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FRANCINE MARCONDES CASTRO OLIVEIRA
A RELAÇÃO ENTRE HOMEM E NATUREZA NA PEDAGOGIA WALDORF
CURITIBA
2006
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FRANCINE MARCONDES CASTRO OLIVEIRA
A RELAÇÃO ENTRE HOMEM E NATUREZA NA PEDAGOGIA WALDORF
Dissertação apresentada como requisito parcial à
obtenção do grau de Mestre em Educação, Curso
de Pós-Graduação em Educação, Setor de
Educação, Universidade
Federal do Paraná.
Orientadora: Prof. Dra. Sonia Buck
CURITIBA
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ii
Catalogação na publicação
Sirlei R. Gdulla CRB9/985
Biblioteca de Ciências Humanas e Educação - UFPR
Oliveira, Francine Marcondes Castro
O48 A relação entre Homem e Natureza na Pedagogia
Waldorf. / Francine Marcondes Castro Oliveira. Curitiba,
2006.
183 f.
Dissertação (Mestrado) Setor de Educação,
Universidade Federal do Paraná.
1. Homem influência sobre a Natureza.
2. Educação métodos experimentais. 3. Waldorf, método
de educação. 4. Educação ambiental. I. Título.
CDD 372.357
CDU 37.033
iii
iv
DEDICATÓRIA
A Deus, causa primária de todas as coisas.
Aos meus pais, Rita e Roberto, pela vida que me proporcionaram
e pelos exemplos de vida que são.
Aos meus avós Antônio (meu alfabetizador) e Dalva que
contribuíram, de diversas formas, para que meus estudos fossem
viabilizados.
Ao meu marido Paulo, companheiro de todas as horas, por ter
estado, amorosamente, ao meu lado em todos os momentos
diceis deste percurso.
E, principalmente, a Deus outra vez, por ter-me permitido
encontrar pessoas tão belas em meu caminho.
v
AGRADECIMENTOS
À minha Professora Orientadora Sonia Buck, pela dedicação,
incentivo e paciência durante todo o curso de Mestrado. Sua
segurança foi um lsamo nas horas mais críticas e contribuiu,
imensamente, para que chessemos até aqui. Além disso, seus
conselhos (sempre pertinentes) concorreram para que, durante
estes dois anos, crescêssemos não apenas na área da pesquisa
mas também no âmbito pessoal.
Aos admiráveis profissionais da Escola Waldorf Cordão Dourado
de Curitiba (onde tudo começou...) que, desde o início, nos
apoiaram e compartilharam conosco seus profundos
conhecimentos a respeito da Pedagogia Waldorf.
Às Professoras Andreia Marin e Tania Stoltz , por esticarem o
tempo (sempre tão preenchido para elas) para compartilhar
conosco suas iias, experiências, críticas e valiosas sugestões,
sempre indispensáveis.
Ao Jonas (antropósofo e Professor Waldorf) que, pacientemente,
leu nosso texto e nos ofereceu várias sugestões, procurando
contribuir para que nosso trabalho fosse o mais fiel possível às
iias antroposóficas.
E, especialmente, aos Professores Waldorf, Andreia, Marcelo e
Monika que, com imensa generosidade e sinceridade, abriram
para nós as portas de suas salas de aula, permitindo-nos
vislumbrar, de perto, a riqueza de suas atuações.
vi
Sabedoria, ilumina-me
Amor, incendeia-me
Força, compenetra-me
Para que surja em mim,
um bem feitor da Humanidade
um servidor, altruísta, da causa sagrada
Rudolf Steiner
vii
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS.....................................................................................................viii
LISTA DE FIGURAS.......................................................................................................ix
RESUMO .....................................................................................................................xi
ABSTRACT ....................................................................................................................xii
1. INTRODUÇÃO..............................................................................................................1
2. O CONHECIMENTO ANTROPOSÓFICO..................................................................11
2.1. GOETHE EM STEINER: IDÉIAS SOBRE A NATUREZA...............................23
2.2. A CONCEPÇÃO ANTROPOFICA DO HUMANO......................................37
2.2.1 A CONCEPÇÃO ANTROPOFICA DE INFÂNCIA....................................49
3. PEDAGOGIA WALDORF: A EDUCAÇÃO ANTROPOSÓFICA................................59
3.1. A PRÁTICA PEDAGÓGICA WALDORF.........................................................63
3.2. A ESCOLA WALDOR ESTUDADA.................................................................83
4. METODOLOGIA.........................................................................................................96
4.1. A REALIZAÇÃO DA PESQUISA DE CAMPO................................................98
5. RESULTADOS E DISCUSSÕES.............................................................................100
5.1. A RELAÇÃO ENTRE HOMEM E NATUREZA NA PEDAGOGIA
WALDORF...........................................................................................................100
5.2. A PROPOSTA DO “DESENHO DA NATUREZA E A ENTREVISTA COM OS
ALUNOS WALDORF...........................................................................................133
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................152
REFERÊNCIAS............................................................................................................157
APÊNDICE 1 ROTEIRO DE ENTREVISTA APLICADO ÀS CRIAAS DA SEGUNDA
E TERCEIRA SÉRIES DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA........163
ANEXO 1 QUATRO EXEMPLOS DOS “DESENHOS SOBRE A NATUREZA
PRODUZIDOS PELOS ALUNOS WALDORF DE SEGUNDA E
TERCEIRARIES DA ESCOLA PESQUISADA...............................164
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTA FEITA COM ALUNO DA SEGUNDA
RIE DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA.................................166
viii
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - ELEMENTOS E FENÔMENOS OBSERVADOS DIARIAMENTE NA
ESCOLA WALDORF PESQUISADA........................................................100
TABELA 2 - FENÔMENOS OBSERVADOS ESPORADICAMENTE NA ATUAÇÃO DOS
PROFESSORES DE SEGUNDA E TERCEIRA SÉRIES DA ESCOLA
WALDORF PESQUISADA DURANTE 20 SESSÕES DE
OBSERVAÇÃO.........................................................................................114
TABELA 3 - FENÔMENOS OBSERVADOS NA ATUAÇÃO DOS ALUNOS DE
SEGUNDA E TERCEIRA SÉIRES DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA
EM 20 SESSÕES DE OBSERVAÇÕES...................................................123
TABELA 4 - COMPARAÇÃO ENTRE OS ELEMENTOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
ENCONTRADA NA ESCOLA WALDORF ESTUDADA, EM UMA ESCOLA
NÃO-WALDORF EM QUE A PESQUISADORA TRABALHOU E NA
CONCEPÇÃO DE MARCOS REIGOTA...................................................128
ix
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 - ALGUNS DOS MATERIAIS EM ESTADO BRUTO UTILIZADOS COMO
BRINQUEDOS NAS ESCOLAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL WALDORF...67
FIGURA 2 - ESTILO DE BONECA UTILIZADA NAS ESCOLAS WALDORF. NÃO
POSSUI FACE DEFINIDA E É CONSTITUÍDA TOTALMENTE DE
MATERIAIS QUE CONSERVAM SUAS CARACTERÍSTICAS
ORIGINAIS.................................................................................................68
FIGURA 3 - CAVALINHO DE MADEIRA ESCULPIDO EM UMA DAS ESCOLAS
WALDORF QUE VISITAMOS.....................................................................70
FIGURA 4 - VISÃO FRONTAL DA ESCOLA ESTUDADA. PRÉDIO PRINCIPAL. À
DIREITA DA FOTO ESTÁ UM PROFESSOR MINISTRANDO UMA AULA
DE JOGOS.................................................................................................85
FIGURA 5 - VISÃO QUE SE TEM DA JANELA DA SALA DA TERCEIRA SÉRIE DA
ESCOLA WALDORF PESQUISADA..........................................................86
FIGURA 6 - LATERAL DE UMA DAS SALAS UTILIZADAS PELA EDUCAÇÃO
INFANTIL DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA...................................87
FIGURA 7 - PRÉDIO MAIS RECENTE CONSTRUÍDO PELA ESCOLA WALDORF
ESTUDADA................................................................................................88
FIGURA 8 - TETO DO PRÉDIO CONSTRUÍDO MAIS RECENTEMENTE PELA
WALDORF ESCOLA ESTUDADA..............................................................88
FIGURA 9 - 1º GOETHEANUM CONSTRUÍDO POR STEINER PARA SEDIAR A
SOCIEDADE ANTROPOSÓFICA...............................................................89
FIGURA 10 - ESTILO DE QUADRO-NEGRO UTILIZADO NAS ESCOLAS WALDORF. O
DESENHO É FEITO PELO PROFESSOR DE SALA E, EM GERAL, MUDA-
SE O DESENHO UMA VEZ POR MÊS......................................................91
FIGURA 11 - CANTEIRO DE TRIGO DESENVOLVIDO PELA TERCEIRA SÉRIE DA
ESCOLA WALDORF PESQUISADA COM APROXIMADAMENTE DUAS
SEMANAS APÓS A SEMEADURA..........................................................115
FIGURA 12 - CANTEIRO DE TRIGO DESENVOLVIDO PELA TERCEIRA SÉRIE DA
ESCOLA WALDORF PESQUISADA COM APROXIMADAMENTE UM MÊS
E MEIO DE CULTIVO...............................................................................115
x
FIGURA 13 - GRÃO NA TERRA, POR CAT, ALUNA DA TERCEIRA SÉRIE DA
ESCOLA WALDORF PESQUISADA........................................................120
FIGURA 14 - GRÃO NA TERRA ESQUENTANDO, POR MIL, ALUNA DA TERCEIRA
RIE DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA.......................................121
FIGURA 15 - NINHO DE PÁSSAROS CONSTRUÍDO POR STE COM PALHA E
COQUINHOS RECOLHIDOS NO QUINTAL DA ESCOLA.......................125
FIGURA 16 - ESPÉCIES MARINHAS EM AQUARELA, POR REN, ALUNA DA
TERCEIRARIE DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA....................126
FIGURA 17 - RESPOSTA DAS CRIAAS DE SEGUNDA E TERCEIRA SÉRIES DA
ESCOLA WALDORF PESQUISADA À PERGUNTA: VOCÊ PODERIA
DESENHAR UM MENINO NO DESENHO DA NATUREZA?...................135
FIGURA 18 - RESPOSTAS DAS CRIAAS DE SEGUNDA E TERCEIRA SÉRIES DA
ESCOLA WALDORF PESQUISADA À PERGUNTA: POR QUE VOCÊ NÃO
PODERIA DESENHAR UMA BOLA NO DESENHO DA NATUREZA?....141
FIGURA 19 - RESPOSTAS DAS CRIAAS DE SEGUNDA E TERCEIRA SÉRIES DA
ESCOLA WALDORF PESQUISADA À PERGUNTA: PORQUE VOCÊ
ACHA QUE NÓS PRECISAMOS CUIDAR DA NATUREZA?...................143
xi
RESUMO
A maneira como o Homem se percebe diante do restante da Natureza constitui um
dos principais pilares sobre os quais ele constrói sua interação com meio ambiente.
A iminência da saturação da capacidade da Terra de manter a vida, propiciada,
entre outros aspectos, pelo antropocentrismo consolidado historicamente na cultura
Ocidental e propagado por grande parte do planeta, lança à Educação
contemporânea o desafio de encontrar e guarnecer, propostas de formação humana
coerentes com uma visão biocêntrica de mundo. A Pedagogia Waldorf, fundada por
Rudolf Steiner (1861-1925) em 1919, fundamenta-se no conhecimento do ser
humano e de sua relação com o meio segundo a Antroposofia. A Antroposofia
(também criada por Rudolf Steiner) se anuncia como uma Ciência, mais abrangente
que a Ciência Natural (por considerar os âmbitos físico e espiritual) e considera que
o Homem, como síntese da Natureza em estado elevado, tem responsabilidades, e
não prerrogativas, diante dela. Objetivando-se investigar como se apresenta a
relação entre Homem e Natureza na obra de Steiner, na atuação de professores
Waldorf e na concepção de alunos Waldorf de segunda e terceira séries de uma
determinada escola Waldorf, desenvolveu-se um estudo envolvendo levantamento
bibliográfico, observação direta em uma escola Waldorf de Curitiba e uma entrevista
semi-aberta com os alunos de segunda e terceira séries desta escola. A
fundamentação trica baseou-se nas obras educacionais de Rudolf Steiner
traduzidas para o portugs e de alguns autores da Educação Ambiental e da
Ecologia. Por meio da entrevista investigamos as concepções das crianças sobre
três questões fundamentais: 1. O Homem faz parte da Natureza? 2. O que é feito
pelo Homem pode ser considerado como parte da Natureza? 3. Por que precisamos
cuidar da Natureza? A entrevista demonstrou que metade dos alunos estudados
considera que o Homem faz parte da Natureza e que a maioria deles recorre a
argumentos afetivos (e não utilitários) para justificar a necessidade de se cuidar da
Natureza. A observação direta revelou que parte significativa dos alunos Waldorf de
segunda e terceira séries da escola estudada tem uma relação afetiva,
contemplativa, respeitosa e de veneração com o meio natural. Tal relação das
crianças com o meio corresponde àquela encontrada na obra de Steiner (que
apresenta uma concepção de Natureza bastante próxima à sistêmica) e, à atividade
dos professores formados para a Pedagogia Waldorf, que por meio de muitos
recursos permeiam grande parte do cotidiano escolar com uma Educação Ambiental
baseada na sensibilização e respeito ao ambiente.
Palavras-chave: Relação entre Homem e Natureza; Pedagogia Waldorf;
Antroposofia.
xii
ABSTRACT
The way Man perceives Himself before Nature is one of the main supports on which
he builds his/her interaction with the environment. The imminent limitation in the
Earth capacity to sustain life - generated, among other aspects, by the
anthropocentrism historically consolidated in the Western civilization and propagated
nearly worldwide - presents to contemporaneous Education the challenge of finding
and providing human formation proposals consistent with a biocentric view of the
world. The Waldorf Pedagogy, founded by Rudolf Steiner (1861-1925) in 1919, is
based on the knowledge of human being and his/her relationship with the
environment according to Anthroposophy. Anthroposophy (also founded by Rudolf
Steiner) is announced as a Science, more comprehensive than the Natural Science
(because it considers the physical and spiritual scopes) and considers that Man, as
synthesis of Nature in a higher status, holds responsibilities, and not prerogatives,
before Nature. Aiming at a research on the relationship between Man and Nature as
presented in Steiner’s work, in the practice of Waldorf teachers and in the conception
of Waldorf students of the second and third grades of a certain Waldorf school, a
study was developed involving bibliography, direct observation of a Waldorf school in
Curitiba and a semi-open interview with the students of the second and third grades
of this school. The theoretical fundamentals are based on the educational work of
Rudolf Steiner translated into Portuguese and some authors on Environmental
Education and Ecology. By means of an interview we investigated the childrens
conceptions about three fundamental questions: 1) Is Man part of Nature? 2) Can the
deeds of Man be considered as part of Nature? 3) Why do we need to take care of
Nature? The interview showed that half of the students consider Man as a part of
Nature and the majority of them make use of affective (not utilitarian) arguments to
justify the need to take care of Nature. Direct observation revealed that a significant
part of the Waldorf students of second and third grades from the investigated school
has an affective, contemplative, respectful and venerating relationship with Nature.
Such relationship between the children and the environment corresponds both to that
found in the work of Steiner (which presents a conception of Nature very closed to
the systemic one) and that of the teachers formed according to the Waldorf
Pedagogy who, through many resources, have a role in the school daily life with an
Environmental Education based on sensibilization and respect to the Environment.
Key-words: Relationship between Man and Nature; Waldorf Pedagogy;
Anthroposophy.
1
1. INTRODUÇÃO
Como evidencia Leff (2002, p. 191), a crise ambiental é a crise de nosso
tempo. O modo de relação entre Homem e Natureza consolidado historicamente na
cultura Ocidental e propagado por grande parte do mundo (BERRY, 1991, p. 205;
GOALVES, 1989, p. 28) juntamente ao processual aperfeiçoamento da
capacidade humana de causar interferências no meio, se desdobrou na iminência da
exaustão da capacidade da Terra de manter a vida.
Os impactos do desenvolvimento das sociedades ocidentalizadas no
equilíbrio do planeta alcançaram tão grandes proporções, que os modos de vida
nelas alicerçados já não são mais viáveis (HUTCHISON, 2000, p. 23). Hutchison
destaca, a partir de uma passagem de Homer-Dixon
1
(1993 apud HUTCHISON,
2000, p. 23), alguns dos efeitos das perturbações no sistema ecológico das
comunidades bióticas e no ambiente global” provocados por interferências humanas,
sendo eles: a degradação das terras, das comunidades florestais, das fontes de
água e de outros mananciais aqticos; a destruição da camada de ozônio e
mudanças climáticas; e a escassez de recursos naturais e extinção das espécies
(2000, p. 23)
2
.
A concepção de Leff de que esta crise apresenta-se a s como um limite no
real, que ressignifica e reorienta o curso da história (LEFF, 2002, p. 191) comunga-
se com a consideração de Hutchison e de alguns outros autores que se ocupam
1
HOMER-DIXON, T. F.; BOUTWELL, J. H.; RATHJENS, G. W. Environmental change and violent
conflict. Scientifc American, n. 268, v. 2, p. 38-45, 1993.
2
Sendo que estes impactos ocorrem simultaneamente a muitos outros, entre os quais ressaltamos a
expansão urbana e demográfica, o crescimento acentuado das desigualdades socioeconômicas, o
avanço do desemprego estrutural (BUCK; MARIN, 2005, p. 199), a modificação da química do planeta
e a saturação do ar (Berry, 1991, p. 209).
2
da discussão sobre a crise ambiental
3
como Berry (1991, p. 210), Reigota (1994, p.
11), Capra (1983, p. 16) e Lima (1999, p. 135) de que o momento atual é um
ponto crítico de mudança da relação entre os seres humanos e o mundo natural
(2000, p. 22). Diante deste panorama, Reigota (1994, p. 58) considera que a
Educação Ambiental é uma das mais importantes exigências educacionais
contemporâneas em todo o mundo.
Não só pela pertinência do assunto para a atualidade, mas principalmente,
pela experiência que tivemos (de 1999 à 2002) ao atuarmos como professores em
três escolas particulares de Curitiba, nosso interesse em mergulhar nos saberes
relacionados à Educação Ambiental se fortaleceu bastante ao longo dos últimos
anos.
Nos incomodava a percepção de que, apesar de serem muitas as iniciativas
dos professores em tentar estabelecer práticas pedagógicas voltadas à Educação
Ambiental, estas práticas não surtiam os efeitos desejados no que dizia respeito a
conscientização, sensibilização e mudanças de atitudes nos alunos. Ou, o que é
ainda pior, o trabalho resultava, muitas vezes, na formação de estratégias
educacionais que traziam alguns efeitos negativos.
Um exemplo muito marcante disto ocorreu quando participamos, em 2001, de
uma “Campanha Ambiental” com alunos de quinta a oitava séries. Nossa função na
escola era de Auxiliar de Coordenação (em estágio) e a coordenação da escola
achou interessante propormos uma campanha de arrecadação de garrafas PET aos
alunos (oferecendo, como incentivo, um passeio à série quantitativamente
vencedora na arrecadação).
3
o utilizaremos o termo sócio-ambiental por considerarmos que no termo ambiental já inclui em si
as questões sociais.
3
Durante, aproximadamente, dois meses, trabalhamos no recebimento das
garrafas e na divulgação, aos alunos, do que poderia ser feito com elas. Os
professores de classe trabalharam transdisplinarmente a questão da reciclagem,
conseguimos kits junto à fábricas de refrigerantes e, demonstramos às crianças que
aquelas garrafas poderiam se transformar, por meio da reciclagem, em camisetas,
vassouras, brinquedos e etc.
A arrecadação ao final dos dois meses foi um sucesso, apesar de a escola
o ser muito grande
4
. Conseguimos juntar oito big bags de garrafas, algo que
superou as expectativas. Tiramos fotos das garrafas arrecadadas, festejamos o
resultado, e, ao dialogar com as crianças sobre o processo, tivemos um insight
desconsertante. Uma das crianças, tentando demonstrar o quanto se esmerou para
colaborar com a escola e com sua turma, nos declarou que sua família o
costumava tomar refrigerantes durante o almoço e o jantar antes da campanha,
sempre faziam um suco de frutas, mas agora, para trazer garrafas para a escola,
haviam mudado seus hábitos. Percebemos que atuamos, pelo menos em relação
àquela família, muito negativamente e, pelo tipo de raciocínio que nossa campanha
suscitou naquele menino, chegamos a conclusão de que, provavelmente, ele o
seria um caso isolado.
Tendo diferentes vivências desta natureza nas três escolas em que atuamos
5
4
Tinha, aproximadamente, 180 alunos de quinta a oitava séries.
5
Por exemplo, quando após apresentações aos pais da disciplina de Educação Ambiental (que em
uma das escolas tinha um professor específico), juntávamos montanhas de papel crepom para serem
jogadas ao lixo. Ou quando durante um ano inteiro trabalhamos com projetos semanais, na
Educação Infantil, em que orientávamos as crianças na construção de brinquedos com materiais
recicláveis (como caixas de leite, garrafas PET, potinhos de iogurte, etc.) e, ao final de cada atividade,
percebíamos ter em mãos objetos frágeis, de má aparência que apenas adiavam o descarte daquele
material para um dos dias seguintes (já adicionado de tinta, isopor, fitas, e outros adereços).
4
(com a conclusão, na maioria das vezes tardia, de que nossas práticas não
coincidiam com os nossos objetivos), nos apercebemos de que, apesar de não faltar
boa vontade aos professores (nos incluindo entre eles), suas formações não
ofereciam suporte para o trabalho com a Educação Ambiental, condicionando-os a
oferecer às crianças uma (pseudo)Educação Ambiental e por vezes até uma
(des)Educação Ambiental.
A este respeito encontramos confirmação na obra de Hutchison (2000, p. 37)
que afirma que, pela deficiência na formação de professores e por falta de
encaminhamentos precisos, observa-se na escola contemporânea dois tipos
principais de abordagem à Educação Ambiental, com as quais se constata baixo ou
nenhum grau de sucesso. À estas abordagens Hutchison dá os nomes: suplementar
e de infusão. Elas podem ser identificadas respectivamente como ... atividades
distintas de aprendizagem que são comumente planejadas por professores com
pouca ou nenhuma bagagem de conhecimento em Educação Ambiental..." (aquela
da qual s participamos) e, como práticas nas quais ... os temas e a disciplina
ligados ao Ambiente são integrados às disciplinas tradicionais..." (HUTCHISON,
2000, p. 37). Para este autor ambas abordagens possuem a característica de tratar o
ambiente natural como algo exterior à vida do aluno e, por isto, não suscita nele
envolvimento e sensibilização.
O fato de a Educação Ambiental ter sido inserida no cerio educacional por
meio de propostas e programas (a partir da Conferência de Estolcomo, 1972), sem
maiores questionamentos, sobretudo quanto aos seus pressupostos tricos
(RAMOS, 2001, p. 202) proporcionou que uma grande quantidade de práticas
voltadas à questão ambiental fosse desenvolvida nas escolas, sem que os
fundamentos da crise ambiental fossem suficientemente conhecidos e debatidos
pelos professores.
5
A leitura de autores como Maturana e Varela (1995) nos remete a um ponto
interessante da discussão concernente à crise ambiental. Segundo estes autores, o
Homem tem percorrido historicamente um caminho voltado à tentativa de se
diferenciar da Natureza e, a fixação no objetivo de encontrar o traço que
caracterizaria sua especificidade diante de todos os demais animais, reforçou uma
visão antropocêntrica de mundo, causando o desconhecimento do Homem pelo
Homem e, consequentemente, desencadeando um processo de auto-extinção
(MATURANA; VARELA, 1995, 13-27).
Apesar desta relação entre a forma de conhecimento que o Homem tem da
Natureza com sua postura diante da mesma não ter sido discutida conosco em
nenhuma das escolas em que atuamos como professores (participantes de
encaminhamentos de Educação Ambiental), ela é evidenciada por vários autores
(HUTCHISON, 2000, p. 30; REIGOTA, 1994, p. 11; LEFF, 2002, p. 19) como um dos
pontos decisivos para a superação da atual crise ambiental. Leff, por exemplo afirma
que o risco ecológico questiona o conhecimento do mundo e que a crise ambiental
é também a crise do pensamento ocidental” (2002, p. 191).
Já Gonçalves explicando que toda sociedade, toda cultura cria, inventa,
institui uma determinada idéia do que seja natureza e com ela constitui um dos
pilares por meio dos quais os homens erguem as suas relações sociais, sua
produção material e espiritual, enfim a sua cultura (GOALVES, 1989, p. 23)
argumenta que a expressão dominar a natureza só tem sentido a partir da premissa
de que o homem é não-natureza (GOALVES, 1989, p. 26).
Dessa forma, ao se procurar entender uma proposta de formação humana
que se pretenda configurar como Educação Ambiental, é imprescindível explorar,
além de suas práticas, que concepção de Homem e Natureza a fundamenta.
6
Quando, (no último ano de Pedagogia) ao desenvolvermos uma pesquisa
para a disciplina Fundamentos da Educação Infantil
6
, tivemos nosso primeiro contato
com uma escola que segue a Pedagogia Waldorf, observamos nela algumas
práticas que, à primeira vista, consideramos contributivas ao estreitamento da
relação de seus alunos com o restante da Natureza, como por exemplo o fato de
não se encontrar brinquedos industrializados ou de materiais sintéticos na instituição
com a intencionalidade de promover o contato das crianças com objetos que contêm
as energias da Natureza.
O conhecimento da opinião de alguns autores contemporâneos que se
dedicam à Educação Ambiental (como Hutchison (2000) e Gadotti (2000)) sobre a
Pedagogia Waldorf, reforçou nossas impressões iniciais sobre tais elementos,
intensificando nosso interesse em pesquisá-la. Hutchison, por exemplo, além de
ressaltar a utilização de materiais naturais nas escolas Waldorf como uma estratégia
interessante para renovar os vínculos das crianças com o mundo natural
(HUTCHISON, 2000, p. 138), afirma que:
(...), as abordagens de Montessori e Waldorf estão integradas, como
a maior parte das tradições holísticas, no sentido de prestar atenção
aos detalhes necessários para o entendimento da criança sob uma
perspectiva desenvolvimental e, cada vez mais, dentro do contexto
de uma visão ecológica de mundo. (HUTCHISON, 2000, p. 61)
A aproximação com leituras mais específicas de ou sobre Rudolf Steiner
(autor da Pedagogia Waldorf), nos proporcionou o conhecimento de que uma das
maiores influências de seu trabalho foi a cosmovisão de Goethe que, segundo Capra
6
Tal disciplina era ministrada pela Professora Sonia Buck (Orientadora desta Dissertação) e
explorava as obras de diversos pensadores que contribuíram para o desenvolvimento da Educação
Infantil como Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Maria Montessori, Freinet, Rudolf Steiner, Vygotsky,
Piaget, entre outros.
7
(1996, p. 35), formulou a concepção que está na linha de frente do pensamento
sistêmico contemporâneo.
Rudolf Steiner
7
foi Doutor em Filosofia, e constituiu uma obra com mais de
350 volumes, sobre assuntos variados, que incluem desde livros escritos a próprio
punho até transcrições de algumas das mais de 6000 palestras que proferiu em
várias partes da Europa (SOCIEDADE ANTROPOSÓFICA BRASILEIRA, 2005).
Nas últimas três cadas de sua vida, Steiner se dedicou ao desenvolvimento
de um caminho de conhecimento (que ele considerava como uma Ciência mais
ampla que a Ciência Natural) voltado ao conhecimento do Homem, da Natureza e do
Universo, à qual deu o nome de Antroposofia.
Um dos princípios centrais da Antroposofia é conceber o Homem e o restante
da Natureza como dotados de composições físicas e espirituais. Nela entende-se o
âmbito espiritual como uma realidade (tão cognoscível como a material e sobre a
qual a maior parte da humanidade ainda o tomou consciência), que interfere
continuamente no mundo sensório e, em contrapartida, recebe influências deste.
A partir da década de 1910, Steiner passou a publicar orientações específicas
para várias áreas do conhecimento a partir da Antroposofia. As áreas mais
profundamente contempladas por ele foram a Medicina, a Agricultura, a Economia, a
Arquitetura, a Farmacologia
8
, a Arte e a Educação.
Na área da Educação, Steiner fundamentou a Pedagogia Waldorf, que
recebeu este nome em referência ao contexto em que a primeira escola de
7
Rudolf Steiner nasceu em 1861, em Kraljevec, antiga região austro-húngara, atual território da
Crcia - e faleceu em 1925 em Donarch – Sça.
8
As aplicações da Antroposofia à Farmacologia deram origem ao Instituto Weleda, importante
produtor de remédios fitoterápticos (produzidos, muitas vezes, com vegetais orgânicos) que,
recentemente, instalou filial no Brasil.
8
orientação antroposófica foi fundada: uma fábrica de cigarros
9
chamada Waldorf-
Astória que oferecia escolarização aos filhos de seus funciorios. Este evento se
sucedeu em 1919 em Stuttgart, Alemanha, e com ele toda a estrutura da escola
mantida pela fábrica Waldorf-Astória foi modificada de acordo com as orientações de
Rudolf Steiner.
Hoje, em todo o mundo, mais de 800 escolas Waldorf de Ensino
Fundamental (SOCIEDADE ANTROPOSÓFICA BRASILEIRA, 2005), sendo que
uma delas encontra-se em Curitiba
10
.
Considerando os fatores apresentados acima, nossa questão fundamental foi:
Como a relação entre Homem e Natureza foi concebida por Rudolf Steiner e como
isso se reflete no trabalho dos professores formados para as escolas Waldorf e na
concepção dos alunos destas escolas?
Com a visão analítica desta questão, objetivamos discutir os fundamentos
tricos vinculados à relação entre Homem e Natureza presentes em parte da obra
de Rudolf Steiner, identificar como são algumas das atuações dos Professores
Waldorf que se vinculam à relação entre Homem e Natureza e entender como os
alunos Waldorf de segunda e terceira séries do Ensino Fundamental de uma
determinada escola Waldorf percebem e se relacionam com a Natureza.
9
Não devemos pensar que Steiner fosse simpático ao tabagismo por ter fundado sua primeira escola
para os filhos dos funcionários de uma fábrica de cigarros. Steiner era bastante interessado pelas
questões educacionais, crítico de algumas teorias pedagógicas de sua época e aceitou o convite de
um amigo (Emil Molt) para fundar esta escola que, coincidentemente, era a escola de uma fábrica de
cigarros. Entretanto, conhecendo os fundamentos e a prática da Pedagogia Waldorf veremos que ela
é avessa à qualquer tipo de consumo vicioso e que não esteja ligado ao provimento da sde do
corpo por meio das energias da Natureza.
10
Devemos esclarecer que, devido a acelerada proliferação de escolas Waldorf de Educação Infantil
no mundo, a Sociedade Antroposófica Brasileira (evitando a veiculação de dados desatualizados) não
apresenta em seu site a contagem destas escolas. Em Curitiba três escolas Waldorf que atendem
à Educação Infantil, sendo que uma delas (que acima citamos) atende tamm às primeiras séries do
Ensino Fundamental.
9
A base filosófica que consideramos mais coerente para abordarmos a
cosmovisão de Steiner foi idealismo objetivo, que nos permite considerar a
materialidade a partir de uma idéia espiritual
11
e tomar o mundo como cognoscível,
admitido, entretanto, que os meios de conhecimento não são perfeitos
12
.
O universo formado pela tríade Educação, Saúde e Trabalho mostra-se
privilegiado para discussões concernentes às questões ambientais (BUCK; MARIN,
2005, p. 205). Educação, sendo campo de reprodução e/ou transformação de
valores e características da sociedade de produção e consumo (ou seja, do mundo
do Trabalho), e Saúde por ser diretamente afetada pelas metas e pelos modelos
inadequados de uso de bens naturais (BUCK; MARIN, 2005, p. 205).
Tal pesquisa pretende contribuir para o enriquecimento da discussão em
torno de possibilidades de formação humana que transformem as atuais dinâmicas
de relação entre Homem e Natureza, trazendo à tona conhecimentos específicos de
um contexto educacional alternativo e ainda pouco explorado pela pesquisa em
Educação Ambiental.
A apresentação dos pontos que consideramos fundamentais na parcela da
obra de Steiner à qual tivemos acesso, sobretudo a respeito da Educação e da
relação entre Homem e Natureza, exploraremos em dois capítulos que intitulamos:
O conhecimento antroposófico e Pedagogia Waldorf: a Educação antroposófica.
No primeiro capítulo estudaremos alguns dos princípios fundamentais da
Antroposofia, a inflncia da cosmovisão de Goethe sobre a obra de Steiner, a visão
antroposófica de ser humano e, mais especificamente, as fases de
11
Steiner defende que existe uma relação entre o material e o espiritual na determinação da
realidade.
12
Para Steiner a empiria é relativa ao indivíduo. Assim como existem pessoas que não podem ver o
mundo sensível, há outras para as quais o mundo supra-sensível es disponível empiricamente.
10
desenvolvimento que abarcam a primeira e a segunda infância segundo a
Antroposofia.
No segundo capítulo exploraremos alguns dos fundamentos metodológicos
delineados por Steiner para a Educação, relatando nossas principais constatações a
respeito destes na vivência com a prática da Pedagogia Waldorf. No capítulo
subseqüente explanaremos sobre a Pesquisa de Campo no interior de uma escola
Waldorf e, no último capítulo, apresentaremos e discutiremos nossos resultados.
11
2. O CONHECIMENTO ANTROPOSÓFICO
Constatamos, pois a seguinte verdade: quem
investiga a essência do espírito só poderá aprender
muito das Ciências Naturais. Basta imitá-las, mas
sem deixar-se enganar por aquilo que alguns de
seus adeptos lhe querem prescrever. Tal como as
ciências pesquisam no campo sico, assim ele
deverá fazê-lo no campo espiritual sem, todavia,
adotar as opiniões que elas formaram a respeito
desse último, obcecadas em pensar sobre o
puramente sico.
Rudolf Steiner (1996c, p. 16)
O entendimento da essência da Antroposofia é imprescindível para
compreensão da Pedagogia Waldorf, que dela derivou. Pretendemos descrever as
principais características da Antroposofia, a partir da leitura do próprio Rudolf
Steiner, entretanto, ultrapassa nosso objetivo construir juízos a respeito de sua
verossimilhança.
Rudolf Steiner (o criador da Antroposofia) passou sua primeira infância
convivendo intimamente com o meio natural e com o desenvolvimento tecnológico.
Sua família vivia no edifício da estação ferroviária de Pottshach (onde seu pai
trabalhava como telegrafista) entremeio a um montanhoso paraíso silvestre, na baixa
Áustria (SOCIEDADE ANTROPOFICA BRASILEIRA, 2005; HEMLEBEN, 1984, p.
13).
Na Europa em transição s Revolução Industrial (do final do século XIX),
Steiner conviveu com o colapso das velhas maneiras de viver, enraizadas na era
pré-industrial” e com o tremendo crescimento da capacidade técnica que segundo
Russell (2001, p. 411) afetaram o clima intelectual daquele tempo. Se por um lado
Steiner não era muito adepto ao estilo de vida alimentado pelo desenvolvimento
12
industrial, por outro considerava este movimento como necessário para o
desenvolvimento espiritual da humanidade (STEINER, 2002a, p. 23).
Na época da Primeira Guerra Mundial (1914-1919), que envolveu todas as
grandes potências, e na verdade todos os Estados europeus, com exceção da
Espanha, os Países Baixos, (...) e a Suíça (HOBSBAWM, 1995, p. 31, grifo do
autor) Steiner residia em Dornach (uma pequena cidade Suíça) e trabalhava na
construção da sede de sua sociedade
13
, que portanto não precisou ser adiada em
função da guerra (HEMLEBEN, 1984, p. 111).
Os impactos que a guerra lhe trouxe foram mais de ordem política e moral.
Dornach se encontra em um ponto da Suíça bastante próximo tanto da Alemanha
como da França (oponentes durante a Primeira Guerra Mundial). A simpatia que
Steiner revelava ter em relação à nação Alemã (que acreditava ter uma missão
espiritual em relação ao mundo) causou-lhe pressões por parte de suas relações
francesas (HEMLEBEN, 1984, p. 120). Por outro lado, sua ligação com o ocultismo
14
e sua amizade com o chefe do Estado-Maior alemão, lhe trouxeram uma situação
insólita. Segundo Hemleben (1984, p. 119), às vésperas de uma derrota alemã (que
se desdobrou na derrota geral desta nação) Steiner teria se encontrado com este
militar para ministrar conselhos de ordem pessoal. O conhecimento deste encontro
na sociedade alemã provocou o surgimento de boatos que acusavam Steiner de ter
influenciado o curso da guerra (de forma negativa para a Alemanha).
13
O Goetheanum (ver Figura 9) como era chamada esta edificação, se configurou como uma obra
arquitetônica revolucionária para a época, foi totalmente feita em madeira, tinha o interior
praticamente todo esculpido e demorou dez anos para ser conclda. Em sua construção Steiner
contou com a colaboração de artistas, arquitetos, engenheiros, e outros profissionais de várias partes
mundo (GLASS, 2000, p. 10).
14
Da-se o adjetivo ocultista àqueles que se dedicam ao ocultismo. O ocultismo é definido como
“ciência das coisas ocultas (DICIONÁRIO PRIBERAM DE LÍNGUA PORTUGUESA, 2005), ou seja,
ciência que procura estudar elementos fenômenos naturais inexplicáveis do ponto de vista da Ciência
Natural.
