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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE PESQUISA: FORMAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE
MARILEIDE MARIA DE MELO
A produção tardia da profissionalização docente e seu impacto na redefinição identitária do
professorado do ensino fundamental
NATAL / RN
2005
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MARILEIDE MARIA DE MELO
A produção tardia da profissionalização docente e seu impacto na redefinição
identitária do professorado do ensino fundamental
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como
Requisito parcial para obtenção do título
de Doutora em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Moisés Domingos
Sobrinho
NATAL / RN
2005
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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Divisão de Serviços Técnicos
Melo, Marileide Maria de.
A produção tardia da profissionalização docente e seu impacto na redefinição identitária do professorado do
Ensino Fundamental / Marileide Maria de Melo. – Natal, 2005.
247 p. il.
Orientador: Prof. Dr. Moisés Domingos Sobrinho.
Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais
Aplicadas. Programa de Pós-Graduação em Educação.
1. Educação – Tese. 2. Professor - Tese. 3. Representações Sociais - Tese. 4. Profissionalização – Tese. 5.
Identidade – Tese. I. Domingos Sobrinho, Moisés. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 37.035 (043.2)
MARILEIDE MARIA DE MELO
A produção tardia da profissionalização docente e seu impacto na redefinição
identitária do professorado do ensino fundamental
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como
Requisito parcial para obtenção do título
de Doutora em Educação.
Aprovado em abril de 2005
Banca Examinadora
_____________________________________________________________________
Dr. Moisés Domingos Sobrinho
Universidade Federal do Rio Grande do Norte -UFRN
__________________________________________________________________________
Dra. Fátima Souza Santos
Universidade Federal de Pernambuco – UFPE
Dr. Wojciech A . Kulesza -
Universidade Federal da Paraíba– UFPB
___________________________________________________________________________
Dra Maria do Rosário de Fátima de Carvalho
Universidade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN
Dr. Horácio Accioly Júnior
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
A meu pai, que nos deixou
dolorosamente neste percurso
AGRADECIMENTOS
Antes de todos, os meus agradecimentos ao professorado sujeito desta pesquisa, que me
permitiu espreitar em seu discurso, a desconstrução de bastiões que por tanto tempo sustentaram
antigas narrativas do magistério, cujos efeitos subjugam mulheres e professoras.
Ao professor Moisés Domingos Sobrinho, por acreditar nas idéias deste estudo, pela
condução teórica segura e competente, e pelo estímulo e parceria para que pudesse desenvolvê-
las. E, sobretudo, pelo carinho e amizade de sempre.
De modo muito especial quero agradecer ao professor Accioly, co-orientador embora não
formalizado junto ao Programa de Pós-Graduação, pelo acolhimento e a disponibilidade com que
me iniciou nos estudos do ALCESTE, de decisiva contribuição à análise aqui empreendida.
Agradeço também aos/as professores/as e funcionários/as do PPGED pela contribuição e
apoio e ao grupo de base da pesquisa (Luís Gonzaga, Lia, Marly, Paulinho, André, Suerde e
nosso orientador), pela amizade e valiosos momentos de reflexão, debates e dicas especialmente
proveitosas nos diálogos teóricos que sustentam esse estudo.
Aos/as colegas do IFESP, UFRN e UFPB, onde trabalhei e trabalho, cuja solidariedade e
ajuda foram imprescindíveis ao desenvolvimento da pesquisa de campo, especialmente a
Waldelúcia, Neves e Márcio (IFESP), Fábio, Amparo e Graça (UFPB) Francisca Lacerda e
Cleide Carvalho (UFRN).
Aos/as colegas professores e professoras do DHP/CE/UFPB e ao PICDT/CAPES pelo
apoio financeiro e disponibilidade concedida para a realização deste trabalho.
À equipe de pilotagem final deste trabalho, desde as primeiras leituras, revisões, criações
artísticas, cuja contribuição foi fundamental para a conclusão e a estética deste trabalho: Rogério,
Amadja, Paulinho, Sheila, Glória Galvão e Ana Luísa. Especialmente quero agradecer a
paciência e solidariedade nesta fase final aos/as colegas da Pró-Reitoria de Graduação,
representados pelo professor Umbelino e pela amiga Milva.
E finalmente, as pessoas que habitam o mundo do meu afeto e do meu cuidar, filhos,
companheiro de jornada, minha mãe, irmãs e irmãos, pelo tempo subtraído ao nosso convívio e
ao meu pai, que me ensinou a manter o pano na cabeça e a me fazer professora.
RESUMO
O objetivo deste estudo consistiu em apreender e reconstituir o modo pelo qual professoras e
professores vinculados à educação infantil e à fase inicial do ensino fundamental produzem sua
identidade docente, no contexto de uma tardia profissionalização. O campo dessa pesquisa
envolveu três instituições públicas de ensino superior, duas em Natal (RN) e uma em João
Pessoa (PB), que desenvolvem programas especiais de formação de docentes vinculados às
respectivas redes locais de ensino. Para o atendimento do objetivo acima proposto, foi utilizada a
teoria das representações sociais para a apreensão dos elementos constitutivos das representações
sociais do professorado, conforme a formulação de Moscovici e colaboradores, considerando-se
aqui, especialmente, a contribuição de Abric em sua complementar teoria do núcleo central das
representações. Tendo em vista a necessidade de identificação dos elementos estruturadores das
representações e definidores das identidades em questão, privilegiou-se na pesquisa a produção
discursiva docente e suas condições de produção. A utilização de suas evocações, bem como das
fontes escritas pelos próprios sujeitos envolvidos, oportunizou o afloramento das diferentes faces
constitutivas do ser professor/a. O corpus decorrente desse estudo foi então submetido a uma
série de diferentes métodos / técnicas condensadas em programas informatizados e outros
manuais, em um esforço para conferir um maior rigor à análise dos resultados apontados.
Utilizou-se ainda um referencial de análise do discurso para viabilizar a emergência de diferentes
ângulos da configuração identitária em foco. Os resultados apontam para um significativo
deslocamento das representações docentes, bem como permitem afirmar a hipótese inicialmente
posta de que a profissionalização docente acontece não apenas de maneira tardia, como também
vem provocando uma ressignificação dos referentes identitários desses profissionais.
PALAVRAS-CHAVE: professorado; representações sociais; identidade; profissionalização
RESUMEN
El objetivo de este estudio consistió en capturar y reconstituir el modo por el cual profesoras y
profesores vinculados a la educación infantil y a la fase inicial de la enseñanza fundamental
producen su identidad docente, en el contexto de una tardía profesionalización. El campo de esa
pesquisa envolvió tres instituciones públicas de enseñanza superior, dos en Natal (RN) y una en
João Pessoa (PB), que desenvulven programas especiales de formación de docentes vinculados a
las respectivas redes locales de enseñanza. Para el atendimiento del objetivo arriba propuesto, fue
utilizada la teoría de las representaciones sociales para la captura de los elementos constitutivos
de las representaciones sociales del profesorado conforme la formulación de Serge Moscovici y
colaboradores, considerándose, aqui, especialmente, la contribución de Abric en su
complementar teoría de nucleo central de las representaciones. Teniendo en vista la necesidad de
identificación de los elementos estructuradores de las representaciones, y definidores de las
identidades en cuestión, se privilegió en la pesquisa la producción discursiva docente y sus
condiciones de producción. La utilización de sus evocaciones, bien como de las fuentes escritas
por los propios sujetos envolvidos, oportunizó el afloramiento de las diferentes faces
constitutivas del ser profesor/a . El corpus decorriente de ese estudio fue entonces somentido a
una serie de diferentes métodos / técnicas condensadas en programas informatizados y otros
manuales en um esfuerzo para conferir un mayor rigor al análisis de los resultados apuntados. Se
utilizó, aún, un referencial de análisis del discurso para viabilizar la emergencia de diferentes
ângulos de la configuracion de la identidad en foco. Los resultados apuntam para un significativo
deslocamiento de las representaciones docentes, bien como permitem afirmar la hipótesis,
inicialmente puesta, de que la profesionalización docente ocurre no apenas de manera tardía,
como también viene provocando una resignificación de los referentes de identidad de esos
profesionales.
Palabras-Clave: Profesorado; Representaciones Sociales; Identidad; Profesionalización
RÉSUMÉ
L'objectif de cette étude a consisté à appréhender et à reconstituer la manière par laquelle des
enseignantes et des enseignants attachés à l'éducation infantile et à la phase initiale de
l'enseignement fondamental produisent leur identité enseignante, dans le contexte d'une
professionnalisation tardive. Le champ de cette recherche a impliqué trois institutions publiques
d'enseignement supérieur, deux à Natal (RN) et un à João Pessoa (PB), qui développent des
programmes spéciaux de formation d'enseignants liés aux respectifs réseaux locaux
d'enseignement. Pour aboutir à l'objectif proposé, il a été utilisé la théorie des représentations
sociales pour l'appréhension des éléments constitutifs des représentations sociales du professorat
conforme à la formulation de Serge Moscovici et ses collaborateurs, en considérant, surtout, la
contribution complémentaire d'Abric sur la théorie du noyau central des représentations. En vue
de la nécessité d'une identification des éléments structurateurs des représentations, et définissant
des identités concernées, la production discursive enseignante et leurs conditions de production
ont été privilégiées dans la recherche. L'utilisation de leurs évocations, ainsi que des sources
écrites par les sujets impliqués eux-mêmes ont donné l’opportunité de l'affleurement des
différentes faces constitutives de l'être enseignant(e). Alors, le corpus lié à cette étude a été
soumis à une série de différentes méthodes / techniques condensées dans des programmes
informatisés et autres manuels dans un effort afin de conférer une plus grande rigueur de l'analyse
des résultats indiqués. Un référentiel d'analyse du discours a été utilisé afin de viabiliser
l'émergence des différents angles focalisant la configuration identitaire. Les résultats indiquent un
décalage significatif des représentations enseignantes, et permettent d'affirmer l'hypothèse
initialement émise que la professionnalisation enseignante arrive non seulement de manière
tardive, mais aussi vient en provoquant une résignification des référents identitaires de ces
professionnels.
MOTS-CLÉ: professorat ; représentations sociales ; identité ; professionnalisation
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
GRÁFICO 1
GRÁFICO 2
GRÁFICO 3
GRÁFICO 4
GRÁFICO 5
GRÁFICO 6
GRÁFICO 7
GRÁFICO 8
Dendrograma das classes-classificação hierárquica descendente do
corpus discursivo
Projeção das classes correlacionadas sobre o plano 1 e 2
Posicionamento dos elementos evocados pelo professorado nas
instituições envolvidas
Distribuição das evocações mais significativas do
professorado
Índice de maior proximidade / distanciamento das evocações –
IFESP.
Índice de maior proximidade / distanciamento das evocações –
PROBÁSICA
Classificação hierárquica descendente
Projeção das classes sobre o plano, relacionado à instituição de
origem
Pág.
110
112
146
152
156
157
171
172
LISTA DE TABELAS
TABELA 1
TABELA 2
TABELA 3
TABELA 4
TABELA 5
TABELA 6
TABELA 7
TABELA 8
TABELA 9
TABELA 10
TABELA 11
TABELA 12
TABELA 13
TABELA 14
TABELA 15
Vagas oferecidas pelo PEC/RP/UFPB no período de 1998 a 2002
Vagas oferecidas em Pedagogia ao PEC/RP/UFPB no período (1998-
2002)
Vocábulos específicos da classe 1
Vocábulos específicos da classe 4
Vocábulos específicos da classe 2
Vocábulos específicos da classe 3
Conexidade entre os elementos de maior proximidade (escore + 2) em
percentuais acima de 20% (PROBÁSICA /UFRN)
Conexidade entre os elementos de maior proximidade (escore + 2) em
percentuais acima de 20% (IFESP)
Conexidade entre os elementos de maior distanciamento (escore - 2) em
percentuais acima de 20% (IFESP).
Conexidade entre os elementos de maior distanciamento (escore - 2) em
percentuais acima de 20%- PROBÁSICA.
Elementos intermediários da representação social do ser professor/a
Vocábulos específicos da classe 2
Vocábulos específicos da classe 4
Vocábulos específicos da classe 1
Vocábulos específicos da classe 3
Pág
99
100
115
117
122
127
159
160
161
162
167
174
179
181
184
TABELA 16
Frequência e ordem dos destinatários das dedicatórias nos trabalhos de
conclusão de curso
194
SUMÁRIO
CAPÍTULO1
1.1.
1.2
1.3
CAPÍTULO2
2.1
2.2
2.3
2.4
2.5
2.5.1
2.5.2
2.6
2.6.1
2.6.2
INTRODUÇÃO
UMA TARDIA PROFISSIONALIZAÇÃO DO
MAGISTÉRIO
A problemática da profissionalização docente
A feminização do magistério
A política de formação do professorado polivalente
O CENÁRIO DA FORMAÇÃO DOCENTE
As propostas especiais de formação para o magistério público
A proposta do Instituto de Educação Superior Presidente
Kennedy - IFESP
O Programa Estudante-Convênio/ Rede Pública da
Universidade Federal da Paraíba - PEC/RP/UFPB
O Programa de Qualificação Profissional para a Educação
Básica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte –
PROBÁSICA / UFRN
O discurso docente sobre a formação
Distinções entre os discursos docentes vinculados às
instituições envolvidas
O perfil das classes no tocante às instituições envolvidas
O contexto da formação no discurso docente em cada
instituição.
A realização de um sonho e a busca de novos conhecimentos
(IFESP)
A contribuição do curso para a vida profissional e a luta para
realizá-lo (PROBÁSICA )
14
49
53
67
73
88
88
92
98
104
108
109
112
113
114
121
2.6.3
2.7
CAPÍTULO3
3.1
3.2
3.3
3.3.1
3.3.1.1
3.3.1.2
3.3.1.3
3.3.1.4
3.4
CAPÍTULO4
4.1
4.2
4.3
4.4
Atendimento à profissão já exercida (PEC/RP/UFPB )
O sentido do curso para o professorado vinculado às diferentes
instituições.
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO PROFESSORADO
SOBRE O SER PROFESSOR/A
O movimento das representações sociais
Elementos centrais dos conteúdos representacionais do
professorado em foco
Análise do conteúdo das representações sociais sobre o ser
professor/a
O núcleo central da representação social do ser professor/a
A aplicação do EVOC
Elementos constitutivos da representação social do ser
professor/a
O Método de Escolhas Sucessivas por Blocos (ESB)
Intensidade, direção e conexidade na representação social do
ser professor/a.
Outras palavras sobre o ser professor/a : o estudo do
ALCESTE
IDENTIDADES DOCENTES: REGULARIDADES E
RUPTURAS DISCURSIVAS
A emergência de antigas narrativas nas dedicatórias docentes
A desconstrução da prática pedagógica
A ressignificação da prática pedagógica
A construção de uma nova narrativa
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANEXOS
126
128
131
131
134
141
144
144
145
149
155
169
189
191
203
209
218
223
228
244
49
CAPÍTULO 1 - UMA TARDIA PROFISSIONALIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO
A profissionalização docente constituiu-se, nos anos que antecederam a reforma
educacional, numa das principais bandeiras de lutas de organizações sindicais e de entidades
educacionais do país. Esta temática tornou-se uma das mais importantes pautas no Fórum
Permanente de Valorização do Magistério da Educação Básica e da Qualidade do Ensino,
instalado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), nos meados de 1994. Ressalta-se nesse
debate a ênfase na questão da formação e nas condições materiais do trabalho docente. Pela
primeira vez no país, uma proposta de reforma passou a incorporar encaminhamentos trazidos
por entidades civis, porém resultando numa proposição de incorporação fragmentada e parcial de
profissionalização tardia. A pretendida profissionalização era entendida pelo movimento docente
como um avanço em termos políticos, sociais, econômicos e simbólicos nas condições objetivas e
subjetivas de trabalho. Por outro lado, o não atendimento aos referidos requisitos significava a
reafirmação da “sagrada missão pedagógica” (LOPES, 1998), por não ser redutível a uma cultura
profissional.
Historicamente, nota-se a ausência de medidas, por parte dos sistemas de ensino, que
vinculassem a formação à contratação de docentes para as séries iniciais do Ensino Fundamental.
Complementarmente, outros discursos reforçadores da desprofissionalização eram estimulados.
Nesse estudo, Lopes (1998) discutiu os inúmeros discursos já instalados, vinculando o magistério
ao sacerdócio e suas virtudes: abnegação, celibato, vocação, doação, desígnio etc. Entre esses
incluía um antigo educador brasileiro, Firmino Costa, conhecido pela sua postura “[...]
anticlerical e lúcida para distinguir o religioso do profissional, (pedindo) o celibato ou a não-
50
maternidade para as mulheres professoras, para que (incidisse) em maiores e melhores resultados
pedagógicos: para o bem da educação”. (LOPES, 1998, p.42). Este mesmo sentido ela encontra
no discurso de outro emérito educador brasileiro, Fernando de Azevedo, que não disfarçava as
marcas da presença religiosa em sua concepção de educação e de docência, em discurso proferido
para concluintes de um curso normal em 1941:
Mas essa alta concepção de vida, quase ascética, feita de generosidade de
disciplina e de espírito de sacrifício, é tanto mais necessária quanto é certo que,
na carreira que abraçastes, do magistério e de atividades ligadas à educação, o
trabalho é por sua natureza, freqüentemente obscuro, quase anônimo, feito de
grandes dedicações e de pequenas renúncias, e que o heroísmo se desdobra, sem
rumor e sem brilho em esforços extraordinariamente fecundos para o individuo e
para a nação. (AZEVEDO, apud LOPES, 1998, p.49).
Nesse discurso, em seguida, o autor chamava, contraditoriamente, esta síntese do
sacerdócio como “[...] profissão do educador” (AZEVEDO, apud LOPES, 1998, p.49).
Analisando com profundidade a religiosidade que marcou o magistério da
escolarização inicial como uma sagrada missão pedagógica, Lopes (1998), nesse trabalho,
registrava a reafirmação desse discurso, em diversos momentos históricos. Ao mesmo tempo em
que indicava a dificuldade de se abandonar a marca religiosa na educação, situando em longa
data a sua origem, localizando a sua presença, também, no discurso de professoras que, para ela,
ecoava em “[...]todas as falas de um passado que não passou”(AZEVEDO apud LOPES,1998,
p.51). Referindo-se também a essa dimensão missionária do magistério, Pereira (2001) nos fala
de um ethos missionário formado por um conjunto de valores incorporados, responsáveis pela
moral ocupacional que atingia sobremaneira os agentes femininos. Estes se encontram “[...]
51
colocados nas posições menos legítimas do espaço simbólico, sujeitos a uma maior arbitrariedade
cultural...” (PEREIRA, 2001, p.72) De acordo com este autor, o magistério oficial se
caracterizava como uma “[...] categoria profissional dominada e desprestigiada”, onde a força do
arbítrio se fazia mais presente, revelando uma maior ambigüidade entre os pólos da vocação e da
profissão, na “[...]abordagem de suas dificuldades materiais e simbólicas.(PEREIRA, 2001, p.
30).”
