Download PDF
ads:
U
U
N
N
I
I
V
V
E
E
R
R
S
S
I
I
D
D
A
A
D
D
E
E
F
F
E
E
D
D
E
E
R
R
A
A
L
L
D
D
O
O
R
R
I
I
O
O
G
G
R
R
A
A
N
N
D
D
E
E
D
D
O
O
N
N
O
O
R
R
T
T
E
E
C
C
E
E
N
N
T
T
R
R
O
O
D
D
E
E
C
C
I
I
Ê
Ê
N
N
C
C
I
I
A
A
S
S
S
S
O
O
C
C
I
I
A
A
I
I
S
S
A
A
P
P
L
L
I
I
C
C
A
A
D
D
A
A
S
S
P
P
R
R
O
O
G
G
R
R
A
A
M
M
A
A
D
D
E
E
P
P
Ó
Ó
S
S
-
-
G
G
R
R
A
A
D
D
U
U
A
A
Ç
Ç
Ã
Ã
O
O
E
E
M
M
E
E
D
D
U
U
C
C
A
A
Ç
Ç
Ã
Ã
O
O
L
L
I
I
N
N
H
H
A
A
D
D
E
E
P
P
E
E
S
S
Q
Q
U
U
I
I
S
S
A
A
:
:
E
E
D
D
U
U
C
C
A
A
Ç
Ç
Ã
Ã
O
O
,
,
L
L
I
I
N
N
G
G
U
U
A
A
G
G
E
E
N
N
S
S
E
E
F
F
O
O
R
R
M
M
A
A
Ç
Ç
Ã
Ã
O
O
D
D
O
O
L
L
E
E
I
I
T
T
O
O
R
R
A
A
f
f
u
u
n
n
ç
ç
ã
ã
o
o
m
m
e
e
d
d
i
i
a
a
d
d
o
o
r
r
a
a
d
d
o
o
p
p
l
l
a
a
n
n
e
e
j
j
a
a
m
m
e
e
n
n
t
t
o
o
n
n
a
a
a
a
u
u
l
l
a
a
d
d
e
e
l
l
e
e
i
i
t
t
u
u
r
r
a
a
d
d
e
e
t
t
e
e
x
x
t
t
o
o
s
s
l
l
i
i
t
t
e
e
r
r
á
á
r
r
i
i
o
o
s
s
Maria Lúcia Pessoa Sampaio
Natal
2005
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
MARIA LÚCIA PESSOA SAMPAIO
A FUNÇÃO MEDIADORA DO
PLANEJAMENTO NA AULA DE
LEITURA DE TEXTOS LITERÁRIOS
Tese apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação, da
Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, para obtenção do título de
Doutora em Educação.
Orientadora: Professora Drª. Marly Amarilha
Natal
ads:
3
2005
MARIA LÚCIA PESSOA SAMPAIO
A FUNÇÃO MEDIADORA DO
PLANEJAMENTO NA AULA DE
LEITURA DE TEXTOS LITERÁRIOS
COMISSÃO JULGADORA
Professora. Drª. Marly Amarilha - UFRN
Presidente e Orientadora
Profª. Drª Maria Eliete Santiago - UFPE
Examinadora externa
Profª. Drª. Ana Cristina Marinho Lúcio – UFPB
Examinadora externa
Profª. Drª. Maria Aparecida de Queiroz - UFRN
Examinadora interna
Profª. Drª.
Márcia Maria Gurgel Ribeiro - UFRN
Examinadora interna
Natal/RN, 07 de outubro de 2005.
4
Nessa trajetória convivi “com as duas pontas da vida: a
chegada de um novo amor e a partida de outro
[tornando-
me mais forte e mais lúcida]”. Com essas palavras, Marly
antecipava a alegria de conseguir,
em tempo hábil, dedicar
esta tese, em especial, aos que fazem a Escola Estadual “4
de Setembro” pelo
privilégio da acolhida.. E ainda,
Ao Gilton, grande companheiro, À profª Marly, com quem
pelo apoio, carinho e atenção; por divido as alegrias deste trabalho
saber sonhar/realizar e pelo desejo de conduzir e o prazer de tê-la como exemplo
a todos nas asas dos seus próprios sonhos. de pesquisadora, vida afora.
A meus pais Josias e Terezinha; À Ana Lígia e Gilton Júnior,
Luiz e a Alzira
(jn memorium),
por renunciarem a preciosos
pela vida e todos os seus sentidos. momentos de convívio
.
55
Sem companhia, nem sequer teria iniciado esta viagem instigadora Sem companhia, nem sequer teria iniciado esta viagem instigadora
e nem ancorado meu barco nas pedras do cais. e nem ancorado meu barco nas pedras do cais.
Agradeço, portanto, aos co-participantes deste trabalho: Agradeço, portanto, aos co-participantes deste trabalho:
Aos amores que a vida me confiou:
Gilton, Ana Lígia e Gilton Júnior.
Aos amores que a vida me confiou:
Gilton, Ana Lígia e Gilton Júnior.
À
Marly Amarilha,
presença constante na construção do trajeto, À
Marly Amarilha,
presença constante na construção do trajeto,
firmando-me, sempre, no caminho certo a seguir
.firmando-me, sempre, no caminho certo a seguir.
A Gilton Sampaio,
leitor rigoroso, incondicional, sem direito à recusa
.A Gilton Sampaio,
leitor rigoroso, incondicional, sem direito à recusa
.
À Maura,
fada-madrinha, pelas sugestões de revisão sempre pertinentes.
À Maura,
fada-madrinha, pelas sugestões de revisão sempre pertinentes.
Aos professores exemplares, que me ajudaram a tracejar o percurso: Aos professores exemplares, que me ajudaram a tracejar o percurso:
Marly, Leiva, Bernadete, Aparecida, Denise, Adir, Assis, Márcia e Eliete.Marly, Leiva, Bernadete, Aparecida, Denise, Adir, Assis, Márcia e Eliete.
À
Cacau, Júnior e Cida, Viviane, Adriana, Luzineide e Gonçalo Neto,
amigos(as)
ocultos(as), mas atentos(as) em cuidados, na compilação dos originais
.
À
Cacau, Júnior e Cida, Viviane, Adriana, Luzineide e Gonçalo Neto,
amigos(as)
ocultos(as), mas atentos(as) em cuidados, na compilação dos originais
.
Às professoras de ontem e de hoje, companheiras de minha viagem, em especial:Às professoras de ontem e de hoje, companheiras de minha viagem, em especial:
Véscia Lésly, Tereza Cristina, Maria José e Fátima Silva. Véscia Lésly, Tereza Cristina, Maria José e Fátima Silva.
À Direção da Escola,
Edilene
e
Erquileuza
, e as Coordenadoras, por substituir as professoras
e por tudo que me foi confiado;
À Direção da Escola,
Edilene
e
Erquileuza
, e as Coordenadoras, por substituir as professoras
e por tudo que me foi confiado;
À Maria, pelos mimos e a
D.Baía
, pela adoção calorosa, em sua residência, durante a pesquisa.À Maria, pelos mimos e a
D.Baía
, pela adoção calorosa, em sua residência, durante a pesquisa.
Pela co-responsabilidade na minha formação:
Pessoa, Zé/Socorro, Cícera, Geraldo e Zeza.
Pela co-responsabilidade na minha formação:
Pessoa, Zé/Socorro, Cícera, Geraldo e Zeza.
A quem por pouco não alcançou o fim da jornada, mas muito contribuiu no meu caminhar:
Sonilda.
A Bel e Elisângela, p
ela constante ajuda e substituição nas minhas ausências, a minha gratidão.
A quem por pouco não alcançou o fim da jornada, mas muito contribuiu no meu caminhar:
Sonilda.
A Bel e Elisângela, p
ela constante ajuda e substituição nas minhas ausências, a minha gratidão.
Pelo apoio dos pares, sem os quais meus objetivos teriam sido em vão:
Edilene, Erquileuza,
Auxiliadora, Mirian, Edna, Zilmar, Luzanir, Gracinha, Luzineide, Aparecida, Gersonita,
Tarcísio, Liquinha, Nilzilene, Tetê, Regilma, Socorrinho, Rosali e Socorro.
Pelo apoio dos pares, sem os quais meus objetivos teriam sido em vão:
Edilene, Erquileuza,
Auxiliadora, Mirian, Edna, Zilmar, Luzanir, Gracinha, Luzineide, Aparecida, Gersonita,
Tarcísio, Liquinha, Nilzilene, Tetê, Regilma, Socorrinho, Rosali e Socorro.
Aos Bolsistas do NEPELC, a Secretaria do PPGEd/UFRN, Radi e Letissandra; aos Colegas de
Curso, em especial aqueles cuja amizade ultrapassa os espaços acadêmicos: Alê, Ricardo e Diva.
Ao
Departamento de Educação
– CAMEAM e à
PROPEG/UERN,
pela liberação de minhas
atividades acadêmicas e pela concessão de bolsa de estudo.
Aos Bolsistas do NEPELC, a Secretaria do PPGEd/UFRN, Radi e Letissandra; aos Colegas de
Curso, em especial aqueles cuja amizade ultrapassa os espaços acadêmicos: Alê, Ricardo e Diva.
Aos amigos(as): Evaldo/Mônica, Cida/Júnior, Ednaide, Edileuza/Alfredo, Medianeira, Leninha,
Vanja, Margarida, Débora, Valdilene, Gilberto, Fátima Diógenes, Joseney, Socorro, Lílian,
Charles [também pelo abstract], Eliete, Zefinha, Simone, Ceição, Edigleuma, Lauro, Auricélia,
Suerda, Eliana, Aldacéia, Norumberg, Neila, Iara, Marta, Liliane, Dalva, Nilson, Welligton, Roniê,
Adriana, Deny, Berê... enfim, impossível nomear a todos aqueles que de uma forma ou de outra
tornaram mais leves as pedras do meu percurso.
Ao
Departamento de Educação
– CAMEAM e à
PROPEG/UERN,
pela liberação de minhas
atividades acadêmicas e pela concessão de bolsa de estudo.
A todos os meus Amigos, Familiares,Irmãos(ãs),Cunhados(as), Tios(as), Sobrinhos(as) e
Primos(as) de laços sanguíneos ou não, por me reerguerem com palavras, afeto e amizade.
Aos amigos(as): Evaldo/Mônica, Cida/Júnior, Ednaide, Edileuza/Alfredo, Medianeira, Leninha,
Vanja, Margarida, Débora, Valdilene, Gilberto, Fátima Diógenes, Joseney, Socorro, Lílian,
Charles [também pelo abstract], Eliete, Zefinha, Simone, Ceição, Edigleuma, Lauro, Auricélia,
Suerda, Eliana, Aldacéia, Norumberg, Neila, Iara, Marta, Liliane, Dalva, Nilson, Welligton, Roniê,
Adriana, Deny, Berê... enfim, impossível nomear a todos aqueles que de uma forma ou de outra
tornaram mais leves as pedras do meu percurso.
A todos os meus Amigos, Familiares,Irmãos(ãs),Cunhados(as), Tios(as), Sobrinhos(as) e
Primos(as) de laços sanguíneos ou não, por me reerguerem com palavras, afeto e amizade.
6
A educação pela pedra
Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.
João Cabral de Melo Neto (1966)
7
SAMPAIO, Maria Lúcia Pessoa. A função mediadora do planejamento na aula de
leitura de textos literários.Tese de doutorado. Natal: UFRN, PPGEd, 2005.
RESUMO
Esta tese estuda a função mediadora do planejamento na aula de leitura de textos
literários em Língua Portuguesa. Tem-se como foco central a proposição de que os
planejamentos favorecem o trabalho pedagógico de leitura de textos literários no
ensino de Língua Portuguesa, constituindo-se em um dos instrumentos mediadores
do processo ensino-aprendizagem e possibilitando que os sujeitos desse processo
repensem a prática, teorizando-a. Adota-se como referencial teórico os pressupostos
do planejamento participativo, orientando-se, mais especificamente, pelo
planejamento dialógico. A perspectiva de ensino de língua/leitura orienta-se pela
concepção sócio-interacionista da linguagem, de modo que a leitura é vista como
atividade de compreensão e de interação. A análise do processo de leitura envolveu
a Estética da Recepção, uma vez que esta teoria considera a atuação do leitor e a
sua interação com o texto. O objetivo geral da tese é investigar a atividade de
planejamento pedagógico como instrumento mediador na prática de leitura em aulas
de Língua Portuguesa, norteando-se pela seguinte questão de pesquisa: que função
exerce o planejamento pedagógico como mediador do ensino-aprendizagem de
leitura?. Constituindo-se de três etapas de estudo, enfatiza-se, aqui, a terceira
(2002/2005), na qual utilizou-se os aportes da pesquisa-ação participativa, como
forma de conhecer o papel pedagógico do plano de aula, como instrumento capaz
de propiciar uma reorganização do processo ensino-aprendizagem de leitura. Têm-
se como participantes professores de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental (3º
ciclo), além de outros segmentos de uma escola pública, na cidade de Pau dos
Ferros – RN, cenário de estudos anteriores. O estudo evidenciou a relevância do
papel do professor, na qualidade de leitor mais experiente, ao desenvolver
estratégias pedagógicas que venham favorecer o ensino de leitura, tendo no plano
pedagógico um instrumento de reflexões teóricas e de sistematização das atividades
a serem efetivadas em sala de aula. Dentre as conclusões, destaca-se a de que o
plano como instrumento mediador ao ser incorporado e internalizado à prática
pedagógica do professor amplia e modifica suas formas de intervenção,
favorecendo, assim, a sua mediação pedagógica.
Palavras-chave: educação, ensino, leitura e planejamento pedagógico.
8
SAMPAIO, Maria Lúcia Pessoa. The mediative function in the planning of literary
text reading classes. Doctoral Dissertation. Natal: UFRN, PPGEd, 2005.
ABSTRACT
This dissertation sutdies the mediative function in the planning of literary text reading
classes of Portuguese. Its main central focus proposes that planning favors the
pedagogical reading work of literary texts in the teaching of Portuguese, for they are
regarded as one of the mediative elements the teaching-learning process. It also
allows for its subjects to rethink the practice, theorizing it. As a theoretical basis the
studies on participative planning are used, especially the studies concerning dialogic
planning. The language/literature teaching perspective adopted in this work is guided
by the socio-interactive conception of language, in a way that reading is seen as a
comprehensive and interactive activity. Given the research process, the analysis of
the reading process involved the Reader’s Response, once that this theory considers
the role of the reader and her/his interaction with the text. The study is grounded upon
the following research question: which role(s) does the pedagogical planning play as a
mediator of the reading teaching-learning process? The main objective of this
dissertation is to investigate the pedagogical planning activity as a mediative
instrument in the practice of reading in the Portuguese classes. The study is
constituted of three stages, the third being emphasized (2002/2005) in which the
direction of the participative action-research was used, as a way of acknowledging the
pedagogical role in the teaching plan, as an instrument capable of rendering
reorganization in the teaching-learning process of reading classes. We have as
participants teachers of Portuguese in the elementary school (Ensino Fundamental, 3º
ciclo), besides other segments of public schools, in the city of Pau dos Ferros – RN, in
which the previous studies were developed. The results point to the relevance in the
role of the teacher, as a more experienced reader, in developing of pedagogical
strategies that may come to favor the teaching of reading, having in the pedagogical
sphere an instrument of theoretical reflection and sistematization of activities to be
implemented in the classroom. The conclusions highlight the class plan as the
mediative instrument to be incorporated and internalized into the teaching practice,
amplifying and modifying the teacher’s intervention forms, favoring, thus, her/his
pedagogical mediation.
Key-Words: education, teaching, reading and pedagogical planning.
9
SAMPAIO, Maria Lúcia Pessoa. La fonction médiatrice de la planification dês
textes littéraires en salle de lecture. Thèse de Doctorat. Natal: UFRN, PPGEd,
2005.
RÉSUMÉ
Cette thèse étude la fonction médiatrice de la planification en salle de lecture des
textes littéraires en langue portugaise. Nous avons comme point central la
proposition des planifications qui favorisent le travail pédagogique de la lecture des
textes littéraires de l´enseignement de la Langue Portugaise. Elles se constituent
comme l´un des instruments médiateurs du processus enseignement-apprentissage
et permettent aux sujets de ce processus de reconsidérer la pratique en la théorisant.
Nous avons adopté comme référence théorique les présuppositions de la
planification participative, en s´orientant plus spécifiquement, sur la planification
dialogique. La perspective d´enseignement de la langue/lecture s´oriente sur la
conception sociointeractioniste du langage. Ainsi la lecture est vue comme une
activité de compréhension et d´interaction. L´analyse du processus de lecture s´est
basée sur l´Esthétique de la Réception, théorie qui considère l´actualisation du
lecteur et son interaction avec le texte. L´objectif général de la thèse est de
rechercher l´activité de planification pédagogique en tant qu´instrument médiateur
pour la pratique de la lecture dans des cours de Langue Portugaise. Cette recherche
étant guidée par la question suivante : quelle est la fonction de la planification
pédagogique en tant que médiateur de l´enseignement-apprentissage de lecture ?
Nous avons constitué trois étapes d´étude, priorisant ici, la troisième (2002/2005)
dans laquelle nous avons utilisé les apports de la recherche-action participative, our
connaître le rôle du plan de cours, instrument capable de favoriser une
réorganisation du processus enseignement-apprentissage de lecture. Nous avons eu
comme participants des professeurs de Langue Portugaise de “l´Enseignement
Fondamental (3ème cycle)” ainsi que d´autres segments d´une école publique , à
Pau dos Ferros- RN où nous avions déjà fait des recherches auparavant. L´étude a
mis en évidence l´importance du professeur, lecteur plus experimenté, pour
développer des stratégies pédagogiques qui vont favoriser l´enseignemen
systématisation des activités à être effectuées en salle de classe. Parmi les
conclusions, nous t de la lecture, et ayant sur le plan pédagogique un instrument de
réflexions théoriques et de avons mis en évidence le plan comme étant un instrument
médiateur qui, en étant incorporé dans la pratique pédagogique du professeur ,
amplifie et modifie ses formes d´intervention favorisant, ainsi, son intervention
pédagogique.
Mots-clés: éducation, enseignement, lecture et planification pédagogique.
LISTA DE QUADROS
10
Quadro nº 1: Contos trabalhados durante a pesquisa-ação
Quadro nº 2: Textos selecionados e lidos por todos participantes
Quadro nº 3: Textos incluídos no Plano de trabalho das professoras
Quadro nº 4: Identificação do Plano/2000
Quadro nº 5: Identificação do Plano/2002
Quadro nº 6: Objetivos do Plano/2000
Quadro nº 7: Objetivos do Plano/2002
Quadro nº 8: Conteúdos no Plano/2000
Quadro nº 9: Conteúdos no Plano/2002
Quadro nº 10: As estratégias no Plano/2000
Quadro nº 11: As estratégias no Plano/2002
Quadro nº 12: A avaliação no Plano/2000
Quadro nº 13: A avaliação no Plano/2002
Quadro nº 14: Bibliografia no Plano/2002
Quadro nº 15: Anexos do Plano/2002
Quadro nº 16: Roteiro do Plano das sessões de leitura/2002
56
63
66
77
77
80
80
82
82
85
85
88
88
91
92
94
11
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
MEC – Ministério da Educação e Cultura
NEEd – Núcleo de Estudos em Educação
PCER – Projeto de Combate à Evasão e à Repetência
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PPP – Projeto Político-Pedagógico
RN – Rio Grande do Norte
SECD – Secretaria do Estado da Educação, Cultura e Desportos
12
SINAIS UTILIZADOS NA TRANSCRIÇÃO
*
A – Aluno(a) não identificado(a)
Anexos - A, B, C, D, sucessivamente
Professora Laura – Nome fictício
Professora Karla – Nome fictício
Professora Ângela - Nome fictício
Professora Dóris - Nome fictício
PP – Professora-pesquisadora
Episódio – Exemplos (01, 02, 03, 04, sucessivamente)
TURNO – Turno de fala (001, 002, 003, 004, sucessivamente)
[Inaudível] – Termos ou palavras incompreensíveis; comentários descritivos
da professora-pesquisadora
MAIÚSCULAS – Ênfase na fala
... - Pausa longa
, - Pausa breve
/ - Truncamento/ pausa brusca
? – Frase interrogativa
“ ” – Citações ou leitura de textos
13
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
RÉSUMÉ
LISTA DE QUADROS
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
SINAIS UTILIZADOS NA TRANSCRIÇÃO
INTRODUÇÃO: A PRINCÍPIO, LIÇÕES DO VIVIDO E APRENDIDO
Para aprender da pedra: motivações iniciais
Uma educação pela pedra: por lições
Outra educação pela pedra: justificando a tese
Lições da pedra: para quem soletrá-la
Ao que flui e a fluir, a ser maleada: objetivos e questões
Uma pedra entranha a alma: a organização da tese
CAPÍTULO 1: PLANEJANDO A PESQUISA-AÇÃO PARTICIPATIVA:
DESAFIOS, PERCURSOS E OPÇÕES
1.1 A pesquisa-ação participativa é uma porta abrindo-se em mais
saídas
1.1.1 Planejamento como fio condutor da pesquisa e o estado da arte: belo
como a soca que o canavial multiplica
1.1.2 O plano como instrumento que o professor guiaria: como um caderno
novo quando a gente o principia
1.1.3 Revisitando a escola campo de pesquisa: belo porque tem de novo
surpresa e alegria
1.2 O perfil das professoras-participantes ̛ de sua formosura deixai-
me que diga: é tão belo como um sim numa sala negativa
1.2.1 A professora Karla
1.2.1 A professora Dóris
17
17
21
24
26
32
33
36
37
43
46
50
56
58
59
14
1.2.2 A professora Ângela
1.3 O delineamento da pesquisa-ação e a constituição dos dados:
belo porque com o novo todo velho contagia
1.3.1 Instrumentos de investigação e os procedimentos de análise: como
qualquer coisa nova inaugurando o seu dia
CAPÍTULO 2: A ATIVIDADE DE PLANEJAMENTO NA ESCOLA E A
SUA RELAÇÃO COM O TRABALHO DE LEITURA
2.1 Os participantes em atividade de planejamento
2.1.1 Reestruturando o plano bimestral de trabalho
2.1.2 Identificando o plano de ensino
2.1.3 Atribuindo objetivos ao plano
2.1.4 Selecionando os conteúdos
2.1.5 Revendo as estratégias
2.1.6 Sistematizando a avaliação
2.1.7 Organizando o tempo escolar
2.1.8 Bibliografia básica utilizada pelos participantes
2.1.9 Os anexos do plano
2.2 Do planejamento à realidade de sala de aula: estratégias de
seleção e de tomada de decisão
2.2.1 A reelaboração do plano da sessão pelas professoras-participantes
CAPÍTULO 3: DO COMPONENTE TEÓRICO À PRÁTICA
PEDAGÓGICA: PLANEJANDO O ENSINO DE LEITURA
COM G
Ê
NEROS LITER
Á
RIOS
3.1 Currículo e planejamento: aproximando conceitos
3.1.1 Os PCN como referenciais curriculares para o ensino de leitura
3.2 Gêneros textuais e ensino: metas e contexto de uso
3.2.1 Gêneros orais e escritos como objetos de ensino na escola
3.2.2 As especificidades dos gêneros conto e poema
3.3 A experiência de leitura por andaime
3.3.1 A formação do repertório de leitura: o professor-leitor e a sua
participação
60
62
67
70
71
72
76
78
82
85
87
89
91
92
93
95
97
98
102
106
109
112
117
120
15
INTRODUÇÃO
A princípio, lições do vivido e aprendido
Para aprender da pedra: motivações iniciais
Dentre as várias discussões acerca da prática do planejamento na
escola, bem como sobre a diversificada problemática que envolve o ensino de
leitura em situação escolarizada, optou-se por uma investigação que tem
como objeto de estudo a função mediadora do planejamento na aula de leitura
de textos literários.
A noção de função que se adota neste trabalho vem se contrapor à
visão funcionalista utilizada nos estudos acerca do planejamento, que vê
apenas no plano de aula a garantia de uma prática pedagógica eficaz. A
função é vista, aqui, como o papel a ser desempenhado pelo planejamento,
seu uso e utilidade, assim como entendido por Sacristán (1998/2000),
considerando, portanto, a relevância do professor e de seus saberes no
processo ensino-aprendizagem.
As inquietações em investigar o processo de planejamento há muito
se identificam com a sutileza dos versos de A educação pela pedra (MELO
NETO, 1966), poema utilizado como epígrafe desta tese. A pedra pressupõe a
consistência e a resistência que o pesquisador deve perseguir como objeto e
objetivo de trabalho. Não qualquer pedra, mas uma pedra que não fere, que
não apedreja, que pede para ser lapidada, tornando-a movimento em comum
de um determinado grupo, porém singular em sua realização.
Para aprender da pedra, subtítulo desta seção, traduz as
experiências pessoais vividas pela pesquisadora em diferentes momentos na
16
ambiência escolar: seja na qualidade de aluna do Ensino Fundamental, na
mesma escola pesquisada neste estudo, ao questionar o porquê da inclusão
de determinados conteúdos sem sentido para a vida, que, porém, pareciam
petrificados na prática dos professores; seja mais tarde, na qualidade de
estagiária da universidade, quando a pedra ia manifestando deleite e
ensinamento; outras vezes, tornava-se desafio, na ausência de orientações
adequadas quanto à elaboração e implementação do planejamento, para sua
inserção na prática escolar.
Na condição de professora do município e de escola particular, o ato
de planejar, naqueles moldes, se tornava uma pedra, obstáculo intransponível
no caminho, pois esses encontros se restringiam ao fornecimento de
informações. Posteriormente, passava-se a limpo ou se copiava do livro
didático os conteúdos a serem entregues à supervisão, não se encontrando
sentido algum naquela tarefa, tornando-se mera perda de tempo.
Por fim, através de experiências advindas da atuação como
professora de cursos de formação de professores, e, especialmente, na
condição de aluna da pós-graduação, uma nova visão acerca do
planejamento, como atividade projetiva, relacionada à teoria e à prática
pedagógica, foi sendo consolidada. Analisar e compreender a atividade de
planejamento transformou-se, em interesse central da professora-
pesquisadora, impulsionando, assim, essa nova viagem, bem como o registro
dos variados percursos que se seguem e que apontam para desafios,
descobertas e para as mudanças proporcionadas por este caminhar.
Para se fazer um estudo minucioso sobre a temática a função
mediadora do planejamento na aula de leitura de textos literários, necessário
se fez considerar as reflexões realizadas em estudos anteriores a esse
estudo, nas quais suscitavam um aprofundamento nas discussões sobre o
ensino de leitura, bem como sobre o (des) uso do planejamento nas práticas
do cotidiano escolar.
17
Inicialmente, pelo menos dois motivos, além dos já citados,
instigaram a presente investigação: o primeiro deles é que, através de
conversas informais com professores e equipe pedagógica da escola campo
de pesquisa, constatou-se que, de um lado, eles faziam referências ao
sucesso alcançado com atividades de leitura realizadas através de oficinas,
em parceria com colegas; de outro lado, relatavam o fracasso nas aulas de
leitura no cotidiano da sala de aula, em virtude do desinteresse dos alunos
diante da tarefa de ler.
Esse paradoxo instigou a se refletir acerca dos motivos que
provocavam tal conflito diante das práticas de leitura em situação
escolarizada, levando-se a inferir a respeito do sucesso das oficinas, com
base em duas distintas possibilidades, não excludentes: a primeira seria a
contribuição advinda do planejamento, uma vez que, para a realização das
oficinas, equipe pedagógica e professores se dedicavam à elaboração de um
plano comum para implementação; a segunda, pressupõe-se que haveria, em
conseqüência do planejar, uma escolha adequada de material para leitura,
provocando, portanto, maior envolvimento dos alunos.
Além disso, a presente pesquisa aponta para o fato de que os
estudos até então realizados pela pesquisadora indicavam uma
descaracterização do processo de planejamento no dia-a-dia escolar. Porém,
estes não davam conta de aspectos relacionados ao papel atribuído ao
planejamento pedagógico, ainda não contemplado em estudos anteriores a
essa investigação, o que fez com que merecesse ser investigado por
intermédio da prática dos professores.
Considerou-se, ainda, que a atividade de planejamento poderia se
constituir em um dos subsídios desencadeadores do processo de reflexão e
auto-reflexão simultâneo, entre pesquisador e professores, possibilitando que,
juntos pensassem a prática, teorizando-a. Nessa perspectiva, buscou-se
atender à necessidade de investigar o processo de planejamento, comum
18
tanto aos professores quanto à professora-pesquisadora, por permitir a todos
os envolvidos uma aproximação com o objeto de estudo, um delineamento de
estratégias de reflexão que viesse repercutir no próprio processo de leitura,
mesmo considerando a complexidade do ato pedagógico, que envolve as
diferentes nuances do ensino-aprendizagem.
A relevância desse estudo consiste em contribuir para a reflexão de
um problema que vem sendo historicamente identificado, o planejamento
pedagógico, e, notadamente para aprofundar as discussões sobre o ensino de
leitura e o des(uso) do plano nas práticas pedagógicas. Possibilita-se, assim,
expandir, confrontar e clarificar, com os sujeitos envolvidos, alguns aspectos
relevantes para a prática de planejamento e de leitura como fatores decisivos
no exercício da docência em contexto escolar.
Considera-se, nesse estudo, o fato de que o professor, na qualidade
de leitor mais experiente, deve buscar estratégias pedagógicas que venham
favorecer o ensino de leitura, tendo no plano de aula um instrumento de
reflexão teórica e de sistematização das atividades a serem efetivadas em
sala de aula.
O desenvolvimento desta proposta de pesquisa justifica-se, também,
pela necessidade de se elegerem outros aspectos não contemplados em
fases anteriores de estudo. Inclui-se, entre esses aspectos, a seleção de
leitura de contos e de poema, de modo que, junto aos professores da escola,
fosse possível colaborar com o processo de planejamento pedagógico e da
prática de leitura em sala de aula.
Ressalta-se, ainda, a importância desse estudo por estar
diretamente ligado ao Núcleo de Estudos em Educação (NEEd) – grupo de
pesquisa cadastrado no Diretório 5.0 do CNPq, mais especificamente, à Linha
de Pesquisa “Práticas Pedagógicas e Formação do(a) Educador(a)”, do
Departamento de Educação, do Campus Avançado “Profª Maria Elisa de
Albuquerque Maia”, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
19
(UERN), em Pau dos Ferros - RN. Isso porque, com o retorno da professora-
pesquisadora à instituição de origem e ao Núcleo, ao qual está vinculada
profissionalmente, a pesquisa servirá de contribuição aos trabalhos até então
desenvolvidos pelos profissionais e alunos da Especialização do referido
Departamento, revertendo-se, ainda, em possibilidades de novas
investigações.
Uma educação pela pedra: por lições
Com esta tese, pretende-se dar continuidade às reflexões que têm
se constituído numa das preocupações dos professores e dos estudos
pedagógicos que tratam da atividade de planejamento como relevante
instrumento pedagógico às práticas escolares, constituindo-se em mais uma
das etapas de estudos (grifos da pesquisadora) que se têm feito objetivando
refletir sobre os múltiplos aspectos do ensino de leitura no âmbito da sala de
aula. Essas etapas dão-se em três momentos, dos quais se têm abstraído
diferentes lições, sendo a construção desta tese o terceiro deles.
O primeiro momento (1998 a 1999) iniciou com o Curso
Especialização da professora-pesquisadora, mediante realização de uma
pesquisa desenvolvida nesse Núcleo (NEPELC/UFRN), cujo objetivo era
estudar a formação do leitor em turmas de multirrepetentes (SAMPAIO,1999).
Nesse trabalho, discutiu-se, ainda, a proposição de leitura nos
planejamentos dos professores, sendo esses planejamentos, na época, muito
dependentes dos livros didáticos; conseqüentemente, sendo por eles
influenciados. Nessa primeira etapa dos estudos sobre o ensino de leitura,
constatou-se que
somente através desses planejamentos (anual e bimestral)
[era] impossível saber que tipos de conteúdos e atividades,
20
concretamente, [estariam] sendo desenvolvidos e a partir de
quais objetivos, bem como se saber que procedimentos
metodológicos [estavam] sendo utilizados em sala de aula
(SAMPAIO, 1999, p. 51).
Isso porque, empiricamente, os professores demonstravam que
tinham como suporte uma programação (planejamento) geral, anual e
bimestral, demasiadamente genérica e, muitas vezes, ditada pelo programa
de um livro didático. Os resultados apresentados por essa etapa da pesquisa
fizeram com que se levantassem algumas hipóteses sobre o uso do
planejamento pedagógico em contexto escolar; dentre elas, a importância de
o professor assumir uma postura teórica definida para o trabalho com a leitura
na escola, em vez de seguir apenas o livro didático; além da necessidade de
se estabelecer uma ponte entre a teoria e a prática exercida pelo professor,
cuja prática está apoiada pelo instrumento maior de seu trabalho: o
planejamento (SAMPAIO, 1999).
O segundo momento (2000 a 2002), ocorrido no Mestrado teve como
objetivo central investigar o ensino de leitura no seu processo de construção
conceptual a partir do confronto entre planejamento dos professores de língua
materna, as teorias adotadas e a sua manifestação em sala de aula
(SAMPAIO, 2002). Analisou-se, nesse estudo, até que ponto as teorias
adotadas pela professora nos planejamentos se efetivavam em sala de aula.
Dentre as várias constatações, detectou-se que o ensino de leitura na
sala de aula investigada se caracterizava por uma fase de ruptura, na qual as
práticas cristalizadas do passado já não serviam mais, entretanto, a professora-
participante ainda não havia se apropriado de novas formas de intervenções.
Apresentou-se, então, uma nítida descaracterização do uso do
planejamento escolar no processo ensino-aprendizagem, que foi resumido,
aqui, em dois pontos: a) do ponto de vista do professor como agente, e b) da
escola enquanto organização. No primeiro ponto, viu-se que, apesar do esforço
21
da professora-participante, o trabalho pedagógico vinha se constituindo numa
prática isolada, para a qual o planejamento é, em parte, desconsiderado. No
segundo ponto, observou-se que a escola ainda não se reconhece como um
espaço organizado para se discutirem projeções ou intenções, que exige, para
isso, de ações individuais e coletivas. Assim, se desconhece o planejamento
como facilitador da relação entre a construção e as vivências práticas.
As constatações, apresentadas na segunda etapa de investigação
(2000-2002), apontaram para diferentes necessidades de novos estudos e
reflexões que sugerem: buscar mecanismos que viessem contribuir com os
professores na apropriação de um repertório de leitura significativo; revisitar a
proposta dos PCNs, da Lingüística Textual, de teorias de leitura/literatura, e de
outros estudos para melhor adequação e sistematização da prática de leitura;
refletir sobre a necessidade de planejar, rever e replanejar, com base em uma
reflexão contínua e sistemática que contribui para uma atitude favorável ao ato
de planejar; de construir seqüências e atividades didáticas, a fim de atingir tais
finalidades, considerando o ensino como processo e não apenas como produto.
No terceiro momento (2002-2005), fase do Doutorado, para o qual
considerou-se que todos esses problemas (ou partes deles) foram constatados
em estudos anteriores, destaca-se, a possibilidade de discuti-los na escola,
campo de pesquisa, em forma de contribuições aos próprios sujeitos. A
sistematização da proposta de pesquisa se deu com e não para os sujeitos, de
modo que possibilitou aos mesmos terem acesso a contribuições concretas,
não os limitando à condição de apenas reconhecerem erros e acertos, mas,
sobretudo, possibilitando-lhes assumirem a postura de agentes de
transformação de suas próprias práticas.
Outra educação pela pedra: justificando a tese
22
A implementação dessa pesquisa-ação sobre a função mediadora do
planejamento na aula de leitura textos literários justificou-se mediante a
elaboração da tese central desse trabalho, assim delimitada: os planejamentos
favorecem o trabalho pedagógico de leitura de textos literários no ensino de
Língua Portuguesa, constituindo-se em um dos instrumentos mediadores do
processo ensino-aprendizagem e possibilitando que os sujeitos desse processo
repensem a prática, teorizando-a.
Esta tese se justifica porque, analisando os dados da segunda etapa
da pesquisa (2002), observou-se que a necessidade de planejar se constituiu
em um dos problemas detectados pela própria professora-participante, ao ser
interrogada pela professora-pesquisadora durante a entrevista, conforme o
enunciado a seguir:
Professora-pesquisadora. Então, você está satisfeita com o
ensino de leitura em língua materna, em sua sala de aula?
Professora Laura: De leitura ainda precisa melhorar, que é um
dos pontos que eu estou colocando: gente, esse ano, pelo amor
de Deus, vamos elaborar assim um projeto, o que a gente vai
fazer de leitura, especificamente, né, a gente ainda tá muito
capenga, nesse aspecto, a gente sabe, de repente, leitura livre,
mas o aluno vai lá, olha a biblioteca, vira e mexe e diz: não, eu
não gosto disso, eu não gosto daquilo, os livros geralmente são
grandes, pelo fato deles não terem esse hábito de leitura, né,
então a gente precisa planejar (grifo da pesquisadora), né,
aquela coisa. Na minha cabeça, eu estou querendo, esse ano,
assim, que um dia a gente selecione, um dia é leitura de poesia,
de conto, de revistas, de jornais, e:: partindo, não sei, de temas
sugeridos por eles, né, que a gente faça esse trabalho de
pesquisa, que eles possam apresentar, eu vou levar essa
proposta para o grupo e a gente vai ver como organizá-la.
(Entrevista com a professora Laura, In: SAMPAIO, 2002, p.
123).
Diante do exposto pela professora, revelou-se, por um lado, o
reconhecimento das dificuldades enfrentadas por ela e por seu grupo de
23
colegas no tratamento da problemática de leitura em sala de aula. Esse
aspecto se manifesta, especialmente, ao afirmar que, em relação à leitura
“especificamente, né, a gente ainda tá muito capenga”. A referida professora
considera relevantes os avanços que têm apresentado no tocante aos
trabalhos com texto de modo geral. E, por outro lado, refletiu-se sobre o
possível interesse da professora em buscar alternativas para o ensino de
leitura na escola, tendo por base o planejamento pedagógico, quando diz “a
gente precisa planejar, né, aquela coisa”.
Para isso, levou-se em consideração o indício de que os professores
da escola estudada se encontram numa fase de ruptura de suas práticas,
como foi sinalizado também no trecho da entrevista, quando a professora se
dispõe a levar uma proposta para o grupo de colegas, prevendo
antecipadamente que seria aceita, e por isso já imaginava como seria
organizada.
Esse fato, dentre muitos outros postos em evidência na entrevista e
em conversa informal entre a pesquisadora e a professora, fez emergir a
possibilidade de efetiva participação dos professores da escola, durante a
terceira etapa de estudos. Com isso, visava a ajudar aos participantes a
romper com procedimentos até então adotados, bem como proporcionar
novas estratégias de mediação, e, em decorrência, investigar a importância
do planejamento para a prática de leitura em sala de aula.
O presente estudo se situa no grupo daqueles que privilegiam as
múltiplas e complexas competências profissionais globais, que mobilizam
várias competências específicas (PERRENOUD, 2000a). Inclui-se,
especificamente, no âmbito das competências: a) A primeira diz respeito a
“organizar e dirigir situações de aprendizagem” (p. 17), que implica em
“conhecer para determinada disciplina, os conteúdos a serem ensinados e
sua tradução em objetivos de aprendizagem” e “construir e planejar
dispositivos e seqüências didáticas” (PERRENOUD, 2000a, p. 33). b) A
24
segunda competência, se refere a “administrar a progressão das
aprendizagens”, mais especificamente, a de “estabelecer laços com as teorias
subjacentes às atividades de aprendizagem” (PERRENOUD, 2000a, p. 48).
Considera-se, portanto, neste trabalho, a relevância desses aspectos no
âmbito do planejamento da ação docente, uma vez que atualmente as
exigências do domínio dessas competências pelo professor tem sido ponto
em comum nas discussões acerca da formação do educador.
Lições da pedra: para quem soletrá-la
Como base teórica para a presente investigação, têm-se os estudos
desenvolvidos sobre o planejamento pedagógico, mais especificamente sobre
o planejamento participativo (VASCONCELLOS, 1999; GANDIN, 1994;
VIANNA, 2000). Essas reflexões respaldam-se no uso do planejamento
pedagógico em contexto escolar, compreendendo-o como um processo
contínuo e dinâmico de reflexão e de tomada de decisões para a prática
efetiva de sala de aula.
Assim, considera-se que o planejamento participativo pode
representar “a superação da dialética entre o ‘deve-ser’ e o ‘ser’, entre o
pensar e o agir, entre a teoria e a prática” (GANDIN, 1994, p. 39). Esse tipo de
planejamento respalda a possibilidade de se manter uma atitude prático-
reflexiva permanente, como forma de fazer do espaço escolar um lugar
privilegiado de aprendizagem, de construção de conhecimento,
instrumentalizando os sujeitos da educação na vivência prática de
“elaboração, execução e avaliação”.
Vasconcellos (1999, p. 82) faz restrição a esse esquema “planejar,
executar e avaliar”, por entender que não pode haver separação entre esses
passos e afirma que o ciclo do planejamento inclui “elaborar e realizar
interativamente”, implicando numa avaliação processual e não somente no
25
final. Essa circularidade possibilita romper “com o planejamento funcional ou
normativo [...] onde a prática do professor e da escola são vistas como
isoladas em relação ao contexto escolar” (VASCONCELLOS, 1999, p. 31).
Enfatiza-se, ainda, o caráter particular da mediação do
planejamento, uma vez que “planejar não é algo que se faz antes de agir, mas
é também agir em função daquilo que se pensou” (VASCONCELLOS, 1999,
p. 79). É com essa concepção que se pressupõe a função mediadora do
planejamento e do seu papel “enquanto construção-transformação de
representações (grifos do autor) é uma mediação teórico-metodológica para
a ação, que em função de tal mediação, passa a ser consciente e intencional”
(VASCONCELLOS, 1999, p. 79). A mediação por ter então esse caráter
intencional decorre de uma ação planejada com o intuito de alcançar
determinados objetivos, denotando, assim, o papel, do professor. Desse
enunciado, destaca-se, ainda, o processo de planejamento como “construção-
transformação”, pois como atividade “projetivo-mediadora”, em função de seu
caráter de projeto de ação, assume o papel de mediação entre a realidade e a
finalidade a que se destina.
Esta investigação orientou-se, mais especificamente, pelos estudos
acerca do planejamento dialógico (PADILHA, 2002), que, dado seu caráter
ascendente, traduz a preocupação primeira sobre como conseguir e garantir a
participação de todos os segmentos escolares e até mesmo extra-escolares,
não se limitando apenas aos especialistas, coordenadores pedagógicos e
professores. Padilha (2002, p. 68) afirma que:
O planejamento dialógico é um tipo de planejamento
participativo, mas se diferencia deste por uma característica
bem marcante, que se refere à criação de mecanismos que
viabilizem as consolidações tiradas nos níveis “inferiores” do
sistema educacional, com o objetivo de garantir que as
decisões tomadas, por exemplo, nas escolas, possam ser
26
apresentadas e defendidas por representantes daquele nível,
no nível imediatamente “superior” [...]. Além disso, esse tipo de
planejamento não dicotomiza a dimensão pedagógica da
dimensão administrativa, nem subordina uma à outra.
No contexto desta pesquisa, torna-se evidente que o planejamento
dialógico é possível quando há conhecimento específico da escola campo de
pesquisa. Nesse caso, os trabalhos anteriormente desenvolvidos pela
professora-pesquisadora no âmbito da escola, através de estudos
exploratórios, via pesquisa qualitativa, demonstraram o caráter do trabalho
democrático que a referida escola almeja. A mobilização dos seus diferentes
segmentos tem se constituído num dos desafios enfrentados por todos os
envolvidos. O interesse de todos os segmentos em participar da pesquisa-
ação pode ser comprovado pelo significativo envolvimento de diferentes
instâncias escolares, quais sejam: professores (3º e 4º ciclos), auxiliares de
biblioteca, responsáveis pela videoteca, coordenadores pedagógicos,
supervisores, equipe do Projeto de Combate à Evasão e à Repetência,
Diretora e Vice.
Já a participação dos alunos se deu durante a implementação do
processo de planejamento e em sua elaboração, dada suas presenças como
interlocutores no discurso desses planos, aos quais se destinariam. Isso
porque, como afirma Bakhtin (1997), “todo texto tem um sujeito, um autor (que
fala, escreve)” por isso é importante que se atente para o fato de que ao
registrarem suas propostas de trabalho nos planos de aulas, os professores
têm possíveis “destinatários”, que poderiam ser:
[...] o parceiro e interlocutor direto do diálogo da vida cotidiana,
pode ser o conjunto diferenciado de especialistas em alguma
área especializada [...] dos subalternos, dos chefes, dos
superiores, dos próximos, dos estranhos, etc.; pode até ser de
modo absolutamente indeterminado, o outro não concretizado.
(BAKHTIN, 1997, p. 320-321)
27
Enfim, convém aqui ressaltar o entendimento de que o planejamento
como atividade eminentemente cognitiva e de natureza discursiva apresenta-
se como um modo de operar dialógico. Pois, como já ressaltado
anteriormente, o planejamento pedagógico pode ser visto como um
instrumento que corporifica um conjunto de intenções políticas e pedagógicas,
como resultado das diferentes interações humanas. E, assim como toda
atividade humana, dependerá também do seu contexto e de suas condições
de produção. Isso não se dá no isolamento, ao contrário, tem uma relação
direta com o auditório social a que se dirige, portanto, é nessa perspectiva
que se entende o caráter dialógico do planejamento.
Objetiva-se, portanto, que os estudos teóricos possibilitem reflexões
sobre os planejamentos pedagógicos realizados na escola que, à medida que
se planeje, se tenha clareza do para quê e para quem se destinam esses
planejamentos, e de que forma eles estão organizados para alcançar
determinados fins.
O processo ensino-aprendizagem assume, neste trabalho, o foco
central, por se considerar a indissociabilidade entre a atividade do professor
(ensinar) com base no seu planejamento e a atividade do aluno (aprender),
possibilitando, assim, a apropriação dos conhecimentos intencionalmente
mediada na ação pedagógica. Como esclarece Libâneo (1994) o ensino
apresenta “caráter bilateral” por combinar dois processos distintos, mas
interdependentes entre si. Sendo o professor responsável pelo ensino, sem
eximir-se da responsabilidade pela aprendizagem do aluno, esse processo
torna-se uma unidade, porém apresenta diferentes características:
A aprendizagem é a assimilação ativa de conhecimentos e de
operações mentais, para compreendê-los e aplicá-los
28
consciente e autonomamente [...]. O processo de ensino é
uma atividade de mediação pela qual são providas as
condições e os meios para os alunos se tornarem sujeitos
ativos na assimilação de conhecimentos (LIBÂNEO, 1994, p.
89 e 91).
Dada a importância de se considerar o contexto de interação como
princípio para a prática pedagógica, evidenciam-se, aqui, aspectos
relacionados ao processo de ler, com ênfase nos estudos psicolingüísticos
(SMITH, 1991/1999), dos quais se destacam: o “engajamento, a
demonstração e a sensibilidade” como fatores relevantes a serem
considerados na mediação pedagógica. Para isso, faz-se necessário
considerar a situação comunicativa, através da intervenção pedagógica.
Assim, como já especificado na segunda etapa da pesquisa, a
professora-participante se apoiava na Lingüística Textual, que tem por base o
trabalho com textos orais e escritos (SAMPAIO, 2002). Apesar dos inúmeros
equívocos apresentados na implementação do trabalho da professora,
especialmente com os gêneros textuais em sala de aula, a presença dessa
perspectiva teórico-metodológica se manifestava tanto no planejamento
quanto na prática pedagógica, e também na entrevista dada pela professora.
Por essas razões, considerou-se essa mesma perspectiva teórica
(Lingüística Textual) neste trabalho, não enquanto teoria que orienta o estudo,
mas focalizando-a como um dos campos de conhecimento que assume
interface com o ensino de leitura, entendida nessa abordagem “como uma
atividade de interação através do texto” (MARCUSCHI, 1988/1996/2000).
Portanto, como postulada nos estudos lingüísticos e incorporada pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais, como referenciais utilizados nesta
pesquisa, infere-se que essa visão sobre o ato de ler pressupõe a interação
texto-leitor visando à compreensão. Enfatizam-se, também, os estudos de
Smith, que caracterizam a leitura como uma
29
atividade construtiva e criativa, tendo quatro características
distintas e fundamentais - é objetiva, seletiva, antecipatória,
(grifos do autor) e baseada na compreensão, temas sobre os
quais o leitor deve, claramente, exercer o controle (1991, p. 17).
Dado o processo de pesquisa, a análise do processo de leitura
envolve a Estética da Recepção (JAUSS, 1979; ISER, 1996/1999,
ZILBERMAN, 1989; ECO 1994/2000/2003), uma vez que esta teoria considera
a atuação do leitor e a sua interação com o texto, ou seja, com base na
premissa de que “o leitor é o pressuposto do texto” [...] vem demonstrar “por um
lado, como uma obra organiza e dirige a leitura, e, por outro, o modo como o
indivíduo-leitor reage no plano cognitivo aos percursos impostos pelo texto”
(JOUVE, 2002, p. 14).
Faz-se essa opção teórica, especialmente, por entender que as
teorias até então mencionadas ancoram suas especificidades em dois pólos
distintos: ora consideram o texto em si, como objeto de estudo (Lingüística
Textual), ora centra-se no processamento da leitura pelo leitor
(Psicolingüística). Embora se considere que Psicologia e Lingüística
apresentam uma preocupação em comum, que é compreender “como os
indivíduos apreendem e utilizam a linguagem” (SMITH, 1991, p. 464).
Assim sendo, partindo da concepção de texto aqui entendido como
“[...] enunciados com vazios, que exigem do leitor o seu preenchimento”, sendo
este realizado “mediante a projeção do leitor” (LIMA, 1979, p. 23), é que a
leitura servirá como elemento desencadeador para se investigar a função do
planejamento como instrumento mediador das atividades de leitura propostas
às professoras-participantes, oportunizando-lhes atribuir significação a esse
tipo de atividade no âmbito de sala de aula.
30
Ao que flui e a fluir, a ser maleada: objetivos e questões
O objetivo geral desta tese é investigar a atividade de planejamento
pedagógico como instrumento mediador na prática de leitura em aulas de
Língua Portuguesa; e, como objetivos específicos:
a) possibilitar uma ação participativa na escola, visando à
fundamentação e construção de estratégias para o trabalho
pedagógico no ensino de leitura, com os professores de Língua
Portuguesa do 3º ciclo (5ª e 6ª série);
b) planejar e implementar, junto aos professores, duas seqüências
didáticas de leitura, levando em consideração a autoria, o objeto
de ensino e os destinatários;
c) estabelecer relações entre as ações dos professores nas aulas de
leitura, analisando as mudanças que possam ou não ocorrer, as
alternativas construídas no processo; e,
d) verificar a funcionalidade e a pertinência dos planejamentos na
prática de leitura de literatura em sala de aula, considerando a
especificidade dos gêneros literários trabalhados.
O desenvolvimento deste trabalho pauta-se nas seguintes questões
de pesquisa:
a) de que forma a atividade de planejamento favorece o trabalho
com a leitura no Ensino Fundamental?
b) como ocorre a prática de leitura que tem como referência o efetivo
uso dos gêneros textuais (orais e escritos) no planejamento
pedagógico?
c) que função exerce o planejamento pedagógico como instrumento
mediador do ensino-aprendizagem de leitura?
31
Uma pedra entranha a alma: a organização da tese
Visando a responder às questões de pesquisa, este trabalho está
dividido em quatro capítulos, nos quais busca-se delinear a investigação acerca
da função mediadora do planejamento na aula de leitura de textos literários.
No primeiro capítulo, apresentam-se o processo e a metodologia da
pesquisa, pontuando os percursos percorridos, a tomada de decisões diante
das várias possibilidades teórico-metodológicas apresentadas na literatura da
área. A ênfase dada à pesquisa-ação participativa para o estudo da prática
(KEMMIS & WILKINSON, 2002) é aqui entendida como processo em espiral de
auto-reflexão, realizado de forma participativa por co-participantes durante sua
realização.
Para o segundo capítulo, prioriza-se a atividade de planejamento
relacionado ao trabalho com a leitura, tendo-se como foco de análise a
reestruturação do plano de Língua Portuguesa já instituído na escola em forma
de documento, bem como a elaboração e a reelaboração do plano das
sessões de leitura.
O terceiro capítulo discute aspectos relativos ao currículo, ao
planejamento pedagógico com os gêneros textuais, como conceitos axiais no
desenvolvimento da pesquisa, considerando-se a escola como um espaço de
formação contínua para as práticas de leitura. Contextualiza-se a construção de
repertório de leitura pelos participantes, além de apresentar as especificidades
dos gêneros (orais e escritos) propostos para a prática de leitura, ressaltando-
se as dificuldades e possibilidades da formação do leitor via escola.
No quarto capítulo, a análise recai sobre a função mediadora do
planejamento em contexto de aulas de leitura de textos literários, através da
implementação do plano bimestral e das sessões literárias desenvolvidas junto
aos participantes (alunos e professoras). Reflete-se, também, sobre as
32
dificuldades decorrentes do des (uso) do planejamento nas práticas escolares e
apontam-se novos significados, tendo por base as categorias de análise
decorrentes do processo de investigação.
Busca-se, ainda, evidenciar as práticas manifestas pelas professoras
através da função atribuída ao planejamento pelas participantes, as
implicações pedagógicas decorrentes desse processo, correlacionando-as ao
trabalho pedagógico no desenrolar das aulas desenvolvidas pelas referidas
professoras.
Para a conclusão, espera-se apreender o objeto de estudo,
apresentando reflexões sobre o processo, os resultados da pesquisa, bem
como assinalando perspectivas para retomar o status do uso do planejamento
(considerado em desuso) como instrumento pedagógico indispensável no
cotidiano de uma instituição escolar.
33
CAPÍTULO 1
PLANEJANDO A PESQUISA-AÇÃO PARTICIPATIVA:
DESAFIOS, PERCURSOS E OPÇÕES
MORTE E VIDA SEVERINA
[...]
- De sua formosura deixai-me que diga:
é tão belo como um sim numa sala negativa.
- É tão belo como a soca que o canavial multiplica.
- Belo porque é uma porta abrindo-se em mais saídas.
- Belo como a última onda que o fim do mar sempre adia.
- É tão belo como as ondas em sua adição infinita.
- Belo porque tem do novo surpresa e a alegria [...]
- Como qualquer coisa nova inaugurando o seu dia.
- Ou como o caderno novo quando a gente o principia.
- E belo porque com o novo todo velho contagia.
- Belo porque corrompe com sangue novo a anemia.
- Infecciona a miséria com a vida nova e sadia.
Com oásis, o deserto, com ventos, a calmaria.
João Cabral de Melo Neto (1989)
34
CAPÍTULO 1: PLANEJANDO A PESQUISA-AÇÃO PARTICIPATIVA:
DESAFIOS, PERCURSOS E OPÇÕES
1.1 A pesquisa-ação participativa é uma porta abrindo-se em mais saídas
Um dos aspectos conflitantes na conceituação do tipo de pesquisa
discutido neste estudo advém das diferenças de noções entre pesquisa-ação
e pesquisa participante. Por isso, convém esclarecer essas diferenças entre
as duas propostas metodológicas de pesquisa, uma vez que o modelo aqui
adotado incorpora os dois conceitos: ação e participação, não com um fim em
si mesmos, mas visando a produzir conhecimentos e à transformação da
realidade investigada. Para Thiollent (1997, p. 21-22):
Toda pesquisa-ação possui um caráter participativo, pelo fato
de promover ampla interação entre pesquisador e membros
representativos da situação investigada. Nela existe vontade
de ação planejada sobre os problemas detectados na fase
investigativa. Na pesquisa participante existe também um
conjunto de discussões entre pesquisadores e membros da
situação e isso constitui o ponto de partida de uma tomada de
consciência, mas nem sempre há uma ação planejada [...]. A
pesquisa-ação não pode ser conduzida à revelia dos
participantes nas situações que são objeto de investigação e
de possível ação [...]. A pesquisa-ação requer legitimidade dos
diferentes atores e convergência de interesses, inclusive nas
organizações, ao passo que a pesquisa participante lida com
situações de contestação de legitimidade do poder vigente.
Desse enunciado, destaca-se a principal distinção entre pesquisa-
ação e pesquisa participante. Esta investigação se caracteriza como
pesquisa-ação, justamente pelo fato de haver interesse dos envolvidos,
possibilitando, assim, o planejamento das ações visando à transformação da
realidade. Valendo-se dos problemas já detectados na fase exploratória e
considerando a participação e ação das pessoas implicadas na investigação.
35
Exige mobilização política dos envolvidos, especialmente disponibilidade por
parte dos pesquisadores e participantes em desempenharem papel ativo na
situação investigada.
No caso da pesquisa participante, embora haja interação e
participação dos envolvidos, não se exige convergência de interesses através
de uma ação planejada, de modo que não implica, necessariamente, numa
ação coletiva por parte das pessoas ou grupos implicados no problema sob
observação. Portanto, mesmo reconhecendo os limites dessas diferenciações
apresentadas, para esta pesquisa, acredita-se ter evidenciado esse conflito
conceitual tão presente no decorrer desta investigação, ao se corporificar
elementos da pesquisa, da ação e da participação.
Para tanto, adotou-se a metodologia da pesquisa-ação, ressaltando-
se o caráter participativo que, segundo Barbier (2002, p. 60), foi inspirada em
Lewin e conflui em “espiral com suas fases: de planejamento, de ação, de
observação e de reflexão, depois um novo planejamento da experiência em
curso”. Considera, ainda, que as múltiplas técnicas (registros audiovisuais,
diário, análise de conteúdo) utilizadas nessa nova abordagem da pesquisa-
ação se aproximam mais dos etnólogos ou dos historiadores e da etnografia
de campo.
Dentre as várias técnicas utilizadas nas pesquisas qualitativas e mais
especificamente na pesquisa-ação, Barbier (2002, p. 126) destaca a
“observação participante ativa, a periférica e a completa”. Na primeira, o
pesquisador aceita se tornar membro do grupo, de forma parcial, sem ser
admitido no centro de suas atividades grupais.
Na segunda, a “observação participante periférica”, o pesquisador, ao
assumir status no grupo, exerce o papel dentro e fora dele; já na terceira, na
“observação participante completa” o pesquisador ou está implicado desde o
início por já ter sido membro do grupo ou se torna membro por conversão. É
no âmbito desta última, ou seja, na “observação participante completa” que se
36
insere este trabalho, dado o grau de cumplicidade que se estabeleceu entre a
professora-pesquisadora (membro atuante no grupo) e os participantes.
Um dos traços principais da pesquisa-ação, conforme Barbier (2002,
p 55), é o feedback, o que implica na comunicação dos resultados da
investigação aos envolvidos, com objetivo de analisar suas reações, de modo
a permitir um exame mais apropriado dos problemas detectados, incidindo
numa redefinição desses problemas e na busca de soluções.
Com essa compreensão, e com base na autorização prévia da
participante em pesquisa anterior, teve-se a preocupação de se divulgarem
junto à escola os resultados obtidos da segunda etapa de estudos. Naquela
ocasião, os professores lançaram o desafio à professora-pesquisadora, em
forma de solicitação, de que esperavam seu retorno, posteriormente, como
forma de contribuição, para ajudá-los na superação dos problemas
apresentados. Com isso, alguns passos que caracterizam a pesquisa-ação
participativa, conforme Barbier (2002), convergem com o processo de
investigação, no presente trabalho, quais sejam:
1. O problema nasce na comunidade que o define, o analisa e
o resolve.
2. A meta da pesquisa é a transformação radical da realidade
social e a melhoria de vida das pessoas nela envolvidas.
Os beneficiários da pesquisa são, portanto, os próprios
membros da comunidade.
3. A pesquisa participativa exige a participação plena e total
da comunidade durante o processo de pesquisa.
4. A pesquisa participativa envolve todo um leque de pessoas
que não possuem o poder: explorados, pobres, oprimidos,
marginais...
5. O procedimento da pesquisa pode suscitar nos
participantes uma melhor conscientização de seus próprios
recursos e mobilizá-los de maneira a prepará-los para um
desenvolvimento endógeno.
6. Trata-se de um método de pesquisa mais científico do que
a pesquisa tradicional, pois a participação da comunidade
facilita uma análise mais precisa e mais autêntica da
realidade.
37
7. O pesquisador é um participante engajado. Ele aprende
durante a pesquisa. Ele milita em vez de procurar uma
atitude de indiferença (BARBIER, 2002, p. 61).
Para efeito desta pesquisa, consideram-se relevantes essas
características, uma vez que coadunam com o processo metodológico aqui
utilizado, pois, ao participar de situações que possibilitaram aos sujeitos
(professora-pesquisadora e professores-participantes). O conhecimento dos
problemas de ensino de leitura, de forma aprofundada, vislumbrou-se uma
nova investigação. E um dos critérios almejados era que confluísse para
mudanças de atitudes e das práticas de produção da leitura, mediadas pelo
planejamento, caracterizando-se, assim, num trabalho de formação
continuada, pois como argumentado por Freire,
na formação permanente dos professores, o momento
fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É
pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se
pode melhorar a próxima prática (1997, p. 44).
É no âmbito da reflexão crítica sobre a prática que, para se conhecê-
la, tendo-se como suporte a pesquisa-ação, é necessário que se concebam
os participantes como sujeitos desse conhecimento, protagonistas, e não
simples objetos. Essa postura possibilita, assim, que o conhecimento anterior
se transforme em novo conhecimento. É nessa perspectiva que cabe destacar
a contribuição dos estudos de Freire acerca da prática pedagógica, bem como
sobre a pesquisa-ação, pois a ele se atribui “o título de ‘criador’ de um estilo
alternativo de pesquisa e ação educativa” (BRANDÃO 1999a). Tendo por
base o conceito de investigação-ação, denominando os estilos de pesquisas
participacionistas e incorporando a investigação temática, por Freire
delineada, é que se passou a discutir, no Brasil, a pesquisa-ação como
proposta político-pedagógica comprometida com a mudança social
38
(BRANDÃO, 1999b), pois, conforme Kemmis e Wilkinson (2002, p. 45), é
prioridade nessa metodologia:
[...] ajudar a orientar as pessoas a investigarem e a mudarem
suas realidades sociais e educacionais por meio da mudança
de algumas das práticas que constituem suas realidades
vividas. Em educação a pesquisa-ação participativa pode ser
utilizada como meio de desenvolvimento profissional,
melhorando currículos ou solucionando problemas em uma
variedade de situações de trabalho.
Nessas condições a pesquisa-ação pode ser melhor conduzida, ao
ser desenvolvida de forma participativa, por co-participantes das ações. No
caso do planejamento de aulas de leitura, especificamente, em sua efetivação
está o engajamento de profissionais de diferentes segmentos, ao promoverem
a leitura de forma participativa, na tentativa de refazerem suas práticas, a fim
de garantirem a mudança desejada.
Kemmis e Wilkinson (2002, p. 46-48) apresentam também as
características centrais da pesquisa-ação participativa, considerada tão
importante quanto a espiral auto-reflexiva. São elas:
1. A pesquisa-ação participativa é um processo social: [...]
por ser utilizada em investigação de contextos como a
educação;
2. É participativa: envolve pessoas e categorias
interpretativas e, ainda, no sentido de que as pessoas só
podem realizar pesquisa-ação ”sobre” elas mesmas e não
”sobre” os outros.
