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SUSAN REGINA RAITTZ CAVALLET
CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE E ESCOLHAS NO ACESSO AO ENSINO
SUPERIOR: PROCESSOS DE MUDANÇA E TRABALHO PSÍQUICO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação, Setor de
Educação, Universidade Federal do
Paraná, como requisito parcial à
obtenção do grau de Mestre em
Educação.
Orientadora: Profa.Dra. Helga Loos
CURITIBA
2006
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ii
IDENTIDADE E ESCOLHAS NO ACESSO AO ENSINO SUPERIOR: PROCESSOS
DE MUDANÇA E TRABALHO PSÍQUICO
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iii
DEDICATÓRIA
Estas palavras são para Izabel Carolina, Ana Paula e Luiza Helena.
iv
AGRADECIMENTOS
Ao Valdo, companheiro de tantas lidas, às vezes insanas, às vezes uma ancoragem
segura, pela presença mesmo quando ausente, pela instigação das perguntas e inquietações,
e, especialmente, pelo calor do afeto.
Às minhas filhas, que enriquecem o meu viver, pela oportunidade de re-aprender a mim
mesma e pelos momentos em que a partilha se operou pela ajuda.
Aos meus pais, pela transmissão do desejo e da partilha, e, pelo incentivo e exemplo
que me conduziram a uma profissionalização precoce.
À Wael de Oliveira, pela presença que localiza os pontos desencadeados de minhas
memórias e tempos.
À Profa.Dra. Maria Augusta Bolsanello, pelo acolhimento.
À Profa.Dra. Helga Loos, por acreditar desde o começo, pela disponibilidade, pela
atenção aos detalhes, e por suportar a minha forma de expressão.
À Profa.Dra. Maria Isabel da Cunha, pelo exemplo e pela aposta.
À Profa.Dra. Sandra Regina Kirchner Guimarães, pelo cuidado e oportunas sugestões.
A cada um dos 558 candidatos ou ingressantes na UFPR através do vestibular de 2005,
que se dispôs a participar da pesquisa respondendo aos questionários.
Aos colaboradores da PROGRAD e do Núcleo de Concursos da UFPR, pela presteza
em facilitar o acesso aos dados e condições para a realização da pesquisa.
Ao Prof.Dr. Jorge Sesarino, por estimular minhas viagens pelos livros e contribuir na
localização das interlocuções com diferentes teorias.
Ao Prof.Dr. Roberto Tadeu Raittz, pelas conversas, que ajudaram a colocar um tanto de
objetividade em minhas idéias e achados na imensidão dos dados levantados na pesquisa.
Aos colegas de diferentes grupos de caminhada, pelas conversas, pela escuta de
palavras caçando localização nos diferentes tempos da construção deste trabalho.
A todas as pessoas que me propiciaram oportunidade de trabalhos e aquelas com quem
estabeleci laços.
A todos os autores com os quais dialoguei, os citados no texto e também aqueles que
fizeram parte de um percurso de elaboração de conhecimento.
v
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES..............................................................................vi
LISTA DE GRÁFICOS.....................................................................................vi
LISTA DE TABELAS......................................................................................vii
RESUMO.........................................................................................................ix
ABSTRACT......................................................................................................x
APRESENTAÇÃO .........................................................................................01
PARTE I
CAPÍTULO 1
ENTRE A ADOLESCÊNCIA E A IDADE ADULTA.......................................07
1.1 ADOLESCÊNCIA COMO TRABALHO E COMO ENCONTRO..............07
1.2 ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO ................................................................17
1.3 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL E
AFETIVIDADE...........................................................................................22
1,4 FORMAÇÃO DE CONCEITOS E A ADOLESCÊNCIA EM
VYGOTSKY...............................................................................................28
1,5 ELABORAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE SER TUDO E DA
PERGUNTA “O QUE SER ENTÃO?” .......................................................30
CAPÍTULO 2
ENTRE A IDENTIDADE E A ESCOLHA ......................................................35
2.1 CONCEPÇÕES SOBRE IDENTIDADE ................................................35
2.1.1 Conceitos e funções da identidade........................................................39
2.1.2 Identidade social....................................................................................42
2.1.3 Identidade profissional ou ocupacional..................................................43
2.1.4 Identidade pessoal ................................................................................47
2.2 TRAJETÓRIAS DA IDENTIDADE ..........................................................48
2.2.1 Construção da pessoa ou constituição do sujeito?...............................48
2.2.2 Processos identificatórios .....................................................................53
2.2.3 Identidade como metamorfose .............................................................59
2.2.4 A subjetividade em Vygotsky ................................................................61
2.3 IDENTIDADE E COMPROMISSO .........................................................63
2.4 IDENTIDADE COMO PROCESSO, EFEITO DE ENCONTRO E
APARATO PARA LIDAR COM CONFLITOS.........................................67
CAPÍTULO 3
TRABALHO, ESCOLHA PROFISSIONAL E IDENTIDADE .........................73
3.1 O TRABALHO HOJE .............................................................................73
3.2 O TRABALHO COMO AUTO-EXPRESSÃO .........................................79
3.3 ADOLESCENTES E JOVENS ADULTOS EM PROCESSO DE
ESCOLHA PROFISSIONAL .....................................................................83
3.4 TRABALHO PSÍQUICO E TRABALHO SOCIAL – IDENTIFICAÇÕES E
SUBLIMAÇÃO...........................................................................................87
vi
CAPÍTULO 4
A ESCOLHA COMO PROCESSO MEDIATIZADOR NA CONSTRUÇÃO
DA IDENTIDADE ...........................................................................................93
4.1 DESENVOLVIMENTO, EDUCAÇÃO E IDENTIDADE ..........................93
4.1.1 Diferentes abordagens e perspectivas do desenvolvimento humano...93
4.2 ESTRUTURAS DE AUTO-REGULAÇÃO E TROCAS: EGO, AUTO-
CONCEITO, MEDIAÇÃO DOS SIGNOS E CAMINHOS DO DESEJO ..103
4.3 A ESCOLHA E A AÇÃO: ASPECTOS AFETIVOS, COGNITIVOS E
CONATIVOS ........................................................................................110
4.4 O PROCESSO DE ESCOLHER E A TOMADA DE DECISÃO ...........115
4.5 O SIGNIFICADO DE ESCOLHER E O TRABALHO DE TRIAGEM E
LUTO ...................................................................................................119
CAPÍTULO 5
ENCONTROS E DESENCONTROS: DO SUJEITO QUE CONSTROI A
IDENTIDADE NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM ................123
5.1 O QUE NOS DIZEM AS PESQUISAS E A MÍDIA SOBRE OS
JOVENS E OS CANDIDATOS AO VESTIBULAR ...............................123
5.2 A EDUCAÇÃO SUPERIOR E A UNIVERSIDADE HOJE ....................124
5.3 PROFESSOR-ALUNO: ENCONTROS E DESENCONTROS .............133
PARTE II
1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROBLEMA DE PESQUISA..................147
2 PROBLEMA............................................................................................150
3 OBJETIVOS............................................................................................150
3.1 OBJETIVO GERAL...............................................................................150
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ................................................................150
4 ABORDAGEM METODOLÓGICA ...........................................................151
4.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A METODOLOGIA .................................151
4.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE PROCEDIMENTOS E MATERIAL..........155
4.2.1 OBSERVAÇÃO......................................................................................156
4.2.2 QUESTIONÁRIO....................................................................................158
4.2.3 ESCALA.................................................................................................159
4.2.4 MOMENTOS DE COLETA DE DADOS....................................................160
4.2.5 PERFIL METODOLÓGICO DA PESQUISA: INFORMAÇÕES GERAIS ......161
4.3 UNIVERSO E MOMENTO DA PESQUISA...........................................163
4.4 CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES.......................................165
4.4.1 COLETA NO VESTIBULAR.....................................................................167
4.4.2 COLETA NO REGISTRO ACADÊMICO...................................................168
PARTE III
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
1 DADOS GERAIS SOBRE OS PARTICIPANTES DO ESTUDO...............173
vii
2 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DOS PROCEDIMENTOS
ESTATÍSTICOS DE ANÁLISE...............................................................193
3 CAMINHOS DA ANÁLISE ESTATÍSTICA NA CONSTRUÇÃO DO
CONCEITO DE AUTO-REPRESENTAÇÃO..........................................196
3.1 AUTO-REPRESENTAÇÃO POSITIVA........................................................205
3.2 AUTO-REPRESENTAÇÃO NEGATIVA/CRISE
............................................210
4 OUTROS ASPECTOS DA AUTO-REPRESENTAÇÃO E DA ESCOLHA,
LEVANTADOS A PARTIR DA ANÁLISE QUALITATIVA DA AMOSTRA
DE PESQUISA........................................................................................221
4.1 CONCEITOS DE IDENTIDADE E ESCOLHA LEVANTADOS NA
PESQUISA .....................................................................................224
4.1.1 Identidade....................................................................................225
4.1.2 Escolha........................................................................................227
PARTE IV
CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................233
REFERÊNCIAS ...........................................................................................243
ANEXOS
ANEXO 1......................................................................................................251
Modelo do questionário 1
ANEXO 2......................................................................................................257
Modelo do questionário 2
ANEXO 3......................................................................................................263
Distribuição da amostra de pesquisa por curso e relação candidato/vaga.
ANEXO 4 .....................................................................................................267
3A. ANÁLISE FATORIAL DE COMPONENTES PRINCIPAIS E REPRESENTAÇÃO
SIMPLIFICADA DE ESCALA DE AUTO-REPRESENTAÇÃO: AMOSTRA DE PESQUISA
COLETADA ENTRE OS ALUNOS CANDIDATOS E INGRESSANTES NA UFPR EM
2005: EXTRAÇÃO DE 4 COMPONENTES.
ANEXO 5......................................................................................................271
CORRELAÇÕES BIVARIADAS SIGNIFICATIVAS DOS ITENS DA ESCALA DE AUTO-
REPRESENTAÇÃO, IDENTIFICADAS A PARTIR DAS PERCEPÇÕES DOS
CANDIDATOS E ALUNOS INGRESSANTES NA UFPR EM 2005.
ANEXO 6......................................................................................................275
ANÁLISE FATORIAL DE COMPONENTES PRINCIPAIS DA ESCALA DE AUTO-
REPRESENTAÇÃO E REPRESENTAÇÃO SIMPLIFICADA DOS OPERADORES DO
CONCEITO NO GRUPO DE PARTICIPANTES DA PESQUISA QUE NÃO ESCOLHEU
O CURSO PRETENDIDO: AMOSTRA DE PESQUISA COLETADA ENTRE OS ALUNOS
CANDIDATOS E INGRESSANTES NA UFPR EM 2005.
viii
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Visão panorâmica do processo de adolescer......................................................................10
Figura 2 - Diagrama ilustrativo dos estados da Identidade..................................................................66
Figura 3 - Esquema representativo das variáveis implícitas no embate subjetivo de contínua
reorganização da concepção de si ............................................................................................71
Figura 4 - Esquema representativo da constituição da identidade tendo como interface o embate
entre o individual e o coletivo .....................................................................................................72
Figura 5 - Comparações entre o desenvolvimento do ego, o desenvolvimento cognitivo e do
autoconhecimento, elaboradas para este estudo, a partir de estudos de SIMÕES (1995)
..................................................................................................................................................106
Figura 6 - O processo das expectativas (adaptado de Jussim, 1986)...............................................141
Figura 7 - Fatores afetivos e relacionais da aprendizagem escolar...................................................142
Figura 8 – Quadro de alunos, cursos e setores, por Campus da UFPR............................................164
Figura 9 – Quadro panorâmico de operadores do conceito de auto-representação, levantado entre os
candidatos ao acesso na UFPR em 2005, através de Análises Fatoriais de Componentes
Principais de uma Escala de Auto-representação....................................................................214
Figura 10 – Diagrama da interação entre os operadores do conceito de auto-representação,
identificados a partir das percepções dos candidatos ao acesso na UFPR em
2005..........................................................................................................................................214
Figura 11 – Diagrama de movimento dos operadores do conceito de auto-representação, mediados
por áreas de conflito, onde “ trabalho psíquico” e “escolhas” operam......................................239
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Posicionamento de alunos do curso de Agronomia da UFPR, em relação a sua escolha
de curso. Curitiba, 2000............................................................................................................127
Gráfico 2 - Distribuição dos candidatos inscritos e aprovados nos vestibulares da UFPR, por
escolarização anterior. Curitiba, 2002-2005.............................................................................174
Gráfico 3 - Distribuição dos inscritos e aprovados nos vestibulares da UFPR, por experiência
anterior no mundo do trabalho. Curitiba, 2002-2005................................................................175
Gráfico 4 – Candidatos inscritos e aprovados nos vestibulares da UFPR, distribuídos por faixa etária.
Curitiba 2001-2005. .................................................................................................................181
ix
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Distribuição da amostra de pesquisa, por etapa, modelo de questionário, gênero e
situação de aprovação dos participantes da pesquisa. Curitiba, 2004-2005...........................167
Tabela 2 – Distribuição da amostra de pesquisa por curso e relação candidato vaga......................265
Tabela 3 – Candidatos inscritos e aprovados nos vestibulares da UFPR, por número de vestibular
prestado. Curitiba, 2001-2005..................................................................................................175
Tabela 4 – Candidatos inscritos e aprovados nos vestibulares da UFPR, por experiência anterior em
outro curso de graduação. Curitiba, 2001-2005.......................................................................176
Tabela 5 – Dados gerais relativos aos vestibulares da UFPR em 2005 e 2006: total e por grupos de
concorrência geral, cota racial e cota social.Curitiba, 2005-2006. ..........................................177
Tabela 6 – Distribuição dos participantes da amostra de pesquisa, por momento de coleta e locais de
origem. Curitiba 2004-2005. ....................................................................................................179
Tabela 7 – Distribuição dos participantes da amostra de pesquisa, por momento de coleta e faixa
etária. Curitiba, 2004-2005. .....................................................................................................180
Tabela 8 – Razões para cursar o Ensino Universitário entre os participantes da amostra de pesquisa.
Curitiba, 2004-2005. ................................................................................................................182
Tabela 9 – Distribuição de indecisos com a escolha do curso: dados do vestibular e da amostra de
pesquisa. Curitiba, 2004-2006. ................................................................................................183
Tabela 10 – Motivos para a escolha de curso: candidatos inscritos e aprovados em vestibulares da
UFPR. Curitiba 2004-2006. ......................................................................................................185
Tabela 11 – Aspectos que influenciaram a escolha de curso dos participantes da amostra de
pesquisa. Curitiba, 2005. .........................................................................................................187
Tabela 12 – Distribuição da amostra de pesquisa na fase de registro acadêmico, por grupo de
inscrição e concordância na escolha de curso. Curitiba, 2005. ...............................................188
Tabela 13 – Considerações a respeito da escolha de curso: amostra de pesquisa coletada entre os
candidatos e ingressantes na UFPR em 2005. .......................................................................189
Tabela 14 – Considerações sobre re-opção de curso: amostra de pesquisa coletada entre os alunos
candidatos e ingressantes na UFPR em 2005. .......................................................................190
Tabela 15 – Aspectos facilitadores e dificultadores para cursar a graduação e encaminhar a futura
profissão: amostra de pesquisa coletada entre os candidatos e ingressantes na UFPR em
2005. ........................................................................................................................................192
Tabela 16 – 1
a
. Análise Fatorial de Componentes Principais e representação simplificada da Escala
de Auto-representação: amostra de pesquisa realizada com candidatos ao acesso na UFPR
em 2005....................................................................................................................................197
Tabela 17 - 2
a
. Análise Fatorial de Componentes Principais e representação simplificada da Escala
de Auto-representação dos candidatos ao acesso na UFPR em 2005: extração de 5
componentes............................................................................................................................200
x
Tabela 18 - 3
a
. Análise Fatorial de Componentes Principais e representação simplificada da Escala
de Auto-representação: amostra de pesquisa coletada entre os candidatos ao acesso na UFPR
em 2005: extração de 4 componentes. ...................................................................................269
Tabela 19 - 4
a
. Análise Fatorial de Componentes Principais e representação simplificada da Escala
da Auto-representação dos candidatos ao acesso na UFPR em 2005: variáveis reduzidas,
extração de 9 componentes......................................................................................................202
Tabela 20 - 5
a
. Análise Fatorial de Componentes Principais da Escala de Auto-representação e
representação simplificada da Escala de Auto-representação dos candidatos ao acesso na
UFPR em 2005: variáveis reduzidas, extração de 4 componentes..........................................204
Tabela 21 - 1
a
. Análise Fatorial Adicional de Componentes Principais de Escala de Auto-
representação e representação simplificada dos operadores do conceito de Auto-
representação positiva – Intersubjetividade e empreendedorismo (Componente1)................209
Tabela 22 - 2
a
. Análise Fatorial Adicional de Componentes Principais de Escala de Auto-
representação e representação simplificada dos operadores do conceito de Auto-
representação positiva auto-centrada, focada em qualidades e possibilidades (Componente
3)...............................................................................................................................................210
Tabela 23 - 3
a
. Análise Fatorial Adicional de Componentes Principais de Escala de Auto-
representação e representação simplificada dos operadores do conceito de Auto-
representação negativa/crise – relações, expressão, ação (Componente 2)...........................212
Tabela 24 - 4
a
. Análise Fatorial Adicional de Componentes Principais de Escala de Auto-
representação e representação simplificada dos operadores do conceito de Auto-
representação negativa/crise – expectativas, iniciativa, relacionamentos (Componente 4) ...213
Tabela 25 – Correlações bivariadas significativas dos itens da Escala de Auto-representação,
identificadas a partir das percepções dos candidatos e alunos ingressantes na UFPR em
2005.................................................................................................................................................273
Tabela 26 – Maiores correlações – direta e inversa – dos itens da Escala de Auto-representação:
amostra de pesquisa realizada entre os candidatos ao acesso na UFPR em 2005. ..............219
Tabela 27 – 10ª. Análise Fatorial de Componentes Principais e representação simplificada dos
operadores do conceito de auto-representação no grupo de participantes da pesquisa que não
escolheu o curso pretendido: amostra de pesquisa coletada entre os alunos e candidatos ao
ingresso na UFPR em 2005. ....................................................................................................277
xi
RESUMO
A educação superior tem sido considerada uma forma privilegiada de acesso a
melhores condições de vida. Anualmente, cerca de dez candidatos por vaga se
inscrevem para o acesso às universidades públicas. A universidade é um campo de
pluralidade, diversidade, embate, construção de teorias e espaço de dar voz. A
maioria das pessoas que buscam a universidade tem como expectativa a formação
profissional. Entretanto, tornar-se profissional é uma questão inquietante, pois exige o
desenvolvimento da capacidade de propor alternativas sustentáveis e éticas para os
desafios pessoais e coletivos de determinado momento histórico, conciliando
condições objetivas e desejos. Imersos em mudanças sociais intensas, os candidatos
ao ensino superior processam psiquicamente trabalhos substanciais que afetam sua
subjetividade. A representação da identidade faz parte da condição do homem como
ser produtor e produzido em dada realidade social. Não se pode abrir mão da
representação de si próprio, mesmo que ela só possa ser apreendida em parte.
Orientada por múltiplas identificações, a identidade não comporta o todo psíquico,
porém tem importante função relacional, apresentando o sujeito e diferenciando-o dos
demais. Conviver melhor com a própria diferença e com as diferenças nos outros é
propício à qualidade das interações, à possibilidade de sair da estagnação e viver
mudanças. A escolha é um processo complexo, com implicações cognitivas, afetivas,
conativas e sócio-históricas, no qual a maneira como o indivíduo se percebe
desempenha um papel fundamental. O trabalho psíquico de elaboração de lutos que
se impõe em momentos de transição, como a adolescência, é imprescindível para a
liberação dos recursos subjetivos que podem se renovar pela condição de fazer-se
reconhecer e estabelecer trocas. Neste estudo foram investigadas as auto-
representações dos candidatos ao acesso nos cursos de graduação da UFPR em
2005 e os dados dos questionários sócio-educacionais de inscrição para o vestibular
no período 2001-2006. Por intermédio de questionários, pesquisaram-se as
concepções de 558 estudantes durante suas experiências no vestibular e no registro
acadêmico. Fundamentadas na literatura (relativa a adolescência e início da idade
adulta, construção da identidade, escolhas, desenvolvimento, educação e
profissionalização), as análises conduziram à visualização de operadores do conceito
de auto-representação, articulados em dois eixos – eixo estabilizador (engajamento,
relacionamento) e eixo de transição ou movimento (capacidade de superar e
empreender) e quatro pontos de conflito (resistência e/ou empuxo ao movimento),
representados pelo medo, o isolamento, a insatisfação e a exclusão. O modelo
elaborado de Escala de Auto-representação, mesmo estando em fase de
confirmação, oferece várias possibilidades de interpretação do conceito e, aplicado
em diferentes subgrupos, pode contribuir para ampliar a compreensão dos elementos
que se entrelaçam na liberação ou no bloqueio de recursos subjetivos nos processos
de mudança.
Palavras-chave: auto-representação, educação superior, escolha profissional, jovem
adulto, processos de mudança.
xii
ABSTRACT
Higher education has been considered a privileged form of access to better conditions
of life. Annually, around ten candidates per opening apply to have access to public
universities. The university is a place of plurality, diversity, discussion, construction of
theories and a space to speak. Most people who seek the university have as
expectation the professional formation. However, becoming a professional is a
disturbing matter, since it demands developing the capacity to propose sustainable
and ethical alternatives for the personal and collective challenges of determined
historical moment, conciliating objective conditions and desires. Immerse in intense
social changes, higher education candidates psychically process substantial works
that affect its subjectivity. The representation of the identity is part of the condition of
man as producer and produced human being in a given social reality. It is not possible
to give up on the representation of oneself, even if it can only be partly apprehended.
Guided by multiple identifications, the identity does not hold the entire psychic,
however it has important relational function, presenting the individual and
differentiating him from the others. Living better with the own difference and
differences of the others is propitious to the quality of the interactions, to the possibility
of leaving the stagnation and to live changes. Choice is a complex process, with
cognitive, affective, conative, and socio-historic implications, in which the way as the
individual perceives himself plays a fundamental role. The psychic work of mourning
elaboration that is imposed at transition moments, as the adolescence, is essential to
liberate subjective resources, which can be renewed by the condition of making itself
recognizable and establishing exchanges. In this study the investigation is on the self-
representations of the candidates who applied to enroll in UFPR in 2005 and the data
from the socio-educational questionnaire part of the registration to the selection from
2001-2006. Through questionnaires, the conceptions of 558 students were
investigated during their experiences in the selection and academic registration.
Based on literature (related to adolescence and early adult age, construction of the
identity, choices, development, education and construction of a profession), the
analyses conducted to the visualization of operators of the self-representation
concept, articulated in two axes - stabilizing axis (engagement, relationship) and axis
of transition or movement (capacity to surpass and undertake) and four points of
conflict (resistance and/or push against the movement), represented by fear, isolation,
dissatisfaction and exclusion. The self-representation scale model elaborated, even
under a confirmation phase, offers several possibilities for the interpretation of the
concept, and applied to different sub-groups, can contribute to enlarge the
comprehension of the elements that interlace in the liberation or the obstruction of
subjective resources in changing processes.
Key words: self-representation, higher education, professional choice, young adult,
processes of change.
xiii
APRESENTAÇÃO
Manifestações sobre a importância e o papel da educação são freqüentes
nos mais diversos contextos e isto parece se repetir desde longa data. Luta-se por
recursos, por acesso, por melhorias nos processos e nos resultados. Questionam-
se as políticas e práticas. Busca-se a compreensão da realidade e o conhecimento
do conhecimento. Diferentes preocupações, nuances teóricas, históricas e
hierárquicas, que envolvem os atores da educação estão presentes no discurso do
cotidiano escolar. Não é uma tarefa simples penetrar os intrincados meandros da
instituição escola, nem desvendar as inter-relações que permeiam os abstratos
conceitos de educação, desenvolvimento, aprendizagem, ensino, conhecimento,
aquisição de competências, inserção social, responsabilidade, autonomia,
realização humana, transformação social, relações de poder, entre outros que
compõem o cotidiano das relações escolares em todos os seus níveis.
Ao assumir este trabalho de pesquisa, pretendi me juntar um tanto àqueles
que acreditam que alguma coisa ainda pode ser mais bem compreendida e melhor
dita sobre a educação. E, não o faço desavisada a respeito do percurso pessoal
necessário para alcançar este objetivo. Planejo um mergulho teórico pelos
caminhos dos processos de escolha e construção da auto-representação, uma
aproximação com as concepções dos jovens que trilham o acesso ao ensino
superior, sobre o processo que estão vivenciando e como se percebem nele.
Tentarei a seguir organizar as idéias que apresentam e justificam a escolha
do olhar neste trabalho de pesquisa, circulando, um pouco em torno das
características de um dado momento da existência (adolescentes e jovens adultos
em processo de escolha e transição) e do tipo de trabalho psíquico que está
implícito na construção da identidade, do engendramento de diferentes esferas do
funcionamento individual, articulado com o social, e refletindo, como isto pode se
dar no acesso ao ensino superior hoje.
Nem sempre as afirmações dos autores sobre a intersecção entre educação
e desenvolvimento vão na mesma direção. Ainda assim, parece relevante circular
por algumas delas, que levantam aspectos importantes para este estudo. Com a
revisão de literatura, apresentada na primeira parte, tentarei contornar processos
como encontro de culturas, interação social, representações, atividade, motivação,
3
crenças, escolhas, criação; historicidade e constituição do eu, em certa medida
articulados com a educação de adultos no ensino superior.
A personalidade manifesta-se no comportamento peculiar de cada pessoa,
como produto de uma história singular que se constrói na interação com o meio. É
por conta de certo grau de integração da personalidade em torno de uma
identidade própria, que um indivíduo se faz presente na participação efetiva da vida
comunitária.
MAHONEY (2003), resgatando as contribuições de Wallon para a educação,
aponta uma tendência do desenvolvimento, cuja orientação vai do social rumo à
individuação, onde o papel da escola seria contribuir para o desenvolvimento de
toda a personalidade, dando espaço para as diferenças e o aprofundamento da
identidade de cada um.
Na sociedade atual, o trabalho aparece como um mito que está perdendo
sua força. Desta forma, torna-se interessante compreender a construção da
identidade na sua interface da escolha profissional em nosso tempo. É em torno
deste tema que se encaminha este estudo exploratório, no qual se procura escutar
os atores dessa travessia e pensar essa fala como instrumento mediador
fundamental da ação psicológica, como se encontra em COLL (2004), referindo-se
a Vygotsky
1
.
Tenho gostado de pensar a educação como possibilitadora de aquisições
culturais sim, mas não só. Gosto de pensá-la também pela possibilidade de
estabelecer rupturas, pela busca ativa, pelas escolhas, às vezes incertas, e pelo
viés criativo e das transformações pessoais e sociais. Gostaria de pensar a
educação, não apenas pelo seu lado de reprodução e exclusão, e o
desenvolvimento, não pelo viés da pré-determinação. Gostaria de pensá-los sobre
possibilidades de “encontros” e “escolhas”. E, principalmente, não gostaria de fazer
isto de maneira ingênua e excessivamente idealista. Gostaria de tocar o simbólico
deste encontro entre educação e desenvolvimento, sem a preocupação de ocultar
os espaços vazios e indecifráveis das emergências reveladoras do humano. É isto
que busco com este trabalho.
1
VYGOTSKY, L.S. (1979) El desarrollo de los processos psicológicos superiores. Madrid: Crítica
[publicação em inglês em 1978]
Vygostski, L.S. (1982) Sobrania Sochinennii Tom Vtori. Problemi obshei psijologuii. Moscú: Editorial
Pedagógica. [trad. cast: Obras escogidas II. Madrid: aprendizaje/Visor, 1993].
4
Há alguns anos fui tomada por um grande giro nas minhas atividades
profissionais, fato ao qual atribuo as razões de uma avalanche de interrogações,
que colocaram em questão, e, ao mesmo tempo em evidência, as minhas
referências pessoais e visões sobre as relações humanas, movimentando grande
parte das minhas teorias pessoais.
Este momento coincidiu com o período em que as minhas duas primeiras
filhas encaminhavam seus processos de escolha relativas ao ensino superior –
direcionamentos decisivos relativos à sua profissionalização. Isto fez com que
aumentasse a curiosidade sobre o impacto da identidade profissional sobre as
configurações da identidade pessoal.
Estudando sobre semelhanças nas trajetórias da identidade profissional, não
pude desviar de pensá-las articuladamente com um ciclo de vida. Naquele
momento, ainda não havia estabelecido contato, além do superficial, com as teorias
de Erik Erikson, menos ainda com as teorias de Vygotsky, Piaget, Wallon, e nem
tampouco, estudava Psicanálise.
Na mesma época, fui convocada a falar sobre motivações, em um contexto
em que se pensava e discutia as reações dos jovens, que após terem ingressado
na universidade, mostravam-se muito desorientados, com pouco interesse pelas
disciplinas e pela sua formação profissional, com desempenho acadêmico
inadequado ou insuficiente na visão de seus professores. Minha formação como
administradora e as experiências profissionais com pessoas e grupos, acumuladas
em mais de duas décadas me forneciam elementos e credenciais para dizer algo.
Porém, não era possível ignorar a especificidade da educação praticada em
instituições de ensino-aprendizagem, com objetivos explícitos de atingir
determinados patamares de formação e aquisição de conhecimentos.
A maior parte das minhas atividades profissionais desenvolvidas até então
apresentava similaridade ao contexto problematizado apenas no que toca ao “foco”
colocado nas relações entre as pessoas em diferentes circunstâncias, na prontidão
para diagnosticar e solucionar problemas e nos processos de mudança.
Com aquilo que eu sabia um tanto, procurava então ouvir o que fazia
questão aos que me interrogavam, e tentava estabelecer diálogos, intercâmbios,
empenhada em construir, conjuntamente, algumas respostas. Receosa quanto às
afirmações categóricas, não deixava de apresentar algumas teorias. Tecia uma
5
rede de interconexões. Uma tentativa de encobrir ou de sustentar os vazios, as
angústias e a descrença?
Este trabalho é, em grande parte, fruto daquilo que estas vivências geraram
de movimentos em minhas buscas de conhecimento e autoconhecimento.
Decorrido outro tanto de tempo, e mais uma formação acadêmica, dessa vez
em Psicologia, exacerbaram as evidências de que as idéias ainda não estavam
suficientemente alinhavadas.
Penso que este trabalho trata de organizar, um tanto, alguns conceitos,
acima de tudo para responder a uma questão pessoal a respeito da
(im)possibilidade de articulação e compreensão mais consistente deles. Esta tarefa
está sendo encaminhada, dentro dos limites e possibilidades a que se submetem
as condições deste estudo, a partir de um aprofundamento teórico e,
especialmente, a partir do confronto com os dados empíricos da forma como eles
são experienciados e manifestos pelos jovens no seu ingresso na vida universitária.
É importante destacar que a temática que envolve este trabalho de pesquisa
e formação, explicitada na segunda parte deste texto, exige um significativo esforço
de aprofundamento teórico e posicionamento pessoal, para tentar articular um tanto
o emaranhado de abordagens e conceitos que focam as concepções de identidade
e diferença, educação e desenvolvimento, escolhas e desejo.
Na terceira parte deste trabalho são apresentadas as análises sobre os
dados coletados e os caminhos do desenvolvimento do conceito de auto-
representação, construído a partir das percepções dos participantes da pesquisa,
amparados nos referenciais teóricos e metodológicos apresentados na primeira e
na segunda parte.
As considerações finais dizem um pouco daquilo a que foi possível chegar
com este trabalho e de como os estudos sobre as questões levantadas podem ser
ainda desafiadores.
6
PARTE I
7
1 ENTRE A ADOLESCÊNCIA E A IDADE ADULTA
1.1. ADOLESCÊNCIA COMO TRABALHO E COMO ENCONTRO
Enquanto a puberdade é um processo biológico, caracterizado pelo
surgimento da atividade hormonal que desencadeia os caracteres sexuais
secundários, a adolescência é um processo psicológico e social. A adolescência
tem peculiaridades que guardam relação com o ambiente familiar, afetivo,
social, econômico e cultural onde o indivíduo se desenvolve. Ela pode iniciar
antes mesmo do desencadeamento das características físicas (que em nosso
meio ocorre entre os nove e os quatorze anos), podendo estender-se por longo
tempo, como parecem sugerir as queixas, especialmente de pais e professores.
Quando o adulto não corresponde às expectativas de seu meio,
freqüentemente se ouve que ele continua adolescente, ou que ele não
amadureceu, ou na linguagem mais conhecida, “não cresceu”. Por outro lado,
há indicações que levam a questionar se a adolescência efetivamente termina.
Poderia a adolescência ser pensada como um modo de lidar com
transformações? Com mudanças e novos encontros com o real?
OUTEIRAL (2003) resgata, em vários autores, a origem etimológica da
palavra adolescer, articulando-a a diferentes vertentes, tais como, aptidão para
crescer, aptidão para adoecer (pelo sofrimento emocional com as
transformações biológicas e mentais). É também associada ao dolo, ato
consciente com que alguém induz, mantém ou confirma outrem em erro,
causando dano ou prejuízo.
Se a infância pode ser dita como uma invenção da modernidade
2
, a
adolescência é ainda mais recente. O período entre a infância e a idade adulta é
referido pelo termo adolescência na época que se situa entre as duas grandes
guerras (entre 1918 e 1939). Antes disto, a passagem da infância à idade adulta
ocorria através de breves rituais de iniciação, e não ganhava denominação
específica, além de puberdade e juventude. Porém, a queixa sobre os jovens
2
Somente em meados do século XVI começou a diferenciação entre infância, juventude e velhice e
não havia lugar para a adolescência (LEVISKY, 1998). Nesta época, as mudanças na sociedade
eram lentas.
8
estava presente desde longa data e foi mencionada por Sócrates, ainda no
século V a.C. (OUTEIRAL 2003). A juventude parece ter, portanto, a capacidade
de desarranjar a ordem estabelecida e relembrar conflitos insuficientemente
elaborados.
CARRANO (2000), em artigo intitulado Juventude: as identidades são
múltiplas, denuncia visões parciais (como, por exemplo, aquelas associadas a
critérios cronológicos) e depreciativas da juventude (que relacionam juventude a
imaturidade, irresponsabilidade e violência). Na sua tentativa de “compreender a
juventude como uma complexidade variável, que se distingue por muitas
maneiras de existir nos diferentes tempos e espaços sociais” (p.12), serve-se de
alguns autores
3
para recuperar a multiplicidade que ocorre no espaço relacional
entre o indivíduo e o ambiente de socialização (nomeado como “adolescente-
em-relação-com-os-adultos-e-vice-versa”).
De acordo com este modo de pensar, a adolescência se caracterizaria
prioritariamente por estar em permanente relação com o adulto e seria
compreendida como “uma estação de vida que não se esgota em determinada
idade biológica” e cuja memória se prolongaria nas grandes etapas da
existência com “um eco vívido continuamente despertado” (CARRANO, 2000, p.
15).
No percurso do seu texto, Carrano entra na temática da identidade,
abordada como um conceito que não pode comportar isolamento nem fixação.
Considera que a busca de uma identidade estável contribuiu para a rigidez nos
parâmetros de diferenciação entre o normal e o patológico. Sobre a identidade,
afirma que o seu significado contemporâneo revela que ela não é estática e que
o processo de identificação ocorre em meio à complexidade e à diversidade de
possibilidades de escolha. Comenta ainda que o eu é relacional e móvel, se
redefinindo continuamente como uma resposta à dinâmica social. O diálogo com
Carrano continuará mais adiante, quando será tratado especificamente o tema
‘identidade’ e ‘escolhas’. Por ora, tomamos apenas seu reforço à questão da
diversidade e da multiplicidade, como cenário para algumas descrições básicas
que estão apresentadas a seguir, como uma espécie de delimitação de campos.
3
Com destaque para as contribuições de FABRINI & MELUCCI, Lètá dell`oro: adolescenti tra sogno
ed esperienza. Milano: Goangiacomo Feltrinelli Editores, 1992, e outras obras de MELUCCI
citadas mais adiante.
9
Parece que há um consenso em torno da idéia de que hoje vivemos num
mundo em permanente movimento e relação. Porém, há indícios de que se
fazem necessárias ainda muitas discussões em torno de relações hierárquicas e
de poder. Ora fortemente estabelecidas, ora desqualificadas ou negadas, elas
marcam sua presença. Percebe-se, de um lado, a perda dos referenciais
norteadores das condutas sociais e, de outro, uma inversão entre público e
privado - exibe-se o privado e camufla-se aquilo que em momentos anteriores
era acompanhado de rituais sociais (rituais de passagem), como por exemplo,
nascimento, casamento, morte e também a passagem para a condição de
adulto. Os pilares de referência, historicamente consagrados, têm sua
credibilidade fragilizada. Não há clareza nem universalidade entre o que
concordar e contra o que lutar. Se de um lado parece que se diluem as formas
de pertença, por outro, inventam-se tribos. Tenta-se o resgate da solidariedade.
Buscam-se referências que representem simbolicamente aquilo que se perdeu.
A respeito e a despeito das determinações do meio sobre o indivíduo,
neste trabalho em que se toca a escolha e a auto-representação, é preciso que
se considere a prerrogativa do sujeito como agente criador e transformador
nesta relação. Não se trata de negar os contextos e as influências, mas de
pensar quais são as escolhas possíveis. Se as auto-referências são
importantes, também é necessário que o Outro
4
esteja internalizado para que o
sujeito, então diferenciado, possa relacionar-se de forma criativa e
transformadora.
Pela existência de diferentes posições em relação às questões da
juventude e da identidade, e porque a palavra “adolescência” é tão recente e
ainda merece ser muito discutida e estudada, torna-se necessário que se
delineie um tanto o que está sendo considerado sobre ‘o processo de adolescer’
neste trabalho e no que se refere às suas implicações com a construção da
identidade e as escolhas.
Embora existam elementos comuns entre os indivíduos, ao adolescer este
processo é vivido de maneira distinta por cada um, dependendo das
experiências de ordem afetiva, cognitiva, relacional e atitudinal vividas no âmbito
4
A palavra Outro em letras maiúsculas será usada neste texto no sentido proposto por Lacan, como
referência à alteridade que engendra a noção de eu diferenciado. O Outro tem a especificidade de
“ser a única instância à qual o bebê pode tentar apelar no seu desamparo fundamental”
(ALBERTI, 2004, p. 13).
10
social, econômico e cultural (ambiente externo) e no âmbito psíquico de sua
realidade interna. Tais experiências guardam estreita relação com as mudanças
corporais e as pressões do meio em que vive o jovem.
O esquema a seguir pretende demonstrar estas intersecções:
FIGURA 1 – VISÃO PANORÂMICA DO PROCESSO DE ADOLESCER.
No próximo item serão trabalhadas representações das escolhas e de sua
elaboração no processo de adolescer, e, no final do capítulo, como a
adolescência pode se configurar como uma escolha.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) situa a adolescência entre
os doze e os dezoito anos e a Organização Mundial da Saúde divide-a em duas
fases, a primeira entre os 10 e 16 anos e a segunda entre os 16 e os 20 anos.
Aparece como um consenso entre os autores que a adolescência inicia
pelas mudanças corporais da puberdade, e que seus estágios finais são
marcados por mudanças sociais. Não se limita a um período de idade
cronológica, pois se prolonga até a possibilidade de desempenhar-se em tarefas
relativas à carreira e à independência econômica (SCHOEN-FERREIRA;
AZNAR-FARIAS; SILVARES 2003).
Entre flutuações progressivas e regressivas, que se alternam sem
delimitação precisa de início e fim, a adolescência transcorre em diferentes
fases. OUTEIRAL (2003, p.5) descreve três fases que se caracterizam mais
pelo tipo de transformação do que pela idade em que ocorrem:
a) A adolescência inicial é identificada pelas transformações corporais
e pelas alterações psíquicas derivadas destas (de 10 e14 anos);
11
b) A adolescência média caracteriza-se pelas questões relacionadas
com a sexualidade, em especial a passagem para a
heterossexualidade (de 14 e 17 anos);
c) E, a adolescência final está associada a vários elementos, como
estabelecimentos de novos vínculos com os pais, a questão
profissional, a aceitação no ‘novo’ corpo e dos processos psíquicos
do “mundo adulto” (de 17 a 20 anos, prolongando-se, às vezes, até
para além dos 25 anos).
Para o presente trabalho destaca-se a importância dos aspectos que
caracterizam o final da adolescência, ou seja, o que se convenciona chamar de
início da idade adulta. Ao analisar os critérios definidos para caracterizar o
término da adolescência, tem-se uma idéia de quanto o adolescer pode se
prolongar, e talvez se possa justificar a afirmação de que não existe o final da
adolescência, particularmente considerando-se a conjuntura social e as
transformações atuais.
Em 1968 a Associação Psiquiátrica Americana encomendou um estudo
sobre a adolescência, sendo que este apresentou, para caracterizar o final
desta etapa, os seguintes critérios, citados em OUTEIRAL (2003):
Separação e individuação em relação aos pais;
Estabelecimento da identidade sexual;
Aceitação do trabalho como parte integrante do cotidiano da vida;
Construção de um sistema pessoal de valores morais;
Capacidade de relações duradouras e de amor sexual, terno e genital,
nas relações heterossexuais; e,
Regresso aos pais com uma nova forma de relação baseada em uma
igualdade relativa.
Se, por um lado, estes critérios revelam lacunas no comportamento de
grande parte das pessoas consideradas adultas, por outro lado eles também
sinalizam uma série de trabalhos que se colocam em curso a partir das
transformações da adolescência e das exigências de uma nova forma de se
posicionar frente a seu meio. Estes trabalhos podem ser tratados como
12
processos de adolescer. Ora comportando-se como criança, ora como adulto,
em momentos regressivos e progressivos em função das tensões internas e/ou
externas que enfrenta, o adolescente vai lenta e gradativamente, com essas
necessárias flutuações, organizando seus relacionamentos consigo mesmo e
com os demais. Nos momentos progressivos, apresenta pensamento abstrato e
comunicação predominantemente verbal e, nos momentos regressivos, o
pensamento é mais concreto e a comunicação tem predominância de elementos
não verbais (linguagem da ação expressa na conduta).
O trabalho psíquico da adolescência é apresentado com riqueza de
detalhes em ABERASTURY, A e KNOBEL, M (1981), LEVISKY (1998), RUFINO
(2000a), OUTEIRAL (2003), ALBERTI (2004), entre outros. A seguir, uma
síntese das principais mudanças e experiências que se colocam na
adolescência desencadeando movimentos psíquicos na forma de trabalho e
processo de adolescer. Elas não estão dispostas nem por fases nem por tipo de
vínculo afetivo, ou trabalho psíquico, mas de forma flutuante, tal qual podem
mostrar-se:
Redefinição da imagem corporal em decorrência da perda do corpo
infantil e da aquisição do corpo adulto.
Processo de separação e individuação dos pais, substituindo o
vínculo de dependência da infância por relações de autonomia.
Estabelecimento de comportamentos de luta e fuga no
relacionamento com a geração precedente.
Questionamentos em decorrência do afrouxamento dos modelos
identificatórios. É importante que assim ocorra, a fim de possibilitar o
encontro com o próprio jeito de ser.
Elaboração de lutos referentes às perdas decorrentes das
transformações da condição infantil.
Aquisição de um sistema de valores pessoais, assumidos como
próprios.
Experiências no grupo de iguais, com busca de pautas de
identificação.
Aceitação tácita dos ritos de iniciação como condição de ingresso ao
status de adulto.
13
Assunção de funções e papéis sexuais consoante com as
inclinações pessoais, independentemente das expectativas
familiares e, eventualmente, até mesmo das imposições biológicas
do gênero a que pertence.
Elaboração da falta no Outro, que possibilita encarar o próprio
desamparo e impossibilidades, além de experimentar-se como autor
do próprio desejo.
Estabelecimento de relações afetivas, capacidade de assumir
compromissos e manter-se.
Relação de reciprocidade com a geração precedente.
Entre as condutas que caracterizam o trabalho psíquico de enfrentamento
do adolescer, ABERASTURY e KNOBEL (1981) apontam a busca de si mesmo
e da identidade, a tendência grupal, a necessidade de intelectualizar e fantasiar,
as crises religiosas, a falta de referências de localização temporal, as
manifestações de evolução sexual, a atitude social reivindicatória, as
contradições sucessivas nas manifestações da conduta, a separação
progressiva dos pais e as flutuações do humor e do estado de ânimo. Na
mesma referência encontra-se que “a adolescência, mais do que uma etapa
estabilizadora, é processo e desenvolvimento” (p.9), produto da situação
evolutiva, que surge da interação do indivíduo com seu meio. Trata-se de um
processo que se estabelece com verdadeiras perdas da personalidade,
situações em que três lutos são fundamentais: 1) pelo corpo infantil, pelos
papéis e identidades infantis que obrigam a uma renúncia da dependência e
aceitação das responsabilidades; 2) pelos pais da infância, os quais se tenta
reter sob pretexto de refúgio e proteção; e, 3) pela bissexualidade infantil. Só a
maturidade permitiria ser independente dentro de um limite de necessidade de
dependência.
As condutas adolescentes, especialmente as progressões e regressões,
somadas aos resquícios da adolescência própria nos adultos, abalam as
idealizações acerca de um diálogo fácil entre as gerações. Frequentemente, as
atitudes tomam o lugar das palavras; por este mesmo motivo, intensificam-se as
preocupações e queixas.
14
O que se pretende destacar aqui é que o motivo das queixas pode ser a
configuração do que é saudável no processo: a possibilidade de se expressar
desde um lugar próprio, de uma maneira própria, que não é isenta de
identificações e traços do ambiente cultural, embora nem sempre haja a
consciência de tais identificações. Este aspecto será retomado no tópico
seguinte.
Charles Melman apresentou aos participantes do Congresso Internacional
de Psicanálise, realizado em 1999 no Rio de Janeiro, suas análises focando a
temática “Adolescente e a Modernidade”. Essa exposição, considerando a
inserção do adolescente na sociedade atual, comandada pelo consumo, ajuda a
pensar o jovem e a questão ocupacional; o jovem, o reconhecimento e o
engajamento; o jovem e as interferências do adulto na sua estruturação.
Segundo MELMAN (2000, p.21), “o adolescente é um indivíduo que atingiu
a maturidade e em quem esta maturidade não é reconhecida simbolicamente
como tal”. A família e o meio social recusam a maturidade real e orgânica e esta
recusa aumenta o hiato entre a maturidade orgânica e a maturidade social. Tal
recusa significa, para o jovem, “que ele será reconhecido como um homem ou
como uma mulher apenas quando tiver se tornado um agente econômico, que é
preciso que ele aguarde essa nova ascensão a uma independência econômica
para que se aceite simbolicamente o reconhecimento de sua sexualidade”.
Isto não é pouco quando se toma em conta que o adolescente está lidando
com o real do sexo (e a sexualidade é vivida, inicialmente, como uma doença ou
como uma desgraça) e que, ao mesmo tempo, vê-se enganado e recusado pela
ordem simbólica (voto/desejo de tornar-se homem ou mulher, agora cobrado
como independência econômica para ter reconhecimento). O jovem sente-se só.
Perdeu a pertinência fálica
5
que o sustentava quando criança. Não é
reconhecido pelo meio social e não encontrou um estatuto que o faça sentir-se
reconhecido. Além do que, dificilmente, encontra condições favoráveis para falar
disso com as pessoas significativas. Portanto, encontra-se com poucas
possibilidades de se situar subjetivamente
6
em relação a isto que o atinge.
5
Posição narcísica imaginária de correspondência com um lugar valoroso capaz de responder ao desamparo.
6
MOLON (2003), resgatando estudos de Vygotsky, ressalta o papel ativo do homem e da cultura se constituindo
mutuamente, através de um processo complexo. No que toca ao desenvolvimento cultural do homem este é sustentado
nos processos biológicos, no crescimento e na maturação orgânica. No que toca à cultura, como produção coletiva da
atividade humana, este processo é mediado por signos. A mediação, como processo que sustenta a relação social, permite
a comunicação entre as pessoas, o contato com a cultura, a passagem da totalidade às partes e vice-versa.
15
Tende a desinvestir
7
a própria realidade e transforma sua relação com o saber,
já que aqueles em quem confiava se acham incapazes de lidar com a crise.
Estaria ai, na dificuldade de sustentar as angústias, incertezas e conflitos, uma
fonte do tão mencionado desinteresse dos jovens?
Retornando ao pensamento de Melman: paradoxalmente, é do mercado de
consumo, através dos difundidos direitos do consumidor, que também se abre
uma brecha para a transformação daquela condição do adolescente,
anteriormente descrita. O adolescente se mostra mais livre para expressar suas
necessidades, ser um consumidor precoce. Isto, por um lado, ajuda na
expressão dos seus desejos, e auxilia na tarefa de se mostrar adulto apesar da
falta de reconhecimento. Porém, de outro lado, pode lançar o jovem em uma
armadilha, a vulnerabilidade à objetalização
8
, às drogas. A vontade de reparar
as insuficiências de seus pais, e diante da possibilidade de obter “gozos fáceis”
e menos complicados (responsabilidade e impossibilidade atribuível ao outro)
contribui como atrativo para esta armadilha, especialmente se for considerado
que o gozo fálico requer o reconhecimento da diferença, da incompletude e da
própria responsabilidade.
Vê-se ai, um tênue limite entre objetalização e subjetivação. O trabalho
psíquico fundamental na adolescência é o da subjetivação. Ele vai se
construindo entre alienação e separação, como será apresentado no próximo
tópico. É a estrutura singular de cada um que irá fornecer os limites e
possibilidades de uma resposta do sujeito à sua condição de desejante.
Apesar de tudo e dos posicionamentos dos adultos, a adolescência insiste
em deixar suas marcas na sociedade e é bom que possamos escutá-las.
A serviço do mercado e de gozos não reconhecidos explicitamente,
estimulam-se comportamentos cujas condições de realização são tolhidas;
sustentam-se posições sociais indefinidas para o jovem. Escassas são as
oportunidades oferecidas para aprender a decidir por si mesmo, a tomar
iniciativas e a ser responsáveis pelos próprios atos (são excessivamente
7 O pensamento, o sentimento e a vontade, estão relacionados funcionalmente na consciência,
como todas as funções psicológicas. Segundo MOLON (2003), ainda referindo-se aos estudos de
Vygotsky, embora não exista hierarquia permanente de funções, todo processo psicológico é
volitivo e ocorre, inicialmente, na esfera social e interpsicológica, através da comunicação, e,
posteriormente, na esfera intrapsicológica, configurando o comportamento.
8 Os signos mediadores externos (concretos) predominam sobre os signos internos por dificuldade
de desenvolvimento e/ou acesso às representações mentais.
16
monitorados ou abandonados). Espera-se que, de forma repentina, sejam
capazes de atuar de forma amadurecida em situações mais complexas. Mas, ao
mesmo tempo, prolonga-se a dependência. Tentativas de independência são
tomadas como mau comportamento. Utiliza-se o adolescente como objeto
intermediário nos conflitos familiares, escolares e sociais. Coloca-se o
adolescente a enfrentar solitariamente seus próprios temores. Isto poderia até
ser uma estratégia interessante, não fosse a fuga dos adultos em se colocar
efetivamente na posição de adulto desejante e por conseqüência, acrescentar à
carga dos jovens os temores dos pais.
No entanto, nem sempre a contradição é prejudicial e leva ao impasse.
Quase sempre é a contradição que aponta a falta e a possibilidade de contar
com os próprios recursos e criar.
Na adolescência ocorre o primeiro momento da vida do indivíduo em que,
em tese, estariam reunidos todos os ingredientes da construção da identidade
pessoal: maturação biológica, desenvolvimento cognitivo, demandas sociais
para comportamentos mais responsáveis. Estes aspectos são muito
representativos para as transformações da identidade. Diz-se que é neste
período que ocorrem as transformações mais significativas da identidade (que
de resto modifica-se ao longo da vida) (SCHOEN-FERREIRA, AZNAR-FARIAS,
SILVARES 2003)
9
.
A adolescência caracteriza-se como sendo um momento particular de
encontro faltoso do sujeito com o real, como aponta ALBERTI (2004). Exige um
longo trabalho de elaboração de escolhas e da falta no Outro significativo que
foi, por longo tempo, idealizado.
Trata-se neste momento, também, de superar o desafio de integrar-se no
mundo adulto, solucionando a questão ocupacional, a emancipação da família,
o estabelecimento de relações satisfatórias com o sexo oposto e o
estabelecimento de um autoconceito. Já foi mencionado, porém, aqui se reforça
a importância do trabalho psíquico de triar e construir o túnel da travessia.
9
A obra que faz referência a Zacarés não foi encontrada em seu original e por este motivo foi
realizada a citação do texto de onde foi extraída no artigo de SCHOEN-FERREIRA; AZNAR-
FARIAS; SILVARES (2003), onde aparece como ZACARÉS, J.J. (1997) El desarollo de la
identidad adolescente desde el paradigma de los status de identidade del ego: cuestiones críticas.
Comunicação apresentada no VI Congresso de La Infância Y de la Adolescência , Oviedo,
Espanha.
17
Trabalho este que habilita para transitar na coletividade, obtendo certos
recursos para se fazer reconhecer e estabelecer trocas com seu meio.
Tocando o aspecto adolescência e modernidade, o psicanalista Rodolpho
Ruffino (CONGRESSO INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE, 2000 p. 37-52),
apresenta a adolescência como um trabalho psíquico, que responde a uma
necessidade da estrutura: operação de simbolização para fazer face ao
encontro com o real que se apresenta. O trabalho da adolescência corresponde
ao ato psíquico de construir e testemunha a atividade solidária entre a
contemporaneidade e o aparelho psíquico. A adolescência, enquanto trabalho
psíquico, visa construir aquilo que “habilita um sujeito a transitar na coletividade
sem a tutela do seu meio familiar infantil”, obtendo certos meios para se fazer
reconhecer e estabelecer trocas com seu entorno. Este tempo constitutivo da
subjetividade, que é a adolescência, tornou-se necessário na modernidade
10
para dar sustentação ao que se denomina de um sujeito adulto.
1.2 ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO
Neste tópico serão utilizados alguns referenciais psicanalíticos para pensar
o difícil processo de transformação da relação do jovem com sua família,
particularmente com seus pais, provedores ou cuidadores.
ALBERTI (2004) acrescenta algo ao pensamento corrente quando escreve
sobre a relação dos pais com o adolescente. A autora toma uma perspectiva,
que tende ao consensual entre as diferentes abordagens, de que o sujeito
adolescente precisa muito de seus pais, e parte daí para um giro, aquilo que ela
apresenta como um paradoxo: “a presença dos pais junto ao adolescente é
fundamental, antes de qualquer coisa, para que ele possa desempenhar sua
função de separação (p.10)”. É porque os pais estão presentes que “o
adolescente pode escolher
11
lançar mão deles ou não”. Alberti conceitua a
adolescência como um longo trabalho de elaboração de escolhas e um longo
10 Lembrando que a modernidade vem sendo caracterizada pela expansão, a velocidade e o
declínio da função social paterna (função de nomeação e interdição, que será melhor explicada no
item seguinte), juntamente com a perda dos rituais reconhecidos culturalmente e portadores da
tradição
11
Grifo nosso.
18
trabalho de elaboração da falta no Outro, como condição de acesso ao próprio
desejo.
É neste sentido de encontros e desencontros, que o presente subtítulo se
justifica neste trabalho – naquilo que a alienação e a separação se entrelaçam
com a estrutura do sujeito, com a adolescência e com as escolhas. A escolha é
uma capacidade que se engendra a partir da triagem exercida sobre as
referências, os indicativos e direções determinantes, anteriormente colocados.
Nem sempre os parâmetros coincidem entre aqueles personagens
representativos nas identificações e os sujeitos da referida triagem. As escolhas
poderão ou não confirmar parâmetros anteriores.
Para que seja possível separar-se é preciso reconhecer a posição de
alienação. Por outro lado, é na posição de alienação ao Outro, ao desejo do
Outro, o lugar onde está colocada a anterioridade do sujeito.
O primeiro Outro implica necessariamente os pais (ou seus substitutos) e
caracteriza a mais intensa relação do bebê com o mundo. Através de um Outro,
que o pré-existe e faz dele um objeto privilegiado de seus interesses, o sujeito é
produzido – por intermédio da relação entre este Outro e ele mesmo.
Conforme o bebê cresce e vivencia suas próprias experiências, incorpora a
alteridade, que vai determinando sua própria constituição. O inconsciente do
adolescente é esse Outro, alteridade que o eu do sujeito não reconhece como
sendo ele.
Alberti considera como um parâmetro para estabelecer o início da adultez,
a definitiva incorporação
12
do Outro da infância. A percepção das falhas dos
pais pela criança, prepara o processo de separação da adolescência. Esta
separação não é do Outro, como referência significante e de alteridade que foi
incorporada, mas dos pais imaginarizados
13
e idealizados. Na adolescência são
atualizados os processos de identificação da infância, operação da qual poderão
advir possibilidades de outras identificações, substituindo e atualizando os
12
É importante, neste momento, resgatar o conceito de incorporação com o significado de apropriar-se, tornar
próprio, e também no sentido de corporificar.
13
A utilização do termo imaginarizado é proposital, no sentido de aproximar da visão Psicanalítica e diferenciar
o caráter da expressão imaginário, empregada para designar aquilo que se refere à imaginação, como a
faculdade de representar as coisas em pensamento, independente da realidade. A partir das formulações de
J. Lacan, o Imaginário designa as representações, internalizadas pelo sujeito, nas vivências da relação dual
com a imagem do semelhante, é o lugar das ilusões, captações e engodo do “eu”, da alienação e fusão ao
corpo da mãe. O imaginário
aparece associado ao Simbólico, lugar do significante e da função paterna, e ao
Real, que corresponde a um resto impossível de simbolizar (ROUDINESCO; PLON, 1998. p. 371).
19
processos identificatórios infantis. Desta forma, o sujeito pode escolher e deixar
de ser tão dependente dos pais imaginarizados e idealizados. Afirma ALBERTI
(2004, p. 14): “quanto mais sólida tal incorporação, maior terá sido a herança
dos pais que servirá como recurso para o sujeito adolescente agir conforme
suas próprias decisões. Pois malgrado não reconhecer o Outro como eu, o
sujeito é sempre efeito do inconsciente”.
Diz ainda ALBERTI (2004, p. 17) “é a relação com o Outro que singulariza”,
porém ela precisa ser interditada para garantir um lugar na comunidade dos
homens e acesso ao próprio desejo. É por isso que a função paterna se faz
necessária – como restrição e como possibilidade.
Desde os primórdios da humanidade, a função paterna vem sendo
associada à representação simbólica da divindade, e se sustenta numa
metáfora (designada Nome-do-Pai), que se diferencia da função materna. Sob a
égide da função materna, o filho é objeto de cuidados, caprichos, desejos e
satisfação. A função paterna redimensiona essa relação, introduzindo a lei do
desejo em cada sujeito
14
. Pode-se dizer que um terceiro barra a relação dual e
assume a adoção do filho, franqueando a via da identificação do sujeito com o
desejo. O pai, como função, relativiza, mediatiza a relação mãe e filho, abrindo
espaço para que algo valoroso se estabeleça para além dessa relação. O
Nome-do-Pai se inscreve barrando o Outro que é primordialmente materno, e,
por este intermédio, o sujeito pode buscar investimentos e satisfações fora da
família.
A função paterna é exercida de diferentes formas, conforme o momento
histórico e a determinação cultural. Sua expressão mais significativa na
estruturação do sujeito manifesta-se na capacidade de barrar tentativas de
manipulação, submissão dos filhos à condição de objetos, auxiliando-os a
contrapor-se, pela via identificatória, abrindo outras possibilidades de
identificação.
E para contrapor-se é preciso que caiam as idealizações. É preciso aceitar
a falha no Outro. Aceitar a falha no Outro é uma tarefa muito difícil. Suportá-la
requer um longo trabalho, pois remete ao desamparo fundamental. Não é fácil
14
A lei do desejo é a lei simbólica, a lei do significante na teoria Lacaniana. A função paterna instaura a lei
simbólica por uma inscrição significante, como metáfora. A metáfora paterna engendra a instalação do
significante fálico como um significante central de toda a economia subjetiva. Somente um símbolo pode dar
conta de explicar a presença sobre um fundo de ausência e vice-versa (KAUFMANN, 1996).
20
abrir mão daquilo que fez face a este desamparo em um tempo remoto de
absoluta dependência. Por outro lado, esta é a condição para se exercer como
sujeito desejante
15
. É preciso abrir mão da garantia de sua existência dada pelo
outro, suportando-se na garantia simbólica de que é possível “fazer e
acontecer”. Não é fácil, mas é preciso transitar entre alienação e separação, e
isto demanda certo exercício enquanto indivíduo transgressor, como diz
ALBERTI (2004, p.24-25),
É sempre possível modificar alguma coisa na realidade para seus próprios fins levando
em conta os limites, o que também implica uma postura ética: não é possível fazê-lo de
qualquer jeito, independente dos outros e dos preceitos morais, mas justamente os
considerando, pois dará os limites para o próprio ato que, paradoxalmente é sempre uma
transgressão. Todo adolescente é um transgressor, e aí se experimenta. Além da
alienação ao Outro, ou seja, além do fato de que todo desejo é sempre desejo do Outro,
para se exercer como desejante é preciso poder se separar. À medida que aí se exercita,
o adolescente se torna cada vez mais ágil no trânsito entre alienação e separação.
Por isso, para lembrar disso, brincamos com a palavra separação.
“Se-pára-a-ação” quando a simbiose se alimenta da ambigüidade amor-
ódio, potência-impotência, quando os processos identificatórios se fecham na
célula simbiótica. Quando se recusa a própria realidade e, portanto, não se pode
extrair dela os próprios recursos. Quando as referências imaginadas e
idealizadas se cristalizam como verdades absolutas, cobrindo a falta, que gera o
movimento do ser.
“Ser-par-na-ação” equivale à tentativa de refazer o todo. A unidade é uma
busca que mobiliza e pode se congelar num encontro único e impossível. Por
outro lado, quando a separação pode ser simbolizada, há elaboração das
perdas que rememoram o desamparo fundamental, abre-se o caminho para a
solidariedade, a partilha, os laços, o respeito e o valor da diferença.
O ser se instala a partir da referência significante anterior, e pela barra da
alteridade. Assim, coloca-se em movimento o sujeito desejante, relativamente
apaziguado em suas emoções, pensamentos e ações. O sujeito compromete-se
com o próprio desejo e responde por sua condição de faltante. E, por ser
15
O sujeito desejante seria aquele que tem a coragem de arcar com a responsabilidade pelo seu desejo, de
comprometer-se com ele tomado como causa. Segundo KEHL (2004, p.59) tomar o desejo como causa seria
tomá-lo “como aquilo que determina as manifestações do inconsciente, e também as ações, as buscas, tudo
aquilo que, traduzido como ‘querer’ ou ‘vontade’, busca satisfação”. Afirma ainda KEHL (2004, p. 64) que “o
desejo não se sacia, mas se realiza no significante que representa o sujeito em todos os atos de troca com
seus semelhantes, nos atos de criação acessíveis
a todo ser falante quando o sujeito da enunciação se faz
presente em seus enunciados”.
21
faltante e falante, há possibilidade de surgir o sujeito – dividido, assujeitado
16
,
submetido a uma ordem simbólica que limita, mas também oferece
possibilidades de criar o novo. “Ser-para-a-ação”, ser autor na ação, atuando na
ação.
Retornando a ALBERTI (2004, p.15-16);
É por ter herdado a posição de desejante de seus pais que o adolescente também já não
satisfaz as demandas deles. Diz-se, comumente, que agora ele “pensa com sua própria
cabeça”. É verdade, mas, sobretudo porque ele suporta não mais satisfazer as demandas
dos pais, não mais teme a perda do amor deles, em parte por já ter tido provas suficientes
de que não o perde facilmente, em parte porque já não é mais tanto isso que o interessa.
O adolescente se experimenta como autor de um desejo que não está lá onde localizava
antes o maior peso de suas relações: na demanda de amor para garantir uma proteção
contra o desamparo fundamental.
Para poder se desempenhar como sujeito do desejo é preciso que o adolescente não se
engane com as demandas de amor que não deixam de ser uma tentativa de velar o fato
das impossibilidades. O adolescente deve saber que não há como escapar do desamparo
fundamental intrínseco ao ser humano, por mais dolorosa que seja essa constatação ele
já sabe que o Outro não pode protegê-lo, apenas enriquecê-lo com algum recurso para
encarar o desamparo sozinho.
(...) Poder encarar o desamparo, as impossibilidades, submeter-se à castração simbólica
é o longo trabalho de elaboração da falta no Outro que diz respeito à adolescência.
Para haver separação e tornar-se desejante, é preciso que o Outro seja
dialetizado, seja relativizado, perca sua onipotência sobre o indivíduo (o poder de
colocá-lo como objeto). Por outro lado, o desejo reenvia, de uma forma nova à
história, à linguagem, à cultura, aos pais (ALBERTI, 2004, p.27). É necessário que
o significante da potência fálica seja separado das pessoas que estão investidas
afetivamente, para que possa ser tomado como possibilidade (causa) de desejo.
Daí a importância dos líderes e heróis, de forma que possam vir a se constituir
como novos modelos identificatórios parciais (não único, não todo).
Se por um lado e por um tempo é preciso alienar-se, é preciso crer em uma
imagem idealizada dos pais por causa das necessidades impostas pela existência,
por outro lado é necessário também o tempo de separação, em que se fazem
necessárias referências para além dos pais da realidade. Para ajudar no encontro
com o real, é importante que se instaure aquilo que garante no sujeito uma relação
com o desejo, pelo fato de garanti-lo simbolicamente, atribuindo-lhe um lugar na
comunidade dos homens.
16
Expressão utilizada em Psicanálise para designar aquele que está sujeito, mas não totalmente
rendido, há submissão, mas não sem resistência; designa aquele que está tomado pelo discurso
do Outro, mas resiste; inclui também o pensador, que está fora do pensamento (SESARINO,
2005).
22
Nas travessias, ocorre com freqüência a necessidade de fortalecer o próprio
narcisismo - pensado como um retorno ao eu da libido dirigida aos objetos amados
e perdidos, como aponta FREUD (1969 [1923]), um enrijecimento defensivo do
ego. Espera-se que esta seja uma condição temporária para novos investimentos
em outros objetos e objetivos.
1.3 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL E
AFETIVIDADE
A qualidade e a riqueza do minucioso legado do mestre suíço sobre a
construção do conhecimento merecem ser lembradas. Neste trabalho, as idéias
que são tomadas por empréstimo e destacadas são principalmente aquelas em que
se evidencia a mutualidade entre as operações formais
17
, a vida afetiva e o
comportamento social. E também aquelas que ajudam a pensar que existe um
tempo de transição como condição para ser inserido no mundo adulto.
Segundo PIAGET (1995, p. 94), “a tendência mais profunda de toda a
atividade humana é a marcha para o equilíbrio, e a razão, que expressa as formas
superiores deste equilíbrio, reúne a inteligência e a afetividade”.
PARRA (1983) ocupou-se em reorganizar a teoria Piagetiana no que toca o
pensamento formal, evidenciando aspectos do adolescente e do jovem. Nesta sua
coletânea, apresenta algumas pesquisas que indicam certa convergência com as
observações empíricas de que atingir o pensamento formal não é tão natural
quanto ocorre com o pensamento das operações concretas. Tais pesquisas (EUA e
Inglaterra) mostram percentuais elevados da população de jovens que não teriam
atingido a condição atribuída ao pensamento operatório formal – estatísticas de
pesquisas mostram percentuais entre 50% e 85%
18
. Essas pesquisas provocam
interrogações sobre quais seriam os procedimentos, técnicas e métodos de
17
Que no contexto deste trabalho estão sendo tomadas como possibilidade de simbolizações e
substituições.
18
CHIAPPETTTA, E.L. (1976) “A Riview of Piagetian Studies relevant to Science Instruction at the
Secondary and College Level”. Science Education, 60 (2), 253-61.
SHAYER, M.; KUCHEMANN, D.E.; Wylam, H. (1976) “The Distribution of Piagetian Stages of
Thinking in British Middle and Secondary School Children”, British Journal of Educational
Psychology, 46 (parte 2), 164-73.
23
educação que favoreceriam a passagem ao estágio do pensamento em que haveria
mais equilíbrio intelectual, mais estabilidade e dinamismo.
Em seu livro, Parra dedica um capítulo a esclarecer as relações entre o
pensamento formal e o desenvolvimento social, a partir da relação estabelecida por
Piaget entre os aspectos sociais e cognitivos, considerados ambos, elementos
muito ligados e muito relevantes no adolescente. Toca também a relação intrínseca
entre pensamento e afetividade.
O indício do surgimento do pensamento formal seria o fato de o jovem se
apresentar como “construtor de teorias e sistemas com vistas à reformulação da
sociedade”. Na adolescência, quando emerge o pensamento formal, aparece um
desligamento das coisas concretas, que anteriormente se colocavam como o limite
do pensamento. O novo limite é agora colocado nas possibilidades.
Segundo Piaget, amplamente referenciado por PARRA (1983), o princípio do
desenvolvimento cognitivo está na ação (ação sensório-motora), que se interioriza
aos poucos, se refina, se combina até chegar ao raciocínio abstrato. Neste
processo, os intercâmbios sociais exercem um papel fundamental, a ponto de
modificar a estrutura mental do indivíduo. Quando o jovem é capaz de construir
teorias é porque se tornou capaz de reflexão. Este tipo de reflexão permite fugir do
concreto atual e o conduz na direção do abstrato e do imaginado como possível.
A integração do jovem na sociedade adulta coloca-o em plano de igualdade
com o adulto, em condição de desenvolver um programa de vida que o projete para
o futuro e de apresentar propostas de reformulação da sociedade, características
que marcam a adolescência, na perspectiva cognitiva. A inserção na sociedade
exige modificações estruturais na personalidade e explicam as transformações do
jovem. Os fatores sociais são decisivos nesse empreendimento.
A conquista do pensamento formal, expressa pela capacidade de submeter o
real a um quadro de múltiplas possibilidades, pelo domínio de diversas operações
formais e pela capacidade de envolver-se em discussões proveitosas, tem uma
outra conseqüência, que é a de conduzir o jovem a uma nova forma de
egocentrismo. Diferentes formas de egocentrismo acompanham cada novo poder
da vida mental (assimilação egocêntrica) ao longo do processo de desenvolvimento
do pensamento. O egocentrismo do bebê mostra-se por uma indiferenciação entre
os objetos que o rodeiam e as impressões sensoriais que tais objetos provocam – a
noção de objeto permanente em construção não permite ao bebê admitir uma
24
realidade outra que aquela do seu campo sensorial e a assimilação do universo
ocorre mediante sua atividade corporal.
No período pré-operatório, sob o primado da atividade, o pensamento da
criança é centrado em suas ações, percepções e representações pessoais. O
egocentrismo é caracterizado pela primazia do próprio ponto de vista, guarda
relação com a indiferenciação inicial e sua prerrogativa deformante deste ponto
único de referência. A dificuldade de participar de conversações com trocas de
experiências e idéias também contribui para isto.
No estágio das operações concretas emerge a reversibilidade, pela
composição de conjuntos em agrupamentos operatórios e a criança passa a
envolver-se em atividades de grupo, cooperando com os demais em atividades
coletivas – há um desenvolvimento paralelo entre funções cognitivas (operação
reversível) e sociais (cooperação). Porém, a necessidade de não-contradição leva à
criança a outra forma de egocentrismo, típica deste estágio – para não mudar sua
opinião ela tenta mudar os dados, encaixá-los em sua hipótese – a criança assimila
as coisas ao seu pensamento em construção.
O egocentrismo do adolescente, ancorado na obsessão pelos problemas
sociais, pelas teorias e sistemas que engendra para solucioná-los, estaria
representado pela dificuldade de admitir a desatenção ou incompreensão às suas
propostas. Embora capacitado a ter pensamentos próprios e acompanhar o
pensamento dos demais, ainda é difícil separar e admitir objetivos diversos dos
próprios. O que predomina é uma crença no “infinito poder da reflexão”, como se o
mundo devesse submeter-se aos sistemas e não os sistemas à realidade.
Conforme as operações formais vão se consolidando, o egocentrismo do início da
adolescência vai sucumbindo às possibilidades decorrentes de relações
interpessoais autênticas, discussões, intercâmbio de idéias e sentimentos. A
percepção e a aceitação de sentimentos diversos dos seus e o envolvimento nas
emoções dos demais operam novas possibilidades complementares de raciocínio
operatório e cooperação.
Quando PIAGET (1995) escreve sobre a adolescência, resgata a relevância
de se conhecer os processos do pensamento e da afetividade, característicos desta
fase. De maneira geral, o pensamento na adolescência se apresenta sob a forma
de exagerar e guarda correlação com a maturação do instinto sexual, indicada por
desequilíbrios momentâneos e intensa coloração afetiva. Apesar dos aparentes
25
desequilíbrios, as conquistas da adolescência asseguram ao pensamento uma
direção rumo a um equilíbrio superior àquele dos estágios anteriores de
desenvolvimento.
Para que se possa entender melhor o significado das afirmações acima, é
necessário que sejam especificadas, pelo menos em parte, as estruturas gerais das
formas de pensamento e vida afetiva, consideradas por Piaget como conquistas da
adolescência.
As ´operações formais` características são representadas pelas operações
´hipotético-dedutivas`, que consistem na capacidade de se interessar por
problemas sem relação com as realidades vividas diariamente, refletir livremente e
de maneira desligada do real, formulando teorias abstratas, que se traduzem na
construção de sistemas e teorias. Pode-se dizer, também, que estas operações se
caracterizam pela capacidade de raciocinar por hipóteses e extrair conclusões
delas, sem apoio unicamente da realidade efetiva.
