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Fundação Oswaldo Cruz
Instituto Fernandes Figueira
Pós- Graduação em Saúde da Criança e da Mulhe
r
Anomalias congênitas em natimortos e
neomortos: o papel do aconselhamento
genético.
Renata Zlot
Rio de Janeiro
Março / 2008.
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Fundação Oswaldo Cruz
Instituto Fernandes Figueira
Pós- Graduação em Saúde da Criança e da Mulhe
r
Anomalias congênitas em natimortos e
neomortos: o papel do aconselhamento
genético.
Renata Zlot
Dissertação apresentada à Pós-
Graduação em Saúde da Criança e da
Mulher, como parte dos requisitos
para obtenção do título de Mestre em Ciências
Orientadora: Prof
a
. Dr
a
. Dafne Dain Gandelman Horovitz
Rio de Janeiro, março de 2008.
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AGRADECIMENTOS
A minha orientadora Prof
a
Dr
a
Dafne Dain Gandelman Horovitz, por saber
criticar de forma positiva e desta forma me incentivar.
Aos membros da banca examinadora: Prof Dr Juan Clinton Llerena Junior,
pelos ensinamentos em Genética Médica e exemplo nesta profissão e Prof
a
Dr
a
Rosa Rita dos Santos Martins, pela disponibilidade em aceitar o convite para a
banca e pela cuidadosa correção da pró-forma.
Aos professores, colegas e funcionários da Pós-Graduação da Saúde da
Mulher e da Criança pelos ensinamentos, auxílio e suporte.
A todos do Departamento de Genética Médica pelas trocas e parcerias
estabelecidas, desde a residência médica, e pela ajuda para solicitar e buscar
todos os prontuários necessários.
Aos colegas de trabalho e plantões por perdoar minhas mudanças de
horário para freqüentar as aulas da pós-graduação.
Ao meus amigos e familiares por aceitarem o meu afastamento de
encontros e festas para concluir o curso e a dissertação.
Aos meus pais, Ana Maria Laufer e David Zlot, que são responsáveis por eu
ser quem sou, e que sempre apoiaram, acreditaram e torceram por mim, mesmo
achando que “fazer genética” era loucura.
Ao meu irmão, Fábio Zlot, ao meu lado todo o tempo, por ajudar, confortar e
ter sempre uma palavra amiga e carinhosa. E também por me salvar dos
problemas eletrônicos.
Ao Mauro Seiner, pela paciência para suportar meu estresse, mau humor e
as horas sentadas à frente do computador.
E, em especial, à Prof
a
Maria Helena Cabral de Almeida Cardoso, que
sempre foi muito mais do que uma professora, desde à época da minha
residência. Foi a pessoa que me estimulou a ingressar na pós-graduação, que
buscou comigo o tema e que me auxiliou em todas as etapas do mestrado,
inclusive na preciosa revisão final. Sua ajuda foi fundamental. Isto é uma prova de
amizade. Não tenho palavras para agradecer.
RESUMO
Esse estudo objetivou analisar o entendimento das informações fornecidas e as
opções reprodutivas de mulheres que passaram pelo aconselhamento genético (AG) no
Instituto Fernandes Figueira (IFF) / Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Muitos artigos
mostram que a lembrança dos riscos de recorrência e a interpretação dos riscos de forma
correta são fundamentais para o planejamento reprodutivo.
Primeiramente foi feita uma análise quantitativa, através de freqüências simples,
para o levantamento do perfil das mulheres atendidas durante os anos de 2002 e 2003
(160 mulheres), quanto à idade, escolaridade e estado civil. Avaliamos também o
fluxograma do atendimento durante o pré-natal e nas consultas de AG.
Posteriormente foi realizada uma pesquisa, através de entrevistas estruturadas (35
perguntas), enviadas pelo correio para as 101 mulheres atendidas no período de 2002 a
2004, que se enquadravam nos critérios de inclusão (filho natimorto ou neomorto com
anomalia congênita e que foi submetido a necrópsia, avaliação genética, ou estudo
citogenético). Recebemos 34 respostas (com termo de consentimento livre e informado
assinado), que foram analisadas fazendo-se uso das abordagens quantitativa e
qualitativa, para verificar o entendimento das clientes em relação ao diagnóstico, risco de
recorrência, interpretação de riscos e suas opções reprodutivas após o AG.
Encontramos respostas condizentes com as informações fornecidas em relação à
lembrança do risco numérico e à interpretação do risco em torno de 53% e 56%,
respectivamente.
Percebemos, entretanto, que em nosso estudo o desejo de ter filhos esteve mais
fortemente ligado às decisões reprodutivas do que os riscos de recorrência fornecidos.
Palavras chaves
: aconselhamento genético; natimorto; neomorto; anomalias congênitas;
reprodução.
ABSTRACT
This study aimed to analyze how the information provided to women through
genetic counselling (GC) in Instituto Fernandes Figueira (IFF) / Oswaldo Cruz Foundation
(FIOCRUZ) was understood and their reproductive options thereafter. Many authors point
out that recalling the recurrence risks and their correct interpretation are extremely
important for reproductive planning.
A quantitative analysis was performed using simple frequencies to characterize the
profile of the women who sought GC in the years 2002 and 2003 (160 women). Data such
as age, education level and marital status were collected. The flowchart of care during
prenatal and GC consultations was studied.
After the profile analysis, a structured interview comprising 35 questions was sent
by mail to 101 women who underwent GC in the years 2002 to 2004 and fullfilled the
inclusion criteria (whose babies had congenital anomalies and were stillborn or died in the
neonatal period and underwent autopsy, genetic evaluation or chromosomal investigation).
The 34 responses (with signed informed consent to participate in the study) were received
and underwent both quantitative and qualitative analyses, where the clients´
understanding was verified regarding diagnosis, recurrence risks, risk interpretation and
their reproductive options after the conclusion of GC.
Responses were in accordance to the information provided in GC, regarding
remembrance of the numerical recurrence risk and its interpretation in 53% and 56%,
respectively.
Our study showed, however, that the desire to have children was more strongly
related to the reproductive decisions than the informed recurrence risks.
Key words
: genetic counselling; stillbirth; newborn mortality; neonatal death; congenital
anomalies; reproduction.
Lista de Siglas e Abreviações:
AG: Aconselhamento genético
AIDS: Síndrome da Imunodeficiência Humana Adquirida
CID-10: Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à
Saúde - Décima Revisão
Datasus: Departamento de informática do SUS
DTN: Defeito do tubo neural
FIOCRUZ: Fundação Oswaldo Cruz
GT: Grupo de trabalho
IFF: Instituto Fernandes Figueira
MS: Ministério da Saúde
SUS: Sistema Único de Saúde
Lista de Tabelas
Tabela 1 – Prontuários agendados para o AG nos anos de 2002 e 2003 ...... 32
Tabela 2- Divisão das mulheres que concluíram o AG de acordo com os
critérios de inclusão para a entrevista ..............................................................
33
Tabela 3 – Perfil das mulheres agendadas e que concluíram o AG: estado
civil, faixa etária e escolaridade .......................................................................
38
Tabela 4 – Atendimentos no período gestacional............................................. 40
Tabela 5 – Perfil das mulheres que responderam as entrevistas..................... 46
Tabela 6 – Distribuição das anomalias congênitas entre as mulheres que
responderam a entrevista ................................................................................
46
Tabela 7 – Visão das clientes sobre o estudo pré-natal e sobre a interrupção
da gestação diante de diagnóstico desfavorável em gestação futura...............
48
Tabela 8 – Tempo entre o óbito e a primeira consulta x satisfação ................. 49
Tabela 9 - Correspondência entre respostas das entrevistadas e informações
fornecidas sobre diagnóstico, risco de recorrência e exames
complementares ...............................................................................................
50
Tabela 10 - Número de respostas condizentes sobre o modo de herança e
risco de recorrência de acordo com o modo de herança .................................
50
Tabela 11 - Correlação dos riscos numéricos fornecidos com a interpretação
dos riscos pelas clientes ...................................................................................
54
Tabela 12 – Fardo da condição e suas correlações com o risco de
recorrência fornecido.........................................................................................
57
Tabela 13 - Planejamento familiar após o aconselhamento genético .............. 60
Tabela 14 - Influência do AG nos planos reprodutivos ..................................... 63
Lista de Gráficos
Gráfico 1 – Perfil das anomalias congênitas encontradas no estudo................ 39
Gráfico 2 - Tempo entre o óbito e a primeira consulta de AG........................... 42
Gráfico 3 – Tempo de duração do AG .............................................................. 42
Gráfico 4 – Distribuição dos riscos de recorrência encontrados nas pacientes
que concluíram o AG.........................................................................................
43
Gráfico 5 – Distribuição percentual das heranças encontradas nas pacientes
que concluíram o AG.........................................................................................
44
SUMÁRIO
Introdução ......................................................................................................................
01
1
a
parte: A Pesquisa .....................................................................................................
05
1-Situando o objeto, os objetivos e a hipótese
1.1 A importância desse tema .....................................................................................
06
1.2 Considerações gerais sobre anomalias congênitas e aconselhamento genético..
13
1.3 Objetivos e hipótese ..............................................................................................
24
2-Fontes e Métodos
2.1 Configurações do campo.......................................................................................
26
2.2 Caracterização da pesquisa..................................................................................
30
2.3 Sujeitos da pesquisa, método e técnicas...............................................................
31
2.4 Análise dos dados..................................................................................................
36
2
a
parte: Resultados e Discussão ...............................................................................
37
3-Perfil do atendimento
3.1 Perfil das mulheres encaminhadas e das anomalias congênitas diagnosticadas.
38
3.2 Fluxograma do atendimento .................................................................................
40
4-O aconselhamento genético
4.1 Perfil e fluxograma do atendimento das entrevistadas..........................................
45
4.2 Lembrança, interpretação e sentimentos relacionados ao risco............................
49
4.2.1 Lembrança das informações recebidas...........................................................
49
4.2.2 A interpretação do risco...................................................................................
53
4.2.3 O fardo da condição.........................................................................................
56
4.2.4 Os sentimentos de culpa.................................................................................
57
4.3 A reprodução e vida após o AG.............................................................................
58
4.3.1 As decisões reprodutivas.................................................................................
58
4.3.2 A influência do AG nas decisões reprodutivas................................................
62
4.3.3 A não diretividade do AG ................................................................................
64
4.3.4 A vida cotidiana após o AG .............................................................................
66
4.4 Adendo ..................................................................................................................
72
4.4.1 Genética como tratamento ..............................................................................
72
4.4.2 Assistência ao parto e pós-parto .....................................................................
73
Considerações finais ......................................................................................................
77
Referências bibliográficas ..............................................................................................
82
Apêndices e anexos .......................................................................................................
88
“De um modo geral, quanto mais rara a doença, menos conhecida pelos médicos
ela será (...). A falta do diagnóstico exato pode levar à perpetuação da fase de
questionamentos, como ‘por quê comigo?’ e ‘o que fiz de errado?’, com respostas
fantasiosas e sentimentos de culpa que trarão somente mais infelicidade. A
verdade nos liberta, por mais dura que seja, pois as fantasias geralmente são
piores (...). Quantas crianças com síndromes ou deficiência mental já atendi, cujos
pais pensavam que não eram capazes de gerar um filho perfeito, e com o
diagnóstico veio a possibilidade do aconselhamento genético de doença
esporádica, com baixíssimo risco de recorrência. O difícil, às vezes, nestes casos
é apagar o trauma das idéias pré-concebidas.”
Eugênia Ribeiro Valadares, 2000.
INTRODUÇÃO
O interesse no estudo do entendimento e opções reprodutivas de mulheres
que perderam seus filhos no período perinatal deve-se à minha prática enquanto
residente de genética médica do Instituto Fernandes Figueira (IFF), incluindo o
atendimento no ambulatório de aconselhamento genético (AG). A maioria das
famílias, com história de anomalias congênitas ou de doenças geneticamente
determinadas, sente-se órfã e desprotegida, principalmente, quando ocorrem
casos de natimortos e / ou neomortos.
Muitos médicos desconhecem tais condições e consideram que muito
pouco pode ser oferecido. Porém, mesmo que não haja muito a fazer, tentar
oferecer uma explicação do que e porque o fato ocorreu, mostrar que há casos
semelhantes e eximir culpas é um papel importante e deve ser desempenhado por
profissional treinado na área, como o geneticista clínico (Horovitz et al., 2005).
A partir de minhas observações, pude perceber que quando o recém-
nascido apresenta anomalia congênita, mas esta é compatível com a vida, existe
um maior apoio à família. A criança fica sendo acompanhada por equipe
multidisciplinar que inclui, além das diversas especialidades médicas em senso
estrito, aquelas referentes a fonoaudiologia, fisioterapia, terapias de estimulação,
dentre outras, e mantém-se contato com famílias em situações semelhantes.
Desse modo, a família recebe sempre algum tipo de informação, provavelmente
em mais de uma ocasião, sobre o porquê da anomalia congênita e sobre o risco
de recorrência. Porém, nos casos de natimortos e / ou neomortos com anomalias
congênitas, os pais, muitas vezes, ficam sem respostas para suas dúvidas, sendo,
por isso, o AG fundamental para eles.
O AG deveria ser oferecido para todos com história familiar de uma
condição geneticamente determinada ou mesmo para aqueles em risco para uma
anomalia congênita; infelizmente, no Brasil, ainda existe pouco conhecimento
sobre estes serviços.
Esta pesquisa foi conduzida para averiguar o conhecimento das famílias
após o AG e para termos informações sobre suas subseqüentes decisões
reprodutivas. Estudamos mulheres que perderam seus filhos no período perinatal
com anomalias congênitas. Partimos da premissa que o processo de AG fornece
as informações necessárias para a família e esta consegue entender o porquê do
óbito e o risco de recorrência, e assim pode tomar decisões conscientes a respeito
de uma nova gestação.
Esse tema foi abordado na literatura internacional especializada
(Abramovsky et al., 1980; Frets et al., 1991; Sommer et al., 1988; Wertz e
Sorenson, 1986; Wertz et al., 1986), enfatizando, sobretudo, estudos sobre o
entendimento do risco de recorrência de forma numérica, análises sobre a
interpretação do risco pela família e também de fatores que poderiam facilitar ou
dificultar as opções reprodutivas. Não foi encontrado nenhum artigo que
recortasse especificamente estas questões relacionadas aos casos de natimortos
ou neomortos.
Estudos anteriores concluíram que o acompanhamento do AG por
questionário, junto com a análise estatística dos dados recebidos, pode fornecer a
centros especializados informações valiosas sobre seus programas de
aconselhamento, assim como sugerir formas de melhorar o processo e, portanto,
de aumentar sua eficiência (Abramovsky et al., 1980; Gleiser, 1986).
Diante disso, consideramos que esse estudo poderá ser útil para uma
melhor estruturação do serviço de AG ofertado pelo Departamento de Genética do
IFF, já que percebemos variações na compreensão das informações recebidas
pelas mulheres estudadas. Este estudo também poderá ser importante para
reforçar de modo mais eficaz a inserção do atendimento em genética no Sistema
Único de Saúde (SUS).
Quanto ao corpo da dissertação, este é composto de duas partes. Na
primeira parte, temos o primeiro capítulo, que trata da importância desse tema,
das considerações gerais a respeito das anomalias congênitas e do
aconselhamento genético e, dos objetivos e hipótese desse estudo. No segundo
capítulo, apresentamos o campo do estudo, os princípios metodológicos e como
foi feita a análise dos dados.
Na segunda parte, discutimos os resultados da pesquisa, que foi realizada
pela revisão de prontuários e também pela análise de entrevistas estruturadas
enviadas pelo correio para as clientes que se enquadraram nos critérios de
inclusão. No capítulo três, analisamos quantitativamente o perfil das mulheres
agendadas para o atendimento de AG, assim como as anomalias congênitas
encontradas e como funcionou o fluxograma de atendimento. No capítulo quatro,
abordamos as questões pertinentes ao entendimento das informações
transmitidas durante o processo do AG, a influência destas sobre as decisões
reprodutivas e sobre a vida cotidiana após o AG, corroborando e ilustrando nossos
resultados com frases que emergiram nos comentários que arremataram as
entrevistas, como a importância da religião na vivência de uma experiência tão
dura. Os comentários também apontaram questões não contempladas nas
entrevistas que se remeteram, principalmente, a aspectos críticos sobre o
atendimento prestado.
Nas considerações finais apontamos para a idéia de que não parece que a
recordação das informações seja fundamental para as decisões reprodutivas
futuras, e sim o desejo de ter filhos. Sugerimos também algumas mudanças que
poderiam ser efetuadas para um melhor atendimento e acompanhamento das
pacientes que passam por situações desse tipo.
1
a
PARTE: A PESQUISA
Capítulo 1 – SITUANDO O OBJETO, OS OBJETIVOS E A HIPÓTESE
1.1 – A importância do tema
A prática da genética médica no Brasil é recente, principalmente quando
comparada com outras especialidades médicas. É uma especialidade que se
destina ao processo de diagnosticar, tratar e orientar indivíduos e suas famílias
que sofrem de doenças genéticas ou anomalias congênitas (Llerena Jr, 2002). Ela
lida com condições individualmente raras, mas que no conjunto constituem grupo
considerável de doenças, com repercussões importantes e de relevância
crescente como causa de sofrimento e prejuízos à saúde das pessoas (Horovitz et
al., 2005).
O impacto na saúde das anomalias congênitas não pode ser aferido
somente pela freqüência de nascimentos, morbidade ou mortalidade, como
relataremos a seguir. É importante saber que o impacto psicológico e financeiro
causado a uma família pelo nascimento de uma criança com anomalia congênita
já seria suficientemente importante para se investir em serviços de AG (Paskulin,
1989).
O conhecimento da magnitude das doenças genéticas e das anomalias
congênitas na região das Américas é subestimado pela dificuldade diagnóstica e
pelas pouco confiáveis estatísticas de saúde. Além disso, os diagnósticos em
geral refletem a doença aguda, em vez de mostrar a condição de base que
favorece a infecção e a desnutrição, levando assim a um maior grau de
subestimativa de condições congênitas (Penchaszadeh, 2000). Contudo, estudos
indicam que a prevalência na América Latina não difere significativamente daquela
encontrada em outras regiões do mundo, encontrando-se em 2 a 3 % do total de
nascidos vivos. Nos casos de natimortos, as anomalias congênitas são
encontradas em 15 a 20% dos casos (Guerra, 2006).
A mortalidade infantil é um importante indicador de saúde, por estar
associado a fatores como saúde materna, qualidade e acesso a serviços de
saúde, condições sócio-econômicas e práticas de saúde pública. Quando avaliada
a mortalidade infantil como um todo, houve um declínio significativo nessa taxa em
várias regiões do mundo, em especial, por causas infecciosas, reflexo das
mudanças nas condições de vida. (Nazer et al., 1989; Powell-Griner e Woolbright,
1990). À medida que os indicadores gerais de saúde infantil vão melhorando,
aumenta a contribuição das anomalias congênitas na mortalidade e na morbidade
(Penchaszadeh, 1993; 2004).
