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DIOGO RODRIGUES PUCHTA
A FORMAÇÃO DO HOMEM FORTE: educação física e gymnastica no
ensino público primário paranaense (1882-1924).
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em Educação, no
Programa de Pós-Graduação em Educação, linha
de História e Historiografia da Educação, do Setor
de Educação, da Universidade Federal do Paraná.
CURITIBA
2007
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DIOGO RODRIGUES PUCHTA
A FORMAÇÃO DO HOMEM FORTE: educação física e gymnastica no
ensino público primário paranaense (1882-1924).
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em Educação, no
Programa de Pós-Graduação em Educação, linha
de História e Historiografia da Educação, do Setor
de Educação, da Universidade Federal do Paraná.
ORIENTADOR: PROF. DR. MARCUS AURELIO TABORDA DE OLIVEIRA
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ii
DEDICATÓRIA
À professora Solange, minha mãe,
pelo apoio incondicional.
iii
AGRADECIMENTOS
Ao Marcus, por me proporcionar um crescimento enquanto pesquisador, por acreditar
no meu trabalho e por toda a atenção dedicada durante todos estes anos, conseqüência
da forma admirável que lida com o trabalho e com a vida acadêmica.
Aos professores da banca – Dr. Tarcísio Mauro Vago e Dr. Carlos Eduardo Vieira –
não apenas pelo aceite do convite, mas também pelas contribuições recebidas a partir
do exame de qualificação.
À Profª Gizele de Souza, pelas contribuições decorrentes da participação no seminário
de dissertação.
Aos demais professores da linha de pesquisa em história e historiografia da educação –
Profª Liane Maria Bertucci Martins, Prof. Marcus Levy Albino Bencostta, Profª Nádia
Gonçalves Gaiofato, Profª Serlei Maria Fischer Ranzi e Profª Vera Regina Beltrão
Marques – que também me ajudaram no decorrer de todo o curso.
À Profª Fernanda Paiva, pela prontidão com que me atendeu nos momentos em que
precisei e a quem sou grato por ter me proporcionado o primeiro contato com a obra de
Schreber.
À Ana Paula e à Rose, funcionárias do Arquivo Público do Paraná, pelo auxílio e
atenção dedicada durante todas as visitas e pesquisas que realizei naquele acervo.
Às mulheres que me acolheram com respeito e muita risada na turma de mestrado de
2005, Caroline Marach, Flávia Rubick, Lausane Pykosz, Lílian Campos, Roberlaine
Roballo e Telma Valério.
A todos os mestrandos e doutorandos que convivi durante as aulas, especialmente a
Leziane, a Liliana, a inesquecível Maria Helena, o Ricardo, a Márcia, o Ronie e a
Silvia Pandini.
Aos colegas do grupo de pesquisa coordenado pelo Marcus, tanto os que já
participaram quanto aqueles que participam atualmente, gostaria de agradecer: a
Luciane e a Talita, que leram meu anteprojeto de pesquisa entregue para o processo de
seleção do mestrado; a Cris, pelo incentivo e apoio; e a todos os que ainda encontro
regularmente – Fábio, Henrique, Lausane, Leandro, Lúcia, Paola, Rubens, Sérgio e
Sidmar.
À minha mãe, Solange Maria Rodrigues da Cunha.
Ao meu pai, Dante Puchta.
Aos meus irmãos mais velhos, Thiago Rodrigues Puchta e Suzane Fritzen Puchta.
À minha irmã mais nova, Ananda Hadah Rodrigues Puchta.
iv
SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS....................................................................................................
vi
LISTA DE FIGURAS......................................................................................................
viii
RESUMO..........................................................................................................................
ix
ABSTRACT........................................................................................................... x
INTRODUÇÃO..................................................................................................... 1
CAPÍTULO I – O reconhecimento da gymnastica como prática escolar
obrigatória no Paraná...........................................................................................
17
1. A gymnastica doméstica, médica e higiênica de Schreber............................ 25
2. A gymnastica recomendada por Domingos Nascimento............................... 40
CAPÍTULO II – A disciplina de gymnastica do ponto de vista da legislação
do ensino................................................................................................................
55
1. A presença da gymnastica nos regulamentos, regimentos e códigos de
ensino da instrução pública paranaense.............................................................
55
2. Inovação educacional no ensino da gymnastica............................................ 75
3. A gymnastica sob a responsabilidade de Aristóteles Xavier......................... 87
CONCLUSÃO....................................................................................................... 102
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 106
FONTES................................................................................................................. 110
v
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 –
Décima prescrição extraída do compêndio de Schreber para
auxiliar o desenvolvimento normal do corpo e completar esse
desenvolvimento nas crianças dos dois sexos..........................
33
QUADRO 2 –
Organização da gymnastica no ensino público primário
ofertado pelo estado do Paraná.................................................
54
QUADRO 3 –
Organização da gymnastica no ensino público primário
ofertado pelo estado do Paraná – 1895.....................................
57
QUADRO 4 –
Organização da gymnastica no ensino público primário
ofertado pelo estado do Paraná – 1901 e 1903.........................
61
QUADRO 5 –
Organização da gymnastica no ensino público primário
ofertado pelo estado do Paraná – 1907.....................................
66
QUADRO 6 –
Organização da gymnastica no ensino público primário
ofertado pelo estado do Paraná – 1909.....................................
69
QUADRO 7 –
Organização da gymnastica no ensino público primário
ofertado pelo estado do Paraná – 1912 e 1914.........................
71
QUADRO 8 –
Organização da gymnastica no ensino público primário
ofertado pelo estado do Paraná – 1915.....................................
72
QUADRO 9 –
Conteúdo de gymnastica publicado no programa do Grupo
Escolar Modelo e similares – 1917..........................................
72
QUADRO 10 –
Conteúdo de gymnastica publicado no programa dos grupo
escolares do Paraná – 1921.......................................................
76
QUADRO 11 –
Número de alunos divididos por sexo e idade que
freqüentavam as aulas de gymnastica ofertadas nos grupos
escolares da Capital – 1923......................................................
90
QUADRO 12 –
Resumo do efetivo de alunos divididos por sexo que
freqüentavam as aulas de gymnastica ofertadas nos grupos
escolares da Capital – 1923......................................................
92
QUADRO 13 –
Médias dos exames individuais aplicados aos alunos que
freqüentavam as aulas de gymnastica ofertadas nos grupos
escolares da Capital – 1923......................................................
95
vi
QUADRO 14 –
Horário das aulas de gymnastica dos grupos escolares de
Curitiba.....................................................................................
98
vii
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 –
Domingos Nascimento............................................................. 41
FIGURA 2 –
Domingos Nascimento – Herma localizada na Praça Osório
em Curitiba...............................................................................
42
FIGURA 3 –
Capa do livro Homem Forte de autoria de Domingos
Nascimento...............................................................................
45
FIGURA 4 –
Alunas fazendo gymnastica – Grupo Escolar Tiradentes......... 60
FIGURA 5 –
Aula de gymnastica – Grupo Escolar Xavier da Silva............. 65
FIGURA 6 –
Aristóteles Xavier..................................................................... 80
viii
RESUMO
O presente trabalho versa sobre o estudo histórico da gymnastica no ensino público
primário paranaense, em um período compreendido entre as duas últimas décadas dos
oitocentos e o primeiro quartel do século XX. Estamos preocupados mais
especificamente com a trajetória desta disciplina no plano das idéias e prescrições
provenientes das atividades de políticos e intelectuais da época e, ao privilegiarmos
este aspecto no texto, não significa que não abordaremos no decorrer do mesmo alguns
aspectos das práticas escolares propriamente ditas. Neste sentido, nosso trabalho surge
com o intuito de contribuir com os estudos relacionados à linha de história e
historiografia da educação, sobretudo aqueles voltados à educação do corpo na escola.
Paralelamente, ao propormos a realização de um exercício nesta direção, buscamos
analisar quais eram, em que momento e como deveriam ser aplicadas as práticas
corporais prescritas para os exercícios de gymnastica, assim como verificar quem eram
os responsáveis por ministrá-la nas escolas. Com isso, em nosso trabalho procuramos
abordar esta disciplina em uma perspectiva diacrônica, no intuito de explorar suas
transformações – rupturas e permanências – ao longo do processo de escolarização da
infância e da mocidade paranaense na instrução pública primária daquele período. Para
uma melhor compreensão sobre os diferentes aspectos que influenciaram a educação
do corpo na escola e, principalmente, a atuação dos exercícios físicos e de gymnastica,
importante se faz interrogar e interpretar os relatórios, regulamentos, regimentos e
códigos de ensino referentes à instrução pública da época, bem como os compêndios e
livros didáticos adotados. Trabalhando com este corpus documental, produzido por
políticos, intelectuais, inspetores e professores escolares, encontramos algumas
expressões ou discursos que nos ajudam a entender como estes lidavam com as
questões afeitas à educação, seja do ponto de vista moral e intelectual, ou, neste caso,
corporal ou physica. Conseqüentemente, ao levantar questões relacionadas à história
das disciplinas escolares e do currículo, sentimos a necessidade de dialogar com um
referencial teórico formado por autores como GOODSON (1995), CHERVEL (1990),
HEBRARD (1990) e JULIA (2002). Deste modo, constatamos que entender a
complexidade que é o processo de escolarização exige primeiramente um investimento
a respeito das disciplinas escolares, seus caminhos de constituição, transformação,
“morte” ou sobrevivência no cotidiano escolar. Por fim, percebemos que a inserção da
gymnastica no ensino público primário paranaense destacou o interesse dos políticos
do estado do Paraná, preocupados com a formação de cidadãos úteis e de espíritos
esclarecidos, formação esta que só seria possível por meio da educação e da
constituição de corpos fortes e saudáveis.
Palavras-chave: história da educação; história das disciplinas escolares; história da
educação física; educação do corpo; gymnastica.
ix
ABSTRACT
This assignment focuses on the historical study of gymnastics on the public primary
school system of Paraná State. It concerns the period between the two last decades of
the nineteenth century and the first quarter of the twentieth century. Our main concern
is specifically the way this subject has been taught in its theory and prescriptions that
came from the work of politicians and intellectuals within that time. By privileging
this aspect on this study, by no means do we object to cover the practical aspects of
activity in the school themselves. Our assignment has the objective of contributing
with the studies related to the line of history and historiography of education,
especially those associated to the education of the body in schools. In a parallel
situation, suggesting the realization of an exercise in this direction, we have tried to
analyze which were, in what moment and how the body practices prescript were
applied for the gymnastics’ exercises, in addition to checking who was responsible for
teaching them in schools. Therefore, in our paper we’ve tried to deal with this subject
in a diachronic way, intended to explore its transformations – ruptures and remains –
while the schooling process of childhood and youth from Paraná on the public primary
school system of that period. For a better comprehension of the different aspects that
influenced the education of the body in schools and, mainly, the performance of
physical exercises and gymnastics, it is important to question and interpret reports,
regulations, regiments and teaching codes that regard to the public institutions of the
time as well as textbooks. Working with this documental approach, produced by
politicians, intellectuals, inspectors and school teachers, we have found expressions or
speeches that helped us understand how they dealt with questions related to education,
not only through a moral and intellectual point of view, but also, in this case, corporal
or physical. Consequently, rising up questions related to the history of school subjects
and curriculum, we have felt the necessity of dialoging with theorical references made
by authors like GOODSON (1995), CHERVEL (1990), HEBRARD (1990) and
JULIA (2002). By this way, we verified that understanding the complexity of the
schooling process requires first of all an investment regarding school subjects, its ways
of constitution, transformation, “death” or survival in school everyday life. At last, we
have realized that the addition of gymnastics to the public primary school system
pointed out the interest of politicians from the Paraná State, worried about the
formation of useful citizens and more enlightened minds. This education would only
be possible by teaching and constituting strong and healthy bodies.
Key words: history of education; history of school subjects; history of physical
education; education of the body; gymnastics.
x
1
INTRODUÇÃO
Foi por meio dos ideais republicanos e diante da necessidade de implementação
de um novo plano social para o desenvolvimento e progresso da nação brasileira e,
tendo em vista os exemplos oriundos dos países desenvolvidos da Europa e dos
Estados Unidos da América, que surgem nos finais do século XIX os primeiros
delineamentos de um projeto cujo trabalho culminou em uma gradativa, porém
significativa reformulação da educação em todo o país. Marcado por um período de
sucessivas transformações e atrelado a um espírito de mudança, a criação de uma
pedagogia moderna apresenta-se como uma inovação na história da educação de
muitos países, não sendo diferente no Brasil. Ao abordarmos o advento da “pedagogia
moderna”, estamos nos referindo ao processo de criação, recomendação e
implementação de novas perspectivas de ensino provenientes das inovações veiculadas
nos estudos médicos e científicos, associadas aos interesses dos dirigentes do ensino
quanto à formação dos educandos e ao desenvolvimento da educação nas escolas.
Com o objetivo de modernizar a instrução pública da época e espraiar a
educação escolarizada às massas, o surgimento de um novo formato de organização
escolar distingue-se significativamente do modelo de administração do ensino
praticado anteriormente à sua chegada. Em vista disso, tanto a instalação de prédios
apropriados quanto a implementação do modelo graduado de ensino, constituíram um
dos principais destaques desta reformulação da educação
1
. Concomitantemente, as
inovações seguem à medida que um novo formato na organização do trabalho
pedagógico e a constituição do espaço escolar configuram-se em conjunto com uma
nova abordagem dada à questão do tempo. Desta maneira, as novas concepções de
ensino foram ganhando um formato próprio, adquirindo importância e apresentando-se
repletas de peculiaridades não só na reformulação dos métodos de ensino mas,
sobretudo, na determinação de regras e condutas de bem viver.
1
Tem-se como exemplo mais expressivo de tais mudanças o surgimento dos então denominados
grupos escolares. Sobre a criação destas instituições no Brasil, ver SOUZA m à
2
Diante deste quadro de reforma, um vasto programa de ensino foi sendo
estabelecido frente à necessidade de uma educação integral. Com isso, tem-se na tríade
formada pela educação física, moral e intelectual uma oportunidade para contemplar
os objetivos visados pelos políticos e intelectuais da época. Estes, por sua vez,
buscavam através da instrução pública civilizar as massas, dulcificar seus costumes e
formar/moldar o futuro cidadão. Sendo assim, fica nítido através desta política
educacional, a intencionalidade composta pela difusão de um amplo e notório discurso
calcado na civilização e na racionalidade dos modos de pensar, agir e se comportar
frente a um mundo que se pretendia moderno.
Juntamente com esta inovação educacional e, considerando o alargamento dos
programas de ensino, estudos como o de Rosa Fátima de SOUZA (2000), relacionado
à construção do currículo da escola primária no Brasil, nos ajudam a entender que
a introdução de novas disciplinas nos programas de ensino primário, especialmente ciências,
desenho e educação física, articulou-se com a linguagem da modernidade, isto é, a justificativa
para a inclusão destes conteúdos culturais assinalava as contribuições que eles trariam para a
modernização. (p. 12)
Ao realizar este estudo, a autora utiliza como fonte o parecer sobre a reforma do
ensino primário escrito por Rui Barbosa, o qual foi apresentado em setembro de 1882
à Câmara dos Deputados e posteriormente publicado no ano de 1883. Por meio do
referido trabalho, podemos perceber que
a introdução da educação física foi apresentada como uma inovação relevante. A satisfação da
vida física era a primeira necessidade da infância, justificando, assim, a importância
fundamental da ginástica num plano de estudos que postulava a inseparabilidade do espírito do
corpo. De acordo com Rui, a educação física havia sido introduzida nos programas de ensino
de vários países tendo em vista sua função moralizadora, higiênica e patriótica. O substitutivo
destaca as finalidades morais e sociais da ginástica: agente de prevenção dos hábitos perigosos
da infância, meio de constituição de corpos saudáveis, fortes e vigorosos, instrumento contra a
degeneração da raça, ação disciplinar moralizadora dos hábitos e costumes responsável pelo
cultivo dos valores cívicos e patrióticos imprescindíveis a defesa da pátria. (p. 16)
Na mesma direção que apontava Rosa Fátima a respeito da construção do
currículo da escola primária no Brasil, Fernanda PAIVA (2003) também indica que
juntamente com esse processo de construção de uma nova escola, de uma nova
3
educação, surge também a necessidade de implementação de novos saberes. Segundo
ela,
nos traços produtores dessa outra educação e dessa outra escola que se objetivava
diferenciada do que até então se identificava como casas de educação pairam vestígios da
produção da especificidade que, também com saberes e práticas específicas, forjavam um
novo campo de intervenção e conhecimento – o da educação física. (p. 314)
Com efeito, promover a educação física da infância era fundamental tanto para
o desenvolvimento e cultivo do corpo, quanto para a formação do espírito. Diante de
tamanha responsabilidade, é notória uma certa primazia da educação física em relação
à formação dos futuros cidadãos. Ao trabalhar com as teses médicas produzidas pelos
doutorandos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro na segunda metade do
século XIX, e preocupada com o engendramento do campo da Educação Física no
Brasil, Fernanda PAIVA (2003, p. 349) considera que “seria ela a primeira educação
porque, sendo a educação representada como um rol de hábitos a ser incorporados, era
no corpo, pelo corpo e com o corpo que toda a educação (escolarizada) deveria se
centrar e, a partir dele, se organizar”.
Realmente, dentre os diferentes saberes escolarizados, boa parte deles
contribuíram para a educação do corpo dos alunos. Em vista disso, era no corpo que
recaíam boa parte das práticas desenvolvidas no cotidiano escolar. Segundo
TABORDA DE OLIVEIRA (2005), disciplinas como a gymnastica, os trabalhos
manuais, as prendas domésticas, os exercícios militares, assim como os preceitos de
higiene, entre outras, de maneira “direta ou indireta, com mais ou menos centralidade,
(...) incidiam sobre o corpo para educá-lo e mesmo para produzir um conhecimento
sobre o corpo” (p. 6).
Responsável pela educação física dos alunos que freqüentavam seus espaços, à
escola caberia o papel de formar corpos aprumados e disciplinados. Para
VIGARELLO (1978, p. 9, apud SOARES, 1998, p. 17), “o corpo é o primeiro lugar
onde a mão do adulto marca a criança, ele é o primeiro espaço onde se impõem os
limites sociais e psicológicos que foram dados à sua conduta, ele é o emblema onde a
cultura vem inscrever seus signos como também seus brasões”. Conseqüentemente, é
4
no corpo que se define e se manifesta toda a regulamentação do que é permitido ou
proibido, moral ou imoral, bárbaro ou civilizado. De acordo com SOUZA (1998, p.
144),
o espaço escolar determina, pois, modos de usos do corpo dentro e fora da escola. Submete o
corpo a um conjunto de representações consubstanciadas nos padrões de “bom
comportamento”, dos “bons costumes”, incluindo-se até mesmo a forma de referir-se a ele e a
tudo que lhe diz respeito.
Neste sentido, os cuidados com o corpo começavam desde a promoção de
hábitos de higiene, até o desenvolvimento da musculatura por meio da realização de
exercícios físicos. É diante deste quadro que os preceitos com relação à educação do
corpo das crianças foram sendo pensados e elaborados por políticos e intelectuais de
diferentes procedências, como é o caso dos médicos e dos militares. Para estes, pelo
menos, a relevância das preocupações com a educação física na formação das novas
gerações era tida como um ideal hegemônico de formação. Desenvolver corpos fortes
e sadios, aprimorar a raça, estabelecer a ordem, eis alguns dos objetivos da educação
física.
Desta maneira, as práticas e intervenções corporais deixam ao longo do tempo
uma certa relação entre corpo e história. Embora seja visto como “lugar da biologia,
das expressões psicológicas, dos receios e fantasmas culturais, o corpo é uma palavra
polissêmica, uma realidade multifacetada e, sobretudo, um objeto histórico”
(SANT’ANNA 1995, p. 12). As manifestações corpóreas expressam um pouco da
interação do indivíduo com o meio ao qual está inserido. É por meio desta interação
que ele passa a se situar e se comunicar. Sendo assim, podemos considerar que não
existe corpo sem intervenção da cultura, “os gestos, as atitudes, os comportamentos
individuais são aquisições sociais, o fruto de aprendizagens e de mimetismos formais
ou inconscientes” (SCHMITT 1995, p. 141). Sobre este aspecto, estudos como o de
SOARES (2001) nos auxiliam a encarar o corpo como objeto de intervenção e
educação, submetido a uma determinada gestão social. Segundo a autora, o corpo
é inscrição que se move e cada gesto aprendido e internalizado revela trechos da história da
sociedade a que pertence. Sua materialidade concentra e expõe códigos, práticas,
5
instrumentos, repressões e liberdades. É sempre submetido a normas que o transformam,
assim, em texto a ser lido, em quadro vivo que revela regras e costumes engendrados por uma
ordem social.
Como lugar de inscrição da cultura, dos corpos são retirados e acrescentados elementos que
apresentem desvios, excesso, falta... Atos de extração ou de acréscimo em relação ao corpo
remetem-no a determinados códigos e o submetem a normas que são internalizadas por um
meticuloso processo de educação. (p. 109).
Este processo de internalização de hábitos e costumes, de respeito às regras e à
determinadas condutas, apresenta um maior impacto sobretudo nas relações entre o
corpo e o processo de escolarização. Apesar dos investimentos sobre ele estarem
presentes em diferentes tempos e espaços sociais – como na relação do corpo com a
cidade, por exemplo – e, mesmo sabendo que tais relações não são estanques, pelo
contrário, apresentam interação entre si tendo em vista a circulação do mesmo no
decorrer destes diferentes tempos e espaços, é da educação do corpo que freqüenta a
escola que estamos nos referindo. Neste sentido, vamos ao encontro de expressões
como a de TABORDA DE OLIVEIRA (2005b, p. 4), para quem a educação do corpo
é uma das marcas históricas mais tangíveis do espraiamento mundial da educação primária, no
período compreendido entre as décadas finais do séc. XIX e as primeiras décadas do séc. XX.
Para a sua realização contribuíram discursos, dispositivos, práticas e saberes distintos no seu
conteúdo e na sua origem. Para dimensioná-los basta remetermos às preocupações com a
definição de espaços e tempos apropriados ao projeto de escolarização, ao conjunto de
formulações que refletiriam sobre a higiene, a saúde, o cansaço dos escolares, à disposição dos
chamados utensis – materiais e equipamentos básicos necessários para o fazer cotidiano nas
escolas –, ao debate sobre os efeitos formativos da aplicação dos castigos corporais ou a sua
impropriedade, à retórica da necessidade de disciplinar os comportamentos infantis e ao
desenvolvimento de rotinas e rituais que viriam a dar ênfase e visibilidade a todas essas
dimensões de um projeto de formação moral, intelectual e, sobretudo, corporal.
Com o intuito de contribuir com a pesquisa histórica do processo de
constituição da educação física
2
no ensino público primário ofertado no estado do
2
É preciso deixar claro que a educação física na qual estamos falando não é a disciplina Educação
Física escolar na forma como a conhecemos hoje, e sim o termo utilizado na época para referenciar as
práticas e os cuidados necessários para a educação do corpo. No conjunto destas práticas corporais
estavam as prescrições de atividade física assim como os exercícios de gymnastica. Neste sentido,
vamos ao encontro de observações como a exposta por LINHALES (2006, p. 17), ao constatar que:
“Desde o século XIX, várias “educações físicas” foram produzidas e legitimadas. Pode-se pensar a
educação física como um conceito alargado (relativamente à educação higiênica/educação dos corpos),
como prescrição de métodos e de exercícios físicos e/ou corporais (também denominados exercícios
gymnasticos e/ou atividade física), ou como um componente curricular (atividade ou disciplina
escolar). São mudanças e matizes que revelam, também, o movimento de reconstrução permanente da
6
Paraná e, levando em consideração esta no decorrer de um período que vai das duas
últimas décadas do século XIX ao primeiro quartel do século XX, o presente trabalho
sinaliza como objeto de pesquisa a disciplina de gymnastica que, segundo PAIVA
(2003, p. 85), caracteriza-se como a “cadeira e/ou atividade que se tornou a forma
autorizada e sistematizada de exercitação física na escola”.
Privilegiamos em nosso trabalho a análise da gymnastica na instrução pública
paranaense, visto que é na passagem do modelo doméstico para o modelo graduado de
ensino que a educação física começou a conquistar seu espaço e inserir-se com maior
afinco no cotidiano escolar. O modelo doméstico de ensino é constituído por escolas
isoladas de classe única. Ou seja, nestas escolas o professor era responsável pela
educação de crianças situadas em diferentes níveis de ensino de modo a formá-las
simultaneamente em todo o curso primário. Neste modelo a escola geralmente
funcionava na própria casa dos professores cujo aluguel era pago pelo Estado, assim
como o salário dos mesmos. Já no ensino graduado, ocorre uma divisão do trabalho
escolar uma vez que o curso primário é dividido em séries ou anos. Desta maneira,
cada professor ficava responsável por uma série de ensino. Conseqüentemente, as
escolas passaram a funcionar em um único prédio escolar onde o governo reunia
vários professores sob a supervisão de um diretor.No entanto, é preciso salientar que a
implantação do modelo graduado de organização escolar não excluiu por completo a
manutenção e até mesmo a criação de novas escolas domésticas, pelo contrário, estes
dois modelos de ensino coexistiram por muito tempo na história da educação. Com
efeito, é neste período – fins do século XIX e anos iniciais do século XX – que
encontramos um maior número de fontes relacionadas à educação física na escola.
O processo de implementação do ensino graduado estava ligado a necessidade
de ser ofertada uma educação integral, que se responsabilizasse pela formação da nova
geração. Segundo PAGNI (1997, p. 70),
própria instituição escolar. Assim sendo, torna-se importante escapar, aqui, de uma perspectiva
evolucionista que aprisiona, na cronologia, um idealizado progresso linear: da educação physica
(sentido alargado) para a gymnastica (seus methodos); desta para a educação física (componente
curricular) e desta para a educação física/esportiva (que pode ou não estar na escola)”.
7
a educação física seria uma das medidas a ser adotada por essa educação geral, isto é, um
projeto que começava se delinear no início deste século e tinha a pretensão de ser estendido,
através de várias instituições (principalmente a escola), para a maioria da nossa população.
Nesse projeto, a educação física tinha um papel fundamental na solução dos problemas
relacionados à saúde individual e coletiva, bem como na formação do caráter e da identidade
próprias do chamado “homem brasileiro”. Uma identidade que, além de ter por fim último
estabelecer uma relação do indivíduo com o seu próprio corpo – forma-lo fisicamente e
aprimorar sua saúde individual –, objetivava ser um dos meios de desenvolver a disciplina
necessária à formação do caráter e à internalização de hábitos, costumes e normas necessários
para o aprimoramento de nossa civilização.
Em vista disso, tem-se na prática de gymnastica um dos principais dispositivos
utilizados para promover a educação física das crianças. Escolhemos estudar tal
disciplina uma vez que, responsável pela educação do corpo, esta tinha o objetivo de
corrigir determinados defeitos, excluir tudo aquilo que não fosse passível de concerto
e, (re)construir, diante desta perspectiva, um novo corpo, um novo cidadão. Deste
modo, sua atuação no ensino primário estava atrelada à promoção da saúde por meio
do desenvolvimento físico das crianças. Sua inserção no currículo escolar associava-se
ao tratamento do qual dispunha como principal meio de atingir a educação do corpo
tanto dos meninos como das meninas. De acordo com VAGO (2002), sua prática
proporcionava a realização de movimentos ágeis porém com emprego econômico das
forças e, sobretudo, a necessidade de transformar e endireitar os fracos corpos infantis.
O período delimitado para a construção deste trabalho justifica-se pelo fato de
em 1882 a prática de gymnastica ter sido reconhecida pelo Estado do Paraná, visto que
neste ano sua realização no cotidiano das instituições escolares de ensino primário do
sexo masculino adquire um caráter obrigatório (cf. Ato da Presidência da Província
assinado em 30 de junho de 1882). Com isso, nota-se que naquele momento origina-se
um movimento de enraizamento escolar da gymnastica. Por outro lado, tem-se no
início dos anos 20 do século passado a consolidação de um processo mais acentuado
de reforma da instrução pública do referido Estado. Este momento também representa
o período em que Cesar Pietro Martinez esteve à frente da instrução pública do Paraná
como Inspetor Geral do Ensino (1920-1924). Neste sentido, sua atuação foi bastante
significativa para a continuidade da reforma da educação ofertada no Estado em
questão, bem como para a realização de importantes mudanças no desenvolvimento da
gymnastica. É na gestão de Pietro que verificamos a iniciativa de designar um
8
professor responsável somente pelo ensino desta disciplina nas escolas, mais
especificamente, nos grupos escolares de Curitiba. Outra inovação efetivada em sua
gestão refere-se à realização do exame médico nos alunos por meio da implantação do
serviço de inspeção médico-escolar. Desta maneira, marcamos como data final para o
termino de nossas investigações o ano de 1924, uma vez que foi neste ano que o
referido inspetor encerrou suas atividades no cargo em questão.