13
Para completar este sucinto panorama do contexto histórico em que Steiner
(1961-1925) se insere, devemos lembrar que no período que vai de meados do
século XIX ao início do século XX: no âmbito das ciências naturais Darwin (1809-
1882) consolida o princípio da seleção natural e a noção da luta pela existência,
levando pela primeira vez a hitese evolucionista para arena da discussão pública
(RUSSELL, 2001, p. 386) e a teoria de Gregor Mendel (1822-1884) é
redescoberta
15
, fornecendo as bases teóricas para a genética moderna; no âmbito
sócio-econômico a expansão do capitalismo e a crescente exploração do trabalho
impulsionam a reflexão sobre novos modelos de organização social, culminando nas
iniciativas de Robert Owen (1771-1858) e na obra de Karl Marx (1818-1883)
16
(RUSSELL, 2001, p. 388); e, no âmbito religioso, o Pedagogo Allan Kardec (1804-
1869) fundamenta a doutrina espírita, iniciando uma religião que afirma basear-se na
razão (FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA, 2005)
17
.
Ao longo de sua vida Steiner estudou as obras de uma grande diversidade de
pensadores pré-socráticos, da Escola Socrática e do Idealismo alemão (Fichte
(1762-1814), Schelling (1775-1854), Hegel (1770-1831), Kant (1724-1804),
(HEMEBLEN, 1984, p. 26)), travando conhecimento, ainda, com as obras de vários
de seus contemporâneos. Se entre estes destacamos alguns, sobre os quais
15
Mendel o teve reconhecimento por suas descobertas em vida. Sua obra, publicada, ficou inerte
durante 34 anos e só ganhou repercussão a partir de 1900, 16 após sua morte.
16
Steiner faz menções sobre estes dois autores no livro Economia e Sociedade: à luz da Ciência
Espiritual (STEINER, 2003c), demonstrando admiração por Owen (a quem, entretanto considerava
ingênuo) e desaprovando a proposta de Karl Marx.
17
Apesar de concordar com os princípios gerais do espiritismo (existência de vida após a morte,
reencarnação, possibilidade de conhecer o mundo espiritual) Steiner não era adepto desta religião
(WILSON, 1988, p. 9). Suas pesquisas, ao que ele afirmava, não se baseavam na comunicação com
esritos desencarnados (que afirmava ser possível) mas em seu próprio exercício racional sobre
observações supra-sensíveis.
14
encontramos considerações na obra de Steiner, temos Darwin, Haeckel (1834-1919)
Pasteur (1822-1895), Nietzche (1844-1900), Mendel, Marx e Freud (1856-1939)
18
.
Uma das maiores influências de Steiner foi a obra de Goethe (1749-1832),
com a qual teve o primeiro contato no início da cada de 1880. À relação de sua
obra com a deste autor dedicaremos todo o capítulo ulterior.
Já a leitura da obra de Immanuel Kant (1724-1804) proporcionou a Steiner o
amadurecimento de suas próprias idéias e estimulou duas de suas primeiras
produções independentes da obra de Goethe: Verdade e Ciência: prelúdio à
Filosofia da Liberdade (1892) e Filosofia da Liberdade (1894) que trazem
explicações sobre a teoria de Steiner a partir da crítica da teoria kantiana.
Uma das contradições mais significativas entre as teorias de Kant e de
Steiner situa-se no critério formulado por Kant para que um conhecimento seja
considerado como científico (KANT, 1996). Este critério contém duas necessidades:
que este conhecimento possa ser formulado a priori, ou seja, que o dependa de
nenhuma experiência sensível particular para ser deduzido (sendo necessário e
universal), e que, ao mesmo tempo, ele esteja ligado ao mundo perceptível no
sentido de mostrar as condições a priori da experiência possível em geral, como
condições de possibilidade dos objetos da experiência (CHAUÍ, 1996, p. 10, grifo do
autor).
O problema de Steiner com este critério é que, em sua concepção, alguns
objetos de conhecimento (os espirituais) não seriam objetos da experiência
sensível” à qual Kant se referia (relacionada aos sentidos físicos) e, mesmo assim, o
desenvolvimento do conhecimento destes objetos era considerado por Steiner como
18
Com Haeckel e Nietzche, Steiner trocou correspondências e esteve pessoalmente (HEMLEBEN,
1984).
15
científico (porque seriam sensíveis e conscientes para algumas pessoas). Ao
introduzir uma palestra sobre como atua o carma
19
, Steiner argumenta:
Posso imaginar que existam muitos acreditando estarem no topo do
cientismo, vindo a achar as explicações seguintes sem qualquer
rigor científico. Posso entende-los, por saber que a esta objeção
necessariamente é impelido quem não tem experiências no campo
supra-sensível e, ao mesmo tempo, não possui a necessária reserva
e modéstia para admitir que ainda poderia aprender alguma coisa.
Pelo menos uma única coisa essas pessoas não deveriam dizer: que
os acontecimentos aqui apresentados contrariam a razão e que
com a razão não podemos comprova-los. A razão nada pode fazer
além de combinar e sistematizar fatos. Fatos pode podem [sic] ser
vivenciados, mas o atestados com a razão. Com a razão
tampouco podemos atestar uma baleia. Ou esta deve ser vista ou,
então, descrita por alguém que a viu. Assim tamm ocorre com os
fatos transcendentais. Se ainda não estivermos tão avançados para
vê-los por nós mesmos, algm nos deverá descrevê-los. Eu posso
assegurar a todos que os fatos transcendentais que descreverei a
seguir o, para quem cujo sentido superior está desenvolvido, tão
objetivos quanto a baleia. (STEINER, 1994b, p. 8, grifo do autor)
Ainda segundo Steiner:
Assim como o cego, embora se encontre no meio de cores e de luz,
não as pode perceber por falta de um órgão adequado, a Ciência
Espiritual ensina que existem muitos mundos ao redor do homem, e
que este poderá perce-lo se, para tal, desenvolver os órgãos
necessários. (STEINER, 1996a, p. 14)
Dessa forma, o mundo espiritual seria para ele (Steiner) tão empírico quanto a
uma obra pictórica é para um vidente, e tão estranho à quem não possui supra-
sentidos quanto esta mesma obra o é para um cego.
19
A palavra carma deve ser aqui entendida como a lei natural, de causa e efeito, que integra as
várias encarnações de um indivíduo (ou a relação deste com outras pessoas através de várias
encarnações). A respeito disto Steiner diz o seguinte: “(...) tudo quanto me é possível fazer e faço em
minha vida presente não acontece por si, isoladamente, como que por milagre, mas está, como efeito,
relacionado com as existências anteriores de minha alma e, como causa, com as posteriores”
(STEINER, 1996d, p. 30).
16
Se a cegueira, por sua vez é detectada empiricamente pelos sentidos físicos
(se diferenciando, por isso dos supra-sentidos que Steiner afirmava ter) devemos
lembrar que esta empiria também só é possível para aqueles que enxergam, pois,
para a própria pessoa que nasce sem a visão, a princípio não há nada lhe faltando,
e quando ela chega a se dar conta de que é privada de um sentido físico presente
na maioria das pessoas, isto se dá por meio da comunicação com pessoas videntes
e não por constatação própria.
Não obstante é preciso assinalar que a divergência de Steiner em relação à Kant
não é total. Steiner demonstra grande admiração por Kant, considerando-o um dos
grandes pensadores alemães. Além disso, encontramos em suas obras, vários
pontos de concordância
20
, declarados ou não, com este autor.
Naquele primeiro livro dedicado à crítica do pensamento gnosiológico de Kant
(STEINER, 1985) há uma declaração de Steiner expressando o desejo de que seus
pensamentos passassem, a partir daquela obra, a serem reconhecidos como
independentes da cosmovisão goethiana (STEINER, 1985, p. 11), estabelecendo um
marco no processo de amadurecimento de sua teoria. Oito anos mais tarde (em
1900) Steiner passa a utilizar a palavra Antroposofia para designar a natureza dos
estudos que divulga no contexto da Sociedade Teosófica (em Berlim), onde atua
como conferencista de 1900 à 1913. Esta sociedade, fundada por Helena Blavatsky
(e existente até hoje
21
), dedica-se a fazer exposições sobre conhecimentos
espirituais baseados em um grande número de filosofias religiosas. Steiner, que
20
Como falaremos mais adiante, Steiner considera, assim como Kant, que o Homem possui
temperamentos que influenciam sua maneira de lidar com estímulos exteriores. Além disso, apesar
de considerar, ao contrário de Kant, que a moralidade é guiada pela vontade e não pela razão,
Steiner se mostra muitas vezes kantiano, quando fala sobre este assunto, sobretudo quando
defende a moralidade como fruto do amor ao dever e quando percebe a necessidade moral como um
bem em si mesmo e não relativo ao efeito que causa no porvir.
21
Site da sociedade teosófica em português: www. teosofia.com.br.
17
nesta época já é Doutor em Filosofia, afirma expor, neste contexto, apenas os
resultados de sua própria observação investigadora. Após o rompimento com esta
sociedade, por divergências com sua presidente, Annie Besant (1847-1933), Steiner
funda sua própria sociedade, à qual dá o nome de Sociedade Antroposófica.
Etimologicamente, a palavra Antroposofia vem do grego e significa
conhecimento do ser humano, algo que para Steiner envolve o conhecimento da
Natureza e do Universo.
A Antroposofia parte da convião de Rudolf Steiner de que a realidade é constituída
de elementos físicos, anímicos
22
e espirituais (interativos e interdependentes) que
podem ser estudados cientificamente. A defesa deste autor a este respeito provém
de sua afirmada clarividência, ou seja, da capacidade que ele assegurava ter
desde a infância de ter percepções empíricas no âmbito espiritual
23
.
Dessa forma, a Antroposofia se anuncia como uma Ciência que, comparada a
Ciência Natural, é mais abrangente, pois enquanto esta só admitiria a existência da
realidade material e se proporia, tão somente, ao estudo do que pode ser obtido
pelos sentidos físicos ou inferido por meio destes (HEMPEL, 1966), aquela afirmaria
que o universo material é apenas uma das esferas que compõe a realidade e se
ocuparia, também, do estudo do âmbito espiritual, que seria obtido por meio de
supra-sentidos (ou sentidos superiores)
24
. Steiner também utiliza os termos Ciência
Espiritual e Ciência Oculta para designar a Antroposofia, tendo nestas expressões
22
Em Steiner esrito e alma se diferenciam. Amico refere-se à alma (do latim anima), parte
imaterial do ser que anima o corpo sico. Tanto os homens quanto os animais m alma mas apenas
o primeiro tem um esrito. A alma seria responsável pela sensibilidade, pela interação com o que é
externo e, no Homem espelha a auto-consciência (consciência de si mesmo) que é artefato do
esrito.
23
Esta argumentação é comum a grande parte das linhas de conhecimento ligadas ao ocultismo
(Rosacruz, Espiritismo, entre outras), grande parte destas linhas são consideradas como doutrinas
religiosas, mas negam esta consideração.
18
uma antítese da Ciência Natural (STEINER, 1998a , p. 28), no sentido que,
enquanto a Ciência Natural se concentra naquilo que é naturalmente dado aos
sentidos, a Antroposofia se dirigiria ao estudo daquilo que os sentidos físicos não
podem obter (por isso Ciência Oculta) e que é captado apenas por sentidos
espirituais (da onde vem a expressão Ciência Espiritual).
A Antroposofia, não se identifica totalmente com o Materialismo nem
tampouco com o Espiritualismo, ambos como formas unilaterais de conceber a
realidade
25
.
Se entendermos o Materialismo como forma de conceber a realidade que
considera que as existências metafísicas (como o pensamento) derivam de
existências puramente físicas (essencialmente mecânicas) e que, portanto, defende
que a matéria precede o espírito (ARANHA; MARTINS, 1986, p. 429), faz-se clara
sua incompatibilidade com o pensamento antroposófico. Não obstante, se
concebemos o Espiritualismo como uma doutrina filosófica que afirma a imortalidade
do princípio espiritual, considerando que este antecede e define a matéria (sendo
distinto e independente dela), vemos que sua divergência com a Antroposofia é mais
sutil.
A Antroposofia tem uma linha de pensamento baseada na espiritualidade e
também considera que o espírito é eterno, entretanto, a matéria, em seu contexto,
não poderia ser considerada como distinta do espírito da mesma forma que no
Espiritualismo, já que, na visão antroposófica, a matéria é espírito condensado. Além
24
A esfera anímica da realidade estaria no meio termo entre estas duas formas de Ciência, sendo
estudada tanto pela Antroposofia quanto pela Ciência Natural (por exemplo na Psicologia), porém
com mais limitações nesta segunda.
25
Partindo-se do pressuposto de que a realidade é constituída de duas esferas (interdependentes e
interativas), uma material e outra espiritual, conclui-se que qualquer teoria que desconsidere (ou
subestime) uma destas esferas esteja se prendendo à apenas um dos lados da realidade. Portanto
poderia ser designada como unilateral.
19
disso, a Antroposofia defende que as influências entre espírito e matéria não são
unidirecionais, ocorrendo mutuamente.
É importante, ainda, ressaltar que a espiritualidade antroposófica não deve
ser confundida com religiosidade. Segundo Grof
26
(2000, p. 204 apud MENEZES,
2001, p.) :
A Espiritualidade se baseia em experiências diretas do indivíduo com
aspectos e dimensões não-comuns da realidade. Envolve uma forma
de relação, pessoal e particular, entre o indivíduo e o cosmos. (...) Já
a Religião organizada representa uma atividade de um grupo
institucionalizado, reunido por uma determinada afinidade; envolve,
na maioria das vezes, um sistema hierárquico e uma estrutura de
funcionamento; necessita de um local como referência para a prática
religiosa, como um templo ou igreja.
No decorrer da história Steiner chegou a ser estimulado, por um grupo de
admiradores da Antroposofia, a fundar uma religião baseada nos princípios
antroposóficos. Não sendo adepto à idéia, Steiner apenas não a desautorizou, mas
chegou a declarar que o ideal seria que cada antropósofo seguisse sua própria
orientação religiosa.
Steiner reconhecia a importância e relevância da Ciência Natural, salientando
que a Antroposofia não se opõe
27
a ela. A esse respeito ele defendia:
O que importa é ressaltar a circunstância de a Ciência Espiritual
possuir o mesmo caráter da Ciência Natural. O antropósofo apenas
completa, na esfera da alma, o que o cientista natural procura obter
com o auxílio do que pode ver com os olhos e ouvir com os ouvidos.
Entre a legítima investigação natural e a Ciência Espiritual o há
26
GROF, Stanislav. Psicologia do futuro: lições das pesquisas modernas de consciência. Niterói,
RJ: Heresis, 2000.
27
A fundação de uma Ciência Espiritual contém uma oposição intrínseca à Ciência Natural, já que
esta nasce da negação de uma realidade espiritual não derivada da própria matéria. Não obstante,
Steiner acreditava que fazendo experimentos na realidade material baseados nos sentidos físicos, a
Ciência Natural teria a potencialidade de obter verdades a respeito da realidade material e, portanto
deveria ser respeitada neste âmbito como meio letimo de conhecimento.
20
nem pode haver contradição alguma. (STEINER, 1996d, p. 9, grifo do
autor)
A respeito do método antroposófico, Steiner afirma tê-lo apreendido
totalmente da Ciência Natural (STEINER, 1998, p. 33). Se por um lado esta
afirmação causa estranheza do ponto de vista da própria Ciência Natural,
lembramos que Steiner declarava possuir a capacidade de ter experiências
empíricas no âmbito espiritual, o que, pelo menos, exclui uma contradição interna. A
possibilidade de comprovação, não obstante, viria apenas com o desenvolvimento
de supra-sentidos no restante dos estudiosos. Em relação a este aspecto, é
importante ressaltar que, na concepção de Steiner, todo o ser humano possui supra-
sentidos, porém, estes se encontrariam latentes ou em atividade inconsciente na
maioria dos indivíduos. O desenvolvimento da clarividência poderia se dar
naturalmente, pelo desenvolvimento espiritual ou, através da iniciativa do próprio
indivíduo.
Em seu livro O conhecimento dos Mundos Superiores (STEINER, 1983),
Steiner revela um caminho possível para a iniciação
28
, detalhando um processo
que o indivíduo, interessado em vislumbrar o mundo imaterial, deveria seguir para
desenvolver seus órgãos supra-sensíveis.
Apesar de se esforçar para compartilhar seus meios de pesquisa com as
demais pessoas, Steiner tinha visibilidade de que suas produções eram polêmicas e
de que a tendência de seus antípodas seria de lhe criticar mesmo sem tentar seguir
suas orientações metodológicas.
Para este impasse, um argumento de Steiner era que:
28
Como iniciação podemos entender o aprofundamento, até certo grau, em uma disciplina oculta
(STEINER, 1983, p. 33). Steiner como clarividente e estudioso do âmbito espiritual seria um iniciado.
21
A ninguém pode ser negado o direito de o se interessar pelo
mundo supra-sensível; mas jamais poderá haver qualquer
fundamento para o fato de alguém se julgar apto a emitir juízos o
apenas sobre o que ele é capaz de saber, mas tamm sobre tudo o
que um ser humanonão é capaz de saber (STEINER, 1998a, p. 38,
grifos do autor).
Para lidar com as exigências dos postulados científicos, Steiner declarou
conservar o lema de dizer ou escrever, no âmbito da Ciência Espiritual, somente
aquilo a cujo respeito também soubesse falar, satisfatoriamente, no sentido da
ciência corrente (STEINER, 1998a, p.13).
Apesar de não se opor à Ciência Natural (no sentido de que reconhecia sua
capacidade de obter estudos legítimos) a convivência de Steiner com seus adeptos
o era pacífica. Ele comenta ser freqüentemente citado (com críticas) por seus
contemporâneos
29
e permeia, abundantemente, seus textos com argumentos de
defesa à sua teoria ou contra-críticas como a que segue (STEINER, 1996a, p. 13):
Nunca se insistirá o bastante sobre essa diferença entre a Ciência
Espiritual e a ciência corrente em nossa época. Esta última considera
a experiência sensorial como base de todo conhecimento, julgando
incognoscível tudo o que não se fundamente em tal base. Ela tira
suas conclusões e deduções das impressões sensoriais, declinando
tudo o que a estas transcendem, sob a alegação de que
ultrapassaria os limites do conhecimento humano. Para a Ciência
Espiritual, semelhante atitude se iguala à de um cego que só
quisesse admitir o que pudesse ser apalpado ou deduzido
logicamente de sensações táteis, rejeitando como transcendentes à
capacidade cognitiva humana os relatos de um indivíduo dotado de
visão.
Na obra Economia e Sociedade: à luz da Ciência Espiritual (STEINER, 2003c),
Steiner acaba insistindo tanto em sua defesa da pertinência das pesquisas
antroposóficas para a questão social, que acaba deixando o tema da palestra
Outros pensadores são considerados por Steiner como iniciados, como Platão, Plutarco, Heráclito e
até o próprio Goethe.
29
Geralmente as considerações de Steiner sobre aqueles que refutavam suas teorias não vêm
seguidas de nomes, portanto, não podemos identificar a quem ele se referia.
22
suprimido. Tal fato nos demonstra o quanto conflituosa era sua relação com o meio
em que se empenhava para ser reconhecido (o meio científico). De forma diferente,
Steiner também era criticado no meio ocultista, sua proposta de esclarecer e divulgar
conhecimentos considerados, por grande parte desta linha de pensadores, como
secretos e reservados, tão somente, a iniciados, trouxe-lhe sérios problemas
também com este grupo.
Estas desavenças chegaram a se aprofundar tanto que ao final do ano de
1922, a sede da sociedade antroposófica foi destruída por um incêndio provocado
por ativistas
30
contrários ao trabalho de Steiner.
Durante a Segunda Guerra Mundial também o nazismo perseguiu e queimou
as obras de Steiner. A igualdade humana defendida pela Antroposofia era avessa à
ideologia defendida pelo grupo comandado por Hitler. Nesta ocasião, também as
escolas Waldorf de grande parte da Europa foram fechadas e os antrosofos
perseguidos.
Para encerrar nossas considerações neste capítulo, gostaríamos de lembrar
que a história da ciência já nos demonstrou que muitas teorias consideradas
absurdas no período em que surgem, podem se revelar verossímeis com o passar
dos anos. Assim como afirma Kuhn (1982) em A estrutura das revoluções científicas,
o sistema científico (formado por pessoas, com histórias de vida baseadas nas
verdades de sua época) é relutante a inovações.
A informação (de que a terra girava em torno do sol e não o contrário) que
Galileu precisou negar diante da inquisição para conservar a própria vida, poderia
parecer bastante subjetiva aos olhos dos estudiosos daquela época que o
possuíam telescópios. Afinal, é o sol que nasce de um lado da Terra e se põe do
outro todos os dias. Não obstante, esta mesma informação tornou-se verdade
23
objetiva ao passo que os instrumentos que Galileu tinha à sua disposição foram
sendo desenvolvidos e socializados.
Nossa posição, como cientistas, deve ser sempre o de perseguir a
verosimilhança e fugir do dogma. Mesmo que este dogma seja os ranços da própria
ciência.
2.1. GOETHE EM STEINER: IDÉIAS SOBRE A NATUREZA
Em Goethe, o importa se os resultados de suas
pesquisas científicas correspondem ora mais ora
menos ao progresso da atual Ciência, e sim
unicamente como ele abordava os problemas.
Rudolf Steiner (1998, p. 10)
Em causalidade da dificuldade de encontrar as obras científico-naturais de
Goethe traduzidas para o portugs, teremos que desenvolver este capítulo
baseando-nos na visão de Steiner e de Lanz
31
sobre este pensador. As obras
literárias e sobre o estudo cromático de Goethe são abundantemente traduzidas e
divulgadas no Brasil, contudo, daquelas obras de interesse direto para s só
encontramos A metamorfose das plantas (GOETHE, 198-). Não obstante
consideramos que tal condição não diminuiria o interesse deste capítulo para nosso
estudo, pois, além de Steiner ser um expoente no estudo de Goethe, ele é o foco
30
Não encontramos registros sobre quem seriam estes ativistas.
31
Rudolf Lanz (1915-1998) nasceu na Hungria a imigrou para o Brasil em 1940. Estudioso de
Antroposofia desde o ano da imigração, Lanz foi co-fundador da Escola Higienópolis (1956 São
Paulo), hoje Escola Waldorf Rudolf Steiner, presidente da Associação Pedagógica Rudolf Steiner de
1959 a 1981, idealizador e um dos fundadores da Editora Antroposófica e presidente da Sociedade
Antroposófica no Brasil, da qual foi um dos fundadores em 1982 (SOCIEDADE ANTROPOSÓFICA
BRASILEIRA, 2005). Dedicou-se à tradução de várias obras de Steiner para o português e escreveu
algumas obras nas quais se encontram explicações sobre a Antroposofia.
24
principal de nossa pesquisa e, ainda que haja alguma interpretação subjetiva em sua
exposição da obra goethiana, ela seria o alicerce da influência que tentaremos
articular.
Para iniciar, é importante dizer que Rudolf Steiner tinha apenas 22 anos e
freqüentava Escola Técnica em Viena, quando foi convidado - por indicação de seu
professor de literatura alemã (Karl J. Schröer) - a compor um grupo de eruditos
designados a reeditar as obras de Goethe na Deutsche Nationalliteratur (Literatura
Nacional Alemã) (HEMLEBEN, 1984, p. 41).
A Steiner, que desde 1879 vinha tendo contato com algumas das obras literárias de
Goethe por intermédio de Schröer (HEMLEBEN, 1984, p. 31), coube a reedição das
obras científico-naturais daquele autor
32
. Tal trabalho contribuiu para um significativo
esclarecimento das teorias botânicas e zoológicas de Goethe, que em sua época
não havia sido compreendido (HEMLEBEN, 1984, p. 41).
O desconforto de Goethe por não conseguir compartilhar suas iias com
pensadores da época pode ser percebido na seguinte frase contida dentre suas
máximas:
O que eu sei é aquilo que eu sei propriamente só para mim. Se falo a
algm do que eu suponho saber, logo julga saber melhor, e eu
deveria sempre e sempre recolher-me a mim mesmo com minha
ciência. (GOETHE, 1987, p. 67)
Goethe, mais conhecido por seu complexo de obras literárias, também
produziu na área da ciência dos reinos orgânicos", e - por muito tempo - empenhou-
se no desenvolvimento de uma perspectiva que proporcionasse uma concepção
32
A reedição das obras científico-naturais de Goethe resultou na obra Scientific writings (Escritos
Cienficos), publicada entre 1884 e 1897, em cinco volumes ainda o traduzidos para o português.
Uma compilação destas obras (também escrita por Steiner) foi publicada no mesmo período em
alemão e traduzida para o português pela Associação Pedagógica Rudolf Steiner (1980) e pela
Editora Antroposófica (1984) constituindo o livro A obra científica de Goethe (STEINER, 1984).
25
científica, sobre o âmbito orgânico, apta a captar o conceito de vida - algo que
considerava distante aos dois eixos de pensamento unilaterais com os quais se
deparou na primeira juventude (STEINER, 1984, p. 14). Steiner (1984, p. 14) conta
que:
Quando Goethe comou a cursar a Universidade de Leipzig, as
atividades científicas nela desenvolvidas ainda estavam dominadas
por uma mentalidade característica de grande parte do século XVIII,
e que se havia cindido entre dois extremos que ningm achava
necessário reunir. De um lado se achava a filosofia de Christian
Wolff
33
(1679 - 1745), que se movia num elemento totalmente
abstrato; de outro, os setores das diversas ciências que se perdiam
na descrição exterior de detalhes sem fim, carecendo de qualquer
impulso para procurar no mundo dos seus objetos um princípio
superior
34
.
Goethe, incomodado com a insuficiência de cada uma destas duas vertentes
tricas para explicar a complexidade de um ser vivo, transcendeu-as, criando um
caminho diferenciado para se produzir uma ciência do orgânico e, a partir daí, seguiu
com algumas descobertas isoladas como, por exemplo a do osso intermaxilar e
teoria da identidade de todos os órgãos dos vegetais com a folha-base (sobre as
quais falaremos mais adiante) (STEINER, 1984, p. 12). Todavia, para Steiner, o
olhar de Goethe para a Natureza é o que se sobressai em grau de importância sobre
todas as suas conseentes descobertas.
Na concepção de Goethe:
33
Christian Wolff foi um racionalista leibniziano e importante representante do iluminismo alemão.
Para o racionalismo a razão é a essência do real, o mundo teria uma ordem racional e todas as áreas
do conhecimento (Teologia, Metafísica, Ciências Naturais, etc.) deviam se submeter à razão.
34
Provavelmente se reporta à tendência mecanicista, desenvolvida as a Revolução Industrial
(século XVII, com importante contribuição de Descartes e Newton) e muito aplicada durante o século
XVIII às ciências da natureza e da sociedade humanas [sic] (CAPRA, 1982, p. 63). Segundo a
concepção mecanicista de mundo os organismos vivos nada mais seriam do que sistemas físico-
químicos complexos puramente mecânicos (HEMPEL, 1966, p. 129).
26
Não convinha que o homem abordasse a natureza com iias e
conceitos preconcebidos. Seu modo de contemplar os objetos do
mundo exterior devia derivar da essência dos próprios objetos e
deixar que a natureza lhe falasse. Ora, a contemplação mais
elementar nos revela que o mundo orgânico é regido por leis e
princípios diferentes daqueles do mundo inorgânico. Extrapolar as
leis deste para aquele, transformar a Biologia e a ciência dos reinos
orgânicos em mera Física e Química parecia a Goethe um sacrilégio.
Daí sua busca de um princípio biológico superior que o fosse
apenas um conceito excogitado pelo homem por um processo mental
normalista, mas sim uma realidade ao mesmo tempo sensorial em
suas manifestações concretas e supra-sensível como impulso
espiritual atuante na matéria. (LANZ, 1985, p. 28)
Segundo Russell (2001, p. 413), este pensamento de Goethe se coaduna
com um grande movimento ocorrido no início do século XIX sob os impactos do
romantismo. Neste movimento a atitude mental demonstrada pelos humanistas do
Renascimento que buscavam a ciência e a arte à luz de um único princípio foi
superada, dando lugar a uma “ruptura entre objetivos artísticos e científicos
(RUSSELL, 2001, p. 413). Para Russell, Goethe estaria tendo um surto romântico
quando defende que o método experimental não seria apto a descobrir os mistérios
encerrados na Natureza (2001, p. 413). Esta consideração de Russell demonstra o
quanto à visão de Goethe como artista transitou para sua atividade científica, pelo
menos na consideração histórica.
Dessa forma de Goethe pensar desenvolveu-se o seu método de investigação
no estudo dos reinos orgânicos. Seu conceito de vida (como existência mais
complexa que a soma de seus componentes físicos, por ser permeada por um
princípio interior
35
) lhe proporcionou a consideração de que era um despropósito
estudar a vida em laboratórios, já desprovida de vida, como se estudava qualquer
mecanismo (STEINER, 1984, p. 15).
27
Quem um ser vivo conhecer procura,
Começa logo por tirar-lhe a vida;
As partes depois tem, mas já lhes falta
O espírito que as liga e que as anima. (GOETHE
36
apud STEINER, 1984, p. 17)
Esta idéia pode ser encontrada em outras formulações de Goethe:
O pobre bichinho treme na rede, perdendo as cores mais bonitas; e
mesmo quando se consegue pegá-lo intacto, ele acaba sendo
espetado rígido e sem vida; o cadáver não é o animal inteiro; falta-lhe
algo, algo essencial, e nesta ocasião como em todas as outras, algo
essencial e principal: a Vida. (GOETHE
37
apud STEINER, 1984, p.
15, grifo do autor)
Posicionado desta perspectiva e com interesse especial pelo reino das
plantas, Goethe ocupou-se do estudo da obra de Lineu (1707-1778)
38
, que em
conjunto com seus discípulos havia se empenhado em "introduzir no conhecimento
das plantas uma disposição clara e sistemática (...) que permitisse colocar cada
organismo numa posição determinada onde pudesse ser facilmente localizado"
(STEINER, 1984, p. 19). Enquanto muitos botânicos e zoólogos da época
procuravam distinguir e organizar a diversidade de espécies vivas existentes,
Goethe se posicionou no grupo daqueles que procuravam entender o que unificaria
um determinado reino sob definição única
39
.
35
Devemos considerar aqui a convergência do pensamento de Goethe com a teoria sismica ao
considerar que o todo de um sistema é mais complexo que a soma de suas partes.
36
Steiner o designa a referência bibliográfica da qual retirou tal citação.
37
Idem ao 37.
38
Lineu ou Carl Linné, Médico e Botânico Sueco, foi o fundador do sistema moderno de classificação
científica dos organismos. Sua visão, baseava-se em princípios teológicos (ACOT, 1990).
39
Segundo Steiner, Goethe teria, provavelmente, elaborado a seguinte questão: "Em que consiste o
'algo' que faz, de um determinado ser da natureza, uma planta?" - e frente à diversidade de plantas
existentes, apesar desta unidade - "Qual a causa de aquilo uno, apresentar-se sob formas tão
variadas?" (STEINER, 1984, p. 19).
28
Esta determinação de Goethe permitiu-lhe chegar à teoria de que existiria
uma identidade de todos os órgãos dos vegetais com o arqtipo
40
da folha, sendo
que todas as formas de cada planta seriam o resultado do desdobramento alternado
deste arqtipo, no sentido da dilatação ou contração (STEINER, 1984, p. 26).
Goethe afirmava o seguinte:
A formação vegetal tem a sua maior contração (concentração) na
semente. A primeira dilatação ou expansão das forças plasmadoras
realiza-se nas folhas. O que está apertado na semente, em um
ponto, espalha-se espacialmente pelas folhas. No lice, as forças
contraem-se novamente num ponto axial; a corola é constituída por
nova dilatação; a contração seguinte produz os estames e o pistilo. O
fruto resulta da última (terceira) dilatação, após o que toda a energia
da vida vegetal, esse princípio enteléquico
41
, volta a ocultar-se em
seu estado mais concentrado, na semente. (nota minha)
A natureza forma então o lice da maneira seguinte: ela une
geralmente em torno de um pondo central, em determinada ordem,
várias folhas, e por conseguinte, vários s que antes seriam
produzidos um após o outro e a uma certa distância um do outro. Se
por excesso de alimentação, a inflorescência fosse impedida, essas
folhas teriam se separado uma da outra e aparecido em sua forma
primária. A natureza, portanto, não forma no lice um órgão novo,
mas somente une e modifica os órgãos já conhecidos e assim
avança um grau a mais em direção da meta. (GOETHE, 198-, p. 17,
grifos do autor)
No entanto, a formulação desta teoria foi antes o fruto da conclusão goethiana
de que haveria uma coerência inabalável na Natureza. O mesmo raciocínio, em
estágio avançado, levou-o, posteriormente, à descoberta do osso intermaxilar
40
Arquétipo corresponde a modelo ideal, na filosofia idealista (DICIONÁRIO PRIBERAM DE LÍNGUA
PORTUGUESA, 2005).
41
Aquilo que se determina por si pode ser chamado, com Goethe, de enteléquia. A enteléquia é,
pois, a foa que chama a si mesma para a existência, e fá-lo partindo de si própria (STEINER, 1984,
p. 52).
29
humano (STEINER, 1984). Mas tal feito contou, ainda, com um outro conceito
desenvolvido por Goethe, o conceito de "idéia"
42
(STEINER, 1984; LANZ, 1985).
Para entender o conceito de “iia em Goethe, precisamos entender a lógica
deste pensador. Se havia uma tal "coerência inabalável" na Natureza; mais
importante do que a forma em que ela resultava, era aquilo que a regulava e
mantinha, ou seja, seu princípio inteligente. Esta existência seria aquilo que
diferenciaria um organismo vivo de um mecanismo qualquer, e seria, ao mesmo
tempo, aquilo que, permeando o mundo físico definiria a forma de sua existência. Foi
a este princípio inteligente que Goethe denominou “iia, e a “idéia seria a
essência de todas as existências vivas, desde o vegetal até o Homem (STEINER,
1984).
Da investigação sobre o mundo vivo, Goethe desenvolveu a teoria de que
todas as formas materiais dos seres orgânicos - dadas à experiência - seriam, tão
somente, manifestações resultantes da interação de uma mesma "iia" com a
matéria.
Estas manifestações podendo apresentar uma diversidade infinita, estariam,
no entanto, sempre em consonância com a "iia", expressando-a materialmente
(STEINER, 1984; LANZ, 1985). A hierarquia de complexidade do mundo orgânico
seria, tão somente, o resultado da manifestação em diferentes graus da mesma
“iia.
Estes graus distintos em que a “idéia se manifesta, constitui segundo
Goethe, três diferentes tipos de seres orgânicos: os vegetais, os animais e, como
síntese de toda a Natureza, o Homem (STEINER, 1984, p. 33). A diferença física
42
A iia em Goethe deve ser entendida como fonte arquetípica.
30
entre os homens e os animais residiria, no grau de manifestação da “iia
(STEINER, 1984, p. 32).
Segundo o conceito fundamental de que o Homem seria a síntese em estado
elevado de toda a Natureza, necessariamente, poder-se-ia encontrar no Homem
toda parte de um animal, embora dentro dos limites fixados pela harmonia do todo
(STEINER, 1984, p. 33).
Contraditoriamente a esta teoria de Goethe, passou-se a sustentar entre
alguns dos cientistas da época (bastante empenhados em caracterizar as diferenças
entre uma espécie animal e outra) a teoria de que a diferença física entre os homens
e os animais residia em um determinado osso - chamado osso intermaxilar” -
presente, segundo seus estudos, em todos os animais superiores menos no Homem
(STEINER, 1984).
Segundo Steiner (1984, p. 35):
Nesse intermbio, a atenção de Goethe foi certamente chamada em
primeiro lugar para as iias dominantes a respeito do osso
intermaxilar. Frente às suas próprias opiniões, aquelas devem ter-lhe
parecido erradas. Admitindo-as, o modelo básico, que serve para a
estrutura de todos os organismos, seria destruído. Não podia pairar
vida em Goethe de que tamm esse elo, que se encontra mais ou
menos configurado em todos os animais superiores, devia participar
na formação do corpo humano, onde passaria para o segundo plano
apenas por terem os órgãos de alimentação, de maneira geral,
importância menor em comparação com aqueles dedicados a
funções mentais.
Dessa certeza Goethe sorveu estímulos para, por muito tempo, sustentar sua
afirmação, debatendo neste período com muitos estudiosos - uns com mais e outros
com menos boa-vontade relativa à sua idéia - não obstante, estando, a grande
maioria, convencidos de sua invalidade.
31
Goethe conseguiu demonstrar empiricamente a confirmação para esta sua
defesa em 1784 - algo que ele considerou menor do que o fundamento sico de
sua teoria. Mas, foi então que, a partir de sua iia primordial, a observação de
numerosos casos concretos permitiu a todos convencerem-se da validade de sua
descoberta (STEINER, 1984, p. 49). Como no caso de Wilhelm Josephi (livre
docente na Universidade de Göttingen) que em 1787 publicou em sua obra
Anatomie der Säugetiere (Anatomia dos Mamíferos) a seguinte afirmação:
Costuma-se considerar os ossa intermaxillaria como o principal
distintivo entre os macacos e o homem; todavia, de acordo com
minhas observações, o homem também possui tais ossa
intermaxillaria [idem] pelo menos durante os primeiros meses de sua
existência; contudo, esses ossos coalescem, em geral, cedo, ainda
no útero materno, com as verdadeiras maxilas, para fora, de modo
que, muitas vezes, o resta nenhum vestígio visível. (WILHELM
JOSEPHI apud STEINER, 1984, p. 49, grifos do autor)
43
A importância fundamental desta formulação de Goethe para nosso estudo é
a mesma evidenciada por Steiner e que em muito se sobressai frente a esta
confirmação empírica (STEINER, 1984). Pois, Goethe só chegou a tal descoberta
por ter desenvolvido um entendimento sobre relação entre o Homem e a Natureza
que lhe permitia perceber a integração entre os mesmos sem perder de vista a
especificidade humana.