Para demonstração dessa transição, também em nosso meio, foi feita uma
pesquisa no Datasus (banco de dados do SUS) sobre as causas de mortalidade
infantil, por grupo de acordo com código internacional das doenças (CID). Quando
excluídas as causas mal definidas, as afecções perinatais foram responsáveis por
38% da mortalidade infantil no Brasil em 1980, e as anomalias congênitas foram
responsáveis por 5% dos óbitos, ocupando a quinta posição. Em 1990, as causas
perinatais mantiveram-se como principal causa (49%), porém houve uma redução
proporcional das causas infecciosas e nutricionais, passando as anomalias
congênitas para 8% e quarta causa. Em 2000, as causas infecciosas e
respiratórias passaram para menos de 10%, assumindo as anomalias congênitas
a segunda posição, com 13% dos óbitos infantis. Em 2004, último ano disponível
para avaliação, as anomalias congênitas representaram 16% dos óbitos em
menores de um ano, mantendo a segunda posição, sendo que as causas
infecciosas e parasitárias diminuíram para cerca de 7% (Datasus, s.d.).
Vale ressaltar que não houve grande modificação em termos de número
absoluto de mortes por anomalias congênitas, e sim uma evolução desta causa
em ordem de importância na mortalidade infantil, uma vez que as demais causas
vêm apontando para uma curva descendente (Datasus, s.d.).
Além dos aspectos relacionados à mortalidade infantil, as anomalias
congênitas também estão implicadas na maior mortalidade hospitalar, morbidade
e cronicidade. As condições de etiologia total ou parcialmente hereditária
respondem por 15% a 25% das causas de mortalidade perinatal e infantil em
nações em desenvolvimento, e em países desenvolvidos tais condições são
responsáveis por 36% a 53% das admissões em hospitais pediátricos (Portaria n
o
2380, 2004; Ferraz, 2003).
Isto também é observado no Brasil. No ano de 2006, a mortalidade
hospitalar na faixa etária pediátrica (de 0 a 19 anos), no grupo com anomalias
congênitas, foi três vezes maior do que no grupo sem elas (Datasus, s.d.). Merece
também ser ressaltado o perfil dos hospitais de referência brasileiros, já bastante
semelhante aos países do primeiro mundo. No IFF, hospital de referência
materno-infantil da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) no Rio de Janeiro, foi
feito um levantamento estatístico no arquivo nosológico e evidenciou-se que a
anomalia congênita foi um dos três diagnósticos principais codificados na
internação em 38% das admissões hospitalares pediátricas, no período de 24
meses, de janeiro de 2005 a dezembro de 2006 (IFF, 2007).
As anomalias congênitas são um problema de saúde pública atual, no
mundo e também no Brasil. Por isso, várias estratégias estão sendo
desenvolvidas, sendo a maioria focada na prevenção e nas opções reprodutivas,
já que as terapias das doenças genéticas, em sua maioria, são caras e não tão
efetivas (Penchaszadeh, 2000).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2000), para o melhor
atendimento às anomalias congênitas, deve haver uma modificação no padrão de
serviços de saúde voltados para a assistência à saúde da população, desviando o
foco de doenças agudas para o manejo de problemas crônicos e de programas
verticais para sistemas integrados de atenção primária.
Ações no Brasil são recomendadas, principalmente, na organização do
atendimento inicial, diagnóstico, exames complementares, estratégias de
tratamento disponíveis e estabelecimento de rotinas de acompanhamento a longo
prazo. Também é fundamental ser mencionado o papel da prevenção, através de
campanhas educativas e da ampliação do acesso ao AG (Horovitz, 2003). Este
serve como prevenção de anomalias congênitas, já que neste orienta-se a família
sobre o diagnóstico, prognóstico, etiologia e riscos de ocorrência ou recorrência,
dessa forma ajudando o planejamento familiar.
Existem dois tipos de estratégias de AG: o retrospectivo e o prospectivo. O
retrospectivo é quando o evento já ocorreu e é o predominantemente praticado
nos centros médicos. Neste, o enfoque é um caso particular, uma família
específica, para avaliar e orientar sobre riscos de recorrências. No prospectivo, o
enfoque é de saúde pública, com uma cobertura extensa da população, para
riscos de ocorrência (Llerena Jr, 2002).
Algumas estratégias de prevenção prospectiva das anomalias congênitas já
foram colocadas em prática, direcionadas para a população geral, como:
imunização contra rubéola, controle da exposição a teratógenos, fortificação
dietética de ácido fólico e detecção de riscos genéticos pela história familiar e/ou
detecção de portador, seguidos de AG. Entretanto, freqüentemente, a detecção de
riscos genéticos ocorre após a concepção e a prevenção é baseada no AG para
opções reprodutivas, incluindo diagnóstico pré-natal e, em algumas situações,
interrupção da gestação (Penchaszadeh, 2000).
Para evitar as conseqüências do aumento relativo das doenças
geneticamente determinadas, o Ministério da Saúde (MS) publicou uma portaria
em 2004 instituindo um grupo de trabalho (GT) para elaborar uma proposta de
política nacional de atenção à saúde em genética clínica, que visa estabelecer
medidas preventivas, terapêuticas adequadas, e programas específicos na área
de genética, a serem adotadas pelo MS e demais instâncias de gestão do SUS
(Portaria n
o
2380, 2004).
Apesar dos investimentos, o Brasil continua atrasado. O número de
procedimentos e pessoal envolvido com AG no Brasil foi avaliado em 1997, sendo
considerado insignificante (Brunoni, 1997). A maioria dos pacientes e famílias com
história de anomalia congênita desconhecem amplamente a condição médica que
possuem e não foram investigados de maneira adequada para evidenciar os
fatores genéticos ou ambientais envolvidos. Estamos, portanto, no passo inicial do
AG, ou seja, o de incrementar medidas que possibilitem um sistema de
atendimento pelo qual a maioria da população tenha acesso a serviços e
procedimentos que possam revelar a condição que possui. A partir disso, os
indivíduos poderão entender seu diagnóstico e as alternativas disponíveis para
tratamento e prevenção (Brunoni, 2002).
Segundo Horovitz e colaboradores (2006), nove serviços no Brasil são
responsáveis por metade de todos os atendimentos em genética clínica, sendo
que apenas cinco dentre eles oferecem atendimento em genética no período pré-
natal. O IFF é um desses serviços, sendo responsável por 50% do atendimento
em genética no estado do Rio de Janeiro e faz parte dos três serviços do Brasil
com mais de mil casos novos / ano. Além disso, foi um dos dois serviços de
atendimento clínico selecionados pelo MS para fazer parte do GT em genética
clínica.
Conhecer melhor o perfil do atendimento do serviço de AG pode ser um
instrumento fundamental para fornecer subsídios à melhor estruturação deste tipo
de serviço, com ênfase no processo comunicacional entre pacientes e médicos,
para que em conjunto seja trabalhada a promoção da saúde reprodutiva, questão
importante no âmbito da saúde pública.
Um trabalho nesta área também pode ser justificado pela pequena
disponibilidade de literatura sobre o assunto em questão, sobretudo em nosso
meio. Foram pesquisados artigos sobre temas correlatos no Pubmed. Quando
utilizada a palavra chave genetic counselling, grande parte dos artigos era sobre o
aconselhamento em casos de anomalias congênitas com crianças ainda vivas.
Alguns discutiam a não diretividade e outros estavam relacionados a testes
preditivos, sendo que poucos exploravam o AG nos casos após a perda de um
filho, natimorto ou neomorto, com anomalias congênitas. Mesmo quando
especificado stillbirth, newborn mortality e neonatal death os artigos discutiam a
indicação do AG, a importância da necrópsia e também a opção da interrupção da
gestação (que não é a realidade do Brasil). Foram então procurados e
encontrados artigos que abordassem a percepção e o entendimento do AG, mas
nenhum foi especificamente voltado para casos de natimortos e ou neomortos.
Nesse sentido, os artigos que mais se aproximaram de nosso objeto foram: o de
Sommer et al. (1988), que coloca o entendimento em relação ao risco de
recorrência e modo de herança conforme pretendemos fazer em nosso estudo; o
de Abramovsky et al. (1980) também estuda o entendimento do diagnóstico, risco
de recorrência e herança e a correlação do risco de recorrência com as decisões
de procriação e, finalmente, o de Wertz et al. (1986), que avalia a interpretação
das famílias sobre esses riscos numéricos.
Em relação a artigos científicos sobre AG publicados na América Latina, só
encontramos um da autoria de Pina-Neto e Petean (1999), cujos objetivos foram
avaliar a motivação espontânea, o entendimento, as decisões reprodutivas, as
modificações na constituição da família, a vida sexual, o uso de métodos
contraceptivos e a saúde das crianças nascidas após o AG, mas com enfoque na
influência de fatores sócio-econômicos, nível cultural e religião no comportamento
dos clientes. Foi também localizada uma dissertação de mestrado (Gleiser, 1986)
que analisa o entendimento, a satisfação e o impacto do aconselhamento genético
no ambulatório geral de genética clínica. Todavia, nenhum dos dois recorta e dá
ênfase aos casos de natimortos e ou neomortos.
1.2 – Considerações gerais sobre anomalias congênitas e aconselhamento
genético.
As anomalias congênitas são defeitos estruturais, em um único órgão ou
em vários, determinados por fatores causais antes do nascimento, podendo
ocorrer antes, durante ou após a concepção (Penchaszadeh, 1993). Esse termo
tem a grande vantagem de identificar claramente a área de estudo do
desenvolvimento desordenado, sem especificar as causas ou limitar o aspecto da
influência genética. Essas anomalias, na maioria das vezes, tornam-se aparentes
no momento do nascimento, sendo que algumas só são descobertas após muitos
anos de vida. Atualmente, com os recursos ultrassonográficos, vários defeitos
estruturais fetais conseguem ser visualizados mesmo antes do nascimento
(Carakushansky, 2001b; Jones 1998).
Para a melhor caracterização das anomalias congênitas é preciso, primeiro,
tentar distinguir se houve atuação de causas extrínsecas ou intrínsecas na gênese
dos defeitos. As anomalias podem ser dividas em: malformação, deformação,
disrupção e displasia.
Malformação é definida como um defeito morfológico em um órgão, parte
de um órgão, ou numa grande região do corpo resultante de um processo de
desenvolvimento intrinsicamente anormal (Aylsworth, 1992). Isto significa que o
erro já estava presente desde o início do processo de desenvolvimento e persistiu
até o nascimento da criança.
Uma malformação isolada, como por exemplo, uma fenda labial e / ou
palatina pode ocorrer numa criança que é normal em todos os outros aspectos. Já
uma síndrome malformativa é a ocorrência concomitante de dois ou mais defeitos
estruturais, como se eles fossem eventos primários múltiplos e geralmente estão
associados ao retardo mental. Como exemplo pode ser citada a Síndrome de
Patau, condição causada pela trissomia do cromossomo 13 que cursa com
defeitos do sistema nervoso central, cardiopatia congênita e fissura lábio-palatina.
Anomalias múltiplas não são sempre denominadas síndromes, uma vez que
muitas vezes, não estão relacionadas entre si por mecanismos etiológicos ou
patogênicos comuns. Uma associação refere-se à ocorrência não-aleatória e
concomitante de múltiplas anomalias que deverão ocorrer com uma freqüência
muito maior do que seria própria a cada uma delas individualmente, e está
relacionada ao desconhecimento da causa ou da patogenia do distúrbio. Ainda
temos a seqüência malformativa, assim designada quando uma única
anormalidade origina uma série de malformações estruturais subseqüentes, como
se fosse um “efeito cascata”, onde o fator desencadeador e as complicações
secundárias são conhecidos, como acontece na Seqüência de Potter, atribuída à
oligodramnia que pode ser decorrente de agenesia renal ou da amniorrexe
prematura (Carakushansky , 2001b; Jones, 1998).
Deformação é a forma ou posição anormal de uma parte do corpo causada
por forças mecânicas (Aylsworth, 1992). Não existe alteração morfogênica no
embrião ou feto, mas fatores externos levam a um posicionamento alterado de
estruturas inicialmente normais. Os processos deformantes podem encurtar, cortar
ou fundir os tecidos acometidos. Raramente envolvem órgãos internos e podem
variar de discretos posicionamentos anômalos dos membros (como o pé torto) até
grandes comprometimentos do tronco e do pescoço (como o torcicolo congênito).
Os fatores intra-uterinos geradores dessas deformações incluem entre outros:
gravidez múltipla, posturas irregulares do feto, oligodramnia. As deformações têm
como principal característica a assimetria (Carakushansky, 2001b; Jones, 1998).
Disrupção implica que há destruição de estruturas fetais que foram
inicialmente desenvolvidas de forma adequada. O desenvolvimento do embrião
progride normalmente até que fatores externos ao concepto, de origem vascular,
infecciosa ou mecânica, interferem na sua formação normal (Carakushansky,
2001b; Jones, 1998). Como exemplos, temos a brida amniótica podendo causar
fendas faciais ou ausência de parte de um membro e, também, sangramentos
uterinos como os decorrentes do uso do misoprostol causando conseqüências
fetais.
Displasia é definida como uma organização celular anormal em um tecido.
O termo é amplamente aplicado para todas anormalidades histogênicas, e tende a
ser tecido-específica ao invés de órgão-específica (Aylsworth, 1992). Esses
defeitos têm geralmente uma origem genética e podem tornar-se clinicamente
visíveis no decorrer do desenvolvimento dos tecidos. Como exemplos podem ser
citadas as displasias ósseas.
As anomalias congênitas também precisam ser classificadas segundo as
etiologias ou mecanismos patogenéticos. Em geral, as causas de anomalias
congênitas são distribuídas da seguinte forma: não definidas 40-60%; genéticas
15-25% (monogênicas: 2-10%, cromossômica: 10-15%); ambientais 8-12%
(doença materna: 6-8, uterina-placentária: 2-3, drogas-agentes químicos: 0,5-1); e
multifatoriais 20-25% (Schroer e Stevenson, 1993).
Dentre as doenças causadas por algum fator genético, encontram-se:
- distúrbios monogênicos: são aqueles causados por genes mutantes e obedecem
aos padrões de herança mendelianos clássicos
1
. As anomalias congênitas com
estes padrões de herança são classificadas com base em dois fatores:
1. Local onde se localiza o gene: autossômicas (quando o gene se localiza
em um cromossomo autossomo); ligados ao X (quando o gene está
localizado no cromossomo sexual X).
2. O fenótipo apresentado pelo portador: dominante (expresso quando
apenas um cromossomo de um par porta o alelo mutante, a despeito de
haver um alelo normal no outro cromossomo do par); recessivo (expresso
apenas quando ambos os cromossomos de um par portam o alelo
mutante).
- distúrbios cromossômicos
: caracterizam-se por um desequilíbrio quantitativo do
material genético. O defeito não se deve a um único erro no código genético
(como os monogênicos), mas a um excesso ou a uma deficiência dos genes
contidos em cromossomos inteiros ou segmentos cromossômicos. Originam-se
geralmente por erros esporádicos nas divisões celulares que dão origem aos
gametas e são responsáveis por metade dos abortos espontâneos de primeiro
trimestre. As anomalias cromossômicas podem ser numéricas ou estruturais. As
numéricas podem ter um ou mais cromossomos a mais ou a menos, sendo
exemplos as trissomias (quando há um cromossomo a mais em um par) e as
1
O exame atento de alguns distúrbios incomuns e a análise das mutações em detalhe molecular
têm mostrado que existem distúrbios monogênicos com herança não mendeliana, como os
imprinting genômicos, mosaicismo e mutações mitocondriais (Nussbaum et al., 2002b).
monossomias (quando há um cromossomo a menos de um par); ou podem ter um
conjunto extra completo de cromossomos, como nas triploidias ou tetraploidias. As
anomalias estruturais ocorrem por quebras cromossômicas, seguidas ou não de
reconstituição em uma combinação anormal. As mais comuns são as
translocações desbalanceadas (quando há troca de material genético entre dois
cromossomos não homólogos com perda de informação), deleções e
microdeleções (perda de informação gênica). Com a descoberta de novas técnicas
têm-se conseguido identificar uma causa cromossômica em várias doenças antes
sem etiologia definida (Carakushansky, 2001b; Nussbaum et al., 2002a).
- distúrbios multifatoriais
: uma grande proporção de anomalias congênitas se
deve à interação de fatores genéticos predisponentes, presentes desde a
concepção, com fatores ambientais desencadeantes que operam durante a vida
fetal ou pós-natal. Nesta categoria a etiologia é multifatorial, o fator genético tem
apenas uma função predisponente e as circunstâncias ambientais é que
determinam o desenvolvimento da anomalia em questão (Penchaszadeh, 1993).
Estes distúrbios podem recorrer nas famílias, mas não há um padrão típico de
herança. Em nosso trabalho os consideraremos como um grupo nosológico
separado, em função das suas características.
Existem também as anomalias causadas por fatores ambientais, isto é,
quando ocorre a anomalia congênita ao nascimento e que não é causada por
alteração nos genes ou cromossomos. Entre as causas ambientais pode-se citar:
ação de agentes teratogênicos, a interrupção do suprimento sangüíneo fetal,
anomalias uterinas, bridas amnióticas e infecções durante a gestação.
Os riscos de ocorrência ou de recorrência são calculados com base na
etiologia ser genética ou não e nos fatores que levaram às anomalias congênitas
serem intrínsecos ou extrínsecos.
Os riscos de recorrência podem ser divididos simplificadamente em alto
(maior que 10%) e baixo. As doenças monogênicas, em geral, apresentam
padrões de herança mendeliana. As anomalias cromossômicas junto com as
doenças com possível herança poligênica ou multifatorial agrupam-se sob o
chamado risco empírico. Existem outros mecanismos, mais complexos, que não
serão destacados neste trabalho.
Os riscos mendelianos só podem ser fornecidos quando uma doença se
encaixa em um modo de herança regulada por um único gene. Essas heranças
constituem o modo mais satisfatório de fornecer as bases para o cálculo do risco
de ocorrência / recorrência de doenças genéticas na família, porque geralmente
permitem uma clara distinção entre situações de risco quase inexistente ou de alto
risco (Carakushansky, 2001a).
A estimativa empírica é a média de risco oferecida para determinadas
doenças que não possuem mecanismos de herança estabelecidos, como
cromossomopatias, doenças de herança não-mendeliana mais comuns e
condições multifatoriais. Esses riscos são baseados na observação direta de
dados epidemiológicos. Assim, para avaliar os riscos empíricos, é examinada uma
grande série de famílias nas quais uma criança tem a anomalia congênita a ser
estudada. Faz-se em seguida a avaliação dos irmãos dos afetados para calcular o
percentual dos que também apresentam a condição. Sabendo-se a incidência do
distúrbio em irmãos, chega-se, consequentemente, ao risco dos progenitores
terem um próximo filho afetado. No entanto, os dados para esses cálculos são
derivados de uma determinada população, e assim os dados de um grupo étnico,
uma classe sócio-econômica ou um local geográfico podem não ser precisos para
uma pessoa de um grupo diferente (Carakushansky, 2001a; Carakushansky e
Kahn, 2001).