A capacidade de refletir a respeito das operações e ações sobre os objetos,
de forma independente dos mesmos objetos, substituindo-os por proposições é
condição para a construção do pensamento formal. O grau de reflexão do
pensamento formal é diferente daquele que ocorre no pensamento concreto:
enquanto no pensamento concreto ela (a reflexão) é uma representação de uma
ação possível, no pensamento formal é a representação de uma representação de
ações possíveis. É possível, no pensamento formal, a tradução abstrata das
operações concretas em uma lógica de proposições, um sistema de implicações
que vai além da lógica das relações, das classes e dos números (PIAGET, 1995).
Esclarece ainda Piaget, na mesma obra, que as operações formais facilitam
ao pensamento um “poder totalmente novo”, que equivale a libertá-lo do real e
capacitar o indivíduo a construir, ao seu critério, reflexões e teorias (atividade livre
da reflexão espontânea). Afirma PIAGET (1995, p. 87) que a adolescência é a
idade da metafísica por excelência, idade em que “o eu é ele mesmo
suficientemente forte para reconstruir o universo e suficientemente grande para
incorporá-lo”
19
.
Segundo a teoria Piagetiana, cada novo poder da vida mental é inaugurado
por uma assimilação egocêntrica, encontrando um novo equilíbrio com uma
19
Tradução da autora. Consta no texto original: “el yo es lo suficientemente fuerte como para
reconstruir el universo y lo suficientemente grande para incorporárselo”.
26
acomodação ao real. Quando os esquemas de ação se organizam,
progressivamente, reduzem este egocentrismo, conduzindo ao equilíbrio, que se
manifesta no processo de instalação do pensamento formal, pela correção e
reconciliação do pensamento com a realidade. Tal equilibração ocorreria quando há
a compreensão de que a função da reflexão não é contradizer, mas sim antecipar e
interpretar a experiência. Desta forma, torna-se possível dizer que é um equilíbrio
diferente do pensamento concreto, pois além da realidade, engloba construções da
dedução racional e da vida interior.
Como vem sendo exposto, Piaget trabalha numa perspectiva de relação
intrínseca entre as operações formais, a vida afetiva e o comportamento social, e,
neste sentido, sugere que as operações formais conduzem a uma dupla conquista
por parte do adolescente: da personalidade e da inserção na sociedade adulta.
PIAGET (1995) deixa muito clara a sua perspectiva, no que toca às formas do
pensamento formal ou hipotético-dedutivo, da existência de uma subordinação da
personalidade a um nível mental, que supõe o pensamento e a reflexão. Neste
sentido, é importante lembrar a ênfase dos estudos de Piaget na compreensão do
desenvolvimento cognitivo, sendo este seu viés de análise predominante. Também
é conveniente não deixar de lado as bases sobre as quais o autor sustenta a
formação da personalidade, como sendo a incorporação de um sistema de regras
em duplo sentido, um anterior e um implicador, que pressupõem uma espécie de
descentração do eu num programa de cooperação e de subordinação a disciplinas
autônomas e livremente construídas. Deste duplo sentido (anterior e implicador)
decorrem as possíveis oscilações e o egocentrismo adolescente no seu aspecto
afetivo, o mais conhecido.
Diferente da criança que constrói um mundo à parte, o adolescente se situa
como igual entre os adultos, qualificado, porém, em uma escala inferior ao mundo
dos maiores. Ainda assim se sente diferente deles, devido a sua personalidade
emergente – um novo jeito de ser que se agita nele. Por esta razão, precisa
surpreender, “superar”, transformando o mundo. Isto faz com que seus sistemas e
planos sejam repletos de sentimentos generosos, projetos altruístas, fervor místico,
megalomanias, que ocorrem simultaneamente ao egocentrismo. Há uma mescla
de entrega à humanidade (projetos de cooperação) e agudo egocentrismo
(valorização extremada do eu), que se expressam tanto pelo negativo como pelo
positivo.
27
A inserção do adolescente na sociedade dos adultos acontece mediante
projetos, programas de vida, sistemas que freqüente e inicialmente são teóricos, ao
nível do pensamento e, poder-se-ia dizer, ao nível da imaginação, devido à
característica do pensamento hipotético-dedutivo de distanciar-se do real. Esta
inserção ocorre em dois momentos distintos: um primeiro momento, caracterizado
pela postura de reformador, e um segundo, quando esta postura passa para a de
realizador.
Na primeira fase, o adolescente medita intensamente sobre a função da
sociedade, porém seu foco é aquela sociedade que ele quer transformar,
desinteressando-se pela sociedade real, aquela que condena. As agregações
sociais dos adolescentes são, predominantemente, sociedades de discussão, em
que o tema principal é a reconstrução do mundo e o combate ao mundo real. Não
há consensos e estas discussões são sucedidas por movimentos jovens que se
desdobram em reorganizações e entusiasmo coletivos.
Piaget considera que a autêntica adaptação à sociedade ocorrerá quando o
adolescente se capacita e substitui o seu papel de reformador pelo de realizador. É
a experiência que reconcilia o pensamento formal com a realidade das coisas. As
situações concretas e bem definidas fazem ceder os desequilíbrios e, com eles, os
sonhos. Considera Piaget que, superadas as crises de adaptação, o trabalho
profissional restabelece o equilíbrio e indica o acesso à idade adulta. E afirma
ainda:
Porém se percebe, em geral, ao comparar a obra dos indivíduos com seu antigo
comportamento de adolescentes, que aqueles que, entre os quinze e os dezessete anos, não
construíram sistemas que incluíssem seu programa de vida em um amplo sonho de reformas,
ou aqueles que, ao estabelecer seu primeiro contato com a vida material sacrificaram
totalmente seu fantasioso/fictício ideal a seus novos interesses de adultos, não se tornaram os
mais produtivos. A metafísica da adolescência, assim como suas paixões e sua megalomania
são, portanto, autênticas preparações para a criação pessoal. O modelo do caráter/índole
mostra que existe sempre uma continuidade entre a formação da personalidade, a partir dos
doze anos, e a obra posterior do homem (PIAGET, 1995, p. 93).
Apesar de ser bastante conhecida a posição de Piaget, subordinando os
modelos de conduta ao desenvolvimento mental, acredita-se que é possível afirmar
que no pensamento do mestre suíço também está implícita uma dialética em que
se articulam, de maneira interdependente, as dimensões mental e energética que
habitam um corpo humano. Mesmo sem ter a afetividade como enfoque prioritário,
Piaget não a deixa totalmente de fora e a ela confere o papel de regular a energia
28
investida, consignando-a como um recurso que possibilita a execução das ações.
Atuando em conjunto com a inteligência, a afetividade facilita os meios e clareia os
objetivos.
Paralelamente com a elaboração intelectual, a afetividade, paulatinamente
provoca rupturas no eu, submetendo-o às leis da cooperação e esta é a maneira
como Piaget explica a articulação entre o desenvolvimento cognitivo, o
desenvolvimento social e a afetividade.
LIMA (1998, p. 109) recupera os estudos de Piaget e de outros estudiosos da
educação, para escrever sobre a cooperação entre iguais como fator de
desenvolvimento. Afirma que “as relações das crianças e dos adolescentes entre si,
em oposição à obediência e ao respeito unilateral devido ao adulto” e as
discussões decorrentes do “confronto das instituições dos membros de um grupo,
obrigam a mente a fazer autocrítica e reajustes das opiniões”.
1.4 A FORMAÇÃO DE CONCEITOS E A ADOLESCÊNCIA EM VYGOTSKY
A escolha de pensar, com o auxílio de Vygotsky, a formação de conceitos e a
sua relação com a adolescência, ou melhor dizendo, com este tempo de moratória
que acontece com aquele que não é mais criança até sua implicação e
reconhecimento no mundo adulto, deve-se a uma série de razões, das quais
algumas são citadas a seguir:
Este autor utiliza uma metodologia dialética que articula o sujeito e o social;
Trabalha o conceito de mediação, que fornece subsídios importantes para
a análise dos resultados desta pesquisa;
Estuda as funções mentais superiores de uma forma orgânica e histórica,
que confere importantes referenciais para se pensar as escolhas;
Trabalha a construção de conceitos, em suas diferentes manifestações,
como palavras, como pré-conceitos, como conceitos cotidianos e como
conceitos científicos – ponto importante de articulação com as
peculiaridades dos participantes desta pesquisa, como candidatos ao
Ensino Superior e o objetivo de conhecer suas concepções sobre
identidade e escolha;
29
E, finalmente, pela articulação que faz em torno da subjetividade e da
noção de autoconsciência.
VYGOTSKY (1991b) considera os conceitos como parte ativa do processo
intelectual. Com uma formulação mutável e em relação com outras, o conceito está
a serviço da comunicação, do entendimento e da solução de problemas.
Considerando que as formas mais elevadas de comportamento se revelam
pela capacidade que o homem tem de aprender a organizar e dirigir seu
comportamento, VYGOTSKY (1991b, p. 48) aponta que esta forma de agir revela
seus meios. Estes meios são os signos, mediadores das funções psíquicas
superiores, e a ela incorporados como parte central do processo. A palavra, que em
princípio tem a função de meio de comunicação e contato social (signo), num
momento seguinte, na formação do conceito, torna-se símbolo
20
.
Através de suas pesquisas, Vygotsky demonstra que o processo de formação
de conceitos começa na infância, e, num prolongado desdobramento em que as
funções intelectuais se combinam especificamente (base psicológica da formação
de conceitos), vai se configurando de forma madura, o que acontece somente na
puberdade.
Utilizando as conclusões do próprio VYGOTSKY (1991b, p. 50), pode-se dizer
que:
A formação dos conceitos é o resultado de uma atividade complexa, em que todas as funções
intelectuais básicas tomam parte. No entanto, o processo não pode ser reduzido à associação,
à atenção, à formação de imagens, à inferência ou às tendências determinantes. Todas são
indispensáveis, porém insuficientes sem o uso do signo, ou palavra, como o meio pelo qual
conduzimos as nossas operações mentais, controlamos o seu curso e as canalizamos em
direção à solução do problema que enfrentamos.
É importante destacar que a formação de conceitos não é causa de si mesma.
É indispensável a presença de um problema, que se apresenta como tarefa, exige
e estimula o intelecto, proporcionando novos objetos para que o raciocínio do jovem
possa atingir estágios mais elevados. As tarefas com as quais o jovem se depara
ao ingressar no mundo cultural, profissional e cívico dos adultos podem se
20
As palavras, conjuntos de signos que representam objetos, situações ou idéias, antecedem a
formação de conceitos propriamente ditos, exercendo a função de conceitos antes que estes
possam surgir ao nível do pensamento plenamente desenvolvido.
30
configurar como fator-causa para o surgimento do pensamento conceitual. Afirma
VYGOTSKY (1991b, p. 50-51):
No entanto, a tarefa cultural, por si só, não explica o mecanismo de desenvolvimento em si,
que resulta na formação de conceitos. O pesquisador deve ter como objetivo a compreensão
das relações intrínsecas entre as tarefas externas e a dinâmica do desenvolvimento, e deve
considerar a formação de conceitos como uma função do crescimento social e cultural global
do adolescente, que afeta não apenas o conteúdo, mas também o método de seu raciocínio.
O novo e significativo uso da palavra, a sua utilização como um meio para a formação de
conceitos, é a causa psicológica imediata da transformação radical por que passa o processo
intelectual no limiar da adolescência.
Nesta idade não aparece nenhuma função elementar nova, essencialmente diferente daquelas
já presentes, mas todas as funções existentes são incorporadas a uma nova estrutura,
formam uma nova síntese, tornam-se partes de um novo todo complexo: as leis que regem
esse todo também determinam o destino de cada uma das partes. (Aprender a direcionar os
próprios processos mentais com a ajuda de palavras ou signos é uma parte integrante do
processo de formação de conceitos.) A capacidade para regular as próprias ações fazendo
uso de meios auxiliares atinge o seu pleno desenvolvimento somente na adolescência.
Vygotsky é bastante específico com relação à reciprocidade dialética entre os
aspectos intrapessoais e os interpessoais, e ainda mais particularmente, nas
articulações entre pensamento e linguagem, sempre relacionados com a ação e a
transformação, trazendo implícito, nestas variáveis, um conceito de subjetividade.
Um tópico específico a este respeito consta do próximo capítulo.
Seria exagero pensar que a ação intencional de interrogar o jovem sobre suas
concepções a respeito de si mesmo e sobre conceitos (como identidade, escolha,
profissão) tão carregados de significados e sentidos nesta travessia de acesso ao
ensino superior, poderia se constituir como a “presença de um problema – tarefa” a
estimular o intelecto e outros movimentos subjetivos, proporcionando novos
objetivos em direção a estágios conceituais mais elevados? Que tipo de ações e
internalizações decorreriam daí?
1.5 ELABORAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE SER TUDO E DA PERGUNTA
“O QUE SER ENTÃO”?
Pensar seria encenar com palavras nesta alternância de aparição e
desaparição dos corpos. A prova do sujeito consistiria em transpor esse entre-
dois, e, o papel do pensamento seria aprender a qualidade do presente”
(ANDRÈS, 1998, p. 454).
Neste capítulo, tentou-se colocar a perspectiva da adolescência como trabalho
(trabalho psíquico) e como encontro – encontro com o real, com a diferença, com o
31
outro, com seus próprios recursos. Mencionou-se também a importância da
elaboração de lutos, de simbolização das escolhas e das perdas.
As idéias desenrolaram-se no sentido de demonstrar como a subjetividade e o
pensamento sofrem transformações a partir de uma nova condição de inserção na
vida social e afetiva, e de como estas variáveis se implicam mutuamente. Articulou-
se também um tanto a construção de conceitos mediados por signos e sua
colaboração para a subjetividade.
Agora é o momento de se traçar algumas articulações entre aquilo que está
sendo denominado como trabalho e como encontro adolescente com a elaboração
dos projetos de futuro, com o processo de aquisição de identidade e com as
escolhas.
Explorando a noção de projeto de futuro profissional com as questões do ideal
de ego, articuladas com conceitos de identidade, identificações, realidade e desejo,
SOARES-LUCCHIARI (1997) relaciona expectativas e narcisismo. Utiliza
referências creditadas a O. Carré
21
, para afirmar que, um projeto não pode existir
sem modelos de identificação que organizem o vir a ser. Para a elaboração do
projeto profissional é essencial que haja a formação de uma imagem de si. O
projeto profissional contém as representações de si, das imagens, dos desejos e
das referências identificatórias, o que supõe uma construção e uma elaboração.
Portanto, o projeto é a marca de afirmação pessoal e criação de si mesmo, assim
como, a escolha profissional é a manifestação da identidade pessoal. Projeto de
futuro e escolhas representam o resultado do confronto que se estabelece entre a
imagem de si e o ideal de ego. Neste ponto, tangenciam-se as idealizações, que
revelam nuances do desejo.
É no entrelaçamento de demandas que se coloca a problemática relação entre
a imagem de si e o ideal de ego, que aparece como objeto de identificação e
manifestação da imagem interiorizada, cujo encaminhamento vai se dar pela
escolha. “A introjeção dos ideais torna-se projeção do ideal de ego pela passagem
obrigatória da identificação. A identificação com pessoas amadas, escolhidas, pode
tornar possível a identificação de si mesmo numa profissão idealizada” (SOARES-
LUCCHIARI, 1997, p. 90-91).
21
CARRÉ, Odile. Groupes et processus d’Orientation. In: L’Orientation Scolaire et Profissionnelle,
1989, no. 18 (185-201).
32
O tema identificações será desenvolvido no próximo capítulo. Por ora, é
oportuno resgatar sua relação de engendramento nas mudanças ao nível do ideal
de ego. Como se encontra ainda em Soares-Lucchiari, a “identificação ao projeto”
seria uma forma de colocar em cena o efeito de mecanismos inconscientes de
identificações, representantes “do compromisso em ato, mas sem a hipoteca do
desconhecimento ou da repressão” (SOARES-LUCCHIARI, 1997, p.85).
Tais colocações conduzem a pensar, por um lado, o trabalho da adolescência
como elaboração da perda e substituição do Outro real e imaginário pelo Outro
simbólico e por outro lado, o papel do ideal de eu como referencial para o
estabelecimento de metas e como tentativa de reencontro com aquilo que foi
perdido na primeira infância.
Como será mais bem detalhado tópico relativo aos processos identificatórios,
o que o eu projeta para si como ideal pode ser traduzido como substituto do
narcisismo perdido da infância (um prolongamento do narcisismo como objeto de
amor). O eu ideal, quando buscado pelo eu é designado “ideal do eu”. Na estrutura
do eu pode-se reconhecer um censor, comandado pelo ideal do eu e as
manifestações da consciência moral, que mantém certo estado de alerta – auto-
observação e autocrítica, que interferem no sentimento de auto-estima. “Além do
aspecto individual, esse ideal tem um aspecto social e também o ideal comum de
uma família, de uma classe, de uma nação”. A formação de ideal seria a condição
do recalcamento, um processo de defesa
22
que decorre da auto-estima do eu e vela
pela satisfação narcísica. Vigia o eu atual e o compara com o eu ideal.
(KAUFMANN, 1996, p. 182-183).
O ideal de eu, derivado do supereu, representa a transformação da autoridade
parental em um modelo (KAUFMANN, 1996, p. 512-14). O surgimento do supereu
deve-se a duas condições fundantes no ser humano: o longo estado de desamparo
e de dependência infantil e a instauração difásica da vida sexual
23
. São ambos os
fatos biológicos, que instauram as condições de inter-relação do indivíduo com seu
meio, favorecendo o nascimento dos sentimentos morais, a ação do complexo de
Édipo e do recalcamento. O superego é o articulador das funções superiores do ser
22
Os processos de defesa comportam todas as técnicas de que o eu se serve nos conflitos. Tratam
da proteção do eu contra as exigências pulsionais. O recalcamento é um modo particular de
defesa, que abafa aquilo que é ameaçador à auto-estima do eu, mesmo antes que possa se tornar
consciente.
23
A respeito do detalhamento desta temática e de outras que não foram exaustivamente detalhadas
neste tópico, ver KAUFMANN (1996, p. 178-187 e 510-518).
33
humano. Na medida em que se relaciona estruturalmente com as diversas
instâncias do aparelho psíquico e promove a sua ligação ao mundo externo, é um
modelo de ideal para aquilo a que visam às tendências do eu, isto é, a
reconciliação de suas múltiplas vinculações.
O ideal de ego, na construção de um projeto profissional, traz à tona a
complexidade da escolha profissional na adolescência, quando o jovem é
convocado a se situar numa temporalidade, a tomar seu lugar na história familiar, a
se definir como adulto numa sociedade, a redefinir seu lugar filiativo e sexual.
A visão do ideal de eu como modelo é questionada por Chasseguet-Smirgel
24
,
citada em SOARES-LUCCHIARI (1997, p. 82), argumentando que a projeção de
um ideal sobre um objeto ou o acesso a um objetivo jamais conduzem à satisfação
tal qual ela é esperada, uma vez que o que se projeta é “representação efêmera,
parcial e substitutiva” e o que se encontra é sempre algo diferente.
Segundo ALBERTI (2004, p.46), a adolescência é uma escolha do sujeito: “Ele
pode escolher atravessá-la, mas pode também não escolhê-la”. Entrar na
adolescência seria a escolha que o sujeito faz de assumir o desligamento dos pais,
pagando o preço por este desligamento e pela descoberta de que “só é possível
contar com o Outro em nível simbólico”. Estaria então escolhendo deixar de ser
criança e responder por ser adulto e por seu corpo. É por isso que se pode dizer
que a adolescência representa a tentativa de elaborar a falta, e que cada um
responderá a isto conforme a sua estrutura. Há um longo percurso psíquico, restrito
às formas de entrelaçamento das instâncias Real, Simbólico e Imaginário, para que
esta condição, que é inerente à condição humana, seja assimilada. Se não é
possível ser tudo, é a condição de sujeito desejante que suportará a parcialidade.
Poder conviver com a incerteza é a idéia apresentada em CARRANO (2000) e
RIBEIRO (2003). Carrano discorre sobre a imposição das escolhas, apesar das
incertezas, e expõe o atrelamento da identidade adulta com a aquisição de uma
capacidade de produzir continuamente uma nova identidade, integrando
temporalmente o indivíduo. Já Ribeiro convida a procurar a capacidade de lidar
com o imprevisto, como desafio, de forma a extrair sentido para a existência. Esta
capacidade estaria também articulada com as escolhas, pela via da distinção entre
aquilo que seria negociável ou não nos próprios desejos, aqueles que coincidem ou
24
CHASSEGUET-SMIRGEL, Janine. La Maladie d’Idéalité: Essai Psychanalytique sur l’ Ídéal du
Moi. Paris: Éditions Universitaires – Émergences, 1900 (1973 – 1a. édition en langue française).
34
não com as metas de vida. Lembra ainda que essa hierarquia se modifica ao longo
da existência.
Exercer-se como sujeito desejante pela perspectiva das escolhas, que sempre
comportam algo de perda e algo de incerteza, parece ser uma boa escolha para
responder à pergunta que abre este tópico. Se não se pode ser tudo e nem todo
(no sentido de uma unidade completa), o que é possível passa pela via da escolha,
pela priorização, pela simbolização, por metaforizar, por assumir-se como sujeito
desejante.
35
2 ENTRE A IDENTIDADE E A ESCOLHA
2.1 CONCEPÇÕES DE IDENTIDADE - IGUALDADE E DIFERENÇA
Nos últimos tempos têm aumentado, especialmente no campo da educação, o
número de escritos e debates que se propõem a repensar e a representar o cenário
contemporâneo e suas interrogações sobre o lugar do homem, no que toca a suas
representações de identidade.
A representação da identidade ocorre na intersecção que se estabelece na
condição do homem, entre sua posição de ser produtor e a posição de ser
produzido numa realidade social. As marcas e tentativas de localizar e produzir
igualdade e diferença acompanham os seres humanos na sua história individual e
social.
HALL (1999) refaz o percurso histórico das concepções de homem,
apresentando o sujeito do Iluminismo pelas características de ser autocentrado e
individualista; o sujeito sociológico e a sua peculiaridade interacionista; e, o sujeito
da pós-modernidade (designação dada ao momento atual) como aquele que se
apresenta sem uma identidade fixa, essencial e permanente. Este mesmo autor
apresenta as razões pelas quais a identidade se faz questão, ou seja, pela crise a
que sua falta submete. Neste caso, nomeia-se crise o momento em que um ponto
de suposta sustentação se desloca para o campo da dúvida e da incerteza.
A globalização tende a abafar as culturas locais. Movimentos, articulados pela
comunicação de massa, instrumentalizam a tentativa de homogeneização e
redução das diferenças. Numa sociedade em que a identidade cultural se torna
cada vez mais difusa e que, ao mesmo tempo, há um convite à homogeneização,
via consumo, o outro cultural se expressa com bastante ênfase. O encontro com o
estranho e diferente, que é inevitável, torna-se ameaçador e coloca em questão a
própria identidade.
Os conhecidos marcos de identidade constituídos pelos quadros referenciais
de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, pilares norteadores de
localização social, têm sofrido mudanças. Alcançam as identidades pessoais
abalando a idéia de sujeitos integrados, e deslocam os indivíduos tanto do seu
lugar social e cultural quanto de si mesmos (HALL, 1999).
36
A partir desses pressupostos, pode-se pensar que as mudanças da pós-
modernidade têm conduzido para a explicitação da incerteza, trazendo notícias das
conseqüências do encontro com aquilo que falseia, é movediço ou inexplicável.
Nestes tempos, fala-se em epidemia de estados depressivos. O que remete a
pensar em atualização de perdas escassamente simbolizadas, no aumento da
angústia em decorrência do acúmulo de insatisfações e do excesso de
idealizações, e, por conseqüência, na exacerbação das defesas do eu. Nas crises,
as defesas se reorganizam em torno da manutenção ou reparação daquilo que foi
supostamente perdido, e se há a compreensão de que o que está sendo perdido é
o eu, é a ele que se trata de recuperar.
FÉTIZON (1999) aborda a contemporaneidade através de um olhar mais
específico sobre o mundo do trabalho e o lugar de mito que ele ocupa no ser
humano, com todas as suas contradições (recompensa-virtude-castigo, libertação-
auto-afirmação/escravização, conferindo sentido ou roubando sentido), e com seu
papel essencial no comportamento do homem. Revela que as mudanças, que
fragilizam esse lugar de mito, se prestam a ofertar elementos que podem ser
tomados como confirmação da crise e da falta de referências.
Aqui poderia ser aberto um espaço para se pensar o papel dos mitos na
organização da sociedade e do funcionamento dos indivíduos, mas este tema
requereria um estudo que foge aos objetivos deste escrito. Então, tomemos apenas
o que nos importa registrar que é a força do mito
25
, particularmente nos momentos
de crise, e a necessidade que se revela de encontrar algo que o substitua
rapidamente, quando este parece falsear.
ERIKSON (1998) confere aos ritos que circundam os mitos o atributo de
proporcionar elementos auxiliares à adaptação sublimatória dos instintos.
São várias as vertentes de construções conceituais sobre identidade,
igualdade e diferença. Entre elas, a identidade tomada como um lugar sócio-
cultural, ou como produto da condição de inserção na linguagem, ou como síntese
de múltiplas identificações, ou ainda, como trajetória. Nas suas particularidades, a
identidade pode ser considerada como identidade social, identidade profissional e
identidade pessoal.
25
Aquilo que não se pode dizer, explicar, apreender, mas que dá referências e direção. O mito está
estreitamente ligado com a função paterna, onde é colocada a aspiração de libertação, através
daquilo que barra a submissão e sustenta o desejo.
37
Um breve e superficial percurso sobre tais vertentes conceituais e
particularidades da identidade, neste trabalho, tem o objetivo de localizar as
aproximações das perspectivas consideradas e das razões que circundam o
interesse pelo tema.
Se por um lado os conceitos de identidade e diferença são fugidios e têm
caráter singular, com as peculiaridades daquilo que ocorre no confronto do sujeito
com a cultura, isto não torna menos significativo o impacto da representação de
identidade para o lugar que o sujeito ocupa perante si mesmo e nas relações com o
outro.
A representação do lugar social e cultural é uma referência importante. Esta
representação é uma construção singular, que se articula num processo histórico,
localizado e vivido subjetivamente de maneira única. A condição de representação
é algo que não se pode abrir mão, por mais que nos escape das próprias mãos ou
do próprio controle e previsibilidade. Na representação, algo sempre escapa porque
é sempre representação da coisa e não a coisa em si.
A representação, como localização do si mesmo e do valor conferido a tal
concepção, responde como representante daquilo que diferencia e distingue de
outros e também daquilo que faz laços. Como diz CIAMPA (2001, p.137), a
identidade “ora distingue, diferencia; ora confunde, une, assimila. Diferente e igual”.
Através do nome próprio, que identifica a pessoa e se funde no seu ser, que
confirma e autentica uma identidade, aparece parte da identidade como igualdade e
parte como diferença. Na família, o prenome separa e diferencia e o sobrenome
assimila e iguala aos demais familiares. O nome diz também de uma localização na
sociedade e coloca-se como mediador entre o indivíduo e a sociedade.
As construções de representações sociais e identitárias, como já foi citado,
são singulares em cada sujeito, fundamentam as suas formas de interação e suas
competências no agir social e profissional. A rede de representações pessoais se
alimenta de processos de diferenciação e socialização, processos de
experimentação e processos cognitivos mais complexos, além do desenvolvimento
da maturidade interpessoal e da capacidade de extrair satisfação e significado das
situações com relativa independência. Esta síntese será retomada em detalhes
mais adiante.
Como se pode pensar o que é ser adolescente, ser jovem e ser adulto na
contemporaneidade? Qual é o mito que estaria substituindo o trabalho, no caso da
38
adolescência prolongada? Nesta rede de questões colocadas pela chamada crise
de identidade, têm-se agravadas as já conhecidas dificuldades de pensar e teorizar
sobre o seria a maturidade, a autonomia, o compromisso pessoal e coletivo,
colocados entre os objetivos mais elevados do processo educativo. Se os
referenciais identitários são o foco da adolescência e eles estão em crise, então a
grande maioria das pessoas estaria adolescente?
Fala-se que há um prolongamento da adolescência. Porém ocorre, não
somente entre os jovens que chegam aos cursos universitários, uma necessidade
de escolha que projete para um futuro profissional promissor, que confirme os
referenciais de lugar sócio-cultural. Há evidências de que a maturidade e a
confiança nas próprias escolhas têm se apresentado como causa de grandes
interrogações e conflitos, quando não como fragilidade, para a maioria dos
profissionais.
CARRANO (2000, p. 12-15) articula aspectos da complexidade
contemporânea e dialoga com Melucci
26
sobre as identidades múltiplas do jogo do
“eu”. Refere-se ao “intenso fluxo circulante de informações, valores e quadros de
referência desterritorializados e de autoridades múltiplas”, e à escassez de lugares
delimitados de convivência e sociabilidade com acentuada desconexão dos ciclos
de vida das idades biológicas. Demonstra como a incerteza permeia de forma
particular a adolescência, como um período no qual se esperaria uma orientação
predominante para o futuro: incerteza que decorre da idade, somada com a
incerteza decorrente da “abertura da perspectiva temporal, das possibilidades
socialmente disponíveis, da variabilidade dos cenários em que se situam as
escolhas que os jovens têm pela frente”.
O texto de Carrano conduz a articulações no sentido do engendramento que
se dá entre identidades e escolhas. Ao especificar a identidade como um processo
tecido nas relações históricas, e afetado, na contemporaneidade, pelo movimento
permanente, conduz à perspectiva de que os processos de identificação, de
possibilidades e de escolhas se efetivam como adesão ou combate aos
26
As obras originais referenciadas pelo autor foram: MELUCCI, Alberto. Il gioco dell`io: il
cambiamento de sé em uma societá globale. Milano: Editore Feltrinelli, 1991; MELUCCI, Alberto.
Passagio d`época: il futuro é adesso. Milano: Feltrinelli Editore, 1994; FABBRINI, Ana &
MELUCCI, Alberto. L`etá dell`oro: adolescenti tra sogno ed esperienza. Milano: Goangiacomo
Feltrinelli Editore, 1992.
39
constrangimentos a que os sujeitos estão submetidos, portanto, mediante um
posicionamento do sujeito.
O jogo das múltiplas personalidades requeridas nas relações sociais estaria
sendo estimulado em uma vida social marcada pela complexidade e pela
diversidade – características das grandes cidades, com inúmeros convites à
experimentação. O significado contemporâneo da identidade estaria assim,
orientado para a constatação de que ela é um processo de redefinição contínua,
que precisa ser compreendido, também, no contexto da mundialização da
sociedade.
Daí se pensar a plasticidade do “eu”, redefinindo-se continuamente em
resposta a uma dada dinâmica social, tentando assegurar a unidade do sujeito e a
continuidade da história individual e coletiva. Nesse processo, exige-se do indivíduo
a capacidade de mudar sua forma permanecendo o mesmo, apostando-se na
possibilidade de jogo por parte do “eu”.
Mesmo sem a certeza de uma direção final que lhe escapa, o sujeito é
impelido a escolher, o que pode ser tomado como ameaçador. Nessa perspectiva
apresentada por CARRANO (2000), a aquisição de uma identidade adulta se
aproxima da aquisição da capacidade continuada de produzir uma nova identidade,
integrando passado e presente na unidade e na continuidade de uma biografia
individual.
Vista como um exercício de interação e reconhecimento recíproco –
nós/outros, a identidade contém uma tensão que se expressa entre a definição
atribuída pelo indivíduo a si mesmo e o reconhecimento que lhe é outorgado pelos
outros. A ligação aos outros é condição para ser reconhecido naquilo que faz.
Através dela, cria-se um campo de solidariedade onde é possível afirmar-se “como
sujeito da própria ação e suportar a ruptura que o conflito introduz na relação
social” (CARRANO, 2000, p.20). A identidade revela-se assim como campo de
ação social, que se define a partir de um conjunto de relações.
2.1.1 Conceitos e funções da identidade
Abordagens teóricas de cunho mais essencialista tomam a identidade como
um núcleo essencial que distinguiria um grupo do outro. Outras abordagens ditas
não essencialistas tomam a identidade “como produto de uma intersecção de
40
diferentes componentes, de discursos políticos e culturais e de histórias
particulares” (WOODWARD, 2000, p. 38).
A teoria cultural social pós-estruturalista descreve o processo de produção da
identidade e da diferença entre dois movimentos básicos. Tais movimentos, de um
lado, tendem a fixar e estabilizar, e, de outro, tendem a subverter e desestabilizar.
Os processos estabilizadores se ancoram em mitos fundadores e na necessidade
de laços imaginários entre as pessoas, os quais remetem a acontecimentos
passados marcantes. A identidade se instaura pelas narrativas e ligações que
possibilitam certa estabilidade e fixação. Por outro lado, os movimentos que
subvertem a identidade, se contrapõem à tendência de fixá-la e essencializá-la,
apostando na dinamização da produção da identidade e da diferença.
Representando o caráter móvel da identidade, tornam mais visíveis os limites entre
os territórios simbólicos de diferentes identidades e denunciam a artificialidade
27
de
todas elas (SILVA, 2000).
A seguir, é transcrita uma síntese apresentada por SILVA (2000, p.96-97) a
respeito do que seria ou não identidade e diferença, que ajuda a objetivar o tema:
Primeiramente, a identidade não é uma essência; não é um dado ou fato – seja da natureza,
seja da cultura. A identidade não é fixa, estável, coerente, unificada, permanente. A
identidade tampouco é homogênea, definitiva, acabada, idêntica, transcendental. Por outro
lado, podemos dizer que a identidade é uma construção, um efeito, um processo de
produção, uma relação, um ato performativo. A identidade é instável, contraditória,
fragmentada, inconsistente, inacabada. A identidade está ligada a estruturas discursivas e
narrativas. A identidade está ligada a sistemas de representação. A identidade tem estreitas
conexões com relações de poder.
Como escreve SILVA (2000, p. 75), a afirmativa “eu sou...” faz parte de uma
cadeia extensa de negações de identidade ou de diferenças, ou seja, daquilo que
eu não sou”. Se for brasileiro não sou estrangeiro, se for negro não sou branco, se
for professor não sou analfabeto, etc. Implica sempre operações de pertencimento
ou não, demarca fronteiras entre o que fica dentro e o que fica fora. Separa “nós” e
“eles”. Apresenta marcas das posições do sujeito em relação ao poder, pois dividir
e classificar significa, neste caso, também hierarquizar e atribuir valores. Identidade
e diferença são atos de criação, ativamente produzidos no contexto das relações
27
O termo artificialidade está sendo utilizado no sentido de aparência e parcialidade.
41
culturais e sociais, por meio de atos de linguagem (entendida a linguagem como um
sistema de significação)
28
.
WOODWARD (2000, p. 12) demonstra como a identidade é relacional e
depende de outra identidade, fora e diferente dela, que forneça condições para que
ela possa existir. A identidade é marcada pela diferença, sustentada pela exclusão.
Sua construção é tanto simbólica quanto social e implica redescobertas do
passado, num percurso e processo marcado por conflitos.
CARROLO (1997) toma, numa perspectiva por ela mesma denominada de
multidimensional, os consensos possíveis entre os conteúdos da antropologia
psicanalítica, psicossociologia e sociologia para entender conceitos de identidade e
socialização, especialmente, no que toca aos mecanismos de construção da
identidade relacionados com uma nova realidade social e apresenta-a como uma
unidade estruturada e estruturante. Desta forma, a autora justifica porque a busca
da identidade se tornou uma ação explícita e estendida à grande maioria das
profissões, aos grupos sociais, às regiões geográficas, aos grupos étnicos.
Na dupla transação que se estabelece do sujeito com o mundo exterior e
consigo mesmo, articulam-se as trajetórias individuais e os sistemas estruturados
(CARROLO, 1997). A autora também aponta a cisão do ‘eu-mesmo’ como
fundamental, correspondendo ao ponto no qual se assenta o processo de
construção da identidade social. A identidade pessoal é tomada por Carrolo como
“uma síntese dialética de um núcleo profundo (o Eu)”, que sobrevém da distinção
entre a identidade para si (desejada) e a identidade para outrem (atribuída), no
processo que engendra a performance do homem como ator social. A identidade
para si implica a esfera subjetiva e funda-se em um processo biográfico. A
identidade para outrem se funda em um processo relacional na esfera social.
A identidade é apresentada por LAJONQUIÈRE (2002) como um molde
imaginário, que é efeito do encontro do sujeito com a ordem simbólica, ou seja,
efeito da relação do sujeito com a estrutura da linguagem. Este encontro tem duas
faces: a possibilidade de constituição de um ser falante e a responsabilidade pela
incompletude do seu ser.
28
O ato lingüístico tem a propriedade de só ter sentido dentro de uma cadeia de diferenciação
lingüística - “ser isto significa não ser isto e não ser aquilo e não ser mais aquilo” (SILVA, 2000).
Por isso é que se pode dizer que na linguagem algo sempre fica fora, em falta. Ao mesmo tempo,
também na linguagem, há um posicionamento do ser falante, quando escolhe as palavras, através
das quais se representa.
42
A identidade, ainda que apresentada como condição estruturante, tem seu
conceito relativizado, uma vez que associado à impossibilidade de representação
na sua totalidade.
2.1.2 Identidade Social
A identidade social se expressa por meio da participação em grupos ou
instituições. Resulta de um processo de atribuição, de intervenção e
posicionamento no ambiente. Ela é estruturada por meio de referências
identificadoras, relacionadas com experiências compartilhadas com outros atores,
que atualizam e re-configuram, conforme a posição dos indivíduos, uma atribuição
e uma apreciação das imagens de si, que variam conforme o grupo de origem.
Suas características são relativas, interativas e funcionais. Manifesta-se
publicamente por meio dos papéis, os quais revelam uma concepção pessoal de
estilo de vida. Da interpretação de papéis deriva uma consciência de si com relação
a um outro generalizado e se estabelece um sentimento avaliativo que permite a
orientação geral de uma existência.
No nível individual, a identidade social é o produto e o lugar de síntese das relações dialéticas
entre o ego/eu
29
, o eu e o self
30
envolvidos em toda relação com o outro. De um ponto de vista
fenomenológico, a atualização da identidade de si na relação interpessoal gera uma
consciência complementar da identidade. Como a experiência de si no mundo se apóia nas
representações que um sujeito faz de si mesmo na situação, como também na sua
consciência de integração, a concepção da identidade depende de uma construção social
cognitiva, inseparável da consciência do outro (DORON; PAROT 1998, p. 404-5).
29
O termo ego/eu é usado de muitas formas. Em geral, define a pessoa enquanto uma unidade
distinta. A partir do séc. XIX e da Psicanálise, aparece como um sistema parcial, com certa função
de regulação sobre as operações mentais. É uma das instâncias da personalidade, com função de
adaptação ao real e manutenção da coerência interna. O ego/eu “é ao mesmo tempo instância
integrada onde se forjam as representações conscientes, especialmente a representação de si, e
a agência defensiva que, para corresponder às duas exigências do princípio da realidade e da
coerência interna, deve, diante de qualquer ameaça em relação a esses dois princípios
(provenientes das representações internas ou das percepções) instaurar mecanismos de
recalque”. (DORON; PAROT, (1998, p. 270). O aparelho das identificações é um importante
componente da estruturação do eu. Constitui-se como uma instância na qual se articulam ideal de
ego, superego, ego ideal e ego atual (CABAS,1982).
30
A palavra self surgiu da necessidade de distinguir o conceito de ego/eu (mais restrito) do conceito
que representa a pessoa, enquanto lugar da atividade psíquica na sua totalidade. “É um conjunto
de representações investidas de modo narcísico, que seguiriam uma linha de desenvolvimento em
paralelo com as relações de objeto (DORON; PAROT, 1998, p. 692-3).
43
Melucci
31
, citado em CARRANO (2000) refere-se à dimensão relacional da
identidade coletiva onde se engendram auto-identificação e reconhecimento social.
Refere-se aos pressupostos de uma identidade coletiva como:
uma habilidade auto-reflexiva dos atores sociais, onde o agir social
proporciona orientações simbólicas e sentidos que os atores
reconhecem;
uma noção de causalidade e pertença aliada a uma capacidade de
atribuir os efeitos de suas ações a eles mesmos;
uma habilidade para perceber a durabilidade possível estabelecendo
ligações entre passado e futuro, ações e seus efeitos.
2.1.3 Identidade Profissional ou Ocupacional
BOHOSLAVSKY (1998) conceitua a identidade ocupacional como a
autopercepção, ao longo do tempo, em termos de papéis ocupacionais,
considerando a ocupação como um conjunto de expectativas do papel, isto é,
expectativas dos demais indivíduos em relação ao papel de um indivíduo. Desta
forma, chama a atenção para o caráter estrutural e relacional da construção da
identidade ocupacional, como um aspecto da identidade do sujeito, parte de um
sistema mais amplo que a compreende, que não é definido de “dentro para fora”,
nem de “fora para dentro”, mas a partir da interação dessas formas. Conclui que os
obstáculos que se interpõem aos problemas vocacionais ou ao alcance da
identidade ocupacional precisam ser entendidos como questões da personalidade.
SCHEIN (1996, p. 32) escreve sobre a identidade profissional e aponta sua
aquisição gradativa, a partir de acontecimentos concretos da história de vida, que
ocorrem tanto no âmbito da carreira externa e como na interna. Relaciona a carreira
interna ao autoconceito, que seria adquirido pela percepção de si mesmo, a partir
das experiências juvenis, educacionais e principalmente da vivência em diferentes
situações profissionais. Afirma que “se a pessoa passar por inúmeras e diferentes
experiências e obtiver feedback significativo de cada uma, adquirirá um
autoconceito mais rapidamente”.
31
MELUCCI, A. Challenging codes- coletive action in the information age. Londres: Cambridges
University Press, 1996.
44
O autor apresenta as fases da carreira externa, que proporcionariam um
esquema interno de atividades para cada pessoa, ocorrendo ao longo da vida, mas
variando na idade, no tempo de duração e nas repetições possíveis entre as fases,
dependendo da ocupação e das situações de vida de cada um. As fases da carreira
externa seriam unidades significativas, reconhecidas pela pessoa e pela sociedade
e se distribuiriam da seguinte forma:
Fase l - Crescimento, fantasia, exploração
Fase 2 – Educação e treinamento
Fase 3 – Ingresso no mundo profissional
Fase 4 – Treinamento básico, socialização
Fase 5 – Admissão como membro
Fase 6 – Estabilização no emprego, permanência como membro
Fase 7 – Crise no meio da carreira, reavaliação
Fase 8 – Avanço, recomeço ou estabilização
Fase 9 – Desligamento
Fase 10 – Aposentadoria
Baseado em um extenso estudo, através de entrevistas com centenas de
profissionais em várias fases da carreira, SCHEIN (1982, 1996) identificou oito
categorias de inclinações profissionais: 1) aptidão técnico-funcional, 2) aptidão
administrativa geral, 3) autonomia/independência, 4) segurança/estabilidade, 5)
criatividade empreendedora, 6) vontade de servir/dedicação a uma causa, 7)
desafio e 8) estilo de vida. Tais inclinações são denominadas âncoras e elas teriam
papel relevante na tomada de decisão, constituindo-se como categorias que
abrigariam elementos inegociáveis em situações de encruzilhada profissional.
Segundo SCHEIN (1982), a ocupação de uma pessoa é um aspecto central do
seu autoconceito e uma fonte de auto-estima. O mesmo autor considera que o
potencial motivador para o trabalho pode ser analisado pela capacidade que (o
trabalho) tem de proporcionar estados psicológicos, tais como: vivência
significativa, válida, importante; sentir-se responsável pelo resultado do trabalho;
sentir-se capaz de determinar a forma como os resultados são obtidos e se eles
são satisfatórios.
Tais estados decorrem da variedade de aptidões demandadas pelo trabalho,
da identidade que o trabalho confere ao seu executante, como também da
45
importância que esse lhe atribui, além do grau de autonomia e de feedback
recebidos pela sua realização. Os acontecimentos concretos da história da
construção profissional refletem o senso de identidade daqueles que neles atuam.
Em semelhante linha de raciocínio, no tocante ao autoconceito, Donald
Super
32
, citado em MELLO (2002), LASSANCE (1999) e SCHEIN (1982), descreve
etapas do desenvolvimento profissional relacionadas com tarefas evolutivas. Ou
seja, as tarefas evolutivas estariam a serviço da formação, tradução e
implementação do conceito de si mesmo. Nesta perspectiva, as etapas do
desenvolvimento vocacional coincidem com etapas do desenvolvimento humano:
crescimento (infância), exploração (adolescência), estabelecimento (adultez jovem),
manutenção (adultez média), aposentadoria (velhice).
Já foi evidenciado, neste estudo, que as mudanças rápidas e significativas na
contemporaneidade afetam os referenciais e causam impacto nas relações da
pessoa consigo mesma e com os demais. Pareceria então, fora de propósito
pensar sobre fases de desenvolvimento profissional, de maneira estanque e
específica. Porém, estes têm sido os parâmetros para muitas análises, discussões
e auto-avaliações, ainda que seja pela ausência de outros mais reconhecidos.
Ao expressar uma preferência vocacional, a pessoa põe em evidência a
pessoa que ela, bem como um conceito de si mesma, que buscará implementar ao
escolher, se estabelecer e se auto-realizar em uma ocupação.
A formação do autoconceito ocorre desde o início da infância e essa forma de
desenvolvimento determinará as percepções e crenças sobre si e o mundo.
A implementação do autoconceito aconteceria a partir do estágio de
exploração, quando a pessoa passa a colocar suas preferências à prova, através
de uma atuação concreta na realidade do mundo do trabalho. O comportamento
exploratório qualifica-se pelo comprometimento (antes e depois) com respostas
dirigidas à experimentação, à investigação, à iniciativa, à ousadia e à procura de
testar hipóteses. Por outro lado, os comportamentos exploratórios podem ser
impedidos quando há cristalização de uma auto-imagem, e se esta for negativa,
pode ser traduzida por desqualificação e inibição. Também pode acontecer uma
cristalização quando há excessiva carga de idealização em aspectos nos quais
houve importante carga de investimento. Quando isto ocorre, manifestam-se
32
SUPER, D.E. The psychology of careers. New York: Harper and Row, 1957.
46
funcionamentos defensivos, tais como negação, racionalização, percepção seletiva,
distorção e/ou vigilância perceptiva, entre outros.
Destacando que a identidade profissional é um caso específico da identidade
social, CARROLO (1997) afirma que a realidade de cada um configura-se como
geradora de motivos que impulsionam a passagem para a realidade coletiva, onde
ocorre o processo de socialização. A constituição da identidade profissional se
realiza ao longo de toda a carreira. Nos grupos, ela consubstancia-se
historicamente pela cultura profissional e assegura a sobrevivência do grupo,
possibilitando as definições de estratégias identitárias adaptadas à realidade
histórica e social.
Pensamos que é também a realidade de cada um, na forma como ela se
articula com sua inserção na realidade coletiva que pode se configurar como
inibidora, e que, é preciso avançar na compreensão daquilo que responderia pela
diferença dos comportamentos diante da mesma realidade.
CARROLO (1997) apresenta a contribuição de Habermas
33
formulada por
meio da Teoria do Agir Comunicacional, e através dessa teoria, aborda um
paradigma de formação designado como socialização profissional, constituído pela
dialética de três mediações entre o sujeito-ator e o objeto-mundo, que ocorrem:
a) através do processo de trabalho – agir instrumental;
b) da representação simbólica – linguagem;
c) da interação recíproca – agir comunicacional.
Os momentos da identidade, em relação a cada uma das formas dialéticas do
processo de socialização, seguem a trajetória seguinte: reivindicada, representada
e reconhecida as quais implicam, respectivamente, as esferas: produção,
linguagem e comunicação.
GUARIGLIA (1999, p. 149) também aborda a teoria da ação comunicativa de
Habermas, diferenciando o conceito de comportamento do conceito de ação, sendo
que no primeiro não haveria consciência implícita da regra da ação. Já a ação, por
outro lado, traria em si o componente da escolha entre fazer ou deixar de fazer,
entre a posição ativa e a passiva. Desta forma, a ação comunicativa seria uma
forma de ação segundo regras, envolvendo a suposição de que cada um dos atores
33
HABERMAS, J. (1981, 1987). Théorie de l’Agir Comunicationnel, 2 v.Paris: Fayard.
47
tem acesso a este conjunto de regras que permite movimentar-se em cada uma
das esferas de ação – instrumental, normativa e expressiva.
Também com ênfase na identidade profissional, apresenta-se a construção de
SIMÕES (1995), com articulações diferentes, que se baseiam em vários estudos
sobre o desenvolvimento do ego, desenvolvimento da complexidade conceitual, do
autoconceito e também em estudos sobre a competência profissional e as
representações dos professores, concluindo que a identidade profissional equivale
a uma forma de identidade psicossocial. A identidade psicossocial seria centrada
na forma de perceber o mundo. O sistema conceitual perceptivo e a rede de
representações pessoais são composições que se estabelecem a partir de
sensações, de atitudes, de valores e motivações. A identidade profissional é
representada como a síntese que se processa entre aquilo que é particular no
indivíduo (marcas de uma história individual) e o coletivo, no qual as características
do sujeito se articulam com as instâncias sociais onde ele está inserido e a
respectiva história desse contexto social.
2.1.4 Identidade Pessoal
A definição de identidade, encontrada em um dicionário de Psicologia, coloca-
a no lugar de um “caráter daquilo que é o mesmo ou único, embora possa ser
percebido, representado ou denominado de maneiras diferentes” (DORON;
PAROT, 1998, p. 403).
A identidade pessoal do sujeito humano resulta da experiência própria de se
sentir existir e de ser reconhecido pelo outro enquanto um ser singular, mas
também idêntico no que tange à sua realidade física, psíquica e social. A identidade
pessoal é a designação dada a certa unidade da consciência de si. É uma
construção dinâmica que ocorre por meio de relações intersubjetivas, das
comunicações lingüísticas e das experiências sociais.
Não é possível falar de identidade pessoal sem falar de sexuação
34
, pois a
maneira de habitar um corpo próprio e estabelecer uma identidade de gênero
34
A sexuação é um conceito formulado por Lacan através de proposições lógicas para traduzir a
diferenciação sexual e a sexualidade feminina (ROUDINESCO; PLON, 1998) Diz respeito à
identidade sexual, a maneira como cada homem ou mulher estabelece sua posição subjetiva
como ser sexuado que se relaciona com outro ser sexuado, marcado pela diferença entre os
sexos e como ela se reflete no inconsciente (KAUFMANN, 1996, p. 471).
48
sugere, de forma muito significativa, a maneira como foram incorporados os objetos
libidinais e também os efeitos socioculturais atribuídos aos papéis masculino e
feminino.
Atos, criações, processos, diferenciação, confrontos, engajamentos são meios
de dar significados às marcas da identidade pessoal.
A identidade pessoal é o processo através do qual se torna possível perceber
a própria vida como uma experiência com certa continuidade e unidade. No
processo de aquisição da identidade pessoal, estão implicadas esferas de
funcionamento ativo, afetivo e cognitivo da representação de si num círculo de
relações, no qual está implícito um sentimento subjetivo de permanência na
existência. A identidade satisfaz as necessidades inter e intrapessoais de coerência
e estabilidade, funções que se articulam em processos de adaptação e mudanças,
inscrevendo ou reinscrevendo o passado na perspectiva de um horizonte temporal.
2.2 TRAJETÓRIAS DA IDENTIDADE
2.2.1 Construção da pessoa ou constituição do sujeito?
...ou ainda, um diálogo entre essas duas posições?
Várias perspectivas da identidade têm sido apresentadas como um processo
que ocorre fundamentalmente nas relações inter e intrapessoais, com implicação
das emoções, do pensamento, da ação. A terceira dimensão (da ação) aparece
com diferentes nuances entre os diferentes autores trabalhados. Em Wallon, ganha
ênfase o ato motor; em Vygotsky, a consciência da vontade; em Ciampa, a
atividade e a consciência; na Psicanálise, a criação de novas possibilidades
simbólicas ou simbolização do real. Mas a consciência também está em Wallon, o
movimento em Ciampa, a ação na Psicanálise e a transformação em Vygotsky. Em
todas estas abordagens teóricas, a representação pela palavra tem lugar de
destaque, oscilando no seu grau de importância. Em todas as dimensões
mencionadas existem aspectos de interdependência e reversibilidade.
Para ampliar a compreensão dessas interconexões, entendeu-se que é
momento, neste trabalho, de se tratar um pouco sobre as trajetórias de identidade.
49
A identidade vem sendo associada aos processos de identificação que surgem
na tensão entre o eu representado e o ser, que unificam ao mesmo tempo em que
seccionam e condenam à reconstrução.
Esta maneira de pensar o conceito de identidade sugere a conveniência de
uma parada e um tempo para acompanhar um pouco as construções teóricas
formuladas por Wallon, no que toca à construção da pessoa, e as posteriores
formulações de Lacan sobre a constituição do sujeito, o que se fará seguindo
BASTOS (2003).
Encontra-se na perspectiva integradora da personalidade e impulsionada pelo
conflito, orientada por Wallon, a busca sempre incansável no ser humano de maior
e melhor diferenciação de si e do conhecimento, com base no enfrentamento e na
alternância das funções afetividade e inteligência – uma cedendo poder de
influência à outra para facilitar um novo ponto de partida ao desenvolvimento.
Embora haja alternância, os progressos da inteligência e da afetividade só podem
ser compreendidos em uma relação de reciprocidade entre eles. As condições de
evolução da inteligência têm raízes no desenvolvimento da afetividade e vice-versa.
BASTOS (2003, p. 23-24) menciona esta alternância funcional, nos termos de suas
leis, da seguinte forma:
A lei da alternância funcional promove as mudanças de orientação de comportamento em
cada estágio e o acesso à compreensão do significado de cada um, de sua natureza, de seus
mecanismos e de sua forma de sucessão e encadeamentos.
Na psicogenética de Wallon, a expressão construção da pessoa é atribuída ao
processo de desenvolvimento que articula afetividade, inteligência e ato motor, e se
expressa no modo como a personalidade se estabelece. Wallon enfatiza a pessoa
que busca diferenciar-se, orientada pela consciência de si e do outro, processo que
se prolongaria no tempo ao modo de uma edificação. As influências do meio e o
processo de maturação respondem pela evolução psíquica da criança e se refletem
nos estágios posteriores do adulto.
As relações da criança com o espaço, com os objetos, com seu corpo, com a
percepção das coisas e com o jeito de pensar o mundo se alteram. Para que tais
diferenciações se operem na experiência concreta de construção de si, jogos de
alternância são utilizados como possibilidade de distinguir os pólos ativo e passivo
de uma mesma situação. A repetição do jogo favorece a alternância do papel de
sujeito e o de objeto, com progressivo reconhecimento de si. Para se constituir, o
50
eu precisa diferenciar-se do outro, adquirir a noção do próprio corpo e processar a
consciência de si.
A noção de si é uma representação que se constitui por etapas. É preciso que
se processe a distinção entre os elementos atribuídos ao próprio corpo e os
elementos relacionados com o mundo exterior e também um distanciamento da
experiência imediata das representações, o que favorece ao estabelecimento de
analogias e a assimilação, diferenciação e representação de si.
As primeiras manifestações da vida psíquica são predominantemente
emocionais. Nas formas originárias, a emoção se apresenta como descargas
dissociadas e esporádicas (espasmos, risos, choros). Este é o primeiro modo de
comunicação da criança, que vai se encadeando e organizando de maneira
complexa.
A abordagem Walloniana ultrapassa as características de uma teoria do
desenvolvimento simplista ao procurar compreender o sujeito numa perspectiva
dialética, na qual as forças que o impulsionam para a crescente diferenciação eu-
outro estão marcadas pelo intenso conflito entre os movimentos de ordens e de
funções diferenciadas (BASTOS, 2003, p. 14-15).
A expressão pessoa total é uma referência à integração da afetividade, da
inteligência e do ato-motor e tem o objetivo de não fragmentar o estudo do
desenvolvimento humano conferindo-lhe o privilégio de abarcar a integração
dessas funções. O desenvolvimento humano, colocado desta forma, não é linear,
mas marcado por rupturas e crises, tendo como mola e motor da evolução do
psiquismo a idéia de conflito. O papel das emoções é colocado com destaque.
Neste trabalho de pesquisa buscou-se amparo em teorias que concebem uma
interação dialética entre o ser humano e seu meio, onde o papel do outro é
primordial e não se ignora um posicionamento do sujeito diante de sua própria
condição e história – colocando-o como um sujeito dividido, em conflito, sendo
convocado a responder às crises de seu próprio desenvolvimento e à sua condição
de sujeito.
Desta forma, a teoria lacaniana fornece também sua contribuição. Nela não se
fala em construção da pessoa. É enfatizada a constituição do sujeito, que diz
respeito a um momento de ruptura marcado pela divisão psíquica. Os estudos de
Wallon forneceram importantes referências às construções lacanianas.
51
Em BASTOS (2003, p. 133) encontra-se que “tanto a Psicanálise como a
teoria Walloniana investigam o processo de diferenciação eu-outro como condição
primordial para o advento do sujeito humano”. E também que
Pensar o homem de acordo com essas duas teorias implica compreendê-lo num contexto
sociocultural mais amplo, uma sociedade que preexiste e que o marca. Marca sua linguagem,
sua pessoa, seus valores, suas relações e suas significações. Esse homem ainda está por se
tornar sujeito, mas já é considerado como sujeito social, imerso e impactado pelas relações
que vai estabelecendo com o meio humano. Wallon ressalta o papel fundamental das
emoções para a constituição do psiquismo, e Lacan enfatiza o papel da linguagem, da
maneira como a linguagem tece o sujeito e o social (BASTOS, 2003, p. 15).
As duas abordagens mencionadas partilham alguns elementos e se
diferenciam em outros. Entre os elementos partilhados, encontra-se a semelhança
na concepção em relação ao momento inicial da vida do bebê humano,
especialmente no que se refere ao estado fusional com a mãe (ou a pessoa que
incorpora tal função), e também naquilo que compreende a troca de significados
entre eles a partir da mediação dos aspectos emocionais. Wallon não atribui um
valor libidinal a essas trocas, como o faz a Psicanálise, que ancora a futura
constituição do sujeito às peculiaridades deste “banho libidinal” (p.134), consciente
ou não, que a criança toma na relação com sua mãe ou com quem dela cuida.
Porém, essas duas abordagens concebem o sujeito como um sujeito social,
inserido na cultura e na linguagem (BASTOS, 2003).
Na psicogenética Walloniana, a linguagem e suas primeiras formas de
expressão têm sua origem ligada à emoção – “ponto de partida do psiquismo por
meio da qual o bebê entra em contato com o mundo humano”. Explica Bastos,
ainda, que “a inserção da criança no simbólico evidenciará não só um importante
momento de sua evolução como a possibilidade de diferenciar-se do outro, e
começar a estabelecer diferenciações em relação ao seu próprio pensamento.”
(BASTOS, 2003, p. 132)
A linguagem encontra em Lacan um outro viés de investigação, na sua
articulação com o inconsciente, dito estruturado como uma linguagem e submetido
à ordem do significante
35
, que tem primazia sobre o significado. O sujeito é
35
O discurso é orientado por dois eixos espaço temporais: eixo paradigmático – seleção, substituição, sincronia, eixo da
metáfora – e, o eixo sintagmático – combinação, continuidade, diacronia, eixo da metonímia. As operações metáforo-
metonímicas explicam a alienação do sujeito no campo do Outro. A falta aberta pela carência do Outro recobre a falta do
sujeito, instituindo a dialética do desejo. O sujeito é efeito de uma substituição significante, cujo movimento se inicia pela
metáfora (condensação) e tem seqüência na metonímia (deslocamento). O espaço metafórico força a situar num eixo
temporal, no qual o significado do significante é o desejo. O processo de levar um significante a outro, ancorado na
metáfora fundadora, institui a falta do ser na relação de objeto (ANDRÉS, 1996).
52
representado enquanto significante e se constitui pelos efeitos mesmos dos
significantes. “O que a Psicanálise coloca em relevo é a existência da ordem
significante e não apenas da significação”. (BASTOS, 2003, p. 132).
A linguagem é considerada lei do homem e os significantes constituem as
trocas simbólicas. O significante precisa remeter-se a outro significante para ter
significação própria. As diferentes significações surgem da possibilidade de
manejar o significante sem objetivos significativos
36
. Se a linguagem, em Wallon, é
condição para o pensamento operar sobre símbolos e significar o mundo, poder
representar o real, desenvolver a capacidade de diferenciação, de integração e de
explicação, em Lacan ela é condição do inconsciente. Se, para Wallon, a
consciência corporal é colocada como condição imprescindível da tomada de
consciência de si em, na Psicanálise a consciência de si é relativizada, uma vez
que o próprio ego é em grande parte inconsciente. Wallon, apesar de reforçar a
idéia de inacabamento do eu, propõe o estudo da pessoa completa, e a
Psicanálise, por sua vez, coloca como ênfase a incompletude do sujeito humano. A
falta é estruturante e a partir dela o sujeito vai se constituir.
É pelas diferenças que se apresentam as possibilidades de diálogo entre as
duas teorias. O campo educacional se oferece como espaço privilegiado de
possibilidade de articulação de ambas, particularmente pela complementaridade de
abordagens metodológicas: uma se apresentando pela ênfase no olhar, e a outra,
pela ênfase no escutar.
Falar em construção da pessoa ou em constituição do sujeito é outorgar um papel
fundamental para o sistema simbólico, para a linguagem e para os próprios conflitos, que vão
nos orientar em busca de um “sempre mais além”. Em Wallon, esse mais além pode ser
compreendido como um inacabamento de um eu, que não cessa de buscar sua diferenciação
ao longo da evolução humana. Em Lacan, o sujeito se estrutura no desenvolvimento dos
efeitos da fala, e a palavra sustenta muitas funções e muitos sentidos. Dessa forma, o sujeito
está sendo estruturado, marcado pelos diferentes significantes e pelos efeitos da fala
(BASTOS, 2003, p.15-16).
Utilizando as próprias palavras de Bastos ainda uma vez, e concluindo este
tópico:
36
A propósito da diferenciação entre a função significativa e nominativa da palavra, ver mais sobre o assunto
no capítulo 4 do livro ´Subjetividade e Constituição do Sujeito em Vygotsky` (MOLON, 2003), onde é afirmado
que “entre o referente e o significante não está o significado, porque a relação entre significante e referente
acontece no sujeito, que estabelece a relação pela significação ...o sujeito estabelece a relação pela
significação, já que esta transita nas diferentes dimensões do sujeito: ela atravessa o pensar, o falar, o sentir,
o criar, o desejar, o agir, etc.” (p. 107-108)
53
Não há olhar sem escuta e escuta sem olhar, o corpo é marcado pela emoção e pela libido,
pelo desejo sempre insatisfeito que nos impulsiona para mais além. O eu não existe sem o
Outro e, ao longo da história do sujeito, eles vão se separando, se distanciando sem perder a
riqueza de ser sempre um referencial para o Outro e vice-versa (BASTOS, 2003, p. 145).
2.2.2 Processos identificatórios
MIRANDA (1998) explora o tema identidade enquanto síntese de múltiplas
identificações. Apresenta a importância da reestruturação subjetiva e o encontro
com o desejo, para que se contorne e não se cristalize esta configuração
representacional de si próprio. Desta forma, o movimento e a mudança na
identidade tornam-se possível pela mudança do lugar ocupado em relação ao
próprio desejo, através da identificação dos conteúdos próprios ligados às próprias
atividades, da diferenciação do próprio desejo em relação ao desejo do outro, do
entendimento a respeito do lugar que se ocupa em relação ao desejo, que vai
modificando a cada nova experiência.
Esse caminho de metamorfosear-se
37
corre mediado pela linguagem, pelo
aprendizado em ouvir-se e ouvir ao outro, processos que mudam qualitativamente
as relações sociais, segundo Miranda. A conquista da possibilidade de fazer uma
diferenciação entre o mundo representacional e o mundo concreto é um ponto
bastante relevante dessa configuração. A diferenciação representacional tem um
correlato na diferenciação entre as necessidades do sujeito e as necessidades
impostas culturalmente.
Se, por um lado, o sujeito se humaniza ao se socializar, por outro lado, a
descoberta do desejo equivale à descoberta de uma nova identidade. O desejo põe
o sujeito em movimento, uma vez que, a partir dele, percebe que esta é a função da
falta (colocar em movimento). A simbolização implica em admitir substituições, em
um processo de amadurecimento das relações objetais.
Os processos de identificação que se movimentam, funcionam como um
sistema de intercâmbios, onde a imagem assumida como identidade representa o
sujeito frente aos outros. A mudança subjetiva conduz à mudança no contexto
social, muda a qualidade da interação, possibilita sair da estagnação e torna mais
fácil conviver com as adversidades. O reencontro com a própria natureza torna
37
Expressão relacionada com a identidade, utilizada em CIAMPA (2001) e tratada no próximo item.
54
mais maleável o sujeito que, em constante movimento, recupera a auto-valorização
(MIRANDA, 1998, p.273).
Quanto mais nos aproximamos do tema identificação, mais nos damos conta
de sua complexidade e importância na articulação dos processos de constituição do
ser humano e de suas representações. É o processo de identificação o responsável
pela constituição do eu especular, também chamado de ego, conhecido como a
consciência de si e do outro, do interior e do exterior, responsável pela objetivação
da realidade. No processo identificatório fundam-se as bases da identidade e de
suas metamorfoses. Em prol da adaptação à realidade e da coerência interna, a
configuração identitária possibilita ao sujeito funcionar (aparentemente) como UM
num sistema de intercâmbio com outros. A estrutura identificatória se organiza por
meio de elementos das instâncias do superego, do ideal do ego, do ego ideal e do
ego atual, as quais exercem diferentes papéis, formando o prisma através do qual
se revelam os objetos e suas peculiaridades.
Em LACAN (1998, 2003), a identificação aparece como o nome do processo
psíquico de constituição do eu e de causação do sujeito do inconsciente. O sentido
mais abrangente da identificação é apresentado por Lacan em “Escritos”, como
sendo a “transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem” (p.
97). A situação exemplar de tal transformação, considerada como matriz simbólica
(eu ideal), seria a “assunção jubilatória de sua imagem especular, por esse ser
ainda mergulhado na impotência motora e na dependência de amamentação”.
Nesta matriz simbólica o eu se precipita
38
primordialmente, “antes de se objetivar
na dialética da identificação com o outro e antes de sua inserção na linguagem, que
lhe confere no universal a condição de sujeito”.
Com o estabelecimento da discriminação da imagem, surge a possibilidade de
perceber e diferenciar o outro real de sua imagem e, posteriormente, a
diferenciação entre a imagem própria no espelho e o próprio corpo. A identificação
primordial (dimensão imaginária de representação em uma totalidade) e o
reconhecimento de si (a partir da imagem do espelho) são estruturantes para a
identidade do sujeito. Porém, o eu especular se constitui a partir da imagem do
semelhante. Pela identificação com o outro, a criança experimenta uma série de
38
É interessante recordar que em torno do termo precipitação, no dicionário, se aglutinam aspectos
como “pressa irrefletida” e também o fenômeno ou processo de “transformação de estado e
depósito” (sólido que se forma e deposita em uma solução líquida ou nebulosidade atmosférica que
se transforma e deposita em gotas de orvalho, chuva, neve ou granizo).
55
condutas alternantes (reações de impotência e ostentação) – ator-espectador,
escravo-senhor. “É a partir do jogo identificatório, no qual o sujeito é captado por
uma imagem ao mesmo tempo estranha e também sua, que pode ser detectada a
função do processo de projeção que irá organizar o modo de percepção do sujeito.”
(BASTOS, 2003, p. 104)
A função da imago é estabelecer a relação do organismo com a sua realidade.
Segundo LACAN (1998, p. 100), a assunção da imagem é vivida como uma
dialética temporal que projeta a história de formação do indivíduo – drama vivido
quando um impulso interno se precipita da insuficiência para a antecipação que
fabrica fantasias e a estrutura do desenvolvimento mental. Dela surge uma
metáfora como saída dos próprios sintomas.
A identificação é apresentada por Lacan nos três registros – no real, no
simbólico e no imaginário. A primeira identificação – incorporação, ou como chama
Lacan, identificação ao real do Outro Real – confere os parâmetros à série de
identificações. O modo como ela se realiza determina as relações entre os
elementos da estrutura subjetiva e as possibilidades que o sujeito terá de dispor
desses elementos. A primeira identificação traz notícias da primeira forma da
pulsão por onde se opera a incorporação, daquilo que vai fazer parte do corpo.
Neste movimento, o simbólico ganha corpo e a partir disto há também a
incorporação de um lugar vazio, que institui a função de dar nome às coisas. Esse
movimento inicial da estruturação inconsciente diz de um estágio inaugural da
relação libidinal, anterior à eleição de objeto.
A identificação por regressão a um traço – segundo tempo da identificação -
articula uma identificação ao simbólico do Outro Real e institui a função do traço em
sua dimensão simbólica de que o significante valha por um.
No terceiro tempo, a identificação ao desejo do outro corresponde à
identificação ao imaginário do Outro Real, cuja função é instituir a imagem
especular como uma ilusão de completude unificada (CRUGLAK, 2000). Nesse
tempo surge o eu especular, responsável pela estruturação do sujeito, de sua
subjetividade e das futuras identificações.
A estrutura do sujeito, denominada por Lacan Je, extrapola o eu ou ego, uma
vez que ela é a organização de um conjunto de elementos articulados em estrutura,
tais como pulsão, identificação, catexia, objeto e fantasma.
56
O eu, ou moi, como é denominado em Lacan, surge quando o sujeito pode
colocar um ponto final na sua relação especular com a mãe, ao iniciar a promoção
de sua subjetividade pelo acesso ao simbólico, juntamente com a diferenciação que
se estabelece entre ele e o outro. É pelo processo de identificação com a sua
imagem, ao adquirir uma referência imaginária em relação ao próprio corpo, que o
sujeito poderá intercambiar com os outros e ser por eles reconhecido. O moi é uma
construção imaginária pela qual o sujeito pode se objetivar a si próprio. O eu
especular promoverá uma busca incansável da identidade em substituição a esta
primitiva configuração alienante e responderá pelas futuras identificações
(BASTOS, 2003, p. 105).
Segundo LAJONQUIÉRE (2002), o eu é constituído no interior do discurso de
outros que o designam, atribuindo sexo, excluindo do outro sexo, atendendo
necessidades decorrentes da imaturidade orgânica e incluindo num sistema de
parentesco que implica proibições e promessas. A forma como se dá o processo de
constituição do eu determina também boa parte de como o candidato a sujeito
assume o lugar que lhe é reservado como UM no seio da cultura. A constituição da
unidade imaginária do eu necessita a mediação do adulto que lhe dedique
cuidados, afeto, fala e também depende de como estes são inscritos e traduzidos
pelo sujeito. Esta constituição produz efeitos formativos sobre o organismo,
possibilitando coordenar seus próprios movimentos, a partir de reconhecer-se
unido; instala a tensão entre a imagem unificada e a insuficiência sensório-motora,
dialetiza o tempo cronológico, inscrevendo o sujeito num devir prospectivo a partir
da ocupação de um dado lugar investido de importância fálica – pelo qual se faz
objeto do desejo materno, imagem esta que projeta o “eu ideal”.
KAUFMANN (1996, p. 178-187) refere-se a uma multiplicidade de posições do
eu, que não podem ser desvinculadas dos processos de defesa que tratam da
proteção contra as exigências pulsionais. Um eu primitivo, configurado por
impressões, experiências, impulsos e moções de desejo tem livre curso, sente e
luta sem comedimento para satisfazer suas necessidades – nesse tempo ainda não
há a formação de um ideal presente. O eu ideal é uma herança edípica e expressa
as mais fortes tendências, as mais importantes destinações libidinais do isso
39
. A
formação de um ideal do eu, como já foi referido, um prolongamento do narcisismo
39
Segundo Freud, o isso é um grande reservatório de libido no sentido primário, sem
representações verbais correspondentes.
57
como objeto de amor que se projeta para si mesmo como substituto do narcisismo
perdido, atrai parte da libido que retorna para o eu em decorrência da não
realização do ideal, transformada em consciência de culpa ou angústia social. É,
portanto, assimilado à consciência moral e vela pela satisfação narcísica.
A separação entre o eu e o isso, por ação da instância chamada superego,
que surge após as identificações, depende do próprio corpo do indivíduo de onde
emanam percepções internas e externas. O eu consciente é uma entidade corporal,
representa o corpo na sua superfície e na projeção dela. O eu se forma de uma
parte do isso que sofreu modificações sob a influência do mundo externo e por
intermédio da consciência-percepção. Forma-se a partir do sistema P (percepção) e
se apóia em traços mnêmicos do pré-consciente (idéia, representação verbal)
(KAUFMANN, 1996, p.178-187).
Considerando o funcionamento do eu de uma maneira “normal”, ele tem a
importância de responder pelo controle das vias de acesso à motilidade. Kaufmann
apresenta-o como um correlato de um cavaleiro que conduz um cavalo com forças
emprestadas, e que, muitas vezes, só tem o recurso de conduzi-lo para onde ele
quer ir (quando traduz a vontade do ‘isso’ como se ela fosse sua).
A energia indiferenciada e passível de deslocamentos, que anima o eu e o
isso, originada da reserva de libido narcísica (libido dessexualizada – Eros) é mais
plástica do que a libido que tende à estagnação. Ela “trabalha a serviço do princípio
do prazer, evitando suas interrupções, estagnações e facilitando descargas”. Trata-
se de energia sublimada que se apropria da principal intenção de Eros, que é
reunir, ligar, efetuar a unidade que constitui o traço distintivo do eu. Relacionando
os processos intelectuais a essa energia passível de deslocamento, e,
considerando os problemas em uma perspectiva social, pode-se dizer que o
trabalho intelectual é alimentado por impulsos eróticos sublimados (KAUFMANN,
1996, p. 185 e KUPFER, 2001).