No desenvolvimento desta teoria, Goethe faz compreender que o diferencial
do Homem é que nele a “iia assume uma característica sem precedentes. Ela
tem, então, consciência de si mesma.
43
A existência do osso intermaxilar em humanos é sustentada até hoje. Entretanto, como ele, em
geral, se funde a outros ossos do crânio ainda no período fetal, formando uma sutura imperceptível, é
difícil encontrar referências a seu respeito. Para observar uma menção atual a respeito do osso
intermaxilar ver gina do site da Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, disponível em:
http://www.rborl.org.br/conteudo/acervo/acervo.asp?id=254.
32
Sendo assim:
Pensando, refletindo e meditando, o homem é a continuação da
atividade da iia. O que nele pensa é a mesma iia, a mesma
realidade espiritual. No homem pensante, a iia se confronta
consigo mesma. Dessa maneira, o homem não se opõe à natureza,
num dualismo intransponível, mas é a continuação da natureza em
um nível superior, faz parte da natureza e transcende-a ao mesmo
tempo. (LANZ, 1985, p. 36)
Portanto, para Goethe, o Homem:
... não é apenas parte da ciência que se propõe conhecer e
compreender a natureza, é parte da própria natureza. Sente-se como
emanando dela e integrado nela, pois foi ela quem o produziu como
ser pensante, como homem que pergunta. O que se passa em sua
mente resulta da natureza que o formou, e o próprio mundo das
iias por ele concebido é essencialmente idêntico às forças
atuantes e criadoras na natureza. (LANZ, 1985, p. 17)
Com o desenvolvimento da Educação Ambiental, nas últimas quatro cadas,
o conceito de que o Homem faz parte da Natureza imergiu muito significativamente
no discurso sobre a relação entre o Homem e o meio, não obstante, o utilitarismo
continua sendo o cerne de grande parte das teorias sustentadas em prol da
conservação ou preservação do meio.
Uma das confirmações disto pode ser encontrada no próprio conceito de
sustentabilidade utilizado por muitos autores (como por exemplo seu criador Lester
Brown (apud CAPRA, 2003, p. 19)) que defende a conservação e preservação do
meio como bem necessário às próximas gerações (humanas) e não como um bem
em si mesmo.
Disso podemos deduzir que em grande parte das vezes em que o Homem se
dispõe a proteger a Natureza está pensando, sobretudo, em proteger seus filhos e
33
netos do caos de um mundo pobre em “recursos naturais. Concebendo a Natureza,
tão somente, como fonte de algo que se sabe necessitar hoje ou que possivelmente
se descobrirá necessitar no futuro, sem o sentido de eqüidade no direito à vida com
os organismos não humanos.
Não obstante, a consistência da iia de pertencimento do Homem à
Natureza em Goethe evidencia-se pela coerência interna desta idéia com os demais
conceitos presentes em sua produção.
Steiner, que também apresenta no conjunto de sua obra a coerência com o
sentido de pertencimento do Homem à Natureza (ao que poderemos observar nas
próximas ginas), considerava rara a natureza do pensamento de Goethe frente
aos demais pensadores de sua época:
Imaginem como Goethe, qual um fragmento de cultura colocado
em plena Natureza, desde a primeira infância se opôs ao princípio
educacional de seu derredor. Ele jamais conseguia separar o ser
humano do meio ambiente. Sempre o considerava em sua ligação
com a Natureza, sentindo-se, como homem, uno com ela. (STEINER,
2003b, p. 87)
Se entendermos que a gama de conteúdos racionais de um indivíduo é um
dos elementos que lhe permite formar juízos frente ao mundo (PIAGET, 1977),
podemos deduzir que uma educação que proporcionasse uma aproximação do
indivíduo ao modo de pensar goethiano projetar-se-ia significativamente na relação
entre ele e o restante da Natureza, pois, sabendo-se parte integrante dela, o
indivíduo teria o conteúdo necessário para desenvolver uma norma moral - racional
e necessária - frente ao meio, que não lhe permitisse agredi-lo.
Ao contrário disso, o possível juízo resultante daquele processo que educa o
indivíduo como elemento à parte da Natureza e superior a ela, é de que sua
34
prerrogativa, lhe permitiria a livre manipulação e consumo da mesma (donde
consideramos que surgem concepções sobre a Natureza como a de fonte de
recursos naturais”). Sendo assim, podemos afirmar que o indivíduo transgressor da
Natureza (ou seja, todos s em nosso estilo de vida) não é necessariamente ruim,
mas ignorante. Pois, o sentido de equidade
44
frente ao restante da Natureza faria o
indivíduo racionalizar o sentido de necessidade de consumo (porque é real, por
exemplo, a necessidade de comer, mas não a necessidade de se ter uma escova de
dentes elétrica) e o se permitiria participar do mundo de desnecessidades em
que vivemos.
A qualidade elucidativa de Goethe encontra-se justamente na percepção de
que: “No homem, sujeito e objeto da ciência natural coincidem e formam um todo.
Como explica Lanz, Goethe não considerava o Homem como um vilão para a
Natureza, pois, o mundo da natureza seria incompleto sem ele (LANZ, 1985, p. 17).
Observando estes princípios Goethianos, entendemos o quanto aquele
primeiro grande trabalho de Steiner, iniciado na Deutsche Nationalliteratur (Literatura
Nacional Alemã) em 1882, teve repercussão na construção de sua própria
cosmovisão.
É como se, ao editar a obra científico-natural de Goethe, Steiner encontrasse
a "ponta do fio" de sua própria teoria, que a partir daí, desenrolou-se sem rupturas,
mas com grandes ampliações e avanços.
Para sintetizar a posição de Goethe frente à Natureza podemos nos utilizar de
duas expressões encontradas em suas máximas: “Natureza e arte são assaz
44
Quando aqui utilizamos o termo equidade ao invés de igualdade o fazemos com o propósito de
considerar a especificidade humana. Tanto Steiner quanto Goethe não consideram o Homem igual ao
restante da Natureza - assim como também o animal não é igual ao vegetal mas ambos o
consideram dentro do conjunto de elementos que constituem a mesma.
35
grandiosas para se constringirem a fins (GOETHE, 1987, p. 62) e A Natureza é o
mestre de todos os mestres (GOETHE, 1987, p. 63)
Na obra de Steiner também encontramos essa sensibilidade e a expressão do
entendimento de que haveria uma integração entre Homem e Natureza desde a
maneira como ele se reporta a esta relação, dizendo o Homem e o restante da
Natureza.
Numa configuração muito próxima da que encontramos em Goethe,
observamos que em Steiner este entendimento de que o Homem faz parte da
Natureza torna-se um princípio educativo. Segundo a visão de Steiner, seria por
meio do entendimento de que o Homem é parte da Natureza que a criança
desenvolveria um sentimento sadio em relação ao mundo (fundamento primordial
para que ela formule posteriormente seus conceitos morais). Dessa forma, ao
oferecer uma aula de ditica do ensino de ciências na terceira série, Steiner
orienta:
Nesse ponto, é muito importante saber que o que se deve realizar na
criança, pelo ensino de ciências, ficará totalmente deteriorado se o
começarmos esse ensino com a explicação sobre o homem
propriamente dito. Os Senhores podem dizer, e com razão, que
muito pouca coisa pode ser dita à criança de nove anos sobre a
história natural do homem. Mas por pouco que seja, esse pouco que
se pode ensinar à criança sobre o ser humano deve ser
proporcionado como uma preparação para qualquer outro ensino de
Ciências Naturais. Procedendo assim, os Senhores precisarão saber
que no ser humano existe, de certo modo, uma síntese, um resumo
de todos os três reinos da Natureza, estando estes reunidos em grau
superior no homem. (STEINER, 2003b, p. 78, grifo do autor)
Dentro da visão goethiana do Universo, o Homem emana da Natureza. Mas
como membro mais elevado da Natureza ele também a transcende (LANZ, 1985, p.
37, grifo do autor). O mesmo se encontra na obra de Steiner e, ao contrário de Kant
36
que defende uma prerrogativa do Homem sobre os demais animais por sua
superioridade
45
, Steiner imprime um sentido de responsabilidade humana frente às
demais formas de vida.
Ao descrever a perfeição humana pelas formas físicas, Steiner compara a
cabeça humana aos animais inferiores e o tronco humano aos animais superiores
(STEINER, 2003b, p. 83). Assim, a cabeça humana, se comportaria como um polvo
(apenas mais desenvolvido) e o tronco humano se assemelharia muito ao que no
rato, no carneiro e no cavalo é mais perfeito.
De toda a estrutura física, portanto, não seria nem a cabeça nem o tronco que
diferenciaria o Homem dos animais na concepção de Steiner, mas seus membros.
Segundo sua explicação, para o que se passa no corpo humano, as mãos e os
braços tornaram-se iteis e exteriormente, esse é o mais belo símbolo da
liberdade humana!
46
(STEINER, 2003b, p. 83).
Dessa forma o ser humano teria um instrumento, sem precedentes na
Natureza, para se dedicar ao trabalho algo que, se ensinado às crianças, lhes traria
a verdadeira sensação de ser humano como ser mais perfeito e com capacidade
de altruísmo da Natureza.
Essa defesa de Steiner se evidencia na seguinte passagem:
Não se infundem conceitos morais nas crianças apelando ao
intelecto, mas ao sentimento e à vontade. Contudo, poderemos
apelar ao sentimento e à vontade se dirigirmos os pensamentos e
sentimentos da criança ao fato de como ela própria será
plenamente um ser humano utilizando suas mãos para trabalhar em
45
Inserimos aqui a teoria kantiana a tulo de comparação, mas é importante registrar que as
caraterísticas consideradas por Kant como fator da superioridade humana não correspondem
exatamente àquelas consideradas por Steiner.
46
É importante lembrar que, apesar de alguns animais poderem utilizar as patas dianteiras de forma
semelhante à maneira como o Homem usa suas mãos, as atividades desenvolvidas por eles com
estes membros estão, na maioria das vezes, ligadas à necessidades do corpo, como andar e comer.
Somente o Homem tem a possibilidade, principalmente por não precisar das mãos para se
locomover, de utilizar estes membros mais para o mundo do que para si próprio.
37
prol do mundo, como isto faz dela o ser mais perfeito de todos e
como existe uma relação entre a cabeça humana e o polvo, e entre o
tronco humano e o rato ou o carneiro ou o cavalo. Por sentir-se
assim inserida na ordem natural é que a criança também assimila
sentimentos elos quais mais tarde se sentirá indubitavelmente um ser
humano. (STEINER, 2003b, p. 86, grifo do autor)
2.2. A CONCEPÇÃO ANTROPOFICA DO HUMANO
As ciências Naturais e a Ciência Espiritual
procuram, a partir de diferentes enfoques, resolver
esse grande mistério encerrado na palavra Homem.
Rudolf Steiner (1994c, p. 9)
Para entender as indicações de Rudolf Steiner à Educação é preciso
considerar a forma como ele concebia o Homem. De acordo com Steiner, o Homem
é um ser físico, anímico e espiritual que possui em sua constituição essencial quatro
membros ou corpos intercalados, dos quais apenas um é acessível aos nossos
sentidos comuns e três são supra-sensíveis (espirituais). Segundo ele o que a
observação sensória descobre no homem, e a concepção materialista considera o
único aspecto válido em sua natureza, constitui para a pesquisa espiritual apenas
uma parte, um membro da entidade humana, ou seja, seu corpo físico” (STEINER,
1996a, p. 12, grifo do autor).
O corpo sico o Homem tem em comum com todos os reinos da Natureza
(mineral, vegetal e animal). Ele seria, aliás, o que há de mineral nos vegetais, nos
animais e no Homem, e constitui o que nos reinos orgânicos ocorre segundo as
mesmas leis atuantes no mundo inorgânico (STEINER, 1996a, p. 12).
Ao segundo membro da entidade humana Steiner denominou corpo vital ou
etérico. Esta força, que luta constantemente contra a deterioração para a qual a
matéria orgânica tende, o Homem compartilharia com todo o mundo orgânico.
38
Defendendo a existência do corpo etérico ou vital, Steiner (1996a, p. 12)
afirma:
Falar em tal corpo etérico foi considerado, algum tempo, indício
de uma mentalidade altamente desprovida de espírito científico.
Entretanto, isso o ocorreria no fim do século XVIII e na primeira
metade do século XIX. Nessa época se dizia não ser possível que as
substâncias e forças atuantes num mineral pudessem transformá-lo
espontaneamente num ser vivo. Este deveria conter uma força
especial chamada força vital’. Era opinião corrente que tal força atua
na planta, no animal e no corpo do homem, provocando as
manifestações da vida da mesma forma como a força magtica
provoca a atração no ímã. A época subseqüente, a do materialismo,
afastou tais iias. Os cientistas passaram a dizer que um ser vivo se
estrutura exatamente como o faz um ser dito inanimado; que as
forças reinantes no organismos são as mesmas que atuam no
mineral apenas de maneira mais complicada, pois formam uma
estrutura complexa. Atualmente, os materialistas mais obstinados
persistem na negação desta força vital’. Os fatos ensinaram a muitos
cientistas que se deve admitir algo como uma força ou princípio vital.
Acima do corpo etérico há - no Homem e nos animais - o corpo astral ou das
sensações. Este permite, como seu próprio nome já indica, que estes seres tenham
todos os tipos de sensações, algo que, segundo Steiner, nenhum tipo de planta tem.
O quarto e último membro descrito por Steiner apenas o Homem possui. Este
membro chamado de corpo do eu ou somente eu é portador da alma humana
superior” (STEINER, 1996a, p. 16). Ao falar a este respeito Steiner considera:
A palavrinha eu (...) é um nome diferente de todos os outros. Quem
se põe a refletir de maneira correta sobre esse nome abre a via de
acesso à natureza humana. (...) Ningm pode u-lo para designar
outrem. Cada um pode chamar eu somente a si mesmo. Nunca a
palavra eu pode chegar ao meu ouvido para designar a mim. Ao
designar-se como eu o homem dá, em seu íntimo, um nome a si
próprio. Um ente capaz de dizer eude si próprio constitui um mundo
por si. (STEINER, 1996a, p. 16, grifo do autor)
Para Steiner o corpo do eu seria a parcela eterna da entidade humana,
permanecendo viva após a morte do corpo sico e a dissolução dos demais corpos
39
(que ocorre processualmente depois da morte física). Esta parcela eterna seria
aquilo que contém a identidade espiritual de cada sujeito. Esta se desenvolveria
gradualmente por meio de seguidas encarnações em novos corpos sicos, etéricos
e astrais, tendo a oportunidade de obter novas experiências, resolver carmas e se
aperfeiçoar continuamente
47
.
O modo como estes quatro corpos se combinam e interagem, define outro
componente da entidade humana: os temperamentos. Sendo ao todo quatro, os
temperamentos colérico, sangüíneo, fleumático e melancólico são, como o nome já
indica, o tempero do comportamento dos homens e relacionam-se respectivamente
com os quatro elementos da Natureza: fogo, ar, água e terra.
A existência de temperamentos humanos é considerada por alguns
pensadores desde a antiga Grécia. Hicrates, em suas orientações de intervenção
médica, relaciona os humores dos indivíduos com o desenvolvimento de
determinadas doenças
48
(HIPÓCRATES, 2002). Em Observações sobre o
sentimento do belo e do sublime / Ensaio sobre as doenças mentais, Kant tamm
(1993, p. 35) faz observações sobre as disposições dos Homens diante da vida de
acordo com seus temperamentos.
Na Antroposofia tal teoria foi acrescida de muitos detalhes oriundos das
observações de Steiner (sobretudo a respeito dos tipos comportamentais e das
47
Esta idéia da Antroposofia se assemelha muito a um dos princípios básicos do Espiritismo e de
algumas religiões orientais como, por exemplo, o Budismo (FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA,
2005; RELIGIÕES E SEITAS ORIENTAIS, 2005). Não obstante quanto a outros princípios pode-se
encontrar muitas discordâncias entre a Antroposofia e estas religiões (como, por exemplo, suas
concepções sobre o cristianismo) entretanto, a exploração destas diferenças foge ao nosso objeto
(ver O cristianismo como fato místico (STEINER, 1996c,)).
48
Em Hicrates (2002) a nomenclatura dos temperamentos (designados em sua obra como
humores) se diferencia um pouco da denominação dada pela Antroposofia e por Kant. Para
40
orientações pedagógicas
49
mais indicadas para cada tipo de temperamento) e
tornaram-se um dos referenciais utilizados pelos educadores Waldorf.
Ao que Steiner explica para o caso de pessoas adultas:
Se por seus destinos o eu do homem se fortalece a ponto de suas
forças predominarem na natureza humana tetramembrada e reinar
sobre os outros membros, surge o temperamento colérico. Quando
ele sucumbe em especial às forças do corpo astral, então atribuímos
ao homem um temperamento sangüíneo. Quando o corpo etérico ou
vital atua em excesso sobre os outros membros, imprimindo
sobremaneira sua natureza ao homem, surge o temperamento
fleumático. E quando o corpo físico, com suas leis, é especialmente
predominante na natureza humana, de modo que o núcleo essencial
não é capaz de superar determinadas durezas desse corpo, trata-se
de um temperamento melancólico. (STEINER, 1994c, p. 28)
50
Cada temperamento possui comportamentos e tipo físico característicos
51
. A
pessoa colérica, via de regra, apresenta robustez e energia, seu corpo possui uma
constituição atarrancada, de modo que a cabeça quase afunda no corpo (STEINER,
1999a, p. 29). Seus passos são fortes e marcados, como se esta pessoa quisesse
fazer seus pés penetrarem um pouco no chão (STEINER, 1994c, p. 36) e ela tende a
se comportar como o elemento fogo, que se impõe. A pessoa colérica impõe seu eu.
Assim como o ar, o temperamento sangüíneo é fluido. As pessoas
sangüíneas tendem a ser saltitantes no andar e têm o corpo mais proporcional
(STEINER, 1999a, p. 29) músculos esguios e são flexíveis e esbeltas (STEINER,
Hicrates os quatro temperamentos seriam: sangüíneo, bilioso (colérico), nervoso (melancólico) e
linfático (fleumático).
49
Ver indicações pedagógicas para cada tipo de temperamento no capítulo Pedagogia Waldorf: a
educação antroposófica.
50
Nas crianças a correspondência entre a predominância dos corpos e a definição dos
temperamentos difere, sendo relacionada à predominância do eu com o temperamento melancólico,
do corpo erico com o temperamento sangüíneo, do corpo sico com o temperamento fleumático e
do corpo astral com o temperamento colérico (STEINER, 1999a, p. 53)
41
1994c, p. 36). Steiner (1994c, p. 31) afirma que o sangüíneo não consegue
demorar-se numa impressão, não consegue fixar-se numa imagem, o prende seu
interesse a um objeto. Pela predominância de seu corpo astral o sangüíneo se
perde em sensações intensas sempre passageiras.
O temperamento fleumático é caracterizado, fisicamente, por ombros mais
salientes e quando suas forças formativas interiores do bem-estar estão ativas em
demasia (...), o que elas produzem se agrega ao corpo humano; este se torna
corpulento, vindo a inflar” (STEINER, 1994c, p. 37).
A pessoa de temperamento fleumático é impelida a viver dentro de si mesma
estando pouco disposta a abrir-se ao mundo exterior. Sua tranqüilidade é muito
marcante e sua presença é aconchegante. Este temperamento se relaciona com o
elemento água.
O temperamento melancólico relaciona-se com o elemento Terra. Como
afirma Steiner (1994c, p. 32) vimos nesse temperamento que o corpo físico, ou seja,
o membro mais denso da entidade humana, torna-se senhor dos outros.
O homem deve ser senhor de seu corpo físico tal como deve ser
senhor de uma máquina caso queira utilizá-la. Entretanto, sempre
que esse membro mais denso se torna o senhor, o homem sente que
não pode domi-lo, não consegue manejá-lo (...). Nesse caso, o
homem fica tão incapaz de usar plenamente seu instrumento físico
que os outros membros sofrem uma inibição, surgindo uma
desarmonia entre o corpo físico e os demais. (STEINER, 1994c, p.
32)
51
Ao compreendermos (...) a natureza humana, sabendo que o exterior é apenas expressão do
espiritual, aprendemos até nas aparências externas a compreender o Homem em seu conjunto...
(STEINER, 1994c, p. 37).
42
A pessoa de temperamento melancólico tende a ser fisicamente mais delgada
(STEINER, 1994a, p. 29) e sua tendência interior é viver com uma disposição
tristonha, sentindo certo prazer na dor.
Cada fase da vida é mais propícia a comportamentos característicos de cada
um dos temperamentos. Dessa forma, por exemplo, na infância somos, em geral,
mais sangüíneos e na adolescência, mais coléricos. Mas além dessa tendência
natural de cada fase, apresentamos individualmente, mesmo nestas fases, a
predominância de um dos temperamentos. A esse respeito Steiner enfatiza:
(...) Atualmente gostamos de formular conceitos rígidos e bem
definidos. Na realidade, tudo se interpenetra; portanto, ao se dizer
que o homem consiste em cabeça, tronco e membros também se
deve ter bem claro que tudo está interagindo. Assim, uma criança
colérica é apenas predominantemente colérica, e uma criança
sangüínea predominantemente sangüínea. (STEINER, 1999a, p. 32)
Na Pedagogia Waldorf a identificação do temperamento predominante em
cada aluno é fundamental para que se possa atuar no sentido de seu equilíbrio.
Além destes, outros elementos da entidade humana, segundo a Antroposofia, são
estudados pelos professores que desejam atuar nestas escolas.
O estudo antroposófico afirma que o Homem não tem apenas cinco, mas
doze sentidos. Em seu contexto são diferenciados os sentidos do tato, da vida, do
movimento, do equilíbrio, do olfato, do paladar, da visão, do calor (ou sentido
térmico), da audição, da palavra, do pensar e do eu
52
.
No livro Os doze sentidos e os sete processos vitais Steiner (1997b) detalha
cada uma das 12 formas do Homem se relacionar com o mundo e consigo mesmo e
52
Uma revista brasileira corrente (Superinteressante (AXT, 2005, p. 78)) veiculou no do mês de junho
de 2005 uma matéria destacando pesquisas atuais que, de maneira geral, afirmavam
(semelhantemente à Steiner) que o Homem teria mais de cinco sentidos.
43
apresenta o estudo antroposófico sobre os sete processo vitais que são a
respiração, o aquecimento, a alimentação, a segregação, a manutenção, o
crescimento e a reprodução.
Além dos quatro corpos, dos temperamentos e dos 12 sentidos, Steiner
percebe que existem marcos na vida humana que aparecem aproximadamente de
sete em sete anos.
A estes marcos Steiner deu o nome de setênios, remontando à antiga cultura
Grega em que também se concebia uma divisão da vida humana em 10 períodos de
sete anos. Não obstante, Steiner fez, em seus estudos, um detalhamento dos
acontecimentos físicos, anímicos e espirituais aos quais o Homem tende em cada
uma destas fases e, construiu um grande número de indicações pedagógicas
baseadas nessa teoria que, até os 21 anos, apresenta uma relação muito intrínseca
ao amadurecimento da qualidade quadrimembrada do ser humano.
Segundo Steiner, quando nascemos, nosso corpo sico já existia há
aproximadamente nove meses, mas estava protegido, isolado dos estímulos do
mundo físico externo pelo invólucro materno. Com o nascimento, essa proteção
deixou de existir e podemos, enfim, ter contato com o mundo externo, porque nosso
corpo sico já estava suficientemente maduro para isso. Com os outros corpos ou
membros da entidade humana, ocorre um processo semelhante ao do corpo sico,
mas o nascimento de cada um dos outros membros só acontece, sucessivamente,
muito após o nosso nascimento físico.
Sendo assim, a Antroposofia enuncia que quando nascemos como seres
humanos, já possuímos os quatro corpos ou membros dos quais somos constituídos,
entretanto, cada corpo vai sendo liberado com o desenvolvimento humano,
colocando à disposição deste, novas possibilidades que estavam latentes.
44
O corpo do eu, por exemplo, só é liberado - só deixa de ter um invólucro - a
partir (aproximadamente) dos 21 anos de idade, por isso, todas as vivências do
Homem anteriores a esta idade são mais inconscientes do que a partir dela.
Aparentemente, nossa cultura instituiu a maioridade a partir dos 21 anos de
forma intuitiva
53
, pois, pode-se sentir o quanto as pessoas se tornam mais donas de
si” depois dessa época. Outras regras institucionalizadas foram concebidas de
maneira intuitiva, como por exemplo, o início da idade escolar aos sete anos.
Algo muito interessante que se coaduna com a teoria dos setênios na
Antroposofia é a afirmação de que existe uma relação entre a ontogênese e a
filogênese humana
54
. Esta relação entre a história da humanidade e a história
particular de cada ser humano a Pedagogia Waldorf utiliza como um princípio
educativo como veremos mais adiante.
Sabendo-se a que fase da humanidade corresponde a idade dos alunos de
cada sala, sabe-se, por meio do estudo da história humana, quais são seus maiores
interesses e o que estão procurando descobrir. O maior detalhamento deste aspecto
da Pedagogia Waldorf trabalharemos no capítulo A Prática Pedagógica Waldorf.
A Antroposofia ainda procura desenvolver e equilibrar, por meio da Educação
as três atividades anímicas humanas (pensar, sentir, querer), sendo que todas são
concebidas com igual valor pela teoria antroposófica.
53
Segundo Capra (1982, p. 35) o conhecimento intuitivo (...) baseia-se numa experiência direta, não
intelectual, da realidade em decorrência de um estado ampliado de percepção consciente. Tende a
ser sintetizador, holístico e não-linear”. Dessa forma a percepção intuitiva é definida pelo senso
comum como algo que se entende mas que não se sabe explicar como nem porquê.
54
A recapitulação da filogênese pela ontogênese também foi considerada por Haeckel, na
continuação de uma iia enunciada por Darwin. Contudo sua teoria da recapitulação consistia na
afirmação de que o desenvolvimento do embrião de cada animal repetiria (num curto espaço de
tempo) os estágios do desenvolvimento evolutivo de sua escie o que chamou de teoria
biogenética (ver HAECKEL, 1911, p. 239). Não descartamos a possibilidade de esta idéia ter exercido
alguma influência sobre o pensamento de Steiner (na relação que faz entre filo e ontogênese), não
obstante, consideramos importante ressaltar que o enfoque de Steiner nesta teoria é de natureza
muito diversa da de Haeckel. Para Steiner seria o desenvolvimento anímico da criança que
recapitularia o desenvolvimento anímico da humanidade. o havendo em sua teoria nenhuma
relação direta com o desenvolvimento do corpo físico.
45
Estas três atividades anímicas são meios de envolvimento do ser humano
com o mundo, sendo que o pensar corresponderia à atividade consciente, tendo seu
oposto no querer que é a atividade inconsciente. O sentir como mediador destes
dois los corresponderia a uma consciência onírica
55
(semelhante àquela que
temos quando estamos sonhando)
56
.
Dessa forma o pensar seria atingido ou exercitado pela linguagem cognitiva,
lógica, o sentir por meio de imagens (que podem se dar por meio de uma linguagem
onírica, que se dirija à imaginação) e o querer pela linguagem do corpo, pela ação.
Corporalmente, o pensar estaria ligado ao sistema neuro-sensorial, o sentir
com o sistema cardíaco-respiratório e o querer ao sistema metabólico-motor.
Pensando-se em uma pessoa em suas atividades diárias temos, em vista desta
relação da configuração corporal com as atividades anímicas, o entendimento de
que uma nunca atua independentemente da outra. O que ocorre é que em cada
circunstância uma das atividades anímicas predomina sobre as outras.
A atividade anímica do pensar não suporta repetições. Se ela absorve uma
informação, ficará sempre instigada por outra. Por outro lado, o querer (seu pólo
oposto) vive da repetição (do ritmo), dessa forma só se pode aprender algo pela
insistência.
Um aluno de violão, no segundo dia de aula, sabe perfeitamente (com seu
pensar) que ao tocar precisa manter uma simultaneidade de movimentos entre suas
duas mãos. Entretanto, o corpo ainda não o acompanha e, apenas com múltiplas
tentativas começará a aprender o que o pensar já sabe. Para que o aluno, de fato,
55
Orico, do Gr. óneiros, relativo a sonho (DICIONÁRIO PRIBERAM DE LÍNGUA PORTUGUESA,
2005). Refere-se na Antroposofia à uma consciência imagética, como a que temos quando estamos
sonhando, mas que pode ocorrer quando estamos acordados e temos a vivência de imagens
interiores (quando planejamos a pintura de uma tela, quando a criança faz um jogo simlico, quando
ouvimos uma música emocionante, etc.)
46
toque o violão, será preciso que o querer faça seu aprendizado, pois ele tem grande
importância nesta atividade (o aluno o deixará de saber os movimentos que tem
que fazer com a mão, mas se ficar pensando: agora a mão sobe, agora a mão
desce... ele nunca tocará uma música), entretanto, o pensar sempre estará presente
em sua atividade (ora mais e ora menos, de acordo com o indivíduo e com a
situação) e o sentir será tão importante quanto o querer, uma vez que se trata de
uma atividade artística.
Dessa forma, segundo Hutchison (2000, p. 102), Steiner estabelece sua iia
da pessoa tríplice, situando os processos de pensamento, sentimento e desejo ao
cerne de seu entendimento dos processos integrativos do crescimento físico e
espiritual/psicológico.
Uma constatação de Steiner sobre nossa época, é que o pensar está, de tal
forma, sendo valorizado, em detrimento das outras atividades, que se pudéssemos
colocaríamos nossa cabeça sobre rodinhas e jogaríamos fora o “resto de nosso
corpo.
Nosso sentir e nosso querer estão de tal forma doentes, mal desenvolvidos,
que temos dificuldade, por exemplo, de nos expressar artisticamente ou de colocar
em prática aquilo que pensamos. Para Steiner, o Homem é inerentemente um ser
sensível e volitivo e não apenas pensante como nossa cultura postula. O
pensamento de Duarte (1988, p. 68) se coaduna parcialmente
57
com o de Steiner na
afirmação de que: Para o homem de fins do século XIX e princípios do XX a razão
respondia a qualquer problema, a força de vontade o resolvia e as emoções... bem,
estas em geral atrapalhavam e o melhor era recalcá-las.
56
Hutchison (2000, p. 102) faz uma explicação análoga sobre a tríplice pensar, sentir, querer em
Steiner.
57
Afirmamos que o pensamento de Duarte se coaduna parcialmente ao de Steiner neste ponto, pois
para Duarte os fundamentos da razão estão na esfera do sentimento (1988, p. 68) enquanto que,
para Steiner o sentir é uma atividade anímica que nasce simultaneamente à oposição entre o pensar
e o querer.
47
Entretanto, muitas das coisas que vivenciamos, não podem ser traduzidas em
palavras, por isso, ao tentarmos transformar tudo em pensamento, perdemos parte
da riqueza de nossa própria natureza. Talvez isto advenha da luta que travamos
durante anos para nos diferenciarmos da Natureza.
A atividade racional (MATURANA; VARELA, 1995) foi uma das características
humanas mais requisitadas como argumento para a diferenciação do Homem e dos
animais. Por esta razão, possivelmente, valorizamos tanto o pensar a ponto de
ignorarmos o desenvolvimento de nossas outras características.
A cabeça, o cérebro humano, também é considerado por grande parte das
pessoas como a parte do corpo do Homem que o diferencia da Natureza. A visão de
Steiner sobre este aspecto traz ao Homem uma posição de responsabilidade e não
de prerrogativa em relação ao restante da Natureza. A seguir Steiner explica a um
grupo de professores da primeira escola Waldorf no que consiste a especificidade
física do Homem:
É um preconceito o fato de os homens considerarem justamente sua
cabeça a parte mais perfeita. De fato ela é muito complicada, mas
efetivamente não passa de um polvo transformado ou seja, um
animal inferior, pois a cabeça humana se comporta em relação a seu
ambiente como o fazem os animais inferiores. É em seu tronco que o
homem mais se assemelha aos animais superiores: o rato, o
carneiro, o cavalo. Só que enquanto o polvo pode sustentar toda sua
vida por meio da cabeça, o ser humano não seria capaz disso. Os
Senhores devem levar as crianças a sentir que os animais inferiores
são cabeças movimentando-se livremente, que não tão perfeitas
como a cabeça humana. E precisam despertar nelas o sentido de
que os animais superiores consistem principalmente em tronco, cujas
necessidades os órgãos, moldados refinadamente pela Natureza,
têm a principal finalidade de satisfazer. No homem esse é bem
menos o caso; com relação ao tronco, ele é menos perfeito do que
os animais superiores.
Depois é preciso sensibilizar as crianças para o que é mais perfeito
na forma externa do ser humano: seus membros. Seguindo a escala
dos animais superiores até o macaco, os Senhores constatarão que
os membros dianteiros não são tão diferentes dos traseiros, e que os
quatro membros servem essencialmente para sustentar o tronco,
deslocá-lo, etc. Essa admirável diferenciação dos membros em s e
mãos, em pernas e braços, se apresenta no homem,
manifestando-se já na disposição para a postura ereta. Nenhuma das
48
espécies animais é, com relação à organização inerente aos
membros, tão perfeitamente configurada quando [sic] o homem.
(STEINER, 2003b, p. 83, grifos do autor)
Para Steiner a cabeça humana não diferencia o Homem do restante da
Natureza, pois, ela é apenas mais complicada ou mais perfeita e não diferente das
dos animais. A característica específica do Homem é a de este possuir mãos para
trabalhar para seu mundo ambiente (STEINER, 2003b, p. 84), estando livre para
atender constantemente ao mundo.
Por todas estas características físicas, anímicas e espirituais, Steiner
considera a humanidade como um quarto reino da Natureza, o reino humano
58
. Esta
iia trabalha, em nossa perspectiva, no sentido oposto da dicotomia entre o
Homem e a Natureza, pois, vê-se por meio dela, que o Homem é tão diferente dos
animais quanto estes são dos vegetais ou dos minerais e, que nem por isso, na
organização natural, um se torna dono do outro ou tem alguma prerrogativa sobre
os demais.
Pelo contrário, por meio da visão Antroposófica, que enuncia quatro reinos,
mineral, vegetal, animal e humano, percebemos o Homem em suas especificidades,
sem a necessidade de se diferenciar dentro de seu próprio reino e se vendo, enfim,
dentro da estrutura total da Natureza.
58
Foi por esta razão que não utilizamos durante todo o texto a expressão o Homem e os outros
animais”, pois, isto não estaria coerente com a visão antroposófica.
49
2.2.1 A CONCEPÇÃO ANTROPOFICA DE INFÂNCIA
Os Senhores sabem que nossa arte pedagógica
deve ser erigida sobre uma autêntica sintonizão
de nossos sentimentos com a natureza infantil; que
ela deve basear-se, em sentido mais amplo, no
conhecimento do ser humano em desenvolvimento.
Rudolf Steiner (1997a, p. 18)
Antes mesmo de ter assumido o compromisso de dedicar-se a uma
Pedagogia baseada nos estudos antroposóficos, Steiner já fazia e publicava
pesquisas sobre a natureza infantil. A obra A Educação da criança: segundo a
Ciência Espiritual (1996a), publicada pela primeira vez em 1907, é um exemplo
disto.
Nela Steiner se ocupa em demonstrar o quanto o ser humano em
desenvolvimento se diferencia nas fases que vão do nascimento à troca dos dentes
e da troca dos dentes à maturidade sexual e quais as implicações disto para a
Educação.
Tendo em vista estas três fases, Steiner está falando, em outras palavras, dos
dois primeiros setênios
59
da vida humana em que, de uma maneira muito especial
para a Antroposofia, se forma no Homem as bases para o restante de sua vida.
Para nos dirigirmos ao cerne da questão, devemos lembrar que a criança,
como ente da humanidade, possui, segundo a teoria antroposófica, quatro membros
em sua constituição: corposico, corpo etérico, corpo astral e o eu.
59
É importante lembrar que como setênios se denomina as divisões da vida humana de sete em sete
anos. Portanto, quando falamos nos dois primeiros setênios estamos nos referindo às fases que vão
dos zero aos sete anos e dos sete anos aos 14 aproximadamente.
50
Dessa forma, Steiner considera, que para conhecermos a natureza da criança
precisamos nos dirigir ao estudo da natureza dos quatro membros que a constitui.
“Contudo, não devemos absolutamente imaginar que essas partes se desenvolvam
de forma a estarem igualmente aperfeiçoadas em qualquer fase da vida por
exemplo, no momento do nascimento (STEINER, 1996a, p. 21).
A este respeito a Antroposofia explica:
Antes do nascimento físico, o homem em formação está envolto, de
todos os lados, por um corpo físico estranho. Ele não tem contato
direto com o mundo físico exterior. O que o circunda é o corpo físico
da mãe, e somente este atua sobre o ser humano em
amadurecimento. O nascimento físico consiste na liberação do ser
humano pelo envoltório físico materno e no fato de, por isso, o
mundo físico ao redor poder atuar diretamente sobre ele. Abrem-se
os sentidos para o mundo exterior, e este exerce sobre o homem a
influência que inicialmente cabia ao envoltório materno.
Para uma concepção espiritual do mundo tal como postula a
pesquisa do espírito, o que ocorreu foi o nascimento do corpo físico,
mas ainda não o do corpo etérico ou vital. Assim como até o
momento do nascimento o homem possui um envoltório materno
físico, até a época da segunda dentição, isto é, até a idade dos sete
anos aproximadamente, ele está enlaçado por um envoltório etérico
e um astral. É só na época da troca da dentição que o envoltório
etérico libera o corpo etérico. Subsiste ainda um envoltório astral até
a entrada da puberdade, época em que o corpo astral ou das
sensações se torna livre para todos os lados, tal como aconteceu
com o corpo físico pelo nascimento físico e com o corpo etérico na
época da segunda dentição. (STEINER, 1996a, p. 21)
É importante enfatizar que, assim como o Homem já possui seu corpo sico
bem antes de seu nascimento físico, o corpo etérico e astral também estão
presentes desde o início da constituição humana. Mas, assim como o corpo sico só
estará liberto de seu envoltório após o nascimento físico, também o corpo etérico só
estará liberto a partir da segunda dentição e o corpo astral as a maturidade
sexual.