A partir da detecção da anomalia congênita, a família começa a procurar
entender o que aconteceu. Para isso, é preciso saber o que causou, o diagnóstico
da condição, o prognóstico, assim como é importante para a família conhecer o
risco de recorrência. É essa a função do AG.
Existem numerosas definições de AG na literatura especializada,
englobando a definição do processo de aconselhamento e seus objetivos. A maior
parte delas enfatiza dois objetivos principais, o fornecimento de informações e a
capacitação para utilizá-las de maneira construtiva.
Uma das definições, correntemente, aceita de AG é a adotada pela
Sociedade Americana de Genética Humana (Fraser, 1974). Segundo esta, trata-se
do processo de comunicação que lida com problemas humanos associados com a
ocorrência, ou risco de ocorrência, de uma doença genética numa família,
envolvendo a participação de uma ou mais pessoas treinadas para ajudar o
indivíduo ou sua família a: 1) compreender os fatos médicos, incluindo o
diagnóstico, provável curso da doença e as condutas disponíveis; 2) apreciar o
modo como a hereditariedade contribui para a doença e o risco de recorrência
para parentes específicos; 3) entender as alternativas para lidar com o risco de
recorrência; 4) escolher o curso de ação que pareça apropriado em virtude do seu
risco, objetivos familiares, padrões éticos e religiosos, atuando de acordo com
essa decisão; 5) ajustar-se, da melhor maneira possível, à situação imposta pela
ocorrência do distúrbio na família, bem como à perspectiva de recorrência do
mesmo.
Neste trabalho, optamos pela utilização das denominações de consultor ao
indivíduo que fornece o AG e de paciente ou cliente para aquele que requer o
atendimento. Embora essas denominações não sejam precisas, não encontramos
na literatura outra terminologia que quando traduzida se mostrasse mais
apropriada.
O AG correto basea-se no diagnóstico preciso. Uma informação incorreta
transmitida sobre os riscos de recorrência pode levar a resultados desastrosos.
Muitas vezes, porém, o diagnóstico preciso é difícil de ser feito, por motivos como:
o indivíduo afetado pode ter vivido num passado no qual ainda não existia
disponibilidade para a investigação diagnóstica relevante; ou ter falecido sem a
realização de uma necrópsia ou obtenção de exames especializados; além do
nosso desconhecimento atual sobre várias doenças genéticas (Carakushansky,
2001a).
A partir de estabelecido um diagnóstico, o paciente e / ou a família
começam a ser esclarecidos quanto aos recursos terapêuticos ou, mais
freqüentemente, acerca das possibilidades de prevenção primária, secundária ou
terciária.
A prevenção pode ocorrer em três momentos: no momento anterior à
concepção (prevenção primária), quando se evita a ocorrência da anomalia
congênita; no período pré-natal (prevenção secundária), evitando o nascimento de
um embrião ou feto com essa anomalia e; no período pós-natal (prevenção
terciária) evitando as complicações associadas às anomalias congênitas,
melhorando as possibilidades de sobrevivência e a qualidade de vida (Castilla et
al.,1996).
A grande maioria dos profissionais treinados e médicos geneticistas, em
vários países, procura adotar um AG não direcionado, no qual existe uma
proposta de objetividade, de distanciamento que evite julgamentos de valor por
parte do profissional, se eximindo de recomendar aos clientes uma determinada
linha de ação, principalmente, no que se refere às decisões de procriação.
Paradoxalmente, essa atitude recomendada difere daquelas que costumam ser
adotadas pelos profissionais não treinados, os quais freqüentemente fornecem um
aconselhamento direcionado, que pode produzir grande estresse e até iatrogenias
nos casais envolvidos.
O ponto de vista da maioria dos geneticistas é que não cabe ao médico a
tarefa de “colocar ordem” na vida alheia, mas unicamente a preocupação de
assegurar que os indivíduos tenham acesso às informações necessárias que lhes
permitam tomar suas próprias decisões (Carakushansky, 2001a).
O termo “aconselhamento” sugere uma ação mediante a qual se procura
influenciar o cliente a tomar determinada atitude e não outra; por este motivo, ele
vem sendo contestado, pois enseja uma idéia errônea sobre a abordagem que
idealmente deve ser dada na consulta. O profissional treinado para o
“aconselhamento” não dá conselhos mas, sim, fornece informações técnicas
(Gleiser, 1986).
A família deve entender que o diagnóstico de uma condição genética
implica em riscos, benefícios, limitações e conseqüências psicológicas e
econômicas. A grande maioria dos autores concorda que o AG deva ser
estruturado com uma abordagem multiprofissional e interdisciplinar, dentro de
centros médicos preferencialmente universitários, e dispor de recursos
laboratoriais adequados (Brunoni, 2002; Gleiser, 1986).
Independente das circunstâncias que motivaram o encaminhamento de um
indivíduo ao geneticista, na maioria das vezes, estas envolvem aspectos
emocionais muito fortes, acompanhados de ansiedade, sentimento de culpa ou de
tristeza devido a alguma perda recente, como seria o caso de um filho natimorto
ou neomorto. Pode existir também a negação do problema, ou mesmo
sentimentos de hostilidade entre os progenitores (Carakushansky, 2001a).
Chama atenção o fato de que a formação antecedente dos consultores
genéticos remete-se, mais comumente, às disciplinas afeitas à área biomédica o
que, muitas vezes, não os prepara para enfrentar emoções associadas a esse tipo
de situação (Kessler et al, 1984). Embora, na maioria das vezes, os problemas
sejam resolvidos mediante uma atenção compreensiva, empática e de apoio,
alguns conflitos podem necessitar de uma intervenção mais ativa, com a
participação do psicoterapeuta (Targum, 1981).
Não importa o quão bem feito foi o diagnóstico, o uso apropriado de testes
para tal e a informação correta sobre o risco genético, se a comunicação com a
família não for satisfatória. Em primeira instância, deve ser estabelecido do modo
mais claro possível se os indivíduos que procuram o AG realmente entenderam o
que lhes foi dito. E isto não é só para a estimativa de risco, mas também para a
natureza da doença, e quais medidas estão disponíveis para prevenção e
tratamento (Harper, 2004).
Existem várias razões para a interpretação incorreta ou o seu
esquecimento. Algumas pessoas têm pouca lembrança, outras são atendidas em
um momento inapropriado, ou têm dificuldades particulares em lidar com a
informação. Às vezes não houve tempo ou esforço suficiente para assegurar que a
esta foi realmente absorvida (Harper, 2004).
Além disso, o profissional pensa e trabalha quase que inteiramente em
termos de probabilidades, usando percentuais ou chances de ocorrência. Em
alguns casos, pode não haver capacidade para entendimento de nenhuma dessas
cifras. Algumas famílias não conseguem entender mais do que um “baixo risco” ou
“alto risco”, enquanto outros precisam de informações mais precisas e detalhadas
do modo de herança. Às vezes, mais que a cifra que traduz o risco, o que o torna
aceitável ou não seria, antes de tudo, a natureza e a gravidade da doença em
questão (Carakushanky, 2001a).
Em geral, o discurso da saúde pública classifica os riscos em duas
categorias: os relacionados às exposições sofridas pelo indivíduo de maneira
involuntária e aqueles resultantes de determinados estilos de vida, aparentemente,
escolhas ou opções que o indivíduo adota voluntariamente (Castiel et al., 2006).
Ainda segundo o autor, existe uma terceira categoria: o risco genético, uma nova
entidade explicativa de saúde e doença. O risco genético é algo que está no corpo
do indivíduo e do qual o indivíduo não pode se dissociar: é uma categoria de risco
corporificado.
O risco genético apresenta-se como mais uma possibilidade de definição de
indivíduos em risco. Esse risco corporificado, contra o qual o indivíduo pode fazer
muito pouco e pelo qual ele não pode ser responsabilizado, estende-se do plano
individual para a família. A ocorrência de uma doença genética, em um dos
familiares coloca, para ele mesmo e para os outros, questões difíceis, tais como:
Quem quer saber? Como serão as decisões reprodutivas a partir dessa
informação? (Castiel et al., 2006). Por que aconteceu? Qual o risco do problema
voltar a ocorrer em outro membro da família? Os procedimentos envolvidos na
resposta a estas perguntas estão enquadrados dentro do que se passou a chamar
de AG (Gleiser, 1986).
1.3 – Objetivos e Hipótese
A ênfase que vem sendo dada ao AG mostra a necessidade de se
aprimorar as pesquisas neste campo, também em nosso meio, assim como de
torná-lo disponível para todos que o necessitem.
O Departamento de Genética do IFF sempre esteve empenhado em prestar
o melhor atendimento à nossa população, porém até o momento não dispomos de
dados que possam atestar a qualidade do serviço e a resposta da população.
Embora não enquadrado nos moldes de um estudo de avaliação de
qualidade em senso estrito, nosso objetivo geral foi o de avaliar a compreensão
das mulheres acerca das informações fornecidas pela equipe da genética no
processo de AG e suas opções reprodutivas, considerando o percentual de
respostas que demonstravam entendimento acerca da doença em questão, de sua
etiologia e risco de recorrência.
Para isso, foi preciso mapear as informações dos geneticistas clínicos
contidas nos prontuários hospitalares e conhecer as decisões reprodutivas das
mulheres que passaram pelo processo de AG.
Também tivemos como objetivos específicos mapear o perfil das mulheres
encaminhadas ao serviço e as anomalias congênitas encontradas, e observar
como funcionou o fluxograma de atendimento durante nosso período do estudo.
Por sua vez, a hipótese que embasou nosso trabalho foi a de que as
mulheres que passaram pela consulta do AG, no IFF, de certa forma entenderam
as informações fornecidas, e com isso tiveram condições de decidir de forma mais
consciente sobre suas opções reprodutivas.
Capítulo 2 – FONTES E MÉTODOS
2.1 – Configurações do campo
O IFF é uma unidade materno-infantil da FIOCRUZ, que realiza pesquisa,
ensino e assistência – principalmente em nível terciário – no âmbito da saúde da
criança, da mulher e do adolescente, sendo referência no tratamento de diversas
doenças de alta complexidade. Possui, dentre outros, o Departamento de
Obstetrícia e Ginecologia, com o serviço de Medicina Fetal; o Departamento de
Neonatologia, incluindo berçário de alto risco; Departamento de Pediatria
compreendendo diversas especialidades; Departamento de Genética, incluindo o
Laboratório de Citogenética e o de Biologia Molecular, e o Departamento de
Anatomia Patológica.
É importante assinalar os dados computados por Guerra (2006), que
observou que aproximadamente 20% dos recém-nascidos que tiveram anomalias
congênitas registradas na declaração de nascidos vivos no município do Rio de
Janeiro nasceram no IFF, sendo esta instituição responsável por somente 1% dos
partos realizados no município do Rio de Janeiro.
O último levantamento realizado pelo Departamento de Genética do IFF
revelou que de março de 2007 a fevereiro de 2008 (12 meses) nasceram 955
bebês, sendo 265 (27,7%) com anomalias congênitas. Considerando somente os
natimortos (64 casos), 73,4% deles apresentavam anomalias congênitas. Entre os
neomortos (891 casos), esse número foi de 24,5% (IFF, 2008).
Devido à experiência no atendimento a anomalias congênitas, inclusive
ainda durante a gestação, vale ser ressaltado o papel do IFF no encaminhamento
de questões mais complexas relacionadas a fetos com essas condições. No
Brasil, a legislação é muito restritiva em relação ao aborto induzido. O Código
Penal Federal Brasileiro, de 1940, considera o aborto induzido ilegal e um crime
contra a vida. A norma penal abre uma exceção, deixando de punir o aborto
quando praticado por médico, se não há outro meio de salvar a gestante ou se a
gravidez resultou de estupro e o aborto é precedido do consentimento da gestante
ou de seu representante legal. Muitos acreditam que, em parte, a nossa legislação
específica encontra-se desatualizada diante dos grandes progressos da ciência
médica, mas, em verdade, o tema é profundamente complexo.
Até o momento, somente em casos de impossibilidade de vida extra-uterina
o aborto é legalmente autorizado, mas depende de processos judiciais. Em 1992,
um juiz autorizou o aborto de um feto anencéfalo no Paraná. Em 1993, ocorreu a
primeira autorização em São Paulo e em 1995 e 1996 o número de abortos
autorizados de fetos com patologias graves ou inviáveis aumentou rapidamente no
Brasil (Novaes, 2000). Em 1996 foi autorizada, por via judicial, a primeira
interrupção de gestação de feto anencéfalo no estado do Rio de Janeiro (Processo
n
o
9591, 1996). A partir daí, o Departamento de Genética do IFF e a Defensoria
Pública do Estado do Rio de Janeiro articulados tornaram mais ágeis a tramitação
judicial, em situações de inviabilidade fetal. E apesar de até hoje o aborto apenas
não configurar crime nos casos de estupro e de risco de vida materna, o IFF
recebe de todo o Rio de Janeiro, gestantes com fetos anencéfalos em busca de
atendimento médico especializado visando requerer judicialmente autorização
para a interrupção da gravidez.
Como o IFF é um hospital de referência no estado do Rio de Janeiro para o
manejo das anomalias congênitas, muitas grávidas em cujos fetos foram
detectadas anomalias congênitas são encaminhadas para o pré-natal desta
Instituição. Elas são, então, habitualmente referendadas para consultas e o
acompanhamento dos casos envolve diversos tipos de atendimento médico com
obstetras, medicina fetal, geneticistas clínicos e neonatologistas. Nesses
atendimentos procura-se definir o diagnóstico, além de serem transmitidos dados
prognósticos sobre a gravidade da situação do feto. Infelizmente, muitas grávidas
são encaminhadas tardiamente, e em função disso não têm a oportunidade de
passar por todos os especialistas indicados. Além disso, as vezes o fluxograma da
passagem da gestante por esses atendimentos não é realizado, entre outros
motivos, pela dificuldades de marcação de consulta.
Em caso de óbito perinatal, quando no IFF, a família é informada sobre a
importância da necrópsia, visando posteriormente atendimento no ambulatório de
AG. Este ambulatório funciona com periodicidade semanal, marcando-se somente
quatro novas pacientes por período. Idealizado em função da grande demanda de
casos com anomalias congênitas referidas ao IFF, os pacientes atendidos nos
ambulatórios são referidos dos serviços de ginecologia/obstetrícia, medicina fetal,
neonatologia e da própria genética. Os casais geralmente são encaminhados
porque expressaram as suas dúvidas e angústias ao seu médico, referente a
anomalia congênita do seu filho, ou porque o médico considera que haja um risco
de recorrência a ser estabelecido.
No primeiro atendimento é levantada a anamnese familiar e construído ou
revisado o heredograma. A consulta, em geral, é bastante demorada, pois além da
tomada de informações, ela fornece ao consultor a oportunidade de começar a
conhecer a família e vice-versa. É sempre preferível que ambos os cônjuges
estejam presentes neste momento, já que podem prestar maiores informações
com relação à história familiar e o consultor poderá ter uma idéia de como eles se
relacionam. Tenta-se dar apoio, diminuir ansiedades, tirar culpas, esclarecer
dúvidas e explica-se que será feita uma revisão do caso incluindo a necrópsia
(caso tenha sido realizada), onde será estudado o que causou a morte do bebê e
que, após isto, será marcada a próxima consulta.
Dentro da rotina do Departamento de Genética do IFF são realizadas
semanalmente reuniões para avaliação conjunta das necrópsias, por médicos
patologistas e geneticistas clínicos. Nesses encontros são discutidos vários
aspectos relacionados a cada caso e traçadas eventuais estratégias
complementares de investigação, tendo como objetivo final o diagnóstico e AG
para as famílias envolvidas.
Na segunda consulta de AG (ou mesmo na primeira, dependendo do caso
em questão), são solicitados exames, quando necessário, para melhor definição
da etiologia. Dentre os exames habitualmente solicitados podemos citar: ultra-
sonografias abdominais, radiografias de coluna e cariótipo dos casais, embora,
eventualmente, outras investigações laboratoriais e ou de imagem também
possam ser necessárias a título de complementação. Assim que concluído o caso
marca-se outra consulta com o casal para informar a conclusão diagnóstica bem
como o curso provável da doença, o risco de recorrência e as opções disponíveis.
Em alguns casos não é possível a elucidação completa. De qualquer forma,
marca-se uma consulta para informar às famílias do leque possível de hipóteses
diagnósticas e dos riscos de recorrência estimados. Procura-se elaborar um
relatório para ser entregue a elas, sendo as informações discutidas durante a
consulta.
As consultas de AG no IFF são feitas de forma não diretiva, informativa,
objetivando a educação do cliente e sua autonomia para a tomada de decisões,
mas também acolhendo e apoiando, visto ser uma situação complexa envolvendo
muitos aspectos emocionais. O risco geralmente é fornecido de várias formas,
tanto quantitativa (porcentagem e / ou proporções) como qualitativa. Nesta orienta-
se a família se o risco é alto ou baixo baseado no corte usual de que riscos acima
de 10% são considerados altos (Hallowell et al., 1997; Kessler e Levine, 1987;
Lewis, 2002).
2.2 – Caracterização da pesquisa
Trata-se de uma pesquisa estratégica na medida em que se voltou para
sistematizar aspectos relevantes do Aconselhamento Genético, conforme prestado
no IFF / FIOCRUZ. Visamos contribuir, por meio da caracterização da clientela e
das anomalias que seus fetos apresentaram, acrescida da compreensão do
processo de AG por uma parcela desta clientela, para a elaboração de subsídios
que sirvam de base a uma melhor organização da assistência ofertada.
Nesse sentido, nossa pesquisa se configurou num estudo de caso
institucional (Yin, 2002). Partimos de uma abordagem quantitativa dentro do
proposto por Kaplan (1964) de que “quantidades são de qualidades, e uma
qualidade tem sua magnitude expressa numa medida” (p. 207).
A pesquisa foi submetida à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa com
Seres Humanos do Instituto Fernandes Figueira – FIOCRUZ, atendendo à
determinação da Resolução n
o
196/96, do Conselho Nacional de Pesquisa,
obtendo aprovação (Anexo 1).
2.3 – Sujeitos da pesquisa, métodos e técnicas
Nossa pesquisa foi realizada com mulheres acompanhadas no ambulatório
de AG durante os anos de 2002 a 2004. Optamos por estudar as mulheres
porque, apesar do ideal ser que o casal participe das consultas, infelizmente, na
maioria das vezes, só a mulher comparece e, trabalhar somente com elas dota a
amostra de uma certa homogeneidade, evitando, por exemplo, discussões no que
tange às questões de gênero.
