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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO
POLÍTICAS E GESTÃO DA EDUCAÇÃO
VALÉRIA ARIAS
A CONSTRUÇÃO POLÍTICA DO PLANO ESTADUAL
DE EDUCAÇÃO DO PARANÁ NA GESTÃO 2003-2006:
CONTROVÉRSIAS ACERCA DO PROCESSO DEMOCRÁTICO NO
ESPECTRO DO ESTADO CONTEMPORÂNEO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora,
como exigência parcial para a obtenção do grau
de Mestre em Educação, sob a orientação da
Profa. Dra. Tais Moura Tavares.
CURITIBA
2007
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2
Catalogação na publicação
Sirlei R.Gdulla – CRB 9ª/985
Biblioteca de Ciências Humanas e Educação - UFPR
Arias, Valéria
A696 A construção política do plano estadual de educação
do Paraná na gestão 2003-2006: controvérsias acerca
do processo democrático no espectro do estado contem-
porâneo / Valéria Arias. – Curitiba, 2007.
182 f.
Dissertação (Mestrado) – Setor de Educação , Univer-
sidade Federal do Paraná.
1. Política e estado. 2. Educação e governo – Paraná –
2003-2006. I. Título.
CDD 37.014
CDU 379.2
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3
AGRADECIMENTOS
Grandes mestres: Domenico Costella, Edy Puppi, Ana Maria Laporte,
Neusa Volpe, Celso Luiz Ludwig, Carlos Roberto Vianna.
Companheiros de vida: Angelita Liberata, William Weber, Fernando
Ventura e Bete Savadintzki.
Familiares: Pedro Pivatto Weber (“minha” transcendência), Thereza
Pivatto Arias (in memorian), Iraci e Nilza Pivatto, Alexandre Arias.
Amigas e críticas generosas: Lice Helena Ferreira, Luzia de Fátima
Gonçalves.
Colegas de trabalho da SEED.
Membros da banca de qualificação e professores do programa de pós-
graduação: Maria Dativa de Salles Gonçalves, Ricardo Costa de Oliveira, Ileizi
Fiorelli Silva, Regina Michelotto, Jussara Tavares Puglielli Santos.
Orientadora: Tais Moura Tavares.
Colegas da linha de pesquisa.
Colegas do Fórum Paranaense em Defesa da Escola Pública e da APP-
Sindicato.
Companheiros do IFIL.
Colegas do NESEF.
Funcionários do setor de educação e do programa de pós-graduação.
Gestores públicos da SEED (2003-2006), especialmente àqueles que
concederam entrevistas, fundamentais para a elaboração deste estudo.
Cada qual, a seu modo e tempo, participou e contribuiu com meu
percurso. A todos, com muito carinho, agradeço.
O caminho faz-se ao andar.
António Machado
4
LISTA DE SIGLAS
AC – Assessoria de Comunicação
AJ – Assessoria Jurídica
AL /PR – Assembléia Legislativa do Paraná
APMF – Associação de Pais, Mestres e Funcionários
APP-Sindicato – Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná
APE – Assessoria de Políticas Educacionais
APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
BDE – Base Pública de Dados Estaduais
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD – Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento Mundial, mais
conhecido como Banco Mundial, em inglês: World Bank
BNC – Base Nacional Comum
CAC – Conselho de Acompanhamento e Controle
CAC – Coordenação de Atividades Complementares
CAFISE Coordenação Geral de Articulação e Fortalecimento Institucional dos
Sistemas de Ensino
CCPE – Coordenação de Capacitação dos Profissionais da Educação
CEB – Câmara de Educação Básica
CEE – Conselho Estadual de Educação
CETEPAR – Centro de Excelência em Tecnologia Educacional do Paraná
CEPE – Coordenação de Estudos e Pesquisas
CF – Constituição Federal
CIE – Coordenação de Informações Educacionais
CG PEE PR – Coordenação Geral do PEE PR
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CMC/ CTBA – Câmara Municipal de Curitiba
CNE – Conselho Nacional de Educação
CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
CONED – Congresso Nacional de Educação
CONSED – Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação
CORD – Center for Occupational Research and Development
DASE - Departamento de Articulação e Desenvolvimento dos Sistemas de
Ensino
DCE – Diretrizes Curriculares Estaduais
DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais
DEM – Departamento de Ensino Médio
DEF – Departamento de Ensino Fundamental
DG – Diretoria Geral
DIE – Departamento de Infra-Estrutura
DIEESE – Departamento Sindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
DRU – Desvinculação das Receitas da União
EB – Educação Básica
5
EC – Emenda Constitucional
EF – Ensino Fundamental
EI – Educação Infantil
EM – Ensino Médio
EP – Educação Profissional
ES – Educação Superior
FERA – Festival de Arte da Rede Estudantil
FGV – Fundação Getúlio Vargas
FMI – Fundo Monetário Internacional
FNDEP – Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública
FPDEP – Fórum Paranaense em Defesa da Escola Pública
FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
de Valorização do Magistério
FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e de Valorização do Magistério
FUNDEPAR – Instituto de Desenvolvimento Social do Paraná
GAS – Grupo Administrativo Setorial
GG PEE PR – Grupo Gestor do Plano Estadual de Educação do Paraná
GPS – Grupo de Planejamento Setorial
GRHS – Grupo de Recursos Humanos Setorial
GS – Gabinete do Secretário
GT – Grupo de Trabalho
IBGE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IEES – Instituição Estadual de Educação Superior
IESDE - Instituto de Estudos Sociais e Desenvolvimento Educacional
IFIL – Instituto de Filosofia da Libertação
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Sociais Anísio Teixeira
IPARDES – Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LSE – Lei do Sistema Estadual de Ensino
MARE – Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MDE – Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
MEC – Ministério da Educação
MP – Ministério Público
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego
NESEF – Núcleo de Estudos sobre Educação e Filosofia
NTE – Núcleo de Tecnologia Educacional
NRE – Núcleo Regional de Educação
ONU – Organização das Nações Unidas
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
PEA – População Economicamente Ativa
PEC – Proposta de Emenda Constitucional
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PEE PR – Plano Estadual de Educação do Estado do Paraná
PIB – Produto Interno Bruto
6
PNE – Plano Nacional de Educação
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PQE – Programa de Qualidade do Ensino Público
PPP – Projeto Político Pedagógico
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PROMED – Programa Melhoria e Expansão do Ensino Médio
PSS – Processo Seletivo Simplificado
RFA – República Federal Alemã
RAIS – Relação Anual de Informações Sociais
REDESABER – Rede de Elaboração e Socialização dos Saberes Escolares
SEAP – Secretaria de Estado da Administração Pública
SEB – Secretaria de Educação Básica
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SEDUC/SP – Secretaria de Estado da Educação de São Paulo
SEED – Secretaria de Estado da Educação do Paraná
SEF – Secretaria de Educação Fundamental
SEFA – Secretaria da Fazenda
SEMTEC – Secretaria de Educação Média e Ensino Técnico
SEPL – Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral
SETI – Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
SGE – Superintendência de Gestão de Ensino
SGI – Superintendência de Gestão de Infra-Estrutura
SINEPE Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Educação do
Paraná
SIP PR – Sistema Integrado de Protocolos do Estado do Paraná
SUED – Superintendência da Educação
UCP – Unidade de Coordenação do Programa
UEL – Universidade Estadual de Londrina
UFPR – Universidade Federal do Paraná
UGE – Unidade Gestora Estadual
UNB - Fundação Universidade Federal de Brasília
UNCME – União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação
UNDIME/PR – União Nacional dos Dirigentes Municipais/ Sessão Paraná
UP – Universidade do Professor
USAID – United States Agengy for Internacional Development
7
RESUMO
Este estudo concentra-se em ampliar as possibilidades de análise teórica e
fornecer subsídios para futuras proposições na área das políticas públicas para
a educação, consideradas sob o viés do estado contemporâneo. Seu objeto, o
processo de construção política de um plano decenal de educação, que não se
constituiu em produto acabado da gestão 2003-2006, é tomado como ponto de
partida para a crítica do modelo de gestão, em princípio democrático, adotado
pela administração da educação no período visado. Neste modelo, incluem-se
a metodologia da construção coletiva e as demais estratégias de governo, aqui
avaliadas como contrafações aos objetivos de uma gestão que se autodefine
progressista e avessa aos interesses do capital. Como instrumento de
planejamento e como projeto de lei, o plano estadual de educação é abordado
na esteira das possibilidades e dos limites do planejamento público, sob o
regime democrático de representação e o sistema capitalista de produção.
Palavras-chave: democracia, planejamento, gestão, construção coletiva, estado
contemporâneo.
8
RESUMEN
Este estudio se atiene en ampliar las posibilidades del análisis teórico y
proporcionar subsídios a futuras proposiciones en el campo de las políticas
públicas para la educación, consideradas bajo al panorama del estado
contemporáneo. Su objeto, el proceso de construcción política de un plan
estadual de educación, que no ha logrado resultar en producto final de la
gestión 2003-2006, es tomado como punto de partida de la crítica del modelo
de gestión, en princípio democrático, adoptado por la administración de la
educación en el período delimitado. En este modelo se incluyen el método de
la construcción colectiva y las demás estratégias de gobierno, evaluadas como
contrafaciones de los objetivos de una gestión que se autodefine progresista y
opuesta a los valores del capital. Como instrumento de planificación y proyecto
de ley, se analisa el plan estadual de educación en conformidad a las
posibilidades y límites del planeamento público, bajo el régimen democrático de
representación y el sistema capitalista de producción.
Palabras-llhave: democracia, planificacíon, gestión, construcción colectiva,
estado contemporáneo.
9
SUMÁRIO
Agradecimentos....................................................................................................3
Lista de siglas.......................................................................................................4
Resumo ................................................................................................................7
Resumen ..............................................................................................................8
INTRODUÇÃO .....................................................................................................10
Sobre o objeto, seu tratamento conceitual e suas interfaces................................12
A configuração da rede estadual de educação do Paraná (2003-2006): dados
estruturais e aspectos conjunturais ......................................................................27
CAPÍTULO I - O PEE PR como instrumento de planejamento educacional e
como projeto de lei no espectro do estado contemporâneo: mediações
teóricas................................................................................................................41
CAPÍTULO II - O processo de concepção e elaboração do PEE PR ..............73
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................152
REFERÊNCIAS....................................................................................................159
ANEXOS...............................................................................................................165
10
INTRODUÇÃO
As forças sociais que predominam na sociedade tendem a
predominar no poder estatal, conferindo à sociedade esta
ou aquela direção. Sob vários aspectos, a análise do
Estado é uma forma privilegiada de conhecer a sociedade.
Otávio Ianni
O PEE PR (Plano Estadual de Educação do Paraná) não se inscreve
entre os produtos acabados da gestão da educação 2003-2006. Porém, tal
como é verdade que seria precipitada a elaboração de uma crítica acadêmica a
um produto preliminar, isto é, a uma ação de governo que não logrou constituir-
se em produto técnico-político acabado da gestão 2003-2006, é também,
plausível e viável, a produção de uma crítica acadêmica a um processo de
construção de uma política de estado
1
.
É nesse horizonte, qual seja, o da análise do acontecer de um processo,
que se toma o objeto
2
.
Pode-se argüir que, pela sua natureza, enquanto documento que
expressa uma determinada racionalidade e uma determinada intencionalidade,
ao congregar a dimensão técnica e a dimensão política com o objetivo
declarado de intervir na realidade educacional, o objeto não se presta à análise
parcial, uma vez que impactos são percebidos e mensuráveis quando um
plano, ou extratos deste, deixam de ser intenções, ou seja, são, de fato,
materializados. Porém, este trabalho não se volta à análise de impactos nesse
nível, embora não se ignore que não transformação social significativa, em
qualquer âmbito da sociedade, sem a alteração das condições concretas de
vida dos sujeitos em questão.
Este estudo não se propõe a ser um estudo técnico de planejamento,
circunscrito aos recortes e formas peculiares de análises afeitas à economia,
mapeando limites e possibilidades da intervenção planificada em face da
disponibilidade ou indisponibilidade de meios e recursos, embora não se ignore
que as relações econômicas que se estabelecem entre os homens são
1
A opção por grafar a palavra estado e congêneres com iniciais minúsculas (nomes de cargos,
denominações de poderes constituídos e de instituições), salvo quando se trata da transcrição por extenso
de siglas, é da autora.
2
Reitera-se que, ao longo do texto, todas as referências ao PEE PR subentendem-no como um documento
inacabado e/ou como um processo de construção de uma política pública.
11
determinantes para a constituição de todas as demais relações e interações
humanas.
Este estudo não se concentra na descrição e análise históricas dos
planos decenais de educação e nas refratárias práticas programáticas da
política educacional que se generalizaram nos países ditos emergentes, a partir
das conferências mundiais e nacionais de educação, promovidas pelas
instituições de Washington, nos anos de 1980, na esteira da ampliação da
capacidade interventora e controladora do capital sobre as políticas
sociais/setoriais dos estados nacionais democratizados, embora não se ignore
o peso e as implicações políticas, institucionais e econômicas dos planos de
educação, conformados pela gica do capitalismo financeirizado sob o regime
da democracia burguesa.
Este é um estudo sobre gestão educacional, o que explica e justifica
a concentração de esforços analíticos em um processo de construção de uma
política pública para a educação, localizado num momento político
determinado, num lócus estatal/ social determinado. Nesse sentido, as faces
problemáticas do processo, que pode ser caracterizado como uma experiência
peculiar de gestão, são analisadas à luz da literatura estudada e da experiência
acumulada da autora, que fala de um lugar privilegiado, que é um de seus
sujeitos.
A metodologia aqui utilizada, além do mencionado fator empírico e das
revisões bibliográficas, inclui outros elementos hermenêuticos, fundamentais
para conferir ao estudo o rigor necessário. Dessa forma, a leitura e
interpretação da farta documentação produzida e/ou sistematizada pela equipe
coordenadora do PEE PR, assim como de registros diversos, elaborados e
disseminados pela SEED (Secretaria de Estado da Educação), principalmente
os que dizem respeito ao primeiro ano da gestão 2003-2006, constituem-se em
subsídio fundamental para o entendimento e caracterização das fases do
processo de construção política do plano. A realização de entrevistas com
gestores da SEED-sede e representante da APP-Sindicato (Sindicato dos
Trabalhadores em Educação Pública do Paraná) e a coleta e análise de
manifestações pessoais de alguns sujeitos da administração pública da
educação, mediante respostas a questionários de pesquisa direcionados aos
12
técnicos e professores
3
os quais, no final de 2006, prestavam serviços na
sede há mais de 5 anos e, portanto, vivenciaram a transição do governo Jaime
Lerner para o governo Roberto Requião–, permitiram a sustentação de
algumas hipóteses aqui levantadas, bem como alargaram a compreensão
acerca do movimento interno e das contradições político-administrativas da
sede, enquanto organização público-estatal.
Sobre o objeto, seu tratamento conceitual e suas interfaces
O PEE PR pode ser definido tecnicamente como um projeto de estado,
proposto e coordenado pela SEED. Relativamente abertos ao debate público,
os trabalhos do plano começaram em 2003 e ainda estão em curso (março de
2007). O limite temporal estabelecido para este estudo é o mês de agosto de
2006, época que coincide com o período pré-eleitoral daquele ano. O pleito de
2006 resultou na reeleição, em segundo turno, do governador Roberto Requião
e na recondução de Maurício Requião ao cargo de secretário de educação e,
com ele, de grande parte de sua equipe gestora, incluindo a superintendente
da educação. Importante frisar que a conclusão, em regime de consulta à
sociedade, do PEE PR, bem como a reformulação da LSE (Lei do Sistema
Estadual de Ensino), cuja relação com o plano será oportunamente tratada,
fizeram parte dos compromissos do governador eleito, firmados ao longo da
campanha eleitoral, ambos inscrevendo-se, meses mais tarde, na pauta do
plano de governo 2007-2010.
A seguir, a fim de facilitar a compreensão dos encaminhamentos e fases
do projeto, apresenta-se um quadro-resumo (cf. anexo 1), no qual foram
incluídas, segundo ordem cronológica, as principais ações, publicações e
eventos realizados pela SEED/SUED/CG PEE PR (Secretaria de Estado da
Educação/ Superintendência da Educação/ Coordenação Geral do Plano
Estadual de Educação). Após o quadro 1, com o intuito de explicitar a lógica
interna e os fundamentos teóricos que balizam os argumentos e norteiam os
juízos expressos ao longo do estudo, apresenta-se uma série de apontamentos
3
Os registros e documentos mencionados e as entrevistas realizadas são indicadas nas referências finais.
O anexo 6 é um exemplar do instrumento de pesquisa. A autora distribuiu 26 questionários entre técnicos
e demais funcionários de carreira da sede, dos quais 16 foram preenchidos e devolvidos.
13
relativamente à concepção do estudo e à organização dos eixos problemáticos
eleitos a partir do desdobramento do objeto.
Quadro-resumo
O quadro apresenta as principais ações, eventos e publicações referentes ao PEE PR entre fevereiro de 2003 a agosto de
2006.
Quadro 1
4
Período Ação/Evento/ Publicação
Fevereiro
2003
A elaboração do PEE PR é assumida pela gestão 2003-2006, como uma das ações prioritárias. Sua coordenação caberia a APE, uma das
coordenações informais ligadas à SUED. A coordenadora do projeto, profissional oriunda do IPARDES, especialista em planejamento,
professora de literatura e lingüística e poeta, é também, assessora técnica do GS. A SEED passa a intitular-se como instância de
coordenação geral do PEE PR e a ressaltar que o plano caracterizar-se-ia como uma ação de estado e não de governo.
Março
2003
O PEE PR passa a ser encarado no bojo dos demais projetos de formação continuada e a “construção coletiva”, vai se delineando como
método para sua elaboração. Segundo primeiro cronograma do PEE PR, o documento final seria encaminhado à Casa Civil ainda no ano de
2003.
Abril
2003
Início da Fase Temática. São realizadas reuniões entre SUED, APE/CG PEE PR, Chefias de Departamento e NREs, com o objetivo de
definir dinâmica de trabalho e temas a serem desenvolvidos pelas 32 instâncias descentralizadas. (Ver anexo 1)
4
Para melhor compreensão acerca das informações resumidas neste quadro ver item Lista de Siglas.
16
Abril, maio e junho.
2003
Definição de responsáveis pelo PEE PR nos 32 NREs.
Realização de reuniões descentralizadas preparatórias para os Seminários Temáticos sob a coordenação local dos NREs e central da
SUED e APE/CG PEE PR
São elaboradas, sistematizadas e disponibilizadas aos NREs uma série de orientações a fim de subsidiar a realização dos Seminários
Temáticos pelos NREs. Duas publicações são especialmente tomadas como eixos norteadores: (1) a publicação do MEC, Plano Nacional
de Educação – PNE: Subsídios para a Elaboração dos Planos Estaduais e Municipais de Educação; (2) o documento produzido pela
APP-Sindicato, Construindo o Plano Estadual de Educação. Revista da III Conferência Estadual de Educação. Deste último,
mediante anuência da APP-Sindicato, a SEED providenciou a impressão e distribuição de 15 mil exemplares.
Inclusão de momentos de discussão entre a APE/CG PEE PR e NREs e diretores de escola nos grandes eventos promovidos pela SUED.
Realização de encontros reservados entre APE/CG PEE PR e chefias e equipes pedagógicas dos NREs.
Agosto
2003
Participação da APE/CG PEE PR e juntamente com demais departamentos e coordenações da SEED/SUED em reunião FPDEP e Setor de
Educação da UFPR, intitulada: As Políticas Educacionais do Governo do Paraná.
Maio a
dezembro 2003
Realização dos Seminários Temáticos nos NREs. Cada um dos 32 NREs realizou seu seminário conforme decisões tomadas em seus
próprios âmbitos. Alguns seminários foram precedidos de palestras de autoridades (professores, especialistas, intelectuais) convidados.
Outros procuraram o auxílio de lideranças sindicais. Uma minoria foi organizada e conduzida pela própria equipe coordenadora local.
Todos contaram com a presença de representantes da SEED (técnicos chefes, coordenadores).
Outubro
2003
Formalização de acordo entre SEED e SETI para a elaboração conjunta do PEE PR, em particular, do capítulo da educação superior.
Novembro
2003
Participação em palestra sobre os planos decenais de educação, realizada por especialista do INEP em grande reunião com equipes dos
NREs, diretores e demais representantes das escolas em Foz do Iguaçu.
17
Dezembro
2003
Resposta da APE/CG PEE PR ao questionário de acompanhamento periódico dos planos estaduais, organizado pelo CONSED. Desde
então, o contato entre a SEED e o CONSED, a título de troca de informações sobre os planos estaduais passa a ser constante.
Dezembro
de 2003 a
abril
2004
Organização e publicação dos seguintes documentos:
1. Diagnóstico Educacional para o PEE Paraná: metas PNE/INEP (Elaborado p/ o V Encontro SEED/NREs - Foz do Iguaçu- 4 a 7 de
novembro de 2003).
2. Relatório de Atividades: síntese das reuniões preparatórias para os seminários temáticos PEE PR (Versão Preliminar).
3. Estudos Temáticos para o PEE PR (Versão Preliminar).
Abril de
2004
É realizado o I Seminário Integrador, com a participação de representações do FPDEP, APP-Sindicato, SETI, Comissões de Educação da
AL/PR e da CMC/ CTBA , do MP local, do SINEPE e do CEE . A SEED é representada pela APE/ CG PEE PR.
Abril
2004
Participação da APE/CG PEE PR no Seminário Preparatório do 5º CONED, promovido em Curitiba, pelo FPDEP.
Maio
2004
Participação da APE/CG PEE no 5º CONED, promovido no Recife, pelo FNDEP.
Junho
2004
Elaboração e publicação do documento Subsídios para a preparação do II Seminário Integrador do PEE Paraná: encaminhamentos da
SEED e Sociedade Civil.
Julho
2004
Organização e publicação do Documento 2: Estudos Temáticos para o PEE Paraná - Resultados do I Seminário Integrador.
Distribuição do Documento 2, cuja tiragem foi de 50 mil exemplares, a todas as escolas públicas e conveniadas e entidades civis e
governamentais participantes das discussões
O FPDEP e a APP- Sindicato manifestam suas críticas em relação à metodologia e aos resultados preliminares alcançados pelo PEE PR.
As divergências expressas publicamente no CONED, conforme relato do documento Subsídios para a preparação do II Seminário
Integrador do PEE Paraná: encaminhamentos da SEED e Sociedade Civil, são reiteradas nos informativos periódicos da APP-Sindicato e
tornam-se mais evidentes a partir da circulação do Documento 2.
18
Outubro
2004 a
Fevereiro
2005
Face à precariedade do Documento 2 e aos encaminhamentos retirados no CONED, é realizada nova etapa de discussão descentralizada.
Realização de eventos descentralizados, organizados pelos NREs, envolvendo as escolas e respectivas comunidades e, em alguns NREs,
representantes de entidades (como APAEs e Núcleos Sindicais da APP- Sindicato) e assessorias convidadas. Seu objetivo era colher de
amplos coletivos, críticas, propostas de incorporações e sugestões ao texto do Documento 2.
Organização dos relatórios relativos às contribuições das escolas pelos NREs e envio dos mesmos à CG PEE PR.
Março e abril
2005
A autora passa a compor a CG do PEE PR, a princípio substituiria a coordenadora, depois, devido à ponderações do secretário e outras
circunstâncias, a coordenadora permanece.
Organização, sistematização e publicação dos seguintes documentos:
1. A Voz das Escolas (Documento integral).
2. A Voz das Escolas (Versão para discussão no II Seminário Integrador do PEE PR e 27ª Sessão Plenária do Fórum Paranaense em
Defesa da Escola Pública).
3. Educação Superior Documento Preliminar (Versão para Discussão) Produção organizada pela Coordenação de Ensino Superior da
SETI.
Tendo em vista a percepção da necessidade de superação da discussão atomizada, a CG PEE PR, justifica em carta às chefias e equipes
de ensino dos NREs e da SEED, a manutenção apenas do mérito das metas propostas para temas como saúde e sexualidade, meio
ambiente, violência, educação cultural do discente, posto que enquanto eixos de planejamento, não caberiam constar no documento final do
Plano.
Abril
2005
É realizado em Curitiba o II Seminário Integrador. Além das mesmas representações já presentes no I Seminário, participam da sessão de
abertura, o secretário de educação e o secretário de assuntos estratégicos. Ao longo da sessão de abertura e plenária final do evento, a
crítica à metodologia adotada na primeira fase (discussão de temas) é reforçada, o mesmo se passa em relação à interdependência em entre
o plano e a legislação que normatiza o sistema estadual e o regime de colaboração. A coordenadora geral do PEE PR admite que o
potencial de execução do plano depende de proposta e aprovação de nova LSE e, em nome da SEED e do secretário, convida o FPDEP a,
junto com a SEED e o CEE, iniciar as discussões acerca do tema.
Participação da SUED e APE/CG PEE PR em reunião de avaliação do PNE, em Brasília, promovida pelo MEC através da CAFISE,
divisão destinada a articular, subsidiar e acompanhar a elaboração dos planos estaduais e dos planos, sistemas e conselhos municipais de
educação e à avaliação nacional da evolução dos indicadores relativos às metas do PNE , criada em paralelo à junção das antigas
SEMTEC e SEF, na estrutura da nova secretaria de educação básica (SEB).
Junho
2005
Participação da SEED/ CG PEE PR na XXVII Sessão Plenária do FPDEP cujos temas foram os planos decenais de educação,
especialmente o PEE PR.
19
Junho
2005
Organização, sistematização e publicação dos seguintes documentos:
1. II Seminário Integrador: Relatórios das Oficinas de Integração.
2. II Seminário Integrador: Relatórios Parciais das Oficinas de Integração (Versão para discussão na 27ª Sessão Plenária do Fórum
Paranaense em Defesa da Escola Pública).
3. Relatório da XXVII Sessão Plenária do Fórum Paranaense em Defesa da Escola Pública (17 e 18 de junho de 2005).
Junho
2005
Divulgação da agenda do PEE PR para o período de julho a outubro.
Julho a
agosto
2005
Trabalhos de reelaboração do Documento 2. Sistematização das contribuições dos coletivos que participaram do II Seminário Integrador e
da XXVII Sessão do FPDEP por equipe constituída na SEED. O Fórum envia algumas contribuições a pedido da coordenadora adjunta.
Agosto
2005
Participação da APE/CG PEE PR em reuniões com o FPDEP a propósito da sistematização de documento contendo diretrizes e princípios
para níveis, modalidades, trabalhadores em educação, gestão democrática e financiamento da educação, apresentado, posteriormente, pela
coordenadora da entidade, aos participantes do I Seminário de Consolidação: Audiência Pública.
Outubro
2005
É publicado o Documento 3 PEE PR : Uma Construção Coletiva (Versão Preliminar). A CG PEE PR, elabora e veicula entre SUED,
chefes de departamento e membros da equipe de reelaboração do Documento 2 (da SEED e SETI), texto de análise do conteúdo do
Documento 3, chamando atenção para a fragilidade dos diagnósticos ali contidos e, principalmente, para os problemas das metas
apresentadas. Nenhum gestor se manifesta a respeito.
Realização do I Seminário de Consolidação: Audiência Pública. Da Sessão de Abertura participaram: superintendente da educação,
representante da Comissão de Educação da AL, representante da Comissão de Educação e Cultura da CMC, representantes do CEE, da
SETI e do FPDEP. O objetivo do evento, conduzido em regime de plenária, era discutir as metas do Documento 3. Entre os
encaminhamentos finais da audiência, retiram-se duas propostas fundamentais: (1) a necessidade de amadurecer o conteúdo do Plano
mediante novos debates públicos e de uma conferência estadual no final desse processo e (2) o compromisso da SEED em encaminhar à
discussão das entidades afeitas à educação pública, uma proposta inicial de LSE. Neste evento torna-se público o descompasso e a falta de
entendimento entre a CG PEE PR e a SUED e entre esta última e suas próprias chefias.
20
Outubro a novembro
2005
Participação da SUED em segunda etapa de avaliação do PNE e planos decenais correspondentes, promovida pelo MEC.
Elaboração e amadurecimento pela CG PEE PR de proposta de estudo de impacto financeiro e orçamentário a partir das metas prioritárias
apontadas, ainda em versão precária, no Documento 3.
Contratação de economista e professor, técnico de planejamento financeiro do Banco Central, para a elaboração da primeira fase do
estudo.
A CG PEE PR amplia e aprofunda canais de discussão com o GPS e, a propósito dos subsídios ao estudo de impacto financeiro, passa a
entabular conversas com técnicos do IPARDES, da SEFA , da SEPL e representações da UNDIME/PR
Novembro a dezembro
2005
É realizado o II Seminário de Consolidação: Audiência Pública, em Curitiba. Em regime de plenária, conduzida pela coordenação
adjunta do PEE PR, dá-se continuidade à discussão das metas e demais destaques ao Documento 3, iniciada na I Audiência.
É realizado, em Curitiba, III Seminário de Consolidação: Audiência Pública, nos mesmos moldes dos anteriores. Nesse evento é dado
especial destaque ao financiamento, incluindo fala didática do GPS da SEED a respeito. Entre os encaminhamentos finais da audiência,
destacam-se: (1) compromisso da SEED/SUED em tratar de forma contemporânea e articulada a LSE e o PEE PR e em circular, entre
entidades e órgãos públicos feitos à educação (CEE, FPDEP, APP - Sindicato, UNDIME/PR, Comissão de Educação da AL, Coordenação
do Ensino Superior da SETI), minuta de LSE, ainda em dezembro de 2005; (2)
o indicativo de que a SEED/ CG PEE PR e FPDEP
manteriam o diálogo, a fim de definir conjuntamente as próximas etapas do PEE PR e a realização de conferência estadual de educação.
Outubro a
dezembro
2005
Organização e sistematização e publicação dos seguintes documentos:
1. Relatório do I Seminário de Consolidação: Audiência Pública.
2. Relatório do II Seminário de Consolidação: Audiência Pública.
3. Relatório do III Seminário de Consolidação: Audiência Pública.
Dezembro
2005
Início da sistematização dos primeiros dados colhidos a propósito do estudo de impacto financeiro e orçamentário, a partir das metas
propostas no Documento 3.
21
Fevereiro
2006
Publicação de documento que sistematiza as contribuições das três audiências públicas do PEE PR
Estudo de impacto evolui e objetivo inicialmente pensado é revisto. Uma vez levantadas todas as despesas e receitas em educação,
organizadas em séries históricas decenais, parte-se para as projeções em ambas as óticas, considerando a provável aprovação do FUNDEB
e o comprometimento de 30% do orçamento do estado em educação, meta prevista no PEE PR e, então, enunciada como projeto a ser
encaminhado a AL pelo governador do estado.
A SUED incumbe duas técnicas, que, mais tarde comporiam equipe do PEE PR, da elaboração de minuta de LSE, a partir de texto
preparado pela SUED, com base no recorte e colagem de duas outras leis de sistemas estaduais, a de Mato Grosso do Sul e a de Tocantins.
Março
2006
A CG do PEE PR prepara estudo, a pedido do secretário, sobre o EF. O diagnóstico deste nível é inteiramente refeito, assim como são
levantados todos os seus gargalos. A idéia do secretário era discutir texto a texto do PEE PR, a começar pelo do EF, em reuniões
colegiadas, o que não aconteceu.
É sugerida pela SUED a contratação de empresa especializada em elaboração de planos e projetos educacionais para finalizar o Plano. A
CG PEE PR rechaça a oferta, no que tem o apoio do secretário.
Junho
2006
A CG PEE PR deixa de existir. Primeiramente é transferida por seis dias da SUED para o GS. Depois, sob os protestos das
coordenadoras que não viam o PEE PR como um projeto de gabinete, é novamente incorporada da SUED, porém com nova denominação,
passando a denominar-se GG PEE PR, composto pela técnica que assumira a coordenação adjunta em 2004 e as duas técnicas que
elaboraram a referenciada minuta da LSE.
22
Julho a agosto
2006
O GG PEE PR reelabora, com base nas contribuições das audiências públicas os seguintes itens do plano: Educação Básica (capítulo
inserido segundo encaminhamento da sociedade civil); Gestão Democrática do Sistema Estadual de Educação; Trabalhadores da Educação;
Ensino Fundamental e minuta do texto de Financiamento da Educação. As chefias e técnicos das equipes de ensino, embora conclamados
pela superintendente e grupo gestor em diversas oportunidades para integrarem-se aos trabalhos do Plano, a fim de concluir a versão pré-
final em 2006, permanecem, em geral, alheios aos trabalhos do PEE PR.
O GG PEE PR não consegue autorização da SUED para a atualização da página do PEE PR no Portal Dia-a-dia Educação. No final do
mês de agosto, a página do PEE PR, assim como uma série de outras páginas institucionais do governo, é retirada do ar por determinação
da Justiça Eleitoral.
São apresentados, em reunião no auditório da SEED, os resultados e inferências preliminares do estudo de impacto financeiro e
orçamentário. Nessa oportunidade, técnicos do GG PEE PR e do GPS, argumentam acerca da necessidade da continuidade do estudo, útil
não só para a posterior defesa das metas do plano, mas para o dimensionamento das futuras ações da SEED como um todo. Esta nova etapa
concentrar-se-ia na compatibilização entre receitas e despesas, além de buscar identificar as razões do gastos historicamente mal orientados
e apontar possibilidades objetivas de sustentação das metas prioritárias para estado e municípios. O estudo não é autorizado nessas bases,
sendo sugerida pela SUED a realização de novo contrato imediato (o que foi providenciado pelo GG PEE PR e GPS no final de agosto)
para que o consultor, em conjunto com a equipe do plano e do GPS, elaborasse nota técnica detalhada relativa à primeira fase e participasse
da reescrita das metas do capítulo de financiamento. Mais tarde, quando a versão pré-final do PEE PR estivesse concluída, realizar-se-ia a
compatibilização e as projeções, conforme desejo manifesto pelos técnicos.
Agosto
2006
Uma das técnicas do GG PEE PR e a superintendente da educação participam do Seminário Sul de Avaliação dos Planos Decenais de
Educação, em Porto Alegre, promovido pelo MEC/CAFISE. Nessa oportunidade, estreita-
se o diálogo entre o grupo gestor e a
mencionada divisão do MEC, as assessorias parlamentares da comissão de educação da câmara federal, pesquisadores do INEP, assim
como com o representante do MP do Paraná para assuntos educacionais. As tônicas do referido evento foram: (1) os problemas de
financiamento e o descumprimento da legislação do FUNDEF pela união; (2) a generalidade das bases do regime de colaboração, que
incide sobre a falta de definição clara de competências e responsabilidades dos entes federados quanto à MDE; (3) o reforço à metodologia
da construção coletiva dos planos decenais porém, com a ressalva que a ampla participação deve ser dar privilegiando a inserção
qualificada, e não espontânea, dos segmentos e sujeitos da educação; (4) a questão dos sistemas e conselhos municipais de educação, em
especial, os efeitos dos inúmeros municípios brasileiros que optaram pela constituição de conselhos consultivos sem, no entanto, contarem
com sistemas de ensino próprios.
O PEE PR é tratado a partir de quatro faces problemáticas, encadeadas
entre si, a saber:
1. Como ação de planejamento público e política social.
2. Como projeto de lei.
3. Como fruto de processo de construção coletiva.
4. Como política educacional proposta pelo estado e relativamente
aberta ao debate público.
As quatro faces abrem-se para uma rie de questões, revisitadas a
partir da identificação e valorização dos elementos passíveis de fornecer
clareza explicativa ao objeto e às suas relações, entendidas no bojo da
economia política e das teorias e razões do estado capitalista sob a
democracia liberal. As duas primeiras faces são mais amplas e requerem
mediações mais sofisticadas. A terceira ampara as considerações sobre a
análise da política educacional na administração peemedebista e permite
estabelecer as continuidades e descontinuidades entre a gestão da educação
2003-2006 e as duas gestões anteriores. A quarta pode funcionar
instrumentalmente como aglutinadora, no plano histórico do objeto, das demais
faces, pois que o “chamae o “organiza” num eixo principal, aqui tratado em
seus fundamentos mais essenciais. Tal eixo, em verdade, uma questão de fácil
proposição, mas de difícil explicitação, consiste na contradição entre a natureza
anti-social e totalizadora do capital, expressa nas razões e na estrutura do
estado democrático, e as possibilidades emancipatórias das políticas sociais
propostas nesse mesmo âmbito.
O objetivo desta exploração inicial é fundamentar a concepção dos
argumentos relativos ao histórico do PEE PR e a explicitação, através da
análise desse privilegiado objeto em sua agudeza e concretude, das “razões do
estado capitalista” sob a democracia liberal. Entende-se que estes dois eixos
analíticos o passíveis de conferir sentidos práxicos e filosóficos ao conjunto
de reflexões contidas no estudo, considerado globalmente. As várias questões
contraditórias que vão sendo evidenciadas e enfrentadas ao longo do texto, à
medida que se estabelecem os nexos entre o objeto e as relações mais gerais
que o determinam axialmente e/ou contribuem com sua configuração em dado
momento, são abordadas com o suporte da filosofia e da ciência política.
24
O processo de elaboração do PEE PR, tomado de forma colada às
razões e funções social, política e econômica da administração estatal
subnacional que o propôs e o coordenou, relaciona-se estrutural e
conjunturalmente à configuração do estado brasileiro contemporâneo, periférico
e dependente, porém “democratizado”, segundo a visão política burguesa.
Esse tipo de abordagem implica em considerar-se o objeto, no bojo das
relações econômicas de poder, em sua amplitude, como proposta de política
social de planejamento público setorial e, em sua imediaticidade, como projeto
político-educacional localizado num momento e lócus determinado da
instituição estatal.
Nesse sentido, a história do plano se constitui a partir da historicidade da
gestão do estado e das contingências e vicissitudes da gestão da educação
que o propôs. Igualmente, seus cursos, intercursos, possibilidades e limites,
são resultantes mediatos da ação dos sujeitos que nele atuaram e das
institucionalidades públicas que lhe deram suporte. O objeto, conforme
mencionado, apresenta uma série de faces complexas e que ensejam, cada
qual, uma rie de contradições e relações de complementaridade causal e
estrutural. Encarar o rol de situações problemáticas envolvidas no processo de
proposição e elaboração e na avaliação dos resultados do PEE PR implica,
mais do que analisar uma determinada política educacional em uma
perspectiva crítica da gestão peemedebista da educação (2003-2006), em
deslindar e estabelecer as relações entre as diversas teias de determinações
que o entrecortam e o configuram e, no aspecto epistemológico, o constituem
como mote privilegiado para o aprofundamento das interpretações da política
social educacional, tomadas a partir das investigações e concepções do estado
contemporâneo.
Em suma, ao optar-se pela abordagem do objeto a partir de sua
complexidade estrutural, isto é, no rol das relações e razões conflitantes e
mutuamente condicionadas entre estado, capital e mercado, é mister o esforço
analítico de revelar seus determinantes, tanto a partir da racionalidade que o
funda e o sustenta, enquanto proposição de “política de estado”, como dos
fatores conjunturais que concorreram para sua tipificação e resultantes
políticas.
25
Retomando as quatro faces mencionadas, a rigor só passíveis de serem
separadas por razões didáticas, o PEE PR, encarado como ação de
planejamento público, ou seja, como ação deliberada de intervenção na
realidade, e como política social, esbarra nos limites da imprevisibilidade do
capital e da dificuldade de autonomização do estado frente ao mercado.
Inserido no rol contraditório das relações sociais, as organizações do estado e
as políticas erigidas em seu âmbito, embora fortemente tensionadas para dar
respostas satisfatórias às necessidades sociais, assumem uma posição de
classe, na medida em que, com maior ou menor grau de visibilidade e
extensão, a função da produção, reprodução ou criação de condições propícias
à acumulação está presente nas políticas sociais, das quais o PEE PR não é
exceção. Nesse particular, a análise do objeto, em se tratando de tentativa de
planejamento público participativo, propicia a investigação e a descrição de
mecanismos de seletividade do capital e do mercado, ativados e mediados pelo
estado, e das formas aparentemente incoerentes que, nesse movimento,
configuram a racionalidade estatal.
Como projeto de lei
5
, o PEE PR, mesmo que inconcluso, inscreve-se
na problemática das crises contemporâneas do direito positivo, do
constitucionalismo orgânico e do sistema jurídico e suas inflacionadas redes
normativas e sublegais, cujas matérias restritas e conjunturais, convertem-nas
em instrumentos de governo.
Como fruto de processo de construção coletiva, a análise do PEE
PR, necessita da explicitação e crítica do “fenômeno” do participacionismo
democrático e suas várias refrações e implicações. No cerne da
5
Segundo determinação da lei 10.172 de 09/01/2001, que instituiu o PNE (Plano Nacional de Educação),
os estados, o distrito federal e os municípios devem elaborar seus planos decenais de educação em
consonância com as metas estabelecidas nacionalmente. O MEC (Ministério da Educação) e o CONSED
(Conselho Nacional dos Secretários de Educação) passaram a orientar as unidades da federação em
relação à elaboração dos planos, os quais, segundo recomendam estas instituições, devem envolver a
sociedade civil e, uma vez concluídos, são encaminhados, pelo executivo e/ou entidades proponentes, ao
legislativo, onde, depois de aprovados, seguem para sanção e eventuais vetos do executivo, quando,
enfim, podem ser transformados em lei de natureza ordinária. Os planos devem prever dois momentos de
avaliação de suas metas e resultados ao longo do decênio, sendo que a última avaliação do PNE, iniciou
no final do primeiro semestre de 2005 e estendeu-se para o ano seguinte. Os estados e municípios contam,
ainda, desde meados de 2004, com o apoio da CAFISE (Coordenação-Geral de Articulação e
Fortalecimento Institucional dos Sistemas de Ensino), ligada ao DASE (Departamento de Articulação e
Desenvolvimento dos Sistemas de Ensino), órgãos da SEB (Secretaria de Educação Básica).
Observe-se que não dispositivos na lei 10.172 que constranjam, pela imputação de responsabilidade
e/ou penalidades ao poder público, na figura de seus representantes eleitos, a execução do conjunto de
metas dos planos educacionais aprovados e sancionados.
26
problematização do participacionismo, está a questão dos limites e das
possibilidades da democracia burguesa, ante a escassez de espaços de
embate político, a desarticulação dos movimentos da classe trabalhadora e a
instrumentalização dos mecanismos democráticos, inclusive o eleitoral, pelo
capital. As circunstâncias e determinações que obstacularizam o exercício da
“democracia participativa”, por sua vez, remetem a análise para o campo da
crítica à feição que o modelo democrático-liberal de representação política
adquire nas economias periféricas e daí para as tensões e dificuldades de
legitimação das decisões e ações do estado e de segmentos organizados da
sociedade civil.
Como política educacional proposta pelo estado, relativamente
aberta ao debate público, com o objetivo alegado de contribuir para os
avanços educacionais e sociais que a sociedade paranaense exige e sobre os
quais m legítimo direito, a crítica ao PEE PR remete-se à análise da
educação escolar, em geral, e da escola pública, em particular, enquanto,
respectivamente, estatuição e instituição que, tal como ocorre com as
estruturas centrais do aparelho de estado, são veículos mediatos de
reprodução do sistema. Na escola os conflitos e contradições sociais são mais
evidentes que em outras esferas do estado, o que não implica que os sujeitos
que a compõem necessariamente identifiquem-se nestas contradições e reajam
matricialmente a elas. Parte da obliteração da consciência de classe por parte
dos sujeitos da escola pode ser explicada pela estreita relação atribuída à
educação como móbil social e pela ligação entre o conhecimento quer seja
de caráter mais científico, quer de caráter mais instrumental – e a conquista de
vantagens comparativas individuais e grupais. Essa pressuposição adquire
contornos concretos, a partir, por exemplo, das contribuições apresentadas no
relatório A Voz das Escolas, resultado de uma das etapas de discussão
descentralizada do PEE PR (PARANÁ/SEED/ SUED/ CG PEE PR, 2005b). Já,
nos discursos dos sujeitos que formularam e coordenaram as políticas
educacionais da SEED no período visado, o PEE PR entre elas, a educação
das maiorias (em paralelo com a reificação do papel da escola e das
possibilidades da educação institucionalizada na consciência proletária),
geralmente é apresentada como conditio sine qua non, portanto, mais crucial
do que de fato é, para o desenvolvimento econômico e social global da
27
sociedade paranaense. Se consideradas à luz dos limites e possibilidades do,
assim adjetivado, estado social-democrático”, tanto a escola como as políticas
nela e para ela desenvolvidas ensejam perspectivas de análise tais que
permitem balizar com maior rigor a força e a extensão das pulsões de
totalização do sistema, as quais, de formas peculiares, atuam no aparelho de
educação estatal. Da mesma forma, a partir do exercício de explicitação das
contradições implícitas nas relações entre educação e estado, expressas pelos
sujeitos que atuam nesses âmbitos, é possível a identificação de fatores que,
embora possam, também, funcionar como elementos de coerção,
caracterizam-se como contra-hegemônicos ao constituírem-se em reações
organizadas às citadas pulsões.
