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MARIA APARECIDA DA SILVA
ANÁLISE DA IMPLANTAÇÃO DA ESCOLA ORGANIZADA EM CICLOS DE
APRENDIZAGEM NA REDE MUNICIPAL DE CURITIBA – 1997/2004
Dissertação apresentada como requisito parcial à
obtenção do grau de Mestre em Educação, na Área
Educação e Trabalho, Linha de Pesquisa Políticas
e Gestão da Educação, do Curso de Pós-
Graduação em Educação, da Universidade Federal
do Paraná.
Orientadora: Profª Drª Regina Maria Michelotto
CURITIBA
2006
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ii
MARIA APARECIDA DA SILVA
ANÁLISE DA IMPLANTAÇÃO DA ESCOLA ORGANIZADA EM CICLOS DE
APRENDIZAGEM NA REDE MUNICIPAL DE CURITIBA – 1997/2004
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no
curso de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná, pela
seguinte banca examinadora:
Profª Drª Regina Maria Michelotto
Universidade Federal do Paraná
Orientadora
Prof° Dr° Jefferson Mainardes
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Profª Drª Lígia Regina Klein
Universidade Federal do Paraná
Curitiba, 14 de junho de 2006.
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iii
Dedico este trabalho aos meus pais, João e Luna que,
como tantos trabalhadores deste país, enfrentam as
conseqüências da exploração crescente do trabalho e as
dificuldades em virtude da pouca escolarização.
Justamente por isso, me ensinaram desde cedo valores
importantes como o respeito ao ser humano, a
persistência, a dedicação, a valorização do estudo e do
trabalho. E aos meus irmãos, Beto e Tânia, pelo carinho
e ajuda compartilhados.
iv
AGRADECIMENTOS
A conclusão de um trabalho é sempre marcada por um misto de alegria e
ansiedade. Alegria pelo trabalho concluído e ansiedade pela certeza de que, apesar
disso, ainda há muito que realizar.
Há também a certeza de que muitos, direta ou indiretamente, contribuíram
para as reflexões até o momento apresentadas. Portanto, a sistematização de um
trabalho e sua conclusão formal, dentro dos limites concretos, constituem-se num
momento especial para lembrar daqueles que estiveram presentes nesse processo,
agradecendo:
Aos professores Regina Maria Michelotto, Jefferson Mainardes, Lígia Regina
Klein e Rose Meri Trojan, sou especialmente grata pelo rigor e respeito conferido à
análise deste trabalho durante todo o processo. E, a cada um, em particular:
À professora Regina Maria Michelotto, minha orientadora, sou grata
especialmente por acreditar em minha capacidade intelectual desde o processo de
seleção até a conclusão da presente pesquisa e ainda pela paciência, carinho e
pelas conversas nos momentos de orientação.
Ao professor Jefferson Mainardes, agradeço pelas indicações de bibliografia e
discussões virtuais, antes ainda da qualificação. E, durante a qualificação, pelas
sugestões e apontamentos específicos acerca do meu objeto de estudo, tema que
domina de maneira especial e pelo incentivo, que certamente foi fundamental nesse
processo.
À professora Lígia Regina Klein, agradeço as reflexões possibilitadas durante
as aulas e também na qualificação, os apontamentos rigorosos acerca da
concepção marxista, fundamentais para atender à concepção teórica que orientou
este trabalho.
À professora Rose Meri Trojan, pela leitura criteriosa, bem como os
apontamentos e sugestões de organização textual, conferidos durante a
qualificação.
Aos professores da primeira turma do curso de especialização em
Organização do Trabalho Pedagógico da UFPR e do Mestrado em Educação, pelas
reflexões possibilitadas durante as aulas.
v
Aos companheiros do SISMMAC, sindicato dos Servidores do Magistério
Municipal de Curitiba, da gestão 1999 a 2001, pelo aprendizado que me
proporcionaram, iniciado nas reuniões de Conselho de Representantes de Escola e
no Grupo de Estudos e depois, quando compartilhamos do trabalho na direção do
sindicato, na gestão 2002 a 2005. Também aos companheiros da atual gestão, 2006
a 2008, que assumiram a árdua tarefa na defesa de uma educação pública de
qualidade.
À Márcia Barbosa Soczek, companheira do sindicato e do mestrado, que se
tornou uma amiga especial, por compartilhar das reflexões, aprendizados, alegrias e
ansiedade durante nossa atuação sindical e acadêmica.
À Secretaria Municipal de Educação, pela concessão da liberação para a
realização de parte do curso de mestrado e a todos aqueles que, com os impostos,
contribuem para que esta liberação se concretize em pesquisas como esta.
À pedagoga que me concedeu a entrevista, o que possibilitou informações
importantes para a pesquisa e a todos que disponibilizaram materiais e dados,
fundamentais para as análises.
Aos alunos da escola pública municipal, motivação para esta pesquisa.
Aos colegas do curso de mestrado, pelas reflexões compartilhadas.
Ao Raro de Oliveira, pelas nossas longas e agradáveis conversas, pelo
incentivo para a conclusão deste trabalho e especialmente pelo carinho dedicado.
À minha família: João e Luna, Tânia e Gerson, Beto e Rogéria, pelo
companheirismo, ajuda e incentivo de sempre.
A todos, o meu abraço!
vi
Dia após dia nega-se às crianças o direito de ser
crianças. Os fatos, que zombam desse direito,
ostentam seus ensinamentos na vida cotidiana. O
mundo trata os meninos ricos como se fossem
dinheiro, para que se acostumem a atuar como o
dinheiro atua. O mundo trata os meninos pobres
como se fossem lixo, para que se transformem em
lixo. E os do meio, os que não são ricos nem pobres,
conserva-os atados à mesa do televisor, para que
aceitem desde cedo, como destino, a vida
prisioneira. Muita magia e sorte têm as crianças que
conseguem ser crianças. (GALEANO, 1999, p. 11)
vii
SUMÁRIO
Resumo......................................................................................................................viii
Abstract........................................................................................................................ix
INTRODUÇÃO...........................................................................................................01
1- Retrospectiva da idéia de ciclos: não-reprovação..................................................10
1.1- Pressupostos e Antecedentes: os ciclos na sociedade de classes................10
1.2- Nos mecanismos de não-reprovação, pressupostos da organização escolar
em ciclos no Brasil......................................................................................................28
1.2.1- Anos 20................................................................................................29
1.2.2 - Anos 50...............................................................................................32
1.2.3 – Anos 60/70..........................................................................................35
1.2.4 – Anos 80...............................................................................................39
.
2. Os anos 90: Uma Reforma no papel do Estado capitalista...................................46
2.1 - Políticas econômicas neoliberais e suas implicações nas políticas sociais e
educacionais brasileiras.............................................................................................46
2.2-Concepção de Estado e Política Educacional na gestão Taniguchi..............
70
3. Política de Ciclos de Aprendizagem em Curitiba ..................................................83
3.1 – A implantação.............................................................................................88
3.1.1 – A proposta de implantação..................................................................89
3.1.2 – O projeto de implantação....................................................................90
3.1.3 – O parecer do conselho Estadual de Educação...................................92
3.1.4 – Justificativa para a implantação...........................................................93
3.2 – Entre o discurso oficial e as condições para a efetivação da política de
ciclos...........................................................................................................................97
3.2.1 – participação ........................................................................................99
3.2.2 – gestão/ autonomia.............................................................................113
3.2.3- trabalho pedagógico...........................................................................118
3.2.4– currículo..............................................................................................124
3.2.5 – avaliação da aprendizagem...............................................................137
3.2.6 – corpo docente....................................................................................142
3.2.6.1- a qualificação docente...................................................................144
3.2.6.2- o quadro de pessoal......................................................................151
3.3 – A repercussão da implantação e os debates sobre os ciclos de
aprendizagem em Curitiba ......................................................................................154
3.3.1 – as repercussões no sindicato do magistério municipal.....................158
3.3.2 – as repercussões na mídia.................................................................160
3.3.3 – as repercussões na Câmara municipal de Curitiba...........................163
Considerações finais................................................................................................174
Referências..............................................................................................................184
Anexos.....................................................................................................................193
viii
RESUMO
O presente trabalho tem como objeto de estudo a implantação da organização
escolar em ciclos de aprendizagem, no município de Curitiba. Compreende-se que
esta organização escolar está inserida num contexto contraditório, portanto pode
estar a serviço da classe trabalhadora ou da classe dominante. Nesse sentido,
procurou-se explicitar o caráter da política que direcionou a organização em ciclos
em Curitiba, se conservador ou transformador. O materialismo histórico-dialético é a
fundamentação teórica que orienta as análises neste trabalho. A organização
escolar em ciclos foi enfocada, nesta pesquisa, no conjunto das idéias denominadas
não-reprovação. Os pressupostos e antecedentes destas idéias foram buscados
desde as origens da escola burguesa até a atualidade, procurando explicitar, em
cada período estudado, as intenções implícitas nos argumentos pela superação das
reprovações, se direcionadas aos interesses dos trabalhadores ou da classe
dominante. Na reforma do Estado implementada a partir dos anos 1990, com o
predomínio da ideologia neoliberal, buscou-se o delineamento conferido à educação
nacional, que esteve presente nas reformas curriculares e nas legislações. Esta
incursão aos anos 1990, levou à necessidade de verificar a concepção de Estado
predominante no município de Curitiba, num longo período denominado como
lernismo, pela característica conservadora do grupo a que se refere. O recorte de
investigação, 1997-2000 e 2001-2004, corresponde ao período em que o prefeito
Cássio Taniguchi assumiu a prefeitura de Curitiba e quando foi implantada esta que
se anunciava como uma nova organização escolar, pautada em princípios como
autonomia e gestão democrática do processo pedagógico. O trabalho destaca a
gestão municipal como determinante da concepção mais ampla do Estado
neoliberal, com uma política educacional centrada nos resultados, numa perspectiva
conservadora.
Palavras-chave: Organização curricular – Caráter transformador ou conservador –
Lernismo – Não-reprovação.
ix
ABSTRACT
The present work has as study object the implantation of the school organization in
learning cycles, in the municipal district of Curitiba. It is understood that this school
organization is inserted in a contradictory context, therefore it can be to service of the
working class or of the dominant class. In that sense, it was investigated the
character of the politics was sought that addressed the organization in cycles in
Curitiba, if conservative or transformer. The materialism historical-dialético is the
theory that guides the analyses in this work. The school organization in cycles was
focused, in this research, in the group of the ideas denominated no-disapproval. The
presuppositions and antecedents of these ideas were looked for from the origins of
the bourgeois school to the present time, seeking investigated, in each studied
period, the implicit intentions in the arguments for the overcoming of the
disapprovals, if addressed to the workers' interests or of the dominant class. In the
reform of the State implemented starting from the years 1990, with the prevalence of
the neoliberal ideology, the form was looked for checked to the national education,
that it was present in the reforms of the curriculos and in the legislations. This
incursion a years 1990, took to the need of verifying the conception of predominant
State in the municipal district of Curitiba, in a long period denominated as lernismo,
for the conservative characteristic of the group the one that refers. The investigation
cutting, 1997-2000 and 2001-2004, it corresponds to the period in that mayor Cássio
Taniguchi assumed the city hall of Curitiba and when it was implanted this that
announced her as a new school organization, ruled in beginnings as autonomy and
democratic administration of the pedagogic process. The work detaches the
municipal administration as determinant of the widest conception of the neoliberal
State, with an education politics centered in the results, in a conservative
perspective.
Key-words: Organization curricular - Character transformer or conservative -
Lernismo - No-disapproval.
INTRODUÇÃO
Em geral, quando se discute a escola organizada em ciclos, diferentes
pesquisadores remetem-se às questões concernentes à avaliação, nos seus
diversos aspectos político-pedagógicos, talvez pelo fato de que, concordando com a
análise de FERNANDES (2005), a avaliação tem assumido um lugar central nas
políticas de ciclos implementadas pelo país. Entretanto, nesta pesquisa,
compreende-se que é a concepção política que direciona inclusive a avaliação.
Assim, o alvo da presente pesquisa é a política direcionada à organização em ciclos,
em Curitiba, nas duas gestões do prefeito Cássio Taniguchi. Historicamente, como
veremos, a organização escolar em ciclos surge, nas suas formas precursoras,
como elemento para a superação dos altos índices de repetência dos alunos, em
especial, da escola pública.
Estudos de autores como MAINARDES (2005) e BARRETO & MITRULIS
(2001), fazem referência a idéias para eliminação da reprovação no Brasil a partir de
1910:
Embora o termo ciclo tenha surgido no cenário das políticas
educacionais em 1984, com a implantação do Ciclo Básico de
alfabetização na Rede Estadual de São Paulo, a idéia de
eliminar a reprovação nas séries iniciais não é recente. As
evidências históricas mostram que o debate em torno da
criação de políticas de não-reprovação iniciou-se no final da
década de 1910. Mostram também que as experiências
pioneiras iniciaram-se no final da década de 50. (MAINARDES,
2005, p. 01)
Os ciclos escolares, presentes em alguns ensaios de inovação
propostos pelos estados sobretudo a partir da década de 60, e,
em alguns de seus pressupostos, defendidos desde os anos
20, correspondem à intenção de regularizar o fluxo de alunos
ao longo da escolarização, eliminando a repetência.
(BARRETO & MITRULIS, 2001, p.103)
2
Embora autores como os citados apontem pressupostos para os ciclos
presentes em propostas de eliminação da reprovação que remontam aos anos de
1910 / 1920, há estudiosos como LIMA (2002) que negam a idéia de que os ciclos
seriam uma forma de ataque à reprovação. Segundo a autora
seria um equívoco considerar o ciclo como uma proposta
voltada àqueles que não aprendem, ou que fracassam.
Educação por ciclos de formação é uma organização do tempo
escolar de forma a se adequar melhor às características
biológicas e culturais do desenvolvimento de todos os alunos.
Não significa, portanto, ‘dar mais tempo para os mais fracos’,
mas antes disso, é dar o tempo adequado a todos. (LIMA,
2002, p.9)
Assim, ao que parece, Lima (2002) situa os ciclos prioritariamente enquanto
organização do tempo escolar orientada pelos estudos da psicologia do
desenvolvimento numa visão que “limpa” a Psicologia da política. Se de fato, a
organização em ciclos pretende “dar o tempo adequado a todos”, porque esta é
adotada apenas na escola pública e aliada à preocupação com a reprovação?
Apesar disso, a autora reconhece que podem existir intenções e concepções
diversas para esta organização do tempo escolar, pois, em nota de fim de texto
(p.30), afirma que (...) “é muito importante distinguir as várias propostas de
implantação de ciclos. Algumas existentes no país, hoje, realmente, buscam mais
atender a questões econômicas na educação, enquanto que outras se inserem
dentro de um projeto mais amplo de democratização da educação, principalmente na
busca da aprendizagem de todos os educandos” (...).
A bibliografia pesquisada mostra que os ciclos configuram-se como forma de
ataque à reprovação e, principalmente nos anos 90, como uma tentativa de
contrapor–se à seriação, sendo justificados tanto para superar os índices de
repetência e evasão, portanto o fracasso escolar, liberando as estatísticas
3
educacionais desses dados incômodos, quanto para promover uma ampliação da
aprendizagem dos alunos da escola pública. De acordo com o pensamento de
MARX, a condição econômica é parte da condição humana e determinante da vida
em última instância. Portanto, esta não pode ser negada na análise da organização
escolar e na formulação das políticas. Entretanto, o que se deve analisar é o caráter
econômico atribuído a esta organização: se transformador, visando atender aos
anseios da classe trabalhadora, o que exige, entre outros aspectos, ampliação dos
recursos destinados à educação; ou conservador, o que aprofunda a desigualdade
entre as classes, uma vez que reduz os gastos com educação e conseqüentemente
não oferece as condições para uma educação pública de qualidade.
Ainda segundo LIMA (2002), a idéia de ciclos está fundamentada no que a
autora entende como teoria cultural–histórica do desenvolvimento humano e,
historicamente, esta idéia estaria ligada a projetos de transformação social mais
amplos que incluíam a educação como um dos eixos importantes no processo.
Dessa forma, ao tratar da proposta Langevin-Wallon, pode-se entender que a autora
resgata o caráter político, anteriormente negado, da organização em ciclos,
reconhecendo, portanto, que esta forma de organizar a escola tem um determinado
projeto de sociedade, com intenções políticas coerentes com esse projeto.
Em geral, de acordo com a bibliografia pesquisada (BARRETO & MITRULIS,
2001; BARRETO & SOUSA, 2004; GOMES, 2004; MAINARDES,2005) , pode–se
afirmar que esta forma de organizar a escola tem seus pressupostos em propostas
que visavam regularizar o fluxo escolar do sistema público de ensino, portanto,
esteve aliada a tentativas de superação da reprovação e/ou do fracasso escolar,
como aceleração, promoção automática, progressão continuada e correção de fluxo.
4
No decorrer desse texto, buscar-se-á uma compreensão do que se entende
como formas precursoras da organização escolar em ciclos, priorizando alguns
períodos da história da Educação nos quais estas formas estiveram mais evidentes
nas políticas educacionais. Isso se faz necessário porque o cenário político e
econômico no qual se desenvolveram os pressupostos de uma outra organização
escolar que não a seriada explica a política de ciclos que vem se desenvolvendo no
decorrer da história da educação e que foi escolhida como eixo da presente
pesquisa. Esta idéia é clara nas palavras de BARRETO E MITRULIS (2001, p. 103),
ao afirmarem que:
Os ciclos escolares, presentes em alguns ensaios de inovação
propostos pelos estados sobretudo a partir da década de 60, e,
em alguns de seus pressupostos, defendidos desde os anos
20, correspondem à intenção de regularizar o fluxo de alunos
ao longo da escolarização, eliminando ou limitando a
repetência. Cada proposta redefiniu o problema à sua maneira,
em face da leitura das urgências sociais da época, do ideário
pedagógico dominante e do contexto educacional existente.
Independentemente das tônicas de cada momento, o desafio
essencial permaneceu, e, sobre não ser novo, reafirma a
urgência de passar da universalização das oportunidades de
acesso ao provimento de condições de permanência do aluno
na escola garantindo-lhe aprendizagem efetiva e educação de
qualidade. (BARRETO E MITRULIS, 2001, p. 103)
Faz-se necessário ainda destacar que a escola seriada surge no Brasil com o
objetivo de civilização da nação brasileira
1
. SOUZA (1998) ao resgatar a implantação
da escola primária graduada (ou dos grupos escolares) no Estado de São Paulo,
ressalta o contexto do surgimento da escola graduada ou seriada, em oposição às
escolas isoladas de primeiras letras, do Império. E, nesse sentido, para aquela
época, pode-se afirmar que havia um caráter avançado; a idéia de universalização
1
Outros dados históricos sobre a escola graduada e seu caráter civilizatório podem ser obtidos em SOUZA,
Rosa Fátima de. Templos de Civilização: A Implantação da Escola Primária Graduada no Estado de são Paulo
(1890-1910). UNESP, 1998.
5
era defendida, afinal a educação era considerada fundamental para a propagação
do ideal liberal republicano. Por outro lado, segundo a autora, a escola graduada
espanhola, por exemplo, justificava-se pela “economia de custos e a racionalização,
tendo em vista a aplicação dos princípios da divisão do trabalho e dos critérios da
administração científica.” (SOUZA, 1998, p. 37) Sabe-se que, ainda que a escola
seriada tenha surgido com este caráter de universalização, esta se consolidou, como
é pertinente ao sistema capitalista, como excludente e elitizante. Ao mesmo tempo
que a burguesia defendia uma escola “para todos”, na realidade a queria só para si,
apossando-se do poder que o conhecimento pode proporcionar. O ensino
simultâneo para um maior número de crianças associado a aspectos como
uniformidade, homogeinização, ordem, disciplina, hierarquia, seleção, rotinização
das tarefas, pontualidade e a organização do tempo, necessárias à ampliação do
lucro no trabalho produtivo são incorporadas e estabelecidas na rotina da escola.
Em momento algum, nesta pesquisa, faz-se a negação da escola ciclada e
apologia à seriação como uma organização escolar que atenderia os interesses da
classe trabalhadora. São conhecidas diferentes experiências de organização em
ciclos pelo país, que prometem superar a lógica seriada. Mas, concordando com
LIMA (2002) existem diferentes propostas de implantação de ciclos pelo país, o que
exige um olhar atento sobre as intenções dessas propostas e suas condições
concretas de efetivação, entendendo que estas podem possibilitar ou não o acesso
e apropriação real do conhecimento pelos alunos da escola pública, uma vez que
são estes o alvo das políticas de organização escolar em ciclos.
Sendo assim, reitera-se a idéia de que
“a não retenção dos alunos não é só uma questão técnica, ao
contrário, é um dos eixos do contrato social em que se assenta
a escola (CRAHAY, 1996. In: GOMES, 2004). Se o contrato
tradicional e opressor é rompido, ótimo; mas, se não houver
contrato novo no lugar ou se o novo for tão difuso que não
6
comprometa as partes, pode-se piorar, em vez de melhorar”.
(GOMES, 2004, p. 49)
Outro aspecto importante a salientar é que há ainda a necessidade de
compreender como a concepção de ciclos chega ao Brasil, com fundamentos da
Psicologia do desenvolvimento humano e argumentos contrapondo-se à seriação, e
de identificar sob que perspectivas teóricas e sob qual concepção de Estado.
Portanto, o que se pretende desenvolver nesta pesquisa é a investigação
sobre as políticas direcionadas à escola organizada em ciclos para os filhos da
classe trabalhadora, bem como o seu delineamento no período das gestões
Taniguchi
2
, o que implica em desvendar a direção que a elas está sendo dada e se
atendem de fato ao anunciado nos documentos, ou seja, ao direito dos sujeitos da
escola pública à educação de qualidade.
A questão que se pretende responder com esta pesquisa é se a política que
direcionou a implantação dos ciclos na gestão Cássio Taniguchi, em Curitiba-PR,
teve como prioridade uma preocupação social de caráter transformador ou é voltada
à racionalização capitalista, portanto, com uma preocupação social, mas de caráter
conservador.
O percurso profissional político–pedagógico desta pesquisadora, como
professora e pedagoga, na Rede Municipal de Curitiba, provocou desde muito cedo
inquietações sobre a prática pedagógica. Estas inquietações levaram à busca de
compreensão, num primeiro momento, dos aspectos voltados à aprendizagem e
desenvolvimento. Entretanto, estes conteúdos, embora importantes, não deram
conta de uma compreensão na perspectiva da totalidade das relações que
2
Cássio Taniguchi assumiu a prefeitura de Curitiba por duas gestões consecutivas, de 1997 a 2000 e de 2001 a
2004. Nesta segunda gestão, o slogan da cidade, de acordo com o Plano de Governo, era “Curitiba Capital
Social”.
7
determinam o processo pedagógico. Isso levou a outras incursões teórico-práticas
para a compreensão da práxis pedagógica: a atuação política sindical aliada aos
estudos sobre as políticas públicas direcionadas à educação, o que resultou na
presente pesquisa, com intenção de continuar a analisar o movimento teoria/prática,
discurso/ação.
Para compreender e analisar a política de implantação dos ciclos em Curitiba
pretende-se imprimir a esta pesquisa uma orientação dialética. Assim, toma-se como
fundamentação teórica o materialismo histórico, uma vez que este possibilita, para
além da mera descrição, a explicação dos fenômenos políticos e educacionais em
questão, com vistas à intervenção para a transformação. Estes fenômenos são
compreendidos como constituídos social e historicamente, portanto síntese das
relações sociais de uma determinada época, situados em determinado contexto
histórico e perpassados por relações de classe. Desse modo, corrobora-se a idéia
de que a compreensão da educação, à luz do materialismo histórico
se opera, na sua unidade dialética com a totalidade, como um
processo que conjuga as aspirações e necessidades do
homem no contexto objetivo de sua situação histórico-social. A
educação é, então, uma atividade partícipe da totalidade da
organização social. Essa relação exige que se a considere
como historicamente determinada por um modo de produção
dominante, em nosso caso, o capitalismo. E, no modo de
produção capitalista, ela tem uma especificidade que só é
inteligível no contexto das relações sociais resultantes dos
conflitos das duas classes fundamentais. Assim, considerar a
educação na sua unidade dialética com a sociedade capitalista
é considerá-la no processo das relações de classe, enquanto
essas são determinadas, em última instância, pelas relações de
produção. Do antagonismo entre as classes, uma delas emerge
como dominante e tenta a direção sobre o conjunto da
sociedade, através do consenso. Assim, a classe dominante,
para se manter como tal, necessita permanentemente
reproduzir as condições que possibilitam as suas formas de
dominação (...) (CURY, 1986, p.13)
8
Portanto, com esse olhar, não se pretende aqui apresentar modelos ideais de
sistemas educacionais organizados em ciclos, mas apontar as origens, o processo
histórico dessa idéia, os objetivos pretendidos, bem como as políticas que
implementaram essa escola e suas implicações sociais e educacionais. Assim,
inicia-se com a origem da escola burguesa, tomando como principal fonte de
estudos o relatório de Condorcet (1793), até estudos mais recentes sobre as idéias
denominadas não-reprovação, através dos estudos das pesquisadoras BARRETO &
MITRULIS (2001) e de MAINARDES (1998, 2001, 2005), o que será abordado no 1ª
capítulo. Este percurso é compreendido como necessário no sentido de apresentar
o cenário político e econômico das idéias de não-reprovação.
A escolha dessa direção metodológica impõe a explicitação das categorias
necessárias para esta pesquisa, que são, principalmente: não-reprovação,
conservação/transformação e ciclos por resultados. Especificamente no 3º capítulo
serão abordadas as seguintes categorias de conteúdo: participação,
gestão/autonomia, trabalho pedagógico, currículo, avaliação da aprendizagem e
corpo docente (subdivido em qualificação docente e quadro de pessoal). Essas
categorias se imbricam e relacionam em muitos momentos do texto.
No 2º capítulo será discutida a concepção de Estado que direcionou as
políticas da gestão Cássio Taniguchi, o que exige uma incursão às políticas
implementadas nos anos 90. Do período compreendido como Lernismo
3
, do qual é
particularidade a gestão Cássio Taniguchi, serão buscadas as continuidades ou
rupturas nas propostas direcionadas à educação, em Curitiba e, especialmente o
que motivou a implantação dos ciclos nessa gestão.
3
Lernismo, termo utilizado por SÀNCHEZ (2003), em análise da urbanização das cidades de acordo com o
modelo de mercantilização, para referir-se a gestão e projeto de Jaime Lerner e seus seguidores, Rafael Greca e
Cássio Taniguchi, em Curitiba; e por Tais Moura Tavares (2004), da UFPR, como categoria de análise, ao
desenvolver tese acerca das políticas direcionadas à Gestão Pública do sistema de ensino no Paraná (1995 –
2002), durante o Governo de Jaime Lerner.
9
No 3º capítulo, é feita uma análise-crítica da Proposta de Ciclos de
Aprendizagem em Curitiba, confrontando os documentos oficiais com: a análise da
proposição de ciclos em Curitiba, feita por um grupo de professores do DEPLAE
(Departamento de Planejamento e Administração Escolar) – UFPR; documentos do
sindicato do magistério municipal (jornais, pauta de reivindicações e revista);
materiais referentes a dois seminários sobre Ciclos de aprendizagem, realizados na
Câmara Municipal e depoimentos de profissionais do Magistério. Entende-se que
esses materiais retratam os anseios dos professores e as necessidades e condições
consideradas como necessárias pelas escolas, para a efetivação da proposição de
ciclos. Parafraseando Saviani (1991), para analisar os documentos considera-se
importante buscar, para além da letra, o espírito do conteúdo desses textos, o que
significa afirmar que estes não são neutros, mas resultado de embates travados na
sociedade capitalista entre classes sociais com interesses extremamente
antagônicos, pois se acredita, como afirmaram MARX e ENGELS, que
A história de todas as sociedades até hoje é a história das lutas de
classes.
(...) opressores e oprimidos, estiveram em constante antagonismo
entre si, travando uma luta ininterrupta, umas vezes oculta, outras
aberta – uma guerra que sempre terminou ou com uma transformação
revolucionária de toda a sociedade ou com a destruição das classes
em luta. (MARX e ENGELS, 1848. In: NETO, 1998, p. 4)
Nesse sentido, os textos legais e oficiais são também resultado do embate
entre as classes. Nesse confronto, em geral, prevalecem os interesses da classe
dominante.
10
1- RETROSPECTIVA DA IDÉIA DE CICLOS: NÃO-REPROVAÇÃO
Neste estudo, parte-se da idéia de que escola organizada em ciclos não é
uma novidade como alardeada em muitos discursos da atualidade. Esta idéia de
organização do tempo escolar tem pressupostos em “propostas” anteriores e com
intenções políticas concernentes com os interesses do grupo que as reivindicava ou
propunha, ou seja, algumas dessas propostas intencionavam atender anseios dos
trabalhadores, outras, entretanto, eram direcionadas aos interesses e necessidades
da ampliação do capital pela classe econômica e ideologicamente hegemônica. Para
apontar os pressupostos desta organização escolar, buscar-se-á uma retrospectiva
de alguns momentos da história em que se fizeram mais presentes, o que se optou
por denominar, mecanismos de não-reprovação
4
.
1.1- PRESSUPOSTOS E ANTECEDENTES: OS CICLOS NA SOCIEDADE DE
CLASSES
Tentativas de superação da reprovação ou do fracasso escolar são
conhecidas na história da educação. Em alguns momentos da história educacional
atribui-se a responsabilidade do fracasso ao próprio indivíduo, pelas suas
características consideradas inatas, ou dons. É a partir do predomínio da ideologia
do dom, que se justifica porque alguns progridem e avançam em sua escolaridade
naturalmente, enquanto outros não têm um quociente de inteligência que lhes
possibilite este avanço ou ainda não têm vontade, e/ou não se esforçam para tanto.
“A função da escola, segundo a ideologia do dom, seria, pois, a de adaptar, ajustar
os alunos à sociedade, segundo suas aptidões e características individuais”
4
Termo empregado no livro organizado por FRANCO (2001), utilizado aqui como referência às formas
anteriores de eliminação da reprovação, que contém pressupostos das atuais políticas de ciclos.
11
(SOARES, 2000, p. 10). Já, em outros momentos, a “culpa” é atribuída aos
professores que não desempenham adequadamente seu papel ou não têm a devida
formação. Mas, esta ”culpa” pode ser também atribuída à família que não colabora
com a educação dos filhos ou apresenta condições precárias e não alimenta seu
filho da maneira correta, logo, desnutrido, não aprende. São muitas as atribuições de
responsabilidades pelo fracasso escolar. E, nesse contexto, a escola organizada em
ciclos vem carregada de um discurso e intenções que geram a expectativa de
superação dessa condição de fracasso escolar, não só no Brasil, como também em
países como a França, Estados Unidos e Inglaterra.
Pode-se afirmar que a escola burguesa já possibilitava, desde o seu
surgimento, uma organização não apenas por séries, mas também por níveis ou
ciclos, portanto, esta não é uma idéia que, necessariamente e por si, atende aos
anseios e necessidades dos trabalhadores.
Mas, para melhor compreensão desta afirmação, faz-se necessária uma
incursão à organização da escola burguesa e de sua crise, evidenciada pelo que se
denominou fracasso escolar. Na verdade, contraditoriamente, a crise da escola
burguesa está inserida na sua proposta desde o início, uma vez que ela faz o
discurso da socialização do conhecimento para todos, mas tem o objetivo de atender
os interesses da classe que então passa a se configurar como hegemônica, a
burguesia.
Uma retomada histórica sobre a escola burguesa nos remete à transição do
modo de produção feudal para o modo de produção capitalista e, necessariamente,
à Revolução Francesa, de 1789. Evidencia que a educação (instrução) se fazia
fundamental não só para a formação de trabalhadores hábeis para a implantação
desse novo modo de produção, mas principalmente de um novo modo de pensar,
12
que consolidaria uma nova sociedade, pautada nos princípios democrático-liberais
de oposição ao feudalismo, quais sejam: a liberdade e a igualdade, necessários à
defesa da propriedade, agora não por herança nobre, mas por merecimento. Os
discursos e planos pedagógicos foram elaborados pelos filósofos iluministas
5
, os
grandes intelectuais orgânicos da revolução que, no sentido gramsciniano,
pertenciam a diferentes grupos, ora mais próximos dos interesses dos setores mais
ricos da burguesia
6
, ora dos operários e camponeses. Estes relatórios evidenciavam
o quanto estes princípios: liberdade, individualismo e igualdade jurídica eram
fundamentais para a visão de mundo da burguesia e a consolidação de seu projeto:
A liberdade, exigida para as relações econômicas e interpessoais,
expressa-se pedagogicamente em dois sentidos: liberdade para ser
educado e liberdade para educar. Ou seja, o conteúdo acadêmico
deveria ser livre, desamarrado do formalismo feudal-eclesiástico e nele
imprimidos a moral burguesa e a Razão. A liberdade política,
declarada em legislação, tornar-se-ia real mediante a liberdade na
instrução e a difusão da instrução. (LOPES, 1981, p. 114)
O povo foi essencial à revolução burguesa, pois a luta contra o feudalismo
não teria sido ganha pela burguesia sem a adesão das classes populares, em
especial dos camponeses. (LOPES, 1981, p. 123) Tanto a burguesia, alijada do
poder pelo clero e a nobreza, quanto as classes populares, que penavam nos
5
O Iluminismo, movimento intelectual do séc. XVIII, era caracterizado pela centralidade da Ciência e da Razão,
em oposição ao pensamento feudal, fortemente marcado pelo dogmatismo religioso. Para Kant, “O iluminismo é
a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir
do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside na
falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação de
outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do
iluminismo! (Kant, 1989, p. 11. In: BOTO, 2003). Daí depreende-se que esta iluminação estaria no interior do
próprio indivíduo.
6
À época da transição do feudalismo para o capitalismo, a sociedade encontrava-se organizada hierarquicamente
da seguinte forma: Primeiro Estado, composto por alto e baixo clero, respectivamente: bispos, cônegos, abades; e
curas e vigários. Segundo Estado, composto pela nobreza palaciana, provincial e judiciária e o Terceiro Estado,
que era composto pela burguesia, formada pelos capitalistas de oficiais, de negócios (financeiros, comerciais e
manufatureiros e pelos artesãos e lojistas); populares urbanos (operários dos teares, operários das manufaturas,
assalariados de clientela); camponeses, entre estes os camponeses livres (grandes fazendeiros e lavradores,
fazendeiros meeiros e pequenos camponeses proprietários, manobreiros ou braçais) e os servos. Apesar da
hierarquia, esta ordem social não era homogênea, pois os privilégios e o poder não eram repartidos igualmente
sequer no interior do clero. A burguesia era a mais numerosa e a que apresentava as maiores desigualdades nas
formas de vida, de renda e de privilégios. Foi esse motivo que tornou o Terceiro Estado inicialmente
praticamente unitário em prol da revolução contra o poder absolutista, além de trazer consigo alguns integrantes
do baixo clero, descontentes com a falta de privilégios. (LOPES, 1981)
13
serviços braçais e com altos impostos, tinham interesse em contrapor-se ao
feudalismo. Esta aliança entre burguesia e classes populares, no momento da
revolução, gerou uma constante preocupação da burguesia em atender algumas das
reivindicações populares, a fim de manter a conciliação e o apoio popular
necessários à revolução. Uma das promessas da burguesia às classes populares é
a igualdade de instrução para todos. Nesse sentido, os princípios político-
pedagógicos estão intrinsecamente direcionados à busca de uma instrução que
atenda uma nova organização social. Essa nova organização social exigia a retirada
do poder da igreja, exercido principalmente através do controle ideológico, passando
esse controle para as mãos do Estado burguês. É nesse sentido que
O Estado burguês toma a si o encargo da instrução como forma de
legitimação no poder. Isto é, o Estado burguês encontra na
publicização da instrução uma forma de tornar coesa toda a
sociedade, seja pelos conteúdos, seja pela própria forma, e de
articular os interesses das classes subalternas em torno dos seus.
(LOPES, 1981, p. 115)
Mas, há uma contradição que está na essência do capitalismo: ao mesmo
tempo em que essa nova ordem, através de suas legislações, propunha e defendia a
igualdade, esta idéia não se sustentava plenamente. Consolidada a revolução, a
burguesia já não tinha mais a necessidade de aliança com as classes subalternas,
que passaram a ser dominadas então pelos proprietários da terra e dos meios de
produção, restando-lhes somente a venda da sua força de trabalho. Mas, embora já
consolidada a revolução, os proprietários temiam revoltas das classes subalternas.
Sendo assim, era preciso enfrentar essa desigualdade, para não acirrar conflitos. A
saída para justificar e “solucionar” o problema da desigualdade econômica estava
então nas capacidades inatas, nas aptidões individuais, esta era a única diferença
legítima, porque considerada natural. Caberia, então à escola burguesa “tornar os
cidadãos mais iguais” (LOPES, 1981, p.115), uma vez que, nesta lógica inatista,
14
estes não são igualmente beneficiados pela natureza. Assim, estava resolvido o
problema da desigualdade, afinal estabeleceu-se uma igualdade jurídica e caberia a
cada cidadão, no contexto real, aproveitar as oportunidades oferecidas pelo Estado
burguês para desenvolver suas capacidades individuais e contribuir, desta forma,
tanto para seu próprio desenvolvimento, quanto para o progresso coletivo e
construção da pátria.
Os registros nos “cadernos de queixas”
7
(Lopes, 1981, P. 57) evidenciam,
além de aspectos gerais, a situação da instrução na França, no final do feudalismo.
Algumas características desses registros destacam: intenção e necessidade da
construção de um sistema de instrução nacional; um plano de instrução uniforme,
elaborado pelos mais letrados e esclarecidos, controlado pelo Estado e seguido à
risca por seus professores; a expansão do número de escolas (até então
extremamente limitada); ênfase no ensino do “direito público”; estabelecimento de
um programa mínimo nas escolas primárias.
Dos discursos pedagógicos proferidos após a Revolução Francesa,
direcionados à construção de um sistema de instrução consoante com a nova
ordem, serão destacados alguns trechos do relatório de Condorcet
8
, datado de 1793,
7
Espécie de cadernos onde se registravam as reivindicações das diferentes ordens que compunham a estrutura
social da França no final do feudalismo: Em 1778, acentua-se profundamente a crise do Estado Francês, que
mantinha altíssimos gastos com a corte, com a administração, a justiça, o exército e a diplomacia. Enquanto estas
despesas somavam 629 milhões de libras, as receitas eram de 503 milhões. Para solucionar o problema, foram
feitas tentativas de reforma fiscal, que fracassaram, pois atingiam diretamente os interesses da monarquia. Com a
ruína do Estado, decidiu-se convocar uma Assembléia do Estados, em 1789. Para a assembléia foi convocado
todo o reino, para ajudar a dar sugestões que solucionassem a crise. Cada ordem participante da assembléia
deveria expor suas queixas, sugestões, reivindicações no “caderno de reclamações ou de queixas”. Os Estados
Gerais reunir-se-iam em ordens diferentes, com o mesmo número de representantes, votando em separado. Esta
estratégia objetivava que a aristocracia saísse vitoriosa, o que não aconteceu, pois esta assembléia lançou grandes
expectativas no terceiro Estado, que se organizava em torno das idéias dos filósofos iluministas. Questionando a
forma de votação, ao propor o voto por cabeça, os representantes do Terceiro Estado não foram ouvidos, assim
se reuniram com o baixo clero (também descontentes com o alto clero e a nobreza) decidindo elaborar uma
constituição que minaria o poder do rei. Diante da ameaça, a aristocracia alia-se ao rei e defende a utilização da
força para dissolver a assembléia, o que é impedido pela revolução popular, em 1789, motivada principalmente
pelo empobrecimento crescente desta camada.
8
Marie Jean Antoine Nicolas Caritat, o Marquês de Condorcet era de família nobre, estudante de filosofia e
grande conhecedor de matemática. Como matemático dedicou-se a estudar os procedimentos eleitorais, defendia
15
pois nele estão contidos, além de aspectos sobre a organização escolar, os
princípios liberais até hoje defendidos para a educação pública, entre estes a
gratuidade, a laicidade e a obrigatoriedade.
Para a organização da instrução nacional propunham-se quatro graus: as
escolas primárias, as escolas secundárias, os institutos e os liceus. Haveria ainda
uma “congregação” responsável por estes graus de ensino: a sociedade nacional
das ciências e das artes.
O grau primário seria composto de quatro níveis, cada nível correspondendo
a um ano de curso. Este ciclo de estudos deveria ser cursado por todas as crianças,
atendendo-se ao princípio da igualdade. Entretanto, no decorrer do relatório há
reiteradas justificativas para a limitação tanto de duração, quanto de instrução
oferecida no grau primário. Tanto a duração quanto a instrução estariam
subordinadas às necessidades de trabalho das crianças mais pobres, que não
tinham condições de continuar seus estudos, portanto, esta era uma “igualdade” de
acesso condicionada às condições de classe de cada um. Isto fica evidente no
próprio relatório, quando se afirma que:
(...) esta duração de 4 anos, que permite uma divisão cômoda para
uma escola onde não se pode colocar senão um único professor,
responde também bastante exatamente ao espaço de tempo que, para
as crianças das famílias mais pobres, decorre entre a época que eles
começam a ser capazes de aprender e aquela em que eles podem ser
empregados num trabalho útil, sujeitos a uma aprendizagem regular.
(Relatório Condorcet, 1793)
A pouca possibilidade de continuidade nos estudos, por parte das crianças
mais pobres, era prevista no relatório. Portanto, quem ditava a duração e a
uma revisão periódica das leis como forma de aperfeiçoamento do povo. Compreendia que a educação era a
forma de atacar a desigualdade natural entre os homens, a dos talentos. (BOTO, 2003)
16
seqüência da instrução, eram as necessidades do trabalho e, portanto, dos
proprietários:
As escolas secundárias são destinadas às crianças cujas famílias
podem privar-se por maior tempo de seu trabalho, e consagrar a sua
educação um maior número de anos, ou mesmo alguns avanços
(adiantamentos). (Relatório Condorcet, 1793)
Esta possibilidade de flexibilidade do tempo ou da duração dos estudos já era
também implícita, quando se prevê, na citação acima, a possibilidade de
adiantamento da instrução. Outra forma de flexibilizar o tempo da instrução,
ampliando saberes para os que tiveram acesso prévio ou compensando ausências
de instrução anteriores, está evidente neste trecho sobre as conferências de
domingo:
Todo domingo, o professor dará uma conferência pública à qual
assistirão os cidadãos de todas as idades: nós vimos nesta instituição
um meio de dar aos jovens os conhecimentos necessários que não
puderam, entretanto, fazer parte de sua primeira educação. Aí serão
desenvolvidos os princípios e as regras da moral com maior extensão,
assim como esta parte das leis nacionais cuja ignorância impediria um
cidadão de conhecer seus direitos e de exercê-los. (Relatório
Condorcet, 1793)
Há ainda outro trecho do relatório, onde se propõe uma certa flexibilidade da
instrução do grau secundário, através do estudo isolado e voluntário para aqueles
que não poderiam, em virtude do trabalho no campo, freqüentar a escola:
(...) a vantagem de um estudo isolado e voluntário, compensa para
uns aquilo que os outros têm, de receber lições mais longas; e sob
esse ponto de vista, a igualdade é ainda conservada (...). (Relatório
Condorcet, 1793)
Já para o conteúdo a ser ensinado no grau primário, justifica-se no relatório
que:
(...) o pequeno número de anos que as de famílias pobres podem
dedicar ao estudo, nos obrigaram a delimitar esta primeira instrução
em limites estreitos; e será fácil de afastá-los quando a melhoria das
17
condições do povo, a distribuição mais igualitária das riquezas,
resultado necessário das boas leis; os progressos dos métodos de
ensino terão conduzido ao momento; quando, enfim, a diminuição da
dívida, e das despesas supérfluas, permitirão consagrar aos empregos
realmente úteis uma maior porção das rendas públicas. (Relatório
Condorcet, 1793)
O caráter conciliatório da burguesia com as classes populares é evidente
neste trecho, quando se justifica a limitada instrução e duração desta, como
responsabilidade do absolutismo francês. Este seria definitivamente rompido
quando, enfim, as riquezas fossem melhor distribuídas, o que significava a garantia
da queda da monarquia e de seus privilégios, portanto, disseminava-se a idéia de
que a burguesia deveria manter-se no poder. Nesse sentido, o pensamento burguês
possibilitava gradativamente o acesso à instrução, mas mantinha a elitização e os
privilégios, através de mecanismos de dosagem do conhecimento, conforme as
necessidades dos proprietários e justificativas pautadas no mérito, em virtude das
capacidades inatas.
A proclamada igualdade burguesa é a igualdade de direitos apoiada, como
afirmou Marx ao discutir a jornada de trabalho inglesa, na “lei do intercâmbio de
mercadorias”. Ou seja, uma relação entre compradores e vendedores de força de
trabalho. Ambos, capitalistas e trabalhadores são considerados iguais, porque
igualmente livres para comprar e vender a força de trabalho. Assim estabelece-se o
que Marx definiu como antinomia: “direito contra direito (...). Entre direitos iguais
decide a força”. (MARX, 1996, p. 349)
18
Esta força se manifesta não só fisicamente, mas também através do controle
ideológico
9
, do controle do tempo de trabalho, das ações dos trabalhadores e dos
conhecimentos que possam adquirir.
“(...) uma luta entre o capitalista coletivo, isto é, a classe dos capitalistas, e o
trabalhador coletivo, ou a classe trabalhadora” (MARX, p. 349), é o embate
constante da sociedade capitalista, pois se proclamou uma igualdade jurídica que
não se efetivou em igualdade real. Esta igualdade falaciosa é agravada na fase
atual do capitalismo, onde se intensifica a exploração da mais-valia e do mais-
trabalho e das formas de controle, inclusive do acesso ao conhecimento, cada vez
mais sofisticadas.
MARX, ao referir-se à excessiva jornada de trabalho e à exploração do
trabalho infantil na Inglaterra, com a revolução industrial, já mostrava o quanto as
crianças, trabalhadoras e filhas de trabalhadores de diferentes ramos da indústria,
eram excluídas do conhecimento e, provavelmente consideradas menos inteligentes
e capazes. Em nota de rodapé de um relatório oficial inglês sobre o trabalho infantil
há exemplos sobre o baixo nível de instrução das crianças trabalhadoras: “Jeremias
Haynes, de 12 anos de idade:” (...) 4 vezes 4 são 8, mas quatro quartos (4 fours) são
16.(...) Willian Turner, de 12 anos: “Não vivo na Inglaterra. Penso que há tal país,
mas não sabia disso antes.” Esta menina de 10 anos soletra God como se fosse dog
e não sabe o nome da rainha.”(MARX, 1996, p. 373).
9
A ideologia tomada aqui como “consciência falsa, equivocada, da realidade” (GORENDER, 2002. In: MARX
e ENGELS. A ideologia Alemã. Martins Fontes: São Paulo, 2002) , é o pensar a realidade sob o enfoque da
classe social que detém o poder econômico e intelectual. Há, entretanto, no marxismo, diferentes significados
para ideologia: GORENDER (2002, p. XXIII) destaca que Lênin se referiu à ideologia socialista como sinônimo
do marxismo, ou seja, da teoria científica revolucionária. Assim, a ideologia não era em todos os casos uma
consciência falsa da realidade. No caso da classe operária, a ideologia socialista é uma consciência verdadeira da
sociedade.
19
Para resolver as mazelas do modo de produção capitalista, muitas propostas
de “solução” são apresentadas. Ocorre que são “soluções capitalistas”, o que
significa que não têm o objetivo de resolver os problemas, uma vez que isto abalaria
a estrutura desse modelo de sociedade. Trata-se de “soluções” paliativas que tentam
minimizar os efeitos perversos do capitalismo, para evitar conflitos entre as classes
sociais. A proposta de organização da escola em ciclos de caráter conservador
insere-se neste quadro. No movimento das relações sociais, entretanto, abre-se a
possibilidade desta organização escolar ter intenção transformadora, sendo
colocada a serviço da classe trabalhadora.
A organização da escola em ciclos também está inserida nesse contexto de
luta entre capitalistas e trabalhadores, portanto há projetos de organização que
atendem interesses diversos, o que não é tão simples definir com exatidão, em vista
das contradições próprias do sistema capitalista: Uma política de organização em
ciclos pode intencionar atender exclusivamente aos interesses da ampliação do
Capital, mas, se deparar com resistências voltadas aos interesses dos
trabalhadores, podendo seguir um outro rumo, de acordo com o jogo de forças que
se estabelece.
Em geral, os discursos pela escola em ciclos, sejam estes conservadores ou
progressistas, embora antagônicos, têm defendido princípios que, na ausência de
reflexão rigorosa, são aparentemente semelhantes (ampliação do tempo, respeito ao
ritmo individual, ampliação da aprendizagem, inclusão dos alunos com eliminação
das reprovações...)