A investigação foi dividida em três etapas:
1
a
etapa: objetivamos conhecer, via revisão de prontuários, o perfil das mulheres
encaminhadas para o AG, as anomalias congênitas encontradas e o fluxograma
do atendimento pelas especialidades durante o pré-natal e no ambulatório de AG.
Nesta etapa, incluímos todas as mulheres referendadas para o AG no período de
2002 e 2003 (160 mulheres), partindo da agenda de marcação (tabela 1). O
número de prontuários revistos nesta etapa foi 185, porém 25 foram excluídos por
não terem indicação para o tipo de atendimento ofertado. Ressaltamos que não
incluímos nesta 1ª etapa os prontuários das encaminhadas para o atendimento em
2004, uma vez que a agenda referente a este ano não estava disponível.
Para facilitar e sistematizar este levantamento, foi elaborada ficha de
captação de dados (apêndice 1) compreendendo características da clientela tais
como: idade, escolaridade, estado civil, história reprodutiva, características da
anomalia em questão, consultas realizadas, avaliação pela genética clínica e o
resultado da conclusão diagnóstica e risco de recorrência.
Dividimos as 160 mulheres com indicação de AG em 3 grupos principais:
a) as que concluíram o AG. Estas, por sua vez, foram separadas em dois
subgrupos: as que entraram nos critérios de inclusão para a entrevista (descritos
mais abaixo), e as que não entraram nos critérios de inclusão da entrevista.
b) as que vieram pelo menos a uma consulta, mas não concluíram o processo de
AG;
c) as que nunca vieram à consulta.
Tabela 1
– Prontuários agendados para o AG nos anos de 2002 e 2003.
Total
Incluídos
160
- concluídos 89
- não retornaram ao AG 39
- não vieram ao AG 32
Agendamentos errados 25
Total 185
91 94
21
19
15 10
18
13
76
45
2002 2003
84
44
2
a
etapa: retornamos à ficha de captação de dados utilizada na primeira etapa e
selecionamos todas as mulheres atendidas em 2002 e 2003 que haviam concluído
o AG, perfazendo um total de 89 (tabela 1) para focar como foi o atendimento na
consulta de AG, levantando as variáveis: tempo entre o óbito e primeira consulta,
e tempo de duração do AG.
3
a
etapa: aplicamos uma entrevista estruturada. Os critérios de inclusão para as
entrevistas foram mulheres que concluíram o AG e que tiveram filhos natimortos
ou neomortos, isto é, que faleceram após 20 semanas de gestação ou até 28 dias
de vida pós-natal por anomalia congênita e que:
a) foram submetidos a necrópsia ou,
b) avaliados pela genética enquanto internados no berçário ou,
c) tiveram o cariótipo alterado.
Os critérios de inclusão foram cumpridos por 75 pacientes atendidas no ano
de 2002 e 2003 (tabela 2), o que nos levou a acrescentar as pacientes atendidas
em 2004 que se enquadravam nestes critérios (26 mulheres). Apesar da não
disponibilidade da agenda do ambulatório de AG do ano de 2004, foi possível
selecionar estas pacientes através da folha de produção do atendimento de AG e
do livro de revisão de necrópsias do Departamento de Genética. O recorte em
2004 (três anos antes da dissertação) foi definido a partir de dados da literatura
2
para desta forma podermos avaliar as decisões reprodutivas das mulheres
estudadas.
Tabela 2 - Divisão das mulheres que concluíram o AG de acordo com os critérios de
inclusão para a entrevista.
2002 2003 Total
Concluído o AG 45 44 89
- Com os critérios de inclusão para entrevista 38 37
75
- Sem os critérios de inclusão para entrevista 7 7 14
2
Segundo revisão de literatura realizada por Pina-Neto e Petean (1999), dois anos e meio seria o
tempo mínimo entre a consulta de AG e a entrevista de seguimento, já que o comportamento
reprodutivo é o parâmetro mais objetivo que pode ser avaliado nesses estudos.
Nossa intenção foi a de ampliar a amostra de forma a abrangermos o maior
número possível de mulheres e, assim, alcançarmos um montante que nos
permitisse uma análise mais apurada. Desta forma as entrevistas foram enviadas
a 101 pacientes.
A técnica escolhida foi a da entrevista estruturada, que foi enviada pelo
correio às participantes. Este tipo de entrevista é bastante utilizado em pesquisas
visando enfocar as experiências pessoais sobre um determinado assunto. São
diferentes dos instrumentos de inquérito epidemiológico, uma vez que partem da
premissa de que são elaboradas por quem entrevista assim como por quem é
entrevistado, estabelecendo uma espécie de diálogo no qual as perguntas são
previamente estabelecidas pelo pesquisador a partir de seus referenciais teóricos,
elaboradas de forma que as respostas possam ser entrecruzadas entre si
ensejando a interpretação dos dados por meio de uma leitura de cunho mais
qualitativo do que bioestatístico. São ferramentas importantes nas chamadas
pesquisas de opinião e também naquelas que objetivam, por exemplo, reconstruir
a história social de grupos minoritários (Fontana e Frey, 1998).
A razão dessa escolha está vinculada à natureza de nosso objetivo geral e
ao fato de assumirmos a realização de um estudo de caso institucional. Nesse tipo
de desenho, mesmo com a ampliação do número de entrevistas enviadas, a
amostra é de conveniência, isto é, não probabilística, e composta por voluntárias
da população de usuárias do serviço através do qual foram recrutadas (Miles e
Huberman, 1994).
A entrevista foi composta de uma lista de 35 perguntas englobando
questões de múltipla escolha, perguntas do tipo sim ou não e uma aberta para a
indicação do nome da anomalia congênita informada na consulta de AG. Ao final
deixamos um espaço reservado para comentários que as entrevistadas porventura
julgassem pertinentes (apêndice 2).
A estruturação das perguntas baseou-se parcialmente em dados fornecidos
pela literatura especializada. Junto com elas foi enviado termo de consentimento
livre e esclarecido (duas vias), previamente aprovado pelo comitê de ética em
pesquisa (apêndice 3), folheto explicativo da pesquisa realizada e envelope pré-
selado para o retorno das informações.
A primeira parte da entrevista refere-se ao pré-natal do bebê com anomalia
congênita, com perguntas sobre atividade escolar ou profissional da parturiente e
também sobre se surgiu o pensamento ou sugestão de interrupção da gestação.
Na segunda parte as perguntas foram referentes à época do nascimento, com
questões sobre se alguém viu o bebê, se a cliente pensava em ter outros filhos. A
terceira abordava o processo de aconselhamento genético para determinar: o grau
de recordação de fatos médicos (isto é: diagnóstico, modo de herança, risco de
recorrência, exames complementares); o sentimento sobre tempo decorrido do
óbito até a primeira consulta; se veio acompanhada, e a opinião acerca do AG ser
ou não diretivo. Na última parte perguntamos sobre a vida atual: se permanece
com o mesmo parceiro; trabalhando ou estudando; se teve filhos; se há
sentimento de culpa; se considera que o AG influenciou suas opções reprodutivas,
e se houve terapia de apoio. Nesta última seção deixamos um espaço aberto para
comentários.
2.4 – Análise dos dados
Os dados da ficha de captação e das entrevistas estruturadas foram
processados em microcomputador. Primeiramente foram codificados e digitados
em planilha de Microsoft Excel 97. A análise quantitativa dos dados foi realizada
através de freqüência simples.
Para verificarmos o entendimento das informações fornecidas utilizamos a
comparação entre as respostas das clientes às perguntas e as informações
contidas na ficha de captação, correspondente aos registros médicos.
Processamos também a contra-checagem das perguntas e respostas intra e inter
entrevistas, sendo que o primeiro procedimento remeteu-se à captação da
coerência ou não entre as respostas de uma mesma entrevistada, e o segundo ao
mapeamento de tópicos em comum a todas.
Por outro lado, para a análise do material escrito no espaço destinado aos
comentários, realizamos uma leitura em duas etapas visando, inicialmente, a
identificação dos temas expostos, e depois, seu agrupamento em termos de
freqüência. De um modo geral, fizemos uso destes pequenos textos para ilustrar
os resultados obtidos nas análises anteriores, mas também para trazer à tona
aspectos não contemplados na estruturação da entrevistas, mas que se
mostraram relevantes.
2
a
PARTE: RESULTADOS E DISCUSSÃO
Capítulo 3 – PERFIL DO ATENDIMENTO
3.1 - Perfil das mulheres encaminhadas e das anomalias congênitas
diagnosticadas
Foram revistos 160 prontuários, isto é, de todas as pacientes agendadas e
com indicação de atendimento no AG, no período de 2002 a 2003.
Quanto à caracterização dessas mulheres em relação à idade, estado civil,
grau de escolaridade, elaboramos a tabela 3, na qual comparamos o total das
mulheres agendadas (160) àquelas que concluíram o AG (89).
Tabela 3 – Perfil das mulheres agendadas e que concluíram o AG: estado civil, faixa etária e escolaridade.
Todas agendadas n (%) Concluíram o AG n (%)
Estado civil
Casadas 56 (35%) 38 (42,7%)
União estável 11 (6,9%) 8 (9%)
Divorciada 2 (1,2%) 2 (2,2%)
Solteira 75 (46,9%) 34 (38,2%)
Não conhecido 16 (10%) 7 (7,9%)
Idade
< ou igual a 20 anos 34 (21,3%) 14 (15,7%)
21 a 25 anos 59 (36,9%) 31 (34,8%)
26 a 30 anos 32 (20%) 21 (23,6%)
31 a 35 anos 21 (13,1%) 16 (18%)
> ou igual a 36 anos 12 (7,5%) 6 (6,8%)
Não conhecido 2 (1,2%) 1 (1,1%)
Escolaridade
1o grau completo ou incompleto 73 (45,6%) 35(39,3%)
2o grau completo ou incompleto 66 (41,3%) 43(48,3%)
3o grau completo ou incompleto 5 (3,1%) 4(4,5%)
Não conhecido 16 (10%) 7(7,9%)
Total 160 (100%) 89 (100%)
Quanto ao motivo do encaminhamento para o IFF, usamos para a
classificação os dados da primeira consulta da paciente na instituição, geralmente
na triagem da obstetrícia. Aquelas que não chegaram a fazer o pré-natal no IFF e
vieram somente para o parto ou para o AG foram classificados conforme o órgão
acometido em questão. As anomalias que não se encaixavam nos grandes
grupos, descritos abaixo, foram alocadas como outros. Os defeitos do tubo neural
(DTN) representaram 28%, seguido das múltiplas anomalias (que englobam várias
condições) com aproximadamente 21%, e das alterações renais com 17,5%
(gráfico 1).
Gráfico 1 – Perfil das anomalias congênitas encontradas no estudo.
0 5 10 15 20 25 30
%
defeito tubo neural
múltiplas anomalias
alteração sistema urinário
hidropsia/ higroma
defeito parede anterior
alteração óssea
patologia da gemelaridade
hérnia diafragmática
malformação cardíaca
outros
Os DTN provavelmente foram mais freqüentes em função de dois motivos.
O IFF tem um dos poucos serviços de neurocirurgia neonatal do Estado, fazendo
com que muitas gestantes com fetos com esta patologia sejam encaminhadas a
esta unidade. Além disso, nos últimos anos, o hospital tem sido reconhecido
como referência para casos de anencefalia, com encaminhamento rápido para a
defensoria pública do Estado em casos onde a interrupção da gestação é
desejada.
3.2 - Fluxograma do atendimento
Sobre o acompanhamento durante a gestação, todas estas mulheres teriam
indicação de consultas especializadas, além da rotina convencional de
acompanhamento pré-natal. No IFF são oferecidas consultas com a medicina
fetal, genética pré-natal e perinatologia. Observamos que o número dessas
consultas foi abaixo do esperado (tabela 4). Em alguns casos, isto ocorreu devido
à chegada destas mulheres já no final da gestação para a triagem obstétrica, não
havendo tempo para marcação das consultas nas outras especialidades
(aproximadamente 77% tiveram menos de 3 consultas no pré-natal geral do IFF).
Tabela 4 – Atendimentos no período gestacional.
Atendimentos 2002 e 2003
Consultas pré-natal geral do IFF % Número
zero 16,9 27
1 a 3 50,0 80
4 a 6 24,4 39
maior que 7 8,7 14
Sim (%) Número
Medicina Fetal 76,7 102
Genética Pré-natal 39,1 52
Perinatologia 59,4 79
Para o cálculo de porcentagem de comparecimento nos ambulatórios
especializados, excluímos aquelas mulheres que chegaram ao IFF só para o parto
ou após ele (tabela 4). Verificamos que 76,7% foram à consulta no ambulatório de
medicina fetal, 59,4% ao atendimento da perinatologia e somente 39,1% das
mulheres com feto com anomalia congênita passaram pela consulta da genética
durante a gravidez.
Considerando todas as mulheres incluídas na primeira etapa (revisão das
agendas dos anos de 2002 / 2003 – 160 mulheres), a gestação em questão foi a
primeira em 42,5% e 61,2% não tinham filho vivo.
Dividimos as mulheres agendadas em três grupos principais: as que
concluíram o AG; as que vieram a pelo menos uma consulta, mas não retornaram
para a conclusão; e as que foram agendadas para a consulta de AG, mas não
compareceram (tabela 1). Em termos de porcentagem, percebemos que 55,6%
(89/160) concluíram o processo de AG; 24,4% (39/160) não retornaram para a
conclusão e 20 % (32/160) não vieram a nenhuma consulta. Cabe salientar que o
serviço funcionava integrado com a perinatologia e toda vez que a paciente faltava
era tentado um novo contato para a remarcação.
Depois observamos somente aquelas mulheres que foram a todas as
consultas necessárias para a conclusão do AG (89 mulheres), para saber o tempo
entre o óbito do bebê e a primeira consulta e o tempo total do processo de AG.
Para o nosso serviço, considerávamos desejável que o primeiro atendimento fosse
realizado próximo ao óbito do filho e que fosse concluído em aproximadamente
seis meses. Desta forma, poderíamos orientar sobre o ocorrido logo, tentando
eximir culpas e desfazendo pensamentos equivocados. Procuramos também
esclarecer o mais rápido as possíveis causas e riscos de recorrência para que as
mulheres tivessem uma base para pensar no planejamento reprodutivo.
Constatamos que a primeira consulta foi realizada nos primeiros dois meses
em 43,8% (39/89), mas que algumas tiveram este atendimento bem mais tarde
(gráfico2). Isto ocorreu em alguns casos por falhas do próprio serviço, que estava
em processo de estruturação, e em outros casos por abstenção da paciente na
primeira consulta, tendo sido necessário recorrer à busca ativa.
Gráfico 2 - Tempo entre o óbito e a primeira consulta de AG.
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
%
< 2m 3-4m 5-6m 7-8m 9-10m >11m ?
Em relação ao tempo de duração do AG (tempo entre a primeira consulta e
a de conclusão), 52,8% (47/89) conseguiram concluir o AG em seis meses. Alguns
casos foram mais demorados, tendo como justificativas a complexidade da
anomalia em questão, a demora para realização e obtenção de resultados de
exames complementares e também, a elaboração do laudo (gráfico 3).
Gráfico 3 – Tempo de duração do AG.
0
5
10
15
20
25
30
35
%
<3 4 a 6 7 a 9 10 a 12 >13 ?
meses
Para efeitos de comparação posterior com os resultados das entrevistas,
coletamos também as informações fornecidas quanto ao risco de recorrência e a
herança. Grande parte dos riscos de recorrência foram estimados como inferiores
a 10%; sendo que 28,1% (25/89) foram considerados como de alto risco pela
definições genéticas de risco (gráfico 4). Para esse propósito foram considerados
como baixo risco aqueles menores que 5%, moderado o risco entre 5 e 10% e alto
risco aqueles acima de 10%.
Gráfico 4
Distribuição dos riscos de recorrência encontrados nas pacientes que
concluíram o AG.
0
5
10
15
20
25
30
35
40
N
o
pacientes
desprezível
<5%
5
a
10
%
0
a
2
5%
*
2
5%
50%
i
n
con
c
lus
iv
o
* Risco em geral fornecido quando o diagnóstico não é totalmente definido quanto à etiologia, mas a patologia
em questão pode estar presente tanto em condições de baixo risco de recorrência, assim como ter herança
sabidamente recessiva. Pode ser citada como exemplo a hidropsia fetal não imune, que por vezes pode ser
observada em erros inatos do metabolismo, diagnósticos estes complexos, sobretudo quando em avaliação
retrospectiva.
Em relação à herança, a distribuição foi diferente da relatada na literatura
(vide página 15), porém, o estudo citado é referente às anomalias congênitas em
geral e não só às letais como o nosso caso. Não foi encontrado nenhum estudo de
distribuição de anomalias congênitas específico para os casos letais no período
neonatal. Observamos um predomínio de herança multifatorial, já que em nosso
serviço a maioria das mulheres atendidas tiveram filhos com defeitos do tubo
neural ou anomalias do sistema urinário (gráfico 5). Somente 19% (17/89)
permaneceram como de causa desconhecida. Provavelmente este fato ocorreu
em função do serviço funcionar de forma integrada com outras especialidades,
incluindo a anatomia patológica com reuniões semanais para a revisão das
necrópsias, além do fato de termos a disposição um laboratório de citogenética
para realizar as investigações necessárias.
Gráfico 5 – Distribuição percentual das heranças encontradas nas pacientes que
concluíram o AG.
12%
36%
9%
19%
24%
Monogênica
Cromossômica
Multifatorial
Ambiental
Desconhecida
Verificamos também entre as mulheres que concluíram o AG, que 45%
(40/89) gestaram feto com anomalia congênita na primeira gravidez e 64% (57/89)
não tinham filho vivo.
CAPÍTULO IV – O ACONSELHAMENTO GENÉTICO
4.1 – Perfil e fluxograma do atendimento das entrevistadas
Foi enviada correspondência, contendo uma entrevista estruturada
composta de perguntas fechadas para 101 mulheres: as 75 mulheres que
concluíram o AG em 2002 e 2003, que preencheram os critérios de inclusão; e as
26 mulheres de 2004, que também se enquadravam nos critérios e que foram
adicionadas ao estudo para aumentar o número de clientes visando uma análise
mais ampla. Nove foram devolvidas pelo correio por erro de endereço, desta
forma, consideramos como 92, as correspondências enviadas corretamente. O
retorno foi de aproximadamente 37% das cartas (34/92) com as respostas e termo
de consentimento livre e informado assinado.
Diante dessa realidade voltamos à nossa proposição de análise, conforme
exposto no capítulo 2, e verificamos que a utilização da amostra de conveniência
adequava-se ao universo da amostra e que a proposta de usar freqüências
simples, aliada à definição de quantidade como expressa por Kaplan (1964), nos
permitiria realizar a comparação entre respostas e perguntas e dados da ficha de
captação, assim como a contra-checagem intra e inter entrevistas. O uso dos
comentários livres que arrematavam as entrevistas, à guisa de ilustração de nossa
interpretação, também se mostrou factível e frutífero.
