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PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
A CONSTRUÇÃO DO LEITOR NA EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL:
ANÁLISE DOCUMENTAL DE UMA COLEÇÃO DIDÁTICA
MARIA ALBERTINA DA S. GUERREIRO
Presidente Prudente – SP
2006
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PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
A CONSTRUÇÃO DO LEITOR NA EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL:
ANÁLISE DOCUMENTAL DE UMA COLEÇÃO DIDÁTICA
MARIA ALBERTINA DA S. GUERREIRO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em
Educação, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em Educação
- Área de Concentração: Praxis
Pedagógicas e Gestão de Ambientes
Educacionais.
Orientadora:
Profª. Drª. Maria de Lourdes Zizi T. Perez
Presidente Prudente – SP
2006
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418.4 Guerreiro, Maria Albertina da Silva
G931c A Construção do leitor na educação fundamental:
análise documental de uma coleção didática / Maria
Albertina da Silva Guerreiro. Presidente Prudente:
[s.n.], 2006.
157 f.: il.
Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade do Oeste Paulista – UNOESTE:
Presidente Prudente, 2006.
Bibliografia
1. Semiótica. 2. Educação fundamental. 3.
Didática. I. Título.
MARIA ALBERTINA DA SILVA GUERREIRO
A Construção do Leitor na Educação Fundamental: Análise Documental de
uma Coleção Didática
Dissertação apresentada a Pró-Reitoria de
Pesquisa e Pós-Graduação, Universidade do
Oeste Paulista, como parte dos requisitos
obtenção do título de Mestre em Educação.
Presidente Prudente, 19 de setembro de 2006.
BANCA EXAMINADORA
Profª. Drª Maria de Lourdes Zizi T. Perez
Universidade do Oeste Paulista - Unoeste
Profª. Drª. Renata Junqueira de Souza
Universidade Estadual Paulista - Unesp
Profª. Drª. Sônia Maria Vicente Cardoso
Universidade do Oeste Paulista - Unoeste
Este trabalho é dedicado ao meu esposo
João Edson; aos meus adoráveis filhos,
Adriane e João Vítor; a meus pais,
Lívio e Stella e à minha tia Maria - pessoas
que sempre me apoiaram, incentivaram e
entenderam meus momentos de ausência.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelas bênçãos recebidas e pelo encerramento deste
trabalho.
A professora orientadora, Drª. Maria de Lourdes Zizi Trevizan
Perez que, na rigidez de seus ensinamentos, fez aprimorar meus
conhecimentos.
À amiga Creusa Magalhães Rodrigues, pelo companheirismo e
pelo acesso à Coleção Didática utilizada como objeto de estudo neste
trabalho.
A toda minha família, pela dedicação e pelo carinho.
Aos amigos e professores, de quem ora me despeço, pela
amizade e pelos momentos de estudo compartilhados.
“Do ponto de vista de uma tal visão da educação, é
da intimidade das consciências, movidas pela
bondade dos corações, que o mundo se refaz. E, já
que a educação modela as almas e recria os
corações, ela é a alavanca das mudanças sociais.”
Paulo Freire
RESUMO
A presente pesquisa, intitulada A Construção do Leitor na Educação
Fundamental: Análise Documental de uma Coleção Didática, tem como objetivo
demonstrar o nível de qualidade dos conteúdos teóricos e os procedimentos
metodológicos inscritos no Livro Didático para o ensino da leitura, na Educação
Fundamental. A opção teórica para análise crítico-reflexiva das práticas
metodológicas descritas nesta pesquisa se centra nos estudos mais recentes da
linguagem, voltados para a Critica Sociológica Bakhtiniana e de Vygotsky, com
ênfase na natureza ideológica da linguagem e do texto. No que se refere à descrição
e análise da prática educacional (Estudo de Caso), optou-se pela Pesquisa
Qualitativa, definindo-se como método de Coleta dos Dados, a Análise Documental. A
Análise Documental permitiu identificar informações nos documentos pesquisados
(livros didáticos), que serviram de corpo básico da pesquisa, para verificação e
comprovação da hipótese inicial de que a Educação Fundamental vem trabalhando a
construção da leitura a partir de conceitos teóricos, no mínimo, incompletos, em
relação às novas teorias da linguagem e da leitura. Assim, esta pesquisa contempla
uma descrição e reflexão crítica sobre a análise da Coleção de Livros Didáticos
intitulada Montagem e Desmontagem de Textos, destinada às quatro séries iniciais de
escolarização (Ensino Fundamental _ Ciclo I). A análise é, portanto, de caráter
documental, pois toma como objeto de observação, os Volumes da Coleção Didática
citada.
Palavras-chave: Formação do leitor. Ensino-Aprendizagem. Livro Didático.
ABSTRACT
The present research entitled “The Reader Building in the
Elementary Education: Documental Analysis of the one Pedagogical Collection”,
has an objective to demonstrate the quality of the theorical contents and
consequently, of the methodological procedures in teaching reading in the
Elementary Education. The Theorical option for critical-reflexive analysis made in
this research is centered in the most recent studies of language, based in the
“Sociological Critic Bakhtiniana” and of Vygotsky, with emphasis on the
ideological nature of language and text. In what it refers to the description part
and analysis of the educational practice (Study of Case). It’s opted for the
qualitative Research, defining as a method, Data Collection, and the Documental
Analysis. The Documental Analysis has permitted identify information, in the
researched documents (pedagogical collection), which have served as basic
element for the research, for the verification and hypothesis confirmations that
the Elementary Education has been working on construction of the Reading
starting from theorical concepts, at least, incomplete, in relation to the new
theories of the language and reading. Thus, this research regard a description
and critical reflection on the analysis of the Collection of Pedagogical Books
entitled “Assembly and Dismount of Texts”, to the Elementary Education. The
analysis is therefore, for documental character, because it takes as objective the
reservation, the Volumes of the Pedagogical Collection quote.
Keys-Words: Teaching Writing. Teacher Developed. Pedagogical Book.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 - Organograma 43
FIGURA 2 - Desmontagem do texto 54
FIGURA 2a - Desmontagem do texto 55
FIGURA 3 - Montagem do texto 57
FIGURA 4 - Texto: Patrícia 58
FIGURA 5 - Desmontagem do texto 60
FIGURA 5a - Desmontagem do texto 61
FIGURA 6 - Montagem do texto 63
FIGURA 7 - Texto: Severino 65
FIGURA 7a - Texto: Severino 66
FIGURA 8 - Desmontagem do texto 68
FIGURA 8a - Desmontagem do texto 69
FIGURA 9 - Montagem do texto 71
FIGURA 10 - Texto: A Onça 73
FIGURA 11 - Desmontagem do texto 74
FIGURA 11a - Desmontagem do texto 75
FIGURA 11b - Desmontagem do texto 76
FIGURA 12 - Montagem do texto 78
FIGURA 13 - Texto: Copa reúne crianças no Rio 80
FIGURA 14 - Desmontagem do texto 81
FIGURA 14a - Desmontagem do texto 82
FIGURA 14b - Desmontagem do texto 83
FIGURA 15 - Montagem do texto 85
FIGURA 16 - Texto: Correio de Piririca 87
FIGURA 17 - Desmontagem do texto 88
FIGURA 18 - Montagem do texto 89
FIGURA 19 - Texto: Pássaros constroem “Cingapura” em abacateiro 90
FIGURA 20 - Desmontagem do texto 91
FIGURA 20a - Desmontagem do texto 92
FIGURA 21 - Montagem do texto 93
FIGURA 21a - Montagem do texto 94
FIGURA 22 - Texto: Os pássaros eram vendidos ilegalmente. Estão
livres agora.
95
FIGURA 23 - Desmontagem do texto 96
FIGURA 23a - Desmontagem do texto 97
FIGURA 23b - Desmontagem do texto 98
FIGURA 24 - Montagem do texto 100
FIGURA 25 - Texto: Vaso de Flores 102
FIGURA 26 - Desmontagem do texto 103
FIGURA 26a - Desmontagem do texto 104
FIGURA 27 - Montagem do texto 105
FIGURA 28 - Regras da Língua 107
FIGURA 29 - Montagem do texto 108
FIGURA 29a - Montagem do texto 109
FIGURA 30 - Desmontagem do texto 111
13
FIGURA 30a - Desmontagem do texto 112
FIGURA 31 - Montagem do texto 113
FIGURA 32 - Texto: Pescaria 114
FIGURA 33 - Desmontagem do texto 115
FIGURA 33a - Desmontagem do texto 116
FIGURA 34 - Montagem do texto 118
FIGURA 35 - Texto: A Terra é o melhor lugar param o homem 120
FIGURA 36 - Regras da Língua 122
FIGURA 37 - Texto: O Goleiro que bate faltas 124
FIGURA 38 - Montagem do texto 126
FIGURA 39 - Roda 127
FIGURA 40 - Texto oral 129
FIGURA 41 - Manabu Mabe 130
FIGURA 42 - Desmontagem do texto 131
FIGURA 43 - Borracha Mágica 132
FIGURA 44 - Desmontagem do texto 133
FIGURA 44a - Desmontagem do texto 134
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................12
2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA...... 19
2.1 Metodologia Utilizada............................................................................................... 19
2.2 Semiótica e Alfabetização por Meio do Livro Didático............................................. 21
2.3 O Papel da Educação na Formação de Leitores e a Função da Leitura
na Construção da cidadania................................................................................ 29
3 DESCRIÇÃO E ANÁLISE CRÍTICA DOS PROCEDIMENTOS
METODOLÓGICOS PROPOSTOS PARA A CONSTRUÇÃO DO LEITOR............38
3.1 Apresentação do Material da Pesquisa – Informações Sobre o Autor e a Coleção
Didática Selecionada para Objeto de Estudo......................................................... 38
3.2 Análise do Embasamento Teórico da Coleção Didática...........................................39
3.3 Organização Estrutural da Coleção Didática............................................................42
3.4 Apresentação dos Pressupostos Teóricos e Metodológicos do Autor da Coleção
Didática....................................................................................................................48
3.5 Descrição e Análise Crítica dos Procedimentos Metodológicos Propostos
pela Coleção Didática Para a Construção do Leitor................................................ 52
3.5.1 Texto literário em Prosa.........................................................................................52
3.5.2 Texto jornalístico................................................................................................... 79
3.5.3 Texto literário em versos (poesia)........................................................................101
3.5.4 Texto fotográfico..................................................................................................119
3.5.5 Texto publicitário e pictórico................................................................................ 127
4 CONFRONTOS ENTRE OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA E OS
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS INSCRITOS NA METODOLOGIA DO LIVRO
DIDÁTICO SUGERIDO PARA A PRÁTICA DE LEITURA DE TEXTOS
DIVERSOS.................................................................................................................136
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................151
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................153
BIBLIOGRAFIA............................................................................ ................................155
12
1 INTRODUÇÃO
Em meados de 431 a.C. Sócrates (FERRARI, 2005) defendeu
o diálogo como método de educação e preocupava-se em levar as pessoas, por
meio do autoconhecimento, à sabedoria e à prática do bem. Atribuía ao mestre o
papel de despertar a inteligência e a consciência do educando. Dessa forma, mestre
é alguém que admite a reciprocidade no ato de ensinar, permitindo que os alunos
questionem e argumentem, e não um mero provedor de conhecimento.
Perseguindo o ideal de obter a virtude, outro filósofo grego, Aristóteles
(FERRARI, 2005), afirmava que o ser humano tem potencialidades múltiplas, deve
ser feliz e útil à comunidade. Atribui à educação a formação do caráter do aluno; a
ela cabe a tarefa de fornecer ao educando as condições necessárias para
desenvolver seu talento e, assim, dar sua contribuição ao mundo.
No distante século XIII, Tomás de Aquino (FERRARI, 2005), formulou
um amplo sistema filosófico que conciliava a fé cristã com o pensamento de
Aristóteles, fundindo, com genialidade, a razão e a fé. Defendia a existência, no ser
humano, de uma inteligência ativa. Essa idéia, transportada para a educação,
introduz um princípio pedagógico moderno e revolucionário para seu tempo: o de
que o conhecimento é construído pelo estudante e não simplesmente transmitido
pelo professor. Dessa forma, legou à educação, sobretudo a idéia de autodisciplina.
Outro filósofo, Erasmo de Roterdã (FERRARI, 2005), em oposição ao
pensamento escolástico da época, defendia a criatividade e a vontade do ser
humano, e por isso, foi um dos precursores de um movimento novo que,
posteriormente, se denominou Humanismo. Criticava as escolas de seu tempo que
adotavam manuais imutáveis, repetições de conceitos e princípios de disciplina com
traços de sadismo. Acreditava que o livro constituía imenso tesouro cultural e
deveria ser a base do ensino. Para ele, a linguagem era o início de uma boa
educação e introduziu, juntamente com outros humanistas, a prática de interpretar
textos criticamente, e não se restringir somente à leitura e à alfabetização.
No século XIX, um dos mais influentes intelectuais, Karl Marx
(FERRARI, 2005), pregou uma educação comprometida com o processo de
transformação da sociedade, participando desse processo, e ao mesmo tempo,
13
sendo influenciada por ele. Defendia a gratuidade da educação, mas não o
atrelamento a políticas do Estado. Entendia que a educação tinha a função social de
combater a alienação e a desumanização e, para tanto, deveria ser ao mesmo
tempo, intelectual, física e técnica.
No início do século passado, desponta Mikhail Bakhtin (BAKHTIN,
1995), que influenciado pelo pensamento de Marx, publica seus estudos sobre a
dialética do signo (do signo verbal em particular), ressaltando a natureza social e
ideológica do signo. Sua crítica volta-se justamente ao interesse da classe
dominante em tornar o signo monovalente, quando na realidade é plurivalente: vivo
e móvel. Reconhece a palavra como “indicador de mudanças”. Defende a natureza
social das variações estilísticas e nega a individual, valorizando o diálogo como meio
de integrar “o discurso de outrem” no contexto narrativo e critica os exercícios
escolares “estruturais” da época.
Contemporâneo de Bakhtin, as contribuições de Vygotsky
(PELLEGRINI, 2001) também são relevantes. Deixou idéias sugestivas para a
educação, e identificou a linguagem como principal instrumento de intermediação do
conhecimento entre os seres humanos. Acreditava que o desenvolvimento de
intermediação da inteligência ocorre com a participação dos mediadores e que a
linguagem tem relação direta com o desenvolvimento psicológico.
Assim sendo, podemos constatar, por meio desse apanhado de idéias
filosóficas, que a preocupação com a educação data de épocas muito distantes; que
muitos dos equívocos cometidos pela escola e denunciados por grandes pensadores
também se fazem presentes em nossas escolas, em plena era tecnológica.
Têm surgido muitos estudiosos nas últimas seis ou sete décadas que,
preocupados com o futuro da educação, apresentam teorias e indicam caminhos; e
no entanto, nos deparamos com uma escola onde a prática pedagógica e didática
dos professores não tem apresentado alterações significativas. Dentre outros
problemas, a leitura detém-se na decodificação dos sinais gráficos, isenta de
qualquer conexão com a realidade.
Problematização e Justificativa da Pesquisa
Analisando a problemática da aquisição da leitura, verificada nas escolas
brasileiras, em particular no Estado de São Paulo, tem persistido e revelado as
14
dificuldades do professor na formação de alunos leitores. Considerando a
importância da leitura na aquisição de outros saberes e a era da informação em que
vivemos, compreendemos a importância da leitura crítica para todos os cidadãos.
Mas informação não pode ser vista apenas como conhecimento.
Necessitamos de um apurado senso crítico para entender e interpretar os diversos
tipos de linguagem a que temos acesso, hoje; precisamos fazer leitura crítica da
realidade. Nossos alunos também precisam. Infelizmente, o problema é que não é
esse o perfil que se verifica naqueles que freqüentam os bancos escolares e os
índices de evasão e repetência, até alguns anos atrás, eram alarmantes. Foram
adotadas medidas políticas educacionais para reverter esse quadro –
particularmente no Estado de São Paulo, com a implementação do sistema de
Progressão Continuada (agrupamento de alunos em ciclos: Ciclo I - 1ª a 4ª série e
Ciclo II – 5ª a 8ª série), que exclui a reprovação no interior dos ciclos.
Embora os índices de evasão e repetência tenham caído,
drasticamente, nos últimos anos no Estado de São Paulo, a escola não tem
conseguido cumprir, de forma eficiente, o seu papel. Os problemas relativos à
aprendizagem estão ligados à dificuldade enfrentada pela escola em alfabetizar e
ao fato de não conseguir garantir o uso eficaz da linguagem, condição para que os
alunos prossigam seus estudos.
Os mecanismos de avaliação implementados para diagnosticar o
rendimento dos alunos da rede pública do país (SAEB - Sistema de Avaliação da
Educação Básica) e do Estado de São Paulo (SARESP – Sistema de Avaliação do
Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) têm apresentado resultados que
apontam deficiências graves no ensino ministrado em nossas escolas, e
principalmente, têm acusado a falta de leitura pelos nossos alunos: o insucesso
escolar ainda é uma constante.
Essa problemática do ensino da rede pública, em especial do Estado
de São Paulo, justifica o interesse da presente pesquisa em investigar a qualidade
do livro didático e o papel que desempenha na alfabetização e formação do leitor
nas séries iniciais de escolarização – Ciclo I do Ensino Fundamental.
Como Diretora de Escola, ao acompanhar o processo de ensino-
aprendizagem, tenho percebido que a leitura tem sido pouco desenvolvida e
praticada pelos alunos, seja como atividade escolar, seja como atividade lúdica em
sua vida cotidiana.
15
As facilidades e os atrativos dos tempos atuais, têm tomado o tempo
de nossos alunos e desviado sua atenção dos textos escritos, restando-lhes pouco
tempo para se dedicarem à leitura da linguagem verbal. O problema torna-se ainda
maior, quando o professor não é um bom leitor, ou quando não lê com freqüência,
pois ele é figura de grande destaque no processo de formação do aluno-leitor. Uma
recente pesquisa realizada por uma equipe da UNESCO, compilada em um livro
intitulado O Perfil dos Professores Brasileiros: o que fazem, o que pensam, o
que almejam... (2004, p.165), comprova que:
23,5% dos professores declaram que lêem jornal 1 ou 2 vezes por
semana; 9,5% que lêem a cada 15 dias e 3, 7% que não lêem jornal nunca.
Dentre os gêneros literários considerados mais interessantes pelos
docentes, pedagogia/educação foi o que obteve maior número de
respostas, sugerindo que eles ocupam parte do tempo livre com leituras
relacionadas ao trabalho.
Daí a necessidade de refletirmos sobre a falta de leitura tanto de
nossos alunos, quando dos próprios docentes, antes de nos propormos pesquisas
sobre as falhas existentes nas propostas metodológicas para o ensino da leitura.
Os problemas de aprendizagem foram evidenciados nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) – Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental
(1998, p. 23):
O quadro educacional brasileiro é ainda bastante insatisfatório. Alguns
indicadores quantitativos e qualitativos mostram o longo caminho a
percorrer em busca da eqüidade. Comparações com outros países em
estágio equivalente de desenvolvimento colocam o Brasil em desvantagem
na área da educação.
Tais problemas conduziram políticas educacionais a uma reforma no
ensino, com a implementação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
Lei nº 9394/96, que visa não somente ao acesso, mas à permanência e à efetiva
aprendizagem de todos os alunos; em outras palavras, a nova LDBEN busca a
democratização não somente da oferta de vagas, como também da qualidade do
ensino.
Nessa perspectiva, os Parâmetros Curriculares Nacionais também
concorrem para fomentar e incrementar a aprendizagem, apresentando a leitura
como um “processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do
16
significado do texto [...]” (Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa,
2001, p. 53).
Nesse novo cenário, surge a necessidade dos questionamentos: Qual
o papel do livro didático? Tem contribuído para a formação do leitor?
O problema da leitura tem se arrastado por muitos anos, e há causas
que emanam da modernidade e constituem impecilhos a distorcer, ainda hoje, os
caminhos da leitura, tanto nos lares, quanto, e principalmente, na escola.
As questões relativas à globalização, as transformações científicas e
tecnológicas ocorridas nos últimos anos, apresentam para a escola a imensa tarefa
de oferecer aos alunos elementos, meios para decodificar, interpretar e filtrar a
enorme gama de informações disponíveis.
Com a difusão do uso do computador, em especial da internet,
ampliou-se, ainda mais, o papel da Educação no desenvolvimento das pessoas e
das sociedades, e aumentou, demasiadamente, a quantidade de informações que
nos abordam e invadem nossa vida cotidiana.
A TV., a internet e os jogos computadorizados interferem na educação
ministrada nas escolas, seja concorrendo com ela, absorvendo o tempo disponível
de nossos jovens e crianças, seja também, dissimulando e fragmentando sua
maneira de pensar.
A aquisição da leitura é um assunto complexo e também deve ser vista
como um problema educacional. No que se refere aos materiais, o problema é de
excesso e não de escassez. Vivemos cercados de livros, revistas, jornais, manuais,
comerciais de TV., terminais de computador, cartazes de rua, panfletos, rótulos, e
uma variedade de instrumentos para escrever. A questão é saber ler criticamente
esses materiais e saber usá-los adequadamente, dentre outras preocupações.
O problema, portanto, é que a escola não vem sabendo lidar em sala
de aula com a formação do leitor crítico - problema este que gerou esta pesquisa.
Objetivos
Uma vez que as primeiras séries do Ensino fundamental constituem o
fundamento de toda a escolaridade e são responsáveis pela alfabetização e
formação inicial do leitor, este estudo tem como objetivo analisar a fundamentação
teórico-metodológica dos procedimentos que permeiam o livro didático utilizado nas
17
séries mencionadas (1ª a 4ª séries do Ciclo I do Ensino Fundamental), para o ensino
de leitura de diferentes linguagens, identificando o quanto tal metodologia contribui
ou não para a formação do leitor crítico e discutir, a partir da análise dos
pressupostos teóricos, novas formas de intervenção que visem a reverter os
problemas de aprendizagem apontados pelos sistemas de avaliação institucional
(SAEB, SARESP).
Metodologia
Metodologicamente, a pesquisa assim se organiza: será usada a análise
documental para realização da pesquisa qualitativa (estudo de caso): identificação
e interpretação dos pressupostos teóricos e metodológicos do livro didático da
educação fundamental, no ensino da leitura; as teorias semioticistas centradas nos
estudos de Bahktin e Vygotsky servirão ao interrelacionamento dessas próprias
teorias e as práticas detectadas na análise documental da coleção didática
selecionada: Montagem e Desmontagem de Textos do autor Hermínio Sargentim
(São Paulo, IBEP, 2001, 1ª edição – 4 volumes).
Essa pesquisa sugere, portanto, uma metodologia de ensino de texto
que permita uma prática de leitura centrada na semiótica (em especial, nos estudos
de Bahktin e Vygotsky)), ou seja, uma leitura crítica, contextualizada, pragmática,
voltada para a construção da identidade individual em interação com o coletivo.
O presente estudo apresenta uma reflexão sobre o ensino da leitura
proposto pelo livro didático e uma verificação se o livro trabalha com uma proposta
semioticista de leitura: leitura crítica, contextualizada e geradora de novos textos;
com ênfase na natureza ideológica da linguagem e do texto.
Assim, a reflexão pretendida neste estudo, está vinculada aos estudos
teórico-metodológicos semioticistas sobre a linguagem, apresentando o signo como
instrumento de uso psicológico e social do homem, capaz de transformar o mundo e,
portanto, o próprio homem. Sob essa perspectiva teórico-semioticista, a educação é
concebida como aquela capaz de promover o leitor crítico; como um instrumento de
formação de cidadãos e de transformação do meio social em que esses vivem.
