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M
ARIANGELA
A
LICE
P
IERUCCINI
S
OUZA
A
MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA
E A CONSTRUÇÃO DE TERRITORIALIDADES RURAIS
NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
PR
(1960-2007)
Florianópolis
2007
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Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-graduação em Geografia
M
ARIANGELA
A
LICE
P
IERUCCINI
S
OUZA
A MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA
E A CONSTRUÇAO DAS TERRITORIALIDADES RURAIS
NO MUNICÍPIO DE CASCAVEL – PR
1960-2007
Orientadora: Prof
a.
Dr
a
. Walquíria Krüger Corrêa
TESE DE DOUTORADO
Área de Concentração: Desenvolvimento Regional e Urbano
Florianópolis/SC, novembro de 2007
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A MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA
E A CONSTRUÇAO DAS TERRITORIALIDADES RURAIS
NO MUNICÍPIO DE CASCAVEL – PR
1960-2007
M
ARIANGELA
A
LICE
P
IERUCCINI
S
OUZA
C
OORDENADOR
:
C
ARLOS
J
OSÉ
E
SPÍNDOLA
Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em
Geografia, área de concentração em Desenvolvimento
Regional e Urbano, do Centro de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina,
em cumprimento aos requisitos necessários à
obtenção do grau acadêmico de Doutor em
Geografia.
Presidente: _____________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Walquíria Krüger Corrêa (orientadora – UFSC)
Membro: _______________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Júlia Guivant (membro – UFSC)
Membro: _______________________________________________
Prof. Dr. César De David (membro – UFSM)
Membro: _______________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Lucia Helena de Oliveira Gerardi (membro – Unesp)
Membro: _______________________________________________
Prof.Dr. Luiz Gonçalves Cunha (membro - UEPG)
Florianópolis-SC, 29 de novembro de 2007.
Ao meu avô Girardo Antonio Scanagatta
(in memorian), exemplo de luta e coragem
do colono da região Sul do Brasil. Todo o meu
respeito, carinho, admiração e saudade...
A
GRADECIMENTOS
Muitos foram os auxílios para esta caminhada. A construção desta tese não foi algo
solitário, pois tive a felicidade da partilha e da compreensão. O saber é fruto de
colaboração. Assim, sinceramente agradeço:
à Profa Dra. Walquíria Krüger Corrêa, muito mais do que orientadora, mãe de tese
querida” conselheira e companheira nessa árdua tarefa. Sua generosidade e
serenidade permitiram que fossem suavizadas muitas das angústias da tese, pois
não existe verdadeira inteligência sem bondade. O suporte para a elaboração da
pesquisa, sem, contudo, determiná-la, foi importante para meu crescimento
acadêmico. Os momentos de convívio permitiram o apenas o aprendizado da
tese, mas, fundamentalmente, uma reflexão sobre o que de fato é essencial em
nossas vidas. Como menciona Antoine de Saint-Exupéry, somente se bem com o
coração;
ao geógrafo, Prof. Dr. Dalton Áureo Moro (in memorian) orientador de minha
dissertação de Mestrado na Universidade Estadual de Marine incentivador dessa
caminhada. Sua sabedoria e respeito para com a Geografia foram imprescindíveis
para minha luta e minhas escolhas;
ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFSC, aos coordenadores
Professor Norberto Olmiro Horn e Professor Carlos JoEspíndola e à secretária
Marli. As respostas prontas, solícitas foram fundamentais em inúmeros momentos
dessa caminhada;
aos professores do Programa de Pós Graduação em Geografia da UFSC, em
especial os Professores Luis Fernando Scheibe e Leila Christina Dias, pela
condução dos trabalhos desenvolvidos. Agradeço o aprendizado;
aos produtores rurais, importância maior desse trabalho, agradeço a disponibilidade
e a atenção dispensadas em todas as entrevistas realizadas. Em especial, agradeço
ao Sr. Odilo e Sra. Nilva Griza, ao Sr. Lino Destro, Jair e Nice Nunes e ao Sr. Walter
Dalgallo pelo socorro amigo no momento do “atoleiro”;
às lideranças locais, sindicatos, cooperativa, associação de produtores, Câmara
Municipal, pela presteza e orientações prestadas. Em especial ao Sr, Shiguero, ex-
chefe do Incra/Cascavel, pela atenção e excelentes aulas sobre a questão fundiária
no Oeste do Paraná;
aos técnicos da Emater e em especial ao Celso, pelo trecho compartilhado e
solicitude nos momentos necessários; à Secretaria Municipal de Agricultura, em
especial à Priscila pela constante presteza; à Jovir pela atenção e pronta
disponibilidade em discutir os dados e informações da agricultura e pecuária do
município de Cascavel. Ao Sr. Usías, chefe regional do IBGE, pela presteza
constante;
aos colegas da turma de 2004, em especial aos colegas Jairo e Adriana, Erica,
Adilar e Irani, com quem pude compartilhar as alegrias e dores na construção desse
trabalho;
aos colegas e acadêmicos do Curso de Economia da Universidade Estadual do
Oeste do ParaUNIOESTE campus de Cascavel e à Sonia Lemanski Pró-
Reitoria de Pesquisa e Pós Gradução pelos esclarecimentos e apoio; Especialmente
ao Professor Ronaldo Bulhões, pela leitura atenta e indispensável. Ao Prof. Leandro
Salvador dos Santos, pela revisão do abstract.
Aos queridos Chico – Cartografia UDESC, Lígia – Engenharia Civil Unioeste e
Ronan acadêmico de Geografia - UFSC, companheiros valorosos na busca de
imagens que pudessem ilustrar e contribuir para a compreensão do território rural
local. Muito obrigada pela generosidade e auxílio;
aos amigos queridos de convívio constante, Francisco e Andréia Sambatti, Denise
Rissato, Márcia Bernal, Olga Tschá, Fernanda Gaspar, Patrícia Bosquirolli, Josel
Corrêa, Débora Lobo. À D. Evani e à Marina, pelo pronto-socorro caseiro com a casa
e os pequenos. Sempre é bom ter gente boa por perto;
finalmente, impossível não pensar nos alicerces desta escolha, a minha família. Aos
meus filhos José Lucas e Mariana, meus amados, razão maior de minha existência!
Seus olhares, questionamentos e alegria foram os melhores bálsamos quando o
cansaço batia. Como compartilharam desse trabalho! Não poderia nunca queixar-me
de ausências, pois sempre estiveram muito presentes ao longo desta jornada;
ao meu querido companheiro José Roberto, presença forte e corajosa, auxílio em
muitos momentos importantes da construção do trabalho. Compartilho contigo as
crenças e os valores próprios à ruralidade, essenciais;
à m8009(i)-18.1485(a)-4.3(.5037(u)-4.025.014 -13.68 Td[(eTd2.17359( )]TJ4d[(eTd2.10251( )278]TJ/R3 )]32Tf164.742A22.311(U)1.1742(L)g0.6279(u)-12.8009(e)-l7.2115(t)-2.0254(;)n0.6279(u)--9.3857(a)556]TJ/R251747TJ280.014-4.3484(,)-2.14 -13.6-42.199(p)1.86395(r)-7.2115(e)-18.1485(d)-32.5037(u)-t02.236(f)-2.1742(o)15.664(r)-4.3484(a)-4.14 -13.617.8382(r)-7.1742(o)15.664(r)-410251(a)15.664(l)--4.14 -13.6202.298(q)-4.3484(u)e4.3484(a)-4.14 -13.6gu)-t02.236(f)-2.174N–8(q.L84( )-222.311(G202.298(q)(d).3484(r)12.8009(-13.6gu)-t5.664(l)8(ç)-0.310251(o)-4.34718( )-22.1866(b)51(a)15.664(6d7-4.3484(e)-8(r)12.807.8)-4.3484(g)-4.3576484( )-2.17484(g)-42.298(q)(d).3484(r)1-18.1485()-4.3484(ç)19.7022(ã)2115(t)-2484(s)-0.310251(s)-02.236(a)-406574(a)-4.3484(,).8382(i)-18.1509(g)-4.)-0.310251(a591(r)1218.1485(s)-z748( )-182.286(a)-4.348( )-102.236(m)32.5037(e)2115(r)-7.2115(o)15.664( ))6.591(e)-4.34718(m)32.5286(a)-4.3484(s)-0.310254( )]TJ-(s)-0.310251( )-2.1742()-0.31025(u)-12.8009(e)-l7.21.1485(5175286(a)-4.3484(s)-0.310254( )]TJ-91(e)-4.34-4.34718(o)-4.3471( )-222.311(G20)15.6652( )-2.1742(L2115(n)15.)1.86395(h)-4.3484(o.1485(v)-0.310251(e)e)-4.3484(s)]TJ287.3857(b)-9.3857(e)-4.3484(r)8.7651742(a)-4.3484( 503110251(t)17.8382(i)-18.142(a)25254( )]TJ-304.028)-0.310251(e)c)-4.3484(7)12.8009(a6.591(v)-0.310251(a)-4.3484(n)-4.42(a)-417.8382( )-202.294( );15.6652( )-15(u)-4.372.1742(.)-2.1.2115( )-84( )-2.1742(a)-4.3484(u)-4.3484-4.3484(c)-(a)-4.3484(d)-4.3484(a)-4.3484(;)-22.17359( .3484(c)19.7022(o)-91(e)-4.34-4.34718(o)-4.3471l)-18..2232(m)32.5037(4( )752.8009(aV4.3484(4718( )278t.3484(r)12.8Td2.10212 Tf39.34718(o)-4.35(a)-4.3(.58Td2.102t.3484(r)12.8Td2.102.58Td2.102i718(o)15.66J)-4.3484(o)-9.38576.36)12.8009(a17.8382(r)-7.2115(u).3484(h)-4.3484(e)-4.4.42(a)-4.17374(é)-4.34718( )-7.2115(a)-4.3484(z)e4.3484(a)-4.14 -13.6gu)18(o)15.668.1485(d)-32.5037(h4.3471l)-11742(p)-4.34718(e)1554( )]TJ-304.028)-0.310251(e)-2.1742(à)-4.34748( 4( )-2.1742(b)15.664(o009(e)-4.34596(s))-4.3484(o.1485(v)-0.310251(e)0251( )-42.199(d)-4.3J280.014-4.3484(,)-4718( )-22.1866(P)6( )-202.294( );15.6652( )-15(u)152.9751742(.)-2.1.2115(2.1742(a)-4.3484(u)-4.3484-4.3 )-2.-(a)-4.3484(d)-4.3484(a)-4.3484(;)-222)-0.310251( )( )]TJ-271.12848(.)17.8382(.34718(u)-4.34718(s2(.o)-2.8009(aV4.3484(4718( )278t.3484(r)12.8Td2.10212 Tf39.347182)-0.31Hê)-4.34718037(u)-4.025.014 -166J)-4.3484(o)-9.38561..1212.8009(a17.8382(r)-7a)-4.34718(u)-4.34718)-0.310251( )-2.17447182)-0.317.2115(s)-0.310251(o).6gu)-t5.664(2(i)]TJ285.537 0 f)-2.174N–8(q.L84( )1( )-2.17447182)-0.31-410251(a)15.664(l)--202.294( )742( )-102u484(e)-4.4.42(a)-4-0.310251(a)-4.34718(d)-4(e)-4.3484(c)19.7022(i)]TJ2.311(d)-4.3484(a)-418(m)32.5031(e)-4.347)19.7022(t)-2.1742(a)-4.3484(n)e4.3484(a)-4.14 -13.6g.1485(v)-0.310251(e)f)-2.1742(o)15.664(r)-4.3484(a)-482)-0.317.2115(s)-0.317.1742(o)15.664(r)-410251(a)15.664(l)--4.14 -13.62082,4( )z2.4152.8009(a)-4.3484( )-4.3484(o)-4.34866(b)51(3484(i)-18.1485(o)15.664(;)-8(l)-18.1485( )-22.186.236(a)-407372.1742(.)-2.12(l)1.86151(i)-18.1509(a)-4.3484(.-4.3484(c)--7.2115(o)15.664( ))6.54(e)-4.34718(s)-0.3104718( )-22.1866(P)6.(o)-4.3471l)-117.8382(r)-7ax17.8382(r)-7-242.55 -13.92 Td18(u)-4.347(a)-4.34718(s)-0.310254.34596(s)xa(s)sêBm64(r)-7.2115(n)-4218 0 Td[( )-2.174217.8382(r)-7asrà 4( )-2.1744.3484(,)-472.199(n)-4.3484(a)-4.3484( )-42
...A vida inventa!
A gente principia as coisas, no não saber por que,
e desde aí perde o poder de continuação –
porque a vida é mutirão de todos,
por todos remexida e temperada.
Guimarães Rosa
RESUMO
Este trabalho aborda a questão da modernização da agricultura em sua expressão
territorial. O tema central refere-se à construção de territorialidades rurais no
município de Cascavel, estado do Paraná entre 1960 e 2007. Admitindo-se que o
movimento transescalar do capital produz implicações territoriais, objetivou-se
compreender a configuração das distintas territorialidades agrícolas e não-agrícolas,
analisando-as sob a ótica do processo de modernização da agricultura iniciado na
região Oeste do estado do Paraná, em meados da década de 1960. O território
expressa, portanto, as diferentes respostas locais ao processo de reprodução do
capital, amparado por condicionantes tecnológicos mais elaborados. Nesse sentido,
a transformação no uso dessa porção do território foi conseqüência de um conjunto
de políticas públicas gestadas a partir de 1960, notadamente com a
instrumentalização do crédito rural e por meio de condições técnicas favoráveis. Isso
proporcionou a configuração de territorialidades onde as atividades agrícolas
praticadas por categorias empresariais consolidadas e capitalizadas se sobrepõem
às outras dinâmicas rurais, principalmente àquelas alicerçadas na agricultura
familiar. Nestas, se faz presente, além das atividades agrícolas, uma dimensão
pluriativa, como complemento da renda familiar. A existência de empresas-rede,
como as agroindústrias integradoras, verticalizadas e com conteúdos tecnológicos
ajustados às demandas globais tamm concorre para um paradoxo; ao mesmo
tempo em que proporciona alternativas de renda aos pequenos produtores
familiares, não oportuniza condições para que esses possam aumentar sua receita
no momento da comercialização. Assim, as territorialidades rurais desenvolvidas,
tamm refletem a exclusão. Diante disso, o valor da propriedade familiar, bem
como suas possibilidades de reprodução, torna-se dependente dessa gica. Pode-
se afirmar, que a organização territorial rural é conseqüência de um processo de
desenvolvimento capitalista ancorado no produtivismo e que amplia as diferenças
entre os produtores rurais naquele território rural. Nesse cenário, as ruralidades que
se elaboram com tantas contradições, os mecanismos institucionais podem
contribuir em defesa da pequena agricultura familiar para que ela participe
dignamente, com seu trabalho e competência, da produção em escala cada vez
mais ampliada.
Palavras-chave: modernização da agricultura; agricultura familiar; territorialidades
rurais; município de Cascavel – PR;
ABSTRACT
This work approaches the agriculture modernization question in its territorial
expression. The central subject concerns to rural territorialities construction in
Cascavel district, Parana state, between 1960 and 2007. Admiting that the transscale
capital movement produces territorial implications, the aim was to understand the
distinct agriculture and none-agriculture configurations, analyse them under the view
of agriculture modernization process begun in West region of Parana state, in middle
of 1960s. The territory shows, therefore, the different local anwers to the capital
reproduction process, supported by technical conditions more elaborate. In this
meaning, the transformation in the use of this territory portion was consequence of all
public policies managed starting from 1960, especially with the rural credit
mechanism and by propicius technical conditions. So, it provided the configuration of
the territorialities where the agriculture activities practiced by consolidated and
capitalized enterprise categories standed out from to the other rural dynamics,
especially from that one based by family farming. In these ones, is present, besides
the agriculture activities, a plural activity dimension, as family income complement.
The existence of net-firms, as the vertical integrator agroindustries and with technical
contents adjusted to the global demands also had a paradox; at the same time it
provides income alternatives to the little familiar producer, doesn’t make the
conditions possible so that they can increase their incomes in the marketing moment.
In this way, the rural territorialities develops, also reflects the exclusion. In face of it,
the family property value, as well as its reproduction possibilities turns out dependent
of this logic. It’s possible to assure, that the rural territorial organization is
consequence of a capitalist development process anchored in the productivism that
enlarges the differences amongst the rural producers in that rural territory. In this
setting, the ruralities that make with so many contradictions, the institutional
mechanisms can contribuite in the little family farming defense in order for it to share
with dignity, with its work and competence, of its production in scale more and more
enlarged.
Key-words: agriculture modernization; family farming; rural territorialities; Cascavel
district, Parana state.
LISTA DE ILUSTRAÇOES
F
IGURA
1
P
RODUTORES RURAIS NA COLHEITA DO ARROZ
R
IO DAS
A
NTAS
..................
44
F
IGURA
2
M
APA POLÍTICO
-
ADMINISTRATIVO DO
E
STADO DO
P
ARA
M
ESORREGIÕES
GEOGRÁFICAS NO ESTADO DO
P
ARA
..........................................................................
53
F
IGURA
3
M
APA
-
M
ESORREGIÃO
O
ESTE DO
P
ARA
-
H
IPSOMETRIA
...........................
54
F
IGURA
4
G
RÁFICO
-
C
OMPORTAMENTO DEMOGRÁFICO NO
E
STADO DO
P
ARA
1950-2000
....................................................................................................................
57
F
IGURA
5
F
LUXOGRAMA
-
Esquema teórico da formação do novo padrão
agrícola ........................................................................................................................
96
F
IGURA
6
COLHEITADEIRA
MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
DÉCADA DE
1970
....................
116
F
IGURA
7-
ESTRUTURA PRODUTIVA DAS COOPERATIVAS REGIONAIS
1970/1980
..........
121
F
IGURA
8
M
APA
-
DIVISÃO POLÍTICO
-
ADMINISTRATIVA DO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
.......
181
F
IGURA
9
M
APA
S
OLOS NO ESTADO DO
P
ARANÁ E NA MICRORREGIÃO DE
C
ASCAVEL
185
F
IGURA
10
G
RÁFICO
-
ÁREA PLANTADA DE SOJA EM RELAÇÃO À LAVOURA
PERMANENTE E PRODUÇÃO NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
1996-2006
............................
186
F
IGURA
11
Á
REAS PRODUTIVAS COM LAVOURAS TEMPORÁRIAS NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
D
ISTRITO DE
S
ÃO
J
OÃO
[
JAN
/2006]
............................................................
187
F
IGURA
12
G
RÁFICO
-
C
ARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DAS
L
AVOURAS
A
NUAIS NO
MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
[
HA
]
1995-2006
.....................................................................
189
F
IGURA
13
-
G
RÁFICO
EVOLUÇÃO DO REBANHO BOVINO NO MUNICÍPIO DE CASCAVEL
NO PERÍODO
1996-2006
.................................................................................................
196
F
IGURA
14
E
NCADEAMENTO PRODUTIVO NO SEGMENTO LEITEIRO NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
PR
.............................................................................................................
203
F
IGURA
15
V
ISTA PANORÂMICA DA
18
ª
.
E
DIÇÃO DO
S
HOW
R
URAL
C
OOPAVEL
FEVEREIRO DE
2006
.......................................................................................................
264
F
IGURA
16
-
V
ISTA PANOMICA DOS EXPERIMENTOS REALIZADOS DURANTE A
18
ª
.
E
DIÇÃO DO
S
HOW
R
URAL
C
OOPAVEL
FEVEREIRO DE
2006
...........................................
266
F
IGURA
17
PARCELAS DE EXPERIMENTOS REALIZADOS NA
18
ª
.
E
DIÇÃO DO
S
HOW
R
URAL
C
OOPAVEL
FEVEREIRO DE
2006
......................................................................
267
F
IGURA
18
P
ARCELA DE EXPERIMENTO DE MILHO REALIZADO POR EMPRESA PRIVADA
S
HOW RURAL
COOPAVEL,
FEVEREIRO DE
2006
............................................................
268
LISTA DE TABELAS
T
ABELA
1
U
TILIZAÇÃO DA TERRA NA REGIÃO
O
ESTE E NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
1960-1980..................................................................................................................
108
T
ABELA
2
Á
REA
[
MIL HA
]
E QUANTIDADE PRODUZIDA
[
T
]
DA LAVOURA DE MILHO NO
ESTADO DO
P
ARA
,
NA REGIÃO
O
ESTE E NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
,
1960-1980
110
T
ABELA
3
-
ÁREA
[
MIL HA
]
E QUANTIDADE PRODUZIDA
[
T
]
DA
L
AVOURA DE SOJA NO
ESTADO DO
P
ARA
,
NA REGIÃO
O
ESTE E NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
.
1970-1980
...
111
T
ABELA
4
-
D
ISTRIBUIÇÃO DO PESSOAL OCUPADO NA AGROPECUÁRIA PARANAENSE
1970-1980
.................................................................................................................
113
T
ABELA
5
-
D
ISTRIBUIÇÃO ABSOLUTA E VARIÃO RELATIVA DE TRATORES
*
NO
E
STADO DO
P
ARA
,
REGIÃO
O
ESTE E
C
ASCAVEL ENTRE
1960-1980.........................
115
T
ABELA
6
C
ATEGORIAS DE PRODUTORES RURAIS NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
2006
..........................................................................................................................
177
T
ABELA
7.
A
SPECTOS PRODUTIVOS DA AVICULTURA NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
2000-2005.
V
ALORES ABSOLUTOS E VARIAÇÃO NOS PERÍODOS
..................................
204
T
ABELA
8
C
ARACTERÍSTICAS DA ATIVIDADE PECUÁRIA NO CONJUNTO DA
S
EAB
REGIONAL
C
ASCAVEL E MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
2005
...........................................
207
LISTA DE QUADROS
Q
UADRO
1
-
ESTABELECIMENTOS E ÁREA SEGUNDO A CONDIÇAO LEGAL DAS TERRAS
NO ESTADO DO PARA
,
NA ZONA FISIOGRÁFICA DO OESTE E MUNICÍPIO DE
CASCAVEL
1960.......................................................................................................
46
Q
UADRO
2
-
D
ADOS GERAIS SOBRE
P
OPULAÇÃO E
PIB
P
RODUTO
I
NTERNO
B
RUTO
-
B
RASIL E
R
EGIÃO
S
UL
VALORES ABSOLUTOS E PERCENTUAIS PARA O ANO
2000
......
56
Q
UADRO
3
-
MODELOS PROPOSTOS PARA A ANÁLISE DAS CATEGORIAS DE
PRODUTORES RURAIS
.................................................................................................
162
Q
UADRO
4
-
E
VOLUÇÃO NA UTILIZAÇÃO DA TERRA DO MUNICÍPIO DE CASCAVEL
1995-
2006
..........................................................................................................................
179
Q
UADRO
5
P
RINCIPAIS ESPECIFICAÇÕES DA PECUÁRIA LEITEIRA NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
2005/2006
............................................................................................
199
Q
UADRO
6
C
ONDIÇÃO DO PRODUTOR NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
1995-1996
.........
212
Q
UADRO
7
-
C
ARACTERÍSTICAS DA TRANSFORMAÇÃO E AGROINDUSTRIALIZAÇÃO
-
N
O
.
DE UNIDADES ARTESANAIS
,
CAPACIDADE INSTALADA E PRODUÇÃO FÍSICA ANUAL NO
MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
-
2006
.................................................................................
216
Q
UADRO
8
-
MÃO
-
DE
-
OBRA EMPREGADA NAS CATEGORIAS FAMILIARES
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACARPA - Associação de Crédito e Assistência Rural do Paraná
ACIC – Associação Comercial e Industrial de Cascavel
AGF – Aquisições do Governo Federal
BACEN – Banco Central
BB – Banco do Brasil
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BRDE – Banco Regional de Desenvolvimento Econômico. Programas
CAI – Complexo Agroindustrial
CITLA – Clevelândia Industrial e Territorial Ltda.
CNPC – Conselho Nacional de Pecuária de Corte
COMDER Conselho de Desenvolvimento Rural
CONDEPE Comissão de Desenvolvimento Econômico
COOPAVEL – Cooperativa Agropecuária Cascavel Ltda.
COPEL – Companhia Paranaense de Energia Elétrica
DERAL – Departamento de Economia Rural
EMATER/PR – Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
FAO – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador
FINAME – Agência Especial de Financiamento Industrial
FPM – Fundo de Participação dos Municípios
FUMDER – Fundo Municipal de Desenvolvimento Rural
IAPAR – Instituto Agronômico do Paraná
IPARDES – Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
ITR – Imposto Territorial Rural
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MARIPÁ – Industrial Madeireira e Colonizadora Rio Paraná S/A
MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário
MF – Módulo Fiscal
OMC – Organização Mundial do Comércio
PIB – Produto Interno Bruto
PIC – Projeto Iguaçu de Cooperativismo
PIDCOOP – Projeto Integrado de Desenvolvimento Cooperativista
PLADEPPlano de Desenvolvimento Econômico do Estado
PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PSM – Produtor Simples de Mercadoria
SANEPAR – Companhia de Saneamento do Paraná
SNCR – Sistema Nacional de Crédito Rural
SEAB - Secretaria de Estado de Agricultura e Abastecimento
SEMA – Secretaria Estadual do Meio Ambiente
SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SUS – Sistema Único de Saúde
VBP - Valor Bruto Produzido
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................
18
P
ARTE
I
-
C
ASCAVEL
:
UM MUNICÍPIO PARA ESTUDO DAS TRANSFORMAÇÕES
TERRITORIAIS NO RURAL DO
O
ESTE DO
P
ARANÁ
...................................................
33
1 O PROCESSO DE OCUPAÇÃO E FORMAÇÃO TERRITORIAL DO
MUNICÍPIO DE CASCAVEL – PR .................................................................
34
1.1 F
ORMAÇÃO TERRITORIAL E OCUPAÇÃO DA REGIÃO
O
ESTE DO
P
ARA
...........
34
1.2 A
COLONIZAÇÃO EFETIVA
:
1940-1960
..........................................................
38
1.3
A
SPECTOS GERAIS DO RURAL E DO URBANO NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
........
52
2 TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADES RURAIS: NOÇÕES PARA UMA
ANÁLISE GEOGRÁFICA ...............................................................................
59
2.1 O
TERRITÓRIO COMO CATEGORIA DE ANÁLISE GEOGFICA
.............................
59
2.2
A
S POSSIBILIDADES DA ESCALA GEOGRÁFICA PARA APREENDER AS
RURALIDADES
.....................................................................................................
68
2.3 A
RURALIDADE COMO EXPRESSÃO DO TERRITÓRIO
.........................................
74
2.4
A
PLURIATIVIDADE NO CONTEXTO DAS TERRITORIALIDADES RURAIS
.................
80
2.5 A
REDEFINIÇÃO DA COMPLEXA RELAÇÃO CAMPO
-
CIDADE E A CONSTRUÇÃO DE
NOVAS TERRITORIALIDADES RURAIS
..............................................................
83
Parte II - A
MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E A CONSTRUÇAO DE
TERRITORIALIDADES RURAIS
...............................................................................
91
3 O MODELO DE MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA TECNOLÓGICO E A
CONFIGURAÇÃO DO TERRITÓRIO RURAL NO MUNICÍPIO DE
CASCAVEL .....................................................................................................
93
3.1
A
LGUNS TRAÇOS DA EXPANSÃO CAPITALISTA NO TERRITÓRIO BRASILEIRO
1960-1980.........................................................................................................
94
3.2
A
CONFORMAÇÃO DA AGROPECUÁRIA MODERNA
:
ESPECIALIDADES
PRODUTIVAS E FORMAÇÃO DE COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS NA REGIÃO
O
ESTE E
NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
...............................................................................
106
3.2.1 A participação das cooperativas na dinâmica da modernização da
agricultura regional ..........................................................................................
118
3.2.2 O desenvolvimento das atividades agroindustriais .................................
122
4 AGRICULTURA E DINÂMICA CAPITALISTA: A CONTRIBUIÇAO DAS
TESES CLÁSSICAS PARA O DEBATE ATUAL ...........................................
126
4.1
D
ESENVOLVIMENTO
C
APITALISTA E
A
GRICULTURA
F
AMILIAR
:
A
S TESES E A
ATUALIDADE DO DEBATE CLÁSSICO
.....................................................................
126
4.1.1 A “Questão Agrária” de Kautsky .............................................................
129
4.1.2 Lênin e o papel da agricultura no desenvolvimento do capitalismo ........
139
4.1.3 A lógica da diferenciação camponesa segundo Chayanov ....................
146
4.2
A
ATUALIDADE DO DEBATE
:
OS PRODUTORES RURAIS NO AMBIENTE DA
MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA
.......................................................................
157
5
A AGRICULTURA E A CONSTRUÇÃO DE TERRITORIALIDADES:
ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO NO RURAL DE CASCAVEL S
1990..................................................................................................................
172
5.1
C
ASCAVEL
:
A ORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO RURAL NO PERÍODO RECENTE
.....
176
5.2
A
TIVIDADES
A
GRÍCOLAS
...............................................................................
184
5.2.1 Caracterização das áreas e produção agrícola no município .................
184
5.2.1.2 Olericultura e fruticultura .....................................................................
190
5.2.1.3 Atividade florestal ................................................................................
193
5.2.2 Caracterizações das áreas de produção agropecuária ..........................
195
5.2.2.1 Bovinocultura de corte e leite...............................................................
195
5.2.2.2 Avicultura e suinocultura .....................................................................
204
5.3
O
S PRODUTORES RURAIS
,
AS ATIVIDADES NÃO
-
AGRÍCOLAS E O TRABALHO
PLURIATIVO
........................................................................................................
210
5.3.1. A condição de sustentabilidade do produtor rural e a dinâmica
pluriativa................................................................................
212
5.3.2 A questão da incorporação tecnológica e a possibilidade de
acumulação de capital na agricultura .............................................................
226
5.3.3 A questão da comercialização ................................................................
234
6
POLÍTICAS PÚBLICAS E AS NOVAS ESTRATÉGIAS DE
DESENVOLVIMENTO DOS TERRITÓRIOS RURAIS PÓS 1990 ..................
242
6.1
A
POLÍTICA DE VALORIZAÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR
:
O CRÉDITO RURAL
COMO SUBSÍDIO E AS POLÍTICAS INSTITUCIONAIS
...................................................
243
6.1.1 Políticas públicas para a agricultura no estado do Paraná ....................
251
6.1.2 As políticas institucionais para a agricultura no município de Cascavel . 255
6.1.2.1
O
Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural ..............................
258
6.2
A
S REDES TECNO
-
ECONÔMICAS NO CONTEXTO TERRITORIAL DO AGRONEGÓCIO
261
6.2.1
O papel da cooperativa agropecuária local no desenvolvimento do
território rural....................................................................................................
261
6.2.1.1 O Show Rural Coopavel: novas orientações tecnológicas no
agronegócio .....................................................................................................
264
6.2.2 O papel dos sindicatos e associações de produtores na construção
das territorialidades rurais ................................................................................
271
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................
276
REFERENCIAS ..............................................................................................
280
ANEXOS .........................................................................................................
292
ANEXO 1 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS ....................................................
294
ANEXO 2 – QUADRO......................................................................................
298
ANEXO 3 – MAPA ...........................................................................................
300
I
NTRODUÇÃO
A intensa expansão do capital urbano-industrial, mediada pela determinação
técnico-científica e informacional, difundiu-se no mundo rural a partir do processo de
modernização da agricultura. Desde então, redefiniram-se as relações
socioeconômicas pré-existentes entre os territórios urbanos e os rurais.
O capitalismo, como sistema produtivo em sua face atual, configura-se em
espaço global produzindo um modelo econômico com dimensões multi-escalares.
Portanto, na emergência dos espaços da globalização”, expressão de Santos
(1996, p.114), intensificam-se os progressos da técnica e da informação para as
novas estruturas produtivas que estimulam a diversificação e novos usos do
território, ampliando as possibilidades de reprodução do capital. Contribuem para
essa ampliação, diferenciados processos, como financeiro-monetário, produtivo-real
e comercial-tecnológico, de acordo com Gonçalves (2002).
Caracterizam-se, dessa forma, fluxos econômicos configurando um mosaico
de regiões produtivas especializadas e vinculadas às novas exigências do capital.
Entre as regiões, os processos produtivos tornam-se cada vez mais
transnacionalizados e ganham em eficiência e competitividade na busca de novos
mercados mediante uma contínua reestruturação das atividades econômicas.
Desse modo, os sistemas técnicos contribuem significativamente para
organizar os sistemas de produção proporcionando mudanças na sociedade e no
espaço geográfico. Em relação ao Brasil, a reestruturação produtiva desencadeia um
conjunto de fatores que conduzem a desequilíbrios na renda e nos investimentos.
Isso dificulta, conseqüentemente, alternativas de políticas para o desenvolvimento
regional e territorial.
As estratégias fundamentadas na lógica microeconômica buscam acelerar a
terceirização de diferentes processos produtivos, tanto na indústria, no comércio e
nos serviços como na agricultura. A ordem é racionalizar a produção, importar
máquinas e equipamentos, além da necessidade de parcerias, fusões, transferência
19
de controle acionário e redução de custos, principalmente da mão-de-obra nos
diferentes setores. (GONÇALVES, 2002).
A reestruturação produtiva é elemento importante no contexto cnico-
científico e informacional e intensifica a coesão cidade-campo. Considerando-se as
forças decorrentes dos processos econômicos e das respostas dos territórios, pode-
se compreender tal movimento.
Essas forças centrípetas, forças de agregação, o fatores de convergência
Elas agem no campo, agem na cidade e agem entre cidade e campo. No
campo e na cidade elas são, respectivamente, fatores de homogeneização e
aglomeração. E entre campo e cidade, elas são fatores de coesão. [...] As
forças centrífugas podem ser consideradas um fator de desagregação,
quando se retiram à região os elementos do seu próprio comando, a ser
buscado longe e fora dali. Pode-se falar numa desestruturação, se nos
colocamos em relação ao passado, isto é, ao equilíbrio anterior. E de uma
restruturação, se vemos a coisa do ponto de vista do processo que se está
dando. (SANTOS, 1996, p.286-287).
A partir dessa dinâmica se constituem relações diferenciadas entre
agricultura, indústria e território. Para Santos (2002), elabora-se um novo
funcionamento do território nessas relações, mediante distintas territorialidades. Os
processos produtivos proporcionam uma integração funcional e econômica “[...]
cujos fluxos percorrem o espaço hierarquicamente. [...] o processo de integração
territorial [...] comanda o processo de acumulação e reprodução do capital no tempo
e no espaço.” (SANTOS, 1996, p.283). Nesse sentido, uma contribuição para
possíveis análises dos processos produtivos específicos nesse ambiente globalizado
tais como os processos rurais na dinâmica da modernização da agricultura, diz
respeito ao movimento do capital no território, sinalizando o “[...] território e seu uso.”
(SANTOS, 1996, p.337).
É inerente ao processo de acumulação de capital a formação de contradições
e desigualdades que se expressam no território, e em particular no território rural.
Para Delgado, (2001, p.157), o rural brasileiro foi, nesse contexto de reprodução
ampliada do capital, subsidiário “[...] ao longo do ciclo de industrialização 1930-1980,
[e] interpretado com freqüência como fluxo caudatório desse processo [...]”.
que se acrescentar, a esse respeito, que a gênese desse processo no
Brasil remonta ao então pacto de 1930”, no qual, após a crise de 1929, associada à
20
crise do complexo rural brasileiro, havia nítida orientação para a industrialização
(GRAZIANO DA SILVA, 1998).
Como bem explicita esse autor, “[...] as políticas agrícolas adotadas de 1930 a
1965 são bem conhecidas, bem como o deslocamento do centro dinâmico, da
economia cafeeira para os segmentos urbano-industriais nesse período.”
(GRAZIANO DA SILVA, 1998, p.49).
Essa interpretação o pode ser dissociada, ainda, da expansão do
capitalismo em sua etapa monopolista em nível internacional, principalmente no
período pós- Segunda Guerra Mundial. Na continuidade desse processo, estrutura-
se uma relação entre oferta e demanda de pacotes tecnológicos centrados no
emprego de fertilizantes, defensivos, sementes selecionadas, rações, maquinarias,
combustíveis e lubrificantes, dentre outros.
Desse modo, vinculando-se ao modelo euro-americano de modernização
1
havia, no Brasil, uma clara determinação de que a agricultura, intrinsecamente
vinculada ao processo de industrialização, necessitava cumprir funções, como criar
mercado para os produtos da indústria, expandir as exportações, liberar mão-de-
obra a ser utilizada no setor industrial, não prejudicando, contudo, a produção de
alimentos. Por fim, ela deveria contribuir para o financiamento de parte da
capitalização da economia, mediante o superávit comercial
2
. (DELGADO, 2001)
Nessa perspectiva, o apoio do Estado pós 1964, difundiu-se o modelo de
desenvolvimento agrícola amparado na modernização tecnológica. Assim, em meio
a muitas contradições, o capitalismo avançou sobre o espaço rural modificando
substancialmente a dinâmica produtiva sem, contudo, promover mudanças
substanciais na estrutura agrária do País.
Vale mencionar que a absorção técnica não se fez homogênea no território
brasileiro. Algumas áreas, produtos e produtores foram e continuam sendo
1
“Nesse sentido, pode-se dizer que, por modelo euro-americano de modernização agrícola, entende-
se um sistema de produção que tornou viável a difusão em larga escala da prática da monocultura.”
(ROMEIRO, 1998, p.69)
2
Esse processo pode ser interpretado como uma intensificação nas relações agricultura-indústria,
mediante encadeamentos produtivos cada vez mais intensos, em que tanto a montante, considerando
a indústria de insumos, equipamentos, biotecnologia, dentre outros, como a jusante, onde atuam
diferentes complexos agroalimentares, são cada vez mais intensas as exigências para com o
segmento rural.
21
privilegiados com essas mudanças. Contudo, em outras áreas, houve uma absorção
tecnológica parcial efetivada com dificuldades, como é o caso da agricultura familiar.
Portanto, não se pode perder de vista os benefícios, mas, sobretudo, os
desequilíbrios decorrentes do modelo agrícola gestado no contexto do
desenvolvimento econômico brasileiro que, desde a década de 1980, começou a
sinalizar esgotamento em meio à reestruturação do sistema agroalimentar mundial,
intensificando-se os problemas sócio-espaciais no rural e no urbano do País. Assim,
a partir da década de 1990 buscou-se implementar um novo” modelo de
desenvolvimento rural no Brasil.
Diferenciados agentes contribuem para a efetivação desse modelo de
desenvolvimento no espaço rural, tais como empresas (agroindústrias e
cooperativas) nacionais e internacionais que atuam em determinados lugares. Nesse
contexto, difundem-se pacotes tecnológicos, surgem novas atividades
especializadas, altera-se a divisão social do trabalho produzindo,
conseqüentemente, novas divisões territoriais para cada região em particular.
Assim, as contradições e desigualdades inerentes à expansão do capital
desencadeiam mudanças econômicas nas relações de trabalho e conseqüente
exclusão social, além da subordinação da agricultura à indústria. Acentua-se, ainda
a dependência de políticas macroeconômicas conjunturais como aquelas vinculadas
à moeda e ao mbio e, tamm, à dependência das “regras” de comércio
internacional.
Nesse cenário, modifica-se a estrutura socioeconômica no meio rural
mediante novas exigências aos produtores rurais
3
. Além disso, o consumo se amplia
mediante a intensificação da relação campo-cidade, traduzindo-se numa relativa “[...]
urbanização do campo”. É a complexidade do território face ao hibridismo do
urbano-rural, ou, conforme a expressão elaborada por Rua (2002), a presença de
“[...] urbanidades no rural”.
3
Neste estudo, a categoria produtor rural diz respeito à noção de diferenciadas estruturas produtivas;
estruturas familiares, admitindo-se, conforme Wanderley (2001) a existência produtores modernos,
com diferentes possibilidades para sua reprodução tanto em atividades agrícolas como em atividades
não-agrícolas. Admite-se ainda outra estrutura produtiva atrelada aos moldes patronais, cuja dinâmica
ajusta-se aos movimentos do mercado, objetivando o lucro, principalmente no ambiente produtivista,
conforme expressa Graziano da Silva (2003).
22
As modificações produtivas resultantes desse movimento do capital sobre o
território propõem novos papéis ao rural. A reestruturação das atividades tradicionais
e a diversificação da produção (agrícola e não agrícola) incorporam novas
tecnologias. Com isso, desenvolvem-se processos relacionados à pluriatividade e à
multifuncionalidade do meio rural, sugerindo a conformação de novas
territorialidades, viabilizadas pelas políticas públicas e associadas pela nova relação
que se estabelece entre cidade e campo. Nesse caso, é prioritariamente o urbano
aquele que mais se beneficia do processo que surge como parcela da lógica de
acumulação. Assim:
A agricultura moderna, à base de ciência, tecnologia e informação, demanda
um consumo produtivo cuja resposta, imediata, deve ser encontrada na
cidade próxima. Com a divisão interurbana do trabalho, as tarefas
especializadas reduzem os respectivos custos unitários, aumentando a
produtividade e a rentabilidade de cada agente individual e fortalecendo o
conjunto de cidades. (SANTOS, 1996, p.286).
Desse modo, as atividades rurais modernizadas modificam a dinâmica dos
territórios na medida em que se ampliam as esferas cnicas, científicas e
informacionais. O rural do município de Cascavel, estado do Paraná não está à
margem dessas transformações.
Vale acrescentar, no que tange às modificações de caráter técnico
experimentadas pelo campo, que elas foram heterogêneas em relação às regiões
brasileiras, e particularmente na região Oeste do Paraná, verificou-se uma intensa
vinculação aos padrões produtivos que se delineavam em meados da década de
1960:
[...] o pacote tecnológico da Revolução Verde foi implementado de modo
diferenciado pelo território brasileiro, onde cada região absorveu tal pacote à
sua maneira, gerando transformações diferenciadas, em graus de
intensidade tamm diferentes. Isto significa que enquanto algumas
áreas foram profundamente afetadas, com sua economia e relações sociais
completamente reorganizadas, outras sofreram poucas mudanças, mantendo
grande parte de
suas características pretéritas. (NEVES, 2003, p.18)
Na região Oeste do Paraná, as atividades agropecuárias absorveram
tecnologias dando uma resposta favorável à demanda urbano-industrial. Isso
ocorreu pela combinação de um potencial natural e humano que permitiu
modificações significativas nas atividades anteriormente desenvolvidas e alicerçadas
23
predominantemente na exploração familiar e na policultura tradicional [arroz, feijão,
milho e mandioca] e, principalmente, na exploração da madeira. Desse modo, o
posterior dinamismo agroindustrial da região teve como sustentáculo o potencial
natural e humano pré-existente (PIERUCCINI, 1998).
A região Oeste do Paraná integrou-se efetivamente ao ambiente produtivo
nacional em meados das décadas de 1950 e 1960. A partir desse momento, esta
começou a responder positivamente às demandas urbano-industriais. Modificaram-
se, desse modo, as estruturas produtivas vinculadas à agricultura local,
proporcionando novas articulações ao mercado.
Portanto, a partir da modernização da agricultura regional estruturou-se a
oferta de monoculturas como a soja e o trigo em consonância às novas demandas
produtivas do Ps. Contribuiu, para esse processo, a rápida exaustão do ciclo
madeireiro como dinâmica produtiva regional ao longo da década de 1960 e, mais
especificamente, a “adequada” orientação fundiária pré-existente, mediante a
ocupação e a colonização das áreas de fronteira do estado do Paraná, promovidas
anteriormente
4
.
É lícito supor que, na discussão da organização territorial rural do município
de Cascavel, ao longo do período 1960-2007, inúmeros processos produtivos
constituíram-se em consonância com o evento da modernização da agricultura
difundido no território nacional após a Segunda Guerra Mundial. Isso atesta a
dimensão multiescalar das políticas públicas. A partir daí, as atividades
agropecuárias ampliaram o uso de tecnologias com o amparo do Estado.
Naquele momento, o Estado passou a influenciar na organização do sistema
produtivo agropecuário mediante a formulação e implementação de políticas em
diferentes esferas. Assim, por meio de planos nacionais, políticas estaduais e, em
nível mais restrito, nos municípios, foram viabilizados instrumentos específicos
voltados ao crédito subsidiado dirigido a certos produtos e produtores em
4
Houve na região Oeste do Paraná uma orientação específica para a ocupação das áreas de terra,
pautada nas Companhias Colonizadoras. Dentre essas se destaca a Companhia MARIPÁ [Madeiras
Rio Paraná S/A] originária de Porto Alegre (RS), que promoveu a criação de inúmeras cidades na
região. Especificamente para o município de Cascavel, o povoamento não esteve diretamente
vinculado às companhias colonizadoras. Muitos conflitos entre posseiros e grandes capitais
ocorreram e não foram poucos os episódios de grilagem de terras.
24
determinadas regiões. Ou seja, era necessário criar condições que permitissem a
vinculação de diferentes regiões ao modelo econômico vigente.
Nesse sentido, o Estado se tornou o porta-voz do sistema capitalista e por
meio do Sistema Nacional de Crédito Rural [SNCR], instituído em 1965, foram
difundidos pacotes tecnológicos nas atividades agropecuárias especializadas.
que se ressaltar o caráter seletivo do crédito rural, visto que apenas determinados
segmentos produtivos e determinadas regiões tinham alcance ao referido
mecanismo institucional. Ressalta-se, nesse caso, de um lado, a marginalização e
exclusão social de parcela dos agricultores familiares face a esses mecanismos e,
de outro, a integração de produtores agrícolas às agroindústrias e cooperativas
agropecuárias regionais, fenômeno comum nos estados da região Sul do Brasil. O
binômio soja-trigo incorporou as novas tecnologias e possibilitou a inserção da
região Oeste paranaense no mercado internacional em meados da década de
1970.
Desse modo, a região ganhou um significativo dinamismo, pois, com a
modernização, foram concedidos incentivos fiscais e financeiros aos agentes locais,
às cooperativas e às indústrias processadoras de insumos e principalmente, de
matérias- primas, vinculadas ao capital internacional e ativas participantes desse
processo.
Na década de 1980, começaram a se esgotar as fontes de financiamento do
Estado, gerando inúmeras crises de ordem fiscal e monetária, acentuando, ainda, o
processo inflacionário no período. Nessa condição, houve redução na oferta de
crédito rural ampliando as crises no setor produtivo, principalmente junto aos
produtores familiares que buscavam uma maior aproximação ao mercado de
commodities.
Na seqüência, novas estratégias foram elaboradas e houve um maior
estreitamento nas relações entre o rural e o urbano, ampliando a atuação das
cooperativas agropecuárias que passaram a desenvolver inúmeras atividades
agroindustriais. Naquele momento, foram gestionados e viabilizados diferentes
segmentos agroindustriais que atuam, no momento presente, como instrumentos de
mediação entre o Estado e as distintas escalas geográficas necessárias à
25
reprodução do capital. Essa dinâmica representou uma resposta produtiva favorável
das atividades agcolas na região Oeste do Paraná e tamm no município de
Cascavel.
Nesse sentido, o rural modifica o seu conteúdo social e tecnológico sob a
influência do sistema capitalista. O capital move-se mediante as verticalidades e
horizontalidades e se posiciona como elemento-chave das mudanças no conteúdo
do território.
Portanto, a partir da dinâmica e do movimento transescalar do capital
questiona-se: quais são as implicações territoriais do desenvolvimento capitalista
estruturado na modernização da agricultura sobre o rural do município de Cascavel
no período contemporâneo?
Há que se questionar, tamm, sobre as territorialidades que vêm sendo
construídas pós 1990 em áreas onde se desenvolve a agricultura; quem são os
promotores? que mecanismos são utilizados? e quais as implicações advindas?
Essa problemática sinaliza para respostas diferenciadas em relação à
modernização no território rural. Assim, refletindo sobre os questionamentos
propostos, são esboçadas três hipóteses sobre as transformações em curso no rural
de Cascavel e que, em conjunto, constituem o objeto desta pesquisa:
i) a territorialidade do sistema de produção capitalista que opera em
diferentes escalas vem nas últimas décadas reestruturando as
atividades agrícolas e não-agrícolas, imprimindo mudanças no rural de
Cascavel tanto na estrutura fundiária, uso da terra, técnicas de
produção, quanto nas relações de trabalho;
ii) as mudanças produtivas locais estão estreitamente vinculadas à
expansão do sistema capitalista e ao processo de modernização da
agricultura brasileira. Sugere-se, desse modo, um território articulado
com o global mediante a estrutura de empresas-rede, agroindústrias e
cooperativas que influenciam na tecnificação da agropecuária pautada
em distintas verticalidades, conforme explicita Santos (1996). Entende-
26
se que há nítida orientação produtiva para as culturas de exportação,
especialmente a soja;
iii) considera-se, ainda, nesse sentido, uma integração funcional entre o
rural e o urbano, pautada em laços de similitude e complementaridade.
A orientação produtiva adotada possibilitou o surgimento de diferentes
categorias de produtores rurais quanto ao uso de novas tecnologias.
Contudo, encontram-se, nesse território, produtores familiares que
incorporaram parcialmente as novas tecnologias e outros são excluídos
da modernização.
Cabe acrescentar que territorialidades agrícolas e não-agrícolas se encontram
em curso em áreas onde se desenvolve a agricultura familiar e elas representam
alternativas de renda para os produtores. Entretanto, estes se tornam “reféns” do
capital, pois estão condicionados às exigências das cooperativas e das demais
agroindústrias privadas atuantes no município. Portanto, as territorialidades rurais
que ali se manifestam vinculam-se sobremaneira às atividades agrícolas. Com
o apoio do Estado e sob a influência de diversos agentes, ainda que de forma
incipiente, estrutura-se a construção de uma nova organização territorial, sobretudo
em áreas onde se desenvolve a produção familiar.
Portanto, neste estudo, procura-se compreender a configuração das distintas
territorialidades agrícolas e não-agrícolas no município de Cascavel (PR), analisando
o processo de modernização da agricultura iniciado na região pós-meados da
década de 1960 até os dias atuais e a construção de novas territorialidades
associando-as ao desenvolvimento do modo de produção capitalista. Para a
consecução desse objetivo procurou-se especificamente:
a) analisar o processo de modernização tecnológica na agricultura e as implicações
territoriais no que diz respeito à estrutura fundiária, ao uso da terra e às relações de
trabalho no período 1960-2007;
b) caracterizar e analisar as territorialidades agrícolas e não-agrícolas construídas
em áreas no espaço rural;
27
c) identificar os agentes e analisar os mecanismos usados e sua influência na
construção de novas territorialidades, pós 1990;
Propõe-se assim demonstrar que a modernização tecno-econômica produziu
diferentes vínculos entre os produtores rurais de Cascavel e o mercado urbano-
industrial. Nesse processo, viabilizado pelo Estado, têm surgido distintas
territorialidades agrícolas e não-agrícolas que não se dissociam do desenvolvimento
e da lógica de expansão do modo de produção capitalista em sua atual
configuração. que se acrescentar que, principalmente no segmento voltado à
agricultura familiar, configuram-se contínuos processos de exclusão no que tange à
dimensão técnica e produtiva necessária, principalmente para as atividades
agrícolas.
O fio condutor desta pesquisa estabelece uma reflexão sobre o processo de
modernização tecno-econômico da agricultura e seu papel na construção das
territorialidades rurais, agrícolas e o-agrícolas no município de Cascavel,
associando-as à dinâmica capitalista.
As proposições de estudo sobre o território rural do município de Cascavel
são justificadas, primeiramente, por ser ele uma parcela da aldeia global”. É
importante evidenciar que “[...] a Geografia guarda, na expressão dos mestres
clássicos, a afirmação de que para ser universal, basta estudar a sua aldeia.”
(SEABRA, 2005, p.152). Ainda são poucos os estudos que contemplam essa
“parcela” do território paranaense, justamente em função da recente ocupação
efetiva da região Oeste.
Outra justificativa para a escolha desse recorte territorial se ampara no fato de
o município de Cascavel ser considerado um importante centro econômico regional,
tanto na dinâmica agroindustrial quanto na atividade terciária, com acentuados
vínculos urbano-rurais. O município recebe a denominação de “Capital do Oeste do
Paraná”, tornando-se o lugar central na hierarquia regional.
Nesse contexto, o rural do município de Cascavel torna-se objeto de análise.
“Para isso é indispensável insistir na necessidade de conhecimento sistemático da
realidade, mediante o tratamento analítico desse seu aspecto fundamental que é o
território (o território usado, o uso do território) (SANTOS, 1999, p.19).
28
Por meio da observação da realidade local, o território é interpretado como
categoria geográfica, ou seja, o rural, como território produz diferentes respostas ao
processo de reprodução do capital. Constitui-se, desse modo, o necessário amparo
teórico-conceitual, auxiliando na compreensão do empírico em sua dinâmica; dali
derivam as noções de territorialidade e, de modo particular, das ruralidades locais.
Acrescente-se que o “território usado”, conforme orientação sugerida por Santos
(1996; 2001), permite o entendimento das transformações ocorridas no rural do
município de Cascavel, a partir do processo denominado modernização da
agricultura”.
Ainda no contexto da análise regional, percebe-se quanto é importante refletir
sobre o cotidiano rural e sobre as estratégias de reprodução dos produtores tendo
em vista o ambiente que exige, cada vez mais, eficiência e qualidade na oferta dos
bens e serviços produzidos no rural. Para tanto, é lido o resgate das discussões
clássicas sobre a agricultura familiar, sua origem no conceito de camponês e as
expressões atuais dessa discussão, considerando, inclusive, àquelas que se
dissociam dessa orientação, como por exemplo, as noções de agricultura
empresarial.
Portanto, diante da complexidade e das especificidades presentes na análise
regional, procurou-se ajustar os procedimentos metodológicos necessários às
distintas escalas geográficas que influem sobre a base empírica em questão
5
.
Delineou-se, a partir dessa leitura, uma possibilidade para interpretar a
realidade, dando-lhe uma figuração, uma representação mediante levantamento
histórico e estatístico para que se pudesse compreender a intensidade da
modernização na região Oeste e, de modo especial, em Cascavel. Assim, o
fenômeno da ruralidade em suas distintas dimensões e expressões contidas no
território pôde ser explicitado em nível local.
5
Insiste-se na escala como uma medida, mas não necessariamente do fenômeno, mas aquela
escolhida para melhor observá-lo, dimensioná-lo e mensurá-lo. Não é possível, portanto, confundir a
escala, medida arbitrária, com a dimensão do que é observado. “...a prática de selecionar partes do
real é tão banalizada que oculta a complexidade conceitual que esta mesma prática apresenta.
(CASTRO, 2001, p.129). Acrescenta-se, nesse sentido, que “...na realidade o que é visível no
fenômeno e que possibilita a sua mensuração, análise e explicação depende da escala de
observação. A escala é, portanto, “...o artifício a
29
Procurou-se, também, elaborar uma cronologia que apreendesse as
particularidades, singularidades, articulações e continuidades experimentadas pelo
rural local, considerando, para tanto, o período compreendido entre 1960-2007.
Apreendeu-se, como referência básica, o processo de modernização da agricultura e
sua influência na organização do território rural local, mediante uma dinâmica
transescalar do capital.
Os procedimentos metodológicos necessários à consecução dos objetivos
propostos pautaram-se, primeiramente, na realização de pesquisa bibliográfica para
definir o marco teórico conceitual e para caracterizar a área de pesquisa.
Buscou-se, num segundo momento, a construção de um conjunto de
informações apresentadas pelos diferentes órgãos vinculados à produção agrícola
no estado do Paraná e tamm em nível local. Foram coletadas e compiladas
informações e dados estatísticos do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, notadamente informações vinculadas aos Censos Agropecuários a partir
de 1960.
As demais informações agropecuárias utilizadas, tais como o panorama
agropecuário municipal, mapas temáticos e pesquisas de caráter conjuntural,
sobretudo no que tange ao comportamento de preços dos produtos e expansão das
áreas produtivas, foram obtidas junto aos vários órgãos estaduais e municipais. A
Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento e seu Departamento de
Economia Rural (SEAB/DERAL) é detentora das informações mais atualizadas e
aproximadas em relação às atividades agrícolas do estado do Paraná. Também o
Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural Emater/PR
disponibilizou as informações relativas ao Perfil Agropecuário Municipal onde foram
encontradas diversas informações referentes à produção agrícola e não-agrícola no
município de Cascavel. A Emater/PR é notadamente um importante auxílio aos
produtores familiares para a questão tecnológica e de sustentabilidade produtiva.
Nesse contexto, tamm as informações referentes ao Cadastro da Realidade
Rural do Município de Cascavel foram tomadas como apoio para a análise do Perfil
Agropecuário. Ressaltam-se, nesse sentido, as informações relacionadas à
expansão de áreas produtivas, produção e produtividade em diferentes escalas e
30
tipos de produtos agrícolas e pecuários como safras anuais, produção pecuária,
processos de agroindustrialização nas propriedades rurais, dentre outros aspectos
vinculados ao meio rural.
Como importante complemento à análise dos dados secundários, foram
realizadas trinta entrevistas com produtores familiares em diferenciadas estruturas
produtivas, sendo 24 com produtores familiares e as demais entrevistas
correspondendo à estruturas rurais empresariais, correspondendo a 0.83% do total
estimado no município para o ano de 2006, aproximadamente 3.500 produtores
6
(EMATER, 2006). As estruturas produtivas, conforme Lamarche (1998) vinculam-se
diferenciadamente às práticas técnicas, econômico-financeiras e sócio-culturais.
Foram levados em consideração esses critérios para a sistematização das
entrevistas.
Utilizou-se, como procedimento, um roteiro de questões [anexo 1] em visitas
às propriedades rurais nos distritos administrativos rurais, bem como ao Sindicato
Rural Patronal de Cascavel. É válido acrescentar que a obtenção de informações
discursivas não documentais revelou-se fundamental para o alcance dos objetivos
propostos. As entrevistas foram semi-estruturadas e registradas mediante o roteiro
que apresentava questões abertas. Ao longo das entrevistas, centrou-se no
aprofundamento de certos temas, como transformação técnica na região Oeste,
aspectos relativos ao mercado e comercialização de produtos, o papel da
agroindústria, a presença de atividades não-agrícolas nas propriedades rurais,
sendo possível aos entrevistados discorrerem livremente sobre vários aspectos da
vida na propriedade e na construção do território rural. Nesse sentido, foi significativa
a influência do referencial teórico adotado sobre o método da pesquisa.
Além das entrevistas com produtores rurais, foram também realizadas
entrevistas com representantes de diferentes órgãos vinculados ao meio rural do
município como Sindicato Patronal Rural, Sindicato de Trabalhadores Rurais,
Cooperativa Agropecuária Cascavel Ltda COOPAVEL e seu evento tecnológico
Show Rural Coopavel, este último nas edições 2006 e 2007. A cooperativa iniciou
suas atividades no município em 1971 e configura-se como um importante agente na
transformação territorial rural do município. que se acrescentar que interesse
6
O critério adotado foi o de acessibilidade aos produtores.
31
da cooperativa na disseminação de tecnologia junto aos produtores associados.
Dessa orientação derivam as edições do Show Rural Coopavel como “vitrine” para a
exposição das atividades vinculadas ao agronegócio regional. Outra fonte de
informação importante para a elaboração do último capítulo proposto refere-se ao
conjunto de leis municipais, publicadas entre 1952 e 2006, que tratam
especificamente da questão rural no município. A consulta realizada na Câmara
Municipal do município de Cascavel configurou-se como subsídio para a discussão
da questão institucional vinculada ao rural no período recente. Nesse contexto,
um destaque para o papel do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural –
COMDER.
Os procedimentos metodológicos adotados na pesquisa emrica subsidiam a
proposta em duas partes relacionadas entre si; inicialmente, estruturam-se os dois
primeiros capítulos; a segunda parte, abordando de forma mais específica a
discussão empírica, ou seja, a diferenciação produtiva dos agricultores e suas
expressões territoriais no rural do município de Cascavel compõem os demais
capítulos. Assim, no primeiro capítulo O
processo de ocupação e a formação
territorial do município de Cascavel
PR
-
procura-se resgatar a leitura dos
diferentes processos de exploração e produção econômica na região Oeste do
Paraná e, em especial, no município de Cascavel, mostrando um cenário para o
período atual.
No segundo capítulo Território e territorialidades rurais: noções para uma
análise geográfica busca-se discutir o território e as territorialidades rurais como
fundamento ao aspecto empírico da tese. O plano proposto para esse capítulo
enfoca, a princípio, o conceito de território em diferentes momentos da construção
do pensamento geográfico. A noção de escala geográfica tamm contribui para o
entendimento da organização complexa que assume o território quando se trata da
ruralidade ali expressa, inclusive no contexto da pluriatividade e das relações
estabelecidas entre campo e cidade. Por meio dessa articulação, compreende-se
com maior clareza de que modo o meio técnico-científico e informacional atua sobre
os territórios rurais modificando seus conteúdos.
A segunda parte se inicia com o terceiro capítulo da tese O modelo de
modernização agrícola-tecnológico e a configuração do território rural no município
32
de Cascavel PR - buscando apresentar as características da expansão capitalista
na agricultura, mediadas pela orientação industrial. Cabe acrescentar que o
movimento transescalar do capital no território propiciou tamm à região Oeste do
Paraná e ao município de Cascavel que se tornassem palco de significativas
transformações sócio-produtivas em momentos posteriores.
O quarto capítulo Agricultura familiar e dinâmica capitalista: a contribuição
das teses clássicas para o debate atual - volta-se à compreensão do papel da
agricultura no modo de produção capitalista, enfatizando as teses que orientaram
historicamente a discussão sobre o modo de produção capitalista bem como a
atualidade do debate. Esse amparo teórico subsidia, num segundo momento, a
interpretação das categorias de produtores rurais alicerçadas no modelo de
modernização da agricultura viabilizado no Brasil procurando sua diferenciação.
A seqüência do trabalho procura analisar a base empírica da pesquisa, ou
seja, a organização do território rural na condição atual. Assim, a diretriz do capítulo
cinco A agricultura e a construção de territorialidades: organização e
funcionamento no rural de Cascavel s 1990 aborda-se as distintas
configurações sócio-produtivas ali existentes, em áreas onde se faz presente a
agricultura patronal e, principalmente, a familiar, esta última desempenhando
atividades agrícolas e configurando tamm a pluriatividade.
O sexto e último capítulo – Políticas Públicas e as novas estratégias de
desenvolvimento dos territórios rurais pós 1990 estabelece uma leitura da
participação do Estado, as possíveis mudanças institucionais e as novas estratégias
de desenvolvimento dos territórios rurais ancoradas na agricultura familiar. A análise
estrutura-se numa orientação multiescalar para compreender o papel dos diferentes
agentes envolvidos nesse processo.
Em conjunto, a estrutura teórico-metodológica proposta nos capítulos
mencionados contribui para oferecer um quadro geral das transformações territoriais
postas no rural de Cascavel diante das complexas exigências do capital entre 1960
até 2007. Cabe ressaltar, entretanto, que a modernização da agricultura no Oeste do
Paraná e, de modo especial em Cascavel, é contínua e o território, como palco
dessas transformações, torna-se objeto de novas reflexões e questionamentos.
P
ARTE
I
C
ASCAVEL
:
UM MUNICÍPIO PARA ESTUDO DAS TRANSFORMAÇÕES
TERRITORIAIS NO RURAL DO
O
ESTE DO
P
ARANÁ
O conjunto de especificidades presentes no território rural do município de
Cascavel vincula-se, em certos aspectos, ao processo de acumulação de capital em
escalas econômico-financeiras mais ampliadas. Nesse sentido, é válida a análise
dos principais aspectos que permitiram a inserção da região Oeste do Paraná na
dinâmica produtiva brasileira e, de modo especial, sua participação no processo de
modernização da agricultura.
O plano dos dois capítulos que comem a primeira parte deste estudo
propõe uma caracterização geral do município de Cascavel no contexto da economia
paranaense. Abordou-se, para tanto, a formação do território do Oeste do Paraná,
observando-se a lógica da ocupação efetiva de área a partir dos anos 1940. Na
seqüência, elabora-se uma leitura para meados da década de 1950 e 1960, tratando
as transformações na estrutura produtiva agrícola e sua contribuição para a
modernização [mecanização da agricultura e industrialização do campo] nesse corte
territorial. A caracterização da área de estudo compõe a terceira e última parte desse
capítulo.
No segundo capítulo são discutidas as diferentes noções de território e sua
posição no conjunto da análise geográfica. É justificável, portanto, a estruturação
teórica que fundamenta esse trabalho. Desse modo, entende-se que a escala
geográfica contribui para a compreensão das transformações socioeconômicas que
decorrem da reestruturação produtiva. É ainda explicitada a noção de “ruralidade”
como expressão do território. Outro aspecto abordado nessa primeira parte do
estudo é a redefinição da complexa relação campo-cidade e a construção de novas
territorialidades rurais. O município de Cascavel, conforme mencionado
anteriormente, ocupa uma posição de destaque na hierarquia urbana regional, o que
acaba por influenciar a constituição de suas atividades rurais.
1
O
PROCESSO DE OCUPAÇÃO E A FORMAÇÃO TERRITORIAL DO
MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
PR
Este capítulo contempla os diferentes processos de exploração e produção
econômica na região Oeste do Paraná e, em especial, no município de Cascavel,
mostrando tamm um panorama do seu território rural no período atual. Nesse
sentido, dividiu-se a abordagem em duas partes: primeiramente, organizou-se uma
periodização tendo como base o processo de ocupação efetiva dessa porção do
território, justificada, sobretudo pela presença da madeira em abundância, que foi
explorada pelos primeiros imigrantes, oriundos, principalmente, das zonas coloniais
do Rio Grande do Sul.
No conjunto das discussões aqui propostas, há a elaboração de um cenário.
Isso porque a configuração territorial vinculada ao rural nessa região do Paraná e
ainda as atividades rurais existentes no município de Cascavel resultam de
movimentos socioeconômicos anteriores.
Na seqüência, são apresentadas algumas das características geo-
econômicas relativas ao município de Cascavel que se constituem numa espécie de
“pano de fundo” para as territorialidades presentes no rural no período recente. Tais
características não se dissociam da dinâmica do estado do Paraná, principalmente
quando se considera que a região Oeste é importante produtora de grãos deste
estado, além de possuir um expressivo rebanho leiteiro que a coloca em posição de
destaque tamm nessa atividade.
1.1 F
ORMAÇÃO TERRITORIAL E OCUPAÇÃO DA REGIÃO
O
ESTE DO
P
ARA
Quando se busca compreender alguns dos aspectos relacionados à formação
territorial da região Oeste, certos questionamentos são válidos como: à medida que
se iniciou a ocupação das terras no Paraná, mais especificamente na região Oeste e
Sudoeste, como ela se orientou? Ainda: de que forma a ocupação iniciada em
meados da década de 1940 influenciou na formação territorial atual da região e do
município de Cascavel?
35
Procurando atender a tais questões, neste item são caracterizadas as
primeiras orientações geo-econômicas relacionadas ao território do Oeste do
Paraná, considerando-se, para tanto, as transformações produtivas na década de
1950 e 1960. Cabe acrescentar que tais transformações o se dissociam de outros
eventos históricos em momentos anteriores. Ressalta-se, nesse sentido, a presença
indígena Guarani, marcadamente expressiva, conforme relatos históricos, ao longo
dos culos XVII ao XIX e, ainda, a exploração econômica das companhias
estrangeiras [anglo-argentinas] que exploraram a erva-mate e a madeira na região
Oeste entre fins do século XIX até meados da década de 1930. Outro evento
marcante para o crescimento regional foi a intensificação na exploração da madeira
regional ao longo dos anos 1950, que derivou em grande parte, da acentuada
demanda por madeira no período s Segunda Guerra Mundial e da expansão
econômica brasileira, proporcionando uma efetiva ocupação nesse espaço.
(COLODEL, 2003)
Desse modo, tal ocupação buscou, prioritariamente, a continuidade na
exploração dos recursos naturais existentes, procurando ampliar a produtividade das
áreas ocupadas e viabilizar os aspectos de ordem estrutural, como os equipamentos
urbanos e a acessibilidade à região. Menciona-se tamm, os aspectos de ordem
institucional e organizacional, como a criação de instâncias locais apropriadas à
coordenação das atividades que se desenvolvem. Além da exploração da madeira,
pode-se acrescentar o café como expressão primordial do território paranaense
nesse momento.
Para a viabilização desse território como um território usado foi primordial,
portanto, a combinação entre potenciais humanos e naturais em três fases distintas.
A primeira caracteriza-se pela exploração praticada por capitais estrangeiros,
principalmente argentinos e ingleses, em busca das riquezas naturais, a erva-mate e
a madeira, até meados da década de 1930.
Um segundo momento caracteriza-se pela ocupação efetiva a partir de 1940 e
culmina com a viabilização em escala regional, das condições necessárias à
absorção da modernização da agricultura. Na seqüência, verifica-se a incorporação
do modelo agrícola em questão, estruturado, principalmente, na produção de
commodities para a exportação, como foi o caso da soja e da inserção de novas
36
orientações produtivas mediadas pela constituição dos complexos agroindustriais a
partir de 1980.
Na discussão proposta neste item, procura-se compreender, inicialmente,
alguns dos traços de ocupação do território brasileiro em fins do século XIX,
notadamente na região Sul. Estes dizem respeito, entre outras variáveis, ao
processo migratório europeu para o Brasil, sobretudo ao Rio Grande do Sul e Santa
Catarina.
Para Prado Jr (1983, p.183), a questão da imigração européia do século XIX
encontra-se estreitamente vinculada às crises provocadas pelo regime da
escravidão. “Empregou-se [a imigração européia] sobretudo para povoar e ocupar
regiões de valor estratégico que a imigração espontânea deixava ao abandono; [...]
é o que se deu em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.” Nesses estados, o
imigrante não se fixou como assalariado, mas iniciou um incipiente, mas significativo
processo de mercantilização do excedente.
[
...] o imigrante o se fixa como assalariado, mas encontra facilidades
para aquisição de pequenas propriedades, e é nestas condições que se
estabelece. O sistema de ‘colonização acima definido, aqui predomina
inteiramente. Constitui-se assim, nesta parte do Brasil, um setor cuja
organização econômica e social é bem distinta da do resto do país: grande
parcelamento da propriedade fundiária, ausência do latifúndio; em vez de
grandes lavouras do tipo do café, do açúcar ou do algodão, que produzem
sobretudo para o comércio exterior, pequenas culturas e outras atividades de
caráter local e destinadas ao abastecimento interno do país: cereais, vinho,
produtos de granja, etc.” (PRADO JR., 1983, p.204)
Na formação da pequena propriedade associada à colonização estrangeira
salienta-se que: “A ambição pela posse da terra forma nesses imigrantes um impulso
muito poderoso, e constitui ela com certeza um dos mais fortes senão o mais forte
estímulo que os leva a abandonarem sua pátria onde tal oportunidade lhes é
negada”. (PRADO JR. 1983, p.249). Essa “ambição” mencionada pelo autor foi um
dos importantes atributos para que se efetivasse, num momento posterior, a
colonização da região Oeste do Paraná, quando começavam a diminuir as
condições para a reprodução socioeconômica nas colônias do Rio Grande do Sul e
de Santa Catarina.
37
Diversos trabalhos já contemplaram o estudo da evolução da região Oeste do
Paraná considerando o contexto proposto por Prado Jr (1983). Dentre estes, cabe
mencionar as interpretações dadas por autores como Westphalen, Machado e
Balhana (1968), Padis (1981), Abramovay (1981) Mellos (1988), abordando as
inúmeras transformações que configuram essa porção do território paranaense.
Westphalen, Machado e Balhana (1968, p.4) apresentam uma descrição a
meados de 1930 da economia paranaense e tamm da região Oeste do Paraná.
Para os autores, especificamente para o Oeste, a conjuntura daquele período
favorecia, nessas áreas, uma ocupação extensiva, rarefeita, estruturada por meio da
concessão de grandes áreas de terras devolutas, fornecidas pelo Governo do
Estado, às companhias particulares, exploradoras do mate e da madeira. Não havia
ligações com a comunidade tradicional paranaense [Campos Gerais e Curitiba],
muito menos a efetiva colonização do território concedido.
A exploração, nesse período, proporcionava às empresas argentinas, elevada
taxa de lucro, visto que o havia qualquer preocupação na realização de inversões
produtivas na região. Além disso, a comercialização da produção era realizada na
Argentina, deixando de proporcionar à região Oeste do Paraná qualquer
movimentação econômica que pudesse dinamizar a economia local, embora esta
estivesse inserida no comércio internacional naquele momento, mesmo que isolada
do próprio Estado. “[...] as concessões foram o marco inicial daquela integração da
região ao mercado sul-americano (erva-mate e madeira) e mundial (madeira), muito,
em função das vantagens de transporte, proporcionadas pela navegabilidade do Rio
Paraná.” (MELLOS, 1988, p.60)
Um aspecto importante na relação entre o governo brasileiro e as companhias
exploradoras era o compromisso na dotação infra-estrutural da região por parte das
companhias estrangeiras, o qual nunca foi honrado. Em função disso, a colonização,
urgente naquele momento, também não aconteceu, retardando o processo de
crescimento e desenvolvimento regional. Mellos (1988, p.65) afirma que “[...] a infra-
estrutura que se configurou na região voltava-se apenas ao transporte e
armazenagem da erva-mate.”
38
A estrutura viária era rudimentar, incipiente e atrelada aos interesses das
companhias; por meio delas surgiram os pousos (postos de paragens) para
descanso dos animais
1
. A origem de municípios como Cascavel, Toledo, Santa
Helena, está atrelada a esses locais de parada. Assim, antes da década de trinta, os
povoados que, aos poucos, formavam-se no interior da região, eram dependentes
das companhias de exploração, exercendo funções como depósitos, armazéns,
pequenos estabelecimentos comerciais e barbaquás
2
.
Cabe destacar que o esforço de nacionalização dessa porção do território,
procurando livrá-la do isolamento imposto aos anos 1930, começa a proporcionar
muitas das mudanças que ali se faziam necessárias. De acordo com Abramovay
(1981, p.39)
3
, “[...] foi nesta época que Getúlio Vargas tentou concretizar um dos
mais ambiciosos objetivos de seu governo, a Marcha para o Oeste, a colonização
das terras distantes e desocupadas, com base sobretudo no sistema de pequenas
propriedades.” Como conseqüência, a presença do capital estrangeiro na região se
encerra no início dos anos 1940.
Deve-se atentar, contudo, para a continuidade da atividade exploratória na
região, determinando, ainda, as condições de economia primário-exportadora.
Embora fosse sentido o declínio do mate, como pauta de exportação, a exploração
da madeira, de modo contrário, ascendia em termos de comercialização com o
exterior.
1.2 A
COLONIZAÇÃO EFETIVA
:
1940-1960
Nessa fase, em meados de 1940, identificam-se os primeiros movimentos
39
conforme mencionado anteriormente, a imigração dos estados de Santa Catarina,
Rio Grande do Sul e, em menor proporção, São Paulo e estados nordestinos.
Nesse conjunto de transformações, as atenções desta pesquisa voltam-se
especificamente à ocupação efetiva do território paranaense a partir da cada de
1950. No início dessa integração, foi na região Sudoeste que se congregou a maior
parte do fluxo de imigrantes vindos do Estado do Rio Grande do Sul. Para Padis
(1981, p.151) isso se verifica por meio da consolidação da estrada União da Vitória-
Palmas-Clevelândia e, posteriormente, Pato Branco. O autor ainda afirma que, até a
década de 1940, o município de Pato Branco foi considerado centro irradiador de
dinamismo”, sendo, portanto, causa do aparecimento de diversos cleos de
ocupação.
Note-se, entretanto, que a ocupação das terras do Sudoeste do Estado do
Paraná ocorria, ainda, durante a década de 1920, porém não pôde ser considerada
expressiva durante esse período, a ponto de proporcionar alterações cio-
produtivas mais concretas, embora tenha ocorrido em grande escala
(WESTHPALEN, MACHADO E BALHANA, 1968, p.20).