O sujeito é assujeitado a uma ordem que existe anteriormente a sua própria
existência. E pode-se dizer que, em Psicanálise, a relação do sujeito com o objeto é
sempre uma relação com o objeto perdido, a ser encontrado, existindo diferentes
níveis em que o objeto se perde e onde é encontrado. Nesses níveis são
articuladas as funções da falta (de objeto) como causa do desejo. Na falta de objeto
há três categorias: privação, frustração e castração, que se articulam com o
58
estatuto do objeto (simbólico, real e imaginário), causando necessidade, demanda
e desejo, respectivamente (LACAN, 1995; PALÁCIOS, 1991).
Pode-se dizer que o caminho da constituição do sujeito vai se dando em
tempos, a partir do Outro, que demanda e coloca sua aposta, constituindo o
narcisismo primário. A primeira satisfação, interpretada como mítica, corresponde à
“perda”
40
do biológico, enquanto puro biológico. Quando a necessidade entra no
campo da demanda perde-se o objeto da necessidade e o homem é condenado ao
significante, através do qual imaginariamente se produz o desejo.
A satisfação das necessidades vitais do homem passa pelo apelo dirigido ao
Outro. Quando a privação ocorre, se constitui a possibilidade de pedido. A criança
pede, respondendo à demanda do Outro. E o objeto da necessidade se converte
em objeto simbólico, pela condição de dom, que pode ou não ser dado pelo outro.
O poder do dom - poder radical, todo potência – conferido à mãe na
condição de Outro, engendrado num tempo de dependência absoluta, porta uma
significação vazia, salvo a possibilidade de significar potência fálica – poder de dar
o que não se tem ou é (CRUGLAK, 2000).
A demanda de amor vem como resposta, encobre uma demanda anterior.
Por isso se pode dizer que a demanda inscreve os traços do Outro, que estruturam
a relação do sujeito com a linguagem e com seu próprio desejo. O desejo é o que
resta da necessidade que não entrou como pedido na demanda – e ressurge como
retorno do recalcado, com a particularidade do objeto causa de desejo. Este objeto
herda a condição daquilo da necessidade que não entrou no campo da demanda. O
desejo situa-se entre o que não pode ser satisfeito em relação à necessidade e o
que não pode ser respondido em relação à demanda.
Para marcar o traço de identificação é preciso que ocorra o luto pelo objeto
perdido. A perda precisa ser representada (simbolizada) para que novos enlaces
sejam possíveis. O luto (simbolização da perda do objeto) possibilita o retorno para
o EU de uma parte do objeto perdido, algo que o representa. E assim a busca
continua!
A ilusão de completude unificada é denunciada pelo real, algo falta e condena
a uma busca incansável. Então, se por um lado são necessários traços de
identificação simbolizados e retornados ao eu, para que se articulem novos
40
O corpo biológico adquire um equivalente representacional no aparelho psíquico e pode-se dizer
que esta marca inscreve-se no próprio corpo.
59
enlaces, isto não é tudo, há a falta, e a vida é essencialmente marcada pela falta.
As maneiras como os registros da falta estão inscritos e escritos na estruturação
psíquica da pessoa pode fazer muita diferença no encontro com as coisas da vida.
Se a falta pode ser tomada como uma falta especial, ou seja, substituindo um “isso
que me falta, um outro possui”, por um “isso que me falta, que jamais terei,
dependo disso porque aí fundo o meu desejo
41
”, então talvez seja possível articular
imaginário, simbólico e real pela via da falta e viver, fazendo laços e criando
significações.
2.2.3 Identidade como metamorfose
CIAMPA (2001, p. 36), em seus estudos no campo da Psicologia Social, fala
da identidade humana e de suas possibilidades dadas pela plasticidade, que define
como “vir-a-ser humano”. Com as personagens Severino e Severina, percorre
diferentes níveis de transformação da identidade – da concepção que vai da
identidade como traço estático que define o ser (indivíduo isolado com identidade
imediata e imutável) para a identidade como metamorfose do indivíduo, que
ativamente se transforma e transforma a realidade. Inserido em um núcleo de
estudos da identidade social no setor de Pós-Graduação da PUC-SP, CIAMPA
(2001) realizou seus estudos de doutoramento investigando e escrevendo sobre a
identidade como um processo, que denominou metamorfose. E, ao dizer da
identidade como metamorfose, apresenta-a também como significados de “morte-e-
vida”.
Afirma que “o humano é sempre uma porta abrindo-se em mais saídas”. Para
que se caracterize sua humanidade, ele precisa se reconhecer e ser reconhecido
pelo outro como humano. Segundo Ciampa, os “projetos de vir-a-ser” (relacionados
àquilo que se deseja) conduzem à aquisição da identidade e dão sentido à vida.
Porém, “as condições objetivas” (relacionadas àquilo que se lhe impõe) se
apresentam, configurando uma luta entre estas duas forças, luta esta que conduzirá
o processo de vida-e-morte (objetiva/subjetiva).
Continua esclarecendo CIAMPA (2001, p.71), “o significado socialmente
compartilhado define, explica, legitima a realidade e a nova identidade”. Por outro
41
Citações de KAUFMANN (1996, p. 118-119), resgatando textos de Lacan.
60
lado, as vivências e o acesso a novos universos de significados oferecem
condições para que a realidade comece a ser interpretada de forma diferente.
Ciampa fala de identidade coletiva e compartilhada, e também de individualidade,
de singularidade e de diferentes posições do ser humano, como personagem –
diferentes momentos da identidade, que emergem a partir da modificação do
discurso que faz emergir novos significados.
No nível inicial, descreve a identidade como posição substantiva, baseada na
igualdade, na equivalência. Marcada pela tendência de tomar como predicado
pessoal aquilo que é atribuído pelos outros, a identidade apresenta-se pela noção
de personagem substancial. É traduzível por proposições substantivas, como o
nome próprio. Nomes e adjetivos tornam alguém determinado. Tais nomes ocultam
o momento anterior de atividade, em que alguém se tornou presente para o ser.
Afirma CIAMPA (2001, p. 133) que “qualquer predicação é predicação de uma
atividade anterior, genericamente de uma presentificação do ser”. As predicações
substantivas são tomadas para auferir a ilusão de uma substância que se
expressaria através do indivíduo e ocultam noções de personagens ativas
(proposições verbais). Neste caso, o indivíduo é aquele que faz. E seu fazer se dá
na relação com outros, onde a identidade se determina por aquilo que não é ele.
Esta é uma demonstração da identidade articulando igualdade e diferença.
Se a atividade coisificada pela predicação delineia o personagem, este, por
sua vez, subsiste independente da atividade que o engendra, com poder sobre o
indivíduo, mantendo e reproduzindo sua identidade ocupacional, mesmo quando
ele deixa de ocupá-la. É o que chama Ciampa de identidade-mito, mesmice ou
fetiche, que sustenta a aparência e oculta a essência.
A essência revelada pela metamorfose da identidade é a de que a realidade é
movimento e transformação. Na metamorfose, a identidade se expressaria em “ser-
para-si”, pela busca da auto-determinação, de se tornar sujeito, de procurar
harmonizar subjetividade e objetividade. Nesta condição, Ciampa coloca o agir
relacionado com desejo e finalidade, pela prática transformadora de si e do mundo.
Posição ativa traduzível por proposições verbais, como ator, implicado em “fazer-se
ação”. Segundo Ciampa, o estado de metamorfose seria marcado pela unidade
entre a atividade, a consciência e a identidade, três categorias fundamentais da
Psicologia Social. A metamorfose teria reciprocidade com a consciência, e a não-
metamorfose ou identidade-mito, reciprocidade com o inconsciente.
61
Implicando a interação social, a atividade, a consciência e a metamorfose vão
se contretizando processos, lentamente, em diferentes momentos que têm forma
específica – o bicho troca de pele, perde alguns tentáculos, desenvolve alguns
órgãos, vai mudando o funcionamento básico a partir de movimentos exteriores,
inconstantes, divididos, conflituosos. O movimento da identidade é o movimento do
real, a identidade do concreto estaria sempre se concretizando. A identidade se
constitui a partir de um processo dialético que desvela o caráter de metamorfose
que representa a pessoa e a engendra. A metamorfose guardaria correspondência
com vida (CIAMPA 2001, p. 96).
Escreve Ciampa que “para atingir a maturidade é preciso mais que apenas
condições infra-estruturais. Como animal simbólico, o bicho-humano sente carência
de sentido, de significados e de pertencer a um grupo que dê suporte e encarne
este significado”(CIAMPA, 2001, p. 104). O singular materizaliza o universal na
unidade do particular.
Além de agir como personagem, é preciso pensar, sentir e acreditar com a
convicção de quem ingressou no mundo da personagem, conheceu e nele viveu.
Não basta simular, é necessário identificar-se com ela (personagem) e com seu
drama e fazer sua própria revolução humana. A metamorfose guardaria
correspondência com a transfiguração de si mesmo, incorporando-se. Ela se
concretiza em cada momento de uma forma específica, dadas as condições
históricas-sociais-culturais e configura-se em um desvendar-se de novo.
2.2.4 A subjetividade em Vygotsky
MOLON (2003) se ocupou em localizar a subjetividade e a constituição do
sujeito em Vygotsky e ao qualificar o status atribuído a elas – no centro da reflexão
da Psicologia e da Psicologia Social – aponta o exercício de superação do dualismo
no campo de produções do estudioso russo
42
. Afirma que “o sujeito e a
subjetividade não são conceitos idealistas nem materialistas; com isso não estão no
subjetivo abstrato e nem no objetivo mecanicista, mas são constituídos e
constituintes na e pela relação social que acontece na e pela linguagem” (MOLON,
2003, p. 46).
42
A autora aponta a tentativa de Vygotsky de “sair do círculo reducionista das psicologias
objetivistas do comportamento (reflexologia, reactologia, pavlovismo), porém sem cair na
armadilha daquilo que chama de subjetivismo e idealismo” (MOLON, 2003, p. 82).
62
Pela falta de referências diretas à noção de subjetividade na obra de
Vygotsky, os diferentes autores que lhe sucederam usam, relacionando-se à
temática, diferentes denominações como privacidade, eu, intrapsicológico, mundo
privado, sentido pessoal, relação eu-outro, cultura pessoal, entre outras.
A subjetividade se apresenta em Vygotsky articulada com a noção de
consciência, ou seja, com a noção de relação constitutiva eu-outro. No texto Os
métodos de investigação reflexológicos e psicológicos
43
, apresentado em MOLON
(2003, p. 82-86), o conceito de consciência, no entendimento de Vygotsky, aparece
como “um entrelaçamento de sistemas reflexos, ou seja, reflexo do reflexo, a
consciência enquanto um mecanismo que suporta um sistema de reflexos. Mas a
consciência não se confunde com o reflexo, não é um reflexo e nem um excitante,
mas sim o mecanismo de transmissão entre sistemas de reflexos”. A consciência
como reflexividade supõe a capacidade do homem de se desdobrar, de ser objeto
de si mesmo, de estar consciente e de ter consciência, e confere às palavras a
possibilidade de desdobramento.
Na concepção de Vygotsky, é enfatizado que “o eu se constrói na relação com
o outro, em um sistema de reflexos reversíveis, em que a palavra desempenha a
função de contato social, ao mesmo tempo em que é constituinte do
comportamento social e da consciência” (MOLON, 2003, p.83). A subjetividade do
indivíduo seria, então, uma conformação de um sistema de reflexos – a
consciência. Percebe-se que as palavras sujeito e eu se equivalem, nas análises de
Vygotsky, pelo mediador consciência. Na consciência, os estímulos sociais
desempenhariam papel relevante na operacionalização do eu, uma vez que o
contato permite o reconhecimento do outro e, através disso, o auto-
reconhecimento.
Conforme Molon, entre as idéias que influenciaram Vygostsky na estruturação
destes conceitos encontram-se a noção da função integradora do sistema nervoso,
do fisiólogo Charles S. Sherrington; a explicação dos processos internos do
comportamento humano pela associação livre e outras formas não intencionais,
mas objetivas, de Sigmund Freud; a teoria das emoções, de William James; as
dimensões da experiência histórica, social e duplicada, de Karl Marx.
43
VYGOTSKY, Lev. S. Os métodos de investigação reflexológicos e psicológicos. Teoria e método
em Psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 1996. Obra escrita em 1924, com acréscimos em 1926.
63
Defendendo a materialização da consciência, considerada como epifenômeno,
e a necessidade de encontrar uma interpretação e um lugar adequado a ela, de
forma a possibilitar a explicação dos seus problemas, Vygotsky considerou que a
consciência apresenta uma natureza tríplice: consciência dos pensamentos,
consciência dos sentimentos (afetos) e consciência da vontade (motivação).
Enfatizou o caráter reflexo nessa tríplice natureza, em que a própria reação dos
sistemas reflexos do pensamento, sentimento e vontade servem como excitante a
uma nova reação – reflexos reversíveis (MOLON, 2003).
Há uma ligação estreita entre a noção de consciência e a noção de sujeito em
Vygotsky. A consciência é também especificada em Vygotsky como sujeito da
atividade, na sua articulação com a produção de cultura, como estruturação dos
sistemas psicológicos e como multiplicidade na unidade. Isto decorre da
capacidade, que ela articula no homem, de refletir a sua própria atividade e tomar
consciência dela. A consciência aparece como um sistema que filtra a realidade,
reflete a ela e sobre ela, e a modifica.
2.3. IDENTIDADE E COMPROMISSO
SCHON-FERREIRA, AZNAR-FARIAS e SILVARES (2003) assinam artigo
acerca de um estudo exploratório sobre a construção da identidade em
adolescentes entre 15 e 17 anos, ancorando-se na teoria psicossocial de Erikson
44
(1972; 1979) e em estudos sobre os estados do desenvolvimento da identidade do
ego de Marcia
45
(1966; 1967; 1970).
No artigo mencionado, são referidos estados do desenvolvimento da
identidade, sob uma perspectiva de que “quanto mais desenvolvido o sentimento de
identidade, mais o indivíduo valoriza o modo em que é parecido ou diferente dos
demais e mais claramente reconhece suas limitações e habilidades”. Por outro
44
Erikson E.H. (1972) Identidade, Juventude e crise. Rio de Janeiro: Zahar. Erikson, E.H.
Crescimento e crises. In: Millon (1979) Teorias da psicopatologia e personalidade (2
a
. ed. 91-104)
Rio de Janeiro: Interamericana.
45
Marcia, J.E. (1966) Development and validation of ego-identity status. Journal of Personality and
Social Psychology, 3, 551-558.
Marcia, J.E. (1967) Ego Identity status: relationship to change in self-esteem, “general
maladjustment”and authoritarianism. Journal of Personality, 35, 118-133.
Marcia, J.E. & Friedman, M.L (1970) Ego Identity status in college women. Journal of Personality,
38, 249-263.
64
lado, na situação inversa, em estados menos desenvolvidos de identidade,
demandaria mais apoio e referências externas para se avaliar e para compreender
as diferenças.
As colocações expostas no artigo trazem ao presente estudo a contribuição de
fornecer uma forma didática e objetiva de visualizar o trabalho psíquico da fase final
da transição adolescente articulada com a escolha e a tomada de decisão.
Os estudos de Márcia, que conduziram à identificação de quatro estados de
identidade, se baseiam em duas dimensões:
Crise/exploração
Comprometimento/compromisso
A primeira dimensão compreenderia o período de tomada de decisão, no qual
valores e escolhas são reavaliados. A segunda supõe o resultado da dimensão
anterior – que a escolha sirva como base para a ação, que os compromissos
revelem os valores, o grau de investimento pessoal expresso, que reflitam o
“sentimento de identidade pessoal”. Por outro lado, o comprometimento também é
presença de atividades dirigidas à implementação da escolha.
Os estados de identidade propostos por Márcia são nomeados como:
execução, moratória, construção da identidade e difusão. As seqüências podem se
apresentar de forma diversa em diferentes indivíduos, quanto a seu início e fim, de
acordo com suas características individuais e sociais. Não ocorre uma única crise
de identidade na adolescência, uma vez que elas são articuladas por diversas
alternativas e mudanças. Para facilitar o entendimento, pode-se pensar que
ocorreria certa continuidade, mais ou menos como a descrita a seguir.
No processo de desenvolvimento da identidade pessoal, os estados de
moratória e construção de identidade foram considerados mais elevados, pelas
características que apresentam de autoconstrução, associadas com maiores
patamares de autonomia, auto-estima e abertura a mudanças. No estado de
moratória, o jovem se debate com temas profissionais ou ideológicos, mas a crise
de identidade conduz ao adiamento no comprometimento e à indefinição nas
escolhas. Porém, este é um estágio do trabalho que antecipa o estado denominado
como construção de identidade, considerado como aquele em que o jovem faz suas
escolhas e persegue suas metas profissionais ou ideológicas – quando já teria
atravessado a crise e chegado à possibilidade de se comprometer.
65
Os estados de difusão ou execução, considerados estados iniciais da
identidade, fornecem as condições para o surgimento dos estados posteriores de
exploração e comprometimento. O estado de execução caracteriza-se pela
perseguição de metas eleitas por outros (pais, professores, figuras de autoridade) e
este movimento, partindo dos valores infantis e imitando figuras significativas, pode
conduzir ao início da identidade adulta, à separação e ao comprometimento.
No estado de difusão não há preocupação com o compromisso, não há crise.
Pode ser característica de um estágio inicial no processo de aquisição da
identidade ou evidências de um fracasso em chegar ao comprometimento, depois
de um período de exploração, em que a crise não pode ser conduzida a uma
escolha e ao compromisso.
Também ajuda a enriquecer as reflexões conduzidas neste trabalho, pensar
os três grandes grupos de atitudes implicadas por compromissos, sintetizadas em
SCHON-FERREIRA, AZNAR-FARIAS e SILVARES (2003), citando Kimmel e
Weiner
46
. São elas:
atitudes ideológicas, relativas a valores e crenças que guiam as ações;
atitudes ocupacionais, ou seja, aquelas que orientam os objetivos
educativos e profissionais;
e as atitudes interpessoais, que influenciam as amizades e os
relacionamentos amorosos.
A figura a seguir ilustra como, neste processo, as engrenagens podem seguir
os trilhos da aquisição da identidade. Também ajuda a lembrar que elas podem se
desarticular, emperrar, se desencontrar e travar o processo de movimento.
46
Kimmel, D.C. & Weiner, I (1998) La adolescencia: una transicion del desarollo. Barcelona: Ariel.
66
FIGURA 2 – DIAGRAMA ILUSTRATIVO DOS ESTADOS DA IDENTIDADE
Difusão – não há crise, nem
comprometimento nem
decies.
Execução
persegue metas
dos eleitos.
Moratoria–crise,
adiamentos, não
definição de escolhas,
comprometimento vago.
Constrão da
identidade – faz escolhas
e persegue metas
profissionais ou
ideológicas.
Fonte: Adaptado para a forma de diagrama a partir dos conceitos explicados por MARCIA
(1966).
SCHOEN-FERREIRA, AZNAR-FARIAS e SILVARES (2003) procuram cobrir
um pouco a lacuna de pesquisas brasileiras sobre os estados de identidade na
juventude, apresentando algumas conclusões de interesse para este trabalho:
Os estudantes pesquisados parecem concordar com a formação que
receberam dos pais e da escola, e os conflitos tendem a se reduzir a
questões cotidianas (horários, roupas, estudo). Se por um lado, os
estudantes enfatizam a individuação, por outro, não negam os valores
transmitidos.
O estado de identidade mais freqüentemente encontrado entre os
jovens de 15 a 17 anos foi o estado de difusão da identidade, sendo
este resultado atribuído, em parte, à idade e, em parte, às
características do grupo pesquisado (com permissão para postergar
escolhas e tomada de decisão). A permissão social para postergar
decisões aparece associada com a continuação dos estudos.
Os jovens reconhecem que há pouca pressão social para a
construção de uma identidade pessoal, o que reforça a tendência a
postergar decisões e manter-se na dependência dos pais.
67
Manifestam-se, entre os jovens pesquisados, sinais da necessidade
de um tempo mais prolongado para integrar fatores intrapessoais,
interpessoais e culturais.
Concomitantemente ocorre o aumento na liberdade de escolha e das
opções e a diminuição das restrições e pressões sociais sobre as
trajetórias da vida adulta a serem seguidas.
A ênfase na individuação aparece desvinculada da explicitação de
valores e exigências, que aparecem confusos. Para que valores e
obrigações possam ser questionados e revistos, precisam estar
explícitos.
Existe tendência a aparecerem mais problemas de comportamento em
jovens que passam pelo estado de identidade denominado moratória,
o qual é considerado um estado importante da construção da
identidade. Estes problemas, porém, tendem a ser mais persistentes
nos estudantes em estado de difusão da identidade.
Estes aspectos mostram que os embates colocados pelo processo de
construção da identidade estão subliminarmente presentes em diferentes situações
do cotidiano das famílias e escolas, ainda que, e a despeito de que a ênfase dada
nos planejamentos e nas práticas esteja focada em resultados e conteúdos.
2.4 IDENTIDADE COMO PROCESSO, EFEITO DO ENCONTRO E
APARATO PARA LIDAR COM CONFLITOS
Nesta segunda parte teórica do trabalho, circulou-se por diferentes
conceituações e concepções de construção da identidade. O que há em comum
entre elas aparece na dimensão de processo e mudança dinâmica que ocorre a
partir do encontro do sujeito com o real e com a ordem simbólica, com a cultura,
a história, a linguagem. Está implícito no conceito de identidade o caráter
imaginário que a configura como um aparato para lidar com conflitos.
Segundo a maioria das concepções apresentadas, a identidade, em seus
diferentes momentos, se ancora dialeticamente no processo de socialização,
sendo, portanto, um processo que trata com os efeitos do encontro com a
68
ordem simbólica da cultura. Este encontro requer um aparato pessoal que opere
na mediação dos conflitos decorrentes. É preciso suportar a separação, um
distanciamento daquilo que foi idealizado, assumir os traços incorporados por
herança como recursos para agir conforme as próprias decisões.
Um marco crucial deste trajeto é a possibilidade de abrir mão dos pais
imaginarizados que depende do êxito na incorporação deles como
representantes do Outro. Quanto mais sólida esta incorporação, maior terá sido
a herança. O Outro, embora não sendo reconhecido como eu, atua sobre o
sujeito, através do inconsciente. A diferença entre eu e sujeito é apresentada
por ALBERTI (2004, p. 14), recorrendo a Freud, nos seguintes termos:
O eu, na realidade, é uma gestalt imaginária que utilizo para me identificar e diferenciar
dos outros; o sujeito, por sua vez, é sempre efeito da fala, e não poucas vezes
surpreende justamente por não ser previamente gestaltisado, por não estar referido a
uma imagem. (...) Muitas vezes o eu pode resistir ao advento do sujeito, impedindo que
fale, por inibição, por covardia, por repetição de um modo de ser que impede o
surgimento do desejo. Pois se há realmente algo que caracteriza o sujeito é o fato de
ele necessariamente exercer-se nos diferentes discursos como sujeito do desejo – o
sujeito é o desejo, no sentido amplo do termo.
O desejo é inconsciente. “Por ter herdado a posição desejante de seus
pais é que o adolescente também já não satisfaz as demandas deles”, diz
Alberti. Ao se experimentar como autor de um desejo que já não está aonde
localizava o maior peso de suas relações (na demanda de amor), a fim de
garantir certa proteção contra o desamparo fundamental, o jovem pode apostar
na própria sorte.
Na primeira parte deste trabalho ficou evidente a importância, na
adolescência, de uma construção pessoal de representação de identidade para
si próprio, a partir da diferenciação em relação aos outros. Representação esta
que é construída pela inserção em um sistema de pertencimento e
reconhecimento. Nesta segunda parte, entretanto, revela-se que os impactos
das mudanças no contexto sócio-cultural e as próprias peculiaridades do
processo de metamorfose da identidade colocam exigências de transformação
que implicam os sujeitos como atores de sua existência, nas dimensões
cognitivas, afetivas e da ação, incluindo aí a palavra.
A conquista da identidade, por ser um passo fundamental para a
transformação do adolescente em adulto, implica a construção de uma
concepção de si quanto a valores, crenças e metas.
69
A expressão “concepção” remete ao significado de “ato de criar”, formar
idéias. Remete à formulação de uma idéia, um projeto, um plano para posterior
realização. Implica uma noção, um conceito, uma compreensão, um modo de
ver, uma opinião (FERREIRA, 1999).
Percebe-se, no conceito de “concepção”, nuances das esferas cognitivas,
afetivas e da ação. Ela é também marcada pelo processo histórico e o momento
situacional de percepção de si e das possibilidades de relação, pelo encontro
entre exigências intrapessoais e interpessoais, e, acima de tudo, por um
posicionamento pessoal de compromisso.
A concepção da identidade se configura como gestalt imaginária,
permeada por questões como: Quem sou? De que sou capaz? Como sou visto?
O que posso esperar? O que desejo? Desejo? A configuração da identidade se
apresenta como um instrumental para se identificar e se diferenciar. E não se
pode esquecer que o “eu” pode resistir ao desejo com inibições ou repetições.
CARRANO (2000, p. 19-21) lembra o paradoxo da identidade, no qual a
diferença, para ser afirmada, supõe também igualdade e reciprocidade.
Abordando o entrecruzamento entre a identidade coletiva e a identidade pessoal
afirma, citando Melucci
47
(1991, p. 39-40):
A vertente coletiva da identidade assegura ao grupo sua continuidade e permanência. A
identidade vista como um exercício permanente de interação, de reconhecimento
recíproco entre nós e os outros, contém uma tensão não resolvida e insolúvel entre a
definição que damos a nós mesmos e o reconhecimento que os outros nos dão. Quando
estamos no interior de um conflito e sentimos a solidariedade de outros, quando nos
sentimos parte de um grupo, isto reforça nossa identidade e a garante. Não nos sentimos
ligados a outros somente pelo fato de haver interesses comuns, mas, sobretudo, porque
esta é a condição para reconhecer o sentido daquilo que fazemos. É nessa solidariedade
que se dá aos outros que podemos nos afirmar como sujeitos de nossa ação e suportar a
ruptura que o conflito introduz na relação social.
A construção das representações sociais e identitárias, como já foi
mencionado, é singular em cada sujeito e fundamenta a sua forma de interação e
suas competências no agir social e profissional. A rede de representações pessoais
se alimenta de processos de diferenciação e socialização, processos de
experimentação e processos cognitivos mais complexos, e, principalmente, da
possibilidade de se expressar. A maturidade intra e interpessoal e a capacidade de
extrair satisfação e significado das situações, com relativa independência, são
47
MELUCCI, A. Il gioco dell’io: il cambiamento de sé em una societá globale. Milano: Feltrinelli,
1991.
70
elementos muito importantes para as possibilidades de estabelecer relações,
renovar as próprias concepções e se renovar.
Esta tem sido uma exigência colocada com bastante ênfase no âmbito dos
discursos no universo do mundo produtivo, das profissões e da escolarização mais
elevada. Afirma MELUCCI (2001, p. 9), que “as sociedades contemporâneas,
fundadas na informação, produzem recursos crescentes de autonomia para os
atores individuais e coletivos”, pois é uma exigência do sistema que a informação
circule e os atores estejam em condições de recebê-la, interpretá-la e transmiti-la.
De que forma repercute, no âmbito do sujeito, a idéia contida nesta afirmação?
Se, para garantir a integração do sistema, o controle precisa se estender
para além da ação manifesta, alcançando as raízes motivacionais, cognitivas,
afetivas, das pessoas e a manipulação se estende à estrutura profunda da
personalidade invadindo inclusive aspectos da dimensão biológica, como afirma
ainda Melucci, que paradoxo é este em que o sujeito está imerso, neste seu
encontro com a cultura?
Estas reflexões remetem ao um esclarecimento: quando foi referida a
linguagem, a auto-expressão, neste texto, procurou-se a distância de uma
comunicação esvaziada pelo excesso de informações e manipulação, e por outro
lado, uma aproximação da fala que é dirigida a alguém que a escuta e que ocupa
um lugar que remete o falante à própria singularidade.
Pensando a identidade como um aparato para lidar com os conflitos, tenta-
se no esquema a seguir, dar uma visibilidade gráfica ao embate subjetivo de
reorganização contínua da concepção-de-si-mesmo, que foi tratado neste capítulo:
71
FIGURA 3 – ESQUEMA REPRESENTATIVO DAS VARIÁVEIS IMPLÍCITAS NO EMBATE
SUBJETIVO E CONTÍNUA REORGANIZAÇÃO DA CONCEPÇÃO DE SI
Concepção de si
Valores
Crenças
Metas
Fatores INTRAPESSOAIS
Fatores INTERPESSOAIS
Processo
Histórico
Processo
Histórico
Capacidades inatas
e adquiridas
Identificações com
outras pessoas e
fatores culturais
A figura a seguir apresenta outros desdobramentos que ocorrem no processo
de constituição do sujeito, inscrito por sua anterioridade em um mundo simbólico e
social, em que as necessidades fazem um percurso de transformação, marcado
pela inserção na linguagem, até A objetivação em metas e ações.
O diagrama a seguir foi elaborado para tentar reproduzir alguns aspectos de
diferentes ciclos de humanização que se sobrepõem:
a) diferentes gêneses do desenvolvimento: filogenética, sociogenética,
ontogenética e microgenética;
b) o processo de metamorfose da identidade pessoal;
c) o processo de estruturação do sujeito;
d) o processo de auto-representação e escolhas.
Poder-se-ia considerar que este quarto aspecto corresponderia ao processo
microgenético que ocorre pontualmente no ato mental singular de um indivíduo em
dada situação. Este indivíduo tem uma história de estruturação subjetiva, cuja
representação sofre processos de metamorfose. Entretanto, isto não ocorre em um
âmbito estritamente privado, é algo que ocorre no âmbito particular de um indivíduo
Aparelho identificatório
(estrutura)
Personalidade
(
Fases da libido
)
Desenvolvimen
to cognitivo,
social, afetivo
e formação de
conceitos
Processo de desenvolvimento
pessoal e social
Conflitos
Escolhas
72
inserido em relações em um contexto social que também tem história que marcou e
foi marcada por estes seres.
FIGURA 4 – ESQUEMA REPRESENTATIVO DA CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE TENDO
COMO INTERFACE O EMBATE ENTRE O INDIVIDUAL E O COLETIVO
Pensar as escolhas e representações a partir dos diferentes olhares
apresentados, neste capítulo foi uma tarefa que se impôs, a despeito de sua
complexidade.
Estes encontros reforçam a idéia de que uma das formas de compreender a
personalidade humana é como uma tentativa permanente de colocar em harmonia
forças em conflito (internas) e conciliá-las com oportunidades e limitações
encontradas no mundo externo.
73
3 TRABALHO, ESCOLHA PROFISSIONAL E IDENTIDADE
Parece que não podemos ter tudo ao mesmo tempo: moeda
firme, emprego, justiça social. Se é assim, então eis uma
razão a mais para revalorizarmos a idéia de escolha, isto é,
de que não podemos ter tudo a um só tempo, mas
precisamos preferir, priorizar, abrir mão (RIBEIRO, 2003, p.
11).
3.1 O TRABALHO HOJE
O mundo do trabalho na contemporaneidade está marcado pela explicitação
da incerteza. É certo que no percurso humano existem poucas certezas além da
morte, porém as possibilidades imaginárias e simbólicas fazem vez de véu a esta
dura constatação e por meio delas são tecidos os vínculos que mantém e dão
colorido à vida.
Os atuais arranjos da sociedade contemporânea, marcados pela tecnologia
da informação, pelo desvelamento das desigualdades sociais, pela globalização,
pelos desequilíbrios da economia e suas conseqüências na degradação do meio
ambiente e na exclusão social, pela escalada da violência e pelas transformações
nas relações familiares e de trabalho são os intermediários para fazer face às
representações de ameaça.
Para MELUCCI (2001, p. 8), “estabelecer quem tem o poder de definir o
sentido da vida humana e que códigos governem as nossas escolhas, torna-se a
questão central sobre a qual se concentram novos recursos e novos conflitos” no
espaço criado pela interdependência global. Na análise que faz da América Latina,
o autor destaca a multiplicidade e a gravidade dos problemas econômicos (aqueles
não resolvidos e aqueles criados pelas políticas neoliberais), da insistente e
dramática desigualdade, limitações dos direitos civis e políticos fundamentais e
sugere como tais circunstâncias podem ocultar o deslocamento do poder para a
esfera simbólica e as diferenças culturais como componente estável no horizonte
da vida. Afirma ainda que nas sociedades de intensa desigualdade, como a
brasileira, a precariedade das relações no mundo do trabalho, revestidas de
aparatos do caráter cultural, alimentam conflitos que incidem sobre os direitos da
cidadania.
74
As mudanças no mundo do trabalho atingem diretamente a sociedade e o
indivíduo, e as conseqüências se revertem para as origens. Há insegurança diante
das ameaças de demissão e diminuição dos postos de trabalho (desemprego
estrutural
48
) e estresse decorrente das relações interpessoais e de toda gama de
pressões do trabalho.
A falta de garantia de trabalho para todos, no modo de organização social da
produção e um acirramento da competição por melhores oportunidades ou para
garantir as condições existentes, têm abalado as crenças que colocam o trabalho
como pilar magno para conferir sentido e dignidade ao homem, lançando uma série
de questionamentos e conduzindo as tentativas de reinvenção do modelo de
sociedade (desvinculação do modo de organização social da produção) e de
resgate do ser humano como doador de sentido e medida para as coisas.
O mercado de trabalho impõe imediatez de resultados, aumento de
produtividade, redução de custos, melhoria da qualidade de serviços e produtos. Os
avanços tecnológicos, em princípio com o objetivo de “humanizar” a vida, têm
colocado o homem numa situação paradoxal. Por um lado, é evidente que hoje é
possível trabalhar em condições mais amenas fisicamente e, às vezes, bastante
agradáveis. Por outro lado, não se pode ignorar os esforços em dar uma imagem
agradável ao trabalho, afastando o sentido de alienação, mas não a própria
alienação.
O trabalho, uma atividade coordenada de caráter físico e/ou intelectual é a
aplicação das forças e faculdades humanas visando obter alguma recompensa e,
às vezes, uma determinada finalidade. O trabalho responde a demandas de
diversas ordens: biológica, psicológica, social, histórica, religiosa, econômica.
Ocupa uma parcela significativa de tempo. Fornece a base da existência social do
homem e contribui para a sua inserção nos grupos sociais. Confere o sentimento
de pertença, a oportunidade de poder contribuir e significar a si e ao meio.
Porém, como já foi referido, a natureza do trabalho tem sofrido alterações ao
longo da história do homem. Nas sociedades agrícolas, o trabalho era a própria
sobrevivência, árduo e comunitário. Com o surgimento do conceito de propriedade,
recebeu uma conotação de castigo e foi associado ao trabalho escravo e servil.
48
O desemprego cresce no mundo inteiro, em todas as faixas de idade e escolaridade. Causado por
diversos fatores sócio/econômico/culturais e mudanças nos processos de trabalho, ele atinge de
maneira especial os jovens entre 20 e 24 anos (POSSEBOM, 2005).
75
Posteriormente, com a escrita e o Direito Contratual, surgiu o trabalho assalariado,
chamado de emprego. Na sociedade industrial, o trabalho foi associado à produção
e ao consumo, e o homem caracterizado como força de trabalho da organização. A
relação de dependência, paralelamente à escassez de conhecimentos, manteve a
desigualdade entre empregadores e empregados. Disputas entre capital e trabalho
engendram movimentos de reação e, conseqüentemente, novas buscas. Na
emergente sociedade, surgem novas discussões a respeito do valor e do potencial
humano do trabalho e a visão do trabalho como uma força criadora de valores, de
expressão do ser e de seu significado social.
A relação de emprego existe há aproximadamente 200 anos, constituindo um
dos focos prioritários de preocupação entre jovens e adultos inseridos ou não no
mercado de trabalho, tendo em vista a dificuldade deste mercado em gerar e
manter os empregos e por conseqüência, pelo aumento das exigências. Assim, o
emprego tem sofrido também alterações. Diz-se que há uma tendência de retorno à
ênfase do trabalho próprio, como alternativa para as dificuldades impostas na
relação de emprego.
O emprego deixou de ser sinônimo de segurança e a ênfase volta para o
trabalho. Emprego e trabalho preocupam as pessoas de todos os níveis de
escolaridade. A empregabilidade, como capacidade de manter-se remunerado no
mercado de trabalho, passou a se constituir como um grande desafio para aqueles
que buscam as empresas e para as empresas que querem manter os melhores
quadros funcionais. A ameaça à territorialidade profissional está presente, a
competência é constantemente testada e os impulsos competitivos são
estimulados.
As novas buscas são marcadas pela tentativa de autonomia e configuradas
nas formas de trabalho sem vínculo empregatício, em parceria, em cooperativas,
com diminuição da influência estatal, crescimento do trabalho informal e tentativa
de constituir um “negócio próprio”, ou ainda a mudança nas carreiras, por opção ou
por exigência adaptativa.
O conhecimento passa a ser visto de maneira especial e até como uma
“nova riqueza”. Porém, a variedade de conhecimentos é tanta que ficou impossível
ser dominada por uma só pessoa. Por outro lado, a pessoa precisa saber muito
sobre o que se propõe a fazer, para se diferenciar. Diz-se que, para ter sucesso, é
preciso estar atento ao que acontece no mundo e no mercado, percebendo quais
76
são as necessidades e como se articulam. Possuir amplo conhecimento geral
também é requisito. Fala-se ainda que tudo isto deva ocorrer ao mesmo tempo: a
necessidade de equilibrar especialização e generalização, perceber as
interdependências e inter-relações, e que, para aproximar-se do perfil de
profissional “total ou global”, é preciso, também, conhecer-se melhor.
O perfil de profissional que se delineia, não se limita a uma única
especialidade nem tampouco a um grupo de características fixas, pois está aberto a
inúmeras e novas configurações. Habilidades específicas se aliam ao trabalho em
equipes ou através de parcerias. E não é difícil de entender porque os objetivos
compartilhados ganham destaque. Postura, relacionamento interpessoal,
comunicação em várias línguas, oral e escrita, comportamento pró-ativo adaptado a
cada situação, para citar apenas algumas das exigências explícitas que estão
sendo consideradas indispensáveis. A pressão na formação dos profissionais
aumenta proporcionalmente, agregando novas e mais complexas exigências.
As profissões, o mercado e as relações de trabalho estão se transformando.
Profissões extinguem-se, surgem outras e muitas se entrelaçam exigindo novas
habilidades e atualização constante. No cenário das grandes corporações, destaca-
se a tecnologia, de um lado, e a expansão do setor de serviços através da
terceirização, de outro. Também são apontadas, como áreas emergentes de
sucesso, as atividades na área do desenvolvimento de tecnologia; serviços
educacionais, culturais e assistenciais personalizados; pequenos e rápidos serviços
(entregas, encomendas, refeições prontas e rápidas); serviços correlacionados com
o meio ambiente, o turismo e o lazer; e mais especializados (maior nível de
aprofundamento e pesquisa tais como: engenharia genética, biologia molecular e
outros).
Causa grande impacto a constatação de que algumas profissões se
tornaram obsoletas, apenas pelo aparecimento de um software, como demonstra
RIBEIRO (2003, p. 38).
O perfil profissional traz embutido o exercício de papéis projetados e
esperados. Os papéis são seqüências de ações aprendidas e executadas numa
situação de interação.
Neste momento, torna-se oportuno diferenciar ocupação de profissão. Está
sendo considerada a ocupação como uma síntese de expectativas de um papel em
um contexto histórico-social. A ocupação é a atividade humana que se preocupa
77
em atender às demandas normais da sociedade, através da repetição de soluções
já conhecidas. Espera-se da profissão que ela vá além da ocupação, atendendo às
demandas através de soluções consagradas, mas também produzindo análises,
criando e desenvolvendo novos processos, consolidando marcos teóricos ou
apresentando seus pontos de fragilidade para novas formulações. Os elementos
constitutivos de uma profissão são conquistas e se subordinam às condições
históricas da sociedade. Entre os elementos constitutivos de uma profissão
constam: conceito, ideal e objetivos sociais; formação acadêmica em conteúdos
específicos; regulamentação profissional, entidades representativas; código de
ética e reconhecimento social.
Se a estabilidade das profissões está em xeque e as profissões se
consolidam através desses vários elementos, que se configuram na relação social,
parece que o surgimento das discussões e das buscas pela profissionalidade é um
movimento natural de sobrevivência. O conceito de profissionalidade é apresentado
em CAVALLET (2000), como sendo a capacidade que o profissional desenvolve
para implementar alternativas eficazes diante das crises e dos problemas da
atualidade, tanto em ações imediatas como em projetos de vida.
Seria possível esperar que se mantenha o contato consigo mesmo, como
fazia o artesão da Idade Média ou o agricultor, através de uma sintonia com o
produto de seu trabalho? Será que o homem ainda espera encontrar sentido
naquilo que faz?
Re-significar o trabalho é a sugestão dos estudiosos. “Trabalho é mais do
que emprego, é o ato de atribuir significado ao meio, portanto a si mesmo e ao
outro”, diz CODO (1995), psicólogo conhecido pelos estudos sobre o trabalho. É o
propósito (motivo, finalidade, valor) que confere significado ao trabalho, que o
diferencia de uma simples atividade. O propósito é individual, intransferível e
específico de cada ser humano, portanto, deve satisfazê-lo e corresponder a aquilo
que ele acredita SER. A razão pela qual se executa algo está vinculada à
representação pessoal de si, a como ela se situa em relação a si mesmo e à forma
como aquilo que é feito impacta no mundo.
A razão pela qual se executa algo está vinculada à representação que se
tem de si mesmo e do lugar ocupado, além do valor atribuído a tal percepção e ao
impacto da própria ação sobre o entorno. A ação com significado possibilita o
78
respeito para consigo mesmo e para com o outro, alimenta a confiança, a
dignidade, a esperança e a reciprocidade com as demais pessoas.
A ação com significado está associada à história de vida, à escolha
profissional, ao meio social e cultural, às expectativas e valores colocados na
realização da atividade, além das formas de relacionar-se consigo mesmo e com os
demais.
De acordo com BONSUCESSO (1997, p.16), ao atribuir valor a seu fazer
profissional, o indivíduo leva em conta:
A opção pessoal - a escolha da profissão (por vezes compulsória);
O montante de esforço físico e intelectual;
A monotonia ou variação;
A relação entre o que faz e o todo;
A possibilidade de criação e auto-realização;
O status na organização e na sociedade;
O nível de remuneração.
A motivação aliada ao exercício e ao aprimoramento das habilidades e
competências possibilita a construção de um projeto de vida. Faz parte deste
projeto o trabalho como forma de expressão humana, que se apresenta
concretizando esforços, expondo crenças, atitudes e valores.
A motivação é a engrenagem que permite avançar do estágio atual e
alcançar ideais. É, como a palavra mostra, aquilo que motiva a ação. Os grandes
grupos de fatos que motivam todas as nossas ações são:
coisas que gostamos muito, que interessam e proporcionam prazer;
aspectos valorizados (normas e valores) na família, cultura, sociedade e
organizações, cujo pertencimento é valioso;
necessidades físicas, emocionais e sociais;
sentimentos de orgulho, dignidade e desejo de manter bom conceito;
mudanças correspondentes ao estágio de desenvolvimento ou situação
de vida, que se apresentam como desafios, exigências, desequilíbrios.
O vínculo com o trabalho ocorre a partir do momento em que ele revela sua
relação com as expectativas, os interesses pessoais, e as perspectivas de
79
crescimento pessoal e profissional do trabalhador. Os níveis de comprometimento e
da qualidade do trabalho estão diretamente afetados pelo sentido que o objeto de
seu trabalho faz, na vida do sujeito.
Parece que as discussões que se dão em torno do mundo do trabalho em
suas intersecções com os processos formativos e educativos, com ênfase em
preparar, prevenir, atenuar o sofrimento, assumem o papel de velar algo que é da
ordem do insuportável, que fragiliza o SER, que vira ao avesso as suas crenças e
que parece estar escapando ao controle. É neste cenário que o tema identidade
apresenta-se com um potencial fascinante e a escolha profissional, assustadora.
Acompanhando o raciocínio de LAJONQUIÉRE (2002, p. 185-186),
Quando a maioria das escolas nega a bagagem cultural do aluno, ou desconhece sua linguagem
“marginal”, ou fazem ouvidos surdos a seus interesses, ou lhe impõem teimosamente o tempo de
aprendizagem que o currículo prevê, ou desconhecem seu próprio estilo ou modo de aprender, ou (...)
não fazem, por acaso, outra coisa que negar, no limite, o sujeito no seu “ser”? Pois bem, a demanda
desmedida dessas escolas quando negam toda essa bagagem cultural, toda essa história (...) o que
faz, em última instância, é negá-lo enquanto sujeito do desejo. O desejo está entrelaçado a essas
conquistas (pessoais, culturais): negá-las e, simplesmente, pô-lo em xeque.
(...) Desta forma, embora as aprendizagens resultem possíveis porque há um outro que demanda tal
coisa, elas também se tornam impossíveis quando esse outro o faz “inadequadamente”. Como
sabemos, esse outro pode ser qualquer um; a mãe, a professora, o psicopedagogo, etc.. Estes outros
não fazem outra coisa que suportar a função do Outro. As tensões que se aninham no seu interior são
as responsáveis pelas vicissitudes que um sujeito suporta nas suas aprendizagens ou, como se refere
a elas a (psico)pedagogia hegemônica, estigmatizando-as dos “problemas de aprendizagem”.
Estas afirmações de LAJONQUIÉRE poderiam ser transferidas para o
mundo do trabalho. É importante lembrar que escolarização e universo de trabalho,
particularmente o profissional, estão fortemente interligados.
3.2 O TRABALHO COMO AUTO-EXPRESSÃO
A noção de que o trabalho é uma das formas mais visíveis da expressão
humana não é nova, e está profundamente arraigada em hipóteses experimentadas
e sedimentadas pelo indivíduo no decorrer de sua história.
O trabalho tem em si um valor intrínseco. Não é necessário que o produto
seja “útil” ou “prático”. A arte é trabalho porque expressa seu criador, interfere no
ambiente e é automotivada. O que o sujeito faz expressa o que ele é no mundo. A
ação significativa possibilita o respeito para consigo mesmo e para com o outro e
80
nutre sentimentos como esperança, dignidade, mutualidade e oportunidade de
acesso a outras áreas.
A teoria do desenvolvimento de ERIKSON (1976, p.227) mostra que, em
sucessivas etapas da elaboração da identidade, surge o aspecto da produção
individual. À medida que o ser humano se desenvolve e entra em contato com a
realidade dos papéis sociais, percebe que sua inserção na sociedade pressupõe
desempenhos. Ser alguém está intimamente associado a fazer algo.
A necessidade de reconhecimento ou confirmação surge muito cedo. Os
movimentos inicialmente desordenados do recém nascido, respondendo
basicamente a estímulos biológicos, vão aos poucos sendo substituídos por ações
intencionais, em tentativas de comunicação organizada, com o objetivo de traduzir
conteúdos internos. O opinião fornece referência que auxilia a criança a se situar no
mundo. É através desta interação que o ser passa de um estado de indiferenciação
com o meio para o de diferenciação, reconhecido como ser individual, separado do
todo. O processo de diferenciação é longo, está fundamentado no agir e na
percepção particular das conseqüências da ação, e culmina com a construção da
base da identidade individual.
Desde os primeiros anos, o agir se dá em função do prazer da exploração e
do movimento, as descobertas são surpresas e a intencionalidade decorre da
imaginação. As experiências dirigidas a conhecer o ambiente, seu conteúdo e
funcionamento, dão origem aos traços primários da auto-imagem. Segundo
ERIKSON (1976), o sucesso ou o fracasso nestas empreitadas trará consigo os
sentimentos de confiança ou desconfiança básica, autonomia ou vergonha e
dúvida, e iniciativa ou culpa. Tais sentimentos são o alicerce da identidade,
protótipos de futuras elaborações. As próximas etapas da construção da concepção
de si e da relação com o mundo estarão, portanto, influenciadas por este substrato.
Uma vez que a exploração do meio permita certo nível de domínio, a criança
entra numa nova fase. Descobre que encontra aceitação e aprovação ao
desenvolver habilidades e tarefas que excedem os limites da mera expressão de
seus modos orgânicos, ou o prazer que lhe causa o seu funcionamento (ERIKSON,
1976, p.238).
No período que corresponde ao que Freud identificou como latência, inicia a
busca da industriosidade. Coincide com a época em que a criança começa a
receber instrução escolar, e percebe que os limites de seu ego incluem suas
81
ferramentas e habilidades. O brincar desordenado é substituído por atividades mais
planejadas. A criança aprende que fazer coisas e conquista consideração. Produzir
passa a ser, ao mesmo tempo, um prazer e um meio. Agir intencionalmente para
atingir um objetivo é, em si, agradável, ao mesmo tempo em que proporciona a
abertura para situações também gratificantes - o intercâmbio com o grupo, a
concretização de um ideal através do produto elaborado, e a aprovação individual e
social.
Nesses primeiros contatos objetivos com o mundo do trabalho, a criança
está exposta a oportunidades que tanto poderão comprovar suas possibilidades de
industriosidade, quanto conduzi-la a sentimentos de inadequação e inferioridade. A
comprovação de que é capaz de produzir facilita a inserção e locomoção no grupo
social, e o fracasso nas habilidades de produção desencoraja a participação no
grupo e no mundo das ferramentas. O insucesso traz à tona raivas submersas
decorrentes da frustração dos impulsos. Ao completar esta etapa, o indivíduo terá
acrescentado à sua identidade, ou a condição de capacidade de produção, ou o
sentimento de mediocridade e inadequação, já agregados de frustração e raiva.
Na adolescência, a soma de mudanças bio-psico-sociais leva a um
verdadeiro tumulto. Novas maneiras de ver, sentir e pensar o mundo pressionam no
sentido de uma definição quanto a posicionamentos e, particularmente, uma
posição diante da impossibilidade de ter tudo e ser tudo. Agora é preciso saber
quem se é realmente, o que se quer e para quê se quer. Uma gama de papéis
precisa ser incorporada pelo indivíduo.
Na busca da definição de seus papéis na sociedade, o adolescente
procurará responder basicamente às perguntas: “quem é você?” e “o que você
faz?” “como lida com a falta e o desamparo?” Nunca é demais ressaltar que a sua
representação identitária inclui uma multiplicidade de atuações, que se
intercomplementam.
Em ALBERTI (2004, p. 28-31) esta temática é conduzida pela vertente da
feminilidade e da partilha dos sexos
49
. A importância da sexualidade na juventude
49
A sexualidade, no ser humano, é integralmente permeada pelo fato dele sempre se constituir a
partir de sua relação com o Outro, ou seja, a cultura, a linguagem, o desejo do Outro. Sem
desconsiderar que a biologia determina muitas coisas no homem, a psicanálise evidencia a
disjunção entre a identificação sexual e as características biológicas. O fato de um ser humano
nascer biologicamente com as características de um sexo, não impede que ele se identifique de
outra forma. Em psicanálise, a identificação sexual é de responsabilidade do sujeito. Sabe-se
também o quanto é difícil assumir a responsabilidade nas escolhas (ALBERTI 2004, p. 28-31).
82
se estabelece pela condição de delinear parâmetros de comportamento. No mesmo
tempo das grandes modificações a respeito da sexualidade, surge outra questão
fundamental, a da escolha profissional. A escolha do futuro campo de trabalho
pretende conciliar fatores muito diferentes, tais como habilidades, tendências,
necessidades, preferências e busca de status social.
A força da expectativa dos ideais edificados nesta fase se constitui como
impulso durante a vida produtiva, fornece o sentido e a razão das buscas, mesmo
que esta venha a sofrer redirecionamentos no decorrer da vida laboral. A crença
neste ideal oferece significado aos futuros empreendimentos. A perda do contato
com tais ideais, o fracasso, o distanciamento ou a impossibilidade de levá-los
adiante é fonte de frustrações.
A partir da entrada efetiva no mundo do trabalho, o adulto começa a
testagem e a validação das expectativas criadas. Os ideais traçados nas fases
anteriores, ainda em estado bruto, passam por uma verificação, podendo sofrer
adaptações de acordo com as circunstâncias. Quando o indivíduo pode utilizar seu
potencial, e beneficiar-se da automotivação, o fazer profissional poderá se
encaminhar para um rico processo de apresentar-se e representar-se com trocas
significativas. Quando a atividade permite atuar de forma a explorar e desenvolver
as capacidades e interesses, numa rede de laços significativos, é possível se
aproximar da escolha de “ser o que realmente se é”.
ERIKSON (1987) indica que a incapacidade para decidir uma identidade
ocupacional revela-se como um dos aspectos que mais perturbam os jovens. Ao
longo deste trabalho foram sendo apresentados vários argumentos em favor desta
conclusão de Erikson: 1) o valor dado ao lugar ocupacional e o lugar que o jovem
tem recebido na cultura, 2) a forma como se organizam as relações de produção, 3)
a escassez de oportunidades de experimentar, experimentar-se e ser reconhecido
pela sua produção, 4) as dificuldades no processo de separação e elaboração de
perdas, enfim, aspectos do cenário deste impasse. A seguir, serão tocados alguns
aspectos específicos sobre o papel da escolha profissional no adolescente e no
jovem adulto.
83
3.3 ADOLESCENTES E JOVENS ADULTOS EM PROCESSO DE
ESCOLHA PROFISSIONAL
É um desafio de nosso tempo aceitar e
compreender que as coisas mudam e que é
preciso fazer escolhas, mesmo diante de
incertezas.
No período que se convencionou chamar de adolescência apresenta-se ao
jovem um novo encontro com o real. Muitas idealizações são abaladas. É um
encontro faltoso, que não é tão simples de assimilar e demanda um longo trabalho
de elaboração das perdas e escolhas. É o momento de superar o desafio de
integrar-se no mundo adulto, solucionando a questão ocupacional, a emancipação
da família, o estabelecimento de relações satisfatórias com o sexo oposto e o
estabelecimento do autoconceito. Implica um trabalho de triar e construir (ALBERTI,
2004).
Na adolescência, a soma de mudanças bio-psico-sociais leva a implementar
novas maneiras de ver, sentir e pensar o mundo, e elas pressionam no sentido de
uma definição.
Encontra-se, entre os jovens que chegam aos cursos universitários, uma
demanda de escolha que projete o futuro profissional. Eles não desconhecem que o
momento que atravessam ainda é crucial no que toca às elaborações de perdas e
às construções simbólicas, porque vivem isto no próprio corpo, com angústia,
conflitos, às vezes, através de fugas, inibições, auto-recriminações, com
agressividade e instabilidade exacerbadas, para citar apenas algumas das
manifestações possíveis.
O fato de “saber” disso na sua vivência mais particular, não significa que
esteja disponível ao jovem, no nível consciente e das palavras, um conhecimento
sobre tais sensações e processos, nem tampouco a compreensão do trabalho
psíquico que está vivendo ativa ou passivamente.
Os efeitos da aceleração do desenvolvimento motor e sensorial, que ainda
estão sendo compreendidos pelo jovem, e são, freqüentemente, mal entendidos,
levam-no a sentir-se atingido em relação a sua auto-estima. Temos notícias de um
alongamento da adolescência, que pode ser pensado como resultado de impasses
nesta travessia.
84
Este tempo constitutivo da subjetividade, a adolescência, tornou-se
necessário na modernidade pela expansão dos espaços, a quantidade e a
velocidade das mudanças e do acesso à informação, pelo declínio da função social
das leis, costumes e rituais, que forneceriam certa sustentação ao que se denomina
acesso à condição de adulto. Esse tempo se caracteriza por um intenso trabalho
psíquico de obter recursos para se fazer reconhecer e estabelecer trocas no seu
meio, especialmente com o mundo adulto.
Afirma LEVENFUS (1997, p.97) que a escolha de uma profissão é uma
tarefa evolutiva que resulta de um longo processo e se transforma conforme o
desenvolvimento da personalidade.
A adolescência é pensada como o primeiro momento em que todos os
ingredientes da construção da identidade encontram-se presentes: maturação
biológica, desenvolvimento cognitivo, demandas sociais para comportamentos mais
responsáveis, relativamente separados do meio familiar infantil.
A tarefa central da adolescência seria, então, a construção da identidade
pessoal, como uma forma que permite identificar-se e diferenciar-se, e que se
revela como um ponto crucial para a transformação do adolescente em adulto,
como se encontra em SCHOEN-FERREIRA AZNAR-FARIAS e SILVARES (2003).
Na perspectiva de vários autores já citados, uma “identidade madura” supõe
também, a possibilidade de identificar-se com um lugar no mundo ocupacional e
com certa configuração de relações interpessoais relativamente estáveis.
Fazer um curso superior, nos moldes do sistema de ensino no país, está
fortemente atrelado à profissionalização
50
e, conseqüentemente, à escolha de uma
carreira profissional. Tal escolha, na maioria das vezes, coincide com a
adolescência do jovem e todas as peculiaridades, que são, em parte, levantadas
neste trabalho. Há também as implicações decorrentes da participação em um
processo seletivo, altamente competitivo e excludente, como é o vestibular, em que
aproximadamente 10% dos que se inscrevem são aprovados. Em decorrência
destas circunstâncias, esse momento torna-se particularmente angustiante, com
grande possibilidade de comprometer a qualidade do processo de escolha.
A passagem pelo período de acesso ao Ensino Superior (vestibular) reveste-
se de características ritualísticas significativas, marcando uma espécie de ruptura
50
No capítulo 5 desta primeira parte do trabalho retoma-se a questão sobre o papel da universidade
e do ensino superior - formação humana e formação profissional.
85
da vida prioritariamente familiar e a agregação a um novo contexto valorizado
socialmente. As mensagens propagadas nos meios de comunicação, as dicas, os
movimentos nas escolas, as regras, proibições e os controles fazem parte do ritual.
A aprovação no vestibular é “marcada pelo formalismo, pela solenidade, pelo
cerimonial, pela observância de práticas, normas prescritas, com vistas a que o
indivíduo seja remodelado e capacitado a enfrentar a nova situação de vida”
(LEVENFUS, 1997, p. 200).
Esquecendo todas as questões que permeiam as condições de escolha, é
esperado que o jovem apresente, já no momento do vestibular e da entrada na
faculdade, uma “identidade profissional”, representada na sua própria identidade.
Esta vivência, que pode ter efeitos antecipatórios, não deve obscurecer o longo
processo de construção da identidade profissional.
É importante que o estudante possa vivenciar diferentes papéis profissionais,
que lhe proporcionarão o enriquecimento da representação de si mesmo e da
profissão para a qual se prepara, a partir de experiências. Diversificar
representações é um objetivo a ser perseguido. Tal processo pressupõe integrar
novas informações àquelas que o jovem já possui e para isto é necessário poder
imaginar-se em diferentes atividades referentes à profissão, poder multiplicar as
imagens de si mesmo nessas diferentes situações e atividades, construir
significados pessoais sobre a realidade cotidiana, a partir de uma construção que
também é pessoal, mas que pode ser orientada, falada, compartilhada. As
representações são formadas por imagens e significados e constituem a base da
construção do projeto profissional e do desenvolvimento profissional.
Segundo MELLO (2002, p. 43), há uma complexa equação em torno da
questão vocacional, com diversas variáveis e pesos difíceis de determinar. Apenas
algumas constantes são conhecidas. A resolução desta equação se opera no âmbito
interno do indivíduo, e o grau de complexidade aumenta muito, tornando-se quase
indecifrável quando a realidade interna é confrontada com “uma misteriosa realidade
externa” – mundo das profissões, dos empregos, dos mercados, das economias e
da globalização.
As afirmações de RIBEIRO (2003, p. 38-39) também se apresentam como
um contraponto nas posições que assumem expectativas muito objetivas em relação
à escolha profissional. Considerando a realidade do mercado de trabalho e das
profissões, o autor coloca a pergunta: “Quem pode assegurar que em cinco anos, o
86
tempo mínimo entre a escolha de um curso e a formatura na carreira escolhida, não
terá mudado muito o panorama profissional?”
Ribeiro menciona como parâmetros que compõem as expectativas em
relação ao jovem que escolhe o curso superior e traça metas profissionais: 1) a
correspondência ao desenvolvimento do mercado (futuro profissional), 2) as
capacidades do jovem e, finalmente, 3) os desejos, e questiona a inversão
hierárquica dos termos. O desejo tem sido alvo de temor e hostilidade quando se
trata da escolha profissional e fica preterido. Ribeiro mostra o equívoco em
corresponder preocupação com o futuro com aposta no futuro e o alto risco pago
pelo jovem por esta orientação de “garantir o futuro”. Denunciando a marginalidade
com que são tratados os desejos, afirma que nossa sociedade se preocupa bem
pouco em “educá-los”, assim como pouco se investe na “educação para as
escolhas, a renúncia e a contenção”. E continua: “parte significativa do imaginário
brasileiro é ocupada pela crença num desejo de realização pronta e imediata”. São
negligenciadas a concentração mental e a demora entre a eleição de um fim e os
sucessivos passos exigidos rumo à sua obtenção. Exige-se do jovem uma escolha
profissional que desqualifique o desejo e privilegie o realismo. Predomina o
esquecimento de que pouco se sabe da realidade, especialmente quando esta se
refere ao futuro e privilegiam-se formas de ensino dirigidas para a satisfação
momentânea, evitando as “coisas chatas” e as “renúncias”.
A propósito das observações de Ribeiro sobre uma questão mal resolvida
com a transcendência
51
e as questões do desejo no que toca às escolhas, algumas
coisas muito importantes são mencionadas no seguinte parágrafo:
...não é que nossa sociedade tenha criticado, radical e seriamente, as transcendências. Não
é que ela se tenha laicizado para valer, que se tenha tornado madura o bastante para efetuar
e seguir escolhas. Não é que ela tenha feito o luto de um imaginado mundo superior e mais
perfeito. Infelizmente, parece que ela apenas se tornou impaciente. Perdeu o senso do
sacrifício, mas não o da transcendência. E é por isso que ela ainda precisa da
transcendência, o que se nota cada vez que uma nova estupidez se divulga a título de
sabedoria, como certos misticismos de má qualidade, e mesmo fundamentalismos
reativados. Se tivéssemos ajustado as contas com a transcendência, estaríamos bem
melhor, porque faríamos nossas escolhas, pagaríamos o seu alto preço, tanto em renúncias
51
Entre os conceitos filosóficos encontra-se que, transcendentais são as qualidades que pertencem
ao ser como tal, convergindo em graus diversos em todos os seres. Entre os transcendentais são
admitidos: a unidade, a verdade e a bondade, o ser e a beleza. No kantismo, o transcendental diz
daquilo que se refere ao conhecimento das condições a priori e daquelas que ultrapassam os limites
da experiência. É uma designação comum dos sistemas idealistas e frequentemente aparece
associada com o caráter de superioridade, comumente associado àquilo que está fora, transcende
os limites da experiência possível (FERREIRA, 1999).
87
quanto na incerteza de serem estas as boas escolhas, mas, afinal, seríamos mais maduros,
lidaríamos com as coisas mais ou menos como são. Porém, como liquidamos a renúncia, em
vez de criticar a transcendência, sentimos com freqüência a necessidade de reativar esta
última, como se um guru pudesse nos salvar da angústia de escolher (RIBEIRO, 2003, P.
39).
Pode-se entender, da citação acima, que ela se refere ao que, neste trabalho,
tem sido tratado como possibilidade de se assumir como sujeito desejante, pagando
o preço por isso e pela elaboração da constatação de que só é possível contar com
o Outro no nível simbólico. Condição em que se sustentaria o próprio desejo e se
trataria com a falta com menor potencial de ameaça, uma vez simbolizado o luto
pelas perdas, liberada a capacidade de fazer escolhas e de encontrar um trabalho
inovador.
3.4 TRABALHO PSÍQUICO E TRABALHO SOCIAL – IDENTIFICAÇÕES E
SUBLIMAÇÃO
RIBEIRO (2003), no livro intitulado ‘A Universidade e a Vida Atual: Fellini não
via Filmes’, incita-nos a pensar sobre as qualidades do imprevisto, questionando
crenças no poder de controle sobre o “desastre ou acidente”. Traz à tona a
tendência, tanto no senso comum como no acadêmico, de pensar que aquilo que
foge à norma é raro e mau.
Longe de defender a idéia da inércia, Ribeiro não somente demonstra quanto
o imprevisto está presente no cotidiano, como indica a conveniência de mudança de
foco: procurando a “capacidade para lidar com ele”, o desastre, “para o momento
em que ele vier”, aceitando que ele não é necessariamente mau, que ele desafia e
nem sempre é o caso de impedir seu surgimento. Diz: “podemos pensar em uma
certa aliança a propor ao perigo, ao risco. Certo nível de jogo passa a ser
necessário, na vida. Qualquer sujeito de ação deve estar preparado para enfrentar o
imprevisto – e para dele extrair um avanço em sua vida” (RIBEIRO, 2003, p. 26).
Entre os aspectos importantes abordados no texto de Ribeiro estão a escolha
do jovem a respeito do curso de graduação e a evasão nesses cursos, articulando-
as em torno das interfaces das mudanças no contexto sócio-econômico-cultural e do
desejo. Neste sentido, Ribeiro dialoga um tanto com a Psicanálise, numa
aproximação com um posicionamento profissional marcado pela expectativa do
88
incompleto e daquilo que ele denomina “criação de gente”, marcando um
distanciamento de posturas dirigidas ao completo, à técnica, à repetição do mesmo.
Interroga-se se seria razoável esperar que um jovem de 18 anos (e esta não é a
idade limite inferior) tenha certeza do curso que pretende fazer. Afirma que esta
crença só poderia ser sustentada no desconhecimento da realidade em relação aos
rumos da vida profissional e da própria vida.
Dos conceitos psicanalíticos de ambivalência e identificação, Ribeiro
recupera seus pontos de encontro e limite. O desejo de se identificar e substituir,
mediado pela representação de valor
52
desse lugar desejado, é, ao mesmo tempo,
condição para o ódio e contenção para o sentimento agressivo. A descoberta da
ambivalência de sentimentos teve como conseqüência revelar seus dois lados. Se,
em um primeiro momento, mostrou sua face de potencial libertador, num segundo
momento, ao se concretizar a possibilidade de aumento da expressão da raiva, do
ódio e da mágoa com a explicitação de seu significado, evidenciou o outro lado,
correspondente à redução de expressão fálica. Quanto mais livremente se
expressam os sentimentos negativos, dirigidos àquilo que é valoroso e almejado,
menor é o quantum de valor, expectativas e investimento a cerca de tal conquista do
almejado
53
.
O desejo de substituir vem perdendo sua força, cedendo lugar a diferenças
irredutíveis. A identificação - remetendo a um ideal, um modelo de lugar a ocupar -
fornece os elementos da constituição subjetiva - quer pelos referenciais, quer pelo
potencial de agressividade que mobiliza. Ela também limita o alcance da
agressividade. A briga com o poder para lhe ocupar o lugar indica uma divergência
de meios e uma divergência de sujeitos, amparados por uma convergência de
finalidade no desejo. Utiliza-se o texto literal de RIBEIRO (2003, p. 30) a título
ilustrativo:
Concordávamos em longo prazo, filhos que queríamos nos tornar pais, alunos que
pretendíamos ser professores, jovens mestres que aspirávamos ao poder na universidade,
eleitores iniciantes que desejássemos, um dia ocupar a Casa de Governo. Eis a conciliação,
o termo médio, em que a vazão dada aos conflitos se encontrou com a preservação dos
valores e coisas existentes, estabelecendo um espaço de discordância, mas que não
chegava a ser fatal para a sociedade existente.
52
RIBEIRO (2003, p. 34) coloca o valor no sentido de Nietzsche: é o que vale e não o que é e
depende de alguém ou alguma força que o fez valer, e lhe deu vigência.
53
Esta temática mereceria ser discutida mais exaustivamente. A impossibilidade de fazê-lo, neste
momento, não foi suficiente para excluí-la do texto. Com esta pequena inserção, fica o registro, e,
talvez se inscreva, por uma questão enigmática, uma brecha para que possa ser melhor dita.
89
Na falta da possibilidade de seguir os pais, professores, líderes, nem nos
anseios profissionais, nem nos desejos mais íntimos, juntamente com a aposta em
projetos de excessos, aquilo que poderia ser vivido como abertura, descoberta ou
invenção, é vivido como descarga, como sobra. Pelo fato de terem sido iluminados
os segredos da constituição da cultura – a partir dos interditos básicos (proibição do
incesto e do assassinato), foi sendo descaracterizado o papel do mito. Tais
proibições básicas foram perdendo seu lugar de leis absolutas, embora sejam
reconhecidas como necessárias. Debilitando o conteúdo das proibições e
diminuindo a aceitação da necessidade de sua existência, são enfraquecidas as
leis e as regras e aumenta a dificuldade de aceitação do não, e,
conseqüentemente, de suportar a frustração.
...quando sai de cena a conseqüência necessária, inevitável, punitiva da transgressão, por
que abriremos mão nós de nossa liberdade, por que aceitaremos obedecer? (RIBEIRO,
2003, p.32)
Ribeiro destaca a primazia que tem sido atribuída à causalidade mecânica,
para a qual o ser humano parece estar mais treinado. Refere-se à impaciência em
relação ao tempo estendido, à frustração e à dificuldade em estabelecer vínculos
duradouros. Afirma que a sociedade estaria pouco preparada no que diz respeito à
consciência do caráter cultural dos interditos – atribui-se mais facilmente
causalidade natural ou divina às conseqüências das transgressões, do que a
responsabilidade pela própria disposição a elas. Diante disso, esta mesma
sociedade reativou um sistema de interditos naturalizado. Exemplifica Ribeiro:
...se do sexo inseguro decorre com enorme chance a morte, então reativamos nosso modo
de ser obediente e temeroso (...) liberdade, sinceridade e desejo de realização pessoal
podiam, em muitos casos, ser apenas sinônimo de falta de paciência de estabelecer
vínculos duradouros – os quais, na verdade, têm em seu cerne a necessidade de lidar com
o tempo, entendido, entre outras coisas, como frustração (RIBEIRO, 2003, p.32-33).
(...) a única razão para renunciar, em parte, aos desejos está em assim melhor saciar, em
parte, os desejos. Abro mão do que é ilimitado, em meus desejos, para melhor realizar os
desejos a que aceito me limitar. Mas isso, que é fácil na teoria, mostra-se difícil na prática,
por que como distinguir o que negocio em meus desejos e o que neles quero ou mesmo
devo apresentar como inegociável? Como distinguir os desejos cuja realização coincide com
minhas metas de vida, e portanto, estão entre os fins a que me proponho, e aqueles de que
posso ou preciso abrir mão porque, por atraentes que sejam, são menos essenciais? E a
dificuldade aumenta porque essa hierarquia de desejos não é dada de uma vez por todas,
mas se modifica ao longo da vida (RIBEIRO, 2003, p.35).
No próximo capítulo será abordada a importância das ritualizações, que
expressam como o grupo faz as coisas, e o seu caráter adaptativo e sublimatório
90
para os participantes da vida em comum. Rituais, como brincar e celebrar, ajudam
a criar, experimentar e atuar sobre situações da realidade. Segundo ERIKSON
(1998), este recurso é utilizado com muita freqüência nos momentos cruciais em
todas as idades – brinca-se com experiências passadas e tarefas antecipadas no
pensamento. Nesta atividade de corrigir o passado, compensar os fracassos e
reforçar as esperanças, há que se aprender a aceitar e usufruir dos próprios
recursos (naturais ou inventados), que são disponibilizados pelas condições
subjetivas, culturais, científicas e tecnológicas do tempo histórico em que se situa o
sujeito.
Erikson sustenta a concepção de identidade como uma construção, que
pode ser representada como uma “matriz existencial”, reorganizada
constantemente através de identificações selecionadas, sintetizadas e integradas
pelo EU, e que se configura numa posição psicossocial diferenciada. A conquista
da identidade depende do reconhecimento pelos outros e responde pelo
gerenciamento do comportamento e da representação a respeito de si, dos projetos
e expectativas, além de coordenar as próprias experiências. A identidade é uma
síntese que articula muitos referenciais e permite participar da vida comunitária.
Considera-se importante, acrescentar às formulações de Erikson, acima
citadas, as perspectivas colocadas por Alberti e Ribeiro, referindo-se à posição do
sujeito desejante, aquela que poderia mediar, a partir da elaboração da falta no
Outro, as expectativas de ser reconhecido e as expectativas colocadas pela
escolha do próprio projeto, assumido com todos os riscos nele implícitos.
Parece oportuno, também, acompanhar um pouco RUFFINO (2000b),
naquilo que toca ao entrelaçamento entre o trabalho psíquico e o trabalho social.
Ruffino estuda o trabalho social, no lugar que ocupa enquanto uma modalidade
constitutiva (trabalho psíquico) para a finalização da operação psíquica da
adolescência e também para a construção de “uma necessária referência paterna,
já não disponibilizada, de outro modo, na contemporaneidade” (p. 178).
(...) a transformação do trabalho social enquanto apaixonante, presentificando-se, por
inibição sem impedimento, no trabalho social com meta no sustento, é a vocação mesma da
operação da adolescência enquanto instauradora do trabalho, no sujeito, como um dos
nomes do pai a se inscrever no jovem adulto (RUFFINO, 2000b, p. 185).
No mesmo texto, Ruffino demonstra a pluralidade de aspectos da realidade
recobertos pela noção de trabalho, congregando um significante que nomeia, em
91
cada um desses aspectos, um processo com certa homologia de funcionamento,
porém atuando sobre objetos diferentes e a partir de sujeitos diferentes. Distingue
duas categorias distintas de trabalho em que se modificam palcos e atores: no
trabalho social, agrega atividade pela qual aqueles que a exercem se expressam e
inscrevem sua marca no mundo. Esta atividade tem como ator o indivíduo e como
palco a realidade histórico-social. No trabalho psíquico, a atividade, operação ou
funcionamento tem como palco o aparelho psíquico e como ator (operador) o eu,
encravado no inconsciente, por ele mesmo constituído através de alguma de suas
atividades (recalque, inibição, impedimento, supressão, recusa, denegação,
foraclusão, repúdio, amansamento, ligação, sublimação).