Fundamenta-se nos princípios de igualdade ao buscar raízes em estudos voltados
para uma educação libertadora e emancipatória e ao focar os estudos de linguagem
ligados aos interesses e necessidades dos indivíduos.
18
Partes Constitutivas da Pesquisa
A presente pesquisa está dividida em cinco partes: Introdução,
Capítulos I, II e III e Considerações Finais.
No Primeiro Capítulo, apresentamos a opção teórica deste trabalho,
centrada, sobretudo, nos estudos mais recentes da linguagem, em particular na
Crítica Sociológica Bakhtiniana, mas também no sócio-historicismo de Vygotsky, que
servirá de embasamento para a análise documental.
No capítulo II, fizemos uma descrição da Coleção Didática analisada,
desde o número de volumes que a constituem, seu autor, a editora, a organização
das unidades que compõem cada volume, a apresentação dos pressupostos
teóricos do autor do livro, até, finalmente, a descrição e análise crítica dos
procedimentos metodológicos propostos pelo Livro Didático para a construção do
Leitor.
O capítulo III contempla o confronto entre os pressupostos teóricos da
pesquisa e os pressupostos teóricos inscritos na metodologia do livro didático para o
ensino da leitura de textos.
A parte conclusiva do trabalho tece considerações sobre os problemas
do ensino brasileiro, em particular do Estado de São Paulo, e as contribuições que a
adoção de uma metodologia centrada nas teorias semioticistas (cuja fundamentação
será exposta no capítulo inicial, nas páginas subsequüentes), com certeza, pode
acrescentar ao ensino-aprendizagem, proporcionando ao aluno condições de tornar-
se um leitor crítico e, portanto, um cidadão consciente e participativo.
Almeja este trabalho, tão somente, uma contribuição acadêmica para
uma revisão dos conceitos teóricos dos procedimentos metodológicos inscritos nos
livros didáticos para o processo de Formação do Leitor, no Ensino Fundamental da
rede pública.
19
2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
2.1 Metodologia Utilizada
Esta pesquisa foi realizada para responder às questões que lhe deram
origem, a partir de estudos sobre a Semiótica, especificamente fundamentada nas
teorias de Bakhtin e de Vygotsky, que consideram o signo ideológico. Visa a
questionar as contribuições do livro didático na formação do leitor nas séries iniciais
do Ciclo I do Ensino Fundamental, através de uma análise detalhada do tratamento
dispensado à leitura na Coleção Didática de Sargentim.
Outros autores, aqui citados, apresentam pesquisas que apontam
equívocos na metodologia utilizada por docentes no ensino da leitura, bem como a
ineficácia do livro didático. A presente pesquisa considerou os aspectos
problemáticos do ensino da leitura – ineficácia da escola quanto à aprendizagem;
uso inadequado do livro didático pelo professor despreparado, bem como sua
defasagem teórica. Busca verificar se a metodologia do livro didático é inadequada,
por meio de abstrações extraídas da análise dos textos e das atividades propostas
por Sargentim, consolidadas por meio do confronto realizado entre os pressupostos
teóricos da Coleção Didática analisada e os pressupostos teóricos de Bakhtin e
Vygotsky.
Os dados foram levantados após a realização dos estudos sobre a Semiótica
dos autores acima citados, a partir da análise feita da Coleção Didática Montagem e
Desmontagem de Texto, do autor Hermínio Sargentim.
A amostra para a análise e elaboração desta pesquisa foi constituída
de um texto de cada volume didático para cada gênero literário: texto em prosa,
texto jornalístico, texto poético, texto fotográfico e pictórico. Foram analisadas as
atividades propostas pelo autor para o estudo de cada texto selecionado, para
verificar se promovem a leitura e qual o tipo de leitura que promovem.
O trabalho de análise dos textos e das atividades propostas volta-se
para a verificação do tipo de texto e sua significação, sua trama ideológica e o tipo
de linguagem utilizada pelo autor de cada texto, bem como sua adequação à faixa
etária das crianças a que se destina cada volume da Coleção analisada.
20
Os resultados obtidos permitiram elaborar um confronto entre os
procedimentos metodológicos adotados pelo autor didático e os pressupostos
metodológicos inscritos na teoria que fundamenta esta pesquisa.
Foi possível detectar que os diferentes tipos de textos recebem, do
autor, um tratamento metodológico voltado à preocupação com sua organização
formal, ignorando sua pragmaticidade e artisticidade.
No que se refere à análise das atividades propostas para o estudo dos
textos da Coleção, foi comprovada a ausência de uma proposta, por parte do autor
didático, de uma leitura interpretativa dos textos. O mecanismo dos exercícios
apresentados requer uma leitura superficial, incompleta, desprovida de
contextualização, que não dão importância à função social do texto.
Assim sendo, a análise documental permitiu que, após o levantamento
de dados, fosse realizada a verificação e comprovação da hipótese inicial de que o
livro didático não tem contribuído para a formação do leitor nas séries iniciais do
Ensino Fundamental – Ciclo I, da escola pública.
21
2.2 Semiótica e Alfabetização por Meio do Livro Didático
Neste primeiro capítulo, serão apresentados os conceitos centrados na
ciência da Semiótica, que fundamentam a presente pesquisa e que se fazem
necessários a uma aprendizagem efetiva; ausentes, em sua maioria, na formação
docente e no livro didático adotado em nossas escolas.
De início, consideramos importante conceituar Semiótica, pois
infelizmente, muitos professores ainda desconhecem essa ciência e alguns sequer
ouviram seu nome. A Semiótica é uma ciência que pode ser definida como ciência
dos signos; a ciência geral de todas as linguagens.
Sendo a Semiótica a ciência dos signos, convém conceituarmos o
signo. Bakhtin (1995, p.31), afirma que ”[...] tudo que é ideológico possui um
significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é
ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia.”
Assim sendo, Bakhtin (1995, p.32) afirma que o signo não somente faz
parte da realidade, ele pode retratar essa mesma realidade tal como ela é ou ainda
modificá-la, sob diferentes pontos de vista. Segundo Bakhtin (1995, p. 35), “[...] os
signos só podem aparecer em um terreno interindividual”, ou seja, entre indivíduos
que constituem um grupo organizado socialmente. Esse fato explica a
interdependência existente entre o signo e o contexto social: é a palavra que veicula
a ideologia e toda mudança que ocorre na ideologia é percebida na língua.
Vygotsky (1989, p. 4) ressalta a importância do significado da palavra:
[...] o significado é parte inalienável da palavra como tal, dessa forma,
pertence tanto ao domínio da linguagem quanto ao domínio do pensamento.
Uma palavra sem significado é um som vazio, que não mais faz parte da
fala humana.
Para Vygotsky (1995, p. 4) “[...] uma palavra não se refere a um objeto
isolado, mas a um grupo ou classe de objetos, portanto, cada palavra já é uma
generalização”. Assim, uma palavra evoca muitas outras palavras, traz para seu
significado outros significados: uma única palavra já constitui um texto. Estes
significados podem variar de um indivíduo para outro, num determinado tempo e em
determinado espaço. O significado é um ato de pensamento, e ao mesmo tempo, é
22
parte inseparável da palavra; portanto, pertence tanto ao domínio da linguagem
quanto ao domínio do pensamento.
Dessa forma, de acordo com Vygotsky, o signo é um domínio tanto do
psiquismo, quanto da ideologia e traz em si mesmo, sua própria significação, pois
esta é função daquele.
Trevizan (2000, p. 29) comenta a teoria da significação, citando,
inclusive, o conceito bakhtiniano de signo:
[...] podemos dizer que a teoria da significação não é idealista. Tal
afirmação revela uma leitura redimensionada da semiótica peirciana,
ancorada, necessariamente, na concepção filosófica bakhtiniana de que o
signo é sempre ideológico, portanto não é apenas ‘um reflexo, uma sombra
da realidade, mas também um fragmento material dessa realidade’.
Conclui-se, portanto, que todo e qualquer tipo de signo é ideológico;
está sempre impregnado de um conteúdo referente ao contexto onde foi gerado. O
signo ideológico não apenas reflete a realidade, mas é, sobretudo, uma parte dessa
realidade, com todos os seus efeitos (ações, reações e outros novos signos).
Ao falar de signo, necessariamente, falamos da palavra. É de Bakhtin
(1995, p.106) a afirmação:
O sentido da palavra é totalmente determinado por seu contexto. De fato,
há tantas significações possíveis quantos contextos possíveis. No entanto,
nem por isso a palavra deixa de ser una. Ela não se desagrega em tantas
palavras quantos forem os contextos nos quais ela pode se inserir.
É esse o sentido da palavra que a escola não tem ensinado aos
nossos alunos: um sentido adequado ao contexto em que a palavra foi formada;
uma significação vinculada à realidade à qual a palavra se refere. Professor e livro
didático adotam uma concepção redutora de linguagem que considera apenas o
sentido literal do signo, desprezando as condições sociais de produção do texto e
portanto, o sentido situacional dos termos.
O lado social da fala interfere na sua significação, por meio dos fatores
culturais e das relações que se estabelecem entre os interlocutores.
De acordo com Bakhtin (1995), a palavra sofre variações em função do
interlocutor: depende da classe social a que pertence, se está ligada ao locutor por
laços sociais estreitos ou não. Assim também, a situação em que a palavra é gerada
constitui um fator determinante para sua significação, ou seja, o signo recebe as
23
influências do contexto, do momento histórico e social de determinado grupo social:
reflete, portanto, o processo de transformação ideológica.
Para Vygotsky (1989), a fala humana é constituída de palavras com
significado e cada significado, por sua vez, é, ao mesmo tempo, pensamento e fala
(unidade do pensamento verbal). Assim, a natureza do pensamento verbal é a
análise semântica, em que pensamento e fala estão inter-relacionados. Sua principal
função é a comunicação, o intercâmbio social. A verdadeira comunicação humana é
resultado da junção de dois elementos: significado (generalização) e signo (palavra
ou som). Em relação a essa afirmação, Vygotysky (1989, p. 5), conclui:
Portanto, a verdadeira comunicação humana pressupõe uma atitude
generalizante, que constitui estágio avançado do desenvolvimento do
significado da palavra. As formas mais elevadas da comunicação humana
somente são possíveis porque o pensamento do homem reflete uma
realidade conceitualizada.
A língua está diretamente ligada à ideologia e o pensamento e a
atividade mental são determinados pela linguagem. Portanto, pensamento e
atividade mental são modelados pela ideologia.
A consciência individual é sócio-ideológica e deve ser explicada a partir
dos fatores sociais que exercem influência sobre a vida dos indivíduos dentro de um
meio social. A realidade do psiquismo interior subjetivo é a do signo. O psiquismo
subjetivo é um traço exclusivo de cada ser, é a expressão semiótica que ocorre entre
o organismo do sujeito e a realidade exterior.
O aspecto semiótico da comunicação social revela-se claro e completo
na linguagem. Bakhtin (1995 p. 36) afirma que “[...] a realidade toda da palavra é
absorvida por sua função de signo. A palavra não comporta nada que não tenha sido
gerado por ela. A palavra é o modo mais puro e sensível de relação social.”
Por ser produzida pelos meios do organismo individual, sem a ajuda de
qualquer recurso ou aparelhagem, a palavra é considerada como instrumento da
consciência.
Embora todos os fenômenos ideológicos dependam do discurso
interior, a palavra não pode suplantar qualquer outro signo ideológico, mas é por
meio da palavra que se processam todas as formas de compreensão e de
interpretação; é por meio dela que ocorrem as pequenas mudanças que vão se
avolumando até se transformarem em nova ideologia.
24
As formas mais elevadas da comunicação humana são possíveis,
porque o pensamento do homem reflete uma realidade conceitualizada. A
comunicação completa, mais elaborada, só ocorre através de um sistema de signos,
lingüísticos ou não, diferentemente da comunicação primitiva. Nela, há um sistema
dinâmico de significados em que o aspecto afetivo e o intelectual se unem. Cada
idéia supõe uma atitude afetiva transformada com relação ao fragmento de realidade
ao qual se refere. Reflete a trajetória que vai das necessidades e impulsos de uma
pessoa até a direção específica tomada por seus pensamentos, e o caminho
inverso, a partir de seus pensamentos até o seu comportamento e a sua atividade.
Trevizan (2002) fala da importância do trabalho do professor, em
especial no ensino de Linguagem, e lamenta sua falta de conhecimento teórico
atualizado no que se refere aos processos de significação das palavras e de
aquisição da leitura e da metodologia do ensino de textos. Afirma a autora que, na
prática escolar, a palavra é trabalhada apenas no sentido literal (lingüístico),
desconsiderando-se assim, a natureza situacional (uso social dos signos) no
discurso.
Ainda quanto ao professor, seu desenvolvimento profissional não deve
ser apenas o desenvolvimento pedagógico, o conhecimento e a compreensão de si
mesmo, o desenvolvimento cognitivo ou teórico, mas tudo isso ao mesmo tempo. É
ele o profissional que insere o aluno no mundo da leitura, e, portanto, deve ser bom
leitor. E infelizmente, não é esse o perfil comum do professor. Seu repertório de
leitura geralmente é pobre, desolador. Importante observação fez Lajolo (1994, p.
108) a respeito:
A discussão sobre leitura, principalmente sobre a leitura numa sociedade
que pretende democratizar-se, começa dizendo que os profissionais mais
diretamente responsáveis pela iniciação na leitura devem ser bons leitores.
Um professor precisa gostar de ler, precisa ler muito, precisa envolver-se
com o que lê.
A freqüência de professores não leitores é observada nos meios
escolares, e a nossa preocupação é a mesma de Machado (2001, p. 122):
[...] imaginar que quem não lê pode fazer ler é tão absurdo quanto pensar
que alguém que não sabe nadar pode se converter em instrutor de natação.
Porém é isso que estamos fazendo. Lembrando outra imagem, de outro
livro: somos o rei que manda um general levantar vôo por seus próprios
meios e depois reclama porque não cumpre a ordem. A culpa é dele?
25
Além disso, muitos professores desconhecem a teoria semioticista
(fundamentada na significação, na contextualização e no diálogo do leitor com o
texto); é imprescindível que o professor primeiramente se aproprie dela, e se
instrumentalize para aplicá-la com seus alunos, dentro das condições reais.
Vygotsky (apud OLIVEIRA, 1996) reconhece a importância da
intervenção pedagógica intencional também no processo de alfabetização, no
domínio do sistema de leitura e escrita. Mesmo em contato com a língua escrita,
sozinha, a criança não é capaz de dominar esse sistema, necessitando da mediação
de outros indivíduos.
Para Vygotsky (apud OLIVEIRA, 1996), é o professor o profissional
responsável por provocar nos alunos os avanços que não poderiam ocorrer
naturalmente, interferindo na “zona de desenvolvimento proximal”, que por sua vez,
é responsável pelo processo de transformação. Oliveira (1996, p. 65) comenta:
Vygotsky preocupa-se particularmente [...] com a importância da
intervenção pedagógica intencional para que ocorra o processo de
alfabetização, de Domínio do sistema de leitura e escrita. Mesmo imersa
em uma sociedade letrada, a criança não desabrocha espontaneamente
como uma pessoa alfabetizada: a aprendizagem de um objeto cultural tão
complexo como a escrita depende de processos deliberados de ensino.
Embora saibamos que, muito antes de entrar para a escola, a criança
já pode interagir com o texto em suas mais variadas manifestações, é a
alfabetização que garante condições para o aluno criar e concretizar, com
segurança, seus textos e estabelecer sentidos a textos alheios. É na escola que ela
aprende a estrutura, as regras de organização e as linguagens neles contidas.
A dificuldade em trabalhar com textos ainda é uma constante em
nossas escolas. Nas séries iniciais do Ensino Fundamental, o trabalho com textos
ainda é incompleto, descontextualizado e fragmentado.
Trevizan (1998, p. 36) comenta a prática dos docentes:
Com efeito, a prática docente tem revelado uma concepção incompleta de
texto, visto, então, apenas como uma estrutura lingüística: relação simplista
de significantes e significados organizados gramaticalmente e explicados,
portanto, por leis puramente lingüísticas.
O processo de alfabetização, visto sob a ótica semioticista, deve ser
entendido como construção da condição de leitor e de produtor de texto. Para que a
26
alfabetização assim se processe, o texto deve ser o núcleo das atividades de
linguagem, e a prática da leitura e da escrita deve ser desenvolvida como forma de
constituição de sentidos num verdadeiro processo de interlocução e interação social.
Essa nova concepção de alfabetização consta também dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (2001, p. 21):
[...] a alfabetização não é um processo baseado em perceber e memorizar,
e, para aprender a ler e a escrever, o aluno precisa construir um
conhecimento de natureza conceitual: ele precisa compreender não só o
que a escrita representa, mas também de que forma ela representa
graficamente a linguagem.
Nesse sentido, a teoria sociointeracionista de Vygotsky contribui para
uma aprendizagem que valoriza as experiências individuais das crianças, bem como
a utilização de informações significativas (que fazem sentido para elas). Oliveira
(1996, p. 11-12) comenta:
Em Vygotsky, a interação social e o instrumento lingüístico são decisivos
para compreender o desenvolvimento cognitivo. [...] a aprendizagem
interage com o desenvolvimento, produzindo sua abertura nas zonas de
desenvolvimento proximal, nas quais as interações sociais e o contexto
sociocultural são centrais.
Assim sendo, percebemos a importância do contexto na formação do
ser humano, tanto do aprendiz quanto do docente. No entanto, escola e livro didático
não lhe atribuem o devido valor e propõem um ensino desprovido de
contextualização. Infelizmente, os livros didáticos adotados desprezam as condições
sociais de produção do texto e, portanto, não consideram sua dimensão pragmática,
ressaltando e explorando apenas sua estrutura lingüística em detrimento da linha
teórica pautada na Significação.
O livro didático precisa ter, portanto, um embasamento teórico
pautado na contextualização, que viabilize a formação do leitor crítico, oferecendo-
lhe condições de alfabetizar-se nas letras, nas cores e nas imagens; e dessa forma,
encontre a possibilidade de se instrumentalizar para a leitura dos signos do mundo.
A qualidade do ensino está ligada à qualidade do livro adotado, pois
hoje, o livro didático é condição necessária à formação escolar dos alunos. E o que
se encontra, em sua grande maioria, é um livro didático reformulado em seu
27
conteúdo, mas que mantém uma metodologia voltada à adoção de modelos para
ensinar a escrita, à decifração e à leitura superficial das palavras.
Surgido no Brasil, nas últimas décadas do século XIX, somente a partir
de meados do século XX, o livro didático brasileiro assume a condição de
mercadoria, que até então, era rara e circulava somente entre as pessoas de classe
social privilegiada. Na Constituinte de 1823, assumiu, ao lado de professores, leitura
e escola, um papel de destaque, embora tivessem sido discutidos de forma geral e
precária (ZILBERMAN, 1999).
“Apesar de o livro didático estar no meio estudantil desde antes de
1971, nunca foi alvo de preocupação pedagógica, pelo menos na forma da lei”
(CHIAPPINI, 1997, p. 34) e ainda hoje, muitos livros didáticos contêm erros graves
de conteúdo; que reforçam ideologias conservadoras; que subestimam a inteligência
de seu leitor; que alienam o professor de sua tarefa docente e que - nos casos dos
livros de Língua Portuguesa –, direcionam a leitura; comprometem a noção de
compreensão e de interpretação, e tantas outras críticas. É também de Chiappini
(1997, p. 35) a importante consideração sobre o livro didático, transcrita abaixo:
Atualmente o livro didático continua equivocado quando se pensa na
individualidade do aluno, ou até de um grupo de alunos (o caso de
diferenças regionais, por exemplo); no direito à cidadania; na preservação
do patrimônio cultural etc., pois ele se coloca como um grande modelo que
deve ser seguido do Norte ao sul do país, suprimindo a voz do professor,
que por sua vez suprime a voz e as inquietudes do aluno, não deixando
acontecer “o cidadão/leitor que pretendemos”. O momento histórico do
controle ideológico do Estado passou, mas o posicionamento do livro
didático permanece.
O livro didático tem propiciado apenas um ensinamento de regras
lingüísticas ou informações a respeito da história literária, e só vai adquirir sentido no
futuro, quando o estudante precisar dele, no exame vestibular, em um concurso ou
na redação de um ofício ou requerimento.
Bakhtin (1995, p. 123) fala do livro didático:
O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um elemento da
comunicação verbal. Ele é objeto de discussões ativas sob a forma de
diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido de maneira ativa, para ser
estudado a fundo, comentado e criticado no quadro do discurso interior,
sem contar as reações impressas, institucionalizadas, que se encontram
nas diferentes esferas da comunicação verbal [...].
28
Um outro aspecto problemático do livro didático se relaciona ao estudo
exclusivamente literal dos textos, sem levar em conta a sua pragmaticidade. Ele
deve proporcionar à criança, meios de estabelecer contato com textos verdadeiros,
significativos, e acima de tudo, deve aprender a dialogar com eles. É por meio do
diálogo com os textos que a criança torna-se capaz de compreender o vínculo da
comunicação verbal com a situação concreta; aprende a reconhecer a interação
dinâmica entre texto e contexto, bem como dos textos entre si.
Infelizmente, além da problemática do livro didático, a escola também
promove um ensino de leitura concebido como simples oralização; geralmente, de
textos extraídos do próprio livro didático. Não é feita a problematização dos textos;
pouco ou nada se acrescenta ao texto do livro adotado, conforme afirma Chiappini
(1997, p.107):
A leitura surge como uma atividade através da qual os alunos são levados a
reconhecer e reproduzir um sentido que se supõe ser o original. As relações
de um texto com outros ou com o contexto não fazem parte deste trabalho.
A leitura polissêmica, entendida como atribuição de uma multiplicidade de
sentidos, é ignorada pela escola.
Se não promove um ensino de boa qualidade, a escola condena seus
alunos a sérias dificuldades futuras na vida e, em decorrência, a ver seus projetos de
vida frustrados. O posicionamento crítico do professor, que conhece a leitura
semiótica (leitura contextualizada, que considera o momento histórico em que o texto
foi construído e os interlocutores que dele participam) contribuiria, com certeza, para
o salto de qualidade das aulas e para a aquisição do gostar de ler pelos alunos, bem
como para uma revisão na metodologia e no conteúdo teórico dos livros didáticos,
uma vez que os mesmos deixam muito a desejar no processo proposto para a
formação do leitor.
29
2.3 O Papel da Educação na Formação de Leitores e a Função da Leitura na
Construção da Cidadania
Vivemos em sociedade e somos mediados por uma vasta gama de
formas sociais de comunicação e de significação que inclui a linguagem verbal
articulada e a linguagem não-verbal das imagens, cores, setas, luzes, formas,
massas; dos movimentos, traços, gráficos, sinais, números, gestos, objetos, sons
musicais, expressões.
Toda prática social constitui prática de produção de linguagem.
Santaella (1983, p. 12) explica:
Todo e qualquer
fato cultural, toda e qualquer prática social constituem-se
como práticas significantes, isto é, práticas de produção de linguagem e de
sentido.
De todas as aparências sensíveis, o homem – na sua inquieta indagação
para a compreensão dos fenômenos – desvela significações. É no homem e
pelo homem que se opera o processo de alteração dos sinais (qualquer
estímulo emitido pelos objetos do mundo) em signos ou linguagens
(produtos da consciência).
Bakhtin (1989, p. 37) considera que é a palavra que “[...] acompanha e
comenta todo ato ideológico”. Todos os signos não-verbais (uma peça musical, um
quadro, um ritual e até mesmo o comportamento humano) têm por base o discurso e
a ele estão ligados.