Somente alguns anos depois de já iniciada a “nacionalização” daquela parte
do território brasileiro é que viria a efetivar-se seu povoamento.
Ressalta-se ainda que o entendimento do processo que então se iniciava na
região Oeste do Paracom a vinda dos colonos do Sul não pode ser analisado
isoladamente. Conforme descreve Padis (1981, p.215), “[...] a ocupação desta parte
do território foi reflexo e decorrência de acontecimentos havidos em outra parte do
País e, alheios ao Paraná. Ou seja, a crise grassada na economia sul-riograndense
é que determinou o deslocamento da fronteira agrícola do sul do País para aquela
região.” Isso dificultou a ampliação da economia de troca naquelas localidades, que
era voltada basicamente à policultura e ao minifúndio, calcado sobretudo na
organização do trabalho familiar e visando à subsistência.
Mas o apenas os aspectos relacionados às tentativas de reprodução
mercantil da 1(i)-18.1485(n)-4.348497Q84( )2784.34718(s)-0.310251danainida1(p)-4.3484(o)-4.3484(d)-4.3484(l)-18.1489( )-142.261(4.34718(r)-7)-4.3484(e)-18.1485(o)-4.3484(c)-4.3484(l)-18.1489(14(P)6.591(a)142.261(n)-4.3484(-2.1742(s)-0.310251( )-102.236(p).261(c)-0.310251(o)-4.34718(m(d)15.664(a)-4-18.141.62)-7.2115(.236(d)-4.3484(a)8( )-402.422(s)-0.31025)-4.34718(c)19.7022((o)-4.3484(d)-4.3484(l)-18.1489( )-142.261()-4.3484(l)-18.1418(r)-7.2115(a))32.5031(i)-18.1485(a)à)-4.3484( )-2.1.3484(d)-4.3484(a)-4.34748ü)-0.31025a paio-
40
descendentes de poloneses e principalmente, de italianos e alemães, e o porquê da
região Oeste transformar-se em endereço final dessa população naquele período.
Disso vai derivar todo o processo de integração da região Oeste com o
próprio Estado do Paraná e a mercantilização da produção nesse mesmo espaço a
partir dos anos 1950. Esta atende às características próprias de produção e
estrutura agrária que reproduziam os colonos sulistas anteriormente e é justamente
por meio delas que se inicia uma nova configuração na utilização do território do
Oeste do Paraná.
Nota-se que as profundas modificações ocorridas na colonização de
descendência italiana e alemã adm basicamente da insuficiência de terras, ou
seja, de mudanças na própria estrutura fundiária a partir da década de 1940, nas
regiões Norte e Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.
[...] o processo de colonização e ocupação dessas áreas, iniciado no
culo passado, baseou-se em atividades agro-pastoris que se desenvolviam
em propriedades de tamanho familiar, isto é, lotes suficientes para a
absorção da disponibilidade de força de trabalho de uma família.” (PADIS,
1981, p.167)
Decorre que, com o aumento do número de descendentes, essa estrutura
acabou por tornar-se incapaz de continuar a absorver a crescente mão-de-obra. As
divisões feitas por ocasião de heranças aumentaram o mero de minifúndios e,
entre outros motivos, fizeram diminuir o tamanho das propriedades que tinham em
média sessenta hectares. Isso resulta, de acordo com Mellos (1988, p.27) em, [...]
perca da condição social dos camponeses do sul do Brasil, resultado da rápida
penetração do capital na atividade agrícola.”
A ampliação da presença do capital nesse período está ligada ao aumento da
área dos latifúndios, retraindo o mero de propriedades de tamanho médio. Padis
(1981, p.155) descreve também que tanto o agigantamento quanto a minifundização
foram responsáveis pela expulsão da população da zona rural. Observa-se aqui a
incapacidade de absorção dessa mão-de-obra das áreas rurais pelos centros
urbanos locais, o que acabou praticamente obrigando a população mais jovem a
migrar, já que o desemprego naquele período era fato constante dada à crise pela
qual passava a economia gaúcha. Cabe acrescentar que os centros urbanos locais,
41
mencionados pelo autor, tinham apenas uma função complementar à agricultura,
prestando serviços mais simples, em grande parte relacionada ao comércio e, dessa
forma, tinham limitada capacidade de absorção de mão-de-obra.
Na dinâmica desse deslocamento, surgiram as companhias colonizadoras.
Inicialmente, os assentamentos foram feitos no próprio Estado do Rio Grande do
Sul. Somente quando se esgota aquela fronteira agrícola, é que se verifica a
ocupação do território catarinense e, posteriormente, do Sudoeste e Oeste
paranaense. [...] isto gerou no sudoeste do Paraná, rápida transformação,
revitalizando, demográfica e economicamente os núcleos populacionais,
contribuindo para sua multiplicação.” (PADIS, 1981, p.156)
Na década de 1940 essas companhias iriam proporcionar a colonização
efetiva da região Oeste do Paraná. Foi nesse período e, mais especificamente
durante os anos de 1950 “[...] que os colonos gaúchos e catarinenses, pertencentes
à mesma corrente migratória passaram a ser assentados no Oeste paranaense.”
(MELLOS,1988, p.92).
De acordo com Westphalen, Machado e Balhana (1968, p.42), no ano de
1957, trinta companhias imobiliárias operavam no Oeste e Sudoeste do Paraná, com
interesse em terras e pinheiros, constituindo inclusive uma Associação das
Empresas Colonizadoras do Oeste do Paraná.
Destaca-se, nesse contexto, a companhia colonizadora MARIPÁ
4
que,
adquirindo terras de uma companhia exploradora argentina, a Maderas del Alto
Paraná, acabou realizando uma colonização rápida, reproduzindo as características
de produção dos produtores familiares gchos, ou seja, pequena propriedade e
policultura.
“Através deste novo movimento, surgem cidades novas, como Toledo,
Marechal Cândido Rondon e outras. A região teria mais tarde a cidade de Cascavel
como centro polarizador”. (WESTPHALEN, MACHADO e BALHANA 1968, p.7)
Isso se justifica, pelo fato de que, [...] na década de cinqüenta, o aumento da
população não se fez mais notável nas cidades de origem mais antiga. Ao contrário,
4
Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná S.A., com sede no atual município de Toledo.
42
exatamente para as regiões ainda virgens afluíram, com mais intensidade essas
populações.” (PADIS,1981, p.160).
Na descrição feita por esse autor, em um primeiro momento, ainda durante a
década de 1940, pode-se afirmar que o próprio isolamento que se observava na
região, em relação às demais regiões do Estado do Paraná, acabou reforçando os
laços com o estado do Rio Grande do Sul, nculo que ainda hoje está presente. As
semelhanças em relação à geografia das regiões Norte e Noroeste do Rio Grande
do Sul, em relação ao Sudoeste do Paraná, tamm reforçaram a continuidade das
atividades anteriormente desenvolvidas.
É importante destacar que, embora seja a mais significativa, não foi apenas a
migração dos colonos do Rio Grande do Sul que proporcionou integração e
desenvolvimento à região Oeste do Paraná, sendo importante mencionar a presença
dos caboclos. Essa frente foi inicialmente ligada à expansão das atividades dos
descendentes dos tropeiros que, entre Guarapuava e Foz do Iguaçu, resistiram à
semi-escravidão, imposta pelos interesses anglo-argentinos e preferiam plantar
milho e criar suínos
5
em áreas próximas ou mesmo distantes das trilhas ervateiras.
Inicialmente, esses caboclos praticavam caça, pesca e coleta, ou seja,
aceitavam as fontes dadas pela natureza. Como eram itinerantes, nômades, não
conseguiram acompanhar a mercantilização que ali ocorria a partir dos anos 1940 e
43
Com o despontar da mercantilização na região, os caboclos cederam lugar
para uma nova organização produtiva. “[...] mais do que uma transição sócio-
econômica, houve uma transformação étnica e cultural”. (idem, p.32)
Outra frente que tamm aportou na região Oeste do Paraná vinha do Norte
do Estado tendo o plantio do café como propulsor, embora, por questões climáticas,
a cultura do café não tenha ali se expandido. Portanto, essa frente teve que se
adaptar às condições impostas pela região para expandir sua agricultura, não sendo
o café o elemento propulsor da região. Vale lembrar, entretanto, que foi o café o
responsável pela criação da primeira instituição financeira em Cascavel, o Banco
Piquiri, em meados da década de 1960. (PIERUCCINI, 1998).
Na primeira fase da colonização, é importante ressaltar que era incipiente a
comercialização dos excedentes produzidos. Durante a década de 1950, observa-se
que grande número de latifúndios pertencia às companhias colonizadoras, porém os
lotes de terra comercializados por essas companhias continuavam a caracterização
dos minifúndios das regiões de origem, absorvendo apenas o trabalho familiar, com
a produção pouco vinculada ao mercado.
A homogeneidade na colonização tamm é outro traço marcante na
configuração do espaço regional desse momento. As atividades produtivas eram
semelhantes em imeras propriedades com nível tecnológico relativamente baixo e
limitado acesso ao mercado, a exemplo do Rio Grande do Sul. Nesse contexto,
introduz-se a suinocultura e a produção agrícola, como atividades econômicas;
obedecia-se assim, à necessidade de manutenção do rebanho suíno e, tamm, da
manutenção da própria família. Destaca-se que inúmeros fatores acabaram
contribuindo para a formação dessa policultura-criação entre estes,
[
...] a propriedade [e não mais a posse incerta da terra], o trabalho numa
terra fertilíssima e cujas dimensões permitiram o funcionamento de um
sistema de rotação de terras onde era possível obter uma grande produção
de cereais.” Além destes fatores, destaca-se o traço mercantilista dos
agricultores, “tecnicamente preparados para a mecanização agrícola com
base no trabalho animal e um mercado urbano em expansão. (idem, p.76)
Assim, a mercantilização dos excedentes que se iniciava aliada à tendência
de especialização da produção, fortaleceu mais tarde as primeiras agroindústrias
44
que se instalaram na região, a saber, os frigoríficos. As características de
colonização mais marcantes nesse processo estão relacionadas
[...] à própria dotação infra-estrutural que, aos poucos, consolidava-se e,
também, a aspectos espeficos do transporte, que, aliados ao pprio
assentamento proporcionaram o desenvolvimento de uma agricultura
organizada, com base no trabalho familiar crescentemente integrada ao
mercado”. (MELLOS,1988, p.27).
Diante dessa influência, a comercialização dos excedentes fez a região
despontar como fornecedora de “produtos in natura”, e ampliou o consumo de bens
manufaturados. Como conseqüência disso, aumentou-se o comércio nos núcleos
urbanos que se iniciavam. Consequentemente, maiores áreas de terras eram
ocupadas, objetivando a produção voltada para o mercado, como o arroz, o feijão e
o trigo. A Figura 1 mostra área com plantio de arroz no município de Cascavel.
F
IGURA
1
P
RODUTORES RURAIS NA COLHEITA DO ARROZ
R
IO DAS
A
NTAS S
/
D
F
ONTE
:
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USEU DA
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MAGEM E DO
S
OM
45
Para Padis (1981), no último inqüênio
6
, o valor da produção das lavouras
da região Oeste [incluindo-se aqui o município de Cascavel] atingiu, em média, cerca
de 16% do total do Estado. Entre as estimativas de lavoura desenvolvida que se
ressaltar especialmente a produção do milho, que, sozinha, era responsável por
quase 30% do valor total dos produtos das culturas da região. Atenta-se para o fato
de que o milho era considerado produto intermediário, estando atrelado à produção
de suínos. Quanto aos cultivos destinados ao consumo e à comercialização local,
Padis (1981, p.180), afirma serem significativos, na região, por ordem decrescente
de importância: o feijão (15% do valor da produção da lavoura regional), a mandioca
(12%), o trigo (11%), o arroz (8%), a soja, a batata-inglesa, e a batata-doce (que
juntas perfazem 14%). O autor ainda destaca a importância, à nível estadual do
centeio, do fumo, do milho e da soja.
Vale acrescentar que, de acordo com o Censo Agrícola realizado em 1960,
dos 261.039 estabelecimentos recenseados no estado do Paraná, 171.849 estavam
nas mãos de proprietários; somavam-se ainda 55.404 estabelecimentos arrendados
e 33.786 estabelecimentos ocupados. Do total, 72.628 tinham no casua atividade
predominante. Outra atividade de destaque nesse período é o cultivo do milho. Nos
9.162.383 ha - hectares de área cultivada em terras próprias [70.137
estabelecimentos com 3.107.112 ha] cultivava-se o milho de forma predominante.
No momento em que a policultura se constituía essencialmente como a atividade
agrícola predominante, iniciava-se tamm uma significativa mudança na forma de
exploração da atividade econômica diante da possibilidade de modernização
produtiva. Eram arados de tração animal e as máquinas sendo utilizados
concomitantemente. Chama ainda a atenção uma limitada monetarização dos
processos de troca, que eram em sua maior parte feitos em produto.
Considerando apenas as propriedades individuais no estado do Paraná,
19.086 estabelecimentos realizavam pagamentos em dinheiro e 33.045 o faziam em
produto.
Ainda nesse momento, na vasta região Oeste do Paraná, a maior parcela das
propriedades era individual: 96.767 estabelecimentos individuais dentre os 127.191
6
1965 é o ano à que se refere o autor em seu estudo, visto que o conclui em 1970.
46
estabelecimentos pertencentes à zona fisiográfica do Oeste
7
. Vale acrescentar que
mesmo na região Oeste, distintas configurações devem ser consideradas, pois,
como se tratava de área abrangente, os processos migratórios eram tamm
diferenciados, sinalizando para condições agropecuárias distintas, com outros
recortes fundiários não necessariamente compatíveis com o que se desenvolveu
produtivamente em Cascavel. Por isso, cada local constrói suas especificidades e
procura, quando possível, estabelecer laços interescalares mais dinâmicos, de
acordo com as exigências do capital. O Quadro 1 expõe particularmente a condição
legal dos estabelecimentos em Cascavel associando-a em diferentes escalas.
Q
UADRO
1.
ESTABELECIMENTOS E ÁREA SEGUNDO A CONDIÇAO LEGAL DAS TERRAS NO ESTADO DO PARANÁ
,
NA ZONA FISIOGRÁFICA DO OESTE E MUNICÍPIO DE CASCAVEL
1960.
P
R
O
ESTE
C
ASCAVEL
P
RÓPRIAS
A
RRENDADAS
O
CUPADAS
P
RÓPRIAS E
ARRENDADAS
A
RRENDADA
S E
OCUPADAS
EST
.*
ÁREA
*
EST
.
ÁREA
EST
.
ÁREA
EST
ÁREA
EST
ÁREA
P
ARANÁ
171849 9162383 55404 775215 33786 1062026 5188 232380 928
18
979
ZONA
DO OESTE
69078 3028707 27075 356184 29430 35971 663 45391 280 6
692
CASCAVEL
2665 132397 22 1669 1893 85861 9 855 - -
FONTE
:
IBGE
-
CENSO AGRÍCOLA DE
1960
*
E
ST
.
ESTABELECIMENTO
*
ÁREA
CORRESPONDÊNCIA EM HECTARES
-
EXCLUÍDA INFORMAÇAO REFERENTE ÀS ÁREAS PRÓPRIAS E OCUPADAS
Na observação desse quadro, um aspecto interessante diz respeito ao
expressivo número de estabelecimentos ocupados na zona do Oeste e também no
município de Cascavel. Embora houvesse 2.665 estabelecimentos próprios, no total
de 4.621 estabelecimentos recenseados, eram intensos os conflitos fundiários no
município, visto que 1.893 estabelecimentos ainda eram ocupados.
Assim, o fato de se iniciar a atividade agrícola não diminuiu os episódios
relacionados aos conflitos fundiários na região Oeste. Como bem lembram
Westphalen, Machado e Balhana (1968, p.34): “[...] em todo o Paraná desdobrava-
se a luta entre a posse e o domínio.”Num trecho específico relacionado à questão da
intrusagem, os autores afirmam que:
7
A zona fisiográfica em questão partia de um estudo proposto pela Comissão de Coordenação do
Plano de Desenvolvimento Econômico do Estado PLADEP em 1961. O Paraná foi dividido em três
grandes regiões, sendo que a região Oeste compreendia as terras que descem da Serra da
Esperança até o Rio Paraná. Dentro dessa região, segundo características culturais comuns, foram
estabelecidas zonas congregandoTerceiro Planalto, sete municípios, Zona de Pitanga, seis
municípios, Faixa Sul da Fronteira, com vinte e seis municípios e Faixa da Fronteira, somando
dezessete municípios. (PIERUCCINI, 1998). (Anexo 2)
47
Os papa-terras devoram tamm as terras do Oeste. Muitas vezes,
bandoleiros paraguaios, em lugar da Polícia, são utilizados na operação de
despejo dos posseiros, a pretexto de que estes são intrusos. As terras dos
índios não escapam ao esbulho. Até mesmo em Guarapuava, bandoleiros
tentam apossar-se dessas terras, havendo mortos e feridos na luta. (idem,
p.35)
De acordo com o depoimento do produtor rural L.D.
8
, os constantes episódios
de “grilagem verificados nesse período ocorriam por conta da exploração da
madeira, das reservas de pinho e não diretamente em função da terra. Desse modo,
as terras devolutas eram ocupadas e, na seqüência, era retirada a madeira
existente. Num segundo momento, as mesmas áreas eram legalizadas com
possibilidades de exploração na atividade agrícola. Outro depoimento tomado
corrobora essa afirmação: Naquele momento o lucro era realizado prioritariamente
pela exploração da madeira, pois a policultura possibilitava limitada acumulação”
(Sr. S.H)
9
. Também o Sr. U.P
10
expôs um interessante relato:
[...] aquele pequeno proprietário que tinha uma terra, uma posse, dizia-se
assim naquela época: ‘minha posse lá, vale tanto’ e os fazendeiros, para
poder formar uma fazenda melhor, chegavam para esses moradores
que tinham uma determinada área de terra como posse e ofereciam tanto.
Daí eles legalizavam, tinham maior conhecimento e mais facilidade para a
legalização dessas terras. Mas normalmente não era considerado o valor da
terra, era considerado o valor do que ele [o posseiro] tinha em cima. Era uma
casinha, ou era um paiol, era uma benfeitoria.
Era, portanto, o interesse na exploração da madeira em escalas mais
ampliadas, que dava o tom à atividade produtiva regional, quer em função dos
interesses argentinos e ingleses num primeiro momento ou, num segundo momento,
diante da demanda interna proporcionada, por exemplo, pela construção de Brasília.
Havia, em ambos os casos, uma relativa competitividade na extração, apesar das
limitadas condições infra-estruturais.
Para Mellos (1988), num primeiro momento, o interesse dos novos grupos
exploradores, oriundos principalmente do Rio Grande do Sul, não estava vinculado
apenas à madeira, mas tamm à possibilidade de abertura de novas áreas para as
frentes migratórias que crescentemente abandonavam aquele estado. Conjugaram-
se assim os dois interesses e formaram-se as madeireiras colonizadoras.”
8
Entrevista realizada em 16 de janeiro de 2007.
9
Entrevista realizada em 18 de janeiro de 2007.
10
Entrevista realizada em 28 de novembro de 2006.
48
(MELLOS, 1988, p.93) O autor ainda especifica diferentes objetivos relacionados à
presença das madeireiras nesse momento da história regional.
[
...] deve-se ressalvar que a conjugação destas duas atividades [madeira e
abertura de áreas de terra] predominou nas áreas anteriormente pertencentes
às empresas estrangeiras, ou seja, onde a colonização foi realizada
pela iniciativa privada. Porém [...] nem todos os empreendimentos
conjugaram as duas atividades, pois ocorreram casos de grandes áreas
adquiridas onde se desenvolveu a atividade madeireira e que não foram
objeto de assentamento de colonos. Ocorreu ainda o caso de madeireiras
que implantaram suas atividades nas áreas colonizadas pelo Estado do
Paraná, e houve casos em que, após a madeira ser retirada, os
proprietários transferiam às colonizadoras o direito de assentarem colonos
em suas terras, mediante o pagamento de comissões àquelas
companhias. Além disto, ocorreu também a associação de colonizadoras
na promoção da ocupação de determinadas áreas. (MELLOS, 1988, p.93)
Para o município de Cascavel, o houve diretamente a intenção de assentar
colonos, mas principalmente de retirar a madeira. É importante o papel da Industrial
Madeireira e Colonizadora Rio Paraná S/A Maripá que adquiriu em 1946, a
Fazenda Britânia. Segundo Mellos (1988), uma alteração no controle do grupo
permitiu que em 1949 fosse criado outro importante grupo de exploração: a empresa
Pinho e Terra Ltda
11
.
As principais áreas de atuação desta empresa no Extremo-Oeste situavam-se
entre os arredores de Cascavel e as proximidades de Foz do Iguaçu, cujos
imóveis foram obtidos por um de seus cios, que conseguiu levantar as
hipotecas de áreas anteriormente pertencentes às empresas Companhia
Florestal Para(de Miguel Matte) e da Nunes y Gibaja. (MELLOS, 1988,
p.95)
O referido autor ainda observa que em especial a gleba Bezouro, então
pertencente à empresa argentina Domingos Barthe foi adquirida em 1946 pela
Madeireira Lupion. “Fazia parte deste grupo Moisés Lupion, governador do Paraná
no período 1946-50. Este governador era sócio da Clevelândia Industrial e Territorial
Ltda CITLA...” (idem, p.97). A referida empresa foi responsável por desencadear
inúmeros conflitos fundiários espalhando terror entre os agricultores na região
Sudoeste do estado do Paraná. O constante enfrentamento entre a CITLA e
11
A colonização realizada pela empresa Pinho e Terra Ltda. contou ainda com parcerias com outras
companhias como a Colonizadora Gaúcha, Colonizadora Bento Gonçalves, Colonizadora Matelândia.
A área do imóvel Lopeí, que pertenceu a Nunes y Gibaja e que se estendia entre os municípios
Cascavel e Toledo, foi repassada para a Agro-Industrial São Roque (MELLOS, 1988, p.96)
49
agricultores, desencadeou, em 1957, a revolta de produtores rurais que expulsou a
empresa da região. (MELLOS, 1988).
Embora a presença do Grupo Lupion tenha sido intensa na região Sudoeste,
em se tratando do Extremo-Oeste, os interesses diretos do referido grupo tiveram
pouca duração.
[
...] em 1948 [o grupo Lupion] vendeu aquele imóvel com as duas
serrarias instaladas em 1946, uma no então povoado de Cascavel e outra nas
proximidades deste, às margens da rodovia que ligava Cascavel a Foz do
Iguaçu. A partir desta transação surgiu a industrial Madeireira do Paraná que
ficou com o patrimônio da Madeireira Lupion (MELLOS, 1988, p.97)
É importante destacar ainda a participação oficial no processo de colonização
da região Oeste. A Fundação Paranaense de Colonização e Imigração se fazia
presente por meio do Departamento Administrativo do Oeste. Segundo Mellos
(1988), houve inicialmente a possibilidade de atuação no sentido de legalizar as
posses, principalmente daquelas áreas que não haviam sido entregues para as
concessões às empresas estrangeiras, ou ainda em áreas onde houve a anulação
delas. De acordo com este autor, após 1956, em função do segundo mandato de
Moisés Lupion, a atuação da Fundação amparava os interesses de grileiros e alguns
madeireiros que, contando com a conivência da autoridade policial, espalhavam
terror entre os pequenos posseiros. (MELLOS, 1988, p.98)
que se ressaltar que, mesmo que o capital envolvido na exploração da
madeira fosse nacionalizado a partir de meados da década de 1950, pelo fato de
que os grupos empresariais do sul do Brasil absorviam significativas áreas de
exploração madeireira, a dinâmica do setor era aindacapitaneada” pelos interesses
estrangeiros, principalmente argentinos, o maior consumidor da madeira da região
Oeste naquele período.
A ênfase aqui dada a madeira paranaense deve-se ao fato de que
na década Cinqüenta as maiores reservas florestais economicamente
vveis à exploração encontravam-se neste Estado, que se tornou o maior
produtor brasileiro até a década de Sessenta, quando o surto madeireiro
aliado ao avanço da produção agropecuária levou praticamente ao
esgotamento das reservas. (MELLOS, 1988, p.101)
50
Outro fato que pode ser mencionado nesse momento, em que a dinâmica
produtiva era essencialmente vinculada à madeira, diz respeito às novas
possibilidades de transformação desta, antes exportada sob a forma de toras
12
.
Como assinala Mellos (1988, p.101):
[...] pela primeira vez, parte do valor excedente realizado a partir das
atividades de extração e transformação foi apropriado por elementos
fixados na região, ou seja, por grupos empresariais cujas sedes e, por
conseqüência, o poder de decisão estavam inseridos no extremo-oeste.
Internalizam-se assim as classes sociais características da exploração
capitalista. A burguesia representando os interesses do capital, através
da organização da produção madeireira, passou a fazer parte daquele espaço
físico um espaço de valorização do capital, ou seja, não apenas um espaço
de extração do excedente, como foi anteriormente, mas tamm um espaço
de realização do capital, portanto também de circulação.
Essa “internalização” da acumulação de capital foi amparada, portanto, na
intermediação da venda da madeira beneficiada na região Oeste. À medida que, em
escala nacional, os primeiros sinais de esgotamento do modelo de substituição de
importações eram vislumbrados, Mellos (1988) aponta para uma relativa contração
da atividade madeireira nas demais regiões que ofertavam o produto para o mercado
interno. Isso proporcionou um fluxo de madeira exportada para a Argentina pelo
Porto de Foz do Iguaçu ainda maior, já que os empresários do Oeste começaram a
comprar madeira de outras regiões do estado do Paraná. O relato do Sr. G.L.
contribui para ilustrar essa dinâmica:
Realmente, a terra não era objeto de cobiça naquele momento. Tem uma
passagem que o falecido B. comprou um pinhal e ainda comentou conosco...
que éramos contadores dele: ‘Infelizmente tive que comprar essa porcaria de
terra aí... O que eu queria eram os pinheiros!’. Não se tinha interesse na
terra. [...] e assim uma enorme quantidade de outras serrarias o tinham
interesse na terra.Tínhamos aqui uma grande quantidade de serrarias, mais
ou menos 200...[pausa] cento e poucas, na época em que s chegamos
aqui. Então o que realmente interessava eram os pinheiros. Era produzir
madeira para a exportação. Porque naquela época, eu achava um absurdo,
porque para você exportar para a Argentina, as cotas eram pela
quantidade de madeira que você tinha no porto [Rio Paraná]. Então
a quantidade de madeira que tinha no porto de Foz do Iguaçu, era
uma extravagância! Os madeireiros cortavam a madeira aqui e deixavam as
pontas de pinheiro no mato apodrecendo.
Era uma extravagância tremenda. Haja visto que nas serrarias a quantidade
de retalhos que era queimada, botavam fogo. E surgiu uma idéia, na época,
na ACIC [Associação Comercial e Industrial de Cascavel], de se colocar aqui
uma fábrica de papel. Hoje eu dou graças a Deus até que isso não tenha
ocorrido, porque se isso tivesse ocorrido nós estaríamos envolvidos com
12
“Proibição em 1947 das exportações da madeira brasileira em toros.” (MELLOS, 1988, p.101)
51
reflorestamento e não com produção de soja... Mas, de repente isso passou
e Cascavel teve um sucesso tremendo no plantio de soja, e você pode
observar, que a maioria dos madeireiros, o poucos os que restaram aqui,
com plantio de soja, por que? Porque só queriam a madeira.
13
Durante a década de 1960, começaram a se esgotar muitas das áreas de
exploração madeireira diante da intensidade de tal processo. Contudo, as condições
para a reprodução do capital, em nível local já haviam sido estabelecidas.
Na segunda metade da década de Sessenta, quando se intensificaram as
relações de produção capitalistas na agricultura da região com o
desenvolvimento das culturas de trigo e soja, aquele capital acumulado na
atividade madeireira e de colonização já havia penetrado em outros
segmentos da atividade econômica da região, como no comércio em
geral, em outros gêneros da indústria de transformação e mesmo na
agricultura. (MELLOS, 1988, p.103)
É no final desse período que se verifica o início do fenômeno da mecanização
da agricultura e a intensificação das relações desta com a indústria. A região Oeste
não permaneceu alheia a essas transformações principalmente em função das
condições naturais favoráveis à agricultura de exportação, como a soja, que iniciava
seu plantio no município de Cascavel em meados de 1965.
À medida que se processava a expansão da agricultura no estado do Paraná,
na região Oeste, elaborava-se uma nova forma de integração às demais dinâmicas
produtivas na economia nacional por meio da produção agrícola. Desse modo, deu-
se um grande impulso ao processo de crescimento econômico em Cascavel, ainda
que dependente, nessa etapa, das atividades primárias.
Como conclusão a esse item, pode-se relacionar que aspectos geo-
econômicos e históricos, combinados, concorreram para delinear um conjunto de
características peculiares ao território do Oeste do Paraná. Nesse aspecto, foram
extremamente importantes os elementos próprios da natureza que proporcionaram
excelentes condições de exploração econômica e o elemento humano,
principalmente o imigrante descendente de europeus que soube, dada à sua origem
mercantil, usufruir do potencial natural ali existente (PIERUCCINI, 1998).
Pode-se afirmar que um novo ciclo iniciou-se na região a partir dos anos
1960, atrelado principalmente às exigências do capital industrial, que tinha na
13
Depoimento colhido em 29/11/2006.
52
agricultura seu principal mercado consumidor. Na esteira da modernização
transformou-se o território rural do Oeste do Para
14
. Na seqüência, são
apresentados os principais aspectos relacionados ao rural do município de Cascavel
no período recente, procurando desse modo, caracterizar a área de estudo em
questão.
1.3 A
SPECTOS GERAIS DO RURAL E DO URBANO NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
O município de Cascavel está localizado na Microrregião Geográfica de
Cascavel e integra a Mesorregião Geográfica do Oeste do Paraná - Figura 2,
apresentando uma área de 2.091,400 Km
2
(SEMA, 2005 citada por PERFIL
MUNICIPAL, 2005). Observa-se que o relevo de Cascavel é ao norte, ondulado,
constituído por colinas amplas e baixas declividades e, ao sul, média e alta
declividade e onde o relevo apresenta-se acidentado. As altitudes encontradas na
região Oeste variam entre 900 metros no município de Guaraniaçu, vizinho a
Cascavel e 180 metros no município de Foz do Iguaçu Figura 3. Grosso modo, a
região Oeste é confinada pelos rios Piquiri, Iguaçu e Paraná.
14
A análise do processo de modernização da agricultura e suas implicações no território rural do
município de Cascavel serão apresentadas no capítulo 3.
53
F
IGURA
2
M
APA POLÍTICO
-
ADMINISTRATIVO DO
E
STADO DO
P
ARANÁ
M
ESORREGIÕES GEOGRÁFICAS NO
ESTADO DO
P
ARANÁ
.
54
F
IGURA
3
M
ESORREGIÃO
O
ESTE DO
P
ARANÁ
M
APA DE
H
IPSOMETRIA
55
De acordo com Nimer (1977, p.2-3):
Genericamente na microrregião de Toledo e nas áreas baixas lindeiras ao
rio Paraná, próximas a Foz do Iguaçu, predomina o clima tropical, sub-
quente, superúmido com sub-seca, enquanto na microrregião de Cascavel
e demais áreas da micro de Foz do Iguaçu, predomina o clima
temperado brando, superúmido, sem estação seca.
O clima no município é temperado mesotérmico e úmido, com temperatura
média anual em torno de 21ºC. A região está sujeita a geadas, embora não muito
freqüentes. A umidade relativa do ar gira em torno de 75% e os ventos sopram na
direção nordeste/sudoeste e leste/oeste com velocidade média entre 33km/h e 46
km/h (PERFIL MUNICIPAL, 2005).
Esse conjunto de características climáticas, somadas ao afloramento do
latossolo roxo com camadas profundas de boa fertilidade e bem drenado, conferem à
região condições favoráveis à agricultura (FUNDETEC-PLANO DIRETOR, 1995). Tal
configuração contribuiu para que a distribuição das atividades agrícolas e pecuárias
tivesse tamm uma certa distinção: ao norte e nordeste, áreas ocupadas com
lavouras temporárias, notadamente a soja e o milho; ao sul, a pecuária ocupa as
maiores extensões de terras.
Outra característica importante refere-se à demografia. Cascavel possuía, de
acordo com a estimativa oficial do IBGE (2005), 278.185; habitantes, destes,
aproximadamente 18.500 se encontravam em áreas rurais
15
. Houve um incremento
populacional de aproximadamente 1.804 habitantes a partir de 2001 na área rural do
município em função do re-assentamento de comunidades rurais com terras
atingidas pelo reservatório da Usina de Salto Caxias
16
.
O grau de urbanização, segundo o Censo Demográfico IBGE (2000), é de
93,20. Nesse sentido, destaca-se que em 1950 “[...] a população recenseada
perfazia um total de 4.411 habitantes com aproximadamente 90% da população
residente na zona rural. em 1956, estimava-se uma população de 2.000
habitantes apenas na área urbana.” (PIERUCCINI, TSCHÁ e IWAKE, 2003, p.119).
15
Contagem parcial para o ano de 2004. Dados fornecidos pelo Escritório Regional do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 24 de agosto de 2005.
16
A usina alagou parte do território dos municípios de Boa Vista da Aparecida, Três Barras do Paraná
e Capitão Leônidas Marques.
56
Vale salientar que a população desse município ampliou-se significativamente
nas últimas décadas, registrando maior crescimento entre 1960 para 1970, quando
teve um incremento de 127,09%. No período de 1970 e 1980, registrou-se aumento
de 81,78%. (PERFIL MUNICIPAL, 2005). O expressivo aumento populacional
contribuiu para que o município obtivesse “relevância média superior”, conforme
caracterização proposta para os espaços econômicos relevantes
17
. (PARANÁ, 2006)
Na discussão proposta para o município, vale lembrar que as transformações
territoriais rurais em Cascavel não podem ser dissociadas da dinâmica produtiva
estadual. É nessa condição que se apresenta o estado do Paraná em sua
configuração no período recente.
A base econômica do estado do Paraná proporcionou condições favoráveis à
geração de renda no conjunto dos estados brasileiros, sendo responsável por 5,99%
do PIB [Produto Interno Bruto] brasileiro no ano de 2000. (PARANÁ, 2006, p.11)
Porém, comparativamente aos demais estados da região Sul, sua posição é
relativamente mais limitada, principalmente no que tange ao PIB per capita.
Enquanto o estado de Santa Catarina, em 1995 apresentava R$ 4.739,00 e no ano
de 2000 configurava um aumento expressivo para R$ 7.902,00, o estado do Paraná,
mesmo com maior crescimento do PIB, diante de maior contingente populacional,
obtinha crescimento menos favorável em sua renda per capita. O Quadro 2
apresenta esse comparativo entre os estados do sul do Brasil.
Q
UADRO
2
-
D
ADOS GERAIS SOBRE
P
OPULAÇÃO E
PIB
P
RODUTO
I
NTERNO
B
RUTO
-
B
RASIL E
R
EGIÃO
S
UL
VALORES ABSOLUTOS E PERCENTUAIS PARA O ANO
2000
B
RASIL E
REGIÃO SUL
R$
MILHAO
P
ARTICIPAÇÃO
% P
OPULAÇÃO
P
ARTICIPAÇÃO
% PIB
PER CAPITA
B
RASIL
1.101.255
100
170.143.121
100
6.473
SUL
193.534
17,57
25.161.621
14,79
7.692
P
ARANÁ
65.969
5,99
9.585.383
5,63
6.882
S
ANTA
C
ATARINA
42.428
3,85
5.369.177
3,16
7.902
R
IO
G
RANDE DO
S
UL
85.138
7,73
10.207.061
6,00
8.341
FONTE
:
IBGE,
DIRETORIA DE PESQUISAS
,
DEPARTAMENTO DE CONTAS NACIONAIS
,
CONTAS REGIONAIS DO
B
RASIL
1985-2000,
MICRODADOS
.
17
No estado do Paraná, mediante um critério de somatórios, a capital Curitiba possui altíssima
relevância [maior ou igual a 24]; Londrina, Maringá e Ponta Grossa [maior ou igual a 18 e menor do
que 24]; Cascavel, Toledo, Foz do Iguaçu na região Oeste do estado [maior ou igual a 12 e menor do
que 18]; aproximadamente 80% do território paranaense não possui relevância [menor que 1].
57
O que agrava sobremaneira tal situação de pressão sobre a renda per capita
do estado do Paraná é sua tendência de crescimento polarizado em poucas regiões,
concentrando produção e gerando “vazios produtivos”. A atividade agrícola
modernizada em várias regiões do estado do Paraná provocou evasão populacional
do meio rural e tamm de pequenos municípios ao longo das décadas de 1970 e
1990, diminuindo os processos produtivos agrícolas intensivos em mão-de-obra. Por
conseqüência, acentuou-se a pressão por trabalho nos municípios de médio porte,
contribuindo para o decréscimo da renda nesses locais. Diante do evento da
modernização da agricultura, o estado do Paraná acabou por inverter de forma
bastante acentuada sua matriz demográfica. A Figura 4 ilustra essa tendência.
0
1000000
2000000
3000000
4000000
5000000
6000000
7000000
8000000
9000000
1950 1960 1970 1980 1991 2000
anos
n. habitantes
população urbana populão rural
F
IGURA
4
-
G
RÁFICO
-
C
OMPORTAMENTO DEMOGRÁFICO NO
E
STADO DO
P
ARANÁ
1950-2000
FONTE
:
IBGE
S
INOPSE PRELIMINAR DO
C
ENSO
D
EMOGFICO
2000.
Apesar das perdas históricas relacionadas à ocupação da mão-de-obra na
agricultura, este setor apresenta a distribuição mais homogênea no território
paranaense. Afirma-se que “[...] na maioria dos municípios, a participação dos
ocupados na agropecuária representa mais de 30% do total da força de trabalho.”
(IPARDES, 2006). Entretanto, no caso específico do município de Cascavel, essa
participação é inferior a 10%. Desse modo, as ocupações vinculadas às atividades
urbanas são mais expressivas.
58
A tulo de ilustração, em Cascavel, o setor agropecuário constituía 21% do
valor adicionado
18
no ano 2002. Em 2003, no setor industrial, inclusa aqui a
atividade agroindustrial, dos 399 municípios do estado do Paraná, apenas 43
participam com 89,4% do valor adicionado fiscal em todo o estado. Tal realidade
tamm se faz presente quando se observa o setor de comércio e serviços; nesse
último setor, apenas 24 municípios possuem participação superior a 0,25% e
representaram 92,8% do valor adicionado fiscal no setor
19
. (PARANÁ, 2006)
Considerando a região Oeste, principalmente nos eixos Cascavel-Toledo e
Cascavel-Foz do Iguaçu, nela se concentra 8% da população e 9% da produção
gerada no estado do Paraná. Vale acrescentar que tal concentração populacional e
produtiva ocorre apenas em dois eixos no restante do estado do Paraná: Londrina-
Maringá, respondendo, respectivamente, com 16% da população e 9% da produção
e Curitiba-Ponta Grossa, com 32% da população e 58% da produção
20
.
Ainda segundo o Ipardes (2006), em Cascavel, o PIB per capita alcançou
R$ 8.141,00. No mesmo período, o PIB per capita do estado do Paraná atingiu R$
9.891,00 e no Brasil, respectivamente R$ 9.498,00. Portanto, a renda auferida pela
população do município ficou abaixo da média do estado e do País.
Considerando especificamente a atividade agropecuária, esta respondeu, em
2003 por 18.78% do PIB a preços básicos no município. Esse resultado decorre da
utilização competitiva do território, conforme sugerem Santos e Silveira (2002,
p.295). Para os autores: “O uso competitivo do espaço acaba por se mostrar um uso
hierárquico, à medida que algumas empresas dispõem de maiores possibilidades
para utilização dos mesmos recursos territoriais”. No caso específico do rural de
Cascavel, a reestruturação tecno-econômica permitiu a incorporação de áreas e de
processos produtivos que se justificam pela busca constante de produtividade,
mesmo em diferenciadas categorias de produção agropecuária. Essa reestruturação
produz ainda orientações específicas quanto ao uso do território.
18
Valor adicionado: receita gerada pelo setor produtivo, indicando sua participação na arrecadação
de impostos no estado.
19
Exclui-se nesse cômputo a participação das companhias de água e saneamento SANEPAR e
energia elétrica, COPEL.
20
População: porcentagem da população estadual residente no aglomerado de municípios conforme
o Censo de 2000. Produção: porcentagem do valor adicionado fiscal estadual correspondente ao
aglomerado de municípios em 2003. (PARANÁ, 2006, p.55)
2
T
ERRITÓRIO E
T
ERRITORIALIDADES
R
URAIS
:
NOÇÕES PARA UMA
ANÁLISE GEOGRÁFICA
O território expressa as ações humanas e permite, em sua leitura, que se
compreenda a vida em sociedade. Por meio dele é possível reconhecer as
diferenças ou similitudes que se esboçam no espaço, à medida que o modo de
produção capitalista avança em diferentes direções e altera constantemente a
função produtiva ali presente. Dessa maneira, tal categoria se constitui na referência
teórica elencada para amparar esse estudo, dentre tantas outras referências
importantes no pensamento geográfico como espaço, paisagem e região. Como
menciona Sabourin (2002, p.24), considerando essa interrelação conceitual,
“especificar e criar um espaço é, realmente, quase criar um território.”
Assim, este capítulo contribui para a sistematização do rural em sua
interpretação geográfica, considerando, para tanto, que a reestruturação tecno-
econômica modifica a vida no território, proporcionando novas territorialidades em
distintas escalas. O plano proposto para esse capítulo enfoca, a princípio, o
entendimento do território em diferentes momentos da análise geográfica.
Na seqüência, outro aspecto abordado diz respeito à escala e ao
dimensionamento dos fenômenos geográficos, dentre estes, a organização
complexa que assume o território quando se trata da ruralidade ali expressa. Assim,
a ruralidade presente no território é o terceiro ponto a ser abordado no presente
capítulo. Nesse conjunto de atividades que o concretizadas no território, sejam
agrícolas ou não-agrícolas podem ser compreendidas as ruralidades em Cascavel.
Por fim, este capítulo busca caracterizar as relações campo-cidade. Por meio
dessa articulação, compreende-se com maior clareza de que modo o meio técnico-
científico e informacional age sobre os territórios rurais, modificando seus conteúdos.
2.1 O
TERRITÓRIO COMO CATEGORIA DE ANÁLISE GEOGFICA
Numa orientação teórico-metodológica particular, Corrêa (2002, p.251),
observa que território não é sinônimo de espaço, ainda que para alguns ambas as
palavras apresentem o mesmo significado.” Conceito derivado do latim, terra e
60
torium, etimologicamente significa “[...] terra pertencente a alguém. Pertencente,
entretanto, não se vincula necessariamente à propriedade da terra, mas à sua
apropriação” (CORRÊA, 2002, p.251).
Como conteúdo epistemológico, o território vincula-se, de acordo com Souza
(2001) à Ciência Política e também à Geografia. As orientações propostas traziam,
num primeiro momento, o Estado como elemento fundamental para a discussão do
território. Assim: “O território surge, na tradicional Geografia Política, como o espaço
concreto em si (com seus atributos naturais e socialmente construídos), que é
apropriado, ocupado por um grupo social”. (CORRÊA, 2002, p.84). Isso permite,
segundo o autor, a geração de identidade, pois um grupo o pode mais ser
compreendido sem o seu território. Isso configurou uma certa indistinção, ou seja,
rigidez entre o uso dos termos espaço e território.
Coube a Ratzel, inicialmente, estabelecer uma leitura do território
fundamentada no referencial político do Estado. Nesse sentido, não se poderia
pensar na indissociabilidade entre solo e Estado, muito embora seja mencionado o
termo solo “[...] como se território fosse sempre sinônimo de território de um Estado.”
(SOUZA, 2001, p.86).
Nesse contexto, a espacialidade vincula-se a outros dois conceitos
essenciais, a saber o espaço vital e o território.
Em outras palavras, cada coletividade teria uma necessidade imperativa de um
território com recursos naturais suficientes para sua população, recursos
estes que seriam utilizados a partir das capacidades tecnológicas existentes. A
formulação ratzeliana indica que a propriedade de determinado espaço –
portanto, território – supõe a sua defesa e, por que não, a conquista de
novos territórios; assim a propriedade e a luta o colocadas como elementos
comuns da história. (SCHNEIDER e TARTARUGA, 2005, p.3)
Uma interessante contraposição ao pensamento ratzeliano e ao determinismo
subseqüente surge na Geografia Francesa com Vidal de La Blache e a visão
possibilista. No conjunto de reflexões propostas naquele momento, é o conceito de
região que se coloca como prioritário em fins do século XIX e início do século XX.
Segundo Schneider e Tartaruga (2005), dificilmente caberia ao conceito de território
constituir-se como instrumento apolítico e de neutralidade científica desejável.
Soma-se a esse fato a ascensão do nazismo no período entre guerras e a retomada
61
das teorias ratzelianas durante a Segunda Guerra Mundial como primado da
Geopolítica naquele momento. Nesse contexto, o conceito de região obteve primazia
na análise geográfica, o que culminou num certo abandono do conceito de território
até meados da década de 1970.
Ao longo da década de 1970, coube ao geógrafo norte-americano, Jean
Gottmann, uma retomada do conceito de território com um novo enfoque, que
priorizava problemas atuais como globalização, terrorismo e integração européia. Ele
sugere, nesse sentido, uma elevada fluidez que se estrutura nos avanços
tecnológicos, proporcionando complementaridades entre os Estados (SCHNEIDER e
TARTARUGA, 2005).
Vale acrescentar tamm que para Raffestin, citado por Souza (2001, p.96)
1
“[...] o espaço é anterior ao território”. Assim, o território é uma reordenação do
espaço cuja ordem busca, dentro dos sistemas informacionais, um arranjo
pertencente a uma cultura. Nesse sentido, esse território refere-se a um trabalho
humano que se exerce sobre uma porção do espaço, mas tamm a uma
combinação complexa de forças e ações mecânicas, psíquicas, químicas, orgânicas.
(RAFFESTIN, 2006). Desse modo:
[
...] sempre que houver homens em interação com um espaço,
primeiramente transformando a natureza (espaço natural) através do
trabalho, e depois criando continuamente valor ao modificar e retrabalhar o
espaço social, estar-se-á tamm diante de um território, e não de um
espaço econômico: é inconcebível que um espaço que tenha sido alvo de
valorização pelo trabalho possa deixar de estar territorializado por alguém
(SOUZA, 2001, p.96).
Schneider e Tartaruga (2005) apreendem na leitura de Raffestin a “[...]
existência de múltiplos poderes que se manifestam nas estratégias regionais e
locais. Assim, coloca-se em proeminência uma geografia do poder ou dos poderes, e
uma melhor significação da geografia política”.
Na perspectiva de Raffestin, o território entende-se como a manifestação
social do poder fundamentada em relações sociais, relações estas
determinadas, em diferentes graus, pela presença de energia ações e
estruturas concretas e de informação ações e estruturas simbólicas.
Essa compreensão permite pensar o processo de
territorialização-desterritorialização- reterritorialização (T-D-R)_, baseado,
sobretudo, no grau de acessibilidade à informação; em outras
1
RAFFESTIN, Claude (1993). Por uma Geografia do poder. São Paulo, Ática.
62
palavras, a informação, ou não , de símbolos e/ou de significados podem
fazer surgir novos territórios (territorialização), destruí-los
(desterritorialização) ou reconstruí-los (reterritorialização) (SCHNEIDERe
TARTARUGA, 2005, p.6).
Vale acrescentar a esse enfoque analítico uma concepção de território como
mediação entre o mundo e o local, apoiando-se em Santos (1996):”[...] em sua
funcionalização, o ‘Mundo’ necessita da mediação entre os lugares, segundo as
virtualidades destes para usos específicos.” (idem, p.338).
É possível, ainda, avançar na interpretação do território ao considerá-lo como
um campo de forças. “[...] uma teia ou rede de relações sociais que, a par de sua
complexidade interna, define, ao mesmo tempo, um limite, uma alteridade: a
diferença entre ‘nós’ (o grupo, os membros da coletividade ou ‘comunidade’, os
insiders) e os ‘outros’ (os de fora, os estranhos, os outsiders)” (SOUZA, 2001)
Outra importante contribuição ao conceito de território foi elaborada por
Sacks, que compreende o território como territorialidade humana e em suas
motivações. “Para Sacks a territorialidade é uma tentativa, ou estratégia, de um
indivíduo ou de um grupo para atingir, influenciar ou controlar recursos e pessoas
por meio da delimitação e do controle de áreas específicas os territórios.”
(SCHNEIDER e TARTARUGA, 2005, p.6) Nessa condição, são possíveis os fluxos,
os territórios móveis no espaço e tamm territórios fixos, ainda em sua grande
maioria.
Nessa nova estrutura de organização do sistema capitalista, o sistema de
objetos e o sistema de ações produzem uma nova ordem mundial. “Nessa nova
ordem s-moderna, [...] o conceito de soberania nacional estaria em declínio e
haveria uma desterritorialização no sentido de que a localização perdeu sua
importância.” Em outras palavras: “a lógica dos fluxos superou a gica dos stocks”
(VESENTINI, 2004, p.78).
Portanto, o território traduz-se em formas e o território usado “[...] é sinônimo
de espaço geográfico.” (SANTOS, 2002, p.20) Portanto, sinônimo de espaço
habitado, de existência e de produção material:
63
O território não é uma categoria de análise, a categoria de análise é o
território usado.Ou seja, para que o território se torne uma categoria de
análise dentro das ciências sociais e com vistas a produção de projetos,
isto é com vistas à política, com “P” maiúsculo, deve-se torná-lo um território
usado. (SANTOS, 1999, p.18)
Santos (2002, p.18), afirma que para a discussão do território como categoria
geográfica faz-se necessário pensá-lo como ato de produzir e viver. Desse modo,
ele se elabora em função do processo de produção, das formas de regulação, e
ainda em função do mercado-mundo
2
. Busca-se, desse modo, a interpretação do
território em mudança, em processo. “Por conseguinte, é o território que constitui o
traço de união entre o passado e o futuro imediatos” (SANTOS, 1999, p. 19). Essa
reflexão possibilita, novamente, o entendimento do território como campo de forças.
Para Perroux (1970), existe uma dialética que se diferencia daquela proposta
pela análise marxista e que se apresenta ativamente no mundo moderno. “[...] se
define pelo conflito entre os espaços de crescimento gerados por pólos de
crescimento e os espaços territoriais politicamente organizados” (idem, p.109). A
construção analítica em questão propõe uma influência bastante significativa de
empresas com graus de encadeamento produtivo bastante intenso a ponto de
modificar a dinâmica dos territórios mediante a concentração das atividades
econômicas, principalmente industriais, e pela contraposição entre a lógica do
mercado e a presença do Estado nesse contexto.
Desse modo, “Perroux chamava a atenção que as empresas motrizes,
controlando instalações e explorações em áreas as mais diversas do globo, eram
muitas vezes mais importantes que as nações e os próprios Estados.” (ANDRADE,
2002, p.214).
O conceito de território não deve ser confundido com o de espaço ou de
lugar, estando muito ligado à idéia de domínio ou de gestão de uma determinada
2
Cabe acrescentar nesse sentido que
o mercado não é categoria de análise. O mercado é uma
grande palavra que, para ser transformada em categoria de análise, tem que ser muito esmiuçada.
Cada ramo do mercado, para não usar outra palavra, tem um comportamento diferente, produz uma
topologia própria, Isto é, uma distribuição no território, mas tamm o uso do território e demandas
relacionadas a esse uso. Devem ser considerados conflitos entre classes, os conflitos entre
localidades e áreas e os conflitos entre velocidades, dentro do território. Como sabemos a
velocidade não é um dado da técnica, é um dado da política. Assim, podemos incluir a noção de
velocidade como uma das características de análise do território. (SANTOS, 1999, p.20).
64
área. Assim, deve-se ligar sempre a idéia de território à idéia de poder” (idem,
p.213).
Quando se procura refletir sobre território, sua gênese, várias possibilidades
podem ser apresentadas. Nesse sentido, as características geoecológicas, os
recursos naturais, as dimensões econômico-produtivas, a identidade dos grupos
sociais são consideradas para uma orientação introdutória. Entretanto, quando se
procura compreender a dinâmica territorial, observa-se o território como ”...um
instrumento de exercício de poder” (SOUZA, 2001, p.79)
Territórios existem e o construídos (e desconstruídos) nas mais diversas
escalas, da mais acanhada (p.ex. uma rua) à internacional (p.ex., a área
formada pelo conjunto dos territórios dos países-membros da
Organização do Tratado do Atlântico Norte OTAN); territórios são
construídos (e desconstruídos) dentro de escalas temporais as mais
diferentes: culos, décadas, anos, meses ou dias; territórios podem ter
um caráter permanente, mas também podem ter uma experiência
periódica, cíclica. (idem, p.81)
Sugere-se, desse modo, transformação e vivência. Por meio da configuração
territorial são vislumbradas as interações entre as escalas superiores, inerentes aos
processos de globalização e as escalas do cotidiano, horizontalizadas. As vivências
são reconhecidas nessas escalas mais restritas, como por exemplo nas
especificidades da relação entre cidade e campo.
O espaço, transformado em território pelas práticas espaciais de seus
habitantes não é apenas de domínio de quem o administra,
ordena e controla utilizando representações do espaço, mas tamm,
da interação dinâmica e fluida entre o local e o global, o individual e o
coletivo, o privado e o público e entre a resistência e a dominação. (RUA,
2003, p.61).
Na interpretação do território como resultado da forma-conteúdo, explicitada
por Santos (1999) ele é dado como um mosaico, ou seja, a produção histórica e
geográfica de eventos solidários, de um acontecer solidário.
Em sua dimensão teórica, pode-se ainda acrescentar que [“...] los terririos
no se definem por limites físicos, seno por la manera cómo se produce, en su
interior, la interaccion social”. (ABRAMOVAY, 2006, p.2).
Analisando a lógica da construção do território, Oliveira (1999) destaca a
estrutura como síntese de uma realidade contraditória. Isso explicita uma orientação
65
vinculada à gica do desenvolvimento do modo capitalista de produção que se
elabora por meio de regulações supraestruturais. O território é assim produto
concreto da luta de classes travada pela sociedade no processo de produção de sua
existência.” (idem, p.74)
Do conjunto de reflexões sobre o território como categoria geográfica, pode-
se apreender a noção de territorialidade e territorialidades. Para Souza (2001)
existem inúmeras possibilidades para suas interpretações.
A territorialidade no singular, remeteria a algo extremamente abstrato:
aquilo que se faz de qualquer território, um território, isto é [...]
relações de poder espacialmente delimitadas e operando sobre um
substrato referencial. As territorialidades, no plural, significam os tipos
gerais em que podem ser classificados os territórios conforme suas
propriedades, dinâmica, etc.: para exemplificar, territórios contínuos e
territórios desconnuos singulares o representantes de duas
territorialidades distintas, contínua e descontínua. [...] um certo tipo de
interação entre homem e espaço, a qual é, aliás, sempre uma interação
entre seres humanos mediatizada pelo espaço (idem, p.99)
Corroborando com a afirmação de Souza (2001), Thomaz nior (2004,
p.109) propõe que se pense sobre territorialidade “[...] enquanto materialidade
fenomênica, sob a necessidade imperiosa de buscar o entendimento da
espacialidade do processo de construção da sociedade, ou seja, a complexa rede de
relações sociais que anima os atores sociais e dá lastro ao espaço geográfico.”
Tamm Andrade (2002, p.214) analisa a territorialidade de forma
diferenciada. Assim, pode-se interpretá-la como “[...] o que se encontra no território e
está sujeita à gestão do mesmo, como, ao mesmo tempo, ao processo subjetivo de
conscientização da população de fazer parte de um território, de integrar ao
território”.
na explicitação proposta por Becker (2001, p.272), “[...] novas
territorialidades [...] entendidas como estratégias que visam influir em ações a partir
do controle dos territórios [...] surgem acima e abaixo da escala do Estado.” Mudam,
dessa maneira, as escalas de intervenção e novas variáveis contribuem para esse
processo. Para a referida autora isso decorre especificamente da revolução
científico-tecnológica [aqui são destacadas a microeletrônica e a comunicação], bem
como da questão ambiental que impõe novos padrões de relação com a natureza e
com seus recursos. Desse modo, o estoque de conhecimento sinaliza as alterações
66
no ambiente produtivo e sugere novas possibilidades de organização social e
política, bem como novas territorialidades advindas da nova espacialização dos
processos produtivos. A autora identifica assim os estreitos vínculos entre o
fenômeno da globalização e o território.
A inovação tecnológica representada pelas redes transnacionais de
circulação e comunicação, permite a um tempo a globalização com a
diferenciação espacial, induzidos tanto pela lógica da acumulação como
pela lógica cultural, e resultando na valorização seletiva dos territórios.
(BECKER, 2001, p.287)
A valorização seletiva dos territórios, mencionada pela autora, pode ser
exemplificada por meio de alternativas e possibilidades locais. Assim, podem ser
destacados os processos de assentamentos rurais e reassentamentos rurais, estes
decorrentes, na região Oeste do Paraná, da formação dos reservatórios necessários
às usinas hidroelétricas, a difusão de novas técnicas nas atividades agropecuárias e
os processos de agroindustrialização nas propriedades rurais e vínculos
profissionais com o ambiente urbano. Esses são elementos que sugerem novas
territorialidades, mediante novas formas de apropriação do território na busca de
estratégias de reprodução social.
Portanto, para Thomas Júnior (2004, p.105), a Geografia contribui para a
compreensão dessas estratégias que “[...] dão formas e contornos e fundamentam-
se sobre conteúdos sociais diversos, ou seja, enquanto processo histórico de
construção e transformação, que por sua vez substantiva-se em ordenamento
territorial.”
A noção de território, na condição anteriormente explicitada, favorece o
avanço nos estudos das regiões rurais em dimensões básicas (ABRAMOVAY,
2006). Para tanto, é necessário, primeiramente, que se abandone o horizonte
estritamente setorial, ou seja, a agricultura como a única atividade aos agricultores.
Nessa perspectiva, segundo o referido autor, interpreta-se a ruralidade como
categorial territorial.
Uma segunda dimensão refere-se aos equívocos que freqüentemente se
cometem quando são mencionadas as noções de crescimento econômico e
processo de desenvolvimento. Agregam-se, por meio da abordagem territorial,
67
aspectos históricos, forças sociais, estruturas institucionais, perpassando as análises
estritamente setoriais.
Como terceiro aspecto básico, apresentado pelo referido autor o estudo
empírico dos atores e de suas organizações. Tal dimensão é importante quando se
procura compreender uma realidade localizada e específica. Contudo, ainda se
verifica uma certa ausência de fundamentos teóricos consistentes para a noção de
território e desenvolvimento territorial. (ABRAMOVAY, 2006)
Vale ainda acrescentar, a esse respeito, que a partir dos anos 2000, foram
reinvindicadas novas interpretações para o território, vinculadas à atuação e gestão
do planejamento estatal.
Uma nova compreensão do território deriva das reflexões acerca do
desenvolvimento sustentável
3
. Para tanto, a configuração social do território é
importante, bem como sua associação aos comportamentos humanos, aos
econômicos e à evolução da natureza. (VEIGA, 2001). Isso possibilitou uma nova
interpretação dos processos de planejamento, diante das demandas regionais.
Novas ordenações territoriais surgem com o intuito de contribuir mais efetivamente
com o processo de desenvolvimento econômico.
Essa nova orientação preconizada pelo Estado considerando o território,
justifica-se por um conjunto de fatores no qual este se configura numa estratégia de
competitividade, eficiência microeconômica, bem como instrumento de
modernização das políticas públicas.
Desse modo, o território poderia auxiliar na compreensão dos processos de
desequilíbrio regional e, principalmente na minimização das assimetrias entre os
lugares. Entretanto, “[...] as actividades que apelam para este mundo rural tendem a
torná-lo mais uma cena complementar à vida urbana”. (LOURENÇO, 2001). Vale
acrescentar que, para a referida autora, existe uma dimensão simbólica à concepção
do rural, que é fruto de um sistema de representações sociais, sendo a base da
definição de ruralidade.
3
Nessa orientação, a utilização dos recursos produtivos no momento presente, não deve
comprometer a condição de vida das gerações futuras. Ela procura, nesse sentido compatibilizar a
temática do crescimento econômico com o meio ambiente. Sobre esse assunto, existe um vasto
referencial bibliográfico que pode ser consultado.
68
No que tange à estruturação conceitual necessária à compreensão do rural no
município de Cascavel, esta se pauta no entendimento de que as alterações no
ambiente produtivo inerentes ao processo de reestruturação tecno-econômico
possibilitam novas territorialidades, como identifica Becker (2001), sobre os estreitos
vínculos entre o fenômeno da globalização e o território. Portanto, a compreensão
do conceito de território amplia a possibilidade de interpretação das ruralidades
presentes em Cascavel como parcela integrada à dinâmica produtiva preconizada
pelo mercado.
2.2
A
S POSSIBILIDADES DA ESCALA GEOGRÁFICA PARA APREENDER AS RURALIDADES
Pode-se dizer que na Geografia o esforço por “[...] apreender o real em
sua totalidade” (Brunet citado por SANTOS, 1996, p.114)
4
. Nessa busca, “[...] é
indispensável que [o geógrafo] o faça a partir de sua própria província do saber, isto
é, de um aspecto da realidade global”. (SANTOS, 1996, p.118). Ainda para esse
autor “[...] isso equivale a revisitar o movimento do universal para o particular e vice-
versa, reexaminando, sob esse ângulo, o papel dos eventos e da divisão do trabalho
como uma mediação indispensável” (idem, p.119).
É mediante a inserção da escala que se compreende mais facilmente o
movimento do universal para o particular, mencionado por Santos (1996). Como o
real pode ser apreendido por representação e fragmentação, a escala constitui
uma prática, embora intuitiva e não refletida, de observação e elaboração do
mundo.” (CASTRO, 2001, p.133)
A escala perpassa a representação gráfica do território, transformando-se
num importante instrumento para apreender o empírico “[...] ganhando novos
contornos para expressar a representação dos diferentes modos de percepção e
concepção do real”. (CASTRO, 2001, p.118). Apoiando-se nessa ótica pode-se dizer
que a escala possibilita a observação e o dimensionamento de fenômenos
geográficos e esta será utilizada para apreensão das transformações em curso no
rural de Cascavel.
4
R. Brunet (1962, P.13). Les croquis de la geographie régionale et économique. Paris, SEDES, 1962.
69
Em sua estrutura analítica, a escala pode ser compreendida como “[...] uma
estratégia de aproximação do real” (CASTRO, 2001, p.118;127). Assim, a autora
complementa que “a abordagem geográfica do real enfrenta o problema sico do
tamanho que varia do espaço local ao planetário.” Corroborando essa afirmação,
Lacoste, citado por Castro, (2001, p.121)
5
afirma que: “[...] a realidade aparece
diferente de acordo com as escalas dos mapas, de acordo com os níveis de análise.”
Todavia, o fragmentação do real, mas sim sua apreensão e a possibilidade da
leitura geográfica ali necessária.
Desse modo, a escala é “definidora de espaços de pertinência da medida dos
fenômenos” que se modificam conforme o ângulo observado. que se acrescentar
que não se pode considerar um recorte empírico do espaço que esteja dissociado de
fenômenos mais amplos. Nesse sentido, Isnard et. al., citados por Castro (2001,
p.129) afirmam ser necessário “[...] traduzir atitudes em uma escala, explicitando ao
mesmo tempo sua contrapartida em uma outra escala.”
6
Na necessária correlação entre o espaço globalizado e o lugar, considerando
o real e a sua representação, traduzem-se “grandezas visíveis”. Assim:
[
...] a escala é uma noção que supõe projetividade, ou seja, um
conjunto de configurações, uma sendo projeção da outra, mas que
conservam suas relações harmônicas. [...] diferentes escalas são
diversos quadros visuais do mesmo em si”. (MERLEAU-PONTY, citado por
CASTRO, 2001, p.132)
7
Vale acrescentar nessa discussão o pensamento de Dias (2003, p.85) que faz
referência à escala do processo. Os processos não operam somente em escala local
ou global, mas apresentam ‘dimensões escalares’, quase sempre transescalares.
Nesse sentido, para Rua (2002) devem ser enfatizadas as dimensões transescalares
e multiescalares diante da complexa organização assumida pelo território
atualmente.
Não se pode pensar o urbano e o rural, o global e o local, como polaridades,
mas como interações assimétricas que não devem silenciar as intensas
disputas sócio-espaciais que obrigam a permanentes reconfigurações das
5
LACOSTE, Ives. La géographie, Ca sert d’abord faire la guerre. Paris, 3e/d., La Decouverte, 1985,
led, 1976.
6
ISNARD, H., RACINE, J-B., REYMOND, H. Problematique de la geographie. Paris, PUF, 1981.
7
MERLEAU-PONTY. visible et l’invisible. Notes de travail. Paris, Galimard, 1964.
70
escalas de ação. [...] O local e o global aparecem integrados pelas escalas
de ação. (RUA, 2003, p.57)
Posta a questão da escala como possibilidade de mediação entre o espaço
globalizado e o local em suas múltiplas caracterizações, são apresentados, na
seqüência, aspectos vinculados a essa dinâmica. Nesse sentido, a interpretação da
globalização se faz como processo econômico que indica a expansão do capitalismo
por meio de técnicas e novas estruturas, novos padrões de consumo, criando-se,
assim, novas formas, novas possibilidades de acumulação num período técnico-
científico e informacional. Disso decorre a importância de compreender o processo
de globalização [autores anglo-saxônicos] e/ou mundialização [literatura francesa]
8
como uma das escalas que interferem em recortes territoriais delimitados.
Castro (2005) contribui significativamente para a compreensão das
dimensões da globalização. A escala global fundamenta-se em dois elementos da
modernidade: a economia capitalista e o sistema de Estados-nações. Para a autora:
“Não é mais possível analisar o mundo, sob quaisquer dimensões, sem referência ao
fenômeno da globalização. [...] o problema, me parece, se refere também às escalas
que devem ser distintas para cada um desses aspectos [...] [políticos, sociais e
71
Nessa interpretação, o meio técnico-científico e informacional permite que
novos produtos sejam concebidos, bem como novas demandas criadas em
diferentes áreas. Configura-se o que o autor denomina como “imperativo
tecnológico”, um evento de intensidade correlato ao processo de industrialização
experimentado pela sociedade moderna nos sécs. XVIII e XIX. As novas ordenações
sócio-produtivas amparadas em estratégias diferenciadas de reprodução do capital,
as novas possibilidades para obtenção de lucro são cada vez mais complexas.
Assim, observando a multiplicidade de interpretações para a dinâmica capitalista,
percebe-se que a globalização expressa as forças do mercado, libertas de
regulamentações e imposições.
Esse novo momento do capitalismo traduz diferentes caracterizações
estruturadas em fluxos, trocas de tecnologia, cultura, informações, por
considerações vinculadas à modernidade e sua configuração ideológica. Nessa
interpretação, ressalta-se a acentuada expansão global de relações de produção
vinculadas ao mercado.
Para Chesnais (1996, p.32), “[...] a mundialização deve ser pensada como
uma fase específica do processo de internacionalização do capital e de sua
valorização à escala do conjunto das regiões do mundo onde recursos ou
mercados e a elas.” Assim, cabe acrescentar que as complexidades desse
processo não permitem configurá-lo como um estágio final do sistema capitalista,
mas sim considerar na evolução do capitalismo novas possibilidades mediante a
crescente internacionalização da acumulação.
Traduz-se, portanto, uma nova distribuição histórico-geográfica, política e
cultural das estratégias da divisão social do trabalho em nível global, produzindo
novas espacializações produtivas. Neste processo, ocorre, inicialmente uma elevada
mobilidade de capital em diferentes regiões, além da ampliação dos fluxos
financeiros. Nesse aspecto se inclui a “financeirização do capital”, ou seja, a
globalização financeira.
Além da já mencionada “financeirização” verifica-se, ainda como
característica desse processo, a concorrência entre os espaços em diferentes
escalas, sejam locais, nacionais ou blocos inter-regionais. Isso remete a uma
72
segunda imposição estratégica pautada na intensificação dos fluxos em suas
especificidades, atendendo conjuntamente aos imperativos do mercado. As
estratégias das empresas nesse ambiente visam ampliar a eficiência e a
competitividade, modificando profundamente as dinâmicas produtivas locais. Assim,
os grupos industriais tendem a se reorganizar na forma de empresas-rede.
Centraliza-se o capital, descentralizam-se as operações, diante das possibilidades
proporcionadas pelo meio técnico-científico e informacional.
Uma outra característica desse processo vincula-se à crescente
transnacionalização das economias. Há, desse modo, a emergência das redes como
estratégia de legitimação no ambiente macroeconômico. Configura-se, por exemplo,
um espaço de rivalidade industrial” (CHESNAIS, 1996, p.36), diminuindo
sensivelmente o controle das trocas. Na visão desse autor, a hierarquia das regiões,
bem como a rede mundial dos pontos que lhe está mais estreitamente associada,
aparece claramente nesse mapa. É a gica das fusões e aquisições que geram
relações de interdependência entre os lugares.
que se apresentar, ainda, nesse contexto, a complexificação do papel do
Estado, ou seja, são produzidas numerosas funções e novos marcos regulatórios
num ambiente institucional cada vez mais dependente de instâncias decisórias mais
ampliadas. Como exemplo, pode-se mencionar as dificuldades no estabelecimento
das regras comerciais quando ocorrem as rodadas de negociação da Organização
Mundial do Comércio (OMC), principalmente aquelas voltadas aos produtos
agrícolas. Becker (2001) conduz essa discussão amparada na geopolítica e nos
novos usos do território, decorrentes das estratégias adotadas em escalas globais.
Nesse sentido, a autora afirma que [...] o comércio mundial se regionaliza e a
globalização força cada nação a direcionar suas energias para a competição
internacional por mercados e lucros.” (idem, p.302). Buscam-se, dessa forma, novos
conteúdos científicos, técnicos e informacionais.
Nesses novos conteúdos, estão implícitos os sistemas de ação e de objetos
explicitados por Santos (1996) como um conjunto indissociável, solidário e
contraditório e, portanto, complexo. Criam-se vinculações pertinentes à técnica e à
unidade de funções e forças na produção dos bens e serviços, caracterizando-se
73
ações dotadas de propósito que alteram as características dos objetos. Nesse
processo é inerente a transformação da natureza mediante a ação humana.
Disso deriva “[...] um novo modelo técnico, econômico e social da produção
agropecuária que aqui chamaremos de agricultura científica [...] muito mais produtivo
e competitivo, oferecendo novas possibilidades para a acumulação ampliada do
capital.” (ELIAS, 2003, p. 315-316).
Assim, no movimento do capital, do global ao local sob a forma de escalas,
constituem-se ruralidades que expressam a reestruturação da base técnica e uma
metamorfose na divisão social e territorial do trabalho agropecuário. Desse modo:
A rentabilidade do capital, exigida pela economia globalizada, induziu a
existência de formas mais eficazes de produção, transformando
radicalmente as forças produtivas da agropecuária, visto que seus
conjuntos técnicos anteriormente hegemônicos não condiziam com a
racionalidade vigente no período tecnológico. (ELIAS, 2003, p. 317).
Acentua-se, desse modo, o caráter de subordinação da natureza ao sistema
técnico científico e informacional, sendo irreversível a aproximação entre os
processos produtivos agropecuários e o funcionamento dos complexos industriais
estruturados na maximização dos lucros. Essas novas proporcionalidades entre a
natureza social e a natureza natural colaboram para que novas lógicas sejam
estabelecidas no uso do território.
No rural de Cascavel, a articulação em diferenciadas escalas contribui para
que as agroindústrias e cooperativas ampliem a subordinação dos produtores rurais
às exigências do mercado. As constantes alterações da base técnica na qual opera
a agricultura regional são impostas em movimentos transescalares do capital. O
evento Show Rural Coopavel, inicialmente proposto como dia de campo para a
apresentação de novos produtos e processos tecnológicos pela cooperativa local, é
exemplo desse processo. Tornou-se o segundo maior evento na América Latina em
termos de diversificação de experimentos agropecuários. (COOPAVEL, 2006). Para
que atinjam eficiência em suas atividades, os produtores rurais dependem dessas
determinações tecno-econômicas geradas em escalas mais ampliadas.
74
2.3 A
RURALIDADE COMO EXPRESSÃO DO TERRITÓRIO
Na discussão que ora se apresenta, ressalta-se que da noção de território
derivam novas possibilidades de interpretação, dentre essas, destacam-se as
territorialidades e o rural como parte substancial das mesmas. Desse modo a
ruralidade é interpretada como expressão do território.
Conforme a discussão anterior, admite-se que o espaço é primordialmente a
categoria geográfica que ampara uma amplitude de noções, dentre elas o território.
Entende-se ainda que nessa discussão é mais facilmente reconhecida a noção de
ruralidade tamm em suas particularidades, dentre estas, a dimensão produtivista.
O modelo produtivista na agricultura, também denominado modelo euro-
americano de modernização agrícola, associa a padronização dos processos
técnicos e dos produtos à padronização de ordem organizacional e econômica.
Delineado no período pós Segunda Guerra Mundial, houve na agricultura uma
intensificação da “[...] utilização de novo material genético melhorado e ainda mais
padronizado; motorização e mecanização para o cultivo de produtos de maturação
homogênea”. (DUFUMIER e COUTO, 1998, p.86).
A intensa homogeneização dos processos produtivos tornou o território
regular e de certa forma, “obediente” às determinações urbano-industriais. Dufumier
e Couto (1998) assinalam a esse respeito que existe uma estreita coordenação entre
os setores à montante [química fina, fertilizantes, mecanização] e os setores à
jusante [unidades agroindustriais privadas ou cooperativas].
A região Oeste do Paraná exemplifica essa condição, pois as propriedades
rurais, em sua expressiva maioria
9
, vinculam-se às exigências produtivistas, sejam
estas atreladas aos contratos de integração junto às agroindústrias privadas ou na
condição imposta pelas cooperativas locais. São essas orientações que alteram a
dinâmica do território, vinculando-a as exigências do capital.
Comentando sobre essas questões, Dufumier e Couto (1998) observam que
os sistemas agrários especializados e que configuram a Revolução Verde
9
Os dados publicados anualmente pela SEAB [Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento]
no Paraná sugerem um aumento da produtividade nas áreas próprias ao cultivo de lavouras
temporárias como soja e milho.
75
encontravam-se, ao longo da década de 1990, diante de uma crise estrutural e que
atualmente exige transformações radicais do modelo anteriormente esboçado. Cabe
notar, tamm, que a alteração nesse padrão de produção ocorre porque, em
algumas regiões diminuem as possibilidades de rentabilidade do capital por essa via.
São perceptíveis os impactos de ordem socioeconômica e ambiental. Desse modo,
surgem novos significados no rural decorrentes da crescente complexidade do
processo produtivo. Considera-se, portanto, que as características e funções do
meio rural alteram-se profundamente. Surgem novos processos, novas
especializações e estas, conseqüentemente, traduzem-se em novas espacialidades
e territorialidades distintas no plano regional no Brasil. Especificamente em
Cascavel, as relações produtivas vinculam-se sobremaneira às determinações
produtivistas dos segmentos agroindustriais. Contudo, algumas iniciativas de
agroindustrialização artesanais com processamento nas propriedades familiares
sinalizam a busca pela diversificação de produtos, com melhorias na renda familiar.
Tais iniciativas estão associadas à produção para o
76
rural e o agrário, em particular, estão “muito presentes” e vêm respondendo às
demandas da sociedade e os espaços produtivos regionais se reorganizam
configurando uma intensa vinculação territorial aos padrões produtivistas. Como bem
observa Martin (2000, p.88): como respuesta a la situación global, son destacables
los procesos de retorno al território y a las identidades, el renacimiento de los
espacios rurales, el renacer y la valorización de las culturas tradicionales para la
supervivencia de nuestro mundo.”
