81
não ia teimar porque meu pai havia morrido por causa de teima. Pus uma 44
na cintura, mostrei o rastro, subi em cima de um pau, e o índio igual sombra,
de tocaia. Atirei, mas ele correu. Flechou, acertando um companheiro. Viajei
pra Vila com esse companheiro machucado, de carro de boi, umas 6 horas de
viagem. Agora não, você vai e volta de ônibus a tarde. Já tava escurecendo,
quando chegamos por volta das 6 horas da tarde. Botaram ele num teco-teco,
ai na fronteira, mas não agüentou. Morreu no avião, na viagem, da flechada
do índio. Flechada no umbigo. A mãe dele já morreu, e acho que agora, a
irmã, guarda a camisa dele até hoje, toda manchada de sangue. Agora os
índios andam até de moto! Índio aqui era bravo. Os Nambiquara. Tinha
muitos, agora não. Eu já fui na maloca dos índios. Chegamos, tinha um
campo de aviação lá onde ficamos. Chegamos até onde estava a mulher
sentada com uma lata. Não demorou muito, chegou o marido, com uma
flecha. Nós estávamos com um índio manso, que conversou na língua deles e
amansou ele.
63
Seu Zeferino faz vários percursos, em diferentes temporalidades e sentidos, de como
eram forjadas as experiências, nesse contexto em que a violência gradativamente passava a
ser naturalizada:
Em 1875 foi o ano que chegaram aqui os últimos moradores de São Vicente,
contava os mais antigos. Veio José Fernandes Leite, Davi Francisco da
Silva, Amâncio, vieram tudo pra Vila Bela. Com bastante ouro. Dona Jacinta
veio pequenina. A mãe dela colocou ela na bruaca, ela contava essa história.
Antigamente, como eu não tinha conhecimento, eu aceitava essa história
como uma lenda. Mas depois eu vi realmente que não era lenda, então hoje
eu admiro aquelas coisas que Dona Bernarda também contava. E fico
orgulhoso desse povo herói aqui da região do Guaporé, resistindo a todas
essas dificuldades. Foi muito importante para o país, ficou como marco, um
marco da fronteira do Brasil, que não estava ainda bem assegurada à
fronteira. Os índios atacavam sempre no fim do ano e isso foi até 1956. Os
Nambiquaras é que atacavam, e os Parecis eram mais mansos.Tinha um
garimpo aqui perto de Vila Bela, que hoje é reserva, fica ali. É no município
de Vila Bela, mas é Pontes e Lacerda que explora. Era uma reserva e aí os
fazendeiros também tomaram conta. Miranda de Brito, tem lá o Andrada.Na
época, tinha o seu Gregório de Campos, que viajava e depois chegava com
os índios, uns 50, 60, 80 índios, trazendo bola de seringa, poaia. Eles
ficavam perdidos aí, depois voltavam de novo. Gostavam muito de jogar
bola. Ficavam aí, jogavam bola. Já joguei muita bola com eles. Ajudavam
também nalgum serviçinho, mas no mais pescavam, comiam caça que eles
matavam, faziam as casas. Um salãozão, onde acendiam um fogueirão.
Comiam tatu, o que caçavam na beira das matas da cidade. Passavam muito
tempo ali, depois iam embora.Os Nambiquaras pareciam meio vermelhos
porque eles passavam urucum no corpo. Eles eram muito sagaz, bravos. Eles
não deixavam a gente ver eles. Eram rápidos, via eles assim, eles sumiam. O
pessoal tinha um medo deles que pelava. Falar em Nambiquara, o pessoal
corria. Várias vezes tiveram que brigar com eles, porque eram muito bravos.
O pessoal saiu de São Vicente corrido deles. Segundo o que me falaram,
63
Relato do sr.Adão de Albuquerque dos Santos. Vila Bela, 1999.