Retomando aos estudos de Freud, RUFFINO (2000) apresenta diferentes
estatutos da atividade nomeados como trabalho: 1) trabalho social que pode ou não
visar o sustento; 2) trabalho como atividade não pessoal no interior do aparelho
psíquico (aparelho de linguagem e aparelho neurológico); 3) trabalho como
produção inconsciente das formações que dele se apresentam à consciência; 4)
trabalho como movimento do subjetivo. Pode-se afirmar que no que tange ao
trabalho psíquico, Freud aplica o conceito de trabalho à elaboração das
representações mentais, evidenciando as transformações que se operam entre o
objeto material e o objeto psíquico, possibilitando o investimento e a função
significante onde se resume o valor simbólico do trabalho de qualquer natureza. A
essas transformações chamou trabalho pulsional, que se opera desde a fonte
orgânica até a representação do objeto no âmbito psíquico. A representação mental
sofre transformações a partir de alterações dos sistemas de valores que o Outro
Social adota no seu discurso.
KUPFER (2001) analisa, de uma maneira muito clara, o estatuto da
sublimação no campo da educação. Refere-se à sublimação que ocorre quando a
energia que empurra a pulsão, a libido, continua tendo sua origem sexual, mas o
objeto ao qual ela se dirige não mais o é; quando o destino da pulsão visa objetos
socialmente valorizados. É importante lembrar que as bases da sublimação são
fornecidas pela parcialidade das pulsões.
A fragmentação pulsional intercepta a unificação em uma identidade.
BACHA (2003, p. 181) denomina a sublimação de “renovação identificatória” e
ressalta a escola, a educação, a atividade intelectual como possibilitadora de
valorização narcísica. A atividade intelectual sublimada é apresentada como
92
destrutividade transformada, como fonte de “prazer de pensamento”, que além de
ser um destino aceitável para a agressividade, também comporta a promessa de
unificação em uma identidade.
A sublimação como um laço entre o erótico e o estético é apresentada por
JULIEN (2000), como alternativa para viabilizar o pulsional na alteridade. Este laço
opera a construção de uma resposta própria para o encontro com o vazio contido
na interrogação: como manter o desejo apesar da alteridade (onde o outro não
corresponde à projeção do si próprio e nem à ilusão de completude)? A construção
singular que suportaria avançar no desconhecido, assumir o risco em criar o novo,
não se recolher, mesmo sem saber os resultados, dar-se a ver e bem dizer, implica
em passagem e transformação – em trabalho psíquico, como diria Ruffino. No
âmbito privado implica em passar do amor de benevolência (querer o bem do outro)
ao amor do desejo e do bem dizer; no âmbito público, em superar a traição de si e
do outro pela beleza, reconhecida socialmente (estética).
Pode-se vislumbrar, nos aspectos brevemente levantados neste item, como
o trabalho psíquico e o trabalho social se entrecortam, e, pela via da renovação
identificatória movimentam a subjetividade, alimentam as transformações sociais ou
apenas suportam repetições sintomáticas.
93
4 A ESCOLHA COMO PROCESSO MEDIATIZADOR NA CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE
4.1 DESENVOLVIMENTO, EDUCAÇÃO E IDENTIDADE
4.1.1 Diferentes abordagens e perspectivas do desenvolvimento humano –
uma síntese
Até aqui, a escrita deste texto desenvolveu-se em torno de aspectos como a
adolescência, a identidade e o trabalho no mundo atual. Parece oportuno, neste
momento, articular algumas idéias a respeito de concepções de desenvolvimento,
estabelecendo conexões com o tema identidade e situando as escolhas, tema
central deste capítulo. E esta abordagem deve levar em conta o contexto, nos
aspectos desenvolvimento e educação.
Fazendo uma revisão de autores que pensam a interface entre educação e
desenvolvimento, encontraram-se várias razões que justificam a intenção de
avançar na compreensão dos processos de escolha e das representações de
identidade dos jovens no acesso ao ensino superior. Nem sempre as afirmações
desses autores têm a mesma direção. Ainda assim, e talvez precisamente por isto,
parece relevante apontar algumas delas, que levantam aspectos importantes para
este estudo.
Em COLL, PALÁCIOS e MARCHESI (1995) é discutido o papel da educação
em sua função de criar desenvolvimento, através da mediação entre o indivíduo e o
grupo social. A educação é tida como a articuladora da unidade que se constitui
envolvendo a cultura e o desenvolvimento individual. Que “unidade” é esta que se
articula entre uma cultura e certo indivíduo, senão a identidade, nas suas diferentes
nuances (pessoal, profissional, social) e seus diferentes momentos de construção?
Será que as instâncias educacionais se dão conta de que produzem identidades?
Anteriormente a 1925, os sistemas teóricos da Psicologia Evolutiva e da
Psicologia da aprendizagem ainda não haviam considerado, a não ser
pontualmente, a “educação como processo decisivo na gênese das capacidades
psicológicas que nos caracterizam como seres humanos”, concluem CUBERO e
LUQUE (2004, p. 94), que creditam esta mudança à introdução dos estudos de
Vygotsky. Segundo os estudos de Vygotsky, a natureza humana é resultado da
94
interiorização, socialmente guiada, da experiência cultural transmitida de geração
em geração.
Através das práticas educativas, os grupos ajudam seus membros a assimilar
experiências sociais historicamente acumuladas e culturalmente organizadas e
converter-se em membros ativos e agentes de criação. Sob este aspecto, a
universidade poderia ser pensada como mediadora entre o desenvolvimento
individual e o desenvolvimento da sociedade. Será que as práticas educacionais e
a mediação só existem quando convertem seus membros em agentes de criação
ativos? Quando eles reproduzem as práticas consolidadas, o que está em jogo? E
quando a transmissão que ocorre não é vista como efeito das práticas, quando há
inibição, ou ainda, quando há recusa à alienação e/ou rebeldia, não estariam
também implicadas tais práticas? O que seria de fato um objetivo válido para a
educação?
Falando a respeito do tema educação para a realidade, FREUD (1969 [1927])
em O Futuro de uma Ilusão, menciona o objetivo que valeria ao homem adquirir:
uma concepção realista em relação a si mesmo (não-narcísica), visando assumir
sem o socorro de consolos anestesiantes, “o peso da vida, a realidade cruel”. Freud
pergunta mais do que responde e o faz colocando em questão as possibilidades da
educação frente às discórdias, ao sexo, à morte, à maturidade, à primazia da razão.
A tarefa de educar é colocada em questão tanto quanto a de curar e de governar,
sendo elencada na ordem do insolúvel e difícil de realizar, a não ser de forma
idealizada.
Segundo KUPFER (2001), na ação de educar ocorre uma transferência de
poder, colocada na figura dos educadores, quando estes são investidos da relação
afetiva que traz consigo a força das influências primitivas dos alunos. Esta força
subordina à força de um ideal aquele que se submete. É o encontro do desejo
daquele que ensina e daquele que aprende que complica a tarefa de ensinar: É o
desejo do professor que justifica que ele esteja ali, mas estando ali ele precisa
esvaziar-se do seu desejo para que o aluno se liberte daquele a que se submete e
subordina, à imagem de um ideal.
Por afirmativas deste tipo e outras, houve um afastamento entre Psicanálise e
Educação. Vários estudiosos, alguns citados neste trabalho, têm trabalhado neste
re-encontro. BACHA (2003) se dispõe a tecer pontos deste entrelaçamento,
resgatando a Educação enquanto processo que vai além daquilo que ela chama
95
fast food do contexto formativo contemporâneo”. A autora não recua diante das
fantasias que perpassam pelo imaginário dos atores nas práticas educativas e
brinca, mostrando diferentes faces do educador – aquelas que se interpõem entre a
de policial e a de anarquista – e se mostram como lavrador, escultor, lirista,
sacerdote, libertino, sereia, mestre-cuca, herói que gosta de brincar, tantas
dimensões da experiência de educar. Falando do infantil, do feminino, do idealizado
e do sublimado, Bacha percorre caminhos entre meios e fins, repressão,
adaptação, sugestão, imaginário, verdade, castração e conhecimento.
Fica difícil colocar, a partir destas perspectivas, questões sob a ênfase do
desenvolvimento, como algo estanque. Em trabalho anterior (CAVALLET;
DENARDI; DIRCKEN; HARO, 1998), o tema foi desenvolvido e algumas
observações são interessantes relembrar neste momento.
Entende-se por desenvolvimento o conjunto de processos de transformação
que afetam os organismos vivos, as instituições humanas (sociedade, cultura,
economia, etc) e ainda suas diferentes propriedades. Em Psicologia, esta noção é
empregada para designar fatos da evolução que caracterizam a ontogênese, o
conjunto de processos de desenvolvimento e de aquisição próprios de um indivíduo
– cognição, afetividade, psicomotricidade, personalidade e outros (DORON e
PAROT, 1998).
Os fatores potenciais de desenvolvimento e seus respectivos pesos revelam-
se de difícil consenso, operacionalização e mensuração. O assunto foi estudado em
determinados momentos da história, ora priorizando uns ora outros aspectos
específicos, sendo que algumas contribuições quanto ao estudo do tema podem
ser sucintamente distinguidas da forma seguinte:
Segundo os referenciais do construtivismo Piagetiano, o desenvolvimento é
produto das interações entre organismo e meio, marcado por desequilíbrios e
equilíbrios, comandados por mecanismos reguladores.
Os estudos de Piaget concentraram-se em explicar o que ocorre e como se
pode atingir o que há de novo de uma fase para outra do desenvolvimento, como
se dá o aperfeiçoamento do conhecimento e como as novidades são adaptadas a
partir de conhecimentos limitados. O conhecimento adquire a dimensão de
interação entre o indivíduo e o objeto. O indivíduo tem papel ativo na construção de
seus conhecimentos e de suas estruturas, pelo processo dinâmico de construção
da própria estrutura. As estruturas, ao mesmo tempo em que se apresentam como
96
totalidades, são pontos de partida para novas estruturas, constituindo um sistema
de transformações, com possibilidade de construção de novas estruturas ou
alargamento da estrutura inicial. A gênese (formação das funções) e a estrutura
(organização das funções) são solidárias e indissociáveis. As estruturas se
constroem pela interação que se dá entre as atividades do indivíduo e as reações
do objeto. Cada uma das fases é necessária ao aparecimento da seguinte e supõe
a precedente.
Na ordem seqüencial preconizada nos estudos Piagetianos, as funções se
apresentariam primeiramente como inteligência sensório-motriz; depois como
função semiótica ou representação do pensamento pré-operatório, expressa pela
linguagem, o jogo simbólico e a imagem mental; seguindo, apresentam-se as
operações concretas, aplicadas diretamente sobre os objetos, interiorizáveis e
reversíveis no sentido da adição e da subtração (dependendo de alguma coisa que
se conserve – substância – para que haja a seqüência de raciocínio na direção do
peso e do volume); e, finalmente, no nível das operações formais, quando a direção
se abstrai dos objetos diretamente. O funcionamento da estrutura é o patamar de
equilíbrio da gênese e sua necessidade é a coerência de organização interior. A
linguagem funcional da estrutura se dá por assimilação, acomodação e equilibração
(BRINGUIER, 1993).
As aprendizagens se assentam sobre um processo de acomodação ativa, que
carrega em si mesmo conflitos, erros e reformulações, que tornam imprevisíveis e
não padronizáveis os procedimentos de resolução de problemas e as passagens de
nível estrutural do conhecimento. O que opera esta imprevisibilidade seria aquilo
que Piaget denominou de inconsciente cognitivo
54
,
,
locus do mecanismo de
equilibração majorante. Toda a aprendizagem comporta uma lógica do sujeito,
segundo seus níveis de desenvolvimento, lógica esta que fornece o caráter das
significações conferidas àquilo que é percebido e às formas de organização ativa
dos fatos. Os processos majorantes de (re)invenção e (re)descoberta do
conhecimento compartilhado socialmente são suportados pelo mecanismo da
abstração reflexionante, nome designado ao processo psicológico do
desenvolvimento dos conhecimentos ao qual se subordinam as aprendizagens.
54
Piaget dá o nome de inconsciente cognitivo ao funcionar estrutural que se enraíza nas
coordenações nervosas e orgânicas (funcionar auto-regulador da expressão da vida), onde o
sujeito é consciente do conteúdo-resultado, porém, não das razões estruturais e funcionais que
determinam o ato cognitivo no instante em que ele ocorre (LAJONQUIÉRE, 2002, p. 81)
97
As funções cognitivas que respondem pela constituição do sujeito, enquanto
sujeito epistêmico, resultam de três grupos de processos: a) coordenação
progressiva entre esquemas de diferente natureza epistêmica, por meio da
assimilação e acomodação recíproca de esquemas que se somam; b) assimilação
de objetos aos esquemas de ação do sujeito e a acomodação dos sujeitos aos
objetos; c) e aquilo que assegura a diferenciação e a integração dos esquemas em
outro esquema mais geral, que orienta a finalidade das ações. As lacunas que
surgem da incompletude do estado atual do sistema dão lugar a nova procura, que
tende a completá-lo ao mesmo tempo em que o diferencia. Nesta perspectiva, os
desequilíbrios perturbadores decorrem de conflitos provenientes da resistência que
os objetos exteriores oferecem à assimilação, dos obstáculos à assimilação
recíproca entre esquemas e das lacunas de conhecimento para resolver um
problema, alem da ausência de objeto ou de condições para efetivar uma ação
(LAJONQUIÉRE, 2002).
Desta forma, pode-se concluir que o desenvolvimento, segundo a teoria
Piagetiana, está subordinado a fatores como maturação, experiência com objetos e
com pessoas, e fatores endógenos – equilibração – que coordenam as trocas entre
o sujeito e o meio.
Para Vygotsky, o desenvolvimento apresenta caráter descontínuo e sua
natureza se altera, passando do biológico para o sócio-histórico. É um processo
que subentende a interação social e a existência de duas vias de desenvolvimento:
a primeira, ancorada na ação dos fatores internos, e a segunda, resultante da
apropriação, seguida da interiorização pelo indivíduo, de significações sócio-
históricas pré-construídas.
Segundo COLL, PALÁCIOS e MARCHESI (1995)
55
, resgatando conceitos
inicialmente formulados por Vygotsky, os processos psicológicos superiores ou
complexos aparecem no plano da relação interpessoal, sendo mediados por signos
intercambiados no meio humano significativo. No processo de desenvolvimento
cultural, o ser humano torna sua a cultura do grupo social ao qual pertence e realiza
as aquisições que o qualificam, ao mesmo tempo, como ser humano e como
membro do grupo social.
55
O capítulo 25 traz uma síntese bastante interessante sobre desenvolvimento psicológico e
processos educacionais.
98
A aquisição dos processos psicológicos superiores ou complexos não ocorre
de maneira independente da motivação, do interesse, da vontade e da confiança do
aprendiz em si mesmo e do lugar que ele ocupa nas relações com os outros.
PINO (2003, p.57) menciona Vygotsky ao relacionar “desenvolvimento
humano e educação como dois aspectos da mesma coisa”. O desenvolvimento,
tratando de como se constitui o ser humano, e a educação, concretizando essa
constituição. A educação seria “o processo pelo qual, através da mediação social, o
indivíduo internaliza a cultura e se constitui em ser humano”.
Na interpretação de POZO (1998), o pressuposto básico da teoria de Vygotsky
é que o homem atua sobre os estímulos externos do meio, transformando-os
através da mediação de instrumentos – ferramentas e signos. Este processo ocorre
de acordo com a lei da dupla formação dos significados e conhecimentos, que são
adquiridos em dois tempos: primeiro entre pessoas (nível interpessoal) e depois no
interior da pessoa (nível intrapessoal). Desta forma, surge a afirmativa de que o
homem não imita e nem constrói os significados, ele os reconstrói.
A aprendizagem viria temporalmente primeiro, e, através dos instrumentos
mediadores, seria interiorizada, configurando-se como desenvolvimento. O
desenvolvimento se apresentaria de formas diferentes em relação a diferentes
aspectos da atividade humana. Em estado efetivo, o desenvolvimento se apresenta
quando os mediadores estão interiorizados e o indivíduo consegue agir em
determinado aspecto de maneira autônoma. Uma outra perspectiva, enfatizada por
Vygotsky, é o desenvolvimento potencial, como é designada a condição em que a
pessoa é capaz da realização da atividade com a ajuda de pessoas ou
instrumentos mediadores externos. Os momentos transitórios, do desenvolvimento
potencial (zona de desenvolvimento proximal), devem receber uma atenção
especial; eles deveriam definir as estratégias pedagógicas.
Segundo as teorias comportamentalistas, o desenvolvimento é produto da
aprendizagem e está, portanto, sob a ação do meio e, mais precisamente, das
contingências de reforço. Manifesta-se essencialmente, pelo enriquecimento do
repertório comportamental. O organismo aprende a produzir as respostas que lhe
permitem adaptar-se ao seu meio.
Numa concepção sistêmica, a idéia de crescimento tem a conotação básica de
ampliação de contato com o espaço interno e externo. Crescer implica em
aumentar de volume, e desenvolver implica a aquisição dos recursos necessários
99
para um intercâmbio efetivo com o meio ambiente interno e externo. Tanto crescer
sem se desenvolver, como desenvolver sem crescer pode ser limitante, porque o
sistema, chegando a um nível mais elaborado de funcionamento e troca, está apto
a ampliar seus horizontes. Caso não o faça, corre o risco de se fechar sobre si
mesmo, o que poderia levar a uma estagnação, pela redução da recepção de
influências de um meio externo mutável. Para arcar com a dimensão de um porte
que se avoluma, o crescimento deveria ser complementado com o
desenvolvimento. E o desenvolvimento, para que possa romper com os limites de
sistema entrópico, deve também buscar o crescimento.
Para as teorias humanistas, o indivíduo cresce à medida que maximiza seu
potencial, a partir da satisfação de suas necessidades individuais. Essas exigências
obedecem a uma seqüência pré-determinada, em uma ordem crescente de
sofisticação, que seria comum aos seres humanos. Quanto mais desenvolvido for o
estágio em que se encontra a pessoa, mais ampla a possibilidade de sua
contribuição ao grupo e à sociedade como um todo.
ROGERS (1997) descreve um processo de expansão e maturação das
potencialidades da pessoa, que denomina de “vida plena”, que poderia ser
chamado de desenvolvimento pessoal, em amplo sentido.
Para MOSCOVICI (1997, p.37), o desenvolvimento pessoal abrange
autopercepção, autoconscientização e auto-aceitação, como pré-requisitos à
possibilidade de percepção mais realística dos outros e da situação interpessoal.
Em Wallon encontra-se a preocupação de não fragmentar o desenvolvimento
humano. Em torno da noção de pessoa total, refere-se a um desenvolvimento não
linear, portanto, marcado por rupturas e crises, onde o conflito entre os movimentos
de ordens e funções diferentes é propulsor da evolução. Há alternância das
funções afetividade e inteligência, e integração delas com o ato-motor. Wallon
procura compreender o sujeito numa perspectiva dialética, em que as forças
conduzem à crescente diferenciação eu-outro (BASTOS, 2003).
As palavras crescimento e desenvolvimento adquirem diferentes conotações
decorrentes do enfoque teórico, da visão de ser humano e perspectivas da filiação
daqueles que os utilizam. Cada uma das contribuições revela partes da
complexidade que caracteriza as humanidades. Considera-se importante o caráter
de processo inacabado e passível de transformações contínuas, tanto nos
100
processos intrínsecos dos desdobramentos da existência humana, como nas
teorizações a este respeito.
No final de um outro trabalho, CAVALLET (2002) interrogou-se sobre a
questão do desenvolvimento, articulando elementos da Educação e da Psicanálise
– a propósito de algumas reflexões sobre o tema Crescendo com o outro nas
relações escolares. Nesta ocasião, ganharam força as perspectivas do encontro
com o outro em diferentes momentos da subjetividade.
Numa aproximação com a visão Freudiana, encontra-se o desenvolvimento
com seu caráter de armadura instalada por uma dimensão corporal, humanizada e
representada pelo símbolo. O termo desenvolvimento traz referência ao tempo,
elevado à dignidade de uma memória e uma historicidade. É o tempo de um sujeito,
não um tempo cronológico, mas o tempo em que o simbólico revela sua
ascendência na forma de memória reconstruída e antecipante. Nesta perspectiva, o
reconhecimento da história vincula-se indissociavelmente ao reconhecimento do
inconsciente, pois se trata de perfazer a historização atual dos fatos que
determinaram na existência do sujeito certas voltas, eventuais regressões, fixações
e a ancoragem psíquica em uma inércia temporal de repetição. A subjetividade é
produzida dialeticamente na trama temporal de uma existência (GUILLERAULT,
1996).
Segundo BIRRAUX (1996), a idéia de desenvolvimento, quando enfocada
psicanaliticamente, está intrinsecamente associada à idéia de desenvolvimento
psicossexual e remete a uma reflexão sobre o desejo e a temporalidade. Há algo
de biológico (pulsional), algo de psicológico, de psicossexual. Entretanto, estas são
meras instâncias que poderão adquirir caráter singular por ser ou não tratadas na
história do indivíduo. Uma dialética se estabelece entre desenvolvimento e história,
ficando, o primeiro, na ordem do pré-estabelecido, e a segunda, aberta à
singularidade.
Conclui-se, então, que a possibilidade de crescer está contaminada pela
subjetivação, ou seja, pela possibilidade de se apropriar de conceitos, de um saber
que é próprio e singular e que acaba sendo determinante de potencialidades, que
podem ou não ganhar o estatuto de implicar, de entrar ou não na priorização, de
poder ou não abrir mão.
Neste momento, pretende-se, ainda, agregar a perspectiva de Erikson, que
considera o desenvolvimento na sua forma psicossocial, a qual é considerada como
101
uma complementação da abordagem psicossexual da Psicanálise. Nessa
abordagem, são enfocadas diferentes manifestações do ego em relação a
diferentes estágios do ciclo de vida. A natureza do entrelaçamento dos estágios, e
mesmo da própria existência de um ser humano, está na dependência de três
processos de organização que se completam, seja em que ordem for: o processo
biológico da organização hierárquica dos sistemas de órgãos que constituem o
corpo (soma); o processo psíquico que organiza a experiência individual através da
síntese do ego (psique); e o processo comunal da organização cultural, da
interdependência das pessoas (etos) (ERIKSON, 1998, p. 27).
Afirma ERIKSON (1998, p. 27-28) que cada órgão tem seu tempo de origem,
um tempo de desenvolvimento, e um tempo de ser modificado. Os modos dos
órgãos (incorporação, retenção, eliminação, intrusão e inclusão) regulam o vínculo
entre o desenvolvimento psicossexual e o psicossocial. O prazer e a
intencionalidade são dirigidos por cada um destes modos, em seus respectivos
tempos.
Ainda segundo ERIKSON (1998), o desenvolvimento humano é conduzido por
mudanças de ênfase marcantes e dramáticas. Se, em princípio, elas são marcadas
pela dependência da criança humana, num tempo seguinte ela mesma precisa
aprender a ficar sobre seus próprios pés, adquirir firmeza na posição vertical, e isto
cria novas perspectivas com significados decisivos.
Cada etapa do desenvolvimento recebe confirmação experiencial (o eu
experimenta) e lingüística (é falado, nomeado, inserido na cultura), ambas
importantes e válidas ao ego inconsciente e ao eu consciente. A maneira individual
de dominar a experiência teria, segundo Erikson, um correlato numa síntese de
ego. Cada conquista do desenvolvimento, como por exemplo, caminhar, contribui
para uma confirmação da auto-estima – “reflete a convicção de estarmos
aprendendo a dar passos competentes, rumo a um futuro compartilhado e
produtivo, adquirindo, no caminho, uma identidade psicossocial” (ERIKSON, 1998,
p. 41).
As proibições e prescrições dos cuidadores são internalizadas tornando-se
parte do superego – a censura interior que faz com que nos importemos; elas
também marcam um ideal de ego que nos faz buscar e admirar um self superior,
ajuda encontrar mentores e a confiar neles.
102
Erikson também destaca a importância das ritualizações, descritas como
interações informais que se repetem em intervalos significativos e contextos
recorrentes, expressando a maneira pela qual o grupo, denominado como nós, faz
as coisas. As ritualizações têm caráter adaptativo e sublimatório para os
participantes da vida em comum. Elas estimulam e orientam o investimento
instintivo no processo social.
Ao discorrer sobre o brincar, apresentado como um bom exemplo de como
cada tendência importante do desenvolvimento epigenético continua se expandindo
e desenvolvendo pela vida afora, Erikson refere-se ao poder ritualizador da
brincadeira. Afirma que o brincar “é a forma infantil da capacidade humana de lidar
com a experiência, ao criar situações-modelo e ao dominar a realidade através do
experimento e do planejamento”. Em fases cruciais de seu trabalho o adulto
também
...brinca com experiências passadas e tarefas antecipadas, começando com aquela atividade
na auto-esfera chamada pensamento. Mas, além disso, ao construir situações-modelo não
apenas em dramatizações claras (como em “peças teatrais” e na ficção), mas também no
laboratório e na prancha de desenho, nós inventivamente antecipamos o futuro do ponto de
vista vantajoso de um passado corrigido e compartilhado, conforme compensamos os nossos
fracassos e reforçamos as nossas esperanças. Ao fazer isso, nós obviamente precisamos
aprender a aceitar e a nos virar com aqueles materiais – sejam eles brinquedos ou padrões de
pensamento, materiais naturais ou técnicas inventadas – que são colocados à nossa
disposição pelas condições culturais, científicas e tecnológicas do nosso momento histórico
(ERIKSON, 1998, p. 47).
Os estudos de Erikson sobre o desenvolvimento psicossocial sustentam a
concepção de identidade como uma construção. Segundo ERIKSON (1998), a
identidade pode ser representada pela metáfora de uma “matriz existencial”, que é
reorganizada constantemente através de identificações selecionadas, sintetizadas e
integradas pelo EU, resultando numa posição psicossocial diferenciada. A
conquista da identidade depende de um reconhecimento pelos outros, o que ajuda
a encontrar um lugar na sociedade. A identidade seria responsável por gerir o
comportamento e as formas de representação a respeito de si, dos projetos,
expectativas, além de coordenar as próprias experiências.
Numa perspectiva desenvolvimentista da construção da identidade, a
adolescência caracteriza-se como o momento em que ocorreria uma configuração
da identidade, momento de superar o desafio de integrar a personalidade,
formando uma identidade pessoal, uma síntese que articularia muitos referenciais,
103
e que permitiria fazer-se presente na participação da vida comunitária. O conflito
psicossocial básico da adolescência é traduzido como dependência X
independência. Para integrar-se ao mundo dos adultos, é esperado que o
adolescente solucione o problema da escolha profissional, desenvolva relações
satisfatórias com a sexualidade, conquiste a própria identidade e emancipe-se de
sua família de origem.
As diferentes abordagens do desenvolvimento apontam, implícita ou
explicitamente, a aquisição identitária como ‘concepções do si mesmo’ e articulam
essas concepções com funções cognitivas, afetivas e conativas, com as
experiências e as relações que as constituem e, dialeticamente, marcam o corpo
biológico e as funções psíquicas.
4.2 ESTRUTURAS DE AUTO-REGULAÇÃO DE TROCAS (EGO,
AUTOCONCEITO, MEDIAÇÃO DOS SIGNOS) E CAMINHOS DO
DESEJO
A aproximação com diferentes perspectivas de desenvolvimento parece
fornecer um fio condutor das articulações deste texto. Neste item, o objetivo é
articular o desenvolvimento do autoconceito, com o desenvolvimento do ego e o
desenvolvimento cognitivo ou da complexidade conceitual.
SIMÕES (1995) trabalha articulando esses três eixos de desenvolvimento em
um trabalho focado na Psicologia da Educação. Estes conceitos são mais
conhecidos no campo da Educação do que outros relativos à subjetividade, apesar
de que eles são tomados, a maioria das vezes, em uma perspectiva indiferenciada.
Sem nos deter a uma análise pormenorizada do trabalho de Simões, nos
serviremos um pouco da extensa revisão de literatura elaborada pela autora, que
estimulou alguns raciocínios da elaboração conduzida neste trabalho.
Simões aponta a carência de uma teorização integrativa dos modelos em
relação ao desenvolvimento psicológico do adulto, que repercutem negativamente
na concepção dos processos formativos e na elaboração dos programas
56
. Na
concepção que a autora privilegia, os processos formativos precisam levar em
consideração aquilo que o educador é, ou pensa ser como pessoa e futuro
profissional. O mesmo deve ser considerado em relação ao aluno. As concepções
56
A autora analisa o caso específico da formação de professores.
104
que as pessoas têm de si interferem na sua interação com o mundo exterior e na
sua competência.
O sistema de percepções é variável entre os indivíduos e no próprio indivíduo.
Este sistema comporta crenças objetivas, positivas, negativas, às vezes,
distorcidas. Às vezes, tais crenças se apresentam separadamente, mas também
podem ocorrer simultaneamente. As crenças incluem propósitos particulares, com
significados internos ou externos, além de complexas redes de relações e
representações de cada pessoa, que respondem a necessidades do self e auto-
referências anteriores, relativamente resistentes às mudanças
57
.
Simões historiciza cada uma das perspectivas de desenvolvimento
mencionadas. Uma síntese é apresentada nos próximos parágrafos e na Figura 5.
No conceito operacionalizado para os estudos do ego, SIMÕES (1995) se
dispõe a considerá-lo como uma instância que extrapola os estágios primitivos da
constituição do eu e do surgimento das instâncias do aparelho psíquico.
Deslocando-se dos conceitos psicanalíticos convencionais, privilegia o ego como
uma instância que forneceria uma definição essencial da pessoa e das suas
principais convicções acerca de si mesma e da sua relação com o mundo físico e
social. Essa instância teria uma relativa estabilidade, com a função de preservar a
identidade. Assim considerando, o desenvolvimento do ego seria um processo
guiado pela sua finalidade e significado (de preservar a identidade). Tendo uma
estrutura social como origem e sendo dotado de certa estabilidade, o ego
sustentaria o funcionamento como um todo relativamente articulado. O
desenvolvimento do ego ocorreria de forma progressiva através da diferenciação e
complexificação do funcionamento do indivíduo, em estágios nomeados como: pré-
social ou simbiótico, impulsivo, autoprotetor, conformista, de transição entre
conformista e consciente, individualista, autônomo e integrado.
No segundo campo de estudos do desenvolvimento proposto por Simões,
destaca-se o desenvolvimento cognitivo, ou, como ela denomina, desenvolvimento
da complexidade conceitual, numa forma que articula as perspectivas do
desenvolvimento cognitivo com a perspectiva do desenvolvimento conceitual. As
formas de conceitualização teriam sua variação desde uma abordagem mais
concreta, não socializada, com processamento rudimentar da informação, até um
57
Elas se colocam como filtros que protegem a integridade do self de ameaças.
105
nível complexo em que o indivíduo conseguiria se auto-responsabilizar e organizar
a informação exterior de modo diferenciado e elaborado, passando por níveis
intermediários de conformismo e dependência do contexto. Todos os estágios
teriam uma relação intrínseca com os níveis de socialização. O primeiro estágio
corresponderia ao modo simplista e concreto da pessoa não socializada; o
segundo, seria caracterizado pelo direcionamento para um comportamento social
aceitável, porém considerando a realidade em termos dicotômicos; no terceiro,
aparece a articulação de pontos de vista do outro, questionamentos e abertura para
questões consideradas anteriormente como absolutas; e o quarto e último estágio
sendo caracterizado pela interdependência e a autocompreensão, pela
complexidade cognitiva e a maturidade interpessoal, com atitudes diferenciadas em
relação às regras e atitudes de defesa em relação à dependência.
SIMÕES (1995) também desenvolve a perspectiva do desenvolvimento do
autoconceito, discorrendo sobre teorias em que este é considerado como o
componente cognitivo da apreensão de si próprio, como objeto de conhecimento,
baseado nas estruturas cognitivas do próprio sujeito. Desta forma, o autoconceito
seria um processo de construção teórica a respeito de si próprio, que se elabora a
partir da totalidade das experiências significativas, organizando-as para que
possam ser utilizadas na interação com um mundo complexo, contraditório e em
mutação, mantendo, ao mesmo tempo, a identidade e a auto-estima.
A autora descreve quatro estágios do desenvolvimento do autoconceito,
baseando-se em um modelo de Weinstein e Alschuler
58
, a partir de diferentes
operações mentais, tais como categorização, atribuições de causalidade,
identificação hipotética de ações e conseqüências alternativas.
No estágio elementar são identificadas limitações para compreender e integrar
acontecimentos e extrair significados. No seguinte, denominado situacional,
relações de causa e conseqüência são estabelecidas, porém os relatos são
genéricos e estereotipados. Num terceiro momento, denominado configuracional,
são identificadas respostas internas e estáveis, com relativa independência das
situações imediatas; são explorados padrões de autoconhecimento e relações mais
complexas com diferentes contextos sociais. Finalmente, no último estágio, é
58
WEINSTEIN,G. & ALSCHULER, A S. (1985) Educating and counseling for self-knowledge
development. Journal of Counseling and Development. 64: 19-25.
106
considerada a possibilidade de que o indivíduo se assuma como alguém capaz de
orientar-se, gerir ou modificar seus próprios repertórios de comportamento, além de
conquistar a capacidade de extrair satisfação e significado das situações com
menor dependência externa. Este último estágio é denominado transformacional.
No quadro a seguir, procurou-se estabelecer correlações entre as formas de
desenvolvimento acima mencionadas – desenvolvimento do ego, desenvolvimento
cognitivo e do autoconceito, da forma como se apresentam em SIMÕES (1995),
com o objetivo de possibilitar a visualização das correspondências e possíveis
implicações entre estas três formas de transformação. As correlações entre estas
três formas de desenvolvimento, tal como são apresentadas, ajudam a pensar o
problema de pesquisa no que se refere às concepções de si no acesso ao ensino
superior, quando há a suposição de que existe um patamar de desenvolvimento
cognitivo mais complexo do que o precedente, havendo ainda o interesse em
ampliar conhecimentos acerca do abandono de cursos, desinteresse, qualidade do
ensino-aprendizagem e desgaste excessivo nas relações professor-aluno.
FIGURA 5 – COMPARAÇÕES ENTRE O DESENVOLVIMENTO DO EGO, O DESENVOLVIMENTO
COGNITIVO E DO AUTOCONHECIMENTO, ELABORADAS PARA ESTE ESTUDO A PARTIR
DE ESTUDOS DE SIMÕES (1995)
Desenvolvimento do ego
Desenvolvimento
cognitivo
Desenvolvimento do
autoconceito
T
eo
r
ia
Loevinger Hunt – Desenvolvimento da
complexidade conceptual
Weinstein, Alschuler e Yvey
C
O
N
C
E
I
T
O
O desenvolvimento do ego é um processo
guiado pela sua finalidade e significado de
preservar a identidade - uma estrutura –
social quanto à sua origem, dotada de certa
estabilidade e que funciona como um todo.
O ego fornece uma definição essencial da
pessoa, de suas principais convicções
acerca de si mesma e de sua relação com o
mundo físico e social.
Desenvolve-se como processo, através da
diferenciação e complexificação do
funcionamento do indivíduo.
Formas de conceituação
que vão desde uma
abordagem concreta, não
socializada, com
processamento rudimentar
da informação, até um nível
complexo em que o
indivíduo se auto-
responsabiliza e organiza a
informação exterior de modo
diferenciado e elaborado,
passando por níveis
intermediários de
conformismo e dependência
do contexto.
Processo de construção teórica
de si próprio. O indivíduo,
baseado em sua estrutura
cognitiva e nas suas
experiências significativas,
organiza-as para utilizar na sua
interação com o mundo
complexo, contraditório e em
mutação, mantendo ao mesmo
tempo a identidade e a auto-
estima. Reconstrução e gestão
da experiência, utilizando
operações mentais como
categorização, causalidade e
identificação hipotética de ações
e conseqüências.
1 Pré-social, simbiótico – predominam
processos de diferenciação com o meio.
Necessidades físicas, carência de
funcionamento adaptativo e ligação intensa
com a mãe ou substituto.
E
S
T
Á
G
I
O
S
2 Impulsivo – como função simbólica surge
nos primórdios do ego, através das relações
interpessoais. O indivíduo apresenta-se
dependente e, ao mesmo tempo, exigente.
Os outros são vistos como bons ou maus de
forma estereotipada. Concepções concretas
e egocêntricas.
Modo simplista, pessoa
não socializada -
funcionamento em um nível
concreto, evita imposições
do meio. Não há lugar para
o múltiplo e o ambíguo.
Elementar – limitações na
capacidade de compreender os
acontecimentos e integrá-los de
forma a extrair significados
relevantes. Dificuldade de
orientar-se em relação a seus
estados internos.
Autoconhecimento fragmentado.
107
Desenvolvimento do ego
Desenvolvimento
cognitivo
Desenvolvimento do
autoconceito
3 Autoprotetor – atitudes defensivas e
obediência. A vida interior é descrita em
termos fisiológicos. Manipulação dos outros
para satisfazer suas necessidades. As
regras são observadas em função dos
benefícios imediatos. Sente culpa, mas não
se sente responsável por suas ações.
Realidade encarada em
termos dicotômicos –
direcionamento para um
comportamento social
aceitável.
4 Conformista – busca conformidade aos
outros. Identifica-se com figuras de
autoridade. Aceita regras do grupo. A
amizade é valorizada. Preocupações
centradas nas aparências, reputação e
aceitação. Percepção das diferenças dos
que estão fora do grupo de referência.
Distingue mal estar físico e mental.
Situacional – identifica relações
de causa e conseqüências, mas
os relatos são genéricos e
estereotipados.
5 Transição entre conformista e
consciente – maior riqueza de vida interior
e complexidade conceitual. Indícios de
autoconsciência. Discordâncias com certos
estereótipos. Embora persista a
dependência de fatores externos, as regras
são menos absolutas.
6 Consciente – objetivos de longo prazo,
analise das situações e auto-avaliação.
Menor dependência da opinião dos outros.
Compreensão de padrões de
comportamento. Escolha de regras de
orientação. Maior visão e diferenciação,
menos competição. Relações mútuas e
aumento da responsabilidade pelos outros.
Questionamento e abertura
para aquilo que
anteriormente era visto
como absoluto. Articula
pontos de vista do outro e
surgem preocupações
acerca da identidade.
Configuracional – identifica
respostas internas, relativamente
estáveis e independentes das
situações imediatas. Explora
padrões de autoconhecimento e
relações mais complexas com
diferentes contextos sociais.
7 Individualista – reconhece paradoxos,
noção de causalidade, interesse pelo
desenvolvimento, conflitos internos e
discrepâncias entre processo e resultado,
intenções e conseqüências, realidade
interna e aparências, respostas psicológicas
e fisiológicas. Cresce sentimento da própria
individualidade, diferenças, sentido de
reciprocidade e tolerância. Independência
emocional e respeito à individualidade do
outro.
8 Autônomo – aceitação da própria
individualidade. Reconhecimento da
autonomia dos outros, da inevitabilidade dos
conflitos e de responsabilidades
contraditórias. Objetivo predominante é a
auto-realização. Tolerância à ambigüidade,
capacidade de integrar idéias. Visão mais
realista de si-próprio e dos outros.
9 Integrado – capacidade de transcender
os conflitos internos e externos e
aparecimento de um sentimento de
identidade, sentimento de integração e
unidade. Capacidade de gerir problemas
articulando autonomia, intimidade e
tolerância. Aceitação de si, do passado, das
limitações.
Interdependência e
autocompreensão –
Complexidade cognitiva e
maturidade interpessoal.
Autocompreensão, defesa
em relação à dependência,
atitude diferenciada em
relação às regras.
Transformacional – pode
assumir-se como alguém que é
capaz de orientar-se, gerir ou
modificar seus próprios
repertórios de comportamento;
capaz de extrair satisfação e
significado das situações com
menor dependência externa.
Os componentes sócio-econômico-culturais, inscritos subjetivamente por
percepções e traduções simbólicas na história dos indivíduos marcam suas
108
escolhas e ações. Estes guardam relação com as representações válidas no
contexto em que estão inseridos e que os antecedem, com intenções, valores,
atitudes e, particularmente, com as crenças auto-referenciadas e a visão da
situação que a subjetividade de cada um comporta. Os motivos e valores que uma
pessoa traz da infância e da adolescência servem como um conjunto inicial de
objetivos e restrições nos processos de suas escolhas e há a tentativa de conciliar
forças e impulsos internos com oportunidades e restrições externas. O autoconceito
passa por reveses, precisando modificar-se ou, se a situação for muito
ameaçadora, defender-se.
LOOS (2003, p. 40) analisa as crenças auto-referenciadas e as expectativas
familiares em relação a atitudes e desempenho escolar. O autoconceito, a auto-
estima e as crenças de controle percebido são expressões de diferentes enfoques
da percepção de si, que podem ser agrupados sob a denominação de crenças
auto-referenciadas. “As percepções que o sujeito tem a seu próprio respeito são
mediadoras de suas estratégias de enfrentamento das situações, no sentido de
prover (ou não) um adequado controle de suas ações e emoções”.
Em sua pesquisa, Loos constatou que, a partir da década de setenta, o
autoconceito foi apresentado de forma menos global, através de várias
facetas/categorias
59
, que se relacionam entre si. Nem todas as tentativas de
mensuração do autoconceito se mostraram consistentes. Dois estudos, porém,
apresentaram conclusões que merecem ser mais discutidas e compreendidas. O
primeiro deles
60
, mostrou uma relação direta entre autoconceito e características
desejáveis no ambiente escolar. Os alunos que apresentavam autoconceito
acadêmico positivo também se mostravam mais “cooperativos, persistentes nas
tarefas, mostrando maior liderança e menores níveis de ansiedade”, apresentando,
paralelamente, famílias mais suportivas e melhores expectativas de sucesso no
futuro, entre os professores (LOOS, 2003, p. 44).
59
O modelo multidimensional do autoconceito de Shavelson, Hubner, Stanton (1976) apresenta um
detalhamento entre o autoconceito global (relativamente mais estável) e outras facetas, divididas em
autoconceito acadêmico e autoconceito não acadêmico. O autoconceito não acadêmico se desdobraria em
autoconceito social, emocional e físico.
60
HAY, I; ASHMAN, A.F.; VAN KRAAYENOORD, C. (1998) Educational characteristics of students with high or
low self-concept. Psychology in the Schools, 35, 4, 391-400.
109
O segundo estudo
61
demonstrou que o autoconceito acadêmico pode indicar a
intenção de seguir cursos e seguir carreiras ligadas a determinadas áreas.
Autoconceito positivo, interesse e desempenho na área parecem, assim, se
correlacionar proporcionalmente.
O autoconceito acadêmico inclui as principais subáreas do conhecimento
(linguagem, matemática, ciências) e é influenciado pela comparação entre o nível
de habilidade percebido em si mesmo e o nível de habilidade percebido nos outros
estudantes do grupo de referência.
Apesar de fazer uma leitura em perspectiva teórica bastante diferente dessas
apresentadas acima, CARRANO (2000, p. 19-21) também confirma a idéia de
interdependência entre as construções teóricas que o sujeito estabelece sobre si
mesmo e os processos de aprendizagem (com todas as suas nuances)
adicionando, ainda, a perspectiva da incerteza e da temporalidade. RIBEIRO (2003)
ajuda a levantar a questão do desejo. Parece que estas posições reforçam a
condição mediadora da escolha, relacionada com autonomia, aceitação de si,
interdependência, transformações, comprometimento, como se pode acompanhar
na citação de Carrano, apoiado em Melucci
62
, e reproduzida a seguir:
O processo de referimento do sujeito, frente às múltiplas redes relacionais do seu universo
cotidiano, pode fazer com que na história individual a aquisição da identidade seja vivida como
um verdadeiro processo de aprendizagem em direção à autonomização. Para além da
necessidade de aquisição e domínio de conteúdos cognitivos, o sujeito se vê diante de
situações em que é obrigado a enfrentar e resolver novos e inesperados problemas. A
necessidade de se tornar reflexivo, aprendendo continuamente a aprender, apresenta-se
como um imperativo existencial num mundo de complexidades que requer uma mudança
constante de papéis, de códigos, de novas formas de relações. Ao se ampliar o campo da
experiência, perde-se a segurança do referencial de identidade. O sujeito sente que a certeza
de uma direção final lhe escapa, porém é impelido a escolher. Esta necessidade de escolher,
quase sempre, num quadro de escassez de tempo, pode tornar ameaçador este destino de
escolhas. Neste sentido, a aquisição de uma identidade adulta pode ser entendida como a
capacidade continuada de produzir nova identidade, integrando passado e presente, na
unidade e na continuidade de uma biografia individual (CARRANO, 2000, p. 19-20).
A possibilidade sugerida no final da citação de Carrano, de escolher na
incerteza e a capacidade de produzir uma nova identidade na continuidade de uma
biografia individual, que não tem um destino previamente conhecido, são
articuladas pela parcialidade, suportada pelo sujeito desejante. Afirma Ribeiro, a
61
KÖLLER, O; DANIELS, Z; SCHNABEL, K.U; BAUMERT, J (2000) Kurswahlen von Mädchen und Jungen im
Fach Mathematik: Zur Rolle von fachspezifischem Selbstkonzept und Interesse.
Zeitschrift für Pädagogische
Psychologie (German Jounal of Educational Psychology), 14, 1, 26-37.
62
MELUCCI, A. Il gioco dellío: il cambiamento de sé in una societá globale. Milano: editore Feltrinelli,
1991, p. 37
110
respeito desta temática que será retomada no item 4.4, que “a única razão para
renunciar, em parte, aos desejos está em assim melhor saciar, em parte, os
desejos” (RIBEIRO, 2003, p. 34-35). A possibilidade de abrir mão do ilimitado é
encontrada sob a perspectiva de melhor realizar aquilo a que se aceita estar
limitado, sem que isto estanque as escolhas.
4.3 A ESCOLHA E A AÇÃO: ASPECTOS COGNITIVOS, AFETIVOS E
CONATIVOS
O termo escolha, da forma como é utilizado no senso comum, apenas como
preferência ou opção, aparenta um esvaziamento de sentido na questão deste
trabalho. Porém, se aprofundarmos um pouco, apreendendo seus significados
filosóficos, ele fornece importantes elementos de análise.
No item anterior, demonstrou-se como a capacidade de fazer escolhas está
implícita no desenvolvimento do ego, e como isto interfere na aceitação de si, das
próprias limitações, da diferenciação em relação aos demais, e, portanto, em
transformações ao nível da identidade e do relacionamento interpessoal.
Em ABBAGNANO (1998, p. 345) encontra-se, no verbete sobre escolha, uma
correspondência com o “procedimento pelo qual determinada possibilidade é
assumida, adotada, decidida ou realizada de um modo qualquer, preferentemente a
outros”. Em seguida, é explicitada a interdependência entre escolha e possibilidade
– a possibilidade oferecendo-se à escolha e, por outro lado, a antecipação ou
previsão das possibilidades apresentando-se como escolhas.
Dewey
63
evidencia uma outra característica da escolha, a de ser uma
preferência unificada que emerge de um conjunto de preferências competitivas.
Desta forma, uma escolha racional seria aquela que unificaria e harmonizaria
diferentes tendências concorrentes, inevitável em situações que exigem reflexão
(ABBAGNANO, 1998).
A ‘escolha da escolha’, uma especificação de Kierkegaard, enfatizaria o valor
da escolha no que se refere ao conteúdo da personalidade, que se aprofundaria na
coisa escolhida. Por outro lado, o não exercício da escolha implica em
63
Human nature and conduct, 1929.
111
definhamento da personalidade. Fica assim estabelecida a importância entre
escolher ou não escolher, na estruturação da personalidade (ABBAGNANO, 1998).
Ainda no mesmo verbete, é apresentada a visão de Heidegger sobre a
escolha autêntica, como sendo aquela daquilo que já foi escolhido, e a escolha das
possibilidades que já são do homem – opção por uma possibilidade que tem raiz no
si-mesmo, aquela que possibilita o seu autêntico poder ser.
ISSAHAROFF (1999, p. 33-34), em um artigo em que se ocupa em pensar a
Psicanálise, a mente e a ação, fornece outras duas idéias relevantes para este
trabalho. A primeira delas é aquela que apresenta aquilo que ele chama de um
consenso entre a Psicanálise, as teorias psicológicas e as neurociências, e que diz
que “toda a ação deve ser tomada como uma ação em um contexto interno global”.
A outra idéia surge apoiando-se em estudos de Rangel
64
, e apresenta o eu “como
um agente de decisão”, e a estrutura do processo intrapsíquico “como um processo
de escolha e de decisão”.
Issaharoff interroga-se sobre a ação motivada e conclui que sua existência
depende de um aparato que possibilite pensar, construir concatenações e cálculos,
atribuir significados e organizar internamente a ação de um corpo que se move no
mundo. Dois grupos de funções atuam interativamente na ação motivada: a função
que garante que o evento motor tenha êxito e aquela que realiza a interpretação do
significado da interação.
PEREZ (1999, p.61) caracteriza os estudos psicológicos intencionais como
aqueles que portam certo conteúdo ou informação, citando o exemplo das crenças,
que podem se manifestar em uma pessoa, ainda que ela não seja consciente delas.
Perez apresenta a causalidade e a intencionalidade como campos para operar
instrumentalmente sobre as condutas, sendo a ação de operar a conduta
apresentada como uma alternativa interessante para viabilizar a articulação entre o
biológico e o mental.
Avançando um pouco mais neste aspecto, encontra-se em AVENBURG (1999,
p.73) a relação entre ação e ato psíquico. Avenburg apresenta a ação como o fim
do processo psíquico, como descarga, ainda que uma descarga mínima do
pensamento mediado pelas palavras. Todo o ato psíquico envolve uma descarga
percebida e categorizada como informação do que se passa no interior do corpo e
64
Rangel, L. Action Theory Within the Strutural View. International Journal of Psychoanalysis, 70:
189-203 (IJP), 1989.
112
na sua superfície. É composto de afeto e representação, está integrado no
pensamento e envolve uma ação. O ato psíquico pressupõe a integração dos pólos
perceptivo e motor e a existência de um eu, ou seja, supõe que a descarga seja
significativa para o sujeito, enquanto exista um eu que possa categorizar e
relativizar a dita descarga, dando sentido a tal ação. Eis novamente a dimensão do
eu articulada, agora com a ação, e elevado à categoria de mediador.
Mais adiante, Avenburg diz textualmente, referenciando-se em Freud, que
ação, intelecto e afeto separados ao nível descritivo, são categorias que se fundem
em análises mais aprofundadas.
Essas afirmações se articulam em torno de que os aspectos cognitivos,
afetivos e conativos se entrecruzam nas expressões humanas de maneira
indissociável, justificando-se nomeá-los diferentemente somente para compensar
uma negação histórica, oriunda de visões que acabaram por reduzir a
complexidade à especificidade de alguns de seus elementos.
Nas últimas décadas há um esforço em compensar aspectos dessa realidade
humana, negligenciados nos estudos das humanidades, particularmente naquilo
que tocam as questões da subjetividade e da afetividade, colocadas como
empecilhos à manutenção do controle e como impossíveis de estudar por
limitações metodológicas dos paradigmas científicos.
LOOS (1998, p. 26-44), em uma revisão bibliográfica sobre as grandes teorias
que tocam o contexto da cognição e da afetividade, elenca pontos da possível
articulação entre os pressupostos Piagetianos e a Psicanálise, passando pelas
contribuições de Wallon e alinhavando conceitos da teoria culturalista de Vygotsky,
com um objetivo claro de avançar as discussões acerca da interação
afetividade/cognição, suas relações funcionais e de temporalidade, sem
desconsiderar o grau de dificuldade pertinente a tal empreendimento.
Loos agrega estudos em que há a tentativa de superar a separação entre as
funções cognição e afetividade, pela via da análise do ambiente
65
. A avaliação
pessoal dos eventos toma como referências o caráter de novidade, o fato de ser
agradável ou desagradável, a possibilidade de atender objetivos e realizar projetos,
a capacidade de proporcionar recompensa (sucesso) e a compatibilidade com as
normas interiorizadas.
65
LEVENTHAL, H.; SCHERER, K (1987) The relationship of emotion to cognition: a functional
approach to a semantic controversy. Cognition and Emotion, 1: 3-28.
113
Em estudo posterior, LOOS (2003) estuda as crenças auto-referenciadas,
auto-avaliações que dependem do quadro de referência usado pelo indivíduo. As
crenças de controle, incluídas nas crenças auto-referenciadas, e também
estudadas por Loos, são representações subjetivas percebidas pelo indivíduo a
respeito de suas possibilidades e recursos para controlar situações – ambiente e o
próprio comportamento. Essas crenças, ligadas ao autoconceito e nutrientes da
auto-estima, se organizam como um conjunto, em torno de interpretações de
experiências prévias. Fazem parte do sistema de competência
66
e respondem pela
geração de expectativas sobre a capacidade de produzir efeitos esperados e
impedir os indesejados. Respondem também pelo planejamento, pela iniciativa,
pela orientação das ações dirigidas a metas.
As crenças, desenvolvidas gradualmente pelo processo de descoberta, têm
papel central nas respostas emocionais e atitudinais. Mesmo quando há desacordo
entre as crenças e os dados da realidade, elas desempenham papel relevante. Os
indivíduos parecem ser mais influenciados pelas suas expectativas do que pelas
conseqüências observadas na realidade objetiva. Novas regras, para gerar e
regular os padrões de ação, são aprendidas por meio da observação dos outros ou
por repetidas experiências, ajudando a formular expectativas mais realistas.
Diversas teorias de controle percebido foram estudadas por LOOS (2003, p.
45-54) enfatizando pontos específicos do sistema de competência como unidade
central de análise, tais como locus do controle (interno ou externo); conexões
causais (esforço-conseqüência); flutuação da causa e grau de controlabilidade;
autopercepção de eficácia; ação e comportamento dirigido a metas. Este último,
que representa o modelo com centralidade na ação e no comportamento dirigido a
metas, foi desenvolvido por Ellen Skinner
67
, e foi considerado um dos mais
elaborados.
As crenças de controle respondem pela realimentação do ciclo do sistema de
competência, estando presentes também no início, regulando a qualidade da ação.
A ação realizada produz conseqüências, que são interpretadas no que concerne ao
grau de eficácia dos meios utilizados, e com relação às possibilidades de controle,
por parte do indivíduo. Tais interpretações alimentam as crenças de controle sobre
66
Sistema que tem a função de regular e interpretar as interações com o ambiente, especialmente
as ações dirigidas a metas (LOOS, 2003, p. 47).
67
SKINNER, E. A Perceived Control, Motivation, & Coping. Thousand Oaks, London, New Delhi:
SAGE Publications, 1995.
114
causas e sobre a própria competência, e, por conseqüência, realimentam as
expectativas do indivíduo que se desempenha bem em situações semelhantes.
LOOS (2003, p. 215), citando Ajzen (2001)
68
, reforça a tendência de que a
ação das pessoas tenha conformidade com as intenções e percepções de controle
que acreditam possuir sobre o seu comportamento, sendo que tais intenções e
percepções podem atuar como facilitadoras (ou não) do engajamento e do
desempenho. Encontra-se nas observações de Loos que
...as intenções são os primeiros determinantes da ação. Intenção implica escolhas,
definição de metas e comportamento voltado para a obtenção dessas metas. Assim, o
indivíduo passa da intenção para a ação, se engajando em uma determinada atividade e
mantendo um nível tal de engajamento que o permita atingir o alvo.
Se as atitudes e as crenças de controle agem como preditoras tanto das intenções (que
possibilitam o engajamento), como do desempenho, estão ambas interligadas no seu
papel de orientar o comportamento, especialmente por causa da valência afetiva das
metas.
Na perspectiva das articulações do presente trabalho, poderia se acrescentar
à idéia e pensar que os significantes que dizem respeito ao sujeito e se atualizam
na situação, além dos efeitos do entrelaçamento de sua estruturação psíquica entre
o real, simbólico e imaginário, respondem no indivíduo por aquilo que é mobilizado
em dada circunstância.
VYGOTSKY (1991a), em A Formação Social da Mente, afirma que há uma
unidade dialética entre a inteligência prática e o uso dos signos que se faz presente
ao longo do desenvolvimento, e que esta constituiria a essência do comportamento
adulto. A linguagem contribui para o desenvolvimento de uma nova organização
estrutural da atividade prática e para a organização das funções psicológica
superiores, produzindo novas formas de comportamento - flexibilidade, ação
planejada e controle do próprio comportamento. Nessa concepção, as mudanças
da atividade intelectual verbal possibilitam o engajamento em operações
complexas. A linguagem e a atividade humana são as mediadoras, por excelência,
entre os pólos mundo e homem, sendo, então, o comportamento duplamente
mediado, pela técnica e pelo simbólico. Através da atividade humana e da
linguagem, o mundo é transformado dialeticamente em cultura, e, da mesma forma,
o homem é transformado pela cultura.
A socialização na ação ganha instrumentalização através da teoria da ação
comunicativa de Habermas, comentada em CARROLO (1997) e GUARIGLIA
68
AJZEN, I. Nature and operation of attitudes. Annual Review of Psychology, 52, p. 27-58. 2001.
115
(1999). Com relação ao adulto, as mediações entre o sujeito-ator e o objeto-mundo,
ocorreriam na socialização profissional, em momentos caracterizados por diferentes
níveis de primazia, nos quais se articulam o agir instrumental, a representação
simbólica e a interação. Nestes níveis implicam-se as esferas da produção, da
linguagem e da comunicação. Desta forma, estariam envolvidas diferentes posições
da identidade, como aquela que reivindica, que representa e que é reconhecida;
diferentes posições do sujeito – passiva, ativa, reflexiva.
4.4 O PROCESSO DE ESCOLHER E A TOMADA DE DECISÃO
Escolher é um processo complexo, que tem implicações nas esferas afetiva,
cognitiva, motora e sócio-histórica. Escolher não é um ato isolado, é um ato que
põe em movimento um processo de mudanças que se operam no presente, porém
articula uma temporalidade singular ao sujeito que escolhe. A anterioridade se
coloca através das marcas e crenças e as expectativas implicam o porvir. Mesmo
quando se escolhe não escolher, há uma escolha, cujos desdobramentos e
conseqüências impõem um re-posicionamento em relação a ela.
A escolha, portanto, implica um projeto de vida e uma estratégia no tempo.
Necessita de referências e parâmetros que estão ancorados na anterioridade das
relações do sujeito com o Outro, e que por suas escolhas, adquirem uma
conotação pessoal única. As escolhas compõem a história do sujeito e sua forma
singular de negociar com os conflitos e se posicionar na conjuntura do laço social.
BOHOSLAVSKI (1998) estuda a escolha profissional e sugere três momentos
importantes nesse processo, que são 1) a discriminação e a hierarquização de
objetos (momento de seleção), 2) as relações de objeto, que pressupõem um
exercício de tolerância à ambigüidade ou ambivalência (o momento da escolha,
propriamente dita) e 3) os projetos e ações sobre a realidade, implementados a
partir da escolha (momento denominado como decisão).
O fracasso na discriminação e na hierarquização dos elementos, traduzido
pela impossibilidade de ver ou se ver, pode conduzir à indiferença. Quando
aparecem bloqueios ou encantamentos e rupturas mais ou menos permanentes, a
dificuldade pode estar mais relacionada com a dificuldade no estabelecimento dos
vínculos com relações satisfatórias e relativamente estáveis nas relações de objeto.
116
O processo de decisão, freqüentemente considerado o ápice da escolha,
quando tomado pela via da racionalidade, se centra em perpassar a seleção das
possíveis alternativas, avaliando oportunidades e riscos, e usando o raciocínio (em
suas várias formas relacionadas com a maneira de fazer escolhas e julgamentos)
para extrair conclusões.
Uma perspectiva de processo com prazo relativamente extenso, que amplia a
visão da decisão, é formulada também por BOHOSLAVSKI (1998), quando coloca
a decisão como possibilidade de regular os impulsos, suportar a ambigüidade,
resolver conflitos, graduar a ação e tolerar a frustração que está sempre implicada
na escolha. Ao realizar uma escolha, algo sempre fica de fora e é perdido,
tornando-se imprescindível a elaboração de luto pelas perdas. As palavras de
Bohoslavski são inequívocas:
Uma escolha madura é uma escolha que depende da elaboração dos conflitos e não de sua
negação. É uma escolha que se baseia na possibilidade do adolescente de passar de um uso
defensivo das identificações a um uso instrumental delas, ao conseguir identificar-se com seus
próprios gostos, interesses, aspirações, etc. e identificar o mundo exterior, as profissões, as
ocupações, etc.. Em síntese, uma escolha madura é uma identificação que depende da
identificação consigo mesmo.
Uma escolha ajustada é uma escolha na qual o autocontrole permite que o adolescente faça
coincidir seus gostos e capacidades com as oportunidades exteriores, faça um balanço ou
síntese, que pode ser defensivo. Nela, não só intervém sua capacidade de controle, mas a
síntese entre a responsabilidade individual, consigo mesmo, e responsabilidade social
(BOHOSLAVSKY, 1998, p. 66).
A tomada de decisão também é formulada por Bohoslavski e apresentada
como (re) solução, ou seja, tornar a solucionar. Tal possibilidade está relacionada
com os fatores já expostos acima – lidar com a realidade, suportar a ambigüidade,
resolver conflitos, ponderar fatores, graduar a ação, tolerar a frustração, elaborar
lutos e, também, com a capacidade de reconhecer as fantasias, os medos e a
tristeza.
A dúvida não é eliminada com a decisão. É necessário um clima de incertezas
para que o sujeito se movimente. Encontrar uma resposta e dar a ela o caráter de
verdade irrevogável é utilizar uma defesa paralisante, que interrompe o processo de
pensar, questionar e evoluir.
O desenvolvimento profissional pressupõe uma seqüência de escolhas que se
sucedem no tempo. LEVENFUS (1997) discute sobre três momentos distintos na
escolha profissional em relação ao processo de desenvolvimento: 1) Escolhas sob
a primazia da fantasia ocorreriam desde a infância e seriam esperadas até o início
117
da puberdade; 2) Escolhas denominadas tateantes seriam aquelas caracterizadas
pelo início da atenção aos interesses e capacidades próprios, quando aparece a
consciência das exigências pessoais. Este momento, seria normalmente, seguido
da síntese e da avaliação desses diversos fatores; 3) As escolhas mais realistas
surgiriam quando a dúvida começa se fazer presente – um ponto conflitivo saudável
e de possível elaboração.
A compreensão dos aspectos que compõem a escolha profissional, a
descoberta dos próprios interesses e a percepção da situação específica de vida,
forneceriam melhores condições para a escolha e o projeto de vida. Um processo
de construção que se desenvolve articulando os conhecimentos de si mesmo, das
profissões e da escolha propriamente dita.
A possibilidade de jogo simbólico com as representações expande o alcance
subjetivo do autoconceito, alterando concepções estereotipadas, de aderência a
uma percepção da realidade, de totalidade ou parcialidade - das escolhas e das
relações com o conhecimento da realidade social. Afirma LASSANCE (1999) que
essas possibilidades colocam o indivíduo em posição de menor interferência de
estereotipias na profissão definida e com maior grau de incorporação em relação a
ela.
BOHOSLAVSKY (1998) traz a reflexão sobre os duplos objetivos da
informação ocupacional: transmitir informações, mas também, simultaneamente,
corrigir as imagens distorcidas sobre o mundo. E pondera:
(...) deve-se considerar que a distorção nas imagens do mundo adulto é devida não só à falta
de informação, mas a outras fontes de erro. Esquematicamente, as falhas ou deficiências de
informação obedecem a fatores: a) intrapessoais (características de personalidade, da idade,
fatores cognitivos, afetivos, etc.); b) interpessoais (a distorção surge, fundamentalmente, de
transtornos nos processos de identificação com outros significantes, cujas características são
substituídas pelas profissões ou atividades que exercem); e c) transpessoais ou culturais
(referimo-nos às distorções suscitadas no adolescente por sua relação com uma comunidade
que valoriza as profissões de modo inconsciente e consciente – esta última valoração é,
geralmente uma racionalização-, seqüencialmente alheia à função social real das profissões.
Na medida em que as diferentes profissões conferem diferentes status, poder, prestígio, níveis
de ingresso, etc., é fácil entender que a valoração das profissões seja uma manifestação -
entre outras – da ideologia dominante) (BOHOSLAVSKY, 1998, p. 142).
A tomada de decisão e a escolha podem ser consideradas como processos
psicológicos superiores
69
, que se sustentam em atividades psicológicas como a
69
Expressão utilizada por VYGOTSKY (1991a) para indicar os responsáveis pela produção de um novo comportamento,
caracterizado por mais liberdade e flexibilidade e pela ação planejada de solução de problemas. Esta produção, que
acontece primeiro na instância interpessoal e é posteriormente internalizada pelo indivíduo, através da atividade simbólica,
tem função organizadora específica e invade o processo do uso de instrumentos.
118
percepção, a aprendizagem, a memória, a inteligência, a função simbólica, a
linguagem e a tomada de consciência, ou seja, no conjunto de atos e processos de
conhecimento ou conjunto de mecanismos de aquisição da informação (aquisição,
tratamento, conservação e exploração). Este domínio da cognição, que se
distingue, mas não exclui a pulsão, a motivação, a emoção e o afeto, é estudado
como modulador e organizador das experiências passadas, da triagem atencional
dos estímulos e regulador da gestão superior, como causa de comportamento
(STERNBERG, 2000).
A aquisição dos processos psicológicos superiores ou complexos não ocorre
de maneira independente da motivação, do interesse, da vontade e da confiança do
aprendiz em si mesmo, e do lugar que ele ocupa nas relações com os outros.
RIBEIRO (2003, p. 36-37), tratando a respeito de que nos dias atuais nada
permite universalizar as escolhas, a seleção das ações ou o estabelecimento de
hierarquia entre superior e inferior, demonstra a dificuldade de se renunciar ao
inferior em nome do superior, pela falta de parâmetros válidos universalizados.
Parece que hoje, “nada permite dizer que uma escolha seja superior à outra” e “isso
porque os termos entre os quais escolher, os fatores a ponderar, não mais
expressam uma hierarquia naturalmente dada, mas somente sobem ou descem na
balança conforme os escolhamos”.
Quando aptidões, objetivos e valores tornam-se interligados, as pessoas
aprendem a se aperfeiçoar nas coisas que valorizam e são motivadas a fazer,
aprendem a valorizar e a se motivar por aquilo que fazem bem. Receber retorno de
sua posição e ação intercepta o fluxo de fantasias a respeito de si (fantasias estas
que, com freqüência, produzem vítimas de fracassos repetidos). Novos desafios
podem trazer à tona talentos latentes. O talento precisa de motivação para não
atrofiar (SCHEIN, 1996).
Já foi referido o encontro com o real e o encontro com o saber não todo que
ocorre com o sujeito na sua existência, com nuances específicas na adolescência e
juventude. Sob a perspectiva da escolha é importante lembrar que é este encontro
e a elaboração dele com as particularidades de encontrar-se com o próprio desejo
que tornam viável “escolher bem se exercer”. É importante também relembrar que
as escolhas enlaçam o nó de entrecruzamento das sobre-determinações de
inteligência e desejo.
119
4.5 O SIGNIFICADO DE ESCOLHER E O TRABALHO DE TRIAGEM E LUTO
Não esconder o que se deseja também pode caracterizar uma escolha. Esta
tarefa nem sempre é fácil. A maioria das vezes a escolha está atrelada a
referências identificatórias, o que, em algumas situações, dificulta sua explicitação.
Se de um lado as referências são importantes para manter-se como sujeito
desejante, de outro lado, podem representar uma incômoda alienação.
O sujeito que entra na adolescência irá se deparar com os próprios
impossíveis, com aquilo que percebe, mas não pode significar, com o
irrepresentável. A vacilação gestáltica na adolescência recebe contribuição dessas
percepções: nem o próprio corpo, nem o mundo em sua volta são reconhecidos e
tantas questões se apresentam que é freqüente a dúvida a respeito de sua
capacidade dar conta de todas elas. Já foi referida a importância de que alguém
sustente a posição de ancoragem
70
ao jovem nos difíceis momentos de pesquisa e
tomada de posição (ALBERTI, 2004).
O encontro faltoso com o real modifica a relação com o próprio saber: não dá
para tudo saber, nem dá para supor que existe um saber todo sobre alguma coisa.
Afirma ALBERTI (2004, p. 38-39): “Ao contrário da criança, que ainda acredita que
se estudar muito vai dominar toda a matemática (ou outro conteúdo), o adolescente
sabe que isso jamais será possível. As vicissitudes que podem decorrer daí são
muitas, dentre elas, aquela que leva um sujeito a fazer uma escolha profissional”.
Seguindo o pensamento de Freud, Alberti conclui que a verdadeira escolha do
sujeito é poder escolher o seu destino, que está identificado com as determinações
inconscientes (tão presentes e necessárias como impossíveis de representar no
todo). Ao comungar com o próprio destino, o sujeito faz a opção que lhe é mais
particular. Haveria assim uma forma de acaso na escolha da profissão, com
múltiplas causalidades e conjunturas, que podem estar mais ou menos
intensamente ancoradas na história do sujeito, na determinação inconsciente e
significante, ou ainda, podem estar articuladas a uma forma de gozar ou a uma
conjuntura particular do laço social. Conclui-se daí que vários são os limitantes do
campo da escolha profissional em cada sujeito. Poder delimitar uma escolha entre
70
Importante destacar que a expressão ancoragem marca uma distância de posições comuns de
julgamento, crítica e também se distancia da recusa a opinar e favorece a conversa verdadeira.
120
tantas possibilidades e aí se engajar e investir, também diz da subjetividade de
cada um. Na escolha de um caminho profissional está implícito um tanto de perdas
e uma aposta no próprio destino, que implica renovar esta escolha e permanecer
nela, independente de qual seja. A isto Alberti chama escolher bem se exercer.
A escolha profissional designa um tempo de basta na pluralidade infinita de
possibilidades, na medida em que “não há possibilidades, mas a insistência de uma
determinação que lhe é própria”. Se existem causas e conjunturas, está para além
delas aquilo que conduz o sujeito a “poder escolher bem se exercer”. A resposta à
pergunta “quem sou eu?” “implica o furo do saber do sujeito que perdeu as
referências sólidas às quais estava atrelado como filho, irmão, herói imaginário de
seriados de TV”, que foram abaladas na puberdade. Se o trabalho da puberdade é
o desligamento do ideal das referências infantis, agora a questão é lidar com a
própria vida, sem essas referências tão firmemente colocadas no outro. É preciso
construir as próprias referências, a partir daquelas fornecidas pelos próprios pares
e daquelas estabelecidas pela introjeção dos pais da infância (ALBERTI, 2004, p.
40).
A introjeção dos pais da infância nem sempre fornece condições de sustentar
os novos caminhos construídos pelo sujeito. É relevante que a “falha” (que sempre
há nos pais) seja elaborada pelo sujeito e que ele não se ofereça em sacrifício para
cobri-la.
Alberti associa a impossibilidade de elaboração dessa falta com a depressão
71
,
relacionada com
a atitude de não querer saber. Apóia-se em Spinoza para
estabelecer correlações entre a depressão e a dificuldade experimentada pelo
sujeito de encontrar referências simbólicas suficientes para criar, a partir delas, uma
direção para si mesmo, para apostar e investir em suas próprias escolhas. Para
que a escolha seja assumida como sendo de sua própria responsabilidade é
preciso coragem, que permita romper com os desígnios e a alienação ao Outro. A
escolha assim faz papel de separação do Outro. Recorta os ditames, pelo fato de
que quando há escolha, nem tudo é possível.
Na adolescência há um conflito com a autoridade dos pais e é para não
enfrentá-lo (o conflito) que o eu assume defesas do tipo inibições, quando
71
Em ALBERTI (2004, p. 42) a depressão é tomada como “um afeto, uma baixa de energia psíquica, que
aparece no momento em que o eu evita a sua determinação – sempre inconsciente – e se liga diretamente
com outro fenômeno, as inibições”. Ela aponta como limitações das funções do eu as fugas por preocupação
ou por falta de investimento.
121
...o eu empobrece, subtraindo-se ao que determina o sujeito no discurso do Outro, mas
mantém sua supremacia sobre o recalcado, reagindo de forma a fazer prevalecer o
narcisismo. Como Freud observou, no lugar dos atos surgem então os sonhos diurnos, e num
mundo imaginário o eu vence todos os obstáculos. A relação do sujeito com a realidade
empobrece porque há aí uma perda da realidade: além de não querer saber nada sobre sua
própria determinação, inconsciente, ele tampouco procura saber como interagir com a
realidade externa de maneira a poder modificá-la para que possa melhor atingir seus próprios
fins. Na inibição isso se deve ao próprio fato de o sujeito se impedir de saber quais são esses
seus fins.
Além disso, o sujeito permanece o tempo todo na demanda, pede, quer, exige respostas do
Outro, ou não fala nada do que quer do Outro, por saber pelo menos que toda demanda é
basicamente demanda de amor. No contexto da demanda de amor, todo adolescente busca
reconhecimento.
(...) Há um engano aí, do próprio sujeito sobre ele mesmo: onde acha que quer amor ele na
realidade tapa o fato de ser desejante, trocando o exercício de sua possibilidade de desejar
pela demanda de amor. A possibilidade de desejar se assenta na própria curiosidade,
sexualmente determinada, fundamentando uma posição subjetiva frente a um querer saber.
No caso de o próprio sujeito se enganar sobre seu desejo, a relação com o saber o paralisará
na ficção de uma presumida incapacidade. Como uma bola de neve, essa incapacidade
remete, mais uma vez, tanto à inibição quanto à depressão, ou num jogo de palavras, à
depreciação em que o sujeito se instala (ALBERTI, 2004, p. 42-44).