Nesse sentido, nos parece que a necessária análise dos discursos dos textos
legais e outros documentos oficias, aliada à investigação sobre a realidade da
implantação e efetivação da política, poderão indicar as aproximações ou
20
distanciamentos com um projeto voltado aos trabalhadores ou aos interesses da
ampliação do capital. Assim, vamos traçar uma tentativa de estabelecer quais seriam
algumas das características ou dos indicadores de uma política de organização da
escola em ciclos na ótica burguesa e na ótica dos trabalhadores:
Na ótica burguesa: ênfase em aspectos organizacionais e gerenciais; busca
da qualidade
10
total, perspectiva que compreende da educação como mercadoria,
valoriza a gestão eficiente nos moldes empresariais, implementando a maximização
do trabalho e redução de custos; a avaliação objetiva liberar as estatísticas de
reprovação; os conteúdos são flexibilizados e reduzidos em função de uma
avaliação superficial e menos rigorosa; uma suposta autonomia fere a unidade
curricular e fragmenta o conhecimento; nega-se a sociedade dividida em classes,
portanto pretende-se a manutenção e atrelamento da educação ao sistema
produtivo capitalista.
Na ótica dos trabalhadores: ênfase numa gestão democrática e
participativa, embora se reconheça o limite da democracia na sociedade de classes;
busca da qualidade social, perspectiva que compreende o papel social
transformador da educação; valoriza-se a participação popular na gestão e os
trabalhadores da educação, além de prover os recursos adequados ao trabalho
pedagógico; a avaliação da aprendizagem busca redirecionar o processo
pedagógico em busca da efetiva aprendizagem; os conteúdos são valorizados, pois
se considera que a aquisição dos conhecimentos historicamente acumulados pela
humanidade e sua transmissão pela escola e assimilação pelos alunos é a principal
tarefa desta instituição; há unidade curricular e procura-se romper com a
fragmentação do conhecimento imposta pelo modelo seriado, há opção pelos
10
Um estudo detalhado da questão da qualidade total e qualidade social na educação pode ser obtido em:
FLACH, Simone de Fátima. Avanços e limites na implementação da qualidade social da educação na política
educacional de Ponta Grossa gestão 2001-2004. Dissertação de Mestrado, Curitiba, UFPR, 2005.
21
interesses da classe trabalhadora, portanto por um modelo de sociedade que supera
a sociedade de classes.
KLEIN (2003, p. 46) ao discutir os interesses antagônicos da sociedade
capitalista, alerta justamente que é preciso refletir sobre os objetivos da escola na
perspectiva de classe e afirma que
Na perspectiva da classe dominante, o interesse é criar condições que
facilitem a dominação e a exploração do trabalho. Por que é que a
burguesia se dá ao trabalho de construir escolas? Para poder preparar
para o trabalho as crianças da classe trabalhadora e educá-las para o
exercício da submissão cotidiana, para a submissão à exploração de
sua força de trabalho, submissão ao princípio do respeito à
propriedade privada, o respeito ao patrão, o respeito à autoridade, o
respeito à polícia e assim por diante. Esta é a função da escola numa
perspectiva burguesa.
Na perspectiva da classe trabalhadora, o interesse é oposto, ou seja,
que a escola contribua para o processo de emancipação da classe
trabalhadora; que a escola desenvolva conhecimentos e práticas que
auxiliem na construção de um processo transformador, revolucionário.
Portanto, tratam-se de interesses antagônicos àqueles que animam o
espírito da classe dominante. (KLEIN, 2003, p. 46-47)
Também ao buscar os fundamentos da organização em ciclos, foram
encontrados autores que estabelecem distinções teóricas entre os ciclos de
formação e os ciclos de aprendizagem, chegando a afirmar que estes teriam
aproximações ora com um projeto conservador, ora com um projeto transformador.
Para esclarecimentos sobre esta distinção, recorreu-se a NEDBAJLUK (2002) e
MAINARDES (2005), que assim descrevem estas duas propostas:
22
Ciclos de Aprendizagem Ciclos de Formação
(...) tem seu eixo organizador situado
preponderantemente em torno dos resultados
esperados. É necessário que o aluno adquira
certos conhecimentos e desenvolva certas
competências, estabelecidas como mínimos
essenciais e, portanto, se constituem como
condição ou pré-requisito para a progressão a um
nível superior no que tange a graus de
aprofundamento e complexidade do conteúdo.
Neste caso a flexibilização recai nos tempos
despendidos pelo estudante, pois, dependendo de
suas capacidades pessoais, poderá progredir de
um grau para outro ao seu próprio ritmo, em
tempos diferentes de seus pares. É o que ocorre
com alguns programas de jovens e adultos, por
exemplo, onde se exige que comprove domínio
acadêmico (a partir de um programa proposto)
sem necessariamente freqüentar (todas) as aulas,
enfim sem cumprir a mesma carga horária de
estudos presenciais. (NEDBAJLUK, 2002, p.
120)
Nos ciclos de aprendizagem a organização dos
grupos e a promoção dos alunos baseiam-se na
idade dos alunos. Ao final de dois ou três anos
de duração, os alunos que não atingiram os
objetivos do ciclo podem ser reprovados.
Geralmente, os programas de ciclos de
aprendizagem propõem rupturas menos radicais
no que se refere ao currículo, avaliação,
metodologia e organização. Inicialmente, a
principal referência para a formulação de
programas de ciclos de aprendizagem foi a
experiência da rede municipal de São Paulo. A
partir do final dos anos 90, os textos de Phillipe
Perrenoud têm sido as principais referências para
as experiências de ciclos de aprendizagem. No
entanto, não há um tipo puro de ciclos de
aprendizagem. As formulações de programas de
ciclos desta natureza, em nível locais, têm levado
em conta algumas características, medidas e
estratégias utilizadas em diferentes lugares,
incluindo programas denominados ciclos de
formação. (MAINARDES, 2005, p. 19)
Os ciclos de formação humana (ou de
desenvolvimento) têm seu eixo estruturador
orientado nas fases do desenvolvimento humano.
A ênfase recai no aluno, suas características bio-
psico-sociais. Neste caso, os programas
subordinam-se (ou deveriam) às características
das fases de desenvolvimento, que por sua vez,
mantém certa relação com as faixas etárias e
características culturais. A flexibilização recai no
programa e nos resultados, exigindo-se grande
capacidade de adequação dos mesmos aos
grupos de alunos de modo que, ao mesmo tempo
que se respeite as características e conquistas
cognitivas dos alunos ou de grupos de alunos,
promova novas conquistas pela via das
transmissões sociais (o ensino escolar neste
caso) a partir dos conceitos já desenvolvidos.
Admitem-se diferentes resultados no final do
processo. (NEDBAJLUK, 2002, p. 120)
Os ciclos de formação baseiam-se nos ciclos de
desenvolvimento humano (infância, puberdade,
adolescência) e propõem mudanças mais radicais
no sistema de ensino e de organização escolar.
Nos ciclos de formação geralmente não há
reprovação de alunos ao longo do ensino
fundamental. A reestruturação curricular é mais
profunda e, em algumas experiências,
metodologias específicas são definidas ( no
Projeto Escola Plural, projetos de trabalho; na
Escola Cidadã, complexos temáticos). A base
teórica dos ciclos de formação é mais marcada
pela psicologia e pelas etapas do
desenvolvimento humano. Os textos de Miguel
Arroyo, Elvira Lima e Andréa Krug, (bem como
a experiência e publicações da Escola Plural de
Belo horizonte) e da Escola cidadã (Porto alegre)
têm sido as principais referências para a
formulação dos ciclos de formação.
(MAINARDES, 2005, p. 14).
Apesar dos fundamentos teóricos diferenciados, é importante destacar que
ambas as denominações são utilizadas tanto por governos que centram sua
preocupação nos resultados educacionais, evidenciados principalmente nas
estatísticas de aprovação/reprovação, em detrimento do processo e permanência
23
qualitativa dos alunos na escola, quanto por governos que proclamam intenções de
cunho social transformador, que apontam outra perspectiva para os alunos da
escola pública, evidenciando-se uma preocupação maior com as questões de
caráter político-pedagógico transformador. Na verdade, o que importa para a análise
da presente pesquisa é verificar até que ponto uma proposta de organização de
escola em ciclos atende aos interesses da burguesia ou aos da classe trabalhadora.
VASCONCELLOS (2002, p. 137) refere-se aos ciclos de formação, tendo
como princípio a escola comprometida essencialmente com o máximo
desenvolvimento humano dos sujeitos.
Também VASCONCELLOS (2002, p. 136) relata esta forma de organizar a
escola na França, apresentando dados históricos. Segundo ele, a proposta de ciclos
foi explicitada pela primeira vez em 1945, no chamado Plano de Reforma Langevin-
Wallon. Tratava-se de um projeto que começou a ser gestado antes do fim da 2ª
guerra mundial por núcleos de resistência, nos quais Henri Wallon (1879-1962) teve
participação muito significativa. Foi preparado por uma comissão criada pelo
ministério da educação sob a delegação de Paul Langevin e, após sua morte, de
Wallon. O projeto estava engajado na tarefa de reconstrução social no pós-guerra e
visava a reformulação do sistema francês de ensino; foi apresentado na assembléia
nacional de 1947, mas nunca chegou a ser aprovado, influenciando, todavia,
mudanças posteriores no sistema educacional.
Ao apresentar esse dado histórico, LIMA (2002) destaca que a expansão da
escola pública francesa, no séc. XIX e primeiras décadas do séc. XX, é
acompanhada de um rígido sistema de avaliação, trazendo a necessidade de
controle do tempo. O plano Langevin-Wallon teria surgido como forma de questionar
esta organização temporal, estabelecendo princípios democráticos para a
24
socialização do conhecimento. O plano, que fora engavetado, é retomado na década
de 80, implantando-se o sistema de ciclos em substituição à seriação. Destaca a
autora que “a transformação da organização cotidiana do tempo revelou-se, no
entanto, ainda mais complexa que a transformação da seriação em ciclos.” (p. 30)
Wallon, segundo VASCONCELLOS (2002, p. 137), era motivado pela questão
da justiça social e percebia que a educação não estava desvinculada de um modelo
de sociedade. Assim, acreditava que uma sociedade diferente exigia uma outra
escola, não marcada pela seletividade. Pode-se afirmar, portanto, que Wallon
preocupava-se em contrapor-se a uma escola que promovia a exclusão e a
seletividade, intencionando propor uma reformulação de estrutura escolar que
rompesse também com o fracasso.
O que para LIMA (2002) não é verdadeiro, pois afirma o seguinte:
“Quando a proposta Langevin-Wallon surge com a divisão em ciclos,
ela não tem uma argumentação em favor de aumento de
aprendizagem, mas de uma re-significação do processo de aprender
(...)” (p. 13) Afirma ainda que “(...) Wallon organiza a educação para
que ela se adapte às características do desenvolvimento humano,
respeitando cada período de formação (...)” (LIMA, 2002, p. 13)
Como discutido anteriormente, LIMA (2002) procura enfatizar os ciclos
estritamente na sua intenção de promover o desenvolvimento bio-psico-social dos
educandos desvinculando ou “limpando” esta organização escolar da sua vinculação
com um modelo de sociedade. Entretanto, observa-se que Wallon, ao propor outra
organização para o sistema educacional francês no intuito de enfrentar a exclusão
sofrida pelos filhos dos trabalhadores, mostrava uma preocupação política bem
definida. Como se vê, desde Wallon, os ciclos estão associados à idéia de
superação do fracasso escolar, através da regularização do fluxo de alunos, entre
outras medidas.
25
Entende-se que não deveria haver incoerência entre o interesse em promover
a aprendizagem dos sujeitos e a regularização do fluxo de alunos. Esta
regularização deveria ser conseqüência da ampliação da aprendizagem e não
meramente pautada em estratégias de promoção automática, como vêm ocorrendo
em várias experiências denominadas ciclos. Esta incoerência nos ajuda a pensar
que realmente as propostas de ciclos podem ser usadas de forma conservadora,
para manter a desigualdade, reforçando na sociedade capitalista, a divisão de
classes: o sistema público possibilita o ingresso de todos, porém poucos concluem a
educação básica ou sequer um dos seus níveis, o fundamental.
Segundo VASCONCELLOS (2002), a partir de Wallon, pode-se identificar as
raízes da pedagogia diferenciada
11
, proposta por Perrenoud, ou da individualização
dos percursos de formação. Esta pedagogia parte da idéia de que os alunos não
aprendem da mesma maneira e no mesmo ritmo, sendo necessário atender as
características individuais do educando. No entanto, esta tem suas raízes totalmente
opostas àquela em que Wallon se fundamentou. Enquanto Wallon fundamentava-se
no marxismo, a pedagogia diferenciada de Perrenoud com a sua a pedagogia das
competências, estão fortemente associadas atualmente às reformas neoliberais
implementadas nos países de Terceiro Mundo, entre estes, o Brasil. A proposta de
Wallon priorizava a igualdade de direitos, de dignidade; diversidade na forma de
concretizá-los, na maneira de atender os alunos em suas necessidades. O plano,
para os ciclos, ainda estabelecia número máximo de alunos por sala, educação
permanente, gratuidade do ensino em todos os níveis e remuneração ao estudante.
11
A pedagogia diferenciada consiste em “organizar as interações e atividades de modo que cada aluno se
defronte constantemente com situações didáticas que lhe sejam as mais fecundas.” (PERRENOUD, 1995, p. 28.
In: A escola Municipal e os Ciclos de Aprendizagem - Projeto de Implantação Rede Municipal de Ensino de
Curitiba, 1999)
26
Apoiada em Wallon, LIMA (2002), afirma que “a educação por ciclos se
justifica pelo fato de que esta deve ser adaptada ao homem e não aos interesses
particulares ou transitórios da economia, da política, nacional ou internacional, das
ideologias arraigadas em preconceitos, nacionalidades ou culturas” (p 12). Uma
visão que parece atribuir certa neutralidade ou qualquer relação de interdependência
de uma organização escolar em ciclos com outros fatores da realidade humana,
comprometendo o que o próprio Wallon defendia. Descarta-se assim, o princípio de
que a educação é produção humana, parte integrante desta realidade, interferindo e
sendo também transformada pelas relações sociais que se estabelecem entre os
homens nessa totalidade.
Os princípios gerais do plano Langevin-Wallon, descritos por Lima (2002, p.
12) são os seguintes:
1- justiça: todas as crianças, independentemente de suas origens familiares,
sociais, étnicas têm direito igual ao desenvolvimento de sua personalidade;
2- todas as formas de trabalhos sociais têm igual valor. Desta forma, o trabalho
manual e a inteligência prática não devem ser menosprezados em relação a
outras capacidades;
3- A orientação da ação educativa deve estar de acordo com os fins de formação e
harmonização humanas do indivíduo em questão;
4- Não há especialização profissional sem cultura geral: ‘a especialização não pode
ser obstáculo para a compreensão de problemas mais amplos (...), uma sólida
cultura libera o homem dos limites (estreitos) da técnica” (Wallon, 1964). Com o
avanço da técnica, continua Wallon, a especialização torna-se obsoleta, quanto
mais especialização, mais cedo se torna obsoleta. Só com base na cultura geral,
o indivíduo poderá superar este movimento.
Para o período que corresponde à etapa do nosso ensino fundamental
dividido em dois ciclos (aproximadamente 6,7 e 8 anos e 9, 10 e 11 anos), Wallon
propunha que os objetivos deveriam ser a aquisição “dos instrumentos
indispensáveis do conhecimento (leitura, escrita e o cálculo), o que enriquece os
meios de expressão (desenho, linguagem), todas as atividades e o ensino de uma
língua estrangeira” (Plano Langevin-Wallon apud Lima, 2002, p. 14)
27
No segundo período, que corresponde aos anos finais do ensino fundamental,
o conteúdo central é o estudo da língua materna e uma estrangeira, formação em
matemática, a observação do meio e noções de história e geografia que levam ao
desenvolvimento nas crianças das noções de espaço e tempo. Outros componentes
do currículo são os agrupamentos opcionais. São quatro agrupamentos: científicos,
literários, técnicos e artísticos, que serão opções primárias ou secundárias, segundo
a distribuição do tempo ou o tempo alocado para cada uma delas. (Plano Langevin-
Wallon apud Lima, 2002, p. 14)
A Língua não seria ensinada mais pelo método direto, mas através dos
métodos gramaticais, filológicos, literários e históricos, que fariam da linguagem um
instrumento de cultura. (...) (LIMA, 2002, p. 14)
GALVÃO (s/d, p. 34) nos possibilita mais informações acerca do pensamento
deste autor, em especial, sobre a escola organizada em ciclos, afirmando que é
clara, no projeto Langevin-Wallon, a posição política de Wallon, fundada na
democracia e justiça social. Segundo a autora, para Wallon, a educação deve
atender simultaneamente a formação integral do indivíduo e a constituição da
sociedade, instrumentalizando o indivíduo para participar da coletividade. A Reforma
Langevin-Wallon deveria encaminhar-se no sentido de adequar o sistema às
necessidades de uma sociedade democrática e às possibilidades e características
psicológicas do indivíduo, favorecendo o máximo das aptidões individuais e a
formação do cidadão, pois para Wallon, o meio social sobrepõe-se ao meio físico e
biológico e é o responsável pelo nascimento do psiquismo na criança, daí a
definição walloniana do homem como ser geneticamente social. Quanto aos
professores, defendia, na Reforma, que todos, independente do nível de atuação,
deveriam ter a formação superior, a fim de extinguir-se a discriminação na sua
28
valorização, defendia ainda um professor com formação geral sólida, conhecimento
sobre o processo de desenvolvimento da criança e engajamento político, ou seja,
um professor que tomasse partido nos assuntos de sua época.
Wallon tecia críticas à seletividade e dualidade do sistema educacional
francês:
Condenando a seletividade do sistema então vigente na
França, que, em função da classe social ou recursos
financeiros da família, encaminhava os alunos para o trabalho
intelectual ou manual, o projeto propõe a substituição desses
critérios econômicos por critérios baseados nas aptidões e
potencialidades dos alunos, a serem observados por meio de
orientação escolar e profissional. Admitindo também que o fim
da seletividade dependia também de alterações no valor social
dos diferentes tipos de trabalho, problema que supera o âmbito
estrito do ensino, o projeto propõe um conjunto de medidas de
justiça social que visam a contribuir para a efetiva
democratização do ensino. São elas: gratuidade do ensino em
todos os níveis (com material, transporte e, em alguns casos,
alojamento assegurados); regime de remuneração do
estudante via bolsas, pré-salário e salário; melhoria da situação
dos professores (salarial, técnica e social); aumento do
percentual da receita destinado à Educação. (GALVÃO, s/d, p.
36)
Já no século XIX, Wallon propunha uma reorganização escolar em oposição
às intenções de caráter excludente. Nesse sentido, valorizava ações políticas
direcionadas às condições de trabalho, valorização dos profissionais e estrutura das
escolas como condições necessárias à superação da exclusão e seletividade do
sistema educacional francês e efetiva democratização do ensino.
1.2 - NOS MECANISMOS DE NÃO-REPROVAÇÃO, PRESSUPOSTOS DA
ORGANIZAÇÃO ESCOLAR EM CICLOS NO BRASIL
Os estudos de BARRETO e MITRULIS (2001) possibilitam afirmar que as
atuais políticas de ciclos mantêm pressupostos das idéias contidas em propostas
29
anteriores que intencionavam superar o analfabetismo e os altos índices de
reprovação, obviamente mantidas as características de cada contexto histórico,
político, pedagógico e econômico.
Alguns dos pressupostos presentes nas propostas anteriores podem ser
destacados como: a não-reprovação, a flexibilização do tempo escolar, caracterizada
em geral, como ampliação do tempo de aprendizagem e as alterações na avaliação,
por vezes nos registros acompanhadas de tentativas da superação do caráter
classificatório para uma visão diagnóstica. Entretanto estas tentativas estiveram por
vezes restritas a alterações superficiais nos registros avaliativos, como analisado por
FERNANDES (2005).
1.2.1- Anos 20
No Brasil, a idéia de não-reprovação surge na década de 20, impulsionada
pelos altos índices de analfabetismo, condição considerada “inadaptável ao novo
regime republicano que há pouco se instaurara” (KNOBLAUCH, 2003, p. 16).
Retomando o histórico da educação antes da República, relembramos o estado
caótico da denominada instrução primária naquele período, subordinada aos
interesses da Coroa Portuguesa, o que não combinava com a extensão da
escolaridade da população. Assim destacam HAIDAR e TANURI (2000, p. 61): “(...)
relegada a um segundo plano, a educação do povo se fez ao sabor dos interesses
pessoais e políticos do soberano no exercício de seu poder absoluto.” A estrutura do
ensino primário era extremamente caótica, nas províncias faltavam escolas,
professores eram despreparados e mal remunerados e o programa era limitado aos
rudimentos da leitura, da escrita e do cálculo. O índice de analfabetismo era
alarmante, como se pode observar no discurso do deputado Antonio Cândido da
30
Cunha Leitão, denunciando a situação da instrução popular da Corte à Assembléia
Geral:
“Na população, de entre os homens são analfabetos 68.716,
sabem ler 65.154. (...) De entre as mulheres: sabem ler 33.992;
são analfabetas 58.161. (...) Este é o resultado da estatística
sobre a população maior da idade escolar. Agora vamos ver a
população escolar e a freqüência que as escolas apresentam.
Dos meninos de 6 a 15 anos só freqüentam as escolas 5.788; e
não as freqüentam 16.449. (...) no sexo feminino, a
desproporção é ainda maior; freqüentam as escolas 4.258
meninas; não freqüentam, 15.009. (...)” In: (HAIDAR E TANURI,
2000, p. 68)
Foi esse o quadro da instrução popular herdado pela República, então
inspirada pelos ideais liberal-democráticos, entre estes a ampliação dos direitos de
voto. O voto, anteriormente restrito à renda passa, na República, a ser um direito,
entretanto, daqueles que são alfabetizados. Portanto, esse aspecto, aliado ao
projeto de inserção do país entre as nações mais desenvolvidas conferia importância
à ampliação da escolarização nesse período.
“Um projeto civilizador foi gestado nessa época e nele a
educação popular foi ressaltada como uma necessidade
política e social. A exigência da alfabetização para a
participação política (eleições diretas), tornava a difusão da
instrução primária indispensável para a consolidação do regime
republicano. Além disso, a educação popular passa a ser
considerada um elemento propulsor, um instrumento
importante no projeto prometéico de civilização da nação
brasileira. Neste sentido, ela se articula com o processo de
evolução da sociedade rumo aos avanços econômicos,
tecnológicos, cientifico, social, moral e político alcançado pelas
nações mais adiantadas, tornando-se um dos elementos
dinamizadores dessa evolução. Por outro lado,
responsabilizada pela formação intelectual e moral do povo, a
educação popular foi associada ao projeto de controle da
ordem social, a civilização vista da perspectiva da suavização
das maneiras, da polidez, da civilidade e da dulcificação dos
costumes.” (SOUZA, 1998, p. 27)
Nesse sentido, a alfabetização da maioria dos brasileiros, era condição
necessária à modernização do País, sendo a repetência um dos seus entraves. Os
31
índices de repetência que, segundo Sampaio Doria (apud KNOBLAUCH, 2003, p.
16) atingiam o percentual de 50%, impediam novas matrículas. No intuito de ampliar
o acesso de novos alunos, Sampaio Doria, envia carta ao então Diretor da Instrução
Pública, Oscar Thompson, propondo a não reprovação dos alunos do 1º para o 2º
ano.
Posteriormente, de acordo com KNOBLAUCH (2003, p. 16) Sampaio Doria foi
convidado a ocupar o cargo de diretor da Instrução Pública do Estado de São Paulo.
Assim implementou, nesse período, a Lei número 1750, de 1920, conhecida como a
Reforma Sampaio Doria. Esta reforma priorizava a alfabetização, prevendo a
freqüência obrigatória das crianças de 7 a 12 anos
12
, a gratuidade do ensino, o
período de dois anos para a escola isolada, a criação de uma faculdade de filosofia,
letras e educação para a formação de professores. Não obtendo aprovação do
governo para a obrigatoriedade, Doria defendeu a escola obrigatória de dois anos,
conforme permitia o orçamento. Mesmo considerando esta medida como um
equívoco, pois “não era humano que o Estado só beneficiasse metade dos seus
filhos” (Sampaio Doria apud KNOBLAUCH, 2003, p. 17) Afirmou ser preferível “um
ensino de dois anos para todos que um ensino de quatro anos para uma minoria”
(p.18)
MATTE (1991, apud KNOBLAUCH, 2003, p. 18) afirma que a Reforma
Sampaio Doria tinha como elemento central a obrigatoriedade da freqüência escolar
para crianças de 9 e 10 anos, cabendo penalidades aos pais que descumprissem
essa determinação. Doria considerava inadmissível que um aluno, ao final de um
ano, não soubesse ler, escrever e contar. Para ele bastava que o professor
cumprisse o “seu dever, que, no fim do primeiro ano, os seus alunos, salvo os
12
Após recenseamento escolar, Doria constatou que o número de crianças analfabetas e fora da escola era de
455.569.
32
anormais, saberão ler, escrever e contar”. (Sampaio Doria, p. 91 apud
KNOBLAUCH, 2003, p. 19).
Marco importante dos anos 20, “a intensificação das tensões entre a
industrialização nascente e as crises do comércio cafeeiro (...) altamente propícios
para que a educação se impusesse como de interesse coletivo e de salvação
nacional” (AZANHA, 2000, p. 105) impulsionou reformas e movimentos pela
valorização da educação. Entretanto, para além dos interesses ligados ao
patriotismo-nacionalismo, os ideais da Escola Renovada, chegam ao Brasil, via
Europa e Estados Unidos, influenciando educadores e sociedade a exigirem do
Estado um novo compromisso com a Educação. Os ideais de dever do Estado com
a Educação, expansão da Escola Pública, direito de todos à educação e política
nacional de educação “são consubstanciadas no Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova (1932) e na carta Magna de 1934”. (HAIDAR; TANURI, 2000, p. 85)
Assim, impulsionados por necessidades de caráter político-econômico e pela
urbanização crescente, a nação passa a discutir e reconhecer a educação como um
problema nacional, reivindicando-se a educação popular e preocupando-se com
aspectos como índices de analfabetismo, reprovação, evasão e com as formas para
solucioná-los.
1.2.2 - Anos 50
Se durante a Primeira República, a problemática educacional e a busca de
soluções estavam centradas no analfabetismo, nos anos 50, a ênfase está nos altos
índices de retenção, o mais elevado entre os países da América Latina. De acordo
com BARRETO e MITRULIS (2001, p. 104) 57,4% na passagem da 1ª para a 2ª
série do ensino fundamental. Dados da UNESCO mostram, ainda, uma preocupação
de caráter econômico com este fato, 30% das reprovações acarretavam um
33
acréscimo de 43% no orçamento dos sistemas de ensino. Outras pesquisas
justificavam também a adoção da “promoção automática” (p.104) como possibilidade
para expandir as matrículas “à faixa etária para a qual estava previsto o ensino
obrigatório”, de quatro anos. (p. 104)
A idéia de promoção automática ganha destaque em 1956, com a
Conferência Regional Latino-americana sobre Educação Primária e obrigatória,
promovida pela UNESCO em colaboração com a Organização dos Estados
Americanos, realizada em Lima–Peru. Nesta conferência, foram divulgadas
experiências de vários países, baseadas na aprovação automática, utilizadas com
sucesso, objetivando deter a acelerada reprovação. O encontro de Lima referia-se
ao prejuízo financeiro do sistema de reprovações, bem como à privação de
oportunidades a grande parcela de crianças em idade escolar. Assim indicou
Almeida Junior, participante do Brasil na conferência e responsável pela
recomendação final sobre o sistema de promoções:
(... ) Que se procure solucionar o grave problema da repetência
escolar – que constitui prejuízo financeiro importante e retira
oportunidades educacionais a considerável massa de crianças em
idade escolar, mediante: a) revisão de promoções na escola primária,
com o fim de torná-lo menos seletivo, b) o estudo, com a participação
do pessoal docente das escolas primárias, de um regime de promoção
baseado na idade cronológica e outros de valor pedagógico, e aplicá-
lo, com caráter experimental, nos primeiros graus da escola
(Conferência Regional Latino-Americana sobre Educação Primária
Gratuita e obrigatória, 1956: 166 apud BARRETO e MITRULIS, 2001,
p. 105)
Almeida Júnior (apud MAINARDES, 1998) aderia ao modelo inglês, porém já
fazia crítica a mera transposição de um modelo externo sem as condições
necessárias. MAINARDES (1998) observa que Almeida júnior
34
“rejeita a simples promoção em massa, a expulsão dos reprovados e
a promoção por idade cronológica (solução da Inglaterra) como uma
medida isolada, mostrando-se favorável à adoção da solução inglesa,
porém imitando-a ‘em toda a sua estratégia e não apenas no
desfecho, o que exigia a tomada de providências tais como :
aperfeiçoamento de professores; modificação da então vigente
concepção de ensino primário; revisão dos programas e critérios de
promoção; cumprimento da escolaridade obrigatória, com a
convocação de todos os alunos de oito anos para a escola; melhorar a
formação do professor nos curso regulares.” (MAINARDES, 1998, p.
19)
Esta preocupação de Almeida Junior é justificada principalmente pela
interferência dos organismos internacionais nos assuntos educacionais, na América
Latina e, em especial, no Brasil, que tem sido feita com o objetivo maior de
solucionar um problema de ordem econômica, de maneira conservadora. Nesse
sentido, adotam-se modelos ditados internacionalmente, com o objetivo principal de
redução de gastos e atendimento aos critérios exigidos pelos organismos
internacionais. Estas exigências, em geral, não correspondem aos interesses e
necessidades dos alunos que freqüentam a escola pública.
Na década de 50, dissemina-se a idéia de que a Educação é uma importante
ferramenta de crescimento econômico, assim, é fundamental investir em estratégias
de não-reprovação, mantendo por mais tempo os filhos dos trabalhadores na escola,
para aprender o básico para exercer as funções necessárias à acumulação
capitalista. Quanto mais reprovações, mais prejuízo financeiro e menos pessoal
preparado para as exigências do capitalismo urbano-industrial.
A sugestão de promoção dos estudantes, baseada na idade cronológica,
possibilitava acelerar a escolaridade dos estudantes, regularizando o fluxo e
possibilitando novas matrículas. Portanto, atacava, de forma imediata, o que
incomodava os governos: a permanência e concentração de alunos de faixas etárias
avançadas em séries iniciais, o que significava, como foi visto prejuízo financeiro.
35
Não se pode negar que, de fato, as reprovações constituem tal prejuízo, porém, a
eliminação da reprovação, descolada de medidas de caráter pedagógico, condições
de trabalho, formação dos professores, entre outras, constitui-se em alternativa
meramente superficial sob o ponto de vista dos trabalhadores, porém resolve, para
os governantes, o referido problema do prejuízo.
Mas, há, nesse mesmo período, indícios de preocupações de caráter político-
pedagógico que pareciam indicar outra direção, ou seja, na perspectiva do aluno: o
Estado do Rio Grande do Sul, que é lembrado em muitas das discussões sobre a
escola ciclada, adotou em 1958 “uma modalidade de progressão continuada, criando
classes de recuperação, destinadas a alunos com dificuldades, que quando
recuperados poderiam retornar às suas turmas de origem, ou, caso contrário,
continuar a escolarização em seu próprio ritmo (MORAIS, 1962 apud BARRETO;
MITRULIS, 2001, p. 106)”.
Entretanto, parece que uma política conservadora tem prevalecido, o que se
constata através de medidas superficiais para a melhoria dos índices estatísticos de
aprovação, secundarizando-se a real aquisição da aprendizagem por parte dos
alunos da escola pública.
1.2.3 – Anos 60/70
No plano internacional, nos anos 60/70 estava em evidencia o conflito
conhecido como guerra fria entre as duas grandes potências, URSS e USA, expondo
para o mundo dois grandes projetos de sociedade em disputa, o socialismo e o
capitalismo. Os Estados Unidos utilizavam especialmente a mídia, direcionada
principalmente ao mundo ocidental, para veicular a idéia de que a União Soviética
era uma ameaça à democracia. Essa propaganda anticomunista, de acordo com os
36
historiadores FARIA, MARQUES e BERUTTI (1993) garantia aos USA, a justificativa
ideológica para dominar países do Terceiro Mundo.
No Brasil, como reflexo da adesão interessada da classe dominante nacional
às políticas internacionais capitalistas, pregava-se o anticomunismo e uma suposta
aliança entre capital e trabalho, “escamoteando a (...) luta de classes”. (GOES e
CUNHA, 1991, p. 9). Com efeito,
De 1963 a março de 1964, assiste-se a uma radicalização dos
setores da direita e da esquerda. Os empresários, ligados aos
militares, e com plena aprovação da embaixada norte-
americana, reunidos no IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos
sociais) tramavam a derrubada do [então] presidente [João
Goulart]. Setores da imprensa, da classe média, devidamente
assustados com o “perigo comunista”, pregações da Igreja
Católica (rezar o terço para afastar o espectro comunista),
serviram de respaldo para o golpe que se articulava. (FARIA,
MARQUES e BERUTTI, 1993, p. 432) (sem grifo no original)
No período anterior ao golpe de 1964 emergiam pelo país movimentos
populares, dos quais foi adepta a esquerda católica, em oposição ao extremo
conservadorismo educacional. Entretanto, as idéias desses são também apropriadas
pela instância administrativa do governo federal, que, nos momentos oportunos,
esvaziava seu conteúdo político para atender aos interesses da elite empresarial e
militar, sem desagradar totalmente à população.
Já, após a tomada do poder pelos militares, foi crescente a interferência
norte-americana nos aspectos decisórios da educação nacional, camuflados de
mera “assistência técnica”, principalmente através dos acordos MEC-USAID
13
, que
se consolidaram em 1964. Esses acordos, que abrangiam toda a estrutura
educacional (desde níveis de ensino e formação de professores até a edição de
13
Os convênios, conhecidos pelo nome de Acordos MEC/USAID, tiveram o efeito de situar o problema
educacional na estrutura geral de dominação, reorientada desde 1964, e de dar um sentido objetivo e prático a
essa estrutura, lançando as bases das reformas que se seguiram. Foi a época em que o MEC entregou a
reorganização do sistema educacional brasileiro aos técnicos da oferecidos pela AID (entretanto pagos pelo
governo brasileiro). (FAZENDA, 1988, p. 60, 61)
37
livros técnicos, científicos e educacionais) consolidaram o que GOES e CUNHA
(1991) denominaram a “desnacionalização” no campo da educação brasileira.
Os anos 60 e 70 são marcados pelos altos índices de repetência, como
ocorrido em décadas anteriores e também pela evasão escolar. É nesse sentido que
se perpetua o discurso sobre o regime de ciclos, tendo “... como referência, mais
próxima ou distante, o sistema de avanços progressivos nas escolas básicas dos
Estados Unidos e da Inglaterra”. (BARRETO e MITRULIS, 2001, p. 110). Nessas
escolas, o importante era a freqüência às aulas, independente das diferenças de
aproveitamento dos estudantes.
Pernambuco, em 1968, rompe com a organização seriada, tendo como
justificativa um viés da psicologia, pois “os níveis respondiam de forma mais
adequada às necessidades e interesses dos alunos, em particular ao
desenvolvimento da sua capacidade de pensar.” (BARRETO e MITRULIS, 2001, p.
108)
Em São Paulo, na década de 60, em virtude da adoção da modalidade de
promoção automática constatou-se um mecanismo de motivação para aprovação de
alunos entre os professores, atribuindo-se pontos para promoção na carreira de
acordo com o número de alunos aprovados. Tal medida, que foi tema dos
“(...) periódicos de grande circulação entre os profissionais do
magistério paulista divulgavam artigos favoráveis à promoção
automática em que se defendia: as modificações dos critérios
de contagem de pontos para promoção na carreira do
magistério, feita com base no número de alunos promovidos...”
(MORAIS, 1962 apud BARRETO e MITRULIS, 2001, p. 106).
Evidenciaram-se também preocupações dos psicólogos, como Dante Moreira
Leite (1959), com aspectos que se contrapunham a escola tradicional, como a
homogeneização / padronização atribuída aos percursos de aprendizagem e a
38
crença de que mecanismos de motivação externa garantiam a aprendizagem. Este
defendia “a organização de um currículo adequado ao nível de desenvolvimento do
aluno” (BARRETO e MITRULIS, 2001, p. 107). Então, nesse sentido, a promoção
automática seria a única forma de permitir um currículo adequado à idade. Esta idéia
de não-reprovação, ainda que sustentada por interesses na redução de gastos em
primeiro plano, parece ter “despertado” um outro olhar sobre o fenômeno educativo.
A educação passa a receber, com maior ênfase da Psicologia, as indicações de
como encaminhar o processo ensino-aprendizagem. Assim, o foco desloca-se do
ensino e do método e centra-se no indivíduo e na aprendizagem. No entanto,
faltava, ainda, a visão de unidade indissociável entre ensino e aprendizagem.
São Paulo, também em 1968 estabelece a reorganização da escola em ciclos,
justificando a mudança enquanto “um compromisso com a democratização do
ensino e a implantação de reformas estruturais que dessem ao magistério as
condições necessárias para buscar caminhos possíveis”.(BARRETO e MITRULIS,
2001, p. 105) Entretanto, como afirmam as autoras pesquisadas, a proposta não se
efetivou, devido a reações negativas de setores conservadores da sociedade e do
próprio ensino. Sobre este período, MAINARDES(1998) explica que a Secretaria de
Educação de São Paulo implantou a reforma do ensino primário, através do ato nº
306, de 19/11/68, que compreendia , em suas alterações principais, a modificação
na seriação do ensino, eliminando a reprovação do aluno entre a 1ª e a 2 ª
séries(nível I) e entre s 3ªe 4ª séries (nível II). (MAINARDES 1998, p. 21) A
condição para a aprovação era a aquisição dos conteúdos mínimos fixados nos
programas de ensino. Esta reforma foi marcada pela desconfiança dos professores e
a conseqüente resistência à reforma ; a transferência da retenção para o final do
nível I, com acúmulo de classes de 2ª ano nas escolas; concentração de alunos com
39
maiores dificuldades nas chamadas “classes lentas ou 2º ano de mentira”, sem
orientação aos professores que atuavam com estas turmas. MAiNARDES (1998)
fundamentado em Arelaro (1988) informa ainda que, embora o ato não tenha sido
revogado, a organização em níveis encerrou em 1972, em virtude da saída do grupo
favorável a esta medida, acusados de subversivos e por impedimento legal, pois a
Lei 5692/71 estabelecia a um currículo organizado em séries. Em são Paulo, a
proposta de não reprovação retorna com o Ciclo Básico, em 1984.
A passagem para os anos 80, no Brasil, vai representar grandes movimentos
de pressão para a reconquista dos direitos negados pela ditadura, o que vai influir na
área educacional.
1.2.4- Anos 80
Os anos 80 foram marcados em nível internacional pela ascensão de Ronald
Reagan à Presidência dos Estados Unidos e de Mikhail Gorbachev na União
Soviética. Por um lado Reagan anunciava sua disposição em atacar os comunistas
e, por outro, na URSS, Mikhail Gorbachev lança “propostas de redução dos
orçamentos bélicos para atender imperativos do desenvolvimento econômico”.
(FARIA, MARQUES e BERUTTI, 1993, p. 363).
Da tomada do poder pelos militares até 1979 o Brasil contava com dois
partidos políticos, ARENA-Aliança Renovadora Nacional, de base governista e o
MDB, Movimento Democrático Brasileiro, da oposição pró-forma. A insatisfação
popular após anos de Atos Institucionais, que objetivavam a contenção das
manifestações populares de oposição ao governo, com cassação de mandatos de
parlamentares de esquerda, extinção e limitação de partidos políticos, amplos
poderes ao presidente (com a instituição do AI-5), entre outras medidas, traduziu-se
40
em crescimento eleitoral do MDB, o que, por sua vez, repercutiu em maior pressão e
ataques por parte do governo, a fim de conter este crescimento.
Entretanto, a pressão da sociedade sobre o governo crescia, a ponto de, o
governo do General Médici (1974-1979), assumir a promessa de gradualmente
revogar o AI-5, o que só ocorreu, por completo, no governo de outro general, João
Baptista Figueiredo (1979-1985). Foi também neste governo que se aprovou a
anistia aos crimes políticos, mas que anistiou também aqueles que perseguiram os
grupos de esquerda. Com a perspectiva de crescimento eleitoral do MDB,
dissolveram-se ARENA e MDB e permitiu-se a criação de outros partidos políticos:
PDS (antiga ARENA), PMDB (que incorporou maior parte do MDB), o PP (Partido
Popular), o PTB, o PDT e o PT (Partido dos Trabalhadores). A oposição não se
limitou aos partidos políticos, pois cresceu também a organização da sociedade civil
em sindicatos e movimentos sociais, fazendo pressão sobre o governo.
Em 1984, na campanha pelas eleições diretas para presidência, a população,
que tencionava o Congresso a aprovar tal Emenda Constitucional (E.C.), foi recebida
por militares em Brasília. Com a rejeição da E.C. articulações entre PMDB e Frente
Liberal levaram Tancredo Neves a vencer Paulo Maluf (da base governista) no
Colégio Eleitoral, marcando “o processo descrito como transição pacífica para a
democracia” (FARIA, MARQUES e BERUTTI,1993, p. 436) Mas, Tancredo faleceu
antes da posse e, em 1985, José Sarney assumiu a presidência e governou até
1989.
“Uma das conquistas mais significativas da transição
democrática foi a volta das eleições diretas para governadores
dos Estados, em 1982, ocorrendo, em 10 Estados do País, a
transferência do poder a partidos da oposição. O PMDB elegeu
os governadores nos Estados de São Paulo, Minas Gerais,
Paraná, Espírito santo, Mato Grosso do Sul, Goiás, Pará,
Amazonas e Acre. O PDT elegeu o governador do Rio de
Janeiro.” (MAINARDES,1995, p. 11)
41
No Estado do Paraná, assumiu o governo, em 1983, José Richa (PMDB), que
marcou o início de três gestões do mesmo partido no Estado. De acordo com a
proposta de seu partido, e no clima pós-militarismo, propagava a democracia
participativa em todas as instâncias e propostas progressistas para a educação. Seu
programa de governo, resultado dos debates promovidos pelos diretórios regionais
do partido em diferentes cidades do Paraná, destacava que a “política educacional
democrática deve entender que a escola é o lugar privilegiado para fazer a crítica da
ideologia dominante” (PMDB, 1982, p. 20. In: MAINARDES, 1995, p. 12). Foi nessa
gestão que a Secretaria de Estado da Educação desencadeou por todo o Paraná,
seminários com o título: “A dimensão política da Educação”.
É com esse espírito de democratização, pós-militarismo, que se faz a defesa
da organização escolar em ciclos ancorados “no resgate da dívida pública com as
grandes massas da população, (...) tal iniciativa justificava-se por motivos políticos e
educacionais” (BARRETO e MITRULIS, 2001, p. 111).
No Paraná, é a segunda gestão (Álvaro Dias, 1987-1990), também do PMDB,
que a partir de 1988 implanta o Ciclo Básico de Alfabetização, estendendo o
continuum de dois anos a todas as escolas da Rede, em 1990. Neste mesmo ano, é
lançado, após discussões com professores, o “Currículo Básico para as escolas
Públicas do Estado do Paraná”, com base no trabalho desenvolvido pela equipe
pedagógica da Secretaria Municipal de Curitiba. É também nesse “movimento de
construção do CBA que o Departamento de Ensino de 2º Grau realiza a
reformulação dos cursos de magistério promovendo ampliação da sua duração para
quatro anos e reformulação da grade curricular e dos conteúdos.” (TAVARES, 2004,
p. 32)
42
De acordo com KNOUBLACH (2003), “no processo de redemocratização dos
sistemas escolares pós-ditadura militar” (p. 32), pode-se afirmar que o Estado do
Paraná construiu uma experiência significativa, com o Ciclo Básico, no contexto
brasileiro.
MICHELOTTO (1988) destaca o caráter contraditório do movimento de
implantação do ciclo básico nas escolas do Paraná. A autora destaca “a ação da
SEED como mediadora entre a proposta do ciclo básico e a prática pedagógica dos
professores” (MICHELOTTO, 1988, p. 82). Ou seja, órgão governamental que,
portanto, detém o controle político, mas que, contraditoriamente, precisa atender às
reivindicações da sociedade e, nesse caso, viabilizar as condições para a efetivação
da proposta do ciclo básico. Além disso, por um lado, o documento que contém a
base teórica do ciclo básico, que de acordo com MICHELOTTO (1988) foi elaborado
pela equipe de ensino do departamento de 1º grau da SEED, após encontros e
discussões amplas com professores, durante o ano de 1987, enfatiza "uma escola
comprometida com a democratização social, real e efetiva”. (MICHELOTTO, 1988, p.
12). Por outro, constataram-se fragilidades no processo de implantação,
principalmente quanto à “orientações concretas e educação continuada para o corpo
docente” (GOMES, 2004, p.43)
Pesquisa de MAINARDES (1995), realizada em Ponta Grossa, destaca que a
trajetória do ciclo básico do Paraná foi influenciada fortemente pela experiência do
Estado de São Paulo e pelas descontinuidades
14
da política educacional
paranaense. No encaminhamento pedagógico, a SEED-PR introduz nas
14
Para contextualizar o CBA na política educacional paranaense, Mainardes (1995) analisou os programas de
governo estadual de três gestões: José Richa (1983 – 1986), Álvaro Dias (1987 – 1990) e Roberto Requião (1991
– 1994). O autor destaca que, embora essas três gestões pertencessem ao mesmo partido (PMDB), estas foram
marcadas por “descontinuidades dos programas e ações, mudança de prioridade e implementação de políticas
antagônicas às criadas nas gestões anteriores”. (1995, p. 41) Lembra ainda que, em 1988, O CBA foi direcionado
na contramão do previsto pelo grupo que o implantou, pois, ao invés da implantação gradativa, em 1990, é
estendido para todas as escolas, sem a garantia, pelo governo, das condições adequadas para sua efetivação.
43
capacitações de alfabetização para professores, textos de Luiz Carlos Cagliari,
Telma Weisz, Esther Grossi e Emília Ferreiro e Ana Teberosky, os mesmos
utilizados pela secretaria de educação paulista (MAINARDES, 1995, p. 34).
Uma das medidas que constituíram o ciclo básico do Paraná, segundo
pesquisa de MAINARDES (1995, p. 33) seria “alargar o tempo de alfabetização para
dois anos”. Na proposta preliminar de trabalho (PARANÁ, 1987) citada por
Mainardes (1995), o Ciclo Básico é definido como “uma diretriz político-educacional
para todo o sistema de ensino do Estado do Paraná que tem por objetivo a reversão
do fracasso escolar”. Lembra ainda que, nos atos legais analisados, o ciclo básico é
apresentando com a característica de “alargamento do tempo de alfabetização para
dois anos letivos, reunindo em um ‘continuum’ as 1ª e 2ª séries, com o objetivo de
assegurar aos alunos o domínio dos processos de leitura, de escrita e das
operações matemáticas e seus aspectos fundamentais, bem como das demais áreas
do conhecimento” (MAINARDES, 1995, p. 34)
Ainda que, com problemas para sua efetivação, nos anos 80, no período pós-
ditadura militar, havia um interesse, em virtude da pressão exercida pela sociedade
civil organizada para ampliação do acesso à educação, e pelo compromisso em
resgatar a dívida social com a população, assim, a política de ciclos era uma das
estratégias transformadoras. Essa conotação progressista foi ratificada por
Gaudêncio Frigotto, professor da Universidade Fluminense, ao retomar os anos 80,
em entrevista concedida à Consulta Popular
15
(análise de conjuntura nº. 5 – 11 de
junho de 1999). Este autor rememora o adjetivo atribuído a esta década pelos
15
Consulta Popular é explicada como sendo “um conjunto de pessoas de origens e experiências diversas, que
têm em comum a confiança no povo brasileiro e a certeza de que se pode construir um destino melhor para o
nosso país. Ela começou a tomar forma no segundo semestre de 1997, com a convocação de uma consulta (daí o
nome) que – depois de encontros preparatórios nos estados – reuniu em Itaici (SP), em dezembro do mesmo
ano, cerca de trezentos delegados, ligados às mais significativas expressões das lutas do nosso povo (MST,
Pastorais Sociais, CMP, PT, CUT, etc)”. (In: O que é a Consulta Popular, mimeo)
44
economistas: “a década perdida!”, discorda e explica que foi na transição
democrática que se debateu “intensamente a democratização do conhecimento, da
escola e do financiamento” (FRIGOTTO, 1999, p. 2), devido à pressão da sociedade
civil por ampliação do acesso à escola. Além disso, FRIGOTO (1999, p. 2) afirma
que reduziu-se o enfoque economicista e a Constituição de 1988 incorporou
exigências de caráter político avançado em termos de direitos sociais. FRIGOTTO
(1999) destaca, como exemplo desse avanço, o direito das crianças de zero a seis
anos à educação, o princípio de uma educação básica generalista e de uma escola
unitária.