Com efeito, somente a parcela do professorado envolvida com as séries finais da
escolarização básica foi historicamente vinculada à especialização, tendo em vista a valorização
dos processos produtivos para a modernização da economia brasileira. Já a parte majoritária da
categoria, o professorado polivalente ficava relegado a uma formação elementar, de nível médio,
não obstante a estreita vinculação que se fazia entre a esfera escolar e a esfera produtiva, como
condição para a grande expansão econômica proposta para o Brasil na década de 70. A educação
como requisito de modernização social, contudo, não poderia ser efetivada, descolada de um
investimento maior na formação docente. Não apenas os países de economias desenvolvidas são
exemplos disso, como outros, de economias dependentes, como no caso da Argentina e Chile, já
possuírem, há algum tempo, o nível superior como patamar de formação do magistério
(MENESES, 1996). Embora não seja este o único requisito definidor de uma profissionalização,
é, sem dúvida, um fator de grande importância para isso, além de constituir-se em ponto de luta
do professorado.
Embora acenando para a inclusão dos declarados interesses das forças docentes
organizadas, a reforma educacional já se iniciava, pois, excluindo mais do que incluindo os
referidos interesses expressos no mencionado Fórum. Ao invés disso, foi desfeito o pacto,
firmado entre o MEC e as mencionadas entidades, pelo estabelecimento de um Piso Salarial
52
Profissional Nacional como uma primeira medida no sentido da valorização do magistério.
Contudo, a dinâmica da reforma acabou alijando a participação dessas entidades sendo
desconsideradas as medidas de valorização docente anteriormente acordadas. Ao ser suprimida a
dimensão nacional do piso salarial, comprometia inclusive o caráter de piso, passando a vigorar
como um salário médio e a ser estabelecido individualmente, em cada sistema estadual e
municipal de ensino. Para a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), o
Fórum e o Acordo foram inviabilizados e a discussão, que se acumulara, era apropriada de modo
reducionista, aquém das exigências educacionais e sociais. Mas para o MEC, “[...] a pauta ficou
definitivamente instalada” (ANÁLISE..., 1999 p. 4). De maneira semelhante, sucumbe também a
proposta de progressão funcional. Desta vez, apesar de já firmada em lei
38
, a obrigatoriedade foi
suspensa por liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal, antes que decorresse o tempo
previsto para a criação de um plano de carreira e remuneração para o magistério, protelando-se,
assim, o que ainda restava dos acordos firmados no sentido da valorização do magistério.
Ao serem zeradas, desse modo, as promessas de investimento salarial e na carreira,
restou a questão da formação como único requisito da profissionalização mantido, de uma certa
forma, na reforma vigente. O aceno à profissionalização do magistério, da concepção à
implementação dessa reforma, acabou por tomar o feitio próprio das mais diferentes medidas de
modernização historicamente tomadas no país, por ter suas metas e objetivos mais amplos
reduzidos a iniciativas menores e de pequeno alcance. Neste sentido, podia-se de
antecipadamente prever que a enunciada década da educação iniciada com a presente reforma em
1996, não seria capaz de garantir a pretendida (e prometida) profissionalização, pois seu alcance
38
Referimo-nos a Lei 9424/96 - Lei do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério – FUNDEF.
53
estaria ligado a uma conjugação de fatores não redutíveis unicamente à formação. Aliás, muitas
são as divergências que envolvem o debate em torno desta questão da profissionalização, que
passaremos, resumidamente, a situar na seção seguinte.
1.1 - A problemática da profissionalização docente
O debate atual sobre a profissionalização docente envolve diferentes abordagens,
demarcado principalmente pelo conjunto de estudos originados na sociologia das profissões, cuja
contribuição consistiu em relacionar as características específicas de uma profissão frente às
demais ocupações (COSTA, 1995). Seguindo essa orientação, o debate classicamente se localiza
na atribuição do magistério a uma profissão ou semiprofissão.
A profissionalização, conforme conhecemos hoje, é uma invenção da modernidade,
enquanto requisito necessário à nova ordem instituída, que vai redundar na chamada sociedade do
trabalho. Esta nova ordem econômica tinha por base a indústria e a extremada especialização do
trabalho, típico do modo produtivo que se instituiu. Por esta razão, preconizava Weber, a
profissionalização constituía-se em um dos processos essenciais à modernização. O modelo
comunitário predominante na formação social anterior foi superado e em seu lugar passou a
vigorar um estatuto social pautado nas tarefas efetuadas e nos critérios racionais de competência
e especialização (WEBER apud DUBAR, 1997). A distinção entre profissão e ocupação aí
delineada, constituiu-se numa primeira tarefa realizada pela sociologia das profissões. Esta
distinção corresponderia, em Weber, a de profissões heterônomas ou subordinadas, na qual se
ressalta a ausência de autonomia como definidora dessa condição (SÉRON, 1999).
54
Com base nessa perspectiva de análise, o magistério era tomado como uma
semiprofissão sendo justificada pela problemática da burocratização desta ocupação e o
correspondente processo de feminização pelo qual fora construído. Esta condição respaldava
inúmeras contribuições acerca do magistério na literatura internacional, conforme é apontada em
vários estudos como Costa (1995); Ramalho (1993); Séron, (1999) e Enguita (2004), sendo
inicialmente definida por Etzioni, identificando a semiprofissão como referente a um grupo
profissional com formação mais curta e que não exerce o controle sobre o seu próprio trabalho,
como acontecia com as profissões liberais clássicas, mas sim, na condição de serviço público
assalariado e sob o controle de instâncias de poder constituídas (ENGUITA, 2004).
A crítica contraposta a esta visão de ensino como profissão apontava para outra
perspectiva de análise, segundo a qual o magistério, como trabalho exercido no modo de
produção capitalista, era constrangido pela intensificação da sua carga de trabalho, sujeito a todas
as formas de desqualificação, e levando-o inevitavelmente a um processo de proletarização
(SÉRON, 1999).
A atualidade do tema, contudo, traz novos posicionamentos, apresentando-se mais
atenuadas as divergências inicialmente postas ao debate. Para vários autores por ele analisados, a
autonomia apresenta-se como a problemática mais relevante para a elevação da docência à
condição de profissão. Para outros, a autonomia era o diferencial que imprimia níveis distintos
de hierarquização profissional no interior do magistério. Uma outra perspectiva apontada
positivamente por este autor analisava a categoria docente como grupo de status, permitindo
avaliar, por diversos ângulos, a posição do professorado primário, o estilo de vida, a orientação
de valores, atitudes e conhecimento de sua organização profissional.
55
De acordo com este autor, o importante era construir um novo profissionalismo
docente, voltado para as idéias educativas democráticas e dialógicas. Ou, talvez, mais importante
ainda fosse a renúncia, mesmo acenada como estratégica, a antigos e descabidos conceitos de
profissionalização, para servir a uma velha ordem baseada em valores liberais ou neoliberais
voltados à lógica de mercado e não aos interesses mais gerais da sociedade.
1.2 - As condições da profissionalidade docente no Brasil e nos estados do Rio Grande do
Norte e da Paraíba
Enquanto pensamento hegemônico, o magistério atuante nos níveis mais elementares
da educação básica passa a ser compreendido como um tipo de trabalho não profissionalizado e
inserido em um ethos missionário e identificado como uma ocupação feminina. Este
entendimento perpassa as esferas de decisão comprovada pela tardia decisão de uma política
geral de formação docente para o país. Somente com os ventos democratizantes do pós-guerra foi
editada uma legislação que procurava contemplar a formação para o magistério nacional com a
Lei Orgânica do Ensino Normal Superior de 1946. Pimenta e Gonçalves (1990) com base em
estudos desenvolvidos por Pereira assinalavam que já na década de 60 “[...] quase a metade dos
professores primários brasileiros não se diplomou pelas escolas normais” (PIMENTA e
GONÇALVES,1990 p.102). A persistência histórica dessa situação demonstrava a pouca
importância dispensada pelas políticas educacionais à formação docente desta parcela do
magistério brasileiro. Outros estudos da década de sessenta indicavam a ausência de “[...] uma
compreensão acerca da importância do problema da formação de professores primários, enquanto
56
condição de desenvolvimento da educação popular ocorrida no Brasil em fase relativamente
tardia e de forma lenta” (SILVA apud CAMPOS, 2002, p.17).
Apesar do reconhecimento da necessidade de escolas para a formação do magistério,
algumas criadas ainda no século XIX, nas províncias imperiais brasileiras, não se consolidaram
no país, a idéia de uma formação básica para o exercício da docência. O advento da república em
1889 pouco alterava o quadro educacional brasileiro, acentuando-se ainda mais, conforme
Romanelli (1986), as desigualdades educacionais no país. A autonomia consagrada aos Estados
permitia que aqueles que tivessem maior poder político e econômico passassem a deter também
as condições de equipar mais adequadamente os sistemas de ensino, enquanto os Estados
restantes “[...] seguiam sem profundas transformações as linhas do seu desenvolvimento
tradicional predeterminadas na vida colonial e no regime do Império” (AZEVEDO, apud
ROMANELLI, 1986, p. 43).
Não obstante a importância atribuída à formação para o exercício profissional na
sociedade do trabalho, tradicionalmente, e em nível local, o acesso ao magistério se deu
independentemente da formação. Por muito tempo, a contratação do magistério se deu por
critérios clientelistas e de natureza eleitoral, afirmando-se como uma ocupação que não
prescindia de formação. Assim, a Escola Normal não teve entre nós o sentido dominante e
estruturador do magistério que alcançou em outras regiões, na definição de suas características
relativas ao predomínio sexual, de gênero, ou de classe, porque sua definição seguia outros
caminhos próprios da política acima mencionada, não podendo ser simplesmente estendida à
nossa realidade.
De acordo com Kulesza (2003), a Escola Normal na Paraíba foi criada em 1884, sob a
inspiração positivista da Escola Normal da Corte, não conseguindo, contudo, imprimir seus
fundamentos em sua organização administrativa e pedagógica, pelo seu atrelamento à esfera de
57
poder local. Assim, até o conteúdo curricular profissionalizante, definidor de sua existência,
estava submetido à vontade dos governantes ou às pressões sociais e econômicas conjunturais
(KULESZA, 2003).
No caso da província do Rio Grande do Norte, os ensaios de criação da Escola
Normal foram ainda mais tímidos e descontínuos do que a referida iniciativa paraibana. A Escola
Normal no Rio Grande do Norte já nascia como “[...] programa de ensino improvisado”,
possibilitando sua desativação quando conviesse aos interesses administrativos vigentes
(AQUINO, 2002, p.27). Após várias tentativas, somente em 1908 foi instituído o ensino normal
no Estado, porém com funcionamento precário, por não possuir prédio próprio, passando a
funcionar anexa ao Atheneu e destinada a atender alunos de ambos os sexos (OLIVEIRA, 1990).
Mesmo sendo idealizada a partir do discurso da “modernização, expressa o atraso pelo descaso,
funcionando em lugares improvisados” (AQUINO, 2002, p. 179). A improvisação predomina até
1955, quando consegue uma sede passando a funcionar juntamente a um Grupo Escolar Modelo e
um Jardim de Infância, além de compartilhar o espaço com o Atheneu Norte-Riograndense
(AQUINO, 2002). Conforme essa autora, somente em 1965, com o financiamento norte-
americano através do programa Aliança para o Progresso, a Escola Normal de Natal passou a ter
uma sede própria e exclusiva começando a funcionar o então Instituto de Educação Presidente
Kennedy, hoje o Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy.
Do exposto, torna-se patente que a formação docente não foi considerada importante
por todo o período imperial e por muito tempo, durante a república. Pimenta e Gonçalves (1990)
também chamavam atenção para a pouca importância dada à formação específica do
professorado no país. Desta vez, com o agravante de referir-se à mesma situação curricular no
magistério mais de meio século depois (já sob a vigência da Lei Orgânica do Ensino). Sob esta
determinação, somente no 4º ano do curso do 1º ciclo, foram integralizadas disciplinas de
58
conteúdo profissional e apenas no 2º ciclo, as mesmas apareceram a partir do 2º ano (PIMENTA
e GONÇALVES, 1990). O sentido da terminalidade de formação profissional atribuído ao nível
normal que tinha por objetivo declarado “[...] prover a formação do pessoal docente necessário às
escolas primárias” (PIMENTA e GONÇALVES, 1990, p.96) não se confirmava diante de tão
raro conteúdo profissionalizante. Quanto à possibilidade de continuidade de estudos, a Lei
Orgânica do Ensino Normal era restritiva para os egressos do curso, limitando o acesso a apenas
alguns cursos da Faculdade de Filosofia (ROMANELLI, 1986). Chegava a ser restritiva até
quanto ao ingresso de pessoas com mais de 25 anos de idade, no próprio curso normal, em
qualquer dos dois ciclos. (ROMANELLI, 1986). Com esta medida, o recém-criado sistema
nacional de ensino condenava, para sempre, como leigo, todo o professorado que se encontrava
em exercício profissional, porém não possuía ainda a titulação. Neste sentido, apontava a autora,
a maior contradição identificada na institucionalização do ensino normal, nos moldes acima
mencionados: “tinha muito mais razão de existir como curso de habilitação para professores
leigos do que como curso de habilitação para adolescentes de 14 ou 15 anos” (ROMANELLI,
1986, p. 165). Nessa conjuntura do pós-guerra, favorável à expansão do ensino, ocorre, segundo
Romanelli, uma grande ampliação do número de escolas normais, chegando a apresentar 540
cursos em 1949, não se mostrando, contudo, suficiente para atender a demanda escolar do
período (ROMANELLI, 1986). Assim, a formação para o magistério se mostrava deficiente,
tanto do ponto de vista da oferta para o nível inicial de ensino como também com relação à
qualidade dos cursos. O descompasso entre a crescente oferta educacional para as séries iniciais e
o nível de qualificação do magistério se mantinha nas décadas seguintes. Concorriam para isso os
sucessivos programas especiais de formação direcionados ao professorado leigo nas diferentes
conjunturas históricas do último século, sem que tal meta fosse, contudo, alcançada,
principalmente nas regiões de menor desenvolvimento industrial.
59
A expansão da escola pública tornou–se a grande bandeira de luta da sociedade
brasileira, desde as primeiras décadas do século XX. Contudo não se colocava no mesmo patamar
a exigência de formação do professorado. Pelo silêncio ou mesmo conivência com o clientelismo
que regia o acesso ao magistério público, a profissionalização afastava-se cada vez mais da
atividade ocupacional docente, nivelando-se por baixo o patamar de ingresso e permanência no
magistério, e instituindo-se a figura do/do professor/a leigo/a. Neste sentido, identifica Kulesza
(2003), um aumento ano a ano do número de professores/as leigos/as no ensino primário, apesar
do crescimento, na mesma ordem, do número de escolas normais (KULESZA, 2003). Assim,
conclui o autor, mesmo negada a sua institucionalização, tendo em vista as normas legais, estas
não teriam forças suficientes para mudar uma realidade toda ela calcada em forças patriarcais,
mas promoviam políticas de habilitação emergencial do professorado leigo no país.
Há muito tempo convivemos com esta face emergencial, focal, das políticas
educacionais brasileiras
39
. Esta forma de fazer política social gestada por uma economia da
escassez para os excluídos do sistema educacional não é uma invenção recente do
neoliberalismo, mas uma reafirmação da forma sempre recorrente de capacitação em serviço para
o magistério, enquadrada em um modelo de modernização tardia da sociedade brasileira. De
acordo com Amaral (1991), a capacitação em serviço de docentes foi sempre acionada
especialmente nos momentos de campanhas para a melhoria da qualidade do ensino em distintas
conjunturas históricas:
39
. Conceder uma educação menor, emergencial para atender faixas de exclusão, já chegou a ser apresentada no país como meta prioritária do III
Plano Nacional de Desenvolvimento, no último governo militar. Esta política tomou forma na educação em um programa paralelo do sistema
60
[...] anos 40, com o programa encabeçado pelo INEP, que gerou o plano de
melhoria do ensino no meio rural. Nos anos 60, a democratização proposta pelo
governo Goulart incluiu o Programa de Aperfeiçoamento do Magistério no
Plano Trienal. E, posteriormente, o Estado autoritário pós-64 legitima este
Plano. Na década de 70, a reforma de ensino, prevendo uma expansão em todo o
seu sistema, implementava o Projeto Logos II para habilitar, em curto espaço de
tempo, o maior número possível de professores não habilitados
(AMARAL,
1991, p.63).
Contudo, o Logos II não ficou circunscrito ao atendimento de uma demanda
localizada na década de 70 no contexto do regime militar. Criado para atender a uma situação
específica, esse projeto devia ter sido desativado após o cumprimento dessa missão, para o que o
regime militar dispôs de duas décadas. Contudo, não se extinguiu nem o programa nem o
problema que se propunha solucionar. Estranhamente, o projeto persistiu até hoje em toda a sua
anacronia. Mesmo após a última reforma de 1996, o Logos II foi mantido, sendo na Paraíba
reeditado o seu Manual, no ano seguinte à promulgação da reforma, sem alterar uma vírgula da
obsoleta metodologia utilizada de instrução programada, herdada do modelo tecnicista, em vigor
quando de sua criação no início dos anos setenta (SILVA; FAUSTINO, 1999). Mesmo após o
estabelecimento do nível superior de formação como base para o magistério pela atual reforma, o
Logos II passou a conviver com outros programas mais sofisticados de capacitação em serviço,
como o Programa de Formação de Professores em Exercício - PROFORMAÇÃO
40
, entre outros,
que utilizam tecnologias interativas. Assistiu-se, inclusive, ao desvirtuamento dos seus próprios
regular do ensino: o Programa Nacional de Ações Educacionais e Culturais para as Populações Carentes do Meio Rural e do Meio Urbano – o
PRONASEC Rural e o PRODASEC Urbano (Melo, 1990; Germano, 1993).
40
Este programa repete o objetivo do Logos II propondo uma formação em nível médio, com habilitação em magistério na modalidade normal e
se destina ao professorado ainda não habilitado, que esteja lecionando nas 4 séries iniciais, na alfabetização ou na modalidade da Educação de
Jovens e Adultos na rede pública de ensino. Trata-se de um curso a distancia realizado pelo MEC em conjunto com os estados e municípios
(CUNHA, 1998
61
objetivos, pelo ingresso de qualquer pessoa que tivesse concluído o ensino fundamental ou
equivalente, e que alegasse lecionar, mesmo tratando-se de reforço particular, em sua própria
casa (SILVA; FAUSTINO, 1999). Assim, os simulacros de formação docente tendem a
permanecer, como também a persistir “a problemática da desprofissionalização” (RAMALHO,
1993).