Em referência a esse conteúdo, Bakhtin (1995, p. 42) ressalta a
importância da época e do grupo social na formação do discurso. É desse autor a
afirmação abaixo:
A psicologia do corpo social se manifesta essencialmente nos mais diversos
aspectos da “enunciação” sob a forma de diferentes modos de discurso,
sejam eles interiores ou exteriores [...]. Todas estas manifestações verbais
estão, por certo, ligadas aos demais tipos de manifestação e de interação
de natureza semiótica, à mímica, à linguagem gestual, aos gestos
condicionantes, etc.
As formas de interação verbal às quais o autor se refere estão
diretamente relacionadas a uma determinada situação social e reagem às mudanças
sociais. Segundo Bakhtin (1995, p. 93), para compreender um signo, é necessário
30
entendê-lo dentro de determinado contexto (a situação social em que ele se forma),
em uma situação particular.
Esse contexto pressupõe um interlocutor, a palavra e um ouvinte.
Bakhtin (1995, p. 113) comenta a importância da palavra em função do interlocutor:
Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto
pelo fato de que precede de alguém, como pelo fato de que se dirige para
alguém. Ela constitui justamente o produto de interação do locutor e do
ouvinte.
Mas o que é linguagem sob o ponto de vista bakhtiniano? Linguagem é
o processo histórico-social de comunicação. Bakhtin (1995, p. 17) define a língua
como expressão das relações e lutas sociais, veiculando e sofrendo o efeito desta
luta, servindo, ao mesmo tempo, de instrumento e de material.
Como está sendo ensinada em nossas escolas? Como está sendo
desenvolvida a Leitura de nossos alunos para o domínio da comunicação, ou seja,
de linguagem?
O quadro de fracasso da escola pública, detectado pelos sistemas
externos de avaliação (o SARESP, por exemplo, no Estado de São Paulo) apresenta
um contingente muito grande de alunos que concluem o ensino fundamental,
apresentando graves problemas referentes à aquisição da linguagem.
Na Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa: 1º grau
(SE/CENP, 1993, p. 16), encontramos uma definição para o termo linguagem:
A linguagem é um trabalho construtivo, um processo coletivo de que resulta,
em longa história, o sistema lingüístico e comunicativo utilizado em uma
comunidade: uma língua, por exemplo, como o português. Nessa
concepção, a linguagem é uma atividade sujeita a “regras”, não somente
regras relativas aos modos de construir e interpretar as expressões (que se
descrevem aproximadamente em suas gramáticas), mas também regras
próprias de conduzir a conversação [...].
Para Bakhtin (1995, p. 14), a língua é um fato social e se fundamenta
nas necessidades de comunicação. A fala é o motor das transformações lingüísticas
e sociais, sendo assim, “a palavra é a arena onde se confrontam os valores sociais
contraditórios”; os conflitos da língua refletem os conflitos de classe no interior do
sistema social. Sendo a língua um instrumento pelo qual os indivíduos se relacionam
e se comunicam, ela se transforma em linguagem e essa é a responsável pelas
transformações que ocorrem nas sociedades. A língua evolui de acordo com as leis
31
internas, mas também externas, de natureza social, transformando-se em
linguagem.
O mundo humano é construído simbolicamente e é representado por
diferentes formas de expressão e produção. Através da linguagem o homem sente o
mundo, estabelece relações e valores, interpreta os signos existentes e cria outros
novos.
Assim, segundo as reflexões bakhtinianas, podemos dizer que a escola
deve privilegiar o ensino da linguagem, entendendo o processo de leitura das
linguagens como extremamente importante para desenvolvimento da cidadania.
Atualmente, mais do que ver a linguagem como uma capacidade
humana de construir sistemas simbólicos, concebe-se a linguagem como uma
atividade constitutiva de interação verbal e, por sua vez, a língua como um conjunto
de recursos expressivos não fechados e sempre em constituição. Sumariamente, a
linguagem está para o contexto social, enquanto a língua é o conjunto de normas e
regras lingüísticas mais ou menos estáveis.
Assim entendida, a linguagem traduz-se como um processo de
interlocução entre os indivíduos dos grupos sociais em determinados momentos
históricos.
Após esses estudos, verificamos que o livro didático, para apresentar
uma proposta inovadora do ensino de linguagem, deve pautar-se também nos
conceitos semióticos da significação.
A problemática de um ensino desprovido de significação completa,
compromete o ensino da leitura no que se refere à interpretação do texto verbal e do
não-verbal. E é nesse sentido que a escola tem cometido equívocos no ensino de
leitura: há uma grande preocupação em ensinar os alunos a pronunciar letras e a
decodificar os sinais gráficos. Mas como definir Leitura?
Martins (1982, p. 11) escreve sobre a “primeira leitura” do ser humano:
Desde os primeiros contatos com o mundo, percebemos o calor e o
aconchego de um berço diferentemente das mesmas sensações
provocadas pelos braços carinhosos que nos enlaçam.
A luz excessiva nos irrita, enquanto a penumbra nos tranqüiliza O som
estridente ou um grito nos assustam, mas a canção de ninar embala nosso
sono. Uma superfície áspera desagrada, no entanto, o toque macio de
mãos ou de um pano como que se integram à nossa pele. E o cheiro do
peito e a pulsação de quem nos amamenta ou abraça podem ser convites à
satisfação ou ao rechaço. Começamos assim a compreender, a dar sentido
32
ao que e a quem nos cerca. Estes são também os primeiros passos para
aprender a ler.
Dessa forma, Martins evidencia a importância dos estímulos para a
construção do sentido que atribuímos a tudo o que nos cerca, desde a mais tenra
idade. O nascimento do ser humano marca o início de sua relação social com o
mundo.
Trevizan (2000, p. 20) relata que, sumariamente, ler é fazer relações:
dos signos entre si e dos signos com os conteúdos designados pelo
dicionário da língua, para uma APREENSÃO DA MENSAGEM LITERAL
DO TEXTO;
dos signos com os sujeitos interlocutores, para RECONHECIMENTO
DAS MARCAS DA SITUAÇÃO SOCIAL DA QUAL EMERGE O TEXTO E
IDENTIFICAÇÃO DOS MECANISMOS ESTRATÉGICOS DE
CONSTRUÇÃO DA MENSAGEM.
Vygotsky (1989, p. 04) afirma que “é no significado da palavra que o
pensamento e a fala se unem em pensamento verbal. É no significado, então, que
podemos encontrar as respostas às nossas questões sobre a relação entre o
pensamento e a fala”. Para aprender a ler, é necessário muito mais do que
conhecer a língua, pois a leitura supõe as relações interpessoais e as relações
entre as várias áreas do conhecimento. Somos o resultado da nossa própria
vivência, e, ao lermos, assumimos uma posição múltipla diante do texto, pois o
nosso mundo pessoal (nossas experiências individuais, nossos anseios e sonhos,
nossas conquistas e frustrações, nosso modo de entender o mundo e ser no mundo)
estabelece um diálogo com o universo ali implícito.
Freire (1999, p. 20) destacou a importância de ler o mundo:
Refiro-me que a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a
leitura desta implica a continuidade da leitura daquele. [...] este movimento
do mundo à palavra e da palavra ao mundo está sempre presente.
Movimento em que a palavra dita flui do mundo mesmo através da leitura
que dele fazemos. De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e
dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do
mundo, mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer
dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente.
Tornamo-nos leitores quando aprendemos a organizar os
conhecimentos que adquirimos em nossas relações com a realidade, estabelecendo
relações entre as experiências vividas. Trevizan (2002, p. 19) expõe o conceito de
leitor ideal:
33
[...] o leitor ideal existe; e este não pode restringir o ato da leitura ao
movimento único de decifração lingüística da mensagem do texto, mas deve
completar este movimento receptivo pelo reconhecimento do uso social e
ideológico dos signos, ativado pelo autor, na construção desta mensagem.
Assim, autor e leitor, sujeitos históricos inseridos num determinado
contexto, momento e espaço sociais, são elementos igualmente
determinantes dos efeitos de sentido de um texto. Ao estabelecer as
relações dos signos de um texto com os próprios usuários destes signos
(quem diz? Para quem diz? Quando diz? Onde diz? Com que ponto de vista
ideológico-contextual diz?) o leitor estará na verdade realizando um
exercício de preenchimento ativo dos espaços vazios, ou seja, das malhas
de um texto.
Em outros termos, relacionar os signos de um texto com os sujeitos
interlocutores implica competência intelectual do leitor para ler não só o
conteúdo literal da mensagem, mas sobretudo para descobrir as estratégias
e mecanismos sociais de construção do sentido final desta mensagem.
Pela leitura completa, nos tornamos hábeis na percepção de todas as
situações, fatos e objetos, o que nos dá a impressão de ter o mundo ao nosso
alcance: podemos compreendê-lo, conviver com ele e até modificá-lo, à medida que
incorporamos experiências de leitura. Isto é aprendizagem. Para Lajolo (1988, p. 59):
Ler não é decifrar, como num jogo de advinhações, o sentido de um texto.
É, a partir de um texto, ser capaz de atribuir-lhe significação, conseguir
relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada um,
reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia, e dono da própria
vontade, entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra
não prevista.
Silva (1995, p. 6) define a leitura como “um processo de criação e
descoberta, dirigido ou guiado pelos olhos perspicazes do escritor”. E ainda, em
relação à leitura, afirma que:
A promoção da leitura é uma responsabilidade de todo o corpo docente de
uma escola, e não apenas dos professores de língua portuguesa. Não se
supera uma dificuldade ou crise com ações isoladas. Falamos em centros
de interesse, em interdisciplinaridade, em construção coletiva de
conhecimento, em integração, seqüenciação e unidade curricular, mas não
colocamos tais esquemas pedagógicos em prática. Será que não existe
cura para essa cegueira geral? (SILVA, 1995, p. 24)
Aprender a ler significa reconhecer a natureza móvel e plurivalente do
signo. Bakhtin (1995, p. 47) assim caracteriza o signo e enfatiza o interesse da
classe dominante em torná-lo monovalente:
34
[...] aquilo mesmo que torna o signo ideológico vivo e dinâmico faz dele um
instrumento de refração e deformação do ser. A classe dominante tende a
conferir ao signo ideológico um caráter inatingível e acima das diferenças de
classe, a fim de abafar ou de ocultar a luta dos índices sociais de valor que
aí se trava, a fim de tornar o signo monovalente.
Assim, fazer uma leitura semiótica de texto (leitura significativa) é
combater a alienação e a ignorância, é ser capaz de detectar os aspectos que,
através das manobras ideológicas, servem para alienar, massificar e forçar o povo a
permanecer à margem da sociedade. Dessa forma, a pessoa que sabe ler é capaz
de entender as práticas que regem a vida em sociedade e saber identificar as
entrelinhas de um texto que denunciam as estratégias que a classe dominante
utiliza para manipular os leitores. Assim entendida, a leitura constitui um instrumento
de luta contra a dominação, pois uma pessoa letrada está apta a colher nos livros as
informações necessárias para posicionar-se diante dos problemas sociais.
Infelizmente, professores despreparados avaliam a pronúncia quando
o aluno lê, verificando a entonação, o que é muito superficial, e deixam de lado o
significado do signo lingüístico e a contextualização do texto escrito. Também o livro
didático reforça essa concepção ao considerar apenas os aspectos gramaticais e
semânticos do texto.
Todos os cidadãos têm o direito de aprender a ler. Portanto, a escola
deve garantir ao educando os meios que lhe permitam a construção de seu
conhecimento e a formação de sua identidade humana e social, individual e coletiva.
Estamos vivendo em meio à tecnologia e não podemos admitir que
tantos seres humanos sejam relegados à marginalização cultural. A escola deve
assumir uma atitude de perplexidade e inconformismo diante da exclusão e
marginalização e posicionar-se contra ela. Mas a leitura, como mero processo de
decodificação de sinais gráficos, para Bakhtin (1995), não pode ser chamada de
instrumento de combate à alienação e à ignorância. “É preciso ler o mundo”, como já
dizia Freire (1999). Ler o mundo é entender as relações políticas, econômicas e
sociais que regem a sociedade global e reconhecer-se parte dela como ser
integrante, capaz de participar da construção e transformação da história da
humanidade. Para tanto, é preciso ser “letrado”: saber ler e escrever. Mais do que
decifrar signos, é fundamental fazer leitura crítica, isto é, uma leitura das relações
estabelecidas entre o texto e o contexto, numa relação dinâmica entre linguagem e
realidade.
35
É missão da escola formar cidadãos críticos através da oferta de um
ensino que busque promover condições de verdadeira aprendizagem, considerando
que ensinar não é simplesmente transferir conhecimentos, mas sim criar
possibilidades para sua própria construção. Para tanto, o professor deve assumir
uma postura de auto-avaliação e reflexão, avaliando constantemente a sua prática,
corrigindo erros e aprimorando a metodologia que traz bons resultados; retomando
conteúdos, atualizando-os, acrescentando outros e motivando seus alunos a
aprenderem. Para tanto, deve manter-se motivado e aberto à inovação, deve ser
criativo e crítico, humilde o bastante para reconhecer no aluno um ser humano em
formação e, na docência, uma prática educativa que exige vigilância sobre si
mesma, pesquisa, estudo e mudança de atitude.
Na sociedade letrada, a escrita e a leitura são instrumentos de
sobrevivência e, sendo assim, a formação de leitores é responsabilidade do Estado.
Ler é um direito de todos os cidadãos, decorrente das próprias formas pelas quais os
homens se comunicam nesse novo modelo de sociedade. E quando falamos em
leitura, nos reportamos à leitura crítica, condição da educação que constrói e liberta,
e que deve ser implementada nas escolas. Não se trata de uma leitura mecânica,
mas sim uma leitura geradora de novos significados; leitura que forme para o pleno
exercício da cidadania. Cidadania é entendida, aqui, conforme Bakhtin (1995), como
uma progressiva ampliação de horizontes, numa perspectiva diferente de sociedade
e humanidade.
Ler com criticidade é colocar-se concretamente no ato de ler (de
acordo com FREIRE, 1999), conscientizando-se de que leitura não é simplesmente
reter, memorizar ou reproduzir literalmente o conteúdo da mensagem escrita, mas é
principalmente, o compreender e o criticar; é permitir-se a inserção no universo
cultural.
Há outro ponto a se considerar quando se fala no ensino de leitura: os
mecanismos de leitura e escrita são complementares entre si. “Escrever é o ler
convertido em produção, indústria”. (conforme KRISTEVA, 1974, apud TREVIZAN,
1998, p. 45). E ler, necessariamente, pressupõe a reconstrução da escrita, por isso a
leitura completa deve envolver a identificação do contexto de produção do texto.
O conceito de leitura pressupõe o conceito de texto e de escrita, pois,
ao ler, captamos e analisamos criticamente as estratégias textuais atualizadas
lingüisticamente (aspectos formais, gramaticais e semânticos) e as estratégias
36
textuais atualizadas sociologicamente (aspectos ideológicos, pragmáticos) do
material lido.
Não há aprendizagem sem leitura, nem leitura sem aprendizagem, mas
para que leitura e aprendizagem significativas se realizem na prática pedagógica,
faz-se necessário entender que o signo é dialético e vivo, oposto ao sinal, inerte e
abstrato.
A leitura se realiza a partir do diálogo do leitor com o objeto lido (texto)
e com o autor, ambos contextualizados. Ressaltamos aqui, também, a leitura do
texto não-verbal, em particular a fotografia artística. O leitor hábil é capaz de
reconhecer não somente sua dimensão documental enquanto reflexo da realidade,
mas também os processos artísticos utilizados na construção da verdadeira obra de
arte, que não se limitam ao aspecto aparentemente objetivo das imagens
fotografadas.
Na publicidade, texto e fotografia formam um todo cuidadosamente
planejado para provocar reações potenciais no leitor. A diversidade dos sistemas
simbólicos (língua, fotografia e cor), dispostos a compor um complexo jogo de
signos, exige alta competência leitora na decifração da mensagem e dos
mecanismos de construção desta mensagem. As matérias publicitárias trazem em si
uma estratégia sutil de sedução ao consumidor.
De acordo com Trevizan, (2002a, p. 78):
[...] através de vários exercícios de leitura, todo contexto estabelece um jogo
complexo de relações sígnicas e esta complexidade se intensifica na
publicidade, pois o discurso publicitário se compõe de variados sistemas
semióticos
.
Assim sendo, de acordo com a autora (TREVIZAN, 2002a), o
aluno precisa aprender a ler, na artisticidade do texto publicitário e fotográfico, a
ideologia oculta por trás da organização interna dos signos (palavras, imagens,
objetos, cores) utilizados na construção desses textos. É da mesma autora a
afirmação:
E quanto mais elaborado for um sistema semiótico, isto é, quanto mais
diversificado for, nele, o diálogo dos sistemas simbólicos (da língua, da
fotografia, das cores...) maior será a complexidade das relações dos signos,
exigindo-se do leitor maior competência na decifração da mensagem e dos
37
mecanismos sociais e discursivos de construção desta mensagem.
(TREVIZAN, 2002a, p. 55).
Assim, o papel do professor na tarefa de aquisição da leitura deve ser
pautado na interação que ocorre entre o autor, o contexto e o leitor, para se chegar à
verdadeira significação. O livro didático, por sua vez, deve pautar-se em uma
metodologia que incentive a leitura e esta, por sua vez, deve fazer do texto um meio
para a reflexão, questionamento e recriação da realidade. Ou seja, uma leitura que
leve à construção de um outro texto: o texto do leitor. Em outras palavras, a leitura
crítica sempre é geradora de expressão, é o desvelamento do próprio SER do leitor,
é mais do que um simples processo de apropriação e reprodução de significados.
Somente a leitura crítica, libertadora, é capaz de formar o cidadão, oferecendo-lhe
condições de participar da sociedade a que pertence e nela agir.
38
3 DESCRIÇÃO E ANÁLISE CRÍTICA DOS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
PROPOSTOS PELO LIVRO DIDÁTICO PARA A CONSTRUÇÃO DO LEITOR.
3.1 Apresentação do Material da Pesquisa: Informações sobre o Autor e a
Coleção Didática Selecionada para Objeto de Estudo.
A Coleção Didática de Língua Portuguesa, intitulada Montagem e
Desmontagem de Textos é de autoria de Hermínio Sargentim e destina-se aos
alunos do Ensino Fundamental – Ciclo I (quatro séries iniciais de Escolarização).
Teve sua primeira edição em 2001, pela Editora IBEP – São Paulo e apresenta-se
em quatro volumes: Volume I – para a primeira série, Volume II – para a segunda
série, Volume III – para a terceira série e Volume IV – para a quarta série.
O seu autor, Hermínio Geraldo Sargentim, estudou Letras Clássicas e
Filosofia na USP-SP, lecionou Língua Portuguesa em escolas das redes pública e
particular, foi assessor de Língua Portuguesa em escolas de São Paulo, Rio de
Janeiro e Salvador. Na TV Cultura, apresentou o programa “Qual é o grilo?” e foi
assessor pedagógico no programa “Telerromance”. Ministra cursos e palestras para
professores. Produziu livros didáticos por mais de três décadas na área de Língua
Portuguesa para o Ensino Fundamental e Médio, que lhe garantiu lugar de destaque
na escola. Como exemplo, podemos citar Atividades de Comunicação em Língua
Portuguesa, publicada em 1974, Montagem e Desmontagem de textos, publicada
em 1999, além de outras obras, tais como: Atividades de Gramática, Brincando
de Escrever, Produção de Textos, Redação no Ensino Fundamental, Redação
no Ensino Médio, Língua Portuguesa no Ensino Médio, Atividades de
Comunicação, Leitura e Gramática, Redação: Curso Básico.
Dentre as coleções didáticas verificadas, a Coleção de Sargentim
chamou-me a atenção por ser adotada em várias escolas da região. O autor faz
prevalecer, em seus quatro volumes, a correção gramatical e o zelo na organização
formal das atividades inseridas nas unidades da Coleção, revelando sua tendência
teórica voltada para a lingüística. Assim, sendo, a pragmaticidade e o diálogo do
leitor com os textos não são explorados pelo autor, fato que traz, como
39
conseqüência, um empobrecimento no plano conceptual no estudo dos textos, como
verificaremos na análise da obra didática, neste capítulo.
3.2 Análise do Embasamento Teórico da Coleção Didática.
Analisando as Referências Bibliográficas que embasaram a construção
dessa Coleção, podemos dividi-la, de maneira generalizada, em cinco grupos:
A- Obras de Lingüística, Gramática Normativa e Teorias de Linguagem;
B- Obras vinculadas à História da Literatura e Análise Literária;
C- Dicionários e Estudos sobre Semântica;
D- Obras Sobre Produção de Textos;
E- PCN de Língua Portuguesa.
A- Obras de Lingüística, Gramática Normativa e Teorias de Linguagem: O
grande número de gramáticas e de estudos lingüísticos que embasam o referencial
teórico atestam a metodologia utilizada pelo autor: a preocupação lingüística e o zelo
gramatical são as abordagens que permeiam todo o trabalho didático. São
naturalmente, muito importantes, mas sua excessiva preocupação em promover a
interpretação literal dos textos dos livros e a relevância dada à unidade frasal não
contribuem em nada para a formação do leitor.
O autor comete o equívoco de utilizar textos poéticos com o fim
exclusivo de ensinar gramática, valendo-se de exercícios muitas vezes cansativos e
repetitivos, que não raras vezes despertam antipatia no aluno e não chamam a sua
atenção para o significado estético do poema e para a beleza de sua construção.
Não lança mão de recursos que evidenciem o encantamento desse gênero literário
para, dessa forma, suscitar no aluno a reflexão que conduz à contextualização e à
análise textual mais profunda. Os estudos de linguagem distantes da ótica
semioticista reduzem a visão filosófica/ideológica da obra e o enfoque essencial
literário corrobora essa linha de pensamentos que embasaram os estudos/pesquisas
do autor na elaboração didática. Vários textos viabilizaram uma concepção redutora
de texto.
40
B- Obras Vinculadas à Literatura e à Análise Literária: O embasamento teórico
que as obras expressam (referências citadas na Coleção), também se distanciam
das concepções semioticistas como explicitaremos a seguir e promovem uma
prática que considera apenas o sentido literal das palavras na leitura do texto
literário, desprezando as condições de produção do discurso como elementos
determinantes da significação total do modelo lido.
O procedimento metodológico de análise literária da Coleção Didática
aparece voltado para a estrutura física da frase e do texto; bem como o estudo das
personagens e de outros elementos que compõem o texto é proposto de modo
superficial, desvinculado do contexto de origem do texto. Nesta Coleção estudada, a
contextualização não é considerada na leitura, o que compromete a leitura da
concepção totalizante do texto verbal, como nos propõem as teorias semioticistas
de Bakhtin e Vygotsky.
C- Dicionários e Estudos sobre Semântica: Os dicionários e estudos, que servem
de base à Coleção Didática, totalizam dez títulos, número que evidencia a grande
preocupação com o sentido literal da palavra, como pode ser verificado nas
atividades de leitura propostas, obrigam o uso do dicionário para a simples
substituição de palavras no texto lido. São exercícios que, pela sua própria
estruturação, evidenciam uma relação “simplista de significantes e significados
organizados gramaticalmente” – conforme afirma Trevizan (1998) - e explicados tão
somente pela lingüística.
Dessa forma, a Coleção Didática propõe que o texto seja decodificado,
restringindo-se seu significado aos sinônimos encontrados no dicionário, valorizando
uma significação isolada e independente das relações e usos sociais dos signos,
desprezando–se, assim, qualquer articulação pragmática na leitura de mensagem
final do texto.
O texto, assim entendido, constitui uma “unidade puramente
gramatical, resultante das relações lingüísticas dos signos entre si, isto é, das
relações firmadas unicamente pela combinação sintática dos elementos lexicais
selecionados”, conforme afirma Trevizan (1998).