A relevância do movimento em prol de uma constituição voltada aos anseios
da população por uma sociedade mais igualitária, no qual se resgata a dignidade
humana, fortemente afrontada durante o regime militar no Brasil, foi matéria de capa
de uma revista da área do Direito. No artigo, sob o título “Garantia Constitucional do
acesso à Educação”, Clotildes Fagundes DUARTE destaca o direito à Educação, na
constituição de 1988, como um dos critérios fundamentais para o resgate da
dignidade humana. Assim afirma a autora:
“Acesso igualitário à Educação, em todas as suas dimensões, é
patamar obrigatório para o alcance da justiça social que se
concretiza na garantia e efetivação dos direitos fundamentais
do homem, capaz de propiciar o valor supremo da dignidade
humana, pressuposto essencial para o efetivo Estado
democrático de Direito!” (DUARTE, 2001, p. 23. In: L&C, nº. 35,
maio de 2001)
Está aqui uma das principais diferenças entre as políticas implementadas nos
anos 1980 e 1990. Os direitos conquistados pela organização e pressão da
sociedade civil sobre o governo, expressos na Carta Magna de 1988, são
severamente ultrajados na década de 90, como se analisará mais adiante, sendo
45
flexibilizados em legislações específicas ou pela via de emendas constitucionais ou,
ainda, simplesmente descumpridos. Essa prática da redução dos direitos sociais,
muitas vezes veiculada como meramente legal, mas na verdade carregada de
conteúdo político ideológico foi e vem sendo forjada no contexto das políticas
chamadas neoliberais.
Parece que, é a partir dos anos 80, com as experiências dos Ciclos Básicos
de Alfabetização, que a organização em ciclos começa a ter justificativas teóricas
que apontam para críticas mais contundentes ao modelo seriado. Essas críticas,
trazendo a organização em ciclos como oposto de um modelo excludente se
intensificam nos anos 90 e ao lado das justificativas para sua implementação,
observa-se uma extensão da abrangência dos ciclos para o Ensino Fundamental
com diferentes significados, perspectivas, interesses e formas de efetivação.
46
2- ANOS 90: UMA REFORMA NO PAPEL DO ESTADO CAPITALISTA
Os anos 90 trazem outra configuração de Estado, no Brasil: de um Estado
mínimo nos investimentos sociais e, portanto, de uma negação do caráter público de
política. Isso se evidencia na ampliação dos acordos com agências internacionais
como FMI e Banco Mundial e conseqüente abertura (indiscriminada) do mercado
interno ao capital internacional, privatizações de Estatais lucrativas, políticas de
“parcerias” entre Poder Público e empresas privadas, estratégias da administração
empresarial incorporadas pelo setor público, com inovações de caráter tecnológico,
organizacional e gerencial. Nesse contexto, à organização escolar em ciclos
atribuem-se significados ainda mais diversos e contraditórios, ora carregados
explicitamente de seu conteúdo político, para a emancipação, no sentido de resistir à
negação dos direitos humanos, ora para a subordinação, na direção dos interesses
da ampliação do capital. Esses conteúdos ficam camuflados, muitas vezes, sob uma
aparente neutralidade.
2.1 - POLÍTICAS ECONÔMICAS (NEOLIBERAIS) E SUAS IMPLICAÇÕES NAS
POLÍTICAS SOCIAIS E EDUCACIONAIS BRASILEIRAS
O neoliberalismo, opção da burguesia internacional para lidar com a crise
estrutural do capitalismo pode ser definido, de acordo com FERRARO (2000) como
o movimento de oposição ao keynesianismo, que instituiu a intervenção do Estado
por meio de políticas de bem estar social, como estratégia para superar as crises do
capitalismo. Com a crise do capital dos anos 70 e a derrocada do socialismo real, o
ideário neoliberal toma corpo e se consolida. Se a intervenção estatal proposta por
47
Keynes não foi capaz de manter a ampliação do capital nos moldes desejados e o
socialismo real, também com sua forte intervenção, sofreu um declínio, enfraquece-
se a idéia de uma economia planificada, portanto justifica-se que é preciso um novo
encaminhamento para a manutenção do capitalismo.
Aos autores, hoje conhecidos como neoliberais, incomodavam as idéias de
Keynes, que propôs transformações ao liberalismo clássico, entre estas a adoção do
planejamento econômico, premissa até então dos países socialistas, adotada nos
países capitalistas avançados. Pode-se afirmar que, de certa forma e,
contraditoriamente, esta idéia reforçava o socialismo e a sua possibilidade,
instigando os neoliberais à reação. As transformações impostas por KEYNES ao
liberalismo clássico, a fim de regular a economia e recuperar o mercado consumidor
no período pós-guerra, consistiram em introdução do planejamento econômico nos
países capitalistas avançados; a elaboração do corpo teórico do keynesianismo, se
deu através da obra The general theory of employment, interest and money (1936),
na qual o autor revolucionava a teoria clássica, opondo-se à Lei de Say, segundo a
qual a oferta criava sua própria demanda e passando a defender políticas de pleno
emprego e redistribuição de renda, além da adoção de políticas de bem estar social,
o que foi colocado em prática após a segunda guerra mundial. (FERRARO, 2000)
Entretanto, a prevenção às novas crises do capital, promessa do
keynesianismo, não se sustentou. É assim que entram em cena os neoliberais (e
com toda força!), afirmando que é preciso resgatar os princípios do liberalismo
clássico, pois a responsabilidade pelas crises é totalmente do Estado, inoperante,
corrupto, ineficiente, entre outros adjetivos utilizados para justificar uma de suas
ações mais incisivas, a mercantilização. Entretanto, equivocam-se os neoliberais ao
48
fazer a defesa de que o neoliberalismo seria um resgate dos princípios do
liberalismo clássico
16
, pois
“o pretendido resgate dos princípios teóricos do liberalismo econômico
clássico não devolve, por si só, as condições objetivas que o
produziram no passado e sem as quais a teoria cede lugar à doutrina,
os princípios transformam-se em dogmas, as propostas tornam-se
bandeiras e os cientistas viram espadachins.” (FERRARO, 2000, p. 38.
In: FERREIRA & GUGLIANO, 2000 )
ANDERSON (1995) faz essa distinção entre liberalismo clássico e
neoliberalismo, explicando que
(...) O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na
região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo.
Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado
intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem é O caminho da
Servidão, de Friedrich Hayek, escrito em 1944. Trata-se de um ataque
apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado
por parte do Estado, denunciadas como uma ameaça letal à liberdade,
não somente econômica, mas também política.O alvo imediato de
Hayek, naquele momento, era o Partido Trabalhista inglês, às
vésperas da eleição geral de 1945 na Inglaterra, que este partido
efetivamente venceria. (ANDERSON, 1995, p. 9)
A crise de acumulação do capitalismo da década de 70, caracterizada por
baixas taxas de crescimento e altas taxas de inflação, iniciou nos países centrais e
atingiu paulatinamente os países periféricos.(NEVES e FERNANDES, 2002)No
Brasil, ela começou a configurar-se, de forma ainda embrionária, nessa mesma
década, com o fim do chamado ‘milagre econômico”, estendendo-se aos anos de
abertura política e, apesar das ações implementadas pelos governos neoliberais dos
anos 1990, se arrasta até os dias atuais.” (NEVES e FERNANDES, 2002, p. 21)
16
De fato, nas palavras de MARX e ENGELS, “a burguesia desempenhou na história um papel eminentemente
revolucionário.A burguesia, onde conquistou o poder, destruiu todas as relações feudais, patriarcais, idílicas.
Rasgou sem compunção todos os diversos laços feudais que prendiam o homem aos seus ‘superiores naturais’ e
não deixou entre homem e homem outro vínculo que não o do frio interesse, o do insensível ‘pagamento em
dinheiro’. Afogou a sagrada reverência da exaltação religiosa, do entusiasmo cavalheiresco, da melancolia
sentimental do burguês filisteu nas águas geladas do cálculo egoísta. Fez da dignidade pessoal um simples valor
de troca e, no lugar de um sem-número de liberdades legítimas e duramente conquistadas, colocou a liberdade
única, sem escrúpulos, do comércio. Numa palavra, no lugar da exploração velada por ilusões políticas e
religiosas, colocou a exploração seca, direta, despudorada, aberta.” (MARX e ENGELS. In: O Manifesto
Comunista, 1998, p. 7) Em relação ao período feudal, a burguesia instaurou um processo civilizatório. Este,
necessário para a burguesia revolucionária naquele momento, será rompido gradativamente conforme as
transformações e necessidades do modo de produção capitalista, o que poderá significar, entre outros aspectos,
ampliação ou redução dos direitos na ótica burguesa.
49
Esta opção (neoliberal) das classes dominantes internacionais na condução
de suas economias atinge os países periféricos ou do chamado Terceiro Mundo,
com a colaboração de organismos de “cooperação” internacional, tanto aqueles
diretamente ligados à economia, como Banco Mundial e Fundo Monetário
Internacional (FMI), quanto aqueles que se afirmam comprometidos com aspectos
sociais e de estreitamento das relações internacionais como UNESCO, UNICEF,
ONU.
Esta aproximação dos países periféricos ao neoliberalismo se faz sob o
consentimento e interesse das classes dominantes desses países, que mantém uma
integração com os dominantes dos países desenvolvidos, colaborando na super
exploração da mão-de-obra da classe trabalhadora (e majoritária) nacional. Segundo
orientações dos organismos internacionais de financiamento, para ampliar a
produtividade e os lucros é necessário implementar o receituário neoliberal, ou seja,
“abertura comercial, privatização de bens e serviços produzidos pelo Estado,
desregulamentação financeira e das relações de trabalho” (NEVES e FERNANDES,
2002, p. 25) e ainda, combate aos movimentos sociais e ao sindicalismo, através do
desemprego massivo, da repressão às greves e de artimanhas jurídicas para reduzir
direitos sindicais e trabalhistas, além da redução de investimentos financeiros do
Estado nas políticas sociais.
De acordo com SOUSA JUNIOR (s/d), reformas de Estado implementadas
por Margareth Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos Estados Unidos
17
,
durante a década de 80 e início dos anos 90, servem de inspiração para que o
Brasil, com a especial atenção do Banco Mundial, se integre no contexto da
economia globalizada. ANDERSON (1995) atribui ao governo Thatcher o modelo
17
MargarethThatcher assume o governo inglês em 1979 e Ronald Reagan, o governo dos Estados Unidos, em
1980.
50
mais puro e pioneiro de neoliberalismo efetivado em países de capitalismo
avançado. O mesmo autor afirma que as ações implementadas por estes governos
constituem-se, entre outras, por: elevação das taxas de juros, redução drástica dos
impostos sobre os rendimentos altos, desemprego massivo, enfraquecimento de
greves, estabelecimento de legislação anti-sindical, redução dos direitos trabalhistas
e corte de gastos sociais. Ação incisiva foi também a criação de amplo programa de
privatização de serviços públicos, como habitação, em seguida de indústrias básicas
como aço, eletricidade, petróleo, gás e água. Reagan, nos Estados Unidos, também
implementou ações em favor da classe dominante, reduzindo impostos dos mais
ricos, elevou taxas de juros e enfraqueceu greves. Entretanto, sua prioridade, “era
mais a competição militar com a União soviética, concebida como estratégia para
quebrar a economia soviética e, por esta via, derrubar o regime comunista na
Rússia.” (ANDERSON, 1995, p. 12)
No Brasil, essa política ainda assistemática na década de 1980, consolida-se
em 1990 pela da atuação de um novo grupo que assume o poder de forma cada vez
mais conservadora. Esse novo grupo era formado pelos governos Fernando Collor
de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, na Presidência da
República, e também no Congresso Nacional, por legisladores de composição cada
vez mais conservadora. (NEVES e FERNANDES, 2002, p. 25)
É interessante destacar, conforme análise de SILVA JUNIOR (2002), que a
política implementada nos moldes do Estado de Bem Estar Social operacionalizou
uma ampliação artificial dos direitos, no sentido de “alargamento dos direitos
sociais”, para atender as demandas do capitalismo baseado na produção fordista, o
que num outro momento, com a política neoliberal, assumiu a forma de “cidadania
produtiva, isto é, os direitos sociais tornam-se mercadorias”. (SILVA JUNIOR, 2002,
51
p. 22) É esta idéia de mercantilização dos direitos que vem norteando, de maneira
mais intensa, a política dos governos dos anos 90, no Brasil.
Pesquisa realizada por CASTRO e MENEZES (2003) respectivamente,
pesquisador da diretoria de Estudos Sociais do IPEA (Instituto de Pesquisa
Econômica aplicada) e Especialista em políticas públicas e gestão governamental do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, destacam características dos três
governos federais e suas propostas para o ensino fundamental, sintetizadas a
seguir:
Fernando Collor de Mello assume o governo sustentando-se no discurso da
modernização econômica, política e social do País. A área educacional seria
estratégica para este novo modelo, devendo receber atenção especial, uma vez que,
nos diagnósticos contidos nas diretrizes de ação de seu governo (1989), era
considerada em situação dramática. As baixas taxas de conclusão do ensino
fundamental e as altas taxas de repetência e evasão justificavam que o problema
não estava na oferta de educação, mas na qualidade desta oferta. Assim, buscando-
se as causas para o problema, concluía-se que estas estavam centradas na pobreza
da população e na falência do Estado, incapaz de oferecer educação de qualidade.
Diante do exposto, Collor de Mello defendia a implementação de algumas medidas.
Entre outras, destacam-se: a expansão da rede escolar, adequação curricular,
fomento aos programas de apoio ao educando; articulação dos serviços
educacionais às atividades produtivas, conforme demandas locais; mecanismo de
gestão descentralizada para programas complementares de assistência ao
educando (merenda, material didático), gestão compartilhada entre diferentes níveis
de governo. Entretanto, segundo dados da pesquisa do IPEA, o discurso da
descentralização para transparência e participação não se efetivou. O constatado foi
52
o oposto: centralização da gestão dos programas na cúpula do MEC, a escassez de
recursos, bem como esquemas de clientelismo político e corrupção.
“Como conclusão, destaca-se que não por acaso a
administração Collor de Mello ficou cunhada na literatura como
‘administração/espetáculo’. Ou seja, o governo tinha sua
atuação mais voltada para criar efeitos midiáticos a partir de
anúncios bombásticos de programas e ações do que
efetivamente para a vibilização desses projetos tão
efusivamente alardeados”. (CASTRO e MENEZES, 2003, p.13)
Exemplo dessa administração espetáculo, citada na pesquisa do IPEA ,
realizada por CASTRO e MENEZES (2003) são os Ciacs - Centros Integrais de
Atenção à Criança, obras faraônicas, que foram, infelizmente, mais direcionados à
imagem do presidente na mídia que, efetivamente, à criação de um espaço de
educação de qualidade às crianças da classe trabalhadora.
O esquema de corrupção do governo Fernando Collor veio à tona e o levou à
queda, sendo seu substituto, por curto espaço de tempo, Itamar Franco. Este
assumiu o governo com sérios problemas, tais como reduzidas taxas de crescimento
econômico, altos índices inflacionários, diminuição da renda, aumento do
desemprego e agravamento da crise fiscal do Estado. De acordo com CASTRO e
MENEZES (2003) a prioridade do governo era o atendimento aos serviços sociais
básicos, entre estes, habitação, saúde e educação. Para o equacionamento das
desigualdades regionais, optou-se por redefinir o modelo de gestão das políticas
públicas.
Os diagnósticos do governo Itamar Franco apontavam para a ineficiência do
sistema educacional brasileiro e sua responsabilidade na escassa qualificação para
o mercado trabalho, participação política e cidadania. A alternativa para o problema
diagnosticado foi buscada nas orientações da Conferência internacional de Jomtiem
(Tailândia), da qual o Brasil foi signatário. Entre as principais orientações, que foram
53
destaque no plano Decenal de Educação Para todos, está “uma gestão mais
descentralizada, compartilhada e cooperativa tanto entre níveis de governo quanto
entre estes e a sociedade civil.” Estaria, portanto, resolvida a dificuldade de
cooperação entre os diferentes entes federados e a desejada otimização dos
recursos, com a “participação” da sociedade civil.
CASTRO e MENEZES (2003) destacam que o eixo
centralização/descentralização do governo anterior foi tomado como ponto central.
Entretanto, nesse governo a descentralização foi instituída legalmente e
operacionalizada. Ganhou destaque a descentralização de programas de assistência
ao estudante, a começar pela alimentação escolar, que foi estadualizada, ou seja,
recursos da união foram repassados para os Estados, que deveriam geri-los, sob a
fiscalização dos conselhos escolares, depois este processo ocorreu com o livro
didático , material e transporte escolar.
Acreditava-se que com esse financiamento, sob um modelo de gestão
descentralizada, as comunidades estabeleceriam prioridades, o que otimizaria
recursos, além de gerar emprego e renda por viabilizar a produção e consumo de
produtos locais. Entretanto, os pesquisadores do IPEA (CASTRO e MENEZES,
2003) teceram uma crítica a limitada autonomia, em virtude de uma
descentralização “tutelada”, ou seja, a União repassava responsabilidades e
recursos aos demais níveis de governo, exceto a decisão sobre o que e como
realizar.
Este processo de centralização e descentralização tem objetivos bem
definidos, embora ocultos nos discursos oficiais. Nesse sentido, NOGUEIRA e
BORGES (s/d) explicam que centraliza-se o que interessa diretamente à
acumulação do capital, citando como exemplos a tributação, os salários diretos, os
54
investimentos, o estatuto de propriedade, já o que se refere à reprodução da força
de trabalho, como saúde, educação, transporte, habitação será descentralizado,
uma vez que são considerados secundários. Apesar disso, mesmo considerada no
plano secundário, as decisões sobre a política educacional têm se mantido na esfera
central de poder, o MEC, e a execução nas instâncias hierarquicamente inferiores,
até chegar à escola, o que indica que a educação é tomada como importante
também para a acumulação do capital, como se constatou especialmente na agenda
dos governos dos anos 90.
Os pesquisadores do IPEA (CASTRO e MENEZES, 2003) destacaram como
pontos positivos o fato de que, no Governo Itamar, apesar de sua curta duração, a
educação foi tomada como prioridade de agenda e de financiamento, além de se
fomentar, neste período, a participação social. Entretanto, essa análise de
positividade em relação ao Governo Itamar Franco não é compartilhada por
OLIVEIRA (1995) que atribuiu a este governo, após a reação da sociedade civil
através do impeachment de Fernando Collor, em 1992, um período de preparação
para a consolidação de uma nova investida neoliberal. Esse período reiniciou
quando Fernando Henrique Cardoso, então senador, assumiu o Ministério da
Fazenda e criou estratégias que , de acordo com OLIVEIRA (1995) recuperavam a
economia, mas pioravam o social.
Foi a partir de um encontro denominado Decola Brasil, com total apoio da
burguesia empresarial e num clima de disseminação de horror ao sindicalismo
18
, que
se lançou a candidatura de Fernando Henrique Cardoso à presidência da República.
(OLIVEIRA, 1995)
18
Exemplo dessa reação própria dos seguidores do neoliberalismo, partiu do empresariado nacional contra os
sindicatos quando, (...) Na entrevista que o presidente da General Motors do Brasil deu recentemente, ao tratar
da localização da nova fábrica da empresa, explicitamente ele mandou o recado: a fábrica não será em São
Paulo, nem em São Caetano, tampouco em São Bernardo e muito menos em são José dos Campos. Ela irá para
uma cidade do interior de Minas, porque lá não tem sindicato. (...) (OLIVEIRA, 1995, p. 27)
55
De acordo com (CASTRO e MENEZES, 2003) Fernando Henrique Cardoso
assumiu a presidência, atribuindo aos governos militares e à dívida externa, os
problemas sociais diagnosticados no País. Esta situação teria provocado uma
relação clientelista entre Estado e setor privado, a elevação dos índices
inflacionários e desemprego.
Esse diagnóstico do governo Fernando Henrique Cardoso apontou para a
necessidade de redefinir o modelo ou projeto de desenvolvimento brasileiro na
direção da economia globalizada. Para Inserir o País nesse modelo de
desenvolvimento, de forma autônoma, dois aspectos foram considerados
fundamentais: “O fortalecimento do poder político decisório do país e o
desenvolvimento científico-tecnológico no intuito de capacitar o país para a
competição” (CASTRO e MENEZES, 2003, p.19)
A idéia de um desenvolvimento tecnológico global justifica a inclusão da
Educação como uma das metas prioritárias do programa de governo de FHC, que
lhe confere "relevância discursiva”. (CASTRO e MENEZES, 2003, p. 19). A
educação é considerada pré-requisito para o desenvolvimento de competências
tidas como necessárias à nova ordem econômica global, à “capacitação de recursos
humanos brasileiros tanto para o atendimento da demanda por mão -de -obra
quanto para a habilitação para uma participação política efetiva” (CASTRO e
MENEZES, 2003, p. 20) Ademais, o programa de governo de FHC caracterizava a
educação brasileira como caótica e ineficiente, afirmando-se, à época, que “o
problema em nosso país é que se gastam mal os recursos destinados à educação”
(Cardoso, 1994, p. 110 In: CASTRO e MENEZES,2003, p. 20) Este é o argumento
dos neoliberais para explicar a crise que, segundo estes, enfrentam os sistemas
educacionais de países periféricos. GENTILI (1996), ao analisar criticamente o
56
pensamento neoliberal, mostra o que pensam estes ideólogos sobre a crise
educacional:
“atualmente,inclusive nos países mais pobres, não faltam
escolas, faltam escolas melhores; não faltam professores,
faltam professores mais qualificados; não faltam recursos para
financiar as políticas educacionais; ao contrário, falta uma
melhor distribuição dos recursos existentes.” (GENTILI, 1996,
p. 18)
Assim, os neoliberais atribuem aos sistemas educacionais dos países
periféricos uma crise gerencial, portanto é preciso criar estratégias que viabilizem
“eficiência, eficácia e produtividade” (In: GENTILI, 1996), o que será direcionado
pelos conceitos da teoria da qualidade total.
Foi então nessa perspectiva de eficiência da escola em consonância com os
princípios de uma nova administração pública ancorada na redução de custos,
parcerias público / privado e ênfase nos resultados, que foi direcionada a política
educacional do governo FHC. A administração pública será feita sob o forte controle
do Estado, a partir de suas políticas definidas por especialistas (...), porém realizada
por organizações da sociedade civil, cobradas por sua vez, por meio de resultados.
(SILVA JUNIOR, 2002, p. 47). Durante a gestão de FHC, algumas ações são
direcionadas a pontos específicos da educação por serem considerados mais
problemáticos. Nesse sentido, o Ensino Fundamental, ganha certa ênfase na política
educacional, uma vez que
“os problemas identificados seriam responsáveis pela elevação
das taxas de repetência e evasão, pelos elevados índices de
analfabetismo e pelas distorções na progressão dos alunos,
com grande concentração de alunos no ensino fundamental em
detrimento dos outros níveis.” (CASTRO e MENEZES, 2003, p.
22) (sem grifo no original)
Diante desse diagnóstico, os redatores do programa de governo de FHC,
reiteram a afirmação de que “os problemas a serem enfrentados não seriam a falta
de vagas, a evasão e tampouco a insuficiência de recursos, mas sim a repetência e,
57
sobretudo a má gestão dos recursos financeiros”. (CASTRO e MENEZES, 2003, p.
22) (sem grifo no original)
Para isso propõe “uma atenção prioritária ao ensino fundamental, o que seria
feito por intermédio de uma série de procedimentos” (CASTRO e MENEZES, 2003,
p. 22), entre estes: a descentralização dos recursos, que, segundo seus
propositores, “seria a forma mais eficiente para atender à demanda de
universalização do atendimento do ensino fundamental e das políticas
complementares de assistência aos educandos (eqüalizando oportunidades).”
(CASTRO e MENEZES, 2003, p. 22)
É ainda com o argumento de maior transparência na alocação dos recursos e
maior facilidade no compartilhamento de tarefas entre os diferentes entes federados,
que propõe destinar mais recursos, exclusivamente para a educação fundamental,
para onde houvesse mais alunos matriculados e para Estados e Municípios mais
carentes. Estas são algumas das características do FUNDEF (Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério), criado por
iniciativa do MEC através da E.C 14 e aprovado em setembro de 1996. Com esse
fundo, Estados e municípios tinham reforçada a necessidade de “cumprirem os
dispositivos da constituição de 1988 relativos à vinculação de 25% de suas receitas
de impostos e das que lhes forem transferidas para a manutenção e o
desenvolvimento do ensino, além de obrigar estes entes federados , a partir de
1998, a alocar 60% desses recursos no ensino fundamental, ao estabelecer a
subvinculação de 15% daquelas receitas para esse nível de ensino”. (CASTRO e
MENEZES, 2003, p. 25) Foram criados também outros programas, tais como: em
1995, o PMDE, Programa de Repasse de Recursos diretamente às Escolas, “com o
objetivo de iniciar a correção dos rumos dos mecanismos de transferências de
58
recursos do FNDE (....)”. Este dinheiro era destinado, conforme texto CASTRO e
MENEZES (2003, p. 25) ao atendimento de necessidades imediatas da escola, bem
como à manutenção de projetos de educativos de sua iniciativa. Em 1998, uma
Medida Provisória denomina o PMDE de PDDE (Programa Dinheiro Direto na
Escola).
Seguem–se ações destinadas às questões curriculares, no intuito de “definir
conteúdos curriculares básicos, garantindo uma homogeneidade mínima no país”
(CASTRO e MENEZES, 2003, p. 23) e de avaliação, com a criação de exames
nacionais para “aperfeiçoar o sistema de avaliação do ensino fundamental”
(CASTRO e MENEZES, 2003, p23), como é o caso do SAEB
19
, que já existia desde
1990, para o qual defendeu-se o seu aprimoramento e aperfeiçoamento como um
“mecanismo de monitoramento de desempenho dos alunos, dos professores e do
sistema educacional”. (CASTRO e MENEZES, 2003, p.33)
Como se pode constatar no texto de CASTRO e MENEZES (2003) acerca do
governo Fernando Henrique Cardoso, a educação é tomada como prioridade
estratégica para o desenvolvimento econômico e, em especial, o nível de Ensino
Fundamental. Assim destaca-se no documento:
“Sendo a educação considerada um dos setores estratégicos
para dar suporte ao sucesso do novo modelo de
desenvolvimento, destaca-se a necessidade de universalização
do acesso à educação básica no intuito de atenuar as
conseqüências advindas da baixa qualificação da mão-de-obra,
sobretudo a elevação dos índices de exclusão social e as
baixas produtividade e competitividade dos setores produtivos
nacionais. Essas prioridades eram inspiradas pela necessidade
de melhorar a competitividade da economia nacional, reduzindo
o chamado Custo Brasil por intermédio do investimento em
educação básica e ciência e tecnologia. Nesse contexto, a
educação seria um importante fator gerador de
desenvolvimento econômico, social e político, com efeitos na
‘promoção da cidadania e na capacitação de recursos
19
SAEB: Sistema de Avaliação da Educação Básica, exame realizado desde 1990, verificando o desempenho
dos estudantes de 4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e 3ª séries do Ensino Médio, nas disciplinas de Português
e Matemática, a cada dois anos.
59
humanos’ “(Brasil, 1996a, p. 36. In: CASTRO e MENEZES,
2003, p. 26)
A racionalização de gastos e a descentralização são os procedimentos que
garantiriam a modernização da gestão e a redução das desigualdades regionais. A
exemplo do ocorrido no Governo Itamar Franco, também neste a merenda escolar é
alvo da descentralização. Esta ação foi compreendida como “um reforço da
autonomia da unidade escolar (...), uma vez que se deslocam para a ponta do
sistema as responsabilidades e tarefas de compra, armazenamento, preparo e
distribuição dos gêneros alimentícios”.(CASTRO e MENEZES, 2003, p. 26)
Também nesse governo foi criada uma série de programas compensatórios,
com a finalidade de atingir áreas denominadas “bolsões de pobreza”. Estas áreas
eram selecionadas pelo Programa Comunidade Solidária, que averiguava e
selecionava os mais pobres entre os pobres, destinando a estes outros programas
de alocação de recursos federais, tais como: Projeto Nordeste; Fundescola do
Ministério da Educação e Cultura
20
; PNTE, Programa Nacional de Transporte
Escolar, PNSE, Programa Nacional de Saúde Escolar; PNME, Programa Nacional
de Material Escolar e o Programa de Garantia de Renda Mínima, o Bolsa Escola,
criado em 1999, conta com parceria das prefeituras principalmente no que refere-se
ao cadastramento das famílias e consiste na garantia de renda mínima condicionada
à freqüência da criança à escola.
No Programa de Governo de Fernando Henrique Cardoso, analisado pelos
pesquisadores do IPEA, está clara a opção pelas políticas de focalização, estas que
descartam a universalização das políticas e ações do Poder Público, substituindo-as
pelo atendimento à demanda considerada mais carente de determinado serviço ou
20
Para os Estados da região norte, nordeste e Centro-Oeste, que prevê um conjunto de ações para melhoria da
qualidade do ensino fundamental e ampliação do acesso e permanência das crianças na escola, seus recursos
advém do governo federal, estados e empréstimos do Banco Mundial.
60
ainda, transferindo a responsabilidade para outras instâncias da sociedade, como as
ONG’s
21
. Na análise do IPEA sobre os planos de governo dos presidentes dos anos
90, destaca-se sobre a focalização que
“Havia nos anos 1990 uma corrente de opinião que defendia a
eliminação da universalização do atendimento das políticas
públicas e sociais, substituindo este procedimento pela
focalização, ou seja, priorizando e dando exclusividade ao
atendimento de um público que se pressupõe efetivamente
necessitado destas políticas. Dessa maneira, ao invés da
universalização as ações deveriam se focalizadas em regiões e
grupos mais carentes. A alocação dos recursos seria vinculada
ao atendimento de determinados programas, e estes, por sua
vez, seriam dirigidos para problemáticas e públicos
específicos”. (CASTRO e MENEZES, 2003, p. 29)
Mas, focalização no âmbito das políticas públicas e sociais não é um conceito
novo, é uma retomada das políticas educacionais defendidas pela CEPAL
(Comissão Econômica para a América Latina) para a os países latino-americanos já
na década de 60. A idéia de focalização propõe a racionalização dos gastos
públicos, uma vez que, segundo a CEPAL, apesar dos grandes investimentos em
políticas sociais, “os resultados dos mesmos são precários e não favorecem os
pobres” (in: VIEIRA, 2001, p. 71)
É ainda nessa perspectiva que as políticas de universalização e igualdade
são substituídas pelo conceito de eqüidade
22
; os direitos pelas oportunidades;
21
Ilustra esta afirmação o próprio discurso de FHC, no livro organizado Reforma do Estado e Administração
Pública Gerencial, organizado por Bresser Pereira e Peter Spink (1998) e editado pela Fundação Getúlio Vargas,
diz ele: (...) Hoje, para usar a expressão de Manuel Castells, sociólogo espanhol que eu prezo muito, as
organizações ‘não-governamentais’ passaram a ser ‘neogovernamentais’. Esta é uma realidade, uma forma de
interação que tem que ser absorvida tanto pelas ONGs quanto pelo Estado. (SILVA JUNIOR, 2002, p. 46)
22
Pablo GENTILI (1996) alerta que este termo, freqüentemente usado pelos tecnocratas e políticos neoliberais e
presente em documentos do Banco mundial e FMI, se contrapõe, no discurso neoliberal, a igualdade. Este
conceito admite uma diferença natural entre as pessoas e, portanto, seria justo respeitar essas diferenças, ou seja,
cabe ao sistema justo promover as diferenças produtivas entre os indivíduos. A igualdade seria, segundo os
neoliberais, uma prática política arbitrária que fere a individualidade. GENTLI destaca que, para estes a vida e,
por conseguinte a escola deve ser pensada como um jogo de baccarat. Nas palavras do próprio Friedman “As
pessoas que resolvem jogar podem iniciar a noite com pilhas iguais de fichas, mas, à medida que o jogo continua
as pilhas tornam-se desiguais. Ao fim da noite, algumas serão vencedoras e, outras, grandes perdedoras. Em
nome do ideal de equidade, deveriam as vencedoras compensar as perdedoras? Isso tiraria toda graça do jogo.
Nem mesmo as perdedoras gostariam disso. Poderiam apreciar o fato numa noite, mas voltariam a jogar se
soubessem que, o que quer que acontecesse, acabariam exatamente onde haviam começado?”(Friedman,
1980:142-43. In: GENTILI, 1996, p. 44) Nesse sentido, pode-se afirmar que, para os neoliberais, as
61
conceitos essencialmente antagônicos. As políticas de cunho economicista justificam
que
“a diretriz da igualdade, cuja integração nacional constitui a
motivação do esquema institucional dos países comportou
avanços insuficientes. Nesse sentido é que se introduz um
novo objetivo – a competitividade – uma diretriz política
adicional – o desempenho e um componente do esquema
institucional – a descentralização. É essa matriz de
pensamento que dá substância à proposta de eqüidade, novo
parâmetro a se firmar no cenário da concepção de políticas
públicas, não mais orientadas por uma ótica universalista, mas
focalizada (...) (VIEIRA, 2001, p. 70)
Parte-se, então, da idéia de que os mais pobres têm um déficit que precisa
ser compensado, através de intervenções de ordem técnica e programas
específicos. Dissolve-se o problema mais amplo de uma sociedade divida em
classes, com interesses antagônicos e relações específicas de poder em problema
de ordem técnico-burocrático, pois acredita-se que “ (...) o problema diz respeito
somente a uma minoria em desvantagem; que o pobre é diferente da maioria em
termos de cultura ou atitudes; e que a correção da desvantagem na educação é um
problema técnico (...) ” (CONNELL. In: GENTILI, 1995, p. 16 ) Assim, nada se
propõe para atacar “as causas estruturais da pobreza” (GENTILI,1996, p. 41)
É esse o encaminhamento das políticas dos governos brasileiros dos anos 90,
fundamentados na concepção de redução do Estado na efetivação dos serviços
públicos e nos direitos dos cidadãos. A situação segue-se tão caótica que as
reivindicações dos movimentos sociais ampliam cada vez mais a pauta de suas
reivindicações pelo país afora. E, apesar de haver movimentos de resistência, esta
oportunidades estão dadas no mercado educacional, basta que o indivíduo direcione adequadamente suas
aptidões e competências, a fim de alcançar seus objetivos.
62
política tem estratégias sutis para fragmentar inclusive a possibilidade de
organização dos trabalhadores.
Estas estratégias, bem articuladas a uma concepção de Estado mínimo
23
, são
muitas vezes incorporadas pelos gestores das diferentes unidades da federação e
seguidas à risca, servindo de “modelo” para o restante do País. As ações, de acordo
com as premissas do neoliberalismo, são implementadas em todas as áreas de
atuação do Estado, que se torna mínimo na sua função pública, mas forte no
controle central para promover a acumulação do capital. Por outro lado, houve
tentativas de resistência a esse modelo por parte de alguns, que procuraram
implementar políticas numa direção de ampliação dos direitos, ainda que dentro dos
limites da sociedade capitalista. Uma dessas tentativas de alargamento dos direitos,
no campo da educação é descrita por MAINARDES (2005), ao expor o exemplo da
implantação da organização escolar em ciclos pelas gestões petistas, que viam
nesta forma uma possibilidade de democratização da educação para as camadas
populares, excluídas desse direito, em virtude, principalmente, de uma concepção de
sociedade pautada no privilégio e de uma avaliação escolar seletiva e excludente,
própria do modelo seriado.
Essa versão progressista de organização escolar em ciclos, de acordo com
MAINARDES (2005) teria sido influência da reforma educacional francesa. Alguns
trechos do principal documento desta reforma foram incorporados na ”exposição de
motivos do Regimento Comum das escolas de São Paulo, em 1991” (MAINARDES,
2005, p. 10), para a implantação desta organização escolar que ocorreu em 1992.
O mesmo autor destacou ainda que esta versão progressista foi responsável
pela primeira experiência do que se denominou organização em Ciclos de
23
Estado Mínimo: A partir dos anos 90, a redução das funções do Estado, com a retirada gradativa, mas intensa,
do poder público da manutenção de serviços públicos como educação, saúde, habitação, etc. É o Estado mínimo
no financiamento dos serviços públicos.
63
Aprendizagem, no Brasil, por iniciativa de uma gestão do Partido dos Trabalhadores,
em São Paulo, no ano de 1992. Assim, em virtude desta e de outras experiências do
PT com esta organização escolar, os ciclos foram implantados de forma similar em
outras cidades e passaram a ser “uma espécie de ‘marca registrada do PT,
entendida como uma medida essencial para superar o fracasso escolar e uma
oportunidade de construir um projeto alternativo de educação.” (MAINARDES, 2005,
p.10) De acordo com o autor, esta versão progressista previa a “continuidade dos
alunos no processo de aprendizagem (...) como um dos princípios centrais da
política e outros princípios foram incluídos: os ciclos como uma forma de diminuir a
seletividade e exclusão e uma alternativa de democratização da escola e do acesso
ao conhecimento.” (MAINARDES, 2005, p. 10)
Estas iniciativas tanto serviram de “modelo” para outras redes de ensino,
como foram também incorporadas pelo discurso oficial nacional, propondo-se nos
textos legais a possibilidade da organização escolar em ciclos, como suposta
superação para o modelo seriado, que é incentivada via legislação e políticas
curriculares. É o que constatamos em nossa LDB 9394/96, no artigo 23, ao tratar da
organização da Educação Básica, que, segundo FERNANDES (2005) recupera de
certa forma as experiências de organização mais flexível da educação, proposta por
governos de cunho progressista nos anos 80, com os Ciclos Básicos de
Alfabetização.
A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos
semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos
não-seriados, com base na competência e em critérios, ou por forma
diversa de organização, sempre que o interesse do processo de
aprendizagem assim o recomendar.
64
Esta organização em ciclos é reforçada pelo artigo 24, inciso V, ao se propor
uma avaliação de caráter processual e contínuo, com prevalência dos aspectos
qualitativos sobre os quantitativos, aspectos em geral negados no ensino seriado.
Nos PCNs
24
– Parâmetros Curriculares Nacionais, implementados no governo
de Fernando Henrique Cardoso, se defende que a organização em ciclos é a mais
adequada “ao tempo de evolução das aprendizagens e a uma organização curricular
mais coerente com a distribuição dos conteúdos ao longo do período de
escolarização.” (BRASIL, 1996, p. 16) Este documento, que pretendia ser um
parâmetro e não uma obrigatoriedade, torna-se a referência curricular nacionalmente
exigida. O balizador do cumprimento desta política curricular centralizadora era o
exame nacional da Educação Básica, implementado no ano 1990 e realizado a cada
dois anos.
Nos anos 90, de acordo com FERNANDES (2005) a concepção de uma
escola em ciclos no Brasil incorpora contribuições de autores como Perrenoud e
Coll. Estas experiências internacionais de organização em ciclos passam a ser
divulgadas, principalmente por estes dois autores, através de palestras e até de
assessorias às políticas curriculares do MEC. Coll e Perrenoud são apontados como
os intelectuais que teriam conduzido o aparato teórico curricular durante o governo
de Fernando Henrique Cardoso, com a instituição dos PCNs. De acordo com
SAVIANI (1999) a reforma espanhola
25
, da qual César Coll foi um dos principais
24
SAVIANI (1999) esclarece que os PCNs foram parte integrante de medidas reformistas do governo Fernando
Henrique Cardoso, quando anunciou já no início de sua gestão, os cinco pontos do Projeto Acorda Brasil, está na
hora da escola. Os cinco pontos do programa consistiam em: 1)dinheiro do ensino básico diretamente para as
escolas; 2) valorização do professor, preparando-o para ensinar melhor, via Sistema Nacional de educação a
distância / televisão educativa – um aparelho de TV em cada escola oficial; 3) melhoria da qualidade do material
didático – livros de acordo com as necessidades dos alunos; 4)definição do conteúdo do ensino- matérias
obrigatórias em todos os Estados; 5) avaliação das escolas – aplicação de testes em todos os alunos e premiação
das escolas com melhores resultados. (SAVIANI, 1999, p. 21-28)
25
Jurjo Torres Santomé, participou inicialmente do grupo responsável pela reforma educacional na Espanha, que
se consolidou em 1990 com a aprovação da LOGSE (Lei Orgânica do Sistema Educacional). Este pedagogo
espanhol concedeu uma entrevista, onde critica esta reforma por sua aproximação crescente com o
65
formuladores, teria sido a referência para a reforma desejada por FHC para a
Educação brasileira. Sobre a influência de Perrenoud DREYER e RISCHBIETER
(s/d) afirmam em artigo publicado no portal “Aprende Brasil” que seu pensamento
serviu de base para os novos PCNs e o Programa de Formação de Professores
Alfabetizadores (PROFA), estabelecidos pelo MEC, durante o governo de FHC.
Sobre a estrutura dos ciclos proposta nos PCNs
26
, SAVIANI (1999) destaca
que o Ensino Fundamental foi organizado em quatro ciclos, com duração de 2 anos
cada, conforme as faixas etárias. Assim, para o primeiro segmento do Ensino
Fundamental a organização era a seguinte: primeiro ciclo, o correspondente às
primeiras e segundas séries e segundo ciclo, o correspondente às terceiras e
quartas séries; e assim sucessivamente.Para os conteúdos indicava-se uma certa
hierarquia, considerando conteúdos de algumas áreas do conhecimento como
essenciais e outros como secundários. Assim, para o primeiro ciclo, priorizavam-se a
aprendizagem da língua escrita e da matemática, secundarizando-se conteúdos de
ciências, história, geografia, arte e educação física. Para o segundo ciclo, aposta-se
numa maior autonomia e domínio mais competente da leitura e escrita, o que
possibilitaria às crianças utilizarem estes “instrumentos” para a aprendizagem de
conteúdos das demais áreas do conhecimento.
SAVIANI (1999) critica esta organização porque, não há rompimento com a
lógica da seriação. Para a autora, ao dividir os oito anos do ensino fundamental em
neoliberalismo e explica sua retirada do grupo, por discordar dos encaminhamentos de negação do caráter
público da educação. Assim, ele, José Gimeno e Angel Perez, os únicos pedagogos do grupo foram excluídos do
debate, que foi conduzido pelos psicólogos da equipe: César Coll, Álvaro Marchesi e Jesus Palácios. Santomé
destaca que, desde então, a educação foi tomada por uma visão tecnocrática e de psicologização dos problemas
sociais, “era como se a psicologia e mais concretamente o construtivismo, fosse a pedra filosofal que iria
resolver todos os problemas do sistema educativo”. Apontou ainda problemas como a ausência de financiamento
para a educação e a destinação do pouco dinheiro que havia para a “oficialização do construtivismo psicológico”,
através de um programa de capacitação de professores, sob a responsabilidade do MEC, que nada contribuiu
com a formação base dos mesmos. (SANTOMÉ, 2004)
26
Na versão introdutória de novembro de 1995, analisada por Nereide Saviani (1999).
66
quatro ciclos, com a mesma duração, os PCNs não superam a idéia de seriação. O
que os torna ciclos será o fato de aumentar, para dois anos, o prazo para
aprovação/retenção? Neste caso, serão os ciclos, séries de dois anos? (SAVIANI,
1999, p. 24)
Embora defensor da escolaridade em ciclos, o próprio Perrenoud
27
, alerta que
há “reformas que não mudam quase nada” e “em certos sistemas, a criação de
ciclos de aprendizagem plurianuais está muito banalizada. Tudo se passa como se
fossem instituídos ciclos, porque os outros sistemas o fazem ou têm isso em vista.
Mais vale, escolher ciclos curtos e insistir na continuidade das práticas.”
(PERRENOUD, 2004, p. 75) Nesse sentido, chama a atenção ainda para outro
aspecto voltado a implantação de ciclos que ”sem nada mudar nos funcionamentos,
pedagógicos e didáticos, na avaliação, concepção dos objetivos, na cooperação
entre os professores, pode agravar as desigualdades, devido à própria dilatação dos
prazos.” (PERRENOUD, 2004, p. 26)
As críticas a Perrenoud se sustentam por sua defesa à pedagogia das
competências, que vem sendo incorporadas principalmente nas propostas de ciclos
de aprendizagem. Para KUENZER (2002)
O autor não diferencia o conhecimento tácito, derivado da articulação
entre saberes diversos e experiência laboral, ou conhecimento de
senso comum, onde ciência e tecnologia se mesclam, de
conhecimento teórico, daí o dilema: é preciso tempo para que esta
articulação de dê; ele não questiona, contudo, se o tempo de
permanência na escola, e mesmo se o espaço da escola, permitem
esta articulação.” (KUENZER, 2002, p. 5)
Para KUENZER, a teoria das competências proposta por Perrenoud, esvazia
a escola de sua função social, prejudicando particularmente a classe trabalhadora,
ou seja: atribuir à escola a função de desenvolver competências é desconhecer sua
27
Perrenoud trabalha com a idéia de ciclos plurianuais, centrados na idéia de uma pedagogia diferenciada, que
atenderia os diferentes ritmos de aprendizagem dos alunos.
67
natureza e especificidade enquanto espaço de apropriação do conhecimento
produzido, e portanto, de trabalho intelectual com referência à prática social, com o
que, mais uma vez, se busca esvaziar sua finalidade (...). (KUENZER, 2002, p11)
Já César Coll é qualificado por GENTILI (1996) como um dos grandes
intelectuais que vem disseminando as idéias neoliberais, no campo educacional, via
reformas curriculares. Para GENTILI (1996), o professor César Coll faz parte de uma
classe de novos intelectuais transnacionalizados, (...), assíduo
colaborador de alguns governos neoliberais latino-americanos (entre
eles os da Argentina e do Brasil) e ideólogo da reforma espanhola
implementada nos anos 80 e 90. Essa reforma é habitualmente
apresentada pelas burocracias ministeriais de nossos países como
modelo e exemplo de reestruturação exitosa no campo educacional,
embora na própria Espanha, esteja sendo submetido a uma profunda
crítica e a um rigoroso balanço, cujos resultados não parecem ser
dignos de inveja. (GENTILI, 1996, p. 44)
É interessante destacar que na década de 90, de acordo com os dados
estatísticos do INEP (1990 a 2003), as reprovações no Ensino Fundamental,
concentram-se principalmente nas 1ª e 5ª séries. Pode-se inferir ainda que, a partir
de 1996, com a aprovação da LDB e as diferentes políticas para a adequação idade-
série implementadas pelo país, houve uma redução das reprovações nas 1ª séries,
porém uma ampliação nas reprovações de 5ª a 8ª (anexo 1), o que parece indicar
que as reprovações foram lançadas para as séries posteriores do ensino
fundamental e que a eliminação das reprovações nas séries ou etapas anteriores
não significou uma ampliação da aprendizagem. Isso não significa uma rejeição à
eliminação das reprovações, mas compreende-se que esta medida deve estar
acompanhada de ações político-pedagógicas que de fato possibilitem a ampliação
da aprendizagem das crianças, filhas dos trabalhadores, que freqüentam a escola
pública.
Nesse período de alterações nas políticas educacionais, incluindo os embates
em torno de diferentes projetos que partiam de demandas da sociedade civil e de
68
imposições do MEC, como é o caso da LDB e do Plano Nacional de Educação,
tinham como “pano de fundo” importantes alterações na concepção de Estado, além
de acordos internacionais com as agências multilaterais, que estabeleciam
exigências em todos os setores, para liberar os financiamentos para os países
signatários. No bojo das exigências para um Estado mais enxuto, estava a redução
das reprovações, pelo elevado gasto de recursos públicos que representam.
No relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre educação
para o século XXI
28
, a comissão destaca sua preocupação com o “insucesso
escolar’, que se apresenta de diferentes formas: “sucessivas repetências, abandono
durante os estudos, marginalização para cursos que não oferecem reais
perspectivas e, no fim de contas abandono da escola sem qualificações nem
competências reconhecidas.” (DELORS, 1998, p.147) Este “insucesso escolar” é
classificado pela comissão como “um gerador de exclusão” (DELORS, 1998, p. 147).
Entende-se que há nesta conclusão uma inversão de causa e efeito afinal, o
“insucesso escolar” já é uma conseqüência da exclusão do acesso ao saber escolar
sistematizado. Esta exclusão é resultado da ausência de políticas púbicas que
possibilitem o avanço intelectual da classe trabalhadora e, conseqüentemente, de
sua organização para superar a exploração. A expressão “insucesso escolar”
individualiza o sucesso ou o fracasso e, mais uma vez, responsabiliza o indivíduo e
não o poder público.
Nessa mesma linha, a comissão continua a omitir a responsabilidade do
Poder Público, a fim de que se possa
“(...) romper com o círculo vicioso da pobreza e da exclusão”:
28
O Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, foi construído no período de março
de 1993 a setembro de 1996. A sua edição no Brasil contou com o apoio do Ministério da Educação e Cultura. O
próprio Ministro da educação à época, Paulo Renato de Souza, fez a apresentação da edição brasileira.
Salientava, na apresentação, que o Relatório Jacques Delors era “ uma contribuição impar a revisão crítica da
política educacional de todos os países”.