Abramovay, (2003, p.51) corrobora a afirmação de que a importância da
agricultura não deve impedir uma definição territorial do desenvolvimento e do meio
rural. Nesse sentido, o autor observa: “As funções convencionais de fornecimento
de matérias-primas e mão-de-obra para o crescimento econômico são cada vez
menos importantes diante dos próprios atributos territoriais que definem,
conceitualmente, a ruralidade”. (idem, p.13). Cabe ainda a seguinte observação:
Em resumo, os diversos modelos produtivos para a agricultura advêm
da diversidade cultural, social, econômica e ambiental cada vez mais
localmente organizada, no mundo dito globalizado; por isso atenderão em
grande parte, aos diferentes requerimentos e necessidades particulares de
cada formação social e de cada região.[...] Desse ponto de vista, estima-se
que as crises e os novos desafios poderão suscitar diferentes reações ou
saídas, as quais se manifestarão através de mudanças particulares nos
respectivos sistemas de produção, no conceito de subsistemas agrários.
(DUFUMIER e COUTO, 1998, p.105).
O rural é dinâmico; encontra-se, desse modo, em permanente transformação,
atrelado às exigências produtivistas bem como neoprodutivistas, o que configura,
conforme explicitado anteriormente, um novo uso do território.
Portanto, atribuir uma noção específica à ruralidade não se constitui em tarefa
simples. A multiplicidade de características que envolvem o rural-urbano em seus
processos reais configura distintas formas de reciprocidade e complementaridade
entre ambos.
Segundo Saraceno (1996), as ciências sociais utilizam e desenvolvem a
categoria rural-urbano, buscando explicar o deslocamento de recursos que
acompanha o processo de modernização. Desse modo, [...] observam-se as
diferenças espaciais que se mostram significativas, tenta-se reconhecer-lhes as
77
regularidades ou similitudes, as tendências de se reproduzirem ou perderem
significado.” (SARACENO, 1996, p.2).
No processo analítico surgem várias possibilidades que podem estar
pautadas no território como categoria, o que não as livra de uma rie de equívocos,
principalmente quando se busca “[...] muito mais descrever as transformações
ocorridas com a urbanização do que aquelas que tinham lugar nas zonas rurais
abandonadas.” (SARACENO, 1996, p.3). Procurando distanciar-se desses
equívocos, é a partir da noção de territorialidade que se pretende compreender a
ruralidade. Desse modo, admite-se que:
A ruralidade é um conceito territorial que pressupõe a
homogeneidade dos territórios agregados sob essa categoria analítica, e
isto naturalmente vale tamm para o conceito de urbano. Ainda que
não contíguos, os territórios rurais compartem, de fato, algumas
características comuns que no entanto não foram definidas de maneira
clara nem no que concerne aos indicadores que devem ser utilizados,
nem no que se refere ao limite que deveria distinguir o rural do
urbano. Na maior parte dos casos, o que é rural e o que é urbano
vem intuitivamente reconhecido e depois medido. (SARACENO, 1996, p.2)
A partir da interpretação da ruralidade como expressão da territorialidade,
pode-se compreender, de forma implícita a lógica do território, ou seja, sua
racionalidade. “A racionalidade, nesse fim de século chega ao território; ou seja, ela
não é apenas uma categoria da sociedade, da economia, da política. O próprio
território, em certos lugares, acaba por tornar-se racional” (SANTOS, 1999, p.17).
Para Dias (2005, p.8), uma resultante da interrelação entre mecanismos
endógenos e exógenos nessa dinâmica. Assim, na visão da autora, a territorialidade
configura-se “[...] como resultado de mecanismos endógenos - relações que
acontecem nos lugares entre agentes conectados pelos laços de proximidade
espacial e mecanismos exógenos que fazem com que um mesmo lugar participe
das várias escalas de organização espacial.” As noções de rede encontram-se,
desse modo, estreitamente vinculadas a essa lógica.
A construção dessa interrelação se configura no território que expressa, em
sua transformação, parte dos processos inerentes ao desenvolvimento do
capitalismo como modo de produção. Portanto, a ruralidade traduz essas
correlações mediante as constantes modificações territoriais, ou melhor dizendo, nos
78
conflitos gerados entre o global e o local, ou seja, entre as verticalidades e as
horizontalidades.
O rural, como territorialidade nas suas diferentes faces e em sua
horizontalidade, expressa a luta pela inserção num espaço das redes - das
verticalidades.
A materialização desse conflito ocorre por meio de sua configuração cnica,
pelos princípios de gestão adotados nas propriedades, pela racionalidade imposta
pelo mercado via ajustamentos na função de produção que expressam a “fluidez e a
competitividade”, admitindo-se as noções apresentadas por Santos (2002).
Nesse sentido, o território caracteriza-se como expressão “das geografias da
desigualdade produzidas pelo sistema-mundo, as quais permitem [vê-lo] como
dimensão histórica do processo de globalização e fragmentação” (SANTOS; SOUZA
e SILVEIRA, 2002, p.11). Ou seja, uma interdependência universal dos lugares
como uma nova lógica do território que se estrutura nos sistemas técnicos.
O funcionamento decorrente dessa lógica traduz-se pelas escalas, ou melhor,
nas palavras de Santos (1996), pelas horizontalidades e verticalidades. As primeiras
expressam “os domínios da contiidade daqueles lugares vizinhos reunidos por
uma continuidade territorial” (SANTOS, 2002, p.16). Seria essa a expressão dos
espaços banais que nas palavras do referido autor sintetiza um “acontecer solidário”
em três dimensões interligadas: homologamente, complementarmente e
hierarquicamente. Assim, o cotidiano é compartido mediante regras que o
formuladas e reformuladas localmente” (SANTOS, 2002, p.16).
Isso possibilitaria reconstituir um território a partir de mosaicos porque o
território é sempre dado como mosaico. A interpretação cidade-campo elaborada
pelo autor e apresentada na seqüência, contribui ainda mais para a compreensão da
noção de ruralidade como territorialidade mediante os fluxos estabelecidos.
[...] Áreas de produção agrícola ou urbana que se modernizam mediante
uma informação especializada e levam os comportamentos a uma
racionalidade presidida por essa mesma informação que cria uma
similitude de atividades gerando contigüidades funcionais que dão os
contornos da área assim definida.[em sua complementaridade, ainda] as
relações cidade-campo e das relações entre cidades conseqüência
igualmente de necessidades modernas da produção e do intercâmbio
79
geograficamente próximo. [num acontecer hierárquico] resultado da
tendência à racionalização d(.)-7.89896( )-651.02838(f)-31.7223(i)7.5( )-7.89896( )-7.89896(r)-0.54676( )-7.89811(à838(f)-31.)8.02692(d)-24.6944(ov-651.147(z)-0.322822(( )-651.02838(f)-31.( )-651.0223.502(u)8.02692(l)2154 l2699.89896( e7.89896( )-7.89896( )-7.89896(r.02692(l)e7.89896( )-31.7238( )-7.89896(rf-7.89896(r838(f)-31.a)8.02983(ç))-31.7238( .02692(l)-7.89896( b7.89896( )-7.89896( -16.2487(c)-651.17(a)8.0.89896( i)-16.19914)-651.17(d))-651.1715)8.02692(o)n.02692(o)8.02692( )-651.17(d),-0.54676( )-8989259r)-0.54676( )- -11.5l2699.t)-7.8975(e)u7.89811( )-651.17(a)-7.89811( )-7.89896( )-7.89875 )-7.89896( 8.02838(r)a)8.02838(f)-0.548216(a.02983(a)8.02983(l))-0.322822(a)8.02983(ç)-0.322822(ã)8.02983(o)8.02983( )-7.89896( )-31.7238( )-7.54676( )-7.89811(à)8.02983(u).8.02983(u).8.02983(u).8.02983(u)]-7.89896(d(.)-7.898968.02983(i)-16.2487(ce7.89896( )-7.89896( )8.02983(c)-0.322822(n38(f)-31.( )-651.0223.502(u)8)-651.17(( )-7.89896( )-7.89896(da7.89896( )-31.7238( )-7.54678( .02692(l)-0.546762( )-651.17(h)8.0.89896( i)-16.266.571 .89896( n38(f)-31.e)8.02983(r)-0.546762(n2154 2)8.07.89896( )8.02983(c)a)8.02983(c)-0.322822(d .89896( o3.502(u)8.02692(l)2.57614(( )-7.89896( )278]TJ6( e7.89896( )-757614(( )-7.89896( n.02983( )-7.89896( .02692(l)2.576146(r)-0.546762()-7.89896( )278]TJ6( o-7.89896( b651.17(d)a)8.02983(c)i-7.89896(ag15.7979( )-51.17(d))-60.8BT/566.571 -11.52)8.07.t)-7.8975(e)-7.89811( )-7150.84( p.02838(o)8.02838(g)n-7.89896( .02692(35)-7.89811( a)8.02838(f))-7150.84( 8.02983(l)-1.89896( )-3150.84( p.0283762( )-651.17(h)o38(f)-31.( )-651.02u0.322822(ã)8.02983(o)8.02983( )-7.89896( )-7171.171.( )-651.0223.89896( .02692(l)s)8.02983(r)-0.546762()-3150.84( )-3150.84( )-7150.84( o)8.02983(n)8.02985(t))-651.17(a)-7.898822(n38(f)-31.( )-651.028.02985(t),-7.89896( )27150.84( ( )-651.0223.89896( .02692(l)s)8.02983(r)a0.546762()-3150.84( ( )-651.02)-0.322822(e)8.02983(s)23.502(u)8ã)8.02983(o)8.02983( )-7154 58.406.89896( ,-0.54676( )-3150.84( )-7150.84( )-3150.84( 8.02983(i)-16.2487(ce7.89896( )-7150.84( )-3171.171.)-7150.84( )8.02692(d)8.02692(o))-651.1715)b651.17(d)é24.69418))-651.1715)6.571 -11.558.406.t)-7.8975(e)i)-16.2487(ao.02838(g)n-02838(g)8.02838(n)a)8.02838(f))-0.322822(b-02838(g)u.02838(o)8.4.6944(e)8.02983(n))-7.89896( à7.89896( )-7.89896( p.0283762( )-651.17(h)o38(f)-31.( )-651.02u0.322822(ã)8.02983(o)8.02983( )-7.89896( )-7-7.89896( )-651.02e7.89896( )-7.89896( -16.2487(c)-651.17(a)8.0.89896( .02692(l)-0.546762(-7.89896(e)8.02983( ))-0.322822(( )-651.028.02985(t),-7.89896( )2702692(d)-24.6944(o)-651.17(a)p.0283762( )-651.17(h)23.502(u)8.02692(l).02692(l)-7.89896( )-7.89896( à7.89896( )-7.89896( v-651.147(z)-0.322822(( 154 39.194.89896( a7.89896( )-7.898605(( )-651.028.02985(t).02692(l)2.576146(rh )-651.028.02985(t))8.02983(n)8.02983(t)-7.8987(d).02692(4( )-7.89896( e651.17(d)8.002692(d)8.02692(o))-7.89896( v-651.1448)i-7.89896(a-15.7979( )-02692(o))-571 -11.539.194.t)-7.8975(e)8.02838(n)o.02838(g))-7.89875 8.02838(g).02692(35)p.02838(o)-7.89811( ç)-16.2487(ao.02838(g).-7.89896( )2702692(d)()-651.17(h)S)-650959741(A)-650959741(N24.256(o)T)-8.44572(O)-8.21822(S02697289),-7.89896( )2702692(d)2.02983(t)0.02983(t)0.02983(t)2.02985(t),-7.89896( )2702692(d)p7.89896( )-651.17([)1.02985(t)67.89896( -)-651.17(h)1.02985(t)7.02985(t)))333.001 -11f0.99 0 0 1 516.959 777.365.039 6916.248.0112 -756280.254.t)3.44975(e))272683.84))272663.8l)2154 35.3019.t25.68975(e)A) Td91i)-168.146( é)-4.34718))-3292(3( )-36029242(( -4.34718)a -4.34718)s)]TJETQ( )-36029242(h -4.34718)o -4.34718)r)12.8009)i-7.8.146( z)]TJETQ( o -4.34718)n -4.34718)t)151.382)a -4.34718 i ( -4.3484)a -4.3484 -4.3484ç a -4.3484 i o -4.3484 3( e -4.3484)n -4.3484 ç i c
80
processo dinâmico de constante reestruturação de elementos da cultura local, com
base na incorporação de novos valores, hábitos e técnicas”
10
. Essa construção é,
nas palavras da autora, um “híbrido” onde o são encontradas condições
estritamente urbanas ou rurais. Vale acrescentar que as estruturas diferenciadas
comportam atividades cada vez mais diferenciadas, ou seja, pluriativas.
2.4
A
PLURIATIVIDADE NO CONTEXTO DAS TERRITORIALIDADES RURAIS
Numa leitura sobre o processo de expansão capitalista, no rural, no período
recente, destaca-se a importância das novas ruralidades inerentes a diversas
experiências, relacionadas à agricultura familiar, diversificada e pluriativa.
No que tange à pluriatividade, Schneider (1994, p109) observa que as
mudanças nos padrões produtivistas e as novas relações de trabalho, principalmente
aquelas que envolvem a dimensão familiar na agricultura, proporcionaram alterações
no contexto do trabalho rural.
[
...] o mundo rural, ao deixar de ser um espaço exclusivamente agrícola,
gera novas dimicas técnico-produtivas que causam fortes impactos
sobre o mundo do trabalho. Com a integração crescente da agricultura aos
demais setores da economia naquilo que ficou conhecido como os
complexos agroindustriais, alterou-se a estrutura e a composição do
mercado de trabalho rural. Por um lado, a modernização e a integração
produtiva elevaram a produtividade do trabalho agrícola de tal forma que
muitas das atividades que antes eram exercidas por várias pessoas agora
se individualizam [...] Por outro, essa integração vertical que padroniza
os sistemas produtivos visando atender os mercados segmentados e
também os “nichos de mercados”, provoca um crescimento dos
índices de flexibilização e informalização do trabalho rural (MATTEI, 1999,
p.8)
Surgem nesse contexto as famílias pluriativas, [...] as quais passam a
combinar as atividades agrícolas com as atividades não-agrícolas, tanto interna
como externamente às propriedades” (ibidem).
A questão da pluriatividade possui como base analítica mais recente a
agricultura familiar francesa, pautada em políticas de apoio específicas para a
garantia de segurança alimentar, geração de empregos, preservação da paisagem e
10
CARNEIRO, Maria José. Ruralidade: novas identidades em construção. Estudo e Sociedade e
Agricultura. Rio de Janeiro, n.1, p.53-75. out. 1998.
81
cultura locais, além de diminuição do êxodo rural e esvaziamento de regiões
periféricas. (ALENTEJANO, 2000, p.89). Isso significa que: “As características
comuns dessas novas formas de trabalho é a dissociação de alguns membros do
núcleo familiar do processo de produção agrícola.” (SCHNEIDER, 1994, p.109).
Entretanto, a realidade dos agricultores brasileiros distancia-se desse
contexto, pois tanto para as empresas rurais quanto para a agricultura familiar
menos capitalizada, há uma reordenação da divisão do trabalho no campo, com
mudanças na questão do assalariamento e também com relão às novas funções
exigidas para a produção, não necessariamente produzindo garantias quanto à
segurança alimentar, por exemplo. No Brasil, em particular, o que leva alguns
membros participantes dos processos produtivos rurais envolverem-se em atividades
não-agrícolas, dentro ou fora da sua unidade agrícola ou no espaço urbano é a
possibilidade de ampliação da renda familiar. Sugere-se, assim, “[...] a prática de
combinar rendas extra-agrícolas com a atividade agrícola dos proprietários rurais.”
(SCHNEIDER, 1994, p.111). De certa forma, nessa relação surgem mecanismos que
equilibram as demandas da propriedade rural com as exigências das trocas via
mercado, promovendo novas divisões de tarefas e novos processos de trabalho
nesse contexto pluriativo.
Portanto, os motivos que levam um agricultor familiar a inserir-se na
pluriatividade no Brasil são diferentes daqueles encontrados nos países
desenvolvidos. Enquanto nestes uma redefinição do papel do agricultor e,
implicitamente de suas funções considerando re-orientações do rural como cenário,
dentre outros aspectos, no Brasil, uma forte correlação com a necessidade de se
auferir renda fora da atividade agrícola.
Desse modo, há que se pensar nas novas ruralidades sob dois aspectos
distintos: por um lado, como um exemplo da capacidade de escolha das
comunidades locais face às experiências acumuladas e da possibilidade de
integração e desenvolvimento local. Por outro lado, e em grande parte, a ruralidade
expressa a lógica de acumulação do capital, quer diante das exigências contratuais
das agroindústrias que determinam processos mais rigorosos e atentos ao mercado,
quer ainda de forma individualizada em pequenas atividades vinculadas ao meio
urbano. Nesse caso, essas novas demandas urbano-industriais influenciam
82
significativamente na elaboração das territorialidades rurais e não necessariamente
produzem as condições necessárias ao desenvolvimento local.
Especificamente no contexto da agricultura familiar, um novo papel é
desempenhado, buscando privilegiar as novas formas de ocupação da mão-de-obra
mediante a geração de rendas vinculadas ao rural e também ao urbano. A atividade
agrícola é praticada em tempo parcial, sendo a jornada de trabalho redirecionada
para outras possibilidades de ganhos. “Isso porque o peso da renda agrícola é cada
vez menos relevante nos rendimentos dos familiares rurais” (GRAZIANO DA SILVA,
2003, p. 230).
Nesse sentido, então, tanto para as empresas rurais, quanto para os
segmentos familiares, a adoção de tecnologias, além de produzir
reformatações constantes com a (re)divisão do trabalho, produz a
intensificação do assalariamento, como sua negação via desemprego, mais
ainda, o desmantelamento da estrutura familiar de produção, que, na
maioria dos casos faz engrossar as fileiras de proletarização de um lado e,
de outro lado, requalifica o processo de luta pela terra, como também,
incentiva a prática de atividades e funções não essencialmente agrárias.”
(THOMAZ JUNIOR, 2001, p.114)
A busca por alternativas de renda fora da atividade agrícola é inerente à
dinâmica da agricultura familiar, porém não cabem generalizações. No contexto da
pluriatividade presente no rural do município de Cascavel, é importante ressaltar que
o objetivo é, prioritariamente, a manutenção da renda familiar, independentemente
das formas utilizadas para tal fim, embora o peso das atividades agrícolas seja
preponderante.
Cabe acrescentar que a pluriatividade se move ainda, com trabalho de alguns
membros da família em atividades urbanas [comércio, indústria, serviços], além das
atividades pluriativas exercidas no rural.
Para Thomaz Júnior (2001) a idéia de pluriatividade e o assalariamento rural na
dinâmica produtiva mais recente produzem desdobramentos que sinalizam para a
fragilidade do trabalho em diferentes aspectos. “[...] tanto do ponto de vista do
emprego, do que fazer, quanto da divisão do bolo, ou da riqueza socialmente
produzida, que faz do trabalho capitalista, instrumento de dominação.
Assim, diferentes possibilidades de interpretação podem ser associadas à
pluriatividade dos produtores rurais familiares. Segundo Schneider (1994), algumas
83
categorias de análise associam-se à família rural, outras compreendem a noção de
propriedade familiar, outros, ainda, admitem a associação entre o mercado de
trabalho rural e urbano.
Em resumo, a base para que tais orientações dos processos de trabalho
ocorram relaciona-se, sobremaneira, à divisão social do trabalho na propriedade.
Conforme explicita George (1982), é necessário um circuito monetário mais
desenvolvido devido à existência de serviços auxiliares, principalmente das
atividades agrícolas e uma ajustada utilização da mão-de-obra, familiar ou
contratada nesse contexto.
Uma das condições para um emprego ótimo da força de trabalho é o
equilíbrio entre a dimensão da unidade de exploração e a utilização plena
da mão-de-obra nela empregada. A relação es subordinada a diversas
variáveis: o tempo bruto de trabalho exigido por unidade de superfície, que
varia conforme a natureza do solo, no sentido mais amplo do termo
[acessibilidade, resistência aos instrumentos de trabalho, exigência de
várias operações agrícolas] a escolha dos sistemas de cultura, a
importância maior ou menor da criação associada, a eficácia do tempo de
trabalho, que depende da organização de emprego da mão-de-obra, dos
instrumentos agrícolas utilizados e da maior ou menor freqüência do
tempo improdutivo, que corresponde, principalmente ao deslocamento
de pessoas e de material. (GEORGE, 1982, p.146)
Outra importante contribuição para que se compreenda a lógica que permeia
o acentuado processo de pluriatividade é a intensificação cada vez maior nas
relações produtivas entre o rural e o urbano. Portanto, o item que ora se apresenta
pretende auxiliar no entendimento dessa articulação.
2.5
A
REDEFINIÇÃO DA COMPLEXA RELAÇÃO CAMPO
-
CIDADE E A CONSTRUÇÃO DE NOVAS
TERRITORIALIDADES RURAIS
.
Na discussão que se apresenta sobre a complexidade da relação cidade-
campo, rural-urbano, é importante compreender, primeiramente, tanto a urbanidade
quanto a ruralidade como atributos do território. O urbano pode ser concebido como
morfologia social, uma realidade social composta de relações presentes e relações a
serem concebidas, construídas ou reconstruídas pelo pensamento. Admitindo-se
essa estruturação analítica, o urbano [sociedade urbana] é uma virtualidade que
carrega a constituição de uma sociedade planetária, uma totalidade que modifica e
84
transforma a agricultura e a indústria, mas que não faz com que elas desapareçam.
(LEFEBVRE, 1999, p.28-29).
Para Galvão (1995, p.101), o mundo contemporâneo encontra-se
“visceralmente cingido pela urbanização”. Na urbanização é expressa a circularidade
entre campo e cidade, ou seja, a complementaridade entre ambos de forma a
fortalecer as especificidades de cada um. Desse modo, para a referida autora:
Relações circulares gestadas na cidade e pela cidade, implementam-se no
campo por força e ação da cidade, e na cidade se reproduzem em
progressões diferencialmente crescentes. Mas também nesta se amortalham
por força dos obstáculos e contradições inerentes às próprias relações
campo-cidade, nas quais se destacam, de um lado, o peso dos excedentes
demográficos procedentes do campo, desprovidos de qualificação para uma
adequada integração ao mercado; de outro lado, a inelasticidade desse
mesmo mercado de trabalho em seu processo de crescimento
profissionalmente distorcido e socialmente desigual, incapaz de absorver e
incorporar gradualmente, como economicamente ativos, contingentes
expressivos daqueles excedentes. (GALVÃO, 1995, p.104)
A dinâmica apresentada por Galvão (1995) conduz, ainda, para uma das
principais referências na análise vinculada à relação campo-cidade, encontrada no
trabalho de Lefébvre (1999). As pressuposições introdutórias daquele trabalho
demonstram um tecido urbano “corroendo” a vida agrária.
Estas palavras, ‘o tecido urbano’, não designam, de maneira restrita
domínio edificado nas cidades, mas o conjunto das manifestações
do predomínio da cidade sobre o campo. Nessa acepção, uma
segunda residência, uma rodovia, um supermercado em pleno campo,
fazem parte do tecido urbano. Mais ou menos denso, mais ou menos
espesso e ativo, ele poupa somente as regiões estagnadas ou arruinadas,
devotas à ‘natureza’. (LEFEBVRE, 1999, p.17)
Na condição apresentada pelo autor revela-se parte de uma complexa
estruturação envolvendo as dinâmicas do campo e da cidade, como lugares e do
rural-urbano, como processos. Permeando essa relação estão fortemente
relacionados componentes econômicos, via mercado e, políticos, por meio das
relações de poder que se materializam no domínio do território. um claro
posicionamento de incorporação do rural pelos processos produtivos engendrados
no ambiente urbano.
85
As associações entre cidade e campo vão se delineando ao longo do lento
processo de amadurecimento do modo de produção capitalista, inseridos,
inicialmente, no corpo da sociedade feudal e profundamente estruturados diante do
surgimento do capitalismo industrial.
11
Na expressão de Lefebvre (1999, p.50) o
“urbano revela o industrial” e exe, ainda, um vasto processo de transformação.
“[...] o espaço revela sua natureza, aquilo que ele sempre foi: a) um espaço político,
lugar e objeto das estratégias; b) uma projeção do tempo...” (ibidem).
A proposição vinculada ao urbano, sob esse enfoque explicita distintos níveis
pelos quais, historicamente, o urbano atravessou, buscando posicionar-se como
“espaço político e objeto das estratégias”. Superada uma fase, denominada por
Lefebvre (1999, p.87) como fase crítica: “A cidade explode; o urbano se anuncia; a
urbanização completa se prepara;” Isso não quer dizer que não sejam apresentadas
resistências a essa complexa estruturação do “habitar”. Uma primeira fase nessa
dinâmica diz respeito especificamente ao agrário, ou seja, produção agrícola, vida
rural, sociedade camponesa que, historicamente dominante, torna-se
subordinado.Na seqüência, há também uma re-orientação do papel da indústria
dominante que também se torna subordinada (ibidem).
Na reflexão sobre a complexa relação cidade-campo, Graziano da Silva (1997,
p.2) afirma que: “a visão que se tem do mundo rural ainda está completamente
vinculada à evolução do mundo agrário”. Se isso é fato, como bem apresenta
Lefebvre (1999), tanto a indústria como os serviços fariam parte da dimensão
urbana, mas, além disso, tamm a indústria é encontrada no meio rural. Entretanto,
é reforçada a idéia de que:
[...] já não se pode falar de mundo rural identificando-o
exclusivamente com as atividades agropecuárias [...] pois nesse final
de culo XX as áreas rurais dos países desenvolvidos começam a
exibir formas sociais e econômicas de organização paradigmáticas
à medida que a sociedade sai fora dos padrões fordistas”. Tais
desenvolvimentos pressionam por novos modos de regulação por parte
do Estado que incluam as políticas ambientais e de planejamento do
uso do solo e da água, de bem estar social, de desenvolvimento rural, etc.
(GRAZIANO DA SILVA, ibidem).
11
Lefebvre (1999) apresenta uma análise detalhada da cidade em evolução histórica. Descreve a
cidade em sua dimensão política, comercial, industrial, considerando ainda um momento de transição
e afirma haver subordinação completa do agrário ao urbano.
86
Para Elias (2003, p.332), “[...] uma das características do processo de
modernização agropecuária no Brasil é o desenvolvimento de uma gama muito
extensa de novas relações entre o campo e as cidades. Isso se deve à crescente
integração dessas atividades ao circuito da economia urbana.”
Essa autora afirma que, à medida que são ampliadas as exigências para com a
agricultura e a agroindústria, intensificam-se as demandas do urbano por novos
produtos e serviços, bem como por mão-de-obra especializada. O Brasil agrícola
modernizado configura especializações no âmbito do setor terciário bem elaboradas,
tais como pesquisa biotecnológica, suporte econômico-financeiro, estratégias de
administração, logística e transportes, reforçando as características cnicas,
científicas e informacionais.
[
...] o resultado é uma grande metamorfose e crescimento da economia
urbana das cidades próximas das produções agropecuárias
modernas, paralelamente ao desenvolvimento de um novo patamar das
relações entre cidade e campo, que se pode vislumbrar nos diferentes
circuitos espaciais de produção e circuitos de cooperação. (ELIAS, 1998,
p.333).
Uma discussão interessante apresentada por Elias (2002) e que se constitui
como contribuição para a análise do recorte territorial rural do município de Cascavel
diz respeito à expansão do Complexo Agroindustrial como um vetor da
reestruturação produtiva. Assim:
A expansão dos CAIs constituiu o principal vetor da reestruturação produtiva
da agropecuária brasileira e da organização do agribussiness ou
agronegócio brasileiro. Compreender os sistemas de fixos e de fluxos [...]
dos principais CAIs no Brasil (da soja, do suco de laranja, do leite etc),
em especial a partir de seus circuitos espaciais de produção [...] é um
exercício de análise da produção agropecuária e agroindustrial brasileira
moderna e do território resultante dessas produções. (ELIAS, 2002, p.8)
A construção do território adquire como conteúdo, a técnica e, por
conseqüência, o meio rural tamm a possui. As diferenças nos processos de
modernização da agricultura, industrialização e mecanização do campo,
historicamente construídos a partir de meados da década de 1950 no Brasil,
traduzem o o campo como algo dissociado da realidade urbana, mas como
87
produto técnico
12
. Desse modo, observa-se um significado social, político e
econômico na elaboração dos sistemas técnicos. São esses significados que
possibilitam diferentes incorporações produtivas no espaço agrário, tornando-o mais
ou menos apto às exigências da globalização. Dessa forma:
Portanto, sob o enfoque pós-fordista, a flexibilidade ganha intensidade e insere-
se no mundo rural de forma multidimensional. Dessa forma, o rural pluriativo e
multifuncional, como de fato sempre o foi, incorpora novas atividades orientadas
para o consumo tais como lazer, turismo, residência, preservação do meio ambiente,
etc. No caso específico de Cascavel, as orientações propostas no contexto da
reestruturação produtiva pouco atendem à tais dinâmicas e estão relacionadas ainda
aos processos artesanais da agroindústria nas propriedades ou à prestação de
serviços. São ainda limitadas as iniciativas pluriativas no meio rural vinculadas ao
turismo e ao lazer.
Além dessas possibilidades, destaca-se que: “Não é apenas a cidade que tem
força para receber e emitir numerosos e variados fluxos. Hoje, muitas das atividades
realizadas no campo o são apenas agrícolas, mas também industriais...” (ELIAS,
2002, p.13). A autora ainda afirma que, nesse caso, a agroindustrialização cria
novas relações, próximas e distantes. Assim, os circuitos espaciais da produção e
circuitos de cooperação, explicitados por Santos (1996) “[...] buscam nexos distantes
criando uma gama de novas relações sobre o território, transformando radicalmente
as tradicionais relações cidade-campo...” (ibidem).
Neste caso a natureza do rural, precisamente porque é rural, traduz-se em
“objeto de múltiplas atividades e usos humanos [caracterizando-se como] menos
12
A vio do campo como algo bucólico ou poético, necessariamente implica a preservação da
paisagem e esta se torna tamm, produto técnico, com lógica e racionalidade próprias.
A reestruturação produtiva da agropecuária no Brasil se dá calcada na
conquista de mercados internacionais de produtos alimentares
industrializados ou semi-industrializados. Dessa maneira, transformam-se
também, as tradicionais formas de distribuição e de consumo de produtos
agropecuários. Cada vez mais a produção para o autoconsumo é substituída
pela economia de mercado, em função das demandas urbanas e industriais,
visando a produção de mercadorias padronizadas para o consumo de massa
globalizado [...]. (ELIAS, 2002, p.8)
88
natural possível. (WANDERLEY, 2000, p.89). Dessa forma, acentua-se a expansão
do meio técnico-científico-informacional no campo e nas cidades (ELIAS, 2002). A
modernização experimentada pelas atividades agropecuárias no Brasil, entre 1950-
1980 “redefine, sem anular, as questões referentes à relação campo/cidade, ao lugar
do agricultor na sociedade, à importância social, cultural e política da sociedade
local, etc.” (WANDERLEY, 2000, p. 89). Corroborando tais afirmações Endlich (s/d)
expressa:
No atual período técnico, a compreensão do rural e do urbano não se
restringe mais a uma cidade e seu campo imediato. As relações possuem
uma amplitude muito maior e devem ser pensadas no conjunto da rede
urbana. Assim, o modo de vida urbano estende-se até os limites geográficos
alcançados pelos interesses, ações e conteúdos presentes nas cidades.
Muito embora existam leituras que apontem para uma certa “absorção” do
campo pela cidade, entende-se que as novas ruralidades vêm produzindo formas
efetivas de ocupação territorial, caracterizadas em especificidades que se articulam
com o meio urbano não necessariamente sendo por ele incorporadas. Admitindo-se
como referência que, além dos agricultores são inúmeros os atores presentes no
rural, como artesãos e mediadores que estabelecem formas de divisão social do
trabalho e criam possibilidades de reprodução social naquele ambiente, pode-se
aceitar que determinados espaços denominados “urbanos” possuem essencialmente
características rurais.
Portanto, são inúmeras as possibilidades na relação entre cidade e campo,
decorrentes das diferentes dimensões que o urbano possui. Assim, pela intensidade
e forma com que o elaborados os sistemas produtivos, verificam-se três tipos de
evolução possíveis nessa relação:
Em primeiro lugar, as ‘cidades permanecem rentistas do solo; o controle
da estrutura fundiária por proprietários que vivem na cidade reproduz
uma relação de parasitagem com o meio rural. Em segundo lugar, ‘a cidade
ou complexo industrial que cresceu sem laço orgânico com o meio rural que
o envolve, esterelizando-o em vez de fecundá-lo. Finalmente, em terceiro, ‘a
cidade que associa sem ruptura o campo a seu próprio desenvolvimento’.
(WANDERLEY, 2000, p.93).
Identificada a possibilidade de associação entre rural e urbano, podem ser
estabelecidas estratégias de diversificação social por meio da complementaridade. A
89
dimensão rural abarca, dessa forma, elementos essencialmente urbanos como o
processo de industrialização e participação do setor de serviços em ambientes que
90
admissão das inovações tecnológicas como elemento estrutural de um processo
contínuo e em diferentes escalas, recriando territorialidades.
As ‘urbanidades no rural’ seriam todas as manifestações do urbano em áreas
rurais sem que se tratem esses espaços formalmente como urbanos. Não se
pretende criar conceitos novos que obstaculizem, mais ainda, a discuso,
mas indicar que o conceito de urbanização rural dificulta a compreensão dos
processos em curso; que a urbanização, difusa, ideológica/cultural, como já
foi referido, dificilmente poderá ser mensurada; enquanto a idéia de ‘novas
ruralidades’ parece-nos enfatizar por demais a força do rural diante do urbano
que, sem vida, comanda o processo de reestruturação espacial no mundo
contemporâneo (RUA, 2002, p.34).
É importante que a leitura das distintas faces do território, ressaltando suas
ruralidades e urbanidades, esteja amparada na análise da reorganização dos
processos produtivos próprios à lógica capitalista como modo de produção ao longo
do tempo. É essa, portanto, a orientação teórica adotada para o conjunto de análise
elaborado na seqüência, ou seja, a de que o uso do território permite a construção
de diferentes estruturas tanto rurais quanto urbanas que interagem entre si,
ajustando esse mesmo território às contínuas exigências do capital para sua
reprodução.
Para Haesbaert e Limonad (1999), considerando antigas e novas
territorialidades, o território é uma construção histórica. Atualmente uma
complexificação e uma sobreposição maior de diferentes territórios e muitas vezes
não se tratam de novas territorialidades, mas de novas formas inseridas no processo
de globalização.
Em resumo, as noções em questão possibilitam que o território seja
compreendido em sua dimensão empírica, tendo como cenário um ambiente mais
amplo com diferenciadas orientações técnicas, produtivas, culturais, econômicas e
sociais. Assim, na seqüência, é apresentada a segunda parte deste estudo que trata
da política de modernização da agricultura e de suas respostas na região Oeste do
Paraná e, em especial, no município de Cascavel. Tal apresentação é importante
para a análise da produção agrícola familiar nesse município em suas características
e diferenciações, ou seja, uma parcela do território que se elabora e re-elabora
diante das exigências do capital.
P
ARTE
II
A
MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E A CONSTRUÇAO DE
TERRITORIALIDADES RURAIS
A primeira parte deste trabalho ocupou-se da caracterização da área de
estudo em sua formação geo-econômica, sinalizando para um território usado. É
importante salientar tamm que o território modifica-se em função das diferentes
possibilidades de reprodução do capital e a modernização da agricultura como
evento é a expressão dessa acumulação por meio da inserção de componentes
tecnológicos. Assim, na segunda parte do trabalho, procura-se compreender o lugar
da modernização na construção das territorialidade rurais em Cascavel. A idéia
norteadora do terceiro capítulo vincula-se, sobretudo, à construção da modernização
da agricultura na região Oeste do Paraná e em especial no município de Cascavel.
Desse modo, espera-se contribuir para a compreensão não apenas da estruturação
[im]posta pelo já referido modelo, mas, principalmente, quer-se discutir sua influência
na formação das territorialidades rurais em Cascavel. Para tanto, apresentam-se três
itens específicos, porém imbricados entre si.
Na seqüência, o quarto capítulo ressalta as diferentes possibilidades de
interpretação da categoria “agricultura familiar” bem como de outras estruturas
produtivas rurais. Tais categorias modificam os conteúdos do território à medida que
absorvem as inovações tecnológicas e contribuem para a reprodução do capital.
Toma-se como referência teórica para essa discussão os trabalhos de Kautsky
(1998), Lênin (1983) e Chayanov (1974), além da análise de diferentes
interpretações das categorias de produtores rurais presentes no Brasil estruturadas
na interpretação de Graziano da Silva (2003) e Lamarche (1998).
O quinto capítulo constitui-se em referência empírica à pesquisa. Propõe-se
assim a compreender o território rural de Cascavel e a dinâmica das estruturas
produtivas rurais ali presente após 1990. Desse modo, articulam-se verticalidades e
horizontalidades nessa parcela do território, proporcionando distintas configurações
92
sócio-produtivas e, por conseqüência, diferenciadas relações entre os produtores e
o mercado.
No sexto capítulo admite-se que, para a efetivação desse modelo de
desenvolvimento agrícola no território rural, é importante a presença de agentes
como o Estado e as empresas (agroindústrias e cooperativas) nacionais e
internacionais. Diante dessa condição é importante a reflexão sobre a participação
dos agentes condutores das políticas de modernização da agricultura e sua
contribuição para a organização do território rural local.
3.
O
MODELO DE MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA
-
TECNOLÓGICO E A
CONFIGURAÇÃO DO TERRITÓRIO RURAL NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
P
R
O capital se orienta espacialmente em função das suas possibilidades de
reprodução. O evento denominado modernização da agricultura caracterizou-se
como uma expressão da acumulação desse mesmo capital no território por meio de
uma intensiva disseminação de componentes tecnológicos. Assim, a idéia
norteadora desse capítulo vincula-se, sobretudo, à resposta dada pela região Oeste
e em especial pelo rural do município de Cascavel ao processo de modernização
agrícola-tecnológico viabilizado pelo capital em sua associação com o Estado
brasileiro.
Desse modo, espera-se contribuir para a compreensão não apenas da
estruturação [im]posta pelo referido modelo, mas, principalmente, quer-se discutir
sua influência na formação das territorialidades rurais em Cascavel.
A discussão proposta neste capítulo se inicia considerando as características
da expansão capitalista na agricultura, mediadas pela orientação industrial. Desse
modo:
É apenas a partir da terceira fase do desenvolvimento do capitalismo, que se
inicia verdadeiramente a subordinação da agricultura ao capital. Esta
subordinação ocorre em escala mundial, uma vez que a terceira fase coincide
com a do imperialismo, isto é, com a constituição do sistema mundial em sua
forma atual definitiva. (AMIN, 1977, p.30)
No Brasil, as orientações industriais tornam-se relevantes a partir de 1930
com a formulação de mecanismos de intervenção do capital e subordinação da
agricultura.
A pressão do capitalismo urbano engendra transformações importantes no
estágio posterior do mundo rural. Inicia-se na América Latina, Oriente árabe e
Ásia, a era das reformas agrárias. Mais ou menos radicais, generalizam-se
após a Segunda Guerra Mundial: na Índia, com a independência; no mundo
árabe, com a onda de nacionalismo pequeno-burguês do anos 50; na
América Latina com o populismo e, sobretudo, o ‘desenvolvimentismo’,
também nos anos 50. São estas reformas que, extinguindo as velhas alianças
de classes entre o capital estrangeiro e a grande propriedade, substituem-nas
por uma nova aliança tripla: capital estrangeiro – burguesia urbana local
[privada e/ou do Estado] koulaks [camponeses ricos]. Elas constituíram a
base social posterior da “revolução verde’.(AMIN, 1977, p.36)
94
O movimento transescalar do capital no território propiciou tamm à rego
Oeste do Paraná e ao município de Cascavel que se tornassem palco de
significativas transformações sócio-produtivas em momentos posteriores. Desse
modo, o item intitulado “a conformação da agropecuária moderna: especialidades
produtivas e a formação dos complexos agroindustriais” propõe-se a caracterizar os
processos produtivos relacionados à expansão das lavouras de soja na região Oeste
do Paraná e a inserção desse território no contexto da modernização da agricultura
e posterior dinamização de processos agroindustriais.
Portanto a partir de 1970, são apresentados os principais traços da formação
da monocultura da soja ou o que anteriormente denominava-se “binômio soja-trigo” e
a dinamização setorial da agricultura. Cabe acrescentar que tal inserção trouxe
algumas implicações de ordem estrutural e sócio-espacial, ressaltando-se ali a
questão fundiária, a incorporação de novas bases tecnológicas e novas orientações
relacionadas ao processo de trabalho.
3.1
A
LGUNS TRAÇOS DA EXPANSÃO CAPITALISTA NO TERRITÓRIO BRASILEIRO
-
1950-1980
Ao longo do século XX, os processos produtivos inseridos na dinâmica
capitalista de produção sofreram sucessivas reorientações. Acontecimentos
históricos importantes redefiniram os papéis desempenhados pelos atores ali
envolvidos, principalmente o Estado em sua conduta para com os diferentes setores
produtivos, considerando seu papel regulatório nesse contexto. Nessa trajetória, o
período entre guerras (1917-1939) é concebido como uma importante fase de
transição para o capitalismo em sua atual configuração. Nele foram experimentadas
crises cíclicas no sistema com acentuadas quedas nas margens de lucro e
subseqüentes retomadas nas esferas produtivas.
No contexto do pós Segunda Guerra Mundial, compôs-se um reordenamento
das forças produtivas mundiais, possibilitando uma nova lógica de acumulação com
o auxílio do Estado que assumia explicitamente seu caráter interventor, construtor de
políticas públicas que viabilizavam estratégias de crescimento econômico, mediante
a dotação infra-estrutural, bem como por meio de novas formas de regulação do
mercado.
95
Assim, no período subseqüente [1960-1980], são percebidas transformações
mais intensas nas estruturas de mercado, cada vez mais assimétricas e imperfeitas.
Também se acentuou a presença do Estado diante de uma nova forma de regulação
dos processos produtivos e das crises vinculadas ao esgotamento do modo de
produção fundamentado no fordismo. Em meados da década de 1970, uma nova
estruturação socioeconômica emergiu diante das crises produtivas do fordismo.
Tratava-se, portanto, de acentuar as possibilidades e a flexibilização da produção
com parcelas cada vez maiores de investimentos externos diretos em novos
espaços produtivos, o que naturalmente produziu novas lógicas e uma nova
configuração territorial.
No caso dos países considerados periféricos, como o Brasil e demais países
da América Latina, África e Ásia, esse movimento atinge sua maturação ao longo da
década de 1990, reordenando o uso do território e produzindo novas divisões
espaciais do trabalho. Isso proporcionou modificações no território à medida que os
sistemas cnicos se justificavam diante das novas estruturas de mercado que
tamm contribuíam para redimensionar as funções da indústria, o processo de
urbanização e o lugar do rural nesse novo cenário iniciado em meados da década de
1950.
Portanto, os novos traços do capitalismo e suas influências na articulação
agricultura-indústria devem ser observados sob esse prisma e a estruturação
proposta nesse item pauta-se, inicialmente, numa revisão dos conceitos relativos ao
rural entre as décadas de 1950-1970
1
. Necessário se faz esclarecer que, no Brasil,
houve uma intensa busca pela industrialização via substituição de importações e
dotação infra-estrutural para o crescimento econômico com a maciça presença do
Estado nesse processo. que se ressaltar que, nesse contexto, as importantes
transformações pelas quais passou a agricultura entre as décadas de 1950-1970,
decorrem de uma estruturação anterior, própria à formação socioeconômica do
Brasil, presente nos complexos rurais, ora atrelados à dinâmica exportadora, ora
amortecendo as crises do setor externo via subsistência. A Figura 5, na seqüência,
explicita essa estruturação no contexto do desenvolvimento econômico brasileiro.
1
A análise em questão versa mais especificamente sobre a dinâmica capitalista experienciada no
Brasil, admitindo-se um panorama de transformações produtivas em escalas mais ampliadas.
MODERNIZAÇAO DA
AGRICULTURA
Anos 1950:
elevação do uso de insumos
modernos [importações
]
1955
-
1965
implantação do D1 geral da economia
industrializaçao pesada
1965
-
1975:
internalização do D1
para agricultura
1975
-
198
5:
integração de capitais
INDUSTRIALIZAÇAO DA
AGRICULTURA
Políticas Agrícolas e
Agroindustriais
CAIS
Agroindústrias
oligopólicas
D1 para a agricultura
[máquinas e insumos]
Agricultura Moderna
NOVO PADRÃO
AGRÍCOLA BRASILEIRO
F
IGURA
Esquema teórico da formação do novo padrão agrícola
FONTE: KAGEYAMA et.al. (1987) adaptado pela autora.
97
O quadro teórico elaborado por Kageyama et.al. (1987) permite uma análise
da trajetória temporal ao longo de quase quarenta anos em que a agricultura se
colocou como um importante suporte para a viabilização do processo de
industrialização brasileiro, amparando também a consolidação da industrialização via
complexos agroindustriais. Na região Oeste do Paraná tal processo foi liderado pelas
cooperativas regionais por meio de importantes subsídios creditícios.
Dessa forma, historicamente, o processo agrícola brasileiro vinculou-se e
vincula-se sobremaneira à hegemonia agro-exportadora, bem como aos interesses
urbano-industriais, servindo às funções da industrialização brasileira. A política do
Estado para a agricultura considerou principalmente essas questões e entre 1950 e
1970, coube à industrialização, a alavancagem do processo de desenvolvimento
econômico.
No contexto dos debates teórico-metodológicos desse período, chamava-se a
atenção para um quadro internacional no qual se fortalecia a hegemonia do capital
norte-americano, em suas diferentes faces, considerando-se implicitamente o
investimento externo direto das multinacionais, acordos de cooperação cnica e
novas formas de atuação das empresas nacionais por meio de sua incorporação às
empresas de capital externo. Internamente, destaca-se o agravamento de questões
socioeconômicas como a concentração de renda, queda da taxa de acumulação do
setor industrial, deterioração nos termos de troca no comércio internacional e uma
situação em suspenso no que diz respeito à construção das políticas
macroeconômicas do período. Duas alternativas foram apresentadas nas discussões
daquele período. A primeira referia-se à expansão do mercado interno tendo a
agricultura como prioritária para uma modificação nas estruturas de produção
vigentes na época. A segunda alternativa voltava-se a novas alianças de classes e
grupos sociais ligados aos interesses da desnacionalização dos processos
produtivos.
No debate proposto, prevaleceu o enfoque que priorizava a expansão do
mercado externo. O papel do rural naquele momento pautava-se por questões como
o abastecimento dos grandes centros urbanos, que produzia pressões inflacionárias
mediante a escassez dos gêneros alimentícios. Essas crises de abastecimento eram
98
identificadas como decorrentes do atraso estrutural do campo brasileiro,
considerando-se as relações sociais de produção ali estabelecidas.
Assim, existia a interpretação de uma configuração dual no processo de
formação do País. O subdesenvolvimento seria resultado de um processo histórico
autônomo, conforme descreve Furtado (1989) observando-se a presença de
estruturas arcaicas como aquelas próprias à agricultura escravista. Cabe
acrescentar nesse contexto um questionamento apresentado por Rangel (2000,
p.39)
2
:
No debate econômico travado naquele período, Rangel (2000) destacava
dois posicionamentos distintos. De um lado, afirmava-se que a agricultura não
poderia cumprir sua dupla e contraditória tarefa, ou seja, a de liberar mão-de-obra e
ainda produzir alimentos em escalas crescentes, salvo se houvesse significativa
entrada de capitais. Por outro lado, havia o entendimento de que, ao contrio, num
país subdesenvolvido como o Brasil, a natureza das atividades agrícolas é de tal
forma essencial que poderia resolver seu problema, mediante uma redistribuição de
seus recursos”. (RANGEL, 2000, p.39).
O posicionamento de Celso Furtado, naquele momento, contraria a idéia
de que a agricultura brasileira [...] teria respondido ao crescimento da demanda
nacional de produtos agrícolas.” (CANO, 2000, p.96). Isso implica passar:
[...]
para segundo plano o saber se agricultura que responde a uma
demanda dimica se está realmente desenvolvendo, isto é, se eleva o
seu nível técnico, se permite a melhoria qualitativa do fator humano, se
acarreta elevação do nível de vida da população rural. A análise de Furtado
é clara: a falsa resposta esconde que o aumento da demanda de produtos
agrícolas seria muito maior se fosse melhor a distribuição da renda e
os salários do próprio meio rural, além dos urbanos, e que os preços mais
2
Esse texto foi publicado na revista Econômica Brasileira (Rio de Janeiro, volume 6,mero 4, p.248-
249) em 1955. “Nesse artigo, Rangel procura explicar as relações entre agricultura e indústria,
durante o processo de industrialização, as quais consistem, na sua opinião, ‘essencialmente
transferência de certas atividades de âmbito rural para âmbito urbano, do que resulta um considerável
aumento da produção per capita. (GRAZIANO DA SILVA, 2000, prefácio, p.8).
A industrialização confronta a agricultura com um duplo problema: ao
mesmo tempo, exige dela que aumente sua oferta de bens agrícolas e que
libere parte da mão-de-obra que ocupa. Como pode a agricultura produzir
mais alimentos e matérias-primas para as cidades se essa drena
continuamente parte do recurso essencial – afora a terra – necessária para
produzir tais bens?
99
altos dos produtos protéicos constrangem essa demanda e diminuem o
padrão nutricional do país. (FURTADO, 1972, citado por CANO, 2000, p.97)
3
Para Rangel (2000, p.39): “De um modo, ou de outro, o que é inconcebível é
que a agricultura possa atravessar um processo de industrialização sem modificar
sua tmod
100
por Celso Furtado no Plano Trienal. Nesse momento, interessava reforçar o papel do
Estado na economia, tanto na área do planejamento como nos investimentos e
direcionamento da política desenvolvimentista. “[...] o Plano concebe a ação do
Estado como orientadora do processo de formação de capital [...]” (TAVARES,
2000)
5
.
Observa-se, nesse período, um persistente desequilíbrio estrutural entre o rural
e o urbano sendo imprescindível sua redução. O entendimento da formação rural
brasileira de forma dual teve um interessante contraponto apresentado por André
Gunder Frank, onde se encontra uma nova explicação para o atraso estrutural do
rural brasileiro. Caracteriza-se esse processo como algo inerente à formação do
capitalismo mundial em suas diferentes fases. Portanto, as estruturas relativas ao
desenvolvimento e ao subdesenvolvimento coexistem na dinâmica de expansão do
capitalismo e a agricultura estaria atrelada à pobreza naquele momento.
Uma nova leitura desse processo tamm foi fornecida pela chamada “crítica
conservadora” que, em meados das décadas 1950-1960, em oposição aos enfoques
estruturais, observava a agricultura respondendo positivamente ao processo de
desenvolvimento capitalista. Ou seja, nessa leitura, como parte da função de
produção”, a agricultura obteve ganhos de produtividade e permitiu a transferência
de mão-de-obra para outros setores, particularmente a indústria.
Portanto, para teóricos como Antonio Delfim Neto, interessava tão somente a
possibilidade de resposta da agricultura ao produtivismo vigente. Nesse caso, o
papel desempenhado por ela não foi marginal; pelo contrário, “estaria no cerne do
próprio processo, devendo colocar-se no centro mesmo das mudanças que seriam
efetuadas” (idem, p.49).
A agricultura, nesse entendimento, financiaria o desenvolvimento industrial do
País, tanto pela liberação de mão-de-obra necessária ao processo de
industrialização iniciado, quanto pela transferência de renda realizada. Em uma
interpretação de conjunto, merece destaque o pensamento de Antonio Barros de
Castro, no qual se percebe que “[...] o universo rural se projeta, imprimindo
5
Transcrição do original – Plano Trienal, 1962. Celso Furtado.
101
características fundamentais no desenvolvimento urbano-industrial que será, em boa
medida, feito à sua imagem e semelhança” (idem, p.53).
O debate proposto foi de extrema importância para orientar a análise da
realidade rural brasileira, porém já não possui mais uma relação direta com as
abordagens teóricas que fundamentam as novas reflexões sobre o rural. (BAIARDI,
2002). O que permaneceu foi a necessidade de se pensar sobre a intensificação das
relações campo-cidade e o surgimento de um rural modernizado.
Assim, como causa e efeito dessa articulação rural e urbano-industrial verifica-
Aálre us dacadas deuuu0-uuu0,o eq-
102
rural, a prodigalidade dos incentivos fiscais e, ainda, o aporte direto e expressivo do
gasto público na execução das políticas de fomento produtivo e comercial”.
Gonçalves Neto (1997) tamm afirma que a política agrícola instituída no Brasil a
partir de 1960, amparada no crédito subsidiado ao setor rural buscava responder
aos desafios criados pela necessidade de modernização brasileira. Acentua-se,
dessa forma, a dinamização da produção agrícola necessária naquele momento.
Na década subseqüente ocorre a integração de capitais, proporcionando o
surgimento de um novo padrão agrícola fundamentado nos complexos
agroindustriais.
Ainda na década de 1980 verifica-se a transição para o regime de liberalização
comercial, intensificado a partir da década de 1990. O foco principal torna-se o
mercado externo diante da nova ordem mundial estabelecida.
A transição do padrão de ‘modernização conservadora’ ao regime da
liberalização comercial dos anos 90 é mediada por todo um período de
desmontagem do aparato de intervenções no setor rural, montado desde
1930 e fortemente reciclado no período militar. Neste contexto histórico
recoloca-se a ‘questão agrária’ a um tempo em que o desenvolvimento
econômico da agricultura já não é um projeto político prioritário na agenda
do Estado e tampouco o é o projeto de industrialização que puxara antes
a modernização agropecuária. Agora a prioridade está posta no setor externo,
mas de maneira muito distinta do que fora a inserção externa numa
economia relativamente protegida. (DELGADO, 2001, p.166).
Entretanto, esse cenário não foi de forma alguma homogêneo no território
brasileiro, acontecendo de forma parcial, limitando-se a algumas regiões do País, a
ritmos diferentes e a alguns produtos específicos e a certas fases do ciclo produtivo.
(MORO, 1990, p.1). Pode-se afirmar, nesse sentido, que houve um aprofundamento
do caráter heterogêneo da agricultura brasileira, acentuando as desigualdades
sociais do campo brasileiro.
A agricultura historicamente dominante no cenário produtivo elaborou-se,
portanto, por padrões vinculados à monocultura. Esses padrões voltaram-se
primordialmente às estreitas relações técnicas com o meio urbano-industrial.
Entretanto, não foram apenas os critérios cnicos que permearam a consolidação
desse padrão produtivo no rural brasileiro. Há que se destacar ainda questões
econômicas, culturais, processos regulatórios do Estado, dentre inúmeras variáveis
que ali incidem.
103
O processo de modernização ocorrido durante a década de sessenta
implica na ruptura de um modo tradicional de produção, muito embora
este não tenha se processado de forma homogênea no espaço,
para atender a uma dinâmica de produção eminentemente capitalista que
não mais permitia que se articulasse a produção sem a incorporação de
insumos, tecnologia e infra-estruturas que não fossem produzidas
industrialmente.[Contudo, admite-se neste processo] que a
indústria subjuga a agricultura em muitas de suas características,
redefinindo também a organização da sociedade, pois se admite o
desemprego rural e a reestruturação do meio urbano como alguns dos
resultados visíveis deste processo. (PIERUCCINI, 1998, p.72).
Cabe acrescentar que “[...] no contexto regional do Centro Sul do país, o
Estado do Paraná caracteriza-se, especialmente, pelo domínio da economia
agrícola.” (MORO, 1990, p.2). Houve, portanto, uma ativa participação do Estado
nesse processo, não apenas como agente regulador, mas também como
organizador do espaço territorial.
Na região Oeste do Paraná, durante a década de 1960 começaram a esgotar-
se muitas das áreas de exploração madeireira. “É no final desse período que se
verifica o início do fenômeno da mecanização da agricultura e a vinculação desta à
indústria.” Nesse sentido é importante afirmar que:
[ ...] o potencial natural extremamente favorável à agricultura, facilitou,
portanto, a rápida transformação da região e sua adaptação ao processo
produtivo que ali ocorria. [...] tanto o norte quanto o extremo-oeste do
estado lideraram o movimento de modernização agrícola, absorvendo a
maior parte do aumento do mero de tratores utilizados.
(PIERUCCINI, 1998, p.29)
Nesse contexto, inúmeras regiões do País deveriam modificar suas estruturas
de produção ainda pautadas na subsistência e na pequena oferta de produtos ao
mercado. O tulo “rural atrasado” tornou-se assim fundamental para as exigências
crescentes de mercado do meio urbano-industrial, e a racionalidade dos processos
econômicos define as respostas deste rural.
O diagnóstico neoclássico dizia que os agricultores eram pobres, mas
eficientes: o problema não estava no uso dos "fatores de produção"
disponíveis, mas sim que os fatores disponíveis não propiciavam o retorno
necessário para superar a condição de pobreza em que viviam. Daí a
proposta de modernização ser entendida como a introdução de "novos
fatores que incluíam desde as sementes geneticamente melhoradas da
Revolução Verde, os adubos e defensivos químicos, as máquinas e
equipamentos, até a educação formal, nos moldes urbanos... (GRAZIANO
DA SILVA, 1997, p.2)
104
Diante disso, presume-se que a inserção da agricultura no contexto relativo ao
meio técnico-científico e informacional dependeu de demandas externas à própria
agricultura. Nesse sentido, as relações sociais e econômicas obedecem à ordem
estabelecida pelo mercado.
Entretanto, deve-se acrescentar, conforme Benjamin et.al. (1998, p.86), que a
“agenda rural não se reduz à questão fundiária”, bem como apenas à ótica
produtivista. Variadas são as intervenções estruturantes do espaço rural e cita-se
aqui tanto a qualidade de vida como as novas possibilidades de potencial produtivo
que agregam, am das estruturas agroindustriais organizadas, “os pequenos
proprietários ou pequenos posseiros, estimados em 4 milhões. Apenas cerca de um
milhão estão integrados ao mercado e operam com crédito.”(BENJAMIN, et.al. 1998,
p.87).
Existem, desta forma, inúmeras especificidades presentes no rural brasileiro e
estas são decorrentes de um processo histórico. Alentejano (2000, p.93), considera,
dentre essas especificidades, a herança de um enorme setor de subsistência que se
alojou no mundo rural. Considera ainda a tendência secular de queda da renda
agrícola, que amplia os veis de subsistência, além de um “papel protagônico da
política social como principal antídoto à miséria reinante no meio rural brasileiro.”
Nesse sentido é que apontam as dificuldades para a formulação de políticas que
orientem adequadamente os caminhos do rural no Brasil.
A conclusão, com base nas tendências passadas e nas expectativas das
mudanças tecnológicas futuras, é que o resultado das mudanças estruturais
que ocorreram na agricultura brasileira no início dos anos 90 visaram ao
benefício, mais uma vez, das fazendas de grande escala, sejam elas
capitalistas ou empresas familiares. Mas a emergência dos produtores em
tempo parcialque vem ocorrendo com intensidade cada vez maior,
impõe mudanças substanciais na natureza e nos objetivos das políticas
públicas para as propriedades menores. Sem um programa de desenvol-
vimento rural global com o objetivo de ‘urbanizar o meio rural, combinando
políticas sociais compensatórias e políticas produtivistas, os pequenos
produtores serão, em grande parte, eliminados como uma força produtiva e
economicamente viável do mundo rural brasileiro. (GRAZIANO DA SILVA,
2003, p.11)
O ambiente “produtivista”, que historicamente fundamentou o rural brasileiro e
que tornou a agricultura a mola propulsora” do processo de crescimento econômico
do País em suas funções, encontra-se cada vez mais fortalecido em sua dimensão
105
setorial produzindo inúmeras transformações nas diversas regiões. Isso não significa
que as condições para o desenvolvimento sejam viabilizadas. Ao contrário, a lógica
produtivista é excludente sob o ponto de vista social e danosa sob o aspecto
ambiental. Como conseqüência, acentuou-se os desequilíbrios regionais face à
heterogeneidade da agricultura nacional.
Surgem, portanto, diferentes respostas decorrentes da espacialização das
atividades produtivas industriais. Assim, admite-se que o modelo econômico
brasileiro estruturou-se na lógica urbano-industrial decorrente da expansão do
capitalismo.
Nesse sentido, pode-se considerar o tempo não apenas como transcurso ou
intensidade, mas, como definiu SANTOS (1996), como extensão e espacialidade.
Desse modo, a cnica foi e continua essencial como meio para a ampliação dos
domínios do capital sobre a agricultura. Este mesmo autor afirma que “desde o
princípio dos tempos, a agricultura comparece como uma atividade reveladora das
relações profundas entre as sociedades humanas e o seu entorno.” (SANTOS, 2001,
p.88).
As mudanças nos pades de produção e a crise agrícola dos anos 1980
alteraram significativamente a estrutura social vigente no setor agrário. Isso ocorreu
principalmente nos países desenvolvidos. Se num momento anterior foram
constatadas crises na estrutura do Estado do Bem-Estar, construção política esta
vigente desde o Pós-Guerra, em meados da década de 1970 um novo regime de
acumulação acabou por influenciar a agricultura. Como conseqüências desse
processo podem ser citadas: os maiores excedentes de produção, principalmente
nos países centrais, a redução do número de propriedades agrícolas, a crescente
especialização da produção, além da integração agricultura aos outros setores da
economia por meio do agribusiness. (SCHNEIDER, 1994)
Em resumo, as reflexões elaboradas sobre a modernização da agricultura
consideraram as modificações que incidiram e ainda o fazem sobre o
rural por meio
de seus componentes sociais, bem como na construção de novas funções do setor
agrícola nas distintas territorialidades do País. Portanto, o exame das especialidades
106
produtivas inerentes à conformação da agropecuária modernizada e tecnificada no
rural de Cascavel é um importante subsídio para a análise aqui proposta.
3.2
A CONFORMAÇÃO DA AGROPECUÁRIA MODERNA
:
ESPECIALIDADES PRODUTIVAS E
FORMAÇÃO DE COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS NA REGIÃO
O
ESTE E NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
Para que se compreenda a conformação da agricultura moderna é válida a
caracterização do micro e do macroambiente. Assim, além das especificidades de
cada região, é importante a percepção do conjunto de políticas que orientaram a
questão da agricultura no Brasil, no momento da Revolução Verde [macroambiente],
conforme a análise feita no primeiro item deste capítulo.
Na caracterização relativa ao microambiente, ou seja, no território rural de
Cascavel, denota-se que este absorveu a orientação sistêmica proposta no âmbito
da modernização da agricultura. Equivale dizer que, nessa porção do território, os
fluxos e transferências de um setor produtivo a outro setor proporcionaram o
aprofundamento das relações tecnológicas, financeiras e de negócios entre a
agricultura e a indústria. Tal relação, quando observada no contexto das
territorialidades ali elaboradas, foi viabilizada ainda nos anos 1970 e consolidada ao
longo dos anos 1980.
Se antes a agricultura de subsistência e a criação de suínos era a base
econômica da região, a partir do final da década de 1960 surge um novo padrão
produtivo pautado sobretudo na monocultura da soja. Era o início da produção
comercial em grande escala, tendo nas mudanças tecnológicas e na organização
produtiva aspectos primordiais a estabelecer uma nova configuração do espaço
regional. Desse modo, regionalmente, a agricultura sucede a atividade extrativa,
anteriormente praticada no município de Cascavel e região, tornando-se importante
referência para o crescimento econômico local. A entrevista realizada com o
produtor rural H.B ilustra esse período anterior ao evento da modernização,
destacando, principalmente, os conflitos pelos quais passou o território local.
Chegamos em 1956. Chegamos aqui era mato e jagunço. E eu trabalhei
de alfaiate por 30 anos. [...] Trabalhava de alfaiate mas sempre tinha
terra.[...]. tinha a Avenida Brasil, tinha uma faixa de calçamento. Ali
107
tinha a jagunçada que cuidava das fazendas. Era morte a todo instante.
Andava, e a cada pouco, tinha um morto. Era 1956. Demorou uns 10 anos
para mudar [referindo-se à presença de jagunços no município de Cascavel].
[...] Ah... tinha muito conflito. A gleba Andrada...[pausa] gleba Andrada
[...] tinha ‘negomorto por tudo quanto era canto. Na gleba Andrada... era
problema que a turma vendia as terras aqui, esses grandões de cima,
federal, sei lá. Eles vendiam [as terras] depois botavam jagunço para botar
eles [os colonos] para a rua. Coitados dos colonos, vinham lá do Rio Grande,
de Santa Catarina, comprava terra e depois saiam ‘tocados’.
Toda a segunda-feira, nós íamos para o mato. Eram trinta ou quarenta pick-
ups [camionetes]! , e depois, na sexta-feira voltava Iá de novo... [Falando
sobre o cultivo em meados da década de 1950] Plantava-se um pouco...
feijão. Mais era madeira. Daí a Industrial Madeireira comprou tudo
arrematado isso aí, o Lupion o sei o que.... daí tiravam toda a madeira e
vendiam as terras. Daí quem comprava ia abrindo [as fazendas] plantando,
feijão, milho. Naquele tempo era difícil para vender. Chovia muito não é.
Estrada ruim, não tinha estrada. [...] Daí é 1970. Aí veio o trator, aí veio a
ceifadeira para colher. Daí melhorou.
O depoimento da produtora rural, Sra. A.S, 83 anos, contribui quando se quer
compreender a intensidade das modificações técnicas experimentadas na região
Oeste e em Cascavel
6
.
O primeiro ano que nos começamos com agricultura [1970], nós começamos
com o mato, derrubando o mato e queimando. Naquela terra, no primeiro
ano a gente plantava milho, milho em quantidade, mil sacas, duas mil sacas.
Usava então como alimento para a criação, porco e gado. Depois, com o
tempo, a gente achou melhor plantar soja. Mas era tudo plantado
manualmente, com a máquina de mão. Daí quando estava pronto para colher
a gente arrancava tudo à mão e levava para uma trilhadeira. Até que em uma
ocasião, conseguimos fazer um empréstimo no banco e aí conseguimos
destocar toda a terra. Facilitou mais, daí conseguimos comprar um trator novo
e com o tempo fomos plantando mais soja e colhia-se mais soja. Até que
um dia conseguimos comprar uma colheitadeira.[...] Naquele momento
poucos plantavam soja. Mas o que se plantava, se plantava para o mercado.
A esse respeito, observando-se o trabalho de Abramovay (1981), percebe-se
que as variações regionais do processo de diferenciação dos produtores foram
significativas. No caso específico da região Sudoeste do Paraná, houve uma
transformação da base técnica da produção familiar, no sentido de converter o
pequeno agricultor num consumidor de insumos e máquinas e, ainda, num produtor
de grandes safras sob o domínio comercial de grandes empresas. Viabilizou-se,
nesse sentido, o conjunto de condições necessárias à modernização da agricultura.
Na região Oeste, observou-se excepcional avanço na produção regional. Isso se
deveu não apenas à dinamização local, mas, sobretudo, a uma conjuntura que
6
Entrevistas realizadas em 12/04/2007 e 17/04/2007.
108
procurava atender às exigências do capital industrial que se encontrava em
acelerada expansão. Esta, por sua vez, é fundamental para que se explique a
gênese de uma nova etapa na economia regional, que começou a despontar a partir
da década de 1970. A Tabela 1 ilustra essas condições.
T
ABELA
1
-
U
TILIZAÇÃO DA TERRA NA REGIÃO
O
ESTE E NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
1960-1980
*
F
ONTE
:
IBGE
CENSOS AGROPECUÁRIOS
1960;1970;1975;1980
* No conjunto de municípios da região Oeste para o ano de 1960, foram computadas exclusivamente
as áreas de Cascavel, Foz do Iguaçu, Guaraniaçu, Guaíra e Toledo.
Os dados apresentados demonstram que houve uma expansão significativa
das lavouras temporárias na região Oeste e também no município de Cascavel. A
partir de 1970 é significativa a incorporação de áreas para lavouras temporárias na
região bem como das áreas para pastagens artificiais ou plantadas. que se
ressaltar que, nesse período, tamm ocorre uma diminuição significativa na área de
matas naturais, principalmente em Cascavel; em 1960 eram 119.280 hectares de
área e em 1980 restavam apenas 613 hectares destas, sinalizando para um
acentuado processo de extração da madeira na região e também no município.
Anos
Utilização da terra [ha]
1960 1970 1975 1980
Área total da região Oeste do
Paraná
621023
1616724
1748380
1837529
Lavouras permanentes 21622
59398
70445
52770
Lavouras temporárias 111311
599111
1017295
1135295
Em descanso - - 15588
29903
Pastagens naturais 19163
20069
34373
36394
Pastagens Artificiais 22121
228251
232588
311961
Matas naturais 331762
472686
170917
135161
Matas reflorestadas 8875
22341
13036
23383
Terras Incultas 88195
150621
115895
35448
Área total do município de
Cascavel
222816
236940
216541
262592
Lavouras permanentes 8015
1862
1916
1050
Lavouras temporárias 35428
61090
126110
145255
Em descanso - - 3989
2738
Pastagens naturais 3170
2419
5220
6520
Pastagens Artificiais 10333
29133
27435
39062
Matas naturais 119280
79409
22273
613
Matas reflorestadas 2433
17225
5265
13120
Terras incultas 41151
36475
15136
-
109
Também no município de Cascavel, as variações relativas entre 1970 e 1980
demonstram uma redução na utilização de áreas para cultivos permanentes, bem
como nas áreas consideradas incultas, respectivamente, -63,22% e -99,49%. nas
áreas utilizadas para lavouras temporárias, o incremento é substancial nesse
período, 310%. São ainda expressivos os aumentos nas áreas relativas às
pastagens artificiais e pastagens naturais na região Oeste. Isso permite afirmar que
o território foi paulatinamente ocupado por processos produtivos vinculados ao
mercado, da mesma forma como ocorreu com o ciclo madeireiro.
Houve mudanças nas escalas de produção e comercialização como novos
usos desse território. Antes, era o produto agrícola em si que caracterizava a
produção regional com circulação restrita ao espaço regional. Ao longo dos anos
1970, a agregação de valor aos produtos agrícolas torna-se o aspecto mais
relevante para a região, ampliando-se ainda mais a modernização da agricultura
nessa porção do território. Conseqüentemente, a região passa a se integrar nos
circuitos de acumulação de capital mediados pelo meio técnico e científico.
De maneira geral, as características desse processo que se inicia na década
de 1970, expressam uma grande evolução tecnológica. As culturas do tipo ‘colonial’,
vinculadas à policultura e à subsistência familiar são substituídas por culturas
‘nobres’, como a soja e o trigo, inseridas numa proposta produtiva em escalas mais
ampliadas. A entrevista realizada com o Sr. J.S, agricultor, revela aspectos
interessantes dessa passagem “policultura de subsistência-produção de
commodities”
7
.
[...] nós éramos madeireiros em Santa Catarina e eu comprava boi para
arrastar as toras, os pinheiros, em Sarandi. Sarandi [RS] era uma região
agrícola onde existiam juntas de boi com um vel extraordinário.Daí eu
conheci os s de soja que eram plantados manualmente, com maquininhas
destas de catracas. Isso foi em 1954, 1955, por . Deles cortavam aquilo
quando estava bem altinha, principalmente a parte foliar e tratavam os bois,
os animais. Depois, esperavam que ela produzisse os frutos que ela ia
produzir, porque naquela fase de cortar a planta estava no início do
floramento. Então ela florescia, o resto da árvore e produzia a semente.
Então eles guardavam a semente para plantar no outro ano. [...] O agricultor
que veio para o Oeste, podemos dizer no início da região Oeste 90%, eram
gente vinda do sul do sul. Rio Grande do Sul, Santa Catarina. na época
em que vieram, trouxeram alguma experiência nessa área da soja. Como
tinham plantado lá, em pequena escala, manualmente, ou com arado de boi,
já conheciam o produto.
7
Agricultor e revendedor de máquinas agrícolas. Entrevista realizada em 17 de maio de 2007.
110
Na região Oeste, as pré-condições relativas à produção como terras rteis,
incorporação da mecanização nas práticas agrícolas e relativa experiência dos
agricultores na comercialização dos produtos proporcionaram respostas
excepcionais em termos de produção e produtividade nas áreas selecionadas para o
plantio da soja. O depoimento do Sr. D.G. também é ilustrativo nessa questão
8
.
A soja começou nos anos 1970. E com a soja a modernização, a
mecanização. A região sai da condição de baixa produtividade para a
agricultura moderna. Antes de 1970 plantava-se para subsistência, mas
também para a venda. P.ex. milho, plantio normal, colheita normal. Havia os
moinhos coloniais, já se plantava trigo na região [tradição e conhecimento
da cultura pelos imigrantes sulistas que aqui chegaram] e essas pessoas
[referindo-se aos produtores e colonos da época] levavam o trigo em grão e
moíam. Era tudo rudimentar. Quanto vem a soja,a mecanização...[pausa]
mecanizou-se a terra... e o trigo foi produzido em escala maior. Naquele
tempo se produzia milho, arroz, trigo, feijão. Criavam-se ainda suínos e
paralelamente tinha o final da madeira. Tudo era não mecanizado e o trigo
vinha como cultura de inverno. 100% é o máximo? Então foi 1000% a
transformação regional!”
A esse respeito, Figueiredo (1992, p.96) comenta que: “Constituindo nos anos
60, área de reprodução da pequena produção colonial originária do Rio Grande do
Sul, o Oeste do Paraná foi uma das regiões que mais intensamente se inseriu no
processo de modernização advindo com a expansão da lavoura da soja na década
seguinte”. As Tabelas 2 e 3 expressam o comportamento da área e da produção das
lavouras de milho e soja nesse período de expansão da modernização da agricultura
na região.
T
ABELA
2-
Á
REA
[
MIL HA
]
E QUANTIDADE PRODUZIDA
[
T
]
DA
L
AVOURA DE MILHO NO ESTADO DO
P
ARANÁ
,
NA
REGIÃO
O
ESTE E NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
.
1960-1980
1960 1970 1975 1980
ÁREA
[
HA
]
QUANT
.
PROD
. [t]
ÁREA
[
HA
]
QUANT
.
PROD
[
T
].
ÁREA
[
HA
]
QUANT
.
PROD
. [t]
ÁREA
[
HA
]
QUANT
.
PROD
. [t]
P
R
1033670 1474493 2121206 3426389 1848380 3429737 1862670
3908144
R
EGIÃO
O
ESTE
58188 114341 395583 768417 329297
662743 266776
661163
C
ASCAVE
L
18437 37744 35173 69522 37462 76330 27751
74093
Fonte: IBGE – Censos Agropecuários 1960; 1970; 1975; 1980
A expansão da área e da produção de milho é crescente entre 1960-1975. O
declínio observado entre os anos 1975 e 1980 decorre, em parte, da opção pelo
8
Agricultor e dirigente cooperativista. Entrevista realizada em 22 de novembro de 2006.
111
plantio da soja que cresce a partir de 1973 em virtude do “boom” nos preços
internacionais desta commodity. Vale acrescentar que o milho, ainda no momento
da policultura de subsistência, era utilizado como importante fonte de alimentação
pelos agricultores na região. Em Cascavel, a variação relativa à expansão da área
cultivada entre 1960 e 1970 foi de 90,77%. No período subseqüente, entre 1970 e
1975, verifica-se aumento, porém em proporções mais restritas, 6,5%, havendo
redução na área plantada entre 1975 e 1980, ou seja, -25,92%, decorrentes, em
parte, da expansão das áreas cultivadas pela soja. que mencionar, também, que
a produtividade crescente poderia justificar a liberação de espaço para o cultivo da
soja, principalmente entre 1975 e 1980, mostrando os efeitos da modernização.