D- As Obras sobre Produção de Texto: citadas na Coleção Didática, apontam para
a proposta de uma metodologia estruturalista. O autor da Coleção de fato propõe
41
roteiros e/ou etapas para produção de novos textos dos alunos, seguindo os
mesmos passos de construção do texto-modelo apresentado para estudo no início
de cada unidade.
Em conseqüência, as produções de textos dos alunos resultarão em
estruturas meramente lingüísticas, erguidas da imitação de textos-modelo, não
revelando criatividade e sentidos sociais novos.
E- Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Língua Portuguesa (1997)
são também citados na organização da Coleção Didática em estudo. Sabemos que
os PCNs trouxeram uma nova concepção do ensino de língua portuguesa, distante
do ensino tecnicista da década de 70. Na Coleção pesquisada, pode-se perceber a
variedade dos textos apresentados comprovando-se a tendência recomendada
pelos PCNs de se trabalhar diferentes linguagens e as variantes sociais nos usos da
língua. Mas a concepção semioticista não foi explorada na Coleção, como recurso
metodológico de abordagem crítica e ideológica dos textos.
Assim, a Coleção acaba não atingindo uma metodologia adequada ao
ensino da leitura e de produção textual, centrada nas contribuições teóricas
semioticistas e a alfabetização nas séries iniciais do Ensino Fundamental continua
comprometida com uma proposta redutora de decodificação dos textos e de
tratamento metodológico inadequado para a produção textual.
42
3.3 Organização Estrutural da Coleção Didática
Montagem e Desmontagem de Textos é uma coleção didática
destinada ao estudo dos conteúdos essenciais das quatro primeiras séries que
compõem o Ciclo I do Ensino Fundamental.
Todos os volumes da Coleção Didática dividem-se em cinco Unidades,
cada qual com um texto como núcleo central das atividades propostas. A divisão das
Unidades segue a classificação dos textos de acordo com o seu gênero:
UNIDADE 1 – Prosa (Narração);
UNIDADE 2 – Prosa (Narração);
UNIDADE 3 – Poesia;
UNIDADE 4 – Jornal;
UNIDADE 5 – Comunicações.
Cada uma das Unidades subdivide-se em tópicos de estudo,
organizados e apresentados pelo próprio autor da Coleção no apêndice de cada
volume do livro reservado ao professor, como podemos verificar no quadro da
página seguinte.
43
44
FIGURA 1 – Organograma
Fonte: Sargentim, 2001, p. 5.
45
Assim, em cada Unidade de todos os Volumes da Coleção Didática analisada, são
apresentados três ou quatro textos e para cada texto são propostos os estudos
relacionados no quadro acima, distribuídos em tópicos que o autor denomina
“Desmontagem do texto, Montagem do texto, Produção de Textos, Regras da
Língua, Texto Oral”).
No tópico “Desmontagem do Texto”, o autor propõe exercícios
relacionados ao gênero literário do texto estudado, bem como o estudo do
vocabulário utilizado.
Inversamente, no tópico “Montagem do Texto”, são apresentados
estudos e atividades relacionadas à gramática, juntamente com exemplos de frases
para que o aluno tome por modelo e a partir deste, crie as suas próprias frases ou
aumente-as.
No tópico “Produção de Textos”, sempre há sugestões (uma frase, o
começo de uma história ou uma seqüência de quadrinhos) para inspirar as crianças
e etapas para o aluno seguir durante a construção do seu texto, que o próprio autor
organizou e incluiu no apêndice “Apresentação da Obra” para orientar e facilitar o
trabalho do professor.
Como a escrita não faz parte da nossa pesquisa, detivemo-nos no
estudo dos tópicos “Desmontagem do texto” e “Montagem do texto”, ao analisarmos
as modalidades do texto narrativo, do texto jornalístico e do texto poético. O texto
fotográfico apresenta-se, na coleção, como ilustração, e portanto, recebe uma
análise diferenciada. O texto pictórico também é analisado de forma diferenciada,
pois cada um dos três únicos textos dessa modalidade, encontrados na Coleção
Didática, é utilizado sob determinado enfoque: para desenvolver a oralidade (Texto
Oral); em questões propostas para a realização do entendimento do texto
(“Desmontagem do texto”); e numa proposta de intertextualidade (“Desmontagem do
texto”). A análise do texto publicitário volta-se, também, para o tópico “Desmontagem
do texto”.
“Regras da Língua” apresenta regras, exercícios e estudos
gramaticais, mas não é objeto de nosso estudo. Este tópico foi mencionado somente
quando, em algumas unidades da Coleção, o autor fez uso de algum tipo de texto,
para, exclusivamente, ensinar gramática.
Por fim, o item “Texto Oral” traz sugestões de atividades orais, com
treinos de entonação de frases e jograis, acompanhadas ou não de um texto.
46
Todos os textos são ilustrados, em geral por desenhos que, embora
pertinentes e condizentes com o conteúdo apresentado, são simples e elementares.
Prosa (Narração) – Unidades I e II
No Primeiro Volume, são trabalhados textos narrativos nas Unidades I
e II (como nos demais volumes da Coleção), a partir dos quais são propostos
estudos dos elementos básicos que os constituem: personagem; o que ela faz; o
que ela fala; suas características; problema vivido pela personagem principal; partes
de um texto.
Na primeira Unidade do Segundo Volume, o autor propõe o estudo da
personagem: problema da personagem, como é a personagem, o que a personagem
fala, seqüência de fatos, e o resumo da história.
Na segunda Unidade, o autor utiliza-se da história em quadrinhos para
abordar os seguintes elementos: problema da personagem, linguagem verbal e não
verbal e estilo (de linguagem); apresenta um conto de Hans C. Andersen e uma
fábula para estudar personagem e estilo de linguagem.
Como os demais livros, o Terceiro Volume da Coleção trabalha texto
narrativo, propondo exercícios de interpretação do texto que exploram definições de
autor e narrador, idéia central, resumo do texto, como também o estudo da
personagem, em sua primeira Unidade.
Na segunda Unidade, Sargentim reforça a diferença entre autor e
narrador, estuda a personagem sob os três aspectos: o que a personagem faz, o
que a personagem fala, o que a personagem sente, além de suas características.
Analisa o estilo da linguagem utilizada nos textos, o lugar onde se passa a história, o
problema da personagem, características e ações da personagem. Para a análise
das narrativas, traz em seu conteúdo exercícios sobre o que a personagem faz, fala
e sente, como é a personagem, como é o lugar onde ocorre a história; seqüência de
fatos e a linguagem dos quadrinhos.
No quarto Volume, o estudo da narrativa, nas duas primeiras
unidades, inicia-se, igualmente, com o estudo da diferença entre o narrador-
observador e o narrador-personagem, o que a personagem faz, sente e fala, bem
como a seqüência de fatos, fala direta e fala indireta.
47
Na segunda Unidade, são estudadas também as características da
personagem (físicas e interiores), a seqüência da História em Quadrinhos e sua
linguagem. O estudo da linguagem utilizada no Diário encerra a unidade.
Poesia – Unidade III
Na terceira Unidade do Primeiro Volume, cuja temática é poesia, um
óleo sobre tela de Milton Dacosta, de 1942, é proposto para um trabalho intertextual
com a “cantiga de roda”(poesia) que inicia a unidade “Fui no Itororó”. O autor propõe,
no entanto, uma leitura restrita e superficial, diferente da leitura contextualizada.
Já, no Segundo Volume, a Unidade três concentra-se no estudo dos
elementos constitutivos da poesia: verso, estrofe, rima, ritmo e estilo, mas a relação
pragmática entre o texto e o contexto continua ausente, propondo-se, assim, um
estudo superficial dos elementos formais – físicos e sonoros - da poesia.
No Terceiro Volume, o autor retoma os conteúdos poéticos: verso,
estrofe, rima, ritmo, já estudados na segunda série e acrescenta um estudo
superficial sobre a linguagem poética, destacando para o aluno como o sentido das
palavras pode mudar na poesia. Utiliza-se de uma pintura abstrata (óleo sobre tela,
Abstração; de Manabu Mabe) para comparar com a poesia e explicar como as
diferentes linguagens podem sugerir o mundo imaginário.
No Quarto Volume, a poesia é introduzida pelo estudo das diferenças
entre prosa e poesia, bem como uma revisão sobre verso, estrofe e rima; a Poesia
dos Nomes é uma inovação para o aluno que estudou os quatro anos com os livros
desta coleção. Além disso, a linguagem da poesia, a repetição como recurso
estilístico, a história em versos (com narrador-personagem) encerram a unidade.
Jornal – Unidade 4
No Quarto Volume, a Unidade quatro explora textos jornalísticos tal
como explora as narrações das duas primeiras unidades, e inclui um texto de
propaganda, analisado neste trabalho.
No Segundo Volume, o estudo sobre o jornal é proposto através de
exercícios de análise dos vários tipos de jornal, os cadernos que os compõem, as
48
seções, os elementos da primeira página, entrevista, anúncios classificados, além de
estudo de resenhas e de linguagem da piada.
Os elementos que compõem a notícia – Manchete, assunto,
informação, tempo e lugar são estudados no primeiro texto. Fato e opinião, objetivo
do texto são estudados no texto seguinte. A entrevista, ilustrada pela foto do
entrevistado e a propaganda, que propõe exercícios sobre slogan, linguagem verbal
e não verbal é estudada no Terceiro Volume.
O Quarto Volume analisa os elementos da notícia jornalística, texto
escrito para a Folhinha do Jornal Folha de São Paulo, para estudar Opinião,
Horóscopo e Classificados, que trazem exercícios rotineiros de interpretação
(utilizados no volume).
Comunicações – Unidade 5
Na última Unidade do Primeiro Volume, são estudados cartazes,
bilhete e cartão pessoal.
O Segundo Volume traz estudos sobre Convite, Cartão-Postal e
Bilhete, através de exercícios que analisam os elementos constitutivos de cada um.
Apresenta a finalidade do aviso, suas características, a Carteira de Identidade ou
RG.(Registro Geral), com as informações que contém, com textos sobre impressão
digital, o objetivo da propaganda, as partes que compõem o Bilhete e os variados
tipos de Cartão e os elementos nele contidos, bem como o objetivo do Cartaz, com
textos complementares sobre o assunto veiculado por ele.
Já o Terceiro Volume apresenta a finalidade do Aviso, suas
características, a Carteira de Identidade ou RG. (Registro Geral) com as informações
que este documento contém. O volume inclui, ainda, textos sobre Impressão Digital
e textos objetivos para estudo da propaganda; seleciona, também, as partes que
compõem o Bilhete e os variados tipos de Cartão e os elementos contidos nele, bem
como o objetivo do Cartaz, com textos complementares sobre o assunto veiculado
por ele.
No Quarto Volume, são estudados o Telegrama e os elementos da
Carta; é analisada uma Certidão de Nascimento, e as receitas culinárias diversificam
o repertório dos textos, ao encerrar a última unidade do Livro Didático.
49
3.4 Apresentação dos Pressupostos Teóricos e Metodológicos do Autor da
Coleção Didática.
Como fica evidenciado na apresentação descritiva das referências
bibliográficas inscritas na Coleção Didática, o enfoque metodológico lingüístico-
gramatical impregnou as páginas dos livros da coleção analisada.
A metodologia de seleção dos textos e organização das atividades é
linear e, portanto, segue uma seqüência que facilita o trabalho do professor, mas a
adoção de um esquema único de organização didática para todos os volumes
mantém um padrão que, além de uniformizar os procedimentos para as quatro
séries, conduz o professor à mesmice de aulas repetitivas e o aluno acostuma-se a
um modelo pré-determinado de escolhas que bloqueia o desenvolvimento de sua
percepção e criatividade.
A seleção dos textos de leitura revela a preocupação do autor com o
ensino seqüenciado dos componentes do discurso narrativo e outros discursos
(poético, jornalístico, pictórico), o que é recomendável e produtivo, mas a
metodologia de abordagem desses textos diversos, centrada na superficialidade
estrutural dos mesmos, acaba neutralizando a qualidade da seleção efetuada.
Essa prática metodológica, constatada nos quatro volumes,
fundamenta-se, principalmente, na repetição de conceitos relativos à organização
estrutural do texto, com algumas alterações pouco ou quase nada significativas,
quanto ao grau de aprofundamento dos conteúdos trabalhados. Essa prática é
reveladora de uma metodologia estruturalista-formal, voltada às práticas
mecanicistas de ensino-aprendizagem dos textos.
As questões de interpretação propostas confirmam a adoção, pelo
autor, de uma metodologia que não reconhece a essencialidade e a função social do
texto; o autor atém-se ao sentido literal das palavras que o constituem e as
atividades programadas por ele não oportunizam ao aluno momentos de reflexão
sobre a relação dialógica do texto com a realidade social, da qual surgiu.
A demasiada preocupação do autor da Coleção Didática com os
aspectos lingüísticos do texto é facilmente reconhecida nas atividades de
substituição de palavras e/ou expressões por outras (até mesmo naquelas que
dispensam que o aluno recorra ao dicionário) e no estudo gramatical de cada
50
unidade, com atividades que reforçam a repetição mecânica de estruturas ou
segmentos textuais, vistos de forma isolada do contexto social.
Outro dado relevante é que, não raro, textos poéticos, de mensagens
profundas, são utilizados tão somente para o estudo de conteúdos gramaticais,
demonstrando a supervalorização da metalinguagem em detrimento da exploração
de linguagem literária como objeto de reflexão crítica sobre o ser humano.
O rigor da organização de cada parte constitutiva dos livros da Coleção
detém-se mais na forma do que no conteúdo (objeto de conhecimento), e a
preocupação formalista com o estudo de estruturas isoladas do texto não cede lugar
à pragmaticidade e ao estudo ideológico dos signos.
A diversidade de textos, tão enfatizada nos PCNs (Parâmetros
Curriculares Nacionais) de Língua Portuguesa, está presente em toda a coleção e
Sargentim enriqueceu sua obra com todos os tipos possíveis, mas manteve um
procedimento metodológico idêntico em todos os volumes, centrado na preocupação
única com o sentido literal dos signos veiculados nos modelos textuais.
A teoria da intertextualidade também foi objeto de atenção de
Sargentim, ao propor a leitura de obras artísticas cuja temática era a mesma dos
textos poéticos estudados, no intuito de criar expectativas e sugestões para as
criações dos alunos e estabelecer o diálogo necessário dos textos. Mas também a
abordagem mecanicista e superficial dos modelos, citada anteriormente, veio a
prejudicar a qualidade didática da sua Coleção.
A proposta do autor de criação de texto pelo aluno também parte da
utilização do texto-modelo, após a realização das atividades que dissecam sua
estrutura, dividindo-o em partes e analisando a personagem, o conflito (que o autor
chama de Problema da Personagem) e outros elementos que compõem o texto. No
suplemento que acompanha o Manual do Professor, à página 9, o autor seleciona
os objetivos da Produção de Textos:
T11. Revisar os próprios textos para aprimorá-los.
T12. Grafar corretamente as palavras.
T13. Acentuar corretamente as palavras.
T14. Usar corretamente a letra maiúscula.
T15. Empregar corretamente o ponto final, interrogação e exclamação.
T16. Empregar corretamente a vírgula.
T17. Seguir as regras básicas de concordância.
T18. Respeitar as margens e marcação dos parágrafos.
T19. Construir frases claras e precisas.
51
T20. Empregar mecanismos básicos de coesão que possibilitem
seqüenciar as partes do texto.
T21. Selecionar falas da personagem relacionadas ao problema vivido pela
personagem.
Como se pode verificar, a preocupação com a correção gramatical é
rigorosa, porém, não há qualquer indício de preocupação com a criatividade ou com
a relação pragmática do texto e a necessidade de valorizar a leitura como processo
determinante na produção textual.
O conceito de leitura que embasa toda a obra é superficial, centrado
nos exercícios de sonorização dos elementos gráficos e de mera descrição dos
elementos visuais, ilustrativos. Os textos sugeridos, bem como as ilustrações e as
histórias em quadrinhos estão igualmente voltados para a preocupação em treinar a
clareza da pronúncia e a percepção visual primária. Os objetivos relacionados acima
pelo autor também se referem à preocupação única com o aspecto formal do texto,
adequação dos sentidos gramaticais das palavras, desenvolvimento de mecanismos
básicos para domínio dos componentes estruturais do texto, de sua organização
interna, sem nenhuma referência do diálogo do texto com o contexto social de sua
produção, tão enfatizado nos estudos semióticos da linguagem.
O tipo de leitura proposto pelo autor ocasiona a perda da carga
significativa do texto, pois o leitor precisa se utilizar de seus conhecimentos prévios
para estabelecer as relações de sentido ali propostas. O sentido é apreendido
mecanicamente.
A inclusão de referências contextuais dos textos selecionados para
leitura, possibilitaria a leitura crítica e completa dos mesmos, vinculada ao contexto
de quem produziu o texto (autor), dos espaços e tempo históricos dele e do próprio
texto.
No que se refere às ilustrações, embora adequadas ao conteúdo dos
textos, é proposta a leitura delas pelas mesmas atividades simplistas de
interpretação centrada no conteúdo meramente literal dos signos, revelando, mais
uma vez, a metodologia formalista-estruturalista adotada pelo autor, que não
reconhece o caráter dinâmico-dialógico contido nos textos ilustrativos,
comprometendo, assim, a iniciação do aluno como leitor.
Assim, os equívocos cometidos no tratamento metodológico
dispensado ao texto pelo autor da Coleção revelam um procedimento metodológico
redutor, pautado pelo nível meramente lingüístico dos modelos, que depõe contra a
52
escola como instituição responsável pela formação crítica do leitor e
conseqüentemente, hábil usuário da escrita.
Instrumento de trabalho do professor e de formação para o aluno, em
muito o livro didático pode contribuir para a qualidade do ensino. Faz-se necessário,
no entanto, que vejamos o livro como “o instrumento fundamental para a difusão do
saber e o meio através do qual cada um se apropria da realidade, endossando seu
caráter utilitário e, ao mesmo tempo, sua natureza emancipatória” (LAJOLO, et. al.
1988, p. 14)
53
3.5 Descrição e Análise Crítica dos Procedimentos Metodológicos Propostos
pela Coleção Didática para a Construção do Leitor.
Para comprovarmos a ineficácia do livro didático na formação do aluno-
leitor nas séries iniciais do Ensino Fundamental – Ciclo I, procedemos à análise das
atividades que o autor da Coleção Didática Montagem e Desmontagem de Textos,
Hermínio Sargentim, propõe para realizar o estudo interpretativo de cada texto.
Iniciamos nosso trabalho com o texto literário em prosa (texto narrativo),
obedecendo à ordem seqüencial de classificação de textos, adotada pelo autor
didático (as duas primeiras unidades de cada volume de sua Coleção propõem o
estudo dessa modalidade de texto).
3.5.1 Texto literário em prosa
Para o estudo do texto literário em prosa – texto narrativo, escolhemos
um texto de cada volume que comprova, de forma eficaz, o tratamento equivocado
que o autor dispensou aos textos, no que se refere à leitura crítica e interpretativa
dos mesmos.
Chamou-nos a atenção, no Volume I, o texto paradidático A Bota do
Bode, de Mary França e Eliardo França. 9 ed. São Paulo, Ática, 1986, presente em
muitas das bibliotecas das escolas estaduais do Estado de São Paulo e,
possivelmente, conhecido de muitas crianças, transcrito abaixo:
A bota do bode
O bode viu uma bota.
O bode colocou a bota numa pata.
E ficou muito gozado!
Uma bota numa pata
E três patas sem botas!
O bode deu a bota para o rato.
E o rato sumiu na bota.
O rato deu a bota para o galo!
54
O galo não andou com a bota!
O galo deu a bota para o gato.
O gato falou:
- A bota é uma boa casa!
- Uma casa? Falou o galo.
Veio a gata e falou:
- Uma casa para nossos filhotes!
As atividades de interpretação propostas pelo autor da Coleção para o
estudo do texto transcrito evidenciam o tratamento metodológico que lhe foi
dispensado por ele, bem como os pressupostos teóricos que embasaram a
realização de seu trabalho.
Embora de linguagem simples e direta, adequada às crianças no início
do processo de alfabetização, o texto é construído por elementos sígnicos que
compõem uma história agradável, marcada pelo ludismo e pelo humor, carregada de
uma ideologia de grande importância. No entanto, a leitura proposta no roteiro de
trabalho apresentado pelo autor não propõe o diálogo do leitor com o texto, capaz de
desvendar essa trama ideológica. Vamos analisar como as atividades propostas pelo
autor trabalham a leitura do texto:
55
FIGURA 2 – Desmontagem do texto.
Fonte: Sargentim, 2001, p. 10.
56
FIGURA 2a – Desmontagem do texto.
Fonte: Sargentim, 2001, p. 11.
57
A bota do bode é um modelo textual que traz uma significação rica.
No entanto, nesta, como nas demais unidades do livro didático, o autor apresenta
um estudo desse texto, que se restringe, na primeira parte (“Desmontagem do
Texto”), à apresentação de atividades que propõem o estudo das personagens -
quais são, o que fazem e o que falam- (atividades 01 e 03) e à substituição de
palavras ou expressões por outras (atividades 04, 05 e 06). Tais atividades
contrariam a teoria semioticista, que apregoa que as palavras adquirem significados
diferentes, dependendo do contexto em que se inserem, de quem as fala e da
posição social que ocupa quem as fala. O estudo das palavras proposto nesse tipo
de atividade restringe-se à identificação do sentido literal da palavra no texto, e
portanto, reduz a capacidade de apreensão e reflexão do aluno sobre o mundo. Em
relação ao signo “bota”, palavra geradora da narrativa, a segunda atividade
questiona quem consegue ficar com a bota e por que as outras personagens não
conseguem ficar com ela. Essas questões revelam leitura superficial, que não coloca
o aluno em situação de reflexão e análise sobre a ideologia contida na construção
sígnica do texto.
As atividades apresentadas por Sargentim valorizam o texto apenas
como “uma unidade gramatical, gerada das relações puramente lingüísticas dos
signos entre si, ou seja, das relações firmadas exclusivamente pela combinação
sintática dos elementos lexicais selecionados” (TREVIZAN, 1998, p.37).
Ainda na segunda parte, “Montagem do texto”, as atividades propostas
não propõem uma leitura significativa do texto, como podemos verificar na página
seguinte, a transcrição:
58
FIGURA 3 – Montagem do texto.
Fonte: Sargentim, 2001, p. 12.
Constatamos que o foco dos exercícios acima transcritos também se volta à
pontuação e à entonação das frases, enfatizando a dimensão gramatical (pontuação
de frases) e a oralidade, desvinculando-as do macro-contexto gerador do texto.
59
No volume destinado às crianças de segunda série - Volume 2 da
Coleção Didática em estudo, consta um texto intitulado “Patrícia”, escrito por Ana
Elisa Callas, aluna de 15 anos. Vejamos:
FIGURA 4 – Texto: Patrícia.
Fonte: Sargentim, 2001, p. 09.
60
Esse texto narrativo, desprovido de pragmaticidade, esvazia a relação
de sentido que marca o vínculo entre a leitura do texto e a leitura do mundo.
Apresenta uma unidade de sentido comprometida, com unidades gramaticais
isoladas, destituídas de coerência conceptual, alternando assuntos desconectados,
como a escola onde a personagem vai estudar no ano que vem, o presente que o
pai vai trazer-lhe, a hora da saída da escola, o dia chuvoso e a tartaruga. Trata-se,
portanto, de um texto que não permite a expansão e recriação da realidade, ato de
conhecimento, pois enfatiza a neutralidade da palavra em detrimento da
representatividade do signo lingüístico. Charmeux (1997, p. 64) comenta como
textos desse tipo dificultam a leitura realizada pelo aluno:
Em um texto escrito, o leitor, que tem de construir o sentido sozinho, tem
necessidade de muitas indicações e de muitas nuanças para evitar contra-
sensos, e penetrar nas intenções de comunicação daquele que escreve.