Com efeito, nas relações de oposição e aproximação, nas disputas e
alianças, nos consensos e dissensos entre os diversos sujeitos e
institucionalidades envolvidos na proposição do PEE PR, pode-se
minimamente decodificar o ethos, as motivações e as mudanças de
direcionamento do grupo político dirigente e as inconsistências metodológicas e
teóricas, as quais, em maior ou menor grau, de evidência e de intencionalidade
ideológica autoconsciente, estiveram presentes, desde a gênese do projeto.
Tais relações, tratadas na imediaticidade do acontecer do projeto e, ao mesmo
tempo, estabelecidos seus nexos teóricos e práticos a partir: do conceito e
expressões do estado; das razões e expressões da crise de representatividade
e legalidade burguesas; das limitações estruturais e axiais do exercício da
política e da ação de planejamento público, permitem explicitar, como no PEE
PR, enquanto momento concreto de uma conjuntura dada, as pulsões
totalizadoras do capital se manifestaram e, também, como as possibilidades
reagentes à coerção foram sendo geradas a partir dos desvãos abertos no
processo mesmo de totalização.
A configuração da rede estadual de educação do Paraná (2003-
2006): dados estruturais e aspectos conjunturais
Para o dimensionamento das dificuldades e possibilidades do PEE PR,
conforme aludido acima, isto é, enquanto processo que se deu em um
momento conjuntural identificável de uma estrutura social/estatal determinada,
28
faz-se necessária uma descrição um pouco mais detalhada das redes blicas
de educação, sobretudo da rede de EB (Educação Básica) e de seu principal
órgão gestor, a SEED. Dentro, ainda, do horizonte de melhor dimensionar o
objeto, a fim de deslindá-lo em sua complexidade política e estrutural,
apresentam-se, na seqüência, considerações gerais sobre a viragem na
direção político-partidária da política social, face à transição do lernismo
6
para
a administração peemedebista, fortemente centralizada na figura e
posicionamentos do governador Roberto Requião.
O sistema estadual de ensino, em termos da legislação constitucional
orgânica em vigência no estado do Paraná, está normatizado pela lei estadual
4.978 de 5/12/1964. Dada a caducidade da referida lei, pois é ligada à LDBEN
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) 4.024/1961 e respectivas
regulamentações, seu único conjunto de artigos ainda vigentes (artigos 71 ao
75)
7
dizem respeito às atribuições, ao ordenamento, às finalidades e regras
para a indicação e designação dos membros do CEE PR (Conselho Estadual
de Educação do Paraná). Conforme característica do estado contemporâneo,
trabalhada posteriormente com mais detalhes, um imenso conjunto de leis
ordinárias, entre decretos estaduais, resoluções e instruções secretariais e
pareceres e deliberações do CEE, têm fornecido, na prática, o estofo legal para
o ordenamento, estruturação e funcionamento do sistema estadual de ensino.
Nos sistemas estaduais de ensino, incluem-se, de acordo com as
concepções exaradas a partir da CF (Constituição Federal) de 1988 e da
LDBEN 9.394/1996, tanto os estabelecimentos públicos estaduais e municipais
de educação básica e superior
8
, quanto os privados. Níveis e modalidades,
independente da forma de oferta, em tese, também devem respeitar as normas
específicas, emanadas pelo sistema, representado basicamente pelas
6
Categoria desenvolvida por TAVARES , 2004 (Op. cit).
7
O artigo 71, que trata do número de conselheiros e órgãos que devem ter representação no colegiado foi
alterado pelas leis 12.551/1999 (última alteração) e 11.032/1994.
8
No Paraná, as secretarias de educação básica e superior são estrutural e institucionalmente separadas. A
SETI (Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior) é responsável pela coordenação da
rede estadual de educação superior. Embora, em tese, o segmento superior, exclusive o federal,
normatizado pelo sistema federal de educação, seja regido pelo sistema estadual de ensino, vê-se que, na
prática, este segmento têm mais autonomia em relação ao que se chama de “legislação de sistema”. No
caso do Paraná, isto se explica, em parte, pelas recentes reformas do ensino superior, direcionadas pelo
MEC e corroboradas pelo CNE (Conselho Nacional de Educação) e, em parte, pela própria caducidade da
LSE vigente, formulada em época na qual o estado não possuía um número significativo de
estabelecimentos de educação superior, o que deriva que a legislação orgânica para o segmento superior
seja, quase toda ela, formulada por atos ordinários dos executivos estadual e municipais e do CEE.
29
secretarias estaduais de educação básica e superior e pelos conselhos
estaduais de educação, sendo que, mais recentemente, início dos anos 2000,
tanto no Paraná, como no Brasil, a atuação advogatícia dos interesses públicos
difusos relacionados à educação por parte do MP (Ministério Público) tem sido
sentida com mais regularidade. Como os estabelecimentos privados de
educação têm, via de regra, autonomia financeira, embora isso não
necessariamente signifique que tal “autonomia” se sem o auxílio indireto
e/ou quaisquer tipos de subsídio do fundo público, e as redes estaduais de
educação pública superior têm a prerrogativa legal de gerar recursos próprios,
são as redes de educação básica pública que sofrem diretamente a influência
das determinações dos sistemas de ensino
9
, pois são mantidas pelo estado.
As redes estaduais públicas de educação básica e superior paranaense
embora apresentem relações com o segmento privado, as quais não são
objetos da discussão central deste trabalho –, são os alvos principais dos
esforços públicos e estatais no que tange às políticas globais e setoriais nas
áreas de planejamento, financiamento e gestão educacional. A participação da
dependência pública na educação básica, etapa que concentra os maiores
índices de atendimento, no Paraná é muito maior do que a privada,
respondendo por cerca de 84% das matrículas (MEC/INEP - Instituto de
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Censo escolar da educação básica,
2006). Já, no vel superior, onde a taxa global de atendimento não chega a
3%, incluindo todas as formas de oferta, ocorre o contrário. Estima-se que a
média nacional de participação pública no nível superior, cerca de 7.5%, seja
um pouco inferior à do Paraná (MEC/INEP - Censo da educação superior,
2005).
Seja pela visibilidade política da educação, seja por ser ela parte de uma
complexa e geopoliticamente ampla questão de estratégia econômica, seja
pela necessidade do estado de realizar minimamente sua função social, parece
certo que, pela magnitude dos dados apresentados a seguir (ver tabelas 1 a 6),
explica-se, pelo menos em parte, a concentração dos planos estaduais de
9
Há uma forte discussão entre os teóricos da legislação e gestão educacional a respeito da existência
factual, significação particular e alcance legal dos sistemas de ensino, especialmente no que tange ao
sistema nacional. O presente estudo não entra no rito dessa discussão, optando por usar as
denominações usuais, o que não impede que observações acerca das contradições derivadas da opacidade
institucional dos sistemas de ensino sejam, oportunamente, aludidas ao longo do texto.
30
educação, tanto do PEE PR, como de projetos similares que o antecederam,
no segmento público.
Os dados mais recentes, produzidos por institutos de pesquisas oficiais,
dão uma idéia geral do tamanho e da complexidade das redes de educação
básica e superior públicas no estado. Ressalte-se que, além de suas missões
e funções sociais tradicionais, as redes públicas de educação são importantes
para as economias locais e nacional, pois não apenas consomem recursos
públicos e privados, estes últimos principalmente na forma do investimento
familiar com educação. As redes de educação, sobretudo as públicas, pela sua
maior representatividade numérica e alcance regional, participam ativamente
do âmbito da circulação de capitais pela troca de mercadorias diversas,
inclusive da mercadoria trabalho e, indiretamente, do âmbito da produção,
pelas necessidades demandadas. No Brasil, a educação pública é o “segmento
econômico” responsável pela alavancagem do mercado editorial, em razão da
implementação do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático); é o segmento-
alvo de grandes inversões em políticas de segurança e transferência alimentar,
em razão do programa da merenda escolar; é, muito provavelmente,
consumidor significativo de equipamentos elétricos e informacionais, em razão
dos investimentos em novas tecnologias educacionais e dos programas de
inclusão digital. Estes são apenas três grandes nichos de mercado importantes
(mercado editorial, mercado de alimentos; mercado de equipamentos, serviços
e insumos elétricos, eletrônicos e de informática), cuja evolução, segundo
suspeita empírica, tem relação direta com a expansão e com os sucessivos
aportes de consumo de bens e serviços pelo segmento da educação escolar.
Segundos dados do IPARDES (Instituto Paranaense de
Desenvolvimento Econômico e Social), em 2005, no Paraná, estavam ligadas à
educação, 5,44% da população que faz algum tipo de trabalho remunerado
(população ocupada). Já, no que corresponde ao quesito emprego, a RAIS
(Relação Anual de Informações Sociais), organizada pelo MTE (Ministério do
Trabalho e Emprego), 3,77% da população empregada formalmente, exerce
funções ligadas ao ensino.
31
Tabela 1
Paraná, 2005 – Dados selecionados de emprego
Total de empregos 2.109.348
Empregos em ensino 71.129
Empregos na administração pública
direta e indireta
366.035
Fontes: MTE/ RAIS e IPARDES/BDE (Base Pública de Dados Estaduais)
Tabela 2
Paraná, 2005 – Dados selecionados: PEA (população economicamente ativa)
total e população ocupada, por tipo de ocupação
PEA de 10 anos e mais 4.651.830
População ocupada - administração pública, defesa e seguridade social 185.436
População ocupada - educação 220.727
Fontes: IPARDES/BDE
Tabela 3
Paraná, 2005 - Número de matrículas totais na EB, dependência estadual
Nível de Ensino Matrícula total
Educação infantil
1.646
Ensino fundamental de oito
anos (1ª a 8ª série)
1.653.529
Ensino médio regular e
integrado à educação
profissional
409.489
Paraná,
rede
estadual
de
ensino
básico,
ano 2005
Total
2.064.664
Fonte: MEC/INEP
Tabela 4
Paraná, 2004 - Número de matrículas totais na ES, dependência estadual
Matrícula total
Paraná - rede estadual de ensino
superior, ano 2004
70.510
Fonte: MEC/INEP
32
Tabela 5
Paraná, 2005 - número de estabelecimentos de educação básica e instituições de
ensino superior na dependência estadual, por etapa/nível de ensino
Nivel/Etapa de ensino Unidades
Educação infantil – pré-
escolar
28 estabelecimentos
Ensino fundamental
1.839 estabelecimentos
Ensino médio
1.134 estabelecimentos
Paraná,
redes estaduais de ensino
básico e superior, ano 2005
Ensino superior
41 instituições
Fonte: IPARDES/BDE
Nota: Os estabelecimentos da rede estadual, em sua maioria, ofertam ensino
fundamental e médio
Tabela 6
Paraná, 2005 – redes estaduais de ensino básico e superior. Número de
funções docentes por etapa/nível de ensino
Nivel/Etapa de ensino Funções docentes
Educação básica
61.678*
Paraná,
redes estaduais de ensino
básico e superior, ano 2005
Educação superior
6.917**
Fontes: MEC/INEP-Censo escolar da educação básica, 2005 e MEC/INEP- Censo da
educação superior, 2005
* Número de funções exercidas em sala de aula.
** Número de funções incluindo docentes afastados temporariamente.
Nota: o mesmo docente pode atuar em mais de um nível/etapa de ensino, acumulando
mais de uma função docente.
Foram destinados à educação pública em média, no intervalo 2004-
2006, segundo os balanços anuais da SEFA (Secretaria de Estado da
Fazenda), cerca de 26% dos recursos orçamentários globais do estado,
oriundos das cestas de impostos e contribuições vinculadas, ou seja, um pouco
a mais do que os 25% obrigatórios, induzindo à interpretação de que, além dos
montantes vinculados, têm sido injetados no orçamento da educação alguns
montantes de recursos ordinários, revertidos de outros órgãos e/ou funções do
33
orçamento. Ainda de acordo com os dados oficiais, transitaram em média,
anualmente, no intervalo 2005-2006, pelos órgãos ligados à administração
financeira da educação pública, algo em torno de 2 bilhões de reais, em valores
de 2006, referentes à custeio (inclusive empenhos), investimentos de capital
(inclusive empenhos) e MDE (Manutenção e Desenvolvimento do Ensino).
10
A SEED-sede contava, no final de 2005 com 742 funcionários,
independentemente do vínculo
11
, incluindo-se aí os funcionários de carreira, em
sua maioria professores, os temporários, os terceirizados (pessoal da limpeza e
da vigilância) e os exclusivamente comissionados. Já, no final de 2006, ano
eleitoral, segundo estimativa do GRHS (Grupo de Recursos Humanos Setorial),
cerca de 1.000 funcionários trabalhavam na sede.
12
A esta estrutura somam-se os NREs (Núcleos Regionais de Educação),
instâncias descentralizadas da sede, em número de 32 no estado, e seus
vários braços locais, os setores distritais, cujos meros totais de funcionários
são variáveis e de difícil visibilidade pública.
À falta de regras precisas que fixem seus organogramas e delimitem
seus portes e considerando a flexibilidade típica da administração pública, na
qual fenômenos afeitos ao patrimonialismo, como o tráfico de influência e o
nepotismo, não podem ser descartados, os números precisos de profissionais
que atuam, tanto na sede como em suas instâncias descentralizadas e órgãos
coligados, eram, no final de 2006, desconhecidos dos gestores e servidores da
educação consultados.
13
Entre as principais responsabilidades da SEED, estão as de administrar
e fiscalizar o sistema de ensino como um todo, incluindo a legalização,
fiscalização e normatização do segmento privado e blico-municipal, nos
municípios que não m sistemas próprios constituídos legalmente; exercer a
função de colaboração entre as redes públicas, sobretudo nos municípios que
apresentam dificuldades para manter e/ou ampliar a oferta da etapa de ensino
10
Nesta aproximação estão inclusas as receitas, despesas, inversões e empenhos referentes à educação
enquanto grande categoria orçamentária. Para maiores detalhes ver, anexo 2, extrato do balanço
orçamentário 2005, organizado e publicado pela SEFA.
11
Dado resultante de pesquisa realizada pela CEPE (Coordenação de Estudos e Pesquisas Educacionais),
a propósito da realização da auto-avaliação institucional, uma das etapas do programa de avaliação
institucional da pasta.
12
Informação coletada pela pesquisadora mediante consulta direta à chefia do mencionado grupo setorial
13
Refere-se aqui à enquete realizada pela pesquisadora nos setores da SEED ligados à infra-estrutura
(DIE) e às divisões de pessoal (GRHS).
34
que lhes cabe por força de lei, a EI (Educação Infantil) e as primeiras séries do
EF (Ensino Fundamental); propor, gerir e custear, total ou parcialmente, as
políticas para a rede pública estadual; executar, acompanhar e, conforme o
caso, contribuir com o financiamento, de políticas e programas de educação
propostas no âmbito federal. A execução das ações globais mencionadas, as
quais se desdobram em um sem número de outras, mais específicas e,
portanto, setoriais, é levada a cabo pela SEED em conjunto com outros órgãos,
ligados à estrutura da educação pelo organograma oficial (Decreto 5.123/2001)
e que se mantiveram como órgãos vinculados no organograma oficioso, porém
público, adotado em meados de 2003
14
. Entre estes, destacam-se a, extinta em
fevereiro de 2007, FUNDEPAR (Instituto de Desenvolvimento Social do
Paraná), o CETEPAR (Centro de Excelência em Tecnologia Educacional do
Paraná) e o CEE.
A FUNDEPAR caracterizava-se como uma autarquia e foi responsável,
no período visado (2003-2006), entre outras atribuições, pela distribuição da
merenda escolar, tanto a adquirida pelo programa nacional, quanto pela
complementação de itens, adquiridos pelo estado; pela distribuição dos livros
didáticos, tanto os custeados pelo estado, destinado ao EM (Ensino Médio),
como os transferidos pelo PNLD, destinados ao EF, pela coleta e repasse ao
MEC/INEP dos dados censo escolar, base de informações realimentada
periodicamente a partir dos dados primários fornecidos pelas unidades
escolares; pela distribuição e prestação de contas do fundo rotativo, o qual
transfere determinados montantes, às escolas, cujos valores nominais são
calculados segundo o porte das mesmas; pela totalidade da execução das
ações que envolvem a infra-estrutura física das escolas, núcleos e sede,
incluindo aí, desde o projeto arquitetônico, as soluções de engenharia, a
licitação e o acompanhamento de obras novas e reformas, aa administração
e acompanhamento da execução de pequenos reparos, aquisição e
14
Esta versão do organograma, por sua vez, foi proposta, no início da administração peemedebista (Cf.
Cap. II), em oposição a outro organograma, também oficioso e também amplamente divulgado, em junho
de 2001, período que pode ser identificado ao auge do lernismo, no que tange à implementação de
estratégias de administração e gestão concernentes à eficácia gerencial do estado, minimizado em suas
responsabilidades públicas. Para maior detalhamento a respeito dos organogramas de 2001, oficial e
oficioso, dos fluxogramas a eles relacionados, bem como, sobre as alterações estruturais do período, ver
TAVARES, 2004 (Op. cit).
35
distribuição de mobiliários e alguns tipos de equipamentos, como antenas
parabólicas, redes lógicas, etc.
O CEE é um órgão colegiado, composto por 19 membros titulares com
mandatos de 6 anos, nomeados pelo governador do estado. É presidido por um
conselheiro titular, conduzido ao cargo mediante critério de livre escolha do
chefe do executivo. Dividido em câmaras e comissões, além de uma série de
atribuições na esfera administrativa e auto-regulatória, cabe ao conselho,
segundo a LSE, entre outras atribuições: baixar normas e emitir pareceres e
deliberações sobre quaisquer matérias de sua competência legal, desde que
esta competência seja explícita nas leis federais e estaduais; deliberar e emitir
pareceres sobre os regulamentos de ensino dos estabelecimentos
pertencentes ao sistema; instituir normas e regras para o funcionamento e o
reconhecimento de estabelecimentos de ensino pertencentes ao sistema;
cassar e/ou autorizar o funcionamento e reconhecer oficialmente
estabelecimentos de ensino pertencentes ao sistema; pronunciar-se sobre
eventuais consultas do governador do estado e do secretário da educação;
promover e divulgar estudos sobre o sistema estadual de ensino.
O CETEPAR, outrora centro de treinamento de professores, retomou
parte das funções que tinha na época de sua fundação, em 1969,
concentrando as ações ligadas à formação docente, à tecnologia educacional e
à dinamização de projetos e programas ligados transversalmente ao currículo
da educação básica. No CETEPAR estavam sediados, até 2006, projetos como
o Portal Dia-a-dia Educação, a Televisão Paulo Freire e atividades e programas
complementares ao currículo, tais como, uma coordenação de projetos de
xadrez escolar e um departamento de línguas estrangeiras modernas.
Ao longo deste estudo, será retomada, sob vários ângulos, a análise das
implicações entre estrutura e conjuntura para a configuração e resultados das
políticas educacionais, propostas e executadas no âmbito da administração
pública. Por ora, destaca-se que os critérios, nem sempre racionais, de divisão
das responsabilidades entre a SEED e órgãos coligados, aliados à sua forte
marca de divisionismo setorial, e à, ainda não bem estabelecida pela literatura,
mas, com efeito, empiricamente percebida, marca personalista da
administração peemedebista, contribuíram para que a dimensão do
planejamento público da educação na gestão 2003-2006 adquirisse contornos
36
que, se por um lado, são relativamente bem-sucedidos na perspectiva do que
era historicamente possível, considerando os limites conjunturais, por outro,
não atingiram níveis satisfatórios de qualidade técnica e democrática.
Após dois governos sucessivos do PMDB (Partido do Movimento
Democrático Brasileiro), 1988-1994, os eleitores paranaenses outorgaram o
poder central do executivo estadual para o governador Jaime Lerner, em fins
de 1994, reconduzindo-o ao poder, quatro anos depois, em 1998. O período
1995-2002, no que tange particularmente à gestão e ao financiamento da
educação pública paranaense, se encontra satisfatoriamente descrito pela
academia (TAVARES, 2004; HIDALGO & FIORELLI SILVA, 2005; FERREIRA,
2006; SALLES GONÇALVES et al, 2003; VIRIATO et al 2001, LENARDÃO,
2001; DEITOS, 2001). Desse modo, são relativamente bem conhecidos e
estabelecidos os reflexos, as refrações e, principalmente, os resultados
societais mensuráveis do conservadorismo neoliberal, tipificado na categoria
geral do lernismo, conforme denominação de TAVARES (2004).
A administração peemedebista que reassume a chefia do executivo
estadual em 2003, após o domínio lernista, se autodeclara de oposição à linha
anterior, situando-se, conforme denominação usual na linguagem político-
partidária, no espectro político da “esquerda”. Note-se que os supostos
“esquerdismo”, ou “populismo” do governo Requião (2003-2006), ainda
carecem de pesquisas e explicações teóricas, assim como, no horizonte da
ciência política, não se têm estudos de fôlego em relação à configuração do
PMDB no Paraná, considerando que neste estado, o partido, herdeiro do velho
MDB (Movimento Democrático Brasileiro), têm características próprias,
posicionando-se, inclusive, em alguns momentos, contrariamente aos
direcionamentos de sua direção executiva nacional.
Nesse ponto do argumento, pode-se afirmar, apenas, que a análise da
administração peemedebista do estado do Paraná (2003-2006) apresenta
dificuldades bem marcadas, dado, sobretudo, ao amplo espectro de “vozes”, de
“alianças” e de perfis de quadros técnicos e administrativos que a gestão
Requião congregou. Dessa forma, sem uma caracterização mais científica dos
impactos das políticas sociais adotadas pela gestão 2003-2006 como um todo,
empiricamente observa-se, no que tange à política educacional, que o governo
Requião apresenta contradições importantes. Em dados momentos, tomou
37
atitudes que contribuíram para o revigoramento do caráter público do estado,
princípio defendido historicamente pelas esquerdas nacionais. Em outros,
pareceu aproximar-se do populismo tradicional, ao encaminhar-se para
posições conservadoras, autoritárias, com forte componente histriônico
15
. Com
efeito, o personalismo é uma característica do governo Requião, percebida
tanto pelos cidadãos paranaenses em geral, como pelos gestores públicos
(subordinados à chefia maior do executivo estadual) e pelos líderes sindicais
que acompanharam de perto a gestão 2003-2006.
Segundo a superintendente da educação, o planejamento global das
políticas do estado do Paraná passa ao largo do segundo e terceiro escalão de
governo, existindo um núcleo extremamente restrito de quadros de confiança
que, aparentemente, define todas as políticas sociais fundamentais. Ajuíza,
ainda, a superintendente que, ao longo do mandato 2003-2006, a unidade
relativa dos inúmeros programas e projetos de estado e de governo, foi
garantida pelo próprio governador, dada sua capacidade centralizadora
(ARCO-VERDE, 2006).
Segundo representante da APP-Sindicato o inegáveis os avanços
conquistados pela categoria dos trabalhadores em educação ao longo do
governo Requião, contudo, afirma que, tanto da parte do governador, como da
parte do secretário de educação, existe a dificuldade em lidar com a
contradição. Ambos tendem a ver, conforme a líder sindical, como pessoais, as
críticas e reivindicações dos trabalhadores e sindicatos, o que dificulta a
celebração de acordos possíveis entre os campos em disputa (estado e classe
trabalhadora) e, por extensão, pode vir a minar o resultado final das políticas
educacionais, em princípio, democráticas (FERNANDES DE CARVALHO,
2006).
A capacidade de chamar para si as responsabilidades quanto às
decisões sobre os rumos da política paranaense, mediante discursos bem
concatenados, altamente críticos à atuação dos grandes capitais e atitudes
peculiares, do ponto de vista da tendência, ainda hegemônica no país, da
15
Emblemáticas, a esse respeito são as atitudes do governo e da secretaria de educação em relação aos
sindicatos e aos movimentos sociais. Uma fala famosa do governador, proferida na posse dos diretores de
escolas eleitos em 2006, realizada no Teatro Guaíra, traduz bem a posição do governador em relação aos
sindicatos. Segundo ele, um governo como o seu, alinhado aos interesses da coletividade e, portanto,
contrário aos desmandos do mercado, não precisa de sindicatos.
38
administração gerencial do estado nos moldes neoliberais, faz do governador
uma figura ímpar no cenário político estadual e nacional.
Os impactos da ligação familiar entre Roberto Requião e Maurício
Requião, secretário da educação, são difíceis de serem estabelecidos,
considerando-se que, enquanto titular de cargo de confiança delegado pelo
governador, o secretário, forçosamente devia mover-se em consonância com
orientações gerais do governo e com os interesses partidários. Enquanto irmão
do governador, o secretário, de certa maneira, encontrava-se em situação
privilegiada. Segundo dão a entender as entrevistas realizadas e as opiniões
coletadas ao longo da elaboração deste estudo, o personalismo e o
voluntarismo do governador, percebidos, também, em seu núcleo familiar, têm
seu lado positivo, pois foram importantes componentes para que, em
determinados momentos, houvesse a sustentação política da congregação
entre interesses dos trabalhadores e do governo.
16
Ao mesmo tempo, as
entrevistas sugerem que a marca personalista que a gestão do estado e a
gestão da educação adquiriu no período, desdobrou-se em efeitos paradoxais
do ponto de vista da necessária união entre a concepção democrática do
estado e as práticas democráticas de governo.
A respeito dessa necessária união e da capacidade estatal em promovê-
la
17
, observa-se que a dimensão do planejamento público das grandes políticas
sociais (educação, saúde, segurança e seguridade) é privilegiada no que diz
respeito à percepção, à descrição e ao aprofundamento das questões
localizadas na interface entre o estado e as relações econômicas dominantes,
pois os estudos e proposições nesse âmbito requerem a percepção e
explicitação de vários interferentes, os quais, se tomados em sua dialeticidade,
levam à crítica mais profunda dos limites e possibilidades da capacidade do
estado de realizar sua missão histórica tradicional, qual seja, a de redistribuir,
através da política social, a toda sociedade, os recursos que aloca. Estes
recursos, é sempre bom frisar, são socialmente produzidos, porém, sob o
16
A viragem da configuração do quadro funcional da administração pública paranaense, hoje
maciçamente composta de funcionários estatutários, é, talvez, o melhor exemplo da mencionada
congregação de interesses governamentais e sindicais.
17
Por ora, considera-se a sinergia entre concepção e prática como defensável em princípio. Não se ignora,
todavia, a complexidade da questão, uma vez que a possibilidade de que práticas de governo com
aparência democrática, de fato, não o sejam. Parte-se da admissão que o princípio democrático deixa
39
capitalismo, são apropriados de forma seletiva e privada (PRZEWORSKI,
1995). Dessa forma, um plano educacional, para além do voluntarismo dos
sujeitos que o propõe, por exemplo, necessita: (1) do conhecimento profundo
da realidade educacional do estado incluindo, aí, sua estrutura e conjuntura –
e do movimento histórico de seus grandes indicadores; (2) do elenco de
prioridades, criterizadas a partir dos requerimentos e urgências sociais,
identificadas a partir, principalmente, do cenário estudado e dos vislumbres dos
resultados qualitativos maiores que se quer paulatinamente alcançar; (3)
conhecimento da estrutura e do modus operandi do financiamento da educação
e estimação das possibilidades de suporte, pelo fundo público, das metas,
traduzidas em itens mensuráveis, a partir das urgências de curto prazo e das
melhoras qualitativas, de médio e longo prazo, que se quer alcançar; (4)
tentativa de antevisão, pelo estudo de possibilidades, com base na análise
científica de casos similares e, quando é possível, na experiência acumulada
dos técnicos e sujeitos envolvidos com a ação de planejamento, de fatores não
previstos, mas prováveis, que podem influir na execução das metas
planificadas, alterando, inclusive, seu alcance e objetivos (IANNI, 2004). A
consideração simultânea dos quatro pontos principais acima elencados implica
que se avalie o objeto da intervenção, no caso, a educação, à luz das
possibilidades e dos limites conjunturais e estruturais aí imbricados. Nesse
sentido, o caráter técnico-científico do planejamento, representado pela análise
precisa do real e pelas metas prioritárias daí resultantes, se atualiza, isto é,
se faz realidade, mediante a congregação de forças políticas que atuem na
direção indicada pela antevisão dos planejadores, tornando disponíveis e
adequados, os meios e os recursos, sem os quais nenhum indicador
qualitativo/quantitativo pode ser alterado.
O movimento e as razões do estado e sua relação de força, ora de
aproximação, ora de afastamento, com o que se chama, usualmente, de
sociedade civil organizada; as contradições e as virtudes do sistema de
representação democrático e o próprio sistema capitalista em suas faces
atuais, são elementos fundamentais para que se estabeleçam os sentidos e a
configuração particular do objeto PEE PR, pois em seu processo de construção
de ser abstrato quando se constroem as condições concretas para que os sujeitos exerçam
qualificadamente seu direito democrático.
40
política tais elementos se articulam, o que o significa que as mediações
explicativas dessa imbricação sejam facilmente estabelecidas. Nessa senda,
procura-se identificar como se deu, no caso específico do PEE PR, o jogo de
forças entre governo/estado e a sociedade civil/trabalhadores da educação.
Note-se que uma das pretensões deste estudo é analisar, através das
interfaces contraditórias entre as determinações técnicas e as determinações
econômicas envolvidas nas atividades de planejamento estatal relativamente
abertas à intervenção social, as limitações do estado contemporâneo em face
de seu duplo e contraditório condicionamento. De um lado, o estado precisa
gerar produtos políticos capazes de dar respostas satisfatórias aos
requerimentos do conjunto da sociedade, o que funciona como elemento de
desaquecimento da competição societária, que, em tese, a ação social do
estado minora o conflito redistributivo. De outro, está visceralmente envolvido
na gica da acumulação, a qual, via de regra, incentiva a competição
societária e evita que a ação social/estatal tome rumos capazes de romper,
mesmo que marginalmente, com a manutenção da exploração do trabalho e/ou
com a livre circulação dos fluxos de capitais ( WOOD, 2005)
Na esteira da contradição mencionada, procura-se avaliar, ao longo do
estudo, até que ponto os condicionamentos que limitam a ação social do
estado contemporâneo (tomado em sua generalidade abstrata) podem fornecer
luz analítica a um momento conjuntural identificável do estado, e, com ele, à
lógica de sua administração, observada, a partir de um recorte contextualizado
desse momento, o qual, à falta de um produto concreto e acabado, denominou-
se de processo de construção política do plano estadual de educação. Noutras
palavras, pretende-se analisar, através da janela privilegiada da discussão do
planejamento educacional em processo, em quais pontos, as características
peculiares da gestão peemedebista da educação no período visado,
considerando o peso da atuação das forças civis e populares, contribuíram e
em que medida o fizeram, para a transformação qualitativa das condições da
educação paranaense.
CAPÍTULO I
O PEE PR como instrumento de planejamento educacional e como projeto
de lei no espectro do estado contemporâneo: mediações teóricas
Não é o planejamento que planeja o capitalismo,
mas é o capitalismo que planeja o planejamento.
Maria Julieta Costa Calazans
A ascensão social, o acesso a maiores oportunidades, o desejo de melhor informar-se
e compreender o mundo atual, colocou em primeiro plano a exigência de mais escolas.
E, sobretudo, de que a escola fosse um instrumento eficiente de promoção social.
(...) o atendimento escolar tornou-se tarefa difícil e complexa que vem desafiando
administradores. Da necessidade premente de utilizar-se das técnicas modernas de
planejamento e coordenação administrativa.
Mas não um planejamento de gabinete, isolado da vivência cotidiana dos executores
de um plano. (...).
[O Plano Básico de Educação] deverá resultar de um consenso e de uma assunção de
responsabilidades; pois as medidas que se fazem necessárias para a condução de um
processo de modernização e de melhoramento do ensino não constituem tarefas fáceis
(...). Implicam, inclusive, em mudanças de atitudes, de valores, que se consolidaram
com o tempo. (PARANÁ/SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E CULTURA,
1969, p. 3).
O documento ora colocado a público não se cinge meramente ao cumprimento da
exigência contida no artigo 72 da Lei 5692, pois que enfeixa mais do que o
planejamento de implantação do novo regime de ensino para então caracterizar-se
efetivamente como Plano Estadual de Educação e, sob forma ampla e pormenorizada,
projetar o objetiva quanto seguramente as diretrizes de aperfeiçoamento das
atividades escolares no Paraná para o período 1973/1976.
O primeiro que se logra concluir em nosso Estado, representa este diploma o fruto de
um labor conjunto, como resultado de pesquisa e exaustivos estudos do Grupo de
Planejamento Setorial que se fez criar e a quem não faltou a prestante colaboração de
representantes do Ministério da Educação e Cultura, somada à orientação oportuna e
espontânea de alguns dos mais destacados membros do Conselho Estadual de
Educação e à participação integral da Fundação Educacional do Estado do Paraná
FUNDEPAR (PARANÁ/SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E CULTURA,
1973, não paginado).
Solicitados pelo MEC a elaborar um Plano Estadual de Educação que servirá de base
ao Plano Nacional de Educação, convocamos através da UNDIME, Secretários de
Educação dos municípios, Chefes de Núcleos Regionais de Educação, professores e
técnicos dos referidos núcleos e representantes da sociedade civil organizada.
Este conjunto, devidamente mobilizado (...) contribuiu decisivamente na elaboração do
nosso Plano Estadual de Educação.
Assim o PEE do Paraná se constituiu em verdadeira carta de compromisso com toda a
sociedade no sentido de universalizar a educação e oferecê-la com a qualidade
necessária. Desta forma nosso Plano está verdadeiramente legitimado
(PARANÁ/SEED, 1997, p.5).
As citações acima foram extraídas de três registros oficiais referentes a
planos educacionais, gerados a partir de instâncias executivas para o sistema
estadual de ensino do Paraná. São estudos distintos quanto aos escopos e
42
concepções. Diferenciam-se, também, a partir das conjunturas que os
determinaram, embora sejam temporalmente próximas, e pelos impactos que
geraram no interior dos sistemas educacional e social.
Apesar das distinções, os documentos, enquanto instrumentos técnicos
e políticos de planejamento público, têm em comum uma determinada limitação
axial, cuja explicitação consiste em um dos principais problemas analisados ao
longo deste estudo.
Via de regra, tal limitação pode ser identificada na imensa maioria dos
processos de intervenção racional na realidade propostos pelo estado sob o
regime capitalista de produção.
Pode-se buscar a origem das fragilidades, ou da ineficácia –conforme o
léxico emblematizado pelo neoliberalismo –, dos planos de estado em diversos
fatores que os contigenciam, tanto nos momentos de sua elaboração, como
nas etapas de sua execução. Nesse sentido, é possível afirmar, por exemplo,
que o Plano Básico de Educação, gerado em 1969, não pôde se concretizar
devido à publicação da lei da reforma do ensino 5.692/71 e dos acordos entre o
MEC (Ministério da Educação, Cultura e Desporto, conforme denominação da
época) e a agência bilateral estadunidense USAID (United States Agengy for
Internacional Development), os quais geraram convênios com vários estados,
entre eles, o Paraná. A, então, nova lei 5.692/71 e o acordo celebrado entre o
MEC, a USAID e o Paraná, em 1972, seriam, desse modo, elementos que
justificariam a elaboração de um PEE, em 1973, antes mesmo que o plano
concebido há menos três anos, 1969, entrasse em vigência.
Defende-se aqui que, para além dos fatores contingenciais, os
processos e procedimentos resultantes de projetos intencionais e racionais de
intervenção estatal em qualquer setor da vida societária ou produtiva
encontram, na estrutura mesma do sistema capitalista, elemento
potencialmente impeditivo e desarticulador. Embora haja inúmeros outros
fatores para a não concretização parcial ou total do conjunto de intenções e
respectivas metas de determinado plano estatal, são aqueles, de natureza
propriamente estrutural, os que se constituem em elementos que limitam
axialmente a potencialidade realizadora do processo de intervenção racional,
independente, inclusive, do caráter e da intencionalidade do projeto interventor.
43
Uma das idéias centrais, mais ou menos estandardizada, entre os
especialistas em planejamento e gestão empresarial, a partir das matrizes
gerais das teorias gerenciais veiculadas amplamente ao longo da década de
1990, busca sustentar a seguinte proposição: o quantum de racionalidade
possível de ser aplicada na proposição e gerenciamento de um dado projeto de
intervenção na realidade é proporcional à possibilidade de que as respostas
inicialmente previstas sejam confirmadas (PAULA, 2005). Noutros termos,
quanto mais científicas são as diagnoses e criterizadas as proposições que
organizam e determinam as finalidades, as estratégias e as técnicas de
execução de um projeto, maior é a possibilidade que seus objetivos venham a
ser alcançados com níveis ótimos de eficácia. Contraditoriamente a esse
modelo explicativo e, ao mesmo tempo, justificador da ação planejadora
estatal, toma-se como pressuposto que há, necessariamente, certa distância
entre a racionalidade possível a partir dos processos científicos de diagnose e
proposição, expressos em forma de planos e programas, e a racionalidade
efetiva do real a qual, especialmente sob o capitalismo, através de vários
intercursos, escapa estruturalmente à previsibilidade (IANNI, 2004).
O planejamento estatal de políticas sociais em geral e das políticas
educacionais em especial padece, sob o capitalismo, de uma espécie de
“falsidade intrínseca” para a qual concorrem inúmeros fatores contigenciais. A
análise mais profunda do tema remete-se aos limites da ação planejadora em
relação às funções e papéis que o estado contemporâneo vem assumindo no
capitalismo financeirizado. Mesmo que relativamente democratizado, o estado
participa e é determinado pela lógica geral da reprodução do sistema a qual, é
bom notar, guarda grande dependência do investimento público. Daí a tentativa
de conduzir a análise do planejamento público das políticas sociais
educacionais em estreito nexo à análise da base do sistema capitalista em
suas feições atuais, considerando as refrações de sua natureza anti-social e
imperativamente geradora da desigualdade entre as classes, nas matrizes das
ações e organizações estatais. Entre essas organizações incluem-se, embora
de modo peculiar, as escolas públicas e demais estruturas de educação formal
institucionalizadas.
A desfuncionalização da educação das maiorias, entendida como
aproximação da escola do ideal de instituição de democratização efetiva do
44
saber historicamente produzido é, há muito, perseguida pelas várias tendências
pedagógicas socialistas. Porém, como parte da economia política e da
economia cultural capitalistas, bases da alienação espiritual, a escola formal,
em geral, e a escola pública, em particular, sob a democracia burguesa no
estado contemporâneo, entendido como conjunto complexo de instituições e
estatuições que, o apenas, expressam politicamente a racionalidade do
ordenamento econômico, mas que têm certo grau de autonomização frente a
tal ordem, encontra-se numa posição diferenciada entre as demais estruturas
de coerção e reprodução da hegemonia (FIORI, 1991; CARNOY & LEVIN,
1987; CARNOY, 1986). Ocorre que o aparelho de educação formal, ao mesmo
tempo em que atua na produção de trabalhadores e/ou indivíduos ajustados à
busca pelo perfil de empregabilidade, de acordo com configuração que o
mercado de trabalho vem assumindo, atua, também, na produção de indivíduos
e grupos que sejam capazes de conhecer e ampliar seus direitos democráticos
e de participação nos vários segmentos que compõem a vida societal e, mais
especificamente, nos espaços políticos tradicionais e transitórios (THERBORN,
1999; OLIVEIRA 2004a, 2004b).
Decorre do pressuposto acima, que a educação formal institucionalizada
e seus subprodutos, por manterem-se integrados à dupla função política e
ideológica de reprodução do sistema e emancipação dos indivíduos que
acedem aos sistemas de formação, encontram-se em terreno pleno de
contradições e oposições. Entre as funções da escola que, aliás, (mesmo antes
da cristalização e legalização dos valores democrático-liberais nos estados de
direito ocidentais) remontam-se à criação das primeiras escolas blicas de
massa, estão: (1) ofertar a educação à população, com os conhecimentos que
esta supõe, de modo a instrumentalizá-la para granjear vantagens
comparativas grupais e individuais; (2) formar e con-formar estudantes-
cidadãos, aptos a exercer sua liberdade individual no contexto da vida
societária.
Entendidos como produto histórico ofertado pelas estruturas
educacionais do estado (segmento público) e do mercado (segmento
particular), os conteúdos (sejam científicos, morais, políticos, etc.) veiculados
pelas escolas, de forma diferenciada para públicos diferenciados, objetivam
resultados contraditórios, ao se considerar a educação como parte do jogo de
45
forças de produção e reprodução da hegemonia de classe sob regimes
democráticos. A contradição entre a missão formalmente atribuída à escola de
massas e a possibilidade real de transformação das condições das massas a
partir da escola, levada às suas gêneses do ponto de vista da teoria marxista
do estado moderno e contemporâneo supondo que elementos suficientes
no marxismo para que se configure senão uma teoria geral do estado
(BOBBIO, 1999), ao menos uma concepção capaz de orientar a leitura das
suas expressões concretas (BORON, 1999; 2003) remonta-se à
impossibilidade objetiva de conformar numa mesma estrutura constitucional,
num mesmo “estado social”, o direito seleto à propriedade e o “valor universal”
da democracia.
A escola institucionalizada e, mais abrangentemente, todas as estruturas
formais de educação, atuam dentro do aparelho de estado como forças
organizadas de reprodução mediata das relações capitalistas (POULANTZAS,
1985; CARNOY, 1986; PRZEWORSKI, 1995; OFFE 1984). Ocorre que a
função reprodutora da educação formal é tão mais visível quanto mais
autoritárias são as gestões (do estado, das unidades subnacionais, das
unidades escolares) que as orienta e as administra (CARNOY & LEVIN, 1987;
PRZEWORSKI, 1989). A opacidade aparente do pluralismo democrático, ao
mesmo tempo em que embala a retórica discursiva vigente, de forma mais ou
menos homogênea, nas estruturas administrativas e organizações estatais de
educação as quais é bom lembrar, a rigor, não estão ligadas diretamente
nem aos setores repressores, nem aos setores envolvidos com a produção
material – contribui para o ajustamento das estruturas de escolarização e
formação institucionalizadas ao modelo de desenvolvimento hegemônico. Este,
por sua vez, é fundamental para a funcionalidade da escola enquanto
reprodutora e justificadora do ethos (funcionalidade político-ideológica) e
mantenedora do status quo (funcionalidade econômica).
Dessa forma, ao reproduzir as linhas gerais do sistema no interesse das
classes dominantes, a educação, que como o estado, não é uma hipostasia em
relação à dinâmica societal, está imiscuída nos antagonismos inerentes ao
próprio processo de reprodução e, nessa condição, pode vir a constituir-se em
elemento mediato de reação e resistência.
46
Historicamente, as tensões pela manutenção e pela ruptura da
funcionalidade sistêmica da instituição escolar podem ter suas origens
genéticas comparadas ao dilema fundante, presente no estatuto jurídico-
político da modernidade, desde a ascensão do modelo de acumulação
concorrencial forjado pela burguesia européia, então revolucionária, e, com ele,
ao contraditório processo de sedimentação da ideologia liberal. Como
mencionado, a questão de fundo é antiga e remonta-se à impossibilidade
objetiva de conformar numa mesma sociedade de “iguais-cidadãos”, os
diferentes níveis de “liberdade”, medidas pelo “direito desigual” dos estratos de
indivíduos à propriedade e ao usufruto dos bens produzidos pelo conjunto
dessa mesma “sociedade de iguais”. Mais propriamente posta como problema
teórico da filosofia da história e do direito, o desdobramento desta contradição,
à luz das teorias de estado, remete-se à discussão das relações de distinção e
de complementaridade da moral e da política, tema recorrente da filosofia
moderna do Ocidente, no horizonte da substituição do constitucionalismo
medieval para o representativismo burguês, desde que Kant formula a teoria da
vontade geral e da liberdade individual (natural e racional) como antinomias no
quadro do “dever-ser” moral e político (SEVERINO, 1992; COUTINHO, 2003).