Sob diferentes ângulos, a experiência vivenciada no Logos II é apresentada nos
memoriais de formação do professorado vinculado ao IFESP. Algumas professoras registraram a
sua importância por se constituir numa oportunidade proveitosa de acesso a uma formação
pedagógica. Uma dessas professoras começou suas atividades docentes apenas dois anos após
concluir o seu próprio curso primário e somente 12 anos depois iniciava o curso pedagógico, sem
interromper suas atividades de ensino por todo esse tempo (MF1A96)
41
. Outra professora,
advinda de uma experiência de ensino em uma turma do Mobral, tendo ela própria concluído o
primário com grande deficiência numa turma multiseriada, avaliava positivamente a formação
pedagógica recebida no Logos II. O Mobral foi para ela uma “porta de ingresso para o
magistério” e também de saída “do árduo trabalho da roça”. (MF2A97). O referido Projeto
representou, para ela, conforme registra em seu Memorial, a possibilidade de uma formação
específica para o magistério. Porém, não foi fácil realizá-lo. A professora apontava a financeira
como maior dificuldade vivenciada, pois o salário era todo consumido no transporte para a cidade
mais próxima, onde o Projeto atendia ao professorado da região. O curso se revestiu de grande
importância para ela, pois “[...] pela primeira vez, tinha contato com as disciplinas pedagógicas
do magistério, muito contribuindo para o planejamento de aulas” (MF2A97). Contudo, implicou
no atraso dos prazos de conclusão dos módulos, sendo necessária a ampliação do mesmo para a
62
conclusão do curso. É interessante nesse relato observar como o saber toma forma de poder, pelo
realce que é dado à dimensão burocrática do seu trabalho e do enorme esforço despendido para
esse fim, isto é, com o conteúdo a ser ostentado em seu “planejamento”, conforme registrava.
Porém uma outra professora de trajetória semelhante, não fazia a mesma avaliação
da “capacitação” recebida. Lecionara por mais de 20 anos como professora leiga, tendo passado
um longo tempo numa “[...] escola que funcionava em um armazém [...] próximo a um curral de
cabras, na qual o quadro de giz e três mesas grandes ladeadas por bancos, constituiam-se em todo
o mobiliário”, onde “[...] as crianças se acomodavam desconfortavelmente porque os assentos
não eram suficientes” (MF1D/98). Essa mesma professora justificava que “[...] recebia instrução
duas vezes por ano, mas não entendia o que estava sendo colocado”. Porém, analisava a
professora, “[...] ao sistema educacional não importava que o professor fosse ou não capacitado,
importava o preenchimento da vaga” (MF1D/98). Ressalta-se, contudo, que as deficiências
apontadas não se dirigiam exclusivamente aos cursos de capacitação em serviço. Outras tantas
críticas se faziam nesses memoriais, com relação aos cursos regulares do magistério.
No limiar da última reforma educacional, o Censo Escolar de 1994, divulgado pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP/MEC), anunciava o índice de
29,3% de professores/as leigos/as no ensino pré-escolar e nas séries iniciais da escolarização na
Paraíba. Quanto ao Rio Grande do Norte, esses indicadores mostravam uma situação um pouco
melhor, cujo índice sobre o mesmo professorado não habilitado era de 15,14%. Em dados
divulgados mais recentemente, na Pesquisa de Professores realizada pela Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO/ INEP - 2004 não houve
destaque sobre essa parcela do professorado, enfocando o ensino fundamental como um todo.
41
Esta sigla corresponde: (MF) Memorial de Formação, ( 1) turno (A) turma e ano, que passaremos a utilizar sempre que nos referirmos a eles.
Quando se tratar dos trabalhos de conclusão de curso do PEC/RP, utilizaremos a sigla MC Monografia do Curso, com o respectivo
número e
63
Mesmo assim, foi apontado o alto índice de média nacional, indicada em 29,0% daqueles/as que
detinham nesse nível de ensino, apenas a formação em magistério em nível médio. Observava-se,
assim, que apenas 60,3% eram possuidores/as do nível superior, mesmo envolvendo a parcela do
professorado vinculado às últimas séries desse nível de ensino (5ª a 8ª séries). A demanda por
uma formação em nível superior tem sabor de um antigo sonho do professorado, porém não se
observa o mesmo empenho por parte dos sistemas de ensino. Pelo contrário, as medidas e atos
normativos engendrados ao longo dessa reforma apontam para o esvaziamento das propostas
inicialmente anunciadas, relacionadas, inclusive, à qualificação docente.
Deste modo, tende a ser interrompido o processo de capacitação que, com toda
debilidade, era o único aspecto sobrevivente do projeto de valorização do magistério formalizado
por ocasião da reforma educacional do país, concebido frente ao quadro de destituição da
educação brasileira e das condições de trabalho do professorado.
A difícil situação da educação básica e do magistério constitui-se em um dos
principais enfoques da luta do professorado e de estudos no país. Dentre esses se ressaltam,
especialmente, os estudos pioneiros realizados na década de 70 por Romanelli (1986) e Saviani
(1983), que informam sobre a inexistência de um sistema educacional no país, gerando um
enorme déficit histórico na educação brasileira. Nesse clássico estudo, Romanelli desenvolveu a
tese segundo a qual o desenvolvimento urbano-industrial, potencializado a partir de 1930,
acentuou ainda mais a defasagem entre educação e desenvolvimento econômico, tanto em nível
quantitativo quanto estrutural. Tendo por base a teoria da dependência, a autora ligou o atraso
cultural e educacional existente até então no país a um tipo de desenvolvimento dependente dos
países centrais. Para esta autora, a tardia organização da educação elementar brasileira gerou um
descompasso entre o sistema de ensino das regiões implicadas na industrialização e o respectivo
ano.
64
desenvolvimento urbano-industrial. Assim, a educação básica só vem a ser tomada como
investimento econômico e parte de expressas políticas educacionais após o golpe militar de 1964,
com a reforma educacional emergente do regime instituído, em direção à grande expansão
capitalista, expressa pela profissionalização compulsória do ensino médio (ROMANELLI, 1986;
GERMANO, 1993). Nesta obra, assinala Germano, a inoportunidade da conversão, naquele
momento, do ensino de 2º grau ao mundo do trabalho resultou, ironicamente, numa “[...] opção
caduca”, pois as economias capitalistas, já naquela época, demandavam uma formação geral,
“[...]voltada para as capacidades cognitivas e não especificamente para o trabalho” (GERMANO,
1993, p. 185 – 6). A transformação do magistério numa mera habilitação de 2º grau, de recorte
tecnicista, colocava o professorado no mesmo plano de desqualificação das demais habilitações.
Pela análise desse autor, pode-se perceber o descompasso e a inocuidade das políticas relativas à
educação básica brasileira. Embora enfocando diferentes momentos, os estudos apresentados nos
informam sobre o desencontro entre as estratégias políticas adotadas, tendo em vista a
modernização da sociedade brasileira, e os baixos efeitos educacionais alcançados. Praticamente,
a melhoria da formação docente não se constitui em fator considerado necessário à
universalização e à melhoria da qualidade do ensino. Antigas análises já apontavam, com razão,
para a persistência dessa situação, inseridas na necessidade do rebaixamento dos custos da
expansão escolar:
O “professor leigo” não é um desvio do sistema. Pelo contrário, ele é parte
necessária e imprescindível do mesmo, não obstante este considerá-lo um
desqualificado oficial, legal e social. Este “ator social” é o “exército de reserva”
do sistema de ensino, principalmente para atender às zonas rurais e às periferias
urbanas. (AMARAL, 1991, p.41).
65
E conclui acertadamente, já naquela época, esta autora:
O professor leigo sobreviveu numericamente a todas as políticas formais e não
formais de capacitação e aperfeiçoamento, às diversas teorias pedagógicas que
fundamentaram os programas e aos arranjos administrativos que assumiram as
políticas de habilitação dos leigos (AMARAL, 1991, p.50).
Concorrem, ainda, para uma maior precarização da situação do professorado as
inadequadas condições de trabalho, a ampliação do desemprego e a adoção de medidas altamente
restritivas à ampliação dos direitos sociais nas sociedades atuais, reféns das políticas de ajustes
promovidas pelo modelo neoliberal hegemônico. No Rio Grande do Norte chegou a ser instituído
oficialmente
42
o Professor Estagiário, sem exigência de formação específica, inclusive
pedagógica, com evidentes implicações no desempenho das atividades docentes. Não obstante as
controvérsias que envolvem a sua presença, nas escolas estaduais foram empregadas, somente no
ano de 2004, exatamente 1100 estudantes estagiários para suprir as vagas indicadas
(ESTAGIÁRIOS..., 2004).
Na Paraíba, dados divulgados pela própria Secretaria Estadual de Educação e Cultura,
com base no Censo Escolar 2003, informam que apenas 63,6% do professorado vincula do à
42
Segundo um jornal local (Diário de Natal 30/12/2004), o ano chegou ao fim sem que boa parte deles houvesse
recebido o salário, em torno de um salário mínimo, desde o início do ano. Acrescenta, ainda, a disposição de
contratação de estagiários para o ano seguinte, “[...] de forma mais constante”, conforme anunciava o secretario
adjunto da Secretaria do Estado da Educação e Cultura.
66
Educação Básica na rede pública estadual, envolvendo a Educação Infantil, o Ensino fundamental
e o Ensino Médio, era portador de licenciatura plena (PARAÍBA, 2005). Esta situação é a inda
mais agravada com relação aos sistemas municipais de ensino paraibanos, cujo percentual de
licenciados é de 32,8% envolvendo o Ensino Fundamental e alguns, turmas de Educação Infantil.
Com efeito, os dados divulgados pelo Censo Escolar, relativos à função docente em 2003,
mencionados pela Secretaria de Educação e Cultura do Estado, informam a existência de um total
de 6.837 professores/as sem licenciatura plena, porém em exercício docente na Educação Básica
em todo o Estado. Além disso, 3.200 professores/as ocupados na função docente não possuíam
ainda titulação na modalidade normal no nível médio. Observa-se, assim, que a não titulação
envolve milhares de docentes vinculados ao nível de ensino em foco. A ausência de formação
inicial não se constitui, no entanto, no único problema que afeta o professorado. Uma boa parte
desse professorado encontra-se, inclusive, atuando com contrato precário, pro tempore, na rede
pública de ensino, fórmula de contratação instituída há muito tempo no Estado. Este fato é
comprovado em entrevistas e contatos informais realizados ao longo da pesquisa que atestam a
existência desse tipo de contrato, alguns/as há mais de 18 anos.
As diretrizes acenam para a valorização do magistério, porém estas não se efetivam
em medidas coordenadas de ação com vistas a melhoria da situação do magistério público
brasileiro. Enfim, ao fazer a opção por uma política de soma zero, os sistemas de ensino
renunciam a um maior controle de regulação do ensino e de seu professorado mediante as
tecnologias de formação anunciadas, conforme a tendência identificada em outros contextos
sociais, nos processos de reestruturação de seus sistemas educativos (POPKEWITZ, 1995, 1997).
Segundo este autor, a função precípua das reformas educativas em seu país, os Estados Unidos da
América, expressa em nome da profissionalização, direciona-se à redução da autonomia e da
responsabilidade docente (POPKEWITZ, 1997). Também Nóvoa (1995) aponta essa mesma
67
direção nas reformas educacionais em Portugal, cujos mecanismos acionados se reportam a “[...]
novos controles, mais sutis sobre a profissão docente” (NÓVOA, 1995, p. 23).
No caso brasileiro, o desencontro entre as estratégias acionadas de modernização
desigual e retardatária da vida econômica e sócio-educativa do país, tem implicado em efeitos
distintos, tencionando a educação brasileira entre elementos tradicionais e modernos em seus
sistemas de ensino, configurando-se, para o professorado aqui envolvido, numa
profissionalização tardia. A idéia de modernização da sociedade aciona mecanismos da expansão
escolar no nível elementar nos quadros do desenvolvimento urbano-industrial brasileiro. Esta
mesma justificativa se aplica à crescente presença feminina no exercio docente, diante do
abandono do magistério, na mesma proporção, pelos homens que passavam a ocupar lugares mais
rentáveis no mercado industrial de trabalho em crescimento (LOURO, 1997b).
1.2 - A feminização do magistério
A maciça presença feminina no magistério infantil, quase absoluta no recorte
empírico deste trabalho, merece um destaque neste momento, tendo em vista seus reflexos na
identidade e na ação docente. Vários estudos no país têm considerado a feminização do
magistério como conseqüência da feminização da Escola Normal. Dados apresentados por
Campos (2002) assinalam que ao “[...] final da primeira república, a feminização da profissão
docente em São Paulo era um fato, já que as mulheres constituíam a grande maioria dos
68
diplomados nas escolas normais oficiais” (CAMPOS, 2002, p.29). A autora destacava o ensino
normal não apenas por vincular-se à feminização do magistério, pois mesmo que não garantisse a
formação docente “[...]realmente competente para o magistério primário, pelo menos atuava
como meio de formar parcelas cada vez mais amplas da população, especialmente do sexo
feminino “[...] para setores diversos da economia ou para a vida doméstica” (CAMPOS, 2002,
p.31). Neste sentido, também Demartini & Antunes (2002) apontavam a Escola Normal como
uma oportunidade ímpar, a partir da qual as mulheres poderiam não apenas prosseguir seus
estudos como, também, permitiria o exercício da atividade docente. Outros fatores eram
acrescentados na literatura como responsáveis pelo fenômeno da feminização do magistério,
apontados também na literatura internacional, como aqueles vinculados ao processo de
urbanização e industrialização, que levaram os homens a deixarem o magistério (COSTA, 1995;
LOURO, 1997b; ENGUITA, 2004). Neste sentido, a feminização do magistério era
compreendida como um fenômeno relacionado à esfera produtiva que ocorria pela possibilidade
de trabalho aberta às mulheres, não tendo como condição prévia a sua formação.
Admitindo-se que a feminização do magistério em algumas regiões do país tenha
partido do ingresso massivo das mulheres na escola normal, não foi com certeza um fator
determinante do mesmo nos Estados delimitados para este estudo, conforme analisado
anteriormente. Assim, esta tendência amplamente identificada nas análises sobre a gênese do
magistério brasileiro, apontando a escola normal como um fator relevante do perfil desse
magistério, não pode ser estendida à realidade local, simplesmente porque a certificação por ela
conferida não era considerada na hora da contratação.
Menor é a discordância, na literatura pertinente, quanto aos efeitos da feminização na
expansão do ensino elementar do país, na primeira metade do século XX. Na realidade aqui
69
analisada, o fenômeno da expansão educacional, normalmente associado ao fenômeno da
feminização, independe dos distintos ritmos de crescimento e expansão educacional nas
diferentes regiões brasileiras. Tomando por base a formação docente como componente
imprescindível à expansão e ao desenvolvimento da educação escolar, torna-se mais difícil ainda
uma compreensão deste cenário, a partir de uma suposta unidade do sistema educacional
brasileiro. Campos (2002), citando o antigo estudo da década de 60, já referido, lembra o pouco
investimento na formação docente, historicamente observado no país: “A própria formação de
professores para o ensino primário, como condição de desenvolvimento da educação popular,
ocorreu no Brasil em fase relativamente tardia e de forma lenta” (CAMPOS, 2002, p. 17).Quanto
mais distintos os níveis de desenvolvimento entre as regiões, mais tardiamente chegava essa
formação. E mesmo com a explícita vinculação da educação infantil às mulheres, desde a criação
das primeiras escolas normais, o acesso delas à formação específica para o magistério se efetiva
mais lentamente ainda. Neste sentido, assinala essa autora, a seção feminina da escola normal de
São Paulo, criada em 1847, nunca funcionou, sendo somente efetivada três décadas depois.
Somente nos últimos anos do século mencionado, no contexto internacional de organização dos
sistemas nacionais de ensino, mas no Brasil de acanhadas medidas localizadas nas províncias,
deu-se o inicio da ocupação das mulheres no ensino (CAMPOS, 2002). Porém, o seu ingresso
ocorre juntamente com medidas discriminatórias no sentido de um currículo especial para
mulheres. Por muito tempo, a formação das mulheres para a docência era distinta da formação
destinada aos homens. Conforme essa autora: “O mister do ensino era um prolongamento das
atividades do lar para a mulher, não havendo, assim, necessidade de preparação mais
especializada” (CAMPUS, 2002 p.28). Outras perspectivas de análise assinalam que, ao invés de
simplificar os requisitos necessários à docência, o processo de feminização contribuiu para a
configuração de um novo perfil para o magistério, colocando para as mulheres o desafio de
70
demonstrarem “[...]não apenas conhecimentos relativos ao ofício pedagógico, mas habilidades
relacionadas ao seu papel social, ao lugar feminino na sociedade” (GOUVEIA, 2001, p.51).
Porém, esta autora concorda com a afirmação mais amplamente disseminada de que o processo
de feminização do magistério não se deu isento de uma representação “[...] que atribui ao gênero
características intrínsecas desqualificantes” (GOUVEIA, 2001, p.51). A sedimentação desse
discurso construiu uma imagem da professora vinculada ao ensino das séries iniciais
profundamente imbricada com a condição e o lugar que ocupa na sociedade. Construiu sua
própria subjetividade quanto ao ser professora, gerando, como nos mostra Bourdieu, desde seus
estudos iniciais, uma matriz de percepção, passando ela mesma a identificar-se e assumir sua
prática como uma extensão da vida familiar e das aptidões naturais das quais era portadora.
Assim, a profissionalização do magistério encontra-se intrinsecamente ligada à
questão da feminização e, desta forma, implicada em seu caráter tardio. A questão dos baixos
salários, por exemplo, não foi causa da feminização do magistério, como apregoavam alguns
estudos antigos, constante no clássico estudo de Demartini e Antunes (2002). Pelo contrário,
pode-se aqui afirmar que o magistério feminizou-se para promover, com menores custos, a
educação no país. A desqualificação profissional pelo emprego da força de trabalho feminina é
reconhecidamente, na literatura crítica, um recurso comumente consagrado. Corroborando com
esse entendimento, Campos (2002), destaca a ampliação da participação feminina no magistério,
no final do século dezoito, ressaltando que: “A má remuneração paga aos mestres não poderia
atrair os representantes do sexo masculino que precisavam sustentar a família, além de
considerarem a mulher como tendo as qualidades inatas para o desempenho da atividade docente”
(CAMPOS, 2002, p.21).
71
Somente mais recentemente emergiram estudos envolvendo a predominância das
mulheres no magistério e a temática de gênero e suas implicações na prática docente do
professorado. Os significados vinculados às referidas temáticas marcam as relações e as análises
sobre o cotidiano das pessoas de tal modo que, por vezes, parecem ignorar que estas são
construções culturais e históricas, passíveis de serem ressignificadas (LOURO, 1997b). Por ser
um acontecimento histórico, a feminização do magistério se insere em meio às práticas sociais,
envolvendo, portanto, ambigüidades e contradições inerentes a esse processo de constante
ressignificação de suas atividades. Como ocorria nos primeiros momentos de ampliação da
participação feminina nessa atividade, o magistério passava a ser representado, conforme Louro
(1997a), como cuidado, amor, carinho, para abranger os novos personagens que a ele se
vinculavam. Desse modo, a autora fala das diferentes etapas que ocorrem no processo de
relacionamento das professoras com o seu próprio trabalho, à medida que vão penetrando nesse
campo de atividade. De atividade permitida para atividade indicada para as mulheres, distingue
muito bem Louro (1997a), torna-se necessário ressignificar a atividade docente. De acordo com
essa autora: “O magistério será representado de um modo novo na medida em que se feminiza e
para que possa, de fato, se feminizar” (LOURO, 1997
a, p.95).
A idéia de representação é inserida em sua análise para fundamentar a compreensão
do processo de feminização que se estabelece no trabalho docente. Como este não se dá,
conforme já assinalamos, em um contexto de ruptura, mas de continuidade dos princípios que se
colavam às representações do magistério, o seu conteúdo passa a ser ressignificado e ampliado.