51
Dessa forma a Antroposofia fala de três nascimentos do ser humano durante
a infância e adolescência (sendo que na maturidade ainda ocorre um quarto
nascimento com a libertação do corpo do eu aproximadamente aos 21 anos) e tal
iia tem grandes conseqüências para a Pedagogia Waldorf.
Como a criança ainda não tem seus quatro corpos “libertos ainda não se
pode desenvolver com ela o mesmo tipo educação que se desenvolve com um
adulto.
A consideração de que a criança tem uma forma de apreender o mundo
diferente do adulto, não é uma exclusividade da visão antroposófica. Ela foi
construída processual e historicamente junto ao reconhecimento da
especificidade da infância (ÁRIES, 1978) e ao estabelecimento da Pedagogia como
ciência (KOHAN, 2005).
No percurso desta história é importante ressaltar a contribuição de Rousseau,
um dos primeiros pensadores a considerar que a mente infantil opera diferentemente
da do adulto, ou seja, a mente infantil não é nem carente, nem insuficiente, mas se
estrutura de outra forma (COSTA, 2000, p. 36).
Para Capra (2003, p. 29) o trabalho pioneiro de Jean Piaget, Maria
Montessori e Rudolf Steiner” contribuíram para o surgimento de alguns consensos
entre cientistas e educadores quanto ao desenvolvimento das funções cognitivas na
criança em crescimento, entre estes consensos ele destaca a importância de um
ambiente “rico, multissensorial envolvendo as formas e texturas, as cores, odores
e sons do mundo real” para o desenvolvimento cognitivo e emocional da criança.
52
Segundo Steiner, no período da primeira infância a aprendizagem se dá,
principalmente, por meio da imitação
60
. Ele afirma que dentre as atividades
anímicas, o querer é a que mais predomina na fase que vai do nascimento até a
troca dos dentes, por isso, as ações
61
daqueles que estão ao entorno da criança são
a influência mais significativa para seu aprendizado, sendo apropriados por ela sem
reflexão
62
(STEINER, 2000).
Neste processo de interação cognitiva da criança com o mundo, o brincar
tem, para Steiner, um papel muito importante, sobretudo quando este se constitui de
vivências baseadas na imitação
63
(STEINER, 2000, p. 66). Entretanto, Steiner
considerava que o jargão a criança deve aprender brincando (STEINER, 2000, p.
66) conduzia a equívocos na área pedagógica, quando adultos se empenhavam em
estruturar atividades divertidas para si e as aplicavam a crianças com fins
educativos.
Para Steiner, deixar o lúdico fluir na Educação Infantil como atividade
cognitiva não se trata de pegarmos, da brincadeira, o que seja agradável a s,
adultos, mas sim aquilo que, a partir de determinada idade da criança, surja
justamente na brincadeira (STEINER, 2000, p. 66), pois, em sua concepção, o
60
Este pensamento de Steiner pode ser relacionado com a seguinte afirmação de Piaget (1977, p.
11) (referindo-se aos primeiros anos da infância): ...na fase em que a criança mais imita, ela imita
com todo o ser, identificando-se com o objeto imitado.
61
Lembramos que o querer para Steiner é a atividade anímica ligada a inconsciência. Entretanto, as
atividades anímicas nunca se dão independentemente uma da outra. Mesmo quando a consciência
es desperta, ou seja, quando sabemos o que estamos fazendo, uma atividade intensa do querer.
Toda ação do Homem no mundo tem a participação do querer, do pensar e do sentir.
62
Piaget (2003, 25) tamm salienta a importância da imitação no aprendizado, demonstrando que a
imitação é uma cnica aprendida pela criança nos primeiros meses de vida que corrobora para seu
aprendizado sensório-motor e da linguagem. Entretanto em Piaget a imitação só é destacada como
meio de aprendizado mais ativo na criança até os dois/três anos de idade e não nos primeiros sete
anos de vida, como em Steiner.
63
Muitos outros autores evidenciaram a importância do brincar para o desenvolvimento cognitivo da
criança. Dentre estes destacamos Piaget (1977) que demonstrou, inclusive como o desenvolvimento
da moralidade na criança se dá por meio da interação entre iguais em jogos infantis.
53
brincar seria para a criança saudável uma atividade muito séria. Falando para
um grupo de Educadores envolvidos com a Pedagogia Waldorf, Steiner (2000, p. 66)
afirma o seguinte:
Na infância, o brincar jorra da organização humana com verdadeira
seriedade. Se os senhores atingirem essa seriedade do brincar com
a criança do primeiro grau, não ensinarão brincando no sentido
corriqueiro, mas sim com a seriedade que a própria criança tem ao
brincar.
Steiner ainda considera que o corpo etérico, ainda não liberado na primeira
infância, atua no desenvolvimento físico da criança de uma forma especial, que não
se repetirá no restante de sua vida. Portanto, neste momento, Steiner defende que é
muito importante que a criança possa se movimentar livremente e ter vivências
sensoriais ricas pois, para ele, indivíduos que não se movimentam durante a
primeira infância não têm um pensamento organizado na idade adulta
64
.
Esta iia de Steiner é reforçada pela seguinte afirmação de Capra (2003, p.
30):
A sensibilidade do rebro a influências ambientais é especialmente
acentuada na primeira infância, quando a maior parte da rede neural
está se formando. Desde que as pesquisas nesta área começaram,
no final da década de 1950, tem havido amplo consenso entre os
psilogos infantis de que a exposição precoce a um ambiente rico
em experiências sensoriais e desafios cognitivos tem efeitos
benéficos duradouros, enquanto a privação dessas experiências
pode inibir o desenvolvimento neurológico futuro.
64
Informação oral obtida em entrevistas com professores Waldorf. Na mesma entrevista soubemos
que a ênfase de Steiner na importância do movimento para a primeira infância (sobretudo quando
este afirma que o movimento nos primeiros anos é importante para o desenvolvimento do poder de
raciocínio nas idades posteriores) é relacionada atualmente, por antropósofos e professores Waldorf
com o processo de mielinização ocorrido com mais intensidade na vida humana do nascimento até,
aproximadamente, os três anos de idade. O que se afirma entre estes estudiosos é que o principal
combusvel da mielinização seria o oxigênio que, com o movimento (que intensifica a circulação
sangüínea e o ritmo respirario) seria mais abundantemente conduzido por todo o corpo da criança.
54
Steiner considera, ainda, como fator muito importante, que o primeiro setênio
da vida humana é aquele em que o indivíduo aprenderá a andar, falar e pensar.
Para enfatizar a importância destes três aprendizados, Steiner recorre várias vezes,
a uma frase de Richter que afirma que, em seus primeiros três anos, o Homem
aprende muito mais para a vida, do que nos anos acadêmicos (RICHITER
65
apud
STEINER, 1994a, p. 10; RICHTER apud STEINER, 1996a, p. 25; RICHTER apud
STEINER, 2000, p. 36).
A conquista da posição vertical em relação à terra e da diferenciação dos
membros em mãos e s, pernas e braços (ocorridos na aprendizagem do andar) é,
para Steiner, o aprendizado da estática e da dinâmica do Homem interior em relação
ao Universo (STEINER, 2000, p. 37). Em suas palavras:
O andar é (...) uma abreviatura, uma curta expressão de algo muito
mais abrangente. Dizemos que a criança aprende a andar pelo fato
de este aspecto ser o mais evidente. Mas este aprender a andar
implica colocar-se em posição de equilíbrio diante do mundo
espacial. Enquanto crianças, procuramos a postura ereta,
procuramos colocar as pernas em tal relação com a força da
gravidade que com isto possamos obter equilíbrio. Tentamos o
mesmo com os bros e as mãos. Todo o organismo se orienta.
Aprender a andar significa encontrar as direções espaciais do mundo
e nelas engajar o próprio organismo. (STEINER, 1994a, p. 12)
Segundo Steiner o andar contribui para o falar (por meio do desenvolvimento
motor) (STEINER, 1994a, p. 16), enquanto que o pensar é extraído da fala
(STEINER, 1994a, p. 18). Da qualidade de interferências que a criança recebe nesse
período, depende o desenvolvimento de toda a sua vida futura (inclusive no que
65
RICHTER, Johann Paul Friedrich. Levana. 1807.
55
concerne à sua saúde)
66
.
Vygotsky e Piaget também defendem que uma estreita relação entre o
pensamento e a linguagem. Para Vygotsky, depois de aprendermos a falar nosso
pensamento se torna verbal e então nossa linguagem se torna racional
(VYGOTSKY, 1993) enquanto que, para Piaget, a aparição do pensamento
propriamente dito, tem como base a linguagem e se com a interiorização da
palavra (PIAGET, 2003, p. 24).
Com a troca dos dentes e o início do segundo setênio, a atividade anímica
mais forte na criança passa a ser o sentir. Isto não significa que o querer e o pensar
não estejam atuando nela, mas que (para explicar de uma forma simples) ela passa
a ver e interpretar o mundo, principalmente, pela lente da emoção.
Piaget (2003, p. 26) tamm percebe que a criança, a partir dos seis/sete
anos de idade, se torna mais intensamente emocional. Entretanto, sua percepção foi
de que este sensibilidade se concentra, sobretudo, no senso de justiça.
Quanto à aprendizagem, Steiner afirma que, durante o período entre a troca
dos dentes e a maturidade sexual, a principal forma de comunicação entre a criança
e o mundo passa a ser a imagem (STEINER, 2004a, p. 22).
A palavra imagem não deve ser interpretada aqui, tão somente como
representação gráfica, plástica ou fotográfica mas, principalmente, como
representação mental, metafórica. A linguagem (ou a palavra), a música, a dança, a
pintura (e outras formas artísticas) seriam, para Steiner, portadoras de imagens que
comunicariam-se diretamente com o sentir do indivíduo. Não obstante, para a
66
Para Steiner, grande parte das pessoas acometidas de reumatismo ou gota na idade adulta, não
foram estimuladas corretamente no aprendizado do andar (tendo sido colocadas em andadores, por
exemplo). Já as pessoas com problemas digestivos, podem ter sofrido (em grande parte) de
excessiva ansiedade durante a aprendizagem da fala, quando os adultos se dirigiam a ela com
balbucios (ao invés de falar corretamente) (STEINER,1994a, p. 14).
56
criança desta idade, Steiner afirmava que a palavra seria um dos condutores mais
significativos de imagens (STEINER, 2000, p. 59).
Dessa forma, Steiner ressalta que, assim como para a criança do primeiro
setênio, o que mais importa (no sentido da aprendizagem) sãos os atos daqueles
que a cercam, no segundo setênio sua aprendizagem se dá, sobretudo, por meio
daquilo que é dito ao seu redor (STEINER, 2000, p. 60).
Corporalmente, Steiner afirma que neste período um alongamento do tórax
e uma harmonização entre os ritmos respiratório e cardíaco. Esta mudança corporal
seria, para Steiner, um acontecimento físico que se relaciona com numerosos outros
acontecimentos espirituais em cada indivíduo. A expulsão da segunda dentição seria
o ponto final de um enrijecimento que ocorre com a criança inteira, como expressão
mais evidente das forças anímicas que trabalharam no corpo da criança durante a
primeira época da vida e que agora se extravasam e passam a atuar em seu
intelecto (STEINER, 2000, p. 94).
É ainda importante para s, mencionar uma fase que ocorre no segundo
setênio segundo a Antroposofia denominada Rubicão
67
. Esta fase (estrutural
68
),
que se inicia, aproximadamente, aos nove anos e consiste em uma crise (no
sentido sauvel da palavra) na relação da criança com o mundo, modifica suas
formas de se relacionar e de se perceber.
Baseando-se em Steiner
69
(apud Hutchison, 2000, p. 104) Hutchison explica
muito bem esta fase:
67
Palavra que designa "passagem", "travessia". Provém de uma metáfora com o Rio Rubicón,
fronteira natural entre a Galia Cisalpina e a Italia, que foi atravessada por sar resultando na
conquista de Galia.
68
Que, em geral, ocorre com todos os indivíduos.
69
STEINER, Rudolf. The essentials of education. Londres: Rudolf Steiner Press, 1982.
57
À medida que a criança se aproxima dos nove ou dez anos, ocorre
uma mudança interna à consciência do desenvolvimento de seu ego,
de modo que, neste momento da vida, a criança experiência a
diferença entre o mundo e seu próprio ego’. A separação entre ela
mesma e o mundo, apresentada aqui, de modo algum é completa;
(...). A capacidade da criança de reconhecer e de celebrar sua
autonomia recém-descoberta é complementada e equilibrada por
uma capacidade de preservar sutilmente a unidade de si mesma e do
mundo.
Essa nova relação pode ser melhor caracterizada como uma espécie
harmoniosa entre a criança e o mundo. Ela manifesta-se nos jogos
de equilíbrio e de saltos nos quais as crianças engajam-se durante a
segunda infância, mas também nos jogos verbais rítmicos e nos
encantamentos orais que freqüentemente acompanham essas
brincadeiras. Em nível fisiológico, o sistema rítmico encontra sua
expressão física mais clara no movimento de energia por todo o
corpo da criança e em sua vida consciente, especialmente como
manifestados no ritmo incessante da pulsação e da respiração.
Tal fase marca, para Steiner
70
(apud Hutchison, 2000, p. 105), a intensificação
de uma busca da criança por significado e por propósito no mundo que, deve-se,
em grande parte, ao encontro dos ritmos da respiração e da circulação sangüínea
(que nesta época da vida, segundo Steiner, chegam perto de sincronizar-se).
(...) os processos rítmicos da segunda infância estão no âmago da
busca por significado, por reciprocidade e por continuidade no mundo
pela criança. O modo rítmico permite que ela perceba o mundo como
um universo criador de ordem, com padrões, o qual celebra a
diversidade dentro do contexto da forma estruturada. A criança está
igualmente atenta a padrões de integração (formas e origens
comuns) e exemplos de diferenciação (singularidade e objetividade).
Durante a segunda infância, a criança exibe uma espécie de
compreensão estética do mundo, enraizada em sua vida interior,
emocional e rítmica. (Steiner
71
apud Hutchison, 2000, p. 104)
Segundo a Antroposofia, é apenas com a maturidade sexual
(aproximadamente aos 14 anos) que o pensar se torna a atividade anímica mais
ativa no indivíduo. A partir daí também o pensamento lógico floresce e a criança
70
Idem ao 70.
71
Idem ao 70.
58
passa a compreender relações de causa e efeito. Tal fase se aproxima bastante ao
início do período operatório formal de Piaget, que ocorre aos 12 anos.
Para finalizar, gostaríamos de mencionar uma analogia sobre as três
primeiras fases do desenvolvimento humano (segundo a Antroposofia) que ouvimos
de uma palestrante em um curso ofertado pela Federação das Escolas Waldorf em
Curitiba: De zero até sete anos (ou no primeiro setênio) a criança é como uma
esponjinha que suga qualquer informação que esteja ao seu redor, dos sete aos 14
anos (ou no segundo setênio) ela é como uma princesa ou um príncipe em um
castelo cercado com grandes muralhas, seu mundo é imagético e a maior parte das
informações que ela tem do mundo vêm através de mensageiros (os adultos). Ela
olha e vê o mundo, mas ele ainda está confuso e distante. Aos 14 anos (ou a partir
do terceiro setênio) o indivíduo quebra os muros que o cercam e vai de perto ver o
mundo. Percebe que aquilo que lhe contaram não corresponde exatamente à
realidade e desacredita-se um pouco de seus mensageiros.
59
3. PEDAGOGIA WALDORF: A EDUCAÇÃO ANTROPOSÓFICA
Eis a nossa tarefa quanto ao método: solicitar
sempre o ser humano por inteiro. Não
conseguiamos fazê-lo se não focalizássemos o
desenvolvimento de uma sensibilidade artística
inerente ao homem. Com isso faremos com que
mais tarde a pessoa se incline, com todo o seu ser,
a possuir um interesse pelo mundo. O erro
fundamental, até agora, sempre foi o de os homens
se haverem colocado no mundo apenas com sua
cabeça; a outra parte eles arrastam atrás de si.
(STEINER, 2003b, p. 14).
Por volta do início do século XX, à medida que a Ciência Espiritual ganhava
projeção e reconhecimento em alguns países da Europa, pessoas ligadas a campos
específicos da ciência, procuraram Rudolf Steiner solicitando-lhe orientações para
fundamentar suas atuações à luz da Antroposofia (HEMLEBEN, 1984).
Tendo um conhecimento sobre o Universo, o Homem, e as produções da
humanidade, que lhe permitia discursar com propriedade sobre os mais diversos
assuntos - oferecendo comparações entre produções de outros cientistas com seus
próprios estudos - Steiner dedicou-se a atender essas solicitações criando a versão
Antroposófica de várias áreas do conhecimento (HEMLEBEN, 1984; LANZ, 1986,
KÜGELGEN, 1989).
O caminho que levou a Antroposofia à contemplação específica da Educação
partiu do empresário Emil Molt conselheiro comercial de uma fábrica de cigarros
(chamada Waldorf-Astória) que não se conformava com o modelo de Educação
oferecida aos filhos dos trabalhadores da fábrica (STEINER, 1999a, p. 11).
Devemos lembrar que nesta época as escolas de fábrica se configuravam
mais como depósito de crianças que já serviam para cumprir as leis do que
60
como instituição de ensino/aprendizagem. Pois então, Emil Molt acreditando que isto
o era o suficiente, procurou Steiner para que este lhe ajudasse a criar uma escola
que respondesse às necessidades das crianças como seres humanos.
Steiner que, há muito, já vinha desenvolvendo trabalhos voltados à Educação,
proferindo, inclusive, numerosas palestras que mais tarde resultaram em
publicações como A educação da criança: segundo a Ciência Espiritual, aceitou o
desígnio proposto por Molt e, em parceria com a fábrica Waldorf-Astória, fundou em
1919 a primeira Waldorf Schule (em Stuttgart na Alemanha).
Compreendendo um complexo educativo intrinsecamente artístico, a
Pedagogia Waldorf desenvolve-se no intuito de favorecer o desenvolvimento
equilibrado das faculdades cognitivas, emotivas e volitivas dos indivíduos.
A atuação dos professores está ligada ao conhecimento e sensibilidade das
transições ocorridas na infância, sendo a Educação, muitas vezes, apenas a fonte
do "alimento anímico"
72
ministrado no momento certo - para que a criança se
aproprie prazerosamente, através do querer, do sentir ou do pensar do contdo
trabalhado.
Dessa forma a Educação seria uma interferência sauvel na vida do
indivíduo, e não fonte de pressões, frustrações e traumas. Ao discursar para um
grupo de profissionais interessados na Antroposofia, Steiner declara:
Em primeiro lugar (...) eu gostaria de chamar-lhes a atenção para o
fato de toda a nossa pedagogia na escola Waldorf ser portadora de
um caráter terapêutico. Todo o próprio método de ensino e educação
está orientado para atuar proporcionando saúde à criança. Quando
72
Expressão muito utilizada na escola Waldorf pesquisada que significa alimento para a alma.
Segundo alguns professores da escola, as crianças passam por fases em que se mostram prontas
para adquirir determinados conhecimentos. Se nestes momentos o professor souber oferecer o
alimento anímico que ela precisa, ela adquirirá o conhecimento naturalmente, sem a necessidade de
maiores explicações.
61
se orienta a arte pedagógica de modo a atuar corretamente em cada
época da evolução infantil na humanidade, isto significa que existe
na educação, no tratamento pedagógico das crianças, um elemento
de saúde. (STEINER, 1996b, p. 9; Steiner, 2004b, p. 5)
Nesse sentido, milhares de professores atuam nas mais de 800 escolas Waldorf
espalhadas por todo o mundo (com exceção dos jardins de infância) (FERREIRA,
2005). No sub-capítulo seguinte pretendemos construir um panorama da prática
Pedagógica Waldorf, incluindo tanto algumas orientações para a didática que
obtivemos por meio da leitura de Steiner, como também algumas descrições de
vivências que tivemos nas escolas Waldorf que visitamos.
A respeito da prática pedagógica, Steiner dizia:
(...) o mais importante é aprender a ler na criança. E um verdadeiro e
prático conhecimento humano orientado segundo os princípios corpo,
alma e espírito conduz realmente a tal aprendizado.
Por esta razão é tão difícil falar sobre a chamada Pedagogia Waldorf
pois a Pedagogia Waldorf não é exatamente algo que se possa
aprender, sobre o qual se possa discutir: é pura prática, e pode-se
realmente apenas relatar, através de exemplos, como a prática é
utilizada em cada caso ou necessidade. (STEINER, 1994a, p. 9,
grifos do autor)
A estrutura de organização das disciplinas (em épocas, como veremos mais
adiante), os tipos de objetos utilizados (simples e feitos de materiais naturais), a
disposição artística que se exige dos professores, os princípios educacionais a
constituição administrativa da escola e outros elementos de ordem estrutural, são
uniformizados e caracterizam as escolas Waldorf. Mas aquilo que o professor deve
fazer diante do aluno (por que meios conduzirá determinadas situações e processos
de aprendizagem particulares) não foi estabelecido de forma rígida.
As orientações diticas de Steiner visavam, em geral, indicar caminhos
possíveis aos professores (e não determinações invariáveis), deixando a cargo dos
62
docentes criar a melhor forma de atuar com sua classe em particular, baseando-se
nos conhecimentos antroposóficos da natureza humana e da Educação.
Em suas palestras de formação de educadores Waldorf (por volta de 1920)
Steiner discursava sobre os fundamentos da Educação e, como desafio aos
docentes, solicitava que estes criassem práticas pedagógicas coerentes com estes
fundamentos. Boa parte das práticas pedagógicas que são comuns a maioria das
escolas Waldorf, foram criadas neste mesmo sentido e, por serem consideradas
muito boas pelos resultados que surtiram, foram socializadas e se tornaram algo
semelhante à uma tradição nestas escolas.
Dessa forma, ser um educador Waldorf é, principalmente, conhecer a
natureza do ser humano em desenvolvimento segundo a teoria antroposófica e
utilizar a sensibilidade diante de cada situação e de cada aluno específico para
chegar mais perto o possível de uma Educação que não negue esta natureza, mas
proporcione equilíbrio ao indivíduo.
O que o professor sente que sua classe (ou que um aluno) necessita, deve
guiar a prática Pedagógica. E assim, cada classe se torna o espelho do professor
principal, uma vez que é este quem compõe grande parte dos textos e poesias
estudados pelas crianças, escolhe e conduz os contos de histórias, decide em que
momentos irá introduzir determinados contdos, cria caminhos de produções
artísticas que as crianças seguem e permeia toda a rotina da sala com sua
personalidade.
63
3.1. A PRÁTICA PEDAGÓGICA WALDORF
(...) Que é preciso acontecer para que a pedagogia
adquira novamente um coração?
Rudolf Steiner (2000, p. 33)
A concepção antroposófica do desenvolvimento humano é o principal
fundamento didático da Pedagogia Waldorf (STEINER, 2004a, p. 23). A partir dela
foram estabelecidas algumas das principais características estruturais de cada
período educacional
73
que, nestas escolas, assim como as fases do
desenvolvimento segundo a Antroposofia muito se diferenciam.
O papel do professor, por exemplo, não é o mesmo em todos os graus de
ensino. Na Educação Infantil, já que a criança aprende (sobretudo) por meio da
imitação, o professor deve ser uma figura digna de ser imitada (STEINER, 2004a, p.
21). Na educação de crianças de sete a 14 anos (ou no segundo setênio), como é o
sentir a atividade anímica mais atuante no indivíduo, o professor deve se tornar uma
autoridade amada. E, a partir dos 14 anos, com o despertar do indivíduo para o
pensamento lógico, o professor não deve mais esperar ser uma autoridade, mas
estar munido de argumentos (científicos) para conquistar a admiração de seus
alunos.
Como Steiner considerava que no primeiro setênio a capacidade de abstração
do indivíduo ainda não está formada, não se faz, nas escolas Waldorf, qualquer tipo
de iniciação à alfabetização na Educação Infantil. A alfabetização, iniciada apenas
73
Referimo-nos aqui a três períodos educacionais: Educação Infantil, Educação Básica (primeira a
quarta séries) e o restante do Ensino Fundamental (quinta a oitava séries ou, no caso da Pedagogia
Waldorf, quinta a nona séries).
64
na primeira série do Ensino Fundamental ou do Grau
74
é, por sua vez, vinculada
principalmente por meio de imagens, assim como a maioria dos contdos
destinados às crianças no período entre a troca dos dentes e a maturidade sexual.
Estas imagens são trabalhadas por meio de histórias, composições de aquarelas e
outras produções pictóricas, poesias e outras formas artísticas.
Passando-se à terceira série (quando os alunos já têm aproximadamente
nove anos) inicia-se, nas escolas Waldorf, o estudo sistematizado das Ciências
Naturais que, antes disso, eram ensinadas de forma narrativa e descritiva aos alunos
(STEINER, 2003b, p. 78). A passagem do Rubicão, que segundo Steiner, ocorre
nesta idade, proporcionaria à criança um fortalecimento de sua autoconsciência e
um distanciamento do mundo, que lhe permitiria compreender melhor o ambiente
que a cerca (fundamento para a introdução das Ciências Naturais na terceira série)
(STEINER, 2003b, p. 85)
75
.
O ensino das Ciências Naturais deve iniciar-se pelo reconhecimento do
próprio Homem em suas semelhanças e diferenças com o restante da Natureza
76
,
fazendo-se analogia entre a cabeça humana e os animais inferiores (como o polvo),
o tronco humano e os animais superiores (como o rato) e demonstrando que o
Homem se diferenciaria de todos os outros animais (e é o mais perfeito) por poder
utilizar suas mãos em prol do mundo (STEINER, 2003b, p. 84).
74
Na Pedagogia Waldorf o Ensino Fundamental é chamado de “Grau, dessa forma tem-se a primeira
série do Grau, a segunda série do Grau e assim sucessivamente. Esta linguagem é utilizada por toda
a comunidade escolar. Ao nos referirmos a esta nomenclatura, própria das escolas Waldorf,
utilizaremos Grau com letra maiúscula para facilitar a distinção de outros usos da palavra grau.
75
A Sétima Conferência do livro A arte da Educação II (STEINER, 2003b, p. 77) Steiner dedicou,
inteiramente, à explicação de como deveria ser a introdução do ensino de Ciências Naturais nas
escolas Waldorf.
76
Lembramos que, para Steiner, ao se descrever qualquer coisa do reino natural jamais poderia-se
deixar de incluir o ser humano, pois no homem se reúnem todas as atividades da Natureza
(STEINER, 2003b, p. 85).
65
Para Steiner tal ensino teria um valor moralizante, pois, dessa forma,
despertar-se-ia na criança uma imagem emocional de que o que a diferencia do
restante da Natureza é algo que lhe proporciona a capacidade de cuidar desta
mesma Natureza, o que lhe atribui responsabilidades (STEINER, 2003b, p. 84).
Passando a um outro ponto marcante do caminho educacional proposto por
Steiner, constatamos que ele consiste em oferecer ao aluno um mínimo de
elementos prontos, para suscitar neste a tentativa de conseguir, por esforço próprio,
aquilo que se torna uma necessidade em sua experiência. Há um princípio
desafiador inerente à fundamentação para a prática da Pedagogia Waldorf, pois,
como anunciou Steiner: “Nuestro objectivo mayor es de formar seres humanos
libres, aptos para establecer, por si mismos, metas y direcciones para sus vidas
(STEINER, 2005).
Nos brinquedos e na brincadeira Waldorf encontramos o simples (no objeto)
atuando como gerador de complexidade (na formação cognitiva). Algo que se dá por
meio do trabalho com objetos sem grande elaboração que, como discutiremos
adiante, desafiam a criança a utilizar suas capacidades cognitivas para se satisfazer
durante o ato de brincar.
Ao entrar numa escola Waldorf de Educação Infantil, observamos a totalidade
de alunos (normalmente variando entre 20 e 25 ao todo) interagindo entre si e
dispondo do espaço da escola com grande desenvoltura. Eles brincam livremente a
maior parte do tempo
77
, sendo direcionados apenas em atividades que comem,
também de maneira lúdica, meios que permitem a fruição de suas energias
interiores, como o desenho livre, as rodas rítmicas, a alternância entre a
77
Coerentemente com a idéia de Steiner de que o brincar livre seria uma das atividades mais
importantes para o desenvolvimento cognitivo da criança na primeira infância.
66
concentração (organização) e expansão (desordem) dos objetos utilizados
relacionada a respiração entre outras atividades.
Uma forma de brinquedo característica da escola de Steiner é o que
denominamos de materiais em estado bruto (ver Figura 1). Estes objetos
(trançados de cipó, blocos irregulares de madeira, cascas de coco, sementes ou
grãos - não comestíveis
78
- conchinhas, pedras, entre outros) não pretendendo
representar nenhum elemento específico do mundo ambiente da criança, tornam-se
então tudo aquilo que a ela convir no ato lúdico.
Em O julgamento moral na criança, Piaget (1977, p. 26) também relata
perceber a tendência de crianças até três anos de idade de adaptar qualquer objeto
ao seu jogo. Por meio da observação das reações de crianças até três anos de
idade frente a bolinhas de gude, por um determinado período, Piaget afirma:
No dia em que se brinca de comidinha, as bolinhas servem de
alimentos para serem cozidos na panela. No dia em que o interesse
está nas classificações e nos arranjos, as bolinhas são amontoadas
nas concavidades da poltrona etc. Em geral, no brinquedo, não ,
portanto, regras.
Nas escolas Waldorf os brinquedos têm a intencionalidade de estimular esta
faculdade da criança durante todo o Jardim de Infância. A autora Edda Bomtempo
que percebe a presença deste tipo de brincadeira (com o que ela chama de
substituição da identidade do objeto) até os cinco anos de idade (BOMTEMPO,
2001, p. 137) explica que:
(...) ao brincar com uma boneca que não traga nenhuma iia pronta
como chorar, andar ou falar, esta brincadeira apresentará vários
estágios: aos 2 anos, ela atribuirá à boneca ações independentes
78
Não se utiliza grãos comesveis em brincadeiras, pois, considera-se o alimento sagrado.
67
como dormir, chorar, ver, etc.; 6 meses mais tarde, além dessas
ações, ela atribuirá, tamm, experiências emocionais como dor e
medo e, finalmente, aos 4 ou 5 anos experiências cognitivas serão
atribuídas à mesma boneca.
A partir desta referência podemos perceber que, também para esta autora, a
falta de definições específicas nas expressões e habilidades do brinquedo contribui
para que o processo imaginativo seja mais rico.
A indefinição transfere à imaginação da criança a potencialidade de ser”
simlico do objeto. O esforço de aproximar o brincar, à realidade “ideal” para o
sujeito, desencadeia o aprimoramento de sua capacidade mental de criar e vivenciar
imagens interiores.
FIGURA 1 - ALGUNS DOS MATERIAIS EM ESTADO BRUTO UTILIZADOS
COMO BRINQUEDOS NAS ESCOLAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL
WALDORF.
As bonecas utilizadas nas escolas Waldorf têm proporções de corpo
parecidas com as proporções das crianças, mas não têm um rosto definido (ver
FIGURA 1 - ALGUNS DOS MATERIAIS EM ESTADO BRUTO”
UTILIZADOS COMO BRINQUEDOS NAS ESCOLAS DE EDUCAÇÃO
INFANTIL WALDORF
FOTOGRAFIA: FRANCINE MARCONDES CASTRO OLIVEIRA
68
Figura 2). Aconselha-se aos pais que tenham uma boneca assim em casa para que
seu filho tenha a opção de utilizá-la.
Como Renate Keller Igcio ressalta:
Os brinquedos devem ser os mais simples possíveis [sic]. Quanto
mais simples for um brinquedo, mais a criança se tornará ativa em
seu interior, em sua fantasia. Uma boneca, por exemplo, pode ser
um pano de algodão amarrado no meio, para formar a cabeça, e dois
nós , em duas pontas, como mãos. Quando a criança brinca com
essa boneca, ela tem de fazer o esforço da fantasia, para imaginar
os olhos, a boca, os cabelos etc. Ela conversa com a boneca e a faz
chorar, rir, comer. Esse movimento interior da fantasia é tão
importante para a criança como o movimento de seu corpo físico.
Se déssemos uma boneca perfeita, que pisca os olhos, chora, anda,
faz xixi de verdade, é como se puséssemos então a fantasia da
criança numa camisa-de-força, e ela se atrofia. (IGNÁCIO, 1995, p.
26)
FIGURA 2 - ESTILO DE BONECA UTILIZADA NAS ESCOLAS WALDORF. NÃO
POSSUI FACE DEFINIDA, DEVE TER AS MESMAS PROPOÕES
DE CORPO QUE AS CRIAAS QUE BRINCARÃO COM ELA E É
CONSTITUÍDA TOTALMENTE DE MATERIAIS QUE CONSERVAM
SUAS CARACTERÍSTICAS ORIGINAIS (LÃ DE ALGODÃO E DE
CARNEIRO). MENINOS E MENINAS BRINCAM DE BONECA NAS
ESCOLAS WALDORF
FIGURA 1 - ESTILO DE BONECA UTILIZADA NAS ESCOLAS WALDORF.
NÃO POSSUI FACE DEFINIDA E É CONSTITUÍDA TOTALMENTE DE
MATERIAIS QUE CONSERVAM SUAS CARACTERÍSTICAS ORIGINAIS
FOTOGRAFIA: PAULO ROBERTO SOUZA DE BRITO
69
Na escola de Steiner evita-se que qualquer boneca ou animal, de madeira ou
pano, possuam face com expressão determinada. Em geral, o máximo que se pode
encontrar em um brinquedo Waldorf são pontos ou bolinhas demarcando o lugar
dos olhos, do nariz e da boca. Tal característica é mantida, pois, acredita-se que
frente à boneca de guardanapo a criança precisa imprimir um esforço para torná-la
humana que terá um efeito plasmador”
79
(STEINER, 1996a, p. 25).
Ao distanciar o brincar da capacidade predominantemente perceptiva,
oferece-se à criança um desafio, que se torna crescente à medida que ela
desenvolve suas capacidades interiores de incrementar o objeto (digo isso, pois, no
perceber”, que designa a captação de existências provenientes do objeto para
impressão na mente, a composição do interior pelo exterior, enquanto que no
“imaginar” imprimi-se no objeto, num dado momento e com desfrute individual (com
o que se tinha composto por meio de objetos exteriores, algo que nele inexiste)).
Essa incrementação é incentivada, neste contexto, pela busca da satisfação pessoal
da criança no ato de brincar. Não obstante, este exercício será para ela o
predecessor da capacidade expressiva, pois, para ir de um a outro basta que ela fixe
suas impressões interiores no tempo e no espaço e para desfrute comum.
79
Plasma, do grego, obra modelada. Para a Antroposofia, assim como para o Espiritismo, a matéria,
como energia espiritual condensada, é formada e moldada pela atuação de foas espirituais
inteligentes (ação à qual refere-se a palavra plasmar). No caso da criança que brinca com a boneca
de face indefinida, a foa espiritual inteligente é ela mesma, que em seu esfoo, desenvolve
possibilidades cognitivas que estarão envolvidas em seus processos de aprendizagem posteriores.
Segundo o que indica Antunha (2001, p. 35) “(...) a escala mamífera não nasce tão pronta (quando
comparada à escala reptiliana) tendo em vista um longo programa a ser desenvolvido, exigindo anos
para sua consecução. Nesse sentido, a partir do vínculo materno (...) e percorrendo toda a
complexidade de comportamentos que as crianças desenvolvem durante a primeira e segunda
infância, nota-se a importância fundamental que têm os jogos para a construção do ser”.
70
Há também a utilização de brinquedos trabalhados, que ganham forma por
meio da escultura na madeira ou do artesanato (ver Figura 3). Neste grupo
encontramos cavalinhos de pau, cavalos e coelhos com rodinhas, carrinhos e
canoas, bichinhos de algodão, entre outros. Todos as peças de madeira são
lapidadas na marcenaria da própria escola e conservam, invariavelmente, sua cor
natural, sendo no máximo envernizadas. Enquanto que os brinquedos de pano são
costurados pelas próprias professoras no período de aulas
80
.
FIGURA 3 - CAVALINHO DE MADEIRA ESCULPIDO EM UMA DAS ESCOLAS
WALDORF QUE VISITAMOS.
Nas narrativas infantis das escolas Waldorf o princípio desafiador é
semelhante, pois, é através da ausência de elementos (dramatização, ilustrações,
comentários da professora...) que se propõe desenvolver as capacidades
80
Nas escolas Waldorf as professoras de Educação Infantil ficam permanentemente desempenhando
atividades úteis enquanto observam os alunos em suas brincadeiras livres. Esta prática está
relacionada à intencionalidade de dar à criança um exemplo sadio de pessoa adulta, que empenha-se
em contribuir com seus talentos ao meio em que es inserida. Esta prática provém da orientação
antroposófica de que a criança, até a troca dos dentes, aprende por meio da imitação.
FIGURA 3 - CAVALINHO DE MADEIRA ESCULPIDO EM UMA DAS
ESCOLAS WALDORF QUE VISITAMOS
FOTOGRAFIA: FRANCINE MARCONDES CASTRO OLIVEIRA
71
imaginativas da criança. Este trabalho é, entretanto tão diferenciado daquele que
encontramos tradicionalmente, que se faz necessário uma contextualização.
STEINER (1996a, p. 12) enuncia que Quem quiser conhecer a essência do
Homem em desenvolvimento deverá partir de uma observação da natureza oculta do
ser humano em geral”. Esta frase traduz, em grande parte, o significado do trabalho
com as narrativas infantis nas escolas Waldorf.
Postula a Antroposofia que, durante o passar dos tempos, enquanto a
humanidade progredia em maturidade (filogênese), o Homem envolto em suas
experiências de vida e tradições, sintetizou, por meio de representações oníricas,
conteúdos inconscientes, esclarecedores de grandes verdades concernentes à vida
humana (PASSERINI, 1996).
Estes contdos foram recolhidos em diversas épocas e formaram um acervo
que hoje constitui os Contos de Fadas, as Fábulas, o Velho Testamento, os Contos
Nórdicos entre outras narrativas, inclusive o Folclore Brasileiro (PASSERINI, 1996).
Como se acredita, na Antroposofia, que a ontogênese humana reproduz, em
um período reduzido, a filogênese humana, cada grupo de histórias (por ter surgido,
em épocas diversas) corresponde a uma fase da infância e pré-adolescência.
Tal é a importância dada ao conto de histórias nas escolas Waldorf, que sua
preparação passa por um cuidadoso processo, voltado a oferecer às crianças os
conteúdos que estas anseiam da forma mais receptível possível.
Antes de se colocar à frente dos alunos para iniciar o conto de uma história,
uma Professora Waldorf trilha um longo caminho de preparação. Escolher uma
história para uma sala de Educação Infantil, é uma tarefa minuciosa que exige da
Educadora um profundo conhecimento da turma e dos princípios do
desenvolvimento infantil segundo a Antroposofia.
72
Para selecionar um conto, ela precisa pesquisar e examinar numerosas
histórias até estar certa de que encontrou aquela que melhor corresponde ao
momento da turma. Cada grupo de alunos possui suas particularidades e
demandam o conto de uma história em especial, capaz de responder às suas
inquietações sobre certas verdades relacionadas à vida humana (PASSERINI,
1996).
Os contos de fadas são coletados em suas fontes originais como, por
exemplo, nas obras dos Irmãos Grimm. Na Educação Infantil a intencionalidade
de se aproximar ao máximo as palavras utilizadas nas narrações, daquelas contidas
nas obras originais. O mesmo acontece em relação aos conteúdos destas histórias
que, em geral, contêm trechos que podem ser considerados (em contextos não-
Waldorf) pesados para as crianças. Como é o caso da versão original de Branca de
Neve, em que a bruxa, capturada pelos sete anões, é obrigada a dançar até a morte
sobre sapatos em brasa.
Segundo o proprietário de uma das escolas Waldorf pesquisadas, as crianças
não têm o mesmo impacto que os adultos diante dos acontecimentos de um Conto
de Fadas. A morte da bruxa é, para elas, a representação da morte do mal e isso
retira do acontecimento a conotação de perversidade. Os personagens e elementos
de um conto de fadas são imagens arquetípicas, que podem ser representados de
forma diferente em cada cultura, mas sempre irão se referir a uma iia que é
universal.
Sendo assim, as ter escolhido a história que irá contar, a professora deve
relê-la numerosas vezes para decorá-la e, principalmente, para eliminar qualquer
preconceito seu sobre seu enredo (PASSERINI, 1996).
73
Para contar a história a docente deve preparar um ambiente agradável à meia
luz, onde as crianças se sentarão ao chão e em roda (no caso da pré-escola). Faz-
se o conto sem o apoio de nenhum livro ou gravura. Ouve-se apenas a voz da
Professora acompanhada, às vezes, do soar de um Kântele (instrumento musical
semelhante à harpa, muito utilizado nas escolas Waldorf).
A entonação de voz utilizada é contínua, para que a criança não seja induzida
a se emocionar mais ou menos com certas partes da narração. Sua vivência do
conto deve variar de acordo com suas próprias características interiores
(PASSERINI, 1996). Além disto, o professor nunca faz, durante ou ao final do conto,
comentários como: o que vocês entenderam dessa história?, pois, procura-se não
oferecer aos alunos uma conclusão, um contdo pronto. Por fim, a mesma história
é recontada várias vezes à mesma turma até que os alunos se tornem capazes de
transmiti-la com começo, meio e fim.
O conto de histórias para as crianças do Ensino Fundamental é mais livre de
diretrizes do que para as crianças da Educação Infantil. Os contos de fadas são
contados dos quatro anos de idade até a primeira série do Grau
81
. Depois disso, na
segunda série vêm as Fábulas, na terceira série o Velho Testamento (com a História
Bíblica da Criação)
82
, na quarta série cenas da História Antiga, na quinta, cenas
81
Steiner (STEINER, 1999a, p. 21) orienta para que os Contos de fadas sejam contados dos quatro
aos sete anos de idade e, que nas demais séries sejam contadas outras hisrias. Contudo, no livro
Os contos de fadas (STEINER, 2002c) Steiner afirma que por toda a nossa vida, passa pelas mais
profundas vivências da alma aquilo que se expressa nos contos de fadas”, ou seja, que estes contos
respondem às questões interiores do Homem durante toda a sua vida e não só na infância.
82
No período em que fizemos pesquisa de campo na escola Waldorf observamos o conto de vários
trechos da Hisria da Criação na terceira série, pois esta é a hisria que responde a questões
interiores das crianças nesta fase da vida (segundo a Antroposofia), contudo, isto não impede que o
professor Waldorf insira outras hisrias (paralelamente) no trabalho com o restante dos conteúdos.
No mesmo período de nossa pesquisa de campo, por exemplo, pudemos presenciar o conto da
hisria (verídica) de uma família que emigrou para Curitiba no icio do século XX (os bisavós da
professora de turma) com grande riqueza de detalhes sobre roupas que usavam, com o que
trabalhavam, como eram os meios de transportes, etc. E tal hisria constituiu-se de um estímulo para
a introdução de um conteúdo de matemática.
74
históricas da Idade Média, na sexta, cenas da História Moderna (em que se trabalha
a História da cultura local), na sétima série Narrativas sobre os povos e, na oitava,
Conhecimentos etnológicos
83
(STEINER, 1999a, p. 21).
Como já falamos anteriormente, ao escolher o conjunto de histórias que
seriam contadas a cada série do Grau, Steiner baseou-se na história da filogênese
humana relacionando-a com a ontogênese. Pelo que pudemos entender ao
conversar com um professor Waldorf (sobre o porq de, em geral, não se contar
histórias da cultura regional na primeira infância), os contos de Fadas surgiram em
um momento em que a humanidade tinha uma maturidade anímica semelhante à de
uma criança de quatro a sete anos de idade. As histórias brasileiras desta época o
foram conservadas, pois os arqtipos de nosso Folclore, por exemplo, o
correspondem à primeira infância, mas à segunda infância ou à adolescência e,
dessa forma, é nesta época que se trabalha mais com os conteúdos e elementos
folclóricos brasileiros na escola Waldorf.
Além disso, personagens como o Saci, o Curupira e a Iara (entre outros),
sendo considerados como seres da Natureza, semelhantes aos Elfos e os gnomos
(mais usados por outras culturas), também fazem parte do trabalho com imagens
nas escolas Waldorf e permeiam o imagirio das crianças (sobretudo no Grau).
É muito importante ressaltar que, apesar de Steiner (1999a, p. 21)
recomendar o conto do Velho Testamento Bíblico na terceira série, ele não tinha
uma visão criacionista da origem da Terra e dos seres vivos. Sua discordância em
relação a Darwin e Haeckel dirigia-se, sobretudo, ao monismo
84
adotado por estes
83
Possivelmente na época em que ministrou esta conferência (de 21 de agosto a 6 de setembro de
1919) Steiner ainda não havia implantado a nona série nas escolas Waldorf, já que suas
recomendações sobre contos neste contexto vão apenas até a oitava série.
84
“O monismo, do grego monos, único, é uma concepção filosófica que sustenta existir apenas uma
escie de substância ou realidade fundamental (CAPRA, 1982, p. 159).
75
dois pesquisadores, entretanto, quanto à teoria evolucionista, Steiner demonstrava
concordância, pois, ainda que para ele, esta teoria não desse conta de detalhar o
universo completo das ocorrências envolvidas no desenvolvimento da vida na Terra,
ela estava bastante próxima do acerto no que dizia respeito à realidade material. No
livro Reencarnação e carma: à luz das modernas concepções da Ciência Natural, ao
comentar o desenvolvimento epistemológico da Ciência Natural, Steiner desenvolve
o seguinte raciocínio:
[Até Darwin] Apesar dos esforços feitos, nada era possível opor
razoavelmente ao que Lineu, o grande naturalista do século XVIII,
afirmou: ‘As espécies existentes do reino animal e vegetal são tantas
quantas no princípio foram originalmente criadas. Não estávamos, aí
diante de tantos milagres da Criação quantas eram as espécies de
plantas e animais? De que nos servia nossa convicção de que Deus
não podia ter ressuscitado zaro por uma intromissão sobrenatural
na ordem natural, por um milagre, se éramos obrigados a aceitar
todos esses intocáveis acontecimentos sobrenaturais? Veio então
Darwin e nos mostrou que, por leis naturais imutáveis a da
adaptação e a da luta pela existência as espécies vegetais e
animais surgem à semelhança dos femenos da natureza
inanimada. Ficou, assim, preenchida a lacuna que havia em nossa
explicação da natureza.
Segundo uma Professora Waldorf, pode-se aceitar, a partir da teoria
antroposófica, que o Velho Testamento contenha uma alegoria da história do
desenvolvimento da Terra, entretanto, ela não pode ser tomada literalmente. Além
disso é preciso ressaltar, ainda, que no conto do Velho Testamento, na terceira
série, não conseguimos identificar uma iniciativa religiosa. A religiosidade das
escolas Waldorf está inserida, como veremos mais adiante, nas práticas diárias de
todas as séries como meio de religação dos indivíduos com a Natureza. Não
obstante, da maneira como é contado, em seqüência aos outros contos que
76
permeiam a Pedagogia Waldorf, o Velho Testamento torna-se mais um transmissor
de imagens arquetípicas as crianças.
Quando se trata de relatos históricos, os professores do Grau devem, de
preferência, compor um texto próprio, baseado na leitura de vários livros de história,
para trabalhar os contdos com os alunos.
Na primeira e segunda séries do Grau (em que se conta Contos de Fadas e
Fábulas, respectivamente), em caso de o professor não encontrar uma história que
corresponda ao momento da turma, ele mesmo deverá criá-la baseando-se no
princípio de transmitir iias arquetípicas coincidentes à fase dos alunos, sempre
trabalhando imagens por meio da linguagem.
Na ausência de imagens prontas
85
(exteriores) durante o conto, os alunos são
desafiados a criar, eles mesmos, as representações mentais correspondentes à
exposição oral do Professor. Como explica Passerini, o ser humano tem a
necessidade de vivenciar imagens (PASSERINI, 1996), sendo suscitado a criá-las,
quando estas não são oferecidas. Entretanto, se uma figura é mostrada para
representar, num exemplo, a Princesa da história, a criança fica presa a este
estereótipo e seu ímpeto de utilizar a imaginação será menor.
Pode-se compreender o grande poder das imagens, e a necessidade
de vivenciá-las quando observamos crianças, jovens, pessoas de
qualquer idade, todos os dias, assistindo novelas, desenhos ou
filmes. O advento e o sucesso das imagens vividas através da
tecnologia dos meios de comunicação, no cinema, televisão, vídeo,
jogos de computador, fliperama, revistas em quadrinhos, parecerem
preencher um vazio. Mas, em geral, são elas passivamente
recebidas, vividas superficialmente e rapidamente esquecidas.
(PASSERINI, 1996, p. 104)
85
a ausência de imagens prontas, contudo a presença de imagens arquetípicas conduzidas
pela palavra. A representação mental desta imagem arquetípica depende de cada ouvinte.
77
O exercício de transformar um conteúdo oral em imagens interiores, ajuda na
formação do gosto estético da criança. Ela se torna então, capaz de imaginar com
mais clareza (BUCK; OLIVEIRA, 2003). Todas essas influências intencionadas,
proporcionam à criança um ambiente propício para o desenvolvimento de talentos
artísticos. Sua criatividade e liberdade são cultivadas e estimuladas (BUCK;
OLIVEIRA, 2003, p. 108).
Como Passerini (1996) expõe, questiona-se a utilização de desenhos
animados, filmes, etc. com crianças, pois eles:
(...) continuam a desenvolver o que já, em geral, esta muito desenvolvido, ou seja, sua [da
criança] capacidade perceptiva em detrimento da imaginativa. Aprender a ouvir e a imaginar é
a função e o objetivo de narrar Contos de Fadas e outras histórias. (p. 118)
Passando a outras características, devemos mencionar que no Ensino
Fundamental (Grau) a estrutura de ensino Waldorf se diferencia, em muito, da
maioria das escolas não-Waldorf que conhecemos. Em suas salas de aula, as
crianças são organizadas nas carteiras de acordo com os princípios de equilíbrio dos
temperamentos enunciados por Steiner.
O professor deve considerar a planta da sala como um grande ser humano
estando ele situado na cabeça. Olhando para a sala, ele deve situar do lado
esquerdo (do lado de seu coração) as crianças de temperamento sangüíneo, do lado
direito (ou da mão que, predominantemente, é a mais forte), as crianças de
temperamento colérico. Em local diametralmente oposto aos sangüíneos (ou seja,
do lado inferior direito da sala) deve situar os melancólicos e, do lado
diametralmente oposto aos coléricos, deve situar os fleumáticos.
78
O princípio de colocar juntas as crianças de mesmo temperamento segue a
mesma sabedoria da homeopatia (de tratar a fonte dos desequilíbrios com o seu
igual). Segundo Steiner:
...as crianças também atuam umas sobre as outras. E o curioso é o
seguinte: dividindo-se as crianças em quatro grupos de
temperamento igual e colocando as iguais lado a lado essas
disposições não interagem de modo a intensificar-se, e sim a burilar-
se. Um grupo de crianças sangüíneas, por exemplo, não intensifica
seu temperamento: elas se burilam umas às outras. (STEINER,
1999a, p. 18)
Ou seja, crianças coléricas tendem a dar-se muito bem e tornarem-se ainda
mais coléricas diante de crianças fleumáticas. Num exemplo bastante estereotipado,
podemos dizer que, quando contrariada, a criança colérica tende a explodir” e acuar
a criança fleumática que, por seu temperamento, tende a não querer levar a briga
adiante e fazer o que a criança colérica lhe pediu. Dessa forma o colérico se torna
mais colérico, e o fleumático se torna mais fleumático.
Ao contrário, quando se coloca duas crianças coléricas para se relacionar
intensamente (sentando uma ao lado da outra na sala de aula), elas logo percebem
(ou sentem) que precisam conter seus impulsos explosivos para conviverem
86
. Se
uma tem um ataque de nervos a outra responde na mesma intensidade, e isso faz
com que as duas saboreiem seus impulsos e tenham um espelho diante de si.
86
s presenciamos em uma das salas um atrito entre crianças coléricas. Neste momento o
professor agiu como mediador, mas procurou não interferir muito na briga que se iniciou. Segundo
ele, o papel do professor em situações como esta é evitar que a briga passe para a agressão física,
sem, no entanto, impedir que as crianças vivenciem o impulso de seu temperamento (no caso
colérico) que é esbravejar muito. Dessa forma ela mesma irá aprendendo a regular-se, principalmente
porque não só falará mas também ouvirá muito do outro colérico. Já se fosse reprimida ela não
aprenderia a lidar com seus impulsos e seria mais explosiva quando não houvesse a presença de um
repressor.
79
Utilizamos como exemplo as crianças de temperamento colérico, mas em
todos os outros casos o efeito é o mesmo. As crianças de temperamento sangüíneo
com seus impulsos de dispersão, de sonho contínuo, as fleumáticas com sua
introspecção e as melancólicas com seus pesares tendem a relativar seus
comportamentos diante de colegas semelhantes a elas, e isso lhes proporciona um
passo no sentido do equilíbrio.
A organização da grade de aulas nas escolas Waldorf tamm é bastante
característica. Em uma de suas palestras a futuros professores da primeira escola
Waldorf, Steiner enuncia:
Bem, desde o início quero chamar sua atenção para o fato de
darmos grande valor a uma estruturação do ensino concentrada ao
máximo. Sem isso o poderemos levar em conta todas essas
coisas que acabo de abordar, principalmente os temperamentos. Por
esse motivo não teremos o que, lá fora, é denominado plano de
aulas. Nesse sentido trabalharemos na direção oposta à da
instituição que representa o ideal de educação materialista moderna.
Em Basiléia, por exemplo, fala-se em aulas de quarenta minutos.
Logo a seguir vem algo diferente. Isso nada mais significa senão
apagar logo em seguida tudo o que se passou nos quarenta minutos
anteriores, provocando nas almas uma tremenda confusão.
(STEINER, 1999a, p. 18)
Tendo se oposto ao formato de aulas compartimentadas que encontrava em
escolas não-Waldorf, Steiner preconizou um ensino por épocas, que se dariam em
grandes períodos de aproximadamente quatro semanas.
Dessa forma, os alunos Waldorf não têm aulas de Português, Matemática,
Ciências, História, etc., todas no mesmo dia e nem mesmo na mesma semana. As
aulas são organizadas de forma que durante, aproximadamente, quatro semanas, as
crianças se aplicam ao estudo das letras e somente após um grande mergulho nesta
época específica, irão dirigir suas atenções à outra disciplina.
80
A divisão das disciplinas em épocas tem várias intencionalidades. Entre elas
podemos destacar a de oferecer tempo para que as crianças interiorizem cada
conteúdo, a de dar tempos diferenciados a cada criança de acordo com seu ritmo
87
e
também a de utilizar o sono como um auxiliar da aprendizagem, já que a
Antroposofia (segundo alguns professores Waldorf) afirma que os conteúdos
aprendidos pelo indivíduo durante o dia seriam (re)processados e sintetizados
durante o sono.
Esta última afirmação encontra confirmação no trabalho de Louzada e Menna-
Barreto (2004, p. 45) que afirmam que de todas as hiteses sobre as funções do
sono, uma que tem ganhado força nos últimos anos é a importância do sono para a
consolidação do aprendizado.
A organização das disciplinas em épocas não se torna monótona para as
crianças porque é combinada a atividades bastante diversificadas que são
ministradas de acordo com o dia da semana. As aulas Waldorf que mais se
assemelham àquelas que costumamos encontrar na maioria das escolas não-
Waldorf (ou seja, das crianças sentadas observando a professora ao quadro), o se
estendem por mais que duas horas ao dia. No restante do período, as crianças
vivenciam o contdo de forma muito diferenciada, em aulas complementares que,
87
Em geral as crianças fleumáticas demoram mais para fazer as atividades, pois, são muito reflexivas
e se dispersam com facilidade. Considerando isso, os professores Waldorf que observamos nunca
davam broncas nas crianças fleumáticas por terem demorado mais que as outras em uma atividade,
mas ofereciam mais tempo a elas enquanto davam outra atividade às outras crianças, procurando
o frustrar aquele que se demorou fazendo-o interromper a atividade sem termi-la (a divisão das
disciplinas em épocas permite que isto seja feito sem prejuízo para as crianças).
81
em geral, contêm o estudo de uma outra língua ou de atividades artísticas e
artesanais
88
.
Rodas rítmicas, pintura em aquarela e recitações de poemas são algumas
das práticas às quais os professores recorrem durante um dia letivo. Por esta razão,
as aulas são empolgantes e as crianças sentem-se ávidas por participar delas.
As exigências que Steiner determinou ao professor que decidisse lecionar em
uma escola Waldorf são bastante extensas. Para direcionar as práticas de música,
pintura e recitação, por exemplo, o professor teria que dominar (ao menos num nível
intermediário) todas estas formas artísticas. Além disso, o conhecimento profundo da
teoria antroposófica seria fundamental.
Para oferecer aos professores esta formação específica, foram criados cursos
de formação de professores Waldorf
89
nos países em que estas escolas se fixaram.
No Brasil esta formação tem a duração de quatro anos.
Não obstante, a formação institucional não constitui o único pré-requisito para
um professor Waldorf. Ele não pode, por exemplo, deixar que seu próprio
temperamento o domine durante as aulas, trazendo uma disposição única e radical
aos seus alunos (STEINER, 2004a, p. 14). Deve ter a capacidade de vivenciar
qualquer um dos temperamentos de acordo com aquilo que quiser transmitir, sendo
88
Mesmo as aulas expositivas das escolas Waldorf são baseadas na tríade pensar, sentir, querer.
Dessa forma, para exemplificar, bem no icio da aula as crianças podem relembrar o que ocorreu na
aula do dia anterior (pensar), depois vivenciar imagens por meio do conto de uma hisria (sentir) e
depois fazerem alguma atividade relacionada ao conteúdo trabalhado (querer). O importante é que as
crianças sejam levadas a raciocinar, agir e se emocionar intensamente por meio conteúdo trabalhado.
89
No Brasil existem alguns centros de formação de Professores Waldorf. Um deles se encontra em
Santa Catarina e atende a interessados na formação pedagógica antroposófica de todo o sul
brasileiro.
82
melancólico ao contar a parte triste de uma história, silenciado (“fleumaticamente)
quando isto for significativo para o momento; sendo sangüíneo ao chamar as
crianças para uma atividade lúdica, e colérico ao vivenciar a firmeza de um ritmo.
O professor também deveria, segundo Steiner saber trabalhar enlaçado aos
sentimentos que correm entre seus alunos, tomando como estratégia ditica toda a
nuance de humor que cada contdo viesse a suscitar nas crianças.
A esse respeito Steiner diz:
Um professor de classe capaz de ensinar durante duas horas sem
fazer as crianças rir de algum modo é um mau professor, pois nunca
possibilita que elas se dirijam à superfície de seu corpo. Um
professor que não consegue ao menos comover sutilmente as
crianças, de modo que elas se interiorizem, tamm é um mau
professor; pois falando-se em extremos, deve haver uma alterncia
entre o ambiente pleno de humor, quando as crianças riem não é
preciso chegar ao riso: elas devem divertir-se internamente , e o
ambiente trágico, comovente, choroso elas não precisam chorar,
mas têm de interiorizar-se. Eis o que é necessário: criar um ambiente
anímico no ensino. (STEINER, 1996b, p. 19)
Além disso, outras habilidades, como a de preparar os próprios livros ou
mesmo de escrever versos significativos para cada turma ou aluno são essenciais a
estes professores:
A este respeito, nós, mestres, devemos transformar-nos em artistas.
Assim como é impossível o artista recorrer a um livro sobre estética a
fim de pintar ou esculpir conforme princípios de estética, o professor
jamais deveria ensinar recorrendo a um daqueles receituários
pedagógicos. O professor necessita de uma verdadeira compreensão
do que o homem realmente é e do que vem a ser enquanto se
desenvolve no decorrer da infância. (STEINER, 1997a, p. 18, grifo do
autor)
Para Steiner, a Pedagogia (enquanto prática) não podia ser uma ciência, mas
uma arte. Segundo suas palavras:
83
Na vida, é importante que as relações entre o indivíduo e seu meio
ambiente sejam corretamente reguladas. Nós podemos comer e
digerir de maneira adequada os produtos fornecidos pelo mundo
exterior; mas não nos alimentaríamos bem se ingeríssemos com
alimento produtos que já tivessem, até certo ponto, sido digeridos.
Isso demonstra que certas coisas têm que ser assimiladas do
exterior sob determinada forma, tornando-se importantes para a vida
pelo fato de continuarem a ser processadas pelo próprio homem.
O mesmo acontece em áreas mais elevadas, com por exemplo na
pedagogia, na arte da educação. O que importa na arte de educar é
aquilo que aprendemos e aquilo que o educador, enquanto lida com
o ensino, deve inventar a partir do que aprendeu. Quando
aprendemos a pedagogia como uma ciência composta de várias
teses e vários princípios bem formulados, isso, para a arte de educar,
significa o mesmo que escolher para alimentar-se alimentos já pré-
digeridos por outras pessoas. Mas quando, por outro lado.
assimilamos a antropologia, o conhecimento da essência do ser
humano pelo aprendizado, chegando assim a compreender o
homem, então acolhemos o correspondente aos alimentos oferecidos
pela natureza. Na prática do ensino, a própria arte pedagógica
desponta desse conhecimento do homem para cada caso individual.
A cada instante ela tem de ser inventada pelo professor (STEINER,
1997a, p. 42)
3.2. A ESCOLA WALDOR ESTUDADA
Com sua luz querida
o sol clareia o dia
E o poder do espírito,
que brilha na minha alma,
força aos meus membros.
No brilho da luz do sol, ó Deus,
Venero a força humana
que tu, bondosamente,
plantaste na minha alma,
para que eu possa estar
ansioso em trabalhar,
para que eu possa ter
desejo de aprender.
De ti vêm luz e força.
Que para ti refluam
amor e gratidão.
Rudolf Steiner
Situada em uma área periférica da cidade de Curitiba, a Escola Waldorf
estudada atende atualmente a turmas do Maternal à Educação Básica e conta, ao
84
todo, com 60 alunos. A distribuição destas crianças nas turmas configurava-se da
seguinte maneira no período da pesquisa de campo
90
: 12 alunos no Maternal, nove
no Jardim da man, sete no Jardim da tarde, 10 na primeira série, 11 na segunda
série, seis na terceira série e seis na quarta série.
Do total de alunos, cerca de 10% são bolsistas. Segundo depoimento da
secretária da escola só não se aceitava um mero maior de bolsistas na escola, por
falta de recursos.
Criada em 1994 pela iniciativa de cinco pais interessados em introduzir seus
filhos em uma instituição que trabalhasse com a Pedagogia de Rudolf Steiner, a
escola pesquisada constitui-se, atualmente, da associação de 45 pais e está aberta
para acolher novos associados. Esta formação em associação é uma característica
de grande parte das escolas Waldorf, que, em geral não têm um proprietário.
Trabalham na escola quatro professores oficiais (de primeira a quarta séries
ou Grau), uma professora de alemão, uma professora de inglês, uma professora de
música, três professoras de pré-escola, uma auxiliar de pré-escola, uma secretária e
uma auxiliar de serviços gerais; além de um grande grupo de pais e colaboradores
que quotidianamente oferecem contribuições à escola em atividades como:
artesanato, marcenaria, costura, etc.
Os professores do Grau, além da aula principal (da qual falaremos mais
adiante) ministrada todas as manhãs das 7h 30m às 9h 30m, trabalham também
algumas das aulas avulsas aquarela, trabalhos manuais, argila e jogos desde
após o recreio (10h) até às 12h 25m.
90
A pesquisa de campo de desenvolveu de mao a junho de 2005.
85
O espaço físico externo da escola é amplo, contém um concentrado de
árvores do lado direito, reservado às crianças da pré-escola e algumas espalhadas
pelo restante do espaço, com poucas áreas calçadas, sendo a maioria coberta por
grama (ver Figura 4). A Figura 5 é a vista que se pode ter da sala da terceira série.
As crianças costumam correr e brincar, durante o intervalo, no gramado que se pode
observar nesta figura. Este também é um dos espaços que um dos Professores
utiliza para desenvolver a aula de jogos que ministra para todas as séries do Grau.
FIGURA 4 - VISÃO FRONTAL DA ESCOLA ESTUDADA. PRÉDIO PRINCIPAL. À
DIREITA DA FOTO ESTÁ UM PROFESSOR MINISTRANDO UMA
AULA DE JOGOS.
FIGURA 4 - VIO FRONTAL DA ESCOLA ESTUDADA. PRÉDIO
PRINCIPAL. À DIREITA DA FOTO ESTÁ UM PROFESSOR MINISTRANDO
UMA AULA DE JOGOS
FOTOGRAFIA: FRANCINE MARCONDES CASTRO OLIVEIRA
86
FIGURA 5 - VISÃO QUE SE TEM DA JANELA DA SALA DA TERCEIRA SÉRIE
DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA.
O terreno da escola contém três prédios que foram construídos em períodos
diferentes. O mais antigo deles que é uma casa adaptada para a função escolar
(ver Figura 4) abriga a secretaria, a cozinha e o espaço da pré-escola. O interior
deste prédio possui uma decoração muito característica das escolas Waldorf. As
portas e todos os móveis são de madeira apenas envernizada, há cantos
suavizados
91
com leves tecidos de cor clara (cor-de-rosa, azul, etc.) que partem do
teto fazendo ondas até a parede (ver Figura 6 Lateral de uma das salas utilizadas
pela Educação Infantil), existem muitas peças de artesanato em materiais naturais e
91
A utilização de cores suaves nas salas tem uma intencionalidade terapêutica. Em geral as crianças
de hoje são bastante ativas, porque interagem diariamente com um mundo muito estimulante. Como
as cores suaves m um poder calmante (ver Walker (1995)), um ambiente permeado por elas
contribui para diminuir a excitação dos alunos. Segundo um professor da escola Waldorf pesquisada,
em casos particulares, em que, pelo contrário, a maioria das crianças de uma classe se mostram
apáticas, deve-se utilizar cores mais vibrantes no interior da sala para estimulá-las.
FIGURA 5 - VIO QUE SE TEM DA JANELA DA SALA DA TERCEIRA
RIE DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA
FOTOGRAFIA: FRANCINE MARCONDES CASTRO OLIVEIRA
87
rústicos como móbiles de galhos, cestos de vime, tocos e sementes e também
algumas cabanas.
FIGURA 6 - LATERAL DE UMA DAS SALAS UTILIZADAS PELA EDUCAÇÃO
INFANTIL DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA.
O prédio que abriga as salas de terceira e quarta séries limita-se a duas salas
e foi construído totalmente em madeira. O prédio erguido mais recentemente (Figura
7) na ocasião de uma ampliação do espaço disponível à escola foi construído
inteiramente em tijolo de barro
92
e contém um desenho muito interessante no teto
(Figura 8 Teto do prédio construído mais recentemente pela escola). A arquitetura
desta construção lembra muito a de outras construções antroposóficas que vimos
por fotografia (ver Figura 9 Face sul do primeiro Goetheanum. Construído por
Steiner para sediar a Sociedade Antroposófica (HEMLEBEN, 1984, p. 110).
92
O barro utilizado na construção deste prédio foi retirado do terreno da escola.
FIGURA 6 - LATERAL DE UMA DAS SALAS UTILIZADAS PELA
EDUCAÇÃO INFANTIL DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA
FOTOGRAFIA: FRANCINE MARCONDES CASTRO OLIVEIRA
88
FIGURA 7 - PRÉDIO MAIS RECENTE CONSTRUÍDO PELA ESCOLA WALDORF
ESTUDADA.
FIGURA 8 - TETO DO PRÉDIO CONSTRUÍDO MAIS RECENTEMENTE PELA
WALDORF ESCOLA ESTUDADA.
FIGURA 7 - PRÉDIO MAIS RECENTE CONSTRUÍDO PELA ESCOLA
WALDORF ESTUDADA
FOTOGRAFIA: FRANCINE MARCONDES CASTRO OLIVEIRA
FIGURA 8 - TETO DO PRÉDIO CONSTRUÍDO MAIS RECENTEMENTE
PELA WALDORF ESCOLA ESTUDADA
FOTOGRAFIA: FRANCINE MARCONDES CASTRO OLIVEIRA
89
FIGURA 9 - GOETHEANUM CONSTRUÍDO POR STEINER PARA SEDIAR A
SOCIEDADE ANTROPOSÓFICA.
Como não encontramos em nossas referências bibliográficas qualquer
menção sobre o porq deste tipo de desenho arquitetônico, solicitamos à um
professor da escola Waldorf estudada que nos fornecesse alguma explicação. Ele
nos disse que, segundo Steiner, os espíritos que atuam na sala de aula (como co-
orientadores das crianças, junto ao professor) são fortalecidos ou inibidos de acordo
com o formato do prédio escolar. A forma arredondada (do teto) seria uma das
fontes de fortalecimento para estas entidades, entretanto, como afirmou o professor,
o prédio ao qual estamos nos referindo (Figura 7) não conteria algumas
características importantes da arquitetura ideal para uma escola Waldorf. Uma
destas características, por exemplo, seria a inexistência de paredes paralelas na
sala, o que faria com que ela tivesse uma forma irregular. O mesmo professor nos
afirmou conhecer escolas Waldorf brasileiras que construíram seus prédios de
acordo com estas características.
FIGURA 9 - FACE SUL DO PRIMEIRO GOETHEANUM. CONSTRUÍDO
POR STEINER PARA SEDIAR A SOCIEDADE ANTROPOSÓFICA.
FONTE: HEMLEBEN, 1984, p. 110
90
Os interiores das salas, em todos os prédios, são muito ventilados e
aconchegantes. Para ilustrar o que observamos nestes espaços, escolhemos a sala
do segundo ano para fazer um detalhamento de seu interior, entretanto ressaltamos
que, em geral, as salas são muito parecidas, contendo a grande maioria dos objetos
em comum.
Já na entrada observa-se um varal com os trabalhos das crianças (em
aquarela e giz-de-cera), um cesto de vime com linhas e agulhas de tricô, um cesto
preenchido de flautas, um armário de madeira (rústico) e as mesas e cadeiras
individuais utilizadas pelos alunos.
O quadro negro é duplo e se abre como um armário (ver Figura 10 Estilo
de quadro-negro utilizado nas escolas Waldorf). Na parte exterior do quadro o
professor deixa permanentemente um desenho feito em giz
93
e do lado interno
escreve o que será trabalhado com as crianças
94
. Como os alunos estavam em
poca de números" quando fizemos este detalhamento da sala, abaixo deste
quadro havia a representação concreta das tabuadas de um a 10, feita de sementes
e pedras coloridas. Também se encontravam, abaixo deste quadro, pequenos
quadrinhos negros, utilizados pelas crianças para simular algumas atividades
como desenhos geométricos complexos antes de fazê-las no caderno.
A mesa do professor é de madeira (rústica) e contém um recurso auditivo -
formado de dois discos de metal com um cordão grosso ao centro - utilizado para a
produção de um som especial em momentos solenes, sua flauta, seus livros e
alguns outros objetos utilitários. Próxima à sua mesa há uma mesa com materiais de
93
Em geral muda-se o desenho uma vez por mês.
94
As atividades de cada época seguem, em geral, uma continuidade, de forma a constituírem, ao
rmino desta época, um todo com começo, meio e fim. Estas atividades são diariamente ilustradas
pelas crianças com desenhos afins e, dessa forma, ao rmino da época, cada aluno tem um livro
ilustrado com o conteúdo que estudou durante a disciplina.
91
apoio para a aula que tem um visual imagirio (gnomos, fadas, bichinhos). Nela o
professor acende uma vela (artesanal) todas as vezes que vai iniciar uma história.
Nesta mesa fica também um objeto em forma de sino com uma haste de metal que
para nós era desconhecido até então - que serve para apagar a vela.
FIGURA 10 - ESTILO DE QUADRO-NEGRO UTILIZADO NAS ESCOLAS
WALDORF. O DESENHO É FEITO PELO PROFESSOR DE SALA E,
EM GERAL, MUDA-SE O DESENHO UMA VEZ POR MÊS.
A sala tem duas janelas (grandes) - com cortinas de algodão cru com vista
para um gramado em constituição e algumas árvores. Pendurados ao teto há um
prisma e uma bonequinha laranjada. Este prisma provoca a incincia de pequenos
arco-íris pela sala, que flutuam continuamente por entre as crianças nos dias
ensolarados.
Do lado de trás da sala há uma prateleira de madeira onde as crianças
guardam seus cadernos - desde o primeiro ano até a série em que se encontram -
FIGURA 10 - ESTILO DE QUADRO-NEGRO UTILIZADO NAS ESCOLAS
WALDORF. O DESENHO É FEITO PELO PROFESSOR DE SALA E, EM
GERAL, MUDA-SE O DESENHO, APROXIMADAMENTE, UMA VEZ POR
MÊS
FOTOGRAFIA: FRANCINE MARCONDES CASTRO OLIVEIRA
92
um galão de água com canecas de inox e a "mesa de época" ou "mesa das
estações".
No Grau, esta mesa - com a qual os alunos Waldorf convivem desde a
Educação Infantil - é montada pelo Professor principal em cada sala. Em minha
primeira visita a escola pesquisada, preparava-se a scoa e, por esta razão, a
"mesa de época" da sala do segundo ano estava decorada com um grande tecido
vermelho brilhante, e algumas pêçancas. Na primeira escola Waldorf que visitamos
representa-se, necessariamente, todos os reinos da Natureza nesta mesa, na escola
em que desenvolvemos a pesquisa de campo, não.
De um modo geral, podemos dizer que o ambiente da escola transmite
impressões de simplicidade e acolhimento. As cores são suaves e
quotidianamente um cheiro de pão no forno - que descobrimos ser característico das
escolas Waldorf - que vem das dependências da Educação Infantil e alcança toda a
escola.
A cada man, quando todos os professores chegam à escola (por volta das
7h 25m), rnem-se em uma das salas do Grau, dão as mãos e fazem uma oração
em voz alta:
Sabedoria, ilumina-me
Amor, incendeia-me
Força, compenetra-me
Para que surja em mim,
um bem feitor da Humanidade
um servidor, altruísta, da causa sagrada
Segundo uma das Professoras este ato tem o objetivo de colocar todos os
professores da escola em sintonia, para terem a sensação de que todo o corpo da
escola trabalha, ao mesmo tempo, por uma causa comum.
93
Após a oração, cada Professor dirige-se à sua sala para receber seus alunos.
Estes, por sua vez, fazem uma fila na porta da sala e são cumprimentados um a um
pelo Professor, que pega em suas mãos e olha profundamente em seus olhos para
decifrar suas disposições naquele dia.
Estando todos dentro da sala, o Professor solicita que os alunos posicionem-
se ao lado direito de suas respectivas mesas e em conjunto eles fazem o verso da
man escrito por Rudolf Steiner:
Com sua luz querida
o sol clareia o dia
E o poder do espírito,
que brilha na minha alma,
força aos meus membros.
No brilho da luz do sol, ó Deus,
Venero a força humana
que tu, bondosamente,
plantaste na minha alma,
para que eu possa estar
ansioso em trabalhar,
para que eu possa ter
desejo de aprender.
De ti vêm luz e força.
Que para ti refluam
amor e gratidão.
(STEINER)
Este verso é recitado diariamente nas turmas do Grau. Depois dele os alunos
que nasceram naquele dia da semana vão à frente da sala para recitar um verso
individual e personalizado que é, em geral, composto pelo próprio professor.
A próxima atividade diária é a roda rítmica. Durante esta atividade entoa-se
canções acompanhadas de percussões corporais, dança-se em grupo com passos
marcados, recita-se versos, trabalha-se jogos/dançantes com as tabuadas que as
crianças já dominam ou exercita-se qualquer outra atividade que contenha um ritmo
intrínseco de acordo com a preferência do professor.
94
Na concepção antroposófica o ritmo é algo muito importante e forte para o ser
humano, pois, nosso corpo contém seus ritmos, indispensáveis para a manutenção
da vitalidade (ritmo respiratório, cardíaco, de alternância entre sono e vigília, etc.) e
porque nossa relação com o restante da Natureza também é definida por ritmos
(alternância entre o dia e a noite, estações do ano, fases lunares, etc.). Dessa forma,
procura-se permear toda a Pedagogia Waldorf com ritmos (diários, semanais,
mensais, anuais) exercitando o querer dos alunos e colocando-os em sintonia uns
com os outros.
Depois da roda rítmica o Professor indica com o início de uma música que é
hora de tocar. Neste momento cada aluno, cantando esta música, pega sua flauta e
se posiciona próximo a sua mesa para começar a tocar. A aprendizagem da flauta
inicia-se já na pré-escola e é mantida no Grau.
Terminado este ciclo diário inicia-se o trabalho relacionado à época de
estudos em que a classe se encontra. Esta aula - sempre ministrada pelo professor
principal - tem duração de aproximadamente 1h 30m e é organizada (nas escolas
Waldorf) de acordo com o currículo nacional para cada uma das séries do Ensino
Fundamental. Isto significa que, apesar de acreditar que o currículo do Ensino
Fundamental teria uma constituição ideal (que poderia ser diferente daquela
padronizada em cada nação), Steiner estipulou que a grade curricular da escola
Waldorf estaria sempre de acordo com a grade padrão de cada país ou estado, tanto
para que as exigências legais fossem cumpridas quanto para evitar que as crianças
transferidas de escolas Waldorf para escolas não-Waldorf fossem prejudicadas
95
95
O livro A arte da Educação II (STEINER, 2003b) conm um capítulo intitulado O currículo ideal e
as concessões à legislação. Nele Steiner explica à professores a necessidade de enquadrar o
currículo das escolas Waldorf ao currículo exigido por cada nação, dando, entretanto, orientações de
como poderia-se desenvolver atividades do currículo que ele considerava ideal paralelamente.
95
(STEINER, 2003b, p. 133). Entretanto, é preciso ressaltar que parâmetros didáticos
e curriculares (como os PCN’s) lançados pelo governo (sem exigência legal) não
são, em geral, utilizados nestas escolas.
96
4. METODOLOGIA
Só se atua em conformidade com a Natureza
quando se faz nascer o todo a partir de
unilateralidades.
Rudolf Steiner (2003b, p. 36)
A pesquisa se desenvolveu em três etapas.
1. Para o conhecimento dos fundamentos tricos vinculados à
compreensão da relação entre Homem e Natureza presentes na obra de
Rudolf Steiner, recorreu-se à alise de grande parte de seus livros
traduzidos para o portugs pelas principais editoras brasileiras que
trabalham com a Antroposofia
96
(sobretudo aqueles relacionados à
Educação e à fundamentação Antroposófica) e às obras de alguns autores
considerados seus adeptos.
2. A identificação de como se caracterizam as atuações de professores de
Escolas Waldorf vinculadas à relação entre Homem e Natureza se deu
pela interação com professores de uma determinada escola Waldorf e pela
documentação direta (MARCONI; LAKATOS, 1996, p. 75) no contexto
desta escola, a qual fizemos visitas periódicas (em média duas vezes por
semana) de março/2005 a junho/2005.
3. A percepção de alunos (de segunda e terceira séries) da Escola Waldorf
sobre a relação entre Homem e Natureza, foi pesquisada por meio da
documentação direta (envolvendo a observação das crianças em seu
96
Estamos nos referindo às editoras: Antroposófica, João de Barro e Federação das Escolas Waldorf
do Brasil.
97
contexto escolar e uma entrevista semi-aberta estimulada por um desenho
da própria criança (como descrito mais adiante)).
A abordagem da pesquisa caracteriza-se como qualitativa de acordo com a
especificação expressa por Ludke e André. Dessa forma se desenvolveu por meio
do contato direto do pesquisador com o ambiente e a situação que foi investigada,
concentrou-se na descrição de pessoas, situações, acontecimentos, incluindo
transcrições de entrevistas e depoimentos, baseou-se na tentativa de capturar a
"perspectiva dos participantes" e não esteve voltada à confirmação ou negação das
hiteses iniciais do pesquisador (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p. 11).
Para desenvolvermos a coleta e alise de dados escolhemos a natureza de
pesquisa ex post facto que significa a partir de depois do fato. Esta seria
semelhante à pesquisa experimental em que, entretanto, o fato/fenômeno/processo
põe-se naturalmente, anterior ou sem o controle do pesquisador” (SANTOS, 2004, p.
29).
Para o estudo sobre a percepção dos alunos de uma Escola Waldorf sobre a
relação entre Homem e Natureza recorremos à aplicação de uma entrevista semi-
aberta estimulada por um desenho da própria criança segundo o que é orientado por
Juan Delval para entrevistas com crianças de seis a 12 anos de idade (DELVAL,
2002, p. 92).
98
4.1. A REALIZAÇÃO DA PESQUISA DE CAMPO
v A escolha da escola:
A escolha da Escola Waldorf em que se desenvolveu a pesquisa se deu por
ela ser a única escola reconhecidamente Waldorf que atende ao Ensino
Fundamental em Curitiba.
v A escolha das séries do Ensino Fundamental:
As condições que determinaram nossa decisão pela segunda e terceira séries
do Ensino Fundamental foram as seguintes:
1. Porque mesmo as crianças que não cursaram pré-escola ou que cursaram
escolas de Educação Infantil não-Waldorf já tiveram, nestas duas séries,
um tempo mínimo de um ano de interação com este meio.
2. Porque baseando-se em Steiner - consideramos o período
correspondente à idade aproximada das crianças - de sete anos e meio a
nove anos e meio - como interessante para a pesquisa, uma vez que esta
idade se situa aproximadamente entre a passagem da criança para o
segundo setênio, quando, de acordo com Steiner, a abertura para
trabalhos mais sistematizados e de cunho abstrato, e o rubicão dos nove
anos que é o período em que a criança inicia o estudo sistematizado de
Ciências Naturais (STEINER, 2003b, p. 77) e nossa intenção era nos
concentrarmos nas perspectivas que tem uma criança antes do ensino
sistematizado de ciências na Pedagogia Waldorf.
99
v Método de observação:
As observações foram realizadas durante quatro meses (março a junho de
2005) com a freqüência média de duas vezes por semana, sendo que este período
de visitas dividiu-se entre as salas da segunda e terceira séries.
Em cada visita ficávamos cerca de quatro horas acompanhando as atividades
da turma, sentados ao fundo da sala. A observação era feita amplamente sem
concentração prolongada em cada aluno, observando-se todas as ocorrências na
sala. Os registros eram anotados em caderno próprio ao longo das sessões de
observação.
v A aplicação da entrevista estimulada pelo desenho:
O pedido do desenho e a aplicação da entrevista foram dirigidos da mesma
forma para as crianças da segunda e terceira séries. A totalidade dos alunos de
ambas as turmas participaram da atividade do desenho.
Para solicitar o desenho a pesquisadora dirigiu-se à frente da sala e disse:
Eu sei que vocês sabem fazer desenhos muito bonitos. Eu gostaria que vocês
fizessem, de presente para mim, um desenho da Natureza com tudo o que vocês se
lembrarem que tem nela. Logo em seguida os alunos passaram a fazer o desenho.
Levando o desenho produzido pela criança (após uma semana de sua
produção) s nos sentamos com ela em uma sala reservada, e desenvolvemos
uma entrevista semi-aberta, gravada e transcrita para posterior análise (ver roteiro
da entrevista no Apêndice 1). Uma das crianças da terceira série não de participar
da entrevista, pois não freqüentou a escola nos últimos dias letivos antes das férias
de julho.
100
5. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Aquele a quem a Natureza começa a desvendar
seu segredo manifesto experimenta um anseio
irresistível por sua interprete mais digna: a arte.
Goethe (apud STEINER, 1998b, p. 30)
5.1. A RELAÇÃO ENTRE HOMEM E NATUREZA NA PEDAGOGIA WALDORF
Realizamos o total de 20 visitas a escola estudada de março a junho de 2005.
Nestes dias permanecemos na escola durante todo o período de aula da man
(quatro horas) tendo assim totalizado 80 horas de trabalho em campo.
Para fins de análise, dividimos os resultados da observação na Escola
Waldorf em três categorias, a saber: elementos e fenômenos observados
diariamente na escola Waldorf pesquisada, fenômenos observados
esporadicamente nas atuações dos professores e fenômenos observados
esporadicamente nas atuações dos alunos. Os elementos e femenos observados
diariamente no interior da escola Waldorf estão relacionados na Tabela 1.
TABELA 1 - ELEMENTOS E FENÔMENOS OBSERVADOS DIARIAMENTE NA ESCOLA
WALDORF PESQUISADA
1. Ambiente físico composto de muitas árvores, gramados e edificações feitas com materiais
que conservam suas propriedades de origem (madeira e tijolo à vista). O local onde a escola se
situa é retirado do centro urbano da cidade
2. Objetos que conservam suas propriedades de origem: brinquedos de madeira envernizada,
bonecas de algodão cru, acessórios escolares de madeira ou metal
3. Versos recitados pelas crianças que enfatizam características da Natureza (ciclos, ritmos,
beleza, importância, inteligência, complexidade, etc.)
4. Religiosidade que coloca a criança em posição de veneração em relação à Natureza
5. Alimentação que conserva a integridade da comida, com preferência por alimentos frescos e
vivos
101
A escola pesquisada encontra-se na região centro-oeste da cidade de Curitiba
na periferia urbana, em uma rua pouco movimentada onde circula apenas uma linha
de ônibus com freqüência de 20 em 20 minutos. Esta é uma região bem arborizada.
Em entrevista com a secretária da escola soubemos que a escolha daquele
local foi proposital por seu distanciamento dos centros de movimento da cidade. Tal
localização acaba sendo um fator determinante para que alguns pais não optem por
matricular seus filhos nesta escola, entretanto, no foco do centro urbano a escola
não teria a mesma tranqüilidade, no local onde a escola está é possível ouvir de
man alguns ssaros cantando, o ar ainda não é tão carregado e isso é bastante
importante disse a secretária da escola.
Esta deliberação configura a preferência por um ambiente mais próximo do
ambiente natural em detrimento de um local mais acessível aos pais. Tal escolha
talvez seja facilitada pelo fato de a escola não ter fins lucrativos, pois, dessa forma
precisa haver uma empatia tão forte do pai do aluno com a Pedagogia da instituição,
que este supera a dificuldade espacial pelo objetivo de oferecer esta Pedagogia ao
seu filho.
Em seu interior, a escola também possui muitas árvores. Entre estas há
algumas em que é possível (e permitido às crianças) subir. Esta ação promove uma
interação especial da criança com o reino vegetal, pois nela a criança tem a
oportunidade de vivenciar, num ato lúdico, intensas sensações (olfativas, visuais,
táteis, etc.) promovidas pela vida da árvore.
Para Cleusa H. G. Peralta (2002, p. 116) o contato com o meio natural
oferece vigor físico e referências para o imagirio da criança. Além disso, segundo
Igcio, a experiência direta e freqüente com os elementos da Natureza contribui
102
para que a criança sinta-se parte de um organismo vivo maior que é a Terra
(IGNÁCIO, 1995, p. 57).
Ainda em Igcio encontramos a seguinte afirmação:
Tudo o que vem da natureza cresceu num movimento, num gesto. O
galho de uma árvore, a conchinha do mar, um pedaço de bambu ou
mesmo uma pedrinha mostram em sua forma o respirar da natureza.
A criança que brinca com estes elementos e imita-os sente-se
fortalecida interiormente, pois este processo está ocorrendo em seu
interior. (IGNÁCIO, 1995, p. 29)
Esta identificação (da criança com os elementos do ambiente natural) se dá
pela atividade integrada do pensar, do sentir e do querer. Por esta razão ela o
pode se dar completamente sem o contato direto, uma vez que, a sensação e a
volição não podem prescindir da vivência.
Como já salientamos, até mesmo a construção das salas de aula na
Pedagogia Waldorf prioriza o uso de materiais que conservem suas características
naturais, como é o caso do prédio mais recente da escola pesquisada, construído
com o barro do próprio terreno (Figura 7 e 8). A partir do caminho de conhecimento
de Steiner, podemos entender esta forma de construção como algo consciente,
intencional. Entrevistando uma Professora sobre o que seria considerado natural
dentro da perspectiva Antroposófica, já que tudo, de alguma forma, provém da
Natureza, obtive a seguinte resposta: O importante é a conservação das
características próprias de cada material. É você olhar para determinado objeto e
poder identificar de onde ele veio e qual é o seu papel no ciclo vital.
Por suas características inerentes, o material mais rechaçado da Escola
Waldorf é o plástico. Outros materiais sintéticos como, por exemplo, as resinas,
também não são encaradas como sauveis para a convivência das crianças na
103
escola. Mas por sua existência mais disseminada o plástico acaba sendo o que mais
se destaca em exclusões.
Na mesma conversa com esta Professora, perguntei o que seria próprio
apenas do plástico para que ele não fosse acolhido nas escolas Waldorf e completei
a questão dizendo que também não era fácil reconhecer a origem do vidro e, no
entanto, o vidro era bem aceito na instituição.
A Professora respondeu que o vidro é possível de ser desenvolvido
artesanalmente ao contrário do plástico que, por todo seu complexo processo de
constituição exige a produção em grande escala. Além disso o plástico tem uma
característica de mutação que lhe permite se parecer com qualquer coisa (como um
martelo por exemplo) e, no entanto, não possuir as características dessa coisa
(como o peso).
Uma outra Professora completou a resposta da primeira dizendo que areia já
existe na Natureza e que ela é apenas separada de outras substâncias e fundida
para dar origem ao vidro, enquanto que, no caso do plástico, é necessário haver
uma interferência humana em nível molecular para dar origem aos diversos
polímeros que o constituem.
Uma das Professoras explicou que, por razões financeiras, ainda há na
cozinha da escola algumas poucas jarras de plástico que devem ser substituídas,
com o tempo, por jarras de vidro. Elas são alguns dos raros objetos de plástico que
encontramos na escola, pois, jarras de vidro são caras e quebram com muita
facilidade, mas em todo caso em que é possível o plástico é evitado.
No caso das peças oferecidas pela escola que ficam em direto contato com
as crianças como os brinquedos é ainda mais difícil encontrar artigos
104
constituídos de plástico. Mesmo apontadores, pincéis e outros objetos que as
crianças utilizam nas atividades são feitos de madeira ou metal.
Hutchison que também observou a peculiaridade dos materiais na escola
Waldorf e procurou explorar as intencionalidades que os justificavam escreve:
Os educadores de Waldorf acreditam que materiais elementares
como madeira, pedras, argila e água têm uma qualidade eterna que
transcende substâncias feitas pela mão do homem e que opera em
um nível subconsciente para reforçar sutilmente a identificação da
crianças com a natureza (substâncias manufaturadas, tais como
plástico, o compartilham dessa mesma qualidade eterna, nem
apóiam a identificação da criança com a natureza, mas refletem a
realidade da intervenção humana no mundo natural). Ter materiais
naturais na sala de aula não satisfaz simplesmente as necessidades
estéticas das crianças; em vez disso, esses materiais tamm
remetem a um tempo em que o mundo natural determinava o
contexto de todas as atividades humanas, incluindo a recreação e a
aprendizagem. (HUTCHISON, 2000, p. 139)
Nas escolas Waldorf, os gizes são de cera de abelha com corantes naturais,
as tintas de aquarela são até susceptíveis de deterioração e mudança de cheiro por
ausência de conservantes, as lãs utilizadas nos trabalhos manuais são de puro
algodão e a decoração dos ambientes sempre é constituída com o mesmo princípio.
Como já comentamos no sub-capítulo 3.1, no jardim de infância os
brinquedos da escola Waldorf são bastante marcantes. Eles são feitos
artesanalmente na própria escola e seguem o princípio da simplicidade em suas
formas.
Há, entretanto, algumas outras características interessantes nestes materiais
que ainda não detalhamos. O brinquedo Waldorf é necessariamente resistente.
Segundo o proprietário da primeira escola Waldorf que visitamos, o brinquedo deve
transmitir um sentimento de segurança à criança. Além disso, por ser produzido na
105
própria escola, estes brinquedos não são descartados ao serem quebrados, mas
consertados e devolvidos à ativa.
Dessa forma a criança não convive com materiais (que de acordo com a
mentalidade consumista) são desenvolvidos exatamente para não durar, e
aprendem que as coisas não precisam ser descartáveis, mas conservadas ao
máximo para evitar-se novas extrações, desnecessárias, de energia do ciclo vital.
Portanto, ao invés de materiais recicláveis, privilegia-se nas escolas Waldorf,
materiais duráveis e passíveis de ser consertados.
Os alunos Waldorf são, ainda, diariamente, conduzidas à recitação de versos
que enfatizam características da Natureza (ciclos, ritmos, beleza, importância,
inteligência, complexidade, etc.).
O verso recitado antes do lanche em várias salas do Grau é um exemplo
disso:
1.
O o vem do trigo
o trigo vem da luz
A luz provém
da face de Deus
O fruto da terra
que é fulgor de Deus
Seja luz, também,
no meu coração
Tal verso oferece uma imagem religiosa não proselitista (bastante forte na
escola) e chama a atenção para a relação entre o alimento que os alunos irão
consumir e o meio natural, demonstrando como os frutos da Natureza permeia-os
todos os dias oferecendo-lhes energia.
A espiritualidade na Pedagogia Waldorf, pelo que pudemos compreender por
meio do relato de alguns de seus professores, refere-se à procura de uma
106
explicação transcendental para nossa existência. É preciso ressaltar que não se
formam antropósofos nas escolas Waldorf, portanto, toda a visão espiritual de
Steiner não é diretamente transmitida às crianças. A espiritualidade da Pedagogia
Waldorf não é, exatamente, a espiritualidade da Antroposofia, mas uma
espiritualidade baseada nos princípios antroposóficos com uma finalidade
educacional democrática, pois, como acreditava Steiner, ensinar Antroposofia aos
alunos Waldorf seria uma supressão da liberdade de cada indivíduo
97
. Não obstante,
podemos questionar até que ponto o indivíduo está livre de incorporar os princípios
de uma determinada teoria se é educado segundo os fundamentos da mesma.
Ainda que Steiner não tivesse a intenção de formar antropósofos, os alunos da
Pedagogia Waldorf são influenciadas pela Antroposofia, assim como filhos de pais
católicos são, de alguma forma, influenciados pelo catolicismo (ainda que estes pais
em direito de escolha aos seus filhos).
Já a religiosidade de que falamos tem, segundo um professor Waldorf, o
sentido de re-ligar o ser humano ao meio reforçando o sentimento de
pertencimento à Natureza e ao Universo que grande parte das pessoas teriam.
Segundo Freud (1974, p. 84)
98
, para quem a religião seria uma ilusão, esta
sensação de ligação com o Universo (que ele afirmava não encontrar em si) teria
uma explicação psicanalítica, sendo conseqüente dos desdobramentos ocorridos
durante o desenvolvimento da percepção do real do indivíduo nos primeiros meses
de vida.
97
Além disso os fundamentos educacionais não são conhecidos pelas crianças e elas o sabem,
por exemplo, que existe uma teoria de temperamentos, que temperamento m e porque sentam em
determinado lugar da sala. Já os pais acompanham palestras e, em geral, têm estes conhecimentos.
98
Texto O mal-estar na civilização, Volume XXI da Edição Standard Brasileira das obras psicológicas
completas de Freud.
107
Neste processo como ele afirma o ego que, originalmente, inclui tudo, separaria
processualmente o mundo externo de si mesmo
99
(FREUD, 1974, p. 85). Não
obstante, supondo-se que em muitas pessoas, em cuja vida mental esse sentimento
primário do ego persistiu em maior ou menor grau, ele existiria nelas ao lado do
sentimento do ego mais estrito e mais nitidamente demarcado da maturidade, como
uma espécie de correspondente seu. Nesse caso, o conteúdo ideacional a ele
apropriado seria exatamente o de ilimitabilidade e o de um vínculo com o universo...
(FREUD, 1974, p. 86), correspondente ao sentimento de pertencer ao cosmos
trabalhado por Steiner e por muitas correntes espirituais
Neste caso, para Freud (1974, p. 84), o sentimento que a Pedagogia Waldorf
procura reforçar por meio da religiosidade seria o fruto de uma infantilidade
psicológica, mais ou menos comum, entre pessoas adultas.
Já em Steiner tal questão é vista de maneira muito diferenciada. Para ele, o
sentimento de ligação com o Universo tem base em uma intuição
100
de um plano
espiritual (não ilusório) da realidade, que não podemos perceber por meio dos
sentidos materiais, mas que vivenciamos por meio de processos (como o sono) e a
atividade anímica do sentir.
De qualquer forma, para alguns autores como Leonardo Boff (2003, p. 37), a
espiritualidade (religiosa, antropológica e cósmica) conduz os indivíduos a
harmonização e comunhão com o meio ambiente. Além de que, esta forma de
religiosidade (baseada na re-ligação do ser humano com o meio ambiente) é uma
99
Piaget (2002, 101) tamm relatou perceber esta característica infantil de não se diferenciar do
meio em seus primeiros contatos com o mundo, fazendo detalhamentos sobre o desenvolvimento da
noção de objeto, espaço e tempo no livro A construção do real na criança.
100
No sentido se perceber ou discernir de forma imediata (baseado em DICIONÁRIO PRIBERAM DE
LÍNGUA PORTUGUESA, 2005).
108
característica compartilhada entre a Pedagogia Waldorf e a ecologia profunda, assim
como podemos entender na seguinte exposição de Capra:
A ecologia profunda é apoiada pela ciência moderna e, em especial,
pela nova abordagem sistêmica, mas tem suas raízes numa
percepção da realidade que transcende a estrutura científica e atinge
a consciência intuitiva da unicidade de toda a vida, a
interdependência de suas múltipla manifestações e seus ciclos de
mudança e transformação. Quando o conceito de espírito humano é
entendido nesse sentido, como o modo de consciência pelo qual o
indivíduo se sente vinculado ao cosmo com um todo, torna-se claro
que a consciência ecológica é verdadeiramente espiritual. De fato, a
iia do indivíduo vinculado ao cosmo expressa-se na raiz latina da
palavra religião,religare (‘ligar fortemente), assim como no
sânscrito yoga, que significa união. (CAPRA, 1982, p. 403)
Retornando ao último verso apresentado (recitado pelos alunos antes do
lanche), é interessante, ainda, observar que ele oferece uma imagem da Natureza
em movimento, em um fluxo de energia que parte da luz do sol e passa pelo próprio
indivíduo que o está recitando. Esta imagem fortalece na criança a sensação de
pertencer à Natureza e é própria da teoria sistêmica e da sabedoria de várias
tradições espirituais, sobretudo as orientais (que compreende a vida em termos de
redes, fluxos e ciclos”) (CAPRA, 2003, p. 27).
Um outro verso recitado antes do lanche pelos alunos do quarto ano do Grau
traz estes e outros elementos para observação:
2.
Germinam as plantas na noite da terra,
brotam as ervas pela força do ar,
amadurecem as frutas pelo poder do sol
Assim germina a alma no relirio do coração,
assim brota o poder do espírito
à luz do mundo,
assim amadurece a força do homem
no fulgor de Deus (STEINER)
109
Percebe-se que além de reforçar a imagem anterior (de fluxo de energia),
este verso faz com que os alunos voltem sua atenção para os detalhes da Natureza
e as relações de interdependência necessários à vida. Esta característica de
observar a interdependência entre redes de organismos vivos em seu contexto
também evidencia a tendência sistêmica do pensamento antroposófico (CAPRA,
2003, p. 21).
A grande maioria dos versos recitados nas aulas, durante todo ano letivo, têm
segundo duas professoras Waldorf o sentido de veneração da Natureza. Outros
exemplos de versos recitados periodicamente são:
3.
Obrigado Deus pelas flores
e pela graminha tão verde e macia
Obrigado Deus pelo canto dos ssaros
que nos o tanta alegria
Obrigado Deus por mais este lindo dia
(Verso para início da man (primeiro semestre da terceira série))
4.
Pura como o ouro
Firme como a rocha
Límpida como o cristal
Assim deve ser a minha alma
(Verso recitado pelo segundo ano no início do segundo semestre)
Neste verso verificamos uma prática, tamm freqüente nas escolas Waldorf,
de comparar qualidades humanas com elementos do meio natural (na maioria das
vezes referindo-se a virtudes exemplificadas pela Natureza). Para Gonçalves estas
expressões são significativas para um entendimento da concepção de Natureza que
se tem em determinada cultura ou contexto. Em suas palavras:
110
Sem que nos apercebamos, usamos em nosso dia-a-dia uma série
de expressões que trazem em seu bojo a concepção de natureza
que predomina em nossa sociedade. Chama-se de burro ao aluno ou
a pessoa que não entende o que se fala ou ensina; de cachorro ao
mau-caráter; de cavalo ao indivíduo mal-educado; de vaca, piranha e
veado àquele que o fez a opção sexual que se considera correta,
etc... Juntemos os termos: burro, cachorro, cavalo, vaca, piranha e
veado são todos nomes de animais, de seres da natureza tomados
em todos os casos em sentido negativo, em oposição a
comportamentos considerados cultos, civilizados, e bons. (...)
A natureza se define, em nossa sociedade, por aquilo que se opõe à
cultura. A cultura é tomada como algo superior e que conseguiu
controlar e dominar a natureza. (GONÇALVES, 1989, p. 25)
Dessa forma, as expressões orais (mais arraigadas) revelam e reforçam
(dialeticamente) as idéias predominantes em cada sociedade, cultura ou contexto.
Se Gonçalves considera que as expressões acima delatam a predominância de um
conceito de Natureza, com juízo de valor negativo, em nossa sociedade,
poderíamos, da mesma forma, dizer que a concepção de Natureza predominante e
reforçada no contexto da Pedagogia Waldorf é uma que valoriza e admira a mesma.
O verso a seguir tem o mesmo sentido:
5.
Afastemos a tristeza
Celebremos a beleza
E com alegria louvemos
A glória da Natureza (bis)
(Verso recitado alguns dias pelo segundo ano)
Há também um repertório bastante extenso de músicas, entoadas
diariamente, que fazem menção a Natureza. Vejamos alguns exemplos:
111
6.
Terra que estes frutos deu
Sol que os amadureceu
Nobre sol
Nobre terra
Jamais te esqueceremos
(Música cantada pelo segundo ano durante algumas semanas)
7.
O rio vai fluindo
fluindo e indo
O rio vai fluindo
Para o mar
Nos braços da mãe terra
criança sempre serei
Nos braços da mãe terra
para o mar
(Música cantada pelo segundo ano durante algumas semanas)
O vocabulário destes versos periódicos permeia tamm o conto de histórias
e as expressões orais dos professores, algo que se reflete claramente na linguagem
dos alunos. É costumeiro ouvi-los falar sobre a mãe terra, fontes cristalinas, o senhor
do tempo, entre outras.
Steiner dava muito valor à capacidade de veneração que uma pessoa
pudesse desenvolver. Ele criticava o fato de termos perdido, na sociedade ocidental,
o sentido de respeito por coisas sagradas (como o alimento) e termos vulgarizado a
existência de todas as coisas, inclusive das pessoas.
Para Steiner, um sinal de o quanto nossa sociedade estaria presa ao mundo
do consumo e distante de outros valores, seria a própria arquitetura original de sua
época. Ele afirmava que todas os povos teriam expressado, por meio da arquitetura,
o pensamento mais significativos de suas culturas. O povo grego, por exemplo, que
cultuava a beleza e a força, enfatizavam as colunas dos prédios com decorações
112
majestosas. Os egípcios que acreditavam na existência de energias cósmicas
criaram as pirâmides como forma de canalizar estas energias. Para Steiner:
Nossa época tamm tem um estilo arquitetônico que lhe
corresponde: é o armazém. Ele é a estampa do pensamento utilitário,
a estampa do egoísmo humano. A era da utilidade produziu o
armazém como o único estilo original.
Antigamente, os homens construíam suas sensações anímicas
dentro do estilo arquitetônico. O armazém é a expressão das
sensações do século XIX. (STEINER, 2002b, p. 28)
Indo um pouco além do que foi possível a Steiner visualizar, temos, no final
do século XX, a criação de um estilo arquitetônico que demonstra a intensificação
daquele modo de pensar que produziu o armazém. O estilo arquitetônico original do
final do século XX e início do século XXI é o Shopping Center. Neste espaço, todo
compartimentado, desenvolvemos um modelo de comercialização em massa
favorecido por um ambiente estático, distante das intempéries reais do meio
ambiente (chuva, sol, frio, calor, vento...), pois o shopping foi desenvolvido para que
todos os dias sejam agradáveis (para comprar) e, com um apelo para uma diversão
intrínseca ao consumo.
Muitas escolas em nossos tempos se assemelham a um Shopping, o só no
modelo arquitetônico, mas também no sentido da comercialização em massa da
Educação. Uma escola Waldorf, ao contrário, está muito distante destes princípios.
O estilo arquitetônico predominante nas escolas Waldorf que visitamos é aquele que
lembra uma casa em que predomina a simplicidade e o contato com o ambiente
natural.
113
Em relação à alimentação das crianças, observamos que a maioria dos
produtos consumidos durante o lanche nas escolas Waldorf conserva sua
integridade, são frescos e, preferencialmente, vivos.
Neste aspecto a concepção dos pais se revela. Ainda que, em muitos casos,
a orientação parta dos próprios professores, o fato de que somente em raros casos
encontramos um produto industrializado no lanche das crianças, demonstra que
grande parte dos responsáveis pelos alunos aderiu (ou já era adepto) à mentalidade
cultivada na escola, pois outros tipos de lanche, apesar de não serem
recomendados, não são proibidos.
Alguns produtos feitos na instituição como pães, bolos ou bolachas integrais
são vendidos, aos pais, em alguns dias específicos. Não obstante, nada é destinado
à venda direta aos alunos, evitando-se que o lanche seja um momento de
comercialização. Na pré-escola o lanche é produzido pelas próprias professoras (às
vezes, com o auxílio dos alunos) e têm às mesmas características detalhadas acima.
Quando é hora do lanche as professoras das salas do Grau indicam aos
alunos que preparem suas mesas com seus alimentos e fiquem em ao lado de
suas cadeiras. No momento em que todas as crianças terminam de se organizar,
todas recitam um verso (que pode ser considerado uma oração ou prece) e se
sentam para comer. O intervalo se segue somente após o lanche, uma vez que este
é considerado um momento sagrado, e logo após se alimentar as crianças podem
sair da sala para brincar.
Passemos agora à exposição dos fenômenos observados na atuação dos
professores Waldorf, de segundo e terceiro ano, da escola pesquisada. Vejamos a
Tabela 2.
114
TABELA 2 - FENÔMENOS OBSERVADOS ESPORADICAMENTE NA ATUAÇÃO DOS
PROFESSORES DE SEGUNDA E TERCEIRA SÉRIES DA ESCOLA
WALDORF PESQUISADA DURANTE 20 SESSÕES DE OBSERVAÇÃO
Fenômenos observados no trabalho dos Professores Waldorf de segunda e
terceira ries
Freqüência de
ocorrências
1. Orientação do cultivo da terra acompanhado de histórias que enfatizam o
respeito a ela e valorizam o trabalho do agricultor
4
2. Orientação de pintura em aquarela como representação de cenas do
ambiente natural
3
3. Orientação para exercícios de contemplação em que se procura observar
as coisas sem conceituar (despir-se de conceitos para se aproximar da
natureza dos objetos)
3
4. Trabalho com imagens da Natureza em práticas cotidianas e em
atividades escolares enfatizando-se o respeito para com ela
6
5. Incentivo e orientação para a prática de fazer em casa ao invés de
comprar pronto
4
6. Provimento de acesso a materiais que conservam suas propriedades de
origem e a vivências sensoriais que permitem o conhecimento dos
materiais providos diretamente da Natureza
5
7. Provimento de conhecimentos práticos e tricos que permitem as
crianças entenderem como os produtos que elas possuem em suas casas
chegaram até ali e que caminho percorreram
4
No começo do segundo bimestre letivo de 2005, o terceiro ano do Grau
iniciou o cultivo de um canteiro de trigo (ver Figura 11 e Figura 12 Canteiro de trigo
desenvolvido pela terceira série da escola pesquisada). A preparação da terra,
adubação, semeadura e zelo constante foram desenvolvidos pelas próprias crianças,
em horário de aula, com o acompanhamento da professora de sala.
Participando de algumas atividades no canteiro, podemos aprender muitas
coisas sobre o cultivo da terra. A professora ensinou o nome e função de cada uma
das várias ferramentas utilizadas, orientou as crianças para quebrar os torrões de
terra, remover as pedras, manter as minhocas no terreno, entre outras explicações.
115
FIGURA 11 - CANTEIRO DE TRIGO DESENVOLVIDO PELA TERCEIRA SÉRIE
DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA COM APROXIMADAMENTE
DUAS SEMANAS APÓS A SEMEADURA
FIGURA 12 - CANTEIRO DE TRIGO DESENVOLVIDO PELA TERCEIRA SÉRIE
DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA COM APROXIMADAMENTE
UM MÊS E MEIO DE CULTIVO.
FIGURA 11 - CANTEIRO DE TRIGO DESENVOLVIDO PELA TERCEIRA
RIE DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA COM
APROXIMADAMENTE DUAS SEMANAS APÓS A SEMEADURA
FOTOGRAFIA: FRANCINE MARCONDES CASTRO OLIVEIRA
FIGURA 12 - CANTEIRO DE TRIGO DESENVOLVIDO PELA TERCEIRA
RIE DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA COM
APROXIMADAMENTE UM MÊS E MEIO DE CULTIVO.
FOTOGRAFIA: FRANCINE MARCONDES CASTRO OLIVEIRA
116
Como fizemos pesquisa de campo apenas no primeiro semestre de 2005, não
pudemos acompanhar o processo completo da horta de trigo. Não obstante,
conversando com os professores, tomamos conhecimento do que se seguiria a partir
do estágio que observamos.
As o cultivo completo da horta
101
(aragem da terra, adubação, plantação e
espera da germinação, crescimento e amadurecimento do trigo, com a devida
manutenção), o trigo seria colhido, debulhado e moído pelas próprias crianças,
sendo que com sua farinha os pais fariam um o em um forno de tijolos construído
por eles mesmos
102
.
O cultivo da horta de trigo é um conteúdo permanente nas salas de terceira
série das escolas Waldorf
103
. Ele é acompanhado de atividades interdisciplinares,
em sala de aula, que intensificam a vivência cultivo, versam sobre a nobreza da
terra, remetem ao conhecimento da rotina do agricultor e enfatizam as fases do
desenvolvimento da planta em experiências artísticas.
Ressaltando a importância de trabalhos com “jardinagem na escola
Hutchison (2000, p. 144) faz a seguinte menção:
Pergunte às crianças urbanas de hoje de onde veio o alimento que
consomem e muitas provavelmente terão dificuldade em trar a
cadeia alimentar além do supermercado local. Essa incapacidade de
relacionar os alimentos que se recebe à sustentação oferecida pela
comunidade da Terra como um todo é sintomática de uma cultura
101
A horta era totalmente orgânica e nela utilizava-se material de compostagem feito com cascas de
frutas, restos verduras e outros materiais ornicos provenientes da cozinha da escola e dos lanches
dos alunos.
102
Todos os anos o forno é desfeito e, com os mesmos tijolos, os pais dos alunos da terceira série
constróem um novo. Na figura 7 é possível observar a base e os tijolos que seriam utilizados naquele
ano na finalização da atividade da horta com os alunos da terceira série.
103
Na Educação infantil cultiva-se uma horta com vários tipos de vegetais (cenoura, alface, repolho,
etc). Nas outras séries do Grau faz-se outras atividades para promoção de contato das crianças com
materiais em estado bruto e conhecimento dos processos de criação de outros produtos. Na primeira
série, por exemplo, as crianças aprendem a tosquiar uma ovelha, cardar a lã, tingi-la com pigmentos
feitos a partir de flores (por elas mesmas), constituem o fio e, por fim, tecem uma peça com esta lã.
117
que, em grande parte, perdeu o contato com sua dependência do
mundo natural. Em um esforço para combater essa perda, a
jardinagem nas escolas pode funcionar como uma atividade central
na primeira ou na segunda infância (onde possível, sazonalmente) e
oferecer tanto às crianças como aos professores uma abordagem
interessante e participativa à educação sobre a natureza.