69
1- (...) que se faça diagnóstico das dificuldades dos alunos mais novos,
muitas vezes ligadas à sua situação familiar
e pela adoção de políticas de
discriminação positiva em relação aos que apresentam maior número
delas. (sem grifo no original)
2- Pode-se pensar na organização de sistemas de apoio em todos os
estabelecimentos de ensino: criar percursos de aprendizagem mais
suaves e flexíveis para os alunos que estiverem menos adaptados ao
sistema escolar, mas que se revelem dotados para outros tipos de
atividades. O que supõe, em particular, ritmos especiais
de ensino e
turmas reduzidas. (sem grifo no original) (DELORS, 1998,147)
Embora o discurso tenha conotação de positividade, o contexto comprova
como estas idéias adquirem forma conservadora no concreto real. Segundo a
própria comissão, “o insucesso atinge todas as categorias sociais, embora os jovens
oriundos de meios desfavorecidos lhe sofram as conseqüências de uma maneira
especial” (DELORS, 1998,147). Sugerem então, para os filhos da classe
trabalhadora, “percursos mais suaves de aprendizagem” eritmos especiais de
ensino”, o que, como temos observado, vem repercutindo em formas de aceleração
de estudos e conseqüente redução de conteúdos e aprendizagens aos filhos da
classe trabalhadora, além do que, em muitos casos, reduz-se inclusive o período de
freqüência ao nível de ensino considerado obrigatório na legislação educacional,
como é o caso da correção de fluxo, vivenciada no Estado do Paraná.
A partir das análises até aqui apresentadas, pode-se inferir que a versão
progressista dos ciclos implementada pelas gestões progressistas, foi subtraída por
administrações conservadoras, tendo seu conteúdo incorporado, porém de forma
resignficada conforme os interesses hegemônicos. A discussão até agora
apresentada possibilita ainda melhor compreensão do significado das políticas
implementadas nas duas gestões de Cássio Taniguchi, na prefeitura de Curitiba, na
década de 90, entre estas, a organização em ciclos de aprendizagem.
70
2.2 - A CONCEPÇÃO DE ESTADO, NA GESTÃO TANIGUCHI
Cássio Taniguchi, do Partido da Frente Liberal (PFL) assumiu a prefeitura de
Curitiba para a gestão de 1997 a 2000, sendo reeleito para mais um mandato, de
2001 a 2004. Para analisar a concepção de Estado que direcionou as políticas
educacionais de seu governo, é fundamental recuperar, ainda que brevemente, as
conexões com outros representantes do mesmo grupo político e as resistências que
se opunham a este. Esta gestão, ora denominada lernismo
29
, tem características
específicas que constituem um modelo de cidade voltado especialmente para a
urbanização, na ótica das elites, o que é analisado criticamente por SÀNCHEZ
(2003) ao dar destaque à construção da cidade-mercadoria, como estratégia para a
reprodução do capitalismo na sua fase atual. Esse processo encontra “na mídia e
nas políticas de city marketing importantes instrumentos de difusão e afirmação”
(SÀNCHEZ, 2003, p. 148). Pode-se afirmar que, além da mídia, utilizam-se outras
instâncias, como o discurso pedagógico / educacional, para garantir a construção e
legitimidade desse modelo de cidade.
É também característica do lernismo, uma agudização do caráter
mercadológico atribuído à cidade, nos anos 90, em especial no âmbito educacional,
através de processos de centralização da gestão e privatização, como destaca
TAVARES (2004).
Faz-se necessário resgatar historicamente as gestões anteriores, uma vez
que a política implementada nos anos 90 é síntese de relações políticas mais
amplas, que podem ser interpretadas e assimiladas (ou não) de formas distintas
pelos Estados nacionais. Além de apresentar-se com continuidades e rupturas, no
29
Lernismo, termo utilizado por SÀNCHEZ (2003), em análise da urbanização das cidades de acordo com o
modelo de mercantilização, para referir-se a gestão e projeto de Jaime Lerner e seus seguidores, Rafael Greca e
Cássio Taniguchi, em Curitiba; e por Tais Moura Tavares (2004), da UFPR, como categoria de análise, ao
desenvolver tese acerca das políticas direcionadas à Gestão Pública do sistema de ensino no Paraná (1995 –
2002), durante o Governo de Jaime Lerner.
71
movimento contraditório do próprio capitalismo, com recuos e avanços no que se
refere aos anseios e necessidades da classe trabalhadora, de acordo com as
possibilidades de resistência ou transgressões aos ditames do capital.
SÀNCHEZ (2003) ao recuperar historicamente a construção desse modelo de
cidade, mostra que o mesmo foi garantido e efetivado pela continuidade político-
administrativa na condução da cidade, tanto no âmbito do poder municipal quanto do
estadual, sendo interrompido apenas na década de 80, quando a oposição assumiu
o poder.
Destaca a autora que “à época do chamado milagre econômico, durante o
governo militar, a cidade de Curitiba foi escolhida como vitrine urbana do Brasil
desenvolvido e moderno. [Era esta] a versão urbana do milagre econômico.”
(SÀNCHEZ, 2003, p. 152)
Afirma ainda a autora que, na década de 60, Curitiba teve a maior taxa de
crescimento populacional do País, conforme dados do IBGE de 1970,
aproximadamente 5% ao ano. A mecanização da agricultura foi a motivação mais
incisiva para a migração campo-cidade, fator que determinou também o plano de
urbanismo traçado no ano de 1965, aprovado em 1966. O plano tinha como eixos o
transporte coletivo, padrões de uso do solo, altura de edificações, atividades
permitidas e industrialização, com a criação da CIC, Cidade Industrial de Curitiba,
além de delimitação do Centro histórico da cidade, criação de parques urbanos e da
primeira rua para pedestres do Brasil, a “Rua das Flores” (SÀNCHEZ, 2003). A
imagem da “Curitiba - Modelo” (SÀNCHEZ, 2003), com características associadas à
“inovação, modernidade, eficiência, simplicidade, baixo custo e preocupação com o
meio ambiente” (SÀNCHEZ, 2003, p. 155) começa a se configurar no cenário
nacional. Esse projeto atendia interesses das elites do planejamento urbano e dos
72
empresários que, se não eram plenamente atendidos, ao menos não enfrentavam
empecilhos, pois “a negociação e a acomodação das pautas das políticas urbanas
de modo a privilegiar o atendimento aos interesses dominantes ou, ao menos, não
interferir em tais interesses, parece ter sido a base das sucessivas decisões na
esfera do planejamento até o presente” (SÀNCHEZ, 2003, p. 158)
Na década de 60, de acordo com SOARES (2003) a educação municipal não
contava com um órgão específico, fazia parte da responsabilidade do Departamento
de Bem Estar Social. O departamento de educação foi criado na década seguinte,
entretanto sem caráter propositivo, mas com papel de executor. A concepção de
educação que se imprimiu à educação era o tecnicismo pedagógico, que, a exemplo
da fábrica, enfatiza o gerenciamento e a produtividade, busca extrema
previsibilidade dos resultados através de currículo e avaliações padronizadas e de
caráter fiscalizador e também dos treinamentos, que indicavam “como ensinar”, sob
a responsabilidade da Divisão de Treinamento Pedagógico, para obtenção dos
resultados almejados.
A concepção piagetiana orientava o currículo adotado em 1977, na Rede
Municipal de Curitiba e, de acordo com DALLA-BONNA (1990. In: SOARES, 2003, p.
75), este se justificava “pela necessidade de adequar o ensino aos interesses
individuais dos alunos”, portanto,
“evidenciava-se que a concepção de educação, deste
momento, pautava-se numa compreensão que limitava o
entendimento do papel da escola à sua dimensão
conservadora das relações sociais estabelecidas, na medida
em que, parecia não haver uma preocupação por parte das
diferentes administrações municipais, em definir políticas que
pudessem orientar as ações da Rede Municipal de Ensino de
Curitiba na direção de um ensino de qualidade comprometido
com os interesses da maioria da população, (...) à qual esta
Rede pública, em expansão, passava a atender cada vez em
maior quantidade.” (SOARES, 2003, p. 75)
73
A Administração lernista inicia quando Jaime Lerner assume o governo
municipal de 1971 a 1975, por indicação da ARENA (Aliança Renovada Nacional),
sendo seguido por Saul Raiz, também da ARENA e do mesmo grupo político, de
1975 a 1979, retornando à prefeitura da cidade de Curitiba no período de 1979 a
1982. É nesse período que toma corpo o projeto de planejamento urbano da cidade,
que contou com financiamentos dos governos federal e estadual e do Banco Mundial
(SÀNCHEZ, 2003). Entretanto, esse projeto é interrompido no início dos anos 80
30
,
quando
“os movimentos sociais de bairro e os movimentos sindicais
tiveram emergência e fortalecimento como atores coletivos em
Curitiba, questionando as políticas urbanas relativas à
habitação, ao transporte público e ao saneamento.
Construíram, na época, relações políticas que foram
capitalizadas pela oposição para desestabilizar a hegemonia da
coalizão local da década anterior” (SÀNCHEZ, 2003, p. 161)
Por indicação de José Richa, primeiro governador eleito após a ditadura,
Maurício Fruet (PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro), do partido
de oposição a Lerner, assumiu a prefeitura em 1983. Depois da ditadura e no
período de redemocratização do País, quando ocorreu a primeira eleição direta para
as prefeituras, venceu Roberto Requião, também do PMDB (1985-1988), que
também fazia oposição a Lerner. (SÀNCHEZ, 2003)
É justamente no período de oposição ao lernismo, com nova composição no
Departamento de Educação, que se iniciam e consolidam as discussões em torno do
30
Não se pretende um destaque às personalidades políticas da época, mas à importância do momento político
que representavam, ou seja, de transição do período autoritário para a democracia, trazendo consigo uma
conotação de política pública e de possibilidades para os movimentos sociais conquistarem direitos. Não se
pretende tampouco passar uma compreensão de que os anos 80 estariam isentos de contradições. Pelo contrário,
de acordo com COSTA (2001) houve, no Brasil, uma “transição sem ruptura: ascensão ao poder de grupos
oposicionistas associados a outros oriundos dos esquemas de poder anteriores, que terminaram por herdar-lhes
também boa parte de seus métodos eivados de favorecimentos e relações (...), clientelísticas e corruptas de toda
sorte".(COSTA, 2001. In: GENTILI, 2001, p. 48)
74
Currículo Básico para a Escola Pública Municipal, em Curitiba, visando uma escola
direcionada às necessidades da classe trabalhadora, negando a suposta
neutralidade política em nome da tecnocracia
31
, almejada pelo grupo lernista.
O aumento populacional, motivado pela industrialização provoca a migração
das pessoas do meio rural para o urbano e, em Curitiba, evidencia-se o crescimento
populacional da periferia, exigindo ampliação da Rede Municipal de Ensino. Mas,
para além do desafio da democratização do acesso, havia outro: o rendimento
escolar, pois de acordo com CAMPOS (1993. In: SOARES, 2003, p. 79) “de cada
cem alunos que ingressavam na 1ª série do 1º grau, apenas quarenta crianças
alcançavam a 8ª série.”
Discussões em torno da função da escola pública são iniciadas e, “com
relação à concepção de educação vigente no período da gestão Fruet, parece ter
sido este um período de transição, pois a aproximação com a Pedagogia Histórico-
Crítica se dá, ainda permeada, de certa forma, pelas influências escolanovistas e
tecnicistas.” SOARES (2003, p. 80)
É também SOARES (2003) que destaca nesse período, estratégias de
formação de professores que rompem com a perspectiva de mero treinamento do
grupo lernista. Havia, por exemplo, além dos cursos ao longo do ano, as chamadas
“Semanas Móveis” e Seminários Municipais de Educação, previstos em calendário,
com dispensa de alunos, para participação obrigatória dos professores. Entretanto,
havia limites no que tange à concepção, os professores ainda não relacionavam os
conteúdos teóricos à sua prática pedagógica, “uma vez que os cursos oferecidos
31
Essa negação da política (como se fosse possível) em nome da tecnocracia se dá principalmente após a Guerra
Fria entre Estados Unidos e União Soviética, sustentando–se na idéia de que o mundo já não apresenta uma
divisão ideológica (entre capitalismo e socialismo), mas tecnológica, em virtude dos processos de globalização.
Assim defende JEFFREY SACHS, em The Economist, citado no artigo “A era pós-industrial, a sociedade do
conhecimento e a educação para o pensar”, por Elian Alabi LUCCI, escritor de livros de geografia para o Ensino
Fundamental. Jeffrey Sachs é um economista norte-americano, consultor especial do secretário geral do ONU.
75
não se pautavam pela indissociabilidade entre teoria-prática”. (SOARES, 2003, p.
83)
No período de 1986 a 1988, na Gestão de Roberto Requião
32
, o
Departamento de Educação é transformado em Secretaria Municipal de Educação.
A equipe que se encontrava à frente da Secretaria priorizou, então, a elaboração de
um Currículo Básico, que vinha se desenhando desde a gestão anterior, através dos
momentos de formação e do Jornal Escola Aberta, de conteúdo pedagógico,
enviado às escolas, o que, destaca SOARES (2003), favorecia a comunicação entre
a Secretaria Municipal de Educação e os professores.
SOARES (2003) destaca ainda que aliada à elaboração do Currículo Básico,
foram implementadas algumas medidas que garantiriam a efetivação da unidade
teórica e direção político-pedagógica, tais como os assessoramentos por área do
conhecimento e uma importante conquista do magistério municipal: a hora
permanência remunerada, ou seja, 20% da carga horária do professor destinada a
estudo e planejamento, que foi garantida com a ampliação do quadro docente.
É explícita e enfática no Currículo Básico a concepção que se pretendia
unitária para a Rede, assumida pela Secretaria Municipal de Educação, em favor da
classe trabalhadora: “a educação pública se destina à maioria da população, filha de
trabalhadores, com interesses sociais específicos. A estes interesses a escola e o
professor devem dar uma resposta.” (CURITIBA, 1988, p. 27)
Na gestão Lerner, de 1989 a 1992, como é de praxe, nas mudanças de
governo, outro grupo assume a Secretaria de Educação e foi realizada a primeira
reescrita do Currículo Básico, mantendo-se ainda aproximações com a Pedagogia
Histórico Crítica, mas mesclando-se com o construtivismo piagetiano e “sutilmente
32
Nessa gestão começam os estudos sobre Ciclo Básico de Alfabetização, que não chegaram a ser implantados.
76
se inicia o rompimento com o que foi decisivo na década anterior: a participação
efetiva dos profissionais da Rede na discussão curricular, acompanhada de um
processo sistemático de qualificação centrado em uma reflexão teoricamente
fundamentada sobre a prática didática” (SOARES, 2003, p. 103)
Na gestão subseqüente, 1993 a 1996, de Rafael Greca, que fazia parte do
mesmo grupo, o Currículo é reeditado com alterações que o fragilizam e
comprometem teórica e politicamente em relação ao seu contexto de elaboração
inicial, na década de 80. Essa gestão é caracterizada principalmente por obras,
direcionadas à Educação, que veiculavam e registravam a administração de Rafael
Greca: os Faróis do Saber, bibliotecas sem acervo próprio, que retiraram o acervo
das próprias escolas e recebiam doações da comunidade; o Livro Lições
Curitibanas, livros didáticos que procuravam aliar conteúdos curriculares a
elementos culturais da cidade de Curitiba, destinados a cada aluno da Rede, de
acordo com a série; além de projetos de divulgação de aspectos históricos e
culturais da cidade. (SOARES, 2003)
E o lernismo continua, agora com Cássio Taniguchi. Essa gestão inicia com a
seguinte manchete do jornal do sindicato do magistério, no mês de junho de 1997:
“Taniguchi quer privatizar a educação, a saúde e as creches”. O conteúdo a que se
refere a manchete denota os rumos da administração de caráter privatista conferido
aos serviços públicos da cidade de Curitiba. Assim argumentou o prefeito em
seminário intitulado “Experiência de Indianápolis na Gestão Pública Municipal”,
realizado na cidade paranaense de Indianápolis, em 19 de maio de 1997, ao elogiar
o seu colega, Stephen Goldsmith, então prefeito da referida cidade:
“Quanto custa um aluno na escola pública? Quanto custa um
procedimento na área de saúde?Quanto custa uma criança na
creche? Será que não é mais barato pagar alguém para cuidar
das nossas crianças? Posso estar falando uma grande heresia,
mas é por aí. Nós estamos levantando estes parâmetros nas
77
diversas áreas para estabelecermos o rumo de nossa
administração.” (Cássio Taniguchi. In: Jornal do SISMMAC,
junho de 1997)
Infelizmente, as “indagações” do prefeito estavam (e permaneceram) em
ordem inversa, pois, na ótica dos direitos estas seriam, ao invés de “quanto custa
para”, “quanto investir para...”. Mas, esta idéia de que a educação e os serviços
públicos são mercadorias, evidenciada no discurso do prefeito, é reforçada pela
administração lernista, no âmbito estadual, com o próprio Jaime Lerner, à frente do
governo, e no âmbito federal, por Fernando Henrique Cardoso, que implementou
políticas na mesma direção.
TAVARES (2004) apresenta o quadro da gestão Lerner no Estado do Paraná,
apontando as ações que consolidaram o que a autora denomina como “a política de
mercado na educação”. Entre as ações estavam as direcionadas à gestão escolar,
que identificam o diretor com a figura de um gerente, dotado, entre outras
qualidades, de visão sistêmica e liderança, além de conhecimentos acerca da
Gestão da Qualidade Total; proposta de avaliação, numa perspectiva de
acompanhamento, fiscalização e controle, através do “Boletim da Escola”, composto
de resultados da avaliação do rendimento escolar, dados do censo escolar e
opiniões de pais, alunos e direção da escola sobre aspectos da vida escolar;
reorganização administrativa da SEED e dos núcleos regionais de educação, criação
de distritos escolares, definição de porte de escolas, redefinição do quadro de
lotação de pessoal, políticas de formação e projetos como o Vale-Saber e o Vale-
Aprimorar.
Uma perspectiva localista é atribuída também à gestão escolar que, com
autonomia, precisa buscar resultados. Uma vez alcançados os resultados locais,
78
estes favorecerão os resultados almejados pelo Estado. É assim que, de acordo com
a análise de Tavares:
“Dentro de uma proposta de gestão autônoma da unidade
escolar, o foco principal foi o da responsabilização pela
manutenção financeira da escola. O procedimento já antigo de
buscar recursos na ‘comunidade’ através da atuação das
APMs, criticado ao longo dos anos 80, passou a ser
incentivado, consagrado e estimulado como necessário. Não só
as festas escolares passaram a ser fonte de renda, mas
institucionalizou-se a cobrança de taxas e contribuições dos
alunos e pais. A capacitação também passou a depender,
como mostraram depoimentos dos diretores das escolas-pólo,
da contribuição de empresas locais e do voluntariado dos
professores. A ‘venda eleitoral’ do espaço escolar consagrou-
se: depoimentos revelaram que vereadores e deputados
doaram recursos para reformas de banheiros, calçadas e
pavimentação, compra de livros, transporte dos alunos etc.”
(TAVARES, 2004, p. 47)
Pode-se afirmar que esse processo de privatização é duplamente
irresponsável: Primeiro, porque se nega o serviço de oferta sob a responsabilidade
do Poder Público enquanto direito
33
de cidadania
34
(mesmo a cidadania limitada e
formal da ótica liberal); segundo, porque, ao contrário do que ocorre no âmbito
privado, ninguém mantém de fato administrativa e financeiramente o espaço que foi
expropriado do Poder Público. Pelo contrário, este passa por mecanismos sutis de
precarização das condições salariais e de trabalho dos servidores, das condições de
manutenção do espaço físico e da qualidade do serviço prestado, como forma de
33
MARX e ENGELS afirmam que o direito burguês é meramente formal, reduzindo-se à lei. Afirmam eles que
“Sendo o Estado, portanto, a forma pela qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses
comuns e na qual se resume toda a sociedade civil de uma época, conclui-se que todas as instituições comuns
passam pela mediação do Estado e recebem uma forma política. Daí a ilusão de que a lei repousa na vontade, e,
mais ainda em uma vontade livre, destacada da sua base concreta. Da mesma maneira, o direito, por sua vez
reduz-se à lei.” (MARX e ENGELS. In: Ideologia Alemã, 2002, p. 74)
34
Cidadania é um conceito complexo que não se explica em poucas linhas, entretanto considera-se necessário
algum esclarecimento a respeito, no intuito de atribuir maior clareza conceitual. A cidadania, na ótica burguesa,
tem como função somente equilibrar os excessos da desigualdade social, sendo esta considerada resultado da
liberdade natural do homem, portanto não deve ser suprimida. Assim, na sociedade de classes, o capital cede
sempre o mínimo para garantir seus interesses, o que exige, por sua vez dos trabalhadores, que se organizem para
conquistar, manter e/ou ampliar direitos, permanecendo esta cidadania na lógica do capital, ou seja, apenas para
amenizar as desigualdades e não interferir na acumulação do capital. Por outro lado, a organização dos
trabalhadores na luta por direitos, evidencia uma contradição no próprio capitalismo, apontando para a
possibilidade de realização do que Marx denomina cidadania plena ou emancipação humana. A cidadania plena
seria possível somente numa sociedade sem classes, a sociedade socialista. (TONET, 2001, p. 64-104)
79
justificar, aos olhos da população, a proclamada ineficiência do serviço público. Com
a precarização do serviço público e a veiculação de sua ineficácia através da mídia,
cabe à população que tem poder aquisitivo, buscar no mercado os bens e serviços
de que necessita. Assim, passa-se de cidadão a cliente. Este passa a escolher e
comprar no mercado o serviço que melhor lhe convém. Àqueles que não se
enquadram no grupo dos clientes restam os serviços ainda ofertados pelo poder
público, que contam com a parceria “solidária” das empresas, grupos religiosos e
qualquer indivíduo que se proponha a ser voluntário. Estas medidas identificam-se
com as propostas do Estado neoliberal, que tem na privatização uma de suas
principais premissas. Neste modelo de Estado propõe-se, além da venda das
empresas estatais lucrativas
“a diminuição da participação financeira do estado no
fornecimento de serviços sociais (incluindo educação, saúde,
pensões e aposentadorias, transporte público e habitação
populares) e sua subseqüente transferência ao setor privado
(privatização). A noção de privado (e as privatizações) são
glorificadas como parte de um mercado livre, com total
confiança na eficiência da competição, onde as atividades do
setor produtivo ou estatal são vistas como ineficientes,
improdutivas, anti-econômicas e como um desperdício social,
enquanto o setor privado é visto como eficiente, efetivo,
produtivo, podendo responder, por sua natureza menos
burocrática, com maior rapidez e presteza às transformações
que ocorrem no mundo moderno. (TORRES. In: GENTILI,
2001, p. 115)
Ademais, a grande mídia é importante aliada no convencimento da
importância desta “solidariedade” e da responsabilidade individual daquele que não
obteve no âmbito privado os serviços ou atendimentos de que necessitava. Afinal,
na ótica neoliberal, exige-se que se busque individualmente, sem apoio do Estado, a
80
qualificação , que se acredita como suficiente
35
, para ampliação do poder de venda
da força de trabalho e conseqüentemente da compra dos bens e serviços, num
mercado altamente diversificado e competitivo. Nesse sentido, a mídia é, na análise
de IANNI (1997), o grande intelectual orgânico do Capital.
“Um intelectual orgânico complexo, mas que atua mais ou
mesmo decisivamente por sobre os partidos políticos, os
sindicatos, os movimentos sociais e as correntes de opinião
pública. Enquanto estes continuam a operar principalmente em
âmbito local e nacional, a mídia opera e predomina não só em
âmbito local e nacional, mas também em escala regional e
mundial. Ela forma e conforma movimentos de opinião pública,
em diferentes esferas sociais, compreendendo tribos, nações e
nacionalidades, ou atravessando culturas e civilizações. (...)
Sob muitos aspectos, a mídia transnacional acaba por tornar-se
também no intelectual orgânico dos grupos, classes ou blocos
de poder atuantes em escala mundial; sempre com fortes
ingerências em assuntos sociais, econômicos, políticos e
culturais, também regionais e nacionais”.(IANNI, 1997, p. 22)
A linha da privatização dos serviços públicos seguiu seu curso no âmbito
municipal: Em agosto de 1997, ainda primeiro ano da gestão, o prefeito enviou à
Câmara municipal um projeto que previa a transferência da gestão da escola
municipal e outros serviços públicos, como a saúde, para a responsabilidade de
Organizações Sociais
36
, entidades de direito privado, sem fins lucrativos, que,
entretanto, obtém vultosos lucros. Explicava o sindicato, no jornal de setembro de
1997, que as Organizações Sociais poderiam ser formadas por quaisquer entidades
da sociedade civil que tivessem a concordância do poder público, inclusive as
APPFs (Associação de Pais, Professores e Funcionários), que já eram responsáveis
pela verba do programa de descentralização de recursos públicos. Sobre o papel
35
Nesse sentido, ao invés da política de geração de emprego e renda, o governo incentiva o empreededorismo, o
desenvolvimento de capacidades individuais elevariam o potencial competitivo do indivíduo.
36
Na Reforma do Ensino Superior no governo FHC esta era também uma orientação do governo federal ,
conforme afirmou SILVA JUNIOR “(...) a educação em geral e, em particular, a educação superior foi
reconfigurada com muita intensidade pela própria reforma do Estado, na qual está presente a transferência das
instituições de educação superior em organizações sociais que seriam fundações públicas regidas pelo direito
privado.” SILVA JUNIOR (2002, p. 49)
81
atribuído às APPFs, o sindicato destacava que estas tinham um caráter meramente
formal, limitando-se à realização de atividades como bingos, festas e campanhas
para arrecadar recursos junto à comunidade. Com o projeto das organizações
sociais, as APPFs poderiam se organizar juridicamente, legitimando via instância
jurídica, a manutenção da escola por uma associação. (Jornal do SISMMAC,
setembro de 1997)
Esta estratégia seria definida por FRIGOTO (2001) como um subterfúgio para
o aniquilamento da escola pública. Estratégias que caminham na mesma direção
são citadas e questionadas pelo autor, tais como a adoção de escolas públicas por
empresas e as escolas cooperativas, “que são uma adaptação das teses de Milton
Friedman. A idéia de Friedman é a de que a educação é um negócio como qualquer
outro e que, portanto, deve ser regulada pelo mercado”. (FRIGOTO. In: GENTILI,
2001, p. 87) Assim, afirma o autor, de posse do “cupom”, a família compra o tipo de
educação que quiser para seu filho, eximindo o Poder Público desta
responsabilidade.
A política de descentralização, também meta e princípio da gestão do prefeito
Cássio Taniguchi, é evidenciada na arquitetura da cidade através, por exemplo, das
chamadas Ruas da Cidadania, onde se localizam núcleos de todas as secretarias
municipais que prestam serviços essenciais à comunidade, entre estes, os Núcleos
Regionais de Educação, responsáveis pelas escolas de sua área de atuação.
(ANEXO2)
É, então, sob as premissas da política neoliberal que se implementaram as
ações da prefeitura municipal de Curitiba, na gestão do prefeito Cássio Taniguchi.
Uma das ações implementadas nessa gestão foi a implantação da organização da
82
escola em ciclos de aprendizagem na Rede Municipal, sendo necessário verificar em
que medida esta organização escolar foi determinada ou não por esta concepção.
83
3- POLÍTICA DE CICLOS DE APRENDIZAGEM EM CURITIBA
37
Afirma-se que a SME de Curitiba, para implantar os ciclos, buscou
fundamentar-se em experiências de outras redes de ensino que já organizavam suas
escolas em ciclos, tais como Porto Alegre e Belo Horizonte. (SANTOS, 2005, p. 107)
Consta que a rede municipal de educação de Porto Alegre esteve inserida
num projeto mais amplo de democratização da cidade, com uma ênfase à
participação popular na definição das políticas públicas, em especial a partir de
1989. A Escola Cidadã de Porto Alegre foi implantada em 1993 e seus princípios
foram definidos numa constituinte escolar, realizada no ano de 1995, envolvendo
diversos segmentos da comunidade: pais, alunos e professores, que discutiram
entre outros aspectos a democratização do conhecimento e da gestão. (TITTON,
2004)
A Escola Plural, de Belo Horizonte, foi implantada em 1995, também inserida
num projeto mais amplo de democratização. Experiências das escolas, por meio de
seus projetos político-pedagógicos, teriam sido o ponto de partida para imprimir uma
direção coletiva a essas diferentes experiências, valorizando a pluralidade.
(KNOBLAUCH, 2003)
Entretanto, diferente do que a literatura versa sobre essas duas redes
municipais que implantaram a escola em ciclos após planejamento, elaboração e
discussão prévia com o magistério, em Curitiba, a implantação dos ciclos parece ter
sido ponto de discussão no Planejamento Estratégico do município, no ano de 1998.
Em maio de 1998 foi firmado um contrato de prestação de serviços entre o
IMAP – Instituto Municipal de Administração Pública, autarquia do município de
37
A identificação de possíveis nomes de pessoas ou instituições, nesta pesquisa, se deve ao fato de que os
mesmos constavam dos documentos pesquisados, portanto com identificação prévia.
84
Curitiba e a FGV - Fundação Getúlio Vargas
38
e a EBAP - Escola Brasileira de
Administração Pública. O objetivo descrito no contrato era o desenvolvimento do
projeto Gestão Estratégica para Resultados na Prefeitura Municipal de Curitiba
(PMC), através de um programa-piloto que seria implementado num órgão da PMC.
A escolha da SME como “objeto da experiência-piloto” esteve fundamentada nos
seguintes critérios:
- Órgão cuja direção tenha níveis razoáveis de liderança e
apresente sensibilidade suficiente para compreender os
benefícios para o desempenho do órgão resultante do
esforço a ser empreendido.
- Ambiente operacional em que o esforço represente um
desafio que sirva como motivador da mobilização que será
requerida.
- Órgão prestador de serviços à sociedade:
1. assegura maior visibilidade externa imediata das melhorias,
cujo apoio é fundamental para o alargamento do esforço;
2. se transforma em pressão por melhor desempenho dos
órgãos de suporte/retaguarda (a máquina administrativa);
3. órgãos de suporte/retaguarda terão maior sensibilidade
para mudanças quando pressionados pelos órgãos de
frente – é necessário criar o momentum.
Escopo de atuação e volume de recursos em dimensões
que não sejam tão grandes a ponto de comprometer o
controle sobre o processo e oferecer maiores riscos de
resistências externas e internas, ou tão pequenas a ponto
de justificar o investimento pretendido.
Maior nível de fragilidade no consenso sobre missão,
valores, produtos (área social, por exemplo):
Assegura melhorias mais drasticamente perceptíveis, o que
serve de elementos de estímulo para se angariar o
interesse dos demais órgãos pela adoção das práticas
testadas – uma das funções da experiência-piloto.
Órgão cuja direção não esteja passando por processo de
suspeição, graves problemas administrativos, corrupção ou
outros fatores que requeiram prioridade de atenção
que
venha comprometer o trabalho a ser desenvolvido.
(ACORDO FGV/EBAP-IMAP, contrato, 1999)
Pode-se afirmar então que a SME foi considerada estratégica como referência
para a adoção do modelo de gestão por resultados, também por outros órgãos da
38
Conforme consta no contrato entre IMAP e FGV/ EBAP, a FGV constitui-se como pessoa jurídica de direito
privado, de caráter técnico-científico e educativo, reconhecida de utilidade pública pelo Governo Federal
conforme Decreto nº 82.474 de outubro de 1978 e Decreto s/nº de 27 de maio de 1992, tendo como presidente o
Dr. Jorge Oscar de Mello Flores. O preço total dos serviços prestados pela FGV/EBAP à PMC, no ano de 1998,
conforme consta no contrato, foi de R$ 165.000,00 (cento e sessenta e cinco mil reais), parcelado em 8 (oito)
vezes. A execução dos trabalhos referentes ao projeto teve duração de 8 (oito) meses.
85
PMC, em virtude de os níveis de liderança terem o necessário poder de
convencimento, mobilizando os funcionários para a execução das tarefas pertinentes
à experiência-piloto; como ”órgão prestador de serviços diretos à sociedade”, os
resultados alcançados seriam mais visíveis, o que era interessante para a gestão;
esta secretaria, sendo considerada no conjunto dos órgãos de “suporte/retaguarda”,
seria facilmente pressionada pelos “órgãos de frente”, quando necessário;
considerava-se ainda que esta secretaria não exigiria muitos recursos para a
experiência–piloto. Parece que o que se definiu como “fragilidade no consenso” seria
utilizado a favor da experiência-piloto, uma vez que os resultados visíveis seriam
fator de motivação e convencimento.
Consta que o objetivo principal do projeto era o seguinte: “Desenvolvimento
de base metodológica que favoreça a implementação gerencial no âmbito da
Prefeitura Municipal de Curitiba (...)” (PROJETO FGV/EBAP-IMAP, 1998). Para
alcançar este objetivo, seriam componentes básicos do objetivo principal, em linhas
gerais: o desenvolvimento da dimensão estratégica, estabelecendo missão, visão e
valores da organização; indicadores de desempenho, com ênfase em eficiência, que
parece estar relacionada ao menor custo dos processos realizados; eficácia no que
se refere aos produtos e resultados almejados; efetividade, compreendida como o
impacto ocasionado pelos resultados obtidos; tradução de estratégias em programas
de ação; orçamento para resultados com dimensão de flexibilidade: controle e
avaliação visando os resultados; capacitação de corpo técnico e gerencial centrado
em formulação de programas, planejamento e controle gerencial e avaliação de
programas. (PROJETO FGV/EBAP-IMAP, 1998).
Assim, a Secretaria Municipal de Educação, que atende diretamente a
população, foi reconhecida como órgão importante para o sucesso dos programas e
86
projetos traçados na gestão do prefeito Cássio Taniguchi. Como se afirma no
próprio documento “a sustentação dessa opção – órgão, ao invés de programas ou
projetos – fundamenta-se na assunção de que programas ou projetos são
executados por organizações cuja filosofia gerencial e estrutura de funcionamento
se constituem em fatores críticos de sucesso para o desempenho das ações e
alcance dos resultados previstos nos referidos programas.” ( PROJETO FGV/EBAP-
IMAP, 1998)
Com a opção pela SME definida, participaram do desenvolvimento do projeto
Gestão Estratégica Para Resultados na Secretaria Municipal de Educação de
Curitiba, diretores de escola, representantes de diretores de escolas, representantes
do prédio central da SME, representantes dos Núcleos Regionais de Educação e
representantes de outros órgãos, conforme anexo 3, sendo que a lista geral de
participantes contabilizou um total de 113.
Parece ter sido no bojo de uma experiência-piloto para uma gestão centrada
em resultados que se discutiu e deu o formato para a implementação da escola
organizada em ciclos em Curitiba. Esta afirmação é feita com base na leitura dos
relatórios do Projeto FGV/EBAP-IMAP. No relatório 4, acerca do wokshop realizado
no período de 31 de agosto a 3 de setembro de 1998, pode-se constatar que num
dos trabalhos realizados em grupo, a escola ciclada foi discutida como parte da
“estrutura de programação” para a secretaria, constando como um dos sub-
programas do Ensino fundamental. (FGV/EBAP-IMAP-SME, 1999, p. 101) (anexo 4).
A crítica a esta forma de planejamento está na visão tecnocrática que, como
analisado por SÀNCHEZ (2003) acompanha o planejamento da cidade de Curitiba,
há décadas. Também POLLI (s/d) analisa que, no planejamento urbano de Curitiba,
87
permanece ainda a visão tecnocrática (...) e os conceitos são definidos pelos
intelectuais do planejamento (...).
É também no relatório 4 do Projeto FGV/EBAP-IMAP-SME (1999) que estão
registrados os componentes da dimensão estratégica da SME: a missão, a visão e
os valores. Sendo que cada componente é explicado da seguinte forma:
MISSÃO: ser um elo do desenvolvimento de Curitiba, assegurando ao
aluno educação de qualidade para o exercício da cidadania,
atendendo a demanda;
VISÃO: Rede de escolas autônomas e empreendedoras, que
atendam às necessidades e expectativas da sociedade, garantam a
excelência na educação e busquem o permanente sucesso do aluno,
dando ênfase à sua participação cooperativa na sociedade
VALORES:
Autonomia:
exercício do poder de decisão na esfera onde ele se faz
necessário,
Gestão Democrática
: estabelecimento de elos para o desenvolvimento
de ações cooperativas envolvendo democraticamente todos os
segmentos implicados,
Qualidade
: compromisso de constante melhoria e busca de resultados
efetivos em todos os processos, dando oportunidade à formação da
competência humana para a ação social consciente,
Organização Empreendedora
: aquela que busca soluções e
estratégias inovadoras,
Ética
: capacidade de pensar e agir com integridade, credibilidade e
responsabilidade na dinâmica das relações interpessoais,
institucionais e cognitivas,
Competência Profissional:
profissionais com embasamento técnico
adequado, comprometidos com o aprimoramento permanente e
consciente de seu papel social.(PROJETO FGV/EBAP-IMAP-
SME,1999)
Estes mesmos componentes da dimensão estratégica da SME, discutidos e
sistematizados nas reuniões do Projeto FGV/EBAP-IMAP-SME constam no primeiro
documento enviado às escolas, “A escola municipal e os ciclos de aprendizagem –
proposta de implantação – Secretaria Municipal da Educação” (ver anexo 5). Este
documento foi elaborado por uma equipe técnica, composta por profissionais da
Secretaria da Criança (órgão extinto em 2002)
39
, IPPUC, Gerência de Currículo,
39
Sobre esta questão e a situação da Educação Infantil na gestão do prefeito Cássio Taniguchi, ver:
SOCZEK, Márcia Barbosa. Políticas Públicas para a Educação Infantil no município de Curitiba. (1997-2004).
Dissertação de Mestrado. UFPR, 2006.
88
Gerência de Capacitação e dos Núcleos de Educação: Boa Vista, Cajuru,
Pinheirinho e Santa Felicidade.
Ao conjunto do Magistério municipal, coube a tarefa de ler os documentos
enviados a cada escola no ano de 1999, num primeiro momento a proposta e
posteriormente o projeto de implantação, e pronunciar-se a respeito da implantação
gradativa ou imediata dos ciclos.
Para facilitar a exposição, os documentos, eventos e depoimentos acerca
dos Ciclos de Aprendizagem em Curitiba, aqui citados, serão assim designados:
CATEGORIA IDENTIFICAÇÃO
A escola municipal e os ciclos de aprendizagem: proposta de
implantação – 1999
PROPOSTA CURITIBA, 1999a
A escola municipal e os ciclos de aprendizagem: projeto de
implantação – 1999
PROJETO CURITIBA, 1999b
A escola municipal e os ciclos de aprendizagem: Diretrizes
curriculares – em discussão – 2000
DIRETRIZES CURRICULARES, 2000
Seminário Ciclos de aprendizagem e suas implicações na rede
pública de ensino - 2002
EVENTO 1
Seminário de educação e políticas educacionais: os ciclos de
aprendizagem e a qualidade da Escola pública - 2003
EVENTO 2
Depoimentos da pedagoga de um núcleo de educação de
Curitiba, coletados em 2006. Esta pedagoga participou
diretamente da implantação dos ciclos de aprendizagem.
PEDAGOGA ENTREVISTADA
3.1 – A IMPLANTAÇÃO
Os documentos, assim como a política de implantação dos ciclos, foram
elaborados por grupos específicos para este fim, sem a participação do conjunto do
magistério municipal.
Sobre este “processo” acelerado da implantação, assim pronunciou-se uma
professora da rede municipal de Curitiba: “lembro-me de que quando a escola em
89
que trabalhava no ano de 1999, fez a ‘opção’ pela implantação dos ciclos de
aprendizagem, essa opção se deu após uma única leitura do documento e o ‘sim’ a
ela foi quase unânime, pois a diretora já havia se comprometido com a implantação
dos ciclos lá na SME.” (VARESCHI, in: Jornal do SISMMAC, outubro de 2000)
Cabe destacar ainda que todos os documentos referentes à implantação dos
ciclos trazem na capa o símbolo do PROGRAMA FAZENDO-ESCOLA
40
, o que
indica que, de acordo com o projeto FGV/EBAP-IMAP-SME(1999), os ciclos seriam
um sub-programa deste. Há ainda a seguinte descrição para o Programa Fazendo-
Escola: “conjunto de ações que possibilitem a construção de uma rede de escolas
autônomas e empreendedoras.” (FGV/EBAP-IMAP-SME, 1999, p. 152) O Programa
Fazendo-Escola consiste na elaboração de projetos individuais ou coletivos, pelos
professores. Os projetos passam por uma seleção e, ao serem aprovados, são
acompanhados por uma instituição de ensino superior. Ao iniciar o projeto, os
professores aprovados recebem uma “bolsa”, em complementação ao salário. É um
programa que faz parte de uma política de descentralização, centrada em resultados
e na premiação pelo mérito ou competência individual. (ver anexos 6 e 7)
3.1.1- A Proposta de Implantação
A apresentação do documento “A escola municipal e os ciclos de
aprendizagem – proposta de implantação – Secretaria Municipal da Educação” aos
gestores das escolas se deu em 24 de março de 1999 e a ”opção” pela implantação
40
Projetos Fazendo-Escola, recentemente renomeados Escola-Universidade: Através de parceria com as
universidades, a SME propõe aos professores a elaboração de projetos diversos, que podem ser feitos
individualmente ou em grupos na mesma escola. Estes projetos passam por uma seleção na respectiva instituição
superior (pública ou privada) que orientará o grupo e, como há concessão de bolsas (atualmente no valor de R$
1.200,00 pagos em 6 parcelas de R$ 200,00), há também seleção pela SME. Na Rede Estadual, projeto
semelhante era desenvolvido sob a denominação de Vale-Saber.
90
pelo conjunto das escolas se daria oficialmente em 16 de abril de 1999, conforme
cronograma de implantação da SME. Ou seja, as escolas teriam menos de um mês
para reorganizar-se e formalizar a implantação dos ciclos.
Como citado anteriormente, este documento traz princípios formulados no
projeto de gestão para resultados da SME, realizado naquela gestão, o que pode ser
inferido também pelo depoimento de uma pedagoga que participou diretamente do
processo de implantação ao fazer referência às instituições destacadas no
cabeçalho do documento. Ela destacou que:
Este foi o trabalho de planejamento estratégico, que teve assessoria
da Fundação Getúlio Vargas e lógico, do IMAP, que sempre participa
na questão das pesquisas, verificando onde está o maior foco de
problemas, a movimentação da população na cidade. Para o ciclo,
houve, lógico, todo esse levantamento. (Depoimento 1 – anexo 8)
41
Embora o documento seja apresentado como proposta, tratou-se na verdade
de uma política oficial formulada pela Secretaria Municipal da Educação, que, ao
que tudo indica, tomou forma no âmbito das reuniões do Projeto FGV/EBAP-IMAP-
SME, realizado em 1998.
3.1.2- O Projeto de Implantação
O documento seguinte, aprovado pelo CEE, parecer nº 487 de 12/11/99,
enviado às escolas, intitula-se “A escola municipal e os ciclos de aprendizagem:
Projeto de implantação – Rede municipal de ensino de Curitiba – 1999. No item
inicial do documento, denominado ”Pontos de Partida” faz-se referência aos trinta e
seis anos de existência da Rede municipal de ensino de Curitiba e de seu empenho
por atender quantitativamente as demandas por educação nos anos iniciais do
41
Para melhor exposição e compreensão, todos os pronunciamentos da pedagoga entrevistada foram reescritos.
Nesta reescrita houve o cuidado em manter o conteúdo dos pronunciamentos, o que pode ser observado no anexo
8, onde foram registrados os textos tal como pronunciados oralmente.
91
ensino fundamental, atribuindo à busca da qualidade o desafio a ser enfrentado. De
acordo com os propositores, a quantidade já estaria resolvida.
Este documento aborda aspectos gerais sobre a implantação, tais como: a
justificativa para a implantação dos ciclos; a estrutura do ensino em ciclos; a
organização das turmas; as condições para a implantação a partir dos planos de
ação das escolas, enviados aos núcleos de educação; a opção pelo sucesso do
aluno vinculada especialmente à atuação do professor e à sua capacitação (como se
pode observar nas páginas 19 e 20 do PROJETO CURITIBA 1999b). Anuncia-se
ainda uma revisão curricular de modo a atender as especificidades da organização
em ciclos que, de acordo com o documento, seria feita de forma gradativa e coletiva
(p. 23), há ênfase no currículo em rede, com as propostas de interdisciplinaridade. O
item sobre a avaliação mostra uma defesa da avaliação formativa e orienta quanto
às formas de progressão e registros avaliativos. Ao tratar do envolvimento da
comunidade, destaca-se a eleição de diretores, os conselhos de escola e a política
de descentralização administrativa e pedagógica. Defende-se que, “com a
implantação dos ciclos de aprendizagem, será estreitada a parceria entre escola e
comunidade, por meio de projetos (...)” (PROJETO CURITIBA 1999b, p. 44).
Estabelece-se ainda um cronograma de implantação dos ciclos e prevê-se uma
avaliação do que a SME denomina “processo” de implantação. De acordo com o
documento seriam realizadas “análises sobre aspectos pedagógicos e
administrativos do processo de implantação e sobre o impacto ocasionado pela
organização escolar em ciclos nas comunidades escolares de Curitiba.” (PROJETO
CURITIBA 1999b, p. 48)
92
3.1.3- O Parecer do Conselho Estadual de Educação
O parecer 487/99 trata do projeto de implantação dos ciclos de aprendizagem
(1ª a 8ª séries) na Rede Municipal de Ensino em Curitiba. O projeto, cuja relatora foi
de Solange Yara Schmidt Manzochi, foi aprovado, por unanimidade, em 12 de
novembro de 1999 , portanto alguns meses após o início da implantação dos ciclos
de aprendizagem na Rede Municipal de Curitiba.
A organização das turmas nos ciclos, conforme consta no Parecer do
Conselho Estadual de Educação e no PROJETO CURITIBA 1999b, é feita por
idades aproximadas. Entretanto, diferente do que acontece em outras redes
42
, como
afirmou KNOBLAUCH (2003, p 44), em Curitiba não há uma justificativa para esta
organização, que se dá da seguinte forma:
CICLO IContinuum curricular, com duração de dois ou três anos letivos, para
alunos cuja faixa etária corresponda de seis anos (a completar no primeiro ano civil
do primeiro ciclo) a oito anos. Para a matrícula inicial no ensino fundamental, serão
atendidos prioritariamente, conforme legislação vigente, alunos a partir dos sete
anos completos ou a completar no ano civil em curso (Ciclo I de dois anos). Atendida
esta demanda e conforme vagas disponíveis em cada unidade escolar, serão
matriculados alunos com seis anos completos (ciclo I de dois anos) ou a completar
no ano civil em curso (ciclo I de três anos).
CICLO II – Continuum curricular, com duração de dois anos letivos, para alunos cuja
faixa etária corresponda de nove anos a completar no primeiro ano civil do segundo
ciclo a dez anos.
42
A organização das turmas do ciclo em Porto Alegre e Belo Horizonte, é feita a partir das fases ou etapas do
desenvolvimento humano: infância, pré-adolescência e adolescência, o que se justifica pelos estudos da
psicologia do desenvolvimento humano; já em Mato Grosso do Sul (Escola Guaicuru) esta organização se dá a
partir de aspectos pedagógicos como o grau de domínio dos conteúdos curriculares, entendidos como
fundamentos de cada área do conhecimento.
93
CICLO III – Continuum curricular, com duração de dois anos letivos, para alunos cuja
faixa etária corresponda de onze anos a completar no primeiro ano civil do terceiro
ciclo a doze anos.
CICLO IV – Continuum curricular, com duração de dois anos letivos, para alunos
cuja faixa etária corresponda de treze anos a completar no primeiro ano civil do
quarto ciclo a catorze anos.
3.1.4- JUSTIFICATIVA PARA A IMPLANTAÇÃO
A partir de dados demográficos que apontam para o envelhecimento da
população e a redução do número de crianças e adolescentes em Curitiba, justifica-
se que não há mais a necessidade de ampliação da rede física escolar.
(PROPOSTA CURITIBA, 1999a). Sendo assim, segundo os propositores, o
crescimento populacional iniciado na década de 70 com as migrações do campo
para a cidade, que motivou a expansão da rede de serviços, já não ocorria naquele
momento. Portanto, se a população de crianças está reduzida, a demanda está
atendida. Assim, não há falta de vagas, o que é considerado um problema pontual
no que se refere às turmas de 1ª série, em especial nas áreas de “ocupação não
legalizada do solo” (PROPOSTA CURITIBA, 1.999a, p. 04).
Mas, nesse documento (PROPOSTA CURITIBA, 1999, p. 01) afirma-se que,
se o problema do acesso está resolvido, o mesmo não acontece com o rendimento
escolar que, em 1998 registrava uma média geral de 12% de retenção nas turmas
de 1ª a 4ª séries, chegando a 19% nas 1ª séries. Nesse sentido, as reprovações são
consideradas um entrave ao desenvolvimento econômico da cidade: “A reprovação
significa uma perda econômica, um estigma social, uma frustração, um insucesso
pedagógico. É um problema que não pode ser negado, negligenciado ou
94
subestimado”. (PROPOSTA CURITIBA 1.999a, p.04) Essas informações permitem
inferir que a idéia de qualidade se enquadra no conceito de qualidade total
43
.
