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ANA CARLA LEÃO FILARDI
(oceanóloga)
DIAGNÓSTICO DA PESCA ARTESANAL MARINHA DO
MUNICÍPIO DE GAROPABA (SC): POTENCIALIDADES E
OBSTÁCULOS PARA A GESTÃO ADAPTATIVA PARA O
ECODESENVOLVIMENTO
Florianópolis,SC
2007
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i
Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-graduação em Geografia
Ana Carla Leão Filardi
DIAGNÓSTICO DA PESCA ARTESANAL MARINHA DO
MUNICÍPIO DE GAROPABA (SC): POTENCIALIDADES E
OBSTÁCULOS PARA A GESTÃO ADAPTATIVA PARA O
ECODESENVOLVIMENTO
Orientador: Jarbas Bonetti
Co-orientador: Paulo Freire Vieira
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Área de concentração: Utilização e Conservação de Recursos Naturais
Florianópolis/SC, setembro de 2007.
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ii
AGRADECIMENTOS
O presente trabalho contou com a ajuda sincera de diversas pessoas, mas
creio que devo um especial agradecimento a todos os pescadores com os
quais tive a oportunidade de conversar, que confiaram em mim e tiveram a boa
vontade e a paciência de me explicar um pouco os seus saberes, sua cultura,
sua arte. Além de me darem a honra de compartilhar do peixe pescado e da
acolhida dos seus ranchos de pesca. Gostaria de destacar, em especial, Seu
Peduca e Seu Mingote, da Gamboa; o Adilson, do Siriú; Seu Paulinho, do
Morrinhos; o João e sua equipe, da Garopaba – com os quais tive a honra de
embarcar e acompanhar a colocação do espinhel de fundo –; Seu Aniseto e o
Jóca, do Silveira; Seu Lelo, Seu Alcino e Seu Hilário, da Ferrugem; Seu
Anastácio e Seu Virgínio, do Ouvidor e Porto Novo; Lédio e Seu Domingos,
Tóga, Nilto, Veronês, Joãozinho, Tarso, Lilo e todos os outros pescadores da
equipe do Portinho e da Vermelha.
Gostaria de agradecer ao Prof. Jarbas Bonetti, orientador, por ter acolhido o
projeto de pesquisa desde o início, apoiando ativamente suas diferentes fases.
Agradeço-lhe ainda por sua compreensão, sua atenção, suas sugestões e sua
confiança; mas, principalmente, pela parceria com a qual pude contar em todos
os momentos, em especial nos mais difíceis.
Ao Prof. Paulo Freire Vieira, co-orientador, que acolheu minhas idéias, desde
os primeiros contatos, ajudando-me a aperfeiçoá-las e transformá-las em
pesquisa. Agradeço pelo apoio incondicional ao desenvolvimento da pesquisa
e pelos equipamentos disponibilizados. Sou-lhe grata ainda por me abrir as
portas para a teoria dos recursos comuns e do ecodesenvolvimento. Aprendi
muito com nossas reuniões, discussões e aulas. E com as atividades
desenvolvidas no âmbito do NMD. Agradeço por toda a confiança, atenção e,
especialmente, pela amizade.
À CAPES, pela bolsa de estudo no segundo ano do curso. Ao Prof. Norberto
Horn Filho, pelo auxílio prestado na identificação visual das características
iii
oceanográficas das praias. E à Prof. Andréa Freire, pelo material emprestado
para a identificação das espécies de pescado.
Agradeço também aos amigos que me ajudaram muito com ensinamentos e
orientações para o trabalho com o SIG: o engenheiro ambiental Rodrigo Chiesa
e o oceanógrafo Msc. Renato Lélis.
Agradeço ainda àqueles que contribuíram durante as saídas de campo. Em
especial, ao pescador Lédio da Silveira e sua família, que me acolheram
diversas vezes na sua casa. Ao Dolizete, à Silvana, ao Franco e à Andreza
Martins da Fundação Gaia/Werlang, que colaboraram muito com o trabalho me
hospedando no centro de Garopaba, inúmeras vezes. Ao motorista da UFSC,
Francisco Assis de Souza, que se tornou um parceiro de trabalho, sempre
disposto, interessado e paciente.
Agradeço à Dete (Maria Elizabeth Carvalho da Rocha), chefe da APA da Baleia
Franca e à sua equipe – Patrícia Serafini e Marcos Taniwaki –, pelo apoio e
interesse na pesquisa. Ao Zé Luís, da Secretaria do Patrimônio da União, pela
atenção e informações disponibilizadas. À Delegacia de Polícia do Município de
Garopaba pela pesquisa de boletins de ocorrência relativos aos conflitos
envolvendo pescadores.
A todos os colegas do Núcleo de Meio Ambiente e Desenvolvimento, que de
um modo ou de outro também contribuíram, em especial o Caio Martins e o
Lucas Canestri. E aos colegas do Laboratório de Oceanografia Costeira,
especialmente a Bianca Martins.
À minha família e aos meus pais, em especial, que me apoiaram com amor e
de forma incondicional em mais essa jornada... e mantiveram a remessa das
especiarias da Bahia, sem as quais esse trabalho não seria possível!
Ao Gabriel, meu eterno companheiro e porto seguro, onde pude me abrigar em
todas as tempestades e evitar possíveis naufrágios...
iv
RESUMO
Esse trabalho apresenta um diagnóstico sócio-ecológico da pesca
artesanal marinha no município de Garopaba (SC), procurando reconhecer os
principais condicionantes da crise pesqueira e identificar os potenciais e os
obstáculos locais para a gestão adaptativa para o ecodesenvolvimento. Os
dados e informações necessários foram obtidos por meio de pesquisa
documental, entrevistas, conversas temáticas informais, observação em
campo, registros fotográficos, identificação de espécies de peixe e um sistema
de informações geográficas. Foram identificados 11 núcleos pesqueiros,
distribuídos em 9 praias na área de estudo; as principais espécies pescadas;
as embarcações; as artes e os sistemas de pesca. Foram também identificadas
as principais relações sociais que permeiam o trabalho da pesca local e as
instituições formais de gestão do setor pesqueiro. Utilizando o modelo de
análise do enfoque da gestão dos recursos comuns para o
ecodesenvolvimento, o trabalho avaliou as relações entre o modelo formal de
gestão da pesca artesanal e as práticas destrutivas de uso dos recursos
pesqueiros e a ocorrência de conflitos e competições entre os usuários. Avaliou
ainda as relações entre as instituições formais de gestão e as características
biofísicas, tecnológicas e sociais dos sistemas de pesca locais.
v
ABSTRACT
This thesis presents a social-ecological appraisal of small-scale marine
fishery of Garopaba (SC) district searching for the major forcing factors of
fisheries crisis and looking for local potentialities and barriers for adaptive
management for ecodevelopment. Methodology included documental research,
interviews, informal thematic talking, observation, photographs, fish species
identification and geographic information system. It was recognized 11 fishing
communities distributed in 9 beaches at the study area. It was also identified the
most important fishing species, types of boats, and fishing gear and systems.
Characteristic social relations of local fisheries systems and formal fishery
management institutions were described. Relations between formal small-scale
fishery management plan and destructive practices associated with the use of
fishing resources and the occurrence of conflicts and competition between
resource users were analyzed using the analytical framework of common
resources management for ecodevelopment. Relations between formal
management institutions and biophysical, technological and social
characteristics of local fisheries systems were also investigated.
vi
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Localização da área de estudo...................................................... 9
Figura 2: Modelo de análise dos recursos comuns....................................... 39
Figura 3: Distribuição dos núcleos pesqueiros na área de estudo................ 59
Figura 4: Vista da Gamboa............................................................................ 60
Figura 5: Praia da Gamboa........................................................................... 61
Figura 6: Vista da Praia do Siriú e do cordão de dunas................................ 63
Figura 7: Praia do Siriú.................................................................................. 64
Figura 8: Enseada da Praia da Garopaba..................................................... 65
Figura 9: Praia da Garopaba, Prainha e Praia da Vigia................................ 67
Figura 10: Praia da Vigia............................................................................... 68
Figura 11: Praia do Silveira vista do canto norte........................................... 69
Figura 12: Praia do Silveira........................................................................... 70
Figura 13: Vista da Ferrugem........................................................................ 72
Figura 14: Praia da Ferrugem e da Barra..................................................... 73
Figura 15: Praia da Barra (esquerda) e Ilhote da Barra................................ 75
Figura 16: Canto norte da Praia do Ouvidor................................................. 76
Figura 17: Praia do Ouvidor, Portinho e Praia Vermelha.............................. 77
Figura 18: Portinho........................................................................................ 78
Figura 19: Vista da Praia Vermelha.............................................................. 79
Figura 20: Urophysis brasiliensis................................................................... 81
Figura 21: Pomatomus saltator..................................................................... 82
Figura 22: Micropogonias furnieri.................................................................. 83
Figura 23: Cynoscion jamaicensis................................................................. 85
Figura 24: Peprilus paru................................................................................ 86
Figura 25: Cynoscion striatus........................................................................ 86
Figura 26: Chloroscombrus chrysurus........................................................... 87
Figura 27: Trachinotus carolinus................................................................... 88
Figura 28: Kyphosus incisor.......................................................................... 88
Figura 29: Scomberomorus brasiliensis........................................................ 89
Figura 30: Mugil liza...................................................................................... 90
Figura 31: Mugil platanus.............................................................................. 91
Figura 32: Outras espécies........................................................................... 94
Figura 33: Canoa a remo, lancha e bote....................................................... 97
Figura 34: Distribuição das embarcações no litoral da área de estudo........ 98
Figura 35: Bote.............................................................................................. 100
Figura 36: Lancha baleeira............................................................................ 101
Figura 37: Barco cabinado. .......................................................................... 101
Figura 38: Caíco............................................................................................ 102
Figura 39: Canoa........................................................................................... 103
Figura 40: Rede de palmo............................................................................. 105
Figura 41: Distribuição das redes por tipo..................................................... 106
Figura 42: Rede de caceio de superfície....................................................... 110
Figura 43: Cerco flutuante-fixo...................................................................... 113
Figura 44: Rede arrastão de praia (Siriú)...................................................... 116
Figura 45: Tripulação em ação (Gamboa).................................................... 118
Figura 46: Distribuição de petrechos com anzol e de tarrafas...................... 121
vii
Figura 47: Balaios de espinhel de fundo iscado (Garopaba)........................ 122
Figura 48: Linha de mão (esquerda)............................................................. 124
Figura 49: Tarrafa (Vermelha)....................................................................... 126
Figura 50: Distribuição das principais pescarias........................................... 128
Figura 51: Rancho da Gamboa..................................................................... 129
Figura 52: Arrastão de praia na Gamboa...................................................... 129
Figura 53: Despesca da anchoveta na Gamboa........................................... 131
Figura 54: Espinhel de praia na Gamboa...................................................... 132
Figura 55: Ranchos do Siriú.......................................................................... 133
Figura 56: Tainha no Siriú............................................................................. 133
Figura 57: Canoa e rancho do Morrinhos...................................................... 136
Figura 58: A Cancha e seus barcos.............................................................. 138
Figura 59: Galpões da Garopaba.................................................................. 139
Figura 60: Barcos da Garopaba.................................................................... 140
Figura 61: Colocação de espinhel de fundo.................................................. 142
Figura 62: Retirando barcos do mar com e sem guincho (direita) na
Garopaba.......................................................................................................
144
Figura 63: Rancho da Vigia........................................................................... 146
Figura 64: Canoa e rancho do Silveira.......................................................... 147
Figura 65: Ranchos da Ferrugem (esquerda) e da Barra............................. 149
Figura 66: Rancho do Ilhote da Barra........................................................... 150
Figura 67: Rancho do Ouvidor...................................................................... 153
Figura 68: Ranchos do Portinho.................................................................... 155
Figura 69: Bote saindo do Portinho para pescar enchova............................ 156
Figura 70: Pescadores no rancho da Vermelha............................................ 157
Figura 71: Distribuição dos principais sistemas de pesca da enchova......... 159
Figura 72: Distribuição dos principais sistemas de pesca da tainha............. 160
Figura 73: Separação dos quinhões (Garopaba).......................................... 171
Figura 74: Doação de peixe.......................................................................... 172
Figura 75: Comercialização do pescado (Garopaba).................................. 174
Figura 76: Caminhão de comprador do pescado (Garopaba)....................... 174
Figura 77: Peixarias no centro histórico........................................................ 175
Figura 78: Colônia de Pescadores Z12......................................................... 190
Figura 79: Guincho para puxar barcos (Garopaba)...................................... 192
Figura 80: Placa de alerta aos surfistas........................................................ 192
Figura 81: Representação da abundância / escassez de pescado............... 209
viii
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Categorias e dimensões da pesca. ................................................. 20
Quadro 2: Prováveis espécies que compõem as pescarias da área de estudo.
.................................................................................................................. 92
Quadro 3: Espécies pescadas na área de estudo por núcleo pesqueiro. ........ 95
Quadro 4: Calendário de pesca da área de estudo.......................................... 97
Quadro 5: Síntese do histórico dos órgãos envolvidos na gestão formal da
pesca no Brasil........................................................................................ 188
Quadro 6: Alguns instrumentos legais de controle do uso dos recursos
pesqueiros na costa de Santa Catarina. ................................................. 199
Quadro 7: Produção pesqueira do Município de Garopaba. .......................... 206
Quadro 8: Produção comparativa da pesca industrial e da pesca artesanal em
Santa Catarina. ....................................................................................... 207
ix
SUMÁRIO
1. PROBLEMÁTICA ..........................................................................................1
1.1. SITUAÇÃO-PROBLEMA.......................................................................... 1
1.2.
ÁREA DE ESTUDO..................................................................................5
1.2.1. A zona costeira do Estado de Santa Catarina: o contexto ambiental e
socioeconômico da pesca........................................................................... 5
1.2.2. O Município de Garopaba ................................................................. 8
1.2.3. A questão da gestão da pesca artesanal: o cenário institucional.... 13
1.3.
ENFOQUE ANALÍTICO.......................................................................... 16
1.3.1. Conceitos ........................................................................................ 16
1.3.1.1. Pesca Artesanal........................................................................ 16
1.3.1.2. Recursos Comuns e Regimes de Propriedade......................... 22
1.3.1.3. Sistemas sócio-ecológicos, sistemas de pesca, sistemas de
gestão de pesca .................................................................................... 23
1.3.2. Gestão do uso de Recursos Pesqueiros......................................... 25
1.3.2.1. Enfoques convencionais de gestão dos recursos pesqueiros:
uma visão sinóptica............................................................................... 28
1.3.2.2. Gestão adaptativa de recursos pesqueiros .............................. 31
1.3.3. Ecodesenvolvimento....................................................................... 34
1.3.4. Modelo de Análise........................................................................... 38
2. HIPÓTESES DE TRABALHO...................................................................... 41
3. OBJETIVOS................................................................................................. 41
4. METODOLOGIA.......................................................................................... 42
4.1.
TÉCNICAS E MÉTODOS DE OBTENÇÃO DE DADOS......................... 43
4.1.1. Definição da amostra ...................................................................... 45
4.1.2. Entrevistas ...................................................................................... 46
4.1.3. Conversas temáticas informais ....................................................... 49
4.1.4. Observações e registros fotográficos.............................................. 50
4.2.
SISTEMA DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA (SIG)............................... 52
4.3.
TRATAMENTO, INTEGRAÇÃO, SÍNTESE E ANÁLISE DE DADOS...... 53
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO................................................................... 55
5.1.
ATRIBUTOS BIOFÍSICOS E TECNOLÓGICOS .................................... 57
5.1.1. O litoral, as praias e os núcleos pesqueiros.................................... 57
5.1.2. As principais espécies de pescado e o calendário de pesca .......... 80
5.1.2.1. Abrótea Urophycis brasiliensis.................................................. 81
5.1.2.2. Enchova Pomatomus saltator................................................... 82
5.1.2.3. Corvina Micropogonias furnieri ................................................. 83
5.1.2.4. Goete Cynoscion jamaicensis................................................... 85
5.1.2.5. Gordinho Peprilus paru............................................................. 86
5.1.2.6. Pescada-olhuda Cynoscion striatus.......................................... 86
5.1.2.7. Palombeta Chloroscombrus chrysurus..................................... 87
5.1.2.8. Pampo Trachinotus carolinus ................................................... 88
5.1.2.9. Pigirica Kyphosus incisor.......................................................... 88
5.1.2.10. Sororoca Scomberomorus brasiliensis ................................... 89
5.1.2.11. Família Mugilidae.................................................................... 89
5.1.2.11.1. Tainha Mugil liza.........................................................................90
x
5.1.2.11.2. Tainha Mugil platanus.................................................................91
5.1.2.12. Outras espécies...................................................................... 91
5.1.2.13. Calendário de pesca............................................................... 96
5.1.3. As embarcações.............................................................................. 97
5.1.3.1. Bote ........................................................................................ 100
5.1.3.2. Lancha baleeira...................................................................... 101
5.1.3.3. Barco cabinado....................................................................... 101
5.1.3.4. Voadeira ................................................................................. 102
5.1.3.5. Caíco / Batera......................................................................... 102
5.1.3.6. Canoa..................................................................................... 103
5.1.4. As artes e os métodos de pesca................................................... 103
5.1.4.1. Redes de Espera.................................................................... 105
5.1.4.1.1. Rede de palmo, rede de sarna ou malhão..................................105
5.1.4.1.2. Feiticeira ou tresmalho................................................................107
5.1.4.1.3. Rede de espera de fundo para papa-terra e pescadinha ...........108
5.1.4.1.4. Rede de espera de fundo para corvina.......................................108
5.1.4.2. Redes de Caceio.................................................................... 109
5.1.4.2.1. De fundo .....................................................................................110
5.1.4.2.2. De superfície para enchova........................................................110
5.1.4.2.3. Caça-de-malha ...........................................................................111
6.1.4.3. Redes de Cerco...................................................................... 112
5.1.4.3.1.Traineira.......................................................................................112
5.1.4.3.2. Cerco flutuante............................................................................113
5.1.4.4. Redes de Arrasto.................................................................... 116
5.1.4.4.1. Arrastão de praia ........................................................................116
5.1.4.4.2. Arrasto feiticeira..........................................................................119
5.1.4.4.3. Picaré..........................................................................................120
5.1.4.5. Aparelhos com Anzóis............................................................ 120
5.1.4.5.1. Espinhel de fundo.......................................................................122
5.1.4.5.2. Espinhel de praia........................................................................123
5.1.4.5.3. Linha de mão ..............................................................................124
5.1.4.5.4. Molinete ......................................................................................125
5.1.4.5.5. Caniço.........................................................................................126
5.1.4.6. Tarrafa.................................................................................... 126
5.1.5. Distribuição dos sistemas de pesca nos núcleos pesqueiros........ 127
5.1.5.1. Gamboa.................................................................................. 127
5.1.5.2. Siriú ........................................................................................ 133
5.1.5.3. Morrinhos................................................................................ 136
5.1.5.4. Cancha ................................................................................... 138
5.1.5.5.Garopaba................................................................................. 139
5.1.5.6. Vigia........................................................................................ 146
5.1.5.7. Silveira.................................................................................... 147
5.1.5.8. Ferrugem / Barra .................................................................... 149
5.1.5.9. Ouvidor................................................................................... 153
5.1.5.10. Portinho ................................................................................ 155
5.1.5.11. Vermelha .............................................................................. 157
5.1.6. Relações ....................................................................................... 158
5.2.
PADRÕES DE INTERAÇÃO................................................................ 163
5.2.1. Tradição, aprendizado, experiência e conhecimento.................... 163
5.2.2. Ocupacionalidade e unidades de trabalho .................................... 166
5.2.3. Partilha, hierarquia e divisão do trabalho...................................... 171
5.2.4. Comercialização............................................................................ 173
xi
5.2.5. Relações com a pesca industrial................................................... 176
5.2.6. Conflitos ........................................................................................ 180
5.2.7. Organização e cooperação ........................................................... 186
5.3.
INSTITUIÇÕES.................................................................................... 187
5.3.1. Estrutura formal da gestão pesqueira ........................................... 187
5.3.2. Políticas de pesca......................................................................... 194
5.3.3. Regime de propriedade e regras operacionais ............................. 198
5.4.
CONDICIONANTES E EFEITOS DA CRISE PESQUEIRA .................. 200
5.4.1. Redução das capturas e sobreexplotação .................................... 205
5.4.2. Práticas destrutivas....................................................................... 211
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................... 212
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................... 222
ANEXO 1: Informações, variáveis e indicadores associados aos objetivos
específicos da pesquisa................................................................................. 228
ANEXO 2: Entrevista semi-estruturada (pescadores).................................... 230
ANEXO 3: Roteiro de entrevista parcialmente estruturada (pescadores)...... 233
ANEXO 4: Entrevista semi-estruturada (Prefeitura Municipal de Garopaba). 235
ANEXO 5: Entrevista semi-estruturada (Secretaria de Agricultura e Pesca do
Município de Garopaba)................................................................................. 236
ANEXO 6: Calendário de pesca dos núcleos pesqueiros.............................. 237
ANEXO 7: Artes de pesca.............................................................................. 240
1
1. PROBLEMÁTICA
1.1. SITUAÇÃO-PROBLEMA
A questão do meio ambiente emerge como problema social e científico
no final da década de 1960. O termo degradação ou deterioração ambiental
(environmental disruption), tão corriqueiro hoje, foi usado pela primeira vez em
1970, no Simpósio Internacional sobre Degradação Ambiental no Mundo
Moderno, em Tókio. Denotava o dano ou o prejuízo (além de um certo limiar
definível) do conjunto total de todas as condições e influências externas que
afetam a vida, o desenvolvimento e o comportamento humanos e a sociedade
(KAPP, 1971).
O clima intelectual do início dos anos 1970, marcado pelas primeiras
análises sistêmicas sobre os limites externos ao crescimento material
(MEADOWS, 1972) e pelos trabalhos e reuniões preparatórias da Conferência
de Estocolmo, em 1972, pode ser considerado como marco do surgimento de
uma consciência planetária dos riscos socioambientais embutidos no “projeto
hegemônico da civilização industrial-tecnológica” (VIEIRA, 2005). A crítica
inovadora às concepções dominantes acerca das finalidades básicas das
práticas de desenvolvimento, das suas estratégias de planejamento e dos seus
critérios de avaliação, distingue esse contexto como um ponto de inflexão
ecológico-sistêmico nas pesquisas e discussões sobre o binômio
desenvolvimento & meio ambiente (COLBY, 1989; VIEIRA, 1992; 2005).
Desde então, apesar das evidências da crescente preocupação com as
questões ligadas à degradação ecossistêmica no cenário internacional, não
constitui um exagero afirmar que a crise do meio ambiente ainda é vista
como se ela representasse apenas uma perturbação intempestiva e
temporária, a ser tratada de forma tópica e segmentada, sem implicar
o questionamento da lógica profunda que organiza a dinâmica dos
sistemas sociais contemporâneos (VIEIRA, 2002:1).
2
Ao mesmo tempo, na origem dos problemas que configuram a crise
contemporânea do meio ambiente destaca-se a articulação complexa de
fatores que condicionam a opção por determinados estilos de desenvolvimento
e, conseqüentemente, a dinâmica de funcionamento das sociedades liberais e
socialistas – geradores de desigualdade social e de “efeitos” nocivos sobre o
meio ambiente biofísico e sobre a qualidade de vida das populações (KAPP,
1971; DUPUY, 1980). Deste modo, a crise socioambiental pode ser vista como
a resultante da imposição a todos do que se convencionou chamar de “nova
ordem mundial”, que atropela os objetivos humanos, sociais e ambientais, ou
como a crise dos modelos de desenvolvimento; cujo enfrentamento implica em
pensar um estilo alternativo de desenvolvimento (SACHS, 1977).
Nesse contexto, destaca-se a importância da gestão integrada da base
de recursos naturais renováveis para as dinâmicas de desenvolvimento
regional. Contudo, o que se nota é o predomínio de um tipo de gestão
ecologica e socialmente nociva do patrimônio natural, associada à
representação analítico-reducionista do processo de produção do
conhecimento científico, baseada numa visão de mundo mecanicista e
utilitarista (HOLLING et al., 1998).
À luz dessas considerações gerais, é possível focalizar os desafios que
cercam a gestão das zonas costeiras e da pesca artesanal no Brasil e no
mundo. As zonas costeiras são formadas por mosaicos de ecossistemas
complexos, com a mais alta produtividade biológica do planeta, e oferecem
condições excepcionais de abrigo e suporte à reprodução e à alimentação da
maioria das espécies marinhas; além de desempenharem uma ampla gama de
“funções ecológicas”. Adicionalmente, abrigam a maior parte da população
humana mundial e grande parte das atividades econômicas mais importantes.
Assim, estão submetidas a diversos usos, pressões destrutivas e riscos
que se inter-relacionam de modo complexo e sinérgico, tais como: o aumento e
o adensamento populacional; a expansão da urbanização descontrolada; os
usos destrutivos dos recursos marinho-costeiros e as atividades extrativistas
(base da sobrevivência de milhares de pessoas); a poluição; a presença de
3
complexos portuários e industriais; a erosão e os desmatamentos (EL-SABH et
al., 1998; MMA/SBF, 2002; IUCN/UNEP/WWF, 1991).
No Brasil, as deficiências que têm marcado a gestão da zona costeira –
sobretudo a fragmentação institucional – estão associadas à perda irreversível
de inúmeros habitats e recursos marinho-costeiros, bem como ao
empobrecimento crescente e/ou comprometimento das condições de produção
e reprodução social de várias comunidades de agricultores e pescadores
(DIEGUES, 1996). Este cenário torna-se ainda mais crítico quando se
considera também os riscos impostos pelas mudanças climáticas em nível
global, incluindo-se aqui o aumento do nível do mar.
Ademais, a degradação das zonas costeiras implica numa ameaça direta
à resiliência ecológica dos oceanos e, portanto, à biodiversidade que nele se
encontra; e, em conseqüência, à pesca. A despeito dos esforços empreendidos
no país, verifica-se que os modelos usuais de gerenciamento dos recursos
marinhos e costeiros – inclusive o Programa Nacional de Gerenciamento
Costeiro – não trazem, por enquanto, inovações sintonizadas com os princípios
de um estilo alternativo de desenvolvimento – ecologica, economica e
socialmente sustentável (POLETTE et al., 2006).
Por sua vez, a crise do setor pesqueiro em escala mundial reflete uma
das facetas mais dramáticas da questão relativa à gestão nociva dos recursos
naturais renováveis e, conseqüentemente, ao comprometimento da qualidade
ambiental da zona costeira. Desde 1970, o total mundial das capturas
permanece estagnado, apesar da intensificação do esforço de pesca em certas
áreas (ACHESON et al., 1998). Entretanto, o modelo adotado para o setor
pesqueiro - expansionista e voltado à industrialização – já dava os primeiros
sinais de limitações na década de 1950, quando diversas nações
industrializadas experimentaram a destruição e/ou a redução drástica de
estoques pesqueiros nas suas áreas costeiras (DIEGUES, 1983).
Já a pesca artesanal, influenciada pelo agravamento da crise mundial da
pesca marítima industrial e dos processos de degradação da zona costeira,
4
vem sendo gradativamente impelida para um “beco sem saída”. Principalmente
por ser realizada em pequena escala, em ambientes litorâneos abrigados, na
beira das praias e costões, e nos espaços marinhos adjacentes ao litoral;
estando assim mais sujeita aos efeitos adversos das trajetórias de
desenvolvimento que vem sendo adotadas pelos países.
No Brasil, uma avaliação cuidadosa realizada pela Comissão Nacional
Independente sobre os Oceanos, em 1998, revelou que mais de 80% dos
recursos pesqueiros nacionais, especialmente os costeiros, sujeitos a uma
utilização mais intensiva, encontram-se muito próximos ou já no limiar da
extinção (CNIO, 1998). Mas as políticas públicas para o setor pesqueiro têm
desconsiderado esse aspecto e as características do mar brasileiro,
incentivando a pesca industrial e o aumento da produção.
Nesse contexto, convém ainda destacar que, em espaços costeiros
ocupados por comunidades que viviam tradicionalmente da agricultura e da
pesca, como o litoral catarinense, o avanço dos processos de urbanização e
industrialização, especialmente a partir das primeiras décadas do século XX,
engendrou mudanças drásticas nos padrões de ocupação, uso e apropriação
dos recursos marinhos e costeiros. Mudanças condicionadas, sobretudo, por
políticas públicas de desenvolvimento com viés economicista e tecnocrático – a
exemplo da estratégia direcionada para o setor pesqueiro, alavancada pelo
Decreto-Lei n° 221/1967. Dentre as várias conseqüências de grande impacto,
pode-se mencionar a ruptura do binômio agricultura-pesca, que implicou no re-
ordenamento da pesca artesanal, e das formas comunitárias de organização da
produção pesqueira, resultando na emergência do estrato social de pescadores
artesanais (LAGO, 1961; SILVA, 1998; DIEGUES, 1983).
Se, por um lado, a diferenciação da classe “pescadores artesanais”
possibilitou a esses maiores ganhos com a pesca – especialmente pelas
melhorias no âmbito da comercialização –, por outro, não foi acompanhada por
políticas públicas voltadas a ordenar, organizar e fortalecer adequadamente o
setor. Em conseqüência, essa “classe emergente” ficou subordinada ao setor
5
pesqueiro industrial, para o qual passou a fornecer mão-de-obra barata e
qualificada, além de pescado a preços baixos (DIEGUES, 1983).
Diante desse cenário, os estudos sobre a atividade pesqueira não
podem mais ser vistos de maneira dissociada da complexa dinâmica sócio-
ecológica da zona costeira; e a gestão pesqueira não pode mais ser pensada
de modo dissociado da gestão dos espaços costeiros e do ambiente marinho,
nem da dinâmica das comunidades pesqueiras (BERKES et al., 2001). Torna-
se necessário compreender as complexas e estreitas inter-relações existentes
entre a pesca artesanal marítima e litorânea, a pesca industrial, o planejamento
e a gestão dos espaços costeiros e do ambiente marinho e a adoção de um
novo estilo de desenvolvimento.
1.2. ÁREA DE ESTUDO
1.2.1. A zona costeira do Estado de Santa Catarina: o contexto
ambiental e socioeconômico da pesca
A zona costeira catarinense abriga diversos ecossistemas terrestres e
marinhos considerados como áreas prioritárias para a conservação da
biodiversidade. Quase todos os costões rochosos e todas as lagunas costeiras
são classificados como de extrema importância biológica. Existem diversos
manguezais e restingas de muito alta importância biológica. Toda a porção
marinha-costeira é considerada de extrema importância para a conservação de
quelônios e de alta ou muito alta importância para a conservação de
elasmobrânquios. A região centro-sul é classificada como de extrema
importância para a conservação de mamíferos marinhos e o restante do litoral
como de alta ou muito alta importância. Já em relação à conservação de
teleósteos demersais e pequenos pelágicos, o litoral centro sul é de muito alta
importância; para citar apenas alguns exemplos (MMA/SBF, 2002).
Na porção marinha, processos oceanográficos distintos, ao largo do
estado, contribuem significativamente para taxas mais elevadas de
6
produtividade primária, se comparadas às outras regiões do país. O que
influencia diretamente na maior abundância de espécies marinhas. Assim, a
riqueza biológica e as características oceanográficas configuram condições
favoráveis à ocorrência de cardumes relativamente grandes
1
de peixes,
crustáceos e moluscos, constituindo uma área propícia ao desenvolvimento da
pesca artesanal e industrial. Não é ao acaso que o Estado de Santa Catarina
apresenta o maior número de pescadores artesanais da região Sul – 12.332
pescadores, reunidos em 17 Colônias de Pesca (VASCONCELLOS et al.,
2004) – e é considerado, juntamente com o Pará, o Estado onde a pesca
possui maior impacto econômico, principalmente devido ao seu forte setor
industrial (ISAAC et al., 2006).
Todavia, as evidências apontam para uma situação de crise do setor
artesanal. Os dados relativos à produção de pescado do estado, no período de
1980 a 2004, apontam uma queda na produção pesqueira artesanal, bem como
na sua contribuição percentual para o total da produção da pesca extrativa
marinha. Por exemplo, entre 1980 e 1984, a produção manteve-se acima de
20.000 toneladas anuais, com um pico de aproximadamente 27.719 t (1984). A
partir da década de 1990, a produção manteve-se abaixo de 10.000 t anuais. A
contribuição percentual também caiu, passando da ordem de 20 %, na primeira
metade da década de 1980, para 7% em média, entre 1991 e 2004. Em
contrapartida, a produção total estimada da pesca extrativa marinha no Estado
vem se mantendo no patamar de aproximadamente 100.000 t, a partir de 1993
(CNIO, 1998; VASCONCELLOS et al., 2004; IBAMA/CEPSUL, 1994; 1998;
1999; 2000; IBAMA/DIFAP/CEPENE, 2001; 2003; 2004a; 2004b; 2005).
Além disso, 0 “Diagnóstico Ambiental do Litoral de Santa Catarina
(SANTA CATARINA, 1997) também realça a crise no setor da pesca artesanal
e os problemas correlatos associados à expansão do turismo de massa e ao
fortalecimento da pesca industrial, a partir da década de 1970. Entre outros,
destaca as deficiências da fiscalização e da legislação ambiental; a falta de
1
Se comparados ao restante do litoral brasileiro.
7
investimentos e incentivos ao setor pesqueiro; o desenvolvimento desordenado
da maricultura; e o uso destrutivo dos recursos hídricos e do solo.
Convém lembrar o papel decisivo que a pesca desempenhou no
histórico da ocupação humana do litoral do Estado de Santa Catarina. Por um
lado, indícios arqueológicos, como a presença de sambaquis ao longo do
litoral, evidenciam que a abundância de recursos pesqueiros parece ter sido
uma importante fonte de alimento para povos indígenas que habitavam a
região antes da chegada dos europeus (LAGO, 1961).
Por outro lado, posteriormente, representou a base da subsistência e do
modo de vida de imigrantes açorianos e madeirenses que aqui se fixaram
incentivados pela Coroa Portuguesa. Essa migração fez parte do projeto
político-estratégico de ocupação, domínio e exploração do litoral sul brasileiro,
ameaçado pelos espanhóis, na ocasião. O mesmo incluía também o
desenvolvimento da produção baleeira em Santa Catarina. Desse modo, os
açorianos e madeirenses vieram e se instalaram em vários povoados recém-
criados, por volta de 1748. Diante das dificuldades encontradas para o cultivo
das terras e da abundância de pescado, muitos passaram a se dedicar mais à
pesca, para a qual já tinham prática e conhecimento (LAGO, 1961; 1988).
De modo geral, a pesca artesanal e a agricultura predominaram no litoral
sul de Santa Catarina aproximadamente até a década de 1960, quando as
políticas de desenvolvimento dessa porção do litoral foram intensificadas com a
implantação da Rodovia BR-101. Emergiram desde então ações voltadas à
expansão e melhoria da infra-estrutura urbana e à integração de mercados,
induzindo a formação de novos municípios – a exemplo de Garopaba,
emancipado em 1961. O crescimento demográfico e o fortalecimento do
turismo e do veraneio, associada à especulação imobiliária, modificaram
profundamente a lógica da ocupação da zona costeira e a situação das
comunidades tradicionais de pescadores-agricultores (CÂMARA, 2001;
DIEGUES, 1983). Em 1980, por exemplo, a pesca artesanal em Garopaba
começou a se destacar, do ponto de vista socioeconômico, associada ao
8
crescimento da população e à diversificação das opções de comercialização,
apesar do nível ainda incipiente de desenvolvimento local (BESEN, 1980).
Em síntese, essas mudanças geraram grandes alterações econômicas,
sociais, políticas e culturais em todo o litoral catarinense. Progressivamente, os
espaços das comunidades tradicionais foram sendo apropriados pela expansão
de outras atividades econômicas, especialmente o turismo e o veraneio. Em
conseqüência, ocorreram mudanças na paisagem, nas relações humanas, nas
relações seres humanos-natureza e na qualidade socioambiental (SANTA
CATARINA, 1997). Atualmente, estão em curso as operações de duplicação da
Rodovia BR-101, que provavelmente dará início a um novo ciclo de mudanças
em todo o litoral sul catarinense.
1.2.2. O Município de Garopaba
Esta pesquisa tem como área de estudo o município de Garopaba (Fig.
1), sob o ponto de vista da gestão pesqueira, e mais especificamente a sua
zona litorânea, do ponto de vista do diagnóstico sócio-ecológico da pesca
artesanal. Apesar da Praia Vermelha não estar inteiramente dentro dos limites
municipais, ela foi incluída na área de estudo por ser utilizada por um grupo de
pescadores do município. O município de Garopaba está localizado,
aproximadamente, entre as longitudes 048º35’56”W e 048º43’31”W e entre as
latitudes 27º56’40”S e 28º07’S, apresentando área de 108,1 km
2
.
Em 2000, a população do município era de 13.164 habitantes
2
. Entre
1991 e 2000, a população rural foi reduzida a mais da metade, passando de
5.598 para 2.442. No mesmo período, a população urbana passou de 5.223
para 10.722 habitantes, mais do que o dobro. Assim, o índice de urbanização
chegou a 81,45% em 2000, contra 48,27%, em 1991; e a densidade
demográfica passou a 121,3 habitantes/km
2
(IBGE, 2000; PNUD, 2003).
2
Dados estimados em 2005 revelam uma população de 15.198 habitantes (www.ibge.gov.br,
acesso em agosto de 2006).
10
Contrastando com a predominância de costas baixas e a tendência à
retificação do litoral sul catarinense, nas proximidades do município de
Garopaba, o embasamento cristalino é proeminente, caracterizando uma costa
acidentada. Nessa porção da zona costeira se distinguem dois grandes
domínios morfo-estruturais: o dos Embasamentos em estilos complexos
(Serras do Leste Catarinense) e o dos Depósitos Sedimentares, que
compreende a região geomorfológica das Planícies Costeiras – na qual se
destaca a unidade geomorfológica Planícies Litorâneas (CARUSO, 1995).
Nessas planícies, ocorrem ambientes de alta vulnerabilidade, tais como
fácies eólicas, lagunares, flúvio-delta-lagunares, paludiais, deltáicas, de maré,
de leques aluviais e praiais marinhas (CARUSO, 1995; SANTA CATARINA,
1997). Do ponto de vista biológico, a presença de enseadas, costões e ilhotes
rochosos e do complexo lagunar, formado pelas Lagoas de Garopaba, de
Ibiraquera e do Siriú, confere a esta região características especialmente
propícias à atividade pesqueira. Por outro lado, sua beleza paisagística e a
forte presença da cultura açoriana têm estimulado o desenvolvimento intensivo
do setor turístico.
Convém reconhecer a importância crucial da pesca artesanal na
formação de Garopaba – um “núcleo típico de pescadores” (LAGO, 1961: 126).
O “povoamento” de Garopaba foi criado no bojo do processo supramencionado
de ocupação do litoral sul catarinense, em meados do século XVIII. De acordo
com Besen (1980), a atividade pesqueira foi fundamental no processo de
colonização da área pelos açorianos, principalmente como fonte de alimento.
Entretanto, é também reconhecida sua relevância na base da identidade
cultural do local. Nos estudos de Besen (1980) e Lago (1961), é notável as
referências à predileção dos açorianos, incluindo aqueles que se
estabeleceram em Garopaba, pela pesca em detrimento da agricultura. Além
disso, pelas características fisiográficas, historicamente o povoado de
Garopaba e a zona de Laguna, no litoral sul do estado, se destacaram na
atividade pesqueira (LAGO, 1961).
11
Contudo, hoje em dia, a economia encontra-se centrada no turismo e no
veraneio, predominantes no verão. A pesca artesanal, mais forte no inverno,
ainda possui importância para uma parcela significativa da população, seja em
termos econômicos ou de subsistência, apesar da crise do setor pesqueiro. Em
resumo, os valores de capturas da pesca artesanal, no município, têm
apresentado uma tendência geral de redução, desigualmente distribuída entre
os núcleos pesqueiros.
Como é freqüente ao longo do litoral brasileiro e catarinense, os
principais conflitos e problemas socioambientais de Garopaba estão direta ou
indiretamente relacionados ao turismo, à ocupação desordenada do espaço e à
questão da habitação (SANTA CATARINA, 1997; CNIO, 1998; CÂMARA,
2001). Entre eles pode-se citar a falta de sistemas de esgotamento sanitário e
a conseqüente poluição das águas (e.g. praias e lagoas); as deficiências de
infra-estrutura e serviços públicos em geral (fornecimento de energia elétrica,
atendimento de saúde, sistema viário, coleta de lixo e limpeza pública); a
ocupação de áreas protegidas, como dunas e encostas íngremes, com
conseqüente alteração da paisagem, perda de beleza cênica e redução da
biodiversidade; e, finalmente, os conflitos socioculturais e de uso dos espaços
e recursos naturais.
A esses, é possível acrescentar ainda outros problemas críticos
constatados na área. Por exemplo, conflitos diversos envolvendo pescadores
locais; perda de espaços usados na pesca; mudanças de valores e
transformações culturais; e outros conflitos relacionados ao turismo,
envolvendo o desrespeito aos nativos, violência, uso e tráfico de drogas.
Assim, fica caracterizado um complexo quadro de degradação socioambiental
e de declínio da pesca no município.
Essa tendência de uso e apropriação “economicista” dos espaços e
recursos litorâneos e marítimos – consolidada nos fenômenos do veraneio, do
turismo de massa e também da pesca industrial –, tem condicionado vários
processos de degradação socioambiental no litoral brasileiro. Entre eles, a
diminuição dos estoques pesqueiros, a perda de habitats e a perda de
12
biodiversidade. Nesse sentido, convém realçar ainda os conflitos entre
pescadores artesanais e pescadores industriais e os impactos provocados pela
pesca industrial sobre a pesca artesanal. Como em outros países, muitos
recursos explorados pela pesca artesanal local são igualmente alvo da pesca
industrial, configurando um potencial latente de conflitos (BERKES et al., 2001).
Ao mesmo tempo, é importante lembrar que, no século XVIII, praticou-se
a caça às baleias no litoral catarinense, o que levou a baleia franca (Eubalaena
australis) à beira da extinção nesta área. O município de Garopaba foi também
referência na caça às baleias através da Armação Baleeira de Garopaba,
erguida entre 1793 e 1795. Após um período de decadência da atividade, a
caça foi retomada no início do século XX até a década de 1950, violando
acordos internacionais, firmados desde a década de 1930, para proteger as
baleias francas (PALAZZO, 1999). Apesar da caça ter sido revogada, a baleia
franca está hoje no centro de conflitos envolvendo entidades ambientalistas e
operadoras de turismo de observação de baleias, e, em menor grau,
pescadores locais.
Visando atender às demandas de conservação da baleia franca
(Eubalaena australis) e do litoral, foi decretada em 2000 a Área de Proteção
Ambiental (APA) da Baleia Franca. A APA abrange cerca de 130 km da zona
costeira sul e centro-sul do estado. Em linhas gerais, a sua finalidade é a
proteção da baleia franca austral e o ordenamento dos usos dos recursos
naturais, do solo e do espaço marinho (BRASIL, 2000). Com isto, está sendo
implementada uma outra dinâmica de reflexão sobre o desenvolvimento da
região. A pesca artesanal, em particular, vem recebendo atenção especial, por
parte da chefia da APA, no processo de consolidação do Conselho Gestor e de
elaboração do Plano de Manejo. Considerando que o litoral do município de
Garopaba e a zona marinha adjacente estão inseridos na área da APA, pode-
se dizer que há um cenário favorável a mudanças positivas no âmbito da
gestão da pesca artesanal nesta área.
13
1.2.3. A questão da gestão da pesca artesanal: o cenário
institucional
Diante do cenário em tela, é notável o fato de que as políticas e a gestão
pesqueiras no Brasil têm favorecido desproporcionalmente o setor da pesca
industrial em detrimento da pesca artesanal, criando e mantendo um padrão
tecnocrático e perverso de uso e gestão dos recursos pesqueiros – no bojo do
“desenvolvimento” exploram e esgotam tanto os recursos quanto os
trabalhadores / pescadores (DIEGUES, 1983; ISAAC et al., 2006).
Apesar da importância do setor da pesca artesanal no Brasil –
responsável por mais da metade da produção de pescado marinho do país e
pelo envolvimento de aproximadamente 2 milhões de pessoas –, é também
surpreendente a carência de informações adequadas à formulação de políticas
públicas e planos de gestão adaptados ao setor. Essa falta de informações
parece estar associada à complexidade e ao caráter espacialmente disperso,
característicos da pesca artesanal; à falta de atenção política – responsável
pela escassez de investimentos em pesquisa e monitoramento do setor e das
suas espécies-alvo –; e à inadequação das abordagens convencionais de
avaliação das pescarias, cuja ênfase no enfoque de forte viés biológico,
“importado” dos países industrializados de regiões temperadas, deixa de lado
as dimensões humanas da pesca e envolve custos considerados proibitivos
para muitos países (VASCONCELLOS et al., 2004; BERKES et al., 2001).
Diante desse problema, compartilhado por outros países, pesquisadores
e especialistas concordam que é preciso ampliar as fontes de informação e
trabalhar com enfoques e metodologias melhor adaptados ao contexto da
pesca artesanal e de países com limitações de recursos humanos e
financeiros, para formular políticas e estratégias de gestão alternativas aos
modelos convencionalmente utilizados (VASCONCELLOS et al., 2004;
BERKES et al., 2001).
Em outras palavras, existe uma demanda por sistemas de avaliação
da pesca artesanal que sirvam de base para a tomada de decisão no
14
nível local, mas que também contribuam para dar suporte a políticas
nacionais e internacionais para o setor (VASCONCELLOS et al.,
2004: 3).
Outra questão que emerge é a da fragmentação das políticas de pesca,
dos ecossistemas marinhos e da zona costeira. Diante de um cenário de
desenvolvimento alternativo, a idéia de integração das políticas públicas
setoriais correlatas não é suficiente. É preciso pensar também no seu
redirecionamento, buscando institucionalizar um novo padrão de apropriação,
uso e gestão dos recursos e dos espaços costeiros (VIEIRA, 1992).
Em sintonia com as preocupações mundiais relativas à problemática da
questão ambiental da zona costeira, o Plano Nacional de Gerenciamento
Costeiro – PNGC II – incorpora princípios desenvolvidos durante a Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92), a
exemplo do conceito de gestão integrada da zona costeira e das diretrizes
expressas na Agenda 21 (BRASIL, 1997). Como parte do esforço de planejar
de forma integrada a utilização dos recursos costeiros e ordenar a ocupação
dos espaços litorâneos, estava prevista a elaboração de planos estaduais e
municipais. Entretanto, dez anos depois do PNGC II, apenas alguns poucos
estados encontram-se engajados no cumprimento dessa tarefa.
O Estado de Santa Catarina possui um Programa de Gestão Costeira há
vinte anos e em 2005 aprovou a Lei que institui o Plano Estadual de
Gerenciamento Costeiro. Contudo, a implementação do programa se restringe
ao setor norte do litoral e a alguns instrumentos de caráter mais técnico, não
tendo obtido até agora mudanças comportamentais mais expressivas na
sociedade. A realização de um amplo diagnóstico do litoral catarinense
(SANTA CATARINA, 1997) não suscitou ainda, por exemplo, nenhuma ação
pró-ativa por parte da prefeitura de Garopaba. Existem evidências de bloqueios
no avanço deste programa, condicionados por uma complexa conjunção de
fatores sóciopolíticos, socioculturais e socioeconômicos. Esses fatores incluem
a baixa articulação das instituições governamentais com a sociedade civil, a
existência de lobbies de empresários e políticos, o baixo nível de conhecimento
15
e comprometimento da sociedade na questão da gestão costeira, e a carência
de recursos humanos e financeiros (POLETTE et al., 2006).
No nível municipal, as carências e as disfunções do PNGC são mais
visíveis, levando-se em conta o cenário apresentado acima e agravado por
problemas políticos (e.g. cultura política clientelista) e sociais (e.g.
analfabetismo e semi-analfabetismo). Destaca-se, em especial, a centralização
das decisões relativas à utilização dos recursos e espaços costeiros e a
inexistência de um sistema de gestão socioambiental local, apesar da
existência de um consenso em diferentes níveis sobre a necessidade de se
fortalecer um processo de gerenciamento costeiro cada vez mais
descentralizado e participativo (BRASIL, 1997; CNIO, 1998; MORAES, 1999;
SEAP, 2003).
Embora o Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro seja a
instituição com maior autoridade na gestão da zona costeira no Brasil, Kalikoski
et al. (2002) observaram que ele não vem atuando de forma integrada na
gestão dos recursos pesqueiros. A gestão da pesca no Brasil está totalmente
centralizada e isolada no nível federal.
Em 2003, o governo federal criou a Secretaria Especial de Aqüicultura e
Pesca (SEAP), visando fortalecer o setor e dar maior visibilidade às políticas
relacionadas. Embora a instituição tenha reconhecido a necessidade de se
fazer um diagnóstico do setor (SEAP, 2003), já apresentou de antemão um
projeto político cujo tom continuou sendo o da necessidade de aumentar a
produção – não obstante, a CNIO (1998) já recomendava ao governo não
esperar por uma expansão significativa da produção pesqueira. Continua
prevalecendo a falta de conexão entre as diferentes escalas da gestão na
formulação de políticas e nas tomadas de decisão.
16
1.3. ENFOQUE ANALÍTICO
1.3.1. Conceitos
1.3.1.1. Pesca Artesanal
Convém precisar de imediato o significado de pesca artesanal nesta
pesquisa. Na literatura disponível o termo encontra definições diversas que,
entretanto, não diferem substancialmente, embora possam confundir. Em geral,
a dificuldade de conceituar a pesca artesanal está associada à grande
diversidade de espécies, equipamentos, métodos, ecossistemas, áreas e
características socioculturais envolvidas.
Entende-se que a atividade de pesca, vista enquanto atividade humana
direcionada à captura de recursos biológicos do ambiente marinho, é um
fenômeno multidimensional. O qual envolve, simultaneamente, aspectos
ecológicos, tecnológicos, sociais, culturais, econômicos e políticos. Além disso,
sua análise distingue 4 sistemas interconectados entre si e com o sistema
ecológico marinho-costeiro (Berkes et al., 2001):
» o setor extrativo: que envolve todas as categorias de pescadores, e os
diferentes tipos de petrechos e de recursos – é a unidade de gestão.
» o setor pós-extração: compõem-se dos compradores, das unidades de
processamento, beneficiamento e industrialização de produtos e derivados, e
as conexões de mercado.
» o sistema governamental, e finalmente
» a sociedade civil.
A pesca artesanal pode ser definida, inicialmente, como uma modalidade
de pesca caracterizada pela utilização de embarcações menores do que 8 m
de comprimento total, motorizadas ou não, destituída de área coberta de
armazenamento do pescado e de sistema de conservação, com baixa
autonomia de mar e com baixo poder de pesca, quando comparada à pesca
industrial (IBAMA/CEPSUL, 1994; 1998).
17
Entretanto, uma formulação mais complexa leva em conta as relações
sociais de produção e os fatores produtivos (recursos pesqueiros,
ecossistemas marinho-costeiros, técnicas, equipamentos e força de trabalho).
Neste caso, Diegues (1983) propõe uma tipologia das formas de organização
da produção pesqueira, visando cobrir as situações existentes no litoral
Sudeste brasileiro – que de forma criteriosa pode ser aplicada ao litoral
catarinense. Assim, situa a produção dos pescadores-lavradores e dos
pescadores artesanais como sub-formas do que ele chama de pesca realizada
nos moldes da pequena produção mercantil.
A pequena produção mercantil pesqueira tem como características
principais o pescador proprietário dos meios de produção – um trabalhador
relativamente independente –, a produção de valor de troca, em maior ou
menor intensidade (i.e. a comercialização do pescado), e a exploração de um
espaço marinho limitado a áreas litorâneas abrigadas e costeiras. O trabalho é
organizado no âmbito da unidade familiar ou do grupo de vizinhança; a divisão
social é pequena ou ausente; e a apropriação do produto é regida pelo sistema
de partes ou quinhão. A tecnologia empregada tem baixo poder de captura
(quando comparado com a pesca industrial), e as embarcações são de
pequeno porte, motorizadas ou não, com baixa autonomia no mar. Na pequena
produção mercantil não há a figura do não-trabalhador e a extração da mais-
valia. Além disso, trata-se de uma forma de produção subordinada a uma outra
(e.g. capitalista), que condiciona seu espaço de manobra.
Neste quadro, a pesca artesanal, vista como uma modalidade ampliada
da pequena produção mercantil, apresenta características próprias. Em geral,
ela é a principal fonte de renda para seus praticantes. Os pescadores tendem a
explorar ambientes marinhos e costeiros mais distantes do litoral, com
embarcações predominantemente motorizadas, o que exige conhecimentos
mais específicos. A organização da produção é regida pela propriedade
(individual ou grupal) dos meios e instrumentos de produção; e, geralmente, a
comercialização está associada a um atravessador, num esquema onde o
sistema de pesca é subordinando ao mercado. Além disso, é um traço
marcante a identificação dos pescadores com a atividade pesqueira e uma
18
quase aversão às atividades agrícolas, dando-lhes uma identidade grupal
permeada pela imagem da profissão de pescador, orgulhoso dos seus
conhecimentos sobre o mar e “seus segredos”, dos conhecimentos que os
permitem “controlar a arte da pesca”. Os pescadores artesanais apresentam o
“particularismo” da “gente do mar” – práticas sociais, econômicas e simbólicas
marcadas pelo viver adaptando-se às incertezas, mudanças e dinâmica do
ambiente marinho, das espécies pescadas e dos fenômenos atmosféricos
associados (DIEGUES, 1983; 1995).
Outra forma de se definir a pesca artesanal é através da distinção entre
pesca de larga escala e a pesca de pequena escala, proposta por Berkes et al.
(2001). Ambas são atividades comerciais, entretanto, a pesca de larga escala
representa o nível industrial da pesca, utilizando embarcações de grande porte
e equipamentos altamente mecanizados e de alta sofisticação tecnológica,
geralmente com estrutura de processamento a bordo. Na pesca industrial, os
pescadores exploram grandes estoques de um número pequeno de espécies
amplamente distribuídas em áreas produtivas. A pesca de pequena escala,
apesar de explorar muitos dos estoques que interessam à pesca de larga
escala, direciona-se também a um grande número de estoques menores
contendo uma diversidade maior de espécies. Seu espaço de captura abrange
tanto as áreas litorâneas e costeiras próximas, quanto aquelas mais afastadas,
situadas na plataforma continental e, eventualmente, no talude continental. Em
geral, se comparada à pesca de larga escala industrial, a pesca de pequena
escala não apresenta o mesmo grau de sofisticação tecnológica e tampouco de
modernização – mas pode empregar alguns equipamentos sofisticados. Por
outro lado, a unidade de produção, embora estável, é pequena, a propriedade
dos instrumentos de produção é individual ou de um pequeno grupo; o sistema
de partes predomina como forma de pagamento; e é evidente a divisão de
tarefas especializadas.
Nesse modelo, o termo pesca artesanal é empregado para designar uma
modalidade intermediária entre a pesca de pequena escala e a pesca de
subsistência – à qual os pescadores se dedicam parcialmente, usando
embarcações de pequeno porte (motorizadas ou não), explorando uma grande
19
diversidade de espécies e de nichos – e estoques, às vezes, muito pequenos
(BERKES et al., 2001).
No Quadro 1 são apresentadas algumas das categorias de pesca
elaboradas pelos supracitados autores, de forma a mais fiel possível. Cabe
realçar que Diegues (1983) distingue uma categoria de “pesca de auto-
subsistência ou primitiva
3
”, a qual não faz parte da pequena produção
mercantil. Ambos os modelos apresentados – Diegues (1983) e Berkes et al.
(2001) – distinguem bem a pesca de subsistência de outras modalidades.
Contudo, Berkes et al. (2001) reforçam a dificuldade de se estabelecer
categorias de pesca, especialmente quando se trata dos termos pesca
artesanal, pesca tradicional, pesca de subsistência e pesca de pequena escala.
Assim, propõem uma macro-divisão: pesca de larga escala e pesca de
pequena escala. Mas, ao mesmo tempo em que englobam, sob o termo pesca
de pequena escala, a pesca artesanal e a de subsistência, também o utilizam
para distingui-la enquanto categoria. Desse modo, realçam simultaneamente os
limites tênues que separam essas modalidades e a possível mobilidade dos
pescadores através delas.
Numa tentativa de aproximar as duas classificações, nota-se que há
uma correspondência entre a categoria “pesca artesanal”, proposta por
Diegues (1983), e a categoria “pesca de pequena escala”, sugerida por Berkes
et al. (2001). Já a categoria “pescadores-lavradores”, proposta por Diegues
(1983), tem pontos de semelhança com a categoria “pesca de subsistência”,
em Berkes et al. (2001), embora se aproxime mais da categoria “pesca
artesanal” deles: uma categoria intermediária entre a “Pesca de Pequena
Escala” e a “Pesca de Subsistência”, como pode ser averiguado no Quadro 1.
3
Essa modalidade equivaleria à pesca praticada por tribos indígenas ou comunidades
ribeirinhas, constituindo-se em mais uma das atividades do grupo e direcionada apenas à
produção do “valor de uso” (DIEGUES, 1983:149).
20
Quadro 1: Categorias e dimensões da pesca.