Conseqüentemente, acredita-se que com o desenvolvimento desta pesquisa
estaremos contribuindo não só para a análise do papel da gymnastica no processo de
escolarização da infância paranaense no período por nós delimitado, mas também para
um maior entendimento da história das disciplinas escolares no estado do Paraná e no
Brasil.
Devido à carência de estudos voltados à implementação das práticas de
gymnastica na instrução pública paranaense e, por ser um período ainda
insuficientemente explorado pelos historiadores da educação em nosso estado,
acreditamos que este trabalho virá a contribuir com a pesquisa na área temática de
história e historiografia da educação através de diferentes aspectos: seja no que diz
respeito ao processo de escolarização da gymnastica e o seu papel na formação
humana da época, seja por meio do entendimento da constituição da Educação Física
no estado do Paraná, ou ainda, ao contemplar e promover um pouco da compreensão
das práticas corporais escolares prescritas a partir do pensamento educacional no seu
intuito de atingir o cotidiano escolar.
Em vista disso, acreditamos que as investigações provenientes de pesquisas
como esta podem auxiliar no entendimento e na construção de estudos e pesquisas que
pretendem interpretar a cultura escolar
3
neste período ou, por que não, que pretendem
investigar diferentes culturas escolares sobretudo no que diz respeito ao aspecto
corporal, da dimensão physica ou da educação do corpo.
3
Sobre o conceito de cultura escolar como categoria de análise e como um importante meio de
entender a instituição educativa a partir de suas características internas, ver os trabalhos de VIÑAO
(1995, p. 68 e 69) e JULIA (2001, p. 10 e 11).
9
Ao refletir sobre a relação entre as práticas corporais presentes na educação
física das crianças e a sua inserção no ensino público primário paranaense, uma série
de questões suscitam à investigação. Deste modo, é interessante observar: quais as
práticas e seus respectivos métodos foram pensadas para engendrar a gymnastica dos
alunos e das alunas que freqüentavam as escolas primárias paranaenses? Como estas
práticas e a realização dos exercícios físicos e de gymnastica foram planejados na
constituição do tempo e na ocupação dos espaços escolares? A quem foi destinada a
responsabilidade de prescrever e ensinar tais atividades?
Em busca de respostas para tais questionamentos, importante se faz interrogar e
interpretar os relatórios referentes à instrução pública da época. Característicos pela
riqueza das informações contidas em suas linhas (e entrelinhas), estes são bastante
relevantes à medida que apresentam um pouco de como as autoridades de ensino
estavam pensando e deliberando sobre as questões referentes à instrução pública,
sobretudo em relação ao aspecto da educação física e da gymnastica. É em vista de tais
perspectivas que privilegiamos a análise deste corpus documental.
Ainda no horizonte de nosso trabalho também encontramos, em periódicos do
período – como a revista pedagógica “O Ensino” – mais algumas contribuições para o
desenvolvimento da pesquisa. Além disso, tem-se nos programas de ensino e nos
manuais relacionados a gymnastica outra oportunidade para melhor compreendermos
esta disciplina, sobretudo no que diz respeito ao que estava previsto para a realização
da mesma. Por conseguinte, não podemos esquecer que as informações provenientes
da legislação do ensino – leis, atos, decretos, regulamentos, regimentos, códigos de
ensino – por exemplo, também nos auxiliam neste sentido.
Paralelamente, ao propormos a realização de um exercício nesta direção,
pretendemos problematizar qual o papel que a disciplina de gymnastica deveria atuar
no ensino público primário ofertado pelo estado do Paraná no período em questão,
assim como verificar quem eram os responsáveis por ministrá-la nas escolas.
Conseqüentemente, estamos preocupados mais especificamente com a gymnastica no
plano das idéias proveniente das atividades de políticos, professores e agentes
envolvidos com a educação, do que com as práticas escolares propriamente ditas. No
10
entanto, ao operar com as análises em nível de prescrição muitas vezes acabamos
estabelecendo considerações no âmbito das práticas. A partir disto, buscamos analisar
quais eram, em que momento e como deveriam ser aplicadas as práticas corporais
prescritas para os exercícios de gymnastica que precisavam ser realizados no cotidiano
das escolas. Com isso, em nosso trabalho procuramos abordar esta disciplina em uma
perspectiva diacrônica, no intuito de explorar suas transformações – rupturas e
permanências – ao longo do processo de escolarização da infância paranaense na
instrução pública primária daquele período.
Por conseguinte, ao propormos uma pesquisa referente à história das disciplinas
escolares, sentimos a necessidade de um maior entendimento a respeito do papel da
escola nas relações sociais, assim como das finalidades do ensino em relação às
iniciativas tomadas por parte da sociedade na busca por uma escolarização de saberes.
Neste sentido, HEBRARD (1990) estabelece em seu trabalho uma discussão a
respeito da escolarização dos saberes elementares na época moderna. Segundo ele,
“trata-se antes de dar às crianças que pertencem aos meios diversificados das
pequenas, médias e grandes burguesias urbanas os primeiros elementos dos saberes
desejados por suas famílias, mas que a maioria delas não saberia lhes transmitir” (p.
77). Estudos como este nos dão alguns indícios de como determinados saberes passam
a ser indispensáveis para a inserção das novas gerações na sociedade e, a partir disso,
de como necessidades como esta recaem no aparecimento e na criação de instituições
destinadas para tal finalidade, qual seja, as instituições escolares.
Por outro lado, HAMILTON (2001) ao investigar sobre os primórdios de uma
escolarização de saberes que culminou na existência do que hoje conhecemorijados p8.98060j13.02 como esrii65.19992 36nii6. 13.02 538.64836 431.58que a maio
11
a função real da escola na sociedade é então dupla. A instrução das crianças, que foi sempre
considerada como seu objetivo único, não é mais do que um dos aspectos de sua atividade. O
outro, é a criação das disciplinas escolares, vasto conjunto cultural amplamente original que
ela secretou ao longo de decênios ou séculos e que funciona como uma mediação posta a
serviço da juventude escolar em sua lenta progressão em direção à cultura da sociedade global.
No seu esforço secular de aculturação das jovens gerações, a sociedade entrega-lhes uma
linguagem de acesso cuja funcionalidade é, em seu princípio, puramente transitória. Mas esta
linguagem adquire imediatamente sua autonomia, tornando-se um objeto cultural em si e,
apesar de um certo descrédito que se deve ao fato de sua origem escolar, ela consegue contudo
se infiltrar sub-repticiamente na cultura da sociedade global.
Independente de sua origem, podemos perceber que a escola exerce um papel
importante nas relações sociais mais amplas, visto que é por meio das práticas
escolares que identificamos tanto a configuração de um ideal de formação – ordenado
pela aquisição de determinados saberes e/ou conhecimentos – quanto as relações que
por meio delas os alunos podem estabelecer não só dentro como fora dos muros
escolares. Com efeito, é diante da transmissão de saberes cada vez mais extensos e
conteúdos cada vez mais especializados, que nos deparamos com as chamadas
disciplinas escolares.
Para Chervel, “uma disciplina é, (...), em qualquer campo que se a encontre, um
modo de disciplinar o espírito, quer dizer de lhe dar os métodos e as regras para
abordar os diferentes domínios do pensamento, do conhecimento e da arte” (p. 180).
Deste modo, a criação das disciplinas escolares contribui como elemento
indispensável para a consolidação e cumprimento dos objetivos reservados à escola,
uma vez que esta possui como meta não apenas instruir como também educar o corpo
discente. Em vista disso, “as disciplinas escolares estão no centro desse dispositivo.
Sua função consiste em cada caso em colocar um conteúdo de instrução a serviço de
uma finalidade educativa” (p. 188).
A preocupação em torno das disciplinas escolares – diante de sua importância
para melhor entendermos os objetivos do ensino escolar – também nos leva a
preocupação de analisarmos como o estudo do currículo pode nos ajudar para uma
maior compreensão do processo de escolarização. Conseqüentemente, na busca de tais
esclarecimentos, encontramos estudos como o de GOODSON (1995).
12
Analisando o trabalho do referido autor, percebemos a importância de
encararmos o currículo a partir de duas perspectivas: o currículo pré-ativo e o currículo
do ponto de vista interativo.
O currículo pré-ativo, segundo Goodson, é formado por normas e critérios
preestabelecidos, juntamente com seus significados. Para ele, “o estabelecimento de
normas e critérios tem significado, mesmo quando a prática procura contradizer ou
transcender esta definição pré-ativa. Com isso, ficamos vinculados a formas prévias de
reprodução, mesmo quando nos tornamos criadores de novas formas” (p. 18).
Já o currículo do ponto de vista interativo, é formado pelas intervenções e ações
subjetivas apresentadas tanto pelos professores, como pelos próprios alunos. Trata-se
de uma construção que se estabelece no decorrer do trabalho escolar
4
.
Por isso, para um melhor entendimento em relação à história das disciplinas
escolares, é preciso encarar o currículo levando em consideração os dois aspectos
acima mencionados. Portanto, entender como este se estabelece a partir destas duas
perspectivas, bem como a relação que estas duas concepções apresentam no processo
de construção curricular, constitui o principal desafio proposto por Ivor Goodson em
seu trabalho. Para ele,
o potencial para uma estreita relação – no extremo oposto, uma não relação – entre teoria e
prática ou entre currículo escrito e currículo ativo, depende da natureza da construção pré-
4
Para melhor entendimento destas duas concepções de currículo, encontram-se nas duas formulações
desenvolvidas por YOUNG e WHITTY (1977, p. 237), apud GOODSON (1995, p. 18), uma outra
possibilidade de compreensão e análise. De acordo com Goodson, Young apresenta duas idéias de
currículo. A primeira, ele a denomina “currículo como fato” e propõe:
o “currículo como fato” precisa ser considerado não como mera ilusão, camada superficial da prática
escolar de alunos e professores, mas como uma realidade social, historicamente específica,
expressando relações de produção particulares entre pessoas. Semelhante currículo é uma mistificação
quando se apresenta como algo que possui vida própria e confunde as relações humanas nas quais,
como qualquer conceito de conhecimento, está embutido, fazendo da educação uma coisa que as
pessoas não podem compreender nem controlar.
Já em relação à segunda, Young afirma que o conceito de “currículo como prática” pode também
mistificar, na medida em que:
Reduz a realidade social de “curriculum” às intervenções e ações subjetivas de docentes e discentes,
impedindo-nos de entender o surgimento e persistência históricos de determinados conceitos,
conhecimentos e convenções (como, por exemplo, as matérias escolares). Ao sermos impedidos de
poder situar historicamente os problemas da educação contemporânea, ficamos também
impossibilitados de entende-los e controlá-los.
13
ativa dos currículos – quanto à exposição e quanto à teoria – bem como da sua execução
interativa em sala de aula (p. 24).
Em vista disso, o autor propõe em primeiro lugar, a necessidade de estudos no
que diz respeito à construção social do currículo, facilitando, com isso, um melhor
entendimento de como o currículo é estabelecido e de que maneira ele repercute no
ambiente escolar. Segundo Goodson, é nesta tensão que o currículo é construído e, se é
necessário entendermos como se processa esta construção, não podemos nos distanciar
destes conflitos.
Encarar o currículo como construção social é analisá-lo “primeiramente em
nível da própria prescrição, mas depois também em nível de processo e prática” (p.
67), uma vez que, “o que está prescrito não é necessariamente o que foi aprendido, e o
que se planeja não é necessariamente o que acontece” (p. 78). Por isso, devemos
procurar estudar a construção social do currículo tanto no nível da prescrição como no
plano da interação.
Por outro lado, CHERVEL (1990) muito próximo do alerta feito por Goodson,
também explora esta mesma tensão ao tratar das finalidades do ensino. Segundo ele, as
instituições escolares, responsáveis pela aplicação de tais finalidades, advêm da
demanda por escolarização imposta pela sociedade de uma maneira geral, e são
identificadas, assim como organizadas, por aqueles que respondem por esta oferta
educacional. Com efeito,
pode-se globalmente supor que a sociedade, a família, a religião experimentaram, em
determinada época da história, a necessidade de delegar certas tarefas educacionais a uma
instituição especializada, que a escola e o colégio devem sua origem a essa demanda, que as
grandes finalidades educacionais que emanam da sociedade global não deixaram de evoluir
com as épocas e os séculos, e que os comanditários sociais da escola conduzem
permanentemente os principais objetivos da instrução e da educação aos quais ela se encontra
submetida. (p. 187).
No entanto, o que era (ou está) prescrito não significa que foi (ou está sendo) de
fato executado. Neste sentido, Chervel nos questiona: “de que lado colocaremos as
finalidades? Do lado da lei ou do lado das práticas concretas?” (p. 189). Para o autor,
“as finalidades de ensino não estão todas forçosamente inscritas nos textos. Assim,
14
novos ensinos às vezes se introduzem nas classes sem serem explicitamente
formulados. Além disso, pode-se perguntar se todas as finalidades inscritas nos textos
são de fato finalidades “reais” ” (p. 189).
Por conseguinte, podemos constatar a importância das observações colocadas
tanto por Goodson, como pelo próprio Chervel, ao lembrarmos que muito do que é
recomendado e, conseqüentemente, encontra-se prescrito, não leva em consideração os
recursos necessários para sua execução. Diante disso, é a partir destas possíveis
contradições que Chervel aponta o estudo das finalidades do ensino também sobre dois
aspectos: de um lado as finalidades de objetivo e de outro as finalidades reais. O autor
salienta, portanto, que o estudo de tais finalidades “não pode, pois, de forma alguma,
abstrair os ensinos reais. Deve ser conduzido simultaneamente sobre os dois planos,
[...], a dos objetivos fixados e a da realidade pedagógica” (p. 191).
São inúmeros os aspectos que envolvem uma análise apurada a respeito da
história das disciplinas escolares e sua relação com a construção social do currículo
5
.
Entender a complexidade que é o processo de escolarização exige
primeiramente um investimento a respeito das disciplinas escolares, seus caminhos de
constituição, transformação, “morte” ou sobrevivência no cotidiano escolar. Neste
sentido, perspectivas de estudo como esta apresentam grande importância, uma vez
que,
a disciplina é, por sua evolução, um dos elementos motores da escolarização, e que se
encontra sua marca em todos os níveis e em todas as rubricas da história tradicional do ensino,
5
Apesar de não estar no horizonte de nosso trabalho, uma outra observação importante consiste na
necessidade de levarmos em consideração o processo de aculturação por parte dos alunos. Trata-se do
paradoxo existente entre aquilo que foi dito, em relação ao que realmente foi aprendido por eles, ou
seja, o ensino propriamente dito e os seus efeitos no processo de aprendizagem.
Segundo JULIA (2002, p. 60), “uma disciplina escolar se encontra presa entre os objetivos que lhe são
conferidos e o público ao qual se dirige: as mudanças que intervêm no dispositivo pedagógico são
freqüentemente ligadas a modificações das características dos alunos”. É neste sentido, que devemos
estar atentos às conseqüências do processo de aculturação. Como os alunos estão recebendo as
atividades propostas e desenvolvidas?
Os possíveis desgostos, assim como os sucessos de determinados exercícios, estão diretamente ligados
à forma como as disciplinas devem e/ou são abordadas nas escolas. Por isso, a resposta sobre se as
finalidades do ensino foram (ou não) preenchidas, como nos lembra CHERVEL (1990), é possível ser
debatida a partir do “estudo histórico da cultura escolar recebida e também criada pelos alunos” (p.
212).
15
desde a história das construções escolares até a das políticas educacionais ou dos corpos
docentes.
As disciplinas escolares intervêm igualmente na história cultural da sociedade. Seu aspecto
funcional é o de preparar a aculturação dos alunos em conformidade com certas finalidades: é
isso que explica sua gênese e constitui sua razão social.
(p. 220).
Com isso, pensar a disciplina de gymnastica com a pretensão de escrever parte
de sua história nos instiga a compreender como ela foi pensada e organizada em nível
de prescrição. Apesar de privilegiar alguns aspectos em detrimento de outros,
lembramos que antes de caracterizar-se como um trabalho voltado à história das
disciplinas escolares, o presente estudo está relacionado à história da educação. Em
conseqüência disso, ao trabalharmos com esta linha de pesquisa, concordamos com
TABORDA DE OLIVEIRA (2003, p. 19), ao considerar que
a história da educação pode ser estudada em três níveis distintos, mas indiscutivelmente
imbricados. Sem qualquer precedência de um sobre os outros, os qualificaria como o nível das
práticas escolares, o nível das políticas educacionais e o nível do pensamento educacional.
Estudar um desses níveis implica, necessariamente, fazer incursões pelos demais.
Sendo assim, nosso trabalho encontra-se dividido em dois capítulos. No
primeiro deles, discorremos sobre o processo de inserção da gymnastica como prática
escolar obrigatória no ensino público primário paranaense. Juntamente com este
processo também localizamos o uso e a adoção de manuais didáticos como referência
para a realização destas atividades. Em vista disso, procuramos apresentar um pouco
do pensamento e do contexto de produção que mobilizou autores como Schreber e o
Capitão Domingos Nascimento a escreverem sobre a gymnastica em seus respectivos
compêndios. Para isso, buscamos compreender como estes autores viam a implantação
desta no ambiente escolar e como eles recomendavam que fossem realizados e
ministrados os exercícios gymnasticos nas escolas.
Procedimentos como os realizados no primeiro capítulo expressam um pouco
da relação existente entre a história do livro didático e a história das disciplinas
escolares. De acordo com BITTENCOURT (1993, p. 136), “as disciplinas escolares se
constituíram em um meio de legitimação de determinados conhecimentos”. Desta
maneira, “o livro escolar inscreve-se, assim, na história da disciplina na medida em
16
que ocorria a construção do saber escolar” (idem). Entretanto, é preciso salientar que
ao optarmos por trabalhar com os manuais em questão analisamos estes documentos
como fonte e não como objeto.
No segundo capítulo, trabalhamos entre outras fontes com a documentação
oficial – coleção de leis, decretos e regulamentos – para apresentar um pouco da
disposição legal conferida à disciplina de gymnastica. Neste momento procuramos
abordar como suas práticas foram regulamentadas pelos dirigentes do ensino, após o
seu reconhecimento como conteúdo obrigatório nas escolas. Em vista disso, tem-se
como principal objetivo na construção deste capítulo, verificar o tratamento dado à
gymnastica ao longo do processo de construção da legislação do ensino paranaense
estabelecida através de diferentes leis, regulamentos, regimentos escolares e códigos
de ensino produzidos no decorrer do período por nós delimitado.
17
CAPÍTULO I
O reconhecimento da gymnastica como prática escolar obrigatória no Paraná
Analisando o enraizamento da gymnastica na instrução pública primária
paranaense assim como a inserção dos exercícios físicos nas atividades desenvolvidas
nas escolas, constatamos que, no Paraná, o reconhecimento da prática de gymnastica
como parte integrante do currículo se dá no ano de 1882. Com o intuito de melhorar a
formação do cidadão paranaense, sobretudo no que diz respeito ao aspecto da
educação física das crianças do sexo masculino, o então Presidente da Província –
Carlos de Carvalho – determinou a instituição do ensino de gymnastica nas escolas
públicas primárias do estado por meio de um Ato assinado em 30 de junho daquele
ano. De acordo com o exposto neste documento,
O presidente da província, attendendo á conveniencia de melhorar a educação physica das
creanças do sexo masculino e considerando que a gymnastica, desenvolvendo a musculatura e
as vitalidades geraes tende a estabelecer o equilíbrio, como ensinam os hygienistas, entre
todas as funcções, entre as aptidões physicas e a capacidade intellectual, resolve:
Art. 1º Os professores das escolas publicas primarias do sexo masculino são obrigados a
ensinar gymnastica aos alumnos tres vezes por semana e por tempo que não exceda de uma
hora.
Art. 2º Enquanto a provincia não fizer distribuir os instrumentos e apparelhos necessarios, o
ensino da gymnastica, será feito pelo methodo do professor Schreber, de Leipsig – devendo os
professores guiar-se exclusivamente pela – Gymnastica domestica, medica e hygienica desse
professor, traduzida por Julio de Magalhães.
Art. 3º A diretoria geral da instrucção publica remetterá a cada professor um exemplar da obra
de Schreber e providenciará de modo que o ensino da gymnastica comece quinze dias depois
de ter o professor recebido o alludido exemplar.
§ unico. Incorrerá nas penas indicadas no Regulamento Geral da instrucção publica o
professor que deixar de cumprir o disposto neste acto.
Art. 4º A directoria geral da instrucção publica expedirá as instrucções que entender
conveniente.
Nota-se que da realização dos exercícios ginásticos as meninas ficaram de fora.
No caso desta diferença de educação entre os sexos, realmente não eram todas as
práticas que serviam para a formação tanto dos meninos como das meninas. Do
18
mesmo modo que a inserção da gymnastica restringiu-se apenas aos alunos do sexo
masculino, algumas disciplinas, como prendas domésticas, eram destinadas
exclusivamente ao sexo feminino. Medidas como estas estavam relacionadas às
diferenças existentes nos ideais previstos para atuação social tanto do homem quanto
da mulher.
Outra observação registrada no Ato assinado pelo presidente da província
refere-se à necessidade de imposição de penas disciplinares aos professores que não
cumprissem a legislação. O Regulamento Geral da Instrução Pública no qual o § único
do art. 3º se refere, data de 1876. Segundo o art. 6º deste Regulamento,
Os professores publicos que por ignorancia, descuido, frouxidão ou má vontade faltarem ao
cumprimento de seus deveres, exercendo a disciplina sem criterio, deixando de dar aula sem
motivo justificado, ou infringido as disposições do presente regulamento, ficam sujeitos ás
seguintes penas:
Admoestação.
Reprehensão.
Multa até quarenta mil réis.
Suspensão de exercicio e de vencimentos até tres mezes.
Remoção para cadeiras inferiores.
Perda de Cadeira.
Desta maneira, para viabilizar o ensino da gymnastica nas escolas percebemos
que no Paraná se estabeleceu um movimento de imposição. Com a adoção do
compêndio de Schreber, o estado obrigou os professores a ministrarem o conteúdo sob
ameaça. Ao disponibilizarem o material – através da compra e distribuição dos
manuais – o governo paranaense informou como os professores deveriam proceder. De
posse do compêndio estes poderiam se inteirar do problema e, com isso, estariam aptos
para trabalhar com mais esta disciplina. Para que nada desse errado, além de fazer
valer a legislação o estado também não poupou o serviço de inspeção escolar.
Na mesma data de publicação do Ato estabelecendo a prática de gymnastica
nas escolas públicas primárias do sexo masculino, o presidente da província – Carlos
de Carvalho – enviou um ofício ao diretor geral da instrução pública – José Joaquim
Franco Valle – comunicando-o da existência do referido documento, cuja cópia
encaminhou em anexo. Alguns dias depois, em 03 de julho de 1882, outro ofício da
19
presidência da província foi enviado à diretoria geral da instrução pública. Neste,
Carlos de Carvalho informou estar encaminhando
15 exemplares da Gymnastica domestica, medica e hygienica do professor Schreber, de
Leipzig, a fim de serem distribuidos pelos professores publicos de instrucção primaria das
cidades desta Provincia, devendo V.S
a
advertil-os de que, no caso de substituição dos
professores, deve o exemplar distribuído ficar na escola para uso do respectivo substituto.
Por esta occasião, declaro a V.S
a
que esta Presidencia fez encomenda de mais exemplares da
referida obra para completar a distribuição.
Além dos exemplares acima mencionados, Carlos de Carvalho também
encaminhou ao diretor geral em outro ofício, com data de 10 de julho de 1882, cópias
impressas do Ato que estabeleceu o ensino da gymnastica para serem distribuídos aos
professores.
Após receber as cópias do Ato encaminhadas pelo Presidente, bem como os
exemplares da obra de Schreber, o diretor geral – José Joaquim Franco Valle –
repassou o material para que o mesmo chegasse ao destino previsto, ou seja, às mãos
dos professores. Foi o que pudemos constatar por meio de alguns ofícios como, por
exemplo, o assinado por Franco Valle e encaminhado ao inspetor escolar da cidade de
Ponta Grossa – Tristão Cardoso de Menezes – em 11 de julho de 1882. Segundo
consta, assim se manifestou o diretor geral:
Para seu conhecimento e fins convenientes, remetto a V.S
a
copia do Acto da Presidencia da
Provincia datado de 30 do mez próximo findo estabelecendo o ensino da Gymnastica nas
escolas publicas primarias do sexo masculino. Envio aos professores copia identica e um
exemplar da obra do professor Schreber sobre o referido ensino.
Este ofício encaminhado pela diretoria geral também foi recebido por
professores como o da 2ª cadeira do sexo masculino da cidade da Lapa – Pedro
Fortunato – que em resposta declarou estar ciente do exposto na dita circular e que a
ela daria cumprimento.
Não só o ofício em questão, mas o próprio exemplar da obra de Schreber teve
uma boa aceitação por parte de alguns professores. Tendo como base o uso deste
material, estes possuíam mais informações sobre como proceder na educação física das
crianças por meio do ensino dos exercícios de gymnastica. Nesta direção, encontramos
20
relatos como o do professor da 1ª cadeira do sexo masculino de Antonina – Arthur
Ferreira de Loyola – por meio de seu relatório encaminhado ao inspetor escolar da
região – João Manuel Ribeiro Vianna – em dezembro de 1882. Naquele momento
escrevia o professor: “Tenho, em cumprimento ao acto do Sr. Dr. Presidente, enviado,
por meio d’este utilissimo exemplar de gymnastica do Professor Schreber, os meios
precisos para o desenvolvimento physico dos meninos, que necessariamente tirarão
d’ella grandes vantagens”.
A partir do mapeamento destas e de outras correspondências pudemos levantar
uma série de informações a respeito do estabelecimento da gymnastica em algumas
regiões do estado do Paraná. De acordo com o ofício assinado pelo inspetor escolar de
Morretes – José Gonçalves de Moraes – e encaminhado ao Diretor Geral da Instrução
Pública em 17 de julho de 1882, percebemos que naquele município também chegou o
ofício da diretoria geral com data do dia 11 do mesmo mês e ano. Em resposta, o
inspetor escolar além de acusar o recebimento das informações, declara que: “de
accordo com os Srs. Professores deste municipio, tenho designado os dias 24, 25 e 26
do corrente para dar-se começo ao ensino da Gymnastica em suas escolas, durante a
visita mensal que ahi farei”.
No caso de Morretes, as deliberações tomadas pelo inspetor escolar juntamente
com os professores foram confirmadas através de alguns ofícios encaminhados ao
diretor geral. Dois deles, ambos com data de 19 de julho de 1882, são de autoria de
dois professores de escolas do sexo masculino existentes na época naquele município.
Um deles é o professor Lindolpho de Siqueira Bastos, cuja informação transmitida à
diretoria geral nos mostra que, em sua escola, “ficou determinado o dia 24 d’este
[mês], para ter lugar o primeiro exercicio de gymnastica, de conformidade com o
exposto pelo professor Schreber”. O outro professor, Cassiano N. Silvino, declarou
que em sua escola ficou designado o dia 25 do mesmo mês “para ter lugar a
inauguração d’esses trabalhos”.
Ainda sobre o processo de inserção da gymnastica no município de Morretes e,
levando em consideração os termos de visita assinados pelo inspetor escolar – José
Gonçalves de Moraes – encontramos mais alguns depoimentos. Em visita feita à
21
escola do professor Lindolpho no dia 24 de julho de 1882, o referido inspetor deixa as
seguintes considerações:
Acabo de visitar esta escola.
Achavão-se presentes 52 alumnos.
O Sr. Professor Lindolpho Bastos inaugurou na minha presença o curso de gymnastica,
mandado admittir nas classes pelo governo provincial.
Mais uma vez mostrou o referido professor o zelo e aptidão que o caracterisão no
cumprimento dos seus deveres, pelo que louvo-o. (sem negrito no original).
Apesar de registrar a inauguração do curso de gymnastica, o inspetor escolar
não apresenta maiores detalhes a respeito de como foi o desenvolvimento da aula. Em
relação à escola do professor Cassiano Silvino, José Gonçalves efetuou a inspeção
somente no dia 27 de julho de 1882. Conseqüentemente e, de acordo com o termo de
visita, o professor informa que “ja tinha inaugurado o curso de gymnastica”. Mesmo
não tendo assistido às aulas, o inspetor elogia o professor “pelo cumprimento que
[soube] dar aos seus deveres”.