No documento PROJETO CURITIBA 1999b justifica-se que, apesar da
formação continuada oferecida aos professores e do atendimento à demanda,
Curitiba vem mostrando alterações significativas no quadro de retenção e evasão; os
resultados das avaliações da SEED-PR e do SAEB são apontados como indicadores
da necessidade de melhoria da qualidade no processo ensino-aprendizagem, além
do que, aproximadamente cento e um mil pessoas (5% do total de habitantes) da
cidade e da região metropolitana não estão alfabetizadas.(PROJETO CURITIBA
1999b, p.3). Os dados apontados (PROJETO CURITIBA, 1999b) são citados como
“apenas uma amostra da realidade educacional da rede pública do município de
Curitiba”, exigindo problematização e “ações municipais específicas” para os
próximos anos.
No depoimento da pedagoga entrevistada sobre a justificativa para a
implantação dos ciclos, obteve-se um relato acerca do histórico anterior à
implantação desta política, que reitera muito do que se apresenta nos documentos.
Especificamente sobre a implantação dos ciclos em Curitiba, a pedagoga
entrevistada destacou que, apesar dos investimentos voltados à alfabetização, com
a capacitação de professores, “os problemas estavam muito sérios” (depoimento 2 –
anexo 8), pois o nível de retenção permanecia muito elevado nas primeiras séries.
Segundo ela, nas escolas integrais, o índice de retenção passava de 40%, o que
não se justificava, uma vez que as crianças permaneciam na escola o dia todo.
43
FLACH (2005) , em sua dissertação de mestrado discute a qualidade social entendida como uma construção
coletiva, sendo instrumento de transformação social, auto-emancipação dos professores e alunos, desalienando a
população e construindo uma verdadeira cidadania (p. 12). Ela atribui a qualidade social, preocupação e ações
voltadas a características como: democratização do acesso, democratização do conhecimento, democratização da
gestão, financiamento e regime de colaboração e valorização dos trabalhadores da educação (p.17) diferentes da
perspectiva da qualidade total , onde a preocupação está centrada em administrar a escola tal como uma empresa
capitalista.
95
Nesse sentido, era preciso tomar alguma providência. Iniciou-se então, de agosto a
dezembro de 1997, um projeto de intervenção nas primeiras séries. O projeto
consistia em capacitar os professores para analisar as tentativas de escrita ou os
textos iniciais produzidos pelas crianças e realizar intervenções, além disso
promover uma avaliação levando em conta que os alunos da escola pública não
tinham contato anterior com a escola, sendo necessário oferecer-lhes mais tempo,
numa perspectiva de alfabetização em processo. Mas, a equipe para este projeto era
reduzida, o que levou à necessidade de um levantamento das escolas com maior
índice de retenções, que totalizavam 41 escolas. Estas foram então o alvo do
projeto, nomeado assim como ALFA 41. A pedagoga entrevistada argumentou
então que “a partir dessa experiência do ALFA 41 a gente observou que na verdade
era na intervenção que nós tínhamos que mudar a forma. Foi então que surgiu essa
possibilidade de implantação dos ciclos de aprendizagem na Rede. Acho que por
conta também (não sei bem...) mas toda uma história de globalização, muitos países
sem retenção. Eu até não vou entrar muito nesses detalhes, porque meu foco é
muito mais direto na educação, no pedagógico mesmo.” (depoimento 2 – anexo 8)
É reiterada a preocupação da pedagoga em delimitar o pedagógico e o
político como aspectos separados, como se pode observar ao final da sua fala ao
expor a justificativa para a implantação dos ciclos de aprendizagem. Essa
compreensão dicotômica de pedagogia e política parece ser reflexo de uma
concepção tecnocrática de gestão imposta à educação, em Curitiba.
Dados estatísticos destacados nos documentos e também no depoimento da
pedagoga comprovam o elevado quadro de reprovações que marcava a Rede
Municipal de Curitiba. Como se pode constatar no anexo 9, Curitiba apresentava em
1999, a maior taxa de distorção idade/série, no ensino fundamental, segmento de 1ª
96
a 4ª séries, em relação à rede estadual de ensino, por exemplo. Essa distorção
permaneceu elevada ainda no ano de 2000, sendo reduzida ao longo da
implantação dos ciclos até 2003. A taxa de distorção idade/série que era de 16,6 , no
ano da implantação dos ciclos chegou à taxa de 4,0, no ano de 2003, com a
seqüência da política de ciclos. Mas, se a reprovação foi reduzida, o mesmo não
aconteceu com a evasão, que era de 2% em 1999 subiu para 3% no ano de 2000.
Portanto, apesar da não-reprovação, a expulsão dos alunos da escola pública
permaneceu. (EVENTO 2, p. 38, 2003)
Portanto, constata-se que o principal objetivo para a implantação dos ciclos
está centrado na eliminação das reprovações, com a incorporação do argumento
defendido há décadas por educadores progressistas, ou seja, a superação da
avaliação classificatória e seletiva, para uma avaliação que priorize os aspectos
qualitativos sobre os quantitativos, como se afirma no documento “ainda persiste em
nossa rede uma cultura educacional baseada na reprovação e no fracasso do
educando”. (PROPOSTA CURITIBA, 1999 a, p. 06)
Outra justificativa apóia-se na idéia do atendimento à demanda. Logo na
apresentação do documento PROPOSTA Curitiba 1999a, descreve-se a missão
destinada à Secretaria Municipal de Educação, que consiste em: “Ser um elo ativo
do desenvolvimento de Curitiba, assegurando ao aluno educação de qualidade para
o exercício da cidadania, atendendo à demanda”. Como se observa, esta missão
está voltada ao desenvolvimento da cidade, bem como ao atendimento à demanda,
o que difere do princípio de universalização. Esta distinção entre atendimento à
demanda e o princípio da universalização está no fato de que, o primeiro apóia-se
na idéia de flexibilizar a oferta educacional, entendo-a como necessária àqueles que
são classificados como necessitados de determinado serviço ou ainda àqueles que
97
optarem por esta oferta, portanto, trata-se de uma ”livre escolha “entre o disponível
no mercado educacional. Já a universalização apóia-se na idéia de acesso
educacional igualitário a todos.”A escola universal, gratuita e obrigatória, portanto
comum para todos,” premissa da burguesia revolucionária, passa pelas contradições
do sistema capitalista, que produz uma escola dual; ou seja, uma escola para formar
trabalhadores subservientes e outra para preparar os dirigentes. É assim que, ao
trabalhador, destina-se um mínimo de instrução, como defendia Adam Smith, “à
gente comum”, educação em “doses homeopáticas” (SAVIANI, 1986, p. 20)
Apesar da ênfase da SME de Curitiba em mostrar que o acesso ao Ensino
Fundamental já está garantido, há dados do próprio MEC que contestam essa
afirmação, foi o que expôs a professora Yvelize Arco Verde, superintendente de
educação da Rede Estadual na gestão 2003-2006. Em pronunciamento no EVENTO
2, ela destacou que a universalização do ensino fundamental, meta da burguesia
revolucionária, é ainda “uma realidade distante” (EVENTO 2, p. 20, 2003) e continua,
informando que os dados de atendimento do Ensino Fundamental no Paraná estão
na porcentagem de 96, 3%. Ela alerta ainda que, apesar das críticas ao sistema de
avaliação do MEC, o SAEB, este é uma referência da produtividade do sistema e
aponta que o acesso nem sempre está acompanhado da necessária ampliação da
aprendizagem. (EVENTO 2, p. 22, 2003)
3.2 - ENTRE O DISCURSO OFICIAL E AS CONDIÇÕES PARA A EFETIVAÇÃO
DA POLÍTICA DE CICLOS
Evidenciam-se, principalmente nos depoimentos da pedagoga entrevistada,
que integrou a equipe responsável diretamente pela implantação, preocupações em
98
termos de avaliação processual e ampliação da aprendizagem dos alunos. Percebe-
se, entretanto, uma despolitização do pedagógico
44
pela instância administrativa,
pois o que deveria ser uma preocupação de caráter político-pedagógico e
substituída por uma lógica burocrática de cumprimento de metas e redução de
reprovações a qualquer custo.
Ao desenvolver a análise-crítica
45
dos textos oficiais da política de ciclos de
aprendizagem em Curitiba, em confronto com os documentos e depoimentos,
percebe-se que aqueles apresentam claramente a visão empresarial destinada à
educação, com ênfase na busca por resultados. Observa-se ainda acentuado
ecletismo teórico, principalmente no Projeto de implantação, característica que
permeia todo o texto da política, sendo possível encontrar aliados autores de
pensamento conservador e progressista. Nesse sentido, muitos conteúdos
aparentemente progressistas foram empregados nos documentos, para justificar a
implantação da política de ciclos. Entre esses conteúdos estão: a democratização,
via eliminação da reprovação e ampliação do acesso à educação; a educação de
qualidade; a gestão democrática, a autonomia e a participação. É importante
ressaltar que esses conteúdos do discurso progressista são tomados na
administração Taniguchi, porém resignificados pelo discurso e práticas
conservadoras.
44
ilustra esta idéia o fato de que os projetos então denominados “Projetos Político-Pedagógicos” passam a ser
denominados “Projetos Pedagógicos”, com o argumento de que o político está intrínseco ao pedagógico, não
sendo necessário cita-lo.
45
A critica é compreendida aqui na perspectiva marxiana como “ o exame da lógica do processo social – levando
sempre em conta que é um produto da atividade humana – de modo a apreender a sua natureza própria, suas
contradições, suas tendências, seus aspectos positivos e negativos, suas possibilidades e limites (...) (TONET,
2001, p. 72)
99
Optou-se por organizar a análise da política de ciclos em Curitiba, enfocando
algumas categorias
46
que podem trazer conteúdos indicadores da concepção política
que se imprime a esta organização escolar. São estes: participação,
gestão/autonomia, trabalho pedagógico, currículo, avaliação da aprendizagem e
corpo docente. Porém, elas não são estanques, mas imbricam-se em vários
momentos, até pela característica dos textos oficiais, um tanto confusa e carregada
de ambigüidades. São usadas como recurso didático, no intuito de revelar de
maneira clara o conteúdo político inerente ao texto oficial.
3.2.1- PARTICIPAÇÃO
No texto da UNESCO, o relatório JACQUES DELORS (1998), uma das
referências utilizadas no documento DIRETRIZES CURRICULARES (2000),
percebe-se que a SME mantém-se fiel às idéias da comissão, quanto ao significado
da participação. O documento da UNESCO vincula ‘sucesso da escolarização (...),
em larga medida, (...) ao valor que a comunidade atribui à educação’ (DELORS,
1998, p. 131) e na seqüência, é bastante claro o caráter de descentralização,
focalização e meritocracia direcionado às comunidades, lançando a estas a
responsabilidade por esforçarem-se para resolver, localmente, seus problemas.
Aquelas comunidades que se esforçarem poderão receber subsídios do Estado,
para executar algumas tarefas que necessitem. Entretanto, o subsídio chega depois
do esforço, logo, antes, podemos supor que é preciso criatividade. O conceito de
participação também é um tanto questionável, limita-se à organização da
comunidade local para a resolução de problemas, através de ONGs, Centros
46
Trata-se do que KUENZER(1998) define como Categorias de Conteúdo. Para ela, além das categorias
metodológicas como práxis, totalidade, contradição e mediação, que são universais e concretas, permitindo
investigar qualquer objeto em qualquer realidade, as categorias de conteúdo são importantes porque permitem
investigar a especificidade do objeto em questão. Sobre as categorias de conteúdo, afirma a autora: Estas são
necessárias para “investigar as relações, os conceitos, as formas de estruturação e organização, em ‘recortes’
particulares, sempre definidos a partir do objeto e da finalidade da investigação; estes recortes, chamaremos aqui
de ‘categorias de conteúdo’, uma vez que sua definição se faz através da apropriação teórico-prática do
conteúdo.” (KUENZER. In: FRIGOTTO, 1998, p. 66)
100
comunitários e trabalho voluntariado na ótica do sistema capitalista, ou seja, aquele
voluntariado que exerce funções que deveriam ser contempladas pelo poder público.
O voluntariado é incentivado através do seguinte argumento: “confiar aos membros
da comunidade as funções de auxiliares ou de profissionais no seio do sistema
escolar, pode também, ser considerado uma forma de participação” (DELORS,1998,
p. 133)
Esta perspectiva de participação orienta a “nova” organização escolar em
Curitiba, desde a implantação até sua efetivação. Ao se observar o documento
PROPOSTA CURITIBA 1999a, evidencia-se a implantação acelerada dos ciclos em
Curitiba. Como se constata no texto, a versão do documento em questão foi
consolidada em setembro de 1998, por um grupo restrito e enviada às escolas em
março de 1999, já prevendo a implantação.
Outro aspecto que evidencia o caráter autoritário está no próprio cronograma
de implantação da SME, registrado no PROJETO CURITIBA 1999b que estabelece
antes do posicionamento das escolas, a constituição de um grupo para equalização
das ações que seriam desenvolvidas no processo de implantação. Vale destacar
que a apresentação da “proposta” pela SME às escolas (o que na verdade foi
direcionado inicialmente apenas aos gestores, que repassariam aos professores) foi
em 24 de março de 1999 e a ”opção” pela implantação se daria oficialmente em 16
de abril de 1999. Ou seja, as escolas tiveram menos de um mês para reorganizar-se
e formalizar a implantação. Diante desta imposição, os professores procuraram o
sindicato que interferiu no sentido de solicitar a ampliação do prazo para a definição
das escolas. Assim as escolas tiveram até o final do primeiro semestre daquele ano
para definir a implantação.
101
Também, de acordo com depoimentos da pedagoga entrevistada, a
construção dos textos dos documentos referentes ao processo de implantação foi
feita por uma comissão designada para este fim, talvez em decorrência do
planejamento estratégico, o que não ficou muito claro na sua fala, uma vez que,
segundo a mesma, não havia recordação precisa daquele momento. Sobre esse
processo, afirmou ela: “Eu lembro razoavelmente! Nós discutimos muito sobre as
formas de construção desse texto, aí foi montada uma comissão.” (depoimento 3 –
anexo 8)
Ainda assim, há quem discorde da afirmação de que a condução da
implantação dos ciclos em Curitiba tenha sido centralizadora. Foi o que afirmou a
professora Nara Salamunes, que compôs a equipe técnica de elaboração da
proposta de implantação: “Em nenhum momento foi dito ou escrito que a
implantação dos ciclos pelas escolas municipais era obrigatória.” (In: SANTOS,
2005, p. 196) E, apesar disso, confirma o contrário quando mostra a condução
acelerada que, dessa forma impossibilita discussão e opção, pois afirmou que “em
1999, a principal meta da SME era ter a proposta municipal da organização do
ensino em ciclos aprovada pelo Conselho Estadual de Educação.” (in: SANTOS,
2005, p. 196)
O documento do Conselho Estadual de Educação, o parecer 487 de
12/11/1999 é outra evidência da forma impositiva de implantação dos ciclos em
Curitiba, pois os caminhos foram totalmente contrários àqueles que levariam a uma
direção democrática. Conforme já explicitado, o documento PROPOSTA CURITIBA
1999a fora enviado às escolas em março de 1999, indicando que as escolas
deveriam justificar sua opção pela implantação imediata ou gradativa dos ciclos até o
dia 16 de abril de 1999, entretanto, a aprovação do Projeto pelo CEE se deu
102
somente em novembro do ano de 1999. Portanto, o Conselho Estadual de Educação
aprovou um projeto referente a uma política que já havia sido implantada.
Como se vê, apesar da SME ter se valido do respaldo legal para a
implantação dos ciclos como prevê a LDB 9394/96, em seu capitulo II, artigo 23
47
; e
também da obrigatoriedade na formalização legal, através da aprovação do CEE,
não levou em conta os princípios da gestão democrática, propalados nos textos
oficiais, pois descartou a efetiva participação do conjunto do Magistério Municipal e
da comunidade escolar em geral, na definição e elaboração desta política.
Para justificar que uma organização escolar em ciclos já vinha se delineando
na Rede Municipal de Curitiba, a SME destaca (no PROJETO Curitiba, 1999b, p.12)
ações que, desde 1997, caminhariam na direção de uma escola organizada em
ciclos, quais sejam: além das possibilidades de organização escolar, previstas na
LDB 9394/96, foram os seguintes os projetos desenvolvidos pela SME para a
“modificação do quadro de seletividade e exclusão constatado no
sistema de ensino municipal” (Projeto Curitiba, 1999b, p.6):
a) Inovar e intervir – desenvolvido entre 1996 e 1997, com objetivo de
investir na ‘reconstrução da competência do professor, buscando uma
melhoria significativa da aprendizagem dos alunos’(...)
b) Projeto ALFA – implantado em 1997 como assessoramento técnico-
pedagógico ao processo de alfabetização, desenvolvido em quarenta
e uma escolas que apresentavam índices de 30% ou mais de
retenção nas primeiras séries. (...) Na segunda fase, no ano de 1998,
foi oportunizada a participação para todas as escolas, quando a
questão da avaliação da aprendizagem da leitura e da escrita foi o
tema principal de estudo. (...) Já no primeiro semestre de 1999,
terceira fase do projeto, também passaram a fazer parte desse
processo de reflexão sistemática sobre a prática de alfabetização as
professoras das 225 classes de ensino pré-escolar das escolas
municipais e das 122 creches oficiais da prefeitura Municipal de
Curitiba. Na seqüência, destaca-se que “o envolvimento das escolas
foi viabilizado pela descentralização das ações de apoio técnico às
equipes escolares” e discutem-se problemas, que passaram a ser
observados e melhor compreendidos pelos professores como
“descontinuidade no encaminhamento metodológico do processo de
alfabetização entre a primeira e a segunda série do ensino
fundamental, desarticulação entre o sistema de avaliação de
47
“A Educação Básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de
períodos de estudos, grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma
diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.”
103
aprendizagem em vigor e o encaminhamento proposto no Currículo
Básico”. (PROJETO CURITIBA, 1999b, p.9)
c) Projeto de revisão dos sistemas de avaliação de aprendizagem – a
reflexão sobre este tema foi intensificada e atingiu todas as escolas da
Rede já em 1998, quando se propôs ao Conselho estadual de
educação alteração na forma de registro documental da avaliação da
aprendizagem do aluno, o que foi aprovado conforme parecer nº.
251/98, de 05 de agosto de 1998, do Conselho Estadual de Educação
do Paraná. (...) Para o ano de 1999, baseando-se naquele parecer, 41
escolas procuraram registrar a preponderância de aspectos
qualitativos sobre os quantitativos (...), sendo que 26 incluíram a
supressão do registro do rendimento escolar em notas, substituindo-o
por pareceres descritivos. Outras escolas ampliaram os períodos
correspondentes aos registros de notas bimestrais para trimestrais,
semestrais ou anuais, o que também denota a relativização dos
aspectos quantitativos da avaliação de aprendizagem pelas equipes
escolares. Em paralelo, mas articulada ao debate sobre a qualidade
do ensino e a avaliação de aprendizagem dos alunos, a questão da
defasagem idade-série
48
foi se configurando uma nova instância de
ação da educação municipal de 1998 para cá.
d) Projeto de Aceleração de Estudos – recomendado pela Lei nº.
9394/96, de 20 de dezembro de 1996, no artigo 24, inciso V, alínea b,
e pelas deliberações nº. 001/96, de 09 de fevereiro de 1996, e nº.
013/97, de 05 de dezembro de 1997, do conselho Estadual de
Educação do Paraná, e tendo como objetivo básico a adequação
idade-série da população escolar que apresenta defasagem quanto ao
percurso escolar, este projeto cria condições para que os alunos
avancem na escolaridade, vencendo dificuldades anteriores de
aquisição do conhecimento. (PROJETO Curitiba, 1999b, p.9)
Dos encontros para a realização desses projetos, foram utilizados também os
registros de observações e impressões dos professores acerca das possibilidades
para ampliação da aprendizagem dos alunos, para justificar ações que se
encaminhavam na direção de uma escola organizada em ciclos. Assim, destaca o
documento em nota de rodapé:
“Proposições coletadas de relatos orais e escritos proferidos
por representantes das escolas durante o desenvolvimento dos
projetos ALFA, Aceleração de Estudos e de Revisão do
sistema de Avaliação de Aprendizagem.” (PROJETO
CURITIBA, 1999b, p13)
48
Conforme dados do documento em questão,em nota de rodapé, “dezesseis mil e seiscentos alunos da Rede
municipal de ensino de Curitiba (22%) apresentavam defasagem idade-série em 1998”. O projeto de aceleração
de estudos foi implantado em 1998 em oito escolas como projeto piloto e assessorado pelo Centro de Estudos e
Pesquisas para a Educação, Cultura e Ação Comunitária– CENPEC/SP, o projeto de aceleração de Estudos foi
expandido em 1999 para 90 escolas, abrangendo um total de 3.340 alunos. (CENPEC é uma Organização Social
do BANCO ITAU, Instituição privada, onde até os dias atuais são depositados os salários dos servidores do
município de Curitiba).
104
Recorrendo ao dicionário verifica-se que o substantivo proposição indica “ato
de propor; proposta; projeto submetido à apreciação de assembléia legislativa, já o
verbo propor indica apresentar, expor à apreciação, indicar; ter a intenção” (BUENO,
p. 533) Sendo assim, como denominar proposições os relatos orais e escritos
coletados nos encontros, uma vez que estes não objetivavam discutir uma nova
organização escolar, mas capacitar os profissionais, como descrito no documento?
Teriam os participantes discutido em algum momento a possibilidade de uma nova
organização escolar, tendo consciência de que suas impressões seriam utilizadas
para justificar “uma nova forma de organização escolar”, vendo nesta a solução para
os problemas discutidos?
No documento afirma-se que foi “deflagrado processo de discussão nas
comunidades escolares sobre a proposta secretarial de as escolas municipais de
Curitiba transformarem a organização escolar em ciclos de aprendizagem”
(PROJETO CURITIBA, 1999b, p. 14). Destaca-se ainda, na seqüência deste
parágrafo que “as equipes pedagógicas e os respectivos Conselhos de Escola
manifestaram oficialmente as conclusões a que chegaram”. (PROJETO CURITIBA,
1999b, p.14)
Sobre essa discussão e manifestação das escolas acerca da implantação dos
ciclos, a pedagoga entrevistada reiterou o trabalho com o projeto ALFA 41 e as
observações sobre a necessidade de se implementar uma avaliação processual,
além de destacar que um trabalho nessa direção já vinha sendo realizado. Acerca
da implantação dos ciclos, lembrou que o secretário lançou a proposta aos diretores,
em março de 1999, numa reunião realizada no salão do Parque Barigüi e que, após
esta reunião “os diretores voltaram para a escola,onde seria feita então uma
105
consulta e organização e, depois se manifestariam por ofício, dizendo se ciclariam
ou não.E, se ciclassem, quais seriam as condições
49
que eles achavam necessárias
para que realmente fosse feito um trabalho de qualidade.” (Depoimento 4 - anexo 8)
A SME expõe no documento o seguinte quadro, onde aponta a relação das
escolas que implantaram os ciclos de aprendizagem em 1999:
ORGANIZAÇÃO EM CICLOS DE APRENDIZAGEM
CICLO I CICLO I E II
2 ANOS 3 ANOS
CORRESPONDÊNCIA
NREs
50
1ª Série
1ª e 2ª
Série
Pré e 1ª
Série
Pré, 1ª e
2ª Série
4 a 5 anos
N.º Escolas
Organizadas
em Ciclos
Organização em
séries
N.º Escolas da
RME
PR 2 2 6 9 1 20 6 26
BN 3 2 1 11 17 17
BQ 3 1 3 7 1 15 1 16
BV 1 1 1 3 2 8 10 18
CJ 3 4 2 2 11 2 13
PN 1 1 1 13 16 2 18
SF 1 5 10 16 2 18
Total 10 11 16 28 38 103 23 126
Fonte: Projeto de Implantação – Rede municipal de Ensino de Curitiba – 1999. p. 16
A maioria das escolas da Rede Municipal de Curitiba atua com o primeiro
segmento (1ª a 4ª séries) do Ensino Fundamental e, de acordo com as orientações
oficiais, estas poderiam implantar o ciclo de forma gradativa: iniciando pelo CICLO I,
que abrangeria as 1ª e 2ª séries, ou implantando de forma imediata os CICLOS I e II,
ou seja, reorganizando todo o segmento de 1ª a 4ª. Observa-se no quadro que 38
escolas implantaram os ciclos para todo o primeiro segmento (1ª a 4ª) e as demais,
num total de 65 escolas, implantaram esta organização apenas para o
49
Estas condições constaram nos documentos “Planos de ação”, elaborados pelas escolas e enviados aos núcleos
de educação, que passariam para o grupo de equalização, a fim de verificar as condições comuns à maioria das
escolas.
50
NREs – Indicam os Núcleos Regionais de Educação: Portão, Bairro Novo, Boqueirão, Boa Vista, Cajuru,
Pinheirinho e Santa Felicidade.
106
correspondente às séries iniciais (1ª e 2ª) do primeiro segmento do Ensino
fundamental.
O documento (PROJETO CURITIBA, 1999b) destaca, em nota de rodapé,
que a organização escolar em ciclos estava amparada pelas normas para
implantação do ciclo básico de alfabetização, deliberação nº 33/93, de 12/11/1993,
do Conselho Estadual de Educação do Paraná e, segundo orientações do então
Conselheiro Teófilo Bacha Filho, em fevereiro de 1999, poderia se implantar a
organização em ciclos naquele mesmo ano.
Foi assim que, com esta fundamentação, “ao final do mês de maio deste ano,
(...) 103 escolas iniciaram a implantação dos ciclos de aprendizagem, apresentando
a SME, na forma de plano de ação, os procedimentos administrativo-pedagógicos e
os recursos que julgavam necessários para a efetivação do processo.” (PROJETO
CURITIBA, 1999b, p. 17)
O quadro anterior mostrou que a maioria das escolas implantou o ciclo de
forma gradativa, iniciando com o CICLO I (1ª e 2ª séries). Essa “opção” pela
implantação gradativa parece indicar uma desconfiança e um certo cuidado das
escolas com esta política. A afirmação do coletivo de uma das escolas da Rede
Municipal em correspondência encaminhada ao superintendente da educação, no
ano de 2002, ilustra esta afirmação: “Os profissionais da SME que acompanharam
de perto esse processo são testemunhas de que a resistência das escolas pautava-
se, essencialmente na incerteza de que as condições propostas seriam de fato
garantidas.” (Escola Municipal Wenceslau Braz, 2002)
Apesar do evidente processo acelerado, a SME defende que houve um
exercício dos “princípios de autonomia escolar e gestão democrática” (PROJETO
107
CURITIBA, 1999b, p.14) e que “a adesão das escolas ao processo de implantação
foi opcional”.
Esta afirmação de opção na implantação dos ciclos foi contestada durante o
EVENTO 1, quando professores das escolas lançaram questões ou comentários aos
representantes da SME, a esse respeito. Muitas dessas questões não foram
respondidas no evento e seriam enviadas pela organização para resposta posterior:
Questão: Os professores poderiam optar por escola ciclada ou seriada
de maneira democrática, discutindo em suas escolas de forma ampla e
aberta? Ou a escolha pertencia à direção das escolas?
Comentário:Foi feito um estudo, um trabalho sobre o ciclo mas não foi
um pedido das escolas e sim imposto pela secretaria. (EVENTO 1,
2002.)
Também a professora presidente do SISMMAC, sobre a implantação dos
ciclos em Curitiba, enfatizou que “a discussão foi muito rápida...eu acho que, pensar
ciclos de aprendizagem é rever a escola como um todo, é pensar o tempo escolar
mesmo do aluno de uma forma diferenciada e isso a gente não faz em dois meses.”
(EVENTO 1, 2002) Como se constata, mais um pronunciamento que revela a
acelerada implantação dos ciclos no município de Curitiba, além do que já revelaram
os próprios documentos oficiais.
Pesquisa realizada por SANTOS (2005, p. 189) mostrou também o que
pensam os professores sobre esta questão: em questionário respondido por 43
professores, 72% destes mostrou concordar com a organização em ciclos, porém
quando se perguntou sobre a condução da implantação, um percentual de 67,44%
considerou que a condução da implantação dos ciclos foi autoritária e centralizadora,
contra 32,55% que consideraram que a condução foi participativa e coletiva.
Entretanto, há um dado no mínimo interessante, apesar de um número maior ter
considerado a condução autoritária e centralizadora: ao serem questionados se
concordavam com a condução, estes mesmos professores, num percentual de
108
53,48% afirmou que sim, contra 46,51%, que afirmaram discordar da condução
autoritária e centralizadora. Isso indica que, ainda que a condução da implantação
tenha sido indiscutivelmente autoritária, muitos professores aderiram a esta política,
sem questionamentos.
De acordo com o marxismo, esta é uma questão de consciência de classe, ou
seja,
Na opinião de Marx, a teoria deve desenvolver uma interpretação
adequada do mundo antes de ser capaz de modificá-lo. Mas uma
modificação na consciência também é necessária: quando um
trabalhador compreende que na produção capitalista ele é degradado
à condição de mero objeto, deixa de ser um objeto e se torna um
sujeito. Uma automodificação, portanto, é necessária no proletariado.
Essa consciência se torna o motor da revolução, e sua natureza
dialética transcende questões como determinismo versus
voluntarismo. Segundo essa opinião, se o proletariado ainda não tem
consciência de sua própria posição histórica, se não dispõe de uma
visão do mundo adequada, então as condições objetivas, por si
mesmas, não criarão a revolução.Se, porém, o proletariado
compreende que criando sua própria visão do mundo também o
modifica; se essa consciência revolucionária existe, então a revolução
terá de acontecer. (SARUP, 1986, p. 115)
Nesse caso poderíamos afirmar que alguns professores são alvo de uma in-
consciência de classe proletária, uma vez que não se reconhecem como e com os
interesses dos trabalhadores, justamente por não localizarem seu lugar na estrutura
do capitalismo. Essa in-consciência de classe leva, parafraseando Lukács (1960), a
uma passividade ou a uma certa oscilação inconseqüente entre os interesses da
classe dominante e os da classe trabalhadora. Portanto eventuais participações ou
tomada de posição tomam um caráter vazio e confuso. Para Lukács (1960), “(...)
uma condição inelutával da manutenção do regime burguês é que as outras classes
se iludam, permanecendo com uma consciência de classe confusa.” Essa
consciência de classe confusa impede que os trabalhadores se organizem para
reivindicar direitos e mantém a burguesia protegida de uma intenção ainda mais
109
perigosa: a organização destes trabalhadores para a superação da sociedade de
classes.
Também em “A Ideologia Alemã”, Marx e Engels nos possibilitam refletir sobre
esta questão da produção da consciência, ao afirmar que
A classe que dispõe dos meios da produção material dispõe também
dos meios da produção intelectual, de tal modo que o pensamento
daqueles aos quais são negados os meios de produção intelectual
está submetido também à classe dominante. Os pensamentos
dominantes nada mais são do que a expressão das relações que
fazem de uma classe a classe dominante; em outras palavras, são as
idéias de sua dominação. (MARX e ENGELS , 2002, p. 48)
Portanto, no capitalismo, não se explora apenas a força de trabalho do
trabalhador como também se subtrai a sua possibilidade de pensar sobre a própria
condição de exploração a qual está submetido. Então, como construir resistência a
esta dupla situação de exploração, tanto da força material quanto da força intelectual
ou “espiritual”?
Parece haver um grande problema na formação dos futuros intelectuais da
classe trabalhadora, no seu acesso ao conhecimento cientificamente elaborado,
para que possam reconhecer-se e organizar–se enquanto classe trabalhadora na
busca de superação das desigualdades econômicas, políticas, educacionais e
sociais, na ótica dos trabalhadores, não do Capital. Como formar dirigentes, na
perspectiva dos trabalhadores, diante da exclusão cada vez mais crescente, de
professores e alunos, do acesso ao conhecimento? “Todos os homens são
intelectuais”, afirma GRAMSCI, e continua “mas nem todos os homens
desempenham na sociedade a função de intelectuais”, sendo que a ”escola é o
instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis” (GRAMSCI, 1989, p.
40).
110
Uma das explicações para o não engajamento político de grande parcela dos
professores na luta dos trabalhadores, pode estar na crescente pauperização do
professor, por meio de mecanismos que levam à precarização do trabalho docente e
também pelo fato de que o profissional da educação vem sendo expropriado do
principal instrumento de seu trabalho, o conhecimento.
PALHARES SÁ (1986) explica que a divisão técnica do trabalho atingiu e
intensificou-se também na organização escolar. Esse processo gradativo de
parcelização do trabalho pedagógico expropria do professor o seu principal
instrumento de trabalho: o conhecimento. De acordo com PALHARES, o professor
da escola tradicional ou artesanal, ainda tinha o domínio total do seu processo de
trabalho, o que lhe vai sendo retirado, conforme as transformações no modo de
produção capitalista e a subordinação do conhecimento ao mercado. Conforme o
mercado necessite mais de conhecimento, se apropria deste. Para isto precisa
alienar o professor do saber, tornando a aula uma mercadoria. Embora a escola
pública não esteja subordinada de forma real ao mercado, pois a aula não é
vendida, mas é um serviço prestado, as formas mercadoria já estão presentes
também nesse espaço. O saber expropriado do professor será vendido
parcialmente, também para os espaços públicos, através dos cursos de treinamento,
materiais didáticos, assessorias das grandes empresas educacionais para a área
especificamente pedagógica e para os processos de gestão escolar, etc.
É assim que a divisão do trabalho na educação impôs “(...) a proletarização
dos trabalhos da educação. Não importando tratar-se de professores ou técnicos,
trabalhadores públicos ou privados, foram todos expropriados de seus meios de
produção. Nada possuem, além de sua força de trabalho como qualquer proletário”.
(PALHARES SÁ, 1986, p. 2)
111
A escola que pretenda atender os trabalhadores requer a compreensão deste
processo de subordinação da educação ao mercado, para superação da lógica
tecnicista atribuída ao professor, de profissional que executa tarefas parciais (que
precisa ter domínio de determinadas competências impostas por constantes
alterações na legislação ou reformas curriculares). Um perfil de professor que tenha
compreensão dos “processos de formação humana em suas articulações com a vida
social e produtiva, as teorias e os processos pedagógicos, de modo a ser capaz de
produzir conhecimento em educação e intervir de modo competente nos processos
amplos e específicos, institucionais e não institucionais, a partir de uma determinada
concepção de sociedade (...)” (KUENZER, s/d), ou seja, a concepção que contempla
o conjunto de idéias que visam a superação da sociedade de classes, através de
ações revolucionárias. É preciso um perfil de professor que tenha compreensão da
sua condição de proletário e da necessária “criação das condições de luta unificada”
(PALHARES SÁ, 1986) com os demais trabalhadores. Isso exige uma consciência
do lugar que se ocupa nessa sociedade, o que não se dá de forma natural, mas
exige também espaços de formação, que dificilmente são possibilitados pelo aparato
estatal: Marx, ao criticar o Programa de Gotha
51
sobre intervenção do Estado na
educação do povo, alertou que esta é um instrumento de luta do proletariado contra
a burguesia, portanto preocupava-se com o conteúdo ideológico de uma educação
sob controle do estado burguês, que se mostra falsamente acima dos interesses de
classe. Mas, por outro lado, pode-se aproveitar as contradições do próprio Estado
burguês, pois como afirma POULANTZAS (1980) o poder não se identifica e não se
reduz, no marxismo, ao Estado. Dessa forma, para que um número cada vez maior
de professores perceba as concepções que incutem a naturalização das relações de
51
Este trecho foi escrito com fundamentação em: AZEVEDO, Janete M. Lins de. A Educação como política
pública.Campinas, SP: Autores Associados, 1997 e MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Crítica ao Programa de
Gotha. In: Obras escolhidas. São Paulo. Editora ALFA-OMEGA, vol. 2., s/d.
112
poder e estabelecem a subordinação dos trabalhadores e a sua docilidade ou
indiferença frente às políticas de caráter privatista, extremamente úteis aos
interesses capitalistas, é fundamental que outros espaços de resistência sejam
crescentemente conquistados e ampliados: os sindicatos de trabalhadores, os
movimentos populares, a universidade e a escola. Mas, para que se fundamentem
numa perspectiva realmente transformadora, estas organizações de trabalhadores
precisam ter como principal objetivo a superação da sociedade de classes, pois, no
interior do capitalismo o máximo que pode ocorrer são reformas que não alteram de
forma profunda as relações de exploração. A reforma capitalista trata, em síntese da
“supressão dos abusos do capitalismo e não do próprio capitalismo”
(LUXEMBURGO, 2003, p. 97), portanto, uma alteração superficial, consentida pelo
próprio capitalismo.
Embora determinado pela gestão do Estado Capitalista contemporâneo, por
sua vez fortemente submetido ao mercado, o espaço público educacional pode
constituir-se em espaço de enfrentamento, mas não de forma isolada. É preciso que
os espaços educacionais públicos retomem e (re)signifiquem a favor da classe
trabalhadora conceitos dela subtraídos pelo capital, tais como autonomia e gestão
democrática, entre tantos outros alardeados pelo discurso dominante.
Entretanto, além de interpretar criticamente, é fundamental que esta escola
forme os intelectuais da classe trabalhadora responsáveis por organizar política e
teoricamente e efetivar ações coletivas, na perspectiva da emancipação humana.
Para a formação deste intelectual, no sentido gramsciniano, é fundamental que a
escola cumpra qualitativamente seu papel na “transmissão-assimilação do saber
sistematizado” (SAVIANI, 1992, p.25) o que, segundo o mesmo autor, é essencial à
humanização. Mas não basta, é fundamental que os educadores extrapolem sua
113
ação político-pedagógica da sala de aula, ou seja, é preciso explorar a contradição e
a possibilidade de transformação da escola aliando-se ao projeto dos trabalhadores
e a outros espaços coletivos também comprometidos com estes, como sindicatos
combativos e movimentos sociais organizados.
3.2.2 – GESTÃO / AUTONOMIA:
Autonomia e gestão democrática são explicados em nota de rodapé, como
”valores apontados pelas equipes que desenvolveram o Projeto de Gestão
Estratégica para Resultados da Secretaria Municipal da Educação de Curitiba,
desenvolvido com a participação de 113 profissionais de todas as instâncias da
instituição, sob a coordenação da Fundação Getúlio Vargas, em 1998.” (PROJETO
CURITIBA, 1999b, p. 14) , indicando que a concepção de gestão que direcionou a
organização escolar em ciclos fundamentou-se nas reformas implementadas no
papel do estado nos anos 90, ou seja, na crescente desresponsabilização do Estado
pelos serviços públicos. O projeto de Gestão Estratégica para Resultados realizado
na SME, fundamentou-se em experiências realizadas nos anos 1980, em
países como Austrália, Canadá, Nova Zelândia, Reino Unido e
Dinamarca e governos locais nos Estados Unidos promoveram
alterações significativas nos modelos de planejamento e orçamento –
processos e sistemas – adotados, com a finalidade de ajustá-los a um
movimento maior de atribuição de um caráter mais gerencial ao
processo decisório e às ações empreendidas no âmbito da esfera
governamental. (PROJETO FGV/EBAP-IMAP, 1998, p.6)
Destaca-se ainda que estas alterações nos modelos de gestão governamental
pretendiam “aumentar a responsabilidade das agencias governamentais e imprimir
uma maior eficiência e orientação para resultados (...)”. (PROJETO FGV/EBAP-
IMAP, 1998, p. 6) Esta fundamentação reitera ainda o caráter de
centralização/descentralização, amplamente disseminado nos anos 1990, com o
114
estado neoliberal, fortemente centralizador na tomada de decisões e no controle da
execução, que é descentralizada. Ilustra esta afirmação um trecho do documento
acerca da experiência dos Estados Unidos, implementada em 1997, que tinha como
objetivo “conferir forte dinâmica gerencial aos processos e sistemas de governo, com
implicações e apoiados em modelo orçamentário que ofereça, por um lado maior
autonomia às agências na gestão dos recursos públicos, por outro, maior
comprometimento e responsabilidade pelos resultados das ações empreendidas.”
(PROJETO FGV/EBAP-IMAP, 1998, p.6).
Esta concepção de gestão transposta da lógica empresarial para a educação,
ao se consolidar representa, de acordo com GONÇALVES (1994)
“um retrocesso teórico-prático nos estudos e propostas para a
administração da educação brasileira que vinha se orientando
no sentido da democratização da gestão das escolas públicas
por força de pressão e organização da sociedade civil, de que
são exemplos os movimentos populares pela expansão da
escola pública e os fóruns organizados para defendê-la.”
(GONÇALVES,1994, p. 4)
Conforme esta autora, estava se desencadeando entre as décadas de 1970 e
1980, sob um referencial marxista, um importante movimento de estudos e
pesquisas para uma gestão escolar que levasse em conta a sua característica de
trabalho não-material e sua especificidade ou “natureza própria, assentada no
domínio do saber pelo professor” (GONÇALVES, 1994, p. 5). Por essa razão, os
estudos realizados à época rejeitavam a visão empresarial privada que já se atribuía
à gestão da escola, por seu caráter de extrema despolitização e de incorporação de
mecanismos organizacionais da gerência capitalista na escola, como se esta fosse
também uma empresa produtiva. (GONÇALVES, 1994)
Mas, esta lógica da “gerência capitalista” (GONÇALVES, 1994, p.4) atribuída
à educação nos anos 90 se intensifica e vincula cada vez mais a educação às
demandas do mercado, a ponto de se defender deliberadamente a privatização dos
115
serviços públicos, como um movimento natural. É o que defende, ainda na
fundamentação teórica, o documento referente ao PROJETO FGV/EBAP-IMAP,
(1998) ao afirmar que
(...) as tendências atuais mostram a necessidade de se ampliar a
participação e responsabilidade da comunidade no desenvolvimento
das ações. A experiência nos países da OECD a partir dos anos 80
(Catalá, 1992) ressalta que privatização, desregulamentação, o
controle mais restrito dos custos dos serviços públicos, e a busca da
eficiência (revalorização da gestão, incentivos ao bom desempenho,
descentralização territorial e funcional, auditorias de eficiência,
melhores relações com os usuários, etc.) constituem-se nos novos
parâmetros para a ação no setor público”. (FUNDAÇÃO GETÚLIO
VARGAS - PROJETO FGV/EBAP-IMAP, 1998, p. 9).
Na citação acima estão algumas das estratégias do modelo neoliberal para a
gestão pública: as parcerias com o setor privado e com a comunidade,
desregulamentação, privatização, redução de recursos e busca da eficiência. Na
análise de GENTILI (1996) este conjunto de ações caracteriza-se como uma
“ofensiva antidemocrática e excludente promovida pelo ambicioso programa de
reformas estruturais impulsionado pelo neoliberalismo, as instituições educacionais
tendem a ser pensadas e reestruturadas sob o modelo de certos padrões
produtivistas e empresariais.” (GENTILI, 1996, p. 28)
O princípio da gestão democrática é associado a outros dois princípios
considerados importantes para a formação da cidadania: autonomia e a
participação. Autonomia, “se dá pela construção de um ambiente propício à
participação da coletividade nas decisões locais, pois a qualidade de ensino é um
problema da coletividade, assim como todos os outros problemas educacionais.
Para estes a comunidade escolar deve estar voltada, buscando soluções
responsáveis e criativas, por meio de um processo de negociação e de construção
de parcerias, rumo à efetivação dos objetivos educacionais.” (DIRETRIZES
CURRICULARES, 2000, p. 46)
116
Pode-se afirmar que a autonomia da escola é uma das reivindicações dos
grupos progressistas, comprometidos com a democratização e melhoria da
qualidade da escola pública. Este princípio faz parte, portanto, de uma “visão mais
crítica e de ruptura com a abordagem conservadora da administração da escola,
desde o final dos anos 70 e principalmente em 80, [quando] vem sendo destacada a
necessidade de uma gestão mais democrática da escola pública, onde a
necessidade da maior autonomia na administração da mesma, face ao Estado (...)” é
abordada. Entretanto, este princípio, nos anos 90, é tomado pelo discurso oficial
comprometido com a reforma neoliberal do Estado e resignificado para atender às
necessidades de “modernização, descentralização e enxugamento do Estado”
(GONÇALVES, 1994, p.10)
Na SME de Curitiba, afirma-se que as escolas deveriam se consolidar em
“redes autônomas e empreendedoras, que atendam às necessidades e expectativas
da sociedade, garantam a excelência na educação e busquem o permanente
sucesso do aluno, dando ênfase à sua participação cooperativa na sociedade”.
(PROPOSTA CURITIBA, 1999a). A autonomia defendida limita-se a buscar na
comunidade as parcerias que garantiriam à escola prover as suas necessidades.
Esta é a escola empreendedora e autônoma, que soluciona seus próprios problemas
sem recorrer ao poder central, pois conta com os talentos e empresários locais, para
estabelecer parcerias., o que garantiria a “excelência da educação”. Esta expressão,
“excelência na educação”, embora não referenciada nos textos oficiais de Curitiba,
foi largamente empregada no início dos anos 90, em virtude da publicação da
professora Cosete Ramos, onde defende a aplicação dos princípios da Qualidade
Total, que constitui-se numa “tentativa de transferir para a esfera escolar os métodos
117
e as estratégias de controle de qualidade próprios do campo produtivo.” (GENTILI,
1996, p. 33)
Uma compreensão melhor acerca do significado atribuído à autonomia é
possibilitada por este trecho sobre a gestão orçamentária, que afirma ser necessário,
entre outros aspectos: um “reforço do potencial do orçamento como instrumento de
reorganização administrativa: anteposição de ‘pleitos de mais recursos vs busca de
soluções inovadoras.” (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS - PROJETO FGV/EBAP-
IMAP, 1998, p. 10) Ou seja, antes de reivindicar mais recursos deve-se buscar
soluções criativas, inovadoras, lançando mão da autonomia e do
empreendedorismo, da capacidade de aproveitar os próprios talentos ou da
comunidade ou ainda as parcerias locais.
Ao descrever os valores que se pretende imprimir, ficam ainda mais claros os
conceitos de autonomia e empreendedorismo. No documento, pode-se ler:
“Autonomia - Exercício do poder de decisão na esfera onde se faz necessário
.
52
Organização empreendedora - aquela que busca soluções e estratégias
inovadoras”. (sem grifo no original) (PROPOSTA Curitiba 1999a)
Ainda na introdução do documento (PROPOSTA Curitiba 1999a), feita pelo
então Secretário de Educação Paulo Afonso Schmidt, cuja graduação é na área de
engenharia, observa-se uma ênfase numa escola autônoma centrada na busca de
melhores resultados. Entretanto, no próprio documento constata-se que a autonomia
está restrita à execução de uma determinada tarefa, que consolidará uma decisão
política tomada anteriormente por outros. O próprio documento ilustra esta afirmação
quando trata das “providências para a implantação: A escola deverá formalizar
ao
NRE/SME a sua proposta de organização do ensino, justificando sua opção, até o
52
No texto das Diretrizes Curriculares- em discussão (2000), este princípio é retomado e explica-se em nota de
rodapé, página 46, que tal princípio foi construído coletivamente no processo de desenvolvimento do
planejamento estratégico da SME, em 1998.
118
dia 16-04-99. A formalização da proposta pressupõe uma decisão respaldada pela
comunidade escolar. O NRE indicará os procedimentos
a serem adotados”.
(PROPOSTA Curitiba 1999a, p. 13) (sem grifo no original) Recorrendo ao dicionário
nos certificamos não apenas do significado da palavra como da concepção inerente
ao texto. Respaldo significa auxílio, proteção, apoio. E quanto à palavra formalizar,
temos o seguinte: realizar segundo as fórmulas ou segundo as formalidades;
executar
conforme as regras ou cláusulas (BUENO). Será esta uma simples questão
de semântica? Cabe à direção da escola contar com o respaldo, ou seja, a ajuda, o
apoio da comunidade escolar para formalizar ou seguir as regras (ou procedimentos
indicados pelo NRE/SME) para executar a implantação.
3.2.3- TRABALHO PEDAGÓGICO
Muitas das teorias da administração do trabalho, que visam ampliar a
produção da empresa privada, têm sido transpostas para a gestão da escola pública,
sem que se faça a devida discussão e compreensão de suas reais intenções no
interior da escola e sequer do papel e especificidade da educação.
PALHARES SÁ (1986) analisa este problema como resultado das
transformações no mundo da produção, que vem sendo incorporadas pelo sistema
educacional capitalista, subordinando a educação, também pública, aos interesses
do mercado, no sentido de que, na fase atual do capitalismo “é o capital que
determina a quantidade e qualidade [do] saber realizado na escola. Esta não apenas
produz trabalhadores, mas consome mercadorias”. (PALHARES SÁ, 1986, p. 28)
Na gestão do prefeito Cássio Taniguchi não há dúvidas sobre o atendimento a
essa demanda do capital destacada anteriormente. Esta idéia de uma educação
voltada à produção de trabalhadores para o mercado capitalista é constatada no
documento, que afirma
119
(...) Mais do que nunca é função da escola garantir a aquisição dos
conhecimentos básicos e da cidadania, promovendo assim o
desenvolvimento econômico
e social. Nossa grande preocupação,
nesse momento significativo da virada do milênio, é investir em capital
humano e formar as pessoas integralmente, tanto para o exercício de
seus direitos e deveres quanto para a entrada com sucesso no
mercado de trabalho. (PROPOSTA Curitiba, 1999a p. 05) (sem grifo
no original).