O perfil destas mulheres, contemplando idade, escolaridade e estado civil
está na tabela 5, e os motivos do encaminhamento na tabela 6.
Comparando-se as tabelas, observam-se diferenças no perfil da população
entre o grupo total de agendadas, o grupo que concluiu o AG (tabela 3) e o grupo
que respondeu a entrevista (tabela 5).
Tabela 5Perfil das mulheres que responderam as entrevistas.
Perfil Número %
Estado civil
Casada 20 58,8
União estável 1 2,9
Solteira 11 32,4
Não conhecido 2 5,9
Idade
< ou igual a 20 anos 4 11,8
21 a 25 anos 12 35,3
26 a 30 anos 10 29,4
31 a 35 anos 5 14,7
> ou igual a 36 anos 3 8,8
Escolaridade
1o grau completo ou incompleto 8 23,5
2o grau completo ou incompleto 19 55,9
3o grau completo ou incompleto 4 11,8
Não conhecido 3 8,8
Tabela 6 -
Distribuição das anomalias congênitas entre as mulheres que responderam a entrevista.
Motivo do encaminhamento Número %
Alteração sistema urinário 11 32,4
Defeito do tubo neural 7 20,6
Hidropsia / Higroma 5 14,7
Alteração óssea 4 11,8
Múltiplas anomalias 3 8,8
Defeito de parede anterior 1 2,9
Outros 3 8,8
Das mulheres que responderam à entrevista, 41,2% (14/34) passaram pela
consulta da genética durante o pré-natal, e 52,9% (18/34) pela consulta da
perinatologia. O bebê nasceu vivo em 61,8% (21/34) dos casos, sendo que quatro
chegaram a ser examinados por médicos do Departamento de Genética, durante a
permanência no berçário, por ter a avaliação sido requisitada pela neonatologia.
Analisando a primeira parte da entrevista nos foi possível constatar que das
34 mulheres: 50% (17/34) não haviam recebido nenhuma espécie de sugestão ou
ponderação sobre interrupção da gestação; 29,4% (10/34) assinalaram que a
possibilidade de interrupção da gravidez havia sido levantada pelo obstetra, sendo
que dentre estas havia cinco casos de anencefalia (três delas realizaram a
interrupção da gestação); 8,8% (3/34) receberam conselhos sobre interrupção
vindos de amigos, familiares ou outros e 11,8% (4/34) pensaram sozinhas na
possibilidade de interrupção.
Foi interessante notar que, ao final da entrevista, perguntamos o que elas
fariam se acontecesse uma nova gestação com anomalia congênita: cinco delas
marcaram que optariam por interromper (duas delas já haviam interrompido a
gestação anteriormente, e uma teve um feto anencéfalo na gestação anterior, mas
optou pela não interrupção) e 17 grafaram que levariam adiante a gestação (sendo
que destas somente 10 são aquelas que, na primeira gestação, não pensaram ou
tiveram sugestão de interrupção). O restante assinalou que não sabia se faria
algum exame para diagnóstico ou não sabia o que faria caso a investigação
médica mostrasse alterações (tabela 7).
Das cinco que optariam por interromper: uma era um caso de feto com
anencefalia por DTN que interrompeu a gestação; uma portava um feto com
anencefalia por brida amniótica e interrompeu a gestação; uma tinha um feto com
anencefalia por DTN, mas não quis interromper a gestação (porém, agora, pensa);
uma foi diagnosticada como tendo um feto com seqüência de Potter; e uma com
um feto que apresentava holoprosencefalia semilobar. Notamos que nenhuma
dessas cinco assinalou que procurou o apoio da religião ao saber da anomalia
congênita.
Tabela 7Visão das clientes sobre o estudo pré-natal e sobre a interrupção da gestação
diante de diagnóstico desfavorável em gestação futura.
Exames complementares em futura gestação e
interrupção
número
Quer o estudo e a interrupção se alterado 5
Quer o estudo, mas não sabe sobre a interrupção 4
Quer o estudo e não faria interrupção se alterado 17
Não decidiu o que faria 5
Não faria o exame 1
Não respondeu 2
Em relação a ter visto o bebê, fator considerado pelos psicólogos como
muito importante para a elaboração do luto (Pappas e McCoy, 1996): 24 viram o
bebê; cinco não quiseram ver, sendo que em dois destes casos o bebê foi visto
por outro familiar; e cinco registraram que o filho não lhes foi mostrado, mas que
em três, o bebê foi visto pelo companheiro.
Em relação ao tempo entre o óbito e a primeira consulta, em 73,5% (25/34)
dos casos este intervalo foi menor que três meses, o que é a programação do
ambulatório de AG do IFF. Perguntamos sobre a opinião acerca desse espaço de
tempo (tabela 8). Dentre as 25 mulheres atendidas no primeiro trimestre após a
perda: 13 registraram que a consulta foi cedo e que haviam gostado disso; cinco
marcaram que ela tinha demorado a acontecer, mas que preferiram assim; cinco
grafaram que gostariam que fosse antes e, por fim, duas sinalizaram que não se
sentiram preparadas num intervalo de tempo como o proposto.
Cinco mulheres foram atendidas pela primeira vez no ambulatório de AG
entre quatro e seis meses após o óbito, sendo que quatro delas marcaram que a
consulta foi imediata e que gostaram disso. Uma registrou que demorou, mas que
preferiu desta forma.
Três tiveram a consulta mais de sete meses após o óbito, sendo que dentre
essas, duas assinalaram que foi cedo e gostaram, e uma que preferia que tivesse
sido antes. Um dos casos não foi informativo sobre o tempo entre o óbito e a
consulta.
Tabela 8 – Tempo entre o óbito e a primeira consulta x satisfação.
Tempo número Cedo e
gostaram
demorou e
preferiu
queria antes não
preparada
< 3 meses 25 13 5 5 2
4-6 meses 5 4 1 0 0
> 7 meses 3 2 0 1 0
Não definido 1 1 0 0 0
Parece-nos que a satisfação foi boa com o intervalo para a primeira
consulta. Somente duas mulheres daquelas que foram atendidas antes de três
meses assinalaram que não estavam preparadas, mas mesmo assim uma delas
assinalou duas respostas (“não estava preparada” e “foi cedo e gostei”). A única
cliente que somente grafou que não estava preparada foi atendida 17 dias após o
óbito, o que realmente é muito cedo.
4.2 – Lembrança , interpretação e sentimentos relacionados ao risco
4.2.1 – Lembrança das informações recebidas
Em relação à consulta de aconselhamento genético, elaboramos a tabela 9,
na qual mostramos o número de respostas que reproduzem literalmente as
informações fornecidas sobre o risco em termos percentuais, o diagnóstico, a
herança e os exames pré-natais importantes para o diagnóstico. A tabela 10
expõe o tipo de transmissão da condição e o relaciona com a resposta dada à
pergunta sobre padrão de herança e risco de recorrência.
Tabela 9
- Correspondência entre respostas das entrevistadas e informações fornecidas
sobre diagnóstico, risco de recorrência e exames complementares.
Perguntas realizadas Respostas %
compatíveis
1- Lembra a chance do problema recorrer em números percentuais? 18/34 52,9
2- Qual a herança da condição? 15/34 44,1
3- Essa condição pode ser diagnosticada por exame invasivo? 5/6 83,3
4- Essa condição pode ser diagnosticada pela ultra-sonografia? 29/34 85,3
5- Lembra o nome do problema do bebê? 16/34 47,1
Tabela 10Número de respostas condizentes sobre o modo de herança e risco de
recorrência de acordo com o modo de herança.
Herança Respostas compatíveis
Herança Risco de
recorrência
Monogênica 4/8 6/8
Cromossômica 4/6 3/6
Multifatorial 7/17 8/17
Ambiental 0/2 0/2
Desconhecida 0/1 1/1
Total 15/34 18/34
A maioria dos estudos revela que 50% a 75% dos casais lembram
corretamente a cifra ou sua faixa de risco. Não se sabe se as informações orais ou
escritas influenciam a acurada lembrança dos riscos, pois são poucos os estudos
que dizem como estas foram transmitidas (Frets e Niermeijer, 1990). Em nosso
estudo encontramos 52,9% (18/34) de respostas reproduzindo exatamente o risco
numérico fornecido.
Correlacionando a lembrança do risco com a companhia ou não de alguém
durante as consultas de AG, encontramos que 54,5% (6/11) das mulheres que
vieram sozinhas e 52,2% (12/23) das que vieram acompanhadas mostraram
consonância com a informação recebida, parecendo que, no nosso caso, a
presença ou não de companhia não interferiu na memorização do risco.
Em relação ao entendimento da herança (tabela 10), 44,1% (15/34)
responderam de acordo com o que lhes foi dito, sendo a proporção de
concordância maior (57,1%) nos casos de etiologia genética (monogênica e
principalmente cromossômica). As de causa multifatorial demonstraram 41,2%
(7/17) de consonância, sendo que três delas assinalaram tanto multifatorial como
desconhecida, expondo o fato de que neste tipo de causa os médicos, muitas
vezes, não podem definir claramente como anomalia ocorreu. As duas clientes
com diagnósticos de causa ambiental marcaram que a origem do problema do
bebê era desconhecida ou que não houve uma conclusão definitiva. A única
cliente cuja anomalia do feto realmente não foi definida, ignorando a variável “a
causa é desconhecida”, assinalou que não sabia.
Para as nossas entrevistadas, as anomalias de causa sabidamente
genética foram compreendidas como definidas, enquanto as de causas
multifatoriais e ambientais foram interpretadas como desconhecidas ou não
concluídas. Neste caso, podemos inferir que para o real entendimento das
mulheres, que passam pelo AG, parece haver a necessidade de encontrar uma
causa orgânica, dentro do feto, não lhes sendo possível conseguir aceitar que um
fator externo possa causar uma anomalia (tabelas 9 e 10). O descrito a seguir por
uma de nossas entrevistadas ilustra essa dificuldade de aceitar o diagnóstico,
embora no seu caso a etiologia fosse monogênica.
Pesquisei sobre a doença. Se fosse problema de genes a
minha primeira filha, que é do mesmo homem, deveria ter
tido mais problemas. Por isso eu descarto essa teoria que é
do gene, pois eu não aceito esse resultado. (...) E ficou
desconhecida no final.” (Sofia)
Diante do questionamento sobre quais exames poderiam ser realizados
numa próxima gestação para ajudar na formulação correta do diagnóstico, 70,6%
(24/34) assinalaram o exame do líquido amniótico ou do sangue do bebê como
resposta, sendo esta adequada em apenas cinco casos, embora, de fato, seis
teriam a indicação para tal exame em gestações subseqüentes (tabela 9).
Algumas que marcaram esta resposta chegaram a fazer estes exames na
gestação anterior com resultado normal, e mesmo assim continuam a considerá-
los importantes.
Ainda na tabela 9, a quarta pergunta foi sobre se a ultra-sonografia seria um
exame útil no diagnóstico de anomalia congênita. Acreditamos que o alto
percentual de respostas compatíveis com as indicações propostas (85,3%)
ocorreu porque todas as clientes tiveram o diagnóstico de anomalia congênita fetal
através desse exame.
A pergunta aberta foi a de como havia sido nomeado o problema do bebê e
encontramos que 47,1% (16/34) responderam de forma condizente com a
terminologia médica (tabela 9) e 20,6% (7/34) colocaram alguns dados que
descreviam de modo correto os achados ultrassonográficos. Cinco nem se
aproximaram do diagnóstico recebido, três deixaram em branco, duas escreveram
que não sabiam e uma colocou no item “nome do problema do bebê” o nome da
filha falecida.
Parece que a lembrança das informações recebidas depende da relevância
desses dados para a família num dado momento. Aquelas mulheres que
consideram que sua família ainda não se completou parecem ser mais suscetíveis
a reter esses fatos que as demais. Mas, a partir do momento que têm um outro
filho saudável as lembranças se modificam (Lippman-Hand e Fraser, 1979a). Isto
pode ser ilustrado via o comentário escrito por uma de nossas entrevistadas que
perdeu seu primeiro filho com anencefalia:
Claro que eu queria engravidar de novo, e fiz de tudo para
acontecer, tomando o acido fólico direitinho. Mas, ao mesmo
tempo segura, confiante e com medo. O bebê era saudável e
perfeito e está aí com quatro anos de idade. Também tive outro
bebê que está hoje com um ano e seis meses, também
saudável. Deste último bebê não tomei o ácido fólico.
(Alessandra)
4.2.2 - A interpretação do risco
Pesquisadores assumem que o processo de educação no AG envolve a
transferência de informações do consultor para o cliente. Desta forma, parece que
a memória humana funcionaria como um gravador, reproduzindo informações
exatamente como foram recebidas. Porém existem dúvidas de que as informações
recebidas pelo cliente são usadas para as decisões reprodutivas exatamente na
forma como foram adquiridas. A lembrança do risco numérico não é suficiente
para alcançar um dos objetivos do AG que, dentre outros, é prover os clientes com
informações que sirvam de base para a tomada de suas decisões reprodutivas.
Contudo, é importante salientar, que para uma informação ser útil, ela deve
primeiro ser codificada e armazenada de forma que possa ser acessada
posteriormente, necessitando ser transformada em unidades de significado, de
acordo com as visões pessoais, sociais e religiosas sobre a família e a doença
genética, e integradas a informações armazenadas previamente (Kessler, 1989;
Wertz et al., 1986; Ekwo et al., 1987).
A magnitude do risco é oferecida ao cliente, sendo que tanto o consultor
como o cliente tende a interpretar os valores numéricos via o uso dos adjetivos
“alto”, “moderado” e “baixo” (Frets e Niermeijer, 1990).
As mulheres foram perguntadas sobre suas visões acerca da magnitude do
risco. A tabela 11 compara as categorias dos riscos numéricos fornecidos pelo
consultor com a interpretação feita pelas entrevistadas. As alternativas fornecidas
foram “desprezível”, “baixo”, “moderado”, “alto” e “não sei”. Para esse propósito
consideramos como: baixo risco aqueles menores que 5% incluindo o risco
desprezível; moderado, o risco entre 5 e 10%, e alto, aquele acima de 10 %.
Tabela 11
- Correlação dos riscos numéricos fornecidos com a interpretação dos
riscos pelas clientes.
Risco fornecido Número Alto moderado baixo/
desprezível
Não sabe
desprezível 7 1 0 6 0
< 5% 20 2 2 11 5
5 a 10% 2 0 0 1 1
0 a 25%* 1 0 0 0 1
25% 3 2 0 1 0
50% 1 0 0 0 1
Total 34 5 2 19 7
* Risco em geral fornecido quando o diagnóstico não é totalmente definido quanto à etiologia, mas a
patologia em questão pode estar presente tanto em condições de baixo risco de recorrência, assim
como ter herança sabidamente recessiva. Pode ser citada como exemplo a hidropsia fetal não imune.
Percebemos nesta tabela que 55,9% (19/34) interpretaram o risco de forma
condizente, porém nota-se que existem mulheres com risco baixo ou desprezível
que interpretam tal risco como alto ou moderado (18,5% - 5/27). Já as com alto
risco assinalaram respostas variadas: 40% (2/5) não souberam responder, 40%
(2/5) responderam corretamente e uma (20% - 1/5) respondeu que considerava o
risco baixo.
É interessante notar que o número de consonâncias foi semelhante tanto no
molde percentual (tabela 9) quanto no qualitativo (tabela 11). Contudo, somente
podemos considerar que 32,4% (11/34) responderam adequadamente aos dois.
Nesse sentido, nossos resultados corroboram a afirmativa de Kessler (1989) de
que muitas pessoas “sabem” o risco de recorrência, mas não entendem o seu
significado.
A informação estatística não provê uma clara resposta sim ou não para a
questão: “isto pode acontecer de novo?”. Embora o risco de ter um bebê com
anomalia congênita ser dado pelo consultor sob a forma de percentagem, o
resultado é binário: a criança será ou não será normal. Como disseram Lippman-
Hand e Fraser “o um no numerador nunca desaparece independente do tamanho
do denominador, e esse ‘um’ pode ser a criança do consulente” (p.255)
(Lippmann- Hand e Fraser 1979 apud Wertz et al., 1986).
Alguns consultores podem acreditar que fornecer para o cliente um risco
que consideram numericamente alto irá agir inibindo a procriação. O cliente,
entretanto, tende a superestimar numericamente riscos pequenos e a subestimar
numericamente riscos elevados. Isto ocorre porque o desejo de certeza absoluta
faz com que mesmo probabilidades altas, assim como 90%, pareçam não oferecer
garantias suficientes, da mesma forma que o desejo de um resultado negativo faz
com que um risco de 5% seja lido como muito alto. Para muitos clientes, o efeito
de um risco numérico elevado é produzir mais incertezas sobre a normalidade do
próximo bebê, o que gera dúvidas reprodutivas em vez de restrição (Wertz et al.,
1986).
Acreditávamos que o relatório médico poderia ser importante para uma
melhor compreensão e retenção das informações genéticas. Quando avaliada a
lembrança do risco de recorrência em termos percentuais, comparando as
respostas das entrevistadas que o receberam com as que não o obtiveram, 62,5%
(10/16) das que receberam e 44,4% (8/18) das que não receberam deram
respostas condizentes.
Já no que diz respeito à interpretação do risco, 50% (8/16) daquelas que
receberam o relatório deram respostas compatíveis às informações fornecidas,
enquanto que 61,1% (11/18), dentre as que não receberam, assinalaram repostas
adequadas. Desta forma, o relatório médico parece se correlacionar mais com o
risco numérico, do que com a interpretação. Como esta última é pessoal, mesmo
com o laudo em mãos, 50% equivocou-se ao adjetivar o risco.
4.2.3 - O fardo da condição
Uma vez que os clientes formulam o problema em uma forma binária,
focando no resultado, a família começa a considerar as implicações de estar sob
risco e o potencial impacto do que pode ou não acontecer. Na literatura disponível
sobre AG, o impacto da condição tem sido tradicionalmente definido como o fardo:
o custo – emocional, financeiro, social e psicológico – da condição. As famílias
geralmente não usam esse termo, e sim as repercussões do AG incluindo todas
as incertezas que encararam (Lippman-Hand e Fraser, 1979a).
À nossa pergunta sobre o quanto consideravam difícil o fato de ter essa
condição na família: a maioria 58,8% (20/34) das respostas foi “muito difícil”;
17,7% (6/34) marcaram “moderadamente difícil”; 23,5% (8/34) grafaram “não sei”,
não se registrando a resposta “pouco difícil”. De acordo com a tabela 12, parece
que a dificuldade de lidar com a condição não está relacionada com o risco de
recorrência, apesar de que as únicas que adjetivaram o risco como
moderadamente difícil tinham risco menor que 5%. Pode ser que elas considerem
como fardo a frustração de ter uma gestação anormal, que realmente é algo muito
difícil.
Tabela 12 - Fardo da condição e suas correlações com o risco de recorrência fornecido.
