste tipo
de estudo, visto que cada entrevista ou observação é única, pois depende da
temática, do pesquisador e dos seus pesquisados. Ao registrar os dados descritivos
o pesquisador deve estar atento aos detalhes relevantes para sua investigação,
descartando aqueles que lhe parecerem triviais.
81
3.6 Contexto da Investigação
O cenário no qual a pesquisa foi realizada é uma escola pública de Ensino
Fundamental que integra a Rede Estadual de Ensino do Município de Santa
Maria/RS, localizada na zona periférica da cidade.
Essa escola é mantida pelo Estado e seu Projeto Pedagógico tem por objetivo
a formação integral da pessoa humana, e, resgate de valores éticos e estéticos.
Propõe uma educação conscientizadora e humanística que forme o cidadão crítico,
responsável e que seja sujeito de construção, apropriação e produção do
conhecimento, de forma participativa, com a troca de experiências, valorização do
saber popular e a coerência entre teoria e prática.
De acordo com o Projeto Pedagógico da escola investigada, o regime escolar
adotado para o Ensino Médio e Ensino Fundamental é o seriado anual; para a
Educação de Jovens e Adultos (Ensino Fundamental e Médio) o regime é semestral;
para a Educação Infantil, o regime é anual.
Esse estabelecimento de ensino está inserido num bairro com
aproximadamente 30.000 habitantes, neste predomina a classe operária e um
mercado de trabalho voltado para o comércio e a prestação de serviços.
A escola atende uma clientela de 1.300 alunos, oriunda do próprio bairro. São
filhos de pais assalariados de baixa renda, de trabalhadores informais e
desempregados. De acordo com os dados levantados nos estudos sobre a realidade
escolar e da escola evidenciam-se os seguintes problemas: desemprego,
desajustamentos sociais, baixo índice de escolarização, carência de valores éticos e
morais, violência, etc.
A estrutura física da escola contempla 19 salas de aula, sala de professores
(as), sala da direção, sala da supervisão, biblioteca, refeitório, sala de informática e
pracinha. Nesse cenário, este estudo investigou duas professoras da 4ª série do
Ensino Fundamental e suas respectivas turmas.
3.7 Os sujeitos da investigação
Os sujeitos partícipes da pesquisa foram duas professoras que atuavam na 4ª
série do Ensino Fundamental numa escola pública estadual e suas respectivas
turmas. As professoras foram escolhidas por atuarem junto a crianças com idades
82
entre 9 e 11 anos, pois, segundo Piaget (1977), possivelmente nessa fase do
desenvolvimento, as crianças são capazes de manter relações de cooperação,
baseadas no respeito mútuo. Com efeito, nessa faixa etária é possível fazer
progredir um trabalho que proporcione aos alunos o seu desenvolvimento intelectual
e moral.
Os ambientes sociomorais investigados na referida escola foram duas turmas
de 4ª série, que concentravam suas atividades exclusivamente no turno da manhã.
As aulas iniciavam às 07 horas e 45 minutos e se estendiam até às 11 horas e 45
minutos, regularmente.
A turma 41 era composta por 28 alunos, com idades entre 9 e 10 anos, sendo
12 meninos e 16 meninas, tendo como professora a professora Az (conforme foi
identificada a professora investigada). Essa professora atua há oito anos no Ensino
Fundamental. Ela cursou Magistério, no Ensino Médio. É graduada em Educação
Especial e Letras-Português, pela Universidade Federal de Santa Maria e, no
período da pesquisa, estava cursando Especialização em Gestão Escolar, na
mesma instituição de ensino.
A turma 42, tendo como regente a professora Mar (conforme foi identificada a
professora investigada), era formada por 22 alunos, com idades entre 9 e 14 anos,
sendo 13 meninas e 9 meninos. Essa professora atua nos anos iniciais do Ensino
Fundamental há 10 anos. Cursou, na Universidade Federal de Santa Maria,
Pedagogia - Habilitação nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e Matérias
Pedagógicas do Ensino Médio e, possui especialização em Supervisão Escolar e
Psicopedagogia Institucional.
Em ambas as turmas, as relações sociais estabelecidas entre as crianças
apresentavam uma série de dificuldades, pautadas, no desrespeito, agressões
verbais e físicas. A maioria das crianças utilizava uma linguagem simples, mas bem
estruturada. Embora alguns alunos, cerca de 6 crianças, utilizavam-se de uma
linguagem bastante coloquial e impregnada de gírias.
As turmas apresentaram muitas semelhanças nos seus comportamentos, no
desenvolvimento das atividades propostas, nas brincadeiras, visto que muitos
conflitos eram comuns às duas turmas.
83
Para garantir a privacidade dos sujeitos envolvidos na pesquisa, quanto aos
dados confidenciais e não confidenciais, as professoras foram identificadas por
pseudônimos
2
.
Assim, além de preservar seus verdadeiros nomes, pode-se atribuir-lhes igual
importância, sem fazer comparações e, sim, relações de suas concepções e práticas
educativas com a temática investigada.
3.8 Instrumentos para a coleta das informações
Os instrumentos utilizados para a coleta dos dados foram as observações
presenciais e a entrevista semi-estruturada, embasada em tópicos-guias.
Com o objetivo de conhecer os sujeitos investigados, as observações
priorizaram a descrição da dinâmica da sala de aula, enfocando as situações de
conflitos sociomorais e o equacionamento dessas situações. Os dados descritivos
das observações foram transcritos para um diário de campo.
A fim de conduzir as entrevistas e viabilizar o diálogo desenvolvido entre o
pesquisador e as professoras investigadas, entre os tipos de entrevista conhecidos,
optou-se pela entrevista semi-estruturada. Esse tipo de entrevista é
aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias
e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem
amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo
à medida que se recebem as respostas do informante. (TRIVINÕS,1987, p.
146)
Assim, começando com um número determinado de questões, a entrevista
pode ser concluída com mais perguntas, porque cada uma pode originar outras, que
esclareçam as interrogações do pesquisador. É uma possibilidade de exploração do
tema de forma flexível e focada nos objetivos da investigação para posterior análise.
Nesse sentido,
o entrevistador precisa estar atento não apenas ao roteiro pré-estabelecido
e às respostas verbais que vai obtendo ao longo da interação. Há de existir
toda uma gama de gestos, expressões, entonações, sinais não-verbais,
alteração de ritmo, enfim, toda uma comunicação não verbal cuja captação
2
Az e Mar referem-se respectivamente as flores Azálea e Margarida. Tal escolha fundamentou-se
numa das definições da palavra flor encontrada no dicionário de Língua Portuguesa (1970, P. 557)
que especifica flor como “a parte mais nobre, mais distinta, mais fina de um conjunto ou classe.”
84
é muito importante para compreensão e validação do que foi efetivamente
dito. (LÜDKE & ANDRÉ, 1986, p. 36)
A técnica da entrevista semi-estruturada viabilizou a obtenção de
informações acerca das professoras pesquisadas em relação as suas concepções,
saberes, crenças, sentimentos, expectativas, justificativas e explicações. Essa
técnica permite ao pesquisador construir esquemas interpretativos capazes de
compreender as narrativas dos entrevistados.
Partindo desta idéia, as perguntas das entrevistas semi-estruturadas foram
definidas a partir de tópicos-guias. Assim, cada tópico-guia foi planejado a fim de
alcançar os fins e os objetivos da pesquisa, fundamentados nas concepções teóricas
que orientaram a investigação.
Cada tópico-guia compreende uma seqüência ordenada que versa sobre os
temas investigados, flexível, serve como meio de orientar o andamento da
entrevista, fornecendo uma progressão lógica e plausível através dos temas em
foco. (BAUER E GASKELL, 2002):
Tópico-guia 1: “Os conflitos sociomorais”;
Tópico-guia 2 :“A construção de regras”;
Tópico-guia 3: “Os limites”.
3.9 Período de produção das informações
As observações presenciais nas salas de aula foram realizadas no período
de julho a outubro de 2007, inicialmente com a duração de 3 horas semanais em
cada turma e, posteriormente, 6 horas semanais em cada turma.
Os encontros para a coleta de dados através das entrevistas ocorreram de
acordo com a disponibilidade dos sujeitos da pesquisa, na própria instituição escolar,
em encontros agendados, durante a primeira quinzena de setembro e o mês de
outubro do ano de 2007.
3.10 Tipo de análise
A partir do enfoque metodológico de um estudo de caso, por se tratar da
realidade de uma escola, essa investigação buscou compreender a temática
85
proposta através da interpretação e análise dos achados, embasadas no referencial
teórico apresentado no capítulo anterior.
Para tanto, o relatório de estudo de caso desta pesquisa concebe um estilo
narrativo, pois objetiva apresentar os múltiplos aspectos que envolvem o problema
da referida investigação, mostrar sua relevância, situá-lo no contexto em que
acontece e indicar as possibilidades de ação para transformá-lo.
86
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Neste capítulo, é realizada a descrição e a análise dos dados coletados a
partir dos instrumentos utilizados e referidos no capítulo II “Delimitação da
Investigação”.
Para tanto, estão expostas as concepções das professoras investigadas, suas
práticas cotidianas relacionadas à temática em questão, e, discutidas a partir da
literatura pesquisada.
Embora as observações tenham sido realizadas em turmas diferentes, em
ambas foram observadas dinâmicas e características muito semelhantes. Por isso,
não será feita distinção entre elas, apenas entre suas professoras, as quais serão
mencionadas como Az e Mar.
4.1 Análises por categorias
Para buscar responder e compreender se a resolução de conflitos
sociomorais implica na construção da autonomia moral dos alunos, o trabalho de
análise foi dividido em três categorias:
1) A resolução dos conflitos sociomorais: essa categoria foi escolhida por
compreender-se que os conflitos sociomorais são excelentes oportunidades para
que sejam trabalhados princípios, valores, regras e normas. Nesse sentido, é
importante analisar a forma como os conflitos sociomorais são resolvidos em sala de
aula. A resolução dessas situações pode ou não favorecer a construção da
autonomia moral dos alunos. Portanto, é importante que as práticas educativas se
desenvolvam de tal maneira que o convívio em sala de aula compreenda uma
relação cooperativa permeada pelo respeito mútuo.
2) A construção das regras e o ambiente sociomoral: Segundo Piaget (1977) o
desenvolvimento da moralidade pode ser explicado através do respeito que o sujeito
tem pelas regras. Assim, é necessário compreender a dinâmica do respeito às
regras em sala de aula e como as regras são instituídas. Tal processo é um fator
87
relevante para que sejam tecidas considerações sobre um ambiente sociomoral
favorável ou não à construção da autonomia moral.
3)Transpondo limites: a autonomia possível: Em todos os ambientes existem
regras. As regras deveriam ser guiadas por princípios como a reciprocidade, a
igualdade e a justiça. Todavia, em sala de aula, muitas vezes, as regras estão
pautadas em posturas autoritárias que visam à pura obediência. Essa postura
impede que os sujeitos ultrapassem sua condição heterônoma. Segundo De La
Taille (1998), é importante que os sujeitos sejam desafiados a transpor seus atuais
limites, para que construam sua autonomia moral.