3. É prática e colaborativa: [...] é uma pesquisa feita “com”
outros.
4. É emancipatória: objetiva ajudar as pessoas a se
libertarem das amarras das estruturas sociais irracionais,
improdutivas, injustas e insatisfatórias que limitam seu
autodesenvolvimento e sua autodeterminação.
39
5. É crítica: procura ajudar as pessoas a se recuperarem e
libertar-se das limitações arraigadas ao meio social em que
interagem.
6. É recursiva (reflexiva/dialética): objetiva auxiliar as
pessoas a investigarem a realidade para mudá-la.
(grifos dos autores)
Consideram-se, então, essas características como primordiais no
âmbito desta investigação, ressaltando-se, portanto, sua confluência para o
estudo da prática. Refere-se, aqui, à prática pedagógica material, concreta e
específica de professores de uma escola, e não às práticas gerais ou de
maneira abstrata.
Ao discorrer sobre as diferentes tradições inter-relacionadas no
estudo da prática, Kemmis & Wilkinson (2002, p. 58) priorizam a perspectiva
da prática como “prática reflexiva a ser estudada dialeticamente”, que desafia
as dicotomias entre o individual versus social, do objetivismo versus
subjetivismo, apresentando-os como aspectos relacionados à vida e às
práticas humanas a serem entendidas dialeticamente, isto é, enquanto
mutuamente opostas (e freqüentemente contraditórias), mas essenciais à
realidade humana social e histórica.
Portanto, a convergência maior que se pode apresentar entre o
processo de pesquisa aqui delineado e o arcabouço geral da pesquisa-ação é
o fato de que o que define a pesquisa-ação enquanto pesquisa não é “o
conjunto de técnicas de pesquisa, mas uma contínua preocupação com as
relações entre teoria e prática sociais e educacionais” (KEMMIS &
WILKINSON, 2002, p. 63). Pois, como ressalta Freire (1997, p. 76) “como
professor preciso me mover com clareza na minha prática. Preciso conhecer
as diferentes dimensões que caracterizam a essência da prática, o que me
pode tornar mais seguro no meu próprio desempenho”. Este é um saber
fundante que norteia a presente investigação.
40
1.1.2 Planejamento como fio condutor da pesquisa e o estado da arte: belo
como a soca que o canavial multiplica
Quando o assunto é planejamento, atualmente, basta se acessar
qualquer portal de busca na internet para se perceber que, apesar de
inúmeras possibilidades que surgem sobre essa temática, as ocorrências,
especificamente sobre planejamento pedagógico, são raras e repetidas.
Diante disso, três considerações podem ser apontadas:
1) é recorrente a importância dada ao tema planejamento, hoje, nas
diversas áreas do conhecimento (administração de empresas,
arquitetura, urbanismo, entre outras), excetuando-se, aqui o âmbito
educacional, pois são poucos os estudos mais atualizados;
2) a relevância que vem ganhando o planejamento, nas diversas
áreas, sinaliza para sua funcionalidade como um dos componentes
mediadores em qualquer domínio da ação humana;
3) evidencia-se, então, a necessidade de novos estudos voltados
para o planejamento pedagógico, uma vez que a dificuldade de
literatura atualizada no país, que trata sobre o planejamento, não
tira sua validade como instrumento pedagógico, didático e
científico, mas, ao contrário, reforça a urgência de novas pesquisas
que venham discutir e questionar o seu uso e função.
Por isso, ao ser instigada acerca da produção mais recente sobre
planejamento, além daquela já discutida (SAMPAIO, 2002), foi que se
percebeu a limitação dos estudos na área educacional. Entretanto, para se
chegar a essa descoberta, foi longo o percurso percorrido, desde a “Biblioteca
Central Zila Mamede”/UFRN, sendo nela analisadas duas dissertações:
“Planejamento de ensino - conceitos e trajetórias: estudo do estágio
conceitual de professores da escola pública das cidade do Natal”, de autoria
41
de Olímpia Cabral Neta (1997), sob a orientação da Professora dra Maria
Salonilde Ferreira. Este trabalho analisa em que estágio conceitual se
encontram os professores investigados acerca do domínio do conceito de
planejamento de ensino; e “O planejamento do ensino e saberes psicológicos
sobre a aprendizagem: um estudo com um grupo de professore(as) do Ensino
Fundamental – 1º e 2º ciclos”, de Sairo Rogério da Rocha e Silva, orientada
pelo prof. Dr. Isauro Beltrán Nunez. A contribuição dessa dissertação está na
análise de duas formas de planejamento de ensino: dos planos de aula e
planos de unidade. Através de aplicação de questionário e entrevistas, o autor
identificou nesses planos saberes sobre aprendizagem advindos do senso
comum dos pesquisados, bem como saberes implícitos sobre a Psicologia
Educacional, agrupados pelo pesquisador em dois blocos relativos à
aprendizagem mediacional e à associacionista. Os dados analisados levaram
à conclusão da emergente necessidade de os professores construírem e
sistematizarem seus próprios saberes sobre aprendizagem manifestos em
seus planejamentos de ensino.
Passando pelo serviço de busca dessa Biblioteca, percorreu-se,
ainda, a Biblioteca Setorial (UFRN); no entanto, o que ia sendo encontrado
não acrescentava ganhos significativos sobre a temática. Resolveu-se, então,
recorrer aos grandes centros de pesquisas do país e livrarias on line, o que
não foi muito diferente. Nas livrarias, por exemplo, os títulos mais atrativos
fornecidos se encontram, na grande maioria, esgotados, quais sejam:
“Planejamento de ensino e avaliação” (TURRA, 1975), com maior incidência;
“Teoria e prática no planejamento educacional” (MELO, 1979), “Fundamentos
do planejamento educacional” (COOMBS e ANDERSEN, 1981) e “Estratégias
de ensino-aprendizagem” (BORDENAVE E PEREIRA, 1986).
Constataram-se alguns estudos sobre planejamento, a partir da
década de 1990, a saber: “Planejamento e educação no Brasil” (KUENZER,
1999); além desses, encontraram-se, ainda, algumas obras que dedicam
42
apenas partes ou capítulos a essa discussão, tais como: “Compreender e
transformar o ensino” (SACRISTÁN e GÓMEZ, 1998), “Construir as
competências desde à pré-escola”, “Pedagogia diferenciada: das intenções à
ação” e “Formando professores profissionais: quais estratégias? Quais
competências”? (PERRENOUD et al, 1999, 2000a, 2000b, 2001). Nesses dois
últimos títulos também se busca apoio, à medida que ancora o planejamento
nas discussões sobre as competências necessárias ao trabalho pedagógico.
Das inúmeras buscas feitas, via internet, pelo SIBnet (Sistema
Brasileiro de Bibliotecas on line), Google (portal de busca em vários idiomas),
além de algumas Universidades brasileiras visitadas, como Universidade
Estadual de Campinas, Pontifícia Universidade Católica/SP, Universidade de
São Paulo, Universidade de Brasília, Escola de Comunicação e Artes – ECA
(USP), as Universidades Federais e portais como o da CAPES, PROSSIGA e
Revistas de Educação, foi possível encontrar, apenas, uma Dissertação de
Mestrado que versa sobre o planejamento na área de Educação Física.
Entretanto, alguns artigos on line contribuíram para a discussão aqui
proposta: um deles, “Planejamento e Avaliação” (BRASIL, 2002), do programa
ação educativa, ligado ao MEC, que discute o papel do plano didático e da
avaliação, além do artigo, também do programa do MEC – TVE (TV
Educativa), com o título “Dez questões a considerar...” (SOLIGO, 2001). Outro
texto acessado foi o de Pörter (2000), “Esses outros que perturbam o
planejamento educacional”, fundamentado nos estudos de Edgar Morin.
Por último, destaca-se o texto de Mello (2001): “Planejamentos
diários: o que falam e escrevem professoras alfabetizadoras”, no qual a autora
apresenta a noção de planejamento como um gênero discursivo, apoiando-se
em Bakthin (1997), para a discussão sobre gênero do discurso. Esse estudo
se aproximou, em sua abordagem teórica, dos propósitos desta tese,
especialmente por reconhecer que uma grande parte da literatura que trata do
planejamento pedagógico se limita a oferecer alguns passos que devem ser
43
seguidos, como e com que recursos, desconsiderando, principalmente, a sua
autoria e seus possíveis usuários.
É compreendendo o planejamento como processo e tendo-se por
base o estado da arte realizado a priori, bem como as opções teórico-
metodológicas adotadas no decorrer da pesquisa-ação, que evidencia,
portanto, o caráter inédito da tese que se encampa neste trabalho.
1.1.2 O plano como instrumento que o professor guiaria: como um caderno
novo quando a gente o principia
Para a abordagem histórico-cultural toda a relação entre o homem e
seu meio é sempre mediada por produtos culturais humanos, como o
instrumento, o signo, e pelo outro; com isso, infere-se que dentre os aspectos
relevantes na discussão sobre planejamento incide a compreensão que se
tem sobre mediação.
Conforme Oliveira (1997, p. 26), “a mediação, em termos genéricos,
é o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação; a
relação deixa de ser direta e passa a ser mediada (grifos da autora) por esse
elemento”. Para Masetto (2003, p. 144) “a mediação pedagógica significa a
atitude e o comportamento do professor que se coloca como um facilitador,
incentivador ou motivador da aprendizagem”, que ativamente colabora para
que o aprendiz chegue aos seus objetivos
. Assim, a mediação pedagógica
refere-se ao relacionamento entre professor-aluno no contexto do ensino-
aprendizagem, onde a aprendizagem é vista como possibilidade de
construção de conhecimento, com base na reflexão crítica das experiências e
de co-responsabilidade no processo de trabalho.
A mediação pedagógica ocupa um lugar privilegiado na pesquisa-
ação participativa por colocar em evidência o papel de sujeito do aprendiz e
do professor, com ênfase no processo de aprendizagem. Abrange o
44
desenvolvimento intelectual, afetivo, as competências e atitudes dos alunos
que lhes favoreçam compreender a sua realidade e até mesmo nela interferir,
quando possível.
Contudo, a mediação não se dá apenas por meio do papel do
professor. Com efeito, o plano de aula apresenta-se como instrumento para
colaborar no desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, por isso,
objetiva-se, aqui, discutir o plano como instrumento e a sua função mediadora
no âmbito do trabalho pedagógico em sala de aula.
Ressalta-se que, no contexto da pesquisa-ação, a escola se
constituiu espaço privilegiado de mediação. À medida que, via planejamento,
a professora-pesquisadora mediou os sujeitos da pesquisa,
conseqüentemente oportunizou-se às professoras-participantes mediarem a
sua ação pedagógica, com base no plano de aula por elas elaborados. Essa
perspectiva é compatível com a própria capacidade do homem de criar
instrumentos para lhe facilitar a ação sobre a natureza, sobre a qual Fontana
e Cruz (1997, p. 58) afirmam que
Pode-se considerar instrumento tudo aquilo que se interpõe
entre o homem e o ambiente, ampliando e modificando suas
formas de ação. [...] O instrumento amplia os modos de ação
naturais do homem ao seu alcance. Assim da mesma forma
que atua sobre a natureza, transformando-a, o homem atua
sobre si próprio, transformando suas formas de agir.
Conforme esclarecem as autoras, um instrumento é considerado
como mediação na atividade humana, por exercer papel fundamental nas
ações concretas, tornando-as mais complexas. Ancorando-se nos postulados
marxistas que consideram o surgimento do trabalho como fator de
desenvolvimento da atividade coletiva e da criação e utilização de
instrumentos que diferenciam o homem de outros animais, Vigotski mostra
45
que o que caracteriza o instrumento é a sua função mediadora, explicitando
que
A função do instrumento é servir como um condutor da
influência humana sobre o objeto da atividade; ele é orientado
externamente (grifo do autor); deve necessariamente levar a
mudanças nos objetos. Constitui um meio pelo qual a atividade
humana externa é dirigida para o controle e domínio da
natureza. O controle da natureza e o controle do
comportamento estão mutuamente ligados, assim como a
alteração provocada pelo homem sobre a natureza altera a
própria natureza do homem (VIGOTSKI
, 1996, p. 72-73).
A função dos instrumentos de trabalho, conforme destacou Vigotski,
se dá mediante uso pelos homens de diferentes objetos, como forças, que
vão afetando outros objetos a fim de atingir os objetivos pessoais dos próprios
homens. Com isso, evidencia-se que, na concepção histórico-cultural,
o uso de instrumentos amplia de forma ilimitada a gama de
atividades em cujo interior as novas funções psicológicas
podem operar. Nesse contexto, podemos usar o termo função
psicológica superior, ou comportamento superior com
referência à combinação entre o instrumento e o signo na
atividade psicológica (VIGOTSKI, 1996, p. 73)
.
Vigotski se refere aos instrumentos como objetos físicos
manipulados pelas crianças durante seus experimentos, tais como um banco
e uma vara utilizados por uma criança de quatro anos para pegar um doce no
armário (1996, p. 43), o que lhe possibilitou concluir que, diferentemente dos
animais, as crianças não utilizam os instrumentos de forma direta para
solução de problemas. Entretanto, ele parte do princípio de que não apenas
os instrumentos técnicos medeiam as relações, mas também os “instrumentos
psicológicos”, denominados por Vigotski de signos. Enquanto os instrumentos
46
atuam externamente, os signos são orientados internamente pelo próprio
sujeito, quando este é capaz de representar a realidade, por intermédio de
elementos ausentes do espaço e do tempo.
Tendo por base a noção de instrumento utilizado por Vigotski que,
ao estudar as obras de Marx e Engels, estende o conceito de mediação a
interação homem e ambiente pelo uso de instrumentos, é que se amplia,
nesta tese, a idéia do plano de aula [instrumento], entendido, aqui, como
registro do processo de planejamento, dada sua relevância ao trabalho
pedagógico do professor. No contexto dessa pesquisa-ação, concorda-se com
Vigotski (1996, p.178) ao argumentar que
O efeito do uso de instrumentos sobre os homens é
fundamental não apenas porque os ajuda a se relacionar mais
eficazmente com seu ambiente como também devido aos
importantes efeitos que o uso de instrumentos tem sobre as
relações internas e funcionais no interior do cérebro humano.
É nessa perspectiva que se atribui especial atenção ao
planejamento [processo], uma vez que, com base no plano [documento] como
instrumento mediador externo, à medida que é incorporado à atividade das
professoras-participantes, pode ampliar sua capacidade de intervenção
pedagógica, possibilitando melhor atuação no processo ensino-aprendizagem
da leitura.
1.1.3 Revisitando a escola campo de pesquisa: belo porque tem do novo
surpresa e a alegria
Busca-se, aqui, descrever a escola campo desta pesquisa na qual
também foram desenvolvidas outras pesquisas (estudos anteriores) que
antecederam a este trabalho. Nesta tese, optou-se por discutir dois aspectos
47
básicos: a) os dados atuais da infra-estrutura da escola, e b) apresentar aos
segmentos escolares os dados analisados no processo de pesquisa e sugerir
novas proposições de investigação.
Quanto ao primeiro ponto, detém-se, aqui, a aspectos da infra-
estrutura, com foco na estrutura física da escola e nos materiais de apoio ao
ensino. Ressalta-se, como mudanças positivas, a melhoria da sua infra-
estrutura, pois se observou, previamente, que o prédio havia passado por
uma reforma nas suas instalações, tornando o ambiente mais agradável,
organizado e receptivo, refletindo, assim, na atitude das pessoas envolvidas
na escola.
Destaca-se, também, que a escola havia recebido um Prêmio de
Gestão, ficando entre as dez melhores do Estado do Rio Grande do Norte,
contribuindo, assim, para melhoria da auto-estima de seus profissionais. Um
indício de mudanças está na própria organização dos diferentes segmentos,
para manutenção de água mineral em cada ambiente de trabalho.
Com a reforma feita nas salas de aulas, a escola passou a adotar o
sistema de salas-ambientes para cada área, modificando o deslocamento,
que passou a ser feito pelo aluno, em vez do professor. Agora, a cada toque
da sineta, os alunos devem estar atentos para procurar a sala que oferece a
disciplina do horário correspondente. Conforme depoimentos dos professores
e da direção, essa mudança foi benéfica na medida em que se evita a
depredação das salas de aulas, especialmente porque, no momento em que
não se encontram professores ou são horários vagos, as salas se mantêm
fechadas, de modo que os alunos, geralmente, permanecem numa área
coberta (galpão), na biblioteca ou na sala de vídeo.
A construção de murais em várias galerias, sobre os quais a equipe
pedagógica escreve frases chamativas (removíveis, semanalmente ou quando
necessário) de Paulo Freire, além de outros autores, bem como uma grande
48
pintura (feita por um aluno artista plástico da escola) desse mesmo educador,
é um convite à entrada naquela instituição.
A melhoria dos materiais de apoio ao ensino foi um outro aspecto da
infra-estrutura que mereceu destaque. Conforme depoimento da diretora,
depois de a escola tomar conhecimento da pesquisa anteriormente
desenvolvida (SAMPAIO, 2002), na qual abordava a precariedade do acervo
da biblioteca, a equipe elegeu como prioridade a melhoria desse acervo,
adquirindo, assim, uma quantia significativa de livros paradidáticos, via
recursos da SECD/RN, através de selos enviados para a mesma, por ocasião
da Bienal do livro em Natal/RN, sendo que essa escola recebeu e investiu a
quantia de dois mil reais na aquisição de livros infanto-juvenis.
A coordenação da escola elaborou, ainda, um Projeto, visando à
aquisição de mais livros de literatura e, durante a produção do Projeto
“Oficinas de leitura”, foi possível sugerir títulos, assim como foi atribuída à
pesquisadora a função de acompanhar a diretora até as Editoras em Natal-
RN, para a escolha e compra de novos exemplares. Conforme a equipe
pedagógica, esse trabalho de pesquisa seria bem vindo à escola, uma vez
que iria possibilitar, aos envolvidos, reflexões sistemáticas sobre processos de
leituras, que serviriam, efetivamente, como fundamentação para as oficinas
que seriam, posteriormente, implementadas. Além disso, a escola havia
recebido as coleções de livros “Literatura em minha casa”, advindos do
MEC/FNDE, cujos exemplares (cinco livros por discente) seriam entregues
aos próprios alunos. Durante a coleta de dados, percebeu-se que algumas
turmas já haviam recebido; outras, não.
Em relação ao retorno da professora-pesquisadora à escola campo
de pesquisa, registra-se o fato de que, ao ser concluída a dissertação, uma
das primeiras providências da professora-pesquisadora foi doar uma cópia do
trabalho à escola para que fosse lida antes de sua apresentação aos sujeitos
participantes da pesquisa. Entretanto, o retorno à escola se deu antes do
49
planejado na atual pesquisa, pois, logo se recebeu convite para um encontro
na escola com a equipe do Projeto de Combate à Evasão e à Repetência –
PCER, quando seriam discutidas propostas de trabalho junto às famílias e
alunos, cuja reunião ocorreu dia 02.05.2002, na sede da escola.
Nessa ocasião se resolveu dar início às visitas à escola, objetivando
a preparação para a operacionalização do projeto de pesquisa. Portanto, no
dia 07.05.02 foi realizada a segunda visita à escola, agora no espaço da
biblioteca, a fim de verificar o acervo, o funcionamento da mesma, entre
outros aspectos. Nessa visita também foi coletado o plano de trabalho dos
professores de Língua Portuguesa. No entanto, a escola só dispunha dos
planos bimestrais (referentes ao ano 2000), o anual ainda não havia sido
entregue à equipe.
Naquela ocasião, foram feitas anotações do calendário letivo da
escola (exposto em mural) para o seu acompanhamento pela professora-
pesquisadora. Acertou-se, ainda, com a direção e equipe pedagógica, o dia
da apresentação da dissertação para toda escola, uma vez que a professora-
participante já havia autorizado sua divulgação. Portanto, conforme
combinado, no dia 09.05.2002 apresentou-se o trabalho, com a presença de
todos os segmentos escolares.
Na oportunidade, anunciou-se a nova proposta de pesquisa para
implementação na escola, a que despertou o interesse de vários professores
que, no final da apresentação, procuraram saber mais detalhes a respeito da
implementação do projeto. Acertou-se que o primeiro encontro seria marcado
posteriormente, ficando a professora Laura (nome fictício), em consonância
com a professora-pesquisadora e a escola, responsável por articular a data
para o primeiro encontro dessa nova fase de investigação.
Durante uma nova visita à biblioteca, fez-se a seleção do acervo
bibliográfico a ser trabalhado com os participantes no decorrer da pesquisa-
ação participativa, com especial atenção aos livros que foram enviados pelo
50
MEC/FNDE para os alunos, priorizando os gêneros literários contos e poemas
(ver quadro 2, p. 63). Para a escolha dos gêneros poemas e contos, foram
considerados os seguintes critérios: 1) a qualidade e a extensão do texto; 2) a
disponibilidade dos mesmos nas turmas, uma vez que se presumia serem os
alunos detentores desses materiais. Para isso, durante aquela visita, a
professora-pesquisadora aproveitou para fazer uma leitura prévia desses
materiais.
Enquanto se fazia a leitura na biblioteca, observava-se a
movimentação dos alunos, ora querendo consultar aqueles títulos, ora
querendo informações sobre o recebimento dos mesmos. O livro “Bisa Bia,
Bisa Bel”, de Ana Maria Machado, era constantemente procurado pelas
crianças, embora não estivesse disponível para consulta. Num dado
momento, em conversa informal com a auxiliar de biblioteca sobre o
funcionamento daquele espaço, a mesma expressou surpresa com a
presença de leitores naquele ambiente e teceu as seguintes considerações:
Os professores trazem aqui os alunos à biblioteca, mas não
sabem nem o que fazer aqui, assim como os alunos também
não sabem porque vieram. Os professores daqui não entram
aqui pra ler, como você está fazendo, nem muito menos
consultar livros. Nunca vi um professor ler aqui, quer dizer, faz
tempo que não vejo professor aqui, a não ser quando Eliete
trabalhava aqui. Ela trazia os alunos para a biblioteca e
consultava antes os livros. Nós aqui da biblioteca também não
lemos, não. Mas eu fico dizendo aos alunos quando chegam,
leiam isso aqui pra ver se eles se interessam. A freqüência dos
alunos é muito pouca na biblioteca, a não ser quando vêm fazer
trabalho nessas mesas. Em média, apenas três alunos da tarde
[horário que ela trabalha] pegam livro semanalmente. E
geralmente são os mesmos meninos alunos da 5ª série. Os da
7ª e 8ª quase nem pisam aqui. Agora, depois que chegou esses
livros do MEC, tem uma turminha que de vez em quando vinha
um e outro pegar este livro [mostrando o livro Bisa Bia, Bisa Bel
de Ana Maria Machado]. Só querem o mesmo livro. Não sei
porquê só procuram esse livro (Auxiliar de biblioteca do turno
51
vespertino, In: Notas de campo da professora-pesquisadora, aos
07.05.2002.)
Diante dessas considerações, inferiu-se que em virtude de a
propaganda do referido livro estar passando em horário nobre da televisão
brasileira na Campanha de Leitura do MEC, ele tem despertado o interesse
das crianças. Não é a escola que vem provocando essas leituras. Essa
confirmação obteve-se com a auxiliar de biblioteca, pois a mesma demonstrou
desconhecer essa publicidade, bem como a referida campanha do governo
federal, embora os alunos confirmassem ter conhecimento dessa divulgação.
Com base nessa realidade descrita, mais uma vez se evidenciou a
necessidade de um trabalho com a leitura na escola, envolvendo os diversos
segmentos escolares, objetivando a uma mudança de postura diante do livro
e do leitor que o procura.
De posse do calendário escolar, observou-se o início do terceiro
bimestre, período que se pretendia dar início aos trabalhos. Como fora
combinado, manteve-se contato com a professora-participante da pesquisa
anterior (Professora Laura), para que acordasse junto aos professores e
demais interessados para se dar início aos encontros.
Combinou-se que haveria, inicialmente, um encontro prévio, sob a
coordenação da professora Laura, no qual fosse feita uma leitura prévia do
texto a ser utilizado no encontro efetivo [marcado para o dia 29.07.2002], já
que, durante esse encontro, se projetaria a fita da gravação da aula
[ministrada pela professora Laura, cuja fita foi utilizada como objeto de
investigação na pesquisa anterior].
Tendo-se como ponto de partida a prática de leitura de uma das
professoras da escola, a postura adotada pela professora-pesquisadora era
de contribuir para uma problematização e uma clarificação das práticas
vividas pelos sujeitos, de suas percepções acerca dos problemas enfrentados.
52
Mediante confronto e análise do vídeo e do texto, avaliavam-se, ainda, as
possibilidades de aceitação da proposta de pesquisa-ação e da inserção da
professora-pesquisadora, considerando, ainda, a necessidade de se preservar
uma distância crítica em relação à realidade e à ação quotidiana do grupo.
1.2 O perfil das participantes ̛ de sua formosura deixai-me que diga: é
tão belo como um sim numa sala negativa
A pesquisa-ação foi planejada para acontecer em três momentos
distintos: 1º) fundamentação teórico-metodológica, 2º) sessões literárias, e 3º)
planejamento das sessões de leitura e implementação. Os participantes dos
dois primeiros momentos se constituíram de diversos segmentos da escola,
quais sejam: direção e vice, equipe pedagógica, auxiliar da biblioteca, equipe
do Projeto de Combate à Evasão e à Repetência (PCER), de professores de
Língua Portuguesa (5ª e 6ª série/3º e 4º ciclos), além de professores de outras
áreas.
Para o terceiro momento da pesquisa, acertou-se que seria destinado
apenas aos professores que iriam participar diretamente da experiência em
sala de aula. Depois de se decidir quais professoras participariam da
experiência, após longas discussões sobre as turmas e os textos escolhidos,
optou-se, também por que se trabalhar com o gênero literário conto e com as
turmas (3º ciclo – 5ª e 6ª série), conforme o quadro a seguir:
Quadro 1: Contos trabalhados em sala de aula durante a pesquisa
53
CONTOS
1
TURMAS TURNOS PROFESSORAS
Tampinha – Ângela Lago 5ª 3
5ª 2
6ª 3
Matutino
Vespertino
Matutino
Karla
Ângela
Dóris
Negócio de menino com
menina - Ivan Ângelo
6ª 2
6ª 2
Matutino
Vespertino
Karla
Ângela
Inicialmente, todos os participantes foram considerados sujeitos da
pesquisa; entretanto, aqueles que iriam implementar diretamente o
planejamento foram denominados, aqui, de professoras-participantes: Karla,
Dóris e Ângela (nomes fictícios por elas escolhidos). Estas foram orientadas
previamente pela professora-pesquisadora, vista na escola como uma
profissional que observaria o processo de leitura numa sala de aula, que não
é a sua, e que poderia oferecer “uma outra perspectiva sobre este processo,
ajudando no esclarecimento da questão que está sendo pesquisada” (LOPES,
1996, p. 185).
No desenrolar da pesquisa, buscou-se encaminhar, junto aos
participantes, reflexões sobre o plano bimestral e anual de Língua
Portuguesa, objetivando reorganizá-los com base na aula de leitura e a
oferecer subsídios teóricos para uma discussão sobre a função do
planejamento pedagógico, bem como a utilização dos gêneros textuais para
prática de leitura em sala de aula. A expectativa era de que a análise
apresentada permitisse às professoras uma auto-reflexão sobre a prática de
leitura em sala de aula, como forma de repensar novas estratégias de
mediação, de acordo com o que fora negociado como proposta para a
presente pesquisa.
Todos esses estudos visavam possibilitar às professoras-
participantes melhor atuação, tomando por base o acordo prévio com a
professora-pesquisadora, cujo processo se traduz na consciência de seus
1
As referências desses contos se encontram no quadro 2, pág, 63.
54
papéis e da situação vivida em sala de aula. Concorda-se com Perrenoud
(2000a), ao ressaltar que, nesse aspecto, a função do professor é dupla, à
medida que prevê, antecipa o seu fazer, via planejamento, ao mesmo tempo
em que se manifesta, ainda, em tempo real, na efetivação desse
planejamento, quando precisa automonitorar o processo. Em alguns
momentos, o professor se vale da improvisação didática para auto-regular e
ajustar as ações, que se traduz na flexibilização necessária ao planejamento.
No entanto, incide a preocupação de que o processo ensino-aprendizagem
ocorra, prioritariamente, de forma intencional e planejada.
1.2.1 A professora Karla
A professora Karla é formada em Letras (1995), pela Universidade
do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Tem freqüentado cursos de
atualização e aperfeiçoamento oferecidos pela Secretaria de Educação do
Estado do Rio Grande do Norte, tais como o Curso de Atualização Curricular
(CAC) e os “PCN em ação”. Com trinta e dois anos de idade e quinze anos de
magistério, sendo que há oito anos ela trabalha apenas com a disciplina
Língua Portuguesa. De espírito empreendedor, pois além de sua profissão,
freqüentemente se envolve, junto ao marido, na manutenção de um comércio
rotativo, bem como na vida política por ele abraçada, como vereador. Na
última eleição (2004) candidatou-se a vice-prefeita numa cidade vizinha.
Apesar de não ser eleita, alcançou significativa votação.
A professora demonstra autonomia pedagógica, mesmo
reconhecendo a dificuldade de atualmente manter a disciplina em sala de
aula, fato esse confirmado também pelo grupo de colegas professores.
É reconhecidamente resistente para aceitação de trabalho de
pesquisa em sua sala de aula, fato esse comprovado também nesta pesquisa,
uma vez que alegou diversos motivos, que poderiam dificultar a
55
implementação do trabalho. Convencida ao contrário pela pesquisadora,
durante a implementação das sessões demonstrou-se, de um lado, disponível
em atender os propósitos da pesquisa, e, de outro lado, insegura e receosa
de não ter alcançado os resultados esperados.
1.2.2 A professora Dóris
Formada em Letras (1981), pela Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte (UERN), participou nesses últimos dez anos de vários
cursos de aperfeiçoamento e atualização como o Curso de atualização
Curricular (CAC), “PCN em ação”, “Salto para o futuro”, entre outros.
“Sempre uma incógnita” é assim que se pode definir a professora
Dóris. Imprevisível durante a pesquisa, pois não era possível se ter a certeza
de sua participação ou não nos encontros. Foi uma das professoras que
menos freqüentou o processo de pesquisa, por incompatibilidade no horário.
Mesmo a escola disponibilizando substitutos para as participantes, a
professora Dóris sempre deixou claro que não gostava de entregar suas
turmas a outras pessoas. Porém, como as salas ficavam próximas, sempre
que podia deixava seus alunos fazendo tarefas e participava um pouco das
discussões.
Dos seus quarenta e seis anos de vida, trinta deles foram dedicados
ao magistério, tendo trabalhado nesses últimos vinte anos com ensino de
Matemática e de Língua Portuguesa, concomitantemente. Com experiência
pedagógica na Educação de Jovens e Adultos (5ª a 8ª séries) e no Ensino
Fundamental (2ª e 3ª séries), demonstra maior preocupação em adequar sua
carga horária a um turno específico na escola do que com as disciplinas
ministradas, não apresentando, portanto, resistência em assumir diferentes
áreas como as já citadas.
56
Responsável pelo que faz, demonstra flexibilidade em suas
amizades, criando grandes laços afetivos, inclusive, com seus alunos. A
autonomia pedagógica exercida pela professora em sala de aula é um dos
motivos de admiração de todos da escola. Não se sabe de fato quais são as
estratégias utilizadas pela professora que lhe garantem a disciplina de seus
alunos, de modo que, mesmo ela se retirando da sala de aula, eles se
mantêm ocupados e em silêncio absoluto, fato que não ocorre com outros
professores. Observou-se, no decorrer do seu trabalho pedagógico, que um
dos fatores que contribui para a disciplina dos seus alunos é a preocupação
demonstrada pela professora em trabalhar com a auto-estima da turma,
sempre reforçando suas qualidades em detrimento de seus defeitos.
1.5.3 A professora Ângela
Formada em Letras (1989), também pela UERN, foi uma das
professoras da professora-pesquisadora quando esta freqüentou o Curso de
aperfeiçoamento “Projeto 8 cidades”, organizado pela SECD/RN (1992-1994).
Com vinte anos de dedicação ao magistério, dos quais doze anos
de trabalho com Língua Portuguesa, trabalhou durante oito anos com o
Ensino Fundamental (1ª a 4ª série), especificamente com alfabetização.
Desse trabalho com as crianças, a professora Ângela carrega ainda hoje
algumas marcas na oralidade, especialmente, no uso da linguagem. Ao se
dirigir aos seus alunos, observou-se que a participante sempre utiliza o
diminutivo, por exemplo, “este livrinho”, “uma leiturazinha” etc. Um outro
aspecto observado da sua experiência com crianças que ainda se reflete no
seu trabalho pedagógico é a valorização ao lúdico como estratégia de ensino-
aprendizagem.
Na época da pesquisa-ação, a professora tinha quarenta e quatro
anos de idade. A professora Ângela se considera uma leitora, herança que
57
afirma ter recebido de sua avó paterna, ainda em tenra idade. Depois, teve a
oportunidade de ser aluna de um professor que estimulava o contato dos seus
alunos com o livro, cujo papel é levado a sério pela professora ainda hoje em
sua sala de aula, na medida em que se preocupa em estimular o gosto pela
leitura de seus alunos.
Firme em seus propósitos e simples no seu caminhar profissional,
a professora Ângela é um exemplo de dignidade; soube superar obstáculos e
se impor com humildade, alcançando o respeito e o reconhecimento da
comunidade necessários ao exercício de sua profissão.
Durante o trabalho de pesquisa, esforçou-se para não perder
nenhum encontro, demonstrando efetiva participação nas discussões. Sempre
atenta e sensível aos problemas de sala de aula, demonstrou ser uma das
raras profissionais que ainda acredita em educação, levando estímulo aos
alunos na sua prática cotidiana.
Disponível em atender aos objetivos da pesquisa, envolveu-se no
trabalho de implementação, demonstrando sempre alegria em aprender.
Dedicada apenas ao magistério, como profissão, e sem demonstrar
resistência às inovações pedagógicas, ressaltou a importância da pesquisa
tanto na avaliação final dos encontros, quanto posteriormente, por ocasião da
semana pedagógica, ao falar do trabalho com leitura implementado na escola
durante a pesquisa-ação.
Convém destacar que a formação inicial das professoras-
participantes ocorreu entre as décadas de oitenta e de noventa, mas
nenhuma delas havia cursado pós-graduação, embora a professora Karla
demonstrasse interesse nesse sentido, de modo que a formação continuada
dessas professoras tem se limitado à participação em cursos oferecidos no
âmbito da própria rede estadual de ensino.
58
1.3 O delineamento da pesquisa e a constituição dos dados: belo porque
com o novo todo velho contagia
Visto que nesta pesquisa objetivou-se investigar a atividade de
planejamento como instrumento facilitador da leitura em sala de aula,
superando a desarticulação do ato de planejar e executar, esse momento é
concebido como de “teorização” (VASCONCELLOS, 1999, p. 46) por parte do
professor, de sua prática pedagógica em sala de aula. Com isso, pretendeu-
se, portanto, possibilitar uma ação participativa no espaço escolar como forma
de conhecer o papel pedagógico do planejamento como instrumento capaz de
propiciar uma reorganização do processo ensino-aprendizagem,
principalmente nas aulas de leitura.
Ao definir a pesquisa-ação participativa, teve-se como meta inicial
desencadear um processo de reflexão teórico-metodológica, para que fosse
viabilizado o encaminhamento das orientações junto aos professores. Para
isso, foram considerados os resultados da pesquisa anterior (SAMPAIO,
2002), referentes à organização do planejamento e da aula de leitura, bem
como à análise da relação teoria-prática em sala de aula.
A apresentação dos dados com suas respectivas análises foi feita no
primeiro semestre/2002, conforme acordado e autorizado pela professora-
participante. Na ocasião, foram negociados com os professores os objetivos,
procedimentos e períodos para realização da pesquisa-ação participativa que
veio ocorrer no segundo semestre/2002, obedecendo a seguinte organização:
1º Momento: contribuiu-se com estudos de textos que discutissem a
função e a pertinência do uso do planejamento pedagógico, visando a
repensá-lo e reorganizar os conteúdos, considerando os gêneros (conto e
poema) sugeridos pelos PCN (referenciais já adotados pelas participantes)
59
para a prática de leitura no 3º ciclo do Ensino Fundamental. Propôs-se, ainda,
para esse momento, revisitar as teorias e pesquisas sobre literatura/leitura,
especialmente Smith (1991/1999), Martins (1985), Souza (2001), Amarilha
(1996/1997/1999), entre outros, estabelecendo laços com o uso da Lingüística
Textual no ensino de Língua Portuguesa, no trabalho com os gêneros
textuais.
2º Momento: organizou-se, junto aos professores, sessões de
leituras literárias com base nos recursos disponíveis para isso na escola,
objetivando subsidiá-los no seu repertório de leitura e como ponto de partida
para a construção das seqüências didáticas.
Os procedimentos adotados nas sessões literárias resumem-se nos
seguintes pontos: 1º) leitura do texto sobre formação de repertório (LIMA,
2002); 2º) exposição dos livros (contos ou poemas) pré-selecionados pela
professora-pesquisadora para posterior escolha pelos participantes; 3º)
discussão sobre as especificidades de cada gênero (conto ou poema); 4º)
leitura do livro em grupos; 5º) socialização das leituras; 6º) ao término de cada
encontro (dos quatro realizados) os participantes elegiam três textos
considerados mais interessantes para que fossem incluídos no plano
bimestral (totalizando doze no final, sendo seis contos e seis poemas).
O quadro dois, a seguir, é representativo dos textos pré-
selecionados pela pesquisadora e lidos pelos participantes nesse momento da
pesquisa-ação participativa:
Quadro 2: Textos selecionados e lidos por todos os participantes
GÊNEROS LITERÁRIOS SUGERIDOS
DATAS
POEMAS (Autores/fontes)
CONTOS
(Autores/fontes)
TEXTOS
ESCOLHIDOS
PELOS
PARTICIPANTES
xOu isto ou aquilo (Cecília
Meireles
)
; In: Meus
p
rimeiros
60
29.10.2002
versos – Vol. 4: Ant. de poetas
brasileiros;
xA arca de Noé (Vinícius de
Moraes); In: A arca de Noé – Vol.
1: Poesia
x O ar (o vento) (Vinícius de
Moraes); In: A arca de Noé – Vol.
1: Poesia;
Convite (José Paulo Paes); In:
Palavra de poeta - Vol. 1: Poesia;
x Teu nome (Vinícius de Moraes);
In: Palavra de poeta - Vol. 1:
Poesia;
x A bailarina (Roseana Murray); In:
A bailarina e outros poemas -
Vol. 1: Poesia;
x Banho-maria (Roseana Murray);
In: A bailarina e outros poemas -
Vol. 1: Poesia
x Advinhas (Ricardo Azevedo); In:
Bazar do folclore - Vol. 5: Poesia;
Colégio (Henriqueta Lisboa); In:
Cinco Estrelas – Vol. 1: poemas;
O lobo e o cão (Olavo Bilac); In:
Cinco Estrelas – Vol. 1: poemas;
x A formiguinha e a neve (adaptada
por João de Barro); In: A
formiguinha e a neve
xA formiguinha e a
neve (adaptada
por João de
Barro); In: A
formiguinha e a
neve;
x Convite (José
Paulo Paes); In:
Palavra de poeta
- Vol. 1: Poesia;
x Ou isto ou aquilo
(Cecília Meireles);
In: Meus
primeiros versos
– Vol. 4: Ant. de
poetas
brasileiros;
30.10.2002
x Os catadores de papel (Roseana
Murray); In: A bailarina e outros
poemas - Vol. 1: Poesia;
x Atriz (Roseana Murray); In: A
bailarina e outros poemas - Vol.
1: Poesia;
x Tem tudo a ver (Elias José); In:
Palavras de encantamento – Vol.
1: poesias
x Segredinhos de amor (Elias
José); In: Palavras de
encantamento – Vol. 1: poesias
x Natal (Vinícius de Moraes); In: A
arca de Noé – Vol. 1: Poesia;
x Colar de Coralina (Cecília
Meireles); In: Meus primeiros
versos – Vol. 4: Ant. de poetas
brasileiros
xSegredinhos de
amor (Elias José);
In: Palavras de
encantamento
Vol. 1: poesias
x Tem tudo a ver
(Elias José); In:
Palavras de
encantam. – Vol.
1: poesias;
xColar de Coralina
(Cecília Meireles);
In: Meus
primeiros versos
– Vol. 4: Ant. de
poetas brasileiros
31.10.2002
xNegócio de menino com
menina (Ivan Ângelo); In:
De conto em conto – Vol.
2: Contos;
xBiruta (Lygia Fagundes
Telles); In: De conto em
conto – Vol. 2: Contos
xVítor e seu irmão
(Luiz Fernando
Veríssimo); In: O
Santinho - Vol. 2:
Contos;
x Negócio de
menino com
61
xVítor e seu irmão (Luiz
Fernando Veríssimo); In: O
Santinho - Vol. 2: Contos;
xMinhas férias (Luiz
Fernando Veríssimo); In: O
Santinho - Vol. 2: Contos;
xO vaqueiro que não sabia
mentir (versão popular –
Ricardo Azevedo); In: Bazar
do Folclore – Vol. 5: Trad.
popular
xElefantes (Marcelo Coelho);
In: Era uma vez um conto
-
Vol. 2: Contos;
xNas asas do condor (Milton
Hatoum); In: Era uma vez
um conto
-
Vol. 2: Contos;
xLolo Barnabé (Eva Furnari);
In: Era uma vez um conto
-
Vol. 2: Contos;
menina (Ivan
Ângelo); In: De
conto em conto
– Vol. 2: Contos;
x Nas asas do
condor (Milton
Hatoum); In: Era
uma vez um
conto
-
Vol. 2:
Contos;
01.11.2002
xBeijos mágicos (Ana Maria
Machado); In: Quem conta
um conto?
-
Vol. 2: Contos;
xUm apólogo (Machado de
Assis); In: De conto em
conto – Vol. 2: Contos;
xA revolta das palavras (José
Paulo Paes); In: Era uma
vez um conto
-
Vol. 2:
Contos;
xNa traseira de um caminhão
(Drauzio Varela); In: Era
uma vez um conto
-
Vol. 2:
Contos;
xDois mais dois (Luiz
Fernando Veríssimo); In: O
Santinho - Vol. 2: Contos;
xTampinha (Ângela Lago); In:
Historinhas pescadas –
Vol.2: Contos;
xTrês moços malvados
(versão popular – Ricardo
Azevedo);In: Bazar do
Folclore – Vol. 5: Tradição
popular.
xNa traseira de um
caminhão
(Drauzio Varela);
x Tampinha
(Ângela Lago); In:
Historinhas
pescadas – Vol.2
: Contos;
xTrês moços
malvados (versão
popular – Ricardo
Azevedo); In:
Bazar do
Folclore – Vol. 5:
Tradição popular.
3º momento: tendo-se por base os estudos teórico-metodológicos e
as sessões literárias realizadas, propôs-se a elaboração do planejamento de
duas seqüências didáticas que contemplassem os gêneros conto e poema. A
62
seqüência didática é aqui entendida como um conjunto de atividades de
leituras programadas com base num gênero escolhido e que integra o plano
bimestral dos professores para ser desenvolvido em sala de aula, visando a
atender determinadas finalidades.
Para composição das seqüências didáticas, os participantes
decidiram incluir no plano de Língua Portuguesa (3º ciclo) os seguintes
textos (cf. quadro 3), subdividos em duas seqüências didáticas: Seqüência I:
gênero literário conto e Seqüência II: gênero literário poema.
Quadro 3: Textos incluídos no plano dos professores
POEMAS/ Autores CONTOS/ Autores
x Convite - Jose Paulo Paes;
x Ou isto ou aquilo - Cecília Meirelles;
x Segredinhos de amor - Elias José;
x Tudo a ver - Elias José;
x O colar de Coralina - Cecília
Meirelles;
x A formiguinha e a neve - João de
Barros;
x Outros poemas (livre escolha dos
alunos)
x Tampinha - Ângela Lago
x Os três moços malvados - Ricardo
Azevedo;
x Vítor e seu irmão - Luiz F. Veríssimo;
x Nas asas do condor - Milton Hatoum;
x Na traseira de um caminhão -Drauzio
Varela;
x Negócio de menino com menina -
Ivan Ângelo;
x Outros contos (livre escolha dos
alunos)
Nessa constituição dos dados, além da pesquisa-ação participativa
(KEMMIS & WILKINSON, 2002), seguiu-se o roteiro da pesquisa-ação,
especificamente em sala de aula, conforme sugerido por Lopes (1996, p.
187): a) monitoração do processo ensino-aprendizagem através de notas de
campo e gravação (vídeo); b) negociação da questão a ser investigada; c)
negociação dos instrumentos de pesquisa a serem utilizados; d) pesquisa-
ação na prática: coleta de dados; e) análise e interpretação e confronto dos
dados: acumulação de evidência para teorização. A importância desse tipo de
investigação está no fato de que propicia uma autoformação dos professores
63
em serviço, cuja natureza epistemológica consiste na construção do
conhecimento como processo.
1.3.1 Os instrumentos de investigação e os procedimentos de análise: como
qualquer coisa nova inaugurando o seu dia
Do volume de dados coletados, compreendendo um total de
sessenta horas/aulas gravadas em vídeo (quinze encontros de quatro
horas/aulas cada), junto aos participantes, selecionou-se, como corpus de
análise, as aulas relativas ao trabalho com o gênero conto, assim
especificado:
- três aulas ministradas, respectivamente, pelas professoras Karla,
Dóris e Ângela, com base no planejamento do conto que tem como
título “Tampinha”, de Ângela Lago;
- duas aulas ministradas pelas professoras Karla e Ângela, com
base no conto “Negócio de menino com menina”, de Ivan Ângelo.
O critério adotado para a escolha das professoras-participantes ̛
Karla, Dóris e Ângela ̛ consistiu no fato de que o universo da pesquisa
incluía todos os professores que trabalhavam com turmas do 3º ciclo ( 5ª e 6ª
série do Ensino Fundamental). Isso porque um mesmo plano de aula, com
base num conto seria implementado por cada uma dessas professoras em
diferentes turmas e turnos, visando a verificar na efetiva atuação pedagógica
das professoras a recepção pelos alunos e assim compreender a função
mediadora do planejamento no decorrer das atividades.
Para a escolha do conto (ver quadro 3), adotaram-se os seguintes
critérios: a) primeiro, que fossem selecionados pelo menos dois dos seis
contos incluídos no plano bimestral, elaborado durante a pesquisa-ação, uma
vez que estes já haviam sido considerados pelos participantes como os mais
interessantes para leitura no ciclo escolhido; b) considerou-se, ainda, que
64
cada professora-participante escolhesse, dentre as várias turmas do 3º ciclo,
aquela que mais se adequava ao trabalho com esses contos, ou seja, como
conhecedoras da realidade de seus alunos, de seus interesses, caberia a elas
indicar quais leituras e planos seriam implementados; e, c) dentre os contos
escolhidos, as professoras-participantes presumiam que “Tampinha” e
“Negócio de menino com menina” estariam inseridos nos livros
disponibilizados aos alunos do 3º ciclo, fato esse que facilitaria a aquisição
desses materiais para leitura.
Ficou estabelecido junto às professoras-participantes que a
professora-pesquisadora estaria presente no decorrer das sessões de leitura,
objetivando observar in loco a operacionalização dos planos de aula. Isso
porque esse seria o momento de gravação em vídeo pela própria-
pesquisadora para posterior transcrição e análise. Esse aspecto foi acordado
durante a etapa de planejamento; no entanto, foi realizado, ainda, um
encontro prévio sem gravação entre a pesquisadora e as professoras-
participantes, visando a dirimir dúvidas sobre o plano, além dos possíveis
encaminhamentos, uma vez que no decorrer da sessão estas se
automonitorariam.
De posse dos dados transcritos, foram analisadas as aulas de leitura
ministradas com base no planejamento pedagógico, visando a constituir
horizontes de aproximação entre a teoria e a prática de sala de aula. A análise
foi norteada pelo referencial teórico-metodológico, pela vivência e experiência
acumulada ao longo da pesquisa-ação buscando responder às seguintes
questões de pesquisa: que função que exerce o planejamento pedagógico
como mediador do ensino-aprendizagem de leitura? De que forma a atividade
de planejamento na escola instrumentaliza o trabalho com a leitura no Ensino
Fundamental? Por último, que evidências ocorrem na prática de leitura, tendo
como referência o efetivo uso do planejamento pedagógico?
65
CAPÍTULO 2
A ATIVIDADE DE PLANEJAMENTO NA ESCOLA E A
SUA RELAÇÃO COM O TRABALHO DE LEITURA
Tecendo a manhã
Um galo sozinho não tece uma manhã:
Ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
E o lance a outro; de um outro galo
Que apanhe o grito que um galo antes
E o lance a outro; e de outros galos
Que com muitos outros galos se cruzem
Os fios de sol de seus gritos de galo,
Para que a manhã, desde uma teia tênue,
Se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
Se erguendo tenda, onde entrem todos,
Se entretendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
Que, tecido, se eleva por si: luz balão.
João Cabral de Melo Neto
66
CAPÍTULO 2: A ATIVIDADE DE PLANEJAMENTO NA ESCOLA E A
SUA RELAÇÃO COM O TRABALHO DE LEITURA
Com este capítulo, objetiva-se analisar a etapa de pesquisa na qual
se realizou o planejamento de leitura com todos os segmentos escolares, bem
como com as professoras que efetivaram os respectivos planos das sessões de
leitura implementadas em sala de aula.
Tinha-se como propósito atender aos objetivos específicos da tese,
quais sejam: a) possibilitar uma ação participativa na escola, visando à
fundamentação e construção de estratégias para o trabalho pedagógico no
ensino de leitura; e b) planejar e implementar, junto aos professores, duas
seqüências didáticas de leitura, levando em consideração a autoria dos textos,
o objeto de ensino e os destinatários.
Com isso, este capítulo visa a responder a primeira questão de
pesquisa: de que forma a atividade de planejamento na escola favorece o
trabalho com a leitura no Ensino Fundamental? Discute-se, inicialmente, o
planejar como atividade de antecipação e instrumento
que medeia as ações a
serem realizadas, marcada pelo efetivo encontro entre diferentes interlocuções, tais
como: do texto literário utilizado, do plano de aula, das professoras-participantes e de
seus alunos.
2.1 Os participantes em atividade de planejamento
“Um galo sozinho não tece uma manhã:
Ele precisará sempre de outros galos”.
Após a realização das sessões literárias junto aos diferentes
segmentos escolares, durante as quais foram escolhidos os contos e poemas a
serem incluídos no plano de pesquisa, além daqueles que seriam trabalhados
posteriormente em sala de aula, deu-se início ao processo de planejamento,
67
com a participação dos professores e demais segmentos da escola. Ao coletá-
lo na escola os professores informaram que continuava o mesmo e que não
havia sofrido alterações.
Analisa-se, portanto, nesta seção, a atividade de planejamento com
base nas transcrições do 10º Encontro de pesquisa-ação participativa, no qual
foram delineadas as estratégias de reestruturação do Plano Bimestral – Ano
2000 trabalhado pelos professores de Língua Portuguesa – 3º ciclo.
2.1.1 Reestruturando o plano bimestral de trabalho
Antes de iniciar a reformulação do referido plano, a professora-
pesquisadora ressaltou que havia planejado como tarefa prévia para o 10º
Encontro a apresentação de uma reflexão acerca dos planos utilizados pelos
professores de Língua Portuguesa, já discutidos anteriormente. Porém, a
tarefa não foi cumprida pelos participantes, fato esse realçado pela
professora-pesquisadora no início do encontro, lembrando, outrossim, que,
apesar de os professores apontarem seus alunos como descumpridores de
tarefas, estes também se incluem nessa categoria, mesmo na qualidade de
profissionais.
Considerando-se que durante o 5º encontro de pesquisa-ação
participativa, com base nas análises realizadas na dissertação (SAMPAIO,
2002), haviam sido discutidos junto aos participantes, ponto a ponto, os
aspectos teórico-metodológicos apresentados no plano bimestral e no plano
anual. Esperava-se, assim, uma maior contribuição dos envolvidos durante
sua reformulação, porém, ao explicitar o objetivo do encontro, que seria
“propor reflexões acerca do plano anual, especialmente o bimestral, visando a
reorganizá-lo” (TRANSCRIÇÃO DO 5º ENCONTRO DE PESQUISA-AÇÃO
PARTICIPATIVA, p. 144), percebeu-se que a expectativa dos participantes
68
era a de esperar unicamente pela iniciativa de reformulação proposta pela
professora-pesquisadora.
Esse aspecto tornou-se evidente na medida em que os participantes
não demonstravam se apropriarem do que no plano estava registrado,
dificultando, assim, o encaminhamento para a reformulação proposta. Esse
fato vem comprovar o desuso da atividade de planejar na escola como prática
de reflexão e, ainda possivelmente, a pouca autonomia dos professores em
lidar com o plano como instrumento. Nesse sentido, como discutido por
Desgagné (1998) uma das contribuições da pesquisa-ação, em sua gênese
pressupõe a necessidade de recuperar para os docentes o poder sobre sua
prática, quando necessário, questionando-a.
Essa reformulação em conjunto se justifica pelo fato de que, como
preconiza Vigotski (1996), o uso do instrumento não está limitado às
experiências pessoais de um indivíduo, mas se constituem produtos das
relações históricas entre os homens, de modo que a apropriação deles pelo
indivíduo ocorre sempre na interação com o outro.
Diante disso, como encaminhamento, a professora-pesquisadora
organizou os professores em grupos, e, de posse do plano, sugeriu aos
participantes a reformulação de alguns aspectos que iam sendo analisados,
mais uma vez, pela professora-pesquisadora. Isso porque, o propósito da
pesquisa-ação seria que a reformulação fosse feita pelos envolvidos, já
conhecedores de sua realidade e das finalidades do seu fazer pedagógico,
cuja compreensão perpassava as reflexões emitidas, e não pela própria
pesquisadora.
Recorrendo-se a Vasconcellos (1999, p. 82), ao discorrer sobre os
fundamentos da elaboração do planejamento, vê-se que ele faz referência a
três dimensões a serem levadas em conta nesse processo, de modo que a
cada uma das dimensões do planejamento corresponda, respectivamente, a
69
um tipo de atividade reflexiva, quais sejam: a “Realidade (cognoscitiva), a
Finalidade (teleológica) e Plano de Ação Mediadora (projetivo-mediadora)”.
A realidade é por Vasconcellos definida como o ponto de partida e o
de chegada (só que já transformada), bem como o campo de caminhada. É
por isso, que há a necessidade de conhecê-la antes para depois intervir,
vendo-a sempre como uma construção e não como algo pronto.
A finalidade corresponde ao esclarecimento da intenção pretendida,
que se configura na interação com o conhecimento da realidade e, partindo
dela, se projeta, abrindo novas possibilidades de ação. Vê-se, com isso, que o
plano de mediação é inerente ao planejamento, pois se caracteriza pela
própria atividade reflexiva Projetivo-Mediadora, que tem como “função
representar prefiguradamente uma ação e fazer” (VASCONCELLOS, 1999, p.
85).
Tendo como pressuposto o conhecimento acerca da realidade e da
finalidade a que se destina o planejamento, surge o momento em que a
“operacionalização precisa ser elaborada (plano de mediação), reconstruída,
a partir da análise sobre as determinações da realidade e da reflexão sobre os
fins almejados” (VASCONCELLOS, 1999, p. 86).
Com base nessa compreensão do processo de planejamento e de
sua operacionalização, é que, após a distribuição de cópias do plano
bimestral, todos pudessem apresentar propostas, com base no documento
lido. Em seguida, a professora-pesquisadora passou a instigar os
participantes a demonstrarem sua compreensão a respeito do que neste
documento estava registrado e, com a ajuda do quadro de giz, passou a expor
a finalidade almejada, sugerindo um esboço para sua reestruturação, à
medida que discutia com os participantes a importância daquela proposta.
Na concepção de Libâneo (1994, p. 221), há três modalidades de
planejamento, articuladas entre si: o plano da escola, referindo-se ao seu
Projeto Político-Pedagógico; o Plano de ensino, correspondente ao Plano
70
bimestral/semestral de trabalho dos professores e o Plano de aula. Nessa
mesma perspectiva, porém apresentando diferente terminologia, Vasconcellos
(1999, p. 95), ao definir os níveis de planejamento, considera que o
Planejamento da escola corresponde ao seu Projeto Político-Pedagógico e o
Projeto de ensino-aprendizagem pode ser subdividido em Projeto de curso e
Plano de aula (grifos nossos). É com base nesses autores que, no âmbito
desta tese, adotam-se as seguintes terminologias: Projeto Político-
Pedagógico (plano geral da escola), Plano bimestral (Plano de Curso) e Plano
das sessões de leitura (Plano de aula).
Para Masetto (1997, p. 86), a eficiência de um plano de aula
depende do fato de que, além de uma boa redação, é preciso que apresente
diretrizes claras, práticas e objetivas. Para esse mesmo autor, o plano de
ensino pode ser organizado em partes, cujos componentes são: 1)
identificação; 2) objetivos; 3) conteúdos; 4) estratégias; 5) avaliação; 6)
cronograma, e 7) bibliografia. A adoção desses aspectos constitutivos do
planejamento, separadamente, dá-se em função da organização didática e
não por compreendê-los como momentos isolados. Ao contrário, ressalta-se a
necessária interligação e articulação entre esses componentes como
norteadores do plano de ensino.
É nessa perspectiva que se aborda, aqui, o processo de
planejamento e, conseqüentemente, a reelaboração do plano bimestral dos
professores, considerando o constructo do plano original com o já reformulado
pelo grupo, comparando-os, tendo por base os seus componentes, pois, como
adverte Padilha (2002, p. 26):
O planejamento dialógico resgata justamente a dimensão
histórica da experiência das pessoas e do planejamento já
instituído nas escolas ou nos sistemas educacionais, para
ampliar a possibilidade de reconstrução do que já existe,
partindo do instituído para instituir outra coisa, mas em
coletividade e permanente comunicação.
71
Mesmo se considerando o desuso do planejamento nas práticas
escolares, ressalta-se o fato de que os professores-participantes afirmavam
terem um plano, ou seja, um registro já instituído como documento. Esse fato
não poderia ser desprezado na pesquisa, de modo que se apresenta, aqui,
como referência de análise para o que foi construído coletivamente na
pesquisa-ação.
Para a análise do planejamento pedagógico, elaboraram-se quadros
demonstrativos dos planos bimestrais 2000 e 2004 [reformulado], comparando
quadro a quadro, com base nos seguintes critérios: identificação do plano;
atribuição dos objetivos; seleção de conteúdos; procedimentos metodológicos
utilizados; avaliação; organização do tempo escolar; e inserção da bibliografia
básica e dos anexos.
2.1.2 Identificando o plano de ensino
Para efeito de análise, adotou-se um quadro síntese dos elementos
do plano, subdividido em duas colunas: na primeira, apresenta-se o
documento do ano 2000 (Quadro 4), que foi instituído pelos professores antes
da pesquisa-ação; na segunda coluna, apresenta-se o documento
reelaborado no decorrer da pesquisa (Quadro 5), documento elaborado no
ano 2002.
Um dos aspectos que, inicialmente, chama atenção na identificação
deste documento (Quadro 4) é a confusão entre o que seja planejamento e
plano, entendido pelos professores como sinônimos, como demonstrado a
seguir:
Quadro 4: Identificação do plano/2000 Quadro 5: Identificação do plano/2002
72
Escola Estadual “4 de Setembro”
Planejamento Bimestral – 1.º
Ano: 2000
Disciplina: Língua Portuguesa
Série: 5ª
Escola Estadual “4 de Setembro”
Plano de Trabalho - 2002
Disciplina: Língua Portuguesa
Ciclo: 3º Bimestre: 4º-
Carga Horária: 60 h/a
Com isso, cabe assinalar o que se compreende por planejamento e
por plano, uma vez que, além dessa evidência apresentada no Quadro 4, no
decorrer desse trabalho ora se fala num deles, e, por repetidas vezes, fala-se
de ambos, simultaneamente, como se ambos tivessem o mesmo significado.
O planejamento é visto como um processo que, por si só, se diferencia de
documento. Segundo Vasconcellos (1999, p. 81), o planejamento como
processo envolve dois grandes subprocessos: o de “elaboração” e o da
“realização interativa”. Isso porque planejar implica em tomada de decisão,
implementação e em acompanhamento, instrumentalizando, assim, a visão
política e pedagógica do sujeito.
Pode afirmar-se que o planejamento, como processo, está voltado
para a sistematização de ações que possibilitam a implementação de
objetivos a serem alcançados com a sua materialização. Já o plano (ver
Quadro 5) se constitui no produto em forma de registro, documento escrito ou
não, e que apresenta como função principal a de materializar o processo de
planejamento.
Em outras palavras, o objetivo central do planejamento está
vinculado à significação que este proporciona ao trabalho docente, podendo
torná-lo instrumento de transformação das práticas, resultando num processo
de reflexão e de tomada de decisão dos sujeitos envolvidos no processo
ensino-aprendizagem. Como é definido por Cabral Neta (1997, p. 97), ao
assinalar que “o planejamento é um processo que envolve uma reflexão
crítica e participativa (grifos da autora) sobre a previsão das principais
decisões que vão nortear o fazer pedagógico dos professores e a
aprendizagem dos alunos”.
73
Conforme Sacristán (2000, p.197), o “plano indica a confecção de
um apontamento, rascunho, [...] esboço ou esquema que representa uma
idéia [...] que serve como guia para ordenar a atividade de produzi-lo
efetivamente”. Assim, serve para prefigurar a prática, além de guiar em sua
realização.
Portanto, identificar o plano de ensino implica em apontar suas
características, ou seja, a qual disciplina pertence, qual a carga horária
disponível; precisa, ainda, o tempo destinado a determinadas atividades, a
que série ou ciclo se destina, o ano de implementação, além de outras
informações julgadas necessárias.
Com isso, na identificação do plano bimestral, manteve-se o nome
da escola (Quadros 4 e 5), substituindo-se o título de Planejamento bimestral
(ver quadro 4) por Plano de trabalho (Quadro 5) e, ainda, a série por ciclo;
inseriu-se, ainda, a carga horária prevista de 60h/a para o bimestre.
2.1.3 Atribuindo objetivos ao plano
Considerando que ensino e aprendizagem relacionam-se,
dialeticamente, de modo que o ensino não existe por si mesmo, mas na
relação com a aprendizagem, é que se dá especial atenção, no plano, à
definição dos objetivos que traduzirão os resultados esperados. Os objetivos
traçados indicam os conteúdos a serem selecionados, em termos conceituais,
aos procedimentos metodológicos e as atitudes, incluindo-se o processo de
avaliação.
Mesmo estando se referindo ao plano de ensino, estritamente ao
seu aspecto didático, como este é um instrumento mais próximo da prática do
professor, não é possível se estabelecerem objetivos específicos de uma
disciplina sem que se tome como referência o Projeto Político-Pedagógico
(PPP) da escola. Considerado como um documento norteador das diretrizes
74
gerais da instituição, o PPP indica o tipo de ação educativa para os que fazem
a escola, dado seu caráter de construção coletiva.
Ao traduzir o foco de atuação da escola num dado momento (2002-
2004), o Projeto Político-Pedagógico deve ser levado em consideração na
produção do plano anual, bimestral e nos demais que dele decorrem. A
abrangência desse instrumento é determinada por uma dimensão mais geral
do contexto escolar e por aspectos específicos do ensino, pois,
Pensar o planejamento educacional e, em particular, o
planejamento visando ao projeto político-pedagógico da escola
é, essencialmente, exercitar nossa capacidade de tomar
decisões coletivamente (PADILHA, 2002, p. 79).