Uma outra região onde percebemos a presença da gymnastica nas escolas
públicas de ensino primário, tendo em vista a determinação do Ato de 1882, foi a
cidade de Castro. Ao analisarmos os relatos dos professores que ali residiam
encontramos mais alguns encaminhamentos em resposta ao prescrito na lei. Em ofício
enviado ao diretor geral – Moyses Marcondes
6
– no dia 06 de agosto de 1882, o
professor responsável pela 1ª cadeira do sexo masculino – Pedro Saturnino de Oliveira
Mascarenhas – comentava a respeito do ensino da gymnastica em sua escola. Segundo
ele,
Respeitosamente levo ao conhecimento de V.S
a
, que, em virtude da circular do Sr. Dr.
Director Geral da Instrucção Publica de 11 de julho ultimo, cobrindo a cópia do Acto do
Ex.mo Sr. Dr. Presidente da Provincia, de 30 de junho do corrente anno, pelo qual ordena, que
estabeleça na aula sob meu cargo o ensino de Gymnastica medica hygienica do Professor
Schreber, no dia 3 do corrente dei principio a este trabalho, leccionando na semana 3 dias, e
em cada dia 1 hóra, conforme o art. 1º das Instrucções do Ex.mo Sr. Dr. Presidente da
Provincia.
6
Na ocasião José Joaquim Franco Valle necessitou se ausentar da Diretoria Geral da Instrução
Pública, sendo convidado Moyses Marcondes para substituí-lo durante o período de sua ausência.
22
Como toda disciplina presente no programa de ensino, ao final das atividades
desenvolvidas durante o ano letivo a gymnastica também deveria fazer parte dos
exames de habilitação. Para isso, os professores deveriam comunicar o inspetor escolar
para que o mesmo pudesse examinar os alunos nas matérias previstas. Em vista disso,
Pedro Mascarenhas juntamente com o professor da 2º cadeira para o sexo masculino
da cidade de Castro – Joaquim Duarte de Camargo – submeteu os alunos de sua escola
a exame. As atividades de exame realizadas tanto na escola de Pedro Mascarenhas,
quanto na do professor Duarte de Camargo, foram coordenadas pelo inspetor escolar
da região – Major Raphael Teixeira Cardoso Pimentel.
O exame dos alunos da 1º cadeira do sexo masculino, procedido no dia 30 de
novembro de 1882, teve além da presença do Major Pimentel e do professor
responsável Pedro Mascarenhas, a contribuição de Duarte de Camargo atuando como
professor convidado. De acordo com o termo de exame, naquela ocasião foram
examinados 13 alunos submetidos as seguintes provas: “leitura, escripta, arithmética,
grammatica, doutrina chistã e exercicios de gymnastica medica domestica”. Foram
aprovados plenamente os alunos da 1º e 2º classe perfazendo um total de 8 crianças.
Os alunos da 3º classe foram “obrigados a frequentar a referida escola, a fim de
adquirirem mais pratica”.
Em relação ao exame dos alunos da 2º cadeira do sexo masculino, este ocorreu
um dia antes das provas realizadas na escola do professor Pedro Mascarenhas. Antes
de realizar o exame em sua escola, Mascarenhas atuou como professor convidado na
avaliação dos alunos da escola do professor Duarte de Camargo. Além da presença dos
dois professores, as atividades também foram coordenadas pelo Major Pimentel. Neste
caso, encontram-se relacionadas no termo de exame as avaliações em “leitura, escripta,
arithmetica e exercicios de gymnastica”. Desta vez, foram examinados 12 alunos (6 de
1ª classe e 6 de 2ª classe) que foram aprovados para “as classes immediatamente
superiores”.
Em nenhum dos termos catalogados encontramos maiores informação a
respeito dos exercícios cobrados dos alunos em seus exames. Provavelmente, o
conteúdo da prova aplicada era o mesmo extraído do compêndio de Schreber utilizado
23
para a realização das aulas de gymnastica que deveriam ser ministradas no cotidiano
das escolas (ver quadro 1).
Na capital, algumas destas aulas também foram visitadas pelo serviço de
inspeção escolar. Conforme os termos de visita por nós coligidos, o inspetor escolar de
Curitiba – Euclides Francisco de Moura – visitou ao menos duas vezes no ano de 1882
tanto a 2ª como a 3ª cadeira do sexo masculino.
A primeira visita feita à 2ª cadeira – de responsabilidade do professor Miguel
Lourenço Schleder – ocorreu em 30 de agosto. Assim que chegou à escola, Francisco
de Moura descreve tê-la encontrado “funccionando com trinta e oito alumnos
presentes”. Segundo consta, o inspetor assistiu “ao ensino da gymnastica que fazia o
Sr. Professor, verificando que os alumnos Bruno e Manoel Marcondes [executavam]
quase todos os exercicios ou figuras da Gymnastica domestica, medica e hygienica de
Schreber mandada executar”.
Aproximadamente um mês depois, Francisco de Moura retorna à 2ª cadeira do
sexo masculino da capital para realizar mais uma inspeção. No dia 26 de setembro
compareceram às aulas “quarenta e oito alumnos, os quaes sob a direcção e instrucção
de seu professor, fazião o exercicio da gymnastica domestica de Schreber, no pateo
interior da casa em que funcciona esta escola”.
Tratando-se da 3ª cadeira do sexo masculino de Curitiba – regida pelo professor
Domingos Carneiro da Silva Braga – a visita do inspetor a esta escola aconteceu no dia
21 de julho. Naquela ocasião, Francisco de Moura encontrou-a funcionando estando
presentes 31 alunos. Após examinar “as escriptas do dia”, o referido inspetor assistiu
“ao ensino da Gymnastica, que fazia o Sr. Professor, visto ser este um dos dias para
isso designado”.
Em uma outra oportunidade Francisco de Moura retorna à 3ª cadeira do sexo
masculino onde realizou mais uma inspeção. No dia 31 de agosto estavam presentes
trinta e sete alunos. Desta vez o inspetor pôde observar “parte do ensino de
Gymnastica domestica cujos movimentos [os alunos executavam] regularmente na
máxima parte das figuras do compendio de Schreber mandado adoptar”.
24
Apesar da presença do Ato instituído pela presidência da província obrigando a
prática dos exercícios ginásticos nas escolas paranaenses, este novo conteúdo do
programa não chegou a abranger todas as localidades e estabelecimentos de ensino do
estado do Paraná conforme o previsto em lei. De acordo com as observações feitas
pelo professor Paulino Eugênio de Freitas – responsável por uma escola da freguesia
Therezina situada em uma das regiões mais remotas do estado naquele período – a
falta de atenção dos governantes com as comunidades mais distantes impede a
implementação de novas políticas como, por exemplo, o ensino da gymnastica nas
escolas de ensino público primário (cf. ofício encaminhado ao Presidente da Província
– Carlos de Carvalho – em 16 de junho de 1883). Os fatores que geraram impasses
desta natureza podem ser visualizados a partir de reclamações como a presente no
depoimento de Paulino de Freitas. Segundo ele,
estamos em pleno sertão e longe dos centros povoados, as communicações e noticias nos
chegão ou retardadas ou cá não chegão. Soube que V. Ex.
a
modificou o nosso regulamento e
mandou ensinar gymnastica nas escolas, aqui não chegou essa ordem e nem respectivo
compendio, por essas eu pedia muito respeitosamente a V. Ex.a a graça de nos ser remettido o
jornal official da provincia.
Não estando ciente das informações e principalmente sem o compêndio
disponibilizado pelo estado ficava difícil para o professor ministrar estas aulas. Como
pudemos ver, a circulação deste manual era de fundamental importância para a
formação dos professores. Aliás, mesmo com a defesa dos higienistas a respeito da
importância da educação física das crianças, esta era a realidade das escolas de ensino
primário do estado do Paraná antes da instituição do Ato assinado por Carlos de
Carvalho. Sem a obrigatoriedade do ensino da gymnastica a presença desta nas escolas
só ocorreria por meio da iniciativa de alguns professores, ao acreditarem na relevância
deste conteúdo, de buscarem informações a respeito dos exercícios que poderiam
ministrar aos alunos.
Com a inserção da gymnastica nas escolas do sexo masculino o governo estava
preocupado com a necessidade de estabelecer o equilíbrio entre as capacidades tanto
físicas quanto intelectuais. A iniciativa de melhorar a educação física dos meninos
25
esteve relacionada aos estudos desenvolvidos por Schreber no compêndio mandado
adotar. Para melhor compreendermos quais os conteúdos trabalhados e a partir de que
métodos foram aplicados, torna-se necessário a análise deste material. Com a
instituição do Ato de 1882 o compêndio de Schreber passou a representar o primeiro
programa para o ensino da gymnastica nas escolas públicas primárias do Paraná.
1. A gymnastica doméstica, médica e higiênica de Schreber
O homem, quando diligenceia adquirir ou
conservar a saude por meio de sua aticvidade
pessoal, tem muito maiores probabilidades de
conseguir bons resultados, assim como dá
prova de mais dignidade, do que quando, tendo
perdido a saude, espera recuperal-a pela acção
simples dos recursos da natureza, ou com o
auxilio dos remedios dos phamaceuticos.
D. G. M. Schreber
Daniel Gottlieb Moritz Schreber (1808-1861) era membro de uma família de
burgueses, protestantes e cultos da Alemanha. Formou-se em medicina, área na qual
obteve uma maior inserção no ramo da ortopedia. Dentre os cargos que ocupou ao
longo de sua vida como médico, estão: a carreira de professor clínico da escola de
medicina da Universidade de Leipzig e o posto de diretor do Instituto Ortopédico e
Médico-ginástico da mesma cidade. Além de ortopedista Schreber também se dedicou
à pedagogia. Em suas publicações apresentava interesse especial por problemas
relativos à educação física, ginástica, medicina preventiva, higiene escolar e saúde
pública (NIEDERLAND, 1981). Escreveu e publicou cerca de vinte livros dedicados
tanto à ortopedia como à orientação educacional para crianças. Dedicava seu tempo
não só à criação de aparatos para tratar de problemas ortopédicos, como também
freqüentava um ginásio onde praticava exercícios físicos regularmente
7
.
Não temos conhecimento exato da data em que Schreber publicou seu
compêndio de Gymnastica doméstica, médica e higiênica. A tradução portuguesa de
7
Para maiores informações a respeito da biografia de Daniel Gottlieb Moritz Schreber consultar
também SCHREBER (2006).
26
Julio de Magalhães – a qual se refere o Ato de 1882 – que tivemos acesso encontra-se
sem data. De acordo com as informações coletadas da cópia microfilmada deste
exemplar, sabemos que esta tradução foi decorrente da 13ª edição alemã. Apenas de
posse destas informações é possível perceber que se trata de uma obra de bastante
circulação. Segundo anotações cedidas por Fernanda Paiva, “a Biblioteca Nacional
também possui uma versão francesa desse livro. O exemplar francês é de 1879, na sua
4ª edição, por sua vez traduzida da 15ª edição alemã”. Sendo assim, a partir dos dados
que conseguimos levantar sabemos que o compêndio de Schreber circulou, além da
Alemanha, em países como Portugal, Brasil e também na França.
Destinado a um público bastante heterogêneo, o livro continha exercícios
corporais esquematizados pelo autor para uso tanto dos próprios médicos, quanto de
homens, mulheres, crianças dos dois sexos e “velhos” de mais de sessenta anos.
Escrita de forma clara, com uma linguagem acessível, a obra apresentava prescrições
de exercícios direcionadas a pessoas sedentárias, com problemas de saúde, em
desenvolvimento – como é o caso das crianças – ou simplesmente com o intuito de
promover a integridade física e preservar a saúde. Além destes, o manual também era
indicado aos que tinham de cumprir quaisquer deveres de educação, quais sejam: os
pais e os professores. Neste caso, os exemplares poderiam ser utilizados tanto de
maneira individual como coletiva e os exercícios realizados tanto em casa como nas
escolas.
Para iniciar a análise do conteúdo presente no compêndio de Schreber optamos
por começar pelo contexto de produção do mesmo. Neste sentido, vamos ao encontro
de observações como as apresentadas por CHOPPIN (2004) ao considerar que
juntamente com a proposição e a elaboração de um manual didático, os autores se
debruçam sobre uma certa problemática que os incomoda, ou seja, “os autores de
livros didáticos não são simples espectadores de seu tempo: eles reivindicam um outro
status, o de agente” (p. 557).
Que outra problemática poderíamos esperar de um médico que não fosse algo
relacionado à saúde das pessoas? Neste caso, não era somente esta a questão abordada
por Schreber em seu livro. Além disso, o autor estava preocupado mais precisamente
27
com os determinantes sociais que fizeram com que as pessoas apresentassem um certo
descaso no tratamento dado à saúde do corpo. Partindo do pressuposto de que o
homem é constituído tanto de uma força material como de outra espiritual, o
ortopedista alemão acreditava que também era da natureza humana manter em estado
de atividade estas duas forças: uma eminentemente corporal e a outra representada
pelo desenvolvimento da cultura por meio do exercício intelectual humano. Segundo
ele, “A falta de proporção das exigencias da vida do espirito e da posição social com
as necessidades da vida corporal manifesta-se em muito grande numero de individuos
de um modo que dia a dia se torna mais evidente” (p. 10). Neste sentido, ele atribuiu
este desequilíbrio entre as forças ao estilo de vida levado pelas pessoas na época.
Podemos visualizar denúncias como esta a partir de fragmentos extraídos da obra
como os que destacamos a seguir:
Muitas pessoas, desempenhando apenas uma das duas obrigações que a vida lhes impõe,
concentram todos os seus esforços no desenvolvimento da actividade do espirito, e desprezam
as exigencias da porção de sua natureza, que é constituida pelo corpo: esta falta anda
indubitavelmente ligada aos progressos da civilisação, e ao requinte das relações sociaes, sem
que todavia deva ser considerada consequencia immediata e forçada d’essas circumstancias
(p. 8).
Com effeito, e em consequencia dos constantes progressos da civilisação, as exigencias do
desenvolvimento e da actividade do nosso espirito augmentam cada vez mais, e reclamam
portanto muito tempo, muita attenção, e por assim dizer a totalidade de nossos esforços. E por
isso ao maior numero de individuos falta, não só a vontade, como também o tempo necessario
para, alem das occupações da sua tarefa diaria e habitual, dar uma caminhada de muitas horas,
a qual de mais a mais não teria um fim determinado e immediatamente vantajoso (p. 10).
Diante disso, Schreber criou um sistema de gymnastica simples, o qual batizou
de gymnastica alemã. Trata-se de um sistema de movimentos corporais medidos pelo
autor e fáceis de executar em quaisquer circunstâncias. “Procurou-se pois, no intuito
de se restabelecer o necessario equilibrio, organisar um processo methodico,
convenientemente graduado, e por assim dizer artificial” (p. 10 e 11).
Segundo o ortopedista, o homem forte e robusto era aquele que não se deixava
enfraquecer pela falta de atividade, tampouco esgotava suas energias por meio de um
trabalho excessivo. A atividade a qual o autor se referia consistia em exercitar os
músculos do corpo. Prática tida como o primeiro e principal meio de evitar a
28
“corrosão” do organismo. Tais perspectivas decorrem da crença de que a melhor
maneira de prevenir e tratar determinados problemas de saúde seria por meio do uso
das forças do próprio corpo – através da realização de exercícios físicos
cientificamente calculados e bem definidos – procedimento este considerado pelo
autor como “o verdadeiro e mais valioso triumpho da therapeutica” (p. 2).
Todavia, é importante destacar que a situação de progresso em que se
encontrava a Alemanha era completamente diferente do contexto paranaense.
O Paraná, última província criada pelo império, tem como aspecto distinto de
sua história a produção de erva mate. De acordo com VICTOR (1913), a erva mate era
reconhecida como a “folha de ouro” dos paranaenses, assim como o café foi
considerado como o “grão de ouro” dos paulistas. Além da exploração do mate, os
paranaenses também se beneficiaram da extração e exportação de madeira e exerciam
uma atividade eminentemente agrícola. Nas primeiras décadas após a criação da
província, devido à dificuldade de comunicação e transporte, a agricultura existente
encontrava-se em alguns pontos muito atrasada. As primeiras estradas de ferro
começaram a aparecer no final do século XIX. No ano de 1900 habitavam o estado
cerca de 331.509 pessoas, terminando a primeira década do século XX com
aproximadamente 600.000 habitantes.
Desde que conquistou a independência e se desvinculou da província de São
Paulo, o Paraná tem como capital a cidade de Curitiba. Em 1889 a capital paranaense
contava com 12.000 habitantes no quadro urbano e 20.000 em todo o município.
População esta que atingiu em 1905 a cifra de 53.928 habitantes. Além dos nativos, a
cidade foi colonizada por imigrantes alemães – se estabeleceram no comércio
trabalhando no quadro urbano como “cervejeiros, ferreiros, carpinteiros, salsicheiros,
ferradores, constructores de carros, estalajadeiros, padeiros, açougueiros etc.” (p. 100)
– seguidos por poloneses, ucranianos, italianos, entre outros, cuja maioria eram
lavradores. Como pudemos perceber, exceto os alemães e os italianos, a outra parcela
de imigrantes que habitaram terras paranaenses eram procedentes do leste europeu. A
vida dos Curitibanos daquela época ainda era “bem insípida e parada, bem
estrictamente provinciana” (p. 110). A paisagem de Curitiba no final dos oitocentos e
29
início dos novecentos era marcada pelos vastos campos pouco acidentados onde podia-
se avistar os pomares e parreirais. Associado às inúmeras chácaras estava o comércio,
acompanhado de uma atividade industrial ainda incipiente.
Segundo Nestor Victor, no que diz respeito à vida intelectual esta “era muito
limitada e muito pobre” (p. 111). Desconhecia-se a venda avulsa de jornais – a maioria
era destinada aos assinantes destes periódicos – demonstrando que a leitura não era um
hábito de uma parte significativa dos cidadãos que habitavam a região. No final do
século XIX, “publicavam-se tres ou quatro folhas semanaes na Capital. Mas ainda não
se formara um nucleo consideravel de homens consagrados á vida do espirito
propriamente dita” (p. 111)
8
. Em vista disso, como explicar uma preocupação com o
excesso de atenção dedicada à atividade intelectual em detrimento do desenvolvimento
do corpo em um estado cujo cultivo do espírito não era predominante? Sabemos que a
falta de exercício do corpo definitivamente não fazia parte do cotidiano da maioria dos
paranaenses. Sabemos também que quando o estado adota o livro didático como
oficial significa que ele adere às concepções ideológicas estabelecidas no mesmo
(CHOPPIN, 2000). Sendo assim, como explicar a implantação da gymnastica como
prática escolar obrigatória, de acordo com os preceitos veiculados no compêndio de
Schreber mandado adotar nas escolas do sexo masculino em 1882?
Na tentativa de responder tais questionamentos é preciso levar em consideração
que os políticos procuravam pensar no Paraná do futuro. Por mais que o estado ainda
não apresentasse um quadro acentuado de sedentarismo, provavelmente os dirigentes
do ensino estavam preocupados com a possibilidade dos paranaenses também sofrerem
do mesmo mal diagnosticado pelo ortopedista alemão. Sendo assim, trataram de
colocar a gymnastica como prática obrigatória nas escolas, ou seja, para que desde
cedo os cidadãos do futuro pudessem incorporar o hábito de cuidar não só do espírito,
mas também do corpo. Com a aplicação desta no ensino primário, eles poderiam
esperar que a nova geração crescesse ciente de como cuidar do próprio corpo. Desta
maneira, antes de dar prosseguimento ao ideal de progresso a partir do aprimoramento
8
Sobre a atividade intelectual de alguns paranaenses no início do século XX, mais precisamente de um
pequeno grupo identificado pela freqüente publicação de artigos em um periódico relacionado às
questões afeitas à instrução pública paranaense, ver MARACH (2007).
30
do espírito, os meninos deveriam dedicar um tempo para a prática de exercícios físicos
mesmo que por meio de métodos artificiais.
Considerando que a responsabilidade de administrar o espaço público e pensar
as questões sociais estava direcionada apenas ao sexo masculino, acreditamos ser este
um dos motivos da prescrição dos exercícios corporais somente para os meninos. Com
efeito, seriam eles que iriam substituir os governantes, ocupar os cargos públicos e
zelar pelo futuro do Paraná. Para isso deveriam ser formados aptos a apresentar um
espírito esclarecido dentro de um corpo forte e saudável. Com o olhar fito no
progresso era preciso imaginar que este número de indivíduos cresceria com o passar
dos anos. Em vista disso, apenas aos homens dever-se-ia esperar um equilíbrio entre a
atividade do espírito e o desenvolvimento do corpo.
A partir das considerações de Schreber, podemos perceber que a atenção
dedicada em estudos referentes à aplicação da gymnastica esteve diretamente
relacionada com a crença de ser da natureza humana, a necessidade de manter em
constante desenvolvimento a atividade do corpo. Para ele, “tal é a origem da
gymnastica actual, que não é mais do que um exercicio muscular baseado no
desenvolvimento natural do corpo e na conservação da saúde” (p. 12).
Constatou-se também que havia diferenças no uso destes exercícios de acordo
com o objetivo que se pretendia extrair deles. O autor denominou como gymnastica
terapêutica o conjunto dos meios empregados “para remediar certas e determinadas
imperfeições e doenças do organismo” (p. 13). Para fazer uso deste tipo de tratamento
era necessário o auxílio e a supervisão de um médico. Já os exercícios corporais
voltados para a prevenção contra estas doenças e imperfeições compunham a então
denominada gymnastica higiênica. Esta, por sua vez, estando de acordo com alguns
procedimentos metodológicos tidos como essenciais – conforme veremos adiante –
poderia ser executada por qualquer um, em qualquer lugar e a qualquer hora do dia. “A
ligação d’estes dois ramos differentes da gymnastica forma a chamada gymnastica
medica” (p. 13).
Apesar de apresentar no compêndio alguns exercícios e prescrições de cunho
terapêutico, o objetivo no qual o ortopedista de Leipzig se deteve foi expor ao leitor a
31
descrição e a aplicação da gymnastica domestica, ou seja, entendendo-a como um
“plano determinado de movimentos das articulações, que [pudessem] ser executados
livremente, sem apparelhos ou qualquer outro auxilio estranho, e por consequencia de
modo continuo, e em qualquer local” (p. 37). Em vista disso, nosso interesse encontra-
se direcionado as prescrições voltadas mais à aplicação da gymnastica higiênica.
Interesse este decorrente da perspectiva do autor de que prevenir é muito mais fácil do
que curar. Segundo ele, “nosso corpo é nem mais nem menos do que uma propriedade
confiada á nossa guarda, e aos nossos cuidados previdentes” (p. 33, grifos do orginal).
Pensando na aplicação da gymnastica nas escolas, a finalidade do ensino de
mais este saber estava associada à necessidade de promover e preservar a saúde dos
alunos. Cientes da importância dos exercícios gymnasticos e de como executá-los,
estes poderiam desenvolver e conservar a força proveniente da atividade do corpo para
manter em plena prosperidade a vida do espírito. Por meio dos movimentos buscava-se
não só o desenvolvimento do corpo, mas, sobretudo, mantê-lo em constante atividade.
Acreditava-se que a prática dos exercícios corporais apropriados a cada indivíduo
tinha sua importância “para a cura de um infinito numero de affecções e de doenças,
para o desenvolvimento do organismo, e para a conservação da saude e do vigor do
corpo até edade avançada” (p. 39).
Na gymnastica doméstica, médica e higiênica de Schreber, os exercícios estão
organizados numericamente perfazendo um total de quarenta e cinco. Encontram-se
exercícios tanto para os membros superiores como para os inferiores. Ao todo foram
registrados movimentos com a cabeça, com os ombros, com os braços, as mãos, as
pernas e com o tronco. Através deles deveriam ser trabalhados a maioria dos músculos
e das articulações. Cada exercício é acompanhado de informações a respeito de sua
execução, quais efeitos cada um deles produz no organismo – “significação fisiológica
essencial” (p. 39) – quais as indicações e contra-indicações de cada movimento, bem
como quais as doenças e os problemas ortopédicos poderiam ser solucionados com a
repetição dos mesmos.
Schreber prescreveu para cada exercício uma escala de repetição contendo três
níveis: a primeira para os iniciantes, a segunda para aqueles que completavam duas
32
semanas de prática e a terceira para aqueles que já estava há oito semanas praticando a
gymnastica. Atingido o último estágio da escala o indivíduo deveria manter a série de
repetições. “As series de numeros acham-se estabelecidas como sendo proprias para
um homem adulto, admittindo que existe n’elle uma intensidade media de força
muscular” (p. 63). No caso da aplicação da gymnastica doméstica para as mulheres
(com exceção de alguns exercícios), os idosos e as crianças, o autor recomendava a
diminuição da intensidade dos exercícios pela metade. Quando o objetivo fosse
trabalhar com fins terapêuticos poder-se-ia aumentar a intensidade dos exercícios
correspondentes à região afetada. Nestes casos, era necessário diminuir a intensidade
daqueles considerados menos importantes.
Após a descrição de cada um dos movimentos Schreber apresentou algumas
prescrições contendo uma seleção dos exercícios convenientes para a solução de casos
específicos. Dentre estas prescrições interessa-nos mais especificamente a décima,
cuja série foi construída “para auxiliar o desenvolvimento normal de todo o corpo, e
completar esse desenvolvimento para as crianças dos dois sexos” (p. 149). É por meio
da realização dos exercícios constantes nessa prescrição que os professores deveriam
realizar o ensino da gymnastica. A série de exercícios que compõem a décima
prescrição encontra-se relacionada no quadro a seguir. As figuras correspondentes a
cada exercício estão organizadas por ordem numérica (crescente) e localizadas em
seguida do quadro.
33
QUADRO 1
DECIMA PRESCRIÇÃO
Para auxiliar o desenvolvimento normal de todo o corpo e completar
esse desenvolvimento nas crianças dos dois sexos.
Descrição
Número do
Exercício
Escala
Repetição*
Movimento circular com a cabeça
Voltar a cabeça para cada um dos lados
Movimento circular com os braços
Elevar lateralmente os braços
Aproximar os cotovelos por detrás
Juntar as mãos atrás das costas
Estender o braço para a frente
Estender os braços para os lados
Estender os braços para cima
Estender os braços para baixo
Estender os braços para traz
Executar um movimento circular com as pernas
Elevar as pernas lateralmente**
Aproximar os braços horizontalmente um do outro
Afastar os braços horizontalmente um do outro
Curvar o corpo para a frente e para a retaguarda
Inclinar o corpo lateralmente
Fazer rodar sobre si os braços
Descrever uma espécie de oito com as mãos
Dobrar e estender os dedos
Fazer rodar as pernas sobre si
Aproximar as pernas uma da outra
Voltar o tronco
Estender para deante e dobrar os joelhos
Dobrar e estender para traz os joelhos
Estender e curvar os pés
Elevar os joelhos**
Erguer o tronco
Executar um movimento analogo ao de ceifar
Executar um movimento analogo ao de rachar lenha**
Acocorar-se
Passar uma bengala por sobre a cabeça
Caminhar com uma bengala passada transversalmente entre as
costas e as curvas dos cotovellos.
1
2
4
5
6
7
9
10
11
12
13
25
26
14
15
20
21
16
17
18
27
28
22
29
30
31
32
24
39
40
33
34
35
5,10,15
3,4,5
4,6,10
5,10,15
4,6,8
4,6,8
5,10,15
5,10,15
2,4,6
5,10,15
3,5,8
2,3,4
3,5,8
4,6,8
4,6,8
5,10,15
10,15.20
15,20,25
10,15,20
6,8,10
10,15,20
2,3,4
5,10,15
3,4,5
5,6,8
10,15,20
2,4,6
2,4,6
4,8,12
3,6,10
4,8,12
2,6,8
durante 5,8,10
minutos.
* Os números já estão adequados ao público infantil e equivalem, respectivamente, a: alunos
iniciantes, alunos com duas semanas de prática e alunos com oito semanas de prática ininterrupta.
** Deve ser suprimido para o sexo feminino.
Fonte: Compêndio de “Gymnastica domestica, medica e hygienica” de D. G. M. Schreber, versão
portuguesa de Júlio de Magalhães, Lisboa, s/d.
34
Fig. 2 Fig. 3 Fig. 4 Fig. 5 Fig. 6
Fig. 1
Fig. 7 Fig. 8 Fig. 9 Fig. 10 Fig. 11 Fig. 12 Fig. 13
Fig. 14 Fig. 16 Fig. 17
Fig. 15
Fig. 18 Fig. 19 Fig. 20 Fig. 21 Fig. 22 Fig. 23
Relação das figuras demonstrando todos os exercícios prescritos por Schreber.