O paradoxo funcional da escola de massas, mantida pelo investimento
público e jurisdicionada às organizações estatais democratizadas do estado
capitalista contemporâneo, reveste-se de contornos mais claros quando se
toma o valor histórico da educação como móbil social, isto é como uma “janela”
aberta à possibilidade de superação da mencionada desigualdade objetiva
entre os “idealmente iguais” sujeitos dos direitos de cidadania. Independente do
tipo de escola e do tipo de indivíduos que esta atenda, se tomado,
radicalmente, o mote da escola como móbil social, ou, mais especificamente,
como veículo para possível aquisição das vantagens intelectuais e demais
predicativos culturais e instrumentais que esta oferta, supõe-na como veículo
teórico-prático para criação, de fato, de novos direitos e para a superação das
condições objetivas de classe dadas. Apesar de impreciso e nebuloso e tão
mais genérico e abstrato quanto mais são veladas as contradições societais
presentes no desenrolar dos processos educativos, o sentido da educação
como móbil social torna-se praticamente consensual a partir do estatuto cultural
e político da modernidade.
47
A história da democracia burguesa liberal, considerados seus avanços,
não coincide com a efetivação de instituições democráticas. No que toca às
instituições estatais de educação de massas nos países periféricos atuais, não
é difícil observar os muitos gaps entre a retórica da democratização da
educação das massas e o economicismo excludente que norteia os grandes
programas de educação popular. No “céu estatal” da liberalidade democrática,
conforme expressão de Boron, sujeitos e sujeitados por vezes se confundem
no claro-escuro das instituições e políticas estatais voltadas, em tese, ao
princípio da ampliação da justiça e universalização dos “bens comuns”
(BORON, 2003). A desigualdade real e concorrente é reproduzida, ao passo
que todo um sistema jurídico-político e educacional, surge como vislumbre de
uma possível libertação da opressão econômica. Assim, tanto o sistema
democrático representativo, quanto as políticas sociais do estado
contemporâneo, concorrem para a subjetivação de expectativas de classe e
para a mistificação do papel e da autonomia do estado no processo de
extirpação das contradições sociais.
Nesse sentido, a educação pública é vista como instrumento passível de
superar (do ponto de vista da expectativa individual e/ou familiar) ou minorar
(do ponto de vista da expectativa de coletivos sociais) o conflito redistributivo.
Embora pareça claro que a “boa educação” e os altos custos e aportes
qualitativos que esta necessita, siga sendo um privilégio de classe, a visão
fetichizada do estado e da democracia contribui para que o sentido da
educação como móbil social mantenha sua força afirmativa na educação
pública, apesar de constituir-se em ambigüidade clara. Mesmo nas teorias e
pedagogias consideradas progressistas, tal sentido se liga de forma intrincada
aos imperativos fundamentais constitutivos do amálgama de tradições,
interesses, organizações legais, sublegais e operativas que compõem o estado
contemporâneo. Este, por sua vez, é obrigado, pela atuação dos movimentos
de resistência às formas de reprodução, a abarcar conteúdos sociais sem, no
entanto, deixar de realizar suas funções “propriamente” capitalistas.
O detalhamento deste pressuposto necessita de uma definição acerca
do grau de autonomia, possível, ou estrategicamente aceitável, pelas
estruturas de mercado, do estado ante o capital e da participação da burocracia
estatal e do grupo politicamente dirigente nessa autonomização. No que toca
48
especificamente à educação pública o escassos os estudos científicos que
tratem especificamente da educação no espectro das teorias do estado,
18
apesar de esta ser assumida como importante função estatal desde o limiar da
modernidade ocidental. Porém é a partir do pós II guerra que a educação, já na
condição de política estatal, integra-se aos planos de reestruturação
macroeconômicos com vistas ao desenvolvimento global da produtividade e da
competitividade das sociedades contemporâneas.
Estudos socioeconômicos recentes demonstram que os estados
contemporâneos controlam boa parte dos PIBs (Produto Interno Bruto)
nacionais (STIGLITZ, 2005) e, por outro lado, tem ficado cada vez melhor
estabelecida a dependência da atual forma de acumulação em relação as
instituições e práticas liberal-democráticas. Aliando-se estes dois fatores ao
fenômeno da desimportância da política entre os cidadãos em geral, observado
por OLIVEIRA (2004a; 2004b), ao passo que o mercado vai, crescentemente,
encarregando-se de “dar as cartas” no sistema de representação e diluindo o
sistema de organização sindical (ANTUNES, 2000), abre-se um quadro
desafiador para análise das políticas sociais. O estado passa a ser, em sentido
impreciso, parte do mercado e, também em sentido impreciso, cada vez mais
permeado aos embates e requerimentos da sociedade civil, a qual, por sua
vez, teoricamente, tem na luta política sua forma preferencial de manifestação
e afirmação de classe.
É justamente no espectro das relações entre estado, sistema e
sociedade, que se podem identificar as possibilidades e os limites e paradoxos
do planejamento público. Na atual tipificação das atividades e da estrutura do
estado, mais “sujeito da economia” do que o discurso genérico da democracia
liberal tende a ideologicamente admitir, o espontaneísmo perde espaço e a
planificação passa a ser cada vez mais setorizada, buscando a maior
identidade possível entre fins e meios. Ocorre que, ante a aceleração das
mudanças da base produtiva, da base de circulação e, conseqüentemente, nas
empresas individuais, e relações sociais ou grupais, há sempre um gap entre a
18
Os motivos para a citada lacuna são paradoxais, pois podem ser identificados tanto a partir da tendência
negativa de compreensão do estado, conforme tendência marxista-leninista, como a partir da visão
altamente idealizada ou positiva deste, conforme, as heranças hegeliana e rosseauniana, respectivamente.
49
racionalidade possível no horizonte do planejamento e a racionalidade efetiva
do real.
A inadequação entre fins e meios é exaustivamente trabalhada por Ianni
(IANNI, 2004) na análise dos fatores que, estruturalmente, condicionam e
conformam o estado sob o capitalismo. Nesse particular, ao estenderem-se as
reflexões do autor à análise das políticas educacionais do período visado neste
estudo e, de forma mais particular, ao processo de elaboração dos planos
decenais de educação o PEE PR entre eles –, é possível identificar alguns
elementos que contribuem para que tais iniciativas, desde a concepção, sejam
marcadas por inconsistências e justificativas, em realidade mais retóricas do
que objetivas, o que não significa que não guardem um substrato progressista
ou, noutra ponta, que sejam gestadas a partir de uma intencionalidade
conscientemente conservadora ou racionalidade reativa.
Segundo Ianni, encadeamentos de fatores históricos que contribuem
para que a planificação estatal – tomado esse estado nas relações que o
conformam como parte de uma totalidade dada no Brasil encontre
dificuldades de proposição e execução mais ou menos semelhantes, ao longo
do período histórico localizado entre a industrialização (pós 1930) e o início da
crise da substituição de importações, grandemente apoiada em capitais
multinacionais (1970). Entre as cadeias causais e fatores políticos estruturais e
conjunturais, analisados pelo autor a propósito dos planos de metas de
períodos e governos diferentes (Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck, João
Goulart, militares), notou-se destaque para a influência de três fenômenos, os
quais, a partir de uma perspectiva mais ampla, podem ser identificados como
elementos da mesma questão estrutural. A saber: (1) a dificuldade de
estabelecimento de centros, divisões e setores de planejamento mais perenes
no interior da estrutura estatal; tanto no que concerne ao aparelho gestor
central, como nas instâncias executivas subnacionais; (2) o empreguismo, o
clientelismo político e o patrimonialismo, de certa forma facilitados pelo tipo de
federalismo e pela natureza do desenvolvimento econômico brasileiro. Tais
características são sobremaneira enraizadas na cultura política nacional e,
além de definir rumos e perfis para a burocracia estatal e dificultar a formação
de quadros técnicos perenes, mediatamente também contribuem para facilitar a
legitimação das posições dos capitais particulares e para que as elites
50
conservadoras polarizem as “negociações” acerca da redistribuição dos
recursos sociais alocados pelo aparato fiscal, a despeito das leis e regras do
estado de direito. O divórcio entre as instâncias de planejamento e as de
coordenação, também, em certo sentido, se relaciona com o forte componente
patrimonial do estado brasileiro, posto que este se inscreve mais propriamente
nas vicissitudes do âmbito governamental, ou seja, nas gestões do estado, do
que nos preceitos que normatizam a dimensão público-institucional. Nesse
particular, o personalismo da política nacional é digno de nota e é expresso
pela tendência ao destaque à figura do dirigente, ou seja, pelo apelo populista,
o qual, no Brasil, no que respeita especificamente à constituição das
burocracias e quadros técnicos estatais, colabora para a configuração de uma
espécie de “desvio” político-administrativo vicioso, na medida em que corrobora
e partidariza o descompasso entre as funções de planejamento, coordenação e
gestão, contribuindo, ao mesmo tempo para que se gestem tensões pela
manutenção do caráter patrimonial e clientelista no bojo das administrações
públicas; (3) a reificação do estado na mentalidade das classes, sobretudo a
proletária, como instituição capaz de mediar os conflitos genéticos, próprios à
organização do capitalismo. Esse fator pode influir diretamente na execução de
planos e programas, posto que é componente fundamental das expectativas de
classe dos sujeitos que atuam na máquina estatal e, nessa condição, integram
as “razões” de estado.
O planejamento, enquanto instrumento técnico e político, contribui para
que o estado, no exercício do poder público, realize, mesmo que
contigenciadamente, uma de suas finalidades históricas, qual seja, dirimir os
descompassos entre setores e esferas da sociedade, que lhe cabe a tarefa
de alocar e redistribuir recursos socialmente produzidos, porém, apropriados e
controlados de forma privada. Decorre daí que a criterização das metas sociais
prioritárias, antes de qualquer critério de justiça, passa fundamentalmente pelo
próprio momento do desenvolvimento estrutural do sistema, ou seja, seu fulcro
é econômico. os instrumentos para, minimamente, garantir que os diversos
setores (sociais, produtivo, financeiro) atuem em consonância com as diretivas
gerais do sistema se traduzem em programas e políticas públicas regionais,
setoriais e globais, concebidas segundo as características e limites estruturais
próprios da natureza e peculiaridades do estado em dado contexto. Para
51
interpretar quaisquer formas concretizadas ou parcialmente concretizadas de
intervenção planificada (plano, programa ou mesmo, um conjunto de políticas
setoriais estatais não necessariamente orgânicas, no sentido sociológico do
termo), sob o ponto de vista da totalidade das relações que as contextualizam
(incluindo os aspectos ligados à estrutura do estado e à natureza de suas
funções) e dos efeitos que geram, cumpre explicitar a manifestações concretas
e encadeamentos recíprocos dos “componentes dinâmicos” que as compõem.
Nas palavras de Otávio Ianni:
(…) Está em jogo a adequação entre as metas e os instrumentos, na atividade do
poder público. Em seus programas globais, regionais ou setoriais, o governo enfrenta
sempre a mesma ordem de problemas com referência à lógica interna do programa e a
adequação entre meios e fins. A intervenção racional na realidade, em suas esferas
econômica, social e política, desenvolve-se em “momentos” perfeitamente
determinados. A interpretação do modo pelo qual se encadeiam esses momentos, na
prática, lançará luz sobre a estrutura interna da atividade estatal, ampliando o seu
entendimento (2004, p.161).
Embora, conforme mencionado, a dependência estrutural do
planejamento público das concertações para a manutenção da hegemonia
econômica seja determinante, a ação planejadora não deixa de ser uma
atividade de negação ao estabelecido. Sua possibilidade transformadora ou
reformadora se fundamenta no fato de ser, antes de uma ponência ou
proposição, um exercício de conhecimento do real, o qual, apesar da larga
instrumentalização do saber e dos meios científicos, jamais é atividade neutra.
Da mesma forma, não pode ser, necessariamente, reduzida “a priori” ao
domínio tecnocrático, dada a gama de determinações que circunscrevem e
determinam o movimento das atividades de programação e planejamento e
“movem” os sujeitos que atuam, dentro e fora da organização estatal, na
elaboração e implementação de tais empreendimentos.
Entre os fatores, passíveis de maior ou menor grau de influência e
determinação nas ações de planificação, está a diluição crescente da atividade
política, fortemente instrumentalizada pela permeabilidade do sistema de
representação às forças de mercado, o que tende, por um lado a reduzir o
conteúdo político dos programas econômicos, transformando-os em
necessidade cnica, mas, por outro, evidencia os descompassos inerentes
entre a estrutura do aparato estatal e a estrutura mesma das relações sociais,
marcadas pela desigualdade e pela opressão.
52
Ianni, ao tentar determinar com mais objetividade os graus de influência
nos resultados políticos e econômicos, muitas vezes imprevistos, derivados da
atuação dos diversos sujeitos que se envolvem na concepção, elaboração e
execução de planos e programas, tendo como horizonte os planos de metas
realizados no Brasil nos anos de 1950 e 1960, destaca e distingue o papel do
técnico e do burocrata nesses processos. Diferente do burocrata, a atuação do
técnico, dado sua maior aproximação com a ciência social (ou dada a
“inteligência de sua posição de classe”, nas palavras do autor), combinado à
especificidade teleológica de sua função e à condição não monolítica do
dirigismo estatal, derivada do próprio caráter contraditório das relações de
classe no bojo do sistema, pode ser, a um tempo: (1) esclarecedora, porque
se debruça sobre determinado objeto, mesmo que em forma “átomo do real” e
porque, no exercício mesmo da diagnose, está presente o “esforço de
descobrir ou redescobrir as leis constitutivas da realidade” e (2) reformadora ou
inovadora, porque sua função pode contribuir para a gestação de “novas
esferas de racionalidade no sistema”, à medida que seu trabalho resulta na
antecipação de possíveis movimentos (inovações) antes que eles se atualizem
(IANNI, 2004, p.180).
Os planos de educação, propostos pelas administrações estatais “com
interfaces democráticas”, ao definirem-se como instrumentos técnicos e
políticos que buscam deliberadamente intervir na realidade educacional/social,
encontram-se num terreno minado, posto que tanto a escola, como o estado,
não são instituições alheias às determinações do sistema e, nem tampouco,
são estruturas propriamente mercantis. Com efeito, a ligação entre a educação
institucionalizada, sobretudo na forma pública, e o processo de reprodução da
estrutura de exploração capitalista não é automática, devido a que, como
instituição e espaço de produção cultural e política permeado pelos valores
democráticos, mesmo que o substantivos, e pelas contradições e oposições
sociais, a escola participa do processo de reprodução do estabelecido, porém o
faz de modo tenso e nem sempre passível de ser abarcado em todos os seus
efeitos imediatos e conjunturais. A relativa autonomia da escola, incluindo a
ação e a consciência ativa dos sujeitos que nela atuam, ante o núcleo duro do
sistema de produção e, ao mesmo tempo, sua posição socioeconômica
inerente ao conflito redistributivo, permite afirmar que as tensões no âmbito da
53
educação de massas o o norteadas imediatamente pelo princípio
geneticamente excludente do capitalismo, mas sim pelos efeitos mediatos de
suas práticas sistemáticas. Conforme CARNOY e LEVIN (1977, p. 46):
A educação, como parte das funções do Estado, é também campo de conflito social.
Uma vez que, nas democracias capitalistas, considera-se que o Estado é responsável
pela promoção da justiça e da igualdade para compensar as desigualdades que
emergem do sistema social e econômico, o papel da educação é visto, então, como o
de melhorar a posição social dos grupos carentes, pondo a seu alcance os
conhecimentos importantes e o credenciamento que lhes permita participar. Ao mesmo
tempo, o Estado capitalista e seu sistema educacional devem, pela própria natureza,
reproduzir as relações capitalistas de produção, entre as quais a divisão do trabalho e
as relações de classe que são parte daquela divisão. A tensão entre a reprodução da
desigualdade e a produção de maior igualdade é intrínseca à escola pública, assim
como a tensão social é intrínseca a todas as instituições estruturadas por classe, raça
ou sexo. A base dessa tensão não é a ideologia como tal, mas a ideologia enquanto
relacionada com a realidade concreta da posição social, riqueza material e poder
político.
Ao apartar-se a dimensão econômica da educação de sua dimensão
ideológica e cultural e, ambas, de uma compreensão geral das relações inter-
institucionais e sociais, pode-se recair numa retórica pendular e imprecisa, ora
valorizando exclusivamente a função econômica da educação escolar e das
práticas políticas inerentes, ora suas funções culturais. Tais perspectivas
amparadas, em certo sentido, em visões parciais da teoria da reprodução,
mostram-se insuficientes em clareza explicativa, se considerada a política
educacional em seus elos com o atual quadro do capitalismo financeirizado e
mundializado, quadro este no qual o estado contemporâneo, principal promotor
e financiador da ação educacional, tem profundas implicações. Nesse sentido,
uma das intenções do presente argumento é desenquadrar a análise dos
limites e possibilidades do planejamento da política social em educação do
espectro geral do reprodutivismo, tanto o propalado pelas correntes mais
tradicionais, as quais não raro se esgotam na afirmação da educação formal
institucionalizada e das políticas sociais para a educação como elementos tão
somente reprodutores das relações de produção, ignorando ou reduzindo ao
nível ideológico seu potencial de classe e, portanto, de resistência à
reprodução, como o mais recentemente difundido, que atua no horizonte da
defesa intransigente da multiculturalidade pós-moderna, revelando uma
tendência contraditória, ao ver nas instituições e políticas educacionais de
massas um forte potencial de superação objetiva ao estabelecido pela
valorização e respeito à voz dos diversos segmentos étnicos e culturais
54
marginalizados, ao mesmo tempo em que relega a classe a qual pertencem
esses indivíduos a um segundo plano. Ao intentar-se semelhante ampliação de
foco, pretende-se, conforme indicado, inserir o debate do planejamento das
políticas sociais em educação no espectro dos embates e tensões da economia
política do estado “social” contemporâneo.
Enquanto que em seu devir o capital não se sujeita a outra teleologia senão o de sua
própria reprodução maximizada, a possibilidade interventora, regulatória e redistributiva de
recursos sociais do estado contemporâneo é fragilizada pela forma como as diversas
organizações estatais se inserem no processo dinâmico da economia de mercado.
No plano geopolítico mais amplo, à crise do estado liberal, sucede-se a
crise do estado de bem-estar social, configurando, no que tange à organização
jurídica-política do estado, ao longo do devir das diversas rupturas
institucionais observadas ao longo dos séculos 19 e 20, as matrizes que
enfeixam e condicionam conflitivamente o sistema normativo-legal do estado
contemporâneo. Tais matrizes são, em substância, irreconciliáveis e seus
efeitos paradoxais são importantes componentes da limitada autonomia para a
atuação propositiva, reguladora e redistributiva do estado, na medida em que
concorrem para o contingenciamento de seu poder de intervenção na
mediação dos conflitos sociais, cada vez mais aguçados pelas formas
ampliadas de acumulação.
O princípio da legalidade, expresso de forma orgânica e fechada, no
direito positivo, afirma o primado da lei e da justiça como instrumento capaz de
harmonizar interesses específicos. Este valor funcional da justiça,
originalmente tipificado pelo estado liberal, é “complementado” e passa a
conviver com elementos típicos do estado social de bem-estar e do estado
providenciário-patrimonial caso das economias periféricas, onde a rigor não
se pode falar em estado de bem-estar social tendendo a ser criterizado e
medido pelo padrão de eficácia das políticas públicas nos âmbitos social e
econômico.
Não se pretende aqui questionar ou relativizar o valor das políticas
sociais dos welfare states, senão, apenas lançar alguma luz a respeito de como
esta configuração estatal ajustou-se ao modelo de acumulação e que
influências teve na evolução do padrão de interferência do estado nas relações
sociais de produção. Nesses estados, principalmente na Alemanha (RFA) e
55
Escandinávia, a garantia do pleno emprego, dos direitos previdenciários e
securitários, concretizaram-se em políticas sociais que, embora parcialmente
financiadas e viabilizadas pelo fundo público, vieram a colaborar com a
dinamicidade das economias, tal como preconizado pelo modelo keinesiano.
Esta opção, aliás, foi assumida amplamente, considerando-se as diferenças do
padrão de financiamento público e da autonomia dos estados ante ao mercado,
pelas nações européias e estadunidense a partir do pós II Guerra, sendo que
as experiências pregressas, relativamente às soluções encontradas para a
administração da crise de 1930, foram decisivas nesse sentido. Se, por um
lado, o modelo de estado social a partir do pós-guerra constitui-se em
diferencial capaz, inclusive, de fazer frente, no horizonte da guerra fria, aos
avanços sociais dos estados socialistas, por outro, a forma jurídico-legal que
assumem tem implicações que excedem a mera formalidade, imiscuindo-se
nos movimentos complexos do sistema, enquanto, ao mesmo tempo,
instituição expressiva, no plano da política, das relações sociais de produção e
agência influenciadora da determinação dos comportamentos, valores e
normas societárias.
A falta de organicidade do sistema jurídico-político é importante, mas
não o único reflexo da aparente “fraqueza” e “volatibilidade” do estado
contemporâneo, posto que sua dificuldade de autonomização frente ao
mercado vem se configurando historicamente a partir de uma série de rupturas,
as quais, a rigor, relacionam-se diretamente com a evolução das bases
tecnológicas e instrumentais do processo de acumulação.
Pode-se, grosso modo, identificar historicamente os seguintes
momentos dessa evolução
19
, cujas raízes mais significativas remontam a
viragem do século 19 para o 20, porém, cujos efeitos mais evidentes na
organização da produção e no aparato de circulação, se fazem notar, a partir
de meados do século 20:
1) motivada pela crise energética e pela diminuição real da taxa média de lucro
(anos 50 a 70 do século 20), o processo de mundialização da economia,
reforçado, em certo sentido, pelas guerras mundiais, ganha fôlego. A
19
A contextualização histórica apresentada, entre outros autores, é consubstanciada nas leituras de
SANTOS (2000) e HOBSBAWM (1995).
56
internacionalização dos mercados e a financeirização o os principais fatores
econômicos relacionados a esse processo;
2) ante a financeirização do capital global e a convivência, no interior das bases
produtivas regionais e nacionais, dos modelos concorrencial e monopólico, os
aparelhos estatais são desconcentrados, o que significa, sobretudo para as
economias periféricas, maiores dificuldades de execução autônoma das
políticas econômicas (cambial, tributária e monetária) e sociais (saúde,
educação, previdência e segurança pública);
3) a relativamente rápida alteração das lógicas internas das cadeias produtivas
e a reconfiguração das redes de produção, as quais tornam-se cada vez mais
amplas, rompendo as fronteiras dos estados nacionais, sem, contudo, alterar a
posição geopolítica destes e, principalmente, os “direitos” patrimoniais das
grandes corporações transnacionais. Nesse processo, os aportes tecnológicos
da microeletrônica, da mecatrônica e da informática são fundamentais, sendo
que medida em que se desterritorializa a produção, desregulamentam-se as
legislações trabalhistas, contribuindo para as perdas crescentes impostas aos
trabalhadores e para o enfraquecimento e/ou descaracterização das
organizações sindicais. No que concerne às organizações empresariais e
estatais e as relações de trabalho, pode-se notar, em decorrência dos
processos mencionados, a flexibilização dos contratos de trabalho, a mudança
do perfil das carreiras profissionais e a mudança de padrão da aplicação do
fundo público, passando este a privilegiar mais diretamente setores
estratégicos para a manutenção da ordem macroeconômica estabelecida,
colaborando, assim, com a abolição de entraves ao livre fluxo de capitais;
4) a mundialização da economia e a desterritorialização da produção implicam
em que o eixo do planejamento econômico estratégico para as economias
locais se faça em escala mundial. Os conglomerados multinacionais e as
agências de regulação, fomento e financiamento internacionais (ONU,
Organização das Nações Unidas, e suas sub-organizações, BID, BIRD, etc.)
adquirem centralidade nesse processo, quanto mais definidor das ações dos
estados nacionais, quanto mais são frágeis suas economias e subalternas suas
posições de governo ante ao grande capital.
A configuração e a validação das redes paralelas de direito
estabelecidas pelos grandes conglomerados e a estatuição de foros
57
descentralizados de negociação (os trabalhistas, por exemplo) relacionam-se,
conforme o exposto, aos intrincados caminhos do macroplanejamento
econômico. Nessa seara, no plano propriamente estatal, a lógica
organizacional do planejamento e execução das políticas sociais por setores
liga-se causalmente à ordem sistêmica da macroeconomia e, na ausência ou
inoperância de mecanismos jurídico-legais que façam valer o respeito aos
contratos históricos entre estado e indivíduos/cidadãos, a manutenção e/ou
criação de novos direitos é contingenciada à capacidade de pressão e
negociação de determinados setores ou à capacidade de mobilização de
determinados grupos ou organizações civis.
Embora não seja uma mediação facilmente demonstrável e os estudos
científicos sobre o tema sejam raros, entende-se que um dos entraves à
concretização pela via estatal, independentemente do direcionamento político
de seus dirigentes em dado governo nacional ou subnacional, de políticas
sociais capazes de realmente equacionar a redistribuição dos recursos sociais,
e não tão somente compensar os efeitos do conflito redistributivo, situa-se no
imbróglio jurídico-político estabelecido, a partir da concertação gerada pela
contradição ente a impossibilidade real do cumprimento dos princípios
humanistas-liberais, expressos no direito positivo, e a necessidade de garantir-
se ao estado, ao menos perante ao cidadão comum, a posição de defensor do
interesse público.
A partir das interpretações de FARIA (1994) pode-se inferir que o estado
contemporâneo, considerando as diferentes posições geopolíticas dos estados
nacionais, tem reagido ao mencionado contingenciamento de forma paradoxal
e potencialmente subversora da própria noção valorativa e extensiva do direito
humano, conforme o estatuto da modernidade ocidental. O esvaziamento dos
princípios fundamentais do direito positivo, em nome da estabilização
monetária e do desenvolvimento econômico, redunda na diluição das leis
gerais e dos princípios constitucionais em inúmeras redes normativas de
caráter ordinário, cuja matéria tem na circunstancialidade e na extensão
limitada, suas principais características. Como resultados da inflação jurídica
gera-se a possibilidade de que os poderes executivos centrais e subnacionais,
assim como as grandes corporações, assumam papel de legisladores e, de
certa maneira, de juristas, produzindo e regulando inúmeros micro-sistemas
58
normativos. A falta de identidade e de parâmetros de equilibração entre os três
poderes, também se inscreve nessa lógica. Porém, o efeito mais flagrante da
inflação jurídica, nas palavras de Faria, deriva da desvalorização do
instrumental normativo do estado, fator ao qual pode ser grandemente atribuído
à responsabilização
(...) tanto pelo agravamento das tensões entre a estrutura do processo de
negociações coletivas e o conflito distributivo aguçado pela crise econômica, quanto
pelo crescente grau de inefetividade do poder de regulação, direção e intervenção do
Estado contemporâneo. No primeiro caso, as tensões são exponenciadas pelo fato
de que, apesar dos esforços para ver suas demandas reconhecidas como direitos
subjetivos e convertidas em obrigações do Estado, sindicatos, movimentos
comunitários, entidades representativas, associações religiosas e corporações
muitas vezes vêem suas conquistas formalmente consagradas em textos legais
reduzidas a pó (...) esvaziadas por um sistema jurídico que, de tanto ter ampliado seu
número de normas, torna-se pesado, ineficaz e impotente. No segundo caso, quanto
mais procura disciplinar e regular todos os espaços, dimensões e temporalidade do
sistema econômico (...) menos o Estado parece capaz de expandir os instrumentos
de que formalmente dispõe para exigir respeito a suas ordens (FARIA, s/d, p. 3).
A tensão entre a impossibilidade lógica e prática de se coadunar num
mesmo princípio universal o individualismo e a noção de justiça e igualdade,
não foi inaugurada recentemente, posto que se fazia notar nas origens do
modelo concorrencial, quando em oposição ao ancien gime eram lançadas,
historicamente, as bases constitucionais do estado nacional liberal. Porém, ao
passo que naquela ampla conjuntura
20
, a contradição se apresentava no
sentido de assegurar a autonomia burguesa reforçando, sobretudo, o
princípio da liberdade à propriedade e “retirando” parte do poder do estado – e,
ao mesmo tempo, de forjar as bases ideológicas da possibilidade da extensão
e garantia dos direitos fundamentais de cidadania a todos os indivíduos, no
estado contemporâneo, assumido amplamente, nas dimensões discursiva e
formal, como estado democrático de direito, tal contradição torna-se mais
complexa. O imperativo econômico submete de forma mais fundamental os
20
Note-se que há, pelo menos, dois períodos distinguíveis entre os processos que configuram
historicamente a gênese e o desenvolvimento do constitucionalismo moderno, o qual se afirma com as
revoluções burguesas de 1688, 1776 e 1789, embora alguns elementos típicos da concepção liberal
estivessem presentes na pioneira "magna carta" inglesa de 1215. Da evolução do regime de produção
feudal resultam as condições que possibilitam a constituição do estado absoluto e da burguesia, enquanto
classe. Há relações de coincidência e antagonismos entre o desenvolvimento das monarquias absolutas e a
superação do modo de produção feudal. o estado liberal moderno, propriamente dito pode ter sua
origem genericamente identificada, em relação de contradição ao estado absoluto, ao avanço do sistema
capitalista e, com ele, dos modelos produtivos, legais e societários liberais, cuja expressão constitucional
erige-se sobre duas premissas axiológicas básicas: a liberdade liberal e o individualismo. A partir desses
59
imperativos constitucionais, esvaziando-os, transformando, na prática, os ideais
de justiça e igualdade, relacionados, historicamente, ao humanismo liberal
clássico e aos movimentos populares de resistência, em figuras de retórica.
Foi historicamente, a partir do avanço da dimensão social do estado sob
o capitalismo e a democracia liberal burguesa, situação em que as políticas dos
estados de bem-estar europeus apresentam-se como exemplos modelares,
mas não únicos, que as contradições acima apontadas ganharam mais
visibilidade, implicando, do ponto de vista da organização da ação estatal, em
verdadeiros dilemas administrativos e, do ponto de vista da política estatal, em
graus variados de crises de legitimação. A participação ampliada do estado,
através do gerenciamento e da aplicação do fundo público, assim como,
através do acionamento de mecanismos legais e institucionais que visam à
adequação da organização da base produtiva e a subsunção do trabalho-vivo
aos padrões macroeconômicos vigentes é importante, tanto para a manutenção
da lógica da acumulação, como para a “correção” possível dos desequilíbrios
por ela mesma gerados. Tal alcance ampliado, no entanto, é especialmente
contraditório pois, se permite que o estado mediatize as crises de legitimação
enfrentadas mais concretamente pelo nível governamental, ao mesmo tempo,
pode ser inscrito como fator causal dessas crises, já que a ação político-
administrativa estatal, mesmo que constantemente reorientada, não é passível
de dar respostas satisfatórias aos requerimentos sociais. As dimensões do
movimento de legitimação do estado e a das ações administrativas que
gerenciam e operacionalizam as intervenções estatais, não podem ser
analisadas de forma apartada, embora haja situações onde, quer pelo
conteúdo da intervenção, quer pela relação e tipo de vinculação que os grupos
politicamente dirigentes ou hegemônicos estabelecem com a instituição estatal,
considerada a partir dos sentidos locais que esta adquire, pareça haver uma
distinção um pouco mais estabelecida entre a administração burocrático-estatal
e os interesses e conflitos políticos mais gerais, os quais, via de regra, no nível
governamental, são importantes definidores dos escopos que orientam a ação
político-estatal, mesmo nas chamadas democracias maduras.
valores o liberalismo justifica a limitação dos poderes do estado e a garantia da liberdade individual à
propriedade privada.
60
A literatura analisada permite supor que tanto a questão da limitação das
sociedades políticas e civis em relação à efetividade e abrangência da lei,
quanto à questão dos limites da ação social do estado, para as quais a
burocracia, a tecnoburocracia e o normativismo procedimental são meios
adaptados e não premissas, inscrevem-se na impossibilidade prática do
estado, sob o sistema capitalista de produção e a organização política de base
democrático-burguesa, de balizar suas ações pelo critério da justiça material. O
conjunto das ações, instituições e estatuições que se dão no bojo do ente
estatal não são elas próprias a priori identificadas com o escopo da produção
direta da mais-valia ou com a sofisticação dessa produção, porém estão
sujeitas aos mecanismos de mercado, ora contribuindo com sua otimização,
ora minorando ou compensando os efeitos desses mecanismos. Ocorre que a
concretização desse axioma é perpassada, necessariamente, pelo âmbito de
governo e pelas vicissitudes e condicionalidades típicas do ordenamento
econômico vigente. No plano governamental, intrinsecamente ligado à lógica
do ente estatal e às razões de mercado, os interesses e as contradições
político-partidárias e os interesses e motivações pessoais dos sujeitos
(técnicos, burocratas, gestores) que exercem o poder e realizam as funções
estatais em determinado período, inscrevem-se como fatores endógenos à
constituição das “máquinas públicas”, tomadas aqui, na mesma lógica geral do
ente estatal, como conjuntos de organizações, cujo funcionamento e escopos
são definidos, não a partir de premissas ou valores universais, mas de
objetivos circunstanciais a alcançar. As “máquinas blicas”, por sua vez, o
compostas por sujeitos concretos e com perfis políticos-partidários e
biográficos determinados, os quais movem-se, atualmente, em terreno lodoso e
altamente competitivo e, do ponto de vista dos critérios de admissão
manutenção dos quadros profissionais do estado, contingenciado pela
imprevisibilidade dos caminhos dos capitais particulares e das correlações de
forças políticas. Embora sejam pouco estudados, os reflexos da mundialização dos
capitais e da financeirização dos sistemas de investimento, financiamento e
crédito nas esferas locais e regionais da administração pública estatal, no que
tange às administrações centrais e suas unidades subnacionais, o
envolvimento dos diversos setores públicos em verdadeiras guerras fiscais e
políticas, tem sido uma constante, que a disputa por recursos fiscais tem
61
condicionado, guardadas as devidas diferenças e graus de autonomia, a
elaboração e a execução das políticas sociais setoriais, tanto nos países
centrais, como nas periferias do sistema capitalista. No caso específico do
Brasil, segundo FIORI (1997) os efeitos marcantes da concentração de capitais
no modelo da acumulação flexível se fazem notar na redução drástica da
efetividade dos mecanismos e instrumentos do poder blico capazes de, no
plano subnacional, equacionar desigualdades regionais e, no plano nacional,
de integrar os diferentes estados e/ou regiões no mesmo processo de
desenvolvimento econômico, historicamente identificado ao “tradicional pacto
federativo entre os desiguais, que foi a base de sustentação da solidariedade e
integridade nacionais, durante o século [20] republicano” (FIORI, 1997. p. 133).
Dessa forma, compreendendo os planos que se coadunam no estado
contemporâneo, o institucional geral e o governamental concreto, às suas
respectivas condicionalidades legais, econômicas e político-partidárias em
relação de reciprocidade, cabe perguntar sobre as possibilidades realizadoras
da dimensão social do estado dito democrático, as quais, traduzidas em
políticas sociais e outros mecanismos de compensação, são historicamente
associadas à capacidade reguladora, redistributiva e apaziguadora da
instituição estatal.
Mesmo que os fatores limitantes do indicador, denominado a partir das
mediações da amplitude de interferentes considerados neste estudo, de
capacidade social do estado, ultrapassem suas possibilidades realizadoras, é
fato que a posição do aparelho de estado, face suas próprias razões e às
razões de mercado, situa-se num patamar estratégico no claro-escuro das
contradições entre as forças da reprodução e as de superação do existente.
Entende-se que a análise das políticas sociais é um recorte privilegiado para a
explicitação das contradições presentes no dimensionamento da capacidade
social do estado sob a democracia, dado que na elaboração e implementação
destas, notabilizam-se com mais clareza os dilemas da administração pública e
as tensões entre o âmbito governamental e a sociedade.
Com estas considerações, chega-se ao ponto fundamental tematizado
nesta parte do estudo. O estado participa intensamente dos processos de
mercado e, ao mesmo tempo, sua existência institucional justifica-se, ainda que
de forma diversa das formas-estado liberal clássica e moderna, pela
62
necessidade sistêmica e estrutural de regulação e ordenamento societário,
expresso pelas formas não substantivas da democracia liberal em suas feições
atuais. Tal relação de interdependência, no entanto, não é capaz de gerar
mecanismos civis-estatais, mais ou menos autônomos, de regulação e
ordenamento, dada a uma dupla impossibilidade, cujos efeitos se entrecruzam
e se autocondicionam com mais clareza no nível governamental. O estado, por
um lado, mais ou menos fiel aos princípios da democracia burguesa que seja,
não é capaz de normatizar ou legalizar, a partir de premissas valorativas mais
universais, os processos de mercado. Por outro lado, também não é possível,
sob pena da deslegitimação da autoridade estatal, que as administrações
governamentais extraiam peremptoriamente dos processos de mercado, a o
ser em matérias de caráter mais restrito, a justificativa blica para suas ações
e limitações.
Dessa conjugação de fatores, resulta que as ações governamentais são
impelidas a organizar-se de modo que as políticas sociais constituam-se em
elementos catalisadores para que, preservado o cleo duro da ordem
econômica, a ordem institucional e política seja reproduzida e mantida num
patamar mínimo de legitimidade e aceitação pública. A centralidade da questão
da legitimação, diferentemente do plano quase que exclusivamente
burocrático-legal em que é tratada no horizonte da sociologia política, deve ser
compreendida no bojo da interface conflitiva entre o ordenamento econômico e
as expectativas e motivações sociais e de classe. Nesse espectro, tanto a
coerência política dos grupos dirigentes, como sua eficiência ao participar da
competição imposta pela lógica das, mencionadas, guerras fiscal e política
pelos recursos socialmente produzidos e disponíveis para alocação nas
políticas sociais, são variáveis importantes.
Os problemas relativos à proposição e à administração das políticas
sociais, conforme argumento desenvolvido, decorrem, grandemente: (1) da
impossibilidade de que as administrações públicas ajam exclusivamente
pautadas pelos condicionamentos típicos do estado de direito, que estes
vêm, por uma série de fatores econômicos e conjunturais, perdendo a
capacidade regulatória e programática; (2) da pressão gerada pelos
mecanismos de mercado, que causam tensões no sentido da
responsabilização estatal pelas desigualdades e desequilíbrios sociais e, ao
63
mesmo tempo, limitam a capacidade pública de dar respostas minimamente
satisfatórias para tais desigualdades e desequilíbrios.
Nessa linha de análise, embora se possa perceber uma série de razões
que, de fato, limitam a potencialização da capacidade social do estado, não se
podem absolutizar esses limites, justamente pelo espaço de contradição que os
forja e os tensiona. Noutras palavras, o estado contemporâneo participa da
constituição e manutenção das relações desiguais e por elas também é
responsável.
As revisões dos fins obrigam a revisão dos meios. Este é um axioma
básico do planejamento e da elaboração de programas de ações estratégicas,
o qual, expandido para a história das configurações estatais, permitem uma
série de analogias, considerando que no movimento da história, não
inovação possível que não carregue em seu bojo as determinações do
passado. Entre tais analogias pode-se destacar, em relação de
complementaridade estrutural, a interdependência do movimento das
configurações gerais do estado ao movimento no interior das organizações
estatais. Nesses intercursos observam-se elementos que permanecem, posto
que se relacionam às correlações de forças da manutenção do núcleo duro do
sistema, ou seja, à teleologia do próprio capital e elementos que se
reestruturam a partir das contingências históricas e evolutivas da economia.
Nesse sentido, as contingentes razões de estado, como meios transitórios, e a
evolução da acumulação, como finalidade última do sistema a qual, é bom
lembrar nem sempre significam a sofisticação técnica e tecnológica dos
processos de produção e administração –, constituem situações onde não raro
se observam convivência de modelos paradoxais. Assim, vestígios importantes
das “anacrônicas” formas-estado liberal-clássica e moderna mantêm-se nas
democracias que dão substrato e consistência aos estados contemporâneos,
ao passo que os valores universais, típicos das formulações de um estado de
direito inconcretizável, continuam sendo utilizados para a criterização dos
princípios gerais da política estatal e, muitas vezes, são os únicos
componentes capazes de conferir a esta, mesmo que no nível da aparência e
da ideologia, o caráter social que a distingue das demais ações utilitaristas,
típicas das razões estritas do mercado. Da mesma forma, a racionalidade
burocrática, pretensamente indiferente às tensões exógenas à organização
64
estatal, nos moldes weberianos, perde grandemente o sentido orientador, não
sendo aplicável às complexas redes de organizações que compõem os
diversos setores do aparelho de estado. Sua substância, no entanto, parece
ainda ter força afirmativa, sobretudo no nível do formalismo impreciso da
racionalidade do estado contemporâneo. Com efeito, o formalismo burocrático
pode ser usado tanto para escamotear a responsabilidade estatal sobre os
conteúdos que dizem respeito à sua atuação e sobre os quais, mesmo que
limitadamente, pode intervir, como para o fim para o qual foi historicamente
desenvolvido, qual seja, dar transparência e juridicidade aos processos
públicos, conformando-os às determinações legais válidas de forma “igual”
para os “iguais” cidadãos.
A fricção entre os modelos, preceitos e critérios de atuação antigos e
atuais da administração pública, colados e mediatizados historicamente pelo
tipo e natureza da inserção do estado no sistema de acumulação, carece de
estudos empíricos mais precisos, sobretudo nas esferas centrais do aparelho
de estado, nível mais complexo e, por definição, mais resguardado em relação
às pressões societárias. Da mesma forma, carece de explicitação o axioma de
fundo para o estabelecimento da mencionada fricção, qual seja o lugar do
estado na economia mundializada, visto que sua componente classista o
coloca, ao mesmo tempo, numa posição confortável de “irresponsabilidade”
social, que a estrutura de dominação não se submete a qualquer preceito
normativo, e numa posição conflituosa em relação à sociedade e ao seu
próprio ambiente interno. Na esfera executiva do nível governamental, os
patamares de tensão entre as expectativas sociais e populares em relação à
capacidade social do estado sob a democracia burguesa são exponenciadas
devido à proximidade destas com os grupos societários, organizações da
sociedade civil e as próprias organizações estatais de base, conhecidas como
setores da administração direta. O problema da legitimação das administrações
executivas se coloca, nesse âmbito, de forma mais clara e a função
catalisadora atribuída, conforme argumento acima desenvolvido, às políticas
sociais ganha maior concretude. A administração executiva local e regional
participa, de forma mais ativa e próxima da sociedade, da elaboração e
implementação das políticas sociais, obrigando-se, por isso, a forjar sua
legitimidade através não tão somente dos produtos sociais que consegue
65
concretizar e dos objetivos que consegue realizar, mas dos todos que usa
para tais concretizações e realizações. É nesse ponto em que a burocracia e a
técnica estatal, seus limites e suas possibilidades se imiscuem e se confundem
com a lógica das relações políticas que se estabelecem na sociedade
capitalista. Acredita-se que, por extensão dessa perspectiva, pode-se, a partir
da análise de momentos concretos de estados concretos, dimensionar a
dependência do estado contemporâneo e suas respectivas organizações
enquanto partes estruturalmente ligadas ao sistema capitalista em suas feições
atuais —, do regime democrático de governo.
OFEE (1984), oferece algumas pistas analíticas que conferem sentido às
recentes ondas de democratização das administrações estatais com vistas à
elaboração e à implementação de políticas sociais.
21
Se, por um lado, os
crivos legais e normativos não podem ser aplicados como critério único de
suas boas atuações, o que implicaria em responsabilizar o estado e suas
organizações pelo conteúdo anti-social da acumulação capitalista, por outro,
nenhuma administração pública pode arvorar-se legítima e manter-se, como
grupo político, viva e valorizada no “mercado democrático”, apenas pela
justificação dos limites interpostos entre suas plataformas de atuação e a
concretização dessas plataformas.
Ao analisar os dilemas da ação do poder executivo, a partir das
argumentações de OLIVEIRA (1998 2004a, 2004b), FARIA (s/d) e THERBORN
(1998, 1999)
22
, é possível inferir que, embora as instâncias executivas tenham
a possibilidade de ocupar, segundo as frouxas” prerrogativas das democracias
atuais, nichos de poder inusitados do ponto de vista da clássica divisão de
competências, quando as administrações estatais se vêem obrigadas a
contornar as crises cíclicas de legitimação e aceitabilidade popular, observa-se
que essa concertação se de modo dúbio no que se refere à relação
executivo-parlamento. Ora, facilitada pela inflação legal e conseqüente
depreciação da lei, submete-se o parlamento às plataformas do executivo, o
que é mais visível, por exemplo, na administração da política econômica, onde
21
Em futuro tópico deste estudo (Cap. II) a tendência participacionista será abordada, ao tematizar-se a
metodologia da “construção coletiva” do PEE PR, avaliando-se alguns de seus platôs e positividades.