Portanto, é imprescindível que o plano bimestral de ensino leve em
conta os princípios, os objetivos e as características do Projeto Político-
Pedagógico da escola, campo de pesquisa-ação participativa, nas ações que
o implementem dentro de sala de aula. Tomando por base essa reflexão é
que, dentre os aspetos sugeridos e acatados pelo grupo de participantes,
consta a inserção de dois objetivos gerais no plano bimestral, os quais
estariam mais ligados ao Projeto Político-Pedagógico da escola. Com o
primeiro se traçaria uma diretriz geral para o ensino, e, com o segundo, far-se-
ia uma ligação com o ensino de língua materna, isto é, a que se propõe a
disciplina Língua Portuguesa, como apresentado nos seguintes quadros:
75
Quadro 6: Objetivos do plano/2000 Quadro 7: Objetivos do plano/2002
OBJETIVOS GERAIS
x Realizar uma prática pedagógica dinâmica e interdisciplinar,
visando à permanência do aluno na escola e a melhoria da
qualidade de ensino de forma que se possibilite ao aluno a
construção de conhecimentos e a formação de indivíduos
críticos e responsáveis, conforme Projeto Político-
Pedagógico da Escola;
x Desenvolver a competência comunicativa dos alunos e o
domínio da língua padrão, objetivando o conhecimento do
funcionamento da língua, através de um ensino produtivo
(TRAVAGLIA, 1996).
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
x Promover o acesso à leitura, através de atividades que
possibilitem aos alunos a apropriação efetiva de múltiplos
aspectos que envolvem à recepção e a produção de textos;
x Possibilitar o aperfeiçoamento e a prática de compreensão e
produção de diversos gêneros textuais orais e escritos;
x Ler e produzir diferentes gêneros, levando em consideração
os propósitos dos textos (finalidade, condições de produção,
recepção, interação e a subjetividade do receptor/produtor) e
o domínio dos princípios da textualidade (organização,
coerência, coesão, clareza, etc.);
x Desenvolver o gosto pela leitura, bem como a sensibilidade
literária, através de leituras livres e dirigidas, sob a
mediação do professor e de outros segmentos da escola;
x Possibilitar aos alunos os conhecimentos lingüísticos
necessários que possibilitem aos mesmos a revisão da sua
própria produção (oral e escrita);
x Ampliar progressivamente o conjunto de conhecimentos
discursivos e gramaticais envolvidos na construção dos
sentidos do texto.
Objetivos
x Desenvolver e aperfeiçoar a prática de compreensão e
produção de diversos tipos de textos orais e escritos;
x Discutir a importância da vida e fazer reflexão critica
acerca da estrutura social, escolar, relacionando com a
vida prática de cada um;
x Produzir diferentes tipos de textos levando em
consideração os propósitos dos textos e domínio dos
padrões de textualidade da expressão escrita
(organização, coerência, coesão, clareza etc.);
x Saber o significado e/ ou motivo da escolha dos nomes
dos alunos, como também conhecer um pouco da
família de cada um através de descrições.
x Discutir a situação atual da família e sua importância
na formação do indivíduo;
x Desenvolver o hábito e o gosto pela leitura, bem como
a sensibilidade lingüística, através de leituras livres.
x Possibilitar aos alunos os instrumentos lingüísticos para
poder revisar seu próprio texto;
x Ampliar, progressivamente, o conjunto de
conhecimentos discursivos, semânticos e gramaticais
envolvidos na construção dos sentidos do texto.
Do plano apresentado em 2000 (Quadro 6) foram excluídos dois
objetivos: “Saber o significado e/ ou motivo da escolha dos nomes dos
alunos...” e “Discutir a situação atual da família e sua importância na
formação do indivíduo”, por considerá-los estritamente operacionais, sendo
mais voltados para um plano de aula, especificamente.
Acrescentaram-se dois objetivos gerais ao Plano de 2002 (Quadro
7), mais amplos, voltados para o Projeto Político-Pedagógico da escola e para
o que se propõe no ensino de Língua Portuguesa. Os demais objetivos foram
reformulados ou ampliados. Houve mudança significativa no tratamento da
linguagem: os gêneros textuais aparecem; incluiu-se a finalidade, condições
de produção, a oralidade e a interação, como aspectos a serem vistos nas
76
aulas de língua materna, considerando autoria e seus interlocutores do texto.
Considerou-se, ainda, que esses ajustes seriam necessários, porque (ver
Quadro 6) não havia nenhuma especificação em relação à natureza dos
objetivos (se gerais ou específicos).
Havia, também, no referido plano (Quadro 6), objetivos mais
voltados para o que se espera alcançar via a própria disciplina ofertada:
“desenvolver e aperfeiçoar a prática de compreensão e produção de diversos
tipos de textos orais e escritos”, “ampliar, progressivamente, o conjunto de
conhecimentos discursivos, semânticos e gramaticais”, entre outros, de modo
que mereciam alguns ajustes na redação, bem como a reformulação de
alguns deles, adequando-os à nova proposta de trabalho com gêneros
textuais (grifos da professora-pesquisadora). Uma das mudanças
significativas ocorre na concepção de linguagem que subjaz aos planos; o de
2002 é mais interacional, vê a linguagem como processo, o que não ocorre
com o de 2000, centrado mais no produto.
Conclui-se que as concepções teóricas subjacentes ao plano de
2000 expressam o estágio de (in) formação das professoras no campo da
Lingüística Textual, mais especificamente no trabalho com os gêneros, de
modo que as mudanças propostas no plano 2002 vêm consolidar uma das
contribuições da pesquisa-ação ao trabalho pedagógico das participantes.
2.1.4 Selecionando os conteúdos
Trata-se do componente do plano que delimita a seleção e a
organização dos conteúdos a serem trabalhados no decorrer do bimestre, e
que devem estar diretamente ligados aos objetivos pretendidos no processo
ensino-aprendizagem, considerando o tempo destinado para esse fim. Tendo
como referência o objetivo central da disciplina, que é “desenvolver a
competência comunicativa dos alunos e o domínio da língua padrão,
77
objetivando o conhecimento do funcionamento da língua, através de um
ensino produtivo” (TRAVAGLIA, 1996), foi que os critérios para seleção dos
conteúdos levaram em consideração a prática de leitura e de produção de
textos orais e escritos, além da análise lingüística, como é demonstrado no
quadro 9, , a seguir:
Quadro 8: Conteúdos no plano/2000 Quadro 9: Conteúdos no plano/2002
CONTEÚDO/ PRÁTICA
TEMÁTICA
LINGUAGEM ORAL E ESCRITA
1. Sentido da vida
Texto literário: música “O que é, o que é?”
“Acróstico da felicidade” texto informativo:
“repensar a vida é perguntar-se pelo seu
sentido”.
2. Estudante
Textos informativos: Estudante é não ser
“aluno”. Dinâmica celebrando o ser estudante.
3. Identidade
Textos do livro didático, descrições
4. Família
Textos do livro didático, descrições, música
5. Leituras Livres
ANÁLISE LINGÜÍSTICA
x Refacção de textos produzidos pelos alunos a
partir dos problemas apresentados;
x Recursos semânticos presentes nos textos e
sua adequação ao contexto;
x Organização de enunciados;
x Uso adequado dos sinais de pontuação,
divisão silábica e acentuação gráfica;
xProblemas de concordância nominal e verbal.
PRÁTICA DE LEITURA E DE PRODUÇÃO DE
TEXTOS ORAIS E ESCRITOS
SEQÜÊNCIA DIDÁTICA I: Gênero literário: conto
- Contos escolhidos pelos professores e outros segmentos
da escola:
1. Tampinha – Ângela Lago;
2. Os três moços malvados – Ricardo Azevedo;
3. Vítor e seu irmão – Luiz Fernando Veríssimo;
4. Nas asas do condor – Milton Hatoum;
5. Na traseira de um caminhão – Drauzio Varela;
6. Negócio de menino com menina – Ivan Ângelo.
Outros contos ... (livre escolha pelos alunos)
SEQÜÊNCIA DIDÁTICA II: Gênero literário: poema
- Poemas selecionados pelos professores e outros segmentos
escolares
1. Convite – José Paulo Paes;
2. Ou isto ou aquilo – Cecília Meireles;
3. Segredinhos de amor – Elias José;
4. Tudo a ver – Elias José;
5. Colar de Carolina – Cecília Meireles;
6. A formiguinha e a neve – João de Barros (Braguinha).
Outros poemas ... (livre escolha pelos alunos).
ATIVIDADE EXTRA: Oficinas de leitura (contos e
poemas) em parceria com outros professores e segmentos:
supervisores, auxiliares da biblioteca, Projeto de Combate
à Repetência, etc, conforme relação de textos (anexo 1).
Obs.: serão destinadas 15h/a para a prática de leitura e
15h/a para a prática de produção textual.
ANÁLISE LINGÜISTICA
x Refacção e reescritura de textos produzidos pelos alunos
a partir dos problemas apresentados em suas produções;
xRecursos sintáticos, morfológicos e estilísticos presentes
nos textos e sua adequação ao contexto;
xProdução, análise de enunciados e organização textual;
xUso adequado dos sinais de pontuação, divisão silábica e
acentuação gráfica (sistema gráfico);
xPausa, troca de turno, interrupção, progressão temática,
repetição, etc (sistema falado);
xProblemas de concordância nominal e verbal, entre
outros.
Tempo previsto:15h/a para análise lingüística.
SESSÕES LITERÁRIAS BIMESTRAIS conforme (anexo
2
)
envolvendo os se
g
mentos da escola
q
ue im
p
li
q
uem em
78
estratégias de seleção, antecipação, inferência e
verificação visando a formação de leitores proficientes.
A seleção dos conteúdos do ano 2000 (Quadro 8) tem como fio
condutor algumas temáticas envolvendo as práticas de linguagem orais e
escritas, com base em diversos textos, sem considerar o estudo dos gêneros
textuais. A análise lingüística nele instituída considera apenas o texto escrito,
sem levar em conta aspectos da oralidade.
No plano de 2002 (Quadro 9), a seleção de conteúdos envolveu a
prática de leitura e de produção de textos orais e escritos, de modo que fosse
organizada, por intermédio de duas seqüências didáticas: Seqüência I –
gênero literário: conto, e a Seqüência II – gênero literário: poema. Por último,
na análise lingüística, efetivaram-se algumas reformulações em sua redação,
especialmente no uso dos textos orais.
Estabeleceu-se, portanto, como estratégia de reorganização dos
conteúdos, o trabalho com os gêneros, organizado em seqüências didáticas
para o oral e para a escrita (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004). Para
esses autores, “uma seqüência didática é um conjunto de atividades
escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero
textual oral ou escrito”. Com isso, os autores justificam seu uso no trabalho
com os gêneros textuais, ao afirmarem que: “uma seqüência didática tem,
precisamente, a finalidade de ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de
texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada
numa dada situação de comunicação” (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY,
2004, p. 97).
Ao explicitarem a estrutura de base de uma seqüência didática,
Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) propõem, para o trabalho com o gênero
selecionado, o seguinte esquema: 1º) Apresentação da situação, ou seja,
momento de exposição da tarefa (oral ou escrita) correspondente ao gênero,
79
a ser realizado de modo que os alunos possam desenvolver uma primeira
produção; 2º) Produção inicial, que indicará a compreensão dos alunos acerca
do gênero proposto; 3º) Os módulos, constituídos de tarefas variadas com
base no gênero, são trabalhados sistematicamente buscando à superação
dos problemas apresentados e ao domínio do gênero de texto em questão. E,
por último; 4º) A produção final, que servirá de avaliação dos progressos
alcançados pelos alunos e incidirá sobre aspectos trabalhados na seqüência.
Para cada conteúdo, gênero conto ou poema, no plano está se
prevê a realização de atividade extra, via oficinas de leitura (Ver Anexo 1 –
Plano 2002), além de se proporem sessões literárias bimestrais (Anexo 2 –
Plano 2002), que foram planejadas envolvendo vários segmentos escolares.
Isso porque, no plano anterior (Quadro 8) havia leituras livres, porém não se
sabia como seriam realizadas. Por isso, resolveu-se evidenciá-las (ver Quadro
9), por meio dessas atividades, e com base em um cronograma específico,
objetivando desenvolver o gosto pela leitura dos alunos.
Para a prática de produção de textos, decidiu-se que se envolveriam
tanto os textos escritos quanto os orais, tomando-se por baseado o
encaminhamento a um só tempo, uma vez que os textos orais são pouco
privilegiados na sala de aula, embora exerçam grande importância nos
estudos lingüísticos atuais. Essa exigência parte do princípio de que é
necessário que a escola tome como desafio desenvolver um trabalho que
possibilite aos alunos escrever textos e exprimir-se oralmente em situações
públicas, escolares e extra-escolares.
2.1.5 Revendo as estratégias
A metodologia utilizada para as aulas de língua materna teve como
cerne a compreensão que se adota em relação ao processo ensino-
80
aprendizagem, bem como a opção teórico-metodológica que se faz para o
ensino.
Parte-se do postulado de que o “ensino produtivo” (TRAVAGLIA,
1996) pressupõe o uso de uma postura metodológica adotada pelo professor,
no intuito de ajudar o aluno a entender o uso da língua materna de maneira
mais eficiente, através da aquisição de novas habilidades lingüísticas. Com
isso, adotam-se procedimentos que implicam na interação entre o aluno e o
objeto de estudo, que tem como fio condutor, neste trabalho, o efetivo uso dos
gêneros textuais. É isto que os quadros seguintes ilustram:
Quadro 10: Estratégias no Plano/2000 Quadro 11: Estratégias no Plano/2002
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
x Motivação para o estudo dos textos;
x Discussão prévia sobre a temática a ser estudada;
x Realização da leitura observando a estrutura do texto, a
intencionalidade, a linguagem utilizada;
x Debate e exposição das idéias veiculadas pelos textos;
x Produção de textos variados (narrações, biografias,
descrições de pessoas, artigos de lei, poemas,
dramatizações, paródias etc.).
x Leitura dos textos produzidos pelos alunos observando os
recursos utilizados, os efeitos obtidos e o seu próprio
desempenho;
x Reestruturação dos textos oportunizando aos alunos a
revisão da sua própria produção escrita de maneira coletiva
e/ ou individual.
x Aulas expositivas;
x Exercícios variados para sistematização dos problemas
apresentados nos textos produzidos pelos alunos;
x Uso do dicionário;
x Discussão e sistematização dos problemas gramaticais
apresentados nos textos;
x Leitura livre utilizando livros, jornais e revistas variadas;
x Apresentação dessas leituras de forma diversificada;
x Criação de normas para o bom funcionamento da sala de
aula.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
x Motivação para a leitura de textos a partir das
características de cada gênero;
x Apresentação do gênero a ser trabalhado,
considerando seu tema, composição e estilo;
x Levantamento de previsões sobre o texto;
x Realização de leituras pelo professor e/ ou pelos
alunos;
x Discussão sobre o texto e confirmação ou não
das previsões e inferências;
x Encaminhamentos para mediação das atividades:
orientação para produção falada e escrita com
base no gênero trabalhado;
x Reescritura e refacção de textos oportunizando
aos alunos a revisão da sua própria produção
falada e escrita de maneira coletiva e ou
individual;
x Discussão dos possíveis avanços e problemas
sintáticos, morfológicos e estilísticos
apresentados nas produções orais e escritas;
x Socialização das produções para os diferentes
interlocutores.
Um dos aspectos observados em relação aos procedimentos
apresentados no Plano de 2000 (Quadro 10) é a relação destes com a
temática, embora esteja implícita na metodologia. Observa-se, ainda, a
ausência de uma abordagem mais discursiva em relação aos textos, pois,
mesmo estando evidenciado o trabalho com textos, visto como um avanço,
81
considera-se no plano o trabalho apenas com a sua materialidade e a sua
estrutura lingüística.
A atividade de revisão e refacção da escrita, isto é, a análise
lingüística (ver Quadro 10), foge da perspectiva teórica proposta no Plano de
2002, na medida em que passa a vislumbrar problemas de origem apenas
gramatical, sem considerar uma efetiva reflexão sobre a linguagem verbal,
como um todo. Conforme Geraldi (1997, p. 74), a “análise lingüística inclui
tanto o trabalho sobre questões tradicionais da gramática quanto questões
amplas a propósito do texto”. Ou seja, trata-se de “trabalhar com o aluno o
seu texto para que ele atinja seus objetivos junto aos leitores que se destina”,
de modo que a cada aula o professor deverá selecionar apenas um problema,
cuja prática norteia-se pelo princípio de se “partir do erro para a autocorreção”
(GERALDI, 1997, p. 74).
A abordagem metodológica do Plano de 2000 está centrada em
aulas expositivas, uso de dicionário, além da prática de exercícios. Com base
nas reflexões teóricas, a reformulação do plano (Quadro 11) se orientou
teoricamente pela andaimagem (GRAVES & GRAVES, 1995), ora suprimindo-
se alguns procedimentos, ora adequando outros à nova proposta de trabalho,
de modo que se evidenciam no plano de 2002 os seguintes avanços: a) a
leitura passou a ser orientada na perspectiva dos gêneros textuais e não mais
pelas tipologias somente; para isso, foram consideradas as características de
cada gênero textual e sua composição, substituindo a observação de
aspectos meramente estruturais pela discursividade presente nos textos; b) a
atividade de previsão, de confirmação ou não, além das inferências passa a
exercer fundamental importância na formação do leitor; c) a leitura passa a
ser realizada também pelo professor e não mais exclusivamente pelos alunos;
d) a produção textual (oral e escrita) passa a se constituir uma atividade
mediada, com ênfase nos recursos de refacção e não apenas da revisão de
82
problemas gramaticais, e e) a avaliação da produção (oral e escrita) dos
alunos consiste na observação, pelo professor, dos possíveis problemas.
2.1.6 Sistematizando a avaliação
Avaliação e planejamento são atividades inseparáveis; formam um
processo único, no qual devem ser definidos os objetivos, os conteúdos, as
estratégias de ensino, os critérios e as formas de avaliar. É nesse sentido,
que o processo de avaliação exerce fundamental importância no plano de
ensino, uma vez que indica aos envolvidos o andamento do processo ensino-
aprendizagem, visando à identificação das necessidades e ajustes
necessários ao ensino. Propicia, ainda, uma reflexão conjunta sobre o que é
preciso ser feito, além de apontar os ganhos obtidos no percurso seguido
pelos sujeitos desse processo [professoras e alunos]. Como a “avaliação
incorpora os objetivos, aponta uma direção” (FREITAS, 2003, p. 95), recaindo
sobre a função social da escola, surge, então, a necessidade de que seus
efeitos sejam vistos tanto no interior da sala de aula quanto na escola com um
todo.
Assim, como indicado na avaliação do Plano de 2000 (Quadro 12),
os critérios avaliativos utilizados apontam para a “prova escrita” como um dos
instrumentos que garantirá o controle da consecução dos demais aspectos do
trabalho em sala de aula, contribuindo, assim, para a seletividade da escola.
No entanto, quem fará uso da auto-avaliação que reorientaria o ensino e,
conseqüentemente, a aprendizagem não está claro. Podem ser professores e
alunos ou apenas os alunos, no cumprimento ou não de tarefas. Os quadros
seguintes ilustram essa discussão:
Quadro 12: Avaliação no Plano/2000 Quadro 13:Avaliação no Plano/2002
83
AVALIAÇÃO
Os alunos serão avaliados através dos seguintes
critérios:
x Compreensão de textos orais e escritos a partir da
leitura dos gêneros previstos, observando as
idéias principais e atribuindo sentido e
criatividade.
x Produção de textos observando as características
impostas por cada gênero;
x Desempenho e participação na análise e revisão
dos textos em função dos objetivos estabelecidos,
da intenção comunicativa e do leitor a que se
destina, refazendo tantas versões quantas forem
necessárias para considerar o texto bem escrito;
x Participação nos trabalhos individuais e em
grupos, exposição, debates;
x Auto-avaliação;
x Prova escrita.
AVALIAÇÃO dar-se-á através dos seguintes
critérios
x Compreensão da relação entre oral e escrito a partir
da escuta, leitura e da produção dos gêneros
previstos e a atribuição de sentido e criatividade;
x Produção de textos orais e escritos, observando as
características próprias dessas modalidades e de
cada gênero;
x Refacção e reescritura de textos individuais e
coletivos;
x Desempenho e participação na análise e revisão dos
textos em função dos objetivos estabelecidos, da
intenção comunicativa e do leitor a que se destina,
refazendo tantas versões quantas forem necessárias
à construção de um texto bem escrito;
x Participação nos trabalhos individuais, coletivos e
em grupos, bem como nas diversas atividades
escolares;
x Auto-avaliação entre professores e alunos visando ao
replanejamento das ações;
x Criação de instrumentos avaliativos, considerando
habilidades e competências dos alunos como forma
de perceber os avanços e dificuldades dos mesmos
objetivando sua superação.
Tempo previsto: Destinar-se-ão 10h/a para atividades
avaliativas e 05h/a para recuperação.
A avaliação é reveladora dos princípios teórico-metodológicos que
sustentam as práticas pedagógicas dos professores, especialmente no
trabalho pedagógico com o objeto de conhecimento, na relação que se
estabelece com os alunos e sua forma de organização didática. Uma vez que
discute a avaliação do processo ensino-aprendizagem, deve considerar-se
pelo menos duas dimensões na construção da função mediadora do plano: a
do aluno e a do trabalho pedagógico do professor com o objeto de ensino. Foi
pensando nessas dimensões que no Plano de 2002 (Quadro 13)
redimensionaram-se alguns critérios avaliativos:
a) aspectos relativos à intencionalidade do professor no processo
ensino-aprendizagem;
b) momento oportuno de avaliar não apenas as dificuldades dos
alunos, mas também os avanços alcançados nas suas produções
(orais e escritas);
84
c) visão da avaliação em espiral, que considera os sujeitos
(professor e alunos) do processo suscetíveis de serem avaliados e
não apenas os alunos como geralmente ocorre nas práticas
escolares.
d) elaboração de instrumentos avaliativos claros, visando a atender
as especificidades das habilidades e competências a serem
averiguadas, permitindo visualizar avanços e dificuldades;
Ressalta-se que esses avanços devem atender aos objetivos
estabelecidos pela escola no seu Projeto Político-Pedagógico, bem como ao
que se espera atingir em relação ao ensino de leitura em Língua Portuguesa.
2.1.7 Organizando o tempo escolar
A previsão e a organização do tempo pedagógico é uma tarefa
daqueles que realmente planejam o ensino, não considerando a rigidez no
seu cumprimento, mas como estimativa necessária para viabilização da
proposta que se pretende desenvolver. Isso porque é justamente a previsão
do tempo destinado à determinada atividade que revelará a prioridade dada
pelo professor a cada parte do conteúdo previsto no plano, considerando a
sua função de mediar o trabalho pedagógico do professor.
A sugestão de distribuição do tempo pela professora-pesquisadora,
durante o planejamento, causou espanto a alguns professores-participantes, a
ponto de alguém perguntar: “E tem isso, tempo, no planejamento?” (11º
ENCONTRO DE PESQUISA-AÇÃO PARTICIPATIVA – TURNO 003, p. 117).
Exercendo o papel de mediadora, e, ao mesmo tempo, professora-
pesquisadora, perguntou-se quanto tempo os participantes, geralmente,
utilizam para avaliação dos alunos. Prevaleceu o silêncio total na sala, até que
uma participante afirma: “Cada um faz do seu jeito, né?” (TURNO 007, p.
117).
85
Essas assertivas vêm demonstrar a dificuldade dos professores em
organizar algo que se considera como muito precioso na vida moderna, que é
a distribuição do tempo. Porém, uma das qualidades da pesquisa-ação é levar
a sério o saber espontâneo dos sujeitos envolvidos, cotejando-o com suas
explicações, acerca da situação, mesmo considerando as sutilezas e nuances
no desvelamento de suas ações. Com isso, didaticamente, os participantes
reconheceram a necessidade de se considerar o tempo destinado à leitura, à
produção e à análise lingüística essenciais para o ensino de língua materna.
Portanto, como avanço da pesquisa-ação, registra-se no plano de
2002 a previsão do tempo a ser utilizado em cada uma dessas atividades, de
modo que facilita, aos professores, uma distribuição adequada,
correspondente, portanto, às 60h/a previstas para o ensino de Língua
Portuguesa, assim distribuídas no plano: a) 30h/a para prática de leitura e de
produção; b) 15h/a para análise lingüística; e c) 15h/a para atividades
avaliativas. O registro desse cronograma do tempo foi esboçado no plano e
inserido em cada atividade prevista, como demonstrado nos quadros 9 e 13
apresentados anteriormente.
2.1.8 Bibliografia básica utilizada pelos participantes
A expressão bibliografia básica é aqui utilizada como o conjunto de
textos selecionados para o trabalho pedagógico numa determinada disciplina,
e que indicará as opções teóricas dos responsáveis pelo plano, por isso não
corresponde ao significado de referência bibliográfica. Dada a sua
importância, a inserção da bibliografia no plano foi um avanço, pois não
constava esse item no plano de 2000. Diante disso, fez-se questão de inseri-
la no plano de 2002 (Quadro 14), como demonstrado a seguir:
Quadro 14: Bibliografia no Plano/2002
86
B
IBLIOGRAFIA
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
curriculares nacionais – 3º e 4º ciclos do ensino fundamental – língua portuguesa. Brasília,
1998.
_____._____. Fundo Nacional de Educação. Coleção literatura em minha casa. São Paulo:
Moderna, 2001.
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Texto e interação: uma proposta de produção textual a
partir de gêneros e projetos. São Paulo: Atual, 2000.
ESCOLA ESTADUAL 4 DE SETEMBRO. Projeto político-pedagógico. Pau dos Ferros, 2000-
2001.
GERALDI, J. W. Linguagem e ensino: exercício de militância e divulgação. São Paulo:
Mercado de Letras, 1996.
KOCH, I, V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997.
_____. Texto e coerência. São Paulo: Cortez, 1995.
LIMA, V. L. R. de S. A formação de repertório de leituras. In: YUNES, E. (Org.) Pensar a
leitura: complexidade. Rio de janeiro: PUC/São Paulo: Loyola, 2002.
SAMPAIO, M. L. P. A relação teoria-prática no ensino de leitura: o planejamento pedagógico
como referência de análise. Dissertação de Mestrado. Natal: UFRN, 2002.
TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação. São Paulo: Cortez, 1996.
Apesar das variadas fontes consultadas pelas professoras-
participantes, no decorrer da pesquisa-ação, orientou-se que fosse
registrada, no plano, apenas o essencial, priorizando-se aqueles títulos de
uso corrente dos professores no decorrer do processo ensino-aprendizagem.
2.1.9 Os anexos do plano
Dentre os aspectos discutidos a respeito do plano bimestral de 2000,
viu-se que um dos problemas apresentados é que nele constava a realização
de leituras livres (quadros 8 e 10), porém não havia o registro (o plano)
dessas atividades. Esse registro ficaria a critério de cada professor, assim
como planejar as atividades e implementá-las, individualmente. Na prática,
isso geralmente ocorria, conforme informações dos próprios professores.
Diante dessa constatação, decidiu-se que as atividades extras a
serem desenvolvidas fossem pensadas de forma coletiva, e que, no plano
bimestral, deveria constar essa sistematização, como anexos. Portanto,
planejar e sistematizar em forma de registro (plano de 2002) se constituiu
87
avanço para a organização do trabalho pedagógico dos professores. Como
demonstrado (Quadro 15), após as citações bibliográficas, constam os
anexos:
Quadro 15: Anexos do Plano/2002
Anexo 1: OFICINAS DE LEITURA: outros contos e poemas
Anexo 2: PLANO DAS SESSÕES LITERÁRIAS BIMESTRAIS
ATIVIDADE 1: Sarau poético e amostra
ATIVIDADE 2: Reconto de histórias
ATIVIDADE 3: Concurso de ilustração
ATIVIDADE 4: Confecção de livro com poemas
ATIVIDADE 5: Festival de imagens poéticas
Anexo 3: PLANO DAS SESSÕES DE LEITURA DA PESQUISA-AÇÃO
O registro dos anexos, conforme é posto no plano, visam a definir, a
priori, o que vai ser desenvolvido com os alunos, enquanto atividade extra ou
complementar, correspondendo, portanto, a módulos das seqüências
didáticas (SCHNEUWLY & DOLZ, 2004), cabendo ao professor e aos demais
segmentos envolvidos com essas tarefas a sua implementação no momento
adequado.
2.2 Do planejamento à realidade de sala de aula: estratégias de seleção
e de tomada de decisão
Após a reformulação do plano bimestral de trabalho dos professores-
participantes, passou-se ao terceiro momento da pesquisa (11º ENCONTRO
DE PESQUISA-AÇÃO PARTICIPATIVA), que objetivava “contribuir com os
professores nas orientações e nos planejamentos das sessões de leitura, para
desenvolvê-las em sala de aula”.
No início desse encontro, a professora-pesquisadora conduziu as
reflexões acerca de alguns aspectos a serem revistos, reelaborados e
replanejados, com base no esboço do plano bimestral já previamente
88
reformulado, em conjunto com as participantes, e por eles entregue, em forma
de síntese, à professora-pesquisadora.
Para a elaboração do plano das sessões de leitura pelos
professores-participantes, a professora-pesquisadora sugeriu, como
encaminhamento, um esboço de plano de aula assim como foi apresentado e
discutido no 4º Encontro de pesquisa-ação em que se apresentou a
abordagem da experiência de leitura por andaime (scaffolding), com a
seguinte estrutura de organização: a) identificação; b) conteúdo selecionado;
c) referência do conto; d) resenha; e) metodologia: pré-leitura, leitura e pós-
leitura; f) análise lingüística; e g) avaliação.
Com base nos estudos de Graves & Graves (1995), adotou-se o
seguinte esquema metodológico para esse trabalho: pré-leitura, leitura e pós-
leitura. Com isso, em conjunto com os participantes, adotaram-se as
estratégias de seleção para as sessões de leitura, envolvendo o conto
“Tampinha” e “Negócio de menino com menina”, como indicados no quadro a
seguir:
Quadro 16: Roteiro do Plano das sessões de leitura/2002
SESSÃO DE LEITURA DO DIA __/__/2002
TURMA: ___ TURNO: __________ Professora __________________
Conteúdo: Gênero literário conto
Referência bibliográfica do conto
Objetivos:
Geral e específicos
Resenha do conto
Pré-leitura:
Leitura: em voz alta pelo(a) aluno(a) e ou pela professora.
Pós-leitura: compreensão oral
Atividade de produção oral e escrita
Análise lingüística: oral e escrita
Avaliação da atividade: professora e alunos
89
Com base no plano bimestral já reestruturado, ocorre a reelaboração
do plano da sessão pelas professoras-participantes, constituindo-se em outro
momento de reflexão na realização do trabalho da pesquisa-ação
participativa. Essa atividade possibilitou às professoras-participantes
replanejar e ajustar, junto à professora-pesquisadora, as estratégias adotadas
coletivamente a serem implementadas em suas salas de aulas.
Nesse encontro, tomaram-se algumas decisões: com quais
professores; em quais turmas, dias e horários; que contos seriam trabalhados;
decidiu-se, ainda, o horário e o dia em que se discutiria, individualmente, com
as professoras-participantes, o planejamento para implementação em suas
turmas.
Ainda nesse momento reservou-se um tempo para que os
professores-participantes pudessem avaliar o trabalho que vinha sendo
desenvolvido durante toda a pesquisa-ação participativa, uma vez que os
encontros com todos os segmentos estavam encerrando, passando, portanto,
a uma fase de se trabalhar mais diretamente com as professoras que
implementariam o plano em sala de aula.
2.2.1 A reelaboração do plano da sessão pelas professoras-participantes
No 12º encontro se trabalhou apenas com as professoras-
participantes, que são as responsáveis pela implementação do planejamento.
Subdividiu-se o encontro em dois momentos, com duas horas e meia cada,
fazendo-se, assim, um atendimento individualizado, em virtude das
dificuldades em conciliar o tempo da pesquisa-ação com o trabalho das
professoras envolvidas. O objetivo desse encontro foi o de rediscutir com as
professoras-participantes, com base no planejamento elaborado, em conjunto,
sobre os ajustes necessários para implementação do planejado, bem como a
escolha da turma e do conto pelas professoras. Partindo do princípio de que
90
as professoras são as reais conhecedoras de seus alunos é que se adotou
como critério que cada uma delas escolheria em qual turma (5ª e 6ª série)
seria trabalhado determinado conto. Portanto, foi a partir desse critério que se
definiu utilizar um determinado conto numa turma e não em outra.
Escolheu-se, também, o conto a ser utilizado durante a sessão, pois
um dos critérios adotados na pesquisa-ação participativa para o trabalho com
o conto é o de que os alunos tivessem acesso ao texto fonte, como material
concreto, seja o próprio livro ou a sua fotocópia. A idéia inicial era que cada
aluno dispusesse do livro como suporte material, não apenas para ser lido,
mas que pudessem explorá-los fisicamente, a qualidade de impressão, dos
desenhos, da capa, entre outros aspectos, como o autor, ilustrador o que
deveria ser evidenciado pelas professoras-participantes.
Era importante que os textos escolhidos fossem portadores de idéias
que entusiasmassem as professoras, que suscitassem reflexões,
comentários, pois dificilmente um professor pode envolver seus alunos na
leitura de textos que ele mesmo não aprecia. Em atendimento a esses pontos
se reviu a escolha de algumas turmas, antes cotadas para o trabalho, porém
descartadas com a inclusão de outras.
A reelaboração do plano possibilitou, ainda, o replanejamento de
algumas estratégias adotadas em detrimento das condições apresentadas
pelas professoras: a leitura do conto poderia ser realizada por um(a) aluno(a)
e não somente pela professora; o reconto poderia ser feito pelos alunos que o
desejassem e não apenas por um único aluno, entre outros aspectos.
91
CAPÍTULO 3
DO COMPONENTE TEÓRICO À PRÁTICA
PEDAGÓGICA: PLANEJANDO O ENSINO
DE LEITURA COM GÊNEROS LITERÁRIOS
Exceção: Bernanos,
que se dizia escritor de sala de jantar
[...]
Escrever é estar no extremo
de si mesmo, e quem está
assim se exercendo nessa
nudez, a mais nua que há,
tem pudor de que os outros vejam
o que deve haver de esgar,
de tiques, de gestos falhos,
de pouco espetacular
na torta visão de uma alma
no pleno estertor de criar.
(Mas no pudor do escritor
o mais curioso está
em que o pudor de fazer
é impudor de publicar:
com o feito, o pudor se faz
se exibir, se demonstrar,
mesmo nos que não fazendo
profissão de confessar,
não fazem para se expor
mas dar a ver o que há).
João de Cabral de Melo Neto
92
CAPÍTULO 3: DO COMPONENTE TEÓRICO À PRÁTICA
PEDAGÓGICA: PLANEJANDO O ENSINO DE
LEITURA COM GÊNEROS LITERÁRIOS
Este capítulo visa a atender ao terceiro objetivo da tese, que é
relacionar as ações das professoras-participantes nas aulas de leitura, às
mudanças ocorridas ou não, apontando as alternativas construídas no
processo. Para isso, esse capítulo visa a responder a segunda questão de
pesquisa-ação: como ocorre a prática de leitura que tem como referência o
efetivo uso dos gêneros textuais no planejamento pedagógico?
Buscar respostas para essa questão pressupõe contextualizar
teoricamente a prática de leitura dos contos, tendo como referências de análise
aspectos conceituais sobre Gêneros Textuais, Planejamento, Currículo, Projeto
Político-Pedagógico, entre outros.
3.1 Currículo e planejamento: aproximando conceitos
Sabendo-se que é da concepção que se tem do currículo que
dependerá a prática de planejamento na escola, é necessário que se
esclareçam esses dois conceitos, quando possível aproximando-os. Isso
porque, se por currículo compreende-se o “compêndio de conteúdos” a ser
trabalhado num determinado nível, “planejá-lo é fazer um esboço ordenado do
que se deveria transmitir ou aprender seqüenciado adequadamente”
(SACRISTÁN, 2000, p. 202). Entretanto, segundo esse educador:
Se por currículo entendemos a complexa trama de
experiências que o aluno/a obtém, incluídos os efeitos do
currículo oculto [...] planejar consistirá no planejamento de
situações ambientais complexas ou, no mínimo, na vigilância
dos múltiplos efeitos que se derivam desses ambientes (2000,
p. 202).
93
Com base nas discussões desenvolvidas por Sacristán sobre o
“ensino como plano e o plano do currículo” (2000, p. 197-199) vê-se que este
parte da definição do professor como “planejador intermediário entre as
diretrizes curriculares às quais tem de se adequar ou tem de interpretar, e as
condições de sua prática concreta”. Neste sentido, aquele que planeja apóia-
se em conhecimentos diversos sobre determinadas realidades e situações
nas quais operam. Porém, o plano como concretização da reflexão é uma
criação singular pela própria particularidade da situação didática, na qual o
professor intencionalmente atua. Nesse sentido, o currículo é, de fato,
construído pelos professores em seus planos e em sua prática metodológica.
A literatura apresenta variadas e diferentes concepções e
perspectivas sobre currículo. Etimologicamente, “o termo currículo provém da
palavra latina currere, que se refere à carreira, a um percurso que deve ser
realizado e, por derivação, a sua representação ou apresentação”
(SACRISTÁN, 2000, p. 125). Atualmente, a idéia de currículo é vista como
um conceito elástico e impreciso, por significar coisas distintas,
especialmente, por depender do enfoque em que se desenvolva
(SACRISTÁN, 2000).
Para Moreira (2003, p. 15), a nova visão de currículo inclui: planos e
propostas (currículo formal); o que de fato ocorre nas escolas e nas salas de
aula (currículo em ação); e , ainda, as regras e as normas não explicitadas
que governam as relações que se estabelecem nas salas de aula (currículo
oculto). Sacristán afirma, ainda, que a “diferenciação entre o explícito ou
oficial e o oculto do currículo real serve para entender muitas incongruências
nas práticas escolares” (SACRISTÁN, 2000, p. 133).
Com essa nova visão de currículo, entende-se que, para se
conhecer o real currículo utilizado nas escolas, é preciso que se vá além dos
94
documentos e se aproxime da realidade, uma vez que as propostas
curriculares expressam mais os desejos do que a realidade.
Dada a abrangência das concepções de currículo, numa perspectiva
docente, o currículo pode ser visto como “o próprio plano de ensino-
aprendizagem”, ou o “planejamento na sua relação ensino-aprendizagem” e,
numa perspectiva discente, seria “o conjunto de todas as experiências que o
aluno vivencia e realiza dentro e fora da escola, sob a responsabilidade da
mesma, visando à consecução dos objetivos educacionais” (CATTANI e
AGUIAR ,1993, p, 25).
Portanto, para a aproximação dos conceitos entre currículo e
planejamento (ou projeto educativo), utilizou-se uma reflexão do próprio
Sacristán, ao afirmar que:
[...] Se por currículo se entende [...] um projeto global e integral
de cultura e de educação, no qual se deve observar não
apenas objetivos relacionados com conteúdos de matérias
escolares, mas também outros que são comuns a todas elas
ou que ficam à margem das mesmas, o conceito de projeto
educativo é a mesma coisa que projeto curricular para essa
escola. Diferenciar ambos suporia dar ao currículo a
concepção restrita que o torna equivalente a compêndio-
resumo de matéria ou de conteúdos de conhecimento.
Significa manter uma separação artificial entre ensino e
educação que, além do mais, não é conveniente. Portanto,
adotamos uma posição que torna equiparável ambos os
projetos, embora, no momento de realizar o projeto da escola,
o plano de conteúdos de ensino que se refere a matérias ou
áreas adquire uma atenção específica (SACRISTÁN, 2000, p.
245).
A validade dessa assertiva está no fato de que currículo,
planejamento ou projeto educativo e projeto político-pedagógico ou projeto da
escola são indissociáveis, embora cada um mantenha suas especificidades,
95
tanto em termos de elaboração quanto na sua implementação. Ao vê-los
separadamente, corre-se o risco de compreendê-los numa visão restrita e
inadequada aos propósitos da educação e do ensino.
Assim como é observado na realidade estudada por Sacristán
(2000), a prática de se planejar o currículo também não tem história nas
escolas brasileiras. Trata-se mais de se adaptar do que de criar,
especialmente quando se divulgam os PCN, como Diretrizes Curriculares
Nacionais, elaborados por consultores do MEC, sob análise de apenas
setecentos especialistas das universidades brasileiras, sem que houvesse
uma ampla discussão em nível nacional.
Para Padilha (2002, p. 105), os PCN objetivam apenas orientar as
escolas e o sistema de ensino, na organização, no desenvolvimento e na
avaliação de suas propostas pedagógicas, servindo de referência para o
currículo escolar e possibilitando a sua flexibilidade. Propondo-se serem
referenciais, não se constituem em currículo obrigatório, embora, na prática
das salas de aulas, vê-se que os PCN se transformaram num currículo
nacional, abandonando alguns avanços e conquistas alcançadas em
propostas curriculares já em andamento em várias regiões do país. Diante de
tais evidências, considera-se que o currículo escolar não está limitado à grade
curricular, mas sua organização traduz
os conhecimentos a serem construídos e transformados
coletivamente; o porquê de ensinarmos esses conhecimentos
e não outros; a forma como relacionamos teoria e prática [...];
o conhecimento como processo e produto; a integração entre
as diferentes áreas do conhecimento respeitando as
especificidades, sem perder de vista a totalidade (RIBEIRO,
2004, p. 14
).
Desse enunciado, infere-se que é necessário haver responsabilidade
compartilhada na organização do currículo, de modo que o projeto educativo
96
ou curricular das escolas seja construído, discutido, decidido e avaliado, de
alguma forma, por todos os educadores envolvidos no processo ensino-
aprendizagem.
3.1.1 Os PCN como referenciais curriculares para o ensino de leitura
Os PCN são referenciais curriculares para o ensino de língua
materna e têm sido objeto de pesquisa para vários estudiosos das práticas
pedagógicas nos diversos níveis de ensino, público e privado, uma vez que os
mesmos têm por objetivo servir de parâmetro ou diretriz de ensino em todo
território nacional.
Apesar de inúmeras críticas a essa proposta, na literatura da área
de educação, em recente artigo publicado por Koch (2004), a autora os
analisa, apresentando como categorias de análise: a leitura, a Lingüística
Textual, as estratégias cognitivo-textuais, os recursos ao contexto e o uso dos
gêneros. Para Koch a leitura é apresentada nos PCN com foco na
compreensão, leituras do que não está escrito e a construção de
sentidos (grifos da autora). Conforme a análise de Koch, são estes os
postulados anunciados como parâmetro, sobre os quais se apóiam os
ensinamentos da Lingüística Textual.
A contribuição da lingüística textual, nos PCN, se presentifica,
segundo a autora, já que o postulado básico é o ensino centrado no trabalho
didático com o texto (grifo da autora), tanto em termos de leitura quanto de
produção.
As estratégias cognitivo-textuais evidenciadas nos PCN são
entendidas por Koch (2004) como construções essenciais na produção de
textos, em virtude da necessidade de os produtores de textos dominarem
“uma série de estratégias de organização da informação da estrutura textual”.
97
O recurso ao contexto de que tratam os PCN é “indispensável para
a compreensão” e para a “construção de coerência textual”; tal recurso
engloba não apenas a situação de “interação imediata” e “mediata”, mas
também o “contexto cognitivo dos interlocutores”.
Por último, o uso dos gêneros textuais, da forma como é
preconizado nos PCN, conforme Koch (2004), constitui-se numa das
contribuições mais importantes para o ensino; e são assim justificados:
somente quando nosso aluno possuir o domínio dos gêneros
mais correntes na vida quotidiana, ele será capaz de perceber
o jogo que freqüentemente se faz por meio das manobras
discursivas que pressupõe o domínio (KOCH, 2004, p. 5).
Porém, um dos problemas que a análise de Koch evidencia e que
na sua opinião, vem ocorrendo com muita freqüência, inclusive no próprio
documento oficial, incide sobre a imprecisão dos conceitos de gêneros e tipo.
Contudo, ela conclui:
não há menor dúvida de que o documento oficial é bom, e
deverá, a médio e longo prazo, atingir os objetivos visados. O
que se faz necessário é oferecer aos professores o
instrumental teórico necessário para que seja posto em prática
de forma eficaz. Toda lei necessita de regulamentação e
interpretação: é o que cabe aos lingüistas e, particularmente,
aos estudiosos do texto, com relação aos PCNs.
Almeida e Bezerra (2000, p. 967), ao discorrerem sobre a
problemática das tipologias textuais, cuja análise se aproxima das
98
considerações de Koch (2004), assinala que “os conceitos de tipo e gêneros
textuais são utilizados na maioria dessas propostas sem que haja
coincidência em relação aos seus sentidos”. Recorrendo a Marcuschi (1997),
ele define tipo como um constructo teórico definido homogeneamente e
gênero como uma forma textual empiricamente realizada. Por isso, um ensino
de língua materna com base nos gêneros, conforme define Marcuschi (2000),
pressupõe um aprendizado mais consistente e adequado, pois é através de
textos, organizados em algum gênero, que se efetiva a comunicação no
quotidiano e não através de tipos.
Avaliando a elaboração dos PCN, como um “avanço considerável”
nas políticas de educação do Brasil, é que Rojo (2002) aponta como um dos
pontos relevantes e inovadores da proposta a visão entre leitor e produtor de
textos. Conforme esclarece a autora;
A visão de leitor/produtor de textos presente nos PCNs é a de
um usuário eficaz e competente da linguagem escrita, imerso
em práticas sociais e em atividades de linguagem letradas,
que, em diferentes situações comunicativas, utiliza-se de
gêneros do discurso para construir ou reconstruir os sentidos
de textos que lê ou produz. Esta visão é bastante diferente da
visão corrente do leitor/escrevente como aquele que domina o
código escrito para decifrar ou cifrar palavras, frases e textos
e, mesmo, daquele leitor/escrevente que, dentre os seus
conhecimentos de mundo, abriga, na memória de longo prazo,
as estruturas gráficas, lexicais, frasais, textuais, esquemáticas
necessárias para compreender e produzir, estrategicamente,
textos com variadas metas comunicativas (ROJO, 2002, p.
48).
Debruçando-se na análise sobre a proposta dos PCN de 3º e 4º
ciclos, por considerar distorcida a aplicação da teoria bakhtiniana, assumida
no documento de 1º e de 2º ciclo, é que Rojo (2002) apresenta, ainda,
99
algumas implicações na implementação das mudanças, no seu modo de ver
“desejáveis”, sobre as práticas de sala de aula.
Ressaltando o inegável avanço na posição teórica assumida nos
PCN, em relação à concepção de leitor/produtor, se comparada a outros
referenciais curriculares, Rojo (2002, p. 48) pontua o enorme fosso existente
entre os postulados teóricos adotados e as práticas de leitura/produção de
textos em sala de aula. Isso porque os PCN, na sua opinião, “não são legíveis
e compreensíveis por si mesmos”, nem pelos professores e nem mesmo
pelos seus formadores, o que implicaria na adoção de “ações
implementadoras (formação de professores, elaboração de materiais)”.
O trabalho de Brito et al (2001) vem corroborar com as mesmas
perspectivas até então apresentadas, elucidando aspectos relativos às
estratégias de leitura para a formação do leitor no ensino fundamental, o texto
escrito no contexto escolar e a análise lingüística que parte do uso para a
reflexão. Trata-se de uma proposta de análise didática respaldada nos PCN,
na qual o trabalho com a leitura, a produção de textos e a gramática assumem
uma função social de resgate da cidadania, por possibilitar ao leitor/produtor
conhecer uma dada realidade, refletir e atuar sobre ela.
3.2 Gêneros textuais e ensino com base no planejamento: metas e
contexto de uso
Discute-se, aqui, a compreensão que se adota sobre gênero, a partir
da seguinte reflexão: por que se defende a noção de gêneros e não de tipos
de textos? Até que ponto, na relação entre planejamento (dialógico) e leitura,
100
a noção de gêneros textuais se efetiva? A nomeação de gênero de texto ou
de gênero do discurso, segundo Bronckart (1999, p. 73-74) tem se
manifestado desde a Antiguidade grega até a contemporaneidade. A partir de
Bakhtin
2
(1997) se traduz uma maior delimitação de estudos acerca das
múltiplas produções verbais organizadas, resultando no agrupamento de
textos como pertencentes a um determinado gênero, de modo que,
atualmente, sua aplicação ao ensino tem sido evidenciada por inúmeros
pesquisadores.
Para Bronckart (1999, p. 75), o texto é visto como “toda unidade de
produção de linguagem situada, acabada e auto-suficiente (do ponto de vista
da ação ou da comunicação)”. Porém, como todo texto se insere em um
“conjunto de textos” ou em um gênero, o autor esclarece que é por isso que
adota “a expressão gênero de texto (grifo do autor) em vez de gênero de
discurso”, abandonando, claramente, a noção de tipo de texto, em favor da
noção de gênero de texto e de tipo de discurso (BRONCKART, 1999, p. 15).
Gênero do discurso é definido por Bakhtin como “tipos estáveis de
enunciados”, que se caracterizam numa “heterogeneidade de gêneros”
literários ou não, orais ou escritos e que estão presentes nas diferentes
esferas da atividade humana. Esse movimento, segundo o autor, “comporta
um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se, ampliando-se
á medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa”
(BAKHTIN, 1997, p. 279).
Os enunciados de que trata Bakhtin são entendidos como uma forma
de utilização de língua tanto na oralidade como na escrita, mantendo-se
mutuamente interligados a outros enunciados que pressupõem o papel ativo
do “outro” no processo de comunicação. Como explica esse mesmo autor:
“aprender a falar é aprender a estruturar enunciados (porque falamos por
2
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
101
enunciados e não por orações isoladas e, mesmo ainda, é óbvio, por palavras
isoladas)” (BAKTHIN, 1997, p. 302).
São muitos e variados os gêneros discursivos, e o surgimento de
cada um deles depende das condições específicas de uma dada
comunicação, podendo ser apresentados, conforme Bakhtin, em dois grandes
grupos: “os gêneros de discurso primário (simples)”, que estão presentes nos
tipos de diálogo oral e espontâneo, como a linguagem utilizada nas reuniões
sociais, entre outras situações; e os “gêneros do discurso secundário
(complexos)”, que aparecem nas comunicações mais evoluídas,
principalmente escritas, e podem ser vistos nos discursos “literários,
científicos e ideológicos”. A língua escrita, na opinião do autor, de forma
ampliada, comporta ou absorve todos os gêneros, em cada momento de seu
desenvolvimento.
Para a discussão que se segue, é fundamental distinguir a noção de
gênero textual da noção de modalidade retórica. Para Meurer,
Enquanto os gêneros textuais constituem tipos específicos de
texto, as modalidades retóricas constituem as estruturas e as
funções textuais tradicionalmente reconhecidas como
narrativas, descritivas, argumentativas, procedimentais e
exortativas. [...] Assim, com freqüência, um único texto contém
mais do que uma modalidade retórica
(MEURER, 2000, p.
150)
.
Nessa perspectiva, as modalidades são estratégias utilizadas com a
finalidade de organizar a linguagem; existem independentemente das funções
comunicativas associadas aos gêneros, e se constituem em número reduzido,
em oposição aos gêneros, que são em número infinito.
Enfim, convém aqui ampliar a relação do planejamento com a noção
de gêneros do discurso, pois se compreende que a ação de planejar, como
atividade eminentemente cognitiva e de natureza discursiva, apresenta-se
como um modo de operar dialógico. Assim, o plano pedagógico pode ser visto
102
como um instrumento que corporifica um conjunto de intenções, não apenas
pedagógicas, mas também políticas, como resultado das diferentes interações
humanas e lingüísticas, do domínio teórico do professor nesse campo. E,
como toda atividade humana, dependerá também do contexto em que se
insere e de suas condições de produção. evidentemente, isso não se dá no
isolamento, ao contrário, tem uma relação direta com o auditório social
(BAKHTIN, 1997) a que se dirige. Portanto, é nessa perspectiva que se
entende o caráter dialógico do planejamento.
Nesse sentido, como “todo texto tem um sujeito, um autor (que fala,
escreve)”, é importante que se atente para o fato de que ao registrarem suas
propostas de trabalho nos planos de aulas, os professores têm possíveis
“destinatários”, que, conforme Bakhtin (1997, p. 320-321), poderiam ser:
[...] o parceiro e interlocutor direto do diálogo da vida cotidiana,
pode ser o conjunto diferenciado de especialistas em alguma
área especializada [...] dos subalternos, dos chefes, dos
superiores, dos próximos, dos estranhos, etc.; pode até ser de
modo absolutamente indeterminado, o outro não concretizado
[...].
Partindo do princípio de que o “objeto de ensino e, portanto, de
aprendizagem são os conhecimentos lingüísticos e discursivos com os quais o
sujeito opera ao participar das práticas sociais mediadas pela linguagem”
(BRASIL, 1998, p. 12) é que os PCN definem o trabalho com gêneros
textuais. Tendo o texto como unidade básica para o ensino de língua materna,
o referido documento sugere que, na seleção de textos orais e escritos,
contemple-se o texto literário, uma vez que este
103
ultrapassa e transgride para constituir outra mediação de
sentidos entre o sujeito e o mundo, entre a imagem e o objeto,
mediação que autoriza a ficção e a reinterpretação do mundo
atual e dos mundos possíveis (BRASIL, 1998, p. 17).
E, dentre os gêneros privilegiados para a prática de escuta e leitura
de textos, está o gênero literário conto, que é compreendido como propício
para o trabalho com a linguagem oral e escrita, como evidenciado no item que
se segue.
3.2.1 Gêneros orais e escritos como objetos de ensino na escola
Ainda na década de 80, um dos trabalhos pioneiros, no Brasil,
organizado por Geraldi (1997) propõe a prática de leitura de textos, a prática
de produção de textos e a prática de análise lingüística, como unidades
básicas para o ensino de português, associadas à concepção de linguagem
como interação social, incluindo, na sua proposta didática, textos orais e
escritos.
Na referida obra, Geraldi (1997) assume a idéia de que o texto,
como objeto de leitura e de produção, seria a base do ensino-aprendizagem
de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental. Mais tarde, esse postulado se
consolidou, com mais ênfase, nos PCN (1998), os quais indicam o lugar do
texto, oral e escrito, materializando-o com a noção de gênero discursivo ou
textual, ressaltada no mesmo documento.
Rojo e Cordeiro (2004) organizaram e traduzirem uma coletânea
de textos de Schenewwly e Doltz , pesquisadores franceses em didática de
línguas, com foco no ensino-aprendizagem da produção de gêneros orais e
escritos. Esse trabalho contribuiu, efetivamente, com discussões teórico-
práticas, ainda incipientes no Brasil, como é o caso de planejar o ensino de
104
um gênero, através de seqüências didáticas para a oralidade e a escrita, além
de apresentar propostas de ensino de alguns gêneros.
Ao discutir o oral como texto e a sua construção em objeto de
ensino-aprendizagem, Doltz e Schenewwly (2004, p. 151) partem do princípio
de que “o ensino escolar da língua oral e de seu uso ocupa atualmente um
lugar limitado”, embora assumam o fato de que o domínio da oralidade das
crianças se desenvolve nas e pelas interações sociais, mesmo antes de se
aprender a ler e a escrever, ou seja, antes de se freqüentar a escola.
Conforme esses autores, o oral tem seu lugar de importância na
fase pré-escolar e início do Ensino Fundamental, sendo esquecido como
objeto de ensino-aprendizagem ao longo desse nível de ensino, tornando-se,
assim, necessária a definição clara das características do oral a ser ensinado
na escola.
Em função de ser papel da escola “levar os alunos a ultrapassar as
formas de produção oral cotidianas para os confrontar com outras formas
mais institucionais, mediadas, parcialmente reguladas por restrições
exteriores”, é que Doltz e Schenewwly (2004, p. 175) defendem o ensino dos
gêneros da comunicação pública oficial, quais sejam: debate, negociação,
testemunho diante de uma instância oficial, teatro, bem como aqueles que
servem à aprendizagem escolar, em várias disciplinas, como a exposição,
relatório de experiência, entrevista, discussão em grupo, entre outros.
Convém, aqui, assinalar as diferenças do trabalho com os gêneros
escritos e orais. Doltz e Schenewwly (2004, p. 112-113) apresentam três
diferenças, considerando que a escrita é permanente e o oral desaparece,
logo depois de pronunciado:
1) A possibilidade de revisão: a escrita é corrigida apenas no
final, considerando que escrever é também reescrever; o
texto torna-se provisório até a elaboração do texto final,
enquanto que, no texto oral, processo e produto se
105
imbricam, de modo que a correção deve ser realizada
durante a produção, cujos instrumentos o aluno deve
aprender a dominar, o que só é possível numa certa
medida.
2) Observação do próprio comportamento: a escrita é
exteriorizada, observável, possibilitando refletir acerca
desse objeto, sobre a forma de produção. Na produção
oral, o processo de exteriorização ocorre, mas logo
desaparece, exigindo, assim, o uso da gravação, para
que se torne observável e verificado posteriormente.
3) Observação de textos de referência: para se realizar uma
análise aprofundada, existem três meios: a gravação, que
permite a escuta repetidas vezes; a escuta dirigida, pela
escrita, cujos traços podem ser analisados e discutidos; e
a transcrição, que transforma o oral em escrita
permanente.
No contexto da pesquisa-ação, considerou-se, na elaboração dos
planos, o trabalho com a oralidade e a escrita. A oralidade e a escrita se
constituíram objetos de ensino-aprendizagem, à medida que se privilegiou,
durante as sessões de leitura, o reconto oral e, posteriormente, o escrito,
como base para a análise lingüística.
Dada a delimitação que é exigida num trabalho de pesquisa, bem
como a diversidade de gêneros existentes, o que impossibilita que a escola
trabalhe com todos estes, necessário se faz que haja uma seleção prévia.
Com isso, para essa pesquisa, optou-se, pela elaboração das duas
seqüências didáticas previstas no plano bimestral, nelas incluindo-se o
trabalho com os gêneros conto e poema.
106
Porém, para a implementação das sessões de leitura, elegeu-se
para trabalhar, na prática de escuta e leitura de texto, o gênero literário conto,
que, conforme os PCN (BRASIL, 1998, p. 46), pertence à linguagem escrita,
sem, contudo, abandonar aspectos da oralidade, no decorrer de sua
efetivação em sala de aula.
3.2.2 As especificidades dos gêneros conto e poema
Das duas seqüências didáticas construídas pelos professores-
participantes com os gêneros conto e poema, implementou-se, em sala de
aula, o gênero literário conto. Evidenciam-se, aqui, os critérios adotados na
escolha, bem como as especificidades do trabalho realizado na esfera do
conto e do poema.
O principal critério para adoção do texto literário, nessa etapa da
pesquisa, é que dados anteriores (SAMPAIO, 2002) indicaram que o trabalho
com texto literário na escola pesquisada servia de pretexto para tratamento de
questões outras, que envolviam valores morais, tópicos gramaticais, não
contribuindo para formação de leitores proficientes.
Contrariamente à posição adotada na escola e com base nas
pesquisas de Amarilha (1997), nos PCN (BRASIL, 1998), além de outros
estudos, é que se elegeu, para as seqüências, os gêneros conto e poema,
considerando, porém, as especificidades de cada um desses gêneros.
Inicialmente, dois textos foram confrontados e serviram de reflexão,
a priori, para as professoras-participantes. O primeiro, “Silêncio: a hora da
narrativa na escola” e, o segundo, “O lúdico na literatura: o caso da poesia”
(AMARILHA, 1997); ambos tidos como suporte teórico às discussões
realizadas entre todos os professores-participantes, acerca das
especificidades do gênero conto e do gênero poema.
107
Recorrendo-se às transcrições, vê-se que nos três momentos
distintos da pesquisa, quais sejam: 1) fundamentação teórico-metodológica; 2)
sessões de leitura; e 3) planejamento das sessões literárias, trabalhou-se as
diferenças entre o conto e o poema com os participantes. A importância desse
trabalho está no fato de que os participantes pontuaram as principais
diferenças, funções, estruturas e características do conto e do poema, porém
quem não participou desse momento impossibilitou-se de acompanhar os
seguintes. Como é demonstrado nesse episódio, assim transcorreu a
discussão:
Episódio 01:
083. Professora-pesquisadora - Bom gente, os textos que vocês
acabaram de ler foram retirados desse livro aqui “Estão mortas as
fadas?” [...] quem se interessar depois poderá adquiri-lo. A gente vai
discutir os três textos que vocês leram à tarde, que são “Hora da
narrativa na escola”, “Imagens, sim, palavras não” e o “Lúdico na
literatura: o caso da poesia”, tá? Desses três textos, discutiremos as
características que a autora apresenta em relação à literatura, né?
No caso do texto narrativo, que características, que funções eles
exercem? Qual a importância da recepção dos textos pelos alunos?
Então, vocês viram que o texto narrativo tem funções diferentes da
poesia, tá? São bem diferentes, mas cada um com funções
importantes para o leitor, inclusive pra ser trabalhado na sala de aula,
na biblioteca e assim por diante, né? Então, eu queria que vocês
apresentassem, por exemplo, aspectos abordados no texto em
relação à narrativa, quais as suas funções e características entre
outros pontos [...] (TRANSCRIÇÃO DO 3º ENCONTRO DE
PESQUISA-AÇÃO, p. 23)
No decorrer das sessões literárias – segundo momento da pesquisa,
especialmente do 6º ao 9º Encontro de pesquisa-ação, objetivou-se “subsidiar
os participantes na aquisição de um repertório de leitura, através de sessões
literárias, com foco, especificamente, nos gêneros literários – poema e conto”.
Privilegiaram-se, também, para o início desse trabalho, estudos e discussões
108
teóricas acerca das especificidades desses dois gêneros, apoiando-se no
texto “A formação do repertório de leitura” (LIMA, 2002).
No 6º e 8º Encontro, discutiu-se a diferença entre o conto e o poema,
suas principais características, a partir de um roteiro (CEREJA e
MAGALHÃES, 2000), posteriormente distribuído, no início do 11º Encontro, a
pedido dos participantes, visto que foram esses dois gêneros os privilegiados
para se trabalhar com os alunos. Observem-se como ocorreram essas
discussões:
Episódio 02:
008. Professora Karla – A estrutura textual que ele tem, então, ele já
colocou um ponto, as estrofes, o poema geralmente é construído de
estrofes e essas estrofes são construídas os versos e esses versos,
de versos, né? É, é, é alguns poemas eles exploram a musicalidade.
A musicalidade dá idéia que você está lendo gera sonoridade, o ritmo
das palavras que faz com que o leitor se deleite. Isso é uma
característica própria do poema, muito importante porque se ele não
tiver esse ritmo de musicalidade, fica um pouco seco; a capacidade
de fazer com que se torne sonoro fica bem melhor [...]
010. Professora-pesquisadora – [...] O sentido da linguagem figurada
para que justamente crie esse efeito de sentidos diversos e de som
também [...] eles fazem da função poética da linguagem todo um
efeito que pode ser visual, gráfico, quando distribui o poema no papel
de modo a formar desenhos. Todo poema é composto da função
poética da linguagem que é o que faz que seja diferente do conto.
