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LUIZ ANTÔNIO ALVES TORRANO
PRESCRIÇÃO E DECANCIA NAS RELAÇÕES
OBRIGACIONAIS PRIVADAS
FRANCA
2007
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LUIZ ANTÔNIO ALVES TORRANO
PRESCRIÇÃO E DECANCIA NAS RELAÇÕES
OBRIGACIONAIS PRIVADAS
Dissertação apresentada à Faculdade de Hisria,
Direito e Serviço Social da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para a
obteão do tulo de Mestre em Direito. Área de
Concentração: Direito Obrigacional Público e
Privado.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Antônio Soares Hentz
FRANCA
2007
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Torrano, Luiz Antônio Alves
Prescrição e decadência nas relações obrigacionais priva-
das / Luiz Antônio Alves Torrano. –Franca : UNESP, 2007
Dissertação – Mestrado – Direito – Faculdade de História,
Direito e Serviço Social – UNESP.
1. Direito civil – Prescrição e decadência. 2. Processo civil –
Brasil.
CDD – 342.11433
LUIZ ANTÔNIO ALVES TORRANO
PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NAS RELAÇÕES
OBRIGACIONAIS PRIVADAS
Dissertação apresentada à Faculdade de História, Direito e Serviço Social da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para a obtenção do
título de Mestre em Direito. Área de Concentração: Direito Obrigacional Público e
Privado.
COMISSÃO EXAMINADORA
Presidente:____________________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Antônio Soares Hentz
1º Examinador:________________________________________________________
2º Examinador:________________________________________________________
Franca, _______de ______________de 2007
À Else,
minha esposa;
À Maria Aparecida,
minha mãe.
AGRADECIMENTOS
Em especial, ao meu orientador, Professor
Doutor Luiz Antônio Soares Hentz, pela
amizade e ensinamentos com que sempre me
distinguiu.
Ao Professor Doutor José Guilherme Braga
Teixeira, pelo apoio e companhia.
Ainda, a Cássia Luzia Di Fiore Rela Siqueira,
Solange Barbosa do Vale Camargo e Antônio
Sérgio Albergaria Pereira, sem quem a redação
deste trabalho me teria sido muito mais árdua.
Enfim, a todos aqueles que, de um modo ou de
outro, me deram estímulo para realização desta
monografia.
RESUMO
A presente monografia tem por escopo principal fixar, à luz das leis civil e processual
civil pertinentes, critérios para se poder distinguir a prescrição da decadência. Dessa
distinção de se extrair o conceito de ambos os institutos, fixar-lhes o objeto e
delimitar os seus fundamentos. Não obstante posições contrárias existentes na doutrina
clássica, é inegável a pertinência desse objetivo, o que implica a sua atualidade. Essa
pertinência, por sua vez, deriva da necessidade hodierna de se reconhecerem esses dois
institutos, que possuem eles tratamento extremamente diverso na legislação pátria.
Note-se na prática, pois, a dificuldade em identificar os prazos decadenciais e os
prescricionais. Muitas das vezes, sabe-se dizer as conseqüências daqueles e destes.
Regra geral, não se conhece, contudo, o motivo pelo qual alguns têm uma classificação
e outros, classificação distinta. E esse conhecimento é de vital importância, dado o
referido tratamento diferenciado. Para atingir o objetivo proposto, com relação a
ambos os institutos, serão, de início, apresentados, em capítulos independentes, o
histórico da prescrição e decadência, o desenvolvimento da doutrina em solo pátrio e a
sua atual perspectiva. Fixar-se-lhes-ão, na seqüência, o conceito, os elementos
constitutivos, o objeto, bem como o fundamento jurídico. Após, serão analisadas, de
forma genérica, as causas preclusivas, delimitando-lhes os lindes para, depois, se
estudarem detalhadamente as causas impeditivas e suspensivas, bem como as
interruptivas. A interrupção dos prazos extintivos terá, ainda, atenção especial em dois
capítulos. No primeiro deles, tratar-se-á da interrupção da prescrição e decadência
havendo mais de um sujeito, ativo ou passivo, no direito do qual deriva a pretensão
prescribente. No segundo, discorrer-se-á acerca da legitimidade para se promover a
interrupção. Também, serão examinadas as várias hipóteses em que se pode renunciar
à prescrição consumada, assim como aquelas em que, contra o assistente, o
relativamente incapaz e, contra o representante legal, as pessoas jurídicas terão ação
regressiva para ressarcirem-se de prejuízos advindos do fato de aqueles terem dado
causa à prescrição ou de, diante do não conhecimento de oficio pelo juiz, não na
haverem alegado em tempo oportuno. Por fim, voltar-separa o direito intertemporal
com relevante destaque para a data da vigência do novo Código Civil, alteração de
prazos e retroatividade ou o da lei que os disciplina, com análise e conclusão sobre
cada um desses tópicos. É certo que esses estudos estarão embasados na doutrina
pátria a respeito da matéria. Suas posições serão analisadas e, se caso, apresentadas
outras que melhor atendam os fenômenos jurídicos em comento.
Palavras-chave: direito civil – prescrição e decadência, prescrição da decadência,
processo civil - Brasil
RIASSUNTO
La presente monografia ha come scopo principale fissare, alla luce delle leggi civile e
processuale civile pertinenti, i criteri affinché si possa distinguere la prescrizione dalla
decadenza. Da questa distinzione si trarrà il concetto di entrambi gli istituti, si fisserà il
loro oggetto e si delimiterà i loro fondamenti. Nonostante le posizioni contrarie
esistenti nella dottrina classica, è innegabile la pertinenza di questo obiettivo, il che
comporta la sua attualità. Questa pertinenza, a sua volta, deriva dalla necessità odierna
di riconoscere questi due istituti, in quanto possiedono trattamento estremamente
diverso nella legislazione nazionale. Si noti nella pratica, dunque, la difficoltà di
individuare i termini decadenziali e quelli prescrizionali. Molte volte, si sa dire le
conseguenze di quelli e di questi. In linea di massima, tuttavia, non si riconosce il
motivo per cui alcuni hanno una classificazione e altri, una classificazione distinta.
Questa conoscenza è di vitale importanza, dato il suddetto trattamento differenziato.
Col fine di raggiungere l’obiettivo proposto nei confronti di entrambi gli istituti,
saranno per prima presentati, in capitoli independenti, la storia della prescrizione e
decadenza, lo sviluppo della dottrina nel paese e la sua attuale prospettiva. Verranno
fissati, di seguito, il loro concetto, i loro elementi costitutivi, il loro oggetto, nonché il
loro fondamento giuridico. Dopo saranno analizzate, in modo generico, le cause
preclusive, delimitando i loro confini per poi studiare dettagliatamente le cause
impeditive e sospensive, nonché quelle che causano l’interruzione. Si farà pure
attenzione speciale all’interruzione dei termini estintivi in due capitoli. Nel primo di
essi, si tratterà dell’interruzione della prescrizione e decadenza essendoci più di un
soggetto, attivo o passivo, nel diritto da cui deriva la pretesa prescrivente. Nel
secondo, si discuterà sulla legittimità per promuovere l’interruzione. Verranno anche
esaminate le varie ipotesi in cui si può rinunciare alla prescrizione già consumata, così
come quelle in cui, contro l’assistente, il relativamente incapace e contro il
rappresentante legale, le persone giuridiche avranno azione di regresso per venire
risarcite dai danni avvenuti dal fatto di che quelli hanno dato causa alla prescrizione o
di, davanti alla non conoscenza d’ufficio dal giudice, di che non l’hanno avanzata in
tempo opportuno. In ultimo, si affronterà il diritto intertemporale con considerevole
rilievo verso la data della vigenza del nuovo Codice Civile, alterazione di termini e
retroattività o meno della legge che disciplina i termini, con analisi e conclusione su
ciascuno di questi argomenti. Questi studi saranno fondati sulla dottrina nazionale
riguardo la materia. Le loro posizioni saranno analizzate e, se sal52470.063333093(i)0.0633321(z)-0.698915(i)0.02.7883(n)-0.28722470.0633330930046(i)0.0620-9.78933(o)-0.287256(n)-0.287256(d)-0.287256(a)-0.698915(t)0.0633321C -15 Td[(r)-0.524752(i)o22011(a)-0.70005 u
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................9
CAPÍTULO 1
NOÇÕES HISTÓRICAS............................................................................................14
CAPÍTULO 2
DESENVOLVIMENTO DA DOUTRINA NO BRASIL.........................................27
CAPÍTULO 3
PERSPECTIVA ATUAL DA DOUTRINA ..............................................................43
CAPÍTULO 4
CAUSAS PRECLUSIVAS..........................................................................................50
CAPÍTULO 5
CAUSAS IMPEDITIVAS E SUSPENSIVAS...........................................................57
CAPÍTULO 6
CAUSAS INTERRUPTIVAS.....................................................................................71
CAPÍTULO 7
INTERRUPÇÃO E PLURALIDADE DE SUJEITO E AÇÃO..............................89
CAPÍTULO 8
LEGITIMIDADE PARA PROMOVER A INTERRUPÇÃO...............................110
CAPÍTULO 9
RENÚNCIA................................................................................................................115
CAPÍTULO 10
AÇÃO REGRESSIVA ..............................................................................................123
CAPÍTULO 11
DIREITO INTERTEMPORAL...............................................................................127
CONCLUSÃO............................................................................................................143
REFERÊNCIAS ........................................................................................................149
INTRODUÇÃO
Conquanto no passado se tenha, por inúmeras vezes, asseverado
serem irrelevantes os estudos acerca da distinção entre prescrição e decadência
1
, deve-
se ter por falsa tal assertiva. Esse equívoco permanece mesmo diante da
imperatividade
2
da norma contida no art. 219, § 5º do Código de Processo Civil (CPC),
com a redação que lhe foi dada pela novel Lei 11.280/06, segundo o qual “o juiz
pronunciará, de ofício, a prescrição”, o que, antes do advento dessa legislação, era
permitido com relação à decadência
3
e à prescrição, cujo reconhecimento favorecesse
absolutamente incapaz.
4
Deveras. Não se pode olvidar, a título de exemplo, que esses dois
institutos jurídicos têm objetos e fundamento jurídico distintos, do que derivam
conseqüências totalmente diversas. Tal fato, por si só, impõe a seu respeito um exame
mais acurado.
No tocante à prescrição, diz-se, pois, que ela tem por objeto a
pretensão e não o direito, embora esse também sofra, por via oblíqua, os seus
resultados, que, extinta a pretensão, o direito, na maioria das vezes, se torna
inoperante. Veja, nesse particular, que, prescrita a pretensão relativa à cobrança de um
dado crédito, rectius, direito ao crédito, não poderá mais ele ser judicialmente exigido.
Isso não significa, contudo, que o crédito tenha sido extinto. Apenas a pretensão,
repita-se, o foi. O crédito, não obstante sem pretensão que possa ser deduzida em ação
cujo objeto seja defendê-lo, pelo que inoperante, continua hígido. Afinal, na espécie,
mesmo diante da prescrição consumada, pode, exemplificando, ocorrer o cumprimento
espontâneo da obrigação, caso em que se terá efetivo pagamento e não apenas mera
1
MENDONÇA, Manoel Ignácio Carvalho de. Doutrina e prática das obrigações. 2. ed. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1940.
2
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. digo de processo civil comentado e legislação
pertinente. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006a. nota 17 ao art. 219.
3
Vide art. 194 do Código Civil de 2002, hoje revogado pelo art. 219, § do CPC, com a redação que lhe deu a
Lei nº 11.280/06, e art. 166 do Código Civil (CC) de 1916.
4
Vide art. 194 do CC de 2002
liberalidade, com as conseqüências dela advindas
5
, ou dar-se a renúncia à prescrição,
hipótese em que o crédito voltará a ser operante, como se a prescrição não tivesse
ocorrido.
Ainda que na esmagadora maioria das situações, havendo a
prescrição de uma dada pretensão, não tem o credor outra que assegure a defesa do
direito antes socorrido em ação na qual se deduziria a pretensão prescrita, pelo que se
disse inoperante o direito, existem casos em que, prescrita uma pretensão, se poderá ter
outra que buscará o mesmo direito. Essa hipótese demonstra, mais uma vez, que, no
caso de prescrição, o direito por ela assegurado o estará extinto, que
eventualmente será possível persegui-lo por meio de outra ão. Tal ocorre, verbi
gratia, com a execução cambiária correspondente a certo crédito representado por
título de crédito. Se a pretensão resistida prescrita estiver, pelo que descabida é a ação
executiva, caberá, ainda, para se exigir o cumprimento da obrigação, aquela outra
pretensão meramente contestada, que de ser deduzida em ão monitória ou,
mesmo, em ação de procedimento comum de rito ordinário ou sumário.
Ressalte-se que a prescrição não deve ser vista como extinção da
ação. Tal se porque, mesmo tendo consumado a prescrição, a possibilida çlius o, etd
Também, não se olvide que as causas interruptivas, suspensivas e
impeditivas de ambos os institutos são diversas. E, por serem diversas, imprescindível,
por óbvio, é a necessidade de se conhecer a distinção entre prescrição e decadência
para se concluir, diante de uma dada circunstância, pela ocorrência ou não de causa
preclusiva desse ou daquele instituto.
Resta também invocar, a título de argumento para sua importância,
em termos históricos, a legitimidade ativa de sua argüição. Sabe-se, aqui, que
possuíam essa legitimidade, com relação à prescrição, segundo a melhor doutrina
6
, o
titular do direito em via de prescrição, seu representante legal, as pessoas que possam,
direta ou indiretamente, vir a ser prejudicadas pela sua consumação, bem como o
representante do Ministério Público, na defesa de interesses de incapazes. Era
inadmissível o conhecimento judicial ex officio da prescrição. Da decadência legal,
entretanto, não o era.
No que tange à decadência, desde logo, cumpre, por outro lado,
diferenciar aquela estabelecida por lei daquela outra firmada por convenção.
A decadência legal, além de poder ser argüida por aquelas mesmas
pessoas que detêm legitimidade para invocar a prescrição, nos termos do art. 210 do
CC, hoje deve, e já devia no passado, ser conhecida de ofício pelo magistrado.
a decadência convencional de ser alegada atualmente, assim
como também era antes do advento do vigente Código Civil (CC), em qualquer grau
de jurisdição, pela parte a quem ela aproveitar. Nessa espécie de decadência, ainda
hoje, a exemplo do que ocorria com a prescrição, a falta de argüição pelo interessado
não pode ser suprida pelo juiz. Di-lo o art. 211 desse mesmo Código.
Também, a prescrição e a decadência legal são diferentes quanto à
renúncia, que, quanto àquela, desde que consumada, haverá a possibilidade de a ela
renunciar, o que, no entanto, segundo o art. 209 do CC, é descabido na hipótese dessa
decadência.
6
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 32. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. p. 186.
A esta altura, é impossível esquecer que, além da necessidade de o
jurista conhecer o objeto da prescrição e decadência, do que derivam, como dito,
inúmeras conseqüências várias, urge, por outro ângulo, que ele, da mesma forma,
saiba, sendo-lhe apresentado um certo prazo, reconhecê-lo como prescricional ou
decadencial.
Em outras palavras, insta não se conhecerem as conseqüências
dos dois institutos, mas também apontar-lhes sua classificação, se decadencial ou
prescricional, já que é deles que derivam aquelas conseqüências.
Diante disso, neste trabalho são estudados os critérios por que se
possa reconhecer a classificação de qualquer desses prazos. Note-se, pois, que, como
se no seu corpo, não corre prescrição contra os que se acharem servindo na Forças
Armadas, em tempo de guerra (art. 198, III), mas suspensão não da decadência
diante de tal circunstância. Por outro lado, a incapacidade absoluta, no entanto,
suspende tanto a prescrição quanto a decadência.
7
Mais uma vez, demonstrada fica a necessidade de um especial
estudo dos institutos em comento.
É certo que a doutrina isso fez.
8
Cabe, entretanto, analisar essas
teorias apresentadas pelos doutrinadores, adequando-as à nova ordem legal advinda
com o Código Civil de 2002, bem como com o Código de Processo Civil, com a
redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.280/06.
Então, também por esse prisma, ressaltadas estão a pertinência e a
atualidade do estudo que aqui se desenvolverá.
Inúmeros outros argumentos, que serão expostos no corpo desta
monografia, existem ainda em prol daquela necessidade, os quais, entretanto, não
7
Vide arts. 202, I e 208 do CC de 2002.
8
LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decadência. Rio de Janeiro: Forense, 1959 e AMORIM
FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações
imprescritíveis. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 86, n. 744, p. 725-750, out. 1997, por exemplo.
serão aqui arrolados, que, por um lado, esse capítulo é uma mera introdução e, por
outro, de se ter, apenas com aqueles antes invocados, evidenciada a dita
necessidade.
É veraz, ainda, que nesta monografia, além dos objetos dos
institutos em estudo, da legitimidade para invocá-los e dos critérios para diferenciá-
los, se discorrerá sobre o conceito desses dois institutos, seus elementos constitutivos,
seu fundamento jurídico, seus efeitos, suas causas impeditivas, suspensivas e
interruptivas, legitimidade para argüi-los, a possibilidade de renúncia, bem como a
possibilidade de seu reconhecimento ex officio pelo juízo.
Para tanto, será consultada a doutrina pátria acerca da matéria. Suas
conclusões serão analisadas e, se caso, apresentadas outras que melhor atendam os
fenômenos jurídicos em estudo. Ressalte-se, ainda, que essa análise e essas conclusões
serão levadas a efeito à luz das vigentes legislação civil e processual civil.
CAPÍTULO 1
NOÇÕES HISTÓRICAS
Os vocábulos prescrição e decadência, segundo Houaiss
9
,
originam, respectivamente, de praescriptio, onis, cujo significado é a ação de pôr no
frontispício de um texto, de um título, e de decadentia, ae ou, ainda, do verbo cadere,
cujo significado é cair. É provável também que dessas duas palavras decadência tenha
originado por influência do francês decadence, que, por sua vez, na lição do citado
dicionarista, indica o estado de uma construção que se degrada a caminho da ruína.
Câmara Leal, invocando Quicherat, registra que a palavra
prescrição procede do vocábulo latino praescriptio, derivado do verbo praescribere,
formado de prae e scribire, com o significado de escrever antes ou no começo,
enquanto decadência é vocábulo de formação francesa, tendo, porém, como étimo
remoto o verbo latino cadere, que significa cair. Na verdade, sua formação dá-se pelo
prefixo latino de (de cima de), que antecede a forma verbal cado, de cadere, à qual,
por sua vez, se acresce o sufixo ência, do latim entia, que denota ação ou estado.
10
Há de se concluir desses ensinamentos que, literalmente, prescrição
é a ação de escrever antes ou o ato de ter sido escrito anteriormente, e decadência, a
ação de cair ou estado daquilo que caiu.
Ver-se-á, na seqüência, que a etimologia desses vocábulos
efetivamente possui estreita ligação com a origem de ambos os institutos.
Senão vejamos. Dentre as classificações dos períodos da história do
direito romano, a mais aceita, talvez até pelo seu aspecto didático, divide-os em três
fases, a saber: período arcaico, que vai da fundação de Roma em 754 a.C. ao século II
9
HOUAISS, Annio et al. Diciorio Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 917, 2.291.
10
LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decadência. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 3, 99.
a.C., período clássico, que se situa entre o século II a.C. e o século III d.C., e, por fim,
período pós-clássico, que dominou do século III d.C. ao século VI d.C.
11
Naquele primeiro período, que se caracterizou pelo formalismo,
rigidez, solenidade e primitividade, o Estado tinha funções restritas às questões de
sobrevivência de seu povo. Os cidadãos romanos eram considerados mais como
membros de uma grande comunidade familiar do que como indivíduos.
No final desse período arcaico, em meados do século II a.C, editou-
se a Lex Aebutia. Nessa ocasião houve uma verdadeira revolução dos métodos até
então usados. Daí o surgimento de um novo período, rectius, da fase clássica da
evolução do direito romano. Grande parte das mencionadas inovações derivou das
atividades dos magistrados e dos jurisconsultos, que, até essa época, não podiam
fazer a verificação das alegações e delimitar a lide, bem como, após, remeter o
processo a um juiz. A fórmula era composta de quatro partes principais, ou seja,
demonstratio, na qual o pretor enunciava os fatos não contestados da causa, intentio,
em que se indicava a pretensão do autor e a contestação do u, condemnatio, da qual
constava a atribuição conferida ao juiz para condenar ou absolver, segundo o resultado
da verificação levada a efeito pelo pretor, e adjudicatio, na qual concedia ao juiz
autorização para adjudicar à parte vencedora o objeto litigioso.
Ainda, nas ações temporárias, e somente nessas, o pretor,
antecedendo à fórmula, fazia inserir uma parte introdutória, na qual, se extinto
estivesse o prazo para o exercício da ão, determinava ao juiz fosse, em razão dessa
extinção, o réu absolvido.
Essa absolvição derivava, por conseguinte, do fato de o prazo para
o exercício da ação ter decorrido. Lembrando, o pretor, então, escrevia, antes da
fórmula, a absolvição do réu advinda do decurso do prazo. Daí essa parte introdutória
ser denominada de praescriptio, da qual originou o vocábulo prescrição, que hoje,
grosso modo, nada mais é do que, para se usarem os termos antigos, “a absolvição do
devedor pelo decurso do prazo que o credor tinha para exercitar a competente ação na
defesa do seu direito.”
Por óbvio, essa prescrição de que se falou é a extintiva, também
chamada de liberatória.
Conquanto essa prescrição extintiva seja diversa da prescrição
aquisitiva, ambas tiveram origem semelhante.
Antes de se discorrer acerca da origem da prescrição aquisitiva, há,
entretanto, de se ressaltar que, não obstante hoje se entenda ser ela apenas outra
denominação do usucapião
13
, na origem aquela e esse eram, contudo, institutos
distintos.
Feita essa observação preliminar, no tocante à prescrição aquisitiva,
insta consignar que, no fim do século II d.C., em favor dos estrangeiros, denominados
peregrinos
14
, foi criada pelos pretores uma espécie de defesa processual concedida ao
possuidor contra quem, por meio de ação reivindicatória, se exigia a devolução da
coisa por ele possuída. É grega a origem desse instituto.
Tratava-se de uma exceptio que obstava, em ação reivindicatória, a
pretensão do autor, necessariamente estrangeiro, contra o réu, no sentido de ver-se
devolvida a coisa por esse último possuída.
Para tanto, na parte introdutória da fórmula, o pretor concedia ao
possuidor, se presentes justo título e boa-fé, essa exceção obstativa, desde que a posse
tivesse perdurado por dez anos, entre presentes (inter praesentes), ou vinte anos, entre
ausentes (inter absentes).
Por ser lançada na parte introdutória, essa exceção era igualmente
uma praescriptio. Na verdade o nome deste instituto era praescriptio longi temporis.
Mas, se o possuidor não tivesse justo título e boa-fé, a exceção em
estudo era aplicável apenas à posse que tivesse perdurado por quarenta anos. à
época da Constituição Teodosiana
15
, esse prazo foi reduzido a trinta anos. O instituto
aqui era denominado praescriptio longissimi temporis.
Em ambos os casos, conquanto a posse do possuidor fosse
defendida pela praescriptio, não obtinha ele por esse meio o título de propriedade do
bem possuído. A praescriptio era, pois, tão-somente, uma simples exceção processual
contra a reivindicação.
13
Segundo a Gramática normativa da língua portuguesa, essa palavra é masculina. É certo que bons gramáticos
admitem também a forma feminina. Esse é, por exemplo, o entendimento de Rocha Lima. O velho Código Civil, no
entanto, adotou, em seu art. 550, para usucapião, a forma masculina. Agora, a novel Lei nº 10.257/01, denominada
Estatuto da Cidade, utiliza-a na forma feminina. Assim também o faz o novo Código Civil.
14
Os peregrinos (peregrini) o eram considerados cidaos romanos. A esses se aplicavam as regras do direito
quiririo.
15
Essa Constituição data do século V d.C.
Paralelamente às exceções denominadas praescriptio longi
temporis e praescriptio longissimi temporis, coexistia o instituto diverso denominado
usucapio, consagrado pela Lei das XII Tábuas em 449 a.C.
O usucapião, ao contrário daquelas duas exceções, gerava, a
exemplo do que ocorre atualmente, em favor do possuidor o direito de propriedade.
Dele podiam, no entanto, utilizar-se tão-somente os cidadãos romanos, que era ele
instituto do direito quiritário. Usucapio est modus acquirendi dominium juris
Quiritium.
16
Em conseqüência, excluíam-se dessa forma de aquisição de
propriedade as coisas fora do comércio, os terrenos provinciais, as coisas roubadas,
enquanto não recuperadas por seu legítimo dono, aquelas cuja posse tivesse sido
obtida pela força. Ainda, usucapionem recipiunt maxime res corporales, exceptis
rebus sacris, sanctis, publicis populi romani et civitatum, item liberis hominibus.
17
Para a ocorrência do usucapião, exigiam-se, à época, os mesmos
requisitos hoje necessários. Diferencia-se, contudo, no tocante ao tulo. O possuidor
precisava ter, pois, iustus titulus ou iusta causa usucapionis. A posse, dessa forma,
deveria sustentar-se em título ou causa que, se não fosse algum vício que os
maculasse, justificaria, por si só, a aquisição da propriedade. É certo, também, que o
tempo da posse ad usucapionem era de dois anos, quando imobiliária, e de um ano, se
mobiliária ou relativa a outros direitos. Usucapio mobilium quidem rerum anno
completur, fundi vero biennio.
18
Coexistem, portanto, como institutos diversos, de um lado, a
praescriptio longi temporis e a praescriptio longissimi temporis, que em favor dos
peregrinos, consistiam em mera exceção pessoal em face do reivindicante da coisa
possuída, bem como, de outro, a usucapio, que, por sua vez, entre os cidadãos
No século VI d.C., Justiniano
19
verdadeiramente consolidou as
regras da época. A título de exemplo, dentre outras obras, por ordem desse imperador,
em 533 d.C., foi publicado um manual de nome Institutiones, elaborado por
estudiosos das escolas de Constantinopla e Berito.
20
Nessa época, Justiniano unificou os institutos em estudo. Às
exceções pessoais contra a reivindicação deu-se o efeito de gerar o direito de
propriedade, tal como ocorria com o usucapião, pelo que o termo praescriptio
suas condições são a posse ad usucapionem
22
e o decurso do tempo, e seu efeito é a
aquisição da propriedade do bem possuído.
E essa tríplice diferença, conclui ele, impõe sejam diversos os seus
conceitos.
O vigente Código Civil, por sua vez, também adotou a corrente
dualista, que circunscreveu a prescrição extintiva à parte geral e a aquisitiva ao
direito das coisas. O Código Civil de 1916 assim também o tinha feito.
Por outro lado, no tocante à origem do instituto da decadência, é
pacífico que a decadência e a prescrição tiveram suas origens em momentos diversos
nos mais diferentes ordenamentos jurídicos antigos, uma vez que tanto aquela quanto
essa nasceram em decorrência da própria positivação dos institutos.
Vargas Valério
23
invoca, ao estudar a origem histórica da
decadência, os parágrafos 30 e 31 do Código de Hamurabi. Segundo esse parágrafo 30,
o servo que abandonasse o seu feudo, perdia-o para aquele que, durante três anos,
tivesse assumido os serviços do feudo abandonado. Não o perdia, contudo, nos termos
do parágrafo 31, embora outrem tivesse assumido os aludidos serviços, se a ausência
do servo se desse por apenas um ano. Vargas Valério alerta que essas hipóteses não
tratam de prescrição aquisitiva por nelas não existir a prescrição da propriedade. Nelas
está o embrião do instituto da decadência.
Alerta ele, ainda, que esse gérmen da decadência também se faz
presente no direito indiano, que era abundante em prazos. Dentre eles, alguns podiam
ser classificados como de decadência. Exemplificando, cita o prazo de um dia para
tornar efetiva a venda de ferro e tecido; o de três dias, se a venda fosse de vacas
22
Posse ad usucapionem, segundo Caio Mário (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil:
direitos reais. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 4. p. 32), é aquela que, além de seus elementos essenciais, se
reveste de outros acidentais: boa-fé; decurso ou trato de tempo suficiente; que seja mansa e pacífica; que se
funde em justo título, salvo no usucapião extraordinário; que seja cum animo domini, tendo o possuidor a
coisa como sua, já que a
leiteiras; o de sete dias, se de pedras preciosas, pérolas e corais; o de quinze dias, se de
cereais.
Prazos de caducidade também apareciam no direito grego. A ação
redibitória, por exemplo, era dos gregos conhecida. O comprador poderia, verbi
gratia, com a devolução em seis meses do dinheiro pago, desfazer a compra de
escravo doente, cuja doença não fosse de imediato detectada.
Não se pode olvidar, ainda, que se atribuem a Donelo as primeiras
investigações sobre o instituto da decadência, as quais ocorreram em meados do século
XVI. Donelo estuda esse instituto, comparando-o com o da prescrição. Estabelece ele,
a partir daí, diferenças entre as actiones temporales e as actiones perpetuae
24
. Aquelas
primeiras se extinguiam de pleno direito ao expirar o prazo delas, já que foram
concedidas para serem exercitadas dentro de um certo tempo, enquanto as segundas
somente se extinguiam na hipótese de alegar-se o decurso do prazo. Conclui, dessa
forma, que o prazo daquelas primeiras era decadencial e o dessas últimas,
prescricional.
25
Sobre essas duas espécies de ação, Donelo acrescenta que, nas
actiones temporales, consumado o prazo, decadencial como acima visto, cessava a
ação, pelo que era nulo eventual pacto posterior a essa consumação, no qual o devedor
houvesse permitido ao credor agir ou a esse prometido cumprir a obrigação. Nas ações
perpétuas, ao contrário, a obrigação perdurava até mesmo depois de decorrido o prazo
prescricional. Conclui-se, então, que nas ações temporárias os direitos eram limitados
dentro de certo tempo, extinguindo-se eles quando expirado o prazo.
24
As actiones temporales são, na verdade, aquelas criadas pela lei Aebutia, nas quais os pretores fixavam prazo
para a sua duração. Anteriormente essas ações foram mencionadas neste trabalho. Elas se opunham às ações
perpétuas, ou actiones perpetuae, previstas do direito quiritário.
25
Acerca dessa matéria, NAZO, Nicolau. A decadência do direito civil brasileiro. São Paulo: Max Limonad ,
1959, p. 31, referindo-se a Donelo, leciona que entendia esse romanista que as primeiras (actiones
temporales) se extinguiam ipso jure, ao expirar o prazo, dado que foram concedidas por um certo tempo,
enquanto as outras somente se extinguem jure exceptionis, porque são concedidas sem prefixação de tempo,
ad infinito e, portanto, duram perpetuamente, até que não seja excepcionada a prescrição.
Houve críticas a essa teoria de Donelo
26
.
Savigny
27
, por sua vez, ao estudar a matéria, insurge contra o
conceito unitário da prescrição. Diz ele que, sob essa denominação, três institutos,
pelos quais a ação ou a inércia do titular do direito determinam a sua aquisição ou
perda. Esses institutos são: usucapião, ligado à inércia e à aquisição do direito,
prescrição das ações, relacionada à inércia e perda do direito, e casos isolados outros
que não poderiam ser reunidos sob uma denominação comum. Exemplificando essa
última categoria, são citados prazos processuais da restitutio in integrum
28
, do pactum
displicentiae
29
, dentre outros.
É certo que Savigny não conceitua os institutos da prescrição e
decadência. Limita a demonstrar a necessidade de sua diferenciação, bem como aponta
o erro em que incidiram os juristas que enquadravam ambos numa única categoria
jurídica.
Esse trabalho de Savigny ensejou diversos estudos por parte de
outros doutrinadores. Dentre eles, pode-se citar Henrique Fick, que, segundo Nicolau
Nazo
30
, divide os prazos, que não fossem prescricionais, em três categorias, scilicet,
aqueles nos quais não se tratava de aforamento de ação (por exemplo, jus bonorum
possessionem agnoscendi, beneficium excusationis, beneficium inventarii); aqueles
nos quais se tratava de ação ou exceção, não sendo necessário agir em juízo, a
exemplo do que ocorria no direito de preferência na enfiteuse; e aqueles em que se
tratava de ação ou exceção, na qual seria necessária a instauração do juízo, cujo
exemplo são as ações temporárias e as pretorianas. Fick entende que nesses casos
havia um beneficia juris concedido a uma pessoa, o que, em contrapartida,
26
Thibaut criticou Donelo em razão de esse ter incluído num único instituto vários casos em que o direito se
adquire ou se perde por ter sido ou não exercido durante dado lapso temporal, e de ele ter subdividido, em
conseqüência, a prescrição de acordo com a sua origem.