(DIEGUES, 1983)
Pequena Produção Mercantil
(BERKES et al., 2001)
Pesca de Pequena
Escala
Pesca de
Subsistência
Fatores
variáveis
A produção dos
pescadores-lavradores
A produção dos
pescadores artesanais
Artesanal
Objetivos da
produção
pesqueira / destino
da captura
A quantidade destinada à
produção de objetos de uso é
maior do que a destinada a
objetos de troca
Principalmente a venda,
uma parte menor é
destinada à produção de
objetos de uso
Venda local organizada,
os pescadores consomem
uma parcela significativa
Primeiro, consumo
dos pescadores, das
famílias e amigos;
segundo, trocas por
produtos e vendas
ocasionais
Critério de
alocação dos
recursos e fatores
de produção
4
Marginalmente o mercado
de fatores de produção
Parcialmente o mercado de
fatores de produção
Remuneração da
força de trabalho /
renda
Remuneração pelo sistema
de partes; parceria;
retribuição in natura
Remuneração pelo sistema
de partes; remuneração em
dinheiro
Médio a muito baixo
(sistema de partes)
mínimo
Unidade de
trabalho ou de
produção
Grupo doméstico
Grupo de pescadores
independentes, com ou
sem laços familiares
Estável, pequena
Trabalhadores
solitários ou grupos
familiares-
comunitários
Divisão do
trabalho na
unidade produtiva
Não há divisão do trabalho
Pequena mas definida,
tarefas de pesca
especializadas
com alguma divisão de
trabalho
Não há divisão do
trabalho
Instrumentos de
produção e grau de
sofisticação do
equipamento
Aparelhos fixos; linha;
pequenas redes de emalhar
Redes; aparelhos de arrasto
semi-mecanizados e
móveis
redes, linhas e
armadilhas, iscas ou
espinhéis curtos, arrastos
mecanizados e manuais
armadilhas, arpões,
linhas e mão, redes e
substâncias
venenosas
(principalmente não-
mecanizados)
Tipo de
equipamento
Elaborados com
materiais parcial ou
totalmente
industrializados, mas
montados pelo pescador
Materiais
manufaturados
sempre montados
pelo pescador
Relações sociais
de produção /
Propriedade dos
instrumentos de
produção
Propriedade familiar
Propriedade individual ou
familiar. O proprietário
participa da pesca.
Geralmente um pescador
mais velho; ou um grupo
sem que haja 1
proprietário
Do trabalhador
Capacidade de
captura / escala de
produção
Reduzida
Média, dependendo do
meio ambiente físico e da
competição entre
pescadores
Média a baixa Baixa a muito baixa
Espaço de captura
Rios, estuários, lagunas,
baías
Áreas costeiras
Áreas costeiras próximas
e mais afastadas
(plataforma continental e
até o talude)
Lagunas, estuários,
áreas costeiras
próximas
embarcações
A remo ou à vela; não-
motorizadas
Pequenas embarcações
motorizadas ou à vela
Pequena, com motor
pequeno embutido ou
externo
Nenhuma ou muito
pequena e sem
motor
Tipos de
conservação ou
processamento do
pescado
Pouco utilizado; em geral
salga e secagem
Gelo em pedras, salga
Salgado, defumado,
seco, principalmente
para consumo humano
Pouco ou nenhum -
todo para consumo
humano
Autonomia das
embarcações
Limitada a algumas poucas
horas
Algumas horas e
eventualmente pode passar
a noite no mar
Identificação dos
cardumes
Visual / auditiva
Visual
Fonte dos
conhecimentos na
pesca
Tradição
Tradição
Mercado /
comercialização
Periférico / oferta e procura,
influenciados ainda por
fatores extra-econômicos
Periférico, responsável
pela maior parte da
alocação dos fatores
Nacional e local (mais
freqüentemente)
Local ou municipal
apenas
4
Fatores de produção: recursos pesqueiros, ecossistemas marinho-costeiros, técnicas,
equipamentos e força de trabalho.
21
(DIEGUES, 1983)
Pequena Produção Mercantil
(BERKES et al., 2001)
Pesca de Pequena
Escala
Pesca de
Subsistência
Fatores
variáveis
A produção dos
pescadores-lavradores
A produção dos
pescadores artesanais
Artesanal
Percepção do
espaço marítimo
Mar fazendo parte da terra
Mar percebido como
entidade própria, mas não
oposto à terra
Produção de
excedente e
acumulação
capitalista
Muito reduzida
Casual
Intermediário na
comercialização
Pequeno comerciante
agrícola
Comerciante especializado
na pesca
Custos de
produção
Só o dinheiro gasto na
compra de material é
considerado como custo de
produção
Outros elementos como
custos operacionais e
trabalho entram
parcialmente como custo
investimento
Médio, contínuo: sempre
do pescador
Médio a baixo: sempre
do pescador
Baixo
Pesca e outras
atividades
Pesca como atividade
complementar a outras
A pesca é atividade
principal, mas não
exclusiva
Multi-ocupacional
(freqüentemente)
Multi-ocupacional
tempo de
engajamento na
pesca
Meio-período ou
sazonalmente
Integral ou meio-período
Tanto integral quanto
meio-período
Meio-período é o
comum
Controle sobre o
processo de
captura /
industrialização /
comercialização
Comercialização parcial
pelo negociante de produtos
agrícolas
Beneficiamento e
comercialização
geralmente realizados fora
da unidade de captura
Estrutura social
5
Homogeneidade, sem
distinção de classes
Surgimento de um estrato
de pescadores artesanais
Papel do Estado
Presente de forma
descontínua através das
cidades
Presente a partir da
organização dos serviços
de terra, sistema de preços
Organização social
e conflitos
compadrio
Compadrio / Colônia de
Pescadores
Capacidade de
gestão das
autoridades de
pesca
Mínimo a médio, com
poucos cientistas e
gestores envolvidos
Normalmente, não-
gerido, exceto pelo
próprio usuário
Unidades de
gestão
Muitas pequenas
unidades
Diversas unidades
muito pequenas
Coleta de dados de
pesca
Difícil devido às
características da pesca e
das autoridades
Nenhum dado é
coletado devido à
dificuldade
Integração à
economia
Parcialmente integrada
Informal, não-
integrada
Fonte: Adaptado de Diegues (1983: 162-163) e Berkes et al. (2001:7).
Obs: os espaços em branco são devido às distinções entre as classificações dos autores e só
ocorrem quando não foi possível complementar as informações.
5
Diegues (1983) trabalha com a concepção marxista de “classe”, procurando demarcar o
surgimento do estrato social de “pescadores artesanais”. Por isso, considera a estrutura social
dos pescadores-lavradores como homogênea, i.e. aqueles que pescam não constituem ainda
um grupo distinto de “pescadores”. Contudo, tanto entre os pescadores-lavradores quanto
entre os pescadores artesanais, pode-se encontrar uma grande heterogeneidade social ligada,
por exemplo, às questões de gênero, às famílias mais “poderosas”, às faixas etárias e aos
níveis de experiência e conhecimento.
22
Embora haja algumas diferenças entre os modelos supracitados, um
ajustado para a situação do litoral Sudeste do Brasil (DIEGUES, 1983) e o
outro à diversidade de situações e modalidades de pesca em diferentes regiões
do planeta (BERKES et al., 2001), existem pontos de convergência suficientes
para justificar o emprego, nesta pesquisa, dos termos pesca artesanal e pesca
de pequena escala como equivalentes.
Convém salientar, ainda, que a definição proposta e usada pelo IBAMA
se restringe às características da embarcação, desconsiderando as demais
dimensões da pesca, especialmente a humana. Reflete, assim, uma visão
extremamente limitada, predominante nos órgãos governamentais, e a falta de
informação e conhecimento adequados sobre o setor. O termo “artesanal”,
empregado no país e amplamente adotado nas instâncias governamentais,
pode ser considerado vago e mesmo desatualizado
6
. De certo modo, os
modelos se complementam e se atualizam mutuamente, revelando o universo
dinâmico dessa atividade pesqueira e proporcionando uma visão mais rica e
sistêmica da mesma.
1.3.1.2. Recursos Comuns e Regimes de Propriedade
Os recursos pesqueiros constituem recursos naturais renováveis de uso
comum, isto é, são caracterizados, por um lado, pela dificuldade de excluir
usuários atuais e potenciais do acesso aos mesmos; e por outro, pelo fato de
cada usuário ser capaz de subtrair do potencial existente em detrimento de
todos os demais (FEENY et al., 2001). Para esses autores, tais recursos
podem ser apropriados mediante quatro regimes de propriedade específicos,
considerados como tipos ideais de análise:
» Livre acesso: ausência de direitos de propriedade bem definidos;
» Propriedade privada: privatização de direitos através do estabelecimento de
quotas de captura de recursos para indivíduos ou empresas/grupos;
6
E pode revelar, numa investigação mais aprofundada – fora do escopo dessa pesquisa –, o
desinteresse governamental no setor ou até uma “opção” em manter uma certa visão
(preconceituosa) do mesmo.
23
» Propriedade estatal: competência exclusiva do governo e formas de controle
centralizadas;
» Propriedade comunitária: o recurso é controlado por uma comunidade
identificável de usuários e os controles e os mecanismos para fazer valer as
regras são locais.
De acordo com as evidências empíricas disponíveis, com exceção do
regime de livre acesso, um dado recurso pode ser gerido sustentavelmente sob
qualquer regime ou com base em regimes mistos de apropriação. Para todos
os regimes, exceto o livre acesso, encontram-se descritos casos de sucesso e
de fracasso (FEENY et al., 2001; BERKES, 2005).
1.3.1.3. Sistemas sócio-ecológicos, sistemas de pesca, sistemas de
gestão de pesca
A palavra sistema designa, de modo geral, um conjunto unificado,
constituído de partes solidárias, articuladas de algum modo entre si e não
reunidas ao acaso – “um complexo de elementos em interação
(BERTALANFFY, 1973: 84). No enfoque sistêmico, portanto, numa visão geral,
todos os sistemas são caracterizados por componentes que se inter-relacionam
de acordo com critérios.
Na ecologia, os ecossistemas ou sistemas ecológicos são sistemas
cujos componentes são de dois tipos: vivos e não-vivos. No primeiro,
encontram-se plantas, animais e microorganismos. No segundo, água,
minerais, solo, ar, entre outros. Esses componentes interagem uns com os
outros e se encontram intimamente entrelaçados, de modo a funcionarem em
conjunto, formando uma unidade funcional (ODUM, 1988).
No enfoque sistêmico da gestão de recursos comuns para o
ecodesenvolvimento, utiliza-se o termo sistemas sócio-ecológicos para
designar a visão não-dual de sistemas sociais e de sistemas ecológicos. Esse
termo enfatiza que a gênese e a dinâmica evolutiva dos sistemas sociais
ocorrem no âmbito de sistemas ecológicos mais amplos, que os acomodam e
24
englobam. Eles são interdependentes, altamente complexos, auto-organizados,
multi-equilibrados, co-evolutivos e apresentam uma dinâmica imbuída de
incertezas e imprevisibilidades (HOLLING et al., 1998; BERKES & FOLKE,
1998; VIEIRA, 2005).
Nesse sentido, quando a literatura se refere aos sistemas de pesca e
sistemas de gestão de pesca, designa os sistemas sócio-ecológicos
envolvidos. Há muitas maneiras de se delimitar e definir um sistema, de modo
geral. Andriguetto Filho (2002), seguindo também uma concepção sistêmica
das relações sociedade-ecossistemas, observa que as técnicas, os sistemas
técnicos e as práticas envolvidas nos diversos usos dos recursos naturais
compõem uma interface entre esses sistemas. Na sua interpretação, um
sistema técnico de pesca corresponde às forças de produção num sistema de
produção pesqueira
7
e seria composto por: (1) recursos pesqueiros; (2)
embarcações; (3) petrechos e métodos empregados na captura; (4)
propriedade de petrechos; (5) organização do trabalho (e.g. individual, em
equipe); (6) formas de partilha da produção.
Aqui, os sistemas de pesca correspondem a uma versão simplificada
desses sistemas técnicos de pesca (ANDRIGUETTO FILHO, 2002),
designando o conjunto formado pelo recurso pesqueiro-alvo, as tecnologias
(e.g. tipo de rede, malha, embarcação) e os métodos de pesca empregados em
determinados núcleos pesqueiros. Adaptando o conceito estabelecido por Lago
(1961:151), um núcleo pesqueiro é aqui entendido como um conjunto de
indivíduos que operam totalmente na atividade da pesca, por um outro que
apenas dela se serve como recurso de produção e por um terceiro, que
participa de trabalhos agrícolas ou outros, complementares à alimentação
proveniente do pescado. Esses indivíduos estão ligados a uma praia ou a uma
porção de uma praia, que funciona como base das suas atividades, e
normalmente se conhecem e/ou tem laços de parentesco.
7
Nessa concepção, o sistema de produção pesqueira seria composto pela força e pelos meios
de trabalho e pelo meio aquático definido, comum a uma unidade de produção, combinados
com o intuito de capturar os recursos pesqueiros.
25
Os sistemas de gestão da pesca abrangem as instituições de gestão, o
setor pós-extrativo envolvido e os acordos internacionais dos quais o país é
signatário. As instituições de gestão definem, distribuem e regulam os direitos
de uso e apropriação dos recursos pesqueiros. Podem ser formais (leis e
regras governamentais) ou informais, como as éticas, as normas de conduta e
as regras locais estabelecidas pelos pescadores (BERKES et al., 2001).
1.3.2. Gestão do uso de Recursos Pesqueiros
O tema da gestão pesqueira e a necessidade de se implementar
sistemas de gestão da pesca são amplamente reconhecidos em todo o mundo.
A análise dos sistemas de gestão da pesca revela haver um consenso de que,
de modo geral, os benefícios gerados pela atividade pesqueira tendem a
diminuir significativamente na ausência de um tipo qualquer de gestão, seja
comunitária, governamental ou sistemas mistos – além do risco de extinção de
espécies, inviabilidade econômica ou colapso (BERKES et al., 2001).
Por outro lado, o exame crítico dos modos de apropriação e dos
sistemas de gestão dos recursos naturais renováveis ao longo do tempo revela
a predominância de casos de sobreexplotação e colapso da produção. A
ciência analítico-reducionista, baseada na ideologia do domínio sobre a
natureza, gerou enfoques de planejamento e gestão que têm contribuído para a
degradação intensiva desses recursos em escala global (HOLLING et al.,
1998).
Na pesca, essa tendência exprime-se de modo paradigmático num
padrão geral de exploração seqüencial de estoques: das áreas mais acessíveis
para as mais remotas e das espécies de maior valor comercial para as menos
valorizadas comercialmente, incluindo-se aqui o avanço para outras “frentes de
exploração” e a extinção dos estoques. Como conseqüências da aplicação de
enfoques como estes, (i) os ecossistemas tornam-se mais frágeis e vulneráveis
a surpresas e crises; (ii) as instituições de gestão tornam-se mais rígidas e
pouco aptas a oferecer respostas adequadas às mudanças ecossistêmicas; e,
26
finalmente, (iii) as sociedades tornam-se mais dependentes (HOLLING et al.,
1998).
A questão da gestão da pesca tem animado um amplo debate, expresso
a partir da formulação progressiva da Teoria dos Recursos Comuns. O marco
referencial desse debate pode ser situado no ano de 1968, com a publicação
de um polêmico artigo intitulado The Tragedy of the Commons, de autoria de
Garrett Hardin, responsável pela cristalização e difusão dos fundamentos da
teoria convencional da gestão dos recursos de uso comum.
No artigo o autor apresenta suas soluções para o dilema dos recursos
comuns, a saber, a racionalidade individual no uso dos recursos, direcionada
apenas para o benefício próprio, acaba gerando a ruína de todos. Em síntese,
recursos inicialmente abundantes e livremente disponíveis a todos tendem a se
tornar ecologicamente escassos, porque os usuários, buscando satisfazer seus
interesses individuais e maximizar os benefícios no curto prazo, tendem a
explorar e degradar o patrimônio comum, sem se importar com uma possível
“perda” coletiva. Se os usos não forem regulados de algum modo em função do
interesse comum, o resultado no longo prazo será a ruína ecológica para todos
(HARDIN, 1968).
De acordo com Hardin, os usuários de recursos comuns são prisioneiros
dessa situação progressiva de degradação e sobreexplotação dos recursos; a
tragédia está na impossibilidade dos usuários mudar tal situação, mesmo
reconhecendo a iminência do perigo. Assim, Hardin concluiu que só havia duas
alternativas: privatizar os recursos ou transformá-los em propriedade estatal.
Ambas as modalidades seriam capazes de gerar os incentivos necessários
para o uso regulado, consistente com a sustentabilidade (HARDIN, 1968;
FEENY et al., 2001; BERKES et al., 2001).
Sendo a pesca um caso exemplar do dilema dos recursos comuns
8
,
quando o texto de Hardin foi publicado, a metáfora da “tragédia” foi recebida
8
Berkes et al. (2001) realçam que o problema dos recursos de propriedade comum é também
conhecido como “o problema dos pescadores”.
27
como um insight e como algo diretamente aplicável à pesca mundial. Em
conseqüência, inspirou governos a impor a centralização do controle
governamental e a elaborar políticas de intervenção e privatização baseadas
na idéia de que as soluções deveriam ser elaboradas pelas autoridades
externas aos sistemas de pesca e impostas aos usuários (BERKES et al.,
2001).
Entretanto, estudos diversos, realizados desde a década de 1970,
revelaram falhas na argumentação de Hardin (1968). Existem evidências
irrefutáveis de que, em um grande número de casos abrangendo uma
diversidade de recursos, áreas geográficas e culturas, os usuários dos recursos
criaram sistemas locais e tradicionais de gestão, e instituições para gerenciar
sustentavelmente os recursos comuns, muitas vezes ao longo de centenas de
anos. Essas “descobertas” têm provocado, desde então, uma reavaliação da
Tragédia dos Comuns e tem contribuído para o refinamento da Teoria dos
Recursos Comuns (FEENY et al., 2001; BERKES et al., 2001).
Basicamente, a Tragédia dos Comuns apresenta duas falhas. Primeiro,
Hardin (1968) teria confundido a “propriedade comum” com a situação de “livre
acesso” – esta sim, fadada à “tragédia” de fato. Aquela, entretanto não é
sinônimo de “propriedade de todos”, mas sim uma classe de direitos de
propriedade, normalmente um direito de usar algo de forma compartilhada com
um grupo. Por sua vez, o “livre acesso” é uma condição de ausência de direitos
de propriedade definidos, situação em que um dado recurso está “livre para
todos” sem restrições. Essa confusão está no centro de muitos equívocos
encontrados na literatura.
Por outro lado, a formulação da Tragédia dos Comuns ignora as
relações sociais, que normalmente modelam o comportamento dos indivíduos
e/ou fazem pressão sobre o mesmo, bem como a existência das instituições e
dos sistemas de gestão locais. Com isso, a idéia de usuários completamente
egoístas, centrados em si mesmos, independentes e indiferentes à comunidade
e às relações sociais parece irreal (FEENY et al., 2001; BERKES et al., 2001).
28
1.3.2.1. Enfoques convencionais de gestão dos recursos pesqueiros:
uma visão sinóptica
Como exposto antes, a Tragédia dos Comuns repercutiu e influenciou a
gestão da pesca. Ao longo do século XX, os objetivos da gestão da pesca se
voltaram para os estoques pesqueiros, enfatizando prioritariamente: prevenir a
extinção biológica e comercial das espécies e aumentar (num horizonte
temporal indefinido) os benefícios gerados pela atividade pesqueira. Além
disso, a ciência da pesca tem se restringido excessivamente ao foco disciplinar
da biologia e tem oferecido enfoques de gestão adaptados ao contexto dos
países desenvolvidos. Inadequados à maioria dos países do Sul, estes
enfoques servem, entretanto, de modelo para os mesmos, com conseqüências
desastrosas. A maioria das questões e conceitos da ciência da pesca, que têm
influenciado os gestores nas últimas décadas, está associada basicamente aos
enfoques convencionais modernos, principalmente o Rendimento Máximo
Sustentável (Maximum Sustainable Yield – MSY) e o Rendimento Econômico
Máximo (Maximum Economic Yield – MEY), mas também ao enfoque
conhecido como Rendimento Ótimo Sustentável (Optimum Sustainable Yield
OSY) (BERKES et al., 2001).
O Rendimento Máximo Sustentável (MSY) é um enfoque bastante
difundido na gestão pesqueira e corresponde ao limite máximo de captura de
um determinado recurso pesqueiro. Refere-se à quantidade que pode ser
retirada, continuamente e sem comprometer o estoque existente ou o
recrutamento de indivíduos jovens, sob condições ambientais normais. Trata-se
de um valor determinado com base nos melhores dados existentes oriundos de
típicas avaliações de estoques, considerando aspectos biológicos e
econômicos da atividade pesqueira (BERKES et al., 2001). Esta abordagem
tenta equilibrar a produção pesqueira (captura) e o esforço de pesca.
Teoricamente, considerando um determinado estoque pesqueiro
inexplorado, nos primeiros estágios de desenvolvimento da pescaria a ele
direcionada, à medida que o esforço de pesca aumenta (e.g. número de
embarcações), um percentual maior do estoque disponível é capturado a cada
29
ano, resultando num aumento da produção pesqueira. Mas, com a persistência
do aumento do esforço de pesca (com vistas a aumentar a produção), e
independente dele, em certo ponto, os rendimentos tendem a se estabilizar. O
nível de “Rendimento Máximo Sustentável” corresponderia a esse máximo de
captura possível, a partir de um determinado nível de esforço de pesca – o qual
não comprometeria a biologia do estoque. Mas além desse nível, o estoque se
reduziria (KING & KING, 1995; ACHESON et al., 1998).
Corresponde, portanto, a um modelo de gestão voltado à exploração
máxima, muitas vezes de uma única espécie, baseado exclusivamente em
parâmetros biológicos. Além disso, neste enfoque não são considerados nem a
dinâmica ecossistêmica nem os aspectos humanos e sociais (DIEGUES,
1996). Assim, os modelos de gestão baseados no MSY estão associados a
regras e leis do tipo comando-e-controle, formuladas num contexto autoritário e
tecnocrático (e.g. proibição de certos petrechos, proibições de pesca em certas
áreas). Paradoxalmente, de modo geral, os pescadores tendem a burlar estas
regras, aumentando assim os custos de administração e fiscalização
envolvidos no sistema de gestão (BERKES et al., 2001).
O Rendimento Econômico Máximo (MEY) refere-se ao nível de captura
total de uma pesca capaz de gerar o máximo retorno econômico, definido pela
diferença (medida em moeda corrente) entre o valor do pescado capturado e o
custo da pesca. Em teoria, o custo total de uma pescaria aumenta com o
aumento do esforço de pesca, mas haveria um ponto onde os rendimentos
seriam maximizados, no qual os custos seriam os menores possíveis em
relação aos ganhos com a captura. Apesar de ser direcionado para a
maximização dos lucros com a pesca – supondo que assim trará também o
aumento do benefício total para a sociedade –, este enfoque de gestão
pesqueira, na opinião de alguns autores, incorpora um pouco do
comportamento humano e é biologicamente mais conservacionista do que o
anterior (MSY). Isto porque, em teoria, uma pescaria torna-se economicamente
inviável num ponto anterior àquele no qual a biologia do estoque seria
comprometida (KING & KING, 1995; BERKES et al., 2001).
30
Baseando-se na prerrogativa de que os pescadores sempre tenderão a
maximizar individual e ilimitadamente os lucros, ele reforça a necessidade da
gestão, preferencialmente através da privatização ou apenas da administração
estatal – uma clara inspiração hardiniana. Alguns exemplos de medidas
associadas a modelos de gestão pesqueira baseados neste enfoque são as
taxas e quotas individuais ou coletivas como as ITQs
9
(quotas individuais
transferíveis). Fica evidenciado que, neste enfoque, a questão dos direitos de
propriedade é considerada de modo relevante e que a situação de livre acesso
é vista como algo indesejável; não obstante, as instituições locais e informais
não são incorporadas (BERKES et al., 2001).
O terceiro enfoque está centrado em objetivos múltiplos de gestão. O
Rendimento Ótimo Sustentável (OSY) corresponde a um nível de captura
definido com base numa combinação e racionalização de todos os benefícios
gerados pela produção e considerados importantes, desde que estes
benefícios sejam sustentáveis. A base de informações utilizada por este
enfoque para definir “metas de produção”, baseadas em objetivos múltiplos de
gestão, incorpora, além dos dados biológicos e dos aspectos econômicos,
componentes sociais, culturais e políticos. Desse modo, os benefícios gerados
pela pesca não são medidos apenas por quantidade de pescado capturado
(medidas convencionais). O que distingue este enfoque dos demais é que os
modelos de gestão que nele se baseiam utilizam uma perspectiva de gestão e
de ciência mais ampla para encontrar soluções criativas e inovadoras para os
sistemas de pesca. Além disso, o sistema formal e os gestores da pesca
definem um “ótimo” de determinada pesca dentro dos limites da
sustentabilidade (BERKES et al., 2001).
Entretanto, este enfoque implica em alguns desafios e ainda não está
suficientemente aperfeiçoado – além de pouco aplicado. Por um lado, é preciso
definir os objetivos (múltiplos) da gestão, o que envolve um amplo processo de
discussão com as pessoas envolvidas, incorporando noções e conceitos de
9
Trata-se de uma estratégia baseada no regime de apropriação privada: os donos das quotas
se apropriam de uma parte da captura total permitida de uma certa espécie, as quotas podem
ser vendidas e compradas. Tem sido usado na pesca de larga escala com um pequeno número
de empresas envolvidas (BERKES et al., 2001)
31
difícil tratamento, como a incerteza e a complexidade. Além disso, deve se
apoiar no uso de indicadores multi-dimensionais de desenvolvimento que
sejam capazes de incorporar informações oriundas da ciência e dos grupos de
interesse envolvidos (stakeholders). Por outro lado, conceitualmente, a idéia de
objetivos múltiplos a serem atendidos através da pesca está ainda pouco
desenvolvida, e o conceito de ótimo na noção de “captura ótima sustentável”
permanece muito vago. Adicionalmente, é preciso considerar que a idéia de
otimização é mais difícil de ser trabalhada do que a de maximização, devido
aos trade-offs
10
e compromissos envolvidos. Apesar disso, este enfoque vem
sendo cuidadosamente aprimorado e passa gradativamente a ser uma
alternativa aos gestores e cientistas envolvidos com a gestão pesqueira
(BERKES et al., 2001).
1.3.2.2. Gestão adaptativa de recursos pesqueiros
Os enfoques de gestão da pesca, apresentados anteriormente, revelam
ainda uma perspectiva muito estreita para tratar do tema, estando associados
aos fracassos da gestão pesqueira em diferentes níveis. Ademais, não entram
na discussão essencial para a gestão da pesca de pequena escala, a saber, o
questionamento do modelo mimético-dependente de desenvolvimento adotado
na maioria dos países em desenvolvimento, como o Brasil.
Esses fracassos podem ser creditados, em parte, ao predomínio do
paradigma mecanicista-reducionista subjacente. Diante das limitações destes
enfoques, alternativas originais e promissoras podem ser encontradas na
literatura sobre os recursos comuns e sobre o ecodesenvolvimento. Mas essas
alternativas não oferecem soluções-padrão para a gestão pesqueira nem
negam o valor do conhecimento acumulado pelos enfoques convencionais de
gestão – eles certamente podem e devem ser criativamente incorporados à
construção de alternativas viáveis (HOLLING et al., 1998).
10
O termo trade-off pode ser traduzido como negociação, i.e. uma situação em que se troca
algum benefício por outro mais desejado ou para se conseguir algo importante, ou se perde
algo ou se abre mão de alguma coisa para conseguir outra, supondo um contexto de
negociação ou tomada de decisão.
32
Na interpretação de Holling et al. (1998), a crise mundial da gestão dos
recursos naturais renováveis corresponde a uma crise da ciência da gestão
destes recursos. Os enfoques convencionais de gestão dos recursos
pesqueiros representam uma parte constitutiva do problema, não vias de
solução. Portanto, para enfrentar a crise da gestão da pesca, eles argumentam
ser preciso um outro tipo de ciência. Essa nova ciência da gestão de recursos
comuns é tributária do enfoque sistêmico e do pensamento complexo, sendo
fundamentalmente interdisciplinar. Seu foco recai na busca da compreensão do
comportamento e evolução dos sistemas complexos. Sua forma aplicada
resulta em novos enfoques de gestão ambiental nas quais as incertezas e as
surpresas tornaram-se parte integral de um conjunto provável de respostas
adaptativas. Ela parte de uma visão autêntica de sistemas sócio-ecológicos
integrados, cuja dinâmica no longo prazo é incerta e imprevisível.
A partir da revisão histórica das relações sociedade-natureza, em
diferentes contextos socioculturais, a literatura revela evidências de um padrão
de adaptações co-evolucionárias entre sistemas sociais e sistemas naturais,
movido por crises, aprendizagem e recriação institucional. Alguns autores
sugerem que períodos de crise podem ativar o aprendizado e a inovação; em
alguns casos, o colapso parece ser uma condição determinante para gerar o
entendimento indispensável para uma mudança e desencadear processos de
reorganização e adaptação. Isto tem sido demonstrado especialmente no caso
de sistemas de gestão de modalidades diversas de pesca artesanal. Além
disso, tem sido realçada a importância de se manter a resiliência sistêmica, um
conceito-chave da gestão adaptativa – a capacidade de um ecossistema de
absorver perturbações externas (surpresas, mudanças, crises) e persistir,
mantendo sua estrutura e suas funções ou seu potencial adaptativo, ao longo
do tempo (HOLLING et al., 1998).
Estudos de caso realizados no Brasil revelam exemplos de apropriação
comunitária, capazes de assegurar usos ecologica e socialmente sustentáveis
dos recursos naturais e dos espaços. Quanto aos recursos pesqueiros, o caso
dos caiçaras, no litoral paulista, pode ser tomado como um ponto de referência
33
(DIEGUES, 1996), bem como algumas comunidades pesqueiras situadas no
litoral sul da Bahia (CORDELL & McKEAN, 1992).
A visão complexa dos sistemas sócio-ecológicos e sua co-evolução,
juntamente com a diversidade e o potencial reconhecidos nos sistemas
comunitários de gestão de recursos de uso comum, possibilitou a elaboração
de uma abordagem de pesquisa e gestão conhecida como gestão adaptativa. A
gestão adaptativa se baseia no aprendizado social, nela um plano ou política é
visto como uma hipótese, a ser “testada”. A gestão é tida como um processo
que envolve um diagnóstico preliminar, considerado essencial para se fixar
objetivos e desenvolver estratégias e táticas para atingi-los. Desta perspectiva,
o processo de gestão é visto como um projeto, que deve ser monitorado (para
manter a “rota”) e avaliado (para aprender com os sucessos e fracassos)
continuamente. Assim, o sistema de pesca pode ser “testado” e as políticas de
gestão podem ser usadas como experimentos de pesquisa interdisciplinar
(BERKES et al., 2001).
Objetivando manter e fomentar a resiliência sistêmica e encontrar
respostas sociais e institucionais flexíveis à escassez de recursos e aos
fracassos da gestão convencional, a gestão adaptativa pressupõe que o
caráter evolucionário e as mudanças cíclicas são características essenciais de
todos os sistemas sócio-ecológicos. A ênfase recai, portanto, no fortalecimento
da capacidade adaptativa e de auto-organização das comunidades locais. Por
implicação, esse enfoque é aberto à integração entre o conhecimento científico
e o conhecimento tradicional, vistos como complementares num contexto
dialógico (BERKES et al., 2001; BERKES, 2002).
Desse modo, o enfoque se distancia da idéia de soluções-padrão, como
assinalado anteriormente. O processo de gestão considera as relações de
interdependência entre os sistemas sociais e os ecossistemas, apostando na
capacidade de resposta rápida e de regular as conseqüências das intervenções
humanas. Pressupõe o aprendizado para lidar com a imprevisibilidade dos
comportamentos diante das crises e, ao mesmo tempo, estimular a elaboração
34
de estratégias cada vez melhor adaptadas à especificidade dos contextos
locais e territoriais (BERKES, 1999; 2002).
Dentro dessa perspectiva, denomina-se de co-gestão adaptativa as
iniciativas de gestão que pressupõem a formação de parcerias envolvendo os
agentes governamentais, os usuários diretos e indiretos dos recursos
pesqueiros, os agentes externos (ONGs e instituições de ensino e pesquisa) e
outros atores envolvidos na pesca (e.g. comerciantes e armadores). Neste
caso, os atores compartilham a responsabilidade e a autoridade nas tomadas
de decisão relativas à gestão de um dado sistema de pesca. A co-gestão
adaptativa pode ser entendida como um processo experimental guiado por três
vetores: a descentralização, num processo de gestão sistêmica; a autonomia
local; e a resiliência ecossistêmica.
O traço adicional mais marcante da co-gestão adaptativa, em relação à
gestão adaptativa, reside na ênfase concedida à necessidade de se criar
sistemas de gestão capazes de incorporar e desencadear uma sinergia positiva
entre autonomia e heteronomia. A primeira designa a tomada de decisão no
nível local e a capacidade de resolução de problemas e conflitos a partir do
capital sociocultural e natural local; e a segunda, o conjunto de coações formais
exteriores que escapam a todos e que valem para todos, além da formalização,
do apoio institucional e da legitimação em diferentes níveis de governo das
decisões tomadas num espaço de compartilhamento de poder e
responsabilidades (BERKES et al., 2001).
1.3.3. Ecodesenvolvimento
Diante de outras opções que compõem o espaço de discussão sobre a
temática do desenvolvimento, o ecodesenvolvimento emerge aqui como uma
alternativa diferenciada e original. Esse enfoque pode ser compreendido como
uma dentre as várias correntes de pensamento interessadas atualmente em
elucidar e fazer frente à crise socioambiental planetária (VIEIRA, 2005).
35
O âmago da posição ecodesenvolvimentista pode ser resumido em
poucas palavras: pensar e atacar a crise socioambiental pela raiz, mobilizando
um conjunto interdependente de critérios ou pressupostos normativos apoiados
em quatro pontos axiais. São eles: a satisfação das necessidades básicas, a
autonomia (self-reliance) e a participação, a prudência ecológica e a
redefinição da economia. Desse modo, vale a pena recuperar, brevemente, a
gênese e a estrutura conceitual desse enfoque, pois a co-gestão adaptativa da
pesca de pequena escala constitui apenas uma dentre várias outras dimensões
do conceito sistêmico de ecodesenvolvimento.
Mahatma Gandhi pode ser apontado como o precursor do
ecodesenvolvimento, sem que ele tenha formalizado ou mesmo cunhado o
termo. Entretanto, sua luta pacífica em favor da independência da Índia e suas
estratégias de desenvolvimento integrado e multidimensional para as vilas
indianas, revelaram uma abordagem de intervenção sistêmica e não-dual.
Mostraram também pontos cruciais que posteriormente iriam compor os
fundamentos normativos e éticos do enfoque do ecodesenvolvimento – tais
como o princípio da autonomia, a ênfase na satisfação prioritária de
necessidades básicas do indivíduo e da coletividade e a inclusão de princípios
éticos no desenvolvimento (SACHS, 1977). Em síntese, a contribuição
gandhiana pode ser assim resumida:
a harmonização das relações que os seres humanos mantêm com a
natureza e a luta obstinada pela pacificação das relações entre os
seres humanos constituem as duas faces de uma mesma moeda
(VIEIRA, 2005: 333).
Mas, foi no contexto da Conferência de Estocolmo (1972) que o conceito
foi primeiramente introduzido por Maurice Strong para designar uma idéia-força
capaz de impulsionar iniciativas de dinamização socioeconômica sensíveis à
degradação ecossistêmica e à marginalização social, cultural e política
(VIEIRA, 2005). Esse contexto também esteve marcado pelas discussões e
controvérsias no campo da Ecologia Humana Sistêmica e da Ecologia Política.
36
No ano seguinte, Ignacy Sachs reelaborou e estruturou o conceito, que
foi bastante refinado e trabalhado, posteriormente, a partir de inúmeras
contribuições. Em síntese, o ecodesenvolvimento define um novo estilo de
desenvolvimento, oposto à diretriz mimético-dependente e aplicável a projetos
localizados, tanto em zonas rurais quanto urbanas. Como tal, orienta-se pela
busca de satisfação prioritária de necessidades básicas; pela promoção da
autonomia (self-reliance
11
) das populações; pelo uso do potencial de recursos
locais, guiado por critérios de prudência ecológica; e pelo re-enquadramento do
papel da economia, incluindo a redefinição dos indicadores usuais de eficiência
econômica (VIEIRA, 2002; 2005).
Simultaneamente, o conceito indica um enfoque participativo, preventivo,
adaptativo e pró-ativo de planejamento e gestão integrada do meio ambiente,
adaptado a contextos socioambientais específicos. Seu direcionamento aponta
para a harmonização entre a dinamização socioeconômica e a gestão prudente
do meio ambiente, baseada na cultura política democrática e participativa, e na
distribuição eqüitativa dos benefícios. Além disso, incorpora princípios de
solidariedade intra e intergeracional, o respeito aos limites da base de recursos
naturais e a necessidade da luta contra a desigualdade social e contra a
dependência (GLAESER & VYASULU, 1984; SACHS, 1977; 1986; COLBY,
1989; VIEIRA, 2002; 2005).
Após o surgimento do conceito de ecodesenvolvimento, o debate sobre
o binômio desenvolvimento & meio ambiente prosseguiu, provocando o
aparecimento de outras formulações e propostas. Entre essas, destacam-se as
alusões a “um outro desenvolvimento” e ao “desenvolvimento endógeno”
(Fundação Dag Hammarskjold, 1982; VIEIRA, 2002), que se baseiam no
modelo conceitual esboçado por Sachs, mas refletem opções ideológicas mais
cautelosas em relação ao cenário político-econômico em vigor. De acordo com
11
O termo self-reliance é normalmente traduzido como autonomia ou autoconfiança, na
literatura especializada. Distanciando-se da idéia de isolacionismo, seu significado no enfoque
do ecodesenvolvimento abrange, também, a auto-suficiência, a soberania, a solidariedade, a
interdependência e a negociação em bases iguais (SACHS, 1977; VIEIRA, 2005).
37
Vieira (2002), o Relatório Nosso Futuro Comum (WCED / UNCED
12
), em 1987,
não acrescentou substantivamente muita coisa ao debate, mas reaqueceu a
discussão sobre o tema. Ele aprofundou as reflexões sobre o conceito de
sustentabilidade e sobre a noção de responsabilidade comum, além de
introduzir o conceito de Desenvolvimento Sustentável.
Num balanço crítico, pode-se considerar o desenvolvimento sustentável
como um retrocesso em relação ao conceito de ecodesenvolvimento, por
constituir uma reafirmação do modelo dominante, apenas revestido por uma
nova “roupagem”. Afinado com a ideologia economicista e ainda muito baseado
no paradigma reducionista-mecanicista, e na idéia de “equilíbrio”, mantém a
ética antropocêntrica do domínio implacável sobre a natureza e a visão
fragmentada de mundo. Em outras palavras, não rompe com o paradigma
dominante e não lida com as causas estruturais da crise, apenas com os seus
sintomas (COLBY, 1989; VIEIRA, 2002).
A partir dessas considerações, nota-se que a opção por um estilo de
desenvolvimento condiciona o alcance de objetivos de gestão dos recursos
naturais. Ela traduz simultaneamente a meta e o caminho a ser seguido. Para
além de enfoques com objetivos estritamente conservacionistas ou
economicistas, a gestão adaptativa dos recursos pesqueiros para o
ecodesenvolvimento visa contribuir para o desenvolvimento da autonomia das
comunidades pesqueiras e para o atendimento das suas necessidades
básicas. O que implica tanto na otimização do potencial de recursos locais
quanto na manutenção da resiliência do sistema sócio-ecológico, de forma
integrada, complementar e economicamente viável. Nesse contexto, a ética do
desenvolvimento passa a ser assumida como uma questão central, o
conhecimento tradicional e as instituições locais passam a ser consideradas
seriamente num contexto de diálogo de saberes.
No enfoque sistêmico do ecodesenvolvimento, as modalidades de uso e
a gestão dos recursos naturais renováveis constitui um dos eixos estratégicos
12
Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento / Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.
38
de ações voltadas à compatibilização do desenvolvimento com a gestão
ambiental (SACHS, 1986). Nesse sentido, cada eixo é trabalhado em três fases
essenciais: (1) a identificação de problemas, necessidades e aspirações (um
diagnóstico socioambiental participativo); (2) a prospecção de cenários ou
desenho de estratégias alternativas; e (3) a implementação, monitoramento e
avaliação de novas estratégias ou demandas (GARCIA, 1994; VIEIRA, 2005).
Assim, refletindo sobre a gestão da pesca de pequena escala, o esforço
inicial estaria direcionado para conhecer as características, as demandas e os
problemas dos sistemas de pesca e de gestão da pesca. A partir disso, seriam
avaliados os potenciais e obstáculos que o sistema sócio-ecológico em foco
contém para a co-gestão adaptativa para o ecodesenvolvimento. Em seguida,
tratar-se-ia de encontrar criativa e participativamente uma via de (co-)gestão
dos recursos adaptada às especificidades do sistema sócio-ecológico local.
Nesse sentido, seria ainda considerada uma possível inserção do sistema no
amplo horizonte de experimentação de estratégias ecodesenvolvimentistas em
outras escalas territoriais.
Se um estilo de desenvolvimento determina os objetivos, metas e
estratégias do processo de desenvolvimento, um plano de gestão costeira deve
compatibilizar os múltiplos usos em nível de espaço e recursos, tendo em vista
o referencial do desenvolvimento adotado (DIEGUES, 1996; CNIO, 1998). A
gestão pesqueira, nesse quadro, é pensada de forma integrada com o
gerenciamento costeiro e com todos os programas e políticas públicas
concernentes à zona costeira e ao ambiente marinho.
1.3.4. Modelo de Análise
As diferentes fases dessa pesquisa foram norteadas pelo enfoque
analítico de gestão de recursos comuns para o ecodesenvolvimento. Esse
enfoque possibilitou o diálogo entre diferentes disciplinas e conceitos e a
compreensão sistêmica das relações dinâmicas entre os pescadores, os
recursos pesqueiros e os espaços marinho e costeiro. Do ponto de vista
operacional, foi usado o modelo proposto por Oakerson (1992), que tem
39
alimentado a construção de estudos de caso em diferentes regiões do planeta
(BERKES et al., 2001), inclusive no Brasil (DIEGUES, 1996), tendo em vista a
compreensão dos problemas socioambientais envolvendo comunidades de
pescadores artesanais na zona costeira.
Em síntese, o modelo analítico (Fig. 2) distingue 4 conjuntos de macro-
variáveis inter-relacionadas, constituindo uma ferramenta heurística que ajuda
a caracterizar os elementos essenciais da situação-problema, contribuindo para
o seu entendimento, e a estruturar as informações mais relevantes para o
desenho de novas instituições de gestão. Enquanto ferramenta de diagnóstico,
deve ser “lido” da direita para a esquerda; isto é, diante dos “resultados” (uma
situação-problema), pergunta-se “o que está acontecendo?” e “por quê?”. Esse
modelo deve ser empregado criativamente e permite o acoplamento de teorias
e conceitos específicos para cada macro-variável.
Tendo em vista uma caracterização mais precisa do modelo, seria
importante destacar inicialmente a macro-variável atributos (bio)físicos e
tecnologia. Ela abarca as variáveis que caracterizam os recursos pesqueiros, a
paisagem litorânea, os ecossistemas marinho-costeiros, os limites geográficos
dos espaços costeiros e dos recursos pesqueiros (que determinam a escala
máxima de gestão efetiva), os instrumentos de produção (e.g. petrechos,
embarcações), as condições limitantes das forças produtivas naturais e
aquelas impostas pelas tecnologias utilizadas.
Figura 2: Modelo de análise dos recursos comuns
Fonte: Oakerson, 1992.
Padrões de
interação
Resultados
Atributos físicos
& tecnologia
Arranjos de tomada
de decisão
e
c
d
a
b
40
Quanto aos arranjos de tomada de decisão, eles correspondem ao
funcionamento efetivo das instituições
13
de gestão. As micro-variáveis
correspondentes incluem as regras e leis vigentes no País, elaboradas para
regular o uso, o comportamento dos usuários e as escolhas coletivas. Elas
estabelecem os incentivos e as sanções para as ações humanas, além dos
mecanismos formais para negociações e para o esforço de implementação da
legislação. Aqui também estão incluídos os arranjos comunitários e as
instituições informais de gestão.
No bloco dos padrões de interação dos usuários, as variáveis abrangem
o comportamento humano, as representações e as coações que condicionam
o mesmo. Finalmente, o bloco dos resultados ou conseqüências refere-se às
micro-variáveis que caracterizam a situação-problema a ser compreendida e/ou
modificada por meio da pesquisa.
Mas o foco da análise incide sobre as relações entre as macro-variáveis.
As letras “a” e “b” na Fig.2 indicam conexões causais fracas, isto é, o
comportamento humano é condicionado, mas não determinado pela dimensão
biofísica ou institucional. As letras “c” e “d” indicam conexões causais fortes,
sugerindo que as variáveis “atributos físicos e tecnologia” e “padrões de
interação” afetam diretamente os resultados, mesmo se ignoradas no processo
de gestão e desenvolvimento. Finalmente, a letra “e” representa, por hipótese,
a raiz da situação-problema, configurada por desajustes entre os dois primeiros
conjuntos de variáveis.
A pesquisa incorporou um diagnóstico descritivo da situação-problema,
depois um esforço de compreensão de alguns condicionantes da mesma,
baseado nas relações estabelecidas pelo modelo. Os princípios do conceito de
ecodesenvolvimento foram utilizados como critério de definição dos potenciais
e obstáculos observados, considerando a possibilidade da gestão dos recursos
pesqueiros para o ecodesenvolvimento. A aplicação integral do enfoque
13
As instituições atuam como mediadoras das interações entre a sociedade e o ambiente.
41
analítico, essencialmente sistêmico, demandaria uma pesquisa inter ou
transdisciplinar; portanto, foi usado de forma adaptada nesse contexto.
2. HIPÓTESES DE TRABALHO
1) Se o modelo formal de gestão da pesca artesanal é excessivamente
centralizado e fragmentado, voltado apenas para os recursos pesqueiros e
direcionado ao produtivismo, então contribui decisivamente para o uso
ecologicamente destrutivo dos recursos pesqueiros e para a ocorrência de
padrões de interação conflituosos e competitivos entre os usuários.
2) Se existem desajustes entre as instituições formais de gestão e as
características biofísicas, tecnológicas e sociais dos sistemas de pesca locais,
então eles geram fortes incentivos para práticas destrutivas e comportamentos
individualistas no uso dos recursos pesqueiros.
3. OBJETIVOS
Objetivo geral:
Realizar um diagnóstico sócio-ecológico dos sistemas de pesca marinha
e de gestão formal da pesca de pequena escala do município de Garopaba,
visando conhecer os potenciais e os obstáculos locais para a gestão adaptativa
para o ecodesenvolvimento.
Objetivos específicos:
1- Identificar e mapear os principais núcleos de pesca marinha do município.
2- Identificar e descrever as principais características oceanográficas das
praias do município que influenciam a atividade pesqueira.
42
3- Identificar e descrever os principais sistemas de pesca marítima encontrados
nos núcleos pesqueiros, sua distribuição e o seu estado atual.
4- Identificar as principais relações sociais do processo de produção pesqueira.
5- Identificar os principais conflitos diretamente relacionados com a pesca.
6- Identificar e descrever a estrutura do atual modelo de gestão da pesca de
pequena escala, do nível municipal ao federal.
7- Compreender como as características biofísicas, as tecnologias e métodos
de pesca, as relações sociais e o modelo formal de gestão da pesca de
pequena escala contribuem para a crise da pesca no município.
8- Identificar os principais potenciais e obstáculos ao desenvolvimento de um
sistema alternativo de gestão da pesca de pequena escala no município,
considerando como alternativa a co-gestão adaptativa da pesca artesanal para
o ecodesenvolvimento.
4. METODOLOGIA
A pesquisa aplicou, de forma adaptada, métodos e técnicas de
diagnóstico para a gestão da pesca de pequena escala, apresentados a seguir,
tendo como referência o modelo proposto por Berkes et al. (2001). Trata-se de
uma proposta ajustada ao contexto de países em desenvolvimento, onde os
recursos humanos e financeiros são escassos. A ênfase recai em informações
consideradas essenciais para a gestão da pesca de pequena escala,
privilegiando a validade, precisão e confiabilidade dos dados.
Essas ferramentas foram complementadas por técnicas de coleta e
análise de dados utilizadas nas ciências humanas, tomando como referência
Quivy & Campenhoudt (1992), Marshall & Rossman (1993) e Laville & Dionne
(1999). Por sua vez, o uso de um Sistema de Informação Geográfica (SIG)
baseou-se em de Graff et al. (2003) e em Breman (2002).
43
De acordo com Berkes et al. (2001), os dados e informações
necessários à elaboração de um Projeto de Gestão Pesqueira são obtidos em
4 fases distintas: (1) diagnóstico preliminar; (2) construção de uma base de
referência (ou avaliação de base); (3) monitoramento; e (4) avaliação geral. A
metodologia utilizada na pesquisa corresponde à fase de diagnóstico
preliminar, incluindo variáveis dos níveis supracomunitário e comunitário.
Nesses níveis, os blocos de informação estão relacionados: (a) à oceanografia
e geografia física da zona costeira; (b) à demografia; (c) aos padrões de
ocupação; (d) às atividades humanas; (e) aos sistemas de pesca; (f) à infra-
estrutura comunitária; (g) aos grupos sociais; (h) às mudanças; (i) às práticas
destrutivas e aos conflitos (BERKES et al., 2001).
Tomando como referência essas variáveis
14
, outras variáveis específicas
foram estabelecidas para a pesquisa e foram determinados indicadores de
acordo com as informações necessárias para o alcance de cada objetivo
específico da pesquisa, visando facilitar a coleta de dados
15
. Esses indicadores
e as variáveis / informações podem ser consultados no Anexo 1.
4.1. TÉCNICAS E MÉTODOS DE OBTENÇÃO DE DADOS
Os itens abaixo apresentam fundamentalmente as técnicas e os
métodos (BERKES et al., 2001) que foram empregados na obtenção dos
indicadores e dados desejados:
1) Revisão de literatura.
2) Pesquisa e análise documental de fontes secundárias de dados (e.g. leis,
decretos, publicações oficiais, publicações científicas).
14
O termo “variável” aqui designa qualquer elemento que pode ser medido ou observado,
inúmeras vezes, com um instrumento qualquer.
15
O termo “dados” aqui designa as “respostas-informações” obtidas para cada indicador na
fase de coleta de dados (QUIVY & CAMPENHOUDT, 1992). Os dados correspondem aos
valores de uma variável; em alguns casos, variável e indicador são iguais. Desse modo, para
cada variável são determinados certos indicadores, a partir dos quais os dados são coletados.
44
3) Visitas periódicas aos núcleos pesqueiros do município – aproximadamente
uma vez por mês e duração média de quatro dias e meio –, entre maio de 2006
a junho de 2007, visando:
3.1) acompanhar a dinâmica das atividades pesqueiras e realizar
observações de campo.
3.2) Observar (a pé e de carro) o litoral, visando melhor conhecer o local e
as áreas usadas pela pesca, registrando-os com GPS.
3.3) Realizar entrevistas com pescadores artesanais e com
representantes da administração pública e da Colônia de Pesca. Realizar
conversas informais temáticas com os compradores do pescado
(atravessadores) e com pescadores locais (QUIVY & CAMPENHOUDT,
1992; MARSHALL & ROSSMAN, 1993; LAVILLE & DIONNE,1999).
3.4) Realizar trajetos e percorrer caminhos relevantes para a pesca no
litoral do município, previamente indicados por pescadores locais.
3.5) Coletar as principais espécies de pescado ou fotografá-las, na
impossibilidade de coletar, e fotografar o máximo de exemplares das
demais espécies que compõem as capturas locais.
3.6) Fotografar de acordo com as variáveis, os indicadores ou os dados.
4) Elaboração de calendários sazonais da pesca.
5) Identificação (não sistemática) das principais espécies de pescado com
chave dicotômica e guias de identificação específicos.
O período de observação (item 3.1), durante as primeiras saídas de
campo, foi direcionado para o acompanhamento dos diferentes momentos das
atividades pesqueiras e para permitir uma “imersão” nos grupos de
pescadores. Visou, por um lado, deixar os pescadores informados sobre a
45
pesquisa e seus objetivos e, por outro, conhecê-los melhor, ganhar a sua
confiança, estabelecer contatos e identificar lideranças. Convém ressaltar que
essa pesquisa foi feita de forma integrada com outra pesquisa de mestrado
desenvolvida por um oceanógrafo
16
, voltada para as relações entre os
pescadores e o espaço marinho, enfocando os conflitos e as instituições
informais. Ambas fazem parte das ações do NMD direcionadas para a gestão
de recursos naturais no litoral centro-sul de Santa Catarina e da parceria NMD-
APA da Baleia Franca/IBAMA.
4.1.1. Definição da amostra
A seleção de pescadores para as consultas (entrevistas e conversas
temáticas informais) seguiu a amostragem típica, um tipo de amostra não-
probabilística. Diferentemente de uma amostragem aleatória simples, a
amostra típica ancora-se na capacidade de direcionar e selecionar os
elementos da amostra – não podendo, portanto, ser utilizada para estimar
parâmetros populacionais. O foco recai sobre um número pequeno de
elementos do universo amostral, que podem ser considerados típicos da
população-alvo. Neste caso, é fundamental que a amostra seja selecionada de
acordo com critérios explícitos e confiáveis (QUIVY & CAMPENHOUDT, 1992;
LAVILLE & DIONNE,1999).
Assim, foi estabelecido que os pescadores selecionados deveriam se
encaixar em pelo menos um dos seguintes critérios:
h foi observado realizando as atividades cotidianas de pesca (e.g. voltando do
mar; entralhando uma rede; pescando); e/ou
h foi indicado por outro pescador já selecionado;
h é representativo de uma das modalidades de pescaria do município;
h é proprietário ou não de embarcação e/ou rede.
16
Rebouças, G. N. Usos, apropriação e conflitos de uso do espaço marinho adjacente ao
município de Garopaba (SC). Dissertação (Mestrado em Sistemas Costeiros e Oceânicos).
Pontal do Paraná: CEM-UFPR. (no prelo)
46
Considerou-se também a necessidade de selecionar pescadores de
todos os núcleos pesqueiros
17
do município, a saber: (1) Gamboa, (2) Siriú, (3)
Morrinhos, (4) Cancha, (5) Garopaba, (6) Vigia, (7) Silveira, (8) Ferrugem-
Barra, (9) Ouvidor, (10) Portinho, e (11) Vermelha.
Assim, foi consultado um total de 56 pescadores, distribuídos
(desigualmente) pelos 11 núcleos pesqueiros. Foram realizadas 14 entrevistas
semi-estruturadas mista e 13 parcialmente estruturadas, totalizando 27
entrevistas com 24 pescadores. Foram realizadas 52 conversas temáticas
informais com 46 pescadores, alguns consultados também através de
entrevistas. Algumas conversas envolveram mais de um pescador, e em alguns
casos foi realizada mais de uma conversa com o mesmo pescador.
4.1.2. Entrevistas
Foram aplicados dois tipos de entrevistas com os pescadores
selecionados: semi-estruturada mista e parcialmente estruturada
18
. A entrevista
semi-estruturada, por definição, consiste numa série de perguntas de respostas
abertas, feitas verbalmente em uma ordem prevista, mas na qual o
entrevistador pode acrescentar algumas perguntas de esclarecimento
(LAVILLE & DIONNE,1999). Algumas perguntas de respostas fechadas foram
adicionadas a esse modelo, visando adequar o instrumento aos objetivos da
pesquisa, resultando no que denominamos aqui de entrevista semi-estruturada
mista, por conter perguntas de respostas abertas e fechadas.
Por sua vez, a entrevista parcialmente estruturada não é totalmente
aberta, nem tem um grande número de perguntas precisas; é constituída por
diversas perguntas de respostas abertas e temas particularizados, os quais não
são lançados, necessariamente, na ordem ou na formulação prevista. Algumas
17
A rigor, as praias que existem no município são: Gamboa, Siriú, Garopaba (que inclui os
núcleos pesqueiros do Morrinhos, da Cancha e da Garopaba), Prainha, Vigia, Silveira,
Ferrugem, Barra, Ouvidor e Vermelha. Mas, em alguns casos, diferentes núcleos pesqueiros
ocupam uma mesma praia ou um núcleo pesqueiro utiliza duas praias ou a praia não
corresponde a um núcleo pesqueiro.
18
Alguns autores, como Quivy & Campenhoudt (1992), utilizam o termo entrevista semi-dirigida
ou semi-aberta. O termo entrevista parcialmente estruturada foi adotado como sinônimo.
47
perguntas podem ser retiradas e perguntas improvisadas podem ser
acrescentadas. Tanto quanto possível, deixa-se o entrevistado “falar à vontade”
sobre os temas propostos – o pesquisador, se necessário, re-direciona a
entrevista para os objetivos, faz perguntas às quais o entrevistado não chegou
sozinho, no momento mais apropriado e da forma mais natural possível
(QUIVY & CAMPENHOUDT, 1992; MARSHALL & ROSSMAN, 1993; LAVILLE
& DIONNE,1999).
Cada tipo de entrevista atende a um objetivo e a um tipo de situação,
apresenta vantagens e desvantagens e durações diferentes (LAVILLE &
DIONNE,1999). A entrevista semi-estruturada é mais rápida, objetiva e diretiva.
As respostas dadas pelo entrevistado são anotadas na hora e a entrevista pode
ser feita em qualquer lugar (e.g. galpão de pesca, praia). Ela é flexível, sem
perder excessivamente a uniformidade das perguntas e respostas (LAVILLE &
DIONNE,1999). Entretanto, exige rapidez na anotação das respostas, o que
demanda uma diagramação bem planejada, com espaços adequados para as
respostas. Um dos aspectos negativos é que sempre se perde alguma
informação e o momento da entrevista fica sujeito a interrupções do ambiente
onde ocorre. Como foi feita em parceria com outro pesquisador, o problema da
perda de informações e do gerenciamento do tempo dessa entrevista foi
minimizado. Elas foram realizadas, em sua maioria, enquanto o pescador
realizava atividades corriqueiras da pesca.