A teoria do Capital Humano, surge nos Estados Unidos e Inglaterra, nos anos
60 e no Brasil, nos anos 70, constituindo o corpo teórico e ideológico de uma
disciplina denominada Economia da Educação, que toma a educação como
elemento principal para o desenvolvimento econômico. Esta teoria tem suas raízes
na idéia desenvolvimentista, imprimida aos países de terceiro mundo, após a II
Guerra Mundial e tinha como principal objetivo estabelecer a hegemonia americana.
FRIGOTTO (In: GENTILI, 2001)
Nesse sentido, foram traçadas estratégias voltadas ao progresso e
desenvolvimento dos países periféricos. Estas estratégias obtiveram especial ajuda
dos organismos de cooperação internacional do pós-guerra, entre estes: ONU, FMI,
BID, UNESCO. De acordo com FAZENDA (1988) e FRIGOTTO (2001), esta idéia se
consolidou, sob a liderança dos Estados unidos, com a “Aliança para o Progresso”,
na assinatura da Carta de Punta del Leste, em 1961. Um Plano Decenal de
Educação da Aliança para o progresso foi firmado entre os países participantes, que
deveriam prestar contas ao CIES (Conselho Interamericano Econômico e Social), do
andamento do trabalho realizado para cumprir as metas acordadas. Um diagnóstico
da situação dos países americanos, feito pela OEA (Organização dos Estados
Americanos) indicava entre outros aspectos, a escassez de pessoal técnico e
administrativo para assegurar a elaboração, implantação e avaliação dos planos
120
educativos, indicando para isso, peritos em educação. Seguindo essa indicação, o
governo estabelece os acordos MEC-USAID
53
. (FAZENDA, 1988)
A teoria do capital humano “se assenta [na] idéia de recursos humanos, de
investimento em educação e treinamento – em capital humano – como fator chave
de desenvolvimento”. (FRIGOTO, in: GENTILI, 2001, p. 91).
FRIGOTO (2001) afirma que atualmente se assiste a uma retomada dessa
teoria sob a categoria de sociedade do conhecimento, expressando a base
ideológica do capitalismo globalizado, sob uma base técnico-científica. Destaca
ainda que esta categoria é explicitada, através de conceitos como formação para a
competitividade, qualificação e formação flexível, abstrata e polivalente e qualidade
total.
Os defensores desta teoria entendem que “a característica distintiva do capital
humano é a de que ele é parte do homem. É humano porquanto se acha
configurado no homem e é capital porque é uma fonte de satisfações futuras, ou de
rendimentos futuros, ou ambas as coisas” (SHULTZ, 1973, p. 15. In: LIMA &
URBINA, s/d). Assim, o homem não passa de mais um insumo (considerado
fundamental) utilizado no processo de produção, para aumentar a produtividade
54
e
potencial competitivo da empresa moderna. Logo, investir em educação (naquela
que interessa ao setor produtivo ou de serviços) é importante para ampliar a
capacidade de trabalho, a produtividade e, num mercado atual que não oferece
trabalho, a capacidade de empregabilidade
55
, pois o indivíduo que investe em si
53
MEC-USAID: Ministério da Educação e Cultura - Agency for International Development dos Estados Unidos,
agência norte americana contratada pelo Ministério da Educação que, de acordo com FAZENDA (1988)
promoveu o “colonialismo” da educação brasileira, na década de 1960, quando técnicos dos Estados Unidos
direcionavam a educação brasileira, controlando desde o sistema de ensino da época até a pesquisa científica e
publicação de livros didáticos. (FAZENDA, 1988, p. 62-63)
54
Produtividade refere-se à quantidade de bens e serviços que um trabalhador é capaz de produzir a cada hora de
trabalho. (LIMA & URBINA, s/d).
55
Empregabilidade, para os neoliberais, é a capacidade flexível de adaptação individual às demandas do
mercado de trabalho. A função “social” da educação esgota-se neste ponto. (GENTILI, 1996, p. 26) Também
121
mesmo, na sua qualificação pessoal, estará mais apto para a competitividade, para
vender a sua força de trabalho e adaptar-se às conseqüências da instabilidade
econômica. Esta vinculação entre educação e desenvolvimento é foco dos
organismos internacionais (os mesmos da década de 60), quando
“Em 1990, realizou em Jomtien, na Tailândia, em encontro
promovido pelo Banco Mundial, UNICEF, PNUD e UNESCO, a
Conferência Mundial de Educação para todos, vinculou
desenvolvimento humano à educação, enfatizando a satisfação
das necessidades básicas de aprendizagem para melhorar a
qualidade de vida”. (...)
“(...) na definição das políticas educacionais da América Latina,
assume papel decisivo o Banco Mundial com sua defesa da
vinculação entre educação e produtividade, numa visão
claramente economicista, sem a preocupação dos documentos
cepalinos de vincular esses objetivos com o desenvolvimento
da cidadania, a, apesar das referências ao combate à pobreza,
à promoção da equidade social, a uma política de distribuição
de recursos para patrocinar serviços básicos para todos.(...) [a
influencia do BM] na definição das políticas educacionais na
América Latina, propondo prioridades, como melhoria da
eficiência interna, qualidade, equidade, descentralização,
privatização”. (MIRANDA, 1997, p. 39-40)
Essa ênfase numa escola que atenda as necessidades do mercado, formando
o trabalhador produtivo e flexível do futuro, continua bastante evidente ao longo do
texto.
Além disso, a preocupação centrada nos índices de aprovação é acompanhada da
defesa dos princípios da teoria da gestão pela qualidade, difundida e empregada no
mundo da produção material. É atribuído à educação pública municipal o papel de
formar recursos humanos adequados e adaptáveis ao mercado de trabalho
capitalista, numa lógica de subordinação da educação ao mercado, o que exige
ampliar a produtividade (aquela que interessa ao mercado) do sistema educacional.
FRIGOTTO (2002) explica que o termo empregabilidade é uma construção ideológica violenta que passa a idéia
de que o culpado pelo desemprego é o próprio trabalhador. Afirma ainda que a ideologia das competências surge
com essa noção. FRIGOTTO (2002, p. 23)
122
É assim que foram traçadas ações que visavam ampliar a produtividade do
sistema educacional. No Projeto Curitiba 1999b, no
item intitulado “Tomada de
consciência” faz-se referência à “produtividade” do sistema educacional,
compreendendo-se que este é resultado de uma “complexa teia de inter-relações
(econômicas, culturais e ideológicas)” (PROJETO Curitiba, 1999b, p. 4), mas, que,
apesar disso, há problemas “que se configuram no interior do próprio sistema”
(PROJETO Curitiba, 1999b, p.4), devendo ser buscadas formas de enfrentamento.
Para isso é indicada
a necessidade do desenvolvimento de ações em
cinco linhas que se entrecruzam:
a) uma revisão da organização escolar municipal, tendo
como núcleo de atenção o valor do conhecimento,
entendido aqui como “apropriação inteligível que o
ser humano em particular e a humanidade em geral
(através do seu legado histórico) fazem do mundo.
Apropriação esta que decorre do esforço de superar
desafios e resistências que lhes são apresentados”
(LUCKESI, 1986, p.252), que se constitui, portanto,
em instrumento de ação individual e social, de
emancipação e transformação (FREIRE, 1997).
b) Um aprofundamento das questões relativas ao
processo de alfabetização desenvolvido nas escolas
municipais, instrumento básico de acesso ao
conhecimento e de sobrevivência dos indivíduos em
uma sociedade letrada.
c) Alterações significativas no sistema de avaliação da
aprendizagem da RME;
d) Criação de um sistema de avaliação institucional que
possibilite a circulação de informações no interior do
próprio sistema de ensino e direcione as políticas
educacionais e a ação pedagógica desenvolvidas em
Curitiba;
e) Ampliação da participação da comunidade nos
processos de gestão. (PROJETO Curitiba, 1999b, p.
6)
56
Estas linhas de ação, construídas a partir da consultoria com professores da
UFPR, nos anos de 1995 e 1996, em outro contexto e com um objetivo claro, a
56
Segundo o documento (PROJETO CURITIBA, 1999b), estas linhas de ação são resultado de reflexões a partir
de estudos, através de consultoria de profissionais da UFPR, para elaboração dos projetos político-pedagógicos,
nos anos de 1995 e 1996. Havia preocupação dos profissionais quanto à efetivação da ação pedagógica e os
rumos que seguiria a educação, diante da LDB 9394/96.
123
construção dos projetos político-pedagógicos das escolas, indicavam uma linha
teórica na direção dos anseios daqueles que são usuários da escola pública.
Entretanto, para além do texto, faz-se necessário verificar em que medida e como
estas “linhas de ação” foram apropriadas e efetivadas pela SME, em ano posterior.
A primeira linha de ação destaca a “revisão da organização escolar, tendo
como núcleo de atenção o valor do conhecimento”. Entretanto, no que tange à
formação continuada dos professores no período em que se implantava uma nova
organização escolar na Rede Municipal de Curitiba, o magistério, através de seu
sindicato, clamava por qualidade nos cursos ofertados. Assim descrevia o jornal do
sindicato, em matéria intitulada “formação de professores: uma retomada urgente”,
cuja data é do mesmo mês de implantação dos ciclos:
“Em Curitiba, esse processo (de abandono da formação
permanente) se inicia na gestão Lerner, mas é na gestão
Taniguchi que se tenta findar de vez todos os nossos espaços
de formação como as semanas pedagógicas (que nascem de
uma proposta da Associação do Magistério Municipal de
Curitiba – AMMC com caráter formativo), assessoramentos e
cursos de maneira geral, para substituí-los reduzidamente por
teleconferências (...).” (COSTA. In: Jornal do SISMMAC, março
de 1999) (sem grifo no original).
Parece haver uma incoerência nos argumentos da SME, pois afirma ter “como
núcleo central o valor do conhecimento”, mas, ao mesmo tempo, expropriam-se os
professores de espaços de formação qualitativos, onde se discutia a relação teórico-
prática, inerente ao seu fazer pedagógico. Nesse sentido, as ações “b” e “c”, que
tratam de aprofundamento das questões referentes à alfabetização e a avaliação,
respectivamente, permanecem enfraquecidas, uma vez que os professores perdem
um espaço importante para se encontrar a fim de estudar sistematicamente e definir
suas práticas. A pauta de reivindicações do magistério de fevereiro, publicada no
jornal do sindicato, de março de 1999, reitera a situação de negação das condições
124
para aprofundamento das discussões pedagógicas e principalmente “da natureza
própria do processo pedagógico, assentado no domínio do saber pelo professor,
como condição mesma da efetivação da ação pedagógica e de seus propósitos
transformadores”. (GONÇALVES, 1994, p. 5)
3.2.4-CURRÍCULO:
Embora a SME, reiteradas vezes, faça menção ao Currículo Básico e
inclusive a constatação de que havia “descontinuidade no encaminhamento
metodológico do processo de alfabetização entre a primeira e a segunda série do
ensino fundamental, desarticulação entre o sistema de avaliação de aprendizagem
em vigor e o encaminhamento proposto no Currículo Básico” (PROJETO CURITIBA
1999b, p. 8), causa, no mínimo estranheza o fato de os professores reivindicarem
em pauta de negociações do sindicato a “Manutenção do Currículo Básico como
eixo norteador da prática pedagógica na R.M.E”. (Jornal SISMMAC, março de 1999)
Estaria aí uma das explicações para a descontinuidade e desarticulação? Como
promover a necessária continuidade e articulação entre as séries ou etapas ou
mesmo níveis de ensino, sem uma concepção teórica orientadora da ação? A
pesquisa de KNOUBLAUCH (2003) constatou ainda, apesar dos esforços
empreendidos através do projeto ALFA, “fragilidades que os professores possuem a
respeito do processo de aquisição do conhecimento, especialmente de língua
escrita.” (KNOUBLAUCH, 2003, p. 141)
No período de implantação dos ciclos, as discussões restringiam-se a cada
escola, nos estudos realizados quando da elaboração dos Planos de Ação para a
implantação dos Ciclos de Aprendizagem, conforme mencionados na página 17 do
documento “Escola municipal e os Ciclos de Aprendizagem – projeto de implantação
125
– Rede municipal de ensino de Curitiba – 1999. Neste documento constavam, entre
outros aspectos, as condições que as escolas consideravam necessárias para a
nova organização escolar. Ao realizar uma busca desse documento começando pelo
arquivo municipal da SME, depois em algumas escolas de cada núcleo regional, um
núcleo regional e Departamento de Ensino Fundamental, constatou-se que nem
todas as escolas fizeram um registro formal, mas um registro dos estudos,
discussões, dúvidas e ansiedades quanto à proposição de ciclos, que fora
encaminhada aos núcleos, para análise de um grupo denominado “grupo de
equalização”. Ao interrogar um professor da Rede sobre o objetivo do grupo de
equalização, este afirmou que “era fazer um parâmetro só para a Rede, com uma
única linha”, e disse ainda que no plano de ação constavam “nossos pedidos como
Psicólogos, Assistentes Sociais, professores co-regentes, entre ouros aspectos, que
considerávamos necessários para a efetivação dos ciclos.” E ainda, “este grupo
trabalhou muito, mas nossos pedidos não foram atendidos”.
O magistério municipal organizado, através de seu sindicato (SISMMAC-
Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba) recorreu à
Universidade Federal do Paraná, em busca de assessoramentos, em virtude da
necessidade de um posicionamento em relação à adoção dos ciclos de
aprendizagem, indicada pela SME. Professores do DEPLAE - Departamento de
Planejamento e Administração Escolar, após atenderem individualmente várias
solicitações, perceberam a importância de uma análise mais sistematizada sobre o
processo em curso. Foi assim que essas professoras se organizaram e elaboraram
uma “análise da proposição de ciclos de aprendizagem da Secretaria Municipal de
educação de Curitiba”
57
. Já na introdução da análise, as autoras destacam o papel
57
Análise da proposição de Ciclos de Aprendizagem da Secretaria Municipal de Educação de Curitiba -
elaborada pelas professoras Ana Lúcia Silva Ratto, Andrea Gouveia, Carmem de Sá Brito Sigwalt, Lígia Regina
126
da universidade em relação às redes de ensino e suas propostas educacionais,
colocando-se à disposição das escolas públicas e Secretaria Municipal de
Educação:
“Cabe ressaltar que o papel de uma universidade não pode ser
o de simples denúncia ou crítica das propostas educacionais
existentes nas redes de ensino. A função da academia é a de
apontar com rigor e radicalidade os limites, as contradições e
as possibilidades de avanço das mesmas, colocando-se à
disposição das escolas públicas e entidades mantenedoras na
tentativa de realizar um trabalho conjunto em busca de melhor
qualidade.” (ANÁLISE DEPLAE, s/d, p. 1)
Ao analisar o documento que propõe a implantação dos ciclos (Proposta
Curitiba, 1999a), as professoras do DEPLAE destacaram como positividade a idéia
de formas diferenciadas de organização curricular e escolar, com o intuito de
superação da seriação. Porém:
“Antes de mais nada é preciso que se tenha claro que o
objetivo do trabalho com ciclos seria a desconstrução de uma
organização escolar que historicamente não favorece um
trabalho significativo com os conhecimentos, baseada em
práticas seletivas e arraigadas na classificação artificial do
aluno. A questão da seriação, entretanto, não é em si e
isoladamente a causadora dessa problemática, até porque
sempre veio acompanhada de políticas inadequadas de
condução do processo pedagógico no seu todo, o que não se
pode perder de vista. As questões nodais, portanto, são de
paradigma, de concepção, do perfil de ser humano que se quer
formar e dos vários limites das políticas historicamente
implantadas no país. (ANÁLISE DEPLAE, s/d, p. 02)
Um ano pós a implantação dos ciclos, iniciou-se uma revisão curricular na
Rede Municipal de Curitiba, com o que se pretendia atender as especificidades de
uma escola organizada em ciclos. O documento traz o título: “A escola organizada
em ciclos de aprendizagem – diretrizes curriculares: em discussão (gestão 1997-
2000)”. Essa revisão curricular foi realizada por um grupo de pedagogas, na
Gerência de currículo da SME. Em texto intitulado “Mudanças educacionais e
Klein, Regina Cely Campos, Sônia Guariza de Miranda – professoras efetivas do DEPLAE (Departamento de
Planejamento e Administração Escolar – UFPR). Esse documento será doravante denominado ANÁLISE
DEPLAE.
127
processo pedagógico”, resultado do estudo de pedagogas que participaram
diretamente da elaboração das Diretrizes Curriculares, as autoras descrevem a sua
experiência na elaboração deste documento, além das suas percepções acerca da
compreensão dos professores sobre a necessidade de estudos sobre currículo.
Afirmam que o estudo foi motivado pela seguinte questão: “por que a revisão de
projetos pedagógicos de respectivas propostas curriculares de escolas públicas
municipais de Curitiba são, muitas vezes, realizadas dependentemente de processos
de mobilização externos ao contexto escolar imediato?” (SALAMUNES, FONTANA e
NUNEZ, s/d p. 2) Ao responder a esta questão, as autoras afirmaram acreditar que a
prerrogativa daquela gestão (do prefeito Cássio Taniguchi), a autonomia
administrativa e pedagógica das escolas, fundamentadas no princípio da gestão
democrática do processo pedagógico seria a condição para que as escolas
“articulassem seus projetos pedagógicos e, conseqüentemente, reorganizassem
seus espaços e tempos com vistas à superação do modelo pedagógico bancário
(Freire, 1997)” (SALAMUNES, FONTANA e NUNEZ, s/d p. 8). Ao justificarem a
necessidade de revisão curricular, teceram críticas ao Currículo Básico. Segundo
elas, a “revisão da proposta curricular básica do município de Curitiba, (...) já vinha
sendo discutida em várias instâncias da instituição havia algum tempo.”
(SALAMUNES, FONTANA e NUNEZ, s/d p. 2) Ao criticar o Currículo Básico, as
pedagogas afirmaram que
“tomava-se consciência de que o que até então estava
apresentado como proposta curricular básica para a rede
municipal de ensino de Curitiba não contemplava
explicitamente o fato de que idéias e teorias não refletem, mas
interpretam a realidade. Além disso, valorizava o conhecimento
científico sem explicitar suas limitações quando concebido de
forma fragmentária e localista. Sabia-se que o conhecimento
pertinente deve enfrentar a contradição e a complexidade
presentes na união entre a unidade e a multiplicidade (Morin,
2000); e enfrentar o dogmatismo e a polarização de qualquer
128
ordem. (SALAMUNES, FONTANA e NUNEZ, s/d, p. 5) (sem
grifo no original)
Este trecho parece evidenciar que as autoras atribuíam ao currículo básico
uma concepção dogmática e polarizada, o que na verdade era a definição por uma
concepção marxista de educação. Portanto reconhecia-se num currículo escolar,
que vivemos numa sociedade realmente polarizada, numa sociedade de classes, o
que exige uma tomada de posição por parte daqueles que direcionam a escola
pública, sejam estes gestores ou professores. Esta concepção e opção pela classe
trabalhadora eram claras no currículo Básico, principalmente na sua primeira versão
em 1988, que foi sofrendo alterações que distorceram a concepção inicial, conforme
analisado por SOARES (2003).
Justificavam a mudança curricular em curso por que “observavam um
desinteresse recorrente de muitas (os) professoras (es) pelo estudo aprofundado da
proposta curricular básica que completava cinco anos na sua última versão. O
desinteresse era atribuído à linguagem do currículo Básico, organização textual e
não entendimento de seus objetivos. Na visão de muitos docentes, a proposta
curricular básica não respondia à necessidade de um documento prescritivo da ação
pedagógica.” (SALAMUNES, FONTANA e NUNEZ, s/d, p. 6)
Segundo as pedagogas o texto do Currículo Básico tinha uma “linguagem
academicista” e essa característica impossibilitava que este documento “pudesse ser
compreendido e discutido em sua totalidade pelo conjunto dos profissionais do
município de Curitiba.” (SALAMUNES, FONTANA e NUNEZ, s/d, p. 7) Posição
contrária e compartilhada por esta pesquisadora é discutida por SOARES (2003) ao
pesquisar a qualificação dos professores no município de Curitiba. Ao abordar as
relações entre o Currículo Básico e qualificação docente SOARES (2003) concluiu
que
129
“é possível afirmar que as gestões Lerner, Greca e Taniguchi nunca
disseram romper com a proposta do Currículo Básico, no entanto,
parecem compor, sutil e gradativamente, um processo de
secundarização: o currículo vai sendo secundarizado como elemento
da unitariedade da ação pedagógica o que se dá pela crescente
dissociação entre os cursos de formação continuada dos professores e
o Currículo”. (SOARES, 2003, p. 138)
Assim, o que as pedagogas definem como sendo uma dificuldade por parte
dos professores em compreender um texto em linguagem acadêmica, pode ser
apenas intenção do grupo que compunha aquela gestão, em consolidar uma outra
concepção que não a marxista, definida no Currículo Básico de 1988.
Em seu texto, as pedagogas destacaram que em relação às Diretrizes
Curriculares “(...) efetivava-se a elaboração de um documento que, se por um lado
representaria a síntese possível de uma equipe de profissionais que atuavam na
gestão municipal de um determinado grupo político, por outro, representaria um
fomento significativo no processo de discussões sobre o ‘para quem’ o ‘por que’, ‘o
que’ e o ‘como’ ensinar no ensino fundamental de Curitiba no início do terceiro
milênio.” (SALAMUNES, FONTANA e NUNEZ, s/d, p. 8) Este documento
(DIRETRIZES CURRICULARES) foi enviado às escolas em setembro de 2000, com
um título que dava a idéia de que estaria “em discussão”. Mas, ao contrário da ação
conjunta considerada importante pelas pedagogas, a SME promoveu encontros
descentralizados, o que suscitou descontentamento por parte de muitos professores
da rede municipal. Alguns depoimentos de professores registrados à época, ilustram
o descontentamento com a condução deste trabalho:
(...) as tais diretrizes curriculares, em discussão, como o próprio nome
diz, estão em discussão, mas a SME não oferece a nós professores
nem tempo para discutir e entender o que o documento quer dizer?
Não quero dizer com isso que nós professores municipais não
tenhamos condições de questionar o documento, quero mostrar que
algumas professoras da UFPR, que dedicam sua vida a estudos de
currículo, estão há quase um mês estudando as “Diretrizes
Curriculares – em discussão” e, para entendê-las nas linhas e nas
entrelinhas, elas estão lendo livros e textos produzidos pelos autores
citados no documento. Portanto, isso significa que não é numa
130
‘reunião de apresentação das diretrizes’ ou em meia dúzia de estudos
nas permanências que nós, professores, estaremos capacitados a
complementar e alterar este documento. (VARESCHI. In: Jornal
SISMMAC, outubro de 2000)
Nos últimos dias vimos encerrar o prazo que os núcleos
estabeleceram para que as escolas fizessem um parecer sobre as
Diretrizes Curriculares propostas pela SME neste final de ano letivo. É
evidente que a quase totalidade das escolas da Rede não conseguiu
concluir seus estudos por conta da falta de tempo, da sobrecarga de
trabalho individual e coletiva dos professores, do extenso e muitas
vezes incoerente referencial bibliográfico apresentado no documento.
Novamente, então, o prazo foi dilatado. (BRUEL. In: Jornal do
SISMMAC, novembro de 2000)
(...) Por isso, estamos indignados com a forma desrespeitosa de como
a Secretaria de Educação irá proceder na avaliação e reescrita deste
documento.
Vejam como a SME estipulou os passos e o prazo para
esta avaliação:
Cronograma
1- Discussão no interior das escolas – indicação de um
representante da escola para discussão nos núcleos.
2- Discussão no núcleo com os representantes das
escolas – indicação de um representante das escolas – indicação de
um representante por núcleo.
3- Discussão envolvendo os representantes dos núcleos e
SME – indicação de 4 representantes para escrita fina.
4- Discussão e escrita final do documento.
Indicativos para Análise e Discussão na escola a serem
apresentados pelo representante da escola:
1- Aspectos positivos
2- Dúvidas (aspectos a serem esclarecidos)
3- Sugestão de alterações
Como podemos observar, não existe uma preocupação
efetiva por parte da SME com um Currículo que venha contribuir para
um ensino de qualidade, não é possível aceitar que um documento tão
importante para a organização do trabalho político pedagógico das
escolas receba um tratamento tão aligeirado e sem a possibilidade de
uma reflexão crítica. (Jornal do SISMMAC, maio de 2003)
Estas diretrizes são organizadas em três princípios: educação para o
desenvolvimento sustentável, educação pela filosofia e gestão democrática do
processo pedagógico. Estes princípios foram criticados (CHÃO DA ESCOLA:
SISMMAC, 2002; KLEIN, 2003) por seu caráter ideológico, no sentido de que
expõem algumas idéias inegavelmente aceitas por todos, mas ocultam as reais
131
intenções, que de fato atendem interesses de classe (KLEIN, 2003). Sobre o
desenvolvimento sustentável, o documento destaca que este conceito se
generalizou a partir da publicação do relatório ”nosso futuro comum, elaborado entre
1984 e 1987, pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das
Nações Unidas” (DIRETRIZES CURRICULARES, 2000, p. 26) Ninguém pode negar
que um “futuro comum” exige, mundialmente, a preservação ambiental. Entretanto,
“está oculto que as reservas do terceiro mundo são as únicas existentes no mundo,
porque a Europa e os EUA já devastaram toda, ou grande parte, de suas reservas
naturais, de onde se extraem as matérias primas empregadas na produção de
mercadorias. (...) Portanto, o discurso em torno do desenvolvimento sustentável, não
está de fato, preocupado com a preservação ambiental e humana , mas preocupa-se
em constituir uma reserva de matéria prima para o capital internacional, para ser
gradativamente consumida, conforme seu interesse.” (KLEIN, 2003, p. 54) Oculta-se
ainda que as grandes empresas poluidoras
58
são as mesmas que arrecadam
milhões para despoluir. Projeções do próprio Banco Mundial, indicavam que “(...) as
indústrias ecológicas movimentarão fortunas maiores do que a indústria química.
(...)” (GALEANO, 1999, p. 196)
Uma das explicações para a educação pela filosofia está fundamentada no:
Relatório para a UNESCO, realizado pela Comissão sobre a Educação
para o século XXI, o projeto educativo da contemporaneidade deve
contemplar quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a viver junto com os outros e aprender a ser. A educação
pela filosofia, cujos princípios estão pautados no diálogo, na reflexão
crítica, no respeito mútuo, na vivência de valores éticos e na aquisição
de significados e sentidos, caminha nessa perspectiva. (DIRETRIZES
CURRICULARES, 2000, p. 42)
58
Algumas dessas empresas são: General Eletric, que produz o envenenamento do ar, mas também
equipamentos para o controle da contaminação do ar; a indústria química DuPont, que gera acentuado volume de
resíduos industriais perigosos e fatura com um setor de serviços especializado para incineração e enterro de
resíduos industriais perigosos e a Westinghouse, que além de armas nucleares, comercializa milionários
equipamentos para limpar o lixo radioativo. (GALEANO, 1999, p. 197)
132
Essa perspectiva do “aprender a aprender” desenvolvida pela UNESCO, no
relatório JACQUES DELORS (1998) caminha na direção da “autodidaxia”, ou seja,
como explica o próprio documento:
A educação básica é, ao mesmo tempo, uma preparação para a vida e
o melhor momento para aprender a aprender. Quando os professores
são ainda em número reduzido, a educação básica é a chave da
autodidaxia. Nos países que oferecem aos alunos vários cursos à
escolha ela consolida as bases do saber e constitui, ao mesmo tempo,
a primeira fase de orientação. (DELORS, 1998, p.127)
Parece tratar-se de uma suposta autonomia que descarta o trabalho do
professor e o papel da escola. Para DUARTE (2001c), as pedagogias do “aprender a
aprender” largamente empregadas nos textos curriculares atualmente, tratam de
uma tentativa de aproximação da teoria de Vigotsky às ideais neoliberais e pós-
modernas, o que se faz descaracterizando a concepção marxista própria das idéias
deste autor. (DUARTE, 2001c, p2)
Ao buscar as argumentações defendidas para a organização curricular para
os ciclos nos documentos oficiais da SME, observa-se que estas estão são muito
próximas àqueles destacados no relatório JACQUES DELORS (1998), quando
sugere “percursos de aprendizagem mais suaves e flexíveis” e “ritmos especais de
ensino” (JACQUES DELORS , 1998, p. 147) como mecanismo para superar a
exclusão.
O relatório do Projeto Gestão Estratégica Para Resultados indicava como
objetivo estratégico um “currículo inovador e flexível”, tendo como indicador de
desempenho os “índices de aprovação e projetos inovadores” e a “adequação
constante do currículo aos avanços científicos e tecnológicos”, como vetor de
desempenho. (FGV/EBAP-IMAP-SME, 1999, p.62)
A noção de conhecimento para a escola em ciclos em Curitiba, é
extremamente atrelada à solução de problemas cotidianos, pois acredita-se que
133
“(...) hoje, as oportunidades de trabalho já exigem – e exigirão mais
ainda no futuro – um trabalhador que consiga se adaptar às oscilações
produtivas e aos ganhos contínuos de qualidade: uma pessoa com
boa formação intelectual, capaz de dar respostas criativas às
exigências do dia-a-dia”. (PROPOSTA CURITIBA, 1999a, p. 05)
Seria este o papel da escola para a classe trabalhadora, formar trabalhadores
para dar repostas criativas às exigências do dia-a-dia? Trabalhadores, para ter
emprego, ou melhor, potencial de empregabiblidade, que devem dar respostas
criativas ao mercado de trabalho! Parece-nos indicar a formação de indivíduos
limitados às exigências da sua reprodução imediata, da força de trabalho necessária
a um mercado que, por sua vez, exige flexibilidade e fácil adaptação às oscilações.
Nesse sentido, pode-se recorrer a DUARTE (2001b) que adverte: Quando o
indivíduo não consegue dirigir conscientemente sua vida como um todo, incluída
como parte desse todo a vida cotidiana, o que acontece é que sua vida como um
todo passa a ser dirigida pela vida cotidiana.”(p. 39) É importante destacar ainda
que, segundo Heller, embora ”nem mesmo a ciência e a arte [estejam] separadas da
vida do pensamento cotidiano“ (Heller,1985, p. 26), a vida cotidiana é extremamente
pragmática, além de ser marcada pela fé, confiança e espontaneidade, não
permitindo reflexão intensa e específica sobre algum conteúdo da realidade. Assim
destaca HELLER:
“Na vida cotidiana, o homem atua sobre a base da probabilidade, da
possibilidade: entre suas atividades e as conseqüências delas, existe
uma relação objetiva de probabilidade. Jamais é possível , na vida
cotidiana, calcular com segurança científica a conseqüência possível
de uma ação. Nem tampouco haveria tempo para fazê-lo na múltipla
riqueza das atividades cotidianas. Ademais, isso nem mesmo é
necessário: no caso médio, a ação pode ser determinada por
avaliações probabilísticas suficientes para que se alcance o objetivo
visado.” (HELLER, 1985, p. 31)
Como se pode perceber, a expressão dia-a-dia é empregada no texto
destacado da PROPOSTA Curitiba 1999a como sinônimo de cotidiano, entendido
134
como aquelas atividades que “fazem parte da reprodução do indivíduo” (DUARTE,
2001b, p. 34). O cotidiano não é o foco desse trabalho, mas nos parece fundamental
destacar aqui a crítica de Heller (apud DUARTE, 2001b) sobre esta interpretação de
cotidiano que permeia muitos discursos atribuídos à escola. Afirma a autora: “se por
um lado não existe vida humana sem vida cotidiana, por outro, a redução da vida
dos seres humanos à esfera da vida cotidiana é equivalente à redução da vida
humana ao reino da necessidade” (p. 38)
Nesse sentido, não se pode limitar a formação de nossos alunos ao reino da
necessidade, mas possibilitar que estabeleçam uma relação consciente e de
intervenção em sua vida cotidiana, o que exige “apropriação das conquistas
efetuadas já historicamente pelo gênero humano” (DUARTE, 2001b, p. 40).
KLEIN (1995), afirma que é realmente na vida cotidiana que aprendemos
quase tudo, a partir das experiências que vivenciamos reiteradamente. Entretanto, o
cotidiano não comporta todo conhecimento que queremos aprender e nem todo
conhecimento está presente de forma imediatamente compreensível, o que exige a
existência da escola. Nesse sentido, KLEIN (2003) alerta ainda que
interessa, à classe trabalhadora, o domínio do conhecimento científico
histórica e criticamente acumulado e sistematizado. Se isto é o que
interessa para a classe trabalhadora, então o papel fundamental da
escola é o acesso ao conhecimento. Não, entretanto, qualquer
conhecimento, mas ao conhecimento teórico-prático voltado para o
desenvolvimento da sociedade, vale dizer, para sua transformação. Se
assim é, a necessidade de ensino-aprendizagem do máximo de
conhecimentos, da forma mais ampla, mais exitosa e no menor tempo
possível, constitui o elemento central da organização do processo
.
(KLEIN, 2003, p. 49) (sem grifo no original)
Segundo o documento da SME, “é função da escola garantir a aquisição dos
conhecimentos básicos e da cidadania, promovendo assim o desenvolvimento
econômico e social” (PROPOSTA CURITIBA, 1999a), Como afirmado por KLEIN e
135
DUARTE, uma escola voltada aos anseios da classe trabalhadora necessita do
máximo de conhecimentos, não de conhecimentos básicos, limitados a atender
aspectos do dia-a-dia.
HELLER (1985) enfatiza ainda que, se por um lado não é possível e
necessário tomar o conhecimento científico para explicar conteúdos em nossa vida
cotidiana, por outro, a fé e a confiança ganham destaque nessa esfera da vida, ou
seja, a função mediadora desses dois sentimentos é mais intensa na cotidianidade,
o que não significa necessariamente que a vida cotidiana seja totalmente destituída
de reflexão, mas esta é realmente mais limitada nessa esfera da vida. E explica:
“os homens não podem dominar o todo com um golpe de vista em
nenhum aspecto da realidade; por isso, o conhecimento dos contornos
básicos da verdade requer confiança (em nosso método científico, na
cognoscibilidade da realidade, nos resultados científicos de ouras
pessoas, etc.). Na cotidianidade, o conhecimento se limita ao aspecto
relativo da atividade, e, por isso, o espaço da confiança é inteiramente
diverso. Ao astrônomo, não basta ter fé em que a Terra gira em redor
do sol; mas, na vida cotidiana, essa fé é plenamente suficiente. (...)
Dado que o pensamento cotidiano é pragmático, cada uma de nossas
atividades cotidianas faz-se acompanhar por uma certa fé ou uma
certa confiança.” (HELLER, 1985, p. 33, 34)
Nesse sentido, ao recebermos na escola o que se denomina como “novas
propostas educacionais’, é fundamental, enquanto profissionais da educação e
intelectuais, estarmos atentos a argumentos fundamentados na idéia do “aprender a
aprender, que prometem defender maior acesso dos alunos a conteúdos básicos,
mas que ocultam a flexibilização dos conteúdos curriculares. Esse cuidado é
necessário porque, muitas vezes, acreditando nesse argumento, com a melhor das
intenções, corremos o grande risco de empobrecer drasticamente o conteúdo
escolar direcionado aos alunos das classes trabalhadoras. BARRETO e MITRULIS
(2001) ao mostrar as origens da escola organizada em ciclos no Brasil, que, como
136
destacado anteriormente, foi fundamentada por experiências dos Estados Unidos e
Inglaterra, alertam que também nesses países
(... ) encontram-se mecanismos sutis de aliar a seleção social
aos meandros da (...) trajetória escolar diferenciada. (...) Isso
ocorre com maior freqüência nas escolas que atendem alunos
de origem popular e grupos étnicos cuja língua materna não é o
inglês. Essa prática tem se tornado mais prematura após a
avaliação externa nos anos 90 na Inglaterra, sendo que, desse
modo, o aluno pode ser relegado, pelo próprio aparato
institucional, a um ensino mais pobre, que lhe cerceia
posteriormente o acesso a uma trajetória escolar de maior
prestígio escolar e social. (...) Em redes escolares norte-
americanas, uma valoração diferencial das disciplinas do
currículo pode determinar restrições às opções a serem feitas
pelo aluno ao longo da escolarização, quando sua escolha ou o
seu melhor desempenho incidem sobre as disciplinas práticas e
não sobre aquelas de caráter científico ou acadêmico, que
gozam de maior reconhecimento social. (BARRETO e
MITRULIS, 2001, p. 111).
Como se pode constatar, outras experiências de organização da escola em
ciclos foram utilizadas no sentido de “alargar o tempo” e reduzir os conteúdos
escolares, seguindo essa idéia de conteúdos mínimos, numa ótica pragmática, que
impede que o aluno da classe trabalhadora possa ter acesso ao conhecimento
científico, restando-lhe permanecer na fé e na confiança. Ademais, esta ampliação
do tempo sem as intervenções pedagógicas e as condições de trabalho necessárias
pode ocasionar o contrário do propalado pelos idealizadores da política, ou seja, ao
invés da maior aprendizagem com a ampliação do tempo, o que ocorre é a redução
da aquisição do conteúdo e conseqüentemente do tempo de escolarização, com
reprovações nas etapas ou séries posteriores ou ainda a expulsão do aluno, uma
vez que este atesta também sua própria incompetência diante da complexificação
dos conteúdos nos níveis escolares posteriores e abandona a escola.
137
3.2.5- AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM:
A preocupação com resultados é tão enfática que torna a avaliação o eixo
estruturador da organização em ciclos de Curitiba. Nesse sentido, a avaliação
recebe lugar de destaque na organização curricular. Assim destaca a proposta da
S.M.E:
“ (...) Esse sistema de avaliação, que é o centro da proposta da
organização em ciclos, aponta para a necessidade de as
escolas implantarem uma organização que considere cada
momento do processo de aprendizagem como sendo o ponto
de chegada e partida para patamares superiores de aquisição
de conhecimento” (PROPOSTA CURITIBA, 1999a, p.08)
Entretanto, no documento ANÁLISE/DEPLAE (s/d), as autoras desenvolveram
uma crítica à tomada da avaliação como eixo estruturador ou orientador da
organização da escola em ciclos. Afirmam as autoras que, diferentemente e
corretamente, em outros municípios que também organizam sua Rede Escolar em
ciclos, o centro da proposta não é uma de suas particularidades, a avaliação, mas
“a concepção de currículo, de homem e sociedade, sendo a
avaliação uma de suas dimensões entre outras como:
concepções fundantes, organização curricular, apoio educativo
e complemento curricular, formas de progressão e
recuperação.” (ANÁLISE DEPLAE, s/d, p.16)
Portanto, tomar a avaliação como eixo estruturador da organização em ciclos
é, na análise das professoras do DEPLAE/UFPR(s/d), uma direção considerada
simplista, por ser parcial, uma vez que nega a totalidade do processo educativo e
coloca como centro do trabalho um dos elementos constitutivos deste, a avaliação.
Esta que “só adquire sentido em sua relação com a totalidade” (RIBEIRO, 1991, p.
10), se tomada isoladamente, pode meramente provocar uma ampliação dos
“índices e taxas de desempenho do sistema educacional” (p. 16) sem efetiva
aprendizagem por parte dos estudantes.
138
A eliminação das reprovações, através da mudança na cultura de avaliação
da escola, era um dos objetivos a ser alcançado com a implantação dos ciclos. No
documento PROPOSTA CURITIBA 1.999a afirma-se que a opção pelos ciclos está
no fato de que esta é uma organização que
apresenta novas formas de pensar a educação, deixando de lado o
modelo perverso e seletivo da escola seriada. (...) Nesse novo modelo,
o ritmo de aprendizagem dos alunos passa a ser respeitado. Se o
estudante apresenta dificuldades para a aprendizagem de conteúdos
específicos, haverá oportunidades para a sua recuperação durante o
processo.(PROPOSTA CURITIBA 1999a, p. 06)
De acordo com pesquisa realizada por KNOBLAUCH (2003), também acerca
da implantação dos ciclos em Curitiba, tomando em especial aspectos sobre a
avaliação, afirma-se que a maior alteração provocada na escola foi a forma de
registro, com a adoção de ficha cumulativa e parecer descritivo, pois uma prática
avaliativa processual já vinha se incorporando ao trabalho dos professores antes da
implantação dos ciclos. Apesar disso, as dificuldades com a adoção desses registros
em substituição às notas foi evidente, uma vez que “permanece entre os professores
uma visão linear de aquisição do conhecimento, o que conduz a um ensino que
pressupõe que a aprendizagem deva ocorrer por meio de etapas, as quais devem
ser vencidas pelos alunos”. (KNOBLAUCH, 2003, 140) Torna-se claro que para
mudar a concepção classificatória própria da seriação, não basta uma medida
administrativo-legal, é fundamental investimento em processo de formação dos
professores a fim de discutir concepção de sociedade, de educação e
conseqüentemente de avaliação, como parte integrante não só da realidade escolar,
como da realidade social mais ampla.
O não rompimento com esta cultura de avaliação classificatória é evidente
também no pronunciamento da professora diretora de ensino da SME, ao criticar a
139
compreensão de muitos pais de alunos sobre a avaliação na escola ciclada,
destacando que:
os pais pedem sim nota, boletim...estamos acostumados com a cultura
da nota. Os pais identificam e gostam de mostrar para os parentes...se
ele tem nota azul ou vermelha no boletim. (...) É uma cultura que vem
do século XIX, ela não vai mudar do dia para a noite, nós é que temos
que promover essa mudança, nós é que temos que conscientizar os
pais, é parte do nosso trabalho, de cada um de nós. (EVENTO 1,
2002)
É justamente porque romper com essa cultura não é tarefa fácil, que se exige
muito tempo de formação continuada aos professores, também para que estes
possam compreender que uma avaliação sem atribuição de notas e conceitos deve
ter o devido rigor pedagógico. Apesar da afirmação sobre a importância desta
participação dos pais, estes não foram consultados ou participaram de discussões
coletivas, sobre a implantação da organização escolar em ciclos. Além disso, a
flexibilidade nos conteúdos e uma conseqüente redução em termos de rigor
pedagógico, mostra aos pais que seus filhos não aprendem ou não são devidamente
avaliados.
A SME apresenta então uma incoerência, pois, de acordo com KNOBLAUCH
(2003) por um lado, critica a escola por aceitar durante muito tempo altos índices de
reprovação e lançar esta responsabilidade ao aluno, e, por outro, incube os
professores de desenvolver projetos para a busca de melhores resultados, mas não
oferece aos mesmos um cronograma de qualificação docente, um dos aspectos
fundamentais para superar a cultura de reprovação.
A SME, através desta política conseguiu reduzir as estatísticas de
reprovação. Entretanto, diferente da intenção de romper com uma avaliação
classificatória, pode-se inferir que esta apenas mudou de foco: a seleção e rotulação
antes verificadas pela nota, passaram a ser visíveis nas filas para avaliação
140
psicoeducacional. A responsabilidade pela não aprendizagem continuou sendo
lançada ou para a criança, que devia ter algum problema de aprendizagem, algum
distúrbio neurológico ou psicológico ou para algum problema de metodologia de
ensino. Então, escola e família foram novamente responsabilizadas pelo problema,
independente das condições para soluciona-lo, isentando a mantenedora da sua
responsabilidade. O depoimento de uma pedagoga do núcleo de educação confirma
a afirmação de que, após a implantação dos ciclos, as filas do CMAES– Centros
Municipais de Atendimento Especializado
59
- se ampliaram, porque “todos passam a
ter o compromisso de estar atentos ao desenvolvimento do aluno”, o que é, sem
duvida, um aspecto de positividade. Destaca ainda que o pedagogo da escola
recebeu mais responsabilidades, referindo-se a um trabalho de pré-triagem que era
realizado com os alunos que apresentavam dificuldades mais marcantes em termos
de aprendizagem. Nesses casos, as fichas com os registros das observações feitas
por professores e pedagogas acerca da aprendizagem do aluno eram encaminhadas
ao núcleo e
CMAE, escola e núcleo
60
analisam se aquele aluno é um caso de
encaminhamento porque ele tem mesmo uma dificuldade de
aprendizagem ou tem outro comprometimento, que pode ser um
problema de desenvolvimento humano, então ele está na fase dele, é
59
É importante destacar que, com o elevado número de crianças na fila de espera dos CMAES, as pedagogas
passaram a receber a incumbência de realizar uma avaliação prévia das crianças na escola, incluindo neste
trabalho uma anamnese. Os CMAES, que já contavam com número limitado de profissionais, ficaram
sobrecarregados de trabalho e a solução encontrada foi enviar uma parte deste trabalho para a pedagoga, na
escola, limitando ainda mais o papel do pedagogo escolar.
60
A pedagoga núcleo refere-se à equipe multidisciplinar, instituía desde a implantação dos ciclos com o objetivo
de acompanhar o processo de avaliação dos alunos, realizado pela escola, e decidir sobre sua aprovação ou
retenção ao final de cada ciclo. O aluno poderia ter aprovação na forma de progressão simples ou progressão
com necessidade de apoio pedagógico, conforme indica o PROJETO CURITIBA (1999b, p. 43). Esta equipe era
composta por representantes do CMAE, do Núcleo de Educação, pela pedagoga da escola e pela professora
regente e por vezes também pela professora co-regente. Nessa equipe são analisadas as produções das crianças
consideradas com dificuldades acentuadas e portanto possíveis retidas no ciclo. Outra tarefa da equipe se deu em
função do aumento dos encaminhamentos ao CMAE, esta equipe passou também a fazer uma espécie de
mediação entre escola e CMAE, para verificar os casos realmente necessários para atendimento especializado.
Assim, as pedagogas da escola receberam incumbências até então não realizadas, como a responsabilidade por
fazer uma anamnese com a família e uma pré-triagem, espécie de investigação psicopedagógica, com a criança.
Esses registros eram enviados ao núcleo de educação para análise da equipe muldisciplinar. A equipe analisava
então as produções da criança, indagava sobre o trabalho realizado pela escola, decidindo sobre a necessidade de
encaminhamento especializado ou não.
141
só mais uma questão de tempo e ele vai dar conta, ou se é mesmo
uma necessidade de mudança de postura no encaminhamento
metodológico.” Aí, claro, muito mais aluno passa a ser olhado, o
volume de trabalho aumenta: como aumenta na escola, aumenta no
núcleo, aumenta no CMAE. (...) O CMAE tenta dar conta dessas
situações, só que são muito mais casos para se analisar (...) Na
medida em que aumentou o trabalho,
aumentou pra todo mundo,
porque esse aluno não ficou mais abandonado à
própria sorte. Todo
mundo tem que fazer alguma coisa por ele, aí o CMAE, que tinha uma
estrutura, é lógico, ficou com uma fila. Alguns mais outros menos, mas
uma fila bem maior. (Depoimento 5 – anexo 8)
Embora se atribua esse aumento das filas aos diferentes olhares sobre a
criança, o que é, sem dúvida um aspecto de positividade, há que se perguntar
porque tantos alunos foram encaminhados aos CMAES com suspeitas de
defasagem ou distúrbios de aprendizagem. Parece que, na ausência de uma
avaliação efetiva e coletiva da política de ciclos de aprendizagem, de discussão e
definição curricular e metodológica, os problemas se intensificaram na sala de aula e
coube novamente à família e aos professores, isoladamente, solucionarem o
problema, pois os CMAES, cumprindo seu papel, avaliavam as crianças e
encaminhavam a devolutiva, com orientações aos pais e à escola, para que estes
tomassem as providências, independente das condições que encontravam para
realizar este trabalho. Não eram raros os casos de indicação de atendimentos por
profissionais da área de saúde, mas que esbarravam na falta desses profissionais e
nas condições precárias das famílias, inclusive para o transporte da criança até o
atendimento.
A não superação da cultura de reprovação, como afirmado por KNOBLAUCH
(2003) foi reforçada pelo depoimento de uma pedagoga de uma das escolas da rede
municipal que pronunciou-se a respeito, afirmando que “automaticamente quando
veio o ciclo, todo mundo começou a procurar os problemas e procurando os
problemas aumentaram as filas do CMAE, aumentando a fila do CMAE não
aumentaram os profissionais, (...) a demora não é culpa deles, é culpa do sistema
142
que colocou ciclo, mas não colocou um apoio maior...”. Indicaram-se “diferentes
olhares” sobre a criança, mas parecem ter faltado, uma vez considerados
necessários, discutir que conteúdos observar, sob que concepção observar, além
da integração destes diferentes olhares (Educação, Saúde, Assistência, Trabalho).
