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porém, o que fica como um ponto de atenção mais premente na imagem não é ver um feto
simplesmente, mas vê-lo em um lugar deslocado do que seria “natural” ou mais próprio de
sua natureza, no ambiente propício aos meses de seu desenvolvimento. Ao invés disso, vemos
um feto em conserva, dentro de um recipiente. Esta “substituição” do seu ambiente natural
para um outro objeto comum põe certa “força” na imagem e reconhecer este deslocamento
proposto nos é um tanto perturbador.
No entanto, notar este tipo de imagem não se restringe apenas às reações que ela nos provoca,
mas implica em reconhecer duas instâncias que se colocam ao mesmo tempo: uma delas está
ligada ao motivo, ao tema sobre o qual a imagem se reporta, e a outra, se refere ao próprio
modo de conformar este tema visual, ou seja, de configurá-lo, de apresentá-lo em uma
imagem. Em boa medida, certas reações que esboçamos diante de uma imagem deste tipo
estão coligadas ao seu aspecto de configuração, ou seja, de certo modo de representação de
um motivo em uma imagem, neste caso, da figuração de um corpo ainda disforme dentro de
um recipiente; uma imagem “grotesca”
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.
O grotesco, segundo Mikhail Bakhtin
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, se traduz em um “sistema de imagens da cultura
cômica popular”, relacionado às expressões do corpo e da natureza como dois elementos
indissociáveis e em constante modificação. Em sua visão, o grotesco é regenerador, jocoso,
cômico, porém, em uma outra perspectiva contrastante, Wolfgang Kayser (2003) denomina o
grotesco como “o disforme e o abjeto” (mais próximo da imagem da Figura 1, por exemplo).
Quando atentamos para a publicidade, em geral, notamos que o tema grotesco se caracteriza
pela mistura de parte de objetos com corpos humanos ou com animais, pela exibição de
doentes, lesões, deformidades, teratologias, entre outros, mas estes elementos figurativos são
dispostos, em uma imagem, contando com um outro ponto específico: o uso de certos
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Ao grotesco atribui-se intensa difusão no final do século XVI; os ornamentos cobrem fachadas de palácios,
invadem a arquitetura, as gravuras e também outros campos: na cerâmica, na tapeçaria, nas artes “menores” em
geral. Dentre seus adeptos, destacam-se os artistas Gaudenzio Ferrari, Signorelli, Filippino Lippi, Andrea di
Cosimo, Giuliano da Sangallo e, até mesmo, Michelangello. A partir da Itália, porém, o grotesco penetra em
países transalpinos e conquista os domínios das artes plásticas e mesmo da imprensa. Fica estabelecida desde
então a marginalidade do estilo grotesco em relação ao clássico, fixando-se as características da sua
representação: a monstruosidade, o informe, o híbrido (a mistura de domínios: animal/ humano/ vegetal), o
fantasioso sem limites, que por vezes provoca o riso de caráter crítico. Outras definições podem ser encontradas
em Carlos Ceia, s.v. "Grotesco", E-Dicionário de Termos Literários, coord. de Carlos Ceia, ISBN: 989-20-0088-
9, http://www.fcsh.unl.pt/edtl.
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BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na idade média e no renascimento. O contexto de François Rabelais.
Universidade de Brasília: Hucitec, 1999.