Outro aspecto é em relação às rimas do poema. As rimas podem ser
postas tanto no interior do verso como não. Às vezes tem poema que
vai rimar no interior, às vezes vai rimar no final, né, às vezes não vai
rimar nada. Enfim, o poema é um gênero textual que se constrói não
apenas com sentimentos, mas também por meio do emprego do
verso e seus recursos musicais, como a sonoridade e o ritmo das
palavras, da função poética da linguagem e das palavras com sentido
figurado, conotativo.
011. Miriam – A gente, às vezes, pensa que todo poema tem rima, né?
012. Professora-pesquisadora – Mas, nem sempre, os poetas fazem uso
de outros recursos como até mesmo a imagem, pode ser até de uma
maneira incomum o seu formato.
013. Tetê – A organização pode ser livre [inaudível].
014. Professora-pesquisadora – [...] A gente já está acostumada com as
109
rimas, mas existem poemas belíssimos que não têm rima nenhuma,
[...] quando na escola se criam alguns poemas com os meninos, né?
E alguns professores se preocupam apenas com as rimas, como se
fosse a única característica, daí se criam rimas e não poemas. [...]
(TRANSCRIÇÃO DO 6º ENCONTRO DE PESQUISA-AÇÃO
PARTICIPATIVA DE PESQUISA, p. 74)
001. Professora-pesquisadora – [...] a gente vai trabalhar hoje com o
gênero conto, mas antes de começar a gente gostaria de
apresentar/discutir algumas características do gênero conto que
devem ser colocados também para os alunos, quando for ser
trabalhado, né, que características o gênero conto em si, ele
apresenta? Isso porque é preciso que o aluno tenha clareza de que
cada gênero tem suas especificidades, não é a mesma coisa
trabalhar com poema, com conto, ou com outro gênero qualquer, eu
sei que vocês já sabem, mas eu gostaria de lembrar algumas
características que o gênero conto apresenta. Quem gostaria de
lembrar algumas delas? Pra vocês um conto tem que tem o quê,
como características? Como ele está estruturado? [...] Como é o
gênero conto, como ele é configurado? Ao pegar um texto você é
capaz de dizer esse gênero aqui é um conto, por que esse gênero é
um conto?
002. Gracinha – Porque o conto é muito parecido com a narrativa que é
muito parecida com a crônica; acho que o conto não pode ser
trabalhado separado da crônica.
003. Professora-pesquisadora – É realmente muito parecida, a diferença
segundo Cereja e Magalhães é que na crônica os personagens são
apresentados de modo superficial e rápido e no conto ganham
consistência e profundidade psicológica, até porque num conto se
narram fatos, só que geralmente é uma narrativa concentrada, curta,
limitado, já a novela é uma narrativa mais longa. E o conto é uma
forma de narrativa que se limita ao essencial. Para isso ele apresenta
alguns elementos básicos da narrativa que Gracinha já falou. Que
elementos são esses da narrativa? São bastantes conhecidos. O que
a narrativa contém?
004. Gracinha – Lugar, personagem, tempo...[...] (TRANSCRIÇÃO DO 8º
ENCONTRO DE PESQUISA-AÇÃO PARTICIPATIVA, p. 94)
No decorrer da elaboração do plano, no 11º encontro da pesquisa-
ação mais uma vez foram retomadas as diferenças entre esses dois gêneros.
O próximo episódio traz à tona essas discussões:
Episódio 03:
110
[O 11º encontro tem início com Laura repassando as resenhas para os
colegas, bem como as características próprias de um poema e de contos,
com base em Cereja e Magalhães (2000)]
099. Professora-pesquisadora - Começar com um conto, né, primeiro
que você tem a fazer, é apresentar o conto, o que é um conto isso é o
meu ponto de vista, certo? Seria uma discussão sobre gênero o que é
um conto, qual é a diferença de um conto para outros gêneros, né?
[...]
105. Professora-pesquisadora – [...] Então, o primeiro encontro dos
alunos com o texto a gente deve apresentar primeiro o conto; vocês
poderiam muito bem levar essa diferença entre eles e outros gêneros.
106. Professora Ângela - É porque a narrativa tem que ter os
personagens, o ambiente em que se passa, né, um determinado tempo
tem que ter uma época pode ser passado, pode ser futuro, né?
107. Professora-pesquisadora – [...] sobre a motivação, como Karla falou
que deve haver a motivação, em seguida, fazer o quê, gente, depois
fazer uma discussão sobre gênero, sobre o gênero conto.
(TRANSCRIÇÃO DO 11º ENCONTRO DE PESQUISA-AÇÃO, p. 122)
Os episódios apresentados confirmam os vários momentos nos
quais foram discutidos os gêneros e suas diferenciações. Diante disso, a
expectativa da professora-pesquisadora era que as professoras-participantes
aprofundassem mais essas discussões a serem trabalhadas com seus alunos,
evitando a superficialidade em relação às diferenciações entre os gêneros,
como proposto no planejamento.
3.3 A experiência de leitura por andaime
O processo ensino-aprendizagem não ocorre por simples
transferência de conhecimento do professor para o aluno, mas depende de
fatores que vão desde a mediação pedagógica, incluindo-se a estruturação
das atividades a serem desenvolvidas, aos diferentes processos interativos
que determinam o sucesso ou o insucesso escolar do aluno. É por isso, que
se adota a proposta de scaffolding (andaimagem) ou scaffolder (andaime),
que conforme Costa (2000, p. 32), a noção de andaimagem está relacionada
a “provimento ou assistência”. No contexto da leitura, refere-se ao apoio que o
111
leitor necessita, quando desafiado diante de um texto, através da construção
de uma “estrutura instrucional” ou “andaime”, a fim de facilitar o aprendizado.
Para Costa (2000, p. 37), é nesse aspecto que há uma inter-relação
entre o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, desenvolvido por
Vigotski, com a “andaimagem”, uma vez que ambas as perspectivas valorizam
o papel do outro mais capacitado ou mais experiente, no fornecimento de
apoio ou andaime para a resolução de problemas, transformando, portanto,
uma atividade social externa numa atividade individual interna.
Graves e Graves (1995) apontam duas grandes fases da experiência
de leitura por andaime: a fase de planejamento e a de implementação, as
quais foram adotadas no contexto da pesquisa-ação, tanto no trabalho dirigido
aos professores, quanto junto aos estudantes.
Na primeira fase, que corresponde ao planejamento, os autores
recomendam que se devem levar em conta pelo menos três aspectos: a) os
estudantes; b) a seleção do texto, e c) os propósitos da leitura. No caso da
pesquisa-ação participativa, essa preocupação ocorreu em dois momentos
distintos, pelo fato de se terem dois grupos de participantes: o dos
professores e o dos seus alunos. Com isso, consideraram-se as
necessidades, interesses, preocupações, o conhecimento prévio de
professores e alunos, com suas particularidades, guiando-se por uma
adequada seleção de material teórico-prático para leitura, atendendo aos
propósitos previstos para cada momento.
Na segunda fase, a de implementação, no caso dessa pesquisa-
ação para as sessões de leitura, adotaram-se as mesmas estratégias da
andaimagem, quais sejam: a) atividades de pré-leitura; b) leitura, e c) pós-
leitura. Considerando os grupos trabalhados no decorrer da pesquisa-ação
durante a pré-leitura, objetivou-se motivar, ativar os conhecimentos prévios,
relacionar o lido à vida dos sujeitos, além de outros aspectos considerados
em momentos distintos do trabalho.
112
Para a atividade de leitura, utilizou-se tanto a leitura oral feita pela
professora-pesquisadora, por ocasião das sessões literárias destinadas aos
participantes, quanto a leitura oral feitas pelas professoras-participantes no
trabalho com seus alunos, que por sua vez, leram também para os seus
colegas.
A pós-leitura foi desencadeada junto aos professores, através de
questionamentos, discussões e elaboração de atividades a serem
implementadas junto a seus alunos. Aos alunos também foram oportunizadas
discussões sobre o texto, além de produções orais e escritas, sob a
orientação das professoras-participantes.
As diferentes estratégias adotadas na pesquisa-ação participativa se
justificam, especialmente, por considerar o processo de mediação
pedagógica. Diretamente ligada a essa mesma perspectiva (GRAVES e
GRAVES,1995) esse estudo se respalda na teoria vygotskyana, no que diz
respeito à concepção de ensino-aprendizagem, que tem como cerne, neste
trabalho, o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, assim
conceituada:
Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se
costuma determinar através da solução independente de
problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado
através da solução de problemas sob a orientação de um adulto
ou em colaboração com companheiros mais capazes.
(VIGOTSKI, 1996, p. 112)
O nível de desenvolvimento real é determinado pela capacidade que
o indivíduo apresenta, ao realizar atividades de modo independente, ou seja,
sem a assistência de um mediador. Enquanto que o nível de desenvolvimento
potencial representa os processos executados pelo indivíduo em colaboração
113
com um par mais experiente, que, no contexto da pesquisa-ação, pode ser um
adulto, no caso a professora-participante, ou um colega.
Neste trabalho, levou-se em consideração o fato de que as
professoras liam pouco, conseqüentemente, seus alunos também; o que torna
imprescindível ambos terem acesso a experiências positivas de leitura. Isto é,
a atividades mediadas por alguém mais experiente, que venha a intervir no
processo ensino-aprendizagem da leitura, e que resulte na consolidação da
compreensão.
Apoiando-se em estudos anteriores que sinalizavam para os
conhecimentos internalizados pelas professoras sobre planejamento,
evidenciados nos seus planos de trabalhos, observou-se que a realização da
experiência de leitura por andaime, como um dos aspectos incorporados à
pesquisa-ação participativa, possibilitou intervir nas zonas de
desenvolvimento proximal das mesmas. Nesta investigação, vivenciou-se,
junto às professoras-participantes, um novo estágio de desenvolvimento real,
ao incorporar novas práticas de planejamento, cuja mediação, via estudos
teóricos, reelaboração do plano e implementação, viabilizou, em alguns
aspectos, a transformação de suas concepções sobre o ensino de leitura.
3.3.1 A formação do repertório de leitura: o professor-leitor e a sua
participação
Considerando-se o fato de que “entre aprender a ler e ensinar a ler
há distâncias e necessidades a serem preenchidas” (LEAL,1999, p.265) é que
se discute, nesta seção, o papel do professor, como formador de leitores,
mas, também, como sujeito em formação.
Isso porque dados levantados em pesquisa anterior (SAMPAIO,
2002) apontaram para a problemática da leitura na escola pesquisada, mais
especificamente sobre a relação que se estabelece entre a comprovada
114
escassez de repertório de leitura por parte dos professores e da alegação
destes quanto ao desinteresse dos alunos em ler, e sobre a pouca freqüência
dos alunos à biblioteca da escola; e, ainda, sobre o pouco envolvimento dos
seus alunos com os livros, quando levados a escolher material de leitura.
Mesmo considerando a importância de sujeitos diversos na formação
de leitores, como os pais, avós, familiares e outros tantos, acredita-se que os
professores exercem papel fundamental na relação do aluno com a leitura.
Não apenas os de Língua Portuguesa, mas os professores das diversas áreas
de conhecimento. Além destes, profissionais do ensino, como bibliotecários,
coordenadores pedagógicos, na qualidade de leitores mais experientes, são
os principais responsáveis pela educação daqueles que estão em processo
de formação.
Diante da ausência de repertório de leitura por parte dos
professores, uma das questões levantadas a priori, durante a pesquisa-ação
participativa, diz respeito às práticas de leitura vivenciadas e implementadas
pelos sujeitos na escola, a fim de investigar até que ponto essas práticas
favoreciam a formação de leitores. Com isso, o terceiro encontro, realizado
aos 23/09/2002, objetivou discutir a leitura na escola, na biblioteca e na
prática pedagógica, envolvendo diferentes segmentos escolares.
Inicialmente, foram elaboradas algumas questões, objetivando
confrontar os resultados obtidos com os dados anteriores. Para isso, durante
o encontro, solicitou-se que os participantes as respondessem em grupos e
depois socializassem suas respostas.
Ao se perguntar se havia um trabalho sistemático com literatura na
escola, se era positivo e quais as dificuldades enfrentadas com a leitura, viu-
se que os participantes revelaram que o trabalho era desenvolvido de forma
sistemática por apenas alguns professores. Ao final, passaram a enumerar as
dificuldades para a realização do trabalho, quais sejam:
a) a escola não tem material;
115
b) há rejeição ou não utilização ou do escasso material de que a
escola dispõe por parte do professor e demais segmentos
escolares, na incorporação da prática de leitura no currículo
escolar;
Resultante da postura de rejeição e, como conseqüência da
dificuldade anterior, revelou-se, que, no turno vespertino da escola, apenas
um aluno freqüentava a biblioteca; do mesmo modo, apenas uma professora
que, inclusive, já não pertence mais ao quadro da escola, freqüentava e
levava seus alunos.
Em pesquisa desenvolvida por Amarilha (1997b) sobre a relação do
professor com o livro, evidenciou-se que a biblioteca não se constitui em um
dos possíveis “caminhos de acesso à leitura”. Numa de suas conclusões,
assinala que, sendo a biblioteca pouco freqüentada, como ambiente favorável
e provedor de acervo bibliográfico para a leitura, é bem provável que “o
professor tenha dificuldade em transferir essa ‘cultura da biblioteca’ para seus
alunos” (AMARILHA, 1997b, p. 18).
Diante dessa mesma realidade e refletindo sobre ela, uma das
professoras do PCER
3
emite a seguinte opinião:
[...] falta conhecimento por parte do professor e do
bibliotecário. Ou seja, nem nós conhecemos o acervo da
biblioteca e o bibliotecário também não conhece. Aí o que
acontece, nós não conhecemos para poder saber o que é
melhor para poder incentivar, então fica difícil o aluno procurar
o livro que realmente ele quer. Porque há uma falta de
conhecimento, o conhecimento da gente está muito aquém, a
gente não sabe nem comentar um livro com o aluno, porque a
gente não conhece, como é que vai comentar?
(TRANSCRIÇÃO DO 3º ENCONTRO DE PESQUISA-AÇÃO
PARTICIPATIVA, TURNO 065, p. 22)
3
Projeto de Combate á Evasão e à Repetência da Escola.
116
Nessa mesma perspectiva, uma das professoras-participantes focais
do trabalho já havia argumentado que há uma “falta de acervo de leitura
adequado e suficiente e uma melhor fundamentação para o desenvolvimento
das atividades de leitura” (TRANSCRIÇÃO DO 3º ENCONTRO DE
PESQUISA-AÇÃO PARTICIPATIVA, TURNO 059, p. 21). A postura teórico-
metodológica adotada pelas professoras-participantes vem provocando o que
elas identificaram como outra dificuldade enfrentada, qual seja:
c) a resistência de alguns alunos à leitura, repercute-se na
indisciplina, que tem atrapalhado o andamento do trabalho
pedagógico com o texto, o que foi evidenciado por todos os
professores. Até porque uma das professoras revelou que,
especificamente em relação à leitura do livro didático, também
ocorre esse problema. Entretanto, os outros participantes
revelaram que os alunos demonstravam interesse por leituras,
cuja produção envolvesse teatro, textos narrativos e poesia.
Foi com base nessas evidências que, durante a pesquisa-ação
participativa, a relação teoria-prática foi se constituindo em aspecto
fundamental do trabalho, à medida que, além da fundamentação teórica
desenvolvida junto aos professores-participantes, incluindo-se estudos sobre
“a formação do repertório de leitura” (LIMA, 2002), decidiu-se, pela realização
de quatro encontros para implementação das sessões de leitura (contos e
poemas) do acervo da biblioteca da própria escola.
Um dos elementos centrais desta tese é que não seria possível um
trabalho bem sucedido com a leitura, quando os próprios formadores de
leitores não dispõem de um repertório de leitura significativo, e,
conseqüentemente, não dominam estratégias teórico-metodológicas
117
fundamentais que possibilitem uma adequada mediação pedagógica. Essa
compreensão foi decisiva para a construção e tomada de decisões da
investigação, especialmente, na constituição do desenho da pesquisa-ação
participativa, consolidando, assim, a relação entre o planejamento
pedagógico, os processos de formação continuada na escola, e os
conhecimentos lingüísticos necessários ao professor no processo de
organização do trabalho pedagógico.
Diante disso, mesmo antes do trabalho com as sessões literárias, a
professora-pesquisadora, no decorrer dos encontros que antecederam a essa
atividade, decidiu sempre fazer uma leitura literária para os participantes,
objetivando à construção do repertório, bem como servir de referência para
esse momento.
Utilizaram-se como estratégias de leitura aspectos da andaimagem,
ou seja, o levantamento de previsões sobre o texto, a leitura e as discussões
posteriores. Percebia-se que esse momento de leitura era o mais esperado
nos encontros e, como era realizado no início dos trabalhos, havia uma
grande expectativa dos participantes em um compromisso para não chegarem
atrasados, a fim de não perderem esse momento.
A riqueza das sessões literárias apóia-se no fato de que, além dos
professores-participantes se apresentarem na condição de leitores, esses
momentos oportunizaram ainda variadas discussões teóricas, como, por
exemplo, o hábito e o gosto pela leitura, o que seja poema, cordel, dentre
outras.
Os relatos de experiências dos participantes se constituíram em
momentos de aprendizado para a professora-pesquisadora, como por
exemplo; o caso da professora que mesmo já se considerando analfabeta,
aprendeu a ler e conseguiu descobrir o prazer de ler depois dos trinta anos,
através de livros de literatura brasileira; daquela que nunca sentiu prazer na
leitura, e que, durante a vida inteira, sempre leu por obrigação, mas ao ser
118
solicitada a avaliar o primeiro encontro das sessões literárias, respondeu: “Foi
um prazer...”. essa resposta levou a professora-pesquisadora a indagar: “Mas
como, se você não gosta de ler?” E a professora complementa:
Eu gostei, valeu, acho que trabalhando assim na sala de
aula... Acho que só mandar como nós sabemos que é assim,
se fizer um trabalho bem sistematizado eles vão se
desenvolver (TRANSCRIÇÃO DO 6º ENCONTRO DE
PESQUISA-AÇÃO PARTICIPATIVA – TURNOS – 305 a 308,
p. 89).
O depoimento dessa professora remete a reflexões acerca da
“postura metodológica a ser assumida no processo de ensinar a ler [...] de que
basta colocar o texto na mão do aluno, ordenar a leitura e,
conseqüentemente, a leitura acontecerá” (LEAL, 1999, p. 265-266),
esquecendo-se da mediação do professor, do que se pretende alcançar no
ato de ler, e de que há participação do leitor na construção do sentido de
forma afetiva/efetiva diante do texto a ser lido.
Acredita-se que a participação desses professores, na qualidade de
leitores, durante a pesquisa-ação participativa, garantiu, efetivamente, a
participação dos seus alunos durante o momento de implementação das
sessões literárias em sala de aula.
O prazer manifestado pelos participantes, no momento da
socialização do lido, em pares, para o grande grupo, ficou registrado na
memória da professora-pesquisadora como uma experiência transformadora,
dado o envolvimento e o entusiasmo demonstrado em gestos e atitudes.
Nesse sentido, a pesquisa-ação atingiu o seu objetivo, à medida que
possibilitou a transformação na postura dos participantes em relação à leitura,
cuja participação provocou envolvimento e mobilização dos diferentes
segmentos escolares.
119
O momento de compartilhamento do ato de ler se tornara ímpar, pois
somente quem havia lido, com e para o outro, seria capaz de contar,
comentar, sorrir. A leitura se tornara, assim, uma forma de reconhecimento,
articulada a outros conhecimentos e expressões culturais que somente o
leitor, antes interdito, agora apto a torná-la pública com a ajuda do outro com
quem dividiu sua experiência, quando necessário, complementando-se,
mutuamente, conforme argumenta essa professora: “Eu gostei, né? Porque
pela primeira vez que eu li assim para os colegas” (TRANSCRIÇÃO DO 6º
ENCONTRO DE PESQUISA-AÇÃO PARTICIPATIVA - TURNO 320, p. 89).
Com isso, vê-se o quanto o pesquisador, na qualidade de participante
engajado, aprende durante a pesquisa e, ao mesmo tempo, realiza-se
profissionalmente ao suscitar a emancipação e o desenvolvimento profissional
dos demais sujeitos.
A impressão que permaneceu das sessões de leitura com os
professores é de que estes não eram mais aqueles que demonstravam
atitudes de indiferença, mas que haviam se transformado em aprendizes e
ensinantes, experimentando algo novo, e, diante do interesse pelo inusitado,
prevalece a assertiva popular de que só se gosta daquilo que se conhece.
3.3.2 Tempo para ler: fator decisivo na visão das professoras-participantes
O tempo é muito lento para os que esperam,
muito rápido para os que têm medo, muito longo para
os que lamentam, muito curto para os que festejam.
Mas, para os que amam, o tempo é eternidade.
William Shakespeare
Quando se discute sobre a formação do leitor, pensa-se logo na
atribuição dos professores, enquanto co-responsáveis pelo incentivo à leitura
na escola. Porém, conhecendo a realidade das professoras-participantes vem
logo à tona pelo menos três fatores que dificultam a própria relação do
120
professor com a leitura, quais sejam: tempo para ler, o baixo poder aquisitivo
para comprar os livros e a ausência de bibliotecas públicas bem estruturadas.
Esses aspectos, já investigados na literatura por Silva (1986);
Amarilha (1997); Evangelista (1998); Zulberman (2005), e outros estudos
sobre a relação do professor com a leitura (LEAL, 1999, GOMES, 2001), mais
especificamente a leitura literária, apontam para a lacuna existente na própria
formação dos educadores. Como reafirma Leal:
Pensar a relação leitura e escola, requer colocar a questão
inicialmente posta: se, de um lado, as políticas de leitura são
necessárias, por outro, é preciso reconsiderar nesse processo
o papel do professor, como aquele que ensina a ler. Não é
desconhecido por ninguém que o formador de leitor, dadas as
diferentes circunstâncias, dentre elas as históricas, sociais,
econômicas e culturais, se encontra fragilizado em seu
conhecimento sobre o próprio objeto de ensino
(1999, p.
263)
.
Sem desconsiderar as condições concretas que, de fato, afetam as
práticas de leitura na escola, na seção anterior discutia-se a resistência dos
alunos para com determinadas atividades de leitura. No entanto, numa leitura
mais cuidadosa dos dados, vê-se que essa resistência não se limita apenas
aos alunos, mas faz parte também da prática das próprias professoras-
participantes, como argumenta uma delas:
Um dos problemas que eu vejo na leitura é a resistência dos
próprios professores em parar para estudar. Começa pela
gente mesmo, da própria escola que não quer parar para
estudar, aquele grupo de estudo
4
não era pra ter parado e era
pra ser uma preocupação do grupo. Eu acho que não se pode
só cobrar do aluno, mas partir de nós mesmos.
(TRANSCRIÇÃO DO 1º ENCONTRO DE PESQUISA-AÇÃO
PARTICIPATIVA – TURNO 034, p. 07)
4
Refere-se a um grupo de estudo coordenado pela professora-pesquisadora nessa escola (1999-2000).
121
Com base nessa reflexão, outros argumentos vão reafirmando essa
resistência, centrando-se na falta de tempo para ler, como fator decisivo nas
práticas pedagógicas da escola, como justificado por alguns participantes:
E ser leitor não é muito fácil, porque ser leitor implica numa
questão muita séria de espaço e de tempo e de organização,
porque a maioria dos professores não tem empregada não. E
tem que cuidar dos filhos e das obrigações, eu sei da vida de
cada um aqui e isso é sério, é sério para nós educadores aí se
envolve com sua casa, com seu filho, deixa para o outro dia,
não é verdade? Mas a necessidade é tão gritante para o
educador estudar que ele, ninguém imagina [...]
(TRANSCRIÇÃO DO 1º ENCONTRO DE PESQUISA-AÇÃO
PARTICIPATIVA – TURNO 040, p. 08).
Sobre esse fato de justificar a falta de tempo, podem ser
identificados pelo menos três grupos de professores na escola: a) os que se
revelaram angustiados com essa problemática, e que desejam mudar essa
realidade; b) aqueles que, apesar de se preocuparem, mantêm-se
acomodados, aceitando-a como condição da categoria e nada fazem para
mudar; e c) os que não se manifestaram a esse respeito.
No primeiro grupo, destacam-se aqueles que se apresentam
insatisfeitos com a realidade, e, por isso, se dispõem ao diálogo, envolvem-se,
entusiasmam-se, além de solicitarem ajuda para melhoria de sua prática. Um
exemplo desse grupo é o seguinte depoimento:
Eu estava conversando com Erquileuza que pelo menos eu,
Gracinha, ela, fizéssemos um curso à noite, em horário extra,
que seja pelo menos a gente. Se recomece, está na hora,
porque em educação, se a gente cruzar os braços, não dá.
122
(TRANSCRIÇÃO DO 1º ENCONTRO DE PESQUISA-AÇÃO
PARTICIPATIVA – TURNO 041, p. 08)
No decorrer dos trabalhos, o primeiro grupo demonstrava satisfação
através de comentários que validavam a importância do tempo dedicado à
leitura, como aspecto positivo à sua prática profissional, conforme é
demonstrado neste recorte:
É, eu achei que foi ótimo. Eu pensei que agora que ia dar dez
horas; acho que foi prazeroso pra gente, né, até para a gente
discutir tantos textos aqui. Foi uma coisa bem importante e
cada um teve uma coisa, um lado positivo dependendo de
como você vai trabalhar esse tipo de leitura... (TRANSCRIÇÃO
DO 6º ENCONTRO DE PESQUISA-AÇÃO PARTICIPATIVA –
TURNO 322, p. 89)
Como essa assertiva remete também a uma avaliação do trabalho
planejado e implementado no decorrer da pesquisa-ação, traz à tona a
importância do planejamento, como processo coletivo e instrumento de
mediação, tanto na sala de aula quanto na formação do professor.
No segundo grupo, têm-se, como exemplo, aqueles que, ao
relatarem a sua visão do trabalho pedagógico com a leitura na escola,
reconhecem a limitação do grupo, entretanto acreditam que não há o que
fazer para mudar essa realidade, como revelado por uma das professoras de
Língua Portuguesa:
O trabalho com leitura aqui é assim mesmo, essa dificuldade
com o aluno, de participação, a gente mesmo tem dificuldade
com leitura, não tem tempo. (TRANSCRIÇÃO DO 1º
ENCONTRO DE PESQUISA-AÇÃO PARTICIPATIVA –
TURNO 051, p. 09)
123
No terceiro grupo estão aqueles que, mesmo participando dos
encontros, não se expõem, não demonstram envolvimento, reclamam da falta
de tempo, demonstram-se sucintos nas respostas e se posicionam resistentes
ao possível acompanhamento de sua prática. Esses professores, que,
felizmente, representa a minoria na escola pesquisada, evita
comprometimento com a mudança, alegam iminente aposentadoria ou
possível afastamento das atividades por problemas de saúde, vislumbrando
sempre alguma licença e descaracterizam, assim, qualquer forma de
interação que venha a se estabelecer via pesquisa, anulando-se,
intencionalmente, diante da possibilidade de um novo fazer pedagógico.
Como exemplo desse grupo, tem-se uma das professoras-participantes que
não aderiu à pesquisa-ação, apesar de ter aceitado a presença da professora-
pesquisadora em sua sala de aula; não obstante rompeu com o combinado,
ao entregar o seu plano de aula para que fosse conduzido por uma aluna.
Aspectos como esse favorecem a reflexão da função que o
planejamento teoricamente assume, em confronto com a prática exercida
pelos professores. É nessa perspectiva que a análise do próximo capítulo se
desenvolverá, à medida que se analisa a prática pedagógica das professoras-
participantes, evidenciando até que ponto o planejamento medeia ou não o
processo ensino-aprendizagem da leitura.
124
CAPÍTULO 4
QUANDO O PLANEJAMENTO MEDEIA O PROCESSO
ENSINO-APRENDIZAGEM DA LEITURA
Catar feijão
A Alexandre O’Neill
Catar feijão se limita com escrever:
Jogam-se os grãos na água do alguidar
E as palavras na folha de papel;
E depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
Água congelada, por chumbo seu verbo:
Pois para catar esse feijão, soprar nele,
E jogar fora o leve e oco, palha e eco.
Ora, nesse catar feijão entra um risco;
O de que entre os grãos pesados entre
Um grão qualquer, pedra ou indigesto,
Um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo, não, quando ao catar palavras:
A pedra dá a frase seu grão mais vivo:
Obstrui a leitura fluviante, flutual,
Açula a atenção, isca-a com o risco.
João Cabral de Melo Neto (1966)
125
CAPÍTULO 4: QUANDO O PLANEJAMENTO MEDEIA O PROCESSO
ENSINO-APRENDIZAGEM DA LEITURA
Com este capítulo, pretende-se atender a um dos objetivos da tese,
que é verificar a funcionalidade e a pertinência do planejamento na prática de
leitura de literatura em sala de aula, considerando a especificidade dos gêneros
literários trabalhados. Aliado a esse objetivo, busca-se responder a terceira
questão de pesquisa: que função exerce o planejamento pedagógico como
mediador do ensino-aprendizagem de leitura? Tendo-se como foco o processo
ensino-aprendizagem de leitura, leva-se em consideração a relação entre as
práticas manifestadas pelas professoras e seus alunos em ambiente de sala de
aula.
4.1 Práticas manifestadas pelas professoras e sua relação com o
processo ensino-aprendizagem da leitura
Discute-se, aqui, o momento da efetivação do planejamento na aula
de leitura de textos literários pelos interlocutores da ação pedagógica:
professoras-participantes e alunos. Considera-se, assim, de um lado, a
atuação pedagógica das professoras-participantes na condução do processo
ensino-aprendizagem, cujas experiências profissionais lhes possibilitam a
mobilização de múltiplas e complexas competências “globais” e “específicas”,
à medida que organizam e dirigem situações de aprendizagem,
estabelecendo laços com as teorias subjacentes às atividades de ensino
(PERRENOUD, 2000a). E, de outro lado, têm-se os alunos que, ao
reconhecerem o papel assumido pelas professoras, seguem pistas e
indicações destas na mediação do processamento da leitura, sendo-lhes
126
destinado importante papel de atribuição de sentido, na interlocução com as
atividades propostas.
Sendo o plano da sessão de leitura fio condutor do processo ensino-
aprendizagem, considera-se, ainda, como aporte, o texto literário selecionado,
pelo qual professoras e alunos estabelecem o ponto de encontro e de
interlocução.
4.1.1 O plano da sessão como instrumento e a sua função mediadora
Objetiva-se, nesta seção, compreender a função mediadora do plano
implementado em cinco sessões desenvolvidas pelas professoras-
participantes, distribuídas em três sessões, para o conto “Tampinha” e duas
para “Negócio de menino com menina”.
As sessões do conto Tampinha correspondem à seguinte ordem: a
primeira sessão
5
(professora Karla), a terceira
6
(professora Dóris) e a quinta
7
sessão (professora Ângela). Com o conto “Negócio de menino com menina”
trabalhou-se na segunda
8
sessão (professora Karla) e na quarta
9
sessão
(professora Ângela). O tempo previsto e decorrido nas sessões corresponde a
duas horas/aulas de 50min cada.
Para a analisar a função mediadora do plano, partiu-se do
desempenho das professoras, na qualidade de mediadoras do processo
ensino-aprendizagem, nas transcrições dos dados, bem como na observação
direta em sala de aula. Para efeito de análise, apresentam-se, inicialmente, as
resenhas do conto; em seguida, os respectivos planos de trabalho
implementados em sala de aula.
5
Sessão 1 (13º Encontro) desenvolvida aos 07/11/2002, numa turma de 5ª série (3º ciclo);
6
Sessão 3 (14º Encontro) ocorrida aos 08/11/2002 numa turma de 6ª série (3º ciclo);
7
Sessão 5 (15º Encontro) implementada numa turma de 5ª série (3º ciclo), aos 08/11/2002.
8
Sessão 2 (13º Encontro) realizada numa turma de 6ª série (3º ciclo) aos 07/11/2002.
9
Sessão 4 (15º Encontro) trabalhada numa turma de 5ª série (3º ciclo) aos 08/11/2002.
127
4.1.2 O conto “Tampinha”, de Ângela Lago
10
Esse texto, inserido no livro “Historinhas pescadas”, faz parte da
coleção “Literatura em minha casa – Volume 2”, enviada pelo MEC/FNDE
para as crianças de 5ª série, por meio do programa Biblioteca da Escola,
objetivando o incentivo à leitura. “Tampinha” é altamente recomendável pela
Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. O próprio título do livro remete a
uma variedade de narrativas selecionadas e designadas de contos, cuja
coletânea é apresentada por Marisa Lajolo (2001). São dez, no total, de
autoria de diferentes escritores brasileiros, de épocas e regiões distintas,
conforme é ressaltado na apresentação.
A seleção do conto para as sessões foi feita, inicialmente, por todos
os professores-participantes, durante o segundo momento da pesquisa-ação,
destinado às sessões de leitura realizadas com os próprios livros, e, depois,
escolhidos pelas professoras-participantes entre os seis selecionados para o
planejamento de cada sessão.
A justificativa apresentada pelos segmentos da escola para escolha
desse conto, como registrado na resenha do plano dessa sessão, é que ele
focaliza “a auto-estima, mostrando que é possível quebrar obstáculos” (cf.
registro no Plano). Apoiando-se na Lingüística Textual, as professoras vêem
nas atividades propiciadas pela leitura do referido conto diversificadas
estratégias para trabalharem a oralidade e a escrita no âmbito da sala de
aula, objetivando à produção de sentido.
Partindo de um conceito de leitura mais abrangente do que a mera
decodificação de palavras, e sabendo-se que é a prática pedagógica adotada
10
Escritora mineira que há quase vinte anos é autora e ilustradora de variadas obras literárias. Conta, ainda, com
os seguintes títulos, apenas de imagens: Outra vez (1984), Chuiquita bacana e as outras pequititas (1986), O
cântico dos cânticos (1992), Cena de rua (1994). Como ilustradora, têm-se: A formiga Aurélia (de Regina
Machado), Pedacinhos de poemas (de Fernando Pessoa).
128
que orienta o professor na escolha de determinada estratégia de trabalho, é
que se postula aqui o ato de ler como atividade de atribuição de sentido,
excluindo-se a possibilidade de uma atividade mecânica ou mera emissão de
voz.
É, ainda, com base na relação oral/escrito, desencadeada pela
mediação do professor, bem como na possibilidade de estabelecer ponte com
a semântica propiciada pelo texto, que o trabalho com a literatura é entendido
como experiência humana que envolve tanto a afetividade quanto o cognitivo
e o social.
A estrutura narrativa do conto, logo no início, evoca no leitor a
lembrança dos contos de fadas, ao ser introduzido com “Era uma vez...”. No
entanto, a “economia dos meios narrativos” utilizada pela contista sugere que
ele seja inserido na “evolução do modo tradicional para o modo moderno de
narrar”, mediante de uma “mudança de técnica”, mas não de sua “estrutura”
(GOTLIB, 1999).
Ao discutir a rapidez como um dos valores a ser considerado na
literatura para esse milênio, Calvino afirma que o segredo na economia da
narrativa está no fato de que “os acontecimentos, independentemente de sua
duração, se tornam punctiformes, interligados por segmentos retilíneos, num
desenho em zigue-zague que corresponde a um movimento ininterrupto”
(CALVINO, 2000, p. 48). Ou seja, a sucessão de acontecimentos que vão
sendo suprimidos ou prolongados pela contista obedece a determinado
movimento e ritmo, por meio de critérios que respeitam a concisão, porém
sem perder os elementos essenciais com que os contos são narrados.
Para Eco (1994, p. 15 -16), a expressão “Era uma vez...” significa
que o texto está sinalizando para a escolha do seu próprio leitor-modelo, que
pode ser uma criança ou alguém disposto a aceitar as regras estabelecidas
no acordo ficcional. Aceitar tacitamente esse acordo pressupõe que o leitor
saiba que o que está sendo narrado é uma história imaginária, o que não
129
significa que o escritor está mentindo; ou seja, ao entrar no jogo da ficção o
leitor-modelo, definido pelo autor como “alguém que está ansioso para jogar”,
finge que o narrado de fato aconteceu, até porque “o texto é uma máquina
preguiçosa que espera muita colaboração da parte do leitor” (ECO, 1994, p.
34). Esse chamado à ficção através do Era uma vez retroage o leitor ao
passado “com os que, em épocas idas, forjaram gozaram e sonharam com
esses textos” (LLOSA, 2004, p. 381) que ainda hoje são desfrutados. Como
ressaltado por Llosa, a ficção existe para enriquecer de forma imaginária a
vida de todos. “De onde resulta que a irrealidade e as mentiras da literatura
são também um precioso veículo para o conhecimento de verdades profundas
da realidade humana” (LLOSA, 2004, p. 393). Por isso, criar realidades
possíveis é o maior legado que se pode atribuir ao texto literário.
Ainda sobre a estrutura do conto, vê-se que apresenta três
personagens, sendo Tampinha a principal. Com base neles a autora explora
relações e conflito de valores. O conto amplia e enriquece a visão da
realidade de um modo específico, peculiar, permitindo ao leitor a vivência
intensa e, ao mesmo tempo, a contemplação crítica das condições e
possibilidades humanas.
A protagonista Tampinha, na sua condição de transgressora,
comporta tamanha teimosia que lhe permite avançar no sentido de vencer
obstáculos, apesar do seu tamanho; o conto suscita a sensibilidade do leitor
para a problemática central do texto, que é a resolução de problemas por
parte dos personagens, o que faz com que mais uma vez se aproxime da
estruturação do conto de fadas, porém se assemelhando mais com o mito dos
heróis.
Dentre as várias características da heroína, Tampinha tem a da
esperteza, associada a uma certa magia que, como um anjo da guarda, ajuda
à protagonista a se dar sempre bem. A passagem de Tampinha pelas águas
do rio “no seu barquinho de papel, com uma agulha servindo de espada, uma
130
colherzinha de café como remo e a pimenta dependurada no pescoço”
(LAGO, 2001) determina o rito de iniciação, ou de passagem, no seu sentido
pleno, marcando a busca da aventura que representa a ruptura do passado, a
infância, em relação ao futuro, a maturidade da heroína.
A ludicidade do texto instaurada pelo jogo ficcional provoca o leitor,
dele exigindo a sua participação à medida que, por meio de sua estrutura
cumulativa e de sua função comunicativa, assume o caráter de previsibilidade,
apostando no equívoco (erro) que se transforma sempre em acerto. É nesse
aspecto que se justifica a importância do papel que exerce a literatura para a
criança; em virtude da sua riqueza simbólica, o que torna “acessível ao leitor
experiências imaginárias que sejam catalisadoras dos problemas do
desenvolvimento humano e assim proporcionar autoconfiança sobre o seu
próprio crescimento” (AMARILHA, 1997, p. 73).
O conto Tampinha remete à aventura do herói apresentado por
Campbell (1995), que tem por base a “Jornada do herói mitológico”. Fazendo-
se um paralelo entre o itinerário de Tampinha, personagem central do conto, e
as características do roteiro apresentado por Campbell, a respeito do herói
mitológico, percebe-se até que ponto a trajetória da protagonista no conto se
constitui de fato em uma heroína. Por isso, confronta-se o conto com os
passos da jornada do herói mitológico e a sua identificação com o percurso na
história de Tampinha, buscando-se, assim, um fio condutor em comum.
Durante o contato inicial do leitor com o texto, que corresponde à
apresentação do conto, alguns passos constituem o caminhar do herói. Entre
eles, o conhecimento por parte do leitor do seu mundo comum, para
contrastar com o mundo especial que a heroína adentrará. Tampinha é
apresentada pelo narrador como uma menina como qualquer outra de sua
idade, que morava com sua avó, à margem de um rio.
A “aventura do herói”, como descrita por Campbell (1995) e adotada
nesse trabalho, compõe-se de três estágios. O primeiro estágio, “A partida”,
131
está subdividido em cinco momentos distintos, destacando-se, aqui, três que
foram vividos por Tampinha: “o chamado da aventura; o auxílio sobrenatural e
a passagem pelo primeiro limiar” (p. 59, 74 e 82).
No segundo estágio, o da “iniciação”, no conto Tampinha destacam-
se os seguintes momentos: “o caminho de provas, a apoteose e a benção
última”. No terceiro estágio, o “retorno”, ressalta-se “a fuga mágica, o resgate
com auxílio externo, a passagem pelo limiar do retorno, senhor de dois
mundos e liberdade para viver”.
No “chamado à aventura” – etapa inicial da “Partida” de Tampinha –
sobressai o seu tamanho como maior obstáculo que poderia impedi-la de
empreender suas aventuras, na busca de uma flor para fazer um chá e salvar
o moço Bonito. Porém, o seu tamanho que parecia ser um erro, conforme
analisa Campbell (1995, p. 60),
o erro pode equivaler ao ato inicial de um destino [...] um erro
– aparentemente um mero acaso – revela um mundo
insuspeito, e o indivíduo entra numa relação com forças que
não são plenamente compreendidas
.
O erro representa, assim, um dos modos pelos quais a aventura do
herói pode começar. Conforme Campbell (1995), o herói pode recusar o
chamado; no entanto, somente para aquele que não recusa, como ocorrido no
conto de Ângela Lago, que, sem relutar no seu empreendimento, Tampinha
recebe o “auxílio sobrenatural”, por intermédio de sua avó, “uma figura
protetora (que, com freqüência, é uma anciã ou um ancião) que fornece ao
aventureiro os amuletos que o protejam” (CAMPBELL, 1995, p. 60). A avó de
Tampinha, mentora do plano, assumiu a função, no enredo, de preparar a
heroína para enfrentar o desconhecido, amarrando uma pimenta-malagueta
em seu pescoço e lhe ensinando palavras mágicas.
132
A “passagem pelo primeiro limiar” se constitui um dos passos da
partida do herói: é quando a aventura realmente tem início. A partir desse
ponto, o herói não tem mais como voltar atrás. No conto Tampinha, esse
momento é marcado por seu encontro com a cobra grande. Mesmo se
opondo ao tamanho da menina, e esta, por sua vez, esquecendo as palavras
mágicas, limitando-as a um fiapinho de voz, obriga a cobra a se curvar para
escutá-la, fazendo com que um forte cheiro de pimenta provoque coceira no
nariz da cobra grande, que dá espirros e leva a heroína pelos ares, para o
segundo ato: o conflito, nomeado por Campbell (1995), como a iniciação.
No estágio da “iniciação”, visto como o momento do conflito na
história, tem-se o primeiro deles: “o caminho de provas”, que representa os
testes, aliados e inimigos que o herói passa a enfrentar, qualificando-o, assim,
como digno de vencer. O desafio enfrentado por Tampinha, nesse aspecto,
diz respeito a sua entrada na praia da onça pintada, apresentada pelo
narrador como um perigo visível para a protagonista. No entanto, atingida pela
coceira no nariz, provocada pelo cheiro da pimenta, a onça agiu como sua
aliada, ao espirrar, levando Tampinha pelos ares, aproximando, assim, a
heroína do próximo passo do conflito, que é a chegada ao covil do inimigo. Ou
seja, um lugar perigoso onde está o objeto da sua busca; considerado como o
lugar mais ameaçador em que enfrentará a morte ou o perigo supremo; é
nesse ponto que ocorre o embate do herói com o antagonista.
A “apoteose”, vista por Campbell como a própria divinização do
herói, corresponde, na história, ao encontro de Tampinha com a árvore do
Curupira, na qual encontrará a “flor preta” objeto de sua busca. O problema é
que, devido ao seu tamanho, “Tampinha não dava conta de subir nem no
primeiro galho” (LAGO, 2001). É nesse ínterim que a história desemboca em
seu momento crítico: a “benção última” na qual ocorre a transformação da
heroína.
133
No conto Tampinha, essa suprema benção ocorre em três estágios:
no primeiro, a árvore joga um fruto, Tampinha come apenas um pouco, por
considerá-lo muito doce, o que faz com que cresçam apenas os seus braços;
no segundo estágio, a árvore solta o segundo fruto. Tampinha apenas o
morde e despreza-o por considerá-lo muito amargo, de modo que somente
suas pernas cresceram. No terceiro e último estágio, a árvore joga mais um
fruto e Tampinha come-o todo, transformando-se, assim, em moça feita,
possibilitando-lhe apanhar a flor.
O embate com o antagonista (Curupira) ocorre na história de
Tampinha a partir do momento em que ela apanhava a flor e o Curupira
aparece. Esse aspecto demonstra o livre acesso de Tampinha ao mundo
mágico dos deuses, já que, nas lendas folclóricas brasileiras, o Curupira é um
Deus que protege as florestas.
O momento final do conflito ou da recompensa é aqui entendido
como o estágio em que a heroína tem motivos para celebrar pelo fato de ter
conseguido a flor. Resta, portanto, o “retorno” – terceiro estágio da história –
ou seja, a resolução.
O retorno de Tampinha, marcado por sua “fuga mágica”, demarca,
no caso da protagonista, a facilidade do caminho de volta, uma vez que, ao
tentar recitar as palavras mágicas ensinadas por sua avó, o Curupira se
curvou para ouvi-la melhor; com isso aconteceu o “maior espirro que já houve
no mundo” (LAGO, 2001), provocando o grande vôo de Tampinha.
Tal fato vem marcar, assim, o seu retorno com o elixir, aqui
entendido como a porção mágica, traduzido no conto pela flor preta,
considerada o objetivo maior da luta da heroína para salvar o moço Bonito. No
conto, ocorre, com isso, um dos momentos do terceiro estágio, que é o
“resgate com o auxílio externo”, uma vez que, através do espirro do Curupira,
“a nossa moça, mesmo grande como estava, voou pelos ares, acima das
árvores, sobre o rio [...]” (LAGO, 2001, p. 30).
134
Conforme Campbell (1995, p. 206), “o herói pode ser resgatado de
sua aventura sobrenatural por meio da assistência externa”; no caso de
Tampinha, o resgate foi impulsionado pelo próprio antagonista, favorecendo,
enfim, sua “passagem pelo limiar do retorno”.
Completando sua jornada com o triunfo obtido no seu percurso, o
herói retorna ao mundo comum alcançando a glória de “senhor de dois
mundos”, que, nas palavras de Campbell (1995, p. 225), representa “a
liberdade de ir e vir pela linha que divide os mundos, de passar da perspectiva
de aparição no tempo para a perspectiva do profundo causal e vice-versa”
[...]. Em outras palavras, o herói é “o homem ou a mulher que conseguiu
vencer suas limitações históricas, pessoais e locais e alcançou formas
normalmente válidas, humanas” (CAMPBELL, 1995, p. 28).
Toda essa trajetória confere ao herói a “liberdade para viver”,
considerado como o último momento do seu retorno, assim como ocorrido
com Tampinha, que “aterrissou direto na casa do moço Bonito. O chá foi feito
imediatamente. Bem, o final vocês já sabem, a avó ficou feliz de ver a neta
grande, Bonito sarou e... – Vocês têm alguma coisa contra casamento?”
(LAGO, 2001). Cumpre-se, portanto, a circularidade do itinerário da heroína
Tampinha, cuja “partida, iniciação e retorno”, consoante Campbell, sintetiza
estágios integrantes e inseparáveis de sua aventura, constituindo-se padrões
próprios da trajetória de um herói que é o valor atribuído à coletividade.
De acordo com Brandão (2001, p. 15), a etimologia do termo herói
provém do latim e significa o “guardião, o defensor, o que nasceu para servir”,
permitindo-se, assim, definir a sua jornada mitológica:
Separando-se dos seus e, após longos ritos iniciáticos, o herói
inicia suas aventuras, a partir de proezas comuns num mundo
de todos os dias, até chegar a uma região de prodígios
sobrenaturais, onde se defronta com forças fabulosas e acaba
135
por conseguir um triunfo decisivo. Ao regressar de suas
misteriosas façanhas, ao completar sua aventura circular, o
herói acumulou energias suficientes para ajudar e outorgar
dádivas inesquecíveis a seus irmãos (BRANDÃO, 2001, p. 23).
Com essa assertiva, resume-se, aqui, uma trajetória também comum
à heroína do conto, pois como assinala Brandão no enunciado destacado, são
justamente as qualidades de “honorabilidade pessoal” e “excelência” inerentes
à sua condição e natureza de herói que trazem à tona essa superioridade de
Tampinha em relação aos outros mortais e à predispõe a gestos gloriosos.
4.1.3 Planejando o encontro dos alunos com “Tampinha”
O plano das sessões de leitura desse conto foi implementado em
três turmas, sendo duas de 5ª série e uma de 6ª séries (3º ciclo). Este plano
foi mediado por três diferentes professoras-participantes: Karla, Dóris e
Ângela, respectivamente.
A organização do plano segue a orientação de leitura por
“andaimagem”, que pressupõe “provimento ou assistência” e é entendido na
escola como ações pedagógicas mediadas pelo professor, que possibilitam a
aprendizagem de tarefas complexas (COSTA, 2000, p. 30). O plano dessa
sessão está estruturado com base nesses três momentos distintos: pré-
leitura, leitura e pós-leitura, mas interligados entre si.
Para a análise dessa seção, retomam-se os objetivos pretendidos
durante o processo de planejamento das atividades, registrados no plano da
sessão, no qual identificam-se três aspectos a serem considerados na
atuação da professora-participante: o trabalho com as especificidades do
conto literário; a apreciação do gênero conto e a especificidade do professor
como referência de leitor. Para os aprendizes, considera-se a prática de
136
reconto oral e escrito, como referendado no objetivo específico do plano. Para
efeito desta pesquisa, adota-se a definição de reconto como uma
[...] produção textual, oral ou escrita, na qual o sujeito (re)
constrói o sentido de uma história recém-narrada, retomando
tanto o seu conteúdo como o modo de organização das
informações, fazendo uso de funções como a memória, o
pensamento e a linguagem [...] (FREITAS, 2002, p. 45).
No contexto desta investigação, o reconto é mediado pelas
professoras-participantes. Para o momento que precede à leitura (pré-leitura)
elegeram-se, no plano, os seguintes procedimentos: a) motivação dos alunos
para a discussão do gênero conto; b) apresentação das características
principais do conto, inclusive diferenciando-o de outros gêneros; c) breve
discussão sobre o livro, autor e título; e d) levantamento de previsões acerca
do conto, com base no título.
Ficou acertado, no momento da elaboração do plano, que, antes da
leitura, os livros deveriam ser entregues aos alunos e que a leitura deveria ser
feita preferencialmente pelo professor, não impedindo que fosse feita uma
segunda leitura pelos alunos, dependendo, assim, do interesse e do
envolvimento da turma com a atividade.
A pós-leitura, momento privilegiado para professores e alunos
“avaliarem a compreensão” de um texto (GRAVES e GRAVES, 1995),
contemplava no plano as seguintes discussões: a) confirmação ou não de
previsões; b) discussão sobre a parte considerada mais interessante pelos
alunos; c) opinião dos aprendizes acerca da história, incluindo uma discussão
se a história já era do conhecimento dos mesmos; d) avaliação dos alunos em
relação à solução encontrada pela avó de Tampinha; e) relação entre o texto
137
a vida dos aprendizes; f) discussão acerca do foco central do texto; e g)
identificação de quem já passou por algo semelhante e como resolveu.
Na pós-leitura, o plano sugere, ainda, uma atividade de produção
oral e escrita que se concretizaria mediante o reconto oral por um aluno e o
reconto escrito coletivo, coordenado pela professora ou em duplas, pelos
alunos, e, ainda, identificação de algumas características encontradas no
conto: personagens, tempo, lugar etc. Propôs-se, ainda, a reescritura dos
recontos pelos alunos.
A prática de análise lingüística se constitui num dos eixos centrais
da organização curricular no ensino de língua materna, conforme os PCN de
Língua Portuguesa. Por isso, o Plano, além de contemplar as atividades de
produção oral e escrita, também referenda a atividade de análise lingüística
que, conforme os PCN:
supõe o planejamento de situações didáticas que possibilitem
a reflexão não apenas sobre os diferentes recursos
expressivos utilizados pelo autor do texto, mas também sobre
a forma pela qual a seleção de tais recursos reflete as
condições de produção do discurso e as restrições impostas
pelo gênero e pelo suporte. Supõe, também, tomar como
objeto de reflexão os procedimentos de planejamento, de
elaboração e de refacção dos textos (BRASIL, 1998, p. 19).
A refacção é entendida pelos PCN como uma atividade que implica
em:
mais do que o ajuste do texto aos padrões normativos, os
movimentos do sujeito para reelaborar o próprio texto:
apagando, acrescentando, excluindo, redigindo outra vez
determinadas passagens de seu texto original, para ajustá-lo à
sua finalidade (BRASIL, 1998, p. 18).
138
No contexto da pesquisa-ação participativa, optou-se, na análise
lingüística, pela utilização do recurso da refacção do texto pelos alunos,
coletivamente, mediado pela professora-participante.
Para a análise lingüística (oral e escrita) consideram-se os seguintes
aspectos: a) discussão de um dos problemas identificados (ortográfico, ou
outros) observado pela professora, durante as produções, para discussão
com a turma; e b) a professora-participante deve, ainda, considerar os
avanços observados nas referidas produções (orais e escritas) dos alunos.
Por último, no plano consta a avaliação da atividade tanto pela professora
quanto pelos alunos, e a indicação de novas leituras.
4.1.4 O conto “negócio de menino com menina” de Ivan Ângelo
11
Conforme está resenhado no plano das professoras-participantes, a
escolha do conto
12
se justifica pelo fato de “agradar adultos e crianças,
principalmente, por questionar o valor do dinheiro” (cf. plano da sessão) e o
poder que este exerce nas diferentes situações, no contexto da sociedade
capitalista.
O seu foco traduz a difícil negociação de um passarinho, entre um
fazendeiro e um menino, de modo que o primeiro acredita que o dinheiro
compra tudo, dado seu comprovado poder de insistência; ao passo que o
menino expressa como único desejo levar o passarinho para casa e mostrá-lo
a sua mãe, como resultado de sua caçada durante uma manhã inteira.
Toda disputa que envolve o enredo é impulsionada pela filha do
11
Jornalista e escritor mineiro contemporâneo, que escreve desde os 23 anos de idade, e tem uma
vasta trajetória como contista e cronista de diversos jornais e revistas de circulação nacional. Das
suas principais obras destacam-se: A casa de vidro (1979); A face horrível (1986); A festa (1976),
este recebedor do prêmio Jabuti, entre outros.
12
Esse conto faz parte do livro “De conto em conto”, Volume 2. O livro se constitui numa antologia de
contos, nove no total, escritos por diferentes escritores brasileiros: Carlos Drummond de Andrade,
Fernando Sabino, Luiz Vilela, Lygia Fagundes Telles, Machado de Assis, Marcos Rey, Pedro
Bandeira e Wander Piroli.
139
dono da fazenda, que queria que o pai comprasse o pássaro, independente
do desejo do menino. O que surpreende o leitor na história é a iniciativa do
menino, ao afirmar que, no dia seguinte, o passarinho seria doado para a
menina, sem nenhum custo, demonstrando não ser este objeto de
comercialização, mas de afeto, demonstrado.
Numa trama que envolve emoção e sensibilidade, por meio de uma
linguagem concisa e adequada, a narrativa funciona como uma tradução dos
mais diversos sentimentos experimentados por uma pessoa, ao revelar
detalhes do comportamento humano, que vai do medo à simpatia, à
insegurança, à esperteza, à ingenuidade até chegar ao alívio final.
Com apenas três personagens, o conto exprime relações de poder,
embora o que prevaleça na história é a resistência, manifesta pelo menino ao
se contrapor às irresistíveis ofertas do comprador, demonstrando, assim, que
há outras formas de poder. O modo pelo qual o autor representa a realidade
traz à tona a sutileza do não-dito, abrindo espaço para a ambigüidade, de
modo que vários sentidos dialogam entre si. O texto demonstra o
compromisso social do narrador com o enredo, favorecendo, assim, a leitura
do conto por pessoas de qualquer idade.
4.1.5 O planejamento da sessão da leitura do conto
Discute-se, nessa seção, a elaboração do plano para as sessões de
leitura, implementadas em duas turmas, pelas professoras Karla e Ângela.
Seguindo o roteiro da andaimagem, discutido anteriormente nesse trabalho, o
planejamento dessa sessão, registrado no plano, apresenta como objetivo
central resgatar a audição dos contos, sensibilizando os alunos para a prática
da escuta (cf. plano da sessão).
No processo de planejamento, ficou acertado que durante a fase de
pré-leitura o primeiro procedimento metodológico adotado pela professora-
140
participante seria “relembrar algumas características do conto”, uma vez que
havia trabalhado esse gênero nessas turmas. Depois, seria o momento de
instigar os alunos para que os mesmos pudessem “contar alguns contos por
eles conhecidos”, para propiciar a prática de escuta em sala de aula.
Uma breve “apresentação da obra, autor e o ilustrador” seria o passo
seguinte a ser explorado pela professora-participante. Em seguida, junto aos
alunos, ela lançaria “previsões sobre o texto” e, por último, a “entrega dos
livros aos alunos”, para o devido acompanhamento da leitura do conto. Como
registrado no plano das sessões, a leitura seria realizada em voz alta pela
professora-participante e acompanhada pelos aprendizes, objetivando
estimular a prática da escuta.
Para a pós-leitura, foram eleitos apenas três procedimentos no
plano: “verificar as previsões apresentadas” durante a pré-leitura; a “discussão
do texto para perceber a recepção e atribuição de sentido do mesmo junto
aos alunos”; e “estabelecer relação texto-vida a partir da leitura do conto”.
Consta, ainda, no plano da sessão, uma “atividade de produção oral
e escrita” que seria desenvolvida com base em dois procedimentos
metodológicos: primeiro, seria o “reconto oral e ou escrito da história, para
dramatização” e, segundo, a “criação de desenhos com base no conto”.
Para o momento da “análise lingüística (oral e escrita)”, seria
necessário que, tendo por base a observação in loco, a professora-
participante elegesse pelo menos “dois problemas apresentados nas
produções orais e ou escritas para discussão com a turma”. Para finalizar a
sessão, teria a “avaliação da atividade” tanto pelos alunos quanto pela
professora, além da “indicação de novas leituras do livro” aos alunos.
Tendo-se como referências de análise os contos e a implementação
do planejamento das sessões literárias, emergem da pesquisa-ação alguns
indícios relativos ao processo ensino-aprendizagem: os aspectos teórico-
metodológicos do ensino-aprendizagem de leitura, que implicam no
141
conhecimento por parte das professoras, acerca dos conteúdos da literatura,
além de outras áreas necessárias ao trabalho pedagógico; a aprendizagem
dos alunos como fundamentos do plano de aula e como objeto de reflexão
dos procedimentos de planejamento; e, por último, as implicações
pedagógicas que evidenciassem algumas alternativas construídas com as
professoras no processo de pesquisa-ação participativa, bem como os
desafios a serem superados.
4.2 Aspectos teórico-metodológicos do processo ensino-aprendizagem
De acordo com o planejamento da sessão e conforme adotado
pelas professoras-participantes, a implementação do plano contempla a
experiência de leitura por andaime, que corresponde às atividades de pré-
leitura, leitura e pós-leitura.
4.2.1 Episódios de pré-leitura: dialogando com gêneros textuais, repertório e
as previsões dos alunos
Consideram-se, aqui, os objetivos definidos nos planos das sessões,
visando a analisar a função atribuída ao planejamento, tendo como foco o
processo ensino-aprendizagem. O objetivo geral do plano da sessão do conto
Tampinha é “compreender as especificidades do conto literário, visando à
apreciação desse gênero, tendo o professor como modelo de leitor”; e o
objetivo específico consiste em “incentivar o aluno para a prática de reconto
oral e escrito”. Na sessão do conto “Negócio de menino com menina”,
objetivou-se “resgatar a história dos contos e sensibilizar os alunos para a
prática da escuta” (cf. Anexo D - Planos das sessões).
Tendo por base os objetivos mencionados, o procedimento inicial
adotado em todas as sessões recai sobre a necessidade do reconhecimento
142
do gênero literário conto, apresentando ou relembrando as suas
características, a fim de diferenciá-lo de outros gêneros como, por exemplo, o
poema.
4.2.1.1 Diferenciando o conto do poema: o reconhecimento dos gêneros
Conforme foi planejado, em sua primeira sessão, a professora Karla
aborda a compreensão dos aprendizes acerca do conto, assim como na
diferenciação deste em relação a um outro gênero, como demonstrado no
episódio subseqüente. Apoiando-se nos registros dessa sessão, bem como
na observação in loco, observou-se que a professora-participante iniciou a
aula apresentando a professora-pesquisadora aos alunos e renovando o
contrato didático com a turma, solicitando-lhes a participação no decorrer da
sessão. Após fazer a chamada dos alunos, nominalmente, a professora-
participante chamou a atenção dos alunos, motivando-os para a aula:
Episódio 04:
012. Professora Karla – Bom, gente, a nossa aula de hoje vai ser uma
aula bastante interessante, certo? Vou colocar aqui para vocês
verem.
013. Aluno – É para escrever?
014. Professora Karla – Não. Por enquanto não, ninguém copie [a
professora divide o quadro ao meio com um risco de giz e nele
escreve a data, o nome da escola e da disciplina]. Olhe, hoje nós
vamos trabalhar o gênero conto, certo? Quem já ouviu falar sobre o
que é conto? [anotando a palavra conto no quadro] Quem poderia
dizer o que é conto? Hein, gente, vocês já ouviram falar nessa
palavra conto?
015. Todos – Já.
016. Professora Karla – Já o quê? Vanessa!
017. Vanessa – É uma história escrita ou falada.
018. Professora Karla – É uma história escrita ou falada?
019. Outra aluna – É uma narração
143
020. Professora Karla – É uma narração escrita ou falada; é uma
narração, né, só isso que vocês ouviram falar sobre o conto? O conto
é diferente de um poema?
021. Alunos – É.
022. Professora Karla – É? Por que o conto é diferente de um poema?
Ele disse que o conto não contém versos, não contém rimas, né, e o
poema contém?
023. Alunos – Contém.
Diante da adesão dos alunos à motivação inicial, “hoje vai ser uma
aula bastante interessante” (TURNO 012), a professora Karla traduz nessa
frase a satisfação diante da organização de sua aula e, com isso, põe em
evidência o seu plano, alcançando, de antemão, o engajamento ou adesão
dos seus alunos.
Ao anunciar aos alunos que vai anotar algo, no quadro, a professora
é logo surpreendida com uma pergunta do aluno: “É para escrever?” Isto vem
induzir que copiar no quadro ainda deve ser uma prática escolar muito
freqüente, embora seja perceptível que outras práticas alternativas já façam
parte do cotidiano dessa turma.
Torna-se evidente, nesse episódio, a pressa da professora em
cumprir o plano na medida em que se limita a apresentar e confrontar, de
forma elementar, a diferença entre conto e poema. Entretanto, ao instigar os
alunos sobre o que é um conto, percebem-se conceitos precisos, como ficou
evidenciado na voz de Vanessa, ao afirmar ser o conto “uma história escrita
ou falada” (TURNO 017); mais adiante complementada por um outro aluno,
que diz ser um conto “um fato inexistente” (TURNO 025 – Episódio 05).
Em seguida, a professora apresenta algumas características do
conto, como personagens, os fatos, ressaltando que é uma história curta;
apresenta tempo e lugar, como enfatizado no episódio seguinte. Observe-se a
condução dessa discussão pela professora:
144
Episódio 05:
024. Professora Karla – Contém, não é? Então o conto, certo, ele tem as
suas características próprias. Quem poderia me dizer uma
característica do conto? Pelo menos uma...