Passemos, a seguir, à análise da proposta do Autor Didático na
“Desmontagem do texto”:
61
FIGURA 5 – Desmontagem do texto.
Fonte: Sargentim, 2001, p. 10.
62
FIGURA 5a – Desmontagem do texto.
Fonte: Sargentim, 2001, p. 11.
No roteiro de trabalho proposto pelo autor (Desmontagem do Texto),
são apresentadas 06 questões para o estudo da personagem, que têm por objetivo
levar o aluno a perceber que a autora do texto é também personagem, bem como
perceber as suas características, ao questionar se a personagem gosta de seu
animal de estimação; por que a personagem fica triste quando chove; a partir de
quando ela freqüentará a escola, e quem ela pretende levar para a escola.
Prosseguindo, o autor apresenta 04 questões no item que ele
denomina “Estilo (= o Jeito de Escrever), apresentando duas possibilidades para
63
escrever o texto (foco narrativo em primeira pessoa e foco narrativo em terceira
pessoa) e questionando o aluno, nas atividades, em qual possibilidade o texto foi
escrito, como também, propondo a transcrição de “trecho” (como é denominado pelo
autor) para a segunda possibilidade.
Em “Montagem do Texto”, o autor apresenta um texto de autoria de
Toquinho, Canção para todas as crianças (Philips, 1987.), para estudar o ”nome
das coisas”.
Gente tem sobrenome
Todas as coisas têm nome:
Casa, janela e jardim.
Coisas não têm sobrenome,
Mas a gente sim.
Todas as coisas têm nome:
Rosa, camélia e jasmim.
Flores não têm sobrenome,
Mas a gente sim.
O Chico é Buarque, o Caetano é Veloso
O Ary foi Barroso
Entre os que são Jorge
Tem um Jorge Amado
E um outro que é o Jorge Bem.
Que tem apelido
Dedé, Zacharias, Mussum e Fafá de Belém.
Tem sempre um nome
E depois do nome
Tem sobrenome também.
Todos os brinquedos têm nome:
Bola, boneca e patins.
Brinquedos não têm sobrenome, mas a gente sim.
Coisas gostosas têm nome:
Bolo, mingau e pudim.
Doces não têm sobrenome,
Mas a gente sim.
As atividades propostas no tópico apresentado (Montagem do texto),
embora refiram-se ao texto acima, propõem exclusivamente o estudo das palavras
que dão nome às coisas e seres, como podemos averiguar na transcrição abaixo:
64
FIGURA 6 – Montagem do texto.
Fonte: Sargentim, 2001, p. 14.
65
Assim, percebe-se que o primeiro texto analisado (Patrícia) foi utilizado
com o objetivo único de ensinar a estrutura e a organização formal do texto,
apresentando a distinção entre autor, narrador e personagem, como também a
distinção (de maneira sutil, adequada à faixa etária dos alunos aos quais o volume
se destina), entre narração em primeira pessoa e narração em terceira pessoa. Já, o
segundo texto foi utilizado como referência para o estudo dos nomes. Não há
preocupação do autor em propor uma leitura significativa dos textos, voltando-se à
organização formal do texto e ao estudo das palavras de forma descontextualizada.
Dessa forma, o que se percebe na exploração dos textos pelo autor
didático é que
O uso social dos signos não é contemplado nesta concepção redutora de
texto verbal. Assim, o sentido é firmado, de maneira estável, centrado
apenas na literalidade do tecido textual. Não é reconhecido, de fato, o
mecanismo pragmático pelo qual a significação se estabelece como
relação dinâmica que cria variáveis de leitura e liga estas variáveis às
condições situacionais da produção textual (TREVIZAN, 1998, p.57).
No Volume 3, para introduzir o texto Severino, o autor da Coleção
Didática apresentou um texto jornalístico extraído da Folha de São Paulo, de
02/09/1983, que relata a chegada de retirantes nordestinos em São Paulo.
Apresentamos a transcrição na página seguinte:
66
FIGURA 7 – Texto: Severino.
Fonte: Sargentim, 2001, p. 81.
67
FIGURA 7a – Texto: Severino.
Fonte: Sargentim, 2001, p. 82.
68
Logo abaixo, tece comentários e questionamentos sobre o problema
vivido pelos retirantes e introduz o texto, de forma a despertar a curiosidade das
crianças a iniciarem a leitura, ao anunciar que Severino “tem idéias diferentes para
fazer chover”.
O texto intitulado “Severino” é de Ana Maria Machado e foi extraído da
obra Severino faz chover. Rio de Janeiro, Record, s/d. Embora o autor didático
tenha citado a fonte do texto, não apresentou nenhuma informação sobre o autor;
desconsiderando, portanto, o importante papel da contextualização na leitura crítica
do texto.
De linguagem simples, adequada às crianças, Severino é um texto de
leitura agradável, e de grande riqueza conceptual. A pobreza em que vivem as
personagens, vítimas da seca, e o empenho das crianças para resolverem o
problema (enquanto muitos nada fazem) servem de pretexto para a crítica social.
Toda essa rica trama ideológica não é levada em conta no livro didático em questão,
pois propõe estudos meramente lingüísticos.
No entanto, seguindo o roteiro de trabalho proposto pelo autor,
encontramos, no item “Desmontagem do Texto”, 03 questões relacionadas à
personagem (relativas ao estudo da personagem principal e suas características
físicas) e 03 questões referentes à caracterização do lugar onde ocorre a história e
02 questões referentes ao problema vivido pela personagem (conflito). Assim, nas
oito primeiras atividades o autor propôs um estudo da estrutura formal do texto
narrativo, ignorando a ideologia veiculada pelos signos do texto, que, de fato, não
foi levada em conta pelo autor didático. Segundo Bakhtin (1995, p.17), “a palavra
veicula, de maneira privilegiada, a ideologia; a ideologia é uma superestrutura, as
transformações sociais da base refletem-se na ideologia, e portanto, na língua que
as veicula”. Observem-se, na seqüência, as atividades elaboradas e propostas pelo
autor didático:
69
FIGURA 8 – Desmontagem do texto.
Fonte: Sargentim, 2001, p. 83.
O autor, também, ao elaborar as Atividades contidas na parte intitulada
“Discussão”, apresenta 03 questões, de respostas pessoais, relacionadas ao
problema da seca, que não promovem uma reflexão crítica do texto, pois este,
embora fictício, permite uma reflexão sobre a realidade: o problema social gerado
pela seca.
O tópico que o autor chama de “Estilo”, na realidade, não se refere ao
estilo propriamente dito, e sim a um estudo literal das palavras do texto. A questão
de número 12 apresenta quatro significados da palavra “cismar”, retirados do
dicionário. Conforme Sargentim, nesse momento, o trabalho do aluno consiste em
70
responder qual dos significados tem a palavra “cismar” no texto e solicita que
escolha um outro significado e invente uma frase com a palavra cismar, como se
comprova pela transcrição abaixo:
FIGURA 8a – Desmontagem do texto.
Fonte: Sargentim, 2001, p. 84.
71
Dessa forma, ao trabalhar a sinonímia da palavra citada, o autor
propõe uma atividade voltada apenas ao conteúdo lingüístico do texto em questão,
não considerando o sentido ideológico e abrangente da palavra cismar no texto:
cismar é uma atitude própria do homem solitário, como os habitantes do sertão
nordestino, que vivem num espaço físico isolado.
É preciso trabalhar com a palavra a partir das relações intrínsecas de
significação, entre “[...] a palavra, o contexto sentencial e o contexto situacional”
(TREVIZAN, 1998, p.42).
Solicitar ao aluno que construa frase com a palavra do texto em estudo,
tendo-lhe apresentado uma definição descontextualizada é um indício de
aprendizagem limitada e redutora, que não permite a compreensão abrangente do
texto lido. Acrescente-se, ainda, nesta crítica, o equívoco conceitual do autor ao
equiparar estilo a uma simples seleção de tradução denotativa de sentido da
palavra.
O exercício proposto pelo item 13 analisa a forma como a palavra
“zoiúdo” aparece no texto (entre aspas), sem mencionar os significados que esse
signo encerra. Assim chamado por sua mãe, o apelido “zoiúdo” revela a magreza do
menino, em virtude da fome provocada pela seca (sua magreza põe em evidência os
olhos, que se tornam muito “grandes e arregalados”. Esse signo representa,
também, a natureza coloquial da linguagem pela falta de escolaridade não somente
da mãe, mas das pessoas que vivem em regiões pobres do Nordeste. No entanto,
Sargentim destaca, simplesmente, a função do sinal (aspas), desviando o ensino
total da significação da palavra para o ensino restrito, gramatical, do uso das aspas,
sem mencionar o conteúdo ideológico contido na palavra em questão e enfatizando
o sentido literal desvinculado do uso social do signo e portanto, menosprezando o
contexto cultural mais amplo.
Prosseguindo, o roteiro de trabalho traz um exercício (item 14,
demonstrado anteriormente) que trabalha a fala direta e a fala indireta e encerra as
atividades desse tópico do livro (“Desmontagem do Texto”), sem apresentar
qualquer atividade que promova reflexão sobre a relação dialógica do texto com a
realidade social.
Na seqüência do roteiro de trabalho proposto pelo autor, as questões
propostas em “Montagem do texto” referem-se ao estudo dos tempos verbais:
presente, passado e futuro. Sargentim apresenta o mesmo texto escrito em tempos
72
diferentes: primeiramente, escrito no presente, e em seguida, no passado, com
podemos verificar:
FIGURA 9 – Montagem do texto.
Fonte: Sargentim, 2001, p. 85.
73
Os questionamentos sobre as duas possibilidades de escrita do texto
induzem o aluno a perceber as diferenças existentes entre eles e as questões
referentes às formas verbais também destacam as diferentes terminações dessas
palavras. Nas duas últimas questões, o autor propõe ao aluno a reescrita de trechos
do texto estudado (Severino) e a reescrita de uma fábula, alternando-lhes o tempo
verbal. Assim, podemos perceber a demasiada preocupação do autor com os
aspectos lingüísticos e gramaticais, utilizando-se de atividades que reforçam a
repetição mecânica de segmentos textuais.
Portanto, notamos, claramente, a preocupação do autor com a
organização formal do texto, evidenciado no ensino seqüenciado dos componentes
do discurso. Não há nenhuma atividade que proponha a leitura e reflexão da
proposta ideológica do modelo textual. O texto jornalístico apresentado foi utilizado
unicamente para introduzir o texto central (Severino); não há nenhuma atividade que
desenvolva a intertextualidade proposta pelo autor.
Para finalizar os estudos sobre esse gênero literário, elencamos o texto
narrativo “A Onça” extraído da obra de Monteiro Lobato, As Caçadas de Pedrinho,
27. ed. S. Paulo, Brasiliense, 1977, retirado do Volume 4 da Coleção Didática.
Para introduzir o texto, o autor questiona o leitor sobre seus medos, fato que gera
expectativa e induz o aluno a iniciar a leitura do texto transcrito:
74
FIGURA 10 – Texto: A onça
Fonte: Sargentim, 2001, p. 21.
75
No entanto, os procedimentos metodológicos em relação ao texto
transcrito permanecem os mesmos, como se pode observar pela transcrição :
FIGURA 11 – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim, 2001, p. 22.
76
FIGURA 11a – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim, 2001, p. 23.
77
FIGURA 11b – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim, 2001, p. 24.
78
Na “Desmontagem do Texto”, mais uma vez o autor limita-se a fazer
estudos sobre narrador (foco narrativo em primeira e terceira pessoa), personagem
(quais são, o que fazem, o que falam) e o estudo do vocabulário, apresentando
definições para o aluno encontrar no texto lido, a palavra que corresponde a uma
dessas definições apresentadas, valorizando, mais uma vez, a transcrição literal da
palavra.
No que se refere ao “Estilo”, apresenta duas possibilidades de
colocação das palavras na frase e propõe atividades para o aluno mudar a ordem
das palavras, substituir outras e reescrever um trecho para o aluno pontuar
corretamente, ou seja, não propõe um estudo voltado para o estilo do texto, mas
literal e gramatical.
“A Montagem de Textos” apresenta estudos gramaticais sobre o
substantivo, sem fazer qualquer referência à leitura do texto. Apresentamos a
transcrição:
79
FIGURA 12 – Montagem do texto
Fonte: SARGENTIM, (2001), p. 25.
80
Como podemos observar, “Montagem do texto” propõe o estudo das
palavras que se referem a “pessoas, animais, lugares e coisas”; não propõe,
portanto, uma leitura significativa do texto estudado; uma “busca de sentido das
palavras” de que fala Machado (2001, p. 90): “Todos nós, que trabalhamos com a
palavra escrita sabemos como ela se constitui num permanente busca de sentido.”
Ao finalizarmos a análise dos textos narrativos, percebemos que o
procedimento metodológico utilizado pelo autor da Coleção Didática não contempla
a leitura completa dos textos; as atividades propostas vão ao encontro de uma
opção teórica conteudista e estruturalista, distantes da intertextualidade. A
concepção redutora de texto e de significação não permite a reflexão sobre o
mundo, através da operação com a linguagem. Lajolo et. al.(1988, p. 59) comenta o
tratamento concedido pelos autores didáticos aos textos narrativos:
Perante o texto narrativo, por exemplo, parece que os autores desconfiam
da capacidade de o aluno (o mesmo telespectador de seriados, novelas,
filmes...) entender que na frase Ivo viu a uva o que Ivo viu foi uva e não
melancia, que foi Ivo e não Eva quem viu a uva. Este nivelamento por baixo
é inaceitável. Saber quem fez o que, quando e onde, só é relevante quando
acompanhado de outras reflexões – por exemplo, sobre a seqüência da
narrativa, ou a perspectiva de que tudo é narrado – e junto com elas
contextualizado, transformando todas as ocorrências do texto num tecido
significante.
3.5.2 Texto jornalístico
O texto jornalístico, pela sua característica informativa, ampla
abrangência e divulgação, também recebeu nossa atenção nesta dissertação.
Selecionamos um texto dessa modalidade de cada volume da Coleção Didática para
procedermos à análise.
Para iniciar nosso trabalho de análise, escolhemos, do Volume 1, o
texto “Copa reúne crianças no Rio”, escrito para a “Folhinha” ( Folha de São Paulo,
22/05/99 apud Sargentim 2001, p. 129). Sargentim não informou nada sobre o autor
do texto estudado e não apresentou nenhum comentário sobre o texto que pudesse
lançar as bases para um trabalho de contextualização, como podemos verificar pela
transcrição do mesmo:
81
FIGURA 13 – Texto: Copa reúne crianças no Rio
Fonte: SARGENTIM, (2001), p. 129
82
Passemos, a seguir, à análise das atividades propostas pelo autor
didático, para a abordagem do texto:
FIGURA 14 – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim, p. 130, 2001.
83
FIGURA 14a – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim, 2001, p. 131.
.
84
FIGURA 14b – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim, p. 132, 2001.
Com a finalidade de incentivar o aluno a iniciar sua leitura do texto
jornalístico em questão, questiona-o a respeito do significado da notícia e “por que
somente alguns fatos se tornam notícia?”. Esse procedimento metodológico é muito
válido; no entanto, a exploração do texto proposta em “Desmontagem do texto” traz
apenas questões estruturais sobre notícia: para que serve e as partes que a
compõem.
85
Por exemplo, sem apresentar qualquer comentário ou explicação, a
questão número 2 propõe que o aluno diferencie história de notícia, e outra (a
questão número 5) solicita que o aluno diferencie “manchete” do texto e “notícia”. A
questão número 7 propõe um estudo da estrutura formal do texto jornalístico
apresentando tópicos que se restringem a transcrições e supervalorizam
características técnicas e estruturais do texto jornalístico, em detrimento do conteúdo
ideológico veiculado.
Também na “Montagem do Texto”, o autor apresenta um pequeno texto
jornalístico e solicita que o aluno invente uma manchete para essa notícia.
Inversamente, na questão seguinte, solicita que o aluno invente uma manchete
dada:
86
FIGURA 15 – Montagem do texto
Fonte: Sargentim, 2001, p. 133.
Percebemos, portanto, que neste roteiro de trabalho proposto por
Sargentim, o enfoque maior é dado ao estudo formalista de estruturas isoladas, com
atividades de repetição mecânica. A pragmaticidade do texto e sua contextualização
não são levadas em consideração e algumas vezes, quando abordadas, recebem
um tratamento insuficiente da parte do autor, desconsiderando a teoria de Bakhtin
87
(1995, p.17): de que “a palavra veicula, de maneira privilegiada, a ideologia; a
ideologia é uma superestrutura, as transformações sociais da base refletem-se na
ideologia, e portanto, na língua que as veicula”.
Também no Volume 2, apresenta ao aluno, na unidade 4, os vários
tipos de jornal, os cadernos que o compõem; os assuntos que cada tipo aborda; a
primeira página do jornal e textos extraídos de diferentes seções de um jornal:
Entrevista, Anúncios, Opinião, Piada, Resenhas; apresenta, dentre eles, o jornal
“Correio de Piririca” (Eva Furnari, Operação Risoto. São Paulo, Ática, 1999), como
pode ser observado na transcrição a seguir:
88
FIGURA 16 – Texto: Correio de Piririca
Fonte: Sargentim, p. 132, 2001.
O roteiro de trabalho proposto pelo autor, em “Desmontagem do texto”,
traz as seguintes atividades: na primeira questão, o aluno deve localizar o cabeçalho
e descobrir o que ele informa, sem qualquer explicação do que é um cabeçalho; a
segunda questão solicita ao aluno que localize a notícia do jornal e invente outra
manchete para essa notícia. As duas atividades seguintes (número 3 e número 4)
questionam o assunto das demais seções da página, como veremos a seguir:
89
FIGURA 17 – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim, p. 133, 2001
Assim, o humor tão bem explorado pela autora do texto, a combinação
dos signos através de processos estratégicos que garantem a criatividade e a
artisticidade ao texto não foram sequer comentados no livro analisado; nem mesmo
na “Montagem do texto”, cuja transcrição apresentamos a seguir:
90
FIGURA 18 – Montagem do texto
Fonte: Sargentim, p. 134, 2001.
Constatamos que no tópico transcrito acima o autor didático propõe ao
aluno que crie em grupo, com a orientação do professor, um Jornal Mural,
baseando-se nas sugestões e orientações apresentadas, sem, no entanto, promover
a leitura completa do texto. Não há qualquer comentário ou informação sobre a
autora ou sobre a obra de onde foi retirado o texto estudado, que pudesse contribuir
para uma abordagem mais profunda do texto, favorecendo a leitura crítica e
ideológica que realiza o diálogo efetivo entre leitor, autor e texto.
Prosseguindo nossa análise, apresentamos o texto jornalístico
“Pássaros constroem ‘Cingapura’ em abacateiro”, que localizamos no Volume 3 da
91
Coleção Didática. A introdução é utilizada pelo autor para despertar nos alunos a
curiosidade de um leitor potencial. Transcrevemos abaixo o texto analisado:
FIGURA 19 – Texto: Pássaros constroem “Cingapura” em abacateiro
Fonte: Sargentim, p. 153, 2001.
O pequeno texto, de um só parágrafo, é de Gláucia Leal (publicado nO
Estado de São Paulo, 29/03/98) e comenta o fato inusitado demonstrado na foto
publicada: “joões-de-barro construíram vários ninhos no mesmo galho de um
abacateiro, um sobre o outro”.
Após a inserção desse texto, o autor do livro didático, sem propor a
leitura do texto, inicia os exercícios apresentados no item “Desmontagem do texto”:
92
FIGURA 20 – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim, p. 154, 2001.
93
FIGURA 20a – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim, p. 155, 2001.
Apresenta um estudo sobre o que é notícia; seu objetivo e o que ela
informa (quem participa do que aconteceu, onde aconteceu.). Define manchete,
sem, no entanto, solicitar, nas atividades, que o aluno faça uma leitura interpretativa
do texto jornalístico em questão. Em seguida, o autor, sem propor a leitura do texto,
inicia os exercícios apresentados em “Montagem do texto”:
94
FIGURA 21 – Montagem do texto
Fonte: Sargentim, p. 157, 2001.
95
FIGURA 21a – Montagem do texto
Fonte: Sargentim, p. 158, 2001.
“Montagem do texto” propõe um estudo sobre assunto e informação;
apresentando exercícios para que o aluno identifique o assunto das informações
apresentadas. Propõe, também, o estudo das partes constitutivas da informação,
através de modelos e esquemas pré-estabelecidos, sem qualquer preocupação
como contexto situacional em que o texto foi gerado, desconsiderando a teoria
bakhtiniana: “a língua, no seu uso prático, é inseparável de seu conteúdo ideológico
ou relativo à vida”. (BAKHTIN, 1995, p. 96)
No volume 4 da Coleção analisada, para introduzir o texto, o autor
didático questiona se é correto prender pássaros em gaiolas e solicita que esse
assunto seja discutido entre os colegas para em seguida ler o texto jornalístico “Os
96
pássaros eram vendidos ilegalmente. Estão livres agora “, publicado no Jornal da
Tarde 8/12/86 n° 3365, ano 11:
FIGURA 22 – Texto: Os pássaros eram vendidos ilegalmente. Estão livres
agora.
Fonte: Sargentim, 2001, p. 143.
97
A seguir, façamos a análise das atividades propostas pelo autor
didático, para a abordagem do texto:
FIGURA 23 – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim, p. 144, 2001.
98
FIGURA 23a – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim, 2001, p. 145.
99
FIGURA 23b – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim, 2001, p. 146.
Ao analisarmos o roteiro de trabalho inscrito no livro Didático,
constatamos que, em “Desmontagem do texto”, o autor didático estabelece estudos
sobre notícia: na primeira atividade, questiona o objetivo de uma notícia e na
segunda atividade, solicita ao aluno que selecione as afirmações referentes à
história e às afirmações que se referem somente à notícia, sem ter apresentado
qualquer definição ou comentário sobre esses conteúdos. Na questão número 3, o
autor Sargentim apresenta os elementos que compõem a notícia, explicando
elementos da estrutura formal desse tipo de texto (quem?, o quê?, quando?,onde?,
por quê? ).
No exercício número 4, após explicar o que é causa, apresenta alguns
fatos para que o aluno encontre a causa de cada um, mas são exercícios soltos,
sem qualquer indício de contextualização. Tais atividades soltas não exaltam a
100
função do texto jornalístico como gênero de texto que não apenas informa
acontecimentos ou fatos, mas também comunica idéias, pensamentos e intenções
das mais diversas naturezas.
Em “Estilo”, apresenta uma questão (número 6) que refere-se à
apreensão do sentido literal das palavras. A questão seguinte (número 7) apresenta
um exercício sobre os diferentes significados da palavra “visar”; a questão número 8
solicita o sentido de uma palavra em destaque, e finalmente, a questão número 10
também trabalha o significado de uma palavra em seu sentido literal, anulando a
possibilidade do aluno fazer relações do conteúdo do texto estudado com a ideologia
determinante no contexto em que ele emerge.
Como podemos verificar, os estudos propostos pelo autor não se
referem a estilo, mas revelam o enfoque metodológico-gramatical predominante na
Coleção Didática, que não leva em conta a significação contida no processo de
comunicação, tal como afirma Vygotsky (1989, p.5) ”a verdadeira comunicação
requer significado_ isto é, generalização - tanto quanto signos”.
Na seqüência do roteiro de trabalho, analisemos o tópico “Montagem
do texto”:
101
FIGURA 24 – Montagem do texto
Fonte: Sargentim, p. 147, 2001.
