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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E
REPRESENTAÇÕES SOBRE O BRINCAR:
Contribuições das idéias de Humberto Maturana.
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Alexandre Paulo Loro
Santa Maria, RS, Brasil.
2008
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES E
REPRESENTAÇÕES SOBRE O BRINCAR:
Contribuições das idéias de Humberto Maturana.
por
Alexandre Paulo Loro
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação
em Educação, Área de concentração em Educação, da Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Valdo Barcelos.
Santa Maria, RS, Brasil.
2008
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Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
A Comissão Examinadora, abaixo-assinada,
aprova a Dissertação de Mestrado
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E
REPRESENTAÇÕES SOBRE O BRINCAR:
Contribuições das idéias de Humberto Maturana.
elaborada por
Alexandre Paulo Loro
como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Educação
COMISSÃO EXAMINADORA:
________________________________
Valdo Barcelos, Dr.
(Presidente/Orientador)
___________________________________________
Péricles Saremba Vieira, Dr. (UPF)
________________________________________
Helenise Sangoi Antunes, Dra. (UFSM)
_____________________________________
Cláudia Ribeiro Bellochio, Dra. (UFSM)
Santa Maria, 01 de abril de 2008.
Dedico esta dissertação a todos os professores,
para que jamais se esqueçam de brincar com as
crianças
AGRADECIMENTOS
Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Educação e Programa de Pós-
Graduação em Educação – pela oportunidade em poder continuar os meus estudos.
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio
financeiro.
Professores(as) do Programa de Pós-Graduação em Educação pelas discussões, as quais
geraram muitas mudanças no meu jeito de pensar.
Professor orientador Dr. Valdo Barcelos mais que um professor, um amigo. Agradeço a
confiança dedicada a minha pessoa e ao tema do meu estudo. Nossas discussões foram e
sempre serão uma fonte inspiradora para a reflexão em minhas pesquisas e nas minhas ações
como docente.
Comissão Examinadora da Dissertação de Mestrado pelas importantes contribuições
para os encaminhamentos finais do trabalho aqui apresentado. Agradeço a disponibilidade e a
oportunidade em poder aprender um pouco mais com vocês.
Professoras colaboradoras da pesquisa pela receptividade e pelo diálogo. Nossos
encontros foram momentos de recíproca aprendizagem. Com certeza, através dos seus relatos,
muito se contribuirá para a formação de professores.
Colegas do Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação pelas novas
amizades que fiz no decorrer desses dois anos de curso. Com vocês, licenciados em tantas
áreas distintas do conhecimento, pude aprender muito sobre como transitar em diferentes
territórios até então desconhecidos.
Quelim – pela compreensão de minha ausência e por tornar os meus dias mais bonitos.
A minha família – por ser a primeira e a principal referência de viver.
Colega e “camarada” Homero – pelas nossas discussões em Humberto Maturana.
A todos que conheci no decorrer de minha trajetória e que colaboraram direta ou
indiretamente em minha formação - muitas dessas pessoas, nunca mais tive notícias -
tomaram outros rumos, mas as boas lembranças permanecem.
Agradeço a todos vocês por terem me ajudado a tornar mais um grande sonho em realidade!
Em nossa cultura parece que devemos ensinar
valores, espiritualidade, honestidade e justiça de
maneira explícita, porque vivemos numa cultura
que nega estas dimensões do viver cotidiano, e
as crianças não têm oportunidade de aprendê-las
ao vivê-las (HUMBERTO MATURANA).
RESUMO
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Federal de Santa Maria
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E REPRESENTAÇÕES SOBRE O
BRINCAR: Contribuições das idéias de Humberto Maturana.
AUTOR: ALEXANDRE PAULO LORO
ORIENTADOR: PROF. DR. VALDO BARCELOS
Data e Local da Defesa: Santa Maria, 01 de abril de 2008.
O presente trabalho está vinculado à linha de pesquisa: Formação de professores, saberes e desenvolvimento
profissional e teve como principal objetivo investigar algumas das representações que um grupo de cinco
professoras m sobre o brincar. Essas professoras, duas licenciadas em Educação Física e três em Pedagogia,
atuam nas séries iniciais do ensino fundamental de escolas privadas e públicas, respectivamente, no município de
Santa Maria/RS. A partir dos relatos sobre o brincar na própria infância (espaço escolar e extra escolar); no
decorrer da formação acadêmica; no início da carreira profissional; e, atualmente, frente ao aluno, buscou-se
analisar as falas e colocá-las em diálogo com as idéias do pensador chileno Humberto Maturana. Para tanto, o
recurso utilizado para a produção das informações foi uma entrevista semi-estruturada. Foi possível constatar
que as professoras se lembram com facilidade das brincadeiras vivenciadas na rua, nos pátios ou na casa dos
familiares. No entanto, é menos freqüente a recordação das brincadeiras realizadas na escola. Foi possível
perceber que, na época em que cursaram as licenciaturas, poucas foram as disciplinas da matriz curricular que
problematizaram ou oportunizaram experiências em relação ao brincar, sendo a maioria delas direcionada à
aprendizagem técnica. O brincar vem sendo entendido pelas professoras como um recurso, um método ou uma
estratégia para um determinado fim. Nesse sentido, o brincar exerce a função objetiva de disciplinar e orientar os
alunos para a aprendizagem de alguma coisa, a exemplo do letramento ou aquisição de habilidades motoras -
uma forma lúdica para a aprendizagem das tarefas escolares. O brincar também estaria associado aos jogos
didáticos, realizados em sala de aula, ou aos jogos esportivos, realizados no pátio e na quadra. Neste sentido, é
possível concluir, no que diz respeito à formação docente, que a iniciativa das professoras sempre foi um fator
importante para a auto-aprendizagem e autoformação. Talvez, até mais que a própria formação inicial. Muitas
das experiências profissionais docentes vão além da formação escolar e/ou acadêmica, pois outros espaços de
significado particular que foram relevantes em suas trajetórias - o que influencia diretamente em suas atuais
práticas pedagógicas. Por mais que as professoras venham a criticar o aspecto da competição presente nas aulas e
a ênfase dada à cognição, percebo que uma grande dificuldade para a mudança de entendimento sobre o
brincar, uma vez que se formaram nessa perspectiva. Tais aspectos dificultam reconhecer o brincar como um
princípio educativo: o da criança poder aceitar como legítimo o outro na convivência. Acredito que as
professoras possam proporcionar novos espaços de convivência num domínio de aceitação recíproca com seus
alunos, produzindo uma dinâmica na qual vão mudando/transformando juntos e em congruência. Dessa maneira,
os currículos podem ser (re)organizados, no sentido de sensibilizá-las em sua formação, mobilizando a emoção
para uma formação humana solidária, fundamentada pelo amor. Assim, o brincar poderia ser percebido como um
“fundamento do humano”, como defende Maturana e que foi referência nessa pesquisa.
Palavras-chave: formação docente; saberes; brincar; representações sociais; Humberto Maturana.
ABSTRACT
Master Dissertation
Program of After-Graduation in Education
Federal University of Santa Maria
TEACHERS TRAINING AND REPRESENTATIONS ON PLAYING:
Contributions of Humberto Maturana’s ideas.
AUTHOR: ALEXANDRE PAULO LORO
ORIENTING: PROFESSOR DR. VALDO BARCELOS
Date and Place of Defense: Santa Maria, April 01
th
, 2008.
The present work is associated to the research line: Teachers’ Training, Knowledge and Professional
development and has as main objective to investigate some of the representations that a group of five teachers
has about to use the “playing” as a pedagogical resource. These teachers, two of them majored in Physical
Education and three of them in Pedagogy, work with beginners classes of the Elementary School of private and
public schools, respectively, in Santa Maria city/RS. From their reports about the playing in their own infancy,
(in the school area or out of it); during their graduation; at the beginning of their professional career; and,
nowadays, with their students. I tried to analyze their talking and placed it in dialogue with the ideas of the
author from Chile Humberto Maturana. For that, the resource used for the production of the information was half
structured interview. I found out that the teachers remember easily of the playing they played on the streets, in
their yards and at their relatives’ house. However, it is less often the remembrance of the playing played at
school. It was possible to notice that, in the period that they were majoring in Education, a few subjects of their
curriculum had given opportunities to talk about playing or experiencing it, the most of them was relating to the
technical learning. The playing has been understood by the teachers as a resource, method or strategy to a
specific purpose. Thus, the playing has as objective function to discipline and to orient the students to the
learning of something, as example the alphabetization or the acquisition of motor abilities – a “lúdica” way to the
learning of the school tasks. The playing is also associated to didactic games, played in the classroom, or to
sportive games played in the yard or in the gym, This way, I conclude that in relation to the teachers’ training,
the teachers’ initiative was always an important factor to the self learning and to the self training. Maybe, even
more than the initial graduation. Many of the professional experiences as teachers go ahead from the school
experience or as a University student, because there are other spaces of particular meaning that were important in
their trajectory - what had influenced directly in their current pedagogical practices. Besides the teachers will
criticize the aspect of the competition present in the classes and the emphasis given to the cognition, I noticed
that there is a big difficulty to the modification to the understanding about playing, once they have been trained
and graduated in this perspective. Those aspects difficult to recognize the playing as an educative resource: that
the child could accept the other person as legitimate in the living. I believe that the teachers can create new
spaces of living with reciprocal acceptation of their students, producing a dynamic in what they could change/
transform themselves together and in harmony. This way, the curriculums can be organized again, in order to
work with their emotions and sensibility to a human and solidarity, based on the love. So, the playing could be
noticed as a “human fundament”, as says Maturana, who was reference in this research.
Key words: Teacher’s training, Knowledge, Playing, Social Representations and Humberto Maturana.
LISTA DE APÊNDICES
APÊNDICE A – Algumas questões orientadoras da pesquisa......................................... 107
APÊNDICE B – Roteiro utilizado para a entrevista com as colaboradoras.................. 108
APÊNDICE C – Carta de apresentação…........................................................................ 109
APÊNDICE D - Termo de consentimento livre e esclarecimento................................... 110
SUMÁRIO
Capítulo I – A COMPOSIÇÃO DE UMA PESQUISA
1) Recordando e descrevendo uma trajetória...................................................................... 13
2) Partir e conhecer: a saída de casa.................................................................................... 16
3) Reformulando os planos.................................................................................................... 18
4) Introdução à pesquisa: a importância e os objetivos desse estudo................................ 22
Capítulo II - CULTURA E EDUCAÇÃO
1) Reestruturando a maneira moderna de pensar.............................................................. 24
2) Dilemas docentes e a necessidade de mudanças.............................................................. 28
3) As novas imagens docentes e a formação de professores............................................... 31
4) O interesse em aprender – a Formação Contínua do professor.................................... 34
Capítulo III - O BRINCAR COMO UM TERRITÓRIO DE APRENDIZAGEM
1) Um primeiro passo: o diálogo entre as diferentes disciplinas........................................ 37
2) Uma atividade espontânea e legítima............................................................................... 41
Capítulo IV – PERCURSO METODOLÓGICO
1) A Contribuição da Teoria das Representações Sociais.................................................. 49
2) A produção de informações na Pesquisa: análise e procedimentos.............................. 54
Capítulo V - O BRINCAR NAS REPRESENTAÇÕES DAS PROFESSORAS –
DIALOGANDO COM AS IDÉIAS DE HUMBERTO MATURANA
1) O brincar para Luiza......................................................................................................... 56
2) O brincar para Maria Eduarda........................................................................................ 64
3) O brincar para Ana........................................................................................................... 72
4) O brincar para Alessandra............................................................................................... 81
5) O brincar para Rê.............................................................................................................. 90
Capítulo VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................ 95
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 98
APÊNDICES......................................................................................................................... 106
Fonte: acervo pessoal
Capítulo I – A COMPOSIÇÃO DE UMA PESQUISA
Quero
Quero ver o sol atrás do muro
Quero um refúgio que seja seguro
Uma nuvem branca sem pó, nem fumaça
Quero um mundo feito sem porta ou vidraça
Quero uma estrada que leve à verdade
Quero a floresta em lugar da cidade
Uma estrela pura de ar respirável
Quero um lago limpo de água potável
Quero voar de mãos dadas com você
Ganhar o espaço em bolhas de sabão
Escorregar pelas cachoeiras
Pintar o mundo de arco-íris
Quero rodar nas asas do girassol
Fazer cristais com gotas de orvalho
Cobrir de flores campos de aço
Beijar de leve a face da lua (Thomas Roth).
1) Recordando e descrevendo uma trajetória.
Toda pessoa vive em sua trajetória inúmeras situações marcantes, as quais são
recordadas com saudosismo e nostalgia, ou não. Escrever sobre a nossa própria trajetória e
relacioná-la com a formação é algo que nem sempre é fácil, pois como dizia Freire (1993) a
formação é uma ação de construção de si mesmo, um processo aonde cada pessoa vai se
reconhecendo ao longo de sua história e se transformando através das interações com outras
pessoas e com o contexto sóciocultural em que vive.
Fazer o exercício de recordar acontecimentos é muito mais que apenas lembrá-los,
pois a memória é uma coisa viva, como muito bem dizia Larrosa (1994). Este autor afirma
que somos, ou melhor, o sentido de quem somos, as histórias que contamos. Especialmente as
que contamos a nós mesmos.
O que venho a escrever nessas primeiras páginas é apenas um recorte de algo muito
maior, que é a minha vida, mas de grande importância para entender o percurso desencadeado
para chegar à elaboração desta dissertação. Por isso, nada mais oportuno que iniciar o capítulo
14
fazendo referência à minha infância. Ao localizar/contextualizar de onde venho o leitor
poderá ter melhor compreensão para onde pretendo ir com as minhas discussões.
Vivi minha infância longe de grandes centros urbanos. Proveniente de uma região
colonizada por migrantes gaúchos na metade do século passado, num pequeno município do
interior do extremo-oeste catarinense chamado São Miguel do Oeste. não tinha acesso às
coisas das grandes cidades, no entanto, havia tranqüilidade e paz, características típicas de
lugares pequenos e interioranos onde todos praticamente se conhecem.
A infância vivida no interior de uma cidade do interior, em meio às lavouras e campos,
permitiu algumas experiências que hoje não percebo mais com freqüência entre as crianças:
espaço e liberdade para brincar harmoniosamente em meio à “natureza”, conforme citado
anteriormente na epígrafe que inicia este capítulo. O subir e o descer das árvores para apanhar
as frutas; o balançar nos cipós; a pescaria nos açudes e rios limpos, seguido por gostosos
banhos; a correria em meio aos potreiros até perder o fôlego; o suspense do esconde-esconde
no mato permitia-me brincar até cansar e saciar a vontade. Alguns aromas e sabores que sinto
hoje me remetem àquela época.
As famílias eram geralmente numerosas. Na minha família em particular, somos seis
irmãos, todos mais velhos. Isso possibilitava divertir-se em grandes grupos de meninos e
meninas, somados aos vizinhos e amigos. Muitos jogos eram vivenciados, a maioria deles
coletivos, sendo os nossos preferidos: pegador, caçador, bets, jogos com bola (inclusive o
futebol), entre outros - fizesse chuva ou fizesse sol. Inclusive a chuva não era motivo para
desmotivação, pelo contrário, a brincadeira tornava-se ainda mais atraente. Naqueles dias
tínhamos três opções: brincar na chuva (nossa preferida e geralmente vetada pelos pais),
brincar dentro de casa (também geralmente vetada, por ter quebrado vários vidros com a bola)
ou irmos a algum galpão (todas as famílias tinham um). Confesso que as duas primeiras
alternativas eram unânimes de preferência entre os participantes.
Muitos brinquedos eram construídos por nós mesmos, a exemplo dos carrinhos de
madeira, pernas-de-pau, cordas de pular e bodoques. Os recursos financeiros de quem vive da
agricultura familiar geralmente são pequenos, por esse motivo dificilmente alguém ganhava
algum brinquedo novo. Quando um brinquedo era comprado dava até pena de usar de tanto
que cuidávamos. Deveria durar e, se possível, ser passado de irmão para irmão.
A minha infância foi marcante pelas brincadeiras ao ar livre e em grupo, mas não
dispunha de todo tempo do mundo para isso. O brincar era um tempo destinado geralmente no
final do dia e final de semana. Durante a semana havia uma série de outras atividades a serem
realizadas. Imaginava que o dia era dividido em três momentos:
15
O primeiro momento era quando acordava e caminhava até a escola, onde
permaneceria por toda manhã.
O segundo momento era de ajudar os meus pais nas tarefas da propriedade (casa,
lavoura, pecuária, etc.) depois do almoço. Funções eram delegadas e sempre alguém era
responsável por alguma coisa. Esse ambiente proporcionou desde cedo uma chamada à
iniciativa e responsabilidade.
O terceiro e último momento era o final do dia, quando brincava até anoitecer. Em
seguida entrava em casa para jantar, fazer as tarefas da escola e ter mais uma boa noite de
sono.
Acredito que essa rotina de simplicidade e responsabilidade tenha refletido no gosto
pelos estudos que iniciei em 1986. Ingressei numa escola municipal “multiseriada”, com
poucos alunos, e ir para as aulas era um motivo de grande alegria. Andávamos a até a
escola e no caminho apanhávamos muitas flores para dar à professora. Todo dia tinha um
grande buquê em sua mesa. Lembro que as quatro séries (1ª a série) eram organizadas em
colunas na mesma sala. À medida que desenvolvia determinada atividade e a terminava, podia
prestar atenção e acompanhar o conteúdo das demais séries, o qual estava escrito e dividido
no quadro negro. Havia uma caixa com chinelos. Cada aluno tinha o seu par, o qual deveria
ser usado dentro da sala para mantê-la limpa. Inclusive nós a limpávamos. A horta era cuidada
pelos pais e alunos. A pracinha com seus balanços embalavam um clima de festa no recreio.
Tive nos primeiros quatro anos da educação básica sempre a mesma professora, a qual
tinha muito apego. O trabalho desenvolvido por ela era sempre aprovado e cobrado pelos pais,
pois o professor era considerado uma autoridade local. Lembro que raramente faltava às aulas,
era um momento importante, a tal ponto de guardar até hoje os cadernos, os desenhos, os
trabalhos e as provas de toda vida escolar.
Em 1990 fui para uma escola estadual onde cursei da a série. Todo começo e
final de ano letivo tínhamos de ir caminhando cerca de três km, pois o transporte escolar era
sempre uma luta da comunidade com a prefeitura para que fosse disponibilizado. Confesso ter
poucas lembranças desse período. Recordo que fiquei bastante confuso e tive dificuldade em
entender tantas disciplinas, com tantos professores diferentes. Em relação às aulas de
Educação Física, lembro que gostava de estar junto com o grupo, mas não gostava de ser
sempre um dos últimos a ser escolhido nos jogos, isso quando escolhido. Queria concluir o
ginásio para sair de casa e ter novas oportunidades, conhecer pessoas e lugares diferentes.
Assim foi com todos meus irmãos e comigo não podia ser diferente. Sai de casa pela primeira
vez com 14 anos de idade para morar fora e optei pelo Seminário ao Colégio Agrícola.
16
2) Partir e conhecer: a saída de casa
Em 1994 iniciei o Ensino Médio na cidade de Canela RS, no Seminário da
Congregação Católica dos Servos da Caridade. Essa escolha deu-se por algumas influências: a
de ouvir com satisfação os relatos das experiências de um de meus irmãos que viveu por
seis anos, bem como, de muitos outros parentes que passaram por alguma Ordem Religiosa
durante determinado tempo de suas vidas, inclusive de duas tias que são freiras e apoiavam
essa idéia. Não tive dificuldade de adaptação e aqueles três anos em que estive na “Casa São
José” passaram muito rápido. Ia para casa somente nas rias e me comunicava com os
familiares através de cartas, hábito que tenho até hoje, porém, com menor dedicação. Todo
dia, no final da tarde, ia conferir com muita ansiedade se havia alguma correspondência.
O dia na instituição era organizado com muitos horários e compromissos, inclusive
aos finais de semana. A formação humana, afetiva e religiosa era orientada por alguns eixos:
oração, trabalho, estudos, lazer e afetividade “controlada”. Esta “cadeira de cinco pernas”
sustentava a nossa formação na instituição, por isso irei descrevê-las brevemente a seguir:
1. Obviamente o Seminário enfatizava muito a oração - a capela interna deveria ser
visitada diariamente por todos no início e no final do dia. Havia missa diária no final da tarde.
Preces eram feitas espontaneamente antes das refeições como uma manifestação de
agradecimento. Havia formação religiosa aos sábados pela manhã. A minha participação na
comunidade em grupos de oração nas famílias, dias festivos, grupos de jovens, novenas,
adorações, catequeses, romarias, procissões, liturgias, animação pastoral, cursos de liderança
jovem, prestações de solidariedade, projetos assistenciais, etc., permitiu que pudesse ser mais
desinibido e desenvolto. Do tempo em que se “fazia da vida uma oração a Deus” tenho
imensa saudade no sentido de ter a oportunidade em desacelerar o ritmo para (re)pensar um
pouco mais sobre a vida. Era um momento de planejamento e reflexão, onde sonhava
acordado com um “projeto de vida”, algo que hoje fazemos com menor freqüência devido ao
excesso de afazeres cotidianos.
2. O tempo destinado ao ócio era muito pequeno, extremamente limitado, por isso o
trabalho nos mantinha ocupados. A cada semestre, novas equipes eram formadas para as mais
diversas tarefas da instituição, o que proporcionou o aprendizado de certas habilidades na
cozinha, lavanderia, gráfica, horta, pomar e pecuária. Equipes eram revezadas semanalmente
no zelo pela higiene do prédio, bem como, na lavação da louça pós-refeições. Tudo isso me
ajudou a ser uma pessoa mais organizada e flexível às novidades.
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3. Grande ênfase era dada aos estudos, tido com referência por ser “forte e sério”. Sabia
que, se quisesse aprender mais, seria através do esforço pessoal que isso aconteceria e não por
fruto do acaso. Por isso, estava freqüentemente com os livros nas mãos. Além da biblioteca da
escola, havia na instituição mais duas: uma com livros espirituais e de auto-ajuda e outra de
conhecimentos universais. Aulas de italiano, violão, harmônio e datilografia eram
proporcionadas a todos os interessados.
4. Como opção de lazer, passeios eram organizados nos finais de semana para que
pudéssemos conhecer lugares diferentes e jogar futebol com times da região. Durante a
semana, no intervalo depois do almoço, assistia ao Globo Esporte para ver os gols da rodada
dos campeonatos. Em seguida, corria para o campo com uma bola debaixo do braço. Nos
sábados à noite todos se reuniam na sala de vídeo para assistir filmes criteriosamente
selecionados. Muitas atividades físicas eram praticadas por estar à disposição boas
instalações: piscina, ginásio de esportes, campo de futebol e sala de jogos. Sempre estava num
desses lugares nos pequenos intervalos.
5. A cobrança para ser um exemplo em tudo era grande, por isso da necessidade de se
trabalhar a afetividade. Pelo diálogo era orientado a “cultivar as virtudes”: falar corretamente,
chamar todos pelo nome, ser uma pessoa humilde, solidária, disponível, respeitosa, honrada,
disciplinada e de bom caráter. Era estimulado a persistir, a manter-me motivado para não
desanimar e desistir, apesar das dificuldades. O convívio em grupo nem sempre é fácil, mas
por ter mais irmãos em casa aprendi desde cedo repartir, aceitar opiniões e gênios diferentes.
Em 1997 fui para o Seminário Maior em Porto Alegre – RS. Pela manhã me deslocava
à Faculdade de Filosofia Imaculada Conceição (FAFIMC) em Viamão – RS para cursar
Filosofia, hoje atual Campus II da PUCRS. À tarde, meu compromisso era com as atividades
educacionais junto às crianças da periferia atendidas no Educandário São Luis. Infelizmente
não pude concluir o curso de Filosofia por ter me retirado da Congregação. Quero frisar que
os anos todos que vivi naquele ambiente foram significativos em minha formação e, ainda me
flagro com freqüência pensando nas coisas boas que lá aprendi. Tenho ótimas recordações.
Em seguida trabalhei como técnico em telefonia por quase dois anos (1998-1999).
Queria estudar, mas não conseguia conciliar os horários por viajar muito. Por onde passei
conheci muitas culturas e pessoas diferentes. No entanto, não estava satisfeito com o que
fazia. Faltavam oportunidades. Não me identificava com o ofício e tampouco era o que
buscava. Via em todos os lugares pessoas indo estudar com as suas pastas - queria fazer o
mesmo.
18
3) Reformulando os planos
Retornei à casa de meus pais em São Miguel do Oeste SC no final do ano de 1999.
permaneci por alguns meses. No início de 2000 fui convidado a trabalhar na cidade de
Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul. Minha função seria monitorar as crianças do
Apoio Sócio-educativo em Meio Aberto (ASEMA) de uma Instituição Assistencial chamada
“Cidade dos Meninos”, por sua vez, da mesma sociedade mantenedora que a do Seminário em
que estive por quatro anos. Não pensei duas vezes, aceitei prontamente. Sabia que nas
proximidades existia uma universidade pública - a Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM). Era a oportunidade que precisava para retomar os estudos.
A Cidade dos Meninos foi um recomeço e um ambiente em que aprendi muito. Por
três anos e meio morei e trabalhei com as crianças nos turnos vespertino e noturno. Pela
manhã saía para me preparar para o vestibular. Tarde da noite e finais de semana eram os
momentos em que atualizava as principais leituras. Inscrevi-me no vestibular para o curso de
Educação Física, mas também tinha vontade de fazer o curso de História. A opção pela
licenciatura foi por ter como principais referências profissionais desde a infância o professor e
o religioso. O aspecto de forte aproximação das ciências humanas e o convívio em
coletividade ajudou na decisão. Inclusive, muitos de meus colegas da mesma época, com
trajetórias parecidas, hoje também são professores.
No ano de 2001 passei no concurso vestibular para Educação Física, mas não dispunha
de muito tempo para participar dos grupos de estudos ou para participar de seminários por
estar trabalhando. Em contrapartida, isso me possibilitou desenvolver vários projetos de
ensino e extensão na Cidade dos Meninos, unindo a teoria com a prática. Desde o primeiro
semestre estava rabiscando um projeto, o qual veio a ser aprovado em seguida, no segundo
semestre. Vários colegas de curso iam até a instituição desenvolver suas atividades e essa
troca foi uma experiência relevante em minha formação docente.
