Nesse momento ele enfiou o pé até o tornozelo numa poça
funda, duas vezes repetiu, essa filha da puta de chuva e
empurrou-a para o ônibus estourando de gente e fumaça.
Antes, falou bem dentro do seu ouvido que não o perseguisse
mais porque já não estava agüentando, agradecia a camisa, o
chaveirinho, os ovos de Páscoa e a caixa de lenços mas não
queria namorar com ela porque já estava namorando com outra,
Me tire da cabeça, pelo amor de Deus, PELO AMOR DE
DEUS! ( p. 80).
A linguagem utilizada para criar o discurso de Antenor serve de oposição ao
sentimentalismo da Pomba Enamorada. O discurso de Antenor, de baixo calão, mas concreto,
se contrapõe ao mundo fantasioso da protagonista.
A notícia do casamento de Antenor é uma possibilidade de mudança nas atitudes da
cabeleireira; porém, ao receber a notícia passionalmente, envia-lhe um presente e depois tenta
se matar. A protagonista, ao se casar com Gilvan, cumpre seu destino, já que o casamento
sempre foi visto como uma “tábua de salvação” para a mulher, atribuindo-lhe respeito e
status. Ela continua investigando a vida de Antenor, mandando-lhe fotos dos filhos e notícias
de sua vida para manter contato. Não há progresso comportamental da personagem. Embora a
narrativa apresente evolução temporal, interiormente a personagem é sempre a mesma.
O irrealismo se surperpõe aos outros dois níveis do conto:
No noivado de sua caçula Maria Aparecida, só por brincadeira,
pediu que uma cigana muito famosa no bairro deitasse as cartas
e lesse seu futuro. A mulher embaralhou as cartas encardidas,
espalhou tudo na mesa e avisou que se ela fosse no próximo
domingo à estação rodoviária veria chegar um homem que iria
mudar completamente a sua vida, Olha ali, o Rei de Paus com a
Dama de Copas do lado esquerdo. Ele devia chegar num
ônibus amarelo e vermelho, podia ver até como era, os cabelos
grisalhos, costeleta. O nome começava par A, olha aqui o Ás de
Espadas com a primeira letra do seu nome. Ela riu seu risinho
torto (a falha do dente já preenchida, mas ficou o jeito) e disse
que tudo era passado, que já estava ficando velha demais pra
pensar nessas bobagens mas no domingo marcado deixou a
neta com a comadre, vestiu o vestido azul-turquesa das bodas
de prata, deu uma espiada no horóscopo do dia (não podia ser
melhor) e foi. (TELLES, 1998, p. 83)