Já Capra (2003, p. 27) referindo-se à experiência que teve no Centro de
Ecoalfabetização que ajudou a desenvolver na Califórnia diz o seguinte:
Nos últimos dez anos descobrimos que plantar uma horta e usá-la
como recurso para o preparo de refeições na escola é um projeto
perfeito para experimentar o pensamento sistêmico e os princípios da
ecologia em ação. A horta restabelece a coneo das crianças com
os fundamentos da alimentação na verdade, com os próprios
fundamentos da vida ao mesmo tempo que integra e torna mais
interessantes praticamente todas as atividades que acontecem na
escola.
Na horta, aprendemos sobre os ciclos alimentares e integramos os
ciclos naturais dos alimentos aos nossos ciclos de plantio, cultivo,
colheita, compostagem e reciclagem. Através desta prática,
aprendemos ainda que a horta como um todo está inserida em
sistemas maiores que tamm são redes vivas, com seus próprios
ciclos. Os ciclos dos alimentos interagem com esses ciclos maiores
o ciclo da água, o ciclo das estações, e assim por diante -, que são
todos filamentos da rede planetária da vida.
Se lembramos que, junto ao cultivo da horta, os alunos Waldorf tamm
vivenciam ciclos intencionais no cotidiano escolar (reconhecendo ciclos no meio
natural e em si por diversas vias
104
), trabalham continuamente com ritmos (que têm
uma qualidade cíclica intrínseca) e são levadas a entender (pelo pensamento, o
sentimento e a vontade) as relações entre todas estas estruturas cíclicas,
percebemos que tal Pedagogia está toda integrada em torno deste pensamento
(recentemente denominado pensamento sistêmico”) que vê o mundo em termos de
interação, relações e integração entre sistemas (entendendo-se sistema como
104
Como, por exemplo, brincadeiras sazonais, recapitulações do dia anterior, da semana, etc.,
utilização de organização cíclica nas rotinas escolares, entre outros.
118
disposição dos elementos de um todo, coordenados entre si, de forma a constituir
uma estrutura organizada)
105
.
Capra (2003, p. 27) ainda relaciona alguns outros conhecimentos suscitados
a partir do cultivo de uma horta como a importância da agricultura orgânica, o
senso de lugar e a noção de crescimento e desenvolvimento para ressaltar a
importância de tal atividade, e destaca ainda, que ela oferece a oportunidade para
algumas vivências que não poderiam ser explicitadas de forma expositiva.
Parafraseando um professor do Centro de Ecoalfabetização Capra afirma:
uma das coisas mais interessantes sobre a horta é que estamos
criando um espaço mágico para crianças que jamais teriam acesso a
um lugar como este, nem a oportunidade de travar contato com a
terra e com as coisas que crescem. Você pode ensinar tudo o que
quiser às crianças, mas estar ali, plantando, cozinhando e comendo,
essa é uma ecologia que toca o coração e se tornará importante para
elas. (CAPRA, 2003, p. 28)
Nossa experiência na sala da terceira série realmente revelou que a
construção da horta (pelo menos da maneira como é conduzida nas escolas
Waldorf) suscita interessantes reflexões para as crianças. Em meio a uma aula da
época de letras (em que os alunos liam sobre o cotidiano de um agricultor), por
exemplo, presenciamos um aluno virar-se para ver a horta pela janela e questionar-
se, em voz alta, como seria cuidar de uma lavoura inteira se o cultivo daquela
hortinha estava dando tanto trabalho. Práticas como o desperdício podem ser
redimensionadas a partir de reflexões como esta, que levam o indivíduo a
conscientizar-se de que os alimentos não nascem nas prateleiras dos
supermercados, mas que dependem do esforço alheio, da terra, da água, dos
105
Ver capítulo denominado A concepção sismica da vida (IV. 9.) do livro O ponto de mutação de
CAPRA (1982, p. 259-298).
119
grandes ciclos naturais (como as estações do ano) e da integração da atividade de
um grande mero de sistemas para ser produzidos.
O trabalho com os contdos tradicionais do currículo da terceira série a partir
do cultivo da horta corrobora para que estas reflexões se dêem e vivifica o
quotidiano das crianças na escola. Acompanha-se o desenvolvimento da horta, por
exemplo, com o aprendizado de canções e versos (referentes a imagens
relacionadas ao cultivo) como contexto para o aprendizado de ortografia e
gramática. Vejamos alguns destes versos e canções:
1.
Eu sou um camponês
Das plantas vou cuidar
Vou com os meus amigos,
Pra terra trabalhar
Vamos plantar,
vamos colher,
e Ao Bom Deus, agradecer
(Música entoada pela terceira série no período do cultivo do trigo)
2.
Delicadas hastes guardam
os pequenos grãos
Tesouros que se tornam vida
Cuidados por nossas mãos
(Verso copiado e recitado pelas crianças na época de letras)
3.
Com vigor e com vontade
trabalha o Homem o chão,
para que berço macio seja ele do grão.
Quando se trata de carpir,
a enxada há de servir.
Quando fazemos valeta,
usamos ou picareta.
Se revolvemos o chão,
pegamos o enxadão.
(Trecho do poema copiado e ilustrado pelas crianças no caderno de letras)
120
As atividades artísticas que acompanharam o cultivo do trigo foram muito
interessantes. Uma delas foi a representação do grão, em desenvolvimento, cercado
pela terra (ver Figura 13 Grão na terra por CAT
106
, aluna da terceira série da
escola Waldorf Pesquisada).
FIGURA 13 - GRÃO NA TERRA, POR CAT, ALUNA DA TERCEIRA SÉRIE DA
ESCOLA WALDORF PESQUISADA.
Ao orientar esta aquarela, a professora de sala
107
iniciou combinando tintas
vermelhas e azuis sobre o papel umedecido e falando que a terra precisava ser
tratada com carinho, leveza e respeito. Fazendo movimentos circulares com o pincel
106
Para preservar as crianças com as quais foi realizada a pesquisa, utilizaremos, durante todo o
texto, a combinação de três letras aleatórias, em caixa alta, para identificar cada uma delas.
Reiteramos que esta combinação não possui nenhuma relação com os nomes verdadeiros dos
alunos.
107
Nas aulas de aquarela das escolas Waldorf o professor prepara uma grande bacia para que as
crianças umedeçam seus cansons, coloca as tintas que serão utilizadas, os pincéis e placas de
madeira compensada (para apoio dos pais) sobre as mesas (justapostas entre si), e com os alunos
sentados ao seu entorno, conta uma hisria que os conduza a formação de um sentimento em
relação ao que será representado.
FIGURA 13 – GRÃO NA TERRA, POR CAT, ALUNA DA TERCEIRA SÉRIE DA
ESCOLA WALDORF PESQUISADA
FOTOGRAFIA: FRANCINE MARCONDES CASTRO OLIVEIRA
121
e alternando as tintas de cor azul e vermelha, a professora dizia que os nutrientes
tinham que ficar bem equilibrados na terra para que o grão pudesse crescer sadio.
Quando restou apenas o centro do papel em branco, a professora introduziu o
tom amarelo luminoso nesta região e foi formando um grão com pinceladas leves.
Ela falava que este grão guardava uma vida e que ele estava sendo protegido dentro
da terra. Com um toque final de amarelo ouro a professora disse que o calor do sol
penetrara a terra e começava a tocar o grão. A mesma atividade foi desenvolvida,
logo após, pelos alunos.
Na semana seguinte a esta atividade, uma outra aquarela semelhante foi
desenvolvida. Nela o grão já se encontrava mais quente, prestes a germinar (ver
Figura 14 Grão na terra esquentando, por MIL, aluna da terceira série da escola
Waldorf Pesquisada).
FIGURA 14 - GRÃO NA TERRA ESQUENTANDO, POR MIL, ALUNA DA
TERCEIRARIE DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA.
FIGURA 14 – GRÃO NA TERRA ESQUENTANDO, POR MIL, ALUNA DA
TERCEIRA SÉRIE DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA
FOTOGRAFIA: FRANCINE MARCONDES CASTRO OLIVEIRA
122
Percebemos que esta visão artística, da individualidade do grão em
desenvolvimento na terra, proporcionou às crianças uma aproximação sentimental
com o canteiro de trigo. À s, possível imaginar que cada um dos grãos imersos na
terra estavam passando por aquelas mesmas fases representadas na aquarela e,
que cada um deles tinham sua importância.
Quando as aquarelas secaram a professora as colocou expostas na parede e
estimulou um exercício de contemplação bastante comum na rotina da sala.
As crianças ficaram lado a lado diante das aquarelas de grãos e fizeram um
minuto de silêncio. Durante esta contemplação a crianças são orientadas para
esquecer juízos de valor (como mais bonito, mais feio, mais caprichado) e
concentrar-se na essência de cada obra (tentando perceber que grão está mais
quente, qual está mais perto de germinar, em que terras os nutrientes estão mais
equilibrados, em que grão o sol ainda o penetrou muito profundamente, etc).
A atividade artística e contemplativa é bastante significativa para as crianças
e, por sua natureza, relacionada à valorização de algo impalvel pode contribuir
para o fortalecimento de valores não-utilitaristas:
A começar pelo fato de que a atividade estética não pode nunca ser
considerada como meio. Ela é sempre um fim em si mesma. (...)
Tudo tão diferente da linha de montagem.
Aqui a atividade se justifica apenas em função daquilo que aparece
no fim. No brinquedo e na arte o aparece coisa alguma no fim. E
pode-se então perguntar: Mas como justificar estas atividades
curiosas, iteis, improdutivas? É que elas produzem prazer:
atividades que o um fim em si mesmas. Não existem em função de
coisa alguma a não ser elas mesmas e a alegria que fazem nascer.
(ALVES, 1988, p. 13)
O valor utilitário não está no objeto em si, mas na capacidade servil que este
objeto apresenta em sua relação com um agente, o que torna tal objeto substituível
123
por qualquer outro que execute as mesmas funções. Valores estéticos, emocionais,
morais e espirituais estão relacionados à estima do objeto em si, o que faz com que
o mesmo seja reconhecido como único e insubstituível.
A capacidade de reconhecer valores estéticos, emocionais, morais e
espirituais nos elementos ao redor pode contribuir para que um indivíduo tenha uma
relação transcendental e afetiva com a Natureza, percebendo nela muito mais do
que pode ser revertido em bens práticos. Tais valores são necessários na relação
dos indivíduos uns com os outros e destes com outros seres vivos.
Observemos agora os fenômenos presentes na atuação dos alunos de
segunda e terceira séries da escola Waldorf pesquisada, assim como é detalhado na
Tabela 3.
TABELA 3 - FENÔMENOS OBSERVADOS NA ATUAÇÃO DOS ALUNOS DE SEGUNDA E
TERCEIRA IRES DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA EM 20
SESSÕES DE OBSERVAÇÕES
Fenômenos observados/ Atuações das crianças Freqüência de
ocorrências
1. Criações espontâneas das crianças que representam elementos do
ambiente natural
2
2. Demonstrações de sensibilidade (espontâneas) das crianças em relação
ao ambiente natural
5
3. Demonstrações das crianças sobre noção de diversidade 3
4. Demonstrações de contentamento com presentes simlicos atitudes
não consumistas
2
Da primeira vez em que estivemos na escola Waldorf pesquisada, ainda para
combinarmos os dias e horários de visitas, uma aluna do primeiro ano, STE, nos
abordou e nos convidou para ver uma novidade. Eram porcos-espinhos dizia ela
e corriam pela escola quando foram encontrados.
124
Grande foi nossa expectativa ao nos dirigirmos para o local indicado por STE.
Como uma criança teria reunido vários porcos-espinhos no quintal de uma escola?
Quando nos aproximamos da caixinha em que STE guardava os porcos espinhos,
percebemos o enorme cuidado que a menina tinha ao se aproximar e retirar o pano
que os cobria. Para nossa surpresa, dentro da caixinha havia, mais ou menos, umas
cinco pinhas, cuidadosamente organizadas e protegidas.
A reação da pesquisadora foi, de súbito, dizer em voz alta Que lindo STE!!!
Onde você os achou?
E com olhar repreensivo pela exaltação da pesquisadora, STE colocou o dedo
sobre a boca, em sinal de silêncio, e disse apontando para uma pinha miscula:
Pchiiiiiii!!! Este acabou de nascer!
Esta vivência, assim como muitas outras que tivemos no contexto da escola
Waldorf pesquisada, revelam o grande envolvimento que estas crianças têm com os
elementos da Natureza.
STE faz estas representações com grande freqüência. Na Figura 15 Ninho
de pássaros construído por STE temos um exemplo de objeto construído,
espontaneamente, por esta aluna, com palha e coquinhos recolhidos na escola. Ela
presenteou sua mãe com sua construção.
Assim como STE, as outras crianças da escola também o bastante
importância à observação e representação de elementos da Natureza. Em uma de
nossas visitas, por exemplo, duas meninas da quarta série encontraram, durante o
intervalo, um bicho-pau caminhando sobre uma coluna que ficava em frente à sala
em que estudavam. Elas mostraram o inseto para a professora e, logo após,
retornaram à ela para mostrar um desenho que haviam feito inspirando-se nele.
Respondendo à pergunta da professora sobre o porq de terem feito tal desenho,
125
as meninas disseram que achavam aquele animal muito bonito, mas como queriam
que ele fosse livre, não podendo vê-lo sempre que quisessem, elas o haviam
desenhado para guardar uma recordação sua.
FIGURA 15 - NINHO DE PÁSSAROS CONSTRUÍDO POR STE COM PALHA E
COQUINHOS RECOLHIDOS NO QUINTAL DA ESCOLA.
Além das formas representativas espontâneas, temos ainda nas escolas
Waldorf, muitas atividades que envolvem a figuração de elementos da Natureza
estimuladas pelos professores.
Por meio destas representações percebe-se que as crianças apreciam figurar
cenas da Natureza e têm noção de diversidade (ver Figura 16 Fundo do mar”, por
REN, aluna da terceira série da escola Waldorf Pesquisada).
FIGURA 15 - NINHO DE PÁSSAROS CONSTRUÍDO POR STE COM
PALHA E COQUINHOS RECOLHIDOS NO QUINTAL DA ESCOLA
FOTOGRAFIA: FRANCINE MARCONDES CASTRO OLIVEIRA
126
FIGURA 16 - ESPÉCIES MARINHAS EM AQUARELA, POR REN, ALUNA DA
TERCEIRARIE DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA.
Perceba que nesta aquarela a aluna representa uma grande diversidade de
escies marinhas, sendo possível reconhecer arraias, tubarões, tartarugas e
pequenos e grandes peixes.
Além de demonstrarem empatia com a Natureza em suas atividades
representativas, as crianças parecem aderir, pelo menos no interior da instituição
Waldorf, à atitude de anti-consumismo disseminada na escola e, com muita
freqüência, demonstram grande contentamento com presentes simlicos e com o
cultivo da simplicidade.
Em março de 2005 fomos convidados para a comemoração do aniversário de
REN na sala da terceira série. Após contar uma emocionante história sobre a
FIGURA 16- "FUNDO DO MAR" EM AQUARELA, POR REN, ALUNA DA TERCEIRA
RIE DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA
FOTOGRAFIA: FRANCINE MARCONDES CASTRO OLIVEIRA
127
preparação espiritual do nascimento da aniversariante, a professora solicitou que as
crianças oferecessem seus "presentes do coração" à REN.
Uma a uma neste momento, abraçaram a aniversariante dizendo
pausadamente em tom solene seus votos para a colega. Um dizia - Eu quero que
você seja muito feliz - outro falava - Quero que você consiga realizar seus sonhos
e desta maneira o aniversário foi celebrado sem a necessidade da entrega de
objetos.
As a solenidade de entrega dos "presentes" nos reunimos em torno da
mesa para experimentarmos o bolo que REN havia trazido. Nas escolas Waldorf
aconselha-se que o bolo de aniversário trazido por cada criança seja feito em sua
própria casa, pela mãe, tia, avó ou algm próximo.
Para tomar, não havia enormes quantidades de refrigerante que em geral
eram desperdiçadas nas escolas em que nós já havíamos trabalhado mas apenas
um litro de suco natural para ser dividido entre todos os alunos.
Além do evento citado acima, observamos muitas outras situações em que as
crianças demonstraram valorizar presentes não materiais. Por exemplo, quando a
professora de sala fazia um desenho novo no quadro-negro ou lhes apresentava
uma música tocada à flauta. Suas empolgações diante destes eventos eram
bastante incomuns de acordo com a experiência da pesquisadora e demonstravam
que o trabalho feito na escola para que os alunos estimassem bens não utilitários
era bem sucedido.
A seguir, apesar de este estudo o ser de natureza comparativa,
apresentaremos uma tabela sintética (Tabela 4) contendo alguns dos principais
elementos da Educação Ambiental que encontramos na escola Waldorf estudada,
em uma escola particular não-Waldorf em que a pesquisadora atuou
128
profissionalmente
108
e na concepção de Marcos Reigota
109
para que se possa
explorar as principais diferenças entre elas.
Não obstante, como nosso principal objetivo com tal comparação é enriquecer
a discussão sobre a Relação entre Homem e Natureza na Pedagogia Waldorf não
nos deteremos em confrontar os dados relativos aos demais contextos entre si.
Vejamos portanto a Tabela 4:
TABELA 4 - COMPARAÇÃO ENTRE OS ELEMENTOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
ENCONTRADA NA ESCOLA WALDORF ESTUDADA, EM UMA ESCOLA
O-WALDORF EM QUE A PESQUISADORA TRABALHOU E NA
CONCEPÇÃO DE MARCOS REIGOTA
Marcos Reigota Escola Waldorf Escola Particular (não-Waldorf)
OBJETIVOS
a Conscientizar sobre o meio
ambiente global e problemas
conexos
a Levar ao conhecimento do
ambiente global e de conteúdos
que permitam uma melhor atuação
frente ao problemas ambientais
a Levar à aquisição de
comportamentos corretos frente ao
meio ambiente
a Conduzir os indivíduos à criação
de meios técnicos para a solução
de problemas ambientais
a Oferecer aos indivíduos a
capacidade de avaliar medidas e
programas relacionados ao meio
ambiente
a Levar os indivíduos e grupos a
perceber suas responsabilidades
diante do meio e a necessidade de
ações
a Formar uma postura de
veneração em relação à Natureza
a Levar os indivíduos e grupos a
perceber suas responsabilidades
diante do meio e a necessidade de
ações
a Estimular a formação de
vínculos afetivos entre o aluno e a
Natureza
a Levar à aquisição de
comportamentos corretos frente ao
meio ambiente
a Levar à formação de hábitos não
consumistas
a Levar ao entendimento e
respeito dos ciclos, características
e elementos da Natureza
a Conscientizar sobre a realidade
ctica do meio ambiente global e
problemas conexos
a Levar ao conhecimento práticas
que permitam uma melhor atuação
frente ao problemas ambientais
a Levar à aquisição de
comportamentos corretos frente ao
meio ambiente
a Levar os indivíduos e grupos a
perceber suas responsabilidades
diante do meio e a necessidade de
ações
108
Trata-se de uma escola tradicional de Educação Infantil e Ensino Fundamental (fundada à
aproximadamente 40 anos em Curitiba) em que a pesquisadora atuou durante aproximadamente dois
anos como auxiliar de coordenação (em estágio).
109
As informações concernentes aos elementos da Educação Ambiental segundo Reigota foram
retirados de seu livro O que é Educação Ambiental (REIGOTA, 1994, p. 31-47).
129
Marcos Reigota Escola Waldorf Escola Particular (não-Waldorf)
CONTEÚDOS
a Contdos afins com as
questões ambientais das mais
diversas disciplinas
a Contdos que possibilitem ao
aluno fazer as ligações entre a
ciência, as questões imediatas e as
questões mais gerais (próximas e
distantes)
a Dados resultantes do
levantamento da problemática
ambiental vivida cotidianamente
pelos alunos e que se queira
resolver
a Alguns conceitos básicos da
biologia, ecologia e geografia
a Contdos afins com as
questões ambientais das mais
diversas disciplinas
a Contdos que possibilitem ao
aluno fazer as ligações entre a
ciência, as questões imediatas e as
questões mais gerais (próximas e
distantes)
a Alguns conceitos básicos da
biologia, ecologia e geografia
a Formação de um padrão de vida
não-consumista
a Exercícios de contemplação
a Construção de uma horta
a Contdos afins com as questões
ambientais das mais diversas
disciplinas
a Saneamento básico, extinção de
espécies, poluição em geral, efeito
estufa, reciclagem do lixo doméstico,
etc.
a Hábitos ecologicamente corretos
a Conceitos da biologia, ecologia e
geografia
METODOLOGIA
a Criada por cada professor de
acordo com as características de
seus alunos
a Aulas com espaço para os
questionamentos e
posicionamentos dos alunos
(método ativo)
a Atividades interdisciplinares
a Histórias de vida
a Pedagogia do Projeto
a Criada por cada professor de
acordo com as características de
seus alunos
a Promoção de interação dos
alunos com o ambiente natural e
seus elementos
a Exercícios de contemplação de
obras de arte (dos próprios alunos)
e de elementos da Natureza (ex:
casulo da borboleta)
a Exemplo de sensibilidade e de
hábitos corretos em relação aos
elementos do meio natural
a Vivência de produção agrícola
a Atividades sazonais
a Feiras de Cncias
a Campanha de arrecadação de
materiais recicláveis
a Aulas expositivas
a Visitas à parques, ambientes
ecologicamente conservados e
Usinas de Reciclagem
RECURSOS DIDÁTIICOS
a Aula do professor realizada
como Educação Ambiental
cotidiana
a Problemas ambientais da
escola e do bairro
a Meios de comunicação de
massa (artigos publicados na
imprensa, programas e reportagens
de televisão, entrevistas de rádio,
etc.)
a Mural ou jornal ambiental
a Estudos do meio em regiões de
interesse ecológico
a Veiculação de filmes, vídeos,
teatro, etc.
a Livros didáticos (com cautela)
a Artes plásticas
a Aula do professor realizada
como Educação Ambiental
cotidiana
a Artes em geral (música, dança,
poesia, pintura, desenho, teatro,
etc.)
a Elementos naturais em seus
lugares de origem (casulos de
borboleta, bichos diversos, frutas,
pinhas, flores, etc.)
a Horta
a Meios de comunicação de massa
(artigos publicados na imprensa,
programas e reportagens de
televisão, entrevistas de rádio, etc.)
a Veiculação de filmes, vídeos,
teatro, etc.
a Livros didáticos (com cautela)
Relativamente aos objetivos, a Educação Ambiental Waldorf se destaca das
demais formas de Educação Ambiental apresentadas na Tabela 4 por se preocupar
130
com o desenvolvimento da sensibilidade ambiental e da espiritualidade (como meio
de re-ligar o Homem ao cosmos) de seus alunos.
Autores como Gadotti (2000), Berry (1991), Hutchison (2000) e Boff (1999)
entre outros têm se preocupado em ressaltar a importância de um Educação
Ambiental sensibilizadora. Boff (1999, p. 117), que dedica todo um linho (Saber
cuidar: ética do humano) a esta questão, por exemplo, expõe que investigações
feitas em grandes centros metropolitanos:
...constatam que um aumento de conhecimento acerca da crise
ecológica e das feridas da Terra não leva necessariamente a uma
transformação nas atitudes de mais respeito e de mais veneração
para com ela. O que é imprescindível não é o saber, afirmam, mas o
sentir. Quanto mais uma pessoa sofre com a degradação do meio
ambiente, se indigna com o sofrimento dos animais e se revolta
contra a destruição da mancha verde da Terra, mais desenvolve
novas atitudes de compaixão, de enternecimento, de proteção da
natureza e de espiritualidade smica.
Ademais, Capra (2003, p. 21) que esclarece algumas das principais
características da Ecologia Profunda
110
, afirma:
Em última análise, a consciência da ecologia profunda é uma
consciência espiritual ou religiosa. Quando o conceito do espírito
humano é entendido como o modo de consciência no qual o
110
Segundo Capra (2003, p. 20) a ecologia [que estuda as relações dos organismos entre si e com
seu ambiente] é um campo muito vasto. Pode ser praticada como disciplina científica, como filosofia,
como política ou como estilo de vida. Como filosofia, é conhecida por ecologia profunda, uma escola
de pensamento fundada pelo filósofo norueguês Arne Naess no icio da década de 1970. Ainda nas
palavras de Capra: A ecologia profunda não separa o homem do ambiente; na verdade, não separa
nada do ambiente. Não vê o mundo como uma coleção de objetos isolados e sim como uma rede de
fenômenos indissoluvelmente interligados e interdependentes. A ecologia profunda reconhece o valor
intrínseco de todos os seres vivos e encara o homem como apenas um dos filamentos da teia da
vida. Reconhece que estamos todos inseridos nos processos cíclicos da natureza e que deles
dependemos para viver” (CAPRA, 2003, p. 20), tendo portanto vários pontos de concordância com a
teoria de Steiner.
131
indivíduo se sente conectado ao cosmo como um todo, fica claro que
a consciência ecológica é espiritual em sua essência mais profunda.
(CAPRA, 2003, p. 21)
Daí a importância, para a Educação Ambiental, de estas duas metas
figurarem entre as preocupações da Educação Waldorf. Algo que não é ressaltado
por Marcos Reigota nem tampouco pela Escola particular não-Waldorf inserida na
Tabela comparativa. Não obstante, ainda a respeito dos objetivos das formas de
Educação Ambiental expostas na Tabela 4, constatamos lacunas na Educação
Ambiental Waldorf no que se refere à formação crítica e política dos indivíduos e ao
reconhecimento dos problemas ambientais globais.
A primeira lacuna pode decorrer do fato de se considerar nas escolas Waldorf
(coerentemente ao pensamento de Steiner) que até os 14 anos de idade,
aproximadamente, um indivíduo não tem capacidade de formular juízos a respeito do
mundo e que, portanto, também não se deve oferecer a ele juízos prontos
(heterônomos)
111
, mas apenas conteúdos e meios que lhe permitam formular seus
próprios julgamentos no futuro. Uma vez que a atividade crítica e política depende
da formulação de juízos, ela é impossível com crianças de oito e nove anos do ponto
de vista desta teoria.
A outra lacuna possivelmente deve-se ao fato de se evitar, na Pedagogia
Waldorf, transmitir aos educandos a iia de que o ambiente deve ser conservado
para evitar-se a geração de uma situação ctica já que, segundo a teoria
Antroposófica, o Ambiente deve ser considerado como um bem em si mesmo e deve
ser preservado e/ou conservado em qualquer situação.
111
Para Steiner, oferecer jzos prontos à uma criança é como lhe vestir sapatos na infância para
serem usados durante toda a vida, pois assim como os s do indivíduo crescerão com o passar do
tempo, também o que é considerado moral poderá se modificar historicamente.
132
Quanto aos conteúdos percebe-se que a Educação Ambiental encontrada na
Pedagogia Waldorf, bem como na concepção de Marcos Reigota (1994),
diferenciam-se daquela encontrada na Escola particular não-Waldorf,
fundamentalmente, por não se concentrarem na formação direta de hábitos.
É possível que a tendência para a formação de hábitos nesta Escola
Particular não-Waldorf, advenha da preocupação desta instituição em obter
resultados em curto prazo com seus educandos, o que provavelmente decorre da
carência de uma fundamentação trica que oriente as iniciativas deste contexto.
Na Pedagogia Waldorf uma preocupação com a harmonização (emocional
e espiritual) do indivíduo com a Natureza que, em longo prazo, tende a se reverter
(entre outras coisas) na formação de hábitos ecologicamente corretos.
Com relação à Metodologia e os Recursos Diticos encontramos
especificidades na Pedagogia Waldorf (no que se refere à comparação da Tabela 4),
sobretudo, na utilização de exercícios de contemplação como meio para o
desenvolvimento da sensibilidade estética e ambiental dos alunos; na utilização de
atividades sazonais; na preocupação em se oferecer exemplos o consumistas às
crianças e; na oferta de oportunidades de vivências dos alunos junto ao meio
natural.
Esta última especificidade da Pedagogia Waldorf pode ser exemplificada pela
escolha de técnicas que conservam as propriedades naturais dos materiais na
construção das escolas e por atividades como o desenvolvimento da horta (na
Educação Infantil e na terceira série do Grau).
Como já trabalhamos acima, o desenvolvimento de atividades de cultivo
(como horta e jardinagem) é especialmente ressaltado por autores como Hutchison
(2000, p. 144) e Capra (2003, p. 27) como uma das metodologias mais significativas
133
para experimentação do pensamento sistêmico e dos princípios da ecologia na
escola.
Além disso, as demais atividades sazonais (como festas, jogos e
brincadeiras) que encontramos na escola Waldorf pesquisada reforçam a atenção
dos alunos aos ciclos naturais e lhes transmite a noção de integração entre o
ambiente e o Homem. A este respeito a autora Elsa L. G. Antunha afirma:
O aspecto fundamental dessa associação jogosversus estações do
ano ou sazonais é a compreensão de que uma relação recíproca
entre o universo, como um todo, o cosmos, e o desenvolvimento
humano: a iia, ou mais, a consciência de que a evolução se dá
através da realidade externa, dos dados oferecidos pela Natureza.
(ANTUNHA, 2000, p. 36, grifo do autor)
5.2. A PROPOSTA DO “DESENHO DA NATUREZA E A ENTREVISTA COM OS
ALUNOS WALDORF
Quando propomos às crianças que fizessem um desenho da Natureza para a
pesquisadora elas demonstraram grande entusiasmo. Durante o momento em que
estavam desenhando os alunos da segunda série consultaram a pesquisadora para
saber qual era seu animal preferido e, por acreditar que isso não interferiria no
resultado do exercício, a pesquisadora respondeu que era a girafa. O desenho tinha
mais o intuito de figurar como estímulo para a entrevista e para observarmos se as
crianças desenhariam a si mesmas ou a qualquer figura humana como elemento da
Natureza (sendo que nossa hipótese era que isso ocorreria com grande freqüência,
em função da influência da teoria de Steiner sobre os alunos).
O resultado do desenho foi interessante para conhecermos a noção de
diversidade de elementos naturais que as crianças tinham e porque a partir delas
134
observamos que, na grande maioria das vezes, os alunos relacionavam os
elementos de seus desenhos a vivências próprias, e não a existências abstratas e
distantes
112
(ver Anexo 1 Exemplos de desenhos da Natureza feitos pelos alunos
da segunda e terceira séries da escola Waldorf pesquisada). Não obstante, nossa
hitese o se confirmou, uma vez que o aparecimento da figura humana em seus
desenhos foi rara.
Apenas duas crianças (SON e VIN ambas da segunda série) representaram o
ser humano no desenho da Natureza. Mas, esse o foi um indicativo direto de que
elas consideravam o Homem como parte da Natureza.
Na entrevista
113
, uma destas crianças justificou a presença de uma menina
em seu desenho dizendo que ela era uma indiazinha e a outra negou
veementemente que o Homem fizesse parte da Natureza. A justificativa da primeira
criança, que condicionou o pertencimento do Homem à Natureza ao seu convívio
com a mesma, apareceu significativamente entre os demais alunos, como veremos
mais adiante.
112
Fato interessante foi, ainda, constatar (por meio das considerações de um dos professores da
escola) que a grande maioria das crianças não utilizavam linhas para desenhar o meio, mas apenas
encontro de cores. Sendo um fruto da abstração humana, a linha não existe na realidade material. Ela
é apenas uma representação morta. O que há na realidade são apenas encontros de cores, formando
a impressão de linha. O fato de as crianças serem orientadas para representar o meio sem a
utilização de linhas faz com que elas olhem para a essência das coisas assim como elas realmente
são (STENER, 2005, p. 130).
113
Ao todo, 16 crianças foram entrevistadas, sendo 11 alunos da segunda série (a totalidade da
turma) e cinco da terceira série (que tem seis alunos). Todos os alunos da segunda série freqüentam
a escola Waldorf pesquisada há mais de um ano e apenas um dos alunos entrevistados da terceira
série (LUI) foi matriculado recentemente (havia três meses) na instituição, sendo que todos os outros
estudam na escola desde a primeira série ou mais (ver no Anexo 2 um exemplo da entrevista
completa). o separamos os resultados obtidos em cada uma das séries para fim de análise, pois, a
diferença encontrada entre as crianças de uma série e outra não se situava propriamente na resposta
dada, mas na justificativa. Portanto, apresentaremos em gráficos os percentuais obtidos com as
respostas das crianças e apresentaremos, posteriormente as justificativas que diferenciaram as
regularidades de uma série e outra.
135
Não obstante, muitas das crianças que não representaram o Homem em seus
desenhos afirmaram, durante a entrevista, que ele fazia parte da Natureza e que um
menino poderia ser representado em um desenho da Natureza (ver Figura 17).
Como se observa, o confronto entre o resultados obtidos pelo desenho e pela
entrevista relativamente à questão do pertencimento do Homem à Natureza é
problemático. Porque uma parcela tão pequena de crianças desenharam o Homem
entre os elementos do meio natural, se 94%
114
delas consideram de alguma forma
que o Homem faz parte da Natureza?
FIGURA 17 - RESPOSTA DAS CRIAAS DE SEGUNDA E TERCEIRARIES
DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA À PERGUNTA: VOCÊ
PODERIA DESENHAR UM MENINO NO DESENHO DA NATUREZA?
Conversando com alguns professores Waldorf sobre esta questão,
recebemos a explicação de que, nesta fase da infância, a criança passa por um
114
Considerando-se juntamente 50% de crianças que afirmaram categoricamente que o Homem faz
parte da Natureza, 13% de crianças que ficaram em vida sobre a questão e depois afirmaram que
sim (o Homem pertence à Natureza) e 31% de crianças que condicionaram o pertencimento do
Homem à Natureza ao seu convívio com a mesma.
6%
13%
31%
50%
Não
Ficou em dúvida e depois
respondeu que sim
Dependeria do convívio que
este menino tem com a
Natureza
Sim, qualquer menino
FIGURA 17 - RESPOSTA DAS CRIANÇAS DE SEGUNDA E TERCEIRA SÉRIES
DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA À PERGUNTA: VOCÊ PODERIA
DESENHAR UM MENINO NO DESENHO DA NATUREZA?
136
momento de antipatia
115
com o meio, algo que eles percebem por meio de seus
desenhos. Na verdade, segundo eles, ela poderia até se considerar racionalmente
como parte da Natureza, mas estaria no desenho como expectadora, como autora, e
não como personagem em função desta antipatia. Portanto, o questionamento oral
seria mais fiel à sua real opinião quanto à participação ou não do Homem na
Natureza.
Refletindo sobre a questão, encontramos ainda mais duas hipóteses para
explicar a contradição encontrada entre os resultados do desenho e da entrevista. A
primeira hitese se relaciona com a seguinte afirmação de Duarte:
A beleza se encontra (...) entre o homem o mundo, entre a
consciência e o objeto (estético). A beleza habita a relação. A relação
onde os sentimentos entram em consonância com as formas que lhe
tocam, vindas do exterior. O prazer estético reside na vivência da
harmonia descoberta entre as formas dimicas dos sentimentos e
as formas da arte (ou dos objetos estéticos). Na experiência estética
os meus sentimos descobrem-se nas formas que lhes são dadas,
como eu me descubro no espelho. Através dos sentimentos
identificamo-nos com o objeto estético, e com ele nos tornamos um.
(DUARTE, 1988, p. 93, grifos do autor)
Dessa forma, devemos considerar que, se para contemplar o indivíduo
precisa fazer um exercício de distanciamento do objeto para reconhecê-lo em suas
especificidades, para produzir uma obra arstica ele precisa tornar-se uno com o
objeto contemplado, criando uma realidade que não existe apenas no objeto nem,
tão somente, em si mesmo, mas na relação entre ambos. Sendo assim, o indivíduo
que compõe uma arte plástica estaria, necessariamente (não apenas na fase de
desenvolvimento que estas crianças se encontram) dentro daquilo que representou.
115
Antipatia no sentido de distanciamento.
137
A outra hitese é a de que as crianças tenham sido influenciadas pela
familiaridade com cenas do ambiente natural (em estado idealizado) em que a figura
humana está presente (e pode até ser concebida em sua relação de identidade com
a mesma), mas se encontra do ponto de vista do observador, daquilo que o
aparece no quadro. Tal hitese pode coexistir com a primeira (já que as duas não
se contradizem), mas apesar de ambas parecerem plausíveis diante das evidências,
acreditamos que esta questão pode ser melhor explorada do ponto de vista de um
pesquisa da área da percepção ambiental ou da estética.
Ainda como a Figura 17 nos demonstra, 50% das crianças entrevistadas
consideram que qualquer ser humano faz parte da Natureza. Entre estas crianças,
quatro alunos da terceira série (que se encaixam na alternativa Sim, qualquer
menino”) deram como justificativa para sua resposta o fato de o Homem fazer parte
da Criação de Deus.
Tal resposta decorre, provavelmente do fato de estas crianças terem
estudado, durante uma época anterior, a história da Criação. Não obstante, uma
criança da segunda série (ADA) ofereceu a mesma justificativa, sem ter participado
destas aulas (algo que indica a possível interferência da educação familiar nesta
concepção da criança).
Outras crianças como GEO (segunda série, aproximadamente oito anos),
justificou sua resposta (“Sim, qualquer menino”) apresentando semelhanças entre o
Homem e o restante da Natureza.
Vejamos um trecho da entrevista de GEO:
Francine: E se você quisesse desenhar um menino também? Ele é da
Natureza? Poderia?
138
GEO: Não sei... Um menino... Huuuuum... Eu o sei...
Francine: Pense um pouco. Você acha que é... ou não é...
GEO: Eu acho que é.
(...)
Francine: E por que você acha que sim? O que leva você a pensar que
sim?
GEO: As pessoas são bem parecidas com os animais. Elas têm os
mesmos sentimentos que as flores, as árvores... Todo mundo tem vida...
Francine: E por isso...
GEO: Por isso eu acho que todo mundo é da Natureza.