Não obstante a pertinência em se ressaltar esta dimensão fundante da representação do magistério
até hoje, compreende-se com esta autora a necessidade em se atentar também para o caráter
ambivalente e contraditório que a envolve, já que se dá em meio a práticas e representações
72
freqüentemente opostas e conflitantes. Por outro lado, as identidades não são construídas
externamente aos sujeitos, mas, conforme Cuche (1999), resultam de negociações entre uma
identidade atribuída - a hetero-identidade - e a que envolve os processos subjetivos da auto-
identidade. Por se constituírem no interior das práticas discursivas, advêm sempre desse ato de
negociação, não podendo ser simplesmente impostas, nem unas, mas plurais e contraditórias.
Assim, a feminização do magistério, fortemente implicada nas relações de gênero, não se
constitui na única dimensão que importa para se pensar o magistério. Porém, constitui-se numa
importante dimensão para a compreensão do peso que esta condição historicamente construída
vem colocando em sua representação, credenciando-a como uma categoria central para a
compreensão de sua prática enquanto mulheres e professoras.
Conforme assinalamos inicialmente, a profissionalização do magistério constituiu-se
numa questão que emergiu com bastante força na virada deste milênio, a ponto de tornar-se um
dos temas em torno do qual a reforma educacional foi debatida. Também assinalamos que, de
seus elementos constitutivos, apenas a formação sobreviveu à virada neoliberal, tornando mínima
toda ação do Estado e realçando o caráter tardio da profissionalização. Na seção seguinte
buscaremos analisar outros aspectos significativos da legislação vigente, decorrente da referida
reforma, no que se refere à formação do professorado em foco.
73
1.3 A política de formação do professorado polivalente
Os novos requisitos de qualificação profissional no Brasil, estabelecidos pela norma
legal – a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Lei 9394/96)
43
, estão em
sintonia com as profundas mudanças ocorridas no mundo do trabalho e nas relações sociais e de
trabalho.
A chamada crise da sociedade do trabalho e o avanço da base técnica colocaram
novos e complexos problemas ao mundo produtivo e sua reorganização, sinalizando para uma
ressignificação da dimensão profissional dos trabalhadores, como uma maior exigência de
escolaridade formal e de qualificação mais ampla, ao lado de uma maior precarização das
relações de trabalho e, de um modo geral, com importantes repercussões no campo educacional e
da formação profissional
44
. Contudo, particularmente no campo da formação docente, ainda
persiste uma visão reducionista de formação ao modelo tecnicista, através do predomínio da
dimensão da prática e da adoção de um modelo competência com ênfase no indivíduo.
Com relação à formação docente, há uma tendência mais geral, em todo mundo, de
uma formação cada vez mais aprimorada, permitindo ao professorado lidar melhor com os
desafios pedagógicos que enfrenta no dia a dia. Mesmo não sendo, por si só, garantia da melhoria
43
Nas Disposições Transitórias da LDB após instituir no artigo 87 a Década da Educação determina, em seu
parágrafo 4º: “Até o fim da Década da Educação, somente serão admitidos professores habilitados em nível superior
ou formados por treinamento em serviço”.
44
Para um aprofundamento sobre a questão das políticas neoliberais, ver os debates ocorridos nos meados da década de
90, em face ao aprofundamento desse modelo no Brasil, organizados por Gentili e Silva (1994.); Sader e Gentili (1995,
1999);
74
da formação dos docentes, a formação em nível superior constitui-se numa das questões mais
presentes na defesa da valorização do magistério encaminhadas nas últimas décadas pelo
movimento docente. Neste sentido, destaca-se um movimento histórico, voltado para a
reconstrução da formação docente básica, em nível de graduação, independentemente do grau de
ensino ao qual se encontra vinculado
45
. Este movimento deu origem à Associação Nacional pela
Formação dos Profissionais da Educação - ANFOPE, e também voltado para a superação da
dicotomia licenciatura / bacharelado que permeia a formação docente para a Educação Básica.
A defesa da qualificação docente não se esgota, contudo, no requerimento de um
patamar mínimo, mesmo superior, como formação inicial para o magistério, mas requer a
salvaguarda da formação permanente ou continuada que deve ocorrer nos contextos educacionais
mais amplos e no plano institucional. Neste sentido, as universidades têm aqui um papel
fundamental de contribuição para com essa discussão mais ampla da formação do magistério
vinculado ao mencionado nível de ensino.
Neste sentido, a centralidade dos saberes na profissão docente é recorrente na
literatura e nas pesquisas educacionais, nos últimos anos, em todo o mundo. Esta questão
atravessa objetos de estudo de renomados pesquisadores europeus e americanos, como Nóvoa
(1995); Perrenoud (1999); Gauthier (1998); Shön (1995); entre tantos outros. Entre nós, vários
pesquisadores preocupados com a profissionalização docente vêm privilegiando a discussão
sobre os saberes docentes, como Candau (1997); Ramalho; Nuñes e Gauthier (1998); Rodrigues
45
A ANFOPE resultou do movimento dos fins da década de 70 pelas Instituições de Ensino Superior, objetivando a
reformulação dos cursos de formação dos educadores. Ao longo desse tempo, essa entidade vem construindo uma
proposta de formação do educador encarnando hoje a luta por uma formação profissional de qualidade, na busca da
elevação da formação inicial dos quadros do magistério. (Brzezinski, 1996, Freitas, 2003).
75
(2000); Pimenta (1999) e Penin (1995).
Após a celeuma entre a competência técnica e o compromisso político que dividiu o
pensamento pedagógico brasileiro, tendo por maior referência o trabalho de Mello (1982), se
fizeram presentes outros enfoques, menos abrangentes, porém não menos importantes. Aqui
convém colocar um rápido parêntese: esta constatação não tem o sentido de depreciar a
importância da dimensão política do fazer docente. Pelo contrário, ressaltamos esta dimensão
enquanto iniciativa do pensamento pedagógico crítico brasileiro, em tempo do império da
exigência da eficiência técnica dominante do pensar e do fazer docente. Apenas tem o sentido de
observar os deslocamentos ocorridos, também no campo da educação, das questões macro
sistema de ensino, política educacional, para as questões micro – relativas ao âmbito da sala de
aula, à prática docente, ao cotidiano escolar.
Sínteses relacionadas à formação profissional dos docentes vêm mostrando que,
apesar da permanência preferencial de temáticas mais amplas pela formação continuada, a
formação inicial, compreende a maioria (76%) das pesquisas produzidas na última década no país
(ANDRÉ et al, 1999). Porém, a questão da formação envolve visões bastante heterogêneas sobre
a concepção de formação, conhecimentos e saberes necessários à docência. Questões que
emergem hoje desse debate afastam uma perspectiva linear da temática desafiadora de novas
possibilidades de formação. Contudo, essas são questões que nem de longe são contempladas
nem devidamente dimensionadas pela reforma educacional em curso, inteiramente submetida às
determinações neoliberais, reduzindo-se à exigência da formação mínima inicial e ao local onde
esta deveria acontecer.
Sem dúvida, é imenso o contingente do professorado das séries iniciais da Educação
Básica no país a demandar um nível superior de formação. Segundo os dados do Censo Escolar
76
divulgados em 2002 pelo MEC/INEP, os professores e professoras vinculados às séries iniciais
deste nível de ensino, naquele ano, representavam:
a) 1.581,044 como o número total de professores situados no exercício da função
docente no Ensino Fundamental e parte dos 2,4 milhões de toda a Educação Básica.
Envolvendo, assim, mais da metade do total de professores que também atuam no Ensino
Médio e na Educação Infantil.
b) O primeiro Censo de Professores de 1997 indicava que menos da metade
(46,9%) dos professores deste nível de ensino tinham formação em nível superior. Convém
aqui ressaltar que esta formação, mesmo sendo em nível superior, é certamente uma formação
inespecífica para o ensino de conteúdos polivalentes com os quais trabalham nas séries
indicadas, uma vez que a política de formação existente até então no país, para o magistério do
referido nível de ensino, limitava-se ao curso de magistério em nível médio, salvo iniciativas
pontuais e bem recentes de algumas universidades brasileiras em seus cursos de pedagogia.
c) Nesse censo, configurava-se em todo o país um total aproximado de 800 mil
professores ainda sem formação em nível superior, reconhecidamente imprescindível dada a
complexidade do trabalho exercido, implicando na necessidade de se formar no país cerca de
134 mil professores durante cada um dos seis anos restantes do prazo limite exigido na LDB
de 1996. Mostra ainda que mais da metade do professorado, tanto na Paraíba quanto no Rio
Grande do Norte, atuante no Ensino Fundamental, não possuía o nível superior. Infere-se,
assim, que seja maior ainda o índice do professorado não graduado em nível superior, ocupado
com a Educação Infantil e com o Ensino Fundamental nos referidos Estados, por ser em nível
médio a titulação mínima exigida e também pela inexistência, até então, de uma política de
formação em nível superior. Significando que quase a totalidade do Ensino Fundamental em
suas séries iniciais é regida por professores/as que detêm uma qualificação hoje considerada
77
pouco adequada, porque limitada ao nível médio, além da persistência de um número elevado
de docentes que não possuem sequer esse nível de formação.
Os resultados da pesquisa sobre o “Perfil dos Professores Brasileiros” realizada
pela UNESCO em parceria com o INEP/MEC, divulgados em 2004, mostram uma significativa
redução do número do professorado do Ensino Fundamental sem a indicada titulação, ficando em
torno de 60% o número daqueles que possuem formação em nível superior. Mesmo incluindo
nesse índice a totalidade do professorado vinculado ao Ensino Fundamental, da 1ª à 8ª séries, e
tendo em vista o prazo estipulado até 2007, pela LDB, para que todos os professores estivessem
plenamente licenciados para a função exercida, o crescimento indicado, contudo, não é suficiente
para atender a essa exigência. Considerando, ainda, a expansão, em mais de 30%, do número de
professores da 5ª à 8ª séries desse nível de ensino, divulgado também por esse estudo, encontra-se
provavelmente aí a explicação para o crescimento do número de professores do referido nível de
ensino com titulação superior, uma vez que tal titulação sempre foi exigida para o exercício
docente das últimas séries (da 5ª à 8ª séries) do Ensino Fundamental. Fica patente, contudo, a
inexistência de um amplo programa de formação docente, em todos esses anos pós-LDB, não
obstante a determinação de adotar o nível superior como formação mínima para o magistério.
Pela primeira vez no país, a necessidade de uma formação plena para o magistério
sai dos debates e propostas de instituições acadêmicas, científicas e profissionais e de um vago
compromisso pactuado entre entidades do campo educacional e a sociedade política, em torno da
valorização do magistério, para uma efetiva ação regulamentar via Decreto n.3.276/99 que, - após
a determinação Constitucional de 1988, anunciada pela LDB DE 1996, dispõe sobre a formação
do nível superior de professores para atuar na educação básica. Porém, as ambigüidades que
comumente permeiam as ações oficiais, por sua natureza política, contrariam de imediato tais
78
disposições. Logo são referendadas propostas de programas especiais que pouco contribuem para
com a formação de docentes em suas funções, seja pela fragilidade dos currículos, seja pela
escassez de tempo nos cronogramas dos cursos. A sonhada formação em nível superior é ainda
minada pela não observância do prazo limite do nível médio para o ingresso na função docente
nos sistemas públicos de ensino.
Ao tempo em que se evidenciam os acenos para a manutenção, indefinidamente,
do nível médio de formação docente, tornando mais problemático o cenário da formação. A
mesma pesquisa da UNESCO, já referida, reporta-se a um recente estudo “Estatísticas dos
Professores do Brasil”, publicado pelo MEC/INEP, que torna explícita a intenção do poder
público em não substituir a formação em nível médio pelo nível superior, uma vez que mantém
em pleno funcionamento uma rede de 2.641 escolas normais em nível médio. Sem dúvida, a
modalidade de formação em nível médio, nível já exigido quando da tardia organização do
sistema nacional de educação em 1946, continua a ser o patamar de formação que se pretende
oferecer, além de se constituir na maior oferta de vagas no nível médio do país
46
. Ou seja,
mantém-se inalterada a estrutura de formação tradicional que a reforma educacional docente na
LDB prometera extinguir, ao anunciar um nível mais elevado de formação para o magistério das
séries iniciais. Assim é que, continuando a afirmar políticas na contramão da reforma, são
instituídas naquele mesmo ano do decreto 3.276/99 as Diretrizes Curriculares para a Formação de
46
Para ter uma idéia das dimensões reais dessa rede, basta que se compare ao número de municípios do país, correspondendo em torno da
metade destes, ou seja, a cada dois municípios, tem-se um curso de magistério em nível médio. Essa grande expansão dos cursos de magistério se
deu mais fortemente na década de 80, quando os municípios que requeriam o nível médio eram orientados para implantar o magistério, pois, no
leque de cursos profissionalizantes disponíveis, era o magistério que implicava em menores custos, ao dispensar a instalação de custosos
laboratórios, além de contar com um bom número de escolas para o estágio. (MELO, 1990).
79
docentes em nível médio, na modalidade Normal, antes mesmo da instituição de Diretrizes para
o ensino superior. A sua permanência foi justificada e assumida até por uma suposta necessidade
diante da diversidade nacional, como assinala Nunes (2002), introduzindo tais diretrizes e
naturalizando a situação de exclusão de algumas regiões do país, como o nordeste, a uma
educação e formação docente de qualidade. Já o parecer nº 1/99, da Câmara de Educação Básica,
do Conselho Nacional de Educação – CEB/CNE, omite a determinação de provisoriedade da
manutenção da formação do magistério em nível médio, conforme as disposições transitórias da
LDB e considera sua manutenção como uma atitude indicadora da sensibilidade, por parte dos
legisladores, em contemplar a diversidade e as desigualdades existentes na realidade educacionais
brasileira, chegando a assinalar a sua permanência e reconhecimento como um modo de
recuperação de sua identidade.
Somente instituídas em 2002, as Diretrizes Curriculares para Formação de Professores
para a Educação Básica em nível superior, objeto da Resolução 1 CP/CNE de 18 de fevereiro de
2002, passando de patamar mínimo e único da formação para, concretamente, apenas uma outra
alternativa de formação. Outra opção posta no cenário da formação pós-LDB, já viabilizada no
país, sobretudo pela rede privada de ensino, diz respeito à formação superior, porém não-
universitária, centrada apenas no ensino. Esta modalidade de formação, amplamente criticada no
país em todos os aspectos, dentro os quais ressalta-se a instituição de uma relação passiva com o
conhecimento, como algo exterior à formação, é sintetizada pela ANFOPE, como forma de alijar
desta a possibilidade de produção do conhecimento (SILVA, 1998).
Sabe-se que a formatação dessas políticas expressa interesses e condições postas ao
seu desenvolvimento, mediante acordos de financiamento com agências internacionais, que
acabam determinado o direcionamento de inúmeros aspectos do funcionamento da educação no
país, entre eles a formação docente. Este direcionamento se dá em consonância com as
80
determinações emanadas dos organismos internacionais, principalmente do Banco Mundial,
enquanto gestor responsável pela reestruturação neoliberal dos chamados países em
desenvolvimento e formulador da política interna mais ampla desses países. Desse modo,
evidencia-se o não desenvolvimento de políticas mais amplas e o baixo investimento público na
educação, diante das restrições postas ao Estado pelo modelo neoliberal. De conformidade com
esse modelo, novas orientações, de cunho mais restritivo, emergem no cenário educacional,
mesmo contrárias ao compromisso assumido de valorização do magistério pela reforma ainda em
implementação. A responsabilidade com os dois níveis de ensino instituídos pela LDB, a
Educação Básica e a Educação Superior, passam a ser direcionadas, distintamente, às diferentes
esferas de poder. No primeiro caso, a responsabilidade é imputada aos Estados e Municípios e no
segundo, à União. Contudo, as medidas que passam a ser adotadas para a formação docente
afastam a União dessa responsabilidade, ao mesmo tempo em que estimulam a iniciativa privada
para esse fim. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e da
Valorização do Magistério - FUNDEF
47
determina que os recursos para a formação do
professorado das séries iniciais desse nível de ensino, que precisa habilitar-se no prazo
estabelecido pela lei, devem ser disponibilizados pelos municípios sobre uma parte do montante
alocado para o referido nível de ensino. Assim, remete-se ao poder local, por menor que seja esse
poder ou o local, a responsabilidade com a formação. Este, por sua vez, prefere transferi-la
parcial ou totalmente ao próprio professorado, como já se verifica pela tendência em todo país, na
proliferação de agências privadas de formação. É sensível o crescimento dessas agências após a
47
Trata-se de um Fundo de natureza contábil, destinado exclusivamente ao Ensino Fundamental, criado juntamente
com a LDB, pela Lei 9424/96, publicado apenas quatro dias após a própria publicação da LDB.
81
reforma: Somente em Natal (RN), por exemplo, nos últimos sete anos, foram criadas oito
novas faculdades isoladas. A esse respeito Freitas (2003) assinala um vertiginoso crescimento de
cursos superiores na modalidade normal no país, em torno de 500%, apresentando em 2003 um
total de 668 cursos.
Contudo, o principal efeito dessa política não se localiza exatamente na questão de
quem vai pagar a conta, mas em determinar quem não vai pagá-la - a união, e quem vai ser
beneficiado por ela - o mercado educacional. As universidades constituem-se no espaço
desestimulado, senão desautorizado, na prática, para oferecer essa formação. Em seu lugar,
qualifica-se um novo espaço – os Institutos Superiores de Educação (ISEs), opção mais barata de
formação e economicamente mais atraente por se desvincular de uma formação universitária.
O locus definido para essa formação compreende, justamente, o ponto de maior
rejeição por parte de algumas das mais representativas entidades educacionais do país, como a já
citada ANFOPE e a Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação – ANPED.
Esta última faz a crítica às agências de formação fora do espaço das universidades, considerando-
as cópias empobrecidas e pioradas destas. Em inúmeros outros debates, entidades como a
Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior - ANDES, Fórum de Diretores das
Faculdades de Educação – FORUMDIR, e a Associação Nacional de Profissionais da
Administração Educacional – ANPAE expressaram uma viva preocupação com esta questão. A
ANFOPE apresenta uma das mais antigas defesas da universidade como espaço legítimo de
82
formação
48
,definindo-a como escola única de formação, entendida como Faculdade/Centro ou Departamento de Educação e não como modelo
único de formação, conforme esclarece em sua proposta
.