Comparativamente, a entrevista parcialmente estruturada é mais
demorada, menos objetiva e com baixa diretividade. Tem grande flexibilidade,
oferece um bom grau de profundidade dos elementos de análise e conserva os
quadros de referência dos indivíduos (e.g. linguagem, categorias mentais). Na
aplicação dessa técnica, em geral, combinou-se previamente com o
entrevistado o local, o dia e a hora para a entrevista, o que reduziu as
possibilidades de interrupção ou de interferências. Foram consultados
principalmente pescadores mais velhos e experientes. Na grande maioria das
entrevistas, utilizou-se um gravador digital como recurso de registro das
respostas (após o consentimento do entrevistado). Com isso, a pesquisadora
pôde concentrar-se completamente na fala do entrevistado e na condução da
48
entrevista. Entretanto, um entrevistado não aceitou o uso do gravador, o que
tornou o registro mais difícil. Em ambos os casos, o tratamento dos dados
sempre é trabalhoso e difícil; e a análise exige que se considere o que as
perguntas, a relação e o contexto da entrevista provocaram ou induziram no
entrevistado (QUIVY & CAMPENHOUDT, 1992).
O procedimento prévio às entrevistas consistiu em apresentar e explicar
aos pescadores, da forma mais clara possível, os seguintes aspectos: o que
era a pesquisa, por que estava sendo realizada, como era a entrevista, o tempo
previsto de duração, como as informações seriam utilizadas e como se
pretendia que os resultados pudessem, de alguma forma, ser apresentados a
eles e ajudá-los.
Como regra geral, durante a entrevista, é importante que o pesquisador-
entrevistador assuma uma postura de respeito ao conhecimento do pescador e
evite avaliar o que o ele está falando. Também deve adotar uma atitude
facilitadora e pouco diretiva. É fundamental ainda que sejam dadas opções de
escolha do melhor dia, horário e local ao entrevistado (no caso da entrevista
parcialmente estruturada), sempre de forma muito clara e sincera. Mas, por
outro lado, é imprescindível que a opção de não participar seja absolutamente
respeitada (LAVILLE & DIONNE,1999).
Finalmente, cabe salientar que uma terceira modalidade de entrevista foi
elaborada para informantes-chave, representantes de instituições locais. Trata-
se de uma entrevista semi-estruturada que é aplicada a indivíduos que são
considerados influentes ou representativos de uma organização. Nesse
trabalho, ela foi direcionada à prefeitura do município, à secretaria de
agricultura e pesca do município e ao presidente da Colônia de Pesca Z12. A
maior desvantagem desse tipo de entrevista é que, normalmente, o
entrevistado está acostumado a situações semelhantes e pode ser um hábil
orador, podendo utilizar-se da sua posição privilegiada para dominar a
entrevista e não responder bem às perguntas (MARSHALL & ROSSMAN,
1993).
49
4.1.3. Conversas temáticas informais
Uma fonte de dados complementar foi o que aqui denominamos de
conversas temáticas informais. Trata-se de uma técnica inspirada na entrevista
não-estruturada (LAVILLE & DIONNE,1999) e na entrevista centrada ou focada
focused interview (QUIVY & CAMPENHOUDT, 1992). Difere dessas por não
haver registro simultâneo das informações prestadas pelo “entrevistado” e por
não ser precedida de explicações sobre a pesquisa. Entretanto, o
“entrevistado” sabe de antemão que a pesquisa está sendo desenvolvida,
através de um contato anterior, ou é informado ao longo da conversa.
A conversa temática informal aproveitou-se de um encontro espontâneo
entre pesquisadora e pescador, geralmente no seu ambiente de trabalho. Foi
direcionada a pescadores já conhecidos (que já haviam sido entrevistados, por
exemplo), mas não necessariamente. Em alguns casos, foi a única forma de
obter informações de alguns pescadores. A técnica consiste em eleger poucos
temas (retirados das entrevistas) e aprofundá-los durante a conversa; depois,
em outro local, preferencialmente sem a presença do informante, as
informações são registradas. Caso se queira anotar algo durante a conversa,
pede-se a permissão do entrevistado. Ao longo da conversa, o informante se
expressa livremente, o pesquisador o segue, sempre buscando direcionar o
diálogo de acordo com os temas.
A grande vantagem dessa técnica é a informalidade do diálogo e a
espontaneidade da interação entre pesquisador e informante. Nesse contexto,
normalmente o informante fica à vontade e, por diversas vezes, revela
informações que não foram reveladas antes – em entrevistas ou por outros
informantes. Além disso, contribui também para o estabelecimento de uma
relação de confiança, pois o informante aproveita para perguntar mais sobre a
pesquisa e o pesquisador. Outras vantagens podem ser enumeradas: os temas
são pré-estabelecidos, facilitando a análise posterior dos dados; o universo
amostral é ampliado; e possibilita conhecer melhor os atores e as motivações
envolvidas em conflitos, disputas, práticas ilegais e/ou desavenças. A
desvantagem está no registro posterior das informações, implicando em perda
50
e/ou distorção das mesmas, o que foi minimizado pela aplicação da técnica em
dupla (de pesquisadores).
4.1.4. Observações e registros fotográficos
O período de observação apresentado anteriormente no subitem 3, do
item 4.1., totalizou 9 semanas, distribuídas entre maio de 2006 a maio de 2007,
e dois dias em junho de 2007.
De acordo com Laville & Dionne (1999), existem dois tipos extremos de
técnicas de observação: a estruturada e a não-estruturada. A primeira é
realizada com o auxílio de uma grade de observação, na qual, geralmente,
constam categorias de informação, delimitando bem a situação em estudo.
Neste tipo de observação, o observador / pesquisador focaliza sua atenção em
determinados aspectos da situação que são explicitamente definidos e para os
quais são previstos modos de registro simples, rápidos, que não apelam para a
memória e reduzem os riscos de equívocos.
A observação não-estruturada não trabalha com uma grade de
observação, é mais flexível. A forma clássica é a observação participante.
Normalmente, o registro das informações não pode ser realizado durante a
observação, sendo feito posteriormente, mas de forma metódica. Depende,
portanto, da memória e disciplina do pesquisador.
Entre os dois extremos apresentados é possível encontrar modos
intermediários, adaptados a diferentes situações, de acordo com as
necessidades da pesquisa. Para Laville & Dionne (1999) as variações recaem
basicamente sobre: o grau de estruturação da observação e o grau de
proximidade entre o observador e o objeto de observação. De acordo com os
objetivos dessa pesquisa, optou-se por uma modalidade intermediária, com
apenas algumas categorias de informações previamente estabelecidas (e.g.
número de embarcações), geralmente registradas na hora. As demais
observações eram registradas no final do dia, de forma metódica.
51
Convém ainda realçar que a questão do transporte e dos recursos
financeiros foi o principal fator limitante na coleta dos dados de observações e
das demais atividades em campo. O deslocamento de Florianópolis até o
município foi feito algumas vezes de ônibus e outras com um carro da UFSC
(nem sempre contando com um apoio financeiro além da bolsa da CAPES
obtida durante um ano). Quando o carro da UFSC foi utilizado, para a ida e a
volta ao município, contou-se com esse suporte para o deslocamento em
campo nesses dois dias, o que otimizou bastante as saídas. Já nos demais
momentos, foi necessário realizar grandes deslocamentos a pé e contar com
um sistema de transporte coletivo bastante limitado em termos de horários e
locais atendidos, tomando grande parte do tempo disponível.
Em geral, a observação, as conversas temáticas informais, a coleta das
principais espécies de peixes para identificação e os registros fotográficos
foram realizadas simultaneamente. As fotografias complementaram a técnica
de observação. Elas contribuíram, entre outros aspectos, na identificação de
espécies de peixe; na distinção dos diferentes tipos de embarcações; nas
estimativas do número de embarcações e ranchos de pesca; no
acompanhamento das diversas atividades relacionadas com a rotina da pesca;
e no registro da paisagem litorânea.
As fotografias foram tiradas apenas depois de ter sido iniciado o contato
com pescadores do local, explicando-lhes o intuito e o uso das fotografias, no
contexto da pesquisa. Em muitos casos, as fotografias foram obtidas de uma
certa distância para não causar constrangimento aos pescadores. Fotografias
dos produtos dos desembarques foram obtidas sempre com a licença deles.
Em geral, procurou-se fazer contato com os pescadores locais mais
experientes de cada núcleo, que, uma vez informados sobre a pesquisa,
consentiram com a tomada dos registros. Desse modo, os demais pescadores
eram informados por intermédio daquele. Ainda assim, a maioria das
fotografias em que os pescadores aparecem em destaque, foram tiradas com
permissão dos mesmos. Além disso, filmagens curtas também foram obtidas
de maneira similar, utilizando uma câmera digital.
52
4.2. SISTEMA DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA (SIG)
Entre as ferramentas e técnicas utilizadas na metodologia para esse
diagnóstico, destaca-se o uso de um Sistema de Informações Geográficas
(SIG). O uso de diferentes técnicas de mapeamento tem contribuído tanto para
o desenvolvimento de metodologias participativas quanto para o envolvimento
e o empoderamento das comunidades em processos de gestão de recursos
comuns (BERKES, 1999). Além disso, os SIGs estão sendo cada vez mais
empregados nos estudos e na gestão pesqueira e costeira, numa ampla gama
de funções como a espacialização de informações; a criação, atualização e
análise de um banco de dados; a delimitação de habitats e a definição de áreas
marinhas protegidas. Para compor a base cartográfica e a imagem que dá
suporte ao SIG proposto – desenvolvido no sistema ArcGis 9.0 –, foram
realizadas as seguintes etapas:
1) Obtenção das cartas topográficas em formato digital correspondentes às
Folhas Paulo Lopes e Imbituba, que abrangem a área de estudo,
disponibilizadas pela Epagri/IBGE no site:
http://ciram.epagri.rct-
sc.br/ciram/comum/produtos/mapoteca_digital/index.jsp.
2) Construção de mosaico de imagens recentes de detalhe (geradas entre
2003 e 2006), com altitude simulada de 2km, da área de estudo. Tais imagens
foram geradas pelo satélite Quickbird com resolução máxima de 60 cm e
disponibilizadas pelo GoogleEarth (
www.earth.google.com). O mosaico foi
ajustado manualmente com apoio do programa de processamento de imagens
matriciais Adobe Photoshop, dando origem à imagem-base.
3) O georreferenciamento da imagem final (denominada aqui de imagem-
base) foi realizado em duas etapas:
(3.1.) a imagem-base foi inserida no sistema ArcGis 9.0 e
georreferenciada com 4 pontos pelas cartas da Epagri/IBGE. Esse
primeiro georreferenciamento possibilitou um registro aproximado da
imagem, que foi impressa a fim de possibilitar a seleção e posicionamento
53
dos pontos de controle e orientar a coleta direta dos mesmos, para o
georreferenciamento propriamente dito. Em seguida, em uma saída de
campo, foram então obtidos 47 pontos, distribuídos da forma mais
uniforme possível por toda a imagem, com um GPS eTrex Venture da
GARMIN – configurado para aquisições de coordenadas no datum
horizontal SAD 69.
(3.2.) Os 47 pontos foram submetidos a uma transformação de
coordenadas, pois, no momento do download dos pontos do GPS para o
ArcGis 9.0, o sistema transforma automaticamente os pontos para o
datum WGS 84. O método de transformação utilizado foi “WGS_84 para
SAD_69_4”. A layer gerada, com os pontos em SAD_69, foi inserida no
sistema ArcGis 9.0, sendo então utilizada para georreferenciar a imagem-
base. Foram utilizados 20 dos 47 pontos de controle obtidos e o RMS
(route mean square error) final ficou em 6,26.
4) Construção de uma base cartográfica atualizada a partir da digitalização
manual dos elementos visualizados na imagem-base incluindo: a linha de
costa, as praias, as lagunas, e as principais vias de acesso aos núcleos
pesqueiros.
Após essas etapas, as informações e os dados do diagnóstico foram
inseridos no sistema ArcGis 9.0. Com um pequeno banco de dados associado
à imagem, foi possível integrar, comparar, visualizar e analisar os dados,
contribuindo com a fase analítica. Desse modo, foram elaborados diferentes
mapas que apresentam a distribuição espacial dos núcleos pesqueiros; dos
ranchos de pesca; das embarcações; dos petrechos; das principais pescarias;
e dos principais sistemas de pesca associados à tainha e à enchova.
4.3. TRATAMENTO, INTEGRAÇÃO, SÍNTESE E ANÁLISE DE DADOS
Após a coleta dos dados, tomando como referência os trabalhos de
Quivy & Campenhoudt (1992), Marshall & Rossman (1993), e Laville & Dionne
54
(1999), a fase seguinte foi composta por quatro etapas: (1) preparação e
organização; (2) reestruturação e categorização; (3) análise e interpretação dos
dados; e (4) elaboração das conclusões.
A etapa de preparação e organização incluiu o preparo, a descrição, a
transcrição, o ordenamento e a codificação dos dados. Na etapa seguinte, os
dados e conteúdos (especialmente das entrevistas e conversas temáticas
informais) foram recortados e/ou agrupados por temas, compondo as unidades
analíticas (e.g. tecnologias de pesca, conflitos), de acordo com os indicadores
previamente estabelecidos. Aqui, optou-se por uma análise de conteúdo
simplificada, ancorada nos temas e categorias. Por definição, a análise de
conteúdo aplica-se à análise de informações e testemunhos variados, tais
como entrevistas pouco diretivas, obras literárias, documentos oficiais, atas de
reunião, etc (QUIVY & CAMPENHOUDT; 1992). Portanto, serve para tratar
dados sob a forma literal. Tem como princípio básico desmontar a estrutura e
os elementos do conteúdo dos materiais coletados (fontes de informação) –
procurando dar-lhe sentido, comparar, avaliar, descartar o desnecessário,
reconhecer o essencial – para esclarecer suas diferentes características e
extrair sua significação (LAVILLE & DIONNE,1999).
A análise de conteúdo propriamente dita é bastante trabalhosa, optou-se
aqui por simplificá-la de modo a atender aos objetivos da pesquisa, dentro dos
limites temporais. Assim, nesse trabalho, essa análise deteve-se no primeiro
grau, ou seja, no conteúdo manifesto, aquilo que está explicitamente dito, que é
mais evidente. Após o recorte descrito anteriormente, os temas foram
agrupados em categorias analíticas. A definição das categorias analíticas
seguiu um modelo misto, no qual algumas categorias são pré-estabelecidas,
mas podem ser alteradas no decorrer da análise, e outras podem surgir no seu
desenvolvimento. Assim, no início da análise, partiu-se de uma abordagem
dedutiva, o modelo inicial foi o fechado, mas depois o modelo utilizado foi o
aberto (LAVILLE & DIONNE,1999). De forma geral, então, o recorte por temas
utilizou como guia os indicadores, procurando os dados correspondentes; já as
categorias analíticas partiram das variáveis e informações previamente
estabelecidas.
55
De acordo com Laville & Dionne (1999), no momento de análise e
interpretação dos dados, por mais literal que seja o material, a análise de
conteúdo pode adotar um caminho quantitativo ou qualitativo. Seguindo a
abordagem qualitativa, os dados aqui foram confrontados com o modelo de
Oakerson (1992) e, conseqüentemente com a teoria dos recursos comuns,
verificando possíveis correspondências entre um e outro. Ao mesmo tempo,
utilizando como guia esse modelo teórico, procedeu-se à análise das relações
entre as variáveis, novamente por emparelhamento.
Finalmente, procedeu-se à comparação dos resultados obtidos com
aqueles que eram esperados e, por aproximações sucessivas, procurou-se
compreender o diagnóstico obtido; avançando assim em direção às
considerações finais.
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
De acordo com Vasconcellos et al. (2004) as informações sobre a pesca
artesanal no Brasil são precárias. As carências dizem respeito tanto às
espécies pescadas quanto às tecnologias empregadas (e.g. petrechos,
embarcações, métodos de pesca), bem como às modalidades de emprego, aos
níveis de renda e à organização dos pescadores artesanais.
As causas da precariedade dessas informações, para os citados
autores, podem ser encontradas no caráter disperso da distribuição das
comunidades pesqueiras ao longo da (extensa) costa brasileira, o que
dificultaria a coleta de dados. Entretanto, o fator condicionante mais decisivo
corresponde à pouca importância atribuída ao setor e à sua baixa visibilidade
na esfera político-governamental; cujas atenções permanecem, historicamente,
voltadas para a pesca industrial.
Esse fato pôde ser comprovado; foram encontradas poucas informações
sobre os itens anteriores, listados por Vasconcellos et al. (2004),
especificamente aqueles relativos à pesca artesanal do estado de Santa
56
Catarina ou do município de Garopaba. Além das causas apontadas por eles, a
escassez de informações pode ser atribuída à grande dificuldade de acesso
aos relatórios e estudos existentes. Mais especificamente àqueles
encomendados ou elaborados no âmbito dos órgãos públicos.
O problema da (in)acessibilidade ocorre principalmente porque as obras
estão concentradas, em sua maioria, em gabinetes, departamentos e órgãos
públicos que não têm interesse em torná-las acessível à sociedade,
divulgando-as quase exclusivamente em redes privilegiadas. Em junho de
2005, foram enviados cartas e e-mails solicitando material impresso ou digital,
relacionado ao tema da pesquisa, juntamente com cópias do atestado de
matrícula e do projeto de pesquisa para os principais órgãos envolvidos na
gestão da pesca
19
. Só um (Gerco/MMA) respondeu e enviou algum material.
Diante do exposto e dos objetivos da pesquisa, o diagnóstico aqui
apresentado apresenta um forte caráter descritivo. A descrição em detalhe é
fundamental para retratar a realidade da pesca artesanal encontrada na área
de estudo. O que possibilita, por um lado, ampliar a base de dados existente
em nível nacional, e, por outro, oferecer um referencial de comparação em
nível estadual – considerando a reconhecida diversidade da pesca artesanal
quanto a espécies, petrechos, embarcações e métodos de pesca, entre outros.
Os núcleos com maior defasagem de consultas e/ou dados foram:
Morrinhos, Cancha, Vigia e Ouvidor; no primeiro, entretanto, o único pescador
consultado é dono das parelhas e do rancho de pesca, sendo assim um
informante privilegiado. No caso da Cancha, o número de consultados foi
pequeno, se comparado aos demais núcleos, mas a proximidade e as
semelhanças com o núcleo da Garopaba, e as observações, possibilitaram
estimar razoavelmente algumas informações. No Ouvidor o problema não foi o
número de pescadores consultados, mas a impossibilidade de observar
19
Programa de Gerenciamento Ambiental Territorial (Gerco/MMA); Diretoria de Fauna e
Recursos Pesqueiros (DIFAP/IBAMA); Programa de Avaliação do Potencial Sustentável dos
Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva (REVIZEE/MMA); e Diretoria da Pesca,
Coordenação da Pesca Artesanal e Coordenação de Pesca Industrial da SEAP/PR.
57
diretamente as atividades pesqueiras, devido ao enfraquecimento da pesca no
local – o que impossibilitou a averiguação in situ.
Além disso, foram realizadas entrevistas com os representantes da
prefeitura e da secretaria de agricultura e pesca do município. O presidente da
Colônia de Pesca Z12 não quis ser entrevistado e também não nos deu acesso
a nenhuma informação, dado ou documento oficial da instituição, limitando-se
apenas a responder breve e vagamente algumas poucas perguntas.
5.1. ATRIBUTOS BIOFÍSICOS E TECNOLÓGICOS
5.1.1. O litoral, as praias e os núcleos pesqueiros
A porção marinha do litoral catarinense está inserida na Plataforma
Continental Sudeste do Brasil, que se estende de Cabo Frio (RJ) ao Cabo de
Santa Marta Grande (SC). É uma região relativamente estreita da Plataforma
Continental Sudeste (largura menor do que 100 km), onde o relevo tende a ser
homogêneo e suave. O fundo marinho é predominantemente composto por
sedimentos arenosos, intercalados por alguns bolsões com sedimentos de
texturas mais finas (ZEMBRUSKI et al., 1972; COUTINHO, s.d.).
Nessa zona, dois processos oceanográficos influenciam decisivamente a
ocorrência de taxas relativamente elevadas de produtividade primária ao longo
do ano e a disponibilidade e abundância dos recursos pesqueiros. Durante os
meses de inverno, os ventos predominantes do quadrante SW contribuem para
a penetração das águas da Corrente das Malvinas, frias e ricas em nutrientes
20
.
A penetração mais intensa dessas águas favorece a ocorrência de recursos
pesqueiros migratórios vindos do sul, sobretudo teleósteos, como a tainha e a
enchova. Já durante os meses de primavera e verão, a predominância de
ventos do quadrante NE gera ressurgências costeiras, possibilitando a
penetração vertical das águas de fundo frias e ricas em nutrientes (Água
20
O litoral catarinense corresponde ao limite Noroeste da Convergência Subtropical do
Atlântico Sul, o encontro das águas da Corrente do Brasil com as águas da Corrente das
Malvinas (BRANDINI, 1988).
58
Central do Atlântico Sul – ACAS). Na ausência desses dois fenômenos, a
plataforma tende a ser ocupada por águas tropicais pobres em nutrientes,
favorecendo a ocorrência de espécies pelágicas tropicais de pequeno porte,
como a sardinha (Sardinella brasiliensis) (MATSUURA, 1986; BRANDINI, 1988;
CASTRO, 1990; SUNYE, 2006).
No litoral propriamente dito, os ciclos trangressivos e regressivos do
nível do mar, durante o Quaternário, condicionaram a formação de um conjunto
de sistemas deposicionais do tipo laguna-barreira, sobre os depósitos
continentais pré-existentes e no entorno de embasamentos cristalinos. Isso fez
com que a planície costeira evoluísse para leste, com a formação de lagunas
(CARUSO, 1995). A unidade geomorfológica planícies litorâneas corresponde a
uma estreita faixa situada entre o Oceano Atlântico e o Complexo Cristalino –
disposto no sentido NE-SW, na maior parte da zona costeira catarinense. Nela,
a presença de praias arenosas e sistemas de dunas evidenciam o predomínio
de processos marinhos e eólicos. Neste cenário, encontra-se o município de
Garopaba, onde as praias arenosas e os sistemas de dunas são interrompidos
por costões rochosos (basicamente graníticos), modeladores da linha de costa.
Considerando os recortes da linha de costa, o litoral do município
apresenta um perímetro de 22 a 26 km. Nele existem oito a nove praias, a
depender do critério adotado. O trabalho abrange dez praias, incluindo a Praia
Vermelha, que pertence ao município de Imbituba. Esta seção apresenta uma
breve descrição de cada praia e dos 11 núcleos pesqueiros identificados, cuja
distribuição no litoral pode ser vista na Fig.3. As estimativas de comprimento
das praias e costões seguiram o formato dessas feições, sendo assim uma
estimativa do perímetro.
O número de pescadores por núcleo pesqueiro é uma estimativa com
base nos dados obtidos, principalmente o número de pescadores envolvidos na
pesca com arrastão de praia e o número de tripulantes por tipo de embarcação,
considerando o número de embarcações. Assim, foi estimado um total de 331
pescadores na área de estudo. Entretanto, o número real tende a ser maior do
que o apresentado.
60
A identificação das características morfodinâmicas das praias utilizou
como referência os extremos reflectivo e dissipativo do modelo sugerido por
Wright & Short (1984). Entretanto, o que aqui denominamos de “características
de praia reflectiva” não corresponde ao extremo reflectivo do modelo, mas a
um tipo intermediário, próximo ao mesmo. Convém ainda ressaltar que todas
as observações foram apenas visuais, contando com o auxílio de um geólogo
especialista em geomorfologia costeira, durante uma das saídas de campo.
Gamboa
A Praia da Gamboa tem cerca de
1.636 m de extensão e largura média
estimada de 46 m, considerando as medidas
dos cantos norte e sul, significativamente
mais largos do que o restante da praia. Desconsiderando essas medidas, a
largura média é 21 m (Fig. 5). Alinhada aproximadamente no sentido NNE-
SSW, está situada entre 2 promontórios rochosos – o Morro do Faísca e a
Ponta do Faísca. Próximo ao canto sul, há um canal intermitente, ligado a um
pequeno córrego. Nas dunas, é marcante a presença de vegetação exótica,
principalmente variedades de Pinus. Não foram observados focos de
descargas na praia, mas o pequeno córrego apresenta sinais de contaminação.
Figura 4: Vista da Gamboa.
Em toda a praia, nota-se o predomínio de areias médias e grossas,
tornando fofa a consistência do sedimento praial. A porção sul e a porção norte
têm declividade média, são mais largas do que o centro da praia e apresentam
características de praia intermediária. A porção sul normalmente apresenta
menor arrebentação, constituindo uma zona mais abrigada e preferida para a
entrada e saída de embarcações. A porção central é mais estreita, apresenta
declividade acentuada e características de praia reflectiva.
Trata-se de uma praia exposta a ondulações dos quadrantes norte, leste
e sul – e suas variações. Portanto, bastante sujeita à energia de ondas. Não
por acaso, na porção compreendida entre o centro e o norte da praia, quase
metade, nota-se uma zona erosiva. Em outros pontos da praia, em eventos
62
de maior energia, é possível perceber também a ação das ondas e marés na
formação de falésias. Diversas correntes de retorno podem ser identificadas ao
longo da praia e são denominadas pelos pescadores locais de “força d´água”.
De acordo com os pescadores, a Gamboa não é um ponto muito bom de
pesca por ser uma praia exposta às ondas e com muitas correntes. Por outro
lado, a areia fofa dificulta a colocação das embarcações na água e o uso de
motor nas mesmas. Com isso, a praia não possibilita que as embarcações
possam ficar ancoradas, nem que possam entrar na água todos os dias, devido
à arrebentação. O melhor ponto de pesca é nas proximidades do costão no
canto sul da praia, onde estão localizados dois ranchos de pesca, usados para
guardar as embarcações e redes. O pequeno costão ao norte também é
utilizado, mas não é muito bom. Atualmente, as principais pescarias são: a
tainha, a enchova (e anchoveta) e a pescadinha
21
.
O núcleo pesqueiro da Gamboa é formado por pelo menos 40
pescadores, incluindo pescadores aposentados, que dependem diretamente da
pesca, como complemento da alimentação, ao longo do ano. Além disso,
diversos pescadores que moram na Gamboa trabalham embarcados na pesca
industrial e eventualmente pescam na praia. A maioria dos pescadores se
conhece, diversos têm algum grau de parentesco.
Quanto à ocupação da zona proximal, pode-se dizer que está
concentrada do centro para o sul da praia, com certo adensamento na base e
em parte da encosta do Morro do Faísca, e nas margens da estrada. Casas de
moradores, algumas com lavouras, e pousadas se sucedem na paisagem.
Siriú
A Praia do Siriú é separada da Praia da Gamboa por um costão de cerca
de 2.130 m de extensão, o Morro do Faísca. Ela tem aproximadamente 4 km
de comprimento e largura média de 52 m (Fig. 7). Disposta no sentido NNE-
21
A lista das espécies capturadas e seus nomes científicos está no item 5.1.2; a descrição dos
sistemas de pesca, no item 5.1.5.
63
SSW, trata-se de uma praia com tendência
retilínea, apresentando um arco bastante
suave após o primeiro ¼ norte do
comprimento total. Na porção norte, encontra-
se a barra da Lagoa do Siriú. A Praia do Siriú
e a Praia da Garopaba poderiam ser
consideradas um único arco praial
interrompido por um pequeno promontório.
Mas a separação atende melhor aos objetivos desse trabalho.
Figura 6: Vista da Praia do Siriú e
do cordão de dunas.
As areias da praia são predominantemente médias a finas e o sedimento
tem consistência intermediária, com zonas mais firmes distribuídas
desigualmente na face praial e início do pós-praia. A declividade tem algumas
variações ao longo da praia, mas pode ser considerada predominantemente
baixa. Trata-se de uma praia com características de praia intermediária,
bastante exposta às ondulações predominantes nessa porção do litoral. É
possível identificar correntes de retorno bem distribuídas ao longo da praia.
Ocasionalmente, em eventos de maior energia, há formação de falésias nas
dunas, mas aparentemente, não há pontos erosivos marcantes.
Um proeminente cordão de dunas ocupa aproximadamente ¾ da
extensão da praia, ao sul da barra da lagoa, e se alarga na parte mais ao sul.
De forma geral, as dunas e sua vegetação encontram-se relativamente
preservadas, apesar da presença de algumas casas construídas sobre elas.
Atrás dessas dunas, encontra-se uma laguna (Lagoa do Siriú), de grande
relevância para a pesca nesse núcleo. Essa laguna se estende no sentido NE-
SW e pode ser subdividida em duas porções: a porção sul, de forma elíptica,
que seria a lagoa propriamente dita, e a porção norte, um longo canal de
ligação descontínua com o mar.
As características da praia impõem dificuldades para a pesca com uso
de embarcações, principalmente pela ausência de uma zona abrigada.
Entretanto, outros aspectos contribuem para o desenvolvimento de outras
modalidades de pescaria – a exemplo da presença da laguna e do Ilhote do
65
Siriú, que funcionam como atrativo para peixes e camarões; e da baixa
declividade que favorece a pesca com tarrafa.
O núcleo pesqueiro do Siriú é bastante heterogêneo e engloba cerca de
40 pescadores. Há pescadores mais velhos, aposentados, que pescam
periodicamente. Há pescadores mais jovens, entre 35 a 45 anos, que também
pescam, inclusive participam da pesca da tainha com arrastão de praia. Entre
esses, nem todos dependem da pesca, muitos tem empregos fixos, mas vários
contam com a mesma para complementar a renda e a alimentação. Na porção
norte da praia estão concentrados os dois ranchos de pesca no entorno da
barra. As principais pescarias atualmente são a tainha e o camarão, além da
pescadinha, tainhota, parati, enchova, pampo e xerelete.
No Siriú, a ocupação está bastante concentrada no canto norte da praia,
acompanhando a base do Morro da Faísca, e segue pela estrada de forma
esparsa, voltando a se concentrar de forma pouco densa no lado oeste da
Lagoa do Siriú e nas bordas mais ao sul das dunas. Com exceção da primeira
zona, ocupada prioritariamente por casas de veraneio e pousadas, nas demais
predomina residências de moradores. Nas proximidades do entroncamento
com a estrada de ligação com a Praia da Gamboa, é comum a presença de
lavouras.
Garopaba
Um pequeno promontório de
cerca de 300 m de comprimento
separa a Praia do Siriú da Praia da
Garopaba, que se estende no sentido
NW-ESSE, com pouco mais de 2 km
de comprimento e 43 m de largura média (Fig.9). Ao longo dessa praia, foram
identificados dois canais de drenagem, um mais ao norte, que canaliza águas
do morro, e outro mais ao sul, canalizando águas de um córrego – que
provavelmente recebe esgotos domésticos. Entretanto, diversas fontes de
descarga de conteúdo não identificado e/ou canalização de águas de chuva
Figura 8: Enseada da Praia da Garopaba.
66
podem ser encontradas ao longo da praia. As dunas da praia, principalmente
na metade norte, apresentam vegetação exótica e estão quase totalmente
ocupadas por construções. Os pescadores mais antigos relatam que essas
dunas eram altas, antes da ocupação. Na metade sul da praia, as dunas
praticamente desapareceram sob o calçadão, casas ou galpões de pesca,
restando apenas dunas embrionárias.
O sedimento praial é predominantemente constituído de areias finas e
apresenta consistência firme; o perfil da praia é suave, com baixa declividade.
Trata-se de uma praia com características de praia intermediária. Ela é
protegida das ondulações do quadrante S e a metade norte normalmente
apresenta altura de arrebentação maior do que a metade sul. Esta se
apresenta como uma zona excepcionalmente abrigada tanto das ondulações
quanto dos ventos do quadrante S, favorecendo a ancoragem de embarcações,
bem como a sua entrada e saída. Algumas zonas erosivas podem ser
identificadas na porção norte da praia, onde se destacam as diversas
estruturas de contenção, provavelmente associadas à retirada das dunas e/ou
construção sobre as mesmas. Na porção sul, a ação erosiva é representada
pelo avanço freqüente do mar em direção aos galpões de pesca.
Por suas características, a Praia da Garopaba mostra-se extremamente
favorável à pesca, tanto praiana e litorânea (com uso de canoas e redes de
arrasto) quanto costeira e marítima (com embarcações motorizadas). Diversos
pescadores a consideram um ponto bom de pesca. Assim, não é de
surpreender a presença de 3 núcleos pesqueiros associados a essa praia. Na
porção norte, está o núcleo do Morrinhos, representado por um rancho de
pesca com duas canoas e cerca de 20 pescadores. Suas principais pescarias
atualmente são a tainha, a pescadinha, a enchova, a espada e a tainhota.
Na porção sul, os núcleos da Cancha e da Garopaba são separados
apenas pelo córrego que deságua na praia. Entretanto, parece que questões
referentes às relações pessoais e/ou de trabalho, historicamente, explicariam a
diferenciação desses núcleos. O núcleo da Cancha tem aproximadamente 22
pescadores e não dispõe de ranchos ou galpões de pesca, todos os
68
equipamentos ficam diretamente na praia. As principais pescarias são a
abrótea, a corvina, a enchova, a viola, o linguado, tainha, raias e emplastro.
Finalmente, o núcleo da Garopaba, com cerca de 124 pescadores, tem
mais ou menos 15 galpões de pesca – mas várias embarcações ficam no canto
sul da praia, fora dos galpões. As principais pescarias são a enchova, a
corvina, a abrótea, a tainha, o linguado, o cação, a viola, as raias e emplastro,
a garoupa, a pescadinha, a espada e a tainhota. A pesca é a principal fonte de
renda para a maioria dos pescadores do Morrinhos, da Cancha e da Garopaba
– mas em alguns casos, é a única fonte de renda. Muitos pescadores do
Morrinhos complementam a renda com outras atividades ao longo do ano. Já
os pescadores da Cancha e da Garopaba, fazem isso mais no verão,
dependendo da pesca durante quase todo o ano. Alguns pescadores,
eventualmente, trabalham embarcados na pesca industrial.
No que se refere à ocupação, a zona proximal é completamente
ocupada, abrigando o centro do município. Residências, pousadas,
restaurantes, construções comerciais, supermercados, etc, concentram-se
entre os morros e a praia. No canto sul, localiza-se o centro histórico.
Prainha
Trata-se de uma pequena praia de apenas 33 m de extensão por
aproximadamente 10,5 m de largura, localizada no costão ao sul da Praia da
Garopaba. Ocasionalmente, quando a maré está cheia, a praia desaparece
(Fig. 9). Não foi identificado um núcleo pesqueiro associado a essa praia, mas
ela provavelmente é utilizada pelos
pescadores da Garopaba e da Vigia.
Vigia
A Praia da Vigia é uma pequena
praia localizada no costão ao sul da Praia
Figura 10: Praia da Vigia.
69
da Garopaba, entre promontórios rochosos, com aproximadamente 72 m de
comprimento e largura média de 31 m, disposta no sentido NE-SW. Há um
pequeno córrego no meio da praia e poucas dunas.
A Vigia tem características de praia intermediária, com declividade
bastante suave. O sedimento tem consistência firme e é composto por areias
finas. Trata-se de uma praia bastante abrigada, exposta quase exclusivamente
a ondulações do quadrante N. Constitui um ponto bom para a pesca da tainha,
com arrastão de praia. Há relatos de que essa praia foi bastante utilizada para
a pesca no passado. Atualmente, há um rancho de pesca com uma canoa e
alguns pescadores da Cancha e da Garopaba ainda pescam a tainha nesse
local. Entretanto, diversas casas de luxo e propriedades de tamanho médio
ocupam o entorno da praia e o morro.
Silveira
A Praia do Silveira, disposta no
sentido NE-SSW, tem cerca de 1600 m
de comprimento e largura média de
26,5 m (Fig.12). Trata-se de uma típica
praia de bolso, situada entre dois
promontórios rochosos: o costão ao norte, que separa a Praia da Garopaba da
Praia do Silveira tem cerca de 2.840 m; e o costão ao sul (Morro do Capão),
com aproximadamente 4.560 m, separa essa praia da Praia da Ferrugem. No
canto sul da praia, observa-se a presença de um córrego que liga uma
pequena laguna – Lagoa do Silveira – ao mar. Um cordão de dunas se estende
ininterruptamente por toda a praia. Em sua maior parte, as dunas
aparentemente encontram-se bem preservadas, com pouca vegetação exótica
(concentrada principalmente na porção sul). Na porção centro-norte, parte das
dunas é utilizada para estacionamento de carros.
Figura 11: Praia do Silveira vista do canto
norte.
Tomando o arco praial como um todo, o tamanho de grão é de médio a
grosso, não há areias finas. O sedimento é bastante fofo e móvel. Na porção
sul, a declividade é acentuada, as areias são grossas, a praia é mais estreita e
71
apresenta características de praia reflectiva. A porção central difere da porção
sul apenas por ser mais larga e apresentar um perfil de declividade um pouco
menos acentuado. Já a porção norte apresenta características de praia
intermediária, com declividade média e areias médias a grossas.
A Praia do Silveira está exposta a ondulações dos quadrantes E e S, e
apresenta tendência à concentração da energia das ondas. Assim, em eventos
de alta energia, a altura da arrebentação pode chegar a 4,50 m (15’). A ação
erosiva atua principalmente nas porções central e sul da praia, sendo comum a
formação de falésias no pós-praia – em 04/05/2006, foram observadas falésias
de 1 m de altura, com ondulação de 1,80 m (6’). Fortes correntes de retorno
podem ser identificadas em diferentes pontos ao longo da praia.
Com essas características, a Praia do Silveira não é um ponto muito
bom para a pesca com embarcações. Os pescadores locais reforçam a
presença das correntes e da forte arrebentação como obstáculos à pesca.
Entretanto, essa avaliação muda para a pesca nos costões e na beira da praia.
O núcleo pesqueiro da Silveira tem pelo menos 30 pescadores e as principais
pescarias são a tainha, a corvina, a enchova, a garoupa, a tainhota, o parati e o
pampo. Há dois ranchos de pesca, localizados na porção sul, mas atualmente
apenas um está ativo.
Na zona proximal, observa-se uma pequena laguna ao sul e a marcante
presença de banhados. O padrão de ocupação da Praia do Silveira é de
propriedades de tamanho médio, com casas de luxo, resultando numa
ocupação espalhada, a partir da estrada. As residências mais simples, dos
descendentes dos antigos moradores, concentram-se principalmente do centro
para o sul, nas margens da estrada. No costão ao sul da praia, ainda se
distinguem algumas plantações. É notável a ocupação também em cima do
morro e o assoreamento dos banhados para a construção de casas.
72
Ferrugem e Barra
A Praia da Ferrugem,
disposta no sentido NE-SSW, tem
cerca de 1.100 m de extensão e
largura média de 30 m (Fig. 14).
Constitui uma praia de bolso,
limitada ao norte por um promontório rochoso e ao sul por um ilhote rochoso –
Ilhote da Barra ou Morro do Índio. No canto norte, há um estreito córrego e um
largo cordão de dunas se estende por quase toda a praia. As dunas
encontram-se relativamente preservadas, apenas em alguns trechos. A
presença de pontes de madeira, sobre parte do cordão de dunas ao norte, para
evitar o pisoteio da vegetação, denota uma preocupação com a preservação
das mesmas. Mas, no canto norte e em diferentes trechos ao longo de todo o
cordão de dunas, é notável a presença de vegetação exótica (Pinus).
Figura 13: Vista da Ferrugem.
Os setores norte e central apresentam características de praia
intermediária. As areias são médias a finas, a praia se torna mais larga do
centro para o norte e apresenta um perfil de baixa declividade, que se acentua
em direção ao norte, constituindo um sedimento de consistência firme. No setor
sul, observa-se características de praia reflectiva, as areias são médias a
grossas, a praia é mais estreita, a declividade é alta e o sedimento é fofo.
Assim, a ação erosiva das ondas atua predominantemente nesse setor,
formando falésias. A praia é exposta a ondulações do quadrante E e S; de
modo geral, a energia das ondas se dissipa mais nos setores central e norte.
Correntes de retorno se formam ao longo da praia, mas nos cantos, há
correntes de retorno praticamente permanentes.
Quanto à ocupação, concentra-se principalmente na porção norte, atrás
e sobre o cordão de dunas, e no lado oeste da estrada. Concentra-se também,
um pouco mais distante da praia, no lado oeste do Morro do Capão,
margeando a estrada.
74
Pode-se dizer que a Praia da Ferrugem e a Praia da Barra, formam um
sistema praial, interrompido pelo Ilhote da Barra e pela barra da Lagoa de
Garopaba (também chamada de Lagoa da Encantada). A largura média dessa
zona de transição entre as duas praias é de cerca de 170 m. A Praia da Barra,
estende-se no sentido NNNE-SSSW, com cerca de 1.000 m de comprimento e
largura média de 42 m (Fig.14). Além do canal da barra, que tanto pode
desembocar no sul da Ferrugem quanto no norte da Barra, não há outros
canais ou córregos na mesma. O cordão de dunas observado na Ferrugem,
continua na Barra, ao longo de toda praia. Entretanto, encontra-se quase
totalmente ocupado por construções, com exceção apenas dos cantos norte e
sul. Além disso, há ainda forte presença de vegetação exótica.
O arco praial da Praia da Barra apresenta características de praia
intermediária. Sua largura varia significativamente sendo mais estreita no setor
central e mais larga na porção norte e sul. O perfil de declividade é médio a
baixo; as areias são médias a finas e, conseqüentemente, a consistência do
sedimento não é completamente firme nem fofa. Também exposta às
ondulações do quadrante E e S, apresenta formação de correntes de retorno,
especialmente nos cantos. No extremo sul, na antepraia inferior, há uma zona
mais abrigada da ação das ondas, podendo ser considerada uma zona de
sombra, com atenuação de energia, provavelmente devido à presença de
rochas emersas, formando uma barreira. No setor central e norte, a altura da
arrebentação normalmente é maior. A ação erosiva é bastante acentuada na
Barra, com formação de falésias nos poucos locais onde as dunas ainda não
foram ocupadas. No restante, nota-se a presença de estruturas de contenção,
que são continuamente desgastadas pela ação das ondas e refeitas – o que
denota que a ocupação das dunas é inadequada e causa preocupação nos
proprietários.
O padrão de ocupação está portanto configurado pela concentração de
residências, em sua maioria grandes e de luxo, sobre as dunas e na porção
imediatamente posterior. Como observado na Ferrugem, de fato, a ocupação
está sobre uma zona anteriormente ocupada pelo cordão de dunas – que pode
75
ser visualizado na Fig.14, como uma feição contínua, interrompida apenas pela
barra da laguna.
Finalmente, duas outras feições se destacam no sistema praial
Ferrugem-Barra: o Ilhote da Barra e a Lagoa de Garopaba. O ilhote é uma ilha
de natureza granítica, com presença de diabásio, conglomerados de origem
marinha-praial e depósitos do tipo sambaqui – o que o inclui entre os sítios
arqueológicos da região. É utilizado pelos pescadores para a “vigia”, durante a
pesca da tainha, e para diversas modalidades de pescaria ao longo do ano.
Figura 15: Praia da Barra (esquerda) e Ilhote da Barra.
A Lagoa de Garopaba é uma laguna com ligação intermitente com o mar
(Fig.14). A abertura da barra pode ocorrer de forma natural, mas normalmente
está associada à pesca ou à necessidade de proteger as casas localizadas nas
margens, reduzindo o nível da água. Nas margens, observa-se a presença de
banhados e marismas, além de lavouras, uma fazenda de criação de búfalos,
uma fazenda de cultivo de camarão e zonas de ocupação humana. Atualmente,
essa ocupação tende a se concentrar junto às margens das estradas que a
circundam, principalmente na margem leste da laguna e no entorno do canal da
barra. A pesca na laguna é de grande relevância para as comunidades do seu
entorno, inclusive para os pescadores que também pescam nas praias.
Por suas características, os pescadores admitem que essas praias
(Ferrugem e Barra) não são favoráveis à pesca com embarcações – e fazem
referências à “força d’água” (correntes) e à força “da quebra” (arrebentação).
No entanto, os costões rochosos, ao norte e ao sul, juntamente com o Ilhote da
Barra, são considerados pontos excelentes de pesca. Adicionalmente, há ainda
as pescarias de beira de praia e da laguna. As principais pescarias são a
tainha, o camarão, a enchova, a tainhota, o parati, o pampo e a garoupa.
76
Nessas praias foi identificado um núcleo pesqueiro com cerca de 30
pescadores, considerando apenas aqueles que pescam nas praias (os quais,
normalmente, pescam também nas lagoas). Provavelmente, um número maior
de pescadores pesca na praia e/ou na lagoa, mas não foi possível estimar esse
número. Três ranchos de pesca se distribuem no sistema praial, sendo um na
Ferrugem, um no Ilhote da Barra e outro na Barra.
Ouvidor
O costão rochoso que
separa a Praia da Barra da
Praia do Ouvidor tem
aproximadamente 1.960 m e
possibilita diversas pescarias,
como a garoupa, o miragaia e o pampo, sendo bastante freqüentado pelos
pescadores tanto do núcleo Ferrugem-Barra quanto do Ouvidor.
Figura 16: Canto norte da Praia do Ouvidor.
A Praia do Ouvidor é uma típica praia de bolso, alinhada no sentido
NNE-SSSW, com cerca de 760 m de comprimento e 62 m de largura média
(Fig.17). Localizada entre dois promontórios rochosos, tem dois córregos que
deságuam no mar, um pelo canto norte, outro pelo sul. As dunas da praia
apresentam alguns trechos com vegetação exótica (Pinus e eucalipto) –
principalmente nos setores central e sul – e construções, concentradas no sul.
O sedimento praial é predominantemente composto de areias finas e
apresenta consistência firme. A praia tem características de praia intermediária,
com declividade muito suave, quase reta. Trata-se de uma praia exposta quase
exclusivamente à ondulações do quadrante E, incluindo as variações para NE e
SE. Normalmente a altura da arrebentação é menor nessa praia, se comparada
com as outras (excetuando a Praia da Garopaba), principalmente em relação
às ondulações do quadrante S. Apresenta formação de correntes de retorno ao
longo da praia, geralmente fracas, e a ação erosiva está associada
principalmente a eventos de alta energia. Nessas condições, pode ocorrer
formação de falésias nas dunas, com o avanço das ondas e do mar.
78
Alinhado com o promontório rochoso ao norte da praia, destaca-se no
mar a presença do Ilhote do Ouvidor, pequena ilha (provavelmente granítica)
que constitui um atrativo para peixes e moluscos. A pesca no seu entorno é
considerada muito boa.
Com essas características, a Praia do Ouvidor é considerado um ponto
bom de pesca. Há pontos favoráveis para a colocação e retirada de
embarcações do mar e a baixa declividade favorece a pesca com redes de
arrasto (de praia). Possui relevante valor histórico e cultural associado à pesca
na área, por ter sido o berço de uma família bastante tradicional na atividade
pesqueira. Entretanto, atualmente, a pesca encontra-se enfraquecida no
Ouvidor, não sendo possível estimar o número de pescadores que hoje
pescam aí. Três ranchos de pesca podem ser identificados na porção norte da
praia, dos quais um foi vendido, não sendo mais utilizado para a pesca. Ao que
tudo indica, as principais pescarias são a tainha, a enchova, o parati, a
tainhota, a garoupa e a pescadinha.
Quanto à ocupação, a zona posterior à praia e do entorno é pouco
ocupada, concentrando-se no canto norte e na porção sul da praia, avançando
com algumas residências no lado sul da estrada, próximo à praia. O cordão de
dunas observado na Praia da Barra avança por trás do Ouvidor, de forma
contínua, aparentemente preservado.
Portinho
No lado norte do costão
rochoso que separa a Praia do
Ouvidor da Praia Vermelha, com
cerca de 1.440 m de perímetro,
encontram-se 4 ranchos de pesca,
dois deles com mais de 100 anos (Fig.17). Nesse costão, não existe praia, os
pescadores aproveitam-se de uma reentrância para colocar e retirar as
embarcações do mar. Trata-se de um local relativamente abrigado de
ondulações dos quadrantes E e S, mas nem sempre as condições de entrada e
Figura 18: Portinho.
79
saída são boas. Conhecido como Portinho, esse núcleo pesqueiro tem pelo
menos 15 pescadores. Suas principais pescarias são a enchova, o linguado, a
viola, as raias e emplastro, a corvina e o papa-terra.
Vermelha
A Praia Vermelha, disposta
no sentido N-SSW, tem cerca de
515 m de comprimento e 55,5 m
de largura média. Típica praia de
bolso, entre dois promontórios
rochosos, nela observa-se um córrego no canto sul e outro na porção norte. As
dunas, presentes ao longo da praia, alternando-se com rochas, apresentam-se
quase totalmente cobertas por vegetação exótica. Existe um pequeno córrego
que deságua no meio da praia (Fig.17).
Figura 19: Vista da Praia Vermelha.
As areias são predominantemente finas, a declividade é suave e o
sedimento apresenta consistência firme. A praia apresenta características de
praia intermediária, exposta a ondulações dos quadrantes E, incluindo as
variações de NE e SE. A configuração do costão ao sul oferece um certo abrigo
às ondulações do quadrante sul, normalmente associadas a ondas altas. Há
formação de correntes de retorno, normalmente fracas. A altura da
arrebentação geralmente é menor no canto sul, onde há uma tendência à
formação de uma corrente de retorno junto ao costão. Assim, a ação erosiva,
predominantemente associada a eventos de alta energia, atua com mais força
na porção central e norte da praia.
Com essas características, pode-se considerar a Vermelha como um
ponto bom para a pesca. O rancho de pesca está situado aproximadamente no
centro da praia e é utilizado apenas para as pescarias da tainha, da tainhota e
do parati. O núcleo pesqueiro da Vermelha é formado por cerca de 20
pescadores, dos quais pelo menos 10 são pescadores do Portinho – que
fecham o rancho nesse ponto e vão para a Vermelha na safra da tainha.
80
No que diz respeito à ocupação, toda a área do entorno da Praia
Vermelha é de propriedade particular, com estruturas associadas a uma
residência de luxo.
5.1.2. As principais espécies de pescado e o calendário de pesca
A etapa de identificação das principais espécies de pescado capturadas
pelos pescadores do município visou, por um lado, conhecer com precisão as
espécies-alvo e, por outro, possibilitar a busca de informações mais detalhadas
sobre as mesmas – essenciais para refletir sobre a gestão pesqueira. Além
disso, algumas outras espécies (“secundárias”) foram incluídas na identificação
para exemplificar a diversidade de capturas da pesca artesanal. Não era
objetivo desse trabalho identificar todas as espécies, mas essa pequena
amostra foi suficiente para se vislumbrar a complexidade envolvida na gestão
pesqueira.
A maioria das espécies foi coletada nas peixarias locais, outras foram
doadas pelos pescadores, sempre exemplares frescos e perfeitamente inteiros.
Todos foram mantidos congelados até o momento da identificação, com
exceção de um exemplar, identificado ainda fresco. Antes do congelamento,
cada exemplar foi fotografado visando registrar, na medida do possível, a
coloração característica de cada espécie. A identificação das espécies baseou-
se nos volumes do “Manual de peixes marinhos do sudeste do Brasil”, de
Figueiredo & Menezes (1978, 1980a, 1980b, 1985, 2000). Informações
adicionais de cada espécie foram obtidas nos documentos gerados pelo
Programa “Avaliação do Potencial Sustentável de Recursos Vivos na Zona
Econômica Exclusiva – REVIZEE –, do Ministério do Meio Ambiente, e na obra
“Peixes: costa brasileira”, de Alfredo Carvalho-Filho.
Dentro do Filo Chordata, Subfilo Vertebrata, Super Classe
Gnathostomata, Grade Pisces, destacam-se duas classes de maior importância
para a pesca: a Classe Chondrichthyes, dos peixes cartilaginosos (e.g.
81
tubarões e raias), e a Classe Osteichthyes
22
, dos peixes ósseos – contendo
pelo menos 4 subclasses. A grande maioria dos peixes atuais, cerca de 30
ordens e 25.000 espécies, faz parte da Subclasse Actinopterygii, os quais
encontram-se organizados em três infraclasses: Chondrostei (inclui a família do
esturjão); Holostei (famílias restritas à América do Norte); e Teleostei (grupo
muito heterogêneo, compreende a maior parte dos peixes ósseos encontrados
em rios e mares de todo o mundo) (FIGUEIREDO & MENEZES, 1978).
Os Teleostei podem ser divididos em quatro coortes: (1) Clupeocephala
(abrange as sardinhas e manjubas); (2) Archaeophylaces (formas
exclusivamente de água doce); (3) Taeniopaedia (bastante heterogêneo, inclui
moréias e tarpões); e (4) Euteleostei (contém a grande maioria das espécies de
teleósteos encontradas em todos os ambientes aquáticos) (FIGUEIREDO &
MENEZES, 1978). Todas as espécies identificadas fazem parte de Euteleostei.
5.1.2.1. Abrótea Urophycis brasiliensis
Superordem: PARACANTHOPTERYGII
Ordem: Gadiformes
Família: GADIDAE
Gênero: Urophycis
Espécie: Urophycis brasiliensis (Kaup, 1858)
Nome vulgar: abrótea, brota, bacalhau.
Comprimento total
23
(CT) do exemplar: 49 cm
Comprimento
24
: até 60 cm, sendo as
fêmeas geralmente maiores (FIGUEIREDO &
MENEZES, 1978: 45; ANDRADE et al.,
2005).
Figura 20: Urophysis brasiliensis.
Longevidade estimada (provável): 12 anos (ANDRADE et al., 2005).
Informações: trata-se de uma espécie de hábito bentônico (nectônico)
demersal, que se alimenta de camarões (peneídeos e sergestídeos). Ocorre
desde as águas costeiras até os 220 m de profundidade, preferencialmente
sobre fundos arenosos. A espécie é encontrada sobre a plataforma continental
22
Do grego “chondros”: cartilagem; “ostheos”: ossos; “ichthyos”: peixes.
23
O comprimento total corresponde à medida desde a ponta mais saliente do focinho até a
extremidade dos raios mais longos da nadadeira caudal, do exemplar identificado.
24
Refere-se ao comprimento máximo que a espécie atinge, segundo a literatura.
82
no sul do Brasil ao longo de todo o ano, sendo, em geral, mais abundante no
período de recrutamento, na primavera e no verão – fato associado com a
ressurgência da Água Central do Atlântico Sul (ACAS). O período da primavera
corresponde à época da criação. A espécie se distribui da Argentina (cerca de
40°S) ao Rio de Janeiro. (FIGUEIREDO & MENEZES, 1978; MAGRO et al.,
2000; ANDRADE et al., 2005).
Pesca industrial: frotas de arrasto de fundo (e.g. tangones, parelhas) ao
longo de todo o ano, mas as maiores capturas em Santa Catarina ocorrem no
outono e no inverno. Os indivíduos adultos são de interesse comercial, os
juvenis constituem uma parcela significativa do rejeito na pesca de arrasto de
tangones, dirigida para linguados e camarões. Ao longo da década de 1990 os
desembarques industriais da espécie aumentaram, provavelmente em
decorrência da queda de rendimentos de recursos mais valiosos. Somente no
final da década de 1990 as capturas de Urophycis mystaceus aumentaram,
reduzindo a pressão sobre U. brasiliensis (ANDRADE et al., 2005).
Diagnóstico do REVIZEE para a pesca industrial: de acordo com
ANDRADE et al. (2005), não há espaço para incrementos nos esforços de
pesca sobre a abrótea, exceto se o objetivo for induzir o sistema a trabalhar
com margens de lucro muito inferiores às atuais. Os ganhos econômicos não
acompanhariam os ganhos em peso capturado pois a tendência é aumentar a
participação de peixes de menor tamanho nas capturas e, conseqüentemente,
de menor valor; resultando em ganhos econômicos pouco expressivos.
5.1.2.2. Enchova Pomatomus saltator
Superordem: ACANTHOPTERYGII
Ordem: Perciformes
Família: POMATOMIDAE
Gênero: Pomatomus
Espécie: Pomatomus saltator (Linnaeus, 1766) ou
Pomatomus saltatrix
Nome vulgar: enchova, anchova, marisqueira,
anchoveta (quando pequena ou magra)
Figura 21: Pomatomus saltator.
Comprimento total (CT) do exemplar: 43,5 cm
83
Comprimento: alcança pouco mais 1 m, sendo mais comuns exemplares
entre 50 e 60 cm (FIGUEIREDO & MENEZES, 1980: 49).
Longevidade estimada: 8 a 9 anos (CARVALHO-FILHO, 1999)
Informações: Trata-se de uma espécie de hábito pelágico, que nada
ativamente próximo à superfície. Migra sazonalmente do sul para o norte, ao
longo do litoral brasileiro e procura as águas costeiras nos meses mais frios.
Indivíduos menores, até 50 cm, tendem a formar cardumes maiores,
preferencialmente em águas costeiras, próximas a baías, praias e costões.
Indivíduos maiores formam cardumes menores e avançam para águas
oceânicas. São predadores muito ativos, alimentam-se de peixes, crustáceos e
moluscos. A espécie é praticamente cosmopolita e apresenta ciclos de
abundância, podendo apresentar períodos de reduzida quantidade
(FIGUEIREDO & MENEZES, 1980a; CARVALHO-FILHO, 1999).
Diagnóstico do MMA para a espécie (IN_MMA 05/2004): sobreexplotada
ou ameaçada de sobreexplotação.
5.1.2.3. Corvina Micropogonias furnieri
Superordem: ACANTHOPTERYGII
Ordem: Perciformes
Família: SCIANIDAE
Gênero: Micropogonias
Espécie: Micropogonias furnieri
(Desmarest, 1823)
Nome vulgar: corvina, cascote (quando
pequena)
Comprimento total (CT) do exemplar: 30 cm
Comprimento: Pode atingir 60 cm de comprimento, sendo mais comum
os exemplares com 40 a 50 cm (FIGUEIREDO & MENEZES, 1980b: 48).
Longevidade estimada: 24 anos (CARNEIRO et al., 2005).
Informações: é uma espécie costeira, encontrada preferencialmente em
fundos lamosos e arenosos e em profundidades inferiores a 60 m. Distribui-se
desde a Península de Yucatán (México) até a Argentina; ocorrendo em toda a
costa brasileira. Estudos diferenciam basicamente duas populações a partir dos
23ºS: sudeste
25
(23ºS a 29ºS) e sul (29ºS a 33ºS). A população do sul realiza
25
Provavelmente a população-alvo da pesca em Santa Catarina e, conseqüentemente, na área
de estudo.
Figura 22: Micropogonias furnieri.