Como explica Alberti, há uma escolha em atravessar ou não a adolescência e
esta escolha implica em assumir o desligamento dos pais. A forma de se entender
o sujeito como responsável, é atribuir a ele a responsabilidade pela escolha de seu
próprio destino. E a única forma de escolher sem pagar um preço depois, é pagá-lo
de saída, pagar o preço do desligamento dos pais, assumir que só é possível
contar com o Outro em nível simbólico. Este é um trabalho que representa a
tentativa de elaborar a castração, o que cada sujeito fará a seu jeito. Tanto a
escolha, como o pagamento de seu preço, impulsionam para a ação, para o fazer,
o experimentar, e para novas construções do representar-se e conceber a si
mesmo.
Estas ponderações conduzem a pensar, baseando-se em FREUD (1969
[1913], p. 322-323) quando afirma as escolhas como um reconhecido “uso da
atividade imaginativa a fim de satisfazer os desejos que a realidade não satisfaz”.
No ponto do escrito de Freud, em que a escolha se coloca no lugar da
necessidade, do destino, é resgatada a ambivalência, para demonstrar a maneira
como o homem supera a morte ao reconhecê-la intelectualmente – caracterizando
este o maior triunfo da realização de desejos: “Faz-se uma escolha onde, na
realidade, há obediência a uma compulsão, e o escolhido não é uma figura de
terror, mas a mais bela e desejável das mulheres”. Neste escrito, Freud articula
mitos e peças da dramaturgia sobre a escolha das três mulheres e a representação
122
das três inevitáveis relações que um homem tem com uma mulher: aquela que lhe
dá a luz, aquela que escolhe para ser sua companheira e aquela que o destrói e
silenciosamente o acolhe nos braços (a mãe terra, na morte). Para pensar o
feminino a esse respeito, é preciso reconhecer alguns giros. Um deles, aquele que
trata do psiquismo feminino e a identificação com a falta, e a necessidade de uma
volta a mais no processo identificatório. O outro é aquele que toca o feminino como
falta a ser metaforizada em todos os seres humanos.
123
5 ENCONTROS E DESENCONTROS: DO SUJEITO QUE CONSTRÓI A
IDENTIDADE NO PROCESSO ENSINO APRENDIZAGEM
5.1 O QUE DIZEM AS PESQUISAS E A MÍDIA SOBRE OS JOVENS E OS
CANDIDATOS AO VESTIBULAR
O que acontece com os referenciais dos jovens da atualidade? O que tais
referenciais podem dizer sobre a identidade do adolescente e do jovem adulto e de
suas escolhas?
OLIVEIRA (2000) pesquisou os fatores que influenciam a escolha e a
qualidade desta escolha, em escolas de ensino médio no Recife, identificando as
semelhanças e diferenças entre os alunos de escolas públicas e privadas. Em
ambos os grupos, foram identificados níveis de maturidade semelhantes, embora
insuficientes quanto à possibilidade de escolher, expressando, segundo as
conclusões do autor, insegurança, imaturidade, dúvida; desfechos positivos através
de soluções mágicas ou desfechos trágicos e sem perspectivas, indicando medo
frente ao desconhecido; dificuldade de separar-se das formas de relação da
infância; relacionamento predominantemente negativo com figuras de autoridade,
traduzido por submissão, dependência, impotência e medo do futuro. As principais
diferenças entre os alunos de escolas públicas e privadas foram apontadas como:
Maior grau de sentimentos de insegurança, dependência e medo de errar
nos alunos da escola privada.
Mais representações de imaturidade e de menos valia em alunos de escola
pública, assim como sentimentos de exclusão e percepção negativa da
realidade social.
Maior distanciamento dos sentimentos, reflexões moralistas e utilização de
chavões, em alunos de escola pública.
Identificação com ninguém, apresentada na escola pública.
Destas conclusões algumas questões se colocam:
Estaria implícita maior exigência de desempenho e maiores expectativas da
família e da sociedade aos alunos de escola privada? Qual o grau de interferência
do fator sócio-econômico, através da imposição da linguagem da classe dominante,
124
em calar a expressão autêntica dos sentimentos da classe dominada? A exclusão
sócio-cultural seria representada pela identificação com “ninguém”?
A revista Veja, em edição especial de agosto de 2003, publicou uma matéria
acerca do perfil dos jovens brasileiros entre quinze e vinte e dois anos. Eles somam
vinte e oito milhões, representando 16% da população brasileira. Constituem 18%
da população economicamente ativa, sendo que 41% deles consideram o dinheiro
a maior medida de sucesso. Seus planos de futuro estão relacionados com a
carreira e a maioria afirma que terá que estudar e se dedicar muito para enfrentar a
concorrência do mercado de trabalho. Estes jovens gostariam de ser famosos, de
arrumar um bom emprego e de “dar certo na vida”. Seu maior medo é perder os
pais (52%), ficar viciado em drogas (21%) e morrer (18%). 95% deles acham que
estudar é a coisa mais importante da suas vidas e 83% acredita que esta é uma
atividade para a vida toda, ainda que o mesmo percentual considere que o estudo
no Brasil está muito ruim. Os jovens refletem a vida nas grandes cidades,
considerando a variedade cultural, e a maioria sente-se à vontade com a
tecnologia. Outra marca da juventude é a diversidade de estilos visuais (VEJA,
2003).
O perfil e as representações dos jovens aparecem de várias formas na mídia e
não se esgotam as interrogações acerca dos papéis da sociedade, de pais e de
professores. Ao mesmo tempo, a juventude marca as imagens idealizadas e
buscadas de alegria, saúde, beleza, potencialidade.
5.2 A EDUCAÇÃO SUPERIOR E A UNIVERSIDADE NA SOCIEDADE HOJE
O acesso ao ensino superior é valorizado de maneira muito positiva, sendo
considerado, freqüentemente, um privilégio. A preocupação com o acesso está
presente desde os primórdios da escolarização, algumas vezes desde a escolha da
pré-escola.
Em pesquisa realizada no ano de 1999, em quatro escolas na região
metropolitana de Curitiba, sobre a visão de mundo e de futuro de crianças de
diferentes classes sociais, cursando a quarta série do ensino fundamental,
constatou-se que um grande percentual dessas crianças (acima de 70%) associava
125
o futuro com a profissão que exerceriam. Para essas mesmas crianças o curso
superior representava a realização de um sonho e o vestibular um “grande desafio”.
Em muitos casos, havia também a perspectiva implícita de um saber sobre algo
mais: as crianças, de idade entre 9 e 13 anos, desenhavam-se tristes no futuro. Os
motivos manifestos da tristeza: a morte, a não aprovação no vestibular, os reveses
da profissionalização (CAVALLET e DONI, 1999).
Para além do sentido comum do que estava sendo representado, pode-se
inferir um trabalho psíquico que tenta lidar com os conflitos - crescer ou não, ousar
ou acomodar-se, enfrentar ou não limites e possibilidades; tentativas de lidar com a
castração; brincadeiras/rituais antecipatórios engendrando recursos para lidar com
a falta. De qualquer forma, os conflitos singulares de cada um, adquiriam uma
configuração semelhante através de uma manifestação socialmente aceitável,
revestidos pela questão do acesso ou não ao ensino superior e à
profissionalização, caminhos avaliados como de inclusão social.
Segundo o censo do Ensino Superior de 2003, divulgado pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP/MEC
(2005), existiam 3,9 milhões de estudantes de graduação no Brasil. Este número
representava 13,5% da população brasileira entre 15 e 24 anos. Um outro dado
desta mesma fonte chama a atenção para a concentração de localização
geográfica do Ensino Superior: 45% dos cursos de graduação concentram-se em
apenas 20 municípios do país.
Paradoxalmente, os números do abandono nos cursos universitários instigam
a reflexão. Apresentando dados da USP de 1993, quando 42,9% dos alunos
abandonaram o curso no decorrer do primeiro ano, LEVENFUS (1997) discute a
obrigação de definir uma identidade profissional, às vezes prematuramente,
apresentando-a como explicação para os altos índices de evasão dos cursos
universitários.
RIBEIRO (2003) analisa a evasão como um dos fatores alarmantes da vida
universitária, mencionando dois extremos da questão: quando se analisa de forma
excessivamente individualizada, a tendência é de se culpar o aluno; quando a
análise tenta uma abrangência maior, tende a atribuir a explicação aos fatores
sociais. Uma outra posição, que Ribeiro considera mais aceitável, consiste em
levantar os problemas que circunscrevem o(s) curso(s) onde há maior evasão
(qualidade das aulas, do programa, organização das condições materiais e de
126
equipamentos do curso, conhecimento da carreira por parte dos alunos). Esta é
apenas mais uma etapa do percurso de Ribeiro antes de apresentar sua conclusão:
“não basta eliminar disfunções e nem fazer as coisas funcionarem melhor”. Não
basta ver a evasão como problema ou se ater a um ideal, não seria realista nem
desejável. O autor argumenta nesse sentido, afirmando que
A evasão pode constituir uma reação bastante saudável, não só em face dos defeitos acima
expostos (aulas ruins, programa velho, ignorância de rumos), mas perante o próprio modelo
de uma universidade baseada em formações definidas de uma vez por todas. Se há algo que
envelheceu no mundo acadêmico é a idéia de que cada área deva estar fechada sobre si, e
de que a melhor formação seria aquela em que o aprofundamento corresponda a uma
delimitação cada vez mais estreita do terreno em que se cava o poço (RIBEIRO, 2003, P. 43).
Leituras muito diferenciadas podem ser feitas a respeito da evasão na
universidade. Isto evidencia que o tema articula questões muito significativas das
relações sociais e individuais. Por outro lado, ela se implica com a inquietação
relativa ao alcance do ensino superior na vida das pessoas e da sociedade. De
outro lado, há um conceito de universidade que não é amplamente compreendido
na sociedade, aquele que coloca a universidade como um campo de pluralidade, de
diversidade e embate, de construção de teorias e um espaço para dar voz.
Em pesquisa realizada com 55 alunos – entre o segundo e o quinto período do
curso de Agronomia da UFPR, no ano de 2000, CAVALLET (2001) constatou a
seguinte configuração em relação à escolha do curso:
127
GRÁFICO 1 – POSICIONAMENTO DE ALUNOS DO CURSO DE AGRONOMIA DA UFPR, EM
RELAÇÃO A SUA ESCOLHA DE CURSO. Curitiba, 2000.
72
Alunos de Agronomia em relação à escolha do curso. Curitiba, 2000.
7%
20%
23%
10%
15%
17%
8%
Identificação c/atividade
Tranquila
Atribuida ao meio
Faz outro curso junto
Vestibular mais fácil
Insegura
Insatisfeito
Razões de diferente natureza (sócio-econômica, históricas, políticas,
institucionais e estruturais) marcam as afirmações dos sujeitos dessas escolhas
sobre suas próprias visões no que toca a sua condição de escolha. Pode-se
concluir que menos de trinta por cento (30%) dos alunos estariam relativamente
bem posicionados em relação à mesma. Quase cinqüenta por cento (50%) indica a
necessidade de intermediários entre si e a escolha (aprovação/reprovação de
alguém, algo que não foi possível abrir mão ou ainda não foi possível priorizar, algo
que se tenta juntar, construir, localizar). Os demais, aproximadamente um em cada
quatro, dizem claramente que estão inseguros ou insatisfeitos. Quem de fato
estaria melhor preparado para os enfrentamentos: aqueles que se dizem tranqüilos
ou aqueles que estão em dúvida ou insatisfeitos? Talvez se encontre nos
processos de auto-representação elementos mais consistentes para pensar esta
temática.
Nas avaliações feitas pelos alunos observou-se uma visão crítica das
disciplinas ofertadas, fazendo referência à fragmentação, à descontextualização, ao
engessamento e à falta de significado das mesmas. Com relação ao curso,
manifestaram descontentamento com a carga horária, com a estrutura curricular e
72
Na categoria inseguros constam situações em que os alunos, apesar de ter ligações no meio e a
família gostar da sua escolha, não se sentem seguros de que estão na profissão certa e, aqueles
que se dizem inseguros, mas que tentam levar o curso. Os alunos que fazem junto outro curso
dizem que foram aprovados também em outro vestibular, não gostaram e fazem os dois cursos
juntos na tentativa de escolher. Há ainda aqueles que tentaram outros vestibulares, e, por não
terem sido aprovados, fizeram a opção por esse curso, considerado mais fácil. Entre os inseguros,
um deles afirma fazer o curso por obrigação, que não está satisfeito, mas que não sabe bem o
que quer.
128
com os métodos pedagógicos. Outra fonte de queixas foi a desvalorização da
profissão por diferentes segmentos da escola e da sociedade.
Os alunos mencionam a importância de receber informações sobre o exercício
profissional, tanto no aspecto legal como das realidades agrárias. Eles percebem
tais informações como facilitadoras para a construção de seus projetos de futuro e
para os seus direcionamentos no curso de graduação. Em aproximadamente 20%
das avaliações, aparece menção à conscientização do papel social da profissão,
embora este papel apareça ainda um tanto artificializado nas escritas.
Como se pode perceber, os fatores apontados como inquietantes para os
alunos poderiam ser explicados de diferentes maneiras: implicando as condições
sócio-histórico-culturais da educação superior, as peculiaridades de formação e
profissionalização dos docentes, as relações de poder na educação, aspectos da
relação pedagógica e das relações subjetivas dos sujeitos da educação consigo
mesmos e com os outros, falta de clareza a respeito daquilo que se quer transmitir
e, ainda, aquelas questões relativas à própria escolha ou atitudes defensivas no
sentido de se proteger de conflitos.
A auto-avaliação realizada no final do período da disciplina, que orientou
atividades acadêmicas com interface na profissionalização, foi caracterizada pelos
alunos como uma oportunidade de lidar com as próprias dificuldades. Através dela,
foram identificados pontos a desenvolver e novos direcionamentos para a formação
pessoal, acadêmica e profissional.
No caso desses alunos, que participaram ativamente de um processo de
orientação profissional construído com esta intencionalidade, a visão da profissão
vem acompanhada de reflexões sobre o seu futuro desempenho profissional.
Muitas vezes tais reflexões, quando adquirem mais consistência interpretativa e
simbólica, são seguidas também da valorização da profissão e de si mesmos.
Nos depoimentos desses alunos verificou-se o reconhecimento e a valorização
daquele processo em que foram convidados a atuar sobre sua trajetória de
formação. Entre os pontos valorizados, neste período de exploração profissional
orientada, foram mencionados:
Ampliação de informações concretas, diversificadas e significativas,
sobre a própria condição e a realidade, possibilitada pelas trocas entre os
129
pares, as reflexões individuais e coletivas, a análise crítica e o encontro
consigo mesmo.
Incentivo para implementação de projetos e construção de perspectivas
profissionais e de vida futura.
Aprimoramento da representação social da profissão, construída a partir
de experiências diversificadas em relações concretas com diferentes
realidades, ampliando a valorização da profissão e das possibilidades
individuais.
Soluções pessoais inovadoras de abrangência pessoal e social, e uso da
criatividade, articulando diferentes aspectos da construção dos caminhos
profissionais.
Comprometimento com a formação acadêmica e profissional, bem como
com as próprias prioridades e questões de vida.
Estímulo para engajar-se profissionalmente, com compromisso social e
ético.
As reflexões apresentadas configuram-se como a tessitura de uma rede, onde
se entrecruzam questões como: qualidade da escolha; inexistência de programas
de orientação acadêmica profissional; divergências difíceis de assimilar entre o
imaginário do curso escolhido e sua condição na realidade; desencontros de
expectativas de alunos e professores; dificuldade de responder àquilo que é
idealizado, de se posicionar e de suportar a parcialidade e a incerteza; escassez de
perspectivas de sucesso profissional; baixa suportabilidade das frustrações e dos
adiamentos necessários; escassez de informações pertinentes, compreensíveis e
minimamente aplicáveis, entre outras.
Poder-se-ia afirmar que estes aspectos entrelaçados podem fornecer razões
suficientes para justificar a desistência dos cursos e os adiamentos na sua
finalização. Mas, um outro olhar também é possível àquele que vê nesta travessia
um processo de construção, significação e superação, uma tentativa de fazer um
caminho próprio, mesmo que tortuoso e mais longo. Não é um caminho claro e
previamente conhecido, não tem garantias nem certezas e pode ser insuportável
para alguns. No entanto, outros conseguem, apesar disso, traçar a própria
caminhada. A próxima citação ajuda no esclarecimento deste aspecto:
130
O erro da universidade, dos pais, da imprensa está assim em querer para os alunos aquilo
que nem a academia, nem o colo, nem o mundo lhes podem dar: uma segurança, uma
certeza quanto ao futuro. A ação presente acaba sendo orientada por uma aposta no futuro,
travestida de certeza, mas que é altamente incerta. Claro que ninguém deseja mergulhar na
total insegurança. Mas a formação que a universidade pode dar à grande maioria de seus
estudantes, aqueles que nela fazem um curso de graduação com vistas a um diploma que os
capacite ao mercado de trabalho, deve levar em conta que nunca esse mercado foi tão fluido
e imprevisível quanto hoje.
Curiosamente, levar em conta o mercado de trabalho, hoje, significa na verdade não levar em
conta o mercado de trabalho (RIBEIRO, 2003, p. 46).
Em abril de 2003, no II Encontro Nacional do Fórum Brasil de Educação, foram
discutidos os compromissos da Educação Superior e o seu papel na sociedade. No
texto que reproduz as falas dos apresentadores, encontra-se a inquietação com
definições a respeito do que a universidade pode e quer transmitir à sociedade,
tanto em termos de discurso, como de produção de conhecimento e de tecnologia.
RIBEIRO (2004) reconhece a importância da universidade brasileira como locus de
produção do conhecimento, porém interroga sobre suas atitudes frente às
demandas que lhe são apresentadas. Denuncia uma postura reativa da
universidade na definição de agendas, metas e perfis. E afirma: “A universidade
precisa dizer mais e mais o que acha, o que se considera capaz de trazer para a
sociedade. Há pesquisas suficientes na universidade, para que seus diversos
setores possam dizer o que é fundamental”(p.61).
É preciso esclarecer que Ribeiro está se referindo à capacidade de fazer
perguntas como definidora de agendas e metas. Defende a estratégia de “lançar
antenas” para o que está fora e questionar-se sobre o que se quer e pode
transmitir, atitude que requer audácia, rompimento com uma posição subalterna de
quem apenas responde.
Questionar-se sobre o que se quer e pode, parece ser uma metáfora
interessante para pensar a construção da identidade e a metamorfose humana. O
exemplo da instituição universitária talvez pudesse se prestar a suportar tais
processos ao nível da subjetividade dos agentes educacionais, incluindo também
todos os estudantes. Mas como tornar a universidade uma instituição exemplo, se a
instituição não é mais do que podem ser as pessoas que a compõem?
A construção do texto de RIBEIRO (2003) ajuda a pensar a formação e a
profissionalização – encontros e desencontros - a partir das perguntas: o que muda
e o que é permanente? O que as empresas devem ensinar e o que a universidade
deve ensinar? Ribeiro articula a temática entre dois eixos, os quais denomina
131
praxes e verdades. No campo das praxes, seriam ensinadas as coisas diferentes e
a renovação das práticas. No campo das verdades, a ênfase seria no ensino das
coisas que fazem a diferença, o que há de mais precioso, e que ajuda a lutar contra
o seqüestro daquilo que dá sentido ao viver.
Mostrando que os cursos universitários são reféns das profissões, apesar das
diferenças entre estes mesmos cursos no que diz respeito à ênfase na capacitação
técnica, a qual precisa ser gerada até o detalhe, ou na formação das ciências
humanas e das humanidades, muito mais fluidas, RIBEIRO (2003, p. 51) apresenta
uma questão muito pertinente em relação a este trabalho:
...como ter na graduação, que o mais das vezes é vivida na juventude, na passagem da
mocidade para a idade adulta, uma transmissão de conhecimentos e capacitações que faça
render ao máximo essa época da vida? Na universidade, por isso mesmo, deve-se formar um
espírito inquieto. Os alunos devem aprender que a cultura, a ciência, o saber não se
congelam, não se totalizam, mas formam sempre contas incompletas, desenhos ásperos,
figuras mal acabadas.
Para não sacrificar sua especificidade, que se constitui pela configuração de
um espaço de liberdade, criação e cultura, a universidade precisaria parar de
“duplicar, clonar o mercado”, e se dedicar mais a formar cultural e cientificamente
as pessoas, entrar menos na especificação daquilo que o mundo profissional pode
fazer. Isto não significa que não deve haver espaço para repensar as relações entre
graduação e formação profissional, as relações com o que está fora, pois a
inovação, a criação exigem “uma interminável saída de si” (p.57). Discutindo os
usos da pesquisa e da formação para a sociedade toda, especialmente para
aqueles que estão excluídos da universidade, Ribeiro mostra o antagonismo entre o
sistema que dá continuidade àquilo que existe e aquele que pretende inovar. Fala
de diálogos entre os saberes e de comunicação. Discorre sobre as diferenças entre
força e poder (ambos comportam algum nível de consentimento), e autoridade
(colocada pelo que indica sua raiz etimológica relacionada à autoria).
Ribeiro sugere que as universidades brasileiras assumam o compromisso do
debate sobre a desigualdade e a injustiça social. Isto implicaria que elas se
perguntassem a respeito de suas concepções sobre a sociedade em torno de si e
preparassem ações estratégicas e sugerissem procedimentos técnicos dirigidos a
“enfrentar essa chaga que impede nossa sociedade de ser digna” (RIBEIRO, 2003,
p. 71). Esclarece que este não é um convite à mera caridade, ou à partidarização
da universidade, nem a sua transformação em Organizações Não-Governamentais
132
- ONGs. Demonstra as diferentes formas de contribuição possíveis em cursos mais
técnicos, que podem incluir modalidades de ação mais efetiva, mas lembra as
possibilidades da pesquisa e a esfera de ação mais característica da universidade,
no seu trabalho sobre o pensamento.
Fazendo um tributo ao acidente, ao ignorado, Ribeiro lembra as máximas do
funcionamento do capitalismo, dos planejamentos e das superfícies. O capitalismo
confirmando cada um em seu trajeto individual, barrando o acesso à lógica de
funcionamento do sistema. O ego se organizando em torno do planejamento e da
superfície das coisas, prestando-se aos exercícios da razão e da ordem. Todavia, o
acidente, o ignorado, representado por potenciais desconhecidos, desorganiza esta
ordem e não tem a mesma luminosidade; suas evidências, conexões e tempo não
são facilmente compreensíveis – é quase impossível entender o conjunto – o
acesso está barrado. Ribeiro está se referindo aos subterrâneos do id e,
especialmente, à conotação de ruim, conferida ao desconhecido e desordenado. O
empenho da sociedade dirige-se em colocar ordem onde ela falta, encontrar o
culpado e responsabilizar alguém.
CUNHA (1998) desenvolve a temática da educação superior na transição de
paradigmas
73
, com empenho em problematizar novas alternativas para pensar o
processo ensino-aprendizagem. Seu objetivo, segundo suas próprias palavras, é
desvendar como as decisões pedagógicas são produzidas na conjunção de forças
que se estabelece entre concepção de conhecimento e relações estruturais de
poder. Uma vez considerado que as concepções de ensino-aprendizagem
decorrem de uma concepção de conhecimento, suportada por uma posição político-
social da educação, propõe uma análise que articule os três elos – pedagogia,
epistemologia e estruturas de poder. A proposta pedagógica oscilaria entre
movimentos de aproximação e distanciamento da reprodução do conhecimento
cientificamente acumulado, perpassada pelo processo de construção do
conhecimento, onde haveria lugar para a dúvida e a incerteza.
Uma pedagogia e um currículo que levassem em conta a diferença, com a
visão de processos culturalmente produzidos, questionadora da identidade e do
poder a que ela está ligada, teriam um novo e abrangente pressuposto de educar,
73
CUNHA (1998, p. 22) refere-se às concepções de paradigma de Thomas Kuhn e Fritjof Capra,
que agregam ao seu significado pensamentos, percepções, valores, conhecimentos e
realizações reconhecidos, que compõem uma visão da realidade e que se constituem a base do
modo de organização de uma sociedade, fornecem os problemas e os modelos de soluções.
133
em que o ato de educar significaria introduzir a cunha da diferença. A pedagogia da
diferença se encarregaria de “acolher o outro como outro e o estrangeiro como
estrangeiro, em sua irredutível diferença”, de forma que apenas uma
descontinuidade essencial conserve a afirmação que lhe é própria (SILVA, 2000,
p.101).
É comum que a condição de adulto seja associada à conquista da identidade
profissional. A formação universitária é dirigida ao adulto jovem e os conceitos
concernentes a esta condição humana de “ser adulto” aparecem pulverizados, em
afirmações abrangentes, pouco compreendidas, e são pouco consideradas no meio
acadêmico.
Ainda é insuficiente o conhecimento das características específicas da
educação de adultos – com níveis de desenvolvimento cognitivo e aquisições da
complexidade conceitual esperados no grau de escolarização superior. Os estudos
sobre a Educação de Jovens e Adultos se dedicam, de maneira predominante, à
alfabetização de adultos e nos estudos mais recentes, à formação de professores.
Parece que se têm muito a fazer ainda para o estabelecimento de uma pedagogia
para o adulto, que se ocupem em suportar a educação nos cursos de graduação.
5.3 PROFESSOR-ALUNO: ENCONTROS E DESENCONTROS
A relação transferencial que se estabelece entre
professor e aluno é uma relação que engendra poder
e desejo.
Na relação pedagógica, o professor se torna depositário de algo que pertence
ao aluno (fruto de suas marcas de identificação de sua constituição psíquica) e em
decorrência, fica carregado de importância especial. Desta importância emana o
poder que passa a ter. Há uma transferência de sentido, operada pelo desejo, que
faz com que ocorra também uma transferência de poder. O aluno espera que o
professor “suporte” este lugar em que ele o colocou. Embora este suporte
corresponda, simplesmente, em permanecer ali, onde foi colocado, não é fácil ao
professor, pois é algo incômodo, uma vez que comporta um esvaziamento do seu
sentido enquanto pessoa, dando lugar a um outro desconhecido (KUPFER, 1997,
p. 93).
134
Nas universidades, muitos professores se desestimulam com a falta de
“interesse e de respostas adequadas” de seus alunos. Sofrem também muitas
críticas. Uma ciranda que tende a cristalizar conflitos e ampliar as defesas, em
ambas as partes.
Como já foi abordado no primeiro capítulo, as queixas entre gerações são
mais freqüentes do que a nossa suportabilidade desejaria. A busca da
diferenciação é uma necessidade intrínseca ao próprio processo de
desenvolvimento e de constituição da pessoa. Os recursos que ambas as pontas
da inter-relação jovem-adulto têm para lidar com isto não estão dados de maneira
definitiva e universal, sofrendo interferências das histórias de vida, das crenças
sustentadas, da percepção de si e da situação. Para tornar mais complexa a
situação, existe a dificuldade de se lidar com os imprevistos e as típicas
progressões e regressões (resquícios da adolescência), comprometendo o
idealizado diálogo entre as gerações.
A educação, ao mesmo tempo em que influencia, é influenciada pelas
motivações
74
de seus agentes. As tendências teóricas que preconizam uma
pedagogia de características interacionistas ou construtivistas tendem a dialetizar
os pólos da relação pedagógica (nem absolutamente centrada no professor, nem
no aluno), uma vez que ambos trazem bagagens diferenciadas que entram em
relação.
As interações aglutinam significativo potencial para o desenvolvimento. Elas
não são as únicas a promover desenvolvimento, pois este depende também da
observação, da imitação e das relações com os objetos. Porém, quanto mais
persistentes, estáveis e competentes forem as relações, maiores serão seus
impactos favoráveis ao desenvolvimento. No processo educativo, as interações que
respondem por mudanças são aquelas em que é considerado o momento de
maturidade (desenvolvimento potencial) em que a pessoa se encontra. O
desenvolvimento potencial é norteador das atividades propostas que teriam como
objetivo a superação deste estágio.
74
Segundo Becker, as motivações provem da coordenação dos esquemas que impele o sujeito a
interessar-se pela diversidade do real. A motivação envolve: canalização das necessidades
(aprendizagem), elaboração cognitiva (objetivos e projetos), motivação instrumental (meios e fins),
personalização (autonomia funcional). A criação de novidades é produto natural da diferenciação
dos esquemas, decorrente da combinação da assimilação e da acomodação e suas infinitas
possibilidades. (BECKER, 1993)
135
Estudos das condições necessárias para que a aprendizagem se coloque em
curso tocam a interconexão de cognição, afetividade e ação. No tocante à
aprendizagem da Física, por exemplo, foram conduzidos estudos por Lemeignan e
Weil-Barais
75
, apresentando em suas conclusões as pré-condições a esta
aprendizagem, como sendo: 1) receber a informação, 2) aceitar o que incomoda e
desafia a maneira familiar de compreensão, 3) confiança nas capacidades próprias
por parte do aprendiz para se engajar no desconhecido, e 4) confiança no professor
para aceitar percorrer o caminho com ele. É ressaltado que os riscos de abandonar
um modo de interpretação conhecido e transformar registros habituais de
funcionamento, a que se submetem os alunos diante do novo, nem sempre são
percebidos e reconhecidos pelos professores (LOOS, 1998, p. 43-44).
Voltando aos pontos inegociáveis de cada um dos seres humanos na sua
trajetória pela existência e nas suas relações com os outros, é novamente oportuno
relembrar RIBEIRO (2003, p. 42), quando pondera que “nada adiantará, numa
atividade humana que mexe, para os jovens, com a iniciação e a escolha de uma
profissão, para os professores, com o sentido de sua vida, se não for movido por
um combustível básico, ou melhor dizendo, por uma energia primeira, que é da
ordem do desejo”.
Para Freud, citado em ALBERTI (2004, p. 37), “a possibilidade de saber se
associa diretamente à maior ou menor liberdade na sua relação com a curiosidade
e esta é sempre originalmente sexual”.
Ao se levar em conta a questão do desejo na escola, articulado com as
questões contemporâneas, pode-se refletir a partir do texto de BEILLEROT (1985),
de onde se conclui que quando o desejo de saber se transforma em desejo de
ensinar, e este em necessidade de aprender, não é a mesma coisa de que quando
o desejo de saber faz o sujeito ser tomado pela angústia, que requisita ser coberta
por conhecimento ofertado, seduzindo para a necessidade de saber das coisas que
fazem muito sentido para a preservação das instituições e os sistemas constituídos
que desejam manter seu domínio e envolvem os atores sociais para o desejo de
ensinar, obliterando o sujeito. Quando esta segunda alternativa ocorre, objetaliza-
se o sujeito, mutila-se a criação, torna abstrato o sentido das coisas e anônimas as
75
LEMEIGNAN; WEIL-BARAIS (1993) Construire des concepto em Phsique. Paris: Rachelle.
136
produções, o homem perde-se a si mesmo, perde o valor de suas construções e o
poder das revoluções.
O imaginário, presente nas relações interpessoais, não pode ser ignorado no
âmbito da escola, ele encobre o reprimido, que tende a se reapresentar em torno
de conflitos, confrontos, hostilidade e violência.
Paradoxalmente, o dia-a-dia das escolas, que deveria propiciar o tempo
necessário para as elaborações, está repleto de sinais que dizem da sociedade dos
resultados rápidos, do espetáculo e da imagem, da falta de tempo para as
conversas e para leituras mais profundas e significativas. Nas lacunas da
alienação, onde não se reconhece o próprio desejo, colocam-se objetos, consome-
se mais e mais objetos e informações. Vela-se a angústia, cultiva-se a reprodução
e o silêncio.
O saber, na maioria das vezes inconsciente, do engodo desta situação,
conduz à evitação da exposição e da partilha; há esquiva do caminho que liberta,
porém responsabiliza. Caminho este que implica em poder escutar-se e escutar,
poder dizer e deixar dizer, desatar os nós das estereotipias que já não servem
mais, mas sustentam; poder estar próximo, olhar de frente e se entregar àquilo que
é realmente importante e essencial. Poder pensar no improvável, antes de se opor
ou concordar sem se implicar. Poder colocar a incerteza em perspectiva: Por que
não? O que aprender com isto? Como fazer da falta o movimento da vida?
Aprender com o processo.
CARROLO (1997) coloca a base da educação na sua complexidade e a sua
finalidade predominante na produção de estados de espírito e na modificação de
mentalidades e comportamentos das pessoas. Assim sendo, as características da
educação se expressariam nas funções de mediação, decisão, captação de
auditórios adversos e tomada de decisões frente aos fenômenos observáveis do
processo ensino-aprendizagem. O professor seria, então, um intermediário entre o
mundo objetivo (coisas materiais), o mundo subjetivo (mentes) e o mundo dos
produtos do espírito humano, que, uma vez produzidos, são independentes. Há que
se ter em conta que “o ato de educar é sempre um ato violento, pelo que implica de
confrontação entre duas consciências”.
CUNHA (1994), com ampla vivência em educação fundamental, média e
superior, realizou uma pesquisa sobre o professor educador, seu dia-a-dia, suas
práticas e metodologias. Entre as dificuldades vivenciadas, foram elencadas na
137
pesquisa três categorias de questões, que dizem respeito 1) à desvalorização do
magistério, 2) à estrutura do ensino e 3) às condições de trabalho. Destacam-se as
dificuldades relacionadas com “a dicotomia entre o ciclo básico e o
profissionalizante, currículos estratificados, colegiados esvaziados de poder”, bem
como a falta de identidade do ensino médio e a questão da profissionalização
antecipada. Por outro lado, são apontados também:
O imobilismo da escola enquanto instituição social – ritual escolar
desatualizado frente ao contexto social: o mundo ao redor é mais
atrativo do que a sala de aula. O raciocínio crítico é inibido e se amplia
a dificuldade em desvendar os interesses, que são camuflados por trás
das mensagens dos meios de comunicação.
Pouca preocupação com a competência – falta de percepção do
coletivo, reforçada pela estrutura social acadêmica, dificultando um
projeto pedagógico mais amplo.
A identidade do professor tem sofrido aumento dos riscos de
descaracterização por fatores de caráter individual, grupal, e, também,
concernentes à realidade social em que se insere sua ação, uma vez que ela é
produto de um processo de sucessivas socializações e negociações entre os
desejos internos e o reconhecimento pelos outros.
Nas pesquisas de CARROLO (1997) são apontados, como riscos principais de
descaracterização do professor, a progressiva incompreensão e a ausência de
reconhecimento social, a indefinição institucional da escola no nível organizacional
e pedagógico, com proliferação de papéis exigidos do professor, e as lacunas da
percepção de si mesmo e da profissão por parte desse profissional.
A identidade profissional do professor é tema de estudos de vários autores
atuais, como CUNHA (1994, 1998, 2001), CARROLO (1997), MIZUKAMI (1996),
SIMÕES (1995), HUBERMAN (2000), NOVOA (1995), entre outros.
CUNHA (1994) aponta a importância de se conhecer as representações que o
professor faz de sua prática pedagógica, e compreendê-las dentro da realidade da
qual o professor sofre e na qual exerce influência. A autora afirma: “quando o
professor compreende a importância social do seu trabalho, começa a dar uma
dimensão transformadora a sua ação e acaba por perceber o político e a sustentar
o pedagógico” (p. 125).
138
Em trabalhos posteriores, CUNHA (1998) pesquisou os professores
universitários atores de práticas inovadoras. Voltou a reforçar a importância de
entender as condições sócio-histórico-culturais do ensino para avançar nas suas
práticas, destacando-se, entre elas, aquelas que propiciam uma relação reflexiva
do educando consigo mesmo. Lembra que toda a construção do conhecimento
sobre si mesmo supõe a construção de relações consigo e com os outros.
Argumenta em defesa das narrativas, responsáveis pela criação das bases da
compreensão da própria prática, provocando mudanças na representação de si e
dos outros, as possibilidades de teorizar sobre as próprias experiências, e o
processo emancipatório delas decorrente.
A pesquisa e as reflexões de Cunha são conduzidas, basicamente, pelas
buscas em produzir conhecimento sobre as condições que sustentariam práticas
pedagógicas a serviço de ir além da mera reprodução e contribuíssem para uma
relação reflexiva do aprendiz consigo mesmo. Constatando diferentes nuances do
ciclo da reprodução nas relações acadêmicas
76
mostra sua outra face, qual seja, o
parco conhecimento a respeito de procedimentos voltados ao mapeamento da
própria aprendizagem pelo educando, ou dirigidos à condução de pesquisas
próprias. Assinala, ainda, a dificuldade de tornar vivo e relativo o conhecimento.
Abordando as narrativas, como gênese de processos emancipatórios, de
mudanças na forma de compreender a si mesmo(a) aos outros(as) e da capacidade
de teorizar sobre a própria experiência, produzindo formação e autodeterminação
de sua trajetória, CUNHA (1998) cita algumas condições para esse processo de
reconstrução: 1) disposição para analisar-se, 2) colocar em dúvida crenças e
preconceitos e des-construir sua história – decompor para melhor compreender.
Cunha também destaca a relação dialética existente entre narrativa e experiência: a
experiência produz discurso, assim como o discurso também produz experiência,
novas possibilidades, intenções e projetos vão surgindo no relato das experiências,
crenças e expectativas. E conclui: “a escrita sobre uma realidade pode afetar esta
mesma realidade, pois assim como são os pensamentos que orientam a ação
racional, a narração conduzirá ao desempenho de fatos vitais”(p. 40).
76
Maior aceitação por parte dos alunos da reprodução de conhecimentos do paradigma dominante;
aumento de habilidades de ensino dirigidas a enfatizar qualidades humanas e afetivas do ensino,
com tendência a repetir, fazendo da mesma forma, ou ao contrário do que faziam os ex-
professores; valor dado às experiências e trocas como inspiração com poucas possibilidades de
consentir o mesmo exercício por parte dos alunos.
139
É relevante para esta pesquisa, também, pensar sobre a representação
77
que
o professor faz das profissões, para as quais contribui na formação, pelo impacto
que esta tem na construção das representações que os alunos farão de sua
profissão. Os professores são formadores de representações. Seria possível um
professor que não consegue fazer uma leitura contextualizada da condição sócio-
histórico-cultural onde se insere na prática auxiliar na formação de representações
otimistas ou no mínimo realistas? Ou, de outra forma, seria possível a professores
que se instalaram sobre crenças absolutas e verdades incontestáveis, propiciar a
formação para a diversidade e a criatividade? Quais recursos presentes nos alunos
contribuiriam para as rupturas? Poderia a rebeldia transgressora adolescente ter
função nestas rupturas?
PEDRA (2000) refere-se a estudos que evidenciam a relação entre o
desempenho dos alunos e a percepção dos professores sobre estes alunos.
Demonstra a importância dos sistemas de referência que influenciam na seleção,
distribuição e avaliação dos conhecimentos, extrapolando as dimensões do
conhecimento em si. Os conhecimentos que circulam nas instituições escolares
reproduzem representações. Através de uma elaboração complexa, as
representações constituem um sistema de interpretação de uma relação. Elas
aglutinam em uma imagem significante as experiências de cada um, os valores e
as informações circulantes na sociedade, expressando o modo como o indivíduo,
em grupos, toma consciência e responde à própria estrutura social.
Se por um lado, sabe-se que os alunos tendem a conformar seus
comportamentos às expectativas dos professores, por outro lado, Mollo
78
(citado
em PEDRA, 2000, p.93) desvela a mensagem de contestação que o ato
conformista apresenta: “aliena, mas protege”. Mantendo um nível mínimo de
comunicação, evita conflitos e fornece condições para a continuidade das relações
sociais. Permite certa desobediência, na dependência da obediência. Elucida o
autor que o conformismo, aparentemente um exemplo concreto da inculcação de
uma representação institucionalizada, ao ser examinado mais de perto, transmuta-
77
As representações, segundo Jodelet (citado em LUCCHIARI,1996), são imagens que condensam
um conjunto de significações; sistemas de referência que permitem interpretar aquilo que
acontece e atribuir um senso ao inesperado; categorias que servem para classificar
circunstâncias, fenômenos, indivíduos; teorias que permitem tomar decisões. As representações
permitem apreender o ambiente e articular comportamentos adaptativos, fazendo uma interface
entre o psicológico e o social.
78
MOLLO, S. Os mudos falam aos surdos. Lisboa: Estampa, 1978.
140
se em um modo de relação. Assume diante da norma e das expectativas escolares
feições cínicas. “Torna-se a antítese do que aparenta ser”.
As representações têm função de ancoragem e operam, através da função
cognitiva dirigida para a integração da novidade, interpretação da realidade e
orientação das condutas e relações sociais, com papel fundamental sobre estas
últimas e sobre as comunicações.
Discorrendo a respeito de representações mútuas e expectativas na interação
professor-aluno e entre alunos, MIRAS (2004) apresenta o processo das
expectativas reproduzido no diagrama a seguir, adaptado de Jussim
79
. Demonstra
várias fontes de representações mútuas, que partem de informações prévias, da
organização do sistema educacional e de observações que uns fazem dos outros e
de suas características nas interações que ocorrem no contexto escolar. As
primeiras representações marcam os contatos iniciais. Colocadas à prova, são
confirmadas, matizadas ou refutadas, progressivamente, pela observação
continuada. Há uma tendência em preservar a primeira representação, buscando e
selecionando informações que a confirmem. Porém, a quantidade e a qualidade de
informações disponíveis, nessas situações, inviabiliza o registro total e objetivo
delas. São necessários parâmetros e critérios para selecionar, interpretar e
organizar as informações recebidas, de forma a integrá-las em uma representação
coerente. Entre os fatores que influenciam tais critérios e parâmetros estão a idéia
que cada um tem do próprio papel e do papel do outro, os estereótipos relativos a
determinadas categorias étnicas, sociais, econômicas, ou de gênero, e as
experiências pessoais acumuladas na sua vivência como professores ou alunos
que configuram os perfis ideais.
Segundo Miras, a percepção do papel, os estereótipos e os perfis ideais,
geralmente se apresentam com padrões relativamente congruentes entre si e se
relacionam com características da personalidade, especialmente aquelas que se
referem ao grau de flexibilidade ou rigidez conferidas às convenções e modelos
sociais.
Também se acrescentam, aos elementos que constituem as representações
mútuas, as representações que cada um tem a respeito da representação que o
outro faz de si (jogo de espelhos – o que eu acho que você acha de mim).
79
JUSSIM, L. (1986) Self-fulfilling prophecies: a theoretical and integrative review. Psychological
Review, 93, 429-445.
141
As representações geram expectativas com relação ao andamento da
atividade conjunta e dos seus resultados. Cada um tende a atuar de acordo com o
que espera do outro e, desta forma, as expectativas atuam na conduta e nas
relações que se estabelecem, direta ou indiretamente, conduzindo a “profecias de
autocumprimento”.
Segundo MIRAS (2004), três etapas se distinguem no processo de formação
das expectativas: 1) construção das expectativas do professor quanto ao
rendimento acadêmico dos alunos; 2) transmissão da expectativa, comunicação
que se materializa em práticas educacionais, através das quais cada aluno é
tocado de modo particular e diferencial; 3) reação dos alunos diante das
expectativas diferenciais dos professores, ajustando-se ou opondo-se a elas.
A resposta do aluno às expectativas do professor dependerá de um conjunto
de fatores, entre os quais, o autoconceito acadêmico, a auto-estima, suas
configurações de “eus”, os padrões atributivos manejados, o valor atribuído à
aprendizagem escolar e importância dada à opinião do professor sobre ele, além da
sua capacidade de aprendizagem.
FIGURA 6 – O PROCESSO DAS EXPECTATIVAS (ADAPTADO DE JUSSIM, 1986)
EXPECTATIVAS INICIAIS
-Percepção do papel
-Estereótipos
-Informações prévias
-Previsões ingênuas
MANUTENÇÃO/MUDANÇA EXPECTATIVAS INICIAIS
-Desafios confirmadores
-Flexibilidade das expectativas
-Força da evidência não confirmadora
MEDIADORES PSICOLÓGICOS
-Padrões atributivos
-Percepção de controle
-Percepção de semelhanças
-Dissonância
-Afeto
MEDIADORES SITUACIONAIS
-Grau ou nível educacional
-Agrupamentos
TRATAMENTO EDUCACIONAL
-Padrões atributivos
-Grau de ajuda
-Qualidade de ajuda
-Atenção e apoio emocional
-Volume e dificuldade da matéria ensinada
-Atividades
MEDIADORES PSICOLÓGICOS
-Autoconceito (geral, acadêmico...)
-Auto-estima
-Padrões atributivos
-O professor como “outro significativo”
-Valor atribuído à escolaridade
-Capacidade de aprendizagem
REACÕES COMPORTAMENTAIS
-Esforço
-Persistência
-Atenção
-Participação
-Coo
p
era
ç
ão
Expectativa
do
Professor
Tratamento
Educacional
Diferencial
Reações
dos
A
lunos
Fonte: MIRAS
(
2004
)
142
Expectativas, relações e formação do autoconceito são variáveis que se
entrelaçam entre si, juntamente com aspectos cognitivos, afetivos e atitudinais.
Acompanhando ainda um pouco o trabalho desenvolvido por MIRAS (2004), pode-
se visualizar, na figura seguinte, aspectos da interdependência Aluno-Professor-
Processos de Ensino e Aprendizagem, e como estes interferem na atribuição de
sentido à aprendizagem.
FIGURA 7 – FATORES AFETIVOS E RELACIONAIS DA APRENDIZAGEM ESCOLAR.
PROCESSO DE ENSINO E
APRENDIZAGEM
-Objetivos de aprendizagem
-Tipos de conteúdo e tarefa
-Condições de realização da
tarefa
-Características da avaliação
CONDIÇÕES DA ATRIBUIÇÃO DE SENTIDO À
APRENDIZAGEM
Representação e motivos da aprendizagem
Interesse pessoal (conteúdo, tarefa)
Sentimento de competência
RESULTADOS DE
APRENDIZAGEM
(
si
g
nificado e sentido
)
ENFOQUE DE
APRENDIZAGEM
TIPO DE MOTIVAÇÃO
ALUNO
-Autoconceito
-Auto-estima
-Eus possíveis
-Padrões atributivos
-Expectativas
-Representação do professor
e expectativas
-Representação dos outros
alunos e expectativas
PROFESSOR
-Representação de si mesmo
-Auto-estima
-Padrões atributivos
-Expectativas
-Representação do aluno e
suas expectativas
F
O
NTE: MIRA
S
(
2
00
4
,
p
. 21
9
-
222
)
143
Há uma distinção entre aprender realmente e aprender. Esta é uma
constatação de pesquisas conduzidas com crianças e adolescentes, registrada por
MIRAS (2004, p. 209-222). Aprender realmente equivale a uma nova e diferente
maneira de ver, sentir ou julgar algum aspecto da realidade, incluindo a si mesmo.
Implica encontrar uma compreensão ampliada daquilo que se aprendeu. Os alunos
dizem que quando realmente aprendem, aquilo que é aprendido, em alguma
medida, se faz seu e “passa a fazer parte do jogo de “óculos” que utilizam para
olhar a realidade, ou seja, “além de modificar a compreensão do que são as coisas,
a aprendizagem transforma o sentido que elas têm” para o aprendiz.
Observa-se, em estudiosos da educação mais engajados com a educação de
adultos, entre eles FREIRE (2002), formulações que apelam para o resgate da
experiência de vida do aluno e o saber por ele construído na sua história, a
recuperação da ênfase na capacidade de construir conhecimentos, que a sala de
aula tem a função de colocar em movimento, e, também, o resgate da autoridade
conferida pelo saber do professor, além da atenção à interdisciplinaridade.
Ao lançar um olhar sobre o cotidiano da escola superior e sobre estas
questões, escolheu-se trilhar pelo caminho de pensar as particularidades do
processo de construção e concepção de si, articuladas em um momento
significativo, o da inserção no meio acadêmico. Imaginou-se que escutar os
personagens desta travessia possa ajudar a compreender um pouco mais sobre
aquilo que o estudante pode fazer com autonomia e o que pode fazer com ajuda, o
que toca o conhecimento do processo de construção ou reconstrução da
identidade, e suas interfaces com o trabalho psíquico que ocorre na adolescência,
bem como os processos inevitáveis e estruturantes de escolha em tais
circunstâncias.
Na visão de LAJONQUIÉRE (2002), o conhecimento possui a mesma
estrutura que aquela que está na origem da constituição do eu. É preciso um Outro
que confirme e reconheça o movimento de conhecer do aluno na condição de
sujeito desejante, instaurando o significante da falta. Segundo ALMEIDA (1999),
uma relação educativa é sempre uma relação de filiação e de reconhecimento do
valor simbólico da diferença, que marca o lugar de cada um na cadeia de
transmissão.
RIBEIRO (2003) coloca o desejo como combustível básico indispensável ao se
pensar em iniciação de uma profissão no jovem, e também ao ser pensado o
144
sentido da existência no professor. Afirma que nossa sociedade se ocupa pouco
em educar os desejos, ensinar as escolhas e renunciar à contenção.
Em CUNHA (1998, p. 39) encontra-se que “a construção do conhecimento
sobre si mesmo supõe a construção de relações tanto consigo quanto com os
outros”. A teorização sobre a própria experiência produz formação, autodetermina
uma trajetória e pode manifestar-se como um processo emancipatório por
excelência. Cunha apresenta algumas condições para que isto se dê desta forma;
aquela que mais chama a atenção, neste momento, é a disponibilidade do sujeito
em vivenciar esses processos e suas possibilidades de reconstruir, articulando
experiências e discurso em um processo dialético de mútuas influências.
A identidade coletiva se define por interações e partilhas, que ocorrem em
uma rede de relações ativas entre atores que se influenciam mutuamente, tomam
decisões, construindo um sistema de ação. Porém, identidade coletiva, segundo
Carrano, nunca é “inteiramente negociável no interior do grupo”. O agir
coletivamente está impregnado de sentidos e emoções que extrapolam a relação
custo-benefício. Continua Carrano: “sentimentos como: paixão, ódio, amor, fé e
medo são partes constitutivas de um corpo agindo coletivamente” (CARRANO,
2000, p. 19-21).
145
PARTE II
146
147
1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROBLEMA DE PESQUISA
Nos últimos tempos, tem aumentado o número de artigos que se ocupam em
repensar e representar o cenário contemporâneo e suas interrogações sobre o
lugar do homem, no que toca a suas representações de identidade. Uma grande
parte das inquietações decorrem das mudanças percebidas no mundo do trabalho.
É importante lembrar que a representação da identidade é marcada pela condição
humana de ser produzida e ser produtora em uma dada realidade social.
O excesso de informações, decorrente da ampliação do alcance das mídias,
convive simultaneamente com a falta de referências pessoais. Transformar
informações em conhecimento e mais particularmente, em um conhecimento que
articule os significantes pessoais e coletivos numa rede que dê sustentação aos
movimentos criativos da própria vida, é um desafio. A informação em si mesma não
garante avanço nas retificações pessoais, que, segundo a teoria de Vygotsky,
dependem da qualidade da mediação e de um tempo de internalização.
Vivemos um dilema entre os referenciais generalizantes sobre os quais somos
convocados a dar respostas, sob implícita condição de adequação e aceitação
social, e os chamados internos singulares, que nem sempre andam na mesma
direção. Conduzidos por este embate, a maioria das vezes inconsciente, nos
enlaçamos socialmente, na medida das possibilidades de cada um, com diferentes
“outros”.
Nestes enlaces, cada um espera contar com uma forma de representação
pessoal, que opere no posicionamento diante desses encontros/desencontros. A
esta forma de representação pessoal convencionou-se chamar de identidade. A
identidade tem uma função relacional. É algo que, ao mesmo tempo, identifica e
diferencia e se metamorfoseia com as experiências e (re)significações impostas
pelo encontro com os outros e o real.
Pesquisas recentes indicam que existem correlações entre o desenvolvimento
do ego, do autoconceito e o desenvolvimento cognitivo. Apontam um salto
qualitativo, neste sentido, pelo acesso aos cursos universitários. Elas também
sustentam a hipótese de que a construção da identidade não se consolida até o
final do Ensino Médio. A existência e a persistência de problemas de
148
comportamento aparecem correlacionadas com estados de pouca resolução da
construção da identidade (SIMÕES, 1995; SCHOEN-FERREIRA, AZNAR-FARIAS,
SILVARES, 2003).
Do lado da escola, repetem-se as queixas sobre a motivação dos alunos
que, tão seletivamente, acessam ao ensino superior. Como pensar sobre tais
queixas a partir de pressupostos de que a motivação é produto de uma elaboração
afetiva-cognitiva, que se apresenta através de aspirações, objetivos e projetos, os
quais se instrumentalizam na relação entre meios e fins e se expressam em
autonomia funcional?
Pela sua característica de comportar uma perspectiva de projeto e de
processo, o acesso ao Ensino Superior configura-se como um momento importante
a ser investigado no que toca à formação de conceitos, ao desenvolvimento do
autoconceito e à construção da identidade.
Se for a sociedade aquela que define qual é um conhecimento válido e como
ele se apresenta nos currículos escolares, tal sociedade não pode ser considerada
como algo sem endereço e fisionomia - seus traços se revelam na cultura dos
grupos e instituições, que são constituídas por indivíduos. Os aspectos
identificadores do que é válido ou não, aceito ou não, valoroso ou não, se
materializam nos grupos sociais que refletem o poder em determinado momento
histórico e a capacidade transformadora dos grupos. O ensino superior é um valor
representativo da sociedade brasileira atual.
Se for o momento de dar “voz” aos alunos e os segmentos multiculturais da
sociedade, e isto se mostra como possibilidade de transformação das práticas
sociais, é preciso que sejam exercitadas formas de ouvir e compreender essas
vozes, de conhecer mais sobre os processos mediadores do tipo cognitivo-afetivo-
motivacionais. A construção de um saber sobre si mesmo e sobre o que permeia o
cotidiano escolar, marcado pela história, a cultura, a coletividade e a singularidade,
merece uma escuta mais apurada, dando lugar a múltiplos significados, sem a
pretensão de encontrar um ponto final.
Neste momento, articula-se mais particularmente a problemática deste
trabalho.
O trajeto do trabalho de pesquisa em construção pretende contribuir para
revelar um tanto do que está por trás da escolhas dos jovens universitários. Novos
diálogos a serem construídos.
149
Se a adolescência é um tempo de encontro com novas configurações da
realidade, que exigem um trabalho psíquico intenso, que movimenta as
representações do sujeito sobre si mesmo e sobre os outros, trabalho este que se
convencionou chamar de acesso ao mundo adulto.
Se a identidade adulta está fortemente atrelada à identidade profissional.
Se, por um lado, há um prolongamento da adolescência, e por outro,
elevados índices de evasão e mudanças de curso ou da presença de
comportamentos considerados como não adaptativos entre os universitários.
Então, seria possível afirmar que uma grande parte dos jovens adultos
universitários está às voltas com a questão identitária e suas crises entre
exploração e compromisso? Alienação e separação?
O que podemos saber sobre estes aspectos e sobre as escolhas destes
jovens a partir dos dados disponíveis através do Questionário Sócio-educacional
preenchido pelos estudantes ao se inscreverem para o vestibular da UFPR? O que
podemos compreender observando, escutando e analisando as concepções dos
alunos sobre elas e sobre sua relação com a própria identidade e escolha?
Podemos identificar fatores que evidenciem como o acesso à universidade
interfere na travessia realizada pelo jovem da adolescência para o mundo adulto
e na aquisição da identidade profissional?
Como podem ser entendidas a apatia, a falta de interesse e as respostas
não adaptativas dos alunos (mencionadas pelos professores), se considerarmos
o processo competitivo de acesso ao ensino superior e o marco que este
representa para o acesso à condição de adulto?
O que podemos compreender a respeito da construção da subjetividade e
do desenvolvimento dos processos psicológicos superiores do jovem universitário
no percurso entre sua inscrição para o vestibular e o início de sua vida
acadêmica? O que podemos aprender, neste processo, sobre a psicologia do
jovem adulto? Sobre suas motivações e implicação pessoal com a escolha do
curso? Quem é este jovem adulto como sujeito que aprende e como se
estabelece enquanto tal?
150
2 PROBLEMA
Como os candidatos e alunos ingressantes representam o ensino superior,
suas crenças, valores e metas na travessia que ocorre no período do vestibular e
início da vida acadêmica? O que tais concepções possibilitam conhecer sobre a
identidade do jovem adulto? O que se pode saber sobre os processos de escolha e
da construção da identidade a partir dessas representações? Como os estudantes
se relacionam com as representações que têm a respeito de si mesmos e da
realidade?
3 OBJETIVOS
3.1 OBJETIVO GERAL
Identificar entre os candidatos e alunos ingressantes na UFPR, as
concepções sobre si e sua escolha do curso, seus conceitos de identidade e
escolha, explorando possibilidades explicativas para a compreensão do acesso ao
Ensino Superior, como processo de transição (mudança), em uma sociedade
complexa, e portanto, como espaço de trabalho constitutivo da subjetividade, de
elaboração de perdas e (re)significações.
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
1. Identificar os aspectos que representam os alunos ingressantes nos
cursos de Graduação da UFPR, explorando suas concepções sobre o
Ensino Superior, suas crenças, valores, expectativas e metas, durante a
travessia que se dá entre a inscrição para o vestibular e o início da vida
acadêmica.
2. Levantar como esses alunos conceituam identidade e escolhas, na
época do vestibular e da inscrição para o curso.
3. Explorar esses dados, localizando elementos de interface entre os
processos de escolha, construção de identidade e mudança e verificando
indicadores de exploração e compromisso, a partir da forma como os
pesquisados se percebem.
151
4. Construir novos diálogos e conhecimentos relativos aos processos de
subjetivação e formação de compromisso em processos de mudança
que ocorrem na adolescência e início da idade adulta.
4 ABORDAGEM METODOLÓGICA
Pesquisar é uma atividade que corresponde a um desejo de
produzir saber, conhecimentos (...) conhecer é descrever,
nomear, relatar, desde uma posição que é temporal,
espacial e hierárquica (COSTA, 2002).
4.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A METODOLOGIA
As metodologias de pesquisa em Educação vêm sendo modificadas nas
últimas décadas. Têm contribuído para tais revisões metodológicas, os
questionamentos acerca dos paradigmas científicos quando confrontados com as
condições objetivas da realidade. Os campos de estudos educacionais estão
encravados em um contexto histórico e social e sofrem influência de diferentes
vertentes - filosófica, sociológica, psicológica, política – e de diferentes olhares e
prismas, tais como processos de ensino, aprendizagem, conteúdos e práticas
pedagógicas, políticas e culturas educacionais, implicações entre conteúdos e
práticas, cognição, afetividade e subjetivação. Considera-se um desafio a busca da
compreensão do particular considerando aspectos gerais do contexto, e também, o
inverso, pensar o geral sem ignorar as singularidades. Portanto, é um desafio
construir uma metodologia que ampare e dê sustentação a um estudo que se
movimenta entre o específico e o mais abrangente, como o que se idealiza para
este trabalho.
As teorias têm se revelado insuficientes para explicar realidades complexas,
como ocorre nas Ciências Humanas, onde os sujeitos estão em interação e são
implicados por esta interação, e onde a provisoriedade do conhecimento se faz
sentir como fragilidade no objetivo sempre almejado de fornecer subsídios para as
práticas.
O conceito de cultura vem contribuindo para a compreensão desta tessitura
de circularidade entre o objetivo e o subjetivo, o individual e o coletivo, o ideal e o
152
possível, entre as relações que se estabelecem entre a micro e a macro estrutura.
As abordagens qualitativas de pesquisa e as estratégias metodológicas de
pesquisa em colaboração se apresentam como tentativas de superar as críticas à
qualidade das pesquisas educacionais e à distância entre a produção de
conhecimentos e as práticas.
A vida marcada pela escolarização tem se constituído como foco de
interesse dos pesquisadores. MAFRA (2003, p.109-136) refere-se à escola como o
lugar onde as culturas se encontram. Revela a escola que nasce das interações
sociais, do fazer e dos saberes construídos no cotidiano, engendrando a integração
de professores, alunos e família, e organizando a transmissão dos conhecimentos.
Destaca a importância de substituir uma visão uniforme, homogênea e generalista
da escola, por uma visão histórica, multidimensional, pluralista e diversificada,
ainda que abordada a partir de consensos ou ethos culturais unificadores –
considerando que estes se alteram no que se refere aos significados e importância
atribuída por seus atores.
Para aqueles que se importam com uma sociedade menos excludente,
COSTA (2002) destaca a importância de pensar seriamente sobre a política
cultural, demonstrando como todos estamos implicados numa luta pela significação
e a identidade. E tanto a significação como a identidade supõem possibilidades
expressivas e narrativas desde o próprio lugar, desconstruindo saberes que
aprisionam, que suportam a regulação de pessoas que não fazem parte dos
segmentos hegemônicos. Repensar o poder do sujeito pressupõe a valorização da
produção narrativa, a construção da autodefinição com linguagens próprias,
quebrando o silêncio imposto por sistemas discursivos excludentes.
As contribuições de TURA (2003), focadas na instrumentalização para a
coleta de dados, apontam para a necessidade de aproximação do pesquisador com
os espaços onde ocorre o processo educativo, destacando-se a importância de se
levar em conta a multiplicidade de fatores que se entrelaçam na ação educativa.
Afirma COSTA (2002, p. 108-111), que “é preciso encher o mundo de
histórias que falem sobre as diferenças, que descrevam infinitas posições espaço-
temporais de seres no mundo. É preciso colocar estas histórias no currículo e fazer
com que elas produzam seus efeitos”. E continua mais além: “O mundo, as vidas
de pessoas, as identidades são construídos, reinventados, instituídos a cada nova
história que circula”. “A única linguagem que pode falar da identidade de cada um
153
é aquela que é natural e deriva do lugar espaço-temporal em que cada um ou uma
se encontre”. As narrativas, mesmo sem garantias emancipatórias, segundo Costa,
podem dar “visibilidade e existência a identidades ainda não descritas”, “abrir
brechas na política cultural da representação”, desestabilizar velhas identidades e
suas posições de referência e normalidade. Esta posição da autora não é unânime
entre os estudiosos da educação, mas parece que sinaliza a possibilidade de
acreditar e avançar no debate sobre a diversidade e a singularidade das pessoas e
de seus olhares, sem perder de vista as condições objetivas do contexto em que
estão inseridas, e sem deixar de acreditar que é possível criar e transformar,
mesmo que os processos de mudança cultural sejam lentos e pouco controláveis.
É através da significação, um processo social do conhecimento, que os
objetos existem para nós. O poder de narrar e explicar os processos e seus
atributos fornece os elementos da representação e estabelece aquilo que tem
estatuto de “realidade”. A significação mediada pela linguagem confere o acesso ao
mundo social. As realidades construídas são produzidas pela linguagem, que
também tem papel fundamental e estruturante para o sujeito.
Ao utilizar as referências acima como introdução para a apresentação da
construção metodológica do presente trabalho, tenta-se dizer da dificuldade de
articular generalização e singularidade, especialmente quando se trata de um tema
tão emaranhado com aspectos diversos da condição humana, como é a construção
da identidade articulada com os processos de escolha no mundo contemporâneo.
Processos que se constroem a partir de um lugar e uma temporalidade que implica
um ser assujeitado a uma realidade social e subjetiva particular. O que se pretende
é conhecer sobre o tema e suas variáveis a partir daquilo que podem dizer seus
atores protagonistas, no caso, os estudantes em processo de acesso ao ensino
superior na Universidade Federal do Paraná.
Acredita-se que pensar a escola, inserida em um contexto mais amplo, mas
também construída a partir das percepções de seus atores, amplia as
possibilidades de que as inter-relações e interdependências sejam vivenciadas com
mais implicação, responsabilidade e até satisfação por parte dos agentes ou atores
educacionais, compreendidos como professores, funcionários, alunos, família e
comunidade. O que se está querendo dizer é que estas pessoas, podendo
apropriar-se da capacidade de entender a própria linguagem, do aprendizado em
ouvir-se e ouvir o outro, possam vivenciar mudanças que afetem qualitativamente
154
as relações sociais. Não se trata de pensar uma convivência sem conflitos, pois o
conflito é inerente à condição humana e social, mas sim, de se colocar em
perspectiva ações interdisciplinares, conjuntas e transformadoras, em que a
dignidade das pessoas, o respeito e a ética sejam o norte; dar lugar para o
exercício do direito de se posicionar de forma diferenciada, podendo arcar com as
conseqüências das próprias ações e omissões.
A problemática de pesquisa foi sofrendo um processo de reformulação ao
longo do trabalho, a partir da aproximação com as teorias, com os métodos e com o
ambiente que agrega os atores escolhidos para mediar o encontro com a temática.
Envolvendo aspectos da construção subjetiva e cognitiva, não desconsidera o
caráter histórico-cultural dessa construção.
Se nos basearmos na premissa Vygotskiana de que a construção subjetiva
ocorre primeiramente no campo interpessoal, para posteriormente ser apropriada
de forma singular ao nível intrapessoal, então se justifica o movimento entre
diferentes tempos: 1) uma opção metodológica mais ancorada nos artefatos,
símbolos e ditos da cultura em determinado tempo histórico, e 2) um olhar mais
particularizado em processos e questões mais pontuais. A opção metodológica
definida foi de partir do geral com um olhar no particular, retornando depois
novamente ao geral.
A compreensão do processo de construção da identidade e de processos de
escolha, que se apresentam na travessia de estágio entre adolescência e idade
adulta e é marcado pela singularidade de cada um, pode ser considerada como um
problema de natureza complexa. Assim sendo, a pesquisa foi desenvolvida dentro
de uma perspectiva exploratória, orientada para avançar na problematização e na
localização dos representantes simbólicos da questão proposta, que possam ser
aprofundados neste momento, caminhando para a construção de um novo olhar e
de outras possibilidades de interpretação e explicações das relações e práticas.
A partir da análise das concepções sobre as crenças auto-referenciadas dos
participantes e de outros dados complementares, buscou-se compreender
implicações com a escolha profissional, com a maturidade, com experiências
anteriores e com diferentes manifestações de comprometimento.
Pode-se designar a perspectiva metodológica como exploratória, pois se
apresentou bastante aberta, particularmente nos momentos iniciais, no sentido de
coletar concepções gerais, que ajudassem na formulação das questões de
155
pesquisa e na identificação de suas variáveis. Tentou-se desvelar um assunto que
parece permanecer na superficialidade e casuísmo em termos de pesquisa e
políticas educacionais.
A perspectiva metodológica pode, também, ser parcialmente nomeada como
descritiva, na medida em que relata e quantifica aspectos referentes ao perfil dos
participantes, indicando tendências e predominâncias. Preocupa-se em esclarecer
questões, tais como: O que os participantes podem dizer de si mesmos? Sobre sua
escolha e sobre os cursos? Quais as argumentações e justificativas para seus
processos de mudança? E, também, identificar quais as variáveis que mediatizam
estes efeitos e de que modo o fazem, bem como as gratificações e/ou defesas
derivadas do processo.
Para avançar na compreensão da natureza das relações e do que acontece
no cotidiano escolar, o desafio que se coloca é o de re-instaurar um problema a ser
pesquisado, a partir daquilo que se sabe e apesar do que se sabe, investindo na
criação de espaços em que se torne possível problematizar, confrontar idéias e
transformar-se, transformando a realidade. A metodologia surge a partir de pensar
o problema dentro de uma epistemologia ainda em construção. A escolha do
caminho a trilhar é aquela que, neste momento, nos parece possibilitar debruçar-se
nas dimensões mais específicas, dissecando-as, iluminando, buscando referências,
indícios que possibilitem avançar na compreensão e construção de teorias, que
poderão ser utilizadas para discussão ou aplicação posterior. Procura-se dar uma
atenção especial aos desacordos, àquilo que tende a escapar, e também teorizar
sobre o que se observou, ou seja, estabelecer um diálogo entre a pesquisa e a
teoria.
4.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE PROCEDIMENTOS E MATERIAL
A aproximação inicial com o universo de estudo se deu através das
informações coletadas no Questionário Sócio-educacional que os candidatos ao
concurso vestibular da UFPR preenchem pela Internet na formalização de sua
inscrição para o processo de acesso.
As informações do questionário sócio educacional proporcionam um grande
número de dados (os detalhes serão apresentados no tópico 4.4.) e fornecem
156
tendências de respostas gerais e por curso, bem como algumas tendências
diferenciais entre os aprovados e o total de inscritos. Trabalhados estatisticamente,
eles podem oferecer informações importantes sobre o perfil do estudante que
ingressa no ensino superior na UFPR. No entanto, verificou-se que alguns aspectos
do questionário dificultavam um aprofundamento das questões de pesquisa, como,
por exemplo, admitir uma única resposta para cada questão, alternativas fechadas
e temas complexos. Pode-se considerar também que o momento de inscrição para
um processo seletivo bastante concorrido pode dar margem a respostas com
tendência em buscar atender às expectativas dos elaboradores, aquelas que o
candidato entende que poderiam ser consideradas desejáveis. Se, por um lado,
este comportamento pode dizer algo sobre o candidato, por outro lado, é difícil
interpretar seu significado sem outras informações que possam categorizá-lo.
Observou-se também que, no Questionário Sócio-educacional utilizado
faltavam questões mais específicas que possibilitassem explorar os motivos da
escolha, as crenças, os valores e as metas dos estudantes, os quais forneceriam
dados para a análise de suas representações e concepções referentes ao modo
como se percebem no processo de metamorfose da construção da identidade e de
suas escolhas.
Destas constatações decorreu a intenção de trabalhar, em um segundo
momento, com observação e questionários, e até mesmo com entrevistas em
profundidade, caso fosse possível, visando à compreensão de aspectos mais
específicos.
4.2.1 OBSERVAÇÃO
A observação é considerada como instrumento fundamental nas pesquisas
de caráter qualitativo. A pesquisa qualitativa fornece condições de investigar os
espaços e as micro-comunidades complexas, que se constituem como condições
concretas do ensinar e do aprender. Os ambientes escolares são complexos e para
se compreender algo mais sobre esta complexidade, é importante a aproximação
dos espaços de interação entre alunos e professores e da multiplicidade de fatores
que se entrelaçam na ação educativa.
A observação, como instrumento indispensável nas pesquisas de ênfase
qualitativa, pressupõe a presença do investigador mais próximo do campo, e, desta
157
forma, faz pensar questões da objetividade e da subjetividade deste como
pesquisador, suas posições teóricas e ideológicas, o poder conferido a ele no
campo e a inevitável reflexibilidade da pesquisa social. A subjetividade do
pesquisador tem sido apontada como um aspecto bastante importante nas
investigações que se utilizam da abordagem qualitativa no cotidiano escolar.
Utilizando as palavras de TURA (2003, p. 186), é possível esclarecer a
reflexibilidade na pesquisa social:
A reflexibilidade das pesquisas sociais tem como implicação metodológica exatamente levar
em conta as interpenetrações entre o senso comum e a teoria social. Assim, em vez de o
pesquisador iludir-se em procurar eliminar os efeitos de sua presença no campo de
investigação, o importante é buscar entendê-la. Ou seja, atentar para o fato de que, se
desenvolvemos uma explicação do comportamento humano, esta deve também abranger
nossas atividades como pesquisadores e a busca de estratégias de investigação. (p. 186)
Se, por um lado, existe diferença naquilo que se estuda ou pesquisa –
cultura, significados das práticas ou comportamentos específicos – os objetivos de
análise também são diferentes e estão subentendidos nas crenças e posições dos
pesquisadores. Eles determinam o tipo de observação – (metódica, sistemática,
direta, flutuante, in situ, naturalística, participante, não participante) – de acordo
com a direção da investigação - mais focada para o diagnóstico de uma situação,
para a explicação ou interpretação de significados culturais. O posicionamento do
investigador diante de tais características direciona a sua atenção, suas decisões e
ações específicas no sentido de multiplicar os pontos de vista e observação,
levantamento e transcrição do objeto de estudo. Procurou-se mostrar, ao longo
deste trabalho, um tanto deste posicionamento, que também se fará presente na
análise dos dados.
Compilando estudos de vários autores, TURA (2003) apresenta as ações
implicadas na observação, tais como: registrar, narrar, situar acontecimentos do
cotidiano com as intenções do estudo, formular hipóteses ou questões, planejar,
analisar, descobrir diferentes formas de interlocução com os sujeitos ativos da
realidade investigada e a análise do próprio modo de olhar o objeto de estudo por
parte do investigador.
GÓMEZ (1996), definindo os procedimentos para se aprimorar a seleção de
informantes e a observação, cita como ponto de partida a eleição dos aspectos,
eventos e condutas a serem observados, apontando em seguida para a escolha de
158
uma amostra que dê conta de extrair a observação que se deseja, pormenorizando
unidades de observação, categorias, meios e formas de codificação dos dados.
Da forma como está sendo construída a metodologia desta pesquisa –
considerando o contexto cultural, partindo do geral para o específico e
considerando o pesquisador, suas crenças e subjetividade, como variáveis de
análise, as orientações de Gómez contribuem como alertas para a sistematização
dos dados e ajudam a identificar que o universo dos aspectos, eventos e condutas
é aquilo que se repete e aquilo que se apresenta como estranho, com o objetivo de
encontrar a pergunta chave da pesquisa e, então, aprofundar a investigação sobre
suas especificidades.
Procurou-se observar as recomendações metodológicas sugeridas por
SAMPIERI; COLLADO e LUCIO (1998) e por GÓMEZ (1996) para a seleção da
população e da amostra, bem como aquelas relativas aos cuidados para a
validação da observação e do questionário como instrumentos de coleta de dados
de pesquisa.
A partir dos elementos metodológicos sobre observação e pesquisa
qualitativa acima mencionados, e da quantidade e variedade de informações que
foram se apresentando, optou-se por fazer o registro das mesmas em um “caderno
de anotações pesquisa”, realizado a partir do mês de novembro de 2004. Estes
registros foram utilizados como material de análise, juntamente com os dados
coletados através dos demais instrumentos.
4.2.2 QUESTIONÁRIO
O questionário, como instrumento de coleta dirigido a atingir um número
mais significativo de participantes, tornou-se uma opção privilegiada para
proporcionar a esta pesquisa as informações complementares ao questionário
sócio educacional. Foi elaborado de forma a abrir mais as questões e focar mais
especificamente os interesses da problemática de pesquisa.