025. Alunos – É a narração de um fato inexistente.
026. Professora Karla – Olha, ele está dizendo que o conto é um fato
inexistente. Quem concorda? Geralmente são histórias criadas, né,
mas muitas vezes eles se baseiam a partir de alguém, a partir da
história de alguém, certo? Então, o conto se apresenta, vamos falar
assim, ele apresenta os fatos, ele apresenta os personagens, eles
podem ser, é, narrador, observador, narrador-personagem, vocês
sabem qual é essa diferença? Quando é que o narrador é
observador, gente? Quando não participa da narrativa, apenas
observa. Quando ele é narrador-personagem?
027. Aluno – Quando ele narra e participa
028. Professora Karla – Quando ele narra e participa do conto, da
narrativa, certo? Alguém poderia dizer mais alguma característica do
conto? Geralmente o conto, ele não é uma história muito longa,
certo? Ele é uma história, é com base só no essencial, não se
estende muito. Ele apresenta sempre o lugar. Alguém tem mais
alguma pergunta a fazer sobre o conto? Alguma coisa a falar sobre o
conto? Ficou claro o que é um conto? Hein, gente, vocês têm alguma
pergunta a fazer sobre o conto? Hein, gente, vocês entenderam o
que é o conto?
029. Alunos – Entendemos.
030. Professora Karla – Existe diferença entre o conto e o poema?
031. Aluno – Existe.
032. Professora Karla – Existe, né, já entenderam as características do
conto?
033. Aluno – Já.
034. Professora Karla – Já, não é? Olha, o conto é uma narrativa que
apresenta fatos, personagens e o tempo. Quem são os personagens
e o tempo? Quem são os personagens? São as pessoas, né, que
fazem, pessoas, animais, dependendo de como seja o conto, que
fazem parte da história, da narrativa. Olha, hoje, eu vou ler aqui para
vocês, eu vou ler um conto aqui para vocês, certo? Eu vou ler,
primeiro, eu vou mostrar, apresentar o título, certo? Para ver o que
vocês acham sobre o que pode falar esse conto. Olha, se vocês
vissem um conto com o título Tampinha. Tampinha [escrevendo no
quadro]. O que sugere a vocês essa palavra Tampinha? Hein, gente?
Tampinha! Tampinha o que sugere para vocês?
035. Alunos – Personagem?
145
Embora a professora Karla admita ser o conto histórias criadas,
discorda da afirmação do aluno de que “muitas vezes eles [os contos] se
baseiam a partir [...] da história de alguém” (TURNO 026), o que vem
desconsiderar o fato de que há três acepções para a palavra conto. Conforme
Gotlib (1999), o conto pode ser considerado como relato de um
acontecimento, a narração oral ou escrita de um acontecimento falso e ou
fábula que se conta, principalmente às crianças, para diverti-las.
Em se tratando do conto literário, a exemplo do utilizado nessa
sessão, o critério de invenção é o principal a ser considerado, uma vez que,
na história do conto, principalmente na sua passagem da oralidade para
escrita, os recursos criativos foram os mais utilizados (GOTLIB, 1999).
Conforme Bosi (1997), “a invenção do contista se faz pelo achamento
(invenire = achar, inventar) de uma situação que atraia, mediante um ou mais
pontos de vista, de espaço e tempo, personagens e tramas” (p. 08). Conclui
esse mesmo autor que a escolha do universo literário feita pelo contista não é
aleatória ou inocente como às vezes se supõe. A esse respeito, Calvino
(2000, p. 61) é enfático ao afirmar: “Estou convencido de que escrever prosa
em nada difere do escrever poesia; em ambos os casos, trata-se da busca de
uma expressão necessária, única, densa, concisa, memorável”.
No episódio destacado, a professora apresenta as características do
conto, com base nos conhecimentos prévios dos alunos; entretanto, não há
expansão dessas respostas. Essa ausência ocorre em dois momentos
distintos e subseqüentes: primeiro, quando a professora distingue os
personagens e tipos de narrador (TURNOS 026 a 028) e, segundo, ao
diferenciar conto e poema (TURNO 030).
No primeiro caso, a professora Karla não diferencia os personagens
dos tipos de narradores, uma vez que os personagens são os responsáveis
pela ação, cuja participação deles no enredo é que determina seus papéis
como: protagonista (principal personagem), antagonista (oposto ao
146
protagonista) e secundários (com menor participação na história); os
narradores exercem o papel de estruturar a história, quando aparecem em
primeira pessoa (narrador personagem), como exemplificado pelo aluno
(TURNO 027), quando ele narra e participa, e, na terceira pessoa (ou narrador
observador), como dito pela professora, “quando não participa da narrativa,
apenas observa” (TURNO 028).
O narrador ainda pode ser onipresente, ao marcar presença em
todos os lugares em que ocorrem os fatos, ou “onisciente”, quando demonstra
saber tudo sobre a história. A atuação das personagens no enredo é relatada
pelo narrador que pode participar ou não da ação. Ou seja, as ações que
envolvem o conto são apresentadas ao leitor mediante dos discursos
focalizados pela voz do narrador. Conforme Eco (1994, p. 19), “os livros
escritos na primeira pessoa podem levar o leitor ingênuo a pensar que o “eu”
do texto é o autor. Não é, evidentemente; é o narrador, a voz que narra [...]
não é necessariamente a do autor”. No caso da personagem principal do
conto, seu desempenho no enredo lhe garante a condição de protagonista,
com características próprias de um herói mitológico, pois, em busca de sua
maturidade, Tampinha demonstra em sua trajetória de heroína que tem na
luta, o objetivo maior, o bem comum de sua coletividade.
Pode afirmar-se, ainda, que, no processo narrativo, este conto se
caracteriza por apresentar um narrador observador, sendo onipresente no
decorrer do enredo. Esses elementos poderiam ter sido analisados, mais
tarde, no decorrer das discussões do conto Tampinha. No entanto, ao instigar
os alunos, a professora Karla sugere:
Certo, bem, vocês têm alguma coisa para perguntar, ou para
colocar sobre esse conto? Ficou claro pra vocês o que é um
conto? Ficou? Ficou claro pra vocês as características do
conto? Olha, o conto tem que ter os fatos, tem que ter o lugar,
147
os personagens têm que ter o enredo. O que é enredo? É a
trama em si, não é? (TURNO 154).
Nesse caso, a professora atenta para um conceito de enredo,
aproximando-o das discussões feitas por Mesquita, que, assim como a
professora, admite que o enredo pode ser chamado de trama, intriga, como
também o caracteriza “como a própria estrutura da narrativa (MESQUITA,
1994, p. 12-21)”, compreendendo “todo o plano da ação, das transformações
das situações que se sucedem, na ordem/desordem em que as apresenta o
discurso que narra”, de modo que este se manifesta, segundo essa mesma
autora, apenas na narrativa de ficção em prosa.
No segundo caso, ao solicitar que os alunos diferenciassem o conto
do poema (TURNO 030), os alunos respondem: “Existe” (TURNO 031), de
modo que a resposta parece satisfazer à professora: “existe, né”, inserindo
uma nova pergunta: “Já entenderam as características do conto?” (TURNO
032). Os alunos, por sua vez, respondem “já” (TURNO 033). Observa-se,
entretanto, que os dados não confirmam se os alunos, de fato,
compreenderam essa diferença, e se, para eles, estão claras as
características do conto, pois, para isso, seria necessário que a professora
expandisse essas respostas, solicitando aos alunos que especificassem a
diferença entre os gêneros sugeridos.
A discussão sobre as especificidades do conto como gênero torna-
se incompleta, dada a descaracterização pela professora da sua função
discursiva. O que se observa no episódio destacado é que a professora Karla
se limita a apresentar a estruturação do conto, ou seja, apenas explora sua
modalidade retórica imbuída no aspecto textual da composição do gênero,
que é a narração. Reconhecer o conto como gênero exigiria, da professora e
dos alunos, múltiplos conhecimentos não apenas acerca da sua organização,
148
mas, sobretudo, da função comunicativa deste em relação a outros gêneros
trabalhados.
A dificuldade ao trabalhar com gêneros textuais já havia sido
detectada durante pesquisa anterior (SAMPAIO, 2000) e ainda permanece
nessa sessão em decorrência do não aprofundamento da professora-
participante acerca do assunto. Considera-se, ainda, o fato de que essa
mesma dificuldade também se presentifique nas demais professoras, até
porque, no período de sua formação inicial, a discussão inerente a gênero
textual não fazia parte do currículo nos cursos de graduação, nem tampouco
com a intensidade das discussões atuais.
Não obstante, durante o estudo (momento de fundamentação teórica
da pesquisa-ação - 5º encontro da pesquisa), a maioria dos participantes
declarou não ter realizado a leitura prévia dos textos acerca dos gêneros,
requisito básico para adentrar nessa discussão, resultando o estudo, naquela
ocasião, numa exposição dialogada da professora-pesquisadora com os
participantes.
Os diálogos subseqüentes a esse episódio vêm confirmar a não
entrada da professora na estrutura profunda do texto. Para Smith (1991, p.
42), a estrutura profunda do texto está intimamente relacionada à atribuição
de significados pelo leitor; no entanto, a professora passou a focalizar apenas
a estrutura aparente (informação visual da linguagem escrita) da história:
personagens, tempo, lugar, fatos, embora se considerem fundamentais esses
aspectos e de extrema importância serem abordados em conseqüência do
trabalho com gênero textual. Compreende-se que o reconhecimento destes
aspectos, associados a sua função social, ajudaria aos alunos a compreender
o funcionamento da linguagem e das práticas sócio-culturais.
Na terceira sessão, implementada pela professora Dóris, que teve
também como suporte o conto Tampinha, observou-se que ao abordar as
149
especificidades do conto, surge a discussão sobre a sua relação com a
tradição oral:
Episódio 06:
003. Professora Dóris – [...] Então, nessa aula de hoje vai ser sobre
conto. Vocês podem até dizer assim: professora, o que é conto?
Agora, eu pergunto para vocês o que é conto, para vocês que é o
nosso assunto de hoje? Podem falar quem souber responder.
Qualquer pessoa pode dizer. O que é conto para vocês.
004. Aluno – É uma história [inaudível].
005. Professora Dóris – O quê?
006. Aluno – Uma história de poesia.
007. Professora Dóris – Uma história de poesias? Quem pode dizer mais
alguma coisa? Além disso?
008. Juliano – É uma história inventada.
009. Professora Dóris – É uma história inventada, Juliano?
010. Juliano – É conversa.
011. Professora Dóris – Uma conversa.
012. Aluno – São histórias.
013. Professora Dóris – São histórias. Que mais?
014. Aluno – Coisa de faz de conta.
015. Professora Dóris – Uma coisa de faz de conta, né?
016. Aluno – Faz de conta que é real.
017. Professora Dóris – Faz de conta que é real.
018. Aluno – Fantasia.
019. Professora Dóris – Fantasia. Dilani?
020. Dilani – Contos são histórias que geralmente estimulam a
memorização das pessoas.
021. Professora Dóris – São histórias o quê?
022. Dilani – Que estimulam a memorização das pessoas.
Como motivação inicial, a professora Dóris mencionou o fato de que
os alunos viviam cobrando uma aula diferente, mas que, para isso, exigiria um
trabalho mútuo entre professores e alunos. Em seguida, anunciou:
150
Então, nessa aula diferente que vocês tanto queriam chegou o
dia e o momento certo [...]”, e resume o que seria tratado na
aula. Em suas palavras: “Então, nessa aula de hoje, a gente
vai falar de um assunto que vocês vão dizer assim: a senhora
nunca falou! A gente fala. Só que às vezes a gente fala em um
momento que às vezes nem passa pela cabeça do que a
gente está falando, né? Então, nossa aula de hoje, vai ser
sobre conto [...] (TURNO 003).
Pelo exposto na fala da professora Dóris, percebe-se que ela
enfatiza uma possível mudança de sua prática cotidiana, pelo menos naquela
sessão, na medida em que cria expectativas na turma sobre o desenrolar da
aula, especialmente acerca do conteúdo que seria abordado.
Ao afirmar que o assunto seria conto, a professora assume a postura
de que, de fato, o que ocorre é a ausência de textos literários naquela sala de
aula, tornando, assim, artificial a presença do conto naquele momento. Com
isso, no seu trabalho com textos, não considera suas especificidades, como o
gênero, pois, ao antecipar que seus alunos poderiam dizer que ela nunca
falou sobre conto, admite que falou, mas não da forma que seria abordado a
partir daquele momento.
As falas dos alunos, nesse episódio, demonstram que eles
conseguiram estabelecer relação entre o conto e a tradição oral, que faz parte
do conhecimento destes, como dito por Juliano, que “É uma história
inventada; é uma conversa” (TURNOS 08 e 10), ou “É uma história de faz de
conta; faz de conta que é real; fantasia; são histórias que estimulam a
memorização das pessoas” (TURNOS 14 a 22); afinal, para Gancho (1993, p.
06), “narrar é uma manifestação que acompanha o homem desde sua
origem”.
“É uma história de poesia” (TURNO 06), como dito por outro aluno,
relacionando o conto às narrações em versos ou cordel, como é conhecido na
região Nordeste do país. Conforme Gancho (1993), são muitas as
151
possibilidades de se narrar, seja oral ou escrito, em prosa ou em verso,
usando imagens ou não. A história do cordel está ligada justamente à tradição
medieval, em que a atividade de contar histórias se fazia presente,
efetivamente, nas comunidades.
Atualmente, o cordel ainda mantém algumas características de
origem, com destaque para a função social educativa, de ensinamento e não
apenas de entretenimento (EVARISTO, 2000). Entretanto, exercendo o seu
papel de interlocutora mais experiente, que usa as idéias das crianças como
entrada para o próprio planejamento futuro (COSTA, 2000), a professora
Dóris elege a fala desse aluno (TURNO 06) para introduzir o segundo aspecto
registrado no plano, que é estabelecer diferenças entre o gênero conto e
outros gêneros.
Episódio 06:
023. Professora Dóris – Pronto. Uma pessoa disse, aí, que é uma poesia,
não foi assim? E o que é uma poesia, para quem disse que é uma
poesia?
024. Aluno – São versos que rimam
025. Professora Dóris – É um verso que, o quê?
026. Aluno – Que rima.
027. Professora Dóris – Que rima. E o conto é um verso que rima?
028. Aluno – Não, conto não.
029. Professora Dóris – E é o quê?
030. Aluno – Conto é falando sobre a vida de alguém, ou sobre alguma
coisa.
031. Professora Dóris – Muito bem. Então, quem disse que era uma
poesia, preste atenção. A poesia ela é formada de quê? Ela é
formada de estrofes, que mais? Versos e apresenta rimas. Enquanto
que o conto, o conto em si ele não apresenta rimas, não tem estrofes
e nem versos. Então, vamos ver em si o que é um conto. É uma
narrativa que apresenta o quê?
032. Aluno – Histórias.
152
Vê-se que a professora explora com os alunos as características dos
gêneros conto e poesia; porém, somente apresentando um em oposição ao
outro, o que provoca reducionismo nos dois gêneros. Para a professora
(TURNO 031), a única diferença entre o conto e a poesia está na sua
estruturação, pois a narrativa não tem versos, rimas, estrofes; já a poesia
deve, obrigatoriamente, apresentar rima e demais aspectos mencionados,
ignorando, portanto, o fato de que há poesias com ou sem rimas como há
narrativas com essas características.
Com efeito, surge um duplo engano: o de que a narrativa só pode
ocorrer em forma de prosa; e a poesia, em forma de versos. Outro engano
que assume maior proporção é desconsiderar a funcionalidade que
caracteriza esses gêneros literários. De um lado, tem-se o conto, no qual
predomina a modalidade narrativa que “exerce a função organizadora do
sentido dos fatos”; do outro lado, tem-se a poesia, cuja “linguagem poética é,
por excelência, portadora de elementos lúdicos que proporcionam prazer ao
texto” (AMARILHA, 1997, p. 26). Com isso, conclui-se que o domínio dos
conhecimentos teóricos pelas professoras representa uma necessidade para
a concretização do processo ensino-aprendizagem.
Essa dificuldade em caracterizar conto e poesia, apresentada pela
professora, dá-se em função da sua pouca participação durante os encontros
de pesquisa, nos quais foram discutidas essas diferenciações. Sua ausência
nos encontros se justifica pela incompatibilidade de horários, uma vez que
esses eventos para estudo da pesquisa-ação participativa ocorriam no turno
matutino, horário de sua rotina de trabalho e, ainda, pela indisponibilidade da
própria professora, já que não aceitou substituição, em sua sala de aula
conforme proposto pela Direção da escola.
De um modo geral, a professora seguiu as orientações teóricas,
porém esperava-se que, em virtude de sua formação ser na área de Letras, e
dada à flexibilidade do planejamento e o seu caráter de, a priori, propiciar
153
reflexões, esperava-se que ela apresentasse, além dos que foram trabalhados
nos encontros, outros referenciais que lhe possibilitassem novos
encaminhamentos no decorrer da aula.
Seguindo o planejado, a professora passa a apresentar as
características do conto, cuja opção metodológica por ela adotada foi copiá-
las no quadro de giz, e, para isso, convida um dos alunos para fazer a cópia.
Entretanto, como nenhum deles mostrou-se seduzido pelo convite, a própria
professora resolveu fazê-lo. Na medida em que ia copiando, a cada
característica escrita parava e solicitava que um(a) aluno(a) lesse e
explicasse o que ela escreveu. Quando o aluno não conseguia explicar, outro
complementava:
Episódio 07:
039. Professora Dóris – Sim, o que é que vem? Fatos, personagens que
são as pessoas, tempo e o lugar. Quem é de vocês que quer ler essa
outra característica?
040. Aluno – [lendo no quadro] o enredo apresenta normalmente a
seguinte estrutura: apresentação, compreensão, clímax e desfecho.
[...]
049. Professora Dóris – Tem o limite dele, não é? [escrevendo no
quadro] Outra característica: pode apresentar narrador-observador,
ou narrador-personagem e aí o que eu quis dizer com essa
característica? Jorge?
050. Jorge – Não entendi muito bem, não.
051. Professora Dóris – Quem entendeu?
052. Aluna – Quer dizer que o narrador pode ser quem está escrevendo,
ou o narrador pode ser diretamente o personagem.
A estratégia de copiar utilizada pela professora demonstra ser
rotineira, uma vez que os alunos a encararam com naturalidade e
cooperação. Copiando no quadro de giz, a professora conseguiu manter a
atenção dos alunos, evitando conversas paralelas que ocorrem normalmente
quando o professor realiza esse tipo de estratégia. A freqüente condução
154
desse tipo de atividade, apoiada por seus alunos, confere à professora o seu
reconhecimento, tanto pela escola quanto pelos próprios alunos, de ter um
excelente domínio de classe.
É de se considerar que dada à lentidão desse tipo de estratégia e a
necessidade de assegurar a atenção voluntária dos alunos, a professora
mantém a disciplina em sala de aula, além de conseguir extrair deles muito
mais informações acerca do assunto que está sendo tratado, embora se
questione: até que ponto estão sendo desenvolvidas as habilidades de leitura
de que tanto carecem os alunos nesse ciclo? Infere-se que a freqüente
atividade de cópia e a ausência do uso de textos literários nesta sala da aula
traduzem a ansiedade dos alunos e da professora ao usarem os livros de
literatura.
Os dados apontaram que a quinta sessão de leitura do conto
Tampinha, implementada pela professora Ângela, se constituiu numa
continuidade de outros estudos com textos literários, que vinham sendo
realizados pela professora-participante na turma. Com isso, os componentes
centrais da narrativa já haviam sido trabalhados, anteriormente, de modo que
a professora, inicialmente, relembra as características gerais do conto:
Episódio 08:
001. Professora Ângela - Dessa coleção que nós iniciamos terça, a gente
concluiu aquele lá, então nós estamos trabalhando propriamente
esse tipo de texto, quais são os elementos? Quem lembra? Ele é o
quê? O que é o conto? Hein, Genilson, o que é um conto?
002. Aluno - Histórias contadas.
003. Professora Ângela - Histórias contadas, mas aí antes tem que ter o
quê? Tem que ser contada, não é? História contada por quem?
004. Aluno - Por pessoa.
155
Ao iniciar a sessão, utilizando como estratégia o reconhecimento das
características da narrativa, é que a professora Ângela insiste que, na
interação texto-leitor, ocorra o acercamento textual pelo leitor via ficção. Com
efeito, ao instigar os alunos a relembrar “o que é um conto” (TURNO 001), um
estudante afirma que são “histórias contadas” (TURNO 002).
Percebe-se que a professora Ângela aproveita a opinião do aluno
para introduzir a discussão de um outro elemento da narrativa, que diz
respeito aos personagens. A esse respeito, a professora-participante
diferencia, com a colaboração dos alunos, os tipos de narradores e de
personagens que se presentificam no conto:
Episódio 09:
005. Professora Ângela - Por pessoa, então. Essa pessoa ela pode
contar ou ela pode participar também da história. Eu falei que existe o
narrador-personagem. Aquela pessoa que está contando aquela
história que aconteceu. Com quem?
006. Aluno - Com ela.
007. Professora Ângela - Com ela, né? Ela própria vai contar a sua
história, né, e ela pode também contar a história que aconteceu com
quem?
008. Aluno - Com outra pessoa.
009. Professora Ângela – Com outras pessoas, né? Então, o conto ele
tem uma caracteristicazinha diferente das demais histórias contadas.
A novela é uma história contada, né? A novela é uma história que se
passa, só que é uma história longa, às vezes dura dois, três meses; o
filme, é uma história longa, não é? O conto é uma historinha contada,
só que ela é curta, ela é uma narrativazinha curta, apenas uma ação
rápida que se passa no enredo da trama da história. E essa história
também tem que ter o quê? Se é uma história contada tem que ter o
quê?
010. Aluno – Narrador.
011. Professora Ângela – Tem que ter o narrador. Que mais? Os
participantes são chamados de?
012. Aluno – Personagem.
013. Professora Ângela – Personagem, não é? Então existem os
personagens, que é um número limitado. Não pode ser muitas
pessoas. O autor da história, o autor é o narrador, né, a pessoa que
vai contar, né? E o que mais? A história vai passar onde? Toda
156
história se passa em um lugar, tem que ter o lugar, tem que ter o
ambiente. Esse ambiente pode ser qualquer lugar. Pode ser na zona
rural, no sítio, na fazenda, na zona urbana, na cidade. Pode se
passar no interior de uma casa, não pode, uma história?
014. Aluno – Pode.
015. Professora Ângela – Dentro de um carro, não pode se passar uma
história? Não pode?
016. Alunos – Pode.
017. Professora Ângela – Então, esse lugar ele é variável. Então as
histórias acontecem em um lugar, tem que ter um lugar pra se passar
uma história. Tem que ter pessoas fazendo alguma coisa e também
uma coisa importante num determinado, o quê?
018. Alunos – Lugar.
A professora Ângela, no decorrer desse episódio, privilegia trazer à
tona algumas diferenciações importantes: a diferença entre o conto e a novela
e entre os tipos de narradores; depois, entre estes e os personagens, embora
confunda autor e narrador, bem como lugar e ambiente, vistos como
instâncias distintas.
Sem fazer menção ao conto como gênero, a professora o diferencia
da novela, de forma simplificada, comparando-o por meio de uma de suas
características principais: a brevidade de um em oposição à durabilidade do
outro (TURNO 009). Porém, assim como ocorrido com as demais professoras,
torna-se evidente a freqüente dificuldade em definir os gêneros literários conto
e poema. Embora essa professora tenha avançado em relação à professora
Dóris, as suas limitações se devem, em parte, ao embasamento teórico
insuficiente e da pouca experiência com trabalho dessa natureza, visto que
essa abordagem ainda é nova para o ensino.
Para estabelecer diferenças entre os tipos de narradores, a
professora conta com a colaboração dos alunos (TURNOS 008, 010 e 012),
especificando dois tipos: narrador personagem e narrador observador; este
último não foi mencionado, explicitamente, nem pela professora e nem pelos
alunos, ficando implícito no momento em que a professora afirma que o
narrador pode “contar a história que aconteceu, com quem?” (TURNO 007) e
157
o aluno responde “com outra pessoa” (TURNO 008), cujo diálogo entre
professora e aluno caracteriza o narrador observador.
A professora realça, ainda, as diferenças entre narradores e
personagens, cuja diferenciação parece se constituir numa limitação das
professoras-participantes, como já analisado na primeira sessão desse conto,
conduzida pela professora Karla.
Nesse caso em análise, a professora Ângela fez questão de pontuar
que os personagens aparecem em número limitado e que são determinados
pela sua participação na história, como dito neste fragmento: “Os participantes
são chamamos de?” (TURNO 011), e um aluno responde: “Personagem.”
(TURNO 012). Entretanto, a professora confunde autor e narrador,
apresentando-os como idênticos: “[...] o autor da história, o autor é o narrador,
né, a pessoa que vai contar, né? [...] (TURNO 013). Recorrendo-se a Gancho,
procura-se esclarecer que “o narrador não é autor, mas uma entidade de
ficção, isto é, uma criação lingüística do autor, e portanto só existe no texto”
(1993, p. 29).
Conforme Jouve (2002, p. 36), “para ter uma idéia vaga do autor, é
preciso fazer uma pesquisa, juntar documentos, ler prefácios: para saber tudo
sobre o narrador basta ler seu texto”. Para esse autor, “o narrador, portanto, é
sempre uma criação do autor e pode, conseqüentemente, distinguir-se dele
pelo sexo, pelos gostos, pelos valores ou pela natureza”. Por isso, não vale
confundir essas duas instâncias, próprias da narração ficcional, até porque a
cada obra o autor atribui narradores diferentes.
Outras características da narrativa, apresentados como sinônimos
pela professora, diz respeito ao entendimento sobre lugar e ambiente
(TURNO 013). Gancho (1993) afirma que o lugar se confunde com o espaço
na narrativa e não com o ambiente, pois este último é utilizado para designar
o lugar psicológico, o social, o econômico, entre outros. O conceito de
158
ambiente converge para aproximar as categorias tempo e espaço (lugar
físico) presentes na ficção.
No conto Tampinha, as categorias lugar e espaço aparecem bem
definidas na narração, pois o lugar está determinado pelo local principal que
desencadeia o conflito, ou seja, onde morava a personagem com a sua avó,
que era numa casa à margem do Rio do Mato Perdido e ao precisar do chá da
flor preta da árvore do Curupira, para salvar o moço Bonito, Tampinha se
aventura a percorrer diferentes espaços: atravessar o rio, aterrissar na praia
da onça-pintada, voar até a floresta onde estava a flor da arvore do Curupira,
atravessar, voando, rios, florestas, até chegar à casa do moço Bonito (LAGO,
2001).
Com todas essas peripécias de Tampinha, o conto é marcado por
significativa afluência de espaços onde ocorrem os fatos. São lugares
imagéticos, mundos fictícios, ambientes criados na e pela imaginação do
autor, geralmente abordados pelo narrador da história. São lugares da
literatura que enriquecem o imaginário das crianças.
Ao explorar a categoria tempo como um dos aspectos da narrativa,
ou seja, o tempo fictício imbuído no texto, a professora o traduz como época
em que se passa a história, ao dizer: “A pessoa tem que fazer uma ação,
alguma coisa em um lugar determinado, tempo. Esse tempo também ele é
muito variável. Pode ter acontecido há dez anos atrás. A história que eu vou
contar pode ter acontecido de manhã cedo, hoje cedo, amanhã, pela manhã,
não pode?” (TURNO 019). Porém, como mencionado no conto Era uma
menina pequena, que comeu frutos da árvore do Curupira,
conseqüentemente, “quando terminou estava moça feita” (LAGO, 2001),
deduz-se que em Tampinha, há de fato, um tempo cronológico que dá vida ao
enredo.
Na implementação pela professora Karla, da segunda sessão do
conto “Negócio de menino com menina”, observou-se que discutir o que seria
159
um conto, relembrando suas características, se constituiu também em
procedimento inicial, adotado por essa professora-participante, conforme
planejado.
Viu-se que, ao intercalar o primeiro aspecto abordado no
planejamento, que é “relembrar as características do conto”, a professora-
participante já insere o segundo ponto do plano: contar algum conto do
conhecimento deles.
Episódio 10:
003. Professora Karla – Nossa aula vai ser um pouquinho diferente, né?
[...] é necessário que a gente participe da aula. Vamos fazer aqui a
chamada. Atenção pra chamada!
[A professora faz a chamada e os alunos vão se identificando].
004. Professora Karla – Olhe, gente, tudo bem, né, todos já responderam
a chamada. Nós hoje vamos ter uma aula bastante interessante,
certo? Eu gostaria que vocês prestassem atenção [professora
escreve no quadro o nome da escola, a disciplina e a data]. Olhe,
gente, hoje nós vamos trabalhar com vocês, certo, uma história
bastante interessante, certo? Nós vamos trabalhar hoje o conto. O
conto. Vocês já ouviram falar nessa palavra conto? Nesse gênero
conto? O que é, quem poderia, com as palavras de vocês, da
maneira que vocês souberem, o que vocês já ouviram falar sobre o
conto? Conto na área da literatura, quem poderia dizer o que é?
005. Aluno – O conto de fadas/
006. Professora Karla – Conto de fadas. O que é um conto de fadas?
007. Aluno – É uma história.
[...]
023. Professora Karla – [...] Quem poderia contar um fato, um conto aqui
para turma? Que você ouviu contar uma coisa, que você ouviu
mesmo, que seja um conto antigo, uma história antiga? Hein, gente?
Ninguém sabe nem uma história que tenha personagem, que tenha o
tempo determinado ou não, que tenha local. Diga.
024. Aluno – [inaudível].
025. Professora Karla – Isso aí é uma história que as pessoas contam.
Uma história talvez já contada por seu bisavô, tataravô, que veio se
repassando, veio repassando de pessoa para pessoa. Quem mais
teria alguma história? Diga.
026. Aluno – Aqui, professora. Lá em casa um dia meu avô contou
[inaudível], um príncipe e uma princesa. Eles deixaram [inaudível].
160
027. Professora Karla – Quem mais poderia vir? Olhe, gente, essas
histórias, né, são chamadas de contos populares, né, Lúcia, que as
pessoas vão contando, umas vão contando aos outros. Se a gente
for atrás, cada família tem uma história, cada pessoa tem uma
história para contar, certo? Então o conto que nós vamos trabalhar é
o conto literário certo, gente? É o conto que apresenta as seguintes
características, quem poderia dizer o que é característica? Como é
que a gente reconhece uma pessoa?
028. Aluno – Pelas características.
029. Professora Karla – Pelas características. Então nós vamos
reconhecer o conto pelas características, certo? O conto ele é uma
narrativa, certo? O conto ele é uma narrativa e uma narrativa, cita o
essencial. Ela apresenta os personagens, apresenta os fatos,
apresenta o lugar. Geralmente ela apresenta também o tempo, certo?
Se ela não apresentar o tempo em forma de data, mas ela apresenta
os fatos em uma seqüência lógica que dar realmente para a gente
entender a questão do tempo, certo? É, é o conto que nós vamos
trabalhar, certo? É um conto bastante interessante. Muito
interessante e requer de nós um pouquinho de atenção. As
características do conto, eu vou dar pra vocês depois, se for pra eu
dar agora, vocês terão numa folha esquematizada, é melhor. Então,
depois. Agora eu quero que a gente identifique mediante o que eu já
disse, na próxima aula, a gente vai escrever no quadro, vocês vão
escrever no caderno as características de um conto, certo? O conto
que nós vamos trabalhar é o seguinte [a professora escreve no
quadro o nome do conto]. Olhe, Negócio de menino com menina.
Esse tema, esse título “Negócio de menino com menina” sugere o
que a vocês? Hein, gente? Negócio de menino com menina, vocês
acham que esse texto vai tratar de quê?
A professora Karla, ao iniciar a sua aula, utiliza, como motivação
inicial, a presença da professora-pesquisadora na turma, para depois
justificar o interesse que os alunos deveriam ter pelo conteúdo da aula
(TURNOS 003 e 004). Solicita, ainda, a participação dos alunos, motivando-
os para uma aula “um pouquinho diferente” (TURNO 003), “uma aula
bastante interessante” (TURNO 004), e passa a relembrá-los o que é conto,
diferenciando-o do poema.
Assim como na sessão do conto Tampinha, a única diferença
apresentada pela professora e alunos em relação ao conto e ao poema é que
161
este último apresenta rima, versos e estrofes, enquanto que o conto, não.
Embora um aluno faça menção ao conto de fadas (TURNO 005), a
professora não expande mais informações que venham esclarecer as
diferenças entre os contos em si e entre estes e o poema.
No episódio apresentado, vê-se que os alunos (TURNOS 024 e 026)
apresentam dois exemplos de contos: o primeiro remete ao conto folclórico e,
o segundo, ao conto de fadas. Após a história do aluno (TURNO 026) sobre o
conto de fadas contado por seu avô, a professora, equivocadamente, afirma
ser um conto popular e acrescenta que o que seria trabalhado era o conto
literário (TURNO 027).
A insegurança da professora sobre os diferentes contos pode ser
traduzida nesse mesmo turno, à medida que busca apoio na professora-
pesquisadora: “[...] Olhe, gente, essas histórias, né, são chamadas de contos
populares, né, Lúcia, que as pessoas vão contando [...]” (TURNO 027). Infere-
se que seria o momento oportuno de a professora trabalhar essas diferenças,
redimensionando seu planejamento para inserir aspectos conceituais
relevantes em situações semelhantes.
Na sessão quatro, do conto “Negócio de menino com menina”, a
professora Ângela adotou também como procedimento inicial perguntar o que
seria um conto, relembrando algumas características, conforme planejado.
Porém, ela não demonstra avanços nas discussões realizadas acerca das
categorias narrador, personagem, tempo, lugar e ambiente, entre outros, se
comparado à sessão na qual se trabalhou o conto “Tampinha”.
4.2.1.2 Apreciando o conto e focalizando as previsões
A professora Karla na primeira sessão do conto Tampinha focaliza a
previsão dos alunos em relação ao texto, tendo como apoio seu título
Tampinha. A previsão é necessária, pois é o “núcleo da leitura”, na medida
162
em que traz significado ao texto, além de eliminar alternativas improváveis e
propiciar a “projeção de possibilidades” pelo leitor (SMITH, 1991, p. 34 e 202).
Para esse autor, as previsões podem ser “globais”, relacionadas a uma visão
geral do texto, e as “focais”, que podem ser influenciadas pelas globais,
embora aquelas se detenham nas especificidades do texto, com base nos
capítulos, parágrafos, sentenças e palavras. Na observação das previsões por
meio do título, os alunos demonstraram clareza acerca da passagem do
ficcional para o real:
Episódio 11:
036. Professora Karla – Certo. Tampinha é personagem. Mas você acha
que esse conto vai falar sobre o quê?
037. Alunos – Uma menina danada
038. Professora Karla – Uma menina danada, o que mais? Quem poderia
dizer?
039. Alunos – Uma criança pequena.
040. Professora Karla – Uma criança pequena. Que mais? Quem mais
poderia sugerir alguma coisa.
041. Alunos – Uma criança esperta.
042. Professora Karla – Uma criança esperta. Vamos gente, esse título
aí, Tampinha, dá a entender que fala sobre o quê? Vocês acham que
Tampinha é o nome de uma criança?
043. Alunos – Não, sim.
044. Professora Karla – Não ou sim?
045. Alunos – Não.
046. Professora Karla – E vocês acham que é o quê?
047. Alunos – O apelido.
048. Professora Karla – O apelido. Mas você acha que esse conto, esse
título vai falar sobre o quê?
Tendo por base as questões previstas no plano, na qualidade de
instrumento mediador, vê-se que o trabalho com as previsões exige a
mediação também por parte do professor, para se atingir à atribuição de
sentido dado ao texto pelo leitor. No caso do conto Tampinha, os alunos
conseguem elaborar previsões globais acerca do texto, com base no seu título
163
(TURNO 036). As previsões focais foram marcadas pela insistência da
professora para que elas fossem emitidas pelos alunos, como demonstrado a
partir do turno 042. Os andaimes fornecidos pela professora possibilitaram,
assim, a projeção de previsões focais, embora ela se limite, em alguns
momentos da discussão, a repetir as respostas dos alunos.
A pista fornecida pela professora “[...] vocês acham que Tampinha é
o nome de uma criança? [...]” (TURNO 042). E provoca o conflito cognitivo na
turma: [...] não/sim [...] (TURNO 043). Com ajuda da professora, os alunos
concluem que Tampinha não é um nome de uma pessoa, mas um apelido
(TURNO 047). Isso ocorre em função das experiências pessoais desses
alunos, que demonstram maior domínio das questões subjetivas do texto,
pois, como assinala Cunha (1991, p. 100), “mais que conhecer o
desenvolvimento infantil, importa conhecer a criança, sua história, suas
experiências e ligações com o livro”.
Por isso, um dos fios condutores, no momento da escolha dos textos
literários que seriam trabalhados nas sessões de leitura, consiste em que os
professores, como conhecedores dos seus alunos, de seus interesses,
definissem quais contos eram destinados a determinadas turmas. É
perceptível a capacidade de as crianças em entrarem no jogo ficcional, por
compreenderem que o conto não se refere somente ao acontecido, embora se
saiba do entrelaçamento do mundo real ao ficcional:
todo o mundo ficcional se apóia parasiticamente no mundo
real, que toma por seu pano de fundo [...]. Na verdade, espera-
se que os autores não só tomem o mundo real por pano de
fundo de sua história, como ainda intervenham
constantemente para informar aos leitores os vários aspectos
do mundo real que eles talvez desconheçam (ECO, 1994, p.
99-100).
164
O aspecto ficcional-real não é visível pela professora, nesse
momento, embora mais tarde (TURNO 077) ela possibilite a entrada dos
alunos no jogo ficcional propiciado pelo texto, ao perguntar: “Qual era o nome
dessa menina?” Mesmo considerando a personagem como uma menina, os
alunos respondem: “Tampinha”.
Noutro momento (TURNO 096), mais uma vez o real-ficcional é
abordado, na medida em que a professora pergunta: “Gente, vocês acham
que um conto desses acontece na vida real?” E os alunos respondem sem
nenhuma dúvida: “Não”, “É impossível” acontecer. Entende-se que questões
como essa elaborada pela professora-participante, ao solicitar que o aluno
exponha sua opinião sobre determinado assunto, favorece o pensamento
crítico, demandando conhecimentos e experiências significativas que
fundamentam a suposição de possíveis respostas.
A professora Dóris em relação à focalização das previsões na
terceira sessão, observou-se que após comentar as características do conto
sem que houvesse aprofundamento nas discussões, a professora-participante
apresenta o conto Tampinha:
165
Episódio 12:
053. Professora Dóris – Muito bem. Bom, gente, foram apresentados aí
várias características do conto, né, do conto em si, e, agora chegou
os livros procurados, não é isso? E esses livros, como vocês
disseram que o conto é historinha, não foi isso? Então, está aqui a
história. A historinha de quê de? [apresentando o livro].
054. Aluno – Historinhas pescadas.
055. Professora Dóris – Historinhas pescadas. Então dentro desse livro,
“Historinhas pescadas”, têm vários contos, só que o conto que a
gente vai trabalhar hoje é Tampinha. Então, esse texto Tampinha,
pelo nome que a gente está falando, Tampinha, traz alguma coisa,
sugere alguma coisa pra vocês?
056. Aluno – Sugere pelo nome que pode ser uma tampa de garrafa, né?
057. Professora Dóris – Uma tampa de garrafa. Que mais? Pode ser uma
tampa de garrafa. E agora?
058. Aluno – Pode ser um apelido.
059. Professora Dóris – Pode ser um apelido, Cláudia?
060. Claudia – Pode ser alguma coisa que ele esteja apresentando, que
tem o nome de tampinha.
070. Professora Dóris – Pode ser o quê?
071. Claudia – Alguma coisa que ela esteja apresentando e colocaram o
nome de tampinha.
072. Professora Dóris – O nome Tampinha. Você, você [apontando em
direção a alguns alunos].
073. Aluna – Pode ser até uma menina que seja pequena.
074. Professora Dóris – Ela disse que pode ser uma menina que seja
pequena, Lorena, Lucivânia, alguém, Roldana, Juliano, sua vez.
075. Juliano – Uma característica que tem nela pode ter dado esse nome.
076. Professora Dóris – Uma característica, o quê?
077. Juliano – Uma característica dela.
A professora Dóris apresenta aos alunos o livro e o título do conto,
bem como a sua inserção no livro, mas esquece de apresentar a autora do
conto. Depois, passa a discutir as previsões globais dos aprendizes com base
no título do conto. Pelas respostas dos alunos, infere-se que o conto em
estudo já era do conhecimento deles, como mostram as previsões obtidas na
maioria dos exemplos: “Sugere pelo nome que pode ser uma tampa de
garrafa, né?” (TURNO 056); “Pode ser um apelido” (TURNO 058); “Pode ser
166
até uma menina que seja pequena” (TURNO 073) ou “Uma característica
dela” (TURNO 077).
A professora Ângela, na quinta sessão de leitura, ao focalizar as
previsões globais acerca do texto, instiga os alunos a prever de que trata o
conto, assim como é registrado no plano. Os alunos demonstram interesse
em responder às questões por ela formuladas. Contudo, a ausência de novos
andaimes ou a não proposição de novas questões, tomando por base as
respostas dos alunos, ora os aproximou, ora os distanciou dos sentidos do
texto.
Episódio 13:
025. Professora Ângela – [...] E o nome do texto, ele é bem engraçado.
Não sei se alguém já leu, aqui tem uma turminha que gosta de
consultar livro, gosta de ler, não é [inaudível]? Então, esse texto ele
tem o título bem engraçado. O nome do texto é Tampinha. Tampinha,
aí, né? Vou escrever aqui, olhe. Alguém já viu esse livro? Alguém já
viu esse conto? “Tampinha”.
026. Aluno – [inaudível].
027. Professora Ângela – Fala de quê, Leonardo; esse texto Tampinha,
você já ouviu falar? Tampinha o que será que esse nome quer dizer?
“Tampinha” quer dizer o quê? Hein? Uma tampa? Pequena. Uma
tampa pequena, né?
028. Alunos – [Falam todos ao mesmo tempo].
029. Aluno – Menino danado.
030. Professora Ângela – Menino danado?
031. Aluno – É.
032. Professora Ângela – Que mais?
033. Aluno – Um capetinha.
034. Professora Ângela – Um capetinha, né? Tampinha significa um
capetinha, um menino danado. Será que é isso mesmo? Alguém quer
dizer outra coisa? Nunca viram essa expressão? Fulano parece uma
Tampinha!
035. Aluno – Já.
036. Professora Ângela – Nunca viram? O que significa?
037. Aluno – Menina danada.
038. Professora Ângela – Menina travessa, ela é uma tampinha! Danada
que só! Na nossa região ela não é muito usada, não. Mas, existe
167
regiões no Brasil que é muito usada essa expressão; ela é uma
tampinha.
039. Aluna – Em Natal, usa.
040. Professora Ângela – Em algumas regiões do Brasil, em Natal, dá
pra se perceber alguma coisa. Mas existe região no Brasil, que
tampinha é muito usada. Vocês acham que esse texto Tampinha vai
falar de quê?
041. Aluno – Moleque de rua.
042. Professora Ângela – Vai ser de moleque de rua?
043. Aluno – Perversidade.
044. Professora Ângela – Perversidade.
045. Aluno – Aventura.
046. Professora Ângela – Que mais? Hein, minha gente, querem me
dizer mais alguma coisa?
047. Aluno – [inaudível].
048. Professora Ângela – Se tem alguma coisa a ver com tampa?
049. Aluno – Sim.
050. Professora Ângela – Sim, tem alguma coisa a ver com tampa.
051. Aluno – Tampo.
052. Professora Ângela – Tampo?
053. Aluno – Tampo. As pessoas dizem: isso é um tampo!
054. Professora Ângela – Sim, tampo aí é outra forma de expressão não
é [inaudível]
Uma das estratégias utilizadas pela professora, no episódio em
análise, não observada nas demais professoras-participantes, foi a motivação
apresentada a turma, visando a estimular o adentramento desses alunos no
texto em discussão, por meio de testemunho pessoal de leitura: “[...] Não sei
se alguém já leu, aqui tem uma turminha que gosta de consultar livro, gosta
de ler, não é? Então, esse texto, ele tem o título bem engraçado” [...] (TURNO
025).
Observou-se, ainda, que ao focalizar as previsões, a professora
Ângela, inicialmente, forneceu pistas: “[...] Tampinha, o que será que esse
nome quer dizer? Tampinha quer dizer o quê? Hein? Uma tampa? Pequena.
Uma tampa pequena, né?” [...] (TURNO 027). A noção de espertinha, menina
danada, também, foi introduzida pela professora, porém, estas não foram
observadas pelos alunos, os quais se detiveram em imaginar que se tratava
de um “menino danado”, “um capetinha”, “moleque de rua”, “perversidade”,
168
“aventura”, cuja diversidade de respostas apresentadas pelos alunos sugere
outras expressões com sentido pejorativo, conforme mencionado pelo aluno
̛ “tampo” ̛ (TURNO 051), entendido como algo ruim, depreciativo.
As várias respostas apresentadas pelos aprendizes demonstraram
um exercício imaginário feito na tentativa de estabelecer correlação com
situações por eles vividas. Esse aspecto foi evidenciado, ainda, na fala de
uma aluna, ao afirmar que a palavra “tampinha” é usada em Natal (Capital do
Estado do Rio Grande do Norte), significando “danada”, “travessa”, contudo,
no conto a palavra tampinha está vinculada também ao tamanho, ou seja,
muito pequena.
Ao trabalhar as previsões dos alunos com base no conto “Negócio
de menino com menina”, na segunda sessão de leitura, a professora Karla,
instiga os alunos para a leitura, com base no título do texto. Apresenta o livro,
o autor, mas esquece de apresentar o ilustrador, embora mais adiante
(TURNO 055) ela mencione o fato de que “todo livro tem ilustrador, só que
nesse conto aqui não tem [...]”. A professora equivocou-se, pois o ilustrador
da obra foi Orlando. Esse aspecto desconsiderado no registro da professora
aponta, mais uma vez, para a importância do plano de aula, como instrumento
pedagógico, uma vez que este serve como guia de orientação, pois aquilo que
foi planejado e registrado possivelmente elimina-se o risco de cair no
esquecimento.
Episódio 14:
169
030. Aluno – De irmãos.
031. Professora Karla – De irmãos? Quem poderia dizer mais alguma
coisa?
032. Aluno – Amigos.
[..]
037. Professora Karla – Mas você vai deduzir que era o quê?
038. Aluno – Amizade.
039. Professora Karla – Amizade.
040. Alunos – Encontros, namoro [inaudível].
041. Professora Karla – [escrevendo no quadro, amizade] Espere aí,
espere aí, você acha que se trata de amizade, não é? Negócio de
menino com menina, você acha que se trata de amizade?
042. Alunos – Amizade, namoro, carinho, encontro.
043. Professora Karla – [escrevendo no quadro tudo que os alunos vão
dizendo], mas eu quero saber esse negócio, né? Que tipo de negócio
é esse? Quando se fala em negócio, se pensa em quê?
044. Aluno – Negócio de empresa.
045. Professora Karla – Negócio de empresa. Mas, será que um menino
e uma menina vão tratar de empresa? [inaudível] O que mais?
“Negócio de menino com menina”. Vocês acham que é o quê?
Amizade, namoro, carinho, encontro, brincadeira, empresa
[acrescentando no quadro].
046. Aluno – Brincadeira.
047. Professora Karla – Brincadeira?
048. Aluno – Negócio mesmo.
049. Professora Karla – Negócio mesmo, né, negociar algo. O que seria
esse algo?
050. Aluno – Brinquedo, objeto.
051. Professora Karla – Negociar algo, brinquedo, objeto [acrescentando
no quadro]. Olhe, isso aí que nós fizemos foi uma previsão sobre o
título, né, do texto que a gente vai estudar. “Negócio de menino com
menina”. Alguém disse que acha que fala sobre amizade, outro que
acha que fala sobre namoro, outro acha que é carinho, outro acha
que é encontro, outro acha que fala de empresa, outro acha que fala
de brincadeira, outro acha que é negociar algo, pode ser brinquedo
ou objeto [...].
As previsões lançadas pelos alunos são sugestivas e a professora
procura expandir essas respostas ao lançar nova pergunta, como
170
demonstrado no Turno 045, aproximando os alunos, assim, do real sentido do
texto (TURNO 048 e 050).
É de se considerarem, portanto, as características de que se reveste
a mediação do professor, dado seu caráter de ser “consciente, deliberada e
planejada”, visto que o professor induz os alunos a uma percepção
generalizante sobre os acontecimentos, e, estes, por sua vez, dada a imagem
que têm do professor, compreendem o seu papel, a sua ação mediadora, o
que os leva a seguir suas pistas e indicações (FONTANA e CRUZ, 1997). Já
a mediação do planejamento ocorre, justamente, na medida em que se
projeta a ação, visando a sua interligação entre uma dada realidade e a
finalidade a que se propõe intervir.
Com o intuito de avaliar a função mediadora do plano, nessas
sessões, evidenciam-se, aqui, os aspectos gerais nele previstos para a pré-
leitura: a) o trabalho com o gênero e suas especificidades; b) apresentação e
discussão da obra e autor(a); e c) levantamento de previsões. Como
demonstrado na análise, pode afirmar-se que o plano assumiu a função de
mediar o trabalho das professoras em todos os aspectos apresentados,
embora permaneça a lacuna no que concerne ao trabalho com o conto como
gênero textual.
Para um melhor adentramento no texto, a professora Ângela, na
sessão quatro, assim como havia planejado antes de fazer a leitura do conto,
explora as previsões dos alunos acerca do título:
Episódio 15:
066. Professora Ângela – Quem mais? Ernani! Ernani gosta de ler. Olha,
o conto que nós vamos fazer a leitura, se chama “Negócio de menino
com menina”.
067. Alunos – Hum! Hum!
068. Professora Ângela – Já ouviram falar?
069. Alunos – [Uns disseram que não e alguns que sim]
171
070. Professora Ângela – Não? Será namoro? Esse título “Negócio de
menino com menina”. Quem pode dizer do que se trata?
071. Aluno – Namoro.
072. Professora Ângela – Namoro? Que mais?
073. Aluna – Professora, ele tava contando pra gente que é um conto de
namoro.
074. Professora Ângela – Será que menino e menina só pode ter negócio
de namoro, minha gente?
075. Aluno – E amizade.
076. Professora Ângela – E amizade, né? Vou distribuir o livrinho. Será
que menino e menina não pode ter uma relação de amizade, sem
segundas intenções, sem pensar em namoro [entregando os livros]?
077. Alunos – [alguns disseram que sim e outros que não]
078. Professora Ângela – [...] Então vamos ver, olhe aí o primeiro conto.
Como é o nome do conto?
080. Alunos – “Negócio de menino com menina”.
O título do conto sugere aos alunos se tratar de namoro, embora a
professora apresente outros argumentos que não conseguem convencê-los
da previsão elaborada acerca da temática do texto. Por isso, os estudantes
prevêem que “Negócio de menino com menina” só pode ser namoro ou
amizade, eliminando, assim, qualquer alternativa improvável. A previsão
potencializa o significado dado ao texto no processamento da leitura,
permitindo que, ao confrontarem o que esperavam do texto e o que o conto de
fato apresenta, os alunos se deparam com o inusitado, aspecto fundamental
da literatura.
4.2.1.3 Relembrar é preciso: o repertório em questão
Dentre os aspectos sugeridos para o trabalho com o conto “Negócio
de menino com menina”, está a discussão com os alunos sobre suas leituras,
visando ao reconhecimento do repertório de leitura da turma. Para isso, na
172
segunda sessão desse conto, a professora Karla solicitou aos alunos que
contassem algum conto do conhecimento deles:
Episódio 16:
023. Professora Karla – [...] Quem poderia contar um fato, um conto aqui
para turma? Que você ouviu contar uma coisa, que você ouviu
mesmo, que seja um conto antigo, uma história antiga? Hein, gente?
Ninguém sabe nem uma história que tenha personagem, que tenha o
tempo determinado ou não, que tenha local. Diga.
024. Aluno – [inaudível].
025. Professora Karla – Isso aí é uma história que as pessoas contam.
Uma história talvez já contada por seu bisavô, tataravô, que veio se
repassando, veio repassando de pessoa para pessoa. Quem mais
teria alguma história? Diga.
026. Aluno – Aqui, professora. Lá em casa um dia meu avô contou
[inaudível], um príncipe e uma princesa. Eles deixaram [inaudível].
Vê-se nesse episódio que os alunos (TURNOS 024 e 026)
mencionam alguns contos, porém não conseguem apresentá-los, pois se
tornaram inaudíveis até mesmo para a professora Karla, que acabou
interrompendo-os. Contudo, evidencia-se, aqui, a ausência da literatura em
sala de aula, pois no único conto apresentado (TURNO 026) o aluno faz
menção a uma história contada pelo avô, demonstrando, assim, que a escola
não tem um trabalho sistemático com livros literários. Comprova-se, com isso,
a ausência de repertório de leitura tanto por parte dos alunos quanto da
professora-participante que, assim como a turma, não mencionou nenhum
texto lido com a turma em sala de aula.
Nessa mesma perspectiva, a professora Ângela instiga os alunos a
também apresentarem algum conto do conhecimento deles, incentivando-os a
falar de suas leituras, especialmente dos livros por eles recebidos da coleção
“Literatura em minha casa”. Os alunos, por sua vez, demonstram grande
173
esforço em relembrar suas leituras, e se revelam muitos satisfeitos em
apresentá-las:
Episódio 17:
032. Professora Ângela – [...] Então, o conto que a gente vai ver é bem
interessante, muito bonita mesmo a história. Alguém já leu alguns
contos do livrinho que receberam? Já leu, Leandro?
033. Leandro – Eu já.
034. Professora Ângela – Qual foi o conto que você leu, Leandro, do
livro?
035. Leandro – O conto da da/
036. Professora Ângela – Qual foi que você recebeu, né?
037. Aluno – Professora.
038. Professora Ângela – Diga?
039. Aluno – Foi um conto que falava sobre as crianças. Era até um
livrinho rosa.
040. Professora Ângela – Como era o nome do conto?
041. Aluno – Sylvia Orthof, sei lá.
042. Professora Ângela – Sylvia Orthof, justamente
043. Aluno – Aí, na capa falava da vida dele de pequeno, aí estava
falando que ele colecionava minhocas, jogava conversas paralelas,
não estudava, assim, só brincava de pipa.
044. Professora Ângela – Ela estava contando a história do menino.
045. Aluno – Aí ele estava falando que antigamente estava fazendo uma
competição de piroca.
046. Professora Ângela – Competição de piroca?
047. Aluno – Sim [rindo].
048. Professora Ângela – Pra ver de quem era a maior? Quem mais que
já leu algum conto?
049. Aluno – Eu.
050. Professora Ângela – Diga, Leandro.
051. Leandro – Li a história da Iara.
052. Professora Ângela – Você leu a história da Iara? Qual é a história
da Iara, diga aí?
053. Professora Ângela – Ela embelezava os pescadores, não é? Como
o conto [inaudível].
054. Leandro – Era [inaudível] um passarinho, era levado pelos
pescadores, né?
055. Professora Ângela – Serra, diga você.
056. Serra – Eu já li a lenda do Sucupira. Achei muito boa. Aquele conto
folclórico.
057. Professora Ângela – É o saci pererê. Faz parte do folclore, né?
174
058. Serra – Porque o negrinho de uma perna só [risos]. Eu sempre gostei
muito daquele conto.
059. Professora Ângela – Maciel, você gosta muito de ler. Diga, Maciel,
um conto que você leu?
060. Maciel – Esqueci.
061. Professora Ângela – Esqueceu do conto? As meninas?
062. Maciel – O que eu li não gostei muito.
063. Professora Ângela – Ninguém mais leu? Um de cada vez, João
Paulo.
064. João Paulo – Eu li um conto sobre/ que se chamava o vaqueiro que
não sabia mentir. Essa história conta de um fazendeiro que tinha dois
orgulhos, que era o boi dele, o boi barroso, que era considerado o boi
mais bonito, mais forte daquela região e o vaqueiro, que ele
considerava um campeão. Aí tinha outro fazendeiro vizinho, que era
malvado e tinha muita inveja dele ter aquele boi bonito, que fez uma
aposta, mas ele que o vaqueiro fazia uma mentira muito grande para
ele. Então, forçou a filha dele a seduzir o vaqueiro pra matar o boi
barroso. Mas, mesmo matando o boi barroso, apaixonado matou o
boi barroso, mas ele ainda não mentiu. Não mentiu. Disse
corretamente que tinha matado o boi barroso.
065. Serra – Aí, no final, eles se casaram e ficaram com o saco de
dinheiro.
Nesse episódio, a professora-participante faz uso de perguntas
dirigidas aos alunos acerca de suas leituras, visando a fomentar a discussão
do resgate dos contos por eles conhecidos, apoiando-se nos livros que
receberam do Projeto “Literatura em minha casa”, do Governo Federal. Esse
fato provoca questionamentos por parte da professora acerca das leituras,
visto que, intencionalmente, a professora busca validar seus argumentos no
decorrer das duas sessões observadas, afirmando, que há, de fato nessas
turmas, “uma turminha boa que gosta de ler”, de “consultar livro na biblioteca”.
Porém, somente alguns sujeitos lembram vagamente o que foi lido (TURNO
039 a 043), além de confundirem o nome da autora com o título do conto.
Sendo o leitor eminentemente seletivo, a ponto de que só mantém
na memória aquilo que tem significado (SMITH, 1991), é que os alunos
expõem apenas algumas passagens lidas, mesmo de forma limitada, embora
175
não mencionem como, onde e com quem leram. Considerando-se que os
alunos, como leitores em processo de formação, têm experiências que nem
sempre são compartilhadas, tanto as informações quanto o enredo da história,
geralmente, não se consolidam na primeira leitura. Evidenciou-se, assim, que
algumas leituras caíram no esquecimento, de forma que parte dos alunos não
foi capaz de mencionar sequer o texto de seu conhecimento.
Considera-se, também, o fato de que as práticas de leitura que ainda
se presentificam na escola se constituem numa leitura solitária, individual,
cuja ação do leitor é vista como algo de cunho pessoal. A despeito dessas
evidências na sessão observada, ocorre, ainda, a leitura partilhada ou pelo
menos um repertório em comum entre João Paulo (TURNO 064) e Serra
(TURNO 065). Este último mostra indícios de ser conhecedor de outras
histórias, ainda que não sabe onde nem como teve acesso, mas mostra-se
capaz de reconhecer até mesmo o gênero “conto folclórico” (TURNO 056).
A professora também demonstrou desconhecer os livros recebidos
pelos alunos e, conseqüentemente, as histórias que fazem parte desse
repertório, que deveriam ser do conhecimento comum a professores e alunos.
Isso denuncia a ausência de momentos de estudos na escola, de
planejamento sistemático, que oportunize a troca de experiências, de
informações entre os pares. Até porque os professores do Ensino
Fundamental trabalham com várias turmas, o que lhes dificulta dar conta dos
diversificados títulos entregues aos alunos.
Caberia aos responsáveis pela política de leitura do MEC enviar
exemplares também para os professores, dada às reais condições culturais e
econômicas, pois os profissionais da educação desse nível de ensino, assim
como os alunos, são excluídos de acesso a bens culturais, como livros
literários.
A dificuldade de acesso a livros de literatura motivou uma discussão
entre os participantes no decorrer dos estudos teórico-metodológicos, quando
176
se comentava a respeito da ausência de um repertório de leitura significativo
por parte do professor. Esse aspecto realçou a dificuldade presente na ação
pedagógica do professor, como mediador e leitor mais experiente,
dificultando, assim, o fornecimento de andaimes mais precisos acerca dos
livros e dos contos mencionados.
Vale ressaltar que, por ocasião da entrega nacional da coleção
“Literatura em minha casa”, as Secretarias de Educação de cada Estado do
país, inclusive o RN, promoveram um dia destinado à leitura, em todas as
escolas, além de divulgarem esse evento nacionalmente, justamente para que
os professores ajudassem os alunos a conhecerem o acerco por eles
recebidos, incentivando para leitura dos livros doados.
Conforme notas de campo, a escola já havia realizado esse trabalho,
mas a exemplo do que ocorreu em outras realidades, vê-se que os alunos
receberam esses materiais da escola e levaram para suas casas. No entanto,
não reconheceram sua importância, visto que na época da realização da
pesquisa-ação, verificou-se que ninguém da biblioteca e nem os professores
sabiam que livros foram entregues às turmas e nem mesmo os alunos foram
capazes de dizer quais receberam.
A ausência de orientação e de controle na entrega das coleções,
contribui para que a maior parte dos alunos não tivessem mais em suas casas
os livros para uso na pesquisa, sendo necessário que a professora-
pesquisadora fotocopiasse material para complementar a atividade de leitura.
4.2.2 Sobre a leitura: o texto, a voz e o silêncio pluralizando sentidos
“[...] a ação de ler extravasa o texto e o abre para o infinito”.
Jorge Larrosa
Após o levantamento de previsões pelos alunos, na primeira sessão
do conto Tampinha a professora Karla anuncia a leitura do conto,
177
apresentando o livro e a autora do conto. Após a leitura do conto em voz alta
pela professora-participante, com boa entonação e articulação das palavras,
sugeriu a uma aluna que lesse novamente o conto. A releitura obteve também
total atenção por parte dos aprendizes.
Episódio 18:
061. Professora Karla – [...] vocês já deram várias sugestões sobre o que
vai falar o nosso conto. Uns dizem que é sobre uma menina sapeca,
outros dizem que é sobre uma tampa de garrafa, outros dizem que é
sobre um menino levado, né, então vocês querem ouvir o conto?
062. Alunos – Queremos.
063. Professora Karla – Eu vou ler. É necessário que vocês prestem
atenção, bastante atenção. Tampinha era uma/ sim um momento,
olha esse conto está aqui nesse livro, certo? Historinhas pescadas,
certo? É um conto bastante interessante, se vocês tiverem a
oportunidade de irem a biblioteca e consultarem lá tem vários desses
livros, certo gente? O texto que a gente vai ler é de Ângela Lago
alguém já ouviu falar em Ângela Lago? [...] eu vou distribuir aqui para
vocês, não vai ter livro para todo mundo, mas quem não ficar com o
livro, vai ficar com a cópia [entregando os livros aos alunos] Olhe
gente então vamos acompanhar, certo? [...] eu quero que vocês
observem aí o livro, né, está aí o nome quem tem o livro o nome da
autora e de vários autores, né, então agora, vamos ler o nosso conto.
Vocês podem acompanhar [a leitura de conto]. Olha gente eu li,
agora antes de começar a discutir eu gostaria de saber se alguém
gostaria de ler, um pode começar o outro pode continuar. Você quer
ler Vanessa? Pois, pode iniciar viu?
065. Professora Karla – [...] vocês vão ouvir o conto. Então nossa colega
Vanessa vai ler [leitura do conto por Vanessa]. Gente gostaram do
conto?
066. Alunos – Gostamos.
O enunciado em destaque aponta para a importância de levantar
previsões sobre o texto, objetivando atrair o leitor para a leitura e incentivando
os alunos para a escuta. Ressalta-se, outrossim, que durante o encontro
destinado a rever o plano, a professora Karla chamava a atenção para o fato
de que seus alunos não iriam querer reler o texto, após a sua leitura.
178
Entretanto, não houve nenhuma resistência por parte dos alunos, tornando-se
um momento agradável e de total engajamento de todos.