Nota: cada figura representa o exercício de número correspondente.
Fonte: Compêndio de “Gymnastica domestica, medica e hygienica” de D. G. M. Schreber, versão
portuguesa de Júlio de Magalhães, Lisboa, s/d.
35
Fig. 24 Fig. 25 Fig. 26 Fig. 27 Fig. 28
Fig. 29 Fig. 30 Fig. 31 Fig. 32 Fig. 33 Fig. 34 Fig. 35
Fig. 36 Fig. 37 Fig. 38 Fig. 39 Fig. 40
Fig. 41 Fig. 42 Fig. 43 Fig. 44 Fig. 45
Relação das figuras demonstrando todos os exercícios prescritos por Schreber.
Nota: cada figura representa o exercício de número correspondente.
Fonte: Compêndio de “Gymnastica domestica, medica e hygienica” de D. G. M. Schreber, versão
portuguesa de Júlio de Magalhães, Lisboa, s/d.
36
A gymnastica doméstica aplicada às crianças era recomendada a partir dos
quatro e cinco anos de idade. Schreber também defendia que o conjunto dos exercícios
prescritos por ele em seu compêndio deveria ser realizado pelo menos duas vezes por
semana, respeitando as necessidades individuais. Vale salientar que quando da
obrigatoriedade da prática de gymnastica no Paraná, esta era para ser realizada três
vezes por semana com a duração de até uma hora cada aula (Cf. as observações
determinadas no Ato de 1882).
Nota-se que para as crianças foi destinada à realização de quase todos os
exercícios, ou seja, dos 45 relacionados no livro foram suprimidos apenas 12. A série
destinada às crianças era uma das mais completas entre as prescrições. Os exercícios
deixados de fora apresentavam outras finalidades. Parte deles destinava-se mais para
uso terapêutico, na correção de problemas mais específicos, do que para o
desenvolvimento geral do corpo indispensável para a manutenção da saúde. No
entanto, Schreber não expõem a forma como montou cada prescrição. Consta no
manual apenas o objetivo almejado com cada uma delas e os exercícios
correspondentes.
Na aplicação do método propriamente dito o professor deveria cuidar da
organização das atividades fazendo com que, por meio de sua exposição, todos
executassem os exercícios em conjunto, de maneira uniforme e ao mesmo tempo. Ele
deveria dirigir os exercícios e se possível executá-los junto com os alunos. Caso isso
não fosse possível, Schreber recomendava que os professores deveriam pelo menos
dirigir e vigiar atentamente a realização dos exercícios. “Sem isto, a creança não toma
por muito tempo a sério o exercicio, cuja execução se torna ao cabo de algum tempo
pouco cuidadosa, ou degenera em uma pratica rotineira de movimentos sem utilidade”
(p. 151). Segundo as recomendações do autor, “depende do tacto do professor ou
director dos exercicios gymnasticos saber conservar sempre interessado e animado o
espirito da creança, o que podera conseguir variando, combinando e multiplicando as
formas do movimento” (p. 151). Juntamente com a organização dos exercícios, os
professores também deveriam estar atentos aos erros que por ventura estivessem
ocorrendo para que a partir deles pudesse realizar as correções necessárias.
37
Já as crianças deveriam repetir atentamente os exercícios observando o ritmo e
intensidade das repetições. Precisavam atentar-se a maneira como deveriam realizar
cada movimento para que cada uma das funções decorrentes da realização dos mesmos
fosse alcançada. Através da prática reiterada da gymnastica doméstica os alunos
deveriam ter conhecimento de todos os movimentos, assim como superar os limites e
dificuldades provenientes da execução de cada um deles. Desta maneira, a participação
dos alunos caracterizava-se pela reprodução dos exercícios e tarefas trazidas pelo
professor.
Contudo, não era qualquer conteúdo ou de qualquer modo que os professores
poderiam trabalhar. Schreber também chama a atenção sobre a importância e a
necessidade de método. Segundo ele, “é evidente que não podemos obter o fim que
temos em vista, executando a esmo quaesquer movimentos, e não submettendo a sua
execução a leis definidas e determinadas” (p. 39). Para ministrar a gymnastica era
preciso estar atento para uma série de questões levantadas pelo autor como, por
exemplo: a função dos exercícios, a maneira de os executar, a duração de cada um
deles e, principalmente, “a conveniencia individual da natureza e da somma dos
movimentos” (p. 40, grifos do original).
Neste sentido, encontra-se no manual sucessivas observações enumeradas pelo
autor contendo os procedimentos necessários para a prática dos exercícios, tais como:
I. As diferentes formas de movimento, que vamos descrever, são em geral coordenadas de
maneira a poderem adaptar-se a todas as circumstancias, assim como a todas as
condições de sexo e de edade. Só a gravidez pode ser considerada como um estado geral
de excepção, durante o qual, para de algum modo dar satisfação á necessidade de
exercicio corporal, é muito mais conveniente recorrer a movimentos suaves, mas
continuos, taes como por exemplo o passeiar, do que a quaesquer outros exercicios de
uma grande intensidade de acção. Devemos tambem consignar aqui, embora pareça
ociosa a recommendação, que os exercicios gymnasticos devem em geral ser
absolutamente postos de parte em todos os estados inflammatorios e febris bem
declarados.
II. Uma vez começados, os exercicios gymnasticos devem ser continuados com a mais firme
perseverança, sendo em todo o caso absolutamente necessario que a sua proporção seja
augmentada, quando se julgue sufficiente a somma dos outros movimentos.
III. A parte do dia, mais propria e conveniente para a execução dos exercicios gymnasticos, é
aquella que precede uma das refeições ordinarias de cada dia, quer seja o almoço
(refeição da manhã), quer o jantar (refeição do meio do dia), quer a ceia (refeição da
noite); convem todavia dispôr as coisas de modo que medeie sempre, entre o fim do
exercicio e a refeição, um intervallo pelo menos de um quarto de hora, a fim de que possa
38
acalmar-se a excitação dos musculos, a qual poderia exercer uma influencia nociva na
digestão. O abdomen deve estar quanto possivel desembaraçado; e para isso deve
aconselhar-se a conveniencia de se satisfazer a necessidade, quando a haja, de evacuação
dos excrementos e das ourinas antes de começar cada exercicio.
IV. O primeiro preparativo a fazer para o começo do exercicio deverá ser, pôr de parte todas
as porções do vestuario, que possam causar qualquer aperto, principalmente no pescoço,
no peito e no ventre.
V. Quando exista tendencia para fortes congestões das partes internas do corpo, para
hemorragias, e para transformações organicas importantes das hernias intestinaes, (...),
a escolha dos exercicios, assim como a maneira de os executar, devem ser determinadas
unica e exclusivamente por um medico, conformando-se, com a mais escrupulosa
exactidão, com a idiosyncrasia individual.
VI. Se os movimentos respiratorios ou as pulsações do coração se accelerarem notavelmente
por effeito de qualquer exercicio, é necessario, para continuar, esperar que serene a
acceleração que se manifestara.
VII. Os intervallos de repouso entre cada phase de um exercicio devem ser utilisados, pelo
menos quando não exista nem a mais pequena tendencia para tosse, na execução de
respirações profundas, convenientemente reguladas, compostas de inspirações e de
expirações, lentas, cheias, vigorosas, e apresentando a maior extensão, que seja possivel,
isto é, formadas por inspirações que se aproximem do bocejo, e de expirações que
determinem a mais completa expulsão do ar que serviu para a revivificação do sangue.
VIII. Os exercicios devem ser executados moderadamente, sem precipitação, e com os
convenientes intervallos de repouso, mas ao mesmo tempo com vigor, com a plenitude da
força de tensão dos musculos, e quanto mais possivel em completa e absoluta harmonia
com as indicações das figuras, assim como com as descripções que as acompanham.
Devem ser principalmente evitados os movimentos hesitantes, angulares, spasmodicos.
Todos elles devem ser accentuados e plenos, resultado este que de ordinario só a pouco e
pouco se obtem pelo effeito do habito.
IX. A realisação do resultado, que se deseja obter por meio dos exercicos gymnasticos,
depende geralmente em todos os casos do maior ou menor grau de justeza da sua
proporção. Todavia é evidente que esta proporção deve variar com relação a cada
individuo; alem d’isto, deve ser sempre menor no começo, e seguidamente ser
augmentada a pouco e pouco, e á medida que, por effeito da pratica, a execução dos
exercicios gymnasticos se transforma em um verdadeiro habito. Com referencia a este
ponto da questão, temos duas condições, que devem ser fiel e escrupulosamente
observadas, a saber: 1a. que o exercicio produza um tal ou qual cançasso momentaneo, o
qual porem deverá desapparecer completamente durante o intervallo de repouso, que
segue o exercicio; 2a. que d’esse exercicio não resulte qualquer dôr viva e persistente.
Devemos procurar sempre proceder por transições bem graduadas, bem medidas, e
manter-nos em perfeito equilibrio n’essa escala. Uma relação bem proporcionada á
idiosyncrasia individual entre os periodos de actividade e os periodos de repouso é em
geral para todas as nossas forças a condição fundamental da prosperidade e florescencia
do seu estado.
X. Quando, depois de longa pratica dos exercicios musculares, se tornar supportavel e
sobretudo oppotuno qualquer augmento na intensidade da actividade muscular, poderá
tirar-se excellente resultado, principalmente em todos os exercicios dos braços, do uso em
cada mão de um haltère. N’este ponto porém deve haver o maior cuidado em fugir ao
excesso.
XI. Poderemos tambem, durante a execução dos exercicios em casa, accrescentar-lhes, se
quizermos, o bom effeito do ar livre abrindo as janellas. Para as pessoas affectadas de
doenças de peito, é evidente que convem examinar previamente, se o estado do ar exterior
na occasião do exercicio será ou não salutar. Em todos os casos porém haverá grande
conveniencia em que seja puro o ar que se respira durante os exercicios.
39
XII. N’esta como em qualquer outra especialidade, resultará grandissima vantagem da pratica
de um regimen [alimentar] simples e regular, que todavia não chegue aos excessos de um
rigor pedantesco, e principalmente de uma alimentação não excitante, isto é, que não se
componha de especiarias e bebidas excitantes, e pelo contrario tenha em si tal ou qual
caracter de sobriedade.
XIII. Em caso de indisposição, não deveremos ainda assim suspender os exercicios, que se
acharem estabelecidos como regra habitual, senão quando a sua execução exerça sobre o
estado geral do nosso organismo uma acção prejudicial verdadeiramente notavel. (p. 49-
61, grifos do original).
Considerando que um dos objetivos do livro didático está relacionado à
tentativa de desenvolver hábitos individuais no leitor (CHOPPIN, 2000), acreditamos
também ser este o intuito de Schreber com a elaboração do seu compêndio. Não temos
dúvida quanto à crença do autor na prática constante dos movimentos ginásticos como
meio de promoção da saúde. Neste sentido, a realização freqüente destes exercícios
por parte dos alunos poderia levá-los a adquirir o hábito de manter em constante
desenvolvimento a atividade do corpo. Através das aulas de gymnastica pretendia-se
trabalhar com os alunos uma série de exercícios corporais – aqueles prescritos no
compêndio juntamente com suas possíveis variações e a criação de novos exercícios
trazidos pelos professores – de maneira que eles pudessem proporcionar uma maior
agilidade proveniente da liberdade articular dos movimentos. Ao praticar com certa
freqüência os exercícios, as crianças teriam os mecanismos necessários para crescerem
cada vez mais fortes, imponentes e, acima de tudo, saudáveis.
Sabendo que no estado do Paraná o ensino da gymnastica nas escolas primárias
foi instituído a partir do sistema desenvolvido por Schreber, divergimos de SOARES
(1995) sobre a inserção do método ou escola alemã no Brasil
9
. Segundo ela, “quanto às
escolas primárias, o método alemão não foi considerado pelos brasileiros como o mais
adequado. Rui Barbosa o combateu para as escolas, preferindo que as mesmas
adotassem o método sueco” (p. 57). Independente das observações de Rui Barbosa
sobre a educação física em nosso país, assim como o ortopedista alemão, os
paranaenses possivelmente consideravam o método sueco “um meio termo de
actividade, [que] consiste na maior parte dos casos, em complicados movimentos de
9
Nos referimos aqui às escolas de gymnastica ou movimento gymnastico surgido na Europa ao longo
do século XIX e que influenciaram a gymnastica aplicada em outros países do globo. A respeito dos
diferentes métodos gymnasticos ver MARINHO (s.d.).
40
resistencia, de pouca ou nenhuma utilidade resulta, e que só podem ser executados
com o auxilio de pessoas estranhas, ou em atitudes forçadas e destituidos de
movimentos” (p. 4). Na mesma direção, veja o que escreveu Domingos Nascimento:
“a gymnastica sueca, bellissima no seu genero, impõe comtudo a necessidade da
acquisição de apparelhos especiaes, alguns dos quais custosos, como ainda exige a
presença de auxiliares para certos movimentos. É mais uma gymnastica para casas de
saude” (p. 14). Neste sentido, vale salientar que, de acordo com GINZBURG (1989),
quando a documentação é insuficiente, ou ambígua, cabe ao historiador recorrer a
expressões como talvez, pode ser, provavelmente e outras semelhantes.
A opção pela gymnastica doméstica, médica e higiênica de origem alemã
apresentava uma série de vantagens para a educação física da mocidade. Além de
promover o equilíbrio das forças vitais, os exercícios prescritos eram de fácil
realização e, conforme alertava Schreber, possibilitavam a manutenção da saúde até
idade avançada. Proporcionavam também força e agilidade por meio do fortalecimento
dos músculos e das articulações. Entre os resultados esperados estava a possibilidade
de viver com mais vigor, aptidão, perseverança, satisfação e resistência. Contudo, o
compêndio de Schreber não foi o único livro a fazer parte da trajetória da gymnastica
no ensino público primário ofertado no estado do Paraná.
2. A gymnastica recomendada por Domingos Nascimento
Domingos Virgilio do Nascimento nasceu em Guaraqueçaba, município de
Paranaguá, em 31 de maio de 1862. Seus pais – Francisco Luis do Nascimento e
Antônia Luiza do Nascimento – não dispunham de muitos recursos. Após concluir os
estudos primários, Domingos resolveu seguir a carreira militar. Carreira esta na qual
assentou praça em 21 de fevereiro de 1881 e obteve êxito, subindo até a patente de
major. Segundo NICOLAS (1954, p. 201), após entrar para as forças armadas, “seguiu
pouco tempo depois para Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Aí iniciou os estudos
profissionais. Na hospitalidade da terra gaúcha filiou-se a um grupo de alunos
republicanos. Fez-se adepto da nova doutrina política”. De volta ao Paraná, aos 32
41
anos elegeu-se deputado. Freqüentou o congresso estadual durante três mandatos: no
final do século XIX, biênios 1894-1895 e 1896-1897, e no início do século XX, biênio
1906-1907. Em todos os mandatos participou da comissão de instrução pública,
catequese e civilização dos índios.
FIGURA 1
Domingos Nascimento
Fonte: Homem Forte – gymnastica domestica – natação – esgrima
– tiro ao alvo. Curitiba: Impressora Paranaense, 1905.
Além da carreira militar e da vida parlamentar, Domingos Nascimento também
se dedicou à literatura destacando-se na poesia. Escreveu: “Revoadas”; “Trenós e
Arruídos” (poesias); “O Sul” (crítica política); “Em caserna” (contos militares); “Pela
Fronteira” (descrição da viagem à Foz do Iguaçu); “Hulha branca” e “Flora têxtil”
42
(ambos sobre o Paraná). De acordo com COELHO (2002, p. 38), este dono de
engenho
10
também foi “poeta, jornalista e prosador de elevado merecimento”. Na
capital paranaense fundou os jornais: “A Folha Nova”; “A Tarde”; “A Notícia” e
redigiu o “Correio do Sul”. Paranaense de importância reconhecida faleceu em 30 de
agosto de 1915. Em sua memória encontra-se esculpida uma herma na Praça Ozório
em Curitiba.
FIGURA 2
Domingos Nascimento
Herma localizada na Praça Osório em Curitiba
Fonte: Foto do autor, jun. 2007.
10
Segundo Nestor Victor (1913, p. 145 e 146), Domingos Nascimento foi responsável, juntamente
com “outros dois distinctos militares”, pela redução do mate em tabletes.
43
Exceto as incursões no campo da literatura e os trabalhos jornalísticos, no que
diz respeito às questões referentes à instrução pública Domingos Nascimento se
interessava por um ramo da pedagogia em especial, qual seja: o da educação física.
Neste sentido, também produziu um livro intitulado “Homem Forte”. Esta publicação,
impressa sob os auspícios de Vicente Machado, Governador do Paran0.(n)Tj13.02 0 0 13.0290.82 5954 655.34021 Tm ns a
44
Estado, a qual [apresentaria] parecer á Congregação, que o [discutiria]” (Cf.
Regulamento da Instrução Pública de 1901, p. 96).
No entanto, não encontramos nenhuma resposta por parte da diretoria geral da
instrução pública em relação ao ofício de Domingos Nascimento. Também não
tivemos contato com nenhum parecer sobre a obra. Porém, examinando um relatório
encaminhado à mesma diretoria em dezembro de 1908, de autoria da professora Elvira
da Costa Faria Paraná – a qual diz reger uma cadeira na Capital, apesar de não
identificá-la –, pudemos constatar a presença do livro em questão. Livro este, utilizado
pela professora como manual para a realização do ensino de gymnastica na escola sob
sua direção. Segundo Elvira Paraná, “para o desenvolvimento physico das crianças, tão
necessario, adopto os 1ºs exercícios gymnasticos tirados do excellente livro Homem
Forte, do Capitão Domingos do Nascimento. Além disso, fazem os meus alumnos
todos os dias exercicios de marchas, evoluções e militares, etc”.
Propor que o estado avaliasse a obra e a implantasse como manual de
gymnastica para o ensino primário possibilitaria que, pelo menos em algumas escolas,
como pudemos perceber na cadeira da professora Elvira Paraná, os exercícios
trabalhados com os alunos estivessem de acordo com as concepções nela defendidas.
De posse do livro, os professores poderiam tomar conhecimento do conteúdo
trabalhado pelo autor e das observações feitas pelo mesmo sobre a educação física das
crianças. A partir da planta carregada de frutos desenhada na capa, era possível
vislumbrar a tão propalada idéia da necessidade de cuidar dos alunos como quem
cultiva uma espécie de vegetal. Esta idéia de cultivo ou atenção (de algo) nos remete
aos primeiros usos ou a um dos sentidos básicos do termo cultura (WILLIAMS, 2001).
Nota-se também a figura de um homem, que com seus músculos desenvolvidos
demonstrava a relevância de se ter um corp
45
FIGURA 3
Capa do livro Homem Forte
46
Ao produzir o livro em questão, Domingos Nascimento estava preocupado com
a forma como a gymnastica vinha sendo ministrada nas escolas. O problema central
que o incomodava já há algum tempo – desde quando fora aluno da escola militar –
referia-se aos métodos de ensino e aos conteúdos escolarizados. Esta é uma
preocupação premente na história das disciplinas escolares. De acordo com
CHERVEL (1990, p. 202), “é esse o componente que chama prioritariamente a
atenção, pois é ele que a distingue de todas as modalidades não escolares de
aprendizagem, as da família ou da sociedade”.
Segundo Domingos Nascimento,
Os exercicios evidentemente violentos, sem um methodo regular conseqüente da co-relação
que deve existir entre as funcções do corpo e do espírito, só podem trazer serios prejuizos aos
que delles façam uso.
É assim que no Brazil o ensino da gymnastica ainda se acha apegado aos condemnaveis
systemas de pretender-se transformar os indivíduos em verdadeiros acrobatas e athletas,
deformando o corpo e desequilibrando o espirito, sem attender-se que a educação physica
propriamente dita deve ser comprehendida antes como um complemento da educação
intellectual e moral e como um agente hygienico e poderoso do apefeiçoamento da especie, do
que como elemento de formação de homens exclusivamente robustos, muitas vezes disformes,
quando não escravos da vontade intelligente de outrem pela sua inferioridade cerebral.
Não assim têm comprehendido os modernos investigadores do magno problema da educação
humana. Para estes, por exemplo, estão postos de lado, como inuteis e ruinosos á saúde da
mocidade, as parallelas, as barras fixas, as argolas, os trapézios, os saltos duplos, etc, da
antiga gymnastica, causas muitas vezes de accidentes fataes, como: rupturas musculares,
hérnias, deslocamentos, torceduras, fracturas, hydartroses, etc, etc (p. 7).
A gymnastica acrobática na qual o autor se referia não estava preocupada com
os efeitos de cada movimento no organismo de quem a praticava. Os exercícios
aplicados assim como os objetivos almejados também não estavam de acordo com os
novos preceitos defendidos pelos estudos de higiene. Ao contrário, representavam a
ausência de método em uma atividade que não era nem um pouco racional, vista pelo
autor como velha e ultrapassada. Para ele, a maneira como os exercícios eram
aplicados e os resultados que eram esperados distorcia inclusive a finalidade da própria
educação física. Através dos movimentos exigidos nos diferentes aparelhos, as aulas
serviam muito mais para a educação atlética do que para o aperfeiçoamento do corpo.
Direcionadas para a formação de verdadeiros ginastas, privilegiava-se mais a
47
participação de “individuos destinados á cultura excessiva de certas qualidades
physicas innatas” (p. 8).
Porém, apesar da crítica de Domingos Nascimento à prática de gymnastica por
meio de aparelhos, uma das dificuldades da realização desta no ensino primário estava
relacionada justamente à inexistência dos aparelhos necessários para este fim nas
escolas públicas em todo o estado do Paraná. Alegando a falta de recursos, nada era
feito por parte dos governantes para solucionar este problema. Em alguns casos, como
o da escola regida pelo professor Ernesto Boese, boa parte dos móveis e demais
utensílios eram adquiridos e pagos pelos próprios professores. Segundo Boese, além
da aquisição de “varios apparelhos para os exercicios gymnasticos, mandei cercar uma
praça (...) para estes exercicios que concedi a mocidade da minha aula” (cf. relatório
encaminhado ao Diretor Geral da Instrução Pública – João Manoel da Cunha – em
15/09/1883). Apesar de encontrarmos relatos da presença de aparelhos de gymnastica
em algumas escolas, esta não era a realidade de toda a instrução pública primária
paranaense.
A falta de recursos na qual passava o estado e, por que não, os próprios
professores, para estruturar as escolas pode ser observada no relatório do então
Secretário dos Negócios do Interior, Justiça e Instrução Pública, Antonio Augusto de
Carvalho Chaves. Para ele, a situação da educação no Paraná não é das melhores
principalmente nas escolas do interior, que “ainda se encontram em estado muito
primitivo”. Ao criticar a má orientação dos professores na aplicação dos métodos de
ensino, o secretário reconhece
que lhes fallecem em parte os meios de empregar para melhoria d´esses methodos como
construcções escolares especiaes, mobilias e apparelhos adequados, inclusive destinados á
gymnastica prophylatica, etc, mas não é menos certo que pouco ou quasi nada têm elles
concorrido para obviar esses inconvenientes. (cf. relatório encaminhado ao governador em
1896).
Nota-se no relatório de Carvalho Chaves que, mesmo com o uso de aparelhos, a
prática de gymnastica era vista como medida preventiva para a preservação da saúde
48
da população. Através da inserção de mais este saber, os políticos sabiam que
poderiam utilizá-la como recurso para prevenir e evitar doenças.
Outro exemplo da carência de materiais pudemos constatar na 1ª cadeira para o
sexo masculino da cidade de Antonina. Associado ao reconhecimento dos dirigentes
do ensino em relação a esta privação estava a cobrança por parte dos professores. Em
ofício enviado ao Inspetor Escolar, o professor Francisco Tavares da Rosa encaminhou
a relação solicitada da mobília e demais materiais existentes em sua escola. De acordo
com a listagem, lá encontravam-se disponíveis: “15 carteiras de 2 assentos, 2 bancas
longas, 2 cabides, 2 quadros negros, 1 meza e estrado”. De propriedade do professor,
existiam: “3 mappas – planiferio – Brasil – Paraná, 1 compasso”. Já na relação de
materiais que, segundo ele, era composta “d’aquelles cuja acquisição reputo
indispensavel”, continham: “1 talha para água, 1 mappa d’America, 1 mappa
d’Europa, 1 globo para ensino pratico de Geographia, 10 carteiras, 1 cadeira, Regua,
esquadro, transferidor, té, etc. Apparelhos para Gymnastica”.
Com efeito, entre as precauções necessárias para que a gymnastica pudesse ser
realizada nas escolas estava não só a aquisição dos aparelhos, mas também a
disponibilidade de espaço para alocá-los. A partir dos fragmentos acima expostos é
possível perceber as intenções dos políticos sendo submetidas às circunstâncias das
escolas ou, em outras palavras, a necessidade de confrontar as possíveis divergências
existentes entre o currículo prescrito e o efetivado (GOODSON, 1995).
Insatisfeito com “esses exercicios violentos e inuteis, quando não nocivos á
saude, com tanta pertinácia e obscuridade empregados em nossas escolas” (p. 9 e 10),
Domingos Nascimento buscou estabelecer um método de ensino “rasoavel e
compativel com o meio” (p. 6). Conforme ele afirmava,
não se cuidou ainda, no Brazil, que me conste, de modificar o systema de educação physica,
pondo de lado esses instrumentos de deformação para substituil-os por exercicios compativeis
com as funcções da natureza humana, encarando-a pelo lado hygienico e do equilibrio das
forças vitaes (sem grifos no original, p. 11).
Conseqüentemente, o método adotado por ele foi justamente o sistema de
gymnastica alemão desenvolvido por Schreber. Apesar de fazer menção ao método
49
sueco, o capitão paranaense resolveu adotar as séries de movimentos prescritas pelo
ortopedista alemão em detrimento da gymnastica sueca pelos mesmos motivos que
este, ou seja, a necessidade da aquisição de aparelhos e do auxílio de terceiros. A
opção pelo método alemão fica evidente no próprio texto do autor. Ao elogiar e
sintetizar a obra alemã, Domingos Nascimento fez pequenas modificações sem, com
isso, comprometer o conteúdo original. Entre tais modificações estão: mudança na
ordem de alguns exercícios e divisão dos mesmos em pequenas lições.
Diante da escolha do capitão, será que ele ficou sabendo da implantação da
gymnastica como prática escolar obrigatória no estado do Paraná a mais de 20 anos
antes da publicação do seu livro? Será que ele tinha conhecimento que naquela ocasião
o compêndio de Schreber também foi adotado e difundido por toda a província? Não
temos como precisar quando e como Domingos Nascimento teve o primeiro contato
com esta obra. Sabemos apenas que no início dos anos oitenta do século XIX ele foi
para Porto Alegre freqüentar a escola militar. Instituição na qual recebeu a educação
atlética que criticou. Entretanto, como veremos adiante, a gymnastica só irá aparecer
no rol das disciplinas referentes ao ensino primário paranaense, sem contar com o Ato
assinado em 1882, no regulamento de 1895. Desta vez não conseguimos identificar
qual o método empregado.
Apesar de combater veementemente a educação atlética, Domingos
Nascimento acreditava que o esporte poderia ser considerado como parte da educação
física, bem como ser ensinado nas escolas. No entanto, ao defender tais atividades o
autor era contra qualquer abuso ou especialização. Para ele o esporte estava associado
à prática de “exercicios dos musculos com o fim hygienico” e, assim como a
gymnastica, também exigia a racionalidade na aplicação dos exercícios destacando
sempre as funções dos movimentos em relação ao organismo das pessoas. Ao tratar
deste assunto em seu livro o militar paranaense recorre a Roblot e define o esporte
como “todo o trabalho imposto ao apparelho locomotor para um fim hygienico e de
diversão” (p. 7). Entre as atividades relacionadas no texto encontram-se: “a marcha, a
corrida, o salto, a esgrima, a natação, a velocipedia, o exercicio de remar, a patinagem,
a equitação, o canto e a dança” (p. 7).
50
Além da falta de método e da crítica à educação atlética, outras questões
animaram o paranaense a escrever seu livro sobre educação física. Questões estas
incorporadas e destacadas pelo autor a partir do contato que tivera com a obra do
ortopedista de Leipzig. O primeiro problema decorre da fadiga provocada nas crianças
em virtude das sucessivas horas de estudos ininterruptos. Procedimentos como este
prejudicavam significativamente a educação física e exigiam a necessidade de um
momento para amenizar as longas horas de trabalho que a rotina escolar impunha.