Esta justificativa de GEO tem relação direta com a concepção de relação
entre Homem e Natureza que observamos em Steiner, uma vez que, em sua obra o
Homem é visto como síntese da Natureza. Para Marcos Reigota, tal concepção não
é comum contemporaneamente:
O homem contemporâneo vive profundas dicotomias. Dificilmente se
considera um elemento da natureza, mas como um ser à parte,
observador e ou explorador da mesma. Este distanciamento
fundamenta as suas ações tidas como racionais, mas cujas
conseqüências graves exigem dos homens, nesse final de século,
respostas filosóficas e práticas para acabar com o antropocentrismo
e o etnocentrismo. (REIGOTA, 1994, p. 11)
Já FRA (segunda série, aproximadamente oito anos) respondeu que qualquer
menino faz parte da Natureza com convião mas não apresentou justificativa, algo
que demonstra que nem todas as crianças percebem claramente os conceitos de
relação entre Homem e Natureza reforçados pela escola
116
. Vejamos um trecho da
entrevista de FRA:
116
Isto ocorre, possivelmente, porque estes conteúdos não são transmitidos de forma direta às
crianças, mas por meio de posturas conseentes dos mesmos.
139
Francine: E se nesse mesmo desenho, gigante, também fora do mar
você quisesse desenhar um menino. Podia? Ele é da Natureza?
FRA: Hunrum.
Francine: É?
FRA: É...(?)
Francine: Hunrum.
Por que?
FRA: Ah! Num sei.
Francine: Mais é?
FRA: É.
Francine: Hanram.
E se esse menino fosse aqui dessa escola... Poderia?
FRA: Poderia.
Francine: E se fosse você? Você é da Natureza?
FRA: Hanram.
Francine: Você é?
FRA: (Afirmou com a cabeça).
Francine: Eu também?
FRA: Hunrum.
Dentre as crianças que apontaram o convívio como condição necessária para
que um indivíduo fosse considerado como membro da Natureza (31%), algumas se
reportaram aos índios e outras ao homem das cavernas como exemplo. Para CES
(segunda série, aproximadamente oito anos), entretanto, uma pessoa de qualquer
época ou etnia poderia se tornar parte da Natureza se convivesse com ela:
Francine: E se você quisesse desenhar um menino, você poderia? Ele é
da Natureza?
CES: Não muito.
Francine: Não muito?
CES: A maioria vive na cidade.
140
Francine: E os que vivem na cidade não são?
CES: Da Natureza? Mais ou menos.
Francine: Mais ou menos? E os que não vivem na cidade?
CES: Aí são mais da Natureza que...
Francine: Daí são?
CES: Aí estão mais no mato, assim...
Francine: Ah é? E como assim? Você conhece?
CES: Alguém?
Francine: É, alguém.
CES: Eu tenho uma prima que mora láááááá... perto de uma aldeia onde
os índios moram.
Francine: É? E ela mora numa aldeia também? Ou não... é perto só?
CES: Ela mora bem pertinho.
Francine: Bem pertinho?
CES: Dos índios.
Francine: E ela é da Natureza CES?
CES: É.
Francine: Ela é?
CES: Ela é muito né! Ela mora lá no meio do mato.
As crianças que afirmaram que o Homem o faz parte da Natureza não
apresentaram justificativa para sua resposta. Provavelmente a concepção de que o
Homem faz parte da Natureza (transmitida pela escola em que estudam) não faz
sentido para elas diante de suas educações familiares ou dos demais meios em que
convivem.
Logo após esta questão, perguntamos às crianças se elas poderiam desenhar
uma bola neste desenho da Natureza (se ela fosse da Natureza). Todas as crianças
responderam de imediato que não, entretanto, os argumentos que elas utilizaram
para sustentar suas respostas foram variados (ver Figura 18):
141
FIGURA 18 - RESPOSTAS DAS CRIAAS DE SEGUNDA E TERCEIRARIES
DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA À PERGUNTA: POR QUE
VOCÊ NÃO PODERIA DESENHAR UMA BOLA NO DESENHO DA
NATUREZA?
Observa-se na Figura 18 que 72% das crianças considerou que a bola não
fazia parte da Natureza porque ela era feita de um determinado material artificial”,
enquanto que 21% das crianças não considerariam nenhum material feito pelo
Homem como parte da Natureza.
Não obstante, no momento da entrevista, estes dois grupos iniciavam seu
argumento de forma bastante semelhante. A maioria respondeu, de imediato, que a
bola não poderia ser parte da Natureza porque ela era de plástico. Entretanto,
pudemos diferenciá-los em dois grupos quando perguntamos: E se a bola fosse de
palha? Poderia?
Para essa pergunta 72% das crianças responderam que sim e 21%
continuaram dizendo que o, argumentando que a palha é da Natureza, mas a bola
que o Homem faz com a palha o é mais da Natureza.
O pertencimento de materiais que o Homem transforma à Natureza é
condizente com a concepção de que o próprio Homem faz parte da Natureza.
Entretanto é transmitido pela própria escola que tal transformação tem um limite, ou
seja, aquele que permite a conservação das propriedades naturais dos materiais
transformados. A respostas de 72% das crianças a esta questão, portanto, é
72%
7%
21%
Por causa do material
utilizado: plástico, vidro,
borracha...
Porque a bola não tem
vida
Porque ela foi feita pelo
homem
FIGURA 18 - RESPOSTAS DAS CRIANÇAS DE SEGUNDA E TER
CEIRA SÉRIES DA
ESCOLA WALDORF PESQUISADA À PERGUNTA: POR QUE VOCÊ NÃO PODERIA
DESENHAR UMA BOLA NO DESENHO DA NATUREZA?
142
condizente com as iias transmitidas pela escola e também com a resposta de que
o Homem faz parte da Natureza (considerada de alguma forma por 94% das
crianças
117
). É possível que a complexidade da questão tenha sido responsável pela
diferença de 22% entre os resultados destas duas questões.
Também é interessante ressaltar que, além de considerar como natural
apenas os materiais intocados pelo Homem ou transformados por ele somente até o
ponto em que ainda conservam suas características de origem, a iia transmitida
pela escola é de que os materiais naturais são melhores ou mais nobres que os
artificiais. Em vista da concordância entre as respostas de 72% das crianças com
aquela primeira iia vinculada pela escola, consideramos que, provavelmente, esta
outra idéia também tenha sido apropriada por elas.
Apenas uma criança (LUC (segunda série, aproximadamente oito anos)) não
pertenceu a esta regularidade, pois, respondeu que a bola não pertencia à Natureza
porque não tinha vida. A pesquisadora contra-argumentou baseando-se no reino
mineral. Vejamos o diálogo no trecho abaixo:
Francine: E se esse menino tivesse um brinquedo. Assim... uma bola.
Você poderia desenhar essa bola no desenho da Natureza? Ela seria da
Natureza também?
LUC: Hum hum (responde rapidamente fazendo negação com a
cabeça).
Francine: Não? Por quê?
LUC: Porque bola o tem vida. (...) Porque ela não tem vida.
Francine: Por isso que... daí não poderia.
(...)
Francine: E se fosse uma pedrinha?
LUC: Pequena ou grande?
Francine: Hummm... Uma pequena...
143
LUC: Eu também posso fazer uma cachoeirinha... que... lá longe... daí
eu faço pequenininha.
Francine: Daí você poderia fazer umas pedrinhas, né?
Hum... Mas as pedrinhas também não têm vida...
Daí poderia? Ela seria da Natureza?
LUC: Ela é da Natureza mesmo que o tenha vida.
Quando perguntamos às crianças se era preciso cuidar da Natureza,
recebemos de todas elas a resposta sim. Algumas eram mais enfáticas e outras
mais comedidas, todavia todas demonstravam considerar a resposta óbvia. Em
seguida questionávamos por que este cuidado era necessário. As respostas
variaram em cinco categorias, assim como segue na Figura 19:
FIGURA 19 - RESPOSTAS DAS CRIAAS DE SEGUNDA E TERCEIRARIES
DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA À PERGUNTA: PORQUE
VOCÊ ACHA QUE NÓS PRECISAMOS CUIDAR DA NATUREZA?
21%
31%
5%
11%
32%
Valor estético
Valor sentimental
Não soube responder
Necessidade prática
Pelo bem estar dos
animais
FIGURA 19 - RESPOSTAS DAS CRIANÇAS DE SEGUNDA E TERCEIRA SÉRIES DA
ESCOLA WALDORF PESQUISADA À PERGUNTA: PORQUE VOCÊ ACHA QUE NÓS
PRECISAMOS CUIDAR DA NATUREZA?
144
Como se observa na Figura 19 um número muito próximo de crianças
argumentaram com base no valor sentimental e na necessidade prática, formando
juntos a maioria das respostas.
Nossa hipótese sobre esta questão era de que a maioria das crianças
responderia que era necessário cuidar da Natureza com base no valor sentimental
que os elementos da Natureza têm para elas. Esta hipótese não se confirmou, uma
vez que apenas 31% das crianças recorreram a este argumento.
Não obstante, uma categoria de resposta que nós não havíamos considerado
surgiu durante as entrevistas (que se deveria cuidar da Natureza pelo bem estar dos
animais). Tal resposta pode decorrer de um envolvimento sentimental da criança
com os animais, não obstante, esta relação não é necessária, uma vez que o
estímulo para a preocupação com o bem estar dos animais possa ser de ordem
moral ou racional
118
.
As respostas que classificamos dentro desta categoria são semelhantes à
resposta de MAR (segunda série, aproximadamente oito anos). Vejamos um trecho
de sua entrevista:
Francine: Nós precisamos... As pessoas precisam cuidar da Natureza?
MAR: Eu acho que precisa.
Francine: Precisa. Por que?
MAR: Nós temos que cuidar dos animais... cuidar das flores...
Francine: E o que mais...
MAR: Cuidar. Deixar os animais felizes. Dar água para as plantas...
Fazer algumas outras coisas...
118
Lembramos que, se para Kant a moralidade é racional, para Steiner ela é de ordem sentimental ou
volitiva.
145
Francine: Deixar os animais felizes isso é cuidar né? mas por quê
que a gente tem que dar água, cuidar...?
MAR: Porque senão os animais vão ficar com sede, com fome, vão ficar
tristes. E se a gente fizer assim eles vão ter uma boa... como é que se
diz?... uma boa... uma boa... Hummmm... Daí os homens iriam ajudar. E
eles ficariam mais felizes.
Não pode dar qualquer coisa assim, né?
Francine: Eles teriam, então, uma vida melhor?
MAR: É.
LUC e MIL (terceira série, aproximadamente nove anos) são exemplos de
crianças que utilizaram um argumento de ordem sentimental para sua resposta.
Segue abaixo os trechos de suas entrevistas em que podemos observar esta
característica:
Trecho da entrevista com LUC:
Francine: Agora me diga uma coisa... A gente precisa cuidar da
Natureza?
LUC: Precisa! Até das formiguinhas... porque, um dia eu vi num
desenho, que... que... o Barney... do Barney... eles tavam cuidando até
pra não pegar nas formigas.
Francine: Ah é?
Então tem que cuidar até das formiguinhas? E por quê?
LUC: Porque elas são amigas. (...) Porque elas são amigas.
Trecho da entrevista com MIL:
Francine: MIL me responde uma coisa. Você acha que a gente tem que
cuidar da Natureza?
146
MIL: Muito.
Francine: Muito? Por que?
MIL: Ah... Porque cada vez mais quando é sujeira pelo mundo, os bichos
vão ficando em extinção.
Francine: Hunrum.
MIL: Daí não tem mais quase bicho, destroem árvores só pra fazer
condomínios enormes...
Francine: E se não tiver mais bicho?
MIL: Eu vou ficar muito triste.
Francine: É? (...) E árvores?
MIL: Nossa senhora! Daí não vai ter quase, sombra na cidade.
As crianças que argumentaram no sentido do valor estético da Natureza
tiveram respostas semelhantes ao de FRA. Para elas, a beleza da Natureza seria
algo suficiente para que não se permitisse destruição.
Vejamos um trecho da entrevista de FRA:
Francine: Agora me responde uma coisa. A gente precisa cuidar da
Natureza?
FRA: Sim.
Francine: Você acha que sim. E por que que você acha que sim?
FRA: Hummm... Porque... que tem pouco.
Francine: Porque tem pouco?
FRA: Ééééé.
Francine: Hummm. E se tivesse bastante?
FRA: Também teria que cuidar.
Francine: Por que?
FRA: Porqueeeee... é bonito.
Porque é bonito.
Francine: Tem mais algum porquê?
FRA: Não.
147
Já algumas crianças utilizaram argumentos no sentido do valor prático da
Natureza, considerando a necessidade que o Homem tem dela para manter sua
sobrevivência.
Vejamos dois exemplos característicos:
Francine: Tá bom.
Agora me responde uma coisa. Você acha que a gente precisa cuidar da
Natureza?
VIN: Hanram. Muuuuuuuito!
Francine: Muuuuito! E por que?
VIN: Porque senão a mata vai sumir, a gente não vai ter mais papel, o
vai ter mais sombra... essas coisas.
Francine: Não vai ter mais sombra...
VIN: Árvore pra trepar, pra subir...
Francine: Pra subir...
VIN: Fruta...
Francine: Não vai ter mais fruta...
E o que mais?
VIN: Aí... Vai perder tudo... Não vai ter mais nada... o que que a gente
vai fazer?... porque não dá pra viver sem fruta, sem nada. Entendeu?
Estas coisas...
Francine: Entendi.
Fragmento da entrevista de LUI (terceira série, aproximadamente nove anos)
Francine: Agora diga uma coisa pra mim LUI. A gente precisa cuidar da
Natureza?
LUI: Precisamos.
Francine: E por quê?
148
LUI: Porque senão a Natureza morre.
Francine: E se morrer?
LUI: Se morrer ninguém mais vai viver.
Francine: Hanran... Então s precisamos cuidar... porque se a Natureza
morre as pessoas tamm morrem.
LUI: Hanran.
Francine: É isso?
LUI: É.
Francine: Tem outro motivo?
LUI: Hum... Também porque... A Natureza assim...
Não pode derrubar a Natureza, mesmo que num... várias pessoas o
morram. Um dia vai fazer falta. E vai fazer falta tamm pras pessoas
comerem as coisas da Natureza...
Francine: Hunrum...
LUI: Não vai ter mais árvores...
Ao todo, pode-se considerar que 64% das crianças argumentaram (sobre o
porque da necessidade de se cuidar da Natureza) com base em valores afetivos.
Compondo estes 64% temos 31% de crianças que se basearam em valores
sentimentais ao formularem suas respostas, 21% que se basearam em valores
estéticos e 11% (que deram respostas semelhantes à para deixar os animais
felizes”) que podem estar baseados tanto em valores sentimentais quanto morais.
A tendência dos argumentos destes alunos à afetividade pode ter ligação com
suas fases de desenvolvimento (segundo setênio) em que, segundo a Antroposofia
e tamm na concepção de Piaget (2003, p. 26), a criança se tornaria mais
emocional. Não obstante, tal tendência estrutural do desenvolvimento infantil é
reforçada na Pedagogia Waldorf que, por meio do ensino artístico na segunda
infância, procura intensificar e deixar atuar a atividade do sentir no indivíduo.
149
Já a figuração de argumentos ligados a valores estéticos nas respostas de
21% das crianças, provavelmente, deve-se ao fato de se desenvolverem nas escolas
Waldorf muitas atividades artísticas e de desenvolvimento de contemplação (de arte
e de elementos do meio natural) que, como os resultados indicam, são significativos
para as crianças.
Algumas opiniões que as crianças expuseram durante as entrevistas foram
bastante surpreendentes, demonstrando a adesão delas aos comportamentos que
pais e professores lhes descreveram como favoráveis à Natureza.
ROB, por exemplo, faz uma menção interessante que engloba: migração de
animais em conseqüência da extinção de seu habitat natural, e possíveis problemas
sofridos e causados por animais exóticos.
Vejamos esta parte de sua entrevista:
Francine: ROB, porq mesmo, então, que tem que cuidar? É para
não...
ROB: Não deixar poluir as coisas.
Francine: Ah, entendi. por causa disso?
ROB: E por outras coisas.
Francine: Quais?
ROB: Ah, porque, tipo, se você jogar lixo, os animais podem se afastar e
ir para um outro lugar.
Francine: Pra outro lugar...
ROB: Pra onde tem bichos que comem eles.
Francine: Hanram.
Entendi, que não é o lugar em que eles estão.
ROB: Por causa que, aqui (apontando o desenho) é o lugar em que eles
estão e eles tão se sentindo bem.
150
Francine: E se eles... e se tivesse lixo aqui, por exemplo, o que
aconteceria?
ROB: Ficaria muito sujo e... com cheiro mal.
Francine: E daí eles não poderiam mais ficar aqui?
ROB: Não.
Francine: E daí pra onde será que eles iriam?
ROB: Pra outro país, que não tenha lixo.
GEO demonstra indignação por perceber que algumas atitudes simples, que
podem ser benéficas à Natureza, não são tomadas por omissão.
Vejamos um fragmento de sua entrevista:
GEO: (...) Por exemplo, não devia existir aquelas bandejinhas onde põe
carne. Devia pôr direto no pacote... porque aquilo não reci... não recicla.
Francine: Quais bandejinhas? De isopor?
GEO: Aquelas bandejinhas de isopor que a gente põe carne. Não
recicla!!!
Francine: Não recicla aquela?
GEO: Não recicla!!!
Francine: Puxa vida.
GEO: Por isso minha mãe não gosta assim... E tem um mercado lá que
se chamaaaaaaa...
(...)
GEO: E eles não vendem na bandejinha. Eles vendem direto no
saquinho... só que aquele saquinho que pra reciclar... recicla!
Os resultados de nossa observação em uma instituição Waldorf de ensino
demonstraram que a educação desenvolvida neste contexto contém muitas
concordâncias com a visão sistêmica de mundo e com uma formação compatível
com os princípios da Ecologia Profunda. Os resultados obtidos por meio da
151
entrevista se comportaram de forma a demonstrar que a metodologia de ensino
Waldorf ou do que pode ser considerado como a Educação Ambiental Waldorf
consegue transmitir estes princípios aos alunos fazendo com que grande parte deles
tenham uma visão da relação entre Homem e Natureza não dicotômica e que
observem o meio natural sob uma perspectiva afetiva (e não utilitária). Segundo
Gadotti:
A sensação de pertencer ao universo não se inicia na idade adulta
nem por um ato de razão. Desde a infância, sentimo-nos ligados com
algo que é muito maior do que nós. Desde criança nos sentimos
profundamente ligados ao universo e nos colocamos diante dele num
misto de espanto e respeito. E, durante toda a vida, buscamos
respostas ao que somos, de onde viemos, para onde vamos, enfim,
qual o sentido da nossa existência. É uma busca incessante e que
jamais termina.
A educação pode ter um papel nesse processo se colocar questões
filosóficas fundamentais, mas também se souber trabalhar ao lado do
conhecimento essa nossa capacidade de nos encantar com o
Universo. (GADOTTI, 2000, p. 77)
152
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando contemplamos a Terra transitando pelo
universo, recebendo o que vem do sol, da lua e das
outras estrelas, então a vemos vivendo no universo.
Não estaremos desenvolvendo uma geologia e uma
geognose mortas, mas sim elevando o que a
geologia e a gnose mortas nos ofereceram para
uma observação da vida da Terra lá fora no cosmo.
Perante nossa contemplação espiritual, a Terra
torna-se um ser vivo. Então, quando vemos as
plantas brotarem da terra, vemos como a Terra
assimila a vida do cosmo e a transmite para o que
vive nela, e a Terra e o crescimento das plantas se
tornam para s uma coisa .
Rudolf Steiner (2004a, p. 66)
Ao cumprir os objetivos de conhecer como se manifesta a concepção
de relação entre Homem e Natureza em parte da obra de Rudolf Steiner, na
atuação de professores formados segundo os princípios da Antroposofia e na
atuação e discurso de alunos Waldorf de segunda e terceira séries do Ensino
Fundamental, esta pesquisa demonstrou que a Pedagogia Waldorf pode ser
considerada como uma das possíveis formas educativas capazes de
colaborar com a superação da crise do conhecimento (Leff, 2002, p. 217) que
contribuiu para gerar (e alimenta) a crise ambiental contemporânea.
O pensamento de Rudolf Steiner contém numerosas correspondências
com as iias dos pensadores sistêmicos contemporâneos assim como são
descritas por Capra em O ponto de Mutação (CAPRA, 1982, p. 260) uma
vez que vê o mundo em termos de relações e de integração, considera o todo
mais complexo que a soma de suas partes, reconhece a flexibilidade e
dinamismo dos sistemas, concebe o planeta Terra como um grande
153
organismo vivo composto pela integração de todos os sistemas nele
presentes, requisita a necessidade de união entre ciência e espiritualidade,
considera (assim como Goethe) que o Homem é a síntese da Natureza em
estado diferenciado e não separa o Homem do restante da Natureza (entre
outros aspectos); tendo tido a iniciativa rara de aplicar estes conhecimentos à
Educação.
Pedagogicamente, a teoria de Steiner orienta para o trabalho contínuo
de integração entre educandos e Natureza e no âmbito mais específico do
ensino das ciências naturais percebe a necessidade de conduzir o aluno à
formação de uma moralidade
119
em relação ao mundo. Para tanto Steiner
recomenda que o trabalho com as ciências naturais seja iniciado pelo
reconhecimento das semelhanças existentes entre o Homem e o restante da
Natureza, ressaltando-se que, relativamente à estrutura corporal, o que
distinguiria o ser humano dos animais não seria seu cérebro, mas suas mãos,
que o habilitariam à trabalhar em prol do mundo.
Esta iia de Steiner o distingue de Kant à medida que este último
encontrava nas especificidades do Homem motivos que lhe concederiam
prerrogativas em relação à Natureza (KANT, 19-, p. 89), enquanto que para
Steiner a especificidade humana lhe renderia, sobretudo, responsabilidades
relativas a todas as demais formas de vida.
Em relação à atuação de professores Waldorf constatamos coerência
com a literatura antroposófica que exploramos e encontramos numerosas
manifestações que demonstram suas identificações com uma Educação
119
Devemos lembrar que para Steiner a moralidade infantil é uma propriedade da vontade e da
sensibilidade ao contrário de Kant, para o qual a moralidade é sempre uma propriedade da razão.
154
disposta à re-ligar os seres humanos com os demais elementos da Natureza.
Estas manifestações, fundamentando-se na visão de mundo de Steiner
120
, se
constituem, por exemplo, da criação de atividades artísticas autênticas que
revelam valorização e sensibilidade estética relativa à Natureza, da utilização
de um vocabulário permeado de expressões de respeito e admiração em
relação ao meio natural
121
e da manutenção de uma prática pedagógica que
evidencia a integração e interdependência entre sistemas, apóia a
legitimidade de uma espiritualidade que afirma a união entre Homem e
cosmos e reforça a emergência de valores de satisfação humana não
baseadas no consumo.
O trabalho destes professores, sendo coerente com a fundamentação
trica adotada pela escola em que atuam, é também corroborado e
enriquecido pela estrutura da mesma. Tal evidência suscita a menção de
nossa concepção de que os elementos que comem a Educação Ambiental
Waldorf não produziriam os mesmos efeitos se transpostos, isoladamente,
para contextos fundamentados e estruturados diferentemente das escolas
Waldorf.
Consideramos significativo para a pesquisa em Educação Ambiental a
comprovação de que a adoção de determinada Pedagogia (na íntegra) é
favorável ao desenvolvimento de uma educação em prol da superação da
120
Ressaltamos que a fluência dos professores Waldorf em relação à teoria de Steiner se deve às
suas formações em Pedagogia Waldorf, às periódicas leituras e estudos de grupo que fazem e, ainda,
à própria empatia que estes profissionais conservam diante de tal teoria (um dos principais requisitos
para que se tornem professores Waldorf).
121
O que segundo Gonçalves (1989, p. 25) é significativo para entender a postura dos indivíduos em
relação à Natureza, já que nosso vocabulário reflete nossa forma de compreender e estar no mundo.
155
crise ambiental, não obstante, considerando-se a complexidade de um
processo educativo, pode não ser significativo para Educação Ambiental de
um contexto específico (fundamentado por outras perspectivas pedagógicas)
a adoção de práticas esporádicas daquela mesma Pedagogia.
Quanto aos alunos de segunda e terceira séries, nossa observação
revelou sentirem-se integrados e identificados com a Natureza, tendo um
imagirio permeado por elementos e situações do meio natural. Na entrevista
que desenvolvemos com eles, constatamos a predominância de argumentos
relacionados à afetividade ao solicitarmos uma justificativa para a necessidade de se
cuidar da Natureza. Provavelmente, tal tendência tem ligação com suas fases de
desenvolvimento (segunda infância) que, como trabalhamos, é considerada pela
Antroposofia e também por Piaget (2003, p. 26), como um momento de
intensificação emocional da criança. Não obstante, esta tendência de suas fases de
desenvolvimento é reforçada na Pedagogia Waldorf que, por meio do ensino
artístico que procura intensificar e deixar atuar a atividade do sentir no indivíduo.
Da interação destes dados emerge as seguintes questões: Alunos de
segunda e terceira séries de escolas não-Waldorf (que o trabalham
intencionalmente com a intensificação da atividade do sentir na segunda infância)
apresentariam tendência semelhante à afetividade quando questionadas sobre o
porq da necessidade de se cuidar da Natureza? e Em que medida os
argumentos ligados ao utilitarismo apareceriam nas respostas destas crianças?
Estas questões suscita-nos o interesse por uma outra pesquisa, que nos permita
analisar, em termos comparativos, os resultados obtidos neste estudo.
A presente pesquisa vem ressaltar, ainda, que apesar de ser pouco explorada
e reconhecida no meio acadêmico brasileiro, a obra de Rudolf Steiner demonstra
156
poder oferecer importantes contribuições à pesquisa científica, especialmente na
área da Educação e da Educação Ambiental.
A questão dos pontos de concordância entre as teorias de Steiner e Piaget no
âmbito do desenvolvimento infantil, por exemplo (que já foram trabalhados de forma
exploratória por Iona Ginsburg no artigo Jean Piaget and Rudolf Steiner: Stages of
child developmente and implications for Pedagogy (GINSBURG, 1982) e por s
ampliados em uma pesquisa também exploratória que resultou no artigo Pontos de
concordância entre as teorias de Rudolf Steiner e Jean Piaget: sinalizações para a
ciência da Educação (OLIVEIRA; STOLTZ, 2004)) mostra-se constituir um promissor
problema de pesquisa pela riqueza de informações e complexidade que envolve.
Ademais, a questão da relação entre Homem e Natureza na Pedagogia
Waldorf não poderia ser encerrada nesta pesquisa, uma vez que, em muito se
distinguem os graus de ensino neste contexto e tanto na Educação Infantil como na
segunda fase do Ensino Fundamental Waldorf (quinta a nona séries) que não
exploramos é possível encontrarem-se elementos específicos (ou relacionados aos
que expusemos) que contribuam para o enriquecimento dos saberes da Educação
Ambiental.
Enfim, esperamos que este trabalho contribua de alguma forma para a
ampliação do interesse pela Educação Waldorf no Brasil, tanto por parte de
pesquisadores como de pais de crianças em idade escolar e, que ele possa,
sobretudo, enriquecer a discussão sobre as propostas de Educação Ambiental
requisitadas por nossos tempos.
157
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gerais. São Paulo: Antroposófica, 1996b.
_____. O cristianismo como fato místico: e os mistérios da Antiguidade. 2. ed.
São Paulo: Antroposófica, 1996c.
_____. Reencarnação e carma: à luz das modernas concepções da Ciência
Natural. 2. ed. São Paulo: Antroposófica, 1996d.
_____. Antropologia meditativa: contribuição à prática pedagógica. o Paulo:
Antroposófica, 1997a.
_____. Os doze sentidos e os sete processos vitais. São Paulo: Antroposófica,
1997b.
_____. A ciência oculta. 5. ed. São Paulo: Antroposófica, 1998a.
_____. Arte e estética segundo Goethe: Goethe como inaugurador de uma
estética nova. 2. ed. São Paulo: Antroposófica, 1998b.
_____. A arte da educação III: Discussões pedagógicas. São Paulo: Antroposófica,
1999a.
_____. As manifestações do carma: os aspectos decisivos do destino humano. 2.
ed. São Paulo: Antroposófica, 1999b.
_____. A prática pedagógica: segundo o conhecimento cienfico-espiritual do
homem. São Paulo: Antroposófica, 2000.
_____. Carências da alma em nossa época: como superá-las? 3. ed. São Paulo:
Antroposófica, 2002a.
_____. Seres elementares e seres espirituais. 3. ed. São Paulo: Antroposófica,
2002b.
_____. Os contos de fadas: sua poesia e sua interpretação. São Paulo:
Antroposófica, 2002c.
162
_____. A arte da educação I: o estudo geral do homem: uma base para a
pedagogia. 3. ed. o Paulo: Antroposófica, 2003a.
_____. A arte da educação II: Metodologia e didática. 2. ed. São Paulo:
Antroposófica, 2003b.
_____. Economia e sociedade: à luz da Ciência Espiritual. 2. ed. São Paulo:
Antroposófica, 2003c.
_____. A metodologia do ensino e as condições da vida do educar. São Paulo:
Lene, 2004a.
_____. A natureza supra-sensível do ser humano: o ponto de vista da
Antroposofia. São Paulo: João de Barro, 2004b.
_____. A arte de educar baseada na compreeno do ser humano. São Paulo:
Federação das escolas Waldorf do Brasil, 2005.
_____. Sociedade Antroposófica Brasileira. Disponível em: <http://www.sab.org.br
/pedag-wal/lawaldir.htm> Acesso em: 20 set. 2005.
STEINER, Rudolf; GLÖCKLER, Michaela. Os tipos constitucionais nas crianças:
três palestras de Rudolf Steiner comentadas por três conferências da Dra. Michaela
Glöcker. São Paulo: Centro de Formação de Professores Waldorf, 2004.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. Sistema de Bibliotecas. Citões e notas
de roda. Curitiba: Ed. da UFPR, 2000. (Normas para apresentação de
documentos científicos; 7).
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. Sistema de Bibliotecas. Referências.
Curitiba: Ed. da UFPR, 2000. (Normas para apresentação de documentos científicos;
6).
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. Sistema de Bibliotecas. Teses,
dissertações, monografias e trabalhos acadêmicos. Curitiba: Ed. da UFPR, 2000.
(Normas para apresentação de documentos científicos; 2).
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
WALKER, Morton. O poder das cores: as cores melhorando sua vida. São Paulo:
Saraiva, 1995.
WILSON, Colin. Rudolf Steiner: o homem e sua visão. o Paulo: Martins Fontes,
1988.
163
Apêndice 1 Roteiro de entrevista aplicado às crianças da segunda e terceira
ries da escola Waldorf pesquisada.
v Explique-me o que você colocou no seu desenho:
v Por que você colocou estas coisas?
v E se a folha fosse bem maior e você tivesse muito, muito, muito tempo para
desenhar você colocaria mais coisas?
v Que coisas a mais você colocaria?
v Você estava desenhando a Natureza para mim, não é? E se de repente você
quisesse desenhar uma jiia aí, poderia? Ela também é da Natureza?
v E se além da jiia você quisesse desenhar um menino? Poderia? Ele também é
da Natureza?
v Agora vamos fazer-de-conta que você desenhou a jiia e o menino. Se este
menino tinha uma bola ela tamm poderia estar neste desenho de coisas da
Natureza? Por quê?
v Você pode me explicar uma coisa? Você acha que as pessoas têm que cuidar da
Natureza? Como? Por quê?
164
ANEXO 1 QUATRO EXEMPLOS DOS “DESENHOS SOBRE A NATUREZA
PRODUZIDOS PELOS ALUNOS WALDORF DE SEGUNDA E TERCEIRA SÉRIES
DA ESCOLA PESQUISADA
Desenho de VIN (aluno da série aproximadamente 8 anos).
FOTOGRAFIA: PAULO ROBERTO SOUZA DE BRITO
Desenho de ADA (aluno da série aproximadamente 8 anos).
FOTOGRAFIA: PAULO ROBERTO SOUZA DE BRITO
165
Desenho de MIL (aluna da série aproximadamente 9 anos).
FOTOGRAFIA: PAULO ROBERTO SOUZA DE BRITO
Desenho de RAF (aluno da série aproximadamente 9 anos).
FOTOGRAFIA: PAULO ROBERTO SOUZA DE BRITO
166
ANEXO 2 TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTA FEITA COM ALUNO DA SEGUNDA
RIE DA ESCOLA WALDORF PESQUISADA
Entrevista com FRA: segunda série, oito anos.
Francine: Então vamos lá FRA. Tem que falar um pouquinho alto, porque
senão, ele não consegue escutar... (Risadas).
FRA: Tá.
Francine: Tá bom?
FRA: Tá.
Francine: Conta pra mim FRA, o que você fez neste desenho. Você
lembra o que que a gente tava desenhando?
FRA: Hanram. Um desenho da Natureza.
Francine: Um desenho da Natureza... E nesse desenho da Natureza, o
que foi que você escolheu desenhar? Conta pra mim.
FRA: Uma borboleta, uma flor, um cachorro, um pato... E aqui é um
ninho...
Francine: Com ovos?
FRA: É.
Francine: Que lindo FRA. Eu não tinha reparado que era um ninho ainda.
Na verdade eu pensei que era uma casinha de João-de-barro.
(Risos).
Francine: E esse pato, ele tá na lagoa?
FRA: Tá.
Francine: Hum! Aliás ele deu um mergulho né?
FRA: É...
Francine: (Risos).
FRA: Pra pegar um peixe.
Francine: Ah! Pra pegar um peixe!
Me conta uma coisa FRA.
FRA: Hum.
167
Francine: Se você tivesse um papel gigantesco. Bem grande. Do
tamanho desta escola. E mil lápis. E muuuuito tempo... um ano inteiro
pra fazer um desenho. E você fosse fazer de novo um desenho da
Natureza. Você faria mais coisas do que você fez aqui?
FRA: Faria.
Francine: Quais?
FRA: Hum, por exemplo, uma girafa... três borboletas...
Francine: Três?
FRA: Hunrum.
Francine: É?
FRA: Aaaah! Quatro passarinhos. Mais pe... ssaros e peixes.
Francine: Hunrum.
FRA: E também faria elefante e cachorro.
Francine: Elefante e cachorro. Aqui já tem um né? Aí você fazia mais um
pra eles serem amigos, é?
FRA: É.
Francine: Tá. E vamos fazer-de-conta que neste desenho gigantesco,
você quisesse desenhar uma baleia. Você poderia? Ela é da Natureza?
FRA: É.
Francine: É?
E se nesse mesmo desenho, gigante, tamm fora do mar você
quisesse desenhar um menino. Podia? Ele é da Natureza?
FRA: Hunrum.
Francine: É?
FRA: É...(?)
Francine: Hunrum.
Por que?
FRA: Ah! Num sei.
Francine: Mais é?
FRA: É.
Francine: Hanram.
E se esse menino fosse aqui dessa escola... Poderia?
FRA: Poderia.
168
Francine: E se fosse você? Você é da Natureza?
FRA: Hanram.
Francine: Você é?
FRA: (Afirmou com a cabeça).
Francine: Eu também?
FRA: Hunrum.
Francine: Hunrum.
E se a gente colocasse s duas. Vamos fazer-de-conta que você
desenhou nós duas, tá? Se a gente quisesse levar uma bola... também
podia desenhar nesse desenho da Natureza? Essa bola é da Natureza?
FRA: Não.
Francine: Não? Por que?
FRA: Porque é de plástico. Plástico é tóxico.
Francine: Ah! E o que é tóxico não é da Natureza?
FRA: N... é.
Francine: Entendi.
Então as coisas que são tóxicas não são?
FRA: Não.
Francine: E se essa bola fosse uma bola de palha. Podia?
FRA: Podia.
Francine: Daí ela era da Natureza?
FRA: Era.
Francine: Entendi.
Agora me conte uma coisa FRA. Se essa bola fosse de vidro.
FRA: N...
Francine: Podia?
FRA: Não.
Francine: Não também?
FRA: Não, porque tem algumas coisas que são tóxicas... tem?
Francine: Dentro do vidro?
Acho que... eu o sei. Nós precisamos ler para ver. A gente precisa
perguntar pra alguém. Tá bom?
FRA: Tá.
169
Francine: Agora me responde uma coisa. A gente precisa cuidar da
Natureza?
FRA: Sim.
Francine: Você acha que sim. E por que que você acha que sim?
FRA: Hummm... Porque... que tem pouco.
Francine: Porque tem pouco?
FRA: Ééééé.
Francine: Hummm. E se tivesse bastante?
FRA: Também teria que cuidar.
Francine: Por que?
FRA: Porqueeeee... é bonito.
Porque é bonito.
Francine: Tem mais algum porquê?
FRA: Não.
Francine: Não?
E como que dá pra cuidar da Natureza?
(...)
FRA: Molhando as plantinhas. Dando comida pros animais... éééé...
Esquentando os coelhinhos.
Francine: Esquentando?
FRA: É, porque eu tenho cinco filhotinhos de coelhos. Deste tamanho.
Francine: Ai que lindo FRA.
E quando a gente esquenta eles, também a gente está fazendo um bem
pra Natureza?
FRA: Hunrum.
Francine: Hum. Entendi.
E tem outras formas, assim, de fazer um bem pra Natureza?
FRA: Ah. Tem. Como... cuidar.
Francine: Cuidar?
FRA: É.
Francine: Entendi.
E a gente tem que cuidar porque é bonito, e por que mais?
FRA: Ah! (Risos). Não sei.
170
Francine: Não sabe? Mas se você tivesse bastante tempo pra pensar
você acha que tem outro porquê?
FRA: Não.
Francine: Não?
(...)
Francine: isso?
FRA: Hunrum.
Francine: Então tá bom! Muito obrigada.
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