4.1.1 A resolução dos conflitos sociomorais
A escola pode ser vista como um local privilegiado de socialização. É nela
que ocorre a interação entre os alunos e entre estes e os adultos. Nesse sentido, a
qualidade desta relação estará suscetível à ocorrência de conflitos, pois o espaço
escolar é permeado por indiferenças, diferenças, tensões, bem como por encontros,
trocas, amizades...
Assim, é possível afirmar que em qualquer relação educativa haverá conflitos.
Logo, administrar de forma adequada os conflitos que surgem configura-se em um
importante fator de qualificação das relações sociais que se estabelecem na escola.
Entretanto, resolver conflitos é um desafio para muitos professores, visto que,
muitos alegam não saber lidar com essas situações. É necessário, ainda, que os
professores, que atuam junto às crianças, compreendam que os conflitos
sociomorais sempre existirão e que fazem parte das relações humanas.
Uma das questões cruciais para que se argumente sobre a importância dos
conflitos sociomorais para o desenvolvimento humano diz respeito, justamente, à
forma como são resolvidos em sala de aula.
Para se delinear a dimensão dessa importância, faz-se necessário,
inicialmente, indagar sobre quais as concepções que as professoras que atuam no
Ensino Fundamental têm sobre os conflitos, sobre os ambientes em que ocorrem,
quais são os conflitos que são mais freqüentes e, principalmente, como as
professoras investigadas lidam com essas situações.
88
Acredita-se que só tendo a idéia dessa dimensão é que se pode propor um
trabalho que responda as necessidades da atuação pedagógica na resolução de
conflitos sociomorais condizente com o desenvolvimento moral humano.
Ao serem questionadas sobre o que são conflitos, as professoras
investigadas assim se manifestaram: a professora Az compreende que “Conflito é
tudo que foge à regra. É tudo o que tu esperas que vá acontecer e não acontece. É
o que dá errado”; A professora Mar compreende que conflito é “tudo aquilo que se
transforma em atrito entre as crianças. Na minha turma, há muitos conflitos, surgem
em todos os momentos. Acredito que isso é próprio da idade deles, porque são
crianças.”
Observa-se que a professora Az entende os conflitos sociomorais como algo
que decepciona frustrante ao ser humano. A professora Mar concebe-os como algo
corriqueiro, próprio da condição de ser criança, que se dá por qualquer motivo.
Assim, constatou-se que essas concepções não expressam, em nenhum momento,
que tais situações constituem um importante fator de desenvolvimento humano.
Para Puig (1998), os conflitos sociomorais são situações problemáticas
desafiadoras que surgem em todo e qualquer meio de experiência moral. São essas
situações que possibilitam ao sujeito desenvolver sua autonomia moral. O mesmo
autor (1998, p. 161) afirma que “somente quando se interrompe a adaptação ao
meio social é possível e (...) necessário iniciar um processo que acabará na
reconstrução da personalidade moral do sujeito implicado”.
Em conformidade com essa idéia, Vinha (2003, p.87) afirma que é essencial
aos professores que trabalham com crianças compreender “com tranqüilidade o que
significa a presença ou ausência de conflitos”. Essa compreensão favorece a
qualidade das relações sociais que se estabelecem na escola.
Logo, seria importante que as professoras reconhecessem e
compreendessem os conflitos sociomorais além de suas aparências imediatas.
Entretanto, as concepções das professoras investigadas sobre os conflitos
sociomorais não admitem soluções satisfatórias para as situações conflituosas e,
conseqüentemente, excluem a possibilidade de se desenvolverem relações sociais
cooperativas.
Entendendo que os conflitos são inerentes à experiência humana e, em todos
os ambientes em que as pessoas interagem, sempre existirão, Sastre e Moreno
(2002) recomendam que seja desenvolvido um olhar mais acurado sobre tais
89
situações. As autoras ressaltam que em situações de ensino e aprendizagem, os
conflitos sociomorais e sua resolução são importantes elementos de crescimento e
desenvolvimento pessoal.
Quando questionadas sobre quais os ambientes sociais nos quais percebiam
a existência de conflitos e quais elas consideravam os mais freqüentes, as
professoras investigadas verbalizaram:
Az: Na escola, em geral, existem muitos conflitos, na sala de aula, na sala
dos professores, no recreio. Entre as crianças, que esperam uma atitude
dos outros e não são correspondidas. Na sala de aula, os conflitos mais
freqüentes são entre os alunos, e isso acontece porque eles tiveram uma
educação diferente. Eles brigam muito, e isto faz com que eu também entre
em conflito com eles. Nessas situações, não decido nem por um aluno nem
por outro. Chamo a atenção deles, peço que se comportem melhor em sala
de aula. Mas, é um trabalho muito difícil. Não consigo fazer com que eles
percebam que na escola é preciso ter uma postura diferenciada. Nós
professores estudamos, viemos para a escola, temos responsabilidades,
sabemos o que estamos fazendo. Então, vêm pais e alunos, dizendo que
tudo está errado, porque deveria ser do jeito deles, essa é a causa de
muitos conflitos.
Mar: Os conflitos existem, entre os próprios alunos, entre eles e nós
(professoras). Na hora do recreio, quando vamos para o refeitório, eles
sempre entram em conflito uns com os outros. Mas, eles acontecem,
principalmente, em sala de aula. Explico que é preciso parar, que não é
hora pra isso! Os conflitos mais freqüentes são aqueles entre os alunos,
que se agridem, física e verbalmente, insultam os colegas. Quando os
alunos vêm do recreio e contam que foram agredidos, falo que isso deve
ser resolvido entre eles, e que não é brigando que se resolve. Acredito que
não é só na escola que se aprende certas coisas, também tem que vir
exemplos de casa.
As professoras narraram brevemente em quais ambientes da escola ocorrem
os conflitos, focalizando suas afirmações naqueles que acontecem em sala de aula.
Em suas falas indicam uma preocupação profunda em mostrar que existem muitos
conflitos na realidade que vivenciam, mas que de imediato tentam “resolver” esta
situação.
Sastre e Moreno (2002) compreendem que isso acontece porque as pessoas
não sabem lidar com os conflitos sociomorais. Argumentam que as pessoas não
foram orientadas, no processo de escolarização, a desenvolverem os recursos
necessários para resolverem os problemas que surgem em suas relações
interpessoais de maneira inteligente. Para as autoras isso pode ser considerado
uma lacuna.
90
Não parece ser uma idéia feliz preparar o ser humano para ser capaz de
um alto desenvolvimento tecnológico que permita produzir inúmeros bens
materiais – mas também instrumentos de destruição em massa – e não lhe
ensinar os recursos necessários para alcançar um maior bem-estar
individual e coletivo. (SASTRE E MORENO, 2002, p.34)
Por conseguinte, compreende-se que a educação, além de ajudar os
educandos na construção de conhecimentos formais, precisaria desafiá-los a
aperfeiçoarem sua maneira de ser. Nesse sentido, é importante realizar algumas
reflexões sobre o que é ensinado na resolução dos conflitos sociomorais que
surgem em sala de aula.
Ao responderem como lidam com essas situações conflituosas as professoras
reforçam essa afirmação:
Az: Brigo bastante com eles, porque vejo o que eles estão fazendo e eles
negam tudo. Paro a aula muitas vezes, e a aula não rende. Posso parar
quinze vezes por manhã, no outro dia vou parar vinte vezes. E, mesmo
assim, não há uma solução para os problemas! É complicado, pois trabalho
com mensagens, exemplos, técnicas. Tento fazer várias dinâmicas, mas
parece que no outro dia, os alunos já esqueceram, aliás, no mesmo dia já
esqueceram, tudo é temporário.
Mar: Muitas vezes não sei lidar com os conflitos. Tento muitas coisas, mas
nada parece adiantar! Chego ao extremo de gritar com os alunos. Se eles
percebem que estou furiosa, se acalmam. Nem sempre surte efeito. É
coisa de momento, pois em seguida tudo se repete. Tento abafar na hora,
porque os conflitos se dão por coisas mínimas, por uma caneta, que sumiu,
que outro pegou. Tento “ajeitar”, mas a situação fica bem complicada, e,
algumas vezes, passo a impressão de que não faço nada. Leio muito sobre
o assunto. Só que em sala de aula, na hora que precisa, não consigo
colocar em prática.
Nessas falas, percebe-se que os conflitos sociomorais são vistos como
negativos e prejudiciais, pois, as professoras agem no sentido de evitá-los e resolvê-
los de forma rápida, para que não lhes tragam problemas mais graves.
Parece que ao resolverem os conflitos sociomorais temporariamente, as
professoras investigadas não instigam os alunos a resolver por seus próprios meios
estas situações. Não estimulam os alunos a conhecer a si mesmos e aos outros, a
conhecer os sentimentos que permeiam tais situações, a desenvolver a
autoconfiança, e, não fomentam as relações de cooperação. Assim, os conflitos
sociomorais deixam de ser uma fonte de aprendizagem. (VINHA, 2003).
Percebe-se, que, para a professora Az, “brigar” e “parar a aula” muitas vezes
são situações desgastantes. Segundo ela, suas ações não originam mudanças no
91
modo como os alunos se comportam, pois, afirma que “eles esquecem” o que foi
falado nos momentos em que julga resolver conflitos.
Embora seja importante reconhecer que na sala de aula existem muitos
conflitos, esses relatos mostram que identificar tais situações é insuficiente. O
fundamental é ter um conhecimento e conseqüente compreensão sobre o que são
os conflitos sociomorais e o que significa a resolução adequada para a construção
da autonomia moral dos alunos.
A compreensão dos professores a respeito dos conflitos sociomorais pode
influenciar significativamente nas formas como eles resolvem essas situações.
Nesse sentido, ao observar as práticas das professoras em sala de aula, focalizando
os momentos de conflitos sociomorais e como elas equacionavam tais situações,
dois momentos se destacaram:
Momento um: Em um trabalho em grupo as crianças emprestavam materiais
escolares umas para as outras. Um menino emprestou sua caneta colorida para
outras duas colegas. Essas alunas utilizaram a caneta até o término da tinta. Ao
devolverem o material para o colega, este exigiu que as mesmas lhe comprassem
uma caneta nova. Começaram a discutir, e as alunas alegavam que a caneta já
estava usada e, por isso, não se sentiam obrigadas a ressarcirem o colega.
A professora ao perceber a discussão entre os alunos, disse: “Acho que
vocês (alunas) devem dividir o valor da caneta e pronto! Cada um fazendo as suas
coisas. Parem de falar sobre isso! Acabou!” O aluno, dono da caneta, falou, ainda,
que aquele era um problema para ser resolvido na delegacia de polícia.
Ao ouvir essa frase, a professora, falou: “Vamos nos acalmar. Vocês devem
resolver isso entre vocês! Agora não!” Uma das alunas, então, respondeu para a
professora: “Ah, mas eu vou continuar escrevendo com a caneta dele!” Então,
visivelmente irritada, a professora continuou: “Estou falando português, falando
claro, se tu quiser escrever com a caneta colorida, compra as tuas canetas!”
Momento dois: Após o recreio a turma estava copiando um texto que a
professora escrevia no quadro. Naquele momento, um aluno levantou-se e dirigiu-se
até a lixeira para apontar seu lápis. Ao retornar para o seu lugar foi interpelado por
um colega. Os dois começaram a discutir porque um deles alegava que o outro o
olhara de “cara feia”. As crianças agrediram-se fisicamente, houve troca de socos e
92
pontapés. A professora, frente aquela situação, parou suas atividades no quadro e
foi de encontro aos meninos. Primeiramente, ela afastou os alunos um do outro e os
colocou em suas classes. Então, perguntou o que havia desencadeado a discussão,
e porque estavam se agredindo. Ouviu os alunos e falou: “Não é batendo que se
resolvem as coisas! Continuem copiando, já estão atrasados!” E continuou
escrevendo no quadro.
Nos dois momentos descritos percebe-se que as professoras assumem a
resolução do conflito sociomoral que ocorreu entre os alunos impondo uma solução.
Essa prática intervencionista desfavorece a construção da capacidade de refletir
sobre e a partir do conflito. As professoras, ao imporem a solução aos alunos,
dificultou-lhes o entendimento do ponto de vista dos colegas e dos seus
sentimentos. (DE VRIES E ZAN, 1998)
Segundo Piaget (1993), para resolver um conflito sociomoral é necessário que
ocorra um processo denominado de descentração, ou seja, a capacidade do sujeito
a partir de seu próprio ponto de vista, articular diferentes pontos de vista e, assim,
organizar uma síntese da situação vivenciada. Essa possibilidade dá-se
principalmente nas interações sociais, logo os conflitos sociomorais são contextos
necessários que demandam uma reorganização adequada dos métodos de
resolução dos mesmos.
Outro desafio para os professores é compreender que os conflitos
sociomorais são acompanhados de muitos sentimentos, que por vezes são a própria
causa dos conflitos (ofensas, insultos, desvalorização, temor, etc.), o que é notório
nas seguintes manifestações:
Uma aluna chamava três colegas pelo nome e, logo em seguida, apelidava-
os: “O “S” é um “pepino” (por ser alto e magro), o “M” é cabeça de elefante (por ter a
cabeça grande), o “W” é anão de jardim (por ser baixinho)”. Os colegas, respondiam
ofensivamente: “E tu, seca, espiga de milho, vara de pescar!”
A professora, então, solicitou aos alunos: “Ignorem a “T”, não escutem o que
ela fala! Vocês têm que ser surdos para as besteiras que ela fala!”
Entretanto, as ofensas continuavam e o restante da turma envolvia-se na
discussão e, a cada fala dos colegas, aplaudiam aquele que mais ofendia o outro.
Então, a professora, mandou todos ficarem quietos e proferiu: “Está errado, não
podemos apoiar quando a colega “T” agride verbalmente os colegas. Agora vou
mandar bilhete pros três!” Um aluno que estava chorando, disse: ”É, eu sempre
93
acabo levando um bilhete, mesmo quando ela que me xinga! E com ela nunca
acontece nada!”
Encerrando o diálogo, a professora respondeu: ”É assim mesmo, se não
quisesse bilhete, deveria ter escutado, quando pedi para ficarem quietos! Chegou!”
Em outra situação a professora escrevia no quadro, de costas para a turma,
alguns alunos “brincavam” de atirar bolinhas de papel uns nos outros. A professora
parou as atividades e questionou os alunos sobre quem estava jogando as bolinhas.
Um aluno acusou outro colega, o qual se defendeu dizendo: ”Não sou eu professora,
foi o fulano!” A professora asseverou que era a última vez que chamava a atenção
dos alunos e, da próxima vez, os que estivessem perturbando seriam encaminhados
para a direção da escola.
Passaram-se alguns minutos, e os alunos reiniciaram a “brincadeira”. Então, a
professora, parou de escrever no quadro, caminhou lentamente até sua classe, e
gritou: “Não dá mais! “W”, “T” e “J”, vamos já pra direção!” Um dos alunos, então
pediu pra ela: “Pelo amor de Deus, não me leva professora”! E começou a chorar.
A professora conduziu os três alunos para a sala da direção, e um aluno
referindo-se a uma colega que saiu, falou: Ela sempre vai pra direção! Ela vai umas
cinco vezes por semana, e ainda, finge que chora!”
Assim, como em conflitos narrados anteriormente, observa-se as professoras
resolverem um conflito sociomoral sem pelo menos ouvir todas as partes envolvidas
na situação. Pois, para as crianças suas ações podem ser justificadas, mesmo que
equivocadamente, pois demandam um conhecimento que ainda não construíram.
As práticas pedagógicas descritas não possibilitaram aos alunos analisar as
influências sociais à que estavam submetidos. O que não permitiu aos alunos
avaliarem e decidirem se as discussões, os argumentos e as conseqüências da
resolução dos conflitos sociomorais eram legítimos. Pois, ao perceberem as
professoras como aquelas que detêm a forma genuína de resolver as situações
conflituosas, logo se submetiam sem contestarem. Assim, possivelmente, os alunos
não eram instigados a relacionarem os conflitos sociomorais e suas possíveis
soluções. Nos fatos observados e destacados anteriormente percebeu-se que as
relações sociais entre as professoras investigadas e seus alunos não admitem a
reciprocidade.
94
Agindo assim, as professoras estabeleceram em sala de aula relações sociais
fundamentadas essencialmente no respeito unilateral. Dessa forma, no que diz
respeito à moral, a realidade investigada reforça a heteronomia.
A resolução adequada de um conflito sociomoral em sala de aula
desempenha um papel essencial na construção da autonomia. É nesse ambiente
que os alunos deparam-se com muitos conflitos sociomorais e as práticas
educativas dos professores nestas situações representam um fator decisivo nessa
construção.
Logo, é importante que se organize um ambiente sociomoral que possibilite
aos alunos desenvolver a capacidade de resolver conflitos sociomorais que
correspondam à relações sociais cooperativas, fundamentadas no respeito mútuo.
Assim, é necessário que essas relações sejam incentivadas entre as crianças e
entre estas e os adultos.
Nesse sentido, Sastre e Moreno (2002) afirmam que é importante propor
atividades que promovam a aprendizagem da resolução de conflitos sociomorais
acompanhada de uma aprendizagem emocional. Essa aprendizagem permite aos
alunos conhecer o próprio comportamento emocional e também o das outras
pessoas.
Por esse motivo, essas autoras apresentam uma proposta metodológica para
o Ensino Fundamental. Nessa proposta o trabalho com os sentimentos é o elemento
necessário para que se possa introduzir a temática da aprendizagem da resolução
de conflitos.
Essa metodologia não objetiva solucionar rapidamente os conflitos, nem
mesmo extingui-los, mas, sim, formar alunos que saibam resolver eficazmente os
conflitos que surgem. Inicialmente, as professoras podem refletir sobre conflitos
fictícios de acordo com a freqüência ocorrida e considerando as diversas idades dos
escolares.
Sastre e Moreno (2002, p. 56) acentuam que a finalidade é habituar os alunos
a refletirem “de maneira adequada sobre conflitos, sem que exista a forte implicação
emocional que costuma ocorrer nos conflitos reais, com a idéia de facilitar tal
reflexão quando estiver presente a carga emocional que acompanha os conflitos
reais e que os torna mais complexos”.
Quando a escola, através de seus professores, desafia seus alunos a
encontrarem respostas satisfatórias na resolução de conflitos, pode ajudá-los na
95
construção de estratégias, cada vez mais, cooperativas e criativas. Sastre e Moreno
(2002, p. 56) salientam que “com isso a personalidade, em seu conjunto será
reforçada”.
Nas situações que foram narradas, percebe-se que as professoras
investigadas, ao não facilitarem para seus alunos esse processo de aprendizagem,
impediram que esses alunos, a partir da necessidade de resolver um conflito
sociomoral, mobilizassem-se para alcançar uma solução satisfatória para as
situações.
Os fatos que são narrados a seguir revelam uma constante nas duas salas de
aula pesquisadas: há falta de respeito entre os alunos, e os conflitos são
solucionados pela intervenção autoritária das professoras.
No início de uma aula, uma aluna caiu da cadeira e os colegas começaram a
rir. Ela levantou-se e agrediu fisicamente (a socos) o colega que estava mais
próximo. A professora interveio, exigindo que parassem com as agressões. Aos
gritos, a aluna saiu correndo da sala: “Vou embora!”
Se dirigindo para a classe, a professora falou: ”Eu não sei quem começou!
Não me interessa. Chegou! Chega! Fulano fica em silêncio, porque ela fez o que tu
fazes às vezes!” Logo em seguida, a aluna retornou para a sala, acompanhada da
supervisora. O aluno agredido foi convidado a assinar um registro de ocorrência.
Após a saída do aluno e da supervisora, a professora sentenciou: “Alguém mais
quer ir?” Frente à pergunta da professora, o restante da turma ficou em silêncio.
Em outro momento, o aluno “M” foi empurrado por dois colegas, caiu e se
machucou. Visivelmente com dores, o aluno levantou-se e referiu-se aos dois
colegas utilizando palavras ofensivas. Os colegas não lhe deram atenção, e o
menino empurrou a sua classe em direção aos colegas.
A professora notou a confusão e foi conversar com o aluno que havia
agredido os outros e que estava furioso: “Por favor ”M”’ pare com isso! O que
houve? Tu tens que pensar, e se fosse o ”W” ou o ”S” que te ofendessem? Que te
agredissem? Como tu reagirias? Pensa, e te concentra nas tuas atividades. E vocês,
também, cada um no seu caderno. Vamos nos acalmar e nos concentrar nas
atividades! Querem levar bilhete pra casa? Então... já sabem!”
Ambas as professoras investigadas agiram de forma, bastante semelhantes,
não questionavam os alunos envolvidos nas situações de conflitos, argumentando
que não queriam saber de nada.
96
Sastre e Moreno (2002) explicam que para se resolver um conflito sociomoral,
é preciso analisá-lo e, assim, ter habilidade para distinguir alguns de seus
elementos, como suas causas e manifestações.
Todavia, as condutas das professoras mostraram que elas não sabem
distinguir as diversas fases de um conflito, ou seja, a sua história, sua manifestação
e sua solução. As mesmas autoras, afirmam que essa tendência de identificar a
manifestação do conflito com as causas e ignorá-las é freqüente nas primeiras
séries dos anos iniciais. Tal indiferenciação esclarece-se quando as professoras
identificam apenas quem foi agredido.
Se olharmos a história do conflito, esta mostra que o aluno que agrediu
verbalmente e fisicamente os colegas não foi quem começou o conflito. Por
conseguinte, este fato constata que a história de uma situação conflituosa real deve
sempre ser levada em consideração.
Em muitas situações observadas, as crianças ficavam frustradas, com rancor,
chateadas e muitas choravam. Houve o caso de um aluno que nem apareceu no dia
seguinte na aula, porque tinha ficado de olho roxo por causa da agressão de um
colega.
Sastre e Moreno (2002) ressaltam que é preciso aprender a questionar sobre
as origens do conflito e não apenas concentrar-se na sua manifestação imediata,
considerando os sentimentos dos envolvidos no problema.
Dessa forma, toda vez que as professoras não trabalharam com o porquê da
existência de cada conflito, também, não contribuíram para sua resolução e,
possivelmente, provocaram o aparecimento de novos conflitos.
Sobre as inúmeras possibilidades de soluções para um conflito sociomoral,
Sastre e Moreno (2002, p. 56) dizem que é preciso ter “sempre presente que o (a)
professor(a) não deve apresentá-las, porque isso inibe a autonomia e a necessidade
de refletir dos (as) alunos (as)”.
Para resolver adequadamente situações de conflitos sociomorais e para que
estes possam ser pontos de partida para o desenvolvimento e crescimento pessoal,
é essencial que os professores realizem uma reflexão prévia sobre estas situações.
Ficou evidenciado, nas situações de conflitos sociomorais, anteriormente
descritas que, sem essa reflexão, as professoras agiam impulsivamente.
Consideravam essas situações como algo que atrapalhava e prejudicava o
“rendimento” de suas aulas, por isso “resolviam” rapidamente os problemas, sem
97
nenhuma possibilidade dos alunos pensarem sobre as possíveis maneiras de olhar
os conflitos e encontrar para esses uma solução adequada.
Para Sastre e Moreno (2002, p. 57), as soluções mais adequadas para um
conflito sociomoral são aquelas que, “sendo eqüitativas, produzam maior satisfação
às pessoas em conflito, com o mínimo de aborrecimento para todas elas.” O que não
significa que todas as pessoas envolvidas fiquem plenamente satisfeitas, mas, sim,
que se organize uma solução o mais justa possível para todos.
As mesmas autoras (2002) salientam que o papel fundamental do professor
em situações de aprendizagem da resolução de conflitos é o de desafiar seus alunos
para que:
- busquem soluções próprias;
- analisem as soluções apresentadas, antecipando suas conseqüências e
observando se estas levam ao resultado esperado;
- investiguem as relações entre as causas e os conflitos apresentados;
- considerem o que é uma boa solução para um determinado conflito;
- pensem que as soluções para os conflitos devem ser justas, caso contrário,
podem acarretar mais conflitos.
Assim, é possível compreender que
Não é a professora ou professor quem deve resolver os conflitos, mas sim,
as pessoas que os provocaram (da mesma maneira que não é o (a)
professor (a) que deve resolver os problemas de matemática). Tampouco
se deve esperar, sobretudo no início, que todos os conflitos se resolvam da
melhor maneira possível, ainda que seja o objetivo, já que os erros são
necessários em qualquer aprendizagem que não seja mecânica e, sim,
construtivista. Às vezes é necessário deixar que os alunos cometam erros.
É errando que mais se aprende, desde que analisemos o porquê de as
coisas não terem funcionando como pretendíamos (SASTRE E MORENO,
2002, p.59).
Essa postura não foi percebida, durante as observações, na ação das
professoras investigadas, as quais se utilizam de ações intervencionistas para
acabar e não para resolver um conflito sociomoral.
A partir desse contexto, torna-se essencial que os professores concebam os
conflitos sociomorais como situações que estimulam o desenvolvimento humano.
Uma vez que, assim como os conflitos intraindividuais, essas situações
desencadeiam o processo de equilibração, responsável pela construção do
conhecimento. (PIAGET, 1993)
98
Todavia, essa compreensão requer dos professores uma enorme habilidade
na resolução dos conflitos sociomorais, pois, ao mesmo tempo, que eles não podem
resolvê-los pelos alunos, também, não podem ficar alheios a essas situações.
Desse modo, é preciso desafiar, questionar, permitir aos alunos tomarem
decisões, enfim, capacitar os alunos para que solucionem de forma adequada os
conflitos que surgem. Essas práticas auxiliam os professores a reconhecerem nos
comportamentos e respostas das crianças as estruturas do pensamento infantil.
(PIAGET, 1993)
Esse conhecimento pode subsidiar as atividades desenvolvidas pelos
professores para que propiciem aos seus alunos irem além de suas possibilidades.
4.1.2 As regras e o ambiente sociomoral
A escola e, especificamente, a sala de aula são locais privilegiados para que
as crianças desenvolvam sua inteligência e moralidade. Esses ambientes
constituem-se em importantes elementos para que os professores possam dirigir
suas práticas favorecendo esse desenvolvimento.
No entendimento de Piaget (1977), a moral não é inata, é construída através
de estágios, compreendendo duas morais: a moral heterônoma e a moral autônoma.
Essa construção pode ser compreendida através do modo como o sujeito se
situa em relação às regras. Contudo, a evolução da heteronomia para a autonomia
depende, principalmente, das relações sociais que a criança estabelece com seus
iguais e com os adultos.
Compreendendo-se que a existência de regras é essencial para o bom
convívio entre as pessoas, em qualquer ambiente, elas deveriam normatizar ações,
resguardar direitos e deveres e proporcionar aos sujeitos o respeito por si próprio e
pelos outros.
Para analisar se as professoras investigadas tinham essa compreensão,
foram questionadas sobre a importância da existência de regras na sala de aula:
Az: As regras têm que existirem. Tento fazer com que os alunos
compreendam a importância de se terem regras na sala de aula, mas é
bem difícil. Acreditava que, por eles estarem na quarta série, entre 9 e 10
anos, eles entendessem melhor as regras. Mas, tenho que explicar tudo!
Algumas, eles questionam bastante. Outras, deixei de lado, para evitar
mais conflitos. Não estava adiantando falar. Então resolvi deixá-las de lado,
99
pra ver onde vai dar, e, quando aparecerem oportunidades, vou tentando
contornar.
Mar: A existência de regras é importante para que a gente possa manter
um controle sobre os alunos. Servem para que eles trabalhem direitinho,
para que se comportem adequadamente em sala de aula, pelo menos pra
gente tentar. É preciso ter pulso firme, cobrar sempre, para que isso
aconteça. Acredito que as regras são importantes para o bom andamento
da aula, para que as coisas aconteçam da melhor maneira possível. Em
qualquer lugar tem regras, eu digo para eles, que em todos os lugares têm
regras, num cinema, numa praça pública, para facilitar a vida, a
convivência entre as pessoas.
A professora Az acredita que, pela idade dos alunos, estes já deveriam
compreender as regras que são veiculadas no ambiente de sala de aula. Parece
achar absurdo ter que explicar tudo a eles. Ainda se esquiva da tarefa de trabalhar
algumas regras em determinadas situações. A professora Mar concebe as regras
como um mecanismo que objetiva assegurar o controle sobre o comportamento dos
alunos.
É necessário destacar que a compreensão das professoras sobre a existência
de regras no ambiente escolar não respeita as características do desenvolvimento
da moralidade infantil.
Segundo Piaget (1977), para que fosse desenvolvida uma prática pedagógica
favorável ao desenvolvimento moral dos alunos, seria importante que os professores
conhecessem como evoluem a prática e a consciência das regras. Isso possibilitaria
que eles compreendessem como as crianças pensam e porque, em determinadas
idades, não conseguem cumprir as regras.
Na perspectiva piagetiana, para que os alunos construam a autonomia moral,
é necessário que eles compreendam as razões e o que significam as regras. Dessa
forma, as regras que objetivam organizar o ambiente de sala de aula não podem ser
impostas pelos professores. Elas precisam ser decididas conjuntamente, pelos
professores e alunos.
Logo, as regras em geral, inclusive aquelas consideradas as mais simples,
como, por exemplo, que indicam um comportamento desejável para “Ir ao banheiro”,
precisam ser debatidas. Esses procedimentos servem para que as regras
constituídas representem um acordo mútuo entre os envolvidos.
Todavia, uma vez estabelecidas essas regras, elas devem ser cumpridas. O
que não significa que elas não possam ser modificadas, sendo que tais
comportamentos exigem coerência por parte de alunos e professores.
100
Nesse sentido, foi perguntado às professoras pesquisadas como as regras
foram instituídas na sala de aula. Elas, assim, se expressaram:
Az: Algumas regras foram passadas no inicio do ano pela escola e eu
passei pra eles. Trabalhei isso com eles, em Ensino Religioso, aproveitei o
horário pra começar isso. Também criamos algumas regras na nossa sala
de aula, através de discussão sobre o que era bom e o que não era bom,
se fosse ruim a gente não ia fazer, foi assim planejado.
Mar: Nós fizemos juntos, conversamos sobre o que podia e o que não
podia ser feito na sala de aula, para o bom andamento do trabalho. Fiz
direto no papel que está exposto na sala de aula, eles falavam e eu ia
anotando. Esse trabalho me mostrou que eles sabem o que podem ou não
fazer.
As regras a seguir são as que estavam expostas na sala de aula da
professora Mar:
REGRAS DA TURMA:
1ª) Fazer silêncio em sala de aula;
2ª) Pedir licença para sair do seu lugar (não sair da classe toda hora)
3ª) Não brigar nem discutir com os colegas;
4ª) Falar uma pessoa de cada vez (não se intrometer nas conversas dos
outros);
5ª) Não pode ficar na porta sem necessidade;
6ª) Prestar atenção na professora;
7ª) Respeitar colegas, professores, funcionários e demais alunos;
8ª) Evitar conversas e brincadeiras na sala de aula;
9ª) Trazer seu material (não pedir emprestado para os colegas);
10ª) Não enticar com os colegas nem atirar bolinhas de papel;
11ª) Não merendar nem guardar o material fora de hora;
12ª) Não dizer palavrão;
13ª) Obedecer aos horários de entrada e saída em sala de aula;
14ª) Não desenhar nem riscar no quadro;
15ª) Participar de todas as atividades de aula;
16ª) Não quebrar regras.
Mesmo afirmando que algumas regras foram construídas conjuntamente com
os alunos, as professoras pesquisadas indicam que não houve um processo de
construção, pois as regras foram apresentadas, explicadas e escolhidas sem uma
reflexão prévia.
De Vries e Zan (1998, pg. 137) afirmam que envolver os alunos na elaboração
de regras é “contribuir para uma atmosfera de respeito mútuo, na qual os
professores e crianças praticam a auto-regulagem e a cooperação”.
Nesse sentido, as regras deveriam subsidiar um ambiente sociomoral
favorável à construção da autonomia moral. Entretanto, isso não aconteceu na
101
realidade investigada, o que também é constatado nas seguintes falas das
professoras, quando destacaram algumas regras que consideravam importantes:
Az: A ida ao banheiro: Ir ao banheiro na hora do recreio e do lanche. Fora
desses horários somente por muita necessidade ou com autorização dos
pais. Não é uma regra geral da escola, mas os próprios alunos sentiram
necessidade desta regra, para evitar o entra e sai toda hora. Outras regras,
como o horário de entrada e de saída, são gerais da escola. Nós
combinamos que não tem problema, para aqueles vêm de ônibus, caso se
atrasem um pouco. O importante é que venham para a escola. Para sair
mais cedo, eles precisam avisar com antecedência. São regras da escola,
mas existem tantas regras!
Mar: Eu destaco como mais importante dessas regras, o respeito pelos
colegas, não desrespeitar, não xingar o colega. Falo para os alunos que
eles não devem se meter na vida do colega. Que cada um deve cuidar da
sua vida. Isso é difícil de controlar. Sobre a conversa, digo pra eles que
ninguém quer que vocês fiquem estátuas, se for sobre a aula tudo bem. Na
hora que eu estou explicando, não é permitido conversas paralelas. Se eles
não prestam atenção, depois não entendem as coisas.
A professora Az destaca algumas regras que determinam a conduta esperada
dos seus alunos em situações cotidianas. Explicou para eles quais as razões de tais
comportamentos, decidindo com os alunos sobre algumas regras.
Os dados pesquisados evidenciaram que a professora Mar, destaca o
respeito pelo outro como importante. Entretanto, não o relaciona com o respeito
mútuo, que fundamenta as relações cooperativas, mas, sim, com o respeito
unilateral, característico das relações de coação.
Piaget (1998, p. 118) salienta que a relação de coação tem como resultado
essencial “impor regras e verdades já elaboradas, a cooperação (...) provoca, ao
contrário, a constituição de um método que permite ao espírito superar a si mesmo
incessantemente e situar as normas acima dos estados de fato.”
Piaget (1977) afirma que o importante não são as regras e sim o porquê de
seguimos tais regras. Nesse sentido, buscou-se saber das professoras investigadas
qual o motivo que conduz seus alunos a obedecerem às regras. Elas, assim, se
expressaram:
Az: O que faz as regras serem obedecidas é o fato dos alunos se sentirem
valorizados e elogiados por seguirem as regras. Eles obedecem algumas
regras, porque são aplicadas a todos. As regras não são seguidas porque
muitos alunos têm dificuldade em lidar com elas. Eles vêm de casa com
essa dificuldade.
Mar: A cobrança é só o que adianta. Eles querem aquela pessoa que exija
o cumprimento das regras toda hora. É preciso cobrar sempre.
102
Ao fixar regras, as professoras investigadas mostraram que não as
compreendem como elementos importantes para que se estabeleçam relações de
cooperação. Isso se deve ao fato de focalizarem seus esforços na obediência e não
na explicação da necessidade das regras para administrar as relações entre as
pessoas. Desse modo, as relações sociais pautadas nesse tipo de regras não
permitem à criança evoluir.
Segundo Piaget (1977), o desenvolvimento da moralidade ocorre
paralelamente ao desenvolvimento cognitivo. O autor (1977, p. 11) descreve o
desenvolvimento moral por etapas, acentuando que “toda a moral consiste num
sistema de regras e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito
que os indivíduos adquirem por essas regras.”
A perspectiva piagetiana compreende que a moralidade é um processo de
construção e apresenta três fases: a primeira é a anomia: nessa fase os sujeitos não
têm obrigação com as regras sociais, não seguem regras coletivas; a segunda é a
heteronomia: na qual a criança é submissa à autoridade, as regras são consideradas
sagradas e inalteráveis; e, a terceira, é a autonomia: as regras são entendidas como
necessárias e resultam de acordos mútuos, fundamentados na reciprocidade.
Dessa forma, Piaget (1977, p. 288) reconhece que existem duas morais na
criança: a da coação e a da cooperação. A moral da coação é “a do dever puro, e da
heteronomia”, a criança acolhe sem questionar as ordens recebidas dos adultos. O
bem é considerado o que se relaciona com as prescrições dos adultos, e o mal é o
que não se relaciona. Neste tipo de moral a responsabilidade é objetiva.
Todavia, ao lado desta moral, e posteriormente em oposição a ela, Piaget
(1977, p. 288) salienta que se desenvolve, gradativamente, “uma moral da
cooperação, que tem por princípio a solidariedade que acentua a autonomia da
consciência, a intencionalidade e, por conseqüência, a responsabilidade subjetiva”.
Na infância, a coação é típica da relação das crianças e adultos com os quais
convivem, fruto da autoridade exercida pelo adulto e do respeito unilateral. As regras
são legitimadas por alguém superior à criança. E são nessas relações que o dever
se origina e é estabelecido, compreendendo uma fase demarcada pelo pensamento
heterônomo.
103
É, portanto, essencial que os professores compreendam que essa etapa do
desenvolvimento moral deve ser ultrapassada e não conservada, porque, acentua
Piaget (1977, p. 343), “a própria evolução das relações de coação tende a aproximá-
las da cooperação.” Nesse sentido, a cooperação compreende relações simétricas
reguladas pela reciprocidade, sendo que as regras são construídas por acordos
mútuos entre os sujeitos envolvidos. A reciprocidade é um fator valioso quando se
trata da formação autônoma de conceitos morais, pois somente através do respeito
mútuo é que a criança torna-se capaz de tratar os outros da mesma maneira que
gostaria de ser tratada. (PIAGET, 1977)
Logo, a cooperação potencializa o desenvolvimento moral e intelectual, pois
ela requer a descentração, o que capacita o sujeito para que este possa
compreender o ponto de vista do outro. Nesse sentido, a moral que visa garantir a
felicidade e o bem-estar dos sujeitos pode alcançar uma finalidade oposta, servindo
apenas para doutrinar e manter as crianças no estágio heterônomo.
Piaget (1977, p. 344) é pontual quando sustenta que “a moral da consciência
autônoma não tende a submeter as personalidades a regras comuns em seu próprio
conteúdo: limita-se a obrigar os indivíduos a “se situarem” uns em relação aos
outros, sem que as leis desta reciprocidade suprimam os pontos de vista
particulares.”
Concordando com essa idéia, De Vries e Zan (1998) afirmam que as
professoras deveriam instigar seus alunos a elaborar regras e a tomar decisões e
não priorizar somente o ato de cumprir tais regras, pois dessa forma estão
cultivando a heteronomia.
Nesse contexto, os alunos que obedecem as regras somente para agradar ou
por medo do adulto, ou ainda, para não serem punidos, indicam uma relação na qual
o respeito unilateral prevalece. Essa forma de respeito dificulta a compreensão dos
alunos em relação à existência e legitimação das regras. Ao considerar que eles
seguem as regras apenas porque são “cobrados”, a professora Mar ilustra
claramente essa compreensão:
Eu aviso que se não se comportarem direito vou mandar bilhete para os
pais. Eu falo, mas não adianta, seguem do mesmo jeito. Se mando um
bilhete eles se acalmam. Então, é cobrando uma atitude deles que eu
consigo fazer com que eles obedeçam as regras.
104
Piaget (1977) indica que há um processo de desenvolvimento na forma como
as regras são compreendidas pelos sujeitos. O mesmo autor percebeu que é a
presença das regras que indica a possibilidade da existência da moralidade humana.
Entretanto, o que se evidencia na realidade investigada é que as regras utilizadas,
ainda, expressam a intenção de punir e não de organizar um ambiente favorável ao
bom convívio entre as pessoas.
Algum controle das crianças nas salas de aula (...) é inevitável. Entretanto,
quando as crianças são continuamente governadas pelos valores, crenças e
idéias dos outros, elas desenvolvem uma submissão (se não uma rebeldia)
que pode levar ao conformismo irrefletido na vida moral e intelectual. Em
outras palavras, enquanto os adultos mantiverem as crianças ocupadas em
aprender o que os adultos desejam que elas façam e em obedecer às
regras, elas não serão motivadas a questionar, analisar ou examinar suas
próprias convicções (DE VRIES E ZAN, 1998, p.5)
Assim, para que os alunos possam construir suas próprias razões para que as
regras sejam seguidas, seria preciso que as professoras conhecessem, estudassem
e compreendessem o processo de desenvolvimento moral das crianças. Essa
alternativa permitiria a elas fundamentar suas práticas em atividades através das
quais os alunos pudessem construir relações de cooperação permeadas pelo
respeito mútuo.
Ao serem questionadas sobre o que acontece para os alunos que não
seguem as regras, as professoras investigadas confirmam essa incompreensão:
Az: Não existe aquela punição... Faço um registro, descrevendo porque os
alunos não seguiram as regras. Eles assinam e prometem que não vão
fazer novamente. Mas, é claro que sempre fazem. Eles têm medo do
caderno, porque tem uma capa preta. É um caderno de registros, explico
para os alunos que é um controle que faço. Esse controle é para poder
fazer as avaliações, anoto tudo de bom e de ruim que eles fazem.
Mar: Mando bilhete para os pais. Muitas vezes os alunos não se
comportam como deveriam. Eles têm várias oportunidades, mas aprontam
novamente. Então, a alternativa é mandar um bilhete para os pais, sempre
exijo que retorne assinado. Em último caso, chamo os pais.
As professoras investigadas se utilizam de sanções punitivas para que seus
alunos obedeçam às regras. Ao desaprovarem o comportamento dos alunos, por
meio dessas punições elas estão favorecendo uma relação de coação, que
105
consolida a heteronomia. Segundo as premissas piagetianas, as relações de
constrangimento inibem o desenvolvimento moral, porque impedem a construção da
autonomia.
Também uma outra forma de punição utilizada pelas professoras foi privar os
alunos de atividades como as aulas de Educação Física, com a intenção de fazer os
alunos “refletirem” sobre esse castigo:
Az: Nas aulas de Educação Física, por exemplo, todos os dias eles iam
para o pátio. As atividades eram livres ou jogos programados. De acordo
com o plano de aula, eu desenvolvo as atividades, mesmo que,
precisassem mudar, alguns objetivos deveriam ser alcançados. Num dia,
com atividades livres os alunos se empurraram, um caiu, o outro fez não
sei o quê, um outro laçou o colega pelo pescoço. O que eu fiz? Ao retornar
pra sala falei que enquanto eles não aprendessem a se comportar, a
respeitar os colegas, aprendessem para que serve uma corda, eles não
iriam mais para a quadra. Ficaram sem as aulas de Educação Física.
Em outra situação observada, a professora Az, muitas vezes, fazia menção
de retirar o afeto de nas suas relações com os alunos, dizendo que estava triste com
a conduta destes:
Az: Na vinda do recreio pra sala de aula eles vieram se empurrando, então
falei pra eles que se continuassem assim eu ficaria muito triste. Falo, canso
de tanto falar que eles têm que se comportar melhor, sem agredir os
outros! Daí se eles percebem que estou com cara de triste, ficam dizendo:
“Viu? A professora está triste!” Isso faz com que eles se acalmem! Mas, é
só no momento, depois eles esquecem.
Também, Vinha (2003) nos diz que, muitas vezes, os professores utilizam-se
de recompensas, formas “açucaradas” para manter o controle da turma, para que os
alunos se comportem. Tal procedimento foi, eventualmente, observado nas turmas
investigadas:
A professora Mar apresentou a seguinte proposta para os alunos: ”Vou passar
alguns cálculos no quadro e quem terminar primeiro vai ganhar um pirulito! Um aluno
se manifestou gritando:” E quem não fizer?”A professora continuou:” Vocês têm 25
minutos para fazer! Quem não fizer não ganha pirulito!” Então, outro aluno falou: “Eu
não vou fazer”!" Não quero pirulito mesmo!”A professora, elevou o tom de voz e
afirmou:” Vocês têm que fazer: com ou sem pirulito!Vamos! Todos copiando! Cada
um no seu caderno!””
Através dessas ações pode-se perceber que as professoras investigadas
compreendem que os procedimentos descritos são os responsáveis por fazerem os
106
alunos comportarem-se adequadamente, serem obedientes e educados. Por
desconhecerem outra forma de agir, acreditam que essas ferramentas são
suficientes para formar futuros cidadãos responsáveis, solidários, críticos,
inteligentes e capazes.
Agir no sentido de evitar que alguns comportamentos não sejam repetidos,
não significa que os alunos compreenderam as conseqüências de seus atos, ou que
aprenderam comportamentos mais adequados para uma determinada situação.
Pode, sim, significar que os seus comportamentos estão condicionados pelo medo
da punição, ou por uma recompensa prometida. Vinha (2003) afirma que estes
acontecimentos representam a “educação do presente”, que resolve o problema
prontamente.
Se desejamos que a criança respeite as regras da classe ou da escola
porque elas são necessárias (ou pelo menos deveriam ser) para organizar os
trabalhos, para que haja justiça, para terem relações harmoniosas, então, por
que quando as crianças não as obedecem nos valemos de procedimentos
contrários a essa idéia, como castigos, retirada de amor ou ameaças?
(VINHA, 2003, p. 04)
As professoras investigadas ao se utilizarem de procedimentos que visam
apenas a obediência às regras, ratificam que não estão agindo no sentido de educar
para a construção da autonomia. Isto se comprova nas situações que se seguem:
Uma aluna agrediu um colega com um lápis. O aluno ameaçou a colega: “Vou
te dar um soco na cara e fazer sangrar!” A professora interferiu: “”T” senta no teu
lugar, deixa o “F” em paz! Olha a regra número 03: Não brigar nem discutir com os
colegas!
A aluna dirigiu-se à classe do colega e continuou agredindo-o. A professora
em tom de voz alterado falou: ”Agora chega! Será que vou ter que escrever um
bilhete “T”? A aluna respondeu: “Ah, professora, mas ele fica me provocando.” A
professora encerrou o assunto: “Não fale mais nada pra “T”! Agora “T”, comece a
copiar suas tarefas, senão você vai para a direção!”
Numa outra situação uma aluna sentou no lugar do colega e quando o dono
do lugar retornou, outro colega exclamou: ”Tira a “S “a coice daí!” O colega encenou
os gestos, a aluna irritou-se e o agrediu”. A professora se pronunciou: “Retornem
agora, cada um para o seu lugar”! Quem pediu licença pra levantar?” A aluna falou
que não iria sair de onde estava.
107
Naquele momento, uma outra aluna falou: “Olha as regras (que estão
expostas num cartaz na sala de aula)! Eles, não estão cumprindo a regra dois: Pedir
licença para sair do seu lugar, não sair da classe toda hora)”
A professora encerrou a discussão dizendo: “Cada um para o seu lugar!
Agora! Os dois vão levar bilhete e tem que vir assinado amanhã!” A aluna que
chamou a atenção para que fossem observadas as regras observou: “Tinha que ter
mais uma regra: manter a palavra dada!”
Nessas situações os alunos acataram as decisões das professoras sem
questioná-las ou criticá-las. Essa forma de agir evidencia um pensamento
egocêntrico, que não permite aos alunos articularem diferentes pontos de vista. Os
alunos deixam-se governar pelos outros. Está caracterizada a moral da obediência
pura originada no respeito unilateral.
Assim, evidenciou-se que os alunos agiam de maneira heteronôma, pois
exigiam o cumprimento da regra, independentemente do conteúdo que estava sendo
prescrito. A responsabilidade de seus atos era avaliada em função de estarem ou
não de acordo com as regras estabelecidas. Essa é uma compreensão inopiosa da
existência e cumprimento das regras em sala de aula.
Porém, quando os alunos desenvolvem a capacidade de pensar logicamente,
respeitar regras relaciona-se à compreensão dos princípios de justiça, igualdade e
reciprocidade. Esse entendimento possivelmente torna os sujeitos livres do
egocentrismo, sendo um fator essencial para o desenvolvimento da autonomia
moral.
Sabe-se que as crianças menores (período pré-operacional) são suscetíveis a
ação dos pais, dos professores e dos demais adultos que convivem com elas. A
intervenção dos pais e professores, nesse tempo, sobre a conduta e sobre o
pensamento da criança é aceita como o processo inicial da socialização.
Esse processo de coação é positivo quando as crianças nutrem pelos adultos
um sentimento que mescla o amor e o medo: o respeito. Quando há a pressão do
adulto sobre o pensar das crianças, o respeito passa a ser unilateral. É o respeito
unilateral que permite a coação.
Piaget (1998) destaca que a coação inicial precisa ser superada, abrindo
espaços para a construção da cooperação. Processo que permite as crianças a
construção do respeito mútuo e, conseqüentemente, a construção da moral
autônoma.
108
Portanto, as concepções das professoras investigadas mostram que estas
não compreendem que a construção da autonomia moral é produto das relações de
cooperação. Elas, ainda, consideram as regras, apenas, como instrumentos de
controle sobre o comportamento dos alunos e suas condutas comprovam que a
forma como resolvem as situações de conflitos sociomorais não favorece a
construção da autonomia moral de seus alunos.
Piaget (1977, p. 172) afirma que “toda relação com outrem, na qual intervém o
respeito unilateral conduz a heteronomia. A autonomia só aparece com a
reciprocidade.”
Embora a relação de coação constitua-se no ponto de partida para que as
crianças construam sua consciência moral, ela reforça a heteronomia e, por
conseguinte, o egocentrismo. Sendo egocêntrica, a criança não percebe outros
pontos de vista diferentes do seu, nem consegue colocar-se no lugar do outro,
permanecendo assim centrada em si mesma.
Assim, é importante, que se pense em outra forma de relação social, a
cooperação, a qual exige o respeito mútuo entre os sujeitos. Este tipo de relação é
pautada na reciprocidade.
Julga-se que não há sala de aula onde todas as regras sejam sempre
cumpridas. Todavia, compete aos professores desenvolverem um trabalho que
possibilite aos alunos compreenderem o porquê da necessidade de existirem regras
no ambiente escolar.
São as regras resultantes de acordos mútuos que podem organizar e garantir
uma atmosfera cooperativa em sala de aula. Portanto, desenvolver e estabelecer
relações de cooperação, é criar condições para que a autonomia moral seja
construída.
4.1.3 Os limites a serem transpostos: a autonomia possível
De La Taille (1998) destaca que na contemporaneidade o tema “Limite” está
quase sempre atrelado a queixas: “Os alunos não têm limites!”; a formas
autoritárias: “É preciso impor limites” ou a críticas feitas à família das pessoas: “As
crianças vêm sem limites de casa!”.
O mesmo autor (1998, p. 11) afirma que essas descrições geralmente se
relacionam aos mais jovens, pois presume-se que estes carecem de limites. A
109
sociedade, em geral, afirma que “a obediência, o respeito, a disciplina, a retidão
moral, a cidadania, enfim, tudo parece estar associado a essa metáfora.”
Considerando a idéia acima, foi perguntado para as professoras investigadas
como elas relacionavam o tema “Limites” à realidade por elas vivenciada:
Az: Os alunos vêm sem limites, quando eles não têm o mínimo de
compreensão de regras. Eles não compreendem que é preciso seguir
algumas regras. Acredito que a maioria deles vêm pra escola sem limites.
Vejo que muitos passam o resto do dia na rua, onde estão os pais que não
se importam em saber onde estão os seus filhos? Mas, também, têm
alguns pais que se preocupam e compreendem que os limites são
importantes.
Mar: Os alunos vêm sem limites, não estão acostumados com regras,
como é que eles vão seguir, então? Isso é difícil, é um processo muito
lento. Ainda têm alguns ali que eu ainda não consegui fazer entender a
importância de se ter regras nos ambientes. O que é necessário porque em
todos os ambientes têm regras. E eles não entendem, mas eu tento passar
isso para eles.
Essas afirmações ratificam o que bem observou De La Taille (1998) quando
afirma que os jovens são o reflexo da sociedade na qual estão inseridos: uma
sociedade desprovida de limites. É considerável que em muitas crianças verifica-se
a falta de limites, assim como o excesso deles também sufocam algumas delas.
Logo, é importante que se esclareça o que significa a existência ou ausência
dos limites na vida das pessoas e nas relações sociais que estas estabelecem com
seus semelhantes, especialmente no ambiente escolar.
Sabe-se que para conviver em sociedade é necessário que existam alguns
limites, de caráter restritivo, os quais balizam as relações dos sujeitos com seus
semelhantes. De La Taille (1998, p. 52) diz que esses limites são aqueles que
“levantam sérias questões políticas, éticas, existenciais, são os normativos, aqueles
que a sociedade resolve criar e impor.”
Os limites restritivos são apresentados para os sujeitos através de leis
sociais. Um exemplo disto compreende o fato de que os limites físicos permitem que
se ouça uma música em volume alto, uma lei impede que o sujeito o faça altas horas
da madrugada.
Compreender o porquê se deve ou não respeitar essas leis é o início da
legitimação das mesmas. De La Taille (1998, p. 52) afirma que “os limites físicos
110
colocam a dimensão do impossível, os limites normativos colocam a dimensão do
proibido.”
Sendo que as crianças desde pequenas participam de ambientes repletos de
normas e atritos, colocar limites, no sentido restritivo, faz parte da educação.
Portanto, os limites necessitam ser objeto de processos educativos, principalmente,
na escola. Tais limites para De La Taille (1998, p. 57) devem ser pensados “em
função do bem-estar e do desenvolvimento dos indivíduos (...) e em função do bem-
estar dos outros membros da sociedade”.
O mesmo autor (1998. p. 53) afirma que “a ausência total dessa prática pode
gerar uma crise de valores, uma volta a um estado selvagem em que vale a lei do
mais forte.”
Um outro conceito importante é o de limite a ser transposto, que se apóia na
teoria de desenvolvimento humano defendida por Piaget (1993), referida por De La
Taille (1998, p. 14) a qual afirma que “não é a pura maturação biológica que explica
o desenvolvimento, mas sim as múltiplas interações com o meio físico e social.”
A partir dessa concepção, o limite é entendido como uma fronteira a ser
transposta. Dessa forma, para atingir a maturidade ou alcançar a excelência é
preciso desafiar-se, pois desenvolver-se é superar, transpor limites. (DE LA TAILLE,
1998)
A partir desta reflexão buscou-se saber das professoras investigadas o que
compreendem por limites:
Az: Falar sobre limites, é difícil. O que eu percebo é que os alunos chegam
na escola e pensam que podem fazer tudo, e que a professora tem que
fazer tudo pra eles. Não compreendem que tem uma hierarquia na escola,
que eles têm que respeitar os mais velhos e os outros. Penso que isso os
alunos deveriam aprender em casa. Os alunos vêm para a escola sem
compreender que eles precisam respeitar algumas regras. Isso é o que eu
compreendo por limites.
Mar: Limites pra mim é como se fossem regras, é até onde o aluno pode
chegar. É como se fosse uma regra. É limitar o que se pode fazer e o que
não se pode fazer dentro da sala de aula.”
Tais falas versam sobre os limites restritivos, necessários, mas não
suficientes, sendo preciso conhecer também a dimensão de limites a serem
transpostos que a partir da idéia de fronteira, relacionam-se à ação de transpor, de ir
111
além. Pensando sob esta ótica, significa que o que pode estar limitando uma pessoa
num dado momento, posteriormente, pode ser superado. (DE LA TAILLE, 1998).
Com base nesta idéia, De La Taille (1998) refere-se ao desenvolvimento
humano, destacando que a condição de ser criança é uma etapa da vida, e que esta
objetiva ser superada. Nesse sentido, podemos observar que muitos momentos
como, por exemplo, o engatinhar, o andar e o correr, são situações limites que são
gradativamente superadas pela criança.
Durante toda a infância assistiremos a cenas desse tipo, nas quais a
criança se esmera para fazer algo ainda muito difícil devido às limitações
de sua idade. Essa é a mola afetiva do desenvolvimento: ampliar os
horizontes, ter êxito no que antes era impossível, compreender coisas
antes inexistentes, misteriosas, impor a própria individualidade; numa
palavra, transpor limites. (DE LA TAILLE, 1998, p. 13 e 14).
Essas afirmações encontram sustentação na teoria piagetiana do
desenvolvimento humano. Ela explica que os seres humanos, em condições
normais, nascem com alguns esquemas reflexos (sensoriais e neurológicos) que
favorecem a construção de certas estruturas mentais. Assim, não herdamos a
inteligência, mas um organismo vivo que vai se construindo em contato com o meio
ambiente. (PIAGET, 1996)
É o processo de adaptação, que permite ao sujeito responder aos desafios,
tanto do ambiente físico quanto social, rompendo, assim, o estado de equilíbrio em
que este se encontra.
Piaget (1993) compreende o desenvolvimento como um processo que busca
atingir formas de equilíbrio cada vez mais sofisticadas. Um processo de equilibração
progressiva que busca atingir uma forma final, ou seja, a capacidade de pensamento
operatório formal. O desenvolvimento, entendido como uma construção de
estruturas que permitem ao sujeito evoluir, é sempre resultado de uma
reequilibração.
Contudo supor um processo de equilibração intervindo nas interações
implica, igualmente que, ao interagir, por exemplo, com os objetos, os
esquemas de que o sujeito dispõe não são suficientes e que essas lacunas
criam obstáculos que perturbam o sujeito, qualquer que seja o seu grau.
Em outras palavras, dizer equilibração é dizer perturbação, ou seja,
desequilíbrio nas interações. Entretanto, “os desequilíbrios” representam
apenas um papel de desencadeamento, pois “sua fecundidade”, diz Piaget,
“se mede pela possibilidade de superá-los, quer dizer, sair deles”. A fonte
real do progresso deve, pois, ser procurada na reequilibração,
112
naturalmente não no sentido de um retorno à forma anterior de equilíbrio,
cuja insuficiência é responsável pelo conflito ao qual essa equilibração
provisória chegou, mas de uma melhora da forma precedente. Entretanto,
“sem o desequilíbrio não teria havido reequilibração majorante”. (MACEDO,
1994, p.150)
O mecanismo de equilibração majorante, através do qual a vida, por
reequilibração, supera as agressões do meio, favorece o desenvolvimento da
criança. Portanto, pode-se afirmar que é próprio do ser humano buscar superar os
limites, crescer, ir em direção à condição de ser adulto.
Assim, ao analisar a concepção das professoras investigadas sobre o
conceito de limites, verificou-se que, a forma de pensar das mesmas, ao invés de
auxiliar os alunos a transpor fronteiras, apenas os manteve em seu estado infantil.
Compreendendo que a existência de limites é essencial para o
desenvolvimento humano, perguntou-se para as professoras investigadas como elas
concebiam a existência de limites no ambiente educacional. Eis suas afirmações:
Az: Acho importante que existam os limites em sala de aula, pois depois
que construímos algumas regras eles respeitam essas regras. Eles me
olham e entendem. Percebem se não gostei ou se estou triste com o
comportamento deles. Eles me conhecem. Eles seguem estas regras,
esses limites na sala de aula, porque fora da sala já não existem mais.
Mar: Com certeza tem que ter limites porque senão eles extrapolam. Não
adianta, criança é assim. É preciso que em casa sejam dados limites, é
preciso que se diga a “linha” que eles têm que seguir. Para que eles
saibam o que tem que ser feito, o que é certo, o que é errado. Considero os
limites muito importantes, indispensáveis.
Assim, foi possível evidenciar que as regras são entendidas pelas professoras
“ao pé da letra”, e suas condutas reduzem-se aos ensinamentos de muitas regras a
conter, a impor limites, do tipo não faça isso, não faça aquilo. Entretanto, De La
Taille (1998, p. 47) afirma que “essa interpretação rasteira, primitiva (...) das regras
morais é a primeira inimiga da moral.”
As práticas das professoras investigadas comprovam essas afirmações, o que
também pode ser verificado nos dois momentos descritos a seguir:
Primeiro momento: numa aula de Ensino Religioso, a professora Az estava
falando sobre o respeito que se deveria ter com os colegas, a importância de ser
educado e gentil, de se desenvolverem atitudes favoráveis para relacionar-se com
os outros.
113
Após alguns minutos, um aluno chamou o colega de “cabeça de elefante”. A
professora, demonstrando indignação, falou para a classe:
Quantos minutos nós perdemos por dia? Acabamos de falar sobre respeitar
os outros e aí o “E” me sai com uma pérola destas? Custa tanto? É muito
difícil eu tentar mudar minhas atitudes? Cada um cuidando de si,
observando os outros, os sentimentos dos outros? Que bom ir pra casa
pensando: hoje eu aprendi a conviver com as pessoas. É por isso que o
mundo está em guerra – é agredindo verbalmente o colega, é atirando uma
caneta, uma borracha – começa assim! Gostaria de sair daqui bem feliz,
sabendo que todos se respeitaram, que ninguém agrediu os colegas.
Vamos refletir como seria um mundo ótimo sem violência – se as pessoas
não fizessem as guerras... Mas, e aqui, na nossa sala de aula, o que
estamos fazendo para mudar essa realidade? Uma sala de aula melhor?
Sem maltratar os outros? Não devemos começar aqui, pela sala de aula, a
mudar esse mundo?
Os alunos ouviram atentamente, mas a professora não retomou a situação
que desencadeou a sua fala, passando para a próxima atividade, totalmente distinta
desta.
Segundo momento: a professora Mar conversava com os alunos sobre um
trabalho avaliativo de matemática, no qual a maioria da turma não havia alcançado
um resultado satisfatório. Ela comentou com a turma que uma das razões era o fato
dos alunos não estudarem previamente. Também, citou que, nos dias em que
explicava as atividades sobre a disciplina em questão, eles demonstravam
desinteresse. Dois alunos conversavam enquanto a professora falava. Ela chamou a
atenção: ”M, ainda não aprendeu que tem que ouvir quando o outro fala?” E o aluno
lhe respondeu: ”Aprendi sim!” E a professora proferiu: ”Então, demonstra o que tu
aprendeu! Ficando quieto e me ouvindo!”
Esses momentos, e, em especial, as falas das professoras evidenciam que
elas desenvolvem uma prática educativa fundada em limites restritivos, indicando o
que De La Taille (1998) considera ser um retrocesso. O mesmo autor comenta que
o contrário também é prejudicial, pois uma prática que não impõe nenhum limite, não
colabora em nada para que se construa a moral autônoma.
De acordo com De La Taille (1998), colocar limites é inevitável e
indispensável, mas esta imposição deve estar vinculada ao movimento de transpor
limites. Todavia, as professoras acreditam que apresentar uma teoria verbalmente é
suficiente para que os alunos aprendam alguns conteúdos e atitudes em relação aos
seus colegas, e que a resposta memorizada é prova fidedigna de aprendizagem.
114
Pode-se dizer que as professoras estabeleceram relações de coação em suas
turmas de alunos. A heteronomia dominava as relações interpessoais, ou seja, os
alunos seguiam sem restrições as orientações das professoras, que prescreviam as
normas de conduta e a forma de pensar indicando inclusive, os critérios que as
crianças deveriam usar para tomarem suas decisões. Nota-se que não há
reciprocidade nessas relações, sendo contrárias ao desenvolvimento moral e
intelectual.
Tais práticas não estimulam a descentração, e sim reforçam o egocentrismo.
O que pode ser um obstáculo para que as crianças pratiquem o exercício de se
colocar no ponto de vista dos outros e exercitem a reciprocidade.
O único meio de evitar estas refrações individuais implicaria numa
verdadeira cooperação, de tal maneira que a criança e o mais velho
executassem, cada um, a parte de sua individualidade e a parte das
realidades comuns. Porém, justamente, para conseguir isso, são
necessários espíritos que se interpenetrem e que se relacionem entre si,
portanto, a igualdade e a reciprocidade, assim como realidades que não
criem respeito unilateral, tal como ele é. (PIAGET, 1977, p.80)
Se, pelo contrário, o ambiente educacional, através da prática das
professoras estimulasse relações de reciprocidade, permitiria às crianças a
construção das estruturas mentais operatórias indispensáveis para o seu
desenvolvimento moral e intelectual.
Confirmando essa idéia, De La Taille (1998, p. 24) nos diz que se desenvolver
e aprender “É justamente se descentrar, abrir horizontes, construir novas estruturas
mentais, mais ricas e complexas”.
Referindo-se aos limites a serem transpostos, De La Taille (1998, p. 80)
entende que “se os adultos não sabem mais onde eles se encontram, quais limites
devem ser transpostos e quais não, fica deveras difícil uma educação que “coloque
limites”! Que limites colocar?”
Para que seja possível se delinear uma resposta, o mesmo autor nos faz
refletir sobre a idéia de viver e “deixar viver” a partir do cuidado para não atrapalhar
ou violentar os outros, respeitando os costumes dos nossos semelhantes.
Esse é o ponto de partida para que possamos escolher e definir os limites que
devem ser respeitados e aqueles que necessitam ser ultrapassados. Todavia, para
115
que esse caminho possa ser percorrido, é necessário utilizar-se de uma educação
moral que esteja pautada na cooperação e na consolidação do respeito mútuo.
116
IMAGINANDO UMA ESCOLA MELHOR
OLHARES SOBRE O IN-VISÍVEL
Este estudo visou delinear algumas contribuições para a área temática que
envolve o desenvolvimento moral, tendo como proposta a seguinte temática:
A resolução dos conflitos sociomorais e suas implicações na construção da
autonomia moral dos alunos da 4ª série do Ensino Fundamental de uma Escola
Estadual do Município de Santa Maria/RS.
Ao longo deste trabalho, a temática da resolução de conflitos sociomorais foi
apresentada como um fator relevante para o desenvolvimento moral humano,
destacando-se que um ambiente escolar de qualidade é aquele que oferece a
criança possibilidades dela mesma resolver seus conflitos.
Uma primeira consideração diz respeito ao fato das professoras não
compreenderem os conflitos sociomorais como elementos de mudança e
crescimento pessoal. Esses dados foram evidenciados nas observações realizadas
nas turmas, objetos de investigação, na forma como as professoras resolviam as
situações conflituosas.
Tais equacionamentos foram realizados através de ações intervencionistas,
caracterizadas nas condutas e nas falas repressoras e autoritárias das professoras.
Elas não desafiavam os alunos a resolverem os próprios conflitos sociomorais, o que
caracterizou um dos principais impedimentos para que fossem desenvolvidas
relações sociais de cooperação, essenciais para a construção de consciências
morais autônomas.
Ao dirigir, de forma arbitrária a organização das regras e a solução dos
conflitos sociomorais, as professoras investigadas ratificam sua incompreensão
sobre os conflitos sociomorais e sua resolução não violenta.
As ações intervencionistas assinalam uma concepção limitada do conceito de
conflito sociomoral. Elas produziram situações prejudiciais e nocivas para o bom
andamento das atividades em sala de aula. Embora, as professoras tenham
reconhecido a existência de muitos conflitos nas turmas, isso não bastou.
117
O reconhecimento da existência de problemas é um primeiro passo para
iniciar o trabalho com os conflitos e os sentimentos das pessoas neles envolvidas.
No que diz respeito à resolução satisfatória de conflitos sociomorais, os dados
mostram a necessidade urgente de se promover discussões sobre o tema para que
a visão conceitual dos professores seja ampliada e/ou transformada.
Os conflitos são inerentes ao processo de interação social de qualquer ser
humano. Não se vive sem regras, principalmente aquelas que organizam o convívio
em sala de aula. O ponto fundamental é como o professor realiza tal tarefa, como
ele faz para que os alunos compreendam tais regras como realmente necessárias
para que se estabeleçam relações sociais satisfatórias.
Compreende-se que os conflitos sociomorais desempenham um papel
importante na legitimação das regras. A capacidade de resolver conflitos
sociomorais de modo não violento é uma prática que implica num agir cooperativo,
descentrado.
Dessa forma, não é suficiente exigir dos alunos apenas a obediência de
algumas regras, mas é importante que os professores compreendam o
comportamento de seus alunos, nas diferentes idades, em relação à prática e
consciência das regras.
Com a observação das professoras investigadas e através de suas
concepções e práticas, conclui-se que as relações sociais estabelecidas em sala de
aula constituíram-se em relações de coação, pois se fundamentaram
essencialmente no respeito unilateral. Suas práticas pedagógicas apontaram para a
idéia de que ações intervencionistas nas resoluções de conflitos sociomorais não
favoreceram a construção da autonomia moral dos alunos.
Com isso, é possível afirmar que a resolução de conflitos é uma
aprendizagem necessária para o pleno desenvolvimento humano. Logo, para que a
resolução de conflitos sociomorais represente situações de aprendizagem é
essencial que os professores entendam que os conflitos sociomorais não lhes
pertencem, mas que cabe, sim, aos envolvidos resolvê-los. Todavia, o fato de não
resolver os problemas pelos alunos não significa deixar os alunos sem qualquer
orientação sobre formas de resolução.
Nesse sentido, Piaget (1977) mostra claramente que a moralidade não nasce
com o ser humano, mas é construída nas suas interações sociais. Logo, o
desenvolvimento da capacidade moral autônoma é passível de uma educação
118
moral, e os professores que atuam junto às crianças, em fase de desenvolvimento,
precisam praticá-la.
Para tanto, é necessário observar que uma educação moral que objetive a
construção do sujeito autônomo deve estar fundamentada na construção de
relações sociais de cooperação permeadas pelo respeito mútuo, as quais viabilizam
a reciprocidade.
Se queremos que nossos ensinamentos em resolução de conflitos cumpram
realmente os objetivos aos quais nos propomos, com a conseqüente
mudança significativa na forma de os estudantes enfrentarem suas
responsabilidades, suas relações e seus conflitos na vida cotidiana, teremos
de ir adaptando a instituição escolar aos princípios e valores subjacentes
nesses ensinamentos (HEREDIA, 2005, p.52).
Apenas discutir os conteúdos da educação não nos adianta de nada se
desconhecemos as possibilidades destes conteúdos virem a constituir-se em
comportamentos ou em mentalidade do educando. (LIMA, 1998)
Conforme já descrevemos os conflitos sociomorais são situações complexas
que apresentam características peculiares e sentimentos diversos. Logo é
importante que os professores saibam trabalhar com essa complexidade. É
necessário que esses amparem suas práticas educativas em concepções teóricas
que expliquem a dinâmica da existência e resolução de conflitos sociomorais. Isso
supõe o desenvolvimento de estratégias e ferramentas úteis na compreensão e
abordagem dessas situações, bem como, uma mudança sistêmica da escola, mas
não exclusivamente na questão curricular, mas, principalmente, nas práticas
escolares.
Entende-se sob essa ótica que o desenvolvimento do comportamento
responsável precisa atingir toda a estrutura escolar, e, em especial, a sala de aula.
Entretanto, para que as mudanças no ensino se efetivem, é necessário que o
sistema também se modifique, garantindo assim, uma maior possibilidade de
sucesso nesse empreendimento.
Heredia (2005) indica que isso pode ser enfrentado com o que ele chama de
“enfoque escolar global”. Ele indica a coexistência de programas curriculares de
“Resolução de Conflitos” e de mediação entre colegas, para que possam ocorrer
mudanças na relação pedagógica e no clima escolar mobilizando, assim, todos os
envolvidos.
119
O mesmo autor (2005) nos fala que, acompanhando Sastre e Moreno (2002),
podemos analisar que a escola necessita de um programa de Resolução de
Conflitos, pois esses são inevitáveis e implicam numa prática efetiva.
Para que isso se realize é preciso promover encontros ou reuniões, nas quais
professores, equipe diretiva, alunos, funcionários, pais e outros profissionais que
integram a comunidade escolar, conheçam e compreendam a importância e a
necessidade de se trabalhar a resolução de conflitos sociomorais na escola.
Heredia (2005, p.57) afirma é possível desenvolver um plano de ação que
atenda as necessidades de cada instituição escolar, sendo importante “oferecer aos
estudantes oportunidades de desenvolver suas potencialidades construtivas e
pacíficas”. O mesmo autor (2005) nos diz que os professores conscientes da
importância de se desenvolver estratégias de resolução de conflitos na escola são
unânimes em afirmar que os estudantes deveriam ter habilidades para solucionar
problemas construtivamente e, assim, transformar conflitos em objeto de construção
de conhecimento.
Compreender o outro e a si próprio permite-nos atingir uma das dimensões
mais importantes de um conflito sociomoral, para não nos determos em soluções
meramente imediatistas.
A mobilização na escola para que algo seja realizado numa perspectiva de
resolução de conflitos pode iniciar por um simples elenco de orientações acordados
entre um grupo de professores o qual demonstre a preocupação com essa temática
e possibilite uma posterior expansão desse trabalho. Logo, o que começou num
grupo poderá ser ampliado para toda a escola através da construção coletiva de
outras estratégias favoráveis a resolução de conflitos de forma não violenta.
Dessa forma, no entendimento de Heredia (2005), é significativa a reflexão
sobre alguns desafios necessários a prática pedagógica, dos professores, entre
eles:
- Desempenhar o papel de professor facilitador, ou seja, atuar, criando
condições para que os alunos reflitam sobre os seus atos e passem a
obter suas próprias conclusões. Dessa forma, o professor realiza uma
escuta silenciosa e através de perguntas abertas ajudará seus alunos a
descobrirem seus próprios sentimentos e idéias.
- Compartilhar o poder no sentido de organizar o trabalho escolar em
situações de conflitos de forma democrática, delegando poder de também
120
os alunos tomarem decisões coerentes nessas situações. Entretanto, essa
divisão democratização de poder não significa perda de respeito, de
produtividade escolar ou ausência de comportamentos cooperativos, mas,
sim, uma possibilidade dos alunos resolverem seus conflitos de forma
autônoma, independentes de seus professores.
- Transformação pessoal: é um dos maiores desafios, pois os professores,
para desenvolverem um programa de resolução de conflitos na escola e,
em conseqüência, transformar os comportamentos dos alunos,
inicialmente precisam enfrentar suas concepções sobre os conflitos e
como os resolver. Essa reflexão pode orientar melhor o trabalho a ser
desenvolvido junto aos estudantes, o que segundo os autores, em muitas
oportunidades, pode promover um crescimento pessoal também nos
adultos.
Heredia (2005, p.60), referindo-se às matérias escolares, diz que o
desenvolvimento das habilidades transformadoras do conflito “não só capacita os
alunos para relacionarem-se melhor com os demais, como também propicia as
ferramentas que tornam possível desenvolver mais plenamente o domínio das
matérias acadêmicas.”
Portanto, aos professores cabe a responsabilidade de elaborar critérios que
transformem as relações sociais, entre aqueles que convivem no ambiente de sala
de aula, em relações cooperativas. Essa responsabilidade implica o conhecimento
das razões que conduzem a esta forma de relação social, considerando aqueles a
quem se dirigem e partilham ações nesse sentido.
Ao realizar escolhas morais os sujeitos estão se posicionando frente a valores
que foram criados coletivamente no contexto das relações com outros seres
humanos. É inserido neste contexto que o sujeito desenvolve suas potencialidades e
capacidades.
O enfoque de resolução de conflitos é consistente e coerente com a função
social da escola que é formar o cidadão, ou seja, construir conhecimentos, atitudes e
valores para que o estudante se torne solidário, ético, crítico e participativo.
121
A escola
se entendida como espaço de práticas sociais em que os alunos não
apenas entram em contato com valores determinados, mas também
aprendem a estabelecer hierarquia entre valores, ampliam sua capacidade
de julgamento e a consciência de como realizam escolhas, ampliam-se as
possibilidades de atuação da escola na formação moral, já que se ocupa
de uma formação ética, para formação de uma consciência moral reflexiva
cada vez mais autônoma, mais capaz de posicionar-se e atuar em
situações de conflito. (PCNs, 1998)
Portanto, a autonomia moral e intelectual é uma capacidade que precisa ser
desenvolvida pelos alunos e esse desenvolvimento deve ser delineado por uma
prática educativa desempenhada coerentemente com esse objetivo.
Por conseguinte, os professores atuantes nos anos iniciais, do Ensino
Fundamental, têm a oportunidade de contribuir valiosamente para a construção da
autonomia moral dos educandos. Suas práticas educativas precisam permitir as
crianças e aos jovens que, conjuntamente com os adultos, vivenciem relações
sociais pautadas no respeito mútuo. Educar para a resolução de conflitos
sociomorais é organizar e efetivar formas de convivência que protagonizem essas
relações. Assim, criar um espaço para que se coloquem em prática conhecimentos
relativos à aprendizagem da resolução dos conflitos sociomorais é uma necessidade
evidenciada na realidade escolar.
Apesar disso, as instituições que são as responsáveis pela formação de
professores, em seus programas curriculares, não contemplam esse tipo de
conhecimento. Priorizando outras áreas do conhecimento, a dimensão moral e ética
é relegada ao improviso e, conseqüentemente, as práticas educativas decorrentes
dessa lacuna não são difíceis de identificar no ambiente escolar.
Portanto, as respostas/indicações analisadas e evidenciadas nessa
investigação não autorizam um ponto final nas reflexões realizadas. Assim, faz-se
um convite para reflexões futuras a partir de outras questões, entre elas:
9 Sabemos reconhecer e compreender um conflito sociomoral além da sua
aparência imediata?
9 As práticas pedagógicas possibilitam a busca de soluções para as situações
de conflitos sociomorais que surgem em sala de aula?
9 O que significa ser moralmente autônomo?
122
9 O que aprendemos e ensinamos quando resolvemos um conflito sociomoral
de maneira satisfatória?
9 Os atores educativos (alunos, professores, pais) estão dotados de
competências para resolverem seus próprios conflitos?
As possíveis respostas para estas e outras questões decorrentes, não devem
ser pautadas em intervenções meramente intervencionistas. É necessário, sim,
construir novos olhares para que a escola torne-se realmente melhor.
123
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