“Montagem do texto” traz um estudo estrutural da frase jornalística, que
revela a preocupação do autor em expor a estruturação utilizada para o erguimento
do texto, a fim de facilitar a produção por parte do aluno. No entanto, a leitura do
texto novamente não foi incentivada ou realizada, deixando uma lacuna nos modos
de exposição da construção da mensagem veiculada pelo texto.
102
Ao encerrar a análise dessa modalidade de texto apresentada na
Coleção Didática, constatamos que, embora Sargentim faça uma introdução,
incentivando o aluno a ler o texto apresentado, os exercícios propostos para estudo
dos textos jornalísticos não efetivam a leitura interpretativa, pois são atividades
soltas e superficiais, que revelam a preocupação do autor com a organização formal
e estrutural do texto. O autor didático apresentou apenas os autores de três textos
jornalísticos (o autor do texto inscrito no Volume I não foi apresentado) e não há
nenhum comentário ou informação adicional sobre os textos que pudesse contribuir
para um trabalho de contextualização, favorecendo a leitura completa dos mesmos.
3.5.3 Texto literário em versos (poesia)
Para análise dos procedimentos metodológicos referentes ao texto
literário em versos (poesia), selecionamos um texto do gênero literário em questão
extraído de cada volume da Coleção Didática.
No Volume 1 da referida Coleção, encontramos a poesia ”Vaso de
flores” ( de Miriam Yallan ShteKlis, extraído de Di-versos Hebraicos. Tatiana
Belinky (trad.) São Paulo, Scipione, 1991), cuja temática existencialista é muito
profunda : a solidão e que transcrevemos a seguir:
103
FIGURA 25 – Texto: Vaso de flores
Fonte: Sargentim, 2001, p. 119.
Para o estudo do poema, o tópico “Desmontagem do Texto” traz
questões que revelam o procedimento metodológico adotado pelo autor didático:
104
FIGURA 26 – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim, 2001, p. 120.
105
FIGURA 26a – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim, p. 121, 2001.
“Desmontagem do Texto” traz questões que revelam o procedimento
metodológico centrado na preocupação única do autor com o estudo dos elementos
constitutivos da poesia, propondo um estudo isolado da rima (atividades 06, 07 e
08); com o sentido literal das palavras, centrado na sinonímia descontextualizada,
que não ajuda na interpretação de símbolos (atividade 03) e a repetição de
segmentos textuais. As questões interpretativas (01, 02, 04 e 05) são muito
superficiais e conduzem a respostas óbvias, que não exigem reflexão.
Na “Montagem do Texto” o autor propõe que o aluno redija um texto
poético, como vemos na transcrição:
106
FIGURA 27 – Montagem do texto
Fonte: Sargentim, 2001, p. 122.
Sargentim, ao propor os estudos sobre o texto poético, solicita ao
aluno, neste tópico, que faça uma poesia sobre o desenho apresentado, partindo
das questões propostas por ele. Tal procedimento metodológico pode conduzir o
aluno à reprodução literal dos elementos vistos, sem qualquer envolvimento sócio-
ideológico com o texto, o que, mais uma vez, comprova que o autor didático não se
utiliza da intertextualidade de forma adequada e não oportuniza ao aluno um estudo
pautado pela reflexão e pela criatividade. Lajolo et. al. (1988, p. 59) comenta a
prática metodológica inscrita em vários livros didáticos dispensada ao texto:
107
[...] o texto presente nos livros escolares não costuma ser pretexto apenas
para exercícios de interpretação, aumento de vocabulário e fixação da
norma culta. Ele se presta, muitas vezes, ao papel de ‘motivador de
redações’.
Observamos ainda, no estudo realizado nesta unidade, que não há
nenhum comentário sobre a biografia da autora da poesia “Vaso de Flores” para
iniciação do leitor na contextualização do poema analisado; como também não há
nenhum questionamento para que o aluno reflita sobre a importância da convivência
entre as pessoas e a tristeza em que vivem tantas pessoas privadas do convívio
familiar ou social, situações insinuadas pelos signos poéticos do texto.
Considerando que a poesia é o fenômeno de mediação entre a
cotidianidade (realidade) e a essencialidade (imagem da vida), as sugestões e os
roteiros de trabalho do livro padronizam as produções e limitam a criatividade e
espontaneidade do aluno.
Conteúdo e forma colocam-se num plano muito limitado e as
atividades, de modo geral, referem-se a uma exploração superficial do poema.
No Volume 2 da referida Coleção, para ensinar tonicidade (sílaba
forte), o autor utilizou-se, no tópico “Regras da Língua”, do poema “A Galinha
d´angola” de Vinícius de Moraes, extraído da obra A arca de Noé. Rio de Janeiro,
Record, 198., reafirmando, assim, o tratamento pedagogizante concedido à poesia
nesta Coleção Didática. Não há leitura do poema; a construção sígnica, na
disposição vertical, que revela a magia desse tipo de texto poético, capaz de
enfeitiçar as crianças, bem como o jogo harmônico de sons e pausas que garantem
sua aceitabilidade, iniciando a criança no universo dos leitores de literatura, não
foram considerados. A construção rítmica e o humor que viabilizam a leitura como
um processo inteligente de apreensão bem humorada do mundo, também presentes
nesse poema, foram igualmente esquecidos pelo autor didático. É o que podemos
comprovar na leitura da transcrição do segmento textual apresentado na página
seguinte:
108
FIGURA 28 – Texto: A galinha-d´angola
Fonte: Sargentim, 2001, p. 97.
Lajolo et. al.(1988, p.69), comenta a importância da beleza do texto
poético:
O desenvolvimento do gosto da beleza, de um gosto pelo ritmo, e o jogo da
linguagem asseguram, assim, seu domínio e levam à consciência ao
mesmo tempo libertadora e lúdica da linguagem, à descoberta de níveis da
língua e do real.
O conjunto de todos esses elementos exerce, sobre o público infantil,
sedução e encantamento. Assim sendo, o poema não poderia, de forma alguma, ser
utilizado na sala de aula exclusivamente para o ensino da gramática, sem qualquer
109
procedimento didático voltado para a estimulação da leitura, como o faz o livro em
questão.
Ainda no Volume 2, no tópico “Montagem do texto”, da Unidade 3, o
autor utiliza-se de um poema (transcrito abaixo) para compor, equivocadamente, os
exercícios de seu roteiro de trabalho:
FIGURA 29 – Montagem do texto.
Fonte: Sargentim, p. 94, 2001, p. 94.
Tal como ocorreu na abordagem (feita por Sargentim) do poema “A
Galinha d´Angola” de Vinícius de Moraes, também com relação ao texto transcrito
acima, “O Relógio” de Vinícius de Moraes, retirado da obra A arca de Noé. Rio de
Janeiro, Recorde, 1984, o texto fascina a criança leitora pela sua disposição gráfica
no papel, como também pelo ritmo e compasso que sugerem as batidas contínuas
110
do pêndulo de um relógio, mas as atividades propostas sobre o mesmo não
exploram esta riqueza formal e conteudista do poema.
Essa construção rítmica, bem como a representação gráfica, já atestam
a natureza pragmática do texto, estabelecendo uma relação dialógica do leitor com
seus signos. No entanto, o poema é utilizado, no livro didático, para outro fim, como
podemos constatar na transcrição abaixo:
FIGURA 29a – Montagem do texto
Fonte: Sargentim, 2001, p. 146.
No plano conceptual, desde o início, o poema refere-se à efemeridade
da vida e apesar de toda sua riqueza ideológica, esse texto poético é apresentado
111
pelo autor didático, na Coleção estudada, como modelo tanto para o estudo das
“palavras que imitam sons” (onomatopéias) como para o estudo da “sílaba forte”,
sem um trabalho prévio de leitura e exploração poética e ideológica do poema. O
mecanismo dessas atividades propostas esvazia as relações essenciais da palavra
poética com a vida. Lajolo, et. al., comenta o que é ler um poema:
[...] ‘ler um poema é ler o sentido a comunicar ao mesmo tempo que
apanhar, como dizia Jakobson, as palavras, tanto pelo que elas são como
pelo que dizem. Em sua forma fonética e no que essas formas acrescentam
ao sentido. Mas igualmente no espaço que elas ocupam no papel. A poesia
faz ver, dá a ver os textos, dá a ver o que se lê’.
No Volume 3 da Coleção de Sargentim, encontramos o poema “Caixa
de lápis de cor”, de Vânia Amarante, inscrito na obra Quarto de Costura. Belo
Horizonte, Miguilim, 1991:
Caixa de lápis de cor
Na minha caixa de lápis de cor
Guardo um arco-íris,
Muitas flores e um pôr-do-sol.
Se chove coloro o céu de azul,
Posso até desenhar uma lua
No dia,
Desenhar um poema no céu
Na minha caixa de lápis de cor
Guardo o segredo
Dos sonhos coloridos da minha vida.
Como na apresentação dos demais textos utilizados na Coleção
Didática, também para o estudo deste poema, o autor não aborda estudos
biográficos da autora do poema transcrito, e já propõe um estudo intertextual do
mesmo com a pintura “Abstração”, analisada no tópico “Texto pictórico ou
fotográfico”, desta pesquisa. Vejamos a transcrição das atividades propostas por
Sargentim:
112
FIGURA 30 – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim, p. 143, 2001.
113
FIGURA 30a – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim, 2001, p. 144.
No roteiro de trabalho, percebem-se vários equívocos didáticos do
autor, pois ele não propõe uma leitura completa do poema e, em “Desmontagem do
texto”, limita-se a questionar qual texto é verbal e qual não é verbal; volta-se para o
estudo isolado do ritmo da poesia e, de forma equivocada, apresenta diferenças
entre frase utilizada para informar e frase utilizada para sugerir. Vejamos a atividade
sugerida pelo autor no tópico “Montagem do texto”:
114
FIGURA 31 – Montagem do texto
Fonte: Sargentim, 2001, p. 145.
Assim sendo, a proposta de uma leitura intertextual dos dois textos - o
literário e o pictórico - não se realiza e, como também as atividades não exploram a
construção sígnica dos dois textos, estas não conduzem o leitor à reflexão.
No Volume 4 da Coleção de Sagentim (p. 118-9), para introduzir o
Poema “Pescaria” de Cecília Meireles, extraído do livro Ou isto ou aquilo, 2 ed.,
Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1990)o autor apresenta, antes, outro poema,
intitulado “O peixe” de Elias José, inscrito na obra Caixa Mágica de Surpresa e faz
apenas um breve comentário sobre a liberdade do peixe, a qual pode acabar, como
115
também demonstra o texto “Pescaria”. Dessa forma, instiga o aluno a descobrir
como isso acontece, lendo o texto de Cecília Meireles, transcrito:
116
117
FIGURA 32 – Texto: Pescaria
Fonte: Sargentim, 2001, p. 119.
Também nestas páginas da Coleção estudada, não encontramos
nenhum comentário a respeito dos autores dos dois textos citados que pudesse
ampliar o trabalho interpretativo do leitor; como também, não foi explorada nenhuma
questão que permitisse uma leitura intertextual dos poemas citados. O primeiro
texto, “O Peixe” de Elias José, só serviu de pretexto para a abordagem do texto
“Pescaria”, que tem, como característica marcante, o existencialismo e que nos leva
a refletir sobre a efemeridade da vida. Seu ritmo, suas rimas e repetições, criam uma
oralidade de impecável riqueza.
118
No entanto, em “Desmontagem do Texto”, a proposta de trabalho de
Sargentim ignora o sentido poético das palavras criado no texto. Vejamos, pela
transcrição, a seguir:
FIGURA 33 – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim, 2001, p. 120.
119
FIGURA 33a – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim,2001, p. 121.
Como podemos constatar no roteiro de atividades, a questão número
01 propõe ao aluno um estudo do sentido literal da palavra “maré”, signo muito
importante e válido como ponto de partida de uma leitura total do poema, mas esta
não chega a ocorrer, pois não leva em conta o sentido poético criado no poema.
120
É o que podemos confirmar pela questão inicial (número 01) e pela
proposta do autor de estudar a repetição como recurso técnico para escrever a
poesia, destacando, assim, apenas a estrutura formal do poema, em detrimento do
seu conteúdo significativo. Nas questões 04 e 05, ao trabalhar a identificação do
som sugerido no poema e ao compará-lo com o movimento do mar, o autor revela
conhecer a importância do uso estilístico da rima e do recurso técnico da repetição
na construção do conteúdo significativo do poema; no entanto, não consegue,
didaticamente, levar o aluno a reconhecer esta construção coerente do poema, em
que forma e conteúdo se fazem adequados e pertinentes à temática do poema..
Em “Discussão”, as questões de interpretação do texto são válidas,
mas não abordam o sentido substancial do texto; não exploram o conteúdo
ideológico dos signos intencionavelmente utilizados no texto.
“Estilo”, outro item do roteiro de trabalho proposto, traz questões
referentes à reescrita de frases: substituição de uma expressão pelo seu significado,
cópia e escrita de palavras que rimam. Atividades como essas propostas para
estudo de um texto poético, não valorizam a artisticidade e a simbologia utilizadas na
construção do poema, antes, favorecem a alteração da linguagem poética que
neutraliza a criação.
Lamentavelmente, as práticas pedagógicas gerais inscritas na Coleção
Didática ignoram que
A poesia é um discurso que mostra, de alguma maneira, o trabalho da
linguagem sobre si mesma. É ao nível das próprias ‘funções’ de linguagem,
como já mostrou Jakobson, que aparecem as diferenças do texto poético
em relação a outras formas de discurso. (LAJOLO, et. al., 1988, p. 70).
Prosseguindo nossa análise, observemos a transcrição de “Montagem
do texto”:
121
FIGURA 34 – Montagem do texto
Fonte: Sargentim, p. 122, 2001.
Neste tópico (“Montagem do texto”), observamos que no primeiro
exercício, não há sustentação teórica sobre poética, como também, o mesmo
exercício confunde informação com poesia.
No terceiro exercício, o autor solicita ao aluno que crie frases poéticas
juntando partes de uma seqüência apresentada em um quadro, estabelecendo
assim, modelos prontos e direcionados, sem trabalhar a linguagem poética do texto,
tão rica e bem elaborada.
Um belo poema,utiliza-se da linguagem como representação da
experiência histórica e propõe-se um posicionamento filosófico e crítico diante da
122
vida, convidando o leitor a fazer reflexões profundas sobre a identidade humana.
Construído com vocabulário simples, estabelece relações significativas complexas,
que um bom leitor é capaz de identificar.
Na Coleção Didática de Sargentim, pode-se notar que não há qualquer
referência à liberdade da linguagem poética e sua função social como experiência
humana; nenhuma questão proposta faz alusão à necessidade de reflexão sobre as
relações sígnicas estabelecidas no poema. Como pudemos verificar, na análise das
questões expostas anteriormente, a proposta de trabalho da Coleção Didática tem
um embasamento teórico-metodológico essencialmente gramatical e estruturalista.
O procedimento metodológico dispensado ao texto poético é limitado,
desconsiderando a proposta temática reflexiva inscrita no poema. As atividades
propostas para o estudo do poema são voltadas ao estudo literal das palavras, não
adentram na relação necessária do universo lingüístico com o mundo; não
possibilitam vínculos de leitura com a situação de uso social dos signos; não
permitem ao leitor abrir caminhos para uma compreensão total do texto e da
realidade social, da qual ele emerge.
O mecanismo das atividades propostas esvazia as relações essenciais
da palavra poética com a vida. Passemos, a seguir, ao estudo das formas
metodológicas de abordagem do autor didático desta Coleção, de uma outra
modalidade de texto: o material fotográfico.
3.5.4 Texto fotográfico
O texto fotográfico é pouco utilizado nos volumes da Coleção, e as
poucas fotografias existentes têm a função única de ilustrar o texto ou a página em
que as atividades são propostas. Trevizan (2002a, p. 81) explica a pouca atenção
que esse tipo de texto recebe dos leitores:
O fato de a fotografia ocupar, quotidianamente, um espaço natural nas
matérias produzidas pela imprensa faz, muitas vezes, com que ela receba
do leitor um olhar rápido e descuidado, impedindo-o do deslumbramento e
prazer implícitos na descoberta de suas potencialidades comunicativas,
enquanto objeto de natureza informativa (documental e histórica)e, ao
mesmo tempo, artística.
123
Como se pode comprovar, no Volume 1, da Coleção de Sargentim
destinado aos alunos da primeira série, não há nenhum texto fotográfico; no
Volume 2, a presença da fotografia de um cosmonauta ilustra a entrevista realizada
pela “Folhinha” ( Folha de São Paulo, 08/11/97), ao cosmonauta russo Aleksander
Serebrov, que passou um ano e meio no espaço e transcrevemos a seguir:
FIGURA 35 – Texto: A Terra é o melhor lugar para o homem
Fonte: Sargentim, 2001, p. 140.
124
Esta é a única fotografia inserida pelo autor no volume didático
mencionado acima, na unidade 4, destinada ao estudo do Jornal; apresenta grande
luminosidade, que poderia ser explorada numa leitura específica de sua linguagem
técnica e artística, o que não ocorreu. Acima da fotografia, o título: “A TERRA é o
melhor lugar para o homem”, completa o processo comunicativo da linguagem
fotográfica e introduz o leitor no universo temático da entrevista, na qual o
cosmonauta Aleksander, após sua experiência no espaço, afirma que “o ser humano
precisa viver bem na Terra”.
As reflexões que o texto fotográfico possibilita não são mencionadas;
as atividades voltam-se exclusivamente ao estudo da entrevista, como se a
fotografia não fizesse parte do contexto. Assim, a metodologia utilizada na
exploração do texto fotográfico citado, deixa claro o equívoco didático e a
desvalorização do material visual como objeto de ensino de uma leitura ideal de
todas as linguagens e não só da linguagem escrita /oral (entrevista).
Também em nosso trabalho de análise do texto fotográfico,
encontramos, no Volume 3 da Coleção, a fotografia de um Ipê amarelo florido, cuja
função é também unicamente a de ilustrar a página 117, para o estudo da “Sílaba”,
colocando em evidência a palavra “árvore”. O autor didático não leva em conta a
combinação sígnica utilizada na “linguagem mítica da fotografia publicitária”:
[...] na linguagem mítica da fotografia publicitária, o significado envolve uma
extensão de formas roubadas de outros discursos, parciais mas
extremamente ricas para a constituição final do conteúdo. E, como
receptores deste conteúdo plurissígnico, cabe a nós a decifração da fala
roubada e depois restituída ou integrada no objeto cultural construído.
(TREVIZAN, 2002a, p. 100)
125
FIGURA 36 – Regras da Língua
Fonte: Sargentim, 2001, p. 117.
A coloração amarela das flores do ipê (um signo muito forte nessa
fotografia) cruza-se com a luz do sol e salta aos olhos do leitor, impedindo-o de virar
a página sem que observemos mais atentamente. A beleza dessa árvore, símbolo
de brasilidade, em contraste com arbustos verdes, próximos a ela e no fundo,
126
infelizmente, não foi objeto de leitura do autor didático e de exploração dos sentidos
de tradução do contraste entre um espaço físico seco com vegetação rasteira e um
espaço prodigioso de luz e produtividade. O autor não considerou a importância da
leitura desses signos que nos motivam à reflexão mais demorada sobre a
mensagem conotativa da foto.
No alto da página, os versos: “Se cortarem todas as árvores, onde é
que os pássaros vão morar?” completam um contexto (ainda que se apresente de
forma sutil nesta página do livro) de produção social de significação. A árvore, única
na foto, ergue-se majestosa como se festejasse o fato de ter resistido ao
desmatamento.
No entanto, fotografia e versos são utilizados unicamente para o ensino
gramatical de Divisão Silábica; nenhuma atividade foi proposta com o fim de instigar
o aluno a perceber o projeto comunicativo implícito.
Ainda no estudo do Volume 3 da Coleção de Sargentim (p. 175)
encontramos a fotografia do goleiro do São Paulo Futebol Clube, durante o treino no
CT da Barra Funda; foto de autoria de Luiz C Murauskas- Folha “Imagem Ilustrada”,
inserida ao lado da reprodução da entrevista feita pela “Folhinha” (Folha de São
Paulo, de 26/07/97) com o jogador Rogério Ceni, com 24 anos de idade naquela
época.
A transcrição da fotografia seguida do texto jornalístico pode ser vista e
analisada na página seguinte:
127
FIGURA 37 – Texto: O goleiro que bate faltas
Fonte: Sargentim, 2001, p. 175.
O fotógrafo registrou o exato momento em que o goleiro pula para o
lado esquerdo, com a finalidade de segurar a bola e evitar o gol do time adversário.
Além de precisar o momento, não há qualquer sombra que atrapalhe a visão da
imagem registrada, e as pessoas (dois homens) que estavam ao fundo (segundo
128
plano) ficaram na foto com a imagem embaçada, o que garante a localização
centrada na imagem do goleiro, no momento da defesa.
Embora não haja qualquer referência à fotografia na introdução ou nos
exercícios de interpretação do texto, a ilustração compõe o processo comunicativo
que se estabelece entre os signos verbais e não-verbais. No entanto, o autor
utilizou-se desse texto fotográfico para, unicamente, ilustrar o texto estudado.
Também no quarto Volume da Coleção, à página 148, encontramos
duas fotos; uma ao lado da outra. A primeira registrou o que sobrou de uma casa
que desmoronou junto com o barranco de um rio com vegetação densa ao seu
redor; e a segunda registrou um mutirão de pessoas trabalhando com tijolos e
cimento, provavelmente na construção de casas.
Na primeira foto, as paredes poucas que sobraram da casa, totalmente
destelhada, não representam nem metade da construção e estão prestes a desabar,
e, o céu, escuro, indica que vai continuar chovendo. O rio, também escuro, parece
estar muito sujo em função dos deslizamentos da terra às suas margens.
A segunda foto sugere o recomeço da construção, num dia ensolarado,
da família vítima do desmoronamento; sugere o trabalho na construção de uma casa
nova, em outro local onde não haja riscos, com a ajuda de outras pessoas,
provavelmente familiares e amigos, sob forma de mutirão.
O autor didático não realiza ou propõe a leitura dos textos fotográficos
citados; não faz nenhum comentário referente ao jogo de cores (claro/escuro)
existentes em cada uma das fotografias; limita-se a propor um exercício para o aluno
construir uma frase jornalística, informando o que aconteceu.
129
FIGURA 38 – Montagem do texto
Fonte: Sargentim, 2001, p. 148.
Não há no livro, nenhum texto ou indício que contextualize qualquer
uma das fotos, uma vez que elas devem servir de temática para a construção da
frase jornalística.
Assim, constatamos que o texto fotográfico, pouco utilizado, exerce, na
Coleção em estudo, função meramente ilustrativa. Este fato nos faz refletir sobre a
observação feita por Trevizan (2002a, p. 99) em relação à leitura da fotografia:
130
O observador de uma foto deve, portanto, estar sempre atento às surpresas
que lhe são preparadas por um fotógrafo experiente. No fundo, toda
fotografia estigmatiza valores e, ao mesmo tempo, lhes subverte a natureza,
exigindo do receptor, o reconhecimento de sua qualidade pensativa.
3.5.5 Texto publicitário e pictórico
Para efetuarmos a análise dos procedimentos metodológicos utilizados
por Sargentim para a prática de leitura do texto pictórico e do texto publicitário,
selecionamos alguns modelos inseridos em cada volume da Coleção analisada.
No primeiro Volume (p. 98), localizamos a reprodução de uma obra de
arte: Roda (de Milton Dacosta, 1942. Óleo sobre tela).
FIGURA 39 – Roda
Fonte: Sargentim, p. 98, 2001.