Esta defesa é também partilhada pela ANPED, em Parecer sobre a proposta do Plano
Nacional de Educação (PNE), colocando as universidades como locus privilegiado para a
formação docente. Certa de que representa o pensamento de uma parcela importante de
educadores do país, esta entidade considera que, ao retirar-se das universidades a tarefa da
formação, compromete-se a sua qualidade, negando-se ao professorado a possibilidade de uma
formação centrada na pesquisa e em experiências inovadoras sobre o ensino ali acumuladas
(BRZENZINSKI, 1997). Pode-se afirmar, grosso modo, que esta avaliação perpassa a maior
parte das entidades assinaladas, partindo principalmente da representação que permeia as noções
de público e privado, e que resulta, via de regra, no entendimento de que as instituições públicas
do ensino superior possuem as melhores condições de formação. Este entendimento, porém, não
implica no reconhecimento dos problemas concernentes às licenciaturas nas instituições públicas
do ensino superior. A própria ANPED, nesse mesmo documento, admite como válidas as críticas
feitas às universidades quanto à dissociação entre os conteúdos específicos e pedagógicos nas
licenciaturas e entre teorias e prática profissional na sala de aula, o que não invalida, todavia, o
fato amplamente conhecido de se constituírem, contemporaneamente, como o melhor agente de
48
Esta proposta vem sendo construída pela ANFOPE desde 1992, sendo um dos mais importantes pontos do debate do
IX Encontro Nacional desta entidade em 1998. Esta posição foi levada, no ano seguinte, por sua representante, a
professora Helena Freitas, no GT Licenciaturas da SESU-MEC, em sua declaração de voto na Comissão de Elaboração
de Subsídios para as Diretrizes Curriculares para as Licenciaturas.
83
formação existente.
Iria Brzezinski, acima referida, reportando-se também ao reconhecimento, por parte
de entidades e associações educacionais e científicas, de algumas deficiências da formação
realizadas pelas mencionadas instituições do ensino superior, lamentava o desconhecimento por
parte do Ministério da Educação de pesquisas que comprovam o empenho de grande parte dessas
instituições de ensino desde os fins da década de 80, no momento em que cria uma rede paralela
de formação. Esse empenho resulta das propostas decorrentes dos trabalhos de reformulação
desenvolvidos nessas instituições, dentre os quais se destaca o princípio da docência como base
dos cursos de pedagogia
49
.
Não obstante a sedimentação desta perspectiva no campo da formação,
especialmente nos cursos de Pedagogia, as esferas oficiais de poder, ignorando esses cursos,
criam uma rede paralela de formação para o magistério, através do curso normal superior, com
projeto pedagógico próprio para funcionar nos Institutos Superiores de Educação. Criados pela
LDB (art. 62), esses institutos se destinam à formação de profissionais para a Educação Básica, e
vocacionados como locus da formação, passam, assim, a oferecer cursos em níveis de graduação
(licenciatura plena) e pós-graduação para o magistério. A abrangência dos ISEs, determinada pela
Resolução nº 1/99 do Conselho Nacional de Educação - CNE, compreende a formação inicial,
32. A docência como base da formação de todo educador em geral, constitui-se em um dos principais princípios
definidos pela ANFOPE. Ainda que represente um grande consenso, não contempla, porém, o conjunto dos educadores.
Contrapondo-se a este princípio, outras perspectivas se apresentam, como a visão crítica apresentada por José Carlos
Libâneo e Selma G. Pimenta, Formação dos profissionais da educação: visão crítica e perspectiva de mudança;
conforme expresso no debate veiculado pela Revista CEDES, em número especial (68), sob o titulo: Formação de
Profissionais da Educação: políticas e tendências.
84
continuada e complementar, inclusive em nível de pós-graduação, organizadas autonomamente
ou vinculadas a uma faculdade, centro ou universidade.
O curso normal superior, estratégia engendrada para o esvaziamento dos cursos de
pedagogia desenvolvida pelas Faculdades/Centros/departamentos de educação das instituições de
ensino superior em todo o país, passa a ser a única forma autorizada de formação para o
magistério da Educação Infantil e dos primeiros anos do Ensino Fundamental, por força do
decreto presidencial de dezembro de 1999 (art.3º §2º). Retirar a formação docente das
universidades parecia ser o motor gerador da produção de Pareceres e Resoluções que acabaram
por culminar nesse decreto, desautorizando o curso de pedagogia e favorecendo a formação de
um monopólio do setor privado do ensino, sobre esta modalidade de formação, como sugerem
alguns estudos. Tal estratégia espelha-se em experiências consideradas exitosas, a exemplo do
modelo francês de formação de professores separado das universidades. Contudo, exigia-se,
como pré-requisito para o ingresso na formação docente naquele país, a realização anterior de
estudos universitários por um período de três anos
50
.
No momento em que essas políticas eram gestadas, analistas das políticas emanadas
por agências internacionais de financiamento das políticas da América Latina afirmavam o
modelo educacional proposto pelo Banco Mundial, centrado na escola, do qual, porém eram
excluídos dois importantes componentes: o professorado e a pedagogia. Acrescentavam que,
priorizava-se o livro didático e, sobre os docentes, à capacitação em serviço, mesmo se tratando
33.A esse respeito Kishimoto (1999), comparando ao modelo francês assinala que, no nosso caso, o ingresso ocorre
diretamente no curso profissionalizante (normal superior), [...] dispensando junto à formação geral universitária, a
possibilidade do contato com a diversidade e a pluralidade característica da cultura universitária ( KISHIMOTO, 1999
p. 67), além da impossibilidade de beneficiar-se com uma dimensão curricular centrada na pesquisa.
85
da formação inicial, conforme estratégia definida pelo Banco Mundial (1995): “Para os
professores da escola de 1º grau [...] o caminho que apresenta melhor relação custo-benefício é
uma educação secundária seguida de cursos curtos de formação inicial centralizados na
capacitação pedagógica” (TORRES, 1996, p.165).
Os sinais de articulação entre a política local e a geral foram evidenciados na própria
formulação da LDB, apontando a convergência dos cursos de formação para a prática,
como instância dominante do fazer, distanciada de sua concepção teórica. Tais sinais eram
percebidos, ainda, na opção pela capacitação em serviço, ao referir-se à associação teoria-prática,
assim como ao aproveitamento de experiências anteriores dos profissionais em formação
(AGUIAR, 1997). De acordo com essa autora, a opção assinalada apresentava-se como uma
alternativa atraente, para os gestores das políticas estaduais, a fim de garantir a adequação dos
profissionais vinculados aos sistemas locais de ensino às diretrizes propostas, além da vantagem
financeira adicional de não precisar afastá-los de suas salas de aula.
A priorização da prática chegou a ser mais reforçada pela Resolução nº1/99 do CNE
que, ao determinar um mínimo de 3.200 horas para o curso normal superior, prevendo o
aproveitamento de estudos do curso realizado em nível médio até 800 horas, caindo, assim, para
uma carga horária efetiva de 2400 horas. Além disso, mediante comprovação de atuação docente
na educação básica, os/as estudantes poderiam reduzir mais 800 horas em sua formação, podendo
obter certificado de licenciatura plena com 1.600 horas de curso. Contudo, esta mesma Resolução
facultava ao curso a inclusão obrigatória da parte prática, com duração mínima de 800 horas,
podendo então, toda ela, ser desenvolvida em torno apenas das atividades práticas, ou restando,
pelo menos, 1.200 horas para serem articuladas a uma parte teórica no currículo de formação.
86
Desse modo, tornava-se uma orientação tão equivocada quanto a outra, por privilegiar apenas a
dimensão teórica e por não tomar teoria e prática como uma unidade, inseparáveis.
Outra Resolução, dois anos depois (Resolução nº 2/2002 da Câmara de Educação
Básica (CEB/CNE), estabelecia o patamar de 2800 horas para todas as licenciaturas, inclusive
para o curso Normal Superior. Desta vez, reduziu-se a subtração da parte prática da carga horária
curricular do curso: o desconto permitido foi de apenas 200 horas, para o estágio, precisando
ainda ser comprovado pelo aluno como experiência prática, passando o curso a deter uma carga
horária mínima de 2600 horas (LINHARES; SILVA, 2003).
Contudo, todos esses encaminhamentos encontram-se em estudo no Conselho
Nacional de Educação (CNE), com o fim de reformulações, sugerindo-se, inclusive, a
necessidade de revisão da própria LDB, no tocante à formação docente (CURY, 2005). Em
Portarias do Conselho Pleno do CNE de 03 de julho de 2002, 28 de agosto de 2002 e 25 de
agosto de 2002, instituiu-se uma comissão com esse propósito, ou seja, de estabelecer diretrizes
para a formação de professores para a educação básica e planejar a revisão das Resoluções do
CNE/CP 2 /1997 e 1 / 1999 que tratam dos programas especiais de formação docente e da
educação profissional em nível médio (CURY, 2005). Conforme este autor, este direcionamento
já partiu com a revogação das Resoluções acima citadas além das Resoluções 01 de 2002 e 02 de
2002, assinalando, porém, a manutenção dos Pareceres 115/99, 09/2001 e 27/2001 e 28/2001.
O Projeto de Resolução elaborado pela mencionada comissão sutilmente prevê a
continuidade da formação de docentes em nível médio, ao estabelecer que: “Os graduados do
curso normal superior e pedagogia estão habilitados para a docência dos componentes
curriculares do curso normal em nível médio” (CURY , 2005).
87
Assim, a formulação atual com vistas à atualização das normas vigentes apresenta a
tendência em prosseguir com a reforma da criação de um locus superior de formação docente, a
saber, os Institutos Superiores de Educação ao lado das Universidades ou Centros Universitários,
mas também de manter a formação docente em nível médio, contrariando a LDB, que
determinava a exclusividade da formação superior para o magistério, admitindo o nível médio,
por tempo determinado e em caráter transitório.
88
CAPÍTULO 2 – O CENÁRIO DA FORMAÇÃO
Não obstante a necessidade de elevação dos requisitos educacionais do conjunto
do professorado e da ampliação e aprofundamento dos conhecimentos teóricos e
metodológicos em sua formação não seja propriamente uma questão atual, somente agora
sinaliza-se uma formação em nível superior como patamar mínimo para o ingresso e
permanência no magistério. Esta é uma questão há muito tempo resolvida não apenas pelos
países mais desenvolvidos, mas também por países em condições econômicas iguais e até
inferiores às nossas, a exemplo da Argentina. Mais uma vez o Brasil assume tardiamente
requisitos fundamentais ao desenvolvimento social do país.
Por parte do professorado, a fragilidade da formação que detinha, aliada ao
desamparo em que desenvolvia suas atividades pedagógicas, potencializava uma quase
compulsão na busca por qualquer forma de atualização acessível. A exemplo da
significativa participação docente nos mais diferentes eventos promovidos pelas instâncias
institucionais. Esta é a disposição mais geral indicada pelo professorado em todas as fases
da pesquisa.
2.1 - As propostas especiais de formação para o magistério público
Os dados a seguir apresentados referem-se ao levantamento preliminar sobre a
formação inicial e continuada do professorado envolvido nesta pesquisa, tendo em vista a sua
89
caracterização. Quase a totalidade destes, mesmo aqueles com mais de dez anos de exercício do
magistério, apresentavam uma formação em nível médio. A formação continuada, como algo de
promoção institucional do desenvolvimento profissional permanente do professorado, é
inexistente nos sistemas de ensino. O seu lugar é tomado por ações eventuais, promovidas pelos
sistemas de ensino, ocorrendo, geralmente, no início de cada ano letivo. Mesmo assim, o
professorado comparece plenamente a todos esses encontros. Dos (as) 124 professores/as
participantes do curso especial desenvolvido pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
por exemplo, que responderam a esta questão, apenas uma professora não indicou sua
participação no Seminário sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN promovido pelos
municípios conveniados. Não importava se o evento não acrescentasse muito em termos
propriamente da formação e atualização dos conteúdos de ensino, participavam assim mesmo de
todos que aparecessem. Já os cursos de maior carga horária e de conteúdos mais amplos e mais
aprofundados destinavam-se a um reduzidíssimo número de docentes, restritos que eram a
situações pedagógicas específicas, como o Programa de Formação de Professores
Alfabetizadores, cujo acesso atingiu menos de 1/3 do conjunto do professorado.
Assim também relatam os/as professores/as em curso no Instituto de Educação
Superior de Natal (IFESP), cuja participação foi maciçamente indicada nos encontros de
atualização curricular promovidos, no início do semestre ou ano letivo, pela instituição à qual se
encontravam ligadas/os. Todo o professorado envolvido na pesquisa registrou uma significativa
participação nos eventos de atualização promovidos pelas secretarias de educação. Com relação
à participação em encontros de atualização curricular e pedagógica, foram citados: Capacitação
sobre leitura e escrita / História / Geografia / Produção de Textos / Vídeo escola / TV escola /
Sala de recursos / Treinamento de classes de aceleração / Libras (leitura de sinais) / Saúde /
90
Parâmetros Curriculares Nacionais. Outros que foram operacionalizados em Semanas
Pedagógicas ou Jornadas Pedagógicas, oferecidas em forma de oficinas, ateliês ou palestras:
Projeto Político Pedagógico na Escola/ Educação Ambiental / Escola Campeã / Gestão Escolar /
Contos na Educação Infantil / Contadores de História / Produção de Textos. Poucos (as) foram
os/as que indicaram a participação, nos últimos cinco anos, em cursos de capacitação de maior
carga horária do que os mencionados eventos acima, de um, dois, três dias.
Embora em número bastante limitado, três professoras referiram-se a um bom
aproveitamento em termos de atualização pedagógica de cursos à distância: Salto para o Futuro e
o Projeto Oito Cidades. Somente em uma instituição, a UFPB, houve um maior registro de
formação universitária anterior ao curso, assim mesmo com um percentual pouco significativo,
não representando sequer 10% do conjunto dos estudantes conveniados.
No geral, pode-se afirmar que, não obstante a fragilidade da formação básica de
grande parte do professorado do magistério de 1º grau, poucas (os) foram as/os que conseguiram,
nos últimos cinco anos, ampliação / aprofundamento da sua formação, por não terem acesso à
formação institucional inicial ou continuada, ficando à mercê de ofertas pontuais e
compensatórias, embora compensando muito pouco, e de formação em serviço. Esta também
continua a ser a tônica da formação em nível superior que realizam. De alguma forma, as três
instituições envolvidas neste estudo integram-se a essa tradição e às recomendações propostas
pelo Banco Mundial, anteriormente referidas. Contudo, tais propostas de formação, todas em
nível de graduação, possuem recortes diferenciados em cada uma das instituições.
As iniciativas de formação aqui enfocadas estão todas voltadas para esse grande
contingente do professorado da rede pública de ensino, reunidas pela necessidade de dotar as
respectivas redes de ensino de professores/as mais qualificados/as. Das três experiências aqui
91
reunidas, contudo, poucos são os pontos em comum entre elas. Um dos mais importantes
consiste na oferta do curso em serviço, em decorrência da orientação da norma legal. No geral,
esta perspectiva vem sendo viabilizada, a partir de iniciativas de formação, de maneiras as mais
díspares pelas agências formadoras do país. Abrangem a oferta em cursos de pedagogia pelas
instituições públicas de ensino superior, em cursos emergenciais de formação, mesmo em
instituições públicas e em cursos privados e sob inúmeras formas, notadamente sob a forma de
breve duração e à distância. Há propostas que ocorrem a partir da integração de parte desse
professorado ao curso regular existente na instituição, sem distinção de tempo, horário, local,
organização ou conteúdos, buscando garantir o vínculo indissociável entre ensino, pesquisa e
extensão, como é o caso da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Por buscar oferecer uma
formação com a mesma preocupação com o nível de qualidade perseguido pelo curso regular,
esta proposta contou com uma ampla defesa nas universidades públicas e em instituições de
referência como a ANFOPE, ANPED, ANPAE e ANDES. A própria criação da ANFOPE, em
1983, foi motivada pela preocupação em discutir e propor a reformulação dos cursos de
formação de professores, tendo por objetivo a melhoria da formação do professorado atuante no
início da escolarização. Outras instituições vêm oferecendo cursos distintos, em vários aspectos,
do curso de Pedagogia existente, regularmente oferecido, como ocorre na Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN). Outras experiências já nasceram direcionadas a um curso de
caráter emergencial, como no caso de alguns Institutos Superiores de Educação, com proposta
pedagógica centrada fundamentalmente no ensino, em detrimento de outras dimensões da
formação. Algumas das experiências realizadas em instituições particulares, que variam quanto
às modalidades, tempo, recursos e conteúdos dos cursos, chegam a funcionar apenas nos fins de
semana.
92
Uma proximidade maior entre as experiências de formação dos docentes diz respeito
à forma de ingresso no curso, mediante um vestibular de conteúdo específico do magistério para
o curso de pedagogia. Um outro aspecto comum tem um caráter mais administrativo, e diz
respeito aos convênios entre as instituições formadoras e as unidades administrativas dos
sistemas públicos de ensino. Como os aspectos distintivos entre elas são preponderantes,
passaremos a seguir a apresentá-los individualmente e de maneira resumida.
2.2 A Proposta do Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy - IFESP
Criado em 1994, no espaço da antiga Escola Normal de Natal, como projeto piloto
centrado na idéia de construção de uma experiência de formação superior de professores “extra-
universitária em serviço”
51
, com o intuito de tornar-se um novo modelo de referência para a
política nacional de formação docente. De acordo com seu projeto inicial, trata-se de uma
experiência piloto, concebida pela Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da
Educação e Cultura (MEC), como parte de “[...] uma nova política de qualificação docente”
(RIO GRANDE DO NORTE, 1993, p.4), em consonância com determinações do Plano Decenal
de Educação para Todos. O projeto se propunha a “[...] promover a revisão crítica dos cursos de
licenciatura e da escola normal de forma a assegurar um novo padrão de qualidade às instituições
formadoras” (RIO GRANDE DO NORTE, 1993, p. 4). Para tanto, o MEC contou com
cooperação internacional – Cooperação Educativa Brasil-França, na área da formação docente,
advinda de uma experiência instituída de formação de professores separada das
93
universidades. Esta proposta apresentava como horizonte de formação a melhoria do
desempenho docente, a partir da estreita vinculação teoria/prática, assegurada pela “[...]
valorização da ação docente do aluno-professor” (RIO GRANDE DO NORTE, 1993, p. 4) no
Instituto de Formação de Professores, como se denominava inicialmente o IFESP. Propunha-se a
tratar “[...] a formação dos recursos humanos para esse nível de ensino de modo diferente do
convencional, unindo teoria/prática, tendo em vista a superação do problema da repetência”
(RIO GRANDE DO NORTE, 1993 p.4) .
A base legal que fundamentou esse projeto acena, pois, para uma nova concepção
de formação profissional do professor, buscada no art. 104 da extinta Lei 4.024/61, para
justificar uma organização curricular própria, distinta do curso regular de graduação em
Pedagogia. A estrutura curricular inicialmente proposta, em anexo ao final deste estudo,
apresenta uma carga horária de 2.820 horas com duração de dois anos, já incluída a regência de
sala de aula, cujas matérias de estudo pautaram-se no parecer 252/69 do extinto Conselho
Federal de Educação(CFE), hoje Conselho Nacional de Educação (CNE). A referida composição
curricular envolve matérias da parte comum, compreendendo 390 horas, e da formação
profissional com 630 horas. Além dessas matérias, a parte dominante nessa estrutura curricular
desenvolvida insere-se como a parte prática, correspondendo a 1800 horas, envolvendo a
regência de classe (ação docente supervisionada e a mediação), integrante do estágio. Assim, a
nova experiência de formação inaugurou a formação inicial em serviço, com ênfase na prática,
válida para a licenciatura de graduação superior. No percurso dessa experiência do IFESP,
alguns ajustes foram feitos na estrutura curricular do curso, chegando a perfazer um total de
3.210 horas distribuídas em três anos letivos, apresentada também em anexo ao final deste
estudo. Contudo, a parte dominante do currículo continua sendo a prática, reunida como
51
Experiência assim nomeada pelo então secretário de educação do Estado do Rio G. do Norte ( GUERRA, 1996).