Risco fornecido Muito difícil Moderadamente difícil Pouco difícil Não sei dizer
Desprezível 4 1 0 2
Baixo 11 5 0 4
Moderado 2 0 0 0
Alto 3 0 0 2
Total 20 6 0 8
4.2.4 - Os sentimentos de culpa
Foi perguntado também sobre se existe ou existiu algum sentimento de
culpa entre os familiares em função do nascimento de uma criança com anomalia
congênita. Sabe-se que os pais tentam achar algum culpado, muitas vezes
acusando o cônjuge. As anomalias congênitas podem ser acompanhadas por
problemas psíquicos e sociais que também se fazem presentes mesmo quando as
doenças não apresentam uma origem genética. Negação, culpa, auto-acusação,
irritabilidade e raiva são respostas comuns a qualquer evento dramático.
Entretanto, encontramos, além destes, aspectos que são particulares ou que
assumem, nos casos em questão, proporções maiores. As doenças genéticas são
percebidas como acontecimentos internos, com uma das células sendo
considerada “defeituosa”. A internalização da causa faz emergir sentimentos de
responsabilização pessoal, inacessibilidade de erradicação ou controle,
inevitabilidade de conseqüências, diminuição da capacidade de se colocar frente
aos seus semelhantes (Gleiser, 1986).
Em nosso estudo, 44,1% (15/34) das mulheres registraram ter sentido culpa
no passado ou ter esse sentimento às vezes, 50% (17/34) assinalaram nunca ter
tido tal sentimento e uma não soube dizer. Ainda teve uma que anuiu ao
sentimento de culpa, mas associou-o ao fato de não ter visto o filho neomorto.
Pensávamos que encontraríamos uma maior freqüência de sentimento
culpa entre as entrevistadas, cuja condição da morte dos filhos associava-se a
causas genéticas, porém tal não aconteceu. Nessa direção, nos é permitido
assinalar que, dentre a nossa amostra, a especificidade da etiologia genética não
desempenhou papel preponderante no que se relaciona à sensação de
culpabilidade pessoal.
4.3 - A reprodução e a vida após o AG
4.3.1 - As decisões reprodutivas
Fazer escolhas é difícil, não importando o grau de informações que se
detém sobre o assunto em cima do qual há de se exercer a escolha. Independente
do quanto tais informações são lembradas e disponíveis, o processo de decisão
reprodutiva se mantém como uma responsabilidade pesada para os pais
(Lippman-Hand e Fraser, 1979a).
Clientes do aconselhamento genético se deparam com uma situação tipo
loteria. O prêmio, uma criança normal, só pode ser ganho por aqueles que se
arriscam em conceber uma criança com anomalia congênita (Wertz et al., 1986).
Uma de nossas entrevistadas, corrobora essa afirmação quando, no seu
comentário, declara:
Tenho hoje minha filha de 2 anos e 5 meses
completamente saudável.
Não desisti do meu sonho e tive
como recompensa este lindo presente.” (Cléa)
Muitas famílias preferem abrir mão da responsabilidade sobre a concepção,
optando, consciente ou inconscientemente, pela chamada roleta reprodutiva, uma
forma de contracepção de risco, deixando a concepção ao acaso. Na medida em
que acreditam que estão em risco e afirmam não ter tomado uma decisão convicta
sobre uma nova gestação, usam métodos contraceptivos que reconhecem ser
insuficientes para garantir que a gestação não ocorra (Lippman-Hand e
Fraser,1979b). Duas de nossas entrevistadas ilustram bem a questão no
comentário que escreveram:
Não estou tentando engravidar, mas também não faço uso
de qualquer método contraceptivo.“(Andrea)
Após a última gestação, em que resultou o natimorto, nunca
mais houve gestação, apesar de não estarmos usando
nenhum contraceptivo.” (Tatiana)
Avaliando a reprodução após o AG (tabela 13), observamos que a maioria
teve filhos (55,9% - 19/34) ou está tentando engravidar (23,5% - 8/34).
Tabela 13 -Planejamento familiar após o aconselhamento genético
.
Risco teve filhos tentando engravidar evitar a gestação indecisos
Baixo/ desprezível 17 6 0 4
Moderado 1 0 0 1
Alto 1 2 0 2
Total 19 8 0 7
Somente 20,6% (7/34) das mulheres não tiveram filhos após o AG, sendo
que quatro têm filho anterior saudável e três ainda não têm filhos vivos. Avaliando
em conjunto esta questão com uma pergunta realizada posteriormente sobre os
planos reprodutivos após o AG (“a senhora quer ter outros filhos?”), as sete
responderam não sei, o que demonstra a indecisão delas. Dentre as três ainda
sem filhos vivos: uma foi um caso bastante complexo, tendo sofrido quatro perdas
gestacionais por causas diferentes; outra foi de um caso esporádico e, finalmente,
uma com perda gestacional em função de uma anomalia com herança
multifatorial. Estas três referem ainda estar em dúvida sobre uma futura gestação.
Conforme, elas próprias declararam em seus comentários:
Foram quatro perdas gestacionais e cada uma com uma
causa diferente, o que nos deixou muitas dúvidas. Meu
sofrimento ainda não acabou!!” (Gerusa)
Hoje, já se passaram cinco anos e o medo de engravidar de
novo é muito grande.” (Clarice)
Ficar com um casal de filhos é a vontade minha e o sonho
do meu esposo, mas ainda não estou totalmente certa, falta
várias coisas, particulares.” (Leilane)
A decisão de ter um filho resulta de variados motivos de ordem consciente e
inconsciente, tais como: aprofundar a relação homem-mulher; concretizar o desejo
de continuidade e a esperança da imortalidade; restaurar um vínculo desfeito;
competir com familiares e, até mesmo, preencher um vazio interno (Dourado e
Pelloso, 2007).
Os casais desejam poucos filhos, porém perfeitos. Embora os pais sempre
temam a possibilidade de uma anomalia congênita, o filho esperado e imaginado é
sempre saudável e "lindo" (Sunelaitis et al., 2007). Assim, quando o bebê
apresenta algum problema, ocorre a destruição do grande sonho, um golpe para a
auto-estima materna já que seu bebê é considerado sua extensão (Gomes e
Piccinini, 2005; Arruda e Marcon, 2007).
A mãe do bebê com anomalias congênitas, freqüentemente, se sente
incompleta, incapaz, destituída do papel de uma maternagem sadia (Arruda e
Marcon, 2007; Battikha et al., 2007). Pode-se inferir que se, por um lado, o bebê
ficou marcado por aquilo que não tem, pelo que não é, a mãe poderá se sentir
igualmente marcada (Battikha et al., 2007).
A idéia do ventre imperfeito, ainda tão corrente no senso comum, por
exemplo, como a fonte de deficiências e malformações congênitas, vem sendo
difundida há séculos. Num ensaio escrito entre 1572 e 1574 sobre o poder da
imaginação, Michel de Montaigne dizia que as mulheres transmitem as marcas de
sua imaginação para as crianças durante a gestação e, os textos médicos do
século XIX continuaram se referindo ao impacto da imaginação materna (Martins,
2003).
Casais que se encontram em risco de ter filhos com anomalias congênitas
letais no período neonatal, parecem ter uma urgência de planejar uma nova
gestação. Isto pode ser uma tentativa de substituir a criança perdida. Além disso,
pode haver também o desejo de assegurar sua própria normalidade, demonstrada
via o nascimento de uma criança normal ou a necessidade de cicatrizar a ferida
aberta pelo nascimento da criança afetada (Kessler, 1989; Frets e Niermeijer,
1990; Lippman-Hand e Fraser, 1979a).
Estudos como o de Frets e Niermeijer (1990) e Pina-Neto e Petean (1999)
observaram que casais que não têm filhos são mais propensos a planejar uma
próxima gestação do que aqueles que já tinham filhos. Há fortes indícios de que o
desejo de ter filhos está fortemente relacionado com o planejamento reprodutivo
após o AG. Mesmo nos casos de risco maior que 10%, este desejo parece ter
prevalecido, tal como encontramos no nosso estudo.
As mulheres, de um modo geral, referem que sentiram medo, ficaram
apavoradas, mas mesmo assim engravidaram novamente ou planejam uma nova
gestação. Os comentários que seguem são bastante elucidativos:
“Quando descobri que estava grávida de novo entrei em
pânico, chorava todos os dias.” (Telma)
Quando engravidei pela segunda vez, eu tive medo de
acontecer novamente. (Katia)
4.3.2 - A influência do AG nas decisões reprodutivas
Ser influenciado pode significar incorporar informações científicas e
técnicas em valores pré-existentes, utilizando a informação para tomar decisões
mais claras. Este é um dos maiores objetivos do AG. Ser influenciado também
pode significar que os valores próprios do cliente foram suplantados pelos valores
dos especialistas que fornecem informações médicas e científicas, sem que estes
tenham a intenção consciente de assim o fazer (Wertz e Sorenson, 1986).
Em nosso estudo, 61,8% (21/34) mulheres assinalaram que o AG
influenciou ou modificou a decisão de ter outros filhos (tabela 14). Quando
comparamos a pergunta sobre a reflexão acerca de ter mais filhos com a questão
posterior se tiveram outros filhos ou se estavam tentando engravidar, percebemos
a discordância em 38,1% (8/21) delas. O fato de manterem o plano original não
quer dizer que não tenham sido influenciadas, pois o AG pode ter fortalecido o
pensamento anterior. Como a maior parte dos casos foi de baixo risco de
recorrência é possível que o AG, realmente, tenha ajudado estas mulheres a
partirem para uma nova gestação.
Tabela 14 - Influência do AG nos planos reprodutivos.
Planos reprodutivos Influenciados Não influenciados Indecisos
Mantém plano original 8 11 0
Pretendem mais filhos após o AG 9 0 1
Pretendem menos filhos após o AG 4 1 0
Total 21 12 1
Os resultados de vários estudos revistos por Kessler (1989) indicam que a
intenção reprodutiva pré-aconselhamento é responsável por grande parte, senão a
maior parte na determinação dos planos reprodutivos após o AG. Isto sugere que
para muitos clientes, o papel do AG é principalmente para confirmar ou reforçar a
decisão que já haviam tomado, ao invés de moldar a decisão inicial. É importante
lembrar que nesse estudo estamos perguntando em 2007 sobre situações
ocorridas pelo menos três anos antes. O que nossas entrevistadas assinalaram,
em relação a ter filhos antes do AG, pode não ser verdadeiro e sim um viés de
memória.
Na interpretação de entrevistas escritas e estruturadas, não se pode,
entretanto, distinguir entre a influência no sentido da utilização das informações
médicas e a influência no sentido de conselhos ou direção dada pelo consultor
(Wertz e Sorenson, 1986), mesmo que seja utilizado o AG não diretivo.
4.3.3 - A não diretividade do AG
A relação médico-paciente, na literatura sociológica, é retratada como
assimétrica. Na cultura ocidental moderna, a definição prevalente da interação
médico paciente coloca o médico numa posição elevada de poder, assumindo
uma posição paternalista. Os pacientes devem esperar que ele defina a situação
deles e indique a ação apropriada a ser tomada (Wertz e Sorenson, 1986).
O trabalho de aconselhamento genético, todavia, deve ser pautado por um
profundo respeito pela autonomia do paciente. Códigos de ética de várias
sociedades de profissionais em genética evidenciam um compromisso com a
autonomia do paciente e uma obrigatoriedade em respeitar suas crenças, bem
como suas tradições culturais, inclinações, circunstâncias e sentimentos. Ao
profissional cabe prover seus clientes com informações pertinentes e clarificar as
alternativas, bem como antecipar possíveis conseqüências, para que possam
tomar decisões informadas, independentes e livres de coerção. À autonomia
contrapõe-se o paternalismo médico (Guilam, 2003).
O diagnóstico de anormalidade fetal provoca em muitas gestantes uma
postura de submissão e passividade. A dependência dos especialistas aumenta
em função da dificuldade de obter informações úteis, confiáveis e válidas, por
outra fonte que não o consultor genético (Wertz e Sorenson, 1986). Esse tipo de
reação pode ser entendido, ainda, como uma necessidade de preservar a figura
do médico, por esse ser visto como o único que pode resolver a situação (Gomes
e Piccinini, 2005).
Muitas vezes, o discurso sobre os bebês se dá a partir do seu problema,
podendo-se pressupor uma equivalência entre a doença do bebê e o bebê, como
se o real desse corpo marcado impedisse qualquer possibilidade de simbolização
a respeito dele (Battikha et al., 2007). Em nosso trabalho, conforme já assinalado,
uma mulher ao deparar-se com o espaço aberto para declinar o nome dado ao
problema do bebê respondeu com o nome de sua filha neomorta.
A ênfase da ciência médica na doença e não no doente contribui para o que
estamos chamando de criança metaforizada nas manifestações patológicas que
porta (Martins, 2003).
Um achado interessante deste trabalho foi que 64,7% (22/34) das mulheres
entrevistadas gostariam de ouvir do consultor uma decisão médica sobre o
planejamento reprodutivo. Durante a consulta de AG, pedidos de conselhos são
solicitados pelas clientes, em função do desejo de obter direções práticas que as
ajudem a lidar com a nova situação. Algumas pacientes ficam desapontadas com
a recomendação de que devam tomar suas próprias decisões baseadas nas
informações recebidas. Isto não é o que elas costumam esperar de um médico
(Abramovsky et al., 1980; Lippman-Hand e Fraser, 1979a). Entretanto, esse
desejo de ouvir do consultor uma opinião, dificilmente pode ser considerada como
uma demanda pelo AG diretivo (Sommer et al., 1988).
Muitas das informações fornecidas durante o AG são dadas em forma de
probabilidades ou percentagem de risco que devem ser interpretadas pelos
clientes de acordo com seus objetivos. Freqüentemente, mesmo depois do AG, as
famílias continuam a procurar a ajuda do consultor na interpretação dessas
informações, orientação e apoio (Wertz e Sorenson, 1986; Lippman-Hand e
Fraser, 1979a).
4.3.4 - A vida cotidiana após o AG
Na última parte fechada da entrevista perguntamos dados sobre a vida
atual dessas mulheres.
Todas as mulheres que eram casadas ou tinham uma união estável (61,8%
- 21/34) registraram que continuam com o mesmo parceiro. Duas mulheres cujos
prontuários não foram informativos sobre o estado civil, marcaram na entrevista
que estão com o mesmo parceiro. Das 11 solteiras, oito (72,7%) estão com o
mesmo parceiro e três (27,3%) assinalaram estar com outro companheiro.
O nascimento de uma criança com uma anomalia congênita modifica os
sonhos e as expectativas dos pais. Nessas circunstâncias, alguns indivíduos
podem, transitoriamente, regredir ou tornar-se irracionais como parte da sua
resposta inicial. Não é raro ocorrer problemas maritais, disfunção sexual,
depressão e fuga das atividades de grupo (Gleiser, 1986). No estudo de Pina-Neto
e Petean (1999), a freqüência de separação foi baixa (1,7%), em oposição com a
revisão feita por eles da literatura onde os valores variam de 3,8 a 6,6%. Porém é
importante lembrar que nenhum desses estudos era específico para natimortos e
neomortos.
Só encontramos três quebras de relacionamento, e que aconteceram entre
as solteiras. Uma hipótese a ser levantada sobre isso é que as que continuam
com o mesmo parceiro podem se sentir mais amparadas, e desta forma mais à
vontade para responderem as perguntas, enquanto as que se separaram
sentiram-se constrangidas e não responderam.
Em relação às atividades profissionais ou escolares, 15 registraram que
exerciam algum tipo de atividade antes da gestação estudada. Dentre estas: 40%
(6/15) grafaram que estão na mesma situação atualmente; 40% (6/15) marcaram
ter mudado de emprego ou escola e, por fim, 20% (3/15) não estão trabalhando.
Das 14 que não tinham atividade anterior: 21,4% (3/14) indicaram não conseguir
emprego; 50% (7/14) se mantiveram sem atividade; 21,4% (3/14) mudaram de
atividade e uma (7,2%) terminou os estudos.
À pergunta sobre o porquê delas não quererem mais filhos (sendo que a
maioria já tinha tido filho antes ou após a perda) muitas responderam que era por
já ter a família completa.
Analisando as respostas das sete mulheres que não tiveram filhos após o
AG (tabela 13) observamos: duas nada assinalaram, mas indicaram na pergunta
relativa ao desejo de ter mais filhos que ainda esperam e querem tê-los (ambas
não têm filhos vivos); uma colocou que ainda tem dúvidas em função do risco e da
gravidade (sem filho vivo), e as outras 4 já tinham filhos vivos. Estas marcaram
que não queriam mais filhos: uma pelo medo; uma por já ter família completa, pelo
risco e pelo medo; uma pelo medo e pela gravidade, e uma por razões financeiras.
Então, 55,9% (19/34) tiveram filhos após o AG, 23,5% (8/34) tentam
engravidar e das sete restantes (20,6%): quatro tiveram filhos vivos antes, e as
outras três assinalaram em outra pergunta que ainda estão em dúvida sobre uma
nova gestação, o que quer dizer que não estão certas sobre a não procriação. Há
indícios, em nossa amostra, para erguemos a hipótese de que o desejo de ter
filhos e de formar uma família supera o medo pelo risco de recorrência.
As razões para tal podem ser encontradas no meio societário. O modelo de
mulher produzido e divulgado pelos textos médicos e intelectuais durante o século
XIX, nega o corpo, especialmente a sexualidade feminina, que deveria ser
totalmente direcionada para a reprodução. A mulher, então, tinha como papel
principal o de ser mãe. Assim, além do desejo de ter filhos, ela incorpora que tem
o dever de ter filhos para poder se sentir mulher (Martins, 2004). A declaração de
seguinte é bastante ilustrativa:
Quando uma mulher perde o seu filho, ela perde todo o seu
referencial como mulher.” (Sofia)
A gestação é um evento que envolve mudanças de diversas ordens; é uma
experiência repleta de sentimentos intensos que podem dar vazão a conteúdos
inconscientes da mãe (Piccinini et al., 2004). Diversos autores têm enfatizado que
a relação da mãe com o bebê existe antes até da própria gravidez, nas fantasias
da mulher relacionadas com a possibilidade de ter um filho. Na gestação, além do
corpo da gestante encarregar-se do crescimento físico do feto, acontece, no seu
psiquismo, a formação da idéia de ser mãe, a construção de uma imagem mental
do bebê e sua interação com ele, processo esse denominado de vinculação ao
bebê imaginário (Lebovici, 1987 apud Ferrari et al., 2007; Piccinini et al., 2004).