Em 2003, na metade do curso, não consegui mais conciliar trabalho e estudos. Foi
quando decidi ir morar na Casa do Estudante Universitário (CEU II). Com essa mudança tive
mais tempo para dedicar-me aos laboratórios, aos estágios extracurriculares e à pesquisa.
No decorrer dos últimos anos do curso de Educação Física ficava na expectativa de
voltar a trabalhar. Ao ingressar num curso superior de licenciatura senti que havia escolhido
uma profissão repleta de dificuldades e uma das perguntas que fazia com freqüência (e ainda a
faço) era se iria conseguir emprego depois de formado. Muitos demoram anos para conseguir
um trabalho.
19
Comecei a participar de grupos de estudos, a organizar eventos, a monitorar disciplina
do curso (Fundamentos da Educação Física II) e a dedicar-me com maior afinco aos assuntos
relacionados com a educação, pois as minhas leituras preferidas eram em relação a essa área
do conhecimento. Até concluir a licenciatura, permaneci a maior parte do tempo no
laboratório de Pedagogia do Centro de Educação Física e Desportos (CEFD). Lá, pela
primeira vez, tomei conhecimento sobre a teoria das Representações Sociais.
Cada vez mais, vinha a participar de eventos, como apresentador de trabalhos, na área
da educação. Fui por três anos consecutivos, sempre com projetos diferentes, bolsista do
Programa de Licenciatura (PROLICEN). No mesmo período vinha a desenvolver trabalhos na
Escola Pão dos Pobres de Santo Antônio e na Instituição “Recanto da Esperança”, ambos no
município de Santa Maria – RS.
No sexto semestre do curso tive a disciplina de Administração Escolar com o
professor Valdo Barcelos, meu atual orientador. Sua disciplina era trabalhada de uma maneira
um tanto diferenciada das demais. Até então, eram raros os momentos no decorrer do curso
em que algum professor perguntava a seus alunos sobre o que o texto nos levava a pensar e
não somente ao que o autor nos dizia (LARROSA, 2000). Suas aulas abriam margem para
profundas discussões a tal ponto de até discordar com tudo que estava escrito. Não estava
acostumado com aquilo. Geralmente pensamos pelos outros e não por nós mesmos. Percebi
que somos responsáveis pela nossa própria formação e da importância de acreditar numa
educação delineada pela reflexão, responsabilidade e confiança.
Em 2005, último semestre letivo do curso, decidi retornar a São Miguel do Oeste - SC
para desenvolver o estágio profissionalizante na escola La Salle Peperi. O principal motivo de
ter optado por esse campo de estágio foi por ter me identificado no decorrer do curso com as
disciplinas pedagógicas. O trabalho que veio a ser desenvolvido foi com uma turma de
Educação Infantil. Foi um desafio que aceitei. Em minha formação acadêmica tive apenas
uma única disciplina que abordou questões relacionadas ao universo infantil. Nunca tinha
trabalhado com crianças de seis anos de idade até então. As experiências vivenciadas naquele
ambiente foram oportunas para refletir sobre a minha formação docente e atuação
profissional. Percebi o quanto ainda tinha de aprender com os “pequenos” e sobre a
importância das relações proporcionadas pelas brincadeiras. Dei-me por conta do valor do
20
mais próximo de minha namorada - a Quelim. Ela sempre me apoiou durante todos os anos de
idas e vindas, de uma cidade a outra, e não poderia deixar de registrar a sua importância neste
trabalho e na minha vida.
Concomitante ao Estágio Profissionalizante, trabalhei como professor admitido em
caráter temporário (ACT) no Ensino Fundamental. O local era uma escola de um município
da região extremo-oeste catarinense, emancipado poucos anos. Esta localidade foi onde
passei a minha infância. Depois de tantos anos, tive a oportunidade de regressar e trabalhar
com alguns antigos amigos e professores.
Pude constatar que, no decorrer de todos esses anos que estive fora, muitas mudanças
ocorreram em relação à estrutura física da escola. Em contrapartida, percebi que algumas
coisas ainda não haviam mudado no ensino. Deparei-me com situações que, ao meu ver,
pouco ajudava na melhoria do processo de aprendizagem dos alunos, por exemplo: a
resistência de alguns colegas, principalmente os efetivos da rede, em persistirem de seguir um
modelo educacional disciplinador. As aulas de Educação Física, tidas como sinônimo de
esporte, expressavam pouca relevância para muitos alunos e professores.
Ao concluir o curso de Educação Física, em setembro de 2005, estava ansioso para o
teste seletivo do curso de Mestrado em Educação da UFSM. Era um sonho que cresceu
comigo durante os quatro anos de licenciatura. Quando ingressei na universidade, acreditava
que estaria capacitado para lidar com qualquer adversidade do cotidiano escolar uma vez que
teria concluído o curso. Contudo, percebi com o tempo que somos sujeitos permanentemente
inacabados (FREIRE, 1996) e que nunca estamos completamente preparados para nada.
Inúmeros desafios e incertezas apresentam-se à prática pedagógica e continuar
estudando é uma necessidade. A complexidade que permeia o universo escolar é muito
grande. As mudanças ocorrem rapidamente e, na maioria das vezes, não conseguimos
acompanhar. Isso me levou a questionar/repensar sobre a minha postura enquanto professor.
Diante de tantas perguntas sem respostas, de tantas mudanças (tecnológicas e de pensamento)
e da provisoriedade do conhecimento, nada mais oportuno que discutir algumas questões que
poderiam ser melhor aprofundadas através de um curso direcionado à educação.
Em 2006 ingressei no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), Linha
Formação Docente, Saberes e Desenvolvimento Profissional. Comecei a participar do Grupo
de Estudos e Pesquisas em Educação e Imaginário Social (GEPEIS). Minha inserção no grupo
possibilitou experiências que contribuíram para uma formação mais crítica, flexível e
compreensiva para as questões pedagógicas. Num primeiro momento de estranhamento,
ficava observando, escutando para ver se entendia o que estava acontecendo. Encontravam-se
21
ali pessoas de várias áreas, com tantos projetos e idéias diferentes. Demorei certo tempo para
perceber as relações existentes entre todos os trabalhos. É claro que através da “Quitanda
Cultural” pude ter um melhor entendimento sobre vários aspectos relacionados à formação
docente.
A “Quitanda Cultural” é um projeto-evento que tem por objetivo criar um território de
diálogo entre diferentes formas de conhecimentos, saberes e fazeres. Estabelecendo encontros
de diferentes linguagens e sentidos. É um espaço de construção cultural em tempos de pós-
modernidade. É um entrelugar aberto a todos os alunos(as) de graduação, pós-graduação,
professores(as) e funcionários(as) do Centro de Educação da UFSM, bem como pessoas da
comunidade extra universidade.
A contribuição da Quitanda Cultural em relação à formação docente pôde ser
percebida em seus processos múltiplos e complexos, nas diferentes dimensões do ser, do
saber e do fazer. A partir da conversação entre razão e emoção, entre o eu e o outro, entre o
conceito frio e o saber afetivo, nasce uma forma diferente, solidária e ecológica de construir
conhecimento onde, mais importante que elaborar categorias e conceitos constrói-se,
coletivamente, um novo tipo de saber. Um saber construído não pela via da regulação e do
controle, mas sim, no partilhamento e na prudência.
A cada dia que se passava tinha mais convicção que estava no lugar certo. No entanto,
no decorrer deste percurso, muitas vezes (re)pensei sobre o meu projeto de dissertação. O
tempo ia passando e a cada dia que passava novas interrogações surgiam. Mais leituras, mais
encontros e mais dúvidas. Finalmente me convenci que àquela idéia inicial, de fazer uma
pesquisa sobre as representações que os professores têm sobre o brincar, era muito importante
e não deveria ser desvirtuada.
Acredito que o GEPEIS não é apenas um grupo de pessoas que se reúnem para
realização de pesquisas, atividades complementares, espaço para debates referentes à
formação de professores, imaginário social, memória docente e histórias de vida, etc. É muito
mais que isso. É um espaço onde todos podem se expressar. A diversidade é valorizada,
trajetórias de vida e formações acadêmicas tão diversas são ouvidas. Isso possibilita uma
formação profissional muito rica. Quem ali ingressa é contagiado pela união do grupo. Não
são apenas colegas, são amigos. Os espaços de convívio ultrapassam os muros da
Universidade. Mesmo quem vai embora permanece em contato. Sempre será uma referência
positiva.
22
4) Introdução à pesquisa: a importância e os objetivos desse estudo
A formação do professor é um processo de construção que se de maneira
multifacetada, através de conhecimentos construídos social e culturalmente, às vezes, de
forma conflitante, divergente e até mesmo contraditória. Assim constatado, pretendo, a partir
dos próprios relatos das professoras envolvidas nesse estudo, contribuir para a linha Formação
docente, saberes e desenvolvimento profissional.
Essa pesquisa teve como principal objetivo investigar representações e saberes que um
grupo de cinco professoras têm sobre o brincar. Todas essas professoras, licenciadas em
Educação Física e Pedagogia, atuam nas séries iniciais do Ensino Fundamental (1ª a séries)
na rede pública e privada de ensino de Santa Maria/RS.
Concomitante ao objetivo principal, foram os objetivos específicos da pesquisa: 1)
buscar uma aproximação com algumas das representações das professoras sobre o brincar pré-
existentes a sua formação inicial; 2) identificar as origens dos conhecimentos das professoras
sobre o brincar relacionados com a sua formação inicial e; 3) relacionar as representações das
professoras com as contribuições de Maturana sobre o brincar.
Justifico a escolha das referidas professoras por acreditar que sejam essas profissionais
as pessoas que mais brincam com as crianças no espaço escolar. Assumo, assim, a tentativa de
manter um diálogo entre diferentes campos do saber, de maneira contextualizada e
interdisciplinar.
No próximo capítulo, faço uma reflexão sobre a maneira moderna de pensar e suas
conseqüências para a formação de professores. Urge, então, a necessidade de mudanças das
ações e imagens docentes.
No capítulo III, discuto a importância de desenvolver um trabalho docente
transdisciplinar. Destaco também o brincar como uma atividade espontânea da criança, sendo
um território propício para a aprendizagem. Para melhor problematizar o tema, procuro
dialogar com alguns autores considerados referência na área educacional.
O capítulo IV é dedicado à contribuição da teoria das Representações Sociais devido à
sua importância no diálogo explicativo, o que possibilita uma ampla leitura do mundo
individual/social. Em seguida, descrevo os procedimentos utilizados na investigação para a
produção e análise das informações.
No capítulo V faço a análise das observações e informações produzidas durante as
entrevistas bem como, uma reflexão sobre as mesmas levando em consideração a interlocução
23
com as idéias do pensador chileno Humberto Maturana
1
. A ênfase neste diálogo, com as
idéias do referido autor, será dada aos aspectos relacionados ao brincar, como um
“fundamento do humano”, a partir da Biologia do amor.
No último capítulo, apresento as considerações finais sobre os aspectos analisados e
interpretados, onde procuro destacar alguns pontos a serem considerados quando se pensa
sobre o brincar na formação do professor.
1
Pensador latino-americano de nacionalidade chilena. Estudou medicina na Universidade do Chile. Doutorou-se
em biologia pela universidade de Harvard (EUA). Professor Titular da Faculdade de Ciências da Universidade
do Chile. Professor na Universidade Metropolitana de Ciências da Educação no Chile. Professor do Instituto de
Terapia Familiar de Santiago-Chile.
Capítulo II - CULTURA E EDUCAÇÃO
Não digais nunca, é natural. Afim de que
nada passe por imutável” (B. Brecht).
1) Reestruturando a maneira moderna de pensar
No cenário mundial, rias mudanças vêm ocorrendo em diferentes níveis (social,
cultural, tecnológico). Dentro desse contexto, vive-se um momento oportuno para refletir
sobre a educação, de modo especial, sobre a herança deixada pela ciência moderna a ela no
decorrer do tempo.
Com o discurso de progresso, de certezas e de verdades, a ciência moderna estruturou
métodos repletos de insuficiências. Com tal procedimento reforçou-se a disjunção, a redução
e a abstração do sujeito em relação ao objeto. Damásio (1996) percebe a utilização desses
métodos como um grande erro, pois eles:
(...) obscurecem as raízes da mente humana em um organismo biologicamente
complexo, mas frágil, finito e único; obscurecem a tragédia implícita no
conhecimento dessa fragilidade, finitude e singularidade. E, quando os seres
humanos não conseguem ver a tragédia inerente à existência consciente, sentem-se
menos impelidos a fazer algo para minimizá-las e podem mostrar menos respeito
pelo valor da vida (DAMÁSIO, p.282, 1996).
A ciência é um conhecimento sistemático do universo físico que anseia por uma nova
visão de mundo, diferente e não fragmentada, uma visão que não pode mais ser compreendida
como dominação e controle da “natureza”.
A concepção de ciência vem sendo aos poucos redimensionada. Na busca por
caminhos alternativos, idéias estão sendo revistas para que se possa fazer outra leitura mais
abrangente de mundo. Nesse sentido, não posso deixar de mencionar algumas das idéias do
pensador francês Edgar Morin (1992), ao destacar a tentativa da ciência moderna em querer
reduzir a realidade ao que existe, bem como ao não cumprimento de algumas de suas
principais promessas: dominação da natureza, justiça, igualdade, liberdade, paz, educação
para todos, etc. Os estatutos racionais da modernidade são limitados, falíveis e distantes dos
anseios das pessoas, uma versão no mínimo infeliz.
Parto do princípio de que as explicações científicas, como qualquer explicação, é
sempre a reformulação das experiências do observador. Essas experiências se constituem
como tal, à medida que são aceitas por uma comunidade de observadores, através de critérios
25
de validação por eles mesmos estabelecidos. Magro et al. (1997) explica que, para
compreender o afazer científico, é necessário, antes de tudo, compreender o observar e, com
ele, o viver. Isto é, para falar com pertinência sobre o conhecimento devemos, antes de mais
nada, voltar nossa atenção para o próprio viver.
As ciências humanas não acumulam resultados definitivos, é um processo constante,
assim, está sempre (re)começando. Neste sentido, a educação como processo permanente de
construção humana necessita abrir-se ao diálogo com outras áreas do conhecimento, saberes e
fazeres, condição imprescindível para sair do isolamento e poder transitar em lugares até
então desconhecidos ou pouco visitados.
A escolha do referido paradigma foi uma alternativa entre muitas outras
possibilidades. O pensador português Boaventura de Sousa Santos (2002a) em sua obra
intitulada: A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência, propõe o
paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente - um conhecimento prudente
pós-moderno solidário de emancipação.
Ao reorganizar o que conhecemos por ciência, desencadeamos uma nova concepção,
reconstruímos representações, realizamos uma reflexão epistemológica e diversificada sobre o
conhecimento e uma relação menos instrumental com a vida. Como sugere Boaventura de
Sousa Santos:
Em vez da eternidade, temos a história; em vez do determinismo, a
imprevisibilidade; em vez do mecanicismo, a interpenetração, a espontaneidade e a
auto-organização; em vez da reversabilidade, a irreversabilidade e a evolução; em
vez da ordem, a desordem; em vez da necessidade, a criatividade e o acidente
(BOAVENTURA SANTOS, 2002a, p. 70-71).
Com a intenção de valorizar as epistemologias marginalizadas e proporcionar uma
nova percepção da realidade, o referido autor traz a “novíssima retórica” que proporciona a
valorização do ser humano e de seu autoconhecimento. A reconstrução da retórica pode
proporcionar a “reinvenção do conhecimento-emancipação”, através de motivos, ações e da
relação dialógica, por sua vez, voltados à solidariedade.
A solidariedade, de “vocação multicultural”, é uma forma de conhecimento que se
constrói via reconhecimento do outro e de seu saber. Quando isso não ocorre, quando os
outros saberes do mundo não são considerados em sua legitimidade, acabam por se tornarem
conhecimentos desencantados e tristes (BOAVENTURA SANTOS, 2002a).
A sensibilização para as enormes carências de nosso pensamento vem sendo feita
algum tempo por vários pensadores, dentre eles Morin (1992). O autor afirma que o
26
pensamento simplificador nos incapacita de conceber a conjunção do uno e do múltiplo. Por
isso destaca a unidade por via de uma epistemologia aberta, integrando a inventividade e a
criatividade. Também trás à tona a discussão da complexidade do pensamento que, por sua
vez, apresenta traços inquietantes de confusão, ambigüidade e incerteza. Em transformação
incessante, apresenta-se numa relação de harmonia/desarmonia e ordem/desordem.
Em Morin (1992), é complexo o que é tecido junto e não pode resumir-se numa
palavra mestra, a uma lei ou a uma idéia simples. A própria contradição, uma de suas
características, pode não significar necessariamente um erro, mas o atingir de uma camada
profunda da realidade que, justamente por ser profunda, é difícil de ser traduzida para a nossa
lógica.
Sabemos que a educação ainda é fortemente caracterizada pelo automatismo,
abstracionismo, hiperespecialização e excessiva disciplinarização, o que vem a dificultar
grande parte da diversidade. No entanto, diante das disposições gerais atribuídas pela
sociedade à escola, os professores dispõem de autonomia para lidar com as disciplinas, pois
sempre têm a possibilidade de questionar a natureza de seu ensino e mudar seus conteúdos e
seus métodos, sendo a liberdade, evidentemente, muito maior nas margens do sistema.
Quero destacar que tudo o que é ensinado é sempre selecionado e (re)elaborado no
interior de uma determinada cultura, permanecendo assim a idéia de algum valor. Neste
sentido, acaba-se conservando/privilegiando alguns aspectos e esquecendo outros. “A
educação escolar não consegue jamais incorporar em seus programas e seus cursos senão um
espectro estreito de saberes, de competências, de formas de expressão, de mitos e de símbolos
socialmente mobilizadores” (FORQUIN, 1993, p.16). Por isso aquilo que é ensinado deve ter
significado para que não se corra o risco de cair na superficialidade. Isso nos remete a
repensar o que trabalhar com os alunos, pois a escola sempre esquece e produz sua própria
cultura.
Aproveito a contribuição de Nóvoa (2006) para destacar no que se transformou a idéia
de educação escolar. No decorrer do tempo, concepções pedagógicas, psicológicas e
sociológicas foram misturando-se com “ideologias de salvação”:
(...) a demissão das famílias e das comunidades das suas funções educativas e
culturais ia transferindo para as escolas um excesso de missões. Para além do
“currículo tradicional”, vagas sucessivas de reformas foram acrescentando novas
técnicas e saberes, bem como um conjunto interminável de programas sociais,
culturais e assistenciais: educação sexual, combate às drogas, educação ambiental e
ecológica, formação para as novas tecnologias, prevenção rodoviária (...) (NÓVOA,
2006, p. 24).
27
Ao alimentar a ilusão de que a escola é um lugar de “redenção pessoal” e de
“regeneração social” os professores acabam por abraçar todas as causas sem dar conta de
nenhuma. É impossível não perceber que outras instituições e grupos sociais constituem-se
como lugares de formação (mídia, família, religião, tecnologia, etc.). As crianças estão
informadas sobre todos os assuntos, afinal sua educação não se restringe à escola. Neste
sentido, o professor é mais um mediador de conhecimentos entre muitos outros, claro, que
ainda de grande importância. Ele contribui com parte substancial na formação das pessoas e,
naquilo que o toca, deve procurar ser competente.
As imagens que outrora tínhamos da escola, idealizadas e cristalizadas, quebraram-se
(ARROYO, 2004). As identidades modernas estão sendo descentradas, deslocadas,
fragmentadas. Nesse contexto, o sujeito assume diferentes identidades em diferentes
momentos, às vezes contraditórias, como muito bem alerta Hall (2005) ao afirmar que os
sistemas de significação e representação cultural multiplicam as identidades, pois:
A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao
invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se
multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e
cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos
identificar – ao menos temporariamente (HALL, 2005, p. 13).
A vida escolar é bastante instável e complexa - vai modificando-se e aperfeiçoando-se
dentro de um projeto ilimitado. Nessa transição, nem sempre professores e alunos conseguem
atender as expectativas, estabelecendo, assim, um distanciamento.
As normas escolares permanecem tradicionais e o professor colabora com isso sempre
privilegia os sistemas, sejam eles de poder ou de burocracias. A escola, quando marcada por
esses sistemas, acaba por afastar os membros da comunidade, pois estes não percebem nela
um sentido. Daí a necessidade de reinventá-la, pois não é somente um local de conteúdos, mas
um lugar de relações interpessoais, um espaço para se sentir bem, um território propício para a
vivência de valores (MATURANA, 2002) - um lugar de vida.
O conhecimento não surge de algum iluminado como outrora se pensava, mas pela
interação, gerando sentido à vida. O mundo do conhecimento vislumbra novos caminhos e
esse processo é essencial - fazer o sujeito voltar a conviver com o “mundo-da-vida
2
”, mediado
pela linguagem, ou seja, pelo diálogo entre as pessoas. Goergen (2004) nos diz que o diálogo
2
O conceito “mundo-da-vida”, trazido por Habermas, é tudo aquilo que não pode ser tematizado, ultrapassa-nos,
constitui-nos: são nossas raízes e tradições culturais. Cf. GOERGEN, 2004.
28
é o princípio e o ponto final de entendimento, por isso deve ser valorizado, bem como a
alteridade, a solidariedade e as ações humanas.
2) Dilemas docentes e a necessidade de mudanças
Os professores encontram-se num momento delicado, pois vivem num contexto
social mutável, flexível e incerto. Em meio a essa transição buscam novos papéis, ainda que
de maneira confusa. Numa sociedade marcada pelas diferenças e por evoluções aceleradas, os
professores fazem questionamentos difíceis de serem respondidos. Algumas certezas morais e
ideológicas agora são questionadas e se desvanecem. Felizmente, sempre uma margem,
maior ou menor, de liberdade para autonomia, resistência e diversidade.
A carga profissional docente é repleta de muitas e variadas exigências, o que torna
difícil, senão impossível, de constatar se os objetivos estão sendo alcançados. A imprecisão
dos programas e objetivos escolares exige do professor interpretação, adaptação, criatividade
e até mesmo improvisação. Frente a esta situação, os autores Fullan e Hargreaves (2000)
percebem a escola como “uma organização aprendente” e destacam alguns pontos ou
“problemas” cruciais na implementação de mudanças educacionais numa perspectiva
colaborativa:
1. A sobrecarga o excesso de obrigações e afazeres escolares sobrecarrega o professor. Os
pais exigem explicações quanto ao programa, avaliação e comprometimento com as crianças,
somado às inovações exageradas (modismos) e soluções fragmentadas da escola. O que seria
aparentemente uma solução passa a ser mais um problema. O excesso de novidades agrava a
situação por tornar mais difícil o trabalho, faltando-lhe tempo.
2. O isolamento essa é uma herança dos programas de ensino, onde o professor
solitariamente ensina por disciplinas em sua sala de aula como se fosse um santuário. É uma
maneira de o professor sentir-se livre das pressões cotidianas e, poder então, agir livremente.
Essa atitude é muitas vezes confundida com autonomia. Isso é prejudicial ao desenvolvimento
profissional e à prática educativa de qualidade, pois gera a limitação de novas idéias e
resistência à inovação, além de fomentar o individualismo e o conservadorismo.
3. O “pensamento de grupo” - apesar da crítica ao isolamento, às vezes ele é necessário para
o desenvolvimento pessoal e criativo do professor, rompendo com o pensamento uniforme.
Discordâncias e diferenças devem ser propiciadas nas decisões coletivas e não reprimidas,
pois a inovação pessoal gera também inovações bem-sucedidas.
29
4. A competência não-utilizada (e a incompetência negligenciada) - o talento dos professores
não vem sendo utilizado em seu potencial. Novatos possuem pouco crédito e passam
despercebidos - sua qualificação profissional constitui um reservatório de talentos não
utilizados. Os veteranos, por sua vez, quaisquer coisas ruins que façam não são corrigidas. Os
professores ineficientes podem ter ficado assim em função do tempo de serviço improdutivo
ou talvez não servissem para esse trabalho desde o princípio.
5. A limitação do papel do professor (e o papel da liderança) - o professor ao passar muito
tempo dentro de uma sala de aula, sem estimulação externa, acaba por reduzir seu
comprometimento, motivação e eficiência. Quando a responsabilidade fica apenas com alguns
líderes, os resultados podem reverter em soluções incorretas e muitas vezes impostas. O
preparo dos professores consiste em envolvê-los desde cedo em atividades de administração,
liderança e na elaboração de políticas, enquanto ainda está vinculada à sala de aula, num
profissionalismo interativo e numa visão de formação como processo contínuo.
6. A reforma fracassada - a maioria das reformas educacionais não certo, sendo comum
recair toda a responsabilidade nos ombros dos professores. As idéias podem ser brilhantes,
mas se os professores não as efetivarem em suas práticas e não se sentirem envolvidos de
nada adiantará.
Os professores vivem repletos de múltiplas funções - de trabalho visível e até mesmo
invisível: aquele trabalho desenvolvido aos finais de semana, à noite, o planejamento,
correção de provas, reuniões, formação continuada, entre outros. Dedicam-se tanto aos outros
que não têm tempo para eles mesmos (TARDIF; LESSARD, 2004).
Além dos problemas mencionados, ainda há a marginalização da categoria, baixo
prestígio social, estrutura de trabalho inadequada, dificuldades de inserção na comunidade em
que trabalham. Tudo isso dificulta a atuação profissional. Para Gil Villa (1998) os principais
problemas enfrentados são: a identificação profissional, a qualificação técnica e a
marginalização social. Estes, por sua vez, resultam numa certa desorientação do professor e
insatisfação com a profissão.
A sobrecarga de aspectos negativos acaba proporcionando a que Esteve (1984 apud
GIL VILLA, 1998, p. 17) chama de “mal-estar-docente”. Fatores de primeira ordem
3
, que se
3
Fatores que incidem diretamente na ação do professor, provocando tensões associadas com sentimentos e
emoções negativas. Aqui aparece a modificação do papel do professor, a contestação e contradições na função
docente, a generalização do julgamento social contra o professor, a incerteza a respeito dos objetivos do sistema
de ensino e dos avanços no conhecimento e a quebra da imagem do professor. Cf. Gil Villa, 1998.
30
referem à sua ação em aula, e fatores de segunda ordem
4
, relacionados ao contexto escolar,
trazem o desejo de abandono, afastamento e até mesmo perturbações: estados de ansiedade,
agressividade e depressão.