94
Interação Profissional Docente com 1.230 horas, à qual se acrescentam minimamente 200 horas,
relativas ao “atelier de estudos complementares, oficinas pedagógicas e iniciação à pesquisa”,
perfazendo assim um total de 1430 horas, além da dimensão pedagógica da parte destinada à
formação polivalente. Porém, a partir de 2002, com a regulamentação do curso e ajustamento às
novas determinações oriundas do CNE (Resoluções nº 01 e 02/2002), ocorre uma nova
reorganização curricular, com base, sobretudo, na Resolução nº 02/2002, que estabeleceu como
carga horária mínima para todas as licenciaturas, inclusive o Curso Normal Superior, 2800 horas
de duração, conferindo, agora, a possibilidade de uma maior credibilidade ao curso, devido às
restrições postas à sua duração, como havia sido permitido por mais de dois anos.
Ainda com relação à experiência inicial, esta contou com apoio científico e técnico
local por parte da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), através de assessorias
e consultorias prestadas por seus professores. A oferta do curso de Pedagogia se deu em parceria
com a Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), mediante convênio (RIO
GRANDE DO NORTE, 1993).
O critério para a escolha dos docentes para o curso de Formação de Professores para
o Ensino Básico, considerado naquele projeto como a primeira missão do então denominado
Instituto de Formação de Professores (IFP). Este critério é referendado por um amplo estudo
coordenado por Gatti (1996), sugerindo que a escolha dos/das formadores/as deveria “[...]
pautar-se por aspectos como experiência no ensino de 1º e 2º graus” (GATTI, 1996 p.23),
omitindo, assim, o critério de formação em nível de pós-graduação para o professorado
encarregado da formação. Expressando-se de maneira coincidente com ela, considerava o
Projeto:
[...] embora consciente do significado da formação acadêmica, notadamente
quando verticalizada em nível de pós-graduação, considerou-se da maior
relevância na constituição do corpo docente que deverá atuar no curso, a
95
experiência no ensino de 1º grau e formação de professores” (RIO GRANDE DO
NORTE, 1993 p.6).
O Projeto recomendava ainda que essa experiência, de no mínimo cinco anos,
deveria ter ocorrido preferencialmente em escola, sendo todos os docentes pertencentes ao
quadro da Secretaria de Educação do Estado. O respaldo teórico necessário ao desempenho
dessas atividades, tanto para assegurar o aprofundamento dos estudos a serem ministrados
quanto para a análise da prática docente, foi atribuído pelo projeto a uma equipe, externa ao
Instituto, formada por “[...] professores com nível de pós-graduação” (RIO GRANDE DO
NORTE, 1993, p. 4). De modo que os/as professores/os formadores/as do IFESP não precisavam
portar níveis de pós-graduação, apenas a titulação básica exigida pelo Estado por ocasião de sua
integração aos seus quadros funcionais, além de restringir a docência à dimensão da prática de
ensino. Sequer era cogitado nesse projeto um percentual mínimo de formação em nível de pós-
graduação para a equipe de professores formadores, conforme apontava o debate nacional acerca
da reforma educacional e que acabou sendo incorporado à legislação hoje em vigor. Desta
forma, afirma-se a decisão de uma formação centrada exclusivamente no ensino, justificando o
critério de seleção dos profissionais a serem encarregados da formação do futuro professorado,
para essa nova instância de formação, como advindo apenas de uma experiência prática. Assim
também contribuindo para desonerar a formação docente, tornando mais atraente a criação de
institutos pela iniciativa privada.
Construído, assim, para servir de vitrine para as propostas de formação docente que
viriam, com a reforma que apontava, o Instituto de Formação de Professores Presidente
Kennedy, hoje o IFESP, mal acabava de formar a primeira turma em 1995, já era veiculado em
encontros e audiências públicas como exemplo de experiência exitosa no campo da formação,
enquanto que experiências bem sucedidas, centradas na docência como base da formação,
96
levadas a termos desde a década de 80 por universidades públicas brasileiras, foram ignoradas e,
mesmo, dadas como desconhecidas pelo MEC, como aponta Brzezinski (1999).
Do exposto, pode-se perceber que não é destituída de fundamento a idéia de que
Institutos nasceram em contraposição à idéia de universidade. Deste modo, a experiência norte-
riograndense teria o sentido de legitimar a cisão pretendida. O secretário de educação do Estado,
à época da criação do IFESP, ao apontar como falso o debate sobre o locus da formação,
universidade ou instituto, acabava por confirmar o direcionamento indicado. Defendendo a
criação do instituto, argumentava ele que o mesmo imprimiria um outro ritmo à formação, capaz
de permitir mudanças rápidas nos sistemas de ensino, às quais as universidades não teriam
condições de responder (GUERRA, 1996). Não obstante a pressa defendida e a premência por
mudanças, o IFESP não conseguiu, nos seis primeiros anos de sua existência (1995 a 2000),
formar sequer mil, dos mais de trinta mil que demandavam a formação em nível superior, em
todo o Estado. Pelo contrário, apresenta-se uma tendência à redução, pois dos duzentos alunos
que ingressaram nos três primeiros anos, houve uma redução na matrícula em torno de 50
alunos, em média, a cada ano para esse curso, de 1998 para cá. Em síntese, a proposta de
formação em serviço, formulada como uma licenciatura plena, passa a realizar-se de maneira
intensiva, em dois anos inicialmente, tendo posteriormente passado a três anos com a
regulamentação dos Institutos Superiores de Ensino. O curso foi direcionado ao privilegiamento
da dimensão da prática, chegando a sobrecarregar a sua carga horária com a inclusão do horário
de efetivo exercício em sala de aula, como parte do próprio currículo.
Por fim, não é possível deixar de ressaltar o esforço criador com que a equipe de
formadores do IFESP vem multiplicando as possibilidades de articulação e fortalecimento da
teoria/prática, nos limites dos dispositivos da formação e diante da dificuldade de
encaminhamentos de questões pedagógicas por estarem vinculadas ao gerenciamento
97
institucional. Estes cargos são ocupados por nomeações políticas, independentes de critérios
pedagógicos e desvinculados do corpo docente. Consubstanciou-se tal esforço na validação das
estratégias pedagógicas adotadas para o curso (mediação, tutoria) e nas atividades
complementares e de pesquisa, procurando alçar as atividades de ensino a um processo de
construção do conhecimento afeto ao cotidiano de sala de aula das escolas públicas do Estado.
As atividades a serem desenvolvidas nas escolas-laboratórios, bem como a problemática de sala
de aula de cada aluno/a, as políticas, as estratégias, o empenho e a experiência de formação ali
oportunizada vêm sendo analisados, a partir de diferentes enfoques, em estudos vinculados às
bases de pesquisa do Programa de Pós-graduação da UFRN, tais como os trabalhos
desenvolvidos por: Baldi, 1996, 2000; Gadelha, 1997; Carrilho, 2002; O. Dantas, 2003; S.
Dantas, 2003 e Virgínio, 2003, entre outros ainda em andamento.
Quanto aos recursos para o desenvolvimento da formação docente, no caso do
IFESP, o sistema estadual de ensino vem arcando com a maior parte, contando, inicialmente,
com a cessão de alguns professores formadores por parte da Secretaria Municipal de Educação
de Natal, em contrapartida ao significativo número de professores em situação de formação no
Instituto.
98
2.3 O Programa Estudante – Convênio / Rede Pública da Universidade Federal da Paraíba
- PEC/RP/UFPB
Este programa foi criado logo após a promulgação da Nova Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, com o expresso objetivo de atender ao grande contingente de professores
da rede pública de ensino que atuava sem a necessária formação em cursos de licenciaturas
(UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA, 1998). Em decorrência do grande número de
candidatos às 472 vagas oferecidas já para o ano letivo de 1998, expressando um objetivo de
estreitamento do vínculo com a comunidade e um melhor atendimento às necessidades da
educação básica do Estado, o Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão - CONSEPE
daquela Universidade atribuiu caráter permanente ao Programa, nesse mesmo ano em que
iniciou suas atividades.
Essa iniciativa não se configurou como uma proposta de formação emergencial, mas
como uma reserva de vagas para o professorado da rede pública de ensino. Menos ainda pode ser
considerada uma iniciativa isolada. Outras universidades públicas brasileiras, de uma maneira ou
de outra, estão dando algum tipo de resposta a esta questão. Esta, também, não é a menos
tradicional das respostas. Mas, sem dúvida, vem se configurando, de uma certa forma, numa
ação de ampliação dos espaços de formação, de resistência e defesa da responsabilidade pela
formação docente, que por tanto tempo foi exercida e refletida pelas universidades.
Mesmo assim, as universidades públicas brasileiras não vêm apresentando uma
resposta única para o problema, mas uma variedade de propostas para a formação deste largo
contingente de professores.
99
No caso da UFPB, o PEC/RP foi destinado à formação de professores atuantes na
educação básica de instituições públicas de ensino, para ingressar em cursos de licenciaturas
desta instituição, a partir de celebração de convênios. Foram realizados, inicialmente, 78
convênios em todo o Estado, tendo sido oferecidas 2.654 vagas entre 10 a 12 cursos de
licenciaturas, em quatro dos sete campi existentes, assim distribuídas:
TABELA 1 –Vagas* oferecidas pelo PEC/RP/UFPB no período de 1998 a 2002
CAMPUS 1998 1999 2000 2001 2002 Total
I J.Pessoa 217 225 230 225 237 1.134
II C.Grande 85 105 110 110 120 530
IV Bananeiras 10 10 10 10 10 50
V Cajazeiras 160 220 200 180 180 940
Total 472 560 550 525 547 2.654
*Cursos de licenciaturas em: Ciências, Educação Artística, Educação Física, Física, Química, Geografia,
História, Letras, Matemática e Ciências Sociais, Pedagogia e Técnicas Agropecuárias.
Fonte: Manuais dos Candidatos relativos aos períodos indicados.
Os resultados apresentados pelo programa, nos cinco anos indicados na tabela 1,
evidenciam o esforço dessa Universidade em aproximar-se efetivamente das necessidades
demandadas pelos sistemas municipais de ensino, em termos de uma adequada qualificação de
seus quadros docentes.
100
TABELA 2 – Vagas* oferecidas em Pedagogia ao PEC/RP / UFPB - 1998 a 2002
Campus I (J.Pessoa) Campus II.C.Grande..........Campus V (Cajazeiras
ANOS Total
1998 60 25 40 125
1999 80 30 50 160
2000 80 30 40 150
2001 80 30 40 150
2002 80 30 40 150
TOTAL 380 145 210 735
*Vagas efetivas por ano envolvendo os 02 semestres letivos nos três turnos de funcionamento,
divulgadas anualmente nos Manuais dos Candidatos .
Não obstante o empenho verificado pela oferta de vagas para o PEC nos cursos de
Pedagogia, sempre superior à dos demais cursos, em torno de 30% do total de vagas oferecidas
pelo conjunto das licenciaturas, estas não têm correspondido à grande demanda do professorado
vinculado às séries iniciais do ensino fundamental, cuja formação predominante se insere no
nível médio. No entanto, a procura por vagas tem se apresentado de modo decrescente nos
últimos anos, em todos os cursos, conforme Relatório PEC/RP2002, a ponto de os 78 convênios
iniciais com os municípios se encontrarem reduzidos, naquele ano, a 27 Secretarias de Educação.
Poucas foram as secretárias que renovaram os convênios todos os anos. Dentre elas
destacam-se a Secretaria Estadual de Educação da Paraíba e a Secretaria de Educação do
Município de João Pessoa, que desde o início do Programa, em 1998, detém o maior número de
vagas disponibilizadas em todas as licenciaturas existentes na UFPB.
101
Desde o desmembramento da UFPB em 2003, em duas instituições distintas, a UFPB
e UFCG (Universidade Federal de Campina Grande), o Programa continuou, porém, sem
alterações, pelas duas universidades, apresentando um significativo aumento, ano a ano, na
oferta de vagas.
No primeiro ano de funcionamento do programa, os termos dos convênios
estabelecidos entre a universidade e os sistemas municipais de educação realçavam a
preocupação com os efeitos deste investimento para os professores, no sentido da garantia de
condições materiais, com relação às suas despesas com a realização do curso (bolsa, transporte
etc), além de ajustes na carga horária de trabalho, bem como seus efeitos em termos da carreira
funcional quando do término do curso. Não constou desses convênios qualquer contrapartida de
alocação de recursos, por parte dos municípios, nos referidos cursos da UFPB. Foi previsto
apenas um desembolso dos municípios, referente à taxa de inscrição para o processo seletivo
simplificado, à Comissão Permanente do Vestibular – COPERVE/UFPB.
Uma característica distinta deste programa consiste na inclusão pura e simples
desses alunos nas diversas licenciaturas existentes. O ingresso vem ocorrendo através de um
vestibular simplificado, consistindo na realização de provas abrangendo apenas as disciplinas de
língua portuguesa e matemática para o curso de Pedagogia e de uma prova de conteúdo
específico para as outras licenciaturas e de conhecimentos gerais para os demais cursos. Apesar
desse ingresso diferenciado, outras distinções não se verificam no interior dos cursos – os alunos
do PEC passando a integrar os mesmos espaços e conteúdos dos cursos dos alunos oriundos de
outros processos seletivos, submetendo-se, inclusive, ao mesmo currículo e às mesmas regras
disciplinares previstas no regimento geral da universidade para todos os alunos. De uma certa
maneira, pode-se dizer que o Curso de Pedagogia da UFPB está particularmente comprometido
com esta missão, pela natureza do próprio programa, que tem por universo o professorado da
102
rede pública de ensino, ao qual se encontra ligado seja no desenvolvimento de atividades de
pesquisa e extensão, seja nos momentos de estágio do curso. Anualmente, cerca da metade das
vagas do curso de Pedagogia em João Pessoa destinava-se às/os alunas/os do PEC/RP,
envolvendo, no semestre de 2002.2, 40% do total do alunado do curso. Naquele ano, no primeiro
semestre, 19 alunas da primeira turma do PEC/RP concluíram o curso. Possuindo uma carga
horária de 3000 horas/aula, o curso de Pedagogia fundamenta suas ações na perspectiva da
formação de profissionais para o exercício da docência para o Magistério da Educação Infantil e
as séries iniciais do Ensino Fundamental. Possui ainda, como áreas de aprofundamento, as
opções: a) Magistério do Ensino Normal; b) Magistério em Educação Especial; c)Magistério em
Educação de Jovens e Adultos e d) Supervisão Escolar e Orientação Educacional.
Sob este mesmo formato (com igual carga horária, tempo de duração e freqüentando
as aulas em conjunto e nos mesmos espaços que os demais alunos regulares), o curso de
Pedagogia foi disponibilizado para o PEC-RP. Dessa forma, a Universidade propôs-se a oferecer
uma formação inicial plena e não diferenciada, como vem ocorrendo em outras instituições, com
carga horária reduzida e recursos distintos dos cursos originalmente oferecidos. Contudo, as
modalidades de prática pedagógica precisam de uma atenção especial para se adequar às
especificidades das condições de realização do curso por alunos e alunas oriundos do
professorado da rede pública de ensino, questão que será retomada no momento da análise final
deste capítulo.
Dos onze cursos de graduação nas diversas licenciaturas, disponibilizados para o
PEC/RP, Pedagogia é o curso de maior extensão de carga horária, no campus I, com duração
mínima de quatro anos e meio, ou nove semestres. Com exceção deste curso e do curso de
Física, que estabelece uma previsão mínima de três anos e meio de duração, os demais cursos
103
podem ser concluídos em apenas três anos. Contudo, mesmo demandando mais tempo do que os
demais cursos, as vagas destinadas ao programa foram sempre preenchidas.
Embora o professorado apresente, de uma maneira geral, um elevado nível de
satisfação quanto ao ingresso na UFPB, algumas dificuldades vêm sendo apontadas com relação
ao curso, ao programa e às instituições de origem. Com base em estudos realizados em 2001 pela
Comissão de Acompanhamento e Avaliação deste curso, especialmente instituída para esse fim,
da qual participamos, como representante do Departamento de Habilitações Pedagógicas do
curso de Pedagogia do Centro de Educação da UFPB, podemos assinalar alguma dessas
dificuldades apontadas pelos/as estudantes:
a) pouca disponibilidade de tempo para o desempenho das atividades acadêmicas, por
estas se encontrarem limitadas apenas ao horário de aulas, evidenciando a ausência de
uma política de capacitação que inclua o tempo necessário aos estudos na carga horária
de trabalho do professorado;
b) discriminação por parte de alguns professores formadores e colegas por sua condição
especial, sendo considerado/as por esses professores, sem base para realização do curso,
não levando em conta a sua experiência docente. Registram, ainda, quanto a alguns
colegas, um certo distanciamento entre eles/as, mesmo em atividades comuns na sala de
aula;
c) apoio insuficiente por parte da universidade com relação ao curso noturno, por não
disponibilizar todos os serviços que funcionam no turno diurno, a exemplo da biblioteca.
Com relação às dificuldades ligadas às instituições de origem, o professorado em
formação nesta instituição acusa principalmente o não cumprimento do convênio, por
parte das secretarias de educação conveniadas, quanto ao pagamento do auxílio
financeiro estabelecido ou ao atraso no pagamento das bolsas e dos vales-transportes.
104
d) Quanto às escolas, o problema mais sentido diz respeito à não liberação ou
flexibilização do horário de trabalho, para que possam dedicar-se às atividades
acadêmicas, estando esta liberação estritamente vinculada ao horário de aulas na
universidade, faltando tempo para estudos, atividades de pesquisa, eventos e reuniões.
As dificuldades acima expostas e reiteradas a cada Encontro prenunciam para a
universidade a necessidade de um melhor redimensionamento do programa, no sentido de levar
em conta as especificidades e condições de ingresso desses alunos/as nos cursos de graduação
dessa universidade, especialmente por se encontrarem em efetivo exercício docente em seus
locais de trabalho, na rede pública de ensino. Este redimensionamento envolve desde o
acionamento de mecanismos de melhoria da base de conhecimentos dos/as estudantes, que
ingressam nas diferentes licenciaturas, até o estudo conjunto com as secretarias de educação/
escolas, no sentido de otimizar as condições de realização dos cursos.
2.4 O Programa de Qualificação Profissional para a Educação Básica da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte -PROBÁSICA / UFRN
Este programa é parte de uma política, iniciada em 1994, de interiorização da UFRN,
tendo suas atividades efetivamente iniciadas em três campi (Nova Cruz, Santa Cruz e Macau) em
105
1997 (ARAGÃO, 2001). Destina-se a professores no efetivo exercício da docência, assim como
os demais cursos das instituições referidas, dado que se trata de capacitação em serviço e, no
caso específico do PROBÁSICA, possui um caráter emergencial destinado ao professorado que
atua sem a titulação devida na educação básica pública no estado. No caso do curso especial de
Pedagogia encontra-se voltado para a formação de docentes que atuam na educação infantil e nas
séries iniciais do ensino fundamental público.