27
Vide NAZO, op. cit., p. 35.
28
Era a restituição por inteiro, a recuperação no estado original da coisa. Era a anulação plena de uma sentença
transitada em julgado. Até o advento do Código Civil de 1916 havia esse benefício em favor dos menores e
interditos.
29
Pacto de desfazer; é semelhante ao pacto da retrovenda com a diferença de que aqui é o comprador quem
pode, dentro de certo tempo, devolver o bem adquirido e reembolsar o valor pago.
30
NAZO, op. cit., p. 35.
prejudicava as demais, pelo que, em razão do mesmo princípio da eqüidade que os
criou, se fazia necessária a sua extinção dentro de um certo prazo.
Demelius, também citado pelo jurista Nicolau Nazo, por outro lado,
encerrando esse ciclo de estudos iniciado por Donelo, igualmente elabora uma teoria
da decadência.
Segundo ele, na hipótese de ocorrer a inércia do titular do direito, a
qual, pela sua duração, tem o poder de fazer cessar o direito, embora não tivesse
existência termo ad quem prefixado, tem-se a prescrição extintiva, enquanto, ao
contrário, naquela outra em que para a existência do direito é, desde logo, fixado um
termo final, tal como se dava nas actiones temporales, tem-se um direito limitado no
tempo, que hoje se classificaria como direito sujeito à decadência.
É veraz, concluindo, que esses estudos não dão à decadência o
conceito que hoje deve esse instituto ter. Dá-lhe, tão-somente, uma mera noção de
direito temporário que se extingue pelo decurso do prazo para ele fixado, se o seu
titular, dentro desse prazo, não o tiver exercitado. Na verdade, até aqui, decadência e
direito a termo confundiam-se.
Na seqüência, retomando depois de séculos de esquecimento as
investigações acerca da prescrição e decadência, surgem duas escolas sobre o assunto.
Uma delas, formada por autores alemães, tem por escopo a
diferença entre prescrição e temporalidade, do que se conclui que para a doutrina
tedesca o princípio fundamental da decadência residia na temporalidade do direito. A
outra delas, que reúne doutrinadores franco-italianos, busca a distinção entre
prescrição e decadência, pelo que se pode dizer que o fundamento da prescrição para
esses se situa na limitação do exercício do direito.
Nesse contexto, por meio de obra publicada em 1830, o austríaco
Grawein, tido pela doutrina moderna como o autor do conceito jurídico da decadência,
inicia os seus estudos acerca das diferenças desse instituto e da prescrição. Para tanto,
esse estudioso elenca várias situações em que um dado direito se extingue pelo
decurso do tempo, embora não estejam elas agasalhadas pelo mesmo fenômeno
jurídico, mas por fenômenos jurídicos diversos. Não se aqui, portanto, um caráter
unitário.
Na lição de Grawein, essas situações podem assim ser agrupadas
31
:
1. A temporalidade do direito ou termo legal: o tempo é a medida
para a duração dos efeitos de um fato gerador de direitos;
2. A prescrição e fenômenos semelhantes: o tempo é a medida para
a extensão de um fato destruidor de direitos, o qual se realiza estendendo-se no tempo;
3. O usucapião e fenômenos semelhantes: o tempo é a medida para
a extensão de um fato criador de direitos, o qual se efetiva estendendo-se no tempo e
cujos efeitos, por meio de colisão, expulsam um direito anterior;
4. Os prazos presuntivos
32
: o tempo é a medida para a duração de
um estado de fato, que serve de base para a presunção da cessação de um direito;
5. Os prazos preclusivos do direito material: o tempo é a medida
para a duração da possibilidade de realizar um ato com eficiência jurídica.
Esses estudos de Grawein possibilitam que diversos outros
estudiosos concluam que o direito temporário, também chamado de direito a termo
certo, se extingue naturalmente com o advento de seu dies ad quem, tendo ele sido ou
não exercido pelo seu titular, enquanto o direito sujeito à decadência somente se
extinguirá caso o seu titular se mantenha inerte. Ainda, esses outros estudiosos
pontificam que na prescrição o direito já existe e o prazo corre de sua violação,
31
O rol apresentado neste trabalho foi transcrito da obra de NAZO, op. cit, p. 38-39.
32
O direito civil brasileiro desconhece os prazos presuntivos. São eles uma modalidade de prescrição, que se
consuma após o decurso de um prazo bastante curto. Na verdade, esses prazos dizem respeito àquelas
situações em que ao credor que não tenha sido reembolsado, mesmo prescrito o seu crédito, é conferida mais
uma possibilidade para tentar o reconhecimento do seu direito, qual seja, pode-se deferir o juramento ao
devedor para conferir se adimpliu ou não a sua obrigação. Se o devedor confessar a dívida, o impasse estará
resolvido. Agora, se ele jurar falso, na hipótese de ele não ter pago a dívida, ou negar a existência dela, não
haverá mais solução. A prova contrária à presunção de pagamento não foi, pois, feita, e a dívida será
considerada prescrita. Existem esses prazos nos códigos italiano e francês.
enquanto na decadência de igual forma o direito já existe, mas deve ser conservado por
meio do ajuizamento de uma demanda.
A importância de Grawein reside também no fato de ele ter criado a
categoria dos prazos preclusivos de que se falou na quinta das situações antes
elencadas.
Segundo esse doutrinador, esses prazos preclusivos limitam a um
certo espaço de tempo a possibilidade de criar um direito mediante um ato por parte de
quem se encontra na posição de adquiri-lo. Na verdade, esse ato é uma condição, pelo
que, até a sua realização, não direito adquirido. Daí, não realizada a condição, não
se pode falar em perda de um direito até então existente. Deve-se, pois, falar tão-
somente em perda de uma expectativa de direito, o que, entretanto, em última análise,
equivale à efetiva perda do direito.
É certo que esses prazos, além de se diferenciarem da prescrição,
também se diferem da decadência. Nesta última, uma falha no fato criador do
direito, mas essa falha não consiste, tal como nos prazos preclusivos, numa
imperfeição do fato constitutivo, mas numa incapacidade de atribuir ao direito, antes
com vida limitada por estar sujeito à decadência, uma vida ilimitada, o que não
ocorreria se se recorresse à respectiva ação. Na decadência, extingue-se um direito
existente, de vida limitada, ao atingir o prazo, o que não se com o prazo preclusivo,
no qual, para impedir a perda do direito em criação, deve realizar-se um determinado
ato.
Cumpre, neste momento, invocar os estudos realizados por
Rosemberg. Sua importância está no fato de ele ter identificado no Código Civil
alemão casos de decadência passíveis de suspensão e interrupção, o que não ocorria na
doutrina tradicional. Tal circunstância obrigou-o a qualificar esses casos excepcionais
como decadência mista, que se opõe à decadência pura, na qual não podem os prazos
ser suspensos ou interrompidos.
Por fim, de se registrar que a tendência moderna é pela
dualidade conceitual dos institutos da prescrição e decadência, com, ainda mais,
regulamentação desse último instituto. Assim se faz por influência das doutrinas ale
e italiana. O Código Civil italiano de 1942, por exemplo, utiliza de um capítulo para
disciplinar a decadência. O Código Civil português de 1966 a regulamenta em cinco
artigos, o que também fez o Código Civil Peruano de 1984. Não se pode olvidar que o
atual Código Civil brasileiro, por seu turno, além de fixar seus prazos junto aos
institutos a que se referem, trata separadamente da decadência, o que fez no capítulo II
do título IV do livro I, dedicando-lhe cinco artigos, os quais serão oportunamente
estudados. A prescrição está disciplinada no capítulo I desses mesmos título e livro.
CAPÍTULO 2
DESENVOLVIMENTO DA DOUTRINA NO BRASIL
Neste capítulo, tanto no que se refere à prescrição quanto à
decadência, por primeiro, apresentar-se-ão, na ótica dos mais diversos clássicos
doutrinadores pátrios, o conceito de cada um dos institutos, objeto, fundamento,
semelhanças e dessemelhanças, bem como críticas que contra eles se fizeram. Na
O Código Civil atual, por sua vez, ao contrário, com exceção da
prescrição aquisitiva, que está prevista no título que trata da propriedade
34
, disciplinou
a prescrição extintiva nos arts. 189 a 204 e a decadência nos arts. 207 a 211. É veraz,
ainda, que os prazos prescricionais estão nos arts. 205 e 206, enquanto os prazos
decadenciais, em diversos artigos da parte geral e da parte especial. Na verdade, cada
prazo decadencial está disciplinado junto ao respectivo instituto a que ele se refere.
Urge, portanto, como já expresso anteriormente, se diferenciem
ambos os institutos, o que se obterá com maior eficácia delimitando-lhes o fundamento
jurídico, objeto e efeitos para, a seguir, conceituá-los.
No tocante ao fundamento jurídico, não pode ele ser confundido
com as utilidades derivadas do instituto de que se trata. Aquele é a causa primeira que
leva o legislador a criar a instituição, enquanto essas são as conseqüências dela.
O fundamento jurídico da prescrição e da decadência é o mesmo,
embora, não poucas vezes, a doutrina trate tão-somente do fundamento da prescrição.
Não se pode olvidar, pois, que esses dois institutos, em última análise,
independentemente da corrente a que nesse particular se filie, são prazos extintivos,
vinculados ao aspecto temporal e à inércia do titular do direito. Portanto, aquilo que
aqui se afirmar a respeito da prescrição, mutatis mutandis, valerá de igual forma para
a decadência.
35
Feita essa observação, ressalte-se, por primeiro, que uma análise a
respeito da consumação ou não de um dado prazo prescricional ou decadencial não
implica nada além de uma avaliação meramente objetiva, sem qualquer interferência
da boa ou má-fé do beneficiado pela prescrição ou decadência. Quando muito, a boa
34
Aqui, duas são as observações a serem feitas: a primeira é a de que as origens da prescrição aquisitiva e do
usucapião foram estudados no Capítulo 1 Noções Históricas, retro; a segunda é a de que, nos termos do art.
1.244 do CC, à prescrição aquisitiva se aplicam as mesmas regras relativas à prescrição extintiva.
35
Não se esqueça, contudo, de que, prescrita uma pretensão, o credor não mais pode exigir o cumprimento da
obrigação a ela relativa, enquanto, decaído um direito, aquele oposto a ele se convalesce na medida em que
não mais poderá ser questionado.
ou má-fé, na prescrição aquisitiva, se aliada a outros requisitos, poderá acarretar um
prazo prescricional maior ou não.
36
Acerca do fundamento jurídico que ora se estuda, a doutrina, agora
tão-somente sobre a prescrição, enumerou as várias teorias a esse respeito. o
elas
37
:
1. ação destruidora do tempo;
2. castigo à negligência;
3. presunção de abandono ou renúncia;
4. presunção de extinção do direito;
5. proteção ao devedor;
6. diminuição das demandas; e
7. interesse social pela estabilidade das relações jurídicas.
A teoria da ação destruidora do tempo, conquanto sedutora, o
pode ser aceita. Diz-se não aceita, uma vez que, por óbvio, o tempo tem profunda
relevância no tocante aos prazos prescricionais e, acrescente-se, aos decadenciais. No
entanto, essa relevância não pode galgar o nível de fundamento jurídico. Isso porque
verdadeiramente não é o tempo decorrido a causa primeira que leva o legislador a criar
um dado instituto. Tanto é assim que, aforada uma demanda, a pretensão nela deduzida
não estará prescrita independentemente do tempo que vier a decorrer enquanto a sua
decisão não transitar em julgado. Em última análise, o tempo não destrói qualquer
pretensão ou direito. É ele uma das condições para que se consumem um e outro
instituto ora estudados.
36
Veja o art. 1.238 do CC, em que o prazo prescricional é de 15 anos, independentemente de boa-fé, e o art. 1.242
desse mesmo Código, em que o prazo prescricional é de 10 anos, mas se exige boa-fé.
37
LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decadência. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 13.
De igual forma, também não pode ser acolhida a teoria do castigo à
negligência. Ela se baseia no brocardo, segundo o qual dormientibus non sucurrit ius.
O desacolhimento dela deriva do fato de que o castigo, rectius, pena, pode ser
aplicado se houver ofensa ao ordenamento jurídico. Na hipótese, aquele contra quem
corre a prescrição, ou decadência, apenas se mantém inerte, negligente com seu
próprio direito. Essa inércia ou negligência, por sua vez, não podem acarretar-lhe
punição.
Daí é que o fundamento jurídico dos institutos não de ser o
castigo à negligência.
Os doutrinadores dizem que, no Brasil, essa, contudo, era a teoria
aceita no direito pré-codificado.
A teoria da presunção de abandono ou renúncia por parte do titular
do direito há, da mesma maneira, de ser criticada. O abandono e a renúncia exigem,
pois, um elemento subjetivo que, como já consignado anteriormente, é matéria
estranha aos institutos em estudo. Os prazos decadenciais e prescricionais submetem-
se tão-somente a causas objetivas.
A presunção de extinção do direito também não pode ser
considerada fundamento jurídico da prescrição e da decadência. Desde logo, consigne-
se que a renúncia é uma forma de extinção de direito. E só se pode renunciar à
prescrição se consumada. Ainda, observe-se que, conquanto essa renúncia seja ato
unilateral, operada ela validamente, haverá a ressurreição de direito prescrito, o que
equivale dizer que houve uma nova aquisição desse mesmo direito. Não obstante, em
tese, essa reaquisição apenas beneficiará o credor, rectius, o titular do direito prescrito,
a aquisição de um direito deve ser ato bilateral. Uma única pessoa não pode, pois,
unilateralmente criar, em favor de quer que seja, um dado direito. Dessa criação hão de
participar necessariamente os titulares passivo e ativo desse mesmo direito.
38
Então,
38
Até mesmo as doações puras exigem a manifestação de vontade de seu beneficiário. Nesse sentido, art. 539 do
CC. É veraz que, na hipótese desse dispositivo, a manifestação de vontade pode ser dada por meio do silêncio,
aplicado o disposto no art. 111 desse mesmo Código.
adotada essa teoria, como se explicaria que um direito extinto poderia ser revivificado
pela renúncia à prescrição consumada?
A proteção ao devedor, de igual forma, o pode ser o fundamento
jurídico em estudo. Não se olvide que o credor, tal como devedor, é parte da relação
jurídica. Descabida, por injusta, seria uma proteção a esse sem a equivalente àquele.
A teoria da diminuição das demandas também é inadequada. O
ordenamento jurídico não deve ter por preocupação a diminuição do número de
demandas. Se tal preocupação houver, deve ela estar aliada a outros fatores. À paz
social, por exemplo. Nesse particular, de se observar que atualmente o acesso à
Justiça, o que equivale aumentar o número de ações, é princípio constitucional previsto
no art. 5º, XXXV da vigente CF, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Fosse a diminuição das demandas o
fundamento da prescrição e decadência, esses institutos estariam na contramão da
citada regra constitucional.
Por último, tem-se a teoria do interesse social pela estabilidade das
relações jurídicas. Deve ela, ao contrário das demais, ser aceita. A prescrição e a
decadência são indispensáveis à estabilidade e consolidação de todos os direitos. Sem
elas, nada seria permanente. Um proprietário jamais estaria seguro de seus direitos, e
um devedor, livre de pagar duas vezes a mesma dívida.
Se não houvesse a prescrição, no caso a aquisitiva, o adquirente de
um imóvel, por exemplo, seria obrigado a examinar não o título de domínio do
alienante, como os de todos seus antecessores, através dos culos, sem limite de
tempo. O devedor, por seu turno, agora na prescrição extintiva, também sem limite de
tempo, deveria guardar a quitação por ocasião do pagamento recebido de seu
accipiens. Com a prescrição, o adquirente só precisará examinar o título do alienante e
os de seus predecessores imediatos, num período de quinze anos apenas (art. 1.238,
caput do CC). Ainda, adotada essa teoria, se decorrido o prazo prescricional, o
devedor que perdeu a quitação poderá livrar-se da exigência de um novo pagamento.
Nesse diapasão, vide Washington de Barros Monteiro
39
.
Se não houvesse a decadência, um dono de prédio ao qual se juntou
uma porção de terra de outro destacada por força natural violenta, jamais estaria livre
do pagamento de indenização ao dono desse segundo prédio, mesmo tendo decorrido,
sem pleito indenizatório, o período ânuo de que fala o art. 1.251, caput do CC.
Também, as núpcias contraídas perante autoridade incompetente, mesmo consumado o
biênio, contado de sua celebração, jamais se convalesceriam dessa anulabilidade
40
.
O fundamento jurídico da prescrição e decadência é, por
conseguinte, a estabilidade das relações jurídicas derivada do interesse blico para
que eventual instabilidade do direito não se perpetue com prejuízo da harmonia social.
Acerca do objeto e definição tanto da prescrição quanto da
decadência, na doutrina pátria, diversos autores estudaram-nos.
Clóvis Bevilaqua
41
, por exemplo, ensina que se faz necessário
distinguir prescrição e decadência, a que também se chama caducidade dos direitos. As
regras a que obedecem esses dois institutos são diversas, embora entre elas haja
consideráveis analogias.
Esse doutrinador esclarece que a prescrição se suspende, se
interrompe e é uma conseqüência da inércia do titular do direito, enquanto a
decadência resulta simplesmente do decurso do tempo, uma vez que o direito, neste
último caso, nasce com o destino de extinguir-se num lapso limitado de tempo se
dentro dele não for posto em atividade
42
.
39
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: parte geral. 26. ed. o Paulo: Saraiva, 1986. v. 1.
p. 284-285.
40
Vide arts. 1.550, IV e 1.560, II do CC.
41
BEVILAQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1929. p. 367.
42
Na época em que Clóvis Bevilaqua fez esses ensinamentos, não havia possibilidade de a decadência ser
obstada, suspensa ou interrompida. Tal, salvo uma ou outra lei extravagante anterior, passou a ocorrer com o
Código Civil de 2002.
Conclui que a doutrina ainda não é firme e clara neste domínio. É,
porém, indubitável que os melhores escritores indicam diferenças e procuram destacar
nos dois institutos as regras gerais a que estão submetidos.
Segundo Clóvis, discorrendo sobre o objeto dos institutos em
estudo, de início, com apoio em lição de Huc, leciona que decadência é a perda de uma
faculdade, de um direito ou de uma ação, o que resulta unicamente da expiração de um
termo extintivo, concedido pela lei para o exercício dessa ação, desse direito ou dessa
faculdade. Agora, se proposta a ação dentro do prazo, o direito estará incólume a uma
ulterior decadência.
Por outro lado, para o referido doutrinador, prescrição é a perda da
ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do
não uso delas, durante um determinado espaço de tempo.
Ainda, Clóvis Bevilaqua ensina, também, que não é o fato de não
se exercer o direito que lhe tira o vigor, que, na verdade, se podem conservar
inativos por tempo indeterminado certos direitos. O que os torna inválidos é, de fato, o
não-uso de sua propriedade defensiva, rectius, a inércia do titular no tocante ao
exercício da ação que os defende. A ação, sob o ponto de vista social, no ensinamento
de Clóvis, é o princípio tutelar que a sociedade insere em cada direito e por meio do
qual ela se interpõe entre o titular do direito e o seu ofensor. Ocorre, contudo, que essa
proteção se desfaz quando, por longo tempo, se deixa de reagir dos ataques contra o
direito protegido.
A inércia do titular do direito é, por conseguinte, uma das causas da
prescrição. Tal deriva não de uma pena imposta ao desleixo desse titular, mas,
invocando Pothier, Clóvis pontifica que a prescrição deriva do fato de essa inércia ou
negligência permitir que se realizem e consolidem fatos contrários ao direito do
negligente e, para destruí-los, ter-se-ia de perturbar a vida social que estaria
repousando tranqüila sobre esses novos fundamentos ou teria neles elementos de
vida, dos quais não se poderia despojar sem maiores danos à sociedade.
Em resumo, Clóvis conclui, e o faz apenas com relação à
prescrição, que ela é uma regra de ordem, harmonia e paz, imposta pela necessidade de
certeza nas relações jurídicas. Invoca ele Cícero ao asseverar que finis solicitudinis et
periculi litium.
Para mara Leal
43
, seguindo os critérios da escola alemã, o objeto
dos institutos da prescrição e decadência diferencia-as.
Deveras. Esta extingue diretamente o direito e, com ele, a ação que
o protege, enquanto aquela extingue, por primeiro, a ação e, com ela, na seqüência, o
direito defendido. Tal se em razão de a decadência ter por objeto o próprio direito,
ser estabelecida em relação a ele e ter função imediata a sua extinção. A prescrição,
por sua vez, tem por objeto a ação, é estabelecida em relação a ela e tem por função
extingui-la. de se concluir, em conseqüência, que a decadência é a causa direta e
imediata da extinção de direitos e a prescrição os extingue apenas mediata e
indiretamente.
Ainda, diferenciam-nas os termos a quo do prazo de cada um dos
institutos em estudo. O prazo decadencial começa a correr como prazo extintivo no
momento em que o direito nasce. O curso da prescrição, ao contrário, não tem o seu
início no nascimento do direito, mas tão-somente no momento em que o direito é
violado. É, pois, nesse momento que nasce a ação protetora do direito desrespeitado
contra a qual a prescrição se dirige.
Também, um terceiro traço diferencial para Câmara Leal manifesta-
se na diversidade do direito que se extingue. A decadência supõe um direito que,
embora nascido, não se tornou efetivo pela falta de exercício. a prescrição diz
respeito a um direito nascido e efetivo, mas que pereceu pelo não exercício da ão
contra a violação por esse mesmo direito sofrida.
A partir dessas diferenças, mara Leal assevera que são
decadenciais os prazos prefixados para o exercício de um direito por seu titular, sejam
43
LEAL, 1982, op. cit., p. 100-101.
eles estabelecidos por lei, no caso da decadência legal, ou pelas partes, unilateral ou
bilateralmente, na hipótese de decadência convencional.
É de prescrição, quando fixado, não para o exercício do direito, mas
para o exercício da ação que o protege.
Note-se, entretanto, que, caso o direito deva ser exercido por meio
da ação, originando-se aquela e este do mesmo fato, de modo que o exercício da ação
representa o próprio exercício do direito, se terá, na espécie, estabelecido prazo para a
ação como prazo prefixado ao exercício do direito, pelo que será ele de decadência,
embora aparentemente se afigure de prescrição.
Daí é que, na prática, segundo mara Leal, para se reconhecer o
prazo imposto à ação, se decadencial ou prescricional, se deve inquirir se a ação
constitui, em si, o exercício do direito, que lhe serve de fundamento, ou se tem por fim
proteger um direito, cujo exercício é distinto do exercício da ação. Naquele caso, tem-
se o prazo extintivo do direito, cujo decurso produz a decadência; e, no segundo caso,
haverá o prazo extintivo da ação, cujo decurso produz a prescrição.
Traçando um paralelo entre ambos os institutos, esse jurista conclui
que, conquanto a inércia e o tempo sejam elementos comuns à prescrição e à
decadência, diferem elas, no entanto, no que se referem ao objeto e ao momento de
atuação. Na decadência, a inércia está ligada ao exercício do direito, e o tempo faz os
seus efeitos valerem desde o nascimento do direito protegido, enquanto, na prescrição,
a inércia diz respeito ao exercício da ação, e o tempo vigora desde o nascimento desta,
que, regra geral, se dá após o nascimento do direito em questão.
Consignadas essas notas, pode-se dizer que Câmara Leal, ao definir
decadência, obtemperou ser ela a extinção do direito pela inércia de seu titular, quando
sua eficácia foi, de origem, subordinada à condição de seu exercício dentro de um
prazo prefixado, e este se esgotou sem que esse exercício se tivesse verificado. Quanto
à prescrição, definiu-a como a extinção de uma ação ajuizável, em virtude de inércia
de seu titular durante um certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de
seu curso.
44
Orlando Gomes
45
, por seu turno, expõe a dificuldade de se
encontrar um critério seguro que distinga decadência de prescrição, seja porque o
direito positivo engloba no rol dos prazos desta os daquela
46
, seja porque os subsídios
da doutrina não fornecem elementos para essa distinção.
Diferenciou-as, contudo, por meio da origem da ação que defende o
direito. Segundo ele, nas hipóteses em que essa origem é idêntica à do direito
defendido, o que equivale dizer que ambos, direito e ão que o defende, nascem ao
mesmo tempo, o prazo para o exercício da ação é decadencial. No entanto, se a origem
do direito é distinta da origem da ação, em virtude de aquele ocorrer primeiro que esta,
o prazo para o exercício da ação é prescricional.
Explica ele, na seqüência, de modo mais preciso, que a prescrição
ocorre nos casos em que o direito, existente, é violado por outrem, que, por ação ou
omissão, cria obstáculo ao seu exercício.
Esse doutrinador enumera, ainda, diferenças entre os dois institutos
derivadas, contudo, de seus efeitos, seja com relação às pessoas, ao seu objeto, da
possibilidade de sua renúncia e da legitimidade de sua argüição.
Conceitua ele prescrição como o modo pelo qual um direito se
extingue pela inércia do seu titular, durante certo lapso de tempo, que fica privado da
ação própria para assegurá-lo.
47
No que se refere à decadência, não deu ele, de forma
direta, uma definição. Além de apontar, como dito, sua diferença da prescrição,
noticiou que direitos que, por sua natureza, devem ser exercidos em certo prazo,
sob pena de caducidade. A esse prazo se chama extin
do direito, o qual, ou se exerce entre o seu termo inicial e final, ou perece. Nesses
casos, diz-se que há decadência.
48
Ainda, na doutrina pátria, San Tiago Dantas
49
, em Programa de
Direito Civil, por primeiro, explica os institutos da prescrição e decadência. A partir
daí conceitua aquela primeira. No tocante à decadência, não chega propriamente a
defini-la, já que tão-somente lhe aponta algumas diretrizes.
Esclarece ele, desde logo, que, na concepção moderna do direito
subjetivo, inexiste direito sem sanção. Todo direito tem, pois, sua defesa. Se não na
tiver, haverá na hipótese um simples título moral.
Também, San Tiago Dantas leciona que nem é verdade que sejam
as ações que prescrevem enquanto os direitos ficam intactos, nem é verdade que os
direitos, eles próprios, se extinguem pela prescrição.
Deveras. Para ele, prescrição está intimamente ligaea é erdedes,aso,e,diauecto 9( )-194.69(s)-0.11062(m)9.03952( )-120.584(52(a)-0.6191962(c)-0.70046(r)-0.52962(c)-0.7062(c)-0.700046(a)-0.700046((c)-0.70256(r)-0.524752a)-0.698915(r)-0.524784(m)9.03952(e)-9.96487256(ia)-0.69(u)-0.284994(e)-0)-0.287256(a)-0.13321(t)-9.20125(o)-0.287256(s)-0.110831(( )-92.7883-0.284994847(n)-9.55184(e)-9.9634256(a)-0.13847(n)-9.55184(e)-9.9634-0.700046(r)-0.52752(e)-9.96349(ic)-0.69-0.52752(e)-9.96349(ia)-0.131962(.)-0.1436c)-0.62(.7r)-0.524766.776 -34.44 T52752(e)-9.96349(ia)-0.13(o)-0.287256(i)0.063349(ia)-0.1393(e)-0.701177(j)084994(e)-0aeato( )-120.582(S)061.734 -22.44 Td[(s)-0.112528(ue)-9.9634256(a)-0.13321(t)-9.201(e)-0a é s 3(e)-0.70éaso.7rs
j toSn cire içã 494(n)-0.287237(a)-0.70028(l)0.0633321(i)023924(e)-9.96349(3321(ç)-0.69(n)-0.284994(ã)46r)-39-046(r)-92.78,nã tpçd
cumprido, surgirá a lesão e, da lesão, o direito de o titular do direito lesionado ver-se
ressarcido, o que se dará por meio da respectiva ação.
Mas essa deve ser proposta no prazo legal. Caso o titular não o
faça, a lesão ao direito cura-se, convalesce-se. Aquilo que era antijurídico se torna
jurídico. Haverá uma espécie de anistia. E não mais se poderá pretender que se faça
valer qualquer ação.
Há, entretanto, os chamados direitos facultativos. Com relação a
eles não se falará em prescrição. o eles imprescritíveis. Exemplifica o elogiado
doutrinador, questionando: por que um condômino não tem prazo para o aforamento
da ação de divisão? Ele mesmo responde: porque se trata, no caso, de direito
meramente facultativo; porque o nenhuma lesão do direito; se a coisa é comum e
o condômino está sentindo-se bem, não existe lesão. E, por não haver lesão, não se
deverá falar em prescrição. Trata-se de direito a que se tem de chamar imprescritível.
Quanto à decadência, San Tiago Dantas dedica-lhe pouco espaço.
Diz apenas que, não havendo direito subjetivo ou mera faculdade, a que corresponda
um dever de outrem, não se terá lesão de direto e, em conseqüência, prescrição. Não se
terá lesão de direito porque não é direito subjetivo que eventualmente poderia ser
lesionado, nem direito facultativo, que é insuscetível de lesão. Aí, então, somente se
poderá ter a decadência.
Ainda, sob a égide do Código Civil revogado, ressalta ele que os
prazos decadenciais são fatais, uma vez que dentro deles se deve exercitar a respectiva
faculdade sob pena de, não o fazendo, não mais se poder fazê-lo.
O mencionado doutrinador compara a decadência a um direito a
termo resolutivo. E esse termo é posto pela própria lei.
Mais à frente conclui ele que a decadência está relacionada a
faculdade à qual não corresponde qualquer dever jurídico alheio.
Agnelo Amorim Filho
50
, por sua vez, em clássica monografia, não
apresenta qualquer definição dos institutos em estudo ou consideração sobre o objeto
deles. Apresenta ele apenas critério dotado de bases que entende científicas, por meio
do qual procura identificar, a priori, as ações sujeitas à prescrição ou decadência, bem
como as ações imprescritíveis, também chamadas perpétuas.
Segundo ele, estão sujeitas à prescrição tão-somente as ações
condenatórias. Ainda, estão sujeitas à decadência as ações constitutivas que têm prazo
de exercício fixado em lei. Aqui, esse mestre alerta que a sujeição dessas ações
constitutivas à decadência é apenas indireta, que, na verdade, a sujeição de que se
falou está ligada aos direitos a que essas ações correspondem.
Por fim, são perpétuas, ou imprescritíveis, as ações declaratórias e
as constitutivas que não têm prazo de exercício fixado em lei.
Dessas três regras, Amorim Filho conclui que não existem ações
condenatórias imprescritíveis ou sujeitas à decadência, bem como não ões
constitutivas dependentes de prescrição e ações declaratórias subordinadas à
decadência ou à prescrição.
E, na lição de Humberto Theodoro nior
51
, a respeito da
conceituação de prescrição, o atual Código Civil brasileiro adotou a postura do direito
alemão, para quem prescrição é a extinção da pretensão não exercida no prazo legal,
preterindo o direito italiano, segundo quem é ela a extinção do direito por falta de
exercício pelo titular durante o tempo determinado pela lei.
Para ele, não é, pois, o direito subjetivo violado pelo sujeito passivo
que se extingue com a inércia de seu titular, mas o direito de exigir em juízo a
prestação inadimplida que fica comprometido pela prescrição. Ressalte-se que o
direito subjetivo ofendido permanece incólume, conquanto não se possa legitimamente
50
AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as
ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 86, n. 744, p. 725-750, out. 1997.
51
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo código civil: dos atos jurídicos lícitos, dos atos
ilícitos, da prescrição e da decadência, da prova. Coordenação de Sálvio de Figueiredo Teixeira. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2003. v. 3. t. 2, comentários ao art. 190. p. 154-355.
ter a pretensão de exigi-lo. Tal assertiva é comprovada pelo fato de, cumprido
espontaneamente o direito violado, o pagamento será válido e eficaz, desautorizada,
nos termos do art. 882 do CC, a repetição de indébito.
São, portanto, segundo Theodoro Júnior, requisitos necessários para
que ocorra a prescrição:
1. a existência de uma pretensão por parte do titular do direito
violado;
2. a inércia do titular, caracterizada pelo não exercício da pretensão;
e
3. o decurso do prazo extintivo estipulado em lei.