Forçar as crianças durante muito tempo sem proporcioná-las um intervalo sequer, feria
uma das questões mais caras a um médico ortopedista, qual seja: os problemas de
coluna gerados por uma postura incorreta e viciada. Segundo o depoimento de
Schreber, reiterado pelo militar brasileiro,
Não devo deixar de dar aos preceptores da mocidade um conselho que se me afigura de
summa importancia debaixo do ponto de vista medico. A consideração da attitude, do
desenvolvimento do corpo e da saude geral das creanças, a que é de TÃO RIGOROSA
NECESSIDADE attender nos estabelecimentos de instrucção de nossa epoca, conduz-nos
com effeito á seguinte regra positiva: NENHUMA CREANÇA DEVE PERMANECER
ASSENTADA MAIS DE DUAS HORAS. O habito de forçar as creanças a estar na posição
de assentadas de um modo continuo e sem interrupção, e até as vezes sem que se lhes permitta
mover um pouco o corpo, chegando as costas a fatigar-se, por se acharem durante muito
tempo curvadas, é, nas creanças, uma das mais manifestas e freqüentes causas dos vicios de
conformação que apresentam na columna vertebral e na pelvis, e por conseqüência pode
exercer uma influencia verdadeiramente perniciosa no futuro das creanças do sexo feminino
(destaques do original, p. 62 e 63).
Atender a postura dos educando era fundamental para o desenvolvimento de
corpos aprumados, mas não o suficiente. Para desenvolver os músculos das costas, tão
necessários para a sustentação da coluna, era indispensável a realização dos exercícios
corporais. Não é por acaso que a necessidade do intervalo, bastante reivindicado pelos
médicos, estava diretamente relacionado com a inserção da gymnastica nas práticas
escolares. Tais recomendações refletem a transição de um corpo inerte e apático que
aos poucos ganha movimento dentro da escola. De acordo com VAGO (2002), “a
preocupação com a fadiga escolar afetou a concepção e a distribuição do tempo e do
trabalho escolar nas três primeiras décadas do século XX” (p. 237). Segundo ele, nos
grupos escolares de Belo Horizonte, “a idéia de intercalar os “Exercicios Physicos” e o
51
Canto às demais disciplinas expõe uma preocupação de caráter higiênico, revelada na
pretensão de proporcionar às crianças um descanso (relaxamento) dos trabalhos
considerados intelectuais, realizados nas outras cadeiras, em sala de aula (p. 235)”.
Associado ao cansaço físico estava o problema da fadiga intelectual,
identificada, da mesma forma, pelo semblante das crianças. Como pudemo
e
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Cae7asParos
52
Para elucidar o problema da fadiga intelectual ou surmenage Miguel Santiago
apresenta alguns resultados extraídos de uma pesquisa realizada por outro médico,
Dr. Friedrich, a qual teve acesso. Segundo consta no relatório,
Friedrich ensaiou processos diversos para medir a attenção voluntaria e productivas dos
collegiaes de idade de 10 annos na media, instituindo dictados, cálculos etc, sobre a classe
ensaios collectivos – e sobre cada alumno – ensaios individuaes. Para não me tornar muito
extenso, reproduzirei aqui os seus resultados sobre os ensaios collectivos de dictado:
Resultados Collectivos
1º Manhã (8 horas) antes dos estudos: 47 faltas.
2º Depois de uma hora de estudos (manhã): 70 faltas.
3º Depois de 2 horas de estudos com recreio de 8 minutos entre as duas horas: 122 faltas.
4º Depois de 2 horas de estudos sem recreio: 158 faltas.
5º Depois de 3 horas de estudos (manhã) com 2 recreios de 15 minutos cada um, entre o 1º e
2º e entre o 2º e 3º estudos: 112 faltas.
6º Depois de 3 horas de estudo com um só recreio de 15 minutos, entre a 2º e 3º hora: 172
faltas.
7º Depois de 3 horas de estudos sem recreio: 183 faltas.
8º A 2 horas da tarde antes dos estudos: 62 faltas (com 3 horas de ausencia da escola).
9º Depois de 1 hora de gymnastica (á tarde): 152 faltas.
10º Depois de 2 horas de estudo á tarde, com recreio de 15 minutos, entre as duas horas: 110
faltas.
11º Depois de duas horas de estudos a tarde sem recreio: 190 faltas.
A fadiga intellectual está perfeitamente demonstrada no quadro junto.
A attenção voluntaria, realisando trabalho útil, manifesta-se com maior intensidade nas
primeiras horas de classe e em progressão decrescente depois das horas de repouso e dos
recreios, quando esses não obrigam a excessos physicos. O recreio exageradamente
movimentado concorre para deprimir a attenção voluntaria pela consequencia de dupla fadiga.
D’ahi se infere a necessidade de adaptar o tempo e a forma de recreio com a resistência
organica dos alumnos.
A preocupação com a fadiga intelectual também proporcionou o surgimento do
tempo reservado ao recreio das crianças. Momento do cotidiano escolar no qual a
gymnastica também esteve presente. Nota-se mais uma vez que, de acordo com as
observações dos médicos, não era qualquer atividade que poderia preencher o intervalo
entre as aulas. Como vimos anteriormente, a intensidade e a natureza dos exercícios
precisavam ser racionalizadas. Por outro lado, em meio a tantas recomendações, a
atenção dedicada ao corpo dos meninos e das meninas que freqüentavam a escola
passou a receber mais ênfase e destaque. Estamos nos referindo ao crescente
53
investimento que o mundo ocidental fez sobre a corporalidade
12
no processo de
escolarização de massa. Neste sentido, também acreditamos ter sido esta “a dimensão
formativa sobre a qual maiores investimentos foram feitos” (TABORDA DE
OLIVEIRA 2005, p. 2). Tais investimentos decorrem da idéia de que para estabelecer
o cultivo do espírito (educação intelectual), necessário se faz primeiro o
desenvolvimento do corpo. Este foi o argumento sob o qual identificamos uma certa
primazia da educação física na formação do sujeito. Para Schreber,
a elevação gradual, embora vagarosa, do nivel da cultura do espirito reclama tambem, como
condição fundamental de bom resultado dos seus progressos ulteriores, um gráu de cultura
corporal muito mais elevado, e consequente harmonico e equivalente ao gráu de cultura do
espirito. É evidente que, para que as flores e fructos da arvore da vida do espirito possam
adquirir força e vigor, é necessario que as raizes, de que brotam, se achem sempre em um
estado de desenvolvimento regular e de conveniente energia. Assim como o homem, quando
chegou a um elevado gráu de civilisação, não pode, comparado com o homem primitivo,
limitar-se, como este, a receber directa e positivamente o alimento das mãos da natureza, nem
confiar exclusivamente aos recursos d’essa natureza a satisfação de todas as suas
necessidades, assim tambem não pode resignar-se a esperar do simples curso da vida o
desenvolvimento sufficiente para o cumprimento das outras exigencias physiscas. (p. 11, sem
grifos no original).
Na busca incessante pelo progresso, o ortopedista de Leipsig alertava para a
necessidade de não se descuidar do desenvolvimento do corpo. A importância dada à
atividade corporal por parte do autor alemão também contribuiu para que Domingos
Nascimento discorresse sobre o assunto e registrasse sua opinião. Para ele, o título do
livro era a própria síntese do mesmo, ou seja, representava os fundamentos sob os
quais o produziu. Por homem forte o paranaense associava “um estado de energia e de
virilidade capazes de predispor o homem para enfrentar obstinadamente o struggle for
life, sem desfallecimentos nem irresoluções” (p. 13). De nada adiantaria o
conhecimento se ele estivesse alojado em um corpo fragilizado. De nada adiantaria a
inteligência humana se a humanidade não tivesse força para enfrentar as vicissitudes
da vida.
12
Acerca do conceito aqui utilizado de corporalidade ver Taborda de Oliveira (1999): “Ao conjunto de
práticas corporais do homem, sua expressão criativa, seu reconhecimento consciente e sua
possibilidade de comuncação e interação na busca da humanização das relações dos homens entre si e
com a natureza estamos chamando de corporalidade. A corporalidade se consubstancia na prática
social a partir das relações de linguagem, poder e trabalho, estruturantes da sociedade” (p. 40).
54
Desta maneira, a gymnastica doméstica, médica e higiênica desenvolvida por
Schreber influenciou não só o trabalho de Domingos Nascimento, mas também o
encaminhamento dos cuidados com a atividade do corpo na instrução pública do
Paraná. A partir do contato com o compêndio alemão, os dirigentes do ensino
atentaram para a importância da educação física e a gymnastica foi instituída no ensino
primário ofertado pelo estado, assim como os professores puderam se apropriar destes
conhecimentos para ministrar mais este conteúdo escolarizado.
Apesar disso, como a gymnastica aparece nos demais documentos que
regulamentaram a instrução pública do estado nos anos seguintes à sua implantação?
Para explicar um pouco desta trajetória trabalhamos com uma série de outros
documentos. Em vista disso, formulamos um quadro para maior visualização e análise.
QUADRO 2
Organização da gymnastica no ensino público primário
Estado do Paraná
DOCUMENTO ANO DENOMINAÇÃO CONTEÚDO
Ato de instituição do
ensino de Gymnastica
1882
Gymnastica
Exercícios de acordo com o método de
Schreber relacionados no compêndio de
“Gymnastica domestica, medica e hygienica”
de autoria do referido professor.
Regulamento da
Instrução Pública
1890 não consta não consta
Regulamento da
Instrução Pública
1895
gymnastica de salão
não consta
Regulamento da
Instrução Pública
1901
gymnastica de salão
1ª série: movimento dos braços e das pernas,
do tronco e do pescoço.
2ª série: além dos movimentos prescritos para
a primeira série, exercícios de formatura e
marcha.
Regulamento da
Instrução Pública
1907
Educação physica
Jogos dirigidos pelos professores
Regulamento da
Instrução Pública
1909
Educação physica
exercícios physicos moderados
Lei n. 1236 1912
Educação physica
exercícios physicos moderados
Portaria n. 4 1914
Gymnastica
exercícios gymnasticos adaptados às condições
fisiológicas dos alunos.
Código do Ensino 1915
Gymnastica
exercícios de gymnastica
Código do Ensino 1917
Gymnastica
exercícios de gymnastica
Programa dos Grupos
Escolares do Paraná
1921
Gymnastica
Exercícios calistênicos, marchas, corridas,
jogos gymnasticos, exercícios militares para a
seção masculina.
55
CAPÍTULO II
A disciplina de gymnastica do ponto de vista da legislação do ensino
1. A presença da gymnastica nos regulamentos, regimentos e códigos de
ensino da instrução pública paranaense
No momento em que o ensino da gymnastica é instituído como prática escolar
obrigatória nas escolas públicas primárias paranaenses – através do Ato assinado pelo
governo do estado em 1882 – o regulamento da instrução pública que estava em vigor
datava de abril de 1876. Naquela ocasião o ensino primário era ofertado nas escolas
isoladas. Estas instituições eram divididas por sexo de acordo com a população de
cada região. Era expressamente proibido aos professores lecionarem para crianças do
sexo oposto, com exceção das professoras que poderiam ministrar aulas para meninos
de até dez anos de idade. Os conteúdos de ensino compreendiam além da educação
elementar – ler, escrever e contar – a instrução moral e religiosa, elementos de desenho
linear, de história e geografia, além do ensino de prendas domésticas ministrado
somente para o sexo feminino (cf. Regulamento da Instrução Pública de 12 de abril de
1876). Aliás, assim como o ensino de prendas domésticas era destinado somente ao
sexo feminino, o ensino da gymnastica passou a ser reconhecido no Paraná – pelo
menos inicialmente – como prática escolar destinada somente ao sexo masculino.
Após o Regulamento de 1876, o próximo regulamento referente ao ensino
primário entrou em vigor por meio do Decreto n. 31 de 29 de janeiro de 1890. Este,
por sinal, foi o primeiro regulamento da instrução pública instituído pelo governo
republicano. Neste documento encontramos pela primeira vez referência à criação de
escolas promíscuas (para alunos dos dois sexos). Estas eram implantadas nas
localidades onde não era possível criar uma escola para cada sexo, ficando sob a
responsabilidade somente das professoras, tendo em vista que recebiam tanto meninas
quanto meninos. Algumas das questões tratadas no documento de 1890 remetem ao de
1876. O que muda deste para aquele, em relação ao ensino primário, consiste no fato
de que no documento de 1876 o ensino primário era apenas elementar, já em 1890 este
56
encontrava-se dividido em dois graus: 1º grau ou elementar e 2º grau ou
complementar. No ensino complementar são acrescidas algumas matérias além das já
trabalhadas no ensino elementar (cf. Regulamento da Instrução Pública de 1890). As
mudanças em relação aos programas de ensino e o respectivo aumento não só das
matérias, mas também dos conteúdos a serem ministrados, são significativas ao longo
dos anos. Entretanto, não abordaremos tais alterações. Em decorrência do objeto de
nossa pesquisa optamos por dar maior ênfase apenas ao ensino da gymnastica. Esta,
por sua vez, não consta no rol das disciplinas relacionadas no programa apresentado no
regulamento de 1890.
Em 1895 um novo Regulamento da instrução pública paranaense é instituído. A
partir desta data, o ensino primário passou a ser dividido em 1º e 2º graus e misto. O
ensino misto compreendia o ensino das matérias tanto do primeiro grau como do
segundo, e deveria ser ministrado nas regiões cujas escolas existentes eram apenas
uma para cada sexo ou uma promiscua. Ou seja, nas localidades onde não existia
número de alunos suficientes para criar uma escola de primeiro grau e outra de
segundo grau para cada sexo, assim como naquelas em que existia apenas uma escola
para ambos os sexos (promíscua), o governo implantou o ensino misto. Neste caso, o
regulamento de 1895 deixa claro – em seu art. 8º – que somente nas cidades haveriam
escolas de 1º e 2º graus (cf. Decreto n. 35 de 9 de fevereiro de 1895).
No que diz respeito à gymnastica, exceto o Ato de 1882, é no regulamento de
1895 que encontramos a primeira menção desta no rol das disciplinas presentes nos
programas de ensino. Vale salientar que a reformulação deste documento
provavelmente contou com a participação de Domingos Nascimento. Naquela ocasião
ele estava em seu primeiro mandato como deputado e participava da comissão que
discutia os assuntos referentes à instrução pública. Além desta participação, outra
provável intervenção de Domingos Nascimento como parlamentar foi no processo de
elaboração de um novo regulamento do ensino que ocorreu em 1907, no seu terceiro e
último mandato, conforme veremos mais adiante. No entanto, do processo de
instituição do Ato que determinou a obrigatoriedade do ensino da gymnastica nas
escolas primárias paranaenses até a presença desta nos regulamentos da instrução
57
pública do estado, nota-se um hiato de um pouco mais de dez anos. Não sabemos qual
o motivo desta ausência. Pode ser que depois do Ato instituído em 1882 a prática de
gymnastica nas escolas tenha caído em desuso. Pode ser também que tais atividades
estivessem ocorrendo tão bem, que não precisou tocar neste assunto no regulamento
publicado em 1890.
Segundo consta no regulamento de 1895, a prática de gymnastica de salão
deveria ser ministrada em todos os níveis do ensino primário, ou seja, sua presença
estava regulamentada tanto para as escolas de 1º e 2º graus, como para as de ensino
misto. Assim como as demais matérias do programa, a parte destinada à gymnastica de
salão também deveria ser ministrada pelos professores responsáveis pelas respectivas
cadeiras ou escolas. Entretanto, no referido documento não constam maiores
informações a respeito de como ela deveria ser organizada, bem como quais os
conteúdos de ensino deveriam ser ministrados. Também não consta nenhuma
observação quanto à obrigatoriedade do ensino desta disciplina somente para o sexo
masculino.
QUADRO 3
Organização da gymnastica no ensino público primário
Estado do Paraná
1895
Denominação:
gymnastica de salão
Em quais graus ou séries era
ofertada:
1º e 2º graus e no ensino misto.
Tempo e espaço:
não consta.
Conteúdos:
não consta.
Fonte: Decreto n. 35 de 09/02/1895 – Regulamento da Instrução Pública do Estado do
Paraná.
O próximo regulamento da instrução pública que vigorou após o de 1895 data
do início do século XX, trata-se do regulamento de 1901. Desta vez, outras alterações
foram feitas como é o caso da supressão do ensino misto. O ensino primário volta a ser
dividido apenas em 1º e 2º graus – estes também divididos em duas séries ou anos –
sendo as escolas de 2º grau designadas exclusivamente pelo diretor geral e
58
permanecendo presentes apenas nas cidades (cf. Decreto n. 93 de 11 de março de
1901). Com efeito, é importante destacar que apesar da divisão do ensino primário,
proposta desde 1890, a maior parte das escolas que funcionavam em todo o estado do
Paraná era de 1º grau.
Em vista disso e, com a execução do regulamento de 1901, a inserção da
disciplina de gymnastica no ensino público primário paranaense sofre alterações
significativas. Apesar de continuar sendo mencionada nos regulamentos, a partir de
1901 ela passa a compor somente o programa das escolas de 2º grau. Nada consta no
referido documento justificando a inclusão dos exercícios gymnasticos somente para
os alunos do 2º grau.
Contudo, a mudança no tratamento dado à gymnastica na legislação do ensino
datada do início dos novecentos gerou discórdia, se não durante a construção deste
regulamento, pelo menos alguns anos depois. É o que constatamos ao observarmos o
relatório do delegado fiscal da primeira circunscrição escolar – Laurentino de
Azambuja – encaminhado ao diretor geral da instrução pública – Arthur Pedreira de
Cerqueira – em 27/12/1907. Ao tratar das questões referentes à educação física, assim
expressa Laurentino de Azambuja: “sendo portanto a gymnastica racional um dos
elementos principaes da educação physica, convém a sua introducção nos programmas
de ensino official dos dous gráos primarios e não exclusivamente nos cursos do 2º
gráo, conforme se verifica do regulamento vigente” (p. 60).
Assim como antes, a responsabilidade de ministrar os exercícios gymnasticos
era dos próprios professores. Inclusive, é por meio do depoimento da professora
responsável pela 1ª Cadeira para o sexo feminino da Capital, Julia Wanderley Petrich,
que encontramos maiores informações sobre a presença da gymnastica nas escolas. Em
seu relatório – encaminhado à diretoria geral da Instrução Pública em novembro de
1908 – a professora comenta que
em obediencia ao desposto no art. 29 do Regimento Interno das Escolas, concedo ás alumnas
um recreio geral de meia hora, durante o qual brincam ao ar livre no patêo do jardim desta
Escola, cantando, marchando, correndo e fazendo diversos exercicios de gymnastica escolar,
sob minha direcção.
59
A associação dos exercícios de gymnastica escolar juntamente com a iniciativa
de deixar as crianças brincarem ao ar livre é uma alternativa que também já foi
constatada em escolas de ensino primário do estado de Minas Gerais no mesmo
período (cf. VAGO, 2002). Entretanto, apesar do tempo disponível para brincar, as
alunas não poderiam se exceder. Mesmo fora da sala de aula elas continuavam sob a
direção e o controle da professora. Como nos mostra VAGO (idem, p. 234), “as
brincadeiras foram admitidas, mas também foram admitidas as regras da instituição
escolar”.
Nota-se, neste caso, que a gymnastica também era ministrada para o sexo
feminino. Sabemos que da mulher não se vislumbrava a ocupação dos espaços e
cargos públicos. No entanto, além da responsabilidade de cuidar da educação, seja dos
próprios filhos seja dos filhos da pátria, via-se “na mulher e em seu corpo a matriz das
futuras gerações” (TRINDADE 1996, p. 35). Em vista disso, coube aos exercícios
gymnasticos, indispensáveis para a educação física das crianças, a tarefa de manter a
integridade do corpo tanto dos meninos como das meninas que freqüentavam as
escolas públicas primárias paranaenses. De acordo com a professora Julia Wanderley,
os cuidados com o corpo não poderiam ser negligenciados pelos professores. Segundo
ela,
encarando a educação sobre o seu tríplice aspecto e considerando a creança como um
composto de corpo e de alma, não deverá o professor esquecer-se de sua natureza physica,
tratando em primeiro lugar dos cuidados que devem ser dispensados ao corpo.
Mens sana in
corpore sano e por isso deve o professor com especial attenção tratar da educação physica dos
seus alumnos, afim de conservar-lhes a saúde, desenvolvendo-lhes os membros. A educação
dos sentidos é também da mais alta importancia, e para isso deverá o mestre dirigir sempre os
necessarios exercicios, na aula, nos passeios e em todas as occasiões opportunas.
Ao mesmo tempo que dirige esses exercícios physicos, deve o mestre especialmente tratar da
educação intellectual de seus discípulos, exercitando e desenvolvendo com igual solicitude
esse precioso grupo de faculdades que constituem a intelligencia. A percepção, a attenção, o
juizo, a memoria e a imaginação serão assim igualmente aperfeiçoados e harmonicamente
desenvolvidos.
Depois da educação physica e da intellectual, se ocupará o professor da educação moral,
porque nesta mesma ordem é que se observa o progresso humano. (cf. relatório encaminhado
à diretoria geral da instrução pública em 1905; grifos do original).
É interessante observar o destaque dado à afirmação “mens sana in corpore
sano”. Esta frase simboliza o tratamento dado na época à educação física e intelectual
60
como coisas distintas. Entretanto, ambas faziam parte de um todo que, em conjunto
com a educação moral, representavam a educação sobre o seu tríplice aspecto.
Desenvolver corpos aprimorados e sadios, proporcionar o equilíbrio das forças,
estabelecer a ordem, eis alguns dos objetivos da educação física. Ao contribuir para a
formação de uma sociedade mais “civilizada” e “moderna”, a educação física – e com
ela a gymnastica – ia conquistando seu próprio espaço, tempo e uma importância nada
desprezível na educação tanto da infância, quanto da mocidade. Neste sentido e, não
por acaso, ela assume o primeiro lugar na ordem apresentada por Julia Wanderley em
relação ao progresso do gênero humano.
FIGURA 4
Alunas fazendo gymnastica
Grupo Escolar Tiradentes
Fonte: Relatórios da Inspetoria Geral do Ensino (1920-1924). Acervo: Círculo de Estudos
Bandeirante (CEB), prateleira de relatórios do Governo.
61
Outra proposta decorrente do regulamento de 1901 foi a tarefa designada ao
diretor geral em organizar, junto à congregação dos professores do Ginásio Paranaense
e Escola Normal, a construção de um regimento interno para as escolas de instrução
pública primária do Paraná. Através deste Regimento – submetido à aprovação do
governo estadual e estabelecido pelo Decreto n. 263 de 22 de outubro de 1903 –
pudemos obter maiores informações em relação às determinações do estado não só no
sentido de como deveria ocorrer a organização escolar, mas, sobretudo, de como
estava previsto o ensino da gymnastica nas escolas.
De acordo com o programa – apresentado mais detalhadamente no regimento –
os conteúdos de “gymnastica de salão” estavam dispostos de forma gradativa nas duas
séries do ensino de 2º grau. Para as aulas da primeira série, “movimentos dos braços e
das pernas, do tronco e do pescoço”. Já a parte destinada para a segunda série consiste
além dos movimentos trabalhados na primeira série, “exercicios de formatura e
marcha”. Apesar do documento não fazer nenhuma referência ao compêndio de
Schreber, nota-se a presença dos movimentos articulares recomendados pelo
ortopedista alemão.
QUADRO 4
Organização da gymnastica no ensino público primário
Estado do Paraná
1901 – 1903
Denominação:
gymnastica de salão
Em quais graus ou séries era
ofertada:
Somente no 2º grau
Tempo e espaço:
Nos intervalos de recreio que deveriam ser
aplicados no fim de cada hora de estudo e
dentro da sala de aula.
Conteúdos:
1ª série: movimento dos braços e das pernas, do
tronco e do pescoço.
2ª série: além dos movimentos prescritos para a
primeira série, exercícios de formatura e
marcha.
Fonte: Decreto n. 93 de 11/03/1901 – Regulamento da Instrução Pública do Estado do
Paraná – e Decreto n. 263 de 22/10/1903 – Regimento Interno das Escolas Públicas do
Paraná.
62
Conforme o regimento interno, cabia aos professores organizar o horário de sua
escola de acordo com o programa prescrito e com o respectivo grau de ensino ao qual
ela pertencesse. Após a divisão do tempo de toda a sessão escolar, também era de sua
responsabilidade fixar o horário em lugar acessível aos alunos. Sendo assim, após a
organização dos trabalhos escolares, os professores só poderiam colocá-los em prática
desde que fossem apreciados positivamente pelo inspetor escolar. Segundo o Art. 29,
citado pela professora Julia em seu relatório, “no meio do tempo marcado para os
trabalhos escolares deve haver uma interrupção de meia hora, para descanço e recreio
dos alumnos, sob a direcção e vigilancia dos professores”. Tendo em vista o exposto
por Julia Wanderley e, levando em consideração as prescrições presentes no regimento
interno, constatamos que a referida professora realizava os exercícios gymnasticos em
sua escola – uma das poucas designadas como de 2º grau existentes na capital – no
horário destinado ao recreio das alunas. Porém, em outro relatório também de autoria
da professora Julia datado de 1905, ao tratar destes exercícios ela faz menção a outros
intervalos de recreio. Segundo ela,
como medida de grande alcance hygienico, no fim das diversas lições diarias, concedo ás
alumnas um pequeno intervallo para repouso do espírito e exercício dos membros, durante o
qual, sob minha immediata direcção, marcham, cantam, e fazem exercicios ao ar livre no
vasto jardim que circunda esse edificio escolar.
Nos dois relatórios foram registradas as mesmas atividades, todavia, neste
último a professora comenta a aplicação dos exercícios físicos em intervalos menores.
Além do recreio de trinta minutos ela também ministrava a gymnastica em outros
intervalos (mais curtos). O tempo por ela separado para a realização dos exercícios
estava de acordo com algumas das recomendações expostas no regimento, inclusive a
que aconselhava, de preferência, destinar as primeiras horas de trabalho às atividades e
estudos que exigem maior esforço mental (art. 32). Trata-se das recomendações dos
médicos higienistas sendo incorporadas não só pelos políticos paranaenses – na
legislação que regulamentava a instrução pública do estado – mas pelos professores
nas escolas como é o caso de Julia Wanderley.
63
Parte das preocupações com a distribuição do tempo e dos trabalhos escolares
pode ser visualizada no relatório do diretor geral da instrução pública – Victor Ferreira
do Amaral e Silva – encaminhado ao presidente do estado – Francisco Xavier da Silva
– em 31/12/1903. Segundo ele,
procurei nesse regimento suavisar as horas de trabalho, entremeiando-as de recreios e
descanço, com exercicios physicos e cânticos escolares; profliguei o methodo inquisitorial de
licções decoradas automaticamente, que faziam a creança sahir da escola detestando o ensino
e abominando o mestre.
Justifico a instituição de pequenos recreios, lembrando que a Liga do Ensino Belga, em sua
Escola Modelo, limita a três quartos de hora cada licção, abrindo, no fim de cada uma, um
recreio de 15 minutos.
Mereceu-me especial atenção a hygiene escolar, tão descurada entre nós, com evidente
postergação do universal aphorismo: - mens sana in corpore sano.
Muitas vezes, uma pobre creança, na espectativa de uma instrucção rudimentar, adquiria o
germen de uma moléstia ou de um defeito physico, que lhe comprometia senão a vida, pelo
menos o seu estado hygido.
A instrucção primaria que, no dizer de Huxley, é o talher para o banquete da civilisação, é um
bem que não deve ser adquirido com sacrifício da saúde. (p. 09)
Em meio às intenções expostas por Vitor do Amaral, nota-se o interesse em
transformar a instrução pública primária em algo menos detestável e um pouco mais
“prazeroso”. Neste sentido, uma de suas iniciativas está na defesa dos recreios
juntamente com a repugnância das práticas mnemônicas. Não obstante, estes não eram
sempre tão prazerosos assim. Como pudemos perceber, as crianças não deveriam em
nenhum momento escapar ao olhar atento dos professores. De acordo com o diretor
geral, os trabalhos escolares não poderiam, em hipótese alguma, deixar de atender aos
cuidados necessários à educação física e, muito menos, comprometer a saúde do
educando.
