A MÚSICA DA BANDA PELOS DE CACHORRO
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preto nos lábios e nas unhas também esmalte preto. Pergunto ao Robert se no
passado se considerava gótico, e se havia outros jovens góticos no Aglomerado. Ele
demonstra um certo constrangimento em admitir o breve “namoro” que manteve com
essa tribo
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, evita aprofundar no assunto dizendo apenas que na verdade o seu
interesse real era pelo movimento pós-punk, que tinha a ver com o gótico. Diz nunca
ter mantido contacto mais próximo com pessoas pertencentes a essa tribo e
tampouco teve notícias da existência de “góticos” moradores do Aglomerado da
Serra. Sobre o pós-punk esclarece que surgiu do desgaste de temáticas muito
“politizadas” apresentadas nas bandas ligadas ao movimento punk
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, e da
necessidade que as pessoas tiveram de falar de sentimento em suas músicas. As
bandas desse período se formavam com gente “que não sabia tocar direito”,
abordando uma temática inteiramente diferente do punk rock, “que era muito
panfletário”. “Eram coisas que me contemplavam, o que eu queria dizer estava ali”.
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Desde o início meu interesse maior era por escrever as letras das
músicas. Gostava de falar de sentimentos; raiva, amor, das relações
humanas, de como são difíceis essas relações.”(...) “gosto de construir
imagens, usar de fragmentos, tudo recortado. Tem muitas músicas
1
Rótulo muito utilizado a partir dos anos 1980 para designar agrupamentos de jovens em torno de um
estilo musical nos contextos urbanos. Para Brandini (2004), as tribos urbanas estabelecem-se através
de uma noção de ética comunitária descentralizada e fundamentada no âmbito emocional, no lazer e
no prazer de compartilhar os mesmos valores por meio de rituais, de produzir identidade própria e
expressá-la na composição estética.
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A data e o local de nascimento do movimento punk são discutíveis. Ou a cena de Nova York do final
dos anos 60/início dos anos 70 ou os punks ingleses de 1975-76 podem receber as honras.(...) a
formação genuína e a política específica do movimento só se deram no final dos anos 70. O punk na
Grã-Bretanha era essencialmente um movimento composto de jovens brancos da classe operária
desprivilegiada. Muitos deles sentiram fundo sua situação social e usaram o meio punk para
manifestar sua insatisfação.” (O’Hara, 2005, p.32) A música dos “Sex Pistols”, a banda mais
representativa desse movimento, era uma explosão de ódio e desespero. ‘Encare a vida como a
vemos’ – berravam eles – frustrante, sem sentido e horrível. Berrem a plenos pulmões conosco: ‘não
existe futuro’ (Henry, 1989, apud O’Hara, 2005, p. 31.)
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Segundo Brandini, na década de 80, a relação se efetuava entre “nós, a banda, representantes da
tribo” e “vocês, fãs, por nós representados como comunidade tribal”. Já nos anos 90, essa
proximidade se deu entre a expressão do universo particular do artista e o fã como indivíduo.
Começam a compor de forma mais poética e individualista, usando a primeira pessoa. (Brandini,
2004, p. 25)