T
ABELA
3-
Á
REA
[
MIL HA
]
E QUANTIDADE PRODUZIDA
[
T
]
DA
L
AVOURA DE SOJA NO ESTADO DO
P
ARANÁ
,
NA
REGIÃO
O
ESTE E NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
.
1970-1980
[
EM TONELADAS E MIL HECTARES
]
1970 1975 1980
ÁREA
Q
UANT
.
PROD
.
ÁREA
QUANT
.
PROD
.
ÁREA
Q
UANT
.P
ROD
.
P
ARANÁ
395484 411.642 1.615.302 3.103.049 2.075.657 4.408.495
R
EGIÃO
O
ESTE
151.494 142.570 582.243 1.190.999 747.737 1.733.186
C
ASCAVEL
4.650 5.188 64.413 136.627 99.948 225.933
Fonte: IBGE – Censos Agropecuários 1970;1975;1980
Observando a Tabela 3, percebe-se a expansão de área e quantidade
produzida nesse período. É crescente a participação da região Oeste e do município
de Cascavel no estado do Paraná, pois, a soja plantada passou a ter destinação
comercial. Entre 1970 e 1975, há um aumento na produção regional de 34,63% para
38,38%. Também em Cascavel verificam-se ganhos na quantidade produzida,
havendo ainda uma significativa expansão das áreas. Apenas entre 1970 e 1975,
período de alta nos preços da soja no mercado internacional, a área plantada
aumenta 1.285%. Entre 1975 e 1980, o aumento relativo foi de 55,16%. Observa-se,
portanto, que essa explosão na produção da soja acompanha o acentuado processo
de mecanização da agricultura naquele período com condições de crédito
excepcionalmente favoráveis.
Segundo Mellos (1988, p.180), a produção deixou de “[...] constituir-se em
produto intermediário na criação de suíno a nível da unidade de produção”. Nesse
sentido, a atividade criatória acabou por reestruturar-se. Os elos entre indústria e
112
agricultura foram fortalecidos pelo processo de integração. Assim, [...] em regra a
mesma indústria fornece meios de produção, dita as técnicas de manejo e no final
do ciclo criatório adquire e processa o produto”. (ibidem).
É principalmente nessa aproximação entre agricultura e indústria que o autor
ressalta a importância da soja, à medida que ela se constitui no componente
principal da ração fabricada pela indústria (MELLOS, 1980). Além dessa importante
contribuição da soja para o posterior desenvolvimento agroindustrial do Oeste do
Paraná, a ampliação dos níveis de demanda no mercado internacional proporcionou
níveis de preços excepcionais.
A fase em que a soja paranaense se expande com grande intensidade já não
tem mais como impulsionador o óleo de soja, mas o seu farelo e já o mais
para o mercado interno, mas para o mercado externo. O impulso recebido
pelo complexo soja, a nível mundial, a partir do fim dos anos sessenta,
apóia-se em dois fenômenos: em primeiro lugar, uma rápida mudança nos
hábitos alimentares dos países capitalistas desenvolvidos e, em segundo
lugar, numa sucessão de incidentes climáticos e políticos que
tumultuaram as fontes de fornecimento de proteínas alimentares. (MELLOS,
1980, p.180)
Para Abramovay (1981, p.127): “A soja pode ser considerada um exemplo da
tendência à especialização pela qual passava a economia, ou seja, especializar para
otimizar o aproveitamento dos insumos que o produto em si, incorpora”. A
especialização tamm é reflexo da divisão social do trabalho na medida em que os
produtos agrícolas que ali estão inseridos têm por base o desenvolvimento da
produção capitalista, ou seja, são mercantilizados. Como bem observa Leão (1989,
p.39): “Embora a soja tenha sido o principal veículo da modernização, outras
culturas tamm se tecnificam, com menos intensidade no mesmo período, como a
cana-de-açúcar, o milho e o arroz”. O autor ainda afirma que mesmo em ritmos
diferenciados, a modernização atingiu todo o estado do Paraná ao longo dos anos
1970 e ainda continua a fazê-lo. Isso proporcionou alterações nas estruturas das
propriedades paranaenses, afetando a mão-de-obra ali integrada.
O aumento na utilização de terras para lavouras temporárias no interior dos
estabelecimentos agropecuários produziu alterações tamm no comportamento
demográfico regional. Ao se alterar radicalmente a utilização da terra e da base
técnica da produção, reverteu-se, no estado do Paraná, uma posição de fronteira
113
agrícola absorvedora de excedentes populacionais, vindos anteriormente das áreas
coloniais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. A Tabela 4, na seqüência,
expressa a ocupação de mão-de-obra na agropecuária do Paraná entre 1970 e
1980. Destaca-se uma redução na ocupação de mão-de-obra com características
familiares e aumento na ocupação de mão-de-obra empregada em trabalhos
permanentes e temporários, o que permite afirmar que a parcela da agricultura com
características empresariais, responsável pelo emprego de mão-de-obra assalariada
ampliou-se nesse período, embora as características fossem predominantemente
familiares.
Entre 1970 e 1975, houve aumento relativo na categoria denominada
“parceiros”. Isso deveu-se em parte pelas várias possibilidades utilizadas pelos
fazendeiros para a abertura das áreas e plantio de pastagens e lavouras
temporárias. Foram inúmeros os casos em que os fazendeiros cediam áreas de
terras para pequenos agricultores produzirem suas lavouras de subsistência e, em
troca, recebiam a terra lavrada e o pasto semeado. Isso ocorreu apenas quando o
trabalho de abertura das áreas para mecanização se fez necessário.
T
ABELA
4
-
D
ISTRIBUIÇÃO DO PESSOAL OCUPADO NA AGROPECUÁRIA PARANAENSE
1970-1980
1970 1975 1980
CATEGORIAS
N
O
.
ABSOLUTOS
% N
O
.
ABSOLUTOS
% N
O
.
ABSOLUTOS
%
RESPONSÁVEL E MEMBROS NÃO
REMUNERADOS DA FAMÍLIA
1.626.284
85,6
1.674.046
80,5
1.369.230
75,7
EMPREGADOS EM TRABALHOS
PERMANENTES
132.073
6,7
179.077
8,6
193.185
10,7
EMPREGADOS EM TRABALHOS
TEMPORÁRIOS
119.126
6,0
161.851
7,8
190.483
10,5
PARCEIROS
24.607
1,2
57.553
2,8
50.093
2,8
OUTROS
9.381
0,5
6.647
0,3
4835
0,3
TOTAL
1.981.471
100,0
2.079.174
100,0
1.807.826
100,0
Fonte: IBGE – censos agropecuários 1970 – 1975 – 1980
Nesse aspecto, o trabalho de Rolim (1995, p.56) destaca que [...] as
transformações na base produtiva implicaram profundas alterações na
estrutura fundiária e nas relações de trabalho no campo”. Vale ressaltar, quanto à
produção da soja, que algumas etapas do processo envolviam grande contingente
114
de mão-de-obra, os bóias-frias, que trabalhavam no roçado. A esse respeito, a
produtora, Sra. A.S. recorda:
A gente contratava bóia-fria. Saíamos de manhã cedo, apanhávamos os
bóias-frias e levávamos de volta a tarde. Tinha o capataz, que tomava conta
de uma parte dos peões e de uma parte do gado que tinha na fazenda.
Mas era muita gente envolvida.
A absorção tecnológica foi intensa e acabou por modificar a utilização do fator
trabalho nas lavouras regionais. O depoimento do Sr. D.G. contribui nesse
sentido:
Teve uma mudança maciça. Tanto é que teve o êxodo rural nos anos
1970 e 1980. Os que ficaram foram os que absorveram tecnologia e
diversificaram [os pequenos proprietários rurais] Houve oportunidade para a
diversificação. Nos anos 1980 eram três abatedouros de aves na região.
[Sadia, Diplomata e Copacol] e três frigoríficos de suínos [Coopavel,
Frimesa e Sadia]. Nos anos 2000, são cinco frigoríficos para o abate de
aves. Portanto, foi criada a oportunidade, é o modelo que deu certo. o
médio e o grande produtor ampliaram ainda mais as escalas de produção.
Outra questão a ser mencionada diz respeito à possibilidade de
diversificação com o gado, suíno e leite. A pequena propriedade caminha
para a criação de animais. Agora [pausa] quem não absorveu tecnologia,
não possui sustentação e rentabilidade na propriedade.
O depoimento acima menciona a expulsão de mão-de-obra no campo. Essa
perda ocorreu em função da redução no número de propriedades no estrato 20 ha
50 ha. Segundo Leão (1989), os estabelecimentos relativos a esse estrato, apesar
de perderem aproximadamente 6% de seu número e 5% da área total, aumentaram
sua área de lavoura. Houve, assim, uma relativa concentração das áreas de
lavouras nos estabelecimentos maiores. Essa situação, bem como outras
apresentadas pelo autor em seu estudo, sinalizam para as acentuadas mudanças no
território paranaense nesse momento.
Esses fatores explicam a redução de 76 mil propriedades agrícolas de até 20
ha entre 1970 e 1975, cuja contrapartida foi a expansão dos grandes
estabelecimentos e numerosas conseqüências sociais. Estas incidiram sobre
pequenos proprietários agrícolas, mas sobretudo sobre parceiros, colonos e
arrendatários. Enquanto os proprietários perderam 15 mil estabelecimentos
entre 1970 e 1980, os não-proprietários, principalmente parceiros, perderam
84 mil, representando um total de 600 mil ha de terras. [...] A utilização
intensiva de tecnologia permitiu a dispensa dessa força de trabalho, ao
mesmo tempo em que reforçou a recuperação das terras anteriormente
cedidas aos não-proprietários. (idem, p.41)
115
O potencial natural extremamente favorável à agricultura facilitou, portanto, a
rápida transformação da região e sua adaptação ao processo produtivo que ali
ocorria. Isso necessariamente produziu uma elevada tecnificação do fator trabalho e
fez com que novos processos fossem incorporados na atividade agrícola. As
despesas com adubos, sementes e inseticidas crescem mais rapidamente nas
propriedades médias, confirmando o vigor de sua modernização”. (idem, p.41)
Houve tamm expansão nos processos mecânicos. [...] tanto o Norte quanto o
Extremo-Oeste do Estado lideraram o movimento de modernização agrícola,
absorvendo a maior parte do aumento do número de tratores utilizados”. (idem, p.52)
A Tabela 5 demonstra as elevadas variações ocorridas no período no que tange à
aquisição de tratores.
T
ABELA
5
-
D
ISTRIBUIÇÃO ABSOLUTA E VARIAÇÃO RELATIVA DE TRATORES
*
NO
E
STADO DO
P
ARANÁ
,
REGIÃO
O
ESTE E
C
ASCAVEL ENTRE
1960-1980.
1960 1970 1975 1980
VARIAÇÃO
RELATIVA
1980
-1970[%]
P
ARANÁ
5.181 18.619 49.817 81.727 338.94
R
EGIÃO
O
ESTE
67 1.725 10.216 16.247 841.85
C
ASCAVEL
3 197 1.226 1.811 819.28
Fonte: IBGE – censos agropecuários 1960 - 1970 – 1975 – 1980
* menos de 10 cv até mais 50 cv.
Foi intensa a incorporação dos instrumentos de trabalho mecânicos nos
processos produtivos rurais, tanto nos arados quanto nas colheitadeiras. Somente
em relação aos arados de tração mecânica, houve um acréscimo significativo, ou
seja, 1.485 unidades em 1970 para 21.761 unidades em 1980. No caso específico
dos tratores, também foi acentuada a expansão de suas vendas, conforme foi
exposto na Tabela 5. A esse respeito o Sr. J.S. relembra:
[...] O Estado, realmente, o governo federal, porque o governo estadual não
tinha incentivo nenhum, mas o Banco do Brasil financiava, pelo menos esses
primeiros cinco anos, principalmente máquinas, mas a grande maioria,[...] nós
começamos a revender trator em 1963. O primeiro ano de revenda, nós
vendemos três tratores. Qual era a dificuldade? Era “por na cabeça”,
incentivar o agricultor a partir para a mecanização. Porque o medo do
agricultor era que depois, o financiamento, o juro...e como aqui também era
difícil o escoamento da produção [ausência de estradas, distância do porto],
ele iria perder a sua propriedade. Então, era muito difícil sensibilizar o
agricultor, para ir para a mecanização. Isso foi muito gradual. No segundo
ano foram dezesseis [tratores]. Entre 1963, 1964 e 1965 foram os
melhores anos da expansão rápida da agricultura. Primeiro, havia muitas
firmas destocando, nos chegamos a vender, num ano 365 colhedeiras...Então
116
vê-se que em dois ou três anos, o movimento, a transformação, foi muito
rápida não é! Então começou a melhorar o acesso ao porto de Paranaguá
com a rodovia 367 asfaltada. Entraram algumas multinacionais para comprar
[o produto]. Assim começou a transformação da região da madeira para a
agricultura. [...] vendiam-se muitas colhedeiras tocadas a motor [...] a primeira
colhedeira que eu tive ela tinha uma plataforma de mais ou menos dois
metros e meio de largura o é. Pequena, e quase similar a uma trilhadeira.
Ela andava e tinha um motorzinho similar ao wolkswagen, então o produto
saia em cima e tinha que ser ensacado. Então tinha um cara que segurava o
saco para encher e como ela era muito lenta, tinha uma canaletazinha e
largava-se a sacaria no chão e daí passava o trator indicando, o pessoal saía
recolhendo a soja [manualmente]. Mas quando ela colhia muito bem, colhia
cerca de 50, 60 sacas de soja por dia. Hoje, dependendo da área e da
colhedeira, são 2.000 sacas por dia. Hoje tem colhedeira que colhe 5.000
sacos/dia.
Conjuntamente ao aumento do número de tratores e colheitadeiras,
curiosamente, verifica-se também na região Oeste neste período, o aumento do
número de arados. O Censo Agropecuário de 1960 listava 112 estabelecimentos
com declaração de 113 arados a disco e 330 estabelecimentos com declaração de
351 arados de aiveca, ou cultivadores. Ao longo dos anos 1970, o número de
máquinas e instrumentos agrários também aumentou. A Figura 6 ilustra a colheita da
soja no município de Cascavel de forma mecanizada.
F
IGURA
6
COLHEITADEIRA
MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
DÉCADA DE
1970
F
ONTE
:
M
USEU DA
I
MAGEM E DO
S
OM
117
Para Mellos (1988), isso se deve a dois momentos distintos: o primeiro
voltado à consolidação do processo de ocupação via pequena produção com base
no cultivo tradicional, utilizando-se dos arados; o segundo foi relacionado ao
processo de modernização da agricultura brasileira em meados da cada de
sessenta, subordinando a agricultura à indústria. Essa subordinação ocorre na
medida em que a indústria traduzia-se no setor dinâmico dominante. Na combinação
entre arados e tratores que, efetivamente, ocorreu na região Oeste, observa-se uma
característica bastante peculiar à própria evolução dessas atividades. A própria
atividade exploratória, no caso a madeira, proporcionou as inversões necessárias à
continuidade do processo de desenvolvimento local, que, sobretudo na década de
setenta, voltou-se à industrialização do campo. Desenhou-se uma reestruturação
das pequenas propriedades, voltada para a subsistência e que, aos poucos, inseria
no mercado a sua produção, por isso a menção feita ao aumento do número de
arados.
Um importante instrumento viabilizado para tal reestruturação da produção na
região refere-se à política adotada por parte do governo federal, já em meados da
década de 1960, buscando apoiar o capital industrial que, naquele período, via na
agricultura seu principal mercado consumidor. Assim destaca-se o crédito
9
concedido a inúmeros agricultores, objetivando a modernização do campo, ou seja,
viabilizando a mecanização da agricultura e incentivando o cultivo dos produtos de
exportação, especialmente a soja. A agricultura, propulsora da dinâmica regional,
começou a experimentar um avanço significativo por meio da disseminação do
crédito rural
10
. Portanto, a política creditícia possibilitou a mecanização do trabalho
agrícola e a adoção de tecnologia para a produção. Assim, a modificação da base
técnica da agricultura ajusta a incorporação de novas territorialidades ao capital.
Também a existência de uma rede bancária regionalmente estruturada,
paulatinamente incrementada contribuiu para a consecução dos objetivos propostos
em relação à modernização da agricultura regional e posterior dinamização das
atividades agroindustriais.
9
ABRAMOVAY (1981, p.134) afirma que o crédito concedido ao setor lavouras apresentou
nacionalmente, entre 1969-1977, um aumento de 250%, em termos reais. No Estado do Paraná, esse
aumento foi ainda maior, chegando a quase 500% em termos reais entre 1970-1979. (IPARDES,
1981, p.89).
10
ABRAMOVAY (1981, p.159), em sua discussão acerca da política agrícola e mais especificamente
do crédito rural afirma que este último é uma das vias mais seguras para tornar o campesinato apto a
preencher a função de produzir, contribuindo com a valorização do capital monopolista.
118
Segundo Figueiredo (1992, p.94): “A microrregião Oeste do Paraná, já na
década de oitenta, deteve sozinha o maior valor de crédito rural em todo o País,
concentrando 2,8% do valor total do financiamento destinado ao campo em 1980”.
Grande parte dessas condições foi viabilizada por intermédio do segmento
cooperativista regional. Assim, a estrutura de financiamento disponibilizada ao
segmento cooperativista permitiu, ao longo da década de 1980, que se iniciasse o
estágio da industrialização capitalizando ainda mais as estruturas cooperativistas
existentes anteriormente e fortalecendo os mecanismos de integração.
O próximo item pretende destacar, portanto, a importância desse segmento
para a viabilização dos processos de modernização agrícola na região Oeste.
3.2.1 A participação das cooperativas na dinâmica da modernização da agricultura
regional
As cooperativas foram atuantes na região Oeste do Paraná ainda em meados
da década de 1960. Quanto à origem do cooperativismo paranaense, Abramovay
(1981, p.241-242) descreve que “[...] enquanto em termos estaduais o
cooperativismo está ligado à grande propriedade, ele aparece tamm em áreas
onde o peso social do campesinato é decisivo.” Nas regiões Oeste e Sudoeste do
Paraná:
[...] as primeiras cooperativas estavam organizadas mais ou menos nos
mesmos pades do comércio local, os ‘bolichosou ‘bodegas’. [...] a
cooperativa se organizava a partir do mesmo padrão que uma “bodega”,
expreso do pequeno capital mercantil e usurário. [...] Uma contabilidade
precária, a ausência de lucros nos balanços e o desempenho de funções
ligadas o só à produção mas tamm ao abastecimento familiar, tudo isto
imprime às cooperativas uma marca de prestação de serviços, dentro de
um universo personalizado que elas perderam totalmente no período
posterior. (ABRAMOVAY, 1981, p.242).
Segundo Figueiredo (1992, p.87): [...] o desenvolvimento do sistema
cooperativista nesse período insere-se, pois, no âmbito do processo de capitalização
em um fator decisivo para a difusão do financiamento agrícola entre os pequenos
produtores, uma vez que o repasse do crédito rural, nas mesmas condições
estabelecidas para as operações diretas de crédito, come uma das funções
básicas da cooperativa”. O trabalho de Moro (1991) tamm é referência para a
119
discussão da importância do sistema cooperativista para a alavancagem da
modernização da agricultura no estado do Paraná.
Nesta perspectiva, as cooperativas agropecuárias, em sua ação de promover
a organização da produção, aparecem, ao mesmo tempo, como
instrumentos e agentes, e como conseqüência e efeitos do processo.
Revelam-se, portanto, como dos mais importantes agentes da organização
do espaço rural. (MORO, 1991,p.235)
Na fase inicial de expansão do sistema cooperativista, foi importante a
transferência de tecnologia agcola, dentro do processo histórico de modernização
da agricultura que enfatizava as exportações. Além desses aspectos, a participação
das cooperativas na dinâmica da modernização do campo desarticulou o antigo
sistema de comercialização da produção e permitiu a organização e defesa dos
produtores rurais. Entretanto, isso não exclui, em determinados momentos, uma
relativa exploração dos produtores associados por parte daquelas.
A princípio, por meio da cooperativa, foi viabilizada a reunião e a
comercialização da produção dos pequenos agricultures com auxílio em sua
circulação. Isso permitiu, ainda, o repasse de insumos e financiamento da tecnologia
necessária à dinamização da produção. Tal orientação ocorre no período atual, e a
incorporação tecnológica por parte dos produtores associados é um dos imperativos
do sistema cooperativista regional. De certa forma, admite-se que foram
proporcionadas as condições para a inserção do pequeno produtor nessa nova
organização produtiva, calcada, sobretudo, nas culturas de exportação. Contudo,
isso não quer dizer que em imeros casos não tenha ocorrido o desaparecimento
de propriedades familiares por conta da impossibilidade em ajustar-se aos novos
padrões produtivos.
A título de ilustração, Figueiredo (1992) descreve a intensa dinamização da
atividade cooperativista na região. Esta autora afirma que, enquanto em 1970,
apenas 2.727 produtores rurais do Oeste do Paraná [3,3%] estavam ligados ao
movimento cooperativista, esse número chegou a 25.180 associados em 1980,
representando 33,5% do número total de produtores da região. A produção vinculou-
se, sobretudo, pela soja e trigo em substituição à policultura de subsistência
cultivada anteriormente.
120
Cabe ainda acrescentar que, em relação às culturas de exportação, a soja foi
cultivo de fundamental importância para que fosse processada a mudança da forma
de produção. Para Leão (1989, p.44): “A rentabilidade dessa cultura permitiu a
geração rmiun1dae
121
Cooperativismo - PIC
11
na década de setenta, atrelado ao PIDCOOP-Projeto
Integrado de Desenvolvimento Cooperativista, ambos fundamentais para a evolução
do cooperativismo regional. O autor ainda afirma que esses projetos integrados
marcaram o ápice do movimento cooperativista no Brasil. No caso da região Oeste
do Paraná, o sucesso do PIC deveu-se ao intenso crescimento da soja na região
que, conjunturalmente, atingia excepcionais condições no mercado. Essas
circunstâncias permitiram a exploração da terra e dos equipamentos agrícolas,
favorecendo a rápida expansão da cultura da soja, inserindo-se também o cultivo do
trigo. Nesse período, imeras dificuldades foram encontradas no que se referia à
produção agrícola, tanto na questão dos baixos preços quanto na própria infra-
estrutura necessária ao escoamento da produção agrícola, relacionando aqui
tamm o armazenamento da produção nos portos. Em virtude dessas dificuldades
é que se viabilizou um consórcio de cooperativas regionais visando à exportação.
Dessa forma, as cooperativas de fato constituem-se como agentes propagadores da
modernização e auxiliam na expansão do cultivo das commodities nesse período. A
Figura 7 esboça essa relação, responsável em grande parte pelo crescimento
agroindustrial local entre 1970-1980
F
IGURA
7
ESTRUTURA PRODUTIVA DAS COOPERATIVAS REGIONAIS
1970/1980
F
ONTE
:
P
IERUCCINI
(1998)
ADAPTADO PELA AUTORA
.
11
O PIC - Projeto Iguaçu de Cooperativismo surgiu devido à constatação da falta de infra-estrutura
de atendimento para a produção agrícola. Foi criado pelo INCRA - Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária, Associação de Crédito e Assistência Rural do Paraná e Secretaria de Estado da
Agricultura; congregava 45 municípios das regiões Oeste e Sudoeste do Paraná, por meio de 13
cooperativas. SPERANÇA (1992, p.231).
1970
1980
Grãos/produto
agricultor cooperativa armazenagem agroindústria
Insumos/assistência
122
A
estrutura cooperativista regional supera ao longo de dez anos a esfera da
comercialização e inicia um processo de verticalização agroindustrial. De acordo
com o Ipardes (1985, p.2), “[...] com o desenvolvimento acelerado na década de 70,
algumas cooperativas passaram de simples organizadoras e fornecedoras de
matéria-prima para complexas organizações agroindustriais”. O depoimento do Sr.
D.G., dirigente da cooperativa local, referenda as observações anteriores.
[A cooperativa] era vendedora de insumos e comerciante de grãos. Essa era
a atividade principal. Hoje é uma cooperativa agroindustrial. 70% das
atividades voltam-se à agregação de valor. Trabalha a Coopavel atualmente
com 6 produtos: insumos, grãos, mas iniciou no leite, frango, suíno e
bovinos. A busca é pela eficiência e essa gestão é feita tamm na
propriedade rural. Não existe cooperativa sem produtor.
Em resumo, as cooperativas propiciaram condições excepcionalmente
favoráveis para a complementação da cadeia agroalimentar e melhorias no sistema
de parceria junto aos agricultores da região Oeste. Vinculando-se técnica e
organizacionalmente a diferentes atividades agroindustriais, as cooperativas
fornecem condições para a criação de elos na cadeia produtiva com níveis elevados
de organização da produção, tanto em sua estrutura interna como na produção rural.
O próximo item procura abordar, então, o desenvolvimento das atividades
agroindustriais como uma das mais importantes parcelas da modernização e da
reestruturação técnica e econômica do território local.
3.2.2 O desenvolvimento das atividades agroindustriais
A região Oeste do Paraná possui um processo de desenvolvimento
agroindustrial que é heterogêneo em relação à sua própria constituição. São
diferentes segmentos agroindustriais, com relações específicas intra-complexos,
que, tomadas em conjunto, podem justificar a dinâmica agroindustrial regional e que
se configuram como uma conseqüência do processo de modernização do território
local.
De acordo com Pieruccini (1998), embora a atividade agroindustrial não
estivesse plenamente consolidada durante os anos 1970, a associação entre
diferentes fatores possibilitou que a atividade agrícola se desenvolvesse de tal forma
que, a partir dos anos 1980, começou a implementar a agroindústria na região
123
Oeste. Ressaltam-se ainda, duas pré-condições necessárias para a viabilização dos
segmentos agroindustriais no território regional: a primeira pré-condição refere-se à
vocação agrícola assumida, dado o potencial natural da região, além da formação
dos núcleos urbanos como suporte para esse processo. a segunda pré-condição
diz respeito às políticas adotas pelo governo federal, já em meados da década de
1960, buscando apoiar o capital industrial que, “[...] naquele período via na
agricultura seu principal mercado consumidor”. (idem, p.30)
Nesse quesito, pode-se afirmar que a dinâmica da agroindustrialização em
função dessas relações específicas constituiu-se por meio de padrões de
agroindustrialização distintos: O primeiro foi voltado à busca da matéria-prima
regional, mais especificamente os grãos. O segundo preconizou as relações de
integração entre agricultura e agroindústria a jusante. Consolidaram-se, em função
de um contexto nacional, inúmeras mudanças no território rural regional. De acordo
com ROLIM (1995, p.52), “[...] isto ocorre sob a égide de um novo tipo de
relacionamento entre agropecuária e indústria, créditos e pesquisas abundantes,
que propiciaram técnica e financeiramente a ocupação de novas áreas e a
transformação daquelas tradicionais”. Portanto, a dinâmica das atividades que
configuram os diferentes segmentos do complexo agroindustrial regional e local
encontrava-se justaposta ao processo brasileiro de estruturação técnica e
econômica e que se intensificou entre as décadas de 1960 e 1970. Naquele
momento, conforme mencionado ainda no primeiro item desse capítulo, o capital
industrial tinha na agricultura uma importante fonte demandadora dos insumos,
máquinas e equipamentos produzidos.
Ainda que tivessem um caráter relativamente rudimentar no início dos
processos de agroindustrialização na região, muitos segmentos evoluíram e
permitiram que novos encadeamentos produtivos fossem realizados. Na região
Oeste do Paraná, o trabalho de Pieruccini (1998) identificou diferenciadas cadeias
agroindustriais associadas à agricultura. Dentre essas, pode-se destacar: a
agroindústria processadora de cereais diversos, os moinhos de trigo e as bricas de
biscoitos, além de agroindústrias processadoras de café, erva-mate, envase de leite,
produção de queijos, iogurtes, doces, olerículas e frigoríficos.
124
É importante acrescentar que o conjunto de atividades que compõem o
complexo agroindustrial, que inclui o fornecimento de insumos à produção agrícola
além da transformação da matéria-prima agrícola amplia de forma expressiva os
ganhos na produção nas diferentes cadeias produtivas. Isso não quer dizer que
necessariamente o produtor possa incorporá-los em suas receitas de forma
particular, pois, muitas vezes, as maiores margens de lucro na cadeia produtiva
ficam nas mãos de intermediários e da própria agroindústria.
A consolidação das atividades agroindustriais no município de Cascavel e na
região Oeste somente se tornou possível porque as atividades agrícolas,
principalmente com o cultivo da soja, fortaleceram-se ao longo da década de 1970.
O uso do termo agribusiness
12
expressa corretamente a dimica produtiva da
região. Esse termo sobrepuja o conceito de agricultura, pois se admite como
crescente a vinculação desta com outros segmentos produtivos. Assim:
Define-se a cadeia agroindustrial como uma seqüência de operações
físicas, tecnicamente complementares, pertinentes à produção, distribuição e
consumo de um bem ou serviço: um itinerário físico e um conjunto de agentes
e operações que permitem a realização da atividade produtiva até o
consumidor final. (TAKITANE e SOUZA, 1995, p.30)
A partir do momento em que se fortalecem as diferentes cadeias produtivas
agropecuárias na região Oeste do Paraná, o produtor distancia-se do consumidor
final. O produto agrícola é destinado à agroindústria para o beneficiamento e
transformação. “Existe, tamm, uma maior dispersão no processo agrícola, e a
atividade agrária começa a ter um caráter residual, no sentido de que, cada vez
mais, as operações voltadas aos produtos agrícolas, realiza-se fora da propriedade
rural”. (PIERUCCINI, 1998, p.84)
13
. Entretanto, isso não necessariamente implica
apresentar a agricultura como um ramo da indústria porque, de fato, ela não o é.
Como observa Graziano da Silva (1991, p.12):
Não é porque a agricultura se integra tecnicamente que ela passa a se
constituir num ramo da indústria; a marca característica do processo de
industrialização da agricultura é que ela passa a ser um campo de aplicação
do capital em geral: a agricultura se transforma num ramo, como outro
12
O termo agribusiness foi inicialmente utilizado por Davis em uma conferência nos Estados Unidos
Boston e publicado em parceria com Goldberg em 1957. Esses autores o antecedentes importantes
para os estudos mais recentes. Para maior detalhamento ver Graziano da Silva (1991, p. 6-7).
13
O trabalho de Pieruccini (1998) apresenta, em seu segundo capítulo, uma análise detalhada das
diferentes definições acerca de complexo agroindustrial.
125
qualquer, de aplicação de capitais, um campo de domínio do capital
financeiro.
Se a agricultura passa a ser interpretada como um campo de aplicação de
capitais, isso significa o aprofundamento da dependência em relação às condições
não-naturais, tornando-a articulada à indústria produtora de insumos, bens de capital
e em relação à indústria processadora de produtos naturais. Desse modo, o território
rural no município se integra às esferas cnicas e científicas proporcionadas pelo
avanço da modernização da agricultura. Na análise de Muller (1982, p.106): “neste
momento, grande parte das condições que permitem a agricultura produzir,
acham-se atreladas à indústria, dependendo de máquinas e insumos industriais
como um todo.”
Portanto, as orientações produtivas sugeridas pelo capital industrial em sua
fase de expansão no território brasileiro, encontraram na região Oeste do Paraná
uma referência expressiva no que tange à consolidação da modernização agrícola.
O que se pode acrescentar, ainda nessa discussão, é a forma como tais orientações
se efetivaram no conjunto das estruturas produtivas familiares no território rural. O
universo agrário e, particularmente, suas características agrícolas, é complexo.
Diante de uma multiplicidade de variáveis ali relacionadas, o também
diferenciadas as categorias de produtores, pois, admite-se que distintas
racionalidades, se adaptam ao território. Isso diminui a validade de conclusões que
derivam de uma única racionalidade, expressa, universal, atemporal. (INCRA/FAO,
2000). Assim, considerando múltiplas orientações e racionalidades inerentes às
estruturas produtivas familiares, apresenta-se o capítulo a seguir.
4.
A
GRICULTURA
F
AMILIAR E
D
INÂMICA
C
APITALISTA
:
A
CONTRIBUIÇÃO DAS TESES CLÁSSICAS PARA O DEBATE ATUAL
Os capítulos anteriores proporcionaram uma leitura da modernização da
agricultura e a resposta da região Oeste e do município de Cascavel, resposta essa
extremamente favorável no que tange à incorporação tecnológica, principalmente a
partir da década de 1970. Entretanto, além das questões relativas à modernização, é
importante compreender tamm como os produtores rurais se constituem como
categorias sociais e como modificam o território diante da expansão do modo de
produção capitalista, ou seja, compreender a forma de produzir de quem vive e
trabalha no território rural.
Para que tal análise seja elaborada com o necessário embasamento teórico, o
resgate da discussão sobre a dinâmica capitalista e sua influência na agricultura é
oportuno. Nesse sentido, as teses clássicas que orientaram historicamente a
discussão sobre o modo de produção capitalista e sua influência sobre o rural são
pertinentes. Assim, na seqüência, são apresentadas as discussões propostas por
Kautsky (1998), Lênin (1983) e Chayanov (1974) como subsídio para a
interpretação das categorias de produtores presentes no território rural em Cascavel.
Admite-se, ainda, que muitas outras referências poderiam contribuir para a
compreensão do lugar da agricultura e do campesinato na dinâmica capitalista, pois
avançam no entendimento proposto por aqueles autores, mas se acredita que a
delimitação analítica em questão se faz suficiente nesse momento do trabalho,
que os referidos autores contemplam, conforme as palavras de Amin (1977), a
história das formações capitalistas. Entretanto, mais do que essa árdua tarefa, é
preciso ainda, superá-la.
4.1
D
ESENVOLVIMENTO
C
APITALISTA E
A
GRICULTURA
F
AMILIAR
:
A
S TESES E A
ATUALIDADE DO DEBATE CLÁSSICO
As transformações na agricultura da Europa constituem o objeto de análise de
muitas teses consideradas clássicas para a literatura voltada ao agrário. Amin
(1977), nesse sentido, descreve três momentos distintos: a etapa do mercantilismo
127
do século XV ao século XIX, caracterizada por uma primeira transformação da
agricultura, sua mercantilização e a desagregação das relações de produção
feudais; o século XIX, caracterizado pela realização do modo de produção na
indústria; finalmente no século XX, a industrialização” da agricultura. A cada etapa
correspondem relações agricultura/outras atividades [manufatura e comércio, em
seguida indústria] diferentes.
Nessa trajetória apresentada pelo autor, as relações de produção capitalistas
apareceram inicialmente na vida rural, mas foram limitadas pela resistência, pela
manutenção do modo de produção feudal;
Em seguida, estas relações se transportam para o campo de atividades
novas, a indústria urbana, onde assumem forma definitiva e abandonam a
agricultura; enfim, apropriam-se de toda a vida social e integram a
agricultura de forma tal e muito mais profunda. Esse movimento oscilante
caracteriza a história das relações do capitalismo com a agricultura nas
formações capitalistas centrais. Veremos que não acontece o mesmo com
as formações capitalistas periféricas. (AMIN, 1977, p.21)
Um marco analítico para os autores clássicos caracterizou-se pela discussão
sobre o mercado, mais especificamente o mercado de produtos agrícolas, enxertado
na urbanização em pleno desenvolvimento. O surgimento do mercado de produtos
agrícolas significa que, a partir desse momento, a renda circularia, ou seja, tenderia
a perder seu caráter desigual de origem para igualar-se, por exemplo, de uma terra à
outra. “Torna-se uma renda capitalista, ou pelo menos tende a tornar-se, e tal
processo, se não concluir após a revolução industrial, estará então amplamente
preparado”. (ibidem)
Dessa forma, a partir de meados do século XVIII, foram viabilizadas as
condições para o surgimento do proletariado, que se desenvolvia rapidamente no
campo, ainda que de forma parcial.
O trabalho assalariado se desenvolve rapidamente no campo, embora
a exigüidade de mercados torne escasso o dinheiro, e a parceria e a meia
constituam, freqüentemente, etapas em direção a esta proletarização
incompleta do campesinato. O desenvolvimento das relações capitalistas é
limitado, no campo, pela exigüidade do mercado urbano que, ainda pré-
industrial, dispõe apenas de ofertas limitadas. (idem, p.23)
128
Além da análise proposta para o período pré-revolução industrial em que o
surgimento do capital industrial se fazia lentamente, pode-se afirmar que a renda
capitalista se constituía anteriormente na agricultura
1
. Por isso mesmo, as
relações capitalistas na agricultura foram reforçadas:
A revolução industrial inaugura uma segunda época. Depois de
ter aparecido embrionariamente no mundo rural, as relações capitalistas
surgem, se completam e se desenvolvem na indústria. O dinheiro,
que pode ser transformado em capital está lá: o proletariado também
existe. A oferta de produtos agrícolas choca-se com a exiidade do
mercado artesanal: um poderoso motivo aparece para permitir aos
artesãos inventarem as primeiras máquinas. (ibidem)
Sobre a terceira fase, relacionada ao que Amin (1977) denomina
“industrialização da agricultura”, o autor afirma:
A terceira fase inicia-se com a industrialização da agricultura que,
sobretudo, fornecerá mais produtos à cidade e receberá em troca não
apenas produtos manufaturados de consumo, mas os insumos ( adubos,
equipamentos, energia, etc.). Esta fase torna-se particularmente variada
em suas formas de expressão, porque se manifesta a partir do
momento em que o sistema mundial está constituído sob o bastão do
capital monopolista. A redução da renda é obtida, pois, pela modificação
das alianças de classe internas e externas. Tornamos a encontrar aqui a
integração da agricultura de periferia e o seu domínio pelo
capitalismo, mas convém, antes de abordar essa questão decisiva,
examinar os debates que agitaram o movimento socialista no que
concerne ao desenvolvimento do capitalismo na agricultura, debates onde
impõem-se os nomes de Kautsky e Lênin. (idem, p.25)
Nessa trajetória, a agricultura fornecia à cidade subsistência e matérias-
primas e recebia dela mais bens de capital do que os de consumo manufaturados.
Tal tecnificação e a possibilidade da ampliação da acumulação de capital permitem,
em conjunto, que seja esboçada grande parte das concepções clássicas.
1
Para Marx (1989, p.695): “Nas mais diversas formações econômico-sociais, encontra-se não só a
reprodução simples, mas tamm a reprodução ampliada. Produz-se mais e consome-se mais
progressivamente, e quantidade maior da produção se converte em meios de produção. Contudo,
esse processo não se apresenta como acumulação de capital nem tampouco como função do
capitalista, enquanto os meios de produção do trabalhador e, em conseqüência, seu produto e seus
meios de subsistência não assumem perante ele a forma de capital.” É o lucro, ou a renda do
capitalista que contribui para a eliminação da renda fundiária. Nesse sentido: “[...] sobre a eliminação
da renda fundiária em sua trajetória, que se destacar que houve diferentes fases pelas quais
diferentes sociedades sofreram tal processo.” Nesse sentido: “A distorção de preços relativos em
detrimento dos preços agrícolas, que acompanha a intensificação da industrialização da agricultura,
constitui o principal meio de esvaziar de conteúdo a propriedade camponesa mantida formalmente, já
que não ocasiona a realização de uma renda e reduz a remuneração camponesa da força de trabalho
[...]” (AMIN, 1977, p.31)
129
Amplia-se uma formulação inicial para essa discussão no movimento político
intitulado social-democracia
2
no qual a lei do desenvolvimento do capitalismo na
agricultura era formulada em termos simples: “[...] a concorrência deve eliminar
progressivamente os camponeses em favor dos grandes capitalistas agrários que
disponham de capitais necessários à utilização da mecanização; a concentração da
propriedade do solo é tendência deste desenvolvimento como o é a da propriedade
do capital” (idem, p.25).
4.1.1 A “Questão Agrária” de Kautsky
A agricultura sempre ocupou papel relevante na evolução dos diferentes
modos de produção e, em especial no capitalismo. Os primeiros escritos dos
economistas clássicos como David Ricardo, Malthus e Stuart Mill atentavam para
suas características, bem como de que forma a agricultura contribuiria para o
crescimento e desenvolvimento das nações em pleno momento da Revolução
Industrial. Na elaboração de O Capital”, com uma estrutura teórico-metodológica
específica, Marx tamm procurou compreender de que maneira a agricultura e o
campo contribuiriam para a reprodução do capital, bem como para o aumento do
processo de proletarização.
no final do século XIX, utilizando-se do ferramental analítico marxista e
muitas vezes, reinterpretando-o, Kautsky apresentava uma leitura aprofundada no
livro “A questão Agrária” das contradições pelas quais passava o meio rural, e, em
especial, a agricultura com o início da tecnificação dos processos produtivos.
Demonstrou o autor, nesse sentido, que formas pré-capitalistas na agricultura
coexistiam com empreendimentos capitalistas, o que geraria, naturalmente,
especificidades nas categorias de produção ali envolvidas, pois são diferenciadas as
condições do empresário rural [e sua contra-face, o proletário] e do camponês.
Como conteúdo introdutório à sua análise vale destacar:
Do que mais necessitamos, [...] não é adicionar mais uma monografia ou
enquete sobre a agricultura, às existentes sobre o assunto. Por valiosas
que estas sejam, [...] trata-se de considerar as diversas questões particulares
da questão agrária, as relações entre o grande e o pequeno estabelecimento
2
Importante movimento político-partidário existente na Europa em meados do Séc. XIX, em função
da ampliação das dificuldades da classe operária no contexto da Revolução Industrial;
130
agrícola, o endividamento, o direito hereditário, a carência de mão-de-obra, a
concorrência ultra-marina, etc. como manifestações particulares de um
processo conjunto. (KAUTSKY, 1998, p.27)
Nas palavras de Lênin (1983, p.6) “[...] Kautsky analisa as ‘tendências
fundamentais’ da evolução capitalista na agricultura e examina os diversos
fenômenos da agricultura contemporânea como ‘manifestações particulares’ de um
único processo geral” Desse modo, o que caracteriza a agricultura capitalista na
interpretação desse autor é a divisão progressiva do trabalho e o emprego de
máquinas.
Especificamente no que tange ao camponês e sua relação com o mercado via
especializações produtivas, Kautsky (1998) afirma que o vínculo com o urbano, com
a indústria, transforma o até então, “simples agricultor” independente em integrante
de uma dimica de produção maior. Assim, quanto mais o camponês se
transformava em agricultor, ou quanto mais se “[...] completava a separação entre a
indústria e a agricultura, mais depressa desaparecia aquela auto-suficiência,
segurança e conforto da existência camponesa. [...] O camponês passa agora a
depender do mercado que a ele se revelava mais caprichoso e imprevisível que o
tempo”. (idem, p.40-41)
Nessa relação com o mercado é inerente a perda econômica do produtor no
que tange ao mecanismo de formação dos preços, pois se acentua sua exploração
mediante a “dificuldade” de se obter razoável poder de negociação. Nesse aspecto,
a discussão proposta por Kautsky (1998) com muita propriedade, ainda permanece
ajustada ao momento atual, ao se observar o processo de comercialização nas
categorias de produção familiares, sobretudo quando se trata de commodities.
Quanto mais a produção agrícola se transformava em produção de
mercadorias, menor era sua condição de conservar o primitivo vel de venda
direta do produtor ao consumidor. Quanto mais distantes e extensos se
tornavam os mercados para os quais produzia o homem do campo, mais
difícil se tornava, para ele, a venda direta ao consumidor e tanto mais
necessário se tornava o intermediário. O negociante se coloca, então, entre
o consumidor e o produtor.; ele tem uma vio melhor do mercado, melhor
que a deste último e domina o mercado até certo ponto; ele se aproveita
dessa situação para explorar o camponês. (ibidem)
131
A mediação entre produtor e consumidor é atualmente realizada por
intermédio das agroindústrias locais ou em escalas mais ampliadas e ainda por meio
das cooperativas regionais. Nestas, de modo especial, o processo de integração
submete com mais intensidade os produtores cooperados às exigências do
132
A transição do modo de produção camponês, considerado em sua lógica e
constituição, como pré-capitalista, para um modelo produtivo voltado ao
assalariamento não se fez sem ampliar as desigualdades no meio rural e isso é
evidenciado ainda hoje. Reorganizou-se a estrutura familiar e se procurou organizar
as atividades obtendo força de trabalho externa nos momentos em que ela se fazia
necessária.
Impõe-se a contratação de braços auxiliares de assalariados que são
apenas empregados durante a fase de trabalho mais intensa e depois são
despedidos quando não mais se necessita deles. E por mais alta que seja a
remuneração destes, sai sempre mais barato que os agregados alimentados
durante o ano inteiro em casa. Esses trabalhadores que se oferecem em
troca de um salário são constituídos por camponeses proletarizados,
camponeses que procuram um rendimento extra, e por excedentes familiares,
filhos e filhas de camponeses. (idem, p.43)
Cabe acrescentar que esse movimento torna-se muitas vezes pouco
perceptível diante das características multifuncionais da agricultura e pluriativa dos
produtores familiares. Nas diferenciações entre pequenos e grandes produtores, é
natural que os pequenos, muitas vezes com poucas condições de manter seu
sustento, ofertem mão-de-obra aos produtores consolidados. Essa é uma
realidade que se faz presente em muitas das pequenas propriedades rurais do
município de Cascavel.
Enfim, [ o desenvolvimento do mercado] produz entre os pequenos
camponeses a necessidade de um rendimento suplementar além daquele
que lhe fornece o estabelecimento agrícola de sua propriedade. A área de
plantio do pequeno produtor é excessivamente restrita e não permite a
133
mais restrito. Nesse aprofundamento da divisão social do trabalho forçosamente
aumenta a dependência do agricultor em relação ao comércio intermediário. Sendo
assim:
O camponês produz agora não somente na condição de industrial; como
agricultor tamm não produz pessoalmente tudo de que necessita para
uso próprio. Vê-se obrigado, agora, a comprar mais ferramentas [mais caras
do que antes] inclusive parte dos alimentos que consome, produtos que seu
estabelecimento especializado não mais produz, ou não produz em
quantidade suficiente. (idem, p.71)
Kautsky (1998) afirmava que essa “revolução” no meio rural partia do urbano.
Como conseqüência, o aumento da dependência do agricultor altera continuamente
as condições do mercado. Pode-se afirmar, dessa forma, que a articulação “rural-
urbano” decorre, em grande parte, da ampliação na divisão social do trabalho
estruturada do aparato tecnológico antes relativamente menos importante para as
atividades agrícolas.
A agricultura, outrora a mais conservadora de todas as atividades
profissionais e que durante centenas de anos não acusara nenhum
progresso em absoluto, tornou-se, em poucos decênios, a mais revolucionária
de todas. Na mesma medida em que a revolução se processava, essa
profissão que rotineiramente passava por herança, de pai para filho, evoluía e
se transformava agora, em uma ciência, ou melhor dizendo, se transformava
em um conjunto de ciências, cujo objeto e conclusões teóricas abrangem um
campo em rápida expansão. O agricultor que não se encontra familiarizado
com essas ciências, o simples ‘prático’ assiste perplexo a todas essas
inovações, mas já não pode apegar-se à tradição, pois tornou-se imposvel
manter o sistema consagrado dos pais e dos avós. [...] Assim, a
agricultura passou a ser ensinada na cidade. (idem, p.89-90)
A perplexidade a que se refere o autor não diminuiu ao longo do século XX.
Pelo contrário, o aparato tecnológico que envolve a agricultura moderna sobrepõe,
muitas vezes, os fatores climáticos, situação pouco provável na Europa do século
XIX, base empírica da “Questão Agrária”.
Contudo, após a Segunda Guerra Mundial, o meio técnico-científico-
informacional vem proporcionando uma orientação cada vez mais ajustada às
demandas e às ofertas urbanas. Portanto, o estabelecimento agrícola moderno é, na
visão desse autor, essencialmente capitalista, muito embora carregue
especificidades que o diferencie da indústria, setor privilegiado na análise de Marx,
bem como particularidades em relação aos grandes e pequenos estabelecimentos
134
agrícolas. “Quanto mais a agricultura se identifica com os padrões capitalistas, tanto
mais se diferenciam qualitativamente as diferenças cnicas empregadas pelos
grandes estabelecimentos das empregadas pelos pequenos”. (idem, p.135).
Naturalmente, a rentabilidade dos grandes estabelecimentos é maior em virtude da
gestão mais eficiente, divisão de tarefas e especialização mais acentuadas,
somadas ainda às esferas de comercialização e transporte o que proporciona uma
“racionalidade” pautada na utilização de princípios científicos.
Naquele momento, Kautsky (1998) observava que a incorporação tecnológica
era economicamente viável em grandes propriedades e não em pequenas. “Em
relação ao volume de suas vendas, o grande comerciante não tem apenas despesas
menores que o pequeno. Ele também e domina o mercado de forma diferente do
pequeno”. (idem p. 116)
Na condição presente, tais observações seriam revistas, pois uma
crescente incorporação tecnológica em escalas compatíveis às pequenas
propriedades. Um exemplo marcante dessa condição é o modelo de gestão dos
processos de integração via agroindústrias privadas ou cooperativas na região Oeste
do Paraná.
Uma conseqüência dos modelos de gestão adotados, principalmente no
âmbito da agricultura familiar, é a diversificação da propriedade rural visando à
composição de um leque de atividades que permitam a obtenção de renda
independentemente da sazonalidade inerente à agricultura. No momento em que
Kautsky (1998) escrevia, havia uma forte tendência de paralisação da indústria
doméstica, ou até mesmo de sua dissolução, diante das orientações impostas pelo
mercado. Hoje se incentiva a agroindustrialização nas propriedades rurais como
forma de agregação de valor ao que é ali produzido, o que o se dissocia, da
mesma forma como tratava o referido autor, de novas demandas do mercado.
Em função disso, o lugar dos pequenos é “garantido” nesse contexto. Kautsky
(1998) teceu considerações bastante apropriadas sobre a questão. Observava,
portanto que, naquele momento, interessava a manutenção das pequenas
propriedades porque elas ofertavam produtos aos “ricos aristocratas” da Europa em
grande transformação. Um dos motivos citados para isso, era a melhor qualidade
135
dos produtos ofertados pelos pequenos camponeses e que não era acessível ao
conjunto da população que vivia nas cidades. Assim, “[...] o processo de decadência
em que o pequeno estabelecimento se encontra envolvido é altamente complicado e
marcado por tendências múltiplas, por vezes até opostas, que nele interferem, o
desaceleram ou mesmo o invertem, mas que jamais conseguem anulá-lo de
verdade”. (idem, p.198)
Na composição dessas múltiplas tendências há um lugar de destaque para a
indústria doméstica sujeita às orientações do mercado, não mais como parte da
dinâmica camponesa. Assim a mesma somente produziria em “parceria” com o
comerciante ou um possível depositário que, segundo Kautsky (1998) estabeleceria
o contato com o grande mercado inatingível para o produtor de forma solitária. Outra
observação diz respeito à intensiva divisão do solo na pequena propriedade e ao
limitado número de indústrias no meio rural. “No campo, a oferta de trabalho
assalariado obedece a certos limites bem como o limitadas as possibilidades de
expansão do capital e da técnica empregados nesses produtivos”. (idem, p.244). Na
visão do autor havia, como conseqüência, uma perda progressiva das condições de
produção agrícola. Novamente menciona-se o grau acentuado de exploração da
mão-de-obra familiar.
Portanto, na lógica que permeia os processos de reprodução do capital, está
inclusa a existência da pequena propriedade por diferenciados motivos. Dentre
esses motivos vale destacar o excesso de trabalho e o subconsumo no pequeno
estabelecimento. Questionava então o referido autor: “Que oferece o pequeno
estabelecimento em contraposição a essas vantagens que o grande apresenta?” A
resposta obtida voltava-se a um esforço sobre-humano dos pequenos lavradores
3
.
Contrapondo-se aos argumentos que aceitavam tal esforço como natural,
comentava: “O pequeno lavrador não mete o chicote em si mesmo, mas dele
tamm se serve para pôr a trabalhar, igualmente a sua família. Como na agricultura
o domicílio e a empresa encontram-se unidos intimamente, a força de trabalho que
3
Kautsky (1998) fazia referência específica aos comentários citados pelo economista clássico John
Stuart Mill, que, defendendo os pequenos estabelecimentos, apontava como louváveis a labuta e a
perseverança dos pequenos produtores. “Eles trabalham sem parar, diariamente, ano após ano; são
tão pacientes, incansáveis e perseverantes, ou mesmo mais, que os seus animais de carga”. (idem,
p.153)
136
menos resistência oferece a criança está sempre “à disposição.” (idem, p. 153)
Continua sua argumentação afirmando que:
A solicitação excessiva da força de trabalho apenas se desenvolve de fato,
a partir do momento e na medida em que o trabalho em proveito próprio se
transforma em trabalho destinado ao mercado. É a concorrência que instiga
para o trabalho. Essa competição se processa mediante a ampliação da
jornada de trabalho e na razão direta do atraso técnico em que se encontra o
estabelecimento. Uma empresa que é incapaz de enfrentar a concorrência
aperfeiçoando as suas técnicas de produção, sempre acaba apelando
para o maior desempenho de seus trabalhadores, deles exigindo o
máximo. [...] A possibilidade de estender a jornada de trabalho constitui uma
das barreiras mais eficazes contra o desenvolvimento técnico, portanto.
(idem, p. 154)
As exigências do mercado justificam, desse modo, a super-exploração da
mão-de-obra familiar. Entretanto, tal condição muitas vezes vai além dos limites da
propriedade familiar assumindo a modalidade de trabalho assalariado nos
estabelecimentos maiores. Sobre a “proletarização do camponês”, a seguinte
referência:
De fato, a economia doméstica o deixa de sofrer a influência
do desenvolvimento econômico. Esta, no entanto, atua sobre a primeira de
uma só forma: diminuindo as funções da economia doméstica convertendo-
as, uma após a outra, em ramos independentes de produção. Dessa
maneira diminui o trabalho executado em casa, bem como o número de
trabalhadores que dele participam.[...] Quanto mais progride o
desenvolvimento econômico e político, tanto mais crescem as necessidades
pecuniárias do camponês; o Estado e a comunidade também oneram o
orçamento da pequena empresa. Ganhar dinheiro torna-se cada vez mais
importante para o pequeno lavrador de modo que sua atividade
secundária passa a crescer enquanto a própria lavoura de sustentação
vai para um segundo plano. (idem, p. 255)
Sinalizam-se diferentes possibilidades para utilização da mão-de-obra, dentre
as quais o assalariamento, que se constituía, de certa forma, em independência do
pequeno produtor das atividades diretamente vinculadas à agricultura. Havia ainda o
fato de que, em certas propriedades, a fragmentação decorrente de heranças
dificultava a possibilidade de manutenção das atividades agrícolas. Nesse caso, o
assalariamento surgia como uma das condições de reprodução familiar. As
observações que seguem auxiliam na compreensão de situações que ainda são
verificadas no momento atual nas propriedades rurais do território rural de Cascavel.
137
Quanto menores se apresentam as herdades, tanto mais favorecem a
procura de uma atividade secundária de subsistência; quanto mais essa
atividade suplementar passa a colocar-se em primeiro plano, tanto menores
podem tornar-se as herdades enquanto menos pessoas vão ter condições de
satisfazer as necessidades sicas de sua casa, uma vez que se torna
totalmente irracional a atividade desenvolvida por esse tipo de propriedade
agrícola minúscula. [outro aspecto importante sobre esse pequeno produtor
implica que]...quanto mais se evidencia a importância do trabalho remunerado
extra-doméstico e quanto mais o trabalho doméstico se torna secundário,
tanto mais o primeiro passa a absorver os melhores trabalhadores da
família, por vezes até mesmo em períodos nos quais a própria plantação mais
deles necessita, na época da colheita, por exemplo. (idem, 230-231)
Nessa situação de elevada fragmentação fundiária, em inúmeros casos, o
trabalho na propriedade ficava sob responsabilidade de outros membros familiares,
como a mulher, as crianças ou mesmo os mais velhos, com um limitado aparato
tecnológico em fins do século XIX. Desse modo, permitia-se ao pai e aos filhos
maiores a condição de “ganhar dinheiro” fora da propriedade familiar. Nesse sentido,
as observações do autor, em casos específicos relacionados principalmente às
menores áreas rurais do município de Cascavel, permanecem atuais.
Entretanto, Kautsky ainda apresentava o pequeno camponês em estreita
relação com o mercado, ou seja, produzindo excedentes significativos, porém não
utilizando mão-de-obra assalariada. Assim, se o camponês atuava como um simples
produtor de mercadorias sua situação o caracterizava como:
[
...] um trabalhador que não vive da renda que lhe traz a propriedade; vive de
seu trabalho, sendo que sua condição de vida é a de um trabalhador
assalariado. Ele necessita da terra como meio de transformar o seu trabalho
em garantia de sua existência e não para a obtenção de lucro ou renda
fundiária. Posto que o resultado de sua produção lhe reembolse as despesas
e tamm lhe pague o trabalho investido, ele terá a sua condição de
existência garantida. (idem, p. 228)
Na condição anteriormente apresentada, o lucro e a renda fundiária são
dispensáveis, o que acarreta grandes dificuldades à medida que, na produção
capitalista, rotineiramente existem passivos vinculados à terra e a esta cabe a
função de “proteger” a agricultura em momentos de crise, mediante a elevação de
seu preço. Muitas vezes os pequenos produtores não podem se valer desse
mecanismo, o que dificulta sua manutenção na propriedade.
138
Tal fato é importante quando se retoma a discussão sobre campo e cidade.
Kautsky (1998) afirma que tanto a renda fundiária quanto os juros pagos sobre as
dívidas assumidas pelo agricultor são consumidos em uma parcela mais restrita no
campo. “A grande parte restante vai para a cidade, à custa da qual esta vem
crescendo progressivamente” (idem, p.279). A dependência creditícia torna-se,
portanto, fundamental para esse processo.
[...] quanto mais esse ato [ o empréstimo a juros] se transforme em
elemento obrigatório do próprio processo de produção e quanto mais o
intercâmbio mercantil se desenvolve entre a cidade e o campo, tanto mais
o sistema secreto de agiotagem vem sendo substituído por instituições em
que as operações de crédito são públicas e constituem um ato normal, que
não revela desespero, razão pela qual as referidas instituições cobram
juros normais ao invés de juros extorsivos. Essas instituições podem
ser representadas por bancos urbanos, ou sindicatos ou mesmo por
estabelecimentos que trabalham com capital emprestado, tomado de
capitalistas da cidade. Essa transformação que se observa no sistema
creditício é obviamente necessária e beneficia o desenvolvimento.” (idem,
280)
A utilização do crédito é algo que atualmente permeia os processos
produtivos agrícolas. Nas mais diversas modalidades, por meio de cooperativas com
sistemas de crédito específicos, caso da cooperativa local, ou ainda por meio de
outras estruturas cooperativistas regionais e por outras instituições bancárias, o
crédito constitui-se em condição importante para a viabilização das safras ou ainda
da produção agropecuária.
Outro aspecto abordado por Kautsky (1998) em “A questão agrária”, referia-se
à comercialização considerando as diferentes possibilidades de acesso entre
pequenos e grandes produtores. No caso da comercialização das commodities
agrícolas, os diferenciais de receita obtida no momento da comercialização são
significativos, comparando-se os grandes produtores frente aos pequenos,
colaborando para tais diferenças, a questão creditícia.
O acesso ao crédito é atualmente um dos elementos que mais diferencia os
pequenos dos grandes estabelecimentos no município de Cascavel. No caso
específico da soja, as diferenças que recaem na esfera da comercialização entre
pequenas e grandes propriedades são decorrentes de desigualdades relacionadas
não apenas à estrutura produtiva, mas também à armazenagem e ao escoamento
139
da produção que permitem maiores margens de negociação nos preços dos
produtos ofertados.
Uma conclusão apreendida da leitura de Kautsky (1998) refere-se à
possibilidade de coexistência entre pequenas e grandes propriedades, justamente
porque ambas não competem entre si. Pelo contrário, assumem traços de
complementaridade. “O pequeno estabelecimento deixa de ser vendedor e passa à
condição de comprador do produto que o grande estabelecimento ‘produz em
excesso’. A mercadoria que ele mesmo produz em abundância é precisamente o
meio de produção de que o grande estabelecimento agrícola tanto necessita, ou
seja, a mão-de-obra” (idem, p. 224)
Tira então a conclusão lógica de que, para o pequeno camponês, ‘quando o
preço de venda de seus produtos, tirando suas despesas, o paga por seu
trabalho, ele pode viver; pode renunciar ao lucro e à renda fundiária.’
Kautsky analisa explicitamente o problema das relações entre o capitalismo
e a agricultura em termos políticos de aliança de classes. [...] e não de
simples desenvolvimento da agricultura capitalista [...] A partir dessa
consideração, observa-se a condição de proletarização, “... apesar da
manutenção da propriedade formal qualificando o pequeno camponês de
‘servo do capital industrial’ (ibidem)
Em resumo, “Karl Kautsky analisa a dominação do capital sobre a agricultura
em termos sutis e espantosamente modernos. Kautsky constata, inicialmente, os
fatos: a resistência à concentração. Explica-a, mostrando que a pequena exploração
camponesa se opõe à grande atividade [...]” (AMIN, 1977, p.26)
4.1.2 Lênin e o papel da agricultura no desenvolvimento do capitalismo
Uma segunda passagem considerada “obrigatóriapara a compreensão das
transformações no rural mediadas pelo sistema capitalista, diz respeito aos
conteúdos abordados por Lênin (1983) em “O desenvolvimento do capitalismo na
Rússia”. O cenário que inspira o autor é bastante diferente daquele observado por
Kautsky (1998) pois, enquanto esse analisava as transformações da agricultura no
contexto do desenvolvimento capitalista, Lênin (1983) descreve
pormenorizadamente uma Rússia com um atraso no desenvolvimento capitalista se
140
relacionada à Europa Ocidental
4
. Desse modo, José Neto (1983, p.VIII) afirma que
“[...] essa resposta aos específicos problemas russos, esse tour de force para um
jovem teórico de menos de 30 anos surge num contexto histórico-social-político e
ideológico absolutamente diverso daquele que forneceu o substrato para a
construção kautskyana”.
A obra em questão tem como contribuição o conhecimento da “dinâmica
fundamental da sociedade russa posterior à reforma de 1861
5
(idem, p. XV). Sua
estrutura procura, em linhas gerais apresentar que:
[...] a ruína dos camponeses o implica a liquidação do mercado interno
para o capitalismo ao contrário, é uma conseqüência necessária do
processo de emergência e evolução do capitalismo que promove a indus-
trialização e que acelera e aprofunda os antagonismos que, já existentes no
bojo da comunidade camponesa, desintegram o campesinato e liberam
massas para a formação do proletariado. (ibidem).
Assim, o problema central da investigação “leniniana” estava em compreender
o processo de formação de um mercado interno para o sistema produtivo capitalista
por meio da divisão social do trabalho. Cabem, nesse sistema, proprietários
capitalistas, assalariados e ainda camponeses, estes últimos com uma racionalidade
distinta das demais categorias de produtores. Para Lehmann (1980, p.10), a
exposição de Lênin tratava do desenvolvimento da agricultura camponesa sob a
ótica da divisão social do trabalho, da penetração das mercadorias e do processo de
proletarização. Surgiam, em sua análise, os camponeses ricos e pobres. Sobre os
últimos Lênin (1983) expunha:
Em toda a sociedade capitalista, a existência de pequenos
camponeses se explica não pela superioridade técnica da pequena produção
agrícola, mas pelo fato de que eles reduzem as suas necessidades a um
vel inferior ao dos operários assalariados e se exaurem no trabalho
incomparavelmente mais que estes últimos” (Lênin, 1983, p.7)
É justamente na formação dos mercados que o autor direciona sua análise,
considerando, da mesma forma abordada por Kautsky (1998), a estreita vinculação
4
Lênin (1983) traduziu a estrutura das propriedades agrícolas russas com detalhamento rigoroso, o
que lhe permitiu uma análise profunda da economia agrícola naquele momento.
5
Para o autor, o objeto de discussão do trabalho era a própria viabilidade do sistema capitalista
travado pela sobrevivência do antigo regime de servo, emancipados na reforma de 1861. As
instituições eram estruturadas no antigo regime feudal.
141
entre o rural e o urbano. Assim, “[...] O capitalismo, pois, é inimaginável sem um
crescimento da população industrial e comercial às expensas da população agrícola,
e todos sabem que esse fenômeno se manifesta na forma mais relevante em todos
os países capitalistas”. (idem, p.7) Isso acaba por proporcionar, nas palavras do
autor, [...] a mais profunda influência em todo o sistema rural, não pode deixar de
suscitar o crescimento da agricultura mercantil e capitalista”. (idem, p.16) Assim, a
dissociação completa entre a agricultura e os ramos independentes da indústria,
altera a transformação da produção no meio rural.
[...] diferentes operações que se realizam nessa transformação se
separam sucessivamente da agricultura e constituem ramos independentes
da indústria, trocando seus produtos [agora convertidos em mercadorias]
pelos produtos agrícolas. Desse modo, a própria agricultura torna-se
indústria [isto é, passa a produzir mercadorias] e tamm nela o mesmo
processo de especialização se efetiva. (idem, p.35)
Verifica-se, nesse contexto, um conflito de classes, nas relações que Lênin
(1983) denominou como “composição dos pequenos agricultores em patrões e
operários agrícolas”. Nesse caso, a diferenciação entre ambos se verifica pelas “[...]
diferentes capacidades de participar en el mercado entre ‘pequeños productores de
mercancias quienes son a menudo también asalariados’” (LEHMANN, 1980, p.10).
Nessa transformação, na qual o produtor rural é assalariado e a “agricultura torna-se
indústria”, a população industrial, ou não-agrícola cresce mais rapidamente do que a
população que se ocupa exclusivamente da agricultura. O fenômeno da migração é
parte desse cenário de onde saem produtores rurais que ingressam no ramo
industrial diante da crescente oferta de operários.
Uma das principais variáveis que conduzem a tal oferta de mão-de-obra é a
questão tecnológica que, novamente, possui distintas respostas no território. A
análise leniniana compreendia, portanto, que as diferentes posições no âmbito da
propriedade camponesa, ou seja, a existência de pequenos e grandes proprietários
familiares possibilitava a estes últimos, significativas vantagens frente aos
camponeses mais pobres no que se refere à produtividade.
Mas é preciso assinalar que o progresso técnico na agricultura se
expressa diferentemente, conforme o sistema agrícola e o sistema de cultura.
Se, na cultura de cereais e na agricultura extensiva, o progresso técnico pode
traduzir-se numa simples ampliação da área semeada e numa redução
142
do mero de trabalhadores e animais de tração por unidade de superfície
cultivada, no sistema pecuário ou técnico de economia, na passagem para
a agricultura intensiva ele pode manifestar-se, por exemplo, no cultivo de
tubérculos que demanda um maior número de trabalhadores por unidade
de superfície cultivada ou na pecuária leiteira, na plantação de forragens,
etc. (LÊNIN, 1983, p.40)
É, portanto, a possibilidade de intensificar o progresso tecnológico
incorporando maior ou menor número de trabalhadores assalariados que vai
diferenciar a inserção da propriedade camponesa nas esferas de produção e
distribuição em moldes capitalistas. Normalmente, cabia aos pequenos
estabelecimentos camponeses a maior oferta de trabalho assalariado, conforme
havia explicitado Kautsky (1998) num momento anterior. Importante seria então
diferenciar aqueles que recorriam ao assalariamento e aqueles que viviam
exclusivamente da agricultura, sem se valerem da venda de sua força de trabalho.
(idem, p.40-41) Especificamente tratando-se do campesinato pobre, Lênin (1983)
assim o caracterizava: “Ele é constituído pelos camponeses que semeiam pouco ou
nada e sua situação econômica quase não difere [...] uns e outros trabalham como
assalariados na própria aldeia ou imediações, quase sempre em tarefas agrícolas”
(ibidem) Nesse caso, integravam-se tais produtores, ao proletariado rural.
Assim como Kautsky (1998), Lênin (1983) tamm afirmava que “[...] a
condição indispensável da existência do campesinato rico é a formação de um
contingente de assalariados agrícolas e diaristas”. (idem, p.65). Tal situação também
é observada atualmente no rural de Cascavel e expressa as limitações para o
processo de capitalização das pequenas propriedades familiares.
[...] é extremamente interessante observar que a relação entre o mero
de estabelecimentos que contratam diaristas é sempre maior que o daqueles
que empregam assalariados; em troca, nos grupos superiores, o
número de estabelecimentos que empregam assalariados é às vezes maior
que o daqueles que contratam diaristas. Isso revela que, nos grupos
superiores assiste-se à formação de verdadeiras unidades agrícolas
baseadas na utilização permanente do trabalho assalariado, distribuído
regularmente ao longo das estações do ano e que permite evitar o emprego
mais oneroso e complicado de diaristas. (ibidem)
Nessa condição, o arrendamento traduzia um caráter empresarial que se
distanciava da exploração camponesa. Levava ainda à exaustão do solo,
principalmente em contratos de exploração mais curtos. Mais para uns, menos para
143
outros. É a tradução simplificada daquilo que Lênin (1983) observava; luta e
divergência de interesses, configurando a contradição própria do sistema capitalista.
O conjunto das contradições existentes no interior do campesinato
` constitui o que denominamos desintegração do campesinato. Empregando
a palavra “descamponização”, os próprios camponeses fornecem uma
definiçãoprecisa e relevante desse processo que redunda na destruição
radical do antigo campesinato patriarcal e na criação de novos tipos de
população rural. [...] É claro que o surgimento de desigualdades entre os
patrimônios é o ponto de partida de todo o processo, que, em hipótese
alguma se esgota nessa ‘diferenciação’. [...] O campesinato antigo não se
‘diferencia’ apenas: ele deixa de existir, se destrói, é inteiramente substituído
por novos tipos de população rural, que constituem a base de uma sociedade
dominada pela economia mercantil e pela produção capitalista. Esses novos
tipos são a burguesia rural [sobretudo a pequena burguesia] e o
proletariado rural a classe dos produtores de mercadorias na agricultura e
a classe dos operários assalariados. (idem, p.114-115)
Uma burguesia rural ou um campesinato rico estrutura suas atividades
produtivas na agricultura comercial, empresas industriais ou comerciais. Surge daí
essa nova classe, os granjeiros. “[...] na maioria dos casos, as dimensões da
exploração estão acima das possibilidades da força de trabalho da família; por isso,
a formação de um contingente de operários agrícolas, e, ainda mais, de diaristas, é
condição indispensável da existência de um campesinato rico”. (idem, p.115)
O campesinato estudado por nin (1983) possuía seus paradoxos. Como
assinala o autor, de um lado a tendência de proletarização, “[...] o êxodo dos
trabalhadores para as cidades; de outro lado, o campesinato pode, ainda, acumular
tendências progressistas. [arados de ferro, desenvolvem a cultura de forragens e a
indústria leiteira] [...] agora sabemos que camponeses participam desses dois
aspectos, diametralmente opostos”. (idem, p.116)
Disso pode ser apreendida a crítica de Lehmann (1980) à tese de Lênin. [...]
existen profundas divergências de interes tanto subjetivas como objetivas entre los
campesinos, de tal manera que estos no constituyen una clase en si ni para si.” A
tendência a longo prazo seria a polarização entre capitalistas cada vez mais
144
máquinas implica em ponderáveis capitais, o que a torna acessível apenas aos
grandes proprietários, de outro, o investimento com as máquinas se amortiza sob
um imenso volume do produto manufaturado”. (LÊNIN, 1983, p.148) São elas que
evidenciam as contradições nos processos produtivos que envolvem
respectivamente as dinâmicas capitalista e camponesa.
Um exemplo marcante na leitura da formação da dinâmica capitalista na
Rússia diz respeito à produção de leite. Tal exemplo é significativo ainda hoje,
quando se percebe que a tecnificação proporciona acentuada eliminação do
mercado de pequenos produtores pouco capitalizados. Naquele momento, Lênin
afirmava que a pobreza e a fome acompanhavam o processo de industrialização do
leite, o que não difere da realidade atual na região Oeste do Paraná.
No que se refere à pecuária, o capital, no momento, considera mais
vantajoso deixá-la a cargo dos pequenos produtores: que eles cuidem, com
‘zelo e aplicação’ do ‘seu’ rebanho [...] que eles se encarreguem do trabalho
mais duro e mais pesado de manutenção da máquina que o leite. Quanto
ao capital, ele dispõe dos meios mais aperfeiçoados e modernos, não só para
separar a nata do leite, mas também para separar a ‘nata’ desse ‘zelo’, para
separar o leite dos filhos dos camponeses pobres. (idem, p.174)
o apenas o leite, mas diversos produtos assumem tal condição para sua
oferta no mercado. “A peculiaridade da agricultura consiste em que, numa região, o
capitalismo subordina um aspecto da agricultura, subordinando outro aspecto noutra
região, razão porque relações econômicas idênticas se manifestam nas mais
variadas formas de agronomia e vida” (idem, p.182). Aos poucos, a agricultura
assume caráter comercial. Lênin (1983) afirmava que em todo país capitalista,
existia uma série de graus intermediários ligando o pequeno burguês rural ao
‘camponês’ dono de uma parcela e, ainda, ao proletário rural dotado de um lote de
terra.
É lícito afirmar, diante das considerações do autor, que a partir do momento
em que a agricultura insere-se em esferas produtivas vinculadas ao mercado,
uma tendência para que ocorram crises que poderiam ser mais facilmente
contornadas numa economia de caráter estritamente camponês. Assim, “[...] a
formação de ramos especializados na agricultura comercial torna as crises
capitalistas e a superprodução, possíveis e inevitáveis, mas elas [como todas as
145
crises capitalistas] dão um impulso ainda mais vigoroso à produção mundial e à
socialização do trabalho”. (idem, p.204)
Dada a própria natureza da agricultura, a sua transformação em produção
mercantil ocorre peculiarmente, de forma distinta do processo correspondente
na indústria. A indústria transformativa compreende ramos autônomos,
dedicados exclusivamente à fabricação de um único produto ou de uma única
parte do produto. Na indústria agrícola, ao contrário, não há divio em ramos
rigorosamente distintos: somente especialização de tal ou qual produto
para o mercado, e adaptação de outros aspectos da agricultura a esse
produto principal [que é uma mercadoria]. Por isso, as formas de agricultura
comerciais apresentam uma diversidade gigantesca, modificando-se não
de uma região para outra, mas tamm de um estabelecimento para
outro. (idem, p.202)
Essa é a parcela mais substancial na qual se elaboram os novos processos
agrícolas em escala comercial. Daí para diante a incorporação dos conteúdos
técnico-científico-informacionais é cada vez maior, transformando-se em um novo
mercado para o capitalismo. É essa a gica que acompanha eventos tecnológicos,
tais como o Show Rural Coopavel, no município de Cascavel. As escalas de
produção envolvidas alcançam grandes proporções para abastecer o mercado
mundial . O capital transnacional envolvido em biotecnologia, mecânica e demais
segmentos industriais modifica intensivamente os territórios rurais de acordo com as
exigências do mercado. Nesse sentido, Lênin (1983) afirmava:
O crescimento da agricultura comercial cria um mercado interno para o
capitalismo. Em primeiro lugar, a especialização da agricultura provoca trocas
entre as várias regiões agrícolas e os vários produtos. Em segundo lugar,
quanto mais a agricultura se adentra na circulação de mercadorias, tanto
mais rapidamente cresce, da parte da população rural, a demanda de artigos
de consumo pessoal produzidos pela indústria de transformação e tanto
mais rapidamente em terceiro lugar cresce a demanda de meios de
produção, porque nenhum empresário rural, grande ou pequeno pode
organizar a nova agricultura comercial com velhos instrumentos e as velhas
instalações ‘camponesas’. Finalmente, em quarto lugar, surge uma demanda
de mão-de-obra, porque a formação da pequena burguesia rural e a adoção
da economia capitalista pelos proprietários fundiários supõem,
necessariamente, a formação de um exército de assalariados e diaristas.