22
Embora os posicionamentos dos autores mencionados possuam mais congruências do que
discrepâncias, eles não m um discurso unívoco em relação à teoria do estado. A tomada analógica dos
66
o argumento técnico tende a subsumir as argüições jurídicas e os conflitivos,
porque abertos às contradições da cena pública, julgamentos políticos. Ora,
justificada pelo respeito a mesma legalidade que se mostra incapaz de
concretizar suas premissas, o executivo condiciona suas ações às decisões
parlamentares, o que se dá, especialmente em matérias, cujo consenso é difícil
ou inviável.
Partindo da linha analítica e de estudos empíricos mencionados por
OFFE (1984), os estados atuais, em que pesem os condicionantes econômicos
típicos da mundialização dos capitais e financeirização dos mercados, a
pulverização das responsabilidades legais e seus respectivos efeitos no regime
democrático e na organização internacional do trabalho, a "politicização" da
administração pública tem sido uma tendência estratégica da política estatal.
A "politicização"
23
das administrações públicas está ligada à adoção de
procedimentos normativos não isentos de risco que buscam, mediante a
obtenção de consensos, conferir certa legitimidade às decisões estatais, dar
visibilidade democrática aos governos e harmonizar interesses díspares. Suas
componentes não são propriamente legais, que não são “legitimadas” ou
“legitimáveis” no nível constitucional, mas os resultados da negociação entre
estado e grupos societários funcionam, de modo análogo ao que ocorre com as
negociações setoriais entre empregados e patrões, por exemplo, como
determinações infra ou sublegais de caráter pontual e/ou transitório. Nesses
processos, é bom notar, que os preceitos clássicos do direito positivo de
cidadania, os princípios humanistas gerais e os valores democráticos
“universalmente aceitos”, como “busca da igualdade”, “direito à vida”, “direito à
participação e à expressão”, por exemplo, m importância estratégica bem
estabelecida. Embora não sejam capazes de, de fato, atualizar-se extensiva e
concretamente, funcionam como eixos supralegais, ou seja, como fundamentos
a partir dos quais se julga dar ordenamento e sustentação ideológica às ações
sociais e políticas elaboradas na perspectiva democrática e participativa.
autores é possível no que concerne à análise da conformação da democracia burguesa no estado
contemporâneo.
23
Termo cunhado por OFFE (1984), embora também utilize o termo politização. Importante não
confundir o neologismo “politicização” com politização. Enquanto o primeiro termo refere-se aos padrões
de comportamento das administrações estatais, derivados da maior interseção entre estas e a sociedade
civil, o segundo refere-se aos aportes individuais ou coletivos no que tange à formação, à discussão e à
crítica da política, enquanto campo de correlação forças econômicas e exercício de poder.
67
Nas palavras de OFFE:
A tarefa de obter consenso e harmonizar interesses se coloca para a administração
não só quando se torna necessário abrandar, pela negociação, a resistência de grupos
antagônicos com o poder de veto e de pressão, mas também na relação com sua
própria clientela ou ainda na relação com seu “meio ambiente” interno (...).
(...) a “politização da administração” não é tanto o resultado de novos critérios de
relevância que ela teria assimilado, mas o resultado de um processo em que os
programas de ação antigos, vinculados ao Estado de direito e, por isso mesmo
estritamente condicionais, se tornam crescentemente inconfiáveis. Na medida em que
a administração pública precisa abrir mão dessas premissas de ação, não lhe resta
outra saída senão a busca de formas de legitimação outras que não as legais. No
momento em que a idéia do Estado de direito perde a capacidade de programar a ação
administrativa (...), dois caminhos para obter legitimações alternativas. Ou se
procura a saída ao nível supralegal das concepções ordenadoras concretas capazes
de dar substância a conceitos como “ordem social livre e democrática”, ou ao nível
infralegal dos processos de consenso (1984, p. 225-6, aspas conforme o original).
A produção de consensos através de diferentes estratégias e canais de
aproximação entre sociedade civil e estado, vem se delineando como
importante instrumento das democracias ocidentais e está intimamente
relacionada com as crises de justiça, de legalidade e de legitimação do estado
contemporâneo e suas organizações e, também, com o grau e a qualidade da
interferência pública das políticas sociais no horizonte democracia. No Brasil,
especialmente a partir da efervescência política registrada no período da
redemocratização nos anos de 1980, o fenômeno do participacionismo e da
permeabilidade do poder público às intervenções e requerimentos societais,
vem proliferando visivelmente, quer através de canais transitórios e pontuais de
discussão e negociação, quer através da criação de mecanismos institucionais,
como os CACs (Conselhos de Acompanhamento e Controle) setoriais e da
reformulação de instituições republicanas tradicionais como as cortes de contas
e o MP os quais tiveram, com a CF de 1988, suas funções e papéis públicos
redefinidos, passando, em tese, a atuar como instâncias de advogação dos
direitos do conjunto da sociedade civil.
No que toca à política educacional e aos planos decenais de educação,
o esforço de “produção de consensos” e de “transparência democrática” na
elaboração execução dos planos e programas nacionais e regionais, remonta-
se às bases da Conferência mundial de educação para todos, realizada em
Jomtien, Tailândia (UNESCO/UNICEF, 1991) em 1990, evento promovido
68
pelas instituições de Washington
24
, que marca o início da orientação
internacional, atualmente generalizada na América Latina, relativamente à
importância e à necessidade da organização programática estratégica das
ações educacionais, entendidas, segundo lógica das mencionadas instituições,
como elo fundamental para a adequação das economias nacionais aos
padrões exigidos pela “ordem globalizada”.
Embora a participação democrática, como valor em si mesma, tenha
tendido, desde meados dos anos de 1980, a ser ressaltada e afirmada na vasta
literatura sobre as políticas educacionais brasileiras, aponta-se que o
participacionismo, fundado na esteira da democracia restrita, formal e, em certo
sentido, legitimadora da ordem sistêmica, não arvorou, apesar das inúmeras
tensões públicas que movimentos de ampla e qualificada participação popular
geraram no seio da sociedade brasileira, potencial afirmativo ou interventor
capaz de alterar significativamente o eixo das políticas educacionais
conduzidas a partir dos ditames internacionais.
A questão do participacionismo e da possibilidade de intervenção
societária nas políticas sociais estatais apresenta inúmeras interfaces
problemáticas, mormente se louve o princípio geral que as embasa e se
notabilizem seus avanços no sentido da constituição de formas mais diretas de
democracia. Seguindo a proposta apresentada anteriormente, postula-se que a
análise criteriosa das maiores ou menores efetividades e potencialidades da
intervenção civil nas políticas estatais em educação passa pela explicitação da
configuração política contraditória do estado contemporâneo. A partir dessa
abordagem, pode-se avaliar com mais clareza os problemas mencionados,
acerca da legalidade e da abrangência da lei, do critério de justiça e da
“necessidade do consenso” público para a “resolução de conflitos e, em
certos casos, como estratégia governamental para reforçar a divisão de
responsabilidades entre o ente estatal e demais segmentos sociais –, a partir
dos efeitos do mais recente ciclo de reprodução do sistema capitalista,
processo esse não apenas refletido no e pelo estado, mas, também, ativado
24
Ao referirmo-nos às Instituições de Washington como um bloco, incluímos na mesma lógica as
agências de fomento, como o BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, mais
conhecido como Banco Mundial World Bank ) e BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento); as
agências de controle financeiro e monetário, como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e as agências
políticas e sociais, como a ONU (Organizações das Nações Unidas) e suas divisões.
69
por este. Intimamente ligada à proliferação de instituições e canais de
participação política, nota-se o esvaziamento, pela caducidade, dos princípios
da democracia burguesa.
Em paralelo à evolução da acumulação flexível, que combina a
reestruturação produtiva à mundialização e virtualização do capital, no âmbito
da política, vem ocorrendo um processo de concentração semelhante ao
ocorrido com a propriedade, levando mesmo as experiências mais plenas em
termos da minoração das desigualdades sociais, caso dos welfare states
alemão e norte-europeus, a padecerem de escassez de meios e espaços
políticos eficazes para que as classes dominadas possam processar e, de
alguma forma, intervir nas recentes guinadas conservadoras que se traduzem
em uma série de medidas de contenção da capacidade social do estado.
Se o modelo de representação, baseado, sobretudo no sistema eleitoral,
por um lado, não responde mais aos requerimentos elementares de uma
tipificação mais substantiva de democracia, por outro, a criação e/ou
modernização de institucionalidades públicas, também não é suficiente para
mediar a abrangente e radical crise da democracia. OLIVEIRA (2004a; 2004b)
identifica alguns pontos fulcrais para a explicitação da crise da democracia, ao
analisar historicamente a evolução dos sistemas democráticos ocidentais, a
partir das tensões e pressões políticas levadas a efeito na luta dos
trabalhadores por melhores condições de vida e trabalho. O autor conclui que a
radicalidade da problemática do sistema de representação, transpassado, entre
outros fatores pelas novas institucionalidades públicas e pela revisão do papel
e do uso estratégico do fundo público pelo capital, pode ser melhor avaliada se
tomada a partir de um de seus sintomas mais marcantes: a irrelevância da
política para os cidadãos.
Ao combinarem-se os aspectos congruentes das ponderações de
Oliveira as de Boron e Therborn, autores que se debruçaram em análises das
teorias do estado no horizonte da filosofia política marxista, pode-se inferir que
de modo paralelo ao fenômeno contemporâneo da re-privatização da
democracia, reduzida basicamente a fenômeno publicitário, afeito à
instrumento formal e normativo de legitimação das ações de estados e grupos
hegemônicos, acontece a mercantilização das esferas centrais do aparelho de
estado (OLIVEIRA, 2004b, BORON, 1999, THERBORN, 1999). Ao mesmo
70
tempo em que o poder econômico sofistica e amplia as formas de subsunção
do poder político e diminuem sensivelmente –não em número, mas em
substância– os espaços de explicitação das contradições e de realização dos
embates de classe, evoluem, junto com a aceitação cita da democracia como
sistema ideal de organização política, no dizer de Therborn, os canais de
”representação direta do capital no estado democrático”. Continuando com o
mencionado autor:
No que se refere aos processos de mediação estatal nas relações entre as classes,
vivemos claramente uma tendência à diminuição da presença [social] do Estado (...)
Podemos sintetizar essas relações como tendências ao fortalecimento do caráter
capitalista do Estado em quase todos os países da Europa Ocidental e da América
Latina (...) Os novos critérios monetários para a gerência do Estado e o surgimento de
bancos centrais independentes do Estado democrático são um eloqüente exemplo de
tal tendência. Politicamente, podemos reconhecer o surgimento de um liberalismo pós-
democrático, não antidemocrático, que a burguesia aceitou a democracia, embora o
tenha feito tratando de limitar ao máximo possível os alcances da mesma
(THERBORN, 1999 p. 83-84).
Diante do exposto, observa-se que, de modo genérico, os limites
transformadores do participacionismo integram-se às limitações estruturais da
democracia sob o capitalismo. Nesse particular, algumas análises, amparadas
em esquemas dedutivos, tendem a tratar o problema dos limites dos canais e
dos instrumentos de intervenção societária nas políticas públicas estatais como
processo contraditório de legitimação estatal. A literatura consultada permite
condensar os platôs mais recorrentemente tematizados pela ciência social,
todos relacionados a uma proposição fundamental, segundo a qual ampliação
dos canais de participação política cumpre sua função de legitimação da ordem
burguesa porque, justamente, mascara-lhe esta condição, contribuindo, no
mesmo sentido, para o ocultamento do viés classista do estado democrático,
são eles: (1) nos processos de participação e consulta popular coordenados
pela administração estatal geralmente se observa a simplificação dos
problemas e das complexidades societais, pelo ocultamento das relações
causais que os determinam ou pela subsunção e contingenciamento destas
relações ao domínio do saber técnico. Noutros termos: ou se oferecem
respostas simples e propostas homogêneas para a avaliação dos participantes
ou se as apresentam de modo científico, balizado e consolidado por
argumentos de autoridade e dados positivos “incontestáveis”; (2) a ativação de
funções seletivas do estado pode ser notada mediante a utilização de
71
estratégias variadas, conforme o tipo de público participante e a natureza do
objeto em disputa ou discussão, porém, que têm em comum a peculiaridade de
fundamentarem-se na égide do pluralismo e da defesa do caráter
pretensamente neutro e cidadão da política estatal e da democracia; (3) por ser
um procedimento de certo risco para o capital e para o estado, desenvolvem-
se, no bojo das instâncias administrativas que coordenam os processos de
participação, uma série de mecanismos de controle destes processos,
amparados no sistema normativo tradicional ou nos sistemas sublegais erigidos
para viabilizá-los, de modo a preservar os interesses do capital global a
despeito de um eventual descontrole da tensão gerada pela expectativa da
efetivação de mudanças legítimas aos olhos da sociedade, mas contrárias às
disposições do capital em geral ou de determinados grupos de capitalistas; (4)
o artifício da desqualificação do participante ou do grupo organizado que este
representa, que pode ser prévia ou ao longo do processo de participação, tem
sido observado tanto mediante os métodos ampliados e basistas, eleitos para a
realização de "grandes consultas", quanto pela adoção, por parte da instância
coordenadora dos processos, de meios mais sofisticados de seletividade
técnica e filtragem dos resultados obtidos a partir da submissão de
determinadas pautas à apreciação da sociedade.
Com efeito, a metodologia utilizada para operacionalizar os momentos
de participação (sejam eles fugazes e pulverizados ou parte de um processo
institucionalizado) em determinados espaços políticos, influi decisivamente nos
resultados pontuais e conjunturais desses momentos. Nesse caso, o qual pode,
com algum esforço analítico, ser estendido para a problemática mais geral da
inserção democrática dos cidadãos nos assuntos da “coisa pública”, o método
é especialmente definidor da resultante e, tal como os demais elementos que
condicionam a racionalidade do planejamento estatal, embora enseje
contradições intrínsecas, jamais é neutro ou despretensioso.
Com estas considerações, procurou-se delinear as bases teóricas e
definir os elementos e acepções fundamentais relativamente ao estado, à
democracia e ao planejamento das políticas sociais. Pretende-se que tais
substratos sirvam de ferramenta para a explicitação do objeto e de suas
interfaces. Conforme aludido, a natureza do objeto permite o
estabelecimento de uma série de relações gerais sobre as contradições entre o
72
ente estatal, os conflitos sociais e a política pública no horizonte da democracia
liberal. Contudo, é na mediação entre tais relações gerais e a análise da
concretude mais imediata do objeto, considerando as principais questões que
se desdobram de sua problematização, que se pode arvorar o desenvolvimento
de argumentos com maior força explicativa, contribuindo para a interpretação
do planejamento educacional no espectro do estado contemporâneo.
73
CAPÍTULO II
O processo de concepção e elaboração do PEE PR
Temos que exigir do homem público, especialmente do político,
que possua as virtudes públicas, as quais se resumem em uma
só: fidelidade à própria máscara (...), reparem que não há
confusão política que não seja uma troca, uma confusão de
máscaras, um mau ensaio de uma comédia, no qual ninguém
conhece o seu papel.
Sem dúvida, vocês que querem ser políticos devem procurar fazer
com que, na medida do possível, a sua máscara seja obra sua,
façam-na vocês mesmos, para evitar que vos seja colocada - ou
que vos seja imposta - por vossos inimigos ou por vossos
correligionários. Não a façam tão rígida, tão sem poros ou
impermeável que acabe sufocando o rosto, porque, mais cedo ou
mais tarde, terão que mostrar a cara.
António Machado, “Juan de Mairena”
(Traduzido do castelhano pela autora)
O PEE PR, e demais políticas educacionais, desenvolvidas no Paraná, a
partir de 2003, início da gestão peemedebista, são, a princípio, apresentadas
como respostas estatais contundentes ao direcionamento privatista e gerencial
a que educação pública havia sido submetida ao longo do período lernista
(1995-2002).
No plano nacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao assumir o
governo, também em 2003, reiterava a importância da recuperação do caráter
social do estado brasileiro, então, enfraquecido e desqualificado pelas reformas
gerenciais dos anos de 1990.
25
A julgar pelas intencionalidades declaradas nos primeiros meses de
2003, tanto por parte do governador Roberto Requião
26
, quanto do secretário
de estado da educação, Maurício Requião, parecia claro que a retomada das
responsabilidades estatais em relação à recuperação do caráter público da
educação e da qualidade social das políticas educacionais, eram prerrogativas
da gestão que se iniciara.
Na primeira edição do “Jornal educação: cada dia melhor”, periódico
informativo elaborado e distribuído pela SEED a todos os professores e
estabelecimentos da rede estadual, o secretário de educação, afirmava:
25
BRASIL. Discurso de posse do Presidente Luis Ignácio Lula da Silva.Brasília, 1º de janeiro de 2003.
26
PARANÁ. Discurso de posse do Governador Roberto Requião. Curitiba, 1º de janeiro de 2003.
Disponível em www.pr.gov.br
74
Não aceitamos os condicionamentos que limitem material e pedagogicamente a escola
e seus atores, e nela constrangem professores e alunos, muitas vezes submetidos à
desumana pressão das forças ditas de mercado, que se apropriaram do espaço e do
tempo escolares, destituindo-os de suas funções precípuas de ensinar e aprender (...)
27
Na mesma edição do referido periódico, liam-se as seguintes palavras
da superintendente da educação:
No pensamento neoliberal, a escola pública representa apenas uma forma de oferecer
às famílias a liberdade de escolha de um local para o estudo dos filhos. Ela é definida
como uma máquina pesada, ineficaz e cara para o governo. (...)
[Tal compreensão da escola], numa análise de custo-benefício, não leva em conta as
funções sociais, os valores que esta escola cumpre, as necessidades e as condições
em que ocorre a educação. As soluções propostas pelo [Sic!] pensamento liberal
transferem o poder público para o âmbito do mercado privado, impondo a
mercantilização das funções e valores da educação. Para completar, prega-se em
nome da necessária contribuição individual solidária, o trabalho voluntário para a
efetiva garantia de realização do que caberia ao poder público.
Sem dúvida essa forma de resolver o problema da escola pública [Sic!] carece de
elementos fundantes que lhe dão legitimidade histórica, consolidando a educação
como direito de todo os cidadãos, em especial daqueles que não têm garantia desse
direito de outra forma que não pela mão do Estado, que deve ser firme e segura; um
Estado que deve ter a escola pública como um projeto de organização social,
articulado com outras políticas públicas, numa perspectiva ideológica da valorização de
todo ser humano, rompendo com as desigualdades sociais e respeitando as
diversidades culturais.
28
Por ora, observe-se, apenas, que as citações acima são indicativas da
desconexão entre as intencionalidades declaradas grupo dirigente e os meios
definidos para concretizar tais intencionalidades, fenômeno que se manifestaria
na maioria das ações da gestão, longo dos anos seguintes, das quais o PEE
PR, por sua natureza e especificidade, é exemplo emblemático.
29
Parte dessa desconexão pode ser explicada, a partir da análise das
escassas fontes de informação escrita disponíveis em relação ao primeiro ano
da gestão, pela dificuldade dos dirigentes na detecção da complexidade dos
fatores que concorrem para o estabelecimento da problemática da educação
das massas numa economia dependente e associada inserida no modelo da
acumulação flexível. Parte dela refere-se às próprias condições gerais do início
da gestão. Nota-se, igualmente, nessa época, uma certa ingenuidade, ao
menos no âmbito do discurso, em relação ao acionamento dos mecanismos
27
PARANÁ. SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO. Educação: cada dia melhor. Periódico.
31, maio de 2003, p. 2 (Palavra do Secretário).
28
PARANÁ. SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO. Educação: cada dia melhor. Periódico.
31, maio de 2003, p. 2 ( Retomada da escola pública: a virada na educação do Paraná). Grifos nossos.
29
O gap entre finalidades declaradas e meios adotados para sua realização observado na gestão pública da
educação 2003-2006 é tomado, nesse ponto do estudo, como pressuposto. Na seqüência do argumento,
várias manifestações do referido gap são descritas e analisadas.
75
disponíveis e do desenvolvimento de outros tantos que se fariam necessários,
a partir do escopo de desmontar a complexa rede político-institucional
desenvolvida nos dois governos anteriores no sentido de concretizar o modelo
de educação, então assumido para o Paraná.
As razões de estado, sobretudo nos aparelhos subnacionais, por suas
significações, macro-relações estruturais e movimentos internos não são
simples e evidentes a ponto de abrirem-se facilmente a mudanças mais
substantivas, por melhor intencionados que sejam seus quadros gestores. Os
trechos acima transcritos, embora sejam falas midiáticas, ou seja, destinadas à
motivação e ao convencimento de grande e amplo público, demonstram certa
incoerência na percepção da realidade educacional e social, posto que
superestimam o papel da escola, e do próprio estado, no desejável processo
de ruptura com o estabelecido.
Pretende-se, a seguir, apontar elementos, os quais, relacionados às
“razões de estado”, conferem às políticas da gestão 2003-2006 características,
cujas historicidades circunstanciadas, permitem que sejam explicitadas a partir
da multiplicidade de fatores e intercorrências que as determinaram.
Em sendo o PEE PR um projeto entre os demais foram propostos no
início da gestão, é mister analisá-lo no conjunto dessas proposições. O plano
foi, a princípio, tomado como eixo definidor das políticas educacionais e,
conforme é dado a perceber, pela análise dos acontecimentos e registros
documentais disponíveis, o grupo dirigente, inicialmente imbuído de forte
otimismo, nutria esperanças superlativizadas em relação não só ao PEE, mas à
própria capacidade estatal de instituir, operacionalizar e legitimar as mudanças
consideradas necessárias. O governo peemedebista, em geral, e a gestão da
educação, na mesma senda, contavam, de fato, com boa reserva de
confiabilidade por parte da sociedade, o que pode ter influído decisivamente
para que os papéis sociais assumidos e subjetivizados pelo grupo gestor,
mediante os cargos a eles confiados e ao poder a eles intrínseco, num primeiro
momento, lhes parecessem suficientes para que se gerassem os recursos
políticos capazes de mantê-los eqüidistantes dos interesses contrários a seus
bons, gerais e democráticos princípios.
Pouco tempo depois de assumir a direção da SEED, assim que os
quadros dirigentes iam sendo definidos e nomeados, a gestão Maurício
76
Requião, elencou, de forma ainda não muito clara, uma série de ações
prioritárias para o quadriênio que se iniciara. Entre tais ações prioritárias,
encontravam-se: reformulação do organograma da SEED; definição de
proposta curricular para o Paraná; definição de plano de carreira para
professores e pedagogos das escolas; redefinição da educação profissional;
redefinição da política de capacitação; construção do PPP (Projeto Político
Pedagógico) das escolas e instauração de sindicâncias para apurar
irregularidades (algumas já, então, comprovadas, outras presumidas) a
respeito de contratos de prestação de serviços realizados na gestão anterior,
sobretudo os que envolviam a capacitação dos profissionais da educação,
coordenados pela, então recém extinta, UP (Universidade do Professor).
Segundo a superintendente da educação, houve um momento inicial em
que um grupo da nova gestão, procurou estudar melhor o cenário da
educação no Paraná e de sua administração. Embora, nenhum dos gestores e
servidores consultados chegasse a precisar quais sujeitos formaram este grupo
de transição, do qual a própria superintendente afirma não ter tido a
oportunidade de participar, pois fora convidada para assumir o cargo quando
os trabalhos da gestão haviam iniciado. Nessa época, a superintendente
declara ter vivenciado um dilema pessoal e profissional: se por um lado havia
de sua parte a vontade de contribuir para a efetivação de um projeto de
educação pública oposto ao que, então, se vinha praticando, por outro, a
complexidade da rede e as peculiaridades da estrutura estatal pareciam-lhe
desafios muito grandes, embora tivesse experiências anteriores como gestora
de setores na universidade e coordenadora de programas nesse mesmo
âmbito (ARCO-VERDE, 2006)
O início da gestão 2003-2006 foi difícil e conturbado. A lógica
organizacional da SEED encontrava-se, praticamente toda ela, afinada com os
pressupostos da visão gerencial do estado. Os quadros técnicos, após oito
anos de lernismo, em sua maioria, havia, por assim dizer, se revestido do papel
que deles se esperava na lógica privatista e gerencial da educação que se
tornara hegemônica naquele período. Com efeito, os gestores inicialmente,
perceberam o peso que o processo do arraigamento de um comportamento
77
mais ou menos típico, o desenvolvimento de um habitus secundário
30
,
conforme categoria de Bourdieu, tivera nos quadros cnicos da SEED, de
forma que não a viragem na direção das políticas era um desafio posto,
mas, sobretudo, era preciso que os sujeitos, dos quais se esperava que
executassem as mudanças pretendidas, tivessem o perfil, a motivação e a
clareza para fazê-lo ( BOURDIEU & PASSERON, 1975; CASTRO,1995).
As equipes pedagógicas estavam, em sua maioria, envolvidas com a
operacionalização de projetos. Segundo levantamento da SUED, eram em
número de 84. Entre eles, excetuando-se aqueles conveniados com o MEC,
cuja revisão e/ou manutenção de rumos viria mais tarde, direcionada pelo
próprio ministério, estavam: o projeto da Volvo (Transitando); os projetos
Sexualidade Prazer em Conhecer e os Telecursos, da Fundação Roberto
Marinho e Rede Globo; o projeto CORD (Center for Occupational Research and
Development), mais conhecido como matemática contextualizada”, comprado
de um grupo texano pela Rede Bom Jesus e, posteriormente, revendido à
SEED); o projeto de capacitação a distância, do IESDE (Instituto de Estudos
Sociais e Desenvolvimento Educacional) e projeto Aprendendo a Empreender,
do SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).
Embora houvesse técnicos de todas as disciplinas da BNC (Base
Nacional Comum) atuando na SEED, a rigor, desde meados dos anos de 1990,
as disciplinas escolares o vinham sendo tratadas como tais., pois a política
curricular adotada acabou por contribuir com a proliferação, nas matrizes
curriculares dos estabelecimentos públicos oficiais, de componentes, tais
como, “ética e cidadania”; “formação humana”; “programa de enriquecimento
curricular” (PEC, sempre ligado a uma área do ensino); “produção de texto”,
etc. Até propostas incompreensíveis, tristemente risíveis, como “rios da China”
e “ostras”, ganhavam status de matéria escolar. Com efeito, em meados de
30
Refere-se aqui ao comportamento desenvolvido pelos sujeitos, que pode ser identificado às estruturas
sociais impressas na subjetividade. Diferente do enfoque reprodutivista tradicional, com relação à
reprodução dos papéis sociais que os sujeitos assumem e que lhe são antecedentes, na idéia de habitus,
são consideradas as articulações entre a biografia dos sujeitos e as determinações objetivas das estruturas
sociais. O habitus primário é relativo às primeiras experiências dos indivíduos. O secundário,
desenvolvido a partir das experiências primárias, corresponde à maneira como se processa o duplo e
inseparável movimento de interiorização das estruturas sociais (exteriores) e exteriorização daquilo que
foi interiorizado. O habitus não exclui, portanto, a importância da origem de classe dos indivíduos, tanto
na constituição de sua subjetividade, quanto nas suas motivações para agir.
78
2002, o Paraná registrava o absurdo número de cerca de 4.000 “disciplinas”
nas matrizes das escolas do sistema de ensino.
Segundo a superintendente e o chefe do DEM, que permaneceu no
cargo até meados de 2004, quando a gestão iniciou, o grupo dirigente dos
departamentos pedagógicos, em sua maioria formado por profissionais ligados
à universidade, percebeu que a discussão curricular passava ao largo das
equipes pedagógicas, sendo poucos os técnicos que demostravam ter uma
compreensão mais clara ou, ao menos, um posicionamento mais crítico acerca
das diretrizes e dos parâmetros curriculares oficiais (DCNs e PCNs). Como a
elaboração de um currículo para o estado era uma das pautas mais
importantes da gestão, a reorganização das equipes era vista como uma das
urgências iniciais. Segundo palavras da superintendente:
Os técnicos haviam passado os últimos anos basicamente implementando esse tipo de
coisa [referindo-se aos projetos supramencionados] e nos vem a Fundação da UNB
(pois eram eles que iam elaborar as provas do concurso) e nos pede as ementas e os
conteúdos das provas... Note-se que não tínhamos diretrizes, nem uma política coesa
de currículo estadual na época. E fomos aos departamentos de ensino [DEM
(Departamento de Ensino Médio, DEF (Departamento de Ensino Fundamental), DEJA
(Departamento de Educação de Jovens e Adultos)] solicitar aos técnicos que nos
dessem as relações dos conteúdos e as concepções que estavam postas para as
escolas. Foi aí que descobrimos que este tipo de discussão não fazia parte do trabalho
deles! Isso não era uma discussão da secretaria de educação! A SEED passava muito
longe desse tipo de discussão. Fomos, então, solicitar das universidades o apoio, no
sentido de fazer uma assessoria para nós em cada área do conhecimento. Foi aí que o
[chefe do DEM] começou a buscar a interlocução com o pessoal da UFPR
[Universidade Federal do Paraná], a [chefe do DEF] começou a fazer contato com as
estaduais, enfim, reunimos esforços para ter, naquele momento, uma boa relação de
conteúdos para cada disciplina do concurso. Veja, isso deveria ter sido feito pelos
próprios departamentos, porém naquele momento estávamos justamente empenhados
em conhecer os técnicos remanescentes e recompor as equipes. Precisávamos saber
com quem poderíamos contar, a fim de colaborar para efetivar nossas propostas
(ARCO-VERDE, 2006).
Ocorre que a dinamicidade da rede é grande e seus tempos e processos
não podem ser estacionados. Enquanto as equipes de ensino eram
reestruturadas e a gestão tentava se inteirar do “estado da arte” da
administração da educação e do modus operandi dos seus inúmeros processos
e setores, as escolas estavam em franca operação e, com ou sem diretivas
claras das instâncias dirigentes, a rede continuava movendo-se.
A rápida condução de determinadas ações era, também, prioridade
inicial da gestão. Os melhores exemplos de ações, cuja celeridade na
execução era politicamente importante, foram: a realização do concurso público
79
para o magistério
31
e a elaboração de novo plano de carreira e salários. Ambos
consistiam em compromissos de campanha do novo governo. Tais ações, é
bom frisar, eram fundamentais, não por serem prioridades de campanha,
mas por serem capazes de marcar, no seio da categoria, as diferenças entre as
concepções e práticas da gestão Requião em relação à de Lerner, o que para o
governo, no momento histórico estadual e nacional em que este se
encontrava, poderia se traduzir em apoio público, necessário tanto à
legitimação do conjunto de suas ações, como útil, no sentido da facilitação do
diálogo do executivo com o legislativo.
Outros problemas, fortemente articulados entre si, que compuseram o
cenário das dificuldades administrativas iniciais acima mencionadas, conforme
afirmações coletadas entre os gestores e servidores da SEED que passaram
pela transição no intervalo 2002-2003, foram: (1) a ausência de documentos e
informações acerca do conjunto das ações da pasta. Parte da documentação,
incluindo extratos importantes dos bancos de dados das antigas CIE
(Coordenação de Informações Educacionais) e UP, simplesmente sumira no
final da gestão Lerner, parte dela estava de posse dos cnicos remanescentes
e, como a relação inicial entre estes e o grupo gestor fosse marcada por
desconfianças mútuas, não havia certeza, por parte do grupo gestor, sobre
quais informações disponíveis eram confiáveis e quais não o eram; (2) o
desconhecimento da rede, de sua estrutura e de seu funcionamento por parte
do grupo gestor, problema parcialmente dirimido, num primeiro momento, pela
atuação da APP-Sindicato. Note-se que, segundo ao que o resultado das
investigações aponta, foi este aspecto o responsável pela manutenção em
cargos-chave da SEED-sede de pessoas ligadas ao grupo gestor anterior. Daí
deduz-se que em se tratando da administração estatal, o critério político, que
nesse caso específico representa a condução, para cargos com médio e
grande poder de decisão, de pessoas com concepções afeitas à visão de
31
Ambas ações tiveram a execução iniciada e interrompida na gestão Lerner. No caso do concurso,
parece ter havido um acordo entre o grupo dirigente anterior e o que assumiria, para que o edital,
publicado pela SEAP (Secretaria de Estado da Administração Pública), fosse suspenso pouco antes do
final do processo eleitoral de 2002. No caso do plano de carreira, houve uma complexa e longa luta
política entre o governo Lerner e a categoria, representada pela APP-Sindicato, culminando que a
proposta do governo não chegasse a ser implementada na íntegra, embora grande parte de sua lógica fosse
implementada à custa de medidas aparentemente isoladas, como é o caso da ampliação do quadro de
professores contratados de forma precária, mediante os chamados PSSs (Processos Seletivos
Simplificados).
80
estado e de educação delineada pelo governo peemedebista, nem sempre
pode ser seguido ou, conforme situação ideal, nem sempre é, ou pode ser,
aliado ao critério da competência técnica.
Se o grupo gestor tinha motivos para agir com cautela em relação aos
técnicos remanescentes, estes, por sua vez se ressentiam, sobretudo pela
forma com que foram inicialmente tratados e, principalmente, pela percepção
que tiveram do grupo gestor, enquanto pessoas que tinham notório saber
acadêmico, concepções progressistas, mas que não compreendiam muito bem
o sistema como um todo e os caminhos de sua administração.
Era como se nós fossemos os inimigos, nossas contribuições não eram aproveitadas, a
não ser quando não sabiam mesmo o que fazer. É certo que havia pessoas que o
estavam dispostas a ajudar, mas eram minoria (...). uma grande diferença entre ter
uma concepção avançada de educação e saber como implementar esta concepção.
Nesse ponto, a administração Lerner era mais competente.
32
No início todos pareciam perdidos no que toca ao administrativo, ao jurídico e ao rito
processual, mas davam a impressão saber aonde queriam chegar e isso nos motivou
e, com muita paciência, fomos repassando aos chefes os conhecimentos necessários,
inteirando-os dos procedimentos e das disposições legais. A primeira resolução de
distribuição de aulas foi exemplo desse problema. Editada e, logo depois suspensa,
sendo que tanto nós [ da assessoria jurídica] quanto o pessoal da APP, alertamos o
secretário que a redação proposta estava errada. Não muito o que se inventar a
respeito, basta partir da última resolução editada e adequar suas disposições ao
momento atual da rede. Não se pode passar por cima da legislação por um ato de
vontade de um chefe ou de um dirigente (...).
33
Note que hoje eu me apercebo mais que obtive algumas informações, inclusive
errôneas, sobre o processo todo, vindas de pessoas que, em realidade, não estavam
querendo ajudar... Enfim, eu diria que o maior entrave foi esse: a falta de informação,
ou poucas informações ou, ainda, informações duvidosas que poderiam nos levar a
caminhos errados. Eu me lembro que o primeiro grande desafio que me chegou dizia
respeito à resolução de distribuição de aulas. Pediram-me que a elaborasse, em
meados de janeiro, porém deveria ter sido assinada no ano anterior. Esta demanda
não costumava ser executada pela superintendência, mas pela área de recursos
humanos e jogaram-na para mim e eu sem entender absolutamente nada dos recursos
humanos específicos do estado. Bem, esse é um exemplo, do que acontecia em
termos de desinformação e falta de dados. Existia, também, ausência de dados sobre
as escolas; os nossos núcleos estavam acéfalos, ainda não havia um chefe de núcleo
sequer (eles o haviam sido escolhidos ainda); as equipes da sede praticamente o
existiam como equipes coesas e muitos técnicos o estavam dispostos a colaborar
por que também não sabiam se permaneceriam na SEED ou não. Enfim, era uma
situação absolutamente caótica. Por muitas vezes tive vontade de desistir, de ir
embora, mas ao mesmo tempo, crescia minha vontade de superar esse grande
desafio. (...) .O quadro que se impunha era este: as aulas prestes a começar e nós
precisávamos agir e tínhamos que organizar a distribuição de aulas (...) .Outra coisa
que nos movia desde o início, também por ser um compromisso de campanha, várias
vezes reiterado pelo secretário, era a realização do concurso e, à medida em que nos
empenhamos nessa ação, muitas coisas foram ficando mais claras. Creio que é que
começa o nosso desafio e creio que muitas questões que viemos a definir depois, no
32
Técnico da equipe pedagógica do DEM em questionário distribuído pela pesquisadora.
33
Técnica da AJ (Assessoria Jurídica) em questionário distribuído pela pesquisadora.
81
nosso planejamento e até na elaboração dos nossos princípios e metas de gestão, têm
relação direta com o processo de realização do concurso que, aliás, havia sido
iniciado e depois suspenso pela outra gestão. Foi aí, nos estudos sobre a demanda por
vagas, sobre os papéis e funções dos profissionais, sobre a distribuição dos
professores na rede, que nós fomos descobrindo o que era realmente a secretaria de
educação. Nesse processo, o nosso grande apoiador foi o sindicato. Foi o sindicato
que veio a nós e apontou as falhas da primeira resolução de distribuição de aulas
suspendemos a primeira, com erros, e, logo em seguida, editamos outra (ARCO-
VERDE, 2006).
Embora dirigentes da APP confirmem, em parte, a avaliação do grupo
gestor quanto às dificuldades em iniciar a execução de suas ações em um
ambiente de “terra arrasada”, isto é, organizado para efetivar um tipo de política
educacional quase que diametralmente oposta a que era defendida pela gestão
peemedebista, na visão do movimento sindical, um outro viés explicativo
que deve ser avaliado.
As pessoas que foram para a secretaria naquele momento não eram as pessoas que
no período histórico anterior eram as mais engajadas na luta em defesa da escola
pública de uma forma geral. Isto também criou um certo descompasso no que se refere
ao não conhecer a rede, não saber onde as coisas estavam, ou, não saber onde
buscar as informações. Nós, por exemplo, da direção da APP, sofremos muitas críticas
de nossa base no início da nossa gestão, ainda no mandato anterior, pelo fato de
estarmos muito dentro da secretaria (... ). Nós conhecíamos a rede, o sistema. (...) nós
tínhamos domínio da situação da rede. Domínio esse, decorrente do acúmulo das
nossas lutas com o governo anterior. Nós sabíamos quantos professores eram
estatutários, quantos celetistas, quantos PSSs (...). Nós entendíamos da carreira,
dominávamos a nomenclatura, coisa que muita gente da secretaria não sabia, porque,
também lá, não havia dados e, no período anterior, sequer a preocupação em ter
dados qualificados à altura do que nós [os trabalhadores da educação] queríamos e
precisávamos para respaldar nossa luta. Eles também não se preocupavam com o
planejamento global. Sempre trabalhavam com programas estanques que levavam a
uma única lógica, o enxugamento de recursos. Nisso entravam, na organização interna
da secretaria, aquelas assessorias, todas terceirizadas.(...).Nós da APP, principalmente
nas negociações do plano de carreira, logo no início do governo Requião, tínhamos,
obviamente, mais condições de discutir. Conhecíamos a carreira como um todo e a
legislação a respeito e sabíamos o que tínhamos que resgatar para a categoria e como
colocar estas pautas em forma de lei. Em suma, tínhamos um pleno domínio que foi,
aos poucos adquirido pela própria secretaria e, pesando-se todas as diferenças e
divergências que tivemos ao longo das discussões, acabamos chegando a um bom
termo no final delas (FERNANDES DE CARVALHO, 2006).
Ainda na fase de transição e remanejamento de quadros da SEED,
segundo profissionais que acompanharam mais de perto os primeiros passos
da gestão, ocorreram algumas reuniões, das quais participaram, entre outros
sujeitos e entidades, a direção estadual da APP-Sindicato e a superintendente
da educação. Embora as pautas dessas reuniões fossem amplas, versando
sobre diversas questões afeitas à gestão escolar e à política de contratação e
enquadramento profissional, foi nessas oportunidades que o tema da
82
necessidade da retomada do projeto de construção do PEE e das discussões
acerca da LSE , apareceu de forma mais específica. Note-se que, em algumas
ocasiões, conversas a respeito da política de planejamento foram tabuladas
entre membros da equipe gestora recém empossada e representantes do
FPDEP (Fórum Paranaense em Defesa da Escola Pública). Segundo a
professora Maria Dativa de Salles Gonçalves, desde o início da gestão, o
Fórum, nas oportunidades que pôde, manifestara-se sobre os perigos de se
construir projetos com base em métodos espontaneístas, numa visão
equivocada, ou, em certo sentido “rasa”, do conceito de democracia, e acerca
da necessidade de abrir a discussão sobre a LSE, considerando os limites e as
possibilidades do sistema de representação burguês.
Levada a pauta ao secretário, este, a partir de diálogos com assessores
mais próximos e com a própria superintendente da educação, definiu que: (1) a
coordenação direta do projeto do PEE ficaria a cargo da SUED; (2) a CG PEE
PR seria assumida por uma assessora de gabinete que seria responsável,
além das funções inerentes ao cargo de confiança que ocupava, por uma
unidade, denominada APE (Assessoria de Políticas Educacionais). A APE, que
abrigava o PEE PR, tal como uma série de outras unidades, jurisdicionadas à
SUED, criadas, recriadas e dissolvidas ao longo da gestão, oficialmente jamais
existiu, o que, não raro, gerou problemas burocráticos para a CG PEE PR,
dado que a APE existente e registrada no SIP PR (Sistema Integrado de
Protocolos do Estado do Paraná) refere-se a uma assessoria extinta de fato, a
Assessoria de Projetos Especiais, jurisdicionada à SGE, também oficiosamente
substituída pela SUED.
Enquanto que a bandeira francamente contrária à privatização do ensino
público e a falta de interlocução entre os sujeitos da educação e o estado na
formulação das políticas educacionais era defendida pelo grupo gestor que
recém assumira, delineavam-se de forma difusa, no interior da SEED, as
prioridades e estratégias de ação dos programas que, ao longo deste mesmo
ano, teriam suas execuções iniciadas. Era comum, então, nas reuniões
gerenciais realizadas, a princípio semanalmente, entre o secretário, a
superintendência, os chefes de departamento e seus respectivos stafs, que a
gestão que se iniciara estava trabalhando em “terra arrasada” por oito anos
consecutivos de uma gestão equivocada, que retirara da escola sua autonomia,
83
dos professores, sua dignidade e do estado, sua capacidade de agir em nome
do interesse público.
Em abril de 2003, sob a coordenação da mencionada assessora de
gabinete e em estreita relação de dependência da SUED, no que diz respeito à
tomada de decisões e definições de rumo, iniciam-se os trabalhos do PEE PR.
Enquanto instrumento de planejamento e, futuramente, lei, o PEE PR
passou a ser entendido como ação “estatal”, e não “de governo”, da qual
derivariam a um tempo, indicativos procedimentais, normativos e legais.
Seria legitimado pelas próprias condições e metodologia, através das quais
seria elaborado. Seria pactuado, consensuado, realizador. Seria, ao mesmo
tempo avançado e exeqüível e, tão logo, aprovado e transformado em lei, o
que, a princípio imaginava-se que ocorreria no início do ano de 2004, seria o
balizador das principais ações estatais relativamente à educação, ao longo dos
10 anos seguintes.
34
As políticas sociais de estado, ao serem analisadas a partir dos seus
elementos dinâmicos, requerem um exercício de compreensão acerca da
historicidade, das características, dos impactos provocados e sofridos em
relação de reciprocidade, tanto ao sistema de referência, neste caso, à própria
SEED, como no espectro mais amplo, qual seja, à macro-estrutura estatal e
aos demais estratos societais envolvidos nos processos de proposição e
implementação dessas políticas. Em sendo o estado contemporâneo uma
instituição incapaz de resolver os conflitos sociais, pois que faz parte da lógica
desses conflitos, a “eficácia” social de sua atuação é restrita e, em maior ou
menor grau, determinada pelos ditames globais da acumulação capitalista. A
realização do capital não se pela esfera estatal, mas a posição mediadora
do estado frente às forças do mercado e aos desequilíbrios que tais forças,
necessariamente, provocam na sociedade, obriga que as gestões de governo,
ao forjarem suas plataformas de atuação, enfrentem politicamente os reflexos e
refrações que estas possam gerar, o que, paradoxalmente, reforça a
necessidade do planejamento e, ao mesmo tempo, lhe impõe limites.
A problemática da conformidade entre finalidades sociais das políticas
educacionais e os instrumentos de intervenção deliberada eleitos para o
34
Informação disponível na página do PEE PR no Portal Dia-a-dia Educação.
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/portal/pee/principios.php
? Acesso em 5/11/2006.
84
alcance dessas finalidades, mais do que uma questão técnica, é
essencialmente política, pois que é contingenciada por relações e posições de
poder. No caso do PEE PR e demais projetos da gestão 2003-2006, a
metodologia da “construção coletiva”, ferramenta híbrida que, pretensamente,
seria capaz de democratizar os processos de elaboração e implementação da
política educacional, implicou em relações tais que, ora funcionaram como
elemento de acomodação da ordem e das “razões de estado”, considerando os
interesses do grupo hegemônico que exercia o governo, e ora como elemento
que s a nu os limites e as contradições entre as práticas desse mesmo
governo e suas intencionalidades declaradas.