O resultado das condições psicológicas e sociais permanentes na qual a docência é
exercida afeta a personalidade e deteriora a saúde, levando-o a adoecer (depreciação do eu,
licenças, doenças mentais, etc.). O clássico exemplo mitológico do labirinto discutido por
Abraham (1986) expressa a angústia do professor que passa por essa situação ao destacar que,
indissociável do professor um ser humano com desejos, frustrações e anseios. O caminho
que o professor percorre como pessoa e como profissional é um caminho difícil.
Outro aspecto que tem gerado grandes discussões é a luta pela profissionalização
5
. Os
professores desempenham tarefas de alta qualificação se comparadas às demais classes de
trabalhadores assalariados. Em contrapartida, têm sido considerados “semi-profissionais”.
Geralmente estão submetidos à autoridade de organizações burocráticas e com salários
relativamente baixos, num ambiente onde os fenômenos de tensão e contradição fazem parte.
Para o surgimento de uma “nova profissionalidade docente” (NÓVOA, 1991) os
professores precisariam deter os meios de controle sobre o seu próprio trabalho, com maior
responsabilização profissional e intervir com autonomia na organização escolar. Em tal
perspectiva, os professores são produtores de conhecimentos e investigadores de sua ação.
Para Veiga (2005), a construção da profissionalização docente se dá através de um
projeto construído coletivamente. Se outrora o professor era visto no centro do processo de
ensinar e aprender, hoje esse papel é revisado, agregando novas funções. Não se trata de um
modismo. Sua tarefa central agora é a de articulador, problematizador e pesquisador integrado
com o aluno, ambos convivendo em novo espaço relacional e interativo.
Antigos vícios docentes devem ser substituídos por vínculos capazes de proporcionar
uma aprendizagem mais amorosa, capaz de construir formas apropriadas de lidar com a
diversidade e complexidade do comportamento humano. A seguir, refletirei sobre possíveis
formas de abordagens e repercussões destes dilemas.
4
Falta de recursos materiais, condições de trabalho limitadas, aumento da violência nas instituições escolares e o
esgotamento docente perante o acúmulo de exigências que recaem sobre si. Cf. Gil Villa, 1998.
5
Este termo refere-se ao “reconhecimento e prática do direito e da obrigação do professor de determinar suas
próprias tarefas profissionais na sala de aula” (GIL VILLA, 1998, p. 27).
31
3) As novas imagens docentes e a formação de professores
Por muito tempo, a racionalização do ensino reduziu o trabalho pedagógico dos
professores a um controle social e técnico sobre suas qualificações acadêmicas e seu saber. O
legado da ciência moderna ainda se faz presente na relação do conhecimento, “(...) visto como
fatias de especializações, que são catalogadas e formatadas burocrática e disciplinarmente”
(BARCELOS, 2004a, p. 44).
O trabalho do professor pode ser revisado para que aja a possibilidade de construir um
outro sentido. A redefinição do professor enquanto profissional requer capacidade de rever o
seu conhecimento e sua capacidade em dialogar e transitar em diferentes áreas. Trata-se de
uma necessidade de construir um conhecimento polivalente que compreenda diferentes
âmbitos, visto que, não há professor na abstração. Não existe professor de generalidades, pois
quem é professor é sempre professor de alguma coisa, que também ensina e aprende alguma
coisa com alguém (BARCELOS, 2006a).
Os professores avançaram politicamente nos últimos tempos, mas continuam apegados
a lógicas conservadoras. O papel a ser desempenhado não pode mais ser visto de maneira
reduzida, atrelado ao domínio de conteúdos disciplinares e a técnicas de transmissão. A
função a ser desempenhada é muito mais ampla, como muito bem enfatiza Lima (2002, p.
106) ao afirmar que “é exigido do professor que lide com um conhecimento em construção
e não mais imutável” capaz de considerar o desenvolvimento e a colaboração da pessoa e de
conviver com as mudanças e com as incertezas.
Diante de tantas inseguranças é de grande sensatez o abandono de certezas e
convicções referentes às soluções de problemas que pensávamos estar definitivamente
resolvidos. Necessitamos (re)educar o olhar e repensar representações. O ato de educar
sempre foi um ato tenso, mesmo estando presente em nosso imaginário uma representação
épica de educação. Arroyo (2004) auxilia a desmontar essas imagens da docência e afirma que
podemos reconstruir nossas trajetórias profissionais ao conhecer os tempos dos alunos:
Nesse irmos às crianças, adolescentes, jovens e adultos com que convivemos nas
escolas e nessas tentativas de observá-los e entendê-los poderemos estar
descobrindo segredos da infância, da adolescência, da juventude e da vida adulta.
Cada tempo humano emite seus próprios sinais e suas surpresas. Sem dúvida, nesse
mesmo olhar sobre os educandos, estaremos nos olhando, nos observando, e
entendendo e redescobrindo segredos de nossa docência (ARROYO, 2004, p.48).
32
Uma maneira de redimensionar nosso comportamento docente é lembrar que um dia
também fomos alunos, algo que aparentemente esquecemos. Este exercício de lembrar nossas
próprias vivências dos tempos da vida pode vir a melhorar o entendimento de nossa formação
e dos próprios alunos.
Todos se adaptam a escola quando o processo deveria ser o inverso. Os alunos, os
tempos e a sociedade são outros. Até mesmo os professores são outros. Mas as atitudes destes
últimos ainda são as mesmas - preocupados em como (técnicas) e com o que (conteúdos)
ensinar. Esse tipo de relação gera tensões preocupantes e apreensivas. A escola ainda segue
um sistema rígido. Organiza o conhecimento em pedacinhos, por disciplinas ou recortes. Esse
modelo está mais que ultrapassado. Concordo com Ortega y Gasset (1970) ao afirmar que a
vida de cada um tem uma porção da vida de outras pessoas. Nesse sentido, a sensibilidade
para uma escola mais solidária é fundamental e de extrema relevância para a própria
autoformação.
A falta de colaboração docente e respeito às diferenças ignora e cala a voz daqueles
que poderiam emergir e fazer a diferença. Falta cultivar o hábito da colaboração, que é uma
condição reflexiva capaz de proporcionar aprendizagem significativa e relevante. Nas
palavras de Gómez:
A cultura da colaboração é o substrato básico intelectual e afetivo para enfrentar a
incerteza e o risco do fracasso. A incerteza, o fracasso e o conflito não são
conseqüências indesejáveis de um processo de mudança e aprendizagem, mas seus
companheiros inevitáveis, sempre que o processo de aprendizagem individual ou
social seja suficientemente relevante para afetar parcelas fundamentais da vida
individual e coletiva (GÓMEZ, 2001, p. 174).
É a integração do conhecimento que proporciona uma aprendizagem relevante. Esta
integração pode ser facilitada pela seleção dos conteúdos do currículo de ensino que, por sua
vez, deve ser sempre contextualizada, correspondente à capacidade do professor compreender
o que cada aluno e/ou grupo necessita. Quando os docentes e os estudantes organizam-se
cooperativamente, acabam por aprender, recriar e partilhar responsabilidades, estimulando a
cultura crítica do pensamento elaborado.
A escola ao se valer de idéias, valores e crenças que não nasceram de sua própria
dinâmica acaba por receber e devolver à sociedade uma única cultura, sem inovação e repete
o que foi criado. Partilho com Ortega y Gassset (1970) a opinião de que a cultura é um
produto da autenticidade do ser humano e quando isso não ocorre passa a haver a falsificação
da vida. Para o professor é cada vez mais desafiador desenvolver seu ofício, visto que, a todo
o momento, novos elementos surgem, outros desaparecem, dificultando cada vez mais as suas
33
relações com a escola. Nesse contexto, é questionável o que vem sendo transmitido e
conservado na escola e da importância do fazer docente.
Os programas e objetivos escolares são imprecisos e variados e, por sua vez, exigem
do professor criatividade, adaptação e transformação, para que possa dar-lhes sentido. Diante
dessa situação é que Tardif e Lessard (2004) destacam que a interpretação e a improvisação
do professor são imprescindíveis para a sua realização.
Parece, portanto, que os fins do ensino não correspondem nada a objetivos
operacionais, mas que se trate de fins de natureza hermenêutica: seu significado não
está dado, mas exige um trabalho de interpretação por parte dos atores que lhes dão
sentido, tanto por sua própria subjetividade como pelas situações vividas (TARDIF;
LESSARD, 2004, p. 205).
Surge, assim, a necessidade de se dar uma outra interpretação à escola. A vida escolar
não pode ser a falsificação de si mesma - artificial. Demanda uma maneira de pensar mais
autêntica para o exercício autônomo da profissão, construído mediante a elaboração de um
novo modo de atuar dentro de uma perspectiva (re)educadora, permanento85(m)-2.45995(a)3.74( )-0.14657(o)-6.3339(s)3.21993 sm e
34
comporta múltiplas particularidades, a qual implica necessariamente em escolhas
epistemológicas, repleta de tensões e dilemas que dificultam a atuação (TARDIF; LESSARD,
2004).
Nos últimos anos, inúmeras discussões foram geradas sobre o referido tema,
aparecendo com uma conotação problemática. Implementar uma proposta diferenciada na
escola é, portanto, desafiador.
Para melhorar a qualidade do ensino não basta apenas melhorar as condições de
trabalho dos professores. É preciso também mudar a maneira de pensar. A educação invoca o
surgimento de um profissionalismo docente organizado mais cooperativamente, com
interesse/paixão pelo conhecer, com preocupação em sua capacitação e formação, sem nunca
perder de vista a conservação de sua dignidade e de sua autonomia criativa.
4) O interesse em aprender – a Formação Contínua do professor
Hoje, mais do que nunca, o professor necessita atualizar-se constantemente para
atender às necessidades educacionais escolares. Vivemos numa sociedade planetarizada, onde
os profissionais necessitam ser multifuncionais e competentes. Alarcão (2001) explicita que a
função dos docentes exige consciência de que sua formação nunca está finda, pelo contrário,
encontra-se num constante vir a ser, primando pela qualidade de seu ofício e pela sua
flexibilização diante de tantas mudanças.
bem pouco tempo, qualquer profissional poderia acreditar que, com o diploma de
um curso superior, estaria capacitado a atuar pelo resto de sua vida na profissão. Com o
professor não foi diferente. Carrascosa (1996) relata que a formação do professor é um
processo em longo prazo, que não se finaliza com a obtenção do título de licenciado. Isso
ocorreu por muitas razões, uma delas é associada ao fato da formação docente ser um
processo complexo, sendo impossível adquirir conhecimentos e habilidades suficientes no
curto espaço de tempo que dura a Formação Inicial.
Conforme Hargreaves (2002), a formação inicial parece não ser mais que o primeiro
passo para a formação docente contínua. Muitos profissionais acabam reproduzindo na escola
o que eles aprenderam com seus professores na época de academia. Outros, porém, buscam se
aperfeiçoar/qualificar constantemente para melhorar a qualidade da educação através de
aquisição de livros, participação em grupos de estudos, palestras, oficinas, congressos e
cursos de pós-graduação.
35
Parto do entendimento que a Formação Contínua é uma iniciativa de formação do
professor que acompanha o seu tempo profissional, apresentando formato e duração
diferenciados, assumindo a perspectiva da formação como processo (CUNHA, 1999), por sua
vez, um processo interativo e dinâmico de fundamental importância para a mudança
educacional e para a definição do profissional.
A Formação Contínua constitui um espaço significativo para relatos de experiências
dos professores e também como um momento de troca de saberes, seja disciplinar, curricular,
experencial ou profissional (TARDIF, 2002). Isso se torna significativo no momento em que
se tem discutido a profissionalização do professor e exigido saberes configurados na
perspectiva de saber-saber, de saber-fazer e de saber-ser.
Os espaços de interação entre as dimensões pessoais e profissionais possibilitam ao
professor, na condição de ator social, “apropriar-se dos seus processos de formação e dar-lhes
um sentido no quadro de suas histórias de vida” (NÓVOA, 1991, p.70). Ou seja, a formação
está intimamente ligada à produção de sentido sobre as suas vivências. A experiência é tida
como produtora de saberes por ser um componente significativo no processo de formação
docente. Assim sendo, ao professores são tidos como “aprendentes e ensinantes” em vários
tempos e espaços, num processo continuado ao longo da sua trajetória de vida (MADEIRA,
2001).
Ao considerar as demais formações (informais), a exemplo dos processos de
autoformação, investimento educativo das situações profissionais e articulação com projetos
educativos na escola, estaremos valorizando não ape
36
A Formação Contínua na escola é uma proposta inovadora que exige do professor um
trabalho mais interativo. Em contrapartida, a atividade docente comporta múltiplas facetas, as
quais estão inseridas num conjunto inteiro de controle de regras institucionalizadas e
burocratizadas. Trata-se de um trabalho tenso e repleto de dilemas que dificultam a atuação
dos docentes. Além de ser uma profissão desgastante por estar em interface com o outro, a
docência se encontra dentro de uma organização repleta de normas, que muitas vezes
impossibilita o desenvolvimento do potencial criativo que gostariam de ter.
Por muito tempo a formação foi estigmatizada por diferentes concepções. Muitos
professores “(...) foram influenciados pela tendência pedagógica do Tecnicismo, que
sobreviveu, na legislação do ensino, por mais de uma década, ao seu criador, o chamado
Regime Militar” (CAMPOS, 2006, p. 09). Em relação a esse regime, comenta Humberto
Maturana ao conceder uma entrevista ao Jornal La Nación, herdamos uma das piores coisas:
“La negación de la reflexión” (MARÍN, 2006, p. 05).
Algumas tendências foram predominantes em determinadas épocas na América Latina,
inclusive no Brasil, as quais ainda se fazem presentes em maior ou menor grau. Superá-las é
uma tarefa árdua e pensar que existam soluções mágicas é uma ilusão. Direcionando esse
legado às escolas não é estranho perceber que a valorização da competição é um resquício de
uma época em que praticamente inexistia a tolerância, pressuposto indispensável para tornar a
diferença possível (CALAME, 2001).
Fonte: acervo pessoal
CAPÍTULO III - O BRINCAR COMO UM TERRITÓRIO DE
APRENDIZAGEM
1) Um primeiro passo: o diálogo entre as diferentes disciplinas
Acredito que seja interessante discutir sobre um ponto importante, o qual não gostaria
de deixar cair no esquecimento: o trabalho docente transdisciplinar. As disciplinas escolares
continuam sendo trabalhadas em separado, dificultando aos aprendizes apreender os objetos
em seus conjuntos e de perceberem as relações existentes nos contextos. Quando
compreendemos as disciplinas antagonicamente, de maneira isolada, ao invés de
complementarmente, criamos um abismo entre as diferentes áreas do conhecimento. Essa
postura e esse entendimento dicotômico reduzem a potencialidade dos professores e dos
alunos.
As disciplinas e as didáticas escolares não conseguem mais “controlar os corpos” de
seus alunos (ARROYO, 2004). Isso revela para a docência que a escola não se renova - como
se estivesse cristalizada. A falta de dinâmica das aulas as tornam pouco atraentes, sendo
percebidas pela criança como algo que inibe a sua liberdade e não como algo que faz parte de
sua vida, ou melhor, uma continuidade da vida. Todos precisam sentir-se bem neste local e
isso não vem acontecendo.
Na tentativa de romper com o pensamento linear e reducionista, o qual atrofia o saber,
sugiro uma aproximação entre as disciplinas do currículo para que possam reafirmar as
possibilidades formativas e a ajudar na ampliação do conhecimento. Morin (2000) ressalta
que as disciplinas podem se constituir pelas rupturas de fronteiras, de invasões de um
problema de uma disciplina sobre outra, de circulação de conceitos e de formação de
disciplinas híbridas. Este autor questiona: de que serviriam todos os saberes parcelados, se
nós não os confrontássemos, a fim de formar uma configuração que responda às nossas
expectativas, às nossas necessidades e as nossas interrogações cognitivas?
Se quisermos realmente ajudar na educação de qualquer pessoa, numa perspectiva de
emancipação humana, sepreciso romper com as fronteiras que, por sua vez, prefiro vê-las
como um ponto de começo e de presença ao invés de um ponto de limites e encerramentos
(BARCELOS, 2004b). Por isso penso que, para conseguirmos transitar em diferentes áreas do
38
conhecimento, se faz necessário ir além das demarcações estabelecidas, o que demanda
abertura para a pluralidade de discursos e um trabalho mais coletivo.
O trabalho docente é muito dependente dos estatutos disciplinares e isso vai de
encontro à abordagem transdisciplinar. Além disso, as disciplinas não possuem o mesmo
valor para alunos, pais e próprios professores devido à hierarquia e ao poder simbólico” da
matriz curricular (TARDIF, 2002). Fica evidente que certas disciplinas específicas recebem
um tratamento isolado das demais.
Mover-nos em direção às outras áreas do conhecimento em busca de diálogo é de
fundamental importância, mas não é o suficiente. Também é imprescindível mudarmos de
entendimento e de conduta para podermos romper com a inércia corporal a qual nos
encontramos, uma vez que o modo como vivemos é um fenômeno cultural e o tipo de ser
humano que nos tornamos é algo próprio da cultura em que crescemos (MATURANA, 1998).
Ao falar em mudança, quero destacar alguns pontos que são pertinentes a qualquer
professor, especialmente àqueles que trabalham com o brincar e atuam nas séries iniciais.
Vivemos numa cultura onde não espaços, de um modo geral, para as brincadeiras.
Isso impede crianças e jovens de expressarem a sua cultura de infância, uma vez que as
brincadeiras vêm sendo percebidas sob o ponto de vista produtivo, comumente confundidas e
trabalhadas como conteúdos desportivos, atualmente muito valorizados. Segundo o livro
Coletivo de Autores (1992), os pressupostos para o aprendizado do esporte, a exemplo da
aquisição de domínios técnico-táticos e as pré-condições fisiológicas para a sua prática,
demonstram claramente que a finalidade a ele atribuída é somente a vitória na competição.
Não é raro perceber que o brincar é tido como sinônimo de esporte institucionalizado -
àquele esporte com fins de resultados, de regras e práticas competitivas, de constantes
agressões verbais e físicas, que visa o rendimento pelos altos níveis de exigência, excessiva
cobrança e esforço. O que vem a reforçar a idéia de que os alunos hábeis podem participar,
pois contribuem para a vitória, enquanto os alunos que não conseguem enquadrar-se nos
padrões estabelecidos permanecem excluídos torcem ou brincam do lado de fora da quadra.
Ou ainda, são inseridos no grupo somente para completar o número mínimo de participantes
para que a atividade aconteça.
O brincar não pode ser reduzido simplesmente a desportivização precoce da infância.
Como professor, me inquieta a falta de sensibilidade daqueles colegas que antes mesmo de
possibilitar brincadeiras às crianças fomentam a especialização de gestos tidos como
tecnicamente corretos. Penso que, ao redimensionar o entendimento que temos sobre o
brincar, poderemos possibilitar o corpo à compreensão da realidade e a reaprender a se
39
conhecer visto que, as crianças expressam em sua corporeidade e integridade um acervo sobre
as mais diversas questões (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004).
As aulas, quando se tornam elitistas e classificatórias (categorização), privilegiam uma
estrutura que martiriza a maioria dos seus participantes. Essa situação, de visar o resultado
final, de viver a experiência da competição, de derrota e de vitória, leva muitas crianças a
abandonarem a aula devido ao excessivo desgaste emocional e também devido à sensação de
incapacidade. As aulas que privilegiam a eficiência dos movimentos e os resultados técnicos
acabam por intimidar a potencialidade de interação e criação.
A aula não deve estar centrada no treinamento técnico. Se assim for, estaremos
“amesquinhando o seu caráter formador” (FREIRE, 1996), vivendo no pragmatismo e sendo
conivente com a cultura de reprodução. O que quero dizer é que “a educação deve estar
centrada na formação humana e não técnica da criança, embora esta formação humana se
realize através da aprendizagem do técnico, na realização do aspecto de capacitação da tarefa
educacional” (MATURANA; REZEPKA, 2002, p.13).
Não é difícil perceber que nas escolas os pátios e os ginásios estão mais desenhados
para as práticas esportivas que para as brincadeiras. Sabemos bem que não é o espaço físico
que irá ou não oportunizar as brincadeiras, mas sim a intenção do professor em acreditar na
ludicidade. Contudo, fica evidente que tal estrutura é projetada para que a criança venha a se
adaptar ao espaço que está sendo disponibilizado. Acredito que o desenvolvimento da
autonomia decorre, entre outras coisas, da possibilidade de decidir, entre opções, em cada
situação, aquela que for julgada pelo sujeito a mais adequada. Para tanto, a criança precisa
dispor de um leque amplo de alternativas para defrontar-se com as mais diversificadas
situações (FREIRE, 2005).
Na condição de professor de Educação Física não posso deixar de salientar que
geralmente é nessa disciplina que as crianças têm a oportunidade de brincar. Também
reconheço a importância dessa área do conhecimento para a formação da criança. Em
contrapartida, infelizmente, não são raras às vezes que a aula é direcionada e restrita ao
simples exercício de certas habilidades e destrezas, contribuindo para a manutenção de uma
estrutura social competitiva, produtivista, autoritária e excludente.
Caso perguntássemos a qualquer criança o que é mais monótono nas aulas de
Educação Física, com certeza, uma das principais respostas que ouviríamos é: ter de correr na
quadra durante um tempo determinado pelo professor. Nesse caso, o desconforto e a
desmotivação não está meramente no esforço sico, mas na falta de propósitos e na falta de
sentido/significado da atividade.
40
A Educação Física brasileira teve suas origens marcadas pela forte influência da
categoria médica e de instituições militares que, por sua vez, eram “contaminadas” por
princípios positivistas de manutenção da ordem social em nome da eugenia e do “Progresso e
Desenvolvimento” do país. Foi (e ainda é para muitos) entendida como um elemento de
extrema importância para forjar o sujeito disciplinado, forte e saudável, tido como
indispensável à implantação de um sistema que tinha por objetivo formar um ser apto para o
trabalho (CASTELLANI FILHO, 1988).
Na atualidade a Educação Física é influenciada por visões massificadas de padrões
ideais de beleza e treinamento voltado à saúde e a um duvidoso discurso de qualidade de vida.
Quero salientar que, nesta perspectiva, algumas de suas características são: a prática
essencialmente mecânica e a valorização da técnica; a concepção dualista do ser humano - o
“físico” a serviço do “psíquico”; atitude acrítica da realidade; reprodução do movimento;
caráter seletivo; marginalização dos menos aptos; negação do amor, etc.
Não é mais preciso recordar da ampla influência que a Educação Física recebeu das
tendências e correntes que surgiram e vigoram até hoje na escola: militarista (1930-1945),
pedagogicista (1945-1964) e competitivista (1964-1985 aproximadamente). Muitas são as
produções que problematizam essa questão (MEDINA, 1987; CASTELLANI FILHO, 1988;
GHUIRALDELLI JÚNIOR, 1998; GONÇALVES, 1994, entre outros), mas acredito ser
importante mencioná-las para que o leitor possa compreender as dificuldades que os
professores enfrentam para se desvencilhar de determinadas posturas.
O esporte moderno ainda exerce grande influência nas aulas, sendo uma de suas
características a competição. No entanto, a competição tem raízes mais profundas que as
tendências do século passado. Herdamos do patriarcado europeu a cultura da guerra e da luta
que nos levou à atual situação de autoritarismo, dominação e desrespeito às diversidades
biológicas, esquecendo os fundamentos da condição humana (o amar e o brincar) que
permeiam o afetivo e o lúdico.
Busco em Maturana e Verden-Zöller (2004) subsídios para explicar que a competição
é um comportamento aprendido pelas crianças de acordo com a cultura em que elas crescem:
na primeira infância a criança vive na intimidade da coexistência social com suas mães -
através do encontro corporal íntimo se desenvolve um ser social bem integrado; ao transitar à
adolescência, a criança tem de adotar um modo de vida que nega tudo o que até então
aprendeu, como se até então tivesse vivido num mundo de mentiras - ela aprende assim, a
competir.
41
A falta de respeito, de colaboração e de alteridade impossibilita a criação de um
mundo de aceitação mútua. A qualidade lúdica, a espontaneidade, a capacidade de
desenvolver satisfação pessoal precisam ser mais enfatizadas e isso requer liberdade. Somente
que as aulas que primam pela competitividade perdem esse valor.
Para Maturana e Rezepka (2002) valores não se ensinam, precisam ser vivenciados
com o outro, especialmente no ambiente escolar - momento oportuno para viver a
coletividade, sem discriminações, num caráter aberto e dinâmico para a construção de
significados. Ao compartilhar significados e sentidos se proporciona a construção do
conhecimento. Isso se dá toda vez em que se estabelecem relações “substantivas e não-
arbitrárias” entre o que aprendemos e o que já conhecemos (SALVADOR, 1994).
Seria interessante o professor instigar a curiosidade como possibilidade de elaboração
do conhecimento, num processo de ir e vir, para “conseguir trazer o aluno até a intimidade do
movimento de seu pensamento” (FREIRE, 1996, p.96). No entanto, não é raro perceber que o
trabalho docente conta com um exagero de informações vazias de significado.
Toda vez que uma criança realiza uma ação ela está expressando um sentido,
envolvendo não somente a direção do movimento em relação a um objeto externo (exemplo:
chutar uma bola num determinado alvo), mas também a componentes subjetivos (aspirações,
sentimentos, alegrias), formando sua individualidade. Acredito, portanto, que uma das
principais maneiras das crianças aprenderem é brincando.
A escola é um reduto onde as crianças ainda podem brincar num ambiente afetivo de
acolhimento, num ambiente em que reina a liberdade de criação vindo a facilitar o
aprendizado. Percebe-se, no entanto, que é um território ainda pouco freqüentado,
desconsiderado por muitos, por ser visto como algo inútil e por se afirmar que com o brincar
nada se produz. Infelizes, não percebem que o brincar nos acompanha, assim como o amor,
tidos como refúgios onde se abrigam os fundamentos do humano durante as crises da
racionalidade (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004).
2) Uma atividade espontânea e legítima
Nesse momento pretendo fazer uma contextualização social e cultural sobre o brincar
como um território de aprendizagem humana. Esse ponto se faz necessário como uma forma
de introdução/preparação para o capítulo V onde farei as análises das entrevistas, bem como a
42
reflexão sobre as mesmas, a partir da contribuição das idéias de Humberto Maturana sobre o
brincar.