Chegado o momento da leitura do conto na terceira sessão da
professora Dóris, vê-se que já havia sido combinado pela professora que uma
aluna faria a leitura do conto, o que pressupõe a resistência da professora em
servir como referência de leitor. Sabe-se que é prática comum nas leituras
escolarizadas: apenas os alunos lêem para a professora, o inverso quase não
ocorre. Observe-se, nesse episódio, o encaminhamento dado à leitura pela
professora-participante.
Episódio 19:
078. Professora Dóris – Bom, muita gente já disse aí suas opiniões,
então, gente, a partir de agora aqui têm vários contos, mas como
eu disse que tinha sido escolhido “Tampinha”, a partir de agora
vamos ouvir a leitura com muita atenção, porque na hora da
leitura tendo muita atenção depois vocês vão, o quê? Vão dizer
com suas palavras o que vocês ouviram, o que vocês
entenderam, não é isso? Nós temos uma aluna que é quem vai ler
o texto a aluna Dilani, a partir de agora pode começar a ler o
texto, só que nesse livro contos, viu? Cada conto tem o seu autor
viu?
079. PP – Faltou um texto aqui, mas tem xérox lá também [dirigindo-se à
professora-participante].
080. Professora Dóris – Sim, tem xérox lá também? A professora é
prevenida. Tem que prestar muita atenção à leitura [entregando
os livros e xérox como complemento]
081. Dilani – É uma história de Ângela Lago [leitura do conto com muita
fluência e sendo acompanhada a leitura pelos demais alunos,
com muita atenção. A aluna leu até a bibliografia de Ângela Lago
sem que fosse solicitada]
A professora Dóris, no decorrer do 12º encontro da pesquisa-ação,
insistiu para que, na sua sessão, a leitura fosse feita por um aluno, o que foi
179
respeitado pela professora-pesquisadora, embora as demais professoras
observadas assumiram a leitura em voz alta do conto.
Por ocasião da aula, a professora entrega os livros
(complementando os que faltam com exemplares em fotocópia) porque alguns
alunos não dispunham dos livros recebidos. Estabeleceu com estes um
contrato didático ao solicitar-lhes a atenção, além de antecipar que, em
seguida, os alunos demonstrariam, oralmente, a compreensão acerca do texto
lido.
Passando a palavra à aluna Dilani, esta fez questão de dizer que a
história era de Ângela Lago, certamente por ter percebido que a professora
havia esquecido esse detalhe. Em seguida, leu o conto, com fluência e boa
entonação, sendo sua leitura acompanhada pelos colegas, com muita atenção
e sem nenhuma interrupção. Por último, a aluna leu a biografia da autora, que
consta no final do texto.
Conforme o proposto no plano das sessões de leitura, a professora
Ângela, na sessão cinco do conto “Tampinha”, encaminha o momento da
leitura, mas antes apresenta a autora do texto e lembra de mencionar outro
autor – Drumond de Andrade ̛ do conhecimento dos estudantes; distribui os
livros (complementando com fotocópias do conto); orienta os alunos em
relação à página do livro, bem como a postura desempenhada entre parceiros
– professora e alunos ̛ em função da leitura: “Olhe, vou fazer a leitura. Vocês
vão acompanhar, certo?” Sem esquecer de renovar o contrato didático:
“Vamos acompanhar, vamos fazer silêncio?”.
A leitura foi oralizada pela professora, com desembaraço, boa
entonação e entusiasmo. Os alunos acompanharam em silêncio e sem
nenhuma interrupção. Viu-se nessa atividade o quanto o leitor experiente
desempenha relevante papel pedagógico ao catalisar a atenção dos leitores
menos experientes, provocando, efetivamente, o “engajamento", entendido
como a interação do cérebro com uma “demonstração” (SMITH, 1991, p. 227-
180
231). Para Smith, o engajamento ocorre na presença de demonstrações
adequadas, vistas como “condições para o aprendizado”, cujo efeito manifesto
é a “sensibilidade” ou “estado de aprendizado do cérebro”.
Sabendo-se que “o aprendizado é um processo contínuo” e está
diretamente ligado a “eventos sociais”, conforme Smith, é que se permite
inferir que experiências bem-sucedidas com a leitura podem favorecer novas
possibilidades de leitura aos alunos, conferindo-lhes o estatuto de leitores
autônomos.
Na sessão do conto “Negócio de menino com menina”, conforme
planejado, antes da leitura, a professora-participante entregaria os livros aos
alunos para que eles acompanhem a leitura. No entanto, como não é prática
freqüente na escola o professor ler para seus alunos e estes terem em mãos
o livro como objeto de leitura, a professora Karla esquece de entregá-los:
Episódio 20:
055. Professora Karla – Olha gente, então eu vou ler o conto pra vocês,
certo? O conto “Negócio de menino com menina”. Pra ver se tem
algo a ver com o que vocês falaram, com o que vocês disseram, todo
livro geralmente tem um ilustrador, certo? Só que nesse conto aqui,
não tem nome de quem ilustrou, ou seja, de quem fez as gravuras
etc. “Negócio de menino com menina” [A professora começa a ler o
conto sem entregar os livros aos alunos].
056. Professora-pesquisadora – Karla, distribuir os livros (lembrete à
professora-participante).
057. Professora Karla – Ah, gente, um momento! Eu vou logo aqui
distribuir os livros [rindo]. Olhe, eu vou distribuir os livros Lúcia, corte
essa parte. Cada um de vocês vão receber os livros para
acompanharem, se vocês já conhecerem esse conto, não digam
nada, certo?
058. Aluno – É meu esse livro?
181
059. Professora Karla – Não. É emprestado para vocês acompanharem,
tá?
[...]
061. Aluno – Professora, posso sair?
062. Professora Karla – Não, não vai sair, não, porque na hora que eu
der a primeira licença, aí acabou a aula. Porque todo mundo vai
querer sair. Abram o livro na página cinco. Página cinco, eu vou ler e
gostaria que vocês acompanhassem silenciosamente, certo?
“Negócio de menino com menina” [A professora reinicia a leitura do
conto e os alunos acompanham atentamente até o final]. Olhe, gente,
agora eu gostaria de saber se alguém gostaria de ler para melhor
compreensão [um aluno levanta o dedo e se candidata a ler] você
gostaria?
063. Aluno – [Inicia a ler o conto e os colegas relêem em silêncio,
atenciosamente. Silêncio total na sala, apenas a voz do aluno no ar].
Assim como nas pesquisas realizadas por Vigotski (1996), e como
sugere a pesquisa-ação participativa, a professora-pesquisadora não assume
apenas o papel de observadora, sua participação antes e durante o processo
se constitui um dos momentos da pesquisa-ação, à medida que interage com
a professora-participante, acolhe suas dúvidas e comentários, propõe
caminhos alternativos para solução de problemas, oferecendo-lhe, inclusive,
materiais que pudessem ser utilizados, de modo diversos, para cumprimento
de tarefas.
Entretanto, como um dos critérios da pesquisa-ação seria que os
alunos dispusessem do texto, como material concreto no ato da leitura, e a
professora Karla havia esquecido de entregar os livros aos alunos, a
professora-pesquisadora a interrompe (TURNO 056), objetivando evitar
alterações desnecessárias ao planejado.
O episódio em análise mostra, ainda, que embora um dos alunos
consulte a professora Karla para sair e esta justifique o porquê de não permiti-
lhe esse direito, percebe-se que isso não é motivo de resistência para a
leitura, nem por parte desse aluno, nem dos colegas. Ao contrário, a
professora demonstra autonomia e segurança no seu agir, de modo que o
182
momento dedicado à leitura transcorre num clima de tranqüilidade e de
concentração, sem nenhuma interrupção por parte da turma.
Vê-se, também, que conforme é demonstrada em pesquisa de
Amarilha (1997, p. 18), a “história lida ou contada, desempenha uma função
catalisadora de interesse e prazer”. Com efeito, ainda que os professores
sejam empiricamente conhecedores desse fato, não a utilizam
sistematicamente. Confirmam os dados de Amarilha (1997) que a presença
da literatura na sala de aula é demarcada pelo improviso, dado o efetivo
controle que exerce sobre os alunos, especialmente os de 1ª a 5ª séries, cujo
objetivo é discipliná-los nos momentos conturbados.
Esse fascínio pela narrativa manifestou-se, ainda, no momento da
releitura do conto pelo aluno (TURNO 063), não apenas nessa sessão, mas
nas demais observadas. Isso vem demonstrar que não somente a leitura, mas
a releitura pode desencadear a mesma magia, tornando-se desejada pelos
leitores, dada a possibilidade de um novo contato com a história que foi lida.
A professora Ângela, na sessão quatro, distribui os livros, apresenta
o autor do conto e faz mistério em relação à página do livro, na qual se
encontra o conto, ficando algumas crianças curiosas; outras, mais ansiosas.
Em vez de os alunos buscarem o sumário ou folhearem o livro para identificar
o título do conto já mencionado pela professora, alguns se dirigem até a
mesma para ver a página, outros perguntam insistentemente:
Episódio 21:
078. Professora Ângela – [...] o texto que nós vamos apresentar ele é um
poeta mineiro, né? Como Drumond, que nós falamos essa semana,
ele também é mineiro, né? Além dele escrever ele é jornalista, ele
escreve num jornal de Belo Horizonte. Então, ele gosta muito de
escrever contos onde envolve sentimentos, ternura, amizade. Aquele
relacionamento de ternura, aquele relacionamento de amor [um aluno
pergunta em que página, várias vezes, e a professora responde: “não
183
vou dizer ainda não, já está no final do livro”] Então vamos ver aí,
olhe aí o primeiro conto. Como é o nome do conto?
080. Alunos – “Negócio de menino com menina”.
081. Professora Ângela – “Negócio de menino com menina”. Olhe, aí, o
nome do conto. Ivan Ângelo, outro mineiro, aqui também ele é
jornalista. Vamos acompanhar aí a leitura, vamos fazer um
silenciozinho que eu vou ler, eu vou ler, né? É o primeiro conto. O
primeiro conto do livrinho. [respondendo a um aluno que se aproxima
da professora para ver a página do livro]
082. PP – Qual é a página mesmo, professora?
083. Professora Ângela – Página cinco. Vamos acompanhar? Vamos
acompanhar, vamos lá? “Negócio de menino com menina” [leitura do
conto e os alunos acompanham a leitura silenciosamente] Bonito o
conto?
084. Aluno – Bonito esse conto, viu?.
A professora utiliza, como estratégia, provocar a curiosidade dos
alunos ao não revelar, claramente, a página do livro em que se encontra o
conto. A professora-pesquisadora, sensibilizada com a inexperiência dos
leitores, solicita à professora-participante que indique a página, pois depois
que a leitura foi anunciada, alguns alunos ainda continuavam em busca do
texto. Enfim, a professora anuncia a página, pede silêncio e inicia a leitura em
voz alta, sendo acompanhada pelos alunos sem nenhuma interrupção.
4.2.3 Episódios de pós-leitura: a experiência da leitura configurando o leitor
O momento de pós-leitura oportuniza que o professor trabalhe a
interpretação do conto lido, favorecendo, assim, a participação dos alunos e a
exposição das diversas leituras que consolidam a atribuição de sentidos ao
texto. Por isso, a importância de que sejam retomadas as previsões dos
alunos, visando a verificá-las.
4.2.3.1 Verificação das previsões
184
Como consta no plano das sessões de leitura, a professora Karla
inicia a pós-leitura, retomando as previsões em relação ao texto, para
confirmá-las (ou não):
Episódio 22:
067. Professora Karla – Tem alguma relação entre o que vocês
sugeriram sobre o que ia falar o conto a partir do nome?
068. Aluno – Não.
069. Professora Karla – Eu apresentei, nós apresentamos o nome, eu
perguntei sobre o quê vocês achavam que ia falar o texto. Quem
lembra o que foi dito?
070. Aluno – Que falava sobre uma menina.
071. Professora Karla – Alguém disse que falava sobre menina, né?
072. Aluno – Que falava sobre uma tampa de garrafa.
073. Professora Karla – Outros disseram que falava sobre uma tampa de
garrafa, outros disseram que falava sobre um menino sapeca, não
foi?
074. Alunos – Foi.
075. Professora Karla – Pois, olhe, falava sobre o quê? Uma menina
muito?
076. Alunos e Cristina – Pequena, né?
077. Professora Karla – Qual era o nome dessa menina?
078. Alunos – Tampinha
079. Professora Karla – Tampinha. Olhe, ela disse que falava sobre uma
tampa de garrafa. Lembra o que Kalline disse? Ele [referindo-se a
outro aluno] disse que falava sobre uma menina sapeca. Se nós
juntarmos, de qualquer forma, houve uma previsão da leitura, né?
Claro que vocês não disseram sobre o desenrolar do conto, mas
também seria impossível, né?
Ao confirmar as previsões dos alunos, percebe-se que a professora
Karla insiste que a previsão sobre a personagem fosse confirmada, embora
chame atenção para o fato de que previsão não é adivinhação (SMITH, 1991),
ao comentar: “de qualquer forma houve uma previsão da leitura, claro que
vocês não disseram sobre o desenrolar do conto, mas também seria
185
impossível, né?” (TURNO 079). Evidencia-se, aqui, a ausência do
fornecimento de andaimes pedagógicos oportunos que ampliassem a
discussão.
A estratégia de negociação na pesquisa-ação é primordial e
permanente, uma vez que o conflito é inerente e necessário para uma ação
criadora. Como é ressaltado por Barbier (2002) na pesquisa-ação, o
pesquisador avalia a ação e controla suas variações, porém suas variáveis se
tornam imprevisíveis. Com efeito, no contexto desta pesquisa não foi exceção.
Mesmo com constantes negociações, ao entrar no campo da ação,
as surpresas e as novidades se constituíram na quebra de expectativas por
parte da professora-pesquisadora, pois, de acordo com o plano, a pós-leitura
seria o momento da confirmação (ou não) das previsões. Contudo, a
professora fez o seguinte encaminhamento: “[...] Neyane tem umas perguntas
a fazer a vocês, vocês prestem atenção, viu?” (TURNO 086), e a aluna passa
a conduzir todo o momento da atividade de discussão – pós-leitura, ou seja, o
plano passa a ser instrumento utilizado pela aluna e não mais pela
professora-participante:
Episódio 23:
084. Professora Dóris – Alguém tem alguma coisa a dizer sobre o
texto?
085. Aluno – No começo, todo mundo fica dizendo que era uma tampa
de garrafa, né, e outras coisas assim, né, mas quando ela leu o
texto, deu pra todo mundo saber que não era isso, era uma menina
pequena, né, que procurava ajudar o menino bonito, né?
086. Professora Dóris – O menino bonito, não é? Neyane tem umas
perguntas a fazer a vocês, vocês prestem atenção, viu?
087. Neyane – [Com muita desenvoltura a aluna ocupa a mesma
posição da professora na turma e diante dos colegas, conduzindo
um roteiro escrito numa folha de papel começa a desenvolver uma
parte do planejamento que seria a pós-leitura] Se confirmaram,
assim, quem chegou mais perto da história, como foi, é, quem
chegou mais perto de saber a história.
186
088. Professora Dóris – Leia.
089. Neyane – Confirme ou não as previsões apresentadas pelos
alunos. [lendo]
090. Aluna – Quem chegou mais perto foi você.
091. Neyane – Foi eu? Pronto. Eu disse que achava que era uma
menina pequena e tinha um apelido de tampinha, porque ela era
pequena. Porque sempre quando as pessoas são pequenas, a
maioria dos apelidos são coisas pequenas. [lendo] Qual a parte que
cada um dos alunos mais gostou e por quê? Eu gostei da parte que
ela pegou a rosa lá em cima.
Diante do imperativo da professora: “Leia” (TURNO 088), a aluna se
esforça para conduzir as perguntas do plano, dada a sua atribuição de
assumir o papel da professora-participante, substituindo-a diante da
professora-pesquisadora, além de estar sendo filmada, o que não é comum
no cotidiano da sala de aula.
A adesão por parte dos colegas ao que a aluna ia propondo para
discussão demonstrou envolvimento com a atividade e entusiasmo da turma
ao conviver com toda essa situação. Somente por meio de uma observação
feita pela professora é que ficou esclarecido o exposto na motivação inicial da
sessão: “[...] sempre vocês estão pedindo uma aula diferente: professora, uma
aula diferente, aí sempre digo pra gente ter uma aula diferente, todos têm que
trabalhar, tanto o professor como também os alunos, não é isso?” (TURNO
001).
É de se considerar que o diferencial dessa sessão em relação às
outras acompanhadas é que ocorreu duplo planejamento, pois, além de
planejar com a professora-pesquisadora, a professora Dóris planejou,
previamente, com seus alunos todo o desenrolar da sessão, preparando-os,
efetivamente, para o tão esperado momento.
Em relação à verificação das previsões, na sessão cinco, a
professora Ângela concluiu com o apoio dos aprendizes, que as previsões por
eles apresentadas não foram confirmadas:
187
Episódio 24:
069. Professora Ângela - Essa história teve alguma coisa a ver com o
nome? Vocês imaginaram que Tampinha era uma menina?
070. Aluno – Não.
071. Professora Ângela – Não, né? Disseram que Tampinha era o quê?
Uma pessoa má, perversa.
072. Alunos – Trombadinha.
073. Professora Ângela - Trombadinha. Tem alguma coisa a ver?
074. Alunos – Não.
075. Professora Ângela - Tem não, né? Por que será que ela se
chamava Tampinha? Porque ela era pequenininha. Do tamanho de
uma tampa de garrafa e tinha uma tampa na cabeça. Não era gente?
Era bem pequenininha, e o que era que a avó dela queria? A avó
dela fazia o que nessa região?
076. Aluno - Ela curava os doentes.
077. Professora Ângela - Curava os doentes, né, mas nunca tinha
conseguido o quê?
078. Alunos - Curar a neta.
079. Professora Ângela - Curar a neta, né, porque a neta tinha uma
doença, era pequenininha, não era normal, era bem pequenininha e a
avó tinha tentado curá-la, mas não...?
080. Aluno - Deu certo .
081. Professora Ângela - Não deu certo, não encontrou, e aí esse moço
ficou doente e de repente a avó tinha quê?
082. Alunos – Conseguir a flor para fazer o chá.
Os recortes das falas apresentados apontam para a relevância que é
dada às previsões e a sua inter-relação com a compreensão. Nas palavras de
Smith (1991, p. 35), a previsão significa fazermos perguntas, e a
compreensão significa sermos capazes de respondê-las. Nota-se que, com
base nas questões formuladas pela professora e dirigidas aos alunos,
desencadeia-se a compreensão de que Tampinha não representou o que
haviam previsto antes de ler a história (TURNOS 069 a 072).
A compreensão dos alunos acerca do conto possibilitou atribuir à
Tampinha um novo sentido, o qual foi evidenciado nas respostas dos alunos
188
(TURNOS 076 a 082), à medida que passam a vê-la como alguém de
coragem e determinação.
4.2.3.2 Discutindo a história: recepção e atribuição de sentidos
A professora Karla, na sessão do conto Tampinha, deixa de cumprir
um aspecto abordado no plano, que é questionar sobre “quem já havia lido a
história”. Essa atitude da professora contempla uma das características do
plano, que é flexibilidade (LIBÂNEO, 1994), visto, aqui, como possibilidade de
ser redimensionado pela professora-participante. Contudo, essa estratégia
traz à tona o desconhecimento da história pelos alunos, à medida que estes
não conseguiram mostrar efetivamente quem era de fato Tampinha.
A professora passa, então, para um outro ponto, embora não conste
no plano, que é solicitar aos alunos o “exemplo que o conto dá” (TURNO 096),
quando haviam respondido que era impossível um conto dessa natureza
acontecer na vida real (relação ficção-realidade). A professora pergunta: “Não,
né? Mas, qual é o exemplo que esse conto quer dar?” Nessa mesma
perspectiva (TURNO 113): “Será que nós não temos um exemplo para
contar?” E, mais adiante: “Qual a lição que esse conto deixou para vocês,
gente? Nem uma mensagem?” (TURNO 122).
Esse episódio traz indício sobre a prática de muitos professores,
assim como observado nessa escola, em trabalhar textos que sejam
portadores de lição de moral, como fábulas, parábolas; o texto literário passa
a ser um pretexto para moralizar os alunos, com a intenção de torná-los
dóceis, não contribuindo para a formação de leitores críticos.O valor atribuído
à literatura pela professora, nesse caso, é que aquela pode ser vista como
algo a promover valores sociais, morais, éticos, disciplinares, e que devem ser
aceitos como modelos pelos alunos. Aponta, ainda, para uma concepção de
linguagem como transmissora de informações, reduzindo, assim, o espaço de
189
interlocução, cujo sentido do texto passa a ser dado e não construído pelos
interlocutores (SAMPAIO, 2003, p. 167)
Na sessão do conto “Negócio de menino com menina”, o segundo
aspecto a ser explorado no plano é a discussão do texto. Conforme Amarilha
(1996), a importância desse momento está no fato de este propiciar aos
alunos a tomada de consciência dos processos vivenciados com o texto no
momento da leitura, constituindo-se, portanto, numa atividade fundamental de
atribuição de sentido ao lido:
Episódio 25:
074. Professora Karla – Certo, agora nós vamos discutir o texto. Já está
aí, claro, né, que vocês acertaram praticamente, vocês acertaram,
por quê? Qual foi, o que foi que vocês acharam sobre o texto? Quem
poderia me dizer?
075. Aluno – Muito bom.
076. Professora Karla – Muito bom, certo. Agora quando eu digo que
uma coisa é muito boa ou muito ruim eu vou dizer o porquê, não é?
Por que esse texto foi muito bom?
077. Aluna – Porque falava da amizade
078. Aluno – Porque falava também, professora, que o homem não é o
dono do mundo e ele queria comprar o passarinho, o menino vendia
se quisesse.
079. Professora Karla – Olha aí, gente, vamos ouvir. Repita aí, Denis, por
favor.
080. Denis – Eu gostei porque o homem ele só queria ser o dono do
mundo, mas ele não é o dono do mundo. O menino só vendia o
passarinho se ele quisesse.
081. Professora Karla – Quem mais achou essa parte interessante?
Olhe, nós sabemos, né, que tudo na vida tem que ter preço, né, mas
o passarinho teve?
082. Alunos – Não [em coro].
083. Professora Karla – Por quê? Mesmo as pessoas dizendo que tudo
na vida tem que ter um preço. O homem chegou a oferecer quanto
pelo passarinho?
084. Alunos – Cinqüenta mil.
085. Professora Karla – Será que o menino era rico?
086. Alunos – Não.
087. Professora Karla – E porque ele não quis o dinheiro?
190
088. Denis – Porque ele queria mostrar pra mãe e depois ele pensou do
jeito dele, disse que depois dava, né?
089. Professora Karla – Olha, qual foi a parte que vocês acharam mais
interessante. Quem falar levante a mão, diga Vanderley?
090. Vanderley – A parte que ele diz que não queria vender porque
primeiro quer mostrar pra mãe.
091. Professora Karla – Quem mais gostaria de falar, diga [um aluno
levantando a mão].
092. Aluno – A parte mais bonita que eu achei foi quando ele diz pra
menina que ia dar pra ela.
093. Professora Karla – Quem mais achou interessante?
094. Aluno – O texto fala que nem tudo se compra com o dinheiro.
Como sugerido no plano, o episódio em análise se constitui na
discussão do texto, objetivando perceber a recepção e atribuição de sentido
pelos alunos. Ao perguntar o que acharam do texto, um aluno respondeu
“muito bom”. A professora Karla sugere a ele que explicite o porquê que
considerou bom. Essa iniciativa da professora suscitou na turma muitas
dúvidas, que sugerem a compreensão dos alunos acerca do conto. Inclusive a
de que nem sempre o poder do dinheiro se sobrepõe a outros valores, como é
demonstrado pelo menino na disputa pelo passarinho.
Questionar o valor do dinheiro foi o foco nessa discussão, de modo
que a professora, ao perguntar “será que o menino era rico?” (TURNO 085),
pelo fato de dispensar tamanha oferta? Os alunos respondem, seguramente,
“Não” (TURNO 086), pois, no entendimento de Denis e Wanderley, ele não
quis vender porque queria mostrar a sua mãe o passarinho que havia pegado,
mas, depois, independente de dinheiro, daria à menina (TURNO 088 e 090).
As respostas dos alunos às questões formuladas pela professora
Karla convergem para a construção coletiva de sentidos sobre o conto, visto
que a participação de cada um deles implica em complementação ao que foi
dito ou pensado sobre o texto, mesmo sem ser verbalizado. No entanto, uma
das alunas demonstra não comungar das mesmas idéias, fato esse que é
percebido pela professora Karla:
191
Episódio 26:
095. Professora Karla – Quem mais gostaria de falar? Gente, será que
isso foi uma boa ação?
096. Alunos – Foi.
097. Professora Karla – Foi, não é? Será que porque não foi, Amália?
098. Amália – Porque o menino pegou o passarinho e o homem queria
que vendesse à força.
099. Professora Karla – Sim. Aí, por que não foi uma boa ação ele dizer
que depois dava?
100. Aluno – [inaudível]
101. Amália – Porque ele devia ter vendido pra menina.
102. Professora Karla – Mas, por que vocês acham que ele deu esse
passarinho a menina?
103. Aluno – Porque ele não ia criar, ele queria só mostrar pra mãe dele.
104. Aluno – Professora, ele não queria criar o passarinho.
105. Aluno – Porque quanto mais o menino explicava ao homem que não
queria vender, ele queria dar mais dinheiro, ele explicava que não
podia vender e o homem insistindo.
106. Professora Karla – Olha, gente, era pobre ou rico aquele menino?
107. Alunos – Pobre [em coro].
108. Professora Karla – O que era que dava para ele comprar com
cinqüenta mil, quem lembra?
109. Aluno – Uma bicicleta velha, um saco de feijão, um sapato.
110. Professora Karla – Olha, uma bicicleta velha, dois pares de sapato e
um saco de feijão. Será que ia resolver o problema dele?
111. Aluno – Não [outros ia e não ia].
112. Professora Karla – Ia e não ia. Por que, hein, ia e não ia [apontando
para Amália]
113. Amália – Porque [inaudível].
114. Aluno – Porque ajudava a ele e/
115. Professora Karla – Mas será que se ele tivesse vendido o pássaro,
ele ia ter o prazer de dizer, de mostrar a mãe. Chegar em casa e
dizer: olha, mãe, vendi o pássaro, peguei o pássaro e vendi, o que
era mais importante pra ele, chegar com o dinheiro ou com o
pássaro?
116. Alunos – Com o pássaro.
Um aspecto que parecia ser consensual entre os participantes da
discussão era que havia sido uma boa ação (TURNO 095 e 096) o fato de o
menino resolver dar o passarinho à menina, em vez de vendê-lo. Porém,
192
Amália discorda dessa assertiva, apesar de não conseguir explicá-la
adequadamente.
Dado o contexto de interação, percebia-se que Amália passa a julgar
a situação não da perspectiva do menino, como faziam os demais alunos,
mas do fazendeiro, que não tinha agido adequadamente ao forçar o menino a
vender algo contra sua vontade. A professora Karla retoma a mesma questão,
tornando-a mais esclarecedora (TURNO 099), o que não fez com que Amália
mudasse de opinião (TURNO 101), talvez por defender que o menino não
deveria ter agido com uma boa ação diante da arrogância do fazendeiro.
A partir da intervenção de Amália, permite-se inferir que no momento
da discussão de um texto, a “teoria de mundo” própria de cada indivíduo, que
conforme Smith (1991, p. 22-23), é a base de todo o aprendizado e da qual
emerge a compreensão e a percepção, interfere sobre os acontecimentos. A
interação texto-leitor ocorre na medida em que esta propicia que se examinem
as diferentes possibilidades diante de situações no mundo real e imaginário.
Para Amarilha (1996, p. 23), quando há divergência no modo de
interpretar de um sujeito em relação a outros leitores, este vivencia o “conflito
cognitivo”, porém, numa atividade de discussão, em que o sujeito não está
sozinho, mas em interação com outros interlocutores, dá-se o “conflito sócio-
cognitivo”. Para a autora, é no processo de discussão que o professor
oportuniza, mediante sua prática pedagógica, que “leitores atuem como uma
comunidade de interpretes”, possibilitando-se, assim, “acontecer mudanças
conceptuais”.
Assim como no Turno 085 (episódio anterior), mais uma vez a
professora Karla pergunta (TURNO 106) se o menino era pobre ou rico. Em
coro, os alunos respondem que era pobre. A professora retoma o texto,
questionando sobre o valor do dinheiro, dado o fato da comprovada pobreza
do menino, e pergunta o que daria para comprar com esse dinheiro. Os
alunos respondem, de acordo com o texto, mas se equivocam com a
193
informação de que era “[...] um par de sapatos” (TURNO 109), logo corrigidos
pela professora, com base no texto, que seriam dois pares de sapatos
(TURNO 110). Com isso, a professora questiona se aquela quantia resolveria
a questão financeira do menino, fazendo os alunos hesitarem com essa
questão, em detrimento da postura de Amália, pois a própria professora
indica, ao apontar para a aluna (TURNO 112), respeitando-a, portanto, por
assumir posicionamento diferente dos demais colegas. Com efeito, a
presença do “conflito sócio-cognitivo” naquela discussão favoreceu a outros
leitores mudarem de opinião (TURNO 114), pois, a partir daquele momento,
não era só Amália que demonstrava aquela forma de pensar, mas outras
pessoas aderiram ou resolveram se manifestar sobre a problemática.
Dado o trabalho pedagógico no processo de atribuição de sentido ao
texto literário, vê-se que a professora Karla, mesmo respeitando a postura de
Amália, revela-se contrária (TURNO 115) às suas idéias, e, como leitora mais
experiente, recorre ao foco central do texto, trazendo à tona valores nele
imbuídos, assim como os valores do mundo real, visando à convergência de
significados pelos leitores (TURNO 116).
4.2.3.3 O engajamento dos leitores com a história
Na primeira sessão, a professora Karla conduz a pós-leitura
perguntando: qual a parte do texto de que vocês mais gostaram e por quê? A
esse respeito, apenas uma aluna opinou, porém a professora não
problematizou o porquê da resposta dessa aluna, de forma que o silêncio em
resposta à questão formulada surpreende a própria professora: “Valha, achei
que vocês iam falar tanta coisa!” (TURNO 081). Esse comentário da
professora Karla parece desautomatizar a leitura e, ao mesmo tempo, desafiar
os alunos para adentrarem no texto.
194
Contudo, a dinâmica de repetição das falas dos alunos pela
professora (TURNOS, 086, 088, 090, 092, 094 e 096) demonstrou-se
insuficiente para sustentação da discussão:
Episódio 27:
081. Professora Karla – Olha, ela achou interessante a parte que ela não
soube dizer as palavras mágicas corretas. Quem mais? Valha, achei
que vocês iam falar tanta coisa! Diga.
082. Aluno – Achei interessante quando ela foi crescendo conforme ia
comendo as frutas.
083. Professora Karla – Quem mais gostaria de falar?
084. Vanessa – Achei interessante porque ela, pequenininha desse jeito,
vai naquela árvore! Achei ela muito pequena e corajosa pro tamanho
dela.
085. Aluno – Quando ela estava maior e que conseguia voar.
086. Professora Karla – Quando ela estava maior, mesmo assim
conseguia voar. Quem mais gostaria de falar?
087. Aluno – Na hora da onça.
088. Professora Karla – Na hora da onça, né?
089. Aluno – Hei [inaudível].
090. Professora Karla – Na hora da serpente. Quem mais gostaria de
falar?
091. Aluna – Quando ela foi viajar, aí ela fez um barquinho de papel, né,
[inaudível].
092. Professora Karla – Ela disse que foi na hora que ela foi viajar no
barquinho de papel e que a espada era uma agulha.
093. Aluna – Na hora que o curupira apareceu.
094. Professora Karla – Na hora em que o curupira apareceu.
095. Aluno – [inaudível].
096. Professora Karla – Olha, ele disse que aí há persistência, né? Ela só
insistindo pra ir e a avó sem querer deixar, e a avó sem querer
deixar, até que a avó resolver liberá-la, né? Gente, vocês acham que
um conto desses acontece na vida real?
Como demonstrado nesse episódio, dada a não problematização na
mediação da professora, os alunos respondem e não há uma expansão das
respostas. A resposta dos alunos apontam para a função principal do discurso
do texto, que é convencer o leitor da importância da persistência diante dos
obstáculos; no entanto, somente posteriormente a professora faz a retomada
195
desse aspecto. Já as falas dos alunos apontam para o ponto culminante da
história, ou seja, detêm-se no clímax, que coincide com as ações, conflitos
resolvidos pela protagonista Tampinha, o que lhe confere a condição de
heroína da história.
No decorrer da sessão da professora Dóris, vê-se que Neyane
(TURNO 091) introduz o segundo aspecto, via plano, através do qual busca
identificar-se qual a parte do conto de que os alunos mais gostaram e o
porquê disso. Entretanto, a própria aluna, de antemão, posiciona-se: “Eu
gostei da parte que ela pegou a rosa lá em cima”, mas não explica o porquê.
A professora Dóris trata de ajudá-la, incentivando os colegas a falarem, como
mostra a transcrição desse episódio:
Episódio 28:
092. Professora Dóris – E você, Jorge, qual a parte que você gostou
mais?
093. Jorge – Quando ela saiu num barquinho de papel, que a espada era
uma agulha, e o remo, uma colher.
094. Professora Dóris – Você, Marco Antônio?
095. Marco Antônio – Da parte que o curupira espirrou.
096. Professora Dóris – Da parte o quê?
097. Aluno – Que o curupira espirrou.
Sem expandir as respostas dos alunos, observa-se que, assim como
na sessão anterior, há uma coincidência na fala dos alunos nessa parte da
discussão, ao focalizarem o conflito da história. Porém, os diálogos são
unívocos e guiados pela professora-participante, limitando, assim, o
posicionamento dos alunos, que eram apontados por ela para opinarem, mas
que não sabiam explicar os porquês de suas respostas.
196
Neyane, mais à vontade, no seu novo papel (de professora),
encaminha o próximo ponto do plano, cuja pergunta é reforçada pela
professora:
Episódio 29:
098. Neyane – A outra. Quem já havia lido a história e o que achou da
história?
099. Professora Dóris – Quem já leu essa história de hoje, Tampinha,
quem já havia lido?
100. Aluno – Uma história criativa.
101. Professora Dóris – Uma história o quê?
102. Aluno – Uma história muito criativa.
103. Aluno – É, né? Isso é uma história muito criativa e serve até como
incentivo para as pessoas que são pequenas, né?
104. Professora Dóris – Muito bem, de incentivo!
105. Fernando – Para as pessoas que são pequenas, para terem vontade
e só porque são pequenas não ficarem, é, é/
106. Aluno – De fora.
107. Fernando – De fora sempre num canto, sempre levando apelido,
mas não, isso aí serve pra pessoa tentar ir caminhando na vida com
muita força de vontade.
108. Professora Dóris – Muito bem, Fernando.
109. Neyane – Juliana, diga o que você achou da história?
110. Juliana – Achei uma história interessante, através que ela era
pequena botaram o apelido nela por causa que ela era pequena, e
botaram uma tampinha de garrafa na cabeça dela.
De acordo com as respostas obtidas dos alunos, deduz-se que eles
não entenderam a primeira parte da pergunta: “Quem já havia lido a história”
ou preferiram não revelar ter lido, previamente, o conto Tampinha, de forma
que responderam apenas a segunda parte da pergunta, isto é, “O que
acharam da história”. Entretanto, é importante destacar que os alunos
demonstraram um efetivo engajamento com a história, inclusive pontuando
um aspecto importante da leitura, que diz respeito ao reconhecimento dos
197
recursos criativos, emergentes no texto, afirmando ser uma história criativa
(TURNOS 100-102). Apoiando-se na fala da professora, ao conduzir o plano
noutros momentos da sessão, Neyane a imita, mediando a fala dos colegas,
como se observa nesse turno: “Juliana, diga o que você achou da história?”
(TURNO 109), atingindo o retorno esperado com o relato de Juliana.
4.2.3.4 A solução de problemas com base nos conhecimentos prévios
O tópico seguinte do plano da sessão da professora Karla vem
propor que os alunos avaliem a solução encontrada pela avó de Tampinha. A
professora Karla pergunta para os alunos se eles “acham que foi correta a
atitude da avó, deixar uma menina tão pequena sair?” Essa solicitação de
julgamento é recebido com um certo silenciar dos alunos, de modo que
apenas dois deles afirmam que foi uma atitude correta.
A andaimagem utilizada pela professora direciona o olhar dos alunos
para a pequena estatura da personagem, demonstrando uma certa censura
em relação à postura da avó de Tampinha, fato que foi contestado pela
minoria dos alunos. Apesar da discordância do ponto de vista da professora, a
maioria prefere calar, o que faz prevalecer a autoridade do professor ao emitir
um ponto de vista, mesmo que de forma implícita.
Na sessão da professora Dóris, ao avaliarem a solução encontrada
pela avó de Tampinha, as respostas apontam para a unanimidade de opiniões
reveladas pelos alunos, a resolução de dois problemas, isto é,
[...] o importante mesmo é porque resolveu dois problemas,
resolveu o problema do moço e resolveu o problema da
menina porque a avó não achava uma cura para ela, quando
ela comeu o fruto, ela cresceu e ficou normal (TURNO 115).
198
A aluna Dilani complementa, atentando para a importância da
personagem – a avó – no enredo, ao declarar:
Ela [Tampinha] esquecia sempre as palavras mágicas, apesar
de ter saído de casa já repetindo sempre pra lembrar, mas
esquecia sempre na hora lá, na hora que via os monstros, ela
esquecia, se não tivesse a pimenta ela tinha sido devorada
(TURNO 116).
Observa-se que perguntas como essa que envolvem a análise de
solução de problemas (VINCENTELLI, 2003) exige dos alunos que acionem
seus conhecimentos prévios, bem como estimula a imaginação dos
aprendizes diante de determinadas situações.
4.2.3.5 Relacionado o texto à vida dos alunos
O aspecto seguinte a ser explorado no plano é “tentar relacionar o
texto à vida dos alunos”. Porém, essa questão é conduzida pela professora
Karla, na primeira sessão, em consonância com a subseqüente discussão “do
foco central do texto que é a possibilidade de superação de obstáculos”
(TURNO 111).
A professora redimensiona o planejamento ao incluir uma nova
questão na pós-leitura, ao expandir a idéia do texto de como a avó curava as
pessoas com ervas. Assim, demonstrando ser conhecedora da realidade dos
seus alunos, expande essa questão, a fim de relacionar o texto à vida das
crianças:
Episódio 30:
199
111. Professora Karla – Quem gostaria de falar? Porque Tampinha teve
que vencer vários obstáculos para conseguir o remédio para o moço
Bonito, não foi? E vocês já passaram por alguma dificuldade, tiveram
que vencer algum problema? Quem gostaria de falar? Ou conhece
alguém que já passou por problema, é, e venceu, superou os
obstáculos? Hein, gente? Um irmão, o pai, a mãe, quem gostaria de
contar? Será que uma pessoa que tem uma doença, né, e consegue,
luta, luta, luta pra vencer aquele problema, ela venceu um obstáculo?
112. Alunos – Venceu.
113. Professora Karla – Venceu, né? E precisa do quê? Conseguem, né?
Será que nós não temos nem um exemplo para contar? Diga aí.
114. Vanessa – Um tio do meu pai. Um tio do meu pai, né, tio segundo ele
estava no princípio de um câncer, né, um câncer na cabeça, aí como
estava no princípio, ele foi para Brasília fez um tratamento e ficou
curado.
115. Professora Karla - Quem mais gostaria de contar? Vocês, olha aqui
no texto, né, a avó precisava da flor pra fazer um chá. Vocês
acreditam que os chás podem curar?
116. Aluno – Acredito.
117. Fabíola – Pode sim.
118. Professora Karla – Como é, Fabíola?
119. Fabíola – [inaudível].
120. Professora Karla – Quem mais? Vocês teriam algum conhecimento
de alguém que ficou melhor por causa de um chá? Diga, Thiago.
121. Tiago – Minha mãe, ela estava bem gripada, bem mesmo, aí fez um
chá não sei do quê e melhorou.
Além de explorar a relação texto-vida, vê-se que, ainda nesse
episódio, há uma retomada do texto pela professora, destacando sua
presença como material concreto, quando diz “[...] olha aqui no texto [...]”
(TURNO 115). E, ao desafiar os alunos para a discussão do foco central do
texto (TURNO 111 - 114), a professora fez questão de explorar outro
elemento, o chá, que recai sobre a relação do texto com a vida dos alunos.
Esses aspectos vêm demonstrar a valorização do texto, como
material concreto, e até mesmo justifica a sua presença na sala de aula,
recebendo, portanto, uma posição condizente com aquela que ocupa na
sociedade e na cultura letrada. Como apresentado nesse episódio, a
professora incentivou os alunos, apoiando suas falas, de modo que obteve
200
deles relatos pessoais sobre a superação de obstáculos por eles vivenciados
(TURNO 114 e 121), contemplando, portanto, a relação texto-vida conforme
previsto no plano.
O episódio que se segue ilustra como foi contemplado o último
aspecto previsto no plano para a pós-leitura, que seria relacionar o texto à
vida de seus alunos, na segunda sessão de leitura, com o conto “Negócio de
menino com menina”.
Episódio 31:
117. Professora Karla – [...] Vocês acham que na vida real acontece esse
tipo de coisa?
118. Alunos – Acontece.
119. Professora Karla – Acontece? Vocês têm algum caso pra contar?
120. Aluno – Eu, professora.
121. Professora Karla – Diga.
122. Aluno – Um dia desses, não sabe? Tinha um monte de papacú lá em
casa, aí foi baliei um, aí foi meu irmão queria comprar e eu não vendi.
Porque eu queria ver só se a gata comia, aí a gata mordeu ele e ele
morreu.
123. Professora Karla – Olha, gente, ele disse aí, todo mundo ouviu a
história, mas nós sabemos, você pegou um?
124. Aluno – Papacu.
125. Professora Karla – Papacu, né, é aquele que é amarelinho com
verde, né? Olha, ele pegou, matou/ baleou só pra ver se a gata
comia.
126. Aluno – Não, não, mas eu criei ele, professora!
127. Professora Karla – Aí, criou, né? Mas, primeiro você disse pra ver se
a gata comia, não foi?
128. Alunos – Foi.
129. Professora Karla – Será que isso é uma ofensa à natureza?
130. Aluno – É [em coro].
131. Professora Karla – É, não é? Por quê? Quem poderia me
responder?
132. Aluno – Porque ele disse que pegou só pra ver a gata comer.
133. Professora Karla - Do jeito que o gato viveu, o passarinho também
podia viver. Mas eu estou perguntando se é uma ofensa pegar o
pássaro.
134. Alunos – É.
135. Professora Karla - Por quê?
201
136. Aluno – Porque o pássaro tem o direito de ter liberdade.
O conto trabalhado favoreceu aos leitores evocar situações pessoais
vivenciadas no cotidiano, que possibilitaram, efetivamente, relacionar texto-
vida, pois é nesse processo que o leitor aciona seu repertório de mundo,
realizando comparações e previsões (ALMEIDA, 2003).
No episódio em análise, o primeiro caso contado pelo aluno foi
motivo de polêmica e de censura por parte da professora Karla. Diante da
acusação da professora, de que o aluno “pegou, matou/ baleou só pra ver se
a gata comia” (TURNO 125), o aluno tenta se defender: “Não, não, mas eu
criei ele, professora! (TURNO 126).
A professora reafirma: “Aí criou, né? Mas, primeiro você disse pra
ver se a gata comia, não foi? (TURNO 127) E os colegas confirmam: “Foi”
(TURNO 128). Esse fato parece reanimar a turma e a professora, pois quando
a professora leva o caso do aluno para julgamento pela turma: “Será que isso
é uma ofensa à natureza?”, (TURNO 129) os alunos, em coro, respondem: “É”
(TURNO 130), de modo que, diante dessa situação, a professora aproveitou
para apresentar sua leitura crítica acerca da atual situação em que o meio
ambiente é agredido.
Vê-se, por um lado, que a professora não atentou para o fato de
que um constrangimento dessa natureza pode inibir a participação do aluno
nas discussões. Por outro lado, esse momento da aula parece demonstrar a
função utilitária que a literatura exerce em sala de aula, visto que passa a
servir de exemplo de boas e más ações que devem ser seguidas ou não pelos
leitores em formação.
As falas dos alunos com base no conto “Negócio de menino com
menina” apontam para as diferentes relações que eles estabelecem com a
natureza. O conto instigou, nos alunos diferentes vivências que têm ou já
tiveram com os passarinhos, inclusive demonstrando conhecimentos acerca
202
da vida em cativeiro, das diferentes espécies que existem, além dos riscos de
extinção de algumas espécies.
Episódio 32:
142. Aluno – Professora, lá em casa eu tenho um irmão que gosta de criar
esses bichos do mato, aí tem um menino que eles sempre iam pro
mato pegar socó, aquela ave que/
[...]
145. Professora Karla – Se come socó?
146. Aluno – Come. Aí, um dia desses meu irmão pegou um, aí ele
comprava a cinqüenta centavos um, o menino vendia, aí ele comprou
um bocado. Aí um dia o menino foi e trouxe uma garça, uma garça
bem novinha, aí meu irmão perguntou se o menino vendia porque ele
achou bonita, aí o menino no começo disse que não queria vender,
aí, quando meu irmão mostrou o dinheiro, ele vendeu bem ligeirinho.
147. Aluno - Mas garça não se come!
148. Aluno – Mas se cria. Aí meu irmão pegou a garça aí começamos a
criar ela, só comia peixe, carne, ela já está bem grandona aí
[inaudível].
149. Professora Karla – Olha, gente, ele contou um exemplo do irmão
dele, né? Quem aqui cria um pássaro em casa?
150. Aluno – Professora, eu criava, mas aí ele vivia em uma gaiolinha
imprensada, aí mamãe pegou e soltou.
151. Professora Karla - Por quê vocês criam os pássaros?
152. Aluno - Porque é bonito.
153. Professora Karla - Porque é bonito. Quem mais?
154. Aluno – Porque todo mundo quer criar, tem gente até que quer
roubar.
[...]
159. Professora Karla – Ele disse uma coisa muito interessante. Olha, ele
disse que foi pra um sítio em São Miguel, lá as aves ficavam
cantando em cima dos telhados, galo de campina e vários outros
tipos de pássaros e aqui ele não vê esse tipo de coisa. Vocês sabiam
que São Miguel é rodeado por uma serra não é? Então, como lá é
uma serra tem bem mais árvores e conseqüentemente tem mais
pássaros, né, onde tem mais árvores tem mais o quê?
160. Alunos – Pássaros.
161. Professora Karla – Pássaros, né, será que aqui, quando era menos
povoado, quando tinha mais pés de árvores nas casas não tinha mais
pássaros?
162. Alunos – Tinha.
203
163. Professora Karla – Olhe, o único pássaro que tem aqui é o pardal,
né, mas só quem for para o sítio, né, vai ouvir outros, né?
164. Aluno – No sítio da minha avó tem é galo campina [inaudível].
165. Professora Karla - Se vocês forem para o sítio, vocês escutam
vários cantos diferentes, você não vai conseguir nem identificar qual.
A professora Karla, além de dominar os turnos de fala na maior parte
do tempo, demonstrava, ainda, preocupação em controlar o discurso dos
alunos. Os estudos de Santos (1998, p. 183) acerca da detenção do turno,
como marcas de poder nos discursos de sala de aula, vêm demonstrar que,
em relação ao professor, quando ocorre
permanência constante no turno é um dos indícios da posição
dominante que exerce no discurso de sala de aula, pois ele
comanda as ações no momento interativo e exclui, muitas
vezes, de maneira imperceptível, as intervenções do discente,
que, solidariamente, cede o turno ao professor, autorizando
que nele permaneça, por reconhecê-lo como uma autoridade
na detenção de poder.
Mesmo assumindo posição dominante, o professor se utiliza de
perguntas que simulam a participação do aluno, configurando-se, no entanto,
em efeito contrário. Algumas vezes pode impulsionar o aluno a se expor,
como, por exemplo, na seguinte pergunta da professora: “Se come socó?”
(TURNO 145), cujo questionamento encorajou o aluno a contar a história da
compra da garça (TURNO 146). Diretamente ligada ao enredo do conto
“Negócio de menino com menina”, a história da garça foi uma das que mais
chamaram a atenção nos depoimentos relatados, embora apresentasse um
desfecho que não surpreende o leitor, uma vez que, ao contrário do menino, o
vendedor não resistiu à primeira oferta.
204
A professora estimula os alunos a falarem sobre a criação de aves
em cativeiro, com a intenção de discutir a problemática que envolve a questão
ambiental, sobre a qual a professora e os alunos chegam à conclusão da
extinção de aves na região, embora em outras localidades ainda as
preservem.
Tendo adotado como pressupostos teóricos o trabalho pedagógico
com os gêneros textuais, no decorrer da pesquisa-ação uma das
preocupações, na elaboração do plano, era que se contemplasse a função
discursiva, em detrimento de uma visão utilitária para a discussão dos textos.
Porém, assim como na sessão anterior, desenvolvida pela professora Karla, a
análise evidenciou que foi focalizada a “lição” e ou a “mensagem” deixada
pelo texto para os alunos, cuja estratégia já havia sido utilizada anteriormente.
Episódio 33:
170. Professora Karla - Olha, ele está dizendo uma coisa muito
interessante. Ele está dizendo que as pessoas pensam que quando
os pássaros estão presos e estão cantando e fazendo aquele
barulho, gente, as pessoas pensam que eles estão cantando, mas
eles estão chorando por quê? Porque perderam a liberdade. Então,
gente, qual foi a mensagem que esse texto deixou para vocês?
171. Aluno - Que nem tudo tem preço.
172. Professora Karla - Nem tudo tem preço. Que mais?
173. Aluno - Nem tudo se compra com o dinheiro.
174. Professora Karla - Que nem tudo se compra com dinheiro. Quem
mais, gente, por favor.
175. Aluno - [inaudível].
[...]
198. Professora Karla - Do pai da menina, na opinião de vocês, eu já
perguntei, mas vou perguntar novamente. Qual foi a mensagem, fale
quem ainda não falou, que esse texto deixou? A mensagem? [aluna
fala baixinho] [inaudível] Nem tudo que você tem quer vender, se
desfazer, né, agora, gente, vocês acham que é importante as
pessoas saírem, pegarem os pássaros e venderem como coisa que
sejam propriedade deles?
199. Alunos – Não.
205
Mesmo considerando o estudo sobre a função discursiva do gênero
conto, percebe-se que a condução da aula ainda se orienta pela mensagem
do texto, daí infere-se a dificuldade presente nas práticas escolares no que
concerne à concepção e uso da linguagem e seu espaço de interlocução na
sala de aula.
Esse fato aponta, de um lado, para uma compreensão restrita da
leitura, na qual o texto é portador de uma mensagem única, cabendo aos
leitores assumir papel passivo de identificá-la, desconsiderando-se, portanto,
a plurisignificação própria do conto literário como esse que é trabalhado pela
professora. De outro lado, mesmo considerando a limitação do termo
“mensagem”, indica a possibilidade vista pela professora de incluir na aula de
leitura os temas transversais, propostos pelos PCN, ao tratar de uma
problemática muito discutida hoje, que é a venda de aves silvestres e, para
isso, pode formar a consciência ecológica nos seus alunos, visto que é pelo
conhecimento dos problemas que os jovens encaram a realidade cotidiana
com naturalidade.
Há que se considerar, também, que essa percepção de leitura
imbuída de consciência e efetivada pela professora advém da “tradição
clássica”, corporificada até hoje nas práticas pedagógicas, que vê o texto com
a unicidade de significado, além de se constituir numa verdade inquestionada,
cujo papel do leitor é se projetar no autor, a fim de descobrir “o seu sentido
encoberto” (LIMA, 2002).
Ainda sobre a venda de pássaros, cuja discussão foi motivada pelo
conto “Negócio de menino com menina”, no episódio seguinte, vê-se que a
professora-participante traz à tona o conhecimento de seus alunos sobre a
prática freqüente do comércio ilegal de aves, existente no país, e, sobretudo,
na região Nordeste, com a venda de animais silvestres, mais especificamente,
de pássaros já em fase de extinção.
206
Episódio 34:
176. Professora Karla – Olha, gente, nós sabemos que muitas pessoas
levam a vida, sustentam suas famílias, né, com os pássaros. Vocês
conhecem alguém assim?
177. Aluno - Eu conheço.
178. Professora Karla - Quem poderia contar? Que criam, pegam os
pássaros, pra vender, pra comprar o sustento?
179. Aluno - Um vizinho meu perto de casa, ele cria canários ele leva pros
torneios pra ganhar mais valor, pra ganhar mais dinheiro, vende os
passarinhos por mil reais, por dois mil.
180. Professora Karla - É mesmo?
181. Aluno – Eu também conheço um que diz que tem pássaro que vale
seis mil.
182. Professora Karla - Hei, pare aí, gente! Amália, por favor, fale um de
cada vez.
183. Aluno - [inaudível].
184. Professora Karla - Foi mesmo? E o seu pai ficou chateado? Quem
mais gostaria de falar? Diga.
185. Aluno - Ele compra pássaros e vende para pagar vários tipos de
coisas.
186. Professora Karla – Olhe, gente, agora essas pessoas estão
correndo um risco muito grande. Vocês sabem o que é o IBAMA?
187. Alunos – Sei .
188. Professora Karla - Qual é a responsabilidade do IBAMA? O que é
que ele defende?
189. Aluno – Professora, meu vizinho ele tem uma carteirinha que é pro
IBAMA não tomar os passarinhos dele.
190. Professora Karla - Olha, mas essa carteirinha eu não tenho muito
conhecimento sobre isso, mas tem o tipo de ave que pode ser criado
em cativeiro, não é isso Lúcia? Não é qualquer tipo de ave. Por
exemplo, a arara é um dos tipos de ave mais rara do nosso país. Não
é permitida a criação dela em cativeiro pelo próprio IBAMA. Se
alguém for pego com essa ave ou com qualquer outra ave que está
em extinção, presa, é multado em um absurdo de dinheiro, certo?
191. Aluno - [inaudível].
192. Professora Karla – Então, vocês gostariam de colocar mais alguma
coisa sobre o texto? Quem poderia, quem poderia me dizer, eu falei
pra vocês que o conto ele tinha características, né? Ele tinha as
personagens, quem são as personagens desse conto?
193. Alunos – Um menino, menina, passarinho e o homem.
194. Professora Karla – Certo. Onde é que acontece esse fato? O lugar?
195. Alunos - Na fazenda.
207
196. Professora Karla - Na fazenda. E de quem é a fazenda?
197. Alunos - Do homem, do pai.
Observa-se que os alunos da professora Karla conhecem de perto a
comercialização de pássaros na sua cidade (TURNOS 179, 181 e 185).
Inclusive, são portadores de informações (TURNO 189) de pessoas que em
nome de órgãos responsáveis pela proteção à natureza apresentam atestado
de legalidade, o que permite aos caçadores obterem licenças para criarem
alguns pássaros, que se reproduzem em cativeiro, embora seja proibido.
Porém, o que se vê nessas falas dos alunos pessoas traficando aves e
animais em extinção, sem nenhuma contestação por parte da comunidade
onde isso ocorre.
As considerações feitas pela professora (TURNO 190) a respeito do
comércio ilegal, objeto de discussão, indicam que por meio de uma leitura
crítica se propicia aos alunos relacionarem o que lêem a sua própria realidade
social, podendo contribuir para transformar sua visão de mundo e a forma de
intervenção destes.
Pode, também, possibilitar a compreensão de que o texto ficcional
comporta elementos de um dado momento histórico e o leitor se encontra
inscrito nesse processo histórico, produzindo sentidos, ou seja, interpretando
sua relação com o mundo. As falas subseqüentes mostram a retomada da
professora na identificação das características do conto, embora esse aspecto
não conste nesse plano, e sim, no plano anterior.
Relacionar o texto à vida dos alunos foi também abordado na sessão
da professora Dóris o que pode ser observado na condução desse
encaminhamento:
Episódio 35:
208
117. Neyane – [lendo o plano] Relacionar o texto com a vida dos alunos.
Alguém já viveu alguma situação parecida com essa?
118. Professora Dóris – Se alguém já teve uma história parecida com a
de Tampinha, contar um exemplo.
119. Aluno – [inaudível].
120. Fernando – Eu, por exemplo, sou pequeno, né?
121. Professora Dóris – Pois fique em pé pra gente ver o seu tamanho,
se você é pequeno mesmo!
122. Fernando – [aluno ficando em pé] Eu sou pequeno e, quando vou
jogar bola, os caras falam que eu sou pequeno, mas não tem isso, o
que importa é a força de vontade, né?
123. Professora Dóris – Muito bom, Fernando, o que vale é a força de
vontade, né? [sentando].
124. Dilani – A mesma coisa é pro vôlei. O voleibol precisa de pessoas
bem altas, aí já eu e a pobre de Lorena sofremos a maior
discriminação porque somos pequenas demais [rindo].
125. Professora Dóris – Vão ter que arrumar bola, né? [a professora
tenta orientar Neyane na leitura do planejamento] Discutir o foco
central do texto? Hein, Aslan, Lucineide?
Após reforçar a pergunta feita por Neyane, destaca-se a importância
de a história de Tampinha desencadear nas crianças a relação texto-vida, via
processo de identificação com a personagem, o que fez com que os
aprendizes manifestassem elementos ficcionais do texto, com dados
fornecidos pela própria realidade, como apresentado nas falas de Fernando
(TURNO 120) e Dilani (TURNO 124).
Nos relatos, eles discutem a discriminação vivida na prática de
esporte devido aos seus tamanhos e, assim como a personagem, os alunos
não desistem de seus desejos. Por isso eles se projetam na personagem
Tampinha, apresentando múltiplas representações pessoais, o que origina
uma situação comum entre texto-leitor (ISER, 1999) a partir do lido.
Na atividade de pós-leitura, a professora Ângela pergunta se
“Alguém conhece algum menino que caça” (TURNO 117), direcionando a
discussão para a relação texto-vida. As crianças demonstram conhecimento a
esse respeito, porém, a professora testemunha conhecer alguém que tem
209
como ofício a caça e a pesca, passando a relatar a história de uma pessoa da
comunidade que caça desde os oito anos de idade. Esse depoimento envolve
os alunos, ampliando a discussão e chegando, inclusive, a fazerem
advertência para os riscos de câncer, quando em exposição ao sol quente,
sem proteção da pele, realizando essa atividade em uma região tropical.
4.2.3.6 Focalizando o enredo da história e a sua função comunicativa
Em todos os tempos, a narrativa oral ou escrita - enredo da
humanidade - tem sido intimamente ligada à vida e às práticas sócio-culturais
dos grupos. Embora haja mudanças nas práticas sócio-culturais, aqui
entendidas como aquilo que as pessoas fazem nas diferentes esferas da
sociedade em que vivem, entende-se que as alterações dessas práticas
ocorrem, mas obedecendo a uma certa regularidade. Mesmo assim,
possibilitam aos sujeitos compreendê-las com base no contexto de diferentes
textos que são utilizados em sala de aula. Nessa perspectiva, é importante
destacar a função comunicativa associada ao gênero conto, compreendendo
as regras e os recursos implicados em seu uso.
Dentre os aspectos textuais dos contos trabalhados, vê-se que
imbuído no gênero [conto] encontra-se a tipologia textual (modalidade
retórica) predominante em sua estruturação, que é a narrativa, composta
pelos seguintes elementos: enredo, personagens, tempo, espaço, ambiente e
narrador. Portanto, ao se analisar o enredo, conforme Mesquita (1994, p. 10),
dois aspectos são fundamentais: sua estrutura (partes que o compõem:
exposição, complicação, clímax e desfecho) e sua natureza ficcional
(verossimilhança).
A professora Karla, ao focalizar o enredo, discute o fato, em si, em
dois momentos distintos (TURNOS 144 e 148), sem clareza suficiente para
que os alunos o identificassem:
210
Episódio 36:
142. Professora Karla – Na opinião de vocês, qual é o momento principal
desse conto?
143. Aluno – Na hora do curupira.
144. Professora Karla – Ele disse que o momento principal é na hora do
curupira. [atendendo uma pessoa da equipe pedagógica na porta]
Gente, esse conto, olha, como eu disse pra vocês, o conto ele
apresenta o tempo, o lugar, apresenta esse conto aqui, ele apresenta
o tempo quando esses fatos acontecem?
145. Aluno – O quê?
146. Professora Karla – Apresenta o tempo, deixa claro o tempo?
147. Aluno – Não.
148. Professora Karla – Não, né, a gente só sabe o tempo cronológico,
né, em que as coisas foram acontecendo consecutivamente, né? E o
lugar? Será que é na cidade?
149. Alunos – Em uma selva.
150. Professora Karla – Numa floresta, certo? Na opinião de vocês, qual
é o momento principal desse conto?
151. Aluno – No final.
152. Professora Karla – Ele disse que é no final, quando? Como assim?
Explique aí.
153. Aluno – [inaudível].
154. Professora Karla – Certo, bem, vocês têm alguma coisa para
perguntar, ou para colocar sobre esse conto? Ficou claro pra vocês o
que é um conto? Ficou claro pra vocês as características do conto?
Olha, o conto tem que ter os fatos tem que ter o lugar, os
personagens, tem que ter o enredo. O que é o enredo? É a trama em
si, não é? Agora quem de vocês seria capaz de recontar o conto?
Neste episódio, percebe-se o interesse da professora em cumprir o
plano, à medida que o redimensiona pondo em evidência a organização do
enredo do conto. Esse redimensionamento é evidenciado no turno 142: “[...]
qual o momento principal desse conto?”, o que permite ao aluno afirmar: “Na
hora do curupira” (TURNO 143). No entanto, a interrupção da aula da
professora parece dificultar uma mediação, consistente, nesse momento, que
apoiasse a resposta do aluno. Porém, o plano possibilita que a professora
211
recupere a discussão elaborando uma nova questão, a fim de dar
continuidade à sessão.
A professora Karla pergunta duas vezes aos alunos (TURNOS 142 e
150): “Qual o momento principal do conto?” As respostas dos alunos
culminam para o desfecho da história, quando dizem: “Na hora do curupira”
(TURNO 143); outro aluno afirma: “No final” (TURNO 151). Sabe-se que o
desfecho da história é marcado pelo momento de resolução dos conflitos,
apresentando um final feliz, visto como um dos requisitos essenciais da
narrativa para crianças (CUNHA, 1991), dado o envolvimento e a identificação
dos alunos com a história.
Na terceira sessão da professora Dóris, ao discutir o foco do texto,
Neyane promove a participação dos alunos, ao sugerir: “[...] Discutir o foco
central do texto?” (TURNO 125). Esse aspecto foi abordado por Fernando,
quando diz:
Foi naquela hora que ela teve o incentivo de ajudar o moço,
mesmo sendo pequena, ela teve o incentivo de ajudar e as
outras pessoas não queriam deixar porque ela era pequena,
falavam que ela não tinha capacidade de ajudar. E daí ela
ajudou ele e ainda ajudou a si mesma (TURNO 126).
Instigada pela professora, Neyane destaca seu ponto de vista, já
seguido do encaminhamento do próximo passo do plano, ressaltando o
porquê de ter gostado da história (TURNO 128):
Episódio 37:
127. Professora Dóris – Muito bem. Você, Neyane!
128. Neyane – Eu gostei da história porque ela era tão pequena e devia
ter medo do que coisas grandes podiam fazer a ela. Mas, mesmo
assim, ela pra ajudar os outros foi se arriscando. Outra pergunta, quem
212
já passou por algo semelhante como foi o ocorrido? Se vocês já
passaram por algum problema e como vocês tiveram de resolver, né?