84
migrações latitudinais sazonais entre 29°S e 33°S, relacionadas aos
deslocamentos da Convergência Subtropical; para a outra população, não
foram detectadas tais migrações. A espécie suporta amplas variações de
salinidade e temperatura. Pode ser encontrada em águas estuarinas,
especialmente na fase juvenil, quando procuram esses ambientes para
alimentação e crescimento. As larvas de corvina são encontradas em estuários
ao longo de todo o ano. Na fase adulta, desloca-se para a plataforma adjacente
onde se reproduz. A reprodução ocorre ao longo de todo o ano, em função de
fatores bióticos, abióticos e da pressão da atividade pesqueira. É uma espécie
de hábito demersal, alimenta-se de organismos encontrados no fundo,
especialmente anelídeos, crustáceos (camarões) e pequenos peixes
(FIGUEIREDO & MENEZES, 1980b: 48; CARNEIRO et al., 2005).
Pesca industrial: frota de arrasto, linha e emalhe. A corvina é a principal
espécie demersal, em volume, desembarcada pela frota industrial das regiões
SE e S do Brasil, ocupando o 2º lugar entre os peixes costeiros de valor
comercial. No início da década de 1990, a produção total aumentou e manteve-
se estável até 2001, considerando o conjunto dos desembarques no RJ, SP,
PR, SC e RS. Após 2001 foram registrados os maiores desembarques (>30 mil
t/ano), principalmente devido às capturas em SC e RS. A captura da corvina
em pescarias não dirigidas à espécie (i.e. frota de arrasto para camarões e
frota de rede de cerco), em função da depleção dos recursos-alvo dessas
pescarias, é um dos fatores condicionantes do aumento da captura da corvina
nos últimos anos. Outro fator a ser considerado diz respeito à redução dos
estoques do cação, predador da corvina, favorecendo o aumento das
populações e, em conseqüência, das capturas (CARNEIRO et al., 2005).
Diagnóstico do REVIZEE para a pesca industrial: Carneiro et al. (2005)
recomendam que não seja incentivado o aumento do esforço sobre o estoque
da corvina “uma vez que, em função de sua coexistência com várias outras
espécies demersais, a sustentabilidade desses recursos poderá ser ainda mais
comprometida” (CARNEIRO et al., 2005: 98).
85
5.1.2.4. Goete Cynoscion jamaicensis
Superordem: ACANTHOPTERYGII
Ordem: Perciformes
Família: SCIANIDAE
Gênero: Cynoscion
Espécie: Cynoscion jamaicensis (Vaillant &
Bocourt, 1883)
Nome vulgar: goete, pescadinha (localmente)
Comprimento total (CT) do exemplar: 22 cm
Comprimento: Pode atingir até 50
cm de comprimento (FIGUEIREDO &
MENEZES, 1980b: 54).
Figura 23: Cynoscion jamaicensis.
Longevidade estimada: 6 a 8 anos (MAGRO et al., 2000; CASTRO et al.,
2005).
Informações: é uma espécie tipicamente marinho-costeira, de hábito
demersal, encontrada em profundidades de até 100 m, em fundos arenosos
e/ou lamosos. Alimenta-se de peixes, crustáceos, moluscos e diatomáceas.
Ocorre em toda a costa brasileira, desde o Panamá e Antilhas até a Argentina,
sendo mais abundante na região sudeste do Brasil, onde há indícios de
populações distintas. Sua distribuição está relacionada a águas quentes
(temperaturas maiores do que 16ºC), normalmente o limite sul da espécie é
nos 32ºS, mas, no final da primavera e no verão, a espécie realiza
deslocamentos latitudinais acompanhando as massas d´água quentes, que
penetram mais ao sul, até os 34ºS (FIGUEIREDO & MENEZES, 1980b: 54;
MAGRO et al., 2000; CASTRO et al., 2005).
Pesca industrial: desde 1960, pela frota de arrasto, principalmente
parelha. A partir de 1996, com a sobreexplotação das espécies-alvo de outras
pescarias (e.g. camarão, pescada-foguete, corvina), as frotas de arrasto de
parelha e camaroneira dos estados de SP e SC passaram a direcionar suas
pescarias para o goete. Também as frotas de emalhe e de cerco se voltaram
para a captura de “recursos demersais”. Desde então, os estados de SP e SC
respondem por mais de 75% do volume total desembarcado da espécie – uma
das mais comuns nas pescarias de arrasto no sudeste do Brasil (CASTRO et
al., 2005).
86
Diagnóstico do REVIZEE para a pesca industrial: recomenda-se o
tamanho mínimo de 19,5 cm para a captura do goete, visando assegurar a
reprodução da espécie. Os estoques de goete já começam a dar sinais de
esgotamento (redução). Assim, Castro et al. (2005) concluem que “qualquer
aumento do esforço de pesca sobre o recurso ‘goete’ deve ser cuidadosamente
analisado, uma vez que as informações disponíveis indicam que o mesmo se
encontra em vias de sobreexplotação” (CASTRO et al., 2005: 50).
5.1.2.5. Gordinho Peprilus paru
Superordem: ACANTHOPTERYGII
Ordem: Perciformes
Família: STROMATEIDAE
Gênero: Peprilus
Espécie: Peprilus paru (Linnaeus, 1758)
Nome vulgar: gordinho
Comprimento total (CT) do exemplar: 24 cm
Comprimento: Pode atingir até 28 cm
(CARVALHO-FILHO, 1999).
Informações: é uma espécie muito comum em todo o litoral brasileiro,
ocorre no Atlântico Ocidental, desde New York (USA) até a Argentina. A
espécie vive em águas da plataforma continental, com registros de até 136 m
de profundidade. Formam cardumes e é comum encontrar indivíduos jovens
em águas costeiras. Alimenta-se de pequenos peixes, medusas e outros
invertebrados. Desova na região pelágica e tanto as larvas quanto os ovos são
plantônicos. Juvenis menores que 10 cm vivem associados a diversas espécies
de medusas (FIGUEIREDO & MENEZES, 2000: 32).
5.1.2.6. Pescada-olhuda Cynoscion striatus
Superordem: ACANTHOPTERYGII
Ordem: Perciformes
Família: SCIANIDAE
Gênero: Cynoscion
Espécie: Cynoscion striatus (Cuvier, 1829),
sinonímia: Cynoscion guatucupa
Nome vulgar: Maria-mole, pescada-olhuda,
pescada, pescadinha
Figura 24: Peprilus paru.
Figura 25: Cynoscion striatus.
Comprimento total (CT) do exemplar: 28 cm
87
Comprimento: até 50 cm (FIGUEIREDO & MENEZES, 1980b: 53).
Longevidade estimada: 16 a 18 anos (HAIMOVICI & MIRANDA, 2005).
Informações: a espécie distribui-se no Atlântico Sul Ocidental, do litoral
do Rio de Janeiro à Argentina, sobre fundos arenosos e lamosos, sendo mais
abundante entre 10 e 100 m, podendo ser encontradas em profundidades
maiores. Os adultos são encontrados geralmente em águas de profundidades
inferiores a 50 m, juvenis de até 8 cm são encontrados próximos à costa e
subadultos (menores do que 30 cm) são mais freqüentes entre os 25 e 100 m
(FIGUEIREDO & MENEZES, 1980b: 53; HAIMOVICI & MIRANDA, 2005).
Pesca industrial: principalmente a pesca industrial de arrasto e a pesca
industrial e semi-industrial com redes de emalhe de fundo, realizadas na
plataforma entre 20 e 80 m de profundidade (HAIMOVICI & MIRANDA, 2005).
Diagnóstico do REVIZEE para a pesca industrial: há indicações de que o
estoque está sobreexplotado, mas ainda não se tem uma posição definida a
respeito (HAIMOVICI & MIRANDA, 2005).
5.1.2.7. Palombeta Chloroscombrus chrysurus
Superordem: ACANTHOPTERYGII
Ordem: Perciformes
Família: CARANGIDAE
Gênero: Chloroscombrus
Espécie: Chloroscombrus chrysurus (Linnaeus,
1766)
Figura 26: Chloroscombrus chrysurus.
Nome vulgar: palombeta
Comprimento total (CT) do exemplar: 23 cm
Comprimento: até 30 cm e no máximo 42 cm (FIGUEIREDO &
MENEZES, 1980b: 6; MASUMOTO & CERGOLE, 2005).
Longevidade estimada: 7 anos (MASUMOTO & CERGOLE, 2005)
Informações: forma cardumes e habita águas litorâneas, principalmente
baías e regiões estuarinas. Alimenta-se de organismos planctônicos,
principalmente crustáceos e moluscos. Muito comum no sudeste brasileiro,
com maior abundância na primavera e no outono, ocorre desde Massachusetts
88
(USA) até a Argentina. É considerada uma das espécies mais abundantes da
família Carangidae no Brasil (FIGUEIREDO & MENEZES, 1980b: 6;
MASUMOTO & CERGOLE, 2005).
Pesca industrial: no SE e S do Brasil não há pescarias dirigidas para a
espécie. Ela é capturada como fauna acompanhante das pescarias de arrasto
e, principalmente, de cerco – na qual é capturada em abundância pela frota
catarinense, mais especificamente pelas traineiras que pescam a sardinha-
verdadeira (Sardinella brasiliensis). As traineiras normalmente capturam
indivíduos ainda bem jovens, com comprimento a partir de 12,5 cm. Masumoto
& Cergole (2005) desaconselham qualquer ação para aumentar o esforço de
pesca para essa espécie, seja pelos pequenos ganhos associados, em termos
de peso capturado, seja devido aos baixos preços que a espécie alcança
atualmente no mercado consumidor. Além disso, a dinâmica populacional ainda
não é suficientemente conhecida (MASUMOTO & CERGOLE, 2005).
5.1.2.8. Pampo Trachinotus carolinus
Figura 27: Trachinotus carolinus.
Superordem: ACANTHOPTERYGII
Ordem: Perciformes
Família: CARANGIDAE
Gênero: Trachinotus
Espécie: Trachinotus carolinus (Linnaeus, 1766)
Nome vulgar: pampo
Comprimento total (CT) do exemplar: 22 cm
Comprimento: Pode atingir até 65 cm (CARVALHO-FILHO, 1999).
Informações: ocorre desde Massachusetts (USA) até o Rio Grande do
Sul. São peixes costeiros, de estuários a praias abertas, desde a superfície ao
fundo. Alimenta-se de invertebrados, principalmente moluscos e crustáceos, e
peixes pequenos (FIGUEIREDO & MENEZES, 1980b: 14).
5.1.2.9. Pigirica Kyphosus incisor
Figura 28: Kyphosus incisor.
Superordem: ACANTHOPTERYGII
Ordem: Perciformes
Família: KYPHOSIDAE
Gênero: Kyphosus
Espécie: Kyphosus incisor (Cuvier, 1831)
89
Nome vulgar: pigirica, pirajica
Comprimento total (CT) do exemplar: 26 cm.
Comprimento: até 50 cm (FIGUEIREDO & MENEZES, 1985: 5).
Informações: ocorre tanto no Atlântico oriental quanto ocidental, no qual
estende-se da Nova Inglaterra e Bermudas até o Mar Del Plata (Argentina).
Trata-se de uma espécie de águas costeiras, normalmente forma cardumes em
costões rochosos e recifes de coral. Os juvenis são pelágicos e geralmente
vivem entre algas marinhas. Alimentam-se de matéria vegetal e eventualmente
de pequenos invertebrados marinhos (FIGUEIREDO & MENEZES, 1985: 5).
5.1.2.10. Sororoca Scomberomorus brasiliensis
EUTELEOSTEI
Superordem: ACANTHOPTERYGII
Ordem: Perciformes
Família: SCOMBRIDAE
Gênero: Scomberomorus
Espécie: Scomberomorus brasiliensis (Collette,
Russo & Zavala-Carmin, 1978)
Nome vulgar: sororoca
Comprimento total (CT) do exemplar: 46 cm
Comprimento: Atinge cerca de
1,25 m de comprimento (FIGUEIREDO & MENEZES, 2000: 18).
Figura 29: Scomberomorus brasiliensis.
Informações: ocorre praticamente em toda a costa brasileira, desde a
América Central até o Rio Grande do Sul. São peixes de hábitos costeiros, de
superfície, comuns nas proximidades de costões, ilhas e praias abertas. São
ágeis nadadores e se alimentam basicamente de peixes, preferencialmente
sardinhas e manjubas, mas também lulas e camarões (FIGUEIREDO &
MENEZES, 2000: 18).
5.1.2.11. Família Mugilidae
As espécies da Família Mugilidae vivem principalmente em águas
costeiras e formam grandes cardumes, sendo encontrados em abundância
também em ambientes estuarinos. Em águas de baixa profundidade, em praias
arenosas, é comum encontrar cardumes com grande número de juvenis,
especialmente na desembocadura dos rios e lagunas.
90
Quanto à desova, não há dados precisos em relação ao local no litoral
brasileiro. Ao que tudo indica, a desova ocorre no mar, próxima à costa; apesar
de alguns estudos indicarem a ocorrência de desova em águas estuarinas ou
mesmo doces. Após a desova, os ovos e larvas entram nos estuários, onde
permanecem por certo tempo. À medida que crescem, a tendência é
procurarem águas de maior salinidade, retornando ao mar. Posteriormente, os
juvenis podem entrar em estuários. Alimentam-se principalmente de algas,
detritos orgânicos e invertebrados bentônicos, encontrados em substratos
arenosos ou lodosos (CARVALHO-FILHO, 1999).
No sudeste e sul do Brasil ocorre apenas o gênero Mugil, representado
por 6 espécies. Dessas, apenas 2 foram identificadas (M. liza e M. platanus),
mas uma outra foi reconhecida visualmente em campo, provavelmente Mugil
curema, especialmente pela presença de uma mancha negra (intensa) na
região superior da base da nadadeira peitoral. Entretanto, essa espécie é
chamada localmente tanto de
parati quanto de tainhota, igualmente
denominadas também de “olho-amarelo”. O “parati olho-amarelo” seria um
peixe com cerca de 85 a 100 g (adulto). Observou-se também referências ao
tainhoto (também chamado de jurete ou tainhota miúda), nos núcleos da
Ferrugem-Barra, Ouvidor, Portinho e Vermelha. No próximo item há indicações
de identificação das prováveis espécies.
5.1.2.11.1. Tainha Mugil liza
Superordem: ACANTHOPTERYGII
Ordem: Perciformes
Família: MUGILIDAE
Gênero: Mugil
Espécie: Mugil liza (Valenciennes, 1836)
Nome vulgar: tainha
Comprimento total (CT) do exemplar: 30,5
cm
Figura 30: Mugil liza.
Comprimento: Atinge até 1 m e 7 a 8 kg de peso (FIGUEIREDO &
MENEZES, 1985: 23).
91
Informações: ocorre no Atlântico Ocidental, principalmente das
Bermudas até o Rio de Janeiro ou São Paulo, mas também mais ao sul
(FIGUEIREDO & MENEZES, 1985: 23; CARVALHO-FILHO, 1999).
Diagnóstico do MMA para a espécie (IN_MMA 05/2004): sobreexplotada
ou ameaçada de sobreexplotação.
5.1.2.11.2. Tainha Mugil platanus
Superordem: ACANTHOPTERYGII
Ordem: Perciformes
Família: MUGILIDAE
Gênero: Mugil
Espécie: Mugil platanus (Günther, 1880)
Nome vulgar: tainha
Comprimento total (CT) do exemplar: 62 cm
Comprimento: Atinge cerca de
1m de comprimento e 6 kg de peso
(FIGUEIREDO & MENEZES, 1985: 24).
Figura 31: Mugil platanus.
Informações: ocorre no Atlântico Sul ocidental, desde o Rio de Janeiro
até a Argentina (FIGUEIREDO & MENEZES, 1985: 24).
Diagnóstico do MMA para a espécie (IN_MMA 05/2004): sobreexplotada
ou ameaçada de sobreexplotação.
5.1.2.12. Outras espécies
Além das 12 espécies identificadas, foram reconhecidas outras espécies
que compõem as capturas da pesca na área de estudo, num total de pelo
menos 52 espécies, incluindo peixes, crustáceos e moluscos. No Quadro 2,
apresenta-se uma lista com os nomes populares e as prováveis espécies
correspondentes, identificadas apenas visualmente e com o auxílio da
literatura. No Quadro 3 essas espécies estão listadas de acordo com os
núcleos pesqueiros em que foram citadas – não significa que não sejam
pescadas nos demais. Foi observada apenas uma espécie que os pescadores
não comem, a raia treme-treme ou torpedo (provavelmente Narcine
92
brasiliensis). Mas provavelmente não comem também o pachá (provavelmente
Astroscopus spp.) e o carangueijo-aranha.
Ao longo da apresentação das espécies identificadas, foram realçados
alguns aspectos relativos à denominação local de algumas delas e variações
relacionadas com o tamanho. Faltou apenas citar o caso da
pescadinha, cujo
nome se refere a diversas espécies. Identificou-se localmente: (1) a pescada-
olhuda (identificada, item 5.1.2.6.), também conhecida como pescada-araúja, é
a mais pescada no Morrinhos; (2) a pescada-bichenta, que seria amarelada;
(3) a pescada meio-longa, comprida e de cabeça bem fina; (4) a pescada
bebeca ou perna-de-moça, com listras escuras; e (5) a pescada bicuda – sendo
essas duas últimas mais raras, ocorrem quando tem muita manjuba na área.
Quadro 2: Prováveis espécies que compõem as pescarias da área de estudo.
Nome popular (local) Espécie provável ou indicação de família
bagre
Família Ariidae
bonito-cachorro, bonito-cagão
Auxis thazard
cabrinha
Prionotus punctatus
cação-anequim
Isurus oxyrinchus
cação galhudo
Carcharhinus plumbeus
cação cabeça chata
Carcharhinus leucas
cação galha preta
Carcharhinus brevipinna / Carcharhinus limbatus
cação mangona
Eugomphodus taurus
cação martelo ou cambeva
Sphyrna spp.
cação-anjo
Squatina guggenheim / Squatina occulta
camarão
Artemisia longinaris (ferrinho), Penaeus schimitti (branco),
Penaeus paulensis (rosa), Pleoticus muelleri (santana)
cará ou prejereba
Lobotes surinamensis
caranha
Lutjanus spp. ou Rhomboplites aurorubens
carapeva, carapeba
Diapterus auratus; Eugenes brasilianus
carapicu
Eucinostomus spp.
castanha
Umbrina canosai
cherne
Epinephelus niveatus
corcoroca
Haemulon spp.
emplastro, raia-emplastro
Sympterygia acuta
espada
Trichiurus lepturus
93
garoupa (garoupa-verdadeira)
Epinephelus marginatus (sinonímia Epinephelus guaza)
guaivira ou goivira
Oligoplites saurus
lagosta
Panulirus spp.
linguado
Diversas espécies da Família Bothidae
lula
Família Loliginidae e Ommastrephidae
mangangá
Porichthys porosissimus ou Scorpaena plumieri
mangona
Eugomphodus taurus
manjuba
Anchoviella spp.
manjubão
Lycengraulis grossidens
marimbau
Diplodus argentus
mexilhão
Perna perna
miragaia ou burriquete
Pogonias cromis
móreia
Gymnothorax spp.; Echidna spp.; Conger spp.
olho-de-boi
Priacanthus arenatus
pampo malhado
Trachinotus marginatus
pampo listrado
Trachinotus goodei
papa-terra
Menticirrhus spp.
parati (olho-de-fogo)
Mugil gaimardianus
parati (olho-amarelo)
Mugil curema
paru
Chaetodipterus faber
peixe-galo
Selene vomer ou Selene setapinnis
peixe-porco
Balistes capriscus, Alutera monoceros
peixe-tábua #
Parona signata ou oligoplites spp.
peixe-voador
Exocoetus volitans ou Cypselurus melanurus
pescada-perna-de-moça
Nebris microps ou Cynoscion leiarchus
pescada-milonga
Macrodon ancylodon
pescada-bichenta ou amarela
Cynoscion acoupa
raia
Diversas espécies
raia-chita
Aethobatis narinari
robalo
Centropomus spp.
salema
Anisotremus virginucus
sardinha
Sardinela brasiliensis ou Opisthonema oglinum,
sargo
Anisotremus spp. ou Anisotremus surinamensis
siri
Diversas espécies
savelha
Brevoortia spp.
tainhota
Mugil spp.
viola
Rhinobatos horkelli
xerelete
Caranx latus
94
Figura 32: Outras espécies. Da primeira à esquerda para a direita: bagre; pigirica
amarela; garoupa; salema; espada; peixe-porco; savelha; xerelete; viola; cação; treme-
treme; cação-martelo; lagosta; linguado; descarte (estrelas, siris e carangueijo).
95
Quadro 3: Espécies pescadas na área de estudo por núcleo pesqueiro.
Gamboa Siriú Morrinhos Cancha Garopaba Silveira Ferrugem Ouvidor Portinho
abrótea*
anchoveta*
arraia / raia
bagre
bonito
cabrinha
cação
camarãoº
caranha
carapeva
cascote*
castanha
cherne
corcoroca
corvina*
emplastro
enchova*
espada
garoupa
goete*
gordinho*
guaivira
lagosta
linguadoº
lulaº
mangangá
mangona
marimbau
mexilhão
miragaia
palombeta*
pampinho*
papa-terra
paratiº
paru
peixe-galo
peixe-porco
peixe-voador
pescadaº
pigirica*
robalo
salema
sardinha
sargo
savelha
sororoca*
tainha*º
tainhotaº
viola
xerelete
(* = espécie identificada; º = mais de uma espécie com o mesmo nome)
96
5.1.2.13. Calendário de pesca
Considerando o conjunto dos núcleos pesqueiros e a pesca ao longo de
um ano, para as principais espécies de pescado identificadas, foi possível
compor o calendário da pesca no município, apresentado no Quadro 4.
Ao olhar para o calendário pesqueiro, a primeira constatação é que a
pesca ocorre ao longo de todo o ano, com espécies de bom valor comercial em
praticamente todos os meses. É possível visualizar que de novembro a março,
no verão, um maior número de espécies é pescado, principalmente nos meses
de dezembro e janeiro – coincidindo com a temporada de intenso turismo. Isso,
por um lado, pode significar uma maior demanda pelo pescado e ser um fator
positivo para os pescadores, no que tange à comercialização, seja pela
possibilidade de obter melhor preço ou de vender diretamente ao turista. Mas
pode também representar um possível indicador de um problema a ser
enfrentado: o da sobreposição da pesca e do turismo.
O período de maio a outubro pode ser considerado o melhor para a
pesca, apesar do número de espécies diminuir, especialmente entre maio e
junho, e setembro e outubro. Nos dois primeiros meses, a maioria dos
pescadores está concentrada na pesca da tainha (a mais importante do
município); e nos demais, na pesca da abrótea e do linguado, também
pescarias relevantes e de boa comercialização. Num segundo plano, estariam
as pescarias da tainhota e do parati. Em setembro e outubro, a pescaria da
enchova aparece com destaque, mas outras pescarias importantes também
ocorrem no mesmo período: abrótea, corvina, linguado e viola – além do
camarão, que alguns pescadores começam a pescar nas lagunas da região.
97
Quadro 4: Calendário de pesca da área de estudo.
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
abrótea*
anchoveta
arraia
cação
camarão*
corvina*
emplastro
enchova*
espada
garoupa
linguado*
marimbau
pampo
papa-terra
parati
pescadinha*
robalo
sardinha
tainha*
tainhota
viola*
xerelete
Cabe ainda observar que, nesse quadro geral, algumas espécies estão
presentes na pesca do município o ano todo – parati e tainhota – ou quase o
ano todo – linguado e viola. Entretanto, cada núcleo pesqueiro tem sua
dinâmica e seu calendário próprios, apresentados no ANEXO 6.
5.1.3. As embarcações
Provavelmente devido à
diversidade de embarcações
utilizadas pela pesca artesanal ao
longo do litoral brasileiro, não foi
encontrado, na literatura, um consenso sobre a terminologia. Desse modo,
foram adotados os termos locais, empregados pelos pescadores. Ainda assim,
em alguns casos, observou-se a existência de divergências entre alguns
pescadores a respeito da denominação de cada embarcação. A distribuição
das embarcações nos núcleos pesqueiros está sintetizada na Fig.34.
Figura 33: Canoa a remo, lancha e bote.
99
Dos tipos de embarcação observados no município, nenhum apresenta
algum sistema de conservação de pescado. Os botes e as lanchas, em sua
maioria, dispõem de antena e rádio-amador, constituindo um equipamento de
segurança. Aparentemente, todas as embarcações possuem coletes salva-
vidas, mas nem sempre são utilizados. Não foram incluídas as embarcações
utilizadas nas lagoas, mas constatou-se o uso de diferentes tipos de canoas
nas mesmas.
O município não apresenta nenhuma infra-estrutura específica para
guardar ou ancorar as embarcações, para o embarque e desembarque de
pessoas, ou para o desembarque do pescado. Na maioria dos núcleos
pesqueiros, os pescadores costumam guardar as embarcações em ranchos e
galpões de pesca, por iniciativa própria. Nos núcleos pesqueiros da Gamboa,
do Portinho e da Garopaba, algumas embarcações ficam desabrigadas,
provavelmente por falta de espaço nos ranchos ou galpões de pesca
existentes. Entretanto, no núcleo da Cancha e no extremo sul do núcleo da
Garopaba, a situação é mais grave. Não há nenhum rancho ou galpão e as
embarcações ficam completamente expostas aos efeitos (desgastantes) do sol,
da chuva, do vento, das marés, das ressacas e da maresia.
Não foi possível investigar em profundidade a questão da propriedade
dos ranchos e galpões de pesca. Foi constatado que a maioria dos ranchos –
dos núcleos pesqueiros da Gamboa, do Siriú, do Morrinhos, da Silveira, da
Ferrugem-Barra, do Ouvidor, do Portinho e da Vermelha – são de propriedade
de donos de parelhas. Porém, no núcleo pesqueiro da Garopaba, há
evidências de que a maioria não pertence mais aos donos de embarcações,
mas a pessoas “de fora” (e.g. gaúchos). Muitos pescadores venderam seus
ranchos e hoje fazem acordos para guardar as embarcações e equipamentos,
em troca, por exemplo, de pagamento, manutenção ou parte da produção.
Na Gerência Regional do Patrimônio da União (GRPU) constatou-se que
não há nenhum registro de autorizações e/ou cessões para a construção de
ranchos de pescadores dessa área – como deveria haver. Junto à Colônia de
Pesca de Garopaba (Z-12) não foi possível obter nenhuma informação a esse
100
respeito, nem tão pouco sobre o registro das embarcações. O registro das
embarcações provavelmente poderia ser encontrado na Capitania dos Portos
de Laguna (SC), mas não foi possível ir até lá. Onde talvez possa ser
encontrado também algum registro de ranchos e galpões de pesca.
5.1.3.1. Bote
Foi observado um total de 21
embarcações do tipo bote no
município de Garopaba, distribuídos
conforme a Fig. 34. Normalmente, os
botes são tripulados por 3 a 4 pescadores; mas, às vezes, apenas 2. Trata-se
de uma embarcação de pequeno porte, com aproximadamente 8 m de
comprimento, confeccionada em madeira, com tábuas relativamente largas nas
laterais, se comparadas com as de uma lancha (ver item 5.1.3.2.). O fundo do
casco é quase chato, com uma longa quilha bem definida; o convés é aberto e
sem cabine. A propulsão dessa embarcação é normalmente a motor de
centro
26
, mas no Portinho há botes com motor de popa, ambos entre 10 e 24
HP. A maioria está classificada como J2M
27
, o que significa que pode realizar
navegação regional (J) e o sistema de propulsão é a motor (2).
Figura 35: Bote.
Alguns botes são dotados de um guincho para auxiliar a puxada da rede,
o qual demanda um segundo motor, mas não foi possível estimar quantos
botes possuem esse equipamento. Alguns botes podem suportar até 3
toneladas. O preço do casco de um bote pode variar entre R$ 4.000,00 e R$
7.000,00, já o preço do motor varia entre R$ 12.000,00 e R$ 14.000,00.
26
É dito “de centro” por se localizar dentro e aproximadamente no centro da embarcação.
27
Toda embarcação de pesca, dentro da ZEE, está sujeita a uma classificação de acordo com
as “Normas da autoridade marítima para embarcações empregadas na navegação de mar
aberto” (NORMAM), da Diretoria de Portos e Costas da Marinha do Brasil. Não conseguimos
encontrar essa classificação, as informações apresentadas no texto a esse respeito, estão
baseadas nas informações dadas por um especialista.
101
5.1.3.2. Lancha baleeira
Figura 37: Barco
cabinado.
Observou-se um total de 20
embarcações do tipo lancha baleeira
no município, que costumam levar
entre 4 a 10 pescadores – no mínimo
2; distribuídos conforme a Fig. 34. É uma embarcação de pequeno porte, cujo
comprimento varia entre 10 a 11 m, confeccionada em madeira. O fundo e as
laterais do casco são formados por tábuas mais estreitas do que aquelas das
laterais de um bote e são, portanto, mais numerosas. O casco tem um formato
convexo e não há uma divisão acentuada entre a lateral e o fundo – marcado
por uma quilha. Assim como observado nos botes, o convés é aberto e sem
cabine; e há um motor de centro, entre 10 a 24 HP. A maioria está classificada
também como J2M.
Figura 36: Lancha baleeira.
Aparentemente, a maioria das lanchas tem um guincho, e o motor
associado, para puxar a rede, mas não foi possível estimar quantas possuem e
quantas não possuem esse equipamento. Suportam um peso entre 4 a 8 t. O
preço do casco de uma lancha de 10 m de comprimento é, aproximadamente,
R$ 20.000,00; e R$ 25.000,00, uma com 11 m. O preço do motor é similar
àquele de um bote, variando entre R$ 12.000,00 e R$ 14.000,00.
5.1.3.3. Barco cabinado
Existe apenas 1 embarcação desse tipo no
município, que opera com 5 pescadores (Fig.34).
Localmente é chamada também de baleeira, embora seja
um termo inadequado (vide lancha baleeira). Trata-se de
uma embarcação de pequeno porte, um pouco maior do
que as lanchas, provavelmente com 15 a 20 m de comprimento, confeccionada
em madeira. Possui convés fechado e cabine, com autonomia de mar de até
uma semana. Sua propulsão é a motor de centro, cerca de 60 HP, suporta até
10 toneladas, é equipada com guincho e motor associado (R$ 6.000,00), sonda
e GPS. Não foi possível estimar o preço dessa embarcação.
102
5.1.3.4. Voadeira
De acordo com a observação realizada, existem 3 embarcações do tipo
voadeira no município. Podem ser tripuladas por até 4 pescadores (Fig. 34).
São embarcações de pequeno porte, com aproximadamente 3,5 m a 4,0 m de
comprimento, confeccionadas em alumínio. O fundo do casco pode ser de
formato totalmente chato ou em V muito suave; o convés é aberto e sem
cabine. A propulsão é com motor de popa. Não foi possível estimar valores
relativos ao preço da embarcação e do motor.
5.1.3.5. Caíco / Batera
Não foi possível diferenciar em campo as
embarcações do tipo caíco e batera. De um
lado, numerosas divergências entre os
pescadores, em relação à terminologia; por
outro, as possíveis diferenças relatadas não
foram observadas. Além disso, há também indícios de que possam ser nomes
diferentes para a mesma embarcação – essa é compreensão adotada neste
trabalho e ambos os termos são empregados para designar a embarcação aqui
descrita. Desse modo, foi observado um total de 35 caícos / bateras no
município (Fig.34).
Figura 38: Caíco.
Trata-se de um tipo de embarcação de pequeno porte, de 2,5 m a 3,0 m
de comprimento, confeccionada em madeira. A popa tem formato reto e o
fundo do casco é completamente chato, com uma quilha central. Os caícos são
movidos a remo, mas podem eventualmente receber um motor de popa. Não
foi possível estimar valores relativos ao preço da embarcação. Ela é utilizada
tanto para auxiliar no transporte de equipamentos, pescadores e pescado, do
mar para a terra e vice-versa, quanto para pescar – geralmente com 1 ou 2
pescadores. Também é empregada na pesca da tainha com rede traineira.
103
5.1.3.6. Canoa
Observou-se um total de 24 canoas a
remo e 2 motorizadas no município. (Fig. 34). É
uma embarcação de pequeno porte, de 8,0 m a
9,5 m de comprimento, com aproximadamente
1 m de boca, confeccionada em madeira – mais precisamente de um único
tronco de madeira; “um pau só”, como dizem os pescadores locais.
Figura 39: Canoa.
O casco é côncavo-convexo, alongado, com uma quilha central; e a
popa é reta. Nas canoas a remo, há encaixes para 4 remos laterais; nas
motorizadas, o motor é de popa. Normalmente, vão 6 pescadores nessa
embarcação, às vezes 5. Algumas estão classificadas como J5M, que indica
que a propulsão é a remo (5), e outras como J2M (propulsão a motor). O preço
de uma canoa é de aproximadamente R$ 8.000,00 a R$ 15.000,00.
5.1.4. As artes e os métodos de pesca
Nessa seção, são apresentadas as principais artes de pesca utilizadas
pelos pescadores da área de estudo. Além dos petrechos aqui apresentados,
outros eventualmente podem existir na área, sem que tenham sido verificados
por esta pesquisa. Atualmente, a maioria das panagens utilizadas na confecção
das redes é tecida em máquinas. Normalmente, os pescadores compram
determinado número de panagens (que eles chamam de “panos de rede” ou
simplesmente “panos”), com certo tamanho de malha, que são emendadas
umas nas outras para compor determinada rede. Além da panagem, é comum
os pescadores comprarem os diversos componentes de um petrecho para
montá-lo. Ademais, o uso exige manutenção, reparos e remendos periódicos.
As referências no texto à malha da rede (i.e. tamanho da malha)
correspondem à medida entre nós opostos. Em relação à terminologia das
redes conhecidas como de “emalhe”, optou-se aqui por diferenciá-las em redes
de espera e redes de caceio – ambas são redes de emalhar, entretanto, os
métodos de pesca com cada uma permitem distingui-las melhor. Gamba (1994)
104
engloba os dois tipos de rede sob o termo “rede de espera”, mas ele parece
inapropriado para a rede de caceio, que normalmente não é fundeada, mas
empregada para cacear, acompanhando a deriva da embarcação. Em síntese,
aquela é uma arte de pesca passiva, enquanto esta, uma arte de pesca ativa.
Ambas são redes em formato retangular, com flutuadores nas tralhas (cabos)
superiores e chumbos nas tralhas inferiores. As quantidades e as
características dos flutuadores e dos chumbos variam conforme o tipo de rede.
Nas pescarias, a identificação dos cardumes e peixes é feita, na grande
maioria dos casos, apenas visualmente. A descrição de cada arte de pesca é
acompanhada dos respectivos métodos de pesca, empregando, como
referência complementar, o trabalho de Gamba (1994). Há indícios de que 2
embarcações da Garopaba possuem, cada, uma rede de arrasto de porta para
camarão, mas não foi possível verificar, assim, esse petrecho não foi incluído
aqui. Também não foram incluídos certos petrechos mais utilizados nas
lagunas, tais como a coca e o gerival. Detalhes de algumas das artes de pesca
encontradas no município, principalmente redes, podem ser consultados no
ANEXO 7.
Para cada arte de pesca, foi realizada uma avaliação preliminar do seu
potencial destrutivo. Em sentido amplo, praticamente toda pesca pode ser
ambientalmente danosa em algum grau – o que está diretamente associado ao
fato de que muitas artes de pesca não são seletivas quanto ao tamanho ou à
espécie capturada. No campo da tecnologia de pesca, busca-se aumentar a
seletividade para reduzir a captura de indivíduos de pequeno tamanho e de
espécies não-alvo – o que atende também a interesses econômicos.
Entretanto, o uso de petrechos muito seletivos também afeta a cadeia alimentar
e as relações presa-predador, através da retirada de certas espécies do
ecossistema (KING & KING, 1995). Assim, a seletividade do petrecho não pode
ser tomado como critério único, as técnicas e métodos envolvidos, a eficiência,
a área e o período das pescarias, entre outros, devem ser considerados.
105
5.1.4.1. Redes de Espera
O termo rede de espera é empregado aqui para designar as redes que
são confeccionadas para ficarem estendidas e fundeadas no mar por um
período de, aproximadamente, 12 a 48 horas. As redes dessa categoria aqui
apresentadas pertencem ao grupo de artes de pesca passivas; o peixe fica
retido nas malhas da rede, quando a encontra.
De forma geral, sob o ponto de vista ecológico, as redes de espera
apresentam o risco de se perderem no mar e permanecerem capturando
peixes e outros animais marinhos, até que se deteriorem. Isso porque, em caso
de mau tempo aliado a ressacas e fortes correntes, eventualmente essas redes
podem não ser retiradas do mar e se soltarem das estruturas de fixação –
resultando em prejuízo ao ecossistema e aos pescadores.
5.1.4.1.1. Rede de palmo, rede de sarna ou malhão
A rede de palmo é utilizada nos núcleos
pesqueiros da Cancha, da Garopaba e do
Portinho. Pode ser encontrada também no
Siriú, mas seu uso é esporádico (Fig. 41).
Trata-se de uma rede de espera, também
conhecida com rede de sarna ou simplesmente malhão. Este último designa
provavelmente uma das características que distingue essa rede das demais, a
saber, a malha (grande) de 18 cm, 20 cm ou 22 cm. Seu formato é retangular;
seu comprimento pode variar de 1500 m a 4000 m, mais ou menos; e sua
altura é de cerca de 3 m. O preço estimado de uma dessas redes é cerca de
R$ 5.000,00.
Figura 40: Rede de palmo.
Fonte: Gamba (1994)
Esse petrecho é usado principalmente na pescaria do linguado e da
viola, mas também das raias, do emplastro, da abrótea e do cação. Nas
pescarias com essa rede, os pescadores navegam até um determinado local,
onde deixam a rede fundeada próxima ao fundo, entre uns 15 e 50 m de
107
profundidade. Ela fica por até 48 horas, sinalizada por bóias. Quando retornam,
puxam a rede para dentro da embarcação, geralmente, já despescando.
Como a rede fica fundeada, os peixes que encontram a rede, emalham e
não conseguem sair; sendo, portanto, um petrecho muito eficiente no sentido
da captura. Entretanto, os peixes presos podem ser atacados por outros, e, em
caso de mau tempo, se a rede não for retirada dentro de 48 horas, os peixes
capturados nas primeiras horas apodrecem. Com isso, a qualidade do pescado
pode ficar comprometida. Gamba (1994) considera esse tipo de rede bastante
seletivo devido ao tamanho da malha.
Embora seja um petrecho eficiente e seletivo, a pescaria realizada com
ele parece demandar cuidados especiais. De modo geral, do ponto de vista da
qualidade do pescado, essa rede não possibilita um pescado de alta qualidade,
se ficar mais de 24 horas fundeada – dificilmente o peixe chega ao comprador
fresco, para então ser congelado e vendido. Nesse caso, parte da captura é
descartada ou não pode ser vendida, resultando em prejuízo ao pescador e
aos ecossistemas marinhos.
5.1.4.1.2. Feiticeira ou tresmalho
É usada nos núcleos pesqueiros da Cancha e da Garopaba para pescar,
principalmente, abrótea, corvina e cação (Fig. 41). É uma rede de espera
composta por 3 panagens superpostas: 2 panos com malhas maiores
(externos), confeccionados com fios mais grossos e chamados de alvitanas, e
um pano interno com malha menor, confeccionado com fio mais fino. A malha
da panagem externa pode variar de 20 cm a 44 cm; em alguns casos, de 10 cm
a 11 cm. A rede pode ter entre 1275 m a 1800 m (700 a 850 braças) de
comprimento e, aproximadamente, entre 2 m a 3 m de altura. Uma rede, dentro
dessas medidas, custa em torno de R$ 10.000,00.
Normalmente, os pescadores colocam essa rede no final de tarde, por
volta das 18 horas de um dia, e recolhem na manhã do dia seguinte, às 5
horas, deixando-a fundeada por aproximadamente 10 horas. De modo geral,
108
tendem a ancorá-la no sentido Norte-Sul. Ela fica, portanto, junto ao fundo do
mar, em profundidades entre 10 e 50 metros e captura os peixes por emalhe.
De acordo com Gamba (1994), trata-se de um petrecho bastante
eficiente, capaz de capturar peixes de todos os tamanhos, devido às 3
panagens com malhas de tamanhos diferenciados, que dificultam a saída do
peixe. Portanto, é uma arte de pesca não seletiva, tanto em relação ao
tamanho quanto às espécies que captura; se comparada com a rede de palmo,
as desvantagens e os pontos negativos observados naquela, tornam-se ainda
maiores e piores nesta. Por isso, em algumas áreas pesqueiras do planeta, o
uso dessas redes foi proibido (KING & KING, 1995).
5.1.4.1.3. Rede de espera de fundo para papa-terra e pescadinha
Trata-se de uma rede de espera usada no núcleo do Portinho, para
pescar o papa-terra, e da Garopaba, para pescar a pescadinha (Fig. 41). Esse
petrecho tem as panagens em formato retangular, com malha de 7 cm. Trata-
se de uma rede relativamente curta, medindo, aproximadamente, 450 m de
comprimento por 3,70 m de altura (300 x 2,5 braças – papa-terra); e cerca de
900 m de comprimento por 2,70 m de altura (500 x 1,5 braças – pescadinha).
Essa rede custa em torno de R$ 2.000,00.
Como as demais redes de espera, essa rede também fica fundeada,
normalmente, de um dia para o outro. Numa primeira análise, é um petrecho de
seletividade intermediária e bem eficiente. Comparado às outras redes de
espera apresentadas anteriormente, as desvantagens e aspectos negativos
são um pouco reduzidos devido ao comprimento relativamente curto dessa.
5.1.4.1.4. Rede de espera de fundo para corvina
É uma rede usada no núcleo da Garopaba, principalmente para pescar a
corvina (Fig. 41). Ela é composta de diversas panagens em formato retangular,
que unidas compõem uma rede com aproximadamente 1200 m a 3800 m (800
109
a 2500 braças) de comprimento por 3 m de altura, com malha de 13 cm ou 14
cm. Ela custa cerca de R$ 2.000,00 a R$ 5.000,00.
Na pescaria com essa rede, os pescadores navegam até o local onde
acreditam estar o peixe, geralmente entre 15 e 60 m de profundidade, e fazem
uma “sondagem” para verificar a presença da corvina. A “sonda” pode ser um
pano de rede com 200 m de comprimento, aproximadamente, que é colocado
na coluna d´água e deixado por um período de 20 a 30 minutos, após o qual é
suspenso. Ao se retirar essa panagem, se vier algum exemplar de corvina,
significa que a espécie está naquele local, então colocam a rede na água.
Outra sonda empregada é constituída por um tubo de PVC, fechado em
uma extremidade e aberto na outra. Um pescador coloca esse tubo na água e
bota o ouvido na outra extremidade, se ouvir o “ronco” da corvina é sinal da
presença dela naquela área. Nos dois tipos de sondagem, caso não obtenham
uma resposta positiva, eles mudam de local e continuam tentando localizar um
cardume com o auxílio dessas “sondas”. Verificada a presença do peixe,
colocam a rede na água e retornam dentro de 12 ou 24 horas, quando puxam a
rede e despescam.
Aparentemente, essa rede tem boa seletividade – tem apenas uma
panagem com malha de tamanho intermediário. Quanto à eficiência, aliada às
“sondas”, parece bem eficiente. Do ponto de vista ecológico, tem as
desvantagens das demais redes de espera, embora o tamanho da malha
possibilite a passagem de pequenos peixes (juvenis) de diversas espécies.
5.1.4.2. Redes de Caceio
As redes classificadas sob o termo “caceio” são artes de pesca ativas; a
rede é empregada em movimento, deixada à deriva, com uma extremidade
presa à embarcação, que se desloca ou é mantida à deriva. Comparadas às
redes de espera, são redes que possuem mais flutuadores ou flutuadores com
maior poder de flutuabilidade nas tralhas superiores, e menor quantidade de
chumbo ou chumbos mais leves nas tralhas inferiores.
110
5.1.4.2.1. De fundo
A rede de caceio para corvina é utilizada nos núcleos pesqueiros da
Garopaba e do Portinho, na pesca da corvina (Fig. 41). Trata-se de uma rede
semelhante à rede de espera de fundo para corvina, composta por panagens
retangulares, com malha de 13 cm ou 14 cm. O comprimento dessa rede varia
entre 1200 m a 2000 m, e tem geralmente 3,0 m a 5,50 m de altura. Esse
petrecho custa cerca de R$ 5.000,00.
A pescaria com essa rede, normalmente, se estende por todo o dia e
não precisa, necessariamente, do uso de “sondas” para averiguar a presença
de cardumes de corvina (ver rede de espera de fundo para corvina). Quando
usam a “sonda”, verificada a presença do peixe, colocam a rede na água e a
deixam à deriva, presa à embarcação por certo tempo. Assim, vão caceando o
peixe, que emalha na rede, sem arrastar no fundo. Depois puxam a rede,
despescam e repetem o procedimento até pegarem uma boa quantidade. Caso
percebam que não está vindo peixe em boa quantidade, podem mudar de local.
De acordo com os pescadores, as melhores condições para o caceio da
corvina é a passagem de uma frente fria associada ao mar mexido.
A seletividade e eficiência são aparentemente semelhantes à rede de
espera de fundo para corvina. Entretanto, com o tamanho menor e se utilizada
sem as “sondas”, pode – por hipótese – ser menos eficiente. Do ponto de vista
ecológico, parece ser um petrecho ambientalmente mais adequado.
5.1.4.2.2. De superfície para enchova
Figura 42: Rede de caceio de superfície. Fonte: Gamba (1994).
A rede de caceio de superfície é um petrecho utilizado para pescar
enchova principalmente na Gamboa, na Cancha, na Garopaba e no Portinho. É
111
também usada nessa pescaria no Siriú, na Ferrugem-Barra e no Ouvidor, com
freqüência variável. É ainda usada para pescar anchoveta na Gamboa e na
Vermelha (Fig. 41).
O tamanho da rede varia conforme a embarcação utilizada. As canoas
utilizam redes de 450 m a 600 m (300 a 400 braças) de comprimento, por cerca
de 5 m a 15 m de altura. Já os botes e as lanchas empregam redes com 670 m
a 1300 m (450 a 700 braças) de comprimento, com altura em torno de 11 m a
22 m. Para a anchoveta, as malhas das redes variam entre 6 cm, 7 cm e 8 cm;
para a enchova, malhas com 8 cm e 9 cm.
Na pescaria, quando essa rede é colocada na água, ela fica flutuando
junto à superfície, esticada. A pescaria da anchoveta costuma ocorrer próxima
à costa; a da enchova, entre 10 m a 60 m de profundidade. Para pescar a
enchova, as equipes saem de madrugada e só retornam à noite. Normalmente,
após a captura, a rede e o peixe emalhado são trazidos para o convés; a
despesca ocorre já em terra.
Trata-se de um petrecho com boa seletividade e eficiência. Do ponto de
vista ecológico, não parece ser uma arte de pesca altamente danosa: a malha
é intermediária, o caceio é junto à superfície, a rede fica relativamente pouco
tempo no mar e retorna com os pescadores, não havendo muito risco de ser
perdida e permanecer no ambiente marinho.
5.1.4.2.3. Caça-de-malha
Trata-se de uma rede de caceio utilizada no núcleo pesqueiro da
Garopaba e talvez da Gamboa, para pescar tainha (Fig. 41). Com formato
retangular, possui aproximadamente 600 m (330 a 370 braças) de comprimento
e cerca de 50 m de altura, com malha de 10 cm ou 11 cm. Custa mais ou
menos R$ 10.000,00 a R$ 12.000,00. Há indícios de que na Gamboa exista
uma rede dessa, mas isso não foi comprovado. Seria uma rede menor, com
225 m de comprimento e 6 m de altura, com malha de 6 cm.
112
Nessa pescaria, os pescadores saem navegando, normalmente no
máximo até 50 m de profundidade, e colocam a rede quando vêem o cardume.
A captura se dá por emalhe do peixe. Depois a rede é puxada e a despesca
comumente é feita na praia, se a quantidade for grande.
Aparentemente é uma rede com boa seletividade – é colocada mediante
a avistagem do cardume – e bem eficiente. Numa primeira interpretação, não
parece ser um petrecho muito danoso, sob o ponto de vista ecológico.
6.1.4.3. Redes de Cerco
5.1.4.3.1.Traineira
Trata-se de uma arte de pesca ativa, da categoria das redes de cerco,
utilizada no núcleo pesqueiro da Garopaba para pescar tainha, tainhota, parati
e sardinha. Há indícios de que na Gamboa haveria uma traineira também, mas
não foi verificado (Fig. 41). A descrição abaixo refere-se à traineira para tainha,
para as outras espécies a diferença seria a malha da rede (menor), o
comprimento e a altura também menores.
É um petrecho próprio para cercar cardumes de peixes pelágicos. De
forma sintética, a panagem tem formato retangular, guarnecida por uma ou
duas tralhas superiores, com flutuadores, e uma ou duas tralhas inferiores, com
chumbo. Da tralha inferior, partem diversos estropos (cabos), que são fixados
em anilhas (argolas de metal) – pelas quais passa a carregaderia (um cabo),
que serve para fechar o fundo da rede, quando o cardume é cercado. Na
Garopaba, a panagem tem aproximadamente 450 m a 900 m (300 a 500
braças) de comprimento e cerca de 50 m de altura, com malha de 5 cm ou 6
cm. Uma rede dessa custa em torno de R$ 50.000,00.
A pescaria ocorre entre os 5 e 50 m de profundidade. Normalmente, os
pescadores passam o dia todo procurando os cardumes – alguns relataram ser
uma “pesca sofrida”. A rede é transportada em lanchas, que também levam um
caíco. Os pescadores saem navegando, e quando o cardume é visto, o caíco é
113
colocado na água com um pescador e uma das extremidades da rede. A
lancha realiza um círculo completo – o cerco – em torno do cardume, soltando
a rede aos poucos. Após essa manobra, o pescador no caíco passa para os
pescadores da lancha a extremidade da rede. A partir da lancha, inicia-se o
fechamento da rede, por baixo, puxando a carregadeira. Geralmente a rede é
recolhida com o auxílio de um guincho motorizado, até diminuir o círculo,
concentrando o peixe, o qual é retirado da água com o auxílio de um sarico ou
petrecho similar, pois o peixe não emalha nesta rede.
A traineira é uma rede bem seletiva, apesar do tamanho da malha ser
pequeno, porque o cerco é feito após a verificação da presença do cardume-
alvo. Além disso, é um petrecho bastante eficiente, especialmente devido ao
sistema de fechamento da parte inferior. Do ponto de vista ecológico, parece
ser um petrecho pouco danoso, se empregado de forma adequada (e.g.
capturando os exemplares no tamanho, no período e local adequados).
Eventualmente, exemplares de espécies não-desejadas, que estiverem no
meio do cardume-alvo, podem ser devolvidos ao mar, pois os peixes não
emalham na rede.
5.1.4.3.2. Cerco flutuante
Trata-se de um petrecho utilizado
apenas no Portinho (Fig. 41), introduzido
por um pescador do Pântano do Sul
(Florianópolis), por volta de 1960. Em
janeiro de 1961, a rede de cerco foi
utilizada pela primeira vez, e manteve-se
em uso, anualmente no período entre 15
de julho e 01 de abril (fora da safra da tainha), até 1984.
Figura 43: Cerco flutuante-fixo.
Fonte: Gamba (1994)
Em 1984, o petrecho deixou de ser utilizado, devido à dificuldade de
acesso dos pescadores ao rancho de pesca. Nessa época, os terrenos
situados no entorno da Praia Vermelha e do Portinho foram adquiridos por um
grande empresário (dono da Gerdau), que passou a restringir, gradativamente,
114
o acesso de pessoas a esses locais – inclusive dos pescadores. Então, essa
pesca foi abandonada, pois o cerco necessita ser monitorado pelo menos três
vezes ao dia e, na iminência de condições de mau tempo, deve ser retirado.
Após darem entrada numa ação civil pública contra o proprietário do
terreno e reconquistarem o direito de acesso ao Portinho e à Praia Vermelha,
em 2004, os pescadores submeteram uma solicitação ao IBAMA pedindo
autorização para usarem novamente a rede de cerco no Portinho. Desde então,
o petrecho voltou a ser usado.
O cerco flutuante ou rede de cerco é um petrecho pesado e caro – em
torno de R$ 30.000,00 (em 2006) – que é fixado na frente de um costão. É
formado por diferentes componentes ou partes, assim divididos:
h o caminho”: é um braço de rede retilíneo que parte do costão. É composto
por panagem retangular com malha 6 ou 7 cm, que se estende do costão até a
entrada (“boca”) do cerco, tendo a função de barrar a passagem dos peixes,
redirecionando-os para a rede. É fixado a uma distância de 15 m do costão, e
possui comprimento de mais ou menos 75 braças (cerca de 112 m).
h O rodo”: é a armação circular ou elíptica, de superfície, para a colocação da
panagem lateral, com 18 braças de diâmetro (cerca de 27 m) e
aproximadamente 75 braças de circunferência (cerca de 110 m). Em cada
extremidade lateral, tem uma copiada – estrutura formada de bambus ou canos
(PVC) flutuantes, unidos por uma corda. De cada copiada partem duas cordas
que são fixadas no fundo por meio de âncoras. Além das 2 copiadas, outros
flutuadores (bambus, PVC) são colocados ao longo da armação; cada um
conectado a uma âncora por meio de cordas. No total, portanto, são 6 bóias ou
flutuadores e 9 âncoras.
h A rede” é formada por quatro partes:
(1) a “parede”: panagem retangular lateral, com malha de 6 cm, presa aos
bambus em superfície e com chumbos para levá-la ao fundo;
(2) o “assoalho”: panagem inferior que cobre o fundo, com malha de 9 cm;
(3) o “ensacador”: panagem localizada em um dos cantos do cercado, com
malha de 3 cm, utilizada para retirar o pescado para dentro da embarcação,
quando a rede é puxada;
115
(4) a “boca”: pequena abertura para a entrada do pescado, formada de
panagem com malha de 6 cm.
O cerco flutuante é usado por aproximadamente 7 meses, sendo
colocado na água no início de setembro e retirado na primeira quinzena de
abril, quando os pescadores do Portinho vão para a Praia Vermelha pescar a
tainha. Cabe ressaltar que, em condições de mau tempo, comuns no inverno, a
rede é retirada da água, mas a armação permanece. Em abril, entretanto, todos
os componentes do petrecho são retirados da água.
De acordo com os pescadores, praticamente todas as espécies de peixe
entram no cerco – por exemplo, pampo (em boa quantidade); papa-terra;
enchova; tainha; cherne; espada; sardinha; e pescadinha. Isso garante um bom
rendimento, tanto em relação à quantidade e à freqüência de pescado quanto
aos benefícios obtidos com a venda – visto que gera pescado fresco, de boa
qualidade. Para exemplificar, a pescaria com o cerco pode resultar na captura
de 500 a 1000 kg de sardinha, em um dia; 200 kg de tainha, em um mês; e já
chegou a capturar 40 t de espada, em um dia.
Comparada a outros petrechos, o cerco é bem eficiente e seletivo –
apesar do tamanho das malhas e da maioria dos peixes entrarem e não
saírem. Como os peixes não emalham, é possível selecionar aqueles de
interesse e soltar as demais espécies – inclusive tartarugas. O monitoramento,
feito ao menos pela manhã e à tarde, visa averiguar se tem peixe e avaliar as
condições do mar. Para despescar, partindo da “boca”, inicialmente se levanta
a “parede”, seguida do “assoalho”, direcionando os peixes para o “ensacador”,
de onde então é recolhido para a embarcação com o auxílio de uma outra rede.
Essa pescaria envolve cerca de 10 pescadores, mas tradicionalmente
uma porção do que é capturado é doado para as pessoas que estiverem
presentes na ocasião da despesca (e que normalmente ajudam).
Posteriormente, um terço da captura permanece com o dono da parelha e os
outros dois terços são divididos entre os tripulantes. Depois que cada um tira o
que quer levar para casa, juntam o restante e vendem. Para alguns, a
116
comercialização, às vezes, é um entrave, pois algumas espécies estão
associadas a baixos valores.
De acordo com os pescadores, as crianças costumavam assistir a essa
pescaria, começando desde cedo o aprendizado da pesca, além de voltarem
para casa com alimento. Há também evidências de que, ao longo dos anos em
que o petrecho vem sendo utilizado, não houve nenhum acidente envolvendo
botos ou baleias que freqüentam a área.
5.1.4.4. Redes de Arrasto
5.1.4.4.1. Arrastão de praia
Trata-se de uma arte de pesca ativa,
utilizada na maioria dos núcleos pesqueiros do
município – Gamboa, Siriú, Morrinhos, Vigia,
Silveira, Ferrugem-Barra, Ouvidor e Vermelha
–, principalmente para pescar a tainha (Fig. 41). A pescaria da tainha com rede
de arrastão de praia é bastante tradicional e tem, pelo menos, 150 anos na
área (desde aproximadamente 1856). Entretanto, no início, nem todos os
núcleos pesqueiros tinham essa rede, alguns só vieram a realizar essa
pescaria a partir de 1940.
Esse petrecho normalmente é feito sob medida para a praia onde será
utilizado. Assim, varia em comprimento e altura conforme a declividade e as
características morfodinâmicas de cada praia. Desse modo, na área de estudo,
existem arrastões de praia com comprimentos que variam de 370 a 1500 m.
Caracteristicamente, nessa rede, a altura no centro (copo ou cópio) é maior,
diminuindo em direção às extremidades ou mangas – quanto maior a
declividade da praia maior será a altura do centro. Assim sendo, conforme a
praia, a altura no copo é de 20 m, em outra 30 m, 15 m, 17 m. Além disso, a
malha da rede também varia do centro para as mangas: de 6 cm a 8 cm no
copo e de 8 cm a 11 cm nos panos das mangas.
Figura 44: Rede arrastão de praia
(Siriú).
117
Na tralha superior são colocados flutuadores de tal modo que
possibilitem manter a rede na posição vertical sem total flutuação, para que a
tralha inferior (chumbada) fique constantemente em contato com o fundo.