(idem, p.203)
Para Amin (1977, p.26), em resumo, o conjunto da obra de Lênin refere-se à
concentração da propriedade do solo e meios de produção [arados], aparição e
desenvolvimento do número relativo e absoluto dos trabalhadores agrícolas,
diferenciação crescente no seio do campesinato e reforço da posição dos
146
camponeses ricos [koulaks] em detrimento dos camponeses médios, tais o as
tendências do sistema. Na observação pormenorizada das questões voltadas ao
rural naquele momento uma conclusão: ...a nítida proletarização dos
camponeses” . Lehmann (1980, p.10) observa a obra de Lênin como um
posicionamento claro de que “[...] la penetración del capitalismo dentro de la
economia campesina produce relaciones capitalistas de producción en la
agricultura.”
É justamente a compreensão de que a agricultura não mais se dissocia das
esferas de acumulação de capital que torna a análise de Lênin (1983) o
contemporânea e necessária como uma referência para a compreensão da
formação da atividade rural no município de Cascavel. Tamm nessa porção do
território o capitalismo amplia, em gigantescas proporções, as contradições que lhe
são inerentes como modo de produção, gerando, necessariamente exclusão e
147
imposto e porque existe uma demanda urbana que, em contrapartida, pode oferecer
bens manufaturados competitivos com os do artesanato rural].
Sobre as possíveis diferenças entre o pensamento de Chayanov (1974),
comparado ao de Lênin (1983), Lehmann (1980) assim as descreve:
Si Lênin tiene una teoria del desarrollo capitalista em la cual las clases
sociales son exclusivamente constituídas por las relaciones de producción sin
referencia a las relaciones del mercado, la teoria de Chayanov es una de
empresas campesinas y relaciones de mercado en la cual las relaciones
tecnicas internas de producción a nível de la unidad de producción no reciben
um sitio primordial. Lo que para Lênin es central, para Chayanov es
simplesmente una idea secundaria e viceversa. (idem, p.12)
Havia, segundo Chayanov (1974) uma situação de mercado mundial que
favorecia a agricultura no início do século XX. “[...] las relaciones de mercado y la
natureza mercantil de la explotación rural se desarrollan rápidamente: pronto avanzó
el capitalismo comercial;...” (idem, p.26)
O desafio teórico proposto pelo autor: compreender o nível de racionalidade
econômica própria das explorações agrárias e campesinas. Como pressuposição
para a construção do trabalho, Chayanov (1974) apontava que a economia
camponesa não era tipicamente capitalista, portanto não se poderia conceber a
existência de lucros. Para Amin (1977), o camponês em questão não é um
empresário capitalista, não procura maximizar o lucro de seu ‘capital’ e acumular,
mas antes viver na terra que é sua em virtude de uma organização social
camponesa.
Assim, os esforços de produção possuíam, como contrapartida, o bem-estar
familiar e a aquisição de bens e serviços. Nessa afirmação é bastante difícil
mensurar o valor do trabalho do camponês como expõe Chayanov (1974)
Nuestra tarea es el análisis de la organización de la actividad económica de
la família campesina, uma família que no contrata fuerza de trabajo
exterior, que tiene una cierta extensión de tierra disponible , sus propios
medios de producción y que a veces se obligada a emplear parte de su
fuerza de trabajo en ofícios rurales no agrícolas. (idem, p.44).
Como menciona Archetti (1974, p.9) na apresentação do trabalho de
Chayanov: “A economia campesina é um fim em si mesmo”. Justifica-se, desse
148
modo, a investigação científica proposta pela Escola de Organização e Produção,
com um amplo conjunto de temas voltados à agricultura, ou seja, “[...] la construcción
de una teoria particular sobre la unidad econômica campesina”. (idem, p.28)
Nessa interpretação existe uma relação entre a quantidade de pessoas que
trabalham e que não trabalham e tal relação é associada aos demais meios de
produção: terras, ferramentas de trabalho. Tal conjunto é mediado por uma
dimensão subjetiva” ou seja, pela intensidade do trabalho, equivale dizer, pelo grau
de exploração da força de trabalho da família. Assim, o camponês justifica o trabalho
mediante a satisfação de suas necessidades.
[...] en la práctica económica de la unidad económica campesina se realiza
um balance entre lo que se trabaja y lo que se consume, lo cual determina, en
gran parte , el volume de la actividad económica familiar, pero no considero
em absoluto que se pueda deducir de esto todo um sistema de economía
nacional. (idem, p.39)
Uma aproximação dos conteúdos abordados sugere, portanto, que interessa
a subsistência e não o lucro. Vale acrescentar, ainda, que o limite da provisão
camponesa, estudada por Chayanov (1974) era a constituição de um fundo de
subsistência definido culturalmente e que integrava sistemas econômicos distintos
ao longo da história.
Na investigação proposta pelos autores da Escola da Organização e
Produção havia ainda o entendimento de que tal orientação camponesa, inserida
num contexto capitalista, diferenciava-se sobremaneira da motivação de uma
empresa organizada e baseada em força de trabalho contratada.
Dessa forma, Chayanov aproxima-se de Marx, pois ambos consideram a
possibilidade de haver estritamente um modo de produção camponês, ou melhor, de
uma economia camponesa que se apropria integralmente do produto da terra em
que se trabalha
6
. (ARCHETTI, introdução a Chayanov, 1974, p.11) Entretanto,
quando se trata de analisar a produção mercantil simples, Marx afirma que essa
6
Se para Marx o limite para a intensidade da exploração era a variável salário, para Chayanov
traduzia-se em superexploração de sua força de trabalho. Daí que, segundo Archetti (1974, p.13): “el
principal interes Del economista ruso son los mecanismos a partir de los cuales um actor dado toma
decisiones em el sistema de producción, aunque - ya que no es tan obvio em su obra no tenga
plena conciencia de esto”.
149
nunca chegaria a se constituir como modo de produção dominante e como tal, “[...]
puede estar presente y desarollarse bajo diferentes modos de producción. (idem,
p.18)
A aceitação dessa hipótese, qual seja, a de que a economia camponesa
possui lógica e racionalidade que em conjunto são apenas parcialmente afetadas
pelo mercado, produz uma nova forma de interpretação que ainda pode auxiliar na
compreensão de importantes aspectos das famílias que vivem e/ou trabalham no
meio rural atualmente.
Observou-se, inicialmente, que a essência do pensamento de Chayanov
(1974) trata a satisfação das necessidades familiares como o objetivo da unidade
camponesa. As demais esferas envolvidas na produção acabam tamm por
“obedecer” a essa subjetiva orientação. Dicho de outra manera, es um productor
que combina los médios de producción con su propio trabajo, o sea que está en
condiciones de controlar las condiciones técnicas de producción. (ARCHETTI,
introdução a Chayanov, 1974, p.12). Outra questão que merece atenção nesse
contexto: “[...] no es el tamanõ de la familia lo que determina el volumen de actividad
económica familiar [...] por el contrario, podemos decir que el grado de actividad
agrícola determina la composición de la familia”. (idem, p.61).
que se acrescentar ainda que, embora os produtores camponeses sejam
produtores de mercadorias, não é por esse aspecto que devam ser considerados
capitalistas. “Consideramos que nuestra explotación campesina es mercantil y, por lo
tanto, que se inserta en um sistema econômico que coexiste con ella, a través del
crédito y la circulación de mercancias” (CHAYANOV, 1974, p.13). Uma orientação
interessante nesse sentido é explicitada abaixo:
Si, por analogia com las bases organizativas de la empresa privada
usual consideramos que la unidad econômica campesina es una empresa
privada en la cual empresario y trabajador se combinan en una sola persona,
en este caso el beneficio del campesino como empresario resulta totalmente
anulado por sus perdidas como trabajador asalariado constreñido a alargar
su desempleo estacional. (idem, p.30)
A produção de mercadorias ou, ainda, a maior ou menor vinculação ao
mercado está associada, como se observou anteriormente, às necessidades de
150
conta disso, demandam mais ou menos trabalho conforme existem menores ou
idosos, ou ainda, pessoas aptas ao trabalho, principalmente aptas ao trabalho na
terra.
En otras palabras, tomamos la motivación de la actividad económica del
campesino no como la de um empresario que como resultado de la inversión
de su capital recibe la diferencia entre el ingreso bruto y los gastos
generales de producción, sino mas bién como la motivación del obrero por
un peculiar sistema de salário a destajo que le permite determinar por si
mismo el tiempo y la intensidad de su trabajo. (idem, p.33)
Se as estruturas familiares são diferenciadas, o equilíbrio entre satisfação das
necessidades e tempo gasto com a produção tamm é relativo, como são relativas,
tamm, as quantidades de terra e capital ali envolvidos.
Cualquier unidad agrícola capitalista cuyo tamaño es determinado por
uma cantidad constante e invariable de capital y terra, puede mantener el
mismo volumen durante un peodo indefinidamente largo [com limites
infinitos]; pero la unidad económica campesina, en condiciones análogas a
las dela realidad russa, varia constantemente su volumen a lo largo de
décadas, de acuerdo con las fases del desarrollo familiar, y sus elementos
describen uma curva con ondulaciones.(idem, p.67)
Wanderley (1998, p.32) expõe nesse sentido que, para Chayanov, a família
camponesa expressa diferentes níveis de esforço. Inicia com um casal que em geral
trabalha; num segundo momento o as crianças pequenas, que consomem, mas
não trabalham; mais tarde, ao crescerem os filhos, vão progressivamente
participando da atividade produtiva, até o momento da saída de cada um para
constituir uma nova família/empresa. O casal se reencontra, no final, porém, com
uma capacidade de trabalho bem mais reduzida.
Cabe mencionar que Chayanov (1974) admitia a possibilidade de aquisição
de trabalho extra-estabelecimento camponês, principalmente quando a força familiar
era limitada diante das tarefas de colheita, por exemplo. Mesmo no caso de
utilização de mão-de-obra assalariada, vale ainda o pressuposto da produção
suficiente para que se adquiram os bens necessários à família. Não se pode deixar
de mencionar que no momento em que Chayanov escrevia, as melhorias
tecnológicas avançavam sobre o campo, produzindo alterações significativas
tamm nas unidades camponesas e induzindo a uma maior vinculação ao
mercado.
151
En la actualidad [1925], la unidad económica campesina em casi todas as
partes está ligada al mercado capitalista de mercancias; em muchos
paises sufre la influencia del capital financiero, que le ha hecho emprestitos,
y coexiste con la industria organizada al modo capitalista. Las empresas
campesinas tienen interrelaciones sociales demaisado complejas con todos
estos elementos en la economia actual. (idem, p..42)
Nessa integração ao mercado, o volume mais baixo de esforço da família
equivale aos benefícios materiais essenciais. Contudo, é o número de consumidores
que determina o grau de exploração dos trabalhadores da família.
[...] el trabajador campesino estimulado al trabajo por las necesidades de su
família desarrolla mayor energia al aumentar la presión de estas
necesidades. La medida de la autoexplotación depende en mayor grado
del peso que ejercen sobre el trabajador las necesidades de consumo de su
família. [...] El volumen de la actividad de la família depende totalmente del
numero de consumidores y de ninguna manera del numero de trabajadores.
(idem, p.81)
A análise das medidas de auto-exploração da família camponesa expressam
a intensidade do cansaço versus a força de vontade para suprir as necessidades de
consumo. Chayanov (1974) questionava nesse sentido em que ponto dar-se-ia a
máxima satisfação das necessidades familiares diante da fadiga do trabalho.
Cuanto mas duro es el trabajo, comparado con la remuneración, más bajo es el
nível de bienestar en cual la familia campesina cesa de trabajar, auque es frecuente
que para alcanzar incluso este nível reducido deba hacer grandes esfuerzos”. (idem,
p.84). O autor afirmava, tamm, que a cultura urbana poderia influenciar no
aumento das necessidades de consumo da família camponesa.
Nesse contexto, é valida a interpretação de Lehmann (1980) que afirma ser a
teoria de Chayanov não uma resposta perversa dos camponeses aos preços”, na
qual haveria um cessar do trabalho quando as necessidades da família estivessem
supridas, mas sim uma teoria de custos e benefícios do esforço do trabalho em
situações específicas.
É a mão-de-obra o fator de produção que tecnicamente organiza os
processos de produção. Os demais elementos de produção o escolhidos de
acordo com a avaliação da unidade camponesa. “Por eso es que el limite más
elevado posible para el volumen de la actividad depende del monto de trabajo que
puede proporcionar esta fuerza de trabajo utilizada con la máxima intensidad. (idem,
152
p.47). Existe, ainda, um limite natural para tal esforço e tal limitação é considerada
subjetiva.
No conjunto dos fatores de produção envolvidos no ambiente rural, o trabalho
é o aspecto que diferencia sobremaneira a economia camponesa daquela
capitalista. Desse modo:
Quanto à diferenciação dos fatores de produção, Chayanov os destaca
terra, capital e trabalho e acrescenta que ‘...a unidade elementar é, ao
mesmo tempo, unidade de produção e de consumo, as trocas mercantes,
são apenas marginais: os ruralistas sabem perfeitamente que a vida
camponesa não é apenas organizada em torno da produção, como o é a
empresa industrial; sabem que ela tanto é um modo de existência, de vida,
quanto um modo de produzir’. Nessas condições, Chayanov introduz a
idéia de que a organização da produção [quantidades de diferentes
produtos, métodos mais ou menos intensivos, etc] resultará do equilíbrio
entre a satisfação das necessidades e as dificuldades do trabalho. Este
equibrio será, por sua vez, afetado pelo tamanho da família [a relação
entre o mero de produtivos e não-produtivos] e da terra. E como o
tamanho da família evolui com o seu desenvolvimento, como o do pedaço da
terra é submetido, também, às modificações de cada herança, Chayanov
deduz daí uma dinâmica particular da diferenciação do mundo rural, que
chama de ‘diferenciação demográfica’ em oposição à diferenciação de
classe, alvo da insistência de Kautsky e Lênin.” (AMIN, 1977, p.27)
Chayanov observava segundo Amin (1977), a enorme capacidade de
resistência da economia camponesa à concorrência capitalista na Rússia, no fim do
século passado. Afirmava, literalmente, que o pequeno camponês poderia aceitar
remunerações globais tão baixas que fizessem a agricultura capitalista perder todo
o seu poder competitivo.
Essa condição é para o autor decididamente essencial, pois significa que o
modo de produção camponês não pode ser estudado fora do quadro da formação de
conjunto onde está circunscrito. Falar de concorrência é, na verdade, supor que o
pequeno camponês deva equiparar seus preços aos dos concorrentes capitalistas
agrários mais eficazes, nacionais ou estrangeiros, introduzidos pelas importações de
produtos concorrentes.
A resistência camponesa está estruturada na flexibilidade de sua mão-de-
obra. Nesse sentido Chayanov (1974) afirmava:
[...] dado um deterioro en la situación de mercado, las cantidades
negativas [perdidas], gracias a los mecanismos de cálculo del trabajo,
153
aparecen mucho más tarde en la unidad económica campesina que en la
capitalísta [de aqui la gran viabilidad y estabilidad de las unidades
campesinas]. Frecuentemente, el equilíbrio básico interno de la unidad
familiar de explotación agrícola hace que sean aceptbles remuneraciones
muy bajas por unidad doméstica de trabajo, lo cual le permite existir en
condiciones que llevarian a la ruína segura a una unidad de explotación
capitalista. (idem, p.94)
O que significa, então, a redução da remuneração dos camponeses? Para
Amin (1977) ela é tal que: 1) a renda do solo [renda imputada à propriedade] é
anulada; 2) a remuneração do trabalho a que se reduz o preço dos produtos
equipara-se ao valor da força de trabalho proletária.
Assim o capital dominante anula a renda, isto é, livra-se da propriedade
fundiária, e proletariza o camponês trabalhador. É certo que conserva a
propriedade formal da terra, mas não tem mais sua propriedade real.
Conserva, também, a aparência de um produtor comerciante que oferece
produtos no mercado, mas na verdade, é um vendedor da força de
trabalho, e sua venda é disfarçada pela aparência de produção comercial.
Assim o camponês é reduzido, de fato, à condição de trabalhador a
domicílio. (idem, p.29)
Tal situação apontada por Amin (1977) ocorria principalmente quando havia
desequilíbrio na utilização dos fatores de produção na unidade camponesa. Se a
terra fosse insuficiente para prover o sustento da família, o camponês naturalmente
buscava outras atividades não-agrícolas para “[...] alcanzar el equilíbrio econômico
com las necesidades de la família que no resultan cubiertas com el ingreso de la
unidad o con las ganancias provenientes de las actividades artesanales y
comerciales”. (CHAYANOV, 1974, p.101)
Se houvesse limitação no capital, a família tamm a compensaria com a
intensidade de sua força de trabalho. Isso necessariamente reduziria, conforme as
palavras do autor, o bem-estar da família. Cuanto menos capital tiene a su
disposición , la família campesina está en situación de aprovecharlo mejor forzando
la intensificación de su fuerza de trabajo”. (idem, p.107) que se acrescentar,
contudo, que muitas vezes a produção necessária à manutenção do bem-estar da
família não é atingida, havendo a necessidade de ajustá-la num “segundo ótimo”, de
acordo com os fatores de produção disponíveis.
[...] cuando en um año determinado la unidad de explotación agraria no tiene
la tierra o el capital necesario para desarrollar uma empresa agrícola; con
las características óptimas en lo que respecta a la relación entre la unidad y
el tamaño de la família, se obligada a producir su volumen de actividad
154
agrícola de acuerdo con la nima disponibilidad de estos medios de
producción. (idem, p.109)
Essa é uma situação que ainda é freqüente junto aos produtores familiares da
região Oeste do Paraná e que dificulta a incorporação tecnogica necessária para
os ajustes ao mercado. Além disso, quanto menor a área disponível para a
agricultura, maior a participação de atividades não-agrícolas na composição do
trabalho familiar. Entretanto, Chayanov (1974) tamm admitia que não
necessariamente seriam esses os fatores determinantes para a ocupação da mão-
de-obra em tais atividades, pois, em alguns casos, o tempo de trabalho na
agricultura é irregular e durante estações inteiras. Tal situação tem sido modificada
por meio da diversificação da propriedade em outras atividades agrícolas, mas não
alcançando, mesmo com tais ajustes, o grau ótimo em termos de maximização da
satisfação das necessidades de consumo. Daí a menção de uma outra situação a
ser apresentada:
[...] en numerosas situaciones no es uma falta de medios de producción
lo que origina ganâncias provenientes de las artesanías y comercio, sino
una situación de mercado más favorable para este tipo de trabajo, en el
sentido de la remuneración que brinda a la fuerza de trabajo campesina,
comparada con la agricultura. (idem, p.118)
Nesse caso, é o mercado que proporciona situações em que a mão-de-obra
familiar pode ser ocupada de forma a atender às necessidades de consumo
familiares. Por vezes, segundo Chayanov (1974), tais ocupações possuem
remuneração muito mais elevada por unidade de trabalho do que aquelas
encontradas nas atividades agrícolas e obtidas com menor esforço, proporcionando
novos ajustes na propriedade familiar. “En otras palabras, podemos asegurar
teoricamente que la división del trabajo en la família campesina entre agricultura y
actividades artesanales y comercio se lleva a cabo por comparación de la situación
de mercado[...]” (idem, p.120)
Outra situação que pode ser caracterizada no plano organizativo da unidade
econômica camponesa é a possibilidade de acumulação de capital.
El balance trabajo-consumo que hemos analizado es la expresión del
mecanismo que limita las tendencias consumidoras de la família campesina.
Con una alta productividad de su fuerza de trabajo la família campesina
tenderá naturalmente no sólo a cubrir sus necesidades personales sino
también a ampliar la renovación de capital y, en general, a acumular capital.
(idem, p.133)
155
Tal acumulação de capital pode ser considerada uma importante “chave” para
que a produção familiar insira-se nas esferas de mercado e em condições de
monetarização. Necessariamente há uma reorganização das atividades
desenvolvidas de forma a conseguir maximizar o rendimento da propriedade. Dessa
forma:
Gracias a su contacto con el mercado, la explotación puede eliminar ahora
de su plan organizativo todos los sectores de producción que proporcionan
pocos ingresos y em los cuales el producto se obtiene con um esfuerzo
mayor que el requerido para obtener su equivalente en el mercado mediante
otras formas de actividad económica que producen ingresos mayores.
Em el plan organizativo sólo subsiste lo que proporciona una alta
remuneración para la fuerza de trabajo o constituye um elemento de
producción irreemplazable por razones técnicas. (idem, p.142)
Nesse caso, conforme explicitava Chayanov (1974), em determinadas
regiões onde a atividade agrícola é essencialmente mercantilizada, como na região
Oeste do Paraná e no município de Cascavel, a estrutura do consumo [níveis de
consumo] é suscetível a modificações expressivas diante das necessidades e
hábitos urbanos introduzidos nos fundamentos da vida camponesa”. Daí a
justificativa para a utilização de mão-de-obra contratada, ou oferta da mão-de-obra
familiar em outras propriedades, fato esse apontado nas obras de Lênin (1983) e
Kautsky (1998).
Porém, na construção do pensamento chayanoviano, a mercantilização dos
processos produtivos, a contratação ou oferta de mão-de-obra camponesa ou ainda
a incorporação de capital nas atividades produtivas, obedecem a [...] otras leyes de
circulación y ocupa um lugar diferente de su composición al que ocupa en las
empresas capitalistas. (CHAYANOV, 1974, p.230)
Nesse contexto, o capital nem sempre possui a mesma função e objetivos tais
quais são encontrados em unidades capitalistas, pois a unidade camponesa
disponibiliza seu próprio trabalho à produção. O equilíbrio essencial continua sendo
a satisfação das necessidades familiares.
7
7
No capítulo 5, intitulado “El capital en la unidad de explotación doméstica”, Chayanov (1974) aborda,
de forma consistente, as principais diferenças entre o uso do capital em unidades empresariais e em
unidades familiares.
156
Cualquier incremiento en el capital disponible para el trabajador, hasta este
limite [tal limite consiste na racionalidade entre a força de trabalho e os
demais meios de produção], ayuda obviamente a elevar la productividad de la
fuerza de trabajo. En dicho limite se alcanza el nível máximo y el capital
disponible permite que la fuerza de trabajo desarrolle todo su potencial de
producción. Ningún aumento mayor en la intensidad del capital de la
unidad de explotación puede incrementar la productividad de la fuerza de
trabajo y alterar el equilíbrio básico de los factores internos [a menos que se
acompañe de un cambio en la técnica por supuesto]. (idem, p.237)
Dessa forma, o camponês não renuncia à satisfação de suas necessidades
como grupo familiar, para acumular capital. Apenas em condições em que a
produtividade seja expressiva a ponto de maximizar o fator trabalho é que pode
ocorrer, gradualmente, um acréscimo nas condições de renovação e formação de
capital. En general, los procesos de formación y renovación de capital se vinculan
en forma equilibrada con otros procesos de la unidad de explotación familiar
[intensidad de la fuerza de trabajo, satisfacción de necesidades personales, etc.]”
(idem, p.264).
Cabe acrescentar que o sistema capitalista dificulta a continuidade dos
fundamentos da economia camponesa, porém não os elimina. Chayanov (1974)
observa tal dominação valendo-se dos exemplos próprios à Rússia no início do
século XX. A dominação do capital não se explica, pois, pela concentração ilimitada
da propriedade, ao contrário,
opera [...] pela concentração vertical, isto é: a superposição das
indústrias alimentares avalistas de um grupo de propriedadescamponesas
médias que, controlando a comercialização do produto, agem
eficazmente sobre a remuneração do camponês. (AMIN, 1977, p.30)
Ainda que fosse pouco alterada a lógica entre consumo e esforço produtivo
na unidade camponesa, é possível verificar que o desenvolvimento capitalista já
produzia relações sociais com outras especificidades. Assinala-se que desse modo,
o capitalismo produzia grandes avanços na agricultura.
Por lo tanto, la agricultura se subordina al capitalismo mercantil que a veces
bajo la forma del comercio a gran escala lleva masas de fincas campesinas
dispersas a su esfera de influencia y habiendo integrado esos productores em
pequena escala al mercado, los subordina economicamente a su
influencia.Al desarrollar condiciones opresivas de credito, convierte la
organización de la producción agrícola case en una forma muy especial de
oficio distributivo basado em um sistema de explotación descarada.
(LEHMANN, 1980, p.15)
157
Para Amin (1977), a análise de Chayanov (1974), sejam quais forem seus
limites, abre vastos horizontes sobre o problema da dominação do modo capitalista
sobre a agricultura. Como bem menciona Abramovay (1998, p.6), Chayanov não era
o teórico do isolamento camponês. “Ao contrário, o último capítulo de sua obra maior
preconiza o cooperativismo e a integração vertical”, e observava, para tanto as
inúmeras transformações nos processos produtivos agrícolas num quadro de grande
organização social que já se fazia presente em sua Rússia.
4.2
A
ATUALIDADE DO DEBATE
:
OS PRODUTORES RURAIS NO AMBIENTE DA MODERNIZAÇÃO
DA AGRICULTURA
O contexto histórico que delineou as teses anteriormente apresentadas
expressava as diferentes possibilidades de estruturação do sistema capitalista,
principalmente na Rússia, objeto de estudo tanto de nin (1983) quanto de
Chayanov (1974). Tamm para Kautsky (1998), tal referência histórica foi
importante à medida que observava as contradições do desenvolvimento de uma
agricultura capitalista nos demais países europeus.
A transformação do camponês em produtor moderno deu-se, no período
subseqüente à elaboração das teses clássicas, por meio da incorporação de um
suporte técnico e científico. As novas configurações urbanas, a industrialização e a
necessidade de fornecer alimentos mais baratos para os trabalhadores nas cidades,
ampliaram as exigências produtivas sobre o meio rural. Além disso, na medida em
que se ampliam certas exigências produtivas, a produção que supria certas
necessidades familiares deixa de existir. A compra de novos bens de consumo,
como geladeira e demais eletrodomésticos e o acesso à informão como rádio,
televisão criou novas necessidades, modificando as características de reprodução
social do então produtor camponês.
Ao longo do século XX e nos primeiros anos do século XXI, muitas das
características apontadas pelos teóricos anteriormente analisados continuam
presentes na estrutura das propriedades rurais, principalmente em países onde os
avanços do capitalismo ocorreram de forma tardia, caso este do Brasil. Mas, como
bem assinala Martins (2002), no território brasileiro não vigorou o modelo clássico
158
que em outros países separou a propriedade do capital e a propriedade da terra
dissociando dessa forma, a classe dos capitalistas da classe dos proprietários de
terra. No caso brasileiro, ambas nascem imbricadas e isso proporciona
particularidades à questão agrária nacional, caracterizando um débito histórico e que
aqui não será discutido.
Assim, a incorporação tecnológica e o avanço de características produtivas
relativamente homogêneas, frutos de um ideário pautado na acumulação de capital,
dificultam a busca por respostas produtivas que sejam coerentes com as distintas
regiões, particulares em relação à história de cada território. Acentua-se a
diferenciação interna na economia camponesa, gerando, em alguns casos,
processos de desintegração e, em outros a característica familiar na propriedade
rural é reforçada. Isso significa, segundo Lehmann (1980, p.17), que tal
diferenciação não seria incompatível com a persistência de uma economia
camponesa, somando-se o fato de que ela estaria integrada a uma economia
mercantil que a modifica em seu conteúdo, mas não totalmente.
Tal situação interessa ao sistema capitalista. Assim, a manutenção e as
características da agricultura familiar beneficiaram determinados segmentos pela
condição de produção já explicitada por Chayanov (1974). Alimentos baratos, força
de trabalho disponível a baixo custo, intercâmbio entre os setores rurais e urbanos,
beneficiando este último, inclusive o proletariado urbano, são algumas das
condições que permitem compreender o porquê da manutenção de um modo de
produção que, ao mesmo tempo em que se faz singular, é também complementar ao
modo de produção capitalista. Como expressa Wanderley (1998, p.30) [...] a
unidade de produção familiar na agricultura é regida por princípios gerais de
funcionamento interno que a tornam diferente da unidade de produção capitalista”.
A adição de componentes tecnológicos aos processos produtivos rurais
facilita o processo de acumulação, ou seja:
159
autor, ainda em 1980, quando analisava o processo de expulsão dos pequenos
produtores da região e a expansão da fronteira agrícola na região Norte do Brasil.
Una vez que los agricultores capitalistas son capaces de produzir más barato
que la empresa campesina, se apropiaran la plusvalia de la misma
manera que cualquier capitalista; durante este proceso el precio de la
tierra aumentara dramaticamente, o se empleara la fuerza para permitir que
los capitalistas compren las tierras de los campesinos. Esto está sucediendo
hoy [o autor mencionava especificamente o final do anos 1970] al oeste del
estado de Paraná, en Brasil
8
, donde la empresa campesina es incapaz
de competir con los agricultores capitalistas en la producción de trigo y soja
destinada a los mercados internos y externos. Esta situación se distingue por
una combinación de uso intensivo de capital y de tierra por parte de las
fincas comerciales, por lo que ellas puedem pagar alquileres o precios por la
tierra mayores que los que puede pagar la empresa campesina. De otra
parte, la rápida expansión de las fuentes de trabajo em los centros
industriales, y la disponibilidad de tierras mucho más baratas en la frontera
amazônica, ofrecen al campesinado alternativas viables. (LEHMANN, 1980,
pp. 20-21)
Mesmo no movimento demográfico que alterou a composição territorial na
região Oeste do Paraná nas cadas de 1970 e 1980, e em especial em Cascavel,
inúmeros produtores familiares conseguiram uma relativa consolidação em suas
atividades. A acentuada expansão do crédito para atividades de destoca e
preparação do solo para a agricultura e a elevada capitalização proporcionada pela
atividade madeireira foram importantes atributos para tal movimento. Além disso,
conforme observa Wanderley (1998) num ambiente econômico com elevada
competitividade, certas unidades de produção “agarraram-se” à força do trabalho
familiar. “E isso mesmo quando a produção familiar se moderniza e se integra ao
processo global de acumulação do capital na sociedade”. (idem, p.42)
Nesse contexto, é atual a interpretação de Chayanov, ao afirmar que “[...] o
produtor familiar é fundamentalmente um proprietário que trabalha”. (WANDERLEY,
1998, p.31). A autora continua sua observação sobre o produtor familiar
expressando a intrínseca relação entre família e empresa, nessa condição que deve
“[...] assegurar os recursos necessários para uma reprodução patrimonial”. (ibidem)
Vale acrescentar que é indissociável nessa reprodução tanto o esforço do trabalho,
quanto o investimento em capital ou, ainda, a renda da terra. Nesse sentido, se
analisada em conjunto, a agricultura familiar traduz-se, como categoria de produção
8
Grifo desta autora;
160
no momento atual, de forma distinta daquele campesinato interpretado por
Chayanov (1974) em 1925.
Ela é percebida, antes de tudo, como uma forma de organizar a produção que
se reproduz no interior de modos de produção diversos. Sua reprodução
social está, assim, intimamente inserida no processo global de reprodução
do capital, cujas formas concretas têm, sabidamente, um caráter
heterogêneo. (WANDERLEY, 1998, p.35)
A existência de tantas diferenciações e particularidades aponta, portanto, para
uma nova reflexão, estruturada nas categorias de produção que se utilizam do
território rural de Cascavel. Os apontamentos realizados no item anterior
constituíram-se em importante subsídio para tal proposta. Essencialmente, pode-se
afirmar que a agricultura, em seu caráter familiar, contribui para que a modernização
seja difundida no território rural.
A discussão proposta anteriormente procurou compreender a atualidade das
teses clássicas sobre o lugar da agricultura na dinâmica capitalista.
[...]Lênin (1988) e Kautsky (1980) previam em suas obras, que o campesinato
estaria fadado a desaparecer com o avanço capitalista na agricultura. O
primeiro justificou a proletarização no processo de diferenciação social. O
segundo analisou a pequena produção em sua relação com a indústria.
Neste processo o campesinato não conseguiria se adequar aos novos
padrões técnicos e, desta maneira, se proletarizaria. [em contraposição
para] Chayanov (1974) o camponês o desapareceria, mas sofreria
transformações em sua dimica interna. (SILVA e MARAFON, 2004, p.2)
Os argumentos em questão são válidos e podem servir como importante
subsídio quando se pretende desvendar as novas faces das categorias de produção
que compõem o rural no momento atual. Proletários? Produtores familiares com
orientações diferenciadas no contexto capitalista? Quais seriam as categorias de
produção que compõem o ambiente rural modernizado da região Oeste do Paraná e,
em especial, de Cascavel?
As teses clássicas estão estruturadas na condição do produtor rural como
camponês ou ainda como produtor capitalista. Existem particularidades expressivas
na noção de campesinato que estão vinculadas ao seu modo de vida. Como bem
menciona Shanin (2005, p.22): “A heterogeneidade dos camponeses é indubitável.
161
Os camponeses não podem ser, de fato, compreendidos ou mesmo adequadamente
descritos sem sua estrutura societária mais geral; e o mesmo é válido para o
contexto histórico”.
Isso se aplica no território rural de Cascavel onde diferentes categorias de
produtores possuem lógicas de reprodução social tamm diferenciadas. Nesse
sentido, é válida a referência analítica proposta por Lamarche (1998). Esse viés
teórico configura-se em importante subsídio ao considerar a agricultura familiar em
suas particularidades. Essas são explicitadas por meio da utilização de variáveis
como a incorporação das inovações tecnológicas, divisão do trabalho, mecanismos
de reprodução na propriedade como os investimentos, bem como dos vínculos
estabelecidos com a terra. Tais variáveis podem contribuir para a interpretação das
gicas pertinentes às propriedades familiares existentes também no rural do
município de Cascavel.
Admite-se essa simplificação mesmo considerando-se as inúmeras
especificidades caracterizadas a partir dos modelos teóricos extraídos de
vinculações como terra, trabalho e depenncia, em relação ao mercado, às
finanças e à tecnologia. (LAMARCHE, 1998).
É importante lembrar que a conforma10251(ã)-4.3484(o)-4.34748( )718( )-102.236(e)-442.199(la)-4.3484(10256(o)-4.3484(s)-0.386(.)-2.18.04s)-0.3102á84(t)-2.1742(á)15.664(r)12.8009(36(e)-4(s)-0.310251( )-662.584(m)32.5031(o)-4.3n4.34748( )718( )-101.5537(H)1.5536(e)-418(o)-4.34718(r)-7.2115(t)-2.1742(a)-4.34(10251(ã)-4.3484(o)84(r)-7.2115( )-102.236(e)-4.3.18.04s)5.664( )278]TJ-302.828 -20.64 Td[(p)-4.34718(r)-7.21089(o)-4.34718(d)-4.34718()-4.34718(çd)-4.34718(o)-4.34718(s)19.7022( )-82.2238(c)-0.310218(ç)19.7022(ã)-4.3471eT*[( )-2683.84(A)634596(e)-4.348(s)-0.30903( )-402.422(p)-4.347c( )-422.431(e)-4.34718( )-822.683(e)-4.34718(51( )-282.348(p)15.66521.5537(H)1.55i)-18.1485(r)12.8051( )-662.584(m)32.5031(o)-4.3.55i)-18.1484(o)-4.34993(4(e)-4.3484(r)-7.211i)-18.1485(o)-4.34p84(t)-2.3(4(e)-4.311(E)6.591(s)-0.30780115(t)-2.1742(a)-4.3484(q)-4.3484(u)-4.3484(a)-4.3.55i)-18.1485(o)-4.3478(t)-24(A)9(m)32.5031( )]TJ3.55io ídimo aa meris e cod348323]51(o)-24.3608(-4.3471m115(L)-4.51( )-662.584(m)32.5031(o)-4.3484(d)-4.3484(e)-4.34[(d)348323]TJ-3024.3484(a)-4.384( )-202.484(m)32.58( )-42.199(2(r)-7.2115(a)-4.3484(b307884(8)-4.34844(a)-4.3484.347(5.664( )278]G) 84.9591 -20.64 Td22(i)1.8639z(a)-4.34718( )-8410251(u)15.66551(a)15.6652( )-182.285(n5-18534718(t)-2.173a( )-182.285(n5-185347S)26.6034.298(u)-4.3482( )-102.23)-4.34718(s)-0.310251(s)5-185347748(.)-2028(2(u)-4.3470)-0.3102510)-0.3102513)-0.3102511.5537(H1485()5-185347TJ-3024.315(r)-7.212J-3024.3042( )-2.1742(1)-4.3484(9)-4.341.5537(H)1.555-4.320251( )-402.422(t)-2.164(o)-4.3484( )-282.348(p)-4.3484(a)-4.3115(a)-4.3484(í)-2.15()5-18534708(m)32.5031( )-422.4355-185347v(a)-4.34718( )-842.611(v)19.7046(i)-15.664(i)5-1853476(c)-0334(A272( )-202.298(m)]TJó84(e)-4.34(t)17.8382(ó)-4.34718(r)12.8009(i)-18.22.4355-185347311(L)-4.3484(a)-4.3484(m)32.5x8(e)-4.3484( )-2.310251(e)1.5031742(a)-4.3484(q)-4.31.5537(H)1.555-185347TJ-3024.3484(n)-4.3484(f)-2.1236(e)-4.3.34(A2725.664( )278]TJ-291.781 -20.64 Td[(c)-0.3102542(e)-4.34748(-)-7.2115q(-)-7.2115ü(-)-7.211582(e)-4.34718(r)-7.2115(ê)-4.34718(n)-4.34718(c)1934784(d)-4.3484(o3483.2115(t)17.83822(i)1.8639(ç)-0.310251(a)o3483.2142(e)-4.34718l)-18.1491(ó)-4.7.1742(à)15.6u )-662.584(c)-0.310251(a)15.66(ç)-0.310251(a)o3483.21584(m)32.5031(o)-4.3.55o3483.21K2( )]TJ484(q)-4.384(a)-4.3484( )-202.(ç)-0.310251kç)-0.310251yç)-0.310251(a)o3483.2184(e)-4.3484((()-7.2115(1)-268742(1)-4.3484(9)-4.3484(9)-4.34(a)o3483.21031(o)-4.3.55o3483.2142( )-215.63484(n)15.66á)-4.34848(t)-2.112 T( )-202n31(o)-4.3.55o3483.2184(e)-4.3484( )-222.311(()-7.484(9)-4.33)-0.3105.664(9)-4.348.55o3483.21484(q)-4.384(l)-18.1485(i)1.863484(f)-2.1742(o)-4.3484(r)-7.2(a)o3483.21031(o)-4.3x8(e)-4.3484( )-24.3484(n)-4.34841(e)-4.3484(s)-0.4.3431( )]TJ314.355 0 T15( )-102.236(e)-4.3.2.112 T0.3202( )278 -20.64 Td[(f)-2.1735ú c718( )-382.41(t)-2 Td22(i)1.8639(ç)-0.310251(a)o ólificci(o)-4.34718( )-2.17(ç)-0.310251(a)o a no fio,aos o,o-4.394(s)-0.3078l5(o)15.6652(g)-48236(s)-0.310484(n)-4.3484(f)-2.1(i)-18.1485(z)-0.310251(a)-4.3484(ç)-0.31025( )-382.41(e)-4.348(ç)-0.31021(e)-48.918is
162
multiplicidade de características podem ser encontradas. O Quadro 3 apresenta uma
síntese das interpretações dessas categorias e as agrupa, resumidamente em dois
modelos.
Q
UADRO
3
-
MODELOS PROPOSTOS PARA A ANÁLISE DAS CATEGORIAS DE PRODUTORES RURAIS
M
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A
A
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E
E
organização centralizada direção do processo produtivo feita diretamente
pelos proprietários
ênfase na especialização ênfase na diversificação e na qualidade de vida
ênfase nas praticas agrícolas padronizáveis ênfase na durabilidade dos recursos
predominância do trabalho assalariado trabalho assalariado complementar
tecnologias dirigidas à eliminação das decisões
de “terreno” e de “momento”
decisões imediatas e adequação à
imprevisibilidade do processo produtivo
FONTE
:
GRAZIANO DA SILVA
(2003)
Embora os modelos propostos tenham um escopo de análise restrito e sejam
passíveis de crítica, como menciona Graziano da Silva (2003), as caracterizações
servem como orientação introdutória quando se pensa em compreender a base dos
processos produtivos no rural e produzir as necessárias derivações.
As principais diferenciações encontradas no modelo familiar quando
comparado ao patronal voltam-se a uma participação mais direta da família nas
decisões de produção. Consideram-se, nesse quesito, os limites estruturais,
principalmente na gestão do trabalho e nas inovações tecnológicas. No processo de
modernização da agricultura, a dependência relativa aos outros setores foi ampliada
por meio da utilização de insumos industriais além da busca por produtos mais
ajustados às exigências dos consumidores, via verticalização agroindustrial. Isso
produz diferenciadas relações com o mercado. Esse é, portanto, o ambiente no qual
interagem algumas das categorias presentes nos territórios rurais. Como observa
Lamarche (1998, p.63) na análise das lógicas familiares: Todos nós conhecemos
estabelecimentos em que a família desempenha um papel fundamental e outros
estabelecimentos em que, ao contrário, esse papel é limitado, quando não
totalmente inexistente.”
Nesse contexto, as explorações agrícolas, tanto baseadas em trabalho
familiar como estruturadas de forma empresarial, justapõem-se às novas formas de
produção absorvendo, dentro de suas possibilidades, as mudanças tecnológicas
difundidas pelo sistema capitalista.
163
a) Capitalistas e grandes proprietários agrários
No que tange aos capitalistas ou grandes proprietários, Graziano da Silva
(2003, p. 214), observa características relacionadas à propriedade real dos meios de
produção, à divisão do trabalho entre o responsável pelo empreendimento e aos
trabalhadores contratados e orientação produtiva pautada nas expectativas de
lucratividade do negócio. Assim, necessariamente [...] o que move o capitalismo é o
capital constituído em empresa.” (SINGER, 1987, p.8).
As empresas rurais fazem parte de um ambiente produtivo com característica
de pluralidade, ou seja, a produção e circulação são organizadas em “[...] múltiplas
unidades autônomas, em perene competição pelos mercados”. (idem, p.9). Essa
competição no ambiente rural ocorre, principalmente, via complexos agroindustriais.
Para tanto, são exigidos, cada vez mais, diferenciais de competitividade e eficiência
dos segmentos envolvidos nos processos produtivos.
Quanto à divisão do trabalho, para Graziano da Silva (2003, p.215) [...] a
existência de trabalho assalariado é condição necessária da produção capitalista
organizada sob moldes fordistas, mas não suficiente. É preciso que os meios de
produção funcionem efetivamente como capital.” Para tanto, o autor afirma que a
posição do proprietário volta-se exclusivamente à gerência do empreendimento. O
uso da técnica é fundamental para a legitimação desse processo de contínua
acumulação.
O enfoque prioritário nessa categoria é setorial, pois as commodities estão
vinculadas aos interesses em escalas ampliadas, e a expansão da produção torna-
se o elemento-chave no agronegócio. Nesse enfoque, não necessariamente o
tamanho de área é considerado relevante, mas sim, o tipo de cultivo, o uso intensivo
de mão-de-obra e a disponibilidade tecnológica. Ou seja, são os fatores que
compõem determinada função de produção que irão determinar as decisões a serem
tomadas.
Outra questão observada diz respeito ao dimensionamento das empresas,
discutido a partir da divisão social do trabalho. (CAVINA, 1979). Para este autor
entre as empresas, a tendência à especialização.
164
A especialização será notada quando duas empresas produzirem bens
diferentes ou se dedicarem a determinada fase da produção de certo bem
econômico. [...] o fato de a empresa ser levada a tentar maximizar seus
lucros, como é caso da produção em escala ou série. Neste ponto o
empresário passará a produzir um tipo de produto ou uns poucos tipos de
produtos que tenham partes em comum e assim o empresário poderá
selecionar a mão-de-obra, aperfeiçoar as suas máquinas e dar mais
eficiente organização à sua empresa. (idem, p.58)
Esse é um caso relativamente comum na região Oeste e em Cascavel e pode
ser exemplificado por meio da integração às estruturas empresariais privadas e,
eventualmente, cooperativas. Portanto, quando as áreas o maiores, a
problemática administrativa evolui e necessariamente ocorre a setorização para que
não se verifique dispersão e redução das receitas.
b) as empresas agrícolas familiares
Quando se apresenta a dimensão familiar como categoria, ou seja, as
empresas familiares consolidadas farmers, uma série de elementos pode defini-la,
mas o traço fundamental é a presença da família nas atividades desenvolvidas na
propriedade, com maior ou menor intensidade de mecanização na propriedade. Para
Lamarche (1998) é o conjunto de práticas técnicas, econômico-financeiras, bem
como sócio-culturais que estrutura a produção familiar. Portanto, o modo de
funcionamento” dos estabelecimentos rurais familiares contempla tanto os fatores
endógenos à propriedade, relacionando-se aqui o cotidiano e as práticas inerentes
aos estabelecimentos, como os fatores exógenos a ela vinculados ao mercado ou à
sua dependência.
Nesse sentido, uma importante estrutura de análise para essa categoria é a
maior ou menor possibilidade de integração à economia de mercado.
[...] concebemos esta integração em seu mais absoluto sentido, isto é, nos
planos técnico-econômico e sócio-cultural. [...] a um certo grau de integração
com o mercado corresponde a uma certa relação com a sociedade de
consumo, um certo modo de vida e um sistema de valores e de
representação específica. (LAMARCHE, 1998, p.62)
Quando o autor menciona os planos técnicos, econômicos e socioculturais, é
importante salientar que estes são elaborados e reelaborados inúmeras vezes no
ambiente urbano. A estrutura produtiva consolidada que absorve insumos e
165
processos de ordem técnico-científica e informacional introduz uma divisão do
trabalho mais elaborada, alterando sua lógica como família, pois, “[...] evidencia-se a
diversidade de modelos de funcionamento dos estabelecimentos com capacidade
específica de adaptação”. É importante observar que ao mesmo tempo em que
existem estabelecimentos com intensa participação familiar na divisão do trabalho,
verificam-se outros nos quais tal participação é inexistente. A divisão das tarefas na
propriedade, proporciona diferenciadas dinâmicas produtivas, tanto vinculadas à
produção agrícola, como em práticas pluriativas, principalmente na
agroindustrialização artesanal ou ainda em atividades consideradas urbanas.
No que tange às características relativas à mão-de-obra, para Graziano da
Silva (2003), o aprofundamento de relações de produção tipicamente capitalistas
na lógica de produção familiar. Nesse caso há um híbrido entre a acentuada
dependência da urbanização e os traços inerentes à vida rural. A propriedade
familiar com características empresariais, ao mesmo tempo em que absorve práticas
próprias ao capitalismo como o assalariamento, seja temporário ou permanente,
mantém um vínculo direto do produtor com o processo produtivo. Como bem
observa Lamarche (1998, p.62): Espremido entre a sua história [modelo original] e
seu futuro [modelo ideal] cada produtor deve evoluir num contexto natural e sócio-
político particular mais ou menos propício à realização de seus projetos.(ibidem).
Por isso, a existência do produtor rural familiar preconiza o atendimento às
exigências voltadas aos seus valores tradicionais, ao projeto particular para si e sua
família e, ainda, às limitações inerentes ao cotidiano. Isso inclui o que Lamarche
(1998) denomina meio natural e condições econômicas, sociais e políticas.
Tamm Graziano da Silva (2003, p.215) observa um número variável de
empregados temporários, ou pelo menos um assalariado em caráter permanente,
não havendo participação direta do proprietário nas atividades, sendo que muitas
delas são realizadas “em parceria” com os empregados, o que o configura uma
relação entre patrão e empregado nos moldes das tradicionais empresas
capitalistas. Há, tamm, uma maior flexibilização nessas relações de trabalho, uma
vez que [...] tendem a prevalecer relações não-formalizadas legalmente e o nível de
rentabilidade das unidades produtivas o é suficiente para garantir que a mão-de-
obra contratada seja remunerada de acordo com a legislação vigente.” (ibidem).
Portanto,
166
[...] ainda que o proprietário e/ou membros de sua família trabalhem lado a
lado, a presença de mais de um assalariado seja em caráter permanente,
seja temporário – implica uma outra divio do trabalho no interior da
unidade de produção que é qualitativamente distinta daquela divisão na qual
apenas os membros da família estão envolvidos. (idem, p.213)
Além disso, a participação dos membros da família ocorre em atividades
específicas, como o manejo de máquinas. Cabe tamm mencionar que, nessa
categoria, uma relação distinta daquela praticada pelos grandes proprietários
com relação à taxa de lucro. Para a empresa familiar “[...] mais importante é o nível
de rendimento total do proprietário, ou seja, existe um cálculo econômico orientado
para maximizar a renda líquida que se pode obter daquela área de terra [...]” (ibidem)
Conseqüentemente, há uma pequena mobilidade de capital e, “[...] a busca de
alternativas produtivas não orienta os investimentos, senão, simplesmente a
obtenção de resultados positivos”. (ibidem)
Tamm as observações de Cavina (1979) denotam que, além dos traços
comerciais, é importante a manutenção da família na propriedade. Por meio dos
fatores de produção e objetivando o maior lucro possível, o empresário familiar
tamm procura a organização e o funcionamento da propriedade usando o trabalho
individual, familiar ou assalariado nas mais diversas combinações.
Parte dos produtores envolvidos nessa categoria produtiva atua, além das
funções produtivas rurais, em outras que implicam “[...] na combinação de ocupação
agrícola e não agrícola entre os membros de sua família, diversificando, assim, suas
fontes de renda principalmente via mercado de trabalho [e não mais produtos] e
externalizando parte significativa de suas atividades operacionais.” (LAMARCHE,
1998, p.210) Nesse caso, a produção do estabelecimento é compreendida como
renda agrícola e o trabalho como salário. (LAMARCHE, 1998).
Na estrutura familiar consolidada, uma acentuada dependência externa,
como explicita Lamarche (1998, p.67): “[...] como no modelo empresa, [aqui
interpretado como grande capitalista] o responsável pelo estabelecimento, excelente
técnico e fundamentalmente produtor, é muito dependente do exterior”.
Cabe ainda acrescentar que nessa categoria, a ligação com o patrimônio
familiar é pouco significativa. Como menciona Lamarche (1998, p.67): “A terra se
167
compra e se vende, como qualquer outro bem, em função das necessidades
conjunturais da unidade de produção”.
Em resumo, é possível identificar várias características relativas a essa
categoria no rural de Cascavel e que produzem territorialidades específicas. É o
desafio da integração, ou ainda de manter-se no mercado de forma individualizada.
O traço fundamental é a presença ativa do produtor familiar na gestão das atividades
realizadas e a participação da família colaborando ativamente para sua manutenção.
c) produtores camponeses
A terceira categoria em questão é a dos produtores camponeses [periféricos].
Fundamentalmente, a distinção destes para com as empresas familiares e os
capitalistas se dá pela limitada área e pelo trabalho basicamente familiar. A presença
ou o de assalariamento na propriedade é facultativa e a mobilidade de capital
bastante restrita. (GRAZIANO DA SILVA, 2003).
Lamarche (1998, p.70) caracteriza o modelo agricultura camponesa e
subsistência” com [...] forte predominância das lógicas familiares e uma fraca
dependência em relação ao exterior”. Uma parcela significativa de estabelecimentos
com essas características utiliza técnicas de produção tradicionais objetivando a
satisfação das necessidades familiares mais imediatas.
Portanto, uma característica importante nessa categoria é a limitada condição
para a escolha de estratégias de produção, que “[...] praticamente o ‘obrigados’
a produzir todo o ano os mesmos produtos da região, pois não dispõem de
alternativas para o uso de seus equipamentos e tampouco podem alcançar outros
mercados que os comerciantes locais”. (idem, p.215).
O que se traduz, como exigência para o pequeno produtor nesse contexto, é
a busca pela mudança no padrão de produção, cada vez mais tecnificado. Como
explicita o referido autor, “[...] adotar um mínimo de insumos modernos, submeter-se
a formas crescentes de endividamento bancário, etc”. (ibidem). Desse modo, é
interessante uma analogia para exemplificar essa situação:
168
[...] com tudo isso, vêem-se [os pequenos produtores] submetidos a
um processo acelerado de diferenciação que funciona como uma corrida
numa esteira rolante: é preciso muito esforço para permanecer como
pequeno produtor e não ir para trás [decomposição via proletarização]
(ibidem)
Graziano da Silva (2003, p.210) aborda ainda os mecanismos de
diferenciação/decomposição social ou reprodução. Esses o entendidos como a
passagem do camponês pobre a médio ou rico; a decomposição, de modo
específico, traduz perda da pertença de classe, como por exemplo, a proletarização.
Nas definições propostas tem-se que para o produtor de subsistência:
[...] os mecanismos de diferenciação mais importantes vinculam-se ao
tamanho e forma de tenência da terra. [se proprietário ou não]; a
decomposição ocorre via mercado de trabalho e de produtos; quanto à
reprodução, a mesma implica em sobretrabalho da família, transferências
de rendas tanto por parte dos membros que saíram para trabalhar e
morar fora, como das pensões e aposentadorias. (ibidem)
Corroborando essa afirmação, Amin (1977), observando o contexto produtivo
dos anos 1970, ao demonstrar o caráter formal da pequena propriedade rural
contemporânea, observa que o pequeno camponês deveria ser considerado como
um proletário a domicílio. A lógica do sistema capitalista de conjunto importa, de fato,
sobre a racionalidade agrícola capitalista, e o sistema capitalista obtém da
agricultura organizada, segundo a fórmula conhecida, um sobre-trabalho social muito
superior à derivada de uma agricultura alicerçada sobre a racionalidade da empresa
agrícola capitalista, ou seja, a resposta sob o ponto de vista da eficiência do trabalho
é maior na pequena agricultura. Por isso a funcionalidade da agricultura familiar para
o capital.
Esse é um dos aspectos que podem ser considerados quando se analisam as
respostas produtivas da agricultura familiar frente à agricultura empresarial
capitalista. Na propriedade familiar, “[...] a grande diferença está no papel de suporte
à sua reprodução: políticas públicas ditas produtivistas, como os subsídios,
refinamento das dívidas, na flexibilidade, [principalmente intersetorial] dos mercados
de trabalho, nas políticas de infra-estrutura [comunicações e transportes] e nas
políticas agrárias de cunho não-produtivistas, como a de previdência social, por
exemplo. Como observa o autor: “[...] mas, se antes a presença dessas ‘categorias
169
intermediárias’ dificultava sobremaneira a caracterização das classes sociais no
campo, com a emergência do part-time, tanto o corte capitalista/camponês como o
corte patronato/familiar o perdendo, cada vez mais, sua relevância analítica”
(GRAZIANO DA SILVA, 2003, p.210).
Outra interpretação acerca das diferenciações relativas às estruturas
familiares é fornecida por Baiardi (2002). Nesse sentido, a heterogeneidade proposta
pode ser assim descrita:
O tipo A que seria a agricultura farmerizada, predominantemente localizada
no cerrado e nos planaltos do sudeste brasileiro e cuja gênese tem relação
com a migração de pquenos produtores de regiões de colonização
européia. O tipo B que seria a agricultura familiar integrada verticalmente,
cuja gênese tem relação com a implantação de agroindústrias em regiões
de colonização européia [...] o tipo C seria a agricultura familiar tipicamente
colonial que ainda expressa valores dos imigrantes [...] o tipo D seria a
agricultura familiar semimercantil, que opera com área muito variável [...] E,
finalmente, o tipo E que seria o da agricultura familiar completamente
excluída de qualquer processo de dinamização do meio rural. (idem, p.5)
Nessa multiplicidade de situações que envolvem a dinâmica familiar nos
territórios rurais, uma observação feita por Jean (1994, p.51) é pertinente, pois
remete à [...] curiosa capacidade de manter-se, reproduzir-se ao longo das
gerações, de adaptar-se aos movimentos da conjuntura sócio-econômica.” Nesse
sentido, sua reprodução é vista como parte do desenvolvimento da economia
agrícola moderna, mesmo que sejam constantemente geradas situações de
exclusão.
Uma situação que contribui sobremaneira para a decomposição nas
propriedades familiares diz respeito aos graves problemas de intermediação na
comercialização dos produtos. Existem acentuadas discrepâncias entre o que é
ofertado pelos produtores rurais e o que é demandado pelos consumidores finais.
Um outro aspecto que merece atenção é a divisão do trabalho nas propriedades, ou
seja, a intensificação de novas orientações tecnológicas que influenciam na gestão
desse fator de produção. Assim podem ser esboçadas quatro tendências ali
relacionadas:
a) redução nas propriedades familiares puras, muitas das quais já
se encontravam inviabilizadas como unidades produtivas e que não
conseguiram sobreviver à crise da 1ª. metade dos anos 80 através da
inserção nos precários mercados de trabalho que lhes eram acessíveis;
170
b) uma expansão da área e concentração das unidades tipicamente
capitalistas e das empresas familiares consolidadas; c) um fracionamento
ainda maior dos estabelecimentos periféricos, que eram marginais do
ponto de vista da produção agropecuária, o que tenderia a inviabilizá-los
ainda mais como unidades produtivas; d) a consolidação de uma categoria
híbrida que combina o trabalho familiar com o de assalariados
temporários, uma espécie de ‘farmer caboclo’ parcialmente mecanizado.
(GRAZIANO DA SILVA, 2003, p. 224)
Em resumo, o diferentes os atores presentes no território rural do município
de Cascavel. Nisto reside a atualidade do debate clássico, pois as observações e
análises elaboradas em períodos anteriores podem explicar comportamentos
relativos à produção agrícola familiar e também da produção amparada no modo de
produção capitalista em momentos mais recentes. Nesse sentido, cabe ainda
destacar a questão do crédito rural, das relações estabelecidas com as
agroindústrias processadoras das matérias-primas, a renda advinda das atividades
pluriativas. Portanto, as estruturas, sejam familiares, sejam patronais, estão
submetidas aos fatores externos e isso resulta em metamorfoses, ou seja, em
diferenciações em suas condições de produtores rurais.
Como lembra Lehman (1980) no título de seu trabalho, “Nem Lênin, nem
Chayanov [...]” e acrescente-se aqui que nem mesmo a leitura de Kautsky (1998),
isoladamente, auxilia na compreensão das particularidades do contexto empírico
dessa pesquisa. Contudo, se essas contribuições forem consideradas em conjunto,
subsidiam fortemente a discussão a que ora se propõe. Em rios momentos, a
clareza do raciocínio de Lênin (1983) e Kautsky (1998), ambos valendo-se da
estrutura metodogica marxista contribuem para que a categoria empresa familiar,
ou a agricultura patronal se justifiquem no contexto capitalista.
que se pensar tamm, que, as justificativas encontradas pelos
agricultores familiares para continuar em suas propriedades, em condições
diferenciadas dos trabalhadores urbanos, mesmo que com dificuldades para
viabilizar sua produção, seriam de difícil compreensão, se não fosse resgatada a
análise de Chayanov (1974). É a partir de suas argumentações que se pode pensar
numa outra racionalidade produtiva, balizando trabalho e consumo,
independentemente da lógica capitalista. Porém, mesmo esse autor admite que,
essencialmente, as relações sócio-produtivas das estruturas familiares se elaboram
junto ao mercado, porém não necessariamente buscando intensamente um
171
processo de geração de excedentes. Daí a necessidade de interpretar as
diferenciadas categorias de produtores rurais apreendendo em conjunto o contexto
teórico em questão.
Interessa, portanto, compreender o processo de modernização da agricultura
e as respostas das categorias produtivas presentes no território local, atreladas,
principalmente, às exigências do sistema capitalista. Apreende-se, desse modo, uma
porção do território em funcionamento mediante as atividades modernizadas, como
objeto de análise do próximo capítulo.
5
A
AGRICULTURA E A CONSTRUÇÃO DE TERRITORIALIDADES
:
ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO NO RURAL DE
C
ASCAVEL PÓS
1990.
A idéia motriz deste capítulo destaca a modernização da agricultura como
condição primordial para o desenvolvimento da agricultura no município de
Cascavel. Esta proporcionou orientações bastante específicas no que tange ao uso
intensivo das inovações tecnológicas pelos produtores rurais. Contudo, a
possibilidade de incorporação do aparato tecnológico exigido é ainda limitada para
determinadas estruturas produtivas existentes no território rural de Cascavel, pois
ocorrem dificuldades para sua inserção nos atuais circuitos de produção. Além da
questão tecnológica, outros aspectos podem ser destacados nesse contexto, como a
busca por diversificação produtiva, principalmente nas estruturas familiares, bem
como o posicionamento dos produtores rurais no momento da comercialização dos
produtos agrícolas. Em conjunto, tais aspectos o relevantes para uma reflexão
acerca das respostas dos produtores às exigências do capital por meio do uso do
território.
Assim: “Nunca é demais lembrar que o mais abstrato dos conceitos tem
sempre sua historicidade”, ou seja, as formulações conceituais m por trás uma
base empírica específica que as referencia. (GRAZIANO DA SILVA, 2003). A
observação do autor contribui para o entendimento de que, na construção das
territorialidades rurais na escala local, encontra-se implícita a questão da absorção
da base técnica, mencionada anteriormente, e que a agricultura familiar tem um
lugar destacado nesse contexto de tantas diferenciações produtivas.
No capítulo anterior abordou-se a discussão clássica sobre o papel da
agricultura na dinâmica capitalista. Tal dimensionamento continua atual e auxilia na
compreensão das transformações territoriais no meio rural brasileiro, principalmente
em função dos novos conteúdos tecnológicos. Observou-se, mediante as
interpretações de Graziano da Silva (1997) e Lamarche (1998), que as categorias de
produtores rurais presentes no território, intensificam sua articulação ao contexto
capitalista principalmente após a década de 1990. Nesse contexto é valido resgatar
173
a leitura de Becker (2001) que propunha uma valorização seletiva dos territórios. Tal
seletividade implica em distintas territorialidades.
Assim, a produção familiar integra-se ao mercado em escalas cada vez mais
ampliadas, configurando um interessante mosaico”. Dessa forma, as
territorialidades rurais se elaboram com vários matizes no que se refere à
incorporação dos processos que buscam essencialmente a produtividade, num
ambiente que seleciona e prioriza a questão tecnológica, científica e informacional.
Ainda por meio da caracterização apresentada anteriormente, apreendeu-se
que modernização da agricultura no Oeste do Paraná configurou-se em justaposição
ao processo de industrialização no Brasil, portanto, valorizou-se de forma seletiva. O
papel desempenhado por ela deu-se no conjunto de planos e estratégias de
crescimento e desenvolvimento econômico efetivados num momento anterior.
Numa breve retrospectiva acerca desse processo, é válido acrescentar que a
partir de 1980 foram necessários rearranjos econômicos e financeiros para que
fosse possível a ampliação do agronegócio regional num contexto de crises na
economia brasileira. Desse modo, as especialidades produtivas e a intensificação da
produção agroindustrial na região Oeste do Paraná estabeleceram novas exigências
aos produtores rurais, quer estivessem integrados contratualmente às cooperativas e
agroindústrias privadas, quer estivessem inseridos na relação entre oferta e
demanda de cada segmento produtivo em particular.
Principalmente ao longo da década de 1990, novos segmentos agroindustriais
foram viabilizados por intermédio de empresas privadas e cooperativas singulares na
região
1
. Conseqüentemente, houve resposta produtiva favorável de algumas esferas
familiares mais consolidadas no conjunto das novas orientações tecno-econômicas
em escalas mais ampliadas. Isso diz respeito tanto às especializações nos
processos produtivos que se valem das matérias-primas agrícolas, quanto de novas
regras do mercado e novos padrões de consumo.
Assim, as verticalidades e horizontalidades presentes no território local
proporcionam distintas configurações sócio-produtivas, principalmente em áreas
1
A diversificação produtiva n1(n)-4.3484( 13( )-4.57614(v)-47.9711(e)8.07.971g)8.079664(li)7.6944(e)8.079838( )-1098388(u)8.0893(r)-0.59838v prr
174
onde se fazem presentes a agricultura familiar. É válido acrescentar que, nesse
contexto uma parcela das estruturas produtivas rurais alcançou os níveis de
capitalização exigidos nesses novos processos, outras, entretanto, foram
empurradas para a exclusão e a marginalidade no que tange a tais orientações.
O conjunto das hipóteses introdutórias deste trabalho sugere territorialidades
que se expressam por meio de escalas mais ampliadas no que tange à incorporação
de novos processos produtivos num contexto técnico-científico e informacional. Além
disso, entende-se que a integração funcional entre o rural e o urbano, ou seja, a
complementaridade sócio-econômica de um território em funcionamento
proporcionou diferentes vínculos das estruturas produtivas rurais, em especial da
agricultura familiar, ao mercado. Essa articulação foi construída a partir da abertura
econômica e está inserida num modelo de desenvolvimento rural que alcança, de
modo especial os produtores familiares.
Nesse sentido, é expressiva a participação familiar no contexto produtivo da
região Sul do Brasil. Aproximadamente 90,5% de todos os estabelecimentos da
região, ou seja, 907.635 agricultores familiares ocupavam, em meados da década de
1990, 43,8% da área agricultável e produziam 57% do Valor Bruto Produzido [VBP]
regional. Tais níveis de produção sugerem uma absorção por parte das estruturas
familiares de 43,3% dos financiamentos aplicados na região Sul. (INCRA/FAO,
2000)
2
.
Dessa forma, quando se quer tratar da viabilização de especialidades
produtivas em diferentes contextos produtivos e em diferenciadas áreas, em especial
na região Oeste do Paraná, é importante atentar para um conjunto de questões que
abrange tanto as vinculações com o mercado e a lógica de reprodução na
propriedade rural quanto o referido aspecto tecnológico. Assim, como
questionamento inicialmente proposto, busca-se apreender o funcionamento do
território rural em Cascavel.
As implicações na organização do território rural decorrem do processo de
modernização na região e, na seqüência, dos traços elaborados mediante a
formação dos complexos agroindustriais. Dessa forma, as possibilidades de
2
Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária/Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação
175
reprodução das estruturas produtivas no meio rural ajustam-se às demandas
urbanas.
Uma orientação metodológica se faz necessária neste momento do estudo. A
construção deste capítulo pauta-se, inicialmente, na análise dos processos
produtivos agrícolas guiados, sobretudo, pelas características das propriedades
rurais do município. Destacam-se, num primeiro momento dessa discussão, as
territorialidades advindas das atividades agrícolas, as mais expressivas nesse
contexto.
Para a análise das diferentes estruturas produtivas rurais e a produção de
territorialidades no município de Cascavel, toma-se como referência básica, uma
estrutura de produção patronal”, onde os produtores encontram-se consolidados,
capitalizados e ajustados às exigências técnicas mais atuais e uma segunda
estrutura, aqui denominada como produção “familiar”. Nesse caso, tamm é
necessário estabelecer uma distinção entre as estruturas familiares existentes no
município de Cascavel. Uma parcela dos produtores familiares é aqui definida como
“empresa familiar” e possui maior grau de inserção no mercado e melhores
possibilidades para capitalização e tecnificação. capitalizada; outra estrutura
caracteriza-se por “pequenos produtores familiares” e possuem maiores dificuldades
para inserir-se no mercado.
Sobre a estruturação das entrevistas, a pesquisa procurou contemplar essa
diversidade de estruturas produtivas rurais contidas no município de Cascavel.
Desse modo, os entrevistados foram produtores rurais familiares que atuam
exclusivamente no setor agrícola bem como outros que tamm exercem atividades
não-agrícolas. Nessa categoria, o tamanho das áreas é mais restrito, em média 10 a
20 hectares. Houve ainda a realização de entrevistas com produtores rurais em
fazendas maiores, em média 500 hectares e que se encontram consolidados nas
atividades rurais desenvolvidas, mediante um suporte tecnológico e de gestão mais
elaborado.
Portanto, território rural do município de Cascavel contém inúmeras
particularidades. Existem assentamentos, dois re-assentamentos vinculados aos
alagamentos de áreas rurais decorrentes da construção de barragens na região
176
Oeste; ainda se encontra uma agricultura familiar com traços que remetem às bases
de colonização anteriores e outra agricultura familiar tecnificada e modernizada que
se transforma de acordo com as exigências do mercado. Vale acrescentar ainda,
nesse contexto, os segmentos rurais não-familiares ou empresariais.
Então, considerando que a trajetória das diferentes estruturas vinculadas à
agricultura em Cascavel está associada às condições da modernização da
agricultura, cabem as seguintes indagações: Como se organiza a estrutura produtiva
dessas categorias no município? Que territorialidades decorrem da interrelação
dessas categorias em diferentes escalas?
A segunda parte deste capítulo quer compreender as relações sócio-
produtivas estabelecidas pelos produtores com o mercado, bem como as estratégias
de reprodução das diferentes estruturas produtivas familiares e as implicações no
território.
5.1
C
ASCAVEL
:
A ORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO RURAL NO PERÍODO RECENTE
O território se configura mediante seu uso. Assim, Santos (2002) define o
espaço habitado e a existência de uma produção material. No ato de produzir e viver
é que se encontram as diferentes lógicas de apropriação desse território.
Historicamente foram diferenciadas as trajetórias das estruturas sociais vinculadas
ao meio rural. Quer ajustando-se mais rigorosamente ao modo de produção
177
ocupadas”. Nesse caso, os autores comentam “[...] despontam belts modernos e
fronts na agricultura [...] “ o que acaba por segmentar o território, criando, ao mesmo
tempo, condições para a cooperação nos processos produtivos.
Encontram-se, na região recortes fundiários, pautados, principalmente, em
pequenas e médias propriedades com área menor do que 50 ha. A caracterização
apresentada pela Emater (2006), indica que 86,5% dos produtores rurais estão
estabelecidos em áreas até 50 hectares
3
.
Em 2006, de acordo com o Perfil Agropecuário Municipal elaborado pela
Emater, 3.605 produtores se dividiam em categorias diferenciadas no que tange à
produção rural, e essas são apresentadas na Tabela 6.
T
ABELA
6
-
C
ATEGORIAS DE PRODUTORES RURAIS NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
2006
CAPITAL
CATEGORIAS
ÁREA
[
HA
]
BENFEITORIAS
PRODUTIVAS
[US$]
EQUIPAMENTO
AGRÍCOLA
[US$]
PARTICIPAÇÃO
DA MAO
-
DE
-
OBRA FAMILIAR
%
PRODUTOR
[
NÚMERO
]
CATEGORIA
PRODUTOR
%
P
RODUTORES
P
SM
-1
SUBSISTENCIA
<
15 <
5.000 <
4.000 >
80 888 24,63
P
RODUTORES
P
SM
2
<30 <12.000 <12.000 >50 1.465 40,63
P
RODUTORES
P
SM
-
3
<50 <40.000 <36.000 >50
767 21,27
E
MPRESÁRIOS
FAMILIARES
>50 >40.000 >
36.000 <50 195 5,40
E
MPRESÁRIOS
RURAIS
>50 >40.000 >
36.000 <50 290 8,04
TOTAL
- - - -
3.605 100
Fonte: Emater – Perfil Agropecuário Municipal [organizado pela autora]
PSM1, 2, 3 Produtor simples de mercadoria conforme o critério adotado no programa estadual
Paraná 12 meses.
A Tabela 6 demonstra que os produtores simples de mercadoria, que em
conjunto são a categoria de produtores mais expressiva, possuem mais de 50% da
mão-de-obra familiar diretamente envolvida nas atividades rurais praticadas em
áreas inferiores a 50 hectares, como bem observa Graziano da Silva (2003) na
3
A título de ilustração, embora o seja este o critério adotado nesta pesquisa, o Cadastro de
Imóveis Rurais do Incra Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (2003) admitia que
aproximadamente 85% das propriedades do município de Cascavel possuíam área menor do que 72
hectares, também sinalizando para o predomínio de pequenas propriedades. Ainda quanto à
classificação das propriedades, [tamanho] e considerando o montante de estabelecimentos rurais
cadastrados até o ano de 2002, admitia-se tamm que 45,34% das propriedades eram minifúndios
[até 1 MF - dulo Fiscal 18 hectares]. Quanto às pequenas propriedades produtivas [1a 4 MF],
estas respondiam por 26,94% do total, ou seja, 1.742 propriedades.
178
tipologia proposta anteriormente. Quanto às benfeitorias e equipamentos agrícolas,
é possível observar que 65,26% dos produtores rurais possuem ainda limitada
tecnificação diante do valor estimado, ou seja, US$12.000,00. Quanto às
benfeitorias, muitas vezes referem-se à residência do produtor e a barracões, sendo
difícil a obtenção de infra-estrutura de armazenagem para grãos, por exemplo, o que
dificulta sobremaneira as condições para a comercialização das safras.
Nessa base, portanto, se desenvolveram as especializações agropecuárias
modernas para abastecer o mercado, sobressaindo-se: avicultura, suinocultura,
hortifrutigranjeiros, leite e grãos (sobretudo milho e soja), exploradas tanto por
produtores familiares como por empresários. O Quadro 4 demonstra a utilização da
terra do município de Cascavel entre 1994 e 2006.
179
Q
UADRO
4
E
VOLUÇÃO NA UTILIZÃO DA TERRA DO MUNICÍPIO DE CASCAVEL
1995-2006
*
PRESERVAÇAO PERMANENTE
F
ONTE
:
P
ERFIL DA REALIDADE AGRÍCOLA
[
VÁRIOS
]
E
MATER
.
ORGANIZADO PELA AUTORA
Tipo de Ocupação 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
lavouras temporárias
94916
98565
98565
98565
98565
98665
98665
98665
99581
99581
99581
95470
lavouras permanentes
3649
3649
3649
3649
3649
3649
3649
3649
3193
3193
3193
3193
pastagens artificiais
37500
37500
37500
37500
37500
37700
37700
37700
37240
37240
37240
41351
pastagens naturais
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
reflorestamento
22500
18851
18851
18851
18851
18750
18750
18750
18750
18750
18750
18750
matas naturais*
9000
9000
9000
9000
9000
9000
9000
9000
9000
9000
9000
9000
matas naturais – outras
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
outras áreas
34065
34065
34065
34065
34065
33866
33866
33866
33866
33866
33866
33866
Total
201630
201630
201630
201630
201630
201630
201630
201630
201630
201630
201630
201630
180
Conforme o exposto no Quadro 4, dos 201.630 hectares de área existente no
município, 47,35% são utilizados com lavouras anuais, com destaque para as
culturas de soja, milho, feijão e trigo. Segundo informações do SEAB/DERAL (2005),
na safra 2002/2003 foram produzidas mais de 250.000 toneladas de grãos de soja,
correspondendo a 50% da produção agrícola local.
A área reservada para pastagens, notadamente na parte sul do município,
teve um acréscimo ao ano de 2006. Até o ano de 2005 eram 37.240 ha, que
configuravam 18,60% da área total ocupada. No ano de 2006, as pastagens
começaram a responder por 20,51% da área total, ou seja, 41.351 ha.
Uma justificativa para tal alteração na produção relaciona-se ao período de
estiagem e baixos preços pelos quais passaram os produtos agrícolas,
principalmente a soja entre 2003 e 2005. As demais ocupações permaneceram
constantes em termos de área, à exceção das lavouras permanentes que sofreram
decréscimo a partir do ano de 2003.
Nessa dinâmica de ocupação do solo, interessa, de modo mais específico, a
análise das lavouras anuais, reflorestamento, olericultura e a evolução da pecuária,
pois expressam as territorialidades produzidas pela agropecuária local. Assim, [...] o
território pode valorizar-se em dado momento para o exercício de certo nível de
capital e [...] a constituição de uma fração do território pode ser tamm
diferentemente aproveitada segundo o tipo de produto”. (SANTOS e SILVEIRA
2002, p.301).