129. Professora Dóris – Eu, por exemplo, já passei por vários problemas.
Quem olha assim para Professora Dóris, diz assim: Professora Dóris é
uma pessoa sem problema, não tem problema nenhum. As próprias
colegas aqui de trabalho dizem assim: menina, Professora Dóris não
se estressa, Professora Dóris não se cansa. Todo mundo se estressa,
todo mundo se cansa, entendeu? O importante é que essa turma, 6ª 3,
vocês me fizeram uma pergunta ontem. Professora, não, a 7ª 3
perguntou: professora, por que vocês escolhem a 6ª 3? Entendeu? Foi
discriminação. Não existe discriminação. Vocês são pequenininhos
Fernando disse eu sou pequeno, você é pequeno, mas o tamanho,
gente, não é documento, o que importa, gente, foi o que Dilani disse.
Como foi que você falou, Dilani?
130. Dilani – Que não importa os nossos defeitos, pois também temos
qualidades para superar.
131. Professora Dóris – Entendeu, gente?
132. Neyane – Eu também sou pequena. Eu e ela somos os alunos mais
pequenos da turma. Mesmo assim, não tem problema de ter um mais
pequeno que o outro.
133. Professora Dóris – Pronto, eu sou tão grande e não já passei por
tantos problemas, né?
134. Neyane – Todos são iguais, todos passam pelos mesmos problemas.
Esse episódio foi marcado pela produção de relatos dos alunos e da
professora, sendo esta a primeira a apresentar seu relato, tendo a
possibilidade de superação de obstáculos como foco central. Nessa
discussão, flui a essência do texto de ficção, que é a verossimilhança, visto
como a lógica interna do enredo. O aspecto verossímil do texto facilita a
relação dos leitores com o lido, pois
os fatos de uma história não precisam ser verdadeiros, no
sentido de corresponderem exatamente a fatos ocorridos no
universo exterior ao texto, mas devem ser verossímeis; isto
quer dizer que, mesmo sendo inventados, o leitor deve
acreditar no que lê. Esta credibilidade advém da organização
lógica dos fatos dentro do enredo (GANCHO, 1993, p. 10).
213
A verossimilhança se torna presente, nesse episódio, principalmente
na fala da professora Dóris, que manifesta como a causa de não se estressar
no trabalho, dada sua motivação pessoal, pois é vista pelos colegas como
alguém que não tem problemas. Conforme Gancho (1993), na narrativa cada
“fato tem uma causa e desencadeia uma conseqüência”, o que possibilita
verificar a verossimilhança, aqui entendida como a “lógica interna do enredo”,
que o torna verdadeiro para o leitor, configurando-se na “essência do texto de
ficção”.
No caso dos alunos, o texto se configura como verossímil à medida
que, com base no conto, destacam suas representações, especialmente nas
falas de Dilani, ao afirmar: “[...] não importa os nossos defeitos, pois também
temos qualidades para superar” (TURNO 130), bem como na fala da própria
Neyane, quando afirma: “Eu também sou pequena. Eu e ela somos os alunos
mais pequenos da turma. Mesmo assim, não tem problema de ter um mais
pequeno que o outro” (TURNO 132) [...] Todos são iguais, todos passam
pelos mesmos problemas” (TURNO 134).
Considerando que é objetivo do ensino de língua materna favorecer
o desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos e, para isto, os
textos orais e escritos são objetos de estudo, é que não se pode restringir o
trabalho dessa natureza a apenas aspectos estruturais e ou formais. É
necessário, portanto, que aspectos interacionais, que impliquem nos usos e
funções, numa dada situação comunicativa, sejam levado em conta na
discussão de textos.
Com isso, pode afirmar-se que os episódios analisados trouxeram à
tona a função comunicativa do conto Tampinha, que é a possibilidade de
superação de problemas e de vencer obstáculos, estabelecendo relação com
as expectativas do leitor. Isso porque os alunos, ao mencionarem, em linhas
gerais, o plano da ação e da organização do enredo, emana a discussão
sobre a diversidade de sentidos provocados pelo texto, articulada à visão de
214
mundo das crianças, das relações que estabelecem consigo mesmas e com
os outros sujeitos. Para Amarilha (1997), a função da literatura, e mais
especificamente a do conto, de ser “lúdica” e de ser “organizadora de sentido
dos fatos”, vislumbra ao leitor diferentes formas de conceber o mundo, de
resolver conflitos interiores com os quais as crianças ainda não sabem lidar.
4.3 A aprendizagem dos alunos como fundamento do plano de aula
O desenvolvimento da aprendizagem dos alunos é visto, neste
trabalho, numa dimensão processual da relação teoria-prática, que
compreende o ensino e a aprendizagem como unidade. Contudo, para efeito
de análise, optou-se por apresentar, nesse tópico, os indícios relativos à
aprendizagem dos alunos nas atividades de produção oral e escrita,
consideras, também, como objeto de reflexão dos procedimentos de
planejamento
Recorrendo a Doltz e Schenewwly (2004, p. 112-113), vê-se que na
produção oral o processo de exteriorização ocorre, mas logo desaparece,
exigindo, assim, a gravação, como meio de não torná-lo provisório, ao passo
que o texto escrito é permanente. No contexto da pesquisa-ação participativa,
fez-se uso de gravação [transcrição], de modo que o texto oral se tornou
observável e permitiu a verificação posteriormente. Assim sendo, processo e
produto se imbricam, possibilitando-se refletir acerca desse objeto, sobre a
forma de produção [produto], sem se perder de vista o processo.
Portanto, nesta pesquisa-ação, considera-se que a produção oral e
escrita, assim como a análise lingüística e demais atividades desenvolvidas, a
priori, são reveladoras da compreensão do desenvolvimento da aprendizagem
dos alunos, podendo ser tomadas como objeto de reflexão do processo de
planejamento. Analisa-se, então, o encaminhamento das professoras-
participantes para a atividade de produção oral e escrita.
215
4.3.1 Produção oral e escrita: certo, toda palavra boiará no papel, água
congelada, por chumbo seu verbo
4.3.1.1 Identificando as características do conto com o foco na estrutura da
narrativa: jogar fora o leve e oco palha e eco
Identificar as características do conto implica, também,
compreender a estrutura da narrativa. Para isso, a professora Karla redefiniu
o planejado, ampliando-o, ao desafiar os alunos a identificarem as
características do conto e, conseqüentemente, a seqüência lógica das idéias
do texto:
Episódio 38:
130. Professora Karla – Olha, gente! Então, o texto, mostra que
Tampinha passou o conto inteiro, todo o desenrolar do conto, ela
passou superando obstáculos, né, qual foi o primeiro obstáculo que
ela teve que vencer?
131. Aluno – A serpente.
132. Professora Karla – A serpente, né, ela demonstrou o quê quando,
teve que vencer?
133. Aluno – A coragem.
134. Professora Karla – A coragem, não é? Qual foi o segundo
obstáculo?
135. Alunos – A onça.
136. Professora Karla – A onça, não é? E o terceiro?
137. Alunos – O curupira.
138. Professora Karla – Curupira não é? Então será que nós já seríamos
capazes de dizer quem são os personagens do texto? Do conto?
139. Alunos – Já.
140. Professora Karla – Olha, gente, vale salientar que o conto ele é uma
das narrativas que geralmente ele não tem muitas personagens,
certo? Mas vamos ver aqui quem são os personagens desse conto?
141. Alunos – A cobra, a onça, o curupira, Tampinha, a avó, o Bonito.
216
Através dessa atividade, a professora desencadeou a identificação
das características do conto, iniciando pelos personagens e enfatizando a
superação de obstáculos, agora vivenciados pela protagonista. Os alunos
apresentaram os personagens, de modo geral, nessa ordem (cobra, onça,
curupira, Tampinha, avó, e Bonito), sem destacar principais e secundários, e
sem que professora chamasse a atenção nesse sentido (TURNOS 131 –
137). Contudo, essa estratégia possibilitou aos alunos o reconhecimento dos
personagens (TURNO 141).
Em seguida, a professora Karla passa a identificar, com os alunos, o
tempo por ela entendido como cronológico. Eco (1994, p. 60) ressalta que
numa obra de ficção o tempo é figurado de três formas: o tempo da história,
que faz parte do próprio conteúdo do texto; o tempo do discurso, visto como
estratégia textual que interage com a resposta dos leitores, impondo-lhes um
tempo de leitura que corresponde a um artifício textual para diminuir ou
aumentar a velocidade do tempo do leitor, permitindo-lhe entrar no ritmo,
assim como possibilitando a fruição do texto.
O conto Tampinha apresenta uma seqüência temporal confusa,
cujas ligações temporais, na voz do narrador, “talvez queira nos fazer perder
nossa noção de tempo, mas nos estimula a reconstituir a seqüência exata dos
acontecimentos” (ECO, 2002, p. 45). Inicia-se o conto com a apresentação de
“uma menina tão pequena que, cada vez que espirravam por perto, ela voava”
(LAGO, 2001); depois, tem-se a informação de que, após comer um fruto,
Tampinha torna-se moça feita. E, para finalizar, o narrador sinaliza a respeito
do casamento de Tampinha com o moço Bonito, permitindo inferir, como fez a
professora, que no conto Tampinha o tempo é cronológico porque transcorre
na ordem natural, tratando da infância da personagem até sua vida adulta,
diferenciando-se, assim, do tempo psicológico da narrativa, no qual os
acontecimentos estão fora da ordem natural. O lugar é reconhecido como a
floresta, embora não sejam delimitadas, precisamente, na discussão, as
217
categorias de lugar e espaço como aspectos importantes, dada a quantidade
de acontecimentos em locais diferentes vividos pela protagonista.
Na sessão da professora Ângela, viu-se que as falas subseqüentes
(TURNOS 083 a 105) vêm comprovar a dificuldade dos alunos em identificar
as características do conto, uma vez que só por meio de andaimes fornecidos
pela professora Ângela, ao fornecer novas pistas, os alunos vão construindo a
seqüência narrativa, demonstrando compreensão do enredo. Para isso, a
professora redefiniu o planejado, ao formular novas questões no decorrer da
pós-leitura e solicita aos alunos que recontem a história, a fim de identificar as
características do conto:
Episódio 39:
106. Professora Ângela – [...] Flávio gostaria muito de falar, hein,
Flávio? Esse conto diz o quê? Gostou do conto? Conte aí esse
conto pra gente, conte aí de novo.
107. Flávio – Mande outro, professora.
108. Professora Ângela – Não, depois eu mando outra pessoa.
Você entendeu esse conto direitinho, hein?
109. Flávio – Hein, minha gente? Quem é capaz de contar esse
conto?
110. Aluno – Aurenice, professora.
111. Aluno - Eu conto. Ontem, aquele de ontem, todo mundo não foi
capaz de contar?
112. Aluno – Antônio!
113. Professora Ângela - Só Antônio, hein? Fala de quê esse
conto? Vocês não estão entendendo?
114. Aluno - [inaudível].
115. Professora Ângela - Quais os personagens dele?
116. Aluno - Tampinha, a avó e o homem.
117. Professora Ângela – Sim.
118. Aluno - A cobra, o curupira/
119. Professora Ângela - Tem a cobra, o curupira, que são outros
personagens mais sem importância
120. Alunos - A onça.
121. Professora Ângela - A onça, mas os principais são a avó/
122. Aluno - Tampinha, a avó e o Bonito.
218
123. Professora Ângela – Isso! Muito bem! Vamos ler de novo
aquela quadrinha, vamos lá? Vamos lá? Primeiro, é na página
vinte e sete. Vamos lá? Todos [professora e alunos repetem a
quadrinha]. Alguém é capaz de dar um espirro assim bem
grande como o que o curupira deu?
124. Alunos – Uatschim [sorrindo].
As diferentes estratégias utilizadas pela professora (inclusive pelas
demais professoras-participantes), no trabalho com os gêneros literários, vêm
demonstrar que essa atividade exige do professor alguns cuidados: ser
conhecedor das reais condições da turma, suas habilidades, a complexidade
da estrutura narrativa apresentada pelo conto, bem como se a turma já
vivenciou essa prática. São essas condições que devem atender a um
trabalho adequado, incidindo, portanto, na mediação pedagógica do professor
e, conseqüentemente, do planejamento no processo ensino-aprendizagem da
leitura de contos.
4.3.1.2 O reconto oral: a pedra dá a frase o seu grão mais vivo
Dando início à atividade de produção oral e escrita, a professora
Karla, na primeira sessão, sugere à turma a realização do reconto oral, como
registrado no plano da sessão, de forma que incentiva e encoraja os alunos a
recontarem o conto:
Episódio 40:
154. Professora Karla – [...] Agora quem de vocês seria capaz de
recontar o conto? Hein? Olha eu li, Vanessa leu, nós discutimos,
agora eu quero saber quem seria capaz de recontar, ou seja de
contar, vamos ouvir gente!
[...]
159. Aparecida – Esse conto fala de uma menina muito pequena e que
usava uma tampa na cabeça pra ficar mais pesada. Um dia um rapaz
219
que morava vizinho a ela ficou doente, aí a avó dela precisava ir a
floresta pegar a flor da árvore do curupira e Tampinha se ofereceu
pra ir, mas como ela era muito pequena, a avó não queria que ela
fosse porque corria perigo, mas, mesmo assim, ela insistiu com a avó
pra deixar ela ir. Aí tudo bem, a avó deixou, ela foi num barquinho de
papel e a avó ensinou umas palavras mágicas pra ela falar pro
curupira.
160. Professora Karla – Alguém mais gostaria de recontar? Bom, porque
mesmo sendo o mesmo conto, cada pessoa que conta, que reconta,
tem uma forma diferente de recontar. Quem mais gostaria? Ninguém
mais? Certo. Olha, como vocês não querem mais recontar...
161. Aluna – [acenando que queria recontar].
162. Professora Karla – [...] você disse que queria recontar?
163. Aluno – Eu queria ler. [A professora-participante consulta, através de
aceno, a professora-pesquisadora se a aluna poderia ler]
164. Professora-pesquisadora – Já foi lido duas vezes.
165. Professora Karla – É. Se alguém quiser recontar pode, né, Lúcia?
166. Professora-pesquisadora – É pode.
167. Professora Karla – Vai, você conta da sua maneira pra gente ver o
seu nível de entendimento.
168. Aluno - Era uma menina muito pequena. Toda vez que alguém
espirrava ela voava. Seu nome era Tampinha. É, é, um dia um rapaz
que morava perto da sua casa estava doente e sua avó era quem
cuidava daquele povo da região. Então, ela precisava de uma flor da
árvore do curupira e ela não tinha ninguém para pegar essa flor.
Então Tampinha disse que ia. Aí foi a avó dela disse que ela era
muito pequena e não tinha, assim, coragem, condições de pegar,
mas ela insistiu, insistiu, até que a avó dela disse que ela podia ir. Aí
foi a avó dela deu uma pimenta para colocar no pescoço dela e
ensinou umas palavras mágicas pra ela dizer quando estivesse em
perigo. Aí ela foi, pegou um barquinho de papel e foi e no caminho
ela ia se lembrando das palavras mágicas. Aí, no caminho, de
repente, apareceu uma cobra, aí foi a cobra disse: você tem avó, eu
tenho [inaudível], venha comigo pro fundo do rio. Você tem agulha,
eu tenho fio. Venha calada sem dar um pio. Aí ela esqueceu de todas
as palavras mágicas. Aí no último momento [inaudível] e disse
pimentim eu quero atchim. Aí a cobra se aproximou pra ouvir aí
sentiu o cheiro forte da pimenta, aí atchim, ela voou para longe parou
mesmo onde estava a onça pintada, da onça pintada aí a onça com
fome queria comê-la, aí ela disse as palavras pimentim, pimentão, aí
a onça não escutou e se aproximou chegou perto dela e sentiu o
cheiro forte da pimenta, ai espirrou atchim! Aí ela voou para longe e
caiu mesmo na árvore do curupira. Que sorte! O curupira não estava
por perto, aí ela foi, era muito pequena e a flor estava muito alta e ela
não podia, não tinha tamanho pra chegar perto do galho. Aí então
caiu um fruto, ela comeu um pedaço achou muito doce e comeu só
um pedaço, então seus braços cresceram, então caiu outra fruta,
220
então ela comeu só um pouco e rebolou e cresceram suas pernas. Aí
depois caiu outro e ela comeu todo, aí ela ficou uma moça muito
bonita. De repente apareceu o curupira, perguntou o que ela estava
fazendo ali com a sua flor preta. Então ela disse [inaudível], quer
água, eu quero, atchim, me leva de volta, de onde eu vim. Então ele
não escutou e quando se aproximou perto dela, sentiu o cheiro forte
da pimenta. Então ele deu o maior espirro do mundo. Atchiiim, então
ela voou para casa do moço bonito e entregou e fizeram o chá
imediatamente e o fim eu não vou dizer todo mundo já sabe o que é.
169. Professora Karla – É porque você fez uma mistura. Recontou uma
parte, leu outra. Mas é assim mesmo, cada um tem um nível de
compreensão, né, olha, agora, o que é que nós vamos fazer, certo?
Embora no plano da sessão propusesse que apenas um(a) aluno(a)
seria convidado(a) a recontar, a professora deixou-os muito à vontade, de
modo que para os que quisessem recontar, continuou aberta a sessão de
reconto. Dois alunos se manifestaram interessados em recontar, o último
deles o fez com apoio no texto, como notificado pela professora.
Essa estratégia utilizada pela professora vislumbra, nesse episódio,
uma concepção mais aberta da relação professor-aluno, evidenciando um
processo dialógico da leitura, no qual o sujeito-leitor se percebe livre para
fazê-lo, e não pressupõe o ato de ler como um dever a ser cumprido.
A função do plano de mediar o trabalho pedagógico da professora
evidenciou-se, nessa sessão, tanto no momento da leitura quanto na atividade
de reconto, dado o efetivo engajamento dos alunos com o texto literário, fato
esse presenciado também no decorrer das atividades de pós-leitura.
Analisando-se a recepção dos alunos ao reconto, em decorrência
das estratégias utilizadas pelas professoras, infere-se que uma única leitura
não seria suficiente para o sucesso da atividade de pós-leitura, uma vez que
ao serem feitas duas vezes, pela professora e pela aluna, como ocorrido na
sessão da professora Karla, a turma alcançou maior êxito no momento de
recontar a história.
221
Na observação direta em sala de aula, na quinta sessão da
professora Ângela, percebeu-se a recusa dos alunos de recontar a história:
“Mande outro, professora” (TURNO 107); mais adiante, outro diz: “[...] ontem,
aquele de ontem, todo mundo não foi capaz de contar?” (TURNO 111).
Episódio 41:
106. Professora Ângela – [...] Flávio gostaria muito de falar, hein,
Flávio? Esse conto diz o quê? Gostou do conto? Conte aí esse
conto pra gente, conte aí de novo.
107. Flávio – Mande outro, professora.
108. Professora Ângela – Não, depois eu mando outra pessoa.
Você entendeu esse conto direitinho, hein?
109. Flávio – Hein, minha gente? Quem é capaz de contar esse
conto?
110. Aluno – Aurenice, professora.
111. Aluno - Eu conto. Ontem, aquele de ontem, todo mundo não foi
capaz de contar?
112. Aluno – Antônio!
113. Professora Ângela - Só Antônio, hein? Fala de quê esse
conto? Vocês não estão entendendo?
114. Aluno - [inaudível].
115. Professora Ângela - Quais os personagens dele?
116. Aluno - Tampinha, a avó e o homem.
117. Professora Ângela – Sim.
118. Aluno - A cobra, o curupira/
119. Professora Ângela - Tem a cobra, o curupira, que são outros
personagens mais sem importância
120. Alunos - A onça.
121. Professora Ângela - A onça, mas os principais são a avó/
122. Aluno - Tampinha, a avó e o Bonito.
123. Professora Ângela – Isso! Muito bem! Vamos ler de novo
aquela quadrinha, vamos lá? Vamos lá? Primeiro, é na página
vinte e sete. Vamos lá? Todos [professora e alunos repetem a
quadrinha]. Alguém é capaz de dar um espirro assim bem
grande como o que o curupira deu?
124. Alunos – Uatschim [sorrindo].
222
Observam-se, nessas falas, dois aspectos: primeiro, que a prática de
reconto já foi vivenciada em sala de aula, pois um dos alunos afirma que
“Ontem todo mundo foi capaz de contar”; segundo, mesmo com essa
experiência já mencionada, os alunos não se sentiram encorajados a recontá-
lo, acenando para a necessidade de andaimagem (GRAVES & GRAVES,
1995).
Diante desse impasse, a professora resolve oferecer novos
andaimes, visando a favorecer essa tarefa (TURNOS 115 a 122), na medida
em que retoma os principais personagens do conto. Consciente da dificuldade
dos alunos, a professora evoca elementos lúdicos do conto, por meio de
quadrinhas que, assim como no conto Tampinha, os alunos demonstram,
posteriormente, interesse em dizer, mas a esquecem. Mais uma vez,
professora e alunos relêem as quadrinhas em coro, com entusiasmo; depois,
a professora Ângela solicita-lhes que espirrem como o curupira. Surgem
espirros de intensidades variadas, consolidando-se num momento lúdico da
aula e servindo como passagem para o reconto oral.
Episódio 42:
127. Antônio - Quando eu vi Tampinha, pensei que era uma pessoa
danada, travessa, aí essa tampinha mulher era uma menina
pequenina que usava uma tampinha na cabeça, e a avó dela fazia
remédios pra curar os doentes, aí tinha um moço doente e a avó não
tinha o remédio e aí Tampinha se ofereceu, precisava de um homem
de coragem pra ir buscar a flor preta, aí tampinha se ofereceu pra ir;
a avó não queria deixar ela ir, mas ela insistiu, até que a avó deixou
ela ir, aí a avó ajudou a ela colocando uma fita com uma pimenta no
pescoço dela.
128. Aluno - Ajudou, atrapalhou.
129. Professora Ângela - Pode continuar.
130. Antônio - Aí ela estava feliz com as palavras mágicas.
131. Aluno - Como eram as palavras mágicas? Diga aí.
132. Antônio - As palavras mágicas eram pimentum, pimentum.
133. Aluno – Pimenté e pimentim.
223
134. Antônio – Pimenté e pimentim, as palavras mágicas, ela não disse
as palavras mágicas certas e aí não deu muito certo. Aí o curupira
soprou, aí, com o ardor da pimenta no nariz porque ela disse as
palavras errada, aí o curupira soprou, aí ela voou, voou e caiu perto
da árvore, mas ela não conseguiu alcançar a flor, porque ela era
muito pequena, aí caiu uma fruta, ela comeu e cresceu os braços. Ela
não comeu toda porque era doce demais e cresceu só os braços.
135. Alunos – [falam ao mesmo tempo tentando ajudar a recontar a
história].
136. Antônio – Aí, depois ela comeu e cresceu só as pernas.
137. Alunos – Porque era amarga, aí caiu outra.
138. Antônio – Aí não, não caiu outra, aí só foi, na terceira vez, a árvore
disse coma uma, duas, três, aí ela comeu tudo de uma vez e
cresceu, cresceu tudo e tornou-se uma moça bonita.
139. Professora Ângela – Cresceu, né? Cresceu.
140. Antônio – É não falou no texto que ela ficou uma moça, falou que ela
cresceu, aí o curupira apareceu. Quem mandou você comer? Pegar a
fruta?
141. Aluno – [inaudível].
142. Aluno – Quem mandou você comer minha fruta aí/
143. Aluna - Aí ela jogou a pimenta.
144. Antônio - Aí ela jogou a pimenta e disse as palavras mágicas, mais
ou menos assim, aí só foi ela soprou e, mesmo grande, ela voou
[Levantando os braços], voou e caiu.
145. Aluno - Na casa do Bonito, aí fez/
146. Antônio - Na casa do Bonito, e aí fez o chá imediatamente e depois
eles se/ eles se casaram.
Durante o reconto oral, o aluno Antônio conta com a participação de
muitos colegas. Todos querem se envolver nessa tarefa, ora ajudando-o, ora
atrapalhando-o, mas o importante é que todos pretendiam mostrar que
entenderam a história. Na fala de Antônio, vêem-se aspectos importantes que
comprovam a participação do leitor na construção do sentido do texto, como
nesse exemplo:
Quando eu vi Tampinha, pensei que era uma pessoa danada,
travessa, aí essa Tampinha mulher, era uma menina
pequenina que usava uma tampinha na cabeça” [...], a avó não
tinha o remédio e aí Tampinha se ofereceu, precisava de um
homem de coragem pra ir buscar a flor preta, aí Tampinha se
ofereceu (TURNO 127).
224
Nesse turno 127, vê-se que o conto selou, definitivamente, o efetivo
encontro de Antônio com Tampinha, via ficção. Ou seja, evidencia-se a
interação texto-leitor, de modo a mudar as representações do leitor em
contato com o texto. Nota-se, ainda, que no fragmento em análise o aluno
manifesta como previu o texto e qual a sua expectativa em relação a ele, que
foi sendo eliminada após a leitura. Para Iser (1979), o texto é formado por
enunciados com vazios que exigem a participação do leitor para preenchê-lo.
Conforme esse mesmo autor, a interação texto-leitor ocorre na
presença de textos ficcionais, em virtude de sua principal característica, que é
exigir do leitor concentrar-se nos vazios, incitando sua participação na
formação do sentido. Esse aspecto se evidencia no segundo fragmento, que é
destacado quando o leitor insere uma informação não presente no texto, de
que a avó de Tampinha “precisava de um homem de coragem”. Esse
componente não é manifesto no texto, procurando dar significado ao que leu.
Os diálogos subseqüentes do texto (TURNOS 130 – 146) demarcam
as tentativas dos alunos em recontar a história, colaborando com Antônio.
Nesses diálogos, observa-se a ausência da participação da professora
Ângela, exceto no turno 139. Os demais turnos de fala são assumidos pelos
alunos, traduzindo-se num momento empolgante da aula, especialmente na
retomada das palavras mágicas. As inserções e as correções de informações
subjacentes ao conto demonstram, portanto, total envolvimento das crianças
com a história, inclusive por meio de elementos gestuais, quando o aluno
levanta os braços (TURNO 144) ao dizer: “Voou e caiu”.
Na sessão dois, após retomar as características do conto, a
professora Karla também encaminha o reconto oral:
Episódio 43:
225
202. Professora Karla – [...] Agora, quem gostaria de contar, de recontar
essa história? Sem olhar pra o livro, sem olhar para nada e contar à
história que nós acabamos de ler? Recontar. Quem gostaria?
203. Aluno - Do jeito do livro?
204. Professora Karla - Não, do jeito que vocês entenderam, do mesmo
jeito, só se fosse lendo, né, porque aí você vai contar de acordo com
o seu entendimento. Quem gostaria? Hei, Wanderlei vai contar, vai
Wanderlei.
205. Wanderlei - Era um menino que passou o dia nas matas tentando
pegar algum tipo de pássaro, aí ele conseguiu pegar um e quando
ele estava voltando para casa, aí vinha um homem e uma menina
num carro. Aí a menina achou o pássaro bonito e pediu ao pai para
comprar, aí o pai parou o carro e chamou o menino: hei, venha cá, e
disse, perguntou se ele vendia o pássaro. Ele disse que não. O
homem insistiu muito e o menino não quis vender. Disse pra ele que
ia mostrar a mãe dele e não podia vender. Aí o homem não teve
paciência e ia embora, então o menino disse pra menina que no outro
dia eu trago o passarinho pra você.
206. Professora Karla – Certo. Olha, gente, alguém mais gostaria de
recontar, pra ver se vai colocar alguma coisa que Wanderlei
esqueceu? Não?
Esse episódio ilustrou o encaminhamento dado pela professora
Karla à atividade de reconto oral. Porém, apenas um aluno se propôs a
recontar o conto, sendo que os demais, apesar do convite da professora, não
se dispuseram a fazê-lo (TURNO 206). Afinal, os alunos já haviam contado,
demasiadamente, tantas histórias de suas vidas que se deram por satisfeitos,
de forma que a professora resolveu passar para o próximo momento da aula:
o reconto escrito. Já na quarta sessão de leitura, implementada pela
professora Ângela, abordou-se também o reconto oral.
Episódio 44:
126. Professora Ângela – [...] E esse nosso conto aí, quem achou
interessante, quem gostaria de contar? Diga aí, Ernani, fala de quê,
o nosso conto? Conte ele aí pra nós.
127. Ernani – [inaudível].
128. Professora Ângela – Fale mais alto um pouquinho.
226
129. Ernani – O menino viu a menina dentro do carro e a menina viu o
passarinho e pediu para o pai comprar/
130. Ângela – Aí ele vendeu?
131. Alunos – Não.
132. Ernani – Disse que dava depois.
133. Professora Ângela – Disse que dava. Olhe aí, ele só queria ter o
prazer de ficar com ele mais um tempo.
134. Alunos – Pra mostrar a mãe.
135. Professora Ângela – Pra mostrar a mãe e ficar mais um
pouquinho. No outro dia, ia dar de graça pra ela. Ele só queria ter o
prazer de ficar com ele mais um pouquinho.
136. Aluno – Professora, ele não era egoísta [inaudível].
137. Professora Ângela – Isso também. Ele não era egoísta. Quem
mais gostaria de falar sobre o conto, vocês? [inaudível] Hein? Diga
aí, Fernanda.
138. Fernanda – Ele queria comprar o pássaro, mas ele não vendia por
que ele queria levar pra mãe dele, pra mostrar pra ela. Aí, o pai era
muito insistente e deu a ele cinqüenta mil, mas ele não quis.
Acabou. Falou pra menina, que depois ia dar o pássaro pra ela.
139. Professora Ângela – Que mais? Hein, [inaudível] entenderam?
Fala de quê, o nosso conto? Não leu o conto? Não entendeu nada
do conto? Quer ler, aí, pra gente, o conto? Faça uma leiturazinha
dele.
140. Aluno – [inaudível].
141. Professora Ângela – Hein? Quem mais quer falar do nosso conto?
Diga aí, Leandro.
142. Leandro – Eu?
143. Professora Ângela – Diga aí!
144. Leandro – Quero ler.
145. Professora Ângela – Leandro, quer ler? Pois leia pra gente.
146. Leandro – Todinho?
147. Professora Ângela – Sim.
148. Leandro – Começa do título?
149. Professora Ângela – Sim [aluno lendo o conto baixinho]. Mais alto,
Leandro. Alguém mais quer dizer alguma coisa a respeito do conto?
Quem gostou do conto?
Percebe-se que a atividade de recontar história, nesse episódio,
aponta para a dificuldade dos alunos em reconstituir a narrativa de forma
independente. No processo de produção do reconto, outro aspecto propulsor
na atitude da professora, nesta e na sessão anterior, foi que, além dos
227
andaimes oferecidos para auxiliar os sujeitos na construção dos recontos a
própria professora indica a necessidade de uma nova leitura (TURNO 139).
Nesse sentido, Eco (1994, p. 18), ao falar de sua experiência
pessoal, mostra que a releitura não mata a magia do texto, mas, ao contrário,
o ato de reler provoca uma nova paixão, “como se estivesse lendo pela
primeira vez”. Observado esse aspecto na fala de um aluno que, após ouvir a
releitura, afirma: “Não, a história, eu li a história, quer dizer, eu escutei a
história, a história é muito boa, porque fala de um menino que pega
passarinho, como esse povo aí, né?” (TURNO 157). Destaca-se nessa análise
o fato de que a releitura provoca uma nova discussão sobre o texto, inclusive,
de um componente importante que é a identificação de um aluno da sala
como caçador de passarinhos.
Episódio 45:
162. Professora Ângela – O exemplo aqui pode ser o Ernani, que caça,
pega passarinho e vende também, não é Ernani?
163. Aluno – É um trabalho!
164. Professora Ângela – Já é um trabalho justamente.
165. Ernani – E ele fez muito bem de não vender aquele passarinho,
porque o cabra vende um passarinho por vinte mil, trinta mil, trinta dá
pra comprar uma ruma de coisa, não é só uma bicicleta velha, um
saco de feijão. Dá para comprar uns três bois.
166. Professora Ângela – Dinheiro aqui para ele não faltava, né?
167. Ernani – E depois, no final do texto, ele deu o passarinho.
168. Professora Ângela – Como foi que você compreendeu isso aí? Por
que será que ele deu o passarinho a ela?
169. Ernani – Porque ele deve ter gostado dela ter achado ela bonita e
outras coisas. Bom, na hora em que você falou, como é mesmo o
nome do texto, negócio de menino com menina [inaudível].
Começaram pensando que era alguma coisa de namoro. Mas aí
quando todo mundo leu o texto, descobriu, e não tinha nada a ver
que nem esse aqui falou e outros aí falou.
170. Professora Ângela - Não tinha nada a ver, mas assim mesmo não é
interessante?
171. Ernani - É interessante.
228
Nesse episódio, observou-se a participação de Ernani e sua
identificação com a história, inclusive dada a ambigüidade do título “Negócio
de menino com menina”, no tenso jogo de ocultação/revelação do texto.
Percebe-se que ele tinha razão, ao interpretar que houve atração entre os
personagens, a ponto de identificar que o menino do conto,
independentemente de dinheiro, resolveu presentear a menina. Essa ação
demonstra que Ernani reconhece a caça como um ofício, tal como identifica:
“É um trabalho” (TURNO 163), informação validada também pela professora
(TURNO 162).
Conforme se constata, o aluno, ao opinar sobre o texto, exerce sobre
ele a autoridade de quem lida com o assunto (TURNO 165), porém pontua um
aspecto abordado no texto, que diz respeito ao valor da troca, dada a
informação de que o proprietário chegou a oferecer “cinqüenta mil pelo
pássaro”. Para Ernani, atualmente, esse valor em reais seria muito alto, cuja
quantia mencionada não daria só para “comprar uma bicicleta velha e um
saco de feijão”. Por sua avaliação, daria para “comprar uns três bois” (TURNO
165). Esse aspecto evidencia que as previsões elaboradas por Ernani, no
decorrer da leitura, abordam um outro problema interessante: o preço do boi,
visto que este se diversifica conforme a raça, a época etc.
Por isso, mesmo não sendo esse aspecto objeto de estudo, a
professora não poderia deixar de esclarecer essas questões, de modo que a
omissão por parte da participante traz à tona ao encaminhar situações
improvisadas, a lacuna existente na sua formação. Portanto, o fato de Ernani
compartilhar com a turma sua experiência vem comprovar a relevância da
seleção desse texto, como objeto de estudo, uma vez que o conto amplia a
discussão a ponto de nela inserir a relação entre trabalho e valor de troca,
categorias complexas, especialmente quando associada à preservação do
meio ambiente.
229
4.3.1.3 Reconto escrito coletivo: jogam-se os grãos e as palavras na folha de
papel
Na seqüência do plano da professora Karla, chega-se o momento da
atividade de produção, que seria desenvolvida por meio de reconto escrito
pela professora, com os alunos, ou apenas por estes, em duplas. Entretanto,
a professora flexibiliza o planejado, ao retomar as características encontradas
no conto, como personagens, tempo, lugar etc. (TURNO 154). Em seguida, a
professora encaminha a produção escrita. Observe-se o encaminhamento e o
desenrolar dessa atividade pela professora Karla e aprendizes:
Episódio 46:
169. Professora Karla – [...] Agora em dupla, não precisa fazer
movimento, fica com o colega do lado. Agora vocês vão reescrever o
conto, certo? Vocês vão escrever o conto do jeito que vocês
entenderam.
170. Aluno – Posso ficar sozinho?
171. Professora Karla – Se quiser, pode, agora, de preferência, é que
fosse em dupla. [...] Coloque os nomes de vocês, viu? Vocês vão
relembrando e vão escrevendo. Olha, gente, vocês vão recontar,
reescrever, né, o conto do jeito que vocês compreenderem, certo,
gente? [...] Gente, quem não quiser fazer em dupla, pode fazer
individual, certo? [...] Gente, se vocês quiserem, podem virar um
pouco para o colega. Olha, os meninos estão perguntando ali se
pode ilustrar. Pode, se quiser ilustrar!
172. Aluno – De qualquer cor?
173. Professora Karla – Da cor que você quiser. Olhe, gente, se alguém
quiser ilustrar, pode ilustrar, certo? Gente, olhe nas produções, pra
iniciar as produções, vocês não esqueçam daquelas regrinhas
básicas. Iniciar com letra maiúscula, [inaudível]. Observar [inaudível]
bem como o uso da vírgula e de acento. Gente, olha nos espaços
livres, vocês façam de caneta. Por quê? Porque ela [referindo-se à
pesquisadora] vai precisar reproduzir, então de grafite se for pra tirar
xérox, não presta, certo? Vocês podem fazer isso?
174. Aluno – Como é?
175. Professora Karla – Para fazer de caneta.
230
176. PP – Vai já tocar, né, Karla?
177. Professora Karla – Oi? Vai. [Enquanto isso a professora entra e saí
na sala e os alunos continuam fazendo a atividade em dupla, com
muita concentração]
178. Professora-pesquisadora – Vai tocar às oito e quarenta. É isso? [O
toque ocorreu às 8h50min e os alunos saem da sala calmamente,
despedindo-se da professora].
A professora optou por encaminhar a tarefa em duplas, mas dando
liberdade aos alunos que quisessem fazer individualmente. Evidenciou-se, no
decorrer dessa atividade, a satisfação dos alunos em desenvolvê-la. A
professora Karla acrescenta, ainda, que as produções poderiam ser
ilustradas, visto que alguns alunos demonstraram interesse pela ilustração. A
professora sugere como encaminhamento para os alunos seguir as regras
básicas de escrita, no uso de pontuação, acentuação, entre outros, o que
parecia fazer parte do contrato didático com a turma.
Observou-se que era previsível, pela professora, a não continuidade
do trabalho nessa sessão, com a análise lingüística, como estabelecido no
plano. Talvez, por isso mesmo, a professora não demonstrou nenhuma
ansiedade por não executar essa atividade, mesmo sendo provocada pela
professora-pesquisadora, na qualidade de co-responsável implicada na
mediação e desafios de cada instante. Com efeito, a parte proposta para
análise lingüística não foi contemplada durante essa sessão, deixando de ser
abordada a “discussão sobre problemas ortográficos e os avanços
observados nos alunos”, como previsto no plano.
Ainda nesse plano a avaliação seria um outro ponto a ser
considerado, bem como a indicação de novas leituras. Porém, o tempo não foi
suficiente para que o planejado fosse implementado completamente. Ao
objetivar que seus alunos compreendessem as especificidades e apreciassem
o gênero conto, incentivando-os à prática do reconto oral e escrito, infere-se
que a atividade de planejamento da sessão desempenhou a função entre as
231
metas pedagógicas almejadas pela professora Karla, no processo ensino-
aprendizagem e na sua efetiva prática docente.
Ao plano foi atribuído o estatuto de mediar a ação docente de Karla,
servindo-lhe como guia para uma discussão mais consistente sobre o texto,
ora atribuindo-lhe uma função utilitária, quando explorou no conto um possível
exemplo de vida; ora compartilhando da experiência de ler texto literário, junto
aos seus alunos, constituindo-se modelos de leitor e permitindo, assim, que
se apreendesse o processo de leitura do conto Tampinha e de sua produção
como instâncias provedoras de prazer.
Pode concluir-se que o plano não assumiu a função de mediar a
ação pedagógica da professora nos seguintes aspectos que não foram
contemplados em sala de aula: a) desconsideração do trabalho com a análise
lingüística, como é proposto no plano; e b) não avaliação da atividade, além
de não indicação de novas leituras a seus alunos.
A professora, apoiada no plano, medeia a sessão de leitura nos
seguintes pontos: 1º) no decorrer da pré-leitura, quando motiva os alunos para
uma discussão sobre o gênero conto, apresentando, embora superficialmente,
as características do gênero e diferenciando-o de outros; levantando as
previsões, com base no título do conto; 2º) durante a leitura, quando tanto a
professora como um de seus alunos se constituem modelos de leitor; 3º) na
pós-leitura, quando confirma as previsões dos alunos acerca do conto;
relaciona o texto à vida dos alunos, abordando o foco do texto; e 4º) na
atividade de produção oral e escrita, ao trabalhar o reconto oral e escrito pelos
alunos. A função mediadora do plano se efetiva quando transforma a
compreensão da professora sobre sua ação e sobre seus conhecimentos,
estabelecendo rupturas com as formas sedimentadas de pensar a literatura, o
conto, os gêneros e a aprendizagem dos alunos, suas características de suas
produções.
232
Na condução do plano da professora Dóris, há de se considerar que
a aluna Neyane assume aqui e noutros momentos da sessão uma dupla
função: a de substituição da professora-participante e a da aluna, o que gera
confusão nos seus papéis. A exemplo disso, quando a professora diz: “Muito
bem. Você, Neyane!” (TURNO 127), a aluna, confusa, se manifesta via duplo
papel, abordando, inicialmente, o seu ponto de vista e, depois, passa a
conduzir o que o plano, em suas mãos, sugere.
Isso parece dificultar a relação entre planejamento e contexto, uma
vez que a mediação, aqui entendida também como as atitudes do professor
para com os alunos diante do que foi planejado e da interação social,
contemplada pela relação dos alunos entre si e entre eles e a professora, são
aspectos importantes a serem considerados numa sessão de leitura. Na
situação da implementação do plano da professora Dóris, tornou-se difícil
essa articulação, dada a ausência de oportunidade para redefinição do
planejado, especialmente por ser esse um dos fatores que garante significado
ao planejamento no contexto de sala de aula.
Não obstante, a professora Dóris, assumindo o papel de adulto na
relação com os alunos, como responsável pelo plano, resolve conferi-lo, para
a sua redefinição e implementação do reconto.
Episódio 47:
135. Professora Dóris – [revendo o roteiro com Neyane] Pronto, nesse
caso aqui, já foi considerado aluno, nós já falamos oralmente tudo, aí
nós vamos agora, gente, nessas alturas, como já foi tudo explicado,
falado, lido tudo, todo mundo já falou o que queria falar, nós agora
vamos fazer um texto, a gente já leu oralmente, a gente vai fazer
agora ele escrito. Vocês vão contar o que vocês entenderam é/ em
dupla viu? Quem quiser fazer sozinho, pode fazer. Baseado no que
acabou de ler, viu? [entregando folhas aos alunos] Não esquecendo
de fazer parágrafo e iniciando com letra maiúscula. Coloque o nome,
a turma que ela [a professora–pesquisadora] vai levar.
136. Aluno – [inaudível].
233
137. Professora Dóris – Você vai escrever outro texto, viu? Da forma
como você entendeu?
138. Aluno – [inaudível].
139. Aluna – Ele está perguntando se pode criar outros personagens?
140. Professora Dóris – Acho que ele não entendeu bem. Você entendeu
direitinho? Não esqueça de colocar parágrafos e iniciar com letra
maiúscula. [A professora pede que Dilani faça a chamada,
entregando-lhe o diário e pede para que os alunos fiquem de pé à
medida que estes respondam à chamada. Enquanto os alunos
trabalham, Dilani faz a chamada. Os alunos continuam
desenvolvendo suas produções, sem interrupção. Cada um que vai
terminando, logo entrega a produção à professora-pesquisadora].
142. Professora-pesquisadora – Faltou um aluno assinar a folha.
143. Professora Dóris – Quem faltou assinar, faltou uma aluna, hoje?
Hei, terminaram os textos? Agora eu queria que Lúcia, né, que foi
aluna daqui e já trabalhou aqui conosco, além das pesquisas que já
fez nessa escola, desse uma palavrinha com vocês. [a professora-
pesquisadora fala para a turma]
[...]
147. Professora Dóris – [...] Olha, eu vou agora falar com Lúcia o que
sempre falei dessa turma. Essa turma, Lúcia, tem professor que diz,
eu não agüento a 6ª 3, não é isso? Que é uma turma desinteressada,
mas comigo eu não tenho esse problema, me dou bem, com todos
eles se dão bem comigo, também [nesse momento tocou o sinal e os
alunos começam a sair da turma se despedindo das professoras,
alguns perguntam quando a professora-pesquisadora vem mostrar a
fita à turma].
Conforme está definido no plano, após a atividade de compreensão
oral, por meio de perguntas mediadas pela professora, tem-se como primeiro
momento a produção oral e escrita, ou seja, o reconto oral pelos alunos e,
depois, o reconto escrito, coletivo, ou em duplas. Entretanto, nesse episódio,
particularmente no turno 135, a professora Dóris redefine o planejado, talvez
em função do tempo, ou por entender que já poderia passar para o tópico
seguinte, de modo que encaminha a atividade de reconto escrito somente em
duplas. Os alunos produzem os textos demonstrando satisfação, ao passo
que a professora circula pela sala, ora os orientando, ora conversando com a
professora-pesquisadora, num clima de trabalho.
234
Vê-se no episódio destacado que a professora Dóris delega, aos
alunos, funções que seriam suas; algumas tarefas são bem aceitas por eles,
como, por exemplo, a mesma aluna que é convidada a ler a história fez
também a chamada dos colegas (TURNO 140). Deduz-se que esse tipo de
atividade já é comum nas aulas da professora, pois não houve, na ocasião,
nenhuma orientação de manuseio do diário de classe para a aluna, a qual
atuou com desenvoltura.
Ao considerar que o conto suscita a importância da auto-estima, a
professora Dóris solicitou que a professora-pesquisadora fale aos seus
alunos, mesmo sem que houvesse combinação prévia (TURNO 144), assim
como não houve combinação com a pesquisadora a respeito da distribuição
de papéis entre alunos no decorrer da sessão. Até então não se sabia se o
mesmo fato havia ocorrido com as alunas Neyane e Dilani que assumiram as
tarefas de conduzir a aula e de ler o conto, respectivamente.
Para dirimir essa dúvida, procurou-se, individualmente, as duas
alunas, depois da pesquisa-ação (2004), quando elas já estavam cursando a
8ª série, na mesma escola, e se perguntou sobre o encaminhamento da
professora para aquela aula. As alunas informaram que a professora havia
explicado à turma como proceder durante a sessão, de modo que o conto
havia sido lido antes do dia programado para observação e para gravação
pela pesquisadora, e que elas foram escolhidas pela professora para assumir
tais tarefas. Conforme as alunas combinou-se, ainda, que se alguma delas
faltasse, a outra aluna a substituía, e vice-versa. Quanto ao plano conduzido
por Neyane, informou que havia sido entregue, de fato, no momento da aula
pela professora, embora houvesse ocorrido as orientações gerais,
antecipadamente, descaracterizando, assim, os objetivos previstos na sessão.
Para concluir a sessão, a professora aproveita para falar in loco da
sua relação profissional e pessoal com a turma. Como assinala Nóvoa
(1995a), não há separação entre pessoal e profissional, e sim, um
235
imbrincamento nessa relação. A fala conclusiva da professora (TURNO 147)
remete à “metáfora da pilotagem” mencionada por esse mesmo autor, ao
discutir “o actor e seu leme”. Em suas palavras:
O ‘leme’ dá instruções permanentes ao ‘piloto’, que,
apetrechado com instrumentos mais ou menos sofisticados,
corrige, rectifica, ‘negoceia’ [...]. Todos os pilotos, e talvez mais
particularmente os que praticam vela, sabem que a boa
condução é condicionada por milhares de impulsos
contrariadores. A acção contrariada por um vento,
precisamente designado por ‘vento contrário’, pode
transformar-se numa ação eficaz, devido ao bordejar, isto é a
navegação em ziguezague contra o vento, táctica que torna
útil uma situação hostil (NÓVOA, 1995b, p. 43).
Essa metáfora permite que se lance um diferente olhar sobre a ação
da professora Dóris, na condução do plano e de outros ‘lemes’ utilizados no
decorrer da sessão, como, por exemplo, o confronto entre ela e os outros
professores, quando a mesma traz argumentos negativos, advindos de outros
colegas, e os transforma em benefício de sua ação pedagógica.
Embora estivesse no final de sua carreira profissional, período em
que algumas pessoas apresentam pouco ânimo e revelam dificuldades no
relacionamento com seus alunos, a professora age, de forma contrária à da
maioria dos profissionais quando chegam a essa fase. Sabe-se que, no
contexto atual, as relações pedagógicas entre professor-aluno têm se
manifestado muito mais conflituosas, o que faz com que muitos professores
não adotem práticas mais participativas de convivência e de disciplina.
Entretanto, o “saber experiencial” (GAUTHIER, 1998) permite à professora
utilizar o “vento contrário” ao seu favor, quais sejam: o fato de estar em final
de carreira, os problemas apresentados pelos outros professores em relação
a essa turma, entre outros.
236
Por meio de uma espécie de encantamento ao demonstrar afeto pela
sua profissão, ela se revela diferente das demais professores, tal como são
apresentadas por Nóvoa (1995, p. 95) que “enfrentam a sua profissão como
uma atitude de desilusão e de renúncia, que se foi desenvolvendo em paralelo
com a degradação da sua imagem social”. A professora Dóris torna-se uma
exceção, sendo diferente nesse aspecto.
Voltando ao plano em ação, viu-se que, assim como na sessão
anterior, o tempo não foi suficiente para o cumprimento do que havia sido
planejado. Isso porque foram inseridos aspectos não contemplados, como,
por exemplo: os discursos da professora e da própria pesquisadora; a
condução do plano pela aluna, ações essas que acarretaram prejuízo para o
tempo previsto na sessão, bem como para o objetivo da pesquisa-ação
participativa, de modo que não houve adesão, por parte da professora, á
proposta de trabalho da pesquisa-ação. A expectativa da professora-
pesquisadora, diante desse fato, seria que o planejado fosse concluído nas
aulas subseqüentes da professora Dóris, pois havia ficado claro entre as
professoras-participantes e a professora-pesquisadora que tanto nessa
sessão quanto nas demais planejadas, durante a pesquisa, deveria ser
continuada a atividade em execução, posteriormente.
Em virtude do objeto de estudo da pesquisa ser o planejamento,
verticalizado especialmente para a leitura de texto literário, desconsiderou-se
a possibilidade de se registrar o trabalho da professora com as atividades de
reescritura dos contos, de análise lingüística e de avaliação das atividades, o
que levaria ainda um tempo significativo para o cumprimento do todo.
Também porque estavam previstas outras atividades escolares, tais como o
recebimento de estagiárias nessas turmas, e, em seguida, a modificação do
calendário para atender aos jogos escolares. Optou-se, então, por interromper
a gravação e a observação dos demais aspectos propostos para serem
implementados no planejamento. Entende-se que, ao se redefinir o plano,
237
dele retirando, por exemplo, a análise lingüística, não implementada na
sessão, implica na perda de uma das atividades essenciais para o ensino-
aprendizagem de Língua Portuguesa.
Disso conclui-se que a ação pedagógica em sala de aula, orientada
por um plano, mesmo que passível de interferências que comprometem, em
parte, o seu cumprimento, se constituiu tanto para a professora Dóris quanto
para Neyane, como colaboradora, condição indispensável ao trabalho
pedagógico. Seja o plano servindo como “leme” na condução do tempo, seja
na sistematização e seqüenciação das intenções educativas, o plano teve
como função principal estabelecer o elo entre o texto ficcional e a realidade
circundante, manifestadas nas diferentes atividades desenvolvidas no
decorrer da sessão, como um dos aspectos fundamentais do planejado.
As alterações sofridas na sua implementação revelam um dos
problemas previstos na pesquisa-ação, o de que a adesão dos sujeitos não
ocorre em sua totalidade, ainda que não invalide o caráter científico desse tipo
de pesquisa, visto como um “processo [que] apresenta uma polarização de
autonomia repleta de incertezas” (BARBIER, 2002, p. 111).
Ressalta-se, ainda, o fato de que durante a pesquisa-ação a
professora-pesquisadora conduziu suas ações com base na prática da
“escuta sensível” (BARBIER, 2002), fundada na empatia que sempre existiu
entre a mesma e os envolvidos. Por isso, não havia dificuldade em
compreender e acatar as modificações sugeridas pelo grupo de professoras
indistintamente. Mesmo assim, na situação relatada, o plano de ensino,
entendido como instrumento de mediação no contexto escolar, traduziu-se em
apenas um recurso técnico, mesmo que em sua essência tenha permanecido
como guia do trabalho em sala de aula.
Embora tenha ocorrido essa mudança de função, permanece a idéia
do plano como instrumento, suscitando ainda mais a necessidade de se
planejar a ação pedagógica. Considera-se que a mediação da leitura, em
238
particular, nessa turma, ocorreu de forma diferente. No caso, na sessão da
professora Dóris, o plano se constituiu em mais uma referência para
compreender que no processo de intervenção mediada, conforme a
abordagem histórico-cultural, o instrumento muda o objeto, ao mesmo tempo
que muda o sujeito da ação.
Considerado apenas como instrumento técnico nas mãos de
Neyane, na qualidade de aluna que não participou dos estudos teóricos nem
do processo de planejamento e de nenhuma outra forma de mediação, o
plano transformou-se num produto pronto e acabado, sendo implementado de
forma direta. Em vez de se constituir numa relação mediada, prevaleceu,
assim, o “tecnicismo” no qual a elaboração dos planos ocorre com o fim de
que outros o executem (ver SAMPAIO, 2002).
No planejamento, da professora Ângela, com o conto Tampinha, na
quinta sessão, pode afirmar-se que a professora-participante o redefiniu,
deixando que a sessão de pós-leitura fluísse, sem pressa de cumprir o plano,
valendo-se, algumas vezes, da improvisação, embora, depois, retomasse o
plano, para a produção escrita:
Episódio 48:
152. Professora Ângela - Agora vocês vão se reunir em duplas e vão
tentar recontar essa historinha, ilustrada, viu? Eu vou dar uma
folhinha [entregando as folhas]. Pode fazer no caderninho e passar a
limpo que ela [referindo-se à professora-pesquisadora] vai recolher.
Coloque o nome, a turma...
153. Aluno – Vou escrever do livro?
154. Professora Ângela – Não. Você vai recontar do jeito que você
contou. Ora, gente, agora você vai escrever ela do jeito que você
entendeu.
155. Aluno - Não do jeito que ele que contou.
156. Professora Ângela - Por quê?
157. Aluno - Do jeito que a gente entendeu. É, Ângela?
158. Professora Ângela –É do jeito que você entendeu a história. Só que
eu quero, também, ilustrações, né? Vamos fazer a menininha
239
pequenininha, o curupira/ [inaudível] o curupira fez parte do quê? Do
nosso folclore, né? São lendas do nosso país. [inaudível] Ele tem os
pés virados para traz, né?
159. Aluno - E ele protege as árvores.
161. Professora Ângela - Protege as florestas.
162. Aluno - Professora.
163. Aluno – Hei, é para fazer o que, hein, professora?
164. Professora Ângela - Você vai contar a história que eu li para vocês.
Conte essa história nessa folhinha aí.
165. Aluno - Contar?
166. Professora Ângela – Sim. Como é o nome do conto?
167. Aluno – Tampinha.
168. Professora Ângela – Tampinha. [escrevendo no quadro] Quem é o
autor? Quem é o autor? Quem escreveu, quem é a autora?
169. Aluno - Ângela Lago.
170. Professora Ângela - Ângela Lago. [escrevendo no quadro] Coloque
a turma e o nome de vocês, faça em uma folhinha, deixe para passar
a limpo, depois. Uma coisa interessante, Ana Paula disse que a avó
dela era o quê?
171. Ana Paula – Curandeira.
171. Professora Ângela – Curandeira, né, olhe aí.
172. Aluno - A avó de quem?
173. Professora Ângela - De Tampinha. Ela não curava as pessoas?
174. Aluno – Ela o que, homem?
175. Professora Ângela - Ela não curava as pessoas?
176. Aluno – Como eu digo, professora, aqui?
177. Professora Ângela - Era uma menininha com uma tampinha na
cabeça.
178. Aluno – Eu não sei desenhar isso, não.
179. Professora Ângela - Você cria, faz uma boquinha, uns olhinhos
[inaudível] [A professora faz a chamada e os alunos vão se
identificando e continuam fazendo a produção de texto].
Observa-se, neste episódio, que a professora retoma o plano no
momento da atividade de produção oral e escrita, adotando como
encaminhamento o reconto escrito em duplas (TURNO 152). Vê-se que,
nesse fragmento (TURNOS 152-158), bem como nos subseqüentes, a turma
necessita de assistência e de andaimes oportunos, que são fornecidos pela
professora.
A professora insere nessa atividade a ilustração como atividade
lúdica, embora não conste no plano (TURNO 158). Na ocasião, ela chama a
240
atenção dos alunos para o Curupira, como lenda, que faz parte do folclore do
país. Um dos alunos (TURNO 159) demonstra-se conhecedor da lenda, ao
afirmar que o Curupira “protege a floresta”, cuja informação é confirmada pela
professora (TURNO 161), como também intersticial ao texto, como visto
nesse diálogo do Curupira com Tampinha: “Com que direito você entrou no
meu mato, subiu na minha árvore, apanhou a minha flor?” (LAGO, 2001, p.
29).
Os turnos subseqüentes (TURNOS 162-184) apontam para as
diferentes dificuldades vivenciadas pelos alunos no momento de escrita, pois
momento em que alguns já escreviam surge uma pergunta: “Professora, [...]
hei, é para fazer o quê?” (TURNOS 162–163). Essa pergunta sugere à
professora a necessidade de fornecer novos andaimes, e, para isso, foi até o
quadro e instigou a turma, tentando com eles fazer a passagem da oralidade
para a escrita, perguntando aos alunos qual o nome do conto, da autora e o
que fazia a avó (TURNOS 167-175). As respostas dos alunos eram
registradas pela professora no quadro de giz.
Concomitantemente, outros alunos escreviam e apresentavam
dúvidas em organizar o texto: “Como digo, professora, aqui?” (TURNO 176);
outro: “Professora, é pra desenhar tudinho?” (TURNO 182). Esses aspectos
ilustram a difícil tarefa do trabalho pedagógico do professor, uma vez que ele
precisa estar atento aos reais problemas que surgem em sala de aula.
Entretanto, como conhecedor dos seus alunos, deve tomar decisões
imediatas, que não dependem diretamente do plano, mas que fazem parte do
planejamento e vêm suprir as necessidades e interesses dos alunos, ora
influenciando o sucesso destes, ora evitando o seu fracasso diante de tarefas
consideradas complexas.
É nisso que, conforme Pimenta (2002), se constitui o “saber
pedagógico”, “[...] construído no cotidiano de seu trabalho e que fundamenta
sua ação docente” (p. 43 - 44). Deste saber depende o processo de seu
241
trabalho, pois, ao se defrontar com a diversidade de problemas próprios do
espaço da sala de aula, o professor lança mão dos seus conhecimentos, de
forma original e criativa, para intervir, para resolução de problemas.
Para Perrenoud (2000, p. 45), é nesse sentido que a competência do
professor é dupla, pois investe na concepção e ao mesmo tempo, na
antecipação, bem como no ajuste das situações-problema, a fim de atender
seus alunos, valendo-se, ainda, da improvisação didática, ao vivo, e, ao
mesmo tempo real, como forma de regular a ação pedagógica. Após o
reconto escrito, a professora Ângela encaminha a atividade de apresentação
dos recontos escritos pelos alunos:
Episódio 49:
188. Professora Ângela – Certo. Estamos na 6ª série? Estão na metade
do caminho, né? Vamos esquecer o lado das brincadeiras [inaudível].
Vamos fazer as atividades, você está um rapaz, se sabe que está
fazendo errado é só consertar. Pior é quando não sabe que está
fazendo errado, não é, Leandro? Mas, sabendo que errou, é só
consertar, fazer a leitura, pelo menos do texto, né? Quem vai fazer a
leitura de vocês? É melhor ler o que escreveu mesmo. Faça sua
leitura, leia aí, Lorena, só pra gente perceber sua compreensão.
189. Aluna – Pode ler sentada?
190. Professora Ângela – Vamos ouvir logo a apresentação do trabalho
de vocês. Vamos ouvir logo o trabalho de Lorena, minha gente, mais
para trás um pouquinho.
191. Aluna – Ler seu trabalho [Lorena lendo. Depois apresenta a
ilustração].
192. Professora Ângela – Vamos outro texto. Quem mais já concluiu?
Terminou, vai ler?
193. Professora Ângela – Pois é vocês estão acostumados com
brincadeiras, desrespeitar os professores. Quer ler sua história? Não
vai passar a limpo? Que ler, leia, aí mesmo no seu canto, não quer
ler o que você escreveu? Não vai ler, não? Deixe eu olhar a sua.
Nem colocou o nome?
194. Antônio – [apresentando seu texto].
195. Professora Ângela – O nome de vocês.
196. Aluno – Ler o conto que escreveu? [A aula termina no final das
apresentações dos recontos].
242
Nesse episódio, a professora-participante chama a atenção de um
aluno em relação às brincadeiras em sala de aula (TURNO 188) e, mais
adiante, desabafa: “Vocês estão acostumados com brincadeiras, desrespeitar
os professores” (TURNO 193). Esses aspectos apontam para a necessidade
de o professor estar sempre revendo o contrato didático com a turma, ou mais
especificamente, com alguns alunos, quando necessário, de modo que lhes
possibilitem a tomada de consciência de sua melhor maneira de aprender, de
trabalhar com os colegas e com os professores.
O contrato pedagógico exige coerência e continuidade de uma aula
para outra, de um professor para outro, bem como um efetivo esforço de
explicitação de ajustes de regras. Sabe-se que isso passa também por uma
ruptura do individualismo e remete à cooperação entre adultos e crianças no
desenvolvimento de tarefas.
Durante a apresentação dos recontos escritos, os alunos
demonstravam satisfação pelo cumprimento da tarefa e orgulho pela
ilustração. Faziam questão de aproximarem o desenho da câmara para
registrar o resultado obtido. Observou-se que estes não apresentaram
resistência em fazer a leitura do reconto, apesar dos questionamentos da
professora (TURNO 193), de modo que o tempo foi favorável para a
apresentação de quase todas as produções.
Na efetivação do planejado nessa sessão, pode concluir-se que o
plano foi implementado. Em alguns momentos, houve redimensionamento do
mesmo pela professora, em função do tempo disponível para concretização
das atividades propostas, a exemplo da atividade de análise lingüística (oral e
escrita) e da avaliação da atividade (professora e alunos) que não foram
contempladas nessa sessão.
No entanto, havia sido previsto e combinado, previamente, entre as
professoras-participantes e a professora-pesquisadora, a possibilidade de
243
continuidade do plano, mesmo sem a presença da pesquisadora, visto que
isso não se constituía em objeto de estudo nessa pesquisa, evitando, assim,
prejuízo ao andamento das demais atividades planejadas, consideradas
fundamentais para o ensino de Língua Portuguesa. Vale considerar que, em
qualquer situação, o plano de trabalho deve ser flexível o suficiente para
modificar-se em virtude da situação pedagógica que envolve relações entre o
conhecimento e a prática, cuja inter-relação desses dois ângulos demanda o
efetivo planejamento do trabalho pedagógico.
No caso em análise, deduz-se que o plano se constituiu em
instrumento indispensável à ação pedagógica, assumindo, portanto, o papel
de reorganizador do processo ensino-aprendizagem. Isso porque o processo
ensino-aprendizagem não se centra na ação unilateral da professora-
participante, que utiliza um plano dirigido às crianças, sem levar em conta as
múltiplas variáveis próprias do processo educativo.
Não obstante, as intenções educativas propostas no plano em forma
de objetivos foram contemplados: a apreciação do conto pelos alunos; o
professor como modelo de leitor; e o incentivo aos alunos para o reconto (oral
e escrito), dentre outros aspectos identificados no decorrer da análise.