Nesse processo de avaliação, muitos professores criticavam o trabalho das
equipes multidisciplinares pela excessiva intervenção nas decisões da escola. A
pedagoga de uma das escolas referiu-se à equipe como “(...) uma forma de
diminuir os índices de retenção” (in: KNOBLAUCH, 2003, p. 86). Já no EVENTO 2
(2003), outra professora apontou também os problemas referentes à equipe,
afirmando que “(...) existem deferentes posturas nas equipes, não dá para
generalizar. Mas um dos problemas bastante pontual, é que as equipes em geral
não conhecem as crianças que estão sendo avaliadas, tem contato com os
materiais, com suas produções, mas não conhecem esta criança de modo
processual como prevê a avaliação posta nos documentos da SME. (...)” (EVENTO
2, 2003, p. 69)
Os questionamentos giraram em torno da superficialidade do trabalho destas
equipes e no conhecimento insuficiente acerca do desenvolvimento das crianças em
questão. Parece que a avaliação configurou-se como uma busca aos possíveis
problemas de aprendizagem das crianças e os encaminhamentos especializados
como a solução.
3.2.6 - CORPO DOCENTE
De acordo com a SME, no documento (PROJETO Curitiba, 1999b) analisado,
os planos de ação solicitados às escolas indicaram que “a maior incidência de
reivindicações tem sido por capacitação aos profissionais que atuam nessa nova
143
forma de organização do ensino, aumento do número de professores para atuar
como co-regentes e apoio pedagógico e psicopedagógico às turmas organizadas em
ciclos”.(PROJETO CURITIBA, 1999b, p. 18)
Apesar disso, no mesmo ano da implantação dos ciclos, o magistério, através
de seu sindicato, reivindicava condições para um trabalho pedagógico de qualidade:
Manutenção do Currículo Básico como eixo norteador da prática
pedagógica na R.M.E;
Formação continuada e permanente para os professores em horário
de trabalho pela S.M.E;
Manutenção da semana pedagógica, com substituição das
teleconferências por palestras e/ou cursos onde haja uma interação
direta entre palestrantes e professores;
Garantia da permanência concentrada. (Jornal SISMMAC, março de
1999)
Em 2002, durante o EVENTO 1, a presidente do SISMMAC , avaliou que a
Rede Municipal teve avanços, principalmente na década de 80, com o Currículo
Básico, destacando que os ciclos de aprendizagem poderiam também ser uma
proposta de qualidade se tivessem as condições para sua efetivação. Afirmou ela:
(...) sou professora na Rede Municipal há dezessete anos,
acompanhei toda uma trajetória da Rede e acho que a Rede avançou
muito até um determinado momento com o Currículo básico e eu acho
que a iniciativa dos ciclos de aprendizagem ela pode ser um marco
histórico também se a gente tiver condições para que eles aconteçam.
E acho que o grande problema que está acontecendo é não estão
sendo dadas as condições, não foram dadas as condições no
momento da implantação (...). (EVENTO 1, 2002)
Essa solicitação por condições de trabalho para a organização em ciclos é
evidenciada também em pronunciamentos dos professores durante o EVENTO 1, no
ano de 2002. O questionamento conferido a SME pela professora destaca que
Na escola não queremos reprovação, queremos qualidade de ensino
e, para tanto, necessitamos de condições de trabalho. Quando se fala
144
em qualidade de ensino por parte dos representantes da SME, por que
então: Houve redimensionamento de pessoal no momento em que
precisaríamos mais ainda de profissionais? Na semana de estudos
pedagógicos, nos dois dias organizados pela SME, não foram
aproveitados para se fazer um seminário com todos os professores,
para uma avaliação sobre a organização das Escolas em ciclos de
aprendizagem? Porque houve pressão por parte dos núcleos para os
professores não participarem deste seminário, sendo que há muitos
representantes, chefes de núcleos e pessoas do prédio
central?(EVENTO 1, 2002)
Além da solicitação por condições de trabalho, é claro no pronunciamento da
professora a preocupação da SME com um evento que procura debater estes
aspectos, tão questionados pelos professores. Diante da quantidade de problemas
mostrados nos materiais analisados sobre o contexto da prática dos professores e
sobre como receberam esta política, foram organizadas subcategorias para “corpo
docente”, no intuito de melhor apresentação e análise.
3.2.6.1- A qualificação docente:
No PROJETO CURITIBA (1999b), faz-se menção a um período “de expansão
do número de escolas e de políticas educacionais de caráter compensatório”,
provavelmente como referência à década de 80, até chegar-se a uma proposta
curricular própria (o Currículo Básico para a Escola pública de Curitiba, editado em
1988, na sua primeira versão). Afirma o próprio documento que:
“De lá para cá, investimentos significativos em capacitação de
professores têm ocorrido na busca da melhoria da qualidade do
ensino e na perspectiva do entendimento coletivo dessa
proposta curricular básica. Cursos, oficinas, seminários internos
e externos têm sido oferecidos em que a concepção
pedagógica interacionista e a abordagem metodológica das
diversas áreas do conhecimento têm sido o foco central de
estudos com professores e equipes pedagógico-
administrativas.” (PROJETO CURITIBA, 1999b, p. 3)
Entretanto, apesar de referir-se aos investimentos significativos em
capacitação ocorridos paralelamente ao Currículo Básico, nas diferentes áreas do
145
conhecimento, no ano de 2000, logo após a implantação dos ciclos, desativa-se o
Laboratório de Ensino-Aprendizagem (L.E.A.) , local onde ocorriam as capacitações
referidas anteriormente. À época, foi solicitado um pedido de informações
61
(anexo
11) sobre a desativação deste local, por um vereador do Partido dos Trabalhadores,
em virtude da importância dos cursos proferidos neste espaço para os professores.
É, no mínimo, incoerente, uma administração que afirma preocupar-se com a
“qualidade da ação educativa” (PROJETO CURITIBA 1999b, p. 2), fechar um espaço
de capacitação, próprio para a realização de cursos nos dias de permanência dos
professores, sem sequer justificar essa atitude diante do magistério. E o pior, com a
extinção do L.E.A, a maioria dos cursos passaram a ser ofertados a distância,
conforme afirmado por KNOBLAUCH (2003, p. 40).
Apesar da referência positiva da gestão Taniguchi ao Currículo Básico,
verificada nos documentos analisados, já no mês de fevereiro de 1999, o jornal do
sindicato indicava que a concepção e os princípios defendidos neste vinham sendo
descartados pela SME, que, nas capacitações da Semana Pedagógica, mostrava
descompromisso e a ausência da unidade teórica, própria do Currículo Básico.
Assim destacava o jornal do SISMMAC:
A SME tem deixado de lado os princípios que norteiam o currículo
básico. É preciso resgatar esses princípios que fazem da escola, um
espaço onde os alunos são sujeitos históricos e futuros agentes
transformadores da sociedade. (Jornal do SISMMAC, fevereiro, 1999)
O sindicato questionava ainda a dinâmica conferida à Semana Pedagógica da
Rede Municipal, que impossibilitava maior interação dos participantes entre si e com
os palestrantes:
Hoje é extremamente questionável a qualidade da semana
pedagógica, uma vez que a mesma foi fragmentada, resumindo-se a
um trabalho de teleconferências, onde o professor e professora não
61
Proposição de número 62.00001.2000, de 03/01/2000.
146
têm a oportunidade de questionar e aprofundar seus conhecimentos.
(Jornal do SISMMAC, fevereiro, 1999)
Mais uma vez, o princípio da autonomia é destacado pela SME, direcionado
agora ao Currículo e formação continuada de professores. Nesse sentido, a
administração utilizou estratégias que lançavam prioritariamente à escola a
responsabilidade pelo sucesso da elaboração e implementação do currículo e a
formação continuada dos professores.
GONÇALVES (1994), na sua tese de doutorado sob o título “Autonomia da
escola e neoliberalismo: Estado e Escola Pública” adverte que não se pode
descartar a autonomia da escola como construção histórica. Porém, no contexto das
políticas do Estado neoliberal esta “pode ser apenas cortina de fumaça
profundamente atraente e mistificadora a encobrir os propósitos da ofensiva
neoliberal de fragilização e de ajuste do Estado nos países do Terceiro Mundo, ao
desenvolvimento econômico na sua fase atual”. (GONÇALVES, 1994, p. 7)
A mesma autora destaca ainda que esta concepção de autonomia lança para
a escola uma perspectiva localista, ou seja, esta torna-se “local para
encaminhamentos de soluções através de projetos próprios” (GONÇALVES, 1994, p.
14) o que na Rede Municipal de Curitiba passa a ocorrer também por meio dos
Projetos Fazendo-Escola. Gonçalves lembra ainda que esta é uma autonomia
tutelada, uma vez que há sempre um esquema de controle centralizado no Estado.
Quanto aos Projetos Fazendo-Escola (agora renomeados Escola–Universidade)
observa-se pela própria lógica fragmentária de funcionamento que estes constituem-
se numa “medida para acirrar a competição dentro do sistema escolar” (CONNEL.
In: GENTILI, 2001), além da diferenciação de salários, uma vez que somente
aqueles aprovados receberão um acréscimo provisório em seus rendimentos, por
seis meses, durante a aplicação do projeto. Esse tipo de medida produz, ainda que
147
sutilmente, entraves à organização coletiva do professorado, que se preocupa em
resolver o problema imediato (e legítimo) de ampliação, ainda que provisória do
salário, em detrimento da organização coletiva, para real ampliação salarial a
todos.Nesse sentido, SOARES (2003) destaca que
Talvez, as atuais configurações da RME de Curitiba, marcadas
pela descentralização nos planos do currículo, da gestão e da
formação continuada dos professores, sustentada pela idéia de
‘autonomia das escolas’, esteja em última instância reforçando
a diferenciação entre as escolas. Neste sentido parece
importante considerar que, quanto mais diferenciadas as
escolas, do ponto de vista do currículo, da formação continuada
dos professores, dos aspectos físicos, relacionados também à
sua manutenção, tende-se a delegar a responsabilidade pela
oferta da educação pública, às possibilidades financeiras da
comunidade em que cada escola está inserida, possibilitando-
lhe, ou não, contar com a ‘ajuda’ dos voluntários, das parcerias
com o setor privado e, ou ‘amigos da escola’. Desta forma, é
bastante provável que, as escolas com menos recursos, sejam
aquelas destinadas à população mais carente. Há, portanto,
com a desresponsabilização do poder público, uma tendência
em desprivilegiar os mais pobres, já que esta
desresponsabilização tende a ser mais grave para aquelas
escolas que, também, já se encontram em situação mais
precária (SOARES, 2003, p. 65).
Essa lógica de diferenciação entre as escolas é percebida pelas famílias, que
procuram matricular seus filhos naquelas escolas que consideram como melhores. A
partir daí, o poder público parece se deparar com o problema de excesso de procura
em algumas escolas e escassez em outras. Ao que parece, para resolver esse
problema criou-se uma estratégia denominada geoprocessamento, através da qual
as matrículas devem ser realizadas obedecendo ao critério da proximidade da
residência. Então, nesse caso, como não convém ao poder central, a comunidade
não tem escolha.
A respeito da capacitação dos professores, no evento 1, a diretora de ensino
da SME destacou que foi oferecida uma média de 24 horas de capacitação (o que
denominou como horas/homem) para todos os professores dos ciclos I e II, na Rede
Municipal de Curitiba. Além disso, destacou a diretora de ensino que houve a
148
veiculação de programas na TV Professor, para capacitação em serviço, o que
abrangeu 3.920 professores capacitados por educação a distância.
Apesar disso, depoimentos de professores que não se consideraram
devidamente capacitados para atuar na organização em ciclos, coletados no
EVENTO 1, em 2002, destacavam as fragilidades não assumidas pela SME nesse
aspecto:
Na época da implantação dos ciclos de aprendizagem não houve
tempo necessário para o estudo da fundamentação teórica.
Atualmente os cursos são oferecidos em horários incompatíveis com
os horários das professoras (permanências).
Tivemos pouco embasamento teórico.
(Tenho dificuldades) especialmente no que diz respeito em trabalhar
com as diferenças e com a inclusão ao mesmo tempo.
Devido à rapidez na introdução dos ciclos nas escolas da RME e o
pouco treinamento da equipe pedagógica da SME, sentimos que não
foi suficiente o embasamento teórico, conseqüentemente prejudicando
o sucesso do trabalho em ciclos.
Sentimos necessidade da maior oferta de cursos englobando os ciclos
de aprendizagem, para que nos mantenhamos sempre atualizados.
Estou aprendendo na prática, tentando entender o processo.
Precisamos de uma capacitação continuada.
Eu me sinto capacitada porque leio, estudo sobre o assunto, porém o
que a prefeitura já ofereceu não é suficiente, pois se analisarmos a
forma como foi implantada
(a escola em ciclos), sem discussão e sem
aprofundamento. . .Os professores “optaram” sem saber o que era o
sistema de ciclos. Digamos que a escola “dormiu” seriada e “acordou”
ciclada (...) (EVENTO 1, 2002)
Já no evento 2, a professora representante do sindicato dos professores
destacou a importância da formação continuada aos professores, afirmando que:
o professor Arroyo nos diz que, na escola organizada em ciclos, é
preciso pensar num perfil de profissional adequado a essa escola: já
não basta fazer o mesmo trabalho que fazíamos na escola seriada.
Isso exige formação e exige perceber que o professor tem uma
identidade, tem características que ele vai desenvolvendo a partir de
seu trabalho pedagógico, que precisam ser valorizadas na escola. Aí,
eu pergunto: como fazer isso no município de Curitiba, quando nós
temos a cada dia uma redução dos cursos e de todas as atividades de
assessoramento que tínhamos há um tempo atrás? Não atingia a
todos, é verdade, mas atingia a grande maioria dos profissionais da
educação.
149
Hoje nós temos cursos sendo ofertados por sorteio! Essa é uma lógica
extremamente neoliberal, porque lança ao indivíduo e à sua sorte a
possibilidade de sua formação continuada. Temos ainda cursos
ofertados por sorteio, se estiver enganada, por favor me corrijam!
(EVENTO 1, 2002)
Evidencia-se, através do discurso da SME, uma visão fragmentada e parcial
de formação continuada direcionada aos professores. O importante é oferecer um
determinado número de horas/ homem – curso a cada professora e cumprir esta
meta, independentemente da especificidade do trabalho pedagógico.
É marcante também na capacitação oferecida aos professores no momento
da implantação dos ciclos um acentuado ecletismo teórico. Assim pronunciou uma
das profissionais que compunha a equipe técnica para implantação dos ciclos:
Diferentes projetos embasaram o processo de implantação dos ciclos. Antes da
implantação a equipe diretiva da SME realizou visitas a diferentes localidades
brasileiras que já organizavam o ensino em ciclos. (NARA SALAMUNES. In:
SANTOS, 2005). O processo foi de fato tão atropelado e verticalizado que sequer a
equipe pedagógica responsável pela sua efetivação teve tempo para discutir e
definir uma concepção de ciclo que direcionasse as ações pedagógicas. Essa
afirmação é marcada também na fala da pedagoga entrevistada ao defender que os
ciclos em Curitiba estão ancorados em mudanças no mundo e nas concepções de
educação. Ao ser questionada sobre a definição de uma concepção de ciclo para a
Rede municipal ela destacou que havia essa definição, citando as diferentes
experiências de organização escolar em ciclos em que Curitiba teria se
fundamentado. Entre estas experiências foram citadas a Escola Plural, de Minas
Gerais, a Escola Cidadã, em Porto Alegre, entre outras. Ela afirmou que a partir
dessas diferentes experiências, iniciou-se um processo de estudo e capacitação:
(...) nós começamos a ler muito sobre o assunto e como cada
experiência de ciclo se organizava. A partir do momento em que as
escolas se manifestaram em ciclar (não foi a totalidade num primeiro
150
momento, até hoje nós temos escolas seriadas na Rede), mas a partir
desse momento, todas, independente de serem seriadas ou cicladas,
começaram a receber os cursos, palestras, semana pedagógica. As
palestras foram gravadas, para depois serem novamente revistas,
caso fosse necessário. O material escrito também era reproduzido e
enviado para as escolas (...) (Depoimento 6 – anexo 8)
Uma vez que os ciclos já tinham sido implantados, não se pode afirmar que
as palestras de diferentes experiências serviriam para conhecer e optar por
determinada concepção de ciclo. Pelo contrário, eram utilizadas experiências
diversas e com concepções teóricas também diversas, com o objetivo de
capacitação. E, assim, as escolas teriam a “autonomia” centrada em cada escola,
para definir a sua concepção e o encaminhamento pedagógico. Em pesquisa
62
realizada recentemente por SANTOS (2005), as professoras revelaram não ter ainda
a devida clareza da concepção, dos pressupostos e da metodologia dos Ciclos de
Aprendizagem em Curitiba, além de considerarem a capacitação oferecida pela SME
como superficial. (SANTOS, 2005, p. 190).
3.2.6.2- O quadro de pessoal:
Apesar do constatado pela própria Secretaria Municipal de Educação, através
dos planos de ação, que indicavam as necessidades das escolas especificamente
para os ciclos, por capacitação e ampliação do número de profissionais, observa-se
que os critérios de lotação das escolas, questionados na organização seriada,
parecem ter sido acentuados na organização da escola por ciclos de aprendizagem,
uma vez que o número de profissionais foi reduzido antes mesmo da implantação
dos ciclos.
62
A pesquisadora enviou 60 questionários às escolas, dos quais retornaram 43. A justificativa para a não
devolução dos demais questionários foi o receio de que houvesse identificação dos entrevistados. (SANTOS,
2005, p. 164)
151
A lotação de pessoal nas escolas foi aspecto polêmico na gestão Taniguchi.
Em novembro de 1997, o sindicato do magistério denunciava a situação de uma das
escolas da rede (um Centro de Educação Integral) que, devido a um
redimensionamento de pessoal, perdia nove professores de seu quadro,
comprometendo os projetos pedagógicos realizados pela escola, como literatura,
mídia, educação ambiental e laboratório de Ciências, além da permanência
concentrada dos professores, quando estes podiam reunir-se de acordo com a série
para estudar e planejar suas aulas. O argumento da prefeitura de Curitiba, para
redimensionar pessoal, à época, era a escassez de recursos federais destinados à
educação. Assim, destaca o jornal do sindicato que, como forma de “adaptar-se aos
valores do governo federal, a prefeitura promove o redimensionamento (...)”. (Jornal
do SISMMAC, novembro de 1997). Naquela data, o jornal do sindicato questionava
ainda que
“Apesar de faltarem professores e pedagogos nas escolas e
esta deficiência ser suprida com a exploração de profissionais
pelo RIT
63
, a Prefeitura não quer realizar concurso. Pelo
contrário, utiliza os novos critérios de lotação para reduzir
vagas nas escolas, deslocando pessoas de um lugar para outro
e lhes atribuindo mais tarefas”. (Jornal do SISMMAC, novembro
de 1997)
A questão da lotação de pessoal nas escolas parece perpassar toda gestão
do prefeito Cássio Taniguchi, voltando a ser destaque nos jornais do sindicato, nos
meses de outubro e novembro de 2001, quase dois anos após a implantação da
escola organizada em ciclos. Neste momento se elaborava a portaria que
estabeleceria o quadro de pessoal nas escolas, priorizando-se uma relação
63
RIT, Regime Integral de Trabalho, foi criado na gestão do prefeito Rafael Greca, em substituição à Hora-Extra
, assim diferencia-se justamente por ignorar e não pagar estas horas de trabalho como extras, além de não
incorporar este rendimento à aposentadoria do professor. O RIT, criado, a princípio para atender situações de
emergência, passa a ser uma medida de economia, pois a PMC deixa de realizar concurso público aproveitando o
pessoal já concursado.
152
numérica entre nº de crianças e professores, em detrimento das reais necessidades
inerentes ao processo pedagógico. Essa proposta foi também criticada pelo
sindicato porque, através de uma estratégia matemática, reduziria o número de
professores e pedagogas (e pedagogos) da escola, em relação ao que se efetivava
anteriormente. O principal questionamento do sindicato estava no fato de que o novo
redimensionamento de pessoal desconsiderava necessidades da escola organizada
em ciclos, como redução do número de alunos por professor, professores co-
regentes e para apoio pedagógico, além da permanência concentrada.
A própria diretora de ensino da SME, durante pronunciamento, ao ser
questionada sobre a estrutura da organização em ciclos permanecer a mesma que a
seriada, destacou que:
Na verdade, a estrutura organizacional não continua a mesma, porque
foram implantadas as co-regentes e este ano elas foram incorporadas
como vaga fixa, naquele critério de 1 para 19. Eu sei que não é de
satisfação de todas as escolas, que muitas escolas sabem e têm
necessidade de mais pessoal e nós estamos inclusive, este ano,
abrindo RIT para aquelas escolas que estão mostrando essa
necessidade. E estamos nos propondo, sim, (porque foi uma proposta
junto à comissão do ano passado), a rever a questão dos critérios de
lotação. O professor Jacir, que foi a pessoa que encaminhou os
trabalhos com relação à revisão dos critérios de lotação, até em
função da implantação do Plano de Carreira, reafirmou antes desse
nosso encontro que nós estaremos sim, revendo os critérios, após os
avanços horizontal e vertical. Mas, nós temos lutado bastante para
conseguir mais professores, tenho certeza disso. (Diretora de ensino
da SME, EVENTO 1, 2002)
Em março de 2002, a pauta de reivindicações
64
do Magistério evidenciava
novamente a problemática, solicitando que a PMC revisasse os critérios do
redimensionamento, reduzindo o número de alunos nas salas e aumentando o
número de professores por escola.
64
A Pauta de Reivindicações abrange, entre outros, aspectos salariais, Plano de Carreira, condições de trabalho,
sistema de seguridade e questões pedagógicas, é elaborada em reuniões com os professores representantes das
unidades escolares, que levam as dificuldades e necessidades das escolas para a reunião. Estas são discutidas e
sistematizadas, passando por aprovação em assembléia dos professores. Posteriormente, no período da data-base,
esta pauta é entregue à administração e discutida pelos sindicalistas nas reuniões de negociação com a comissão
que representa o prefeito.
153
Neste mesmo ano, uma das escolas da Rede Municipal encaminhou
correspondência ao superintendente da educação, questionando os critérios de
lotação de pessoal e solicitando providências, para a continuidade do trabalho com
os ciclos. Destacou-se na correspondência que
uma das garantias dadas pela SME (formalmente representada pelos
profissionais que coordenaram a implantação dos Ciclos) foi a de que
as escolas passariam a contar além do quadro de lotação fixado, com
a figura do professor co-regente. Sem dúvida esta garantia
favoreceu
a decisão das escolas já que foi apresentada como integrante da
proposta de Ciclos. (grifo do original)
A queixa da escola estava foi motivada por uma alteração em virtude de um
processo de redimensionamento que reduziu o número de profissionais da escola,
entre estes professores co-regentes, pedagogos e inspetores de alunos, além de
descaracterizar a importância de áreas do conhecimento como Ensino da Arte e
Educação Física.
Um quadro comparativo foi feito para mostrar ao superintendente da
educação, a situação da lotação desta escola e as dificuldades ocasionadas por tal
procedimento. Neste quadro informa-se que o corpo docente, que constava no
projeto da escola, aprovado para a implantação dos ciclos (1999), era composto por:
11 professores regentes de turma, 03 professores co-regentes, 02 professores
regentes de Educação Física, 02 professores regentes de Ensino da Arte e 02
professores auxiliares de regência, com a distribuição igual nos turnos da manhã e
tarde. Já a equipe pedagógico-administrativa era composta por: direção, vice-
direção, 2 pedagogos para o turno da manhã e dois pedagogos à tarde e 02
secretárias escolares.
Mas, no ano final do ano de 2001, “a escola foi surpreendida com a notícia
(que caiu como uma bomba) de que haviam sido feitas alterações no quadro de
154
lotação até então vigente”
65
. Com a alteração, a escola permaneceu com o seguinte
quadro para os docentes: 11 professores regentes de turma e 06 professores
auxiliares de regência, com a distribuição igual nos turnos da manhã e tarde. Como
se pode observar, foram excluídos da lotação os professores habilitados para as
áreas de Educação Física e Ensino da Arte e as 3 professoras co-regentes, para
cada turno. Para a equipe pedagógica e administrativa também houve cortes, com a
redução do número de pedagogas para 01 em cada turno, sendo que uma das
vagas era provisória. Quanto a Secretaria Escolar, permaneceu com dois
profissionais, entretanto, a segunda vaga foi assumida por um inspetor de aluno,
sem a devida capacitação para o serviço a que foi submetido.
Em outro momento do EVENTO 1, o questionamento acerca da lotação de
pessoal foi retomado e a diretora de ensino da SME informou que seriam
chamados mais 800 professores para ampliação do quadro:
A questão dos professores é aquilo que já falei para vocês, nós
estamos agora, nesse momento, chamando mais 800 professores do
último concurso, zerando essa lista. E nós queremos, para o próximo
ano, ter mais professores sim. (EVENTO 1, 2002)
Apesar disso, em 2003 as conseqüências da redução do número de
profissionais nas escolas, são destacadas pela professora representante do
SISMMAC, no evento 2:
Os momentos de permanência, por exemplo, que são os momentos
que temos para fazer estudo, planejamento, repensar e avaliar a
escola, avaliar o processo pedagógico, o processo de aprendizagem,
também vem sendo bastante prejudicados, por conta da falta de
professores na escola.
Nós tivemos em 1998, um processo chamado ‘redimensionamento’
que fez uma redução, não só de professores, mas de todos os
profissionais na escola. Em 1999, nós tivemos a implantação dos
ciclos de aprendizagem em Curitiba. E isso foi uma incoerência, pois,
como é que eu posso implantar ciclos de aprendizagem e reduzir
profissionais na escola? Escola organizada em ciclos exige mais
profissionais! Exige professores co-regentes e professores para apoio
65
Pronunciamento da equipe pedagógico-administrativa da Escola Municipal Wenceslau Braz, coletado da
correspondência enviada ao superintendente da educação, em 2002.
155
em contraturno, o que nós não temos, e quando temos é numa
quantidade insuficiente. Exige pedagogos! Exige diferentes olhares
sobre esta criança. Não basta um único professor estar fazendo isso.
Então, isso é uma incoerência muito grande. (Evento 2, 2003)
Como se observou em depoimento no evento 2, a dificuldade com a lotação
de pessoal esteve presente anterior à implantação dos ciclos e não se resolveu
durante a efetivação do que se anunciava como uma nova organização escolar. Esta
situação comprometeu a qualidade do trabalho e evidenciou-se como uma
incoerência pedagógica.
Estes procedimentos de cortes e reaproveitamento de pessoal atendem aos
objetivos contidos no Projeto Gestão Estratégica para Resultados, quando se indica
para “o desenvolvimento da capacidade de gestão para resultados na Secretaria (...)
a transição de uma prática orçamentária muito centrada em” insumos” (gastos com
pessoal, material de consumo, serviços, etc.) para um foco em “produtos”, isto é, os
serviços que são promovidos pela SME (para outras secretarias, para outros níveis
de governo, para a sociedade). (PROJETO FGV/EBAP-IMAP-SME, 1999, p. 198) A
lotação de pessoal é então fundamentada na lógica gerencial capitalista e a redução
dos profissionais, embora comprometa a qualidade do trabalho pedagógico
oferecido aos alunos, não fere o cumprimento legal e formal do direito à educação,
uma vez que se lança aos diretores escolares a tarefa de reaproveitar pessoal para
garantir os serviços prestados.
3.3 - A REPERCUSSÃO DA IMPLANTAÇÃO E OS DEBATES SOBRE OS CICLOS
DE APRENDIZAGEM EM CURITIBA
A implantação dos ciclos de aprendizagem em Curitiba teve, no conjunto do
Magistério municipal diferentes compreensões e reações: houve quem, embora
defendesse a organização em ciclos, organizou-se e reivindicou as condições para
156
uma efetivação com qualidade; houve ainda aqueles que simplesmente aderiram à
política sem questionamentos, e aqueles que rejeitaram esta organização,
solicitando a volta à seriação.
Nesta pesquisa, atribuem-se estas diferentes reações, em especial, à recusa
por parte da administração em realizar uma avaliação da organização em ciclos,
com a participação daqueles diretamente envolvidos na questão: conjunto do
magistério municipal, pais, alunos e demais funcionários das escolas. Algumas das
repercussões destas diferentes reações, acompanhadas por esta pesquisadora,
foram manifestadas pelo sindicato do magistério municipal, através de discussões,
grupo de estudos e na pauta de reivindicações; pela Câmara Municipal de Curitiba,
em seminários para debater a questão; pela mídia, em notas publicadas em jornal
impresso e até em preocupações do Ministério Público.
A avaliação da implantação é citada no Projeto de Implantação e, na visão da
SME, entende-se que esta “vem se dando desde o momento em que as escolas
manifestaram sua opção por essa forma de organização escolar.” (PROJETO
CURITIBA, 1999b, p. 48) Há a informação de que seriam expedidos relatórios
parciais em 1999 e 2000, inclusive “sobre o impacto ocasionado pela organização
escolar em ciclos de aprendizagem das comunidades escolares de Curitiba.” A
avaliação seria realizada, não de forma ampla e coletiva pela comunidade escolar e
conjunto do Magistério, mas através de “(...) registros das equipes escolares sobre
aspectos relativos aos encaminhamentos desenvolvidos pela mantenedora para
subsidiar o trabalho das escolas (...) e “(...) pelas equipes descentralizadas de apoio
pedagógico (Núcleos Regionais de Educação do Município) e por uma equipe
intersetorial e especificamente constituída para o acompanhamento do processo de
157
implantação” (PROJETO CURITIBA, 1999b, p. 48). Como se pode observar a
avaliação seria feita pela própria SME e de forma restrita.
Ao fazer uma busca desses registros, foi possível constatar que estes fazem
um breve relato da implantação, mostrando que a mesma seguiu as orientações dos
documentos oficiais, enviados às escolas. Os relatórios oficiais concluem que “a
implantação vem atendendo à programação da Secretaria Municipal da Educação”
(Ofício nº 172/2000) e configurou-se como uma construção coletiva (ofícios nº
172/2000 e 242/2000). Destacou-se ainda que, a partir dos planos de ação das
escolas, nas negociações entre escolas e núcleos de educação houve destaque
para liberação de professores co-regentes, capacitação, aquisição de materiais,
construção / obras e reformas e redução do número de alunos para cada turma do
ciclo.(ofício nº 172/2000). Um dos relatórios (Ofício 242/2000) apontou ainda os
avanços e as dificuldades encontradas pelas escolas. Os avanços citados foram:
envolvimento de todos com a aprendizagem, buscando novas formas
de atuação em relação às dificuldades apresentadas, trabalho coletivo,
mudanças na prática em relação a avaliação, planejamento integrado
e conselho de classe, maior envolvimento dos pais, adequação
idade/série, maior tempo para o trabalho com a alfabetização,
conscientização quanto a dificuldade de aprendizagem (diferenciação
entre dificuldade de aprendizagem e problema de aprendizagem),
solicitação de estudos (fundamentação teórica), possibilidade de
professores e alunos avançarem juntos nas etapas, descentralização
da semana de estudos pedagógicos, oportunizando atendimento das
necessidades da escola, envolvimento dos vários segmentos da SME
na busca de objetivos comuns, trabalho da co-regente, trabalho no
contra-turno com os alunos com maiores dificuldades. (Ofício
242/2000)
Já as dificuldades listadas foram as seguintes:
insegurança da equipe e dos docentes, entender o que é problema de
aprendizagem e o que é problema de ensinagem, resistência dos
profissionais frente à mudanças, despreparo do professor, mudança
de atitude com relação à concepção de avaliação, reestruturação dos
conteúdos de forma que contemplem os ciclos, elaboração do parecer
descritivo do aluno, falta de acompanhamento da família na vida
escolar dos filhos, planejamento coletivo por ciclo, número de alunos
por turma, sugerindo-se: 25 alunos no ciclo I e 30 alunos nos ciclo II,
atender os alunos com dificuldades gerais no seu desenvolvimento e
158
que não avançam apesar do trabalho do co-regente e do atendimento
especializado, freqüência mínima considerada somente por ciclo,
conforme determina a LDB, número insuficiente de co-regentes,
quadro funcional incompleto, atendimento aos encaminhamentos
especializados realizados, subsidiar ações pedagógicas com alunos
em diferentes processos de aprendizagem. (Ofício 242/2000)
Ainda que uma avaliação coletiva não tenha sido efetivada, esta ocorreu de
outras formas e por incitativa de outros grupos sociais. Na ausência deste processo,
a avaliação ocorreu provavelmente na contramão do que desejava a própria SME,
pois as repercussões sobre os ciclos em Curitiba evidenciaram uma avaliação
negativa e pejorativa de uma proposta que teria, na sua origem, a intenção de
proporcionar “o sucesso do aluno” (PROPOSTA CURITIBA, 1999, P. 01) e a
visibilidade da gestão municipal junto à comunidade.
3.3.1 - As repercussões no sindicato do Magistério municipal:
Diante da implantação acelerada dos ciclos, houve intervenção da diretoria do
sindicato, solicitando ampliação deste prazo por compreender que “é preciso um
amplo debate com a comunidade, movimentos sociais, pais e servidores para um
aprofundamento da proposta de ciclagem” (Jornal do SISMMAC, abril de 1999)
Na mesma matéria, o jornal informa que foi realizado pelo sindicato no dia 12
de abril de 1999 um seminário, no qual a professora Andréa Gouveia (UFPR)
debateu a implantação dos Ciclos de Aprendizagem, com a participação de 150
professores. Como se observa, o seminário foi realizado pouco antes da data exigida
para definição oficial pelos ciclos, o que indicou uma tentativa da diretoria do
sindicato de lançar para as escolas a discussão sobre a organização escolar em
ciclos e a possibilidade de resistência das escolas a uma política impositiva e
acelerada, exigindo da SME um processo mais democrático e responsável, o que
não aconteceu.
159
O título do segundo seminário organizado pelo sindicato: “Totalidade e
totalitarismo” indicava a contradição implícita nesta questão, ou seja, a necessária e
desejada superação da lógica seriada e excludente, porém diante de uma política
que, embora prometesse, não oferecia as condições para esta efetivação.Neste
seminário, realizado em outubro de 1999, objetivou-se discutir a organização em
ciclos e a gestão democrática. Na ocasião, uma das palestrantes afirmou que “antes
de tudo a implantação dos ciclos deve ser um projeto que se diferencie das
artimanhas de muitos municípios para camuflar os índices de repetência”.(Jornal do
SISMMAC, outubro de 1999)
O sindicato recebeu, desde que se manifestou a implantação, professores
preocupados e que apontavam as conseqüências da forma centralizadora que a
PMC encaminhou a implantação dos ciclos. Diante da política já definida pela SME,
a direção do sindicato criticou como autoritária a forma como foram implantados os
ciclos em Curitiba.
A partir das reuniões periódicas com professores representantes das escolas
e de discussões especificas sobre o tema, a direção do SISMMAC registrou as
reivindicações dos professores, a fim de discuti-las nas reuniões de negociação com
a prefeitura. Entre as solicitações do Magistério, para esta nova organização escolar,
estiveram em pauta desde a implantação dos ciclos, aspectos como: a redução do
número de alunos por turma; a realização de um seminário de avaliação dos ciclos
de aprendizagem com todos os profissionais, abordando aspectos como
funcionamento e concepção, incluindo-se uma avaliação sobre o cumprimento das
promessas feitas pela SME, quando da implantação dos ciclos; a garantia de
professores co-regentes e de apoio pedagógico para o contra-turno, a revisão dos
critérios de lotação que garantissem um número de professores e pedagogos
160
adequado às necessidades da escola e até a garantia de professores para as áreas
de Educação Física e ensino da Arte; a ampliação e adequação do espaço físico da
escola, a ampliação dos profissionais dos Centros municipais de Atendimento
especializado, discussão coletiva das diretrizes curriculares municipais.
No grupo de estudos do sindicato, organizado com participação de
professores do DEPLAE-UFPR, foram realizadas leituras e discussões voltadas
especificamente para a compreensão da escola em ciclos. Um dos resultados desse
estudo foi um artigo publicado na revista do sindicato, Chão da Escola (de abril de
2002), onde os professores participantes expõem sua análise crítica acerca das
Diretrizes Curriculares, documento que, segundo a SME, seria o referencial
curricular da escola em ciclos. Este documento curricular foi elaborado por um grupo
restrito da SME e apresentado às escolas em setembro de 2000, sob o título:
“Diretrizes Curriculares: em discussão”. Estas diretrizes têm como princípios: a
educação para o desenvolvimento sustentável, a educação pela filosofia e gestão
democrática do processo pedagógico.
3.3.2 - As repercussões na mídia
O jornal local Gazeta do Povo, de 16 de junho de 2002, trazia o artigo “Pais e
professores questionam sistema de ciclos no ensino”, contendo solicitação de pais
de alunos para que a escola pública voltasse a organizar-se de forma seriada,
acreditando eles que o retorno à seriação seria a solução para os problemas de
aprendizagem dos seus filhos. O mesmo jornal, em 28 de setembro de 2003, trazia o
artigo “aumenta a escolaridade, mas não o conhecimento dos brasileiros”, tendo
161
como subtítulo: quase 60% das crianças brasileiras saem da 4ª série sem saber
ler
66
.
No interior da escola, mães e pais, expõem suas observações e
preocupações quanto a situação escolar dos filhos. Os depoimentos
67
destes pais e
mães, representam um potencial enorme para observar e avaliar o trabalho
desenvolvido pela instituição escolar com seus filhos. Nestas situações, os pais
compareceram à escola para conversar sobre a aprendizagem de seus filhos, devido
solicitação da pedagoga ou por iniciativa das famílias, freqüentemente preocupados
com o rendimento escolar das crianças:
No meu tempo, a gente saía da escola lendo e escrevendo,
professora!”
“Tenho um parente professor de 5ª a 8ª, e ele diz que os alunos
chegam lá sem saber ler e escrever... Eu não quero que meu filho
passe de ano sem saber ler e escrever!”
“A professora me chamou na escola o ano passado e disse que eu
devia ensinar minha filha em casa. Eu falei pra ela que quem devia
ensinar era ela, não eu. Depois mandou levar a menina no psicólogo,
mas custava R$30,00 por mês na escola, daí não deu pra pagar!
Esses dias fiquei nervosa e disse que ela era burra mesmo!”
“O que é classe especial professora? É porque acho que meu filho
precisa dessa classe, não sabe ler, escrever. Nem contar de um a
vinte ele sabe!”
Ao verbalizarem suas angústias, dúvidas ou opiniões, as famílias dos alunos
evidenciaram alguns de seus conceitos sobre avaliação da/na escola, aquisição de
conteúdos pelos alunos e papel da escola, além de mostrar a ansiedade familiar
devido dificuldades enfrentadas pela criança em termos de aprendizagem, busca de
ajuda e ansiedade das professoras a fim de sanar de alguma forma a dificuldade do
aluno, quando solicitam que a mãe ensine ou ajude em casa. Um dos depoimentos
evidencia ainda que a idéia do empreendedorismo foi assumida e efetivada, pois, na
66
Conforme dados do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) divulgados neste jornal, 52% dos
alunos do Estado do Paraná são analfabetos ou analfabetos funcionais.
67
Depoimentos coletados no primeiro semestre de 2002, em duas escolas da Rede Municipal de Educação de
Curitiba.
162
escassez de profissionais nos Centros Municipais de Atendimento Especializado ou
nas Unidades de Saúde, coube às escolas contarem com sua autonomia e
disponibilizar o profissional, que seria pago pelas famílias.
Em agosto de 2002, duas escolas da rede municipal
68
publicaram matéria no
jornal do sindicato, na qual relataram as condições levantadas em seus projetos
pedagógicos, conforme orientações da SME, para a implantação dos ciclos de
aprendizagem no ano de 1999. Como se pode ver, estas solicitações são
praticamente as mesmas que o conjunto do Magistério vinha fazendo, através do
sindicato:
-alocação de professores co-regentes e recuperadores (9 professores
na Escola M. Jardim Santos Andrade e 6 professores na Escola
Municipal Paranaguá);
mudança no sistema de avaliação abolindo-se a nota e a reprovação e
adotando-se o parecer descritivo e a progressão continuada;
- oferta de capacitação aos docentes, pela Secretaria Municipal de
Educação, sobre esta nova concepção de Educação, para que
tivessem oportunidade de rever sua prática, com uma nova visão de
ensino e avaliação;
- previsão do aumento da infra-estrutura em outros órgãos públicos
afins, para atendimento das crianças com problemas mais sérios de
aprendizagem: Centros municipais de atendimento especializado,
secretaria municipal da saúde, conselho tutelar, com a oferta de maior
número de profissionais: psicólogos, fonoaudiólogos e
psicopedagogos.
-na escola Santos Andrade foi prevista a construção de uma sala para
a realização da recuperação paralela dos alunos com defasagem de
aprendizagem. (Jornal do SISMMAC, agosto de 2002)
Na seqüência, as escolas fizeram críticas a SME porque não atendeu ao que
foi destacado no projeto político-pedagógico e porque, no ano de 2001, através de
um redimensionamento de pessoal, retirou os professores co-regentes e
recuperadores. Quanto à avaliação, criticaram a intervenção da SME nos registros
avaliativos e mostraram, pelos argumentos a favor da mensuração, a necessidade
de capacitação acerca de uma avaliação formativa; quanto à capacitação oferecida
68
Equipe técnico-pedagógica e corpo docente das Escolas Municipais Paranaguá e Jardim Santos Andrade.
163
pela SME a classificaram como “mínima, superficial, teórica, desvinculada da
prática”. Destacaram ainda que, nas capacitações era comum a indicação de que os
professores deveriam oferecer um atendimento individualizado e diferenciado aos
alunos, sem levar em conta que as turmas eram compostas por um número elevado
de alunos, de 30 a 35.
Como destacado anteriormente, em 2002, a implantação dos ciclos repercutiu
na mídia local, que explorou o tema, através de duas escolas da rede municipal de
Curitiba, que pretendiam um retorno à seriação. Estas matérias, em especial a
reportagem do jornal Folha de Londrina, de 15 de setembro de 2002, acerca da
situação da aprendizagem de alunos da Rede Estadual do Paraná e Municipal de
Curitiba, chamaram a atenção do Ministério Público que também solicitou
informações sobre as implicações desta organização escolar na Rede Municipal de
Curitiba, em virtude das denúncias proferidas nos jornais impressos sobre a
defasagem de aprendizagem dos alunos. O Ministério Público, ao verificar as
queixas e depoimentos nos jornais locais, instaurou um “Procedimento Investigatório
(...) para averiguação sobre o sistema de ensino fundamental adotado pelo Governo
do Estado do Paraná e pela Prefeitura Municipal de Curitiba, posto que não estariam
suprindo as necessidades de aprendizagem dos alunos”.(MINISTÉRIO PÚBLICO
DO ESTADO DO PARANÁ, Ofício nº 119/03) (anexo 10)
3.3.3 - As repercussões na Câmara Municipal de Curitiba
69
:
69
Na Câmara Municipal de Curitiba, foram realizados os seguintes seminários para debater a questão dos ciclos:
Evento 1, Seminário ciclos de aprendizagem e suas implicações na Rede Pública de Ensino, organizado e
promovido pelo vereador Paulo Frote, na Câmara Municipal de Curitiba, no ano de 2002. Esta pesquisadora
esteve no evento, na condição de participante, quando integrava a direção do sindicato dos professores.
Evento 2, seminário de Educação e Políticas Educacionais: Os ciclos de aprendizagem e a qualidade da escola
pública, organizado e promovido pelo coletivo do vereador Nilton Brandão, do Partido dos Trabalhadores, na
Câmara Municipal, no ano de 2003. Esta pesquisadora participou também deste evento, na condição de
representante do SISMMAC, expondo a situação e as reivindicações do Magistério acerca da escola em ciclos no
município de Curitiba.
164
A situação das Escolas Municipais Paranaguá e Santos Andrade foi também
motivação para o seminário organizado na Câmara municipal, sob o título: “ciclos de
aprendizagem e suas implicações na rede pública de ensino”
70
. Para este seminário
foram convidados os seguintes palestrantes, responsáveis pelas respectivas
temáticas : Paulo Afonso Schmidt, Secretário Municipal de Educação de Curitiba –
Os ciclos de aprendizagem em Curitiba; Jossélia Fontoura, Secretária Municipal de
Educação de Santos – Progressão avaliada; Alceu Collares, Deputado Federal –
Ciclos: avanço ou retrocesso na educação; Elvira de Souza Lima
71
, docente da USP
e consultora de educação do Município de Curitiba. Dos convidados mencionados,
com exceção do secretário de educação de Curitiba, todos os demais estiveram
presentes. O secretário foi representado pelo superintendente de educação e pela
diretora de ensino.
Para o vereador que promoveu o seminário, a justificativa para a realização
do evento estava no fato de que considerava os ciclos como uma “inovação, com
avanços e retrocessos, sendo necessário conhecer mais sobre os ciclos como
projeto pedagógico”. Apesar disso, a discussão, evidenciou, logo de início, uma
atitude defensiva por parte da SME, que tomou para si a condução do evento. No
pronunciamento de abertura um outro vereador, da bancada aliada ao prefeito, disse
que Curitiba, a partir da LDB, assim como a maioria dos municípios, optou pelos
ciclos e afirmou ainda, referindo-se à organização do seminário, que um “movimento
dessa natureza nunca é contra a administração”. Essa justificativa talvez tenha se
dado em virtude do movimento das duas escolas ter sido a principal motivação para
70
O mandato do vereador conta com a assessoria de uma professora aposentada da Rede Municipal de Ensino e
autora de livro didático na área de matemática, responsável também pela organização do evento. Foi ela que,
gentilmente, disponibilizou os materiais referentes ao evento, para esta pesquisa.
71
De acordo com a assessora do vereador, não houve permissão para gravar a fala desta palestrante.
165
o evento. Essa atitude de defensiva ficou ainda mais evidente no pronunciamento do
superintente de educação, quando afirmou :
toda a estrutura da SME está reunida pela importância do evento.
Tomamos a liberdade de convidar a professora Ivanilde, que
representa os secretários. Esta é uma reunião de pessoas que tem
peso histórico, esta é uma política de estado, não apenas de Curitiba.
Gostaríamos que a discussão fosse nesse nível. (EVENTO 1, 2002)
Como se percebe, o superintendente mostrava a preocupação de que a
discussão sobre os ciclos tomasse um rumo generalizado, enquanto uma política de
Estado e, portanto, não centrada nas questões municipais.
A partir dos argumentos defensivos da SME e também da reivindicação das
escolas Paranaguá e Santos Andrade, para o retorno à seriação, a discussão girou
em torno do eixo seriação versus ciclos. Assim, logo no início do evento foi divulgado
um clipping sobre a escola organizada em ciclos. Entre as matérias selecionadas
estavam o discurso dos candidatos à presidência do ano de 2003, Lula e José Serra,
e suas impressões sobre esta forma de organizar a escola. Serra afirmou que
tratava-se de uma “experiência que deverá ser melhor concretizada” e Lula associou
esta organização à aprovação automática, afirmando que “não queremos
quantidade, mas qualidade”, o que evidenciava a polêmica e os problemas acerca
desta organização escolar também em outros estados. Divulgou-se também um
discurso do jornalista Boris Casoy, que criticava a progressão continuada em são
Paulo, pois 30% dos alunos de 4ª série eram reprovados. Esta situação era
atribuída, na entrevista, a falta de condições de trabalho dos professores.
O evento, embora não fosse organizado ou promovido pela SME, foi por esta
direcionado a maior parte do tempo. Os pronunciamentos seguintes foram
carregados de defesas aos ciclos, ora centradas na administração, ora com uma
visão romântica de educação e sociedade.
166
A diretora de ensino, diante das denúncias veiculadas pela mídia,
responsabilizando a organização em ciclos por fracassos em termos de aquisição da
leitura e escrita, enfatizou que “os ciclos não são responsáveis pelos problemas de
defasagem de leitura e escrita na 5ª série”. E acrescentou: “Quando houve
denúncias, nós fomos à escola estadual e conversamos com a pedagoga. Se isso
acontecer nos comuniquem que vamos até os professores e a SME terá que assumir
sua responsabilidade com as escolas.”
Já a presidente da UNDIME-PR (União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Educação), convidada pela SME para participar do evento, representando os
secretários de Educação, fez defesas românticas e apaixonadas aos ciclos. Ao
destacar a importância do seminário, afirmou que se tratava de um evento
importante para o futuro da educação paranaense e do Brasil. Segundo ela, “o
Paraná dita normas,sim, de qualidade, de excelência
72
para a educação brasileira”.
Retomando o slogan do governo federal em prol da redução da fome e da miséria,
afirmou o seguinte: “queremos acabar com a miséria intelectual. Não entendo outra
forma de acabar com a miséria que não seja pelo conhecimento...” Na seqüência,
ela expôs parte de sua longa experiência com a educação, lembrando uma situação
na cidade de Rio Negro (Santa Catarina), onde era diretora de escola, num período
em que ainda não havia sido implantado o Ciclo Básico de alfabetização (1985),
quando burlou a legislação no intuito de oferecer mais tempo aos alunos, para evitar
reprovações. Mas, seu pronunciamento mostrou que não bastou burlar a legislação
para oferecer mais tempo às crianças, pois, de acordo com seu relato, ela precisou
de algumas condições que não tinha, sendo assim, contou com a ajuda da
72
Essa visão de excelência na Educação foi altamente difundida por Cosete Ramos, com a publicação do livro
Excelência na educação – A escola de qualidade total (1992). A proposta é transformar a escola numa instituição
produtiva conforme o modelo da empresa capitalista. Na década de 90, Cosete Ramos foi coordenadora do
Núcleo Central de qualidade e produtividade do MEC.