131
No roteiro de abordagem metodológica deste texto pictórico, proposto
no livro didático de Sargentim, as duas únicas questões referentes à linguagem de
pintura são as de número 09 e número 10. As oito primeiras questões fazem parte
do mesmo roteiro de trabalho, mas referem-se ao texto poético Itororó que inicia o
estudo da unidade e apresentam um estudo pautado em definições de verso,
estrofe, rima e o sentido literal da palavra Itororó, título do poema.
Embora o autor tivesse pretendido realizar uma proposta de trabalho
intertextual, a intertextualidade não se efetiva, como também a leitura da obra de
Dacosta também não é realizada, pois as questões propostas, referentes à sua
pintura, são totalmente superficiais. A biografia do artista plástico, tão importante
para a leitura de sua obra, não foi mencionada. Os signos não-verbais (cor e forma)
que compõem a obra não são comentados ou mencionados; o autor não destaca o
uso estratégico das cores e a intencionalidade das linhas retas utilizadas na pintura,
que, por sua vez, não é explorada como jogo de signos que estabelece o diálogo
texto leitor/ contexto.
Na unidade 4 (destinada ao estudo do jornal), também no Volume 1 da
Coleção Didática, após o estudo de um texto de propaganda, veiculada e divulgada
em revista, com a finalidade de manter a natureza limpa e despoluída, o autor
apresenta no tópico “ Texto Oral” da unidade do livro didático, uma pintura: Cabra-
cega, de Orlando Teruz, 1980. Óleo sobre tela 81 x 100 cm., cujo tema (brincadeira
de infância) não compõe, juntamente com o texto de propaganda estudado, um
trabalho de intertextualidade; a obra é utilizada unicamente como proposta de
desenvolvimento a oralidade do aluno. Não consta, nesta unidade, o estudo das
características do pintor, bem como dados importantes de sua biografia que
exerceram influência em sua obra. Embora as questões sejam coerentes, são
superficiais: não instigam o leitor à reflexão sobre a temática da obra, como também
não promovem um estudo sobre a importância das cores e das formas no processo
comunicativo da linguagem pictórica. Observemos a transcrição deste conteúdo do
livro didático:
132
FIGURA 40 – Texto Oral
Fonte: Sargentim, 2001, p. 154.
Sargentim não propõe um estudo que estabeleça a relação entre os
signos, o leitor e o contexto; um diálogo que conduza ao desvendamento da
mensagem não-verbal. O jogo de “sombra” e “luz”, as formas de expressão poética
da tela, o movimento implícito nas imagens, nada é sugerido pelo autor do material
de leitura da tela.
Dando continuidade ao nosso estudo, verificamos a presença de outra
obra de arte, no Volume 3 desta Coleção (p. 141), intitulada Abstração, de autoria
133
de Manabu Mabe, apresentada numa proposta de intertextualidade com o poema
“Caixa de lápis de cor” de Vânia Amarante, extraída da obra Quarto de costura.
Belo Horizonte, Miguilim, 1991.
FIGURA 41 – Manabu Mabe
Fonte: Sargentim, p. 141, 2001.
Apresentamos, aqui, tão somente, as questões referentes ao texto
pictórico, pois as demais questões já foram analisadas anteriormente, quando
tratamos da metodologia de Sargentim, proposta no livro didático, para estudo da
134
poesia. Para análise desse texto pictórico, a primeira atividade do item
“Desmontagem do texto” volta-se para o estudo da diferença entre texto verbal e
não-verbal. Nas duas últimas questões (05 e 06), o autor didático define o que é
pintura abstrata e questiona o aluno sobre o que a pintura o faz imaginar.
FIGURA 42 – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim, p. 144, 2001.
Sargentim não ressalta a natureza dialógica dos signos utilizados na
composição da obra como elementos de interação entre autor, contexto e leitor;
portanto, a leitura completa deste modelo não se realiza. Embora as questões
sugiram uma interpretação mais detalhada, o autor não promoveu uma leitura mais
atenta à funcionalidade significativa das cores e formas da obra; como também não
apresenta o estudo biográfico e profissional do pintor que possa esclarecer o
contexto de criação da obra.
No mesmo livro (Volume 3), à página 207, sob o pretexto de ensinar
“propaganda” e “bilhete” aos alunos, há um “cartaz” (figurativo) de propaganda da
135
Borracha Mágica. Com um considerável nível de criatividade, o autor utiliza-se de
signos que chamam a atenção do público consumidor (alunos) desse tipo de
produto: borracha.
FIGURA 43 – Borracha Mágica
Fonte: Sargentim, p. 207, 2001.
No entanto, o grau de artisticidade do texto criado não é explorado pelo
autor da Coleção, que propõe, em “Desmontagem do texto”, a identificação do
objetivo da propaganda; a descoberta do sentido literal das palavras e a percepção
de um modelo incorreto de bilhete. De fato, Sargentim não leva em conta que
[...] todo trabalho de construção do diálogo dos signos no texto constitui um
projeto comunicativo, sempre à espera de um leitor que complete o ato
criador, (re)conhecendo a significação convencional e, ao mesmo tempo,
inaugural do objeto criado. (TREVIZAN, 2002a, p. 63)
136
Enfim, o autor didático só se preocupa com o entendimento do
conteúdo escrito do material, não atentando para as estratégias específicas de
construção do texto publicitário.
É o que podemos confirmar, ao observarmos as atividades inscritas no
segmento textual transcrito:
FIGURA 44 – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim, p. 208, 2001.
137
Em “Estilo”, o autor propõe, novamente, atividades referentes ao
sentido literal das palavras e incentiva a reescrita de frases, como podemos
comprovar pelas atividades sugeridas na transcrição seguinte:
FIGURA 44a – Desmontagem do texto
Fonte: Sargentim, 2001, p. 209.
Assim, podemos afirmar que a leitura da propaganda também não
proposta para os alunos; o referido cartaz, modelo de linguagem não-verbal, foi
utilizado como pretexto para o ensino de Bilhete (linguagem verbal). O alerta
implícito na cor amarelada da mesa, o humor contido no bilhete corrigido com a
138
borracha mágica, a paródia de um texto já utilizado em propagandas de outro tipo de
produto (cigarro), a frase que lembra uma brincadeira infantil, juntos, formam um
jogo estratégico de signos verbais e não-verbais organizados para seduzir o
consumidor e estes não foram explorados nas atividades de leitura propostas pelo
autor didático, sobre o texto da propaganda. Trevizan (2002a, p. 57) fala da
linguagem utilizada no texto publicitário:
[...] este cruzamento de sistemas simbólicos (lingüístico, fotográfico, das
cores...) atesta, por si só, a eficácia do projeto comunicativo da publicidade,
expondo, ao mesmo tempo, a complexidade da natureza dialógica dos seus
signos.
Infelizmente, a Coleção Didática analisada não propõe o ensino da
leitura do texto fotográfico, valorizando a linguagem verbal em detrimento da
linguagem não-verbal. No que se refere ao texto pictórico (pintura), propõe uma
leitura superficial da obra de arte, desconsiderando o jogo dos signos não-verbais
intencionalmente utilizados pelo autor para a composição da mensagem veiculada
pela linguagem pictórica.
139
4 CONFRONTOS ENTRE OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA E OS
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS INSCRITOS NA METODOLOGIA DA COLEÇÃO
DIDÁTICA SUGERIDA PARA A PRÁTICA DE LEITURA DE TEXTOS DIVERSOS
Pela análise efetuada no capítulo anterior, podemos afirmar que a
Coleção Didática de Sargentim, objeto de estudo crítico dessa pesquisa, embora
ofereça ao aluno o contato com diversos tipos de texto que circulam socialmente,
não trata a língua como fato social e sim como mero conjunto de regras lingüísticas.
Também introduz um conceito de linguagem distante da noção de representação
social e regulação do pensamento e da ação. Nega, pelas próprias atividades
propostas, que a linguagem seja um instrumento que possibilite comunicar idéias,
pensamentos e intenções de diversas naturezas e que, desse modo, influencie o
outro e estabeleça relações interpessoais.
Sargentim, nessa Coleção em estudo, se utiliza de uma metodologia
que impossibilita uma forma mediadora de representação da realidade. Os estudos
de textos propostos não conduzem o discente ao vínculo da linguagem com a
situação concreta da qual o texto emerge. Sabemos que só é possível compreender
o modo de funcionamento da linguagem no interior da própria linguagem; no
entanto, as atividades apresentadas aos alunos leitores dessa Coleção distanciam
os mesmos da compreensão do processo textual.
A comunicação entre as pessoas ocorre a partir da construção de
novos modos de compreender o mundo, das novas representações construídas
sobre o mundo.
É missão do Ensino Fundamental iniciar a criança no processo de
alfabetização, no processo da leitura, viabilizando seu acesso ao universo dos
variados tipos de textos, ensinando-a a produzi-los e a interpretá-los. E deve fazê-lo
utilizando um livro didático adequado, porque, além de permear a construção de
conhecimentos em todas as áreas curriculares, a leitura e a escrita estão
relacionadas com o desenvolvimento de várias competências específicas.
No entanto, na Coleção Didática de Sargentim, ofertada às quatro
primeiras séries do Ensino Fundamental, ocorre o que Trevizan (1998, p.36)
denomina “concepção redutora de texto verbal”, pois o autor considera o texto uma
140
“estrutura meramente lingüística” e trata-o sob a ótica da “relação simplista de
significantes e significados organizados gramaticalmente”.
E mais ainda, esse tipo de texto recebe do autor um tratamento
metodológico de natureza limitada, pois propõe atividades de leitura centradas no
reconhecimento mecanicista das relações gramaticais dos signos e desses com os
conteúdos literais da língua. Portanto, o autor da Coleção Didática em estudo, nos
exercícios propostos ao leitor infantil, não contempla o uso social dos signos que
estabelece as relações necessárias entre a concepção de texto e a concepção de
mundo.
Sendo assim, no que tange à metodologia utilizada para o ensino de
textos, Sargentim não considerou na “organização conceptual” do seu trabalho
didático, a prática social e interativa da linguagem, capaz de levar o aluno à reflexão
crítica sobre o homem e o contexto social. O estudo proposto por ele para a
interpretação dos textos acaba impedindo a formação de leitores completos.
O sentido do texto na Coleção estudada, é centrado apenas na sua
literalidade, na substituição mecanicista de palavras, sem estabelecer relações de
natureza sócio-ideológica. Também a utilização de textos direcionados unicamente
para o ensino da gramática confirma a ausência da dimensão sócio-ideológica na
metodologia do autor proposta para a recepção textual.
Não se encontram, no livro analisado, textos exclusivamente de função
utilitário-pedagógica, com ênfase na fixação mecânica das famílias silábicas,
constituídas de unidades gramaticais isoladas, vazias de relação de sentido, como
ocorriam em muitas cartilhas que circulavam nas escolas até algum tempo, o que
constitui um avanço, mas a compreensão do texto não é proposta como forma de
reconhecimento do texto como uma unidade significativa global, que envolve o
contexto social. Sargentim chega a propor um trabalho intertextual, mas entende
intertextualidade como apenas uma relação temática entre os textos; não propõe
atividades adequadas ao reconhecimento de que um texto é de natureza
intertextual, isto é, nasce do outro, mas sempre constitui um ato inaugural em
relação ao texto de origem.
Apresenta considerável variedade de tipos de textos, mas o estudo
proposto para eles é limitado, padronizado, restringindo-se à leitura do conteúdo
literal, não valorizando a dinâmica comunicacional dos modelos selecionados para a
leitura intertextual dos alunos..
141
A linguagem, expressada pelos mais diferentes gêneros, é sempre
uma forma de ação interindividual, orientada para uma finalidade específica, um
processo de interlocução que ocorre no interior dos diferentes grupos de uma
sociedade, nos diversos momentos de sua história. Por meio dela, as pessoas
entendem e interpretam a realidade e a si mesmas.
No entanto, na Coleção Didática analisada, o estudo da linguagem (a
leitura) é feito sob o enfoque puramente lingüístico, que, por sua vez, não garante
ao aluno o domínio da língua como instrumento de realização da verdadeira
comunicação, que possa garantir o acesso à informação. Dessa forma, o aluno não
aprende linguagem como meio de construir seu próprio conhecimento e o
conhecimento do mundo, e a leitura não se faz uma reconstrução da escrita.
A metodologia utilizada em toda Coleção Didática apóia-se na simples
organização seqüencial de atividades propostas para cumprir o conteúdo
programado. O autor didático concebe a língua escrita como código, neutralizando a
concepção de linguagem como sistema de signos históricos e sociais que
possibilitam dar sentido ao mundo, à realidade que nos cerca.
A instituição educacional não pode perder de vista o fato de que a
preparação do leitor passa pela adoção de um comportamento em que a leitura
deixe de ser uma atividade gratuita, ocasional, para fazer parte do cotidiano de cada
sujeito como necessidade fundamental. Assim, alfabetizar é possibilitar aos alunos
não só o domínio de um código, mas sobretudo o reconhecimento de que o texto
lido é representação simbólica do vivido.
A importância e o valor dos usos da linguagem são determinados
historicamente e, a cada momento histórico, exigem-se níveis mais profundos de
leitura. Atualmente, se exigem níveis de leitura superiores aos que satisfizeram as
demandas sociais até bem pouco tempo atrás – e tudo indica que essa exigência
tende a ser crescente. Para a escola, como espaço institucional de acesso ao
conhecimento, a necessidade de atender a essa demanda implica uma revisão
substantiva das práticas de ensino que tratam a língua como sistema de regras,
desvinculado dos usuários e dos contextos a que pertencem, bem como a
constituição de práticas que possibilitem ao aluno aprender linguagem a partir da
diversidade de textos que circulam socialmente.
Cabe, portanto, à escola, viabilizar o acesso do aluno ao universo dos
textos que circulam no contexto social. Isso inclui os textos das diferentes
142
disciplinas, com os quais o aluno se defronta sistematicamente no cotidiano escolar
e, mesmo assim, não consegue manejar, pois não há um trabalho planejado com
essa finalidade. Um exemplo: nas aulas de Língua Portuguesa, não se ensina a
trabalhar com textos expositivos como os das áreas de História, Geografia e
Ciências Naturais; e nessas aulas também não, pois considera-se que trabalhar com
textos é uma atividade especifica da área de Língua Portuguesa. Em conseqüência,
o aluno não se torna capaz de utilizar textos, cuja finalidade seja compreender um
conceito, apresentar uma informação nova, descrever um problema, comparar
diferentes pontos de vista, argumentar a favor ou contra uma determinada hipótese
ou teoria. E essa capacidade, que permite o acesso à informação escrita com
autonomia, é condição para o bom aprendizado, pois dela depende a possibilidade
de aprender os diferentes conteúdos. Por isso, todas as disciplinas têm a
responsabilidade de utilizar os textos de que fazem uso, mas é a de Língua
Portuguesa que deve tomar o papel de fazê-lo de modo mais sistemático. A Coleção
Didática de Sargentim não contempla essa prática mais ampla de leitura.
Instrumento de prática social, a leitura é essencial em qualquer área do
conhecimento, e nos meios acadêmicos, está também relacionada com o sucesso
econômico e social, uma vez que possibilita a promoção dos indivíduos.
Dessa forma, o livro didático precisa incentivar, promover e ensinar a
leitura. Para tanto, precisa ser um desafio interessante e não um instrumento de
atividades de repetição e de mecanização.
A Coleção Didática de Sargentim, ao propor questões para o
entendimento do texto, que servem apenas para identificar e fazer tradução literal de
palavras e estudar a estrutura do texto, impossibilita integrar a “vivência interior” do
aluno com a sua “vivência exterior objetiva” de que fala Bakhtin (1989).
Ao responder às questões de interpretação ali propostas, o aluno
limita-se à superficialidade do texto, sem necessidade de refletir e iniciar o processo
de reconhecimento de que um signo gera outros signos novos; não aprende,
portanto, a fazer relações do conteúdo do texto estudado com as manifestações e
vivências da realidade; não identifica o implícito contido no que está explícito; não lê
nas entrelinhas.
Bakhtin (1995, p. 34) comenta a compreensão: define-a como “uma
resposta a um signo por meio de signos”, ou seja, é uma cadeia de criatividade e de
compreensão ideológicas. “Os signos surgem a partir da inter-relação de uma
143
consciência individual e outra, mas a consciência só se torna consciência se
carregada de conteúdo ideológico (semiótico) e consequentemente, somente no
processo de interação social” – afirma o autor.
Quando o aluno aprende a reconhecer a natureza real (semiótica e
ideológica) da linguagem, estabelece relações entre o seu pensamento e o contexto
social e a palavra passa a ser identificada por ele como instrumento fundamental da
comunicação na vida cotidiana.
Essa percepção enriquece seu conhecimento, pois acrescenta ao que
já sabe, todos os conhecimentos novos adquiridos. Dessa forma, aprende a utilizar a
palavra para comunicar-se (e comunicar-se bem), permitindo-se, inclusive, como
instrumento de ascensão social.
Para compreender a palavra como instrumento da consciência (meio
pelo qual aprendemos e construímos nosso conhecimento, e portanto, conduzimos
nossa maneira de pensar e agir), é preciso analisá-la como signo social, isto é,
representante da realidade e reflexo do contexto em que foi utilizada.
É por meio da palavra que pensamos e é através dela que nos
comunicamos com o mundo; é ela que revela, aponta e faz parte de todas as
transformações sociais; é, também, o meio pelo qual as pequenas mudanças vão se
avolumando e tomando proporção, ainda que lentamente, até finalmente,
constituírem ideologia nova e acabada; é ela o instrumento de registro das
mudanças sociais. E assim precisa ser ensinada nas escolas e concebida pelos
autores de livros didáticos.
É por meio da “vivência interior” em diálogo com a “vivência exterior”-
explica Bakhtin (1989, p. 48-49) – que “[...] se depreende a interpretação sócio-
ideológica, pois o ser humano é resultado das vivências que mantém com o exterior,
da forma como as analisa e o que delas assimila para construir seu conhecimento”.
A palavra sem sua significação não existe, e a significação, por sua
vez, é a função do signo. Assim, a atividade mental tem uma significação, não é uma
realidade totalmente interna e, portanto, deve manifestar-se no plano semiótico; em
outros termos, toda atividade mental pode tornar-se uma expressão exterior.
Para os estudos bakhtinianos, e também para Vygotsky, todo
pensamento pertence ao sistema ideológico e é subordinado a suas leis; mas
também pertence ao mesmo tempo, ao seu psiquismo, possuidor de leis específicas.
Dessa forma, todo signo, até mesmo o signo da individualidade é social (a
144
individualidade de cada sujeito é formada no meio social; sendo assim, o signo da
individualidade carrega em si o social onde se formou).
Segundo Trevizan (2002, p.11), “se a linguagem corrente, codificação
do signo no enunciado, é a representação da realidade, a linguagem artística é uma
representação dupla da realidade, dada a TRANScodificação do signo anunciado”.
Para a autora, a linguagem artística substantiva o real e, portanto, a interação do
leitor com o texto é mais intensa, sendo o responsável pelo preenchimento dos
vazios que o texto apresenta.
Assim, na leitura da poesia, afirma Trevizan (2002, p.11) deve ser
considerado “um processo dinâmico-relacional, pois a poesia “produz a
multiplicidade de acesso ao texto”, que, por sua vez, “coloca o leitor sempre em uma
nova perspectiva, oferecendo, ao final, para o leitor, uma visão global do texto”.
O texto literário é um exercício de linguagem artística criativa e não
mera cópia do real; antes, estabelece com esse último um diálogo em que os
recursos lingüísticos e a ficção misturam-se ao cotidiano dos homens.
Embora se perceba uma sensível valorização da poesia no livro
didático analisado, as questões de interpretação desse tipo de texto se restringem a
um estudo literal e estrutural do texto poético, desconsiderando-se o gênero em
questão como forma específica de conhecimento, pois ele mantém com a realidade
uma relação indireta de transformação do real no símbolo poético.
Assim, a poesia traz, em seu interior, intensas manifestações da
experiência humana e utiliza-se dos signos verbais para apropriar-se do real e
transformá-lo através do plano imaginário. É ela que abre caminhos para a reflexão
profunda sobre a existência humana, por meio do diálogo que permite estabelecer
entre leitor/texto/realidade.
A poesia não é um espaço lúdico fechado em si mesmo, mas sim, a
grande expressão da semioticidade. No entanto, a Coleção analisada, mais uma
vez, deixa a desejar no que se refere ao ensino do texto poético: as questões de
interpretação desse gênero literário não instigam o pensamento inquiridor e,
portanto, não contemplam a valorização intelectual do poema e do pensamento
mágico construído pelo ilogismo e pela arte poética.
Dessa forma, a metodologia proposta na Coleção Didática para a
abordagem da poesia, impossibilita a inserção gradativa dos educandos no mundo
adulto da reflexão, da crítica social e da própria produção poética.
145
Nessa linha conceptual, a leitura proporcionada pela metodologia do
ensino de textos, inscrita na Coleção de Sargentim, restringe-se à decodificação
sonora dos sinais gráficos e à repetição e mecanização de sentidos literais da
poesia. Descontextualizada, impossibilita ao educando o desenvolvimento de sua
capacidade de ler também o que não está escrito, identificando elementos implícitos
e desenvolvendo seu próprio conhecimento de mundo.
De modo geral, o autor trata a leitura como hábito natural e
incorporado, que não depende de problematização e reflexão e sua prática
metodológica de leitura se contrapõe à leitura como instrumento de prática social,
essencial em qualquer área do conhecimento. A Coleção Didática desenvolve uma
leitura que não instiga, no aluno, a capacidade de estabelecer relações entre o que
lê e os textos que já leu; a capacidade de justificar e validar sua leitura a partir da
localização dos elementos discursivos e sociais; de posicionar-se de maneira crítica,
responsável e construtiva nas diferentes situações sociais; de compreender a
cidadania como participação social e política; de perceber-se integrante, dependente
e agente transformador do meio em que vive; enfim, de ser um cidadão crítico e
participativo.
Sob a ótica bakhtiniana, a poesia deve ser oferecida aos alunos como
meio para apreender o mundo presente, no dinamismo da arte e da vida. A
produção poética, na concepção semioticista, é reveladora de idéias resultantes da
soma da linguagem poética com a profundidade da experiência humana.
Na análise feita da Coleção Didática de Sargentim, observamos que a
poesia não é apresentada como um tipo de texto específico que permite ao leitor
que utilize sua criatividade na produção de sentidos, tanto para o texto como para a
vida, conforme propõe Trevizan (1998). As questões nele apresentadas, por serem
pouco significativas, não garantem uma leitura da coerência interna dos modelos
lidos. Apresentam atividades cujas respostas se mostram óbvias e não fomentam
uma leitura de qualidade, através da qual o texto possa revelar sua estética; não
favorecem o reconhecimento do sentido global do texto poético como eixo de
recriação da realidade.
Segundo Trevizan (1998), um material poético de qualidade confirma
seu lugar na sociedade como revelação de idéias, resultante da fusão da
essencialidade da linguagem poética com a profundidade da experiência humana. A
146
poesia propõe um distanciamento ideal da realidade para um redimensionamento
posterior da mesma.
Dessa forma, o livro didático deveria trabalhar a poesia infantil levando
a criança a aprender, aos poucos, a redescobrir o mundo presente no dinamismo da
arte e da vida, fazendo-a identificar na imagem visual da poesia, informações sobre
a existência humana.
Quanto às propostas metodológicas de leituras dos cartazes, das
ilustrações, de fotografias e reproduções de obras (textos pictóricos ou publicitários)
o autor da Coleção Didática mantém a prática simplista de uma leitura literal em
lugar da leitura semiótica, desconsiderando, portanto, o conteúdo ideológico das
palavras e das imagens que compõem a mensagem textual.