Se pegarmos como exemplo o relato da professora Amelia França Gomes –
responsável pela escola promíscua do Batel em Curitiba – percebemos que em sua
escola “no fim de duas horas de estudo, os alunos marcham na sala de aula,
executando alguns exercicios de gymnastica com levantamento e abaixamento dos
braços” (cf. relatório encaminhado ao diretor geral, Arthur Pedreira de Cerqueira, em
30/12/1905). Diferente de Julia Wanderley, que preferia realizar os exercícios
gymnasticos ao ar livre, a professora Amelia Gomes realizava os mesmos na própria
64
sala de aula. Além dela, outros paranaenses ligados à instrução pública também
defendiam a prática destes exercícios dentro da sala de aula. É o caso do delegado
fiscal da primeira circunscrição escola – Laurentino de Azambuja – que considerava a
gymnastica “applicada á infancia, [como] um importante factor de desenvolvimento
physico, principalmente a gymnastica respiratoria e de flexão de troncos e membros,
que pódem ser executadas por ambos os sexos nas próprias salas das aulas” (cf.
relatório encaminhado ao diretor geral – Arthur Pedreira de Cerqueira – em
27/12/1907).
Realmente, ao longo das prescrições presentes no regimento interno de 1903,
encontramos uma associação entre as atividades físicas com o problema referente ao
cansaço dos alunos ao precisarem enfrentar sucessivas horas de estudo. Trata-se de
outra recomendação decorrente dos estudos médicos
13
adotada na legislação do ensino
65
Mesmo sendo uma atividade prevista em lei, a atividade física realizada dentro
da sala de aula não era bem vista pelos médicos. De acordo com o Dr. Miguel
Santiago, um dos requisitos que o professor não poderia esquecer ao ministrar a
gymnastica estava relacionado ao fato de que esta deveria ser praticada ao ar livre.
Para ele,
os exercicios de marcha nas salas de aula, como se pratica actualmente em algumas de nossas
escolas, são inefficazes e contra-indicados, porque obrigam aos alumnos de respirarem a
própria poeira que levantam nas suas evoluções e de serem feitos em espaço fechado com
cubagem insufficiente (cf. relatório referente à participação no IV Congresso Médico das
Nações Latino-Americanas realizado no Rio de Janeiro em 1909).
FIGURA 5
Aula de gymnastica
Grupo Escolar Xavier da Silva
Fonte: Relatórios da instrução pública 1916. Acervo: Círculo de Estudos Bandeirante (CEB),
prateleira de relatórios do Governo.
66
Neste sentido, percebemos que com o estabelecimento de novos regulamentos
da instrução pública novas propostas para o ensino da gymnastica foram levantadas.
Este é o caso do regulamento publicado em 1907, o qual estabelece o ensino primário
ainda dividido em dois graus – elementar e complementar – e distribuído em cinco
anos de curso (cf. Decreto n. 479 de 10 de dezembro de 1907). Neste documento volta-
se a cogitar a possibilidade de equipar as escolas com aparelhos para a realização dos
exercícios gymnasticos. Segundo o Art. 33,
o Diretor Geral da Instrucção Publica e os Inspetores Escolares se esforçarão para que as
escolas sejam installadas em prédios que tenham as dimensões e condições hydienicas
necessarias, e bem assim um pateo para jogos de recreio, no qual serão collocados apparelhos
de gymnastica sempre que for isso possivel.
Contudo, vale salientar a dificuldade dos governantes em estruturar as escolas
tanto no sentido de viabilizar os pátios de recreio, quanto na aquisição dos aparelhos
de gymnastica. No material por nós coligido também localizamos requerimentos por
parte de alguns professores pedindo a construção de piso nostios com o intuito de
evitar a poeira. Mesmo ao ar livre, o pó oriundo do chão de terra continuava
prejudicando os alunos.
De acordo com o regimento interno das escolas públicas que constitui o anexo
n. 1 do regulamento em questão, dentre as inúmeras observações prescritas para o
estabelecimento da lei, “a educação physica não terá em caso algum o caracter de aula
ou de obrigatoriedade; será dada por meio de recreios ou de jogos, dirigidos pelos
professores, de modo a desenvolverem as forças physicas e a saúde dos alumnos”.
QUADRO 5
Organização da gymnastica no ensino público primário
Estado do Paraná
1907
Denominação: educação physica
Em quais graus ou séries era
ofertada:
Não possuía caráter de aula ou de
obrigatoriedade.
Tempo e espaço:
No pátio durante os intervalos de recreio.
Conteúdos:
Jogos dirigidos pelos professores.
Fonte: Decreto n. 479 de 10/12/1907 – Regulamento da Instrução Pública do Paraná.
67
O que levou os dirigentes do ensino a retirarem a obrigatoriedade dos
exercicios gymnasticos e estabelecerem a realização de recreios ou jogos como sendo
facultativo nas escolas? Será que os alunos gostavam dos exercícios de gymnastica?
Provavelmente existiam os adeptos, mas será que eles eram a maioria? Com efeito,
estes exercícios associados às marchas e evoluções exigiam seriedade, atenção, postura
e rigidez. Em vista disso, a inserção dos jogos infantis como mais um conteúdo
presente no programa nos leva a crer que a partir destas atividades as crianças
poderiam ter uma educação (física) mais atrativa e prazerosa.
Esta preocupação em relação à atratividade não só dos exercícios de
gymnastica, como da rotina escolar de uma maneira geral, parte de indícios suscitados
por observações feitas neste regulamento como a que segue:
O professor deve se esforçar para que o alumno tenha amor á escola, e sinta prazer em estar
n’ella. A creança deve obedecer por amor e não por mêdo; deve se sentir satisfeita e alegre
com o trabalho escolar; deve estar disposta a brincar nos recreios, e não ser obrigada a fazel-o.
(Regimento Interno anexo ao Regulamento de 1907, p. 68).
Ao organizar o horário escolar, o professor deveria tomar o devido cuidado
para não cansar o aluno com trabalhos mui204DC B.8s, esemindernrup347óo ,nesm
68
mostram os conflitos existentes no processo de construção social do currículo
(GOODSON, 1995). O documento de 1907, por exemplo, é resultado da tentativa de
imprimir uma nova organização do ensino proposta pela gestão encabeçada por
Vicente Machado da Silva Lima (1904-1908). Apesar da construção do novo
regulamento, este teve uma duração bastante efêmera. O disparate entre as mudanças
sugeridas e a realidade da instrução pública paranaense levou a revogação deste
documento logo em seguida de sua publicação.
O mesmo irá acontecer com o “Regulamento Orgânico do Ensino Público do
Estado do Paraná” com data de 1909. Nele encontramos uma regulamentação bastante
detalhada cuja aplicação foi julgada como de grande complicação, tendo em vista, da
mesma forma, as condições em que se encontrava o ensino primário naquela ocasião.
Neste documento, a instrução primária estava dividida em três cursos: o infantil –
realizado nos Jardins de Infância – o elementar e o complementar. Segundo consta, o
ensino primário seria ofertado em escolas isoladas ou em grupos escolares, porém,
apesar das discussões em relação à inserção dos grupos escolares no estado do Paraná
datarem desde os finais dos oitocentos, a realidade da instrução pública paranaense
ainda não possibilitava a existência destes estabelecimentos nos moldes como eram
previstos nos estudos médicos de higiene.
De acordo com o documento apresentado em 1909 a educação física deveria
consistir na instituição, em todas as escolas, de exercícios físicos moderados (Art. 81).
Observa-se também, em § Único que: “aos exercícios physicos deve presidir o
maximo criterio, de forma a serem, sobretudo, attendidas, em justa proporção, a edade
e a constituição organica de cada alumno” (cf. Decreto n. 510 de 15 de outubro de
1909). Realmente, não era qualquer movimento que deveria ser escolarizado. A
formação prevista para a educação física das crianças só tinha validade desde que
fosse constituída por uma prática extremamente racionalizada. A inserção destes
exercícios no ensino público primário exigia dos professores o entendimento de uma
série de observações de caráter metodológico presente nos manuais de gymnastica.
Exemplo disso eram as recomendações apresentadas por Schreber quanto ao cuidado
que os educadores deveriam ter com a freqüência e duração dos exercícios. Contudo,
69
no regulamento em questão não consta em anexo nenhum regimento interno
apresentando maiores esclarecimentos para a organização dos trabalhos escolares.
QUADRO 6
Organização da gymnastica no ensino público primário
Estado do Paraná
1909
Denominação: educação physica
Em quais graus ou séries era
ofertada:
Tanto no curso elementar quanto no
complementar.
Tempo e espaço:
Não consta.
Conteúdos:
Exercícios físicos moderados.
Fonte: Decreto n. 510 de 15/10/1909 – Regulamento Orgânico do Ensino Público do
Estado do Paraná.
Tanto a construção do regulamento de 1907 quanto a do publicado em 1909
ocorreram em decorrência do atraso que os políticos consideravam o regulamento que
estava em vigor (Regulamento de 1901). Este, por sua vez, era visto como anacrônico
e vigorou por mais de uma década no cenário educacional paranaense. Sua presença
por muito tempo na instrução pública do Paraná foi motivo de muita discussão e
discórdia entre as autoridades governamentais. Conforme nos mostra SOUZA (2004,
p. 80), “o Regulamento de 1901, que de início fora alvo de reparos, teve sua situação
agravada no decorrer dos anos, transformando-se em objeto de duras críticas”. Tanto a
construção deste documento quanto a proposta apresentada em 1895 foram elaboradas
no governo de Francisco Xavier da Silva. De volta à administração do estado, ao
assumir um novo mandato de governo (1908-1912) Xavier da Silva procurou atualizar
o documento produzido em sua gestão anterior. Em vista disso, tentou implementar
outra reforma do ensino por meio da proposta apresentada em 1909. No entanto, as
mudanças reclamadas e a construção dos regulamentos de 1907 e de 1909 não foram
suficientes para suprimir o de 1901. Como pudemos ver, estes dois documentos foram
revogados
14
.
14
Para maiores detalhes sobre a reforma da instrução pública paranaense engendrada no início do
século XX, consultar SOUZA (2004).
70
Diante da necessidade de reestruturar a instrução pública paranaense no intuito
de organizá-la de acordo com os preceitos da então denominada “pedagogia moderna”,
uma nova configuração do ensino primário se estabeleceu em 1912. Foi em vista disso
que Francisco Ribeiro de Azevedo Macedo – estando à frente da diretoria geral da
instrução pública – coordenou os trabalhos cujo resultado culminou na publicação da
Lei n. 1236 do dia 2 de maio daquele ano. Apesar de não apresentar um documento
extenso e mais pormenorizado, encontra-se na referida lei mudanças significativas na
estrutura e no funcionamento do ensino primário, tais como: a implementação do
ensino seriado (ou graduado), a organização de grupos e semigrupos escolares, a
criação do sistema de escolas agrupadas, entre outras.
No Paraná o processo de construção e implementação dos grupos escolares,
apesar de baseado na instrução pública paulista, apresentou uma série de
peculiaridades. Para viabilizar a seriação do ensino primário paranaense, Francisco
Macedo precisou adequar o programa de ensino com a situação em que encontrava-se
a instrução pública ofertada nas diferentes regiões do estado. Em vista disso, as casas
que possuíam apenas duas salas passaram a ofertar duas séries em cada uma delas e
foram denominadas como semigrupos escolares. Nos povoados que possuíam somente
escolas isoladas cada uma delas ficou responsável por uma série do ensino. Naqueles
que contavam com apenas duas escolas isoladas eram ofertadas duas séries em cada
estabelecimento. Além disso, a responsabilidade pela direção e administração dos
trabalhos escolares ficou a cargo de um dos professores, geralmente o que estava a
mais tempo no magistério, que acumulava os serviços sem ganhar a mais por isso
(Souza, 2004).
Em relação à gymnastica, da mesma forma que o regulamento de 1909, no art.
37 da lei n. 1236 determinava-se que além das matérias que compõem os cursos
elementar e complementar, deveriam ser instituídos “em cada escola os exercicios
estheticos de recitação e canto e os exercicios physicos moderados”. Neste artigo, em
parágrafo único, também se expressava a preocupação quanto à prescrição dos
exercícios físicos lembrando que para isso era preciso “o maximo criterio, de forma a
ser sobretudo attendida a natureza de cada alumno”.
71
Para completar as modificações previstas em 1912, dois anos mais tarde
Francisco Macedo publica instruções sobre a organização escolar juntamente com um
novo programa para o ensino primário (cf. Portaria n. 4 de 17 de janeiro de 1914).
Após a relação das matérias consta nas observações do novo programa que “para todas
as series [haveria] nos recreios e sob a direcção dos respectivos professores, exercicios
gymnasticos adaptados ás condições physiologicas dos alumnos”. Reservar os
intervalos de recreio para a prática de gymnastica é uma alternativa que já tinha sido
cogitada nos regulamentos anteriores.
QUADRO 7
Organização da gymnastica no ensino público primário
Estado do Paraná
1912 – 1914
Denominação: Gymnastica
Em quais graus ou séries era
ofertada:
Tanto no curso elementar quanto no
complementar.
Tempo e espaço:
Nos intervalos de recreio.
Conteúdos:
Exercícios gymnasticos adaptados às condições
fisiológicas dos alunos.
Fonte: Lei n. 1236 do dia 02/05/1912 e Portaria n. 4 de 17 de janeiro de 1914
Instruções sobre organização escolar e programa de ensino para as escolas públicas do
estado do Paraná.
Ainda a cargo da diretoria geral Francisco Ribeiro de Azevedo Macedo
publicou um novo documento referente à organização da instrução pública paranaense.
Trata-se do Código do Ensino estabelecido por meio do Decreto n. 710 de 18 de
outubro de 1915. Desta vez o conteúdo do texto encontra-se bem mais extenso
compreendendo todas as disposições previstas em lei. Com a implantação do novo
Código o ensino primário completo foi dividido em quatro séries graduais. Para todas
estas, em comum, estava prevista a permanência dos exercícios de gymnastica. Quanto
aos requisitos necessários para cada prédio escolar, também estava presente a
recomendação de “área sufficiente para conter os pateos de gymnastica e recreio” (cf.
art. 173, I - requisitos externos, letra b). Posicionados ao ar livre, estes constituíam o
espaço mais apropriado para a realização dos exercícios gymnasticos.
72
QUADRO 8
Organização da gymnastica no ensino público primário
Estado do Paraná
1915
Denominação: Gymnastica
Em quais graus ou séries era
ofertada:
Para todas as séries.
Tempo e espaço:
Nos pátios de gymnastica e recreio.
Conteúdos:
Exercícios de gymnastica.
Fonte: Decreto n. 710 de 18 de outubro de 1915 – Código do Ensino do Estado do
Paraná.
Em 1917 encontramos a publicação de um novo código do ensino. No entanto,
nada muda em relação à presença da gymnastica no ensino público primário
paranaense (cf. Código do Ensino estabelecido por meio do Decreto n. 17 de 9 de
janeiro de 1917). Neste mesmo ano é adotado um novo programa para o Grupo
Escolar Modelo de Curitiba e similares (cf. Decreto n. 420 de 19 de junho de 1917).
Com os conteúdos de ensino bastante detalhados o referido programa apresenta,
disciplina por disciplina, ano por ano, todo o currículo destinado à formação dos
alunos que freqüentavam estes estabelecimentos de ensino. Ao analisar as atividades
destinadas à gymnastica notamos que nestas instituições esta deveria ser ministrada
para os alunos dos 2º, 3º e 4º anos, de acordo com o conteúdo expresso no quadro
abaixo.
QUADRO 9
Conteúdo de gymnastica
Programa do Grupo Escolar Modelo e Similares
1917
FIRME – A esta voz o alumno deverá perfilar-se, com os calcanhares unidos e as pontas dos pés para
fóra cerca de 25 cm, o corpo erecto, aprumando-se sobre os quadris, peito saliente, braços cahidos ao
longo das coxas, palmas das mãos, unidas á roupa e olhar dirigido para a frente.
1ª POSIÇÃO – 4 TEMPOS 2ª POSIÇÃO
a
I – unir as pontas dos pés-mãos aos quadris.
II – afastar as pontas dos pés-mãos ao longo
das coxas.
III – Identico ao I.
IV – Identico ao II.
A
I – levantar os braços distendidos
lateralmente.
II – até acima da cabeça, verticalmente.
III – baixar até a posição horisontal.
IV – até firme.
b
Direita volver em quatro tempos.
B
c
Mais tres vezes a, b.
C
73
3ª POSIÇÃO 4ª POSIÇÃO
a
I – levantar o corpo na ponta dos pés,
calcanhares e mãos nos quadris, formando o
pollegar com o indice um angulo recto.
II – voltar a firme.
III – identico ao I.
IV – identico ao II.
A
I – flexão da cabeça para a frente, conservando
o corpo erecto e mãos aos quadris ao mesmo
tempo.
II – voltar a firme.
III – flexão da cabeça para a rectaguarda, etc.
IV – identico ao II.
b
B
c
C
5ª POSIÇÃO 6ª POSIÇÃO
a
I – rotação da cabeça para a direita, mãos nos
quadris e corpo immovel.
II – voltar a firme.
III – rotação da cabeça para a esquerda etc.
IV – identico ao II.
A
I – levantar os braços distendidos lateralmente
até ficar em posição horisontal.
II – voltar a palma para cima – torsão.
III – voltal-a para baixo.
IV – voltar a firme.
b
B
c
C
7ª POSIÇÃO 8ª POSIÇÃO
a
I – afastar o pé direito e mãos aos quadris.
II – inclinar o corpo para a direita.
III – voltar a I.
IV – voltar a firme.
A
I – afastar o pé direito e mãos aos quadris.
II – inclinar o corpo para a frente.
III – voltar a I.
IV – voltar a firme.
b
B
c
a esquerda II – duas vezes.
C
a rectaguarda II – duas vezes.
9ª POSIÇÃO 10ª POSIÇÃO
a
I – levantar parallelamente os dois braços até
formar recta com o corpo.
II – dobrar o corpo para a frente – tronco e
pernas formam angulo agudo – tocar ao solo
com os dedos.
III – voltar a I.
IV – voltar a firme.
A
I – fechar as mãos e dobrar o ante-braço com
violencia, para cima.
II – distender para a frente.
III – voltar a I.
IV – voltar a firme.
b
B
c
C
11ª POSIÇÃO 13ª POSIÇÃO (para meninos)
a
I – levantar o pé esquerdo, até a coxa formar
com o corpo angulo recto, e com a perna
ângulo-agudo, mãos aos quadris.
II – estical-a para a frente.
III – voltar ao I.
IV – voltar a firme.
A
I – levantar o corpo nas pontas dos pés,
calcanhares unidos e mãos aos quadris.
II – apoiando-se nas pontas dos pés, dobrar os
joelhos até que as nádegas vão ter aos
calcanhares.
III – voltar a I.
IV – voltar a firme.
b
B
c
C
12ª POSIÇÃO
Repetindo a, b, c, da 11ª posição mas com o pé direito.
Notas: estes movimentos serão combinados com a respiração em maior numero de vezes possivel.
Depois de bem sabidas estas posições poderão ser dadas outras ao critério do professor, mas
obedecendo ao mesmo plano.
Fonte: Programa do Grupo Escolar Modelo e Similares estabelecido por meio do Decreto n. 420 de 19
de junho de 1917.
74
Simetria, seriedade, postura, atenção, respiração, estes eram alguns dos
requisitos indispensáveis para a realização dos movimentos prescritos. Composta de
exercícios de alongamento e equilíbrio, a série deveria ser executada em quatro tempos
sempre saindo e retornando à posição inicial (FIRME). Responsável pela voz de
comando a referência era o professor. Com a movimentação da cabeça, dos braços, das
pernas e do tronco, a prática de gymnastica também desenvolvia noções de tempo e
espaço. Ao observarmos a série de movimentos prescritos no programa de 1917
podemos perceber bastante similaridade entre estes exercícios e os recomendados por
Schreber. Tanto uma quanto a outra apresentam exercícios dos membros e das
articulações, sendo alguns deles exatamente iguais (comparar com os exercícios de n.
1, 5, 9, 15, 20, 21, 29, 33 e 40 da série de Schreber). A princípio, a execução de todos
os exercícios levaria aproximadamente de dez a quinze minutos.
No início dos anos 20 assume o governo do Paraná o vice-governador Caetano
Munhoz da Rocha. Segundo MORENO (2003, p. 19) a atuação de Munhoz da Rocha
foi marcada “por percepções e atitudes nacionalistas que o diferenciaram de seus
antecessores. Seu endosso às reformas da instrução pública se deu sempre nesta
vertente de um projeto nacional”. Em vista disso, Munhoz da Rocha criou um novo
cargo para responder pela diretoria geral da instrução pública e dar continuidade – de
maneira mais intensa – na reforma do ensino, trata-se do então denominado Inspetor
Geral do Ensino. Para assumir tal tarefa, Munhoz da Rocha ao invés de mandar nova
comissão para observar as inovações pedagógicas implementadas pelo governo
paulista, inverte a estratégia e manda trazer de São Paulo um profissional já inserido
no contexto de reformas frente à modernização do ensino e à implementação de novas
pedagogias. Foi diante disso que chegou ao Paraná o ex-diretor da Escola Normal de
Pirassununga/SP, professor César Pietro Martinez. A atuação de Pietro Martinez como
responsável pelo melhoramento da instrução pública paranaense naquela ocasião gerou
uma avaliação tanto positiva quanto negativa por parte da comunidade e da imprensa
local
15
. Contudo, não pretendemos em nosso trabalho fazer uma avaliação de sua
gestão como dirigente da instrução pública (1920-24), ao contrário, procuramos
15
Ver estudos de SOUZA (2004) e MORENO (2003).
75
destacar a seguir apenas as medidas tomadas por ele no que diz respeito à educação
física dos alunos e ao ensino da gymnastica no ensino público primário do estado do
Paraná.
2. Inovação educacional no ensino da gymnastica
Ao pisar em terras paranaenses César Pietro Martinez precisava diagnosticar os
problemas que assolavam a instrução pública do Estado para então poder traçar suas
metas de trabalho. Sendo assim, escreveu sobre inúmeras questões afeitas à educação
da população relatando a situação da instrução pública da época e destacando as
medidas necessárias para a melhoria do ensino. Entre as várias recomendações
estavam aquelas referentes à educação física dos alunos. Assim como outros
profissionais do ensino, como a professora Julia Wanderley, por exemplo, também
encontra-se em Pietro Martinez esse discurso homogêneo que dava bastante ênfase à
importância de não descuidar do aspecto físico na educação ofertada à infância
paranaense. Para ele,
a educação physica considerada como base da educação moral e intellectual, deve merecer os
mesmos cuidados da educação do espírito, isto é, desenvolver harmonica e progressivamente
a robustez e a destreza do corpo, de accôrdo com as condições anatômicas e physiologicas do
educando. Si há uma Sciencia da Educação, ella abrange a aptidão physica e estabelece leis
tão rigorosas, postulados os mais exigentes, para que essa aptidão realize verdadeira obra de
aperfeiçoamento (Relatório de autoria de César Pietro Martinez – Inspetor Geral do Ensino –
referente ao ano de 1921, p. 58).
Sem educação física não havia como desenvolver o espírito. Instruir o cidadão
cujo organismo era fraco e debilitado era a mesma coisa que semear em terra infértil,
ou seja, de nada adiantaria formar intelectual e moralmente o cidadão sem lhe
desenvolver o vigor necessário para suportar a rotina de uma vida produtiva.
Nos preceitos da pedagogia em voga no período os cuidados com o corpo eram
tidos como essenciais para a formação do homem robusto e ativo. A destreza do corpo
adquirida e aperfeiçoada por meio da educação física é parte da concepção do homem
como um ser que para se desenvolver precisava se movimentar. Segundo Pietro
76
Martinez (1921, p. 58), “Dahi a expressão hoje universal de Spencer, considerando,
como primeira condição para pleno exito na vida ser um homem um bom animal. Ou
então o pensamento de Rousseau: Um corpo debil enfraquece a alma”. Com isso, nota-
se a permanência da gymnastica nos programas de ensino e no processo de
escolarização da nova geração de paranaenses.
Em 1921 a inspetoria geral do ensino organizou um novo programa para os
grupos escolares. No início dos anos vinte o Paraná contava com onze grupos em
Curitiba e mais quinze grupos espalhados pelo interior do estado em municípios como:
Antonina, Campo Largo, Castro, Guarapuava, Jaguariahiva, Jacarezinho, Lapa,
Morretes, Palmeira, Paranaguá, Ponta Grossa, Rio Negro, São José dos Pinhais,
Tibagy e União da Vitória. De acordo com o referido documento, a gymnastica
deveria ser ministrada nos quatro anos de duração
77
4º ANNO
A) Exercicios callisthenicos executados com rigor.
B) Repetição dos exercícios do terceiro anno.
C) Exercicios com alteres e bastões.
D) Exercicios militares para a secção masculina.
Fonte: Programa para os grupos escolares do Paraná promulgado por meio da
Portaria n. 86 de 19 de agosto de 1921.
Apesar de não sabermos exatamente quais eram os jogos gymnasticos
mencionados no programa, nota-se que as atividades previstas pela nova inspetoria do
ensino eram bem mais dinâmicas. Apesar das aulas ainda permanecerem compostas
por movimentos mais estáticos, que exigiam uma maior seriedade e atenção por parte
dos alunos, os jogos, a dança, os pulos e as corridas também foram incorporados.
Modificações como estas nos mostram que entre um programa e outro os conteúdos
muitas vezes permanecem, mas as finalidades do ensino podem mudar (Chervel,
1990). Talvez isso se justifique pela mudança no horário previsto para a gymnastica.
Antes, esta era ministrada nos intervalos de recreio. Entretanto, no horário publicado 1 Tm(ourio previs(os e as cor054pela)Tj0.0002 Tc 0.0659 rid713.02 0 0 13.02jo178 gy7.85974 450.26053 Tm02 ast5 13.02 0 0 13.026.15971os450.26053 Tm(gymna(gos, a 0547r )Tj-0.0004 Tc 0.13631)Tj0 13.02 0 0 13.02iniv9.95es39.317s pz2.17665 4 interva5 pela)Tj0.0002 Tc 0.4 al31813..02 0 0 13.02 7 Tm .01403ltim( recreio. Eno estas nos39.9604 1Tjs. )Tj-0.0004 Tc 0.1098 T80.18795 4 83.02 5e toditas vquestas-fei6053 Tm(udança no2.029.023.18795 4 83.02 48.1Sego estas ne as cor0Tw 47)Tj-0.0006 Tc 0.1864999j1318795 4 83.02 un397 491 4,0.2605.037rimei6oo estas nos mostr 1T de
78
relatório o seu descontentamento em relação à inexistência de uma educação física
séria. Segundo ele (1921, p. 57 e 58),
a educação physica, entre nós, infelizmente, ainda está por se fazer, não escapando a esta dura
regra geral nenhum Estado da Confederação. O que existe nem se pode classificar como um
ensaio, pois faltando a base principal de um systema de educação physica, que é o preparo de
profissionais competentes, não se pode tomar a sério o que actualmente baptisamos com o
pomposo titulo de exercicios e jogos gymnasticos.
Si é certo que para se formar a intelligencia e a vontade é mister escolher bons preceptores,
também para adestrar o physico é exigível o concurso de competentes professores que saibam
ministrar lições em doses perfeitamente assimilaveis e rigorosamente adequadas para cada
caso (grifos meus).
Sendo assim, o problema da educação física na escola estava na falta de um
profissional especializado que, com competência, ministrasse as aulas da maneira
satisfatória. Isso não significa que a culpa era dos professores, pelo contrário, o
inspetor acreditava que estes já estavam sobrecarregados em virtude dos esforços
despendidos no ensino dos outros saberes, constantes nos programas e horários, que
precisavam passar às crianças nas aulas diárias. Para ele, “a creança, em virtude da
tendencia natural pelo esporte, consequencia da intensidade da vida que circula em
todo o systema arterial e nervoso, póde ainda dar uma hora de esforço suave para os
exercicios. O professor, porém, é que não póde sobrecarregar-se” (p. 58 e 59). Pietro
Martinez acreditava que ministrar as aulas de gymnastica exigia muito esforço e
demandava um conhecimento especializado sem o qual, “os exercicios de gymnastica
e os jogos escolares deixarão de obedecer a um criterio racional e de proporcionar os
resultados que essas aulas reclamam” (p. 107). Em vista disso, o inspetor defendia a
necessidade de
entregar essa parte importantíssima da educação a quem disso apenas cuide. Nas cidades onde
haja mais de um grupo escolar, devem ser nomeados instructores que se revelem capazes. Na
nossa capital a empreza não é difficil, pois dispõe o Estado de magnificos elementos na sua
briosa e disciplinada Força Militar, capazes de darem ao ensino da gymnastica uma
organização magnifica (p. 59).