Assim, esta tralha é normalmente um pouco mais comprida do que a superior,
o que lhe permite também estar um pouco atrasada em relação à outra, no
momento do arrasto. Geralmente, um calão de madeira é colocado em cada
uma das extremidades das mangas da rede, mantendo as tralhas superior e
inferior afastadas e unidas ao mesmo tempo. Um arrastão de praia custa cerca
de R$ 20.000,00 a R$ 25.000,00.
A pescaria com esse petrecho envolve uma equipe de pescadores
dividida em tripulação, aqueles que embarcam na canoa (5 a 6 pescadores);
vigias (1 ou 2); e os ajudantes de praia (fixos e de número variável em cada
praia). Durante a temporada da tainha (1º de maio a 15 de julho), toda a equipe
fica no rancho de pesca durante o dia e, em alguns ranchos, pelo menos um
pescador dorme nele, guardando os equipamentos. Geralmente, no momento
do arrasto em si, diversas pessoas (das comunidades pesqueiras ou não)
ajudantes de ocasião – vão à praia ajudar a puxar a rede.
O arrastão de praia fica embarcado numa canoa a remo, preparada para
cercar. Na maioria dos núcleos pesqueiros, uma rede menor (picaré ou arrasto
feiticeira) fica igualmente preparada, embarcada numa outra canoa. Um ou dois
vigias ou olheiros – sempre pescadores experientes – ficam em pontos de
observação privilegiados (a vigia), atentos não só à presença do cardume
(manta ou malha de peixe), mas também ao seu comportamento. A vigia é a
olho nu, mas é comum contar com o auxílio de binóculos e, em poucos casos,
com a proteção de óculos escuros. Ao olheiro cabe avisar à equipe de
pescadores na praia – que normalmente também estão “de olho” no mar e no
cardume – o momento de cercar e com que tipo de rede. Na Praia Vermelha,
por exemplo, se o vigia acena com uma toalha branca, o cerco é com o
arrastão de praia – o cardume é grande (e de tainha, normalmente) –; se acena
com um chapéu, o cerco é com o picaré – o cardume é pequeno. É comum
também o uso de apitos, bem como um “código” próprio de cada núcleo
pesqueiro, como o anterior. Alguns núcleos já usam também o celular.
118
Após esse sinal, a equipe coloca a canoa com a rede no mar e seis
pescadores embarcam: um patrão, quatro remeiros e um chumbereiro,
deixando o cabo de uma das extremidades da rede com um dos ajudantes de
praia. O patrão comanda a embarcação e a tripulação, é ele quem determina,
por exemplo, o momento e o local de avançar para entrar no mar, passando a
arrebentação, as manobras para cercar, a hora de largar o chumbo da rede.
Normalmente é o pescador mais experiente do núcleo pesqueiro, ou um dos
mais experientes (em praias que há sociedade, eles se revezam), e a sua
função é a de maior responsabilidade dentro da canoa.
Os remeiros são, literalmente, a
força de propulsão da canoa e devem
remar de acordo com o comando do
patrão, de forma coordenada entre si. E
o chumbereiro é o responsável por
colocar a rede na água, a partir da
tralha chumbada, sob a direção do patrão. A canoa desenvolve um movimento
circular – o conhecimento do comprimento da rede possibilita ao patrão saber o
quanto eles podem avançar mar adentro –, cercando o cardume e retornando à
praia com o cabo da outra extremidade da rede. Só então, inicia-se o arrasto
da rede, sob a orientação do patrão, envolvendo a tripulação, os vigias, os
ajudantes de praia e os ajudantes de ocasião.
A rede não pode ser puxada de qualquer jeito, deve-se distribuir as
pessoas nos dois cabos, e não se pode puxar muito rápido. Essa manobra
deve ser feita com muita cautela pois os peixes tendem a escapar, à medida
que são concentrados no seu interior – tanto pulam por cima da rede quanto
buscam passagens entre a tralha inferior e o fundo do mar. Nesse momento, o
patrão exerce também sua função de comando, orientando todos os
envolvidos. Em alguns núcleos pesqueiros, são utilizados cintos presos à rede
para ajudar a puxá-la. Alguns pescadores aproveitam esse momento para
tarrafear do lado da rede, pegando os peixes que escapam da mesma.
Finalizado o arrasto, o peixe é despescado, com a ajuda de todos os
Figura 45: Tripulação em ação (Gamboa).
119
participantes. Normalmente, os ajudantes de ocasião recebem um ou mais
peixes pelo auxílio prestado. Só depois disso, a partilha da equipe é realizada.
Não é um petrecho muito seletivo, porque, com uma malha
relativamente pequena no centro, tende a capturar tudo que estiver dentro do
cerco, mas geralmente a equipe de pescadores é muito cautelosa, só faz o
cerco e o arrasto diante da constatação da presença de determinado cardume
(principalmente de tainha). Esse procedimento amplia a seletividade da rede,
que também é bastante eficiente e, em geral, o peixe não emalha no centro. Do
ponto de vista ecológico, o aspecto mais negativo dessa rede é o fato de que
ela arrasta no fundo do mar. Entretanto, à primeira vista, isso é amenizado pelo
fato de que seu período de uso é curto (2,5 meses) e a extensão do arrasto
também é relativamente pequena.
5.1.4.4.2. Arrasto feiticeira
Trata-se de uma rede feiticeira (rede de espera feiticeira ou tresmalho)
que é utilizada como uma rede de arrasto (arte de pesca ativa) nos núcleos
pesqueiros do Siriú, do Morrinhos e da Silveira, especialmente para pescar a
tainha e a tainhota (Fig. 41).
Assim, o que difere o arrasto e a rede de espera feiticeira é o método de
pesca. Comparado ao arrastão de praia, a rede de arrasto feiticeira é mais
curta, cerca de 320 m de comprimento, e o peixe emalha. É utilizada em
situações em que há cardumes menores, associadas ou não a condições de
mar ruim (i.e. ondas médias ou grandes, fortes correntes de retorno) ou zonas
mais profundas. De acordo com os pescadores, o fato do peixe emalhar na
rede reduz a força necessária a ser empregada para puxar a rede.
Constitui-se numa rede mais eficiente e ainda menos seletiva do que o
arrastão de praia, devido aos 3 panos com malhas diferentes. Mas sua
seletividade é ampliada pelo método de pesca, assim como naquela. Os
aspectos negativos são mais semelhantes aos encontrados para o arrastão de
praia do que para a rede de espera feiticeira.
120
5.1.4.4.3. Picaré
O picaré é uma rede de arrasto utilizada na Gamboa, no Siriú, no
Morrinhos, no Ouvidor e na Vermelha, para pescar principalmente pescadinha,
tainhota e parati; constituindo-se numa arte de pesca ativa (Fig. 41). De acordo
com os relatos, as primeiras redes de picaré teriam surgido, no município, por
volta de 1950.
Esse petrecho tem formato e características similares ao arrastão de
praia, funciona da mesma maneira, mas em geral é uma rede mais curta e com
malhas menores. Mede de 270 m a 450 m de comprimento (180 a 280 braças)
e tem cerca de 12 m a 16 m de altura no centro (parte mais alta). A bitola da
malha é de 4 e 5 cm no centro e de 6 a 7 cm nos panos das mangas; assim, o
peixe tende a não emalhar no centro da rede.
O método de pesca é quase igual ao do arrastão de praia, na maioria
dos núcleos pesqueiros, durante a safra da tainha (quando os vigias estão na
praia). Fora da temporada da tainha – para pescar pescadinha, por exemplo –,
a pescaria com o picaré não conta com um vigia na praia; a equipe observa o
cardume. Constatada a sua presença, colocam a canoa no mar (tripulada com
5 ou 6 pescadores) e o arrasto prossegue como já foi descrito anteriormente
para o arrastão de praia.
É também um petrecho cuja seletividade (baixa) é aumentada pelo
método de pesca. Bastante eficiente, apresenta os mesmos aspectos negativos
apontados para o arrastão de praia, embora reduzidos em função do (menor)
tamanho desse petrecho.
5.1.4.5. Aparelhos com Anzóis
Os aparelhos com anzóis verificados no município de Garopaba são
artes de pesca passiva que, de modo geral, possibilitam um pescado de boa
qualidade. A distribuição desses petrechos está apresentada na Fig.46.
122
5.1.4.5.1. Espinhel de fundo
É um petrecho utilizado nos núcleos pesqueiros da Cancha e da
Garopaba, principalmente para pescar a abrótea. Há indícios de que também
possa ser utilizado no Siriú, mas não foi devidamente confirmado.
O espinhel de fundo é um petrecho composto por uma linha principal
(madre), cujas extremidades são presas aos cabos que ligam as bóias (com
velas) às poitas. Da madre partem linhas secundárias nas quais se prendem os
anzóis – um anzol por linha. Normalmente, os pescadores utilizam mais de um
espinhel, unindo-os. Para exemplificar, um dos espinhéis usado por uma
equipe do núcleo pesqueiro da Garopaba é composto por 300 anzóis; sendo
que a equipe emprega cerca de 9 espinhéis, totalizando 2700 anzóis.
Normalmente, os pescadores adquirem os componentes e fazem o petrecho.
A pescaria com o espinhel de fundo é considerada difícil e trabalhosa,
exigindo muita experiência, cuidado e atenção. Começa geralmente pela
manhã, com a arrumação de cada espinhel num balaio e colocação de iscas
em cada um dos anzóis. Cada espinhel iscado fica arrumado em um balaio,
preso por um pedaço de corda. A
arrumação do balaio é fundamental para o
sucesso da pescaria, as linhas secundárias
não podem ficar emboladas. Os balaios
são então cuidadosamente colocados na
embarcação e verificados mais uma vez,
juntamente com as bóias e as poitas.
Figura 47: Balaios de espinhel de
fundo iscado (Garopaba).
No meio da tarde, mais ou menos, os pescadores partem para colocar
os espinhéis. Navegam até o local desejado e soltam primeiro uma poita com
uma bóia que marca o final do espinhel. Um pouco depois, amarra ao cabo
largado uma poita, uma bóia e um espinhel (correspondente a um balaio), que,
com o deslocamento do barco, vai se soltando rapidamente do balaio e caindo
na água. Quando está perto de finalizar um balaio, outro espinhel é
rapidamente emendado, através das linhas principais (madres), com mais uma
123
poita e uma bóia. O procedimento é repetido até que todos os espinhéis
tenham sido colocados na água. O conjunto de espinhéis permanece fixo ao
fundo com o auxílio das poitas. No outro dia, pela manhã, os pescadores
retornam ao local para retirar os espinhéis, juntamente com o pescado.
Geralmente, cerca de 4 pescadores trabalham de forma coordenada e
rápida para colocar e retirar o espinhel de fundo. O risco de um anzol fisgar um
pescador é grande e alguns acidentes foram relatados. Atualmente, apenas 4
equipes trabalham com esse petrecho na Praia da Garopaba.
Esse petrecho pode ser bastante seletivo, pois o tamanho do anzol
determina o tamanho do peixe e a isca também ajuda a selecionar as espécies-
alvo. Além disso, é bastante eficiente, pois o peixe é fisgado (dificilmente
escapa). Quando o espinhel fica de um dia para o outro apenas, normalmente
o pescado é de boa qualidade, pois os peixes demoram a morrer. Do ponto de
vista ecológico, a permanência do espinhel por mais tempo seria prejudicial,
além do risco de que, eventualmente, possa se soltar das estruturas fixadoras
e permanecer no mar por um certo período de tempo, causando danos aos
ecossistemas e organismos marinhos.
5.1.4.5.2. Espinhel de praia
É uma arte de pesca bastante tradicional na Gamboa, no Siriú, no
Morrinhos, na Silveira e na Ferrugem-Barra para pescar diferentes espécies
como o pampo, o papa-terra, a abrótea, a corvina. Há indícios de que possa
ser usado por alguns poucos pescadores na Praia da Garopaba, mas não foi
verificado (Fig. 46). Quando o espinhel é utilizado à deriva, preso a uma canoa,
caíco ou batera, denomina-se corrico.
O espinhel de praia, também conhecido localmente como boléia, é
estruturalmente semelhante ao espinhel de fundo, mas em geral tem menos
anzóis, cerca de 19 a 100. No lugar da poita, tem apenas uma chumbada e não
há bóias. Como no espinhel de fundo, os pescadores costumam adquirir os
componentes para elaborar o petrecho.
124
A pescaria com o espinhel de praia é individual, o pescador coloca as
iscas nos anzóis e lança o espinhel no mar. Foi relatado que, eventualmente, o
pescador pode contar com o auxílio de um surfista para colocar a ponta do
espinhel além da linha de arrebentação
28
. Então, o pescador fica na beira da
praia segurando o espinhel, que fica junto ao fundo, por determinado tempo.
Trata-se de um petrecho relativamente seletivo e eficiente.
Considerando o método de pesca associado, do ponto de vista ecológico, não
parece oferecer risco ou impacto ao ecossistema. Além disso, o pescado obtido
é de boa qualidade.
5.1.4.5.3. Linha de mão
A linha de mão ou linha e anzol é uma arte de pesca tradicional e
bastante utilizada em todos os núcleos para pescar a garoupa, principalmente,
além de outras espécies como o pampo e a enchova (Fig. 46).
O petrecho é estruturalmente simples, constituído de uma linha principal,
com uma chumbada na extremidade. Nessa linha, prende-se um anzol, por
meio de uma pequena linha secundária. A linha principal fica, geralmente,
enrolada numa estrutura de madeira. O tamanho do anzol e o tipo de isca
utilizado depende da espécie e do tamanho do exemplar que se quer pegar.
Pode ser adquirido em lojas especializadas,
mas os pescadores normalmente adquirem os
componentes e fazem o petrecho. A pescaria
com a linha de mão pode ser semelhante à do
espinhel de praia, quando realizada na beira
da praia. Mas o petrecho também pode ser
utilizado a partir dos costões ou a bordo de
uma embarcação.
Figura 48: Linha de mão (esquerda).
28
Um fato, no mínimo curioso, relacionado com a colocação do espinhel, foi relatado por um
pescador que afirmou utilizar uma pipa para deixar a ponta do espinhel “lá fora”.
125
Trata-se de um petrecho que seleciona a partir do tamanho do anzol e
que atrai o peixe por meio da isca colocada, podendo ser assim bastante
seletivo. Mas não parece ser muito eficiente, proporciona capturas em pequena
quantidade – apenas um peixe por lanço – e, eventualmente, o peixe consegue
retirar a isca sem ser fisgado. Entretanto, a eficiência pode ser ampliada pela
experiência do pescador e pela prática do engodo
29
– que consiste em colocar
um tipo de isca (e.g. mexilhão triturado), durante vários dias no mesmo lugar,
para atrair o peixe. Depois que o peixe está “acostumado” a comer naquele
local, o pescador lança a linha de mão ali. Do ponto de vista ecológico, parece
um petrecho que não apresenta riscos ao ecossistema marinho.
5.1.4.5.4. Molinete
Também chamado localmente de bolinete, o molinete é uma arte de
pesca bastante usada na Gamboa, no Siriú e na Silveira para pescar diversas
espécies nos costões (Fig. 46).
É constituído por uma vara, normalmente de fibra de vidro; com uma
alça em uma das extremidades e pequenas alças intermediárias presas na
vara; uma carretilha; a linha e o anzol. A linha fica presa e enrolada na
carretilha, passa pelas alças intermediárias e pela alça da extremidade, tendo
na ponta o anzol. É um petrecho que geralmente é adquirido pronto, em lojas
especializadas. A pescaria com esse petrecho assemelha-se àquela com a
linha de mão nos costões, mas o molinete é utilizado quase exclusivamente
para pescar nos costões, visando principalmente espécies que ocorrem nessas
áreas, tais como o marimbau e a enchova.
A seletividade e a eficiência também são semelhantes àquelas
observadas para a linha de mão. Entretanto, a presença da vara possibilita
lançar o anzol mais distante e imprimir maior força para fisgar o peixe, e a da
carretilha ajuda a puxar a linha com o peixe. Aparentemente, não há aspectos
negativos notáveis, considerando o uso adequado do petrecho.
29
A pesca de engodo é muito tradicional na área, mas atualmente está bastante enfraquecida,
principalmente porque depende do “respeito” entre pescadores – algo igualmente enfraquecido.
126
5.1.4.5.5. Caniço
Trata-se de um petrecho bastante utilizado na Gamboa, no Siriú, na
Silveira, na Ferrugem-Barra e no Ouvidor. Provavelmente é também usado em
todo o costão sul da enseada da Garopaba e no Portinho (Fig. 46). Também
chamado apenas de vara ou vareta, esse petrecho é empregado na pesca de
diversas espécies, especialmente nos costões. É um petrecho similar ao
molinete, exceto pela ausência da carretilha e pelo fato de que a vara é
normalmente feita de bambu. Além disso, geralmente o petrecho é produzido
pelo próprio pescador, que adquire apenas os componentes.
Talvez seja um pouco menos eficiente do que o caniço, mas a
seletividade é a mesma. Provavelmente, nas pescarias nos costões,
considerando a linha de mão, o molinete e o caniço, esses petrechos sejam
equivalentes; o diferencial é a experiência do pescador.
5.1.4.6. Tarrafa
A tarrafa é uma arte de pesca ativa usada por
pescadores de todos os núcleos pesqueiros (mas não por
todos os pescadores), na pesca de diversas espécies,
tanto no mar quanto nas lagunas (Fig. 46).
É uma rede em forma de funil, circular no plano
inferior, onde há uma tralha com diversas chumbadas. Do
centro da rede, da parte superior, parte um cabo
chamado de retinida, fieira ou fiel, que serve para içar o
petrecho. Da tralha, partem pequenos fios (rufos) que são presos às malhas
pela parte interna da panagem, a fim de formar uma bolsa, onde os peixes
ficam aprisionados. O tamanho da malha varia conforme a espécie a que se
destina, uma malha de 6 cm pode ser usada para pescar tainha; e uma de 3
cm para pescar camarão. Assim, embora possa ser adquirida pronta em lojas
especializadas, geralmente os pescadores tecem a panagem da rede,
Figura 49: Tarrafa
(Vermelha).
127
determinando a malha e o tamanho desejado da tarrafa, e colocam a tralha e
as chumbadas.
O uso do petrecho exige experiência e prática e a pescaria é individual.
De forma sintética, o pescador se posiciona num ponto de observação e
quando avista o peixe ou cardume, faz o lanço. Mantendo a fieira presa em
uma das mãos e uma chumbada presa nos dentes, o pescador apóia parte da
panagem nos braços e faz um movimento de torção corporal para um lado,
lançando a tarrafa em um arco de círculo, ao mesmo tempo em que distorce o
corpo. Com isso, a rede se abre e cai na água em círculo, a tralha com as
chumbadas desce até o fundo, retendo o peixe na rede. Depois o pescador
puxa lentamente a fieira e recolhe a rede com o pescado.
Pode ser considerado um petrecho bem seletivo e eficiente. Mas a
seletividade depende tanto da malha da rede quanto do próprio pescador – que
pode decidir pegar espécies abaixo do tamanho adequado ou não. Do ponto de
vista ecológico, a mesma característica o faz parecer um petrecho adequado
ou destrutivo: a possibilidade de escolher bem a espécie-alvo. Assim, uma
malha de determinado tamanho pode ser adequada para uma espécie e
inadequada para outra. Por outro lado, o arrasto das chumbadas no fundo não
parece, à primeira vista, ser muito impactante; mas o impacto, num local onde
a tarrafa é usada intensivamente por muitos pescadores, deveria ser melhor
avaliado.
5.1.5. Distribuição dos sistemas de pesca nos núcleos pesqueiros
As principais pescarias de cada núcleo pesqueiro estão sintetizadas na
Fig. 50.
5.1.5.1. Gamboa
As pescarias individuais são muito fortes e predominam ao longo do ano,
mas há também pescarias em equipe, sendo a tainha aquela que envolve um
maior número de pescadores.
129
Tainha
A pesca da tainha é realizada, na
Gamboa, de maio a junho, podendo
eventualmente se estender para julho. Há
pelo menos três modalidades de pescaria
para a espécie: o arrastão de praia, o
cerco com rede caça-de-malha e a pescaria individual, de tarrafa.
Figura 51: Rancho da Gamboa.
A pesca da tainha com o arrastão de praia é uma pescaria considerada
antiga pelos pescadores locais. A primeira parelha
30
da Gamboa antecede o
ano de 1944, segundo relatos. Em 1976, a Gamboa tinha 2 parelhas e os
pescadores costumavam ir para a Guarda do Embaú, onde tinham um acordo
com os donos da parelha de lá, que também vinham pescar na Gamboa.
Atualmente existem três parelhas na praia, tendo entre dois a três proprietários
cada (geralmente parentes) e são usadas na pesca da tainha numa sociedade
formada pelos 5 pescadores proprietários (alguns possuem partes em mais de
uma parelha).
Hoje, a área utilizada abrange
desde a “meia-praia” da Guarda, ao
norte da Ponta da Faísca, até o canto
do costão sul (Morro do Faísca). No
mar, o limite é dado por bóias de
marcação localizadas entre 700 m e
800 m de distância da praia e a uns
300 m do costão.
Figura 52: Arrastão de praia na Gamboa.
No arrastão de praia participam de 20 a 40 pessoas fixas, divididas mais
ou menos assim: 5 a 6 pescadores compõem a tripulação de uma canoa; 2
exercem a função de vigias; dos 5 proprietários, nem todos embarcam na
30
O termo “parelha” é normalmente empregado para designar a embarcação. No município de
Garopaba, na pesca da tainha com arrastão de praia, o termo designa o conjunto formado pela
canoa e pela rede de arrastão de praia.
130
canoa; e o restante é complementado pela camaradagem ou ajudantes (fixos)
de praia (uns 20 a 30 homens). A maioria dos pescadores que participa dessa
pescaria é da Gamboa mesmo, mas alguns (poucos) vêm de outras praias do
município também.
A partilha da tainha é feita no sistema de partes ou quinhão, a partir do
número de tainhas pescadas. O volume das partes varia conforme a
quantidade capturada. De modo simplificado, os donos das parelhas ficam com
cerca de 57 a 64% do total, a tripulação e os vigias com 28 a 33% e os
ajudantes de praia (fixos) com aproximadamente 8 a 10%. Se pegam pouco,
dividem entre si. Quando pegam muito, vendem o pescado para vários
compradores, especialmente da cidade de Garopaba e da Praia da Pinheira.
Em 2006, a safra foi de 7 toneladas. Mas há cerca de 30 anos, por volta
de 1976, só se fazia lanços grandes de tainha. Lanços de 10.000 a 15.000
tainhas. Quando um cardume era pequeno, não se fazia o lanço – de 100 a
500 tainhas ninguém pegava, deixava passar. Quando se fazia um lanço bom,
o pescado eram levado em carro de boi para ser vendido na cidade de Paulo
Lopes, o que demorava aproximadamente umas duas horas. Houve relatos de
safras de até 80.000 (oitenta mil) tainhas no passado; atualmente as safras
medianas variam de 3 a 7 toneladas.
Há indícios da existência de uma outra modalidade de pesca da tainha
na Gamboa, realizada com canoa motorizada e uma rede de caça-de-malha.
Essa pescaria envolveria 4 pescadores na canoa e seria realizada nas
proximidades da Praia da Gamboa, fora da zona do arrastão de praia. Apenas
um grupo de pescadores estaria envolvido nesta modalidade e não participaria
do arrastão. A divisão entre eles seria feita em partes iguais, meio a meio. Essa
modalidade não foi observada diretamente, mas ocorre, conforme relatos.
Enchova
A pescaria da enchova, na Gamboa, nas modalidades aqui descritas,
começou há cerca de 20 anos, aproximadamente em torno do ano de 1986. Há
131
duas pescarias da enchova: a anchoveta,
pescada de junho a setembro,
aproximadamente, e a enchova de corso,
pescada em outubro e novembro.
A enchova de corso é pescada por
duas equipes com canoa a remo, com 5 a 6
pescadores, aproximadamente entre as
isóbatas de 14 e 15 m, com rede de caceio
de superfície. Duas canoas, atualmente, realizam esta pescaria. O pescado é
vendido para a Pinheira e para Garopaba, mas também para compradores
menores. Outra equipe faz essa pescaria com canoa motorizada, na qual vão 4
pescadores, nas proximidades da isóbata dos 60 m, da Ilha do Coral até
Imbituba, com rede de caceio de superfície. A divisão é feita em partes iguais e
a produção é vendida pela Gamboa. Atualmente, 2 toneladas nessa pescaria é
considerada uma boa captura, antigamente, uma boa captura era de 10 a 12
toneladas.
Figura 53: Despesca da anchoveta
na Gamboa.
A pescaria da anchoveta é similiar à da enchova de corso com canoa a
remo, sendo realizada pelo mesmo grupo de pescadores, também com rede de
caceio, mas com uma malha menor do que a utilizada naquela pescaria. Essa
pescaria começa na safra da tainha; enquanto vigiam a praia para a tainha, é
comum aparecerem cardumes de anchoveta, possibilitando essa pescaria.
Pescadinha
A pescadinha é pescada entre os meses de outubro e fevereiro, mas
principalmente a partir de dezembro. A rede utilizada é o picaré, que teria
surgido na Gamboa há uns 20 anos, aproximadamente por volta de 1986,
sendo, portanto, uma pescaria relativamente recente – o que não significa que
a pescadinha não fosse pescada antes. É realizada aproximadamente na
mesma área de pesca da tainha, utilizando canoa a remo, com 5 pescadores.
Um número de 12 a 20 homens compõe o contingente de ajudantes de praia,
132
envolvendo cerca de 20 a 30 pescadores no total. Mas é comum, no verão, ver
diversas pessoas que estão na praia, inclusive turistas, ajudar a puxar a rede.
Junto com a pescadinha, também é comum virem outras espécies tais
como: o cascote, o gordinho, o pampinho, a enchova, o papa-terra, a raia, a
viola, o linguado, o emplastro, o parati, a tainhota, o goete, e a corcoroca. De
acordo com os pescadores, é difícil pegar 100 a 200 kg nessa pescaria. Assim,
ela é voltada mais para o consumo das famílias dos participantes. Entretanto
quando o lanço é bom o pescado é vendido, inclusive o filé de pescadinha tem
uma boa aceitação nos restaurantes da região durante o verão.
Outras pescarias
Além das pescarias descritas acima, existem outras pescarias na
Gamboa envolvendo a tarrafa e o espinhel de praia, nas praias, e o caniço, o
molinete e a linha de mão nos costões. Trata-se de pescarias bastante
tradicionais, realizadas individualmente pela maioria dos pescadores locais.
Quanto ao espinhel de praia, estima-se que cerca de 20 pescadores locais e
aproximadamente 50 “de fora” pesquem com esse petrecho na Gamboa –
muitos jovens, inclusive. Diversas espécies são
pescadas utilizando-se esses petrechos, tais
como: parati, papa-terra, pampinho, pampo,
marimbau, e robalo. Há também a retirada
manual de mexilhão dos costões, que ocorre ao
longo de todo o ano, podendo também ser
vendido, especialmente nos meses de verão.
Figura 54: Espinhel de praia na
Gamboa.
Adicionalmente, os pescadores da Gamboa também pescam o camarão
na Lagoa do Ribeirão ou da Madre – localizada em Paulo Lopes – e no seu
braço conhecido como Rio da Madre, que desemboca na Praia da Guarda.
Essa pesca ocorre o ano todo, sendo mais forte no verão, envolvendo muitos
pescadores; alguns pescam só para comer, outros para vender e
complementar a renda. É uma pescaria socialmente muito importante, vista
como “o mata-fome da pobreza”, de acordo com um pescador nativo.
133
5.1.5.2. Siriú
Figura 55: Ranchos do Siriú.
Tainha
A tainha é pescada na Praia do Siriú e na Lagoa do Siriú. Na praia, ela é
pescada de abril a julho, com rede de arrastão de praia, rede de arrasto
feiticeira e também de tarrafa, por diversos pescadores. Para as redes de
arrasto, a área de pesca, na praia, abrange a zona que vai do costão norte do
Siriú (Morro do Faísca) até aproximadamente o limite sul da praia (mas, é mais
comum ir apenas até o meio da praia). No mar, a zona se estende até as
isóbatas de 4 a 7 m.
Há indícios de que o arrastão de praia já existia no Siriú, pelo menos,
por volta de 1950. Atualmente, existem 3 parelhas na praia, sendo que duas
possuem dois proprietários (parentes) e a outra é
propriedade de um só dono, caracterizando duas
equipes. Em 2006 e 2007, não houve acordo entre
os dois grupos para a pesca em sociedade, por
divergências em relação à partilha. Nesse período,
as parelhas usaram, no total, duas redes de arrasto
feiticeira e um arrastão de praia. Normalmente, em
cada canoa vão 6 pescadores e há dois vigias por grupo. Atualmente, a captura
de 10 mil tainhas na praia é considerada uma boa safra.
Figura 56: Tainha no Siriú.
A pesca da tainha de tarrafa ocorre na praia, no costão e na Lagoa do
Siriú. Entretanto, nesse caso, a pescaria é precedida por um sistema de
manejo comunitário que começa com a abertura da barra da laguna, quando os
peixes entram na mesma. Após a entrada da tainha, para evitar que a mesma
134
retorne para o mar, os pescadores colocam um tapume (um tipo de cerca) na
boca da barra – atualmente feito com uma rede e uma corrente que serve de
chumbada. Enquanto a tainha está entrando, período conhecido como “vigia da
barra”, não se pode pescar nem com o arrastão. Com a tarrafa, só pode pescar
depois de um certo horário (após as 18 h).
Esse manejo é feito por um grande grupo de pescadores locais, que se
organizam, preparam o tapume, abrem a barra – às vezes com o auxílio de
uma máquina da prefeitura –, vigiam a entrada do peixe e colocam o tapume.
Essa prática ocorre de forma similar em outras lagunas da região, como a
Lagoa de Garopaba e a Lagoa de Ibiraquera. Além dos pescadores locais, um
grande número de pescadores “de fora”, também pescam a tainha de tarrafa na
Lagoa do Siriú. Há relatos de um ano em que foram pescadas cerca de 30 mil
tainhas na lagoa, nesse sistema de pesca. Atualmente, a variação tem sido de
3 a 5 mil tainhas por safra.
Pescadinha, Pampo e Xerelete
A pescadinha é uma pescaria de verão, ocorrendo normalmente de
dezembro a fevereiro. Parece ser uma pescaria que ocorre na Praia do Siriú
pelo menos desde 1950. A pescaria é feita com canoa a remo e rede de arrasto
picaré. A pescada-olhuda é boa para fazer filé e tem boa aceitação no
mercado, a pescada-bichenta dá em maior quantidade. É comum vir também o
pampo, nessa pescaria.
A pescaria do pampo e do xerelete vai do verão até a quaresma
(dezembro a abril). Ambos podem ser pescados com o picaré, o mesmo usado
para a pescadinha, mas o pampo também é pescado com linha de mão no
costão. O volume dessas pescarias fica em torno de 1 t, por safra.
Tainhota e Parati
A tainhota é pescada o ano todo, na praia, com tarrafa, sendo mais forte
no verão, quando também é pescada no sistema de arrasto de praia, com rede
135
de arrasto feiticeira. Já o parati é pescado durante todo o ano, na praia, com
tarrafa. Eventualmente, pode ser pescado com o picaré, com malha 6 cm.
Enchova e Camarão
O período da enchova é de setembro a outubro, sendo este o mês mais
forte, mas é pescada também a partir de julho, principalmente com molinete,
caniço e linha de mão no costão e na praia. Durante a safra da tainha, é
comum a pesca da enchova de molinete no costão (provavelmente a
anchoveta). Utilizando canoa a remo ou motorizada, com rede de caceio de
superfície, uma equipe de pescadores do Siriú captura a enchova nas
proximidades dessa praia, da Praia da Guarda e/ou da Praia da Garopaba.
Essa mesma equipe pode, eventualmente, pescar a enchova com rede de
arrasto, quando a mesma encosta na praia vindo de Norte para Sul; mas não é
muito comum.
O camarão é também uma das pescarias mais importantes, sendo
pescado na Lagoa do Siriú, com tarrafa, principalmente no verão.
Outras pescarias
As pescarias mais tradicionais e presentes ao longo de todo o ano, na
praia e no costão, são aquelas realizadas com espinhel de praia, tarrafa,
molinete, caniço e linha de mão. Elas abrangem diversas espécies – como o
marimbau e a enchova, pescados no costão – e são importantes para o
complemento alimentar de várias famílias locais. Há ainda a pescaria do
linguado, com rede de espera fundeada (que pode ser uma rede conhecida
como “calão”), que captura também a corvina, o cação, o emplastro e a viola. E
a abrótea, pescada no mês de agosto, com espinhel de praia e com espinhel
de fundo e canoa a remo – no entorno das isóbatas de 8 a 10m,
aproximadamente a 1 km da costa.
136
5.1.5.3. Morrinhos
Tainha
É pescada de maio a julho, na zona
que abrange desde a “meia-praia” do
Siriú, ao Norte, até aproximadamente a
metade da Praia da Garopaba, ao Sul, em
profundidades de até 10 m, um pouco
além da linha de arrebentação.
Figura 57: Canoa e rancho do
Morrinhos.
Existem duas parelhas no Morrinhos, ambas do mesmo proprietário.
Uma canoa com uma rede de arrastão de praia e outra com uma rede de
arrasto feiticeira. Na canoa vão 6 pescadores, na praia ficam pelo menos 2
vigias e o número de ajudantes de praia fixos fica em torno de 20 homens. A
produção é vendida normalmente para um comprador de Florianópolis ou para
um outro comprador local que revende para Florianópolis e Itajaí; mas é
comum também se vender diretamente para as pessoas na praia. Diversos
pescadores também pegam a tainha de tarrafa na beira da praia.
Pescadinha, Espada e Tainhota
A pescaria da pescadinha é feita de outubro a março, nas proximidades
da praia, atingindo até uns 800 m de distância da costa. Normalmente utiliza a
faixa entre o canto norte do costão de Morrinhos até mais ou menos metade da
praia de Garopaba. O sistema de pesca é com o picaré, utilizando uma canoa a
remo com 6 pescadores e aproximadamente uns 15 ajudantes de praia. Já a
espada é uma pescaria mais do verão, juntamente com a pescadinha. O
inconveniente dessa pescaria são os estragos provocados na rede, pois a
espada costuma rasgá-la com seus dentes afiados.
No verão, a venda é mais fácil, o filé de ambas as espécies é bastante
apreciado e vende bem (em quantidade e bom preço). Além da pescadinha e
137
da espada, comumente associadas, outras espécies também costumam vir no
arrasto, a exemplo do bagre, da enchova, do peixe-galo, do pampinho e do
cascote.
Também no verão, tem a pescaria da tainhota, principalmente entre os
meses de dezembro e fevereiro, nas proximidades da praia, com o arrastão de
praia e o picaré (canoa a remo, com 6 pescadores).
Enchova
É pescada em outubro e novembro, nas proximidades da praia, com
rede de arrasto feiticeira e canoa a remo com 6 pescadores. A partilha é feita
no sistema de partes (2): uma para o dono da canoa e outra para a tripulação.
Outras pescarias
Além das pescarias citadas, há vários pescadores no Morrinhos que
pescam com tarrafa e espinhel de praia, tanto na praia quanto no costão.
Entretanto, não foi possível constatar o uso de outros tipos de petrechos como
o caniço, o molinete e a linha de mão – esta última talvez seja usada no costão.
Aparentemente, eles podem não ser muito comum, pois a pesca no costão
parece se restringir a uma pequena área, o restante não seria muito adequado
devido às baixas profundidades na área próxima. Em geral, essas pescarias
visam o complemento alimentar das famílias, não a comercialização.
Entre outras espécies, pode-se citar a sardinha, pescada com a mesma
rede (picaré) usada para pescadinha; a garoupa no entorno do Ilhote do Siriú –
no qual, de vez em quando, também se pega mexilhão –; o marimbau e o
robalo, nas proximidades do costão, de espinhel ou linha de mão.
138
5.1.5.4. Cancha
A maioria das pescarias da Cancha é feita em dupla ou em equipe, com
lanchas, botes, caícos ou bateras. Em
geral, produção é dividida em quinhões
ou partes – sendo vendida para os
principais compradores de Garopaba.
Abrótea e Corvina
A abrótea é pescada no período
entre os meses de junho e setembro, no entorno das isóbatas de 20 m a 25 m,
com espinhel de fundo e com rede de espera feiticeira (fundo). Essa pescaria
envolve cerca de 4 pescadores, embarcados num bote ou lancha. Atualmente,
uma boa captura varia entre 200 a 300 kg/dia, com a rede de espera, e entre
300 a 400 kg/dia com o espinhel.
Figura 58: A Cancha e seus barcos.
A pesca da corvina se concentra nos meses de agosto a outubro. A
pescaria ocorre nas proximidades da isóbata de 50 m, com rede de espera
feiticeira, utilizando bote ou lancha. Em ambas as pescarias, a produção é
dividida em 3 partes, cabendo meia parte para a embarcação, uma parte e
meia para o patrão, e uma parte para a tripulação.
Enchova
É uma pescaria realizada nos meses de setembro a novembro, com
rede de caceio de superfície, em bote ou lancha. Não foi possível determinar a
área utilizada, mas provavelmente é similar à área usada pelos pescadores do
núcleo da Garopaba.
Viola, Linguado e Emplastro
139
As pescarias da viola, do linguado e do emplastro são similares, com
rede de espera de palmo, com bote ou lancha. A viola é pescada no período de
novembro a maio; o linguado é pescado principalmente em novembro e
dezembro; e o emplastro de dezembro a abril.
Outras pescarias
Embora não se tenha encontrado evidências irrefutáveis, devido às
grandes similaridades encontradas entre os núcleos da Cancha e da
Garopaba, acreditamos que os pescadores da Cancha pesquem a tainha com
uma rede caça-de-malha ou com uma das redes usadas em outras pescarias.
Entre outras espécies pescadas nesse núcleo, pode-se citar as
pescadas e o cação. Outras espécies podem ser pescadas em cardumes, mas
são mais comuns virem junto com outras pescarias ou serem pescadas em
mistura
31
– não se tem redes específicas para elas – tais como: guaivira;
sororoca; caçonetes pequenos; papa-terra; e peixe-porco.
5.1.5.5.Garopaba
As principais pescarias são a enchova, a corvina, a abrótea, a tainha, o
linguado e a viola. Num nível secundário, mas não necessariamente menos
importante, estariam as pescarias do emplastro, da garoupa, do cação, da
pescadinha, da espada, da tainhota e da sardinha. Na Praia da Garopaba,
apenas 8 galpões são equipados com guinchos para puxar as embarcações.
31
O termo mistura, nesse caso, é empregado para designar espécies diversas que são
pescadas por ocasião da captura de uma espécie-alvo, não sendo, portanto, objetivo da
pescaria. Entretanto, estando em bom estado, não são descartadas, mas aproveitadas para
consumo próprio ou mesmo para a comercialização.
Figura 59: Galpões da Garopaba.
140
De acordo com relatos, duas equipes trabalham com rede de porta para arrasto
de camarão, no verão, desde a enseada até o Ilhote do Siriú.
Há apenas uma embarcação cabinada na Garopaba, que possui maior
autonomia no mar. O dono da embarcação possui rede de corvina e de
enchova, mas também se dedica à pesca da garoupa-verdadeira sobre os
parcéis. A pesca da garoupa pode chegar até a faixa de 70 m de profundidade,
mas normalmente ocorre entre as isobátas de 30 m a 40 m; abrangendo a área
marinha desde a Ilha do Arvoredo, no norte do estado, até o município de
Araranguá, no sul. No verão, essa embarcação também pesca lula e viola.
Um outro pescador chama a atenção por pescar apenas de canoa, às
vezes sozinho. Normalmente, captura uma diversidade maior de espécies do
que as outras embarcações, mas também pesca cardumes específicos. Entre
as espécies pescadas, pode-se citar a pigirica amarela e a pigirica branca
(pescadas com uma rede de malha 10 cm);
a salema; o xerelete; o pampo; a
palombeta; a espada; a savelha; as
sardinhas; a garoupeta; o peixe-porco; a
abrótea; o pachá; o gordinho; a corcoroca;
a corvina; a enchova e o peixe-galo.
Figura 60: Barcos da Garopaba.
Enchova
O período de pesca da enchova vai de setembro a novembro, podendo
eventualmente começar em julho ou agosto, a depender do ano. Normalmente,
outubro e novembro são os meses mais fortes. A zona onde ocorre essa
pescaria se estende da Ilha do Coral até a Ponta de Imbituba, entre as isóbatas
de 10 m a 60 m; mas, cada equipe tende a trabalhar numa área menor dentro
dessa zona. Essa pescaria é feita principalmente com rede de caceio de
superfície e, em menor grau, com rede de espera. Utiliza lanchas ou botes,
tripulados com 5 ou 3 a 4 pescadores, respectivamente. Segundo os
pescadores, podem ser consideradas boas quantidades de pesca por
embarcação: 25 t na safra, 6 a 9 t num mês e 200 a 400 kg por dia. No final de
141
novembro, foram observadas, associadas à pesca da enchova, espécies como
a guaivira, o gordinho, o cação, a sororoca e a palombeta.
A partilha tem o número de partes igual ao número de tripulantes mais 3,
correspondentes às partes da rede, da embarcação e do motor. Também é
comum acrescentar apenas 2 partes (da rede e da embarcação) ao número de
tripulantes.
Corvina
A corvina é capturada ao longo do ano todo, mas o período no qual a
pesca é mais direcionada para essa espécie vai do mês de agosto a novembro,
podendo começar em julho e se estender até dezembro. O mês de setembro,
entretanto, é considerado o melhor. As equipes, em geral, se dedicam 3 a 4
meses a essa pescaria. A área dessa pescaria se estende desde a altura da
Ilha do Coral até a altura da Ponta de Imbituba, preferencialmente, entre as
isobátas de 15 m a 60 m.
Essa pescaria pode ser feita tanto com lanchas quanto com botes, a
depender da rede. Nas lanchas vão entre 5 a 9 pescadores, nos botes, entre 3
a 4 pescadores. As lanchas normalmente utilizam rede de espera de fundo e os
botes, preferencialmente, rede de caceio de fundo. Podem ser considerados
números de uma boa safra: 5 a 6 t por mês; 2 a 3 toneladas por quinzena; 20
toneladas em três meses; e 10 toneladas no mês de setembro.
Na partilha das lanchas, divide-se em tantas partes quanto o número de
pescadores mais dois; se são 6 pescadores, divide-se em 8 partes. Mas pode
também ser dividido em duas partes: uma do dono e uma da tripulação. Nos
botes, o número de partes é duas vezes o número da tripulação. Então, se vão
3 pescadores, divide-se em 6 partes: uma parte do bote, uma da rede, uma do
motor, uma de cada tripulante. Se o bote tem 4 tripulantes e o dono é um tipo
de armador, não pesca, divide-se em 7 partes – 3 partes são do dono
(considerando embarcação, rede e motor).
142
Abrótea
A abrótea é pescada de junho a dezembro, considerando o conjunto das
equipes, mas normalmente cada uma tem uma estratégia de 3 a 4 meses: de
junho a agosto, de julho a outubro, de setembro a dezembro. A área utilizada
abrange desde a altura da Ilha do Coral até a altura da Praia da Ferrugem, no
sentido norte-sul, e da isóbata de 10 m à de 50 m, no sentido oeste-leste –
sendo mais comum ir até os 25 a 30 m.
Essa pescaria é feita com lanchas, tripuladas com 4 a 5 pescadores, e
com botes, nos quais vão 3 a 4 pescadores. Utilizam rede de espera feiticeira
(de fundo), espinhel de fundo, e rede de
palmo. Atualmente, parece que apenas 2 ou
3 equipes trabalham com o espinhel de
fundo. Diversos tipos de isca são utilizados
no espinhel de fundo, tais como parati,
peixe-espada, papa-terra e espécies de
forma serpentiforme alongada, não
identificadas, chamadas pelos pescadores
de “cobras”.
Figura 61: Colocação de espinhel
de fundo.
Em certa ocasião, no mês de agosto, foi possível acompanhar o
desembarque de uma pescaria de abrótea com rede de palmo. Vieram
exemplares associados de linguado, viola, pescada, gordinho, corvina,
emplastro, peixe-voador, siri e treme-treme (o qual foi descartado). Num outro
desembarque, juntamente com a abrótea, havia exemplares de linguado e
emplastro. Já em outubro, foi observado o desembarque de boa quantidade de
abrótea acompanhada por alguns exemplares de raia-chita, emplastro, corvina,
corcoroca, linguado, tainha e gordinho.
A partilha varia de equipe para equipe, mas normalmente, são tiradas
(de modo variável) as partes dos equipamentos (embarcação, rede, motor) e
do dono (que varia também conforme ele pesca ou não). Geralmente, o
número de partes é igual ao de tripulantes mais 2 ou 3 partes. Assim, por
143
exemplo, se vão 3 pescadores, a partilha é em 5 partes. Num bote, se vão 4
pescadores, pode-se dividir em 7 partes: 3 partes e meia são divididas entre os
3 tripulantes, e 3 partes e meia são do dono, da embarcação e da rede. Se o
dono do bote não é pescador (é armador), mas é dono também da rede, a
divisão para 4 pescadores é feita em 7 partes, ficando 1 parte para cada
tripulante, 1 parte do bote, 1 parte da rede, 1 parte do motor. Se o dono é
pescador, divide-se apenas em 6 partes.
Atualmente, podem ser consideradas boas capturas durante uma safra:
15 t em 3 a 4 meses; 4 t em 15 dias; e 200 a 300 kg por dia. Há alguns anos
atrás, uma boa safra era de 8 a 12 t numa quinzena.
Tainha
É pescada de maio a julho, podendo começar em abril. A área utilizada é
ampla e varia de equipe para equipe. Considerando o conjunto, a zona de
pesca da tainha situa-se entre as isóbatas de 5 m e 50 m, no sentido oeste-
leste, e de Florianópolis até Laguna, no sentido norte-sul. Não há mais arrastão
de praia no núcleo da Garopaba e nem todas as equipes fazem a pescaria da
tainha – parece que apenas oito participam. Os pescadores envolvidos utilizam
lanchas com 10 a 11m de comprimento, que levam entre 7 e 10 tripulantes. As
redes usadas são a traineira e a caça-de-malha.
Normalmente, a divisão é feita em duas partes: uma da embarcação ou
do dono, a outra da tripulação. Outra forma consiste em dividir o total por um
número de partes superior ao número de tripulantes, de modo que as partes
excedentes correspondem a outros custos. Por exemplo, uma equipe divide o
total em 18 partes para 10 pescadores, tira a parte do motor, da embarcação,
da rede, do patrão (o mestre da pescaria), e do dono – que fica com o restante.
Na temporada de 2007, a safra foi de aproximadamente 41,5 t,
considerando o peso de 1,5 kg por tainha (MARTINS, 2007
32
), para os 3
32
MARTINS, P.R. A temporada da tainha em 2007 superou o ano anterior. Jornal da Praia.
Disponível em http://www.gsurfnet.com/not_todas.asp?tipo=patricia. Acesso em 07/08/2007.
144
núcleos da Praia da Garopaba. Atualmente, uma safra pode ser considerada
boa no entorno de 30 t, aproximadamente 6 a 8 t por mês. Há referências de
que, no passado, numa boa safra se pegava 90 mil tainhas.
Linguado
O linguado é pescado principalmente de junho a dezembro. Os
pescadores que pescam a tainha, normalmente param essa pescaria nos
meses de junho e julho. A zona dessa pescaria abrange desde as
proximidades da Ilha do Coral até a Ponta de Imbituba, entre as isóbatas de 25
m e 50 m, mas pode também ser pescado mais próximo à costa. Trata-se de
uma pescaria feita com rede de espera de palmo. Pode ser em lanchas, com 5
pescadores, ou em botes, com 3 pescadores. A partilha é feita de forma
semelhante à da enchova. Quanto às quantidades, valores entre 300 a 400 kg
num dia são indicadores de uma boa pescaria.
Em uma pescaria no mês de agosto foi observado o desembarque
associado de linguados e bagres, praticamente em proporções equivalentes.
Outro desembarque trouxe mais emplastro (20 kg) do que linguado (apenas 2
exemplares). Além dessas espécies, é comum virem outras espécies
associadas a essa pescaria, principalmente viola, emplastro e cação; mas
também raia, corvina, abrótea e enchova.
Figura 62: Retirando barcos do mar com e sem guincho (direita) na Garopaba.
Viola e Emplastro
A viola pode ser pescada de janeiro até setembro, especialmente nas
áreas mais ao sul da Praia da Garopaba, sendo mais forte de janeiro a março.
Já o emplastro é mais de dezembro a abril. Nessas pescarias, normalmente
vão 3 pescadores por equipe, com botes e redes de espera de palmo.
145
Garoupa
É uma pescaria do verão, começa em dezembro e vai até abril. Os
pescadores, em número de 2 ou 3, utilizam as proximidades dos parcéis, dos
costões, dos ilhotes rochosos e ilhas para pescar a garoupa. Com botes ou
caícos, os pescadores pescam a garoupa de linha de mão e de espinhel.
Cação
A pesca do cação é uma pescaria bem antiga da Praia da Garopaba,
mas atualmente poucas equipes se envolvem na mesma. Ela ocorre nos
meses de janeiro a março e no inverno, de junho a agosto. A zona abrange
desde a altura das Ilhas Moleques do Sul, ao Norte, até a altura da Ilha Tacami,
ao Sul, nas proximidades das isóbatas de 60 m e 80 m. Em botes com
tripulação de 3 a 4 pescadores, a pescaria utiliza rede de espera de palmo,
rede de espera feiticeira, rede de caceio de fundo (a mesma usada para
corvina) e espinhel de fundo. Outros pescadores pescam o cação com redes
usadas em outras pescarias, sem objetivar necessariamente essa espécie.
A partilha é normalmente feita em número de partes equivalentes ao
total da tripulação, mais embarcação, rede e motor. Uma pescaria considerada
boa traz em torno de 400 kg a 1 t numa semana. No final de novembro,
assistimos ao desembarque de uma pescaria de cação, acompanhados por
exemplares de enchova.
Pescadinha e Espada
O período de captura da pescadinha vai de novembro a março. A área
utilizada vai da altura do Ilhote do Siriú até a altura do Parcel da Garopaba, no
entorno da isóbata dos 30 m. Os pescadores normalmente utilizam botes com
3 a 4 pescadores e rede de espera de fundo. A pescadinha pode vir
acompanhada de outras espécies, tais como abrótea; corvina; gordinho; e
peixe-porco. Já a espada é uma pescaria mais de verão, ocorre de dezembro a
março; as equipes envolvidas utilizam bote e rede de caceio.
146
Tainhota e Sardinha
A tainhota é pescada no período de janeiro a abril, na enseada da
Garopaba. Não é uma pescaria que atrai muitos pescadores do núcleo da
Garopaba. Os poucos que fazem essa pescaria usam lancha e a mesma rede
da tainha: a rede de cerco traineira.
Já a sardinha, atualmente é uma pescaria fraca, poucos pescadores se
envolvem. Ela é pescada no mês de janeiro, na enseada da Garopaba e nas
suas proximidades. Em lancha tripulada com 5 a 6 pescadores, ou num bote,
com 3 pescadores, essa pescaria é feita com rede de cerco traineira. A partilha
é em duas partes: uma para a tripulação e outra para a embarcação.
Outras pescarias
Juntamente com as principais espécies pescadas, uma variedade
incrível de outras espécies compõe as capturas no núcleo da Garopaba,
incluindo praticamente todas aquelas apresentadas anteriormente, no item
5.1.2.12. Alguns casos, entretanto, merecem destaque. O bagre é uma espécie
que ocorre o ano todo e há indícios de ter sido uma pescaria muito relevante no
passado. Pode-se observar que ainda é pescado, entretanto, não foram obtidas
muitas informações sobre essa pescaria. O mexilhão é catado por alguns
pescadores tanto para a venda quanto para consumo próprio. Carangueijos-
aranha e siris aparecem com freqüência nas redes, mas os pescadores, em
sua maioria, descartam essas espécies.
5.1.5.6. Vigia
Ao que tudo indica, a pesca na Praia da
Vigia está atualmente restrita à pesca da tainha
com rede de arrastão de praia, e à pesca de
diferentes espécies com tarrafa, linha de mão,
caniço e molinete, nas beiras das rochas que a
Figura 63: Rancho da Vigia.
147
circundam. Pescadores, principalmente dos núcleos pesqueiros da Cancha e
da Garopaba, costumam colocar redes de espera nas proximidades dessa
praia.
5.1.5.7. Silveira
A pesca na Praia do Silveira é principalmente individual, ao longo da
praia e nos costões norte e sul, com a tarrafa, o espinhel de praia, a linha de
mão, o caniço e o molinete, visando
principalmente o consumo familiar. As
pescarias com esses petrechos envolvem
tanto os pescadores que moram na Silveira,
quanto os que moram em outras localidades
do município – incluindo antigos moradores
que se mudaram dali. A pesca da tainha,
envolvendo diversos pescadores, difere
dessa dinâmica.
Figura 64: Canoa e rancho do
Silveira.
Tainha
A pescaria da tainha, de maio a junho, nos cantos norte e sul da Praia
do Silveira, até a profundidade de 5 a 10 m, é praticamente a única direcionada
para a venda, quando as capturas superam a demanda das famílias dos
pescadores envolvidos. Na Silveira existem 2 parelhas com 2 redes de arrastão
de praia e uma rede de arrasto feiticeira. Nas canoas a remo, embarcam 6
pescadores e a partilha é principalmente no sistema de quinhões. Dividem em
2 partes: uma do dono da canoa e das redes, outra da tripulação. A metade da
tripulação é dividida em mais ou menos 15 partes, sendo que o patrão ganha 3
partes dessa metade; os remeiros ganham 2 quinhões e os dois vigias 1,5
quinhão. Quando pegam uma boa quantidade, vendem para as peixarias e
comerciantes da Praia da Garopaba. Atualmente, a safra é considerada boa
quando pegam 1 t; mas “antigamente”, seria umas 9 t.
148
Corvina, Enchova e Garoupa
A corvina é pescada em janeiro e fevereiro, na praia, de espinhel de
praia e tarrafa; trata-se de uma pescaria para consumo próprio, não visa a
comercialização. Os pescadores chegam a utilizar um espinhel com 80 anzóis,
contando com o auxílio de surfistas para deixar a ponta do espinhel além da
linha de arrebentação.
A enchova é pescada tanto na praia quanto nos costões. Embora os
pescadores não tenham especificado o período, acreditamos que seja de
agosto a novembro. Nessa pescaria, utilizam tarrafa, linha de mão e caniço –
estes últimos, nos costões. Já a pescaria da garoupa, de fevereiro a abril, é
exclusivamente realizada nos costões, principalmente com linha de mão. Trata-
se de uma pescaria considerada importante para a subsistência e há relatos de
que era muito mais forte no passado.
Tainhota, Parati e Pampo
O período de pesca da tainhota e do parati é de fevereiro a julho,
embora alguns pescadores tenham relatado que a tainhota ocorre o ano todo.
Pescam ao longo da praia, de tarrafa. Por sua vez, o pampo é uma pescaria de
verão, com espinhel de praia, na praia, e com linha de mão, nos costões.
Outras pescarias
Os pescadores da Praia do Silveira também pescam o camarão-rosa
nas lagoas de Ibiraquera, da Garopaba e do Siriú. Além disso, outras espécies
são pescadas no Silveira, tais como: o sargo e o marimbau, de linha de mão
nos costões; o linguado, de tarrafa na beira da praia; o robalo, de tarrafa de
qualquer malha; o papa-terra e o bagre, de espinhel de praia; a pescadinha, de
tarrafa, no verão; e o mexilhão, retirado dos costões para consumo familiar.
149
5.1.5.8. Ferrugem / Barra
Figura 65: Ranchos da Ferrugem (esquerda) e da Barra.
Nesse núcleo, a pesca é principalmente realizada de forma individual, ao
longo de todo o ano, nos costões, nas praias e na lagoa, visando
prioritariamente o consumo familiar. As pescarias realizadas nos costões – ao
norte da Praia da Ferrugem, no ilhote e ao sul da Praia da Barra – são muito
tradicionais e antigas. Alguns pescadores pescam no mar e na lagoa, outros só
na lagoa. Ademais, no verão, a pesca na praia é reduzida devido à forte
presença de turistas, ficando mais restrita aos costões e à lagoa.
Para tanto, os pescadores utilizam diversas artes de pesca: a tarrafa
(principal), o espinhel de praia e a linha de mão, no caso das praias; o caniço, o
espinhel e a linha de mão, nos costões; e a tarrafa na lagoa. Alguns
pescadores também pescam em equipe (2 ou mais pescadores) em diferentes
pescarias, usando redes em alguns casos. Mas a pesca da tainha é aquela na
qual se envolve um maior número de pescadores e a que visa, juntamente com
a pesca do camarão na lagoa, a venda do pescado. Entretanto, alguns
pescadores afirmaram que quando capturam boas quantidades nas pescarias
(em equipe), eles vendem.
Tainha
A tainha é pescada de maio a junho, principalmente, podendo se
estender até o início de julho. A área utilizada abrange a zona que começa a
uma distância de 250 m do canto norte da praia da Ferrugem (área atualmente
reservada para o surfe) até o canto sul da Praia da Barra, no sentido norte-sul,
e avança até as isóbatas de 10-15 m, em direção ao mar.
150
Existem atualmente 3 parelhas, ficando uma na Praia da Ferrugem, uma
no Ilhote da Barra e outra na Praia da Barra. Essas parelhas são apropriadas
numa sociedade, iniciada em 1972, de 5 ou 6 pescadores, donos de 3 canoas
a remo e 3 redes de arrastão de praia. Cerca de 15 a 20 pescadores compõem
a equipe, entre tripulação (6 pescadores), vigias e ajudantes de praia fixos –
mas outras pessoas aparecem na hora de puxar a rede. Durante a safra da
tainha (60 a 75 dias), os pescadores fazem aproximadamente uns 6 lanços
com a rede de arrastão de praia. Normalmente, não cercam cardumes
pequenos, só os grandes, visando evitar estragos na rede.