É de Bakhtin (1995, p.119) a afirmação de que “a ideologia do cotidiano
é o fundamento das demais ideologias. Os sistemas ideológicos da moral social, da
ciência, da arte e da religião formam-se a partir dela e nela exercem influência”.
Assim sendo, é inadmissível não levar em conta o conteúdo ideológico ao se
produzir ou estudar uma linguagem independentemente da natureza do texto.
Concluímos, então, que, o livro didático analisado não contribui para a
formação de um leitor mais completo e crítico. Antes, depõe contra a leitura
produtiva, propondo atividades que não exploram a estética e a magia da palavra
como instrumento para envolver o pequeno leitor nas relações do texto com sua vida
e com o mundo: restringe, tolhe e limita os horizontes que uma leitura semiótica
poderia apresentar ao leitor, permitindo-lhe a descoberta e a reinvenção da
realidade. A compreensão do aluno, assim tão limitada, estabelece barreiras ao seu
potencial interpretativo e, conseqüentemente, inibe sua capacidade criadora.
A necessidade de uma leitura completa não se restringe, pois, apenas
ao texto verbal; igualmente importante é a leitura dos códigos não verbais: da
imagem, das cores, da dimensão das formas, dos movimentos, que constituem
signos utilizados para produzirem diferentes efeitos sociais de sentidos.
No mundo atual, em que as palavras, as cores, as formas são
utilizadas abundantemente e de forma criativa para nos atingirem e modelarem
nossos pensamentos e nossas ações, é imprescindível que saibamos fazer leitura
critica não somente da palavra escrita, mas também da linguagem visual.
147
Cabe ao leitor entender, compreender e interpretar a mensagem
proposta pelo autor e desvendar os mecanismos estéticos e ideológicos utilizados na
construção das diferentes linguagens.
Já afirmamos que é missão da escola ensinar essa concepção mais
abrangente de leitura de textos (verbal e não verbal). Os signos devem ser
ensinados como formas de relações e interações complexas e profundas com a
realidade, numa perspectiva contextual e histórico-social, como nos orientam os
pressupostos teóricos de Bakhtin e de Vygotsky.
Para tornar-se apto a efetuar o complexo ato de ler os signos, o leitor
deve adquirir elementos que o capacitem a realizar o processamento dos elementos
(palavras, imagens e outros signos) que compõem o texto, avaliando a mensagem
do material lido, de modo contextualizado. Deve reconhecer, no percurso de
descoberta dos mecanismos estratégicos de produção das mensagens de um texto,
o conteúdo ideológico implícito. Os signos exercem papel de persuasão e sedução
do leitor, que deve, então, posicionar-se de forma contrária ou favorável à ideologia
veiculada. Deste modo, ao leitor não assiste total liberdade de interpretação dos
textos, pois isto implicaria a negação do conteúdo ideológico e comunicacional, bem
como da natureza discursiva da linguagem, como informam os estudos bakhtinianos,
revistos para o desenvolvimento da pesquisa.
Há que se levar em conta a natureza triádica da linguagem. Trevizan
(2002a, p. 35) afirma:
[...] uma teoria da leitura deve envolver necessariamente reflexões sobre a
natureza triádica da linguagem, constituída do elemento produtor (autor ),
da matéria produzida (texto) e do sujeito receptor (leitor), qualquer que seja
a modalidade, desta linguagem (a jornalística a literária a fílmica, a
publicitária...).
De acordo com a autora, o que existe, na realidade, são leituras mais e
menos completas, de acordo com os conhecimentos prévios de cada leitor. A leitura
completa pressupõe leitor e autor sintonizados no mesmo universo cultural; só assim
se realiza o diálogo efetivo entre leitor, autor e texto, capaz de garantir o sentido
integral da mensagem.
A leitura completa realiza-se, portanto, conforme a teoria de Stierle
inscrita nos estudos de Trevizan (2002a, p. 37), da seguinte forma:
148
[...] além da apreensão da perspectiva do texto em si mesmo (movimento
horizontal da leitura delineado na relação dialógica do leitor com os signos
do texto) também a captação da perspectiva do texto no sistema
(movimento vertical da leitura, traçado na relação dialógica do leitor com
os elementos extra-textuais, ou seja, os códigos (convenções sociais e
literárias ativadas textualmente).
Quando o receptor não reconhece os códigos utilizados no texto
artístico e/ou literário e desconhece os dados referentes à vida do autor e sua obra,
pode tornar sua leitura excessivamente frágil. Nesse sentido, realiza, no momento da
recepção, uma redução da carga significativa do texto, pois a leitura parte da
experiência pessoal do leitor.
O aluno deve aprender a dialogar com os signos para identificar o seu
significado na totalidade e a coerência interna das partes de um texto,
reconhecendo, no emaranhado de elementos sígnicos, um exercício de leitura do
mundo. Deve aprender a reconhecer neles (signos) um mundo simbólico e profundo
de revelação da realidade humana. .
O leitor lê somente o que lhe é possível; se não entende o texto como
unidade significativa constituída de partes e desconhece o contexto social
(enfatizado pelas teorias semioticistas) como elemento determinante do sentido final
do texto, sua interpretação é distorcida.
De acordo com as teorias de Bakhtin (1995) e de Vygotsky (1989), não
se deve ignorar a interação dinâmica existente entre texto e contexto, pois é
reveladora da dinâmica da inter-relação social dos indivíduos na comunicação
ideológica. Por isso, o signo é, por natureza vivo e móvel: plurivalente. Não são as
formas gramaticais estáveis que provocam a evolução da língua, mas a realização
estilística e a modificação das formas abstratas da língua, de caráter individual
desta enunciação.
Os autores citados enfatizam que a interação verbal é a realidade
fundamental da língua, pois a verdadeira substância da língua não é constituída por
um sistema abstrato de formas lingüísticas, nem pela enunciação monológica
isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social
da interação verbal realizada através da enunciação ou das enunciações.
A mistura de diferentes tipos de signos (palavra, imagem, cores,
formas, movimentos...) comprova a eficácia da comunicabilidade do texto
publicitário. Ao mesmo tempo, expõe a natureza dialógica desses sistemas
149
simbólicos que fazem uso de recursos estratégicos para causarem impacto nos
leitores, com o intuito de instigar-lhes a curiosidade e o interesse pela mensagem.
Cabe aos leitores a competência da identificação cultural desses
recursos ativados na produção textual e a capacidade de reconhecer a
funcionalidade de todos os signos na construção de cartazes, ilustrações, bem como
a complexibilidade ou não da ótica da matéria (capa de uma revista, por exemplo)
onde palavras, cores e fotografia constituem um interdiscurso à disposição dos
leitores para uma apreensão crítica da mensagem implícita.
Palavras são utilizadas na função conotativa da Publicidade com o
objetivo de intensificar o teor ideológico do projeto comunicativo de envolvimento do
leitor. Na publicidade, o jogo das relações entre os signos é intenso, pois esta
modalidade de texto utiliza-se de vários sistemas semióticos que têm, por objetivo
fundamental, induzir grandes parcelas da população a determinado comportamento
manipulando desejos e vontades.
Para Trevizan (2002), o leitor precisa, portanto, aprender a estar atento
à organização dos símbolos utilizados na constituição dos complexos jogos de
sedução, descobrindo-lhes a funcionalidade informativa, artística, ideológica e
persuasiva.
O texto fotográfico e o pictórico ocupam lugar de destaque em nossa
vida diária, num forte apelo de convencimento e sedução. Revistas, jornais e
outdoors utilizam-se das potencialidades comunicativas, informativas e artísticas
dessas modalidades textuais, sobretudo da fotográfica. Sua dimensão documental,
enquanto reflexo ou espelho do real, e sua proximidade com a arte faz desta
linguagem visual um material muito rico de leitura. A fotografia artística é capaz de
revelar, através do jogo de cores e luzes, uma mensagem objetiva, até sem qualquer
recurso lingüístico. Ela constitui um tipo de texto formado de dupla significação da
linguagem: a conotativa e a denotativa.
Portanto, Trevizan (2002) afirma que a leitura de um texto fotográfico
requer a percepção da mensagem denotada (apreensão do real) e da mensagem
conotada (real recriado). A leitura desse tipo de texto requer, também,
conhecimentos técnicos a respeito dessa linguagem visual e conhecimentos
diversos que possibilitem sua contextualização e conseqüente interpretação e
compreensão da mensagem construída. É necessário, também, que o leitor aprenda
a distinção entre fotos artísticas e fotos habituais, sem qualidade artística ou
150
qualquer encanto que possa provocar deslumbramento no receptor; essas últimas
passam despercebidas e não adquirem status de objetos históricos, culturais ou
artísticos. Já as informações insinuadas no texto fotográfico artístico eternizam sua
imagem graças ao recurso da conotação, tornando-a uma linguagem autônoma.
Assim sendo, tanto o repórter fotográfico quanto o receptor devem ter
conhecimentos prévios sobre os processos de conotação da linguagem fotográfica
para efetuar as operações mentais de acréscimo de novos sentidos ao texto.
O bom leitor consegue detectar conteúdos (mensagens implícitas) nos
mecanismos estratégicos de caracterização de cada tipo específico de linguagem;
está sempre atento à natureza do conteúdo veiculado semioticamente e à ideologia
obtida em cada construção semiótica.
Considerando que a alfabetização pressupõe a aquisição da leitura e
da escrita, faz-se urgente a renovação das práticas pedagógicas atuais dos
professores e das práticas sugeridas nos livros didáticos adotados na escola pública.
Para que o aluno aprenda a ler com criticidade e escrever com autonomia, deve
aprender a dialogar com o texto, e entendê-lo como manifestação e recriação do real
e o signo, como expressão máxima de ideologia.
Embora apresente considerável variedade de tipos de textos, a coleção
didática Montagem e Desmontagem de Textos, de Hermínio Sargentim, mantém
uma relevante organização estrutural, mas o trabalho com textos limita-se a uma
leitura superficial, decodificada e desprovida de contextualização, oposta, portanto, à
concepção teórica de Bakhtin e de Vygotsky sobre a linguagem. As atividades de
interpretação propostas por Sargentim concentram-se nos aspectos periférico e
literal do texto e a proposta de produção textual segue um modelo pré-determinado.
Os resultados das avaliações do SARESP (Sistema de Avaliação do
Estado de São Paulo), desde sua primeira aplicação nas escolas da rede pública,
apontam a falta de leitura por parte de nossos alunos e, consequentemente, o baixo
índice de acerto nas provas, todos os anos.
A Década da Educação prossegue até dezembro de 2007, de acordo
com a determinação da Lei nº 9394/96, de Diretrizes Bases da Educação Nacional
(LDB). O tempo está expirando, e nossos alunos continuam com problemas de
aprendizagem de leitura.
O que fazer? Esperar por novas mudanças políticas e educacionais?
Creio não ser este o caminho mais certo. Não podemos nos contentar com a espera
151
de que as mudanças venham das instâncias governamentais. Devemos fazer a
mudança acontecer.
Não se pode, entretanto, deixar de reconhecer que o professor
necessita adotar uma metodologia diferenciada, dinâmica, rigorosa e científica, que
tenha suas bases na reflexão.
É determinante a importância do professor na construção do leitor:
Assim sendo, deve, primeiramente, desfazer-se do equívoco pedagógico que centra
a atenção somente nas falhas dos alunos e não corrige as próprias estratégias de
ensino que não estão dando certo. Segundo, deve construir sua prática pedagógica
de ensino a partir de objetivos claros, voltados para a valorização dos saberes que
as crianças já possuem. Sob essa perspectiva, não deixar de reconhecer que
existem problemas sociais amplos e relevantes que afetam diretamente a
aprendizagem e a efetiva participação e permanência do aluno na escola e conduzir
as ações para sanar tais dificuldades.
As diferenças que separam as pessoas ocorrem nos diferentes níveis:
cultural, lingüístico, social, político, econômico e ideológico. Assim, a escola deve
organizar-se em função de um ideal educativo e de luta, tal qual pregavam os
antigos filósofos, adotando práticas que valorizam a educação por seu impacto na
vida das pessoas.
Somente quando a escola atingir plenamente seu objetivo de
alfabetizar e formar o leitor crítico, será capaz de gerar uma sociedade mais justa. E
leitor crítico, competente, é aquele que traz para o significado do texto, os
significados de todos os textos que já leu; ou seja, é aquele que sabe ler nos signos
toda a sua carga ideológica.
Uma educação para a cidadania só pode ter como objetivo promover a
igualdade e não estabelecer distinções sociais. No entanto, a igualdade
comprometida com a justiça aceita a diferença, valoriza a diversidade. É
inadmissível que o livro didático sirva a determinado indivíduo ou grupo reproduzindo
sua ideologia. Deve ser, outrossim, instrumento revelador da ideologia que oprime e
debilita as camadas populares da sociedade.
A leitura é um direito básico e fundamental de todos os cidadãos e, no
entanto, as novas gerações estão cada vez mais afastadas do livro. Um bom livro
didático deve propor um trabalho de leitura de forma a abrir caminhos para a leitura
semiótica (contextualizada) e a aprendizagem significativa.
152
Entendemos que a aprendizagem significativa seja aquela capaz de
tornar o ser humano feliz, pois o conhecimento forma sua personalidade, reveste-o
de armas para a luta contra as injustiças sociais; torna-o apto a construir sua vida de
forma consciente e positiva; instrumentaliza-o para embrenhar-se na jornada da vida
em busca de uma sociedade mais humana; solidária e responsável pelo outro e pela
natureza.
Assim deve ser o livro didático para o aluno: um instrumento
indispensável na formação de competências necessárias à construção do
conhecimento do mundo. Deve, portanto, conter as características e qualidades
equivalentes às que deve formar no aluno: uma ideologia libertária, registrada por
Freire (1999), para formar um aluno livre e consciente; ter criatividade, para formar
um aluno criativo; apresentar um trabalho responsável para ensinar
responsabilidade.
Um trabalho desse porte está, com certeza, fundamentado na teoria
semiótica, no sócio-interacionismo Vygotskyniano e na teoria do signo ideológico da
Bakhtin.
A grande diversidade de textos somada ao estudo fundamentado na
teoria bakhtiniana garantirá o desabrochar de competências, pois proporciona ao
aluno o domínio sobre o conhecimento. Ainda mais: oferece meios ao aluno para
mobilizar e aplicar o conhecimento de modo pertinente à situação; para expressar-se
com clareza e objetividade em todas as situações de comunicação. Promove o saber
fazer, pois competência só pode ser construída na prática. Transpõe os limites do
ensino respaldado na memorização de conceitos abstratos e fora de contexto.
A escrita, objeto de atenção do processo de ensino-aprendizagem é o
registro do discurso oral, mas cada um possui características que lhes são próprias.
A língua complementa-se com meios não verbais (aspectos prosódicos, gestos,
etc.); no entanto, sua compreensão é contemporânea da expressão.
Um bom livro didático traz em si diversos tipos de textos que favorecem
ao aluno o contato com a cultura. Uma literatura rica, com poemas que representam
uma verdadeira “descoberta”; textos publicitários que possibilitam a percepção do
jogo de diversas linguagens utilizadas para um fim específico; e finalmente,
pictóricos, representando o real através de cores e formas inusitadas. Não faz uso
de textos para o ensino da gramática; direciona seu estudo para o uso correto da
língua em situações de comunicação (tanto escrita quanto oral). Enfatiza o sentido
153
da palavra e reconhece a linguagem como capacidade constitutiva de interação
verbal.
O trabalho interdisciplinar proposto sedimenta-se sobre o diálogo do
texto estudado com outros, que possibilita a remissão a textos passados e promove
a produção de outros tantos, com correção, coesão e coerência.
Sua fundamentação teórica e seu trabalho conceptual primam pela
valorização do ser humano, por meio de uma educação que desenvolva habilidades
para resolver problemas e engajar-se na luta pela justiça e pela igualdade.
Ao encerrar provisoriamente este trabalho, consideramos importante
ressaltar que é possível fazer do aluno da escola pública (entendendo-se aqui, todo
o alunado, de qualquer classe social), um leitor crítico e competente.
Faz-se necessário adentrar o caminho com reflexão seguida de ação,
pois o fracasso escolar não pode continuar lançando raízes. Estamos vivendo a
primeira década do século XXI e no cenário mundial ainda temos analfabetismo,
ignorância, miséria, fome, corrupção, segregação, preconceito, violência...
Precisamos nos posicionar diante destes problemas (existentes também no Brasil,
tão próximos de nós), e fazer da escola o espaço de formação de cidadãos
engajados na luta contra essas vicissitudes que desumanizam o ser humano; e do
livro didático, fazê-lo a arma potente e voraz para dizimá-las.
154
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O mundo moderno põe à disposição as novas tecnologias que
permitem acesso fácil à informação a um número cada vez maior de pessoas.
Mudaram os hábitos, as relações sociais, as idéias e as sensibilidades.
Interessa-nos, agora, saber como os significados e sentidos, a inteligência,
sociedade, cultura e educação se modificam em função das novas tecnologias. Mais
do que nunca, o cidadão precisa assumir uma atitude crítica diante delas.
Esse legado tecnológico nos traz uma enorme gama de informações e
cada informação é composta por símbolos. Cada receptor lhe atribui um significado,
de acordo com sua vivência e de acordo com os conceitos universais que possui. É
nesse sentido que reside a função primordial do professor: promover a autonomia do
aluno, ensinando-lhe a contextualizar as informações e a partir da conexão feita,
construir seu próprio conhecimento. É importante lembrar que essas informações
têm o poder de ofertar preferências intelectuais e emocionais, políticas, sociais,
conteudistas e sensoriais, como também uma particular “visão de mundo”, pronta e
acabada, que buscam, incessantemente, incutir em nossas mentes e em nosso
modo de ser.
É preciso rever a maneira de organizar o currículo e a prática da sala
de aula, assumindo uma postura pedagógica que desenvolva, no aluno, habilidades
necessárias à compreensão da informação, isto é, à capacidade de atribuir-lhe um
significado.
Inserir novas tecnologias no cotidiano escolar dos alunos requer um
preparo adequado do professor, mas o que ocorre é que a grande maioria de nossos
docentes receberam uma formação tradicional e os cursos e seminários de formação
contínua não têm muito a lhes oferecer.
Nesse cenário, convém destacar o papel do livro didático: ainda é um
importante instrumento de trabalho e deve constituir um aliado do professor. Com
certeza manterá esse status por muito tempo; não podemos negar o fascínio que ele
exerce sobre as crianças. O mais importante é que ele seja utilizado como um meio,
um material de auxílio na fixação dos conteúdos, mas não no único recurso
disponível. Não pode, porém, tornar-se mais importante do que o professor; ao
155
mestre cabe o papel de sujeito dentro da sala de aula, o livro não pode tornar-se seu
substituto ou quase.
Há também o problema referente a erros conceituais encontrados em
muitos livros didáticos e quando a disciplina é Língua Portuguesa, a
descontextualização das atividades propostas (sobretudo para a leitura de textos) é
quase sempre muito evidente e habitual.
A Coleção Didática analisada não foge a esse padrão. Embora
recomendada pelo MEC, propõe uma leitura literal dos bons textos que apresenta e
a escolha deles nem sempre é satisfatória. Assim, A Coleção Didática analisada,
embora ofereça ao aluno contato com os diversos tipos de textos, enfatiza a
gramática e a lingüística em detrimento da leitura contextualizada e ideológica dos
textos apresentados. Essa metodologia, que concebe a língua escrita como mero
código neutro, a leitura como decifração lingüístico-gramatical e a escrita como cópia
de modelos prontos, ocorre não só na Coleção estudada, mas também em outros
livros didáticos, que ainda insistem na sua utilização para a fundamentação das
práticas escolares de leitura.
A tradição dessa metodologia é conhecida desde a década de 50,
quando se ensinava gramática a pretexto da fala, da escrita, da leitura e da própria
gramática. Considerava-se que o aluno, com base única no conhecimento
sistemático das regras gramaticais, aprenderia a escrever de modo eficiente.
Os anos 60 marcaram o início de um novo sistema educacional, com
novas propostas específicas nas várias disciplinas. Mas, somente a partir dos anos
70, com o avanço das pesquisas semióticas, a dimensão pragmática do texto
passou a ser enfatizada, ao lado das outras duas dimensões já conhecidas: a
gramatical e a semântica.
No entanto, ainda hoje encontramos professores (de Língua
Portuguesa, principalmente), que, por desconhecerem a teoria semiótica, têm
cometido equívocos no ensino de textos e consideram a palavra apenas como item
de dicionário, atribuindo-lhe exclusivamente o sentido literal.
Por ser um instrumento de comunicação, a palavra é um meio de
aquisição de novos saberes e novas competências e, portanto, instrumento de
ascenção social. Entendida como instrumento da consciência, isto é, meio pelo qual
pensamos e agimos, representa a realidade e reflete o contexto onde foi idealizada.
156
Por isso a escola e o livro didático devem ensiná-la como signo social que
estabelece relações entre o pensamento e o contexto.
Não há como conhecer ou interpretar algo sem o auxílio da palavra. No
entanto, o tratamento que Sargentim (autor da Coleção Didática analisada nessa
pesquisa) dá à palavra é estritamente literal; concebe-a apenas como um
instrumento lexical de tradução de uma palavra em outra. Desconsidera o fato de
que a palavra é capaz de revelar, apontar e fazer parte de todas as transformações
sociais; que a palavra é o instrumento que permeia as pequenas mudanças sociais,
tomando proporção de ideologia nova. Ao omitir o valor ideológico da palavra, a
Coleção de Sargentim oferece ao aluno um estudo empobrecido, pois não enfoca os
efeitos de sentido da palavra contextualizada. Assim, a palavra deixa de ser
aprendida pelo aluno como signo capaz de ampliar horizontes, criar oportunidades.
É impedida de ser usada como meio de organização e arrumação das coisas,
reconstruir experimentos e recriar conceitos. Quando utilizada para o bem, é
instrumento de combate ao poder prepotente e à alienação. Muda os caminhos do
homem, levando-o à paz ou à guerra, à construção ou à destruição, ao
aprisionamento ou à liberdade. Possibilita vagar entre os sonhos e buscar a
concretização deles; criar mundos e transformar realidades, estabelecer vínculos
entre as pessoas.
Assim, o livro didático adequado deve sempre trabalhar os textos e
apresentar questões, de modo a desencadear um processo de pensamento que
desenvolva no aluno a capacidade de questionar, investigar e estabelecer relações,
tornando-se, dessa forma, senhor de seus próprios pensamentos, cidadão
responsável por seus pensamentos e desejos.
Revisão das práticas pedagógicas, formação inicial e continuada dos
professores e livros de qualidade são requisitos fundamentais sem os quais é difícil
realizar mudanças.
As tecnologias podem nos ajudar, mas nada substitui a relação
professor-aluno e o livro didático de qualidade que emancipa e conscientiza,
alertando sobre a tirania do consumismo e da ideologia dominante, contidas na
propaganda veiculada por essas maravilhosas máquinas tecnológicas.
Dessa forma, podemos verificar que a Coleção Didática analisada,
apesar do zelo na organização formal, deixa lacunas na metodologia do ensino da
leitura, pois suas atividades não fomentam a leitura crítica, contextualizada e
157
interpretativa, levando-nos a considerar que o livro didático que adota o mesmo
padrão teórico-metodológico, pode, também, apresentar os mesmos equívocos no
ensino da leitura, e portanto, na formação do leitor das séries iniciais do Ensino
Fundamental (Ciclo I).
Ao tecer essas linhas, permeando entre teorias e conceitos, buscamos
a realização de um estudo que verificasse e comprovasse a eficácia da teoria de
Bakhtin e de Vygotsky na formação do leitor crítico. Esperamos contribuir, de alguma
forma, para o trabalho do professor na luta pela democratização da qualidade do
ensino e pela formação de seres humanos cultos, felizes e humanos.
158
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