Quando falamos do brincar muitas coisas vêm à memória, especialmente, as gostosas
recordações da infância. É uma lembrança significativa de algo muito bom e isso não é
novidade para nenhuma criança, pois é possível perceber a sua alegria exteriorizada pela
expressão corporal a uma longínqua distância.
O brincar se faz presente na vida e na educação da humanidade desde os tempos mais
remotos e é impossível não nos rendermos às evidências de sua fundamental importância na
construção do conhecimento e no desenvolvimento integral das crianças.
Quando vemos uma criança brincando estamos certos de estar observando um ser
feliz. É uma das características marcantes da infância, para não dizer natural e normal, a tal
ponto de ser difícil presenciar uma criança livre que não esteja brincando, seja qual for o
lugar. Todas as formas de organização social, cada cultura e em cada época, consagram
maneiras próprias de concretizá-la (SANTIN, 1987).
Em Homo Ludens, Huizinga (2000) argumenta que é “no jogo e pelo jogo” que a
civilização surge e se desenvolve, sendo um princípio vital. É um fator distinto e fundamental,
presente em tudo o que acontece no mundo. Sendo, portanto, imprescindível na vida de
qualquer ser humano, acredito que o processo de aprendizagem se torna mais prazeroso e
significativo por essa via pelo seu valor educativo/pedagógico. Em contrapartida, faz tempo
que a escola herdou da sociedade um legado de aprendizagens fechadas em quatro paredes,
desprestigiando o referido contexto como um lugar legítimo de formação.
Acabamos por não mais prestar a devida atenção e a importância merecida que exige o
brincar. Não é estranho entrar numa escola e perceber que as crianças permanecem estáticas
durante horas em classes escolares, tendo o direito de brincar negado por ser visto como um
passatempo inconseqüente, como se não fosse possível brincar e aprender simultaneamente.
Desde os primeiros instantes isso é evidente, ao se afirmar que a escola não é lugar de
barulho.
Quando o aprender desvincula-se do brincar acaba por tornar-se uma obrigação - um
processo nem sempre agradável. Tonucci (2005) enfatiza que a escola pode ser um ambiente
diferente:
Não é necessário que a escola seja um ambiente distante das crianças, estranho a
seus interesses e hostil em relação a elas. Tampouco é necessário que as crianças
precisem sofrer para aprender, como muitas pessoas ainda pensam. A escola sabe
tudo isso, e muitas vezes as crianças podem viver, em suas escolas, com seus
professores, experiências relevantes e agradáveis, inesquecíveis (...) (TONUCCI,
2005, p. 177).
43
As crianças são muito espontâneas, mas ao chegarem à escola precisam se adaptar.
Recebem inúmeras informações tidas como necessárias à sua "boa formação" e, não há, em
muitos casos, a preocupação com seus conhecimentos prévios, sendo suas culturas reprimidas
pelas práticas educativas.
As atividades, ao serem excessivamente monitoradas, impedem as crianças de
dedicarem-se às relações amistosas. Não havendo sequer tempo para a criação de suas
próprias brincadeiras, tampouco, de seus próprios brinquedos, valendo-se da produção
artesanal.
Os estudos de Benjamin (1984) demonstram que, desde a sua origem, o brinquedo foi
elaborado pelo adulto para a criança. Apesar do fascínio exercido, tal imposição é sabiamente
mudada e corrigida pelas diversas formas de brincar. O brincar e o brinquedo (ação e objeto)
ao ser transformado em instrumento pedagógico pelas pedagogias modernas acabaram por
aprisionar, controlar e regular os sujeitos envolvidos, impondo significados. Sobre esse
assunto, não posso deixar de lembrar Bujes (2004, p.227) quando afirma que o brincar e o
brinquedo acabam por se constituir em estratégias através dos quais os diferentes grupos
sociais usam a representação para fixar sua identidade e a dos outros”.
Segundo Leif e Brunelle (1978) a criança ao brincar pode ou não utilizar um objeto
simbólico (brinquedo), capaz de estimular a representação e expressar imagens que evocam
aspectos da realidade, oferecendo um substituto de objetos reais.
A criação de um espaço e tempo mágicos pelas crianças contrapõe os mitos criados
pelas sociedades tecnizadas e colonizadas, citada na literatura por Andrade (1984) em seu
personagem lendário Macunaíma. A tradição indígena mostra que devemos manter nossa
atenção ao que acontece no momento presente e isso exige uma resposta criativa.
Na visão cio-histórica de Vygotsky (1989), a brincadeira é uma atividade específica
da infância, em que a criança recria a realidade usando sistemas simbólicos. Essa seria uma
atividade humana criadora, num contexto cultural e social, no qual aspectos de imaginação e
fantasia interagem com a realidade, na construção de novas possibilidades de interpretação, de
expressão e de ação. Assim, as relações sociais com outros sujeitos se estabelecem. Para o
referido autor, a criança ao brincar cria uma “zona de desenvolvimento proximal”, que é a
distância entre o “nível atual de desenvolvimento”, determinado pela capacidade de resolver
independentemente um problema, e o vel de “desenvolvimento potencial”, determinado
através da resolução de um problema, sob a orientação de uma outra pessoa, supostamente
mais capaz. A partir desse entendimento, as brincadeiras de "faz-de-conta" são privilegiada
44
em suas discussões sobre o papel do brinquedo no desenvolvimento da criança. Pode-se dizer
que o "faz-de-conta" é correspondente ao que Piaget (1975) chama de “jogo simbólico”.
O poder simbólico da brincadeira permite ir além do real - num mundo de
encantamentos, de alegrias e de sonhos. Um “entre-lugar” onde a realidade e a fantasia se
articulam e se confundem. Uma área habitada que não pode ser facilmente abandonada, que
implica na construção do processo identitário do sujeito, capaz de atuar sobre a imaginação,
representação e ação. Kishimoto (1993) vai ao encontro dessa compreensão ao entender que o
brincar é “um reduto da livre iniciativa da criança” capaz de abrir um espaço para a apreensão
de significados do contexto e de oferecer alternativas para novas conquistas no mundo
imaginário.
Partilho com Kunz (2003) a idéia de que é no brincar que a criança constrói
simbolicamente sua realidade e recria o existente a partir de ações cotidianas. A atividade
espontânea da criança que brinca livremente pelo prazer do fazer, conforme suas motivações
internas, com um fim em si mesmo, é que permite novas criações e decidir sobre os papéis
que vai assumir/representar. Neste sentido, a vivência das relações que podem advir com as
brincadeiras resulta numa gama de subsídios para instigar a curiosidade, expressar dúvidas,
levantar eventuais hipóteses e resolver problemas.
Dizer que a criança deve brincar parece trivial, mas não é. O brincar tem sido
“desdenhado” com o passar do tempo. Não se trata de uma atividade artificial com finalidades
instrucionais e, quando isso acontece, o descaracterizamos. Conseqüentemente, furta-se a
fantasia e nega-se o ser criança.
O brincar é algo constituinte da existência infantil e a maneira que a criança tem de
lidar com a realidade. As crianças ao brincar constroem representações tão reais, tanto quanto
é o trabalho intelectual para os docentes. Faz parte de sua vida de forma intrínseca,
independentemente da interferência dos adultos.
A escola é um dos poucos lugares onde a criança ainda pode vir a ter espaço para
construir o seu próprio pensamento e dominar suas ações de maneira espontânea. Contudo,
penso ser uma injustiça e uma negligência para com as crianças, desvirtuar ou privar
precocemente esse aspecto na infância.
É demasiada a preocupação dos professores em criar ambientes intelectualmente
adequados para infundir respeitabilidade às suas funções, com didáticas e metodologias que
dêem utilidade ao tempo em que as crianças passam na escola. O caráter intencional e
premeditado das atividades educativas, não raro, acaba por abortar a interação lúdica.
45
Ao querer transformar o ensino em algo mais prazeroso e amigável, utilizando o
brincar como um recurso para suavizar a dureza das tarefas escolares, os professores acabam
por resultar numa prática instrumental, que nem brincadeira nem atividade de ensino são, a
qual não convence nem mestres nem crianças. Fortuna (2005) destaca que os professores
acabam tomando tão a sério a associação aprendizagem-brincadeira que descaracterizam esta
última, transformando-a em ensino dirigido, inibindo a ação do brincar. Isso vem a formar
“crianças-utentes e não crianças criadoras” (BARTHES, 1993, p. 42).
O brincar é a prova mais evidente e constante da capacidade criadora. Desta forma,
concordo com as idéias de Winnicot (1975) quando nos fala enfaticamente que é no brincar
que o indivíduo criança ou adulto pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral.
Somente sendo criativo é que o indivíduo descobre o eu.
O brincar tem um caráter educativo por si só. No entanto, a característica de
“gratuidade fundamental” é precisamente o que mais o faz desacreditar (CAILLOIS, 1990).
Portanto, seria no mínimo interessante, discutir com maior afinco, as brincadeiras que os
docentes desenvolvem e como e quais são as brincadeiras que as crianças ensejam, afinal,
estas são protagonistas, capazes de (re)criar cultura, gerar conhecimento e não serem apenas
suas receptoras.
A criança não tem muitas chances de aprender quando vive aprisionada sob valores
que os adultos julgam convenientes. Se fizermos um “Estado da Arte” sobre o universo
infantil, nem precisamos chegar a tanto, basta olhar a nossa volta, perceberemos que uma
produção científica significativa que aborda problemas relacionados às crianças e ao seu
fracasso - depressão infantil, estresse, sedentarismo, dificuldades de aprendizagem, entre
outros e, muito pouco sobre a sua felicidade.
O ambiente humano vem sendo bruscamente deteriorado, esse aspecto nos adverte
sobre a necessidade de se tomar consciência da importância das circunstâncias criadas nos
ambientes de aprendizagem e da necessidade de sua revitalização (BARCELOS, 2006b). É
essencial criar ambientes de convivência, diálogo e amorosidade, onde prevaleçam o prazer
em aprender.
Os adultos freqüentemente têm dificuldades em se envolver e ouvir as crianças. Ao
subestimá-las e silenciá-las, perde-se o sentido das coisas simples e vão-se com elas também
as coisas importantes. Dar condições às crianças de se expressarem, ouvindo e aceitando o
que dizem é um exercício que possibilita a sua compreensão e, aquele que aprende a
compreender as crianças se abre para todos.
46
O olhar educativo precisa ser desafiado a enxergar que o brincar é uma viva expressão
da infância. necessidade de revisar criticamente a relação entre o brincar e o ensino para
que este não acabe com aquele através de sua “escolarização”. Pavía (2006) enfatiza que o
professor precisa mudar de atitude e conseguir ver a brincadeira do ponto de vista da criança
indo, com isto, além de um adestramento racional ou
47
passatempo ou uma atividade oposta ao trabalho. Comprometedora, portanto, para o futuro
sucesso das crianças.
A criança é pressionada a todo instante a buscar resultados. Aspecto típico do meio
social em que está inserida, o qual tenta moldá-la à sua imagem e que, na maioria das vezes,
pais e professores são representantes ou intermediários. É comum ouvir dizer que, àquela que
não se adequar ao sistema “ficará para trás”. As brincadeiras vão desaparecendo da escola
proporcionalmente ao aumento da idade da criança por não ter um caráter supostamente
produtivo. Essa cobrança exagerada é uma atitude equivocada, pois contribui pouco para a sua
felicidade. Além de negar a ludicidade estamos sendo coniventes com a manutenção da
domesticação e do autoritarismo (MARCELLINO, 1990). Precisamos urgentemente rever os
modos de pensar e agir humanos.
As mudanças no cotidiano e nos espaços de vida das crianças privam-nas de
experiências elementares. Por isso se faz necessário estimulá-las ao máximo dentro e fora da
escola. Para as crianças a necessidade de explorar, conhecer e experimentar são muito grandes
e, à medida que brincam, descobrem o mundo que as cerca. De outra forma, a interação ativa
com outros sujeitos oportuniza uma variada gama de experiências e conhecimentos, os quais
são seus alicerces na formação pessoal e social.
Nas relações estabelecidas pelas brincadeiras, sejam elas, criança-criança ou criança-
adulto, são oportunizadas interações de aprendizado mais relevante e significativo. Aprende-
se a (con)viver e a (re)conhecer o outro de maneira amorosa. Cria-se um ambiente de
motivação, propício para vivenciar valores.
Pelas brincadeiras as crianças tendem a manifestar o que dificilmente expressariam
por meio de palavras; procuram interpretar/sentir determinadas ações humanas e aprendem
vivendo algo sempre novo, mas não distante da realidade. Um espaço cujo aspecto de
simulação e imaginação fornece uma oportunidade educativa única. Portanto, é uma situação
privilegiada de aprendizagem espontânea, senão a forma mais completa de aprender e educar.
Acredito na grande importância do brincar como um território de aprendizagem, além
de ser uma forma gostosa de aprender proporciona algo fundamental no ser humano: a
construção de sua independência e liberdade.
Quanto mais experiências as crianças tiverem, maiores serão as facilidades de
aprendizagens mais complexas em função das possibilidades de interação (GONÇALVES,
1994). Percebo, ainda, que, por trabalhar com todos os sentidos das crianças, o brincar
possibilita desenvolver processos ligados à inteligência, imaginação, criatividade,
inventividade, auto-estima, motivação, cooperação e iniciativa.
48
Desperdiçamos o potencial imaginativo da brincadeira com a qual a criança está
envolvida e, com ele, também desperdiçamos um trabalho educativo capaz de promover
diferentes manifestações de corporeidade, singularmente criadoras. A preocupação em manter
os alunos ocupados com um número excessivo de atividades e com o processo de
disciplinarização do comportamento, empobrece as oportunidades que se apresentam
propícias para uma Biologia do Amor.
CAPÍTULO IV – PERCURSO METODOLÓGICO
“Não chovia há muitos e muitos meses, de
modo que os animais ficaram inquietos. Uns
diziam que ia chover logo, outros diziam ainda
que ia demorar. Mas não chegavam a uma
conclusão.
- Chove só quando a água cai do teto do meu
galinheiro – esclareceu a galinha.
- Ora, que bobagem! Disse o sapo de dentro
da lagoa. Chove quando a água da lagoa
começa a borbulhar suas gotinhas.
- Como assim? - disse a lebre – está visto que
só chove quando as folhas das árvores
começam a deixar cair as gotas d’água que
tem lá dentro.
Nesse momento começou a chover.
- Viram? – gritou a galinha. O teto do meu
galinheiro esta pingando. Isso é chuva.
- Ora, não vê que a chuva é a água da lagoa
borbulhando? – disse o sapo.
- Mas, como assim? – tornava a lebre.
Parecem cegos? Não vêem que a água cai das
folhas das árvores”?
(Fábulas Fabulosas – Millôr Fernandes)
1) As Contribuições da teoria das Representações Sociais
Diversas são as tentativas de entendimento da realidade. Para alguns, é algo evidente,
para outros, nem tanto. Para não me prolongar em uma discussão extensa sobre esse assunto,
inicio este capítulo com uma das idéias de Maturana (2001) ao sustentar que, aquilo que
entendemos ou chamamos de realidade é tão somente a descrição das experiências vividas
pelos seus observadores. Assim sendo, a realidade envolve as ideologias, as representações,
os símbolos, as crenças, os valores, enfim, todas as dimensões que constituem a nossa forma
de viver, ver e representar o espaço que está a nossa volta.
50
Na tentativa de explicar a realidade, por muito tempo a ciência desconsiderou a
contingência. No seio da modernidade criou-se uma representação de ciência onisciente e
onipotente - um equívoco. Para Costa (2002a, p. 18) “o endeusamento desse tipo de
pensamento está impregnado de “parâmetros” que enquadram todos, homogeneízam tudo,
definindo certo e errado, bom e mau, falso e verdadeiro, etc.” A criação desse mito, repleto de
convicções, limita outras formas de conceber/entender o mundo e ter que enfrentar as
metodologias em nossas investigações é algo que nos torna frágeis emocionalmente.
Seria muita ingenuidade e pouco inteligente ainda persistir em análises de pesquisas
utilizando noções gestadas no seio das metanarrativas fundantes da modernidade. É
necessário “desvencilhar-se da superioridade das certezas e contestar radicalmente a
independência e a primazia do método” (COSTA, 2005, p. 202).
Na tentativa de superar as limitações impostas pelo formalismo metodológico e de
suas “grades totalizantes e homogeneizadora” é que estão sendo reinventadas antigas
perguntas ao orientar novas buscas. A disposição e o propósito de questionar, de contestar, de
“fazer novas perguntas a antigos problemas” (COSTA, 2002b) é gerada por um pesquisador
insatisfeito com as dicotomias, os privilégios e a discriminação.
Por mais elaborada que seja uma teoria, sei que nenhuma delas conta de explicar
todos os fenômenos e processos. Entretanto, acredito que a teoria das Representações Sociais
é um fecundo campo de investigação. Pela sua relevância na busca do diálogo entre as
diferentes áreas de conhecimento, pela abertura epistemológica, torna-se um referencial em
minha pesquisa, possibilitando aproximar o que um determinado grupo de professoras pensam
com algumas de suas condutas. Trata-se de uma teoria dotada de complexidade (MORIN,
1992), que tem como desejo estudar e conferir significações às relações de simbolização e de
interpretação, que, por sua vez, resultam de uma atividade em que faz da representação uma
possibilidade de construção e expressão do sujeito.
A teoria das representações é entendida por Gomes (1994, p. 71) como todos os (...)
“pensamentos, ações e sentimentos que expressam a realidade em que vivem as pessoas,
servindo para explicar, justificar e questionar essa realidade”. Com outras palavras, Barcelos
(2001) propõe o trabalho com a teoria das Representações Sociais como uma possibilidade
metodológica de diálogo com o mundo e não como um “decifrador de realidades”. Ou seja, a
compreensão dessa teoria permite entendê-la como uma possibilidade de aproximação com
aquilo que os sujeitos são capazes de elaborar através de suas relações cotidianas. Com essa
perspectiva, sua abrangência não se limita apenas a aspectos cognitivos, lógicos e racionais,
51
mas também a elementos simbólicos, míticos, afetivos, religiosos e culturais, ligados a status,
poder, prestígio, etc.
Para o pensador romeno, naturalizado francês e precursor dessa teoria, Serge
Moscovici (2003), as Representações Sociais são teorias coletivas sobre o real que regem as
condutas. Pode-se afirmar que está centrada na investigação do conhecimento do senso
comum que se tem sobre um determinado tema, incluindo também os preconceitos, ideologias
e características específicas das atividades cotidianas das pessoas e que estão constantemente
desenvolvendo-se, da infância à maturidade. Para esse autor, as
Representações sociais são sempre complexas e necessariamente inscritas dentro de
um “referencial de um pensamento preexistente”; sempre dependentes, por
conseguinte, de sistema de crença ancorados em valores, tradições e imagens do
mundo e da existência. Elas são, sobretudo, o objeto de um permanente trabalho
social, no e através do discurso, de tal modo que cada novo fenômeno pode sempre
ser reincorporado dentro de modelos explicativos e justificativos que são familiares
e, conseqüentemente, aceitáveis (MOSCOVICI, 2003, p.216).
Nesta perspectiva, a representação engendra a tradução e a interpretação mental de
uma realidade exterior percebida, o que possibilita estudar a difusão dos saberes, a relação
pensamento/comunicação e ver as pessoas e suas atitudes de maneira menos especializada e
mais interdisciplinar.
Pelo olhar psicossocial
7
dessa teoria, Moscovici (2001) destaca que as representações
podem ser entendidas como “uma passarela entre os mundos individual e social”, o que vem a
auxiliar na compreensão sobre as a relação existente entre um e outro. O autor (2003) postula
dois processos importantes na formação das representações sociais: a “ancoragem” e a
“objetivação”.
A ancoragem seria a integração cognitiva que se faz do sujeito ou da situação
representada. Para que o sujeito possa lidar com as percepções e as idéias que forma diante de
algo, ele precisa em nível de consciência, criar categorias e imagens familiares, classificando,
nomeando e estabelecendo relações. É criada uma rede de significações em torno do objeto.
Já através da objetivação é dada uma “concretude” às imagens ou às noções.
Trata-se, também, de uma forma específica de conhecimento que Jodelet (2001)
caracteriza e reconhece enquanto:
(...) sistemas de interpretação que regem nossa relação com o mundo e com os
outros orientam e organizam as condutas e as comunicações sociais. Da mesma
7
As Ciências Psicológicas e Sociais (Psicologia Social) operam de maneira notável e convergente em torno das
Representações Sociais, resultando em uma comunicação e colaboração mais estreita e recíproca.
52
forma, elas intervêm em processos variados, tais como a difusão e a assimilação
dos conhecimentos, o desenvolvimento individual e coletivo, a definição de
identidades pessoais e sociais, a expressão dos grupos e as transformações sociais.
(JODELET, 2001, p. 22).
As representações sociais envolvem os sujeitos a partir das condições em que vivem e
interagem, num processo criativo. O sentido atribuído a determinadas coisas ou objetos, e o
próprio processo de atribuição, são construções psicossociais, integradas a história pessoal e
aos grupos com o qual interage, implicando na articulação indissociável e constitutiva de
ambos. A pluralidade de relações e nculos envolvidos possibilita novas descobertas, nunca
esquecendo que “o ato de descoberta é necessariamente recíproco: quem descobre é também
descoberto, e vice-versa” (BOAVENTURA SANTOS, 2002b, p. 22).
Todos os sujeitos ensinam e aprendem, sendo impossível numa pesquisa reduzir a
aprendizagem proporcionada por ela a um movimento isolado do sujeito. Existimos
vinculados a outras pessoas, à cultura, à história, às relações marcantes estabelecidas. Se o
pesquisador detém o domínio de códigos específicos, é também verdade que o colaborador
detém um saber sobre si e sobre o mundo, pelo qual interage e se situa. Na opinião de
Madeira (2001) este saber carece de ser conhecido e reconhecido pelo primeiro, como
condição para o estabelecimento efetivo de trocas. Trocas supõem relação, logo
reconhecimento do outro em sua condição de interlocutor qualificado. Desta forma, as
representações permitem “um aprender do viver”.
Mazzotti (1994) destaca que nas interações sociais e conversações diárias criam-se
“universos consensuais” no âmbito dos quais novas representações vão sendo produzidas e
comunicadas, passando a fazer parte desse universo não mais como simples opiniões, mas
como verdadeiras “teorias” do senso comum, construções esquemáticas que visam dar conta
da complexidade do objeto, facilitar a comunicação e orientar condutas. Estas ajudam a
formar a identidade grupal e o sentimento de pertencimento do sujeito ao grupo.
A vigorosidade das representações forma um complexo de idéias e motivações que
não tendem à generalização. Para Guareschi (2000), as representações tomam como ponto de
partida a diversidade dos indivíduos, atitudes e fenômenos, em toda sua estranheza e
imprevisibilidade. Trata-se de um sistema de crenças e valores que possui caráter difuso e
variado e que não é apenas individual, mas um conjunto amplo de significados criados e
partilhados socialmente.
As representações são construídas e, em função delas, desenvolvemos a nossa própria
prática. Expressamos de várias maneiras identidades sociais que delas resultam, às vezes, de
53
forma variada e contraditória. Sua grande força, importância e poder explicativo podem
auxiliar na identificação de possíveis razões de alguém atribuir determinadas causas e ações.
Tomamos por exemplo o tema dessa pesquisa: o brincar. O sentido dado pelo seu significado,
os comportamentos, estabelecimento de divisões, classificações, normas, etc. Ao refletir sobre
a teoria, Rangel (1999) ressalta que uma das perspectivas de entendimento desta, é o de
perceber como os sujeitos percebem, constroem, elaboram e veiculam conceitos (afirmações,
explicações) e imagens da “realidade”.
As Representações Sociais não correspondem simples e puramente a objetivos
operacionais, mas a fins de natureza hermenêutica, pois o seu significado não está dado. Exige
interpretação por parte daqueles que lhes dão sentido, seja por sua própria subjetividade como
pelas situações vividas. O significado de qualquer coisa é produto da forma como essa coisa é
socialmente construída através da linguagem e da representação, orientando a conduta das
pessoas (HALL, 2005).
Um modo de interpretar o mundo é por meio das representações que as pessoas
constroem da realidade, atribuindo-lhe significados peculiares e conferindo-lhe sentido. Essas
representações, repletas de significados, fazem-se presentes na formação do professor,
expressando-se nas mais diversas formas e momentos.
Dar voz ao professor proporciona examinar os aspectos simbólicos dos
relacionamentos que se fazem presentes em seu imaginário e universos consensuais que
habitam em sua diversidade, atitudes e fenômenos, estranheza e imprevisibilidade. Segundo
Novaes (1992),
(...) é através de símbolos, organizados em sistemas, que se expressam
conhecimentos, sentimentos, razões, paixões. Em outras palavras, constata-se que a
dimensão simbólica é constitutiva da ação humana. Está verbalizada no discurso,
cristalizada no mito, no rito, no dogma e incorporada nos objetos, nos gestos, na
postura corporal (NOVAES, 1992, p. 126).
As representações são portadoras do simbólico, dizem mais do que aquilo que
mostram ou enunciam, carregam sentidos ocultos que, construídos social e historicamente, se
internalizam no inconsciente social e se apresentam como naturais. Isso, portanto, não
significa que elas não possam ser modificadas e transformadas. Castoriadis (1987) enfatiza a
incessante criação de significações “instituídas” e “instituintes” na qual estamos inseridos.
Numa dinâmica entre o que está posto (imaginário instituído) e o que pode vir a ser
(imaginário instituinte) pode germinar uma possibilidade de criação e de abertura ao novo.
54
Os modos de pensar atravessam a sociedade e formam um complexo de idéias e
motivações que se apresentam consolidados. Dessa forma, Reigota (1995) relata que as
representações sociais equivalem a um conjunto de princípios construídos interativamente e
compartilhados por diferentes grupos que através delas compreendem e transformam sua
realidade. Podem ser vistas como forma de conhecimento e manifestadas através de elementos
cognitivos e afetivos, sendo socialmente elaboradas e compartilhadas, contribuindo na
construção de uma interpretação comum.
O dinamismo da teoria das representações, ao ser direcionado à Educação, possibilita
vir a conhecer um pouco mais sobre as diferentes trajetórias docentes e suas concepções de
mundo, visto que, os sistemas de Representações Sociais relativos à escola não podem ser
considerados independentemente de seus nculos com outros sistemas gerais de
representações sociais, dos quais dependem (GYLLI, 2001).