Os referenciais teóricos levantados na revisão de literatura, as lacunas
encontradas no Questionário Sócio-educacional para os interesses desta pesquisa,
e o interesse de manter alguns dados para os quais já existe coletada uma série
histórica na UFPR, forneceram os subsídios para a elaboração de um novo modelo
159
de questionário destinado a levantar, de forma exploratória, aspectos mais
específicos da problemática de pesquisa.
O modelo elaborado foi aplicado, experimentalmente, com quatro estudantes
com características de idade e escolaridade semelhante àquelas dos participantes
da pesquisa, visando à verificação da qualidade de clareza e compreensão das
questões e também, da qualidade das respostas que poderiam ser proporcionadas
à pesquisa, além de levantar o tempo aproximado de aplicação. Considerando os
resultados deste piloto, foram feitos ajustes na forma de elaboração das perguntas,
excluindo aquelas cuja resposta agregava pouco à problemática.
O questionário foi elaborado de forma a ser preenchido pelo próprio
participante, depois de sua concordância ao ser abordado de maneira aleatória na
saída das provas do vestibular ou na fila de espera para o registro acadêmico.
Considerando-se a estratégia de coleta, utilizando um tempo em que os
participantes estariam envolvidos com outras atividades e/ou sofrendo os impactos
delas, optou-se por dividir o modelo em dois, para se adequar às condições de
tempo e suportabilidade. Algumas questões aparecem nos dois modelos, os quais
têm características diferenciadas, que também puderam ser exploradas de acordo
com as peculiaridades dos participantes
80
. O Questionário Modelo 1 (Anexo 1)
prioriza aspectos do autoconceito e da auto-estima e tem maior número de
questões fechadas. O Questionário Modelo 2 (Anexo 2) contempla mais
pormenorizadamente as questões da escolha, questões abertas e de completar.
Estas questões serão detalhadas no tópico específico de obtenção dos dados e
caracterização dos participantes.
Pretendeu-se que os dados coletados através dos instrumentos acima
mencionados fornecessem indicativos para o aprimoramento da visão da
problemática, permitindo avançar na compreensão do processo e na formulação de
interpretações mais consubstanciadas.
4.2.3 A ESCALA
Consta do Questionário Modelo 1, uma escala composta por 37 itens, a
respeito dos quais os pesquisados deveriam indicar um número entre 1 e 5,
80
Em algumas situações, foi possível deixar a opção de responder um questionário com questões
mais objetivas ou mais descritivas.
160
correspondente àquilo que melhor expressariam a freqüência com que se
percebem da forma indicada em cada uma das alternativas propostas – nunca (1),
raramente (2), às vezes (3), quase sempre (4) e sempre (5). A escala foi composta
de itens retirados de outras escalas conhecidas (autoconceito e maturidade
81
) e de
outros itens agregados por influência dos estudos na revisão bibliográfica e da
experiência na escuta de jovens e adultos. Quando foi concebida a escala, no
momento de construção dos instrumentos de coleta de dados, seu objetivo foi
identificar as representações dos participantes da pesquisa sobre suas crenças
auto-referenciadas (autoconceito, auto-estima e crenças de controle) de forma a
retratar sua memória da freqüência em que ocorriam tais percepções. Buscou-se
uma certa distribuição no sentido das variáveis, um confronto entre variáveis
presumidas como opostas, com vistas a fornecer mais elementos para esclarecer o
entendimento do participante em relação à questão proposta. A análise dos dados
coletados por meio desta escala sugeriu que ela fosse chamada de Escala de Auto-
representação.
No momento da construção metodológica, havia um conflito entre os
interesses que motivavam o trabalho de pesquisa: de um lado, a necessidade de
especificar e delimitar (decorrente das orientações metodológicas e de certa
vergonha pela amplitude e ousadia em relação ao tamanho da proposta) e, de outro
lado, a dificuldade de focar em uma questão específica, sem escutar, pelo menos
um tanto, explorando o campo de pesquisa. Neste conflito, predominou a tendência
de deixar mais abertas as questões, estabelecendo algumas graduações que
ajudassem, ao mesmo tempo, a auto-expressão dos participantes e as análises
futuras, no tempo compatível com as exigências do mestrado.
4.2.4 MOMENTOS DE COLETA DE DADOS
Pensando em caracterizar diferentes e importantes momentos dos processos
de escolha e construção da identidade dos candidatos ao acesso no Ensino
Universitário, pensou-se na estratégia de coletar os questionários nos seguintes
81
Escala de Maturidade para Escolha Profissional (EMEP): Manual. Kathia Maria Costa Neiva. São Paulo:
Vetor, 1999. e Escala Reduzida do Autoconceito (ERA): Manual. Lúcia Cerne G. Corona. Rio de Janeiro:
CEPA, (sem data).
161
momentos significativos, que serão mais detalhados no tópico que especifica a
obtenção de dados (4.4):
Primeira fase do vestibular (processo seletivo 2005)
Segunda fase do vestibular (processo seletivo 2005)
Registro acadêmico (confirmação de reserva de vaga e matrícula dos
candidatos aprovados no vestibular 2005).
Foram definidos critérios de seleção e estratégias de coleta para cada uma
das etapas da coleta. O critério de seleção de participantes da amostra na primeira
fase da pesquisa (vestibular – fases 1 e 2) foi a aleatoriedade simples. Na segunda
fase (registro acadêmico) foi aleatoriedade por grupos (diferentes cursos).
Na fase do registro acadêmico, facultou-se que o questionário fosse levado
(com prancheta para facilitar o preenchimento) durante todo o percurso em que o
candidato aguardava – organização do grupo dos alunos do curso e espera para
receber avisos da UFPR ou das coordenações de curso; fila de espera para
identificação, entrega de documentos e informações finais. Considerou-se
importante reservar tempo e espaço para complementações do preenchimento na
saída da sala de registro.
4.2.5 PERFIL METODOLÓGICO DA PESQUISA: INFORMAÇÕES GERAIS
Contribuíram na delimitação dos diferentes momentos apresentados as
colocações de TURA (2003, p. 189), quando esclarece os diferentes tipos de
investigação, como aqueles de tradição teórico-metodológicas e os métodos
naturalísticos de feição antropológica. No primeiro grupo, a característica
fundamental da investigação se orienta para um trabalho dirigido para questões
mais pontuais, tais como: 1) sistemas de categorias – com definição prévia do
conjunto de sinais com significação para o comportamento que se deseja observar;
inventários ou sistemas de regras – listas de ações ou incidentes que podem ser
observados em um período de tempo determinado; 2) escalas de avaliação –
gráficos que descrevem variáveis, freqüência e intensidade de variáveis dos
comportamentos observados; 3) protocolos de análise da interação que formalizam
comportamentos a serem observados; 4) relatórios de fluxo de comportamento e
procedimentos clínicos.
162
No segundo grupo, que comporta os métodos naturalísticos, o instrumento
essencial é o próprio investigador, que coordena, seleciona e interpreta o
comportamento de fenômenos que presencia no campo de investigação. Seu
instrumento principal é o “diário de campo”, composto de anotações precisas dos
diferentes momentos da pesquisa, das suas incertezas, indagações e
perplexidades, que contribuem para um mergulho mais profundo na vida de um
grupo e o desvelamento da rede de significados produzidos e comunicados nas
relações interpessoais. TURA (2003) destaca a importância da descrição densa, da
interpretação e da re-interpretação dos acontecimentos de forma a tornar os
símbolos inteligíveis e aprender a hierarquia estratificada das estruturas
significantes que fundamentam as práticas e os costumes sociais.
Parte do formato metodológico da pesquisa está sendo ancorada neste
segundo grupo de métodos, mas outra parte, empresta alguns instrumentos do
primeiro grupo.
As referências de GONSALVES (2001) ajudaram a localizar melhor a
metodologia apresentada, cuja síntese será apresentada a seguir, tentando dar
nome ao perfil metodológico que se pretendeu realizar, sem desconsiderar que a
pesquisa é um processo singular e fortemente influenciado pelas concepções do
pesquisador no que toca aos aspectos epistêmicos, ontológicos e metodológicos. E
que, quando eles ainda estão em construção ou não se apresentam claros e,
portanto, não podem ser assumidos, exigem um processo de caminhada do próprio
investigador. Uma caminhada que ocorre a partir da própria escolha do tema de
pesquisa, sofre os abalos dos novos e diferentes encontros e das parcerias que
podem ser estabelecidas na instituição de afiliação para o desenvolvimento do
projeto.
Eis o que se entende, neste momento, como perfil metodológico desta
pesquisa:
Segundo seus objetivos, a pesquisa foi prioritariamente exploratória, com
nuances descritivas e explicativas. Se for considerada a perspectiva de suas fontes
de informações, a metodologia se divide em investigação bibliográfica e pesquisa
de campo com complementos documentais. Com relação ao tipo de procedimentos,
o formato de pesquisa se aproximou de um levantamento, com nuances de
pesquisa bibliográfica e documental, aproximando-se de feições antropológicas. De
163
acordo com a sua natureza, pode ser designada como uma pesquisa que se
utilizou de dados quantitativos e qualitativos para fazer uma análise qualitativa.
O desenvolvimento dos procedimentos de análise serão apresentados em
capítulo específico mais adiante. Pode-se antecipar que, em linhas gerais passa
por etapas como: listar aspectos relevantes encontrados e estabelecer estatísticas
relevantes; estabelecer relações entre as questões e as construções teóricas;
estabelecer categorias e sub-categorias entre variáveis, analisá-las, localizar
operadores conceituais e formular conclusões.
4.3 UNIVERSO E MOMENTO DA PESQUISA
A população analisada na pesquisa de campo foi constituída por pessoas que,
já tendo concluído ou estando em vias de finalização do Ensino Médio, almejavam
ingressar no Ensino Superior. Foram escolhidos os candidatos ao ingresso na
UFPR pela facilidade de acesso e pela representatividade.
A escolha desta população deveu-se ao fato de que ela caracteriza, de forma
diversificada, abrangente e socialmente reconhecida, um processo de transição,
processo este que acontece na travessia entre a adolescência e idade adulta,
caracterizado pela intensificação do trabalho psíquico em estudo, de construção de
identidade e apropriação da capacidade de assumir escolhas.
A amostra de pesquisa corresponde a 13,2 do total das vagas ofertadas para
os cursos de graduação da UFPR em 2005. Foram 558 participantes, distribuídos
da seguinte forma: 156 candidatos que prestavam o concurso vestibular no final de
2004, e 33 que prestaram, em junho de 2005, o vestibular de inverno no litoral, bem
como 369 dos candidatos aprovados para o ingresso nos cursos da Universidade
Federal do Paraná em 2005 em processo de registro acadêmico. O vestibular e o
registro acadêmico foram realizados na cidade de Curitiba e Matinhos, PR. Os
candidatos e participantes da pesquisa vieram de diferentes cidades e estados
brasileiros.
De acordo com os dados dos Relatórios do Questionário Sócio-educacional
dos processos seletivos do vestibular (UFPR, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006),
todos os anos, uma população que oscila entre 40 e 50 mil pessoas se inscreve
para o preenchimento das vagas dos cursos de graduação ofertados pela UFPR.
164
No processo seletivo de 2005, a Universidade Federal do Paraná ofertou
4144 vagas para 69 cursos e habilitações, e 60 vagas nos dois novos cursos de
graduação abertos na UFPR/litoral em junho de 2005.
A UFPR agrega aproximadamente vinte e um mil alunos nos seus cursos de
Graduação. As aulas ocorrem em diferentes campi e, seguindo a proporção das
vagas ofertadas por curso no vestibular, pode-se visualizar a seguinte distribuição:
FIGURA 8 – QUADRO DE ALUNOS, CURSOS E SETORES POR CAMPUS DA UFPR
Campus Setores Cursos
Centro Politécnico
1432 alunos
34,06% das vagas
Ciências Biológicas
Ciências Exatas
Ciências da Terra
Ciências Tecnológicas
-Ciências Biológicas e Educação
Física
-Estatística, Física, Ciências da
Computação, Matemática, Matemática
Industrial, Química
-Engenharia Cartográfica, Geografia,
Geologia
-Arquitetura e Urbanismo, Eng.
Ambiental, Eng. De Bioprocessos e
Biotecnologia, Eng. Civil, Eng.
Elétrica, Eng. Mecânica, Eng. Química
Jardim Botânico
937 alunos
22,29% das vagas
Ciências da Saúde
Ciências Sociais
Aplicadas
Ciências Agrárias
-Farmácia, Nutrição, Odontologia
-Administração – Administração
Internacional Negócios, Ciências
Contábeis, Ciências Econômicas,
Gestão da informação
-Engenharia Florestal, Engenharia
Industrial Madeireira
Reitoria
685 alunos
16,29% das vagas
Ciências Humanas,
Letras e Artes
Educação
-Ciências Sociais, Desenho Industrial,
Filosofia, História, Letras, Turismo
-Pedagogia
Padre Camargo
261 alunos -
6,21%
Ciências da Saúde Enfermagem, Medicina, Terapia
Ocupacional
Santos Andrade
252 alunos –
5,99%
Ciências Jurídicas
Ciências Humanas,
Letras e Artes
-Direito
-Psicologia
Juvevê
225 alunos –
Ciências Agrárias -Agronomia, Eng. Florestal, Eng. Ind.
Madeireira, Medicina Veterinária,
165
5,35% Zootecnia
Escola Técnica
100 alunos –
2,38%
Escola Técnica -Tecnologia em Informática
Cabral
90 alunos – 2,14%
Ciências Humanas,
Letras e Artes
-Comunicação Social
Cel.Dulcídio
72 alunos – 1,71%
Ciências Humanas,
Letras e Artes
-Educação Artística, Música
Palotina
60 alunos – 1,43%
Ciências Agrárias -Medicina Veterinária
Matinhos
60 alunos – 1,43%
LITORAL -Fisioterapia, Gestão Ambiental
Pontal do Sul
30 alunos – 0,71%
Ciências da Terra -Ciências do Mar
Fonte: www.ufpr.br
O campus do Centro Politécnico concentra o maior número de cursos e de
alunos. Todos os cursos de cada um dos setores abrigados no Centro politécnico
estão sediados no mesmo local. O setor de Ciências Humanas, Letras e Artes
distribui seus cursos em quatro diferentes locais.
52% dos estudantes da UFPR ocupam-se com horários de aula em dois
períodos do dia, com predominância no período diurno. 22,8% estudam somente à
noite, os demais (25,2%) estudam somente à tarde ou somente pela manhã. No
horário noturno há predominância de alunos das licenciaturas (39%), de Ciências
Sociais Aplicadas (34,8%) e de Direito (9,2%).
4.4 CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES
Como já foi mencionada no tópico relativo aos procedimentos, a
aproximação inicial com os dados de análise deste estudo ocorreu através de
informações do Questionário Sócio-educacional preenchido pelos candidatos na
formalização da sua inscrição para o processo de acesso ao vestibular. O
Questionário Sócio-educacional pretende coletar dados acerca de procedência,
condição sócio-econômica e familiar, percurso escolar e de inserção no mundo do
trabalho, e, informações relativas à maneira como o candidato vivencia o vestibular
e o acesso ao ensino universitário. Este levantamento da UFPR é apresentado em
compilações de cada uma das questões relativas aos aspectos acima citados,
organizando as informações separadamente para inscritos e aprovados, para o
total de candidatos e os principais grupos – concorrência geral, afro-descendente e
166
candidatos oriundos de escola pública. As informações também são catalogadas
por curso. Os principais dados desse momento de análise serão apresentados nos
tópicos seguintes.
O questionário de coleta de dados construído para atender mais
especificamente aos objetivos da pesquisa possibilitou que algumas questões,
exploradas com maiores detalhes, fossem comparadas aos dados gerais, cujo
mérito principal é o tamanho da amostra (aproximadamente 50.000). Os
questionários coletados no vestibular (primeira e segunda fase) e no registro
acadêmico, forneceram os elementos essenciais das análises, especialmente
aquelas que atendem ao objetivo de explorar concepções dos jovens sobre si, suas
escolhas, motivos, crenças, valores e conceitos relativos ao processo de transição
em estudo.
Não foi possível, no tempo estabelecido pelo curso de mestrado, a
realização de uma idealizada terceira etapa de coleta, destinada ao estudo mais
particularizado de situações específicas com os estudantes já inseridos no curso
escolhido (entrevistas em profundidade).
Na primeira fase do vestibular (28 de novembro de 2004), os candidatos
foram distribuídos por proximidade de endereço, em 26 locais de realização da
prova. O critério para a escolha do local de coleta de dados para a pesquisa foi o
de maior número de candidatos, escolhendo-se como primeiro local de coleta a
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). A estratégia definida foi a
abordagem dos candidatos após a realização da prova, com o consentimento
prévio da Comissão Organizadora do concurso, a ciência dos coordenadores de
aplicação de prova do local e o consentimento expresso registrado no formulário de
pesquisa pelo participante.
Na segunda fase do vestibular (19 e 20 de dezembro de 2004), os candidatos
aprovados na primeira fase foram redistribuídos de acordo com os respectivos
cursos. O critério de escolha do local de coleta de dados seguiu o indicativo da
primeira fase, no sentido de localizar maior diversidade e representatividade de
candidatos, com a opção de trabalhar um dia em cada um dos dois locais de
grande concentração. Assim sendo, a coleta no primeiro dia da segunda fase
ocorreu no Campus do Jardim Botânico (onde se concentravam 2196 candidatos) e
no segundo dia no Centro Politécnico (2846 candidatos). Não foi permitido o acesso
167
no campus Juvevê, onde os candidatos dos cursos de Artes e Ciências Sociais
faziam prova.
Em meados de 2005 foi realizado um vestibular específico para o início das
atividades da UFPR-Litoral do Paraná, que se propõe a ofertar cursos
profissionalizantes e de graduação afins. Os novos cursos de graduação instituídos
na UFPR foram Fisioterapia e Gestão Ambiental. Inscreveram-se para estes cursos
1757 candidatos. Adicionando-se este número ao de inscritos no vestibular de
verão, totalizaram 46.484 inscritos para 4.204 vagas (4144 no vestibular de verão e
60 no vestibular de inverno). A distribuição da coleta por modelo de questionário e
fase de coleta pode ser visualizada na tabela a seguir:
TABELA 1 – DISTRIBUIÇÃO DA AMOSTRA DE PESQUISA POR ETAPA, MODELO DE
QUESTIONÁRIO, GÊNERO, CURSOS E SITUAÇÃO DE APROVAÇÃO DOS
PARTICIPANTES. Curitiba, 2004-2005
VESTIBULAR
SUB
TOTAL
REGISTRO
ACADÊMICO
TOTAL
1
A
FASE 2
A
. FASE LITORAL
DATA 28/11/04 19/12/04 20/12/04 19/06/05 4 27/01 a 02/02/05 9
LOCAL PUC/PR BOTÂNICO POLITÉCNICO MATINHOS SANTOS ANDRADE 05 locais
Nos. 01 a 43 44 a 94 95 a 156 527 a 558 157 A 526
Recusa 8 8 12 20
Modelo l 23 25 38 12 98 183 281
Modelo 2 20 26 24 21 91 186 277
Aprovados 08 09 10 3 24 369 393
Feminino 26 22 28 23 99 178 277-49,6%
Masculino 17 29 34 10 90 191 281 – 50,4%
Cursos 18 11 05 02 29 47 49
Quantidade 43 113 33 189 369 558
% 7,7% 20,3% 5,9% 33,9% 66,1% 100,0%
Obs.Entre os participantes das coletas realizadas nas diferentes fases do vestibular (189), 14,7% (24) foram
aprovados.
É conveniente lembrar que o Questionário Modelo l (ver Anexo 1) prioriza as
questões objetivas e relativas às crenças e ao autoconceito e no Questionário
Modelo 2 (ver Anexo 2) há uma predominância de questões abertas com foco na
escolha, na identidade e na formulação de conceitos. As questões sobrepostas nos
dois modelos privilegiam aspectos como: motivos para cursar uma faculdade,
mudanças significativas nas concepções sobre si mesmo e conceitos de identidade,
maturidade, escolha, coletividade e projeto de vida.
4.4.1 COLETA NO VESTIBULAR
168
Das observações na fase de coleta do vestibular é importante destacar a
presença marcante (pela quantidade e a forma) de pais/mães acompanhando seus
filhos e aguardando no local durante todo o tempo de realização das provas. Muito
atentas a tudo o que acontecia no entorno, várias mães fizeram perguntas acerca
da pesquisa, quiseram conhecer o questionário, fizeram observações como: “Vou
dizer para o meu filho preencher!”; “Por que o meu filho não recebeu?”; “O
questionário é excelente, mas eles não têm condições de responder a algumas
dessas perguntas!”
Também foi interessante observar, especialmente na primeira fase do
vestibular, que as condições adversas de conforto (chuva, sol, falta de local para
sentar, tensão, cansaço face ao preenchimento do instrumento logo após as
provas), na maioria das vezes, não alteraram o interesse manifesto em relação à
participação da pesquisa.
Considerando-se que a maioria dos questionários foi coletada no horário entre
as 16 e às 18 horas e que os candidatos estavam no local desde 13:30 horas,
chamou a atenção o nível de colaboração e também o quanto demonstravam estar
absorvidos pela atividade – várias pessoas recusavam água ou a sugestão de um
local para sentar na sombra e uma delas permaneceu por um tempo superior a 25
minutos (tempo aproximado de preenchimento) na posição em pé, no sol (o dia
estava bastante quente) durante todo o preenchimento. Os participantes
agradeciam depois de preencher.
Houve também algumas desistências, mais freqüentemente quando os pais
estavam esperando no trânsito. Outros trocavam idéias com colegas durante o
preenchimento.
Na segunda fase do vestibular, houve comentários de alguns participantes de
que estavam fazendo vestibulares em todos os finais de semana há
aproximadamente 40 dias. Neste momento, ficou visível a queda na qualidade do
preenchimento do questionário, pois eram entregues mais incompletos. Os
candidatos aparentavam maior cansaço e agitação, como também preocupação
com viagem. Eram abordados por muitas pessoas na saída das provas e recebiam
muitos papéis (panfletos), aumentando o número de pessoas que se recusaram a
responder, declarando que não conseguiam mais ler, entender e, principalmente
escrever. Aceitavam ajuda (ler e escrever suas respostas) para concluir.
169
4.4.2 COLETA NO REGISTRO ACADÊMICO
No momento do registro acadêmico, quando candidatos aprovados faziam sua
confirmação de reserva de vaga e matrícula, a UFPR organizou a atividade com
horários estabelecidos por curso, em um período de cinco dias (27, 28 e 30 de
janeiro, 01 e 02 de fevereiro de 2005) na sede da Praça Santos Andrade. Como
estratégia para esta fase, estabeleceu-se uma meta de coletar aproximadamente
seis questionários por curso, podendo ser ampliado este número de acordo com o
tempo na escala de registros e o número de candidatos por curso.
Como o questionário foi estruturado de forma a ser preenchido pelos próprios
participantes, que utilizaram o tempo de espera para o seu preenchimento.
Reservou-se um espaço para complementações do preenchimento na saída da
sala de registro e muitos participantes da pesquisa utilizaram este espaço por um
tempo, em muitos casos bastante extenso (às vezes, mais de uma hora), o que
levou a considerar positivamente a qualidade de sua atenção e dedicação ao
instrumento de pesquisa.
No registro acadêmico, os “calouros” viviam um momento de reconhecimento
social e familiar pela sua aprovação. Novamente a presença de pais e mães foi
marcante: acompanhando, tentando solucionar questões e, como pode se perceber
através dos comentários observados e descritos a seguir, tentando lidar com este
momento de separação: “Mas ele é de menor eu tenho que ir com ele
82
”; “Quando
meu filho passar eu não quero vir aqui para vocês tirarem ele a fórceps de mim
83
”.
Do lado dos calouros, em algumas situações se verificava a recíproca – “Minha
identidade está com a minha mãe”; “...está dentro do envelope que está com ela.”
De uma coordenadora de curso “Eu sou uma referência! Vou cuidar
academicamente para que você conclua seu curso e bem!” De um estudante
adulto, já formado e aprovado em novo curso: “Só agora estou começando a
pensar, como é que vai ser agora sentar de novo mesmo ali na cadeira!”
Optou-se pela escolha de participantes seguindo um número de seqüência
mais ou menos fixo. Em cursos com até 30 aprovados, aqueles posicionados na
82
Devido à concentração de pessoas no espaço físico reservado e as necessidades de organização
e segurança, foi solicitado que os pais aguardassem no saguão enquanto os filhos realizavam o
processo de registro e confirmação de vaga.
83
Mãe tentando obter informações sobre desistências para tentar conquistar o acesso do(a) filho(a)
bem posicionado(a) na lista remanescente de aprovação.
170
seqüência 05, 10, 15, 20, 25, 30 e mais um estudante que manifestasse interesse
na pesquisa; nos cursos com até 60 vagas, a seqüência de abordagem seguia as
posições 5, 15, 25, 35, 45, 55 e mais um por interesse; em cursos com vagas acima
de 60, a opção de abordagem seguia a seqüência 5, 20, 35, 50, 65, 80, 95 e mais
um. Em caso de recusa, abordou-se o candidato imediatamente posterior.
Durante o tempo destinado a cada curso observaram-se modificações visíveis
no clima, tanto em relação aos níveis de euforia, agitação, serenidade,
concentração dos calouros, como na disponibilidade dos funcionários que
trabalhavam na atividade. Ouviram-se comentários fortes que não serão
reproduzidos aqui, para evitar a confirmação de estereótipos (negativos ou
positivos). Comentários interessantes a se destacar são aqueles que se referem
aos calouros de modo geral “Eles são tão novinhos! “E, os pais preocupados (...)
eles quase choram, é até bonitinho de ver!”“; “Eles são os mais perdidos! Tem 50
placas e eles não enxergam a saída!’’ Os aprovados dos cursos mais concorridos
se antecipavam no horário, havia aglomeração de pessoas e maior mobilização dos
veteranos. Em horários de cursos menos concorridos, os calouros chegavam mais
tranqüilos e, aos poucos, melhor distribuídos no tempo disponível.
Como 2005 foi o ano de implantação do acesso pelo sistema de cotas na
UFPR, os critérios de comprovação da condição de cotista precisaram ser
discutidos e internalizados entre os responsáveis pela atividade. Presenciou-se o
movimento de negociação das comissões de representantes responsáveis pelas
decisões a respeito do entendimento dos critérios e encaminhamentos de casos
não previstos. Em que pese a necessidade de padronizar critérios em situações
insuficientemente discutidas pela sociedade, como o acesso por cotas racial e
social, houve respeito às diferenças e seriedade no processo, com o cuidado de
manter coerência e fidelidade ao edital que estabeleceu as condições de acesso
nas diferentes modalidades.
A distribuição da amostra entre os diferentes cursos de Graduação pode ser
visualizada na Tabela 2 (ver Anexo 3), onde também estão apresentados o número
de vagas ofertado por curso e a relação candidato-vaga de cada curso.
171
PARTE III – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
172
173
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
1 DADOS GERAIS SOBRE OS PARTICIPANTES DO ESTUDO
A predominância nas respostas às diferentes questões do Questionário Sócio-
educacional do vestibular (UFPR 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006) é
influenciada por características específicas dos cursos e seus respectivos
aspirantes. Há diferença na tendência das respostas entre os candidatos que
concorrem a cursos com perfil mais profissionalizante e técnico e os candidatos dos
cursos com perfil de conhecimentos mais genéricos e humanísticos. Também é
possível verificar diferenças entre os perfis de candidatos a cursos mais ou menos
concorridos.
Analisando o percurso acadêmico dos candidatos e dos aprovados para as
vagas da UFPR nos anos de 2002 a 2005, percebe-se certa equivalência numérica
entre os inscritos oriundos de escola pública e de escola privada, ocorrendo,
porém, maior índice de aprovação entre os candidatos que estudaram maior tempo
em escola privada.
No entanto, os dados variam e existem cursos em que esta predominância se
inverte. Mereceria um estudo específico, para cada curso, a respeito das
correlações entre as crenças dos candidatos e das escolas em que estudaram e o
quanto esta crença está embutida no próprio processo de seleção, questões estas
que extrapolam as possibilidades momentâneas deste trabalho. No gráfico seguinte
são apresentados os percentuais relativos ao tempo de escolaridade em escola
pública e privada, no ensino fundamental e médio, dos inscritos e aprovados nos
vestibulares da UFPR entre 2002 e 2005.
174
GRÁFICO 2 – DISTRIBUIÇÃO DOS CANDIDATOS INSCRITOS E APROVADOS
NOS VESTIBULARES DA UFPR, POR ESCOLARIZAÇÃO ANTERIOR. Curitiba,
2002-2005
0
50
100
150
200
250
2001 A 2001 I 2002 I 2002 A 2003 I 2003 A 2004 I 2004 A 2005 I 2005 A
maior escola particular
Todo escola particular
Maior escola publica
Todo escola pública
Ensinodio
maior escola particular
Todo escola particular
Maior escola publica
Todo escola pública
Ensino fundamental
Fonte: UFPR (2002, 2003, 2004, 2005)
Outros indicadores de perfil também seguem tendências específicas por curso,
como por exemplo, idade, sexo, exercício de atividade remunerada, número de
vestibulares prestados anteriormente e acesso anterior ao Ensino Superior, e é
importante que tais diferenças sejam consideradas ao serem analisadas as
informações gerais a seguir. Essas características gerais ajudam a visualizar a
diversidade que se expressa entre os alunos do Ensino Superior, sob muitos
aspectos, o que por si só representa uma riqueza de oportunidades de
experiências.
O perfil dos candidatos, no que toca a suas experiências no mundo do
trabalho, apresenta-se no gráfico seguinte. Predominam aqueles que nunca
trabalharam formalmente. Entre os que já trabalharam, há um número maior de
pessoas que iniciaram essas atividades entre os 14 e 18 anos nos segmento de
candidatos “inscritos”, caindo este percentual entre os “aprovados”, quando
aumenta o número daqueles que começam a trabalhar depois dos dezoito anos.
Nos picos de inserção ao mercado de trabalho estão os inscritos e nos declives os
aprovados.
175
GRÁFICO 3 – DISTRIBUIÇÃO DOS INSCRITOS E APROVADOS NOS
VESTIBULARES DA UFPR, POR EXPERIÊNCIA ANTERIOR NO MUNDO DO
TRABALHO. Curitiba 2002-2005.
0
20
40
60
80
100
120
2002 I 2002 A 2003 I 2003 A 2004 I 2004 A 2005 I 2005 A
antes 14 a entre 14 e 16 a entre 16 e 18 a depois 18 a. Nunca trabalhei
Fonte: UFPR (2002, 2003, 2004, 2005)
Em média, 29% dos candidatos aprovados adquiriram esta condição no
primeiro vestibular. Por outro lado, há também uma percentual que oscila entre 22 e
25% entre os aprovados que exercem a opção de se inscrever em um novo curso,
como se pode observar nas tabelas seguintes. Ver detalhes nas Tabelas 3 e 4
seguintes.
TABELA 3 – CANDIDATOS INSCRITOS E APROVADOS NOS VESTIBULARES
DA UFPR, POR NÚMERO DE VESTIBULAR PRESTADO. Curitiba, 2001-2005
% Inscrição/Aprovação em relação a número de
vestibulares
Primeiro Segundo Terceiro Quarto Acima de 4
Inscritos 2001 42,66 27,29 13,45 7,61 8,75
Aprovados 2001 27,46 33,32 18,62 9,75 10,73
Inscritos 2002 40,61 27,89 14,36 7,58 9,3
Aprovados 2002 22,78 34,03 19,23 10,44 13,32
Inscritos 2003 42,97 26,113 14,1 7,66 9,09
Aprovados 2003 25,48 32,85 18,92 10,0 12,75
Inscritos 2004 50,14 31,89 11,77 3,75 2,44
Aprovados 2004 33,37 42,69 15,84 5,02 3,08
Inscritos 2005 50,79 30,57 12,05 3,8 2,78
Aprovados 2005 34,32 38,49 18,0 5,33 3,86
Fonte: UFPR (2001, 2002, 2003, 2004, 2005)
176
TABELA 4 – CANDIDATOS INSCRITOS E APROVADOS NOS VESTIBULARES DA UFPR, POR
EXPERIÊNCIA ANTERIOR EM OUTRO CURSO DE GRADUAÇÃO. Curitiba 2001-2006
Situação em relação a Cursos anteriores de Graduação
(%)
Primeiro curso Segundo Curso –
Já concluiu o
anterior
Cursando outro
curso
Não concluiu o
curso anterior
Inscritos 2001 85,47 1,90 5,06 7,39
Aprovados 2001 79,86 2,47 7,37 10,24
Inscritos 2002 85,25 2,08 4,76 7,51
Aprovados 2002 77,95 3,04 7,18 11,47
Inscritos 2003 84,73 2,34 4,96 7,83
Aprovados 2003 77,63 3,74 7,28 11,18
Inscritos 2004 84,79 2,35 4,61 8,26
Aprovados 2004 77,57 4,09 5,84 12,5
Inscritos 2005 83,45 2,99 5,29 8,27
Aprovados 2005 75,28 5,26 7,75 11,71
Inscritos 2006
83,07 3,15 5,39 8,40
Aprovados 2006 75,89 5,32 7,90 10,89
Fonte: UFPR (200l, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006)
Em 2005 o vestibular da UFPR sofreu modificações importantes no que refere
ao acesso. Entre elas pode-se mencionar o desmembramento em duas etapas,
ocorrendo, na primeira fase, a realização de uma prova objetiva de conhecimentos
gerais relativos aos conteúdos do Ensino Médio e, na segunda, provas de
interpretação e construção de textos e provas de conhecimentos específicos
definidos como prioritários para cada um dos cursos. Além destas modificações,
também foram estipuladas cotas de acesso preferencial a alunos oriundos de
escola pública e afro-descententes. Em decorrência destas modificações, o
vestibular na UFPR apareceu de forma privilegiada na mídia. Deve-se destacar
que, de modo geral, o vestibular ocupa espaços importantes na mídia e que, neste
período em particular, foram feitas referências, além dos aspectos comumente
destacados (horários, locais, objetos que deveriam, poderiam ou não ser portados),
ao acesso pelas cotas.
Alguns dados característicos dos candidatos inscritos e aprovados nos processos
seletivos do vestibular de 2005 e 2006 se distribuem quantitativamente conforme a
Tabela 5 a seguir. Foram escolhidas informações que possibilitassem visualizar a
amplitude do processo e a participação percentual de inscritos e aprovados em
diferentes sub-grupos. Comentários sobre estes dados selecionados estarão na
seqüência da tabela.
177
TABELA 5 – DADOS GERAIS RELATIVOS AOS VESTIBULARES DA UFPR EM 2005 E 2006:
TOTAIS POR GRUPOS DE CONCORRÊNCIA GERAL, COTA RACIAL E COTA
SOCIAL. Curitiba, 2005-2006.
Total candidatos e %
s/total
Concorrência geral
(% s/a categoria)
Afro-descendentes
(% s/a categoria)
Escola pública
(% s/a categoria)
Inscritos 2005 44727 – 100,0% 28640 – 64,0% 2367 – 5,3% 13720 – 30,7%
Aprovados 2005 4167 – 100,0% 2664 – 63,9% 573 – 13,8% 930 – 22,3%
Relação
Apr/Insc/2005
Aprovado 1 p/cada
10,73 inscritos
Aprovado 1 p/cada
10,75 inscritos
Aprovado 1 p/cada
4,13 inscritos
Aprovado 1 p/cada
14,75 inscritos
VESTIBULAR 2006
Inscritos 2006 46104 – 100,0% 33120 – 71,8% 1825 – 4,0% 11159 – 24,2%
Aprovados 2006 4306 – 100,0% 2969 – 69,0% 353 – 8,2% 984 – 22,8%
Relação
Apr/Ins/2006
Aprovado 1 p/cada
10,70 inscritos
Aprovado 1 p/cada
11,1 inscritos
Aprovado 1 p/cada
5,16 inscritos
Aprovado 1 p/cada
11,34 inscritos
Inscritos Aprovados Inscritos Aprovados Inscritos Aprovados Inscritos Aprovados
Sexo masculino I-46,01, A- 54,38% I-47,27%, A-54,8% I-49,6%, A-52,88% I-42,78%, A-54,09%
Sexo feminino I-53,99%, A-45,62% I-52,73%, A-45,2% I-50,4%, A-47,12% I-57,22%, A-45,9l%
VESTIBULAR 2005
16 anos ou menos
I-97, A-06
I-0,22%, A- 0,14%
I-86, A-06
I-0,30%, A-0,23%
I-3, A-0
I-0,13%, A-0,00%
I-8, A-0
I-0,06%, A-0,00%
17 e 18 anos
I-16383, A-1440
I-36,6%, A-34,56%
I-12058, A-1123
I-42,1%, A-42,15%
I-533, A-135
I-22,52%, A-23,56%
I-3792, A-182
I-27,64%, A-19,57%
19 a 20 anos
I-14150, A-1341
I-31,6%, A-32,18%
I-9126, A-808
I-31,86%, A-30,33%
I-631, A-179
I-26,66%, A-31,24%
I-4393, A-354
I-32,02%, A-38,07%
22 a 23 anos
I-6353, A-586
I-14,2%, A-14,06%
I-3390, A-304
-11,84%, A-11,41%
I-438, A-105
I-18,5%, A-18,32%
I-2525, A-177
I-18,40%, A-19,03%
Acima de 23 anos
I-7744, A-794
I-17,3%, A-19,06%
I-3980, A-423
I-13,90%, A-15,88%
I-762, A-154
I-32,19%, A-26,88%
I-3002, A-217
I-21,88%, A-23,33%
Casados/2005 I-5,64%, A-6,43% I-4,42%, A-5,44% I-10,27%, A-9,42% I-7,40%, A-7,42%
Origem
Paraná/2005
I-75,10%, A-73,87% I-72,40%, A-72,03% I-69,58%, A-70,16% I-81,70%, A-81,40%
Ensino superior
pais/2005
I-38,44%, A-47,10% I-51,39%, A-60,34% I-22,96%, A-29,32% I-14,12%, A-20,16%
Nunca trabalhou I-49,57%, A-53,40% I-59,26%, A-62,35% I-32,45%, A-37,70% I-32,29%, A-37,42%
Iniciou atividade
remunerada entre
14 e 18
I-15499, A-1227-
(34,65%, 29,45%)
I-7871, A-615-
(27,48%, 23,09%)
A-1004, A-231-
(42,41%, 40,31%)
I-6624, A-381 –
(48,28%, 40,97%)
Decisão curso
último ano
I-67,19%, A-78,26% I-67,41%, A-81,34% I-62,48%, A-70,17% I-67,53%, A-74,41%
1
o
. ou 2
O
.
vestibular
I- 36391, A-3034 –
(81,36%, 72,81%)
I-23.378, A-2010 –
(81,63%, 75,45%)
I-1818, A – 397 –
(76,81%, 69,28%)
I-11195, A-627 –
(81,60%, 67,42%)
3 ou mais
vestibulares
I-8336, A-1133 –
(18,64, 27,19%)
I-5262, A-654 –
(18,37%, 24,55%)
I-549, A-176
(23,19%, 30,72%)
-2525, A-303 –
(18,40%, 32,58%)
Ensino
Fundamental >
tempo em Escola
Pública
I-25531, A-2031
(57,08%, 48,74%)
I-10321, A-746 –
(36,04%, 28,0%)
I-1740, A-372 -
(73,51%, 64,92%)
I-13470, A-913 –
(I e A: 98,17%)
Ensino Médio >
tempo em Escola
Pública
I-23697, A-2030 –
(52,98%, 48,72%)
I-8552, A-761 –
(29,86%, 28,57%)
I-1582, A-348 –
(66,84%, 60,73%)
I-13563, A-921 –
(98,86%, 99,03%)
Fonte: UFPR (2005,2006) Legenda: I – Inscritos, A- Aprovados
O vestibular de 2005 recebeu um olhar especial neste trabalho, porém, foi
considerado importante acrescentar alguns comparativos com os dados do
178
vestibular de 2006, em vista da disponibilidade dos dados e das implementações
relativas ao formato do vestibular e das questões do Questionário Sócio-
educacional.
Um olhar sobre os dados gerais mostra que os percentuais de aprovação são
proporcionalmente superiores aos de inscritos nas categorias seguintes: sexo
masculino (54,3%), idade superior a 19 anos (66%), residente em Curitiba (70%,);
filhos de pais que cursaram Ensino Superior (53%); candidatos que nunca
trabalharam fora (53%)
84
; decidiram-se pelo curso no último ano (78%); e
estudantes de escola particular (51%). Aparecem também maiores índices de
aprovação (maiores percentuais em relação aos percentuais de inscritos na
categoria) entre os candidatos que começaram a trabalhar depois dos 18 anos
(excetuando-se o grupo afro-descendente).
Apesar da redução do número de inscritos como cotistas de escola pública no
ano de 2006 em relação ao ano anterior, aumentou o percentual de aprovação para
22,8% do total de aprovados – um em cada 14,7 inscritos foi aprovado em 2005,
sendo que em 2006 este indicador melhorou, apontando um aprovado para cada
11,3 inscritos.
Com percentuais menos elevados, verifica-se também uma tendência de que
o percentual de aprovação seja maior do que o percentual de inscritos entre os
candidatos casados, na categoria concorrência geral.
No relatório do Questionário Sócio-educacional do processo seletivo do
vestibular do período pesquisado (UFPR, 2005) aparece uma ligeira predominância
de inscritos do sexo feminino nas três diferentes condições de inscrição, porém,
esta predominância se inverte entre os candidatos aprovados. Entre inscritos e
aprovados nas diferentes categorias apresentadas, prevalecem os percentuais de
aprovação entre inscritos do sexo masculino.
Apesar de ser maior o percentual de aprovação no primeiro e segundo
vestibular (em média 71%), ele é menor do que o percentual de inscritos nesta
condição (80,35%). Quando aumenta o número de vestibulares prestados aumenta
84
Estes dados são ilustrativos das observações de SCHOEN-FERREIRA, AZNAR-FARIAS e
SILVARES (2003) referidas no item 2.3 deste trabalho, as quais apontam uma permissão social
para postergar decisões e responsabilidades, associadas com a continuação dos estudos. Porém,
essa permissão social não se generaliza e o trabalho numa etapa anterior da vida, respeitadas as
condições de dignidade e respeito, pode ser aliciador de recursos constitutivos que re-significarão
as relações e, inclusive, o ensino universitário.
179
o percentual de aprovação (27%) em relação ao percentual de inscritos (18,6%), o
que indica que a experiência vivida anteriormente é favorável à aprovação.
Os participantes da amostra de pesquisa são oriundos de 148 diferentes
cidades do Brasil e foram agrupados por estado, de acordo com o momento da
coleta de dados. Tal distribuição pode ser visualizada na Tabela 6:
TABELA 6 – DISTRIBUIÇÃO DOS PARTICIPANTES DA AMOSTRA DE
PESQUISA, POR MOMENTO DE COLETA E LOCAIS DE ORIGEM. Curitiba, 2004-
2005.
Estado ou Região de Origem
l
Curitiba
Região
Metropolitana.
Curitiba
Outros
PR SP SC RS MT MS
O
U
T
R
O
S
T
O
T
A
L
Não aprovado
75 4 51 10 8 3 0 1 4 156
Aprovados vestibular
11 0 10 2 0 0 0 1 0 24
Registro Acadêmico
188 17 71 31 11 8 1 3 28 358
Total 276 21 132 43 19 11 1 5 32 540
% 49 4 24 8 3,5 2 0,1 1 6
Residência inscritos
v
estibular (%)
61,65 13,57 12,14 4,28 4,22 0,41 0,42 3,32
Por meio dos dados levantados através do Questionário Sócio-educacional da
UFPR observa-se que os percentuais de aprovação se apresentam ligeiramente
superiores entre os inscritos nascidos no Rio Grande do Sul e em outros estados,
diferentes dos discriminados acima. Note-se, porém, que o local de residência
altera tais indicadores e prevalecem os percentuais de aprovação entre os inscritos
residentes em Curitiba. Também aparece um percentual de aprovação superior ao
de inscrição em candidatos de escola pública do estado de São Paulo.
Com relação à amostra de pesquisa, identificaram-se com origem no estado
do Paraná aproximadamente 80% dos participantes. Entre os 20% com origem em
outros estados, destacou-se o expressivo percentual de paulistas (próximo de 8%).
Essa distribuição da amostra segue a tendência do total dos inscritos e aprovados
conforme relatórios da UFPR (UFPR, 2005).
A amostra da pesquisa pode ser visualizada por faixa etária na Tabela 7.
Definiram-se as faixas etárias por critérios de representatividade e importância para
os objetivos da pesquisa como consta nas notas da tabela:
180
TABELA 7 – DISTRIBUIÇÃO DOS PARTICIPANTES DA AMOSTRA DE
PESQUISA, POR MOMENTO DA COLETA E FAIXA ETÁRIA. Curitiba, 2004-2005.
Faixas Etárias Total
Coleta 1 2 3 4 5 6 7 No. %
Vestibular - não aprovado 33 86 23 9 5 3 1 160 29
Vestibular – aprovado
3 20 1 0 0 0 0 24 4
Registro Acadêmico
2 177 102 43 18 16 2 360 66
Não identificados 0 0 0 1 0 0 0 1
Total
40 283 126 53 23 19 3 547
%
7,2 50,6 22,5 9,5 4,1 3,4 0,5 100,0
Total inscritos vestibular 2005 (%)
0,2 36,6 37,9 7,9 Acima de 23 – 17,30%
Entre 17 e 21 anos estão 73% dos participantes da pesquisa e 74,5% dos
candidatos ao vestibular. Na amostra de pesquisa 17,5% têm idade superior a 22
anos (8% acima de 26 anos) e no vestibular, 17,3% tem idade superior a 23 anos, e
somente 1% abaixo de 17 anos. Apresenta-se um considerável aumento na faixa
etária entre os candidatos de escola pública e afro-descendentes. Enquanto que
apenas 25,6% dos candidatos não cotistas têm idade superior a 21 anos, entre os
candidatos oriundos de escola pública este percentual chega aos 40% e, entre os
afro-descententes, 50,6%.
A seguir, no Gráfico 4, pode-se observar a variação da faixa etária dos
candidatos inscritos e aprovados nos processos seletivos do vestibular da UFPR
nos anos de 2001 a 2005. Aproximadamente 80% têm idade entre 16 e 23 anos.
1 – 16 anos ou menos 2 – 17 e 18 anos 3 – 19 a 21 anos
4 – 22 a 25 anos 5 – 26 a 30 anos 6 – 31 a 40 anos
7 – acima de 40 anos
181
GRÁFICO 4 – CANDIDATOS INSCRITOS E APROVADOS NOS VESTIBULARES
DA UFPR DISTRIBUÍDOS POR FAIXA ETÁRIA. Curitiba 2001-2005
0
20
40
60
80
100
120
acima 23 anos
17,26 14,12 14,98 13,88 17,91 15,26 14,51 13,51 17,31 19,05
21 a 23 anos
18,28 16,38 12,84 12,3 17,92 17,24 12,32 10,34 14,21 14,06
20 anos
14,31 14,61 9,22 8,92 12,08 12,63 7,38 6,42 11,12 11,11
19 anos
21,17 21,65 13,64 13,71 19,36 20,97 10,96 10,94 20,52 21,07
18 anos
25,1 30,45 20,47 21,6 28,36 30,66 20,87 22,67 31,08 31,05
17 anos
3,77 2,72 24,75 26,78 4,24 3,09 29,56 32,74 5,54 3,5
16 anos
0,1 0,07 3,96 2,75 0,13 0,14 4,25 3,22 0,17 0,12
Menos 16 anos
0,01 0 0,13 0,07 0 0,02 0,17 0,17 0,05 0,02
2001 I 2001 A 2002 I 2002 A 2003 I 2003 A 2004 I 2004 A 2005 I 2005 A
Fonte: UFPR (200l, 2002, 2003, 2004, 2005)
As letras I e A posteriores ao ano indicam, respectivamente, que as colunas se referem aos
candidatos Inscritos e Aprovados.
A respeito de sua inscrição no vestibular, os participantes da amostra de
pesquisa declararam:
55% (305) não fizeram inscrição para outros cursos em outras
universidades ou faculdades no mesmo período. 45% também se
inscreveram em outras faculdades, no mesmo ou em outros cursos
diferentes.
Este não é o primeiro vestibular em 58,1% (325) dos casos.
91,1 % declararam que se inscreveram para o curso que queriam.
No relatório do questionário sócio educacional do vestibular 2005, consta que
34,32% dos candidatos fazia vestibular pela primeira vez.
A condição de ser uma instituição pública e gratuita responde pela maioria das
respostas relativas ao principal motivo para inscrever-se na UFPR – 66% dos
aprovados de 2003 e 54% dos aprovados em 2004 e 2005. A qualidade do ensino ou
do curso pretendido aparece como segundo motivo – 28% dos aprovados de 2003 e
36% dos aprovados de 2004 e 2005. No vestibular de 2005 a qualidade de ensino é
apontada por 39,5% dos candidatos de concorrência geral. Em torno de 3% dos
candidatos apontam como motivo para a sua escolha pela UFPR, o fato dela ser a
182
única a ofertar o curso pretendido. Horários dos cursos, localização e outros motivos
respondem pelos demais motivos, com percentuais bem inferiores, que juntos não
chegam a somar 10% do total.
Os candidatos ao vestibular e os participantes da pesquisa também foram
convidados a apresentar suas principais expectativas em relação ao curso
universitário. Em todas a categorias prevalece a expectativa de ‘formação
profissional, voltada para o trabalho’ (percentuais entre 50 e 63%), seguida de
aquisição de cultura geral ampla’ (percentuais entre 11 e 15%). Entre as outras
alternativas constam a aquisição de conhecimentos que permitam compreender
melhor o mundo em que vivemos, que permitam melhorar o nível de instrução,
formação teórica voltada para a pesquisa e obtenção do diploma de nível superior.
Entre os participantes da pesquisa, o indicador ‘formação profissional, voltada
para o trabalho’ é citado em 69,2% dos questionários. Em 40,4% essa alternativa
aparece em primeiro lugar.
Na pesquisa foram incluídas as alternativas ‘formação para a vida’,
‘desenvolvimento pessoal’ e ‘conquista de posição social’. O indicador
desenvolvimento pessoal’ aparece em segundo lugar, seguido do indicador
formação para a vida; cada um deles respondendo por 51,2% e 34,9%,
respectivamente. Se somados estes dois aspectos, excluídas as sobreposições,
chega-se ao índice de 66,6% de freqüência destas alternativas entre os participantes
da pesquisa.
A tabela seguinte mostra a freqüência com que cada alternativa referente às
razões para cursar o ensino universitário foi indicada na pesquisa, sem os ajustes
relativos à ordem dada a elas pelos respondentes.
TABELA 8 – RAZÕES PARA CURSAR O ENSINO UNIVERSITÁRIO ENTRE OS
PARTICIPANTES DA AMOSTRA DE PESQUISA . Curitiba, 2004-2005
Indicações para o item
Indicações considerando o
grau de importância
N % N %
* Aquisição Cultura Geral
163 29,2% 309 9,7%
* Formação Profissional
387 69,2% 913 28,6%
* Formação pesquisa 98 17,5% 191 6,0%
* Formação para atividade prática 54 9,7% 110 3,4%
* Formação para a vida 195 34,9% 366 11,5%
* Desenvolvimento Pessoal 286 51,2% 503 15,7%
* Conquista posição social 77 13,8% 111 3,5%
* Conhecimentos mundo 115 20,6% 207 6,5%
* Nível Instrução 169 30,2% 296 9,3%
* Diploma 118 21,1% 172 5,4%
* Outros 10 1,8% 18 0,6%
183
No Questionário Sócio-educacional da UFPR consta que os candidatos ao
vestibular foram também interrogados a respeito de sua percepção da qualidade de
sua escolha (Q.30). Aproximadamente 8% entre os aprovados se declararam
indecisos ou muito indecisos. 9% dos participantes da pesquisa indicaram não ter
se inscrito no curso pretendido.
Na inscrição para o vestibular de 2006 foram acrescentadas algumas
perguntas sobre a escolha e também foram especificadas as categorias ‘indeciso
(entre uma opção e outra) e ‘muito indeciso’ (entre a opção que fez e várias outras).
Os percentuais de indecisos se apresentaram mais elevados, com menor oscilação
entre as categorias sócio-econômicas e maior diferença entre as categorias -
inscritos e aprovados.
TABELA 9 – DISTRIBUIÇÃO DE INDECISOS COM A ESCOLHA DO CURSO:
DADOS DO VESTIBULAR E DA AMOSTRA DE PESQUISA. Curitiba, 2004-2006
Total Concorrência Geral Afro-descendente Escola Pública
2005
Indecisos I – 2847 (6,37%)
A – 322 (7,73%)
I – 2197 (7,61%)
A – 234 (8,78)
I – 122 (5,15)
A – 45 (7,85%)
I – 546 (3,98)
A – 45 (4,84%)
2006
Indecisos I - 4436 (9,62%)
A - 383 (8,89%)
I - 3448 (10,41%)
A – 270 (9,09%)
I – 128 (7,01%)
A – 33 (9,35)
I – 860 (7,71%)
A – 80 (8,13%)
INSATISFEITOS com a
escolha do curso na
amostra da pesquisa
30 - 8,8%
F- 22 – 12,5%
M- 08 – 4,84%
23 - 12,4%
F- 17 – 17,34%
M- 06 – 6,81%
03 - 3,9%
F- 3 – 9,67%
M- 0
04 - 5,0%
F- 02 – 4,25%
M- 02 – 6,06%
Fonte: UFPR (2005, 2006)
I: Inscritos, A: Aprovados, F: feminino, M: Masculino
Este dado é particularmente interessante. Na maioria das distribuições
apresentadas aparece superior o percentual de indecisos entre os aprovados em
relação aos inscritos (exceção para concorrência geral em 2006, que por
conseqüência, altera o percentual geral).
Este indicador, poderia ser tomado como negativo ao ser associado com a
aprovação, que em tese implicaria outras variáveis como determinação,
competência para aprender e agir proativamente. Entretanto, parece que pode
também ser visto de outra forma, como menor evitação diante da realidade e das
incertezas, quem sabe até mesmo indicando um estado mais realista da escolha.
É interessante observar que aparece um percentual maior de manifestas
indecisas entre as mulheres. São elas também que referem com mais freqüência
seu medo em relação ao futuro (conforme amostra de pesquisa). No relatório do
Questionário Sócio-educacional não existe a distribuição de indecisos por outras
categorias que as acima referidas, portanto, é difícil analisar a correlação indecisão
184
e gênero que é apresentada pelos dados da amostra de pesquisa ampliada para os
dados gerais. Nesta amostra pode-se verificar, que entre os participantes que
declararam não estar realizando o curso que gostariam, 73% são do sexo feminino.
Voltando ao Questionário Sócio-educacional da UFPR, verificou-se que
somente no levantamento do vestibular de 2006 foram questionadas as razões da
indecisão. A maioria das respostas indica ‘dúvidas quanto ao seu real interesse
pela área escolhida’ (1812 dos inscritos e 149 dos aprovados) e ‘dúvidas quanto às
possibilidades de inserção no mercado de trabalho’ (1233 dos inscritos e 122 dos
aprovados). As demais afirmativas referem-se a dúvidas quanto às suas
habilidades para o curso escolhido, a falta de conhecimentos sobre o curso e sobre
a profissão.
A profissão e o curso aparecem sobrepostos e a exposição de motivos para
cursá-los ilustra isso. O gosto pela profissão a que o curso habilita e a possibilidade
de realização pessoal, juntamente com o gosto pelas matérias do curso respondem
por, aproximadamente, 70% das razões para a escolha do curso escolhido pelos
candidatos inscritos e aprovados, conforme o relatório do Questionário Sócio-
educacional (UFPR, 2005, 2006).
Este item também foi modificado para o vestibular de 2006 e parece ter
ficado mais evidenciado que o componente realização pessoal traz implícita a
possibilidade de melhor exercer-se, aspecto que aumenta proporcionalmente entre
os aprovados no concurso.
As informações gerais sobre os motivos para a escolha do curso, de acordo
com os dados do Questionário Sócio-educacional, são apresentadas na Tabela 10,
na qual é feita também uma comparação entre os inscritos nos vestibulares de
2005 e 2006, agregando as modificações na formulação das perguntas no segundo
momento.
185
TABELA 10 – MOTIVOS PARA A ESCOLHA DE CURSO: CANDIDATOS
INSCRITOS E APROVADOS EM VESTIBULARES DA UFPR. Curitiba, 2004-2006
Motivos que levaram a escolher o
curso para o qual está se
candidatando:
% Total de candidatos - 2005 % Total de candidatos – 2006
Inscritos Aprovados Inscritos Aprovados
Mercado trabalho e possibilidades
salariais
15,70 13,20 16,66 13,66
Possibilidade contribuir para a
sociedade
7,87 7,27 9,60 8,34
Possibilidade realização pessoal 22,53 24,50
Ter habilidades relacionadas ao
curso
85
18,10 18,79
Gosto pela profissão a que o curso
habilita 39,97 36,05
Possibilidade cursar algo que gosta
86
37,41 38,90
Gosto pelas matérias do curso 5,18 9,36 7,73 10,03
Baixa concorrência pelas vagas 0,68 1,08 0,75 0,79
Permite conciliar aula com trabalho 2,06 2,66 1,72 2,18
Outros 6,01 5,88 8,04 7,32
Quem ou o que mais influenciou na escolha do curso (%)
A família 24,50 18,89 25,82 19,67
Colegas e amigos 6,48 6,58 7,93 7,73
Professor ou escola 5,37 8,52 7,32 10,47
Teste vocacional 5,81 4,44 5,55 3,97
Imprensa e televisão 3,08 2,35 3,79 2,81
Outros 54,76 59,23 49,60 55,34
Fonte: UFPR (2005, 2006).
Cai o número de aprovados, em relação ao número de inscritos, quando a
família aparece como a influência mais forte na escolha do curso. Poderia ser um
indicativo de resistência a uma influência que “precisa cair”? Esses dados lembram
as colocações de ALBERTI (2004, p. 21-23), e, tendo em vista a peculiaridade de
sua escrita, optou-se por transcrever na íntegra, uma interrupção intencional na
aridez numérica desta parte do texto e um intervalo para uma reflexão deste
aspecto, tão importante:
O importante é os pais perceberem que apesar das constantes negativas que os
adolescentes lhes dirigem, é fundamental que, não só as suportem como possam mostrar
que suas opiniões, diretivas e observações têm bastante solidez – forma também de ensinar
aos filhos a manterem seu modo de pensar malgrado insistentes contrariedades que
possam vir a sofrer no exercício de sua sustentação. Isso não quer dizer que sejam
opiniões, diretivas e observações inabaláveis, mas que advêm de elaborações que não
foram feitas às pressas, de maneira oportunista e que sua modificação também exige uma
mesma elaboração prévia, pensada e aprofundada.
Assim como os filhos podem aprender muito com seus pais, os pais também podem
aprender com seus filhos! Mas para que tal aconteça é necessário que: a) tanto uns quanto
outros possam expor suas opiniões, b) que não se desista de fazê-lo e c) sobretudo, que
não se abra mão da responsabilidade de acompanhar os filhos em suas trajetórias só
porque se pensa que já não se é ouvido, levado em conta, etc. O efeito da desistência é
normalmente assustador: o adolescente se vê deixado cair. Desesperado e perdido, o
adolescente então inicia uma busca que pode ser uma completa catástrofe na tentativa de
alcançar novamente a mão dos pais o que, como numa bola de neve, tem cada vez mais
dificuldade de conseguir.
85
Esta alternativa não constava do Questionário Sócio-educacional nos anos anteriores a 2006.
86
Alternativa modificada no Questionário Sócio-educacional em 2006.
186
Há certamente algo a fazer para os pais se darem conta de sua importância! E notarem,
sobretudo, o fato de que a capacidade de desejar, de construir, de fazer acontecer é
passível de transmissão, por excelência, na medida em que se baseia na supremacia do
desejo. Isso de forma alguma anula ou desmerece a capacidade de desejar de cada um
ao contrário, confere-lhe um lugar na cultura, no que se transmite na comunidade dos
homens.
O processo de transição que ocorre no acesso ao ensino superior mobiliza
pais e filhos e suas relações. Pode ser uma rica oportunidade de superação ou um
impasse que sustenta a crise por longos períodos. A expressão ‘referência que
precisa cair’ não quer dizer que precisa deixar de existir, mas que precisa se
deslocar – para outra forma, outro lugar – um trabalho de elaboração simbólica dos
pais reais e imaginários.
Chama a atenção o elevado percentual de ‘outros’ que influenciam na
escolha do jovem. E também como aumenta proporcionalmente, entre os
aprovados, outras influências além da família, tais como professores e ‘outros’. Este
elemento é indicativo das possibilidades de diferenciação, importantes na travessia
para o mundo adulto.
Entre os participantes da amostra de pesquisa realizada, a opção ‘outros’ foi
desmembrada e aberta, incluindo profissionais da área, namorado(a) ou
companheiro(a) e espaço para acrescentar outras alternativas. Também foi
estruturada a questão de forma a que possibilitasse a atribuição de um valor
relativo ao grau de influência a cada uma das opções e não que fosse apenas
escolhida a mais importante. Confirmam-se referências múltiplas e tentativas de se
auto-afirmar, às vezes negando tais influências.
Algumas tendências dos dados gerais se repetem, e a amostra de pesquisa
esclarece um pouco mais a respeito destas influências, como pode ser visualizado
na Tabela 11. Iniciando pelo posicionamento em relação ao reconhecimento da
influência e a forma como ela se dá, os participantes da pesquisa foram
interrogados a respeito do grau de influência que recebiam, e suas respostas foram
apresentadas da seguinte forma:
9% considera que é importante levar em conta a opinião dos outros
sobre a futura profissão;
30% acha que pouco se deixou influenciar pela opinião dos outros
sobre a sua futura profissão; e
187
61% acham importante ouvir várias pessoas sobre a escolha
profissional, mas considera que deve elaborar argumentos próprios
que justifiquem sua escolha.
Nos dados do Questionário Sócio-educacional (UFPR,2005) a influência da
família aparece mais diluída entre os aprovados, em relação aos inscritos. Poder-
se-ia pensar em maior autonomia e autoconfiança influenciando na aprovação. Por
outro lado, a influência dos professores aumenta entre os aprovados, sugerindo
certa identificação pela via da busca do conhecimento em contexto social mais
amplo.
Na amostra de pesquisa se esclareceram outras vias de influência, tais como
aquela dos profissionais da área, de namorado(a)s, noivo(a)s ou cônjuge,
companheiro(a), colegas de trabalho e das próprias análises (ver observações em
outros’). Com exceção do item ‘família’, todos os demais aparecem com
percentuais mais elevados na pesquisa, o que pode ter relação com a forma de
abordagem e/ou com o tamanho da amostra.
TABELA 11 – ASPECTOS QUE INFLUENCIARAM A ESCOLHA DE CURSO DOS
PARTICIPANTES DA AMOSTRA DE PESQUISA. Curitiba, 2005.
Influências Somatório de notas
atribuídas
%
Família 793 16,74%
Amigos 622 13,13%
Professores 675 14,25%
Teste vocacional 545 11,50%
Imprensa 529 11,17%
Profissionais da área 924 19,50%
Companheiro(a) 475 10,03%
Outros* 175 3,69%
Entre os ‘outros’ foram mencionados 51% - análises e decisões próprias, eu mesmo(a), interesse e desejo; 11% colegas de
trabalho, empresa e atuais patrões; 5% mercado de trabalho; 8% outros parentes; 8% informações internet, livros, artigos; 3%
financeiro, nível de dificuldade, convicção.
O número de pessoas que se dizem insatisfeitas em relação a sua opção de
curso, na amostra de pesquisa, é maior na concorrência geral (12,4%), o que pode
sinalizar para inferências a respeito da correlação negativa que apareceu nesta
categoria com relação à confiança no sucesso profissional
87
. Poderia significar que
o engajamento na luta pela conquista dos objetivos, em decorrência das
87
Ver Tabela 25 de correlações (Anexo 5). Aparece correlação bivariada significativa e inversa (-
159*) ente o item 35 da Escala de Auto-representação (confiança no sucesso profissional) e
concorrência alta. Isto pode ser lido da seguinte forma: há menos confiança no sucesso
profissional entre os candidatos de concorrência alta.
188
dificuldades, aumenta a confiança no sucesso; ou que talvez, certa possibilidade de
vivências em diferentes situações proporcionaria uma visão mais realista e também
menos otimista da realidade, colocando em questão, outros investimentos, para
além de confiar. A seguir, apresenta-se uma ilustração da distribuição das
categorias concorrência geral e cotas, por gênero e por confirmação/negação da
opção de curso realizado, conforme dados da pesquisa.
Um pouco mais adiante ainda, neste trabalho, quando forem apresentadas
análises das questões abertas de pesquisa, serão relatados novos aspectos da
escolha de curso, formulados pelos participantes da amostra.
TABELA 12 – DISTRIBUIÇÃO DA AMOSTRA DE PESQUISA NA FASE DO
REGISTRO ACADÊMICO POR CATEGORIA DE INSCRIÇÃO E CONCORDÂNCIA
NA ESCOLHA DE CURSO. Curitiba, 2005.
Feminino Masculino Subtotal %
Cota racial
SIM
29 44 73
NÃO
3 0 3 3,9
Subtotal 31 - 44 76
% sobre gênero e cota racial 17,61 26,66 22,22
Cota social
SIM
45 31 76
NÃO
2 2 4 5,0
Subtotal 47 33 80
% sobre gênero e cota social 26,71 20,0 23,39
Concorrência Geral*
SIM
81 82 163
NÃO
17 6 23 12,4
Subtotal 98 88 186
% sobre gênero e concorrência geral 55,68 53,33 54,38
Totais
SIM
154 157 312
NÃO
22 8 30 8,8
% de ‘Não’ em relação ao gênero
12,50 4,84
176 165 342
*Não foi possível a identificação de cotistas quando a coleta ocorreu durante o vestibular e em
algumas situações do registro acadêmico. No total da amostra foram 43 participantes que responderam ‘não”
ter feito a inscrição no curso desejado.
Os participantes do sexo feminino manifestaram, com maior freqüência, a
alternativa “não” (12,5% contra 4,8% -masculino) no que diz respeito a ter optado
pelo curso que queriam. Percentuais de respostas negativas em relação à escolha
de curso são menores na condição de cotistas.
Na amostra de pesquisa, uma questão relativa à escolha (questão 8 do
Questionário Modelo 2) foi apresentada com a seguinte consigna: “Como você se
considera em relação à sua escolha pelo curso?” As respostas são apresentadas a
189
seguir, juntamente com o número de vezes que a alternativa foi assinalada e o
percentual que o item tomou em relação aos demais depois de realizado o
somatório das indicações por do grau de importância – 1
o
, 2
o
ou 3
o
. lugar:
TABELA 13 – CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA ESCOLHA DE CURSO:
AMOSTRA DE PESQUISA COLETADA ENTRE OS CANDIDATOS E
INGRESSANTES NA UFPR EM 2005.
Alternativas sobre escolha do curso Quant %
Sinto-me seguro em relação a minha escolha 145 41,58
Penso que já estou decidido em relação a minha futura profissão 104 29,05
Reflito sobre como aprimorar as condições da escolha de minha futura profissão 43 9,34
Tenho razões e vantagens para a escolha deste curso, mas não me sinto seguro 30 7,7
Esta é a escolha possível na minha atual condição de vida 16 3,59
Escolhi quando era muito jovem por influência do meio em que eu vivia 14 3,38
Sinto-me confuso em relação à escolha e resolvi fazer qualquer coisa enquanto
aguardo melhor decisão
12 3,08
Vou demorar muito para decidir minha futura profissão e posso mudar a escolha 08 2,25
Constata-se que, aproximadamente 30% dos participantes da pesquisa não se
declaram decididos em relação à escolha: aproximadamente 15% declarando-se
explicitamente indecisos e explorando possibilidades e os outros 15% referindo uma
escolha mais adaptativa e engajada a dado contexto.
16,55% (7404) dos inscritos e 24,72% (1030) dos aprovados declararam ter
iniciado anteriormente algum curso superior. No grupo de alunos inscritos e
aprovados no vestibular de 2005 da UFPR, entre aqueles que haviam iniciado
anteriormente algum curso superior, 45,18% não concluiu o curso iniciado, e os
demais fazem ou fizeram um outro curso concomitante ou posteriormente à
conclusão daquele outrora iniciado. Não concluíram curso de graduação iniciado
anteriormente 11,7% dos aprovados no vestibular de 2005. Estes indicadores se
mantém semelhantes em 2006, quando foi incluída a pergunta sobre as razões desta
nova opção de curso. Os candidatos aprovados que já haviam iniciado outro curso
superior apresentaram suas principais razões para esta nova opção como sendo:
34,9% - complementação de estudos, 32,3% - não ter gostado do curso anterior,
17% - ter maior disponibilidade para o curso, 15,7% - estar mais confiante e
preparado.
Na amostra desta pesquisa, a pergunta sobre uma possível re-opção de
curso, ou seja, se o participante iniciara outro curso de Graduação anteriormente, foi
respondida apenas no momento do registro acadêmico (368 questionários), sendo
que 19,8% (73) iniciaram anteriormente algum curso de graduação. Desses, 57,55%
190
não concluíram tal curso, 21,9% estão cursando e 20,6% já concluíram outro curso
de graduação.
Na relação entre as razões apresentadas pelos participantes para sua re-
opção de curso e a situação de não conclusão do curso iniciado anteriormente,
destacam-se as alternativas “não ter gostado do curso” e “estar agora mais seguro
em relação à escolha”. A complementação dos estudos aparece na terceira posição.
Pode-se afirmar, com base na amostra de pesquisa, que não concluíram o
curso 73,3% das pessoas que apresentaram como razão para a re-opção ‘não ter
gostado do curso anterior’ e 62,5% daquelas que se referiram a estar neste momento
mais seguros com suas escolhas.
Entre os 42 participantes da pesquisa que relataram não ter concluído o curso
superior iniciado anteriormente, as razões de re-opção se apresentaram da seguinte
forma:
TABELA 14 – CONSIDERAÇÕES SOBRE RE-OPÇÃO DE CURSO: AMOSTRA DE PESQUISA
COLETADA ENTRE OS CANDIDATOS E INGRESSANTES NA UFPR EM 2005.
Razões para re-opção de curso 1o. 2o. 3o. %
11. Não gostei do curso 8 3 0 21,4
10 Agora estou mais seguro da escolha 5 5 0 17,8
07 Novo curso é complementar à área escolhida, proporcionará oportunidades no
mercado
6 0 1 13,5
07 Agora conheço melhor a realidade de trabalho da profissão 3 1 3 10,0
06 Estou mais confiante e preparado para tentar o curso desejado 1 2 3 7,14
04 Questão financeira 3 1 0 7,14
03 Agora tenho mais condições para atender horários do curso 3 0 0 6,43
02 Mudança de instituição 2 0 0 4,29
02 Mudança de cidade 2 0 0 4,29
01 Condições de trabalho não se ajustavam às condições do curso 1 0 0 2,14
01 Estou tentando um curso que me exija menos 1 0 0 2,14
01 Estou tentando um curso que me exija menos 1 0 0 2,14
01 Me apaixonei na faculdade 0 0 1 0,71
Tais dados se assemelham àqueles encontrados por LUCHIARI (1998) em
observações com foco na re-escolha profissional dos vestibulandos na
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, cujas conclusões apresentaram
que:
17,5% dos inscritos e 25% dos aprovados iniciaram anteriormente outro
curso. Na UFPR, em 2005, encontrou-se que 16,55% dos inscritos e
24,72% dos aprovados iniciaram anteriormente outro curso.
40,4% dos alunos que já haviam iniciado anteriormente um curso
superior o abandonaram e 48,4% estavam cursando ainda quando
tentaram novo vestibular. Na UFPR, em 2005, encontrou-se que 57,5%
191
dos alunos que haviam iniciado anteriormente outro curso superior o
abandonaram, e 21,9% continuavam cursando; outros 20,6% estavam
pretendendo iniciar um segundo curso.
35% dos aprovados em primeira opção já haviam iniciado anteriormente
algum outro curso na própria UFSC;
53% declararam não ter recebido nenhuma orientação profissional;
aqueles que receberam orientação se distribuem assim: 32% na escola,
5% na universidade, 5% em consultórios e 5% em outras instituições.
Na pesquisa de LUCHIARI (1998) aparecem, como razões e influências para a
escolha do curso os seguintes aspectos: menor competição, prestígio econômico
da profissão, prestígio social da profissão, família e/ou amigos, professores,
ambiente de trabalho, com predominância para adequação a aptidões e interesses
(aproximadamente 68%). Entre esses mesmos jovens, os aprovados esperam obter
em um curso superior: formação profissional para o futuro emprego (56%), aumento
do conhecimento e cultura (17%), melhoria da situação profissional atual (11%),
formação teórica voltada para a pesquisa (7%) e outros (7%).
Foi constatado, também nas observações de LUCCHIARI (1998), que o
conhecimento de si mesmo, relacionado com o futuro desempenho profissional é
ainda muito superficial e estereotipado, levando os alunos a desistirem de seus
cursos quando passam a conhecer um pouco mais a profissão. A autora destaca a
característica complexa da escolha profissional, que seria multi e sobredeterminada
pela família, pela estrutura educacional e pelos meios de comunicação de massa,
além da estrutura da dialética social e da subjetividade.
Na amostra de pesquisa, percebe-se a ênfase na formação profissional,
diferenças entre os alunos com matizes da condição sócio-econômica e da história
de vida acadêmica.
Perguntados sobre seus sentimentos relativos à sua própria condição para
empreender a caminhada do curso escolhido (questão 3 e 6 do Modelo 2), os
participantes se expressaram da seguinte forma, quanto a facilidades e
dificuldades, conforme aparece na Tabela 15.