167
comunidade para resolver problemas de ordem administrativa e financeira da escola:
“o clube de mães me ajudou a contratar professores, fizemos almoços...” a defesa
pela organização ciclada continuava: “Não havia Ciclo Básico e eu tinha que fazer
alguma coisa por aquelas crianças e eu segurei o relatório até 14 de fevereiro. Eu
acredito, gente, que a escola precisa e a gente merece uma nova organização de
ciclos e de espaços físicos e de posturas de professores...” Seu discurso
emocionado resgatou ainda sua participação no que denominou “movimento de
conscientização” sobre o Ciclo Básico de Alfabetização, pelo Paraná, quando da
implantação. Seu discurso, embora marcado pela preocupação com os alunos,
descartava a responsabilidade do Poder Público com a manutenção da escola.
Além disso, sua fala pareceu ainda um tanto marcada por uma concepção de Teoria
do Capital Humano, ao afirmar que :
se não potencializarmos o melhor material que temos, que é o
humano, eu pergunto: onde é que vamos parar? Com 80% de semi-
analfabetos, com um Paraná rico e promissor, com um milhão e
trezentas pessoas analfabetas absolutas e com quantos analfabetos
funcionais? E adianta julgar culpados? Adianta dizer que a seriação ou
ciclos e melhor ou pior? Não, só adianta uma coisa: professores,
diretores...o diretor é o ditador de uma escola...e eu fico analisando o
meu sistema pequeno, meu município de 3800 alunos...e analisando
Curitiba e de repente eu penso: o meu ciclo tem 5 anos, vai muito bem
e estamos cada dia trabalhando com avaliação permanente e
discussão com os professores...e de repente eu pensei: talvez esteja
melhor ou pior...mas, gente, cada escola é um sistema...e se o diretor
e os professores, desafiados como estão sendo...porque... dizer que
um aluno chega na 5ª série analfabeto, tem que mexer com os brios
dos pais, com os brios de nós professores e nós não podemos admitir
isso. Isso virou fala comum!(...) por que o direito sagrado dele é
“aprender a aprender”! Este é o papel da escola... (EVENTO 1, 2002)
É evidente na fala da representante da UNDIME-PR uma visão de que basta
unicamente a boa vontade e esforço individual dos profissionais da escola e dos
alunos, para que a esta cumpra seu papel. Ilustram esta idéia os seus próprios
argumentos:
168
.
..nós não podemos mais permitir que nossa criança saia da escola
sem ler e escrever...e queremos também que a continuidade dele dê o
mesmo respeito que nós estamos dando... nós podemos colegas
professores fazer isso e provar para esse país e para cada criança,
olhando no olho dela e dizendo: você tem mil possibilidades, só
depende de você e eu vou ser a sua ajuda, porque nós podemos e o
Paraná precisa de cada um de nós... (EVENTO 1, 2002)
Essas falas ilustram a visão de escola e de sociedade de muitos que fizeram
uso da palavra durante o evento. Mostra ainda que, a princípio, as condições para a
implantação e efetivação dos ciclos foi ponto descartado das discussões, pois os
pronunciamentos giravam no eixo seriação ou ciclos: contra ou a favor. Apesar
disso, os questionamentos sobre as condições foram lançados durante o debate por
professores, pedagogas de escolas e representantes do sindicato, presentes no
evento.
Outra evidência marcante da discussão centrada na organização seriada ou
ciclada: contra ou a favor, sem levar em conta as condições para a efetivação de
uma organização escolar ou outra, esteve presente nos discursos de outros dois
convidados para o evento: a Secretária de Educação de Santos, que mostrou
acreditar que uma avaliação punitiva em relação aos professores seria a solução
para ampliar a produtividade do sistema educacional e do Deputado Federal Alceu
Collares, que acredita que seu projeto
73
de alteração da LDB 9394/96 (anexo 12)
excluindo os ciclos, resolverá os problemas da educação no País.
Diante desses argumentos, professoras da direção do SISMMAC, presentes
ao evento, manifestaram-se, chamando a atenção para a necessidade de abordar o
foco principal da discussão, que seriam as condições necessárias para uma
organização escolar em ciclos com qualidade. Em seus pronunciamentos, além de
alertar para a importância de discutir as condições para implantação e efetivação
73
Projeto semelhante foi elaborado pelo Deputado Rafael Greca, no estado do Paraná.
169
dos ciclos, as professoras da diretoria do sindicato destacaram que em sua pauta de
reivindicações já constava a indicação de um seminário de avaliação da escola
organizada em ciclos em Curitiba, com participação de todo o Magistério, o que não
foi atendido.
A situação conflituosa e sem discussão efetiva por parte da SME
permaneceu. Dessa forma, na ausência de espaço democrático para discussão na
própria Rede municipal, outros espaços foram se encarregando de tentativas de
discussão. Mas, o seminário de avaliação dos ciclos, proposto pelo sindicato
continuava sendo descartado em todas as negociações com os representantes da
PMC.
Mais uma vez, a situação passa a ser motivação para um seminário na
Câmara Municipal de Curitiba. Desta vez, por iniciativa do mandato de um vereador
do Partido dos Trabalhadores, sob a coordenação de uma pedagoga. Para este
evento, realizado em 08 de agosto de 2003, intitulado Seminário de Políticas
Educacionais: Os Ciclos de Aprendizagem e a qualidade da Escola Pública, foram
convidados representantes dos seguintes segmentos: Universidade Federal do
Paraná, Secretaria Estadual de Educação, Secretaria Municipal de Educação,
sindicato dos Professores da Rede Estadual de Educação, a APP- sindicato e
SISMMAC - Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Educação de
Curitiba, além de representantes da comissão de Educação da Assembléia
legislativa do Paraná e da chefia de núcleo Regional de educação da SEED .
As discussões neste seminário abordaram aspectos referentes à escola
organizada em ciclos, abrangendo as diretrizes para os ciclos nas redes Estadual e
municipal, sob responsabilidade das respectivas superintendentes de educação, as
professoras Yvelise Freitas de Souza Arco Verde e Denise Maria Chella Machado;
170
uma análise das políticas educacionais nas redes estadual e municipal, feita pela
professora Andréa Caldas, da UFPR; os fundamentos teóricos dos ciclos de
aprendizagem e a qualidade da escola pública, explicitados pela professora Ligia
Klein, da UFPR; a luta dos trabalhadores em educação e a qualidade da escola
pública, nas redes estadual e municipal, expostas pelas professoras Marlei
Fernandes, da APP-sindicato e pela professora Maria Aparecida da Silva, do
SISMMAC.
O evento foi justificado por se compreender que
“a reflexão sobre os ciclos de Aprendizagem e a qualidade da escola
Pública, é sem dúvida um tema de extrema importância, que está no
chão da escola e envolve prática pedagógica, política educacional e
mais do que isso, um projeto de sociedade.
Por isso, ao pensarmos este seminário tivemos o cuidado de convidar
a academia para as reflexões teóricas necessárias, representada pela
UFPR, as entidades de classe, APP-sindicato e SISMMAC, que lutam
em defesa dos educadores e com a dimensão da relação teoria e
prática. Também trouxemos o poder público responsável pela
elaboração e implementação das políticas educacionais, através das
secretarias estadual e municipal de educação.” (EVENTO 2, p. 7,
2003)
Especificamente no que se refere à Curitiba, logo na abertura do evento, o
vereador destacou que “o tema deste seminário Os ciclos de Aprendizagem e a
qualidade da escola pública, buscará discutir a implantação dos ciclos em Curitiba.
Agora é evidente que a implantação dos ciclos não é exclusividade do município... o
ciclo básico é uma proposta pedagógica, uma proposta educacional do País, do
Paraná e de Curitiba”. Na seqüência da reflexão do vereador sobre o tema pode-se
inferir que ele ressaltou o caráter de continuidade da educação e, portanto, a
importância de discussão coletiva da temática, uma vez que ambas as redes,
estadual e municipal, são responsáveis pelo Ensino Fundamental: as crianças que
concluem a 4ª série ou 2ª etapa do ciclo ingressam na rede estadual, para cursar a
5ª série e, apesar das queixas freqüentes dos professores e pais e das
171
repercussões na mídia, não existe diálogo entre as duas redes de ensino para
garantir uma continuidade com qualidade. Afirmou ele:
(...) eu entendo que a discussão sobre ciclos não termina na 4ª série,
se o aluno está alfabetizado ou não. Ela impacta justamente na 5ª
série quando o aluno chega lá praticamente sem domínio da língua
escrita. A dificuldade chega até a 5ª série, mas o reflexo desta
situação , todos os professores do ensino fundamental e Médio
acabarão sentindo dentro da sala de aula. (EVENTO 2, 2003)
Também era esta a preocupação de uma professora da Rede Municipal de
Educação de Curitiba, no ano anterior, ao afirmar que
O ciclo foi implantado sem uma maior discussão e avaliação pela
comunidade; há necessidade dessa discussão e também com
autoridades e segmentos envolvidos com a Educação; há necessidade
de uma avaliação inclusive com professores da segunda fase do
Ensino Fundamental para analisarmos o que está acontecendo com a
formação de nossas crianças, com a qualidade do ensino e
escutarmos as opiniões dos pais e suas necessidades. Há
necessidade de um maior envolvimento e comprometimento da
Secretaria Municipal de Educação. (QUESTIONÁRIO EVENTO 1,
2002)
74
Na recusa da SME e conseqüente ausência de uma avaliação da política de
implantação dos ciclos em Curitiba, outros sujeitos sociais tomaram para si esta
tarefa. Nesse processo, como se viu, embora tenham ocorrido também críticas e
posicionamentos coerentes e bem fundamentados, houve um predomínio da
discussão centrada em torno da seriação versus ciclos, explorada principalmente
pela mídia local e por alguns parlamentares e reforçada pelos representantes da
SME, o que não ajudou a refletir sobre a questão. FRIGOTTO (1998, p. 34-35)
aprofunda esta análise ao refletir sobre a perspectiva pós-moderna, afirmando que
“vivemos, particularmente no campo educacional, mas não só, uma
espécie de ‘anorexia’ teórica ou ‘impulsão’ pelo instantâneo das
alteridades,’um insuportável presentismo’ (Hobsbawm), onde cada um
74
Este questionário foi entregue a professores de escolas de todos os núcleos regionais de educação de Curitiba,
pelos organizadores do EVENTO 1, antes da realização do seminário e gentilmente disponibilizados para esta
pesquisa.
172
no limite, tem sua própria teoria igualmente válida. Neste contexto
parece-nos importante buscar evitar uma dupla armadilha: das
polarizações contra ou a favor ou do inútil e estéril caminho do
ecletismo. Como nos lembra Tilly, neste particular, ‘ a soma das
teorias, infelizmente, não é teoria alguma’ (Tilly, 1984 apud Arrighi,
1994: XI)”.
FRIGOTTO (1998) buscou com a filósofa Marilena Chauí uma das
explicações para o pós-modernismo: Para esta filósofa, o pós-modernismo seria a
manifestação teórica da política neoliberal . Para ela o pós-moderno configura a
crise da razão, que se explicita em quatro aspectos:
-negação de que haja uma esfera da objetividade. Esta é considerada
um mito da razão, e em seu lugar surge a figura da subjetividade
narcísica desejante;
-negação de que a razão possa propor uma continuidade temporal e
captar o sentido da história. O tempo é visto como descontínuo, a
história é local e descontínua, desprovida de sentido e necessidade,
tecida pela contingência;
- negação de que a razão possa captar núcleos de universalidade no
real. A realidade é constituída por diferenças e alteridades, e a
universalidade é um mito totalitário da razão;
- negação de que o poder se realiza à distância do social, através de
instituições que lhe são próprias e fundadas na lógica da dominação
quanto na busca da liberdade. Em seu lugar existem micropoderes
invisíveis e capilares que disciplinam o social (Chauí, 1993. In:
FRIGOTTO, 1998, p. 34)
Este direcionamento político conservador que se imprimiu à organização em
ciclos em Curitiba provoca um desgaste inclusive neste modelo de escola
comumente compreendida como “(...) herdeira de uma postura progressista, que vê
na escola um espaço transformador (...)” (FREITAS, 2004, p. 15). A experiência de
Curitiba mostra que a implantação dos ciclos de aprendizagem, por si só, não dá
conta de efetivar a promessa de romper com um modelo de escola seletivo e
excludente. Mais do que nunca, é evidente que uma concepção de sociedade e
educação voltada à classe trabalhadora, com a efetivação das condições físicas,
materiais, pedagógicas e humanas é fundamental para que a escola cumpra o seu
papel, garantindo real aprendizagem aos alunos. Alterações superficiais tendem a
173
acentuar o quadro de exclusão uma vez que apenas disfarçam a situação, ao invés
de superá-la.
174
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A implantação da escola organizada em ciclos na rede municipal de Curitiba,
objeto de estudo desta pesquisa, teve como recorte de investigação o período
correspondente à gestão 1997 a 2000 e 2001 a 2004, quando esteve no governo
municipal o prefeito Cássio Taniguchi, por dois mandatos consecutivos. A reflexão
sobre a implantação da escola organizada em ciclos procurou discutir o caráter da
política que direcionou essa implantação em Curitiba, se conservador ou
transformador.
Procurou-se discutir como se configura a organização da escola em ciclos sob
a ótica dos trabalhadores e sob a ótica burguesa. Para tanto buscou-se fundamentar
o trabalho na perspectiva teórica marxista, o que permite compreender e definir o
papel da escola na sociedade de classes, com interesses antagônicos. Partiu-se da
compreensão de que a escola é fundamental na instrumentalização intelectual dos
trabalhadores para a luta pela superação da exploração na sociedade capitalista, o
que só é possível integralmente com a superação da própria sociedade de classes.
Nesta pesquisa, a escola organizada em ciclos foi compreendida inserida num
contexto contraditório, onde estão em cena interesses da classe hegemônica em
oposição aos interesses dos trabalhadores. Portanto, acredita-se que esta
organização pode estar a serviço de um ou outro modelo de sociedade, ou seja, no
sentido de legitimar e dar continuidade à exploração através de uma educação para
a subordinação e adaptação ao modelo capitalista, ou no de uma pedagogia que
possibilite a necessária formação da consciência de classe dos trabalhadores, para
uma organização coesa que vise superar o modelo burguês.
175
Neste trabalho, a escolaridade em ciclos foi inserida no conjunto dos
mecanismos de não-reprovação, por entender que este é também um modelo que
promete, independente do discurso que o ampara, se conservador ou transformador,
superar o fracasso, marcado especialmente pelas reprovações, na escola pública.
A pesquisa bibliográfica indicou que a escolaridade em ciclos não é uma idéia
totalmente inovadora, como se pretende afirmar atualmente. Ficou comprovado que
esta tem pressupostos que remontam inclusive às origens da organização da própria
escola burguesa, que já previa a flexibilização do tempo de instrução, com redução
ou ampliação, conforme as necessidades e interesses da produção. O tempo de
escolarização e também o conteúdo a ser aprendido eram estabelecidos de acordo
com as necessidades dos proprietários. Como se observou no relatório de
Condorcet, se condicionava a escolaridade às necessidades do trabalho, sem ferir a
igualdade (formal) proclamada na revolução francesa. Assim, qualquer desigualdade
era responsabilidade individual, devido às capacidades inatas, uma vez que se
acreditava que a natureza não privilegiava a todos com os mesmos talentos, embora
coubesse ao estado prover as mesmas oportunidades.
Uma retomada histórica foi necessária para evidenciar o cenário político e
econômico que motivou as idéias de não reprovação no Brasil. Desses mecanismos,
a promoção automática, com promoção pautada na idade cronológica, parece ter
sido eleita pelos governos, em especial até a década de 70, como a forma mais
interessante para regularizar o fluxo e economizar recursos, pois as reprovações
representam um alto custo para o Estado.
Foi a partir de 1980 que os mecanismos de não-reprovação parecem receber
uma outra conotação, para além da mera regularização do fluxo e economia de
recursos. Observam-se argumentos teóricos e políticos em favor de uma ampliação
176
da aprendizagem, com alargamento do tempo, em especial para os processos de
alfabetização inicial (1ª e 2ª séries) das crianças da classe trabalhadora, excluídas
do acesso prévio ao conhecimento, como o têm as crianças de classe mais
abastada econômica e culturalmente. Parece ter havido nos anos 80 uma tentativa
de ruptura com um modelo conservador de não-reprovação. Verificou-se, entretanto,
que esta política iniciada por grupos progressistas, com a implantação dos Ciclos
Básicos de Alfabetização também teve limites impostos pela descontinuidade dos
grupos que o implantavam e pelo não cumprimento, por parte dos gestores que
desencadearam a política, da concretização das necessárias condições físicas,
materiais e humanas que efetivariam uma ampliação da aprendizagem das crianças
da classe trabalhadora.
A análise dos anos 90 foi fundamental para a presente pesquisa, não só pelo
fato da gestão Taniguchi estar inserida nessa década, mas porque as idéias
neoliberais presentes nas políticas brasileiras acabaram por dar a direção à
implantação da escola organizada em ciclos. Nos anos 90 a idéia de não-reprovação
assumiu a forma de ciclos de aprendizagem e de ciclos de formação, passando a
fazer parte tanto do discurso e ação de grupos conservadores, quanto de grupos
progressistas. O aparato legal e os documentos curriculares dos anos 90 também
incorporaram esta idéia de escolaridade em ciclos, o que, de acordo com
FERNANDES (2005), foi uma retomada das experiências dos grupos progressistas
com os CBAs nos anos 80. Entretanto, como se sabe, os anos 90 são fortemente
marcados por uma concepção de estado mínimo e a educação sofre as
conseqüências desse modelo, que impõe ações cada vez mais conservadoras. É
assim que os ciclos são também incorporados pela legislação educacional e
curricular, com as contradições que perpassam a sociedade capitalista promovendo
177
embates constantes entre interesses antagônicos. Apesar da pressão exercida para
um trabalho mais coletivo, que incorporasse as demandas da sociedade e de grupos
progressistas da educação, os textos legais e curriculares, elaborados
principalmente de forma centralizadora, no geral atenderam o capitalismo
globalizado.
Como indicaram os dados estatísticos do próprio MEC, não se rompeu com a
lógica da escola burguesa, pois a exclusão evidenciada nas estatísticas de
reprovação das séries iniciais (1ª a 4ª) parece ter sido lançada para as séries
posteriores de 5ª a 8ª, caracterizando o que FREITAS (1991, 2002) e BERTAGNA
(2003) denominaram como “eliminação adiada”. Com fundamentação em
LUXEMBURGO (2003), pode–se afirmar que se efetivou apenas uma reforma, uma
alteração superficial, sem alterar a estrutura básica do modelo de escola burguesa,
que é essencialmente excludente.
O estudo sobre os anos 90 possibilitou compreender o papel destinado à
educação nesta década, com a concepção de estado mínimo atribuída a educação,
que embora não diretamente responsável, é tomada como estratégia importante
para a acumulação do capital, formando indivíduos adaptáveis ao modelo exigido
pelo mercado. Assim, caberia à escola investir nos talentos importantes para a
competitividade. A ênfase dos organismos internacionais permanece no ensino
fundamental, sendo este muitas vezes compreendido como as primeiras quatro
séries deste nível de ensino.
Foi nesse contexto político e econômico de Estado mínimo que se deu a
implantação da escolaridade em ciclos em Curitiba. O recorte de 1997 a 2000 e de
2001 a 2004 se justifica porque o mesmo prefeito que implantou a política
permaneceu por dois mandatos consecutivos.
178
A continuidade do grupo lernista por décadas, revezando-se, entre a gestão
da prefeitura de Curitiba ou do governo estadual, motivou a busca por compreender
a configuração e concepção política deste grupo, através dos estudos de SÀNCHES
(2003) e TAVARES (2004). Estas pesquisadoras mostraram que a concepção
tecnocrática de planejamento esteve direcionada para a construção de uma “cidade-
mercadoria” (SÀNCHES, 2003), que pretende atender interesses burgueses. A
educação, inserida no conjunto das políticas desse modelo de urbanização, seguiu
esta mesma lógica, sendo gradativamente lançada para a responsabilidade dos
tecnocratas do planejamento. Essa direção esteve presente nos documentos oficiais,
sendo constatada em várias passagens dos textos e depoimentos aqui analisados.
Isto comprovou a hipótese lançada anteriormente de que os ciclos foram parte
importante do planejamento tecnocrático do governo Cássio Taniguchi. Portanto
uma escola organizada em ciclos era estratégia importante para o alcance dos
resultados almejados pela gestão, o que foi comprovado pelo “Relatório básico do
projeto gestão estratégica para resultados, na SME de Curitiba”.
No que diz respeito ao “processo de implantação” a pesquisa revelou, a
predominância do caráter conservador atribuído à organização escolar em ciclos,
tanto no discurso oficial, embora camuflado de participativo, quanto nas práticas que
efetivaram esta política.
Pode-se afirmar que a escola organizada em ciclos sob uma ótica burguesa
tem realizado o que FREITAS (1991, 2002) e BERTAGNA (2003, p.34)
denominaram “eliminação adiada”, ou “eliminação sem exame”. Foi comprovada a
afirmação de Nereide Saviani (1999) de que uma das estratégias utilizadas para
adiar a expulsão do aluno da escola pública é organizar as séries em ciclos de dois
anos, além de se atender às orientações dos organismos internacionais para
179
estabelecer um currículo mais flexível e uma avaliação menos rigorosa. Nesse
sentido os resultados, na ótica conservadora, estão garantidos e se mantém a
promessa burguesa do acesso das camadas populares à escola. Portanto, o
contrato burguês da igualdade (do acesso) está preservado, porém sem a garantia
de aprendizagem, o que provoca a reprovação nas séries seguintes de
escolarização ou ainda a “expulsão”, denominada nas estatísticas oficiais como
evasão. Assim, não se realizam os resultados que interessam verdadeiramente à
classe trabalhadora, por meio de uma efetiva aprendizagem aos alunos da escola
pública.
Pode-se afirmar que as queixas de pais, mães e professores das séries
posteriores não ocorreram apenas em virtude de sua falta de informação sobre
concepção de avaliação ou da arraigada cultura da reprovação, mas de dados
observados e situações vivenciadas acerca da (não) aprendizagem das crianças.
Destaca-se que, em relação especificamente à aprendizagem, a presente pesquisa
traz uma contribuição ao debate do tema, mas não representa um caráter conclusivo
sobre a questão.
Vários dados aqui coletados indicam o caráter conservador da política
implantada em Curitiba, como por exemplo:
1) a implantação dos ciclos seguiu a lógica centralização/descentralização, na
lógica neoliberal, ou seja, o planejamento da política e as decisões estiveram
centralizadas nas esferas superiores da Secretaria Municipal de Educação e grupos
técnicos do planejamento. Já as tarefas consideradas importantes para garantir os
resultados em cada unidade foram repassadas para os professores, sob uma
aparente autonomia e poder de decisão. Ainda assim estas tarefas estiveram sob o
olhar dos núcleos (descentralizados) de educação.
180
2) os diretores foram considerados, com algumas exceções, verdadeiros
gerentes das escolas e prepostos do poder público. Estes deveriam convencer o seu
grupo a executar as tarefas definidas pelos seus superiores, ou seja, coube aos
professores legitimar e executar as tarefas para a efetivação da decisão
anteriormente tomada, para a busca de resultados.
3) Gestão e a autonomia tiveram seus significados em consonância com as
demandas do mercado, ou seja, as escolas deveriam ser gerenciadas com uma
autonomia administrativa e pedagógica, o que significava uma aproximação
crescente com as parcerias e com o empreendedorismo. Isto descaracteriza
gradativamente a educação enquanto um serviço público e a coloca no âmbito da
mercadoria.
4) O trabalho pedagógico foi fortemente associado à teoria do capital humano,
com preocupações voltadas à produtividade do sistema, ou seja, na busca por
resultados. Lembrando que produtividade, para o sistema capitalista significa a
quantidade de bens ou produtos que um trabalhador é capaz de produzir a cada
hora de trabalho, associa-se, nesta lógica, o trabalho pedagógico a uma tarefa do
mundo da produção material. Nesse sentido, com esta analogia, pode-se inferir que
a ampliação das aprovações a todo custo seriam os produtos almejados.
5) A avaliação, tomada como central na organização curricular, tornou-se o
mecanismo mais importante para que a gestão alcançasse o produto almejado. Em
analogia com o mundo da produção material, poderíamos afirmar que, assim como a
escola privada tem na aula o seu produto vendável, na escola pública a forma
mercadoria pode ser incutida de maneiras diversas: por mecanismos para a
produção de resultados interessantes para a gestão que os almeja, por estratégias
que garantam visibilidade imediata para a comunidade e por atendimento às
181
exigências dos organismos internacionais. Em Curitiba, essa preocupação centrada
nos resultados foi tão enfática que se criou até uma equipe multidisciplinar nos
núcleos de educação, como balizadora da avaliação realizada pela escola,
caracterizando uma perspectiva que poderíamos denominar como “ciclos por
resultados”. E ainda, essa perspectiva de “ciclos por resultados”, na lógica da
empresa capitalista, não só não efetiva a necessária superação da lógica seriada,
como a reforça.
6) Pode-se afirmar que a continuidade e intensificação do processo de
desconstrução do Currículo Básico se deu na gestão do prefeito Cássio Taniguchi,
quando foram instituídas as novas diretrizes curriculares. Estas diretrizes foram
carregadas de um ecletismo teórico, como se autores amparados em concepções
divergentes de sociedade, pudessem compartilhar harmonicamente de idéias sobre
alguns pontos como ensino / aprendizagem e avaliação. Esse ecletismo teórico é
analisado por FRIGOTTO (1998), como parte integrante da perspectiva pós-
moderna, por constituir-se, entre outros aspectos por uma “soma de teorias”, como
se não houvesse concepções divergentes em termos de visões de mundo, ou
melhor, como se já não existisse, após a derrocada do socialismo real e dos
movimentos amparados pelas idéias marxistas, uma oposição ao capitalismo na sua
fase atual.
A discussão “contra ou a favor” da organização escolar em ciclos esvaziou a
reflexão, pois deslocou o eixo central da discussão que estaria definido, na
compreensão desta pesquisadora, por uma política de fato voltada aos anseios da
classe trabalhadora e pela garantia das condições concretas para a efetivação de
uma escola de qualidade. Por esse caminho fragmentado e sem a devida reflexão
sobre aspectos determinantes de uma escola de qualidade, desconsiderou-se,
182
também, que a escola está inserida numa sociedade de classes. Portanto, não basta
reformá-la superficialmente, alterando nomenclaturas e propostas, sem transformar
seus princípios, suas intenções e concepções, de modo a que ela cumpra o papel
que lhe cabe, não só para a efetivação do trabalho pedagógico, como na
contribuição para a transformação social.
Constatou-se ainda que esta forma neoliberal permeou não apenas o
currículo, como atuou junto aos professores com mecanismos sutis de controle por
resultados, numa perspectiva conservadora. Esta é uma das estratégias da gestão
capitalista que forma a (in)consciência de classe dos trabalhadores, constatada
também em parte do magistério municipal. Estas estratégias da gestão repercutem
no que FARIA (2004) denomina como “seqüestro da subjetividade”, o que impõe
limites cada vez maiores à necessária ampliação da consciência e organização de
classe do magistério. A forma neoliberal impôs ao magistério a tarefa de cumprir as
metas da gestão, através da busca pelo resultado imediato, em detrimento da
possibilidade da reflexão sobre as implicações desta política para o cumprimento do
papel da escola pública, ou seja, a transmissão e assimilação do saber elaborado.
Como estratégia de convencimento, os discursos oficiais procuraram mostrar a
“possibilidade” de uma conciliação entre divergentes teorias, fazendo acreditar que
aqueles que impõem alguma resistência o fazem no intuito de perturbar a ordem ou
por falta do devido compromisso pedagógico. Esta idéia esteve presente no
planejamento da gestão Taniguchi, realizado em 1998, onde o sindicato foi apontado
como “ameaça externa” (Projeto FGV-EBAP-IMAP-SME, 1999, p.86), pela
“radicalização das relações sindicais” (Projeto FGV-EBAP-IMAP-SME, 1999, p.87).
Essa é uma das premissas do neoliberalismo, afastar os trabalhadores da sua
organização de classe.
183
Porém, como não “(...) há escola que não encontre sua contra-escola”
(GALEANO, 1999), esta política impositiva acabou por mobilizar diferentes grupos
para debater a questão. Além do próprio magistério, organizado através de seu
sindicato, que realizou estudos e debates acerca da questão político-pedagógica da
organização escolar em ciclos, de forma coletiva e com apoio da universidade,
possibilitando aos professores refletirem sobre sua própria práxis e sobre sua
condição de trabalhador; outros grupos da sociedade foram também mobilizados
para pensar a escola em Curitiba. Estes grupos, ainda que em alguns momentos
tenham encaminhado os debates de forma equivocada, mostraram também sérias
preocupações sobre os rumos da educação na cidade. Quiçá, nesse movimento
contraditório, tenhamos notícias de “contra-escolas” e de mais pesquisas que
aprofundem outros aspectos sobre os ciclos em Curitiba, uma vez que esta é uma
política ainda em curso. E os movimentos iniciados de forma solitária em torno
dessa temática, unifiquem-se para ganhar força e avancem na direção do que
muitos insistem há décadas, ou seja, de uma escola de qualidade para os filhos da
classe trabalhadora. Um processo conservador pode, por contradição, possibilitar
movimentos opostos de transformação, desde que se construa a necessária
consciência de classe para efetivá-los, função essencial de todos aqueles que, de
acordo com Gramsci, exercem na sociedade o papel do intelectual orgânico da
classe trabalhadora.
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191
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193
ANEXOS
194
ANEXO 1
ALUNOS REPROVADOS, NO BRASIL, POR SÉRIE:
SÉRIES
ANO
TOTAL BRASIL
1 2 3 4 5 6 7 8
1990
5.253.586
1.404.729
958.221
679.221
450.799
823.348
481.914
300.186
155.123
1991
5.243.012
1.367.585
968.601
968.601
443.084
841.209
490.194
303.671
156.592
1992
5.022.724
1.237.774
932.798
651.379
428.598
820.529
497.068
300.668
153.910
1993
5.062.972 486.697
1.374.202
709.994
517.674
632.907
692.268
414.132
235.098
1994
5.144.290
1.319.225
903.853
619.651
404.659
847.982
551.587
327.847
169.481
1995
5.052.280
1.252.284
973.365
582.169
383.081
821.145
532.083
331.168
176.985
1996
4.643.990
1.190.117
848.446
549.955
356.259
759.658
474.308
295.964
169.283
1997
3.862.345
1.192.773
694.239
424.441
286.099
553.328
349.518
225.778
136.169
1998
3.484.941
1.144.199
620.051
380.610
277.582
437.373
292.522
194.931
137.673
1999
3.735.880
1.023.016
683.056
398.319
343.294
499.037
357.042
248.656
184.460
2000
3.824.495
913.943
681.521
438.002
363.439
536.509
390.132
275.712
225.207
2001
3.876.167
901.878
649.518
437.138
389.401
573.902
389.787
286.136
248.407
2002
4.063.800
867.454
669.099
443.620
396.220
637.910
447.920
325.431
276.146
2003
4.147.757
811.618
668.935
467.355
403.345
665.398
476.331
341.319
299.130
Tabela elaborada a partir dos dados da Educação Básica (de 1990 a 2003) - INEP
195
ANEXO 2
196
ANEXO 3
197
ANEXO 4
198
ANEXO 5
199
ANEXO 6
200
ANEXO 7
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
PROJETO FGV/EBAP-IMAP
GESTÃO ESTRATÉGICA PARA RESULTADOS NA SECRETARIA MUNICIPAL DA
EDUCAÇÃO DE CURITIBA
PROPOSTA DE ESTRUTURA DE PROGRAMAÇÃO*
PROGRAMA/SUBPROGRAMA – G1 PROGRAMA/SUBPR
OGRAMA – G2
PROGRAMA/SUBPR
OGRAMA G3
PAI – Programa de Ação Integrada entre o Sistema
Educacional e a Sociedade
Construção Coletiva do Projeto Político
Pedagógico em cada Escola
Apoio aos Conselhos Escolares , APPFs e APPs
Desenvolvimento de Parcerias e Intercâmbios
Desenvolvimento de Lideranças
Programa de
Descentralização
Pedagógica
Administrativa
De Recursos
Financeiros
Programa Fazendo
Escola
Descentralização
Pedagógica
Descentralização
Administrativa
Descentralização
Financeira
PVP – Programa de Valorização Profissional
Estrutura de Carreira
Implementação de Projetos de Capacitação
Técnica para Resultados
Construção Coletiva do Perfil do Profissional da
Educação Exigido pela Sociedade
Contemporânea
Implantação de Mecanismos de Remuneração
Variável para Premiar os Diferenciais de
Resultados Alcançados.
Programa de
Valorização
Profissional
Fazenda Escola
Capacitação
Intercâmbio
Profissional,
Social e
Cultural.
Programa Comunidade
em Ação
Entidades
Representativas
Lideranças para
Educação e
Desenvolvimento
de Parcerias
PDI – Programa de Planejamento e Desenvolvimento
Institucional
Ação em Rede para Melhoria da Qualidade do
Ensino
Desenvolvimento de Lideranças
Desenvolvimento de Sistema de Pesquisa e
Avaliação
Redefinição da Estrutura Organizacional,
tornando-a mais flexível
Desenvolvimento de um Programa de
Comunicação com informação Eficaz
Implementação da Descentralização em Todos
os focos
Implantação de Mecanismos Internos de
Planejamento e Controle Financeiro e
Orçamentário
Programa de
Planejamento e
Programação
Integração e
Parceria
Reestruturação
Organização da
SME
Comunicação e
Informação
Controle de
Resultados
Programa de
Planejamento/Gestão
para Resultados
Sistema de
Avaliação
Institucional
Redefinição da
Estrutura da SM
Comunicação
* Propostas geradas por três grupos no âmbito do Workshop de Análise Tópica realizada em 20 e
21/10/98
201
ANEXO 8
Depoimentos da pedagoga de um dos núcleos regionais de educação,
coletados em entrevista semi-estruturada, 2006:
Depoimento 1
Esse dai, esse trabalho aí chama–se... foi o planejamento estratégico que foi
feito.Que teve assessoria...o trabalho com a Fundação Getúlio Vargas...e lógico, o
IMAP sempre participa na questão das pesquisas e de onde está o maior problema,
o maior foco disso, né... Como esta população se movimenta na cidade.Então, tem
toda esta organização aí, mas o ciclo de aprendizagem houve lógico, todo esse
levantamento da população existente ali...
Depoimento 2
Bom, primeiramente assim, os ciclos já tinham sido implantados no Estado há algum
tempo né. E a Rede vinha investindo na questão da alfabetIzação, vinha investindo
numa série de coisas... de capacitação, como sempre investiu, né. Mas os
resultados estavam muito sérios, com um nível de retenção muito alto nas primeiras
etapas principalmente, primeira séries, aliás. E a gente... em 97, nós fizemos um
trabalho que se chamou ALFA 41, que foi um projeto que a gente desenvolveu de
agosto a dezembro porque... nós fizemos o projeto no primeiro semestre e de agosto
a dezembro a gente desenvolveu nas escolas. Que era um trabalho assim de
acompanhamento do processo mesmo pedagógico desenvolvido pelos professores
e de ajuda imediata. A gente conversava com o professor, nós íamos em duplas na
escola, conversávamos com o professor, olhávamos o material de trabalho dele e
fazíamos a intervenção, levando esse professor a refletir sobre aquilo que ele estava
trabalhando e sobre o que aquele aluno já estava produzindo. Porque historicamente
a gente era assim: ou lia ou não lia, ou escrevia ou não escrevia, então você não via
o aluno no seu desenvolvimento, na sua produção, no seu processo de
aprendizagem, era ou isso ou aquilo. E, a gente percebia o seguinte, muitos alunos
(e isso era uma fala, acho que até desde quando...eu sou professora há mais de 38
anos e eu sempre ouvi isso: ah, mas... se mais um mês, mais dois meses e esse
aluno passava...então aí agente falava, mas veja, se ele já dá conta de tudo isso
agora porque que nós temos que reprovar? Por que nós não investimos e não
acreditamos nele? Quando ele voltar das férias, com certeza ele já vai voltar
diferente porque a gente nunca é igual ...se a gente fala tanto de avaliação de
processo / no processo, então porque nós temos que achar que esse aluno já tem
que dar conta de tudo isso agora na primeira série, se ele nem teve nenhuma
experiência com a escola, ainda mais o nosso aluno da escola pública, que precisa
de mais tempo, porque, na maioria dos casos ele não recebeu estimulação
nenhuma, não teve contato com a escrita...e se deu conta em um ano de tudo isso,
porque não acreditar nele e levarmos ele para a segunda série, dando continuidade
ao processo. Não é eu chegar no início da segunda série e dizer: “não, aqui, agora,
você
202
tem que saber já ler e escrever” . Não, é entender que ele está em processo e que
nós todos estamos em processo. Nós adultos, nós também, às vezes lemos um
texto hoje que não temos condição de compreender, mas daqui a dois, três anos eu
leio o texto e digo: “puxa, como ele escreveu bem, né?” Não é verdade? Então, a
gente procurava levar o professor a refletir sobre isso. Foi um processo muito rico
para ambos os lados, para nós, que fazíamos parte da gerência de currículo da
época, quanto para os professores, que passaram a acreditar...(...) Nas escolas
integrais, o aluno ficava lá o dia inteiro e tinha escolas em que passava de quarenta
por cento o índice de retenção. Então era uma coisa que não se justificava, porque a
culpa ficava sempre no aluno, “a criança não aprendia, a família era analfabeta”,
como se a família tivesse obrigação, se a escola é a instituição para ensinar. Então,
de alguma forma, a culpa não era da instituição escola, era sempre do outro, da
criança. Então, a gente começou a analisar tudo isso aí: vamos ver o que nós
podemos fazer, vamos ver o que ela já dá conta, vamos dar continuidade. Ah, mas
ele não vai. Então vamos fazer esse processo e vamos continuar o ano que vem. Os
professores que quiserem podem ir com sua turma. Porque sempre falavam assim:
Ah, mas a professora da segunda série (...) vai dizer que a gente não ensinou, que
mandou o aluno sem saber. Bem, se o aluno chegar lá assim, de onde ele estiver,
nós vamos ter que ensinar. Se ele chegou na quarta sem ler e escrever, o que não
podia, mas se ele chegou, eu estou com ele, eu vou ter que ensinar a ler e escrever.
De onde ele estiver, eu vou ter que ensinar a ler e escrever. Então a gente fez todo
um trabalho assim: de convencimento, de análise de texto, de capacitação. E, como,
na época, nós tínhamos uma equipe que, pra esse trabalho efetivo, era uma equipe
reduzida, nós não podíamos atender todas as escolas. Então, nós pegamos 41
escolas que tinham mais que trinta por cento de retenção nas primeiras séries. Por
isso que chamou inicialmente ALFA 41.E aí a gente fez todo um projeto, com
equipes de trabalho e nós fazíamos capacitação nos núcleos: no núcleo iam as
escolas desse grupo e as alfabetizadoras faziam um trabalho de orientação direta,
depois nós íamos individualmente em cada escola, para olhar professor por
professor.E aí a gente ia dando as orientações e ia mostrando as possibilidades. Na
verdade, ensinando a “ler”: quando o aluno, por exemplo, escrevia emendado, o
professor dizia que ele escrevia errado. Então, quando a gente começou a ler o
emendado do aluno, aí o professor se dava conta de que o aluno estava produzindo,
era só questão de segmentação, aí ele começava a ver isso. As professoras diziam:
“também, vocês lêem tudo!” a gente começou a treinar o olhar, que na verdade tinha
leitura ali, nossos olhos é que não estavam habituados a ler aquilo, estávamos
habituados a ler o que era regular. E, a partir disso, que a gente viu que deu
resultado, no ano seguinte a coisa começou a melhorar...a gente voltava na escola:
Ah, mas e a segunda série. A segunda a gente vai continuar acompanhando, agora,
é primeira e segunda...e aí percebeu-se que a continuidade foi boa, porque muitos
daqueles alunos realmente deslancharam, lógico que um ou outro ( como até hoje
ocorre) continuava apresentando um pouco mais de dificuldade, em contrapartida
outros tantos avançavam sem nenhum problema. A partir dessa experiência do
ALFA 41 que a gente observou que na verdade era na intervenção que nós
tínhamos que mudar a forma, foi que surgiu então essa possibilidade de implantação
dos ciclos de aprendizagem na Rede. Acho que por conta também (não sei bem...)
mas toda uma história de globalização, muitos países sem retenção ...eu até não
vou entrar muito nesses detalhes, porque meu foco é muito mais direto na educação,
no pedagógico mesmo...(DEPOIMENTO 1)
203
Depoimento 3
Eu lembro razoavelmente, a gente discutiu muito sobre as formas né, de como
construir esse texto, aí foi montada uma comissão. Do nosso núcleo, quando eu
trabalhava aqui no núcleo do (...) eu era pedagoga daí a (...) trabalhava comigo
como alfabetizadora...porque nesse momento né...que tem o ALFA41, no ano
seguinte, eles colocam no núcleo um pedagogo, que antes o núcleo só tinha uma
função administrativa, entendeu? Aí então, cada um dos sete núcleos recebe um
pedagogo...a alfabetizadora, na seqüência, depois que começa toda a discussão do
ciclo de aprendizagem , aí querendo vir também a continuidade do ALFA 41, vem
para os núcleos a alfabetizadora para trabalhar com o pedagogo. Se dá esse
processo de implantação também nos núcleos da equipe pedagógica...aí o núcleo
passa a ter uma função pedagógica também...a gente foi construindo esse fazer...
Depoimento 4
Da intervenção a partir do ALFA 41, havia possibilidade de já pensar em avaliação
processual e não segmentada, seriada, foi aí que houve então a proposta do
secretário lá no parque Barigüi com os diretores, houve palestras e já também tinha
história de avaliação em processo, os diretores voltaram às escolas para fazer esse
trabalho no interior da escola e depois se manifestar, dizendo de que forma
gostariam de implantar e o que achavam que era necessário para fazer um bom
trabalho com os ciclos. Então, aí houve todo aquele processo...e eles tinham que, se
não me engano até abril, não me lembro a data agora exatamente...pra se
manifestar por ofício a cada núcleo...nesse ínterim, nós, pedagogas de núcleo,
fizemos um trabalho nas escolas pra explicar bem o que era... conforme as direções
iam até solicitando... e tinham dificuldade ou não em explicar determinado assunto, a
gente se propunha a ir até a escola e fazer todo um trabalho com a equipe
pedagógica pra tentar dirimir as dúvidas ou explicar o que é uma avaliação em
processo, o que é um processo de aprendizagem, essas coisas ...
[Só pra entender, essa opção pelos ciclos a partir do ALFA 41..]
na verdade assim, se havia intenção ou não anteriormente...eu estou falando na
minha ótica, né...mas, a partir desse momento, da discussão do ALFA, dessa
implantação de projeto, porque...nós não podemos continuar reprovando tanto aluno
assim sem saber o porque, quem é que está falhando?A gente capacita, investe
muito e o retorno...se todo mundo é capaz de aprender, partindo do pressuposto, né,
a partir desses estudos nossos, das inteligências...porque nós reprovamos tantos
alunos?Não podemos simplesmente nos acomodar e dizer: Não, é assim mesmo, é
normal reprovar trinta, né?Nós chegamos ter escola que reprovou 57% de
alunos...de primeira a quarta. Então, na verdade, assim, com esse ALFA, a gente
percebeu que era possível dar a continuidade com qualidade...se houve depois
deteriorações do processo, vamos dizer assim, que era um cuidado que eu
enquanto pedagoga... que eu já era do Estado e presenciei um momento assim de
que logo que implantou o ciclo, ele se preocupava com uma área do conhecimento e
esquecia outra. Então como eu vivi isso, eu sempre procurei alertar com quem eu
trabalhava, essa possibilidade. Agora depois, né, a coisa...
[Como se planejou essa política dos ciclos?]
204
Encontro com diretores, agora não me lembro se os pedagogos estavam também (1
pedagogo por escola)...houve essa reunião, foi feita uma palestra. A intenção da
secretaria em organizar um ensino de forma diferenciada... até porque o mundo
mudou...a nossa concepção de mundo também, de educação também
mudou...então, nós tínhamos que avançar...e procurar outros caminhos e entender
que essa criança não era mais a mesma de 50 anos atrás, aquela coisa toda né...aí
nesse momento, os diretores voltaram para a escola, seria então feito no interior da
escola, essa consulta, essa organização e, depois se manifestariam por ofício,
dizendo se ciclariam ou não.E, se ciclassem, quais seriam as condições
75
que eles
achavam necessárias para que realmente fosse feito um trabalho de qualidade.
Depoimento 5
Quando implanta-se o ciclo, a gente fala para as pessoas que o aluno não é mais só
o culpado pelo problema de aprendizagem dele. Então mais alguém tem que estar
olhando...então todos passam a ter o compromisso de estar atentos ao
desenvolvimento daquele aluno. O pedagogo da escola começa a receber mais
responsabilidade realmente, no sentido de fazer uma triagem nesse aluno, fazer
uma avaliação sensório para ver se identifica alguma coisa, o professor, o núcleo
analisam, há toda uma pré-triagem, uma ficha de observação, chama-se o CMAE e
no núcleo: CMAE, escola e núcleo analisam se aquele aluno é um caso de
encaminhamento porque ele tem mesmo uma dificuldade de aprendizagem ou tem
outro comprometimento ou se é um problema de desenvolvimento humano, então
ele está na fase dele, então é só mais uma questão de tempo e ele vai dar conta, ou
se é mesmo uma necessidade de mudança de postura no encaminhamento
metodológico. Aí, claro, muito mais aluno passa a ser olhado, o volume de trabalho
aumenta: como aumenta na escola, aumenta no núcleo, aumenta no CMAE. O
CMAE tenta dar conta dessas situações, só que são muito mais casos para se
analisar.(...) Depois, com o tempo, viu-se que o CMAE não daria conta da totalidade
da avaliação. Então, todo aluno que já tivesse sido encaminhado, não só
encaminhado, mas encaminhou no sentindo assim: eu (professora) olhei, o
pedagogo olhou , fez a sua análise, levou para o núcleo, fizeram a análise junto com
o CMAE e chegaram à conclusão: esse aluno realmente precisa ser avaliado, então
aí, nem que ele entrasse na fila de espera, mas ele estava encaminhado. (...) Na
medida em que aumentou o trabalho, aumentou pra todo mundo, porque esse aluno
não ficou mais abandonado à própria sorte. Todo mundo tem que fazer alguma coisa
por ele, aí o CMAE, que tinha uma estrutura, né...é lógico, ficou com uma
fila...alguns mais outros menos, mas uma fila bem maior.
Depoimento 6
Porque nós começamos então a saber que outros Estados já tinham ciclado e como
estava o processo. Então, nós procuramos saber como Minas Gerais se organizou
com a escola Plural deles, que foi uma das primeiras que a gente procurou entrar em
contato e pedir material, o Rio Grande do Sul, depois a gente viu Brasília, o Mato
75
Estas condições constaram nos documentos “Planos de ação” elaborados pelas escolas e enviados aos núcleos
de educação, que passariam para o grupo de equalização, a fim de verificar as condições comuns à maioria das
escolas.
205
Grosso...cada cidade, cada Estado denominava sua escola, para caracterizar
melhor..aí nós começamos a ler muito sobre o assunto e como cada uma se
organizou e a partir do momento que as escolas se manifestaram em ciclar, não foi a
totalidade num primeiro momento, até hoje nós temos escolas seriadas na Rede,
mas a partir desse momento, todas, independente de serem seriadas ou cicladas
começaram a receber os cursos, palestras, semana pedagógica, onde a gente
convidava o pessoal do Rio Grande do Sul, de Brasília, as palestras foram gravadas,
para depois serem novamente revistas, caso necessário fosse, material escrito
também a gente reproduzia e mandava para as escolas...sobre como eles se
organizavam, o que era a escola Candanga, por exemplo, como era a escola
Participativa, a escola Cidadã, não é?O Silvio, que era um dos “cabeças”, super
cabeça mesmo, veio várias vezes a Curitiba falar sobre esse assunto ( a gente tem
fita dele gravada, sobre como eles se organizavam...)e também foram feitas algumas
caravanas, que naquela gestão a gente participou de muitos cursos fora, né?não era
assim, às vezes tinha um grande evento no Rio Grande do Sul, então iam lá tantos
pedagogos, e mesmo pedagogos de escola ou diretor, quem quisesse ir podia
participar do evento, do congresso que teve e depois até visitar uma dessas
experiências, houve essas possibilidades.
206
ANEXO 9
207
ANEXO 10
208
209
210
211
212
ANEXO 11
213
214
ANEXO 12
215
Livros Grátis
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Milhares de Livros para Download:
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