É necessário lembrar que os limites cnicos e políticos que concorrem
para o não estabelecimento de meios adequados à realização das metas
sociais pretendidas m, além de razões mais circunstanciais, alguns
fundamentos mais profundos, identificados, de modo geral, à estrutura classista
do aparelho de estado, aos perfis biográficos dos gestores e técnicos que
atuam nessa estrutura e à própria lógica de sua organização a qual, no caso do
estado brasileiro, a despeito de todos os arroubos da reformas gerenciais,
popularizadas a partir dos anos de 1980, quando se consolida nos meios
conservadores o conceito de crise fiscal, mantém-se fortemente patrimonialista
e cartorial, combinando elementos arcaicos a elementos modernos.
Em parte, o fato da gestão 2003-2006 ter se mostrado reticente em
definir uma “linha clara” que pudesse dar o “tom” dos debates acerca das
concepções mais fundamentais que se expressariam no futuro PEE PR e
demais projetos e ações, é resultante da configuração da gestão, conforme os
limites e tipificações do estado acima mencionados
35
. Ao invés de uma
concepção “impositiva” de educação, a gestão 2003-2006, ainda nos
conturbados momentos de definições iniciais, optava por balizar suas ações em
cinco grandes princípios, a saber:
Garantia de educação pública, gratuita e universal para todos os alunos da escola
pública.
Instituição de processo coletivo de trabalho e compromisso de consulta e respeito às
decisões dos sujeitos que compõem o trabalho pedagógico.
Formação escolar de qualidade, em todos os níveis, modalidades e etapas de
ensino.
35
Essa dubiedade com relação à concepção é corroborada pelos técnicos consultados mediante
questionários. Ver anexo 5.
85
Atenção às especificidades e às diversidades culturais, para uma educação
democrática.
Adoção de práticas de gestão democrática em todas as instâncias da rede estadual
de educação (PARANÁ/SEED/SUED/CG PEE PR, 2004d, p. 1 ).
A “falta de uma linha clara”, em certo sentido, pode ser interpretada
como uma diretriz confortável do ponto de vista da administração estatal, já que
os conteúdos supralegais genéricos e incontestes, sob o paradigmático e
irrealizável direito positivo, que sustentam princípios semelhantes aos
descritos, são, de fato, legítimos e legitimáveis socialmente. Os “processos
coletivos de trabalho”, no entanto, ao serem assumidos como meio de
democratizar a concepção e elaboração das políticas educacionais, apesar de
contarem com vários mecanismos de seletividade viriam, ao longo dos
acontecimentos posteriores, a contribuir para que as recíprocas contradições
internas e exógenas à gestão ganhassem visibilidade pública, o que a obrigou,
em não raros momentos, a assumir posições diretivas.
A esse respeito, lembram os gestores consultados, que, mesmo
sabendo que a construção coletiva não era o caminho mais fácil, nem isento de
riscos e imprevistos, a valorização da produção dos professores, ao contrário
do que se fazia no governo anterior, era uma marca cara à gestão, estando
presente em praticamente todas as ações. Segundo a superintendente, o que
se queria era que os próprios quadros do estado fossem os autores, os
“sujeitos epistêmicos” de sua própria ação e, tomados como grupo, da política
educacional (ARCO-VERDE, 2006; VIANNA, 2006).
A primeira fase do processo de elaboração do PEE PE reflete, em certa
medida, as vidas e temores que marcariam vários outros projetos da SEED.
O grupo gestor como um todo temia repetir a prática dos governos anteriores, o
que, em sua perspectiva, poderia contribuir para que os propósitos que a
gestão peemedebista afirmava fossem, de alguma maneira, identificados com a
política privatista dos anos de lernismo. Temia-se, enfim, que qualquer excesso
de diretividade fosse compreendida como postura não-democrática e, parte
desse cuidado tem, senão uma justificativa, uma explicação, nas próprias
respostas da rede em relação aos primeiros convites aos professores no
sentido de participarem da elaboração de conteúdos. Inserem-se aí, tanto os
conteúdos didáticos do Portal Dia-a-dia Educação, quanto os conteúdos
curriculares, das diretrizes, como a elaboração de temas para o PEE PR. Era
86
comum ouvir-se dos professores que “os documentos estavam prontos” e,
em sendo assim, a SEED precisava que os professores discutissem-nos
para legitimá-los.
De fato, durante o período da hegemonia do lernismo no Paraná, o
houve espaço para participação significativa dos sujeitos da educação nas
decisões mais importantes afeitas tanto à administração escolar, quanto à
política curricular. A gestão considerava, também, os reflexos do longo período
em que a dimensão política da escola foi praticamente retirada das pautas
oficiais – alijamento, este, bem expresso na refuncionalização da idéia de
democracia e na desimportância geral da política –, e, mais além das
determinações na condução da política local, que os sujeitos da educação
pública vinham sendo bombardeados por concepções psicologistas e
neoliberais, que reduziam cidadãos a consumidores e questões pedagógicas a
problemas de gestão, pela administração do MEC.
A partir das reuniões gerenciais, que costumavam congregar todos os
chefes e coordenadores da pasta e das reuniões do conjunto de chefes,
coordenadores e assessores dos departamentos de ensino, hábitos
paulatinamente abandonados nos anos posteriores, foi elaborado, de forma
coletiva, uma espécie de plano direcional geral, exposto pelos chefes dos
departamentos de ensino e coordenações a todos os técnicos da casa, ainda
no período de transição de quadros e ajuste do organograma que, extra-
oficialmente, passaria a vigorar. Este período de elaboração corresponde aos
três primeiros meses de 2003, sendo que, dois meses mais tarde, em maio, tal
plano inicial é publicado num formato enxuto e didático no, mencionado,
primeiro informativo da gestão e, também, apresentado pelo secretário ao
governador e demais autoridades, na chamada “escolinha de governo”, uma
das ações do programa Escola de governo, ligado à plataforma da governança
pública sob a coordenação da casa civil.
36
36
Embora ainda se pretenda analisar melhor tanto os critérios de escolha dos quadros de chefia, quanto os
impactos que estas escolhas tiveram na condução das ações da gestão, por hora é necessário ressaltar que
a dicotomia entre gestão pedagógica e gestão financeira e de infra-estrutura identificada, pelo próprio
grupo gestor, como um modelo afeito à concepção neoliberal, não foi sublimada pela gestão 2003-2006.
Exemplos disso, além da não alteração do organograma oficial da SEED, o qual, legalmente, ainda
continua com três superintendências distintas e não subordinadas entre si, são a prevalência de quadros
advindos das universidades na direção dos departamentos pedagógicos, a prevalência de quadros técnicos
mais acostumados à lida com a máquina pública, em sua maioria já atuantes nas duas gestões anteriores,
na direção das administrações de infra-estrutura, de pessoal, financeira e jurídica e, por fim, a prevalência
87
A seguir, em dois quadros esquemáticos, montados com base em
transcrições de informações divulgadas, registros produzidos para circulação
interna na SEED e registros públicos disponíveis no Portal Dia-a-dia Educação,
apresentam-se as linhas gerais da proposta inicial da gestão. O quadro 2 é
relativo aos eixos programáticos e linhas de ação, o quadro 3, refere-se à
proposta de organograma da SEED (PARANÁ/SEED/SUED, 2003a, 2003b,
2003c; PARANÁ/SEED, 2003).
de quadros por indicação político-partidária na direção dos projetos e programas ligados mais diretamente
ao gabinete do secretário.
88
Quadro 2
Principais enfrentamentos iniciais
1. Retorno do papel do Estado na administração, controle e planejamento da educação.
2. Prioridade da dimensão pedagógica na administração do sistema educacional.
3. Manutenção do processo de avaliação permanente do currículo e proposta pedagógica.
4. Respeito ao profissional da educação na garantia dos seus direitos, dignidade do trabalho,
valorização do quadro próprio e manutenção dos concursos periódicos para a ocupação e
reparação dos cargos efetivos e necessários ao atendimento da demanda.
5. Elaboração, com transparência, da política educacional do Estado do Paraná.
Principais eixos e linhas de ação correspondentes
Eixos Linhas de ação
Política
educacional do
estado do Paraná
Elaboração, em conjunto com os fóruns municipais e estadual e de outras
instituições e organizações da sociedade civil, o Plano de Educação para o
Estado do Paraná.
Currículo como
eixo fundante
Revisão, atualização e reestruturação da proposta curricular para o Estado do
Paraná com a implantação de práticas coletivas de estudos e pesquisas que
visem a melhor administração pedagógica da Educação do Paraná.
Educação como
direito público do
cidadão
Publicização da política educacional do Estado do Paraná, com a
reorganização dos serviços, da estrutura da rede e da postura do servidor
público da área de educação.
Otimização do
espaço e tempo
escolar
Revitalização da escola paranaense, com programas e projetos que
estimulem os alunos e a comunidade a participar efetivamente do processo
de formação escolar, científica e tecnológica, além das atividades culturais,
esportivas e artísticas que estarão à disposição dos alunos.
Pesquisa como
fonte de apoio às
ações
educacionais
Planejamento, estudos e pesquisas, por meio do acompanhamento e
avaliação dos sujeitos presentes nas atividades educativas, como suporte
para as definições de projetos pedagógicos e estratégias administrativas para
o desenvolvimento das ações educacionais em todos os níveis de ensino.
Apoio pedagógico
à prática
educativa
Implementação da prática de ensino dos professores, com a investigação e
atualização permanente dos conhecimentos a serem elaborados na relação
com os alunos, a partir da produção de materiais de apoio pedagógico,
ressignificação dos espaços e das propostas educacionais e da implantação
de sistemas tecnológicos que possibilitem avanços qualitativos na educação
paranaense.
Valorização dos
profissionais da
educação
Condições de trabalho e formação continuada dos profissionais da educação,
acrescidas de programas voltados para a necessária formação inicial que
habilita o professor ao exercício do magistério.
Princípios norteadores
1. Defesa da escola pública, gratuita e universal.
2. Processo coletivo de trabalho e compromisso de consulta e respeito aos atores que compõem o
trabalho pedagógico.
3. Prioridade do pedagógico sobre o administrativo.
4. Formação escolar de qualidade em todos os níveis e etapas de ensino.
5. Atendimento às especificidades e às diversidades regionais.
Quadro 3
SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO
Chefia de gabinete
Assessorias
Núcleos Regionais de Educação (NRE)
DIREÇÃO GERAL (DG)
ASSESSORIAS
Grupo de Administração Setorial (GAS)
Grupo de Orçamento e Finanças Setorial (GOFS)
Grupo de Planejamento Setorial (GPS)
Grupo de Recursos Humanos Setorial (GRHS)
Departamento de Infra-estrutura (DIE)
SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO (SUED)
ASSESSORIAS
de Gabinete da SUED (AGS)
de Políticas Educacionais (APE)
Divisão de Análise de Conjuntura
Divisão de Dados Educacionais
Divisão de Redação
de Relações Externas e Interinstitucionais
Divisão de Apoio e Acompanhamento das APMs
Divisão de Mobilização das Comunidades Escolares
Divisão de Ação Jovem e Cidadania
Atividades Administrativas
Secretaria da SUED
Divisão de Normas e Legislação Educacionais
Divisão de Apoio Pedagógico aos NREs
DEPARTAMENTOS E COORDENAÇÕES DE ENSINO
Departamento de Educação Infantil e Ensino Fundamental (DEF)
Departamento de Ensino Médio (DEM)
Departamento de Educação Profissional (DEP)
Departamento de Educação Especial (DEE)
Coordenação de Educação Indígena (CEI)
Coordenação de Educação do Campo (CEC)
Coordenações de Estudos e Pesquisas Educacionais
Coordenação de Acompanhamento e Avaliação do Docente
Coordenação de Acompanhamento e Avaliação do Discente
Coordenação de Acompanhamento e Avaliação do Diretor e Equipe Pedagógica da Escola.
Coordenação de Capacitação
Divisão de Organização e Acompanhamento das Atividades de Capacitação
Divisão de Monitoramento e Avaliação das Atividades de Capacitação
Divisão de Organização de Eventos
Atividades Complementares
Divisão de Esportes e Lazer
Divisão de Atividades Científicas
Divisão de Artes
Divisão de Jogos Educativos
Divisão do Centro de Línguas Estrangeiras
CENTRO DE TREINAMENTO DO MAGISTÉRIO DO PARANÁ (CETEPAR)
Divisão Administrativa
Coordenação Pedagógica
Portal Dia-a-dia Educação
NTEs
Educação a Distância
Coordenação de Produção de Materiais
Informática Educativa
Coordenação de Espaços de Capacitação
Divisão de Eventos
Divisão de Certificados
FUNDEPAR
Presidência
Diretoria Administrativa
Diretoria Técnica
90
Ressalta-se, nesse primeiro esboço de organização e planejamento, o
lugar de destaque dado à necessidade da recuperação da autonomia e da
dimensão pública do estado em relação à proposição das políticas educacionais e ao
envolvimento dos coletivos da escola e das representações civis na elaboração e
implementação dessas proposições.
Embora seja flagrante o desejo de operacionalizar ajustes e reformas
capazes de priorizar a dimensão pública e pedagógica em detrimento da
dimensão técnica e administrativa, seja na administração do sistema, seja na
proposição de políticas, os registros iniciais da gestão apontam alguns
problemas que viriam, mais tarde, aparecer com maior contundência. Entre
eles, expõe-se, na seqüência, os de maior destaque, entremeando-se sua
descrição com a voz dos sujeitos entrevistados e reflexões que ampliam sua
significação particular.
1) Os quadros técnicos e dirigentes da SEED tiveram dificuldades em
conformar-se em grupo coeso, capaz de elaborar estratégias que dessem
substância, dentro, é claro, dos limites que a capacidade social do estado
permite, ao conjunto dos enfrentamentos, expressos na plataforma inicial da
gestão. O próprio léxico, então utilizado, denota algumas contradições entre
concepções e, principalmente, entre o caminho que se deveria suplantar e
aquele que se deveria construir, demonstrando que as marcas do lernismo, de
alguma forma, continuavam presentes e representadas na gestão 2003-2006
37
.
Segundo a superintendente da educação, houve por parte dela, uma tentativa
de agrupar os departamentos de ensino em um único órgão de educação
básica. A tentativa não teve maior expressão ou visibilidade devido, segundo a
37
Analisando as transcrições do quadro 2, em alguns momentos tem-se a impressão de que houve lapsos
de escrita. Considerando que os pontos ali sistematizados foram diversas vezes apresentados, sendo
objeto de digressões dos vários chefes e coordenadores, a começar pela primeira grande reunião entre
dirigentes da SEED, chefes e equipes dos NREs, realizada em fevereiro de 2003 em Curitiba, no Colégio
Estadual do Paraná, e estão disponíveis à consulta pública, pode-se perguntar em que medida gica
em colocar-se na categoria de enfrentamentos a manutenção de um sistema de avaliação que se opõe aos
princípios da gestão democrática? Da mesma forma, nota-se que, embora o sentido geral da proposta
inicial seja distinto da perspectiva da administração gerencial, o léxico emblemático desta é utilizado, tal
como no item referente à educação como direito público do cidadão, o qual se desdobra na publicização
da política educacional, porém tomada em significado diverso do que, efetivamente, vinha sendo feito ao
longo do governo Lerner, ou seja, da transferência de responsabilidades de execução do setor público para
o setor público não-estatal.
91
gestora, a uma forte resistência dos chefes de departamento, os quais se
recusaram a abandonar seus cargos (ARCO-VERDE, 2006).
2) Havia, conforme exposto, um desconhecimento da estrutura funcional e
jurídica real da rede estadual, expresso pela confusão entre o que se dispunha
em termos documentais e acadêmicos sobre a rede e o seu cotidiano e
condições objetivas.
Nesse sentido, notabiliza-se que o plano de educação, tomado, a
princípio, como destaque para a definição do eixo política educacional, poderia
indicar a percepção da importância conjuntural e da possibilidade estratégica
do planejamento, porém tal percepto é desmentido no desdobramento do eixo,
quando se afirma que o PEE deveria ser elaborado em conjunto com, entre
outras instituições, os fóruns estadual e municipais de educação, os quais
existem figurativamente, posto que, no Paraná, os runs de educação sequer
são matéria da LSE
38
.
O destaque dado ao planejamento, nesse contexto, converte-se num
claro-escuro ainda mais profundo, dada a inexistência de diagnósticos
conjunturais mais precisos, de parâmetros e concepções bem estabelecidas os
quais, para além de princípios gerais e do voluntarismo renovador, poderiam
ter fornecido o substrato necessário à formulação, de forma mais consistente,
das estratégias de ação aplicáveis à elaboração do PEE PR.
3) A concepção de gestão democrática mostrava-se frágil, a ponto de se
construir e, a princípio operacionalizar, tal qual indicado no quadro 3, um
organograma, cujos elementos constituintes exoneram a concepção que o
38
É importante destacar que os fóruns acima mencionados os quais não podem ser confundidos com
os atuantes fóruns nacional e estaduais "em defesa da escola pública, gratuita e universal", fundados no
final da década de 1980, época que coincide com a discussão nacional do projeto de LDBEN, cuja
primeira relatoria foi assumida pelo Deputado Jorge Hage têm existência e incumbências
regulamentadas em algumas LSEs e/ou PEEs aprovados (Tocantins, Pernambuco, Rio Grande do Sul e
Mato Grosso do Sul, por exemplo). A existência e institucionalização de fóruns de educação para atuação
consultiva e deliberativa nos sistemas de ensino está em conformidade com espírito da CF de 1988,
porém, no Paraná, os referidos fóruns jamais foram matéria do direito educacional orgânico no âmbito da
legislação estadual. Contudo, dado o desconhecimento da organização e da realidade do sistema, por parte
da maioria do grupo gestor da SEED, os referidos runs são constantemente mencionados e, em alguns
documentos e registros (Cf. página do PEE PR em www.diaadiaeducacão.pr.gov.br
- acesso em
12/03/2006) chega-se mesmo a afirmar que a secretaria mantinha (Sic!) a interlocução com o fórum
estadual e municipais de educação e com o FPDEP, embora saiba-se que o segundo m efetiva
existência e participação na discussão, crítica e proposição das políticas.
92
justifica. Isto é, se por um lado diferencia-se, pela horizontalização, das
características que marcam os organogramas oficial e oficioso utilizados pela
gestão anterior, por outro, é extremamente multifacetado e departamentalizado.
A convivência entre funções oficiais e oficiosas, comum nas administrações
estatais, não raro provocou situações conflitantes na gestão 2003-2006,
sobretudo entre as instâncias que tradicionalmente, por razões estruturais ao
sistema de acumulação, tendem a ser geridas de forma pouco sinérgica, como
a administração pedagógica e as administrações financeira e de infra-estrutura.
O PEE PR, por exemplo, não ocupou um espaço definido, mesmo que
oficiosamente, no organograma vigente entre 2003 e 2006, que era
impossível derivar das estruturas organizacionais e funcionais superpostas e
em constante mutação da SEED, um fluxograma que definisse minimamente
as responsabilidades pelas várias ações diretas e correlatas do projeto. Já, as
superintendências de gestão de infra-estrutura e de gestão de recursos
humanos, embora sendo oficiosamente transformadas em departamentos
jurisdicionados a SUED, continuaram, para efeitos oficiais, como
superintendências, ou seja, seus respectivos chefes respondiam pública e
judicialmente como superintendentes. Note-se que, do ponto de vista da
clareza, da juridicidade burocrática e da transparência dos processos públicos,
tal situação é especialmente problemática, dado que as delegações de
competência e de responsabilidade não necessariamente guardam a devida
correspondência. Assim, nem sempre as delegações oficiais para cargos e
funções correspondem, no cotidiano das administrações públicas, aos campos
de atuação concreta e/ou refletem o potencial decisionístico dos sujeitos para
quem as responsabilidades e/ou poderes são oficialmente atribuídos. Difícil, no
entanto, é mapear e avaliar os impactos dessa incoerência político-
administrativa no que tange aos resultados das políticas públicas. No cotidiano
das administrações estatais o debate dessa relação é quase inexistente deste
ponto de vista, restringindo-se mais à esfera da competição por cargos.
A opção pela “falta de uma linha clara” conforme aludido, também
pode ser lida pela ótica da fragilidade da concepção de gestão democrática
e/ou da dificuldade em operacionalizar mecanismos no sentido de sua
construção. Porém, nesse particular, é mais flagrante a carência de sinergia
93
entre os departamentos e coordenações ditas pedagógicas entre si e, ainda
mais, o divórcio, entre as esferas de decisão da política pedagógica e as
esferas de planejamento financeiro, orçamentação e de infra-estrutura. A
manutenção dessa característica, que foi fundamental para garantir a presteza
dos esquemas gerenciais de organização e estabelecimento de parcerias
público-privadas ao longo da gestão Lerner, pela gestão peemedebista, é
indicadora de como se processaram as relações de continuidade e ruptura
entre as duas gestões. Além disso, uma análise mais sofisticada de ambos os
governos e respectivos contextos impõe uma tomada das continuidades e
rupturas à luz da análise da forma como se organiza o meio-ambiente interno
do edifício estatal, considerando a relação de dependência perceptível entre o
tipo de inserção do estado contemporâneo na economia e as possibilidades
limites democráticos de suas organizações. Em suma, as feições democráticas
gerais da gestão 2003-2006 nem sempre conseguem expressar-se
institucionalmente, o que, no caso específico da estrutura administrativa da
SEED gestão 2003-2006, demonstra certo vão entre o conteúdo (retórico) da
democracia e a pouca disponibilidade política e jurídica de concretização desse
conteúdo.
Não raro, na vasta literatura sobre gestão democrática da educação,
uma tendência de crítica aos modelos economicistas, típicos da concertação
entre a visão neoliberal e a adaptação dos esquemas gerenciais à organização
político-administrativa das redes escolares. A leitura linear desse
posicionamento induz ao juízo de que a esfera financeira não deve sobrepor-se
à pedagógica, o que é, em princípio correto e defensável, porém, de maneira
alguma, simples. Mais do que a coibição quer pelo mero aparte, quer pela
redução, ou pela inversão da mencionada sobreposição , a superação da
relação de submissão entre o domínio técnico-financeiro e o domínio político-
pedagógico na administração estatal da educação requer relações sinérgicas,
baseadas em propósitos firmemente acordados e amparados por decisões
colegiadas. Tal sinergia, devido às contradições e às complexidades, que
estruturalmente contigenciam as políticas públicas, e aos próprios interesses
particularizados e limites dos sujeitos que compõem as administrações
estatais, implicam em enfrentamentos políticos constantes. Noutros termos, a
falta de sinergia pode ser providencial, tanto para gestões francamente
94
conservadoras, como para aquelas que procuram exarar intenções
democráticas, posto que na base das (reais ou supostas) dificuldades do
estabelecimento e da prática de experiências colegiadas de administração
pública emergem, sobretudo nos momentos limítrofes dos ciclos políticos dos
aparelhos de estado, as questões da legitimação da política estatal e, por
extensão, dos grupos e sujeitos que neles exercem poder.
Estudos, como os KÜENZER, CALAZANS e GARCIA, (KÜENZER et al
2003), pesquisadores que tiveram a oportunidade de acompanhar mais de
perto o cotidiano de administrações estatais da educação, aliam análises
particularizadas a interpretações mais globais, no que tange às expressões
históricas da racionalidade do estado brasileiro. Os mencionados autores
lançam pistas para a problematização da tese, segundo a qual, via de regra,
integrações setoriais mais profundas não interessam às administrações
públicas, incluindo aí os cargos executivos menos influentes, já que estas
implicam em um domínio bem estabelecido e disseminado sobre o conjunto
dos componentes, recursos e gastos estatais. A clareza e publicidade destes
pontos, por sua vez, dificulta o exercício do clientelismo e diminui a margem de
manobra que as administrações da “coisa pública” têm, sobretudo nos períodos
eleitorais, corolários dos ciclos políticos do aparelho de estado democrático.
Note-se que poucos estudos e indicadores que demonstram a capacidade
das administrações do “estado democrático” de coadunarem “suas” prioridades
e mobilizar os recursos sociais sob seu controle ou influência em prol, não do
interesse público mas, em ações de autolegitimação das gestões. Exceção à
aludida lacuna, embora tenha pouca publicidade acadêmica, é o
monitoramento da distribuição da renda nacional, realizado desde fins da
década de 1980, pelo IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística). Os dados do instituto, regularmente interpretados pela FGV
(Fundação Getúlio Vargas), têm demonstrado a regularidade do crescimento
da renda dos brasileiros durante os meses que antecedem as eleições, vindo a,
novamente cair, no mês seguinte ao pleito (FGV, 2006). Outro fator que
facilmente induz ao alheamento dos profissionais da educação, gestores
públicos e investigadores sociais a aspectos ligados ao financiamento e à
orçamentação da política educacional é a pouca visibilidade desta matéria, tida
como extremamente complexa e de difícil compreensão para os não
95
habituados ao trato com dados contábeis. Do seu lado, os técnicos da área
financeira e orçamentária têm dificuldades em compreender o tom acadêmico
das falas, a falta de objetividade” e as discrepâncias dos materiais elaborados
por professores e pesquisadores, acostumados a pensar a educação apenas
na perspectiva da oferta.
Nas gestões pretensamente democráticas atuais, tal como a gestão da
educação do Paraná ora em foco, é mais ou menos consensual que não
política social efetiva sem recursos, não meta executável sem suporte
material. Por outro lado, também é relativamente aceito e compreendido que
os recursos estatais são, por definição, sociais e devem orientar-se, dentro de
parâmetros da justiça redistributiva, para o atendimento das necessidades e
requerimentos do conjunto da sociedade que, afinal, os gerou. Embora se
identifiquem tais consensos relativos, mantêm-se, nas administrações “plenas”
de interfaces democráticas e processos coletivos de discussão, a
funcionalidade gerencial, caracterizada, entre outros fatores, pela assimetria e
permanente estranheza entre setores administrativos, mais flagrantemente
ligados à área social, e setores da área econômica e financeira.
Analisando os reflexos e as permissibilidades geradas pela assimetria e
pela estranheza entre metiês tão interdependentes, sobretudo no âmbito das
administrações subnacionais, cabe relacionar a falta de linha da gestão 2003-
2006; seu organograma inicial, carregado de micro-unidades e divisões (as
quais abrigam dezenas de cargos comissionados) e sua resistência em integrar
equipes de planejamento financeiro e planejamento pedagógico, às pistas
analíticas acima mencionadas. Esta ligação permite dimensionar melhor a
“dificuldade” do estabelecimento de mecanismos e instrumentos efetivos de
gestão democrática na SEED, mecanismos estes, presumivelmente capazes
de integrar setores e orientar as ações e os recursos alocados pelo estado ao
atendimento das prioridades sociais. Com efeito, o problema da opção por
disseminar princípios gerais de gestão democrática e respeito honestidade
pública, ao passo que o esforço para a efetivar a organização da pasta em
moldes compatíveis com tais princípios mostra-se, ao longo de todo o período
da gestão 2003-2006, bastante incipiente, pode ser compreendido pari passu
com o fenômeno mais geral dos dilemas de legitimação das gestões públicas.
Igualmente relevante, nesse sentido, é observar, o peso que a investidura de
96
cargos de direção, com as prerrogativas e vantagens que lhe são inerentes,
tiveram para os indivíduos que acederam a tais cargos. Suspeita-se que a
motivação e as expectativas iniciais quanto à educação pública por parte dos
quadros dirigentes da SEED, os quais foram formados por grande número de
profissionais ligados à academia, foram paulatinamente sendo postas em
xeque, à medida que seus novos papéis sociais eram assumidos e
vivenciados, provocando, do ponto de vista dos sujeitos em questão,
verdadeiros dilemas identitários.
Levanta-se a hipótese de que o experimentalismo notado na primeira
metade da gestão, cujas conseqüências vão se explicitar com maior clareza a
partir de meados de 2005 deve-se, em grande parte, às vicissitudes derivadas
da composição, dos referenciais e dos perfis biográficos dos quadros dirigentes
da SEED (ver p. 65-66 e nota 25). Estas, por sua vez, relacionam-se às
circunstâncias políticas e às permissibilidades típicas da estrutura do estado
patrimonial e da racionalidade que lhe suporte, nas quais o empreguismo e
o apadrinhamento convivem e combinam-se às reservas de domínio do saber
técnico. A forma espontânea e quase desprovida de unitariedade em termos de
concepção, como as ações referentes ao PEE PR e demais projetos foram
inicialmente conduzidos pode ser, também, analisada sob este tipo de
condicionamento.
A princípio, a proposta submetida pela coordenadora do PEE PR à
SUED para dinamizar os primeiros trabalhos do PEE PR consistia em que
fosse organizado, no âmbito da SEED, um documento-base e, a partir deste,
iniciar-se-iam as discussões, convidando-se para as sessões, além dos sujeitos
da escola e da administração central e regional do sistema de ensino, diversas
representações da sociedade civil organizada e do poder público. Esta
proposta foi abandonada, em favor da coerência geral aos propósitos
defendidos pela pasta, ou seja, não haveria excesso de diretividade da parte da
SEED. A construção coletiva seria a ferramenta principal e, com base nesse
método e nos princípios gerais adotados, acreditava-se possível a elaboração
do documento, o qual, mais que um simples rol de intenções, seria o eixo
norteador da política educacional. A partir desse suposto, ainda no primeiro
semestre de 2003, é montado pela SUED e distribuído por via eletrônica a
97
chefes, coordenadores e assessores
39
o plano geral de eventos do ano. De
acordo com tal registro, o PEE PR contaria com uma fase de eventos
descentralizados e um grande evento para a consolidação do documento,
previsto para o final daquele mesmo ano.
As expectativas dos gestores, a partir de seus respectivos gabinetes,
começam a demonstrar problemas, logo que a pauta do PEE PR passou a ser
discutida nos grandes encontros entre equipes gestoras da SEED e equipes
gestoras dos NREs e escolas, realizados periodicamente ao longo de todo o
ano de 2003. O raciocínio dos sujeitos da educação mais próximos à realidade
da escola partia da mesma premissa apontada pelos gestores, mas chegava à
conclusão diversa daqueles. Concordava-se que os reflexos das mencionadas
práticas e políticas do governo local, durante a gestão do governador Jaime
Lerner, somados a introjeção do modelo de educação e concepção de escola e
sociedade difundidos pelo MEC, ao longo das duas gestões do presidente
Fernando Henrique Cardoso, embora difíceis de serem avaliados, por certo
teriam deixado marcas importantes em professores, diretores e técnicos da
educação pública. Resulta dque o PEE PR, segundo chefias e técnicos dos
NREs e diretores das escolas, não poderia ser elaborado coletivamente de
forma tão célere, que a discussão da maioria de suas pautas,
presumivelmente, exigiriam intervenções mais qualificadas, certo acúmulo de
informações, pesquisas, levantamentos e outros requerimentos técnicos, os
quais necessitariam de algum tipo de processo de formação. Trechos do
documento I Seminário Integrador. Relatório de atividades. Síntese das
reuniões preparatórias e seminários temáticos. (Versão preliminar), publicado
em abril de 2004, registram as preocupações nesse sentido, da parte membros
das equipes pedagógicas dos NREs, envolvidas nas discussões iniciais do
PEE PR (PARANÁ/SEED/SUED/CG PEE PR, 2004d).
Numa tentativa de conciliar ambos os pontos, a saber: (1) não imputar
nada “de cima para baixo” às escolas e seus profissionais e (2) obter de um
coletivo desacostumado ao embate político, desiludido com os resultados de
políticas públicas já, então, implementadas e, em sua maioria, alheio, pelas
circunstâncias históricas, aos vários aspectos políticos e técnicos envolvidos na
39
A autora era, nesta época, coordenadora pedagógica da equipe de ensino do DEM.
98
elaboração de um documento de planejamento, partiu-se para uma solução
intermediária, a qual, teoricamente, ao mesmo tempo, preencheria o vão
indicado pelos NREs e profissionais da escola e satisfaria aos “princípios
gerais” da gestão.
Como ia ficando tácito que não se poderia alavancar amplo processo de
discussão coletiva de um plano, propriamente dito, nas condições objetivas
acima descritas e, ao mesmo tempo, mantida a postura da SEED/SUED/ CG
PEE PR em atuar como instância de coordenação e não de direção dos
trabalhos, o PEE PR, outrora eixo da política educacional, passa a integrar as
ações do programa de formação continuada dos profissionais da educação.
Dessa concertação, foi gestada a primeira fase de debates coletivos, a qual
denomina-se aqui, de fase temática. No início desta fase, além da reprodução
e distribuição de uma série documentos orientadores, entre os quais um
esboço de plano decenal elaborado pela APP-Sindicato (APP - Sindicato,
2003), a partir do acúmulo de discussões realizadas nessa entidade, e da
realização de falas didáticas pela coordenadora do plano em diversas
oportunidades e eventos, aconteceu a elaboração, pela SUED/ CG PEE PR, de
uma lista de temas para discussão descentralizada nos NREs, cuja base foi
inspirada nos títulos do PNE, porém que incluía temas, assim chamados,
“social-contemporâneos”, como violência, educação cultural do discente e do
docente e meio-ambiente estes últimos, segundo a SUED, resultado das
sugestões dos NREs (ver anexo 1). Após a negociação para definir que NRE
ficaria com qual tema e quais técnicos ficariam responsáveis pelo PEE PR nas
equipes de ensino dos núcleos e nas equipes de ensino da sede, a primeira
fase é, finalmente, iniciada no segundo semestre de 2003. Agora, como um
misto de capacitação e ação de planejamento, pretendia-se que os resultados
dos “estudos temáticos para o PEE PR”, viessem a ser, paulatinamente,
ajustados, até que se pudesse chegar a um formato de plano, globalmente
orgânico e coletivamente construído. Pontificava-se que as discussões relativas
ao PEE PR deveriam ser, ao mesmo tempo, fóruns de proposições e
deliberações e espaço de formação, abertos à participação ampla dos sujeitos
da escola, das representações de entidades, do poder público e de segmentos
organizados da sociedade civil.
99
Acerca da finalidade e da importância do plano, a SUED e a CG PEE PR
explicavam aos coletivos das escolas, ao longo dos vários eventos de
capacitação, que o PEE, um plano de estado e não de governo, fruto da
participação e envolvimento de diversos segmentos da sociedade, uma vez
concluído e aprovado pelo legislativo, se transformaria em lei. Esta, por sua
vez, teria possibilidades de contribuir significativamente para o balizamento de
políticas públicas educacionais afinadas com os princípios democráticos, à
medida que o plano objetivava a melhora da qualidade da educação como um
todo.
Além do eufemismo, que marca a dificuldade prática de se demonstrar a
diferença entre o plano enquanto ação de estado ( uma instância abstrata) e
enquanto ação de governo (uma situação concreta), a importância atribuída a
ele como instrumento legal é digna de nota, haja vista a forma como as redes
de legalidade e/ou proposições legais, sobretudo no que toca às políticas
sociais do estado contemporâneo sob o capitalismo têm, na prática, suas
prescrições diluídas em seu sentido mais propriamente positivo, funcionando
mais como uma concertação momentânea, do que como instrumento de
extensão de direitos. Embora sejam visíveis as discrepâncias entre a
capacidade reguladora das leis e, mais profundamente, sejam tácitas as
contradições entre justiça e legalidade, a expectativa de diferentes extratos de
cidadãos em relação às leis e seu cumprimento é, ainda, considerável, a ponto
de, no caso específico das motivações dos sujeitos que se envolveram na
elaboração do PEE PR, funcionar como incentivo bastante contundente. Os
conflitos entre as diferentes expectativas individuais e coletivas em relação ao
teor, efetividade e abrangência da lei, também se inscrevem nessa questão.
As diferentes expectativas em relação ao plano, enquanto instrumento
legal, iriam manifestar-se com mais clareza ao longo das etapas de elaboração
nas quais houve a livre manifestação de diversos sujeitos da educação. No
relatório A voz das escolas, por exemplo, constam propostas de metas
direcionadas ao aumento do nível de emprego em determinados municípios,
como forma de colaborar para que as famílias pobres enfrentem as dificuldades
relacionadas aos investimentos na educação dos filhos. No mesmo documento,
há metas direcionadas à criação de coordenações e cargos no interior da
SEED-sede e NREs (PARANÁ/SEED/SUED/CG PEE PR, 2005 b). Num e
100
noutro caso, os conteúdos escapam às possibilidades e limites jurídico-legais
de um plano de educação, mas o caráter visivelmente em busca da justiça
redistributiva da primeira proposição e a tonalidade corporativa da segunda,
são exemplos da dificuldade dos processos coletivos de trabalho coordenados
pelas administrações estatais têm de alcançar consensos mínimos, dadas as
contradições mediatas e estruturais do próprio sistema democrático sob o
capitalismo e àquelas, de natureza mais conjuntural, geradas a partir de todo
um complexo sistema de coerção sociocultural e ideologização, pelo
mascaramento, das posições e interesses de classe presentes no meio
ambiente estatal como um todo
Outro elemento fundamental, freqüentemente aludido como componente
da lisura e do caráter democrático, ilibado e contrário aos grandes interesses
privados, que caracterizaria todos os projetos da SEED, inclusive o PEE PR, é
a própria metodologia da construção coletiva. Os fundamentos filosóficos do
referido método eram, então, expressos, discutidos e justificados pela
possibilidade de que, uma vez efetivados, fizessem convergir, na prática, as
ações individuais e coletivas dos sujeitos da educação, concretizando os
princípios norteadores defendidos, a princípio, pela gestão e, processualmente,
incorporados e vivificados pelos coletivos da educação. Nesse tipo de
pressuposição idealista manifesta-se claramente a confusão entre meios e
finalidades, tanto no que concerne à expectativa em relação à metodologia da
construção coletiva, quanto ao otimismo exacerbado em relação a seus
resultados políticos-pedagógicos.
O exercício analítico do conteúdo de minutas de documentos produzidos
na época e de alguns textos acadêmicos disseminados, ao longo do ano de
2003, pela SUED aos técnicos das equipes de ensino da sede e NREs, bem
como de algumas falas dos coordenadores e chefes de departamento nos
inúmeros eventos de capacitação realizados nesse mesmo ano, indica que a
“construção coletiva”, nos moldes híbridos adotados pela SEED PR, foi
idealizada a partir de algumas experiências pregressas realizadas em coletivos
de pesquisa no âmbito universitário e de fundamentos teóricos que, em geral,
valorizam o desenvolvimento de condições para que os sujeitos da educação
sejam construtores responsáveis de seus próprios conhecimentos e, ao mesmo
101
tempo, pró-ativos, pedagógica e politicamente, no processo de elaboração do
conhecimento (ou saber) escolar.
A necessária busca da identidade entre o trabalhador da educação e sua
condição de sujeito da educação, era, então, um objetivo, recorrentemente
mencionado e para cujo alcance, o todo do trabalho coletivo seria crucial.
Na construção coletiva das políticas da educação, construtores e construção,
processo e produto, meio e fim, convergiram no desenvolvimento de um difícil,
mas necessário, “projeto histórico alternativo” capaz de incluir as práticas,
vivências e saberes dos profissionais da escola e, ao mesmo tempo, contribuir
para que os sujeitos da educação fossem imbuídos “da postura de sujeito
epistemológico de sua ação” (PARANÁ/SEED/SUED, 2003a, não paginado).
Entre os autores mencionados na época, os quais tiveram alguns de
seus textos reproduzidos e encaminhados aos departamentos de ensino e
coordenações para fins de estudo e reflexão, estão Mara Regina Lemes de
Sordi, Humberto Maturana, Pierre Lévy, Paulo Freire e Fernandes Enguita.
Trabalhos recentes de pesquisadores paranaenses e brasileiros, relacionados
mais diretamente à crítica às diretrizes e parâmetros curriculares produzidos e,
total ou parcialmente, implementados pelo do MEC, no decorrer das duas
gestões de Fernando Henrique Cardoso, eram, igualmente, visados e
disseminados pela gestão. Entre tais produções destacam-se os textos de
Marise Nogueira Ramos (então recém empossada diretora da, logo depois
extinta, SEMTEC - Secretaria de Educação Média e Ensino Técnico),
Gaudêncio Frigotto, Alice Ribeiro Casimiro Lopes e Mônica Ribeiro de Souza,
estas últimas atuantes, na condição de convidadas, em alguns eventos de
formação promovidos pela SUED.
Embora não seja objeto do presente estudo a crítica teórica do caldo
resultante do amálgama das posições e concepções presentes no estofo da
construção coletiva, enquanto método que engendra uma concepção de
educação e um modus operandi da política educacional, cabe ressaltar alguns
aspectos desse processo.
Democracia; pesquisa em grupo; redes de pesquisa; importância da
consideração dos saberes, práticas e cotidianos próprios dos diversos sujeitos
da educação; diversidade cultural; relações horizontais na produção de
conhecimento; ressignificação e “repensamento” (das práticas, dos saberes, do
102
conhecimento, das relações, etc.); autoprodução; autonomia; sujeitos
epistêmicos; sujeitos singulares, estão entre os termos mais utilizados nos
primeiros discursos da gestão e nos fragmentos de textos acadêmicos
veiculados à época.
Compilados e “lidos” a partir de sua convergência ao ponto que
seguramente mais preocupava ao grupo dirigente a princípio, qual seja, marcar
publicamente sua diferença em relação ao passado, tanto através dos
resultados de suas ações, mas, principalmente, pela forma como estas ações
eram dinamizadas, os termos acima relacionados, além da identidade a
concepções culturalistas que seus significados sugerem, são indicativos de um
problema central, destacado na seqüência.
Uma série de pontos advogados pela SEED, tais como a
horizontalização das relações entre os sujeitos da educação, o respeito às
peculiaridades étnico-culturais e de gênero e o desenvolvimento de atitude
crítico-reflexiva entre os educadores, são, em tese, importantes, no difícil
processo de democratização das gestões da educação. Da mesma forma,
concorda-se, em tese, com dois outros supostos que mediatamente
sustentaram os argumentos defendidos pela gestão, a saber: (1) todo processo
de interação entre sujeitos é, em alguma medida, um processo de formação e
um fenômeno político e (2) em qualquer devir histórico numa totalidade dada,
processos e produtos o são momentos isoláveis e o podem ser objeto de
avaliações axiológicas em separado, posto que se imiscuem na dialeticidade
das relações que compõem e determinam a realidade.
Ocorre que, quando visados de maneira amorfa, genérica e abstrata,
não princípio, por mais defensável que seja, que possa sustentar
objetivamente a possibilidade de atualização dos ideais de democratização da
prática e da política educacional, traduzindo-se em estofo ideológico plástico e,
portanto, afeito a figurar como retórica democratista, ou seja, todo o processo
permanece objetivamente nos planos da idealidade e da ideologia. A
construção coletiva, entendida pela SEED, como instrumento capaz de dirimir
conflitos e de transformar as subjetividades dos professores e gestores da
educação, fortemente seqüestradas pelos anos de lernismo (FERREIRA, 2006;
TAVARES, 2004), em personalidades reflexivas, pró-ativas e conscientes, iria,
ao longo do processo mesmo dos embates e consensos, vivificar os princípios
103
advogados pela gestão, ao mesmo em que os expressaria nas políticas
consensuadas resultantes de tais interações, foi posta em bases idealistas e
experimentais desde o início da gestão, a começar pela simples analogia de
atribuição que parece tê-la inspirado. As experiências bem-sucedidas,
realizadas, em sua maioria, no âmbito da academia ou no âmbito da escola de
forma integrada à experiências acadêmicas, de elaboração coletiva de
pesquisas e trabalhos, aliadas à farta documentação sobre as novas faces da
produção de conhecimento e tráfego de informações, sob a forma de redes e
coletivos que mantém entre si relações de autonomia e horizontalidade, foram
importantes para delinear os fundamentos da maioria dos projetos da SEED. É,
contudo, na construção coletiva do PEE PR, do PPP e das DCEs (Diretrizes
Curriculares Estaduais), que tais influências são mais claras e definidoras.
Cabe refletir que, distintamente do que se passa em um grupo de trabalho
relativamente homogêneo organizado sob os princípios da coletividade e da
horizontalidade, o campo de discussão de uma política pública é infinitamente
maior, mais contraditório e mais complexo. Mais: os produtos de uma política
pública estatal não podem ser relativizáveis da mesma forma que os resultados
de uma pesquisa, já que envolvem recursos e esforços sociais. Resulta daí que
qualquer experimentalismo estatal tem, embora nem sempre publicamente
perceptíveis, conseqüências que ultrapassam os “experimentos”, atingindo,
mesmo que indiretamente, todo o conjunto da sociedade o qual, via de regra,
paga o preço político e econômico que sustenta, e, até certo ponto, também
justifica, esse tipo de permissibilidade tão comum no recente universo
“democratizado” das políticas sociais do estado contemporâneo.