A dinâmica da organização curricular proposta, que pretende dar uma maior
flexibilidade ao currículo, procurando favorecer a relação teoria/prática, prevê a introdução de
“[...] conhecimentos e formas de trabalho pedagógico que atendam às necessidades mais
imediatas do aluno, no trato das questões específicas da sala de aula e da escola em geral,
oportunizando ao aluno a revisão contínua de sua prática (UNIVERSIDADE FEDERAL DO
RIO GRANDE DO NORTE, 1996, p.7 ).
Diferentemente do programa apresentado anteriormente, que traz o professorado para
os cursos em funcionamento nos campi já existentes, o PROBÁSICA se desloca para uma
grande quantidade de municípios conveniados, em espaços cedidos pelas secretarias municipais
de educação. Os cursos são assim realizados o mais próximo possível do local de trabalho,
funcionando atualmente, de acordo com os dados divulgados pela UFRN, em 22 pólos e
atendendo 90 municípios, sendo a seguinte a sua distribuição:
No período de 1999 a 2002, 1.823 alunos do PROBÁSICA concluíram o
curso de Pedagogia, correspondendo a 17 cursos em 79 municípios;
A licenciatura em Pedagogia envolvia 19 cursos em andamento,
abrangendo 61 municípios e 1.627 estudantes e, nas licenciaturas
específicas (Letras, Matemática e Ciências Biológicas), 13 cursos
106
abrangendo 53 municípios e 463 alunos, envolvendo em quatro anos,
3.913 estudantes (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO
NORTE, 2002).
O funcionamento dos cursos se dava mediante convênio com esses municípios que,
além de arcarem com o espaço físico para o seu funcionamento, forneciam hospedagem,
transporte e pagamento dos professores formadores que se deslocam para os municípios.
O momento em que nos vinculamos ao curso de Pedagogia de Ceará Mirim, no qual
atuamos também como docente, além de ter servido de campo para esta pesquisa, correspondeu a
uma nova formatação do curso de Pedagogia do PROBÁSICA, chegando a ser considerado
como um segundo projeto, conforme Aragão (2001). A característica mais importante desse
programa diz respeito à dimensão administrativa do Programa, apontada por esse autor, que
consiste em sua realização fora dos espaços formais da universidade e utilização dos espaços
disponibilizados pelas prefeituras municipais para funcionamento dos cursos presenciais.
Composta exclusivamente por disciplinas obrigatórias, a organização curricular do
curso de Pedagogia apresenta uma carga horária de 2.250 horas, para ser integralizada em três
anos letivos. Tendo por eixo de desenvolvimento do currículo “[...] a apropriação/ reelaboração
do conhecimento” (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE,1996, p.5),
propõe-se a fornecer os principais instrumentos teórico-metodológicos necessários à prática
educativa.
Procurando imprimir uma certa flexibilização ao currículo e, ao mesmo tempo,
favorecer a relação teoria/prática, o Projeto indica o uso de oficinas e seminários como formas
mais adequadas ao desenvolvimento dos cursos (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO
GRANDE DO NORTE, 1996). Se por um lado, contudo, a saída dos cursos do restrito espaço da
universidade contribuiu para a grande ampliação do programa, por outro lado, apresenta
107
dificuldades quanto à qualidade dos mesmos, sobretudo no tocante à sua infra-estrutura física e
material, ausência e/ou deficiência de bibliotecas. Somando-se, ainda, a essas dificuldades a
própria impossibilidade dessa universidade realizar uma complementação de recursos, diante da
insuficiência orçamentária que penaliza ano a ano as universidades públicas (ARAGÃO, 2001).
Resultam dessa situação, indicadores os mais negativos veiculados por um programa de
avaliação dos cursos pelo MEC, conhecido como Provão, conforme informação da Pró-Reitoria
de Graduação desta Universidade: dos treze cursos de Pedagogia do PROBÁSICA, em
diferentes municípios avaliados de 2001 a 2003, apenas três alcançaram conceito C, ficando dois
cursos com o conceito D e oito com o conceito E.
Já o IFESP, teve seu Curso Normal Superior avaliado em 2003 pelo Provão do
MEC, alcançando o conceito C, sendo por esta razão festejado com faixas e cartazes pela
Instituição.
Quanto ao PEC/RP/UFPB, contudo, pelas características especiais que permitem à
população alvo deste programa, o ingresso nos cursos regularmente oferecidos por esta
Universidade, seu acompanhamento e avaliação se dão internamente na própria instituição, não
demandado avaliações externas por estar inserido no conjunto das turmas e cursos existentes.
Ressalta-se, nas avaliações internas do Programa, como uma das maiores dificuldades postas ao
bom desempenho acadêmico do professorado em formação, o descumprimento do convênio por
uma grande parte dos municípios, em relação ao pagamento das bolsas de estudo e à garantia do
transporte para o seu deslocamento para esta universidade. De acordo com o Relatório PEC/RP
2002, um outro ponto bastante destacado compreende a intensa jornada de trabalho, ocupando,
com a freqüência ao curso, um terceiro turno de trabalho, não sobrando tempo para o estudo dos
conteúdos das aulas. Uma questão ausente nos relatório de avaliação diz respeito à dificuldade
originada pelo direcionamento do próprio programa, em considerar suficiente o acesso facilitado
108
ao professorado da rede pública por um processo seletivo especial. Por uma falsa idéia de que o
simples ingresso promoveria a igualdade e efetivava-se a formação, deixava-se de implementar
medidas voltadas para a melhoria do desempenho das atividades acadêmicas dos/as estudantes
ligados/as ao programa, em igualdade de condições com aqueles/as que vinham mais
preparados/as.
2.5 O discurso docente sobre a formação
Compreende-se a identidade docente como uma identidade social, construída e
reconstruída em meio às relações existentes em um campo social específico - o educacional.
Assim, partimos aqui do entendimento de que sua produção não se encontra descolada das
motivações que redundaram em um maior investimento em sua formação, em grande parte
oriunda de uma atuação docente altamente fragilizada, porque implicada nos diagnósticos de
fracasso e crise da rede pública de ensino do país. Esta se constitui numa das mais destacadas
afirmações por parte do professorado da grande demanda por cursos de atualização pedagógica.
Era de se esperar, assim, que a oferta de cursos em nível superior de formação para o magistério
repercutisse de maneira positiva em seu meio. Com efeito, a maciça inserção do professorado
nos programas mencionados permite inferir a relevância desses cursos para ele. Assim, esta parte
109
do estudo procura analisar os sentidos da formação atribuídos pelo referido professorado e a sua
possível repercussão na construção identitária.
2.5.1 Distinções entre os discursos docentes vinculados às
instituições envolvidas
Identificando-se apenas quanto à instituição à qual se vinculavam, 310 professores/as
vinculados/as aos programas de capacitação em serviço nas três instituições envolvidas
responderam por escrito à questão acerca de sua motivação para a realização do curso. O corpus
resultante do conjunto dessas respostas discursivas foi submetido a uma análise informatizada de
conteúdo, através do Programa ALCESTE - Análise Léxica por Contexto de um Conjunto de
Segmentos de Texto (Reinert, 1990). A análise oportunizada pelo ALCESTE é realçada
atualmente em vários estudos, por permitir uma rápida e clara aproximação aos sentidos
existentes em um corpus mais amplo, conferindo uma maior validade semântica a esta análise.
O Programa considerou as palavras chaves em seu contexto, indo além de uma simples
classificação das unidades do texto, analisando as co-ocorrências a partir das quais indicava a
relevância semântica, numa associação de palavras. A análise que passaremos a apresentar a
seguir remete-se à questão da motivação da realização do curso de Pedagogia por esse
professorado, que se encontrava em serviço no ensino fundamental da rede pública de ensino da
Paraíba e do Rio Grande do Norte. Após a formatação necessária ao reconhecimento do
programa, o referido corpus passou a integrar 413 Unidades de Contexto Elementar – UCE
52
,
52
UCE são unidades de sentido completo, compreendendo uma seqüência textual. As UCE são selecionadas para
formar uma classe a partir do conteúdo específico que detém, portando cada uma, três linhas em média (Accioly,
2000). Cada classe corresponde a um contexto semântico, correspondendo, neste caso, aos contextos A, B, C, D.
Neste estudo, as 310 respostas abertas do questionário aplicado junto ao conjunto do professorado das três
110
das quais foram analisadas 289, representando cerca de 70% do total. Para a análise foram
consideradas palavras que apresentassem freqüência de evocação superior a três. Do total das
289 UCE analisadas, emergiram quatro classes da análise, expressando quatro campos
semânticos distintos, como podem ser observados no seguinte gráfico:
----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|
Cl. 1 ( 75uce) |----------------------+
17 |--------------------+
Cl. 2 ( 61uce) | |
|-----------------------+ |
|----+
Cl. 4 (129uce) |--------------------------------------------+ |
+
Cl. 3 ( 24uce) |--------------------------------------------+ ---|
GRÁFICO 1 – Dendrograma das classes – classificação
hierárquica descendente do corpus discursivo.
instituições se transformaram em 413 UCE, significando que uma parte das respostas foi desmembrada, podendo,
assim, uma única questão conter duas, três ou mais UCE, e não necessariamente, cada questão, corresponder a uma
UCE. Por sua vez, cada UCE corresponde a um número, de 1 a 413. De modo que, quando nos referirmos a uma
UCE nesta análise, o número a ela correspondente será precedido da letra do contexto ao qual pertence, seguido do
número da UCE.
111
A organização de cada classe é formada pela aglutinação de UCE, tendo por
finalidade a composição de um conjunto temático reunido a partir de palavras significativas, de um
mesmo campo semântico, sendo por esta razão organizado por um número ilimitado de UCE.
No caso do nosso estudo, coincidentemente, a primeira e a segunda classes reúnem,
cada qual, um número muito próximo de UCE, - 75 e 61 respectivamente. Já a classe 4 apresenta
um número de UCE bem mais elevado, totalizando 129 UCE. É, contudo, na classe 3 que a
especificidade de uma classe se apresenta com maior clareza: reunindo apenas 24 UCE,
evidencia a sua grande densidade e consistência, uma vez que ela abrange, praticamente, toda a
extensão da escala proposta pelo gráfico que é de 0 a 100.
No detalhamento dos segmentos textuais que compõem cada classe, pode-se verificar
que a primeira classe contém a presença majoritária do professorado do IFESP, representado em
58,0%. A classe 2, encontra-se formada exclusivamente pelas respostas do grupo do
PROBÁSICA; a classe 3 encontra-se organizada com exclusividade pelo grupo do PEC-RP, e,
por fim, a classe 4, mesmo mantendo a posição majotária do IFESP, em 68,42%, conta também
com a participação de parte do professorado ligado ao PEC-RP. Accioly (2000) já deixa claro em
seu estudo que as classes podem se constituir de maneiras opostas, mas também apresentam
pontos de proximidade e de convergências entre si. Isto com relação ao conteúdo discursivo (do
que se fala) por ele apontado, mas também, ao que parece, sobre quem se fala, como acabamos
de localizar em nosso estudo e que apresentamos no item seguinte.
112
2.5.2. O perfil das classes no tocante às instituições envolvidas
O ALCESTE apresenta graficamente, sobre um plano, a organização dessas classes
com base em dois eixos que se correlacionam, conforme pode ser observado no gráfico seguinte:
#2
*PROBASICA
* IFESP #4
#1
*PEC
# 3
GRÁFICO 2 – Projeção das classes correlacionadas sobre o plano 1 e 2
Eixo Horizontal: 1º fator: V.P. = .3779 (32.60% de inércia)*
Eixo Vertical: 2º fator: V.P. = .3436 (29.65% de inércia)
* Número de palavras recobertas e superpostas: 0 .Refere-se à quantidade de
informações retidas em cada dimensão do plano (ACCIOLY, 2000).
113
Neste gráfico observa-se a posição específica que ocupa cada instituição no
contexto discursivo, nomeadamente destacado pelo programa. Apenas a classe 1 não foi
identificada pela instituição no gráfico, porém quando trata dos vocábulos específicos
dessa classe assinala o IFESP como a instituição à qual ela pertence de maneira
predominante, em 58,0%, indicando, também, a existência de segmentos discursivos
pertencentes a outras instituições.
O gráfico 2 destaca, inicialmente, o lugar de onde se fala e os campos semânticos
específicos originados. Cada classe reúne um vocabulário especificamente formado no contexto
discursivo daquela classe. Este contexto é detalhado pelo ALCESTE, colocando, para cada
palavra, a freqüência encontrada, a quantidade de palavras utilizadas na análise, com o
correspondente percentual, o x² de cada uma, de forma reduzida
53
ou completa.
2.6. O contexto da formação no discurso docente em cada instituição
Antes de passarmos à análise de cada uma das quatro classes, relacionadas as
diferentes instituições, é necessário alertarmos que o critério de organização das referidas classes
não obedece a definições prévias postas pela pesquisa, mas pelas relações articuladas
53
Forma Reduzida corresponde ao agrupamento de palavras ou formas originais assim
consideradas pelos seus radicais e associadas a um contexto. A exemplo de curs+: cursando,
cursar, curso. Este foi o vocábulo mais alto da classe 1 , ao qual correspondeu uma freqüência
total de 92, porém foi utilizada uma freqüência de apenas 45, correspondendo a um percentual de
48,91% e o X² de 37,03. Se o programa tivesse considerado todas as vezes que a palavra
apareceu, ela não estaria posicionada medianamente dentro da sua classe.
114
interdiscursivamente, realizadas pelo próprio programa, a partir dos nexos que emanam do seu
próprio campo semântico.
2.6.1 A realização de um sonho e a busca de novos conhecimentos ( IFESP)
A classe 1, indicada no quadrante inferior esquerdo do gráfico, reúne 75 UCE,
correspondendo a 25,95% do total das classes, apresentando uma média de 9,28 de
palavras analisadas por UCE, e um número total de 81 palavras selecionadas, tendo como
destaque mais importante, porque estruturador da própria classe, o termo IFESP
destacado por um asterisco (*), como faz com as palavras consideradas chaves para a
análise. Assim, o professorado ligado ao IFESP dá o tom dessa classe, mas não representa a
única parcela do professorado presente na classe 1. Observando o contexto desta classe
percebe-se a presença do professorado ligado às demais instituições com relação ao sentido
mais proeminente que a classe encerra. Ressalta-se, neste caso, a identificação do
professorado com o curso que faz, pois a formação em nível superior é tida,
preponderantemente, como a realização de um sonho.
Projetam-se nesta classe os seguintes vocábulos específicos, determinantes do seu
contexto discursivo:
115
TABELA 3 - VOCÁBULOS ESPECÍFICOS DA CLASSE 1
Formas Reduzidas / Completas F Efetiva F Total
%
Curso+
Professor+
Fazer+
Realizar+
Sonho+
Superior
Formação
Oportunidade
Exigência
Ingresso
Nível
Instituto
45
22
35
17
20
19
17
11
12
13
10
09
92
29
56
22
24
24
27
23
19
14
14
09
48,91
75,86
62,50
77,27
83,33
79,17
62,96
47,83
63,16
92,86
71,43
100,00
37,03
41,79
46,97
3264
44,85
38,57
21,23
6,22
20,37
33,98
15,83
26,51
Das 81 palavras selecionadas na classe 1, as 12 constantes deste quadro apresentam
as maiores freqüências, correspondendo, também, aos mais altos X², indicando, desse modo, a
importante posição que ocupam. Destaca-se, todavia, o baixo aproveitamento (baixo percentual
e freqüência efetiva) de dois vocábulos importantes na configuração desta classe: curso e
oportunidade. Apesar da alta ocorrência dos referidos vocábulos (92 para curso e 23 para
oportunidade) foram considerados efetivamente na classe, apenas 45 e 11 respectivamente para
116
os mesmos, representando um aproveitamento no contexto discursivo,de menos da metade das
ocorrências, para cada um dos vocábulos indicados, conforme representados na tabela 3.
No final de cada listagem, o programa apresenta, em destaque, os termos sobre os
quais as classes estão organizadas. No caso deste estudo, o programa indica uma instituição por
cada classe, sendo o destaque nesta classe para o IFESP, alcançando a maior freqüência (128)
em relação às demais classes, embora não chegando a 1/3 o seu aproveitamento para análise,
pois a freqüência efetivamente utilizada foi na ordem de 41, incorrendo em um x² de 4,42.
Provavelmente, a baixa freqüência efetiva alcançada foi a razão pela qual não pôde constar do
gráfico acima apresentado.
Já na classe 4, o IFESP aparece como a instituição em torno da qual os discursos
estão estruturados, embora apresentando a mesma freqüência da classe anteriormente comentada.
Contudo, quase dois terços de sua freqüência foram aproveitados, apresentando um x² mais
elevado, na ordem de 29.67.
Mesmo referindo-se ao IFESP, já contemplado na classe 1, procurou-se realçar a
distinção feita pelo Alceste entre as duas classes, pois cada uma trata de segmentos discursivos
distintos, com aproximações e nuances específicas em seu interior que precisam ser preservadas
para efeito desta análise. Configuram esta classe (Classe 4) 129 UCE, que detém 44,64% do
total da distribuição das UCEs entre as classes. O percentual alcançado por esta classe indica a
sua liderança entre as classes, apesar do reduzido número de palavras selecionadas em seu
contexto (36). Foram os seguintes os vocábulos específicos desta classe:
117
TABELA 4 - VOCÁBULOS ESPECÍFICOS DA CLASSE 4
Formas Reduzidas /
completas F efetiva F Total %
Conhecimento+
Prática
Melhoria+
Busca+
Novos
Aperfeiçoamento+
Pedagogia +
Adquirir +
Docente +
Aprofundamento+
Aula+
Ensino
Atuação+
47
60
37
29
22
27
26
16
17
10
16
11
10
69
71
46
36
24
34
48
20
18
10
20
17
10
18,12
84,51
80,43
80,56
91,67
79,41
54,17
80,00
94,44
100,00
80,00
64,71
100,00
22,00
60,55
37,00
21,47
23,43
18,56
2,12
10,87
19,27
12.85
10,87
2,97
12,85
O vocabulário específico das duas classes apresentadas (1ª e 4ª) aparece como
pertencente ao IFESP. Sem dúvida, o professorado ligado a esta instituição apresenta um
percentual de participação predominante nas duas classes, não participando delas, porém, com
exclusividade, inscrevendo-se na 1ª classe com 58,00% e na última com 68,42%. Significando,
assim, que se trata de discursos compartilhados, em alguma medida, com os outros subgrupos do
professorado vinculados às demais instituições de formação. Observa-se que, diversamente dos
118
demais, o professorado do IFESP não teve o seu discurso isoladamente analisado pelo programa,
pela simples razão de que não era específico unicamente desse grupo docente.
A Classe 4, conforme expressa fortemente o seu vocabulário específico, realça a
importância da formação para o professorado que se encontra em curso, como resposta à sua
busca e aquisição de novos conhecimentos teórico-metodológicos (aula/ensino/atuação) tendo
em vista o aprofundamento, aperfeiçoamento e melhoria da prática docente.