Vale acrescentar, conforme o entendimento desses autores, que tal utilização
é relativa e que “[...] o território é sensível, nervoso e objeto de numerosas
mudanças de conteúdo(ibidem). É, portanto, a lógica dos mercados, a dinâmica
relativa à oferta e à demanda de produtos e o nível de preço alcançado por cada um
deles de forma particular que contribuem para a modificação na composição das
áreas produtivas.
É lícito supor que a estrutura produtiva do território rural do município se
ajusta “forçosamente” à lógica produtivista pautada em larga escala na produção das
181
monoculturas que expressam a dinâmica do agronegócio brasileiro
4
, nesse caso, em
especial, a soja.
No que tange à pecuária, é expressiva a produção de aves de corte, com
aproximadamente 18.876.000 de cabeças
5
. O rebanho suíno possuía cerca de
60.000 cabeças e um total de 230 produtores. Vale acrescentar que nas pequenas
propriedades é comum a produção de frangos e suínos paralelamente. A
bovinocultura de corte em 2006 somava 93.905 cabeças e especificamente na
pecuária leiteira a produção atingiu, nesse mesmo ano, 36.680.000 litros, com média
de 3,77 litros de leite/vaca por dia (SEAB/DERAL, 2007). Ressalta-se que essa
média encobre significativos diferenciais de produtividade, pois o município possui
produtores que alcançam entre 25 a 28 litros de leite/vaca por dia. Tais diferenciais
são decorrentes, principalmente, da base técnica adotada. Esse conjunto se distribui
em sete distritos administrativos que podem ser visualizados pela Figura 8.
F
IGURA
8
DIVISÃO POLÍTICO
-
ADMINISTRATIVA DO MUNICÍPIO DE CASCAVEL
Fonte: PERFIL MUNICIPAL (2005)
4
No conjunto das atividades que configuram o agronegócio brasileiro, Elias(2006) observa que em
todo o País a expansão da agricultura científica e do agronegócio globalizado estabelece relações e
demandas entre o rural e o urbano o que caracteriza novas orientações nos processos produtivos; tal
situação tamm é verificada no rural de Cascavel.
5
Essa informação refere-se a um número de 242 produtores de aves no município. Considerou-se
em média 13.000 frangos por aviário e seis safras anuais para cada aviário. que se acrescentar
que existem produtores com mais de um aviário na propriedade o que poderia aumentar
significativamente o rebanho em questão. (EMATER, 2006)
N
182
Os distritos rurais são dotados de limitada infra-estrutura, configurando-se
ainda um comercio incipiente. Existem também equipamentos urbanos específicos
como abastecimento de água, fornecimento de energia elétrica, posto telefônico,
posto de saúde, escola, salões comunitários e sub-prefeituras. Tais serviços
atendem às necessidades mais imediatas das comunidades rurais.
Desse modo, os distritos rurais, em suas densidades e dimensões,
necessitam da estrutura de rede e o espaço agrícola é uma criação do trabalho
humano. (GEORGE, 1982). Vale acrescentar que a inserção de novas escalas
geográficas como o relacionamento das populações dos distritos com o comércio e
os serviços na cidade de Cascavel reduz a importância econômica dos distritos, mas
mantém sua importância social.
Portanto, admite-se que o fenômeno da “pulverização do urbano”, incidiu
sobre o rural , mas este se mantém vivo” e guarda especificidades locais. Ressalta-
se que em Cascavel, assim como em inúmeros municípios vinculados ao
agronegócio, as demandas do meio rural em seu aspecto produtivo encontram-se
associadas ao urbano e, conseqüentemente, assumem escalas mais ampliadas.
As inovações tecnológicas modernizantes alcançaram distintos segmentos
rurais, fazendo-se presentes, em graus diferenciados, em quase todas as unidades
de produção. Ressalte-se que por mais limitadas que sejam as condições
econômicas, os produtores utilizam máquinas e insumos de origem industrial.
Sem entrar no mérito das contradições, é válido assinalar que as atividades
agropecuárias mercantis apresentam traços característicos comuns. Envolvem,
portanto, complexos agroindustriais, redes técnicas, fluxos de capital, mão-de-obra,
dentre outras, que conferem uma dinâmica específica à articulação rural-urbana
local e também vinculada a outras escalas. Um exemplo dessa orientação é a feira
tecnológica realizada pela COOPAVEL Cooperativa Agropecuária Cascavel Ltda.,
denominada Show Rural Coopavel, que reúne expressiva mostra de tecnologia em
produtos e processos e encontra-se em sua décima terceira edição. Vale
acrescentar que como difusão tecnológica e diversificação de processos e
experimentos produtivos, essa feira já é considerada a maior da América Latina
(COOPAVEL, 2006).
183
Portanto, a ruralidade local se elabora e reelabora por meio das inovações de
processos e produtos gestados no urbano. Modificam-se as práticas e o
comportamento das comunidades, mas o rural não perde suas particularidades. Ao
contrário, algumas características próprias ao campo, como por exemplo suas
atividades culturais e de lazer, são valorizadas, reinterpretadas e consumidas pela
população urbana. A criação da Feira dos Produtores Rurais em 1984, é exemplo
dessa dinâmica e comercializa excedentes das propriedades rurais e tamm
pequenas empresas urbanas. Assim:
As transformações na comunidade rural provocadas pela intensificação das
trocas com o mundo urbano (pessoais, simbólicas, materiais) não resultam,
necessariamente, na descaracterização de seu sistema social e cultural. A
heterogeneidade social, ainda que produza uma situação de tensão, não
provoca obrigatoriamente a descaracterização da cultura local. (CARNEIRO,
citada por RUA, 2002, p.31)
6
O sistema sócio-cultural presente no território rural de Cascavel insere-se num
contexto de mercantilizaçao e modernização, mesmo que limitadas em certos casos
onde a exclusão sócio-produtiva é acentuada. Desse modo, são as atividades
agrícolas em sua expressão modernizada e tecnificada que caracterizam fortemente
o rural local.
Para Neves (2003, p.20), “[...] devemos entender assim o rural e o urbano
como sujeitos às múltiplas e diversas interações, capazes de compor as mais
variadas realidades...” A estruturação produtiva pautada no agronegócio contribui
para que tais ruralidades componham, a nível local, um interessante mosaico.
Nesse recorte territorial interessa, portanto, a apreensão do processo de
organização territorial que se re-elabora permanentemente frente à expansão do
capital e, ainda, face às novas exigências produtivas intensificadas no período pós-
1990 no Brasil.
6
CARNEIRO, Maria José. Ruralidade: novas identidades em construção. Estudo e Sociedade e
Agricultura. Rio de Janeiro, n.1, p.53-75. out. 1998.
184
5.2
A
TIVIDADES
A
GRÍCOLAS
5.2.1
C
ARACTERIZAÇÃO DAS ÁREAS E PRODUÇÃO AGRÍCOLA NO MUNICÍPIO
A expressão mais significativa no funcionamento do território rural de
Cascavel encontra-se associada à atividade agrícola e a integração dos produtores
familiares ao agronegócio. Quando se quer compreender a dimensão das atividades
agrícolas e, em especial daquelas vinculadas aos complexos agroindustriais, deve-
se atentar para um conjunto de características tanto favoráveis quanto desfavoráveis
ao desenvolvimento dos territórios rurais
7
. Mesmo diante de uma extensa
controvérsia acerca do papel do agronegócio no Brasil, é expressiva a posição da
produção de commodities em sua pauta de exportações. Considerando estimativas
governamentais, o agronegócio brasileiro foi responsável por uma participação de
43% do valor das exportações, em 2004. (GONÇALVES, 2005, p.284). A produção
de soja no Brasil entre 2006 e 2007 teve um incremento de 8,6%, passando de
52.355.976 toneladas, para 56.865.475 toneladas (IBGE, 2007 (b)).
No estado do Paraná, e em particular no município de Cascavel, a
agricultura patronal traduz essencialmente a consolidação dessa racionalidade
microeconômica e a expansão das taxas de lucratividade na propriedade rural.
Nessa condição, o território incorpora um novo conteúdo cnico mais artificializado
diante das exigências produtivistas. A Figura 9, na seqüência, apresenta o Mapa de
Solo para o estado do Paraná e para a região Oeste. Observa-se, nesse sentido,
uma condição favorável à atividade agrícola no município de Cascavel.
7
O agronegócio implica numa agricultura que deixou de ser um setor econômico isolado integrando-
se aos complexos industriais. Gonçalves (2005, p.284-285) apresenta um quadro de vantagens e
desvantagens quanto ao agronegócio: [quanto aos aspectos favoráveis] vale destacar o impacto
sobre a renda, emprego, acumulação de capital, finanças públicas e desenvolvimento tecnológico. [...]
o agronegócio é uma atividade tecnologicamente dinâmica visto que os produtos intensivos em
recursos naturais incorporam a alta tecnologia da biogenética, da química, da ciência dos alimentos,
etc. Por outro lado, um número expressivo de críticas a um modelo de crescimento econômico e
inserção internacional baseado no agronegócio. [...] os produtos primários têm baixa elasticidade-
preço da demanda. Isso significa que para se aumentar a quantidade é necessária a redução mais do
que proporcional do preço. [...] Outra crítica refere-se à questão da apropriação do ganho gerado pelo
aumento da produtividade. [...] o agronegócio consolida estruturas retrógradas de produção. Com
baixa absorção de mão-de-obra, o agronegócio mecanizado tende a expulsar os trabalhadores das
áreas rurais para as cidades. O agronegócio tende a concentrar ainda mais a riqueza, ou seja, piora a
distribuição da propriedade da terra e do capital.
185
F
IGURA
9
-
S
OLOS NO ESTADO DO
P
ARANÁ E NA
M
ICRORREGIÃO DE
C
ASCAVEL
186
A configuração da área com lavouras temporárias, apresentada anteriormente
é uma das condições que contribuem para reforçar a idéia do produtivismo presente
na região Oeste e em particular, em Cascavel. No que tange à produção das
lavouras temporárias ou anuais, especialmente a soja e o milho, verifica-se um
controle das agroindústrias que demandam commodities como matéria-prima
essencial na produção de ração para as atividades da avicultura e suinocultura. O
farelo de soja tamm é essencial como produto da pauta de exportações brasileira
e tem como destino o Porto de Paranaguá. A Figura 10 [Quadro 1 em anexo] permite
visualizar a evolução da área de soja no município entre 1996-2006. A redução na
área plantada no ano de 2003 deveu-se à prolongada estiagem e aos baixos preços
que desencadearam o parcelamento das dívidas relativas ao custeio da produção
naquele período.
F
IGURA
10
G
RÁFICO
-
Á
REA PLANTADA DE SOJA EM RELAÇÃO À LAVOURA PERMANENTE E PRODUÇÃO NO
MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
1996-2006
FONTE
:
S
EAB
/
DERAL E
E
MATER
,
2007
Além da soja, as lavouras anuais produzidas no município alternam-se em
alguns produtos específicos como o milho, milho-safrinha, feijão das secas e das
águas e do trigo. Porém, a decisão sobre a produção é normalmente vinculada ao
preço da principal commodity produzida, a soja. Nesse caso, o território transforma-
se num marde soja, como definiram os produtores nas entrevistas realizadas no
Distrito de Espigão Azul, ao norte do município. Ao longo das estradas rurais, o que
se observa é a disputa do capital por parcelas do território. O cultivo ganha um
status de grife, com placas a cada trecho indicando a procedência da semente e
0
50000
100000
150000
200000
250000
300000
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
anos
toneladas/hectares
soja - área [ha] lavoura permanente - área [ha] soja - produção total [t]
187
suas especificações. Observa-se assim, o global e o local coexistindo numa fração
do território.
A Figura 11 ilustra uma parcela de propriedades rurais com lavouras
temporárias no Distrito de São João.
F
IGURA
11
Á
REAS PRODUTIVAS COM LAVOURAS TEMPORÁRIAS NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
D
ISTRITO DE
S
ÃO
J
OÃO
[
JAN
/2006]
O distrito de São João contempla uma fragmentação de área bastante
interessante. As propriedades possuem características familiares, com áreas
restritas e se voltam em sua maioria à produção de lavouras temporárias, assim
como nos demais distritos no qual o relevo contribui para a expansão delas. A maior
parte da área ilustrada na Figura 11 refere-se à soja em diferentes estágios de
cultivo. Na safra de verão, o milho tamm concorre na ocupação das áreas frente à
soja, constituindo-se em opção de plantio para os produtores.
No que tange à produção de milho, é lido acrescentar que o estado do
Paraná é o maior produtor brasileiro, com volume de 10.887.600 toneladas nas duas
188
safras na temporada 2005/2006, mesmo com os episódios de estiagem. O Estado
cultiva 20% da área plantada com o grão no País e colhe um quarto da safra. [...] O
rendimento paranaense é 35,7% maior que a média nacional, estimada em 3.210
quilos por hectare” (ANUÁRIO BRASILEIRO DO MILHO, 2006). Um dos aspectos
que tem colaborado para essa expressiva participação na produção do milho é a
segunda safra, denominada como “safrinha”. Isso ocorre porque o grão, na segunda
safra, sucede a soja e substitui o trigo e a triticale. Isso vem proporcionando uma
utilização intensiva do solo. De acordo com Bianco, em entrevista no Anuário
Brasileiro do Milho, (2006, p.31), “Antes, um quarto da área ficava em descanso a
cada safra. Hoje não chega a um décimo”.
A tecnologia contribuiu, portanto, para que o campo produza em sua máxima
condição. Em meados da década de 1970, essa condição era bastante diferente,
como relata a produtora rural A.S.
O tempo de cultivo era mais demorado. [...] quem plantava soja não
conseguia fazer outra colheita, era só aquela. Não tinha o milho safrinha, se
quisesse tinha o trigo na época do inverno, depois que colhia a soja,
plantava o trigo. [...] Nos primeiros anos dava muito bem o trigo, depois
mudou o clima, não dava mais. O tempo muito variado, as geadas, a seca.
Também a região sul respondeu nesse período por 45% da colheita brasileira
de milho, muito embora severamente comprometida por conta da prolongada seca.
(ANUÁRIO BRASILEIRO DO MILHO, 2006)
o plantio do trigo é limitado no município, embora em escalas de produção
mais ampliadas, houve ao longo dos dez últimos anos significativo ganho em
produtividade. A média subiu de 1.000 kg/ha para 2.000 kg/ha e alcançou até 8.000
kg/ha nas áreas irrigadas no B.7046(i)1.86151(l)-18.1509(J(.)838(s)23.503484(p)-4.3483484( )-(u)-4.348.34718( )-42.199(s)15.6652(d)-4.09(J(.)838(s)23.50 Td[( )-82.2238(c)-0.310251(n)-4.3484(d)-4.348)6.734.3484(m)32.5031(b-18.1491(h)15.6652(o))-4.3484( )-82.2238(d)-4.3484(a)-8.1491(e)15.665899(p)-4.3484(r)-7.2115(o)15.484(d)15310251( )-322.38(o)-4.34718(r))19.7022(i)-18.1485porcapr
189
Quanto à produção na safra 2005/2006, a região Sul contribuiu com 90% da
produção nacional e o estado do Paraná, em especial, obteve o primeiro lugar com
57,5% do total em plantio de sequeiro. Nesse conjunto, a região Oeste do Paraná
produz o glúten forte, denominado “tipo pão ou melhorador”.
Na seqüência a Figura 12, apresenta a expansão das áreas ocupadas pelos
demais produtos relacionados à lavoura temporária como o feijão, o arroz, o trigo, a
aveia, considerando inclusive a soja e o milho. Ressalta-se que a expansão da área
de milho é condicionada à redução na área de soja e ambas as áreas relacionam-se
diretamente aos preços de mercado.
F
IGURA
12
G
RÁFICO
-
C
ARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DAS
L
AVOURAS
A
NUAIS NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
[
HA
]
1995-2006
F
ONTE
:
S
EAB
/
DERAL
E
MATER
(2006)
Um aspecto interessante em relação ao movimento das culturas acima
relacionadas diz respeito à diminuição do plantio das culturas vinculadas à
subsistência familiar. O cultivo do arroz de sequeiro exemplifica tal situação, que
tamm está vinculado à produção para o mercado. Em períodos anteriores,
especificamente até o ano de 1995, sua produção vinculava-se ao conjunto de
alimentos para a subsistência e o excedente era comercializado. Atualmente, sob a
ótica da racionalidade no uso do território agrícola, o arroz necessário para o
consumo familiar é adquirido nos supermercados.
0
10000
20000
30000
40000
50000
60000
70000
80000
90000
100000
1995
2000
2005
2006
anos
[ha]
arroz de sequeiro
feijão das secas
feijão das águas
milho
milho safrinha
soja
trigo
aveia
190
Outra justificativa para a redução na área plantada diz respeito à relação de
abertura de áreas de matas e o cultivo do arroz que contribui para a correção da
acidez do solo. A cultura que menos exige em termos de custo de produção após a
derrubada é o arroz
8
. Assim, grandes propriedades quando abriam as áreas de
mato, plantavam arroz. Somente na seqüência começava o plantio da soja. Vale
destacar que o número de produtores reduziu-se significativamente, ou seja, 1800
produtores em 1995 para 420 produtores em 2006.
O feijão tamm obedece a essa dinâmica. Anteriormente,
a subsistência,
atualmente, a escala comercial, produzido por segmentos patronais e por
empresários familiares. Verifica-se a produção de feijão em áreas superiores a 500
hectares. A rotatividade das culturas também está mais acelerada no município em
virtude de acentuadas mudanças climáticas ocorridas nos últimos anos, o que
acentua a produção comercial. Como o período de frio é cada vez mais curto, assim
que se termina de plantar o milho, já é possível plantar o feijão.
Outro fator que contribui para a diminuição no plantio e no número de
produtores dos produtos considerados de subsistência diz respeito ao êxodo rural
que, nesse período, também contribuiu para que determinados cultivos da policultura
de subsistência fossem aos poucos sendo substituídos. Na pauta de produtos que
são comercializados no conjunto das lavouras anuais no município, pode também
ser destacando, porém em proporções mais reduzidas quanto ao número de
produtores e área cultivada: cultivo anual de amoreiras, cana-de-açúcar, mandioca,
fumo, triticale e amendoim. também a produção da erva-mate em 350 hectares
com 68 produtores identificados. Em algumas propriedades rurais sua produção é
feita em consórcio com a atividade pecuária. (EMATER/PR, 2006)
5.2.1.2 Olericultura e fruticultura
A olericultura, no sentido de territorialidade, constitui uma outra face da
realidade rural local absorvendo intensivamente a mão-de-obra familiar. Além disso,
o segmento tamm é um empregador importante no meio rural. De acordo com o
produtor M.S, em 2,4 hectares, emprega-se em média 4 empregados
9
. Propriedades
8
Emater/PR – entrevista com técnico J.B em 23 de maio de 2007.
9
Entrevista realizada em 26 de julho de 2007.
191
maiores desenvolvendo o plantio de lavouras temporárias, ou mesmo pecuária,
normalmente empregam até dois empregados. Esse comparativo permite afirmar
que a olericultura é um segmento importante na geração de emprego e renda tão
propalada pelas políticas públicas.
O Cadastro da Realidade Rural do município, publicado pela Secretaria de
Agricultura, aponta para 53 propriedades com desenvolvimento dessa atividade com
características comerciais, ou seja, apenas 1,47% dos produtores rurais fazem da
olericultura uma atividade comercial. Apenas 0,07% da área cultivável do município,
133,30 hectares é utilizada para o cultivo de olerículas com destinação para o
mercado local e regional. Algumas das propriedades encontram-se, inclusive no
perímetro urbano do município, o que é racional sob o aspecto da perecibilidade dos
produtos ofertados ao mercado. A área média das propriedades é de 2,52 hectares.
A maior área relativa à produção de olerículas perfaz nove hectares e a menor área,
0,20 hectares. (CASCAVEL, SECRETARIA DA AGRICULTURA, 2007). As áreas
mais restritas estão relacionadas às franjas urbanas ou ainda às parcelas nas áreas
rurais onde a hortifruticultura funciona de modo complementar a outras atividades. É
comum a produção para consumo próprio ou para a venda semanal nas feiras e
mercados da cidade.
Outra iniciativa ainda com pequeno mero de produtores participantes
refere-se à produção orgânica de hortifrutigranjeiros. São oito produtores assistidos
tecnicamente pela Emater/PR. Tamm os assentamentos rurais no município vêm
desenvolvendo a iniciativa da produção orgânica, ainda de forma incipiente e
estruturados principalmente na soja orgânica a qual utiliza intensivamente mão-de-
obra para seu cultivo e alcança preços superiores à transgênica e à convencional no
mercado externo.
O que pode ser observado com relação aos hortifrutigranjeiros é a utilização
de um relativo aparato tecnológico, quando desenvolvida a produção de forma
especializada. Ao contrário, quando os produtores familiares a consorciam com
outros cultivos, a técnica é mais tradicional, menos eficiente, o que dificulta torná-la
parte mais expressiva da renda na propriedade. São grandes os desafios
relacionados à comercialização, diante das grandes redes de supermercados
192
regionais que constantemente achatam os preços dos produtos hortifrutigranjeiros,
necessitando, para tal enfrentamento, maior organização dos produtores.
em relação à fruticultura comercial, as iniciativas ainda o restritas.
Apenas dois produtores assistidos pela Emater/PR são responsáveis pelo cultivo de
pêssego e oito produtores produzem uva rústica utilizada para o fabrico de vinhos e
sucos. Ressalta-se, entretanto, que essas atividades tamm são desenvolvidas em
várias propriedades, porém apenas para o consumo da própria família.
Ao contrário da fruticultura, a atividade olerícula é mais variada e possui um
maior número de produtores. Ela é desenvolvida principalmente por pequenos
produtores, alguns assistidos tecnicamente pela Emater/PR. Uma das possibilidades
técnicas para a produção de leguminosas e verduras refere-se à plasticultura
prática da olericultura em estufa desenvolvida em escala comercial por 4
produtores
10
. Ressalta-se que as estufas são necessárias nos estabelecimentos
para a produção das mudas. A difusão da plasticultura entre os produtores é
resultado do trabalho vinculado à extensão rural, por intermédio da Emater/PR e
tamm da iniciativa dos demais produtores que atuam sem a assistência técnica
pública. A prática da olericultura acaba por configurar-se como alternativa para a
diversificação da produção.
Quanto às esferas de comercialização, estas estão vinculadas à Feira do
Pequeno Produtor, com volume ofertado mais restrito e tamm aos supermercados
e pequenas mercearias locais e Ceasa - centro de distribuição de hortifrutigranjeiros
no município. À exceção de poucos produtores que fazem da olericultura sua
principal atividade, para muitos produtores ela serve como complemento de renda na
propriedade. Assim, o cultivo da horta para consumo próprio e a comercialização dos
excedentes são relativamente comuns nas propriedades familiares do município e
não representam escalas significativas de oferta.
No que tange ao comércio de produtos olerículas, um conjunto de dificuldades
pode ser relatado. Este se refere principalmente, ao poder de “barganha”
estabelecido pelas grandes redes de supermercados, que determinam o preço de
10
Informação repassada pelos produtores integrantes da associação de olericultores. A associação
iniciou informalmente suas atividades no ano de 1995 e foi regularizada em 2003. Conta atualmente
com 16 produtores associados.
193
compra das verduras e tubérculos junto aos produtores rurais. A organização dos
produtores rurais em associação seria a alternativa para melhorar a condição de
comercialização desses produtos. Assim, buscam-se alternativas e estratégias de
defesa perante o mercado, pois em certos períodos, as margens de lucro dos
olericultores são bastante limitadas e ainda são pouco expressivas as iniciativas com
maior escala produtiva. No município de Cascavel, apenas 4 ou 5 produtores
atingiram níveis de capitalização suficientes para atuar no segmento de forma estrita
(Associação dos Olericultores, 2007).
5.2.1.3 Atividade florestal
A atividade florestal existente no território rural do município é resultado da
continuidade na exploração da madeira iniciada ao longo das décadas de 1950 e
1960 na região por algumas famílias pioneiras. Contudo, pelo esgotamento das
matas nativas, desenvolve-se o reflorestamento. A atividade florestal no município
está presente numa área de 18.750 hectares desde o ano de 2000.
Um aspecto que vale a pena ser ressaltado nesse caso diz respeito à
finalidade do reflorestamento. Para os produtores familiares, que possuem áreas
menores, a área florestal volta-se a fins ambientais, de reconstituição dela para
preservação. Em contrapartida, um mero mais restrito de empresários rurais atua
na atividade de reflorestamento no município para fins energéticos ou industriais. O
depoimento do Sr. G.B, produtor rural que atua na atividade de reflorestamento para
fins industriais permite maior compreensão desse processo.
11
De acordo com a entrevista realizada, a família chegou a Cascavel em 1960
buscando trabalhar exclusivamente com beneficiamento de madeira. Não houve,
num primeiro momento, a aquisição de áreas rurais no município. Foi feita sim a
compra de um terreno na cidade e depois de quatro ou cinco anos, nas palavras do
entrevistado, houve a aquisição de terras na Colônia Melissa, no município de
Cascavel. Nas palavras do produtor:
Em 1960 viemos mexer com madeira. Era muito mato. Era só mato! Muito
pinheiro, araucária. Meu pai saía nas áreas com os bolsos cheios de
sementes de pinheiro plantando.Estamos a 44 ou 45 anos reflorestando.Nos
11
Entrevista realizada em 22 de novembro de 2006.
194
últimos quatro ou cinco anos plantamos mais que tiramos. Eu penso que o
futuro é a demanda de reflorestamento, ou nativa por meio de
reflorestamento. Como exemplo [...] recebi um punhado de sementes...
Plantei. A terra é boa. pensava: vai ver o desenvolvimento! Se animar com
as sementes! Achei muito bom! Tiramos semente para fazer mudas. Agora
vou conduzir 50.000 mudas para reflorestamento.
[Ainda sobre o manejo, outras fases são necessárias, a saber o raleamento e
o desrame. Nesse caso] ...nós tiramos os galhos para não “dar nó”, para subir
reto.[...] A gente pensa em tirar 33% dos galhos. É a folha o ‘pulmão’ da
árvore. O raleamento é sistemático, foi aprendido com a experiência, erros e
acertos e... muita confusão! [...] Já, hoje, obedece a um critério específico,
aprendido por meio de visitas técnicas em outros países.[...] Eu plantei
pinheiro que eu cortei, já plantei de novo e vou colher! E, se Deus quiser, vou
tirar aquele que plantar mais uma vez! G.B.
O depoimento contribui para que se entenda que o ciclo da madeira,
conforme mencionado no primeiro capítulo deste trabalho foi importante para a
organização territorial local. Como essa atividade produtiva demanda grandes
extensões do território, parte dos reflorestadores possui áreas “pulverizadas”. A
maior parte está nos municípios de Cascavel, Guaraniaçú, Campo Bonito e
Diamante do Sul.
De acordo com a Emater/PR (2007)
12
, “O Paraná precisa plantar todo ano
uma área de 58.000 hectares de florestas para atender aos índices de consumo de
madeira registrados atualmente”. São aproximadamente 2.500 produtores na
atividade da agrosilvicultura paranaense. Ressalta-se ainda que “No Paraná, a
produção de madeira gera 72,2 mil empregos diretos e a exportação do produto
corresponde a 8,7% das vendas feitas pelo setor ao exterior”. (ibidem)
O mesmo documento aponta que a escassez da madeira proporciona uma
rentabilidade média anual de 40,1% para a cultura do eucalipto e 41,5% para o
pinus. Tal condição pode representar incremento de renda em propriedades
familiares. Contudo, no município de Cascavel, as iniciativas ainda são restritas.
As restrições referem-se a uma relativa complexidade do processo produtivo
envolvendo diferenciadas fases na gestão, o que inclui a terceirização. Isso ocorre
no plantio. No caso particular do produtor entrevistado, toda a atividade de
reflorestamento visa atender ao fornecimento de matéria-prima para a indústria
moveleira do grupo. Além desse fim específico, vale destacar que a atividade de
12
disponível em http://emater.pr.gov.br/emater/emater.php?mid=93. Acessado em 23/05/2007.
195
reflorestamento é vista por quem a mantém como oportunidade de investimento, ou
seja, como uma reserva de valor.
que se acrescentar, por fim, que atualmente, diante do comprometimento
dos recursos naturais e das crises climáticas que se acentuam, a questão do
reflorestamento e do manejo sustentável dessas áreas nas propriedades torna-se
cada vez mais imprescindível.
5.2.2
Caracterizações das áreas de produção agropecuária
5.2.2.1 Bovinocultura de corte e leite
Uma parcela importante do território rural local é ocupada com pastagens
cultivadas. Em 1995 eram 37.500 hectares e no ano de 2006 somavam-se 41.351
hectares. As sucessivas quebras de safra da soja e milho em função da estiagem
justificam, em parte, o aumento de 10,26% neste ano específico. Os baixos preços
tamm contribuíram para que determinadas áreas fossem re-orientadas produtiva e
economicamente para pastagens. (EMATER-PERFIL AGROPECUÁRIO, 1995-
2006). Nessa atividade há a participação de todos as categorias de produtores
indistintamente; o que os diferencia, primordialmente é a questão da incorporação
tecnológica.
Apesar da reconversão de áreas de lavouras para pastagens, esta evoluiu de
forma relativamente mais limitada se comparada à área ocupada para a produção
de grãos. Na região Oeste do Paraná, o plantel de bovinos teve um acréscimo entre
1996 e 2005. Nesse período, a bovinocultura de corte reduz o número de cabeças
de 73.500 para 72.845. No que tange à pecuária leiteira, ao contrário, há um
incremento bastante expressivo. Em 1996 eram 5.168 cabeças e no ano de 2005,
11.513. (EMATER-PERFIL AGROPECUÁRIO, 1995-2006).
De acordo com o IBGE - Censo Agropecuário publicado em 1975, o município
tinha um rebanho com finalidade de corte de 23.493 cabeças. O gado de leite
perfazia um total de 16.102 cabeças. A Figura 13 apresenta essa evolução e
destaca esse aumento no plantel a partir de 2004 e 2005, período este que coincide
com a crise na produção das lavouras temporárias.
196
0
20000
40000
60000
80000
100000
120000
1996 2000 2005
anos
quantidade de cabeças
bovinocultura de corte bovinocultura de leite
bovinocultura mista bovinocultura total
F
IGURA
13
-
G
RÁFICO
EVOLÃO DO REBANHO BOVINO NO MUNICÍPIO DE CASCAVEL NO PERÍODO
1996-
2006
F
ONTE
:
S
EAB
/
DERAL
E
MATER
(1996;2000;2006)
A questão dos preços ofertados pela arroba do boi influencia nas decisões de
expansão de áreas de pastagem e a ampliação da área para bovinocultura de corte.
Como o preço vem se mantendo em níveis reduzidos nos últimos 3 anos, ou seja,
2004-2006, a expansão do rebanho vem ocorrendo sem alterações técnicas e
investimentos mais acentuados. Para o ano de 2005, a cotação foi em média de
R$ 48,00, uma das mais baixas observadas nos últimos anos (MEZZADRI, 2006). O
autor ainda ressalta que o índice de abates de matrizes na categoria pecuária de
corte alcançou no ano de 2005, 50%. Em situações de preços mais favoráveis, os
abates de matrizes não ultrapassam 10% ou 20%.
Na escala de produção nacional, de acordo com o Anuário Brasileiro da
Pecuária (2006, p.13), “[a partir de 2003] o rebanho bovino tem crescido numa média
anual de 3 milhões de cabeças. [Em 2006 estava estimado] em 204,7 milhões de
cabeças, segundo dados do Conselho Nacional de Pecuária de Corte (CNPC).”
Nesse contexto, o estado do Paraná possuía, em 2004, 1.278.148 cabeças (IBGE,
Pesquisa Pecuária Municipal, 2007 (c)).
197
O mercado sinalizou no período 2005/2006, uma relativa perda de
rentabilidade da atividade. “[...] fazendo grande parte dos pecuaristas abaterem mais
animais do que se abateria em ocasião normal, criando um ciclo necessário para se
gerar renda, mas prejudicial ao mercado e principalmente ao proprietário.” (idem,
p.4).
Ainda há que se destacar, nesse sentido, que no ano de 2006 houve o
descarte de parte do rebanho para pagamento de dívidas de produtores rurais no
município de Cascavel. A ocupação do solo com pastagens voltadas à pecuária de
corte é maior na parte sul do território rural onde a declividade do terreno é mais
acentuada, dificultando sua mecanização. Mesmo com dificuldades, pequenos
produtores atuam na pecuária leiteira nessa região. Em 2001, de acordo com
diagnósticos técnicos do setor, verificava-se uma limitada produtividade de leite,
[7litros/cabeça/dia] em virtude das deficiências na alimentação do gado. O
diagnóstico no período em questão sinalizava para um rebanho formado por animais
mistos com baixa qualidade genética para a produção de leite e em mero
insuficiente para a produção econômica. (EMATER/PR Perfil da Realidade
Agrícola, 2001).
No que tange à bovinocultura de leite, de acordo com o Anuário Brasileiro da
Pecuária (2006, p.69) “O Brasil tem conseguido ampliar sua produção leiteira com
média superior à dos demais países com força nesse setor. Em 2005, os brasileiros
totalizaram 24,7 bilhões de litros de leite, 5,48% mais que em 2004.” Tal fato refere-
se tanto ao incremento no rebanho, quanto ao aumento da produtividade.
Especificamente na produção do leite, pode-se destacar, também, que a
região Oeste do Paraná configura-se como maior produtora de leite do estado. De
acordo com o Departamento de Economia Rural Deral (SEAB/DERAL, 2007, s/p.):
“O Paraé o 3º maior produtor de leite do país, com 10,3% da produção total
nacional, antecedido por Minas Gerais [1º lugar – 28,1%] do total e Goiás [2º lugar
10,8%]”. Vale acrescentar que no estado do Paraná, a produtividade média em
2005, [1.843 litros/vaca/ano] foi superior à produtividade média nacional de 1.193
198
litros/vaca/ano, considerada extremamente baixa diante dos principais países
produtores
13
.
Outro dado que merece destaque é o crescimento de 5,2% na produção
média mensal no período 2004-2005. Em 2005, a produção paranaense de leite foi
superior a 2,80 bilhões de litros, com produção média mensal de 210 milhões de
litros. (DERAL, 2007) Nesse mesmo período, o rebanho leiteiro no estado era
formado por aproximadamente 3.120.000 cabeças, cerca de 30% do rebanho bovino
total no estado. (MEZZADRI, 2005)
Nesse contexto, as pequenas estruturas poderiam obter maior possibilidade
de inserção no mercado local e regional. De acordo com Zardo (2003):
Após o período de desregulamentação do preço do leite que perdurou
até 1990, [...] a produção de leite teve um expressivo aumento na
quantidade produzida, a ponto de o país tornar-se quase que um exportador
de leite ao invés de importador do produto, estando bem próximo da auto-
suficiência. O aumento da produção da matéria-prima, contudo, não foi
acompanhado de um aumento respectivo na modernização e aumento de
produtividade do segmento dentro da porteira e as exigências do mercado
começaram a tornar-se mais significativas, a ponto de o governo intervir
novamente no setor lácteo, normatizando a qualidade do produto pressionado
pelas exigências do mercado consumidor através da indústria de
fornecimento de insumos modernos, deixando claro que é o capital que impõe
sua vontade. (idem, p.63).
Desse modo, a partir da implementação de legislação sanitária específica
para a produção do leite, poderá haver alteração na estrutura produtiva atual, com a
eliminação de produtores menos eficientes do mercado
14
. É importante atentar para
o fato de que, para o adequado cumprimento da legislação em vigor, exige-se dos
produtores, investimentos técnicos substanciais nas propriedades, o que diminui as
13
Dentre os principais países produtores destacaram-se, no ano de 2005, os Estados Unidos [80.150
mil/ton], a Índia, [38.500 mil/ton] além da Rússia, Alemanha e França. Disponível em
http://www.cnpgl.embrapa.br/producao/dados2002/producao/tabela0212.php acessado em
28/05/2007.
14
De acordo com o MAPA/DIPOA [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento/Departamento
de Inspeção de Produtos de Origem Animal], citado por Zardo (2003), “Na instrução normativa 51,
constam mudanças que atingem desde a propriedade agrícola até a indústria. De modo especial duas
mudanças [iriam afetar] diretamente o produtor rural: 1º.) o produtor deverá se tornar um especialista
em produzir leite e: 2º.) O leite produzido na propriedade deverá estar resfriado a 7ºC de temperatura
em até 3 horas após a ordenha, exigindo com isso refrigeradores de leite mais sofisticados e
instalações que permitam uma ordenha muito bem higienizada visando manter as características do
leite conforme sai do úbere da vaca.
199
chances de as propriedades familiares pouco capitalizadas se ajustarem a tais
exigências.
Em 2003, o segmento produtor de leite, no conjunto das atividades
agropecuárias, aquele que mais gera postos de trabalho, ou seja, 1,8 milhão de
fazendas leiteiras no Brasil, emprega perto de 5 milhões de pessoas (Boletim do
Leite, 2003).
Especificamente em Cascavel, no ano de 2005, 1.217 produtores atuavam na
pecuária leiteira. O Quadro 5, na seqüência, sintetiza alguns aspectos dessa
realidade.
Q
UADRO
5
-
P
RINCIPAIS ESPECIFICAÇÕES DA PECUÁRIA LEITEIRA NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
2005/2006
Especificações quantidade
Número de produtores de leite 1.217
Produtores que entregam leite aos laticínios 840
Vacas no rebanho leiteiro total* 17.338
Vacas no rebanho leiteiro [entrega de leite] 9.607
Kg de leite produzido/ano no município 16.133.000
* dado relativo ao ano de 2006
Fonte: EMATER elaborado por Sérgio Haroldo Heim, (2005); atualização por Jovir Vicentini Esser
SEAB/DERAL (2007).
Um aspecto que se destaca nas especificações do rebanho leiteiro no rural de
Cascavel é o elevado número de vacas que o mantidas na propriedade com fins
de subsistência, ou de eventuais processamentos agroindustriais com características
200
organizando a logística de coleta de leite a granel e enxugando o tamanho das
linhas” (ANUÁRIO BRASILEIRO DA PECUÁRIA, 2006, p.71). Outro fator a ser
considerado é o nível de preços obtidos pelo produtor pelo litro de leite. Nesse
sentido,
Se a produção nacional de leite teve incremento de 4,4 bilhões de litros entre
2000 e 2005, o preço ao produtor decresceu R$ 0,012, em média, no período
de 1995 a 2004. [...] além do baixo valor recebido, o pecuarista ainda sofre a
pressão em virtude do aumento de exigências sanitárias, do requerimento de
qualidade do leite e do aumento do volume entregue nas cooperativas e nas
indústrias. Por isso, a continuidade do crescimento da produção tem a sua
explicação nos ganhos de produtividade obtidos pelo setor primário. Na
verdade, a concorrência ao longo da cadeia Láctea proporcionou a redução
de preços ao consumidor e a melhoria e a diversidade dos produtos lácteos,
mas deixou para o produtor a conta a ser paga. (ANUÁRIO BRASILEIRO DA
PECUÁRIA, 2006, p.70).
O depoimento dos empresários rurais O.G e N.G, expressam os desafios
impostos na gestão do processo produtivo em consonância com o mercado
consumidor do leite
15
.
O leite é uma alternativa que permite rendimento mensal. Mas o leite precisa
de uma tecnologia aprimorada desde o momento da compra da novilha.
Desde que nasce; cuidar ainda no pré-parto, e hoje em dia, ganhamos em
termos de precocidade na inseminação. Antes se inseminava a novilha com
24 meses. Hoje se inseminam novilhas de 12 a 13 meses, com 350 quilos.
[...] Para isto é preciso técnica, nutrição, ração balanceada, acompanhamento
de especialistas na área. [N.G] . [...] É uma empresa, tem que se ter
quantidade e qualidade. [O.G]
Outro depoimento colhido que demonstra a possibilidade de capitalização de
pequenas propriedades familiares na pecuária leiteira foi o de J.N e N.N, casal de
produtores rurais familiares do reassentamento São Francisco de Assis, distrito de
São João do Oeste
16
. A questão da qualidade e da busca por produtividade e
ganhos na escala de produção pode ser alcançada em dimensões produtivas
inicialmente restritas, por meio de ajustes na função de produção e forma de gestão,
gerando ganhos ao produtor.
A primeira coisa... o nosso objetivo foi comprar animal de qualidade. Nós
não comprávamos animal pelo preço, nós comprávamos pela qualidade. É
cara a vaca! É cara! que temos que ver o custo-benefício. A vaca é cara
mas ela te retorno, te produção. Nós tivamos leite de oito novilhas,
15
Entrevista realizada em 01 de maio de 2007
16
Entrevista realizada na propriedade em 03 de dezembro 2006.
201
tivamos 220 litros de leite por dia, quando nós chegamos aqui. Nós o
tínhamos silagem. Era pasto... era um pouco brisantão, um pouco de
ração. Nós não tínhamos as coisas arrumadas. Mas o plantel foi aumentando.
Foi dali dois anos que nós compramos mais seis vacas. [...] No meio de 45
vacas, eu escolhi seis vacas... todas vacas boas... Aí que s aumentamos o
plantel...Nós já passamos a 400 litros dia. O preço do leite tamm melhorou].
[Um detalhe: ao longo desse período, o preço do leite variou muito. Reduziu,
aumentaram os custos de produção, produtores saíram do ramo, outros
entraram, e a família não mudou de idéia, permanecendo na atividade
leiteira] [A produtora ainda acrescenta as dificuldades relativas à
sazonalidade da produção leiteira, principalmente no inverno] [...] Você tem o
inverno, que é uma época boa [preço] que você faz a sua economia para se
manter no verão. Porque, geralmente todo o ano, no verão o preço do leite
cai bastante. o que você tem que fazer? Saber administrar o que você
ganha, em cima daqueles centavos que você ganha, você administrar a sua
propriedade sem “quebrar”. (J.N e N.N)
A questão relativa à incorporação tecnológica é outro desafio para os ajustes
necessários à produção leiteira. Muitas vezes os produtores familiares possuem
limitada clareza quanto ao dimensionamento dos equipamentos necessários à
atividade. Nesse caso, tornam-se “reféns” das empresas que atuam na cadeia
produtiva e que têm interesse na venda de tais equipamentos. Em certos momentos,
os produtores desenvolvem suas atividades com capacidade ociosa no que tange
aos maquinários necessários e, em outros, sub-dimensionam as necessidades de
produção, como atestam os produtores entrevistados:
Nós tínhamos, quando começamos, um resfriadorzinho de 300 litros. Não
coube mais o leite. Aí que vem um detalhe. O objetivo era pôr animal bom... e
aumentar o plantel em cima de animal bom! De genética. Não encher a
propriedade de animal ruim e produção, nada. Então, conforme nós íamos
aumentando o plantel, ia aumentando a produção... o resfriador não coube
mais, compramos um resfriador de 600 litros. Quando nós terminamos de
pagar o resfriador de 600 litros, não coube mais o leite. Nós compramos um
de 2.000 litros. Compramos a ordenha canalizada, porque nós já estávamos
com problemas nas costas por carregar tarros de leite. [...] Isso gerou um
investimento altíssimo. Foi, na época, todo o nosso rendimento mensal.
[Aí entra uma questão própria de exploração do mercado. [picaretagem] por
parte dos revendedores de ordenhadeiras. Isso ocorre porque para as
empresas vendedoras de máquinas e equipamentos é interessante que o
produtor não tenha clara noção da quantidade de litros a serem armazenados
e, dessa forma, tenha que constantemente mudar a configuração dos
equipamentos utilizados. Vendiam-se equipam338(r)-0.5461822(o)8.02983(n)8.02983(f-329.492 -11r)-0.546762(e)8.02983()-0.546762( )-246.1.25( )-3248.08( )-983(o)8.25( )-3m9.492 0 Td(r)-0.546762(ms247(m)-24.6989896(í)-7.-24.6915(o)8.02692(s)23.5049( ).5461825(o)8.02692(s)-0.319914( )278]TJ-341.5 -11.28 Td[( )-d)8.02838(u)ube-3248.08( )--16.2487(p)8.02838(a.8975(r)-0.548216(a)8)-15.795(d)8.03274(i)7.57614(m)-24.6944(e)8.02838( )-174.673(db48.08( )-983(o)8.25-0.546762()8.02983(e)-7.89896( )]TJ2(r)-0.546762(o)8-24.6944(e)8.02838( )8.02983(r)23.2781(m)-0.869583(a)8.02983(n)69.972( )-269.971( )--15.795(e)8.02983(r)-0.546762(ó)8-24.6944(e)8.02838( )248.08( )-983(o)8.25)8.02983(u)8.02983(t)-7.89896(o)87.89896( )15.9259(O)8.02983(r)-0.546762(ó)802983(r)-0.546762(r)-0.546762(e)8.1.72385.( ).502(s)-0..89896( )]TJ2(r)-0959741( )-150.847( )-150.848( )-150.847(p)8.02983(r)-0.546762(o)8.02983(d)8.02983(u)8 d(m)-24.69(t)-7.89896(á)546762(a)8.022983(g)8.02983(a)8. g a os
a-16.2487( )-174.671(b)8.02838(a)8.02838(s)23.5035(t)-7.8.25(d)8.02838(.022982696(É8.02983(s)23.02298269( )]TJ2(r)-0..02298269( .02983(m)-0.869583(i-7.89896( )-174.672(I)-98269u)31.8532(m)-24.6944(a)8.02983( (I)-98269u)-222.32(é)]TJ361.432 0 Td[( )-222.323(i)-16.2487(n)8.02983(t)-7..02983( )-7.89896(p)8.0298.02298269( )]TJ98269u).02298269( 6(p)8.0298 )-174.672(I)-98269u)46762( )-246.1.25( )-3248.08( )--15.795( )]TJ329.492 8.02983(n)8.02983(i4 )]TJ98269u).0.02983( 698.02983(h)8.J98269u).02983(t5n)8.02983(o)8.6762( )-246.147(a)8l
202
A fala dos produtores permite a compreensão das dificuldades pelas quais
passa a pequena produção familiar no que tange à possibilidade de inserção na
cadeia produtiva do leite. Sem qualificação no processo produtivo, torna-se difícil a
entrada em circuitos produtivos mais exigentes. Outra questão que merece atenção
diz respeito ao adequado uso do crédito. O casal de produtores entrevistados
trabalha com os recursos financeiros gerados na propriedade, minimizando a busca
por crédito de terceiros.
Contudo, aspectos como a melhora no preço obtido pelo litro de leite, ou seja,
aspectos de ordem conjuntural, pouco conseguem modificar questões de
estruturação técnica e econômica que muitas vezes dificultam melhoria na qualidade
dos componentes envolvidos na produção. No depoimento do Sr. L.C, pequeno
produtor familiar no município de Cascavel expressa-se tal dificuldade:
a gente é agricultor... ali fraquinho e depende da vaquinha de leite. O
problema é o preço em queda. O problema do leite é a vulnerabilidade do
mercado. Na questão da negociação quem perde é o produtor
17
Os depoimentos demonstram que a pecuária leiteira produz assimetrias na
questão da capacidade de inserção no mercado. Embora seja contínuo o processo
de incorporação tecnológica na pecuária leiteira, ainda prevalecem grandes
dificuldades no que tange à melhoria dos processos produtivos e tamm de
comercialização para uma parcela expressiva de produtores familiares.
Outro aspecto que não pode ser negligenciado é a forma de gestão da
propriedade. Os produtores mais capitalizados possuem mão-de-obra contratada,
gerenciando a atividade. Em outros casos, é o produtor familiar que diretamente atua
no processo de produção. Tal procedimento gera, muitas vezes, sobrecarga de
trabalho à família diante da necessidade de diversificação da propriedade para o
aumento na renda familiar. A Figura 14, na seqüência, explicita as principais
ligações desenvolvidas pela produção familiar na atividade leiteira em relação à sua
cadeia produtiva.
As ligações não específicas, ou seja, aquelas com limitadas exigências
contratuais, prevalecem na atividade leiteira desenvolvida no rural de Cascavel. É a
17
Depoimento colhido em 26/10/2006 no Sindicato Rural Patronal de Cascavel.
203
indústria de transformação do leite que intensifica as relações estabelecidas com o
mercado. As conseqüentes alterações tecnológicas que melhoram os processos
produtivos da porteira para dentro” são vinculadas ao relacionamento propriedade
rural e laticínios ou cooperativas e que se encontram subordinadas ao mercado.
F
IGURA
14
E
NCADEAMENTO PRODUTIVO NO SEGMENTO LEITEIRO NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
PR
Fonte: PIERUCCINI (1998)
Portanto, os encadeamentos estabelecidos no segmento processador do leite
contribuem para que novos processos modifiquem a produção e,
conseqüentemente, o território em sua utilização.
Indústria a
montante
Entrepostos de
resfriamento
Laticínios locais e
cooperativa
Mercado final
Produção de
leite
Laticínios
[outras regiões]
Ligações não específicas
Ligações específicas – contratuais ou integradas
204
5.2.2.2 Avicultura e suinocultura
Outro conjunto de atividades que contribui com ênfase para a intensificação
das atividades agropecuárias no território rural de Cascavel é a avicultura e a
suinocultura. O processo produtivo estrutura-se na integração com empresas
privadas ou cooperativas em 100% da produção no que tange às aves de corte. No
complexo brasileiro de carnes, a avicultura é a atividade com maior dinamismo.
Ressalta-se, ainda, que os investimentos em avicultura caracterizam-se por baixo
risco e remuneração, justificando-se como investimentos de longo prazo.
Na região Oeste, a avicultura de corte constituiu-se em alternativa econômica
importante para os produtores rurais, muito embora a longo prazo o processo de
integração tende a absorver produtores mais capitalizados. A Tabela 7 mostra as
principais características vinculadas à avicultura no município de Cascavel entre
2000-2005.
T
ABELA
7
-
A
SPECTOS PRODUTIVOS DA AVICULTURA NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
2000-2005.
V
ALORES
ABSOLUTOS E VARIAÇÃO NOS PERÍODOS
.
F
ONTE
:
S
EAB
-
DERAL
(2006)
*
ESTÁTICO
LEVANTAMENTO REALIZADO NUM PERÍODO DETERMINADO
De acordo com a Seab-Deral (2006), 16,8% do total de aves abatidas no
conjunto de municípios sob responsabilidade da regional de Cascavel foram
produzidas em Cascavel. Tamm a produção de pintainhos [< 1 semana] é
relevante e contribui para a distribuição nos aviários da região. A Tabela 7 ainda
demonstra que tanto no rebanho de aves de corte, quanto na produção de
pintainhos houve crescimento dos plantéis, justificando-se tal fato na intensificação
do processo de integração agricultura-indústria.
Aves de corte
Ano Estático*
[cabeças]
% abatidas
[cabeças]
% pintainhos
[cabeças]
% ovos
galados
[dz]
%
2000
4246808
- 25477085
- 44989232
- 3912499
-
2001
4411770
3,88 26470620
3.90 46105189
2,48 5091249
30,12
2002
4637000
5,11 27823204
5,11 64009294
38,83
3640646
-28,50
2003
4409495
-4,91 26456972
-4,91 76166696
19,00
4161956
14,31
2004
4790509
8,64 28743054
8,64 87666180
15,10
10332675
148,26
2005
5306772
10,77 31840632
10,78 115291646
31,51
7832048
-24,20
205
Através da parceria agroindústria-produtor o processo de integração toma a
sua forma mais característica. A empresa agroindustrial [cooperativa ou o]
firma um contrato de parceria, sendo que, em relação à avicultura,
especificamente o parceiro integrado à agroindústria é responsável pela
construção do aviário e aquisição dos equipamentos necessários à produção,
além do fornecimento da mão-de-obra, geralmente familiar, para o manejo
das aves, sendo esta uma responsabilidade contratual por parte do parceiro
integrado. Atribui-se ainda, ao produtor integrado, a responsabilidade com
água, gás para o aquecimento dos aviários e a maravalha. Quanto aos
demais aspectos da parceria, a empresa integradora fornece as aves, a
ração, a parte relativa ao frete, transporte de ração e transporte do frango.
Fornece ainda assistência técnica, tanto na parte gerencial da
propriedade, quando no manejo de atividades, além dos medicamentos.
(PIERUCCINI, 1998, p.182)
Essa estruturação específica com atribuições claras aos produtores
integrados permite que o capital, como mencionado anteriormente, aproprie-se
das atividades que anteriormente eram realizadas no interior da propriedade familiar.
Disso deriva a imposição de tempos e ritmos de transformação ajustados ao
mercado. Nesse sentido, o setor avícola pode ser diferenciado dos demais setores
da agricultura, dentre outros aspectos, pelo elevado grau em que a produção rural
se transforma e se subordina à moderna tecnologia via agroindústria.
Outro aspecto a ser salientado é que, nesse complexo, mais de 50% do
consumo intermediário na produção corresponde a insumos industriais [rações].
Além disso, 75% da produção não está diretamente destinada ao consumo final,
dirigindo-se aos setores industriais de abate e preparação de carnes. (SORJ,
POMPERMAYER e CORADINI, 1982; KAGEYAMA et.al. 1987)
Portanto, a dinâmica desse setor não pode ser compreendida a partir de si,
mas principalmente por meio de um conjunto de segmentos industriais que o
compõe. (KAGEYAMA et. al, 1987)
Destaca-se, assim, que em relação à região Oeste do Paraná, a criação de
aves é uma das atividades agrícolas que esboça ligações específicas, contratuais
bastante claras tanto a montante quanto a jusante à propriedade rural. Como bem
expressam Sorj, Pompermayer e Coradini (1982), graças a um campesinato
18
que
se coloca à disposição do capital integrador, com limitada mobilidade, que o capital
industrial se expande espacial e setorialmente cada vez mais em parcelas
importantes do território rural.
18
Aqui interpretado como produção familiar.
206
Quanto à suinocultura, esta obedece a processos de integração bastante
correlatos à atividade avícola. Para Winter, Braun e Lima (2005), a região Sul
configurou-se como a maior produtora de suínos no País, com aproximadamente
58,33% dos abates com inspeção federal no ano de 2000. De acordo com o
informativo BemParaná (2007), a suinocultura desenvolvida no estado do Paraná é
importante para a economia rural pois “[...] gera atualmente 217 mil empregos
diretos e 298 mil empregos indiretos”. O referido informativo ainda relata que a
suinocultura é desenvolvida em 136 mil propriedades sob regime familiar. No estado
do Paraná o plantel estimado é de 4,87 milhões de cabeças. Vale acrescentar que,
embora seja uma atividade relevante no estado do Paraná e em especial na região
Oeste, o setor vivencia uma profunda crise. [...] a crise no setor está
desestruturando principalmente os municípios da região Oeste, onde se concentra a
produção.” (BEMPARANÁ, 2007, s/p.). O informativo ainda relata:
A suinocultura vem passando por uma crise de excesso de oferta nos últimos
sete anos, agravada em 2005, quando ocorreu a febre aftosa no País. As
indústrias vinham ampliando a produção e estimulando mais produtores a
entrarem na atividade, se viram obrigadas a suspender as linhas de crédito
disponíveis, porque tiveram seus contratos de exportação cancelados. Com
isso, os produtores ficaram sem opção de venda e aumentou a oferta de
carne no mercado interno, provocando a derrubada nos preços.
(BEMPARANÁ, 2007)
Em 1975, o rebanho suíno estimado pelo Censo Agropecuário para o
município de Cascavel era de 78.312 cabeças. De acordo com os dados da
Seab/Deral (2006), em 2000, os suínos [raça] abatidos perfaziam 107.223 cabeças
no município de Cascavel. No ano de 2005, o número de cabeças abatidas foi de
131.583. Considerando os municípios abrangidos pelo Núcleo Regional de
Cascavel
19
, nesse mesmo ano foram abatidas 818.361 cabeças. O município de
Cascavel participou com 16,07% do abate de suínos.
Quanto ao número de produtores envolvidos nessa atividade, a Emater/PR
(2006) classificou, nesse período, 180 produtores criando matrizes e
aproximadamente 230 produtores, sendo que destes, dez caracterizavam-se como
produtores independentes e os demais, produtores integrados.
19
Dois núcleos regionais são responveis pelas estatísticas agropecuárias na região Oeste do
Paraná. Cascavel e Toledo. Especificamente para Cascavel, 28 municípios são atendidos.
207
Na produção independente o desafio imposto aos produtores volta-se à
inserção no mercado regional, que se apresenta como uma das possibilidades
diante de escalas maiores que exigem maior capacitação técnica e financeira
daqueles. Vale acrescentar que ainda é limitada a capacidade de organização dos
produtores de suínos diante do processo produtivo das grandes empresas, o que
contribui para que se acentue sua descapitalização no contexto de crise pela qual
vem passando o setor. Embora existam dificuldades para inserção tecnológica
decorrentes, sobretudo, da limitada capacidade de capitalização nas atividades
pecuárias, estas podem ser consideradas, em síntese, expressivas no rural de
Cascavel. A Tabela 8 expressa a participação relativa das atividades pecuárias no
município de Cascavel no conjunto de 29 municípios pertencentes ao Núcleo da
Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Paraná – Regional Cascavel.
T
ABELA
8
C
ARACTERÍSTICAS DA ATIVIDADE PECUÁRIA NO CONJUNTO DA
S
EAB
REGIONAL
C
ASCAVEL E
MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
2005
Plantel
bovinos
corte[cb]*
[%] Plantel
bovinocult.
leiteira [cb]
[%] Produçao
Leite [lt]**
[%] Aves
abatidas
[cb]
[%] Suíno
raça
abatido
[cb]
[%]
[1] 99435 14
21100
11
34000000
8
31840632
17
131583
16
[2] 716015
100
185136
100
417621000
100
189528151
100
818361
100
[1] Município de Cascavel
[2] Regional SEAB – Cascavel
* cb – cabeças
** lt - litros
Fonte: SEAB/DERAL CASCAVEL, FPM 2004/2005 organizado pela autora
No conjunto das informações apresentadas na Tabela 8, observa-se que para
o ano de 2005, a produção de aves e suínos obteve percentuais mais expressivos
em relação ao contexto regional se comparada as demais atividades da pecuária,
como a pecuária de corte e leite. A presença da coooperativa local contribui para
essa dinâmica. Nas palavras de C.M, especialista na comercialização de grãos
20
:
A industrialização e as novas opções basearam-se muito na produçao de
carnes, esse é um segmento que veio a favorecer especialmente aquele
produtor vinculado à pequena propriedade. A evolução do agronegócio e a
industrialização foi muito expressiva, não dúvida. [...] e o próprio
agronegócio, se houver uma desburocratização na criação de empresas e
alguma redução tributária, ou até sintetização dos tributos, acho que vai
favorecer muito a abertura de novas empresas do agronegócio. O
agronegócio, nós pensamos muito como grandes empresas. Na verdade a
desburocratização [...] o supersimples deve contemplar as pequenas
empresas. É a pequena empresa de embalagem, é a pequena empresa de
20
Entrevista realizada em 06 de dezembro de 2006.
208
transporte, é a empresa de certificação. Enfim, são pequenos negócios que
podem ser incluídos na cadeia produtiva. Empresas que vão oferecer
serviços de comercialização, de gestão, de terceirização. São “n” segmentos
que podem se instalar e contribuir muito nisso. Tem que se observar o
agronegócio não mais como produção no campo, mas como um todo, no
âmbito empresarial. Partindo dessa produção agropecuária, s temos que
desenvolver os negócios, empresas que vão industrializar isso. Você veja que
em poucos anos, nós tivemos da produção pura e simples de carcaças de
frango, nós temos a alguns anos o frango empanado e pedaços de frango
cozidos, pré-cozidos. Nós temos, sobremesas, pizzas prontas, iogurtes de
toda a sorte. Então já uma evolução na produção dos bens bastante
diversificada. O que falta melhorar ainda é a prestação de serviços e na
terceirização nesses serviços. [...]
Em resumo, as atividades agrícolas tem uma significativa importância na
organização territorial rural do município
21
. Vale acrescentar que em tais atividades é
primordial a utilização das novas tecnologias. Sobre a intensificação das atividades
agrícolas no território rural de Cascavel, é importante lembrar tamm a observação
de Ramos (2001, p.385). Para a autora: O peso dos novos componentes técnicos
permite diminuir e até mesmo eliminar muitas das conseqüências de condições
naturais adversas, mas ao mesmo tempo acentuam-se distorções na sociedade”. Tal
situação decorre da elevada concentração de ganhos nas mãos de poucos
produtores. No caso da pecuária leiteira, em que é expressivo o número de
produtores, ainda que pouco tecnificados e, tratando-se do complexo carne, ou seja,
avicultura e suinocultura integradas, tal afirmação ganha força.
Outra observação interessante, acerca da subordinação do produtor rural em
suas “escolhas” de produção e conseqüente estruturação produtiva das
propriedades e do uso do território é apresentada por Amin (1977):
[...] Ora, o produtor de troca não é um pequeno produtor mercante, apesar
das aparências. A administração e o capital inserem-se no processo produtivo
e comandam-no verdadeiramente. É rico o arsenal de meios administrativos
posto em funcionamento para obrigar o camponês a produzir aquilo que
querem que produza, da maneira como querem: há, desde uma ordem pura e
simples, à velada [a da imposição pelo dinheiro, quando o ameaçam de lhe
comprar um só produto] ou à obrigação decorrente da ação dita de promoção
ou modernização dos serviços do ‘quadro rural’ [divulgação acompanhada de
vendas de material praticamente forçadas: arados, semeadores, enxadas,
inseticidas, adubos], ‘sociedade de previdência’ e ‘cooperativasetc. A
intervenção constante da administração do processo produtivo condiciona e
21
Embora não tenha sido tratada diretamente no conjunto desse item, deve ser destacada ainda a
piscicultura, em especial a produção de peixes ornamentais. No ano de 2006 foram produzidos
aproximadamente 4 milhões de alevinos em uma única propriedade localizada no Distrito de Espigão
Azul.
209
completa a do capital, tanto na parte visível do mesmo comércio colonial e
agentes subalternos, transportes quanto na parte ‘invisível’ a parte
submersa do iceberg, isto é: o capital das indústrias de transformação...
(idem, p.30-31)
22
Nos processos agrícolas em questão, percebe-se a intensificação na
intervenção mencionada por Amin (1977), principalmente quando se trata de
processos de integração. A questão tecnológica e as exigências do mercado
contribuem para que as estruturas familiares produzam novas territorialidades nesse
rural, embora vinculadas, em inúmeros casos, ao capital das indústrias de
transformação.
Mesmo com uma acentuada industrialização relativa aos processos agrícolas
engendrados no território rural de Cascavel, as atividades agrícolas ainda são
vulneráveis à natureza, gerando, portanto incertezas quanto aos processos
produtivos. Para Cavina (1979, p.55), “[...] o produtor agropecuário depende de uma
forte contribuição da natureza, isto é, de fatores que estão inteiramente, ou quase,
fora de seu controle”. Isso significa que o homem procura imitar e conduzir os
fenômenos naturais segundo os seus interesses. “Daí, muitas vezes a produção de
bens que ele deseja possa ser prejudicada por uma alteração na seqüência, na
oportunidade ou na intensidade de um fenômeno natural”. (CAVINA, 1979, p.55).
[...] faltando chuva, não nasce planta; faltando chuva o cresce o pasto e o
gadoo terá o que comer. Às vezes o homem consegue substituir ou
completar a natureza, a custos muito variáveis, assim como em terras secas
colherá quando houver irrigação. [...] muita incerteza atinge a produção
agrícola e na sua defesa o produtor não consegue seguro para proteger-se
contra as adversidades, porque contra os riscos e as incertezas da produção
agropecuária bem pouco o homem pode fazer além de assumir os ônus
correspondentes. (idem, p.55-56)
Como então se organiza o território diante de atividades complexas e
vulneráveis como aquelas vinculadas à agricultura? A estrutura pertinente à
produção agrícola familiar, as possibilidades de sustentabilidade associadas tamm
às atividades não-agrícolas, a necessária incorporação tecnológica para o aumento
da capitalização caracterizam-se como objeto de análise do próximo item.
22
O autor descreve a realidade da industrialização da agricultura em diferentes países
210
5.3
O
S PRODUTORES RURAIS
,
AS ATIVIDADES NÃO
-
AGRÍCOLAS E O TRABALHO PLURIATIVO
O primeiro item analisado neste capítulo contribuiu para a afirmação de que
as atividades agrícolas e sua vinculação com outras estruturas de produção e
comercialização são fundamentais na promoção das atuais territorialidades rurais no
município.
Nesse sentido, Montoya e Guilhoto (2001, p.180) esboçam um
questionamento interessante considerando a intensificação das relações da
agricultura na organização industrial: “As tendências das estruturas de mercado das
indústrias a montante e a jusante do agronegócio brasileiro o benéficas ou
adversas às atividades econômicas do agricultor familiar?” A proposição desses
autores conduz a novas análises, considerando, de modo particular, as estruturas
produtivas familiares em suas diferenciações e a construção das territorialidades
agrícolas no rural de Cascavel. Vale acrescentar que no caso específico de
Cascavel, a dinâmica do agronegócio influencia sobremaneira as atividades rurais e
permite que estruturas produtivas empresariais obtenham ganhos mais significativos
do que a pequena agricultura familiar.
As estruturas produtivas familiares sofreram profundas alterações no contexto
da modernização e o desenvolvimento agroindustrial tem produzido processos
específicos que contribuem para a manutenção e reprodução das estruturas
produtivas familiares na agricultura local, ainda que processos de exclusão se façam
cada vez mais presentes.
Desde 1960-1970 pode-se afirmar que a agricultura familiar compreende,
em todos os países, uma agricultura muito diferenciada em todos os aspectos
relacionados ao seu conceito histórico. Sofreu grandes transformações desde
sua origem, caracterizando hoje um conjunto bastante heterogêneo de
sistemas produtivos, mas é certo que, em todos os países, ela é identificada
como aquele segmento da agricultura que efetivamente constitui a base da
produção agropecuária. (CONJUNTURA ECONÔMICA, 2005, p.35)
Em Cascavel, uma parcela dos produtores rurais familiares conseguiu obter
níveis de capitalização e adquiriu status empresarial, o que ampliou suas diferenças
frente aos pequenos agricultores familiares pouco capitalizados. Tais diferenciações
211
vinculam-se aos padrões tecnológicos e Graziano da Silva (2003, p.138) observa, no
que tange à modernização da agricultura brasileira,
[...] que este [padrão tecnológico] esteve voltado para a expansão do
complexo agroindustrial [a montante e a jusante da agricultura] e que o
mesmo ainda não foi totalmente absorvido pelos pequenos produtores, o
que os conduziu a um crescente diferencial de produtividade com relação às
unidades que puderam se modernizar intensamente.
Portanto, o fator limitante na modernização da agricultura familiar reside,
fundamentalmente, na incompatibilidade entre escala mínima de produção requerida
pelos condicionantes técnicos e a insuficiência dos recursos produtivos e financeiros
por parte do setor.
“As transformações impostas pela expansão da produção capitalista desde
mudanças técnicas, o grau de endividamento, etc. até a especialização de uma
região num produto – pressionam as pequenas unidades familiares [...]” (GRAZIANO
DA SILVA, 2003, p. 215). Conseqüentemente isso as obriga a mudar de padrão,
para conseguir sobreviver; caso contrário, são expulsas do mercado.
Mais importante do que os problemas da adequação tecnológica, trata-se de
discutir a questão da apropriação dos frutos do aumento da
produtividade que a modernização traz consigo, o que remete, portanto, ao
poder relativo de cada uma das classes ou frações de classes envolvidas
nessa disputa. (Graziano da Silva 2003, p.11)
É importante compreender as relações sócio-produtivas estabelecidas pelos
produtores familiares com o mercado bem como das estruturas empresariais.
Quanto aos produtores familiares, isso interessa, pois subsidia a análise das
estratégias de reprodução no rural de Cascavel e suas respostas no âmbito do
território local, considerando, inclusive, as atividades não-agrícolas
23
.
Para a apresentação das principais configurações relativas às estruturas
produtivas rurais, são analisados aspectos relativos às propriedades bem como o
nível tecnológico e as possibilidades de reprodução do capital nesse contexto. Outro
aspecto que merece atenção é o posicionamento dos produtores rurais no momento
da comercialização de sua produção.
23
Metodologicamente, a estruturação proposta para a discussão do item em questão vincula-se às
edições do Censo Agropecuário (IBGE) e aos depoimentos colhidos junto as produtores rurais
212
5.3.1 A condição de sustentabilidade do produtor rural e a dinâmica pluriativa
Um dos principais indicativos para que se compreenda o lugar das estruturas
produtivas rurais no território diz respeito às territorialidades que ali são produzidas.
Apreendeu-se, que a ruralidade como expressão do território se elabora no contexto
das intensas modificações que são impostas pelo sistema capitalista. O valor da
propriedade familiar, as estratégias dos segmentos produtivos empresariais e a
condição de reprodução de cada um se orientam nessa lógica. Porém, existem
particularidades no rural que obrigam a tecer uma nova reflexão sobre os motivos e
as expressões que são concebidas pelos atores nesse ambiente rural. Como
apontar tais características no território rural de Cascavel?
Em 1995, 84% dos estabelecimentos agrícolas estavam em mãos de
proprietários. Os demais eram explorados por arrendatários, parceiros e ocupantes
que exploram atividades de subsistência conforme apresenta o Quadro 6.
Q
UADRO
6
-
C
ONDIÇÃO DO PRODUTOR NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
1995-1996
Condição do produtor
Total
Estabelecimento Área
Proprietário 2178
154720
Arrendatário 206
13064
Parceiro 76
1679
Ocupante 131
2722
Totais 2591
172185
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário1995-1996.
A título de ilustração no que tange a esse processo, de acordo com o Censo
Agropecuário publicado em 1975, o Extremo-Oeste do estado do Paraná possuía
370.564 pessoas ocupadas nas atividades rurais. Especificamente em Cascavel, das
28.673 pessoas ocupadas, 80% eram responsáveis pelos estabelecimentos e ainda
membros não remunerados da família sendo, portanto, reduzida a participação de
empregados em trabalho permanente nos 7.011 estabelecimentos recenseados na
região Oeste naquele período
24
(IBGE, Censo Agropecuário,1975).
No período seqüente, ou seja, ao longo da cada de 1980, essa forma de
agricultura que se ajustou aos diferentes “impactos tecnológicos” diferenciou-se
24
A diminuição no mero de estabelecimentos deve-se aos sucessivos processos emancipatórios
de distritos pertencentes a Cascavel.
213
ainda mais daquele modelo estruturado na policultura e na criação com limitada
mercantilização praticado na região Oeste do Paraná.
A ocupação de pessoal nas atividades agrícolas do município, de acordo com
o IBGE - Censo Agropecuário de 1995, era expressiva em atividades relativas às
lavouras temporárias. O referido censo computava 8.124 ocupações nos 2.591
estabelecimentos; dessas, 3.862 pessoas encontravam-se ocupadas em atividades
relativas às lavouras temporárias. Tamm a pecuária respondia com 2.271
ocupações naquele momento.
Uma das principais características encontradas nas propriedades rurais locais
é a manutenção de um “relativo” controle dos processos de produção. Essa
autonomia, ainda que mais restrita nas estruturas familiares do que nos segmentos
empresariais de ser verificada em diversas atividades agrícolas e não-agrícolas.
Em algumas propriedades familiares entrevistadas, a renda agrícola é
complementada fora da propriedade rural em função da tecnificação dos processos
produtivos que antes demandavam maior tempo de trabalho familiar. No que tange
aos segmentos empresariais, uma parcela dos entrevistados afirmou ter outras
fontes de renda vinculadas ao comércio, indústria e serviços.
As maiores rendas auferidas nas estruturas rurais são aquelas decorrentes de
atividades especializadas no contexto da agricultura empresarial. Já a estrutura
familiar possui maior diversificação e o consumo para a subsistência verifica-se
naquelas propriedades cuja capitalização é mais limitada. Nesse caso, verifica-se
que a renda não monetária é mais equilibrada em comparação às demais estruturas
familiares.
O que isso significa em termos de controle dos processos de produção e
sustentabilidade nessas estruturas rurais? Pode-se afirmar que a agricultura com
características empresariais tende a especializar-se e intensificar as escalas de
produção. Contudo, isso não significa que em imeras estruturas familiares, os
investimentos sejam limitados e o grau de capitalização incipiente. Em muitos casos
é comum a opção por um determinado segmento agrícola justamente pela
necessidade de melhoria dos processos produtivos e incorporação tecnológica.
Assim, é a realidade dos contrastes que produz o território rural. Nesse caso, quanto
214
mais restrita a renda, maior é a probabilidade de haver complemento de renda fora
das propriedades. As observações elaboradas pelo casal de produtores familiares
consolidados, T.D e C.dQ, ilustram esta realidade tão comum à essas estruturas.
A produção de queijo é para a venda. Começou para o consumo próprio e o
que sobrava eu vendia, numa cantina, de um amigo, daí a fiscalização
começou a pegar. Hoje tenho selo de inspeção municipal, alvará de
funcionamento. Daí que ele [o marido] briga para parar de produzir, mas no
fim, é ele quem trata as vacas. E tem boa saída o meu queijo, aqui na
cantina de Espigão Azul, num supermercado na cidade. Agora uma rede
grande se interessou. Mas daí ele vão querer muita quantidade...[a escala
de produção é mais restrita] Aumentar a produção, colocar mais vacas,
ordenhadeira; hoje eu tenho quatro vacas e tiro leite manualmente.
Nesse aspecto, um importante complemento de renda na propriedade cuja
atividade principal é a produção de soja, milho e trigo. Nas palavras do produtor
C.dQ, “[...] não parece, mas sempre sobra um bom dinheirinho desses queijos,
porque são poucas vacas e o custo é baixo”.
Uma condição que aos poucos vai sendo construída nesse contexto é que a
pluriatividade dos agricultores, principalmente familiares implica a ampliação de suas
competências, inclusive para assumir atividades não-agrícolas que se expandem no
meio rural. Para Wanderley (2000, p.121) isso significa “[...] a reconstrução de sua
própria identidade profissional [...]” por meio de sua modernização. Assim, três
traços fundamentais são apresentados pela autora: “a centralidade do lculo, a
necessidade da polivalência e o individualismo”. Esta profissionalização reflete
novos traços do produtivismo, pois a lógica da racionalidade econômica é permeada
de técnica e eficiência.
Este neoprodutivismo é herança de uma tipificação anterior que em países
centrais como a França, valorizava o agricultor profissional” como o modelo ideal de
agricultor. Como condição de agricultor, a relação mais importante no rural era a
setorial, sendo esta a sua referência de competência profissional.
Atualmente, valoriza-se a flexibilidade e a capacidade que os produtores rurais
possuem de estender suas competências para além da produção agrícola, atuando
ainda nas fases de industrialização e comercialização dos produtos. Neste caso, “a
agricultura pode vir a ser um padrão prototípico para o trabalho flexível e para as
215
relações multidimensionais e simbólicas entre capital e trabalho, agrário e não
agrário”. (WANDERLEY, 2000, p.124)
o se pode deixar de mencionar que uma relativa busca pela flexibilidade,
principalmente em relação ao trabalho feminino na propriedade; a agricultura procura
seu espaço na formulação de novas atividades, numa dimensão pluriativa, contudo,
esbarra, muitas vezes, na especialização produtiva, principalmente nas propriedades
familiares, com características empresariais que cultivam grãos. Como relata a
produtora T.D: “[...] peço para deixar um pedacinho de terra para eu plantar minha
horta, meus produtos, porque faço conservas caseiras, mas quando vejo, foi
semeado soja e o veneno mata minha produção [...] esse ano tive que plantar na
horta, mas o espaço é pequeno e preciso aumentar a área para aumentar minha
produção de conservas.”