Outro marco que pode reforçar a hipótese do espontaneísmo da gestão
e relacioná-lo a uma falta de segurança amalgamada pela “opção” não diretiva,
é a quantidade enorme de frentes de ações abertas ao mesmo tempo, sem que
se notasse uma base mais científica para o estabelecimento de prioridades por
parte da SUED e GS (Gabinete do Secretário). Não que se defenda que o
cientificismo asséptico, isto é, desprovido da dimensão da crítica político-
pedagógica da realidade educacional, seja estofo qualitativo suficiente para a
definição de um projeto de educação para o estado. Ocorre que, conforme
tematizado e reiterado neste estudo, o planejamento da política social requer
aportes de qualidade científica no sentido da consonância entre a identificação
104
dos problemas e prioridades ou seja, as diagnoses bem fundamentadas da
realidade em contexto e do extrato dessa realidade imediatamente visado na
política em questão –, as proposições e ações eleitas para o enfrentamento
dos problemas e urgências diagnosticados ou seja, a definição dos
mecanismos e estratégias intervencionistas adequadas e, finalmente, a
ativação de meios e recursos que sustentem e suportem, nos níveis
administrativo, financeiro, operacional, a execução da intervenção pretendida.
O planejamento é, pois, segundo argumento aqui defendido, um exercício
rigoroso e dialético de negação do estabelecido e, ao mesmo tempo, de
construção de novas sínteses (IANNI, 2004). A racionalidade planejadora, ao
vislumbrar as possibilidades de superação das condições dadas, nesse
sentido, aproxima-se do real na perspectiva da negatividade e da totalidade
histórica, nas quais ela própria está conscientemente inserida. (KOSIK, 2002).
Desse modo, a cientificidade do planejamento estatal, da mesma forma
que a racionalização dos mecanismos administrativos e dos recursos públicos
empregados na política social, de modo a resultarem em ganhos sociais
efetivos, não são, em si mesmas, premissas conservadoras ou tecnicistas,
pois, nesse caso, o uso político que se faz delas e a finalidade
macroeconômica para a qual convergem são os determinantes que qualificam
sua concepção e definem suas práticas. A esse respeito, a literatura consultada
permite inferir que a avalanche de modelos tecnicistas e tecnocratas de
organização e administração do estado e das políticas sociais, veiculados e
defendidos como ideais, pelos grupos conservadores a partir de meados da
década de 1980, provocou respostas conflitantes, por parte de administradores
estatais e grupos políticos considerados progressistas, que assumiram
posições de governo ao longo dos anos de 1990 (PAULA, 2005). Explica-se: a
dificuldade desses grupos está justamente em concretizar, mesmo que
relativamente, seus ideais progressistas, o que não se faz apenas no nível do
discurso crítico. A transformação possível das condições sociais desiguais,
pela via estatal, necessita de estratégias bem elaboradas de ação, consoantes
à disponibilidade de recursos e às "ferramentas", inclusive mecanismos
institucionais e de gestão, além de certo grau de legitimação e de consenso
social (SADER, 2005). Ao admitir-se semelhante formulação conclui-se que, se
é difícil atingir o objetivo da satisfação da necessidade estratégica,
105
fundamento da possibilidade de concretização da relativa capacidade social do
estado, mais complexo ainda, ou quiçá, impossível, é efetivar tal capacidade, a
partir de meios inadequados, objetivos incertos e premissas gestionárias
demasiado plásticas. É possível ilustrar a tese dos condicionamentos que
limitam a capacidade social do estado, independentemente da concepção do
grupo político que exerce o poder em suas organizações, tomando-se
expressões utilizadas e reflexões elaboradas por WALLERSTEIN (2005), as
quais, parecem ter uma inspiração gramsciniana. Na esteira do autor, é
possível depreender que, em razão de ser o estado contemporâneo um “lugar
de conflito” e uma "parte interessada" de "um sistema interessado", seu poder
transformador menos poderoso" do que os aspirantes a postos de governo,
oriundos de setores ou movimentos progressistas supunham antes de,
objetivamente, assumirem tais postos. Nesse sentido, a gestão progressista da
SEED 2003-2006, que começa afirmando que não aceitaria os
condicionamentos do sistema e do mercado (cf. citações p. 64), não consegue
definir estratégias adequadas, passíveis de dar respostas mais contundentes a
suas discordâncias quanto à forma de condução das políticas educacionais nos
moldes gerenciais. Embora fosse bem-sucedida ao realizar a tarefa, em certo
sentido política e, em certo sentido, “espetacular” (cf. p. 59-60), de amplificar e
repercutir sua crítica à forma de gestão empresarial e seus efeitos, não
consegue o mesmo resultado em termos da proposição e efetivação de
alternativas de administração e gestão democrática, competentes o suficiente
para alterar as bases da lógica conservadora estabelecida e, ao mesmo tempo,
obter grau ótimo de aproveitamento dos recursos públicos para fins públicos.
Um dos indicativos da insuficiência de asservitidade e de coesão
administrativa da gestão, pode ser relacionado aos efeitos, no meio-ambiente
interno da sede, resultante da realização simultânea, departamentalizada e,
conceitualmente, desintegrada, de inúmeros cursos, eventos e reuniões,
envolvendo, em muitos casos, interfaces com outros órgãos e secretarias e
com as universidades. A forma, aparentemente errática, de condução das
ações no primeiro ano da gestão contribuiu para que o clima de ânimo e
otimismo entre a maioria dos técnicos da casa, fosse sendo, aos poucos,
diluído. Segundo os gestores consultados, havia, em 2006, por parte do quadro
dirigente a avaliação de que esse número impressionante de eventos, à época
106
entendido como uma necessidade, foi um erro de percurso ( ARCO - VERDE,
2006).
Sem contar com um planejamento mais detalhado, ou mesmo, plano de
aplicação para cada conjunto de projetos, segundo sua natureza, a gestão
inicia promovendo uma quantidade enorme de eventos resultantes de
proposições, isoladas e/ou em conjunto com diversas instituições, dos NREs,
dos NTEs, da FUNDEPAR, da PARANÁ ESPORTE e dos grupos setoriais,
departamentos e coordenações da SEED (ver anexo 3). O volume de cursos e
eventos chega a superar em unidades e número de participantes, a média de
eventos/mês da gestão anterior. Segundo relatórios parciais de gestão da
CCPE (Coordenação de Capacitação dos Profissionais da Educação) e
CETEPAR responsável pela certificação dos cursistas e docentes no
período compreendido entre 03 de março e 11 de novembro de 2003, foram
realizados 318 eventos coordenados pela CCPE. No mesmo período, foram
emitidos 70.970 certificados pelo CETEPAR (PARANÁ/SEED/UP 2001, 2002;
PARANÁ/SEED/SUED/ CCPE, 2003; PARANÁ/CETEPAR, 2004). (ver anexo
3)
Ainda em meados de 2003, o DIE/GPS (Departamento de Infra-
estrutura/ Grupo de Planejamento Setorial) chama a atenção da SUED sobre
os altos valores gastos com eventos. A SUED define, então, critérios um
pouco mais restritivos para a promoção e execução de eventos não
diretamente relacionados aos projetos da sede. Entre estes critérios, estava a
determinação que iniciativas de cursos e atividades, a serem promovidos pelos
NREs e demais instituições, deveriam ser protocoladas e encaminhadas aos
departamentos de ensino, os quais elaborariam parecer sobre a pertinência da
proposta, remetendo-o em seguida para a SUED, que, por fim, decidiria pela
sua aprovação ou não. Este esquema de “avaliação” não funcionou por muito
tempo, dado a dificuldade dos técnicos em avaliar as proposições e o próprio
descompasso entre as esferas de decisão, que: (1) não havia critérios de
“pertinência” das propostas; (2) o havia possibilidade que os cnicos
pedagógicos relacionassem os custos estimados das propostas à
disponibilidade de recursos, por eles desconhecida; (3) não havia clareza sobre
quais conteúdos das iniciativas poderiam ser classificados como importantes
ou prioritários; (4) o havia clareza sobre o conjunto das propostas, às quais,
107
num primeiro momento, eram separadas pelos funcionários da SUED que as
encaminhavam aos departamentos, segundo sua própria lógica (por exemplo,
uma proposição sobre uma atividade relacionada à “formação humana”
proposta pelo NRE de Pato Branco, foi encaminhada ao DEM, com a sugestão
de que o/a técnico/a de filosofia fizesse a análise); (5) o papel da CCPE seguia
nebuloso, não sendo responsável por outra ação que não a execução sumária
dos eventos aprovados. Note-se que coordenação e equipe-base da CCPE
ainda eram remanescentes da UP, situação que permaneceria por mais alguns
meses.
Algum tempo depois a SUED cortou por tempo indeterminado, alegando
falta de recursos, todas as proposições regionais e institucionais de eventos.
Essa seqüência de fatos, a princípio não parece ter maiores implicações
no plano político, mas, considerando os acenos iniciais aos chefes de NREs,
quanto à sua maior autonomia de gestão, os “cortes” de ações, algumas em
andamento nos municípios, demandou algum esforço por parte da
administração da SEED, no sentido de contornar os descontentamentos
gerados pela medida.
Outro ponto que friccionou as relações entre sede e NREs foi o
problema, recorrentemente discutido, do alto índice de afastamento de
professores para cursos registrado logo no início da gestão. A previsão era que
esse índice se manteria alto ao longo de todo o ano, o que estava ferindo o
respeito legal aos 200 dias letivos e 800 horas de efetivo trabalho escolar,
conforme estabelecido na LDBEN 9.394/96. Por outro lado, NREs e SUED
concordavam, dado o grau de “mudança de rumo” entre a gestão atual e as
anteriores, que a necessidade de formação era premente nesse momento e,
necessariamente, implicaria em disponibilidade do professor fora de suas
atividades escolares cotidianas. Nesse particular, a SEED/SUED se exime
parcialmente de resolver a contradição, distribuindo aos NRE, em finais de
maio de 2003, na seqüência de uma série de formulários de consulta sobre
temas de interesse para cursos e respectivas necessidades em número de
cursos e de profissionais atendidos, um curioso instrumento de pesquisa. Nele
se contrapunha a “concordância” entre o direito à formação do professor, sem a
necessidade de reposição de aulas”, e a promoção do “atendimento qualificado
do aluno na escola, garantindo o acesso aos conhecimentos básicos, como no
108
mínimo 800 horas e 200 dias letivos” (Anexo 2 in: PARANÁ/SEED/SUED
2003b). Em caso da concordância total com ambas assertivas, caberia ao NRE
indicar como resolver a situação contraditória derivada da implementação
conjunta dessas “políticas”. Os resultados dessas enquetes não foram
divulgados, tendo, conforme suspeita da autora, sido secundarizados à medida
em que surgiam novos problemas, sucediam-se novas consultas, eram
gestadas novas idéias sobre como dinamizar novas linhas de ação, às quais
obrigavam novos ajustes no organograma inicialmente previsto... A aplicação
de sucessivas soluções provisórias e a capacidade de costurar ajustes como
resposta a seus problemas intrínsecos, quais sejam, a falta de concepção clara
de educação, as grandes dificuldades administrativas e a falta de uma
metodologia coerente de trabalho coletivo e tomada de decisões colegiadas
que, pelo menos, se aproximasse da concretização dos ideais de
democratização de seus próprios atos, movimentos e setores, constituem-se
em características identificáveis no "espontaneísmo crítico" que marcou a
gestão da educação 2003-2006.
Ao passo em que os eventos e as mudanças de orientação se sucediam,
técnicos mais experientes, com maior poder de expressão e capacidade de
influência política entre seus respectivos pares e chefes ganharam espaço,
independente da concepção de educação que defendiam. Junto com a
ascensão de alguns nomes, principia autocrítica interna em relação ao “prato
combinado” da gestão, montado com três ingredientes básicos e
complementares entre si: o respeito aos cinco princípios gerais, o método da
construção coletiva e a o-diretividade. Tal desconfiança atinge, em primeiro
lugar, aos técnicos do DEM cujos projetos principais se ancoravam no, logo
após extinto, projeto REDESABER (Rede de Elaboração e Socialização dos
Saberes Escolares), basicamente pensado como alavanca de uma série de
ações, incluindo a elaboração do novo currículo e a produção de material
didático, que tinham na tese da formação do professor-pesquisador-produtor,
seu fundamento essencial (VIANNA,2006).
Em reunião realizada em setembro de 2003, a coordenação pedagógica
e demais técnicos do DEM levaram à SUED suas preocupações quanto ao
descompasso entre suas ações e posições e as do DEF, diferenças estas que
eram ”cobradas” e tomadas como “inadmissíveis” por muitos professores
109
participantes dos eventos recentes e, para cuja resposta, no entender dos
técnicos, necessitava-se de uma concepção e linha de ação clara o suficiente
para expressar no que o progressismo da gestão 2003-2006 poderia ser
distinto das combatidas práticas neoliberais das gestões anteriores. Nessa
mesma oportunidade, quando perguntados sobre o andamento geral dos
trabalhos, os técnicos afirmaram estar exaustos, sobrecarregados de tarefas
pontuais e cientes de estarem realizando uma série de esforços vãos, pois as
mudanças de orientação constantes, sobretudo da parte dos departamentos
ligados à infra-estrutura e à assessoria jurídica, implicavam em que se
refizesse várias vezes o mesmo trabalho. A “falta de linha” e a convivência de
várias falas e, mesmo, de falas contraditórias, por parte dos, cada vez mais
“autônomos”, departamentos da SEED, foram inúmeras vezes aventadas e
discutidas, tanto interna, como publicamente. Em todas as oportunidades a
explicação das chefias era mais ou menos a mesma. Para estas, ficava claro
que tal situação não se configurava propriamente como um problema, pois, ao
adotar-se o debate coletivo como meio de gerir a educação, era previsível que
seus resultados expressassem as diferenças e contradições que, de fato,
existem na sociedade e, por certo, refletir-se-iam nos atos, movimentos e
sujeitos das organizações estatais. Esse posicionamento perfeitamente
plausível no contexto dos supostos ou das conclusões de um texto acadêmico,
não pode ser apriorística e passivamente tomado quando o objeto é a política
pública educacional, pois nesse caso, não retórica democratista ou
mecanismo de legitimação que justifique que o estado possa ou deva acionar
recursos e esforços para defender ou privilegiar as teses, os interesses e/ou as
fragilidades de determinados grupos que exercem o poder em seu âmbito, em
detrimento dos interesses e expectativas da coletividade social que o financia e
o sustenta institucional e politicamente. Suspeita-se que essa nuança, embora,
paradoxalmente, possa ser interpretada como uma visão realista do estado sob
o capitalismo por parte das chefias e superintendência da educação, ocasionou
preocupações entre os quadros dirigentes do partido do governo e,
indiretamente, provocou maior atenção a projetos, apartados do currículo
escolar e com fortíssimo apelo público, que foram, a partir de 2004, se
desdobrando da CAC (Coordenação de Atividades Complementares), tais
como o FERA (Festival de Arte da Rede Estudantil) e o ComCiência,
110
jurisdicionados diretamente ao GS. Afinal, segundo conceito das chefias, o a
certo ponto “natural” descompasso interno, ficou evidente e foi, finalmente,
aceito como problema pelo conjunto dos gestores, no início de 2006, quando a
falta de sinergia e de uma clara idéia do que a gestão em curso entendia e
desejava para a educação pública do Paraná ficaram cristalinas nos textos das
diretrizes curriculares.
Considerados concluídos pelos departamentos e coordenações em
finais de 2005, o conjunto de textos das diretrizes curriculares foi “unido” às
vésperas da preparação do processo de licitação da impressão, processo este
suspenso pelo secretário, que resolveu coordenar uma tentativa de gestão
colegiada e integrada, ao submeter os textos das diretrizes à apreciação do
coletivo de técnicos, chefias e coordenadores da casa.
“A casa caiu”, dizia-se, à boca pequena, ao longo dos árduos quarenta
e três dias de trabalho concentrado objetivando a revisão, crítica e
homogeneização dos textos das diretrizes. Note-se que a expectativa era que
as escolas da rede iniciassem o ano de 2006, ano eleitoral, com as novas
diretrizes e toda a programação, já, então, amplamente divulgada, dos eventos
de capacitação desse ano fora pensada com foco em sua implementação.
Contando, mais uma vez, com a capacidade adaptativa da gestão e de seus
técnicos, a programação do ano foi mantida, mesmo estando seu objeto
principal, as diretrizes, recém rediscutidas, suspensas e aguardando a
aprovação final para que seus conteúdos fossem, na íntegra, divulgados e
disseminados.
Anos antes, porém — no segundo semestre de 2004 —, como resultado
da primeira crise interna, em grande medida alavancada pelo DEM,
começaram a ocorrer mudanças de técnicos entre os departamentos e
coordenações, num ritmo e volume muito maiores do que usualmente se
registrava em gestões anteriores, segundo percepto dos funcionários mais
antigos. Esse nível acentuado de mudanças continuaria a ocorrer nos anos
posteriores.
Integrado ao movimento geral da pasta e atingido pelos constantes
“altos e baixos” da gestão, o PEE PR era dinamizado, contando para isso,
basicamente, com o trabalho de uma única pessoa, a sua coordenadora geral.
Entre os meses de maio a dezembro de 2003, os NREs realizam os encontros
111
descentralizados para discutir e elaborar, cada qual, sua temática eleita. Os 32
NREs preparam seus respectivos encontros e organizaram seus trabalhos de
forma relativamente autônoma, embora mantivessem interlocuções constantes
com a SUED/ CG PEE PR. Segundo o documento I Seminário Integrador.
Relatório de atividades: síntese das reuniões preparatórias e seminários
temáticos:
Cada NRE estabeleceu cronograma de trabalho para debater com os grupos
organizados pelo Coordenador da Atividade o tema previamente escolhido em reunião
com as Chefias de Departamento da SEED e dos NREs. A SUED sugeriu, aceitando
indicação dos NREs, que fossem feitas pelo menos quatro reuniões preparatórias para
integrar a discussão sobre os temas nos NREs e chamamento à comunidade. Desse
modo, ficaram estabelecidas pelo menos três grandes momentos de discussão das
propostas do PEE:
a) os Seminários Temáticos (...).
b) o Seminário Integrador, marcado para abril de 2004, foi sugerido como uma segunda
etapa de trabalho, na qual as propostas construídas coletivamente e revisadas em
reuniões técnicas com as equipes de ensino da SEED e integrantes das equipes
pedagógicas dos NREs o objeto de discussão, a partir do documento de referência
que reúne todas as propostas, composto em versão preliminar.
c) o Seminário de Consolidação, terceira etapa do trabalho de construção coletiva do
PEE, em que haverá novos debates com vistas à elaboração de um documento final,
com base no resultado de seminários anteriores (PARANÀ/SEED/SUED/CG PEE PR,
2004d, p. 10 -11).
Nesse meio tempo a CG PEE PR realizou intenso esforço de
comunicação
40
, a fim de proceder a orientação aos membros das equipes de
40
O excesso de adjetivação da frase justifica-se pelo fato de que a comunicação, no ver desta autora,
constitui-se em um dos problemas históricos mais sérios na administração da educação, considerando-se
aí, tanto o tráfego interno na SEED-sede, como entre ela e os NREs e os NREs e as escolas Em geral, as
informações passam por vários sujeitos e acabam, ao longo do percurso, gerando vários entendimentos, o
que, não raro, causa transtornos e confusões. No cotidiano da SEED, são inúmeros os exemplos desse tipo
ruído, o qual geralmente combina-se à problemas de cunho administrativo. No caso do PEE PR, por
exemplo, no que tange à formação dos coletivos que deveriam participar dos seminários e eventos, era
comuns situações dessa ordem, as quais prejudicaram a qualidade dos debates. Apesar de serem definidos
em conjunto com os NREs, os critérios de inscrição dos participantes, os quais, aliás, foram também
acordados pelas entidades envolvidas no primeiro ano de discussão, muitos sujeitos vinculados à rede
estadual que participaram da primeira etapa de elaboração do plano, alegam ter sido impedidos de
integrar as etapas subseqüentes, contrariando, portanto, os critérios acordados. Por outro lado, muitos
professores, presentes aos eventos como representantes de suas respectivas bases escolares e NREs,
declararam publicamente não saber o que estavam fazendo na discussão do plano, uma vez que não
sabiam nada a seu respeito. Ressalte-se que esta inobservância dos critérios de participação em cursos e
eventos não pode ser aprioristicamente tomada como atitude deliberada ou conspiratória dos NREs e
diretores de escolas, mas sim como resultado mediato da falta de coerência administrativa, que a
maioria dos responsáveis nos NREs pela inscrição de docentes em cursos e eventos promovidos pela
mantenedora são auxiliares administrativos que m pouco diálogo com as equipes de ensino e pouco
domínio sobre as especificidades e requerimentos dos projetos da sede. Esse problema foi dirimido a
partir do II Seminário Integrador, devido a que, em sua fase preparatória, a CG PEE PR contatou, via
telefone e e-mail, um a um, todos os responsáveis pelo plano nas equipes de ensino dos núcleos,
solicitando que observassem os critérios de participação constantes nos formulários antes de efetuarem as
inscrições dos seus NREs. Menos importante que o problema mencionado, porém ilustrativo dos
transtornos relacionados à entendimentos dúbios, enfrentados pelas equipes da administração da
educação, refere-se a uma suposta conferência do PEE PR a ser realizada em julho de 2005. Pouco antes
112
ensino dos NREs e da sede envolvidos com o PEE PR. Para que os estudos
temáticos surtissem o efeito esperado era preciso que todos os cnicos
responsáveis pelo PEE PR nos NREs compreendessem a natureza e as
dificuldades envolvidas no projeto. Nesse sentido, a CG PEE PR procurou
esclarecer e debater a proposta de trabalho com as equipes pedagógicas das
32 instâncias descentralizadas e da própria SEED. Embora cada NRE
estivesse trabalhando com uma temática distinta, era preciso, segundo a CG
PEE PR, estabelecer parâmetros únicos de apresentação dos relatórios
parciais, o que daria maior legibilidade ao conjunto de textos, os quais, ainda
antes de serem indexados num único documento, passariam por revisão pelos
técnicos das equipes de ensino da sede. Com esse objetivo, a CG PEE PR
elaborou um documento orientador e o disseminou, por via eletrônica, entre os
técnicos responsáveis pelo projeto. Basicamente, as orientações, apontavam a
necessidade de que os resultados encaminhados a SEED contivessem: (1) um
diagnóstico balizado e consubstanciado com dados; (2) diretrizes político-
pedagógicas, consideradas as (Sic!) diretrizes estaduais
41
e nacionais, estas
últimas, conforme o PNE (Plano Nacional de Educação); (3) objetivos e metas,
sendo que, os objetivos deveriam “trazer uma clara intenção finalística”, já, as
metas deveriam “objetivar um dado quantitativo mensurável”, embora
pudessem, também, ser apresentadas metas qualitativas, em situações onde
“não (...) [fosse] possível estabelecer um indicador temporal ou quantitativo”
(Ibid, p. 11).
No que concerne às orientações sobre a apresentação do relatório de
descrição das atividades realizadas em cada um dos NREs, incumbência
também assumida pelos técnicos coordenadores do PEE PR, a CG PEE PR
tomou o cuidado de registrar as prováveis dificuldades que os grupos de
das férias escolares de inverno do mencionado ano, a CG PEE PR e a SUED receberam inúmeros
telefonemas dos NREs e escolas pedindo maiores informações sobre a tal conferência. Sem saber do que
se tratava, a CG PEE PR perguntou aos solicitantes qual era a fonte dessa informação, pois não havia
nenhuma conferência prevista para aquele mês/ano. Alguns deles responderam que a informação teria
sido veiculada por NREs vizinhos e outros, pela equipe da SEED/DEF. De fato, naquele momento, havia
técnicos no DEF que coordenaram o GT (Grupo de Trabalho) de educação infantil e ensino fundamental
nos seminários integradores e, pouco depois, descobriu-se que a tal conferência era, em realidade, um
pedido de "conferência do texto" , sistematizado pelo mencionado GT e enviado a toda a lista eletrônica
de interlocutores do PEE PR, para efeitos da socialização do conteúdo ali expresso e para eventuais
correções.
41
Note-se que não havia, à época, as diretrizes estaduais, pois as mesmas estavam sendo, tal como o PEE
PR, coletivamente elaboradas.
113
trabalho iriam enfrentar. Tais dificuldades, apontadas por técnicos, chefes de
NREs e diretores de escola nos meses iniciais da gestão, foram assim
sintetizadas:
a) (Sic) pouco ou nenhuma discussão anterior sobre o tema proposto;
b) falta de dados sistematizados para compor o diagnóstico;
c) desconhecimento dos conteúdos do PNE e de outros documentos relativos à
construção de planos educacionais;
d) apatia e desconfiança em relação à efetividade ou cumprimento das ações
propostas num plano dessa natureza;
e) dificuldade de trabalhar no coletivo, dada a cultura das decisões de gabinete, ou
impostas à base (Ibid, p.12).
Os 32 NREs realizaram as reuniões preparatórias e os seminários
temáticos da forma como julgaram mais adequada e, conforme é dado a
perceber pela análise dos resultados dos relatórios encaminhados a sede/ CG
PEE PR, suas respectivas composições dirigentes e funcionais foram
determinantes para caracterizar as opções teóricas e metodológicas dos
encaminhamentos efetuados (PARANÁ/SEED/SUED/ CG PEE PR, 2004d).
Nessas reuniões e seminários foi considerável o envolvimento de
representantes sindicais, núcleos e professores universitários e representantes
de movimentos sociais, porém dado o caráter temático da fase, os efeitos das
discussões foram pouco evidenciados no âmbito estadual.
Alguns temas, especialmente de difícil recorte, como “educação cultural
do docente” e “educação cultural do discente”
42
, obtiveram resultados pífios em
relação ao escopo de contribuir para a elaboração de um plano decenal,
embora não se possa negar o esforço de elaboração dos participantes. A
proposição destas temáticas se deu no momento inicial, o qual, conforme
descrito, além de conturbado, não parece ter se concentrado na compreensão
da realidade educacional e no dimensionamento de seus problemas e
urgências. Acresça-se a isto, a fragilidade dos quadros técnicos da rede,
incluindo a sede e suas demais instâncias. Tais elementos colaboraram para
que semelhantes temáticas não fossem previamente criticadas e analisadas,
antes que sua proposição, como temas "para o plano de educação", fossem
aprovadas, confirmadas e desenvolvidas pelos coletivos. Era previsível a
dificuldade elaborar significados e sínteses a partir dos temas "educação
cultural do docente" e "educação cultural do discente", já que ambos, não
42
Percebe-se aí uma relação entre a temática eleita e a lógica do organograma inicialmente proposto (ver
p. 78).
114
contavam com ementários ou outras formas indicativas de concepção que
pudessem direcionar minimamente seu desenvolvimento
43
. Os NREs e
coletivos tiveram essa dificuldade e, diante dela, se apropriaram do termo
"educação cultural" de forma variada, de acordo com suas próprias lógicas e
visões. Outra dificuldade, no mesmo sentido, visível nos relatórios elaborados,
foi a de distinguir a tal "educação cultural" entre discentes e docentes, o que
seria também previsível, dado que a dimensão da cultura e da educação
guarda, segundo as concepções e acepções mais unitárias, sentido geral e
universal, variando, é claro, em forma e complexidade, conforme as condições
de apropriação apresentadas pelos sujeitos, ou seja, conforme suas condições
objetivas e seus contextos pessoais e sociais. Desse modo, os temas visados
acabaram por gerar metas e propostas desconexas, versando, em sua maioria,
sobre conteúdos éticos e morais ora generalizados, a ponto de tornarem-se
abstrações, ora particularizados, a ponto de identificarem-se a epifenômenos –,
os quais, a rigor, tanto do ponto de vista técnico, como do político, não podem
ser traduzidos em metas e indicadores mensuráveis, embora, à sua maneira,
façam parte dos grandes temas educacionais. Outras propostas, mais
objetivas, é verdade, mas igualmente inadequadas aos escopos gerais do PEE,
versavam sobre a garantia de acesso a bens culturais diversos, mediante
subsídios estatais, para professores, alunos e comunidades, tais como cinema,
teatro, eventos, palestras, cursos, etc. (PARANÁ/SEED/ SUED/ CG PEE PR,
2004b; ibid., 2004c)
Outro ponto que merece destaque nesse processo é a participação
quase formal dos técnicos e dirigentes da SEED. O pouco envolvimento das
chefias e corpo técnico na elaboração do plano, ao longo de toda a gestão,
pode ser, em parte, explicado pelo ritmo frenético das atividades da pasta
aliado à ausência de prioridades claras de gestão. Contudo, é notório que,
entre o grupo dirigente, podiam ser identificadas as mesmas limitações em
relação aos temas do planejamento público e aos planos decenais de
educação que eram, por ele mesmo, observadas nos profissionais da escola. A
falta de quadros técnicos competentes no que tange ao trato do planejamento
43
Note-se que os demais temas para discussão e elaboração do esboço do plano também não contavam
com indicações semelhantes às citadas. Ocorre, porém que, distintamente destes dois temas em especial,
os demais são mais auto-evidentes e/ou mais disseminados e presentes na cultura escolar.
115
global da educação e/ou proposição de ações com enfoque para além da
dimensão micro-setorial, tanto na sede como nos NREs é, no caso particular do
plano, evidenciada nas primeiras ações do projeto, o que torna
extremamente contraditória a opção por tratá-lo como uma ação, ao mesmo
tempo, de capacitação e de elaboração de política pública.
Com efeito, as falas da SUED e CG PEE PR, ao longo do ano seguinte,
justificavam a opção por iniciar os debates discutindo temas, e não
propriamente o plano, pela limitada qualificação dos sujeitos da escola,
principais agentes do debate e da elaboração coletiva do documento. Da
mesma forma, ao longo dos debates públicos do Pré CONED (Congresso
Nacional de Educação), I e II Seminário Integrador, membros dirigentes da
SEED admitem que também para eles, representantes da instância
coordenadora do projeto, o processo de elaboração do PEE PR, havia sido, até
o momento, um aprendizado sobre o complexo tema do planejamento público.
Como coordenadora do projeto que “dependia” dos resultados do debate
coletivo, a SEED tentava se posicionar institucionalmente ao mesmo tempo, no
centro e à margem do processo de elaboração do plano. A impossibilidade de
sustentação política dessa posição junto à totalidade dos interlocutores do PEE
PR bem como, os limites do processo de construção coletiva, pulverizado, a
princípio, em temas e sem uma clara diretividade, evidencia-se quando a
primeira versão do PEE (documento 2) foi divulgada. Note-se que a ampla
divulgação, em papel e ambiente eletrônico, de todas as etapas de elaboração
(mediante relatórios sistematizados pela CG PEE PR) e dos textos integrais de
todos os registros e documentos é uma característica dos trabalhos do plano,
que também manteve, ao longo do intervalo entre junho de 2003 a agosto de
2006, vésperas do período eleitoral, um fórum eletrônico aberto à intervenção
pública.
Resultado da compilação dos textos sistematizados pelos NREs, a partir
dos seminários temáticos, o documento 2, em formato tablóide, teve 50 mil
cópias reproduzidas e distribuídas a todas escolas públicas e conveniadas,
além de entidades civis e sindicais, órgãos públicos, secretarias e poder
legislativo. Embora ainda não tivesse a pretensão de estar estruturado em
forma de plano educacional, o documento 2 é problemático em vários
aspectos. Não uma organicidade mínima entre os temas como um todo, o
116
que era previsível, e até mesmo aceitável, considerando as condições em que
foi elaborado. Porém, no interior dos textos, considerados particularmente,
contradições visíveis, tal como se nota em produções resultantes de exercício
de “colagem” e superposição de idéias sem uma lógica conceitual mínima.
Assim, nos textos do ensino médio e da gestão, por exemplo, convivem,
na mesma argumentação, defesas pontuais do caráter público da educação
das maiorias e proposição de metas e ações direcionadas ao incremento de
parcerias público-privadas, ao aprofundamento da interface entre a escola e o
“mundo do trabalho” e à maior autonomia para as APMFs (Associação de Pais,
Mestres e Funcionários), entidades, a rigor, privadas. Este tipo de contradição
demonstra que a concepção geral da gestão 2003-2006, embora fizesse algum
eco na subjetividade dos sujeitos da escola e nos técnicos da sede e NREs
que, respectivamente, revisaram e sistematizaram os textos, não chegou a ser
compreendida por estes, permanecendo muito vivas as idéias e práticas da
visão gerencial da gestão e administração da educação. O texto do ensino
médio, dentre todo o conjunto, é o que mais se destaca no sentido de uma
verve francamente neoliberal, ajustada aos ditames gerenciais e à concepção
de escola média segmentada, dual, com currículos adequados unicamente aos
requerimentos do mercado. Curiosamente, não se sabendo por quais caminhos
e quais mãos o texto passou, seu conteúdo é resultante de várias corruptelas,
amalgamadas a partir de um diagnóstico produzido pela UGE (Unidade
Gestora Estadual) jurisdicionada ao DEM, a propósito da submissão, no início
de 2004, de um projeto de investimento ao MEC/BID, destinado ao ingresso do
Paraná ao convênio do PROMED (PARANÁ/SEED/DEM, 2004). Dada a
natureza do projeto de investimento, amarrado por componentes pré-
determinados pela política setorial dos organismos internacionais e pelas
rubricas fixas em percentuais de receitas de capital e despesas correntes, seu
conteúdo jamais poderia ser base para um texto de plano educacional que
pretendia ser um instrumento para obtenção dos avanços educacionais, na
esteira da forma pública e da democratização do sistema de ensino como um
todo. Também dignos de menção, sobretudo considerando que o escopo
mediato dos estudos temáticos era a elaboração de um plano estadual e que a
construção coletiva seria o meio para atingi-lo, são os efeitos que textos, como
o mencionado, provocaram ao longo dos debates subseqüentes. Seus
117
“autores”, ou seja, os professores, técnicos e representantes de entidades que
participaram das elaborações dos temas para o PEE PR, muitas vezes
declaravam não se reconhecer no resultado final do documento 2, os
técnicos e as chefias da sede imputavam a diferença entre o teor dos debates
e o teor do conteúdo dos textos às próprias características da elaboração
coletiva.
O documento 2 é, em certo sentido, um bom retrato do conjunto de
questões não enfrentadas, ou não percebidas como problemáticas, pela gestão
ao longo de seu primeiro ano. A julgar, apenas pelos resultados do documento
2, o desconhecimento global da estrutura e funcionamento da rede e do
sistema de ensino pelos sujeitos da educação parece tal e qual apresentava-se
no início da gestão, assim como pouco parece ter sido alterada a fragilidade,
identificada nos profissionais da escola e da administração pública, quanto as
habilidades de coletar, selecionar, tratar e interpretar dados e indicadores
educacionais. O aprofundamento teórico das concepções mais progressistas
de educação não é dado a perceber de forma sistemática, ao contrário, as
tendências multiculturalistas, construtivistas e fenomenológicas, quase vazias
de sentido de classe, delineadas dos PCNs, parecem ganhar centralidade,
ressignificando-se. Da mesma forma, não se nota um movimento de crítica
mais substancial aos modelos conservadores e reativos de organização do
sistema central e das unidades de ensino, então hegemônicos no período
lernista. A questão sobre como se daria a articulação do planejamento de
metas decenais ao currículo que seria proposto para o estado mediação
difícil, mas necessária, posto que um conteúdo não inclui abertamente o outro
no âmbito de suas respectivas ações particulares, mas que devem integrar-se
no horizonte da política educacional assumida pelo estado— parece não ter
sido apontada, permanecendo subtendida no entendimento tácito e
questionável de que plano educacional e currículo escolar o conteúdos
absolutamente distintos.
Se, por um lado, o documento 2 é expressão de ausências e
incoerências, por outro, enceja uma positividade inédita, se consideradas as
experiências pregressas de elaboração de planos educacionais no estado.
Estas resultaram em documentos tecnicamente qualificados, porém, com
exceção do plano de 1973, cujos componentes eram pré-definidos pelos
118
critérios dos acordos MEC-USAID, não chegaram a ser sequer parcialmente
executados. As próprias oposições discursivas e falta de lógica interna que
apresenta, demonstram, que havia um caldo positivo de diferentes posições
dentre os quadros estatais e representações civis organizadas afeitas à
educação. Ao passo que transparecem no documento 2, posições claramente
críticas ao modelo de educação vigente, posições ingênuas e posições
conservadoras ainda havia, à época que este foi compilado e distribuído, uma
forte disposição entre os profissionais e entidades envolvidas na elaboração do
plano para debatê-lo e aprofundá-lo.
Essa disposição foi certamente um dos elementos que motivou a ampla
e crítica participação, nas atividades do I Seminário Integrador do PEE PR, de
representantes de entidades ligadas à educação, de quadros sindicais e
ligados ao FPDEP, de professores universitários, do poder legislativo e, pela
primeira vez, ainda de forma coadjuvante, da SETI, representada pela
Coordenação de Ensino Superior.
44
O I Seminário Integrador, realizado em Curitiba, em abril de 2004, foi
precedido de composição de mesa com autoridades presentes e palestra da,
então, presidente da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação). Os trabalhos, organizados em quatro oficinas de integração (níveis
de ensino, modalidades de ensino, financiamento e gestão e ensino superior),
subdividas, ao longo das etapas de discussão, em grupos menores, foram
coordenados por profissionais convidados, entre eles, professores
universitários (UEL Universidade Estadual de Londrina e UFPR), membros
do FPDEP, da APP-Sindicato e cnicos da SEED e da SETI. Os
coordenadores organizaram a produção de relatórios parciais de suas oficinas,
divididos em dois tópicos principais: (1) descrição das atividades por oficina e
subgrupo e identificação de seus participantes; (2) resultados das discussões;
apontamentos, sugestões e críticas ao documento 2; sugestões para
encaminhamentos futuros.
44
No que respeita ao envolvimento da SETI, embora se registre um acordo, formalizado em reunião entre
secretários, no sentido de que as duas secretarias, SEED e SETI, seriam proponentes do PEE PR, sua
participação passou a ser mais definidora e assertiva a partir da constituição, em 2005, da equipe de
reelaboração do documento 2, responsável pela sistematização e ajuste dos registros que deram origem ao
documento 3, denominado Plano estadual de educação: uma construção coletiva (Versão preliminar).
119
Na plenária final do I Seminário, foi acordada a necessidade de
realização de, no mínimo, mais duas etapas de discussão, sendo que uma
delas deveria atingir diretamente as bases do sistema, ou seja, as escolas e
outra, mais representativa, a qual, contando com os registros dos
encaminhamentos das bases, faria nova avaliação coletiva. Tal proposta foi
sendo costurada por alguns participantes ao longo do evento, como uma
possível forma de superar a discussão temática sem, no entanto,
desconsiderar as produções e os estudos realizados nos municípios sob a
coordenação dos NREs. Outros pontos levantados foram: (1) a dificuldade de
reunir para o debate as representações do ensino superior, dificuldade esta
assumida publicamente tanto pela SEED, como pela APP, quanto pelo FPDEP;
(2) a necessidade de definir, no plano, as competências e responsabilidades
quanto a manutenção e execução das metas ali propostas, o que seria
possível mediante uma discussão da legislação de sistema, o que, segundo
proposta avaliada pela plenária poderia ser, em último caso, agregada ao texto
do PEE PR; (3) a incoerência entre o discurso democrático que permeava as
ações da SEED, inclusive o PEE PR, e as ações da pasta. Note-se que, nesse
período, a SEED ainda mantinha relação constante de diálogo com o FPDEP e
a APP-Sindicato, instituições, aliás, de difícil lida institucional, pois embora não
tenham a mesma natureza e finalidades, na prática, freqüentemente são
identificadas pelo estado de forma monolítica, dado que, no Paraná, ao longo
dos últimos dez anos, boa parte das figuras-chave que as representam
transitam entre as duas instituições.
Os registros encaminhados pelos coordenadores, embora não fossem
de todo legíveis, eram unânimes em alguns pontos, entre eles, a falta de
organicidade do documento; o caráter precário da maioria dos diagnósticos; a
necessidade de retirar-se os temas sociais contemporâneos do rol de itens do
documento e incorporá-los, como conteúdos complementares, na medida do
possível e aceitável, nos textos do plano (PARANÁ/SEED/SUED/CG PEE PR,
2004d).
A nova capitulação sugerida no I Seminário foi a tradicional entre os
PEEs já aprovados ou em fase de elaboração, organizado em níveis
(educação
infantil, ensino fundamental, médio, inclusive na forma integrada ao ensino
profissional, e superior); modalidades
(educação especial, educação de jovens
120
e adultos, educação do campo, educação escolar indígena) e eixos
(financiamento da educação, gestão democrática do sistema estadual de
educação, formação e valorização dos trabalhadores em educação e
acompanhamento e avaliação do PEE PR).
A limitação do espaço destinado aos temas sociais contemporâneos na
proposta de estruturação do plano, que vinha sendo debatida pela CG PEE
PR assim que os textos do documento 2 começaram a ser sistematizados
pelas equipes dos departamentos de ensino, não é bem compreendida pelos
NREs, sobretudo o de Curitiba, que via em seu tema de discussão, “a cultura
de paz e a segurança nas escolas”, um problema, cuja centralidade indicava a
necessidade de que a matéria figurasse em capítulo especial do plano, além de
merecer a redação de metas específicas distribuídas em todos os demais
capítulos.
A não inclusão, em forma de capítulos específicos, dos temas sociais
contemporâneos na versão final do PEE PR foi, desde então, recorrentemente
discutida, sendo grande a dificuldade da SEED em explicar aos coletivos de
professores que o tratamento dispensado a eles deve-se à natureza e aos
limites do plano, documento que não tem a capacidade de gerar metas
executáveis nas áreas da política de segurança pública, meio-ambiente, fiscal,
trabalhista e de infra-estrutura, embora a política educacional, em suas
matérias singulares, perpasse e seja perpassada por todos os requerimentos
societais. A expressão de urgências sociais diversas num plano educacional,
mais do que mera confusão derivada da “ignorância” dos sujeitos que as
propuseram, deve, também, ser analisada a partir de um viés mais global, pois
indica claramente a falta de efetividade blica e governamental nos diversos
campos da política social.
A flagrante frustração de muitos professores envolvidos com a
elaboração do PEE PR, observada ao final da fase temática, demonstra o
quanto expectativas falsas em relação à capacidade social do estado e ao
poder de concretização de suas leis são cristalizadas na consciência pequeno-
burguesa e proletária. Por seu turno, a administração estatal conta com esse
tipo de expectativa para ativar os processos de legitimação erigidos sob a
sustentação de modelos democrático-participacionistas, porém, não raro, lança
mão como na situação acima exposta de mecanismos seletividade –nesse
121
caso uma justificativa tecnicamente plausível para escamotear ou relativizar
seus próprios limites gestionários e estruturais.
Outra questão, inserida na pauta da plenária final do seminário, mas
que, dado o caráter imaturo do documento 2, não chegou a ser consensuada
foi a decisão acerca da formação de uma comissão de redação, a qual, a
princípio, seria formada por representes da SEED, da SETI, da APP-Sindicato,
do FPDEP, da UNDIME/PR (União Nacional dos Dirigentes Municipais/ Sessão
Paraná ) e do CEE. Segundo programação inicial, ainda no ano de 2003, tal
comissão seria responsável pela redação final do documento do PEE PR.
Os encaminhamentos e relatórios das oficinas do I Seminário Integrador
propuseram que a intensificação da discussão do plano a partir das bases.
Como a operacionalização dessa nova etapa caberia à SEED, o entendimento
da SUED e CG PEE PR foi o de organizar, aproveitando a capilaridade que o
sistema dispõe, uma espécie de consulta às escolas e suas comunidades.
Tendo como base o documento 2, uma extensa bibliografia de apoio sugerida
pela SEED e pelas representações presentes no I Seminário, os relatórios do
citado evento e as bases públicas de dados educacionais, as escolas públicas
e conveniadas do estado foram, no segundo semestre de 2004, convocadas,
via NREs, a reunir seus coletivos e convidados para discutir o plano
educacional do estado, tendo como principal objeto, a análise do documento 2.
Os estabelecimentos públicos e conveniados do estado estavam de
posse do documento 2 e todos os registros relativos ao conjunto de ações do
PEE PR estavam disponíveis à consulta pública na página institucional do
projeto, abrigada no Portal Dia-a-dia Educação, a qual, contava, também, com
links de acesso a outros documentos, publicações e bancos de dados, todos
afeitos ao tema do planejamento educacional. A mencionada preocupação da
CG PEE PR em registrar e disseminar todas as ações do projeto desde seu
início foi fundamental para a viabilizar essa ação consultiva e descentralizada.