Esse é o sentido mais geral que perpassa uma grande quantidade de segmentos
discursivos selecionados pelo programa para compor essa classe, denominados no softwere de
UCE, destacadas a seguir:
[...] busca de novos conhecimentos para melhorar minha prática; (D234)
[...] buscar suporte teórico-metodológico capaz de proporcionar mudanças
significativas na minha prática (D361);
[...] por contribuir para a sistematização dos conhecimentos, para o
aperfeiçoamento de minha prática docente e para a melhoria do sistema de ensino
de Natal (D306);
[...] aperfeiçoamento de minhas atividades docentes (D308);
[...] melhoria de minha atuação em sala de aula (D302
).
Nas UCE selecionadas, encontra-se implícito o compromisso pessoal pela melhoria
do ensino que realiza como algo independente das condições postas à sua realização. Pode-se
observar nos enunciados uma introjeção da crença, que perpassa os sistemas de ensino, de que
cabe unicamente ao professorado a superação dos problemas da educação escolar braileira. Ao
mesmo tempo em que silencia sobre as demais condições escolares e extra-escolares
119
responsáveis por tal situação. Talvez aqui se encontre a chave para entender a reafirmação, em
diversos momentos, do par compromisso/responsabilidade, fortemente evocado na fase inicial da
pesquisa (VERGÈS, 2000), constante como elemento central de suas representações do ser
professor/a. Esse aspecto aponta para certa formação discursiva presente no campo educacional,
que se relaciona à geração e ampliação de suas responsabilidades docentes.
Assim, para esta parte do professorado, o curso de formação superior direcionado ao
magistério é por ele tomado positivamente, indo ao encontro de suas necessidades de
aperfeiçoamento
, aprofundamento e atualização pedagógica para as atividades de ensino que
realiza como o vocabulário selecionado sugere, conforme mostrado na tabela 4.
Esta visão do curso é compartilhada, em parte, por professores vinculados às outras
instituições analisadas, sobretudo pelo professorado ligado ao PEC-RP/ UFPB. Mas, para a parte
majoritária do professorado aqui indicado (IFESP), a importância do curso que realiza é, sem
dúvida, o eixo constitutivo da classe 1. O segmento discursivo considerado mais representativo
dessa classe, selecionado pelo programa na seguinte UCE, retrata a importância desse
investimento pelo professorado:
Ter o nível superior, pois sempre sonhei em ter um curso superior, mas deixava
esse sonho de lado, quando apareceu essa oportunidade fiz o possível para
ingressar na universidade (A 137).
Embora as exigências legais, postas pela LDB, dentre as quais ter elevado a um
patamar superior, a formação mínima para o exercício do magistério, tenha sido considerado em
algumas respostas (20,37 x²), o curso atende primordialmente a uma dimensão imaginária de
formação universitária (44.85 x²). Assim, para grande parte do professorado em formação no
120
IFESP, fazer o curso implicou na realização de um sonho, um desejo, uma oportunidade que não
seria possível fora da proposta acenada pelo IFESP. A recente reforma da educação, que ampliou a
formação inicial mínima para o exercício e permanência nos quadros do magistério público do
país, envolve posições marcadamente distintas por parte do conjunto do professorado, cuja
discussão será retomada mais adiante. Para esse subgrupo específico, o curso teve o sentido de
uma apreciada oportunidade que, por meio de um processo seletivo especial, possibilitou o acesso
a uma formação em nível superior. A idéia do curso como a concretização de um sonho constitui-
se no núcleo de referência maior da classe 1. Outras marcas lingüísticas reforçam essa idéia,
através das quais os enunciados se manifestam, revelando-se na forma reduzida (Faz +, fazer) no
quadro 2, detendo o mais alto x² 46,97, entre todos os vocábulos. Através da expressão dessa ação,
os sujeitos modulam os seus desejos, concretizam o sonho, configurando o sentido maior desta
classe: “[...] a realização do desejo de fazer um curso superior” (A196). Fazendo emergir “[...] a
atitude do enunciador face ao que diz” (MAINGUENEAU, 2002, p.19), ressalta-se o alcance que
esta dimensão fornece à participação entusiástica na realização do curso.
Em síntese, o eixo de referência da classe 1 reporta-se ao próprio sujeito e à
realização de seu sonho: fazer um curso superior. Já a classe 4 remete-se à finalidade do curso
que, ao invés de dar continuidade àquela formulação pessoal encontrada na classe 1, já referida,
voltada para a consecução pessoal de um desejo, a conquista de um bem simbólico, o diploma,
aponta, pelo contrário, para uma finalidade de conteúdo mais social: a melhoria de sua prática
docente em sala de aula.
121
2.6.2. A contribuição do curso para a vida profissional e a luta para realizá-lo (PROBÁSICA
/ UFRN )
A classe 2, inicialmente, foi dividida em duas classes pelo ALCESTE, mas acabamos
por mantê-la como uma única classe diante da proximidade dos contextos retratados, além de
ambas se vincularem exclusivamente ao PROBÁSICA. Composta por 61 UCE, número próximo
da primeira classe, não apresenta, porém, a mesma força argumentativa no conjunto dos
enunciados que o grupo anterior. No gráfico 1 pode-se perceber a sua proximidade com a classe 1,
indo junto até um certo ponto, depois continua com a sua especificidade. Para efeito da análise,
manteremos distintos apenas os dois contextos assinalados a seguir:
122
TABELA 5 – VOCÁBULOS ESPECÍFICOS DA CLASSE 2
Formas
Reduzidas/Completas F efetiva F Total %
Contribuição+
Expectativa + (financeira)
Futura+
Grande+
Importância
Investimento+
Irá
Profissional +
Qualificação+
Vida
Acreditar+
Casa
Chegar+
Começar+
Conseguir +
Continuar+
Desistir +
Dia +
Dificuldade +
Diz+
Estudo +
Magistério
Momento
Terminar +
Vontade
Zona rural
Aqui
Hoje
Todo, todas
07
04
07
04
04
05
04
13
06
08
05
04
06
06
05
06
05
08
12
05
11
04
06
05
06
03
06
07
09
19
05
08
10
05
09
05
53
18
21
06
05
07
08
07
07
05
10
15
05
15
06
06
07
06
03
08
09
16
36.84
80.00
87.50
15.45
37.91
55.55
80.00
24.53
33.33
38.10
83.33
80.00
85.71
75.00
71.43
85.71
100.00
80.00
80.00
100.00
73.33
66.67
100.00
71.43
100.00
100.00
75.00
77.78
56,25
23.88
37.91
74.66
15.45
37.91
30.21
37.91
26.41
18.06
29.92
5.60
19.28
32.05
26.66
20.63
32.05
32.62
39.25
60.37
32.62
47.61
14.84
39.28
20.63
39.28
19.43
26.66
32.88
26.33
A classe 2 relaciona-se predominantemente ao PROBÁSICA, mas esta classe é
definida por uma temática distinta da apresentada anteriormente, tendo por eixo as dificuldades
relacionadas à realização do curso. O discurso agora se apresenta centrado na dimensão
profissional que se remete ao curso, onde é realçada a contribuição que ele fornece ao
professorado ao qual teve acesso. A sua importância é destacada por se reverter numa desejada
123
qualificação, no aprimoramento dos conhecimentos e no retorno que poderá trazer à sua vida
profissional futura, daí sua proximidade com a classe 1.
No primeiro contexto desta classe, assinalado pela divisão no quadro acima,
envolvendo 39 UCE, o curso é tomado como um investimento na sua própria qualificação
profissional, com expectativas assinaladas para um futuro retorno financeiro em sua vida
profissional. Este é o sentido indicado nos seguintes contextos expressos nas UCE.
[...]
investi conscientemente, pois futuramente o curso me dará o retorno
necessário para atender a minha prática de ensino e a minha qualificação
(
B178 );
[...] precisava de algo que me realizasse profissionalmente e me fizesse sentir uma
pessoa capaz (B 7);
[...] hoje já tenho outra visão de mundo para transmitir melhor aos meus alunos e
futuramente terei melhores investimentos: financeiros, conhecimentos, entre
outros (
B131);
O meu investimento neste curso começa pelo investimento intelectual, onde os
conhecimentos adquiridos serão de grande importância, o outro é de natureza
financeira e o retorno profissional (
B112).
Nesse primeiro contexto, o curso é articulado, pelo professorado, a uma expectativa
de um futuro retorno financeiro. Sentido indicado predominantemente no contexto B relativo às
UCE que formam a classe 2, conforme o exemplo acima e presente em outras tantas UCE: -
B102 - B129 - B136 - - B28 - B105 -. Ao acentuar esse caráter de investimento, deixa implícita
a denúncia das precárias condições salariais e de trabalho e como um meio de acesso, mesmo
projetado para um futuro, a um capital simbólico significativo no campo de trabalho
educacional, que poderá reverter-se em ganhos profissionais e um possível retorno financeiro,
que se sabe não garantido apenas pela titulação a ser alcançada. Esta se constitui numa real
percepção da impossibilidade da (des) hierarquização de cargos nas estruturas fixadas pelos
sistemas de ensino no tocante aos quadros docentes. Bourdieu (1998) chama atenção para a não
124
garantia da relação entre cargos e diplomas, que ele remete ao campo das lutas sociais existentes.
A projeção para um futuro sem prazo, por parte do professorado, quanto a ganhos reais com esse
investimento representa uma real medida desse mesmo entendimento. O silenciamento quanto à
possibilidade de ganhos reais e imediatos em sua carreira, ao concluir o curso, constitui-se,
ainda, numa forma de mascarar o conflito existente entre as suas demandas profissionais e a
oferta do sistema de ensino. Nas modalizações como futuramente, um dia, e através do uso de
verbos no tempo futuro como irá, contribuirá, utilizadas com freqüência nos enunciados, são
reforçadoras desse entendimento. Orlandi (1989) considera o silêncio sobre algo mais abrangente
do que simplesmente não dizer algo, refletindo sobre a multiplicidade de formas que podem estar
implicadas. Identifica no silenciamento uma “[...] prática de processos de significação pelos
quais ao dizer algo apagamos outros sentidos possíveis, mas indesejáveis, em uma situação
discursiva dada” (ORLANDI,1989, p.40). A autora aprofunda essa noção ao realçar a dimensão
política do silenciamento, que não significa simplesmente não dizer mas “[...]fazer dizer uma
coisa para não deixar dizer outras”(Orlandi, 1995 p.91).
O segundo contexto é marcado pela preocupação com as dificuldades que se
apresentam para a consecução de seus objetivos. Mesmo atribuindo uma grande importância à
sua realização, é largamente apontada pelo conjunto desses professores a grande dificuldade que
se encontra para conciliá-lo em sua vida. Por se tratar basicamente de mulheres, muitas são as
relações que estabelecem com as múltiplas tarefas que se sobrepõem em sua vida diária:
trabalho, casa, filhos, marido, expressando certa resistência, ao encará-las como dificuldades,
às disposições arbitrárias culturalmente delegadas às mulheres:
[...] são muitas as dificuldades na medida em que temos que conciliar trabalho,
casa, marido. No começo foi mais difícil, hoje já estou me adaptando (B116);
125
[...] todos os meus filhos trabalham e estudam. A casa fica fechada durante a
semana toda e o sábado e o domingo é para a limpeza. Essas dificuldades de vida
me atrapalham bastante (B164);
[...] programar todos os nossos horários com relação ao curso, trabalho, tarefas de
casa, tudo isso é muito difícil, professora (B153).
As implicações decorrentes da multiplicidade de tarefas com que se defrontam
cotidianamente expressam-se ainda na constante referência ao tempo (ou à falta dele) e espaços
para dar cabo de seus afazeres domésticos e profissionais: casa, chegar, dia, momento, natal,
rural.
Através da expressão das dificuldades relativas à multiplicidade de atividades
profissionais e familiares que realizam, percebe-se indícios de insatisfação com a condição
social feminina posta, que exaure suas forças e capacidade produtiva. Estudos recentes sobre
Trabalho e Gênero apontam para transformações nos padrões culturais e emergência de novos
valores relativos ao papel da mulher e de mudanças na própria identidade feminina em
decorrência dos movimentos feministas e da intensificação de sua presença na vida pública do
país (BRUSCHINI, 2000).
Outras dificuldades mais gerais se apresentam: umas relacionadas às condições
financeiras dessas professoras, como os custos relativos aos deslocamentos diários para
participação no curso; outras relacionadas às difíceis condições de trabalho e do curso em
serviço, distante do local de trabalho, por este ser exercido na zona rural, algumas morando em
Natal e fazendo o curso na sede do município de Ceará Mirim. Esta é a situação de 61,3%
dos/das professores/as que se encontram realizando o curso no PROBÁSICA: são quase que
126
totalmente vinculados à Secretaria Municipal de Educação de Ceará-Mirim, mas lecionando em
27 localidades desse município
54
, cujo sentimento de angústia percebe-se no seguinte relato:
[...] resumindo um pouco o meu dia: saio de Natal às cinco e meia da manhã para
a zona rural, às onze e meia volto para Natal, [...] uma hora depois pego o ônibus
para o PROBÁSICA e só chego em casa à noite.” (B153)
2.6.3 Atendimento à profissão já exercida ( PEC/RP / UFPB)
Conforme a classificação descendente hierárquica do conjunto de textos, a classe 3,
apresentada no Gráfico 2, foi consagrada ao PEC, caracterizando-se como a classe que apresenta
maior densidade, clareza e coerência. Foram selecionadas apenas 14 palavras para o contexto
discursivo, que resultaram no mais alto x² de todo o estudo, como é possível constatar nos
elementos mais significativos desta classe apresentados no tabela a seguir:
54
Os docentes que cursam o PROBÁSICA em C.Mirim são vinculados à sede desse município
para lecionarem nas referidas localidades. A situação do professorado que realiza o curso na
UFPB não é muito diferente, pois apenas 24% é lotado no município de J. Pessoa e o restante
lecionam em 15 municípios circunvizinhos. Apenas o IFESP apresenta um maior número de
professores/as que atuam em Natal, sendo de 1/3 o número dos/das que lecionam em municípios
próximos.
127
TABELA 6 – VOCÁBULOS ESPECÍFICOS DA CLASSE 3
Formas Reduzidas / Completas
Efetiva Total %
Exercer +
Identificação +
Profissão
5
5
8
6
5
6
93.75
100.00
69.23
162,39
56,18
139.27
A realização do curso de Pedagogia por esta parcela do professorado é
expressa como uma escolha natural, pelo fato de já exercer a profissão, quase invariavelmente,
como se apresenta nas seguintes UCE: C245, C204, C231, C233, C251, C182, C260. Em alguns
enunciados, esse motivo é complementado pela identificação com a profissão:
[...] por já me encontrar exercendo a profissão há 18 anos e por ser exatamente
com o que me identifico.(C261);
[...] porque me identifico muito com a profissão e gosto de trabalhar como
educadora (C181);
[...] por ser o curso com o qual mais me identifico, o meu objetivo é me
especializar em orientação escolar (C181).
Outro traço distintivo desse grupo refere-se à sua identificação não apenas
com a docência, constante nos demais grupos, mas com relação a outras habilitações do curso de
Pedagogia – Orientação Educacional e Administração Escolar, indicadas nas seguintes UCE:
C181, C187, C251, C260. Vale ainda salientar que esse foi o único grupo cujo curso não foi
128
objeto de oferta especial mas apenas teve ingresso assegurado por vestibular especial, para cursar
qualquer licenciatura na UFPB, no formato curricular regular das licenciaturas normalmente
oferecidas, tendo, assim, uma maior oportunidade de escolha do curso a seguir.
2.7 O sentido do curso para o professorado vinculado às diferentes instituições
O ALCESTE revelou-se, assim, um recurso de grande utilidade para esta fase do
trabalho, por se tratar de um corpus relativamente amplo e de difícil condição de síntese. É
altamente positiva nesse programa a possibilidade de realçar não apenas as proximidades presentes
mas, também, destacar as distinções do conjunto discursivo analisado. Assim, foi possível em um
curto tempo apropriarmo-nos dos traços mais significativos dessa análise, relativos aos distintos
grupos de professores, das posições divergentes entre si e entre os subgrupos, bem como dos
pontos comuns compartilhados.
Neste sentido, destaca-se como ponto comum entre os grupos a percepção positiva do
curso que realizam. Para o conjunto do professorado, o curso tem o sentido, predominantemente
veiculado, de qualificação necessária ao exercício docente, contraposto a uma formação realizada
em nível médio, tida como precária e insuficiente. Ao lado do reconhecimento da insuficiência de
sua formação para o trabalho que exercem, perpassa ainda nos discursos a consciência do baixo
prestígio social de sua formação, assim como da própria escola pública, como se pode comprovar
no enunciado seguinte de uma professora do IFESP:
129
[...] a qualidade da formação de professores em nível médio está sendo posta em
discussão, pois a escola pública vem sendo alvo de críticas por parte da sociedade
que a julga insuficiente, incapaz e de baixa qualidade (D404).
Este também é o sentido indicado em outro segmento discursivo por uma professora
do PROBÁSICA, sobre a escolha do curso:
[...] uma das razões [...] foi à insatisfação que estava sentindo comigo mesma;
precisava de algo que me realizasse profissionalmente e me fizesse sentir uma
pessoa capaz.(B007).
Vozes divergentes posicionaram-se negativamente com relação a uma certa coação
por parte dos sistemas de ensino quanto à formação em curso, como condição de permanência em
exercício em sala-de-aula, mesmo que seja por elas ressaltada a importância do curso, favorecendo
a capacitação do professorado vinculado ao nível inicial do sistema público de ensino. Neste
sentido posiciona-se uma professora do PEC:
[...] sempre desejei fazê-lo (o curso) e como já trabalho com educação, por
imposição da nova lei do ensino em vigor, surgiu a oportunidade de voltar à
universidade para cursar uma licenciatura, daí escolhi pedagogia.(D216
).
Outras professoras do PROBÁSICA também assim se posicionam:
130
Iniciei esse curso por imposição, tive alguns momentos em que pensei até em
desistir, mas hoje, diante do que estou aprendendo, acho que valeu a
pena.(B0034);
Apesar de o sistema ter obrigado a fazer esse investimento [...] não podia perder
essa oportunidade tão proveitosa. (B0035);
Na verdade, decidi investir neste curso por imposição da nova lei, que estabelece
2007 como prazo para que todos os professores estejam qualificados (B28);
Afirmo-lhe com satisfação que, agora mesmo, até sem imposição da lei, não
deixo meu estudo por nada (B0045).
Em síntese, para o professorado do IFESP, a posição institucional relativa à
formação docente em nível superior, tomada por força da exigência legal, não é representada
negativamente, mas como uma oportunidade que vai ao encontro da realização do sonho de cursar
uma faculdade. Diferentemente do PROBÁSICA, que o representa como investimento em um
capital simbólico passível de reverter-se em ganhos profissionais e financeiros, a dimensão
imagética localizada naquele grupo reporta-se ao credenciamento simbólico da formação, ao
prestígio no campo social e educacional em que vive silenciando sobre o retorno financeiro
possibilitado pelo credenciamento alcançado. Já a dimensão valorizada pelo PEC ficou bastante
clara: o ingresso no curso correspondeu às suas expectativas de realização do curso regular de
Pedagogia, sendo nesse grupo, porém, onde ficou mais fortemente estabelecida a vinculação à
exigência institucional da formação.
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