Na seqüência, ele explica que pretensão consiste na faculdade que a
lei confere ao credor, ou titular de qualquer direito, de exigir uma prestação do
devedor ou do sujeito passivo da relação jurídica. Essa prestação pode ser positiva,
uma ação, ou negativa, uma omissão.
E essa exigência se na hipótese de a obrigação não ter sido
tempestivamente cumprida.
Ainda, a rigor, a prescrição, em si mesma, ainda que consumada,
não extingue de imediato a pretensão. Faz-se necessário que desse instituto se utilize
como defesa para, assim, neutralizar a pretensão exercida pelo credor. Então, o que
extingue a pretensão não é propriamente a prescrição, mas aquilo que Theodoro Júnior
chama de exceção de prescrição.
Ele argumenta em favor dessa assertiva com a possibilidade de o
devedor poder renunciar à prescrição e, mesmo, a de ele deixar de alegá-la
52
. Ainda,
acresce o argumento, aqui antes exposto, no sentido de que, se a prescrição
extinguisse o direito, diante de sua renúncia, que é unilateral, haveria a revivescimento
de direito já extinto, o que, por lógico, exige manifestação bilateral de vontade.
Também, caso ela extinguisse o direito, não havendo sua alegação ou o seu
52
Esse argumento foi apresentado por Theodoro Júnior antes do advento da Lei nº 11.280/06.
reconhecimento de ofício, acrescento, ter-se-ia o acolhimento de uma pretensão, não
obstante fundada a demanda em direito já extinto.
A prescrição é a regra. Admite ela, contudo, exceções, que se
encontram nas hipóteses decorrentes de direitos indisponíveis, bem como de situações
jurídicas que não se traduzem pretensões, a exemplo dos direitos potestativos ou
formativos, já que não se fundam em violação de direito
53
.
Então, a prescrição consiste na perda ou extinção da pretensão, que
é o poder de reagir contra a violação do direito. Prescrição não é a extinção do próprio
direito subjetivo.
A decadência, por sua vez, que não é por ele conceituada de forma
clara e direta, dar-se-á sempre que a parte não tiver pretensão a exercer contra o
demandado. Ela corresponde aos direitos facultativos, potestativos ou formativos.
Lembra o doutrinador que os direitos formativos podem ser
exercitados independentemente de ajuizamento de ação, tal como ocorre na decadência
convencional. Exemplificando: num dado contrato, os contratantes pactuam a
possibilidade de sua prorrogação mediante simples comunicação de uma parte à outra
dentro de determinado prazo antes do vencimento. Essa prorrogação não se subordina
à sentença para operar seus efeitos constitutivos.
Os direitos potestativos, entretanto, necessariamente exigem o
aforamento de demanda. É o que se com a anulação de negócio jurídico, anulação
de casamento, verbi gratia. Tal ocorre nas ações constitutivas, com prazo especial
fixado em lei para seu exercício, porque aqui se exerce um direito potestativo.
Não se olvide, contudo, que são imprescritíveis, ou perpétuas, as
ações constitutivas sem prazo especial para seu exercício e as declaratórias.
53
Exemplos: ações de anulação de negócio jurídico por vícios de consentimento, ações de renovação de locação
comercial, dentre outras.
Theodoro Junior, noticia, ainda, que é exceção o prazo decadencial
admitir suspensão ou interrupção. A exceção deve, entretanto, sempre ser prevista em
lei, nunca por convenção das partes. Di-lo o art. 207 do CC.
O fundamento da decadência é a necessidade de certeza jurídica
que determina a subordinação de certos direitos facultativos ao exercício obrigatório
dentro do prazo previsto em lei. Trata-se de interesse público que as relações jurídicas
submetidas a esse tipo de prazo estejam definitivamente decididas ao termo desse
prazo.
Em resumo, prescrição e decadência diferenciam-se, na lição do
citado eminente doutrinador, porque estão sujeitas àquela todas as ações
condenatórias, e somente elas. À decadência, as ações constitutivas que m prazo
especial de exercício fixado em lei. Na verdade, essa sujeição é indireta, que tal se
em virtude da decadência do direito a que correspondem. Finalmente, conclui que
são imprescritíveis, ou perpétuas, as ações constitutivas que não têm prazo especial
fixado em lei, bem como todas as ações declaratórias.
CAPÍTULO 3
PERSPECTIVA ATUAL DA DOUTRINA
Feito no capítulo anterior um resumo das teses dos principais
doutrinadores trios, pode-se concluir que, no que tange a prescrição e decadência, a
teoria clássica parece ser a mais bem aceita entre nós. Segundo ela, em síntese, a
prescrição atinge a ação e, por via oblíqua, extingue o direito por ela tutelado,
enquanto a decadência, ao contrário, atinge o próprio direito e, em conseqüência,
extingue a ação que o defende.
Essa visão, entretanto, não mais se mantém inatacável desde que se
passou a admitir a teoria autonomista da ação como remédio jurídico processual, seja
sob a forma de direito potestativo, seja sob a forma de direito público subjetivo.
54
Afinal, não se pode ver a prescrição como extinção da ação, uma vez que, mesmo
consumada a prescrição, a possibilidade de contra o prescribente se aforar a ação,
muito embora o seu deslinde seja o reconhecimento dessa mesma prescrição. Adotada
a teoria clássica, ter-se-á, na espécie, o paradoxo: conquanto extinta essa ação, pôde
ela ser ajuizada.
Diz-se, ainda, a seu respeito, que esse critério tradicionalmente
adotado, além de carecer de embasamento científico, faz a distinção entre ambos os
institutos por meio de seus efeitos ou conseqüências. E o que se procura é a causa e
não o efeito.
55
Tamm, sobre essa teoria, se criticou ela por ser um cririo
empírico, carecedor de base cienfica, bem como em rao de ele o fornecer
elementos para se identificarem as denominadas ões imprescriveis.
56
Contra sua
adoção, pode-se invocar também o prinpio constitucional esculpido no art. ,
54
CAHALI, Yussef Said. Aspectos processuais da prescrição e da decadência. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 1979. p. 12.
55
AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as
ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 86, n. 744, p. 725-750, out. 1997.
56
Ibid.
XXXV da Constituição Federal, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judicrio lesão ou ameaça a direito, o que é incompatível com perda da
ão.
Já afastado o conceito de que a prescrição extingue a ação, há
também de se desacolher a tese de que ela extingue o direito.
o se deve esquecer, aqui, de que o cumprimento de uma
obrigação prescrita constitui verdadeiro pagamento e o mera liberalidade. Tal se
porque o direito o se extingue pela prescrição. Na verdade, argüida a exceção
de prescrição, para se usar a linguagem de Humberto Theodoro Júnior, neste trabalho
adotada, o direito, conquanto permaneça hígido, tão-somente enfraquece-se em razão
de a pretensão que a então o defendia, diante dessa exceção, ter ficado
neutralizada.
Nesse ponto, caso se adotasse a tese de que a prescrição extingue o
direito, haveria de se lembrar, ainda, daqueles outros argumentos, antes expostos,
relativos à revivificação do direito extinto sem a participação de uma das partes e à
decisão favorável à pretensão que se tenha embasado em direito extinto, prescrito.
Ainda, se não argüida a exceção de prescrição, o decurso do prazo prescricional será
irrelevante em face de eventual cumprimento da obrigação.
De outro lado, numa visão diferenciada dessas tradicionais, tem-se
o critério científico proposto por Amorim Filho, que igualmente tem sido censurado.
Cahali
57
critica-o ao asseverar que,
[...] na realidade, a pretendida distinção ‘científica’ entre os dois institutos
o passa, na essência, de um desdobramento dinâmico segundo a origem
da ação, a que completaria: nos direitos potestativos, o poder outorgado ao
respectivo titular origina-se com o próprio direito; se estabelecido prazo
para o seu exercício, será de decadência; nos direitos subjetivos, a
pretensão condenatória nasce posteriormente, com a lesão representada
pelo descumprimento da prestação; assim, será de prescrição o prazo
estatuído para a respectiva ação [...] Assim, a dificuldade simplesmente se
teria deslocado para o âmbito da classificação dos direitos in specie,
segundo a nova divisão; e não resolveria o problema daqueles direitos que,
57
CAHALI, op. cit., p. 24-25. (destaque do autor)
na classificação de outros autores, não se qualificassem como direito
potestativo ou como direito a uma prestação.
Importante ressaltar que o prazo prescricional surge na
oportunidade em que houver a violação do direito, scilicet, ocorrer o inadimplemento
da obrigação, enquanto o decadencial nasce concomitantemente com o próprio direito
maculado.
Insta, portanto, atualizar os conceitos dos institutos da prescrição e
da decadência, que, embora possam ter aparentes similitudes, se mostram
profundamente distintos.
Numa exposição primeira de suas diferenças, pode-se afirmar que a
prescrição é a definitiva consolidação de um estado de fato de que uma pessoa está
gozando, oposto ao direito de outra, enquanto a decadência conserva e corrobora um
estado jurídico preexistente. Na prescrição extingue-se uma pretensão e, por via
oblíqua, torna indefeso o direito (dessa outra pessoa) antes defendido por essa
pretensão extinta, não obstante o direito em si permaneça incólume. Com a
decadência, aquele estado jurídico preexistente se torna hígido, pelo que não se pode
mais contestá-lo, o que, por si só, em conseqüência, extingue a pretensão de vê-lo
anulado.
Por outro ângulo, violado o direito, surge para seu titular a
pretensão, que é a faculdade de se exigir o cumprimento do direito infringido, o que
deve, porém, aperfeiçoar-se dentro do prazo prescricional previsto em lei, que a
pretensão se extingue pela prescrição. Se a lei, contudo, não previr prazo a pretensão
será imprescritível.
58
Dentro desse prazo, o exercício dessa faculdade pode ser obstado
por meio da exceção de prescrição. Exemplificando: o inquilino viola direito do
locador ao não pagar a ele o aluguel. Descumprido esse direito, nasce para o senhorio
a pretensão de recebê-lo, a qual, entretanto, nos termos do art. 206, § 3º, I do CC, se
extingue pela prescrição em três anos.
58
Cite-se como exemplo a ação reivindicatória, tal como exposto por TEIXEIRA, José Guilherme Braga.
Imprescritibilidade da ação de reivindicação. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial,
São Paulo, ano 19, n. 72, p. 35-37, abr./ jun. 1995.
O objeto da prescrição, em conseqüência, é essa exceção, que, não
obstante seja mera defesa, se trata de uma preliminar de mérito, uma vez que,
decidida, fica ela agasalhada pelo instituto da coisa julgada.
59
Não é, portanto, matéria
de defesa processual, a ser abordada antes da análise do mérito como causa extintiva
sem a resolução deste.
Na decadência, ao contrário, não se falar em violação do direito.
Inexiste obrigação descumprida. apenas alguém que se apresenta como titular de
certo direito facultativo. E esse direito se resume na possibilidade de o seu titular,
dentro do prazo prefixado em lei, insurgir-se contra a situação jurídica instalada.
Trata-se de mera faculdade desse titular, uma vez que aquela situação jurídica não
corresponde a um dever jurídico alheio, que aqui não se tem qualquer violação de
direito por parte do ex adverso do titular de que se falou.
Exemplificando: o erro, vício de consentimento que é, torna
anulável o negócio jurídico (art. 86 do CC). O contratante que nele incidiu tem, em
conseqüência, a faculdade de vê-lo anulado. Essa faculdade, entretanto, se extingue,
pela decadência em quatro anos, contados do dia em que se firmou a avença (art. 178,
II do CC). Extinta a faculdade, não mais se falará, por óbvio, em pretensão ou ação
que a continue defendendo.
Observe-se que a situação jurídica instalada da qual se falou no
corpo deste trabalho é aquela derivada do negócio jurídico, rectius, a relação jurídica
existente entre os contratantes advinda do contrato anulável. Logo, se aquele
contratante, que incidiu em erro, contra a situação instalada o se insurgir no
quatriênio, decorrido ele não mais poderá fazê-lo, consolidando-se ela, que decaído
estará o seu direito de insurreição.
E o objeto da decadência é, então, o direito facultativo. Note-se
que, como dito, esse direito não é aquele retratado pela situação jurídica instalada
contra a qual o titular da faculdade pode rebelar-se. O objeto de que se fala é, sim, o
direito de esse titular rebelar-se.
59
Art. 269, IV do CPC.
Quanto ao fundamento, tanto da prescrição quanto da decadência,
deve-se tê-lo como o interesse maior da sociedade à certeza e segurança jurídicas. À
sociedade, não interessa, pois, a instabilidade jurídica, se decorrido o prazo fixado em
lei ou pelas partes, derivada da possibilidade de se poder, por um lado, exigir
adimplemento de um direito que se diz violado (na hipótese de prescrição) ou, por
outro, opor-se contra uma situação jurídica consolidada, que se diz eivada de dada
mácula (no caso de decadência).
Ainda, numa visão mais simples, o objetivo da prescrição é
estabelecer um termo ad quem para o exercio da defesa de um direito violado, enquanto
o da decancia é prefixar o tempo em que um direito pode ser eficazmente exercido.
Não se deve olvidar, também, que a prescrição tem
necessariamente a sua origem na lei.
A decadência, por seu turno, pode, além da lei, provir de convenção
das partes, consubstanciada em ato jurídico, unilateral ou bilateral, gratuito ou
oneroso. Têm-se, então, respectivamente, a decadência legal e a convencional. Com
relação à primeira, exemplos estão nos arts. 178, 501, 745 do CC, dentre inúmeros
outros. Exemplifica a segunda delas a constituição de um direito de opção, seja por
declaração unilateral de vontade, seja por contrato, que deve ser exercido em dado
prazo, igualmente estabelecido pelos interessados.
60
É certo que, na doutrina, já se defendeu a possibilidade de a decadência
originar-se igualmente de determinão judicial. Cite-se, verbi gratia, a fixação pelo juiz de
dado prazo para a prática de certos atos processuais, cuja falta venha a influir na relação
jurídica discutida.
61
de se entender, contudo, que nesses casos se tem o instituto da
preclusão
62
, que, conquanto afim ao da decancia, com ela não se confunde.
60
O prazo da decadência convencional pode alterar para maior ou menor, desde que haja a aquiescência de todos
os interessados.
61
GUIMARÃES, Carlos da Rocha. Prescrição e decadência. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 111.
62
CHIOVENDA apud CAHALI, op. cit., 21, afirma que “preclusão consiste na ‘perda’ duma faculdade
processual por se haverem tocado os extremos fixados pela lei para o exercício dessa faculdade no processo ou
numa fase do processo. A preclusão é a ‘perda’ da faculdade de propor questões, da faculdade de contestar (in
Aspectos processuais da prescrição e da decadência.”
Ressalte-se que a prescrição pode ser argüida não nas ações
nascidas de pretensões, mas também nas exceções opostas como meio de defesa de
mérito (e não processual), com que o sujeito passivo resiste indiretamente ao exercício
das pretensões e ões, neutralizando sua eficácia, a despeito da existência e validade
do vínculo material entre as partes
63
.
E a exceção prescreve no mesmo tempo em que a pretensão a que
ela for oposta. Di-lo o art. 190 do CC.
Esse artigo pacificou a matéria, que é veraz, no passado, a
ocorrência ou não da prescrição nas exceções ser matéria controvertida. Savigny, por
exemplo, posicionava pela absoluta imprescritibilidade, enquanto Chiovenda, pela
prescritibilidade.
o se olvide, entretanto, que o citado art. 190 diz respeitoo-
somente às exceções em que se deduza pretensão que poderia ser veiculada por meio de
ão. A título de exemplo, citem-se exceção de retenção de benfeitorias, a exceptio non
adimpleti contractus e a própria prescrição extintiva.o há, pois, por outro lado, se falar
em prescrição da excão de coisa julgada, exceção de pagamento, excão de
compensação consumada antes de terminado o prazo prescricional, dentre outras.
Cumpre, para arrematar as conclusões aqui expostas, e com atenção
nelas, esboçar um recurso didático por meio do qual se consiga, de maneira fácil,
diferenciar os institutos da prescrição e decadência.
Embasa-se ele na teoria da origem da ação. Se a pretensão, a ser
deduzida em ação, na qual se defende o direito violado, nascer apenas quando da
violação desse direito, dir-se-á que o prazo para o aforamento da respectiva ação é
prescricional. Agora, caso a pretensão, pela qual se busca um dado direito, surja desde
logo, com o nascimento do próprio direito que se persegue, o qual, portanto, nasce
eivado de mácula, o prazo é decadencial.
63
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo código civil: dos atos jurídicos lícitos, dos atos
ilícitos, da prescrição e da decadência, da prova. Coordenação de Sálvio de Figueiredo Teixeira. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2003. v. 3. t. 2. p. 182-183.
A título de exemplo, pode-se dizer que a pretensão a determinado
crédito terá ação para defendê-lo quando for ele lesionado, o que ocorrerá com o
seu inadimplemento. Daí é que tão-somente na data desse inadimplemento nascerá a
pretensão de cobrança que defenderá o dito direito ao crédito, que foi violado na
medida e ocasião em que não foi solvido. Tem-se, então, um prazo prescricional.
Mas o prazo sedecadencial, se a ação competente para a defesa
do direito nascer simultaneamente com o próprio direito. Tal ocorre, por exemplo, na
hipótese de se querer ver anulado um negócio jurídico realizado mediante erro, dolo,
fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, hipóteses em que o próprio direito
à anulação e a respectiva pretensão nascem ao mesmo tempo. Veja o art. 178,
II do CC.
Não se olvide, entretanto, que causas impeditivas de prescrição e
decadência podem mascarar essa conclusão. Veja, pois, a pretensão referente ao
direito de anulação de negócio jurídico realizado sob coação nasce com o próprio
direito à anulação. Há, contudo, na hipótese, uma causa impeditiva do curso desse
prazo decadencial, que cessará apenas quando da cessação da coação. Diante disso, o
curso do prazo decadencial passará a correr, em razão dessa causa impeditiva, apenas
quando a coação cessar e não da realização do negócio jurídico. Daí é que
aparentemente, mas trata-se de mera aparência, direito e a sua respectiva pretensão não
têm origem concomitante. E essa causa impeditiva, nos termos do art. 207 do CC, está
prevista no art. 178, I desse mesmo Código.
CAPÍTULO 4
CAUSAS PRECLUSIVAS
Desde logo, deve-se ressaltar que os prazos de prescrição e
decadência se vinculam a princípios de ordem blica, uma vez que são regras de
ordem, harmonia e paz, impostas pela necessidade da certeza e segurança das relações
jurídicas.
Não podem as partes, por conseguinte, alterar os prazos de
prescrição e de decadência legal. Ampliá-los equivale, no que tange à prescrição, a
torná-la inviável, o que implica verdadeira renúncia da prescrição antes de consumada,
Note-se, ainda, que a supressão e a criação de causas impeditivas,
suspensivas e interruptivas dos prazos da prescrição e decadência legal são igualmente
vedadas, já que admiti-las equivaleria a diminuição ou aumento de tais prazos.
Feitas essas observações, há se consignar que alguns fatos obstam o
regular curso dos prazos prescricional e decadencial. Constituem eles as chamadas
causas preclusivas da prescrição e da decadência. É certo que esses óbices ora
impedem, ora suspendem, ora interrompem o curso daqueles prazos. Têm-se, na
verdade, aqui, respectivamente, as causas impeditivas, as causas suspensivas e as
causas interruptivas, seja da prescrição, seja, quando o caso, da decadência.
Essas causas, por sua vez, exigem que se faça sobre elas algumas
advertências.
A mais longeva doutrina já ensinava que a decadência, por envolver
quase sempre princípio de ordem pública, podia ser conhecida de ofício pelo juiz.
Também assim o era quanto à prescrição de direitos não-patrimoniais, rectius, aquela
incidente em ações de estado, a que se chamava também prejudiciais. O juiz não
podia, no entanto, conhecer da prescrição de direitos patrimoniais, se não foi invocada
pelas partes (art. 166 do CC revogado)
65
.
Com o advento do Código Civil de 2002, o juiz continuou não
podendo suprir, de ofício, a alegação de prescrição. De um lado, entretanto, omitiu-se
a restrição de direitos patrimoniais, enquanto, de outro, acrescentou a exceção, pela
qual ao magistrado se tornou possível conhecer de ofício a prescrição que favorecesse
a absolutamente incapaz (art. 195). Quanto à decadência legal, não houve qualquer
alteração acerca do seu reconhecimento. O juiz que podia reconhecê-la ex officio
continuou podendo fazê-lo.
Hoje, em razão do art. 219, § do CPC, com a redação que foi
dada pela Lei 11.280/06, houve nova alteração. Mantido o conhecimento de ofício
65
SANTOS, Joaquim Manoel de Carvalho.digo civil brasileiro interpretado. 12. ed. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1980. v. 1. comentários ao art. 66, p. 396-397.
da decadência, com essa alteração o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição, seja de
que tipo for, seja quem for o favorecido.
Ainda, quanto ao reconhecimento da prescrição e decadência, diz o
art. 295, IV do CPC que a petição inicial será indeferida, quando o juiz verificar, desde
logo, a decadência ou a prescrição.
Ocorre, contudo, que, diante das mencionadas causas impeditivas,
suspensivas e interruptivas da prescrição, de se ver temerário o indeferimento da
petição inicial inaudita altera parte. Prudente, pois, é, antes desse indeferimento, a
oitiva do ex adverso sobre a possibilidade de o prazo prescricional ou decadencial,
aparentemente consumado, ter sofrido a ação de uma daquelas causas, o que pode
significar, não obstante aquela aparente consumação, que o seu aperfeiçoamento
verdadeiramente não se deu.
No tocante às causas impeditivas, elas preexistem ao nascimento do
prazo que deveria começar a correr, pelo que esse prazo nem mesmo se inicia. A
pretensão, no aspecto prescricional, manter-se-ia, por conseguinte, incólume. O
direito, tratando-se de decadência, de igual forma, não poderia ser atacado.
As causas suspensivas, por sua vez, surgem após o nascimento do
prazo, que, com a ocorrência delas, ficará suspenso. Então, corre-se determinado lapso
de tempo do prazo para apenas aí, com o advento de uma dessas causas, ficar ele
suspenso até que outro fato faça cessar essa suspensão, retomando-se o curso desse
prazo.
Pode-se concluir, dessa forma, que ambas as causas têm a mesma
conseqüência, rectius, a de obstar a fluência do decurso do prazo prescricional e,
quando o caso, decadencial. Diferem elas tão-somente quanto ao seu termo a quo,
que as causas impeditivas nem deixam iniciar a fluência do prazo, enquanto as
suspensivas, iniciada essa fluência, fazem-na cessar.
Não se deve olvidar que essa diferença implica, por óbvio, que o
prazo, nas hipóteses de causas impeditivas, fluirá por inteiro quando cessadas essas
causas, uma vez que antes dele nada correu, e que esse mesmo prazo, nas situações em
que houver causas suspensivas, quando findas essas, voltaa correr pelo que faltava,
em virtude de, antes da superveniência da suspensão, o prazo ter corrido por um
dado tempo, que não será desprezado no cômputo geral da contagem do prazo.
Na lição de Carvalho Santos
66
, a suspensão é, pois, um parêntese
aberto no curso da prescrição.
A doutrina
67
classifica as causas de impedimento e suspensão em
três grupos, a saber, causas subjetivas bilaterais, causas subjetivas unilaterais e causas
objetivas ou materiais. As causas subjetivas bilaterais são aquelas que se ligam à
situação pessoal de ambas as partes da relação jurídica a ser afetada pela prescrição.
Dizem, pois, respeito aos cônjuges, ascendentes e descendentes, bem como tutelados
ou curatelados e seus tutores e curadores. Estão elas previstas no art. 197 do
CC
. As
causas subjetivas unilaterais, por sua vez, referem-se à situação pessoal de uma das
partes da relação jurídica que sofrerá os efeitos da prescrição ou decadência.
68
Relacionam-se aos absolutamente incapazes, ausentes do país em serviço da União,
Estados ou Municípios e aqueles que se achem servindo nas Forças Armadas em
tempo de guerra. Encontram-se elas no art. 198. Por fim, as causas objetivas ou
materiais não se referem a circunstâncias pessoais das partes da relação jurídica sujeita
aos efeitos da prescrição. Elas se relacionam à condição suspensiva pendente, prazo
não vencido e ação de evicção aforada (art. 199), bem como a fato, cuja origem
deva ser apurada no juízo criminal (art. 200).
A distinção entre causas subjetivas, de um lado, e objetivas, de
outro, é relevante. O rol daquelas primeiras é tax.287256(a)-0.(a)-0.69632 0 Td5(t)0.0633321(i)0.0633321(v)-0.287256(o)-0.287256(.)-9.40708( )-46.4655(O)-0.637848( )-46.4656(d)-0.287256(e)-9.96345(s)-0.113093(s)-0.113092(a)-0.698915(s)-0.113093( )-46.465ú(d)-0.287257(l)-9.20125(t)0.0633321(i)-9.20125(m)9.04061(a)-9.96349(s)-0.113095(,)-0.142497( )-46.4654(a)-0.698915(o)-0.287257( )-46.465c(z)-9.96576(o)-0.284995(n)-0.284994(t)0.0633325(r)-0.524752(á)-0.701177(r)-0.524752(i)0.0633327(o)-9.54957(,)-9.40934( )249.999]TJ-0.69631 -22.44 Td[(p)-0.287255(o)-0.28725[(d)-0.287256(e)-0.69949( )8ser ampliado por meio de interpretação analngr
prazo. É a condição insuperável por qualquer meio ou ato da parte interessada, fator
externo impeditivo à efetivação da vontade, em razão do que involuntário e escusável.
Não é, por exemplo, plausível entender prescrita uma pretensão ou caduco um direito
quando o fórum se encontrava fechado em razão de um fato imprevisível.
Aliás, nesse particular, mais especificamente no que se refere a dies
ad quem de prazo decadencial em que não expediente forense, se julgou que, se
não é possível dilatar o prazo de decadência, também não é possível encurtá-lo, e,
dessa forma, quando recair em feriado o último dia do vencimento, a solução mais
justa é a aplicação da regra geral, pois inexiste prejuízo para as partes. Além do mais,
o art. 125, § do CC de 1916 prevê expressamente a referida prorrogação, sem
distinguir entre prazo de prescrição e de decadência.
69
Causas interruptivas. Elas surgem quando o prazo está fluindo.
Na hipótese, é inutilizado o lapso temporal escoado até a ocorrência da causa
interruptiva. Interromper é, portanto, inutilizar o prazo prescricional ou, se caso, o
decadencial já escoado, apagando-lhes todo efeito produzido até o momento em que se
verifica o fato interruptivo.
Daí, cessada a causa da interrupção, o tempo decorrido antes de seu
surgimento deve ser tido por inexistente, em razão do que, depois do ato interruptivo,
o prazo voltará a correr pelo tempo inteiro.
de se concluir, em conseqüência, que se interrompe o prazo
que estiver escoando e que ainda não se findou. o se interrompe, dessa forma, a
prescrição antes do nascimento da pretensão, o que significa dizer antes de violado o
direito por meio de seu inadimplemento, assim como não interrupção depois de
consumada a prescrição. A mesma conclusão é valida para o prazo decadencial,
quando houver previsão legal de causa interruptiva.
As causas interruptivas, previstas no art. 202, são classificadas em
dois grupos, rectius, um primeiro em que se encontram aquelas causas interruptivas
69
RT 621/102.
cuja iniciativa deve ser atribuída ao titular da pretensão (art. 202, I a V), e um segundo,
no qual se encontram as causas cuja interrupção se por ato do devedor (art. 202,
VI).
Diferenciando, de um lado, as causas impeditivas e suspensivas da
prescrição e, de outro, as causas interruptivas, pode-se ter como primeira
dessemelhança entre elas o quantum do tempo prescricional, ou decadencial, após a
cessação da causa obstativa de seu curso. Se a causa for suspensiva, esse tempo será
pelo que faltava correr quando a suspensão se deu, lembrando, nesse particular, que,
tratando-se de causas impeditivas, o tempo faltante será o tempo total, uma vez que
com essas causas a prescrição nem se tinha iniciado. Agora, se a causa for interruptiva,
o tempo será sempre por inteiro.
Uma segunda diferença decorre do fato de que as causas
suspensivas e impeditivas independem da vontade das partes envolvidas, enquanto as
causas interruptivas, ao contrário, dependem dessa vontade, em razão de elas
derivarem de fatos provocados ou determinados diretamente pelas partes.
Diferenciam elas, ainda, pelo seu fundamento. O fundamento da
suspensão e do impedimento do curso do prazo é a impossibilidade, ou dificuldade,
que a lei reconhece, para o exercício da ação, o que implica também o reconhecimento
de que, nesses casos, a inércia não poderia prejudicar o titular do direito à ação. O
fundamento da interrupção, por sua vez, é o exercício de um direito que, acionado, faz
cessar a inércia daquele titular.
É relevante notar que quaisquer dessas causas, salvo, por óbvio, as
impeditivas, como exposto, pressupõem um prazo em curso que, agora incluindo as
impeditivas, não se completou. Completado esse prazo, falar-se-á tão-somente, pois,
em renúncia da prescrição ou da decadência convencional. Atente-se: a decadência
legal não se renuncia.
No tocante à interrupção, deve-se lembrar que o Código Civil
revogado não previa limites para o seu uso. Podia, pois, o interessado interromper o
prazo prescricional (e sob o império desse Código o prazo decadencial era
peremptório) quantas vezes lhe aprouvesse. Tal circunstância tornava uma dada
pretensão, na prática, imprescritível. Bastaria, pois, para tanto que o credor, antes de
consumada a prescrição, interrompesse seu curso. Novo prazo surgiria e, antes de sua
consumação, mais uma vez interromperia a prescrição. Comportamento similar
reiterado tornaria, pois, imprescritível a pretensão.
CAPÍTULO 5
CAUSAS IMPEDITIVAS E SUSPENSIVAS
Desde logo, insta consignar que as diferenças e semelhaas
entre as causas impeditivas e as suspensivas, bem como as causas interruptivas já
foram expostas no capítulo anterior.
Ressalte-se, ainda, que as causas impeditivas e suspensivas da
prescrão são aplicadas à decadência legal apenas se houver expressa previo
legal para tanto. Di-lo o art. 207 do CC.
Consignadas essas notas, passar-se à alise das causas
impeditivas e suspensivas da prescrição elencadas nos arts. 197 a 200 do CC.
Segundo o art. 197, I, não corre a prescrição
70
entre os cônjuges
na constância da sociedade conjugal, entre ascendentes e descendentes durante o
poder familiar, bem como entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores
durante a tutela ou curatela.
Dessa forma, o casamento faz com que, entre os cônjuges, na
consncia da sociedade conjugal, não se inicie o prazo prescricional ou, se
iniciado, fique ele suspenso. Dissolvida essa sociedade por uma das causas
previstas no art. 1.571 do CC, o prazo prescricional corre por inteiro, na hitese
de ele não ter ainda sido iniciado, ou volta a correr pelo que faltava, no caso de
ele ter sido suspenso em razão de as partes terem convolado núpcias.
No passado, discutiu-se se o desquite, hoje separão judicial,
fazia cessar a causa da suspensão ou impedimento da prescrão. Discutia-se
porque no digo revogado constava que a prescrão o corria na consncia do
matrinio. D a pergunta que se propunha era “a separação judicial (ou desquite)
70
As teorias desenvolvidas neste capítulo dizem respeito à prescrição, pelo que a referência sempre se fará a este
instituto. É certo que elas também poderão dizer respeito à decadência, se houver para tanto previsão legal.
dissolve o matrinio ou o?. Tal discussão hoje tornou-se desnecessária em
virtude de o Código Civil, de um lado, ter passado a ser expresso no sentido de que
a prescrição não corre na consncia da sociedade conjugal e de ele também, de
outro, ser taxativo em enumerar, no seu art. 1.571, a separação judicial como causa
de dissolão dessa sociedade.
É certo que esse impedimento ou suspeno da prescrão deve
ser entendido de forma restritiva. Está suspenso o curso do prazo prescricional, ou
ele não se inicia, apenas em ações de um cônjuge em face do outro. Seu curso é, no
entanto, normal naquelas ações de um dos cônjuges contra terceiro, ainda que se
possa refletir responsabilidade do outro cônjuge.
Ainda, deve-se discutir se a separão de fato faz cessar os
efeitos dessa causa suspensiva (ou impeditiva) em queso. A resposta é positiva.
De fato. A doutrina tem ensinado que a razão jurídica de não correr a prescrição
entre os cônjuges é a paz dostica e o afastamento de motivos que possam levá-
los à dissensão. Eno, não sendo mais necessários a preservão da paz doméstica
e o afastamento de qualquer desconfiaa entre os njuges, que separados de
fato, não existi tamm mais a razão que determinava a suspensão do curso do
prazo prescricional, ou o óbice para que esse prazo se iniciasse.
Por outro lado, de igual forma poder-se-ia perquirir a exisncia
de eventual suspensão, ou impedimento, derivada do fato de as partes encontrarem-
se na constância de uno estável. É certo que é reconhecida essa união como
entidade familiar (CF, art. 226, § ). Não obstante, a uno esvel havida pelas
partes envolvidas o pode ser vista como causa de suspensão ou impedimento do
curso do prazo prescricional
71
. -la desta forma é o mesmo que proceder a uma
interpretão anagica, o que o é admissível na espécie. Dizem, pois, os
doutrinadores, de forma unânime, que o rol das causas impeditivas e suspensivas da
prescrão, tanto as subjetivas bilaterais quanto as unilaterais, é taxativo e não
71
GONÇALVES, Carlos Roberto. Prescrição: questões relevantes e polêmicas. In: DELGADO, Mário Luiz;
ALVES, Jones Figueiredo (Coord.). Questões controvertidas no novo código civil. São Paulo: todo,
2003. v. 1. p. 96, entende que, entre os conviventes, há suspensão do prazo prescricional.
exemplificativo. E, por ser a hitese tratada causa subjetiva, o rol, que é taxativo,
o pode ser ampliado por analogia.
72
Daí ser defesa a interpretação analógica.
A esse respeito, mara Leal, com o apoio em Guelfi Filomusi,
ensina
73
que, na interpretação extensiva, se reconhece aquilo que es na lei,
embora de maneira não expressa. Na espécie, o legislador teria dito então menos do
que desejava. Lex minus scribit, plus voluit. Então, o inrprete apenas amplia a
extensão do significado das palavras do legislador. Na interpretão analógica, que
é vedada na hipótese, o legislador o se reportou acerca da matéria, pelo que ela
inexiste na legislão. O intérprete, no entanto, não obstante a maria não esteja
prevista, em razão de semelhança dela com uma outra prevista pelo legislador,
passa a entender igualmente prevista aquela matéria de que o legislador o tratou.
No caso da união estável, matéria que o legislador trata em
outras circunstâncias, mas não quando disciplina a prescrão, não pode essa
expreso, que é técnica e possui significado pprio, ser interpretada como
sinônima de casamento, instituto daquela diverso, embora semelhante. Logo, se o
legislador nada previu em termos de união esvel, o pode o inrprete, em razão
da semelhança desse instituto com o matrimônio, estender àquela as regras deste.
Tamm não corre a prescrão entre ascendentes e descendentes
durante o poder familiar. O impedimento ou suspensão se dá quer seja em ação de
ascendente em face de descendente, quer seja em ão deste em face daquele.
Observe-se, por outro lado, que esse impedimento ou suspeno
ocorre tão-somente entre parentes consangüíneos em linha reta que estejam sob
nculo do poder familiar, não se estendendo aos demais parentes em linha reta. Os
afins, por exemplo.
Tem-se aqui discutido se a suspeno do poder familiar extingue
essa causa de impedimento ou suspeno da prescrição. A doutrina
74
entende que a
72
Não é, entretanto, vedada, no caso, a interpretação extensiva.
73
LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decadência. Rio de Janeiro: Forense, 1959. p. 164.
74
Ibid., p. 140.
mera suspensão do poder familiar continua obstando o curso da prescrão, já que,
embora suspenso, o vínculo advindo do poder familiar continua incólume. Situão
diversa, com solução igualmente diferente, é aquela em que há destituição do poder
familiar. Nesse caso, extinto esse poder, o prazo prescricional fluirá de forma
normal.
A finalidade da lei, ao colocar essa causa impeditiva e suspensiva
da prescrição, é evitar oposão de interesses, divergência, discordância entre os
ascendentes e descendentes.
Tamm, não corre a prescrão entre os tutelados ou curatelados
e seus tutores ou curadores durante a tutela ou curatela. As raes de isso ocorrer
derivam do fato de que ao tutor e curador cabem a administração e a defesa dos
direitos do incapaz, pelo que não pode a lei deixar prescrever eventual direito que o
pupilo ou curatelado tenham contra o tutor ou curador. No tocante ao tutor, e ao
curador, sua tarefa é zelar pelos direitos do pupilo, ou curatelado. D ser
inadmissível a prescrição de direito do incapaz contra o tutor ou curador, uma vez
que, durante a tutela ou curatela, a esses caberia administrar o direito daquele e não
contra ele ir.
Ainda sob a égide do Código Civil anterior, também não corria a
prescrão em favor do credor pignoracio, do mandatário e, em geral, das pessoas
que lhes o equiparadas, contra o depositante, o devedor, o mandante e as pessoas
representadas, ou seus herdeiros, quanto ao direito e obrigões relativas aos bens
confiados à sua guarda. O Código Civil atual, entretanto, deixou de prever essas
situações como causa de impedimento e suspensão. D é que, sob a égide do
digo de 1916, se suspenso estivesse o prazo prescricional em rao dessa causa,
com o advento do atual Código, de imediato ele deveria voltar a correr.
Consigne-se que essas causas elencadas no art. 197 não são, por
ausência de previo legal, causas impeditivas ou suspensivas da decadência. Daí é
que, entre descendente e ascendente, mesmo durante o poder familiar, considerada
o-somente essa circunstância, corre o prazo decadencial. Outra circunsncia
pode, contudo, impedir ou suspender esse prazo, desde que haja previo legal.
Poder-se-á, por exemplo, ter por obstado o prazo de caducidade
em favor do descendente, não por ser descendente, mas por ser incapaz. De fato.
Conquanto silente o art. 197 do CC, o seu art. 178, III pre como causa
impeditiva, ou suspensiva, da decadência a incapacidade relativa daquele que
praticou o negócio jurídico em pleito de anulação desse necio. Impede-se, ou
suspende-se, o curso do prazo decadencial até que cesse a incapacidade. Cessada
ela, esse prazo coma a correr. Outro exemplo: independentemente do disposto no
art. 197, numa relação jurídica entre tutor e pupilo, contra este o correrá o prazo
decadencial se absolutamente incapaz o tutelado for. A previo legal para tanto
está no art. 208 c.c. art. 198, I.
O art. 198 do CC, por sua vez, também impede o curso da
prescrão contra os absolutamente incapazes, contra os ausentes do Ps em
servo público da União, dos Estados ou dos Munipios, bem como contra os que
se acharem servindo às Forças Armadas em tempo de guerra.
de se ter em mente que a prescrição que não corre é aquela
contra as pessoas anteriormente mencionadas. Corre, contudo, em favor delas.
Logo, não prescreverá a pretensão contra um direito violado cujo titular seja uma
pessoa absolutamente incapaz, mas, ao contrário, prescreve a pretensão em
desfavor dessa pessoa se o titular do direito lesionado for capaz ou relativamente
incapaz.
o, nos termos do art. do CC, absolutamente incapazes de
exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de dezesseis anos, os que,
por enfermidade ou deficncia mental, não tiverem o necessário discernimento
para a prática desses atos e os que, mesmo por causa transitória, não puderem
exprimir a sua vontade.
Note-se que, nas hipóteses de falta de necessário discernimento
em razão de enfermidade ou deficiência mental e de impossibilidade de exprimir a
vontade, ainda que por causa transitória, a incapacidade absoluta adm da
ocorncia dessas circunsncias, independentemente de as pessoas que as sofrem
terem sido judicialmente interditadas. A questão aqui se resume na prova da
incapacidade absoluta. Se já interditada a pessoa, a simples apresentação de
documento que comprove a interdição na ação em que se discute a prescrão em
curso implica que o prazo deve ser reconhecido como suspenso. Se ainda o houve
a interdição, deve-se demonstrar, pelos meios de provas admitidos em direito, que o
prescribente se encontra naquelas circunsncias ditadas pelo mencionado art. .
Lembre-se, por fim, de que o é a interdição que leva à
incapacidade. É a incapacidade que leva à interdição. Afinal, o vigente Código
Civil o exige a interdição como condição da incapacidade.
Pouco importa aqui se a incapacidade preexiste ao icio do
curso do prazo prescricional, impedindo que esse curso passe a fluir, ou se ela é
superveniente ao início do prazo, caso em que ele será suspenso apenas a partir do
surgimento dela.
Ainda, a prescrição voltará a ter o seu curso normal se o incapaz
ceder seu direito a um capaz. Ao contrário, o curso da prescrão estará suspenso se
uma pessoa capaz ceder seu direito a um incapaz. A data em que ocorre a
suspensão e a cessão da suspensão é aquela em que se der a transferência do
direito cedido.
Por expressa previsão do art. 208 do CC, essa causa impeditiva
ou suspensiva se aplica à decadência.
O art. 198, II do CC, por sua vez, reza que está suspenso o prazo
prescricional contra os ausentes do país em servo público da Uno, dos Estados e
dos Municípios. O Código aqui não especifica a natureza do servo público que o
titular do direito deverá estar prestando no exterior. Logo estão equiparados o
Se ele, no entanto, como é de presumir, permanecer no
estrangeiro anos seguidos, eventual pretensão sua contra terceiro dificilmente
prescreve. Se necessária a sua aposentadoria ou falecimento para que o prazo
da prescrão volte a correr, ou inicie o seu curso.
Tamm não corre a prescrição contra aqueles que se acharem
servindo nas Forças Armadas em tempo de guerra. A guerra aqui pode ser intestina
ou externa. O privilégio compreende tanto os civis como os militares que estejam
mobilizados a serviço da guerra. Ainda, podem eles estar no front ou na retaguarda,
dando apoio àqueles que dela participam.
Note-se que, tratando-se de guerra interna, normalmente
chamada de revolão, possui a imunidade aqui tratada apenas as pessoas que
servem à legalidade e às suas instituições. Diz, pois, a doutrina que essa suspensão,
ou impedimento, se deve dar porque aquele que se dedica à guerra na verdade es
sacrificando-se pela defesa da pátria, o que, por si só, importa a benesse em tela
para que seus interesses particulares, então abandonados, não sejam ainda mais
prejudicados.
Salvo o inciso I anteriormente mencionado, as disposições do art.
198, por ausência de disposição legal, o constituem, por si s, causa de
impedimento ou suspeno de prazo decadencial.
O art. 199 do CC, por seu turno, informa que o corre
igualmente a prescrição pendendo condão suspensiva, o estando vencido o
prazo e pendendo ação de evicção.
Essas três situões impedem, na verdade, o nascimento da
própria pretensão, pelo que, se não nascida, o pode a prescrão nem mesmo ter
início. Ao contrário daquelas circunstâncias dos arts. 197 e 198, as quais podiam
ser causas tanto impeditivas quanto suspensivas da prescrão, veja-se então que
essas situações do art. 199 podem o-somente ser causas impeditivas.
Segundo o art. 121 do CC, considera-se condição a cusula que,
derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do necio
jurídico a evento futuro e incerto. Na lição de Washington de Barros Monteiro, são
condões suspensivas, por sua vez, quando as partes protelam temporariamente a
eficácia do necio jurídico até a realizão do acontecimento futuro e incerto.
76
Dessa forma, o direito que esteja sujeito a uma condição
suspensiva ainda não tem exisncia atual. o é ele exigível. Não é ele um direito
adquirido. Para tornar-se adquirido e exigível, é necessário que a condição
suspensiva se realize. E, enquanto isso não se dá, descabido falar em violação do
direito que faz nascer a pretensão, a qual se extingue pela prescrição.
É certo que alguns fatos supervenientes ao nascimento da ação
equivalem a verdadeira condição suspensiva, já que tais efetivamente suspendem os
efeitos do direito protegido.
Imagine-se, verbi gratia, um crédito líquido e certo. Seu titular,
se vencido ele e o pago, tem direito à inerente execução. Não proposta, passa a
correr o seu prazo prescricional. O devedor, no entanto, afora uma ação de anulão
desse crédito. Enquanto não decidida essa ação de anulação, que seria um exemplo
do citado fato superveniente, deve-se ter por suspenso o direito ao crédito. Por
gico, em conseqüência, estará suspensa a prescrão da pretensão executória do
dito crédito, uma vez que, suspenso o direito ao crédito, o seu titular o te
interesse de agir referentemente à execução, pelo que, conquanto inerte, não pode
ele ser prejudicado.
Nessa hipótese, o art. 199, I, am de causa impeditiva da
prescrão, é ele também causa dela suspensiva.
Ressalte-se, ainda, neste particular, que a condição resolutiva é
matéria estranha às causas suspensivas e impeditivas da prescrição. Tal ocorre
porque, com esse tipo de condição, o direito, embora condicional, já é desde logo
76
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: parte geral. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
v. 1. p. 274.
exigível. E se o é sem que o seu titular o exija, nada mais lógico que contra ele
corra o prazo prescricional.
o estando vencido o prazo, não corre de igual forma a
prescrão. Prazo, na lição de Washington de Barros Monteiro, é o espaço de tempo
intercorrente entre a declarão de vontade e o advento do termo. Termo, por sua
vez, segundo o ensinamento desse doutrinador, é o dia, no qual tem de comar ou
de extinguir a eficia de um negócio jurídico. Ambos não se confundem, portanto.
Enquanto o vencido o prazo, o direito dele dependente é inexivel. D, não se
pode vê-lo sujeito à prescrição. Afinal, por ser ainda inexigível, não pretensão
para buscar o seu adimplemento.
77
Existem direitos que não têm prazo prefixado para o seu
exercio. Nessas hipóteses, antes de mais nada, deve-se fixar o prazo, o que se
constituindo o devedor em mora. Trata-se da mora chamada ex personae. Não se
pode olvidar que a prescrição corre apenas para o credor inerte de devedor moroso.
Se o credor é inerte, mas o devedor não é moroso, inclusive em rao de a sua
obrigação o ter prazo fixado, a ircia do credor é mais do que legítima, já que
o possui ele qualquer preteno contra o seu devedor. Não havendo pretensão,
o se cogita de prescrão.
De outro lado, possível é a ocorrência de obrigação com
ltiplos vencimentos, o que implica dizer com prazos diversos. Nesses casos, a
prescrão passa a correr sucessivamente a partir do vencimento de cada um dos
prazos. Isso é o que ocorre com os débitos que seo pagos em prestações.
Se pendente ão de evião, tem-se aí última causa impeditiva
da prescrão dentre aquelas previstas no art. 199. Evicção é a perda total ou parcial
de uma coisa, em virtude de sentença, que a atribui a outrem, por direito anterior ao
contrato, de onde nascera a pretensão do evicto
78
, rectius, daquele que perde a coisa
77
MONTEIRO, 2003, v. 1, op. cit., p. 277.
78
BEVILAQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1917. v. 4. p. 275.
em razão dessa sentença. Essa sentea, por sua vez, é prolatada em ão
denominada ão de evicção.
Observe-se, eno, que, na ação de evicção, o seu autor
reivindica do u uma dada coisa. O réu, na hipótese de procencia do pedido
dessa ão, perderá a coisa. Somente aí assisti a esse u, chamado evicto, o
direito de demandar contra aquele que para si transmitiu a coisa perdida, pela
restituição do preço pago e reparação do dano.
Veja, pois, dessa maneira, que o direito do evicto em demandar
nasce com o trânsito em julgado da decisão que lhe foi desfavorável, prolatada na
ão de evião, quando eno igualmente se inicia contra si o curso do prazo
prescricional dessa sua pretensão em ver-se restituído do preço pago.
Embora não conste do digo Civil, é certo que existe mais uma
causa suspensiva da prescrição. Está ela prevista no Decreto nº 20.910/32 que
regula a prescrição inqüenal das dívidas passivas da União, dos Estados e dos
Munipios, bem como de todo e qualquer direito ou ão contra a Fazenda federal,
estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza.
De fato. Segundo o art. 4º desse Decreto,
[...] o corre a prescrição durante a demora que, no estudo, no
reconhecimento ou no pagamento da vida, considerada quida, tiverem
as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apu-la.
Acrescenta seu parágrafo único que a suspeno da prescrição, neste
caso, se verificará pela entrada do requerimento do titular do direito ou
do credor nos livros ou protocolos das repartições blicas, com a
designação do dia, s e ano.
Dessa forma, na verdade, tem-se na espécie uma causa
suspensiva da prescrição. Estará ela suspensa desde a data em que houve o
protocolo da reclamação administrativa.
Essa reclamação pode ter uma solão desfavorável ao
reclamante. Nesse caso, a prescrição, nos termos do art. desse mesmo Decreto,
recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a suspendeu
79
ou do
último ato ou termo do respectivo processo. Ressalte-se que, neste caso,
excepcionalmente, a prescrição volta a correr pela metade por expressa
determinação legal, devendo dentro dessa metade ainda em curso o reclamante
buscar o seu direito em jzo.
Agora, se essa reclamação tiver uma solução favovel ao
reclamante, efetivamente não se terá na hitese causa suspensiva ou mesmo
interruptiva da prescrão. Ter-se o término de uma fase da busca pelo reclamante
de seu direito. Essa fase, que é administrativa, substitui o processo judicial de
cognão, restando ao reclamante o-somente ajuizar a respectiva execão
daquele seu direito reconhecido na reclamação administrativa por ele antes
interposta. A execão é, pois, uma ação aunoma, pelo que não há de se cogitar,
em última análise, de suspensão ou interrupção, mas do curso de uma nova
prescrão, de tempo igual ao da ação, que, no caso, foi substitda pela reclamação
administrativa. Vide mula nº 150 do Supremo Tribunal Federal.
Nos termos do art. 200 do CC, quando a ação se originar de fato
que deva ser apurado no juízo criminal, o corre a prescrição antes da respectiva
sentença. Deve-se entender por respectiva sentença aquela a ser prolatada nos autos
do processo criminal que visa apurar o fato que dará origem à ação cível. Ainda
mais. O termo a quo do curso do prazo prescricional deve ser a data do trânsito em
julgado desta sentea, seja ela absoluria seja ela condenaria.
É certo, por outro lado, que muitas vezes não se terá sentea
definitiva para o fato criminal. Imagine-se, pois, a hipótese de instaurão de um
inqrito policial, cujo objetivo seja apurar uma dada ptica criminosa. Ocorre,
entretanto, que a autoridade policial não logra êxito em obter as necessárias provas.
O inquérito é, em conseqüência, arquivado. Essa decio de arquivamento não é
uma sentença definitiva. Tanto não o é que o desarquivamento desse inqrito pode
dar-se em qualquer momento desde que haja novas provas. Aquele arquivamento
79
É certo que, não obstante a hipótese trate de suspensão, o citado artigo fala em interrupção.
o deve ser, dessa forma, o termo a quo do curso do prazo prescricional. Se o
fosse, o que aconteceria com esse prazo diante de um desarquivamento ? Estaria
ele, entre o arquivamento e desarquivamento, suspenso ?
Por óbvio que o. Na verdade, o mero arquivamento, por não
ser sentea definitiva, não tem o condão de fazer disparar o curso do prazo
prescricional. Assim, como também o o tem qualquer decisão que coloque fim ao
processo sem o seu julgamento de rito, uma vez que o dominus litis poderá
novamente reaforar a questão. A tulo de exemplo, cite-se: rejeitada a denúncia ou
queixa-crime por desatenção a aspectos processuais, o dominus litis, em vez de
recorrer, deixa transitar em julgado a rejeição. Tamm não houve aqui sentença
definitiva. Poderá ele, pois, obedecidos os aspectos processuais pertinentes, propor
novamente a sua denúncia ou queixa.
Em rao de essas decies o terem o condão de dar início ao
curso do prazo prescricional, há de se questionar, não havendo sentea definitiva
tal como antes exposto, em que momento ocorre esse início?
A resposta há de ser o momento em que houver a prescrição da
preteno punitiva do Estado relativamente ao fato criminal em tela. No caso, essa
prescrão criminal substitui a sentea definitiva. Com a prescrão criminal, não
mais deverá ser aforado qualquer processo-crime, pelo que o haverá sentença
definitiva. D é que a consumação da prescrão da preteno punitiva há de
substituir a referida sentença. E, mesmo prescrita a pretensão punitiva, havendo o
ajuizamento de processo crime, se ele julgado reconhecendo-se a prescrição da
preteno punitiva do Estado. Esse julgamento, com apreciação derito, não
solapa a conclusão anterior de que é a consumação da prescrição criminal que se
o marco inicial do curso da prescrição civil. Isso porque serôdio o ajuizamento do
processo criminal. Se assim não se pensar, concluindo que a sentença definitiva do
art. 200 do CC é no caso a prescrição da pretensão punitiva reconhecida nesse
julgamento, seria imprescrivel toda pretensão que se originasse de fato criminal.
Isso porque, mesmo prescrita a pretensão punitiva, a qualquer tempo se poderia
ofertar a dencia criminal com a conseqüente sentea criminal em que se
reconheceria a prescrão criminal.
Em síntese: a prescrão de uma pretensão baseada em fato que
deva ser apurada em jzo criminal correrá a partir do tnsito em julgado da
sentença criminal definitiva ou, em o havendo ela, do momento da respectiva
prescrão da pretensão punitiva.
No que tange a essa sentea criminal, não se pode olvidar que,
nos termos do art. 935, a responsabilidade civil é independente da criminal, o se
podendo, contudo, questionar mais sobre a exisncia do fato ou sobre quem seja o
seu autor quando essas queses se acharem decididas definitivamente no juízo
criminal.
CAPÍTULO 6
CAUSAS INTERRUPTIVAS
Conforme asseverado neste estudo, caracteriza as causas
interruptivas da prescrição
80
o fato de o seu prazo voltar, quando cessadas, a correr por
inteiro. Essas causas inutilizam, pois, o tempo prescricional decorrido até o
aparecimento delas. Daí é que, reiniciando o prazo, deve ele fluir por completo.
É certo que as causas interruptivas têm eficácia quando a
prescrição começou, mas ainda não se consumou. A consumação implica, dessa
forma, por si só, o afastamento das causas interruptivas, uma vez que não se pode,
repita-se, falar em interrupção daquilo que terminou, rectius, que não corre mais,
portanto.
Ressalte-se que, consumada a prescrição, pertinente à matéria será
o instituto da renúncia a ela, que mais adiante será abordado.
No tocante às causas interruptivas, o art. 202, I do atual CC reza
que a interrupção da prescrição se dará por despacho do juiz, mesmo que
incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma
da lei processual.
Segundo deflui desse dispositivo legal, ao contrário daquilo que
sucedia no Código Civil de 1916, não é mais a citação que interrompe a prescrição,
mas sim o despacho que a ordena, desde que o interessado a faça processar
regularmente.
de se lembrar, neste particular, que o Código Civil de 1916
determinava que a prescrição se interrompia pela citação pessoal feita ao devedor,
ainda que ordenada por juiz incompetente.
80
Atente-se aqui para a mesma observação, acerca da decadência, feita no início do capítulo anterior.
Veja, ainda, nesse particular, que, completando o antigo Código
Civil, o art. 219, caput do CPC determina que a citação válida, dentre outros efeitos,
interrompe a prescrição.
Também, o § desse mesmo artigo acrescenta que a interrupção
da prescrição retroage à data da propositura da ação. É certo que incumbe à parte
interessada promover a citação do réu nos dez dias subseqüentes ao despacho que a
ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço
judiciário. Di-lo o art. 219, § do CPC. Os parágrafos e desse Código
determinam, também, que esse decêndio poderá ser prorrogado pelo juiz, não sendo
citado o réu, até o máximo de noventa dias e que, não se efetuando a citação nesses
prazos, se haverá por não interrompida a prescrição.
Disso se conclui que a combinação do art. 172, I do antigo CC com
o art. 219 e §§ do Código de rito determina que, verdadeiramente, a interrupção
ocorria com o ajuizamento da ação, desde que obedecidas as regras processuais
relativas à citação.
E hoje, com a redação do art. 202, I do antigo CC, ainda se deve
entender como válida essa conclusão? Ou apenas o despacho do juiz que ordenar a
citação, sendo ela promovida pelo interessado na regular forma da lei processual, é
apto bastante para interromper a prescrição, tal como disciplinado no novo Código
Civil? Ou, ainda, interrompe-se hoje a prescrição tanto na forma antes prevista quanto
na forma prevista no vigente Código Civil?
Mesmo com o advento do atual Código, de se entender que a
interrupção da prescrição continua retroagindo à data da propositura da ação, desde
que o interessado promova a citação no prazo e na forma da lei processual.
Nesse particular, a lição de Nélson Nery Júnior e Rosa Maria de
Andrade Nery é no sentido de que inexiste incompatibilidade entre o novo Código
Civil e o Código de Processo Civil. Explicam eles que, segundo aquele Código, a
interrupção da prescrição se dá com o despacho que determinar a citação, vinculada ao
seu válido aperfeiçoamento disciplinado pelos §§ e 3º do art. 219 do Código de rito,
retroagindo os seus efeitos, nos termos do art. 263 desse último Código, à data da
propositura da ação.
Na seqüência, esses doutrinadores esclarecem, também, que,
[...] na prática, portanto, a data da interrupção da prescrição é a do primeiro
‘despacho’ do juiz. Como a citação feita com demora não imputada ao autor
não pode prejudicá-lo, a interpretação sistemática indica que, ainda que o CC
202, inciso I não se refira à propositura da ação como marco da interrupção
da prescrição, entendemos que poderá ser assim considerada porque não se
pode apenar o autor com a prescrição, quando agiu e não foi negligente,
propondo a ação. Atente-se para o fato de o CC ser lei posterior ao CPC e
estabelecer efeitos ‘materiais’ de interrupção da prescrição, tarefa que lhe é
específica, nesse particular prevalecendo relativamente ao CPC.
81
Na verdade, entretanto, ao contrário do ensinamento desses
doutrinadores, de se entender que existe sim incompatibilidade entre a disciplina do
vigente Código Civil e do Código de Processo Civil. Observe-se, pois, que, em
qualquer caso, promovida a citação no prazo e forma processuais, a regra daquele
Código como causa da interrupção o despacho que determina a citação, enquanto a
desse a própria citação, cujos efeitos retroagem à propositura da ação. São duas coisas
distintas, portanto, uma o despacho e outra a propositura da ação, dada a retroação dos
efeitos da citação.
Nem se diga que o art. 263 do CPC possa amainar essa divergência.
E não pode porque esse artigo diz respeito ao momento em que se considera proposta
a ação, que é aquele do despacho ou da distribuição, se houver mais de uma vara. Se
versasse ele acerca do momento em que se considera despachada a ação e se fosse
esse momento quando proposta a ação, seria possível retroagir os efeitos do despacho
do art. 202, I à oportunidade do aforamento. Mas isso não ocorre.
Assiste, no entanto, razão àqueles mestres quanto à conclusão de
que a interrupção da prescrição se deve dar com o ajuizamento e à de que, quanto à
81
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação
extravagante. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006a. p. 407, nota 3 ao art.
219. (destaque do autor).
consumação da prescrição, não se pode apenar o autor que tempestivamente propôs a
sua ação, não obstante a citação se tenha dado a destempo.
Deveras. Alguns são os argumentos em favor dessa posição.
Um primeiro deles diz respeito ao fato de o regime jurídico da
prescrição ser matéria de Direito Civil, pelo que é o seu respectivo código que deve
dizer o que é prescrição, bem como quais são suas causas de interrupção, suspensão e
impedimento. Mas o reconhecimento da prescrição em juízo é matéria de Direito
Processual, em razão do que o seu código é aquele que deve disciplinar o processo
judicial e, em conclusão, ordenar a ocorrência (e quando ela se dá) de uma dada causa
de interrupção do prazo prescricional, de sua suspensão etc.
Daí entender-se pela prevalência da regra do art. 219 do CPC sobre
a do art. 202, I do CC. Conquanto seja a propositura a causa interruptiva, é veraz que o
despacho desse último dispositivo é necessário, se não vital, para o regular
prosseguimento do feito, com o que se terá a citação, cujos efeitos, inclusive o da
interrupção da prescrição, retroagirão ao aforamento.
Um outro argumento deriva de interpretação sistêmica de nosso
ordenamento jurídico, seja o civil, seja o processual. Suposto o fundamento jurídico da
prescrição não seja pena, castigo à negligência, ou mesmo proteção do devedor, é
veraz que credor diligente não pode ser prejudicado com a estabilização das relações
jurídicas em seu desfavor por consumada a prescrição entre o aforamento da ação e o
despacho que determina a citação. E não pode porque tempestivamente propôs sua
demanda.
Não se cogitar que cabia a esse diligente credor prever os prazos
procedimentais existentes entre a distribuição e o despacho que determina a citação.
Isso porque atos processuais imprevistos pelas regras gerais podem ocorrer entre
aquele aforamento e esse despacho. E concluir que o credor deve conhecê-los é
desconhecer o dia-a-dia forense. Tal se em razão de portarias, provimentos, ordens
de serviços, ali o feito do distribuidor é remetido para tal seção e acolá, em situação
similar, do distribuidor é enviado para outra seção. E aqui se abstraia eventual
“demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário”, de que fala o art. 219, §
do CPC.
Ainda, esse dispositivo do Código de Processo Civil, scilicet, art.
219, § 2º, consagrou a jurisprudência dos tribunais pátrios. Nesse sentido: STJ - 3ª T. -
REsp 598.798/RS - Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito - J. 6.9.2005 - v.u.,
dentre outros julgados.
Pacífico, por conseguinte, que demora e burocracia não podem
penalizar o autor zeloso.
Uma situação prática deve mais eficazmente argumentar em prol de
a interrupção da prescrição ocorrer quando da propositura da ação. Imagine-se que o
autor, conquanto ajuíze sua ação tempestivamente, o faça em época próxima à
prescrição. O juiz dá-se por suspeito, sem que tenha determinado a citação. O tribunal
deve reconhecer a suspeição e designar outro juiz, a quem esse feito é remetido. No
Estado de São Paulo, o feito, na espécie, é redistribuído para o ofício judicial
vinculado a esse novo juiz. Sem se falar em demora imputável exclusivamente ao
serviço judiciário, até que seja, por esse novo juiz designado, proferido o despacho
determinando a citação, a prescrição certamente já se consumou.
Outro exemplo, talvez até mais corriqueiro, é a hipótese em que,
antes da citação, o juízo, para o qual a ação foi distribuída, decline da competência,
com o que o juízo, para o qual se declinou ela, não concorde, suscitando conflito
negativo. O quadro ficará, ainda, pior, caso um dos juízos seja estadual, e o outro,
federal, uma vez que, na espécie, o conflito será decidido pelo Superior Tribunal de
Justiça.
Em conseqüência, não obstante opiniões contrárias, conclui-se que
continua sendo a propositura da ação que interrompe a prescrição
82
.
E, em face do teor do art. 220 do CPC, esse aforamento também
deve ser a causa da interrupção da decadência.
Para aqueles que entendem ser o despacho essa causa interruptiva,
de se notar que não é qualquer despacho inicial que interrompe a prescrição, ou
decadência, mas tão-somente aquele que determina a citação.
Ainda, para que a interrupção da prescrição retroaja à propositura
da ação (ou do despacho, para quem assim pensa) é necessário o cumprimento dos
prazos processuais relativos à citação. Se não forem eles cumpridos, não haverá a
retroação, caso em que a interrupção se dará na data da efetiva citação
83
.
Para a interrupção da prescrição aqui tratada, é irrelevante o fato de
o despacho da citação ter sido proferido por juiz incompetente, desde que seja ela
posteriormente processada na sua regular forma. Dizem os dispositivos legais antes
citados. Robora esse entendimento o art. 113, § do CPC, segundo o qual, declarada
a incompetência absoluta, somente os atos decisórios, e aquele que ordena a citação
não o é, serão nulos. E, se tal dispositivo é válido para a incompetência absoluta,
igualmente o será para a incompetência relativa. Vale aqui o brocardo: quem pode o
mais, pode o menos.
O fato de o juiz ser suspeito ou impedido também não deve trazer
qualquer dificuldade para a matéria aqui estudada. Isso porque a decisão que declarar o
magistrado judex inhabilis ou judex suspectus tem o efeito de o excluir desde logo de
qualquer função na relação processual
84
. Deve-se acrescentar que tal igualmente ocorre
com o reconhecimento de ofício pelo magistrado de que é suspeito ou impedido.
82
Nesse sentido, está a Súmula 106 do Superior Tribunal de Justiça, para quem, “proposta a ação no prazo
fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes aos mecanismos da Justiça, não
justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência.”
83
THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Excluído da relação processual, despacho algum, inclusive aquele ordenando a citação,
pode ser dado pelo juiz suspeito ou impedido e, se o der, nula será essa decisão. Nesse
sentido está o art. 101 do Código de Processo Penal. Antes daquela decisão ou desse
reconhecimento de ofício, tratando-se de causa superveniente de impedimento ou
suspeição, os atos proferidos serão válidos. Ainda, durante o processamento da
exceção, suspensos os autos principais, é defesa, nos termos do art. 266 do CPC, ao
juiz a prática de qualquer ato processual. Visando, todavia, evitar danos irreparáveis,
poderá o magistrado, segundo esse mesmo dispositivo legal, determinar, validamente,
a realização de atos urgentes, dentre os quais, por óbvio, está aquele que determina a
citação.
Frise-se, por fim, que, embora incompetente, aquele que profere o
despacho determinando a citação deve ser juiz legalmente investido. Eventual
despacho de autoridade administrativa não tem o condão de interromper a prescrição.
A citação de que se falou anteriormente, para produzir o efeito
interruptivo, deve ser válida. E não o será caso feita sem observância das prescrições
legais. Di-lo o art. 247 do CPC. É veraz, no entanto, que o comparecimento
espontâneo do réu supre a falta de citação (art. 214, § do CPC). Comparecendo o
réu apenas para argüir a nulidade da citação e sendo esta decretada, considerar-se-á
feita ela na data em que o réu ou seu advogado for intimado da decisão (art. 214, §
do CPC). Mas mesmo considerada a citação feita nessa data, haverá a retroação de
seus efeitos para fins de interrupção da prescrição, se obedecidas as demais regras
pertinentes à matéria. Se, argüida a nulidade da citação e não sendo essa nulidade
reconhecida, a citação será válida, e a data em que ela ocorreu será considerada para a
interrupção da prescrição, que retroagirá, segundo o entendimento aqui esposado, à do
aforamento.
Se o processo no qual se deu a citação que interrompeu a prescrição
for declarado nulo, a prescrição continuará mesmo assim interrompida se a nulidade
reconhecida não tiver alcançado a citação. Lembre-se, neste particular, de que o juiz,
ao pronunciar a nulidade, declarará quais os atos que serão atingidos, ordenando as
providências necessárias, a fim de que sejam repetidos, ou retificados. O ato o se
repetirá nem se lhe suprirá a falta quando não prejudicar a parte. Isto porque o sistema
do Código de Processo Civil privilegia o aproveitamento máximo dos atos processuais,
regularizando, sempre que possível, as nulidades sanáveis. Nesse sentido, art. 244 e
art. 249, caput e § , ambos do CPC. Agora, a contrario sensu, a prescrição não
estará interrompida se a nulidade, por qualquer motivo, tiver alcançado a citação.
No tocante à pretensão deduzida em reconvenção, a interrupção da
prescrição dar-se-á com a intimação do reconvindo, na pessoa de seu advogado, para
contestar a reconvenção. Essa intimação, a exemplo do que se falou na execução de
sentença condenatória em quantia líquida e certa, ou liquidada, vale como se
verdadeira citação fosse.
Ainda, quatro observações acerca de citação válida merecem
destaque: a citação no processo cautelar, tal como no processo de conhecimento,
interrompe a prescrição
85
; a citação em ação declaratória também interrompe a
prescrição na respectiva ação condenatória (STJ Turma, REsp 606.1238-RS, rel.
Min. Gilson Dipp, j. 17.6.04, v.u., DJU 2.8.04, pág. 542); no tocante ao objeto do
pedido, e apenas com relação a ele, a citação interrompe a prescrição, dela não se
podendo cogitar enquanto a ação pende de julgamento (RJTJ 98/23); e, finalmente, o
Código Civil de 1916 exigia que a citação que aqui se tem estudado devia ser pessoal,
exigência desprezada pelo atual Código Civil, pelo que válidas, para fins de
interrupção da prescrição, todas as espécies de citação. Não se olvide, entretanto, que
nessas quatro hipóteses os efeitos da citação também retroagem à propositura da
respectiva ação.
O Código Civil de 1916 afirmava, em seu art. 175, por outro lado,
que, a prescrição não se interrompia com a citação nula por vício de forma, por
circunducta, ou por se achar perempta a instância ou a ação. Inexiste hoje, sob o
ordenamento processual previsto no vigente Código de Processo Civil, o instituto da
85
Veja o item Pluralidade de ações no Capítulo 7 deste trabalho..
citação circunducta
86
, pelo que desnecessária qualquer consideração sobre ele. Quanto
à citação nula, antes se fizeram considerações a seu respeito. Sendo ato processual
nulo, nulo será ele, pois, sob qualquer enfoque, inclusive para o da prescrição.
Quanto à perempção da instância, o digo de Processo Civil de
1939 arrolava suas causas no art. 201
87
. É pacífico que, grosso modo, a perempção da
instância equivale no vigente Código de Processo Civil ao instituto da extinção do
processo sem julgamento de mérito, previsto no seu art. 267. Ainda, a perempção da
ação do antigo Código de Processo Civil, prevista no seu art. 204, continua no atual
estatuto processual com o mesmo nome. Ela é hoje disciplinada no art. 268 do vigente
código de rito.
Por esses dois institutos continuarem existindo no ordenamento
processual, urge estudar o seu alcance no tocante à prescrição.
Nesse particular, cumpre lembrar que inexiste no Código de 2002
dispositivo correspondente ao antigo art. 175. Logo, dada a revogação expressa do
antigo Código Civil pelo art. 2.045 do atual CC, de se concluir que a perempção da
instância, hoje extinção do processo sem julgamento de mérito, e a perempção da ação,
que ainda continua com o mesmo nome, por si sós, são irrelevantes quanto à
interrupção da prescrição. Dessa forma, interrompida a prescrição, tendo havido
citação válida, pouco importa o deslinde que tenha o processo no qual ocorreu essa
citação.
Segundo o art. 202, II do CC de 2002, interrompe-se a prescrição
pelo protesto, nas condições estudadas para a sua interrupção pelo despacho inicial.
Por primeiro, quanto a esse protesto, deve-se ressaltar que é ele o protesto judicial,
medida cautelar prevista no art. 867 do CPC.
86
Dava-se citação circunducta na hipótese em que o autor não comparecia para acusá-la na audiência para a qual
se fez citar o réu.
87
CPC de 1939. Art. 201: O réu poderá ser absolvido da instância a requerimento seu: I. Quando não constarem
da petição inicial os documentos indispensáveis à sua propositura; II. Quando o autor não apresentar
procuração da mulher, ou não citar a do réu, e a ação versar sobre imóveis, ou direitos a eles relativos; III.
Quando da exposição dos fatos e da indicação das provas em que se fundar a pretensão do autor, resultar que o
seu interesse é imoral ou ilícito; IV. Quando o autor não tiver prestado caução às custas, no caso do art. 67; V.
Quando, por não promover os atos e diligências que lhe cumprir, o autor abandonar a causa por mais de trinta
dias; VI. Nos casos dos arts. 110, 160 e 266, n.I.
É veraz que esse protesto se deve dar nas condições estudadas
para o art. 202, I. Tal equivale dizer que não é suficiente o ajuizamento da medida
cautelar de protesto. É necessário que se processe adequadamente a intimação do réu.
Essa intimação pode ocorrer pessoalmente ou por meio de edital, se previstas as
hipóteses do art. 870 do CPC. E a interrupção da prescrição ocorrerá na data em que se
der o despacho que determinou a intimação, desde que essa seja regularmente
processada, retroagindo, contudo, seus efeitos ao ajuizamento da medida cautelar (art.
202, II do CC cc. art. 219, caput e § do CPC). Não se esqueça, repita-se, de que,
para ocorrer a interrupção pelo protesto, deve ele dar-se nas condições do inciso
antecedente (art. 202, I do CC).
Essas condições do inciso antecedente autorizam inclusive que o
juiz prolator do despacho determinando a intimação do réu seja incompetente. Não
pode ser, no entanto, suspeito ou impedido. Valem, aqui, as mesmas observações feitas
acerca da citação.
De todo modo, é necessário que o réu da medida cautelar de
protesto tome conhecimento do seu teor. Embora a regra é a de que o protesto não seja
receptício, o protesto para a interrupção da prescrição deve sê-lo.
Em razão disso, o protesto em tela, para interromper a prescrição,
precisa dizer respeito à matéria cuja prescrição se quer ver interrompida. Não basta
que o seu teor seja genérico para simples ressalva de direitos. Na verdade, segundo
pacífica doutrina
88
, é necessário que, de modo explícito, nele se consigne que o
objetivo é interromper a prescrição. Essa matéria está, da mesma forma, ainda que por
via oblíqua, disciplinada no art. 868 do CPC. Diz, pois, esse artigo que na petição o
requerente exporá os fatos e os fundamentos do protesto. E dentre estes e aqueles deve
constar de forma expressa o pedido de interrupção, que nada mais é do que manifestar
qualquer intenção (na hipótese, a intenção de interrupção da prescrição) de modo
formal, de que fala o art. 867 do citado Código.
88
LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decadência. Rio de Janeiro: Forense, 1959. p. 185 .
Se o protesto, no entanto, for nulo por algum vício intrínseco, tal
como a preterição de uma formalidade essencial qualquer estabelecida em Lei,
igualmente nula será a interrupção da prescrição.
O novo Código Civil, com relação a essa matéria, inovou ao prever
que o protesto cambial também interrompe a prescrição.
89
Por protesto cambial, deve-
se entender como o ato extrajudicial formal e solene, pelo qual, com o objetivo de
conservar e ressalvar direitos, se provam a inadimplência e o descumprimento de
obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida. Confira-se, nesse
particular, art. 1º da Lei nº 9.492/97.
Na doutrina existem dois tipos de protesto cambiário, a saber,
protesto probatório ou facultativo e protesto conservatório ou necessário.
O protesto probatório ou facultativo é aquele cuja função reside
apenas em constituir o devedor em mora. Ele se dá, por exemplo, em relação ao
aceitante, no caso de o título ser protestado por falta de pagamento.
Tem-se o protesto necessário na hipótese de a lei determinar sua
obrigatoriedade para que sejam conservados os direitos do credor. Citando o rol
apresentado por Rubens Requião
90
, esse tipo de protesto ocorre nos seguintes casos: no
de falta de aceite ou de pagamento, para conservar os direitos do portador contra o
sacador e contra os outros coobrigados, a exceção do aceitante (arts. 44 e 53, alínea
2
91
); no de letra pagável a certo termo de vista, em que houver falta de data, para o
efeito de constatar essa omissão, e o portador conservar os seus direitos de regresso
contra os endossantes e contra o sacador (art. 25); no de ter sido indicada uma pessoa
para aceitar ou pagar, por intervenção, e esta não o tenha feito, para exercer o seu
direito de ação antes do vencimento, contra o que fez a indicação (art. 56, al. 2); no de
ter sido a letra aceita por intervenientes e não ser paga, para conservar o direito de
regresso contra aquele que tiver indicado as pessoas para pagarem em caso de
89
Revogada ficou, por conseguinte, a Súmula nº 153 do Supremo Tribunal Federal.
90
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2. p. 437.
91
Os artigos indicados neste e nos parênteses seguintes referem-se à Lei Uniforme em matéria de letras de
câmbio e notas promissórias, adotada entre nós pelo Decreto nº 57.663/66.
necessidade (art. 60); no de pluralidade de exemplares, para o portador poder exercer
seu direito de regresso, quando o que enviar ao aceite uma das vias, e a pessoa em
cujas mãos se encontrar não entregar essa via ao portador legítimo do outro exemplar,
para poder exercer o seu direito de ação (art. 66); e no de cópia, e a pessoa em cujas
mãos se encontrar o título original se recusar a entregá-lo ao legítimo portador da
cópia, para exercer o seu direito de ação contra as pessoas que tenham endossado ou
avalizado a cópia (art. 68, al. 2).
Considerando que o Código Civil não faz diferença entres esses
dois tipos de protesto, probatório ou necessário, qualquer um deles é idôneo para
interromper a prescrição.
É veraz que do protesto deve o devedor ser intimado. A Lei
9.492/97, em seu art. 14, § 1º, estabelece regras específicas para essa intimação. Pode
ela dar-se por meio do portador do próprio cartório, que na verdade nada mais é do que
um mero funcionário desse mesmo cartório, ou por qualquer outro meio, desde que o
recebimento fique assegurado e comprovado por meio de protocolo, aviso de recepção
ou documento equivalente. A intimação, nos termos do art. 15 dessa mesma lei, será
feita por edital se a pessoa indicada para aceitar o título ou pagá-lo for desconhecida,
sua localização incerta ou ignorada, for residente ou domiciliada fora da competência
territorial do cartório ou, ainda, ninguém se dispuser a receber a intimação no endereço
fornecido pelo devedor.
Acerca do protesto cambiário, de se frisar ainda que ele deve ser
tirado no local em que a obrigação pelo título representada for exigível. Não há,
todavia, obstáculo legal a que os interessados elejam outro local, que pode ser aquele
em que se dará o aceite. Di-lo o art. 28, parágrafo único do Decreto 2.044/08,
segundo o qual “o protesto deve ser tirado do lugar indicado na letra, para aceite ou
pagamento. Sacada ou aceita a letra para ser paga em outro domicílio que não o do
sacado, naquele domicílio deve ser tirado o protesto.” Não se pode, contudo, olvidar
que, nos termos do art. 6º da Lei nº 9.492/97,
Art. 6º [...]
[...] tratando-se de cheque, poderá o protesto ser lavrado no lugar do
pagamento ou do domicílio do emitente, devendo do referido cheque constar
a prova de apresentação ao banco sacado, salvo se o protesto tenha por fim
instruir medidas pleiteadas contra o estabelecimento de crédito.
Preenchidos os requisitos formais inerentes ao próprio título, o seu
local de pagamento e a sua protocolização no tabelionato de protesto de títulos, bem
como aqueles outros referentes à intimação, não havendo o seu pagamento, o protesto
será registrado dentro de três dias úteis contados da protocolização do título ou do
documento de dívida (art. 12, caput da Lei 9.492/97), excluindo-se desse tríduo
legal o dia da protocolização e nele incluindo o dia do vencimento. É certo que,
quando a intimação for efetivada excepcionalmente no último dia do prazo ou além
dele, por motivo de força maior, o protesto será tirado no primeiro dia útil subseqüente
(art. 13 da citada Lei).
Lavrado o protesto, o dia em que ele o foi será aquele em que a
prescrição será considerada interrompida.
Pode ocorrer, entretanto, que o protesto seja lavrado por tabelionato
incompetente. Nessa hipótese, por nulo o protesto, não pode ele gerar o efeito de
interromper a prescrição. O mesmo ocorre com aquele protesto lavrado com preterição
às solenidades a ele essenciais, scilicet, desobediência ao tríduo legal, não observância
das regras pertinentes à intimação, dentre outros.
No art. 202, inc. IV do CC, prevê-se que a interrupção da prescrição
também se dará pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou
concurso de credores.
Ainda, o parágrafo único desse mesmo artigo disciplina que a
prescrição interrompida por essa apresentação recomeça a correr (por inteiro, que se
trata de interrupção) da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo
para a interromper.
O disposto no art. 202, IV do CC diz respeito exclusivamente à
prescrição de direitos creditórios. Não é ele, pois, aplicável às demais espécies de
direito patrimonial.
de se consignar, ainda, que o título de crédito a que se refere o
dispositivo em estudo são, também, além daqueles criados pelo próprio devedor, os
derivados da escrita contábil do credor, tais como as contas comerciais, as obrigações
tornadas líquidas e extraídas dos livros comerciais. Igualmente, são aqueles títulos de
que fala esse dispositivo as sentenças transitadas em julgado, por meio das quais se
condenou a pagamentos quaisquer.
Quanto àquela apresentação em juízo de inventário, o credor do de
cujus, nos termos do art. 1.017 do CPC, deve requerer ao juízo de inventário, por meio
de petição acompanhada de prova literal da obrigação, o pagamento das dívidas
vencidas e exigíveis.
Aqui são duas hipóteses a serem consideradas. Por uma primeira,
concordando as partes com o pedido, o juiz declara habilitado o credor e determina a
separação de dinheiro, ou bens suficientes, para o seu pagamento
92
. É certo que essa
decisão declaratória de habilitação é apelável
93
. Por uma segunda, não havendo
concordância de todas as partes sobre o pedido de pagamento feito pelo credor, será
ele remetido para os meios ordinários
94
. Conquanto alguns julgados não admitam
recurso algum por falta de lesividade
95
, dessa decisão cabe agravo de instrumento.
96
Apresentado o título, como exposto, interrompe-se a prescrição.
Volta ela a correr da data do último ato do processo em que houve a apresentação.
Deve-se ressaltar que, habilitado o crédito, este último ato se com o trânsito em
julgado da decisão que o habilitou. Aqui não se falará em prescrição porque haverá
pagamento, salvo se o inventário for negativo, caso em que o retorno do curso do
prazo prescricional se dará a partir do último ato do inventário. Não sendo habilitado
92
Vide art. 1.017, § 2º do CPC.
93
RJTJESP 43/200.
94
Vide art. 1.018, caput do CPC.
95
Revista de Processo 6/325, ementa 170.
96
RJTJESP 34/135, 35/128, 38/144, 105/328, 202/228.
o crédito, o prazo prescricional volta a correr na data da publicação do despacho que
não no habilitou. Dessa data também voltará a correr a prescrição mesmo que, nessa
última hipótese, se interponha agravo de instrumento, dado o fato de o seu efeito ser
meramente devolutivo. Agora, caso excepcionalmente a ele for dado efeito suspensivo,
o prazo recomeçará com o trânsito em julgado do acórdão desse agravo.
No tocante ao concurso de credores, por primeiro, de se alertar
que esse concurso creditório pode ser civil ou comercial, que o digo Civil não os
distinguiu. O concurso civil é a insolvência civil prevista no art. 748 e seguintes do
CPC, enquanto o concurso comercial, hoje empresarial, é a falência, disciplinada pela
Lei nº 11.101/05.
Tanto naquela, quanto nessa, o juiz, ao declarar a insolvência ou
falência, determinará a convocação dos credores para que apresentem, no prazo legal,
as declarações, acompanhadas dos documentos justificativos dos seus créditos
97
. Nesse
prazo, devem os credores, então, apresentar seus títulos de crédito em juízo, o que
implicará a interrupção da prescrição. Apresentado o título de crédito, será ele
declarado habilitado ou não. Da decisão que não o habilitar, cabe apelação a ser
recebida em ambos os efeitos. Daí que, dado o efeito suspensivo, se mantida a não
habilitação, o prazo prescricional volta a correr da data da publicação de seu acórdão.
Se habilitado o crédito, seja por sentença monocrática seja por acórdão, duas
possibilidades podem ocorrer, a saber, o crédito será pago e não se falará em recomeço
do curso do prazo prescricional, por pago que foi, ou o crédito não será pago no
processo do concurso creditório, caso em que o seu prazo recomeçará a correr no dia
em que passar em julgado a sentença em que encerrar o processo de insolvência
98
ou
falência
99
, que, não obstante aquele último ato de que se falou (art. 202, IV), os
processos de falência e de insolvência, por si sós, suspendem o curso do prazo
prescricional.
97
Art. 761, II do CPC, no que tange à insolvência civil, e art. 7º, § 1º da Lei11.101/05, com relação à falência.
98
Art. 777 do CPC.
99
Art. 6º da Lei nº 11.101/05.
No concurso de credores, pode igualmente ser apresentado título
executivo judicial. Por óbvio, não se aqui falar em habilitação. Discuti-la seria,
pois, ofensa à coisa julgada. Logo para esse título restam duas possibilidades: ser
pago no concurso de credores, hipótese em que não se falará de prescrição, que
cumprida a obrigação, ou não ser pago nesse concurso, caso em que a prescrição
voltará a correr com o seu encerramento, tal como exposto no parágrafo anterior.
Ainda, o art. 202, inc. V do CC informa que qualquer ato judicial
que constitua em mora o devedor é idôneo para interromper a prescrição.
Aqui a lei não especificou quais atos judiciais que, além da citação,
protesto e apresentação do tulo de crédito em juízo, elencados nos incisos I, II e IV
desse mesmo artigo, podem interromper o curso da prescrição por constituírem em
mora o devedor.
Mas, a título de exemplo desse dispositivo, pode-se invocar aqueles
casos de mora ex persona, nos quais o credor se utiliza de um ato judicial para
constituir em mora o devedor, interrompendo, em conseqüência, o curso prescricional.
Não se pode olvidar, elucidando a hipótese, que o inadimplemento
da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o
devedor. Não havendo, contudo, termo, a mora configura-se mediante interpelação
judicial ou extrajudicial
100
. Interessa, aqui, para o exemplo, no entanto, a interpelação
judicial. É ela, dessa forma, uma causa interruptiva da prescrição. É certo que a
interrupção ocorrerá no momento em que se der a intimação da interpelação judicial
101
,
com seus efeitos retroagindo à propositura da medida cautelar, tal como ocorreu com o
protesto judicial anteriormente tratado. É veraz, ainda, que essa interpelação judicial
deve dizer respeito de forma expressa à matéria, cuja prescrição se quer interromper.
Por fim, o art. 202 do CC, em seu inc. VI, como causa
interruptiva da prescrição qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que
100
Art. 397, caput e parágrafo único do CC.
101
Art. 867 e seguintes do CPC.
importe reconhecimento do direito pelo devedor. Ressalte-se que, conquanto o ato
inequívoco até possa ser extrajudicial, deve ele ser praticado pelo devedor.
A interrupção da prescrição, no caso, ocorre porque esse ato
inequívoco revela a integridade em que se acha o direito do titular do crédito e o
dispensa, no tocante à sua constituição ou reconhecimento de validade, de qualquer
procedimento perante os tribunais
102
.
Se inequívoco, o reconhecimento pelo devedor do direito do credor
pode ser expresso ou tácito. Uma carta, na qual o devedor confessa a obrigação
inadimplida, é um reconhecimento expresso. Se nela, contudo, ao invés de admitir a
sua obrigação o paga, apenas fizer pedido de prazo para pagamento, ter-se-á um
reconhecimento tácito. O mero pagamento de juros, sem nada falar do principal,
também é um reconhecimento tácito da dívida. Todos eles interrompem a prescrição.
Esse reconhecimento pode ainda ser verbal. O problema que
eventualmente pode surgir deriva de sua prova e pode encontrar óbice no art. 401 do
CPC.
se ensinou que esse reconhecimento não precisa ser feito
diretamente pelo devedor, nem ao credor. É importante, tão-somente, que sua origem
esteja ligada à pessoa do devedor e que, por outro lado, beneficie o credor.
Exemplificou-se na doutrina com decisão dos tribunais franceses que reconheceram
como dívida do de cujus ato praticado pelo testamenteiro. Ainda, no inventário de
bens do devedor, uma dívida lá descrita beneficia o seu credor
103
.
Embora, no momento em que se comentava a apresentação do título
de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores, se tenha falado do
reinício do curso do prazo prescricional, algumas observações adicionais se fazem
necessárias.
102
BEVILAQUA, Clóvis. digo civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. São Paulo: Francisco Alves,
1916. v. 1. p. 497.
103
SANTOS, Joaquim Manoel de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. 12. ed. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1980. v. 3. p. 431.
Deveras. Se a causa interruptiva ocorrer por meio de um único ato
que se efetiva em um tempo, a prescrição reinicia seu curso, por inteiro, a partir
desse ato. Ao contrário, caso a causa interruptiva se efetive por meio de uma série de
atos que, no entanto, protraem os seus efeitos e conseqüências por um dado interregno,
a prescrição interrompe-se com a prática do primeiro ato da série e reinicia o seu
curso, também por inteiro, já que se trata de interrupção, somente a partir do último ato
da referida série. Di-lo o parágrafo único do art. 202 do CC.
Não se deve olvidar, por fim, como exposto anteriormente, que,
nos termos do caput desse mesmo art. 202, a prescrição pode ser interrompida uma
vez. Isso ocorre porque o fundamento da prescrição é criar óbice à perpetuidade das
ações. Dessa forma, caso a prescrição pudesse ser interrompida por um sem-número de
vezes, por via oblíqua estar-se-ia anulando aquele fundamento da prescrição. Bastaria,
pois, interrompê-la para que dessa interrupção exsurgisse um novo prazo prescricional.
Na seqüência, se esse novo prazo estivesse em via de terminar, proceder-se-ia à nova
interrupção e assim sucessivamente, afastando por vez a possibilidade de se
estabilizarem definitivamente as relações jurídicas.
CAPÍTULO 7
INTERRUPÇÃO E PLURALIDADE DE SUJEITO E AÇÃO
Como asseverado anteriormente, o legislador, por meio dos
institutos da prescrição e decadência, tenta evitar a perpetuidade da incerteza e da
insegurança nas relações jurídicas.
Ressalte-se, neste particular, que nem mesmo o pagamento afasta
essa incerteza e insegurança. Lembre-se de que o credor, a qualquer tempo, poderia
pleitear o cumprimento da obrigação, contra o que o devedor haveria de se insurgir, se
adimplida a obrigação. Daí é que o devedor necessitaria, se não houvesse o instituto da
prescrição, guardar o comprovante de pagamento ad eternum, que, sem esse
comprovante, impossível lhe seria, diante da cobrança indevida, validamente rebelar-
se.
Diante de circunstâncias como essa, o instituto da prescrição
substitui a quitação. O da decadência, quando o caso, valida o direito que seria
questionado. Basta que o interessado os alegue em qualquer grau de jurisdição. E
como se verá, e hoje inclusive com a prescrição, o juiz até mesmo de ofício deve
reconhecê-los.
de se concluir, por conseguinte, mais uma vez, que a prescrição
e a decadência trazem a certeza e a segurança às relações jurídicas no meio social.
Não obstante esse ponto favorável a tais institutos, poderiam eles
tornar-se nefastos a essa mesma certeza e segurança na hipótese de eles perpetuarem a
pretensão e o direito, objeto deles. Tal ocorreria se a pretensão ou direito, por exemplo,
pudesse ficar imprescritível ou insuscetível de decadência por vontade unilateral do
credor.
Com o objetivo de evitar tal situação, o vigente Código Civil impôs
a unicidade da interrupção. Por ela, nos termos do art. 202, caput, a interrupção poderá
ocorrer uma única vez.
Essa unicidade não existia no Código Civil revogado
104
.
Dessa forma, com o advento do Código Civil de 2002, uma vez
interrompido o prazo prescricional ou decadencial, nos casos em que a lei
contrariamente não disponha, não poderá ele mais ser interrompido. Daí é que,
conquanto o ato judicial que constitua o devedor em mora seja causa de interrupção do
prazo (art. 202, V), se anteriormente tiver ele sido interrompido, exemplificando,
por meio do protesto cambial (art. 202, III), esse ato judicial o mais terá o condão
de, novamente, interromper o prazo. O ato em tela será, então, ineficaz para fins de
interrupção.
Como antes exposto, as causas interruptivas podem ser de iniciativa
do titular da pretensão ou do direito em via de extinção ou de ato do devedor.
Tratando-se de iniciativa daquele titular, a primeira causa interruptiva que ocorrer
anulará, de pleno direito, a possibilidade de uma segunda interrupção.
Sendo a causa interruptiva de iniciativa do devedor, poderá o titular
da pretensão ou do direito considerá-la ou não como causa eficiente da interrupção.
Note-se, pois, que, no tocante à prescrição, exemplificando, ao devedor interessa que
ela se consume no menor tempo possível. Então, bastará que ele, no início do curso
do prazo prescricional, o interrompa, porque assim o novo prazo, por inteiro, mais
rapidamente se iniciará e, em conseqüência, de forma mais célere se consumará. Dessa
maneira, deverá caber ao titular da pretensão ou do direito concluir pela eficácia ou
não desse ato do devedor. Se considerá-lo, nova interrupção o poderá haver e, se o
não considerar, nova interrupção, no entanto, poderá existir.
Feitas essas observações, consigne-se que, numa dada obrigação
divisível, se houver mais de um credor ou mais de um devedor, presume-se que ela se
104
Existia, contudo, com relação às dívidas passivas da União, Estados e do Município, bem como a qualquer
dire4.55691(e)-io ou ação contra as resctivas Faendas s
partirá em tantas obrigações menores, iguais e distintas, quantos forem aquele ou este.
Di-lo o art. 257 do CC.
É certo que essa presunção é juris tantum, que, se da obrigação
constar que dado credor ou devedor tem uma participação maior que a do outro, a
obrigação se partirá na forma nela especificada.
Essas disposições, por óbvio, terão pertinência tão-somente na
hipótese de, em pelo menos um dos pólos da obrigação, haver pluralidade de sujeitos.
Ainda, a partição de que se falou será possível apenas se a
obrigação for divisível. E sê-lo-á caso seu objeto for passível de fracionamento de tal
modo que cada uma das frações possa prestar os mesmos serviços, ou as mesmas
utilidades, prestados pelo todo
105
. Se não no for, ter-se-á a obrigação indivisível, que
será tratada na seqüência.
E, sendo divisível a obrigação e havendo pluralidade de sujeitos,
torna-se imprescindível analisar situações em que apenas um deles promova a
interrupção da prescrição ou então somente contra um deles seja operada a interrupção
desse instituto.
A espécie é tratada no art. 204, caput do CC, segundo o qual “a
interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros; semelhantemente, a
interrupção operada contra o co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudica aos demais
coobrigados.”
A regra desse artigo retrata o anexim de persona ad personam non
fit interruptio civilis nec active nec passive
106
.
Também, essa disposição legal não traz maiores dificuldades. Trata
ela de obrigação divisível que foi partida em obrigações menores, iguais ou não, e
distintas. É certo que cada um dos credores é sujeito de sua própria porção na
105
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: parte geral. 26. ed.. São Paulo: Saraiva, 1986. v. 1.
p. 145.
106
De pessoa para pessoa não ocorre prescrição nem ativa, nem passiva.
obrigação, independentes uns do outros, o que também ocorre com cada um dos
devedores.
Daí é que se pode asseverar que a primeira parte do citado artigo
dispõe acerca da interrupção levada a cabo por um co-credor. Essa interrupção não tem
qualquer efeito em face da prescrição que corre contra os demais credores. Não os
beneficia.
A segunda parte dele, de forma especular à primeira, determina que
a interrupção efetuada contra um dos co-devedores ou herdeiro dele também não tem
qualquer reflexo quanto aos demais co-devedores e herdeiros desses.
Dessa forma, imaginem-se duas pessoas credoras de duas outras.
Um dos credores e um dos devedores são pré-mortos, tendo deixado cada um dois
filhos. Dada essa situação, a interrupção operada por um dos filhos do co-credor
falecido não beneficiará ao outro filho nem ao co-credor supérstite. Ainda, na hipótese
de contra co-devedor sobrevivente, ou mesmo contra um dos filhos do co-devedor pré-
morto, promover-se a interrupção da prescrição, aqueles contra quem não se promoveu
ela não serão prejudicados com essa interrupção.
Igual raciocínio deve-se ter quanto à decadência, convencional ou
legal, nos casos em que houver disposição de lei para a interrupção.
Com relação a interrupção das obrigações solidárias, de se
consignar, por primeiro, no que se refere à obrigação solidária, que ela é um recurso
jurídico para reforçar o vínculo obrigacional, o que, na ocasião de seu termo, trará
maior facilidade para o seu adimplemento.
Também, havendo pluralidade de sujeitos, não obstante cada um
deles, em princípio, tenha direito, se ativo, ou esteja sujeito, se passivo, ao
cumprimento de tão-somente sua respectiva porção, será solidária a obrigação toda vez
que eficazmente se puder a um deles prestar a obrigação por inteiro, caso em que se
tem a solidariedade ativa, ou de um deles exigir toda a obrigação, hipótese em que
se dá a solidariedade passiva.
Di-lo o art. 264, pelo qual “há solidariedade, quando na mesma
obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito,
ou obrigado, à dívida toda.”
Não se pode esquecer de que “a solidariedade não se presume;
resulta da lei ou da vontade das partes” (art. 265). Daí a existência da solidariedade
legal e da convencional, respectivamente. Essa diferenciação, entretanto, é irrelevante
para este estudo.
Têm-se, por outro lado, as chamadas obrigações indivisíveis, que se
opõem às vistas obrigações divisíveis. São indivisíveis as obrigações que não
comportam fracionamento em razão de sua natureza, de motivos de ordem econômica
ou da causa determinante do negócio jurídico, e de sua própria porção na obrigação.
Vide art. 258 do CC.
Esse conceito se torna, contudo, inócuo se em cada um dos pólos da
obrigação houver apenas um sujeito, que na hipótese não se cogitará em fracionar a
obrigação.
Revistos esses conceitos, existindo mais de um credor ou devedor e
sendo a obrigação solidária ou, mesmo, indivisível, devem-se estudar os efeitos na
interrupção da prescrição, se promovida apenas por um ou contra um deles, ou por um
dos herdeiros do credor ou devedor, ou ainda contra um desses herdeiros.
Cabe aqui, então, invocar, quanto à solidariedade, que primeiro se
estudará, o art. 204, § . Reza esse dispositivo que “a interrupção, porém, aberta por
um dos credores solidários aproveita aos outros; assim com a interrupção efetuada
contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros.”
Havendo solidariedade, a interrupção levada a efeito por qualquer
dos credores implicará, em razão desse artigo, que o curso do prazo prescricional
estará também interrompido com relação aos demais co-credores. Igual conseqüência
sofrerão os devedores solidários se contra um deles ocorrer a interrupção da prescrição
ou decadência.
Destarte, essa interrupção, em favor de um co-credor solidário ou
em desfavor de um co-devedor solidário, se estenderá aos demais credores e devedores
automaticamente. É certo, ainda, que, se o credor ou o devedor, que interrompeu o
prazo ou contra quem se interrompeu o prazo, respectivamente, vier a morrer, a
interrupção já operada beneficiará ou prejudicará, conforme o caso, os seus herdeiros.
Atente-se, entretanto, que a solidariedade ativa ou passiva não
alcança os herdeiros. Na verdade, o que se passa aos herdeiros o tão-somente os
efeitos da interrupção, se já levada a cabo pelo (ou contra o) finado, como já dito. Essa
é a lição que deflui do art. 270, segundo o qual, “se um dos credores solidários falecer
deixando herdeiros, cada um destes terá direito a exigir e receber a cota do crédito
que corresponder ao seu quinhão hereditário [...]” e do art. 276, pelo qual, “se um dos
devedores solidários falecer deixando herdeiros, nenhum destes será obrigado a pagar
senão a quota que corresponder ao seu quinhão hereditário [...].”
É veraz que essa regra de que a solidariedade não se transmite aos
herdeiros comporta uma exceção. Todos os herdeiros de um devedor solidário,
reunidos, serão considerados como se fosse esse devedor solidário em relação aos
demais devedores. É o que dispõe o art. 276, parte final do CC. Dessa forma, se
operada a interrupção do curso do prazo prescricional ou decadencial contra todos os
herdeiros de dado devedor solidário, ter-sepor interrompido esse curso contra todos
os demais devedores solidários.
No entanto, quando se tratar de obrigações ou direitos indivisíveis,
não se aplica a regra geral contida no axioma de persona ad personam non fit
interruptio civilis nec active nec passive. A interrupção consumada contra um dos
devedores prejudica, pois, todos os demais devedores, tal como ocorre com a
solidariedade.
Ainda, em relação a direitos e obrigações indivisíveis, agora
diferentemente da solidariedade, a interrupção operada contra tão-somente um dos
herdeiros de dado devedor prejudica a ele próprio, aos demais co-herdeiros e aos
outros co-devedores. Semelhante conseqüência terá a interrupção levada a efeito por
apenas um dos herdeiros de certo credor. Serão dela beneficiados não esse herdeiro,
mas também demais co-herdeiros e os outros co-credores.
No tocante à fiança, antes de se discorrer acerca das conseqüências
da prescrição em relação ao fiador e ao afiançado, impõem-se, conquanto digressivas,
algumas considerações sobre essa espécie de contrato.
Contraída uma obrigação, deve ela ser cumprida. E a garantia desse
cumprimento é, regra geral, o patrimônio do devedor, já que, não havendo o seu
espontâneo adimplemento, poderá ele ser compelido a fazê-lo compulsoriamente.
No entanto, em reforço ao vínculo obrigacional originário, duas
outras garantias adicionais podem ser oferecidas pelo próprio devedor ou por terceiro.
São a garantia real e a garantia pessoal ou fidejussória. Plus cautionis est in re, quam
in persona.
A garantia real consiste em o devedor ou terceiro vincular um dado
bem, móvel ou imóvel, ao pagamento da obrigação. São espécies dessa garantia o
penhor, a anticrese, a hipoteca e a alienação fiduciária.
A garantia pessoal ou fidejussória, por sua vez, é sempre oferecida
por pessoa estranha à obrigação principal. Aqui, ao contrário da garantia real em que
se separa um dado bem pertencente ao devedor ou a uma terceira pessoa para
assegurar o efetivo cumprimento da obrigação, é o patrimônio daquela pessoa
estranha, todo ele, quem garante, em caso de inadimplemento do devedor, a satisfação
da dívida. São exemplos de garantia pessoal a fiança e o aval.
Interessa, neste trabalho, tão-somente, contudo, a fiança.
E, segundo o Código Civil, pelo contrato de fiança, uma pessoa
garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a
cumpra (art. 818 do CC).
Ainda, na doutrina, se conceituou fiança como a promessa que
uma ou mais pessoas fazem de satisfazer a obrigação de um terceiro e com o fim de
dar maior segurança ao credor. A fiança é, em outras palavras, um contrato em que
alguém se obriga para com o credor pela prestação do devedor
107
. Ou o contrato
mediante o qual um terceiro se submete pessoalmente, perante o credor de uma
obrigação, a satisfazê-la, caso o devedor não a cumpra
108
.
Conclui-se, por conseguinte, pelo caráter acessório do contrato de
fiança.
Ante o exposto, insta invocar o parágrafo do art. 204, segundo o
qual “a interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador.”
Desse dispositivo deflui que, se o credor interrompe o curso do
prazo prescricional ou decadencial, nos casos em que esse se dá, contra o devedor,
igualmente interrompida estará ele contra o fiador. Afinal, como asseverado,
acessorium sequitur principale.
Note-se, contudo, que o inverso não é verdadeiro. Se interrompido
o curso daquele prazo contra o fiador, incólume continuará o prazo do devedor
principal.
de se observar, por fim, que, tratando-se de aval, dado o
princípio da autonomia das obrigações cambiárias, a interrupção da prescrição contra o
devedor principal não prejudica o avalista, assim como aquela levada a efeito contra o
avalista é irrelevante em face do devedor principal.
Agora, relativamente à unicidade de interrupção da prescrição,
questão interessante surge na execução de julgado.
Deveras. Salvo interrupção extrajudicial anterior (protesto
cambiário, v.g.), no processo de conhecimento a prescrição interrompe-se com o
107
MENDONÇA, Manuel Inácio Carvalho de. Contratos no direito civil brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed.
Revista Forense, 1955. v. 2. p. 808.
108
SANTOS, J. M. de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. 10. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1980. v. 19. p. 433.
aforamento da demanda
109
. E, a prescrição interrompida recomeça a correr, no que
interessa à hipótese, do último ato do processo para a interromper (art. 202, parágrafo
único). Dessa forma, com o ajuizamento da ação, inutiliza-se o prazo da prescrição
anteriormente a ele decorrido. Esse prazo começa a correr, se for o caso, do último
termo do processo de conhecimento.
É certo que o credor, titular de uma obrigação originada na sentença
proferida naquele processo de conhecimento, deveria ajuizar, antes do advento da Lei
11.232/05, um segundo processo contra seu devedor, rectius, o processo de
execução.
Ocorre que, diante do princípio da unicidade da interrupção, na
execução da sentença do processo de conhecimento exsurgia a possibilidade de a
pretensão prescrever-se antes do seu adimplemento forçado, já que, em razão da
anterior interrupção ocorrida no processo de conhecimento, no processo de execução
outra não poderia haver.
Não era, entretanto, plausível que se consumasse essa prescrição
com a execução estando aforada.
E tal efetivamente não ocorria. Afinal, a prescrição aparece pela
inércia e nunca pela ação. Pune-se aquela, mas protege-se esta. A consumação da
prescrição, ajuizado o processo de execução, não ocorria, mesmo diante do anterior ato
interruptivo havido no processo de conhecimento, porque após a res iudicata
recomeçava um novo prazo prescricional de uma nova prescrição.
Na verdade, duas eram as pretensões. Humberto Theodoro
110
, no
tocante à matéria, leciona que o processo de conhecimento cuida da lide de pretensão
contestada que se compõe por meio do acertamento operado por uma sentença; o
processo de execução trata de lide de pretensão apenas resistida, que nenhum
109
Lembre-se de que, como se viu, por uma interpretação sistemática, de se ter a conclusão de que a
interrupção da prescrição retroage à data da propositura da demanda.
110
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo código civil: dos atos jurídicos lícitos, dos atos
ilícitos, da prescrição e da decadência, da prova. Coordenação de Sálvio de Figueiredo Teixeira. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2003. v. 3. t. 2. p. 209, comentários ao art. 193. O ensinamento retratado foi exposto antes
do advento da Lei nº 11.232/05.
acertamento reclama e que se realiza por atos jurisdicionais materiais, que são atos
executivos e não sentença. Aquela primeira pretensão diz respeito à busca de um título
executivo, enquanto a segunda, ao direito a uma execução forçada com a conseqüente
responsabilização patrimonial do devedor. Logo, as pretensões, num e noutro
processo, são diversas, e distintos são seus prazos prescricionais, pelo que a
interrupção ocorrida em um deles é irrelevante com relação ao segundo deles.
Um argumento de que dois diferentes eram os prazos prescricionais
estava no art. 741, VI do CPC, considerada a sua redação anterior ao advento da Lei nº
11.232/05. De fato. Esse dispositivo legal, no que era pertinente à espécie, rezava que,
na execução fundada em título judicial, os embargos poderiam versar sobre
qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como a prescrição,
desde que superveniente à sentença.
Essa causa extintiva, rectius, prescrição, deveria ter ocorrido depois
do julgado exeqüendo, uma vez que, caso dissesse respeito a fato anterior a ele, a
argüição seria inócua, sob pena de ofender a coisa julgada. Afinal, a prescrição podia,
e pode, ser argüida em qualquer grau de jurisdição, mas indubitavelmente não pode
ferir a coisa julgada. A prescrição que eventualmente se tivesse consumado antes do
dito julgado devia, pois, ter sido argüida nas instâncias ordinárias do processo de
conhecimento.
Um segundo argumento que militava em favor da existência de
duas prescrições, agora na seara da jurisprudência pátria, era a Súmula 150 do
Supremo Tribunal Federal, pela qual prescreve a execução no mesmo prazo da ação.
Veja, então, que, na linguagem sumular, havia dois prazos prescricionais: um da ação
e outro da execução.
Em conclusão, a interrupção do prazo ocorrida no processo de
conhecimento não impediria uma outra interrupção, desde que agora no processo de
execução.
Hoje, entretanto, em razão da citada Lei 11.232/05, com o
acréscimo do art. 475-J ao CPC, poder-se-ia questionar se continua válida essa lição de
Humberto Theodoro Júnior acerca das duas prescrições de que se falou.
Tal questionamento deriva do fato de, transitada em julgado a
decisão do processo de conhecimento, não mais há citação para se dar início ao
processo de execução.
De fato. “Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia
certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de 15 (quinze) dias, o montante
Verdadeiramente, continuam existindo, e por esta posição aqui se
opta, duas prescrições como antes se expôs, rectius, a da pretensão contestada,
referente à fase de conhecimento (ou ao antigo processo de conhecimento) e a da
pretensão resistida, que se liga à fase de execução (ou ao processo de execução, caso
assim se prefira).
Aqueles argumentos antes apresentados permanecem válidos e,
também, militantes em prol da opção acima esposada.
Observe-se, pois, que, se de um lado, a citada Lei 11.232/05
alterou o art. 741 do CPC para agora restringir sua aplicação aos embargos à execução
contra a Fazenda Pública, de outro, acrescentou nesse Código o art. 475-L, VI, que
possibilita ao impugnante (leia-se executado) argüir a prescrição, segundo a linguagem
de Alexandre Câmara, na fase complementar, que nada mais é do que o processo de
execução.
Definitivamente essa prescrição, argüida nos moldes do referido
novel art. 475-L, VI, não pode ser a prescrição que poderia ter sido argüida no módulo
cognitivo. de ser outra. Se aquela essa fosse, haveria, sem sombra de dúvidas, mais
uma vez, como já dito, ofensa à coisa julgada.
Também, segundo o art. 475-J, § 5º, o vencedor do processo de
conhecimento pode optar pela não execução da sentença condenatória. “Não sendo
requerida a execução no prazo de 6 (seis) meses, o juiz mandará arquivar os autos, sem
prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte.”
Então, inerte o vencedor por seis meses, o juiz determinará o
arquivamento dos autos, sem prejuízo de seu desarquivamento a qualquer tempo a
pedido da parte, desde que não verificada a prescrição”, ensinam Nélson Nery Júnior
e Rosa Maria de Andrade Nery
112
.
112
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação
extravagante. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006a. p. 642, nota 14 ao art.
475-J, § 5º.
E, não sendo essa prescrição de que falam esses doutrinadores a do
processo de conhecimento (prescrição da pretensão contestada), que, se não fosse
ela anteriormente argüida, não mais poderia sê-lo agora diante do trânsito em julgado
da sentença prolatada no processo de conhecimento, ela se necessariamente a da
pretensão resistida, que diz respeito ao processo de execução, pelo que íntegra
permanece a lição de Humberto Theodoro Júnior a respeito da existência de duas
pretensões.
Em conseqüência do exposto, ao lado de se concluir pela existência
das duas prescrições, de ter ainda como hígida a citada mula nº 150 do Supremo
Tribunal Federal.
Também, esse entendimento pela existência de duas prescrições é
roborado pelo próprio art. 741, VI do CPC, com a redação que lhe foi dada pela Lei
11.232/05, que, não obstante se tenha restringido aos embargos à execução contra a
Fazenda Pública, possibilita a argüição de prescrição em fase de execução.
Diante do exposto, dever-se-á então perquirir acerca da causa
interruptiva da prescrição da pretensão resistida, uma vez que, depois do advento da
Lei 11.232/05, na fase executiva, não mais existe citação, pelo menos quanto à
execução de sentença em que condenação ao pagamento de quantia certa, ou
fixada em liquidação.
Impõe-se concluir que a intimação de que fala o art. 475-J, no que
se refere à prescrição, tem o mesmo valor da antiga citação do processo executivo. Isso
porque ambas têm a mesma natureza jurídica, qual seja, convocar, agora pela primeira
vez na fase executiva, o devedor a cumprir a obrigação, da qual é sujeito passivo, ou a
apresentar sua defesa, lá chamada de impugnação. No espírito, ambas não divergem.
As diferenças procedimentais havidas entre essa intimação e a
tradicional citação derivam tão-só de política de agilização da distribuição da justiça
adotada pelo legislador, bem como de uma busca de maior eficiência na prestação
jurisdicional.
Então, a causa interruptiva da prescrição da pretensão resistida é a
intimação prevista no citado artigo.
Ainda, se se está dando a essa intimação o mesmo valor da citação
prevista no art. 202, I do CC, forçosamente de se entender que não é a intimação
propriamente que interrompe a prescrição, mas o seu protocolo na seção administrativa
competente, a exemplo do ajuizamento da ação quando se trata de processo de
conhecimento. O interessado, no entanto, deve, em conseqüência, aqui portar-se como
lá se portaria, ou seja, ele deve, quanto aos atos que lhe couberem, promover a
intimação no prazo e na forma da lei processual
113
.
Um outro tópico de especial relevância derivado da unicidade da
interrupção adotada pelo novo Código Civil (art. 202, caput) merece aqui ser tratado.
Dá-se ele na hipótese em que tenha havido a ocorrência de uma
causa interruptiva anteriormente ao aforamento da ação ou ao despacho que a
determinou. Aquele, para os que adotam a citação como causa interruptiva da
prescrição, com retroação de seus efeitos ao ajuizamento da demanda (art. 219, caput e
§ do CPC), que é a tese neste trabalho abraçada, e este, para os que, ao contrário,
nesse despacho vêem a dita causa interruptiva (art. 202, I do CC).
Exemplificando essa situação, imagine-se uma determinada
obrigação representada por título de crédito. Não adimplido ele na época oportuna,
começa a prescrição a correr em desfavor do credor. Em dado momento, opta ele por
protestá-lo. Lavrado o protesto cambial, interrompe-se a prescrição (art. 202, III do
CC), com o que o prazo prescricional volta a correr por inteiro.
Plausível, em conseqüência, a pergunta: esse prazo que volta a
correr por inteiro assim o fará de forma peremptória, sem nova interrupção?
Se o for, haverá a possibilidade de que, aforada a ação executiva, a
prescrição se consume durante o regular processamento dessa execução. E, para tanto,
113
A retroatividade dos efeitos da citação (e intimação) foi tratada no Capítulo 6. Desde logo, há de se consignar
que, neste trabalho, a propositura da ação (ou da execução, ainda que processada nos mesmos autos) é que foi
adotada como causa interruptiva da prescrição.
basta que o credor a ajuíze quando decorrido boa parte do novo prazo prescricional,
o que lhe é permitido. Na espécie, nem se pense em demora imputável exclusivamente
ao serviço judiciário. Dados os sem-números de meandros processuais, incluindo os
recursais, a consumação da prescrição poderá ocorrer ainda que os prazos sejam
fielmente cumpridos.
Se não no for, ter-se-á hipótese em que, com relação a um mesmo
curso de prazo prescricional, haverá duas interrupções.
Em razão da disposição legal que instituiu a unicidade da
interrupção, descabida a segunda conclusão. Igualmente descabida é, ainda, a
conclusão de que, conquanto ajuizada a competente ação antes de prescrita a sua
pretensão, possa a prescrição, no curso do processo, vir a consumar-se.
A solução do aparente impasse pode ser desenvolvida a partir do
fundamento jurídico da prescrição, que é o interesse social pela estabilidade das
relações jurídicas. O ordenamento jurídico pátrio, ao adotar o instituto da prescrição,
perseguiu essa estabilidade.
Ocorre, contudo, que essa estabilidade também pode ser alcançada
pela via judicial, que se atinge com o ajuizamento da competente ação. Isso porque,
aforada a demanda, se terá um pronunciamento judicial que, ressalvada a possibilidade
de extinção do processo sem resolução de mérito, porá fim na falta de estabilidade
derivada da inadimplência de uma obrigação.
Então, conquanto prescrição e ajuizamento da ação sejam caminhos
antagônicos, ambos impõem a extinção da obrigação. Diz-se antagônico porque
naquela essa extinção se pela extinção da pretensão relativa
à obrigação, enquanto neste a extinção da obrigação ocorre com o seu cumprimento
forçado ou com a declaração de que aquele que seria seu titular a ela, na verdade, não
tem direito.
Tal raciocínio leva à conclusão de que é lícito entender que,
independentemente de anterior interrupção do prazo prescricional de uma dada
obrigação, o ajuizamento de ação na qual se deduza pretensão a ela relativa, por si e
de imediato, gera, por incompatibilidade advinda do antagonismo de que se falou, o
perecimento da prescrição, levando esse instituto a uma inocuidade tal que o torna
matéria estranha à situação jurídica com aquele aforamento criada.
Noutras palavras, ajuizada a ação, não mais se falar em
prescrição, seja com relação ao curso de seu prazo, seja no que tange à interrupção
dele.
Afinal, não se olvide que esse prazo, extintivo que é, está vinculado
ao aspecto temporal e à inércia do titular do direito. E, com a propositura tempestiva
da demanda, nem descuidou ele daquele aspecto temporal, nem se manteve inerte.
Argumento outro que robora esse entendimento pode ser visto na
decadência, cujo fundamento jurídico também é a busca da estabilidade das relações
jurídicas. Sabe-se, pois, que, “ressalvada disposição legal em contrário, à decadência
não se aplicam as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição” (art.
207 do CC). Logo, segundo a regra geral, o prazo decadencial, que é o que interessa na
espécie, não se interrompe.
Note-se, por conseguinte, que, mesmo inexistindo causa
interruptiva do curso do prazo decadencial, não se cogitar sobre a consumação da
decadência depois da propositura da ação. Deve-se concluir, então, que o mero
ajuizamento da demanda faz cessar a força extintiva do direito advinda da decadência.
Ressalte-se que, no caso, não há situação jurídica qualquer que possa ser a causa
obstativa da consumação da caducidade.
E, se assim age a decadência, de igual forma deve agir a prescrição,
pelo que o ajuizamento da ação também cessa a ação destruidora da pretensão que da
prescrição advém. Reitere-se que a consumação de ambos institutos está intimamente
ligada ao aspecto temporal e à inércia do titular do direito, se decadência, ou da
pretensão, se prescrição.
O renitente entendimento tradicional acerca da visão da citação
(com retroação de seus efeitos ao ajuizamento da ação) ou despacho que a ordena
como causa interruptiva da prescrição pode trazer, então, à baila o porquê da previsão
legal dessa causa (art. 219, caput do CPC e art. 202, I do CC, respectivamente), já que,
pela conclusão que aqui se chegou, o que se opõe à consumação da prescrição é o
simples aforamento da demanda.
Na verdade, a citação, para aqueles que a vêem como causa
interruptiva, ou o despacho que a ordena, para os que entendem nele residir a dita
causa, efetivamente acarreta a interrupção da prescrição, cujo recomeço, nos termos do
artigo 202, parágrafo único do Código Civil, se dará do último ato do processo para a
interromper.
Essa interrupção pela citação, ou despacho, ocorrerá, entretanto,
tão-somente naqueles casos em que, por circunstâncias processuais outras, a obrigação
prescribente, na ação proposta, em seu mérito, não fique resolvida. E, como não se deu
a resolução definitiva dessa obrigação, o que implicaria a sua extinção, o instituto da
prescrição, que aparentemente com o ajuizamento se teria exaurido, revivifica-se para
retomar o seu regular curso. Tal ocorre, verbi gratia, com processos extintos sem
resolução de mérito (art. 267 do CPC) e com medidas cautelares preparatórias extintas
antes do ajuizamento da respectiva ação principal.
Essa ausência de resolução do mérito, com a conseqüente
impossibilidade de extinção da obrigação, afasta o antagonismo entre ajuizamento e
prescrição, pelo que esta, em vez de perecer, permanece gida. Esse afastamento
deriva do fato de que a obrigação não se extinguiu. Ela continua, destarte, exigível,
pelo que necessário se faz que se continue buscando a sua extinção, seja por meio de
nova ação, seja por meio da prescrição (ou por meio de outra forma qualquer,
irrelevante, contudo, para este estudo).
Atente-se, ainda, para o fato de que, tendo antes ocorrido uma causa
interruptiva (protesto cambial, medida cautelar extinta na forma antes exposta, ação
julgada sem resolução de mérito, por exemplo), a ação proposta (ou nova ação, se
outra anterior houve), para se evitar a consumação da prescrição, inclusive em juízo, se
caso, deve ter seu deslinde com a resolução de mérito da obrigação prescribente. Ou
nessa ação (ou nova ação) resolve-se o mérito da obrigação, hipótese em que perece a
prescrição, ou nela não se resolve o mérito, situação em que o curso prescricional se
manterá incólume. Essa última alternativa se porque, dada a unicidade da
interrupção, essa ação proposta (ou nova ação), em razão da anterior interrupção,
nunca acarretará uma nova interrupção.
Em resumo: proposta uma dada ação, dois poderão ser o seu
deslinde, rectius, extinção do feito com resolução de mérito ou sua extinção sem
resolução do mérito. O aforamento da demanda que tem aquele primeiro deslinde, por
si só, afasta do cenário jurídico a prescrição, uma vez que põe termo na obrigação.
Então, aqui não mais se falará em prescrição, em curso de seu prazo ou em sua
interrupção. Caso o término do processo se sem resolução de mérito, a prescrição,
ao contrário, por não ter sido extinta a obrigação, manter-se-á incólume. Nessa
hipótese, se não tiver ocorrido anterior interrupção do prazo prescricional, o
ajuizamento da ação interrompê-lo-á e, caso se tenha tido anterior interrupção (seja
pela causa que for), esse ajuizamento em nada afetará aquele prazo, que continuará
tendo seu curso normal. E, com esse andamento do prazo, a prescrição poderá vir a
consumar, mesmo que a ação esteja sendo regularmente processada em juízo.
Um estudo particular neste momento impõe-se. Trata-se dos
reflexos em uma dada ação, havendo a interrupção da prescrição em outra ação.
Aplica-se à hipótese o brocardo de actione separata ad aliam
actionem non fit interruptio. A exemplo da interrupção da prescrição de pessoa a
pessoa, que não ocorre, também não se a interrupção de uma dada ação por ter
ocorrido a interrupção de outra ação.
Dessa forma, se uma pessoa é credora de outra por dois créditos
distintos, o fato de ela promover validamente, com relação à pretensão de um dos
créditos, a interrupção de seu prazo prescricional o implica a interrupção da
prescrição da pretensão do outro dos créditos.
Carvalho Santos
114
adverte, entretanto, que essa regra pode trazer
dificuldades nas hipóteses de uma ação (ou pretensão, na acepção atual do instituto)
estar virtualmente compreendida em outra, quando então se deve entender que a
interrupção operada numa ação também produz igual efeito na outra.
Invocando Giorgi, Carvalho Santos
115
elucida essas situações em
que uma ação (ou pretensão, com se disse) está virtualmente compreendida na outra
por meio dos exemplos: quando a ação aforada tem por escopo a constatação de um
direito, cujo pressuposto seja um outro direito, objeto de uma outra ação, tal como
ocorre numa ação em que se pleitearem os juros de um capital, a anuidade de uma
renda, o reconhecimento do penhor ou hipoteca, casos em que interrompida ficaria a
prescrição também para a ação que viesse perseguir o capital, a renda; quando a
interrupção se em uma ação intentada que tem por objeto um complexo de direitos,
todas as ações particulares referentes a esses direitos são atingidas pela interrupção da
prescrição, como, v.g., petição de herança, liquidação de uma sociedade, nas quais as
causas debendi que foram objeto da pretensão são resultantes da qualidade hereditária
da comunhão; e quando a ação aforada visa constatar um direito para servir de base a
outro direito que será discutido em outra ação.
Silvério Ribeiro
116
, por seu turno, citando Carpenter, dois
exemplos de ação virtualmente contida em outra. Primeiro, a ação do usufrutuário que
reivindica a coisa do esbulhador engloba virtualmente a ação do nu-proprietário em
face daquele mesmo esbulhador. De fato. O usufrutuário representa o nu-proprietário,
uma vez que, reclamando para si o usufruto, reclama para o nu-proprietário a nua-
propriedade. Também, o nu-proprietário que reclama a coisa do esbulhador representa
o usufrutuário, que ele reclama para si a nua-propriedade, reservado o usufruto para
o usufrutuário. A ação do usufrutuário envolve a do nu-proprietário, e a ação deste
envolve a daquele. Portanto, a interrupção produzida em uma acarreta interrupção na
outra ação. Segundo exemplo: a interrupção operada na ação para exigir os juros
114
SANTOS, Joaquim Manoel de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. 12. ed. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1980. v. 3. p. 457.
115
Ibid., p. 458.
116
RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. São Paulo: Saraiva, 1992. v. 1. p.125.
implica interrupção na ação para exigir o capital. Reciprocamente, a interrupção
produzida na ação para pedir o principal importa interrupção de prescrição na ação
para pedir os juros.
Pode-se, ainda, a título de exemplo, citar a interrupção ocorrida por
meio do despacho do juiz que ordena a citação, cujos efeitos retroagem à data do
aforamento da ação, proferido em determinados processos cautelares instaurados antes
do processo principal que também interrompe, como visto, o curso prescricional
referente à pretensão a ser nele deduzida.
Indubitavelmente o art. 202, inc. I do CC c.c. art. 219 e seus incs.
do CPC se aplica tanto às ações de procedimento comum ordinário quanto às
cautelares. É necessário, contudo, que o direito subjetivo objeto da medida cautelar
possa ser exercido desde logo por meio do processo principal. Por uma questão de
coerência ao princípio da actio nata, não se pode atribuir eficácia para interromper
uma prescrição que nem ao menos estaria fluindo, por ainda não nascido o direito de
ação
117
. Afinal, actione non nata non praescribitur.
No entanto, quanto a essa matéria, a interrupção operada por meio
da cautelar será idônea para também interromper a prescrição da pretensão da ão
principal, se aquela medida tiver ligação o estreita com essa de tal modo que a
cautelar deva ser vista como uma fase inicial da principal. Se assim não no for,
inexistirá a interrupção da prescrição dessa principal. Exemplos de cautelares que
interrompem o prazo prescricional de suas principais são protesto, arresto, sustação de
protesto, exibição de documentos
118
, dentre outras. Não o interrompe a cautelar de
simples vistoria. Vide aqui a Súmula nº 154 do Supremo Tribunal Federal.
Não se deve olvidar, no mais, que, interrompido o prazo da
prescrição por meio da cautelar em que se obteve medida liminar, se a ação principal,
como determina o art. 806 do CPC, não for proposta no prazo de trinta dias, contados
117
CAHALI, Yussef Said. Aspectos processuais da prescrição e da decadência. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1979. p. 57.
118
REsp 292.046.
da efetivação da medida, a interrupção será tida como se não tivesse havido. É a
eficácia condicionada da interrupção operada.
CAPÍTULO 8
LEGITIMIDADE PARA PROMOVER A INTERRUPÇÃO
Conquanto hoje exista norma imperativa no sentido de que o juiz
deve de ofício pronunciar a prescrição (art. 219, § do CPC, com a redação que lhe
foi dada pela Lei nº 11.280/05), é certo que, ou por lapso ou por entender que ela ainda
não se tenha consumado, há possibilidade de ele não o fazer.
E se o juiz não o fizer, a quem caberá argüir a exceção da
prescrição ?
Relevante, pois, o estudo do tema.
O antigo Código Civil disciplinava essa matéria no art. 174. Dava
ele legitimidade para promover a interrupção ao próprio titular do direito em via de
prescrição, a quem legalmente o representasse e a terceiro que tivesse legítimo direito.
A doutrina censurava-o, que alguns casos de interrupção, a
exemplo da interrupção pela citação, com seus efeitos retroagindo à data da
propositura da ação, só pode ser promovida pelo próprio titular do direito ou por seu
representante legal. Inadmissível na hipótese a promoção da interrupção por terceiro,
ainda que tenha legítimo interesse.
O atual Código Civil, por sua vez, no seu art. 203, reza que a
prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado. Desse enunciado tem-se
que todos aqueles enumerados no antigo art. 174 continuam com legitimidade para
promover a interrupção da prescrição. Afinal, o próprio titular do direito prescribente,
seu representante legal e terceiro que tenha legítimo interesse são, todos eles, pessoas
interessadas na prescrição, pelo que preenchem essa exigência do art. 203.
Pode-se, dessa forma, com eficiência discorrer sobre aqueles
enumerados no vetusto art. 174, para fins de análise de quem possui interesse em
promover a interrupção da prescrição.
O titular do direito prescribente é o interessado original na
interrupção da prescrição. Afinal, é a sua inércia prolongada na defesa de seu direito
violado que se sustentáculo ao curso da prescrição, do que cabe a ele,
preferencialmente, promover aquela interrupção.
Como dito, na verdade algumas causas interruptivas somente por
ele podem ser invocadas. Na doutrina, o rol dessas causas consiste na ação judicial
cujo aforamento constitua o ato interruptivo da prescrição, na alegação do direito em
juízo por via de exceção, reconvenção ou embargos de compensação e na provocação
de processos preparatórios para proteção judicial do direito
119
.
A esse rol deve-se ainda acrescentar a apresentação de reclamação
administrativa nos termos do Decreto 20.910/32. Compete tal matéria
exclusivamente ao titular do direito porque, para agir em juízo ou perante a
administração, além de ter interesse na interrupção da prescrição, se faz necessária a
legitimatio ad causam.
Com relação ao representante do titular do direito, pode ele ser
legal, judicial ou convencional.
Representante legal é aquele a quem a lei outorga um mandato para
administrar os bens e interesses alheios. São exemplos desse tipo de representante os
pais, os tutores e os curadores com relação, respectivamente, aos filhos menores, aos
pupilos e aos curatelados.
Judiciais são os nomeados pelo juiz, tal como o síndico, o
depositário, o inventariante.
119
LEAL, Antonio Luís da Câmara. Da prescrição e da decancia. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 201.
E convencionais o aqueles portadores de mandato outorgado pelo
próprio titular do direito. O mandato pode ser expresso ou tácito, geral ou especial.
Um exemplo de mandato tácito é a hipótese prevista no art. 311 do CC. Diz esse artigo
que se considera autorizado a receber o pagamento o portador da quitação, salvo se as
circunstâncias contrariarem a presunção resultante do fato de esse portador, por ter em
sua posse a quitação, estar autorizado a receber a dívida. Veja que se trata de mandato
tácito porque o portador da quitação não possui o instrumento de mandato que o
habilita a receber o pagamento. Na espécie, tal habilitação deriva apenas do fato de ele
estar portando a própria quitação. Daí a existência de mero mandato tácito.
É certo que a representação por meio de mandato tácito é
inaplicável ao instituto da interrupção da prescrição.
Essa representação por meio de mandato tácito não deve ser
confundida, entretanto, com a representação judicial em que o mandatário não possui,
desde logo, o instrumento do mandato, o que está previsto no art. 37 do CPC.
Esse artigo reza que, sem instrumento de mandato, o advogado
poderá, em nome da parte, intentar ação, a fim de evitar decadência ou prescrição.
Nestes casos, o advogado obrigar-se-á, independentemente de caução, a exibir o
instrumento de mandato no prazo de quinze dias, os quais, no entanto, poderão, por
despacho do juiz, ser prorrogados por até outra quinzena. Aqueles primeiros quinze
dias não têm o seu termo a quo fixado pela legislação processual. Isso porque o prazo
de quinze dias para que o advogado exiba o instrumento de mandato é automático e
independe de qualquer ato ou manifestação da autoridade judiciária
120
. Agora, tendo
havido o requerimento de prorrogação por outros quinze dias, aí sim se exige a
manifestação do juiz. Junta a procuração no prazo inicial ou na sua prorrogação, os
atos praticados antes dessa juntada serão tidos por ratificados. Se não for ela junta
tempestivamente, os atos serão havidos como não ratificados, pelo que havidos por
inexistentes, respondendo o advogado pelas despesas, bem como por perdas e
120
RT 750/284.
danos
121
. A doutrina tem entendido que o advogado, agindo nos termos do citado art.
37, é uma espécie de gestor de negócios, pelo que lhe devem ser aplicadas as regras
desse instituto, previstas nos arts. 861 a 875 do CC.
Por outro lado, há de se questionar se o instrumento do mandato,
tratando-se de representação convencional, deve conter poderes expressos ou não. Ou
seja, deve ele conter expressamente a autorização para argüir a prescrição ou a
decadência, bem como para promover a sua interrupção.
A resposta deve ser negativa. Ela se embasa no art. 661, caput do
CC, segundo o qual o mandato em termos gerais confere ao mandatário poderes para a
administração. Os poderes especiais e expressos são necessários, segundo o § desse
mesmo ar0.110831( )-0.143628(n)-28(i)0.0627C29n9.04009rirel
investido da representação pelo juízo, excluindo-se qualquer outro, pode representar o
representado. Agora, se a representação for convencional, possuem legitimidade
concorrente, enquanto não revogada essa representação, para promover a interrupção
da prescrição tanto o representante quanto o representado. Este a tem por direito
próprio, e aquele em razão da representação que este lhe outorgara.
CAPÍTULO 9
RENÚNCIA
Dentre os modos gerais de extinção dos direitos encontra-se a
renúncia. É ela o ato pelo qual o titular de um direito dele se despoja
123
. Na verdade, a
renúncia depende da exclusiva vontade do renunciante. É, pois, um ato unilateral, o
que torna desnecessária a sua aprovação ou aceitação por quem quer que seja.
Ressalte-se que a renúncia não impede, com relação ao
renunciante, a aquisição do direito, mas também, no que tange a esse, extingue-o, sem
transmiti-lo a terceira pessoa.
Ainda, a renúncia deve versar sobre direito atual. Não se renuncia,
portanto, ao que não se tem ou ao que o se exerce. Dessa forma, se explicou que
não se pode renunciar à apelação antes da prolação da sentença. Ocorre que, não
havendo decisão, nada a renunciar. Apenas depois da sentença proferida é que se
terá o direito ao recurso de apelação, do qual aquele que sucumbiu poderá ou não
utilizar-se
124
.
Daí é que, dentre outros motivos que aqui se exporão, a renúncia da
prescrição pode ocorrer tão-somente depois de ela ter-se consumado (art. 191 do CC).
A renúncia pode ser expressa ou tácita.
Aquela é a que vem expressamente declarada no ato pelo qual o
titular do direito renunciado declara a sua vontade de dele desvencilhar-se. Regra
geral, ela não exige forma especial. Pode, então, ser feita na forma verbal ou escrita.
Se escrita, por meio de escritura pública ou escrito particular. Se verbal, sua prova será
por meio de testemunhas. Ainda, aqui, o valor do contrato não tem qualquer influência
123
BEVILAQUA, Clóvis. digo civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. São Paulo: Francisco Alves,
1916. v. 1. p. 478.
124
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982. v. 4. p. 87.
sobre a admissibilidade dessa prova, já que inaplicável à espécie o disposto no art. 401
do CPC.
125
A renúncia tácita é aquela derivada de fatos, praticados pelo
renunciante, incompatíveis com a prescrição. Di-lo o art. 191, segunda parte. Deve-se
concluir, por conseguinte, que a renúncia cita não se presume. Deve ela advir dos
fatos de que se falou. São eles, ressalte-se, o elemento objetivo da renúncia tácita. A
doutrina, exemplificando-os, enumera, dentre outros fatos ocorridos depois da
consumação da prescrição, o pagamento espontâneo, ainda que parcial, da dívida
prescrita; a garantia, real ou fidejussória, dada pelo devedor ao credor para segurança
do adimplemento da dívida; o pedido de dilação do prazo para pagamento da dívida; a
alegação feita pelo credor de compensação da dívida; a novação ou transação, entre
A exigência da consumação deriva do fato de que a prescrição, se
permitida fosse a sua renúncia prévia, se reduziria a letra morta, já que ela não passaria
de trivial cláusula dos mais diversos negócios jurídicos. Todos eles teriam em seu
corpo, como cláusula-padrão, a renúncia de eventual prescrição.
Os autores vêem como fundamento da proibição da renúncia prévia
o caráter de ordem pública atribuído à prescrição.
Se vedada a renúncia prévia, estaria também proibida a da
prescrição em curso ? Silvério Ribeiro, invocando Coviello, leciona que a prescrição
em curso equivale a um ato interruptivo. Ela subtrai a eficácia do tempo decorrido
sem impedi-lo de começar de novo por inteiro
128
.
Quanto ao prazo da prescrição, sob a égide do digo revogado,
entendiam os tratadistas que não podia ele ser aumentado. Eventual permissão
equivaleria, em última análise, à renúncia prévia do instituto, o que não era, assim
como não o é ainda hoje, permitido. Ressalte-se que, não obstante Câmara Leal
compartilhasse desse entendimento, admitia ele o alongamento, por convenção das
partes, do prazo durante o curso da prescrição, que, em tal hipótese, esse
prolongamento nada mais seria do que uma causa de sua interrupção
129
.
No que se refere à diminuição do prazo prescricional, na vigência
do Código de 1916, não era a doutrina uniforme. Dentre aqueles que a admitiam,
podem citar-se Câmara Leal, Coviello, Ruggiero, Pugliese. Não na aceitavam Vampré,
Spinola, Carvalho Santos.
Hoje, tanto o aumento do prazo prescricional, quanto a sua
diminuição são vedados. Nesse sentido, encontra-se o art. 192 do CC, segundo o qual
os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes.
de se consignar que a renúncia à prescrição consumada deve ser
feita sem prejuízo de terceiro (art. 191 do CC). Eventuais prejuízos dela advindos
128
RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. São Paulo: Saraiva, 1992. v. 1. p. 26.
129
LEAL, 1982, op. cit., p. 53.
deverão atingir, assim, tão-somente a pessoa do renunciante. Consigne-se, também,
que a renúncia é ato pessoal do renunciante, pelo que seus efeitos apenas a ele
alcançam. Por óbvio, se ele vier a morrer após a renúncia, seus efeitos prejudicarão
seus herdeiros, os quais, contudo, não podem ser vistos como terceiros.
Dessa forma, a renúncia feita por um co-devedor não faz cessar a
prescrição operada em favor dos demais co-devedores. Também, se um devedor
renuncia à prescrição consumada, embora o seu credor readquira o direito de excuti-
lo, não terá esse credor, contudo, a possibilidade de executar o fiador, que, nessa
relação, não passa de mero terceiro beneficiário da prescrição, renunciada pelo
devedor principal.
Ainda, se feita ela por devedor solidário ou de obrigação
indivisível, também não pode a renúncia ser oposta aos demais co-devedores, que,
aqui, o igualmente terceiros. Tal ocorre porque com a consumação da prescrição se
extinguiu o vínculo obrigacional, dissolvendo, em conseqüência, a conjunção derivada
da solidariedade e indivisibilidade, o que torna os co-devedores independentes uns dos
outros, pelo que a liberalidade do renunciante o pode prejudicar os demais, antigos
coobrigados.
Existe, ainda, a hipótese em que a renúncia é feita pelo devedor
insolvente ou por ela reduzida à insolvência. Tanto naquela quanto nesta, não podem
os outros credores do renunciante não beneficiados pela renúncia ser prejudicados.
Note que o prejuízo advirá ainda que, antes da renúncia, fosse insolvente o
renunciante, uma vez que, nessa hipótese, o vel da insolvência mais aumentará. Se o
prejudicado for credor quirografário, que o fosse à época da liberalidade,
configurada estará a fraude contra credores, cuja defesa deve ser deduzida por meio da
respectiva ação pauliana. Igual direito assiste aos credores, cuja garantia se tornar
insuficiente
130
.
Caso venha a renúncia prejudicar terceiros, não terá ela qualquer
validade. Nesse sentido, veja o mencionado art. 191.
130
vide art. 158 do CC
No que se refere à pessoa do renunciante, deve ele ser capaz. Na
verdade, por ser a renúncia liberalidade, o que equivale dizer ser ato de alienação,
exige ela que o agente possua a capacidade para alienar.
Se absolutamente incapaz for o renunciante, a questão fica na
doutrina controvertida. Citando Almeida e Oliveira, Carvalho Santos entende que,
sendo a renúncia da prescrição um ato de consciência, pode praticá-la a pessoa nela
interessada. Tutoris praecipuum officium est in indefensu pupillum reliquat
131
.
Câmara Leal, por seu turno, entende que, devidamente autorizado pelo juiz, pode o
representante do absolutamente incapaz renunciar à prescrição. Adverte esse
doutrinador, contudo, que, na prática, dificilmente isso ocorrerá em virtude de a
autorização judicial para alienação ser concedida tão-somente nos casos em que for
evidente o benefício para o incapaz, o que não ocorre na renúncia da prescrição, uma
vez que nela só há benefício para o credor e prejuízo para o renunciante
132
.
Quanto aos relativamente incapazes, a doutrina é pacífica no
sentido de que podem eles, se assistidos, renunciar. É veraz que, tal como ocorre com
os absolutamente incapazes, necessidade de autorização judicial. Ressalte-se que,
também com os relativamente incapazes, a qualquer um custa ver benefício na
renúncia da prescrição para o renunciante, o que dificultará a obtenção daquela
autorização.
Consigne-se, ainda, que o Código Civil não distingue os
relativamente dos absolutamente incapazes, pelo que ambos devem ter tratamento
igual. de se adotar, no que tange a ambos, que, se representados ou assistidos,
conforme o caso, podem eles, com autorização judicial, renunciar à prescrição. Agora,
conceder ou não o juiz essa autorização, é matéria que foge do escopo deste trabalho.
Deve-se, também, ter em mente que a renúncia levada a efeito não
cria uma nova obrigação. A velha obrigação é que revigora em desfavor do
131
SANTOS, Joaquim Manoel de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. 12. ed.. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1980. v. 3. p. 377.
132
LEAL, 1982, op. cit., p. 59.
renunciante. Não obstante, é veraz que com esse revigoramento o credor, se
inadimplente continuar o devedor, voltará a ter por inteiro o tempo prescricional.
Isso implica dizer que o se pode acolher como válida a renúncia
da renúncia. Ao renunciar à prescrição consumada, o renunciante revigorou, pois, a
obrigação. E, com esse revigoramento, tornou-se ela novamente exigível. A renúncia
da renúncia, se possível fosse, nada mais seria do que uma remissão compulsória da
obrigação revigorada em desfavor do credor, antes beneficiado com a renúncia da
prescrição, o que inexiste no ordenamento jurídico pátrio.
Com relação à decadência, por primeiro, insta lembrar que, como já
visto antes, no novo Código Civil, se passou a ter decadência legal e decadência
convencional. Como já visto, aquela é a fixada pela lei, e esta a estipulada pelas partes,
em declaração unilateral de vontade, contrato ou testamento.
A decadência legal não pode ser renunciada. Se o for, nula será a
renúncia. Di-lo o art. 209, segundo o qual é nula a renúncia à decadência fixada em
lei.
Considerando que esse artigo o distingue a renúncia prévia da
renúncia da decadência já consumada, é certo que tanto aquela quanto esta deverão ter-
se por nulas.
É corolário dessa vedação a proibição de aumentar ou diminuir o
prazo decadencial fixado por lei. Se a lei o fixou, não podem as partes modificá-lo.
Afinal, se tal modificação fosse possível, a decadência não seria legal, mas
convencional.
No tocante à decadência convencional, ao contrário, se o devedor
teve liberdade para avençá-la, é veraz que igual liberdade terá para renunciá-la. Veja
que, nessa espécie de decadência, as partes puderam livremente não instituí-la, mas
também fixar-lhe o prazo para o exercício do direito. Disso se conclui que, a qualquer
tempo do curso dessa decadência ou mesmo depois de consumada ela, podem as partes
renegociá-la, desde que essa conduta não implique prejuízo a terceiros.
É possível às partes, em conseqüência, renunciar à decadência
convencional, esteja seu prazo em curso ou já tenha ele sido consumado. A renúncia
equivaleria, pois, a um verdadeiro distrato da avença quanto ao prazo decadencial, o
que lhes é permitido, já que puderam fixar o originário.
Aplicam-se à renúncia da decadência convencional as mesmas
regras anteriormente expostas para a prescrição. Não se pode, diga-se, esquecer de
que, tal como a renúncia da prescrição, a renúncia da decadência convencional é uma
liberalidade, rectius, um ato de alienação, o que exige de seu agente plena capacidade
ou, se incapaz, representação ou assistência, além de autorização judicial para sua
prática.
Se houver prejuízo a terceiros advindo da renúncia da decadência
convencional, em razão de o renunciante estar insolvente ou por ela ser reduzida à
insolvência, ter-se-á, se o prejudicado for credor quirografário, mais uma vez, fraude
contra credores, com a conseqüente anulação da liberalidade. Igual raciocínio deve-se
adotar na hipótese de o prejuízo ser para o credor cuja garantia se tornou insuficiente.
de se admitir, nesse tipo de decadência, a exemplo do que
ocorreu com a prescrição, a renúncia tácita e a expressa. As suas regras são aquelas
anteriormente expostas.
Contrariamente à prescrição, a decadência convencional permite,
se houver consensualidade entre os envolvidos, o alongamento ou a abreviação de seu
prazo. Na esteira do que se disse antes, quem pôde fixar um prazo originário tem o
poder de aumentá-lo ou encurtá-lo.
Quanto à decadência convencional, admite-se a renúncia da
renúncia apenas se houver repactuação entre as partes. Afinal, com a primeira
renúncia um direito decadente foi revigorado. Uma das partes, portanto, readquiriu-o.
Agora, aceitar a segunda renúncia, será o mesmo que ceifar dessa parte esse direito
readquirido. Daí a necessidade de essa parte concordar com a renúncia da renúncia.
Por óbvio, a renúncia da renúncia não pode trazer prejuízos para terceiros de que dela
não tenham participado.
CAPÍTULO 10
AÇÃO REGRESSIVA
A ação regressiva é aquela fundada no direito de uma pessoa em
haver de outrem a importância por si despendida no cumprimento de uma obrigação,
cuja responsabilidade direta e principal a esse último pertencia.
133
É o também
denominado direito de regresso.
Nesse sentido, aquele que for, legal ou contratualmente,
responsável por obrigação, cuja responsabilidade original pertença a outra pessoa,
possui esse direito de regresso de ver-se ressarcido por essa outra pessoa do dispêndio
utilizado no cumprimento da obrigação.
Dessa forma, por outras palavras, aquele que sofreu prejuízo em
razão de ação ou omissão de outrem, havendo previsão legal ou contratual, poderá
voltar-se regressivamente contra o agente da ação ou omissão para dele reaver o
prejuízo sofrido.
Na esteira dessa doutrina, no que tange à prescrição, o Código
Civil, em seu art. 195, dispõe que “os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas
têm ação contra os seus assistentes ou representantes legais, que derem causa à
prescrição, ou não a alegarem oportunamente.” Ainda, em seu art. 208, reza esse
diploma legal que se aplica à decadência o disposto no art. 195.
E essa ão a que se referem os arts. 195 e 208, este por remissão
àquele, nada mais é do que o exercício do direito de regresso atribuído aos
relativamente incapazes e às pessoas jurídicas para que eles possam acionar seus
assistentes, na primeira hipótese, e representantes legais, na segunda, em razão de
esses terem dado causa à prescrição ou decadência do direito daqueles primeiros, ou,
ainda, não terem-nas alegado na época oportuna.
133
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. v. 1. p. 61.
O Código Civil não fez, no seu art. 208, qualquer distinção entre
os dois tipos de decadência, pelo que esse direito de regresso abrange tanto a
decadência legal, quanto a convencional.
Ensina Clóvis Bevilaqua, em comentário ao art. 164 do antigo CC,
correspondente, com alterações, ao art. 195 do Código vigente, que a disposição em
tela é uma garantia estabelecida em favor dos incapazes, cujos bens são entregues à
administração de seus tutores e curadores. É veraz que a matéria já se encontra
disciplinada no princípio consagrado pelo art. 159 do vetusto Código.
A reiteração dela, no entanto, serve para tornar mais clara a
responsabilidade daqueles a quem se confiam bens alheios e, em conseqüência, obter
que eles se mostrem menos negligentes.
Esse doutrinador alerta, ainda, que essa garantia, com muito mais
justiça, substitui o benefício da restitutio in integrum, que por meio dela se exige
indenização de quem responde pela conservação dos bens, ao passo que na restituição
se destrói situação jurídica anteriormente consolidada.
134
de se consignar que o novo Código inclui entre os beneficiários
da garantia de que se fala as pessoas jurídicas, o que não é previsto na legislação
anterior.
Na verdade, então, esses são beneficiários, pelo que são os que m
legitimidade ativa para a dita ação regressiva, os relativamente incapazes e as pessoas
jurídicas. Aqueles estão disciplinados no art. do novel estatuto, enquanto estas, no
seu art. 40 e seguintes
135
.
134
BEVILAQUA, Clóvis. digo civil doa Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1916.
v. 1. p. 482.
135
Segundo GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1957. p. 177, são
pessoas jurídicas os entes formados pelo agrupamento de homens para fins determinados, que adquirem, na
vida social, as características de uma pessoa real, distinta dos indivíduos que os compõem, que a ordem
jurídica reconhece como capazes de ter direitos e contrair obrigações..
Não se pode olvidar que os absolutamente incapazes não estão
incluídos pela garantia em tela. Isso ocorre porque contra eles não corre prescrição,
nem decadência. Dizem-no os arts. 198, inc. I e 208.
O sujeito passivo da ão regressiva são o assistente do
relativamente incapaz e o representante legal da pessoa jurídica. Isso significa dizer
que possui legitimidade passiva aquele que deveria assistir ao menor e aquele por meio
de quem a pessoa jurídica deveria manifestar-se.
Esse assistente, no que tange ao relativamente incapaz, são seu pai
e sua mãe (art. 1.634, inc. IV), seu tutor (art. 1.741) ou seu curador (art. 1.781 c.c. art.
1.741). Com relação às pessoas jurídicas, o representante legal é aquele que for
designado por seu estatuto ou contrato social.
Sabe-se, de um lado, que uma dada pessoa natural é considerada
relativamente incapaz não em razão da sentença prolatada em seu processo de
interdição, mas sim em razão de sua idade ou de ela encontrar-se nas hipóteses
descritas no art. do CC. Por outro, é cediço não ser incomum a um incapaz não ter
sido dado tutor, não obstante seus pais tenham falecido, tenham sido declarados
ausentes ou decaído do poder familiar, ou curador, embora se encontre nas
circunstâncias para tanto previstas.
Pode-se questionar, então, o que sucederá caso a prescrição se
aperfeiçoe enquanto a pessoa relativamente incapaz, por qualquer razão, não tiver
representante legal. Nessa situação, não havendo causa de suspensão do curso do prazo
prescricional prevista em lei, a prescrição correrá, consumando-se sem que o menor
Nada obsta, contudo, que o incapaz, qualquer parente por ele ou, se
for o caso, o Ministério Público procure o juiz competente com o objetivo de que esse,
nos termos do art. 1.732, lhe nomeie tutor ou, com base no art. 1.762, lhe promova a
interdição com a conseqüente nomeação de curador, os quais em tempo oportuno
argüirão a prescrição ou, se caso, a decadência.
Para que o assistente e o representante legal dos beneficiados da
garantia em estudo sejam civilmente responsabilizados por esta ação regressiva, basta
que eles, independente dos motivos que os movam, deixem de alegar tempestivamente
a prescrição e a decadência ou simplesmente a elas dêem causa. Conquanto no Código
revogado houvesse a necessidade de que eles agissem com dolo ou negligência, o novo
estatuto civil abandonou essa exigência.
Por fim, não argüindo oportunamente a prescrição, os assistentes e
os representantes legais somente terão responsabilidade civil se o juiz não a conhecer
de ofício tal como hoje determina o art. 219, § do CPC, com a redação que lhe foi
dada pela Lei 11.280/06. Por lógico, conhecida ainda que ex officio a prescrição,
não haverá prejuízo para os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas, pelo que
inexistirá direito a indenização.
CAPÍTULO 11
DIREITO INTERTEMPORAL
Este capítulo objetiva analisar as relações concernentes aos prazos
prescricionais, previstos no novo Código Civil em face de seus correspondentes
disciplinados no Código anterior, naquelas hipóteses em que neles houve alteração,
principalmente em tendo eles sido reduzidos.
Não se pode olvidar, pois, que diversos prazos foram ampliados e
reduzidos pelo Código Civil de 2002, verbi gratia, ampliando-os, a pretensão dos
hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio
estabelecimento, para pagamento da hospedagem ou dos alimentos, que era de seis
meses (antigo art. 178, § 5º, V) e passou a um ano (art. 206, § 1º, I); a pretensão dos
professores, se o período lecionado o exceder um mês, dos médicos, cirurgiões,
farmacêuticos, advogados, curadores, peritos e procuradores judiciais, que era de um
ano (antigo art. 178, § 6º, VI, IX e X), bem como a dos professores, se o período
lecionado exceder um mês, dos engenheiros, arquitetos agrimensores e estereômetras,
que era de dois anos (antigo art. 178, § 7º, III e IV) e passaram para cinco anos (art.
206, § 5º, II); ou, ainda, agora reduzindo-os, a pretensão para haver prestações
alimentares, que era de cinco anos (antigo art. 178, § 10º, I) e passou a dois anos (art.
206, § 2º); a pretensão de reparação civil, que era, em geral, de vinte anos (antigo art.
177) e passou a três anos (art. 206, § 3º, III), dentre inúmeros outros casos.
Essas situações e outras que igualmente tiveram seus prazos
modificados, nas quais o dies a quo de seus prazos ocorreu na vigência do Código
Civil de 1916, impõem um estudo mais acurado. Afinal, no que tange, exemplificando,
a uma pretensão de um advogado pelos seus honorários, cujo prazo prescricional,
como exposto, ocorria em um ano contado da conclusão dos serviços, sendo esse
prazo, agora, no novo Código, de cinco anos, poder-se-ia questionar: decorrido por
inteiro, sob a égide do Código antigo, o prazo ânuo, mas não o qüinqüênio do novo
Código, voltaria ele, em razão de a prescrição ter passado a ser qüinqüenal, a correr
pelo que faltasse para completar o qüinqüênio? Se a consumação do prazo ânuo não
tivesse ocorrido, contar-se-ia, sob a égide do novo Código, o tempo faltante para
completar o prazo ânuo ou aquele necessário para se alcançar o lustro? Ou, no que se
refere à pretensão de reparação civil, cujo prazo anterior era de vinte anos, seria
plausível inquirir-se: decorridos, sob o manto do Código de 1916, cinco anos, com o
advento do novo Código, que estabeleceu um triênio para a prescrição, estaria prescrita
essa pretensão? Em não estando, qual o tempo necessário para que tal ocorra? E, se
cumpridos antes quinze anos, a resposta a essa questão seria aquela mesma dada para a
hipótese de ter na vigência do novo Código decorrido apenas um qüinqüênio?
Essas questões, por si sós, justificam o estudo mais acurado de que
se falou.
Com esse mister, no que se refere aos prazos reduzidos pelo novo
Código Civil, urge invocar o seu art. 2.028. Esse dispositivo, utilizando-se de uma
linguagem direta
136
, reza que os prazos, que foram reduzidos pelo novo Código Civil,
serão os da lei revogada se na data de sua entrada em vigor já houver transcorrido mais
da metade do tempo estabelecido na lei anterior. Quanto aos prazos que foram
ampliados pela novel Lei, é ela omissa a esse respeito, o que determina sejam a
doutrina e a jurisprudência, nesse particular, chamadas a dirimir eventuais impasses.
Ocorre, entretanto, que, não para a perfeita compreensão desse
citado art. 2.028, mas também para cabal aplicação das lições da doutrina acerca do
assunto, insta, por óbvio, estabelecer a data da efetiva entrada em vigor do novo
Código Civil, pelo que, acerca dessa matéria, se farão algumas digressões.
Não se deve esquecer aqui, pois, do anexim tempus regit actum,
pelo que, dependendo da data dessa vigência e daquela em tenha ocorrido o fato, a ele
se aplicará a vetusta legislação civil ou o novel Código.
136
Na verdade, o art. 2.044 do novo CC deveria ter preferido essa linguagem direta em vez da ordem inversa por
ele utilizada, que a ordem lógica, clareza e precisão na redação das disposições normativas é hoje uma
exigência imposta pelo art. 11, caput da Lei Complementar nº 95/98.
No tocante à data da vigência do novo Código Civil, conquanto
aparentemente despiciendo esse assunto, é veraz que a doutrina não é acerca dele
pacífica.
De fato. Na literatura se lecionou existirem três critérios para se
delimitar a vacatio legis do Código Civil de 2002. Em conseqüência, três termos
iniciais para a sua vigência.
137
Segundo o primeiro desses critérios, o Código Civil, por ser uma lei
ordinária, não poderia ter desobedecido ao art. 8º, § da Lei Complementar 95/98
138
,
que, disciplinando o art. 59, parágrafo único da CF, dispôs sobre a elaboração,
redação, alteração e consolidação das leis.
O art. 8º, parágrafo único da citada Lei Complementar, por um
lado, reza que “as leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula
‘esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial’”.
O art. 2.044 do CC de 2002, por outro, determina que “este digo entrará em vigor 1
(um) ano após a sua publicação.”
Vê-se, dessa maneira, clara desobediência por parte do novo
Código Civil àquele mencionado dispositivo da Lei Complementar, uma vez que,
relativamente a vacatio legis daquele primeiro, se utilizou o critério anual em
preterição à contagem por meio de dias, preconizada por essa última legislação.
Essa desobediência, concluem os adeptos dessa corrente, implica a
nulidade
139
da norma prevista no art. 2.044.
E nula a vacância originariamente estabelecida para o Código de
2002, exsurge impasse referente à fixação de novo período vacante. Não cabe ao
intérprete, contudo, fixá-lo a esmo. Incumbe-lhe tão-somente, diga-se, integrar a lei em
face da inexistência de disposição expressa acerca da matéria.
137
DELGADO, Mário Luiz Delgado. Problemas de direito intertemporal: breves considerações sobre as
disposições finais e transitórias do código civil brasileiro. In: ______.; ALVES, Jones Figueiredo (Coord.).
Questões controvertidas no novo código civil. São Paulo: Método, 2003. p. 486-490.
138
À Lei Complementar nº 95/98 deu-se parcial modificação por meio da Lei Complementar nº 107/01.
139
Tem-se dito que a hipótese trata de uma ilegalidade vertical.
Essa inexistência, por seu turno, o remete ao art. 1º, caput da Lei
de Introdução ao Código Civil
140
, segundo o qual, salvo disposição contrária [que na
espécie não existirá, que se deu por nula a disposição relativa ao período ânuo da
vacância do art. 2.044], a lei começa a vigora em todo o País 45 (quarenta e cinco)
dias depois de oficialmente publicada.”
Disso se conclui que a vigência do novo Código Civil deverá dar-se
em 45 dias após sua publicação, que ocorreu em 11 de janeiro de 2002. Quanto à
contagem desses 45 dias, de se invocar o disposto no art. 8º, § da Lei
Complementar 95/98, nos termos do qual “a contagem do prazo para entrada em
vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da
publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua
consumação integral.” Logo, incluídos a data da publicação e o último dia do prazo na
contagem dos 45 dias, ter-se-á como termo inicial da vigência do Código o dia 25 de
fevereiro de 2002, que é o dia subseqüente ao do último daquele período de 45 dias.
141
Pelo segundo critério para se fixar o termo a quo da vigência do
novo digo Civil, leva-se em conta o entendimento da expressão um ano de que fala
o art. 2.044. Por esse critério, a expressão um ano será decodificada como sendo 365
dias. Desde logo, ressalte-se que, também aqui, se observará o disposto no citado art.
8º, § da Lei Complementar 95/98. Dessa forma, deve-se contar o dia da
publicação, que foi 11 de janeiro de 2002, e incluir o último dia daquele período anual,
o que dará 10 de janeiro de 2003 como 365º dia. Daí, deverá concluir que a vigência
do Código se dará em 11 de janeiro de 2003, dia subseqüente ao da consumação
integral do período anuo.
142
140
Decreto-Lei nº 4.657/42.
141
Observe-se que, contados a partir de 11 de janeiro de 2002, data da publicação do novo Código Civil, o s
de janeiro teve 21 dias, aos quais devem ser acrescentados outros 24 dias de fevereiro, para se obter assim os
45 dias da vacatio, que venceu em 24 de fevereiro de 2002. Foram incluídos nesse período vacante 11 de
janeiro, dia de seu início, e 24 de fevereiro, seu último dia. O Código Civil passou, então, segundo o critério
de que se fala, a viger em 25 de fevereiro.
142
Para se obter os limites desse período de 365 dias, assim se computaram os dias: janeiro - 21 dias, incluindo o
dia 11; fevereiro - 28; março - 31; abril - 30; maio - 31; junho - 30; julho - 31; agosto - 31; setembro 30;
outubro - 31; novembro - 30; dezembro - 31 e janeiro - 10, incluindo o dia 10, o que perfaz os 365 dias.
É veraz que existe, ainda, um terceiro critério
143
. Esse critério
segue, por sua vez, o disposto no art. da Lei 810/49, segundo o qual se considera
ano o período de doze meses contados do dia do início ao dia e mês correspondentes
do ano seguinte. Na hipótese, o início do período de doze meses se deu em 11 de
janeiro de 2002, data da publicação oficial do Código, como exposto. Logo, esse
período se deve encerrar em igual dia e mês do ano seguinte, o que ocorreu, então, em
11 de janeiro de 2003. E, em tendo o período ânuo encerrado nesse dia 11, o início da
vigência de novo Código, agora combinando o citado art. 1º da Lei 810/49 com o
mencionado art. 8º, § da Lei Complementar 95/98, deve dar-se no dia
subseqüente àquele do encerramento, o que significa afirmar que o novo Código
passou a viger em 12 de janeiro de 2003.
Quanto a esses três critérios, é certo que o primeiro deles o pode
ser aceito.