192
TABELA 15 – ASPECTOS FACILITADORES E DIFICULTADORES PARA
CURSAR A GRADUAÇÃO E ENCAMINHAR A FUTURA PROFISSÃO: AMOSTRA
DE PESQUISA COLETADA ENTRE OS CANDIDATOS E INGRESSANTES NA
UFPR EM 2005.
Condições para cursar o curso escolhido
No.indicações % por grau
importância
Pretendo me esforçar por que acho este estudo fundamental para meu sucesso profissional 161 36,33
Inseguro quanto a conhecimentos e habilidades, mas convicto da escolha do curso 68 15,53
Estou muito bem preparado 61 11,08
Tem áreas do conhecimento nas quais me sinto insuficientemente preparado 49 10,35
Não tenho idéia do que me espera 38 7,81
Pretendo me esforçar por que formar neste curso é muito importante p/pessoas significativas 40 6,72
Estou bem preparado quanto a conhecimentos, mas inseguro em relação à escolha 24 5,54
Não me preocupo com isto 21 3,72
Não me sinto bem orientado 10 1,72
Dificuldades que terá que enfrentar/solucionar para obter sucesso no curso superior
e/ou futura profissão
No.indicações % por grau
importância
Habilidades que terei que desenvolver 80 18,77
Informações sobre o mercado de trabalho, remuneração, condições de trabalho, atribuições 86 18,59
Conciliar exigências da profissão com as condições de vida pessoal, familiar, financeira 83 18,49
Persistência e hábitos de estudo 79 17,67
Relacionamentos e tipo de pessoas com as quais terei que conviver 56 11,9
Não vejo dificuldades 24 6,13
Relativas à própria escolha 26 5,03
Aprovação de pessoas do meu círculo de convivência e relacionamento afetivo 12 2,01
Até este ponto de análise dos dados, constatou-se que existem poucas
informações relativas às percepções pessoais relativas à construção da identidade
e a escolha, bem como a respeito daqueles relativos à autonomia e ao
engajamento com os próprios objetivos, pontos que serão explorados mais
amplamente a partir da análise da escala de auto-representação, que foi
desenvolvida com o auxílio de um caminho estatístico, que será apresentado,
pormenorizadamente nos próximos tópicos.
193
2 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DOS PROCEDIMENTOS
ESTATÍSTICOS DE ANÁLISE
A opção pela exploração das percepções pessoais dos participantes da
pesquisa, a partir da escala de auto-representação, deixando um pouco de lado as
questões abertas ocorreu baseada nas seguintes razões de ordem circunstancial a
este momento dos estudos sobre a temática de pesquisa:
Interesse em estudar operadores do conceito de auto-representação, a
partir das percepções dos representantes escolhidos.
Oportunidade para exercitar uma nova metodologia de análise de dados
com apoio estatístico.
Tempo determinado pelo mestrado para conclusão do trabalho.
Interesse em tratar as questões abertas, através de uma metodologia
de análise do discurso, que requereria um maior aprofundamento, o que
não seria possível, neste tempo do mestrado.
Definida então a estratégia, passou-se a construir o caminho de análise. A
metodologia de análise dos dados coletados passou por etapas como: listar
aspectos relevantes encontrados, identificar categorias e localizar procedimentos
estatísticos relevantes para ao estudo em questão; estabelecer relações entre
variáveis, analisá-las; estabelecer relações entre os resultados e as construções
teóricas; e formular conclusões.
O caminho de análise dos dados deste trabalho foi sendo construído a partir
de análises estatísticas possibilitadas pela introdução dos dados coletados, em
forma de variáveis no editor de dados do SPSS
88
, da seleção de procedimentos de
análise sobre as variáveis escolhidas e da interpretação dos resultados.
Foram exploradas freqüências e correlações dos dados trabalhados e,
também, realizadas análises fatoriais de componentes principais de todas as
variáveis da escala constante no Questionário Modelo 1 (37 itens com respostas
entre 1 e 5, ordenando-se a freqüência em que a percepção se fazia presente ao
respondente).
88
O SPSS é um software de produção de análises estatísticas, que tem tradição de utilização nas
Ciências Sociais e Humanas, segundo MAROCO (2003). Foi utilizada neste trabalho a versão 14
do referido software, disponibilizada pelo NC/PROGRAD/UFPR.
194
A seguir são explicados os procedimentos estatísticos utilizados e seus
respectivos parâmetros-critério, que validam os resultados encontrados:
O critério de validade é conferido pelo Alfa de Cronbach, o qual indica o
grau de consistência interna do instrumento (medida de fidedignidade). Um
valor do Alfa considerado aceitável é superior a 0,70. É importante que todos
os indicadores estejam no mesmo sentido (o que não ocorre com a escala
utilizada, forçando a calcular o Alfa nas duas direções dos dados- positiva e
negativa). A indicação é que se calcule o Alfa para cada componente da
escala e que se busque a melhor estrutura de indicadores em
representatividade e consistência.
Para cada dimensão presente na escala, a matriz de correlações
apresenta os coeficientes (Pearson) que indicam o grau de inter-relação dos
itens constantes em uma mesma dimensão. O valor máximo é 1,00 e
significa uma identificação completa – correlação de um item com ele
mesmo. Conforme COHEN e COHEN (1983) e ROSENTAL e RUBIN (1982)
(em LOOS, 2003), quando são estudados aspectos das Ciências Humanas,
coeficientes a partir de 0,200 podem indicar importantes implicações
práticas. O nível de significância, expresso por asteriscos que acompanham
os coeficientes, também precisam ser observados. A indicação de um
asterisco (*) identifica uma correlação significativa (p<.05) e a indicação de
dois asteriscos (**), uma correlação ainda mais significativa, equivalente a
p<.01. Estes níveis de significância indicam até que ponto esta estimativa de
correlação pode ser generalizada para a população, ou seja, reflete a
probabilidade de que a relação entre as variáveis se repita, ocasionada por
um efeito sistemático, e não devido ao acaso.
Análises fatoriais da escala integral e das principais dimensões ou sub-
escalas, foram utilizadas para que a Escala de Auto-representação se
tornasse o mais informativa possível. Na análise fatorial, os itens de cada
dimensão são agrupados, conceitualmente, de acordo com um eixo principal.
A análise fatorial assume que as variáveis observadas (por exemplo, os itens
de uma escala), são combinações lineares de algum fator subjacente
(hipotético ou diretamente inobservável). Este tipo de análise é utilizado para
relacionar indicadores com constructos ou dimensões. Um grupo de
195
variáveis observadas representaria um fator ou variável latente, que
mostraria relações subjacentes a este grupo. É considerado o objetivo de
gerar o menor número possível de variáveis latentes que possam servir
como substitutos satisfatórios para um grande número de variáveis
observadas. Em algumas situações de análise, como por exemplo, técnica
para desenvolver teorias, é importante simplificar a base de dados,
substituindo muitos itens por algumas poucas dimensões. O KMO é o
indicador utilizado para demonstrar a qualidade da análise fatorial, sua
consistência e adequação à amostra. É considerado estatisticamente
razoável um KMO acima de 0,70, observado os indicadores de significância.
Um KMO acima de 0,90 é considerado excelente. A carga dos fatores,
computada na matriz fatorial, apresenta-se com valores que variam de -1.0 a
+1.0. Consideram-se moderadamente altos os valores acima de 0.30 e altos
quando acima de 0.60
89
, porém, cabe ao pesquisador encontrar a solução
que define cada fator, através de análises conceituais. A análise fatorial
também ajuda a re-organizar as informações a partir da interpretação das
questões por aqueles que as respondem, compreensão esta que pode ser
diferente daquela que o pesquisador tem inicialmente. As variáveis latentes
da análise fatorial guardam relação com a base empírica, ou seja, com a
forma como as questões foram entendidas pelos respondentes. A solução
fatorial define operacionalmente a categoria, torna transparentes os
principais aspectos que estão sendo levados em consideração. As
comunalidades das variáveis representam a quantia de variância explicada
pela solução fatorial para cada variável. Os níveis de explicação aceitáveis
da comunalidades se configuram em torno da metade da variância (teriam
explicação suficiente as variáveis com comunalidades acima de 0,50).
Buscas adicionais através de análises fatoriais de sub-escalas podem
explicar as facetas que compõem cada categoria, definindo-a
89
A identificação das cargas fatoriais significantes, segundo HAIR; ANDERSON; TATHAM; BLACK (2005,
p.107-8) deve seguir os seguintes critérios: (1) quanto maior o tamanho da amostra menor a carga a ser
considerada significante (numa orientação conservadora, para uma amostra de 250 a carga fatorial
significante seria de 0,35 – no caso desta pesquisa a amostra válida da escala foi 281); (2) quanto maior o
número de variáveis a serem analisadas, menores as cargas a serem consideradas significantes; (3) quanto
maior o número de fatores, maior o tamanho da cargas em fatores posteriores a serem consideradas
significantes para interpretação. Deve ser incluído algum nível de ajuste para cima no nível de significância
em fatores posteriores aos iniciais. Uma carga de 0,30 reflete aproximadamente 10% de explicação, uma
carga de 0,50, denota que 25% da variância é explicada pelo fator, e, a carga deve exceder 0,70 para que o
fator explique 50% da variância.
196
operacionalmente, ou seja, conferindo transparência aos principais aspectos
envolvidos.
3 CAMINHOS DA ANÁLISE ESTATÍSTICA NA CONSTRUÇÃO DO
CONCEITO DE AUTO-REPRESENTAÇÃO
Depois de algumas explorações acerca de freqüências e correlações dos
dados trabalhados, optou-se por realizar uma análise fatorial de componentes de
todas as variáveis da escala constante do Questionário Modelo 1 (37 itens),
denominada como ‘Escala de Auto-representação’. A análise, estatisticamente
significativa, revelou um KMO de 0,819 e a extração de 10 componentes principais,
que explicariam 55,11% da variância no grupo. Indicadores próximos de 60% são
considerados aceitáveis em pesquisas sociais
90
.
A matriz de componentes principais, rotacionada pelo método Varimax, de
todas as variáveis da escala aparece apresentada na Tabela 16. Ela é a base das
explorações e análises feitas na seqüência.
Para melhorar a qualidade de análise, optou-se por identificar os itens que
estavam compondo cada grupo, considerando os seguintes elementos: (1) item de
maior carga explicativa no grupo (maior peso no componente); (2) grupo de maior
carga explicativa da variável (maior peso do item); (3) outras cargas fatoriais
significativas, tomando por referência valores próximos de 0,300 (com
flexibilizações de forma a agregar valor explicativo conceitual ao componente); (4)
análise das comunalidades de cada variável, considerando a inclusão de valores
inferiores a 0,50 somente em situações muito específicas que favorecessem a
compreensão das informações.
A Tabela 16, a seguir, é composta de duas partes, para facilitar a visualização
e ao mesmo tempo, não perder o conjunto dos dados: na parte superior constam
todos os dados extraídos na análise fatorial e na parte inferior a representação
simplificada dos dados utilizados para a análise e designação do componente. O
número que antecede o hífen, na parte inferior da tabela, corresponde ao número
do item na escala, cujo conteúdo consta na parte superior e o número posterior ao
hífen corresponde à carga da variável no fator. Este mesmo procedimento será
utilizado nas demais fatoriais apresentadas na seqüência do texto.
90
HAIR, et al (2005).
197
TABELA 16 – 1
a
. ANÁLISE FATORIAL DE COMPONENTES PRINCIPAIS E REPRESENTAÇÃO
SIMPLIFICADA DA ESCALA DE AUTO-REPRESENTAÇÃO: AMOSTRA DE
PESQUISA COM CANDIDATOS AO ACESSO NA UFPR EM 2005.
Componentes
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
1 Apresentação pessoal ,243 ,106 ,296 ,050 ,355 -,218 ,056 ,016 ,311 -,005
2 Estratégias para objetivos ,095 -,067 ,752 ,054 ,030 -,014 ,138 ,038 -,033 ,056
3 Importância para amigos ,228 -,171 ,227 ,305 ,229 -,356 ,230 ,234 ,010 -,085
4 Medo Futuro -,169 ,716 -,055 -,033 -,038 -,046 -,168 ,068 ,098 -,179
5 Gosto de ser como sou ,256 -,604 ,162 ,062 ,049 -,082 ,050 ,240 ,346 -,201
6 Seguro competência aprender ,596 -,132 ,071 ,013 ,058 -,339 -,087 -,104 ,235 -,019
7 Mudar coisas no jeito de ser -,144 ,645 -,059 -,086 -,040 ,084 -,240 -,001 ,089 ,179
8 Não desisto facilmente -,122 ,021 ,556 -,128 ,146 -,433 ,107 ,017 -,108 ,235
9 Faço coisas sem pensar -,019 ,038 -,060 -,011 ,025 ,120 -,098 ,799 -,121 ,020
10 Iniciativa solucionar problemas ,324 -,065 ,555 ,214 -,046 ,075 ,066 -,102 ,152 -,029
11 Fuga dos problemas -,275 ,388 -,319 -,145 ,032 ,039 ,103 ,518 -,086 ,010
12 Qualidades ,643 -,102 ,093 ,050 ,114 -,121 ,107 ,098 ,021 -,145
13 Não proceder bem ,144 ,334 ,091 -,058 -,121 ,415 -,308 ,322 -,081 ,074
14 Faço bem como outros ,610 -,159 ,094 -,121 ,135 -,026 ,064 -,110 -,089 -,164
15 Ansiedade ,063 ,634 ,066 -,082 -,086 ,225 ,066 ,177 ,125 ,001
16 Pessoa confiável ,220 -,069 ,074 ,171 -,077 ,048 ,483 -,114 ,254 -,145
17 Expectativas futuro ,545 ,009 ,156 ,270 -,069 ,031 ,140 -,099 ,141 ,293
18 Trabalhar só ,073 ,146 -,083 -,772 ,030 ,144 ,061 ,068 -,057 ,180
19 Boas idéias ,175 ,212 ,372 ,170 ,275 ,036 ,190 -,024 -,079 -,484
20 Solução de problema pessoal -,097 ,245 ,053 -,117 ,177 ,454 -,012 ,177 ,125 ,138
21 Bom relacionamento iguais -,056 -,087 ,159 ,170 ,543 -,095 ,105 ,052 ,090 -,205
22 Futuro e decisões próprias ,318 -,047 -,115 ,031 ,448 ,266 ,205 -,323 -,003 -,136
23 Relacionamento e liderança -,148 ,208 -,029 -,326 -,114 ,510 ,117 ,106 ,004 -,090
24 Boa Saúde ,033 -,182 ,151 -,078 ,032 -,096 ,668 -,041 ,078 ,030
25 Condições econômicas ,183 -,048 -,050 -,114 ,709 -,024 -,175 ,027 ,048 ,163
26 Valorização Ensino Superior -,087 ,042 ,121 ,103 ,454 ,157 ,204 -,077 ,492 ,094
27 Fracassos e história pessoal -,025 ,094 ,147 -,002 ,053 ,002 ,022 ,032 ,055 ,669
28 Sucesso prof. depende estudo ,158 ,125 ,001 ,058 ,071 -,037 ,191 -,139 ,712 ,067
29 Sinto-me p/ fora das coisas -,290 ,091 -,150 -,267 -,088 ,250 -,219 ,289 ,243 ,165
30 Importância para família
,298 ,056 ,022 ,201 ,077 -,482 ,385 ,096 ,114 ,041
31 Preciso não faço -,135 ,388 -,107 ,067 ,057 ,324 -,001 ,108 -,076 ,313
32 Gosto trabalhar pessoas ,037 -,045 ,214 ,798 ,024 -,043 ,056 -,024 ,146 ,064
33 Auto-expressão ,248 -,162 ,349 ,332 ,305 -,250 ,010 ,010 ,104 -,255
34 Gosto e faço ,365 -,318 ,249 ,221 ,443 -,122 ,028 ,038 -,149 ,133
35 Confiança sucesso ,443 -,148 ,080 ,118 ,093 ,095 ,385 -,033 ,190 ,168
36 Iniciativa busca de alternativa ,084 -,068 ,685 ,325 ,105 ,034 -,008 -,172 ,099 -,006
37 Relacionamento c/diferentes
,251 ,068 ,093 ,533 ,232 -,137 ,240 ,024 -,203 ,131
Extraction Method: Principal Component Analysis. Rotation Method: Varimax. Rotation converged in 13 iterations.
Representação simplificada: tratamento dos dados da Análise Fatorial
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
>peso p/o
fator
12-,643 04-,716 2-,752 32-,798 25-,709 23-,510 24-,668 09-,799 28-,712 27-,669
>peso no
ítem
14-,610
06-,596
17-,545
35-,443
29-(-,290)
15-,634
05-(-,604)
07-,645
31-,388
36-,685
08-,556
10-,555
33-,349
18-(,772)
37-,533
21-,543
22-,448
34-,443
01-,355
30-(-,482)
20-,454
13-,415
03-(-,356)
16-,483
11-,518 26-,492
19-(-,484)
>300 34-,365
10-,324
22-,318
11-,388
13-,334
19-,372 03-,305
36-,325
33-,332
26-,454
33-,305
31-,324 30-,385
35-,385
05-,346
01-,311
31-,313
(-) >250 11-(-,275) 34-(-,318) 11-(-,319) 23-(-,326)
29-(-,267)
6-(-,339)
8-(-,433)
33-(-,250)
13-(-,308)
22-(-,323) 33-(-,255)
Outros
relevantes
05-,256 34-,249 19-,275
37-,232
03-,229
22-,266
29-,230
07-(-,240)
03-,230
29-(-,219)
29-,289 16-,254
29-,243
37(-,203)
17-,293
05-(-,201)
Escala com 37 itens, KMO 0,819, extração de 10 componentes com poder explicativo de 55,11% (rotacionada pelo método
Varimax
91
).
91
Segundo HAIR et al (2005), a maioria dos programas tem como padrão de rotação o Varimax, que é um
método rotacional ortogonal, cujo critério se concentra na simplificação das colunas da matriz fatorial –
maximiza a soma de variâncias de cargas aproximando-as de 0 ou 1, indicando uma clara associação
positiva ou negativa entre a variável e o fator.
198
A tabela demonstra a representação obtida dos 10 componentes da primeira
Análise Fatorial de Componentes Principais, efetuada com todos os itens da Escala
de Auto-representação.
Nesta tentativa de identificação dos componentes da análise fatorial
verificou-se que os seguintes conceitos se articulavam em cada um dos grupos:
GRUPO 1 - Auto-representação quanto a habilidades, confiança e
expectativas.
GRUPO 2 – Negatividade centrada no medo e no desejo de mudar.
Conflito, defesas em alerta e inibição se articulam com a ansiedade e
abalam a auto-estima.
GRUPO 3 – Pro-atividade e compromisso (iniciativa, estratégias para
atingir objetivos e persistência).
GRUPO 4 – Intersubjetividade marcada pela exploração de
possibilidades de experimentar situações e se relacionar com
diferentes.
GRUPO 5 – Autocontrole relacionado a condições favoráveis.
GRUPO 6 – Relações interpessoais conflituosas, reconhecidas como
problemas que demandam solução; têm relação com a falta de
determinação, de confiança e com inibição da ação e da auto-
expressão.
GRUPO 7 – Confiança, correlacionada com boa saúde e importância
para a família.
GRUPO 8 – Impulsividade e fuga com dependência e exclusão.
GRUPO 9 – Auto-aprovação calcada em identificações com
semelhantes e nas expectativas em relação ao ensino superior.
GRUPO 10 - Fracassos na história de vida projetam para o futuro, mas
impactam o pensamento (boas idéias), a ação (não fazer o que é
necessário) e a auto-expressão.
Interessantes articulações que podem ser feitas a partir deste arranjo dos
itens, que sinalizam variáveis latentes implícitas na auto-representação, articuladas
em torno das qualidades auto-percebidas e expectativas, incerteza, determinação,
relações interpessoais, condições objetivas de enfrentamento da realidade ou fuga,
e, inclusive sobre o papel relevante do Ensino Superior. Apesar disto, o número de
199
componentes extraídos foi considerado elevado e insuficientemente explicativo
para atender aos objetivos deste estudo.
Foram realizadas outras tentativas de análise visando o enxugamento dos
componentes e a ampliação da qualidade explicativa.
O teste scree é utilizado para identificar o número ótimo de fatores que devem
ser extraídos em cada situação da Análise Fatorial, antes que a variância única
comece a dominar a estrutura da variância comum. Na situação acima, esse teste
indicou possibilidade de corte em torno de cinco componentes.
Optou-se por extrair uma fatorial de principais componentes com cinco grupos.
Esta nova fatorial (ver Tabela 17, a seguir) apresentou percentual explicativo de
38,86% das relações entre as variáveis. Os mesmos procedimentos de análise da
etapa anterior foram realizados a partir dos componentes da matriz e dos
componentes rotacionados pelo método Varimax, obtendo-se o seguinte quadro
representativo dos componentes, cujas variáveis funcionais podem ser visualizadas
na tabela.
Estes cinco grupos sugerem conceitos latentes de:
(1) crise, insegurança, desejo de mudar;
(2) intersubjetividade;
(3) expectativas;
(4) segurança, auto-confiança e auto-estima;
(5) empreendedorismo, compromisso.
Os grupos se interconectam de forma multi-determinada (itens que se repetem
com carga expressiva em mais de um grupo) o que dificultou a discriminação das
variáveis funcionais de cada fator.
200
TABELA 17 – 2
A
. ANÁLISE FATORIAL DE COMPONENTES PRINCIPAIS E
REPRESENTAÇÃO SIMPLIFICADA DA ESCALA DE AUTO-
REPRESENTAÇÃO DOS CANDIDATOS AO ACESSO NA UFPR EM 2005:
EXTRAÇÃO DE 5 COMPONENTES.
Componentes
1 2 3 4 5
1 Apresentação pessoal ,066 ,286 ,285 ,356 ,214
2 Estratégias para objetivos
-,062 ,211 ,114 ,090
,664
3 Importância para amigos -,253 ,498 ,046 ,338 ,158
4 Medo Futuro ,611 ,119 -,097 -,152 -,199
5 Gosto de ser como sou -,472 ,120 ,172 ,318 ,069
6 Seguro competência aprender -,326 ,120 ,336 ,316 ,073
7 Mudar coisas no jeito de ser ,638 -,092 -,064 -,175 -,007
8 Não desisto facilmente -,083 ,124 -,127 ,092 ,596
9 Faço coisas sem pensar
,284 -,001 -,473 ,327 -,010
10 Iniciativa solucionar problemas -,098 ,266 ,367 ,046 ,445
11 Fuga dos problemas ,505 -,098 -,362 ,090 -,285
12 Qualidades -,234 ,171 ,275 ,464 ,027
13 Não proceder bem ,489 -,150 -,160 ,075 ,117
14 Fazer coisas bem como outros -,307 -,016 ,280 ,428 ,024
15 Ansiedade
,647
-,028 ,136 -,010 ,000
16 Pessoa confiável -,128 ,183 ,531 -,006 -,045
17 Expectativas importantes futuro -,062 ,151 ,473 ,105 ,282
18 Trabalhar só
,209
-,715
-,008 ,261 ,031
19 Boas idéias ,089 ,465 ,170 ,245 ,025
20 Solução de problema pessoal ,512 -,169 ,045 ,123 ,076
21 Bom relacionamento com iguais
-,027 ,396 ,032 ,352 -,001
22 Futuro e decisões próprias -,052 ,052 ,419 ,346 -,196
23 Relacionamento e liderança ,392 -,384 ,035 -,056 -,099
24 Boa Saúde -,216 ,010 ,356 ,090 ,125
25 Condições econômicas
,073 ,011 -,006
,614
,037
26 Valorização Ensino Superior ,247 ,166 ,413 ,191 ,078
27 Fracassos e história pessoal ,210 -,137 ,048 -,010 ,463
28 Estudo e sucesso profissional
,156 ,085
,632
,026 -,031
29 Sinto-me por fora das coisas
,375 -,376 -,189 -,068 -,051
30 Importância para família -,161 ,364 ,249 ,213 ,030
31 Preciso não faço ,535 -,082 -,060 -,072 ,037
32 Gosto trabalhar com outras pessoas -,043 ,703 ,182 -,181 ,189
33 Auto-expressão -,251 ,557 ,139 ,297 ,160
34 Gosto e faço -,311 ,300 ,052 ,492 ,310
35 Confiança no sucesso profissional -,129 ,062 ,519 ,260 ,145
36 Iniciativa busca de alternativas -,070 ,418 ,233 -,029 ,556
37 Relacionamento com diferentes -,045 ,544 ,106 ,168 ,138
Extraction Method: Principal Component Analysis. Rotation Method: Varimax with Kaiser Normalization. converged in 7
iterations.
Representação simplificada: tratamento dos dados da Análise Fatorial
1 2 3 4 5
>peso no fator 15-,647 18-(-,715) 28-,632 25-,614 02-,664
>peso item no fator 07-,638
04-,611
31-,535
20-,512
11-,505
13-,489
05-(-,472)
23-,392
32-,703
33-,557
37-,544
03-,498
19-,465
36-,418
21-,396
29-(-,376)
16-,531
35-,519
09-(-,473)
17-,473
22-,419
26-,413
24-,356
06-,336
34-,492
12-,464
14-,428
01-,356
08-,596
36-,556
27-,463
10-,445
>300 29-,375
06-(-,326)
34-(-,311)
14-(-,307)
23-(-,384)
30-,364
34-,300
10-,367
11-(-,362)
21-,352
22-,346
03-,338
09-,327
05-,318
06-,316
34-,310
(-) >250 03-(-,253)
33-(-,251)
12-(-,234)
11-(-,285)
Outros itens relevantes para o conceito 09-,284
12-,234
01-,286
10-,266
01-,285
14-,280
33-,297 17-,282
Escala de 37 váriáveis, KMO 0,819, extração de 5 componentes com poder explicativo de 38,86% (rotacionada pelo
método Varimax).
201
A extração de uma terceira análise fatorial em quatro grupos (Tabela 18, a
qual se encontra no Anexo 4) apresentou um valor explicativo um pouco menor
(35,03%), mas mostrou mais alguns elementos da orientação dos conceitos em
estudo. Os quatro componentes extraídos demonstram que, na percepção dos
participantes da pesquisa, a sua auto-representação se articula em torno de
julgamentos favoráveis ou desfavoráveis, está interconectada com as relações
interpessoais, com características próprias reconhecidas, com a capacidade de
empreender, as expectativas e as condições objetivas das situações vivenciadas.
Em decorrência da dificuldade em identificar o elemento subjacente nos
componentes, como já foi mencionado, concluiu-se que precisavam ser retirados
alguns itens da escala, que estavam agregando pouco valor explicativo, para dar
maior visibilidade às informações. Este procedimento tornou mais clara a
configuração dos operadores do conceito, mantendo o sentido daquilo que a
terceira análise fatorial havia sinalizado. Antes de apresentar os detalhes
explorados através da quarta e quinta análise fatorial de componentes principais,
realizadas com os elementos reduzidos da escala, convém que se explicite um
pouco como se chegou à referida simplificação.
Explorando as cargas significativas das variáveis em análise, constatou-se que
os itens 03, 29 e 33, apesar de não apresentarem carga superior a 0,350 na fatorial
inicial, se retirados, alteram negativamente a qualidade da fatorial. Tais itens e
alguns outros aparecem com cargas significativas em mais de um grupo. Sabe-se
que quando uma variável contribui para a explicação de vários componentes, ela
dilui-se, tendendo a diminuir seu poder explicativo independente em cada um.
A escolha da exclusão de variáveis, apesar de recomendada para melhoria na
explicação dos dados, não é um processo simples. A análise relativa às
comunalidades deu continuidade ao processo de exploração com o objetivo de
escolher variáveis que pudessem ser excldas. Apareceram os itens 16, 24 e 37
com valor inferior a 0,50. Diferentes tentativas de exclusão considerando itens que
poderiam estar sendo duplamente medidos, o valor conceitual da variável, os
indicadores de qualidade da fatorial e as comunalidades, conduziram à retirada dos
itens 16, 24, 27 e 28. Como resultado desta medida, a nova análise fatorial revelou-
se com melhoria nos indicadores de qualidade: KMO 0,827, extração de 09
componentes ou fatores, com explicação de 55,49% e a maioria dos itens com
comunalidades próximas de 0,50 ou superiores. A análise fatorial e a representação
202
simplificada da nova configuração dos principais componentes de análise estão
demonstradas na tabela a seguir.
TABELA 19 – 4ª. ANÁLISE FATORIAL DE COMPONENTES PRINCIPAIS E REPRESENTAÇÃO
SIMPLIFICADA DA ESCALA DE AUTO-REPRESENTAÇÃO DOS CANDIDATOS AO
ACESSO NA UFPR EM 2005: VARIÁVEIS REDUZIDAS, EXTRAÇÃO DE 9
COMPONENTES.
Análise Fatorial de Principais
componentes
Componentes
1 2 3 4 5 6 7 8 9
1 Apresentação pessoal ,309 ,064 ,071 ,262 ,243 ,250 ,147 -,039 ,304
2 Estratégias para objetivos ,128 -,085 ,066 ,771 ,079 ,029 ,016 ,041 ,003
3 Importância para amigos ,250 -,248 ,298 ,189 ,291 ,131 -,140 ,235 ,330
4 Medo Futuro -,195 ,696 -,036 -,097 ,225 -,098 -,008 ,075 ,011
5 Gosto de ser como sou ,237 -,668 ,071 ,118 ,161 ,039 ,034 ,159 ,046
6 Seguro competência aprender ,602 -,147 -,002 ,040 ,086 ,075 -,155 -,142 ,227
7 Mudar coisas no jeito de ser -,124 ,701 -,079 -*** -,167 ,019 ,126 ,029 -,054
8 Não desisto facilmente -,061 ,031 -,096 ,603 -,016 ,110 -,121 ,049 ,449
9 Faço coisas sem pensar -,069 -,006 -,033 -,043 -,002 ,025 ,095 ,820 -,112
10 Iniciativa solucionar problemas ,358 -,091 ,205 ,507 ,163 -,079 ,081 -,142 -,079
11 Fuga dos problemas -,218 ,382 -,117 -,308 -,053 ,017 ,142 ,515 ,079
12 Qualidades
,583 -,168 ,006 ,048 ,280 ,124 -,178 ,098 -,014
13 Não proceder bem ,008 ,373 -,076 ,095 -,010 ,042 ,022 ,345 -,614
14 Fazer coisas bem como outros ,501 -,214 -,169 ,033 ,294 ,135 -,195 -,096 -,116
15 Ansiedade ,150 ,577 -,084 ,023 ,134 -,198 ,280 ,168 -,099
17 Expectativas importantes futuro ,655 ,004 ,241 ,183 -,131 -,031 ,091 -,093 ,008
18 Trabalhar só ,043 ,152 -,787 -,022 -,132 ,112 ,098 ,093 -,058
19 Boas idéias ,103 ,066 ,128 ,212 ,746 ,002 -,006 -,032 -,013
20 Solução de problema pessoal -,018 ,214 -,120 ,016 ,030 ,012 ,587 ,129 -,116
21 Bom relacionamento com iguais -,049 -,176 ,185 ,043 ,488 ,259 ,208 ,000 ,268
22 Futuro e decisões próprias ,286 -,085 ,021 -,185 ,308 ,367 ,165 -,348 -,177
23 Relacionamento e liderança -,097 ,136 -,330 -,114 ,129 -,307 ,437 ,074 -,257
25 Condições econômicas ,066 -,006 -,109 -,007 ,090 ,774 ,085 ,033 ,027
26 Valorização Ensino Superior
,073 ,015 ,146 ,127 ,076 ,327 ,572 -,171 ,207
29 Sinto-me por fora das coisas -,222 ,121 -,230 -,150 -,231 -,127 ,428 ,227 -,047
30 Importância para família ,446 -,011 ,213 ,013 ,126 -,007 -,124 ,096 ,513
31 Preciso não faço -,081 ,429 ,058 -,033 -,233 ,095 ,284 ,151 -,157
32 Gosto trabalhar com outras pessoas ,118 -,047 ,813 ,178 ,077 -,029 ,045 -,045 ,025
33 Auto-expressão ,199 -,217 ,335 ,281 ,397 ,219 -,130 -,017 ,144
34 Gosto e faço ,282 -,278 ,223 ,282 ,055 ,567 -,161 ,056 -,011
35 Confiança no sucesso profissional ,589 -,173 ,124 ,105 -,075 ,129 ,200 -,075 ,032
36 Iniciativa busca de alternativas ,079 -,074 ,332 ,663 ,192 ,078 ,030 -,189 -,086
37 Relacionamento com diferentes ,282 ,072 ,518 ,113 ,062 ,265 -,138 ,069 ,101
Extraction Method: Principal Component Analysis. Rotation Method: Varimax with Kaiser Normalization. a Rotation converged
in 22 iterations.
Tratamento dos dados da Análise Fatorial
1 2 3 4 5 6 7 8 9
>peso no fator 17-,655 07-,701 32-,813 02-,771 19-,746 25-,774 20-,587 9-,820 13-(-,614)
>peso item no
fator
06-,602
35-,589
12-,583
14-,501
30-,446
01-,309
04-,696
05-(-,668)
15-,577
31-,429
11-,382
13-,373
18-(-,787)
37-,518
36-,663
08-,603
10-,507
21-,488
33-,397
34-,567
22-,367
26-,572
23-,437
29-,428
11-,515
30-,513
08-,449
03-,330
>300 10-,358 23-(-,330)
33-,335
36-,332
11-(-,308) 22-,308
23-(-,307)
26-,327
22-(-,348)
13-,345
01-,304
(-) >250 34-(-,278) 23-(-,257)
Outros itens
relevantes para
explicação do
componente
22-,286
34-,282
37-,282
03-,250
05-,237
29-,222
03-,(-
,248)
33-(-,217)
29-(-,230)
03-,298
17-,241
33-,281
34-,282
01-,262
14-,294
03-,291
31-(-,233)
29-(-,231)
12-,280
37-,265
20-,259
01-,250
31-,284
15-,280
33-.219
03-,235
29-,227
21-,268
Escala de auto-representação: 33 variáveis, KMO 0,827 extração de 09 componentes com poder explicativo de
55,49% (rotacionada pelo método Varimax).
203
A análise destes grupos com o intuito de identificar variáveis latentes que
articulam os seus componentes sinalizou para outras perspectivas expressas pelos
componentes: (1) expectativas, confiança e segurança, (2) desejo de mudar, (3)
intersubjetividade, (4) pro-atividade e compromisso, (5) abertura, (6) egocentrismo,
(7) conflito, (8) impulsividade e fuga, (9) engajamento.
A configuração dos elementos acima, através de um novo arranjo, em menor
número de componentes, foi considerada bastante interessante neste momento da
análise e do andamento do trabalho. A quinta e última extração fatorial, refere-se à
re-configuração da fatorial acima em quatro grupos, sendo que seu resultado indica
a auto-representação ‘positiva’ e a ‘negativa’, aspectos que serão detalhados em
tópico específico na seqüência.
Os elementos relativos a esta quinta análise fatorial, na qual as dimensões
positiva e negativa da auto-representação se expressam, podem ser visualizados
na Tabela 20 (página seguinte), fechando este tópico.
A auto-representação ‘positiva’ aparece, no primeiro componente, altamente
correlacionada com a intersubjetividade e o empreendedorismo. Já no terceiro
componente, revela-se mais egocêntrica, atrelada a qualidades individuais e a
condições objetivas (condições financeiras e comparação de desempenho). Por
outro lado, a auto-representação ‘negativa” também se apresenta em dois
componentes: 1) no segundo, caracterizado pela ansiedade, está mais relacionada
com as relações interpessoais, a auto-expressão e a auto-estima, e 2) no quarto,
caracterizado pela fuga dos problemas, mais relacionada com as expectativas, a
iniciativa e as estratégias para atingir objetivos.
204
TABELA 20 – 5ª. ANÁLISE FATORIAL DE COMPONENTES PRINCIPAIS E REPRESENTAÇÃO
SIMPLIFICADA DA ESCALA DE AUTO-REPRESENTAÇÃO DOS CANDIDATOS AO ACESSO NA
UFPR, EM 2005: VARIÁVEIS REDUZIDAS, EXTRACÃO DE 4 COMPONENTES
1 2 3 4
1 Apresentação pessoal
,414 ,075 ,402 ,010
2 Estratégias para objetivos ,461 ,058 ,174 -,305
3 Importância para amigos ,562 -,310 ,222 ,153
4 Medo Futuro ,034 ,549 -,263 ,136
5 Gosto de ser como sou ,175 -,472 ,345 ,037
6 Seguro competência aprender ,146 -,274 ,493 -,172
7 Mudar coisas no jeito de ser -,078 ,628 -,214 ,036
8 Não desisto facilmente ,379 -,047 ,005 -,013
9 Faço coisas sem pensar ,050 ,201 -,065 ,559
10 Iniciativa solucionar problemas ,401 ,027 ,291 -,460
11 Fuga dos problemas -,132 ,398 -,238 ,564
12 Qualidades ,193 -,195 ,549 -,031
13 Não proceder bem -,101 ,533 -,006 ,040
14 Fazer coisas bem como outros -,001 -,225 ,576 -,124
15 Ansiedade ,004 ,667 ,027 -,022
17 Expectativas importantes futuro ,248 ,019 ,390 -,383
18 Trabalhar só -,576 ,274 ,274 ,192
19 Boas idéias ,442 ,099 ,247 -,050
20 Solução de problema pessoal -,076 ,540 ,120 ,095
21 Bom relacionamento com iguais ,419 -,093 ,223 ,241
22 Futuro e decisões próprias ,004 -,018 ,527 -,066
23 Relacionamento e liderança -,375 ,447 ,001 -,010
25 Condições econômicas ,116 ,032 ,463 ,400
26 Valorização Ensino Superior ,282 ,227 ,302 ,031
29 Sinto-me por fora das coisas
-,330 ,363 -,167 ,213
30 Importância para família ,400 -,210 ,230 ,056
31 Preciso não faço -,035 ,520 -,128 ,099
32 Gosto trabalhar com pessoas ,684 -,088 -,125 -,247
33 Auto-expressão ,587 -,260 ,274 -,035
34 Gosto e faço ,432 -,286 ,437 ,071
35 Confiança sucesso profissional ,166 -,063 ,515 -,211
36 Iniciativa busca de alternativas ,576 ,018 ,125 -,422
37 Relacionamento com diferentes ,564 -,080 ,133 -,002
Representação simplificada
>peso no fator 32-,684 15-,667 14-,576 11-,564
>peso item no fator 33-,587
36-,576
18-(-,576)
37-,564
03-,562
02-,461
19-,442
21-,419
01-,414
30-,400
08-,379
07-,628
04-,549
20-,540
13-,533
31-,520
5-(-,472)
23-,447
29-,363
12-,549
22-,527
35-,515
06-,493
25-,463
34-,437
17-,390
26-,302
09-,559
10-(-,460)
>300 34-,432
10-,401
23-(-,375)
29-(-,330)
11-,398
03-(-,310)
01-,402
05-,345
17-(-,383)
25-,400
36-(-,422)
02-(-,305)
(-) >200 34-(-,286)
06-(-,274)
33-(-,260)
14-(-,225)
30-(-,210)
04-(-,263)
11-(-,238)
32-(-,247)
35-(-,211)
Outros itens relevantes 26-,282
17-,248
18-,274
26-,227
09-,201
10-,291
33-,274
18-,274
21-,241
06-(-,172)
Alfa de Cronbach
92
,804 ,747 ,755 ,643
Nome Auto-representação
positiva –
Intersubjetividade e
compromisso
Crise - relações,
expressão, ação
e auto-estima
Auto-representação
positiva centrada em
qualidades/
expectativas
Crise -
expectativas,
iniciativa e
relações
Escala de auto-representação: 33 variáveis, KMO 0,827 (37,45%): 04 componentes (rotacionada pelo método
Varimax).
92
Foi calculado com os itens que têm a mesma direção de respostas.
205
3.1 AUTO-REPRESENTAÇÃO POSITIVA
Existem várias possibilidades de se pensar e interconectar as informações
obtidas na pesquisa. Neste momento, opta-se por discorrer um pouco sobre os
quatro grupos extraídos a partir da quinta análise fatorial da Escala de Auto-
representação e sobre a nomeação escolhida para designá-los. Estes serão
tomados como referência nas próximas análises.
Os termos positivo e negativo estão sendo considerados da forma como são
usados são usados em fotografia e nas artes gráficas: o positivo revelando as
evidências mais diretas e sem rodeios, no caso, pelo lado confiante, otimista e
relacionado com a vontade e a consciência; o negativo expressando o resultado
contrário ao esperado, contraproducente.
Mais alguns esclarecimentos a respeito, poderão ajudar na compreensão da
idéia que está sendo apresentada. Em fotografia, o negativo corresponde à imagem
formada ao impressionar-se um filme, na qual os tons claros e escuros aparecem
invertidos (filme preto e branco) ou na qual as cores e matrizes são
complementares, em relação às do original (filme colorido). Em artes gráficas e
fotografia (FERREIRA, 1999) o negativo se desdobra em formas que representam,
respectivamente, grande diferença entre luz e sombra – muito e denso contraste, e,
muitos meios tons e poucos contrastes.
Ao referir a auto-representação pelos adjetivos positivo-negativo, não se
pretende reduzir o raciocínio a um julgamento simplista de valor bom ou mau.
Tenta-se contemplar o efeito de presença-ausência, lembrando que ambas
exercem, pela alternância, papel fundamental na estruturação humana. Optou-se
por utilizar as expressões “auto-representação positiva” e “auto-representação
negativa ou crise” ao mencionar a negatividade. Não se buscou equivalência da
expressão crise com trabalhos citados na revisão de literatura, apesar de
reconhecer que, sem dúvida, foram inspiradores, especialmente naquilo que
sugerem acerca da exploração. A expressão crise também não é utilizada pelos
participantes da pesquisa, porém suas respostas indicam tais concepções.
O principal objetivo da Escala de Auto-representação foi identificar as
representações dos participantes da pesquisa sobre suas crenças auto-
referenciadas (autoconceito, auto-estima e crenças de controle), de forma a retratar
206
sua memória da freqüência em que ocorriam suas percepções relativas às
alternativas apresentadas. Pode-se dizer que praticamente todos os itens da
escala, estão, de alguma forma, refletindo nuances da auto-representação.
Neste momento, é importante esclarecer um pouco mais a respeito de como a
palavra representação vem sendo tomada neste trabalho. Tentou-se pensar a
representação no limiar entre a concepção psicanalítica freudiana e aquelas da
psicologia cognitiva (pelo olhar de Piaget, Vygotsky, e mais recentemente,
Sternberg). A primeira auxiliando a escutar, e a segunda contribuindo para dizer,
enquanto um melhor dito não fosse possível.
STERNBERG (2000, p.153-8) refere-se à dificuldade de se observar e
descrever, pelos métodos científicos conhecidos, como se opera a representação
do conhecimento. Conceitua diferentemente representação mental
93
, representação
do conhecimento
94
e representação mental do conhecimento
95
. O mesmo autor
descreve as formas representação do conhecimento como (1) conhecimento
declarativo (saber o que - fatos que podem ser declarados), que organiza as
informações factuais e (2) como conhecimento não declarativo ou procedural (saber
como – procedimentos que podem ser executados). O conhecimento pode ser
representado por figuras mentais ou por palavras (forma mais simbólica). Na
representação externa do conhecimento, as figuras captam mais adequadamente
as informações concretas e espaciais, de modo análogo a aquilo que representam.
As palavras apresentam maior habilidade na captação de informações abstratas e
absolutas, de uma forma que é simbólica de tudo o que representam. As
representações pictóricas transmitem todas as características simultaneamente. A
forma proposicional da representação mental se articula em torno da hipótese de
que os significados subjacentes do conhecimento não estão nem nas palavras,
nem nas imagens, mas em uma forma abstrata de representar. Tanto as imagens
como as afirmativas verbais estariam representadas mentalmente em termos de
seus significados profundos, como proposições. Ao recordar informações, evoca-se
93
Alguma coisa que representa algo mais do que se sabe.
94
A forma pela qual se conhece, na própria mente, as coisas, as idéias, os eventos que existem fora
da mente.
95
Descrição das próprias representações do conhecimento. Segundo STERNBERG (2000), não
teríamos acesso consciente aos nossos próprios processos de representação do conhecimento.
No âmbito da Filosofia, o conhecimento é a apropriação do objeto pelo pensamento e tal
apropriação se opera como definição, como percepção, como apreensão, análise, como relação
do sujeito com o objeto e outras formas.
207
a representação proposicional e, a partir dela, é recriado o código verbal ou
imaginal. A possibilidade de combinação dos diferentes tipos de proposição (de
ações, atributos, posições espaço-temporais, categorias classificatórias e outras)
em relações complexas torna o uso das representações altamente flexível e
extensamente aplicável.
Se a identidade for pensada como igualdade e diferença, como algo entre
alienação e separação, construída a partir da ambivalência das identificações,
parece bastante esclarecedor tomar as representações como aparato da
sublimação, como refere ANDRÈS (1998, p. 457). Em sua afirmativa, Andrès
coloca a representação como “reguladora narcísica”, aquela “que acentua no
sujeito uma presença para si mesmo nos entremeios silenciosos da sua vida”.
Assim sendo, a representação seria “produtora de espaços de linguagem e ao
mesmo tempo operadora desses espaços”.
O ofício da representação é indicar o que representamos para nós mesmos.
Por intermédio de uma imagem, uma figura, um signo, ela torna sensível, mostra ao
olhar, faz presente, um objeto ou conceito ausente. Em um recorte singular,
reproduz e traz consigo a idéia de um objeto que seria seu referente; fornece uma
aparência concreta a situações imaginárias e a significações invisíveis; porta uma
transferência de atribuição, que permite agir em nome e no lugar daquilo ou
daquele que representa. “Empresta sua efetividade a outra presença”, que pode
então se apreendida, sem contudo deixar de permanecer na distância que a retém
fora. A representação consciente compreende a representação da coisa, mais a
palavra que lhe cabe. A representação inconsciente é a representação da coisa
apenas (ANDRÈS, 1998, p. 454).
No que se refere ao que está sendo nomeado, neste trabalho, como auto-
representação positiva, vários operadores importantes do conceito puderam ser
identificados por meio de análises fatoriais adicionais, aplicadas às dimensões ou
componentes da escala. Os componentes 1 e 3 trouxeram contribuições,
particularmente, à compreensão da auto-representação positiva.
Realizando uma análise fatorial do primeiro componente da quinta análise
fatorial, apresentada no tópico anterior e doravante designada de ‘Fatorial de Auto-
representação’, foram localizados três importantes operadores do conceito:
208
Apreensão de representação de lugar junto aos grupos sociais, que se
expressam concomitantemente com a representação da possibilidade
de se relacionar com superiores e desiguais, fazer aquilo que gosta e
se expressar com clareza. Este operador diz respeito às categorias
pertencimento e autonomia.
Apreensão da representação relativa à competência em empreender e
se comprometer, ligada com a capacidade de implementar estratégias
para atingir objetivos, a iniciativa para buscar assuntos do próprio
interesse, a persistência, a solução de problemas e a criatividade.
Reconhecimento de que não gosta de estar só e de que estar com
outros diferentes estimula a iniciativa, a confiança e a persistência.
A representação desses operadores pode ser visualizada na tabela a seguir,
onde estão representadas, na primeira parte, todas as variáveis trabalhadas no
primeiro componente da Fatorial de Auto-representação e, na segunda parte, como
elas foram trabalhadas na análise.
209
TABELA 21 - 1
A
. ANÁLISE FATORIAL ADICIONAL DE COMPONENTES PRINCIPAIS E
REPRESENTAÇÃO SIMPLIFICADA DOS OPERADORES DO CONCEITO DE ‘AUTO-
REPRESENTAÇÃO POSITIVA, INTERSUBJETIVIDADE E EMPREENDEDORISMO’
(Componente 1).
1 2 3
1 Apresentação pessoal ,255 ,493 -,009
2 Estratégias para objetivos ,106 ,725 -,010
3 Importância para amigos ,627 ,257 ,103
8 Não desisto facilmente ,256 ,450 -,244
18 Trabalhar só -,216 -,055 -,837
19 Boas idéias ,152 ,495 ,134
21 Bom relacionamento com iguais ,306 ,294 ,077
30 Importância para família ,561 ,094 ,105
32 Gosto trabalhar com outras pessoas ,252 ,221 ,777
33 Auto-expressão ,523 ,386 ,260
36 Iniciativa busca de alternativas ,100 ,703 ,318
10 Iniciativa solucionar problemas ,068 ,633 ,236
23 Relacionamento e liderança
-,662 ,046 -,114
29 Sinto-me por fora das coisas -,557 -,151 -,126
34 Gosto e faço ,610 ,319 -,008
37 Relacionamento com diferentes ,479 ,187 ,316
REPRESENTAÇÃO SIMPLIFICADA DO PRIMEIRO COMPONENTE DA FATORIAL DE AUTO-REPRESENTAÇÃO
1 2 3
>peso no fator 23-(-,662) 02-,725 18-(-,837)
>peso item no fator 03-,627
34-,610
29-(-,557)
30-,561
33-,523
37-,479
21-,306
36-,703
10-,633
19-,495
01-,493
08-,450
32-,777
>350 33-,386
(-) >200 18-(-,216) 08-(-,244)
Outros 01-,255
08-,256
32-,252
34-,319
21-,294
36-,318
37-,316
33-,260
10-.236
Capacidade de expressão –
saber do lugar próprio
Capacidade de empreender Capacidade de estabelecer
laços – relacionar-se
Sub-Escala: 16 variáveis, KMO 0,845 extração de 03 componentes, com poder explicativo de 44,45%
(rotacionada pelo método Varimax).
Na análise fatorial do terceiro componente da Fatorial de Auto-representação,
cujos dados estão apresentados a seguir, destacam-se outros operadores do
conceito, elementos estes relativos às qualidades e possibilidades, que estão
fortemente correlacionados com a auto-estima (gostar do seu jeito de ser).
Os elementos ligados à auto-estima estão também associados à redução do
medo e da fuga diante dos problemas. São eles: auto-expressão, comparação
positiva em relação aos demais, segurança nas qualidades individuais e na
capacidade de aprender. Estes elementos também operam na confiança e nas
expectativas em relação ao futuro e ao sucesso profissional. Acrescido de boas
condições econômicas, relacionam-se com a valorização do ensino superior. A
distribuição das variâncias e relações refletidas podem ser visualizadas na próxima
tabela:
210
TABELA 22 - 2
A
. ANÁLISE FATORIAL ADICIONAL DE COMPONENTES PRINCIPAIS E
REPRESENTAÇÃO SIMPLIFICADA DOS OPERADORES DO CONCEITO DE
‘AUTO-REPRESENTAÇÃO POSITIVA AUTOCENTRADA, FOCADA EM
QUALIDADES E POSSIBILIDADES’ (Componente 3)
Componentes
1 2 3
6 Seguro competência aprender ,413 ,489 ,083
12 Qualidades ,405 ,450 ,128
14 Fazer coisas bem como outros ,492 ,333 ,075
17 Expectativas importantes futuro ,187 ,653 -,022
22 Futuro e decisões próprias ,029 ,483 ,264
25 Condições econômicas ,118 -,101 ,730
26 Valorização Ensino Superior -,240 ,338 ,558
34 Gosto e faço ,542 ,159 ,477
35 Confiança no sucesso profissional ,141 ,664 ,132
1 Apresentação pessoal ,076 ,310 ,566
4 Medo Futuro -,643 -,069 ,076
5 Gosto de ser como sou ,672 ,057 ,133
11 Fuga dos problemas -,547 -,301 ,105
33 Auto-expressão
,538 ,101 ,446
REPRESENTAÇÃO SIMPLIFICADA DO 3
o
. COMPONENTE DA FATORIAL DE AUTO-REPRESENTAÇÃO
1 2 3
>peso no fator 05-,672 35-,664 25-,730
>peso item no fator 04-(-,643)
11-(-,547)
34-,542
33-,538
14-,492
17-,653
06-,489
22-,483
12-,450
01-,566
26-,558
>350 06-,413
12-,405
26-,338
14-,333
34-,477
33-,446
(-) >250 e outros 26-(-,240) 11-(-,301)
01-,310
22-,264
Nome Gosto de ser como sou.
Capacidade de superação
Confio nas minhas
possibilidades
Tenho possibilidades -
Capacidade de valorizar e
cuidar
Sub-escala: 14 variáveis, KMO 0,833 extração de 03 componentes, com poder explicativo de 44,34%
(rotacionada pelo método Varimax).
Mais adiante será retomada uma análise panorâmica de todos os
componentes entre si. A seguir, algumas considerações sobre a interface em
negativo da auto-representação, representada também pela expressão crise.
3.2 AUTO-REPRESENTAÇÃO NEGATIVA/CRISE
Encontra-se no verbete crise, em FERREIRA (1999), o termo associado à
alteração (melhora ou piora), que sobrevém no curso de uma doença; manifestação
violenta e repentina de ruptura do equilíbrio; estado de dúvida e incertezas; fase
difícil, grave, na evolução das coisas, dos fatos, das idéias; momento perigoso ou
decisivo; lance embaraçoso; tensão, conflito; deficiência, falta; ponto de transição
entre um período de prosperidade e outro de depressão; situação em que os
acontecimentos perturbam a organização das partes envolvidas, rompendo padrões
tradicionais.
211
Pode-se presumir, a partir desta síntese, conotações da crise como indicativo
de alguma coisa que clama por encaminhamentos, que sinaliza e requer atenção,
que sucede ou antecede momentos marcantes, quando um ponto de suposta
sustentação se deslocou para o ponto da dúvida/incerteza.
Neste trabalho, encontram-se os sinais da crise como marcos que trazem
notícias do processo de transição. Ela ganha o caráter de interface.
Contribuíram para a compreensão da dimensão crise os componentes 2 e 4
da Fatorial de Auto-representação. No segundo componente aparecem os
elementos visíveis de uma ruptura no equilíbrio – a ansiedade, a fuga, o medo, o
desejo de mudar, a avaliação dos procedimentos em relação a pessoas
significativas, a dificuldade nas relações de poder, o sentimento de exclusão ou
isolamento, a inibição, a desqualificação pessoal.
Observa-se que estes aspectos giram em torno do desequilíbrio/equilíbrio e do
conflito. Medo, fuga dos problemas e desejo de mudar se agregam, constituindo
aquilo que está sendo nomeado como desequilíbrio, enquanto que a auto-
expressão articula o equilíbrio. O conflito se expressa pela presença invertida de
variáveis que compõem os dois grupos anteriores de auto-representação positiva
em relação aos itens inclusão e bom relacionamento com instâncias de poder, e
também, pela intensificação de ansiedade e da avaliação da conduta como
inadequada.
As duas próximas tabelas apresentam as configurações dos componentes 2 e
4, depois de extraídas análises fatoriais de componentes principais das sub-escalas
e do tratamento dado a elas para fins de análise:
212
TABELA 23 - 3
A
. ANÁLISE FATORIAL ADICIONAL DE COMPONENTES PRINCIPAIS E
REPRESENTAÇÃO SIMPLIFICADA DOS OPERADORES DO CONCEITO DE ‘AUTO-
REPRESENTAÇÃO NEGATIVA/CRISE - RELAÇÕES, EXPRESSÃO E AÇÃO’
(Componente 2)
Componentes
1 2 3
4 Medo Futuro ,722 -,094 ,062
5 Gosto de ser como sou -,577 ,454 ,138
7 Mudar coisas no jeito de ser ,704 -,220 ,106
13 Não proceder bem ,424 -,020 ,418
15 Ansiedade ,583 ,067 ,400
20 Solução de problema pessoal ,180 ,009 ,688
23 Relacionamento e liderança ,025 -,401 ,623
29 Sinto-me por fora das coisas ,094 -,430 ,515
31 Preciso não faço ,479 -,219 ,125
3 Importância para amigos -,142 ,671 -,145
11 Fuga dos problemas ,466 -,176 ,313
33 Auto-expressão -,146 ,761 -,093
34 Gosto e faço
-,193 ,709 -,098
REPRESENTAÇÃO SIMPLIFICADA DO 2
o
. COMPONENTE DA FATORIAL DE AUTO-REPRESENTAÇÃO
1 2 3
>peso no fator 04-,722 33-,761 20-,688
>peso item no fator 07-,704
15-,583
05-(-,577)
31-,479
11-,466
13-,424
34-,709
03-,671
23-,623
29-,515
>350 e outros 05-,454
29-(-,430)
23-(-,401)
13-,418
15-,400
33-,313
Inquietação, insatisfação,
inibição, vontade de mudar
Inclusão e auto-expressão Problema a solucionar,
associado a conflito nas
relações interpessoais.
Sub-Escala: 13 variáveis, KMO 0,851 extração de 03 componentes, com poder explicativo de 48,54%
(rotacionada pelo método Varimax).
A análise adicional dos componentes demonstra uma tendência de se
agruparem as variáveis que estão fortemente correlacionadas, sendo que os
operadores se expressam pela presença, ausência ou conflito entre componentes
afins. O estudo da fatorial de origem e das correlações bivariadas (apresentadas
mais adiante) é que possibilita entender um pouco melhor com quais elementos
estão implicadas as variáveis medo, ansiedade, fuga, desqualificação, isolamento e
inibição.
Na última análise fatorial adicional, correspondente ao quarto componente,
as variáveis de crise, referidas anteriormente, aparecem agrupadas com outros
elementos, tais como expectativas, confiança e impulsividade, e também, com
variações do comportamento de fuga, como pode ser visualizado a seguir:
213
TABELA 24 - 4
A
. ANÁLISE FATORIAL ADICIONAL DE COMPONENTES PRINCIPAIS E
REPRESENTAÇÃO SIMPLIFICADA DOS OPERADORES DO CONCEITO DE
‘AUTO-REPRESENTAÇÃO NEGATIVA/CRISE – EXPECTATIVAS, INICIATIVA,
RELACIONAMENTOS’ (Componente 4)
Componentes
1 2 3
2 Estratégias para objetivos ,727 ,126 ,117
9 Faço coisas sem pensar ,008 -,012 ,841
10 Iniciativa solucionar problemas ,599 ,296 -,201
11 Fuga dos problemas -,373 -,165 ,615
17 Expectativas importantes futuro ,327 ,549 -,171
25 Condições econômicas -,094 ,573 ,289
32 Gosto trabalhar com outras pessoas ,586 ,040 -,165
35 Confiança no sucesso profissional ,248 ,584 -,045
36 Iniciativa busca de alternativas ,810 ,031 -,113
6 Seguro competência aprender
,013 ,683 -,378
REPRESENTAÇÃO SIMPLIFICADA DO 4
o
. COMPONENTE DA FATORIAL DE AUTO-REPRESENTAÇÃO
1 2 3
>peso no fator 36-,810 06-,683 09-,841
>peso item no fator 02-,727
10-,599
32-,586
35-,584
25-,573
17-,549
11-,615
>250 17-,327
11-(-,373)
10-,296 25-,289
06-(-,378)
Outros 11-(-,165)
Nome Não fujo, quando tenho
capacidade de empreender e
me relacionar com outros.
Confiança e expectativas Impulsividade e fuga
relacionadas com insegurança
e condições financeiras.
Sub-escala: 10 variáveis, KMO 0,771 extração de 03 componentes, com poder explicativo de
52,13% (rotacionada pelo método Varimax).
As análises fatoriais adicionais tiveram a intenção de demonstrar, um pouco
mais claramente, operadores internos dos componentes principais. É importante
lembrar sua parcialidade e também que as interconexões entre as variáveis podem
se perder ao focalizar os sub-grupos, o que caracteriza uma limitação do método.
Considera-se que o exercício realizado, a propósito de tais extrações fatoriais,
foi bastante válido naquilo que possibilitou explorar acerca das representações
conceituais, particularmente pelo fato de que, mesmo representando as percepções
dos jovens em um dado momento, indicam eixos de análise importantes no que
tange aos conceitos trabalhados de transição, identidade, escolha e maturidade.
O quadro e o esquema seguintes têm o intuito de proporcionar uma
visualização ampla e sintética dos aspectos levantados.
214
FIGURA 9 – QUADRO PANORÂMICO DE OPERADORES DO CONCEITO DE AUTO-
REPRESENTAÇÃO, LEVANTADO ENTRE OS CANDIDATOS AO ACESSO NA
UFPR EM 2005, ATRAVÉS DE ANÁLISES FATORIAIS DE COMPONENTES
PRINCIPAIS DE UMA ESCALA DE AUTO-REPRESENTAÇÃO.
Auto-representação
positiva- intersubjetividade,
expressão e
empreendedorismo
Auto-representação
negativa/CRISE –relações,
expressão, ação.
(Auto-estima)
Auto-representação
positiva- auto-centrada,
qualidades e expectativas
Auto-representação
Negativa/CRISE-
expectativas, iniciativa,
relações.
(Auto-confiança)
-Capacidade de auto-
expressão e pertencimento
saber acerca do próprio lugar
-Inquietação, insatisfação,
inibição, vontade de mudar.
-Capacidade de superação Fuga dos problemas
inversamente relacionada com
a capacidade de empreender e
relacionar-se
-Capacidade de empreender -Inclusão e auto-expressão -Capacidade de confiar
(crença de controle)
-Confiança e expectativas
-Capacidade de estabelecer
laços, relacionar-se
Problema a solucionar,
associado a conflito nas
relações interpessoais
-Capacidade de valorizar e
cuidar
-Impulsividade e fuga
relacionadas com
insegurança/desconfiança.
FIGURA 10 – DIAGRAMA DA INTERAÇÃO ENTRE OS OPERADORES DO CONCEITO DE
AUTO-REPRESENTAÇÃO, IDENTIFICADOS A PARTIR DAS PERCEPÇÕES DOS
CANDIDATOS AOS ACESSO NA UFPR EM 2005.
215
Construído a partir do quadro panorâmico apresentado na Figura 9, e também
considerando elementos das maiores correlações bivariadas dos itens da escala
(Tabelas 25 e 26), o diagrama (Figura 10) procurou demonstrar a forma como se
interconectam os operadores do conceito de auto-representação. Ao centro
encontram-se aqueles aspectos que estão presentes em todos os operadores,
variáveis de auto-expressão e pertencimento. Nos extremos, aqueles operadores
que expressam positivamente a auto-representação (empreender, relacionar,
engajar e superar), e, nos pontos de intersecção, os representantes manifestos do
conflito subjacente. A nomeação desses operadores veio sendo construída ao
longo do percurso de análise, a partir do arranjo dos itens agrupados em cada
componente, depois em cada operador, e ainda, observando o comportamento do
item nas suas correlações independentes.
Na Tabela 25 (Anexo 5) estão demonstradas todas as correlações bivariadas
significativas entre os 37 itens da Escala de Auto-representação. Alguns itens se
apresentam como variáveis de interface entre os grupos analisados. No trabalho
com os dados, foram se configurando redes de representações através das
correlações entre os itens. Em um tempo de estudos apropriado, seria interessante
investigar mais apuradamente cada um desses eixos de operadores dos conceitos,
o que não será possível neste momento da pesquisa.
Os itens 33 e 34 da escala, relativas a expressar-se com clareza e fazer o que
gosta, aparecem com cargas expressivas em três dos quatro grupos e o mesmo
acontece com a variável fuga dos problemas. Percebe-se que quanto maior é a
carga dos indicadores de auto-expressão e pertencimento, menores são os
indicadores de fuga e insegurança. O item ‘ ansiedade’ não aparece
correlacionado com a ‘auto-expressão’, bem como, a ‘fuga dos problemas’ não
aparece entre as correlações do item ‘gosto e faço’. Algo semelhante acontece
quando as variáveis de iniciativa e estratégias para atingir os objetivos estão
presentes – não aparece o item ‘fuga dos problemas’ nem a insatisfação.
As maiores correlações da variável 33 – auto-expressão (todas acima de
0,300) se revelam quando em relação a ‘gostar do seu jeito de ser’, ‘gostar de
trabalhar com outras pessoas’, reconhecimento de suas idéias pelos colegas, ‘fazer
as coisas tão bem quanto os demais’, ‘ser importante para os amigos’, ‘ter iniciativa
para buscar alternativas e solucionar problemas do seu interesse’, estar ‘seguro da
competência para aprender’.
216
O item 34 – ‘gosto e faço’ tem sua maior correlação com o 33, sendo que as
outras correlações que mais se destacam são aquelas que se apresentam em
relação a ‘gostar do seu jeito de ser’, sentir-se ‘importante para os amigos’, ‘não
desistir facilmente’, ‘valorizar o relacionamento com pessoas diferentes’, possuir
‘boas condições econômicas’ e implementar ‘estratégias para atingir os objetivos’.
‘Gostar do seu jeito de ser’ (item 5) é um aspecto que aparece mais
fortemente correlacionado com o reconhecimento das qualidades pessoais, a
segurança na capacidade de aprender e a avaliação de que faz as coisas tão bem
quanto os outros. Por outro lado, a confiança e as expectativas estão mais
presentes quando as condições objetivas são favoráveis, enquanto que o medo é
inversamente correlacionado com as expectativas.
Vale mencionar, também, uma área de interconexão que se revela em torno
dos itens: medo do futuro (4); mudar coisas no jeito de ser (7); persistência (8);
impulsividade(9); fuga dos problemas(11); não proceder bem com alguém
(culpa)(13); ansiedade(15); preferência por trabalhar sozinho (18); conduta
depende da solução de algum problema pessoal (20); relacionamento difícil com
líderes (23); maneira de lidar com os fracassos (27); sentir-se excluído(29); não
fazer o que considera necessário (31).
Ansiedade, medo do futuro, fuga de problemas e impulsividade (faço as coisas
sem pensar antes) são variáveis que apresentam correlações significativas. A
ansiedade está correlacionada com o medo do futuro (0,335**), com a fuga dos
problemas (0,287**) e menos, com a impulsividade (0,125*), apesar de ser uma
correlação significativa. A impulsividade relaciona-se mais fortemente com fuga dos
problemas (0,334**).
As representações dos participantes se articulam em torno de eixos da
construção da identidade: crise/exploração, intersubjetividade, expectativas,
qualidades e possibilidades (crenças e criações) e compromisso ou
empreendedorismo.
Se for considerada a exploração como o ato ou efeito de pesquisar, sondar,
especular, levantar com detalhes algo necessário a um projeto, estudar e percorrer
estudando para fazer produzir, desenvolver, empreender, cultivar, acompanhando o
andamento, (FERREIRA, 1999), então seria possível agrupar componentes como:
a intenção de mudar (item 07), a iniciativa para tentar solucionar problemas (item
217
10) e buscar alternativas no sentido dos interesses (item 36), experimentar
situações diferentes (item 37) e reconstruir significados das experiências e a partir
delas, tendo ou não o controle dos resultados.
A intersubjetividade, definida pela interação entre diferentes sujeitos, está
relacionada com a possibilidade de que o sentido da experiência de um indivíduo
seja compartilhada com outros indivíduos. Ela constitui o sentido cultural da
experiência humana e está relacionada com a comunicação, segundo JAPIASSÚ e
MARCONDES (1996). Neste trabalho foi representada pelos aspectos relativos a
importância para os amigos e família (03 e 30), reconhecimento e diferenciação,
relacionamento com iguais, com líderes e com pessoas diferentes. Estes itens (03,
13, 18, 21, 23, 29, 30, 32 e 37) aparecem fortemente correlacionados entre si e
com os itens dos grupos que agregam variáveis de expectativas e
empreendedorismo.
Em se tratando de expectativas prevalece a idéia de esperança, fundada em
supostos direitos, probabilidades ou promessas. Este é representado por aspectos
com o mesmo nome de expectativas agregado aos valores ‘importantes’ e ‘futuro’
(item 17) e também de algumas crenças relativas a boa saúde (item 24), condições
econômicas (item 25), de sucesso profissional (item 35), valorização do ensino
superior (item 26) e de que o futuro depende de decisões próprias.
As qualidades e possibilidades foram representadas como meios de
superação e pelas variáveis de aceitação de si, segurança em relação às
competências para aprender, reconhecimento das próprias qualidades, de que
pode fazer tão bem quanto outros e de que necessita solucionar problema pessoal
respondendo por seus desejos e se expressando satisfatoriamente nas relações
interpessoais (itens 5, 6, 12, 14, 20, 09 e 31).
A ação empreendedora faz lembrar compromisso e gira em torno da idéia de
uma resposta ou promessa, um pacto de acordo entre partes em conflito,
pagamento de uma dívida em determinadas condições convencionadas por
estatutos de convivência social e vincular que sustentam a condição de
reconhecimento em uma confraria, o qual agregaria aspectos relativos ao cuidado,
à perseguição de objetivos com determinação (item 02) e persistência (item 08), à
implementação de estratégias para atingir objetivos (itens 10 e 36), e a produção de
boas idéias (item 19).
218
Os graus de exploração e comprometimento são indicadores reconhecidos na
literatura como aqueles que refletem os sentimentos de identidade.
Uma outra visão panorâmica interessante das correlações da Escala de Auto-
representação é aquela em que podem ser analisadas as maiores correlações no
sentido positivo e negativo (inversa). A seguir são apresentadas algumas
interpretações que poderiam auxiliar a sua compreensão, e na seqüência a tabela
completa das maiores correlações em cada sentido (positivo e negativo).
Cada linha da tabela de maiores correlações poderia ser lida como uma
expressão e algumas delas podem ser traduzidas da seguinte forma:
quando se sentem importantes para os amigos, os pesquisados
também fazem aquilo que gostam e não querem mudar o jeito de ser
(correlações do item 03);
quando têm medo do futuro, também querem mudar o jeito de ser e
têm menos expectativas importantes em relação ao mesmo futuro
(item 04);
quando fogem dos problemas, também têm vontade de mudar e não
têm iniciativa para buscar alternativa na solução dos problemas ou
assuntos de interesse (item 11);
quando acreditam que têm boas qualidades, também se referem a
segurança na competência para aprender e não se consideram muito
importantes para a família (item 12);
quando afirmam fazer as coisas tão bem como os outros, também
afirmam segurança na capacidade de aprender, mas não se
consideram muito persistentes (item 14);
quando referem que o futuro depende de decisões próprias, também
confiam no sucesso profissional e não deixam de fazer aquilo que
consideram necessário (item 22);
quando se sentem importantes para a família, também têm
importantes expectativas para o futuro e não se sentem por fora das
coisas (item 30);
quando expressam suas idéias com clareza, também fazem o que
gostam e não se sentem por fora (item 33);
219
quando fazem aquilo que gostam, também afirmam que se expressam
com clareza e que não apresentam dificuldade nos relacionamentos
com líderes (item 34);
quando confiam no sucesso profissional e também acreditam que o
futuro depende de suas próprias decisões, não se sentem por fora
(item 35).
TABELA 26 – MAIORES CORRELAÇÕES – DIRETA E INVERSA – DOS ITENS DA ESCALA DE
AUTO-REPRESENTAÇÃO: AMOSTRA DE PESQUISA REALIZADA ENTRE OS
CANDIDATOS AO ACESSO NA UFPR EM 2005
Itens da escala >Correlação
positiva
>Correlação negativa
1 Cuido da apresentação pessoal
2 Pratico estratégias p atingir objetivos
3 Sou importante para amigos
4 Tenho medo Futuro
5 Gosto de ser como sou
6 Estou seguro minha competência aprender
7 Quero mudar no jeito de ser
8 Sou persistente
9 Faço coisas sem pensar antes
10 Tenho iniciativa p/solucionar problemas
11 Fujo dos problemas
12 tenho várias boas qualidades
13 Procedo mal c/pessoas importantes
14 Fazer coisas bem como outros
15 Estou muito ansioso(a)
16 Sou confiável
17 Tenho expectativas importantes futuro
18 Gosto mais de trabalhar só
19 Colegas acham q tenho boas idéias
20 Minha conduta depende solução problema pessoal
21 Bom relacionamento com iguais
22 Futuro depende de decisões próprias
23 Dificuldade relacionar com líderes
24 Boa saúde
25 Condições econômicas favoráveis realização
projetos
26 Concordo c/ meio que valorização Ensino Superior
27 Papel importante dos fracassos na história pessoal
28 Estudo é fundamental p/sucesso profissional
29 Sinto-me por fora das coisas
30 Importância para família
31 Não faço o que preciso
32 Gosto trabalhar com outras pessoas
33 Expresso minhas idéias com clareza
34 Gosto e faço
35 Confiança no sucesso profissional
36 Tenho iniciativa buscar alternativas quando estou
interessado
37 Meu relacionamento com diferentes é valioso
10 - ,297**
36 - ,487**
34 - ,377**
07 - ,387**
34 - ,382**
12 - ,384**
04 - ,387**
02 - ,439**
11 - ,335**
02 - ,322**
07 - ,377**
06 - ,384**
15 - ,285**
06 - ,368**
12 - ,310**
05 - ,269**
30 - ,347**
15 - ,235**
33 - ,345**
23 - ,217**
19 - ,275**
35 - ,313**
15 - ,259**
35 - ,224**
34 - ,314**
28 - ,302**
37 - ,188**
26 - ,302**
11 - ,306**
17 - ,347**
07 - ,299**
37 - ,366**
34 - ,425**
33 – 425**
22 - ,313**
02 - ,487**
32 - ,366**
07 - (,175**)
04 - (,191**)
07 - (,219**)
17 - (,244**)
07 - (,312**)
23 - (,231**)
33 – (,251**)
13 – (,189**)
06 – (,170**)
11 – (,210**)
36 – (,228**)
30 – (,238**)
06 – (,178**)
08 – (,258**)
05 - (,197**)
13 – (,131*)
04 – (,244**)
32 – (,546**)
29 – (,172**)
01 – (,129*)
23 – (,139*)
31 – (,131*)
34 – (,290*)
07 – (,147*)
aprov (,279**)
- -
- -
cotas (,129*)
03 e 19 – (,172**)
29 – (,291**)
33 – (,228**)
18 – (,546**)
29 – (,290**)
23 – (,290**)
29 – (,244**)
18 – (,245**)
19 – (,237**)
* Nível de significância p<0,05
**Nível de significância p<0,01
A interpretação dessas correlações reforça a compreensão do diagrama
apresentado na Figura 10. Sugere uma conotação mais favorável aos operadores
220
‘empreender’ e ‘relacionar’, e maior tensão em torno dos operadores ‘engajamento’
e ‘superação’. É possível inferir que os operadores ‘empreender’ e ‘relacionar’ estão
mais atrelados a compromisso, e o engajamento e a superação, mais ligados à
exploração.