Os NREs ficaram responsáveis por receber e repassar às escolas as
orientações da CG PEE PR, que optou por elaborar um modelo padronizado de
formulário, a ser preenchido pelos NREs, no qual constavam separadamente
os itens: críticas (ajustes); sugestões (incorporações). Os coletivos das
escolas, reunir-se-iam, de acordo com programação definida em seus próprios
âmbitos, entre os meses de agosto a outubro de 2004, devendo, ao final deste
122
último mês, encaminhar os resultados das discussões aos NREs, assim como
os relatórios de atividades, nos quais deveriam constar informações gerais
sobre a dinâmica das reuniões e sobre os profissionais e representações nelas
envolvidos. Alguns municípios optaram por realizar sessões de discussão e
encaminhamentos de forma conjunta, isto é, envolvendo vários
estabelecimentos. Outras regiões realizaram as discussões de forma mista,
reunindo vários estabelecimentos para um debate conjunto e, na seqüência,
realizando reuniões internas com os coletivos de cada estabelecimento a fim
de procederem às devidas deliberações.
Entre os meses de outubro de 2004 a fevereiro de 2005, os NREs
sistematizaram e encaminharam a CG PEE PR, os relatórios da consulta
contendo as sugestões e as críticas ao documento 2, conforme formulário
padrão, além de uma série de textos, relatórios de pesquisas efetuadas por
escolas e grupos de escolas e relatos de atividades. Pelo volume que alcançou
o conjunto de registros enviados, 434 páginas impressas, e pela forma que
foram compilados, a CG PEE PR, chegou à conclusão que não houve
propriamente um trabalho de sistematização e tratamento dos resultados da
consulta pelos NREs. Tempos depois, no II Seminário Integrador, alguns
participantes se posicionaram a respeito, quando perceberam que as
contribuições enviadas pelas suas respectivas escolas não estavam
contempladas no relatório final da ação. Com efeito, a maioria dos NREs
limitou-se a selecionar, segundo critérios desconhecidos pela CG PEE PR,
alguns registros enviados pelas escolas e/ou grupos de escolas a eles
jurisdicionadas e, após reuni-los, repassou-os à sede
(PARANÁ/SEED/SUED/CG PEE PR, 2005 g).
O conjunto de “sistematizações” dos NREs deveria compor, após revisão
de forma e de texto, um único relatório, o qual, conjuntamente com o
documento 2, seria a base para os debates do II Seminário Integrador. Este
relatório geral, denominado “A voz das escolas”, em referência à obra do
educador Erasmo Piloto, não pôde ser elaborado nas bases inicialmente
previstas, sendo necessário cerca de um mês de trabalho concentrado da CG
PEE PR para obter, a partir dos resultados encaminhados pelos NREs, um
documento que se aproximasse minimamente do escopo inicialmente
pretendido. Esperava-se que A voz das escolas fosse, ao mesmo tempo, fiel ao
123
mérito dos requerimentos apontados pelas bases e reunisse condições de
legibilidade tais que pudessem garantir sua utilização como subsídio às futuras
etapas de elaboração PEE PR. Ao final desse processo, o relatório A voz das
escolas foi disponibilizado para consulta pública em duas versões: a
sistematizada pela CG PEE PR e a integral; esta última, fracionada em quatro
volumes de aproximadamente 100 páginas cada (PARANÁ/SEED/SUED/CG
PEE PR, 2005a; 2004b).
A versão integral de A voz das escolas, mesmo considerando as
intervenções, a partir de critérios invisíveis, feitas nos originais pelos técnicos
dos NREs, é um compilado extremamente interessante do ponto de vista da
pesquisa social em educação. Os textos, proposições e dados que apresenta,
em geral fogem ao objetivo para a qual a ação de sua elaboração foi pensada,
mas, em contrapartida, fornecem informações sobre os requerimentos
legítimos dos coletivos das escolas e, também, expressam claramente o poder
de articulação e pressão de determinados grupos inseridos neste âmbito.
Excetuando-se as inúmeras contribuições mais pontuais ao documento
2, no sentido da reformulação de sua escrita e da inclusão, retirada ou correção
de determinados termos ali constantes, cabe uma análise geral dos méritos e
dos conteúdos presentes no relatório.
Na versão integral, pode-se observar sugestões de metas no sentido da
criação de empregos formais e frentes trabalho para determinados municípios,
da aquisição de equipamentos para determinadas escolas e até de
manutenção de determinadas estradas vicinais. Num outro sentido, mais
corporativo, os segmentos de profissionais da educação especial, da educação
física e dos dirigentes escolares, manifestam-se indiretamente no relatório
buscando, através do PEE PR, recuperar, manter e/ou alcançar condições
diferenciadas de trabalho. O material, no seu conjunto, reflete, dessa forma,
tanto as relações de poder manifestas pela atuação e visibilidade de grupos
politicamente mais organizados, nas suas respectivas regiões geográficas e
locais de trabalho, quanto o alto nível de expectativa dos coletivos das escolas
em relação à possibilidade da “lei do plano”, enquanto “lei do estado”, de
concretizar os anseios societais mais diversos. Essa conotação, também
perceptível, porém de forma menos evidenciada, no documento 2, reflete bem
uma parte das contradições nas quais o estado e a política educacional estão
124
imiscuídas. Um certo grau de consciência do pertencimento à classe dos
“trabalhadores em educação” aparece nos requerimentos de A voz das
escolas, no entanto, ao mesmo tempo, essa consciência parece subsumir-se
aos interesses particulares. Com efeito, o paradoxo, presente nos documentos
e ventilado em inúmeras reuniões públicas do PEE PR, remete-se à percepção
nebulosa dos sujeitos da educação têm de si mesmos enquanto trabalhadores.
Como tais, encontram-se numa conjuntura visceralmente desigual e
concorrente, determinada pelo sistema capitalista, e cujos enfrentamentos
exigem ações locais integradas à ações globais. Na mesma senda, os platôs
de tal percepção invariavelmente esbarram nos papéis sociais e nos habitus
assumidos e vivenciados por estes “trabalhadores”, papéis e habitus estes que
tendem a movê-los numa direção mais sectária e particular, por mais que se
percebam imprecisamente como classe.
Da mesma forma como é difícil demonstrar as lutas e as aquiescências
mútuas entre o estado contemporâneo e o mercado globalizado no horizonte
da democracia, a definição dos movimentos de luta dos sujeitos da escola
pública posicionados, ao mesmo tempo, enquanto “classe de produtores”
sujeitas à relação elementar de troca e enquanto “categoria profissional“, cujo
objeto de lida é eminentemente imaterial e cujos produtos, remunerados com
receitas públicas, não são, tampouco, visíveis como valor de troca ou como
valor, sugere mediações complexas.
Um ponto em que os resultados de A voz das escolas se diferencia
positivamente dos resultados do documento 2, pode ser identificado na
expressão objetiva de uma série de questões problemáticas que afligem a rede
estadual de educação como um todo e para as quais o PEE PR deveria sim
conter explicações, nos diagnósticos, e propostas, traduzidas em metas. Em
quase todos os relatórios originais dos NREs estão presentes menções aos
seguintes problemas: número excessivo de alunos em sala de aula,
especialmente na EI e séries iniciais da segunda etapa do EF ( atuais e
séries); falta de transporte adequado aos estudantes que dele necessitam; falta
de professores e de professores qualificados, especialmente para o EM e EP
(Educação Profissional); falta de integração entre a EB e as instituições de
ensino superior; falta de espaços adequados e de equipamentos nas escolas;
falta de manutenção dos prédios e equipamentos escolares; política de
125
inclusão de alunos especiais inadequada; necessidade de democratização das
gestões, especialmente pela limitação do poder dos diretores; excesso de
projetos encaminhados pela SEED, dificultando a execução dos PPPs dos
estabelecimentos; poucos recursos para a educação; dificuldade dos
municípios em manter as creches, a EI e a primeira etapa do EF; necessidade
de aumentos salariais e melhores condições de trabalho para todos os
profissionais da escola.
Em fevereiro e março de 2005, quando os preparativos para o II
Seminário Integrador haviam sido iniciados na SEED, da parte da SETI,
foram realizadas várias rodadas de reuniões entre professores e demais
representações das IEES (Instituições Estaduais de Educação Superior) de
para a elaboração versão inicial do capítulo da ES (Educação Superior) que
integraria o PEE PR. O citado documento, o relatório A voz das escolas, a
carta de princípios do FPDEP e, novamente, o documento 2, foram os
subsídios para as discussões no referido evento, que foi realizado em abril
daquele ano 2005, em Curitiba, nos mesmos moldes organizacionais do I
Seminário. (PARANÁ/ SECRETARIA DE ESTADO DA CIÊNCIA,
TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR, 2005; FÓRUM PARANAENSE EM
DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA, 2004; PARANÁ/ SUED/SEED/CG PEE PR,
2005b).
Da sessão de abertura do evento, além das representações civis e dos
poderes executivo e legislativo, participou o secretário de educação, que fez
uma fala motivadora e visivelmente política, concentrando-se no caráter
renovador do planejamento educacional erigido em bases democráticas e na
possibilidade de que todos os envolvidos na elaboração do PEE PR deixassem
de lado suas preocupações setoriais e apresentassem conjuntamente uma
proposta avançada para a educação pública do estado. O que chamou
particularmente a atenção na fala do secretário foi seu tom conciliador e, ao
mesmo tempo provocativo, expresso, sobretudo na afirmação de que a SEED
não via nenhum problema em que fosse o Fórum, e não o executivo, quem
assumisse a autoria final do documento.
Outra fala de destaque na mesa de abertura a qual, nos momentos
iniciais, causou alguma confusão entre os presentes foi a da coordenadora do
FPDEP e também dirigente da APP-Sindicato. A coordenadora, após
126
manifestar-se enquanto dirigente sindical, justificando a ausência do presidente
da entidade, declarou que a APP não mais participaria das discussões do PEE
PR, mas se considerava representada pelo FPDEP, entidade a qual o sindicato
é filiado. Segundo a coordenadora as principais críticas à coordenação do
processo pela SEED gravitavam em torno de seu caráter espontâneo
fragmentário e basista, da falta de uma concepção clara de educação e de
sociedade e, finalmente, do não enfrentamento de questões sérias, diretamente
relacionadas ao PEE PR, como a definição das regras do regime de
colaboração, o que poderia ser feito via LSE, entre estado e municípios.
Excetuando-se o subgrupo da educação superior, cujos debates foram
especialmente difíceis e concentrados, os resultados do II Seminário Integrador
não agregaram maior substância aos textos do plano. Os relatórios das oficinas
demonstram uma maturidade maior em certos temas, o da gestão, por
exemplo, que identificou e dirimiu várias contradições dos textos até então
produzidos. O grupo que debateu o ensino médio limitou-se, ao final das
discussões, a vaticinar que novo texto deveria ser escrito. o grupo que
debateu o EF, aprovou texto-base produzido pelos técnicos do DEF, o qual,
segundo análises posteriores apresentadas pela CG PEE PR à SUED e ao GS,
caracterizava-se mais como um PPP do que como um texto de diagnóstico e
planejamento educacional (PARANÁ/SEED/SUED/ CG PEE PR, 2005g).
Os principais encaminhamentos da plenária final do II Seminário foram:
(1) a retomada por parte da SEED das discussões acerca da LSE, apontada
pelo Fórum como prioridade, que, sem definições de competências e
responsabilidades entre o ente estadual e municipal e da reformulação dos
critérios de indicação e atuação dos conselhos deliberativos do sistema, o
plano, por mais avançado que conseguisse finalmente se configurar, teria sua
execução engessada; (2) a necessidade de superar-se, de uma vez por todas,
o debate temático e pulverizado das matérias do plano; (3) a definição de
comissão de redação final do documento ficaria para a próxima etapa de
discussão, porém ficou consensuado que nela deveriam estar representadas
as entidades envolvidas nos trabalhos desde seu início.
Em junho de 2005, de posse dos relatórios do II Integrador,
organizados pela CG PEE PR, a SUED participa da 2Sessão Plenária do
FPDEP, cujo tema foi o plano de educação do estado. No final da sessão de
127
abertura, alguns participantes criticam a atuação da SEED, apontando falhas
na metodologia, julgada como espontaneísta nas primeiras ações e, na
seqüência excessivamente, basista. A superintendente manifestou-se a
respeito, concordando que houve problemas, mas ressaltando que os
principais interlocutores do PEE PR deveriam ser os sujeitos da escola e a
capilaridade da SEED, diferentemente do FPDEP, propiciava a ampliação da
base de discussão, o que era fundamental para conferir legitimidade ao
documento, que, desde seu início, levava a marca da construção democrática e
coletiva. Os trabalhos que se seguiram foram subsidiados pelos os documentos
produzidos pelo FPDEP, resultantes do acúmulo de discussões no âmbito
desta entidade, pela versão sistematizada de A voz das escolas e pelos
relatórios sistematizados do II Seminário Integrador.
Ao longo dos trabalhos nos GTs (Grupos de Trabalho), a questão de
fundo, velada na pendenga inicial entre os representantes da SEED e do
FPDEP ganhou certa visibilidade, mas a decisão fundamental sobre apresentar
ao legislativo um plano proposto conjuntamente pela SEED, SETI e FPDEP e
entidades a ele filiadas, ou dois planos distintos, um proposto pelo executivo e
outro pela sociedade civil, foi mais objetivamente discutida sem, no entanto
ser plenamente consensuada, na plenária final do evento.
O encaminhamento aprovado pela plenária final da 27ª Sessão do
Fórum foi pouco definidor das futuras ações do PEE PR. De positivo, acordou-
se que o plano não seria engessado por um prazo fixo de conclusão e, na
medida em que o disposto no plano não ferisse os princípios do Fórum, este
participaria das futuras etapas de elaboração do texto. Mais: as contribuições
do Fórum seriam atualizadas e à elas anexadas os resultados sistematizados
dos debates da 27ª Sessão, o que seria feito por comissão retirada ao término
desta, da qual, aliás, a SEED fez parte. Após este trabalho, as contribuições do
Fórum seriam encaminhadas à CG PEE PR e deveriam integrar o conjunto de
subsídios, a partir dos quais nova versão do documento seria elaborada.
Nesta época as relações entre a SEED e a APP-sindicato estavam
bastante conturbadas. Estado, organizações civis e trabalhistas são, por
definição, âmbitos de disputa distintos, dado às determinações do sistema
capitalista. Porém, no que toca ao “plano de estado”, as causas de primeira
ordem do aprofundamento da crise de diálogo institucional que se gerou não
128
podem ser atribuídas diretamente às ações e desdobramentos do PEE PR,
mas aos efeitos observados e os, então, previsíveis, do conjunto das
políticas da gestão 2003-2006. Alegações de excesso de personalismo
pipocavam de todos os lados. A direção peemedebista da SEED, que no início
da gestão, em conjunto com o sindicato debruçara-se por dias a fio na
discussão e elaboração do plano de carreira dos professores da rede e na
preparação de dois grandes processos de seleção e contratação de
professores especialistas para todas as áreas de ensino, no momento visado
(segundo semestre de 2005) sentia-se “traída” pelo sindicato, que fiel às
determinações da categoria, seguia sua luta pela melhoria das condições de
trabalho para os quadros de trabalhadores da educação do estado
(FERNANDES DE CARVALHO, 2006).
A interlocução entre SEED e Fórum era, nessa época,
permanentemente atingida pela disputa entre governo e sindicato. Em sendo o
FPDEP uma representação civil, o propriamente descolada da ação sindical
da APP e, principalmente, dado que suas concepções de educação e seus
projetos de sociedade se aproximam e que grande parte dos quadros das duas
instituições são comuns, é compreensível que as fricções entre a SEED/CG
PEE PR e o Fórum ultrapassassem a matéria PEE PR.
Na administração da SEED, por sua vez, havia uma série de quadros
técnicos e alguns dirigentes oriundos da militância sindical e com ativa vida
acadêmica, o que contribuiu para que, nos momentos de especial tensão entre
governo e sindicato, a disputa “natural” entre os dois âmbitos não degenerasse
em rompimento total entre governo e seus interlocutores.
Mesmo pesando a dificuldade institucional mencionada, expressa nas
aproximações e fricções internas (entre os sujeitos pertencentes às
instituições) e relacionais (entre as instituições uma em relação à outra), o
canal de diálogo relacionado à condução do PEE PR, se bem que oficioso e
informal, entre a CG PEE PR, o FPDEP e a APP-Sindicato permaneceu aberto
até meados de 2006, quando, em pleno exercício de campanha eleitoral, a
gestão peemedebista praticamente congela a maioria dos projetos da
educação que não tinham a possibilidade de gerar dividendos políticos mais
evidentes.
129
No segundo semestre de 2005, de posse dos relatórios do II Seminário
Integrador e dos encaminhamentos da 27ª Sessão Plenária do FPDEP, é
organizada pela CG PEE PR, uma equipe, formada pelos técnicos dos
departamentos de ensino e coordenações, cuja incumbência era reescrever o
documento 2, respeitando os encaminhamentos dos coletivos, porém
preparando relatórios com observações a respeito das incongruências notadas
nos textos. Denominado de "equipe de reelaboração do documento 2", o
coletivo trabalhou durante aproximadamente dois meses, obtendo, ao final da
tarefa, nova versão do PEE PR e uma série de relatórios para circulação
interna, os quais enumeravam os problemas identificados nessa nova versão.
O texto reelaborado, e respectivos notários, foram submetidos à apreciação da
superintendente, que, por sua vez, delegou aos chefes e coordenadores a
tarefa de avaliá-los e, na seqüência, enviar seus pareceres à CG PEE PR.
Todos os textos retornaram à CG PEE PR sem observações dos chefes e
coordenadores. Ante o silêncio dos gestores, a CG PEE PR produziu um
parecer no qual apontava todos os problemas identificados no novo texto do
PEE PR e, de modo mais enfático do que de costume, pedia um
posicionamento da SUED e de seu primeiro escalão frente ao resultado. Como
não obtivesse resposta sobre o parecer enviado por via eletrônica à
superintendente, com cópia para o secretário o qual solicitava sua remessa,
pela SUED, aos chefes e coordenadores, a CG PEE PR, envia ela mesma, o
parecer para todos os gestores da pasta. Mais uma vez, não
posicionamento algum da parte da SUED e das chefias e coordenações.
Estava claro para a CG PEE PR que a “construção coletiva”
demonstrava seus limites, através dos resultados do último documento. Afinal,
transcorridos quase três anos de trabalho, em bases que podem ser definidas
como experimentais, tanto o plano, como as diretrizes curriculares e o PPP das
escolas contavam com resultados aquém dos esperados, expressos em
produtos frágeis, contraditórios e, segundo a avaliação desta autora,
politicamente imaturos.
Neste ponto do estudo, considerando-se as bases teóricas e as
características do estado contemporâneo analisadas no primeiro capítulo, é
possível razoavelmente demonstrar os efeitos paradoxais da metodologia da
construção coletiva e da falta de diretividade da gestão 2003-2006, à luz dos
130
condicionamentos típicos da política social proposta e coordenada no âmbito
das administrações estatais. A construção coletiva caracterizou-se como uma
estratégia de gestão, vinculada e justificada pela necessidade, identificada
pelos próprios gestores, de democratizar os processos de elaboração e
execução das políticas públicas educacionais. Tal necessidade, foi inicialmente
intuída pelo grupo gestor, que percebera nela uma forma de administrar e gerir,
ao mesmo tempo, realizadora e formadora, isto é, capaz de subverter a lógica
gerencial pelo "choque de democracia" e de re-introduzir nos espaços
escolares, mediante ampliação dos canais de participação e abertura de
diálogo inter-institucional, a dimensão da discussão político-pedagógica, tão
obnubilada nos tempos de lernismo. De fato, dado à dupla e consonante
dependência da forma-estado atual, em relação ao ordenamento econômico
sistêmico e à organização democrático-formal dos governos, as políticas
públicas funcionam como: (1) elementos de legitimação dos governos e suas
administrações, processo para o qual o consenso e a amplificação dos
mecanismos de intervenção societária são fundamentais, e (2) como meios de
compensação, equilibração e/ou regulação do conflito redistributivo, gerado
pela própria matriz anti-social da acumulação capitalista. Em sendo parte
integrante da política blica do estado contemporâneo, a construção coletiva,
embora não se desconsidere o seu caráter de contrariedade em relação
cenário educacional estabelecido pelo conservadorismo lernista, não conseguiu
fundar-se e realizar-se em bases democráticas mais substantivas. O fulcro
dessa dificuldade refere-se à ausência de projeto coerente e assertivo de
educação, o que exige, antes do desenvolvimento de qualquer estratégia
gestionária, uma concepção clara de educação, enquanto direito universal e,
em contrapartida, de uma visão realista dos limites que se interpõem à máxima
extensão desse direito.
Estado, economia, democracia e política social são campos minados,
reciprocamente dependentes e condicionados e, portanto, de difícil lida
institucional e política, sobretudo para as administrações públicas
progressistas. Isto implica em que a seletividade e as matrizes embrionárias do
individualismo proprietário não se permitam facilmente cindir-se em "brechas"
às quais se possa "preencher" com aportes variáveis de igualitarismo. O
modelo híbrido, e mais ou menos controlável, de construção coletiva, gerou,
131
por uma série de confusões e ausências, efeitos paradoxais do ponto de vista
das estratégias de gestão pública. Ao confundir diretividade
, a qual se liga a um
projeto e uma concepção definidos, com autoritarismo
, cujo eixo está nas
dimensões do policiamento e do controle, a gestão 2003-2006, acabou por
protagonizar ações e tomar atitudes pendulares. Ora excessivamente "libertas",
por que descoladas estruturalmente de plano e projeto global de educação, o
que conferiu à gestão certo viés democrático, porém sem o folêgo suficiente
para garantir-lhe algo de substância democrática. Ora imprecisamente
centralizadoras e controladoras, pois à falta de horizonte comum e de uma
organização mais rigorosa, os caracteres típicos da organização estatal
presentes na SEED, sobretudo o clientelismo político-partidário e a
permeabilidade entre o público e o privado, passam a exercer maior tensão,
culminado em maiores graus de autonomia e poder de decisão para
determinados quadros técnicos e gestores, pessoal e institucionalmente
"interessados", segundo terminologia de Gramsci. Nesse sentido, pode-se
afirmar que a gestão conseguiu problematizar o debate acerca da necessária
contra-hegemonia que dela se esperava e que ela própria se propunha a
construir, mas não conseguiu organizar-se de modo a torná-la objetiva.
Tomando-se a questão do poder e da luta hegemônica, os paradoxos, a
partir dos embates entre a gestão progressista do estado 2003-2006 e os
sindicatos de trabalhadores públicos são exemplares, sobretudo porque
ilustram as complexas e grandes dificuldades dos movimentos progressistas
e/ou de caráter "anti-sistêmico",
45
sejam eles protagonizados pelo estado, ao
qual o se nega a potencialidade transformadora, ou pelas organizações de
classe, nas quais se identifica o potencial transformador.
Segundo exercício
analítico de extensão das reflexões de WALLERSTEIN (2005) sobre os
movimentos nacionais e os movimentos sociais, a partir da cada de 1970,
pode-se inferir que os processos de mobilização atuais, tendem, a primar pela
maior exposição pública possível de suas pautas gerais, o que inclui tentativas
de abarcar e incorporar extratos cada vez maiores de população e de ampliar o
45
a) Categoria desenvolvida por WALLERTEIN, 2005. Op. cit.
b) Parte-se do pressuposto que é possível, um movimento de caráter anti-sistêmico a partir de um
governo ou estado-nação. No caso do governo Requião, embora este contenha elementos de retórica
revolucionária e realizações potencialmente revigorantes da capacidade social do estado, o caráter
progressista e populista é mais evidente que o anti-sistêmico.
132
raio de ação de suas bases retóricas. Ocorre que, assim como o fenômeno
observado pelo autor em situações de conflito entre diferentes líderes, de
diferentes movimentos sociais e nacionais, no Paraná, sob o governo Requião,
muitas vezes os segmentos em disputa parecem ter reconhecido "de modo
inconsciente que tinham um inimigo comum no sistema existente e que,
portanto, tinham mais semelhanças entre si do que sua própria retórica
permitia" (WALLERSTEIN, 2005, p.265).
Outro problema resultante da desconexão entre concepções e
direcionamentos de ações e entre setores e divisões, comuns nas
administrações públicas atuais, que pode ser notado na administração
peemedebista da educação 2003-2006, diz respeito às crises internas geradas
pelas significativas distinções dos perfis gestores dos vários projetos da pasta,
em contraposição à forma mais plástica e aberta do perfil gestor da SUED, a
rigor, órgão ximo de deliberação e decisão, que devia reportar-se ao
secretário da educação. No caso do PEE PR, a tradição da moderna
tecnocracia, racional e ciosa de obter produtos acabados, representada pela
CG PEE PR, pode ser caracterizada como contraditória à tendência gestora da
SUED. Esse tipo de fricção, tal como se observa em diversos meios estatais
atuais de alguma forma, ao impactar as relações entre os sujeitos da
administração pública (CARNOY, 1986; PRZEWORSKI, 1995), acabam por
mediar, também, os resultados das políticas sociais.
Retomando a descrição histórica, em meados de 2005, parecia que novo
quadro desafiador estava irrompendo para a gestão peemedebista da
educação. O desafio, posto pelos próprios resultados do conjunto das ações
realizadas, configurava-se no sentido de que a gestão estava tensionada, tanto
por pressões internas, como por parte das bases escolar e sindical, como dos
grupos de oposição ao governo, a compreender melhor a razão de seus limites,
a esta altura mais evidenciados, e conforme o caso, a reorientar suas
premissas e linhas de ação. Ocorre que semelhante revisão de rumos, a partir
da admissão dos resultados inconsistentes das suas ações mais importantes
do ponto de vista político-pedagógico o PEE PR, as DCEs e o programa de
capacitação –, implicaria, naquele momento crítico do ciclo político do aparelho
de estado, na possibilidade da perda de possíveis créditos eleitorais. Diante
desse dilema, a gestão pedagógica da SEED preferiu concentrar esforços em
133
projetos de maior visibilidade pública – tais como obras de infra-estrutura,
aquisição e distribuição de livros didáticos e nos eventos dos projetos FERA e
ComCiência. Com efeito, em meados do ano seguinte, 2006, o discurso da
“valorização do processo de construção coletiva”, era, ainda, o argumento-força
para justificar a fragilidade dos resultados obtidos pela maioria das ações de
caráter essencialmente político-pedagógico.
A falta de envolvimento das chefias e coordenadores nas ações do PEE
PR foi uma constante durante todo o processo de sua elaboração. Essa
ausência, aliada à postura, em geral, não diretiva, aprofundou a crise entre a
SUED e a CG PEE PR. Em meio ao estremecimento interno e à ausência de
posicionamento das chefias, os textos resultantes do trabalho da equipe de
reelaboração do documento 2 foram compilados e o conjunto foi denominado
de Plano estadual de educação - PEE PR: uma construção coletiva (Versão
preliminar) ou, simplesmente, documento 3.
Paralelamente aos trabalhos de reelaboração do documento 2, a CG
PEE PR, realizava mais dois empreendimentos importantes, um deles dizia
respeito à tentativa de iniciar as discussões acerca da LSE e outro, à
realização de estudo de impacto financeiro e orçamentário com o objetivo de
avaliar as possibilidades de execução das metas do PEE PR.
Convencida pelo Fórum da necessidade da elaboração de nova LSE, a
CG, elaborou ofícios-convite para as entidades e órgãos, às quais segundo seu
entendimento, deveriam envolver-se nesse processo, a saber, o próprio Fórum,
a APP-Sindicato, a UNDIME, o CEE, a Comissão de Educação da AL/PR
(Assembléia Legislativa do Paraná) e a SETI. A superintendente, na época,
informou que estava preparando uma minuta de LSE, com base em duas
outras leis de sistema recentemente aprovadas, a do estado de Tocantins e a
de Mato Grosso do Sul. Tal minuta, segundo se esperava, conjuntamente com
demais registros, seriam a base para as discussões da nova LSE. A CG PEE
PR, além dos ofícios, providenciou cópias de uma série de documentos para
subsidiar as discussões da LSE. A coletânea consistia nos seguintes registros:
a lei de sistema vigente, datada de 1964 e suas duas alterações; uma minuta
de LSE produzida e enviada à coordenação pelo FPDEP; as leis de sistema
dos estados de Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Tocantins; um projeto de
LSE apresentado à AL/PR, de autoria de Irineu Colombo e uma coletânea,
134
preparada pelo DIE, contendo os caputs de todos os pareceres, deliberações e
resoluções secretariais, leis ordinárias que, na prática funcionam como
elementos normativos do sistema de ensino. As discussões da LSE não
aconteceram e, a exceção de pasta com os referidos registros entregue
oficiosamente à coordenadora do Fórum, todo o material permaneceu na sala
da CG PEE PR. A minuta da SUED, à qual chegou a ser objeto de duas
reuniões entre as chefias dos departamentos de ensino, sem o envolvimento
direto da CG PEE PR. Os resultados dessas reuniões não foram, no entanto,
disseminados entre os departamentos de ensino e coordenações da SUED. No
início do ano seguinte, a mencionada minuta foi reescrita e um estudo mais
detalhado sobre os sistemas de ensino foi elaborado pelo, então, recém
oficiosamente instituído, Grupo Gestor do PEE PR (GG PEE PR), cuja
constituição será futuramente abordada.
Na seqüência dos trabalhos de composição da última versão do plano, a
CG PEE PR, seguindo às orientações dos coletivos, realizou os preparativos
para a realização de novo evento, o Seminário de consolidação: audiência
pública, oportunidade na qual, independente da provável necessidade de
realização de novas audiências, pretendia dar novo rumo ao processo de
elaboração. A idéia da CG PEE PR, a princípio, acordada com a SUED, era
discutir os méritos e os principais problemas constantes na versão preliminar
em quantas sessões fossem necessárias, porém todas deveriam ser
objetivadas e acontecer antes do final daquele ano. Realizados os debates, a
pretendia-se encaminhar a retirada de comissão de redação representativa
encabeçada pela SEED, a qual seria responsável pela elaboração da versão
final do plano. Uma vez elaborada a versão final, realizar-se-ia uma última
sessão pública, que não excluía de todo o encaminhamento de novos ajustes
ao documento, mas cujo objetivo principal seria a apresentação do plano aos
coletivos da educação, que, em etapa futura, o documento passaria pela
análise da governadoria e, na seqüência, seria novamente debatido no foro
legislativo. Nesse meio tempo, no entender da CG PEE PR, o estudo de
impacto financeiro e orçamentário seria finalizado e seus grandes números e
indicadores, tratados e agregados, figurariam em anexo ao documento, ao
passo que as discussões da LSE, deveriam estar em franco andamento. A
CG PEE PR também cogitava a possibilidade de realizar a contratação de
135
serviços de revisão e formatação do texto final do plano, fazendo, inclusive
uma sondagem a respeito.
As pretensões da coordenação necessitavam da diretividade da SEED
e, principalmente de sustentação política, posto que chamavam para o
executivo a responsabilidade pela conclusão do plano. No dia 5 de outubro de
2005, véspera da realização da primeira audiência pública, foram realizadas
duas reuniões entre a SUED, CG PEE PR e representantes e chefes dos
departamentos de ensino. Na primeira delas, realizada pela manhã, com a
presença da maioria dos chefes dos departamentos de ensino e
coordenadores, os dirigentes comunicaram sua discordância com a
programação proposta pela CG PEE PR, recusando-se a participar da mesa
diretora dos trabalhos. Iriam como participantes e fariam propostas como os
demais membros da plenária, uma vez que não se sentiam à vontade para
defender ou criticar o documento, o qual independente do resultado tinha,
segundo eles, a marca da construção coletiva. Em seu lugar, os chefes
indicaram os cnicos reelaboradores do documento 2 para compor as mesas
de trabalho. A CG PEE PR concordou em reformular a programação,
externando, contudo, sua insatisfação quanto ao tratamento dispensado ao
plano e informando aos presentes que comunicaria a mudança à SETI, mas
sugeriu que fossem eles os portadores da convocação aos técnicos, uma vez
que seriam os cnicos e a coordenação do plano, e não os gestores da
educação, quem, mais uma vez, estariam mais expostos à critica pública. O
único acordo geral da reunião se deu em relação aos encaminhamentos dos
trabalhos, concentrados nas metas e na apresentação e discussão de
destaques gerais, porém estes últimos, devido ao volume grande de conteúdos
a discutir, seriam limitados em número, franqueando aos participantes a
apresentação de comentários, críticas e sugestões de quaisquer ordens por
escrito, em formulário próprio. A SUED/CG PEE PR se comprometeria a digitar,
publicar e considerar contribuições apresentadas nesse formato. Quando
inquirida pela CG PEE PR sobre a provável manifestação do Fórum em relação
à LSE, a superintendente informou aos presentes que manteria a proposta de
iniciar a discussão naquele mesmo mês, a partir da minuta que organizara e
dos demais subsídios compilados pela CG PEE PR. A superintendente, por fim,
comunicou que iria ao evento na condição de representante do secretário,
136
que este, informado de antemão das positividades e das fragilidades do
documento preliminar, havia julgado mais prudente não participar dos
trabalhos, embora declarasse que, caso sua presença fosse considerada
importante, desmarcaria sua agenda do dia e compareceria à audiência, a fim
de reforçar as posições assumidas pela SEED.
Numa segunda reunião realizada no mesmo dia, desta vez entre a
superintendente, a CG PEE PR e os técnicos indicados pelos chefes, estes
últimos receberam a notícia que deveriam compor alternadamente, ao lado da
CG PEE PR, as mesas dos trabalhos da audiência pública e prestar, na medida
das solicitações, esclarecimentos à plenária. Como declarassem não se sentir
à vontade para executar tal tarefa, ficou decidido que a CG PEE PR, faria a
coordenação da mesa e esclareceria o que fosse possível, encaminhando à
plenária (onde chefes, coordenadores e superintendente estariam) as questões
polêmicas e aquelas para as quais não se sentisse apta para responder ou
comentar.
Os técnicos, por fim, compareceram à audiência e se revezaram na
mesa coordenadora, responsabilizando-se pela locução das metas submetidas
à avaliação da plenária e pela função de secretaria dos trabalhos.
Na sessão de abertura do I Seminário de Consolidação: Audiência
Pública participaram, além da SEED e SETI, representantes do CEE, do MP,
da AL/PR, da UNDIME e do FPDEP. Assim que foi composta a primeira mesa
de trabalhos, a CG PEE fez um breve histórico do processo de elaboração,
chamando atenção para a necessária obtenção do produto final, pois as
urgências por educação deveriam ser priorizadas pela gestão 2003-2006.
Sobre o documento que ora seria submetido à avaliação daquela plenária, a
coordenação apontou suas fragilidades, mas, de forma geral, considerou-o
como defensável como versão preliminar, pois, após quase três anos de
debates, finalmente havia um documento-base estruturado em forma de plano
educacional e suficientemente legível para suscitar um debate mais qualificado.
Logo nos primeiros destaques apresentados pela plenária, após a
manifestação dos presentes em uma primeira rodada de comentários gerais e
a comunicação pela mesa coordenadora da proposta de condução dos
trabalhos, ficou claro para todos que havia um desentendimento tácito entre a
CG PEE PR e as chefias da SEED. Discordando dos encaminhamentos da
137
mesa, os quais, aliás, haviam sido acordados na véspera, a superintendente e
as chefias, desde a plenária, e a coordenadora geral, presidindo a mesa,
entraram num embate, provocando a submissão de duas propostas de
encaminhamento à votação dos presentes. O padrão de efetividade e
juridicidade pública, muito próximo ao discurso tecnocrata, defendido pela CG
PEE PR era, naquele momento, posto à prova pelo padrão de administração
pública populista, representado pela maioria das chefias da SEED, o qual
embora enceje, de fato, elementos progressistas, reforça a tese do
democratismo das atuais administrações públicas de esquerda, são tão menos
substantivos, quanto mais tendem a lançar mão de esquemas de controle
social e popular com base em estratégias aparentemente plenas de
envolvimento societário e interfaces entre governo e segmentos organizados
da sociedade. Foi a primeira e única votação daquela audiência, assim como
das duas outras que se seguiram.
A primeira audiência pública do PEE PR, depois dos embates iniciais,
transcorreu de forma relativamente tranqüila. Os debates foram, em certo
sentido, pasteurizados, considerando que os dirigentes da educação, não raro,
optavam por relativizar a responsabilidade pelos problemas apontados no
documento 3, indiretamente localizando-a nos inimputáveis coletivos
participantes da elaboração das etapas do plano. Misturando sua voz à voz do
Fórum, da APP e dos professores presentes, o democratismo populista
(FERNANDES, 2006) típico da retórica renovadora
peemedebista pôde ser
percebido naquele momento, à medida que a atuação dos gestores e técnicos
da educação pública (esta autora entre eles) concentrava-se em reiterar aos
presentes que a gestão 2003-2006, embora não desconsiderasse seus
próprios problemas e limites, se movia rumo à concretização dos avanços
educacionais requeridos pela sociedade. Porém, apesar do saldo positivo
daquela audiência, as relações entre SUED, seu “democrático” staff e a
coordenadora geral do PEE PR ficaram, desde então, abaladas, o que
impactou negativamente as atividades do plano.
A animosidade entre pessoas detentoras de cargos importantes na
SEED que, a exemplo da maioria das pastas e subsetores da instância
executiva, as quais possuem ambiente interno extremamente competitivo, não
pode, contudo, ser interpretada unicamente como simples reflexos de abalos
138
relacionais entre os detentores de cargos de chefia. Isto é, embora os conflitos
relacionais existam em todos os âmbitos e setores da vida societária e das
organizações, estes não podem ser avaliados, sobretudo no que tange às
organizações estatais, apenas pelo viés da competição entre indivíduos,
particularmente considerados. Embora não seja incomum o rivalismo
personalista, os conflitos interpessoais na administração pública podem ser
identificados com as tensões derivadas de visões e expectativas distintas
quanto às funções e papéis da política blica. Desse modo, para a avaliação
do nível de tensão observado no cotidiano dos diferentes sujeitos que
compõem as organizações estatais pesam seus perfis biográficos, suas
aspirações pessoais, partidárias e, em muitos casos, suas pretensões
intelectuais e acadêmicas. De modo geral, segundo a literatura consultada, as
conflitivas posições funcionais destes sujeitos também acabam por interferir
nos produtos políticos e sociais das administrações públicas, embora em
alguns casos tal impactação possa ser mensurável com maior objetividade.
Nessa seara de problemas, é particularmente crítica a relação entre os
detentores de cargos de carreira mais perenes e profissionalizadas e,
portanto, conhecedores da história e ambientados com os tempos e processos
das organizações em questão , em geral responsáveis pela execução das
ações e os detentores dos cargos comissionados de chefia e coordenação,
geralmente de origem exógena às organizações onde exercem suas funções,
quando o fazem
46
, e seu (relativo) poder. Considerando, ainda, que, além das
distintas posições quanto ao comprometimento profissional e ao conhecimento
da “máquina”, cargos de carreira e cargos comissionados têm remunerações e
condições de trabalho diferenciadas, conta-se com mais uma componente
potencialmente geradora de problemas relacionais que, em maior ou menor
grau, refratam nas decisões e processos administrativos. Enfim, suspeita-se
que no estado contemporâneo marcado pela “democratização” de
46
Este “quando o fazem” busca chamar a atenção para o conhecido fenômeno da atribuição de cargos em
troca de favores políticos e/ou em nome de relações pessoais. Evidente que os “laureados” mediante este
critério podem, eventualmente, ser competentes no exercício das funções inerentes aos cargos que
ocupam, mas,essa não é a regra. Ademais o estado, enquanto estrutura sustentada pelo fundo público o
pode estabelecer seus critérios de contratação de pessoal nessas bases. Em geral nota-se uma confusão
providencial, típica das componentes patrimoniais e cartoriais do estado, entre a necessidade jurídico-
política de haver funções de confiança ligadas às representações do governo e do corpo legislativo, com
a necessidade político-partidária de haver uma certa reserva de funções para efeitos de acertos entre os
139
procedimentos e pela capilaridade controlada em relação aos movimentos e
organizações sociais, inclusive as político-partidárias –, as relações
interpessoais conflituosas entre os sujeitos das administrações públicas
tenham significativo impacto nos resultados das políticas e programas estatais.
Nos meses seguintes, novembro e dezembro de 2005, aconteceram
duas novas sessões públicas do PEE PR em continuidade à primeira.
Organizada em regime de plenária, aberta a intervenção dos participantes,
discutiu-se o teor geral dos textos do documento 3, porém a centralidade dos
debates recaiu, conforme proposta da CG PEE PR, nas metas apresentadas
para níveis, modalidades e temas.
As audiências públicas do PEE PR contaram com o maior grau de
envolvimento das chefias e coordenações da SEED e de NREs desde que os
trabalhos do plano foram iniciados. Da parte do que, usualmente se nomeia,
como segmentos organizados da sociedade civil, o Fórum, as representações
sindicais, sobretudo da APP-Sindicato, foram ativos em todas os embates e
conversações. A SETI, então assumidamente proponente do plano ao lado da
SEED, também esteve presente em todos os momentos. Além dos
interlocutores habituais da SEED, dependendo da matéria em discussão,
outros segmentos, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra), a UNCME (União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação) e
associação de líderes indígenas da região de Guarapuava, integraram-se
pontualmente aos debates.
Além de expressar o óbvio, qual seja, as contradições, a diversidade de
interesses, posturas e opiniões que povoam o universo da educação pública,
as audiências demonstraram a distância entre o dito e o feito no campo da
política educacional da gestão 2003-2006. O teor e os desdobramento das
discussões extrapolaram as matérias do plano, dando vazão a análises e
críticas aos demais projetos da SEED, relacionando-os tanto à situações
conjunturais, para as quais a plenária, inúmeras vezes solicitou esclarecimento
dos gestores da sede, como a elementos estruturais. A gestão da SEED, não
mais podendo apelar unicamente aos princípios gerais e irrealizáveis que
supralegalmente a sustentavam, ia, questão a questão, sendo interpelada pela
sujeitos representados no governo e no corpo legislativo. Evidente que, para o servidor de carreira, a
convivência com esta situação quotidianamente tem seus impactos.
140
plenária, que, em geral demonstrava compreender os grandes limites que a
cerceavam, mas, ao mesmo tempo, cobrava maior assertividade de sua parte.
À medida que iam se processando as discussões, o grau de qualidade
das inserções era incrementado, favorecendo a explicitação das contradições e
dos limites do estado, das organizações civis, e de suas respectivas políticas e
ações, bem como, o estabelecimento de consensos possíveis e compromissos
mútuos. Ao longo dos debates, as usuais estratégias de autolegitimação da
gestão pareciam não mais ecoar. Entre elas, o uso de mecanismos de
seletividade, comuns, até então, como a emblemática e rebatida justificação da
falta de qualidade dos documentos do plano, através da tomada destes como
“resultado precário” de um conjunto “situacionalmente precário”, fabricado
pelas políticas equivocadas das gestões anteriores, não mais funcionava
como argumento satisfatório para aquelas plenárias.
Tal situação foi extremamente positiva, do ponto de vista da
possibilidade do exercício, naqueles espaços políticos específicos, de uma
forma mais direta de democracia, tornou inviáveis, para os principais
segmentos em disputa e interlocução (SEED, SETI, Fórum e APP), o uso
estratégico de falas meramente “políticas”, as quais, em geral, tendem a
assumir conotações retóricas ao induzir a adesão descompromissada do
público ouvinte a falsas prerrogativas ou ao afirmar falsas capacidades, posto
que escamoteiam tanto os reais limites institucionais, quanto os interesses
políticos, pessoais e partidários envolvidos na complexa e amalgamada
composição dos segmentos organizados da sociedade civil e da estrutura
estatal.