A capacidade de gerar um bebê é vista como um milagre. As mulheres
enquanto grávidas falam da sua experiência com certo deslumbramento,
caracterizando esta fase como um momento único e cheio de surpresas. O fato de
gerar um bebê dentro de seu próprio corpo, a coloca numa posição privilegiada
frente às outras pessoas (Ferrari et al., 2007), tal como podemos observar neste
comentário:
Um dia passou em minha vida um anjo e habitou-se em meu
ser, foram meses de felicidade e de amor. (...) pois aprendi o
que é o amor e curti cada momento feliz apesar de saber que
não era tão eterno em minha vida e sim eterno na
lembrança.” (Amélia)
Interessante também é que completar a família para a grande maioria de
nossas entrevistadas foi ter somente um filho saudável. A análise empreendida
nos apontou que depois de ter um filho saudável, a maioria opta por não tentar
outra gestação, tais como podemos perceber nas frases a seguir:
Por já ter 42 anos e uma filha de 8 anos. Não sei se quero
realmente ‘começar tudo de novo’. (Andrea)
Hoje tenho um menino, de dois anos totalmente saudável
.
Se já tive um filho saudável, para quê me arriscar
novamente?” (Lucília)
Após o AG, nasceram 22 crianças saudáveis (pelo assinalado pelas mães);
uma com DTN (o mesmo problema da gestação anterior); houve um aborto
provocado e três abortos espontâneos e, finalmente, oito mulheres estão
planejando uma nova gestação.
Em relação ao apoio procurado após o impacto do diagnóstico da anomalia
congênita e do óbito do filho: 32,4% (11/34) grafaram o apoio da religião; 26,5%
(9/34) de psicólogo, 32,4% (11/34) da família e, 26,5% (9/34) marcaram que não
tiveram apoio algum, mas que precisaram. Algumas assinalaram mais de uma
resposta. Notamos, no espaço destinado aos comentários, entretanto, que um
maior número de entrevistadas declarou ter se apoiado na religião, se comparado
com o registrado na questão estruturada.
Um outro elemento, presente nos comentários livremente feitos por nossas
entrevistadas, é a noção de Deus como o criador do mundo e responsável pela
história. Além disso, há uma forte crença na providência divina, pois Deus
continua envolvido com a Sua criação, dando continuidade a ela. Por isso, para
algumas destas mulheres, em tudo o que acontece existe o objetivo de Deus,
mesmo que o homem o desconheça. Tais colocações encontram respaldo em
trabalhos como o de Martins (2003), que se centra nas tradições culturais que
modulam visões médicas acerca das malformações congênitas. Os trechos abaixo
ilustram bem a questão:
“(...) pois sei que hoje ele esta feliz nos braços de Deus, e
que um dia Deus irá me abençoar, que um dia irei ser mãe,
mas no tempo de Deus.” (Amélia)
Tem coisas que nós não entendemos, mas temos que
aceitar. O que aconteceu nem eu e nem os médicos
entenderam muito bem. Nem os médicos chegaram a um
diagnóstico certo. Mas depois pude ver que Deus fez a
escolha certa.” (Rejane)
Ouvia a oração do padre Marcelo Rossi.” (Elza)
Perdi meu filho porque Deus quis assim. Hoje eu vejo que
para ele foi melhor assim porque hoje ele está com Deus. Sei
que vocês do IFF fizeram o que puderam, mas o maior que é
Deus quis assim.” (Roberta)
E tive muita ajuda espiritual com Sr Jesus Cristo, pois foi um
grande auxílio para a minha recuperação.” (Sofia)
“[Sobre a certeza de que o problema não acontecerá de
novo] porque posso todas as coisas, Naquele que me
fortalece - ‘Jesus’.” (Leilane)
A gestação não planejada é freqüente. Em nosso estudo, verificando todos
os prontuários relativos aos anos 2002 e 2003 de mulheres encaminhadas para o
ambulatório de AG (160) encontramos: 55,6% (89/160) gestações não planejadas;
25,6% (41/160) planejadas, e 18,8% (30/160) não definidas pelo prontuário.
Segundo Dourado e Pelloso (2007), a aceitação da gestação ganha
significado especial quando sua ocorrência é atribuída a um desejo divino. A
religião não impede que problemas aconteçam na vida das pessoas, mas
constitui-se em um recurso nos momentos de dificuldade, estando geralmente
exacerbado em casos de doenças. Ela funciona atribuindo significado aos
acontecimentos, encorajando e fornecendo recursos para enfrentar o sofrimento.
A religião passa então a ocupar um lugar central nesse processo. Nos
comentários das mulheres, a "vontade de Deus", seu poder e sabedoria foram
referências freqüentes, traduzindo a importância desses valores no seu processo
de produção de sentidos e podendo demonstrar a dificuldade de apoiar-se no
saber médico, científico. Este saber, divulgado através de palavras e condutas
biomédicas, que às vezes não são compreendidos ou aceitos ou não oferecem
uma resposta a suas questões, pode permanecer mais distante delas que os
mistérios da religião (Moura e Araújo, 2005; Battikha et al., 2007).
4.4 – Adendo
Conforme já exposto, ao final da entrevista estruturada deixamos um
espaço aberto para comentários. Nos itens anteriores, tais comentários foram
usados à guisa de ilustração e também porque integraram a análise realizada,
porém à medida que processávamos esta análise certos temas surgiram
espontaneamente e de forma recorrente, sem que tivessem sido contemplados na
estruturação das perguntas fechadas.
Este adendo trata de dois deles, que nos pareceram importantes de serem
apresentados. O primeiro se remete ao entendimento do AG como um tratamento
genético e, o segundo, especifica a insatisfação com assistência periparto.
4.4.1 - Genética como tratamento
O progresso das pesquisas em genética e sua divulgação provocaram uma
verdadeira revolução nas biociências. Jornais, revistas, televisão divulgam novas
descobertas sobre os genes e sua função, ampliando as expectativas públicas de
controle, melhoria e até cura para doenças marcadas pela cronicidade e
mortalidade.
Fortalecendo o imaginário coletivo, a chamada nova genética lança para a
sociedade a noção de que conhecer as nossas suscetibilidades genéticas ou
nossos fatores particulares de risco genético pode nos preparar para enfrentarmos
os fantasmas que as doenças sempre significaram para o homem (Le Goff, 1991),
talvez, até “driblar” o destino, prevenindo a instalação de uma doença e, em
conseqüência, ofertando instrumentos para melhor se gerir o “capital saúde”
(Ruffié, 1993 apud Cardoso, 2000).
Gerir as condições de risco para ganhar um filho saudável é o que parece
estar em jogo nas consultas de AG. Como já apontado, a vivência de ter um filho
com anomalia congênita, independente da causa e da possibilidade de sua
recorrência, muitas vezes transforma o risco discutido no âmbito do processo de
AG numa doença, antecipando a necessidade de tratamento e cura. As duas
observações abaixo simbolizam este tipo de entendimento:
Pretendo engravidar ainda em 2008 com as dicas de
tratamento dadas pela genética do IFF.” (Creuza)
Hoje pretendo ter filhos e se for necessário por eu ter
passado por esse problema gostaria muito de fazer um
tratamento no instituto.” (Livia)
Na imaginação geral, a genética humana, enquanto ciência, já teria nos
colocado num mundo onde testes e tratamentos estariam disponíveis para a
maioria das doenças. Os resultados reais e as possibilidades de intervenção, no
entanto, são bem mais modestos (Melzer e Zimmern, 2002).
4.4.2 - Assistência ao parto e pós-parto
Percebemos, em vários comentários, a revolta das mulheres por terem sido
submetidas ao parto vaginal ao invés da cesariana
3
e a falta de organização de
infra-estrutura hospitalar e da equipe que as atendeu.
3
Em qualquer das causas de morte fetal intra-útero, no segundo e terceiro trimestre, quando a
explusão do feto não ocorre espontaneamente, está indicada a indução do parto por via baixa
É comum as mulheres reclamarem muito do parto, mas geralmente esse
trauma é suplantado por receberem uma recompensa: o bebê. No caso das
mulheres do nosso estudo, não houve o prêmio, então a lembrança do parto ficou
marcada pela indignação. Os trechos a seguir espelham bem esse sentimento:
No dia da minha internação, eu já havia estado no
Fernandes Figueira pela manhã, fui fazer a marcação da
cesárea e já não me sentia bem. (...) A doutora que estava
de plantão me examinou e falou que eu estava com 1 cm de
dilatação. Ela disse: ‘Fará repouso absoluto até a data da
cesárea’ [10 dias após]. A partir das 13h passei a sentir
contrações. (...) Me levaram de volta e informaram que eu iria
fazer a cesárea naquele dia.” (Tarciana)
Ao sentir os primeiros sintomas, dirigi-me imediatamente ao
hospital. (...) Fui enviada de volta para casa por estar,
segundo eles, em falso trabalho de parto. Retornei mais
tarde, pois as contrações tornavam-se mais constantes e as
dores insuportáveis. Quando fui finalmente internada, os
médicos custaram a realizar a cesariana, insistindo num
parto normal de uma criança cujos ossos desmembravam-se
ao manuseio e de uma parturiente com apenas 1 cm de
dilatação. Somente resisti por recomendação da minha
médica particular que insistia que ter o bebê no instituto seria
importante para as investigações do caso pela genética.”
(Andrea)
Quando fizemos a intervenção [interrupção de gravidez de
feto com anencefalia] colocaram cytotec para induzir o parto,
e o bebê já estava morto na minha barriga. Tudo foi muito
dolorido pra mim. E logo depois fizeram uma curetagem.
Deveriam ter feito logo tudo sobre o efeito da anestesia.
Parecia que estavam com preguiça de me atender. Depois
me colocaram numa enfermaria com várias mulheres que
tinham acabado de ter bebês. Foi uma experiência horrível.
(Alba)
(Lewin e Mirlesse, 2002; Orozco, 2007). É importante o parto vaginal para o futuro reprodutivo,
sobretudo em casos de interrupção da gestação no segundo trimestre. As pacientes que possuem
uma cesariana prévia, quando submetidas ao trabalho de parto, apresentam risco cerca de duas
vezes maior de ruptura uterina e também maiores riscos de complicações fetais, quando
comparadas a pacientes que são submetidas à cesariana eletiva (Martins - Costa et al., 2002).
Quando interrompi minha gestação fiquei no quarto junto
com outras mães que tinham tido bebê. Isso foi o que mais
me incomodou. E fiquei muito mal vendo outras mulheres
com seus bebês. Por isso acho que deveriam separar os
casos.” (Fernanda)
Após a perda do bebê, o que foi um duro golpe em nossas
vidas (...) mesmo diante do quadro que o bebê apresentava
[múltiplas malformações] os médicos optaram para fazer o
‘parto normal’ fazendo com que meu sofrimento
multiplicasse, pois não havia nenhuma possibilidade de
acontecer e não havia dilatação (...) tendo que agüentar o
peso de um homem de mais de 100 kg, que seria um dos
médicos, para forçar o ‘parto normal’ e que após este
momento desmaiei, e os médicos resolveram fazer a
cesariana.” (Hilda)
Sofri muito, quase morri, porque eu falava que estava
sentindo muita dor e a médica me disse que eu estava
sentindo uma simples colicazinha. (...) Sofri muito para eu
ganhar esse bebê, foi uma experiência muito chocante.
(Telma)
Hoje, o parto normal é visto como sinônimo de sofrimento e a cesárea uma
panacéia milagrosa e sofisticada, que pode ser vendida e comprada sem maiores
conseqüências (Dias e Deslandes, 2004). Isto se dá pela falta de informações
sobre os riscos envolvidos nos procedimentos relacionados ao parto e nascimento
para a população geral.
A cesariana é um procedimento cirúrgico e, como tal, apresenta seus riscos
maternos e fetais. A decisão pelo nascimento via alta deve ser tomada em
situações especiais, pelo médico, quando os riscos do procedimento sejam
suplantados pelos benefícios (Martins - Costa et al, 2002).
Segundo o Conselho Federal de Medicina, as repercussões do aumento do
número de cesarianas são bastante sérias: elas acarretam quatro vezes mais risco
de infecção puerperal; três vezes mais risco de mortalidade e morbidade materna;
aumento dos riscos de prematuridade e mortalidade neonatal; recuperação mais
difícil da parturiente; maior período de separação entre mãe / bebê com retardo do
início da amamentação e, por fim, elevação de gastos para o sistema de saúde
(Hotimsky et al., 2002).
Assim, torna-se relevante uma reflexão acerca da assistência voltada para
esse grupo, uma vez que os serviços se mostram frágeis e desorganizados diante
de eventos como os aqui discutidos. Em nosso estudo deparamo-nos com
declarações que demonstram a lacuna de assistência ao iniciar o trabalho de
parto, o parto e o pós-parto.
O processo de dar à luz cria momentos de grande vulnerabilidade e solidão,
requerendo o apoio dos profissionais nos quais confia. Faz-se, portanto,
necessário vislumbrar um cuidado médico-hospitalar mais efetivo, especialmente
nos casos semelhantes aos aqui retratados. Torna-se premente explicar a
importância de realizar o parto vaginal em casos de natimortos ou fetos com
anomalias congênitas letais e garantir um pós-parto, para aquelas cujos filhos
evoluíram para óbito, num local afastado das demais que tiveram seus filhos sem
intercorrências.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudos anteriores assumem que o diagnóstico e risco de recorrência
precisam ser acuradamente lembrados visando a tomada das decisões
reprodutivas. O sucesso do AG era medido pela lembrança condizente das
informações após seu término (Kessler, 1989). A maioria das investigações
constatou que casais com alto risco de ter filhos afetados são mais propensos a
desistir de uma reprodução futura do que aqueles com baixo risco (Lippman-
Fraser, 1979a)
. Em seguida, surgiram estudos que mostravam que o importante
para o planejamento reprodutivo era a interpretação do risco (Wertz et al., 1986;
Ekwo et al., 1987).
No nosso caso, tanto a lembrança do risco numérico como a interpretação
do risco foram condizentes com as informações prestadas respectivamente em
aproximadamente 53% e 56%, mas não observamos desistência de ter filhos em
função de um alto risco de recorrência. Das entrevistadas, somente cinco
apresentavam esse alto risco, sendo que: uma teve filho; duas grafaram estar
tentando engravidar; uma não teve filho, mas analisando outras questões
percebemos o desejo de ainda tê-lo, e uma não teve filho, porém já tinha filho
saudável e assinalou ter família completa. Temos, entretanto, que considerar que
o número de nossas entrevistas foi pequeno.
A correlação entre risco e reprodução está longe de ser perfeita. A maioria
dos artigos que trata de decisões reprodutivas após o AG, em relação ao risco
genético, tem negligenciado pelo menos dois problemas. Primeiro, em um serviço
de AG não diretivo, o sucesso deste não pode ser medido somente avaliando as
ações reprodutivas subseqüentes dos clientes, porque suas decisões são
baseadas em múltiplas variáveis que transcendem os fatos médicos (Abramovsky
et al., 1980; Sommer et al., 1988; Lippman-Hand e Fraser, 1979b). Segundo, os
estudos não avaliam como a decisão reprodutiva foi feita e sim o número de filhos
após o AG. Para Lippman-Hand e Fraser (1979b) parece prematuro assumir que
exista uma correlação causal entre risco e reprodução.
A nossa impressão, corroborada por estudos de Frets e Niermeijer (1990), é
que o fator que realmente norteia a reprodução futura é o desejo de ter filhos.
Embora pareça lógico não ter filhos frente ao alto risco genético, reconhecemos
que o problema é bem mais multifacetado, uma vez que não ter filhos pode
representar uma condição indesejável e intolerável. Esta impressão baseou-se no
fato de termos encontrado somente 20,6% (7/34) mulheres que não tiveram filhos
após o AG, sendo que quatro já haviam tido filhos saudáveis e as três restantes
ainda pensavam na possibilidade de uma nova gestação.
Os pesquisadores geralmente pensam que as decisões reprodutivas devem
estar em conformidade com o estado de risco dos casais. Colocam como tendo
uma atitude racional ou responsável aqueles com alto risco, isto é, acima de 10%,
que optam por evitar a gestação e se conformam com a situação (Lippman-Hand e
Fraser, 1979b).
A experiência da decisão muito difícil não implica que a informação ofertada
foi percebida como inútil, e a avaliação de que foi útil não implica que a decisão foi
vivenciada de forma mais fácil. A utilidade das informações e a dificuldade para a
tomada de decisões devem ser consideradas como construções independentes. A
dificuldade de decisão está provavelmente mais relacionada com o diagnóstico de
anomalias congênitas; com a limitação do conhecimento biomédico atual sobre
muitas delas; com os riscos de recorrência entendidos como pouco precisos, e,
por fim e talvez não menos importante com os dilemas morais que envolvem
algumas decisões (Shiloh et al., 2006).
A maioria dos casais passa por um processo de decisão geralmente
desestruturado. As decisões reprodutivas após o AG são decisões emocionais,
além disso, os motivos subjacentes ao desejo de ser pais são na maioria das
vezes inconscientes. O uso da cognição pode servir como defesa contra as
freqüentes emoções ambivalentes que envolvem o processo de decisão
reprodutiva (Frets et al., 1991).
Para alguns casais o processo de decisão pode ser tão difícil que eles se
mantêm indecisos. Segundo revisão feita por Frets e Niermeijer (1990), a
proporção de indecisos após o AG foi similar entre os artigos avaliados. Os
autores assinalam que somente a pesquisa realizada por Emery e colaboradores
em 1979 não encontrou nenhum casal indeciso após dois anos do AG. Os autores
acreditam que isto foi porque os clientes foram atendidos três vezes neste
intervalo, o que deve ter proporcionado apoio adicional ao processo de decisão
reprodutiva.
Sabe-se que muitas perguntas deixam de ser feitas pelo choque da
informação ou por não se saber o que e como perguntar. Depois do primeiro
impacto, quando começa a reflexão sobre as informações recebidas, surgem
vários questionamentos. Por isso, as informações devem ser dadas de forma
gradativa e constante, respeitando o ritmo, a individualidade e o tempo de cada
família, já que, normalmente, ninguém está preparado para saber tudo de uma só
vez (Sunelaitis et al., 2007).
O consultor genético deve explorar os sentimentos de seu cliente sobre a
magnitude do risco genético e o que o nascimento de uma criança com anomalia
congênita significará para a sua família. Os pais devem ser encorajados a
verbalizar suas preocupações sobre as possibilidades de gerar outra criança com
o mesmo problema e a explorar as diferentes opções disponíveis para eles. Só
assim podem fazer escolhas as mais conscientes possíveis e lidar com as
conseqüências a longo prazo dessas decisões (Ekwo et al., 1987).
Em vista dos objetivos do AG, o Comitê de Genética Humana da
Organização Mundial de Saúde recomenda que os serviços de AG organizem
investigações de follow-up para melhor avaliar o comportamento de seus clientes.
Os dados servirão para auxiliar os consultores a melhorar a eficácia do AG que
realizam e os novos contatos com os clientes poderão ser de grande valia para
dar complementaridade ao processo. (Abramovsky et al., 1980).
Com este trabalho percebemos que as nossas pacientes entrevistadas
ainda permanecem com muitas dúvidas, o que nos sugere a importância de
oferecermos consultas de seguimento.