Esta transferência da responsabilidade de ministrar estas aulas do normalista
para um instrutor exclusivo ou, segundo PAIVA (2003, p. 395), “esse paulatino forjar
79
da necessidade de formação específica, (...) é um dos indícios que tornam evidentes a
constituição de uma especificidade e, portanto, dos processos de engendramento do
campo da educação física”.
Conforme observamos anteriormente somente a cidade de Curitiba tinha em
sua circunscrição escolar mais de um grupo funcionando. Na tentativa de solucionar o
problema Pietro Martinez foi buscar o auxílio dos militares para cuidar com maior
dedicação e responsabilidade da educação física das crianças. Neste sentido, a
nomeação de um instrutor de gymnastica incluiria no cotidiano escolar mais um
profissional para quem os alunos deveriam dedicar obediência e atenção.
Dentre muitos, podemos apontar o Tenente Artistoteles Xavier, cuja vocação manifesta pelo
esporte e pelo escotismo constitue garantia de pleno exito. A seu cargo podem ficar os 11
grupos existentes, distribuindo-se as aulas pela manhã e á tarde e ampliando-as em exercicios
collectivos nos domingos e dias feriados, nas nossas grandes praças, em horas matutinas
(Relatório de autoria de César Pietro Martinez – Inspetor Geral do Ensino – referente ao ano
de 1921, p. 59).
Ex-sargento do exército, Aristóteles Xavier foi nomeado para integrar o corpo
de bombeiros do estado do Paraná em 1913 (ERVEN, 1954). Como 2º tenente desta
corporação escreveu e publicou dois livros: “Elementos de pyrologia applicada ao
serviço de bombeiros” (1916) e “Gyria dos Delinqüentes – dialecto dos malandros”
(1922). Na carreira militar também exerceu o cargo de instrutor da Escola Policial da
Guarda Cívica.
Designado pelo Decreto nº 148 de 6 de Fevereiro de 1922, Aristóteles Xavier
ficou encarregado de ministrar aulas de gymnastica tanto para os alunos dos grupos
escolares da capital, quanto para os estudantes da Escola Intermediária
17
. Em vista
disso, o instrutor precisava circular por todos estes estabelecimentos de ensino ao
longo da semana. Analisando os documentos sobre a instrução pública da época não
encontramos nenhum registro sobre a existência de proventos referentes ao cargo de
instrutor geral de gymnastica.
17
Destinada a habilitar alunos para a matrícula no Ginásio Paranaense e na Escola Normal, a Escola
Intermediária recebia estudantes que concluíram o ensino primário ou que eram aprovados nos exames
de admissão.
80
FIGURA 6
Aristóteles Xavier
Fonte: Xavier, Aristóteles. Elementos de pyrologia applicada ao serviço
de bombeiros. Curitiba: Typographia da Penitenciaria, 1916.
Apesar de possuir um maior conhecimento em relação à prescrição e realização
dos exercícios físicos, será que os militares dariam conta de sozinhos atender as
condições fisiológicas de cada aluno de acordo com as recomendações presentes nas
teorias pedagógicas da época? Visando melhorar a educação física nas escolas o
inspetor geral do ensino além de recorrer aos militares também contou com o auxílio
dos médicos.
A avaliação do estado de saúde dos alunos bem como as orientações quanto aos
cuidados com a higiene do corpo eram de fundamental importância para diagnosticar
problemas e buscar soluções. Em vista disso, o acompanhamento médico por meio de
exames tornou-se uma intervenção tida como pré-requisito para a realização e
81
desenvolvimento das aulas de gymnastica. Segundo Pietro Martinez, o exame médico
era “a base de todo programma de gymnastica individual, pois nem se comprehende
que tratando-se da vida de um ser cujo organismo se desenvolve por edades, se possa
por de lado a hygiene e a medicina” (p. 58).
A luta por um serviço de inspeção médico-escolar não era inédita na instrução
pública paranaense, não obstante, recomendações dessa natureza já tinham sido feitas
em outros momentos por políticos como o ex-secretário do interior, justiça e instrução
pública – Luiz Antonio Xavier – em novembro de 1910. Segundo ele,
para se chegar a um resultado convenienete e satisfatorio, tendo-se em vista a natureza de
cada alumno, na ministração da gymnastica, bem como das outras medidas hygienicas
preventivas, é imprescindivel, em nosso meio, o estabelecimento da inspecção medica dos
collegiaes, á exemplo do que se realisa com grandes vantagens e exito real em todos os
centros adiantados. (p. 17).
Todavia, o serviço de inspeção médico-escolar só foi se concretizar no estado
do Paraná por meio da lei n. 2095 de 31 de março de 1921. Inaugurado no mês de
julho do mesmo ano este serviço funcionou subordinado à inspetoria geral do ensino,
sendo convidado para coordenar os trabalhos o Dr. Mario Gomes
18
. De acordo com
Pietro Martinez (1920, p.24), caberia à inspeção médico-escolar “a visita ás escolas e
grupos, examinando á meúdo seus alumnos e professores”.
Os problemas de saúde que atingiam parte da infância paranaense estavam
relacionados sobretudo à falta de hábitos de higiene. Diante disso, promover e difundir
noções de higiene na escola primária era um desafio tanto para o Paraná, como para
outros estados brasileiros (FARIA FILHO, 2000; ROCHA, 2000; SOUZA, 1998;
VAGO, 2002). Após as primeiras inspeções o Dr. Mario Gomes assinala a existência
de casos como os de “pediculose, dermatose, anemias de varias natureza,
principalmente as occasionadas por verminose, (...) afora muitos casos de molestias e
affecções contagiosas, embora benignas, tambem isolados ou tratados” (Relatório
referente ao ano de 1921, p. 125 e 126).
18
Além de médico, Mario Gomes também atuou a partir de 1920 como lente da cadeira de
Toxicologia e Noções de Higiene do curso de Farmácia da Universidade do Paraná (COSTA, Iseu;
LIMA, Eduardo, 1992).
82
Dentre as medidas mais urgentes recomendadas pelo Inspetor Médico-escolar
estava a “instituição dos exercícios physicos obrigatórios em todos os
estabelecimentos de ensino” (p. 127). Segundo ele, “consideravel é o numero de
creanças insuficientemente desenvolvidas que tive occasião de observar” (p. 125).
Com efeito, a importância de se exercitar decorre da necessidade de
fortalecimento do corpo da nova geração. As soluções para a melhoria da educação
física dos alunos estariam – além da nomeação de um militar para exercer o cargo de
instrutor dos exercícios físicos e da instituição do serviço médico-escolar – nas
medidas provenientes da implementação do que Pietro denominou de “Curso de
Gymnastica”. Segundo ele,
todos os alunos de edade superior a 9 annos poderão matricular-se nesse curso, depois do
indispensável exame medico. Cada um terá a sua folha individual registrada em livro
competente e na qual constarão todos os dados relativos á sua saúde, agudeza sensorial, pezo,
estatura, índice de respiração, força dynamometrica, estado dos pés e das mãos, índice de
robustez, etc. Em outra pagina serão registrados os dados relativos ao seu desenvolvimento,
força muscular, de tracção, impulsão, suspensão, corridas, saltos, etc. Semestralmente a folha
será substituída por outra, na qual constam as differenças, para mais ou para menos resultantes
dos exercícios gymnasticos. (p. 59).
As recomendações de Pietro referentes à educação física também foram
discutidas na época por outros profissionais da educação como, por exemplo,
Fernando de Azevedo. Em seu trabalho intitulado “Da educação física” – cuja primeira
edição foi publicada em 1920, mesmo ano da vinda de Pietro Martinez ao Paraná –
Fernando de Azevedo defende a atuação exercida pelo médico em conjunto com o
professor dentro da escola. Além da necessidade do exame médico, o autor também
defende a importância da avaliação física dos alunos por parte do professor. Para
AZEVEDO (1960, p. 91), compete a este constatar “pelos processos vários de
mensurações corporais, os resultados de seu ensino, (...), [e fazer] o registro dos
benefícios, que provieram dos exercícios, e dos inconvenientes, que determinaram”.
Com efeito, através do curso de gymnastica sugerido, o instrutor responsável teria um
maior controle quanto à organização e registro dos alunos nestas atividades.
83
INSTRUCÇÃO PUBLICA DO ESTADO DO PARANÁ
EDUCAÇÃO PHYSICA
FOLHA INDIVIDUAL SEMESTRAL
De............de..............................a............de..............................de 192.............
Grupo Escolar.....................................................
Nome................................................................................................................
Nascido em.............de....................................................de 19.........................
Matriculado em..............de............................................de 19..........................
Classe......................................................................................... Nº.................
ESCOTISMO
Brigada..............................................................................................................
Columna............................................................................................................
Bandeira............................................................................................................
Pelotão..............................................................................................................
Reconhecimento ou Companhia.......................................................................
Partido ou Grupo..............................................................................................
Patrulha.............................................................................................................
Graduação.....................................Classificação...............................................
Fonte: Relatório do Inspetor Geral do Ensino – Cesar Pietro Martinez –
datado de 1921.
As práticas de medição, observação e classificação dos alunos partiram da
constituição de uma pedagogia científica, ou melhor, de uma pedagogia vista como
ortopedia (CARVALHO, 1997). Neste sentido, de um lado estavam as características
ou o caráter específico do aluno, do outro o tipo ideal que o mesmo deveria se
enquadrar – baseado em normas preestabelecidas “que a ciência contemporânea
colecionava em seu afã de justificar as desigualdades sociais e de explicar o progresso
e o atraso dos povos pela existência de determinações inscritas na natureza dos
homens” (idem, p. 278) – e, entre estas balizas, as possíveis correções provenientes
dos trabalhos realizados nas aulas.
84
Conforme as recomendações de Pietro, antes de preencher a folha individual e
de matricular-se no curso os alunos deveriam se submeter à avaliação médica. Neste
momento as crianças tinham seus corpos minuciosamente examinados e as medidas
obtidas eram comparadas com os números recomendados pelos estudos provenientes
das faculdades de medicina. Assim, as crianças eram classificadas e separadas de
acordo com os resultados alcançados. Surge daí mais um dos objetivos almejados com
as aulas de gymnastica, qual seja: a busca pela maior aproximação possível dos
números correspondentes aos índices considerados positivos de saúde e robustez.
A partir das políticas implementadas por Pietro no que diz respeito à educação
física dos alunos, é possível perceber características muito próprias de uma atividade
que buscava nada mais nada menos do que a seleção, classificação e padronização do
sujeito. Diante destas orientações, nota-se a tentativa idealizada pelos políticos e
dirigentes do ensino em regenerar, homogeneizar e disciplinar a população através da
educação (CARVALHO, 2003). Tais encaminhamentos, assim como os objetivos com
eles almejados, podem ser observados seja por meio da realização de exames médicos,
seja pela realização de exames físicos, ou ainda, pelos próprios conteúdos de ensino
selecionados (ver o conteúdo dos exames p. 88 e 89).
O acompanhamento dos alunos deveria acontecer por meio da avaliação e
registro do desenvolvimento de cada um na realização dos exercícios físicos. Em vista
disso, a própria inspetoria geral do ensino determinou o que deveria ser avaliado pelo
instrutor. De acordo com o exame físico prescrito, os alunos deveriam apresentar de
diferentes maneiras uma série de habilidades como: correr, saltar, trepar e até mesmo
nadar e mergulhar.
Contudo, será que era possível a aplicação de tais exercícios e exames nas
escolas? Onde os alunos iriam correr os 100, 500 e até 2000 metros? Em que tanque
ou piscina eles poderiam nadar e mergulhar? Como pudemos perceber, no Paraná a
inexistência de aparelhos de gymnastica nas escolas, devido à dificuldade por parte do
85
membros e das articulações continuaram sendo ministrados ao longo dos anos
anteriores à chegada de Pietro. O que levaria o inspetor geral do ensino a acreditar na
viabilização destas atividades? Como ele faria para disponibilizar materiais como
cordas, pesos e barras? Como veremos no item a seguir, não encontramos nada disso
no curso de gymnastica organizado pelo tenente Aristóteles Xavier.
EXAME MÉDICO
DATAS
Estatura . . . . . . .
Peso . . . . . . . . .
Constituição . . . . . .
Perimetro Thoraxico
Natural . . . . . . . .
Inspiração . . . . . . .
Expiração . . . . . . .
Ampliação thoraxica. . .
Capacidade vital . . . .
Dentadura . . . . . . .
Exame dos Sentidos
Audição/Ouvido
Direito . . . . . . . .
Esquerdo . . . . . . .
Vista/Olho
Direito . . . . . . . .
Esquerdo . . . . . . .
Tacto. . . . . . . . .
Olfacto. . . . . . . .
Apparelho respiratório . .
Coração . . . . . . .
Numero de pulsações . .
Extremidades
Pés. . . . . . . . . .
Mãos . . . . . . . .
. . .
86
EXAME PHYSICO
DATAS
FORÇA
Em tracção (Kgs) (1). . .
Por impulsão (Kgs) (1). .
Por suspensão (Kgs) (1,2).
CORRIDAS
De 100 metros . . . . .
De 500 metros . . . . .
De 800 metros . . . . .
De 1000 metros. . . . .
De 1500 metros. . . . .
De 2000 metros. . . . .
De 2000 metros. . . . .
(50 passos gymn. e 50
ord., altern.)
SALTOS
Em altura sem impulso. .
Em altura com impulso. .
Em largura sem impulso .
Em largura com impulso .
Arremessar peso de Ks. .
Trepar em uma barra,
corda lisa, partindo da
posição assentado . . . .
Nado livre de 50 metros .
Nado livre de 100 metros .
Mergulhar . . . . . . .
Grupo de instrucção
Freqüência. . . . . . .
Observações
......................................................................................................................................
......................................................................................................................................
......................................................................................................................................
Curityba,..............de......................................de 192.................
O Instructor
.................................................................................
Nota:(1) Com ambos as mãos (2) Halteres de hasta longa (3) Média das duas mãos.
Fonte: Relatório do Inspetor Geral do Ensino – César Pietro Martinez – de 1921.
87
3. A gymnastica sob a responsabilidade de Aristóteles Xavier
Ao responder pela gymnastica, Aristoteles Xavier se baseou no movimento dos
escoteiros para organizar os trabalhos desenvolvidos por ele nas escolas. Segundo as
recomendações do inspetor geral do ensino, “cumpre, ao lado da energia physica,
desenvolver a vontade e neste caso o escotismo, instituição nacional (sic!), [este]
apresenta-se como escola de educação e das melhores” (Relatório encaminhado ao
Governo do Estado do Paraná em 1921, p. 59).
Criado pelo general inglês Robert Stephenson Smyth Baden Powel por volta de
1907, o escotismo era visto como um importante meio de promoção da educação
moral e cívica ao incutir nas crianças o sentimento de amor à Pátria. Atrelado à
políticas de teor nacionalista, suas práticas também contemplavam a educação física
dos alunos juntamente com as preocupações com a saúde destes para quem apostava-
se o futuro do Brasil. O intuito era formar cidadãos que com suas virtudes, astúcia e
educação, não apenas física mas moral e cívica, pudessem contribuir para o
desenvolvimento da nação (NASCIMENTO 2004 e SOUZA 2000).
De acordo com as instruções para a organização de núcleos de escoteiros
adequados ao ensino da gymnastica moderna
19
de autoria de Aristoteles Xavier, os
alunos deveriam ser divididos em diferentes facções. No caso dos meninos, a primeira
seria denominada de patrulha e era composta de sete escoteiros comandados por um
monitor. Em seguida viriam formações como o partido, o reconhecimento e o pelotão.
O primeiro seria composto por duas patrulhas comandadas por um guia. O segundo
por dois partidos sob o comando de um sub-chefe. Já o terceiro compunha-se de dois
reconhecimentos sob o comando de um chefe. Além destes, os últimos escalões
existentes eram denominados de bandeira, coluna e brigada. A primeira era composta
por dois pelotões comandados por um capitão. A segunda por duas bandeiras chefiadas
por um comandante. A brigada, último escalão, deveria ser constituída por duas
19
Apesar de não identificarmos o que Aristóteles Xavier entendia como “gymnastica moderna”,
através dos documentos por nós coligidos acreditamos que ele estava se referindo à prescrição e
aplicação de atividade física racional, ou seja, de acordo com o conhecimento científico, como os
exercícios desenvolvidos por Schreber e diferente da gymnastica acrobática criticada por Domingos
Nascimento.
88
colunas sob o comando de um brigadeiro (Revista “O Ensino”, ano II, n. 3. Curitiba,
outubro de 1923).
No caso das meninas o número de facções era menor. A primeira formação
também denominava-se patrulha e também era composta de sete escoteiras sob o
comando de uma monitora. Em seguida viriam o grupo, a companhia e a brigada. O
primeiro formado por duas patrulhas sob o comando de uma guia. A segunda por dois
grupos comandados por uma sub-chefe. Por último a terceira composta de duas
companhias sob o comando de uma escoteira chefe (Idem, sem número de páginas).
Além da hierarquia estabelecida pelas facções os alunos também deveriam ser
divididos por idade em: menores de oito anos pertenciam ao grupo dos sub-aspirantes
e entre oito e dez anos eram considerados como aspirantes. Segundo Aristóteles
Xavier, “os sub-aspirantes farão sómente gymnastica e os aspirantes deverão
conhecer ainda o Hymno Nacional, as peças do seu fardamento e o Código dos
Escoteiros. Uns e outros não são ainda escoteiros effectivos, podendo, no entanto,
vestir o uniforme” (grifos do original). Além destes também teriam os considerados
noviços, com idade superior a dez anos “que receberão instrucção de accôrdo com o
programma estabelecido pela Associação Brasileira de Escoteiros”.
Inserir a organização dos escote
89
crianças acima de treze anos. De acordo com o instrutor geral, “Tratando-se de classes
mixtas, poderão as creanças de ambos os sexos dos Cyclos Elementar e Médio, fazer
exercicios gymnasticos em conjuncto, porém, as do Cyclo Superior executarão esses
exercicios separadamente, por sexo”. Tais medidas, no entanto, não deveriam ser
vistas de maneira rígida, engessada. Segundo Aristóteles Xavier,
Cumpre-nos referir que a classificação em edades é uma simples indicação, não constituindo
regra absoluta. Ao medico, incessante collaborador do instructor, competirá organizar turmas
homogeneas, mais pela constituição physica do que pela edade physiologica de cada alumno.
Assim, as creanças de uma mesma edade serão classificadas em fortes e fracas. As fortes
serão exercitadas no cyclo correspondente á sua edade, ao passo que as fracas serão incluidas
no cyclo antecedente. Supponhamos uma creança de 11 annos considerada fraca (cyclo
médio). É obvio que, nestas condições, será transferida para o cyclo anterior (cyclo
elementar), até ser considerada forte pelo medico. (Idem, grifos do original).
Sendo assim, não era a idade que predominava para a organização dos alunos
nas aulas e sim o resultado apresentado por estes na realização dos exercícios. Além da
possibilidade de identificar alunos mais fracos que os demais colegas da mesma idade,
uma criança de dez anos, por exemplo, também poderia apresentar melhores resultados
(saltar ou correr mais) do que um aluno mais velho em relação a ela. Classificar as
crianças em fortes e fracas era considerada não só uma prática comum, mas
cientificamente necessária. Ao esquadrinhar as diferenças em relação ao vigor e porte
físico dos alunos os dirigentes do ensino acreditavam que, com isso, chegariam mais
rapidamente à formação de indivíduos que com sua constituição forte e robusta
poderiam defender os interesses da nação brasileira.
Assumidas as devidas posições, para subir de nível – de uma facção à outra – as
crianças deveriam se submeter a exames. Após a aprovação deveriam aguardar um
prazo predeterminado entre um exame e outro. Alguns cargos como o de capitão,
comandante e brigadeiro, só poderiam ser preenchidos por merecimento e capacidade
comprovada. Neste sentido, Aristoteles Xavier destaca a importância e necessidade
“que o director do estabelecimento, com habilidade, se sirva dessas promoções para o
estimulo dos alumnos nos estudos” (Idem). O instrutor salienta ainda que: “enquanto
não se tiver monitores habilitados com os respectivos exames, convirá organizar-se
90
sómente as patrulhas, em caracter provisorio, sob o commando dos alumnos mais
capazes” (Idem).
As instruções recomendadas pelo instrutor geral deveriam nortear os trabalhos
dedicados ao ensino da gymnastica nas escolas de ensino primário em todo o estado do
Paraná. Contudo, algumas alterações devem ser levadas em consideração tendo em
vista a necessidade de encarar a realidade apresentada por cada instituição escolar.
As aulas de gymnastica ministradas por Aristoteles Xavier – segundo suas
anotações registradas em relatório – eram praticadas tanto pelos meninos quanto pelas
meninas. Ao contrário do que previa Pietro Martinez, participaram das atividades
alunos com idade a partir de oito anos. Entretanto, não foram todos os alunos que
freqüentaram tais atividades conforme podemos observar nos quadros 11 e 12.
QUADRO 11
Número de alunos divididos por sexo e idade que freqüentavam as aulas de
gymnastica ofertadas nos grupos escolares da Capital.
1923
GRUPO ESCOLAR ANEXO Á
ESCOLA NORMAL
GRUPO ESCOLAR
19 DE DEZEMBRO
Idade
Sexo
Feminino
Sexo
Masculino
Idade
Sexo
Feminino
Sexo
Masculino
8 annos 10 16 8 annos 25 28
9 annos 8 29 9 annos 26 27
10 annos 5 34 10 annos 22 18
11 annos 2 24 11 annos 29 14
12 annos 6 26 12 annos 18 19
13 annos 2 17 13 annos 7 8
14 annos 1 5 14 annos 11 3
TOTAL 34 151
TOTAL 154 143
Monitores(as) 4 19 Monitores(as) Manhã 2
Tarde 18
Manhã 7
Tarde 12
GRUPO ESCOLAR CONSELHEIRO
ZACHARIAS
GRUPO ESCOLAR
CRUZ MACHADO
Idade
Sexo
Feminino
Sexo
Masculino
Idade
Sexo
Feminino
Sexo
Masculino
8 annos 25 13 8 annos 11 19
9 annos 9 12 9 annos 14 14
10 annos 24 16 10 annos 21 9
11 annos 14 12 11 annos 4 5
12 annos 7 5 12 annos 10 4
13 annos - 5 13 annos 3
91
Monitores(as) 10 8 Monitores(as) 8 7
GRUPO ESCOLAR
PROFESSOR BRANDÃO
GRUPO ESCOLAR
OLIVEIRA BELLO E CARVALHO
Idade
Sexo
Feminino
Sexo
Masculino
Idade
Sexo
Feminino
Sexo
Masculino
8 annos 16 20 8 annos 2 23
9 annos 13 15 9 annos 24 12
10 annos 4 11 10 annos 20 23
11 annos 8 16 11 annos 21 13
12 annos 6 9 12 annos 11 10
13 annos 1 2 13 annos 9 7
14 annos - 4 14 annos 4 -
15 annos - 1 15 annos 1 -
TOTAL 48 78
TOTAL 92 88
Monitores(as) 6 10 Monitores(as) 12 11
GRUPO ESCOLAR
TIRADENTES
GRUPO ESCOLAR
DR. XAVIER DA SILVA
Idade
Sexo
Feminino
Sexo
Masculino
Idade
Sexo
Feminino
Sexo
Masculino
8 annos 24 5 8 annos 40 não consta
9 annos 33 5 9 annos 53 não consta
10 annos 23 4 10 annos 72 não consta
11 annos 25 1 11 annos 47 não consta
12 annos 30 1 12 annos 45 não consta
13 annos 17 - 13 annos 21 não consta
14 annos 6 - 14 annos 3 não consta
15 annos - - 15 annos 2 não consta
TOTAL 158 16
TOTAL 283 221
Monitores(as) 20 2 Monitores(as) 35 28
GRUPO ESCOLAR
PROFESSOR CLETO
GRUPO ESCOLAR
RIO BRANCO
Idade
Sexo
Feminino
Sexo
Masculino
Idade
Sexo
Feminino
Sexo
Masculino
8 annos 7 15 8 annos o consta não consta
9 annos 18 12 9 annos o consta não consta
10 annos 12 12 10 annos o consta não consta
11 annos 8 3 11 annos o consta não consta
92
QUADRO 12
Resumo do efetivo de alunos divididos por sexo que freqüentavam as aulas de
gymnastica ofertadas nos grupos escolares da Capital.
1923
GRUPOS
Sexo
Feminino
Sexo
Masculino
TOTAL
Número de Alunos
Matriculados
*
Annexo á Escola Normal 41 151 192 307
Conselheiro Zacharias 79 63 142 275
Cruz Machado 63 54 117 231
19 de Dezembro 154 143 297 442
Professor Brandão 48 78 126 302
Professor Cleto 51 51 102 229
Oliveira Bello e Carvalho 92 88 180 403
Rio Branco 102 107 209 467
Tiradentes 158 16 174 338
Dr. Xavier da Silva 283 221 504 766
TOTAL 1.071 972 2.043 3.760
(*) Números relacionados de acordo com o relatório do serviço de estatística de 1923 referente
ao ano de 1922 anexo ao relatório do Inspetor Geral do Ensino – Cesar Pietro Martinez.
Fonte: Relatório de autoria do Tenente Aristoteles Xavier – Instructor Geral de Gymnastica –
assinado em 3 de julho de 1923 e anexado ao relatório de Cesar Pietro Martinez .
As aulas de gymnastica dos grupos escolares de Curitiba a cargo de Aristóteles
Xavier acarretaram uma mudança no horário inicialmente previsto por Pietro Martinez
para o ensino desta disciplina. A necessidade de visitar os onze grupos escolares
distribuídos em toda a capital fez com que o instrutor ministrasse algumas de suas
aulas fora do horário regular (conforme veremos mais adiante). A partir dos números
acima apresentados nota-se uma queda acentuada entre os alunos matriculados nos
grupos escolares de Curitiba e aqueles que freqüentavam as aulas de gymnastica. Os
dados computados e acima relacionados nos fazem questionar até que ponto estas
aulas, sob a responsabilidade de um instrutor específico, foram bem vistas pelos
alunos. Como justificar a ausência nestas atividades de quase a metade dos estudantes
matriculados nos diferentes grupos? Não temos como precisar quais foram os
verdadeiros motivos desta discrepância entre os dados. Porém, é preciso salientar as
possíveis desistências – não só dos exercícios físicos – por parte de alguns alunos ao
longo do ano, ocasionando, desta maneira, uma queda no número de freqüência em
relação ao número de matrícula. Nota-se também que a inexistência de alunos com
idade inferior a oito anos na realização destas atividades era outro fator que
93
contribuiria para aumentar a diferença entre os alunos matriculados nos grupos e
aqueles que realmente praticavam os exercícios gymnasticos.
Seguindo suas próprias recomendações, para auxiliar na prescrição dos
exercícios Aristóteles Xavier contou com o auxílio dos alunos destacando os mais
capazes e nomeando-os monitores. A distinção na realização das atividades dava a
oportunidade de fazer parte do grupo dos mais aptos e que, por isso, teriam condições
de por meio do exemplo auxiliar o instrutor na exposição dos exercícios. Esta ascensão
se dava por meio da graduação nos diferentes níveis de liderança tais como: monitor
de patrulha, monitor de classe e monitor chefe. Ao monitor de patrulha ficaria a
responsabilidade de cuidar de um conjunto de sete alunos. Em cada classe era eleito
um monitor de classe e em cada grupo escolar um monitor chefe. Assim como a
classificação dos alunos, na organização dos trabalhos as hierarquias também
deveriam ser respeitadas. Trata-se de procedimentos baseados, sobretudo, na
meritocracia. Segundo Aristóteles Xavier, “tal organisação, inspirada nas
organizações escotistas, deu os melhores resultados, tanto mais que estabeleci
distinctivos para os graduados” (Relatório de autoria do Tenente Aristoteles Xavier –
Instructor Geral de Gymnastica – assinado em 3 de julho de 1923 e anexado ao
relatório de Cesar Pietro Martinez, p. 73).
No que diz respeito à classificação dos alunos, encontramos registros da divisão
destes em três classes distintas formadas de acordo com o grau de adiantamento de
cada um. Esta classificação se deu a partir da realização de exames cuja nota era o
determinante para a distribuição dos mesmos. Os valores das notas eram os mesmos
adotados nos grupos escolares, ou seja: 0 – péssima, 1 – má, 2 – sofrível, 3 – regular, 4
– boa, 5 – ótima. Desta maneira, os alunos que passavam nos exames de gymnastica
com nota máxima faziam parte da primeira classe, os que atingiam resultados entre
quatro e cinco pontos formavam a segunda classe, e os que ficavam com a média
inferior a quatro constituíam a terceira classe (Idem, p. 73). De acordo com Aristoteles
Xavier,
94
Na 1ª quinzena de junho de 1922 fiz um concurso geral individual entre os alumnos dos
Grupos para tirar a média de cada um delles e assim certificar-me do seu grau de
adiantamento. Organisei, então, o seguinte programma, para os exames individuaes:
a) Posição inicial e de descanço;
b) Voltas;
c) Marchas;
d) Séries de Gymnastica (4 séries).