Essa teoria recebe contribuições de várias áreas do conhecimento, permitindo transitar
em caminhos até então desconhecidos. Isso não é somente um desejo, na atualidade é uma
necessidade. Nesta perspectiva é que tomo a teoria das representações sociais nesta pesquisa.
Ela pode ajudar a compreender a significação existente sobre o brincar e sobre a formação
docente - um terreno marcado por inúmeros mitos. Para Rangel (2001) as próprias
representações podem sofrer influências dos mitos. Podem expressá-los e divulgá-los, assim
como, há a possibilidade de impulsionar a diversidade e a invenção.
Diante de uma realidade que contempla múltiplas faces ou máscaras, composta por
aspectos referentes a condições objetivas e subjetivas, o ouvir e o dialogar com a
complexidade existente é fundamental. Para Antunes et al. (2004) não é mais possível rejeitar
aquilo que não nos é familiar e isso é um grande desafio: reconhecer a legitimidade do outro,
familiarizando-se a ele, desconstruindo e reconstruindo representações e imaginários sociais.
Tudo isso traz à tona os desafios da complexidade da teoria que tomo como referência nessa
pesquisa.
2) A produção de informações na pesquisa: análise e procedimentos
A presente pesquisa busca conhecer algumas das representações e saberes que um
grupo de professoras possui sobre o brincar, considerando e relacionando as suas
representações sobre a docência, ingresso no magistério e processos de formação ao longo de
suas trajetórias de vida pessoal e profissional. Para tanto, o primeiro passo dado foi visitar
55
algumas escolas. Essa ida ao encontro da instituição foi de fundamental importância para
apresentar o projeto de pesquisa às professoras. Nessas oportunidades, torna-se comum a
recusa do convite. Felizmente, no decorrer do segundo semestre de 2007, cinco professoras se
dispuseram a realizar as entrevistas. Três delas são licenciadas em Pedagogia e atuam em
escolas públicas da rede municipal com turmas de 1ª, e séries. As outras duas são
licenciadas em Educação Física e atuam em escolas particulares com turmas de a séries.
Por questões éticas seus nomes quando citados no decorrer do texto serão pseudônimos,
portanto, meramente fictícios. Todos escolhidos por elas mesmas: as Pedagogas: Luiza (1ª
série), Maria Eduarda (3ª série), Ana (4ª série); e as professoras de Educação Física:
Alessandra e Rê (Séries iniciais).
Para a realização da entrevista, horários foram agendados. A entrevista foi orientada a
partir de um roteiro (apêndice B), subdivido em três momentos. No primeiro momento, as
professoras relatam sobre a sua infância; no segundo, são narradas algumas das experiências
ao longo do processo de escolarização até chegar à formação acadêmica; no terceiro e último
momento destacam-se as práticas docentes na atualidade.
Para a produção das informações foi utilizada uma entrevista semi-estruturada. As
professoras foram as primeiras a constatar os resultados da pesquisa, pois se trata de uma
reflexão sobre a sua vida e as suas práticas, contando com a memória como um suporte
necessário na reconstrução das experiências vividas. Nas palavras de Gauthier (2001), a
realização de uma pesquisa consiste em trabalhar com os conhecimentos individuais e sociais
do indivíduo, esquecidos, recalcados, inscritos na profundidade do corpo ou na própria
superfície da pele.
Em todos os encontros com as professoras foram utilizados dois recursos: a)
Gravações em horários agendados e com tempo disponível para a entrevista; b) Diário de
campo anotações minuciosas referentes aos aspectos do estudo, condutas, conversas
informais e expressões corporais.
Após a transcrição das entrevistas busquei reler as anotações e frisar algumas das
observações, as quais julgo serem pertinentes para esse estudo. Procurei discutir com
extremo cuidado alguns pontos, tendo como base o referencial teórico em Humberto
Maturana. Faço, portanto, uma análise relacionando as falas das professoras com a
bibliografia existente, considerando a subjetividade e a interpretação enquanto pesquisador.
Fonte: acervo pessoal
V. O BRINCAR NAS REPRESENTAÇÕES DAS PROFESSORAS –
DIALOGANDO COM AS IDÉIAS DE HUMBERTO MATURANA
O brincar não tem nada a ver com o futuro.
Brincar não é uma preparação para nada, é
fazer o que se faz em total aceitação, sem
considerações que neguem sua legitimidade.
Nós, adultos, em geral não brincamos, e
freqüentemente não o fazemos quando
afirmamos que brincamos com nossos filhos.
Para aprender a brincar, devemos entrar
numa situação na qual não podemos senão
atentar para o presente.
(MATURANA;
VERDEN-ZÖLLER, 2004, p.231).
1) O brincar para Luiza
A professora Luiza tem 38 anos. É licenciada em Pedagogia - Educação Infantil
(1990) pela da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), sendo também habilitada a
trabalhar com turmas de Séries Iniciais. No momento trabalha numa escola municipal de
Santa Maria/RS com um grupo de crianças da série e seus alunos estão na faixa etária dos
seis anos de idade.
Ao relatar sobre a sua infância, não se recordava com muita facilidade. Da escola,
lembra-se do espaço da pracinha e da autoridade/repressão da professora, pois esse não era
um local de muitas brincadeiras, como se pode constatar na seguinte fala:
Eu me lembro mais era de prestar atenção, de ser educada, de ser calma e de ser
disciplinada. Muito assim, cobranças e não brincadeiras em si. Isso quando tinha
cinco seis anos, que é o que a minha memória permite lembrar.
O relato acima deixa evidente que, pela falta de oportunidades, foram poucos os
momentos para brincar ao longo da escolarização. No entanto, a vida familiar era bem
diferente. Com muitos irmãos e primos, pôde brincar bastante nos grandes pátios das
residências de seus pais e avós. O seguinte recorte, expresso com alegria, diz respeito à
importância dessas experiências na vida da professora:
A gente jogou muita bolita. Jogamos muito futebol. Brincamos de barro. Cabana de
índio. Subimos em árvores. Fizemos até um bonde em cima dos arvoredos que tinha
na “chacrinha” do vô - num pomar que tinha nos fundos do pátio. Então, a gente fazia
um bondinho de madeira e descia de uma árvore a outra. Meninos e meninas todo
57
mundo junto. Ai escolhia um cacique ou uma rainha. Ai pegava tudo: sementes,
folhas, materiais da natureza pra fazer toda a indumentária da cerimônia. Então, foi
muito divertido e muito explorado em termos de criatividade, de se sentir livre e solto
pra criar seus próprios brinquedos e tal. E foi uma coisa que a gente também
relacionava muito ao fato de ser primo, mãe e tal. Então, todo mundo era família ali.
A gente se sentia muito seguro e muito a vontade de trocar e criar coisas e, com a
permissão dos pais porque, naquela época, a gente tinha um bom espaço. Ficava a
altas horas. Entrava noite à dentro. Enquanto não chamassem, não insistissem, a gente
não parava de brincar e isso me marcou muito.
Percebe-se pela fala de Luiza que o ambiente que ela vivia em sua casa era bem o
oposto da escola: havia tempo para brincar. Caso nenhum adulto intervir as crianças
continuam a fazer o que fazem. Elas sempre brincaram e sempre brincarão se permitido.
Os anos passaram e Luiza ingressou no magistério. Nesse período, poucas foram as
vivências e as discussões sobre o brincar. A seguir, um trecho de como eram organizadas as
aulas nessa época:
A gente tinha um pouco de didática, de como administrar uma aula e de como fazer
um planejamento: (...) a introdução, o desenvolvimento e a conclusão. Mas não era
uma coisa pautada na ludicidade ou na brincadeira. Bem pelo contrário. Era uma
coisa, assim que, a gente se preparava mais em termos de currículo e dentro do
tradicionalismo que os professores tinham que manter: de pulso, de fazerem
obedecer. Então, a gente não tinha esse sentido de criar muito. Então, tinha aqueles
materiais: quadro de pregas, mimeógrafo que eram usados.
Constato, assim, pela fala da professora Luiza que durante a vida escolar, da Educação
Infantil ao Magistério, as suas aulas eram rigorosamente sistematizadas e direcionadas e
poucas foram às chances para brincar ou se manifestar.
Ao refletir sobre os espaços formativos do humano, Maturana (2002) afirma que toda
criança necessita crescer num ambiente de confiança mútua, na aceitação corporal sem
exigências e no prazer de estar juntos para se tornar um indivíduo bem integrado e social. Isso
ocorre na ausência de manipulação ou instrumentalização das relações sociais em que se nega
a legitimidade de outro.
Neste sentido, acredito que a escola, como um “espaço artificial de convivência”,
tenha alguma contribuição a dar: desfazer o hábito de intrumentalizar todas as nossas relações
e de reaprendermos a brincar.
A professora comenta que não teve nenhuma disciplina específica que abordasse a
questão do brincar no decorrer de toda formação acadêmica. As disciplinas de Psicologia e
Desenvolvimento Humano eram as mais enfatizadas. A única disciplina que buscava dialogar
com a temática do brincar era a de Teatro, cujo professor ainda é lembrado, pois estava
sempre aberto às sugestões e disposto a organizar grupos de discussão.
58
Para Luiza, torna-se difícil trabalhar de maneira diferenciada com os alunos quando o
curso de formação inicial de professores proporciona poucas vivências. A professora percebe
essa lacuna na matriz curricular e, conseqüentemente, em sua formação. Comenta que sabia
que brincar era de fundamental importância para a vida da criança, somente que sentia que o
seu curso não estava a preparando para trabalhar com isso. Este foi um dos motivos pelo qual
começou a participar das primeiras brinquedotecas realizadas na universidade.
Além de cursar magistério e Pedagogia outras experiências foram significativas no
decorrer de sua formação. Trabalhou desde muito jovem em classes de alfabetização no
Movimento Brasileiro de Educação Cristã (MOBREC), definida como uma “vivência
primeira e única”. Ao se envolver com as pessoas da comunidade, abriu-se um leque de
possibilidades que ainda não dominava direito e que foi decisivo no momento da escolha pelo
magistério e, posteriormente, pelo curso de Pedagogia. Afirma que, ao se formar, tinha a
sensação de ter já uns 20 anos de serviço, devido às inúmeras vivências que antecederam a
formação inicial.
Ao concluir o curso de Pedagogia, Luiza começou a trabalhar num15(g)9.71032(i)-558]TJM-10.30-2.1d2(c)33erçmo ae o diaEd36(a)3.7.207(a)3.74(n)-0.295585( )-20749 à
59
Sobre esse assunto nada mais oportuno que trazer à tona os estudos de Maturana e
Verden-Zöller (2004) em que afirmam que o amor, assim como o brincar, são modos
legítimos e essenciais do viver humano em relação e fonte comum de todas as atividades
superiores. Recorro a uma passagem no livro Amar e brincar - fundamentos esquecidos do
humano para, através das próprias palavras dos autores, melhor explicitar a que me refiro:
O amor e a brincadeira não são conceitos nem idéias abstratas na história que nos
deu origem. São aspectos de uma forma de vida que se manteve, geração após
geração, como uma referência operacional em torno da qual mudou todo o resto, no
devir evolutivo da linhagem de primatas à qual pertencemos. Ou seja, o amor e a
brincadeira eram formas não-reflexivas do modo de ser mamífero dos primatas
bípedes que foram nossos ancestrais pré-humanos: simples costumes ou maneiras
de relacionamento mamífero, cuja conservação como aspectos centrais de seu modo
de viver tornou possível a origem da linguagem (MATURANA; VERDEN-
ZÖLLER, 2004, p.247).
Neste sentido, o amar e o brincar se mantiveram na evolução dos primatas por serem o
próprio fundamento do humano, ou melhor, o que os torna humano. Seguindo esta
proposição, a consciência individual e social da criança teria surgido mediante as interações
corporais estabelecidas com suas mães e com outros seres, numa dinâmica corporal de total
aceitação mútua. As crianças ao crescerem na convivência amorosa e num ambiente de
respeito incondicional e fraterno, numa relação de carícias na intimidade do brincar é o que o
teria mantido o humano.
Vale ressaltar ainda que, para Maturana (1998), a linguagem surgiu por estar
relacionada com as “coordenações de açõesque se estabelecem de forma consensual” entre
os envolvidos no processo de “conversação
8
”. Para Maturana (2002) a relação da criança em
viver no livre brincar com a sua mãe é um processo que se estende durante toda a vida no que
se refere à geração cotidiana do mundo que se vive como uma expansão multidimensional da
própria corporalidade, pois:
Ao mudar nosso viver na mudança de nossa corporalidade, muda nosso teorizar e a
temporalidade de nossa existência, não como meros aspectos de nossa subjetividade
em relação com um mundo que existe com independência de nós, mas na
concretude do mundo que criamos no viver (MATURANA; REZEPEKA, 2002, p.
35-36).
Nas falas da professora Luiza ficou evidente a demasiada preocupação que os pais dos
alunos têm pelo ensino da leitura e da escrita. Quanto mais trabalhos escritos, melhor. O
professor é excessivamente cobrado. Relata que, ao proporcionar momentos para as
8
A conversação é entendida por Maturana (1998) como o fluir entrelaçado de linguajar com o emocionar, uma
das proposições decisivas para o processo de aprendizagem.
60
brincadeiras, torna-se comum as aulas serem consideradas improdutivas. Os pais dizem: -
olha oh, passaram a tarde brincando”! Como se dissessem: - “não fizeram nada”! Não
percebem que professores e alunos, ao brincar, estão aprendendo e “criando mundos”.
Sobre essa questão, Maturana (2004) alerta para o fato de que temos dificuldades em
perceber as relações existentes. Da mesma maneira que estão interligados o racional e o
emocional, ou ainda, o biológico com o social e o cultural, também o amar e o brincar estão
relacionados. Estão entrelaçadas espontaneamente como aspectos legítimos do viver, em seu
fluir. Por isso, acredito que, aquele que não brinca também terá dificuldade para amar. Quero
destacar mais uma vez que o amar neste texto tem uma conotação de emoção e fundamento
humano.
As exigências educativas geralmente privilegiem os processos cognitivos da criança.
Tal limitação pode gerar perdas irreparáveis em suas vidas, como muito bem salienta Luiza:
A gente não tem que se preocupar tanto em cognição (...) desrespeitando a idade
e a fase em que ela se encontra. Então, eu acho que tem que deixar ser criança! Tem
que brincar mesmo! Tem que se sujar mesmo! Porque é nessa hora ou então a gente
vai ter que assumir outras coisas e não ter mais tempo pra isso.
Pelo exposto acima, percebe-se que a professora critica a predominância do
pensamento cognitivista para a infância. Nesta perspectiva as brincadeiras desempenham o
papel de mero suporte para a aquisição de competências: ler, escrever e contar. Vistos sempre
como um instrumento para uma outra coisa, com o intuito, de uma maneira ou de outra,
formar pequenos intelectuais críticos.
A influência cognitivista trouxe para a infância o saber dominante do cientificismo.
Essa tendência sobrecarrega a criança, deixando-a quase sem nenhum espaço para brincar. Tal
concepção de aprendizagem problematiza, portanto, a concepção intelectualista pautada nos
pressupostos racionalistas da modernidade, a qual concebe o corpo e os sentidos como
instrumentos no processo de conhecimento, ou então, como responsáveis por enganos, por
erros, sendo então descartados ou considerados acessórios no processo de construção do
conhecimento. Em nome da proclamação dos “direitos abstratos” a educação nega todos os
demais direitos da criança. A educação requer outra dinâmica, mais humanizadora.
A professora considera importante o brincar. Essa maneira de pensar e atuar torna-se
compreensível devido a sua própria história de vida, mencionada anteriormente. Para ela,
brincar é aprender e isso sempre esteve muito claro. Afirma dar a devida importância a
qualquer tipo de brincadeira, sendo algumas delas: a estátua, as rodas cantadas e a do “pato
61
cinza” - uma versão do ovo choco. Além de várias outras atividades ao ar livre, seja na
pracinha ou na quadra, as quais denotam bastantes movimentos. Estas são as preferidas por
serem em lugares abertos e mais espaçosos. Há maior participação dos alunos devido à
sensação de liberdade.
A liberdade, bem como a responsabilidade, são duas dimensões de todo afazer
humano. Somos livres no momento em que refletimos sobre o nosso afazer e nos damos conta
se queremos ou não esse nosso querer com as conseqüências de nossas ações. Somos
responsáveis no momento em que refletimos e nos damos conta se queremos ou não as
conseqüências de nossas ações (MATURANA; REZEPEKA, 2002).
O interesse dos alunos pelas aulas depende de como estas estão organizadas.
Geralmente a professora realiza brincadeiras que fazem parte da cultura local, as quais as
crianças conhecem e estão acostumadas. Outras brincadeiras são resgatadas da época de
infância da própria professora. É uma troca que fomenta a inventividade, onde ambos
aprendem: os alunos com a professora e a professora com os alunos.
Para Maturana (2002) as relações de aprendizagem não são unilaterais. A
aprendizagem é um fruto da ação que o aprendiz tem com o meio, concomitantemente, o meio
também muda como produto da relação aprendiz-meio. Ou seja, o professor também aprende
nessa relação com o aprendiz.
A professora acredita na cooperação e na socialização do brincar e procura trabalhar
com brincadeiras cooperativas na tentativa de superar o apreço à vitória e à premiação,
disseminada pelos jogos competitivos. No entanto, os alunos se empolgam com esse tipo de
brincadeiras. Um exemplo típico é a brincadeira do “Cabo-de-guerra”. As interséries escolares
e os campeonatos entre pais e alunos, onde disputam premiações, estimulam ainda mais a
competição.
Considerando a idéia trazida por Maturana (2002) de que os seres humanos se fazem
humanos no mundo em que vivem no viver, não sendo definidos por uma estrutura genética
em particular, percebemos que a competição é uma opção estabelecida no espaço cultural. A
importância de educar as crianças para a superação de uma cultura patriarcal, de obediência e
alienação, por uma cultura matrística
9
é capaz de proporcionar harmonia ao viver e a
compreensão de que uma sociedade solidária se constitui a partir da aceitação, do acolhimento
e do respeito mútuo.
9
A expressão “matrística” é designada a uma cultura na qual, homens e mulheres podem participar de um modo
de vida centrada numa relação de confiança e participação, não hierárquica de controle e autoridade.
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Nas entrelinhas das falas de Luiza, pude anotar algumas de suas representações sobre
o brincar. Ora entendido como um momento “prazeroso de troca de experiências”; um espaço
para “fazer amigos” e “superar limites”, “expressar conhecimentos e sentimentos”, “melhorar
a postura”, “viver valores” e “a ser flexível”. Ora entendido como um momento destinado à
aquisição de “domínios” até então inexistentes.
Abaixo, uma dessas passagens que se apresentam um tanto confusas:
Eu vejo que nem todos conseguiram captar essa idéia: que brincar é aprender, é
desenvolver em si. Porque toda brincadeira tem suas regras. É pensada. Tem seus
objetivos. É planejada. Não aquele brincar pelo brincar, sem objetivo nenhum, uma
coisa sem intervenção, sem intenção.
Entendo nessa fala que, para a professora, o brincar não é uma atividade espontânea,
pois exige planejamento, regras e objetivos específicos para um determinado fim. Essa idéia é
novamente reforçada quando a professora afirma que o “o brincar é algo que vem carregado
de regras e conteúdos, o qual a criança assimila e aceita muito melhor do que de qualquer
outra forma”.
Vejamos mais uma de suas falas em que faz referência a esse entendimento:
Eles chegam à escola pensando que vão fazer o que querem. Que não vai ter essa
organização, esse respeito mútuo, essas coisas. Eles brincam na rua, soltos à
vontade, porque os pais não estão ali para orientar, ou com os manos. E, os manos,
meio que também fazem uma coisa não tão de regras, nem tão de como se joga a
maneira correta. Ou então eles são sozinhos mesmos. São crianças de apartamento,
filho único e tal. Então, assim, é na escola que junta o grupo e as regras são
colocadas pra todos e eles: - ah! Mas eu jogo assim! Na minha casa eu jogo assim!
Não! Eu não gosto de dividir! Entende?! Aí começam a surgir essas dificuldades de
trabalho em grupo.
Fica claro, pela citação acima, que o brincar é entendido pela professora como uma
atividade organizada e orientada, embora tenha criticado isso anteriormente em sua própria
formação. Luiza afirma que uma maneira correta de brincar e que se faz necessária a
orientação por parte de um adulto. O brincar não é percebido com um fim em si mesmo, mas
é usado como uma estratégia para a socialização, embora surjam conflitos em sua
organização. Nesse sentido, o brincar assume um papel como um meio de aprendizagem da
matemática, das ciências, da língua portuguesa, etc.
Contrariando essa maneira de pensar, Maturana (2004) afirma que o brincar é uma
atividade realizada de maneira livre, plenamente válida em si mesma, no desfrute do fazer, ou
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seja, uma atividade sem intencionalidades/objetivos, desempenhada sem nenhum propósito
que lhe seja exterior, vivida no presente de sua realização e de modo emocional.
O brincar é freqüentemente associado a jogos educativos pela professora. Ela
menciona as novas versões de jogos que estão sendo remetidos à escola, cada vez mais
elaborados e desafiadores. Comenta que muitos de seus alunos têm dificuldades em brincar
com esses jogos, por mais simples que aparentem ser (jogo de memória e quebra-cabeça). A
dificuldade aumenta quando se trata daqueles mais complexos (xadrez). É comum os alunos
demorar semanas para montá-los ou até mesmo para compreendê-los. Alguns persistem
outros desistem.
Para Luiza, as crianças geralmente optam por aqueles brinquedos que não “precisem
pensar muito”, fugindo, assim, dos desafios:
As crianças m com muita preguiça. São de ver muita televisão, computador,
brinquedos prontos e, à medida que tu tem que construir ali, ou pensar, ou se
desgastar um pouquinho, às vezes, desinteressa. Às vezes, largam aquilo ali e
querem voltar pra aquele brinquedo que ele domina. Então, a gente vai e faz
todo o incentivo: não! Vamos lá! Vamos tentar! Vamos fazer juntos!
Se crianças que brincam livremente nas ruas, constata-se também que crianças
com pouca ou nenhuma vivência extra classe. Ao chegarem à escola não se sentem motivadas
a ousar e a criar, limitando-se a fazer sempre a mesma coisa. Por outro lado, a fala também
demonstra o desconforto dos alunos em ter de realizar atividades pré-determinadas pela
professora.
O brincar se manifesta num ambiente que requer inocência, sendo esse aspecto
facilmente perdível. Em geral, o brincar é desdenhado porque exigimos um propósito para a
maioria de nossas interações e relações, exercendo influência em nossa maneira de viver.
Limitando-nos em relação às emoções e não permitindo aceitar a nós mesmos e aos outros na
legitimidade do seu ser.
Em geral, não vivemos a vida no presente, mas no futuro – em relação ao que
queremos; ou no passado em relação ao que perdemos. Temos o hábito de nos orientar para
a produção em tudo o que fazemos, como se isso fosse algo natural:
Nessa cultura, não fazemos apenas o que fazemos. Trabalhamos para alcançar um
fim. Não descansamos simplesmente; nós o fazemos com o propósito de recuperar
energias; não comemos simplesmente, ingerimos alimentos nutritivos; não brincamos
simplesmente com nossas crianças, nós a preparamos para o futuro (MATURANA;
VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 143).
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Geralmente os professores desprendem muitos esforços na tentativa de preparar as
crianças para as ações futuras. Ao enxergar um futuro, não vêem a própria criança e acabam
por negar um aspecto central da infância o brincar. Para os pequenos o futuro é uma
possibilidade e não uma certeza. Por isso, as crianças procuram obter no presente tudo àquilo
que é possível, contrariando a posição dos adultos, que lhes vêem como um sujeito a ser
educado para o amanhã.
Luiza comenta que foi mencionado que o brincar deveria estar mais presente em
todas as aulas da escola. Inclusive, cogitou-se a possibilidade em discutir sobre o assunto nas
reuniões pedagógicas. No entanto, esbarram na falta de tempo, sendo priorizados outras coisas
consideradas mais importantes, a exemplo da divulgação de recados ou solucionar problemas
de alunos. Somado a isso, não há um acervo significativo de livros sobre o tema e faltam
materiais.
Em dada oportunidade, a prefeitura solicitou um representante de cada escola para
participar de um curso onde o professor seria capacitado a “confeccionar jogos”.
Posteriormente, aquele aprendizado deveria se multiplicar no local de trabalho. A proposta
não teve êxito, pois as escolas resistem à idéia, o que limita desenvolver um o trabalho
diferenciado.
2) O brincar para Maria Eduarda
Maria Eduarda tem 32 anos. É licenciada em Pedagogia pela UFSM no ano de 1990.
Atualmente trabalha com uma turma da série do ensino fundamental. Natural de Santa
Rosa/RS veio à Santa Maria/RS a mais de 20 anos, quando ainda criança. Desde que os seus
pais se mudaram, vive no centro da cidade, sendo que passou a sua infância nesse local.
A professora lembra de poucas brincadeiras de infância. As recordações que mais a
marcaram foram os momentos em que vivera junto aos amigos e vizinhos. Na rua, em frente à
casa de seus pais, podiam divertir-se ao jogar bola, vôlei, pular corda, esconde-esconde ou de
polícia e ladrão, além de tantas outras brincadeiras criadas por elas mesmas. Ao entardecer,
formavam-se rodas de amigos para tomar chimarrão, das quais Maria Eduarda também
participava. Outrora o tráfego local não era tão intenso e a rua não tinha asfalto, o que vinha a
permitir de brincar bastante e com tranqüilidade. Não havia outros compromissos a não ser
em relação ao cumprimento de horários e às tarefas escolares.
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Lembranças de brincadeiras vivenciadas pela professora no espaço escolar são raras.
Recorda apenas que a sua professora levava a turma para brincar na pracinha. Esforça-se para
trazer à memória mais coisas, mas não consegue recordar. Lembra-se dos jogos de handebol,
mas isso foi a partir da quinta série nas aulas de Educação Física. O Ensino Médio Normal foi
cursado no Colégio Manuel Ribas e dessa época não lembra de ter brincado. Afirma que na
adolescência surgem outras preocupações, a exemplo dos namorados (risos). Por isso tem a
impressão que no decorrer deste período o brincar ficou um pouco esquecido.
Até concluir o Ensino Médio, Maria Eduarda não pensava em ser professora.
Participou três vezes do vestibular para o curso de Farmácia - todas frustradas. Por influência
de uma amiga, mudou de idéia e tentou ingressar no curso de Pedagogia, obtendo êxito. Com
o passar do tempo, percebeu que isso era realmente o que buscava e descobriu a sua
verdadeira profissão: “eu nasci pra isso”!