Devemos, assim, discutir formas de reforçar os componentes de
esclarecimento e de apoio as pacientes do IFF cujos fetos foram diagnosticados
como tendo anomalias congênitas, a fim de aumentar a eficiência visando estreitar
as relações entre equipe de saúde e clientes. Para isso sugerimos: a) consultas de
seguimento para as participantes desse estudo e também para as mulheres que
estão, atualmente, no processo de AG; b) o envio de um resumo por escrito dos
principais pontos abordados durante a consulta, para aquelas que não o
receberam anteriormente, para reforçar o conhecimento existente ou relembrar as
informações esquecidas e, c) fornecer sistematicamente suporte psicológico e
social de qualidade durante todo o processo de AG. É importante também tentar
melhorar os cadastros das pacientes para podermos localizá-las com maior
facilidade caso seja necessário.
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Genet 1981; 8: 281-289.
Wertz DC, Sorenson JR. Client reactions to genetic couseling: self-reports of
influence. Clinical Genetics 1986: 30(6): 494-502.
Wertz DC, Sorenson JR, Heeren TC. Clients´ interpretation of risks provided in
genetic couseling. Am J Hum Genet 1986; 39(2): 253-264.
World Health Organization. Primary health care approaches for prevention and
control of congenital disorders and disability. Report. Geneva; 2000.
Yin RK. Case study research. Design and methods (applied social research
methods. London: Sage Publications; 2002.
APÊNDICES E ANEXO
Apêndice 1
Ficha de Captação: número ____
Nome: _______________________________________________
Prontuário: ____________________ Idade quando teve o bebê: _________
Estado civil: solteira casada união estável
separada/divorciada viúva
Município/Estado que reside: _____________________________
Bairro que reside: ______________________________________
Instrução da paciente:
menos que 4 anos de 5 a 8 anos de 9 a 11 anos
superior incompleto superior completo Pós- graduação
Instrução do parceiro:
menos que 4 anos de 5 a 8 anos de 9 a 11 anos
superior incompleto superior completo Pós- graduação
Quantas gestações anteriores a esta estudada: 1 2 3 4 ou mais
Quantos RN vivos: 1 2 3 4 ou mais
Quantos abortos espontâneos: 1 2 3 4 ou mais
Quantos abortos provocados: 1 2 3 4 ou mais
Com quantas semanas gestacionais veio para o IFF:
A gestação foi planejada: sim não
Qual foi o motivo do encaminhamento ao IFF:
Quantas consultas de pré-natal no IFF: 1 2 3 4 5 6 7 8 > 8
Teve consulta na medicina fetal: sim não
Teve consulta no pré-natal da genética: sim não
Teve consulta na perinatologia: sim não
Teve consulta em alguma outra especialidade? Qual? _____________________
Fez algum exame invasivo? Qual? ___________________
O bebê nasceu: vivo morto
A genética foi ver o bebê no berçário: sim não
Existe informação sobre a etiologia e sobre o risco de recorrência pela obstetrícia
ou neonatologia? Qual? ____________
Qual foi o tempo entre o óbito e a 1
a
consulta da genética pós-natal :
Quantas consultas teve no pós-natal da genética? ____________
Quando foi a data da primeira consulta de AG e da última?__________________
Existe história na família de anomalia congênita? Qual? ______________
Na consulta do pós-natal, o que foi realizado:
Radiografia de coluna Ultrassonografia renal Cariótipo _________
Qual foi o risco fornecido:
desprezível baixo (<5%) entre 5 e 10% entre 0 a 25% 25% 50%
inconclusivo outro ______________
O risco foi: exato estimado não definido
Qual a etiologia:
monogênica cromossômica multifatorial ambiental desconhecida
A condição é passível de algum diagnóstico pré- natal? Qual? ____________
Foi entregue laudo definitivo: sim não
Qual o 1
o
diagnóstico: _________________________________
Qual o diagnóstico final: _______________________________
Há dados de outra gestação no IFF após esta: sim não
Que médicos da genética participaram da consulta de AG :_________________
Informações relevantes: ______________________________________________
__________________________________________________________________
Apêndice 2
As perguntas a seguir são relacionadas à gestação que a fez vir para o
atendimento no IFF (Instituto Fernandes Figueira).
1) A senhora foi informada da gravidade do problema no bebê enquanto estava
grávida? Por quem? Pode marcar mais de uma.
Não.
Sim, pelo médico que fez a ultrassonografia fora do IFF.
pelo médico que fez a ultrassonografia no IFF.
pelo médico obstetra que fazia meu pré-natal antes de vir para o IFF.
pelo médico obstetra que fazia meu pré-natal no IFF.
pelo médico da genética.
pela Dra Olga.
outro. Quem?___________________
2) Alguém sugeriu que era melhor a senhora não ter esse bebê (interromper a
gravidez). Quem? Pode marcar mais de uma.
Sim, meu companheiro. Sim, meus amigos.
Sim, outros familiares. Sim, o médico de antes do IFF.
Sim, o médico obstetra do IFF. Sim, o médico da genética.
Sim, outro. Quem ?_______________
Ninguém falou, mas eu pensei. Não.
3) A senhora trabalhava ou estudava quando soube do problema do bebê?
Sim. Não.
As perguntas a seguir são referentes à época após o nascimento do seu
bebê no IFF.
4) A senhora viu o bebê? Pode marcar mais de uma.
Sim. Não, mas meu companheiro viu.
Não, porque não me mostraram. Não, porque eu não quis.
5) A senhora foi informada, ainda na maternidade, de qual foi a causa da morte do
bebê? Por quem? Pode marcar mais de uma.
Sim, pelo médico da obstetrícia.
Sim, pelo médico do berçário.
Sim, pelo médico da genética.
Não me informaram nada.
Me disseram que para saber a causa da morte do bebê só autorizando a
autopsia.
Me disseram que para saber a causa da morte do bebê eu teria que ir na
consulta da genética.
Outro. Quem?____________________
6) O médico da obstetrícia ou da pediatria lhe disse se haveria risco de ter outro
bebê com problemas? (Não considerar para responder esta pergunta as
informações passadas pelos médicos da genética)
Sim, disse que não tinha chance de acontecer de novo.
Sim, disse que a chance era baixa de acontecer de novo.
Sim, disse que a chance era alta de acontecer de novo.
Não, o médico falou que eu tinha que ir na genética para saber essas
informações.
Não, o médico falou que eu tinha que autorizar a autópsia do bebê para saber
essas informações.
Não, o médico não falou nada.
7) A senhora se lembra de ter conversado com algum dos médicos da genética
durante a internação na maternidade?
Sim. Não.
8) Antes da sua consulta no aconselhamento genético pós-natal, a senhora
achava que a consulta era para dizer o quê? Pode marcar mais de uma.
Iam dizer que eu não podia mais ter filhos.
Iam me dizer que todos os meus filhos iam ter problemas.
Iam me explicar se poderia acontecer de novo.
Iam me dizer que esse problema não iria mais acontecer.
Iam me dizer que eu tinha que fazer um tratamento.
Não sabia o que iam me dizer.
Outro.
9) Antes da consulta no aconselhamento genético pós-natal a senhora pensava
em ter outros filhos?
Sim. Não. Não sei.
As perguntas a seguir serão sobre a consulta de aconselhamento genético
pós-natal.
10) A senhora acha que a consulta na genética foi logo ou demorou para ser
marcada?
Foi muito cedo. Eu ainda não estava preparada.
Foi cedo e eu gostei.
Demorou, mas eu preferi assim.
Eu queria que fosse antes.
11) A senhora veio acompanhada à consulta de aconselhamento genético pós-
natal? Pode marcar mais de uma.
Não.
Sim, pelo meu companheiro.
pela minha mãe.
por uma amiga.
por outro familiar.
outro _______________
12) A senhora acha que entendeu bem as informações fornecidas durante as
consultas do aconselhamento genético pós-natal?
Sim. Não. Entendi uma parte, mas não tudo.
13) A senhora se lembra do que foi dito em números sobre a chance do problema
acontecer de novo? Marcar somente uma.
Sim, o risco é quase zero. Sim, o risco é menor que 5%.
Sim, o risco é entre 5 e 10%. Sim, o risco é de 0 a 25%.
Sim, o risco é de 25%. Sim, o risco é de 50%.
Sim, o risco é de 100%. Sim, outro risco. Qual? __________
Sim, o risco é variável, pois não foi fechado o diagnóstico.
Não me lembro.
Não foi informado o risco.
14 ) Esse risco de que foi informado a senhora:
É maior do que eu esperava.
O risco é em torno do que eu esperava receber.
O risco é menor do que eu pensava.
Não sei dizer.
15) As pessoas reagem de forma diferente em relação aos riscos
. No seu
entendimento, a senhora considera esse risco de acontecer de novo:
Desprezível, isto é, quase impossível de acontecer de novo.
Baixo risco.
Médio risco.
Alto risco.
Não sei.
16) O quanto a senhora considera difícil o fato de ter essa condição na família?
Muito difícil.
Moderadamente difícil.
Pouco difícil.
Não sei dizer.
17) A senhora se lembra o que lhe informaram sobre o que causou o problema no
bebê?
Sim, a causa estava nos genes.
Sim, a causa estava nos cromossomos.
Sim, a causa era múltipla. Por causa dos genes e por outros fatores também.
Sim, a causa era do ambiente (alguma medicação, infecção, sangramento). Não
era genético.
A causa não foi concluída.
A causa é desconhecida.
Não me lembro.
18) A senhora considera que esse problema pode lhe acontecer de novo?
Sim, com uma baixa chance.
Sim, com uma alta chance.
Tenho certeza de que acontecerá de novo.
Acho que não deve acontecer de novo.
Tenho certeza de que não acontecerá de novo.
Não sei se pode acontecer de novo.
19) A senhora acha que depois de ter esse filho com problemas, poderá ter outros
filhos com algum problema? Pode marcar mais de uma.
Retardo mental.
Síndrome de Down.
Um problema mais grave do que o desse bebê.
Um problema igual ao desse bebê.
Não tenho risco de ter outros bebês com problemas.
Não sei.
20) A senhora se lembra o nome que foi dado ao problema do bebê? Qual?
___________________________
21) A senhora sabe se existe algum exame para ser feito durante a gestação que
possa saber se o bebê terá problemas? Pode marcar mais de uma .
Sim, a ultrassonografia poderá verificar se o bebê terá problemas.
Sim, o exame do liquido amniótico poderá verificar se o bebê terá problemas.
Sim, o exame do sangue do bebê poderá verificar se ele terá problemas.
Sim, um exame de sangue da grávida poderá verificar se o bebê terá problemas.
Não existem exames para saber o problema neste caso.
Não me lembro.
22) A senhora acha que o médico deveria dizer para a família o que fazer? Sobre
ter mais filhos ou não?
O médico deve somente dizer os fatos para a família poder decidir por ela
mesma.
O médico deve dar a sua opinião se o casal deve ou não ter mais filhos.
Não sei dizer.
23)A senhora ficou satisfeita com o acompanhamento da genética? Marcar mais
de uma.
A consulta me forneceu as informações necessárias ou possíveis.
Faltaram informações sobre o acontecido.
As perguntas que eu tinha não foram todas respondidas porque os próprios
médicos não conseguiram definir com certeza o que aconteceu.
O médico não quis responder todas as nossas perguntas.
A consulta foi acolhedora.
Não me senti bem durante os atendimentos.
O médico me explicou claramente.
Não consegui entender o que o médico dizia.
As perguntas a seguir são sobre a sua vida atual.
24) A senhora está com o mesmo parceiro?
Sim. Não, estou com outro. Não, estou sozinha.
25) A senhora agora está trabalhando ou estudando?
Sim. Não.
Sim, mas mudei de emprego/ escola. Fui demitida.
Não consigo emprego. Já acabei de estudar.
26) Existe algum sentimento de culpa na senhora ou entre membros da sua
família?
Nunca.
As vezes.
Freqüentemente.
Existiu, mas agora não há mais.
Não sei dizer.
27) A senhora quer ter outros filhos?
Sim. Não. Não sei.
28) A senhora considera que o aconselhamento genético influenciou ou modificou
a sua decisão sobre ter outros filhos?
Sim. Não. Não sei.
29) A senhora teve outros filhos depois daquela gestação? Pode marcar mais de
uma e marque o número de filhos ao lado.
Tive filho com o mesmo problema. Quantos? _____
Tive filho com um problema diferente do anterior. Quantos?_____
Tive filho saudável. Quantos? ______
Perdi o bebê enquanto grávida. Quantos?_____
Fiquei grávida, mas o bebê nasceu morto. Quantos? ______
Fiquei grávida, mas resolvi tirar o bebê.
Não, mas estou tentando engravidar.
Não.
30) Complete a frase da forma que mais se encaixe ao seu caso. A possibilidade
de ter outro filho com problema...
não me impediu de querer ter mais filhos.
me levou a não querer ter mais filhos.
me faz ainda estar em dúvidas sobre ter mais filhos.
31) Se a senhora não quer ter mais filhos, marque os motivos para esta decisão.
pelo risco de acontecer de novo o problema.
pelo medo de acontecer de novo o problema.
já tenho uma família completa.
pela gravidade do problema do bebê anterior.
pela impossibilidade de diagnóstico pré-natal.
por razões financeiras.
pela impossibilidade de realizar um aborto legalmente.
outro _________________
32) Se a senhora decidiu ter mais filhos, marque os motivos para esta decisão.
por considerar baixo o risco de acontecer de novo.
por não considerar grave o problema do bebê.
pela vontade de completar minha família.
por querer arriscar ter um filho sem esse problema.
por acreditar que o próximo bebê não nasceria com problema.
pela possibilidade de diagnóstico pré-natal.
outro ______________
33) Vamos imaginar que a senhora queira ter mais filhos e que é possível detectar
durante a gravidez se a criança terá ou não o problema da anterior. Marque uma
opção.
Eu gostaria de fazer o exame para o diagnóstico durante a gravidez e eu
interromperia a gestação caso o bebê tivesse problema.
Eu gostaria de fazer o exame para o diagnóstico durante a gravidez, mas eu não
sei o que eu faria se o bebê tivesse problema.
Eu gostaria de fazer o exame para o diagnóstico durante a gravidez, e levaria a
gestação adiante mesmo se o bebê tivesse problema.
Eu não gostaria de fazer o exame durante a gravidez.
Não sei dizer.
34) A senhora usou ou usa algum método anticoncepcional? E o ácido fólico?
Marcar mais de uma.
Uso pílula anticoncepcional. Fiz laqueadura tubária.
Uso camisinha. Meu parceiro fez vasectomia.
Usei outro método anticoncepcional. Qual? __________
Não usei nenhum método anticoncepcional.
Usei o ácido fólico por pouco tempo e parei.
Usei o ácido fólico antes de engravidar novamente.
Não usei o ácido fólico.
Estou usando, mesmo sem tentar ter filhos.
Estou usando, pois quero engravidar.
35) A senhora teve alguma terapia de apoio?
Sim, procurei uma psicóloga. Sim, procurei ajuda na minha religião.
Não, mas eu precisava de ajuda. Não, mas eu tive ajuda da minha família.
Não, eu não precisava. Outro _______________
Esse espaço está reservado para você fazer algum comentário que acha
importante e que não foi perguntado ou que você queira escrever mais.
_________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
Apêndice 3
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Projeto de pesquisa: Anomalias congênitas em natimortos e neomortos: o papel
do aconselhamento genético e suas repercussões na saúde reprodutiva.
Pesquisador responsável: Renata Zlot
Instituição responsável pela pesquisa: Instituto Fernandes Figueira
Endereço: Av. Rui Barbosa, 716, 4
o
andar – Flamengo – Rio de Janeiro
Tel: 2554 –1700 ramal 1752
Nome do orientador: Dafne Dain Gandelman Horovitz
Eu, Dra Renata Zlot, venho pedir que voluntariamente participe na pesquisa
“Anomalias congênitas em natimortos e neomortos: o papel do aconselhamento
genético e suas repercussões na saúde reprodutiva”, a ser feita sob orientação da
Profa Dafne Dain Gandelman Horovitz, para a minha dissertação de mestrado a
ser defendida no Programa de Pós- Graduação em Saúde da Criança e da Mulher
do Instituto Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz.
Leia com atenção as informações abaixo antes de concordar.
1 – Esta pesquisa tem como objetivo detectar o entendimento acerca das
informações fornecidas sobre o diagnóstico, a causa e a chance de acontecer
novamente o problema do bebê, nas mulheres que perderam seus filhos durante a
gravidez ou pouco após o parto por anomalias congênitas e que foram submetidos
a autópsia no Instituto Fernandes Figueira. Também objetiva detectar as
conseqüências dessas informações no cotidiano, principalmente sobre a decisão
de ter ou não outros filhos.
2 – A importância desse estudo é perceber o que é entendido no processo de
aconselhamento genético e as conseqüências na sua vida cotidiana, para assim
estruturar melhor o serviço e proporcionar um atendimento de melhor qualidade
para outras mulheres que vivenciem essa situação.
3 – Para realização da pesquisa, primeiramente será feito uma revisão do seu
prontuário médico do Instituto Fernandes Figueira. Posteriormente enviaremos um
questionário com perguntas a serem respondidas pela senhora, acerca do período
gestacional e das repercussões na sua vida diária. Por último, serão escolhidos
alguns casos para uma entrevista a ser marcada no Instituto Fernandes Figueira
de acordo com a sua disponibilidade para saber mais a fundo o impacto do que foi
vivenciado.
4 – Sua participação é voluntária, o que significa que a senhora tem plena
autonomia para decidir se quer ou não participar do estudo ou desistir de fazê-lo a
qualquer momento.
5 - O seu acompanhamento no Instituto Fernandes Figueira, caso ainda o faça,
não será interrompido caso não aceite participar da pesquisa.
6 – Sua identidade, e de outros que vierem a ser citados, será mantida em
segredo e os dados serão armazenados por código numérico específico, somente
sendo utilizado para fins desta pesquisa.
7- Caso seja selecionada para a entrevista, pedimos a sua permissão para gravá-
la a fim de facilitar o registro das informações. Contudo, a senhora pode solicitar
que quaisquer trechos sejam apagados, caso não queira tal registro.
8 – Os resultados serão apresentados numa dissertação de mestrado a ser
avaliada por uma banca aceita pela Comissão de Pós-Graduação em Saúde da
Criança e da Mulher do Instituto Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz.
Também poderão ser apresentados em um ou mais artigos a serem publicados
em revistas científicas ( nacionais e internacionais) e divulgados em congressos,
simpósios, reuniões científicas, conferências, mesas redondas (nacionais e
internacionais), salas de aula e etc., sempre mantendo segredo sobre a identidade
da senhora e de outros que vierem a ser citados.
Eu, __________________________________________________, abaixo
assinado, autorizo voluntariamente o uso do meu material (prontuário, questionário
e entrevista) nesse estudo. Declaro que li e entendi todas as informações
referentes a esse estudo e que todas as minhas perguntas e dúvidas foram
claramente respondidas pela pesquisadora.
____________________________ ______________________ ____________
Nome da participante Assinatura Data
____________________________ ______________________ ___________
Nome da pesquisadora Assinatura Data
Anexo 1
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