Outra interpretação sobre a presença de atividades não-agrícolas no território
rural, segundo Queiroz, Lemos e Biazi (2004) caracteriza um contexto de crescente
urbanização das atividades rurais. Desse modo, duas possibilidades são destacadas
para a dimensão pluriativa. “Esta conjugação de pessoas envolvidas na
agropecuária e em atividades do setor não-agropecuário na mesma família pode
representar uma estratégia de sobrevivência ou até mesmo uma estratégia
competitiva da família pluriativa.” (idem, p.18)
Vale acrescentar que, ainda em Chayanov (1977) tais atividades eram
consideradas parte de um conjunto de estratégias que visavam exclusivamente ao
bem-estar da família. Nesse caso, o fato de serem intensificadas tais atividades não
necessariamente faz com que a família perca sua racionalidade nem a essência de
seu conjunto de valores. Como afirma Schneider (1994, p.116), a unanimidade nos
teóricos que seguem a linha chayanovista, está na “[...] aceitação da idéia de que a
unidade de produção familiar é composta pela união entre fatores de produção e a
família trabalhadora.”
É importante lembrar que uma grande parte da condição necessária à
pluriatividade vem das demandas urbanas. Nesse sentido, existem fortes
correlações entre as estruturas urbanas e as atividades desenvolvidas pelo rural no
município de Cascavel. Desse modo, ampliam-se as possibilidades de reprodução
216
do capital no meio rural, muito embora os agricultores, em sua maioria, estejam
subjugados pela lógica da acumulação num ambiente produtivista. Essa decorre, em
grande parte, da reestruturação tecno-econômica e da produção agropecuária dela
dependente, iniciada com o evento da modernização da agricultura. O Quadro 7
apresenta as principais características das atividades de agroindustrialização nas
propriedades familiares assistidas pela Emater/PR no município.
Q
UADRO
7
-
C
ARACTERÍSTICAS DA TRANSFORMAÇÃO E AGROINDUSTRIALIZAÇÃO
-
N
O
.
DE UNIDADES
ARTESANAIS
*,
CAPACIDADE INSTALADA E PRODUÇÃO FÍSICA ANUAL NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
-
2006
N
O
UNIDADES ARTESANAIS
PRODUTOS
EXISTENTES
ASSISTIDAS
CAPACIDADE
INSTALADA
/
DIA
[
TOTAL
EXISTENTE
]
PRODUÇAO
FÍSICA
/
ANO
TOTAL
aguardente 2
1
600 l
3.500 l
melado 5
2
1.000 kg
5.000 kg
vinhos e licores 2
-
100 l
2.000 l
doces 6
4
8.000 kg
30.000 kg
fubá 1
-
300 kg
5.000 kg
derivados de leite 1
1
200 kg
1.500 kg
embutidos e defumados 5
3
5.000 kg
300.000 kg
F
ONTE
:
PERFIL DA REALIDADE AGRÍCOLA
2006.
E
MATER
/PR
* as unidades artesanais o definidas como pequenas unidades de transformação de produtos com
características basicamente familiares, podendo ou não ser registradas.
O Quadro 7 expressa parcialmente a realidade das atividades agroindustriais
realizadas de forma artesanal em algumas propriedades familiares. Mesmo que não
se tenha suporte estatístico quantitativo mais elaborado a esse respeito, pode-se
afirmar, com base nas entrevistas realizadas, que são muitas as propriedades que
desenvolvem algum tipo de processamento dos excedentes com vistas ao mercado
local e tamm para consumo próprio. A produção de doces, compotas, bolachas,
vendidas nas próprias comunidades rurais, a panificação e o fabrico de queijos sem
inspeção e vendidos de forma pulverizada, sem pontos de venda definidos, é
comum no interior do município e tamm na área urbana.
Outro aspecto que contribui para essa prática, é a elevada fragmentação dos
estratos de área até 50 ha, o que induz muitas famílias a buscar alternativas para a
ocupação da mão-de-obra em atividades não-agrícolas. Nesse caso, normalmente
os filhos mais jovens saem em busca de oportunidades para a geração de renda ou,
em outras situações, abandonam a propriedade rural familiar ingressando no
mercado urbano. A entrevista com o Sr. D,
um dos poucos moradores da “Linha
São Miguel” no distrito de Juvinópolis onde se configuram áreas de pecuária
217
extensiva, auxilia no entendimento dos processos migratórios pelos quais passou o
território rural do município.
Aqui, quandos chegamos, tinha gente que nem formiga. Depois... foi
vendendo, foi saindo, trocava [a terra]. Foi saindo todo mundo daqui. Era tudo
sitiozinho pequeno não! O sítio maior que tinha por aqui era de 10 alqueires.
[aproximadamente 24ha] No mais, eram sítios de sete, oito, cinco alqueires
produzindo milho e feijão. Na medida em que o tempo foi passando, foi só
gente comprando e virando em pasto. Como esse aqui, meu, vendi e o
homem que comprou está roçando e fazendo pasto.O pessoal, a maioria,
foi todo para a cidade. [falando tamm dos vizinhos]. Na verdade, está
difícil para todos, todo mundo indo embora. Mas a gente tem que batalhar
alguma coisa, mexer com leite, ter um gadinho, porque senão...
Na porção sul do território rural, principalmente nos distritos de Juvinópolis e
Rio do Salto, é bastante apropriado o dito popular de que “pé de boi espanta o
homem”. A orientação produtiva para inúmeras famílias, ainda em meados da
década de 1980 voltava-se à policultura de subsistência, conseqüentemente, tinha
baixa dependência do mercado, mas elevado contingente populacional e
comercialização de gêneros primários como arroz e feijão nos pequenos municípios
lindeiros. À medida que avançou a pecria extensiva no território, muitas
comunidades desapareceram. O Sr. D continua sua leitura do processo de
esvaziamento populacional na região onde mora.
Uma fazenda sendo grande, por exemplo de 1.000 alqueires; cinco ou seis
peões tomam conta. Aqui, quando tinha sitiozinho, todo mundo trabalhava
!. Todo mundo trabalhava e ia. Agora não, a fazenda ocupa pouca gente e
com pouco serviço, [...] boi de engorda é pouco serviço. , a comunidade vai
morrendo, vai acabando, no lugar de ter 50 famílias, tem três ou quatro.
Os poucos moradores da Linha São Miguel dependem da atividade
leiteira em escala bastante restrita, com baixa remuneração e a condição de
manutenção da propriedade torna-se difícil. O depoimento em questão configura-se
como exemplo da condição de marginalização na produção familiar.
Portanto, o que pode ser deduzido, de inúmeras discussões sobre a
coexistência de atividades não-agrícolas e agrícolas é que aquelas emergem de
condições fundiárias, técnicas e operacionais pré-existentes no ambiente agrário. No
caso das territorialidades que decorrem da modernização da agricultura na região
Oeste, percebe-se um caráter contraditório em relação a esse processo. Produtores
218
familiares consolidados relatam as condições anteriores à modernização como
precárias e limitadoras à capitalização da propriedade. Ao contrário, os produtores
familiares com maiores limitações cnicas vêem o referido processo com um
relativo pesar. Nas palavras do Sr. D:
E tudo o que você plantava quando você colhia, tinha onde você vender.
Hoje, se você plantar um milho, um feijão, que seja, você vai pagar R$100,00
num saquinho de sementes. Quando você vai vender, esR$8,00, R$9,00...
daí vai indo que o trabalhador desanima. ninguém quer mais tocar roça. O
leite...quando vai bem [produtividade no verão], aí é R$0,30, R$0,35...
25
É preciso, portanto, considerar que numa mesma área, ainda que as
produções agrícolas predominantes sejam via de regra, commodities, a
heterogeneidade é fato. Há, na verdade, heterogeneidade e complementaridade.
Desse modo, pode-se falar na existência simultânea de continuidades e
descontinuidades”. (SANTOS, 2001, p.90). As atividades rurais são complementares
àquelas desenvolvidas no urbano e sugerem continuidade, principalmente no que
tange aos processos agrícolas, mediante a utilização intensiva de insumos
industriais e obedecendo a critérios mais rígidos de produção. A configuração do
produtivismo na agricultura ainda neste período mais recente possui características
essencialmente setoriais influenciando sobremaneira a construção das
territorialidades no rural de Cascavel.
No que diz respeito às atividades não-agrícolas, essas são descontínuas, pois
dependem de inúmeros fatores para que possam ser efetivadas. Pode-se
mencionar, como exemplo, as dificuldades como a ampliação das demandas no
urbano que acirra a concorrência dos produtos industrializados diante dos
artesanais, a necessidade de maior qualificação da mão-de-obra do agricultor diante
do exercício de novas funções ou ainda a dependência de regulamentações
específicas para a comercialização dos produtos ou serviços ofertados pelos
produtores rurais.
Muito embora as atividades agrícolas sejam expressivas no rural de Cascavel,
novos papéis o atribuídos ao rural, e implicam seu fortalecimento perante a
crescente demanda do urbano.
25
Na questão do leite é importante salientar que a produtividade e a inserção de componentes
tecnológicos é quase nula.
219
Hoje as cidades não precisam mais de gente, e a economia não depende
mais dos excedentes agrícolas exportáveis. O papel da agricultura, ao
contrário, deve ser reter mão-de-obra no campo, apoiar a rede de pequenas
e médias cidades (para desconcentrar as atividades dimicas) e baixar o
custo da alimentação (para ampliar mercado interno). (BENJAMIN
et.al.,1998,p.85).
Isso o necessariamente significa que as condições de reprodução do
agricultor tenham sido facilitadas, ao contrário, existe uma racionalidade que
permeia esse processo e sob a qual as novas atividades da agricultura estão
estritamente vinculadas. Disso decorre a pluriatividade.
A pluriatividade e o assalariamento rural (ou não), acrescentarão novos
ingredientes para a conformação básica da sociedade capitalista, com
desdobramentos que vão fragilizar ainda mais o trabalho, tanto do ponto de
vista do emprego, do que fazer, quanto da divisão do bolo, ou da riqueza
socialmente produzida, que faz do trabalho capitalista instrumento de
dominação. (THOMAZ JR, 2004 p.115).
Nessa dinâmica, é crescente a homogeneização imposta pelo mercado. Assim,
o “pluriativo” agricultor e a propriedade rural multifuncional caracterizam-se tamm
como respostas dadas pelo rural às exigências da globalização.
Dá-se na realidade, também, uma certa militarização do trabalho, que o
critério do sucesso é a obediência às regras sugeridas pelas atividades
hegemônicas, sem cuja utilização os agentes recalcitrantes acabam por ser
deslocados. Se entendermos o território como um conjunto de
equipamentos, de instituições, práticas e normas, que conjuntamente movem
e são movidas pela sociedade, a agricultura científica, moderna e
globalizada, acaba por atribuir aos agricultores modernos a velha condição
de servos da gleba. É atender a tais imperativos ou sair (SANTOS, 2001,
p.85).
As alterações no conjunto da mão-de-obra obedecem aos imperativos
mencionados pelo autor. Definem-se estratégias para a utilização do trabalho
contratado, inclusive nas estruturas familiares. O Quadro 8 apresenta a mão-de-obra
empregada nas estruturas produtivas rurais do município em 1995.
220
Q
UADRO
8
MÃO
-
DE
-
OBRA EMPREGADA NAS ESTRURAS PRODUTIVAS RURAIS
FAMILIAR E PATRONAL
/
ANO
NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
N
UMERO UNIDADES DE TRABALHO
N
ÚMERO DE ESTABELECIMENTOS
CATEGORIAS
FAMILIAR
CONTRATADA
E
MPREGADOS
PERMANENTES
C
ONTRATA
EMPREITADA
T
OTAL FAMILIAR
4.936
263
148
938
M
AIORES RENDAS
1.724
116
64
259
R
ENDA MÉDIA
1.458
32
23
327
R
ENDA BAIXA
605
8
5
113
Q
UASE SEM RENDA
1.149
107
56
239
P
ATRONAL
745
2.903
495
155
I
NSTITUIÇÕES RELIGIOSAS
4
3
3
0
E
NTIDADES
P
ÚBLICAS
10
11
5
1
N
ÃO IDENTIFICADO
-
-
-
-
T
OTAL
5.695
3.180
651
1.094
F
ONTE
:
C
ENSO
A
GROPECUÁRIO
1995/96
C
ONVÊNIO
INCRA/FAO
Considerando as unidades de trabalho existentes no meio rural, o Quadro 8
permite afirmar que aproximadamente 65% do trabalho empregado em estruturas
familiares é proveniente do conjunto “maior renda e renda média familiar” no
território rural do município. Quanto ao trabalho familiar na categoria patronal, este
perfaz 13,1%. Em relação à mão-de-obra contratada, é natural que ocorra uma
inversão nessas categorias; o trabalho contratado na categoria patronal alcança
aproximadamente 91% e a categoria familiar, em conjunto, contrata apenas 8,3% do
total de estabelecimentos recenseados em 1995. O Sr. A.S, produtor familiar no
distrito de Espigão Azul pode ser tomado como exemplo dessa limitada contratação
de mão-de-obra. “Na propriedade [aproximadamente 36 hectares] só trabalhamos eu
e o filho e não contratamos empregados”. Nesse caso, o produtor dedica-se
exclusivamente às lavouras temporárias e um dos filhos possui agroindústria na
propriedade para o fabrico de derivados da cana-de-açúcar. É interessante ressaltar
o fato de que muitas vezes as áreas reduzidas “forçam” a busca de alternativas para
a diversificação. Nesse caso, os filhos de produtores que permanecem no território
rural iniciam uma nova forma de gestão da propriedade, estruturada de forma
multifuncional.
Outro exemplo da orientação pluriativa dos produtores rurais familiares é a
disponibilização de serviços de plantio e colheita nas propriedades vizinhas; desse
modo, as atividades agrícolas geram demandas não-agrícolas no meio rural que,
221
muitas vezes, são supridas pelos próprios agricultores. O Sr. C.D, produtor familiar
do distrito de Sede Alvorada contribui para explicar essa dinâmica
26
.
Além da agricultura, eu presto serviços de colheita e plantio para fora da
propriedade. Começou quando nós tínhamos uma colhedeira só. Aí colhemos
para um vizinho, depois para outro, daí trocamos de colhedeira. Sabe, a
freguesia foi aumentando e a gente foi aumentando o maquinário. Hoje a
gente está com três colhedeiras e dois caminhões.
Portanto, admitindo-se que a pluriatividade dos agricultores e a
multifuncionalidade da propriedade sejam alternativas estratégicas para a
reprodução da agricultura familiar nas diferentes porções do território brasileiro,
pouco se tem feito em relação à sua efetivação; ou seja, avança a cada dia o
produtivismo pautado nas monoculturas ambientalmente danosas e socialmente
excludentes e a modernização e a capacitação dos produtores tornam-se o foco
prioritário das estratégias para a agricultura familiar.
[...] ao colocarem a capacitação no centro das proposições para a
modernização dos agricultores [subentende-se] que são os agricultores,
por sua incompetência ou ignorância, que o são capazes de aproveitar as
oportunidades oferecidas pela sociedade e mercado para a elevação de seu
patamar de vida, como se o mercado não fosse por si seletivo e as
políticas públicas adotadas historicamente não tivessem acentuado o caráter
excludente da sociedade capitalista. (ALENTEJANO, 2000, p.91)
Quando se examina a dimensão apresentada pelo referido autor, fica patente a
acentuada desigualdade entre os grandes e os pequenos produtores e isso tamm
pode ser interpretado como territorialidade local. Como exemplos, podem ser
citados: a situação cômoda dos intermediários que se relacionam diretamente com
os produtores familiares, o caráter eminentemente tecnológico da integração de
cadeias agro-alimentares específicas e a lógica de produtividade através dos ganhos
de escala que prejudicam sobremaneira as pequenas estruturas produtivas diante
de sua renúncia muitas vezes “forçada” aos ganhos de escopo, ou seja,
diversificação. De acordo com Anjos, (s/d): La pluriactividad, en efecto, representa
un elemento central y expresión máxima de esta ruralidad cambiante que se busca
evidenciar e interpretar.” A pluriatividade produz novas territorialidades no rural de
Cascavel e transforma-se em desafio aos produtores familiares. Torna-se cada vez
mais necessária como estratégia de reprodução social.
26
Entrevista realizada em 27 de janeiro de 2007.
222
Desse modo, a prática pluriativa dos produtores torna-se uma possível
resposta ao produtivismo historicamente constituído a partir de meados da década
de 1960 no Brasil, que referendou “a especialização ou intensificação das unidades
de produção agrícola”. (SCHNEIDER, 1994, p.111). Contudo, isso não
necessariamente configurou-se em crescimento da renda ou qualidade de vida aos
produtores rurais pluriativos.
[
...] esto quiere decir que la gran motorizacyón y la mecanización
compleja,que, junto con las variedades de plantas y las razas de
animales seleccionados, los fertilizantes, los alimentos concentrados,y los
productos de tratamiento de lãs plantas y de los animales, constituyen
la punta de Lanza de la revolución agrícola comtemporânea, no han
beneficiado más que a uma ínfima minoria de los agricultores del mundo.
(MAZOYER, s/d).
Desse modo, a riqueza de poucos coexiste com a miséria de milhares de
agricultores que sobrevivem mediante preços de produtos agrícolas em declínio,
baixos salários e pobreza. Para MAZOYER (s/d), formas de regulação e proteção
são essenciais para a reversão desse quadro que, por si, encontra-se insuportável
em imeras porções do território brasileiro.
No caso específico das territorialidades elaboradas no rural local, as
entrevistas realizadas sugerem que as atividades agrícolas contribuem mais
significativamente com os produtores do que a dimensão não-agrícola, considerando
estritamente aquelas desenvolvidas nas propriedades rurais. Isso implica uma
223
uma adaptação da mão-de-obra aos componentes tecnificados e, em maior
proporção, o abandono do meio rural por parte dos mais jovens em busca do
trabalho na cidade.
O Sr. A.M, pequeno produtor familiar em o João do Oeste é exemplo da
exclusão e das dificuldades de uma grande parcela dos produtores
27
.
Muita gente foi embora e a colônia morreu! Os filhos dos pequenos
produtores foram para a cidade. Trabalham aqui na fábrica de macarrão,
trabalham na cooperativa, pois não tem como sobreviver na propriedade. Um
pai de família com dois ou três filhos não sobrevive em três ou quatro
alqueires. Meu filho mesmo de 18 anos já se aventurou na cidade.
Os produtores familiares S.K e C.K, do Distrito de São João do Oeste,
apontam as pequenas áreas como um dos elementos impeditivos à manutenção dos
filhos na propriedade
28
. “Mesmo a diversificação tem custos elevados e um tempo de
maturação dos investimentos.” Nas áreas menores tal situação se agrava, face a
dependência das atividades agrícolas ser mais acentuada.
Ainda no contexto urbano, ou seja, no conjunto dos fluxos sócio-produtivos
que movimentam a cidade de Cascavel, observam-se vínculos entre os produtores
rurais junto ao comércio, aos serviços e às instituições financeiras. Desse modo, as
negociações estão relacionadas aos ciclos produtivos existentes na propriedade,
como é o caso da compra e venda de grãos, leite e demais atividades não-agrícolas.
um estreitamento ainda maior nesse processo, principalmente, com os
produtores rurais que estão ajustados contratualmente às agroindústrias
integradoras. Nesse caso, os processos e produtos gerados obedecem às
exigências do mercado de forma bastante rigorosa. Em muitas situações, os
produtores vivenciam “tempos e movimentos” ditados pelas empresas, sendo-lhes
dificultado o exercício de outras atividades na propriedade que não aquelas
vinculadas à integração.
A diferenciação das atividades não-agrícolas praticadas pelos produtores
familiares também chama a atenção. Quanto mais tecnificado e especializado forem
os processos desenvolvidos nas propriedades, maior é a tendência de o produtor
27
Entrevista realizada em 11 de setembro de 2007.
28
Entrevista realizada em 13 de setembro de 2007.
224
atuar em atividades estritamente urbanas, como comércio, prestação de serviços,
estabelecendo um importante complemento de renda, com limitado envolvimento da
mulher e dos filhos em ambas as atividades. O produtor familiar, A.F, um dos
pioneiros na avicultura do município, exemplifica essa situação
29
:
Em 1969 fui um dos primeiros integrados da Sadia. Quando começamos a
trabalhar, faltavam aviários. Éramos valorizados enquanto produtores. Fiz
financiamento para construir o aviário. Tinha vergonha de pagar tão pouco.
Em 1985, 1986, pensamos em vender, tanto integrado tinha que eu não
queria mais produzir, diante da desvalorização da profissão. Hoje, em 2007,
estou criando galinha novamente, e bastante! E tenho que voltar à tecnologia
de ponta. E olha que não sou incompetente não! Mesmo assim tenho que
desenvolver atividades urbanas, porque senão não sobrevivo. Produzimos
safras recordes e não temos dinheiro. A gente vai produzir e não vai comer!
[brincando] Meus filhos nem sabem onde é a propriedade”.
Ao contrário do que expressa o produtor entrevistado, quanto menos
capitalizado é o produtor familiar, maior é a tendência de desenvolver atividades
não-agrícolas na propriedade ou ainda, prestar serviços aos vizinhos com maior
poder aquisitivo. Nesse caso, é crucial o envolvimento da família para a execução
das tarefas. Algumas iniciativas de produtores em conjunto no reassentamento São
Francisco, Distrito de São João, traduzem essa realidade. Existe a busca pela
diversificação e por nichos de mercado principalmente àqueles vinculados à
agroindustrialização.
A história da família do produtor J.G
30
, distrito de Sede Alvorada, é um dos
exemplos da dinâmica pluriativa no rural local. A família chegou ao município de
Cascavel em 1965 e, após o desafio da abertura das áreas, iniciou o cultivo do milho
para a subsistência e pequena parcela para o mercado. Posteriormente houve o
plantio de soja e a produção de suínos para as empresas ntegradoras e produção de
gado para o consumo. Em 1990 houve uma reorientação mais específica para a
pluriatividade. “Pequena propriedade, não sai renda e precisávamos ‘girar’ dinheiro”.
R.G
31
. Então, a partir de 1992, firmou-se parceria produtor familiar e Emater/PR
buscando alternativas viáveis à diversificação e à pluriatividade da família. Nesse
caso, a orientação voltou-se à fruticultura com o plantio de mudas de pêssego e o
29
Entrevista realizada em 27 de julho de 2007.
30
Entrevista realizada em 21 de janeiro de 2007.
31
Entrevista realizada em 21 de janeiro de 2007.
225
plantio de morangos. Ainda em 1992, fizemos um aviário de 50 metros, com o
dinheiro fornecido pelo programa estadual Panela Cheia”. Em 1993, houve tamm
a iniciativa do plantio do fumo, que foi abandonada sete depois por conta do
exaustivo trabalho familiar envolvido na produção. “Vamos parar com o fumo e
vamos aumentar o aviário. E tínhamos as frutas. Pensamos em agroindustrializar, a
partir de 1999. Mas começou outra encrenca que era tirar dinheiro de atividades
produtivas e colocar nessa nova atividade.” (R.G)
No ano de 2006, a produção de doces dessa propriedade aproximou-se de
2.000 kg/mês ajustados em uma pequena fábrica no local, contando com mão-de-
obra exclusivamente familiar, além das demais atividades de integração como os
suínos e as aves. As exigências impostas à família dos produtores vinculam-se ao
mercado urbano, pois as esferas de comercialização dos doces e compotas são os
supermercados e a Feira do Pequeno Produtor.
Não se pode deixar de mencionar que a incorporação de atividades não-
agrícolas e a necessidade de ampliar as condições de comercialização dos produtos
elaborados levam a exaustão do trabalho da própria família. Tal situação foi
analisada ainda no contexto do debate clássico por Chayanov (1974) ao perceber
que a agricultura familiar poderia auto-explorar sua mão-de-obra, pois essa constitui-
se, essencialmente no fator de produção que organiza tecnicamente os processos
produtivos, ainda que em condições muito restritas.
Por isso mesmo, ainda que as atividades rurais estejam cada vez mais
inseridas no contexto urbano, é válido acrescentar que o mercado organiza muitas
vezes de forma excludente e desigual as relações de troca, o que aumenta a
exploração da mão-de-obra familiar. Contudo, uma parcela expressiva dos
produtores entrevistados considera a vida no campo mais vantajosa” do que na
cidade, muito embora, indiretamente, estejam fortemente a ela vinculados. Como
justificativa para tal escolha cita-se a questão da violência, custos relacionados à
energia elétrica, água, intranqüilidade no trânsito, dentre outras variáveis. Percebe-
se, nesse caso, uma sentimento de pertencimento” ao rural, ainda que as
necessidades de consumo levem parte da família à condição de assalariamento fora
da propriedade familiar. Esse ponto também foi discutido por Chayanov (1974)
quando se referia ao plano organizativo da unidade econômica camponesa.
226
Mesmo assim, o vários os problemas enfrentados pelos produtores
familiares. As questões conjunturais relativas aos baixos preços dos produtos
comercializados, elevados custos de produção decorrentes da política cambial
praticada pelo Estado no período 2004-2007 além das dificuldades na obtenção do
crédito rural para alguns segmentos em particular, foram elencados como
dificuldades para a manutenção da família no rural. Contudo, mesmo que os
aspectos conjunturais sejam desfavoráveis às atividades agrícolas, os produtores
rurais buscam melhorias técnicas e produtos e processos. Isso possibilita que o
desafio do aumento da produtividade ainda que com tecnificação limitada, tão
necessário à dinâmica dos mercados urbanos seja atendido, mesmo que para isso,
os sacrifícios maiores sejam absorvidos pelo campo.
5.3.2 - A questão da incorporação tecnológica e a possibilidade de acumulação de
capital na agricultura
À medida que são intensificadas as relações mercantis na agricultura familiar
é reforçada, tamm, a necessidade de acumulação de capital. Assim, mesmo que
se mantenha o caráter familiar na atividade rural, com toda a sua particularidade, os
produtores vislumbram um empreendimento rural que tenha níveis cada vez mais
elevados de capitalização. Para isso, a intensificação das características técnicas,
científicas e informacionais são primordiais, muito embora as margens de lucro
sejam muitas vezes negligenciáveis. Para Oliveira (2001, p.21):
Vários fatores podem gerar a criação de novos capitalistas. Por exemplo, o
setor tecnológico (máquinas, fertilizantes, sementes selecionadas,
agrotóxicos, etc.). Para aumentar a produção de alimentos nas fazendas
capitalistas, esse arsenal tecnológico entrou no mercado e está à disposição
dos camponeses. Através do trabalho familiar eles podem aumentar sua
produção, mesmo sem ampliar suas terras. Dessa forma, uma família
camponesa [aqui entendida como agricultura familiar] pode estar produzindo
muito além do necesrio à sua sobrevivência e com isso acumulando.
Assim como em outros locais onde é a agricultura o “motordo crescimento
econômico, também em Cascavel verifica-se a busca pela eficiência dos processos
produtivos, mas, principalmente, a tentativa de se manter sustentável a possibilidade
de acumulação de capital, mesmo que limitada pela própria dinâmica do sistema. O
depoimento do empresário rural, J.S se insere nesse contexto:
227
[...] Eu acho que o agricultor, antigamente não olhava muito pela
produtividade.Plantava-se ao Deus dará. Primeiro porque o tinha técnica
na correção do solo, adubação, preparação. Quer dizer, os micronutrientes
o fundamentais, uma adubação bem feita, um preparo bem feito. Hoje você
tem uma tecnologia em que a máquina vai colhendo e te dando toda a
situação da área, a própria máquina. Computador a bordo.... ela te dá o
insumo que ela precisa, o rendimento da área, por hectare, rendimento por
dia, controle de grãos, [...] você tem em cada linha, quantos grãos estão
caindo, a que distância escaindo. No fim do dia, quantos grãos caíram e
quanta área de terra se plantou. Na tecnologia que está hoje, tanto na
plantadeira, quanto na colhedeira, você tem resultado imediato. [...] [sobre o
profissional que esenvolvido] o preparo do profissional, antigamente não
tinha esse preparo. Era o improviso, hoje, a necessidade de cursos, por
exemplo, as colhedeiras movimentam-se eletronicamente. Hoje, se não tiver o
curso, você não opera a máquina. [sobre o agricultor quem era o agricultor
em 1970 e quem é o agricultor hoje] O agricultor hoje está muito mais
preparado e muito mais exigente. Porque com a máquina, sobrou muito mais
tempo, do que o tempo que ele tinha em ficar arando, plantando de
maquininha... hoje o pequeno agricultor, aquele com 15 ou 20 alqueires de
terra ele prepara a terra em uma semana. Ele ara, ele planta, depois só fica
cuidando.
O preparo dos produtores implica acesso a uma relativa infra-estrutura de
produção e quando ela não se encontra disponível de forma individualizada nas
propriedades, caso este dos produtores familiares consolidados, são disponibilizados
aos demais produtores os silos e os armazéns das empresas agroindustriais e
cooperativas. Assim, a estocagem, o transporte e os meios para a comercialização
dos produtos contribuem para uma maior especialização. Intensificam-se as
técnicas de produção.
A primeira forma de diferenciação entre os métodos e técnicas de trabalho
agrícola diz respeito às técnicas de produção. A ela se acrescenta um
domínio bastante desigual das técnicas de transformação e conservação
dos produtos agrícolas que lhes permite atingir, em boas condições, um
determinado mercado, ou simplesmente [...] estocados pelos próprios
produtores à espera do consumo. (GEORGE, 1982, p.102)
Quanto maior a infra-estrutura disponível ao produtor, maior é a possibilidade
de auferir maiores lucros no momento da comercialização. A relativa acumulação de
capital de certas unidades familiares amplia ainda a prática do arrendamento de
terras como uma forma alternativa para organizar a produção no território. Isso
ocorre “[...] onde a disponibilidade de terra cresce em decorrência do êxodo de
grandes contingentes de produtores que não acompanharam o processo de
modernização, favorecendo a consolidação dos estabelecimentos”. (CONJUNTURA
ECONÔMICA, 2005, p.35).
228
Desse modo, as condições de reprodução da agricultura familiar se
consolidam via incorporação tecnológica. O depoimento do Sr. V.D, produtor familiar
no distrito de Espigão Azul, região norte do município expressa essa preocupação
32
.
Nos sempre procuramos fazer muitos dias de campo para ver quais são as
variedades [grãos] que se destacam melhor. Tanto soja, como milho e trigo. E
a gente faz pesquisa com a empresa multinacional. Várias empresas que faz
pesquisa. E eu sempre cedo áreas para que estas empresas possam testar
as variedades de maior produção e tecnologia de ponta.
A tecnologia transforma-se em um instrumento de dominação e o produtor
acaba desprovido do controle real de seus meios de produção. Para Amin (1977), o
agricultor familiar continua, formalmente, proprietário tradicional do solo e
proprietário no sentido burguês, individual, dos equipamentos; mas não é livre para
produzir ou fazer escolhas baseadas na comparação de preços. Ao contrário dessa
interpretação, Chayanov (1974) observava um camponês que não se reconhecia
proletário, percebendo-se livre em sua racionalidade e em suas escolhas. Isso é algo
que se faz presente no conjunto das entrevistas com os agricultores familiares
tecnologicamente consolidados. As entrevistas possibilitaram interpretar agricultores
que se posicionam perante o mercado de forma relativamente autônoma, inclusive
para aceitar ou não a cooperativa como parceira nas esferas produtivas e de
comercialização. É lícito afirmar ainda, que os produtores familiares farmerizados
utilizam-se largamente do assalariamento, como uma das condições para a sua
reprodução socioeconômica. Tal interpretação era estabelecida tanto por Kautsky
(1998), quanto por Chayanov (1974).
Um agravante nesse processo é que os ganhos de produtividade,
ocasionados pela introdução dos progressos anunciados pelos serviços de
divulgação, lhes são rapidamente tomados pela deterioração dos preços. Daí a
consideração de que a autonomia é relativa na produção familiar.
Portanto, muito além das próprias condições conjunturais de mercado que
relacionam a combinação em equilíbrio ou desequilíbrio entre oferta e demanda, o
que contribui para a redução na remuneração da agricultura familiar é, segundo
Amin (1979, p.31): “[...] tanto a intervenção do capital dominante no próprio processo
produtivo da agricultura, quanto a subordinação da agricultura em escala mundial
32
Entrevista realizada em 04 de janeiro de 2007.
229
por meio de alianças de classe.” Nesse caso, nessa primeira década do século XXI
podem ser citadas, como exemplo, as cadeias produtivas agroalimentares e os
processos de integração produtor rural-agroindústria. Nessa condição é acentuada a
tendência à tecnificação. Ela ocorre pelas exigências da reestruturação tecno-
econômica que se configura no território por meio das empresas pelas quais os
produtores rurais mantêm seus vínculos.
As entrevistas mostraram um conjunto de produtores que buscam, de acordo
com suas possibilidades financeiras, ajustar-se às exigências tecnológicas. Isso
acontece independentemente dos estratos nos quais se encontram inseridos. A
entrevista realizada com o empresário rural D.G é ilustrativa nesse contexto. O
produtor relata a trajetória da propriedade familiar e ressalta as mudanças ocorridas
com o evento da modernização dos processos produtivos.
É uma propriedade familiar. São 50 anos na mesma propriedade; antes era o
pai, agora são os filhos. É o mesmo processo. Antes de 1970 era baixa
produtividade com milho, feijão e gado de corte. Pelo tamanho da
propriedade foram inseridas a tecnologia e a mecanização, com a soja,
milho, trigo e gado de corte. Na propriedade se trabalha junto com os
empregados. Faz-se a mesma coisa, rotineiramente. Se não tem condição de
plantar porque chove, faz outra coisa [...] ajustam-se as máquinas, preparam-
se as sementes.
O território que se constitui como base para tais transformações técnicas e
produtivas torna-se, portanto, expressão do meio cnico-científico e informacional.
Nesse aspecto é o processo de integração junto às agroindústrias privadas e
tamm às cooperativas, principalmente vinculado ao complexo agroindustrial da
carne que permite ao capital apropriar-se do território.
Nesse sentido, na região Oeste do Paraná, e em especial no município de
Cascavel, também o complexo produtivo vinculado à soja expressa esse domínio do
capital sobre o território. As cooperativas atuam ampliando as exigências contratuais
para com os produtores. Vale acrescentar que, em algumas situações, mesmo não
existindo processos de integração formalizados à jusante, por meio das
agroindústrias, as empresas produtoras de insumos também exercem influência
significativa junto aos produtores. Um exemplo é o “embate” constante entre a
empresa de assistência técnica e extensão rural pública atuante na região e as
empresas fornecedoras de pesticidas e fungicidas.
230
Nesse caso, inúmeras vezes o produtor rural deixa de seguir a orientação
sugerida pelos técnicos extensionistas e acaba por acatar as determinações técnicas
dos profissionais das empresas privadas, que exercem uma relativa “coação” para
que seja aumentada a utilização de insumos nas lavouras e também nas atividades
vinculadas à pecuária.
Alguns produtores salientam que, nessa controvérsia, temem perder em
produtividade e adotam a política de minimização dos riscos de produção, buscando
“proteger” o investimento realizado. Desse modo, atendem a oferta das empresas e
aplicam herbicidas e fungicidas, às vezes, desnecessariamente. Isso gera uma
espécie de círculo vicioso que impõe exigências específicas sobre as atividades
agrícolas. As decisões dos produtores consolidados na intensificação dos insumos
como a quimificação, parcela importante do produtivismo na agricultura, atende às
exigências do capital, pois o que está em jogo, são questões de ordem econômica
ou de rentabilidade do negócio em que o produtor atua.
Nesse sentido, a inserção na “engrenagem produtiva” se faz mediante o
comando das grandes empresas. Assim, no processo contraditório do
desenvolvimento capitalista, Oliveira (2001, p.25) observa que muitas vezes, “[...] o
capital monopoliza o território sem entretanto territorializar-se. Estamos, pois, diante
do processo de monopolização do território pelo capital monopolista.”
É possível afirmar então que o território rural do município é principalmente o
território do agronegócio. As observações feitas pelo empresário rural e dirigente
cooperativista D.G sinalizam para esta via de transformação mediante as exigências
do mercado.
As modificações são, primeiramente de ordem econômica e levam a reduzir
custos. Há ainda a necessidade de focar o parâmetro de produção na
eficiência, medir resultados. Há ainda como atributo de modificação no
território rural, a criação de novos produtos; diversificação da propriedade
rural como empresa-âncora. [grifo do entrevistado]. Enfatiza-se ainda a
instrução e o treinamento das pessoas envolvidas nesse processo.
Ainda sobre a diversificação, o entrevistado questiona as possíveis garantias
do mercado para os produtos ofertados pelos produtores. Nas palavras do Sr. D.G,
“Não adianta nada induzir a produção de determinados produtos e o produtor ter que
231
vender em saquinhos, na feira! Que escala de produção é essa?” Uma reflexão
sobre o questionamento levantado pelo entrevistado é elaborada por Cavina (1979,
p.47):
[...] se o volume procurado couber na capacidade de um produtor
autônomo, ele atenderá, à sua maneira, à procura existente. Mas é de crer
que o volume dos bens procurados seja um pouco maior e, desse modo,
diversos produtores organizarão suas atividades de uma forma típica para
cada caso.
Portanto, o desafio das escalas produtivas é encontrado não apenas nas
propriedades que se adaptam à diversificação, mas também naquelas em que a
especialização, muitas vezes, não produz nas escalas compatíveis com maior
receita. Daí a “esperança” constante dos produtores familiares de que os preços dos
produtos sejam favoráveis e permitam recuperar os fatores da produção, assim
como guardar o pagamento da atividade realizada, juntamente com o lucro. É um
movimento cíclico que ajusta o uso do território de forma a permitir a continuidade
das atividades rurais.
[...] quando se associam às atividades rurais períodos de crise na conjuntura
macroeconômica, ou de modificações na questão cambial, ou elevação no
preço dos insumos utilizados e, ainda, o preço final dos produtos agcolas
está depreciado, as queixas generalizam-se no setor. Consequentemente
altera-se o cotidiano das comunidades rurais (CAVINA, 1979, p.48).
Somam-se às dificuldades de ordem econômica aquelas inerentes à atividade
agrícola, ou seja, as leis biológicas que regem a reprodução e o crescimento das
plantas e dos animais, dependendo assim da natureza, isto é, de fatores que estão,
senão inteiramente, quase fora do controle dos agricultores. Na entrevista realizada
com o empresário rural J.S, a preocupação relativa à instabilidade é assim
expressada:
o caminho que temos, industrializar o que se produz aqui é a
agroindustrialização. Evitar que se tire a matéria-prima, bruta. [...] o agricultor
teve anos extraordinários, outros anos, foi um desastre [...] acho que o
agricultor carrega a carga [...] é o saquinho de pancada de todo mundo.
Porque veja bem, nós dependemos hoje do mercado externo, não é... se
os americanos tiverem uma super-safra, nós aqui levamos prejuízo, se os
americanos ou outros países não produzirem o suficiente, nós somente temos
para exportar na agricultura o quê? Carne, frango e soja bruta, pouco
beneficiada, pouco industrializada. Então, dependemos muito do mercado
externo. Como hoje o dólar esbaixo, é difícil competir com qualquer um. É
complicado, voveja, por exemplo o trigo. Nós não podemos produzir trigo,
porque a Argentina é mais produtiva. E o Brasil é obrigado a comprar alguma
232
coisa para equilibrar a balança dos dois países. Então, vem o trigo muito mais
barato da Argentina do que o nosso custo de produção. Então, inviabilizou-se
a produção de trigo.O milho por exemplo teve este ano um preço excepcional,
mas geralmente não é a média. É muito instável a agricultura.
Nessa trajetória de subordinação da agricultura ao capital, um aspecto
relevante é a racionalidade econômica envolvida nos processo produtivos, como
mencionam Amin e Vergopoulos (1977):
É claro que a agricultura camponesa constitui, em conseqüência, não um
resíduo pré-capitalista, mas uma forma recriada pelo capitalismo moderno, a
ele articulando-se de modo exemplar. A agricultura camponesa atual não
constitui uma esfera não-capitalista. Ela apresenta, simplesmente, o insólito
aspecto de um capitalismo sem capitalistas. [...] Realmente, todo o capital
particular, portador da racionalidade capitalista, evita a agricultura, no
contexto definido pela tendência, a longo termo, de os preços agrícolas
coincidirem com os custos de produção, deixando apenas uma margem de
lucro negligenciável. O único capital que aceitaria ser investido na agricultura
em tais condições, seria, geralmente, um capital que não procurasse sua
própria valorização como capital: um capital não capitalista. O investimento
desenfreado dos camponeses na agricultura é, na realidade, chamado a
assumir esta função: assegurar uma produção crescente sem causar
problemas na renda ou no lucro (idem, p.159-160).
Mesmo considerando os desafios para a eficiência dos processos produtivos,
nas propriedades rurais familiares estes “[...] não parecem suficientes para que se
estabeleça uma nítida diferença de potencial técnico-econômico entre a forma
familiar e a patronal de produção agrícola” (VEIGA, 1992, p.93). Acontece muito
mais uma equiparação em termos de eficiência, principalmente no que tange à
produtividade da mão-de-obra e a possibilidade de “adiamento do lucro”. Isso denota
as particularidades, principalmente no que tange à utilização do trabalho familiar com
as quais conta a estrutura familiar. É elaborada, dessa forma, uma crítica sobre a
possibilidade de absorção de baixa lucratividade pelas estruturas agrícolas
familiares, com as quais contavam Amin e Vergopoulos (1977) em suas análises.
No máximo pode-se mostrar convincentemente que as forças endógenas as
colocam em de igualdade, em termos microeconômicos. Tamm não
existem evidências que possam confirmar a hipótese [muito em voga na
década de 1970] de que a agricultura familiar ‘requer taxa de lucro inferior à
capitalista’” (VEIGA, 1992, p.93).
Embora tais evidências sejam limitadas, é fato, na observação das atividades
agrícolas existentes em Cascavel, que muitas propriedades rurais absorvem uma
233
série de pressões no que diz respeito à continuidade das atividades agrícolas,
mesmo com custos elevados e receitas menores. Denota-se que os segmentos com
menor integração ao mercado são aqueles que menos conseguem investir. A
compra de terras, por exemplo, é uma das possibilidades de investimento mais
limitadas. Daí decorre o desafio da produtividade e da intensificação da tecnologia
para que se produza mais em áreas cada vez menores.
As tentativas constantes para que se efetive a diversificação da propriedade
rural é uma das evincias da busca por investimentos mais rentáveis na
propriedade, senão rentáveis, ao menos, sustentáveis. Nas palavras do Sr. N.M,
produtor rural e dirigente sindical no município, é possível perceber que o desajuste
na rentabilidade das atividades agrícolas se faz presente no rural de Cascavel.
Quando questionado sobre a diversificação das propriedades rurais familiares, a
resposta é afirmativa para uma relativa melhoria da renda familiar. “[...] a
sazonalidade da agricultura permite que a diversificação das atividades contribua
para um ‘ajuste’ de renda, principalmente nas unidades familiares”
33
.
As estruturas familiares cada vez mais administram a propriedade e
organizam suas atividades no território com estreito vínculo ao mercado. Portanto,
são as condições de oferta e demanda de produtos agrícolas que orientam as
decisões dos produtores rurais. Vale ressaltar, entretanto, que a exposição aos
mecanismos de mercado, via preços e demais variáveis como taxas de juros, diminui
a margem de negociação dos produtores.
Enfim, o caráter capitalista da agricultura acentua-se não em função do
desenvolvimento de um modo de produção capitalista interno à mesma, mas
em função do desenvolvimento de relações mecanizadas entre a agricultura e
o sistema capitalista em conjunto (AMIN e VERGOPOULOS, 1977, p.160).
Diante do exposto, apreende-se que um processo de exclusão de uma
parcela significativa de produtores, principalmente na questão da gestão da
propriedade cada vez mais ancorada nos componentes técnicos, científicos e
informacionais. A observação do produtor rural O.G auxilia a compreensão dessa
dinâmica: “Se você não ocupar a terra de forma racional, é melhor não ficar com ela,
33
Entrevista realizada em 26/11/2006 – Sindicato Patronal Rural de Cascavel.
234
porque vira em despesa, como uma bola de neve. Daí a necessidade de
intensificação tecnológica”.
Além de aspectos relativos à condição do produtor rural e dimensão das
atividades agrícolas e não-agrícolas, outro aspecto que amplia, sobremaneira, as
diferenciações entre os produtores é a dinâmica da comercialização, principalmente
dos grãos; Nesse caso é fundamental, além da infra-estrutura na produção o acesso
às informações.
5.3.3 A questão da comercialização
No momento da comercialização é possível compreender o comportamento
do produtor rural diante das múltiplas alternativas oferecidas pelo mercado. Os
vínculos ali desenvolvidos são importantes elementos na construção das
territorialidades rurais. De acordo com Cavina (1979, p.25):
[...]
quando a comercialização não recompensar adequadamente o esforço e
os riscos do empresário agropecuário, sua capitalização será demorada,
difícil e até impossível. Dessa maneira com renda baixa nem o dono da
terra mudará a sua tecnologia, muito menos os que não tem terra alcançarão
capacidade econômica para adquiri-la ou poderão ter esperanças de adquiri-
la com o seu trabalho.
Para C.M, especialista na comercialização de grãos, observando o ambiente
em que o produtor opera, este ainda é receoso com relação a modalidades mais
especificas de comercialização, como o mercado de futuros
34
, que é um
instrumento importantíssimo para a comercialização, já utilizado em mercados
desenvolvidos. “Eu diria que o Brasil está bem desenvolvido na produção, mas diria
que tem muito a avançar em termos de mercado, pois atua mais no mercado a
termo”. Isso ocorre porque uma grande assimetria nas informações
disponibilizadas aos produtores, principalmente os pequenos produtores familiares,
dependentes de estruturas, como a cooperativa.
34
Os contratos de futuros o aqueles em que o produtor opera uma venda no futuro. Ele trava,
portanto, esse preço e as oscilações diárias, ou favoráveis, ou desfavoráveis. Diariamente o produtor
recebe essas informações e se forem desfavoráveis ele tem que comparecer à corretora para cobrir
isso. o contrato a termo é um contrato puramente de sico [produção] em que o produtor se
compromete a entregar, num futuro próximo ou um pouco mais distante, mas com a lavoura
normalmente implantada, um volume de produção x e vai receber um preço determinado. São
contratos puramente físicos. “Os contratos de futuros, negociados em bolsa, dão uma versatilidade,
um dinamismo muito maior ao produtor.” (C.M)
235
Embora a modernização da agricultura seja um evento recente e a região
Oeste tenha se integrado às esferas produtivas de modo relativamente ajustado, o
entrevistado afirma que, no que tange à comercialização, já se poderia ter avançado
muito mais regionalmente comparativamente aos produtores paraguaios. Como
exemplo, C.M, cita:
[...] O Paraguai negocia muita soja em Chicago. Ele trava preços de futuro em
Chicago. Então, o produtor paraguaio está muito mais habilitado a operar
mercados futuros do que nós. [...] Nós temos muito mais um jeito brasileiro de
comercializar, que é bastante vulnerável e não um jeito universal, que é muito
mais seguro. Veja que a dois ou três anos atrás, quando tivemos preços
baixos durante o período de evolução na lavoura no campo, houve muitos
contratos a termo entre US$10,00, US$11,50 e US$12,00 no período julho,
agosto, setembro, até novembro. A partir de dezembro e janeiro, a soja
começou a subir e chegou a US$18,00, saca, no exterior. Pouca gente, [...]
alguns, 5 a 8% não cumpriram os contratos porque viram que aquele preço
do contrato ficou extremamente defasado em relação à realidade da
colheita.[...] Criou-se uma desconfiança geral no sistema, por que? Porque é
um sistema vulnerável, depende muito da confiança, embora o contrato tenha
até algumas garantias, vai para execução, demora anos, etc.. [Os contratos
foram restringidos] a não ser troca de insumos, com documentação ainda
mais farta, com garantias reais, foram feitos alguns negócios em troca. O
produtor levava o insumo, sementes, adubos, agroquímicos em troca de
produção na colheita. Mas com uma garantia muito grande. E os contratos
com apenas preços demarcados lá para o futuro, foram praticamente zerados
A grande maioria dos produtores familiares rurais desconhece as técnicas de
comercialização. De acordo com o entrevistado, cerca de 30 a 40 produtores operam
em sua corretora de cereais nessa modalidade de comercialização, com volumes
limitados. Nas esferas de comercialização, é possível identificar importantes
diferenças entre os produtores familiares. É possível também compreender porque,
em imeros casos, ocorrem dificuldades para a sustentabilidade das estruturas
produtivas, quando não, exclusão de produtores familiares e reconfiguração
territorial por ocasião de venda das propriedades. Alguns produtores, inseridos nos
circuitos mais dinâmicos da comercialização consolidam suas atividades, outros, por
sua vez, sofrem grandes dificuldades para manter-se nas atividades rurais. Quando
questionado sobre as principais diferenças entre os produtores familiares locais no
quesito comercialização, C.M propõe uma tipologia interessante, conforme o exposto
na seqüência.
O perfil do produtor que acompanha esse mercado [mais dinâmico, mais
rentável] é um produtor que possui mais de uma atividade. Na propriedade
dele, diversificação, em primeiro lugar. Em segundo lugar, ele [o produtor]
geralmente tem alguma outra atividade, ou comercial, ou é profissional
236
liberal. Ele é um produtor, em geral, não todos, antenado com outras
atividades, portanto, muito mais aberto a receber informações novas. E por
isso mesmo, por ter diversificação na propriedade e por ter diversificação
profissional, geralmente é um agente que tem liquidez. Geralmente tem
dinheiro disponível. Ele normalmente não vende a produção por pressão,
porque ele precisa de recursos imediatos. Ele geralmente vende, analisando
um pouco a posição do mercado.[...]Não decide por pressão de compromisso.
Em geral, ele tem um trânsito muito grande na compra dos insumos. Então
ele tem uma diversificação de opções na compra de insumos. Ele geralmente
não compra num local . Raramente, por exemplo, não sei se deveria dizer
isso, mas vou dizer, raramente é ligado a uma cooperativa ou a uma
multinacional. Ele trabalha com todos. Ele tem uma abertura para comprar
insumos, adubos, com diversos e pesquisa preços. E, quando da venda da
produção ele também tem uma abertura para vender para qualquer um.
Geralmente ele o faz através de um corretor. O corretor mostra quem está
melhor posicionado no mercado naquele momento para comprar a produção
dele. Dentre as diversas opções que é: trading exportadora, quer indústrias,
ou agroindústrias, comerciais regionais. Então ele está aberto a isso. Ele está
aberto a discutir prazos de pagamento. Ele não é um “cara” fixo, que quer o
pagamento amanhã porque a cooperativa tem o critério de pagar amanhã, ou
a multinacional tem o critério de pagar amanhã quando você depositou o
produto lá. Um dado muito importante. Ele geralmente tem a produção dele
livre, armazenada, em geral num armazém dele, mas muitas vezes num
armazém de terceiros com a possibilidade de retirar o produto de lá. E nós
temos empresas prestadoras de serviços que permitem a esse produtor,
pagando x, pelo benefício, pela armazenagem, de retirar esse produto
quando for comercializado. Então veja que ele é um produtor bastante
dinâmico, com observação, com os olhos ligados em várias atividades,
antenado com novas tecnologias e sempre, ele é um produtor, profissional,
portanto, também que valoriza as diversas interpretações de mercado,
diversas interpretações de novas tecnologias no campo, as diversas opções
de comercialização. Ele, além disso, é um produtor que discute os critérios de
comercialização: prazos de pagamento, se é posto na propriedade, se é
posto no comprador, se é produto para a exportação ou o. Os critérios de
classificação, que geralmente são critérios fixos de padronização do produto,
mas que pode haver, muitas vezes, critérios especiais. Então ele permite
essa discussão. Ele permite discutir uma venda tributada, não tributada,
percebe? Ele em geral tem uma percepção do mundo que o rodeia. Dentro
disso, ele consegue detectar, e pela racionalidade de qualquer ser
econômico, ele vai optar pela melhor escolha, tanto na compra dos insumos
para sua propriedade, quanto da venda de sua produção.
A caracterização proposta pelo entrevistado refere-se, em grande parte, aos
produtores familiares consolidados, cujos níveis de capitalização e formas de gestão
permitem a negociação nesse momento tão importante que é a comercialização dos
produtos agrícolas. A maior parte dos produtores no município, entretanto, possui
um comportamento bastante distinto do relatado anteriormente. Nesse caso, surge
outra interpretação, de acordo com C.M.
Se você considerar o produtor que é extremamente ligado à propriedade dele,
que possua uma atividade mais exclusiva, em geral, até quase que em
monocultura, soja, ou binômio soja-milho, alguma coisa de trigo, quase
caracterizado como monocultura, este produtor está ligado geralmente a uma
empresa, ele colhe e entrega essa produção para essa empresa; a produção
237
fica parada lá; quando ele for ver algum contrato a termo, portanto, contrato
físico, geralmente ele vai naquela empresa e vê as opções que ela tem. Esse
critério é um critério simples de comercialização. Geralmente ele liga quando
está próximo da entrega, ou liga para fazer um contrato a termo, pois a
produção está evoluindo no campo, por exemplo a soja, e o produtor quer
fixar x volume. Então ele liga, ou passa lá, enfim e diz: ‘Olha, me interessa
esse contrato a x US$/saca” Ou se depositaram, o preço está em x, fixe e
pronto. Dia seguinte ele passa pegar esses valores. Ou, no contrato a termo,
exige-se que ele passe para assinar o contrato, esperando colher para
entregar e receber... então é muito simples, não permite a ele uma análise
maior do todo do mercado. Em geral esse produtor não verifica todas as
opções do mercado. Há uma perda de rentabilidade por diversas razões. [...]
O depoimento do produtor familiar H.B, contribui para referendar o
posicionamento apresentado por CM de que os produtores mais dependentes
possuem menor rentabilidade.
Você colhe, vende. que de uns dois anos para cá, deu um prejuízo
danado para o agricultor. Antes estava bom.O preço da soja estava alto,
depois a soja baixou e os adubos que a gente comprava ficou lá em cima
[referindo-se aos custos dos insumos adquiridos]. Coisa triste para s. Eu
sempre tive terra. Trabalhava de alfaiate e tinha terra. Agora eu estou com
aviário, um aviário grande, 130 metros.Mas tamm não está muito bom.
Esse problema do frango [referindo-se à gripe aviária] e coisa e outra. [O
produtor é integrado da Coopavel perguntado se é bom ser cooperado o
produtor responde] A gente tem que integrar, senão onde é que a gente vai
entregar. Porque eles levam lá, a ração, levam tudo, vão buscar. que está
muito baixo o preço.
No momento da comercialização, os produtores mais dependentes das
estruturas voltadas ao agronegócio local e regional auferem ganhos mais limitados.
Para Navarro (2001, s/p): “No geral despreparados, para confrontar-se com
ambientes comerciais mais concorrenciais, os agricultures tem encontrado
dificuldades crescentes para manter suas atividades e assegurar suas receitas.” É o
que se denomina, nas esferas produtivas, como perda de rentabilidade. E é o que os
produtores mais temem, pois implica necessariamente em exclusão e, muitas vezes,
perda da propriedade rural. O depoimento do produtor familiar A.N expressa essa
situação:
O produtor, agricultor, produz e no final tem que perguntar: “Quanto você vai
me pagar?” Eu acho isso humilhante! o banco tomou tudo [...] A atividade
da lavoura é isso. O custo é alto e você não impõe o seu preço. A soja, por
exemplo, é determinada na Bolsa de Chicago. A agricultura deveria ser
regionalizada para seus produtores e não ficar esperando dinheiro do
governo federal.[...] Hoje, se levar para a cooperativa, toma o preço da
cooperativa.
238
Para C.M, tais perdas referem-se a cinco aspectos específicos, muitas vezes
negligenciados pelos produtores no momento da produção e comercialização. Em
conjunto, poderiam fazer uma diferença expressiva nos ganhos das estruturas rurais,
principalmente familiares. Estes se referem a rios aspectos de ordem infra-
estrutural e de gestão. Primeiramente, cita-se a armazenagem da produção na
propriedade, o que permitiria aos produtores de grãos apropriarem-se dos resíduos e
impurezas normalmente descontados do volume entregue que são importantes, por
exemplo, para a alimentação animal face ao elevado teor protéico.
Outro aspecto mencionado refere-se ao custo do frete. Quando estrutura
de armazenagem na propriedade, diminui-se o custo do frete da propriedade até os
armazéns nos arredores da cidade, pois além dele, ainda o frete para o porto ou
para as indústrias, holdings ou cooperativas que utilizam a produção após o
beneficiamento. um ganho por saca colhida da ordem de R$0,50 a R$0,80,
dependendo da estrutura existente e isso não é desprezível no total da produção.
Além do frete e da apropriação dos resíduos, outro aspecto importante é o
diferencial de preços obtidos pelos produtos comercializados. Entre o preço de
mercado e o preço “de balcão” ofertado no momento da entrega do produto às
empresas, uma possibilidade de apropriação de rentabilidade pelo produtor.
Como observa C.M:
Mais um dado: o diferencial de preço entre o preço de mercado e o preço de
balcão. Esse produtor que tem o produto armazenado, seco e limpo, já
ganhou em escala na produçao, verticalizou, agregou valor a esse produto,
com a secagem. O ideal seria que o produtor industrializasse. Entregasse o
óleo, o farelo, ou produzisse já o frango com o próprio farelo. Mas são outras
escalas de produção, outras cadeias produtivas que demandariam
investimentos altos. Mas para a propriedade média e grande, a instalação de
um armazém para o beneficiamento do produto, é um processo simples, não
tão expressivo em termos de custo, e que permite ao produtor agregar
valores. Então nós temos aí, o preço de balcão das empresas, cujo produto
foi entregue diretamente do campo e o preço de disponível; temos um
diferencial da ordem de dez, doze, quinze por cento dependendo da época do
ano. Esse é um valor que o produtor tamm vai agregar.
Além dos fatores anteriormente mencionados, que se destacar tamm no
que tange aos grãos, a quebra técnica. Todas as empresas que atuam diretamente
com os produtores possuem tabelas de descontos quando da entrega dos grãos. O
que ocorre normalmente nessas situações é o prejzo ao produtor por conta das
impurezas e umidade dos gos. Para C.M, essa sobra depende do tipo de produto,
239
depende da estação do ano e da umidade do grão. Considerando tais fatores, mais
uma vez o produtor reduzida sua rentabilidade em dois, até três por cento de
desconto no preço ofertado pela empresa. Então existe essa sobra que poderia ficar
nas mãos dos produtores caso tivessem sistemas de armazenagem disponíveis à
sua produção.
Então quando o produtor deposita no próprio armazém, o volume que está lá
é dele. Ao passo que se milhares de produtores entregarem no armazém,
cada um vai ter o seu volume líquido determinado quando da entrega e não
quando da saída.
O empresário rural L.D, do distrito de Sede Alvorada, corrobora a afirmão
anterior e descreve tal situação de forma bastante objetiva. Tem que ter silo! Se
entrega na cooperativa, depositou, aí...esquece!” Além dessa observação, o
produtor familiar de leite J.N, do reassentamento São Francisco Distrito de São
João do Oeste, assim expressa essa situação:
O agricultor é o único que chega no mercado da cooperativa e pergunta:
Quanto é esse saco de ração? Quanto está o preço do adubo? E na hora de
vender ele pergunta: Quanto é que vocês estão pagando pelo produto? Ele
nunca o preço. O preço do produto dele sempre são os outros que dão.
[referindo-se à condição de que o agricultor, normalmente nas relações de
mercado é “tomador de preço”].
O último aspecto mencionado pelo entrevistado C.M é o ganho cultural dos
produtores. Quanto vale então o aprendizado dos produtores quando participam
diretamente do mercado?
[...] Negociando, vendo as diversas possibilidades, pesquisando tudo isso. O
ganho que ele [o produtor familiar] tem, diferentemente do produtor que é
preso a uma cooperativa e que é preso a uma multinacional, por exemplo,
que está exclusivamente trabalhando ali.
Uma lógica que pode ser apreendida, na análise do comportamento dos
produtores no contexto da comercialização, pode ser assim interpretada: quanto
menor a informação, quanto menor a base técnica, científica e informacional
disponível ao produtor, menor a rentabilidade, mais suscetível o produtor se
encontra e menor a propensão ao planejamento. uma situação distinta. De um
lado produtores preparados para enfrentar o mercado em suas constantes
transformações, de outro, uma maior parcela de produtores que são reféns de uma
dinâmica determinada por grandes capitais que legitimam suas ações perante os
240
produtores cada vez mais dependentes. Surge a dicotomia independência versus
dependência dos produtores familiares. No que tange aos grãos, por exemplo,
quanto mais independente for o produtor, maior é a probabilidade de capitalização.
É claro que nós não temos uma pesquisa de campo para provar em que grau
essa rentabilidade se ou o. Se mais ou menos, essa rentabilidade se
daria. Mas dá para dizer, empiricamente, ou pelo senso comum, que há
ganhos. Cabe determinar o ganho quantitivo e pelo lado social, ganho
qualitativo. Um produtor muito mais bem resolvido, aceitando sugestões,
pondera sugestões [...] A tendência média é a de que quem tem uma
independência das agruras do mercado, das empresas, vive por si só,
deslancha, tem uma vida melhor. O contrário tamm é verdadeiro. É uma
tendência média, porque pode ser que um produtor numa tomada de decisão,
quebre. Pode ser que ele tome uma decio errada por não estar vinculado a
uma empresa. Pode ser que um vendaval leve a produção dele, o que não
teria ocorrido se a produção estivesse numa multinacional. Existem casos
individuais, exceções. Mas em termos genéricos, a regra é extremamente
válida e responde. [CM]
Nas palavras de C.M, no caso específico dos grãos, pequenas reduções de
custo dão um retorno significativo ao produtor. O custo não é tão expressivo e
atualmente em propriedades médias e grandes é impensável não possuir estruturas
de armazenagem, para maior agregação de valor à produção.
Produtor esclarecido é produtor menos dependente. Então, uma vida que
surge refere-se à busca de ganhos mais elevados diante de uma expressiva maioria
de produtores que são efetivamente dependentes. O mercado garante acesso aos
produtores, mas essa garantia é mínima. As técnicas evoluem, mas diante de sua
intensificação ao mesmo tempo em que a produção aumenta, os preços diminuem.
Assim, questiona-se até que ponto é possível viabilizar a capitalização e a
rentabilidade dos produtores. Existem segmentos em que a dependência direta se
faz necessária diante da complexidade dos processos produtivos desenvolvidos,
como é o caso da produção de frangos. É imprescindível a vinculação agroindústria-
produtor rural. No caso da produção e comercialização de grãos, tal dependência é
questionável. Cumpre salientar que na abordagem clássica, Kautsky (1998)
alertava para as perdas econômicas dos produtores em relaçã-o ao mecanismo de
formação de preços, pois, quanto mais a produção agrícola se transformava em
produção de mercadoria, menor era a condição do produtor em manter níveis de
venda direta com os consumidores.
241
Portanto, em relação aos aspectos da comercialização dos produtos
agropecuários, são inúmeras as possibilidades para tal. Contudo, tais situações
somente serão passíveis de escolha por parte das estruturas produtivas familiares
se forem viabilizadas condições como a capacidade cnica, tamanho da área
compatível ao produto elencado e tamm a capacidade do produtor posicionar-se
de forma mais independente perante o mercado. Quanto mais autonomia tiver o
produtor na questão relativa à comercialização, mais amplas serão as possibilidades
de reprodução das estruturas familiares no território rural.
As necessidades impostas pelo mercado aos processo produtivos tornam a
questão da comercialização e da capacitação do produtor algo crucial. Ianni (2002,
p.79), observando essa questão, tece o seguinte comentário:
A competitividade baseada em vantagens naturais pode ser, entre outras
coisas, o resultado de extensas quantidades de terras férteis disponíveis,
boas condições climáticas [...]. Em contraste com isto, a competitividade
propriamente dita é o resultado da crescente qualificação dos trabalhadores,
maior produtividade do trabalho e maior eficiência científica-técnica.
Pode-se concluir que as atividades modernizadas, sejam agrícolas ou não-
agrícolas produzem territorialidades que se elaboram em consonância com as
mudanças do mercado. As estratégias de reprodução dos produtores rurais, ora
amparadas na diversificação e na pluriatividade, ora especializadas nas atividades
agrícolas. demonstram que o rural de Cascavel responde favoravelmente às
demandas das agroindústrias e ao mercado. Porém diante das diferenciações
existentes entre os produtores rurais, alguns consolidados e capitalizados, outros
com enormes dificuldades para a manutenção das propriedades, pode-se afirmar
que os recortes fundiários continuam a se modificar produzindo marginalização de
produtores sob a ótica do meio técnico, científico e informacional.
6
P
OLÍTICAS BLICAS E AS NOVAS ESTRATÉGIAS DE
DESENVOLVIMENTO DOS TERRITÓRIOS RURAIS PÓS
1990
A intensa participação das atividades agrícolas na estrutura produtiva
vinculada ao agronegócio no município de Cascavel, ao mesmo tempo em que
contribui para o crescimento regional mediante expressivos resultados de safras e
melhoria nos processos agroindustriais contribui, sobremaneira, para que se
acentuem as desigualdades sócio-produtivas na construção das territorialidades
inerentes à agricultura familiar. Isso ocorre mediante a intensificação do uso da
tecnologia, ou seja, pacotes tecnológicos como parte da exigência de um processo
produtivo cada vez mais globalizado. Para a efetivação desse modelo de
desenvolvimento no espaço rural é importante a presença de agentes como o
Estado e as empresas (agroindústrias e cooperativas) nacionais e internacionais que
atuam em determinados lugares. Diante dessa condição questiona-se: Como os
agentes condutores das políticas de modernização da agricultura vêm contribuindo
para a organização do território rural local? Para Corrêa (2007, p.3), essa
organização se faz mediante uma orquestração de interesses distintos:
O Estado, os agricultores, e as organizações sociais encontram-se entre os
atores que “produzem” o território, sua produção se inscreve no campo
do poder da problemática relacional e para alcançar determinados
objetivos, realizam-se diversas ações sejam elas políticas ou econômicas.
Considerando que tais atores atuam em conjunto, pretende-se analisar os
mecanismos institucionais bem como sua influência na construção de novas
territorialidades no rural de Cascavel, pós 1990. O rural de Cascavel é composto por
uma densa rede de instituições públicas, iniciativas empresariais urbanas e rurais,
agrícolas e não-agrícolas. Nesse contexto, é importante a associação entre público e
privado, mesmo admitindo-se que muitas vezes os vícios públicos transformam-se
em benefícios privados.
A princípio, o Estado, como agente e representante dos interesses do capital,
vem favorecendo a consolidação de determinadas categorias de produção familiares
em detrimento a outras. Assim, na atual fase do capitalismo, determinadas políticas
243
institucionais “abraçam” uma parcela da agricultura familiar local.
O
fio condutor
dessa análise é a participação do Estado na adoção de políticas públicas, bem como
das redes vinculadas à organização da agricultura familiar no âmbito do território
rural.
Nesse sentido, o Estado se posiciona fundamentalmente como agente
fomentador do desenvolvimento socioeconômico no território. Mas se questiona a
quem interessa tal processo, pois o repasse de crédito e subsídios para
determinadas estruturas familiares ainda possuem severas limitações e outros
instrumentos são pouco difundidos entre os produtores familiares. Observa-se ainda
a tendência para uma crescente integração de capitais absorvendo parcelas
importantes das atividades agrícolas. “Nessa integração de capitais, o Estado
passou a desempenhar novos papéis, no sentido de beneficiar os capitais integrados
e sua valorização. O Estado assumiu o papel de capital em geral, favorecendo a
reprodução do mesmo.” (RODRIGUES, 1999, pp.90-91). Desse modo, “[...] entre os
vetores de promoção e explicação da arquitetura da globalização há um processo de
reestruturação da produção e do território [...] para isso é importante a interação
entre o novo e o velho, o poder do Estado e do mercado” (ELIAS, 2006, p.27)
No poder do mercado, apresenta-se o outro conjunto de agentes, os
sindicatos e associações que interfere na produção das territorialidades rurais por
meio de redes vinculadas aos processos produtivos agrícolas e não-agrícolas.
Ressalta-se tamm o papel do conselho de desenvolvimento rural do município,
assim como a cooperativa agropecuária local, que possui importante participação na
formação das territorialidades mediante as orientações que estabelece à agricultura
familiar a ela integrada. Portanto, as mudanças institucionais e as novas estratégias
de desenvolvimento territorial são abordadas considerando-se esse conjunto de
atores.
6.1
A
POLÍTICA DE VALORIZAÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR
:
O CRÉDITO RURAL COMO
SUBSÍDIO E AS POLÍTICAS INSTITUCIONAIS
Historicamente, a ação do Estado foi decisiva para a implantação e a
consolidação da infra-estrutura, bem como para a criação de instituições técnicas
que legitimam os novos ritmos de produção, circulação e consumo (RAMOS, 2001).
244
Principalmente com o evento da modernização da agricultura, as atividades
agropecuárias ampliaram o uso de tecnologias com o amparo do Estado, assim, sua
influência no conjunto produtivo agropecuário deu-se por meio de diferenciadas
políticas em escalas diversas. Contudo, esse conjunto de instrumentos declina em
função da crise material do estado em meados da década de 1980. Para Vilela
(2002, p.98),
No Brasil, em particular o Estado, a partir dos anos 80, principalmente em
razão da crise fiscal, tem procurado desvencilhar-se do papel de articulador
e financiador do processo de modernização, iniciando o processo do
desmonte de políticas públicas, provocando, assim, forte desorganização
dos interesses rurais. [...] a partir daí, uma diversidade de atores (novos e
velhos) compete por recursos em um ambiente rural variado [...]
Afirma-se que no processo de modernização da agricultura paranaense, o
Estado não se limitou ao seu subsídio, procurando organizar economicamente o
espaço territorial em função da nova realidade. “A sua intervenção se dá, sobretudo,
através da implementação de melhoramentos técnicos e administrativos,
envolvendo: infra-estrutura, crédito, pesquisas, programas tecnológicos,
cooperativismo, etc.” (MORO, 1991, p.7)
Traduz-se, desse modo, uma ação governamental direta, também envolvendo
questões voltadas ao ambiente técnico-científico-informacional, principalmente no
que tange à produtividade agrícola. Contudo, diante das particularidades inerentes
ao rural local, não necessariamente tais ações traduzem-se em desenvolvimento
socioeconômico, pois diversas categorias de produtores, muitas vezes, são
excluídas dessa dinâmica. O relato do produto rural P.V, do distrito de São João, é
ilustrativo nesse contexto:
Nós tivemos um período entre 1992 e 1996 onde muita gente acabou indo
embora do campo. Como hoje, meio abandonados, não há um programa
efetivo de valorização da agricultura familiar. Para se ter uma idéia, tinha
propriedade que a gente comprou não tinha visto ‘uma gota’ de calcário em
quinze anos. [...] Tudo ocorre pela boa vontade de querer fazer e
crescer, mas o se tem respaldo nenhum. Créditos e financiamentos
têm que se pagar. Mas na agricultura as coisas não acontecem de um
momento para o outro. A agricultura, no mínimo são cinco ou dez anos [para
seu retorno financeiro] por isso é necessário apoio.
O que se pode apreender em relação às atividades agrícolas é que estas,
principalmente nas estruturas menos capitalizadas, demandam o crédito subsidiado
como uma das poucas alternativas possíveis para a reprodução das estruturas
245
famliares. No caso das estruturas empresariais, o crédito se faz necessário para a
melhoria na capacidade infra-estrutural como silos, secadores, graneleiros, sem os
quais, um adequado processo de comercialização torna-se inviável.
Notadamente, o crédito rural efetivou-se como um dos mais importantes
instrumentos de potica agrícola adotado, o que não significou eqüidade em sua
oferta nas diferentes regiões brasileiras. Ao contrário, a presença do Estado, a partir
de 1965, como porta-voz do sistema capitalista, legitimou o desenvolvimento dos
territórios atrelados às exigências do capital.
A
institucionalização do crédito rural no Brasil data de 1965, quando o
governo federal aumentou os estímulos, incentivando a modernização
agrícola e facilitando o acesso à aquisição de novos insumos técnicos e
intelectuais. [enquanto objetivos] estimular investimentos rurais,
favorecer o custeio da produção e comercialização, fortalecer os
produtores rurais e incentivar a modernização. De fato esses incentivos
provocaram o aumento do consumo de agrotóxicos e a expansão das
grandes empresas agropecuárias, pois os empréstimos eram cedidos
aos produtores mediante a compra de novos insumos” (RAMOS, 2001,
p.383)
Desse modo, alguns segmentos produtivos e determinadas regiões tinham
alcance ao crédito por serem mecanismos institucionais. Nos estados da região Sul
houve estímulo ao desenvolvimento cooperativista, fundamental para a posterior
agroindustrialização. Ao longo da década de 1970, o trigo e, principalmente, a soja
absorveram os pacotes tecnológicos lançando a região Oeste no cenário agrícola
internacional.
Ramos (2001), ainda observa que as exigências explícitas no Manual de
Crédito Rural, publicadas em 1965, diziam respeito à aquisição de insumos
industriais por parte dos agricultores. [...] para seu acesso aos recursos estipulava
que 15% do orçamento do custeio seria utilizado no emprego de agrotóxicos, serviço
de aviação agrícola, fertilizantes, sementes melhoradas, eletricidade etc.” (ibidem). A
agricultura tornava-se “cliente“ de outros complexos industriais como a química fina
e a metal-mecânica.
Se os anos 1970 foram considerados a “época de ouro” no que tange aos
incentivos públicos à dotação infra-estrutural voltada ao agronegócio, a partir de
1980, diante da falência material do Estado, reduziu-se a oferta do crédito rural. Isso,
de certa forma, distanciou a produção agrícola familiar ainda não consolidada ao
longo dos anos 1970, dos componentes tecnológicos importantes para a viabilidade
246
do negócio da soja e dos demais grãos. É importante acrescentar que, mesmo num
contexto de crise fiscal e falência material do Estado, a década de 1980 deve ser
relembrada, em termos de formulação de políticas agrícolas e tamm em expansão
de áreas agricultáveis. Segundo Homem de Melo (1990, p.25),
[...] o País passou a contar, durante a década, com uma política agrícola
mais adequada, em especial nos instrumentos de preços mínimos,
valores de custeio agrícola e [...] de preços de intervenção para venda
de estoques governamentais; houve tamm maior liberdade para as
exportações agrícolas. Em boa parte, em função de alguns desses
instrumentos, na segunda metade da década de 80 o Brasil teve maior
expansão das lavouras domésticas.
Após 1990, a presença do Estado se fez por meio de incentivos às cadeias do
agronegócio regional, em especial, do conjunto de atividades capitaneadas pelo
sistema cooperativista que consolidava nesse período sua agroindustrialização. A
fase da verticalização dos processos produtivos tornou o produtor refém das
condições, principalmente tecnológicas, impostas pelas empresas agroindustriais
diante dos novos mercados. Nesse contexto, Ramos (2001, p.384) afirma que:
[...] o uso do espaço agrícola é marcado pela incorporação e
interdependência de novos objetos técnicos, regulados por normas
que facilitam seu controle e funcionamento. Os exemplos abordados
mostram que a integração do território nacional se fez, de um lado,
por meio da unificação das técnicas, mas se deu também com a
centralização das decisões sob o comando do Estado e das grandes firmas
(idem, p. 384).
Em 1995, diante das necessidades e pressões dos movimentos sindicais e de
trabalhadores rurais, o Estado reconheceu a legitimidade e a diferenciação dos
agricultores familiares no conjunto das categorias de produtores rurais. No ano
seguinte é criado o PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar pelo Decreto n
o
1.946. Nesse contexto, sua constituição procurava ajustar
as políticas públicas à realidade da agricultura familiar, viabilizando e melhorando o
desempenho produtivo em escalas de produção mais limitadas, principalmente em
relação à tecnologia.
Porém, como bem observa Alentejano (2000) quanto às formulações políticas
direcionadas à agricultura familiar são resultado muito mais de pressões dos
movimentos sociais rurais, do que de iniciativas do próprio governo naquele período.