Os monitores deviam apresentar as notas contendo os nomes dos examinados e dar as vozes
de commando.
Vozes: Descançar! Sentido! Oitava á direita-volver! Oitava á esquerda-volver! Esquerda-
volver! Direita-volver! Meia volta-volver! Marcar passo! Alto! Ordinario-marche! Alto!
Tomar duplos instervallos á esquerda ou á direita-marche! 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, série de gymnastica!
Começar! Retomar os intervallos-marche! (O alumno deverá saber trocar passo e alinhar-se).
Baixei as seguintes instrucções para a bôa regularidade dos exames:
a) Os que faltarem aos concursos sem causa justificada, tirarão a nota 0 (zero).
b) Somente poderão tomar parte nos exercícios collectivos os monitores e os alumnos de 1ª e
2ª classes.
c) Os alumnos de 3ª classe (aprendizes), soffrerão nova instrucção desde o inicio, incluzive
os que faltarem.
Durante a realização do exame, o aluno deveria demonstrar o domínio dos
movimentos mais requisitados associados ao conhecimento dos principais comandos
para a realização dos exercícios e das séries. Sendo estas de maior complexidade uma
vez que envolvia o deslocamento – que nos exercícios de gymnastica de conjunto
deveria ocorrer de maneira sincrônica demonstrando o entrosamento entre os alunos –
por meio das marchas, voltas e combinação das diferentes posições.
Para o sucesso das atividades não era apenas o comprometimento ou o interesse
dos alunos que eram avaliados. Lembre-se que, não neste caso, mas no exame físico
mencionado anteriormente (p. 89), estes deveriam realizar uma série de exercícios
extenuantes. Nota-se com isso muito mais a idéia de atingir resultados do que a
valorização da participação dos alunos propriamente dita. No entanto, analisando o
quadro contendo o número de alunos examinados por Aristóteles Xavier juntamente
com as médias de cada grupo escolar percebemos que, em alguns casos, muitas
crianças não compareceram ao exame. Fato este que aconteceu de maneira mais
expressiva no grupo escolar Cruz Machado onde das 117 crianças que freqüentavam as
aulas de gymnastica somente 18 fizeram o exame.
95
QUADRO 13
Médias dos exames individuais aplicados aos alunos que freqüentavam as aulas
de gymnastica ofertadas nos grupos escolares da Capital.
1923
GRUPOS N. Alunos Média
Annexo á Escola Normal 116 4,3
Conselheiro Zacharias 61 4,4
Cruz Machado 18 3,1
19 de Dezembro 91 3,5
Professor Brandão 58 4
Professor Cleto 40 3,4
Oliveira Bello e Carvalho 78 3,6
Rio Branco 72 4,8
Tiradentes 101 4,5
Dr. Xavier da Silva 273 4,4
Fonte: Relatório de autoria do Tenente Aristoteles Xavier – Instructor
Geral de Gymnastica – assinado em 3 de julho de 1923 e anexado ao
relatório de César Pietro Martinez – Inspetor Geral do Ensino.
Como pudemos observar, a realização do exame era muito importante para a
continuidade do trabalho. Para transmitir aos alunos esta importância e no intuito de
evitar a ausência dos mesmos Aristóteles Xavier relacionou uma série de medidas
como, por exemplo, aceitar somente os alunos com bom desempenho na participação
dos exercícios coletivos e zerar a nota daqueles que não comparecessem. Além destas,
após o exame o instrutor resolveu adotar mais uma. Segundo ele, “não obstante tantas
medidas tendentes a evitar abusos, tornou-se necessario que varios directores viessem
em meu auxilio e levassem em conta no boletim mensal as notas obtidas nas aulas de
gymnastica” (p. 79). Os abusos aos quais o instrutor se referia era justamente a
aparente falta de comprometimento dos alunos. Neste sentido, destaca-se o uso da nota
como meio de punição. Estamos nos referindo à transição dos métodos de
admoestação que deixa de lado o uso dos castigos corporais e passa a adotar os exames
dos alunos. Conforme nos mostra FOUCAULT (1999, p. 154), o exame “é um
controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir.
Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles são diferenciados
e sancionados”.
Ao relatar sua experiência, Aristóteles Xavier aos poucos revelava os
obstáculos encontrados com o desenvolvimento do trabalho. Trata-se dos embaraços
96
decorrentes das primeiras tentativas de implementação do novo, ou seja, da
necessidade de executar aquilo que nunca foi testado e que por meio do teste vai se
moldando, se aperfeiçoando. Em vista disso, escreveu o instrutor: “encontrei serias
difficuldades no desempenho de minhas funcções, mas, graças ao auxilio que me foi
prestado pela maioria dos Srs. Directores e Professores dos grupos, consegui vencel-as
uma á uma” (p. 72). Dentre os problemas levantados por ele encontra-se
a má comprehensão de muitos paes, alguns dos quais chegaram a retirar os filhos dos
estabelecimentos para não fazerem exercicios physicos! Uns diziam não terem seus filhos
para serem soldados (!), outros mandavam-me recados pelos proprios filhos, dizendo-me
estarem elles na escola para aprenderem a fazer contas (sic) e outras parvoíces ... (p. 72).
A reação dos pais reitera a associação das atividades aplicadas por Aristóteles
Xavier à educação de cunho militarista. No entanto, por que eles não queriam que seus
filhos fossem militarizados? Atitudes como estas nos mostram as resistências à
escolarização de determinados conteúdos de ensino. Mesmo assim, o que levaria a má
compreensão por parte destes pais? Neste caso fica difícil fazermos qualquer tipo de
afirmação, entretanto, o trabalho com a documentação referente à instrução pública da
época nos faz pensar em algumas possibilidades. O estilo de vida – a maioria vivia do
trabalho rural, outros eram empregados das primeiras e poucas fábricas existentes na
capital, poucos eram comerciantes – era um fator que impedia os pais de liberarem
seus filhos tendo em vista que as crianças precisavam ajudar no trabalho doméstico ou
até mesmo auxiliá-los a adquirirem o sustento da família. No manuseio das fontes,
percebemos a existência de registros de pais que retiravam seus filhos da escola assim
que os mesmos aprendessem a ler, escrever e contar. Conseqüentemente, a revolta não
seria pelo fato de as aulas de gymnastica, em alguns casos, passarem a acontecer fora
do horário regular em um período no qual as crianças já estariam ocupadas? De acordo
com o programa dos grupos escolares do estado do Paraná publicado em 1921, o
horário das aulas era das 12 horas às 16:30 horas (comparar com o quadro 14). Neste
sentido, tais aulas não seriam bem vindas uma vez que a presença em mais estas
atividades faria com que os pais perdessem a oportunidade de contar com a ajuda dos
filhos.
97
De acordo com Aristóteles Xavier, o horário era mais uma de suas dificuldades.
Para ele, “difficilmente, trabalhando diariamente desde ás 8 horas da manhã até ás
41/2 da tarde, consegui dar uma aula por semana para cada estabelecimento” (p. 72).
Na tentativa de solucionar mais este problema, o instrutor desta vez recorreu à
inspetoria geral do ensino.
Dahi o meu pedido para nomeação dos instructores auxiliares Snr. Tenente Arthur Praxedes
de Miranda, 1º Sargento Manoel Coelho e 2º dito Manoel de Almeida.
Tendo o 1º Sargento Manoel Coelho, seguido quasi nas vésperas da festa para Campo Largo,
afim de preparar o grupo local em gymnastica de conjuncto, foi substituido pelo 2º sargento
João Evangelista.
Todos pertencem á Força Militar do Estado e muito nos auxiliaram, embora não conhecessem
bem os movimentos gymnasticos que foram por mim organizados. Devo, porem, dizer que
consegui um poderoso auxilio dos proprios alumnos, nomeando os mais capazes, monitores
(p. 72 e 73).
Como podemos perceber, a demanda em trabalhar com as crianças os
movimentos gymnasticos era considerável para ficar sob a responsabilidade de um
único instrutor. Em vista disso, Aristóteles Xavier utilizou-se da classificação dos
alunos e da hierarquia militar para receber auxílio dos monitores por ele nomeados.
Tais procedimentos decorrem da influência do escotismo em suas aulas. Por outro
lado, assim como não encontramos nenhum registro em relação aos proventos
decorrentes da nomeação ao cargo de instrutor geral, também não encontramos nada
referente à remuneração proveniente da nomeação de instrutores auxiliares.
Provavelmente tais cargos não eram remunerados pelos cofres públicos.
Apesar das dificuldades em cumprir toda a rotina de trabalho, o novo horário
reservado às aulas de gymnastica contemplava todos os 11 grupos escolares de
Curitiba e mais a Escola Intermediária conforme estava previsto pela inspetoria geral
do ensino. As aulas foram previstas com duas horas de duração sendo uma aula por
semana para cada grupo. A semana estava toda preenchida com três aulas por dia de
segunda a sábado. Não podemos deixar de considerar também o tempo de
deslocamento necessário para que o referido instrutor circulasse entre um grupo e
outro. Mesmo com o horário fechado, Aristóteles Xavier precisou modificá-lo em
virtude de sua nomeação para atuar como instrutor da Guarda Cívica – por meio da
98
Portaria n. 99 de 3 de agosto de 1922, ou seja, 6 meses após ser nomeado instrutor
geral de gymnastica – o que aumentaria ainda mais sua jornada de trabalho devido ao
acúmulo de cargos (Relatório de autoria do Tenente Aristoteles Xavier – instructor
geral de gymnastica – assinado em 3 de julho de 1923 e anexado ao relatório de Cesar
Pietro Martinez
, p. 79)
20
.
QUADRO 14
Horário das aulas de gymnastica dos grupos escolares de Curitiba.
1923
HORÁRIO 8:00 – 10:00 12:00 – 14:00 14:30 – 16:30
SEGUNDA
Oliveira Bello e
Carvalho
Dr. Xavier da Silva (sexo
masculino)
Rio Branco
TERÇA
Cruz Machado Cruz Machado 19 de Dezembro
QUARTA
Anexo à Escola Normal Anexo à Escola Normal Professor Cleto
QUINTA
Oliveira Bello e Carvalho Oliveira Bello e Carvalho Conselheiro Zacharias
SEXTA
Presidente Pedrosa Tiradentes Professor Brandão
SÁBADO
19 de Dezembro
Escola Intermediária
Dr. Xavier da Silva (sexo
feminino)
Fonte: Relatório de autoria do Tenente Aristoteles Xavier – Instructor Geral de Gymnastica –
assinado em 3 de julho de 1923 e anexado ao relatório de César Pietro Martinez – Inspetor Geral do
Ensino.
Apesar de apresentar em relatório o horário das aulas em todos os
estabelecimentos de ensino, não sabemos qual o critério por ele utilizado para a
construção do mesmo. Nota-se a falta de racionalidade na distribuição do tempo das
aulas. Segundo a grade horária cada aula tinha duas horas de duração. Vejam que a
recomendação era não deixar de reservar um período pra a atividade do corpo, assim
como não deixar muito tempo para este mister sob o risco de cansaço excessivo dos
alunos. De fato a carga horária de Aristóteles Xavier estava completamente
preenchida. Não fossem as aulas ministradas de segunda a sábado, o instrutor geral
ainda precisava dar conta dos “exercicios collectivos nos domingos e dias feriados, nas
nossas grandes praças, em horas matutinas” (Relatório de autoria de César Pietro
Martinez – Inspetor Geral do Ensino – referente ao ano de 1921, p. 59).
20
Não encontramos nenhuma informação a respeito de como ficou organizado o novo horário da
gymnastica modificado por Aristóteles Xavier.
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Visando atender as recomendações da inspetoria geral do ensino e, de acordo
com Aristóteles, “afim de [intensificar] a instrucção de gymnastica nos Grupos, em 9
de julho de 1922 iniciei uma série de concursos entre os mesmos, sendo julgadores
uma commissão de sub-inspectores designados por essa inspectoria, conforme
combinamos” (Relatório de autoria do Tenente Aristóteles Xavier – instrutor geral de
gymnastica – assinado em 3 de julho de 1923 e anexado ao relatório de Cesar Pietro
Martinez
, p. 79).
Para isso foram organizados dez concursos ao longo dos meses de julho e
agosto de 1922 com a participação dos grupos escolares de Curitiba. No mês de julho
as atividades aconteceram nas seguintes datas: dia 9 tendo a participação dos grupos
“Zacharias” e “Brandão”, no Passeio Público; dia 14 com a participação dos grupos
“Rio Branco” e “19 de Dezembro”, na praça Ouvidor Pardinho; dia 16 com a
participação conjunta dos grupos “Anexo à Escola Normal” e “Tiradentes” versus “Dr.
Xavier da Silva”, na praça da República; dia 23 com a participação dos grupos
“Oliveira Bello e Carvalho” e “Professor Brandão”, na Praça da República; e no dia 30
com a participação dos grupos “Cruz Machado” e “Professor Cleto” no pátio do Grupo
19 de Dezembro. Já no mês de agosto a ordem de participação e o local de realização
dos concursos foram as seguintes: no dia 6 com a participação dos grupos “Zacharias”,
“Brandão” e “Tiradentes”, no Passeio Público; no dia 13 com a participação dos
grupos “Rio Branco”, “19 de Dezembro” e “Cruz Machado” na praça Theodoro
Bayma; no dia 15 com a participação dos grupos “Oliveira Bello e Carvalho”,
“Professor Cleto” e “Anexo à Escola Normal”, no Passeio Público; e no dia 20 com a
participação dos grupos “Xavier da Silva”, “19 de Dezembro” e “Professor Cleto”, na
Praça Ouvidor Pardinho. No último domingo do mês de agosto, dia 27, foi realizado
um concurso geral no Campo do Internacional F. Club (Relatório de autoria do
Tenente Aristoteles Xavier – Instrutor Geral de Gymnastica – assinado em 3 de julho
de 1923 e anexado ao relatório de Cesar Pietro Martinez
, p. 79 e 80).
Para a realização dos concursos Aristoteles Xavier elaborou toda a
programação (extraída do relatório supracitado) do que deveria ser realizado, bem
como os quesitos que deveriam ser avaliados. Segundo ele,
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estabeleci o seguinte programma para os concursos:
a) Chegada (marcha em desfile, cantando, e voltas);
b) Estender (á 4 formar e tomar duplos intervallos);
c) 6 séries de gymnastica, cantando;
d) Unir (retomar os intervallos e á 2 formar);
e) Retirada (á 1 formar, marcha em desfile, cantando, e voltas).
Notar:
a) passo certo, cadencia, alto, as voltas e o canto;
b) exactidão e uniformidade na manobra;
c) idem, idem nos movimentos, alinhamentos e canto;
d) idem, idem nas manobras;
e) a mesma nota da letra a).
Os movimentos avaliados nos concursos compunham uma apresentação na qual
as crianças precisavam mostrar-se consoantes e coesas. Para isso, deveriam observar
cada movimento para que não houvesse erros. Tanto nas chegadas como nas retiradas
os cuidados estavam direcionados ao passo certo nas marchas em desfiles, assim como
também eram observados o ritmo e o compasso tanto no deslocamento e nas voltas
como no canto que, por sua vez, também deveria ser alto de maneira que todos
pudessem ouvir com clareza. As tomadas e retomadas de posição e intervalos, a
realização das séries de gymnastica, o entoar dos hinos e das canções, tudo deveria
ocorrer na mais perfeita exatidão e uniformidade como se todos se reunissem em um
só corpo.
Com efeito, organizar os alunos para a participação dos exercícios gymnasticos
não era uma tarefa nada fácil. Para a realização dos mesmos era preciso dividir os
alunos de acordo com o grau de desenvolvimento de cada um. Nível este determinado
não pela idade cronológica e sim biológica da criança. Por isso a ajuda dos médicos,
pautada pela necessidade do levantamento dos dados referentes à saúde dos alunos.
Devido à grande quantidade de crianças nas aulas constata-se também a nomeação de
monitores para auxiliar na instrução dos exercícios, bem como na aplicação de exames
realizados periodicamente para mensurar o desenvolvimento alcançado. Soma-se a
tudo isso a importância da repetição para maior assimilação dos movimentos, tendo
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em vista que o erro não era permitido. Enfim, uma grande quantidade de pré-requisitos
necessários para tornar as crianças fortes, robustas e acima de tudo saudáveis.
No que diz respeito à organização do ensino da gymnastica percebemos que
entre um documento e outro, algumas das práticas presentes nos programas de ensino
publicados no início do século passado permanecem até os dias de hoje como
conteúdos concernentes à Educação Física escolar.
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CONCLUSÃO
Ao longo do século XIX médicos como Schreber dedicaram-se ao estudo da
gymnastica como possibilidade de promover a educação física das pessoas. No caso
dos trabalhos desenvolvidos pelo ortopedista alemão, este publicou métodos próprios
de como praticá-la e ensiná-la para as crianças. Na mesma direção, no início do século
XX, militares como Domingos Nascimento também se debruçaram na tentativa de
aprimorar não só os métodos utilizados para o ensino dos exercícios gymnasticos,
como os corpos daqueles que os praticavam.
Ao investigarmos a implantação da gymnastica como prática escolar
obrigatória no ensino público primário paranaense, percebemos que este processo
partiu do reconhecimento e adoção das análises, observações e prescrições
desenvolvidas por Schreber. Através das recomendações apresentadas por ele em seu
compêndio, uma série de exercícios dos membros e das articulações foi implementada
nas escolas. Inicialmente esta era ministrada apenas ao sexo masculino, mas, com o
passar dos anos, também foi aplicada para o sexo feminino. Os próprios professores
dos estabelecimentos de ensino ficaram responsáveis pela transmissão de mais este
saber escolarizado. De acordo com os dirigentes da instrução pública, por se tratar de
exercícios aplicados à infância e à mocidade paranaense, os professores não poderiam
deixar de atender às características individuais dos alunos como a idade e a
constituição física de cada um.
Com a influência do escotismo e a partir das práticas implementadas por
Aristóteles Xavier, a gymnastica realizada no início dos anos vinte do século passado
ficou ainda mais militarizada. Naquela ocasião notamos uma preocupação não só com
a saúde e a educação física da nova geração, mas, sobretudo, com a associação desta à
educação moral e cívica. Neste sentido, notamos também a presença de uma prática
voltada para a formação de uma identidade nacional. Os exercícios gymnasticos foram
ministrados dentro das escolas da mesma forma que ocuparam o espaço da cidade.
Do processo de implantação da gymnastica até as inovações apresentadas pela
gestão de Pietro Martinez uma série de conflitos marcaram as prescrições sobre a
103
instrução pública paranaense e, com isso, aquelas referentes à educação física nas
escolas. No que diz respeito à organização dos exercícios gymnasticos, percebemos
que esta também foi objeto de disputa apresentando algumas divergências entre os
políticos paranaenses. No embate das idéias e na proposição das questões existiram:
aqueles que acreditavam que os exercícios deveriam ser ministrados sem o uso de
aparelhos e os que defendiam a aquisição de tais equipamentos; aqueles que
apostavam na realização dos exercícios dentro da sala de aula e os que defendiam a
prática dos mesmos no pátio das escolas; aqueles que acreditavam que tais atividades
deveriam ser de caráter obrigatório e os que achavam que não; aqueles para quem os
exercícios deveriam ser lecionados pelos próprios professores e os que reservaram esta
parte do programa para um instrutor que cuidasse apenas disso. Percebemos, com isso,
a construção social do currículo marcada por um processo de tensão entre diferentes
concepções (GOODSON, 1995). Vale lembrar que no desenrolar destas discussões, o
reconhecimento e a adoção de uma forma de organizar os trabalhos escolares não
significa que as demais não estiveram presentes nas escolas.
A partir das reformas efetuadas na instrução pública primária paranaense
localizamos um processo de afirmação da gymnastica, principalmente em decorrência
da implantação do ensino seriado. Além do tempo, espaço, conteúdos, métodos e
objetivos que foram considerados ao longo das reformas anteriores, com a
implementação do ensino seriado e com o advento dos grupos escolares esta passou a
contar com um instrutor exclusivo. A possibilidade de reunir os alunos de diferentes
séries para que juntos pudessem realizar os exercícios gymnasticos só foi possível com
este tipo de organização do ensino primário. A nomeação de um instrutor responsável
apenas por estes conteúdos, e não mais a aplicação dos mesmos pelos próprios
professores em algumas escolas, manifestou indícios de um “paulatino forjar da
necessidade de formação específica” (PAIVA 2003).
Na medida em que novos regimentos e regulamentos foram construídos novas
formas de organizar o ensino da gymnastica foram pensadas. Entre um documento e
outro, os programas foram preenchidos seja por meio dos exercícios físicos
moderados, seja a partir dos jogos gymnasticos, ou ainda através da realização de
104
ambos juntamente com as marchas, formaturas, evoluções, corridas, entre outros. No
entanto, os conteúdos que permaneceram no decorrer de todo o período por nós
investigado foram os exercícios dos membros e das articulações conforme os
desenvolvidos por Schreber.
Com a inserção destas atividades no ensino público primário, notamos a
pretensão de alguns políticos paranaenses – como foi o caso de Carlos de Carvalho por
exemplo – de melhorar a educação física das crianças que freqüentavam as escolas. A
partir da realização dos exercícios físicos e de gymnastica acreditava-se na
possibilidade de estabelecer o equilíbrio entre as capacidades tanto físicas quanto
intelectuais. Neste sentido, com a prescrição de mais este saber juntamente com os
intervalos de recreio, pretendia-se combater a fadiga intelectual ou estafa mental
(surmenagem) dos alunos. Além de promover e preservar a saúde por meio do
desenvolvimento físico daqueles que a praticavam, os dirigentes do ensino também
procuraram incutir nos mesmos o hábito de manter em constante desenvolvimento a
atividade do corpo para que, com isso, pudessem ter um corpo forte e saudável. Com
efeito, medidas como estas corresponderam à crença na educação física como base
fundamental do processo de formação das novas gerações.
Na tessitura da escrita da história da gymnastica muitas questões suscitam
investigação e análise. Mapear o processo de inserção e organização desta no ensino
público primário ofertado nas diferentes regiões do nosso país é determinante para um
melhor entendimento da educação física no Brasil. Para isso, acompanhar a publicação
e a adoção de compêndios relacionados à prática e ao ensino destas atividades nas
escolas é uma operação que não pode ser desconsiderada. Mesmo não se tratando de
uma história do livro didático, a análise deste material como fonte nos auxilia no
entendimento de como a gymnastica foi pensada por aqueles que resolveram escrever
sobre este assunto. Como vimos, a história do livro didático apresenta uma interação
importante com a história das disciplinas escolares (BITTENCOURT, 1993).
No desenvolvimento desta pesquisa percebemos um grande interesse por parte
do estado na formação do cidadão – o cidadão do futuro – por meio do processo de
escolarização de massa. Formação esta que passava em grande medida pela
105
intervenção no corpo daqueles que ocuparam os bancos, carteiras e espaços escolares.
Daí a inserção dos exercícios gymnasticos nos programas do ensino primário.
Contudo, é importante atentarmos para a função social, ou para as diferentes funções
sociais almejadas com o ensino destes conteúdos, assim como para o interesse de
políticos e intelectuais brasileiros de promover o desenvolvimento e afirmação da
nação via instituição escolar. Neste sentido, além dos relatórios da instrução pública,
da legislação e dos documentos que regulamentaram a organização dos trabalhos
pedagógicos, também é importante mapearmos possíveis debates parlamentares a
respeito da contribuição da educação física e da gymnastica para o sucesso de mais
esta empreitada. Trata-se de possibilidades investigativas para a construção de uma
outra história.
106
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Carlos de Carvalho, em 16/06/1883. Acervo: Departamento Estadual de
Arquivo Público (DEAP/PR), Coleção Correspondências do Governo, v. 21,
AP 700, p. 106.
MASCARENHAS, Pedro Saturino d’Oliveira. Ofício encaminhado ao Diretor Geral
da Instrução Pública, Moyses Marcondes, em 06/08/1882. Acervo:
Departamento Estadual de Arquivo Público (DEAP/PR), Coleção
Correspondências do Governo, v. 19, AP 665, p. 193.
MORAES, José Gonçalves de. Ofício encaminhado ao Diretor Geral da Instrução
Pública, José Joaquim Franco Valle, em 17/07/1882. Acervo: Departamento
Estadual de Arquivo Público (DEAP/PR), Coleção Correspondências do
Governo, v. 15, AP 661, p. 56.
_____. Ofício encaminhado à Diretoria Geral da Instrução Publica em 24/07/1882.
Acervo: Departamento Estadual de Arquivo Público (DEAP/PR), Coleção
Correspondências do Governo, v. 25, AP 671, p. 199.
_____. Ofício encaminhado à Diretoria Geral da Instrução Publica em 27/07/1882.
Acervo: Departamento Estadual de Arquivo Público (DEAP/PR), Coleção
Correspondências do Governo, v. 25, AP 671, p. 202.
MOURA, Euclides Francisco de. Ofício encaminhado à Diretoria Geral da Instrução
Publica em 26/09/1882. Acervo: Departamento Estadual de Arquivo Público
(DEAP/PR), Coleção Correspondências do Governo, v. 26, AP 672, p. 224.
NASCIMENTO, Domingos. Ofício enviado ao Diretor Geral da Instrução Pública –
Arthur Pedreira de Cerqueira – em agosto de 1905. Acervo: Departamento
114
Estadual de Arquivo Público (DEAP/PR), Coleção Correspondência do
Governo, v. 13, AP 1225, 1905, p. 125.
PIMENTEL, Raphael T. C.; CAMARGO, Joaquim D.; MASCARENHAS, Pedro.
Ofício encaminhado à Diretoria Geral da Instrução Publica em 29/11/1882.
Acervo: Departamento Estadual de Arquivo Público (DEAP/PR), Coleção
Correspondências do Governo, v. 26, AP 672, p. 145.
_____. Ofício encaminhado à Diretoria Geral da Instrução Publica em 30/11/1882.
Acervo: Departamento Estadual de Arquivo Público (DEAP/PR), Coleção
Correspondências do Governo, v. 26, AP 672, p. 121.
ROSA, Francisco Tavares da. Ofício encaminhado ao Inspetor Escolar de Antonina.
Acervo: Departamento Estadual de Arquivo Público (DEAP/PR), Coleção
Correspondência do Governo, v. 8, AP 1246, 1906, p. 73 e 74.
SILVINO, Cassiano N. Ofício encaminhado à Diretoria Geral da Instrução Publica em
19/07/1882. Acervo: Departamento Estadual de Arquivo Público (DEAP/PR),
Coleção Correspondências do Governo, v. 14, AP 660, p. 155.
VALLE, José Joaquim Franco. Ofício encaminhado ao Inspetor das escolas de Ponta
Grossa, Tristão Cardoso de Menezes, em 11/07/1882. Acervo: Departamento
Estadual de Arquivo Público (DEAP/PR), Coleção Correspondências do
Governo, v. 15, AP 661, p. 59 e 60.
Termos de Visita
MOURA, Euclides Francisco de. Termo de visita encaminhado à Diretoria Geral da
Instrução Publica em 21/07/1882. Acervo: Departamento Estadual de Arquivo
Público (DEAP/PR), Coleção Correspondências do Governo, v. 15, AP 662, p.
22.
_____. Termo de visita encaminhado à Diretoria Geral da Instrução Publica em
30/08/1882. Acervo: Departamento Estadual de Arquivo Público (DEAP/PR),
Coleção Correspondências do Governo, v. 15, AP 661, p. 18.
_____. Termo de visita encaminhado à Diretoria Geral da Instrução Publica em
31/08/1882. Acervo: Departamento Estadual de Arquivo Público (DEAP/PR),
Coleção Correspondências do Governo, v. 15, AP 661, p. 15.
115
Compêndios de Gymnastica
NASCIMENTO, Domingos. Homem Forte – gymnastica domestica – natação –
esgrima – tiro ao alvo. Curitiba: Impressora Paranaense, 1905.
SCHREBER, Daniel Gottlieb Moritz. Gymnastica doméstica, médica e higiênica ou
representação e descrição de movimentos gymnasticos que não exigem
aparelho algum nem auxílio estranho e podem ser executados em qualquer
ocasião e lugar para uso dos dois sexos e para todas as idades acompanhada
com aplicações a dife4afecicaç. Lida i
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