O documento 3, objeto principal dos debates das audiências públicas, é
de fato, melhor estruturado e, seus conteúdos, melhor elaborados e mais
condizentes com a defesa do caráter público da educação e da democratização
da gestão de todas as instâncias administrativas e gestoras do sistema de
ensino. Os textos mais criticados do documento 3, por serem técnica e
conceitualmente mais problemáticos, são capítulos da EI e do EF. Embora os
avanços do documento 3 fossem reconhecidos, muitas mudanças à ele foram
encaminhadas pelos coletivos das audiências públicas, entre elas: (1)
reorganização da estrutura do documento pela inclusão de capítulo da EB, no
qual deveriam constar um texto diagnóstico que explicite a concepção de
141
educação assumida pelo estado, além de rol de diretrizes e metas comuns a
todos os níveis e modalidades compreendidos; (2) reelaboração, inclusão
e/ou supressão de metas, conforme critérios consensuados pelas plenárias; (3)
todos os picos do documento forjados a partir da valorização excessiva das
diferenças étnico-culturais, de gênero e de grupo social, deveriam ser revistos,
dispensando-se atenção especial às diferenças apenas no ponto de partida da
formação escolar, cabendo, portanto, ao plano dar tratamento universal aos
temas do acesso ao conhecimento, à cultura e demais direitos; (4) revisão de
todos os tópicos que dependem de delegação de competências e assunção de
responsabilidades pelos entes federados, tarefa, a rigor, dependente da LSE, a
fim de que o plano ao menos demarque os méritos de todas as matérias para
as quais não tem alçada deliberativa; (5) manutenção, nos textos das metas,
dos méritos acordados em plenária, sobretudo as que dizem respeito às
urgências apontadas pelos coletivos tais como, diminuição do número de
alunos por turma, estabelecimento de piso salarial para os trabalhadores da
educação do estado, limitação e criterização de cursos particulares de
educação a distância, universalização do ensino médio e generalização do
atendimento das creches e da educação infantil na forma pública; (6) ante a
impossibilidade, por razões orçamentárias ou outras, do estabelecimento de
indicadores mensuráveis a serem atingidos no curto prazo, o plano deveria
estabelecer progressividade razoável para a execução das metas consideradas
prioritárias (PARANÁ/SEED/SUED/ CG PEE PR, 2005d, 2005e, 2005f, 2006a).
As contribuições das plenárias foram organizadas pela CG PEE PR e,
posteriormente, ao longo dos meses de janeiro e fevereiro, disponibilizadas
para consulta pública. Os encaminhamentos finais das plenárias, negociados e
aceitos por todos os presentes com o caráter de compromisso, foram
repercutidos pela SEED e entidades representativas. A CG PEE PR insistia
particularmente nessa publicidade, pois entendia que os resultados dos
Seminários de Consolidação: Audiências Públicas não poderiam ser ignorados,
tanto pelos gestores da SEED, como pela coordenação do FPDEP. O longo
trecho abaixo, transcrito quase que literalmente
47
, a partir das anotações em
47
Omitiram-se os nomes próprios do registro original, substituindo-os, entre colchetes, pelas siglas das
instituições às quais os manifestantes representavam na ocasião.
142
tempo real dos secretários da mesa de trabalhos, consta do registro final da
série dos três relatórios das audiências públicas.
Encaminhamentos sugeridos e acordados pela plenária ao final dos trabalhos do
III Seminário de Consolidação: Audiência Pública, realizado em Curitiba, nos dias
31/11 e 1/12 de 2005.
Encaminhamentos finais:
Após o término das discussões referentes ao último item do Documento 3 (Plano
Estadual de Educação: Uma construção coletiva - Versão Preliminar), Avaliação e
Acompanhamento do PEE PR, a mesa diretora dos trabalhos deu início à discussão
das próximas etapas de elaboração do PEE.
Mesa [SEED]. Expôs a proposta da Coordenação Geral do PEE PR, em nome da
[coordenadora], concentrada nos seguintes pontos: 1) Composição de comissão
representativa, a partir das entidades que participaram das discussões das três
edições do Seminário de Consolidação: Audiência Pública. Tal Comissão se
encarregaria de realizar, em conjunto com a Coordenação Geral, os trabalhos de
sistematização das contribuições do III Seminário e, na seqüência, da reorganização
do Documento 3, frisando que este trabalho, de sistematização e reelaboração, deveria
ser concluído até por volta do dia 15 de janeiro de 2006. Nesse ponto a [SEED]
lembrou que, o trabalho, deverá ser subsidiado por estudos técnicos de impacto
financeiro e orçamentário, cuja primeira etapa está em andamento, conforme
explicou [o chefe do GPS/SEED], em sua fala realizada na manhã deste dia. 2)
Horizonte de planejamento: a Coordenação Geral tenciona concluir versão final do
PEE PR antes do final do primeiro semestre de 2006, quando o Documento deverá ser
submetido à apreciação do Secretário de Estado da Educação e, então, seguirá para a
Casa Civil.
[FPDEP]. (...). (...) o Fórum, que outrora havia decidido não participar dos trabalhos de
elaboração do PEE PR, tem, agora, diante do avanço das últimas discussões, a
disposição de integrar a Comissão. Porém, [o FPDEP] crê que seja possível a
conclusão dessa fase na data (15 de janeiro) proposta pela SEED. Sugeriu que a
Equipe de Sistematização organizasse, como vem fazendo, o Relatório do III
Seminário e que, num prazo curto, SEED, SETI e Fórum, se reunissem para acordar
um cronograma de trabalho e, de posse dele, o divulgassem publicamente.
[FPDEP]. Concorda com [fala anterior] e pede um esclarecimento à SEED. Segundo [o
FPDEP] os encaminhamentos referentes à Lei do Sistema, discussão que havia sido
assumida pela SEED, deveriam ser anteriores ou contemporâneos aos
encaminhamentos do PEE. Segundo [o FPDEP], há muitos pontos em que o PEE
esbarra na Lei do Sistema, o que ficou claro nos Seminários.
Mesa [SEED]. Lembra [ao FPDEP] dos encaminhamentos sugeridos pela
[SEED/SUED] no dia anterior e pede que a [SEED] volte a esclarecer a plenária a
respeito.
[SEED]. Informa que a minuta, que será a base para as discussões da Lei do Sistema
estava quase concluída, quando se deu a mudança legal referente ao Ensino
Fundamental de 9 anos. A SEED resolveu, então, retomar pontos da minuta, trabalho
que já está quase concluído. [SEED informou] que, no máximo, em duas semanas, a
minuta deve ser encaminhada às entidades que participarão das discussões.
[FPDEP]. Lembra que, embora Lei do Sistema e PEE sejam projetos distintos, a Lei
antecede o Plano.
[SEED]. Concorda com [FPDEP] e afirma o propósito da SEED de levar as duas
discussões em paralelo, porém, de forma integrada. Por fim, sugere que a próxima
reunião, nos moldes das audiências públicas do PEE, seja sobre a Lei do Sistema.
Mesa [SEED]. Atendendo à solicitação da plenária (...), menciona a sugestão, feita
pela [SEED] e acolhida pela plenária, no I Seminário de Consolidação, da realização de
uma Conferência Estadual de Educação. [SEED] comentou sobre a importância de um
evento como esse, porém ressaltou as dificuldades para organizá-lo e os limites
143
financeiros para custeá-lo e, concluindo sua fala, destacou a importância do
envolvimento da SETI e do Fórum nesta organização.
[SEED]. (...) [afirma que não há], ainda, uma previsão de data para a Conferência.
[Sugere] o mês de abril.
Mesa [SEED]. Faz um resumo breve dos encaminhamentos e pede a plenária que se
manifeste a respeito.
[FPDEP]. Afirma estar satisfeito com as propostas encaminhadas. Aproveita o espaço
para falar sobre Sessão Solene em homenagem aos 15 anos da entidade, a realizar-se
em 6/12 na Câmara Municipal de Curitiba (...).
(Seguiram-se algumas perguntas, de ordem mais pontual, dirigidas pela plenária, em
relação às próximas etapas elaboração do PEE e a aspectos organizacionais do III
Seminário. A Mesa prestou os devidos esclarecimentos).
Mesa [SEED]. Pede aos presentes que se manifestem, caso ainda haja, algo a
esclarecer ou a sugerir. Mesa não recebe inscrições para intervenções finais.
Mesa [SEED]. Entendendo que o objetivo do Seminário foi atingido, faz breve fala de
encerramento, ressaltando a qualidade dos debates, não isentos de embates e
contradições, e a opção da SEED em oportunizá-los. Finalizando, pede aos presentes
que acessem a página do PEE PR no Portal Dia-a-dia Educação, pois, assim que os
relatórios do III Seminário forem concluídos lá serão publicados, assim como, as
notícias referentes aos trabalhos de elaboração, do qual participarão SEED, SETI e
Fórum, serão, oportunamente, atualizadas.
As manifestações finais são franqueadas pela Mesa, que após alguns comentários da
plenária (...) deu por encerrados os trabalhos. (PARANÁ/SEED/SUED/CG PEE PR,
2005f).
Em dezembro de 2005, enquanto a CG PEE PR em conjunto com o
GPS, dedicava-se à elaboração de estudo de impacto financeiro e
orçamentário a partir das metas do PEE PR, aconteciam simultaneamente dois
momentos críticos para a gestão 2003-2006. Um deles, relacionado à
demissão de funcionários das escolas e a outra, anteriormente mencionada,
à retomada das discussões das DCEs.
Cumprindo meta, anunciada, a SEED oficializou uma série de
demissões de funcionários celetistas das escolas. Parte deles, os aprovados
em recente concurso público, seriam reintegrados aos quadros do estado nos
meses seguintes, porém cerca de 2.000 seriam demitidos sem previsão de
nova contratação. Mais tarde, tornou-se público que parte da lista de demitidos
incluía funcionários em licença de saúde e gestantes, casos que teriam
passado desapercebidos pelo GRHS e pela AJ, que a CLT (Consolidação
das Leis do Trabalho) veda demissões nestes casos.
A APP-Sindicato realizou uma série de atos contra as demissões e pela
a abertura de novas negociações com o governo, uma delas, a de maior
repercussão, foi a ocupação do prédio da SEED por quase uma semana, com
o objetivo de que a direção da entidade fosse recebida pelo secretário, o que
não aconteceu. Vale lembrar que o principal interlocutor da SEED e SETI na
144
elaboração do PEE PR era, nesse momento, o FPDEP, entidade que
representava o sindicato nos foros do plano. A coordenação do FPDEP era,
então, de responsabilidade de uma das principais líderes sindicais do estado e
também secretária de políticas educacionais, membro, portanto, da diretoria da
APP-Sindicato. Pode-se depreender daí que a dificuldade na formação de
novos quadros para os movimentos sociais e sindicais é tão grande quanto a
notada nos âmbitos partidário e estatal. A administração peemedebista da
educação no estado do Paraná (2003-2006) sofreu efeitos dessa ausência, a
qual é histórica na SEED, refletindo-se, especialmente, na grande
rotatividade entre chefias, coordenações e demais quadros funcionais. A
renovação de quadros dos movimentos sociais e sindicais na esfera da
educação pública, inclusive aqueles identificados com determinadas cores
partidárias, entretanto, é peculiarmente complexa dado uma série de fatores.
Entre eles, apontam-se a falta de disponibilidade das condições objetivas que
tal processo requer e as pressões políticas e econômicas no sentido da
cooptação das pautas desses coletivos sociais pelos grupos coligados aos
processos de conservação do quadro hegemônico estabelecido. Ocorre que
tais pressões usualmente tendem a tensionar a cúpula e as bases desses
movimentos e suas organizações, acabando por gerar mecanismos de
autoproteção por parte de suas próprias lideranças, reduzindo, assim, sua
permeabilidade e abertura para a inserção de novos quadros (GIROUX, 2003).
Em meio aos conflitos entre SEED e APP-Sindicato, chegam para
avaliação do secretário e seus colaboradores os textos finais das diretrizes
curriculares.
Assim que concluiu a leitura do imenso conjunto de textos, o secretário
suspendeu o processo de impressão e colocou seu conteúdo novamente em
discussão. A falta de organicidade do conjunto de textos e as suas
consideráveis contradições internas eram os maiores, mas não únicos,
problemas identificados. Foram mais de quarenta sessões de trabalho
concentrado, conduzidas pelo secretário e assessoria, dos quais participaram a
maioria dos técnicos pedagógicos e, por ordem do secretário, os chefes e
coordenadores.
Os problemas que haviam ganhado visibilidade nas audiências
públicas do plano e sido discutidos em reuniões gerenciais que se sucederam a
145
elas, gerados, conforme argumento e suspeição aqui expostos, pela falta de
integração dos departamentos da SEED, combinada à centralização excessiva
de determinadas pautas e à falta de prioridades claras, são evidenciados,
também, em relação à política curricular. Na proposta das diretrizes, a falta de
sinergia administrativa, de diálogo setorial e de diretividade transpareciam de
modo mais eloqüente. Nesse sentido, indica-se, por exemplo, que alguns
questionamentos simples dirigidos pelo secretário aos chefes e a
superintendente ao longo das discussões das diretrizes, tais como, se um
departamento teria lido a proposta do outro ou se os cnicos de uma certa
disciplina tiveram o cuidado de estudar em conjunto a proposta global de todos
os departamentos para a mesma disciplina, ficaram sem respostas.
Pouco depois que a primeira etapa do novo encaminhamento dado pelo
secretário ao processo de elaboração das diretrizes é concluída, outro fato
contribui para acirrar ainda mais os problemas entre SUED e CG PEE PR. A
propósito de apressar a obtenção do texto final do plano, ainda antes do
período eleitoral, a SUED propõe à CG PEE PR, a contratação de uma
empresa especializada de consultoria para, partindo do acúmulo das
discussões, concluir o plano. Embora apresentasse essa solução como uma
solução técnica, isto é para viabilizar a conclusão do “produto” PEE PR, a
proposta da SUED é recusada pela CG PEE PR, que, naquele momento
reiterou a necessidade da conclusão do estudo de impacto financeiro e
orçamentário e da divulgação da minuta da LSE, recorrentemente
anunciada, desde 2004, e reiterada publicamente poucos meses antes. De
posse da minuta, a CG PEE PR, pretendia, finalmente, contar com a
sustentação da SEED/SUED para iniciar a discussão da matéria, fundamental
não só para o plano, mas para toda a política pública educacional.
A retomada do debate curricular, quando o produto final do processo
era considerado concluído pelas chefias tanto que o anúncio de sua
distribuição às escolas vinha sendo feito alguns dias –, ocorrida em pleno
período de pré concertação partidária para concorrência eleitoral foi nominado
por alguns cnicos como uma “intervenção branca” do secretário sobre as
autoridades de seus principais cargos de confiança. Com efeito, as
circunstâncias típicas dos ciclos eleitorais tendem a refrear o/ou concentrar o
poder discricionário do executivo e diminuir a margem de risco das decisões
146
das administrações públicas. As pressões dos grupos oposicionistas e a
visibilidade midiática que os governos centrais e subnacionais comumente
experimentam nesses períodos dificultam que estes assumam publicamente
quaisquer mudanças de quadros importantes ou de rumos afirmados. A vitrine
que se torna o governo no período eleitoral também contribui para que as
administrações públicas esmerem-se em divulgar feitos considerados positivos
e/ou que reúnam potencial para aumentar seu índice de aceitabilidade e
aprovação popular. Seja pelo fraco potencial para amealhar créditos políticos,
seja pelas exigências técnicas e negociações políticas que ensejam, o plano,
conforme estado da arte em que se encontrava, e a LSE foram secundarizados
pela gestão, a qual, pouco antes do período eleitoral, passou, simplesmente, a
evitá-los, relativizando, dessa forma, os compromissos públicos assumidos em
relação a eles.
Paralelamente aos novos encaminhamentos dados pela pasta ao projeto
das diretrizes curriculares, a CG PEE PR organizou novo cronograma de
trabalho, apresentado-o ao secretário em reunião privada, realizada no início
de abril. Nessa oportunidade, o secretário pediu que a coordenação
organizasse um rol de determinados conteúdos referentes ao EF, a fim de que
subsidiassem uma espécie de “estudo-piloto” o qual, segundo idéia do
secretário, seria objeto de discussões colegiadas, tal como ocorrera com as
diretrizes. Segundo ele, esse tipo de dinâmica de trabalho, poderia vir a dar
maior legibilidade e qualidade aos textos finais do documento, assim como,
contribuir para o tratamento unitário dos temas polêmicos. Entre tais temas,
alguns considerados verdadeiros gargalos, o secretário indicou: as proposições
que necessitam de colaboração e co-responsabilidade financeira e de gestão
entre estado e municípios (transporte, gestão compartilhada, por exemplo); a
universalização do EF; a definição da posição do governo quanto ao percentual
orçamentário destinado à educação; a definição de proposta a respeito da
nuclearização, considerando que os atuais recursos tecnológicos podem mudar
a face do que tradicionalmente se concebe sobre as classes multisseriadas.
A posição do plano no organograma da SEED, que jamais fora bem
resolvida, agora se tornava ainda mais nebulosa, pois as decisões em relação
ao projeto vinham sendo tomadas a partir das sugestões do secretário desde o
seu gabinete, porém a execução das ações derivadas de tais sugestões
147
dependiam diretamente da SUED e seus departamentos, que não mais se
comportava como responsável pelo projeto.
A princípio, o indicativo dado pelo secretário para a realização da
mencionada primeira reunião colegiada de estudo e deliberação foi o dia 19 de
abril. Os indicados para participar, além do GS e da SUED e da CG PEE PR,
foram: representantes dos departamentos de ensino e das coordenações,
representantes do DIE, do GPS e da FUNDEPAR (Instituto de
Desenvolvimento Social do Paraná), representantes do FPDEP, da
UNDIME/PR e, finalmente, o consultor financeiro contratado pela coordenação.
Nas duas semanas que antecederam a data mencionada, a
coordenação preparou, a partir das determinações e sugestões do secretário,
um registro denominado “Subsídio ao estudo dos itens do PEE PR referentes à
Educação Básica Ensino Fundamental”, o qual jamais chegou a ser
distribuído ao grupo que integraria as reuniões de trabalho, pois estas, a
exemplo de tantas outras ações “planejadas” pela pasta, não ocorreram
(PARANÁ/ SEED/SUED/ CG PEE PR, 2006b).
A diminuta equipe do plano contava, nesta época, com relativa
independência em relação a SUED, circunstanciada pelos últimos
acontecimentos. A SUED, nesta altura dos acontecimentos, chegou a afirmar,
em reunião gerencial, não ter mais muita ascendência sobre o projeto, embora
publicamente, sobretudo nas interpelações da mídia, era chamada a prestar
contas à sociedade a seu respeito.
A pretensa “autonomia”, entretanto, antes de significar a possibilidade de
consecução das ações, as limitava ainda mais, denotando, em casos como
esse, o descompasso intra-setorial da pasta e, principalmente, a dificuldade da
gestão em identificar as prioridades socioeducacionais, planejar formas de
enfrentá-las e assumir tais enfrentamentos. Assim como a CG PEE PR ficou
durante algum tempo, pela natureza de seu objeto de trabalho, pelo desenho
conjuntural estabelecido no ambiente interno da SEED, combinado às pressões
típicas do momento pré-eleitoral, pelo perfil dos técnicos nela prestando
serviços, numa espécie de “não-lugar” objetivo
48
dentro da estrutura da SEED.
48
Note-se que ação do plano, em termos de juridicidade pública, já não contava com uma posição
organogramática definida oficial ou oficiosamente pois a APE oficial é, de fato, extinta e participava
dos fluxogramas de processos de maneira sempre improvisada, ora utilizando-se da SUED, ora do GS,
ora do GPS para emitir e despachar suas correspondências.
148
O caso acima descrito em muito se aproxima, e por isso é ilustrativo, da
distância entre o que a legislação constitucional vigente e suas respectivas
disposições dão a entender como "ideais" e o que é efetivamente praticado, em
termos dos métodos de organização estatal num regime democrático, cuja
clareza de processos, funções e cargos é fundamental para a avaliação
pública
49
. Provisoriamente descolada do quotidiano e das ações da SEED sem,
contudo, contar com autonomia de ação e decisão, a CG PEE PR resolveu
aproveitar o acúmulo de informações cotejadas, a propósito da preparação dos
subsídios ao estudo colegiado do EF, para realizar uma ampla coleta de dados
relativos a esse nível de ensino e, na seqüência, a elaboração de novo
diagnóstico e rol de metas para o item.
Em maio de 2006, a SUED toma uma atitude em relação ao PEE PR e a
LSE, transferindo a posição funcional da técnica pedagógica (esta autora) que,
até então, de forma adjunta coordenava os trabalhos referentes ao plano, para
o GS. Essa transferência perdurou por apenas algumas horas, pois culminou
com o afastamento, a pedido, da coordenadora geral, atitude precedida por
uma manifestação oficial da CG PEE PR, na qual, lançando mão de argumento
técnico, ressaltava a falta de coerência político-administrativa da iniciativa,
que o plano e a LSE foram, desde o início, assumidos como projetos de
elaboração conjunta entre o executivo, as bases profissionais da escola e os
segmentos organizados da sociedade afeitos à educação pública, não sendo,
portanto, aconselhável que fossem coordenados pelo GS.
Depois da reassunção dos projetos pela SUED, foi formado o GG PEE
PR (Grupo Gestor do Plano Estadual de Educação do Paraná), composto pela,
então, coordenadora adjunta do PEE PR e duas técnicas recém saídas da
CEPE (Coordenação de Estudos e Pesquisas), permanecendo estas, desde
esse momento, vinculadas à SUED. Sem o envolvimento dos departamentos
de ensino, que mesmo depois de reiteradas “convocações” da SUED, não se
integraram aos trabalhos do plano; sem a interlocução, pelo menos de forma
oficial, com a chamada “sociedade civil” e sem a autonomia necessária para
dar seqüência aos diálogos institucionais, o GG, no entanto, trabalhou na
minuta da LSE, concluindo uma proposta apta a constituir-se em texto inicial
49
As principais formas institucionais desta avaliação pública são as cortes de contas, o MP e os CAC.
149
(minuta) para as discussões, e elaborou novas propostas para os capítulos da
educação básica, da gestão, dos trabalhadores em educação e do
financiamento, este último, com a colaboração de consultor contratado e do
GPS.
Em agosto de 2006, o GG PEE PR solicita à SUED autorização para
incluir as novas propostas dos textos supramencionados na página do plano
hospedada no Portal Dia-a-dia Educação, a fim de divulgar seu conteúdo e
expô-lo a apreciação pública. Com isso, o GG pretendia ter novos instrumentos
para restabelecer o processo de interlocução do plano, iniciar, finalmente, a
discussão qualificada da LSE e aprofundar as interfaces institucionais
estabelecidas pela SEED/CG PEE PR, demonstrando, dessa forma, o
interesse da gestão em cumprir, pelo menos em parte, os compromissos
assumidos publicamente no final de 2005. A resposta fica em suspenso por
alguns dias, até que, no início de setembro, torna-se desnecessária, pois todos
os conteúdos institucionais do governo, não estritamente de utilidade pública
disponíveis nos sítios oficiais, são retirados do ar em respeito à legislação
eleitoral.
O GG PEE PR prepara, na seqüência, um copião do documento do
plano e envia-o à SUED. Neste copião, espécie de estado da arte do
documento, o GG PEE PR inclui marcadores explícitos no início de cada
capítulo, informando à SUED as falhas e pendências de cada um dos itens.
Ainda em agosto de 2006, conforme informação constante no quadro 1,
uma das técnicas do GG PEE PR e a superintendente da educação participam
do Seminário Sul de Avaliação dos Planos Decenais de Educação, em Porto
Alegre, promovido pelo MEC/DASE/CAFISE. Nessa oportunidade, estreita-se o
diálogo entre o grupo gestor e a mencionada divisão do MEC, as assessorias
parlamentares da comissão de educação da câmara federal, pesquisadores do
INEP, assim como, com o representante do MP do Paraná para assuntos
educacionais. As tônicas do referido evento foram: (1) discussão dos
problemas relativos ao financiamento da EB, incluindo a proposta de
manutenção do mecanismo fiscal DRU (Desvinculação das Receitas da União)
na proposta do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e Valorização Profissional e o descumprimento da legislação
do FUNDEF(Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
150
e Valorização Profissional) pela união; (2) discussão de propostas e
encaminhamentos capazes de alterar a generalidade atual em que estão as
bases do regime de colaboração, situação esta culmina na falta de definição
clara de competências e responsabilidades dos entes federados quanto à MDE
e demais investimentos, sobretudo na educação infantil; (3) apoio e reforço à
metodologia da construção coletiva dos planos decenais porém, com a
ressalva que a ampla participação societária e as interfaces institucionais na
elaboração dos documentos devem ocorrer privilegiando a inserção qualificada
dos segmentos e sujeitos da educação, evitando-se o espontaneísmo, o
basismo e/ou a adoção de critérios excessivos de seletividade por parte das
instâncias coordenadoras; (4) discussão da questão dos sistemas e conselhos
municipais de educação, em especial, no que tange aos efeitos da opção feita
por inúmeros municípios brasileiros de constituírem conselhos consultivos de
educação sem, no entanto, contarem com sistemas de ensino próprios.
A decisão de romper o diálogo com a APP-Sindicato foi revista pelo
Governo Requião ao longo das negociações referentes à definição dos apoios
aos dois candidatos concorrentes nas eleições estaduais de 2006. Dessa
forma, um governo que chegara a ponto de suspender as liberações da
diretoria da entidade e determinar seu retorno às escolas de origem no primeiro
semestre de 2005, com base em uma lei estadual editada em 1994
50
, volta a
procurar a interlocução não com a APP, mas, com outros sindicatos e
lideranças de movimentos sociais, às vésperas das eleições. As concertações
daí derivadas foram especialmente importantes para a base governista, que se
encontrava em posição de situação, no segundo turno das eleições, que o
cenário apontava para uma disputa acirrada, como de fato se comprovou.
Com o retorno das liberações sindicais ocorreu a retomada do diálogo,
entre governo e APP, agora representado pelo governador em exercício,
deputado Hermas Brandão – PSDB
51
(Partido da Social Democracia Brasileira).
50
Trata-se da lei estadual 10.981/1994, a qual, em seu art. 3 limita ao tempo correspondente a dois
mandatos consecutivos o período de afastamento das funções originais pelos servidores públicos
detentores de cargos de representação sindical. Esse conteúdo legal foi revogado meses mais tarde, de
modo que a diretoria da APP e demais entidades atingidas pela medida puderam voltar a dedicar-se às
suas funções nos sindicatos em tempo integral.
51
O PDT (partido de Osmar Dias), ao lado do PSDB (partido do governador em exercício), além de
outras legendas menores, compunham a coligação de oposição ao governo Requião. Essa situação
contraditória, em que o governador substituto, indicado pelo governador licenciado para concorrer às
eleições, integre a coligação de oposição ao governo, é explicada por arranjos ulteriores derivados de uma
151
Entre as expectativas da entidade, formalizadas em pauta de reivindicações,
com relação a um possível segundo mandato, estavam a conclusão do plano
estadual de educação, a realização de uma conferência estadual de educação
e a formulação de nova proposta de LSE. Ambos os pontos foram incluídos no
programa de governo do candidato do PMDB (ver anexo 4). A mesma pauta foi
apresentada ao candidato da oposição (Osmar Dias Partido Democrático
Trabalhista, PDT), que, mais ou menos nos mesmos moldes do que fizera o
PMDB, incluiu, além de outros, o ponto referente ao PEE PR no seu programa
de governo.
Com a vitória de Requião e a manutenção da maioria dos membros da
equipe gestora da SEED, o PEE PR, permaneceu na pauta programática geral
do governo.
tentativa de coligação frustrada entre o PMDB e o PSDB. Defendida por Requião, a coligação entre os
mencionados partidos no Paraná, foi criticada pelas comissões executivas nacionais de ambos. Porém,
antes que o resultado final da petição fosse expedido pela justiça eleitoral, a chapa “Requião – governador
e Hermas Brandão vice”, chegou a ser lançada oficiosamente. Segundo os comentários da imprensa
local na época e o próprio sítio oficial da campanha de Requião (www.requiao15governador.com.br), a
tentativa de coligação tinha uma motivação estratégica, que o tempo de exposição na mídia aberta
(rádio e TV), destinado aos candidatos partidos e coligações é calculado proporcionalmente ao
coeficiente de representação de cada legenda. Dessa forma, unindo-se ao PSDB, ou seja, “à oposição”, o
candidato Requião contaria com mais tempo de exposição nos programas eleitorais gratuitos.
152
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo pretendeu ampliar as possibilidades de análise teórica e
fornecer subsídios para futuras proposições na área das políticas públicas para
a educação, consideradas sob o viés do estado contemporâneo. A importância
desse tipo de tomada analítica é, como parece, a partir da literatura consultada,
consenso entre os pesquisadores da área de políticas e gestão educacional,
muito embora sejam escassos os estudos a respeito. A singularidade desta
abordagem, correlacionando determinantes econômicos, políticos e jurídicos à
capacidade social do estado contemporâneo, estrutural e funcionalmente
capitalista, está na maneira como se toma o objeto de estudo. O objeto,
enquanto processo de construção de uma política de planejamento, localizado
em um momento histórico determinado de uma administração pública concreta
é vislumbrado como uma janela para o estabelecimento das mediações entre
as possibilidades e os limites de intervenção efetiva na realidade pelas políticas
sociais públicas.
O estado brasileiro, ao mesmo tempo em que apresenta uma série de
características mais ou menos notáveis e regulares desde a sua gênese como
estado-nação (patrimonialismo, cartorialismo e clientelismo), passou, ao longo
da história republicana, por uma série de momentos marcados pela convivência
de formulações políticas e administrativas bastante heterogêneas (CARVALHO
e SOUZA, 1999; BRESSER PEREIRA, 2001). A análise de diferentes
experiências administrativas passa, necessariamente, pela consideração de
fatores peculiares, endógenos à condição econômica dependente e periférica
do estado brasileiro, em que pesem os efeitos sociais, políticos e éticos, típicos
da “nação transplantada”, no dizer do antropólogo Darcy Ribeiro, que, entre
outras originalidades, diferentemente da maioria das nações européias e
algumas ex-colônias espanholas, constitui tardiamente sua sociedade civil,
sendo um estado-nação de direito, muito antes de que as pressões pelos
direitos civis começassem a fazer eco nas agendas das oligarquias dirigentes.
Estas, por seu turno, segundo muitos analistas de tradição marxista, durante
todo o período republicano anterior ao surto industrialista de 1930, sequer
conseguiram minimamente se autonomizar, constituindo-se, propriamente
como “classe burguesa”, frente às elites internacionais e aos governos
153
cartorialistas/populistas locais, perdendo oportunidades históricas de serem
protagonistas tupiniquins de algo aproximado a uma “revolução liberal-
burguesa” (IANNI, 1989; FERNANDES, 1987). Por outro lado, considerando as
características sócio-históricas que determinam o, não-homogêneo, estado
brasileiro, é nas recorrentes tentativas de adaptação da economia nacional aos
diferentes estágios do capitalismo moderno e contemporâneo, que julgamos
poder situar os grandes (e institucionalizados) desenhos da organização
político-estatal brasileira, bem como aquilatar as reverberações e implicações
dessas “arquiteturas político-estatais” na organização, exploração e
transferência das riquezas socialmente produzidas.
Sem ignorar a complexidade regional brasileira e os fatores mais locais
que interferem diretamente nas organizações estatais subnacionais,
representadas pelos estados e municípios federados (entre eles, o
comportamento e o poder das elites; os caracteres geográficos, étnicos e
populacionais), aponta-se que, de uma forma geral, a arquitetura e
fundamentos das últimas conformações do estado brasileiro, seguem os
padrões de hegemonia em termos econômicos, passando do social-
desenvolvimentismo, apoiado no modelo de substituição de importações
(décadas de 1950 a 1970), a um liberalismo-moderado (final da década de
1970 ameados dos anos de 1980), e deste para, o atual modelo, tensionado
pelos efeitos da mundialização financeira e flexibilização dos procedimentos de
exploração do trabalho, pelas formas ampliadas de acumulação do capital e
pelo esgotamento dos recursos naturais. Em termos político-societais, as
diferentes arquiteturas do edifício estatal e suas diferentes conjunturas, sempre
mediatizadas pelo mercado, têm relação com as crises de representatividade
política e de hegemonia e com o grau de aportes de democracia e/ou
autoritarismo das instituições e organizações estatais. Tais crises, que outrora
encontraram expressão singular em diversos períodos da história brasileira
(entre eles a transição império-república; as crises políticas e institucionais ao
longo do período republicano, anterior ao processo de “vivência” democrática, a
partir do final dos anos de 1940; os problemas de legitimação dos governos
populistas ditatoriais e populistas democráticos desde o segundo governo
Vargas, etc. ), se consideradas a partir da transição democrática (1983-1984),
permitem que se analisem os grandes vieses do problema da democratização
154
das organizações do estado, incluindo aí, as instâncias responsáveis pelo
planejamento, execução e acompanhamento das políticas sociais.
A democratização da política brasileira, embora tenha apresentado
fôlego especial durante o período que precedeu a promulgação da CF de 1988,
foi (e segue sendo) permeada por articulações, nem sempre visíveis ao olhar
comum, as quais envolvem complexos arranjos forjados pelas, de certa forma
“submissas”, elites locais e pelas, tradicionalmente “autônomas”, elites
internacionais. Em última análise, de forma simplificada, pode-se aquilatar que
os elementos formais e pilares básicos da democracia representativa têm sido
respeitados e valorizados pela sociedade brasileira (incluindo-se a
tecnoburocracia estatal e as “forças do mercado”) sem que, no entanto, se
conseguisse sequer atualizar, nos limites do liberalismo burguês, uma forma
mais substantiva de democracia, mesmo considerando, nessa análise, a
disponibilidade dos atuais mecanismos de intervenção da sociedade na
condução da política pública.
Os entraves à substantivação da democracia brasileira, tomada dentro
dos limites do capitalismo, são reforçados pela posição contraditória ocupada
pelo estado na economia flexível. Nos últimos anos, o estado brasileiro, ao
mesmo tempo sujeito e sujeitado da ordem sistêmica, democratizou
formalmente suas práticas, tornando mais amplos os sistemas de
representação e consulta. Na mesma medida, ampliou seu peso social e sua
importância estratégica. O conjunto das políticas sociais por ele
implementadas, no entanto, pouco contribuiu para a construção de mudanças
estruturais passíveis de minorar as distâncias existentes entre as classes e
grupos sociais do país. A democratização do estado, aliás, lida por esta ótica,
contribui para a manutenção do modelo de acumulação atual e, no caso
brasileiro, uma economia periférica, reforça indiretamente o modelo de
desenvolvimento politicamente dependente, em relação aos países centrais, e
economicamente associado, aos interesses dos altos financistas e grandes
corporações internacionais. A desimportância da política para os cidadãos e
sua redução a espetáculo midiático, a “privatização dos poderes públicos”,
eleitos pelo “voto” do mercado, que tem grande controle sobre a cena político-
eleitoral e a, conseqüente “reprivatização da democracia”, conforme
expressões de OLIVEIRA, são componentes da crise da democracia
155
representativa e de sua subsunção à condição de sistema afeito aos interesses dos
grandes capitais (OLIVEIRA, 1998; 2004a; 2004b)
Não desconsiderando a ampla gama de fatores que historicamente
influenciaram as recentes configurações do estado brasileiro e os
determinantes estruturais inscritos, conforme anteriormente analisados (Cap.
I), relaciona-se o processo de construção política do PEE PR à duas grandes
questões interligadas, a saber: (1) tentativas, sucessos e retrocessos na
concepção e implementação de formas de intervenção social nas políticas
públicas e, em contrapartida, ao desenvolvimento de instrumentos e
mecanismos de controle estatal relativamente ao conteúdo e ao alcance dessa
intervenção; (2) possibilidades e vicissitudes de uma gestão da educação que,
se auto-declarando democrática e contrária aos interesses do mercado, teve
sérias dificuldades para formar equipes administrativas e executivas coesas;
tomar decisões; desenvolver; compreender e repercutir concepções de
educação; estabelecer a necessária sinergia entre o âmbito das proposições
pedagógicas e o âmbito das proposições de infra-estrutura e de decisão
orçamentária, enfim, demonstrou possuir limitações consideráveis em
mobilizar recursos e criar meios para que seus propósitos declarados quanto à
educação pudessem gerar maior potencial de efetivação.
O modelo participacionista da construção coletiva, entendido pela gestão
da SEED 2003-2006 como diferencial entre sua forma de gerir a política
educacional e o que era praticado pelos governos anteriores e, por isso,
adotado, de forma mais ou menos homogênea, como método de elaboração da
maioria dos projetos da pasta no intervalo 2003-2006, não conseguiu superar o
que se propunha superar, porém, conforme suspeita da autora, deu uma
roupagem nova aos eixos fundamentais da democracia restrita e aos
mecanismos de controle praticados nos anos de lernismo
52
. Noutros termos,
52
O modelo de gestão democrática e de participacionismo adotado no governo Lerner é afeito ao que o
grupo social-aliancista defendia e aplicava nos anos de 1990, no âmbito do governo federal. Pela sua
concepção, esta reforma, é denominada por muitos analistas de “reforma gerencial do estado brasileiro”.
O conjunto de ajustes pretendidos pela “reforma” foi parcialmente executado ao longo dos mandatos de
Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) e, sua gica e parâmetros gerais, mantidos pelo governo Luis
Inácio Lula da Silva (2003-2006)
Alinhada à bandeira da redução do tamanho do estado, de seu poder interventor sobre a economia e do
aumento das condições de governança pública, através do ajuste fiscal e da eficiência administrativa, o
MARE (Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado), órgão dirigido por Luiz Carlos
Bresser Pereira, defendia a importância do incremento à governabilidade. Segundo a gica da
administração gerencial, para o “aumento da governabilidade” é fundamental, “à existência de
156
mesmo que seja louvável partir-se da idéia da consulta aos segmentos ligados
à educação como princípio, a metodologia da construção coletiva não foi capaz
de agregar elementos qualitativos sicos, passíveis de conferir substância
democrática aos processos de intervenção dos sujeitos da educação, e/ou de
suas representações, nas políticas e ações da pasta. A construção coletiva,
que no PEE PR, obteve um grau considerável de maturidade nas três
audiências públicas, funcionou, de maneira geral, como um mecanismo de
legitimação das ações da gestão que, ao mesmo tempo, conseguiu amainar
sua dificuldade em estabelecer o grau de diretividade, esperado por uma
gestão democrática, e conferiu aos seus projetos o status de políticas com
interfaces societais. Ambos os ingredientes, ou seja, o escamoteamento dos
limites estruturais à capacidade realizadora do estado e o estabelecimento de
canais de diálogo entre a administração pública e a sociedade, são, conforme
analisado no Cap. I, fundamentais para garantia de um grau mínimo de
legitimação societária e pública às políticas sociais do estado contemporâneo
propostas no âmbito de suas administrações setoriais.
Distintamente de um instrumento democrático de governo, embora tenha
esse horizonte, a construção coletiva do PEE PR pode ser científica e
politicamente qualificada como um instrumento de governabilidade, o que se
não a afasta totalmente de constituir-se em tentativa de democratização da
gestão pública da educação, por outro lado, reforça a prevalência do caráter
instrumental do conteúdo democrático. Se é possível afirmar que o mérito da
construção coletiva do PEE PR está na concretização de espaços políticos, de
locais específicos onde se deram os embates entre os campos em disputa
(estado e governo; categorias de classe dos trabalhadores da educação;
representações civis e sujeitos da educação), é também possível avaliar que
parte desse mérito se esvai no claro-escuro das ausências mencionadas ao
longo deste estudo, entre elas: a falta de diretividade; a pouca clareza quanto
às condições e necessidades do conjunto da rede pública de educação; a falta
instituições políticas que garantam uma melhor intermediação de interesses e tornem mais legítimos e
democráticos os governos aperfeiçoando a democracia representativa e abrindo espaço para o controle
social ou democracia direta” (BRESSER PEREIRA, 1997, p. 19). Note-se que o conceito de democracia
do qual se parte, nesse caso, é essencialmente formal, pois entende a “sociedade civilapenas como
sociedade civil organizada divorciada do estado e sem o peso da componente classe social, porém
suscetível, obviamente, aos interesses, às leis gerais e ao caráter meritocrático do mercado.
157
de prioridades claras; o baixo grau de coesão interna da SEED e o baixo grau
de sinergia e de ascendência da SEED em relação ao cleo duro da política
orçamentária do estado. Complementando esta reflexão, crê-se que ficou
suficientemente demonstrado que, em se tratando de uma política de
planejamento a qual, em tese, poderia ser o fio condutor do conjunto de
políticas educacionais, o PEE PR é, por sua especificidade, uma matéria que
não se presta ao experimentalismo ou ao voluntarismo renovador. Assim
sendo, a construção coletiva de um plano decenal de educação coordenado e
proposto pela administração pública em moldes substancialmente
democráticos, mais do que a participação espontânea de grupos e sujeitos,
requer intervenções qualificadas e potencial, por parte do executivo e das
instâncias da sociedade envolvidas, de sustentação das proposições discutidas
e elaboradas coletivamente.
As ações da SEED 2003-2006 não lograram grandes avanços em
termos da democratização da gestão das instâncias que compõem a rede
estadual de educação básica, incluindo a sua própria, nem conseguiram, no
que toca ao planejamento, superar a limite da programação e execução
setorial, devido à indisponibilidade de condições para que meios e fins
declarados em ambas as dimensões agregassem efetivamente diferenciais
qualitativos em relação ao que era praticado pelos dois governos anteriores.
Contudo, que se considerar em semelhante avaliação, não o peso das
dificuldades administrativas aliadas à manutenção de certas práticas
clientelistas e populistas, mas fatores como, a fragilidade dos quadros
funcionais disponíveis, o personalismo e a tendência centralizadora do cleo
familiar Requião, avesso a contrariedades e, por fim, as condições gerais da
educação transformada em “terra arrasada”, segundo expressão corrente na
SEED – que a gestão herdou, dos tempos de lernismo.
No que toca a recuperação do caráter público do estado, o governo
peemedebista foi fiel ao seu programa. De fato, são notáveis a esse respeito,
por exemplo, a maior visibilidade das ações governamentais, incluindo o
acesso a informações financeiras e orçamentárias, a inversão da lógica do
quadro funcional do estado, hoje formado majoritariamente por pessoal
concursado e, sobretudo, a concentração no setor público das atividades de
concepção, elaboração, execução e acompanhamento das políticas sociais. A
158
sustentação política dos itens da plataforma descrita e de outros programas
setoriais, de natureza compensatória não mencionados, mas, cujo impacto,
em termos de minoração das dificuldades dos extratos mais pobres da
população, pode vir a traduzir-se em elevação de indicadores de IDH (Índice de
Desenvolvimento Humano) –, foi importante para que o governo Requião
conseguisse granjear os apoios políticos necessários para a sua re-eleição,
inclusive da parte sindicatos de trabalhadores públicos e de movimentos
sociais.
Pelas contingências típicas do estado contemporâneo, sob a forma
democrática burguesa de representação política e o sistema capitalista de
produção e reprodução da vida, e pela forma específica como foi gerido, o PEE
PR, aqui tratado como processo de construção política, não arvorou resultar
em produto acabado. Por outro lado, a tentativa de elaboração do plano,
considerando todos os sujeitos que se envolveram nos trabalhos ao longo de
suas fases, não pode ser avaliada como totalmente frustrada, sobretudo do
ponto de vista de uma administração estatal da educação que se autodeclarava
progressista, devido aos consideráveis aportes técnicos e experiências
gestoras que acumulou. Já, enquanto uma das ações da política social pública
para a educação, nenhum plano decenal que pretenda contribuir para a
alteração socialmente qualitativa da realidade educacional, no atual cenário
histórico brasileiro, mesmo na condição de lei, pode ser considerado
plenamente efetivo, pois, via de regra, os limites estruturais inerentes ao
próprio sistema são contraditórios às disputas pela máxima extensão dos
direitos sociais, a educação de qualidade entre eles. Ante a impossibilidade
real de que as políticas sociais do estado capitalista socializem a totalidade dos
recursos produzidos e alocados, restam as tentativas localizadas de superação
dos desafios historicamente possíveis de serem superados. O processo
descrito e analisado neste estudo foi, a seu modo e circunstância, parte desse
rol de tentativas.
159
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SETÚBAL, M. (Orgs.). Pensamento crítico e movimentos sociais: diálogos
para uma nova praxis. São Paulo: Cortez, 2005 (p. 96-116).
165
ANEXOS
1. Distribuição dos conteúdos por NRE para os estudos temáticos do PEE PR,
realizados no ano de 2003 (PARANÁ/SEED/ SUED/ CG PEE PR, 2004d, p.
10).
2. SEFA. Balanço orçamentário anual, exercício 2005. Fragmento Execução
das despesas com educação.
3. SEED/CCPE. Números da capacitação no Paraná 2003-2006.
4. Fragmento da pauta de reivindicações da APP-Sindicato, acordada na
conferência estadual de educação ( Curitiba, agosto de 2006).
5. Carta do candidato Roberto Requião dirigida à direção da APP-Sindicato às
vésperas do pleito eleitoral de 2006.
6. Instrumento de pesquisa.
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