Acrescenta-se o fato de que a função mediadora do plano como
instrumento e construção de conhecimentos sobre o trabalho do professor
não pode dissociar-se dos pressupostos teóricos que o fundamentam e que
de forma processual são internalizados na ação docente. Por exemplo, o
trabalho com gênero literário sugerido no plano não foi omitido da discussão,
embora as professoras-participantes tenham permanecido na superficialidade
do tratamento desse aspecto, por isso se deduz que elas necessitam de uma
maior fundamentação nessa área, para que possa suprir essa lacuna no
conhecimento, acerca dos estudos da linguagem verbal, especialmente dos
estudos dos gêneros discutidos.
244
A proposta do plano da sessão era que, para atividade de produção,
houvesse apenas um reconto oral ou escrito, pois haveria uma dramatização
da história pelos aprendizes e, por último, um momento que também fizessem
seus desenhos, caso desejassem. No entanto, a professora Karla, na sessão
dois do conto “Negócio de menino com menina” redimensionou o plano, por
razões não explicitadas, embora se entenda que a sua atitude de mudança se
deu pelo bom senso ao pressupor, que uma dramatização demanda mais
tempo, aspecto esse não refletido por ocasião do planejamento. Encaminha,
depois desse redimensionamento, a atividade de produção escrita:
Episódio 50:
206. Professora Karla – [...] Olhe, agora nós vamos fazer uma atividade,
uma atividade escrita, certo, gente? O que será essa atividade
escrita? Olha, pode ser em dupla e pode ser individual. O que é que
vocês vão fazer? Vocês vão recontar, vão escrever, certo esse conto
que a gente acabou de ler, que ele acabou de recontar da forma
como vocês entenderam. Por quê? Porque não dá para todo mundo
falar não é? Então, agora vocês vão contar da forma como vocês
entenderam, podem ilustrar, viu? Pode ser em dupla e pode ser
individual. Não esqueçam de colocar o nome, a turma e o turno,
certo, gente? E de caneta, não façam de grafite.
207. Aluno – Não. Se eu for fazer de caneta eu erro.
208. Professora Karla – É porque ela [referindo-se à professora-
pesquisadora] vai precisar, aí, de grafite, não dá para tirar xerox.
Olhe, vocês vão recontar de forma escrita, ou seja, vão escrever o
conto da forma como vocês entenderam. Caso queiram, podem
ilustrar. Entenderam, gente, o que é para fazer? Coloquem o título
“Negócio de menino com menina”.
[...]
210. Professora Karla – [...] Olhe, gente, não é pra vocês pegarem o livro
e copiarem não. É pra vocês escreverem de acordo com o que vocês
compreenderam, tá bom? Façam de caneta. Gente, vamos cuidar. É
de caneta. Você passa depois, né, de caneta? Gente, vamos cuidar,
gente [Os alunos fazem a atividade, mas a professora continua
vigilante com a tarefa].
211. Aluno – Professora, venha aqui.
245
Os alunos desenvolveram a atividade de reconto com bastante
atenção e criatividade. A professora circulava, orientando-os, chamando a
atenção dos estudantes para o tempo destinado à tarefa e que eles evitem
copiar do texto. No final, os textos foram entregues à professora-
pesquisadora.
Analisando-se a operacionalização do plano pela professora-
participante, seu cumprimento, vê-se que, conforme era esperado, ela deixou
de contemplar a análise lingüística e a avaliação das atividades. No entanto,
considerou a seqüência do plano, perseguindo seus objetivos, que era
resgatar a história dos contos e a prática da escuta, atingindo-os
satisfatoriamente.
Um dado significativo no trabalho da professora Karla é que ela se
utiliza de sua experiência pessoal e da experiência de seus alunos para
estabelecer relações entre texto, leitor e seu contexto, o que possibilita aos
alunos atribuir sentido ao lido e questionar a realidade circunscrita (MARTINS,
1985). Ela faz isso por meio de uma leitura racional, de caráter reflexivo e
dinâmico, sem desconsiderar a emocional. Esse processo de leitura,
conforme Martins, permite alargar os “horizontes de expectativa do leitor”,
constituindo-se em agente de mudanças, ampliando as possibilidades de
leitura do texto e da própria realidade social.
Dando continuidade ao plano, a professora Ângela também
redimensionou o que estava proposto, que seria optar por uma atividade oral
e/ou escrita, pois, conforme foi ressaltado, encaminhou a atividade oral e, em
seguida, encaminhou a atividade escrita, permitindo que os alunos fizessem
com ilustrações.
Nesse processo de construção do reconto escrito, é perceptível a
compreensão da professora a respeito do princípio subjacente ao processo
ensino-aprendizagem, com respaldo na teoria de Vigotski, ao abordar o
conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Vê-se que uma das
246
atitudes da professora Ângela, na condução das atividades observadas é a
valorização dada ao trabalho em equipe, como é destacado: “[...] vamos lá,
um ajudando o outro [...]” (TURNO 187). A gênese do conceito de ZDP está
na compreensão de que o desenvolvimento intelectual converge do social
para o individual. Desse modo, qualquer prática pedagógica comprometida
com a dimensão do conceito de ZDP privilegia a mediação do adulto mais
experiente e a colaboração com companheiros mais capazes, decorrendo
dessa mediação, importantes implicações pedagógicas.
Observou-se, na sessão, que, assim como nas demais até então
desenvolvidas, não houve avaliação das atividades, mas que a professora-
participante, antes que os alunos apresentassem a produção de seus
recontos, resolveu estimulá-los a fazer outras leituras, assinalando que:
Eu já andei dando uma lida aí e tem coisinhas diferentes. Na
biblioteca tem muitos contos interessantes e que vocês podem
consultar, né? Muito conto interessante, tem outros que eu
tenho certeza que vocês vão gostar, olhe, um conto que eu
tenho certeza que vocês vão gostar dele, é esse passeio
[inaudível], quem quiser saber o que se passava nesse conto,
vá na biblioteca e consulta esse livrinho. Leandro, já olhou,
Leandro vai gostar. “Passeio” o nome do conto, depois vocês
vão lá na biblioteca pegar o livro (TURNO 202).
Nessa particularidade, retoma-se Smith (1991, p. 212), ao afirmar
que “a leitura pode tornar-se uma atividade desejada ou indesejada”. Dessa
afirmação se deduz a importância do papel atribuído ao professor como
mediador, ao estimular seus alunos a freqüentarem a biblioteca, nela
buscando subsídios para leitura.
A atitude da professora-participante, ao convidar os alunos para a
leitura, se constitui, portanto, em mais um provimento ou em assistência que
deve ser dada aos estudantes, especialmente se considerar que, no contexto
dessa pesquisa, a priori, os alunos não demonstraram familiarização com
247
atividades de leitura nem tampouco um contato maior deles com o texto
literário.
4.3.2 A análise lingüística ̛ refletindo sobre a língua em situação de uso:
açula a atenção isca-a com um risco
Dentre as sessões realizadas, apenas a professora Ângela
encaminhou a atividade de análise lingüística, tornando-se a quarta sessão a
única que contemplou esse aspecto do planejamento.
Episódio 51:
212. Professora Ângela – [...] Eu vou copiar um pedacinho do texto de
vocês no quadro pra gente analisar a ortografia. Vamos prestar
atenção à maneira que estão escritas as palavras e, então, eu vou
começar pelo título, pra gente analisar, pois a gente vai analisar a
maneira como foram escritas as palavras.
213. Aluno - É para escrever?
214. Professora Ângela – Não, olhe, eu estou escrevendo do jeito que
está aqui na folha, certo? Vamos lá, Leandro, analisando aqui o título.
[A professora escreve no quadro o texto de um aluno] Olha, negôcio
de menino com menina [escrito no quadro], o que é que tem de
diferente aqui nessa frase? Olhando pra cá, vamos, João Paulo.
215. João Paulo - O que é?
216. Professora Ângela - Essas palavrinhas aqui, essa frase “negôcio de
menino com menina” tem alguma coisa diferente nessa frase? Nada
de diferente aqui?
217. Aluno - [inaudível].
218. Professora Ângela - Não estou nessa primeira frase, ainda. No título
[Leandro se aproxima e aponta o erro da acentuação gráfica na
palavra negócio que foi colocado um acento circunflexo, apaga-o e
coloca um acento agudo] Leandro vai consertar aqui. Como esse
assento? Leandro disse que o acento é esse como é o nome do
chapeuzinho?
219. Aluno – Circunflexo.
220. Professora Ângela – Então, o da palavra negócio ele tinha colocado
um acento circunflexo, né? Aquele que dá um som fechado à palavra.
Se o acento circunflexo continuasse, como seria pronunciado essa
sílaba, com esse tipo de acento? Negôcio, olha, não é o som
248
fechado? Já mudaria o som, a pronúncia da palavra. Então, a palavra
negócio é o som aberto, som forte tem uma sílaba forte. Nessa
palavra que é acentuado, isso aqui é um acento agudo, né? É um
acento forte que indica a sílaba forte da palavra. Então, negócio
estava diferente o quê? O acento, né? E agora ficou com o acento
agudo, forte. Então, nessa frase tinha essa diferença. Vambora,
gente, continuando aqui. Era uma vez um minino [Lendo no quadro].
Tem alguma coisa diferente aqui?
221. Aluno – Minino.
222. Professora Ângela - Onde é?
223. Alunos - É me, né? Menino tinha colocado um “i” no lugar do “e”.
Vamos continuando para frente que “pergou um passarinho” [lendo
no quadro].
224. Aluno –É, pegou não tem esse “r”, não.
225. Professora Ângela - Não tem esse “r”, né? A palavra é pegou,
então, nós vamos refazer o texto, vamos tirar o r. Chamado bico-lacre
era assim que estava no texto? O nome do passarinho? Bico de
lacre. Ele esqueceu de colocar o “de”, não foi? É Bico de lacre
“quando foi passando com o passarinho na Gaiola” [lendo]. Tem
alguma coisa diferente aí? Vamos prestar atenção.
Durante o planejamento e na implementação das sessões, tornou-
se perceptível o desconforto das professoras-participantes em trabalharem a
análise lingüística, que versa sobre a possibilidade de o professor, em
colaboração com seus alunos, refletir sobre a própria língua em situação real
de uso, com intuito, ainda, de dominar o português dito padrão ou culto.
De acordo com Rojo (2000, p. 30), os conteúdos indicados para as
práticas do eixo da reflexão sobre a língua e a linguagem abrangem aspectos
ligados à variação lingüística, à organização estrutural dos enunciados, aos
processos de construção da significação, ao léxico, às redes semânticas e
aos modos de organização dos discursos. Além disso, os PCN fazem
referência à importância de se trabalharem outros aspectos, como a ortografia
e o próprio processo de aquisição da escrita. Essas discussões devem
envolver os mais diversos aspectos da gramática da Língua Portuguesa,
respeitando-se as especificidades das turmas, na seleção de conteúdos a
serem abordados.
249
No episódio que se analisa, a professora privilegiou o estudo
ortográfico, e, conforme depoimento das demais professoras, de um modo
geral, no uso da língua, a aprendizagem da escrita, especialmente a ortografia
se constitui numa das maiores dificuldades do grupo de professores de
Língua Portuguesa, para o trabalho com a produção de textos orais e escritos.
As falas subseqüentes a esse episódio, com base num dos recontos de um
dos alunos selecionados pela professora-participante, convergem para uma
reflexão a esse respeito.
No decorrer da atividade de análise lingüística, percebeu-se que
professora e alunos se sentiram à vontade ao realizarem a prática de reflexão
sobre a língua, pois essa atividade já havia sido realizada, nessa turma,
anteriormente. Durante um dos encontros de fundamentação (11º Encontro -
TURNO 499), ao se falar na reescritura de textos, a professora Ângela havia
informado que houve um trabalho dessa natureza em suas aulas, realizado
por uma estagiária de Língua Portuguesa da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte, que estimulava os alunos a refletirem sobre a língua, por
meio da própria produção textual dos alunos, de modo que alguns alunos
reescreveram seis vezes um único texto, sem que houvesse resistência a
esse tipo de atividade.
Em função dessas evidências no contexto da pesquisa-ação, o
trabalho pedagógico inovador da professora, na atividade de análise
lingüística, veio mostrar a segurança e a importância demonstrada por ela ao
conduzir a tarefa, cuja recepção positiva pelos alunos veio reforçar a eficácia
desse tipo de trabalho, assim como possibilitar à pesquisa, a constatação, in
loco, das reais necessidades e dificuldades dos alunos ao utilizarem a língua
culta em seus diferentes níveis e registros.
Na implementação do plano como mediação, nessa sessão,
verificou-se que ele foi trabalhado em sua totalidade, sendo incluída a análise
250
lingüística, atividade não explorada nas sessões desenvolvidas por outras
professoras-participantes.
Das inserções e omissões durante a operacionalização do que foi
planejado, verificou-se, no decorrer da leitura, a inserção de uma nova leitura
pelos alunos, após a realizada pela professora; já a respeito das omissões,
assim como aconteceu nas demais sessões, a professora deixou de avaliar as
atividades como um todo, o que vem evidenciar uma dificuldade que se
apresenta regular entre as professoras, que é avaliar o processo ensino-
aprendizagem.
4.4 Implicações pedagógicas: algumas alternativas construídas no
processo e os desafios a serem superados
Considera-se, aqui, a atividade de planejamento como uma das
possibilidades de a escola trabalhar, sistematicamente a leitura como
atividade curricular, exercendo, assim, o papel/função de mediadora na
formação continuada do professor e na formação do jovem leitor. Com efeito,
apresentam-se, nessa sessão, algumas implicações pedagógicas decorrentes
do processo de pesquisa-ação participativa, que levam em conta: a) as
alternativas que foram construídas no processo, e b) os desafios a serem
superados nas aulas de leitura.
4.4.1 Alternativas construídas no processo
251
A propósito de se considerar uma atitude scaffolding
13
na prática no
trabalho docente, convém ressaltar, aqui, uma série de implicações
pedagógicas que essa concepção de leitura envolve tanto na fase de
planejamento quanto na implementação do plano.
Uma das evidências dessa pesquisa-ação participativa é que,
inicialmente, os professores demonstraram que os alunos precisavam de
constantes mediações teórico-metodológicas, a fim de reverter a atitude de
esses alunos se restringirem a receber informações prontas e acabadas,
assim como foi revelado na experiência evidenciada pela professora-
pesquisadora na introdução desta tese. Esse aspecto vem confirmar a
tradição do planejamento escolar, que ainda é vivenciado de tal forma que
segue linearmente o livro didático, prevalecendo, assim, na prática
pedagógica, o desuso dos planos, o que torna os professores apenas
copiadores de propostas alheias.
Essa atitude, corrente nas escolas públicas, observadas também nas
professoras-participantes, diante do planejamento, como atividade de
reflexão, remete a constante necessidade da formação continuada:
O tempo da formação, portanto, não é um tempo linear e
cumulativo. Tampouco é um movimento pendular de ida e
volta, de saída ao estranho e de posterior retorno ao mesmo.
O tempo da formação, como o tempo da novela, é um
movimento mágico que conduz à confluência de um ponto
mágico (situado, assim, fora do tempo) de uma sucessão de
círculos excêntricos (LARROSA, 2001, p. 78-79).
Esse enunciado suscita uma reflexão sobre o tempo no processo da
pesquisa-ação participativa, sobre o qual repousa o entendimento de que o
que foi realizado na escola se constituiu numa atividade pioneira, necessária
13
O termo scaffolding, do inglês, significa andaime/escora/suporte. A essas estruturas Bruner (1975)
caracterizou a interação verbal rotineira das atividades desenvolvidas pelas crianças que aprendem
em parceria com alguém mais experiente (COSTA, 2000).
252
ao próprio processo de formação da professora-pesquisadora, prazerosa e,
acima de tudo, gratificante, dada a contribuição advinda desse trabalho para
as professoras-participantes. Contudo, o tempo de convívio com essas
professoras ainda foi pouco para consolidar aspectos fundamentais no
ensino-aprendizagem de leitura de contos. Foi suficiente, no entanto, para
apreciar o quanto foi mágico o tempo de pesquisar e compartilhar,
especialmente, de registrar nesta tese as inúmeras possibilidades de
transformação, suscitadas pelo planejamento, que implica em mediação e
comporta a provisoriedade e o inacabamento.
4.4.2 Os desafios a serem superados
Os dados coletados e analisados vêm desvelar, ainda, que, em
relação ao planejamento, é necessário considerar-se a interdependência
teoria-prática, onde a teoria alimenta a prática e esta, por sua vez, alimenta
aquela. Nessa perspectiva, planejar só faz sentido quando o professor se vale
das teorias estudadas, ajudando-o a tornar sua atividade pedagógica algo
produtivo, relevante e significativo.
Se o professor não busca uma fundamentação teórica consistente,
ficando a mercê dos outros, esperando que estes venham lhe dizer o que
deve fazer e como fazer, não poderá haver uma prática eficiente. É em função
do objeto de aprendizagem de língua (falar, ouvir, ler e escrever) que o
professor deve centrar o seu planejamento. Como afirma Antunes,
a mudança no ensino de português não está nas metodologias
ou nas ‘técnicas’ usadas. Está na escolha do objeto de ensino,
daquilo que fundamentalmente constitui o ponto sobre o qual
253
lançamos os nossos olhares. [...] Ou melhor, é o uso da língua
que apenas se dá em textos – que deve ser o objeto – digo
bem, o objeto – de estudo da língua (2004, p. 108-111).
Ao produzir os seus planos de aula, tendo no texto o objeto de
estudo da língua, como ressalta Antunes, o professor deve considerar, ainda,
o aluno como sujeito do ensino-aprendizagem. Isso implica em planejar em
função das vivências dos estudantes, de seus interesses, das possibilidades
de acesso a informações, dos conhecimentos prévios e dos objetivos da
leitura, de tal forma que possa promover uma aprendizagem significativa em
Língua Portuguesa.
A pesquisa-ação participativa possibilitou entender que o
cumprimento do papel de mediação exercido pelo planejamento no processo
ensino-aprendizagem de leitura só é possível quando há também apropriação
do repertório de leitura por parte do professor. E foi com esse propósito que
se levaram em conta, na seleção de material, como objeto de leitura, textos
completos que apresentassem autor, ilustrador, data de publicação, com clara
função comunicativa, possibilitando, assim, um efetivo encontro entre quem
escreve e quem lê.
Para se efetivar esses estudo acerca da leitura de textos literários,
consideraram-se os propósitos da leitura e a interdependência entre as
atividades de ler, escrever e compreender. Entender a aprendizagem da
leitura pressupõe considerar três aspectos: pré-leitura, leitura e pós-leitura,
como sugerido por Graves & Graves (1995).
Na atividade de pré-leitura considerou-se a motivação para a leitura
como forma de convocar os alunos a lerem os textos literários, esclarecendo
os objetivos e construindo uma representação positiva a respeito desses
textos. A previsão foi trabalhada com base no título do texto e a relação texto-
vida, foi aspecto preponderante no trabalho.
254
Adotando-se, intencionalmente, a leitura como base para o reconto
oral, optou-se por fazê-la em voz alta, de preferência pelo professor,
considerando a necessidade de uma boa pronúncia, com pausas adequadas,
e se observando os sinais de pontuação. Mesmo que a aula tenha levado em
conta esses aspectos, verificaram-se outras estratégias utilizadas pelas
participantes: a professora Karla, além de ler a história, solicitou que um aluno
lesse, novamente, justificando que melhoraria a compreensão; a professora
Dóris não leu o conto para seus alunos, sendo a história lida por uma aluna
que, ao terminar, a professora lhe pediu que dissesse, com suas próprias
palavras, qual era o seu entendimento sobre o texto. Essa intervenção não se
constituiu em reconto, pois a aluna apenas mostrou seu ponto de vista acerca
da história lida. Já a professora Ângela solicitou que os alunos recontassem o
conto, após a leitura feita por ela e, depois, explorou o foco da narrativa.
Mesmo assim, percebeu-se a dificuldade de apropriação da história por parte
dos alunos, apesar do comprovado esforço que fizeram para entendê-la.
Na pós-leitura, realizaram-se atividades com questionamento sobre
a história lida, discussões com a turma, e produções orais e escritas de
textos. O momento do reconto de história (produção oral) nessa pesquisa
apontou para a necessidade de o professor ser conhecedor das condições da
turma, isto é, de suas habilidades em leitura, da complexidade da estrutura
narrativa do conto e das funções dos gêneros literários. Deve, também, levar
em conta a experiência dos alunos nesse campo do saber, ou seja, se a
turma já vivenciou situações semelhantes em leitura ou se essa atividade
constitui em algo novo para os alunos.
Porém, na atividade de produção escrita, os alunos não
demonstraram familiarização com a atividade, de modo que a mediação
pedagógica era, por vezes, negligenciada por eles, ao demonstrarem não
compreender o aspecto interativo que implicava numa relação de cooperação
entre os próprios colegas de sala e professoras.
255
Dentre as constatações desta pesquisa-ação participativa, ressalta-
se, ainda, a não-linearidade na implementação do planejamento pedagógico,
que sendo produzido em conjunto, sob a mesma orientação, nunca foi
implementado da mesma forma. Esse aspecto vem indicar o caráter de
flexibilidade que envolve o planejamento, pois este implica experiências,
conhecimentos e valores dos diferentes sujeitos da ação pedagógica,
realçando, portanto, suas reais diferenças, as quais vem à tona durante a
análise do processo ensino-aprendizagem.
São muitos os desafios a serem superados por parte das
professoras-participantes que incidem na necessidade de as professoras
terem uma sólida formação em serviço para a retomada aos fundamentos
teóricos, acerca dos gêneros textuais, de análise lingüística, de avaliação,
como prática dialógica e da própria literatura. O aporte teórico pode conduzir o
professor a trabalhar o texto como objeto propiciador de prazer e como fonte
de conhecimento.
Pode inferir-se, então, que por meio desta tese, a experiência, aqui,
entendida como um conjunto de vivências acumuladas, de forma participativa
e dialógica, possibilitou a professora-pesquisadora perceber a relevante
contribuição do processo de planejamento como um momento de reflexão e
teorização, de formação de repertório de leitura, e de (re) elaboração dos
planos das sessões.
Destaca-se, ainda, que o mais importante desse processo não é
apenas um olhar para o outro, mas todos olharem na mesma direção, unindo
propósitos, bem definidos, influenciando e deixando-se influenciar a si próprio,
permitindo-se seduzir e solicitar por quem vai ao seu encontro, conforme foi
vivenciado nessa pesquisa-ação participativa.
256
CONCLUSÃO
Do que permanece, por enquanto
Tendo-se como foco central nesta tese a investigação da atividade de
planejamento como mediadora da prática de leitura de textos literários, em
particular, o conto, pode afirmar-se que esse processo provocou inquietações,
desafios e vários desdobramentos, mas, sobretudo, revelou que o
planejamento pedagógico favorece o trabalho de leitura, possibilitando a
complexa relação entre teoria-prática.
Valendo-se da epígrafe deste trabalho, na introdução apresentaram-
se as razões que consolidam a presente investigação. Partiu-se das
motivações iniciais apresentadas pela pesquisadora em relação às suas
próprias vivências escolares, cuja metáfora utilizada traduz a sua experiência
em aprender da pedra, sintetizando, assim, sua própria trajetória pessoal e
profissional. Trata-se, aqui, de um percurso marcado por mudanças contínuas,
às vezes bruscas, exigindo persistência e adequação a diferentes contextos,
assim como foi mencionado no Memorial de ingresso no doutorado, sobre o
seu “percurso profissional: três caminhos, uma questão, muitas respostas”
(SAMPAIO, 2002, p. 21)
257
Mas, de modo especial, foram os percursos em suas diferentes
etapas de estudo na pós-graduação que possibilitaram alcançar, de forma
particular, uma educação pela pedra: por lições. A cada paragem, uma nova
lição, constituindo-se, portanto, na opção pela temática que se apresentou
com a proposta de “investigar a função mediadora do planejamento na aula
de leitura de textos literários”.
As questões de pesquisa que foram fluindo e, ao mesmo tempo,
sendo maleadas, vislumbraram uma outra educação pela pedra, na qual o
barco havia ancorado no terreno da invenção. A tese central que se defendeu
ao longo desse percurso foi a de que a atividade de planejamento pedagógico
favorece o processo ensino-aprendizagem da leitura, possibilitando aos
sujeitos repensar a prática, teorizando-a. Pode concluir-se, então, que, entre
os resultados mais consistentes a que se chegou, está o de que o
planejamento exerce, de fato, uma função mediadora na atividade de ensino
do professor, confluindo na aprendizagem do aluno o que corrobora com o
ponto de partida desse trabalho.
Foi através das lições da pedra: para quem soletrá-la, cuja analogia
com as abordagens teóricas, mediante interpretação da pesquisadora,
constituíram-se em alicerces para a ancoragem do seu barco no cais. Os
estudos sobre o planejamento pedagógico evidenciaram que quando o plano
de trabalho é elaborado e implementado pelo professor, não ficando a cargo
de outros, dado seu caráter de construção e transformação de
representações, assume uma mediação teórico-metodológica, servindo de
ponte entre a realidade e a finalidade do trabalho pedagógico pretendido.
Dentre os achados da pesquisa-ação, destaca-se o de que a função
mediadora do planejamento diferencia-se e, ao mesmo tempo, se
complementa com a mediação pedagógica do professor. Com base nos
estudos acerca do planejamento pedagógico, como atividade projetivo-
mediadora, que se dá no processo da “elaboração” e da “realização
258
interativa”, como discutido por Vasconcellos (1999, p. 81), compreendeu-se
que “planejar é elaborar o plano de mediação, da intervenção na realidade,
aliado à exigência, decorrente de sua intencionalidade, de colocação deste
plano em prática”. Porém, a maior revelação é que justamente nessa
“realização interativa”, ou seja, na implementação daquilo que foi planejado, é
que prevalece a mediação pedagógica do professor, aqui entendida como o
papel do outro e da linguagem no processo ensino-aprendizagem, conforme
os princípios da abordagem histórico-cultural (VIGOTSKI, 1996).
A Lingüística Textual, mesmo sem se constituir em teoria de base
deste trabalho, foi indispensável, dada sua contribuição para entendimento
teórico acerca do trabalho com os textos orais e escritos, possibilitando a
implementação de gêneros literários nas salas de aula pesquisadas. Aliada a
essa mesma perspectiva, tem-se o interacionismo sócio-discursivo, além dos
PCN, como referenciais, que muito contribuíram para a relação teoria-prática,
especialmente na sistematização da prática de leitura de textos literários no
plano de ensino dos professores.
A Psicolingüística ajudou a perceber o processo de leitura como
atividade mental, tanto dos professores quanto dos alunos, considerando a
compreensão como base para o processo ensino-aprendizagem. É no âmbito
dessa teoria que se abordam aspectos relativos à previsão, ao engajamento
do leitor, ao apreender e utilizar a linguagem em diferentes circunstâncias
cognitivas e sociais.
A contribuição da Estética da Recepção destacou-se na concepção
do que seja a recepção de um texto pelo leitor, na atividade do sujeito em
interação com o material de leitura no decorrer da pesquisa, bem como na
função formadora da literatura, baseando-se, principalmente, no papel ativo
do leitor da leitura literária.
O aporte teórico-metodológico da pesquisa-ação participativa foi
fundamental para mover as pedras, sem excluí-las do percurso. A abordagem
259
destacou a natureza plural e interativa do planejamento. Assim, afirma-se,
nesta conclusão, a tese de que o planejamento é determinante no trabalho
pedagógico de leitura de textos literários no Ensino Fundamental,
constituindo-se em função essencial do processo mediador do ensino-
aprendizagem. Utilizou-se, para isso, como referência, os objetivos a que se
propôs este trabalho, pautando-se nas questões de pesquisa mencionadas na
introdução desta tese e obedecendo a seguinte topicalização: a) quando a
atividade de planejamento na escola favorece o trabalho com a leitura no
Ensino Fundamental (resposta à primeira questão discutida no segundo
capítulo); b) contextualização da prática de leitura dos gêneros textuais, com
base no planejamento pedagógico (a segunda questão, vista no terceiro
capítulo); c) a função mediadora do plano no ensino-aprendizagem de leitura
(a terceira, analisada no quarto capítulo).
a) Quando a atividade de planejamento na escola favorece o trabalho com a
leitura no Ensino Fundamental
Possibilitar uma ação participativa com os professores de Língua
Portuguesa na escola pesquisada, visando à fundamentação e construção de
estratégias para o trabalho pedagógico no ensino de leitura, implicou em
discutir, planejar e implementar, junto a esses profissionais, duas seqüências
didáticas de leitura, levando em consideração a autoria, o objeto de ensino e
destinatários.
As respostas encontradas para a primeira questão de pesquisa: de
que forma a atividade de planejamento na escola favorece o trabalho com a
leitura no Ensino Fundamental foram baseadas na análise de dois momentos.
O primeiro refere-se à reestruturação do plano bimestral de trabalho, com
base no planejamento já existente na escola, visando, com essa
260
reelaboração, a planejar duas seqüências didáticas. O segundo momento diz
respeito à elaboração dos planos das sessões de leitura, restrito às
professoras-participantes e a professora-pesquisadora, para posterior
implementação, tendo, como referência, o plano bimestral de trabalho.
Diante da metodologia da pesquisa-ação participativa descrita, das
notas de campo efetivadas e da análise realizada, conclui-se que o
planejamento, como processo, favorece o trabalho com a leitura de contos no
Ensino Fundamental,nas seguintes condições:
a) quando os professores envolvidos percebem que planejar implica
na busca de uma constante atualização teórico-metodológica, e
que isso ocorre com base nos avanços da produção de
conhecimentos nas diversas áreas, em especial, na área a qual o
planejamento se refere;
b) quando o plano que resulta do processo de planejamento se
constitui num instrumento de trabalho que sintetiza os princípios
gerais da escola, traduzidos no seu Projeto Político-Pedagógico,
bem como as diretrizes curriculares que envolvem o ensino de
uma determinada disciplina, neste caso, Língua Portuguesa;
c) quando assegura a inter-relação entre os fundamentos teóricos
que orientam o trabalho pedagógico do professor, de modo a
explicitá-los, mediante atribuição de objetivos, seleção de
conteúdos, estratégias a serem utilizadas, critérios de avaliação e
organização do tempo, todos eles expressos na apropriação, pelo
professor, de uma bibliografia básica;
d) quando o plano se constitui em um instrumento de mediação que
facilita a ação do professor, servindo-lhe como guia de orientação
a sua prática pedagógica, e possibilitando aos sujeitos do
processo ensino-aprendizagem uma reflexão constante que
pressupõe replanejar o trabalho diante de novas situações; e
261
e) quando o plano como instrumento mediador é incorporado,
internalizado à ação docente, de modo a ampliar e modificar suas
formas de intervenção, favorecendo, assim, a mediação
pedagógica do professor.
b) Contextualizando a prática de leitura dos gêneros textuais, com base no
planejamento pedagógico
Objetivando “estabelecer relações entre as ações dos professores
nas aulas de leitura, [e] considerando as mudanças que possam ou não
ocorrer e as alternativas construídas no processo”, propôs-se à seguinte
questão de pesquisa: como ocorre a prática de leitura que tem como
referência o efetivo uso dos gêneros textuais no planejamento pedagógico?
Para respondê-la, apoiou-se no aporte teórico sobre currículo,
planejamento pedagógico, no interacionismo sócio-discursivo, nos PCN, na
experiência de leitura por andaime, entre outros. Dessa discussão de ordem
teórico-metodológica, resumem-se as seguintes considerações:
a) planejar a prática de leitura com base nos gêneros textuais
pressupõe compreender aproximações teóricas advindas dos
conceitos de Currículo, Planejamento e Projeto Político-
Pedagógico que, embora se preservem as especificidades de
cada um, na elaboração e implementação é de se considerar a
indissociabilidade de todos eles no âmbito da escola;
b) considerar os PCN como referenciais curriculares para o ensino
foi um dos propósitos dessa pesquisa-ação, pelo fato de ser um
documento acessível aos professores, além de fazer parte do
conhecimento dos participantes dessa pesquisa-ação. Mas,
especialmente, pela posição que nele é assumida em relação à
262
concepção de leitor e produtor de textos e ao trabalho com
gêneros textuais orais e escritos, como categorias importantes
adotadas no processo de planejamento na pesquisa-ação;
c) adotar os gêneros textuais como aspectos fundamentais para o
ensino corrobora com os avanços lingüísticos acerca do trabalho
com o texto. Para isso, ampliou-se a discussão do planejamento,
evidenciando seu caráter dialógico, no sentido de compreender
que o plano de ensino, como qualquer texto, tem um autor, uma
função social, destinatários, depende do contexto e das
condições de produção, e se realiza por meio de interações
humanas.
d) trabalhar na perspectiva da experiência de leitura por andaime,
inter-relacionada aos pressupostos da abordagem histórico-
cultural, constituiu-se em aspecto central no planejamento e na
sua implementação. Na fase de planejamento, considerou-se a
quem se destinavam os textos, a seleção de material para a
leitura e os propósitos da leitura. Na implementação, a pré-leitura,
leitura e pós-leitura se constituíram como estratégias da
andaimagem;
e) entender que, para favorecer a formação do leitor, é necessário
propiciar um repertório significativo de leitura, considerando o
tempo que se destina e o envolvimento dos sujeitos com essa
atividade. Para isso, a pesquisa-ação participativa possibilitou aos
participantes o acesso a uma variedade de textos teóricos, bem
como de leitura literária, de modo que favoreceu o trabalho
desses professores em sala de aula, tornando o ato de ler uma
atividade prazerosa para os alunos, assim como vivenciada pelas
professoras-participantes.
263
f) o processo de planejamento corresponde nesta pesquisa-ação à
perspectiva de formação continuada dos professores-
participantes, uma vez que possibilitou uma reflexão conjunta
acerca do processo ensino-aprendizagem.
c) A função mediadora do plano no ensino-aprendizagem de leitura
Um dos objetivos focalizados na tese e analisado no quarto capítulo
se propõe a verificar a funcionalidade e a pertinência do planejamento na
prática de leitura de textos literários em sala de aula, considerando as
especificidades dos gêneros trabalhados. Esse objetivo se pauta na seguinte
questão de pesquisa: que função exerce o planejamento pedagógico como
mediador do ensino-aprendizagem da leitura?
A resposta a essa questão sugere a análise das atividades
correspondentes em duas distintas situações: a) em relação àquelas que se
desenvolveram regularmente em todas as sessões, demonstrando alcançar
os objetivos propostos na pesquisa-ação; b) as que apresentaram
distanciamento dos propósitos da pesquisa, ora apresentando dificuldades na
implementação, ora deixando de acontecer. Para isso, utilizam-se os critérios
mencionados no plano, privilegiando, como categorias de análise, aspectos
teórico-metodológico do processo ensino-aprendizagem com base na pré-
leitura, leitura, pós-leitura e a Análise lingüística:
a) Atividades desenvolvidas regularmente, atendendo aos objetivos da
pesquisa-ação:
- Pré-leitura: dentre as atividades realizadas regularmente na pré-leitura,
previstas e implementadas nos planos, considerando as abordagens
teórico-metodológicas que as fundamentam, conclui-se que o plano
mediou o trabalho pedagógico das professoras-participantes:
264
a) no trabalho com o conto como gênero, considerando suas
especificidades, e não mais numa perspectiva somente da
diversidade textual, como anteriormente trabalhavam essas
professoras, de modo que confundiam o leitor ao lidar com
diferentes textos em sala de aula, mas sem buscar a
funcionalidade de cada um deles;
b) durante a apresentação da obra e de seu autor, considerando os
sujeitos que, com esta dialogariam, constituindo-se elemento
fundamental no adentramento do texto pelo leitor, bem como na
formação do repertório de leitura;
c) ao focalizar as previsões e trabalhar a relação texto-vida no
processo de identificação, manifestando-se como aspectos
importantes na relação autor, texto e leitor;
- Leitura: em relação à leitura, conclui-se que:
a) das cinco sessões realizadas, a atividade de leitura oral, pelas
professoras, seguida da releitura dos alunos, evidenciou-se, de
forma regular, em quatro sessões. Constituiu-se numa atividade
agradável que veio demonstrar a importância do professor servir
como modelo de boa leitura oralizada, seduzindo os alunos para
a releitura, além de contribuir para a formação leitora dos seus
aprendizes;
b) a relação professor-aluno, no ato da leitura, caracterizou-se numa
concepção aberta que compreende a leitura como um processo
lúdico, de modo que os leitores demonstraram prazer e liberdade
diante da tarefa de ler sem pressupor o ato de leitura como um
dever a ser cumprido.
- Pós-leitura: considerado nesta tese como momento relevante, a
abordagem das previsões acerca do texto e a sua inter-relação com a
265
compreensão, mediante a oralidade, evidenciou a regularidade em
alguns procedimentos:
a) a confirmação ou não das previsões, em oposição à adivinhação;
b) a problematização por parte das professoras em relação à
possível identificação ou não dos alunos com o texto, visando a
perceber a recepção e a atribuição de sentidos;
c) o conhecimento do texto pelos alunos, como aspecto relevante da
formação do repertório de leitura e relação ficção-realidade, como
atividade que favorece o desenvolvimento cognitivo e social;
d) a discussão do foco central do texto, promovendo, assim, a
participação do leitor e a valorização do texto literário;
- Atividade de produção oral e escrita revelou que:
a) o reconto oral e escrito, coletivamente, apresentou-se como
atividade prazerosa e significativa para os alunos, superando as
expectativas da maioria das professoras. Nessas produções,
evidenciou-se a interação texto-leitor, demonstrando ser o
reconto capaz de mudar as representações do aprendiz em
contato com o texto;
b) a identificação das características encontradas nos contos como
personagens, tempo e lugar etc., propiciaram aos alunos
retomarem a seqüência lógica da narrativa, contribuindo para
compreensão dos leitores acerca da estruturação do texto como
material concreto;
c) trazer à tona a função comunicativa dos contos, por intermédio
da compreensão do plano da ação, da organização discursiva
do enredo, favoreceu aos sujeitos relacionar os textos às suas
próprias experiências. Ao evidenciar aspectos discursivos dos
textos, flui a diversidade de sentidos, que na discussão da
história, vincula-se à visão de mundo dos estudantes e das
266
relações que eles estabelecem com o mundo, consigo mesmos
e com os outros sujeitos.
d) a interação texto-leitor foi evidenciada à medida que exigiu do
leitor concentrar-se nos vazios do texto, incitando sua
participação na atribuição de sentidos;
e) a redefinição de alguns aspectos, pelas professoras, do que
havia sido planejado foi relevante nesse processo, uma vez que
possibilitou que estas formulassem novas perguntas e
redimensionassem o plano, permitindo sua flexibilidade;
f) relacionar o texto à vida das crianças, por meio do processo de
identificação dos alunos com a personagem, revelou-se aspecto
importante, uma vez que possibilitou aos aprendizes
manifestarem elementos ficcionais do texto, com dados
fornecidos pela própria realidade;
g) a inserção da ilustração, como recurso lúdico, contribuiu para
que os alunos internalizassem a história no momento do reconto
escrito.
- Análise lingüística: embora essa atividade não tenha se constituído em
uma regularidade na implementação do que foi planejado, a sua
realização, numa única sessão, demonstrou sua contribuição no
processo ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa.
Conclui-se que o desenvolvimento das produções orais, escritas e
de análise lingüística nas sessões observadas, revelou a aprendizagem dos
alunos. Essas atividades se constituíram, no decorrer das análises,
referências fundamentais para avaliar, efetivamente, o resultado de um plano
de aula e a sua contribuição, como instrumento de trabalho pedagógico do
professor, ao mediar o seu fazer pedagógico, relacionando teoria-prática,
como aspectos preponderantes ao processo ensino-aprendizagem de leitura.
267
b) Atividades que apresentaram distanciamento dos propósitos e dificuldades
na sua implementação:
- Pré-leitura: surgiram nessa fase os seguintes problemas, especialmente
de ordem teórico-metodológica:
a) ausência de clareza e de aprofundamento na discussão sobre as
especificidades do conto, como gênero, diferenciando-o dos
demais textos literários, com base nas suas características e na
função discursiva;
b) apesar da valorização dada a aspectos relativos à estrutura da
narrativa em detrimento da função discursiva dos contos, as
professoras-participantes apresentaram dificuldades em abordar
os elementos constitutivos de uma obra literária, como
personagens, enredo, tempo, lugar, fatos, entre outros;
c) embora o plano mediasse o trabalho com as previsões, a
ausência de andaimes oportunos, vistos, aqui, como a mediação
pedagógica do professor, dificultou a projeção de previsões,
provocando, em algumas ocasiões, o conflito sócio-cognitivo nos
alunos;
- Sobre a atividade de Leitura:
a) considera-se o fato de que uma das professoras não serviu de
modelo de leitor, sendo substituída por uma aluna. No entanto,
essa divergência veio desvelar a importância da leitura
oralizada conduzida por um leitor fluente, com boa entonação e
entusiasmo, com base na leitura prévia do texto, pois, o texto
oralizado obteve o total engajamento dos aprendizes, em todas
as sessões, revelando, assim, o papel de catalisar a atenção
dos leitores;
b) conceber a leitura como pretexto para lição de vida foi um dos
aspectos que se contrapuseram aos princípios da pesquisa-
268
ação participativa. Embora as professoras tentassem focalizar a
função discursiva do conto literário, ao expandir essa questão,
por meio de relatos dos alunos, elas revelavam a dificuldade em
articular a passagem do jogo ficcional para o real, recaindo no
“exemplo que o conto dá”.
c) a dificuldade encontrada no trabalho com os gêneros textuais
ainda permanece em decorrência da lacuna existente da
formação inicial das professoras-participantes, e do não
aprofundamento das discussões inerentes a essa temática no
decorrer da pesquisa-ação participativa.
- Na pós-leitura, revelou-se:
a) a ausência de problematização na ação pedagógica das
professoras, provocando a não expansão das respostas dos
alunos e a repetição de suas falas. Assim, diante da ausência
de andaimes e de explicitação sobre os porquês que envolvem
as suas respostas, restringe o posicionamento dos leitores,
dando lugar ao discurso unívoco, em vez da dialogicidade;
b) a mesma dificuldade apontada na pré-leitura, em relação aos
elementos constitutivos da narrativa (tempo, lugar, personagem,
narrador, propósito etc.) se repete na pós-leitura, embora as
professoras se esforçassem para evidenciar essas
diferenciações;
c) a não reescritura dos contos, como elemento norteador da
análise lingüística, foi um dos aspectos negligenciados nos
planos. Porém, mesmo considerando que apenas em uma das
cinco sessões a professora-participante trabalhou a análise
lingüística, evidenciou-se a importância da reescritura, enquanto
estratégia de se refletir sobre a língua, sem os ranços da
gramática tradicional;
269
d) a não regularidade na implementação da análise lingüística vem
revelar a dificuldade ainda presente nas professoras-
participantes de trabalhar nessa perspectiva, apontando, assim,
para a necessidade de novas pesquisas e intervenções que
venham contribuir com essas professoras.
e) considera-se procedente justificar o fator organização do tempo
como aspecto decisivo no desenvolvimento da análise
lingüística e da avaliação. Por ocasião da implementação é que
se previu o não cumprimento do plano, em sua totalidade, na
presença da professora-pesquisadora. Contudo não se
redimensionou o planejado, dada a necessidade de se ter
adotado como eixo do trabalho pedagógico, no ensino de
Língua Portuguesa, as seguintes dimensões: leitura, produção
oral e escrita, análise lingüística e avaliação.
A correlação entre as ocorrências regulares e a não regularidade de
algumas atividades propostas revelam a importância de se considerarem,
num trabalho dessa natureza, os seguintes aspectos:
a) a dialética da relação teoria-prática;
b) a interferência dos saberes experienciais já incorporados por cada
professor, o que vem demonstrar que a internalização do
conhecimento se dá de forma processual e não abruptamente;
c) o conhecimento acerca do assunto já acumulado pelos alunos e
professores acaba se manifestando naturalmente, mesmo que se
considerem as necessidades e os cuidados que os indivíduos
demonstram diante de novas situações de ensino-aprendizagem;
d) o envolvimento individual, de cada uma das professoras-
participantes, durante todo o processo de planejamento e na
elaboração dos planos;
270
e) o engajamento coletivo dos sujeitos, de modo que propicie uma
mudança de perspectiva em relação ao planejar, ao ensinar e ao
aprender leitura na escola;
f) a relação das professoras-participantes com as turmas;
g) a própria forma do professor-participante conceber a sua relação
com o pesquisador, assim como o trabalho que envolve a
pesquisa-ação na escola e, sobretudo, em sua sala de aula.
As conclusões a que se pode chegar desse processo, por enquanto,
remetem a uma única certeza: a de que os resultados dessa pesquisa não
são definitivos. Isso porque toda investigação é suscetível de novas reflexões
e de revisão, de modo que as considerações e análises suscitam mais
dúvidas do que conclusões, o que vem comprovar que não é intenção deste
estudo tornar-se um acerto de contas com a função mediadora do plano na
prática de leitura de contos literários em sala de aula.
271
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Luiz Ricardo Ramalho de. A trajetória de uma professora-leitora:
processo de acercamento do texto. In: Amarilha, Marly (Org.) Educação e
leitura: trajetórias de sentido. João Pessoa; Editora da UFPB-PPGEd/UFRN,
2003.
ALMEIDA, Rosângela Farias; BEZERRA, Maria Auxiliadora. Tipos e gêneros
textuais: como está sendo o trabalho do professor de português? In: Grupo
de Estudos Lingüísticos do Nordeste 18. Anais, disponíveis em CD-ROM.
Salvador: Universidade Federal do Ceará, 2002, p. 967-970.
ALTET, Marguerite. As competências do professor profissional: entre
conhecimentos, esquemas de ação e adaptação, saber analisar. In:
PERRENOUD, Philippe; PAQUAY, Léopold; ALTET, Marguerite; CHARLIER,
Évelyne (Orgs.) Formando professores profissionais: quais estratégias?
Quais competências? Porto Alegre: Artmed, 2001.
_____. Análise das práticas dos professores e das situações
pedagógicas. Lisboa/Portugal: Porto Editora, 2001.
AMARILHA, Marly. Estão mortas as fadas? Literatura infantil e prática
pedagógica. Petrópolis/RJ: Vozes, 1997a.
_____. Silêncio: a hora da narrativa na escola. In: Estão mortas as fadas?
Literatura infantil e prática pedagógica. Petrópolis/RJ: Vozes, 1997a.
_____. O lúdico na literatura: o caso da poesia. Estão mortas as fadas?
Literatura infantil e prática pedagógica. Petrópolis/RJ: Vozes, 1997a.
_____. (Org.) Anais do 1º seminário educação e leitura. Natal: UFRN,
1996.
_____. Bem-que-ler. Rio de Janeiro: Proler/Casa da leitura, 1997b.
_____. O ensino de literatura: professores e aprendizes e atuação na
comunidade de intérpretes nas escolas da rede pública do Rio Grande do
Norte. CNPq/Departamento de Educação. Projeto de Pesquisa. Natal, 1999.
ÂNGELO, Ivan. Negócio de menino com menina. In: De conto em conto:
antologia de contos. São Paulo: Moderna, 2002.
ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro & interação. 2 ed. São
272
Paulo: Parábola Editorial, 2004.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermanita Galvão G.
Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BARBIER, René. A pesquisa-ação na instituição educativa. Trad. Estela
dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1987.
_____. A pesquisa-ação. Trad. Lucie Didio. Brasília: Plano Editora, 2002.
BORDENAVE, Juan Dias; PEREIRA, Adair Martins. Estratégias de ensino-
aprendizagem. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1986. 320p.
BOSI, Alfredo (Org.). O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cultrix,
1997.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.) Pesquisa participante. São Paulo:
Brasiliense, 1999a.
_____. Repensando a pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense,
1999b.
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega. Vol III. Petrópolis, RJ: Vozes.
2001. 407p.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação
Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do
Ensino Fundamental - Língua Portuguesa. Brasília, 1998.
_____. Ministério da Educação. Planejamento e avaliação. Disponível em:
http://www.acaoeducativa.org./PARTE-5.PDF
> Acessado aos 20 de outubro
de 2002.
BRITO, Eliana Vianna (Org.) ; MATTOS, José Miguel de.; PISCIOTA, Harumi.
PCNs de língua portuguesa: a prática em sala de aula. São Paulo: Arte &
Ciência, 2001.
BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos: por
um interacionismo sócio-discursivo. Trad. Anna Rachel Machado, Péricles
Cunha. São Paulo: EDUC, 1999.
CABRAL NETA, Olímpia. Planejamento de ensino – conceito e trajetórias:
estudo do estágio conceitual de professores da escola pública da cidade do
Natal. Dissertação (Mestrado em Educação). Natal: UFRN, 1997.
273
CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio. 6. reimpressão.
Tradução por Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
CARVALHO, Maria da Conceição. Escola biblioteca e leitura. In: CAMPELLO,
Bernadete Santos et al. A biblioteca escolar: temas para uma prática
pedagógica. Belo Horizonte: Autentica, 2002.
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. Trad. Adail Ubirajara Sobral. São
Paulo: Cultrix/Pensamento, 1995.
CATTANI, Maria Izabel; AGUIAR, Vera Teixeira de. Leitura no 1º grau: a
proposta dos currículos. In: ZILBERMAN Regina (Org.) Leitura em crise na
escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993. p.
23-35.
CEREJA, William Roberto.; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Texto e
interação: uma proposta de produção textual a partir de gêneros e projetos.
São Paulo: Atual Editora, 2000.
COOMBS, Philip H; ANDERSON, C. A. Fundamentos do planejamento
educacional. São Paulo: Cultrix, 1981.
COSTA, Sérgio Roberto. Interação e letramento: uma (re) leitura à luz
vygotskiana e bakhtiniana. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2000.
CUNHA, Maria Antonieta A. Literatura infantil: teoria e prática. São Paulo:
Ática, 1991.
DESGAGNÉ, Serge. Réflexions sur le concept de recherche collaborative.
Les Journées du CIRADE. Centre Interdisciplinaire de Recherche sur
l’Aprentissage et le Développement em Education. Université du Québec à
Montreal, 1998.
DIONÍSIO, Ângela Paiva. Análise da conversação. In: MUSSALIM, F.;
BENTES, A. C. (Org.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. São
Paulo: Cortez, 2001. vol. 2, p. 69-99.
DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michele; SCHNEUWLY, Bernard. Seqüências
didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In:
SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim et al. Gêneros orais e escritos na
escola. Trad. e org. Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP:
Mercado de Letras, 2004.
ECO, Umberto. Seis passeios pelo bosque da ficção. Trad. Hildegard Feist.
274
6 reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
_____. Os limites da interpretação. São Paulo: Perspectiva, 2000.
_____. Sobre a literatura. Trad. Eliana Aguiar. 2 ed. Rio de Janeiro: Record,
2003a.
_____. Obra aberta: forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas.
São Paulo: Perspectiva, 2003b.
EVANGELISTA, Aracy Alves Martins. A leitura literária e os professores:
condições de formação e de atuação. In: MARINHO, Marildes; SILVA, Ceris
Salete Ribas da. (Org.) Leituras do professor. São Paulo: Mercado de
Letras: Associação de Leitura do Brasil, 1998.
EVARISTO, Marcela Cristina. O cordel em sala de aula. In: CHIAPPINI, Lígia
(Coord.) Gêneros do discurso na escola. São Paulo: Cortez, 2000.
FONTANA, Roseli; CRUZ, Nazaré. Psicologia e trabalho pedagógico. São
Paulo: Atual, 1997;
FREITAS, Alessandra Cardozo de. Os filhos da carochinha: a contribuição
da literatura infantil na estruturação da linguagem em crianças da educação
infantil. Dissertação (Mestrado). Natal : UFRN, 2002.
FREITAS, Luiz Carlos de. Crítica da organização do trabalho pedagógico e
da didática. 6. ed. Campinas/SP: Papirus, 2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. 2 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
GANCHO, Cândia Vilares. Como analisar narrativas. São Paulo: Àtica,
1993.
GANDIN, Danilo. A prática do planejamento participativo. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1994.
GAUTHIER, Clemont. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas
contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1998.
GERALDI, José Wanderley (Org.) O texto na sala de aula. São Paulo: Ática,
1997.
GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do conto. 9 ed. São Paulo: Ática, 1999.
275
GOMES, Adriano Lopes. A atividade de contação de histórias no ensino
de literatura e na formação do leitor: um estudo de caso. 2001. Tese
(Doutorado em Educação). Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
Natal, 2001.
GRAVES, M. F., GRAVES, B. B. The scaffolded reading experience: a flexible
framework for helping students get the most out of text. READING, v. 29, n.1,
p. 29-34. Apr.1995.
KEMMIS, Stephen; WILKINSON, Mervyn. A pesquisa-ação participativa e o
estudo da prática. In: PEREIRA, Júlio Emílio Diniz; ZEICHNER, Kenneth M.
(Orgs.) A pesquisa na formação e no trabalho docente. Belo Horizonte:
Autêntica, 2002.
KOCH, Ingedore Vilaça. Lingüística textual e pcns de língua portuguesa.
Disponível em:
www.unb.br/abralin/index.php
. Acessado aos 03 de janeiro de
2004.
KUENZER, Acacia Zeneida. Planejamento e educação no Brasil. 4.ed. São
Paulo: Cortez, 1999.
ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. Vol. 1. Trad.
Johanes Kretshmer. São Paulo: Editora 34, 1996.
_____. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. Vol. 2. Trad. Johanes
Kretshmer. São Paulo: Editora 34, 1999.
JAUSS, Hans Robert; ISER, Wolfgang. et al. A literatura e o leitor: textos de
estética da recepção. Trad. Luiz Costa Lima. Rio de janeiro: Paz e Terra,
1979.
JOUVE, Vincent. A leitura. Trad. Brigitte Hervor. São Paulo: Editora UNESP,
2002.
LAGO, Ângela. Tampinha. In: Historinhas pescadas. São Paulo: Moderna,
2001.
LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Trad.
Alfredo Veiga-Neto.4 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
LEAL, Leiva de Figueiredo Viana. Leitura e formação de professores. In:
EVANGELISTA, Aracy Alves Martins; BRANDÃO, H. M. B; MACHADO, M. Z.
V. A escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil. Belo
Horizonte: Autêntica, 1999.
276
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. 23 reimp. São Paulo: Cortez, 1994.
(Coleção Magistério 2º grau. Série formação do professor).
LIMA, Luiz Costa (Org.). O leitor demanda (d) a literatura. In: JAUSS, Robert.
Hans; ISER, Wolfsang; STIERLE, Karlheinz. A literatura e o leitor: textos da
estética da recepção.Rio de janeiro: paz e Terra, 1979.
LIMA, V. L. R. S. A formação do repertório de leitura. In: YUNES, Eliana.
(Org.) Pensar a leitura: complexidade. Rio de Janeiro: Ed. PUC; São Paulo:
Loyola, 2002.
LLOSA, Mário Vargas. A literatura e a vida. In. _____. A verdade das
mentiras. Trad. Cordelia Magalhães. São Paulo: Arx, 2004.
LOPES, Luiz Paulo da Moita. Oficina de lingüística aplicada. Campinas, SP:
Mercado de Letras, 1996.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Leitura oral e escrita. In: ZILBERMAN, R. (Org.).
Leitura: perspectivas interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1988.
_____. Por uma proposta para a classificação dos gêneros textuais.
Recife: UFPE, 1996.
_____ . Gêneros textuais: o que são e como se constituem. Recife: UFPE,
2000.
____. A análise da conversação. São Paulo: Ática, 1991
MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1985.
MASETTO, Marcos Tarciso. Didática: a aula como centro. 4 ed. São Paulo:
FTD, 1997.
_____. Mediação pedagógica e o uso da tecnologia. In: MORAN, José
Manuel; BEHRENS; MASETTO, Marcos Tarciso; Marilda Aparecida. Novas
tecnologias e mediação pedagógica. 7 ed. Campinas, SP: Papirus, 2003.
MELO, Osvaldo Ferreira de. Teoria e prática no planejamento educacional.
São Paulo: Globo, 1979.
MELLO, Maria Lúcia de Souza e. Planejamentos diários: o que falam e
escrevem professoras alfabetizadoras. Disponível em:
http://www.anped.org.br/24/T1252541823339.htm
Acesso em: 26 out. 2001.
277
MESQUITA, Samira Nahid de. O enredo. 3 ed. São Paulo: Ática, 1994.
MEURER, José Luiz. O conhecimento de gêneros textuais e a formação do
profissional da linguagem. In: FORTKAMP, Mailce Borges Mota; TOMITCH,
Leda Maria Braga (Orgs.) Aspectos da lingüística aplicada. Florianópolis:
Insular, 2000.
MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa (Org.). Currículo: questões atuais. 9 ed.
Campinas/SP: Papirus, 2003.
NÓVOA, Antonio.
Profissão professor. Portugal: Porto Editora, 1995a.
_____. Os professores e a sua formação. Portugal: D. Quixote, 1995b.
OLIVEIRA, Maria Bernadete Fernandes de. A construção do conhecimento na
sala de aula: estratégias discursivas do professor. In: ZOZZOLI, Rita Maria
Diniz (Org.) Leitura: sala de aula de língua. Revista do programa de Pós-
Graduação em Letras da Universidade Federal de Alagoas. n. 21. Maceió:
Imprensa Universitária, 1998.
OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento um
processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1997.
PADILHA, Paulo Roberto. Planejamento dialógico: como construir o projeto
político-pedagógico da escola. Guia da escola cidadã 7. 2. ed. São Paulo:
Cortez; Instituto Paulo Freire, 2002.
PERRENOUD, Philipe. Dez novas competências para ensinar. Porto
Alegre: Artes Médicas Sul, 2000a.
_____. Pedagogia diferenciada: das intenções à ação. Porto alegre: Artes
Médicas, 2000b.
_____. Formando professores profissionais: quais estratégias? Quais
competências? Porto Alegre: Artmed, 2001.
PIMENTA, Selma Garrido (Org.). Saberes pedagógicos e atividade
docente. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2002.
PÖRTER, Cristiano Goergen. Esses outros que perturbam o planejamento
educacional. Disponível em: <
www.clacso.edu.ar/~libros/anped/0522T.PDF
>, 2000.
PRETI, Dino. (Org.). O discurso oral culto. São Paulo: FFLCH/USP, 1997.
278
QUEIROZ, Liomar Costa de. Gênero, tipo, portador e canal textuais. Anais
do VIII Seminário de Pesquisa do CCSA/UFRN. Natal, 2002.
RIBEIRO, Márcia Maria Gurgel. Diferentes espaços/tempos da organização
curricular. In: ALMEIDA, Maria Doninha de (Org.). Currículo como artefato
social. 2 ed. Natal, RN: Editora da UFRN, 2004.
ROJO, Roxane Helena Rodrigues. A prática de linguagem em sala de aula:
praticando os PCN’s. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2000.
_____. A concepção do leitor e produtor de textos nos PCNs: “ler é melhor que
estudar”. In: FREITAS, Maria Tereza; COSTA, Sérgio Roberto (Orgs.) Leitura e
escrita na formação de professores. Juiz de Fora: UFIF, 2002;
_____; CORDEIRO, Glaís Sales. (Org. e Trad.) Gêneros orais e escritos na
escola.. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004.
SACRISTÁN, J. Gimeno.; GÓMEZ, A. I. Pérez. Compreender e transformar
o ensino. 4.ed. Porto Alegre: ARTMED, 1998;
_____. O currículo: uma reflexão para a prática. Trad. Ernani F. da Fonseca
Rosa. 3 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000;
SAMPAIO, Maria Lúcia Pessoa. O ensino de leitura numa dimensão prática
da teoria: uma relação possível? In: Seminário de Pesquisa do Centro de
Ciências Sociais Aplicadas 7. Anais, disponível em CD-ROM. Natal: UFRN,
2000.
_____. A formação do leitor no ensino de língua portuguesa (5ª série):
uma análise de livros didáticos em turmas de multirrepetentes. Monografia
(Especialização em Educação). Natal: UFRN, 1999.
_____. A relação teoria-prática no ensino de leitura: o planejamento
pedagógico como referência de análise. Dissertação de mestrado. Natal:
UFRN, 2002.
_____. Memorial acadêmico. Natal: UFRN, 2002, impresso.
_____. O conceito de leitura nos livros didáticos e suas implicações para
formação do leitor. In: Amarilha, Marly (Org.) Educação e leitura: trajetórias
de sentido. João Pessoa; Editora da UFPB-PPGEd/UFRN, 2003.
SANTOS, M. F. O. As relações de poder na interação professor/alunos, em
contexto universitário – uma amostragem. In: ZOZOLI, R. M. D (Org.)
279
Leitura: sala de aula de língua. Revista do Programa de Pós-Graduação em
Letras da Universidade Federal de Alagoas. Maceió: Imprensa Universitária,
1998. n 21.
SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim et al. Gêneros orais e escritos na
escola. Trad. e org. Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP:
Mercado de Letras, 2004
SECCHIN, Antonio Carlos. Melhores poemas João Cabral de Melo Neto.
São Paulo: Global, 2001.
SILVA, Ezequiel Theodoro da. Abaixo as infantilidades no encaminhamento
da leitura. In: KHÉDE, Sonia Salomão (Org.) Literatura infanto-juvenil: um
gênero polêmico. 2 ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986.
SILVA, Sairo Rogério da Rocha e. O planejamento de ensino e saberes
psicológicos sobre aprendizagem: um estudo com um grupo de
professores(as) do Ensino Fundamental – 1º e 2º ciclos. Natal. Dissertação de
mestrado. Natal: UFRN, 2002.
SMITH, Frank. Compreendendo a leitura: uma análise psicolingüística da
leitura e do aprender a ler. Trad. Daise Batista. Porto alegre: Artes Médicas,
1991.
_____ . Leitura significativa. Trad. Beatriz Affonso Neves. Porto Alegre:
Artmed, 1999.
SOLIGO, Rosaura. Dez questões a considerar... Disponível em:
<http://www.tvebrasil.com.br./salto/lee/leetnt1.htm>
Acesso em: 26 out. 2001.
THIOLENT, Michel. Pesquisa-ação nas organizações. São Paulo:
Atlas,1997.
_____. Metodologia da pesquisa-ação. 6 ed. São Paulo: Cortez, 1994;
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação. São Paulo: Cortez, 1996.
TURRA, C. M. G. e ENRICIONE, D. et al. Planejamento de ensino e
avaliação. 6. ed. Porto Alegre: PUC/EMMA, 1975.
VIANNA, Ilca Oliveira de Almeida. Planejamento participativo na escola:
um desafio para o educador. 2. ed. São Paulo: EPU, 2000.
VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Planejamento: projeto de ensino-
280
aprendizagem e projeto político-pedagógico. 6. ed. São Paulo: Libertad, 1999.
VICENTELLI, Herminia. El libro-texto único: análisis del propósito de las
perguntas como estratégia estimuladora del aprendizage. In: Revista de
pedagogia. Vol. XXIV, n. 69. Caracas: Universidad de Venezuela, 2003.
VIGOTSKI, Lev Semionovich. A formação social da mente. Trad. José
Cipolla Neto, Luiz Silveira M. B e Solange C. Afeche. São Paulo: Martins
Fontes, 1996.
ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura. São
Paulo: Ática, 1989.
ZULBERMAN, Flávia. Tenho um problema: não gosto de ler! A formação do
leitor literário – construção compartilhada do prazer de ler. Dissertação.
(Mestrado). Natal: UFRN, 2005.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo