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ocorre, retornar aos fatos da infância é o próximo caminho. Embora estudiosos do texto
literário afirmem que autor e narrador não se misturam, em Solo feminino é impossível não
deixar de perceber pinceladas dos conhecimentos psicanalíticos da autora.
A mãe reclama, mas quer ter a filha por perto – entretanto, enquanto não
conseguirem se comunicar, as duas não conseguirão se amar nem se entender. A
cumplicidade surge com as palavras cruzadas
Encontrei mamãe, revistinha de palavras cruzadas no colo; logo ao me
ver, perguntou se eu sabia o que era aspirante, onze letras. Pretendente,
respondi. [...] Mamãe continuava com os olhos grudados na merda da
revistinha, e, antes que eu continuasse a falar, perguntou se eu sabia o que
era pavorosa, [...], e disse também que ela precisava exercitar seus
neurônios, não eu. Chateada, ela fechou a revistinha, perguntando o que
eu queria que ela dissesse. [...] Como eu viveria dali em diante? (p. 74)
A narrativa do texto é apegada a detalhes, assim como se fazia nas narrativas
folhetinescas do século XIX. Tudo, porém, tende a demonstrar uma intensa futilidade nas
relações da atualidade. Em dado momento, seu Evaristo, o chefe, diz que “folga” (e a
personagem ironiza repetindo o verbo entre parênteses: “(folga)”) em conhecer o “marido”
de dona Gilda – transparecendo um falso respeito às tradições. As descrições, por exemplo,
de festas, seguem o detalhismo: “Ao entrar no restaurante, passei pelo bufê: ostras em
profusão, camarões graúdos com molhos diversos, coquilles de Saint Jacques e mariscos na
concha. O garçom ao lado enumerou os pratos.” (p. 70). Assim como ela insiste em
demonstrar com seus olhos de loba em busca da caça a superficialidade desse mundo pós-
moderno, suas investidas amorosas são mal sucedidas porque Gilda se preocupa apenas
com o que vê no exterior das pessoas.
Sem experiência para trafegar pelo interior dos seres (já que não se resolve nem
consigo mesma), vê-se eternamente fadada a não alcançar seu objetivo. Clarissa Pinkola
Estés diz, em Mulheres que correm com os lobos, que “...seria de grande ajuda se