No curso de Pedagogia questões sobre o brincar foram discutidas brevemente, sendo
que teve uma noção geral sobre o assunto. Para a professora isso não veio a comprometer a
qualidade das aulas ou a tirar os méritos do trabalho desenvolvido pelos seus mestres, sendo
que as disciplinas de Teatro, Educação Física e Educação Artística abordavam o conteúdo de
maneira direta ou indiretamente. Assim, ela relata sobre o referido assunto:
Eu acho que o jogo ficou meio que uma metodologia. Uma forma de trabalhar os
conteúdos com as crianças. Uma forma diferenciada. Uma forma mais lúdica. Mais
alegre, sabe!
Percebe-se, assim, que o brincar não foi trabalhado como um tema em específico, mas
utilizado como uma metodologia de ensino, a qual também deveria ser utilizada
posteriormente pelos seus alunos ao se tornarem professores. O aspecto dico da brincadeira
seria uma forma diferenciada para o professor lidar com os conteúdos.
O primeiro emprego de Maria Eduarda após concluir o curso foi com a Educação de
Jovens e Adultos (EJA). Essa experiência, que durou um ano e seis meses, foi definida como
“um desastre”. Na época, a professora tinha algumas vivências com a alfabetização de
adultos, pois participava de um projeto do governo do Estado, mas não se sentia a vontade. A
seguir um trecho de sua fala:
Os adultos já não gostam muito do brincar. Tinha uma senhora, era uma turma de
senhoras e (...) a gente proporcionava algumas brincadeiras e elas gostavam assim,
mas elas queriam ali aprender a ler e a escrever, porque eu trabalhava com
alfabetização de adultos, né! Então, eu prefiro trabalhar com as crianças porque elas
te abrem espaço pra ti brincar com elas, pra gente conversar, pra trazer coisas
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novas. São bem mais receptivas do que as pessoas de idade - as mais velhas. Eu
acho que elas vêem a brincadeira como algo que não tem uma finalidade. Brincar
é... não tem aprendizado na brincadeira. É que depende também da forma que é
colocado, eu acho né. Mas eram senhoras bem de idade já.
Através dessa fala, percebe-se que os adultos tinham dificuldades em perceber o
brincar como uma forma de aprendizagem. Pode-se destacar também, a tentativa da
professora em dinamizar as aulas com as brincadeiras, utilizando-as como um método de
ensino para determinada finalidade, pois assim aprendera em sua formação inicial. Contudo,
essas atividades não eram aprovadas pelo grupo de adultos.
A referida experiência veio a desmotivar a professora. Acreditava que a sua formação
não era direcionada para atuar com adultos, mas às crianças. Os métodos utilizados em aula
pela professora eram bem distintos, embora afirme que em alguns aspectos pudessem vir a ser
trabalhados em ambos os grupos de crianças e de adultos. Quando as aulas não eram bem
aceitas, a professora se questionava o que poderia estar errado.
A grande questão, ao meu ver, não se trata da metodologia estar certa ou errada.
Simplesmente brincar não é um método para se alcançar um determinado fim, mas um
fundamento humano.
Na cultura em que vivemos não é comum os adultos brincar. Geralmente não
entendemos ou não sabemos fazer isso. Posso destacar como exemplo quando os pais
compram brinquedos para os filhos com a intenção de prepará-los para o futuro. E o que é a
brincadeira? Para Maturana (2004, p. 187), o brincar são expressões das conexões entre o ser
vivo e o seu meio, organizado de modo espontâneo e livre, com base nas formas imediatas de
ações, movimentos e percepções que provêm da história evolutiva da espécie humana. Ou
seja, “as brincadeiras espontâneas de nossas crianças não são arbitrárias: são dinâmicas
corporais ligadas a territórios ancestrais de comportamento”.
No ano de 2002, Maria Eduarda começou a trabalhar com uma turma de quarta série
no município de Silveira Martins/RS. Estava inicialmente realizada por atuar nas séries
iniciais, aquilo que sempre quis após se formar. Contudo, encontrou novas dificuldades. Os
pais e a direção escolar preferiam que as crianças ficassem sentadas, copiando ao invés de
brincar, pois acreditavam que essa era a melhor forma de aprender.
Ao querer inovar, a professora levava para as aulas alguns jogos. Segue um relato
sobre essas experiências:
eu levei os jogos para trabalhar a matemática e o português. Eles gostaram mais
da área de artes - dos trabalhos manuais eles gostavam bastante. Mas eles queriam
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estar copiando, né! Então, não funcionou também os jogos. Não funcionou muito
ali com eles porque acabava virando bagunça, porque eles não conseguiam se
organizar. Eles não estavam acostumados. Não queriam mudar porque daí eles
também tinham que mudar a postura em relação ao assunto. Então, pra eles, era
muito mais fácil ficarem sentados copiando do que ter que pensar sobre o jogo, se
organizar.
A professora fala do brincar como um sinônimo de jogos educativos. Estes seriam uma
forma diferenciada de ensinar os conteúdos aos alunos, com a intenção de alfabetizá-los ou
discipliná-los. Essa prática pedagógica, aparentemente, não foi muito bem acolhida pelas
crianças, visto que não representava nem aula, nem brincadeira. Nem uma coisa, nem outra.
Parece que o brincar tem que ter uma finalidade explícita, caso contrário aparenta ser
algo sem fundamento. Isso tem a ver com o que sugere Maturanar aata cos cizr cut c
68
Diante da fala, acredito que, para que as crianças possam aprender a conviver com os
outros e a viver experiências significativas em suas vidas, evitando perdas irreparáveis, é
imprescindível cuidar, antes de mais nada, do seu desenvolvimento emocional. Digo isso ao
ter como referência os estudos de Maturana (1998, p. 16), ao definir as emoções como
“disposições corporais dinâmicas que definem os diferentes domínios de ações em que nos
movemos”. Esse conceito ajuda-nos a compreender que toda ação humana existe a partir de
uma emoção que a estabeleça como tal e a torne possível como ato.
Ao reconhecer que todas as ações possuem uma base emocional, o próximo passo é
saber que o amor é a principal emoção que fundamenta todas as nossas relações humanas.
Para Maturana (2004), qualquer pessoa, ao crescer num ambiente de amorosidade e no
respeito por si mesma, também será capaz de aprender qualquer coisa e adquirir qualquer
habilidade se a desejar, visto que, todas são igualmente inteligentes. O aprendizado é
facilitado à medida que a criança é amada e acolhida como um legítimo outro na coexistência.
Portanto, tratá-las com amor é o melhor legado de aprendizado que alguém pode lhes deixar.
A professora acredita que a brincadeira contribui no âmbito dos relacionamentos das
crianças, pois a brincadeira possibilita às crianças uma abertura para que se possa ouvir o
outro. Maria Eduarda entende que é importante e possível trabalhar em conjunto e a conviver
com o diferente. Segue uma de suas falas, a qual faz referência aos seus alunos:
Mesmo que uma pessoa que eles não gostam, que eles não se relacionem bem ou
não tenham a mesma opinião, eles podem conviver com elas numa boa, né?! É
respeitar!
Como seres humanos, temos o mundo que criamos com os outros. Segundo Maturana
e Varela (1987) o ato de ampliar nosso domínio cognitivo reflexivo, que sempre implica uma
experiência nova, chega-nos pela motivação do encontro com o outro, pela possibilidade de
olhá-lo como igual em sua diferença, aceitando-o na convivência, mesmo quando estejamos
em contradição com ele. Segue abaixo um trecho da fala dos autores ao fazerem referência a
essa idéia:
Toda vez que nos encontrarmos em contradição ou oposição a outro ser humano
com quem desejamos conviver, nossa atitude não poderá ser a de reafirmar o que
vemos do nosso próprio ponto de vista, e sim a de considerar que nosso ponto de
vista é resultado de um acoplamento estrutural dentro de um domínio experencial
tão válido como o de nosso oponente, ainda que o dele nos pareça menos desejável
(MATURANA; VARELA, 1987, p. 262).
69
Trata-se, portanto, de um caminho ontológico que, ao tentar querer explicar a
realidade, considera as mais diferentes idéias em sua legitimidade. Esse convite à reflexão
pelo conversar é o que Maturana (1998) chama de “objetividade entre parênteses” ou
“caminho das ontologias constitutivas”. Nesse caminho, através das coerências operacionais
do viver de um observador, tantos domínios de realidades quantos domínios explicativos.
Assim, cada afirmação/explicação que um observador faz é válida em algum domínio de
realidade, e nenhuma delas é intrinsecamente falsa, considerando-se que toda explicação é
sempre uma experiência que distinguimos como observadores.
Se não nos encontrarmos no mesmo domínio de explicações, ou espaço de emocionar,
não aparecerá consenso e cada um permanece distanciado do outro, pois estão em espaços não
congruentes nas ações que estabelecem tal relação. Daí que o encontro com o outro no mesmo
espaço é espontâneo, isto é, acontece ou não acontece. Não depende, portanto, de
justificativas racionais, depende do desejo espontâneo ser ou não ser congruente naquele
momento.
Maria Eduarda enfatiza que a maneira de brincar das crianças vem mudando. Percebe
que as crianças estão mais agressivas e a violência virou um sinônimo de brincadeira. A
seguir um recorte do relato:
Eles acham que se soquear é brincadeira. Ficar se empurrando, se chutando, se
soqueando é brincadeira: - Ah! Eu tava brincando professora!! Eu digo: - mas
isso não é brincadeira! Brincadeira é tu pegar uma bola e jogar! Claro que um
acidente, alguma coisa. Mas tudo bem! Mas, não, sabe... Eles acham que se
empurrar na fila é uma brincadeira. No pátio ficar correndo, se empurrando, se
dando soco é a brincadeira deles. Eu acho que estão muito mais agressivas as
brincadeiras.
A falta de limites é destacada pela professora como um dos motivos para as constantes
agressões. Maria Eduarda tem a impressão que a relação entre pais e filhos, outrora
tradicional e rígida, tornou-se, de maneira repentina, totalmente livre “liberou total”. Uma
mudança muito rápida e radical, a qual a professora tem dificuldade em acompanhar.
A professora enfatiza que as crianças têm acesso à informática e brincam com jogos
eletrônicos violentos; assistem programas televisivos que também são violentos; brincam
pouco nas ruas e ficam isoladas dentro de suas casas. Todos esses aspectos influenciam
diretamente em suas condutas.
Acredita-se que na origem da humanidade, bem como na vida matrística européia pré-
patriarcal, as relações eram bem diferente dessas mencionadas acima, pois estava centrada no
amor. Nela, a agressão e a competição eram fenômenos ocasionais, não modos cotidianos de
70
vida. Nesta perspectiva epistemológica, os seres humanos teriam surgido em uma história de
conservação da biologia do amor como a dinâmica emocional centrada no espaço psíquico
próprio ao modo de vida que deu origem à linguagem, uma dinâmica que ainda se conserva na
relação da mãe com a criança (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004).
Os referidos autores salientam ainda, que a competição é constitutivamente anti-social
porque, como fenômeno, consiste na negação do outro. Neste sentido, não existe a
“competição sadia” porque a negação do outro implica a negação de si mesmo ao pretender
que se valide o que se nega, pois aquele que compete não vive naquilo que faz. Aliena-se na
negação do outro. A vitória, nesse caso, constitui-se na derrota e no fracasso do outro.
A professora comenta que os alunos brincam cada vez menos na escola,
proporcionalmente, à medida que passam de uma série à outra. A cada promoção de série,
uma mudança brusca ocorre na maneira de brincar, principalmente a partir da quinta série
fase em que começam a entrar na puberdade. Os alunos começam a se recusar em participar
das brincadeiras. Eles justificam isto ao afirmar que brincar é coisa de criança.
Maria Eduarda diz trabalhar com uma grande diversidade de brincadeiras nas séries
iniciais. Inclusive no resgate daquelas que foram esquecidas com o passar do tempo. E os
alunos gostam disso. No entanto, tem a impressão que o oposto ocorre a partir da quinta série,
pois eles resistem em brincar. A professora comenta: “Parece que eles não são mais crianças!
Mas na verdade eles são crianças ainda! A gente brinca e gosta de brincar até adulto”. Devido
a esse motivo, as aulas precisam ser reelaboradas e o “brincar vira mais um esporte do que
uma brincadeira”. Por isso, ela tem a impressão que o brincar está sendo considerado algo de
pouco importância na escola e, conseqüentemente, relegado a segundo plano.
Quero trazer essa discussão para as reflexões de Maturana (2004), ao perceber que a
criança vive imersa numa cultura que é principalmente matrística, ou seja, em conversações
(com sua mãe, ou com o seu pai ou quem os substitua) que tem a ver com a condição humana
de ser amoroso. O início de sua existência é vivida na estética da coexistência harmônica,
própria da coerência sistêmica de um mundo que se configura com base na cooperação e no
entendimento. na vida adulta, vive quase que exclusivamente numa cultura patriarcal de
negação.
A cultura patriarcal européia se configura na separação e na oposição de uma infância
matrística e uma vida adulta patriarcal. Esse impulso, de total negação de tudo o que seja
matrístico leva as crianças a entrar em contradição emocional. Dar-se conta da oposição
dessas culturas, desse conflito, e desejar algo diferente para recuperar a essência de tal
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infância é possibilitar uma abertura para a reflexão, principalmente sobre nós mesmos, pois
nos encontramos em nossa reflexão e surgimos nela.
Ao se considerar a dominação histórica das culturas patriarcais sobre as culturas
matriarcais, percebe-se que alguns dos fundamentos do humano são considerados secundários
em nossa sociedade. Aquilo que deveria ser preservado cuidadosamente por ser tão básico à
constituição da existência social, a exemplo da relação amorosa mãe-filho, ou no caso, a
relação professor-aluno, vem se perdendo. Vivemos num mundo destrutivo, que não cede às
crianças espaços de liberdade e paz tão necessários para seu saudável desenvolvimento.
Tampouco, o convívio na participação, colaboração e compreensão. Estas palavras viraram
meros adjetivos, evocados em ocasiões especiais porque elas não conotam, na atualidade, o
nosso modo geral de viver.
Sempre quando perguntado sobre o brincar à professora, respondia falando sobre o
jogar. A partir daí, começa a questionar-se entre um e outro. Segue um trecho de suas
interrrogações:
Qual a diferença entre o brincar e o jogo? Se existe que diferença é essa? O que há
de diferente? Eu percebo que as pessoas acham que tem uma certa diferença, mas
que diferença é essa? Elas não sabem explicar!
Em mais um de seus questionamentos, ela começa a r
72
Maria Eduarda constata que o brincar está associado a um ambiente maior, não se
referindo apenas ao espaço físico, mas a espaços de liberdade. Percebe que existe uma
diferença entre o jogar e o brincar. Mas encontra dificuldades para se expressar. Esses
questionamentos não se reduzem à busca por uma definição ou conceitos. Antes de mais nada,
é uma reflexão em que a professora se dá por conta de sua própria prática pedagógica.
As peças de teatro também são consideradas brincadeiras para a professora. Ela relata
sobre a participação de um projeto em que os alunos leram o livro de mágicas do “Menino
Maluquinho” e, a partir da obra, a professora organizou uma apresentação para as crianças.
Assim disse:
Aquilo ali foi uma brincadeira (risos). (...) eu me sentia assim: a mágica! Foi uma
coisa muito agradável, tanto pra mim quanto para as crianças. Então, pra mim, foi
uma brincadeira! Foi uma coisa tão assim... que eu nem senti, sabe! Que eu gostaria
de fazer mais vezes até. Quando a gente faz um teatro, faz uma apresentação, faz
né... a gente ali... é tão assim (...)!
Percebo, no relato acima, que faltam palavras para expressar a alegria da professora
em participar dessa experiência - algo prazeroso e envolvente. Para ela, essa sensação seria o
“espírito” do brincar. Em determinado momento, a professora tenta explicar o que é o brincar
e comenta: “eu nem senti”. Creio que esteja se referindo ao aspecto da espontaneidade da
brincadeira. Isso foi reafirmado quando, posteriormente, disse: “é como se não percebesse o
que se está fazendo”.
Foi possível constatar pela entrevista que a professora, mesma afastada alguns anos da
universidade, nunca perdeu o interesse em estudar o referido assunto. Ainda hoje, contempla
em sua formação a questão do brincar ao participar de seminários e oficinas.
3) O brincar para Ana
A professora Ana trabalha numa turma de série na rede pública municipal de Santa
Maria/RS. Hoje, com 53 anos, relata que a sua infância foi muito ativa. Habitualmente jogava
futebol e fazia travessuras com suas irmãs dentro de casa. Segue uma passagem de um desses
momentos, relatados por ela:
Minha mãe tinha ganhado de casamento uma jarra muito bonita, com os copos
todos de cristais e o pai comprou uma bola pra mim e eu fui jogar bola dentro de
casa. Eu quebrei toda a jarra dela! Não ficou nem um copo (risos)! Eu era a mais
73
danada! Quer dizer, eu brincava bastante. Eu acho que brinquei bastante com
minhas irmãs. E eram bonecas. E eram joguinhos. Começaram a vir os quebra-
cabeças: destacavam as cartelas e ia montando. Mas não é como agora, que é tudo
emborrachado, tudo bonito, né! Era um outro material. Brincava uma ou duas vezes
porque era um produto que custava caro. Mas eu brinquei bastante assim, em casa,
com minhas irmãs.
Pela fala podemos perceber que, não importa a hora ou o local, as crianças gostam de
brincar. Sempre que a deixarmos livres, brincarão. Independente, se estiver sob a tutela de
seus pais ou não. Independente, se tiver poucos ou muitos brinquedos.
Ana iniciou os estudos numa escola de ordem religiosa na cidade de Santa Cruz do
Sul/RS. Lá, as freiras iam para o pátio na hora do recreio para brincar com os alunos de jogar
sapata, de pular corda ou jogos com bolas. Com saudosismo, assim descreve:
Na hora que tocava aquela música, o silêncio sabe! Daí corríamos todos pra fila. Eu
notava que naquela época não tinha briga, não tinha nada. Era assim, sabe. Tipo
circuito no pátio. Tinha um grupinho que era da sapata, outro grupinho que era da
bola, um grupinho que tinha um pião que ficava rodando e... daí tá... todo mundo
ficava envolvido ali. Mas a hora que tocava aquela música era um silêncio, sabe,
todos iam pra fila e entravam pra sala de aula.
Em meio a suspiros de saudade, a professora descreve a sensação de paz que sente ao
lembrar daquela época. Aquele momento de brincar no recreio junto às religiosas é aprovado
e considerado um trabalho “bem interessante”, pois elas conseguiam envolver e disciplinar os
participantes.
Os pais de Ana mudaram de cidade e, conseqüentemente, a transferiram de escola. A
continuidade de seus estudos foi na escola particular Coração de Maria na cidade de Santa
Maria/RS. Neste local ela não se sentiu só, pois alguns de seus primos já estudavam lá. As
suas irmãs também foram nela matriculadas. A escolha de seus pais por essa instituição de
ensino foi pautada nas atividades que eram oferecidas e desenvolvidas. Assim descreve:
Meu pai sempre disse assim: que era pra deixar sempre ocupado que, pelo menos,
não estava pensando e fazendo besteiras. A gente passava o dia inteiro envolvido.
Era um envolvimento assim pela escola, pelas atividades da escola assim, imensa!
(...) tinha trabalhos, entrega de trabalhos, provas e todo um monte de coisas. E a
semana de exposição de ciências, amostra de trabalhos. Era um envolvimento total.
Fica evidente que, para os pais e para os professores de Ana, era importante que as
crianças tivessem uma agenda cheia de compromissos e tarefas, as quais deveriam ser
realizadas no decorrer do dia, não comprometendo a sua formação. Por este motivo, ela
74
sempre estava envolvida com muitas tarefas: na escola - realizando atividades paralelas; ou
em casa, prescritas pelos pais.
No contra turno escolar, Ana se deslocava até o Clube Corintians para jogar handebol
e torneios interséries, inclusive com outras escolas do município. Depois, começou a
participar em provas de atletismo - arremesso de peso. O grupo se deslocava até o quartel
Mallet para competir e disputar medalhas. Nesse período participou da banda. Ainda recorda
com pontualidade os horários dos ensaios. Aprendiam a tocar o que quisessem: gaita de fole,
surdo, escaleto, etc.
Percebo pelas falas da colaboradora que as brincadeiras eram geralmente realizadas
em horários pré-estabelecidos. As competições e os torneios são entendidos como
brincadeiras. Fica evidente que em sua infância houve um reduzido tempo destinado às
brincadeiras livres. No entanto, a professora afirma que a sua infância foi muito boa e acha
que brincou bastante na escola. Dentre as brincadeiras inesquecíveis da época ela cita a “corda
de borracha” e o pular “sapata”. Segue trecho do relato:
Era todo mundo! Chegava a ir à fila e tinha que jogar uma sapata primeiro antes de
entrar pra sala de aula. O que mais!? Era a sapata, esse do elástico, ah.... pega-pega,
aquelas brincadeiras de caçador. A gente brincava muito, muito. Eu acho que a
gente brincava muito, muito na escola. Antigamente, né!!
A professora também recorda da escola a presença do seu professor de Educação
Física. Era ele quem organizava as brincadeiras em sala de aula, principalmente em dias de
chuva ou frio. Isso não significa que os alunos fossem impedidos de brincar no pátio. Podiam,
e muito. É que nos dias de intempérie as crianças ficavam mais resguardadas em sala de aula
a confeccionar joguinhos para, posteriormente, brincar.
Quero destacar que o professor é a pessoa quem vai proporcionar novos espaços de
convivência com os alunos. Esses espaços, de aceitação recíproca, configurados na relação
professor-aluno são propícios para se produzir uma dinâmica em que ambos vão
mudando/transformando em congruência. Nesta perspectiva, para Maturana (1990) o brincar é
um processo de aprendizagem e transformação na convivência no qual os alunos se
transformam em seu viver de maneira coerente, seja em coincidência ou oposição, com o
emocionar e o viver de seus professores.
Em outras palavras: o mundo que as crianças vivem é sempre uma criação pessoal. A
tarefa educacional é uma criação do mundo com o outro, sendo que nós, professores somos a
75
referência para tal criação, e de que o mundo que nossos alunos criam em seu viver sempre
surgirá criado conosco.
Em sua formação, Ana cursou Magistério, Pedagogia e pós-graduação em
Psicopedagogia. Durante os três anos em que cursou Pedagogia, os professores universitários
vinham se preocupando em falar sobre a importância do brincar. Eles procuravam relacioná-lo
aos conteúdos das disciplinas. Na seguinte citação, percebe-se que esses professores
entendiam e trabalhavam o brincar pelo viés da psicologia:
Às vezes, entrava um professor e falava o que o outro professor tinha falado da
importância da brincadeira: a questão de Piaget, a questão Vygotski. Tudo, tudo,
tudo era falado. A gente notava que no final da aula, a gente notava que, às vezes,
como dizia um professor, que aqui na universidade é tão corrido, tão corrido, que
não dá tempo nem da gente conversar.
Outro aspecto que venho a destacar na fala da professora é o reduzido tempo para o
diálogo entre o aluno e o professor, além da falta de discussão/reflexão sobre o tema. Na
formação acadêmica da professora os conteúdos eram apresentados repetidamente. Mas, para
Ana, havia uma disciplina que era diferente: Métodos e processos da alfabetização. A
professora desta disciplina tinha a preocupação que os alunos aprendessem a confeccionar
jogos, pois sentia que isso estava, aos poucos, se perdendo nas escolas. No decorrer do
estágio, cada estudante teria que elaborar pelo menos um material para “aplicar” na sala de
aula com seus alunos. Como o próprio nome da disciplina diz: o brincar era um “método”
utilizado nos “processos de alfabetização”. Temos aqui uma representação do brincar como
um recurso pedagógico para a aprendizagem de conteúdos.
Após concluir o curso de Pedagogia, a professora foi nomeada em concurso público e
iniciou a sua vida profissional trabalhando com uma turma de primeira série numa escola
localizada na zona rural e ficou apreensiva: alfabetizar era um compromisso muito grande e
havia no grupo crianças com dificuldades de aprendizagem. Como a turma era muito
dinâmica começou a brincar com elas. Essa escola era muito carente e tinha poucos recursos,
inclusive materiais. Estagiários que estiveram por fizeram alguns brinquedos, mas nunca
mais retornaram para buscá-los, pois era uma escola muito distante. A professora, então,
reaproveitava todos os materiais. Tinha também algumas bolas e cordas e brincava com eles
de jogar futebol, pular corda, caçador, passa-passará. Adorava as cantigas e cantava e
gesticulava muito com eles. Tinha um repertório riquíssimo... (risos), comenta.
Atualmente, a professora trabalha numa escola localizada na zona urbana, com muitos
alunos e muitos recursos materiais. No entanto, conta com um pequeno espaço físico. O pátio,
76
o local onde as crianças mais brincam, geralmente está ocupado nos dois turnos pelo professor
de Educação Física. As aulas deste professor são realizadas no contra turno escolar, sendo que
as turmas do turno da manhã vêm à tarde e as turmas da tarde vêm pela manhã.
Ana comenta que o professor de Educação Física é quem realmente estaria habilitado
a brincar e a jogar com as crianças. Seu trabalho “é algo mais dirigido”, afirma. Relata que as
pedagogas não são habilitadas a trabalhar com a Educação Física, justificando, assim, as
poucas vivências realizadas pelas crianças em suas aulas.
Na tentativa de amenizar o problema em relação ao espaço e aos horários, a
coordenação escolar fez um calendário para que todos os professores saibam quais são os dias
em que o pátio está disponível a cada um deles. Resta à Ana, apenas uma hora por semana
para sair da sala com seus alunos: sextas-feiras - das 4h e 30 minutos às 5h e 30 minutos.
Quero destacar que a professora menciona, anteriormente, demasiada preocupação
com o letramento. Afirma que criança precisa brincar e o professor deve ensinar a criança
brincando”, pois elas não conseguem ficar atentas e concentradas por muito tempo na sala de
aula.
É possível perceber em suas falas, a compreensão de que o brincar esteja reservado,
quase que exclusivamente, às aulas de Educação Física, pois o professor desta disciplina é
quem estaria habilitado para exercer tal função na escola, restando apenas uma hora para as
crianças brincar nas suas aulas. Abaixo, um trecho da fala de Ana, onde ela descreve como
organiza a sua aula nesse dia:
Daí o que eu faço: levo eles pro pátio e eles fazem jogos competitivos ali, que eles
adoram. Faço, às vezes, um circuito com eles. rios. Um circuito, né. Eles
brincam. Às vezes eu deixo eles..., porque eles se cansam: - Ah professora! Vamos
fazer hoje um jogo de futebol”?! Daí eu faço um joguinho com eles. Entre os
meninos e as meninas. Ou só as meninas. Ou senão handebol sabe! Que eles
gostam muito. Mas assim, brincadeiras assim, a gente procura fazer, mas acontece
que eles... eles estão numa época, num tamanho... que eles já muitos tipos de
brincadeira já não gostam. Mas as meninas gostam de fazer sapata. Elas fazem. Elas
desenham uma sapata. Aqui tinha. Aqui na escola. Elas jogam sapata, né. Então,
alguns tipos de brincadeirinhas... Ah! Caçador né! Pegam uma bola e vão caçar né.
E cantigas. Umas cantigas que eu gosto também de cantar.
Pelo relato da professora, podemos concluir pelo menos três coisas:
1. A primeira: a conduta profissional da professora é muito semelhante com a formação
que teve da infância à faculdade. As brincadeiras por ela elaboradas e desenvolvidas
na escola são praticamente as mesmas da sua infância.
2. A segunda: a professora instiga a prática de esportes competitivos.
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3. A terceira: as crianças têm preferência pelos esportes competitivos quando destinado
um tempo livre nas aulas.
A professora segue dizendo que os alunos adoram quando há novidades fora da sala de
aula ou da escola, principalmente quando torneios ou eventos. Cita como exemplo um
festival de atletismo que foi realizado alguns anos atrás na universidade onde alguns
acadêmicos os levaram para participar.
Diante dessa situação, penso que em nossa cultura não se espera que as crianças
brinquem. Penso que a formalização do ensino deva ser adiada para mais adiante, sendo
necessário deixar as crianças brincarem mais. Segundo Maturana (2004), para mudar uma
cultura é necessário ocorrer uma modificação no emocionar, assegurando a conservação de
uma nova rede de conversações. Isso pode ocorrer através do modo como vivemos com as
crianças da comunidade. Esse novo emocionar estaria fundamentado no reconhecimento do
amor como o principal espaço que permite a legitimidade da criança a partir de si mesma.
“Confeccionar jogos” ou levar as crianças ao pátio para brincar de “Três Marias” não é
viver no passado. Ana acredita nessa idéia, pois as crianças ao criar os seus próprios
brinquedos estão aprendendo espontaneamente. A professora comenta que alguns de seus
colegas de trabalho não gostam de jogar na sala de aula devido ao barulho e a desordem. Faz
parte da cultura de alguns trabalharem em silêncio e, para fazer um determinado jogo, terão de
mudar tudo aquilo que está pronto. Permanecer do jeito que está é mais fácil e menos
desgastante.
Penso que os professores não possuem muito o hábito de brincar com os alunos.
Talvez, por pensarem que seja uma coisa banal. Bem pelo contrário. Brincar com as crianças
é uma forma de abrir espaço para uma relação espontânea de aceitação e respeito que constitui
o espaço de amar. Ao partilhar uma brincadeira estamos envolvidos na atividade da criança e
se relacionando sem autoritarismo.
Ana acredita na maneira como aprendeu a lidar com as brincadeiras junto a seus
professores. Pensa “ser o caminho certo”. Percebe que muitas “coisas boas se perderam” e
problemas vieram à tona: a agressividade e a falta de limites. Isso devido às muitas falhas da
atual Educação. Assim ela se manifesta:
É o caminho certo de como tu manter e ensinar limites para as crianças. Eu acho
que a partir da brincadeira tu pode perfeitamente saber o que é limite na hora dela
jogar. Quando for a hora dela, ela vai jogar. Tudo isso nas brincadeiras ela aprende.
Numa brincadeira tu tira, olha, muitas situações, problemas, que tu cria, que tu vai
trabalhar com teu aluno em sala de aula. A questão do comportamento, do limite,
do egoísmo, da agressividade, dele bater no colega, sabe?! Então, com a
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brincadeira, no brincar, eu acho que tu brincando tu ta trabalhando com tudo isso ai
com a criança.
No entendimento de Ana, pela brincadeira se resgataria o “bom comportamento” dos
alunos. Destaca que o professor é uma das pessoas responsáveis pelo processo de formação do
“bom caráter” da criança. Por isso brincar “é algo muito sério”. Salienta ainda, que o brincar é
ótimo porque proporciona uma melhor relação entre os colegas e ajuda a criar novas
amizades.
Ana percebe que as crianças quase não brincam fora do ambiente escolar, exceto com
os jogos eletrônicos. Para ela, o computador e o vídeo game ajudam a desenvolver o
raciocínio da criança. Entretanto, essas tecnologias estão “competindo com o professor”, pois
elas são mais atrativas. Assim, torna-se difícil para o professor permanecer durante quatro
horas em sala de aula só com giz na mão em frente ao quadro, comenta.
Com o intuito de inovar, de tornar as aulas mais atraentes e de dar continuidade a sua
própria formação, Ana procura diversificar as atividades. Enfatiza que vem aprendendo novas
cantigas de roda com uma professora da universidade que vai até a escola. As antigas cantigas
de roda que vinham sendo esquecidas também estão sendo resgatadas e praticadas. Inclusive,
uma dessas cantigas foi apresentada pela turma no momento em que fui conhecê-las.
Ana acredita que o brincar é a melhor forma para a criança aprender. Ela faz
referências às estagiárias que ensinam a tabuada ou a produção textual através de jogos - tudo
com material lúdico e com “jogos maravilhosos”. Acha isso importante por apresentar
aspectos que facilitam a aprendizagem de determinados conteúdos, por isso sempre procura
passá-los em forma de jogo como um método. É essa a relação que a professora faz entre o
brincar e a aprendizagem, explicitada mais uma vez quando fala sobre os jogos de bingo:
No momento que tu ta ensinando uma criança, que tu usa uma metodologia que tu
vai trabalhar, por exemplo, o bingo, né. Então, tu ta trabalhando com o bingo ali
com eles, a tabuada e aplica o bingo. Eu acho assim, que é muito, muito, muito,
muito, muito importante pra criança ali porque ela ta brincando e, ao mesmo tempo,
ela ta aprendendo e está sendo uma forma prazerosa pra ela. Porque, às vezes, você
está ensinando a tabuada pra ela e ela está assim tão, tão fechadinha que não chama
a atenção àquela metodologia que tu ta trabalhando, desenvolvendo naquela hora.
Além do bingo, a professora organiza outros jogos para trabalhar com os conteúdos.
Tomamos por exemplo uma brincadeira em que é passada para os alunos uma “caixinha de
surpresas” aonde, ao som de uma música, vão retirando papéis que se encontram dentro dela.
Nesses papéis estão escritos alguns dos temas que serão debatidos e trabalhados em aula.
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Acredito que, diante do exposto, seja oportuno buscar em Maturana e Verden-Zöller
(2004) um outro entendimento sobre o brincar:
Brincar não é uma preparação para nada, é fazer o que se faz em total aceitação,
sem considerações que neguem sua legitimidade. s, adultos, em geral não
brincamos, e freqüentemente não o fazemos quando afirmamos que brincamos com
nossos filhos. Para aprender a brincar, devemos entrar numa situação na qual não
podemos senão atentar para o presente. (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004,
p.231).
Os professores estão geralmente preocupados com o futuro das crianças, por isso
geralmente atribuem ao brincar novas e inúmeras finalidades. Os professores, então, acabam
por submeter os alunos às exigências do competir; a obter êxitos; e a viver numa luta
constante pela existência. Essas exigências interferem no desenvolvimento corporal, psíquico
e social normal das crianças como seres humanos autoconscientes, com auto-respeito e
respeito social.
Para Ana, a maior dificuldade em trabalhar com o brincar é atribuída à falta de
socialização das crianças. Algumas não aprenderam a conviver com o outro, seja por falta de
costume, por mimos ou por ser filho único. A criança quando se depara com um grande grupo
pode perceber a situação com estranhamento. Surgem os conflitos, como vemos na seguinte
citação:
Quando de frente com aquele monte de colegas ali, que ele tem que brincar e, ali
na hora, traz um problema. Aí pra mim é o pior, sabe. Isso dificulta muito o
trabalho, porque daí tu tem que fazer todo um processo de socialização daquela
criança, sabe, com o grupo ali. Pra ele ser aceito, pra ele aceitar também aquele tipo
de brincadeira e aceitar as normas das brincadeiras, porque têm crianças que, como
eu já trabalhei assim, né, que é filho único, que não sabe dividir, que não brinca,
vive naquele mundinho dentro de casa. Quando chega na sala de aula, ali são quase
trinta alunos pra brincar. É um tumulto ali e não sabe brincar. Ele não consegue,
não consegue. E chora. E se perde. Ele chora e dquem é o culpado é o professor.
Pra mim, a maior dificuldade que eu acho é isso aí. É aquela criança que não é
acostumada a brincar.
É possível perceber, pela fala da professora, que não é raro as crianças encontrar
dificuldades para participar ou interagir das brincadeiras com os seus colegas, pois foram
privadas dessas experiências ou aprenderam desde cedo a querer competir e a querer ganhar.
A competição, a posse da verdade, a certeza ideológica e tudo o que limita a aceitação
do outro, destrói ou restringe a ocorrência do fenômeno social e, portanto, também o humano,
porque destrói o processo biológico que o gera. O motivo é simples: sem o amor e sem a
aceitação do outro não fenômeno social. Contrariando essa conduta social de viver,
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podemos ter um comportamento fundado na cooperação, o qual implica confiança e
estabilidade nas relações de aceitação mútua. Penso que, mais do que nunca, devemos
devolver ao brincar o seu papel, como um aspecto central da vida humana.
Abaixo, uma passagem da fala de Ana, onde os alunos tiveram dificuldades de
relacionamento devido aos jogos de competição:
Estava jogando futebol e daí, empatava, empatava, e um coleguinha disse:- vamos
fazer nos pênaltis! Daí ta. Então bateram os pênaltis. Daí esse menininho que tava
com problema, o que aconteceu!? Só ele queria bater os pênaltis! E daí os outros? E
os outros não! - cada um vai cobrar um pênalti! E ele chorava, chorava, chorava.
Gritava, gritava. E a gente teve que fazer todo um trabalho com ele. Agora que ele
ta indo, quase final do ano, que ele ta indo mais ou menos. Mas ele não queria. Era
ele pra cobrar os pênaltis. Ai vinha outro e ele: - não! Aqui, cada um vai cobrar
um!
Geralmente vemos o brincar e o amor pelo ângulo patológico, em sua negação.
Dificilmente o vemos em sua própria normalidade. Isso pode ser corrigido em nosso viver e
em nossa formação e pela reconstituição da “Biologia do amor”.
O desenvolvimento fisiológico e psíquico inadequado da criança que cresce numa
cultura patriarcal como a nossa se revela em suas dificuldades de estabelecer relações sociais
permanentes (amor) ou na perda da confiança em si mesma, ou na perda do auto-respeito e do
respeito pelo outro, bem como no desenvolvimento de diversas classes de dificuldades
psicossomáticas em geral. A criança, ao viver assim, chegará a ser um adulto patriarcal, com o
mesmo comportamento.
Contrariando essa perspectiva, a criança ao viver na dignidade e no respeito, vive
como um ser com responsabilidade social, qualquer que seja o tipo de vida que lhe caiba no
futuro como adulto.
Nós somos dependentes do amor. Sendo assim, é imprescindível viver essa condição,
seja do ponto de vista da fisiologia como do ponto de vista das relações. Menciono a
fisiologia, pois é perceptível a sua alteração quando se interfere com o amor - patologias
surgem (neuroses, alterações psicomotoras, distúrbios da convivência) e que são corrigidas
quando restabelecido.
Quando a fisiologia da criança se distorce, surgem problemas de desenvolvimento,
problemas psicológicos e problemas de relação, que vem a configurar o seu ser social e, com
isso, sua configuração de mundo.
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4) O brincar para Alessandra
A professora Alessandra tem 33 anos. É licenciada em Educação Física e trabalha com
82
No ano de 1993, Alessandra decidiu realizar vestibular para o curso de Educação
Física na UFSM. Essa opção deve-se ao seu gosto pela dança. Na época, não havia esse curso
superior em universidades localizadas próximas à sua cidade. Hoje, a dança é a sua
especialidade.
Durante a formação acadêmica, poucas foram as atividades que problematizaram o
tema do brincar. Na disciplina de Didática o brincar foi contemplado, porém, brevemente. A
matriz curricular do curso priorizava outras disciplinas: Esportes Coletivos (I, II, III, IV),
respectivamente, futebol, basquetebol, handebol e voleibol; Ginástica e Lutas.
Na disciplina de Recreação seriam discutidos assuntos referentes às brincadeiras, mas
o professor pouco se fazia presente e, quando vinha, trazia muitos textos para os alunos lerem.
Em seguida, ele ia embora. Conseqüentemente, os alunos também não permaneciam. Este
professor não realizava avaliação e no final de semestre todos ficavam com nota dez. Essa
conduta desmotivava os alunos.
No último semestre, no Estágio Profissionalizante, era quando os acadêmicos iam
atuar frente aos alunos. Sobre isso, questiona: “que profissional que vai trabalhar com
crianças? Que profissional que vai sair”? Alessandra constata que essa é uma lacuna na
formação docente, pois o professor quando se forma não se sente preparado para atuar.
Abaixo, um recorte de sua fala:
Eu vou te ser bem sincera por experiência: tu vai adquirir conhecimento pela tua
experiência! Não adianta tu dizer que sai da universidade pronto para trabalhar com
qualquer coisa! Que tu não sabe! Tu vai ter que encarar e meter a cara e dizer: - oh,
eu sei isso e isso. Tu vai trabalhar e tu vai ver que não sabe e tu vai ter que
procurar, procurar. Tu vai ter que ir atrás.
Os relatos apresentados expressam que Alessandra teve poucas vivências com o
brincar no decorrer de sua formação, tanto escolar quanto acadêmica. Em sua trajetória, os
seus professores exerciam um papel central no processo ensino e aprendizagem. É evidente
também que, para a professora, os acadêmicos ao se formarem, não se sentem preparados para
atuar. Por esse motivo a formação contínua torna-se imprescindível para a constante
aprendizagem e atualização profissional.
Muitos foram os cursos de aperfeiçoamento que Alessandra participou e ainda
participa. Preocupa-se em dar continuidade à sua formação para que possa atender às
expectativas dos alunos e empregadores. Pelo fato de trabalhar numa escola particular o
constante aprimoramento é fundamental para manter o emprego.
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Percebe-se no decorrer da entrevista que a atual prática docente de Alessandra pode
ser justificada pelas suas inúmeras vivências de infância. Ela comenta que começou a dançar
com quatro anos de idade. Em seguida, estudou numa escola que também oferecia aulas de
dança. No entanto, no decorrer de todo curso de Educação Física, teve apenas uma disciplina
sobre o esse assunto. A professora faz referência a muitos de seus colegas que hoje são
considerados “bons profissionais” porque tiveram bons professores em suas escolas ou porque
vivenciaram determinadas atividades extra classe.
A professora atribui a maioria de seus saberes mais à própria iniciativa e/ou trajetória
pessoal ao que aprendera na universidade. Quando começou a trabalhar em escola, tinha uma
idéia bem diferente da atual. Com o passar do tempo adquiriu experiência. Durante os seus
dez anos de atuação profissional, acredita ter aprendido muito com os seus questionamentos e
com o seu envolvimento em meio às crianças.
A professora diz que se preocupa em suas aulas com a aprendizagem dos alunos. Em
sua atuação profissional, procura oportunizar às crianças diversas experiências, mais que nos
anos idos, para que sejam maiores as chances de se desenvolverem. Alessandra associa o
brincar a uma atividade realizada com prazer: “Essa coisa do prazer e do brincar mesmo”!
Para Maturana (2004) trabalhar com o brincar é viver num espaço relacional que é
sempre válido, pois estaremos acolhendo-a e aceitando-a em sua legitimidade. É uma
enriquecedora oportunidade de aprendizagem em que se ampliam as condições de reflexão e
de atuação concreta frente ao mundo, na aceitação livre de seu ser. Com outras palavras: é um
território de acontecimento da aprendizagem escolar.
Alessandra acredita ser importante as relações que as crianças estabelecem ao brincar
livremente, pois a escola é o local onde elas passam grande parte do dia e com muitos
vínculos de amizades. É, portanto, o local onde ainda podem brincar, por maiores que sejam
as exigências escolares:
Por mais que tenha a questão do aprender e a questão do estudo, as escolas, hoje em
dia, estão proporcionando mais esse brincar. Através disso, eu acho que acaba
desenvolvendo mais as crianças e o gosto por isso.
Entendo, pela referida citação, que a professora percebe que as escolas estão
preocupadas com a sistematização dos estudos. Concomitante a isso, o brincar está sendo
oportunizado com um recurso para a aprendizagem e como uma espécie de “válvula de
escape” uma ocupação sadia do tempo. Se as crianças sempre gostaram de brincar por que,
84
então, precisa-se desenvolver o “gosto por isso”? As crianças não estariam rejeitando essa
maneira de brincar?
A professora percebe que é crescente as famílias que estão dando maior importância
para o brincar na escola. Os pais dos alunos buscam matricular os filhos em instituições que
oferecem várias alternativas. Conforme a citação abaixo:
Os pais de hoje em dia são pais que brincaram e no sentido, de repente de que, os
filhos m mais que aproveitar. Que não é qualidade de ensino em termos de...
àquela coisa tecnicista. Que tem que vivenciar a brincadeira. Tanto é que hoje em
dia as escolas, principalmente as particulares, oferecem um monte de coisas por
fora: é clube de futsal, é clube de dança, é clube de judô, é clube de não sei o que!
Porque as pessoas buscam isso. Antigamente tu sabe de alguém que buscava isso?!
Observa-se que a professora faz referência aos clubes (futsal, dança, judô) como
organizações que proporcionam atividades relacionadas com o brincar. Contudo, estas
atividades não são atividades livres, mas programadas. Gostaria também de salientar que os
“pais de hoje em dia” geralmente são pais que trabalham o dia todo e, portanto, não dispõe de
muito tempo para os seus filhos. Será que estes pais realmente querem que os seus filhos
brinquem ou que eles se mantenham ocupados com alguma atividade produtiva em sua
ausência? No seguinte recorte a professora fala sobre a omissão dos pais na educação dos
filhos:
É muita empurração pra escola. A escola tem a obrigação de dar o conhecimento,
educar, brincar, oferecer a questão da tecnologia. É tudo a escola!!! E o pai e a mãe
o que fazem? Pagam uma escola, particular no caso, que oferece mais essas coisas
para o filho vir e fazer tudo e, em casa, vai pra frente do computador e ali fica.
A professora relata algumas histórias em que os pais pagam escolinhas e cursos para
que os filhos fiquem entretidos com alguma coisa em sua ausência. Quando retornam pra
casa, permanecem horas, às vezes, até a madrugada jogando no computador. Quando os pais
são questionados, dizem: - Ah! Deixa! Pelo menos ali, não está bagunçando! Os pais se
omitem e “é tudo pra cima da escola”, afirma.
Alessandra percebe que, tornou-se comum, crianças chegarem à escola com diversas
dificuldades. Isso se deve ao fato de terem sido privadas de viver relações básicas de qualquer
ser humano em família. A seguir, um recorte de uma situação em que uma aluna não brincava,
pois tinha medo:
tive casos, este ano mesmo na escola, de uma menina que dizia: - Profe, meu pai
não quer me dar uma bola porque ele não quer que eu brinque. E eu não sei pegar.
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Sentia medo! Uma menina de primeira série. eu disse: o, então a profe vai te
dar uma bola de presente. - Meu pai disse que uma bola é muito cara! Então a profe
vai te dar uma bola de presente e tu vai levar a bola pra casa pra ti brincar. A
menina não sabia nenhuma atividade que envolvesse bola. Ela tinha medo! Ela não
conseguia quicar a bola. Um quique pra ela era... ela nunca brincava!
Um primeiro aspecto a ser destacado nessa passagem é o relato da professora que
enfatiza a história de uma criança que tinha medo de brincar com uma bola, pois ela não
brincava em casa com os seus pais. Tampouco, possuía uma bola para brincar e, por isso, foi
presenteada com uma bola pela professora.
É como a criança vive no âmbito da criação de coordenações de ações com suas mães
(ou quem a substitua) que vai definir a sua maturidade de consciência como ser humano.
Maturana (2004) constatou em seus estudos que, em determinados grupos de convivência, a
maneira de brincar entre pais e filhos se mantêm posteriormente nos lares, estendendo-se
também aos irmãos. Isso nos leva a crer que, uma criança em seu desenvolvimento,
necessariamente chegará a ser o que a sua história de interações permitir e de como ela
transforma a sua corporeidade nessas interações. Caso isso não ocorra, acontece um
desencontro emocional:
Se esse desencontro emocional se transforma num modo de viver entre os adultos,
o crescimento na incongruência corporal que acontece entre eles conduz a uma
contínua redução de seus domínios de mútua aceitação em coordenações
consensuais de ações e emoções. O resultado eventual é o sofrimento pela negação
mútua recorrente e, no limite, a solidão emocional. A única cura para tal sofrimento
é a entrada num espaço de mútua aceitação, o que não pode acontecer a menos que
esses adultos tenham aprendido a fazê-lo enquanto cresciam em relações de
brincadeira com suas mães (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 150).
As mães ensinam espontaneamente, sem saber que o fazem. Os filhos aprendem com
elas o emocionar de sua cultura, na inocência de um coexistir não-refletido. E o fazem
simplesmente convivendo. Uma vez que crescemos como membros de uma dada cultura, tudo
nela nos parece tão adequado e evidente. No entanto, o amar e o brincar foram desdenhados
como uma característica fundamental generativa na vida humana integral. Maturana (2004),
afirma que ao se interferir na relação de total confiança e aceitação entre mãe-filho, destrói-se
a relação materno-infantil matrística, produzindo uma dificuldade na criança em crescimento
e por fim no adulto, pois:
Crianças e adultos permanecem na busca infinda de uma relação de aceitação
mútua que não aprenderam a reconhecer, nem a viver nem a conservar quando ela
lhes acontece. Como resultado disso, crianças e adultos continuam a fracassar
sempre em suas relações, na dinâmica patriarcal das exigências e da busca do
86
controle mútuo, que nega precisamente o mútuo respeito e a aceitação que eles
desejam (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 81- 82).
Um segundo aspecto que venho a destacar no relato de Alessandra é a existência de
uma criança que não consegue manusear uma bola ao brincar. Assim sendo, no começo de
cada ano letivo, a professora faz um trabalho de base para que as crianças aprendam certas
habilidades motoras. Vejamos, na seguinte fala, um exemplo da maneira como a professora
geralmente procede no início de cada ano letivo:
De pré a primeira série eu sempre começo bem do zero. Eles aprendem a manusear
a bola. Eu começo com as bolas pequenas e vou aumentando. Quando chegarem no
quarto bimestre eles começam vivenciar com as bolas de basquete. Eu me preocupo
com essa questão da motricidade: fina e da ampla. Eu tento sempre trabalhar. Eles
vão trabalhando esse pouquinho pra ir desenvolvendo porque quando eles
chegarem na quarta série eles m que optar por um esporte na escola. Do pré a
terceira eles terão todas as atividades de recreação comigo e, através da brincadeira,
vou introduzindo os esportes. O conhecimento das bolas, tudo isso. Porque chega
no quarto, eles optam ou por vôlei, ou por futsal ou por dança. Eles m que ter um
conhecimento de tudo.
A fala da professora evidencia que, desde cedo, as crianças precisam se adaptar às
normas burocráticas da escola bem como, adquirir determinadas capacidades e habilidades.
Os grupos com os quais trabalha são muito heterogêneos em relação às habilidades motoras:
há crianças habilidosas, por já terem maiores vivências; também àquelas que nunca
vivenciaram e, por isso, encontram maiores dificuldades. Enquanto a professora acompanha
as primeiras, tenta fazer as últimas participar.
Por exigência da própria matriz curricular da escola, o brincar é direcionado ao
desenvolvimento da motricidade e à iniciação desportiva. No decorrer das aulas, ao
competirem nas práticas desportivas, torna-se comum surgir constantes conflitos entre os
alunos, pois sempre querem ganhar. “Eles não sabem brincar por brincar”, afirma Alessandra.
A competição entre os alunos é bastante gritante e é atribuída a responsabilidade aos pais e
não ao esporte em si, como descreve logo abaixo:
Eles não aprenderam ainda a não competir. Tu assim, até nas atividades com os
pais, nos dias dos pais, tu vê que o reflexo do filho é o reflexo do pai. Tu vê aqueles
pais que ficam brigando no dia da festa dos pais porque a fila está maior. Porque o
pai do fulano não picou a bola. Então, tu esse reflexo. Eles trazem isso de casa,
sabe. Não chega a ser uma dificuldade, mas é uma coisa que eu acho que não é
importante nessa fase, entende? Eu acho que o importante deles é eles aprenderem a
trabalhar em conjunto, a se socializarem, aprender a ajudar o próximo. Eu acho que
a principal coisa é o aspecto da competição e eles não aceitam porque eles acham
que estão sempre competindo. Eles não aceitam que um colega tenha mais
dificuldade que o outro, por exemplo: se tu por numa turma o Alessandro, o
Alexandre e o fulaninho que não é legal com a bola. Daí o Alessandro e o
87
Alexandre vão e: - ah professora! Mas tu botou esse guri! Eles não m ainda
essa coisa do companheirismo, sabe! Não generalizando! É claro que m aqueles
que não são assim. Essa coisa da competição, daquele que não faz tão bem quanto o
outro.
Pela fala mencionada, parece que a competição é algo “natural” do ser humano.
Particularmente, acredito que o percurso “natural” seja o da cooperação, onde o respeito por si
mesmo e pelo outro não surgiriam no controle e na exigência, mas na intimidade do encontro
corporal, numa relação de total confiança e aceitação mútua. A origem disso se daria na
relação materna-infantil ao ser vivida no brincar, o que vem a descortinar o entendimento da
vida matrística da infância à vida adulta. Para melhor explicitar sobre o que estou falando,
seguem dois exemplos citados por Maturana e Varela (1987).
O primeiro exemplo é o de um filhote de carneiro quando afastado de sua mãe nas
primeiras horas de seu nascimento. Este ser vivo, apesar de se desenvolver de maneira
normal, aparentemente, acaba por não participar das interações com outros filhotes. Por não
saber e não ter aprendido a brincar, como na brincadeira de dar cabeçadas uns nos outros,
permanecendo separado e solitário. O seu sistema nervoso torna-se diferente dos demais como
resultado da privação passageira da mãe. A explicação para isso se deve ao fato que, durante
as primeiras horas após o nascimento dos carneiros, a mãe os lambe continuamente, passando
a língua por todo o seu corpo. Ao separar o filhote de sua mãe, está se impedindo essa
interação e tudo o que acarreta em termos de estímulo tátil-visual e, provavelmente de
contatos químicos de vários tipos. Isso demonstra como essas interações são decisivas para a
transformação estrutural do sistema nervoso, e suas conseqüências vão além do simples
lamber. O mesmo ocorre com nós, seres humanos.
O segundo exemplo é o episódio ocorrido no ano de 1922 na aldeia Bengali,
localizada ao norte da Índia. Trata-se da história de duas meninas, uma de cinco e outra de
oito anos, que foram criadas por lobos e sem o menor contato com as pessoas. Elas não
sabiam andar sobre os pés, não falavam e seus rostos eram inexpressivos. Comiam carne crua,
tinham hábitos noturnos, repeliam o contato humano e preferiam a companhia de cachorros e
lobos. Apresentavam-se saudáveis e sem nenhuma debilidade mental ou desnutrição. Mas a
separação da família lupina causou-lhes uma profunda depressão, sendo que a mais jovem
morreu.
A menina mais velha viveu por mais dez anos e acabou por mudar os seus hábitos
alimentares e seus ciclos de atividades. Aprendeu a caminhar sobre os dois pés, embora em
casos de urgência o fizesse de quatro. Conhecia algumas palavras, mas nunca chegou a falar.
88
A constituição genética, anatomia e fisiologia eram
89
Eu acho que tu bem o aluno quando ele é bem desenvolvido nesse sentido, da
aprendizagem física e da aprendizagem dentro da sala de aula. Eu acho que a gente
tem como ajudar porque eles gostam muito da atividade física.
É possível perceber pela fala a visão dualista do sujeito, que separa corpo e mente.
uma representação da sala de aula como um local onde são trabalhados apenas os conteúdos
curriculares. Da mesma maneira, quando uma criança brinca no pátio, na quadra ou no
parquinho - é freqüente o entendimento de que, naquele instante, está ocorrendo somente
aprendizagem física. Nesta perspectiva, o brincar contribuiria no desenvolvimento do aluno,
numa perspectiva voltada à saúde e à cognição.
Alessandra acredita que o professor pode contribuir no aspecto emocional dos alunos,
afinal, eles gostam de brincar livremente. Ela afirma que trabalha dessa maneira:
A gente trabalha muito com o emocional, porque a gente convive mais com a
criança quando ela está mais livre, quando ela está desinibida, do que dentro da sala
de aula. A gente pode ajudar nesse sentido. Porque tu trabalhando com a criança,
fazendo com que ela tenha confiança em ti, que tenha afinidade, tu pode de alguma
forma ajudar no caminho dentro da sala de aula.
Aqui podemos constatar duas coisas: 1) que a criança sai de um modo de disciplina
corporal e acaba ingressando em outro; 2) que é na liberdade do brincar que a criança tem a
oportunidade em expressar as suas emoções. Vou dar mais ênfase ao segundo aspecto por
acreditar que, uma vez proporcionado esse espaço, isso se refletirá em qualquer âmbito que a
criança esteja vivendo, seja dentro ou fora da sala de aula. Seja dentro ou fora da escola.
Pode-se dizer que por toda a vida.
O curso que seguimos em nossa trajetória e na própria história da humanidade é o
caminho do emocionar. Para Maturana (2004) São as emoções que constituem os distintos
domínios de ões que vivemos nas diferentes conversações em que aparecem os recursos, as
necessidades ou as possibilidades. Os mundos que construímos com o viver e o modo como
vivemos são sempre o nosso fazer, ou seja, é de nossa total responsabilidade. A nossa
biologia, o nosso pensar, as nossas crenças, o nosso modo de nos relacionarmos com os
outros. Tudo isso é um mundo gerado através do amor em nossas relações com os outros.
Esse é o fundamento biológico do fenômeno social: o amor. Definido como a principal
emoção do humano. Sem amor não socialização e, sem socialização, não humanidade.
Readquirir a capacidade do amar e do brincar é fundamental para aceitar o outro como um ser
legítimo na convivência. Podemos viver nosso cotidiano como um contínuo amar e brincar,
90
com “tempo disponível para contemplar a vida e viver o seu mundo sem urgência”
(MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 40-41).
5) O brincar para Rê
A professora tem 36 anos. É licenciada em Educação Física pela UFSM e trabalha
com as séries iniciais do ensino fundamental numa escola particular de Santa Maria/RS.
Quando criança viveu no interior de Colorado/RS e diz que a sua infância foi feliz e divertida
por ter brincado bastante na rua junto a primos, a amigos e a outros cinco irmãos. atribui
àquelas experiências que teve quando criança a muitas das suas atuais práticas docentes.
Igual a toda criança, gostava muito de brincar. Independente do local fosse a casa ou
na escola. Muitas das brincadeiras que aprendia em casa, com irmãos e amigos, ensinava aos
colegas da escola para que pudessem vivenciá-las no intervalo do recreio. A recíproca
também é verdadeira. Aquilo que aprendia na escola era ensinado aos irmãos e amigos para
brincar na rua. As brincadeiras eram compartilhadas entre as crianças, o que vinha a
possibilitar saber uma diversidade delas, sendo as mais presentes: a amarelinha, as rodas
cantadas, o caçador, as Cinco Marias, jogos com bolas e tantas outras por elas criadas.
Segundo Maturana e Rezepka (2002) quando uma criança se desenvolve num espaço humano
de convivência social desejável ela torna-se capaz de ser co-criadora com outros,
contribuindo, assim, para a sua formação humana.
O passar do tempo não permitiu que as brincadeiras fossem esquecidas. Muito pelo
contrário. Foram decisivas no momento da escolha da profissão. Inclusive, a professora diz ter
optado por cursar Educação Física devido ao seu “espírito de brincadeira”. Quando ingressou
na universidade, pensava em trabalhar com as crianças e achava importante desenvolver o
aspecto da “recreação”.
Durante a sua formação acadêmica da professora foram discutidas algumas questões
sobre o brincar nas disciplinas Recreação I, Recreação II e Recreação III. A professora
comenta que era uma “parte mais teórica” e por isso não lhe chamava tanto a atenção.
Comenta que no curso tinha muita teoria e poucas práticas. Foi na disciplina de Didática que
teve alguns momentos para organizar oficinas de brincadeiras, onde aprendia a dar
cambalhotas, a criar joguinhos, formar rodas, etc. Situações que foram muito importantes em
sua formação para, posteriormente, trabalhar em suas aulas.
91
Logo após a realização do estágio profissionalizante, foi contratada pela escola
onde realizou o estágio e ali permanece quinze anos. Iniciou na escola como técnica da
equipe de representatividade, sendo a sua principal função ser treinadora de goleiros de
handebol. Esse ofício não a realizava. Segue um trecho de sua fala:
Isso me frustrava porque não era o que eu realmente queria. Daí, logo eu consegui
uma turma de pequenos pra dar aula. Ali eu me achei mais. Eu via assim, a
necessidade que eles tinham de brincar (...)! Pra turma se integrar! Ser mais
amigos! Precisavam dessas brincadeiras.
O brincar é percebido pela professora como uma necessidade da criança e algo
importante para a integração e conquista de novos amigos. Neste sentido, acredito que a
principal propósito da Educação não seja o de preparar cidadãos úteis e responsáveis; estes
aspectos devem resultar do crescer da criança no respeito por si mesma e pelos outros e com
consciência individual e social (MATURANA; REZEPKA, 2002).
A professora veio a trocar de turma e função na escola, sendo-lhe conferida a
responsabilidade aos “pequenos”, ou seja, às turmas das ries inicias. Percebeu, assim, que
deveria se aprofundar sobre assuntos referentes ao universo infantil. Para tanto, a professora
começou a participar de cursos de capacitação, a fazer novas leituras e a selecionar
brincadeiras que pudessem estimular o interesse das crianças em participar das aulas. Algo
que vem fazendo até então.
Um dos poucos lugares, senão o único, que as crianças têm a chance de brincar é a
própria escola. Nesse sentido, a professora percebe que os professores de Educação Física são
privilegiados, pois são eles quem mais brincam com os alunos. Então, muitos deles se
entusiasmam quando é chegada a hora de suas aulas. Sempre tem aqueles que agem com
indiferença, mas procura motivá-los com novidades para que se interessem e participem.
Algumas das brincadeiras organizadas pela professora são de praxe: o caçador, a queimada e
o “coelhinho sai da toca”.
No atual contexto, muitos dos alunos de não têm a oportunidade de brincar além
dos muros escolares pelos mais diversos motivos. A base dessa maneira de pensar e agir está
centrada na produção, típica da cultura ocidental na qual vivemos. Aprendemos a nos orientar
para a produção em tudo o que fazemos, como se isso fosse algo natural. Não confiamos nos
processos naturais que nos constituem e nos quais estamos imersos como condição de nossa
existência. O resultado é que, em geral, enquanto interagimos com as outras pessoas, no caso,
92
as crianças, nossa atenção está voltada mais para além da interação, ou seja, para as
conseqüências que esperamos (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004).
A professora comenta que os alunos brincam pouco ao ar livre e muito com o
computador e com o vídeo game. Sobre as “tecnologias das realidades virtuais” Maturana e
Rezepka (2002) questionam se elas ajudarão o ser humano a se conservar ou a desaparecer. O
que acontecerá com a identidade de cada ser? A identidade do ser humano é relacional e
sistêmica. Surge, constitui-se e conserva-se numa dinâmica relacional na qual conservam-se,
dinamicamente entrelaçadas, a sua estrutura e as circunstâncias que a tornam possível. Mas
não é qualquer estrutura que permite a realização e a conservação de qualquer identidade.
Essas perguntas são de extrema relevância na tentativa de assumir a responsabilidade do uso
da tecnologia no devir e conservação do humano, sem romper a sua intimidade e sem deixar
de viver e conservar a “biologia do amor”, que nos constitui e nos realiza como seres
humanos no decorrer de nossas vidas.
Na escola da professora não faltam materiais didáticos para desenvolver as aulas.
Ela procura desenvolver atividades em “circuitos” utilizando aros, cordas e colchões, onde as
crianças são desafiadas a passar por obstáculos. A seguir, um trecho do relato de onde
descreve uma de suas aulas:
Se tu colocar material didático e algumas coisas pra eles aprenderem, eles
aprendem a ter coordenação. Se eu colocar uns aros ali, brincando, vamos pular
amarelinha, saltar com um pé ali, desenvolve a coordenação e é uma brincadeira.
Eu acho que o que mais chama a atenção é o material e até as regras da brincadeira.
Pequenas brincadeiras assim, tendo regras, eles ocupam regras, espaços até em sala
de aula depois eles vão ocupar - espaço, lateralidade.
Pela fala da professora, percebe-se que a presença de recursos materiais é
imprescindível para o bom andamento das aulas e que estas estão relacionadas à
aprendizagem de regras e à aquisição/desenvolvimento de habilidades motoras.
A professora procura valorizar as brincadeiras que as crianças trazem para as suas
aulas. A partir das explicações dadas pelos alunos organiza a atividade. Ao proceder dessa
forma um aprende com o outro. Os professores ao criarem condições para que as crianças se
movam num espaço de relações humanas, pautado na capacidade de reflexão e estruturação
de suas próprias idéias, acaba por estabelecer relações de significado próprio. Além de
instigar a imaginação e de ampliar a relação com o mundo através da sua corporalidade.
Em relação a corporalidade, Maturana (2002, p. 41) afirma que é comum em nossa
cultura separar corpo e alma, como se fossem entes em oposição. No entanto, “a biologia do
93
amor mostra que o ser vivo é uma unidade dinâmica do ser e do fazer”. Com esse
entendimento, criam-se aproximações infinitas, que tornam possível a formação humana na
educação. A corporalidade está configurada num âmbito cultural vivido em coordenação de
fazeres e emoções (conversações) na mútua aceitação. Isso ocorre à medida que a criança
cresce na estreita intimidade do encontro corporal, em confiança e total aceitação com a sua
mãe ou demais adultos e crianças com as quais convive (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER,
2004).
A professora salienta que se torna difícil a aceitação, pela parte da criança, em
participar das brincadeiras, à medida que ela vai ficando mais velha. Essa dificuldade, em não
querer se envolver com as atividades organizadas pela professora, é atribuída ao grande
apreço das crianças ao esporte, que recebe influência da mídia. Conforme na citação:
Os pequenos eles aceitam mais. Os da pré-escola até a segunda aceitam mais.
Terceira e quarta eles gostam muito de bola, atividade com bola, brincadeira com
bola. Eles gostam de pegar, jogar e chutar porque a mídia mostra muito esporte.
Então, eles já querem! Pegam a bola de vôlei e querem vôlei. Pegam uma bola de
basquete e vão procurar a cesta, sabe?! Os maiores, terceira série, entendem
mais de esporte. Os pequenos não. Se não traz nenhum material e vou fazer tal
brincadeira eles aceitam mais.
Para Maturana (2004, p. 83) existe um conflito básico em nossa cultura patriarcal
européia, na luta entre o matrístico e o patrístico que a originou. “Ainda vivemos de modo
extremo na transição da infância à vida adulta”. Os meninos tornam-se competitivos e
autoritários, as meninas, serviçais e submissas, conforme na seguinte citação do autor:
Os meninos vivem uma vida de contínuas exigências, que negam a aceitação e o
respeito pelo outro, próprios de sua infância. As meninas vivem uma vida que as
pressiona continuamente para que mergulhem na submissão, que nega o auto-
respeito e a dignidade pessoal que adquiriram na infância.
Geralmente os “pequenos” aceitam com maior facilidade as brincadeiras que são
propostas pela professora. Mas, ao passarem de uma séria à outra, vão deixando de lado as
brincadeiras e começam a adquirir o gosto pela prática de esportes sob influência dos meios
de comunicação. Sobre o esse assunto, mais uma de suas falas:
Aqui no colégio as crianças gostam muito. Não os pequenos. Os grandes
também. Eles gostam muito de esporte. Não competitivo, sabe?! Eles gostam dessa
hora de lazer, de descontração. Eles vão lá e encontram os colegas. Tem um contato
mais perto isso que é importante.
94
Nessa fala, o brincar seria um momento destinado ao encontro de alunos para o lazer e
para a descontração. O brincar estaria também relacionado aos esportes cooperativos, quando
dito “não competitivo”. Os esportes cooperativos são jogos ressignificados que procuram
alterar as regras, com o intuito de possibilitar aos alunos brincar com o outro e não contra o
outro.
A tarefa educacional é uma criação do mundo com o outro, com a circunstância de que
nós, professores, somos a principal referência para tal criação, e de que o mundo que nossos
alunos criam em seu viver sempre surgirá conosco, embora nos pareça alheio (MATURANA;
REZEPKA, 2002).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo o conhecimento provisório, minhas conclusões também são provisórias. Esse
estudo não é definitivo. Pelo contrário, está aberto a contínuas investigações e a novas
perspectivas. Pretendo, portanto, retomar de maneira breve as principais discussões que foram
manifestadas no decorrer do capítulo anterior para concluir o presente trabalho.
No decorrer dessa pesquisa, as professoras relataram sobre as brincadeiras vivenciadas
na infância. Foi possível constatar que elas se lembram com facilidade daquelas brincadeiras
realizadas na rua, nos pátios, na casa de seus pais ou avós. No entanto, é menos freqüente a
recordação das brincadeiras realizadas na escola. Posso concluir disso, que as brincadeiras
extra-escolares foram as mais significativas na vida das professoras.
Foi possível perceber, no decorrer de toda a pesquisa, que muitas das experiências
profissionais docentes o além da formação escolar e/ou acadêmica, pois outros espaços
de significado particular, os quais foram importantes nas suas trajetórias, o que influencia
diretamente suas atuais práticas pedagógicas.
Pelas falas das professoras, percebe-se que na época em que cursaram as licenciaturas,
poucas foram as disciplinas, da matriz curricular, que problematizaram ou oportunizaram
experiências em relação ao brincar. A maioria das disciplinas era direcionada à aprendizagem
técnica do tema desta dissertação: o brincar.
Quando o brincar se fazia presente, era geralmente apresentado e discutido como um
recurso pedagógico. Neste sentido, concluo que, no que diz respeito à formação docente, a
iniciativa das professoras sempre foi um fator importante para a sua própria
autoaprendizagem e autoformação. Talvez, até mais que a formação inicial.
O brincar vem sendo entendido pelas professoras como um recurso, um método ou
uma estratégia pedagógica para se obter um determinado fim. O brincar seria um meio e não
um fim em si mesmo. Nesse sentido, o brincar tem a função de disciplinar e orientar os alunos
para a aprendizagem de alguma coisa, a exemplo do letramento, socialização, integração ou
recreação. Ainda, o brincar teria a função de amenizar a dureza na aprendizagem dos
conteúdos ou ocupar o tempo de forma “saudável”.
Quero ressaltar que esta pesquisa não teve como objetivo fazer um estudo
comparativo, entre as representações sobre o brincar manifestadas pelas professoras de
Pedagogia e de Educação Física. Contudo, algumas questões ficaram evidentes nas
entrevistas. Como por exemplo:
96
Quando as pedagogas falavam sobre o brincar, geralmente se referiam aos jogos
didáticos, realizados em sala de aula;
as professoras de Educação Física quando se referiam ao brincar, associavam-no
geralmente aos esportes realizados no pátio e na quadra ou a atividades físicas.
Para as professoras de Pedagogia o brincar foi destacado como um sinônimo de
elaboração de jogos para a aprendizagem de matemática, alfabetização, etc. Uma das
maneiras que o professor tem para instigar o aluno a aprender aos objetivos propostos. Já para
as professoras de Educação Física o brincar é entendido como um meio para as crianças
adquirir/aperfeiçoar habilidades motoras (lateralidade, equilíbrio, coordenação) ou para a
aprendizagem dos esportes. Isso nos leva a crer que o brincar sempre tem que ter um objetivo
por trás.
Por mais que as entrevistadas venham a criticar o aspecto da competição presente nas
aulas e a ênfase dada à cognição, percebo que uma grande dificuldade para a mudança de
entendimento sobre o brincar, uma vez que se formaram nessa perspectiva. Isso dificulta que
elas percebam o brincar como um “fundamento do humano”, como defende Maturana e que
foi referência nesta pesquisa.
Pode-se perguntar, portanto: se as professoras de Pedagogia se preocupam na
aprendizagem do letramento e as professoras de Educação Física se preocupam com a
aquisição de habilidades motoras ou aprendizagem dos esportes, então, quando e quem vai
brincar livremente com as crianças?! Isso nos leva a pensar que reconhecer o brincar em sua
legitimidade educativa e, conseqüentemente, mudar a conduta docente não é algo fácil. Pelo
contrário – é um desafio.
Acredito que é possível estabelecer diálogos entre as diferentes áreas do
conhecimento. Como seres vivos integrantes do ambiente, podemos optar por uma terceira via
de acesso em nossas decisões, sem ter que ser aquelas apresentadas. No caso do brincar: a
psicologia ou a psicomotricidade. Isso implica pensar, permanentemente, a formação daquele
profissional que atua na escola para que se recuperem duas dimensões importantes do devir
humano: o amar e o brincar. Ao viver estas duas dimensões no cotidiano, as crianças não
precisariam ter que aprendê-las ou os professores teriam de ensiná-las de maneira especial,
pois seriam vividos a partir da convivência, sem serem retomadas nos momentos de sua
negação. A imagem da escola como um local de obrigação ou dever seria substituída por uma
escola de todos, especialmente das crianças.
97
A mudança de compreensão sobre o brincar pode contribuir para inverter a gica
utilitarista e competitiva do processo educativo. Esta pesquisa ao se apoiar nas contribuições
de Humberto Maturana nos mostra que se faz necessário pensar com as crianças formas e
maneiras de convivência, onde sejam incentivadas a crescerem integradas à sociedade, como
seus membros e não apenas submetidas a ela. Criar-se-iam, assim, espaços de atuação
pautadas na responsabilidade e liberdade na comunidade que pertencem. Com isto, estaríamos
contribuindo para a vivência de valores e não apenas na sua aceitação e/ou aprendizagem.
Através das entrevistas, ficou evidenciado, que as professoras percebem que os alunos
estão brincando menos fora da escola e mais dentro dela. Infelizmente, as brincadeiras
tornaram-se individualizadas e utilitaristas. Acredito que isso possa ser revertido à medida que
estivermos dispostos a refletir sobre a nossa formação e querer colocá-la explicitamente em
constante diálogo com as outras áreas do conhecimento.
O contexto escolar possui um potencial de experiências insubstituíveis, capaz de criar
espaços relacionais de aprendizagem. Esta é a fundamentação que uso para destacar o
emocionar como uma possibilidade de aprendizagem humana e a valorização do amar e do
brincar como um princípio educativo para a construção do conhecimento. Com essa
compreensão, entendo que o amar e o brincar é um processo contínuo que dura toda a vida,
viabilizando a coexistência pacífica entre os diferentes. Por isso as atividades realizadas pelos
professores devem ter o mínimo de regras possíveis e a máxima liberdade de expressão.
Sob a ótica da biologia do amor, os currículos dos cursos de licenciatura poderiam ser
reestruturados e abrir espaço para a discussão desse tema, no sentido de buscar sensibilizar os
professores em sua formação, mobilizando a emoção para uma formação humana mais
solidária e para um modo de vida centrado numa relação de aceitação mútua, de confiança e
de compartilhamento.
A biologia do amor traduz a dinâmica relacional constitutiva do humano, que se
expressa na aceitação do outro no seu legítimo outro. O que implica em querer educar
integrando o sentir, o pensar e o agir; razão e emoção, enfim, a tentativa em querer resgatar a
“multidimensionalidade” do ser. Para alcançar esse objetivo, é necessário criar um espaço
acolhedor e amoroso, não competitivo, onde se corrija o fazer em contínuo diálogo com o ser.
Para se implementar o ensino na Biologia do Amor, deve-se dar maior atenção à
formação humana na formação de professores e ampliar e aprofundar a sua capacitação na
atividade e reflexão que ensinam (MATURANA, 2002).
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APÊNDICES
APÊNDICE A – Algumas questões orientadoras da pesquisa
1. Quais foram as brincadeiras que você vivenciou na infância (na escola, em casa, com
os amigos, na rua...)?
2. Relate como você percebia o brincar antes de ingressar na universidade (ensino
fundamental, ensino médio ou magistério).
3. Durante a sua formação acadêmica, como percebia o brincar?
4. Você teve disciplinas (ou não) que abordavam questões referentes ao brincar e
questões referentes à infância? Em que momentos isso ocorreu em sua formação?
5. Descreva como desenvolvia as brincadeiras com as crianças no início de sua carreira.
6. Hoje, como você percebe as brincadeiras na infância?
7. Que atividades desenvolve com as crianças?
8. Descreva algumas das brincadeiras que a professora percebe que os alunos vivenciam
dentro e fora da escola.
9. Como a professora vê e sente o brincar em relação a seus alunos?
10. Qual a relação existente do brincar com o aprendizado?
11. Você utiliza algum tipo de recurso ou estratégia para brincar com seus alunos? Quais?
12. Quais aspectos facilitam ou dificultam de trabalhar com o brincar nas aulas?
13. A professora participou, participa ou tem interesse sobre alguma capacitação que
aborde a questão do brincar?
APÊNDICE B – Roteiro utilizado para a entrevista com as colaboradoras
1ª ETAPA
A INFANCIA E A VIDA EM FAMÍLIA
Primeiras experiências do brincar
Cultura do ambienta familiar em relação
ao
brincar
2ª ETAPA
OS PROCESSOS DE
APRENDIZAGEM PELO
ESCOLARIZAÇÃO
Experiências na Educação
Infantil e no Ensino
Fundamental
Experiências no Ensino
Médio
Formação Inicial –
Formação Acadêmica
3ª ETAPA
A
PRÁTICA
ATUAL
Contexto
de
inserção do
brincar
Sentimento
em relação
à profissão
Desafios
encontrados
Situações
marcantes
(positivas e
negativas)
Ações
práticas
A
Formação
Continuada
APÊNDICE C – Carta de apresentação
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA - UFSM
CENTRO DE EDUCAÇÃO – CE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - PPGE
CARTA DE APRESENTAÇÃO
Eu, Alexandre Paulo Loro, aluno do curso de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Santa Maria UFSM sob o nº. 2660373 e residente no endereço: CEU III, Ap
5114, Bairro Camobi, Santa Maria RS, venho através desta, solicitar uma entrevista com
professor(a) de vossa escola, com objetivos de pesquisa acadêmica do trabalho intitulado:
“REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE O BRINCAR: Uma pesquisa com
professores”, de autoria de Alexandre Paulo Loro e sob a orientação do Prof. Valdo Barcelos.
Asseguro esclarecer sobre os procedimentos e desenvolvimento da entrevista, bem como, do
projeto de pesquisa e fico a disposição para eventuais dúvidas.
Tel. (55) 9155 7035
Santa Maria, setembro de 2007.
______________________________
Pesquisador
111
Endereço residencial: CEU III
Ap 5114
Bairro Camobi
Santa Maria – RS.
Telefone: (55) 9155-7035
Instituição: Universidade Federal de Santa Maria - UFSM
Sendo esta a forma legítima e eficaz que representa legalmente os nossos interesses, assinam
o presente documento em 02 (duas) vias de igual teor e para um só efeito.
Santa Maria, ....... de ...................... de 2007.
____________________________________
Nome do cedente
CPF
_____________________________________
Pesquisador
CPF
*As informações que constam nesse termo de cessão estão de acordo com o manual indicado pelo Comitê de
Ética da UFSM para elaboração desse documento: BRASIL, Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde.
Comissão Nacional de Ética e Pesquisa. Manual operacional para comitês de ética em pesquisa. 4 ed. Brasília:
Editora do Ministério da Saúde, 2006.
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