A partilha dessa pescaria é feita no sistema de partes. Se o lanço é
grande, 12 a 15% é dado aos ajudantes de ocasião e à pessoas da
comunidade; se for pequeno, tiram 10% apenas. Depois, do restante, 30% é
dos donos da embarcação e 70% da tripulação, vigias e ajudantes de praia
fixos. Outra forma de interpretar a
divisão é através dos “terços”: os
donos da embarcação ficam com
um terço e os demais dividem dois
terços. As quantidades de uma
safra considerada boa variam de 7
a 12 toneladas.
Figura 66: Rancho do Ilhote da Barra.
Muitos pescadores também pescam a tainha de tarrafa na praia,
especialmente aqueles que não fazem parte da equipe envolvida no arrastão
de praia. Também na Lagoa de Garopaba, a tainha é pescada de tarrafa.
Como na Lagoa do Siriú, aqui também essa pescaria é precedida por um
sistema de manejo comunitário, que começa com a abertura da barra da
laguna, quando os peixes entram na mesma. Normalmente, a partir de março,
os pescadores evitam ao máximo abrir a barra, aguardando até meados de
maio, quando então, escolhem um bom dia para abri-la. Com a barra aberta, os
pescadores fazem uma vigia de 3 dias e 3 noites, mantendo o local em silêncio
e sem pesca para o peixe entrar. Depois disso, colocam uma rede na boca da
barra (tapume), para que o peixe não saia. Só então, a pesca da tainha é
151
liberada na lagoa, de tarrafa. Cabe ressaltar que a abertura da barra também
favorece a pescaria com o arrastão e com tarrafa na praia – segundo os
pescadores, a tainha é atraída pela água da lagoa. Quando a barra está aberta,
aumenta a quantidade de tainha na praia.
Camarão
A pescaria do camarão-rosa na Lagoa de Garopaba é uma das
pescarias mais importantes desse núcleo pesqueiro. Pode até ser considerada
a mais importante, levando-se em conta que tantos os pescadores envolvidos
nas parelhas de tainha quanto os não envolvidos (a maioria) pescam o
camarão na lagoa. Ela ocorre principalmente de outubro a fevereiro, sendo
mais forte nos meses de verão. Mas, segundo pescadores locais, o camarão
ocorre o ano todo – o camarão de inverno seria aquele que entra na lagoa em
março e cresce nela.
Muitos pescadores têm canoas a remo adaptadas às especificidades da
lagoa. O camarão é pescado de tarrafa com ou sem canoa, mas outras artes
de pesca proibidas e/ou inadequadas também são utilizadas, tais como: redes,
gerival, rede feiticeira, e coca. Essa pescaria está associada ao manejo da
abertura da barra, que deve ser aberta, a partir do mês de outubro, com uma
maré alta, mar manso e canal fundo, para que o camarão entre com a água do
mar. Depois, é preciso deixar o camarão “se criar” na lagoa. Na safra, um
pescador pode pegar 3 a 4 kg de camarão num dia normal.
Enchova
Atualmente é uma pescaria muito incerta e de freqüência variável. Há
dois tipos de pescaria da enchova: a enchova propriamente dita, em outubro; e
a anchoveta, de junho a agosto. A enchova é pescada nos costões, com linha
de mão ou caniço. Também é pescada com a rede da tainha (arrastão de
praia), normalmente a que tem maior malha, e com rede de caceio, sempre
com canoa a remo – neste caso, normalmente, o pescado é vendido, se o
volume capturado for bom. A zona da pescaria de caceio se estende da ponta
152
do Morro do Capão, ao norte, até a altura do Ilhote do Ouvidor, ao sul,
aproximadamente até as isóbatas de 15 e 20 m.
Tainhota e Parati
São pescadas no período de dezembro a fevereiro, com tarrafa, ao
longo da praia, especialmente quando a barra da lagoa está aberta, e,
principalmente, na lagoa. A pesca da tainhota pode ser considerada de
destaque na lagoa, sendo a segunda mais importante (juntamente com a
tainha), depois do camarão.
Garoupa e Pampo
A pescaria da garoupa, bastante tradicional, é de janeiro a abril, nos
costões da Ferrugem (norte) e da Barra (sul), com linha de mão. O pampo é
uma outra pescaria muito tradicional dos costões da Ferrugem. É pescado
principalmente nos meses de outubro e novembro, mas pode se estender até
fevereiro, de linha de mão (nos costões), e de tarrafa e de espinhel de praia (na
praia). “Antigamente”, o arrastão de praia era usado para pescar o pampo;
atualmente, ele ainda pode ser capturado em boa quantidade no arrastão,
durante a safra da tainha, mas normalmente não é a espécie-alvo da pescaria.
Outras pescarias de mar
Além das espécies citadas, que compõem as principais pescarias, outras
também são pescadas ao longo do ano, a maioria direcionada para o consumo
das famílias dos pescadores. O marimbau ocorre ao longo de todo o ano, de
caniço nos costões; mas o principal período dessa pescaria vai de julho a
setembro. Tem o sargo, pescado de espinhel e linha de mão nos costões. O
papa-terra é pescado nos costões e na praia; assim como a raia, a viola, o
cação, a miragaia, a corvina, o robalo, e o linguado. Durante a safra da tainha,
também pegam de espinhel de praia e de tarrafa: o papa-terra, o pampinho, o
bagre, a anchoveta. A pescadinha ainda é capturada, mas de forma pontual,
não mais com a rede de arrasto picaré, como há alguns anos. A manjuba é
153
pescada com tarrafa de malha pequena para servir de isca. Já o mexilhão, é
retirado manualmente dos costões para consumo familiar.
Outras pescarias da Lagoa de Garopaba
Diversas outras espécies são pescadas para consumo familiar,
normalmente de tarrafa, na lagoa, tais como: o siri; o carapicu (outubro a
março); o robalo; a corvina (às vezes); a caranha; o linguado; o xerelete; a
carapeva; o cará; a traíra.
5.1.5.9. Ouvidor
A pesca na Praia do Ouvidor, entre
2005 e 2007, mostrou-se bastante
enfraquecida. Nela encontram-se 2 ranchos
de pesca: um é utilizado por diversos
pescadores, principalmente das
comunidades da Grama e do Campo D´Una, mais afastadas do mar, no
entorno da Lagoa de Ibiraquera; o outro é de uma família muito tradicional na
pesca local, mantendo-se, nesses anos, praticamente fechado. Atualmente, a
pesca é feita de forma mais individual, ao longo da praia e dos costões, com
tarrafa, caniço e linha de mão, visando principalmente o consumo. O espinhel
de praia, bastante usado no passado, está praticamente “fora de uso”. As
pescarias em equipe encontram-se meio desativadas, mais eventualmente
ainda ocorrem. Aparentemente, as espécies mais pescadas têm sido a tainha,
o parati e a tainhota.
Figura 67: Rancho do Ouvidor.
Tainha
Na safra, de maio a julho, a tainha vem sendo pescada de tarrafa, ao
longo da praia. O primeiro arrastão de praia no Ouvidor teria surgido por volta
de 1936 e manteve-se como a principal pescaria nesse ponto por muitos anos.
A parelha que existe na praia, hoje, com uma rede de arrastão de praia, está
temporariamente parada, não tendo sido utilizada entre 2005 e 2007. Em 2006,
154
alguns pescadores pescaram algumas vezes com o picaré. Antes desse
período, a pescaria da tainha era realizada também no sistema de arrastão de
praia, semelhante ao que já foi descrito para outros núcleos pesqueiros,
envolvendo uma canoa a remo.
Enchova
A pescaria da enchova já foi uma das mais fortes do Ouvidor.
Atualmente, é feita com rede de caceio, de agosto a novembro, provavelmente
de canoa a remo. Alguns relatos indicaram que, talvez, a enchova também seja
capturada com rede de arrasto picaré (mais em novembro) e com uma canoa a
remo. Outra forma de se pescar a enchova é de linha de mão nos costões e na
praia – hoje em dia pouco freqüente. A pesca da anchoveta é feita de tarrafa,
ao longo da praia, no período da pesca da tainha.
Pescadinha
Essa pescaria, realizada durante os meses de verão, com mar manso, é
feita por uma equipe de pescadores utilizando um picaré e uma embarcação a
remo (provavelmente uma canoa). A rede é apropriada em sociedade.
Eventualmente, exemplares de enchova e tainha são capturados nessa
pescaria. Assim como foi observado para a pescaria da tainha, no sistema de
arrastão, a pesca da pescadinha também se encontra enfraquecida e
intermitente, não se realizando mais todos os anos.
Parati, Tainhota e Garoupa
O parati e a tainhota, provavelmente, são espécies de grande
importância para os pescadores que pescam no Ouvidor. São pescarias de
tarrafa, ao longo da praia, principalmente de novembro a março. A garoupa, no
verão, era uma das pescarias mais relevantes, pois o ponto do Ouvidor é
reconhecido como um dos melhores para a espécie. Atualmente ainda
acontece nos costões, com linha de mão ou caniço, mas com menor força.
155
Outras pescarias
Algumas outras pescarias foram identificadas, a maioria enfraquecida
devido à redução da abundância das espécies, tais como: o linguado e o bagre
de linha de mão na praia e nos costões; a viola, de tarrafa no verão; e o robalo,
a miragaia e o sargo, de linha de mão nos costões, durante o verão. Ainda tem
o mexilhão, retirado manualmente.
5.1.5.10. Portinho
Nesse núcleo pesqueiro
existem 4 ranchos de pesca,
utilizados por 3 equipes diferentes.
Para facilitar a compreensão vamos
denominá-las, por ordem decrescente
de tempo de pesca no local, como:
tradicional (a equipe mais antiga); recente; e nova. De forma geral, a maioria
das pescarias é feita com embarcação motorizada, partindo e desembarcando
no Portinho. Em ordem de importância, as principais pescarias são: a enchova;
o linguado; a corvina; a raia/emplastro; a viola e o papa-terra. Para a equipe
que coloca o cerco flutuante (equipe tradicional), a pescaria com esse petrecho
chega a ocupar o segundo lugar, em termos de importância.
Figura 68: Ranchos do Portinho.
A partilha pode variar conforme a pescaria e a quantidade capturada. De
modo geral, quando a captura é expressiva, divide-se em 3 partes: um terço é
da rede e dois terços da tripulação. Mas quando a captura é baixa, não se tira o
terço da rede, apenas o quinhão do motor. Já a comercialização do pescado é
feita pelo dono da rede, que negocia com um comprador local. Se a quantidade
de peixe for grande, eles recebem dentro de 15 a 20 dias; quando é pouco, o
comprador paga na hora.
Há também as pescarias mais individuais. Aqueles que pescam no
Portinho também pescam o camarão de tarrafa na Lagoa de Ibiraquera e na
Lagoa de Garopaba. Pescam ainda de linha de mão nos costões ou de tarrafa
156
na beira das praias mais próximas, como a Praia do Rosa, a Praia do Ouvidor,
a Praia da Barra e a Praia da Ferrugem.
Enchova
É pescada de julho a novembro, sendo os dois últimos os meses mais
fortes. A área marinha usada nessa pescaria se estende desde a altura da
Ponta do Casqueiro (Praia da Garopaba), ao norte, até a Ilha do Batuta, ao sul.
Quanto à profundidade, a pesca
ocorre, aproximadamente, entre as
isóbatas de 15 m e de 50 m. A
pescaria é feita com rede de caceio
de superfície e com bote, no qual
vão entre 4 a 5 pescadores. Em uma
boa safra de enchova são
capturadas cerca de 10 a 12 t.
Figura 69: Bote saindo do Portinho para
pescar enchova.
Linguado, Viola e raia/emplastro
O linguado, a viola e a raia/emplastro são pescados principalmente de
dezembro a março ou abril. A área utilizada vai da Ponta do Capão até a Ponta
de Imbituba, no sentido norte-sul; e entre as isóbatas de 15 a 90 m,
aproximadamente. Nessa pescaria, é usada a rede de espera de palmo e botes
tripulados por 4 a 5 pescadores. Juntamente com essas espécies, é comum
virem exemplares de cação-anjo, cação e corvina, em menores quantidades.
Corvina e Papa-terra
A pescaria da corvina ocorre ao longo de todo o ano, mas principalmente
de novembro a abril. A área usada corresponde à mesma da pescaria do
linguado e da viola; mas, comparativamente, vão mais para fora do que na
pescaria da enchova. Em botes tripulados por 4 a 5 pescadores, utilizando a
rede de caceio de fundo, essa pescaria também captura exemplares de outras
espécies, tais como cação e emplastro. Eventualmente, a corvina também é
157
capturada com a rede de palmo (de linguado). Por sua vez, a pescaria do
papa-terra é de novembro a janeiro, com botes e rede de espera de fundo.
Outras pescarias
Além das pescarias citadas, a retirada manual do mexilhão dos costões,
para consumo próprio, é uma prática comum. De tarrafa, os pescadores
pescam ainda a tainha; a tainhota (novembro a março); o parati e a lula (no
verão), o papa-terra e o pampo. Pescam a garoupa e o marimbau, de linha de
mão nos costões – a primeira durante o verão e o segundo, principalmente, em
julho e agosto, embora possa ser encontrado ao longo de todo o ano. A equipe
que pesca com a rede de cerco, também pega o pampo (em boa quantidade);
o papa-terra; a enchova; o cherne; a espada; a sardinha; e a pescadinha.
Diversos pescadores do Portinho também pescam o camarão na Lagoa de
Ibiraquera e na Lagoa de Garopaba, de tarrafa, de outubro a março.
5.1.5.11. Vermelha
Tainha
De maio a junho, a equipe tradicional
de pescadores do Portinho fecha o rancho de
lá e se desloca para a Praia Vermelha, para
pescar a tainha. Essa pesca utiliza toda a
extensão da praia, avançando no mar até a isóbata de 12 m, no máximo.
Utilizam o arrastão de praia e o picaré; em 2 canoas a remo, na qual vão 6
pescadores. Além desses, mais ou menos 12 pescadores compõem o restante
da equipe, entre vigias (2) e ajudantes de praia fixos.
Figura 70: Pescadores no rancho
da Vermelha.
A partilha é feita no sistema de partes e varia conforme a quantidade
capturada. Abaixo de 300 tainhas, divide-se em partes iguais entre a
camaradagem. Acima disso, após a retirada dos peixes dos ajudantes de
ocasião, as tainhas são divididas em três partes: um terço é da rede (do dono)
e os outros dois terços são divididos entre os demais (tripulação, vigias e
158
ajudantes fixos). Quanto à comercialização, o pescado normalmente é vendido
para um mesmo comprador, dono de uma peixaria próxima. Este por sua vez,
revende o pescado na região e também em Itajaí, Florianópolis e Laguna. A
safra é considerada boa se são capturadas mais de 10 toneladas.
Durante a safra da tainha, não havendo um cardume sendo “vigiado” na
praia, diversos pescadores (membros da equipe) pescam a tainha de tarrafa.
Eventualmente, a anchoveta pode ser pescada neste período, principalmente
em julho e agosto, de canoa a remo e uma rede de caceio.
Parati e Tainhota
De maio a junho, no mesmo período da tainha, eles pescam também o
parati e a tainhota com canoa a remo e rede de arrasto picaré – também usada
para cardumes pequenos de tainha.
5.1.6. Relações
Após a visualização dos sistemas de pesca e sua distribuição ao longo
do litoral (ver Fig. 50, p.158), observa-se que o conjunto das principais
pescarias da área de estudo é composto por 19 espécies, mas cerca de pelo
menos outras 45 complementam a diversidade de recursos utilizados. Percebe-
se que os sistemas de pesca se distribuem desigualmente ao longo da costa e
uma determinada espécie pode ser uma pescaria importante em um núcleo e
irrelevante no outro (e.g. xerelete e papa-terra).
Nas Fig. 71 e 72 são apresentados os petrechos usados nas pescarias
de duas das principais espécies pescadas na área, a enchova e a tainha. A
enchova é pescada em períodos diferentes entre os núcleos (como anchoveta,
na safra da tainha) e com pelo menos 5 tipos de petrechos, dos quais apenas
um é rede (Fig. 71). Como grande parte dos pescadores utilizam petrechos
individuais, isso pode revelar que localmente o esforço de pesca não impõe
riscos aos estoques.
161
No caso da tainha, a situação é diferente. Observando a Fig. 72, nota-se
que são empregados 7 tipos de petrechos, dos quais apenas 2 não são redes.
Além disso, praticamente todos os núcleos têm redes para essa pescaria. O
que implica em um esforço de pesca maior se comparado com a pescaria da
enchova. Diante da importância local de ambas as pescarias, mas desta em
especial, observações como essa deveriam motivar um plano de manejo
adequado das espécies, considerando a possibilidade de torná-las alvo
exclusivo da pesca de pequena escala.
Essas duas pescarias ilustram também a diversidade de sistemas de
pesca desenvolvidos pela pesca de pequena escala para uma única espécie,
diversificando assim o esforço de pesca – o que pode contribuir para reduzir
localmente a pressão sobre alguns estoques. Mas essa característica revela
ainda a demanda de metodologias e referenciais para o diagnóstico e a gestão
do setor, necessariamente diversos dos convencionalmente usados.
Por outro lado, observando a distribuição das embarcações, das
pescarias e dos petrechos (ver Fig. 34, 41, 46 e 50), percebe-se que as
embarcações são os melhores indicadores do dinamismo de cada núcleo. Mas
os petrechos revelam melhor onde a pesca praiana, costeira e marítima é mais
forte. De fato, fica claro é que o desenvolvimento da pesca nos núcleos é
diferenciado e, em parte, condicionado pelo seu posicionamento na linha de
costa e pelas características oceanográficas de cada praia.
Os núcleos pesqueiros da Cancha, Garopaba e Portinho se revelaram
como os mais dinâmicos e que desenvolvem pescarias de características
essencialmente marítimas (sensu DIEGUES, 1995). Os demais são
caracterizados por pescarias mais praianas e/ou litorâneas.
A observação do posicionamento da Cancha, Garopaba e Portinho
(Fig.3) revela que se trata de pontos voltados para o norte, relativamente
abrigados de ventos e ondulações dos quadrantes leste e sul (que são
predominantes). Poder-se-ia até dizer que o ponto do Portinho é
aproximadamente uma versão reduzida do canto sul da Praia da Garopaba.
162
Por suas características, esses locais são mais favoráveis à entrada e saída de
embarcações motorizadas. No caso da porção sul da Praia da Garopaba, ela
favorece até a ancoragem de embarcações. Portanto, não é ao acaso a
concentração de embarcações com maior capacidade de navegação (botes e
lanchas) nesses núcleos, como apresentado na Fig. 34.
Nas demais praias, o que se observa são características desfavoráveis à
entrada e saída de embarcações, especialmente para aquelas motorizadas. Ao
longo do ano, na maior parte do tempo, essas praias apresentam linhas de
arrebentação definidas, com ondas de energia moderada a alta –
especialmente a Gamboa, o Siriú, a Silveira, a Ferrugem e a Barra. Contudo,
algumas apresentam pelo menos um canto mais abrigado, onde se pode sair
com canoas (Gamboa, Ouvidor e Vermelha), e outras normalmente
apresentam altura de arrebentação menor, também favorecendo a pesca com
canoa (Morrinhos e Ouvidor). Nota-se que no Ouvidor, assim como no
Morrinhos, as condições são relativamente mais favoráveis do que nas demais
praias. O atual menor dinamismo da pesca no Ouvidor tem condicionantes de
outra natureza. Além disso, percebe-se que os núcleos localizados próximos de
lagunas compensam as dificuldades da pesca na praia com a pescaria do
camarão, bastante lucrativa (ver Fig. 50).
Outro aspecto de interesse, que influencia a pesca no município, diz
respeito aos limites físicos resultantes da configuração geográfica do litoral. Os
recortes proporcionados pelos promontórios rochosos resultam num relativo
isolamento de cada praia. Com exceção dos núcleos pesqueiros situados na
Praia da Garopaba e do Ouvidor, os demais se distribuem quase
exclusivamente por cada praia. Essa divisão fica mais visível durante a pesca
da tainha, quando as fronteiras ficam mais claras e, eventualmente, são até
defendidas contra “invasores”.
A existência dessas “fronteiras” mais ou menos definidas, associada à
dificuldade de ter acesso a outras áreas de pesca pelo mar, parece contribuir
para que os pescadores dos núcleos pesqueiros onde a pesca “praiana” é
predominante possuam um senso de territorialidade mais forte. Entre os
163
pescadores que saem para o mar e utilizam uma área de pesca maior, a
tendência é que esse senso de apropriação do espaço da pesca seja mais
fraco. Uma exceção é o grupo mais tradicional do Portinho-Vermelha, que
apresenta fortes sinais de apropriação em relação às áreas utilizadas. Talvez
por praticarem tanto a pesca marítima quanto a praiana e litorânea.
5.2. PADRÕES DE INTERAÇÃO
5.2.1. Tradição, aprendizado, experiência e conhecimento
A importância da tradição na pesca de pequena escala é algo
amplamente reconhecido, ligado a uma ampla continuidade temporal e ao
cerne dessa modalidade de pesca (DIEGUES, 1995). As raízes da tradição
pesqueira em Garopaba podem ser encontradas na história do seu
povoamento. Sua amplitude é de cerca de 250 anos, tomando como referência
a chegada dos açorianos, em 1748 (LAGO, 1961; 1988), mas aqui o interesse
está principalmente em reconhecer a sua presença e o seu papel atual.
Do conjunto de pescadores entrevistados, com idades entre 29 e 76
anos, e dos outros consultados, com até 83 anos, todos afirmaram ser filhos de
pescadores, com exceção de um, que disse ser neto. Todos têm parentes que
são também pescadores, as referências, entre outros, incluíram avôs, tios,
irmãos, primos, filhos, sobrinhos, netos e cunhados. Assim, pode-se afirmar
que em Garopaba (ainda) existem famílias de pescadores, provavelmente
responsáveis pela manutenção da tradição pesqueira. O tempo de profissão,
no universo amostral, variou de 20 a 60 anos.
Apesar dos problemas enfrentados pela pesca, diversos pescadores
reforçaram a necessidade de se manter essa tradição. Para um pescador,
mestre de pesca, ainda ativo aos 76 anos, é importante que os filhos dos
pescadores estudem, mas devem também aprender a pescar. Defende que os
filhos de pescadores deveriam ter preferência na “profissão da pesca” e
deveriam ser estimulados a priorizar isso. Reforça que a pesca, assim como a
164
agricultura, é uma profissão muito importante, uma atividade produtiva, que
produz alimento. Filho de pescador deveria aprender a pescar: “ele podia
estudá, mas premeiro estudo dele, se é filho de pescadô, tinha que ser da
pesca. Ele, era preciso sabê, o sangue dele donde é que veio. Ficá no sangue
dele” (76 anos). Outros, incluindo uma ampla faixa etária, resumem dizendo
que o que sabem fazer é pescar, que o que gostam de fazer é pescar; alguns
realçam que já tiveram até outras oportunidades, mas que escolheram
permanecer na pesca – “nasci pescando e vou morrer pescando” (38 anos).
Mais do que apenas manter a tradição, é possível notar ainda dois
outros aspectos interligados, observados também por Diegues (1983): o
orgulho de ser pescador e a identidade grupal permeada pela profissão. Entre
os pescadores, constata-se o perfil do “pescador artesanal” (sensu DIEGUES,
1983). O orgulho de ser pescador está associado ao domínio dos
conhecimentos, do saber-fazer, dos segredos da profissão, do mar e seus
“humores”. Mas também ao fato de conseguir sobreviver, tirar o seu sustento e
o da sua família, da pesca – “eu vivi e tenho amor a isso aqui, que me deu o
sustento” (59 anos). Alguns realçam a liberdade e a realização que a pesca
podem proporcionar: “A gente escolhe um caminho. E aquele que faz o que
gosta e o que é bom pra ele, ele nunca tem arrependimento. Eu nunca me
arrependo de dizê que eu sou pescadô. Eu bato no peito! Porque eu tenho o
que eu gosto e o que eu quero. Pobre, mas é tudo como eu quero” (76 anos).
Muitos reforçam também o prazer de pescar, seja no costão, nas praias
ou “lá fora” no mar – onde se mescla com a exposição aos riscos da
navegação, de sair da terra. Assim, alguns reforçam o prazer da captura – “tu,
quando faz aquilo que tu gosta, gosta. E tu vai naquilo, tu gosta de pescar. É o
que eu digo, gosto de pescar o peixe bom, o peixe grande, que eu me
acostumei pegar daquilo, não é de coisinha” (59 anos). Outros reforçam o
prazer de ir para o mar, se passam muitos dias sem ir, ficam com saudade,
sentem falta. Entre aqueles que embarcam em barcos industriais, há
referências à beleza do mar, ao misto de receio e euforia de estar lá fora
pescando, tão longe da terra.
165
A questão da identidade grupal passa pela percepção de pertencimento
a um grupo distinto, a uma “classe”, permeada pelo sentimento compartilhado
de “controlar a arte de pesca” (DIEGUES, 1983). Mas passa também pela
identificação através da “vida sofrida do pescador”, regida pelos ciclos naturais
– para os quais não há feriados ou domingos –, permeada por inseguranças e
incertezas. Ademais, os pescadores compartilham a baixa escolaridade, o
“pouco estudo”, e a pobreza – principalmente os mais velhos.
O aprendizado da pesca, em Garopaba, começa cedo, menino, entre 5 e
10 anos. Ele começa acompanhando, como ajudante, os mais velhos, seja o
pai, um tio, um padrinho, brincando e interagindo com o ambiente das
atividades pesqueiras e com o mar. Ajuda trazendo uma isca ou carregando
um balaio. Aos poucos aprendem a reconhecer os peixes, as embarcações e
as redes. Em muitos casos, os pais fazem uma pequena tarrafa, com a qual o
menino começa a praticar. Aos 7 a 8 anos, já está pescando alguns peixes.
Aos poucos começam a lidar com outros petrechos, normalmente de anzol,
como o caniço. Durante o aprendizado, é comum abandonar a escola para ir
pescar, alguns pescadores reconhecem que “fugiam” da escola ou da roça.
Mas o aprendizado não é dado, mas sim conquistado. Alguns jovens,
mais próximos de certos mestres, que demonstram curiosidade e vontade de
aprender, recebem o apoio deles e assim aprendem mais. Muitos pescadores
realçaram que a pesca se aprende sozinho, vendo os outros e fazendo.
Conclui-se que a capacidade de observação é essencial, bem como a vontade
de aprender. A pescaria exige conhecimento, inteligência, astúcia, esperteza
para conseguir “enganar” o peixe e pegá-lo. Pescar não é fácil, viver da pesca
não é fácil. Observou-se a presença de alguns pescadores jovens saindo para
o mar nos botes e lanchas da Cancha e da Garopaba; outros participando
ativamente dos arrastões de praia em diferentes núcleos; meninos em dupla
indo pescar no costão da Gamboa com caniço e molinete, entre outros.
Alguns pescadores demonstraram ter a lógica de caçador – isto é, para
pescar é preciso ter uma estratégia, conhecer o peixe e seu comportamento e
capturá-lo pela esperteza, não pelo uso de petrechos que impeçam o peixe de
166
se defender: a pescaria traz o desenvolvimento assim da nossa... dos nossos
pensamentos. Pode acreditar que eu digo pra vocês. Se você não tiver um bom
pensamento, você não vive dela. Porque nóis só peguemo o peixe por engano
dele, por enganar ele; que se não enganar, nóis não peguemo. Ele é mais
esperto que nóis” (76 anos).
A experiência, o saber-fazer e os conhecimentos, então, são obtidos na
prática diária. Mas estão desigualmente distribuídos entre os pescadores. Foi
constatado, entre os consultados, a existência de conhecimentos diversos
relativos aos ecossistemas marinho-costeiros. Entre esses foram encontrados
verdadeiros mestres de pesca e alguns que nem reconhecem certos peixes. Os
mestres demonstram ser grandes observadores e admiradores dos peixes e do
mar. Poucos pescadores detêm conhecimentos sobre o ambiente costeiro-
marinho utilizado, alguns revelaram mudanças, observadas ao longo dos anos,
na ocorrência e no comportamento de certos peixes. Esses conhecimentos são
relativos principalmente às espécies, seu comportamento e seu modo de
reprodução; bem como às mudanças no tempo e às condições de vento e
parâmetros da água (e.g. tonalidade) propícios às pescarias.
5.2.2. Ocupacionalidade e unidades de trabalho
O grau de dependência da pesca e de envolvimento dos pescadores
varia bastante entre os núcleos pesqueiros. Trata-se de uma questão bastante
delicada, que não foi avaliada em profundidade. Assim, tomou-se o cuidado
para não superestimar nem subestimar a questão, procurando tratá-la como
um todo, englobando a realidade de todos os núcleos pesqueiros, realçando
certos aspectos, mas visando obter uma visão de conjunto, um perfil da área.
Dos 24 entrevistados, 21 confirmaram ter outra fonte de renda além da
pesca e apenas 3 disseram só ter a pesca. Considerando também aqueles
consultados através das conversas temáticas informais, é possível distinguir 3
perfis: (1) o pescador que tem na pesca o complemento alimentar e/ou de
renda familiar; (2) o pescador que praticamente só pesca a tainha; (3) o
167
pescador que tem na pesca sua principal ou única fonte de renda e a ela se
dedica “por completo”.
No primeiro grupo, a pesca é parte das atividades diárias, mas não
ocupa todo o tempo do indivíduo. Nesse grupo foram encontrados pescadores
aposentados e pescadores que têm alguma outra atividade, à qual se dedicam
também. Por exemplo o trabalho de caseiro, de pedreiro ou numa roça própria.
O segundo grupo é formado por pescadores aposentados, que eventualmente
pescam ao longo do ano; e indivíduos com ou sem a carteira de pescador, mas
com empregos ou trabalhos mais ou menos fixos. Porém, na safra da tainha,
eles compõem as equipes envolvidas nos arrastões de praia – os que
trabalham, costumam tirar férias nessa época.
Finalmente, no terceiro grupo, estão aqueles pescadores que dedicam à
pesca quase todo o seu tempo ou todo ele, ao longo do ano. Muitos,
principalmente do núcleo da Garopaba, enquadrados nesse grupo, apresentam
uma característica que parece ser “herdada” de pescadores mais antigos da
área, a saber o menosprezo à pesca realizada na beira das praias e costões
(e.g. com tarrafa) – para esses, pescar é sair para o mar e produzir. Esse
aspecto converge com a distinção, observada por Diegues (1995), entre
pescadores litorâneos e pescadores marítimos.
Ainda nesse grupo, encontram-se alguns pescadores aposentados.
Também há pescadores que complementam a renda da pesca com o aluguel
de casas no verão e a realização de pequenos serviços (“bicos”). Ademais,
alguns pescadores ora trabalham na pesca artesanal local ora trabalham
embarcados na pesca industrial. O que ocorre geralmente entre aqueles que
não são proprietários de embarcações ou redes. De modo geral, entre os
pescadores aposentados de todos os grupos, alguns complementam a renda
com o aluguel de casas no verão.
Nesse contexto, cabe reforçar que a visão do pescador artesanal como
um profissional de tempo integral é mais uma falácia do que algo verdadeiro. A
168
complementaridade envolvendo a pesca artesanal em graus diversos, deveria
ser considerada nos programas de desenvolvimento (DIEGUES, 1995).
Assim, pode-se afirmar que para todos os perfis de pescadores da área
a pesca é importante economicamente em algum grau. Seja como fonte de
renda única ou principal, seja como fonte de renda complementar, a relevância
econômica da pesca para diversas famílias não pode ser negligenciada.
Convém destacar que um número significativo de pescadores possui a pesca
como a principal fonte de renda, especialmente os donos de embarcações
motorizadas da Garopaba, da Cancha e do Portinho, além de grande parte dos
seus tripulantes. Em alguns casos, isso é válido também para os donos das
parelhas de pesca da tainha, em quase todos os núcleos pesqueiros.
Nos núcleos onde predomina a pesca praiana e litorânea, em muitos
casos a atividade pesqueira faz parte de uma estratégia diversificada de
sobrevivência. Essa estratégia inclui a pesca de peixes nas praias, costões e
lagunas, geralmente para a subsistência; a retirada de mariscos nos costões,
para consumo familiar e, em menor grau, para a comercialização; a pesca no
sistema de arrastão de praia, para a subsistência e comercialização; a pesca
de camarão nas lagunas, para comercialização; e outras atividades ligadas ao
turismo e veraneio (e.g. aluguel de casas, caseiro, pedreiro).
O fato da pesca constituir, em muitos casos, uma atividade de
subsistência ou secundária em termos de renda familiar, não a torna menos
importante. Ao complementar a alimentação de diversas famílias, representa
proteína de alta qualidade e economia significativa de gastos. No complemento
da renda, desempenha uma função importante no âmbito de estratégias
baseadas na diversificação das fontes de renda. Especialmente para vários
pescadores aposentados da área, que geralmente recebem baixos valores das
aposentadorias, a pesca desempenha um papel fundamental tanto como fonte
de renda adicional quanto como complemento na alimentação.
Além disso, convém também salientar que a pesca, enquanto parte da
tradição, da cultura, e da história familiar e de vida dos pescadores, preenche
169
demandas de necessidades imateriais e intangíveis. Essa questão ajudaria a
entender porque tantos pescadores aposentados continuam pescando; porque
alguns indivíduos tiram férias para participar da pesca da tainha, tendo outras
fontes de renda ou atividades mais rentáveis; porque alguns indivíduos
escolhem e preferem a pesca como uma das atividades que lhe fornecem
renda. Essa questão está intimamente associada à tradição e demais aspectos,
tratados anteriormente, e não deve ser subestimada.
Esses diferentes perfis de envolvimento e dependência da pesca
permitem entender melhor as unidades de trabalho que compõem as pescarias
na área de estudo. Entre os pescadores consultados, todos pescam em equipe,
20 também pescam sozinhos e apenas 2 declararam que não pescam
individualmente. Mas, há um número significativo de pescadores que pescam
sozinhos e que, em geral, não participam das equipes.
As equipes tendem a ter uma base familiar, complementada com outros
pescadores a partir de diferentes critérios. Na maioria das equipes da pesca da
tainha com arrastão de praia, o grupo é quase sempre o mesmo, variando
alguns integrantes de um ano para o outro. No núcleo pesqueiro da Garopaba,
entretanto, há uma certa mobilidade dos pescadores, de forma que a mudança
na composição das equipes ocorre com certa freqüência e por motivos diversos
– para embarque na frota industrial ou por desavenças, muitas vezes causadas
pela forma de partilha adotada. Mas há também equipes mais estáveis.
Um outro ponto fundamental para se entender as unidades de trabalho e
o grau de envolvimento e dependência em relação à pesca diz respeito à
propriedade de petrechos ou perfil de apetrechamento (sensu ANDRIGUETTO
FILHO, 2002). Entre os pescadores consultados, 20 possuem algum tipo de
petrecho, principalmente redes, e 3 declararam não possuir petrechos. Desses,
18 são proprietários de embarcação e 6 não são. É possível distinguir três
perfis na área de estudo: (1) pescadores sem petrechos, (2) pescadores com
baixa diversidade de petrechos, com ou sem embarcação, (3) pescadores com
média a alta diversidade de petrechos e com embarcações.
170
Os pescadores sem petrechos constituem um grupo pequeno (em
comparação aos outros grupos), provavelmente mais concentrado no núcleo da
Garopaba e da Cancha, que só pescam em equipe e/ou embarcados na frota
industrial. A presença desse perfil na área pode ser considerada um indicador
de mudança ou transição no âmbito das relações técnicas e sociais de
produção da pesca artesanal na área. Trata-se de um perfil mais facilmente
encontrado na pesca industrial e deve ser alvo de futuras investigações. Em
geral, têm alta dependência da pesca.
No segundo grupo, está provavelmente a maioria dos pescadores. São
aqueles que pescam individualmente, com seus próprios petrechos – tarrafa,
linha de mão, espinhel de praia, caniço e/ou molinete –, podem ou não ser
proprietário de um caíco ou uma canoa, e podem ou não pescar também em
equipe. São pescadores que diversificam suas pescarias e tendem a depender
parcialmente da pesca.
Os pescadores incluídos no terceiro perfil são proprietários de
embarcações e redes, que pescam em equipe, mas que também, em geral,
possuem petrechos para pescarias individuais, pelo menos alguma tarrafa. A
propriedade, em muitos casos, é compartilhada entre parentes. Há também
pescadores aposentados e que não podem mais pescar, devido a limitações de
saúde, que são proprietários de embarcações e redes, e exercem a função de
comando da equipe. Outro tipo de proprietário, mais comumente encontrado
nos núcleos da Cancha e da Garopaba, é representado por pessoas de
diferentes profissões que compraram embarcações e redes, mas que não
pescam, são armadores da pesca. Os pescadores que compõem as equipes
desses armadores podem ou não ter petrechos, apropriados ou não em
parceria com eles. Esses pescadores normalmente dependem da pesca em
alto grau e têm os melhores rendimentos com a mesma – exceto os que
trabalham nas equipes dos armadores.
171
5.2.3. Partilha, hierarquia e divisão do trabalho
O perfil de apetrechamento tem implicações nas relações sociais de
produção, aquelas que são intermediadas pela propriedade ou posse dos
meios de produção (DIEGUES, 1983). O que é evidenciado na partilha, na
hierarquia intra-grupal e na divisão do trabalho.
De modo geral, como observado por Diegues (1983), constatou-se
também na área que o trabalho do pescador entra num cálculo complexo e
difuso, não sendo visto como algo a ser “trocado” por um salário, embora entre
parcialmente como “custo de produção”. A partilha se dá no sistema de partes,
quando a remuneração é em dinheiro, ou quinhões, quando corresponde a
uma parcela da captura em produto. A partilha
em quinhões é mais comum nas pescarias com
redes de arrasto de praia (e.g. arrastão, picaré e
feiticeira), quando o volume é pequeno. Cada
pescador pode decidir de forma independente o
que fazer com o seu quinhão: ficar para consumo
próprio, doar alguns exemplares ou vender da
forma como achar melhor.
Figura 73: Separação dos
quinhões (Garopaba).
No sistema de partes, o volume capturado normalmente é vendido
quase todo para um único comprador ou para dois. A divisão das partes é
previamente conhecida, geralmente cada equipe-embarcação tem seu
esquema de divisão, o qual varia bastante e leva em conta o número de
pescadores que compõem a equipe e o fato do proprietário compor a equipe ou
ser um armador. Muitas vezes, o grau de parentesco ou de amizade influencia
na definição do esquema de divisão a ser adotado. Para exemplificar, a divisão
pode ser em seis partes para 3 pescadores, cada tripulante fica com 1/6 e tira-
se 1/6 para os equipamentos (embarcação, rede, motor). Pode também ser
dividido em apenas 2 partes: ½ do dono ou da embarcação e ½ da tripulação;
ou em terços: 1/3 é da embarcação e 2/3 da tripulação.
172
O sistema de partes assume diversas formas na pesca da tainha com
arrastão de praia. Cada equipe tem seu esquema de divisão, que varia de
acordo com o volume capturado, mas alguns aspectos são comuns a todas. Ao
terminar a separação do pescado da rede, do volume total capturado, tira-se
uma parte dos vigias e da tripulação, cerca de 4%. Nessa ocasião,
considerando a hierarquia, eles podem selecionar os exemplares de maior
tamanho. Antes ou depois disso, tira-se os quinhões dos ajudantes de ocasião,
2 a 3 peixes, e de certas pessoas da comunidade (e.g. viúvas de pescadores,
pescadores idosos). Na seqüência, o restante é dividido em duas partes: uma a
ser dividida entre a tripulação e os ajudantes de praia fixos, e a outra é da rede.
No geral, os proprietários das parelhas tendem a ficar com cerca de 30 a 60%;
a tripulação e os vigias, com cerca de 30 a 50 %; e os ajudantes de praia fixos,
com 8 a 30%. Exemplos mais específicos da partilha podem ser encontrados
na descrição dos sistemas de pesca em cada núcleo pesqueiro (5.1.5.).
É importante realçar que, em todos os casos, é muito
comum a doação de peixes para membros da comunidade.
Desde os desembarques no núcleo da Garopaba, passando
pelo arrastão de praia, até a pesca individual com tarrafa, os
pescadores compartilham com prazer o produto do seu
trabalho. Muitos se orgulham disso, o que fica mais evidente
nas pescarias da tainha com o arrastão de praia, quando a
sorte e a alegria de um bom lanço é literalmente dividida com
diversas pessoas. Mas, em muitos casos, essas doações não
estão desprovidas de critérios. Esse é o momento de
prestigiar um visitante ou um pescador mais pobre, que
ajudou a puxar a rede, ou de demonstrar desaprovação com certas atitudes e
comportamentos de membros da comunidade – por exemplo, em relação à
bebida ou ao desrespeito aos “costumes da pesca” (regras informais). É
portanto, também, uma oportunidade de exercer um certo poder.
Figura 74: Doação
de peixe.
Aqui emerge a questão da hierarquia e da divisão do trabalho.
Considerando a história da pesca na área de estudo, pode-se afirmar que a
hierarquia está enfraquecida, mas ainda presente. Em qualquer embarcação, o
173
patrão exerce a sua função de comando e, em geral, corresponde àquele com
maior conhecimento e experiência acumulados. Quando também é proprietário
da embarcação e dos petrechos, ocupa o mais alto escalão da pesca; mas se
está subordinado ao proprietário, seu poder fica restrito à embarcação. Mas,
fora das parelhas de pesca da tainha, o patrão subordinado ao armador é
quem manda, tendo o poder de decidir sobre a composição da equipe.
Além do proprietário e do patrão de pesca, uma certa hierarquia informal
também interfere na divisão do trabalho, de forma menos definida, tendo como
condicionantes a participação na propriedade da embarcação e dos petrechos,
o grau de parentesco, os conhecimentos, a experiência, as atitudes e o
comportamento do pescador. Esses critérios não são empregados em conjunto
por todas as equipes, algumas levam em conta apenas o conhecimento e a
experiência. Além disso, cada sistema de pesca tem uma demanda específica
que influencia as relações a bordo – a exemplo da pesca com espinhel de
fundo que requer grande habilidade e conhecimento dos pescadores.
Na pesca da tainha com arrastão de praia, a divisão do trabalho é mais
clara – ainda que momentânea – e é possível distinguir os níveis hierárquicos.
O patrão, os vigias, os remeiros, o chumbereiro e os ajudantes de praia fixos
têm funções muito bem definidas. Os pré-requisitos para um pescador ocupar
os diferentes “postos” são similares ao mencionados anteriormente. Em alguns
núcleos pesqueiros (como Ferrugem-Barra e Vermelha), pescadores mais
velhos, proprietários das parelhas, mesmo sem embarcar, exercem também a
função de capataz da pesca. É ele quem resolve as brigas, arbitrando qualquer
desentendimento ou discussão entre os pescadores – “qualquer ocorrência lá
na pescaria... é o capataz quem recebe as bombas de todos eles (...) ele
comanda tudo!” (59 anos).
5.2.4. Comercialização
A comercialização do pescado é normalmente um dos principais
entraves em sistemas de pesca. Na área de estudo, ela pode ser considerada
174
fácil, levando em conta apenas a facilidade de
acesso à maioria dos núcleos pesqueiros, a
disponibilidade de energia elétrica para a
estocagem em freezers e a relativa proximidade de
grandes centros, como Florianópolis, para o
escoamento da produção.
Figura 75: Comercialização
do pescado (Garopaba).
A comercialização do pescado está diretamente associada ao objetivo
da pescaria – consumo próprio ou venda – e à quantidade capturada. Mas,
independente do objetivo, uma parcela do volume capturado sempre é
direcionada para o consumo individual / familiar. Na maioria dos núcleos
pesqueiros, somente as pescarias de maior produção (e.g. tainha, pescadinha,
enchova) são vendidas, mas quantidades menores de outros peixes costumam
abastecer as peixarias locais. Mas nos núcleos do Morrinhos, da Cancha, da
Garopaba e do Portinho o pescado é direcionado para a comercialização.
Pode-se afirmar que praticamente cada núcleo pesqueiro ou cada
equipe tem uma estratégia e um circuito de comercialização próprios. Mas,
geralmente, as equipes vendem o pescado para poucos compradores
(atravessadores ou pombeiros), com os quais estabelecem acordos informais.
Nos núcleos da Cancha e da Garopaba, há dois pombeiros que estão todos os
dias na praia, com seus caminhões, acompanhando os desembarques,
selecionando e pesando o pescado a ser
comprado. Quinzenalmente, os pescadores
recebem desses intermediários suas partes
– a remuneração em dinheiro. Mas diversos
pescadores vendem também para as
peixarias localizadas nas imediações, no
centro histórico do município. Em sua
maioria, são peixarias de propriedade de
pescadores aposentados, que não pescam
mais.
Figura 76: Caminhão de comprador
do pescado (Garopaba).
175
Os compradores de peixe
nos demais núcleos são, em sua
maioria, proprietários de peixarias
no município, mas que também
revendem o pescado para
compradores de outros
municípios, atuando como
intermediários. Em alguns casos, os pescadores têm contato direto com
compradores de outros municípios, como Florianópolis e Paulo Lopes. De
modo geral, quase todo núcleo pesqueiro tem pelo menos uma peixaria, mas a
maioria está concentrada no centro do município, próxima à Praia de
Garopaba. Estima-se que existam pelo menos 10 peixarias no município. A
maioria corresponde a estabelecimentos pequenos, com poucos freezers. Uma
certa quantidade de pescado é processada localmente por elas (retirada de
vísceras, cortes de filé e congelamento) e vendida para outros municípios,
sobretudo Imbituba e Florianópolis. No geral, a maior parte da produção é
vendida para fora, especialmente para Florianópolis.
Figura 77: Peixarias no centro histórico.
No verão, quando a presença de turistas é intensa, os pescadores
aproveitam para vender o pescado diretamente na praia. Mas, ao longo do ano,
são obrigados a se submeter à relação com os pombeiros. Mostram-se
insatisfeitos com os preços pagos pelos atravessadores, considerados injustos
e desfavoráveis a eles; ao mesmo tempo, sentem-se presos a essa situação.
Os preços de venda aos comerciantes, em geral, são maiores no início de uma
safra e tendem a diminuir no final ou quando a safra está produzindo bem. Com
isso, quando a pescaria está boa para todos, o preço de venda cai. Por
exemplo, a tainha, na temporada de 2006, estava sendo vendida por até R$
3,20 o kg, no início da safra, passando a R$ 2,50 depois.
Para Diegues (1983), a relação entre pescadores e atravessadores é um
dos principais fatores que condiciona os pescadores a entrar num “beco sem
saída” ou a viver numa “corda bamba”. Na sua interpretação, a persistência
dessa relação restringe os ganhos que os pescadores poderiam ter com a sua
produção e os mantém dependentes dos compradores. Esses, por sua vez, se
176
ligam às estruturas industriais-comerciais, como empresas de beneficiamento,
que controlam a comercialização e distribuição do pescado nas grandes
cidades e/ou em nível regional. Assim,
Dependendo de fatores naturais, como a presença de cardumes,
sobre os quais têm um controle muito reduzido, e dominados pelos
comerciantes, os pescadores artesanais vivem continuamente na
corda bamba, seja pela ameaça do embarque como simples
tripulante, seja pelo sonho de ser um armador (DIEGUES, 1983: 233).
5.2.5. Relações com a pesca industrial
Em Garopaba, constata-se que as relações entre a pesca de pequena
escala e a pesca industrial são complexas e, às vezes, paradoxais. O que foi
observado também por Diegues (1983) no litoral paulista.
Entre os pescadores consultados, a maioria já trabalhou ou trabalha
embarcado. Em todos os núcleos pesqueiros encontramos pescadores que
trabalharam, trabalham ou têm parentes na frota industrial. Alguns trabalharam
ou trabalham por períodos relativamente curtos, no máximo um ano, e outros
por longos períodos (2 a 40 anos), grande parte da vida profissional. Para esse
aspecto, a amostra parece bem representativa da realidade na área de estudo.
Entre os locais citados, de embarque e pesca na frota industrial, estão
Cabo Frio, Rio de Janeiro, Santos, Itajaí, a região norte de Santa Catarina e
Rio Grande (RS). Normalmente, o pescador é quem busca a firma procurando
emprego ou é convidado por outro pescador. O conhecimento e a experiência
são importantes na hora da contratação, quem é mais experiente consegue
uma colocação melhor. É comum a saída de “mestres de pesca” da pesca
artesanal local para a industrial, depois de adquirirem experiência. Nestes
casos, as remunerações são consideradas muito boas.
Alguns pescadores revelaram gostar do trabalho embarcado na pesca
industrial, já outros demonstraram aversão. Na percepção da maioria dos
pescadores, esse trabalho tem aspectos positivos e negativos. Entre os
positivos, destacam-se os benefícios e direitos associados à carteira assinada,
177
ao décimo terceiro, ao FGTS e ao INPS. O salário normalmente não é fixo, mas
a remuneração é considerada boa, proporcional à produção – “quanto mais
pesca, mais ganha” (55 anos). Outro aspecto enfatizado diz respeito ao bom
volume das capturas, algo que todo pescador aprecia – “pega bastante peixe
(44 anos). Enfim, alguns consideram um bom trabalho, realçando alguns
aspectos: possibilita “estar no mar” e conhecer lugares diferentes; existem
máquinas para auxiliar no trabalho de força; não se expõe tanto às
adversidades do vento, do sol e do mar; e a pesca rende mais – “o trabalho
embarcado é ótimo, eu acho ótimo... Vai e volta enxuto, não faz tanta força... O
trabalho mais pesado é na hora de descarregar, mas tem o guincho” (38 anos).
Quanto aos aspectos negativos, destaca-se o fato de ficar longe da
família por muito tempo, não poder acompanhar o crescimento e a vida dos
filhos, e, às vezes, ficar no mar o mês inteiro. Com isso, os pescadores
experimentam a solidão e a sensação de estarem presos. O mau tempo e o
mar agitado também são realçados como algo que torna o trabalho
desagradável. Um pescador resumiu assim sua opinião: “tudo é bom, menos as
tempestades” (59 anos). Alguns pescadores realçam que o trabalho em si é
bastante arriscado, o uso de muitas máquinas exige muita atenção e
concentração, expondo-os ao risco de acidentes corporais e, às vezes, fatais.
Relatam que é muito cansativo porque praticamente não se tem descanso,
passam muito frio e dificuldades. Além disso, devem obedecer ao contra-
mestre e têm muitos gastos seja em terra ou no barco, onde tudo é descontado
– “o que ganha a mais na pesca, gasta a mais nas descidas em terra” (62
anos). Alguns falam que o pescador é explorado, que a relação entre ele e a
firma “é só um negócio”. Ainda assim, alguns afirmam que “só é ruim quando
fica muito tempo sem dar peixe” (46 anos) ou que é um trabalho que “não tem
nenhuma desvantagem” (39 anos). E outros dizem que é um trabalho que não
vale a pena, que é horrível, que “lá fora é onde filho chora e mãe não vê”.
Percebe-se que a referência é o trabalho na pesca artesanal. Também
em relação a essa, não há um consenso, mas uma diversidade de opiniões.
Entre as vantagens da pesca artesanal, diversos pescadores destacaram a
proximidade da família, a possibilidade de “estar em casa” todos os dias.
178
Também enfatizaram que ela é “boa”, se comparada com a industrial, eles não
ficam expostos a tanto frio nem ao risco de estar em alto-mar – e, segundo um
pescador aposentado “faz bem pra saúde, não fica parado” (71 anos). Para os
que possuem embarcações e redes, a renda é maior na pesca artesanal.
Adicionalmente, muitos enfatizaram que o bom da pesca artesanal é quando a
rede enche de peixe, quando as pescarias estão abundantes.
Em contraposição, para vários pescadores, o lado ruim da pesca
artesanal é a falta do peixe, a rede vazia. Alguns destacam o problema atual da
alta variação da composição das equipes, sendo difícil compor equipes fixas
para pescar. Mas outros destacam que na pesca artesanal eles se molham
mais, rende menos e exige mais trabalho. Para muitos pescadores, essa pesca
está mais sujeita às forças da natureza – por exemplo o vento forte na direção
“errada”, as tempestades e o “mar grosso” dificultam muito o trabalho. Outro
ponto negativo é o preço do pescado, sempre imposto pelos atravessadores.
Finalmente, alguns pescadores avaliam que, “antigamente a pesca artesanal
era mais vantagem; hoje a pesca tá melhor na pescaria industrial” (44 anos).
Mas convém lembrar que a pesca artesanal não está isenta de riscos.
Inúmeros relatos de acidentes, até mesmo fatais foram constatados na área –
inclusive um ocorreu no Portinho, durante o período da pesquisa.
As contradições e divergências entre a pesca artesanal e industrial são
acirradas pela disputa pelos recursos pesqueiros, resultando num conflito
difuso e crônico, que se cristaliza progressivamente. A contradição, enquanto
condição conflituosa, é aqui entendida como um tipo de incompatibilidade, por
exemplo, associada a objetivos que bloqueiem o caminho do outro,
acompanhada ou não de atitudes hostis (GALTUNG, 2003: 77). Assim, pode-se
afirmar que a pesca industrial, no seu atual modelo e utilizando as mesmas
áreas da pesca de pequena escala, e esta última, são incompatíveis.
Em todos os núcleos pesqueiros, os pescadores têm alguma reclamação
ou protesto contra a pesca industrial. Em campo, foi possível observar algumas
atitudes hostis de pescadores artesanais para com os tripulantes de
embarcações industriais. Também ouvimos inúmeros relatos que expressam
179
indignação e hostilidade. A pesca industrial se faz presente na área de estudo
através das frotas de arrasto duplo ou tangones (camaroneiros); de traineiras
(voltadas principalmente para a tainha, sardinha e manjuba); de vara e isca-
viva (atuneiros); e de emalhe de fundo e de superfície (barcos “de malha”).
Os pescadores artesanais acusam a pesca industrial de se apropriar de
grandes quantidades dos mesmos recursos que eles pescam e de espécies,
como a sardinha e a manjuba, que servem de alimento para aquelas espécies
que compõem suas principais pescarias. O que, de fato, ocorre. Assim,
apontam a pesca industrial como a principal condicionante da redução ou
quase extinção de certas pescarias como a enchova, a tainha, o camarão, o
cação e a corvina. Na pesca da tainha, com arrastão de praia, o conflito é ainda
mais direto, envolvendo os atuneiros e as traineiras que invadem as áreas
tradicionalmente apropriadas pelos diferentes grupos de pescadores. Enfim, os
pescadores se sentem, literalmente, roubados. E reforçam que a pesca
industrial, diversas vezes, atua em desconformidade com a legislação vigente,
com a conivência dos órgãos fiscalizadores.
Apesar da gravidade dos conflitos, alguns poucos pescadores artesanais
- aparentemente dos núcleos da Garopaba e da Cancha - até colaboram com a
pesca industrial. Por exemplo, avisando aos barcos atuneiros sobre a presença
de sardinha ou manjuba na área, em troca de óleo combustível ou atuns. Isso
revela a força das estratégias individualistas, além da acomodação e da
desunião que predominam atualmente na “classe”.
Enfim, trata-se de uma relação conflituosa e, de certa forma, já
cristalizada. Com isso, gera-se uma estrutura de incentivos para estratégias
individualistas e para o uso destrutivo dos recursos pesqueiros; com efeitos
danosos também sobre as relações sociais. Diversos pescadores artesanais
demonstraram ter consciência de que certas artes e métodos de pesca que
utilizam não são bons, mas a competição generalizada pelos recursos bloqueia
os incentivos para que eles atuem de forma mais conservacionista. Em
contraposição, para alguns (poucos) grupos, essa estrutura reforça a
necessidade de mobilização, união e ação coletiva. O exemplo mais concreto
180
está na atual mobilização dos pescadores artesanais para a criação de uma
Resex (questão abordada adiante), através da qual almejam estabelecer uma
área marinha exclusiva para a pesca de pequena escala.
Diegues (1983) observou que, em Ubatuba (litoral de São Paulo), o
objetivo de vida dos pescadores artesanais, sinteticamente, era trabalhar por
conta própria, ter sua própria embarcação e se manter como produtor
independente. O trabalho embarcado – geralmente desprezado, visto como
uma vida de escravidão –, só em último caso.
Isso resume também o desejo de uma parcela dos pescadores de
Garopaba. Dessa perspectiva, o trabalho embarcado na frota industrial é
perverso. O pescador artesanal se vê obrigado a colaborar com o que é contra,
a trazer prejuízos para a pesca de pequena escala, para seus parentes e
camaradas. Não raro, após um período embarcado, ele retorna ao seu núcleo
pesqueiro de origem e se integra novamente a uma equipe de pesca, passando
a vivenciar a escassez do pescado. Ao retornar ao convívio familiar, às vezes
por apenas um mês, ouve relatos do pai de que a pesca ali está cada vez pior.
Mas há também pescadores, que parecem não se enquadrar nesse
perfil, preferindo, talvez, manter-se como membro de uma equipe e não ter que
se preocupar com outras coisas – por exemplo, a manutenção da embarcação
–, mantendo sua liberdade de mudar de equipe e/ou embarcar na frota
industrial. Outros ainda podem se contentar com as pescarias individuais,
desde que possam realmente contar com elas.
5.2.6. Conflitos
Como já colocado anteriormente, os conflitos não constituem o cerne
desse trabalho. O que interessa aqui é revelar a presença ou não de conflitos
diretamente associados à pesca de pequena escala na área de estudo,
enquanto um padrão de interação entre os pescadores da área e destes com
outros atores sociais, para conhecer a influência deles sobre o cenário atual.
181
Assim, apenas aqueles considerados mais graves são citados. A referência é a
noção de conflito de Galtung (2003), apresentada no item anterior.
O termo “pescadores” sempre designa um conjunto heterogêneo, com
grandes assimetrias entre os elementos e com diversos subconjuntos. Algo que
se procurou mostrar anteriormente. As diferenças, de naturezas diversas, às
vezes evoluem sob a forma de posições divergentes e conflitantes, que podem
ou não se cristalizar, manifestando-se ou não através de comportamentos e
atitudes hostis.