Deveras. Não obstante por esse critério se tenha asseverado que o
art. 2.044 ofendera o art. 8º, § da Lei Complementar 95/98, efetivamente não se
pode ter por verdadeira essa assertiva. Tal ocorre porque o art. 18 dessa mesma lei
complementar, in verbis, determina que eventual inexatidão formal de norma
elaborada mediante processo legislativo regular não constitui escusa válida para o seu
descumprimento.” E, na hipótese, de um lado, inexistindo quanto ao novo Código
Civil notícia idônea de que tenha havido qualquer ofensa à regularidade de seu
processo legislativo e, de outro, vendo o uso por aquele art. 2.044 da expressão um ano
em vez de tantos dias como mera inexatidão formal, há de se concluir pela higidez do
dispositivo em comentário.
Essa conclusão, por si mesma, impõe o desacolhimento da referida
ilegalidade.
143
NERY JUNIOR, Nélson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 4. ed. rev., ampl. e atual.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006b. p. 658.
Restam, portanto, os critérios segundo e terceiro para dentre eles
por um se optar. Antes, entretanto, de se fazer a escolha, algumas considerações
merecem relevo.
Veja, pois, que, como assentado anteriormente quando da rejeição
do primeiro critério, é de acolhimento plausível a expressão um ano constante do art.
2.044. Resta, portanto, a definição da forma de delimitar o lapso desse um ano. É
possível vê-lo como período equivalente a 365 dias (ou, se bissexto fosse, a 366 dias, o
que, contudo, não se deu em 2002), conforme quer o segundo critério, ou considerá-lo,
nos termos do art. da Lei 810/49, como período que intermedeia 11 de janeiro de
2002 e igual dia de 2003, segundo preconiza o terceiro critério.
Deve-se ressaltar, entretanto, que tanto o segundo quanto o último
critério atendem ao disposto no art. 8º, § 2º da Lei Complementar de que se falou.
Ocorre, contudo, que, no segundo deles, o último dia do prazo é dia
10 de janeiro de 2003, pelo que a vigência que se estuda terá início em 11 de janeiro,
e, no terceiro, o último dia do prazo é 11 de janeiro de igual ano, o que dará como
início de vigência o dia 12.
E a opção, em detrimento de conceituadas opiniões em sentido
contrário, deve ser pelo segundo critério.
Essa escolha se porque esse critério eleito melhor atende aos
dispositivos da citada Lei Complementar. Urge, aqui, lembrar que o seu art. 8º, §
determina que a contagem da vacatio legis seja em dias (e não em anos). Desta
maneira, conquanto o novo Código Civil tenha adotado o critério anual, o seu período
de vacância deve ser contado em dias, o que adaptará, sem maiores traumas, o deslize
formal do art. 2.044, amainando-o. Ao contrário, a adoção do terceiro critério
implicaria roborar a irregularidade formal do art. 2.044, já que nessa hipótese se estaria
fixando ano de vacância por critério que igualmente utiliza a medida ano,
intensificando ainda mais o referido deslize.
Fica, por conseguinte, adotado como data inicial da vigência do
Código Civil de 2002 o dia 11 de janeiro de 2003.
Insta, agora, estudar alteração dos prazos pelo novo Código Civil.
Isso porque o problema derivado do fato de uma lei nova alterar os prazos ditados pela
legislação anterior já suscitou, no passado, inúmeras controvérsias.
E as lições doutrinárias e jurisprudenciais surgidas dessas
controvérsias, além de invocações ao direito comparado, devem nortear as conclusões
do presente estudo, com o alerta de que, no que tange às reduções de prazo
promovidas pelo novo Código, legem habemus
144
.
No direito pátrio, dentre essas controvérsias pretéritas, pode-se citar
aquela advinda da Lei 2.437/55, que encurtou de trinta para vinte anos o prazo do
usucapião extraordinário. Na oportunidade, levada a questão ao Supremo Tribunal
Federal, o eminente Ministro Hahnemann Guimarães, nos autos do RE 53.919-RS,
votou no sentido de que a aplicação dessa lei fosse imediata e geral, nos termos do art.
6º da Lei de Introdução ao Código Civil. Daí resultou que os novos prazos não
poderão ser aplicados retroativamente. A lei antiga sobrevive para a aplicação aos
prazos que se venceram antes dos prazos da lei nova.
145
Adveio, na oportunidade, a Súmula 445 do Supremo Tribunal
Federal, segundo a qual “a Lei 2.437, de 7 de março de 1955, que reduz prazo
prescricional, é aplicável às prescrições em curso na data de sua vigência (1º de janeiro
de 1956), salvo quanto aos processos pendentes.”
o Tribunal de Justiça de São Paulo, sobre a matéria, colacionou
lição de Clóvis Bevilaqua para concluir que (a), se o tempo que falta para consumar-se
é menor do que o prazo estabelecido pela lei nova, a prescrição se consuma de acordo
com a lei anterior ou (b), ao invés, se o tempo que falta para consumar a prescrição
144
Art. 2.028 do CC de 2002, anteriormente já transcrito neste trabalho.
145
RE 53.919-RS. STJ. Superior Tribunal de Justiça: pesquisa de jurisprudência. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 12 fev. 2007.
pela lei anterior excede ao fixado pela lei nova, prevalece o desta última, contado do
dia em que ela entrou em vigor.
146
Com relação ao art. 18 da Lei 5.474/68, que reduziu para três
anos o prazo prescricional da ação para cobrança de duplicata, o Tribunal de Alçada
Civil de São Paulo
147
julgou que, tratando-se de lei que encurta prazos prescricionais,
prevalece o lapso mais breve estabelecido pela lei nova, contado a partir da sua entrada
em vigor. Não se conta, nessa situação, o tempo transcorrido antes. Se ao sobrevir o
novo diploma faltava, porém, para se consumar a prescrição, período menor que o
fixado pelos preceitos da lei nova, prefere-se o prazo determinado pela lei anterior
148
.
Ainda, pode-se ressaltar o impasse criado com o advento do Código
Tributário Nacional, que em seu art. 174 reduziu para cinco anos o prazo para a ação
de cobrança de crédito tributário, contados da data da sua constituição definitiva. Até
então prevalecia aquele prazo do art. 177 do antigo CC
149
. Nesse particular, cite-se o
RE 79.327-5-SP do Supremo Tribunal Federal
150
:
Prescrição. Direito intertemporal. Caso em que o prazo prescribente fixado
na lei nova é menor do que o prazo prescricional marcado na lei anterior.
Feita a contagem do prazo prescribente marcado na lei nova (isso a partir da
vigência dessa lei), e se ocorrer que ele termine antes de findar-se o prazo
maior fixado na lei anterior, é de se considerar o prazo menor previsto na lei
posterior, contado esse prazo a partir da vigência da segunda lei.
Na doutrina, ensina-se que as legislações modernas francesa,
portuguesa, italiana e argentina admitem a irretroatividade da lei prescricional. A
germânica, por sua vez, acolhe a retroatividade.
151
Veja, pois, que o art. 2.281 do CC francês reza que:
146
RT 383/114-115.
147
Na ocasião havia em São Paulo tão-somente um único Tribunal de Alçada Civil.
148
RT 419/204.
149
Art. 177. “As ões pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos, as reais em 10 (dez), entre
presentes, e entre ausentes em 15 (quinze), contados da data em que poderiam ter sido propostas.”
150
STJ. Superior Tribunal de Justiça: pesquisa de jurisprudência. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 12 fev. 2007. Acesso
em: 12 fev. 2007.
151
LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decancia. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 84-85.
[...] as prescrições começadas na época da publicação do presente título
serão reguladas conforme as leis antigas. Todavia, as prescrições então
começadas, e para as quais faltar ainda, segundo as leis antigas, prazo maior
de trinta anos a contar da mesma época, serão completas por esse lapso de
trinta anos.
Ainda, o Código Civil português, em seu art. 564, disciplina que
“as prescrições, que tiverem começado a correr antes da promulgação deste Código,
serão reguladas pelas leis anteriores com as seguintes modificações.” E essas
modificações estão nos arts. 565 e 566. Aquele primeiro determina que “não se
prescrição, quando o direito começado a prescrever se declarou imprescritível.” E esse
último, em seu caput, dispõe que, “se, para se completarem, as prescrições anteriores à
promulgação deste Código exigirem respectivamente prazo maior do que o assinado
nele, completar-se-ão em conformidade das suas disposições”, enquanto, em seu
parágrafo único, assevera que, “se as prescrições começadas exigirem menos tempo,
nunca poderão concluir-se, sem que pelo menos decorra o prazo de três meses,
contados desde a promulgação do mesmo Código.”
Sobre essas disposições do Código Civil português, o se pode
olvidar o voto de eminente Ministro Gonçalves de Oliveira, proferido no
mencionado RE 53.919-RS do Supremo Tribunal Federal, no qual se discutiu a
redução do prazo prescricional da posse do usucapião extraordinário determinada pela
Lei nº 2.437/55. Na ocasião, esse jurista proclamou que o legislador pátrio, ao encurtar
os prazos da posse ad usucapionem, teve por objetivo principal acelerar o processo de
estabilização do direito de propriedade. Criando condições novas, de prazo, para o
aperfeiçoamento do direito, estabeleceu um excepcional período de vacância de dez
meses (e não apenas de três meses, como previa ordinariamente a nossa legislação da
época), o que constituiu uma verdadeira notificação para alertar os interessados,
possibilitando sua intervenção para interromper o curso da prescrição, que ficou em
suspenso. Adotou, pois, o legislador o critério do transcrito parágrafo único do art. 566
do CC português.
Por outro lado, ao contrário, a Lei de Introdução ao Código Civil
alemão disciplina que:
[...] as disposições do Código Civil sobre a prescrição se aplicam aos direitos
nascidos e ainda não prescritos antes da vigência do Código. O começo, bem
como a suspensão e a interrupção da prescrição se determinam, entretanto,
relativamente ao tempo anterior à vigência do Código, pelas leis anteriores.
Se o prazo da prescrição, conforme o Código Civil, é mais curto que
consoante as leis anteriores, o prazo mais curto é contado a partir da vigência
do Código. Se, porém, o prazo mais longo, determinado pelas leis anteriores,
termina mais cedo que o mais curto, determinado pelo Código, a prescrição
se completa com o expirar do prazo mais longo.
152
Na doutrina pátria, Câmara Leal
153
, com fulcro no art. da Lei de
Introdução do Código Civil, leciona que, em nosso direito, se aceitou a irretroatividade
relativa da lei, uma vez que se lhe negou retroatividade tão-somente nas hipóteses em
que ela viesse ofender direito adquirido, ato jurídico perfeito ou coisa julgada.
Ainda, continua esse doutrinador, não dúvida de que as leis que
regem a prescrição são retroativas em relação às prescrições não consumadas e
irretroativas no que se refere às prescrições já consumadas.
Quanto ao início da prescrição, prossegue, conquanto alterado pela
lei nova, deve esse começo, por se tratar de fato anterior à lei nova, ser regido pela lei
vigente ao tempo em que se verificou.
Também as causas de suspensão e interrupção da prescrição devem
ser regidas pela lei, antiga ou nova, vigente à época da ocorrência.
Agora para os prazos prescricionais devem ser consideradas três
situações distintas, a saber, (a) a nova lei mantém o mesmo prazo da lei antiga, (b) a lei
nova prevê um prazo mais curto do que o da lei antiga e (c) a lei nova prevê um prazo
mais longo do que o da lei antiga.
A primeira e a terceira dessas situações não trazem qualquer
dificuldade, que a prescrição seguirá seu curso normal. Esclareça-se, contudo, que,
152
Lei de Introdução aodigo Civil Aleo, parágrafo 169.
153
LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decadência. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 88-89.
na hipótese de prazo ampliado, também se levará em conta o lapso temporal decorrido
sob a égide da lei anterior.
A segunda delas, por sua vez, requer uma explicação mais
detalhada. Invocando nesse particular Carpenter, mara Leal sugere aqui duas
soluções: (a) caso o prazo reduzido se complete sob a vigência da lei nova, ter-se-á ele
por consumada a prescrição no dia em ele se completar e (b) caso o prazo reduzido se
complete no dia da vigência da nova lei, ou em dia a ela anterior, o prazo reduzido
deverá ser contado por inteiro desde a data da vigência da nova lei, como se a
prescrição nessa data tivesse tido o seu termo a quo. Agora, se dentro desse prazo
iniciado na data da vigência da nova lei terminar o prazo da lei antiga, no dia desse
término se consumará a prescrição.
Quanto à retroatividade ou não da lei que disciplina prazos, cabe,
aqui, por primeiro, consignar que um prazo decorrido por inteiro sob a égide do antigo
Código Civil não tem o condão de revivificar-se, ainda que o novel Código o tenha
ampliado.
Isso deflui do fato de a consumação do prazo prescricional
constituir ato jurídico perfeito, por ter-se aperfeiçoado segundo a lei vigente ao seu
tempo. Ainda, nesses termos, apresenta-se essa consumação como direito adquirido do
devedor em razão de o titular do direito derivado dessa consumação, ou alguém por
ele, poder a qualquer momento invocá-la eficazmente. Di-lo o art. 6º, §§ e 3º da Lei
de Introdução ao Código Civil. E a lei o pode prejudicar o direito adquirido e o ato
jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI da vigente CF).
Nesse diapasão, está a mencionada lição de Câmara Leal, segundo a
qual o direito pátrio nega retroatividade à lei prescricional nas hipóteses em que ela
venha ofender direito adquirido, ato jurídico perfeito ou coisa julgada.
Sobram, dessa forma, para este estudo, os prazos não consumados
na vigência do Código Civil de 1916. É veraz que esses prazos não consumados, sob a
ótica do novo Código Civil, podem ter sido ampliados, reduzidos ou mantidos.
Se mantidos, nenhuma relevância terão eles.
Por outro lado, algum interesse possuirão, contudo, os prazos
ampliados. Ressalte-se, ainda, que o novo Código Civil, acerca da matéria, se manteve
silente. Na hipótese, parece mais lógico que se opte pelo prazo novo, mais amplo que
é, computando-se, entretanto, para fins de sua consumação, o tempo decorrido antes da
vigência do novo Código.
Quanto à utilização ou não do tempo decorrido ainda quando
vigente o Código anterior, adota-se, aqui, a posição de Câmara Leal, pelo que se conta,
então, tenham sido eles ampliados ou mantidos, para integrá-los, o tempo decorrido
sob o manto da lei anterior.
Merecem, no entanto, especial atenção aqueles prazos em que
houve redução.
Cabe, nesse particular, mais uma vez, trazer à colação o disposto no
art. 2.028 do novo CC, segundo o qual “serão os da lei anterior os prazos, quando
reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, houver
transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.”
Da leitura desse dispositivo facilmente deflui que os prazos
reduzidos foram agrupados em dois blocos. No primeiro deles, estão reunidos os
prazos, cujo lapso temporal tenha transcorrido por mais da metade do tempo
estabelecido pelo Código de 1916 na ocasião do início da vigência do novo Código,
enquanto no outro, os prazos, cujo lapso temporal nessa oportunidade tenha escoado
apenas metade ou menos desse tempo fixado pela legislação revogada.
O decurso ou não, na data de início da vigência do Código de 2002,
da metade do tempo disciplinado para certo prazo é, portanto, a marca que determina a
aplicação do lapso temporal previsto na lei de 1916 ou a sua forma reduzida pela atual
legislação.
Se o prazo reduzido pertencer, pois, àquele primeiro bloco, o seu
tempo será o fixado pelo antigo Código. Ao contrário, se o prazo reduzido se filiar ao
segundo bloco, o seu tempo será o estabelecido pela lei vigente.
É certo que, nas situações em que a redução do tempo foi
substancial, podem ocorrer hipóteses em que, embora na vigência da lei anterior tenha
decorrido menos da metade do tempo por ela fixado, na data da entrada em vigor do
atual Código já se escoara tempo superior àquele por esse último estabelecido.
Isso equivale dizer que nessas hipóteses o prazo, por pertencer ao
segundo bloco, terá o tempo determinado pelo novo Código.
No entanto, dada a sua substancial redução, é possível que, na data
da vigência da lei atual, esse tempo tenha sido por inteiro esgotado. Em conclusão,
poder-se-á afirmar que em tais situações, quando da vigência do Código de 2002, o
obstante por esse fixado, o prazo já estaria consumado.
Exemplificando, poder-se-ia citar uma pretensão na qual se busca
haver prestações alimentares, cujo prazo prescricional na lei antiga era de cinco anos e
agora é de dois anos, contados da data em que se venceram. Imagine-se que, no dia de
início da vigência do Código de 2002, tivessem decorrido dois anos e quatro meses.
Aplicar-se-iam as regras do Código novo, uma vez que, na ocasião da entrada em
vigor, tinha decorrido menos da metade do prazo fixado pela legislação de 1916. Ora,
se considerado esse tempo escoado, rectius, dois anos e quatro meses, a pretensão,
na data de vigência do novo Código, estaria prescrita em razão de hoje o prazo
prescricional ser, como dito, de dois anos e terem decorrido dois anos e quatro meses.
Para se evitar essa situação iníqua, de se ponderar que o termo a
quo da contagem dos prazos reduzidos, que se utilizam do tempo estabelecido pelo
novo Código, deverá ser na data de vigência dessa novel legislação. Não se computará,
portanto, na espécie, o prazo decorrido sob o mando da lei revogada.
Quanto ao início da contagem do tempo, conquanto não se refiram
à espécie, mas a situações similares pretéritas, no diapasão do ora asseverado estão RT
419/204, bem como RE 79.327-5-SP, anteriormente mencionados.
Com relação às causas impeditivas, suspensivas e interruptivas da
prescrição e também da decadência, regulam-se elas pela vigente ao tempo em que se
verificarem. Dessa forma, se, embora previstas pela legislação revogada, uma dada
causa suspensiva deixar de sê-lo pela atual
154
, incontinênti o prazo voltará a ter o seu
curso normal. E, ao contrário, conquanto não disciplinadas pela lei antiga, se o foi pela
vigente
155
, o curso do prazo de imediato cessará ou se interromperá. Nesse sentido, é
também a posição de Câmara Leal.
156
Consigne-se, finalmente, que os prazos decadenciais previstos na
legislação anterior o podem ser modificados pela posterior. Daí é que os prazos
decadenciais alterados pelo novo Código Civil são inaplicáveis à decadência, cujo
termo a quo se tenha dado sob a égide do Código revogado.
De fato. A decadência passa a ter relevância no momento em que a
uma dada pessoa se conferiu a ter a faculdade de se rebelar, e deve fazê-lo dentro do
prazo prefixado para tanto, contra uma situação jurídica instalada. Essa faculdade
constitui, então, um direito adquirido, pelo que não pode ela, nem o prazo para o seu
exercício, ser modificada por lei posterior. A prescrição, ao contrário, somente se
constituirá em direito adquirido depois de consumada, já que antes era uma mera
expectativa de direito.
Atenção, se decadencial o prazo, desde o seu início o titular do
direito o tem como direito adquirido, enquanto, se prescricional, esse titular o terá
como tanto somente após ter ele decorrido. Daí alterações legislativas quanto ao prazo
não podem ser aplicadas ao prazo decadencial em curso, mas o podem no tocante ao
prazo prescricional.
154
Art. 168, IV do CC de 1916, por exemplo.
155
Art. 202, III do vigente CC, por exemplo.
156
LEAL, 1982, op. cit., p. 91.
Para facilitar o entendimento do que aqui se expôs, serão na
seqüência expostas algumas situações intertemporais que poderão surgir no dia-a-dia,
bem como a solução que a elas deve ser dada.
(1) Maria é credora de alimentos, vencidos em dia 15 de agosto de
2001. Em face de José, devedor, aforou em 15 de setembro de 2003 a respectiva
execução. Nos seus embargos de devedor, José argüiu prescrição. Deve-se acolher esse
argumento? Não. O prazo em questão foi reduzido pelo atual Código Civil de cinco
anos (art. 178, § 10, I do Código revogado) para dois anos (art. 206, § do novo
Código). Logo, aplica-se à hipótese o art. 2.028 do Código de 2002, que, até a data
de início da vigência do novo Código, ainda não tinha decorrido mais da metade do
lapso temporal do prazo. Isso significa que o prazo prescricional de dois anos começa
a correr em 11 de janeiro de 2003, dia em que começou a viger o novel Código.
(2) Imagine-se, contudo, que os alimentos tenham vencido em 15
de agosto de 1998, com o ajuizamento da execução também em 15 de setembro de
2003. Deve-se acolher a alegada prescrição? Sim. Agora, na data de início da vigência
do novo Código tinha escoado mais da metade do tempo estabelecido na lei
revogada, que era de cinco anos. Então, nos termos do citado art. 2.028, o prazo é
aquele fixado pelo Código de 1916, computando-se o tempo decorrido sob a égide da
lei anterior. A prescrição, por conseguinte, consumou-se em 15 de agosto de 2003. Na
contagem desse qüinqüênio prescricional aplicou-se o disposto no art. da Lei
810/49
157
.
(3) Se esses alimentos tivessem vencido em 15 de agosto de 1997
com o ajuizamento da execução naquele mesmo 15 de setembro de 2003, a prescrição
alegada por José deveria ser acolhida? Sim. Dado o vencimento dos alimentos, a
prescrição ocorreu em 14 de agosto de 2002. E o advento do novo Código não
revivifica o prazo prescricional.
157
Consigne-se que a Lei 810/49 não deve ser utilizada na contagem do prazo de vacância de lei nova. Nesse
particular se utiliza, como exposto anteriormente no corpo deste trabalho o art. 8º, § da Lei
Complementar nº 95/98. Aquela lei nº 810/49 deve, contudo, ser aplicada nos prazos ditados pela lei civil.
(4) Luís hospedou-se num dado hotel em 10 de julho de 2002. Em
15 de março de 2003, o hospedeiro aforou a sua competente pretensão. Em sua defesa,
Luís argüiu prescrição. Deve ela ser acolhida? Sim. O raciocínio é o mesmo do item 3,
retro. O prazo de prescrição na hipótese era, pelo Código velho, de seis meses (art.
178, § 5º, V) e passou a ser de um ano (art. 206, § 1º, I). Dessa forma, contados os seis
meses prescricionais a partir de 10 de julho de 2002, venceram eles em 10 de janeiro
de 2003. Sob a égide da lei revogada operou-se, portanto, a prescrição. A lei nova não
na revigora.
(5) Suponha-se, por outro lado, que aquela hospedagem de Luís se
tenha dado em 11 de julho de 2002. O ajuizamento da pretensão do hospedeiro ocorreu
em igual 15 de março de 2003. Luís argüiu novamente a prescrição. Agora não deve
ela ser acolhida. Veja-se, pois, que, quando do início da vigência do novo Código, 11
de janeiro de 2003, ainda não estava prescrita a pretensão, o que ocorreria justamente
neste dia 11. No entanto, nesse dia 11, o prazo prescricional foi ampliado para um ano,
o que o fez protrair até o dia 11 de julho de 2003. Logo o aforamento em 15 de março
desse ano foi tempestivo.
CONCLUSÃO
Neste capítulo, já expostas as considerações havidas por pertinentes
ao estudo dos institutos da prescrição e decadência, cabe apresentar as conclusões e
soluções dadas aos principais problemas tratados.
Desde logo, pode-se reafirmar que a origem do instituto da
prescrição remonta ao período clássico do Direito Romano. Nessa época, o pretor, nas
ações temporárias, fazia, antecedendo à chamada rmula, inserir uma parte
introdutória, a que se denominava praescriptio, na qual, se extinto o prazo para o
exercício da ação, se determinava ao juiz, em razão dessa extinção, fosse o réu
absolvido.
Ainda, conquanto essa prescrição, que é a extintiva, seja diversa da
prescrição aquisitiva, ambas tiveram origem semelhante. A prescrição aquisitiva era,
pois, uma exceptio que obstava, em ação reivindicatória, a pretensão do autor,
necessariamente estrangeiro, contra o u, no sentido de ver-se devolvida a coisa por
esse último possuída. Essa exceptio também constava da parte introdutória da fórmula.
O usucapião, por sua vez, ao contrário dessas duas exceções,
gerava, a exemplo do que ocorre hoje, em favor do possuidor o direito de propriedade.
Dele podiam, no entanto, utilizar-se, tão-somente, os cidadãos romanos, que era ele
instituto do direito quiritário.
Na doutrina pátria, Câmara Leal, ensina que prescrição é a extinção
de uma ão ajuizável, em virtude de inércia de seu titular, durante um certo lapso de
tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso, enquanto decadência é a
extinção do direito pela inércia de seu titular, quando sua eficácia foi de origem,
subordinada à condição de seu exercício dentro de um prazo prefixado, e este se
esgotou sem que esse exercício se tivesse verificado.
Agnelo Amorim Filho, por seu turno, não apresenta qualquer
definição de ambos institutos. Assevera, no entanto, que estão sujeitas à prescrição
apenas as ações condenatórias e, à decadência as ações constitutivas que têm prazo de
exercício fixado em lei. São perpétuas ou imprescritíveis as ações declaratórias e as
constitutivas que não têm prazo de exercício fixado em lei.
Houve severas críticas a essas posições doutrinárias, que neste
trabalho foram acolhidas, o que, por si só, impõe atualizar os conceitos dos institutos
da prescrição e decadência, que, embora possam ter aparentes similitudes, se mostram
profundamente distintos.
De fato. Pode-se afirmar que a prescrição é a definitiva
consolidação de um estado de fato de que uma pessoa está gozando, oposto ao direito
de outra, enquanto a decadência conserva e corrobora um estado jurídico preexistente.
Na prescrição extingue-se uma pretensão e, por via oblíqua, torna indefeso o direito
(dessa outra pessoa) antes defendido por essa pretensão extinta, não obstante o direito
em si permaneça incólume. Com a decadência, aquele estado jurídico preexistente se
torna hígido, pelo que não se pode mais contestá-lo, o que, em conseqüência, extingue
a pretensão de vê-lo anulado.
Por outro ângulo, violado o direito, surge para seu titular a
pretensão, que é a faculdade de se exigir o cumprimento do direito infringido, o que
deve, porém, aperfeiçoar-se dentro do prazo prescricional previsto em lei, que a
pretensão se extingue pela prescrição. Se a lei, contudo, não previr prazo a pretensão
será imprescritível. Dentro desse prazo, o exercício dessa faculdade pode ser obstado
por meio da exceção de prescrição.
O objeto da prescrição, em conseqüência, é essa exceção, que, não
obstante seja mera defesa, se trata de uma preliminar de mérito, uma vez que,
decidida, fica ela agasalhada pelo instituto da coisa julgada. Não é, portanto, matéria
de defesa processual, a ser abordada antes da análise do mérito como causa extintiva
sem a resolução deste.
Na decadência, ao contrário, não se falar em violação do direito.
Inexiste obrigação descumprida. apenas alguém que se apresenta como titular de
certo direito facultativo. E esse direito se resume na possibilidade de o seu titular,
dentro do prazo prefixado em lei, insurgir-se contra a situação jurídica instalada.
Trata-se de mera faculdade desse titular, uma vez que aquela situação jurídica não
corresponde a um dever jurídico alheio, que aqui não se tem qualquer violação de
direito por parte do ex adverso do titular de que se falou.
E o objeto da decadência é essa faculdade, rectius, um direito
facultativo. Esse direito não é aquele retratado pela situação jurídica instalada contra a
qual o titular da faculdade pode rebelar-se. O objeto de que se fala é, sim, o direito de
esse titular rebelar-se.
Quanto ao fundamento, tanto da prescrição quanto da decadência,
deve-se tê-lo como o interesse maior da sociedade à certeza e segurança jurídicas. À
sociedade, não interessa, pois, a instabilidade jurídica, se decorrido o prazo fixado em
lei ou pelas partes, derivada da possibilidade de se poder, por um lado, exigir
adimplemento de um direito que se diz violado (na hipótese de prescrição) ou, por
outro, opor-se contra uma situação jurídica consolidada, que se diz eivada de dada
mácula (no caso de decadência).
A decadência, por seu turno, pode, além da lei, provir de convenção
das partes, consubstanciada em ato jurídico, unilateral ou bilateral, gratuito ou
oneroso. Têm-se, então, respectivamente, a decadência legal e a convencional.
A prescrição pode ser argüida não nas ações nascidas de
pretensões, mas também nas exceções opostas como meio de defesa de mérito (e o
processual), com que o sujeito passivo resiste indiretamente ao exercício das
pretensões e ações, neutralizando sua eficácia, a despeito da existência e validade do
vínculo material entre as partes.
Alguns fatos obstam o regular curso dos prazos prescricional e
decadencial. Constituem eles as chamadas causas preclusivas da prescrição e da
decadência. Esses óbices ora impedem, ora suspendem, ora interrompem o curso
daqueles prazos. Têm-se aqui, respectivamente, as causas impeditivas, as causas
suspensivas e as causas interruptivas, seja da prescrição, seja, quando houver expressa
disposição legal (art. 207 do CC), da decadência.
A mais longeva doutrina ensina, no que sempre foi acompanhada
pela legislação, que a decadência pode ser reconhecida de ofício. Assim não era com a
prescrição. No entanto, hoje, em razão do art. 219, § 5º do CPC, com a redação que lhe
foi dada pela Lei 11.280/06, o juiz também pronunciará a prescrição
independentemente de ter ela sido excepcionada.
Diversas são as causas impeditivas e suspensivas. Sua previsão
está nos arts. 197 a 200 do CC. Ressalte-se que, segundo esse art. 200, quando a ação
se originar de fato a ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da
respectiva sentença definitiva. E se não houver sentença definitiva, em razão de
arquivamento do inquérito policial, por exemplo ? Deve-se entender que, nesse caso, a
prescrição correrá a partir do momento da respectiva prescrição da pretensão punitiva.
As causas interruptivas, que poderão ocorrer uma única vez, estão
no art. 202 do CC. Essa unicidade da interrupção não existia no CC revogado. Essas
causas podem ser de iniciativa do titular da pretensão ou de ato do devedor. Se de
iniciativa daquele, a primeira que ocorrer anulará, de pleno direito, a possibilidade de
uma segunda interrupção. Se de iniciativa do devedor, poderá o titular do direito
considerá-la ou não como causa eficiente da interrupção.
Dada essa unicidade, tendo havido interrupção no processo de
conhecimento, questão relevante surge na execução de julgado. O impasse resolve-se
diante da existência de duas prescrições. O processo de conhecimento cuida da lide de
pretensão contestada, que se compõe por meio do acertamento operado por uma
sentença, enquanto o processo de execução trata de lide de pretensão resistida, que
nenhum acertamento reclama, que se realiza por atos jurisdicionais materiais. E essa
conclusão é válida mesmo diante das últimas reformas do CPC.
Um outro tópico de especial relevância dá-se na hipótese em que,
no processo de conhecimento, tenha havido a ocorrência de uma causa interruptiva
anterior ao aforamento da ação, que é outra causa interruptiva. Plausível, em
conseqüência, questionar-se, dada a unicidade da interrupção, esse ajuizamento seria
nula. É possível, ao contrário, renunciar à decadência convencional. Seu prazo também
pode ser alterado. Em ambos os casos, exige-se consenso entre as partes.
Os institutos da prescrição e decadência podem estar sujeitos a
regras do direito intertemporal. Tem-se como data inicial da vigência do atual CC o
dia 11 de janeiro de 2003. Os prazos prescricionais reduzidos têm especial tratamento
previsto no artigo 2.038. Se na data de vigência do CC vigente tiver decorrido mais
da metade do prazo prescricional reduzido, prevalece o prazo fixado no Código
revogado, sendo-lhe irrelevante aquele reduzido. Se em tal data não houver tido,
entretanto, o decurso de mais da metade, adota-se o prazo do Código atual, com termo
a quo na data de sua vigência. Os prazos decadenciais, por fim, previstos na legislação
anterior, não podem ser modificados por lei posterior. Em razão disso, aqueles
alterados pelo novo CC, cujo termo inicial se tenha dado sob a égide do Código
revogado, são inaplicáveis à decadência em curso.
Consigne-se, por fim, que essas conclusões e soluções propostas
implicam, por si sós, a premente necessidade de o jurista ter uma nova visão dos
institutos analisados. E essa visão a ser adotada deve ter em conta especialmente a
concepção e disciplina da prescrição e decadência dadas pelo CC de 2002 e CPC, com
a redação trazida ao seu art. 219, § pela Lei 11.280/06. E o melhor caminho para
um deslinde adverso ao escopo perseguido é ignorar essa nova realidade.
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