247
Como crítica ao modelo adotado, o autor faz referência ao enquadramento da
política brasileira nos princípios do livre mercado, contando para isso, com o apoio
do Banco Mundial (LOPES, citado por ALENTEJANO, 2000, p.98
1
).
Assim, escala, competitividade e empreendedorismo são palavras de ordem e
que estão postas nas regras institucionais em esferas internacionais. Tamm é
política do governo e das empresas que atuam nos territórios; quem não acatar as
regras globais será excluído. Ressalta-se que: “A agricultura familiar ‘conquistou’
reconhecimento de sua importância social e econômica, recebendo, por isso, nos
últimos anos, maior atenção institucional no que diz respeito a crédito, assistência
técnica e formação profissional.” (CORRÊA, 2007, p.1).
Como fator de ordem política, Navarro (2001, s/p) observa que “[...]
independentemente dos problemas de natureza teórico-conceitual eventualmente
associados expressão agricultura familiar], o fato é que pela primeira vez em
nossa história, o mundo rural passou a ser visto de forma diferenciada.” As
categorias de produtores rurais ganham diferenciação e, consequentemente novo
tratamento no que tange ao crédito, por exemplo. As informações relativas aos
créditos disponibilizados exclusivamente para custeio demonstram que a agricultura
familiar torna-se reconhecida e se legitima como importante estrutura sócio-produtiva
no contexto socioeconômico brasileiro. O Quadro 9 explicita essa condição.
1
LOPES, Eliano Sérgio Azevedo. Comentário sobre o “Novo Mundo Rural” ou a “Nova Reforma
Agrária” do Governo FHC. Sergipe, 1999. (mimeograf.)
248
Q
UADRO
9
C
ARACTERIZAÇÃO DAS LINHAS DE CRÉDITO DISPONIBILIZADAS PARA CUSTEIO AO SETOR
AGROPECUÁRIO NO ANO DE
2007
Linha/fonte Finalidade Beneficiários/Renda Limites Encargos/
prazos
Pronaf
especial
pronafinho
grupo
C /FAT*
Custeio da
produção
agropecuária
Agricultores familiares
com: renda bruta anual
familiar até R$ 10.000,00
Mão-de-obra familiar
predominante
De R$500,00 a R$2.000,00
Ou até R$3.000,00
para bovinocultura de leite,
fruticultura – sistema
agroecológico jovens
formados em centros
familiares ou escolas
técnicas agrícolas de nível
médio
Juros de 4.%a.a.
direito a um rebate
de R$200,00 na
última parcela por
adimplência
Até 2 anos de
carência
Pronaf
convencion.g
rupo D/FAT
Custeio da
produção
agropecuária
Agricultores familiares
com: renda bruta anual
familiar de R$10.000,00 a
R$30.000,00; área até
4,0 módulos fiscais; mão-
de-obra familiar com até
2 empregados
permanentes
Até R$5.000,00 por
mutuário
Juros de 4%a.a.
Até 2 anos de
carência
Pronaf
Rotativo
grupo D/FAT
Custeio da
produção
agropecuária
Agricultores familiares
com: renda bruta anual
da família de
R$10.000,00 a
R$30.000,00; área até 4
módulos fiscais; mão-de-
obra familiar com até 2
empregados
permanentes
Até R$5.000,00 por
mutuário
Juros de 4%a.a.
Prazo de 1 ano
sem carência
Proger
Rural/FAT
Custeio da
Produção
Agropecuária
Produtores rurais e
cooperativas com: renda
bruta até R$30.000,00 e
área até 6 módulos
fiscais
Até R$30.000,00 por
beneficiário
Juros de 8,75%
a.a. Prazo até 2
anos, sem carência
Poupança
Ouro/Banco
do Brasil S.A.
Custeio da
agropecuária e
A.G.F*
Produtores rurais e
cooperativas
Até R$30.000,00/mutuário
arroz irrigado, feijão,
mandioca, milho, sorgo,
trigo. R$60.000,00/mutuário
Prazo: safra
Sem carência
* FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador
* AGF – Aquisições do Governo Federal
Fonte: Ministério da Agricultura/CONAB, Ministério do Desenvolvimento Agrário/MDA, BACEN –
Banco Central do Brasil e BB, Banco do Brasil. disponível em: www.pr.gov.br/seab/deral/lfin.pdf
Quanto às linhas de financiamento para investimento, observa-se uma
diversidade maior com caráter setorial sendo o BNDES Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social, além do FAT, as principais fontes de crédito.
O valor financiado pode chegar até a R$250.000,00 e as taxas de juros são, em
média, de 8,75% ao ano com diferenciados prazos de carência. Basicamente, os
créditos para investimentos buscam a melhoria nos processos produtivos para
aumento da produtividade mediante a aquisição de máquinas e equipamentos. Outro
aspecto que diferencia o cdito de investimento do crédito de custeio refere-se aos
249
beneficiários, não mais nominados como agricultores familiares, mas sim, como
produtores rurais, bem como cooperativas e associações.
A entrevista realizada com a Sra. J.S, gerente de instituição bancária privada
atuante no município, revelou, quanto aos financiamentos de investimentos e custeio
efetuados por produtores consolidados, que uma parcela expressiva dos recursos
obtidos no município de Cascavel é canalizada para outras regiões do País.
Destacam-se o Mato Grosso, o Maranhão, o Piauí e o Tocantins, onde grande parte
dos produtores empresariais consolidados do município tamm possui áreas de
terras. O valor financiado em média é de R$150.000,00, destinados ao plantio da
safra de verão, modernização da frota agrícola, reforma de pastagem, aquisição de
sal mineral e medic( )-42.199(M)12.497.6652((s)-0.(m)32.5031(e)-4.34751(a)-4.347115(o7199(M)12.49718(s)-0.310251( )2.4971509(ç)-0.307808(ã)-.2115(e)-4.34718(v)19n509(ç)-0.307808(ã)-8.1485(n)-4.3484(s)-0.31032.1742( )-82.2238(a)-4.3484(q)-4.3484a)15.6115(e)-4.34718(v)195.664(i)-18.1485(ç)-0.310251(ã)-42115(a0.512484(f)]T.3484( )-82.2238(d)-4.334718( )-62.2114(c)1(M)12.497102.298(á)-4.3484(r)13484(s)-0.310251(t)17v310251( )-202.3(c)-0.34751(a)-4.3471.3484( )-82.2238(d)15115.664(r)-7.21484( )-142.261(p)110251(ã)-4.3o.2238(a)-4.3484(q)307808(.)17.0.5124)278]TJ-276.310251( )-202.3(c)M)12.497.6652((55309(e)-4.34718(s)-0.334718(f)-2.382.41(m)3210251(a)-4.34718(ç)-0.310251(ã5)15.6652(,)-34718( )-362.396(d)-4.347591(a)-4.115(e)-4.33484(m)32.4718(r)12.8009(i)-18.1485(o)-4.3 )85(c)-0.310251(í)-a1491(n)-4.34718(e)-4.a.396(d)-4.347591(a)-.34718(r)- 0 Td[(o)15.664(r)-7.2115()-4.z4718( )-82.2238(v))-18.1509(a)-310251(t)-2.1742(a)-4.3484(g)-4.3484(e)-3484(s)-0.310251( )-2.1742(d)-4.3484(e)-2.5036(-)-7.211031(b)-4.3484(é5)-4.3484(r)-7.2115(e)-4.84(s)-0.307808(t)-.1485(o)-4.3 ca8.983484(s)]TJ291(o)-4.34718( )-2.1742(c)-0. Td[(i)-18.1485(n)-4.343484(u)-4.3484(t)-0251(s)-0.5.664(i)-18.1485(ç)-0.311742(d)-4.3484(e)-.3484( )-82.2238(d)1514(s)-0.310251(t)-.2115(e)-4.34718(v)19.1485( )-202.298(á)-4.3484(t)17.8382(i)-15.664(i)-13484(s)-0.310251(37ã)-42115-4(8.98349( )]TJ-285.297 -32.64 Td[( )-26718(m)32.310251(o)15.664(l)1..497.6652((h497.6652((a.396(d)-4.347251(a)-4.3484( )-82.2232(d)15.66251(a)-4.2115( )-142.261(f)17.897.6652((a.396(d)-4..6652(a)-4.34718(n)-4.34718(c)19.7022(i)-142.261(e)-442.199(M)12.497.668)-4.3484(n)-4.3484(t)-2.1251(a)-4v310251( )-2.33484(m)31485(v)-0.310251(a)-4F295.863 .34718(v)19n509(ç)-0.02.298(t)-2.1742(a)-e485(v)-0.310251(a)-415(o7199(M)12.49718(s)-0.310251251(a)-44.3484(t)q42.261(R)10251(s)-0.310251(u)-4.6115(e)-4.34718(v)195.664(i)-18.14251( )-202115(23.961484(s)]TJ2251(a)-4.3484( )-142.261(d)-4.3418(m)32.5031( )-1.1485( )-2.1742( )-162.273(q)-.34718(v)19n509(ç)-0.02.298(t)-4.3484(o)-4.3484(s)-0.310251( )-12.2238(a)-4.3484(g)-4.3484(r)-7..664(r)-7.21484( )-14348415-262.336(m)32.5031(a)-4.347808(.)1723.9614)278]TJ-299.225 -20.88.48445(r)-7.2115(o)-4.34718(s)-0.31382.41(m)3242.385(m)324.3484(e)-3484(s)-0..7022(i)-14x484(s)-0.310251()-18.1485(o)-4.3 )8484(e)-34718( )-362.396(d)-4.347484(e)-j)2348764-2.1742(r)12.8009(u)-4.8009(i)-18.1485(o)-4.3 )8484(e)-q42.261(R)10251(s))-362.396(d)-4.347484(e)-.7022(i)-18.1485(v)r)12.8009(u21á)15.664(r)12.8009(i)-14.3484(e)-348484(í)-2.3484(r)-7.2115(e)-4.84(s)-0..8382( )-82.2238(r)-348484(í)-8.2238(r)-3484(s)-0.7.2238(r)-51484( )-%)8.45495-4.3484(e)-4.3484( )-4215(o7199(M)12.49718(s)-0.310251484(e)-r.1485(a32.46484(m)]TJ279.053 0 Td[(e)-5.664( )-82.2238(d)-4.3484(e)-4.3484(r)-7.2115(a)2.1742(q)-4.84(v)-0.310251(e)15.6484(e)-4.3484(r)-4.84(s)-0.é.2238(d)-4.3484(e)-.3484( )-142.261d)-2.2238(r)-512238(r)-4.3484(5)-4.84(s407-4.3484(.)-2.1742(0)-4.1742(0)-,.3484(0)-4.84(v)-00.2238(d)-4.3484(e)-82.2238(d)15.664(e)-4a32.464)278]TJ-2769485(v)r)124718(s)-0.37485(v)r)125485(v)ruma d es qdmã5M(s)-0.(m)3234718( )-62.2114(r)12.2115(e)-4.34718(v)19.7022(i)-18.1485(s)-0.310251(t)-210251(a)-4.34718(d)-4.34764(o)-4..5031(p)-4.34718(r)-7f.84(s)-0.30009(e)-4(M)12.4r8714.34718(m)32.5036(-)-7.2115(s)-0.310264(o)-4.10251( )-142.261(a)-4.362 veõ v tuantsuts S02.3(c)M(17359(u)4-7f.84(s)-0.4.3484(0)-4.34(s)-36.4 Td[(D)1.55309(e)-4.3473484(n)-4.3484(m)32.50(s)-36.17359(ue)-4.84(s)-0.307808(t)-2.199(o)-4.34993(n)-4.3484(m)32.50(s)-36..3484( )-62.2114(p)-2.2238(r)-7.84(s)-0.307808(t)-9.7022( )-382.41()-5.6649(a)-4.3484(n)-4.343484(m)31484(s)-0.310251(o).8382(i)-18.1485(m)32.5031(e)-4.3484(n)-4.3484(m)32.50(s)-36.17359(ue)-202115(23.2.664(,)]T4.3484(e)-4.3482(s)-36..3484( )-64.3484(m)3.1742( )-162.273(q)-4.d[(i)-1n509(ç)-0.307808((R)1.1485(o)-4.3 )80(s)-36.17359(ue)-2.336(a)-24.3608(g)-4.3484(s)197.2115(e)-4.3484(c)-0142.261(p)1473484(n)-.1485(t)-2.17176(o)-4.3484(r)-7.5031(a)-4.347808(.)1723.244)278]TJ-27610251(a)-4..7022(i)-142.261(e)-342.385(m)32l2.385(m)3234718(t)-21485(v)r)12.8009(u)-4.34718(r)-7.2115(e)-4.347118(a)-4.3410251( )-202.3(c)Momstsoe rteoruioA 8-18.1485(a)-4.3484( )-62.s cems8abt e (n)34718(d)-4.7.84(s)-0.301485(a4.81.3484( )]9.7022( )-382.41()-5.6649(a)-4.3484(n)-4.343484(m)314Td[(e)-5.664( )-842.261(a)-.1485(o)-4.34718(s).)-2.1382(e)-4.4.382(e)-4.E3484( ).1485(o)-4.3.3484( )-64.3484(m)334718(n)-4.34718(c)19.2115( )-142.261(f)17.6267(o)-4.34596(c)-0..3484(é5)-4.3484(r)-7.2115(e)-4.84(s)-0.307808(t)-4.382(e)-4.n509(ç)-0.307808(ã)-15.664(e)-4a4.81.3
250
O que se verifica, portanto, é uma relativa incompatibilidade entre a proposta
elaborada e sua efetivação. Desse modo o crédito, que atualmente constitui-se num
instrumento fundamental para o desenvolvimento das atividades econômicas
agrícolas, deixa de cumprir sua função primordial para a sustentabilidade da
propriedade rural familiar. Além desse importante instrumento, outras propostas são
apresentadas emvel federal.
Muitas das linhas de crédito ofertadas tanto para custeio quanto para
investimentos, possuem juros reduzidos se comparados ao mercado. No município
de Cascavel, considerando-se os financiamentos realizados exclusivamente na
Secretaria Municipal de Agricultura/PRONAF, foram realizados em 2006, 2.469
encaminhamentos ao Banco do Brasil. Nesse mesmo ano, nas modalidades C e D
custeio, a Emater/PR tamm encaminhou 600 produtores para a obtenção do
crédito. O valor financiado nessa modalidade de crédito varia entre R$500,00 a
R$3.000,00, dependendo das especificidades da produção, como, por exemplo, no
PRONAF ESPECIAL Pronafinho. na linha denominada Poupança Ouro,
ofertada pelo Banco do Brasil, o valor financiado pode chegar a R$ 300.000,00, para
o financiamento de arroz irrigado, feijão, mandioca, milho, sorgo e trigo na linha
denominada Poupança Ouro via Banco do Brasil.
Em conjunto no ano de 2006, o Pronaf configurou uma contratação de crédito
para 650 projetos no município de Cascavel. O montante aplicado foi de
R$4.852.447,00. Em média, R$7.465,30/produtor foram financiados pelo governo
federal mediante parceria técnica do governo estadual. Mesmo com 3.120
produtores simples de mercadorias atendidos
2
, ainda uma grande lacuna a ser
preenchida no que diz respeito ao suporte institucional à produção rural familiar. De
acordo com Abramovay (2003), mesmo que significativos avanços como a
ampliação da massa de tomadores de crédito e extensão do financiamento para
esferas antes não contempladas, o funcionamento do Pronaf parece separar suas
duas linhas básicas de ação: “os benefícios derivados do Pronaf infra-estrutura o
parecem integrar-se organicamente às iniciativas dos agricultores que tiveram
acesso ao crédito.” (idem, p.58). Daí o esforço para que as esferas institucionais
mais próximas aos produtores familiares, principalmente aqueles que dependem de
2
Produtores com até 50 hectares e mais de 50% de mão-de-obra familiar empregada na propriedade.
(Programa Paraná 12 meses)
251
recursos subsidiados, possam atuar de forma a promover o desenvolvimento das
comunidades rurais.
Portanto, o apoio de órgãos de fomento ao desenvolvimento rural como a
Emater/PR é visto como parte institucional desse processo junto aos pequenos
produtores, pois os projetos exigidos pela instituição financeira responsável, o Banco
do Brasil, são elaborados por técnicos extensionistas.
Na escala federal, as principais medidas propostas para o período 2007/2008
referem-se à redução dos custos dos financiamentos agrícolas, fortalecimento da
média agricultura, busca da estabilidade da renda agrícola, bem como estabilidade
às normas gerais dos instrumentos de Política Agrícola (Brasil, 2007).
Resumidamente, os programas federais voltam-se a propostas específicas de
investimentos com recursos do BNDES, além de disponibilização de instrumentos
para dotação infra-estrutural do setor
3
.
6.1.1 Políticas públicas para a agricultura no estado do Para
Historicamente, o Estado atendeu às exigências “impostas” pelo capital ao
setor produtivo agrícola. Nas diferentes etapas relativas à modernização da
agricultura encontravam-se iniciativas e projetos com articulação em distintas
esferas institucionais que auxiliaram a inserção dos produtores rurais na dinâmica
produtiva que mais se ajustava ao mercado. Como exemplo, de acordo com A.B,
técnico da Emater/PR
4
, “[...] vários projetos de destoca, mecanização tiveram o
crédito disponibilizado por meio da orientação e viabilização técnica do Estado.”
Ao longo dos anos 1960 e 1970, houve estímulo e incentivo à agroindústria
por meio de programas específicos, principalmente no ramo de produtos
alimentares.Já nos anos 1980, houve tamm estímulo às atividades agropecuárias
por meio do BRDE Banco Regional de Desenvolvimento Econômico, considerando
aspectos estruturais voltados à armazenagem de grãos no estado do Paraná.
3
O detalhamento das propostas pode ser encontrado em http://www.agricultura.gov.br na síntese
das medidas propostas para o Plano Agrícola e Pecuário 2007/2008.
4
Entrevista realizada em 06 de fevereiro de 2007 – na edição do Show Rural Coopavel.
252
Novamente as cooperativas foram as principais beneficiadas com o crédito
disponibilizado (PIERUCCINI e MORO, 2000).
Além da dotação estrutural voltada ao agronegócio como cadeia produtiva, é
importante observar o papel da difusão tecnológica aos agricultores familiares no
estado a partir dos anos 1990. Aqui o destacados os seguintes aspectos:
absorção das tecnologias e sua apresentação de forma didática ao produtor. Assim,
a extensão rural, como mecanismo institucional, busca prioritariamente uma
alternativa de renda e modificação dos sistemas de produção, ou seja, a
implementação dos processos de pesquisa desenvolvidos no País por instituições
como a EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, ou ainda, no
estado do Paraná, do IAPAR – Instituto Agronômico do Paraná.
Outra preocupação relacionada à extensão rural no âmbito da agricultura
familiar refere-se à política de valorização da base de recursos naturais. Rodrigues
(1999) observa que uma parcela significativa da comunidade agrícola percebe que o
modelo do agronegócio industrial está produzindo impactos importantes de longo
prazo, prejudiciais à base de recursos naturais da qual depende a agricultura e a
qualidade de vida em geral. Nesse sentido, vale acrescentar que as práticas
produtivistas não diminuíram ao longo desse período. Países como o Brasil e mais
especificamente a agricultura praticada na região Oeste do Paraná ainda mantém
traços muito fortes de quimificação, mecanização e, atualmente, de biotecnologia,
cujo exemplo marcante é a transgenia, ou seja, os organismos geneticamente
modificados, os já conhecidos transgênicos.
A tecnologia moderna da qual o conceito de ‘revolução verde’
representa o expoente mais elaborado - por meio de um uso
intensivo de energia por unidade de produto [agroquímicos,
fertilizantes, maquinário] relativizou a importância das tecnologias de
manejo de recursos hídricos como estratégia produtiva. Esse enfoque,
hoje em dia está em crise, tanto pela crescente preocupação que existe
com o alto custo ecológico que tem o seu uso intenso de recursos
energéticos,como pelo fato de que os altos preços dos combustíveis e
outros produtos derivados dos hidrocarburantes, o tornam muitas vezes
inviável do ponto de vista econômico. Neste contexto, es claramente
traçado o perfil do desafio tecnológico a enfrentar na agricultura.
(TRIGO, KAIMOWITZ e FLORES, 1994, p.72 citados por
RODRIGUES, 1999, p.62)
5
5
TRIGO, E.KAIMOVITZ, D. e FLORES, R. Desenvolvimento agropecuário sustentável. In:
Estudos Econômicos, v.24 n.especial, 1994, pp.31-97.
253
A disseminação de práticas conservacionistas do solo, da água e demais
fatores ambientais tornam-se um dos principais aspectos relativos ao trabalho da
extensão rural pública para os produtores rurais. Nesse sentido, o programa
estadual de proteção às nascentes, em parceria com a cooperativa local, a
recomposição das matas ciliares, esta já amparada em lei, envolvem a parceria
entre produtores rurais, técnicos de extensão e prefeitura do município.
Conjuntamente, as ações são desenvolvidas tentando diminuir os impactos
ambientais decorrentes do acentuado desmatamento pelo qual passou a região
Oeste do Paraná por ocasião da modernização agrícola.
Tal fato está associado à manutenção de um padrão vinculado à eficiência
econômica e ao produtivismo das commodities que avança sobre as regiões
brasileiras, independentemente de um possível esforço no sentido da diversificação
das pequenas estruturas produtivas familiares.
No rural de Cascavel percebe-se que ainda são inúmeros os desafios da
produção familiar, no que tange às atividades não-agrícolas. Aspectos como sobre-
trabalho da família que precisa consorciar atividades agrícolas e não-agrícolas na
propriedade por conta das dificuldades na contratação de mão-de-obra externa, a
inserção nas esferas de comercialização, adaptação às exigências sanitárias, caso
este das agroindústrias familiares, são algumas das dificuldades encontradas pelos
produtores familiares.
Nessa condição, o incentivo de políticas institucionais, bem como sua
efetivação, é crucial para que tais iniciativas tenham êxito. Caso contrário, a
pulverização do capital em diferentes atividades produtivas na propriedade corre o
risco de não ampliar as receitas necessárias para cobrir os custos de produção.
Queiroz, Lemos e Biazi (2004, p.18), apontam para a necessidade da
construção de políticas públicas que perpassem a dimensão agrícola, possibilitando,
dessa forma, repensar o desenvolvimento rural.
[este] não se restringe ao desenvolvimento agrícola, em termos da
incorporação e difusão de tecnologias modernas, expansão dos créditos
rurais, criação de uma rede de comercialização e distribuição e outros
incentivos à agricultura familiar. No entanto, estas questões, referentes ao
desenvolvimento agrícola devem ser incorporadas na noção de
desenvolvimento deste novo rural, que deve refletir também esta
emergência e intensificação das atividades até então urbanas no
254
rural. Neste contexto, a política pública neste ‘novo rural deve ser
voltada principalmente para a qualificação dos indivíduos de origem
rural para ampliar as oportunidades de acesso às ocupações não-
agropecuárias, que em geral propiciam maiores rendimentos, e às
ocupações agropecuárias mais qualificadas, que estas são destinadas
basicamente aos residentes no rural que migraram das áreas urbanas
e alguns que continuam residindo nos centros urbanos e trabalham nas
áreas rurais.
Desse modo, tamm é possível perceber que, no movimento transescalar do
capital, a apropriação dos territórios rurais se faz, tanto no produtivismo da
agricultura quanto numa orientação neo-rural, ou seja, expressando “[...] a idéia de
que uma série de valores típicos do velho mundo rural, e que se pensava estar em
vias de extinção, passam por um relativo revigoramento e começam ganhar para si a
adesão de pessoas da cidade.” (VILELA e SILVEIRA, s/d). Nesse contexto, a
255
Os programas e projetos esboçados pelo estado do Paraná correspondem,
em parte, ao contexto institucional existente em escalas mais ampliadas. As políticas
de incentivo à agricultura familiar, são exemplos dessa articulação. Contudo,
algumas orientações no que tange à biotecnologia e ao cultivo de produtos
transgênicos tem se direcionado em sentido contrário ao proposto no contexto
produtivista, gerando conflitos entre governo estadual e mercado em segmentos
específicos como é o caso da soja
6
.
6.1.2 As políticas institucionais para a agricultura no município de Cascavel
Diante da complexificação do papel do Estado, surgem novas funções e
instrumentos para a construção de políticas tamm em nível municipal. Desse
modo, novos marcos regulatórios foram necessários num ambiente institucional
intrinsecamente relacionado às instâncias decisórias mais ampliadas.
Historicamente a formulação das políticas públicas para o rural em Cascavel
teve entre 1952-2006, orientações bastante distintas. Os diversos textos de lei
promulgados pela Câmara Municipal local consultados contribuíram para a
compreensão de tais diferenciações, amparadas, muitas vezes, no contexto
produtivo vigente ao longo desse período. Nesse sentido, embora a análise em
questão compreenda especificamente a formulação de políticas para o rural em
Cascavel pós 1990, é interessante resgatar, ainda que de forma pontual, a dinâmica
estabelecida anteriormente.
Até meados da década de 1970, a isenção de impostos e taxas municipais
para empresas agropecuárias foi uma constante, bem como a dotação infra-
estrutural necessária ao escoamento da produção e dos moradores das áreas rurais.
Cabe acrescentar que a cobrança do ITR Imposto Territorial era de competência
do município
7
.
6
No estado do Paraná, as políticas de restrição à produção de transgênicos tem sido conduzidas
pelo governo de Roberto Requião em meio a grandes controvérsias.
7
Ainda em 1961 criou-se um plano de fomento à agricultura municipal em parceria com os governos
federal e estadual [Lei n.142/61]. No texto de lei menção específica ao incremento da triticultura.
Havia ainda a preocupação em disponibilizar infra-estrutura de armazenagem de grãos, mediante o
subsídio à construção de silos e armazéns. Outra medida adotada buscava fomentar a distribuição do
256
Não se pode deixar de mencionar tamm o apoio constante às estruturas
cooperativistas, bem como aos sindicatos rurais que se formavam na região nesse
período. A normatização das feiras livres que comercializavam frutas, legumes,
aves, ovos, suínos, peixes também se configurava como preocupação dos agentes
públicos naquele período. O subsídio à implementação de parques industriais para o
processamento dos produtos agrícolas tamm foi realizado mediante isenções
fiscais, doação de terras e fornecimento de infra-estrutura para a instalação das
empresas.
Em meados da década de 1980, as orientações tomadas pelo poder público
municipal e referiam-se à necessidade de reduzir os problemas relativos à utilização
do território sem preocupação com processos erosivos e conservação do solo. A
participação consorciada entre estado do Paraná e município se faz mediante o
Programa de Microbacia Integrada e Conservação de Solos e Água. Nesse
momento ocorreu uma reorientação dos processos produtivos organizada pela ação
do Estado, fundamental para conter o esgotamento do solo diante dos processos de
produção intensivos em quimificação e mecanização sem maiores preocupações
com a questão ambiental.
Ao longo dos anos 1990, verificou-se a preocupação em atender
tecnicamente os pequenos e médios produtores rurais nos “moldes da extensão
rural
8
. Ainda no ano de 1991, ou seja, em período anterior à exigência de criação de
conselhos rurais pelo Pronaf, foi criado o Conselho de Desenvolvimento rural de
Cascavel pela lei n.2.186/91. O que se propunha, naquele momento, era a criação
de um plano de desenvolvimento rural integrado. ainda, nesse período, o
reconhecimento do pequeno produtor hortifrutigranjeiro como categoria diferenciada,
priorizando a assistência técnica gratuita em sua propriedade.
no final dessa década, em consonância com o programa estadual
denominado Vilas Rurais”, foram estabelecidas parcerias e efetivado um conjunto
habitacional no distrito de Juvinópolis. Outra medida de caráter específico ao meio
rural refere-se à instituição de disciplinas e currículo específico às práticas agrícolas
nas escolas rurais do município. Além das atividades agrícolas, foi estabelecido um
crédito rural por meio do amparo à empresa de extensão rural estadual ativa naquele período, a
ACARPA - Associação de Crédito e Assistência Rural do Paraná.
8
Fragmento de texto – Lei n.2.124/90.
257
plano para o fomento ao turismo rural no município, ainda que possam restritas tais
iniciativas no meio rural.
No período mais recente, a criação de programas que visam a estimular a
produtividade em pequenas e médias propriedades rurais torna-se mais comum.
Exemplo disso é a criação do Programa da Bacia Leiteira, que busca estimular os
produtores mediante o subsídio para a compra de animais da raça leiteira. No ano
de 2001, promulgou-se lei firmando convênio entre o executivo municipal e os
supermercados da cidade com o intuito de implantar a “banca do pequeno produtor”
[Lei n.3.142]. Esperava-se naquele momento minimizar um dos pontos de
estrangulamento da produção agrícola familiar que é o processo de comercialização.
A Lei 4.175, de 23 de dezembro de 2005, estabelece as normas para o
atendimento e a cobrança dos serviços de adequação, fomento e infra-estrutura rural
no município de Cascavel. Nesse contexto, destacam-se os seguintes programas e
benefícios:
Programas de Incentivo e Análise do Solo
Programa de Troca de Sementes
Programa de Aquisição de Mudas Frutíferas
Programa de Piscicultura
Programa de Reforma de Pastagem
Patrulha Mecanizada para Serviços Agrícolas
Patrulha Mecanizada para Serviços de Reforma de Pastagem
Serviços de Máquinas Pesadas
Os já conhecidos dilemas entre a efetiva ação pública do município nas
questões do território rural e a demanda das comunidades e propriedades agrícolas
familiares o constantes. Uma preocupação na questão do desenvolvimento rural
pode ser expressa pelo Sr. U.P
9
, produtor rural:
Eu vejo o interior do município de Cascavel apenas com uma preocupação,
no sentido do poder público municipal, estadual e federal não dar suporte
necessário para o desenvolvimento das comunidades rurais. De fato o
pequeno proprietário continua sendo marginalizado, nas verbas, no
atendimento de estradas, no assessoramento técnico à pequena
propriedade. Porque nós ainda temos produtores que não tem capacidade
9
Entrevista realizada em 28 de novembro de 2006.
258
técnica de dizer: “Vou construir meu chiqueirão aqui, ou vou fazer meu
aviário lá!”. E essa deficiência técnica que existe no meio rural dificulta,
porque nós temos, por exemplo, uma bacia hidrográfica do rio o José,
que não vai mais permitir que se construa chiqueirões de porcos na região.
Dessa bacia hidrográfica que passou a ser uma bacia hidrográfica da
SANEPAR (Companhia de Saneamento do Estado do Paraná) E tantas
outras coisas como a aplicação de veneno. [...] Não existe
acompanhamento técnico das pequenas propriedades.
A questão do assessoramento técnico questionada pelo produtor rural, bem
como as melhorias necessárias à infra-estrutura de escoamento da produção são
reclamações constantes dos agricultores familiares de um modo geral. Vale
acrescentar que a manutenção das estradas depende de boa vontade política. Nas
comunidades rurais visitadas é freqüente a parceria entre vizinhos para a melhoria
das condições das estradas, principalmente nos períodos de chuva mais intensos.
Entretanto, a manutenção das condições adequadas ao deslocamento de pessoas e
produção no interior do município é prevista em lei
10
. O produtor V.D tamm expõe
uma grande dificuldade no que tange à conservação das estradas rurais. “Entra
prefeito e sai prefeito, nenhum tem conservação de estradas que sirva ao agricultor”.
em relação a necessidade de apoio técnico para as atividades
desenvolvidas no território rural, uma das alternativas recentes viabilizadas é uma
parceria entre prefeitura municipal e Emater/PR, que procura atender as demandas
dos produtores, reforçando o acompanhamento técnico por meio da extensão rural
nos distritos rurais. Essa orientação de trabalho tem se transformado num importante
meio de interlocução entre agricultores familiares e poder público municipal.
Vale salientar que as melhorias necessárias ao funcionamento do território
rural do município o encaminhadas e discutidas regularmente no Conselho de
Desenvolvimento Rural.
6.1.2.1
O
Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural
Uma das iniciativas importantes e previstas em lei para que seja cada vez
maior a participação popular na gestão do território é a atuação dos conselhos de
10
A Lei n.4.000 de 24 de fevereiro de 2005, alterava leis municipais anteriores e disponibilizava
abertura de Crédito Adicional Especial, no Orçamento Geral do Município na importância de
R$3.883.790,00, destinados aos programas e atividades a saber: Programa Suporte aos Serviços e
Obras Públicas Rurais; Programa Aumento da Infra-Estrutura Rural; Programa Manutenção da Infra-
estrutura Rural
259
desenvolvimento em diferentes esferas da vida em sociedade. Mesmo admitindo-se
que é ainda incipiente a participação popular nessa estrutura institucional, os
conselhos constituem-se num dos valiosos instrumentos de participação democrática
no Brasil. Como menciona Abramovay (2003, p.57)
A alocação de recursos governamentais por parte de representações
que extrapolam o círculo da política profissional não tem, por si só, o
condão de alterar o cotidiano de qualquer organização ou localidade: os
conselheiros podem ser mal informados, pouco representativos, indicados
pelos que controlam a vida social da organização ou localidade
em questão, mal preparados para o exercício de suas funções ou, o que
parece tão freqüente, uma mistura de cada um desses elementos.
A participação de diferentes instituições voltadas à questão rural pode
proporcionar maior reflexão sobre a condução dos planos de desenvolvimento rural
estabelecidos pelos municípios. Ainda para o referido autor: A missão fundamental
dos conselhos é descobrir os potenciais de desenvolvimento que os mecanismos
convencionais de mercado são incapazes de revelar [...]” (idem, p.59). Porém, é
preciso comprometimento para que esse objetivo seja de fato efetivado.
Em Cascavel, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural COMDER,
foi criado em 1997, e tinha tamm o propósito de auxiliar nas questões relativas ao
Pronaf. Atualmente, o repasse de crédito por esse instrumento não mais é discutido
no COMDER. No ano de 2005, a Lei 4.174 de 23 de dezembro, cria o conselho em
suas atribuições e competências atuais. A pauta de discussão refere-se a diversas
questões, entre elas, aquelas relacionadas ao Fundo Municipal de Desenvolvimento
Rural - FUMDER, possuindo caráter deliberativo. A atuação volta-se à área rural do
município de Cascavel no que diz respeito à atividade agropastoril, ao meio
ambiente, a agroindústria e outras atividades que envolvam as comunidades rurais.
No que tange à participação efetiva dos conselheiros, esta é bastante
variável, o que de certa forma tem prejudicado encaminhamentos necessários. Ainda
sobre sua composição, o COMDER constitui-se de membros representantes de 20
entidades relacionadas ao meio rural do município.
Em se tratando da representatividade da agricultura familiar, um conselheiro
entrevistado afirmou que esta ainda é restrita no conjunto das entidades. Restrita é,
portanto, a mudança institucional tão necessária ao desenvolvimento das
260
comunidades rurais. A leitura proposta por Abramovay (2003) é esclarecedora nesse
sentido:
Com muita freqüência os extensionistas e os próprios dirigentes
sindicais queixam-se da falta de interesse dos agricultores em iniciativas
organizadas. É claro que se as reuniões do conselho forem um pouco mais
do que um jogo de cartas marcadas para tomar decisões sobre cujo
resultado ninguém tem vida, a participação se precária. Sempre que
estas reuniões forem uma ocasião de refletir criticamente sobre a situação
em que se vive, sempre que elas reforçarem o sentimento de pertencer a
um conjunto, a um território que faz dos cidadãos os construtores de um
projeto coletivo, sempre que resultarem na chance de se ampliar o
círculo social por vezes tão limitado ao qual se restringem as relações
humanas no meio rural, elas contarão com a presença das forças vivas
da sociedade local (idem, p.63 e 65).
Outra queixa comum refere-se ao encaminhamento posterior às orientações
e deliberações do COMDER, no que tange ao poder público municipal, o qual,
muitas vezes, tem dificuldades para atender às demandas solicitadas. Essa situação
deriva, segundo o entrevistado, da incapacidade do poder público em executar os
serviços necessários, principalmente aqueles relacionados à conservação das
estradas vicinais, importantes para o escoamento da produção agrícola do meio
rural. A situação mencionada pelo conselheiro em seu depoimento é tamm
interpretada por Abramovay (2003, p.60-61):
Na verdade, não existe grande dificuldade em se transferir, do
Governo Federal para o plano local, regras formais, estruturas
administrativas e alguns procedimentos burocráticos. O problema é
que não se transferem, num passe de mágica, valores, comportamentos,
coesão social e sobretudo confiança entre os indivíduos que os
estimulam a tomar em conjunto iniciativas inovadoras. Isso significa o
risco de existir apenas como formalidade necessária à obtenção dos
recursos públicos é inerente ao próprio processo de
descentralização, contra o qual não existe uma proteção administrativa
genérica.
As entrevistas realizadas com produtores familiares em diferentes distritos
rurais do município também apontaram para essa idéia de um conselho de
desenvolvimento apenas como formalidade necessária e a questão infra-estrutural
aparece como um dos exemplos mais explícitos das dificuldades em se produzir no
território rural. Isso ganha maiores proporções quando se admite que a produção
dentro da porteira da fazenda não pode ser considerada estanque, ao contrário,
torna-se cada vez mais dependente de redes técnicas, científicas e informacionais.
Talvez esse seja um dos maiores desafios a serem vencidos pelo Conselho de
261
Desenvolvimento Rural no município, ou seja, a capacidade de perceber-se como
parte importante das transformações pelas quais o rural passa continuamente como
territorialidade.
6.2
A
S REDES TECNO
-
ECONÔMICAS NO CONTEXTO TERRITORIAL DO AGRONEGÓCIO
Segundo Beneduce (2000), diante da complexidade tecnológica e suas
extensões surgem novas formas de produzir e circular. Para tanto, acentuam-se
características organizacionais como a concentração, a flexibilidade, a
descentralização e o acontecimento em redes. Nesse conjunto, a lógica territorial
decorre das decisões das empresas na busca da competitividade. Disso deriva o
encadeamento produtivo estruturado na cooperativa e nas agroindústrias privadas.
Outra observação relativa à formação das redes vincula-se aos fluxos sociais
e de mercadorias. Estes são “[...] estreitamente geridos e administrados, o que
implica seu estímulo pelo ‘mundo dos negócios’ e por mecanismos expandidos de
poder, onde podem ser incluídos a mídia e o marketing” (RIBEIRO, 1999, p.291).
Nesse caso, as associações e agrupamentos produtivos surgem, pois cada vez mais
se complexificam as esferas de produção e comercialização. Individualmente muitos
produtores familiares acabam arcando com um pesado ônus nas negociações
relacionadas aos seus processos de produção. Diante disso, multiplicam-se
iniciativas coletivas para a organização de segmentos específicos vinculados ao
território rural. São essas as estruturas que se pretende discutir na seqüência do
item.
6.2.1
O papel da cooperativa agropecuária local no desenvolvimento do território
rural
Apreendeu-se anteriormente que a participação do Estado, como agente de
transformação do território, ocorreu em todas as fases do processo produtivo
agrícola. Assim, tanto o planejamento da atividade rural, inclusive os segmentos à
montante, produtor de insumos, como no próprio financiamento das atividades
agroindustriais, caso este das cooperativas regionais, e em especial da Coopavel.
262
De modo especial Lauschner (1981, p.92), descreve o papel do governo no
planejamento rural como necessário “[...] à organização em torno ao produto rural.”
Nesse caso, a capitalização da agroinstria, principalmente da agroindústria
cooperativa, ocorreu na região Oeste, nesses moldes, ou seja, mediante o intenso
estímulo do Estado.
[...] o cooperativismo agrícola nessa região aparece no decênio de 1960, no
entanto, em 1957 foi fundada uma cooperativa, no município de
Guaraniaçu. Mas é, sobretudo, a partir de 1969, com o desenvolvimento da
cultura da soja, que se a formação de cooperativas e a reorganização
das sociedades já existentes.
Para esse autor, a idéia de cooperativismo já existia, principalmente nas
regiões de origem dos colonos que imigravam para a região Oeste do Paraná.
Mesmo quando as iniciativas fracassavam, gerando desconfiança por parte dos
agricultores, era ainda o meio mais adequado para a organização da produção rural
. O incentivo para essa organização e reorganização, quando ocorriam experiências
mal sucedidas, ampliou-se significativamente na cada de setenta, principalmente
com o apoio governamental voltado ao crédito rural.
A Coopavel iniciou suas atividades em 19 de março de 1971 e em 1973 foi
construída a primeira infra-estrutura para a armazenagem de grãos com capacidade
de estocagem de 1,8 milhão de sacas. (COOPAVEL, 2007 (a)). Especificamente em
Cascavel, aproximadamente 780 produtores estão associados à cooperativa que
possui ainda 22 filiais espalhadas na região Oeste do Paraná
11
. Entre 1980 e 1990
houve aumento no quadro associado e a partir de 1990, uma constante redução
do número de integrados; no ano de 2005 eram 3.200 associados e em 2007 esse
número cai para 2.911. Isso se deveu, em parte, à decisão de assembléia em excluir
da cooperativa os sócios que não participam ativamente da estrutura, quer na
compra dos insumos, quer na integração, definindo uma re-orientação nos
processos de gestão da cooperativa, visando à redução de custos.
Considerando a estrutura organizacional proporcionada pela cooperativa, é
válido acrescentar que muitas vezes os produtores rurais familiares, diante da
11
Os municípios que possuem entrepostos de recebimento são: Corbélia, Capitão Leônidas Marques,
Céu Azul, Catanduvas, Braganey, Três Barras do Paraná, Vera Cruz do Oeste e Iguatu.
263
crescente modernização, vêem-se obrigados a integrar-se à agroindústria
cooperativa para não desaparecerem. Como menciona Alentejano (1997, p.25),
[...] produtores que praticamente se transformam em empregados das
agroindústrias, uma vez que elas controlam todo o processo de produção,
definindo e às vezes, fornecendo ou financiando os insumos a serem
utilizados, estipulando os procedimentos que devem ser seguidos e
estabelecendo os ganhos – ou perdas – a serem obtidos.
Nesse sentido, o trabalho de Paulilo (1990) auxilia na compreensão de um
questionamento importante no contexto das territorialidades produzidas pela
integração cooperativista regional, ou seja, como o produtor integrado vê a si mesmo
como parte da relação de integração. Utilizando-se de um referencial específico,
ancorado na leitura de Weber, a autora apreende que nessa relação de dominação
agroindústria cooperativa versus produtor integrado, uma dominação racional e
uma dominação tradicional. Esta última correlaciona o poder dos antigos
comerciantes ao atual poder das agroindústrias e nessa contradição coexistem
autonomia e dependência. Nas entrevistas realizadas com os produtores rurais,
quando questionados sobre a importância da cooperativa, muitos referiam-se a ela
como “um mal necessário”. Assim, mesmo admitindo a exploração, sabem que
isolados não conseguem fazer frente ao mercado cada vez mais competitivo. Outros
produtores entrevistados vêem na cooperativa uma garantia importante no conjunto
da produção agrícola familiar. A produtora N.G exe essas questões e assinala:
[...]
outras empresas oferecem um valor maior para o litro de leite, não
cobram o custo do transporte, nem o imposto, garantem o pagamento
R$0,06 a mais que a cooperativa, porém não a assistência técnica,
não a assistência veterinária. Assim, existem esses custos que a
cooperativa absorve. Então a cooperativa, apesar de tudo, é uma garantia,
no caso do leite é uma garantia.
Nesse caso, como observa Alentejano (1997), o mais importante é a
reprodução familiar, ainda que esta se dê sob o jugo de outras estruturas. Como
expõe o produtor rural C.deQ.:
Para nós, pequenos produtores, acho que ainda a cooperativa ajuda, em
parte. Então quando não se tem armazém em casa, não tem outra solução,
tem que guardar [os grãos] nos silos deles. Tem épocas que tem melhores
preços e tem épocas que [...] não tem jeito, vai ter que vender no preço
barato.
264
Portanto, a cooperativa local em sua estratégia de competitividade modifica a
dinâmica territorial local, impondo suas exigências, sendo atendida pelos produtores
rurais integrados. A estrutura produtiva agroindustrial demandante dos produtos
265
Esse evento técnico inspirou-se inicialmente no Farm Show de Indiana,
Estados Unidos. Nas primeiras edições buscava-se a capacitação dos produtores
associados para absorver tecnologias de produção que auxiliassem no aumento da
produtividade de grãos e também de atividades pecuárias. Atualmente, é o maior
evento técnico da área no sul do País. Nas edições atuais, o Show Rural Coopavel
pode ser interpretado como um espaço de consumo estruturado no sistema cnico
(SANTOS, 1996). Vale ainda acrescentar que “[...] a modernização técnica acontece
através dos dilemas da modernização social e política” (RIBEIRO, 1999, p.297). A
cooperativa como agente institucional, necessita por parte de seus integrados, de
respostas ajustadas ao mercado, caso contrário a estrutura agroindustrial não se
mantém competitiva. Disso deriva a noção de cadeia produtiva, ou de complexo
agroindustrial.
Nesse caso, existe uma racionalidade própria na adoção das orientações
tecnológicas mais atuais por parte dos agentes institucionais. Como observa Ramos
(2001, p.375) “[...] essa racionalidade se traduz na produção agrícola por políticas
que favorecem superposições de tecnologias, derivadas, sobretudo, de pesquisas
científicas, e inovações na gestão e no controle da produção sob o comando de
grandes empresas”.Esse é o papel da EMBRAPA, IAPAR, EMATER, ITAIPU, MDA –
Ministério do Desenvolvimento Agrário e principalmente das empresas transnacionais
que participam do agronegócio. A incorporação tecnológica tamm necessita, em
grande medida, de instrumentos de crédito com taxas de juros acessíveis aos
produtores. Agentes institucionais, como a EMBRAPA, contribuem para o
desenvolvimento de pesquisa mediante o repasse à iniciativa privada de tecnologias
de cunho social. As variedades desenvolvidas expressam os processos de adaptação
que buscam, fundamentalmente, a redução de custos, o aumento da produtividade e,
se possível, o aumento da lucratividade dos produtores. As Figuras 15, 16 e 17
apresentam parte da estrutura do evento no ano de 2006.
266
F
IGURA
15
V
ISTA PANORÂMICA DA
18
ª
.
E
DIÇÃO DO
S
HOW
R
URAL
C
OOPAVEL
FEVEREIRO DE
2006
F
IGURA
16
-
V
ISTA PANORÂMICA DOS EXPERIMENTOS REALIZADOS DURANTE A
18
ª
.
E
DIÇÃO DO
S
HOW
R
URAL
C
OOPAVEL
FEVEREIRO DE
2006
267
F
IGURA
17
PARCELAS DE EXPERIMENTOS REALIZADOS NA
18
ª
.
E
DIÇÃO DO
S
HOW
R
URAL
C
OOPAVEL
FEVEREIRO DE
2006
As Figuras apresentadas mostram as parcelas de experimentos técnicos que
procuram demonstrar aos produtores rurais o que de melhor pode ser extraído de
cada cultivo em particular. As experiências mais importantes em termos de pequena
agricultura familiar são apresentadas pelas instituições de pesquisa e extensão
públicas, cabendo à iniciativa privada apresentar os processos tecnológicos
desenvolvidos principalmente pelos grandes grupos industriais relacionados à
química fina e ao complexo metal-mecânico. Cada vez mais a biotecnologia se faz
presente nas parcelas produtivas apresentadas. “Esses novos consumos técnicos no
campo exigem maiores somas de investimentos o que ocasionará um processo de
modernização sem alteração fundiária” (RAMOS, 2001, p.376). A autora expõe que
o fato de não se verificar alterações de ordem fundiária acaba proporcionando um
restrito acesso à tecnologia, ou seja: “Somente alguns proprietários serão
verdadeiramente beneficiados pelas inovações introduzidas nos métodos de cultivo”
(RAMOS, 2001, p.376).
268
A pressão exercida pela cooperativa, no sentido da tecnificação, é cada vez
mais intensa. As palavras de ordem postas aos agricultores cooperados são
“conhecimento e tecnologia agrícola”. Para a Coopavel (2007, p.2(c)):
Cabe então ao produtor tamm fazer a sua parte, porque de nada
adianta a pesquisa perder anos estudando uma nova forma de produção em
benefício do agricultor, a cooperativa viabilizar a sua difusão, se o produtor
não quiser adotá-la e não a implantar na propriedade.
O evento, dessa forma, proporciona essencialmente alternativas para a
contínua estruturação técnica das propriedades rurais. Novos processos produtivos
podem, [ou necessitam] ser incorporados pelos produtores familiares em escalas
diferenciadas. Nesse sentido, ocorre uma re-organização das propriedades como
conseqüência das observações dos agricultores em relação aos experimentos
apresentados. A Figura 18 ilustra essa condição.
F
IGURA
18
P
ARCELA DE EXPERIMENTO DE MILHO REALIZADA POR EMPRESA PRIVADA
S
HOW
R
URAL
C
OOPAVEL
,
F
EVEREIRO DE
2006.
Nas palavras do produtor O.G, integrado à cooperativa, a organização da
propriedade se faz em consonância às exigências do mercado, por isso a
269
participação de encadeamentos produtivos mais elaborados. “A Coopavel somente
exporta porque ela está adequada aos parâmetros que o mercado internacional
exige, porque eles têm códigos especiais de carga”. E o produtor adapta-se a essas
demandas. “Hoje é o mercado internacional, tudo é mercado internacional.” Daí a
compreensão da dinâmica multiescalar que se elabora desde a propriedade até as
esferas mais ampliadas de consumo. E são essas condições que o Show Rural
Coopavel procura atender em suas edições, auxiliando a busca dos produtores
familiares por condições de maior incorporação tecnológica em suas propriedades .
O Quadro 11, na seqüência, apresenta um histórico do evento. É nítida a
expressiva expansão ao longo das edições realizadas.
Q
UADRO
11
H
ISTÓRICO DAS EDIÇÕES DO
S
HOW
R
URAL
COOPAVEL
1989-2007
ANO
EVENTO
EXPERIMENTOS
A
PRESENTAÇÕES
TÉCNICAS
N
O
.
VISITANTES
EMPRESAS
DIAS
ABRANGÊNCIA
1989
Dia de
campo
250
14
110
15
1
Associado
1990
250
14
160
24
1
1991
330
16
200
35
1
1992
400
18
600
40
2
1993
720
22
1.200
47
3
Regional
1994
1.135
30
2.500
58
3
Regional
1995
270
A diferenciação no contexto da aquisição tecnológica, por parte dos
produtores rurais familiares, apenas referenda posições mais ou menos
consolidadas em termos de processos produtivos. É relativamente comum os
produtores com menores níveis de capitalização participarem do evento, buscando
melhorias nos processos de gestão da propriedade familiar. Assim, a inserção
tecnológica ocorre em diferentes categorias e para diferentes objetivos. Outro
aspecto refere-se à resistência às mudanças nos processos produtivos. Como
exemplo, alguns produtores rurais são tão acostumados ao plantio da soja que têm
dificuldade em achar uma “brecha” para a diversificação o produtor sabe o que
planta, conversa com conhecimento e sabe sua posição nesse contexto.
Outra condição interessante diz respeito ao mercado e ao conseqüente
comportamento dos preços das commodities e sua relação com as demandas dos
produtores familiares no contexto do evento. Se há crise na agricultura e na pecuária
e o produtor possui restrições na sua renda, ele busca processos e melhoria na
gestão. Quando condições financeiras favoráveis, o produtor busca maquinários,
implementos, aquisição de bens de capital para a produção. Configura-se, dessa
forma, um hiato entre a capacidade de incorporação de elementos técnicos nos
processos produtivos familiares e a resposta exigida pelo mercado.
Existe ainda um período de tempo para que as respostas dadas pelas
alterações cnicas, científicas e informacionais ocorram. Um dos desafios mais
importantes para os organizadores do evento, segundo o responsável, Sr. R.R
12
, é a
mensuração do retorno ao produtor após a incorporação tecnológica. Admite-se,
portanto, que ocorrem transformações no comportamento do produtor em termos de
aquisição de produtos e processos, mesmo com limitado acesso às informações
nesse contexto, por parte da cooperativa.
Portanto, admitindo-se que ocorrem transformações no comportamento dos
produtores familiares, consequentemente altera-se a composição do território rural
do município mediante a apropriação dos conteúdos técnicos, científicos e
informacionais.
12
Entrevista realizada em 07 de fevereiro de 2006.
271
6.2.2 O papel dos sindicatos e associações de produtores na construção das
territorialidades rurais
De acordo com o Perfil da Realidade Agrícola publicado pela Emater/PR, no
que diz respeito à organização rural, o município de Cascavel possui 41 grupos
informais e 19 associações formalizadas. Os sindicatos subdividem-se em rural
patronal e de trabalhadores rurais.
a) Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cascavel
As cartas sindicais foram legalizadas em 1968, nominando oficialmente o
Sindicato dos Trabalhadores Rurais. No entanto, as primeiras atividades iniciaram-se
em 1963, ainda com a denominação de Sindicato dos Produtores Rurais.
Considerando um período bastante “turbulento” em meados das décadas de 1960 e
1970, havia o “indicativo” do governo militar para que a atividade sindical fosse
voltada principalmente para questões relativas à saúde dos produtores e
trabalhadores rurais. Após a criação do SUS Sistema Único de Sde - alterou-se
a função do sindicato, procurando a defesa e a representação da categoria
trabalhadores rurais.
Um fato interessante mencionado pelo Sr. U.P., dirigente sindical, refere-se
ao evento da modernização da agricultura como um “divisor de águas” na queso
trabalhista rural.
[...] com o início da mecanização agrícola houve uma contratação muito
maior da mão-de-obra, onde no nosso município não havia sequer registro
em carteira! Dizia-se: [...] os empregados são aqueles da loja! Da roça, não
é empregado! Então quer dizer: o empregado é aquele que trabalha na
indústria da cidade. Na agricultura não tem férias, 13º [salário]. Com isso,
com a mecanização, com o estímulo do Sindicato e muitos cursos, foi se
elevando o registro em carteira. Houve orientação aos empregadores
quanto ao registro em carteira.
A questão do registro em carteira, ou seja, a legitimação dos direitos dos
trabalhadores rurais no rural de Cascavel foi significativamente modificada em
meados dos anos 1980, com a intensificação da fiscalização do Ministério do
Trabalho. Até então, as relações de trabalho vinculavam-se mais no contexto das
parcerias. “Meeiros, parceiros, agregados, como se dizia naquele tempo; dificilmente
eram registrados. À maioria, era dado em troca um rancho e algum dinheiro (U.P).
272
Quando se observa essas relações é importante acrescentar que elas
ocorriam no contexto de médias e grandes propriedades, muito mais do que em
pequenas estruturas. De acordo com o Sr. U.P.
O fazendeiro precisava abrir uma fazenda, precisava formar pasto naquela
fazenda. Então ele leva quatro ou cinco famílias lá. E dizia assim: Vocês
podem derrubar essa mata, podem plantar o que vocês quiserem e a
lavoura é de vocês. que plantem a grama e façam a cerca. Essa era a
agricultura em troca da pastagem formada. Isso tudo antes da
mecanização. Depois da mecanização entrou a modernidade, daí não
mais.
A partir de 1984, as convenções coletivas procuraram garantir correções
salariais aos trabalhadores rurais. O entrevistado destacou ainda que uma parcela
de meeiros, parceiros que não tinham as terras legalizadas, transformou-se, após o
evento da modernização em trabalhadores rurais sem-terra. As dificuldades na
documentação fizeram com que muitos produtores rurais continuassem na terra não
mais como parceiros, mas sim como empregados dos fazendeiros.
b) Sindicato Rural Patronal do Oeste do Paraná
A carta sindical data de 1967 e ao longo de quarenta anos vários foram os
objetivos relacionados à propriedade rural sob a ótica patronal. Nesse sentido,
um constante apoio no que tange às questões trabalhistas, previdenciárias,
fundiárias e ainda relacionadas à saúde. A capacitação profissional é outra área de
atuação do sindicato mediante convênios estabelecidos com o SENAR Serviço
Nacional de Aprendizagem Rural. Funciona nas dependências do sindicato uma
junta de conciliação prévia para atender às demandas trabalhistas. Quanto ao
número de produtores rurais filiados, aproximadamente 3 mil associados e destes,
600 produtores, contribuem mensalmente para a manutenção dos serviços. Vale
lembrar que vários produtores filiados possuem áreas de terra em outros municípios
e estados, mas mantêm vínculo com a entidade. Além disso, as reuniões do
COMDER são realizadas nas dependências do sindicato que empresta ainda sua
infra-estrutura para o funcionamento de associações de produtores sem sede
própria. Nesse sentido, ainda é imenso o desafio desses agentes institucionais no
município, pois a prática associativista é apreendida lentamente e depende de níveis
elevados de capital social.
273
c) As Associações de Produtores
No caso específico da produção leiteira, a Associação Regional dos Criadores
de Bovinos de Raças Leiteiras do Oeste do Paraná Rural Leite - conta com 559
associados; destes, 250 produtores são ativos nas discussões e eventos promovidos
pela associação, segundo o responsável técnico, Sr. A.N
13
. O objetivo da associação
é amparar a tecnificação do produtor de leite. foram realizados dois eventos
técnicos voltados à criação de gado leiteiro. Além disso, a disponibilização de
credenciais para os associados que permite a redução do preço de insumos
utilizados nas propriedades.
Outro grupo de produtores que vem ensaiando iniciativas conjuntas são os
olericultores. O desafio principal é buscar alternativas para melhorar os processos
de comercialização dos hortifrutigranjeiros com as redes de supermercados da
cidade. Aproximadamente 16 produtores participam das reuniões nas dependências
do Sindicato Rural Patronal.
Outra associação que utiliza a estrutura do Sindicato Rural Patronal é
vinculada à criação de ovinos e caprinos. A Associação de Ovinos e Caprinos do
Oeste do Paraná objetiva incentivar os pequenos produtores à criação de ovinos e
caprinos. De acordo com o produtor de ovelhas E.P
14
, as iniciativas ainda são
recentes e configuram-se em fonte de renda aos produtores. Para tanto, faz-se
necessário o conhecimento e a tecnificação mediante cursos e implementação de
biotecnologia, tanto na escolha das raças quanto nos processos de manejo dos
animais.
Talvez o exemplo mais bem sucedido em termos de cooperação na
comercialização da produção rural seja a da Feira do Pequeno Produtor. A
associação dos feirantes iniciou suas atividades em 1984, buscando a venda direta
aos consumidores urbanos. Nesse período, houve variação no número de feirantes
que conta no ano de 2007 com 100 produtores. A feira torna-se “instituição” à
medida que procura conservar os valores da ruralidade e explorá-los na venda dos
produtos. Segundo GRAZIANO DA SILVA (2003, p.143), [...] embora venham
reduzindo gradativamente sua participação relativa na produção [...] ainda existe um
13
Entrevista realizada em 09 de novembro de 2006.
14
Entrevista realizada em 18 de novembro de 2006.
274
grande número de pequenos produtores organizados com base no trabalho familiar,
distribuídos por todas as regiões do País, que participam significativamente na
produção dos produtos agrícolas e pecuários no seu conjunto”. A Feira do Pequeno
Produtor tornou-se um canal importante para a dinamização da agricultura local.
Entretanto, mesmo com sua expansão, os produtores participantes ainda encontram
dificuldades de ordem econômica, infra-estrutural e legal para o correto
funcionamento das atividades.
Contudo, a maior parcela é a de produtores dos distritos rurais do município
que ofertam seus excedentes. Nesse sentido é o poder público que fornece o
suporte legal às iniciativas e detém o controle e a fiscalização sanitária dos produtos
comercializados.
Observando-se especificamente a produção familiar, própria ao conjunto da
Feira do Pequeno Produtor, VEIGA (2001, p.103) afirma que este é um dos mais
preciosos trunfos do desenvolvimento rural. Caracterizando os cleos familiares,
percebe-se que, muitas vezes, estes constituem pequenas empresas de caráter
informal. “São [estes núcleos] rteis mananciais de habilidades empreendedoras e
estimuladores de uma fortíssima ética do trabalho. Muitas das pequenas empresas
comerciais, artesanais ou protoindustriais que mais diversificam as economias locais
germinam nesse tipo de organização”. Nesse contexto de inserção da pequena
agricultura familiar nas esferas técnicas, científica e informacionais, é valido
acrescentar que:
[...] o melhor caminho é pelas formas de articulação da pequena produção
com os setores capitalistas. Isso porque, na posição em que a pequena
produção agrícola se insere hoje no modo capitalista de produção, a
tecnificação (ou modernização) representou mais uma imposição do que
uma oportunidade conquistada. (GRAZIANO DA SILVA, 2003, p.144).
Ressalta-se que, mesmo considerando-se essa “imposição” do sistema
produtivo vigente, os agricultores feirantes perseguem as condições para sua
capitalização como resposta como pequena produção.
Muito que se fazer no sentido de permitir a efetiva participação dos
produtores rurais no contexto de reestruturação produtiva, tanto nessa dimensão
quanto no resgate do valor da pequena produção, considerando novas estratégias
275
de reprodução da produção familiar. No caso das pequenas estruturas familiares, as
associações se constituem em importante apoio. Como observa o produtor P.V: “As
pessoas não estão habituadas ao associativismo e nós estamos indo para um
caminho onde cada um tem que defender o que faz, o patrimônio e a atividade”. E o
apoio das instituições é essencial para tanto.
Em resumo, é imprescindível a atuação institucional para que seja possível o
desenvolvimento dos territórios rurais. Nesse sentido, o mercado o vai resolver a
questão relativa à melhoria na qualidade de vida das populações que vivem e
trabalham no meio rural. As categorias familiares menos capitalizadas encontram-se
em relativa desvantagem frente as empresas rurais, principalmente em função das
crescentes exigências técnicas e científicas vinculadas ao agronegócio.
Mesmo com significativos avanços, ainda são frágeis os mecanismos
institucionais que contribuem para minimizar tais dificuldades e, mesmo no que
tange à oferta de crédito, esta é limitada e muitas vezes contribui para uma possível
eliminação do produtor mediante a entrega da terra às instituições bancárias, fato
este relativamente comum na rego Oeste e no município de Cascavel. A
consideração dessa situação por parte das esferas públicas é uma das condições
essenciais para que os agricultores familiares possam permanecer em suas
atividades e não engrossem a fileira de exclusão e marginalidade que se faz
presente na cidade. Como bem observa o Sr. D, da Linha São Miguel, distrito de
Juvinopolis
15
:
se o governo não olhar para a agricultura, vai tudo para cidade virar ladrão,
matar os outros pra poder roubar, porque se não fizer assim, como é que
ele vai viver, porque emprego não tem. tem emprego pra um ou dois,
mas tem cinqüenta, cem que não tem. E aí, o que é que eles vão fazer pra
sustentar a família. Vai acabar roubando...
A valorização das territorialidades elaboradas pela agricultura familiar
depende, portanto, de atitudes coerentes dos agentes envolvidos nas diferentes
escalas. Isso é essencial para que os critérios técnicos possam consubstanciar as
decisões políticas dos diferentes agentes envolvidos nessa dinâmica, buscando
ampliar a inserção dos produtores rurais familiares nas novas esferas produtivas.
15
Entrevista realizada na propriedade rural em 26 de janeiro de 2007.
C
ONSIDERAÇÕES
F
INAIS
A modernização da agricultura e a construção de territorialidades rurais no
município de Cascavel entre 1960 e 2007 expressam, em seu conjunto, as diferentes
fases pelas quais se organizaram os processos produtivos locais, contribuindo
tamm, como referência, para a estruturação socioeconômica pautada no
produtivismo. A transformação no uso do território, da policultura familiar de
subsistência, para um cenário de acentuada modernização, foi viabilizada por
políticas em diferentes escalas. Desse modo, a escolha do território como categoria
de análise permitiu observar, de forma particular, o movimento do capital presente
na elaboração das ruralidades em Cascavel.
A configuração dessas ruralidades foi possível, porque algumas etapas
anteriores à modernização foram cumpridas, desde o preparo das áreas para a
agricultura, com a exaustão do ciclo madeireiro, responsável pela ocupação efetiva
do Oeste do Paraná, até a experiência da policultura de subsistência que habilitava
ainda em meados das décadas de 1950 e 1970 os produtores na lida com a terra.
Houve o ajuste na produção de commodities, especialmente a soja, mediante
a adoção de novas tecnologias. Isso foi condição necessária para que as
especialidades produtivas se intensificassem no território rural otimizando a função
de produção na agricultura local, até então amparada na produção de suínos, feijão,
arroz e mandioca. As formas de produção ali envolvidas, no que tange
especificamente à agricultura, “carro-chefe” no uso do território ainda no período
atual, referem-se aos produtos químicos e biológicos, equipamentos mecânicos e à
utilização crescente da terra como meio de produção.
No Brasil isso ocorreu, notadamente, a partir da década de 1960 com a
difusão do Sistema Nacional de Crédito Rural. A utilização dessa porção do território,
bem como sua organização se elabora mediante estreitos vínculos ao mercado, por
meio de um sistema de produção que configura dinamismo às atividades ali
desenvolvidas.
As evincias empíricas apontam para a continuidade da modernização
tecnológica em consonância aos circuitos de produção e circulação engendrados
277
pela globalização. A reestruturação tecno-econômica se apresenta, portanto, como
uma das faces do capital apropriando-se da produção regional. Isso promoveu a
valorização seletiva dos territórios, acentuando um caráter competitivo nas escalas
de produção, principalmente da agricultura e da pecuária.
Os dados apresentados e as entrevistas realizadas ressaltaram
territorialidades diferenciadas, derivadas de estruturas rurais tamm distintas. De
um lado, existem empresários rurais consolidados, capitalizados e com maior
autonomia nos processos de produção e comercialização. De outro lado,
produtores familiares muito vulneráveis às agruras do mercado, buscando meios
para a sustentabilidade das propriedades rurais, inclusive em atividades não-
agrícolas o que reforça o trabalho pluriativo. Vale acrescentar que a pluriatividade
somente se torna possível diante de uma integração funcional entre o rural e o
urbano sugerindo complementaridades.
Os produtores rurais, tanto empresariais como familiares apresentam
assimetrias na busca por melhores dotações tecnológicas nas propriedades e na
questão da comercialização. Caracteriza-se, dessa forma, uma orientação voltada
para o aumento da produtividade e uma racionalidade nas decisões de produção
amparada nas exigências do capital em suas múltiplas escalas. A agricultura
continua, assim, a “capitanear” as atividades rurais, modificando a relação entre
capital e trabalho incorporados à produção, em favor do primeiro.
Nas estruturas familiares, a renda gerada na propriedade, por meio das
atividades vinculadas a agricultura, é acrescida da remuneração proveniente de
atividades não-agrícolas. Isso ocorre principalmente em função da crescente
dificuldade do segmento em se reproduzir socioeconomicamente apenas por meio
da agricultura. Quando se trata de pequenas áreas da agricultura familiar, a
orientação adotada considera a diversificação de atividades na propriedade ou fora
dela. A saída de parte de seus membros, geralmente os filhos, para ocupações na
cidade, é algo inerente aos novos processos produtivos engendrados nos territórios
rurais e urbanos. Dessa forma, no município de Cascavel, a busca por alternativas
de atividades não-agrícolas ocorre muito mais pela necessidade de renda, do que
por quaisquer incentivos governamentais.
278
O município de Cascavel apresenta, portanto, uma multiplicidade de rurais. Há
que se referendar a iia do território como um mosaico, ou seja, diferentes
unidades fundiárias, distintas possibilidades de capitalização e, por conseqüência,
desequilíbrios no que tange à reprodução dos produtores rurais.
Portanto, o território rural possui fortes traços de tecnificação e as atividades
agrícolas produtivistas estão consolidadas. Contudo, que se reafirmar que os
produtores familiares encontram grandes dificuldades para sua reprodução. Desse
modo, a limitação para a adoção de bases tecnológicas modernas nas propriedades
familiares contribui, de certa forma, para o agravamento dos processos de exclusão
sócio-produtiva no meio rural.
O papel da produção agrícola familiar, nesse contexto, somente será
modificado em favor dos agricultores, à medida que os agentes institucionais
posicionarem-se mais firmemente na condução de suas políticas, reconhecendo ali
uma das possibilidades para o desenvolvimento rural.
Diante das limitações na formulação de políticas blicas em favor da
agricultura familiar, tanto as relações de trabalho como os recortes fundiários são
modificados e sugerem a incorporação de pequenas áreas por médios e grandes
produtores. A existência de empresas-rede, como as agroindústrias integradoras,
verticalizadas e com conteúdos tecnológicos ajustados às demandas globais
tamm concorre para um paradoxo; ao mesmo tempo em que proporciona
alternativas de renda aos pequenos produtores familiares, não oportuniza condições
para que esse mesmo produtor aumente sua receita no momento da
comercialização. Portanto, as territorialidades rurais desenvolvidas, de fato, refletem
a exclusão.
A tendência, nesse caso, é que as implicações territoriais do desenvolvimento
capitalista ancorado na modernização da agricultura regional reforcem positivamente
as condições socioeconômicas dos produtores consolidados nas atividades
agrícolas e diminuam as chances dos pequenos produtores familiares em concorrer
para aumentar seus níveis de capitalização.
Nesse cenário, em que as ruralidades se elaboram com tantas contradições,
é licito sugerir que sejam urgentemente fortalecidos os mecanismos em defesa das
279
estruturas familiares e que as políticas públicas sejam, de fato, viabilizadas.
Somente desse modo, os agricultores poderão participar dignamente, com seu
trabalho e competência, da produção em escala cada vez mais ampliada.
E, por fim, conclui-se que a elaboração deste trabalho contribuiu para a
compreensão e para uma nova percepção do rural em suas imensas possibilidades,
principalmente naquelas amparadas na agricultura e no seu desenvolvimento.
Diante desse recorte territorial tão carregado de significados é preciso elaborar
outros olhares, considerando as particularidades da produção familiar, apreendendo
novas alternativas, a exemplo da diversificação, para que o rural-adjetivo seja cada
vez mais reconhecido como estratégia para o desenvolvimento regional.
ANEXOS
294
ANEXO 1
ROTEIRO DE QUESTÕES AOS PRODUTORES FAMIILIARES
295
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: DESENVOLVIMENTO REGIONAL E URBANO
PÓS-GRADUANDA: Mariângela Alice Pieruccini Souza
Orientadora: Profa. Dra Walquíria Krüger Correa.
ROTEIRO – QUESTIONÁRIO - TESE
PRODUTORES RURAIS DO MUNICÍPIO DE CASCAVEL
Nome do Produtor: ________________________________________Idade:_____
Nome da Produtora: _________________________________________________________
Idade: ____
Localização da propriedade rural
Distrito: ______________________ Linha:_____________________________
Comunidade: _____________________________________________________
Área total da propriedade: _____________________________________ [ alqueire]
[hectares]
Tempo em que possuem a propriedade:
Relate a história de como chegou até aqui
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
_________________________________________________________________
Principais atividades produtivas desenvolvidas na propriedade:
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________
Possui algum tipo de Processamento e Agroindustrialização na propriedade:
Queijo nata – embutidos e defumados – doces e geléias – pão e derivados bolachas
– melado – açúcar mascavo – cachaça – compotas – conservas – artesanatos
Quais são os insumos obtidos fora da propriedade?
Para que produtos
Quais são os canais de comercialização que possui em sua atividade?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
_______________________________________
Mão-de-obra utilizada na propriedade- n. pessoas envolvidas diretamente nos processos
produtivos rurais
a) familiar
b) familiar e troca de dias
c) familiar e contratada
d) familiar, troca de dias e contratada
e) empregados
296
Trabalho contratado:
Caracterização n. pessoas empregadas Período do ano
a) permanente
b) temporário
Acesso a assistência técnica e extensão rural:
a) emater-pr
b) prefeitura municipal – secretaria de agricultura
c) cooperativa
d) agroindústria privada
e) outros: quais: ____________________________________________
Participa de cursos? É possível a aplicação das informações no dia-a-dia do
trabalho?
BASE TÉCNICA-CIENTÍFICA-INFORMACIONAL
Como seleciona a cnica?
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
____________________________________
Acesso a máquinas e equipamentos:
próprio
alugado
associação/cooperativa
outros: quais_____________________________________________
Base Técnica:
f) manual
g) tração animal
h) mecanização
i) manual + tração animal
j) manual + tração animal + mecanização
k) tração animal + mecanização
Colheitadeira : ________________________________________________
Trator:_______________________________________________________
Plantadeira:___________________________________________________
Semeadeira:___________________________________________________
Pulverizador: __________________________________________________
Implementos Agrícolas: _________________________________________
Quanto à Armazenagem?
________________________________________________
Na propriedade
Na cooperativa
Na agroindústria privada
2) Escoamento da Produção: ___________________________________________
3) Uso de tecnologias vinculadas à biotecnologia. Como se faz a técnica no caso das
sementes, melhoramento genético de forma geral.
ORIENTAÇÕES SOBRE A DECISÃO DE PRODUÇÃO:
Como decide o que produzir? Como produzir? Quanto produzir? Para quem produzir?
_______________________________________________________________________
297
_______________________________________________________________________
_______________________________________________________________________
______________________________________
Decisões de Investimentos?
[ ] recursos próprios [ ] crédito PRONAF
Outros: [mencionar] _____________________________________
Filiação à cooperativas ou agroindústrias privadas
a) sim
b) não
Caso sim, qual[is]: ________________________________________
Como é a integração? Como o senhor observa o relacionamento com a agroindústria?
Vantagens, desvantagens:
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
_______________________________________
Como o senhor[a] entende sua condição enquanto produtor rural? Como entende a
agricultura e o meio rural no momento atual? Houve outra opinião em momentos anteriores?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
___________________
Mudaria sua atividade profissional? Por que?
De forma geral, como observa a evolução do setor agrícola?
Como observa a modernização da agricultura na região e no município?
E sobre a diversificação da propriedade rural? É possível?
Como o lugar onde está a propriedade vem se transformando?
Os filhos poderão permanecer na propriedade produzir nela? É viável?
Outros comentários:
Outras questões a serem destacadas:
a) Noção do nível de agregação em relação à cadeia produtiva [ conhecimento do
processo produtivo].
b) Que elementos podem facilitar ou dificultar a inserção da atividade agrícola
considerando a propriedade?
proximidade do consumidor
fretes
descontos de remuneração diante da proximidade do mercado
subsídios por parte das empresas recebedoras do produto
c) Existe incentivo à agricultura, considerando sua atividade de modo específico?
d) Qual é o interesse das grandes instrias e/ou cooperativas em sua atividade?
Existe entendimento a esse respeito?
298
ANEXO 2
QUADRO
299
Q
UADRO
1.
L
AVOURA DE
S
OJA NO MUNICÍPIO DE
C
ASCAVEL
:
P
RODUTORES
,
ÁREA
,
PRODUÇÃO TOTAL E
RENDIMENTO MÉDIO
1995-2006
anos
n.produtores
soja área
- [ha]
area de lavoura
permanente
[ha]
produçao total [t] rendimento
médio [t/ha]
1995
2200
60000
98565
144000
2,40
1996
2240
65000
98565
182000
2,80
1997
2200
70460
98565
183196
2,60
1998
2330
77000
98565
207900
2,70
1999
2330
75000
98565
232500
3,10
2000
2280
72000
98665
194400
2,70
2001
2282
67000
98665
214400
3,20
2002
2295
74000
98665
214600
2,90
2003
2310
76000
99581
250800
3,30
2004
2350
82000
99581
225500
2,75
2005
2380
87700
99581
206972
2,36
2006
2200
82700
95470
223290
2,70
F
ONTE
:
P
ERFIL DA
R
EALIDADE
A
GRÍCOLA
[
VÁRIOS
]
EMATER
O
RGANIZADO PELA AUTORA
.
ANEXO 3
MAPA
Figura 1- Divisão Regional em Zonas Fisiográficas – PLADEP (1961)
FONTE: MUNIZ FILHO (1996)
Zona Fisiográfica do Oeste do Paraná
N
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