Um dos tipos de conflitos identificados é o que ocorre entre pescadores
da área. Esses podem estar diretamente associados ao uso de petrechos ou
não. No primeiro caso, aparece em destaque a questão do uso da tarrafa
durante a safra da tainha, em pelo menos 7 núcleos pesqueiros que possuem
parelhas com arrastão de praia. De um lado estão as equipes das parelhas,
que são contra a pesca de tarrafa a partir dos costões rochosos (“tarrafa na
pedra”) e, em alguns casos, na beira da praia. Do outro, diversos pescadores
do local, de outros núcleos e até de outros municípios, que têm na tarrafa o
único petrecho para pescar a tainha. Em um dos núcleos, um pescador da
equipe do arrastão de praia afirmou que se alguém quiser tarrafear onde não
pode, eles partem mesmo para a violência: “o pau vai pegar... lambada ali...”.
Um outro conflito envolve certos usos de redes de espera, sendo
mencionado em 7 núcleos pesqueiros. Um corresponde à colocação de redes
de espera muito próximas aos costões – às quais os pescadores se referem
como “rede na pedra”. Pescadores de vários núcleos acusam os pescadores
da Garopaba e da Cancha
33
de colocarem essas redes. No Portinho, as
acusações são também direcionadas a pescadores dali.
33
Os pescadores se referem apenas aos “pescadores da Garopaba”. Nesse trabalho,
especialmente nessa seção, parece mais coerente manter os dois núcleos pesqueiros
identificados na zona sul da Praia da Garopaba (Cancha e Garopaba), visando distingui-los do
núcleo Morrinhos – cujos pescadores não são englobados no que localmente se chama de
“pescadores da Garopaba”.
182
Uma outra modalidade conflitante de pesca com rede de espera consiste
em colocar a rede próxima às praias, em paralelo à linha de costa, geralmente
na direção das pontas dos costões, numa tentativa de “fechar” a praia – é o
que se chama simplesmente de “rede atravessada” ou “rede fundeada na
praia”. Nesse caso, além dos pescadores da Garopaba e da Cancha, também
os da Pinheira (núcleo pesqueiro situado ao norte da Gamboa) são acusados
dessa prática. Não foi nenhuma surpresa constatar que não houve, entre os
pescadores da Garopaba e da Cancha, menções a esse respeito. Alguns
pescadores relataram que pescadores de certos núcleos já retiraram essas
redes da água. O que indica a (alta) gravidade do conflito: pegar a rede de
outro pescador, puxá-la para terra ou queimá-la são mecanismos de coação
que podem ter conseqüências gravíssimas – e os pescadores temem que isso
possa acontecer.
Outros conflitos relacionados com o uso de petrechos ocorrem,
podendo-se destacar o uso de tarrafas com malhas abaixo do tamanho
permitido (“miudeira”), de coca, gerival e redes nas lagoas, principalmente para
pescar camarão. Isso contrapõe os não querem que esses petrechos sejam
utilizados nas lagoas, normalmente pescadores do entorno delas, e os que
utilizam, grupo que inclui pescadores locais e de outros núcleos ou municípios.
Há ainda os conflitos cujo cerne não é o uso de petrechos. Aqui pode-se
citar as brigas e desentendimentos provocados por certos comportamentos ou
procedimentos na pesca, e que, portanto, muitas vezes ocorrem no mar.
Esses conflitos foram encontrados em todos os núcleos pesqueiros, exceto
Siriú e Vigia. Isso engloba diversas situações, por exemplo, uma equipe coloca
a rede na frente da outra; um pescador rouba peixes da rede dos outros ou as
disputas por certas áreas de pesca. Inclui também as diferentes visões de
como a pesca deve ser feita, alguns pescadores acusam outros de serem
“devoradores”, isto é, pescarem sem cuidado, destruir os recursos pesqueiros,
despreocupados com o futuro da pesca na área.
Os pescadores dos núcleos que pescam tainha com arrastão de praia
acusam os pescadores da Cancha, da Garopaba, da Pinheira e do Pântano do
183
Sul (Florianópolis) de invadirem suas áreas de pesca, estragando o lanço e/ou
cercando o cardume que seria “deles”, atrapalhando a pesca. Há conflitos
também relacionados ao que pode e não pode nas “vigias das barras”, quando
a tainha ou o camarão está entrando nas lagoas.
Ainda aqui, é preciso destacar os conflitos entre pescadores do núcleo
da Garopaba. Os próprios pescadores admitem que são desunidos e que as
discussões são relativamente freqüentes. Às vezes, há discussão quando uma
equipe captura maior quantidade do que outra, aproveitando-se de alguma
manobra oportunista. Então, na primeira oportunidade, ocorre uma retaliação
“na mesma moeda”. Os pescadores dos outros núcleos também vêem os da
Garopaba como os mais desunidos.
A partir do reconhecimento da existência desses conflitos, identificou-se
entre os pescadores aqueles grupos considerados por eles como os mais
agressivos, que não toleram o “desrespeito” na pesca. Assim, os pescadores
dos núcleos da Gamboa, da Ferrugem-Barra e do Ouvidor
34
foram citados
como os pescadores mais “brabos” da área. Essa “fama” deve estar ligada à
época em que os pescadores se sentiam responsáveis pela implementação
das regras de pesca na área, e muitas vezes faziam uso da violência para tal.
Além desses conflitos, há outros entre os pescadores e outros atores
sociais. Um dos mais graves envolve os pescadores da maioria dos núcleos
pesqueiros e os praticantes da caça subaquática. Entre esses praticantes há
moradores de Garopaba, mas principalmente pessoas de outros municípios.
Em geral, eles não dependem da pesca e muitas vezes possuem status de
autoridade, por exemplo, bombeiros, policiais militares e advogados. Muitos
pescadores acham essa prática muito destrutiva, acusam o uso de bombas e
venenos, e não aceitam que os “mergulhadores” peguem os peixes “deles” –
principalmente a garoupa, peixe de alto valor comercial, considerado uma
iguaria na área. Um pescador bastante experiente disse se tratar de uma
34
Os pescadores do Porto Novo também foram citados. Trata-se de núcleo pesqueiro situado
na Praia do Rosa, próxima praia ao sul da Praia Vermelha (município de Imbituba), antigos
pescadores do Ouvidor, parentes dos pescadores do Portinho e da Vermelha.
184
pesca covarde”. Entre outras tentativas de proibir a prática na região, em 2005
os pescadores da Garopaba fizeram um abaixo-assinado, mas não tiveram
êxito.
Outro conflito contrapõe os pescadores de pelo menos 4 núcleos
pesqueiros, as ONGs voltadas à conservação da baleia franca e as operadoras
que fazem o turismo de observação embarcado – TOB. Na visão dos
pescadores essas organizações não se importam com mais nada além das
baleias, ganham muito dinheiro e não contribuem de forma alguma com a
pesca. Muitos também contestam o motivo de não poderem fazer o TOB,
atividade bastante lucrativa; alguns acreditam que deveria ser explorada pelos
pescadores dali. Outros dizem que a atividade, às vezes, atrapalha a pesca.
Há também um outro envolvendo pescadores dos núcleos pesqueiros
que pescam a tainha com o arrastão de praia e surfistas. Os pescadores
acusam os surfistas de prejudicarem a pesca da tainha. Inúmeras vezes, a
questão resulta em atitudes muito agressivas, culminando em denúncias (por
parte dos surfistas) de agressões junto à Delegacia de Polícia. Para
exemplificar, em 2004 foram registrados 11 boletins de ocorrência. Também
ocorrem agressões de surfistas contra pescadores, como em um episódio na
Praia do Silveira, na década de 1990, quando um rancho de pesca foi invadido
por um grupo de surfistas, que também agrediram os pescadores.
Existem conflitos ainda com diversas pessoas (do município e de fora)
que retiram sementes de mexilhão dos costões para suprir a maricultura em
outras áreas; com os pescadores amadores que pescam nos costões; e com o
turismo – seja diretamente com pessoas que vieram de outros lugares, e
exploram o turismo na área (e.g. pousadas, passeios, bares, restaurantes),
seja com os próprios turistas.
Pode-se distinguir um outro grupo de conflitos relacionados com as
instituições e o poder público. Entre esses, convém realçar o que envolve a
prefeitura municipal, a Federação e a Colônia de Pesca (Z12), e governo
federal, representado por diversos órgãos reconhecidos na área como
185
“autoridades competentes” no âmbito da pesca e da fiscalização do espaço
marinho-costeiro, e pela política de pesca do país. A prefeitura é acusada de
não querer ajudar os pescadores, atuando apenas na defesa dos interesses de
outros grupos – a exemplo dos empresários do setor turístico e dos surfistas.
A Colônia de Pesca é acusada de atuar de forma clientelística e sob a
troca de favores, ao mesmo tempo em que não defende os interesses da
classe e não faz nada pelos pescadores. Os pescadores denunciam que
muitas pessoas no município tiram a carteira de pescador e recebem o defeso
da enchova, através da Colônia, sem serem pescadores. Além disso, o defeso
é usado como instrumento de manipulação, enfraquecimento e submissão dos
pescadores à Colônia. Denunciam também a Federação de Pescadores de
Santa Catarina por atuar de forma similar e ser inoperante.
Em outro grupo “opositor” estão a SEAP-PR, o MMA, o IBAMA, a Polícia
Ambiental e a Capitania dos Portos. A principal reclamação é a falta de
fiscalização e a carência da estrutura para fiscalizar. Os pescadores reclamam
que denunciam diversas infrações aos “órgãos competentes” e que ninguém
aparece ou alegam não poder ir por falta de viatura ou embarcação. Acusam
também a prática de “política suja” no bloqueio da fiscalização, dizem que as
“autoridades” não cumprem a legislação. Alguns pescadores denunciaram que
o recadastramento dos pescadores feito pela SEAP foi uma farsa.
Num outro nível está a oposição e revolta com a política de pesca do
país. Os pescadores acham que a maior parte da legislação é inadequada e
que falta competência na administração do setor; as poucas leis adequadas,
não são cumpridas. Alguns são contra as políticas assistencialistas do governo,
que os mantém dependentes e não resolvem os problemas do setor. Acusam o
governo de estar deixando que a costa e os recursos pesqueiros se acabem.
Enfim, sentem-se completamente abandonados, sem direitos, sem o devido
reconhecimento da importância do setor, à margem.
186
5.2.7. Organização e cooperação
Também foi constatada em campo a presença de grupos de pescadores
que se organizam e atuam de forma cooperativa. Convém destacar alguns
grupos nos núcleos da Ferrugem-Barra, Ouvidor e do Portinho-Vermelha.
Ambos estão organizados em torno da Associação de Pescadores da
Comunidade de Ibiraquera (ASPECI), fundada em dezembro de 2003, que
abrange o litoral desde a Praia da Barra de Ibiraquera (município de Imbituba)
até a Praia da Ferrugem (município de Garopaba), englobando 10
comunidades. Através da ASPECI, os pescadores participam do Fórum da
Agenda 21 Local de Ibiraquera, criado em março de 2002, envolvendo as
comunidades do entorno da Lagoa de Ibiraquera. Trata-se de um espaço de
discussão e fortalecimento comunitário, composto por representantes de
órgãos da Administração Publica e da Sociedade Civil Organizada. Inclusive, a
associação surgiu a partir do Grupo de Trabalho da Pesca desse fórum. A
ASPECI também é uma das entidades que compõem o Conselho Consultivo da
Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca (APA-BF).
Criada por e para os pescadores, trata-se de uma organização que veio
a fortalecer o espírito de luta, união e solidariedade dos pescadores, na defesa
dos direitos da categoria. Tem atuado ativamente e com êxito nesse sentido.
Entretanto, ainda há uma tendência, entre os pescadores, de se fazerem
representar quase exclusivamente através do presidente da associação, com
baixa participação direta em reuniões. Por outro lado, convém lembrar que,
como ressaltado anteriormente, os “pescadores artesanais” não são um grupo
homogêneo. Assim, as divergências entre os pescadores sobre a ASPECI não
causam surpresa. Alguns pescadores não inscritos, não acreditam no potencial
da associação. Além disso, as assimetrias, problemas e conflitos entre os
pescadores contribuem para o afastamento de outros.
Apesar das dificuldades, a ASPECI está mobilizada atualmente na
defesa da criação de uma reserva extrativista (Resex), proposta inicialmente
para abranger a Lagoa de Ibiraquera, a Lagoa de Garopaba e a área marinha
de 5 milhas, ao largo da extensão, na costa, da associação. Desde 2006
187
começaram os estudos necessários à criação da Resex, envolvendo o MMA e
o IBAMA. No bojo desse processo, diversos conflitos estão emergindo e/ou se
cristalizando, inclusive muitos pescadores têm se posicionado contra.
Há ainda outros exemplos de grupos de pescadores unidos e/ou
organizados. Pode-se incluir aqui alguns pescadores da Gamboa, do Morrinhos
e do Silveira, ligados às parelhas (de tainha). Na Gamboa, as equipes têm
atuado de forma conjunta para continuar mantendo sua área de pesca e se
fazerem respeitar pelos outros pescadores – ainda que, eventualmente,
tenham que utilizar mecanismos agressivos de coação. No Morrinhos, os
pescadores são unidos e têm procurado evitar confrontos e atitudes agressivas
na época da tainha, procurando dialogar com os surfistas. Os pescadores do
Silveira se dizem unidos e têm sofrido muita pressão (dos surfistas) para não
pescarem. Mas na contra-mão, têm conseguido manter a tradição da pesca.
Finalmente, pode-se ainda lembrar da solidariedade encontrada nos
núcleos pesqueiros, embutida principalmente na pesca da tainha com arrastão
de praia. Muitos pescadores realçam que essa pescaria é uma oportunidade de
confraternização e de fortalecimento dos laços de amizade na comunidade. Ela
teria o papel de manter uma certa identidade tanto com o lugar quanto com as
pessoas. No Siriú, por exemplo, os pescadores dizem que todos ali se ajudam.
5.3. INSTITUIÇÕES
5.3.1. Estrutura formal da gestão pesqueira
A gestão da pesca, em nível federal, é compartilhada atualmente por
dois órgãos do Ministério do Meio Ambiente – Secretaria de Biodiversidade e
Florestas e Coordenação Geral dos Recursos Pesqueiros da Diretoria de
Fauna e Recursos Pesqueiros – CGREP/DIFAP – (IBAMA) e pela Secretaria
Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República - SEAP. Essa
fragmentação e divisão de competências não são, entretanto, novidades no
setor. No Quadro 5 é apresentada uma síntese do histórico da gestão.
188
Quadro 5: Síntese do histórico dos órgãos envolvidos na gestão formal da
pesca no Brasil
Fases de
acordo com os
órgãos gestores
Período Aspectos de destaque Palavras-chave
Fase Marinha e
Ministério da
Agricultura
(Serviço de
Caça e Pesca)
1920 –
1961
1922 – criação das Colônias de Pescadores,
subordinadas a federações e a uma
Confederação Nacional
1955 (Lei 2419) – Institui a Patrulha Costeira
(Ministério da Marinha)
Assistencialismo e
controle
Fase SUDEPE
1962 -
1989
1967 (Decreto-Lei 221) – lança os pilares de
modernização do setor; estabelece incentivos
fiscais e um plano de desenvolvimento do setor
1969 (Decreto 64063) – cria o primeiro Sistema
Nacional de Informações da Pesca e
Aqüicultura
1974 – PESCART: Plano de Assistência
Técnica ao Pescador
1980 – marco do declínio da pesca
Imediatismo,
desenvolvimentismo,
apogeu produtivo e
declínio da pesca
nacional
Assistencialismo,
desvio de verbas e
fracasso
Fase IBAMA
(MMA)
1989-
1998
1989 (Lei 7735) – extingue a SUDEPE
1990 – criação do CNPT
1991 (Lei 8297) – criação do seguro-
desemprego (“defeso”) para pescadores
artesanais.
Ênfase na
recuperação e
conservação dos
recursos pesqueiros
Fase IBAMA
(MMA) e DPA
(MAPA)
35
1998-
2003
1998 – criação do DPA no MAPA e divisão das
competências e institucionalização de conflitos
no âmbito da administração
2002 (Decreto 3833) – cria a DIFAP dento do
IBAMA.
Força dos grupos de
pressão
produtivistas.
Retrocesso em
relação à gestão
sustentável.
Fragmentação
Fase IBAMA,
MMA e SEAP
2003 -
2003 – criação da SEAP, assumindo as
competências a cargo do MAPA.
Nova política
desenvolvimentista,
mais
assistencialismo e
fragmentação
Fonte: Diegues, 1983; Vasconcellos et al., 2004; Dias Neto & Marrul Filho, 2003.
35
Departamento de Pesca e Aqüicultura do Ministério da Agricultura, Abastecimento e Pecuária
(DPA/MAPA).
189
De acordo com Vasconcellos et al. (2004), a SEAP ficou com as
atribuições do Departamento de Pesca e Aqüicultura (MAPA), qual seja,
estabelecer medidas sustentáveis e conceder licenças, permissões e
autorizações para o exercício da atividade pesqueira (industrial e artesanal) e
da aqüicultura. Além disso deve promover e fomentar o desenvolvimento do
setor, e administrar os recursos pesqueiros inexplotados ou sub-explotados,
bem como as espécies altamente migratórias.
À Secretaria de Biodiversidade e Florestas (MMA) compete propor
políticas, normas e estratégias relativas ao uso sustentável dos recursos
pesqueiros e da ictiofauna, além de implementar os programas
correlacionados. À CGREP/DIFAP/IBAMA (MMA) compete a conservação e a
gestão dos recursos pesqueiros sobreexplotados ou ameaçados de
sobreexplotação, devendo coordenar, supervisionar, regulamentar e orientar a
execução e implementação das ações e atividades relacionadas com a gestão
dos mesmos. Cabe ainda ao IBAMA apoiar acordos de pesca e planos de
ordenamento pesqueiro. Convém ressaltar que cabe ao MMA a fixação de
normas, critérios e padrões de uso para essas espécies.
Também compete ao IBAMA/MMA classificar as espécies quanto ao
nível de explotação. Desse modo, Vasconcellos et al. (2004) avaliam que o
IBAMA continua com um papel tão determinante quanto na fase em que era o
principal responsável pela gestão da pesca, no que se refere às espécies
sobreexplotadas ou ameaçadas de sobreexplotação.
Dentro da SEAP existe uma Coordenação da Pesca Artesanal, com
apenas 2 funcionários e diversas atribuições, o que, na interpretação de
Vasconcellos et al. (2004), restringe essa coordenação à criação de demandas
às outras instâncias da SEAP, para que ações e medidas sejam tomadas.
Ainda de acordo com esses autores, a prioridade da SEAP é, de fato, os
setores da pesca industrial e da aqüicultura.
Enfim, apesar do discurso do governo de que a criação da SEAP
resgatou a dívida do país com a pesca brasileira” (SEAP, 2003: 21) e que, por
190
meio da mesma, irá “formular políticas que permitam a inclusão social das
comunidades pesqueiras e aqüícolas, desenvolvendo a pesca artesanal
familiar” (SEAP, 2003: 25), uma análise preliminar do que vem sendo feito
aponta em outra direção. Como já foi dito anteriormente, a tônica continua
sendo investir no setor industrial, como parte de uma política
desenvolvimentista maior, adotada pelo governo. Ao setor artesanal, restou,
novamente, o assistencialismo.
Diversos autores reconhecem e reforçam as graves conseqüências da
manutenção desse padrão organizacional da gestão pesqueira, subordinado ao
jogo de interesses e forças político-econômicas (DIEGUES, 1983; DIAS NETO
& MARRUL FILHO, 2003; VASCONCELLOS et al., 2004). Como resultado,
tem-se uma estrutura perversa, que tanto contribui para a ruína dos recursos
pesqueiros quanto para a extinção de um complexo de saber-cultura-modo de
vida, representado pela pesca de pequena escala.
Convém destacar a estrutura de representação da classe dos
pescadores, com seus desdobramentos nos níveis federal, estadual e
municipal: a Confederação Nacional de Pescadores, as Federações Estaduais
(em Santa Catarina, Federação dos Pescadores do Estado de Santa Catarina –
FEPESC) e as Colônias de Pesca. Essa estrutura nasceu num contexto
autoritário e para servi-lo. A grande maioria dos órgãos componentes ainda
mantém essa característica e não representa de fato os pescadores, com
exceção de algumas Colônias, cuja
presidência foi conquistada. O clientelismo
político, a troca de favores, a criação de
mecanismos informais de coerção e
submissão dos pescadores às mesmas, a
concessão de benefícios a não-pescadores e
os desvios de verbas são alguns traços
comuns de se encontrar nas Colônias.
Figura 78: Colônia de Pescadores
Z12.
Para exemplificar, durante a pesquisa, foram feitas três visitas à Colônia
de Pescadores de Garopaba (Z12), com o intuito de obter informações e
191
entrevistar o presidente. No cargo há pelo menos 11 anos, o mesmo não
apenas se esquivou de participar efetivamente como também não tornou
acessível nenhuma fonte oficial de dados manipulados pela Colônia – tal como
o número de pescadores filiados e a lista de nomes. Forneceu oralmente
informações contraditórias e não poupou elogios a si mesmo e à sua atuação.
Em contraposição, é quase um consenso entre os pescadores que o presidente
da Colônia não faz nada pela pesca e não defende os interesses da classe.
Em nível regional, destaca-se o Centro de Pesquisa e Extensão
Pesqueira das Regiões Sudeste e Sul (CEPSUL), subordinado à Coordenação
de Estudos e Pesquisas da CGREP/DIFAP/IBAMA. Como os demais centros
regionais especializados, a função do CEPSUL é desenvolver atividades de
pesquisa e estabelecer normas e procedimentos relevantes para a
sustentabilidade da pesca. Não atua no fomento do setor pesqueiro. Em nível
estadual, em Santa Catarina, a pesca é alvo de atenções e ações dentro da
Secretaria de Estado da Agricultura e Desenvolvimento Rural. A pesca,
juntamente com a agricultura, é contemplada em três dos doze programas da
secretaria, em vigor em 2006; mas não há mesmo um programa específico.
Num nível intermediário entre o estadual e o municipal, tem-se a Área de
Proteção Ambiental da Baleia Franca (APA-BF), incluindo o litoral adjacente ao
município de Garopaba. A criação da APA-BF, em 2000, abriu um novo
horizonte de possibilidades para a pesca de pequena escala na sua área de
abrangência, pois parte das suas atribuições é ordenar e garantir o uso racional
dos recursos naturais da região. Através do Conselho Gestor, formado no final
de 2005, um espaço novo de denúncias, debate, tomada de posição e ação foi
criado e vem sendo utilizado por um grupo de pescadores (ASPECI).
Quanto ao nível municipal, em Garopaba, em 2005, a Secretaria de
Agricultura incorporou a pesca às suas atribuições, tornando-se Secretaria de
Agricultura e Pesca do Município de Garopaba. Até o ano de 2006, o órgão não
possuía em seu quadro recursos humanos especializados para trabalhar com a
pesca. Com o quadro atual, falta competência para atuar no setor. Embora
reconheça a importância da pesca, especialmente para as famílias que
192
sobrevivem direta ou indiretamente da mesma, na visão da secretaria trata-se
de algo muito ligado à história e à cultura do município – a atividade econômica
mais importante até um passado recente. No entanto, prevalece a visão de que
a pesca merece atenção, devendo ser alvo de ações futuras.
Algumas ações desse órgão ilustram sua linha de atuação. A secretaria
destacou a doação e instalação de 8 guinchos no núcleo pesqueiro da
Garopaba para rebocar as embarcações no momento
de tirá-las do mar. Essa ação foi feita em parceria com
a Colônia de Pescadores Z12, com repasse de verbas
à mesma. Coube à Colônia determinar o tipo de
guincho e os galpões que seriam beneficiados. Trata-
se de uma ação pontual, que só beneficiou alguns
pescadores do núcleo da Garopaba, pois os guinchos
ficam instalados dentro dos galpões, usados por
determinadas equipes.
Figura 79: Guincho para
puxar barcos
(Garopaba).
A secretaria também é responsável, desde 2005, pela institucionalização
dos acordos entre pescadores da tainha (arrastão de praia) e surfistas, bem
como pela colocação das placas de alerta em todas as praias, avisando se
pode ou não surfar e em qual área. Apesar de ser um avanço, no sentido de
promover o diálogo entre as partes envolvidas no conflito e procurar uma
solução conjunta, diversos pescadores reclamam que o acordo é uma forma de
pressioná-los para que eles aceitem o surf durante a pesca da tainha. Muitos
admitem que é necessário liberar alguma praia para o
surf, mas a maioria não admite que, nas praias onde
tem parelhas, se libere um canto – argumentam que
atrapalha a pesca, que não resolve o problema deles.
Mas, certamente o acordo é um avanço e já contribui
para a redução das atitudes agressivas – como os
próprios pescadores reconhecem.
Figura 80: Placa de alerta
aos surfistas.
De modo geral, a secretaria parece bem intencionada, mas além da falta
de recursos humanos e financeiros para lidar com a pesca, falta conexão e
193
apoio das instâncias superiores, por exemplo da Secretaria de Estado da
Agricultura e Desenvolvimento Rural, do CEPSUL/IBAMA e da SEAP. O
secretário reforçou que a secretaria ainda não foi procurada por nenhum
desses órgãos, embora também não os tenham procurado. De acordo com o
secretário, as instituições com as quais têm trabalhado são a EPAGRI, o
IBAMA e a Polícia Ambiental.
Por sua vez, o Plano Diretor de Garopaba insiste na necessidade de
dotar a Sede do Município de uma estrutura que permita o desenvolvimento da
pesca artesanal e do turismo, em conformidade com os valores estéticos e de
ocupação já tradicionais”. Reconhece ainda a importância de se “estabelecer
limites para a ocupação urbana visando a preservação dos elementos naturais
de valor ecológico, paisagístico e que dão suporte a vida humana” e “assegurar
os espaços necessários ao desenvolvimento da pesca” (GAROPABA, 2001).
Entretanto, uma análise mais profunda do mesmo revela que este se limita ao
ordenamento da sede do município. Além disso, a prefeitura prioriza, na
prática, ações voltadas ao desenvolvimento do turismo, em detrimento da
melhoria das condições que cercam o desenvolvimento da pesca artesanal.
Nesse sentido, a Prefeitura do Município de Garopaba vê a pesca
apenas como parte da história, não mais como atividade econômica relevante.
Também para a prefeitura, a importância da pesca está ligada às origens do
município. Seu papel atual, entretanto, é servir de atração turística, compor o
cenário de beleza aliada à tradição para atrair mais turistas. Na visão da
prefeitura, a pesca não tem outra direção a seguir a não ser submetendo-se ao
turismo e a ele servindo. É uma atividade sem valor, sem muita importância,
que não gera riqueza, fadada a desaparecer. Assim, o setor recebe apenas um
olhar assistencialista e é mantido como uma peça de museu.
Diante disso, constata-se que as instituições de gestão não estão
conectadas horizontalmente de modo adequado, através do espaço geográfico,
ou verticalmente através dos níveis de organização. Os municípios têm sido
preteridos enquanto escala de apreensão da realidade e de ação, por parte dos
níveis federais, apesar de ser justamente neste nível que as políticas se
194
concretizam e se espacializam e que os pescadores e outros atores sociais
podem participar mais ativamente das decisões que afetam suas vidas. Mas
também, nesse nível, a carência de recursos financeiros e humanos é ainda
mais acentuada e os conflitos facilmente avançam para as esferas pessoais. A
excessiva centralização no nível federal gera, no nível municipal, a sensação
de que nada pode ser feito.
5.3.2. Políticas de pesca
O marco das políticas de pesca no país pode ser representado pelo
Decreto-Lei n° 221/1967, cujas conseqüências permitem distinguir o antes e o
depois dele. Até a década de 1960 a atividade pesqueira no Brasil restringia-se
à pesca artesanal e à produção dos armadores. Havia poucas empresas de
pesca e a zona oceânica era explorada por barcos-fábrica e atuneiros
japoneses (DIEGUES, 1983).
A política governamental de 1967 visava sobretudo modernizar o setor
pesqueiro com base num modelo de desenvolvimento concentrador de capital,
voltado para a exportação, mal dimensionado, intensivo em tecnologia e
ecologicamente destrutivo (DIAS NETO & MARRUL FILHO, 2003). Através de
um programa de incentivos fiscais e subsídios governamentais objetivava
acelerar os investimentos privados na pesca e aumentar a produção de
pescado (DIEGUES, 1983). Para Dias Neto & Marrul Filho (2003), a proposta
carecia de conhecimento das características do potencial piscoso do mar
brasileiro; foi importada e assimilada sem criticidade, implantada a partir de
uma racionalidade imediatista.
Em conseqüência, a organização da pesca foi alterada, diversas
empresas foram criadas – dimensionadas para a pesca costeira sobre a zona
nerítica –, a estrutura de beneficiamento foi ampliada, e o número de
embarcações aumentou muito, especialmente na região Sul. Esse aumento no
esforço de pesca resultou, até 1973, num aumento da produção, que dobrou
nas regiões Norte e Sudeste, e quadruplicou no Sul. A pesca também se
concentrou quase que exclusivamente em espécies de alto valor de mercado
195
(exportação), como o camarão e a lagosta. No Sul e no Sudeste, muitos
pescadores artesanais passaram a trabalhar embarcados na frota industrial e
diversos outros abandonaram a pesca. A pesca artesanal participou como uma
fonte de mão-de-obra, barata e especializada. Além disso, o pescado da
produção artesanal foi também apropriado através do domínio da
comercialização (DIEGUES, 1983).
O resultado dessa política foi desastroso e diversos autores observam
que ela não surtiu o efeito desejado (DIEGUES, 1983; DIAS NETO & MARRUL
FILHO, 2003). Diegues (1983) realça que 40% das empresas que receberam
os incentivos fiscais por 10 anos, faliram. O maior número de falências foi em
Santa Catarina, estado onde surgiu o maior número de empresas com o
dinheiro da SUDEPE. A conseqüência mais devastadora foi o
comprometimento e a sobreexplotação dos estoques pesqueiros.
Diegues (1983) destaca algumas falhas dessa política: (1) inadequação
às características dos recursos pesqueiros; (2) investimento desproporcional
nas fábricas de beneficiamento frente à “matéria-prima”; (3) desequilíbrio nos
investimentos dentro da cadeia produtiva; (4) exagerada seletividade das
capturas; (5) desconsideração da infra-estrutura existente; e (6) investimento
intensivo nas mãos de empresários sem experiência no setor pesqueiro. O
fracasso da política afetou distintamente a pesca artesanal nas diferentes
regiões:
Naquelas regiões em que, por razões naturais e históricas, o avanço
da pesca empresarial-capitalista se fez com menor intensidade, como
no Norte e Nordeste, a pequena produção sobreviveu mais
facilmente. Nas Regiões Sudeste e Sul, além do impacto do processo
de acumulação de capital e da devastação dos recursos pesqueiros
costeiros, outros fatores como a urbanização, a especulação
imobiliária, vieram a desorganizar a pequena pesca (DIEGUES, 1983:
147).
A “era” da SUDEPE e seu mega-projeto chegou ao fim em 1989, com a
criação do IBAMA. Restou ao governo, como única alternativa viável, abraçar
uma política de recuperação dos estoques pesqueiros em situação de
sobrepesca ou ameaçados de sobreexplotação. Os resultados positivos vieram
relativamente rápido. Mas o setor pesqueiro industrial formado, de acordo com
196
Dias Neto & Marrul Filho (2003), já estava acostumado a uma postura
descomprometida com o uso sustentável dos recursos, com o paternalismo,
com os incentivos e subsídios, e não ficou satisfeito com a nova política. Assim,
no final de 1998, grupos de pressão consolidados influenciaram o governo a
tomar uma série de decisões, conflitantes e absurdas, na visão dos citados
autores, como a divisão das competências de gestão dos recursos pesqueiros
entre dois ministérios – MMA e MAPA.
Pode-se dizer que, até 2003, devido à divisão das competências e aos
conflitos de paradigmas de gestão do uso dos recursos pesqueiros, o país ficou
sem uma política de pesca clara e definida. Ao contrário, estabeleceu-se duas
linhas de ação antagônicas, uma voltada à exploração e outra à recuperação.
O aprendizado institucional com a política de 1967, se é que ocorreu, ficou
restrito ao IBAMA/MMA.
Com a criação da SEAP, em 2003, esse problema se manteve. Mas,
aparentemente, em certos aspectos, seu projeto político é inovador e
ambicioso. O projeto político apresentado em 2003 (SEAP, 2003) fala de
participação dos pescadores; inclusão social; co-responsabilidade; recuperação
de estoques; recadastramento dos pescadores e da frota; revisão da legislação
existente; fortalecimento da legislação que priorize os pescadores artesanais;
zoneamento de áreas para aqüicultura, pesca artesanal e oceânica; abertura
de linhas de crédito para pescadores artesanais; estudo de novos defesos;
melhorias nas estruturas de beneficiamento e comercialização do pescado;
alfabetização de pescadores artesanais, entre outros.
Não restam dúvidas de que o projeto representa um certo avanço, ao
incluir questões relevantes tanto para a conservação dos recursos pesqueiros
quanto para proporcionar melhorias no setor artesanal. Mas, já no projeto,
nota-se um certo descompasso entre os indicadores, os pressupostos, as
estratégias, os resultados esperados e o plano de ação. A ênfase no aumento
da produção permanece, apesar dos diversos alertas de que o país já não
deveria avançar nessa direção (CNIO, 1998). Isaac et al. (2006) observam que
197
há poucas iniciativas independentes do estado, sendo a maioria de caráter
assistencialista.
Além disso, a observação empírica de algumas das ações já realizadas
reforça as discordâncias entre a proposta e a atuação da SEAP. Pode-se tomar
como exemplo o recadastramento dos pescadores. Em Garopaba, diversos
pescadores enfatizaram que o processo foi desordenado, as lideranças entre
os pescadores foram ignoradas, e o recadastramento acabou ficando a cargo
dos presidentes das Colônias de Garopaba e Imbituba, mantendo e ampliando
o número de não-pescadores. Outro exemplo refere-se aos subsídios ao óleo
combustível, que, em Santa Catarina, beneficiou apenas à frota industrial.
Na avaliação de Vasconcellos et al. (2004), a pesca artesanal constitui,
de fato, uma das seis prioridades de atuação da SEAP. As quais incluem
também a exploração econômica de grandes lagos; a renovação da frota
pesqueira; o estabelecimento de linhas de crédito; a modernização das
estruturas de desembarque e conservação do pescado; e a participação social.
Alertam, entretanto que
Somente o fato de a SEAP anunciar a pesca artesanal como marca
prioritária de atuação e contar com uma coordenação específica com
dezoito atribuições regimentais, não irá permitir uma atuação
satisfatória para o atendimento da pluralidade de aspectos e
problemas inerentes ao setor pesqueiro artesanal (VASCONCELLOS
et al., 2004: 63)
Concluem assim que a SEAP deve definir estratégias e uma política
clara, que ainda não existem. Por outro lado, a precariedade de intercâmbio de
informações entre as instâncias da SEAP e desta com outros órgãos com
competências relacionadas ao setor; a tímida relação SEAP-IBAMA; bem como
a carência de recursos humanos e financeiros – aliados aos outros problemas
e conflitos que permeiam o setor pesqueiro como um todo – colocam em xeque
a viabilidade da proposta. A julgar pelos desdobramentos até o momento, é
difícil acreditar que o setor artesanal será beneficiado desta vez.
198
5.3.3. Regime de propriedade e regras operacionais
De acordo com o artigo 20 da Constituição Federal de 1988, o mar
territorial e os recursos pesqueiros constituem bens da União. O primeiro, um
bem de uso comum do povo; o segundo, bens de domínio público – em
conseqüência, a pesca é uma concessão do Estado.
Para pescar é necessário, portanto, que o indivíduo tenha uma licença
de pesca, exceto em alguns casos específicos da pesca amadora. A licença é
pessoal, intransferível, válida em todo o território nacional e implica no
pagamento de uma taxa anual. Os pescadores profissionais, que fazem da
pesca sua profissão ou meio principal de vida (Decreto-lei 221/1967), obtém a
licença através de matrícula nas Colônias de Pesca, adquirindo a carteira de
registro de pescador profissional. Os pescadores amadores, que pescam com
a finalidade de lazer, turismo ou desporto, sem finalidade comercial, obtém a
licença de pesca amadora junto ao IBAMA. Cabe destacar que a pesca
amadora está dividida em 3 categorias: desembarcada, embarcada e
subaquática (Portaria IBAMA 30/2003).
Apesar da obrigatoriedade da obtenção da licença de pesca, na maioria
dos casos, Dias Neto & Marrul Filho (2003) realçam que os recursos
pesqueiros não são de propriedade da União (no sentido jurídico), mas que
cabe a ela ser a gestora dos bens em prol do interesse da sociedade. Mas,
conforme a teoria dos recursos comuns, pode-se afirmar que esses recursos
estão sob regime de propriedade estatal. O Estado estabelece as regras de
uso e de acesso.
De forma geral, os órgãos responsáveis pela gestão da pesca (IBAMA,
MMA e SEAP) têm regulado a atividade através de instruções normativas,
resoluções e portarias que determinam, entre outras coisas (ver Quadro 6 para
exemplos específicos):
h as espécies consideradas ameaçadas de extinção, sobreexplotadas,
ameaçadas de sobreexplotação, sub-explotadas e inexplotadas;
199
h a delimitação de áreas para certas modalidades de pesca, com exclusão em
certas áreas;
h os tamanhos mínimos de captura das espécies;
h as cotas de captura;
h os períodos de defeso;
h os tamanhos mínimos de malhas dos petrechos;
h a permissão e proibição de uso de petrechos.
Quadro 6: Alguns instrumentos legais de controle do uso dos recursos
pesqueiros na costa de Santa Catarina.
Tipos de restrição Exemplos que incidem sobre a costa da área de estudo
Limite de áreas
a pesca subaquática é proibida a menos de 50 m das praias e
costões (incluindo as praias de ilhas) a partir da baixa-mar
(IN/MMA 41/2005) [revoga a PORT/IBAMA 143-N/1994, que
estabelecia o mínimo de 500 m]
- arrasto de portas por embarcações maiores que 10 t na costa
adjacente ao Município de Garopaba é proibido a menos de 1 M
(PORT/IBAMA 107-N/1992)
- nas praias e costões (onde existem arrastões de praia
licenciados pelo IBAMA) durante a safra da tainha em SC, é
proibida a pesca a menos de 800 m das praias e a menos de 50
m dos costões com os seguintes aparelhos: redes de cerco,
redes de caça e malha, redes de trolha, redes de malhar fixas,
cercos flutuantes, fisgas e garatéias, farol manual e tarrafas
(PORT/IBAMA 26/1995)
Limite de acesso
- Somente pescadores profissionais ou amadores devidamente
cadastrados podem extrair mexilhões adultos (IN/IBAMA
105/2006)
Restrição sazonal
de uso
- o arrasto motorizado de camarão sete-barbas é proibido entre
01 de Out a 31 de Dez (IN/IBAMA 91/2006)
- o arrasto motorizado de camarão rosa é proibido entre 01 de
Mar a 31 de Mai (IN/IBAMA 92/2006)
- restrição de atividades náuticas motorizadas na Praia da
Gamboa e de Garopaba, de Jun a Nov (temporada da baleia
franca) (IN/IBAMA 102/2006)
- a extração e comercialização de mexilhões dos bancos
naturais (de qualquer tamanho) é proibida de 1 de Set a 31 de
Dez (IN/IBAMA 105/2006)
- a captura e comercialização da enchova é proibida de 1º de
Nov a 31 de Mar. Para embarcações de até 10 m, operando até
10 milhas da costa, o período de proibição será de 1° de Dez a
31 de Mar ( PORT/IBAMA 127-N/1994)
- nas praias e costões (onde existem arrastões de praia
licenciados pelo IBAMA) durante a safra da tainha em SC é
permitida a captura de isca-viva pelos caiques dos atuneiros no
horário compreendido entre 08:00 e 17:00 horas (devendo ser
suspensa se for haver um lance) (PORT/IBAMA 26/1995)
200
Limite mínimo de
tamanho
garoupa (47 cm), miragaia (65 cm), bagre (20 cm), enchova (35
cm), corvina (25 cm), linguado (35 cm), palombeta (12 cm),
pampo/gordinho (15 cm), pescada olhuda (30 cm), pescadinha
(25 cm), tainha (35 cm), parati(20 cm), papa-terra (20 cm)
(IN/MMA 53/2005)
Restrição de artes
de pesca
- a pesca subaquática em Santa Catarina é permitida
exclusivamente em apnéia (IN/MMA 21/2005)
- é proibida a pesca com arrastão de praia com malha inferior a
70 mm em SC (PORT/IBAMA 112-N/1992)
- Proíbe as redes de emalhar fixas em SC,
com fixação através
de âncoras, sacos de pedras e poitas (PORT/IBAMA 54-
N/1999)
Proibição de
captura
(espécies
ameaçadas de
extinção)
raia-viola Rhinobatus horkelii; caçonete Mustelus schmitti;
cação-anjo-espinhoso Squatina guggenheim; cação-anjo-liso
Squatina occulta (IN/MMA 05/2004)
Espécies
sobreexplotadas ou
ameaçadas
de sobreexplotação
(IN/MMA 05/2004)
Sardinha (Sardinella brasiliensis)
Tainha (Mugil liza e Mugil platanus)
Enchova (Pomatomus saltatrix)
Pescada-olhuda (Cynoscion guatucupa)
Pescadinha-real (Macrodon ancylodon)
Corvina (Micropogonias furnieri)
Garoupa (Epinephelus marginatus)
Cherne (Epinephelus niveatus)
Bagre (Genidens barbus)
Cota de captura
pescadores amadores têm cota máxima definida por norma
específica (IN/IBAMA 105/2006)
Fonte: Rebouças, no prelo (referência: ver nota de rodapé 16, p.45).
5.4. CONDICIONANTES E EFEITOS DA CRISE PESQUEIRA
As relações entre as variáveis “atributos biofísicos e tecnologias”,
“padrões de interação” e “instituições” (itens 5.1., 5.2., 5.3.) contribuem direta
ou indiretamente para a crise do setor pesqueiro, verificada no nível local,
como um desdobramento da crise nacional. Essa seção contém uma análise
geral dessas relações. Posteriormente, são destacados dois dos seus efeitos
mais marcantes.
Os principais condicionantes da crise local, identificados a partir das
relações entre as variáveis-chave, seriam: (1) a inadequação da tecnologia
utilizada em relação às características dos ecossistemas marinhos; (2) os
incentivos aos comportamentos individualistas, resultantes dos padrões
conflituosos de interação; e (3) a inadequação entre as instituições formais de
201
gestão e as características biofísicas dos recursos pesqueiros e socioculturais
das comunidades pesqueiras. Essa leitura converge, em parte, com as
principais causas da sobreexplotação em nível mundial apontadas por Isaac et
al. (2006). Para eles, o predomínio do modelo de livre acesso, os excessivos
investimentos em tecnologia, a sobre-capitalização das empresas e os
subsídios governamentais constituem os principais condicionantes da crise
mundial da pesca. Esses condicionantes estão também presentes na escala
local, e são contemplados pelos desajustes (1) e (3), expostos acima.
No bloco da primeira condicionante, destaca-se o aumento e o excesso
do esforço de pesca e as tecnologias empregadas pela pesca industrial (tanto
para a detecção dos cardumes quanto para a captura), que elevaram o volume
das capturas a patamares insustentáveis. Comparada à pesca artesanal, a
pesca industrial compete de forma desigual pelos espaços marinhos e pelos
recursos pesqueiros, especialmente quando avança em direção à costa,
configurando uma sobreposição de áreas de pesca. A frota industrial é
composta por barcos grandes, muito potentes, dotados de equipamentos
sofisticados, que possibilitam grande autonomia no mar e alto poder de
detecção e captura. Sua ação é direcionada a grandes cardumes de um
pequeno número de espécies de alto valor de mercado, sem levar em conta o
grau de impacto sobre os estoques e o ecossistema.
Assim, há pelo menos 30 anos, a pesca industrial vem se
desenvolvendo de modo completamente inadequado ao potencial pesqueiro do
mar brasileiro (DIEGUES, 1983; CNIO, 1998). A partir de 1990, em função da
diminuição da captura de certas espécies, o esforço de pesca foi direcionado
para outras, agravando ainda mais o quadro. O resultado é a sobreexplotação
e o comprometimento de estoques importantes para a pesca de pequena
escala, tais como a abrótea, a corvina, a tainha, a enchova, o goete e a
pescada-olhuda.
Por outro lado, a pesca de pequena escala, no nível local, tem
empregado tecnologias destrutivas de pesca, contribuindo para o agravamento
do quadro. Também não deve ser negligenciado o fato de que, os pescadores
202
artesanais que pescam numa área maior, geralmente com botes e lanchas,
podem estar contribuindo significativamente, no nível local, para a redução
pontual das pescarias nos núcleos pesqueiros onde a pesca é mais individual e
“praiana”. Diversos mestres de pesca fizeram essa observação. Além disso,
mais recentemente, o aumento do esforço de pesca, representado pela caça
subaquática, e os possíveis métodos destrutivos empregados agravaram as
tendências negativas do cenário em tela.
No segundo bloco, as interações conflituosas (“conflitos”, item 5.2.6.)
geram uma estrutura de incentivos para estratégias individualistas não apenas
entre os pescadores, mas também entre outros atores sociais, na qual cada um
maximiza o seu próprio uso dos recursos disponíveis. Isso ainda é agravado
pela crença disseminada entre os pescadores e outros atores sociais, incluindo
o próprio poder público municipal e a Colônia de Pescadores, de que a pesca
artesanal irá se acabar em pouco tempo. Essa crença está intrinsecamente
relacionada com a marginalização da atividade pesqueira, que gera nos
pescadores o sentimento de pertencer a uma classe desvalorizada, de
exercerem uma profissão não respeitada. Muitos relataram que as pessoas os
vêem como “pescadorzinhos” e, entre eles, alguns demonstraram essa
desvalorização – como no seguinte relato de um pescador com mais de 60
anos: “o pescador é bugre, é pessoa sem futuro, é pessoa pouco estudada.
Não é que ele seje burro, mas ele vive daquela arte”. Lamentavelmente, essa
dimensão tem sido ignorada no processo de gestão, apesar de influenciar
direta e negativamente na crise do setor.
Finalmente, os desajustes entre as instituições formais de gestão e as
características biofísicas dos recursos pesqueiros e socioculturais das
comunidades pesqueiras, compõem o terceiro bloco de fatores condicionantes.
A primeira, e mais óbvia inadequação, diz respeito à divisão de competências
entre os órgãos gestores a partir do status de explotação
36
dos estoques
pesqueiros e de serem ou não altamente migratórios. Trata-se mesmo da
divisão do indivisível, como observou Dias Neto & Marrul Filho (2003), que
36
Inexplotados, subexplotados, ameaçados de sobreexplotação, sobreexplotados.
203
compromete a gestão e, conseqüentemente, o uso sustentável desses
recursos.
É notável também a inadequação do enquadramento da pesca como
atividade agropecuária. Em conseqüência, a mesma passa a ser incorporada a
diversos órgãos desprovidos de capacidade para tratar do tema – a exemplo do
MAPA e da Secretaria de Estado da Agricultura e Desenvolvimento Rural (SC).
Sendo a pesca uma atividade de natureza extrativa, é no mínimo, um absurdo
tratá-la como similar à agricultura ou à pecuária, atividades ancoradas na idéia
de “cultivo”. Essa é, provavelmente, a visão subjacente a alguns indicadores e
metas para o setor; como, por exemplo, as “metas de produção” estabelecidas
pela SEAP, como se o mar fosse uma “fazenda” e os recursos pesqueiros
pudessem ser “colhidos” no momento certo. O que seria mais aplicado à
aqüicultura, outra atividade de caráter diverso da pesca e que foi “acoplada”
aos órgãos de gestão pesqueira como se fosse uma atividade semelhante.
Os ecossistemas marinhos não apenas diferem dos ecossistemas
terrestres em relação à sua estrutura, mas também têm sua dinâmica
influenciada por fatores distintos. Essa questão vem sendo historicamente
ignorada nos processos de gestão do setor, com graves conseqüências.
Ademais, ela também tem reflexos na dimensão social. As particularidades das
comunidades litorâneas e marítimas (sensu Diegues, 1995), já suficientemente
conhecidas, também têm sido desconsideradas nos processos de gestão.
Além disso, a excessiva centralização no nível federal imobiliza os
outros níveis e bloqueia possíveis feedbacks. Desse modo, a percepção e
compreensão do setor pesqueiro, especialmente o artesanal, torna-se
permeada de distorções, devido a uma tendência à homogeneização dos
fenômenos na escala federal centralizadora. Essas distorções seriam geradas
pela ausência da complementaridade entre as escalas. A heterogeneidade dos
atributos do fenômeno (pesca) emerge em escalas ajustadas ao nível municipal
ou local (BERKES, 2002). Um exemplo pode ser encontrado nas Colônias de
Pesca, até hoje vistas, no nível federal, como o órgão representativo dos
pescadores. A elas são repassadas verbas e atribuições relevantes – como o
204
recadastramento –, sem ao menos avaliar o seu desempenho, ao longo do
tempo e localmente. A estrutura das Colônias parece que ainda não foi alterada
ou sequer contestada desde a sua criação, exceto pelos próprios pescadores.
Diegues (1983) já demonstrou que o litoral brasileiro seria melhor
“explotado” nos moldes da pesca de pequena escala, que seria a base de um
programa adequado de desenvolvimento do setor, ajustando a pesca industrial
a zonas mais profundas e distantes da costa, e a espécies não ameaçadas ou
sobreexplotadas. O que estaria em conformidade com as características
oceanográficas do mar brasileiro, uma zona amplamente configurada pela alta
diversidade de espécies, mas com estoques pesqueiros de volumes variados,
predominando as baixas biomassas. Contudo, historicamente, as políticas
públicas para o setor continuam em desarmonia com esse aspecto,
incentivando a pesca industrial desproporcionalmente, visando sempre o
aumento da produção, sem considerar os efeitos perversos no médio e longo
prazo. Dessa forma, para fins de planejamento e gestão, o quadro vem se
tornando cada vez mais delicado (CNIO, 1998; DIEGUES, 1983).
Numa interpretação mais otimista, isso indicaria a ausência de
aprendizado institucional, a falta de competência na gestão do setor –
concretizada nos recursos humanos selecionados a partir de critérios políticos
e não técnicos – e a presença de barreiras políticas intransponíveis, até o
momento. Comparando a política de 1967 com a atual, é possível identificar
avanços, mas, na prática, parece que o desastre provocado pela primeira não
provocou ações à altura. Numa interpretação mais pessimista, ter-se-ia que
admitir que dentro do atual modelo de desenvolvimento adotado, não se
deveria esperar nada diferente. Isto é, para o país crescer é preciso estimular
os setores industriais, trabalhar com os grandes empresários, produzir em
grande escala, exportar, para o bem da economia. Desse ponto de vista, a
política atual é coerente, investe a maior parte dos recursos no setor industrial
e atua de forma assistencialista no setor artesanal. Então, o modelo de
desenvolvimento subjacente revela-se como o principal condicionante da crise,
provocando efeitos nocivos sobre os recursos pesqueiros e comprometendo a
manutenção da atividade pesqueira, especialmente a de pequena escala.
205
Ademais, caberia avaliar o quanto o conjunto de regras em vigor está
adequado aos recursos pesqueiros e aos usuários dos recursos. Apesar de
haver exceções, de modo geral, diversas regras elaboradas no sentido top-
down e ancoradas na ciência convencional de gestão pesqueira, sempre na
escala federal homogeneizadora, ou são inadequadas aos recursos ou aos
usuários dos recursos, tornando-se inoperantes. Um exemplo é o predomínio,
na prática, do regime de livre acesso aos recursos pesqueiros, embora a
legislação os defina como bens de domínio público sob tutela do Estado.
Uma outra situação é a geração ou acirramento de conflitos no bojo dos
processos de manejo e implementação de políticas públicas. Fatores diversos,
relacionados ao sistema formal de gestão, atuam de forma sinérgica, tais como
as dificuldades de delimitação das áreas marinhas em relação à modalidade de
pesca; as falhas da legislação pesqueira e os impasses à sua implementação;
e a fragilidade do sistema de fiscalização (ISAAC et al., 2006).
Por exemplo, em Garopaba, a alteração da distância mínima para a
prática da caça subaquática, de 500 m para 50 m das praias e costões
(instrução normativa do MMA), além de aumentar o esforço de pesca numa
área já bem utilizada, agravou bastante o conflito entre pescadores e
praticantes da caça subaquática. Nesse caso, há ainda indícios de um outro
fator agravante, o favorecimento de certos grupos de usuários em detrimento
de outros, sem o uso de critérios técnicos. Pode-se ainda citar a ausência de
projetos de delimitação de zonas para a pesca artesanal e para a industrial –
exceto através da criação de Resexs –, causando danos aos recursos
pesqueiros e provocando conflitos.
5.4.1. Redução das capturas e sobreexplotação
Uma das conseqüências mais marcantes, resultante das relações entre
os aspectos abordados nas seções anteriores, ao longo do tempo, é a queda
na produção da pesca de pequena escala tanto no nível municipal (Quadro 7)
quanto no nível estadual, acompanhada por um aumento da produção do setor
industrial (Quadro 8).
206
Ainda que os dados estatísticos tenham suas limitações, devido a
problemas diversos relativos à coleta dos dados e às descontinuidades, como
já evidenciados pela CNIO (1998), eles podem ser tomados como pontos de
referências capazes de revelar as principais tendências. No nível municipal,
observa-se quedas progressivas das capturas, com uma ponto de virada
acentuado no início dos anos de 1980, marcando um novo e inferior padrão de
produção, e outro, no início da década de 1990, marcando a estagnação da
produção no patamar abaixo de 350 t. Também é possível notar que a maior
parte da produção está representada por peixes ósseos e cartilaginosos.
Quadro 7: Produção pesqueira do Município de Garopaba.
Município de Garopaba
Ano
peixes ósseos e
cartilaginosos (kg)
peixes ósseos e cartilaginosos,
crustáceos e moluscos (kg)
1965 695.975
1970 2.110.612
1971 2.820.214
1972 2.642.586 2.673.004
1973 2.929.062 2.945.703
1974 2.650.477 2.658.285
1975 1.747.067 1.773.632
1976 2.026.984 2.034.932
1979 1.267.519 1.273.258
1981
553.573 566.005
1982 511.306 520.443
1983 773.163 799.894
1984 1.543.582 1.551.687
1985 560.700 588.947
1986 564.495 579.274
1987 391.735 391.914
1888 303.610 357.926
1989 275.801 309.886
1990
170.111 176.335
1991 158.024 193.321
1992 183.510 198.836
1995 310.351 322.197
1996 277.120 277.120
1997 177.377 188.798
1998 276.550 281.411
Fonte: SUDEPE/SC e IBAMA/CEPSUL
37
.
37
Os dados de 1965 a 1987 foram cedidos pelo IBAMA, mas são dados, provavelmente, da
extinta Superintendência do Desenvolvimento da Pesca - SUDEPE. De 1988 a 1998, os dados
foram obtidos dos informes do IBAMA/CEPSUL (1994, 1998, 1999, 2000).
207
Observando o Quadro 8, nota-se que a produção da pesca artesanal,
em nível estadual, tem uma redução marcante a partir de 1986; o que se repete
no início dos anos 1990, quando o percentual de contribuição para a produção
total do estado se estabiliza em torno de apenas 7%. Ao mesmo tempo, a
produção da pesca industrial aumenta com oscilações, atingindo uma certa
estabilidade a partir de 1997. Progressivamente, passa a responder pela quase
totalidade da produção estadual.
Quadro 8: Produção comparativa da pesca industrial e da pesca artesanal em
Santa Catarina.
Ano Pesca industrial (kg) % Pesca artesanal (kg) % Total SC (kg)
1980 93.827.763 79,44
24.277.822
20,56 118.105.585
1981 50.217.951 71,44 20.079.144 28,56 70.297.095
1982 60.094.830 72,56 22.730.238 27,44 82.825.068
1983 56.897.317 71,02 23.217.002 28,98 80.114.319
1984 69.400.400 71,46 27.719.188 28,54 97.119.588
1985 101.830.387 84,20 19.107.677 15,80 120.938.064
1986 97.480.642 89,88
10.975.405
10,12 108.456.047
1987 58.721.971 86,49 9.174.050 13,51 67.896.021
1988 64.182.609 85,28 11.077.796 14,72 75.260.405
1989 71.749.651 86,50 11.197.292 13,50 82.946.943
1990 64.500.937 87,47 9.240.542 12,53 73.741.479
1991 80.867.401 93,08
6.015.215
6,92 86.882.616
1992 77.413.106 92,11 6.627.380 7,89 84.040.486
1993 97.694.440 94,30 5.907.667 5,70 103.602.107
1994 115.313.722 93,29 8.298.148 6,71 123.611.870
1995 75.182.059 92,55 6.049.081 7,45 81.231.140
1996 95.589.687 92,31 7.958.804 7,69 103.548.491
1997 118.278.634 92,90 9.045.396 7,10 127.324.030
1998 123.674.707 92,90 9.445.036 7,10 133.119.743
2000
38
78.009.000
2001 110.708.000 93,18 8.108.500 6,82 118.816.500
2002
39
110.045.000 92,70 8.664.000 7,30 118.122.000
118.709.000
2003 106.892.000 92,02 9.266.500 7,98 115.579.500
116.158.500
2004 104.756.500 92,26 8.788.000 7,74 112.969.500
113.544.500
Fonte: SUDEPE/SC; IBAMA/SC; IBAMA/DIFAP/CEPENE
40
.
38
O relatório divulgado das estatísticas de 2000 não discrimina a produção industrial da
artesanal. Apresenta apenas um valor total estimado da produção da pesca extrativa marinha.
39
No relatório oficial de 2002 a 2004, os valores de produção total são menores do que a soma
dos valores discriminados da produção industrial e artesanal. Abaixo dos valores oficiais,
apresentam-se os valores corrigidos (em negrito). As porcentagens também foram corrigidas.
208
Esses dados reforçam o que foi constatado em campo. Os pescadores
são unânimes quanto à abundância do “passado” e a escassez impressionante
do presente. Reforçam que a pescaria, ao menos para a alimentação, era
“certa”, eles iam buscar o peixe - “era só a gente querer peixe, a gente ir lá, só
buscar” (69 anos). Não quer dizer que as capturas não oscilavam, que não
tinha dias bons e outros ruins na pescaria. Mas, que sempre se pegava o
necessário para se alimentar, no mínimo. Em último caso, podiam catar os
mexilhões nos costões; atualmente escassos. Por outro lado, havia as “safras
certas” ao longo do ano. As palavras mais utilizadas pelos pescadores para
descrever essa abundância são “fartura” e “riqueza”. Muitos reforçam que,
diante do que viram ali, nem dá para acreditar no que vêem hoje; alguns
pescadores nem conseguem falar sobre o assunto.
Entre os relatos, algumas situações foram especificadas. Em quase
todos os núcleos pesqueiros, os pescadores relatam a abundância de sardinha
e manjuba – antes da intensificação da presença das traineiras e, mais
recentemente, dos atuneiros –, consideradas as principais responsáveis pela
presença de certos cardumes na área. Na Praia da Garopaba, falam que o
canto sul ficava “escuro”, faziam um cerco e mantinham a rede na água para ir
retirando aos poucos. Outra espécie destacada é a enchova, com referências a
cardumes enormes cercados na Praia da Garopaba, do Silveira, da Ferrugem,
pelo menos até 1975. Em certas ocasiões, o pescado foi até enterrado pela
impossibilidade de comercialização.
Outros destacam que os maiores lanços de pescada na Praia da
Garopaba foram entre 1970 e 1980 e, na década de 1970, há referências
também a lanços de 45 a 60 mil tainhas. Na Gamboa, até 1975, só se dava
lanço grande, de 10 a 15 mil tainhas; cardumes de 500 tainhas, eles deixavam
passar. Há ainda os relatos sobre cardumes de pampo, que atualmente quase
não se vê mais, e a pescaria do pampo nos costões. Eram pampos “grados”,
com cerca de 1 m e 10 kg, que também eram pescados com arrastão de praia.
40
Dados de 1980 a 1992: a fonte é a SUDEPE/SC, mas foram obtidos dos informes do
IBAMA/CEPSUL. Dados de 1980 a 1998: IBAMA/CEPSUL (1994, 1998, 1999, 2000). Dados de
200 a 2004: IBAMA/DIFAP/CEPENE (2001, 2003, 2004a, 2004b, 2005).
209
O miragaia, de até 40 kg, é citado sempre como uma pescaria do passado, e a
garoupa também se destacava nas pescarias dos costões. Havia também
muito mexilhão, o alimento certo caso alguma outra pescaria falhasse.
Para ilustrar a comparação entre o “passado” e o presente, é
interessante observar as respostas obtidas para a pergunta 13 das entrevistas
(Figura 81, também no Anexo 2 e 3). Nessa pergunta, os pescadores foram
estimulados a relacionar a abundância do pescado com figuras. A figura E foi
escolhida por 13 pescadores para representar a pesca há 30 anos e por 7 para
representar a pesca há 20 anos. Um outro pescador, com 69 anos, reforçou
que houve uma diminuição gradativa, da figura E para a A, nos últimos 30
anos.
A C D EB
Figura 81: Representação da abundância / escassez de pescado.
O momento atual foi representado pelas figuras A, B e C. Sete
pescadores apontaram a figura C; 7 apontaram a B; e 10 a A. O que revela
que, comparado ao que era, a quantidade de pescado diminuiu bastante.
Associado aos melhores preços atualmente, é o que permite que alguns ainda
consigam sobreviver da pesca. Na avaliação dos relatos sobre a redução do
pescado, foram feitas referências à redução do tamanho de certas espécies e
ao quase desaparecimento de outras, em determinadas praias ou na área
como um todo. Os termos usados para retratar a situação atual da pesca foram
“miséria”, “extinção”, “defasagem”, “fracasso” e “falência”.
Alguns pescadores definiram marcos no tempo para situar o problema.
As principais referências são para os anos de 1980 e 1990, convergindo de
algum modo com o que foi observado nos dados apresentados no Quadro 7,
anteriormente. A partir desses anos, os pescadores notaram que certas
pescarias começaram a se enfraquecer e que peixes de menor qualidade
210
passaram a ser pescados. Como um todo, parece que a situação se agravou
bastante nos últimos 10 anos.
A redução das capturas está também intimamente relacionada à
sobreexplotação de algumas espécies. É interessante, e preocupante, notar
que tanto espécies que compõem as principais pescarias do município (e.g.
abrótea, corvina, enchova, pescadinha, tainha e garoupa) quanto aquelas que
representam as pescarias ditas secundárias (e.g. palombeta e goete) são
igualmente alvos de pescarias industriais. Embora não tenha sido empreendida
uma busca exaustiva de informações a respeito de cada espécie, as
informações obtidas podem ser consideradas suficientes neste sentido.
Como exposto anteriormente, a abrótea e a corvina ocupam posições de
destaque nos desembarques da frota industrial, sendo de grande interesse
comercial. Os juvenis de ambas são capturados pelas pescarias industriais,
incidentalmente ou não. Para ambas, o diagnóstico do REVIZEE não
recomenda que sejam incrementados os esforços de pesca. Já no caso da
pescada-olhuda, também alvo da frota industrial, inclusive há indicações de
que o estoque está sobreexplotado. Quanto ao goete, trata-se de uma das
espécies mais comuns nas pescarias de arrasto no sudeste do Brasil e os
estoques já se encontram em vias de sobreexplotação. A palombeta é
capturada em grandes quantidades pela frota catarinense de traineiras, como
fauna acompanhante, e já não suporta aumentos no esforço de pesca. E a
tainha é igualmente alvo da frota industrial, sendo excessivamente pescada
desde o Rio Grande (RS). Adicionalmente, a tainha, a enchova, a pescada (2
espécies), a corvina, a garoupa e o bagre são espécies sobreexplotadas ou
ameaçadas de sobreexplotação (IN/MMA 05/2004).
Diante disso, fica evidente a competição (desigual) pelos recursos entre
a pesca industrial e a pesca de pequena escala do município de Garopaba.
Seja nas principais pescarias, que garantem os melhores rendimentos para os
pescadores locais, seja nas pescarias secundárias, que asseguram o alimento
e a complementação de renda.
211
5.4.2. Práticas destrutivas
Entre os mestres de pesca entrevistados, toda ação ou prática que
perturba ou afugenta o peixe é nociva para a pesca. Pois o peixe já vive atento
para não ser predado por outro peixe, então qualquer coisa a mais, o assusta.
Para eles, todo petrecho pode ser destrutivo ou nocivo, o que determina é a
maneira como é utilizado, é o conhecimento do pescador. Pode-se acrescentar
a essa interpretação, que uma prática também é destrutiva quando ela
compromete a renovação dos estoques pesqueiros (e.g. reprodução,
recrutamento), provocando a sobreexplotação, ou ainda quando resulta em
danos ou provoca efeitos deletérios nas espécies ou no ecossistema marinho.
Assim, há evidências de que as práticas destrutivas, na área, teriam começado
a se tornar um problema e a gerar conflitos por volta de 1975.
Em relação à pesca industrial, além do que já foi exposto, pode-se
acrescentar ainda, entre as práticas destrutivas, o arrasto dos barcos
camaroneiros - muitas vezes muito próximo à costa. Essa pescaria está
associada a índices elevados de captura incidental e de descarte, envolvendo
juvenis de diversas espécies, inclusive algumas relevantes para a pesca
artesanal, como a palombeta. Convém lembrar também da captura excessiva
da sardinha e da manjuba afetando a ocorrência de diversas outras espécies,
que delas se alimentam, nas proximidades da costa.
Práticas destrutivas são também encontradas na pesca artesanal. Neste
caso, entre as artes de pesca identificadas, destacam-se as redes de espera,
principalmente a rede feiticeira – um petrecho nocivo na visão de muitos
pescadores e especialistas. Entre os métodos, pode-se citar as chamadas
“redes na pedra”, que estão associadas à captura não-seletiva de peixes de
pequeno tamanho. Essa colocação de redes muito próximas dos costões teria
começado por volta de 1985; muitas delas são redes de espera feiticeira.
Também foi verificado o descarte de exemplares tanto de captura incidental
(e.g. carangueijos-aranha, siris, raia treme-treme e peixe-porco) quanto de
pescarias direcionadas (e.g. corvina e abrótea, mordidas ou podres),
provavelmente resultantes de redes de espera. Há ainda a captura de peixes e
212
o uso de petrechos com malha ou anzol abaixo dos tamanhos permitidos e/ou
adequados. Nas lagoas, práticas e petrechos diversos como o uso de redes,
coca, gerival, tarrafas “miudeiras”, fontes luminosas muito fortes – tais como
“liquinho” e “silibrinho” – são empregados na captura do camarão muito abaixo
do tamanho mínimo.
Além disso, foi igualmente constatada a retirada excessiva de mexilhões
dos costões da área de estudo, relacionada tanto com as demandas da
maricultura quanto com praticantes de caça subaquática. O aumento do
esforço de pesca, nesse caso, é apontado pelos pescadores locais como o
principal condicionante da redução da abundância dos mesmos.
Segundo os pescadores locais, os praticantes da caça subaquática,
além de capturarem indivíduos abaixo do tamanho mínimo permitido, estariam
ainda empregando veneno e bombas (carbureto e dinamite). O aparecimento
de diversos exemplares mortos de diferentes espécies de peixe – tais como
garoupa, pampo, bagre e marimbau – é associado a essas práticas destrutivas.
Independente disso, tudo indica que a caça subaquática por si constitui um
aumento de esforço de pesca insustentável. Especialmente em relação às
pescarias dos costões e parcéis, nas quais predominam espécies de
crescimento lento, como a garoupa e o miragaia. Assim, parece ser a principal
responsável pela diminuição acentuada da abundância dessas pescarias e do
tamanho dos indivíduos capturados pela pesca artesanal.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O diagnóstico da pesca de pequena escala em Garopaba revela que o
dilema dos recursos pesqueiros permanece não resolvido, confirmando a crise
do setor na área. A ameaça da ruína ecológica associada aos recursos
pesqueiros assusta os pescadores e põe em risco a continuidade da atividade.
A avaliação da performance da pesca de pequena escala e do atual modelo de
gestão, sob a ótica do ecodesenvolvimento, pode ser assim resumida:
213
Pressupostos
normativos do
ecodesenvolvimento
A pesca de pequena escala e seu modelo de gestão atual
satisfação das
necessidades básicas
Vem sendo parcialmente atendida. A pesca já não possibilita
ser a única ou principal fonte de renda para muitos pescadores
- obrigando-os a buscar outras fontes e, às vezes,
distanciando-os da pesca. Para outros, a própria subsistência
também não é mais atendida plenamente. Mas a pesca ainda
atende a algumas necessidades imateriais de muitos
pescadores.
A precariedade dos incentivos governamentais contribui para
os baixos rendimentos financeiros da pesca artesanal e o
conseqüente afastamento dos jovens pescadores.
autonomia
(self-reliance) e
participação
Os pescadores são profissionais relativamente autônomos,
mas não têm poder de decisão sobre os recursos pesqueiros e
sua gestão. São completamente dependentes dos “órgãos
competentes”. A dimensão da participação na gestão ainda é
muito fraca e incipiente no campo prático, estando presente
apenas em dois núcleos.
No campo da gestão formal, os espaços legais existem, mas
são pouco utilizados e ainda apresentam um viés autoritário.
prudência ecológica
A pesca em Garopaba, atualmente, é governada pelo
comportamento individualista no uso dos recursos, direcionada
para o benefício próprio, gerando a ruína de todos; com
algumas exceções entre os pescadores.
No campo da gestão, a dimensão ecológica está fracamente
incorporada nas medidas remediais (e.g. defeso). A idéia de
prevenção de danos ou do Princípio da Precaução não estão
internalizadas. A total ineficiência do sistema de fiscalização
representa um grande incentivo para a busca de maximização
da produção e dos lucros.
redefinição da
economia
A pesca está subordinada ao modelo econômico vigente no
país, voltado para o aumento da produção e para a
exportação. Em conseqüência, o setor industrial recebe muito
mais incentivos e apoio do que o artesanal, comprometendo
diretamente o bom desempenho deste. A prioridade exclusiva
concedida (pelo município) ao desenvolvimento do turismo de
massa desconsidera o potencial da pesca para gerar emprego
e renda a partir do beneficiamento e da agregação de valor ao
pescado.
Como contemplado pelas hipóteses de trabalho, os incentivos para
práticas destrutivas e comportamentos individualistas no uso dos recursos
pesqueiros são fortes e, em grande parte, resultam: (1) da estrutura, dos
objetivos e das deficiências de implementação do atual modelo formal de
gestão da pesca; e, mais especificamente, (2) dos desajustes constatados
entre as instituições formais de gestão e as características biofísicas dos
recursos pesqueiros e socioculturais das comunidades pesqueiras.
214
Contudo, no decorrer desse diagnóstico, outros dois condicionantes
emergiram, sem que estivessem contemplados de forma explícita pelas
hipóteses e pelo modelo de análise, da maneira que foram apresentados. Os
incentivos para práticas destrutivas e comportamentos individualistas também
parecem estar associados diretamente a desajustes entre as tecnologias (da
pesca industrial, artesanal e amadora) e as características dos ecossistemas
marinhos e dos recursos pesqueiros. Com isso, a dimensão da variável
“Atributos Biofísicos e Tecnologia”, do modelo de análise, pode ser desdobrada
para explicitar melhor os possíveis desajustes entre suas micro-variáveis.
Um outro condicionante seria representado pelo desajuste entre as
demandas do mercado e as características dos recursos pesqueiros e da
pesca artesanal (no modelo analítico, seria representado por uma seta dupla
no lugar da relação “a”) . Apenas um pequeno número de espécies consegue
bons preços de venda, diversas outras nem chegam a ser comercializadas. Por
outro lado, a pesca artesanal normalmente captura uma diversidade maior de
espécies. Mas, os pescadores acabam direcionando suas pescarias quase
exclusivamente para aquelas espécies. Diversas outras poderiam ser
comercializadas, reduzindo o esforço de pesca sobre estoques
sobreexplotados e ampliando as opções de comercialização para os
pescadores.
Do mesmo modo, apesar de não ter sido algo aprofundado pelo
trabalho, verificou-se que na variável “Padrões de Interação”, os conflitos entre
os usuários constituem por si mesmos elementos de incentivo para
comportamentos individualistas ligados a práticas destrutivas. O que configura
um circuito de retro-alimentação e demonstra a complexidade das relações
entre as variáveis. Ao mesmo tempo em que existem incentivos “externos” –
por exemplo, institucionais e tecnológicos –, existem também incentivos
decorrentes das próprias interações entre os grupos de atores.
O modelo formal de gestão da pesca apresenta-se como um
condicionante decisivo. Trata-se de um modelo excessivamente centralizado,
fragmentado e produtivista, muito inspirado nos princípios do rendimento
215
máximo sustentável (MSY) e produtivista. O qual, por sua vez, é um dos
desdobramentos do modelo de desenvolvimento mimético-dependente e
ecologicamente destrutivo adotado pelo país.
De acordo com a literatura sobre gestão de recursos comuns, em muitos
casos, o colapso parece ser a condição determinante para gerar a
compreensão de uma situação, engendrar mudanças e desencadear processos
de reorganização e adaptação (HOLLING et al., 1998). Sob esse ponto de
vista, o momento parece ser muito adequado para uma ação incisiva
direcionada à pesca artesanal em Garopaba – considerando sua inserção no
plano nacional. Sob essa ótica, é possível ressaltar os principais obstáculos e
potencialidades para a gestão adaptativa para o ecodesenvolvimento,
identificados na área de estudo, à luz do enfoque analítico exposto
anteriormente.
Entre as potencialidades, as características físicas e tecnológicas dos
núcleos pesqueiros favorecem tanto uma certa divisão das áreas de pesca
(boundary conditions) quanto a possibilidade de se definir e excluir grupos de
usuários atuais e potenciais (exclusion problem). Aspectos que devem ser
considerados adequadamente nos processos de gestão pesqueira e costeira
(OAKERSON, 1992; BERKES et al., 2001).
Apesar da indivisibilidade (indivisibility) dos recursos pesqueiros ao
longo da costa, os padrões de interação e as peculiaridades biofísicas e
tecnológicas de cada núcleo indicam que os processos de gestão devem ser
iniciados a partir de cada núcleo pesqueiro ou de cada praia (naquelas que
abrigam mais de um núcleo). Essas unidades representariam as fronteiras
mínimas de gestão comunitária na área.
Posteriormente, seria preciso ampliar a gestão comunitária para uma
escala mais abrangente. Levando em conta aspectos políticos, administrativos,
geográficos e socioculturais, existem elementos que conferem certa coesão
para as comunidades que se estendem da Praia da Gamboa até a barra da
Lagoa de Ibiraquera (município de Imbituba) – limite sul da ASPECI. Essa área
216
pode vir a ser uma unidade factível de gestão, na qual seria possível buscar
alternativas para o problema do uso compartilhado (jointness problem). O qual
seria contemplado nas regras projetadas, visando benefícios compartilhados e
buscando minimizar a capacidade de certos grupos de usuários de subtrair
indevidamente uma parcela expressiva do bem comum (subtractability).
A partir dessas considerações, outras potencialidades foram
identificadas:
h A ampla diversidade de espécies que compõem as capturas, distribuídas ao
longo do ano.
h A diversidade significativa de sistemas de pesca, inclusive quando se
considera algumas espécies separadamente.
h A forte tradição pesqueira na área e os conhecimentos locais associados.
h A presença de um grupo heterogêneo de usuários (pescadores), que
dependem da pesca tanto como fonte única de renda quanto complementar, no
contexto de estratégias de sobrevivência baseadas na multi-ocupacionalidade.
h A presença de alguns jovens na pesca e o interesse de outros na atividade.
h A existência de um valioso capital social (sensu BERKES, 1999),
representado principalmente: (1) pelos pescadores que se encontram
mobilizados em torno da criação de uma Resex marinha na área (núcleos
Ferrugem-Barra, Portinho e Vermelha); (2) por aqueles que deixaram de utilizar
petrechos ou métodos destrutivos; (3) por pescadores mais velhos e muito
experientes (mestres de pesca), distribuídos em quase todos os núcleos, que
vivenciaram a “ética do respeito”, a época de abundância e o processo de
depleção dos recursos pesqueiros na área, e têm consciência da necessidade
de se pescar conservativamente; e (4) por grupos de pescadores mais “unidos”
(núcleos da Gamboa, Morrinhos, Silveira, Ferrugem-Barra, Portinho e
Vermelha).
h A presença da solidariedade, em quase todos os núcleos, e da
preocupação com a solidariedade inter-geracional, entre alguns pescadores,
ligada à manutenção da pesca e dos recursos pesqueiros.
h A percepção, por parte da maioria dos pescadores, de que o interesse dos
mais jovens na profissão seria grande, caso os recursos se recuperassem (o
que é reforçado pelas poucas opções de emprego no município).
217
h A incorporação da pesca ao espaço de ação da Secretaria de Agricultura e
Pesca do município de Garopaba abre um campo novo de intervenção local.
h A existência da APA da Baleia Franca e a presença de representantes dos
pescadores no Conselho Gestor constituem um horizonte de possíveis ações
favoráveis à pesca artesanal, considerando o processo de gestão da APA e
seu futuro plano de manejo.
h O CEPSUL pode subsidiar o estabelecimento de regras através da APA-BF
ou do IBAMA, em nível regional, por meio do desenvolvimento de pesquisas
orientadas pelas demandas da pesca artesanal.
h O status da pesca artesanal como uma das seis prioridades da SEAP.
h Os espaços de manobra para a co-gestão dos recursos pesqueiros,
previstos na legislação vigente, e a internalização de uma visão mais
conservacionista relativa aos recursos (como o tratamento diferenciado dos
estoques sobreexplotados e os defesos).
Quanto aos obstáculos, destacam-se:
h O status de espécie sobreexplotada ou ameaçada de sobreexplotação
(MMA) ou sobreexplotada pela pesca industrial, não sendo recomendado
nenhum aumento do esforço de pesca (REVIZEE) das principais espécies
pescadas na área: abrótea, corvina, enchova, garoupa, pescadinha e tainha.
Além de outras espécies que representam as pescarias ditas secundárias,
como a palombeta e goete.
h A extraordinária redução das capturas.
h As práticas destrutivas presentes na área.
h A falta de infra-estrutura pública para o setor (atracadouro, desembarque,
abrigo para as embarcações, processamento e comercialização do pescado).
h O uso intensivo de redes de espera pelos pescadores artesanais,
especialmente as do tipo feiticeira.
h O desconhecimento ou resistência à idéia de trabalho em cooperativa ou
baseado no associativismo. Em parte, devido à descrença decorrente de
experiências fracassadas de associativismo na área, e à predominância do
individualismo e competição na pesca, principalmente nos núcleos da Cancha
e da Garopaba.
218
h A presença de armadores não-pescadores, que se beneficiam da pesca
sem conhecer bem a atividade e não dependem da mesma.
h A comercialização praticamente restrita aos atravessadores e a poucas
espécies de pescado.
h O baixo aproveitamento e beneficiamento local do pescado; a maior parte
da produção sai do município.
h A existência de conflitos entre os pescadores da área (dentro dos núcleos
pesqueiros e entre núcleos pesqueiros) e destes com a pesca industrial; com
praticantes da pesca subaquática; com as operadoras do turismo de
observação de baleia; com as ONGs que defendem a conservação da baleia;
com surfistas; com aqueles que retiram mexilhão para a maricultura; com
pescadores amadores; com o turismo; com a prefeitura municipal; e com a
Colônia de Pesca Z12.
h A desunião generalizada entre os pescadores, reforçada pelas estratégias
individualistas e conflitos.
h A falta de uma cultura de participação nas tomadas de decisão e o baixo
nível de consciência política e leitura crítica dos fenômenos entre os
pescadores.
h Os mecanismos utilizados pelos pescadores para fazer valer as regras
(enforcement) estarem baseados em atitudes violentas; a “ética do respeito”,
mais forte no passado, era mantida na “brabeza”.
h A descrença generalizada, entre os pescadores e não-pescadores, de que a
pesca pode ser fortalecida e tornar-se mais produtiva.
h A baixa representatividade dos órgãos representativos dos pescadores
(Colônia de Pesca Z12 e FEPESC).
h A má atuação da Colônia de Pesca Z12, representada pelo clientelismo
político, o assistencialismo, o descaso com os problemas e interesses da
classe, a criação de mecanismos informais de coerção e submissão dos
pescadores, e a concessão de benefícios a não-pescadores.
h A política pró-turismo da prefeitura, no bojo da qual a atividade pesqueira é
vista com descaso e como atividade sem importância econômica.
h A atuação contrária à pesca, no nível municipal, de grupos com poder
econômico – tais como empresários, donos de pousadas, surfistas, donos de
219
operadoras de turismo embarcado. Em conseqüência, os pescadores perdem
espaço tanto no mar quanto na terra, especialmente nas praias.
h A crença generalizada no município de que a pesca está condenada à
extinção.
h A marginalização generalizada da atividade e desvalorização da profissão,
desde o nível local ao nacional.
h O enquadramento errôneo da pesca como atividade agropecuária, em todos
os níveis.
h A fragmentação da gestão da pesca entre SEAP, IBAMA e MMA, e os
conflitos decorrentes.
h As deficiências de fiscalização.
h A pesca industrial nas proximidades da costa.
h O forte apoio que o setor industrial tem nos níveis regionais e nacional em
contraposição à quase “invisibilidade” do setor artesanal, inclusive na SEAP.
h O assistencialismo e a falta de uma política clara e pró-ativa de
desenvolvimento do setor por parte da SEAP e a manutenção do apoio à pesca
industrial.
h A falta de conexão entre as políticas públicas concernentes ao mar e à zona
costeira e entre os programas de gestão costeira, pesqueira e do mar.
Os potenciais e obstáculos assim resumidos revelam que há espaço
para se pensar no desenvolvimento da pesca de pequena escala em
Garopaba, e configuram o imenso desafio envolvido. Uma das lições
proporcionadas pela Tragédia dos Comuns é que os usos precisam ser
regulados, de algum modo, em função do interesse comum. Do contrário, o
resultado no longo prazo será a ruína ecológica para todos (HARDIN, 1968).
No Brasil, a gestão governamental mostrou-se um fracasso e Garopaba é
apenas um dos muitos exemplos. Por outro lado, Berkes (2005) adverte que
nenhum regime de apropriação tomado isoladamente garante a eficiência ou a
sustentabilidade de sistemas de gestão de recursos comuns. Diante disso, a
via oferecida pela co-gestão adaptativa deve ser testada.
Apesar do desenvolvimento da pesca artesanal em Garopaba depender
de decisões e alterações no nível nacional e estadual, não se deve esperar que
220
algo aconteça nas esferas superiores de poder. Diante da força de inércia do
modelo convencional de gestão adotado pelo país, o processo pode e deve
começar localmente, utilizando-se de todos os espaços legais de manobra que
já existem. Entre eles, destacam-se as vias de co-gestão representadas, por
exemplo, pela APA-BF e pelas Resex Marinhas. Essas unidades de
conservação possuem o potencial para tratar um dos maiores entraves na
gestão dos recursos comuns: a situação de livre acesso. Isso poderia ser feito
através da negociação e posterior delimitação de áreas (zonas de uso) para os
diferentes tipos de uso considerados possíveis e da seleção criteriosa dos
usuários dos recursos pesqueiros.
Nesse contexto, a exclusão da pesca industrial próxima à costa poderia
vir a ser um fator crucial para a transformação dos comportamentos destrutivos
por parte dos pescadores locais. Já a criação de zonas sem uso direto (no take
zones) poderia contribuir diretamente para a manutenção da biodiversidade e a
recuperação de certos estoques importantes; sobretudo aqueles de espécies
não migratórias, associadas aos fundos rochosos da região.
A área citada anteriormente, da Praia da Gamboa até a barra da Lagoa
de Ibiraquera (município de Imbituba), seria assim a mais adequada para o
desenvolvimento de um projeto de gestão adaptativa, desconsiderando as
escalas políticas (i.e. limites municipais). O que demandaria o envolvimento
dos municípios de Garopaba e Imbituba, mas deveria também incluir o
município de Paulo Lopes, ao norte de Garopaba, já que os pescadores da
Gamboa utilizam a metade sul da Praia da Guarda.
Os potenciais identificados podem servir de guias para orientar o
desenho de um projeto de gestão adaptativa, que poderia ser iniciado a partir
dos núcleos pesqueiros com perfil mais favorável. Os obstáculos apontam
pontos cruciais que precisam ser enfrentados e poderiam ser reordenados por
ordem de prioridade. Como um todo, o êxito de qualquer estratégia na área
estudada parece depender substantivamente de dois fatores: a abundância de
pescado (recuperação dos estoques) e o desenvolvimento de uma cultura
participativa e de uma consciência ecológico-política, entre os pescadores,.
221
Diante do exposto, a pesquisa chegou a algumas recomendações para
investigações e estudos futuros:
¾ As redes de espera, principalmente a feiticeira / tresmalho, devem deixar
de ser usadas na área. Estudos específicos devem buscar alternativas
tecnológicas para as pescarias que as utilizam, inclusive considerando a
possibilidade de se manter as redes mudando os métodos de pesca (i.e. as
redes não devem ser fundeadas no mar).
¾ Devem ser investidos esforços para ampliar o conhecimento a respeito de
estoques pesqueiros de espécies que ocorrem na área e que não estão
sobreexplotadas ou ameaçadas de sobreexplotação, visando ampliar as
opções de pescarias com bom valor comercial.
¾ É desejável que seja avaliado o atual o esforço de pesca local para saber
se há espaço para sua expansão, considerando todos os usuários, não apenas
os pescadores da área (por exemplo, os praticantes de caça subaquática).
¾ É preciso investigar se o aumento do número de baleias na área está
trazendo problemas para a pesca e quais.
¾ O estudo dos conflitos deve ser aprofundado, especialmente aqueles
envolvendo disputa pelos recursos pesqueiros e/ou práticas destrutivas,
enfatizando as áreas onde ocorrem.
¾ Os regimes comunitários de apropriação marinha e as regras informais de
gestão, e suas mudanças ao longo do tempo, também devem ser investigados,
pois são de fundamental importância para a gestão local da pesca.
¾ Investigar o potencial para o desenvolvimento da aqüicultura de base
comunitária, com espécies nativas.
¾ Desenvolver alternativas de beneficiamento, aumento da qualidade e
agregação de valor do pescado, envolvendo as famílias dos pescadores.
¾ Desenvolver alternativas de ampliação do consumo local e de
comercialização do pescado, incluindo um maior número de espécies.
¾ Investigar as possibilidades de desenvolvimento do turismo embarcado de
observação da baleia franca a partir de uma base comunitária.
¾ Investigar os conhecimentos locais dos pescadores.
¾ Avaliar as possibilidades de integração das políticas públicas de gestão
costeira, pesqueira e do mar.
222
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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228
ANEXO 1: Informações, variáveis e indicadores associados
aos objetivos específicos da pesquisa
INFORMAÇÕES /
VARIÁVEIS
INDICADORES
# condição e
configuração atual da
costa
» localização e descrição de praias, costões, baías, enseadas,
lagunas
» localização de canais de drenagem
» estimativas de tamanho das principais feições
» descrição das principais feições quanto à forma
# erosão praial » focos de erosão (falésias) + grau de erosão (visual)
# caracterização das
praias
» identificação visual da inclinação da praia
» medida de comprimento e largura praial
» identificação visual do tipo de onda predominante (progressiva-
deslizante; mergulhante; ascendente; frontal)
» identificação visual de correntes de retorno (rip currents)
# identificação de
possíveis fontes de
impacto
» presença de lixo
» presença de saída de esgoto
» construções sobre dunas
» presença de vegetação exótica
» presença de trânsito de carros na praia
# feições ambientais que
influenciam a definição
de limites
» litoral recortado
» praias delimitadas por costões rochosos
» presença de ilhas, ilhotes, rochas ao longo do litoral
# localização dos
ranchos de pesca e de
núcleos pesqueiros
» identificação visual dos ranchos e aglomerações de pescadores e
equipamentos de pesca (núcleos) e localização com GPS
# localização dos
sistemas de pesca
» presença / ausência de sistemas de pesca identificados em cada
praia/zona de pesca e localização em mapa.
# localização de pontos
(em praias e costões) de
relevância para a
atividade pesqueira
» conferência visual e por meio de entrevistas e conversas com os
pescadores dos espaços usados pela pesca, tanto para a captura
em si quanto para o desempenho de atividades relacionadas (e.g.
remendo de redes, secagem de redes, colocação de embarcações)
# vias de acesso aos
pontos e ranchos de
pesca
» identificação visual das vias de acesso e localização com GPS
# padrão de ocupação
das praias
» observar (visualmente e no SIG) a presença de construções, se
estão concentradas de algum modo ou se estão dispersas
# composição e
distribuição das principais
espécies de pescado
» espécies pescadas para vender e onde são pescadas
» espécies que não são consumidas
» coleta e identificação de peixes das principais pescarias e
representativos de pescarias secundtárias
# pescarias, espécies-
alvo associadas e
métodos (para cada
pescaria)
» Recurso-alvo envolvido + métodos + petrechos (incluindo a
questão da propriedade dos mesmos)
» os envolvidos + quando, onde e por que (objetivo da pescaria)
» formas de comercialização e distribuição
» formas de “pagamento/partilha”
# métodos de
identificação dos
cardumes
» observação, entrevistas e conversas com pescadores
# características das
embarcações e seu
poder de captura
» estimativas de quantidade
» com ou sem motor
» com ou sem sistema de conservação do pescado
» tipos
» quantos pescadores leva
» preço
» quando, onde e por que se utiliza cada tipo
229
# pescadores
» tradição = é filho de pescador? Outros parentes pescam?
» Já trabalhou embarcado? Trabalha?
» unidade de trabalho = grupo de parentes ou de não-parentes + os
camaradas pescam ou podem pescar sozinhos ou com outros
pescadores?
» aprendizado/experiência = qual a fonte do conhecimento
» multi-ocupacionalidade / grau de dependência da pesca = tem
outras atividades remuneradas + percentual atribuído à atividade
pesqueira
# identificação de
práticas destrutivas
» verificação visual, por entrevistas e conversas de = petrechos
proibidos + captura de espécies abaixo do tamanho permitido +
captura de espécies em períodos de defeso + bombas + veneno
# percepção dos
pescadores sobre
mudanças na pesca
» relatos específicos sobre alterações nos recursos pesqueiros e nas
condições de pesca
# identificar os tipos de
conflitos envolvendo
pescadores
» relatos dos pescadores ou de informantes-chave de órgãos
governamentais
» boletins de ocorrência na delegacia de polícia
» reconhecimento do conflito por fontes secundárias
» relatos dos atores sociais envolvidos
# gestão formal dos
recursos pesqueiros
» Nomes das organizações e instituições governamentais acima do
nível comunitário (municipal, estadual, federal) que têm influência na
gestão da pesca
» Para cada instituição, é possível identificar:
# Nível de atuação (nacional, regional...)
# Tipo de ligação com as organizações locais, se houver
(horizontal/vertical, em rede...)
# Objetivos (dos representantes ou divulgados de forma escrita)
# Evidências no nível local da presença das organizações e
instituições governamentais = fiscalização + linhas de crédito +
programas, projetos em andamento + etc.
» Existência de agência(s) governamental(is) responsável pela
gestão e por fazer valer os direitos de uso e acesso
» Existência de uma legislação formal específica
» Relatos ou constatação do apoio e/ou presença de funcionários do
governo às organizações locais e aos arranjos institucionais = visitas
+ cursos de capacitação + presença em reuniões comunitárias +
atendimento aos pescadores + etc.
» Existência de regras relacionadas à pesca ou à conservação dos
recursos – histórico e atual
» O objeto das regras:
# uma área ou região
# alguma(s) espécie(s) em particular
# uso de algum(s) tipo(s) de petrecho(s)
» Encontra-se na legislação:
# suporte para o reconhecimento e a formalização de sistemas de
gestão tradicionais ou informais, onde eles existem
# estruturas administrativas favoráveis às funções de co-gestão, tais
como:
* Monitoramento dos recursos;
* Vigilância;
* Mecanismos e ações de coerção;
* Resolução de conflitos;
* Informação.
230
230
ANEXO 2: Entrevista semi-estruturada (pescadores)
Data: Local:
Nome: Idade:
1- Há quanto tempo você pesca?
2- Com que idade começou a pescar?
3- Como aprendeu a pescar?
4- Você é filho de pescador? { Sim { Não
5- Além de você, mais alguém na família pesca? { Sim { Não
6- Você pesca: { sozinho { em equipe, com os companheiros / camaradas
7- Você é dono de: { redes Quais?
{ embarcação Quais?
8- Já trabalhou ou trabalha embarcado? { Sim { Não
[Se nunca trabalhou, trabalharia um dia? { Sim { Não]
Quando / Quantas vezes?
De quem é/era a embarcação? { firma / industrial { armador (um dono, um conhecido)
Onde você trabalhou nesses embarques?
O que é que é bom e o que é que é ruim no trabalho embarcado?
E na pesca artesanal, o que é que é bom e o que é que é ruim?
9- Você tem alguma outra fonte de renda ou outro emprego além da pesca? { Sim { Não
Pode dizer qual(is):
10- Você gosta de pescar? É bom pescar? Por quê? Qual a importância da pesca para você?
231
231
11- Pegando um ano inteiro, você pode me dizer quais são as principais spp. que você pesca ? [no final, são para vender? Qual a ordem de importância (colocar números)?]
Aparelhos?
Sp.
Quando? Onde?
Preço
de
venda
Tipo Malha
Comprimento
e altura
preço
Embarcação
e preço
Para quem
vende
Forma de partilha
O que é uma
boa safra
hoje?
O que era uma
boa safra
antes?
Método de
pesca / outras
observações
232
12- Tem alguma espécie de peixe / pescado (e.g. mexilhão) que, quando vem na rede, você não vende –
porque não tem valor de venda – , só serve para o consumo de casa? [Tem algum que só se pesca para
comer?]
Spp.
Quando?
Vem junto com o quê?
Método de pesca / outras observações.
13- Tomando as figuras abaixo, de forma geral, em termos de fartura da pesca, aponte uma
figura que melhor representa a pesca
30 anos atrás (y) e hoje (´)?
Idade
> 50 anos – 30 anos
40 anos – 20 anos
30 anos – 10 anos
14- Comparando com a situação de
x (30, 20, 10) anos atrás, as condições (e.g.
comercialização, equipamentos) de pesca são melhores hoje?
{ Sim { Não Por quê?
15- Tem alguma coisa que “estrova” (atrapalha, prejudica) a pesca aqui?
{ Sim { Não O quê?
16- Alguém “avacalha” a pesca aqui? { Sim { Não Quem?
17 - Existem outros problemas que o pescador dessa praia tá enfrentando?
18- Na sua opinião, o que você acha que pode ser feito para melhorar a pesca aqui?
233
ANEXO 3: Roteiro de entrevista parcialmente estruturada
(pescadores)
anotar Data: Local: Nome: Idade:
1- Há quanto tempo você pesca?
2- Como você aprendeu a pescar?
A maioria dos pescadores aprende como você aprendeu?
E na família, seu pai pesca, seu filho pesca? Outros parentes seu pescam?
3- Como você ganhou experiência e conhecimento?
4- Quando você pesca, vai sozinho ou em grupo?
Como é esse grupo?
Tem parentes nesse grupo?
Esses pescadores do grupo (os camaradas) pescam ou podem pescar sozinhos
ou com outros pescadores?
5- Você tem outras fontes de renda além da pesca? Quais? Qual a importância
da pesca para você?
6- E em barco industrial, você já trabalhou ou trabalha embarcado?
[Se nunca trabalhou, trabalharia um dia?]
Quantas vezes?
Quais as vantagens e desvantagens, comparado à pesca artesanal?
* * *
Quanto às áreas e pontos de pesca...
1- Quais os pontos de pesca que você usa?
Vocês usa estes pontos o ano todo?
2- Além do rancho e dos locais onde ficam as canoas, tem outros espaços da praia ou
dos costões que os pescadores utilizam nesta praia? Usam para o quê?
3- Por onde você vem para esta praia ou para os pontos de pesca?
* * *
Vamos, então, conversar um pouco sobre os tipos de pescaria que você faz aqui, quais
as principais espécies que você pesca?
1- Para cada recurso-alvo num tipo de pescaria (e.g. tainha):
quando é pescada?
onde é pescada?
É para a venda ou para consumo próprio / familiar?
Quais os aparelhos utilizados? Se for o caso, qual o tamanho da rede? Que tipo
de rede é? Qual o tamanho da malha? Quanto custa essa rede / aparelho?
A quem pertence o aparelho?
Como se pesca com esse aparelho (quais os métodos)?
Com qual embarcação? Quantos vão? Quanto custa? Até onde se vai com ela?
Como é que você vê o peixe, a manta?
Quem pesca ou quem se envolve nessa pescaria?
Quanto tempo dura essa modalidade de pesca?
Como é que se divide a produção ou o pagamento?
234
Como é vendido o pescado / a produção? Quem compra? Como? Para onde vai
esse pescado? Onde será vendido ou processado?
2- Qual foi, mais ou menos, a quantidade capturada de x pescaria este ano? Isso é
satisfatório? É o normal?
desde que você pesca, você acha que teve mudanças na quantidade dessa
espécie?
* * *
QUESTÃO DA FIGURA
(questão 13 do questionário, mostrada separadamente ao entrevistado)
* * *
Agora, será que você pode falar um pouco sobre os problemas que o pescador está
enfrentando... O que atrapalha (estrova) a pesca? Quem destrói (avacalha)?
* * *
Práticas destrutivas...
1- Você conhece alguém que pesca com aparelhos proibidos?
2- Vocês se preocupam com os tamanhos mínimos permitidos? É comum pegar peixes
abaixo do tamanho permitido?
3- É comum pegar camarão abaixo do tamanho permitido?
Em caso positivo, com qual petrecho?
4- Quais os períodos de defeso que você conhece?
É comum capturar espécies em períodos de defeso?
5- Você conhece alguém que pesca com bombas ou usando veneno?
* * *
Para finalizar, gostaríamos que você nos dissesse se você acha que a pesca pode
melhorar aqui?
Na sua opinião, o que pode ser feito para melhorar a pesca aqui?
Se melhorar, você acha que os mais jovens iriam para a pesca?
235
ANEXO 4: Entrevista semi-estruturada (Prefeitura Municipal
de Garopaba)
(objetivo: percepção da importância da pesca)
1) Qual a importância da pesca para o município?
(objetivo: ações, políticas, interesses)
2) Quais são as principais ações, planos ou políticas do Município voltadas à pesca?
(objetivo: sistema de gestão)
3) Existe alguma norma ou lei específica municipal voltada para a pesca?
(objetivo: grau de integração com outros níveis de gestão)
4) Algum representante da SEAP-PR, do CEPSUL ou de alguma agência estadual
relacionada com a pesca já esteve no município? (em caso positivo, com que intuito?).
(objetivo: percepção de problemas; soluções)
5) Quais são os principais problemas que o setor pesqueiro do município enfrenta?
Como o Município tem atuado para resolver estes problemas?
(objetivo: percepção da APA-BF)
6) Na visão da Prefeitura, quais as oportunidades e os obstáculos que a Área de Proteção
Ambiental da Baleia Franca traz em relação à pesca?
(objetivo: ações futuras)
7) Quais os principais planos, políticas ou interesses voltados ao futuro da pesca
artesanal do Município de Garopaba?
236
ANEXO 5: Entrevista semi-estruturada (Secretaria de
Agricultura e Pesca do Município de Garopaba)
1) Quando foi criada a Secretaria?
2) A pesca faz parte da Secretaria desde a sua criação?
(objetivo: percepção da importância da pesca)
3) Qual a importância da pesca para o município?
(objetivo: ações / atividades da instituição)
4) Quais são as ações da Secretaria voltadas à pesca?
(objetivo: sistema de gestão)
5) Existe alguma norma ou lei específica municipal voltada para a pesca?
(objetivo: conexão com outras instituições)
6) Quanto à pesca, a Secretaria trabalha de forma integrada com outras instituições ou
órgãos? (em caso positivo, quais?).
(objetivo: grau de integração com outros níveis de gestão)
7) Algum representante da SEAP-PR ou do CEPSUL já esteve no município?
(em caso positivo, com que intuito?).
(objetivo: comercialização)
8) Quantas peixarias existem no município? A produção fica no município ou é vendida
para outros municípios?
(objetivo: percepção de problemas; soluções)
9) Quais são os principais problemas que o setor pesqueiro do município enfrenta?
Como a Secretaria tem atuado para resolver estes problemas?
(objetivo: percepção da APA-BF)
10) Na visão da Secretaria, quais as oportunidades e os obstáculos que a Área de
Proteção Ambiental da Baleia Franca traz em relação à pesca?
(objetivo: ações futuras)
11) Quais os principais planos, políticas ou interesses voltados ao futuro da pesca
artesanal do Município de Garopaba?
237
ANEXO 6: Calendário de pesca dos núcleos pesqueiros
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
pescadinha pescadinha tainha Tainha Pescadinha Pescadinha Pescadinha
Gamboa
anchoveta anchoveta anchoveta anchoveta Enchova Enchova
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Pescadinha Pescadinha tainha tainha tainha tainha
Enchova Enchova Pescadinha
Pampo
Pampo Pampo Pampo Abrótea Pampo
xerelete Xerelete xerelete xerelete
xerelete
Tainhota Tainhota Tainhota Tainhota Tainhota Tainhota Tainhota Tainhota tainhota tainhota Tainhota tainhota
Parati Parati Parati Parati Parati Parati Parati parati parati Parati Parati Parati
Siriú
camarão camarão camarão
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Tainha Tainha Tainha Enchova Enchova
Tainhota Tainhota Tainhota
Pescadinha Pescadinha Pescadinha Pescadinha Pescadinha Pescadinha
Morrinhos
Espada Espada Espada Espada Espada
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Viola Viola Viola Viola Viola abrótea abrótea Abrótea Abrótea Viola Viola
Linguado Linguado Corvina Corvina Corvina Linguado Linguado
enchova enchova enchova
Cancha
pescadinha pescadinha Pescadinha Pescadinha
238
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Tainha Tainha Tainha
Abrótea Abrótea Abrótea Abrótea Abrótea Abrótea Abrótea Abrótea
Corvina Corvina Corvina Corvina Corvina Corvina Corvina Corvina
Sardinha Enchova Enchova Enchova Enchova
Linguado Linguado Linguado linguado linguado linguado Linguado
Garoupa Garoupa Garoupa Garoupa Garoupa
Tainhota Tainhota Tainhota Tainhota
Cação Cação Cação Cação Cação Cação
Viola Viola Viola Viola Viola viola viola viola Viola parati parati
espada espada espada Espada
Garopaba
Pescadinha Pescadinha Pescadinha Pescadinha Pescadinha
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Vigia tainha tainha tainha
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Corvina Corvina Tainha Tainha Enchova Enchova Enchova Enchova
Garoupa Garoupa Garoupa
Tainhota Tainhota Tainhota Tainhota Tainhota Tainhota
Parati Parati Parati Parati Parati Parati
Silveira
Pampo Pampo Pampo
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Garoupa Garoupa Garoupa Garoupa Tainha Tainha Tainha enchova
Tainhota Tainhota Anchoveta Anchoveta Anchoveta Tainhota
Parati parati Marimbau Marimbau Marimbau Parati
Pampo pampo Pampo pampo pampo
Ferrugem
/ Barra
camarão camarão camarão camarão camarão
239
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Tainhota Tainhota Tainhota Tainha Tainha Tainha tainhota Tainhota
Pescadinha Anchoveta anchoveta anchoveta Enchova Enchova Enchova enchova Pescadinha
Parati Parati Parati parati Parati
Robalo Robalo
Viola Viola
Ouvidor
Garoupa Garoupa
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Tainha Tainha Anchoveta Anchoveta
Parati Parati
Vermelha
Tainhota Tainhota
240
ANEXO 7: Artes de pesca
ABRÓTEA
Aparelhos
Praia
Tipo Malha (cm) Comprimento e altura
Embarcação
Espinhel de fundo 150 anzóis Canoa a remo
Siriú
Espinhel de praia - -
1 Espinhel de fundo bote
Cancha
1 Rede de espera
feiticeira (fundo)
10
850 braças x 2 braças
(± 1275m x 3m)
Bote ou lancha
1 Rede de espera
feiticeira (fundo)
10 1800m x 2m lancha
1 Rede de espera
feiticeira (fundo)
11 (de fora)
800 braças x 2 braças
(± 1360m x 3,40m; 1b = 1,70m)
bote
Espinhel de fundo - - bote
1 rede de palmo
(fundo)
20
2800 braças x 2 braças
(± 4200m x 3m)
bote
1 Rede de espera
feiticeira (fundo)
44 malhão de
fora e 11 pano
de dentro
700 braças x 2,5m
(± 1300m x 2,5m; 1b = 1,82m)
Lancha ou bote
Espinhel de fundo
- -
bote
Garopaba
1 Rede de espera
feiticeira (fundo)
20 malhão, 10
pano de dentro
-
bote
CAÇÃO
Aparelhos
Local
Tipo
Malha
(cm)
Comprimento e altura
Embarcação
Siriú Rede de palmo 18 - -
Rede de palmo 20
2800 braças x 2 braças
(± 4200m x 3m)
Bote
Espinhel de fundo - -
bote
Garopaba
Rede de corvina
(caceio de fundo)
14
2000m x 2 braças
(± 2000m x 3,60m; 1b = 1,80)
Bote
CORVINA
Aparelhos
Local
Tipo
Malha
(cm)
Comprimento e altura
Embarcação
Siriú
Rede de
palmo
18 - -
Cancha
Rede de
espera
feiticeira
(fundo)
10
800 braças x 2 braças
(± 1200m x 3m)
Bote ou lancha
241
Rede de
espera
14 2500m x 3m
lancha
Rede de
espera
14
1400 braças x 3m
(± 2380m x 3m; 1b = 1,70m)
lancha
Rede de
espera
13 e 14
De 1000 a 2500 braças x 2 a 3m
(± 1500 a 3750m x 3m)
lancha
Rede de
caceio
13 e 14
38 peças com 1300 braças x 42 braças
cada peça: (± 1950m x 63m; não
usam tudo junto!)
bote
Rede de
caceio
14
1215m x 2,5 braças
(± 1215m x 4m)
bote
Rede de
caceio
14
1000 braças x 3 braças
(± 1820m x 5,50m; 1b = 1,82m)
Bote ou lancha
Garopaba
Rede de
caceio de
fundo
14
2000m x 2 braças
(± 2000m x 3,60m; 1b = 1,80)
bote
Espinhel de praia de 28 a 30 anzóis ou de 80 anzóis (ajuda de surfista)
Silveira
tarrafa 8 e 10
Portinho
1 rede de
caceio
14
1200 braças x 2,5 braças
(± 1800m x 3,70m)
bote
ENCHOVA
Aparelhos
Praia
Tipo
Malha
(cm)
Comprimento e altura
Embarcação
2 redes de caceio 9 300 a 400 braças x 10 braças Canoa a remo
Gamboa
(enchova de
corso)
1 rede de caceio 6
150 braças x 4 braças
(± 225m x 6m)
Canoa motorizada
Gamboa
(anchoveta)
1 Rede de caceio 8 300 a 400 braças x 10 braças Canoa a remo
1 rede de caceio
8 e 9 Canoa motorizada
1 rede de caceio 8 ou 9
200 braças x 5m
(± 300m x 5m)
Canoa a remo
Molinete -
-
-
caniço -
-
-
Siriú
Linha de mão -
-
-
Morrinhos 1 arrasto feiticeira 10 braças de altura (15m) Canoa a remo
Cancha 1 Rede de caceio 8
450 braças x 7 braças
(± 675m x 10,50m)
Bote ou lancha
1 Rede de caceio 8 800m x 14m
Lancha
1 Rede de caceio 8
450 braças x 7,5 braças
(± 765m x 13m; 1b = 1,70m)
Bote
Garopaba
1 Rede de caceio 8 600 braças x 11m
Lancha
242
1 Rede de caceio e
rede de espera
8
? x 7,5 braças
(± ? x 11m)
Bote
1 Rede de caceio 8
500 braças x 7,5 braças
(± 750m x 11m)
Bote
1 Rede de caceio 8
700 braças x 7 braças
(±1300m x 13m; 1b = 1,82m)
Lancha ou bote
1 Rede de caceio 8
700 braças x 10 braças
(± 1260m x 18m; 1b = 1,80)
Bote
tarrafa 10 -
-
Linha de mão - -
-
Silveira
caniço - -
-
Ferrugem
(anchoveta)
- - -
-
1 Rede de caceio 9 300 braças x 15 m
Canoa a remo
Ferrugem
(enchova)
Arrastão de praia
(tainha)
- -
Canoa a remo
1 Rede de caceio - -
Canoa a remo
Ouvidor
(enchova)
Picaré (pescadinha) - -
?
Ouvidor
(anchoveta)
tarrafa - -
-
1 rede de caceio 9
600 braças x 14-15 braça
(± 900m x 22m)
Bote
1 rede de caceio 8
500 braças x 15m
(± 750m x 15m)
Bote
1 rede de caceio 7 Para anchoveta
Bote
Portinho
1 rede de caceio - -
Bote
ESPADA
Aparelhos
Local
Tipo
Malha
(cm)
Comprimento e altura
Embarcação
Morrinhos
Picaré 6
280 braças x 10 braças
(± 450m x 16m; 1b = 1,60m)
Canoa a remo
Garopaba
Rede de
caceio
7
- Bote
LINGUADO
Aparelhos
Local
Tipo
Malha
(cm)
Comprimento e altura
Embarcação
Siriú Rede deespera 18 - -
Cancha 1 rede de palmo - -
243
1 Rede de palmo 22 2.000m x 3m
Lancha
1 Rede de palmo 20
1000 braças x ?
(± 1500m x ?)
Bote
Garopaba
1 Rede de palmo 20
2800 braças x 2 braças
(± 4200m x 3m)
Bote
Silveira tarrafa qualquer - -
1 rede de palmo 18 e 20
1500 braças x 1,5 a 2 braças
(± 2250m x 3m)
bote
Portinho
1 rede de palmo - - -
PAMPO
Aparelhos
Local
Tipo
Malha
(cm)
Comprimento e altura
Embarcação
Picaré
(pescadinha)
- - Canoa a remo
Siriú
Linha de mão - -- -
PAPA-TERRA
Aparelhos
Local
Tipo
Malha
(cm)
Comprimento e altura
Embarcação
Portinho
Rede de
espera de
fundo
7
300 braças x 2,5 braças
(± 450m x 3,70m)
Bote
PARATI
Aparelhos
Local
Tipo
Malha
(cm)
Comprimento e altura
Embarcação
tarrafa - - -
Siriú
Picaré 6 - -
Garopaba traineira - - Canoa a remo
Silveira tarrafa 5, 6 e miudeira -
Ferrugem tarrafa - - -
Vermelha Picaré 4 e 5 256 braças x 12m Canoa a remo
PESCADINHA
Aparelhos
Praia
Tipo Malha (cm) Comprimento e altura
Embarcação
Gamboa 1 Picaré
4 a 5 no
centro e 7
nas pontas
180 braças x 12m
(± 270m x 12m )
Canoa a remo
Siriú 1 picaré 5 - Canoa a remo
Morrinhos 1 picaré 6
280 braças x 10 braças
(± 450m x 16m; 1b = 1,60m)
Canoa a remo
Garopaba
Rede de espera
de fundo
7 ou 8
500 braças x 1,5 braça
(± 900m x 2,70m; 1b = 1,80)
Bote
Ouvidor 1 picaré - Uso intermitente ?
244
SARDINHA
Aparelhos
Local
Tipo Malha Comprimento e altura
Embarcação
1 traineira 11mm
170 braças x 22 braças
(± 290m x 37m; 1b = 1,70m)
Lancha
Garopaba
1 traineira 4 cm - bote
TAINHA
Aparelhos
Praia
Tipo
Malha
(cm)
Comprimento e altura
Embarcação
1 arrastão 6
300 a 400 braças x 20 m
(± 450-600m x 20m)
Canoa a remo
1 arrastão 8 300 a 400 braças x 20 m Canoa a remo
1 arrastão 10 / 11 300 a 400 braças x 20 m Canoa a remo
1 caça de malha 6
150 braças x 4 braças
(± 225m x 6m)
Canoa
motorizada
Gamboa
tarrafa 6 - -
1 arrastão 10 13 braças de altura Canoa a remo
1 arrastão 11
250 braças x 12 braças
(± 375m x 18m)
Canoa a remo
1 arrasto feiticeira - Canoa a remo
1 arrasto feiticeira - Canoa a remo
Siriú
tarrafa 9 - -
1 arrastão
10 e 11
(7 no
centro)
380 braças x 20 braças
(± 608m x 30m; 1b = 1,60m)
Canoa a remo
1 arrasto feiticeira -
Canoa a remo
Morrinhos
tarrafa - -
1 rede traineira
(cerco)
11?
Acho
que é 6
300 a 400 braças x 50m
(± 450m a 600 m x 50m)
Lancha
1 rede traineira
(cerco)
6
315 braças x 29 braças
(± 540m x 49m; 1b = 1,70m)
Lancha
1 Caça de malha 11
370 braças x 50m
(± 600m x 50m)
Lancha
1 Caça de malha 11 -
Lancha
1 rede traineira 5 ou 6 -
Lancha
1 Caça de malha 11
330 braças x 30 braças
(± 600m x 54,6m; 1b = 1,82m)
Lancha
1 Caça de malha 10 -
Lancha
Garopaba
1 rede trainheira 5 ou 6
500 braças x 30 braças
(± 900m x 54m; 1b = 1,80)
Lancha
1 Arrastão 8 400m x 14m (no centro)
Canoa a remo
Silveira
1 Arrastão 8 e 10 300 braças x 16 braças (centro) Canoa a remo
245
(± 450m x 24m)
1 arrasto feiticeira - 320m comprimento
Canoa a remo
Arrasto feiticeira - -
-
tarrafa 6 -
-
1 arrastão
10
(7 no
centro)
1000 braças comp
(± 1500 m x 15m)
Canoa a remo
1 arrastão 9 1000 braças x 15 m
Canoa a remo
1 arrastão 8 1000 braças comp
Canoa a remo
Ferrugem
tarrafa 7, 8 e 9 Lagoa Encantada e praia
-
Ouvidor
1 arrastão Temporariamente parado
Canoa a remo
1 arrastão 8, 9 e 10
436 braças x 11 braças
(± 670m x 17m)
Canoa a remo
1 Picaré 4 e 5
256 braças x 12m
(± 390 m x 12 m)
Canoa a remo
Vermelha
tarrafa - -
-
TAINHOTA
Aparelhos
Praia
Tipo Malha (cm) Comprimento e altura
Embarcação
1 arrasto
feiticeira
7 - Canoa a remo
Siriú
tarrafa 4 - -
1 picaré
6
280 braças x 10 braças
(± 450m x 16m; 1b = 1,60m)
Canoa a remo
Morrinhos
1 arrastão de
praia
4
250 m x 16 braças
(± 400m x 25m; 1b = 1,60m)
Canoa a remo
Garopaba
1 rede
trainheira
6
315 braças x 29 braças
(± 800m x 75m; 1b = 1,70m)
Lancha
VIOLA
Aparelhos
Local
Tipo
Malha
(cm)
Comprimento e altura
Embarcação
Siriú Rede de palmo 18 -
Cancha Rede de palmo - - Bote ou lancha (?)
Rede de palmo 20 -
Bote
Garopaba
Rede de palmo 20
2800 braças x 2 braças
(± 4200m x 3m)
Bote
1 rede de palmo 18 e 20
1500 braças x 1,5 a 2 braças
(± 2250m x 3m)
bote
Portinho
1 rede de palmo
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