Porém esta é apenas uma forma de olhar. Também se pode pensar que o
operador ‘superação’ agrega a maior convergência de conflitos e que as saídas
podem se dar pelo ‘engajamento’ (perspectivas e objetivos), pelo
‘empreendedorismo’ (ação, criação, persistência) e pelos ‘relacionamentos’ com
autonomia (parcerias, intercambio).
No próximo tópico serão abordados alguns aspectos das questões abertas,
tentando exemplificar e melhorar a compreensão das generalizações apresentadas.
221
4 OUTROS ASPECTOS DA AUTO-REPRESENTAÇÃO E DA
ESCOLHA LEVANTADOS A PARTIR DA ANÁLISE QUALITATIVA DA
AMOSTRA DE PESQUISA
No Questionário Modelo 2 de pesquisa foi trabalhada uma questão aberta
que convidava os participantes a escreverem sobre os seus principais motivos para
a escolha do curso – aquele de sua opção na UFPR. Constava nos dois modelos
de questionário, também um espaço aberto para colher explicações a respeito das
razões do participante em ter se inscrito, ou não, no curso de sua preferência.
Compilando as questões abertas acima referidas, foram encontradas
respostas que giram em torno de alguns eixos, tais como:
VALORES ATRIBUÍDOS à instituição de ensino, ao ensino de
graduação, à área de conhecimento, ao curso, às disciplinas, à profissão
habilitada pelo curso, e, também causas consideradas relevantes (como
por exemplo, preservação do meio ambiente, ajudar e recuperar pessoas
com necessidades, fazer bem para a sociedade, promover
desenvolvimento). Neste grupo, destacam-se palavras como:
abrangência, oportunidade, mercado de trabalho (bom, competitivo, de
futuro, em expansão, novo), razões financeiras, estabilidade.
PREFERÊNCIAS ATRIBUÍDAS aos mesmos aspectos (área, curso,
disciplinas, profissão) relatados no tocante a valores. Porém, neste eixo,
são acompanhados de palavras com forte conotação afetiva – gosto,
adoro, amor, paixão, satisfação e realização pessoal, afinidade,
interesse, querer, desejo.
CONDIÇÕES OBJETIVAS é o eixo em que se agrupam as facilidades e
dificuldades ligadas a situações concretas – ter que trabalhar, o horário
do curso, apontando aquilo que se mostra como mais adequado, de
forma a conciliar outros aspectos da vida.
PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO, CONSTRUÇÃO DE SI E DAS
ESCOLHAS. Faz-se presente indiretamente através de expressões
como: formar-se, adquirir conhecimento e cultura, ampliar, aprofundar,
aprimorar formação e conhecimento anterior, especializar-se, melhorar.
Este é o aspecto que se apresenta mais fluido, isto é, as respostas são
menos concentradas e evidenciam aspectos como:
222
o Crenças - “acredito que esta seja a minha vontade”; “creio que é
uma boa escolha para quem gosta de exatas”; “pode crer, tem tudo
a ver comigo, gosto de literatura, ler, escrever”; “pesquisei sobre o
curso durante um ano e meio”;
o Expectativas - “o curso oferece o que eu busco”, “se adapta ao que
eu quero”, “é o que melhor se enquadra com o meu perfil”,
possibilita melhorar a qualidade e as condições de vida. É a
“realização de um sonho”; “a opção que eu tinha para me formar
cidadão e adquirir cultura”; “para fazer as específicas de medicina
que eu pretendo fazer”;
o Identificações - A expressão ‘identificação’ aparece 38
96
vezes
associada, principalmente, com o curso escolhido, mas também com
a área de conhecimento, com a profissão, com as disciplinas e, em
um único caso, com o profissional da área escolhida.
o Reconhecimento - a busca de reconhecimento aparece, de
maneira direta, mencionando a escolha relacionada com status,
posição social e prestígio. Também aparece de maneira indireta,
manifesta na importância dada ao reconhecimento e qualidade da
instituição e do curso (melhores, mais bem conceituados), e, por
outro lado, no próprio reconhecimento ao referir-se às influências
familiares na escolha. Algumas frases representativas desta última
afirmação são as seguintes: “tive a chance de escolher sem a
pressão da família”; “consegui persuadir as oposições”; “não cedi a
pressões de outras pessoas”; “tenho consciência do que quero, não
me deixo influenciar por opiniões alheias”.
o Escolha - É muito freqüente, em frases que tocam mais
especificamente ao processo de escolha, alguma referência ao
tempo – “ formei esta opinião faz tempo”; “sempre quis...”; “ainda
não sabia o que eu queria o ano passado”; “agora decidi o que
realmente quero!” Aparecem também, outras diferentes formas de
relatar a situação da própria escolha:
96
É interessante lembrar a referência feita a Bohoslavski (p.112 deste trabalho) quanto a
importância de identificar-se com os próprios gostos, interesses e aspirações, como uma das
condicionantes de uma escolha profissional madura, juntamente com a identificação dos aspectos
do mundo das profissões e a elaboração dos conflitos.
223
Sempre quis, estou realizando um sonho
Foi muito bem pensado, planejado, pesquisado
“Decidi fazer o curso sem dúvida”
“Estava indeciso entre vários e este engloba tudo”
Escolhi, mas não estou certo
Ainda não decidi o que eu quero
Não tenho motivos específicos
Estou fazendo um teste para ver se funciona
Não sei, espero ter feito a escolha certa
Mudei de idéia
Quero outro curso.
Nestas afirmativas, podem-se perceber diferentes nuances de exploração,
compromisso e tentativas de superação.
Também constam, entre as representações da escolha, as expectativas
relativas ao ambiente de trabalho idealizado para exercer as futuras atividades
profissionais, associadas ao melhor exercício das habilidades e aptidões, e
relativas às possibilidades de desempenhar-se em algo que gosta. Algumas
afirmativas dos pesquisados a este respeito: “trabalhar com pessoas”, “longe da
cidade”, em “cidade grande”; “você só tem sucesso fazendo o que gosta”; “é bom
fazer o que se gosta em um mundo competitivo”; “melhor se encaixa com minha
personalidade e aptidões”. E a expectativa também aparece desviada, através do
olhar de um terceiro: “sempre demonstrei interesse para meus avós biológicos”.
Entre os 558 participantes da pesquisa, 43 responderam ‘não’ estar
realizando o curso que gostariam. Muitos indicam sua insatisfação com a opção
realizada. Quando são mais especificadas estas condições, além da própria
indefinição na escolha, aparecem outros fatores de dificuldade objetiva: a
concorrência do curso (ter tentado uma opção mais fácil) e a adequação entre
aspirações e possibilidades momentâneas: necessidade de trabalhar durante o
curso, a necessidade de conciliar horário de trabalho com horário do curso,
questões financeiras, e a inexistência do curso na UFPR ou na cidade. Aparecem
também expressões de comportamento exploratório no sentido de experimentar,
treinar, aproveitar o tempo enquanto se prepara melhor.
Pode-se verificar que algumas palavras são utilizadas como se
representassem uma síntese de cursos ou áreas. É como se através delas o curso
224
e a própria escolha ganhassem “forma”. Destacam-se entre elas: exatas, meio
ambiente, saúde, pessoas, animais, medicina, desenho, aulas, esportes,
sociedade, tecnológicas, alimentos.
A extração de uma análise fatorial de componentes principais específica do
grupo de participantes da pesquisa que declararam ‘não’ ter se inscrito para o curso
que queriam, representada pela distribuição das variâncias conforme a Tabela 27
(Anexo 6), mostra que a auto-representação positiva passa a ser orientada
prioritariamente pela variável ‘não se sentir por fora’. Esta configuração vem
confirmando o sentido das posições adaptativas pela ênfase na realização daquilo
que se coloca como necessário e pela persistência ainda que os problemas se
apresentem. Fazer um curso universitário, ainda que não seja o curso da
preferência, confere um lugar de reconhecido pertencimento.
Na análise fatorial do grupo referido, a auto-representação negativa aparece
mais marcada pela impulsividade (09- Faço as coisas sem pensar), que parece ser
reativa à fuga dos problemas, à ansiedade e à culpa, que aparecem com cargas
explicativas semelhantes entre si. Seguindo na interpretação deste componente,
encontra-se o relacionamento difícil com líderes, e, por outro lado, aparece a falta
de persistência, dificuldades no relacionamento com iguais e pouco cuidado com a
apresentação pessoal. A busca de estratégias para atingir objetivos, ainda que
com carga explicativa menor de que os demais itens do componente, indica uma
via de possibilidade de saída do conflito.
Não se esgotam aqui as possibilidades de análise daquilo que esta fatorial
mostra, nem de outras análises que poderiam ser realizadas, e nem tampouco
daquilo que aparece no discurso dos participantes da pesquisa. Entende-se que
uma metodologia de análise do discurso auxiliaria muito neste sentido e talvez
possa ser feita em outro trabalho.
4.1 CONCEITOS DE IDENTIDADE E ESCOLHA LEVANTADOS NA
PESQUISA
Faz-se necessário, ainda, um olhar sobre a formulação dos conceitos de
identidade e escolha, como foram expressos pelos participantes da pesquisa. Este
é o objetivo deste último tópico, antes das considerações finais.
225
Analisando tais conceitos, formulados pelos participantes da pesquisa,
verificou-se que as respostas se distribuíram em torno de algumas formas de
apresentação que são especificadas nos dois tópicos seguintes.
4.1.1 Identidade
Quando conceituam identidade, os participantes da pesquisa se expressam
em torno das seguintes formas ou aspectos:
1. Fazendo uma avaliação da identidade enquanto uma instância ou
uma auto-avaliação sobre ela, envolvendo características pessoais,
julgamentos de valor e importância.
Exemplos:
“algo difícil de conseguir e complexa”
“fundamental”
“imprescindível, porém perigosa”
“mutante”, “única”
“bem definida, forte, decidida, doce e bondosa”
“tímido, pelo menos até iniciar o diálogo”
“ainda indefinida”
2. Relatando o processo de construção e revelação da identidade,
com conotações avaliativas de características, atitudes e funções,
freqüentemente associados a aspectos de localização espaço-
temporal e de movimento.
Exemplos:
“Uma menina de 19 anos, disposta a conquistar o mundo”
“instável e mutável, às vezes sujeita a mudanças’
“assumir o que se é de verdade, não se esconder nas
máscaras”
“aceitar você como você é”
“é preciso buscar uma”
“é preciso maturidade para conseguir”
226
“tomar suas decisões com o mínimo de influências externas”
“cada um com a sua, sabendo respeitar as diferenças”
“em alguns casos, afetada por influências externas”
“cada pessoa possui, projeta e molda a sua”
“difícil de encontrar, conseguir uma”
“o que a pessoa é quando ninguém está olhando”
“já passei da época de fazer tipo”
“melhorando”
3. Em outro grupo de respostas, o conceito aparece referindo-se às
funções da identidade, tais como: diferenciar, definir, localizar,
escolher e apropriar-se de algo.
Exemplos:
“fundamental, para não ser igual a todos”
“importante para diversas decisões”
“autoconhecimento é tudo na escolha”
“mostra o que você é”; “o que os outros olham em mim”
“maneira como a pessoa se apresenta socialmente”
“necessária para todos aqueles que vivem em sociedade”
“reconhecimento de si próprio e de suas características”
“relacionamento consigo mesmo”
“define um ser”
“não omitir a mim mesmo”
“algo único para cada um, o que diferencia um dos demais”
é tudo, é única, é aquilo que se é.
4. E, finalmente, um grupo configurado por sinônimos e características
da identidade. Entre os sinônimos foram citados: personalidade,
caráter, características pessoais, individualidade, particularidade,
singularidade, jeito de ser (forma, modo, maneira). Aparecem as
palavras ‘pessoa’ e ‘ser’ como síntese da identidade. E, ainda, outras
palavras com conotação de ‘representação da representação’, com
227
caráter reflexivo, tais como: saber sobre, idéias, pensamentos, ilusão,
conhecimento.
Exemplos:
“conhecimento sobre o próprio modo de ser”
“saber quem você é e o que quer ser”
“conjunto de idéias, valores, princípios de uma pessoa”
“conjunto de características reconhecidas com familiares”
“saber suas qualidades e defeitos, quem você é”’
“é a idéia que cada um tem de si mesmo”
“é a pessoa se reconhecer única entre os demais”
“ilusão e fonte de angústia e sofrimento, embora necessária”
“livro de uma pessoa”
5. Há também situações em que o conceito fica mais preso ao concreto,
sendo a identidade conceituada como “aquilo que eu apresentei com
a foto para a matrícula”.
4.1.2. Escolha
Quando os participantes da pesquisa expressaram o conceito de escolha,
evidenciaram-se aspectos muito semelhantes aos formulados com relação ao
conceito de identidade. A diferença entre eles é que o conceito de escolha
aparece mais focado em uma perspectiva processual, funcional e temporal. O
que é avaliado parece ser o processo e a utilidade. Necessária, importante e
difícil são as palavras que mais freqüentemente caracterizam tal avaliação.
Ainda referindo-se ao processo, são utilizadas representações de:
caminho, passo, rumo, ponto de partida, seguindo....
Como sinônimos aparecem: decisão, opção, definição, preferência,
alternativa, objetivo, querer, atitude, opinião, oportunidade, mudança,
amadurecimento, crescimento e evolução.
As expressões vida, sempre, tudo, liberdade e futuro aparecem com
destaque e os significados da escolha estão atrelados a responsabilidade,
compromisso e conquista.
228
Outras representações que se repetem e também marcam este momento
de transição são dilema, dúvida, indecisão, incerteza. Respondendo a estas
percepções de conflito, aparecem alternativas como “pensar muito”, analisar,
abdicar, aceitar, assumir, coragem e não ter medo; como também aquelas que
colocam o encontro da pessoa com ela mesma: “só você pode fazer”, “solitária”,
“depende de nós”, “coisa só tua”.
Alguns conceitos de escolha que são interessantes destacar, mostrando
um pouco da diversidade encontrada, são listados a seguir, reproduzindo
literalmente a escrita dos participantes da pesquisa:
“escolher é excluir as partes ruins da vida”
“livre escolha ditada pelos valores da sociedade”
“união de querer mais saber”
“decisão essencial para a vida tomar certo rumo”
“ato importante e fundamental numa vida”
“capaz de mudar a vida inteira”
“algo pensado, manifestação de preferência”
“uma questão de condições”
“atua no processo de amadurecimento”
“o que pode fazer a diferença”
“não basta saber qual é a certa, é preciso ter coragem”
“capacidade de unir valores e desejos e optar”
“coisa muito difícil que tenho que fazer sempre”
“conjunto de argumentos afins”
“decisão importante para gerar autonomia”
“decisão que deve ser tomada com responsabilidade”
“definição do seu caminho”
“difícil, mas só amadurecemos assim: errando”
“é o que podemos fazer entre várias opções que a vida dá”
“maneira de se conhecer a si mesmo”
“um passo para a liberdade”
“não ter medo de arriscar”
“intimamente ligada com aptidões pessoais”
“não gosto de ter dúvidas, se tenho resolvo-as”
229
“resultado de identidade somada ao nível de maturidade”
A análise dessas expressões indica tendências que caracterizam perfis
de diferentes grupos (gênero, idade, área de conhecimento, condição sócio-
econômica). Porém, estas tendências se apresentam desviantes em situações
específicas da condição de auto-representação, decorrente do processo de
materialização da identidade, um longo trabalho de elaboração de escolhas e
perdas. As experiências de vida elaboradas mobilizam recursos pessoais e
auto-reconhecimento, fortalecem possibilidades de escolha, auto-expressão e
superação. De acordo com os participantes da pesquisa, as mudanças estão
relacionadas com a maturidade, e esta, com responsabilidade. A identidade é
vista como processo e movimento, e escolhas como difíceis, mas necessárias.
Se, como afirma LEVENFUS (1997), as escolhas mais realistas surgem
quando a dúvida se faz presente, então é possível constatar o processo de
escolha operando no processo de acesso ao Ensino Superior, através dos
conceitos manifestos pelos participantes da pesquisa. Ainda que representadas
pela dúvida, a expressão de tais representações assumidas podem produzir
efeitos na forma de trabalhos psíquicos e movimentos de transformação, por
conta da falta que comportam.
A dúvida não é eliminada com a decisão, e mais, é necessário um clima
que comporta certos níveis de incerteza, mas também de referências e
possibilidade de jogo, para que o sujeito evolua. Dar a uma resposta encontrada
um caráter de verdade irrevogável é equivalente a utilizar uma defesa
paralisante, que interrompe o processo de pensar, questionar e evoluir.
Nos estudos de Piaget também se encontram argumentos para analisar
as diferenças do pensamento. Indicam que uma forma de pensamento mais
elaborada, marcada pela superação das características unidimensional,
absolutista, moralista, invariante e irreversível, aproximando-se da forma
multidimensional, relativista, não crítica, variável e reversível.
Vêem-se, entre as formulações conceituais expressas pelos jovens nesta
pesquisa, diferentes formas do pensamento. Poder-se-ia agrupar tais formas em
diferentes categorias, como por exemplo: pensamento criativo, investigativo,
conceitual, avaliativo, integrativo, implicativo, entre outras. Mas, optou-se por
não enfatizar esta forma de ver, destacando aquilo que mostra a multiplicidade
230
de formas de expressão, que convoca a olhar e escutar a juventude de cada um
de forma mais particular, distanciando-se de uma única forma generalizante e
naturalizada.
231
PARTE IV
232
233
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi lançado um olhar sobre o processo de acesso ao Ensino Superior,
como uma representação da transição que ocorre no encontro com o real,
particularmente caracterizado pela juventude nas condições de nosso tempo. A
inscrição para o processo pode se constituir como um dos primeiros momentos em
que o indivíduo se depara com a necessidade de formalizar uma identificação
social que engloba representações de lugares – geográfico, temporal, de gênero,
econômico, acadêmico, relativo aos laços de parentesco e às motivações pessoais.
O vestibular tem estatuto de significativo reconhecimento social, familiar e
entre os pares, ocupando razoável espaço também na mídia. Esta condição,
reforçada pelas instituições de educação, têm respondido pela vinculação do
sucesso profissional à escolarização. O ritmo das mudanças e incertezas no
mercado de trabalho atualiza um ameaçador desamparo.
Pouco tempo é destinado para as elaborações em face deste encontro
com o real, uma vez que os caminhos mais fortemente estimulados são pela via do
consumo (cujos valores subjacentes estão impregnados do caráter utilitarista,
descartável e imediatista), obliterando o valor das esperas e da capacidade de
priorizar. A idealização da educação como aquela que supriria as deficiências e
garantiria todas as saídas é um elemento a mais neste emaranhado. Ela pode ser
também uma via de transformação, ou, apenas uma forma de reproduzir e manter
as condições estabelecidas.
Vive-se um momento em que se presencia o enfraquecimento das grandes
teorias e das instituições, a quebra das hegemonias de valores e comportamentos.
Se, por um lado, há perda de rituais, por outro lado, há espaço para que os
movimentos (especialmente quando amplamente reconhecidos), que inserem certa
ordem no caos, conquistem o valor de organizar uma rotina em torno de uma causa
pessoal. O acesso ao vestibular se caracteriza desta forma, com elementos
ritualísticos organizadores de certa ordem. Processos como estes oferecem a
oportunidade (isto não quer dizer que esta oportunidade seja sempre usufruída) de
trabalhos psíquicos, movimentos de simbolização, elaborações, contato com as
ambivalências e construções de respostas ao desamparo. Proporciona um espaço
para testar qualidades, habilidades e competências acadêmicas (ponto que, para a
234
maioria, se constitui o cerne das experiências vividas), e de enfrentar situações
adversas em um contexto mais amplo (há de fato um encontro com uma realidade
social mais ampla – 4000 vagas para 40.000 candidatos – e diversificada –
diferentes idades, condições de escolarização, condições sociais, experiências de
vida). Há também o encontro com uma grande quantidade de conhecimentos que
vão colocar, inevitavelmente, a perspectiva da falta. Exige posicionamento,
escolhas, elaboração de perdas.
Não se trata somente de aprovação, a pressão está irremediavelmente
colocada para aqueles que se conduzem por esta via. Se aprovado apresenta-se o
novo – um recomeço. Se reprovado, anuncia uma avaliação e novas decisões –
revisão das estratégias, desistência, alienação, cobranças, apoios, dentre outras.
Ainda que esteja preparado, tem que “provar” que concluiu o ensino médio,
apresentar documentos e dar conta das novas exigências, do aumento da
autonomia, da ausência de acompanhamento tão próximo. Se a escolha foi “boa”, é
preciso ir em frente, concluir o curso, concretizar os projetos. Se a escolha não foi
aquela imaginada, o que fazer com isto? Se o desafio parece muito grande como
dar resposta a ele? Se for muito pequeno, o que fazer com o autoconceito, a auto-
estima e a autoconfiança, diante da falta de coragem? Neste tempo, se foi muito
ajudado, como saber o próprio valor? Se for pouco apoiado, como saber se está no
caminho certo e se tem um lugar? Se tudo está muito fácil, como entender este
movimento todo que se faz em torno do vestibular? Se parece muito difícil, o que se
passa? Por que não consegue fazer aquilo que considera bom ou necessário?
Onde se situar?
Ainda que estas e outras perguntas semelhantes não sejam formuladas e
respondidas explicitamente, elas constituem enigmas sobre os quais as teorias a
respeito da própria subjetividade são construídas. Este não é o primeiro enigma
vivido, mas talvez ocorra que, neste momento, as condições objetivas da realidade
sejam suficientemente fortes para sustentar tal condição enigmática como real e
abalar as construções imaginárias que faziam face ao encontro com a cultura. Não
fossem todos os demais aspectos inerentes à problemática, esta condição seria
suficiente para se constituir uma rica oportunidade de novo.
Seria o início do reconhecimento da maturidade simbólica? Sabe-se que o
trabalho psíquico fundamental da subjetividade na adolescência tem peculiaridades
historicamente marcadas em cada um, por uma anterioridade no Outro, que foi
235
colocado como suporte ao desamparo fundamental e apresentou as palavras e
ferramentas para o enfrentamento da vida na cultura. Seguindo um pouco as idéias
de Lacan, sabe-se que o ‘eu’ se inscreve no imaginário, nas tensões imaginárias,
que não é uma potência superior, nem pura, nem autônoma, nem sem conflitos;
que o narcisismo é libidinal. Na tomada da ordem simbólica, nas referências da
cadeia simbólica (que na medida em que resiste à vida, mascara o instinto de
morte) se ligam e orientam as impregnações imaginárias. A lei própria da cadeia
significante rege os efeitos que acompanham os deslocamentos do significante
especificando seus efeitos de insistência (repetitiva e significativa) e a ex-sistência
(lugar excêntrico em que se situa o sujeito do inconsciente, segundo Freud).
Erikson mostra a produção individual surgindo das sucessivas etapas da
elaboração da identidade, na medida em que o ser humano entra em contato com a
realidade dos papéis sociais, percebe sua inserção na sociedade e pressupõe
desempenhos. Se for certo que o ser humano habita um corpo biológico, também o
é que as condições de humanização são dadas, de um lado pelo psíquico, quando
organiza a experiência através de novas sínteses, e do outro, pelo comunal, que
propicia a organização cultural da interdependência.
É interessante recordar as flutuações inerentes ao trabalho psíquico de
encaminhamento relativo aos conflitos (tensões internas ou externas) nos
relacionamentos consigo mesmo e com os demais.
O acesso ao Ensino Superior seria uma das formas da sociedade prover
condições de ritualização, fornecendo elementos da ordem simbólica para orientar
impregnações imaginárias.
Novos estudos poderão ressaltar a influência do vestibular nas políticas e
nos currículos educacionais. Parece que os estudos sobre o processo de acesso ao
ensino superior, caracterizam tal acesso, como um lócus privilegiado para colocar
em discussão, sensibilizar, orientar e implementar políticas educacionais de
transformação em amplitude pessoal e social. Todos os aparatos relativos a
normas, organização e reconhecimento do acesso conferem alguma materialidade
à fluidez das regras e referências de nosso tempo histórico. Acompanhar os
detalhes do processo de acesso e preparar-se para ele é fator fundamental para a
aprovação (objetivo com valor agregado ao nível pessoal e social) - e tais
referências são objeto de discussões, orientação e até pressão. Por mais árduo e
incerto que sejam o presente e os horizontes, o que se vê, em número expressivo
236
de jovens, é um investimento neste preparo, não somente durante as provas, mas
durante o ano todo e parece que isto lhes confere uma cerca ancoragem. Os
vestibulares dos anos anteriores são analisados e quaisquer modificações, quer
seja nos conteúdos, na modalidade de inscrição, de elaboração de provas e
aprovação, provocam mobilizações.
Retomando as questões que instigavam a problematização deste trabalho,
já em um momento em que os efeitos dos caminhos percorridos impregnam o
pensamento, algumas considerações se colocam para melhor formalização:
Ao rever este percurso, na finalização do trabalho, pode-se confirmar a
opção metodológica feita no que se refere à riqueza que propiciou ao deixar para
localizar o cerne da problemática a partir daquilo que mais particularmente toca aos
pesquisados. Por outro lado, também é verdadeiro que o instrumento seria outro se
a escolha fosse depois daquilo que se aprendeu no percurso de estudo e análise.
Ficam muito mais claras quais as questões que poderiam ser excluídas e quais
aquelas que precisariam ser feitas, como também ficam mais evidentes as
maneiras de formular as questões que propiciariam elementos esclarecedores em
relação às diversas análises. Talvez o trabalho pudesse ser diferente se o
instrumento fosse outro, mas também fica a pergunta: haveria outro, se não fosse o
embasamento propiciado por isto que se fez?
A construção da identidade, não só no adolescente e nem só no jovem
adulto, mas também para aqueles que retornam aos bancos escolares, atravessa
as relações, particularmente naquilo que elas proporcionam como referenciais
identificatórios, encontros e desencontros, inquietações e insatisfações que
provocam movimento.
Os sujeitos sofrem processos de subjetivação e re-construção da
identidade quando ocupam papéis profissionais e sociais. Em tais situações, há
oportunidade de contradições, negações, resistências, re-significações e
reconstruções do conhecimento sobre si mesmo e o mundo. O trabalho social se
coloca também como representante do trabalho psíquico que precisa dar conta dos
lutos, do deslocamento sublimatório e ainda da transformação do trabalho
apaixonante em um trabalho dirigido ao sustento, como afirma RUFINO (2000b).
237
A identidade depende de reconhecimento. O reconhecimento contribui
para encontrar um lugar próprio, que implica em um posicionamento a favor ou
contra. Este reconhecimento tem conotações externas e internas, que nem sempre
andam no mesmo sentido. As concepções de si, os valores, as crenças e as
expectativas, assim como as avaliações relativas às escolhas fornecem indicativos
a respeito da sua manutenção ou de mudanças que se impõem. As representações
que se estabelecem em torno das capacidades de se expressar, pertencer,
empreender, relacionar-se, valorizar, confiar e superar engendram comportamentos
mais ou menos defensivos. Da mesma forma que, também as variáveis de crise
sustentam as mudanças.
A amostra pesquisada, de ingressantes na UFPR, parece representar a si
mesmos como seres que, vivendo um processo de transição exigente, recorrem a
seus melhores e possíveis recursos, de acordo com sua estrutura constitutiva. É
difícil passar para outro as responsabilidades desse processo. Ainda que isto fosse
possível, os reflexos retornariam.
As exigências colocadas de conhecimentos, persistência, resistência,
organização, disciplina e outras mais relativas ao contexto não são suficientes para
anular os efeitos da estrutura. Poder exercitar-se nesse contexto privilegiado exige
um quantum de libido e, portanto, fornece retornos narcísicos. Porém, pouco será
possível avançar na identificação daquilo que insiste e singulariza cada sujeito, a
não ser pelo seu dito.
A escolha é, por essência, a mediadora da seleção e da regulação de
respostas individuais, ou seja, constitui-se como um processo contínuo de
mudanças, implícito na forma de ser, uma forma singular de negociar com os
conflitos em sua particular conjuntura do laço social.
É praticamente impossível separar variáveis de escolha e de identidade,
que não tenham algum componente recíproco. Quando se escolhe ou quando,
conscientemente, isto não ocorre, há uma escolha, que diz de uma posição do
sujeito, ‘a escolha de não escolher’. Mesmo no conceito de tomada de decisão, que
se presta melhor aos argumentos deste trabalho, quando indica um ponto de cisão,
a partir do qual uma separação se impõe – há implícito algo que se perde e que
precisaria ser suportado como tal.
238
BOHOSLAVSKY (1998) faz uma correspondência entre a tomada de
decisão e uma re-solução, um tornar a solucionar atuado pelo sujeito e atrelado a
sua possibilidade de lidar com a realidade e de suportar a ambigüidade; de resolver
conflitos; de ponderar fatores, postergar ou graduar a ação; de tolerar a frustração e
elaborar lutos; de reconhecer suas fantasias, seu medo e sua tristeza. Não é
qualquer organização psíquica que suporta trabalho desta envergadura.
Estamos pensando que aquilo que é denominado como resolução da
identidade e também como tomada de decisão nos termos acima, também poderia
ser nomeado como simbolização, elaboração da castração, acesso a uma forma de
pensamento mais reversível, relativo e mutidimensional.
Desta forma, parece que não se está falando apenas de identidade, nem
apenas de escolhas ou tomada de decisão, mas de uma espécie de trabalho
psíquico, muito característico do processo de adolescer, e que se trata da
simbolização das impossibilidades, proporciona acesso a novas formas de
simbolização e também o acesso ao desejo.
Será que não estaríamos sujeitos a uma nova adolescência a cada
encontro faltante e impactante com um real que barra um destino certo?
A título de fechamento deste trabalho, mas não das possibilidades de
análise e de elaborações dos desafios colocados nas questões que foram sendo
levantadas, apresenta-se um último diagrama, fruto de análise dos aspectos
levantados. Ele pretende ilustrar um pouco a construção conceitual elaborada a
partir das percepções coletadas dos candidatos ao acesso e alunos ingressantes
na UFPR em 2005.
O diagrama apresentado na Figura 11 visa tornar mais explícito aquele
apresentado na Figura 10. Demonstra através de dois eixos e quatro pontos de
conflito (resistência/empuxo ao movimento), como o conceito da auto-
representação se organiza:
239
FIGURA 11 – DIAGRAMA DE MOVIMENTO DOS OPERADORES DO CONCEITO DE AUTO-REPRESENTAÇÃO,
MEDIADOS POR ÁREAS DE CONFLITO, ONDE TRABALHO PSÍQUICO E ESCOLHAS
OPERAM.
No eixo da estabilidade, interno, que pode ser também chamado de
‘pertencimento’, polarizam-se os operadores:
Engajamento – atrelado às capacidades de valorizar e confiar, e às
expectativas;
Relacionamento – ligado a diferentes posições e contextos da
intersubjetividade.
No eixo de transição, mobilizador de movimento, que também pode ser
denominado de auto-expressão, caminhos ou atitudes, operam as capacidades de:
240
Empreender – relacionada com iniciativa, elaboração de estratégias,
persistência e boas idéias;
Superar – associadas com a auto-estima, a segurança apoiada nas
qualidades pessoais, na comparação com os demais e na
capacidade de resolver problemas.
O eixo de estabilidade ou pertencimento comporta um movimento de
manutenção do estado, é reativo. O outro eixo, responde pelo movimento
expansivo, direcionado a objetivos. Os pontos de conflito ocorrem no encontro entre
esses dois movimentos: de agregação e desagregação.
Entre o estado de engajamento e a ação empreendedora, o ‘medo’ faz
função de interface; entre a capacidade de empreender e o relacionamento há
‘isolamento’; entre o estado de relacionamento e a superação está a ‘insatisfação’,
e, entre a superação e o engajamento coloca-se a ‘exclusão’.
A resolução de conflito pode ter diferentes caminhos:
Se a situação é de ‘engajamento’ e há um objetivo de ‘superação’, a
resistência se dará por conta de uma suposta possibilidade de ‘exclusão’; por outro
lado, se a ‘superação’ caminha no sentido do ‘engajamento’, a ‘exclusão’ pode
funcionar como motivo. Se, ainda, a ‘superação’ se dirige no sentido dos
‘relacionamentos’ é a ‘insatisfação’ que articula a motivação.
No encontro, em que há geração de motivos e resistências (pontos de
conflito), há um tempo de escolhas, mediado por uma posição subjetiva. Por
exemplo, se do campo do operador ‘empreender’ há um empuxo para ‘relacionar-
se’, o isolamento funciona como restrição (há uma forte correlação inversa entre
iniciativa para perseguir objetivos e solucionar problemas e a preferência por
trabalhar sozinho). Já no caminho reverso, do ponto de vista do campo do
‘relacionamento” pode se constituir uma necessidade de ‘isolamento' (o que não é
simples na perspectiva em que a preferência é estar com outros), como empuxo
para ‘empreender’ (criar o novo, traçar e perseguir metas).
Estes movimentos podem também ser verificados entre os outros
operadores. Mais um exemplo ilustrativo: alguém bem engajado, com elevadas
expectativas em relação ao futuro, pode ter no ‘medo’ o aparato de resistência para
o encontro com uma realidade que talvez lhe inspire ameaça. Porém, o medo
também funciona como motivador, no sentido de engendrar estratégias para fazer
241
face ao perigo. Pode ser que as estratégias não se efetivem concretamente, mas
também pode ser que o medo seja superado. Afinal, é o medo que dá o limite para
que uma ousadia não se torne uma loucura inconseqüente.
Os operadores são interfaceados pelas variáveis de auto-expressão, que
parecem fornecer as condições subjetivas para os enfrentamentos. Elas sofrem
abalos e, ao mesmo tempo, ajudam a solucionar impasses das e nas áreas de
conflito.
Retornando a Vygotsky, citado na página 34, para reforçar este achado
das análises: “o novo e significativo uso da palavra e sua utilização como um meio
para a formação de conceitos é a causa psicológica imediata da transformação
radical por que passa o processo intelectual no limiar da adolescência”. A
adolescência está sendo pensada como um processo característico de mudança e
a mudança são imperativos de nosso tempo. Desta forma pode-se dizer que a
afirmação aplicada por Vygotsky a este período específico, pode ser estendida.
Então se pode concluir que a auto-expressão favorece o enfrentamento dos
processos de mudança.
Vários dados das análises também reforçam os pressupostos de
Bohoslavski, de que os bloqueios e rupturas estão relacionados com a dificuldade
no estabelecimento de vínculos com relações satisfatórias e relativamente estáveis.
A dificuldade na regulação dos impulsos aparece relacionada com a fuga,
a dificuldade em suportar e resolver conflitos, graduar a ação e tolerar a frustração,
implicadas com as escolhas que não podem ser assumidas, talvez porque seja
impossível suportar as perdas... aquilo que fica de fora.
Os dados sugerem que, nos impasses, o comando fica por conta da ‘fuga
dos problemas’. Entre os participantes da pesquisa, a fuga aparece associada com
a impulsividade, a inibição da iniciativa em buscar alternativas e solucionar
problemas, o rebaixamento das expectativas, da confiança e da segurança na
capacidade de aprender. Por conseqüência, implica uma desqualificação da própria
imagem, que aparece expressa em ‘não gostar do seu jeito de ser’ e na ‘vontade de
mudar’.
Uma saída pela fuga, portanto, segundo os candidatos e alunos
ingressantes na UFPR em 2005, é uma saída que acarreta impactos importantes
na sua auto-representação, sinais de impasses... Tais impasses só poderão ser
melhor compreendidos e encaminhados a partir do desejo e na singularidade de
242
cada um. Importante é que se consiga formular teorias próprias permeáveis, que
propiciem certa sustentação diante dos conflitos, o que seria indicativo de que o
processo de elaboração e simbolização está em curso. Estamos precisando de
espaços que possam acolher a dor e suportar os trabalhos de elaboração de lutos
pelas perdas.
Reconhecemos que este trabalho pouco avançou nas explicações sobre a
indiferença, o fracasso na discriminação e hierarquização dos elementos que
permeiam as escolhas, a não ser nos pequenos toques aos estados depressivos e
indicando interpretações alternativas para os estados de crise. Também, não foram
investigadas as percepções dos jovens acerca da “pressão” (excesso ou falta), nem
tampouco as suas concepções a respeito do “risco” (como lidam com o risco, o que
suscita, que recursos mobiliza). Este trabalho tocou apenas superficialmente acerca
da pressão do coletivo sobre o individual. São possibilidades para trabalhos
futuros...
Ao chegar ao final deste tempo dedicado a este trabalho de pesquisa e
construção de teorias, a sensação que se faz mais intensa é aquela que dá notícias
de que a melhor parte ficou fora do texto.
Daquilo que foi possível dizer, vale a pena ainda uma referência, a todos
aqueles que participaram da caminhada deste trabalho, sob inúmeros pretextos.
Agradecer é importante, mas mais ainda é reconhecer um lugar para além de um
único dito. Aquilo que foi falado, escutado, escrito, não foi tomado como sendo o
ser, mas como sendo uma das expressões possíveis do sujeito. As representações
acerca das nuances de nossa identidade e escolhas, de nossa juventude e da
capacidade de acreditar e seguir em frente, apesar dos limites e frustrações,
criando o novo a cada instante de viver, ao mesmo tempo que se colocam como
possibilidades, revelam um encontro desafiador com a parcialidade.
É à parcialidade e à singularidade o último tributo deste trabalho. Não é
possível dizer tudo. A singularidade de cada um se mostra pelo dito, em partes.
Que estes ditos possam circular em novos discursos de sujeitos que possam recriar
cenários e recriar-se em suas novas falas e experiências.
...é preciso encher o mundo de histórias que falem sobre as diferenças, que descrevam infinitas posições espaço-
temporais de seres no mundo. É preciso colocar estas histórias no currículo e fazer com que elas produzam seus
efeitos. (...) O mundo, as vidas de pessoas, as identidades são construídos, reinventados, instituídos a cada nova
história que circula. A única linguagem que pode falar da identidade de cada um é aquela que é natural e deriva do
lugar espaço-temporal em que cada um ou uma se encontre” (COSTA, 2002, p. 111)
243
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ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed, 1998.
RUFFINO, R. Adolescência e Modernidade. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE
PSICANÁLISE E SUAS CONEXÕES. O Adolescente e a Modernidade. Rio de
Janeiro: Companhia de Freud, 2000a.
RUFFINO, R. Do trabalho psíquico ao trabalho social. In: APPOA (Associação
Psicanalítica de Porto Alegre). O Valor Simbólico do Trabalho e o Sujeito
Contemporâneo. Porto Alegre: Artes e ofícios, 2000b.
SAMPIERI, R.H.; COLLADO, C.F.; LUCIO, P.B. Metodología de la Investigación.
México: McGraw-Hill, 1998.
SCHEIN, E. H. Psicologia Organizacional. 3ª ed. Rio de Janeiro: Prentice-Hall,
1982.
250
SCHEIN, E. H. Identidade Profissional: Como ajustar suas inclinações e suas
opções de trabalho. São Paulo: Nobel, 1996.
SCHOEN-FERREIRA, T.H.; AZNAR-FARIAS, M.; SILVARES, E.F.de M. A
construção da identidade em adolescentes: um estudo exploratório. Estudos em
Psicologia 8(1), 107-115.São Paulo: USP, 2003.
SESARINO, J. Anotações de supervisão. Curitiba, 2005.
SIMÕES, H.R. Dimensões Pessoal e Profissional na Formação de Professores.
Aveeiro: Cisine, 1995.(p. 103-181)
SILVA, T. T. da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, T. T da
(Org.); HALL, S.; WOODWARD, K. Identidade e Diferença: a perspectiva dos
estudos culturais. 2ª. Petrópolis: Rio de Janeiro: Vozes, 2000.
SOARES-LUCCHIARI, D. H. O ideal de Ego e o Projeto de Futuro Profissional dos
Adolescentes. In: LEVENFUS, R. S. Psicodinâmica da Escolha Profissional. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1997.
STERNBERG, R.J. Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
UFPR. Relatório do Questionário socioeducacional do processo seletivo do vestibular
da UFPR do ano de 2001, 2002, 2003 e 2004, 2005, 2006. Núcleo de Concursos -
PROGRAD/UFPR.
TURA, Maria de Lourdes Rangel. A observação do cotidiano escolar. In: ZAGO, N.;
CARVALHO, M.P. de; VILELA, R.A .T. (Orgs.) Itinerários de Pesquisa: Perspectivas
qualitativas em Sociologia da Educação. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2003.
VEJA, Edição Especial Jovens. São Paulo: Abril, v. 36, n. 24, ago. 2003. Especial.
VYGOTSKY, L.S. A formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. 4
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. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991a.
VYGOTSKY, L.S. Pensamento e Linguagem. 3
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http://geocities.com/carcofk2/wasser.htm
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WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In:
SILVA, T.T da (org); HALL, S.; WOODWARD, K. Identidade e Diferença: a
perspectiva dos estudos culturais. 2ª. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
251
ANEXO I – Questionário Modelo 1
252
253
Modelo 1
AUTORIZO a utilização dos dados deste questionário em pesquisa de Pós-Graduação na
UFPR, organizada para conhecer as idéias sobre a identidade do jovem adulto e
sobre suas escolhas.
Data: ___/___/_____ Assinatura ___________________________
NOME: _________________________________________________________
Curso para o qual se inscreveu no vestibular da UFPR
___________________________________________________Diurno:_________Noturno:________
Idade:____ Sexo: M ( ) F ( ) Cidade de Origem:________________________________________
Você se inscreveu para outros cursos em outras universidades ou faculdades, neste mesmo período
(final de 2004 e início de 2005)?
Sim ( ) Não ( )
Quais?___________________________________________________________________________
Você já tentou vestibular em anos anteriores? Sim ( ) Não ( )
Observações:_______________________________________________________________
Você se inscreveu para o curso que queria? Sim ( ) Não ( )
Porque? ___________________________________________________________________
As questões, que lhe pedimos a gentileza de responder a seguir, foram formuladas para
facilitar respostas objetivas e, também, subjetivas. Portanto estão estruturadas de forma
diferente entre si.
Não existem respostas certas ou erradas.
Por favor, acompanhe as instruções do enunciado de cada questão, e, responda a todas elas
de forma a retratar as suas percepções, seu pensamento e seus sentimentos em relação aos
temas propostos. Evite deixar questões em branco para não prejudicar a validade do
questionário. Caso não tenha condições de responder algum item ou não queira fazê-lo, é
preferível que você informe seus motivos no espaço destinado à resposta do mesmo.
1 Os seus
motivos para cursar uma faculdade
se relacionam com quais alternativas
abaixo? Enumere, por ordem de importância para você,
os três mais importantes
,
assinalando qual é o primeiro mais importante, o segundo e o terceiro.
( ) Aquisição de cultura geral ampla.
( ) Formação profissional, voltada para o trabalho.
( ) Formação teórica, voltada para a pesquisa.
( ) Formação acadêmica para melhorar a atividade prática que já estou desempenhando.
( ) Formação para a vida.
( ) Desenvolvimento pessoal.
( ) Conquista de uma nova posição social.
( ) Aquisição de conhecimentos que me permitam compreender melhor o mundo em que vivemos.
( ) Aquisição de conhecimentos que permitam melhorar meu nível de instrução.
( ) Diploma de nível superior.
( ) Outros. Quais?__________________________________________________________________________
254
2 Você já iniciou algum outro curso superior anteriormente?
Sim ( ) Não ( )
( ) não concluiu
o curso
( ) está cursando
outro curso
( ) já concluiu
outro curso
3 Se você já iniciou um curso universitário anteriormente, indique suas razões para esta nova opção
de curso. Se assinalar mais de uma resposta, enumere-as por ordem de importância, atribuindo 1
para a mais importante, 2 para a seguinte, e sucessivamente.
( ) Não gostei do curso.
( ) Estou mais confiante e preparado para tentar o curso que desejava e antes não foi possível.
( ) Agora tenho melhores condições para atender aos horários do curso para o qual estou me inscrevendo.
( ) Estou tentando um curso que me exija menos. Observações:____________________________________
( ) Acho que agora estou mais seguro de minha escolha.
( ) Agora conheço melhor a realidade de trabalho da profissão que pretendo.
( ) Este novo curso é complementar para a área que escolhi e a nova tentativa me proporcionará melhores
condições no mercado de trabalho.
( ) Outra (s). Quais _________________________________________________________________________
4 Você tem mudado suas concepções sobre você mesmo nos últimos tempos?
Sim ( ) Não ( )
a) Qual foi a mudança mais significativa que você percebeu com relação a você mesmo ultimamente?
_____________________________________________________________________
b) Quais as situações, coisas ou pessoas influenciaram para que as suas concepções sobre si
mesmo mudassem? ________________________________________________________________
c) Como você descreve o conjunto de aspectos que marcam e explicam esta re-organização
revolucionária de si
mesmo?__________________________________________________________________________
5 A seguir está listada uma série de afirmações que mostram algumas coisas que as pessoas
percebem em si mesmas. Você deve ler cada uma delas e assinalar a freqüência que melhor
expressa a forma como você se percebe em cada alternativa.
1 Tenho cuidado com a minha apresentação pessoal.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
2 Quando tenho um objetivo coloco em prática estratégias para atingi-lo.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
3 Sou importante para os meus amigo(a)s.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
4 Tenho medo do futuro.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
5 Gosto de ser como sou.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
6 Sinto-me seguro(a) das minhas competências para aprender.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
7 Gostaria de mudar muitas coisas no meu jeito de ser.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
8 Quando tenho um objetivo não desisto facilmente.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
9 Faço as coisas sem pensar antes.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
10 Tomo a iniciativa de solucionar os meus problemas.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
255
11 Tento fugir dos meus problemas.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
12 Acho que tenho várias boas qualidades.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
13 Não tenho procedido bem com alguém que eu gosto.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
14 Sou capaz de fazer as coisas tão bem quanto a maioria das outras pessoas.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
15 Tenho estado muito ansioso(a).
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
16 Sou uma pessoa confiável.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
17 Tenho importantes expectativas para o futuro.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
18 Prefiro trabalhar sozinho que em grupo.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
19 Meus colegas acham que eu tenho boas idéias.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
20 Acho que a minha conduta depende da solução de um problema pessoal.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
21 Meus relacionamentos com as pessoas iguais a mim é bom.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
22 Acredito que meu futuro depende mais das minhas próprias decisões que de outras coisas.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
23 Tenho dificuldade de me relacionar com pessoas que estão em posição de liderança.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
24 Tenho boa saúde.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
25 Minhas condições econômicas ajudam para a realização dos meus projetos de futuro.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
26 Eu concordo com o meu ambiente sócio cultural quando valoriza a formação em curso universitário.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
27 Os fracassos tiveram papel importante na minha história pessoal.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
28 Acredito que o estudo é fundamental para o meu sucesso profissional.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
29 Eu me sinto “por fora” das coisas.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
30 Sou alguém importante para a minha família.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
31 Preciso fazer muitas coisas que não faço.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
32 Gosto de trabalhar com outras pessoas.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
33 Consigo expressar minhas idéias com clareza.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
34 Faço a maioria das coisas que eu gosto.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
256
35 Acho que serei bem sucedido na minha profissão.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
36 Tomo a iniciativa de buscar alternativas quando estou interessado em algum assunto ou problema.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
37 Meus relacionamentos com pessoas diferentes é valioso.
Nunca Raramente Às vezes Quase sempre Sempre
1 2 3 4 5
6 Você considera que já tem um jeito estabelecido de ser? ( ) Sim ( ) Não
7 Alguns aspectos justificam que a pessoa se preocupe com o seu jeito de ser. Entre os
aspectos abaixo, assinale os três que você mais valoriza identificando qual deles é o
primeiro, o segundo e o terceiro.
( ) Para diferenciar você dos demais do seu grupo.
( ) Para você sentir-se fazendo parte de um contexto.
( ) Para você ser respeitado.
( ) Para você conseguir aquilo que deseja.
( ) Para estabelecer o meu nível de desempenho.
( ) Outros. Quais?__________________________________________________________________
8 Você costuma pensar sobre suas metas ou projetos de vida com que freqüência?
( ) diariamente ( ) semanalmente ( ) às vezes ( ) evito pensar nisto ( ) quando sou cobrado
( ) quando alguma coisa dá errada ( ) quando sinto que preciso ser mais independente
9 Pensando sobre o seu futuro, quais são as palavras, objetos ou símbolos que representam:
Seus valores___________________________________________________________________________
Suas possibilidades______________________________________________________________________
Seus desejos___________________________________________________________________________
Seus compromissos_____________________________________________________________________
Temores______________________________________________________________________________
10 Quais foram as decisões mais importantes que você precisou tomar na sua vida?
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
11 Como você definiria:
Identidade_______________________________________________________________________________
Maturidade______________________________________________________________________________
Escolha ________________________________________________________________________________
Coletividade_____________________________________________________________________________
Projeto de vida___________________________________________________________________________
12 Sua reação a este tipo de pergunta:
Agradeço a generosidade de sua colaboração.
Susan
257
ANEXO II – Questionário Modelo 2
258
259
Modelo 2
AUTORIZO a utilização dos dados deste
questionário em pesquisa de Pós-
Graduação na UFPR, organizada para
conhecer as idéias sobre a
identidade do jovem adulto e sobre
suas escolhas.
Data: ___/___/_____
Assinatura:
_________________________________
NOME:
_____________________________
Curso para o qual se inscreveu no vestibular
da UFPR:____________________________
Diurno:_____Noturno:______
Idade:____ Sexo: M ( ) F ( )
Cidade de Origem:______________________
Você se inscreveu para outros cursos em
outras universidades ou faculdades, neste
mesmo período (final de 2004 e início de
2005)? Sim ( ) Não ( )
Quais?________________________________
_____________________________________
Você já tentou vestibular em anos
anteriores? Sim ( ) Não ( )
Observações:_______________________
__________________________________
Você se inscreveu para o curso que
queria? Sim ( ) Não ( )
Porque?
__________________________________
__________________________________
As questões que lhe pedimos a
gentileza de responder, a seguir,
foram formuladas para facilitar
respostas objetivas e, também,
subjetivas. Portanto, estão
estruturadas de forma diferente entre
si. Não existem respostas certas ou
erradas.
Por favor, acompanhe as instruções
do enunciado de cada questão e
responda a todas elas de forma a
retratar as suas percepções, seu
pensamento e seus sentimentos em
relação aos temas propostos. Evite
deixar questões em branco para não
prejudicar a validade do
questionário. Caso não tenha
condições de responder a algum item
ou não queira fazê-lo, é preferível
que você informe seus motivos no
espaço destinado à resposta do
mesmo.
1 Os seus
motivos para cursar uma
faculdade
se relacionam com quais
alternativas abaixo? Enumere, por ordem
de importância para você,
os três mais
importantes
, assinalando qual é o
primeiro mais importante, o segundo e o
terceiro.
( ) Aquisição de cultura geral ampla.
( ) Formação profissional, voltada para o trabalho.
( ) Formação teórica, voltada para a pesquisa.
( ) Formação acadêmica para melhorar a atividade
prática que já estou desempenhando.
( ) Formação para a vida.
( ) Desenvolvimento pessoal.
( ) Conquista de uma nova posição social.
( ) Aquisição de conhecimentos que me permitam
compreender melhor o mundo em que vivemos.
( ) Aquisição de conhecimentos que permitam
melhorar meu nível de instrução.
( ) Diploma de nível superior.
( ) Outros. Quais?
______________________________________
______________________________________
260
2 Quais os principais motivos para a escolha
deste curso superior (
o que optou na UFPR)
?
__________________________________________
__________________________________________
__________________________________________
_________________________________________
3 Com relação às suas condições para cursar o que
pretende, assinale a alternativa que melhor
expressa a forma como você se sente neste
momento.
Se você acredita que tem mais de uma alternativa que
explica como se sente, pode assinalar mais de uma
desde que elas sejam enumeradas por ordem de
representatividade atribuindo 1 para a alternativa que
melhor expresse seu sentimento, 2, 3 e sucessivamente
para as demais.
( ) Não tenho idéia do que me espera.
( ) Estou muito bem preparado.
( ) Tem áreas do conhecimento nas quais me sinto
insuficientemente preparado.
( ) Estou bem preparado quanto a conhecimentos,
mas inseguro com relação à escolha.
( ) Inseguro quanto a conhecimentos e habilidades,
embora tenha convicção sobre a escolha do
curso.
( ) Pretendo me esforçar por que formar neste
curso é muito importante para pessoas
significativas para mim.
( ) Pretendo me esforçar por que acho que este
estudo é fundamental para o meu sucesso
profissional.
( ) Não me sinto bem orientado.
( ) Não me preocupo com isto.
( ) Outra. Qual? ____________________________
______________________________________
4 Você já iniciou algum outro curso superior
anteriormente? Sim ( ) Não ( )
( ) não concluiu o curso
( ) está cursando outro curso
( ) já concluiu outro curso
5 Se você já iniciou um curso universitário
anteriormente, indique suas razões para esta
nova opção de curso.
Se assinalar mais de uma resposta, enumere-as por
ordem de importância, atribuindo 1 para a mais
importante, 2 para a seguinte, e sucessivamente.
( ) Não gostei do curso .
( ) Estou mais confiante e preparado para tentar o
curso que desejava e antes não foi possível.
( ) Agora tenho melhores condições para atender
aos horários do curso para o qual estou me
inscrevendo.
( ) Estou tentando um curso que me exija menos.
Observações:___________________________
______________________________________
( ) Acho que agora estou mais seguro de minha
escolha.
( ) Agora conheço melhor a realidade de trabalho
da profissão que pretendo.
( ) Este novo curso é complementar para a área
que escolhi e a nova tentativa proporcionará
melhores condições no mercado de trabalho.
( ) Outra (s). Quais
______________________________________
______________________________________
6 Com relação às possíveis dificuldades que
você terá que enfrentar/solucionar para ter
sucesso no seu curso superior e futura
profissão, quais as que melhor expressam a
forma como você se sente neste momento.
Se você acredita que tem mais de uma alternativa que
explica como se sente, pode assinalar mais de uma
desde que elas sejam enumeradas por ordem de
representatividade atribuindo 1 para a alternativa que
melhor expresse seu sentimento, 2, 3 e sucessivamente
para as demais.
( ) Relativas a habilidades que terei que
desenvolver.
( ) Relativas aos relacionamentos e tipo de
pessoas com as quais terei que conviver.
( ) Relativas a persistência e hábitos de estudo.
( ) Relativas a informações sobre o mercado de
trabalho, remuneração, condições de trabalho
(ambiente físico e emocional), resultados
esperados e atribuições da profissão.
( ) Conciliação das condições da profissão com as
condições de vida pessoal, familiar, financeira.
( ) Relativas à própria escolha.
( ) Relativas a aprovação de pessoas do meu
círculo de convivência e relacionamento afetivo.
( ) Outra (s). Qual (is)?
______________________________________
______________________________________
( ) Não vejo dificuldades.
261
8 Como você se considera em relação à sua
escolha pelo curso?
Se houver mais de uma resposta,que expresse
sua
forma de conceber a situação, enumere-as por
ordem de importância, atribuindo 1 para a mais
importante, 2 para a seguinte, e sucessivamente.
( ) Sinto-me confuso(a) com relação à minha
escolha profissional e decidi fazer qualquer
coisa enquanto aguardo melhor decisão.
( ) Acho que ainda vou demorar muito para decidir
minha futura profissão, e posso mudar minha
escolha.
( ) Penso que já estou decidido em relação a minha
futura profissão.
( ) Sinto-me seguro em relação à minha escolha.
( ) Reflito sobre como aprimorar as condições da
escolha de minha futura profissão.
( ) Esta escolha é a escolha possível na minha
atual condição de vida.
( ) Minha escolha ocorreu quando eu ainda era
muito jovem, por influência do meio em que eu
vivia.
( ) Tenho várias razões e vantagens para a escolha
deste curso, mas não me sinto seguro com
relação à escolha.
( )
Em relação à minha escolha acho que...
__________ _______________________________
9 Sobre as influências para a escolha
deste curso, responda:
( ) Acho que pouco me influencio pela opinião dos
outros sobre a minha futura profissão.
( ) Penso que é importante levar em conta a
opinião dos demais para escolher a profissão.
( ) Acho importante ouvir várias pessoas sobre a
escolha profissional, mas devo elaborar por
mim mesmo os argumentos que justifiquem a
minha própria escolha.
10 Classifique os grupos a seguir, dando notas
de 1 a 10 correspondente ao grau de influência
sobre as suas escolhas:
|1| A família
( )1 ( )2 ( )3 ( )4 ( )5 ( )6 ( )7 ( )8 ( )9 ( )10
|2| Colegas e amigos
( )1 ( )2 ( )3 ( )4 ( )5 ( )6 ( )7 ( )8 ( )9 ( )10
|3| Professor ou escola
( )1 ( )2 ( )3 ( )4 ( )5 ( )6 ( )7 ( )8 ( )9 ( )10
|4| Teste vocacional
( )1 ( )2 ( )3 ( )4 ( )5 ( )6 ( )7 ( )8 ( )9 ( )10
|5| Imprensa e televisão
( )1 ( )2 ( )3 ( )4 ( )5 ( )6 ( )7 ( )8 ( )9 ( )10
|6| Profissionais da área
( )1 ( )2 ( )3 ( )4 ( )5 ( )6 ( )7 ( )8 ( )9 ( )10
|7| Namorado (a), Noivo (a), Esposo (a)
( )1 ( )2 ( )3 ( )4 ( )5 ( )6 ( )7 ( )8 ( )9 ( )10
|8| Outros. Quem?______________________
( )1 ( )2 ( )3 ( )4 ( )5 ( )6 ( )7 ( )8 ( )9 ( )10
7 Com base nas suas expectativas com relação
ao curso universitário, aponte quais são as
qualidades de um(a):
“Bom(a) professor(a)”
_
______________________________________
_
____________________________________
“Bom(a) aluno(a)”
_
_____________________________________
_
_____________________________________
11 Pensando sobre sua escolha, complete as frases abaixo:
1. Uma dúvida...
2. Uma certeza...
3. Uma expectativa...
4. Um desafio...
5. Importante para conseguir...
6. Estou próximo de...
7. Se receber ajuda posso...
8. Sozinho(a) eu...
9. Gostaria de saber mais sobre...
10.Meus pais acham...
11.Meus professores acham...
12 Você tem mudado suas concepções sobre você mesmo nos últimos tempos? ( )
Sim ( ) Não
a) Qual foi a mudança mais significativa que você percebeu com relação a você mesmo
ultimamente?
__________________________________________________________________________
b) Quais as situações, coisas ou pessoas influenciaram para que as suas concepções
sobre si mesmo mudassem?
__________________________________________________________________________
c) Como você descreve o conjunto de aspectos que marcam e explicam esta re-organização
revolucionária de si mesmo?
__________________________________________________________________________
13 Você considera que já tem um jeito estabelecido de ser?
( ) Sim ( ) Não
14 Desde quando você se sente assim com relação a você
mesmo?___________________________
16 Como você definiria:
Identidade______________________________________________________________________
Maturidade_____________________________________________________________________
Escolha _______________________________________________________________________
Coletividade_____________________________________________________________________
Projeto de vida__________________________________________________________________
17 Minha reação a este tipo de pergunta:
Agradeço a generosidade de sua colaboração.
Susan
15 Pensando sobre seu jeito de ser, escreva completando as frases abaixo:
1. Uma dúvida...
2. Uma certeza...
3. Um desafio...
4. Estou próximo de...
5. Se receber ajuda posso...
6. Sozinho(a) eu...
7. Gostaria de saber mais sobre...
8. Meus amigos(as) acham que eu...
263
ANEXO 3 –
TABELA 2 – DISTRIBUIÇÃO DA AMOSTRA DE PESQUISA POR CURSO E RELAÇÃO
CANDIDATO-VAGA
264
265
TABELA 2- DISTRIBUIÇÃO DA AMOSTRA DE PESQUISA POR CURSO E RELAÇÃO CANDIDATO
VAGA DE CADA CURSO. Curitiba, 2004-2005.
Candidato/
vaga
Cursos Quant
%
amostra
vagas
curso
%
s/vaga
s
Cota
racial
Cota
social
6,62 Agronomia 26 4,7 132 19,7 0 1
4,44 Engenharia Florestal 15 2,7 66 22,7 1 0
9,51 Engenharia Elétrica 10 1,8 88 11,4 1 1
13,16 Engenharia Mecânica 10 1,8 88 11,4 2 2
3,04*(M)
97
Física – Bacharelado e Licenciatura 16 2,9 70 31,4 0 5
22,34 Arquitetura e Turismo 6 1,1 44 13,6 2 1
7,81 Ciências da Computação 16 2,9 110 14,5 3 1
2,23 Engenharia Cartográfica 3 ,5 44 6,8 0 0
4,34 Engenharia Civil 21 3,8 176 11,9 0 2
6,9 Engenharia Química 12 2,1 88 13,6 0 1
2,56 Estatística 7 1,3 66 10,6 2 2
5,23*(N) Matemática – Bacharelado e Licenciatura 8 1,4 88 9,1 1 2
6,28*(N) Geografia 6 1,1 66 9,1 1 1
6,09 Geologia 6 1,1 33 18,2 0 2
5,48 Química 7 1,3 66 10,6 1 2
11,56 Ciências Biológicas 8 1,4 50 16,0 2 4
14,57*(B) Educação Física 12 2,1 120 10,0 3 2
14,78 Enfermagem 7 1,3 55 12,7 3 2
10,96 Farmácia 19 3,4 108 17,6 1 3
30,26 Medicina
26 4,7 176 14,77
2 3
19,31(Ctba)
98
Medicina Veterinária
24 4,3 108 22,2
3 2
15,64 Nutrição 7 1,3 66 10,6 0 3
11,0 Odontologia 22 3,9 92 23,9 1 2
20,93*(N) Administração 6 1,1 110 5,5 1 0
14,96 Administração Internacional de Negócios 7 1,3 55 12,7 0 2
2,22 Gestão da Informação 6 1,1 50 12,0 1 1
8,57 Ciências Contábeis 8 1,4 110 7,3 2 3
6,28*(N) Ciências Econômicas 15 2,7 220 6,8 4 5
4,95 Ciências Sociais 7 1,3 80 8,8 3 0
27,67 Comunicação Social - Jornalismo 4 ,7 30 13,3 0 0
31,63 Comunicação Social – Publicidade e Propaganda 6 1,1 30 20,0 1 0
12,0 Comunicação Social – Relações Públicas 3 ,5 30 10,0 1 1
17,18/12,42 Desenho Industrial – Programação visual/Produto 7 1,3 66 10,6 3 1
25,73/25,41 Direito (M/N) 22 3,9 172 12,8 9 2
6,63/4,25 Educação Artística - Artes plásticas/Desenho 5 ,9 32 15,6 0 0
3,79/5,02 Filosofia - Bacharelado e Licenciatura – D/N 13 2,3 125 10,4 3 3
8,7 História 7 1,3 60 11,7 2 1
7,95
99
Letras – todos 13 2,3 140 9,3 1 2
6,10/5,85 Pedagogia M/N 14 2,5 170 8,2 6 4
16,70 Psicologia 12 2,1 80 15,0 1 1
17,48 Turismo 8 1,4 44 18,2 1 1
5,23 Engenharia Industrial Madeireira 12 2,1 60 20,0 1 2
8,20 Engenharia Ambiental
8 1,4 45 17,8
0 2
15,03 Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia 5 ,9 30 16,7 1 0
2,33 Matemática Industrial 9 1,6 40 22,5 1 1
13,73 Ciências do Mar 5 ,9 30 16,7 1 2
6,71 Zootecnia 6 1,1 45 13,3 2 1
12,0 Terapia Ocupacional 4 ,7 30 13,3 1 2
9,65/3,90 Música - Produção Sonora/Educação Musical 7 1,3 40 17,5 0 1
12,60/7,36 Tecnologia em Informática N/T 8 1,4 100 8,0 1 0
23,43 Fisioterapia 11 2,0 30 36,7 0 0
13,90 Gestão Ambiental 22 3,9 30 73,3 0 0
Sem identificação do curso 5 ,9
Total
558 100,0 4204*
13,2 76 82
* 4144 vagas no vestibular de novembro e dezembro/2004 e 60 vagas para a UFPR-Litoral, em Julho/2005.
97 Os indicadores acompanhados de asterisco correspondem ao maior valor da relação candidato/vaga entre diferentes
opções de horário ou habilitação.
98 A relação candidato/vaga para o mesmo curso em Palotina é 8,65.
99 Média entre as diferentes habilitações e horários. A relação candidato/vaga para as opções com inglês é maior - media
11,32 e maior valor 12,75, enquanto que a média excluindo as opções com inglês diminuiria para 6,23.
266
267
ANEXO 4
TABELA 18 - 3
A
. ANÁLISE FATORIAL DE COMPONENTES PRINCIPAIS E REPRESENTAÇÃO
SIMPLIFICADA DA ESCALA DE AUTO-REPRESENTAÇÃO DOS ALUNOS
INGRESSANTES NA UFPR, EM 2005: EXTRAÇÃO DE 4 COMPONENTES.
268
269
TABELA 18 – 3
A
. ANÁLISE FATORIAL DE COMPONENTES PRINCIPAIS DA ESCALA DE AUTO-REPRESENTAÇÃO DE
ALUNOS INGRESSANTES EM 2005 NA UFPR: EXTRAÇÃO DE 4 COMPONENTES.
Componentes
1 2 3 4
1 Apresentação pessoal ,378 ,096 ,282 ,329
2 Estratégias para objetivos
,525 ,022 ,148 ,084
3 Importância para amigos
,539 -,249 ,052 ,294
4 Medo Futuro -,022 ,561 -,133 -,191
5 Gosto de ser como sou ,171 -,451 ,188 ,323
6 Seguro competência aprender ,167 -,300 ,346 ,319
7 Mudar coisas no jeito de ser -,107 ,628 -,087 -,187
8 Não desisto facilmente ,421 -,011 -,093 ,091
9 Faço coisas sem pensar ,024 ,271 -,491 ,308
10 Iniciativa solucionar problemas ,455 -,039 ,390 ,035
11 Fuga dos problemas -,225 ,456 -,399 ,071
12 Qualidades ,199 -,217 ,274 ,455
13 Não proceder bem -,068 ,505 -,174 ,073
14 Fazer coisas bem como outros ,036 -,278 ,286 ,442
15 Ansiedade -,039 ,645 ,108 -,028
16 Pessoa confiável ,127 -,126 ,530 -,015
17 Expectativas importantes futuro ,275 -,014 ,486 ,103
18 Trabalhar só -,578 ,261 -,009 ,331
19 Boas idéias ,427 ,075 ,156 ,192
20 Solução de problema pessoal -,106 ,531 ,027 ,125
21 Bom relacionamento com iguais ,368 -,041 ,020 ,308
22 Futuro e decisões próprias -,032 -,058 ,402 ,342
23 Relacionamento e liderança -,391 ,398 ,019 -,029
24 Boa Saúde ,078 -,183 ,369 ,103
25 Condições econômicas ,078 ,092 -,019 ,607
26 Valorização Ensino Superior ,187 ,263 ,400 ,170
27 Fracassos e história pessoal ,113 ,280 ,067 ,008
28 Estudo e sucesso profissional ,047 ,167 ,620 ,020
29 Sinto-me por fora das coisas -,358 ,378 -,201 -,043
30 Importância para família ,344 -,163 ,247 ,182
31 Preciso não faço -,066 ,535 -,078 -,082
32 Gosto trabalhar com outras pessoas ,681 -,059 ,187 -,249
33 Auto-expressão ,586 -,249 ,145 ,248
34 Gosto e faço ,461 -,269 ,069 ,474
35 Confiança no sucesso profissional
,143 -,087 ,525 ,267
36 Iniciativa busca de alternativas
,636 -,012 ,261 -,057
37 Relacionamento com diferentes
,549 -,051 ,104 ,113
Representação simplificada
1 2 3 4
>peso no fator 32-,681 15-,645 28-,620 25-,607
>peso ítem no
fator
36-,636
33-,586
18-(-,578)
37-,549
03-,539
02-,525
34-,461
10-,455
19-,427
08-,421
01-,378
21-,368
30-,344
07-,628
04-,561
31-,535
20-,531
13-,505
11-,456
05-(-,451)
23-,398
29-,378
27-,280
16-,530
35-,525
09-(-,491)
17-,486
22-,402
26-,400
24-,369
06-,346
34-,474
12-,455
14-,442
01-,356
>350 22-(-,391)
29-(-,358)
11-(-,399)
10-,390
22-,342
18-,331
01-,329
05-,323
(-) >250 11-(-,285) 06-(-,300)
14-(-,278)
34-(-,269)
33-(-,249)
03-(-,249)
32-(-,249)
Auto-representação
positiva –
pertencimento,
iniciativa, auto-
expressão.
Crise – ansiedade,
desejo de mudar, medo,
inibição.
Expectativas em torno
do Ensino Superior, do
futuro e do próprio
desempenho
Condições objetivas
favorecem realizações
e relacionamentos com
iguais.
Escala de Auto-representação: 37 váriáveis, KMO 0,819, 4 componentes com explicação de 35,03% (rotacionada p/ método Varimax).
270
271
ANEXO 5 –
TABELA 25 - CORRELAÇÕES BIVARIADAS SIGNIFICATIVAS DOS ITENS DA ESCALA DE AUTO-
REPRESENTAÇÃO, IDENTIFICADAS A PARTIR DAS IMPRESSÕES DE
CANDIDATOS E ALUNOS INGRESSANTES NA UFPR EM 2005.
272
273
274
275
ANEXO 6 –
TABELA 27 – 10
A
. ANALISE FATORIAL DE COMPONENTES PRINCIPAIS E REPRESENTAÇÃO
SIMPLICADA DOS OPERADORES DO CONCEITO DE AUTO-REPRESENTACAO NO
GRUPO DE PARTICIPANTES DA PESQUISA QUE NÃO ESCOULHEU O CURSO
PRETENDIDO: AMOSTRA DE PESQUISA COLETADA ENTRE OS ALUNOS E
CANDIDATOS AO INGRESSO NA UFPR EM 2005.
276
277
TABELA 27 – ANALISE FATORIAL DE COMPONENTES PRINCIPAIS E REPRESENTACAO
SIMPLIFICADA DA ESCALA DE AUTO-REPRESENTACAO DO GRUPO DE PARTICIPANTES
QUE NÃO ESCOLHEU O CURSO PRETENDIDO.
Componentes
1 2 3 4
1 Apresentação pessoal ,262 ,175 -,374 ,495
2 Estratégias para objetivos ,204 ,341 ,345 ,207
3 Importância para amigos ,601 ,299 ,052 -,542
4 Medo Futuro ,091 -,659 -,093 ,393
5 Gosto de ser como sou ,228 ,793 ,196 -,119
6 Seguro competência aprender ,456 ,335 ,348 ,267
7 Mudar coisas no jeito de ser
-,138 -,837 ,366 -,085
8 Não desisto facilmente -,085 -,109 -,415 ,639
9 Faço coisas sem pensar -,020 ,032 ,811 ,065
10 Iniciativa solucionar problemas ,427 ,136 -,142 -,049
11 Fuga dos problemas -,443 -,358 ,641 -,124
12 Qualidades
,422 ,614 -,196 ,238
13 Não proceder bem -,204 -,129 ,612 -,131
14 Fazer coisas bem como outros ,592 ,178 -,247 ,524
15 Ansiedade -,087 -,253 ,651 -,081
17 Expectativas importantes futuro ,178 ,319 ,581 -,024
18 Trabalhar só -,671 -,182 ,279 ,052
19 Boas idéias ,648 -,039 ,282 ,175
20 Solução de problema pessoal ,125 -,102 ,120 ,852
21 Bom relacionamento com iguais ,381 ,497 -,329 ,211
22 Futuro e decisões próprias ,137 ,572 -,143 -,101
23 Relacionamento e liderança
-,398 -,121 ,401 ,048
25 Condições econômicas ,496 ,281 -,200 -,175
26 Valorização Ensino Superior ,696 -,178 -,021 -,161
29 Sinto-me por fora das coisas -,829 -,166 ,082 -,187
30 Importância para família ,245 -,300 -,284 -,642
31 Preciso não faço -,558 -,312 ,193 -,476
32 Gosto trabalhar com outras pessoas ,727 ,305 -,158 ,227
33 Auto-expressão
,786 ,009 ,128 ,076
34 Gosto e faço ,221 ,711 -,283 ,081
35 Confiança no sucesso profissional ,609 ,207 -,019 ,106
36 Iniciativa busca de alternativas ,021 ,519 ,153 ,144
37 Relacionamento com diferentes ,604 ,205 -,093 -,349
Extraction Method: Principal Component Analysis. Rotation Method: Varimax with Kaiser Normalization. a Rotation
converged in 9 iterations. b Only cases for which cursook = Não are used in the analysis phase.
Representação simplificada
1 2 3 4
>peso no fator 29( -, 829) 07 (-,837) 09 ,811 20 ,852
>peso item no fator
33 , 786
32 ,727
26 ,696
18 (-,671)
19 , 648
35 ,609
37 ,604
03 , 601
14 , 592
31(-558)
06 ,456
10 ,427
05 ,793
34 ,711
04 (-,659)
12 ,614
22 ,572
36 ,519
21 ,497
15 ,651
11 ,611
13 ,612
17 ,581
23 ,401
02 ,334
08 ,639
30 (-,642)
01 ,495
>300 11(-,443) 11 (-,358)
30 (-,300)
08 (-,415)
01(-,374)
21 (-,329)
03 (-,542)
14 ,524
31 (-,476)
Auto-representação
positiva –
Auto-representação
positiva autocentrada
Auto-representação
negativa –
ansiedade/fuga
Auto-representação
negativa-inibição da
vontade
Escala de Auto-representação: 37 variáveis, KMO 0,819, 4 componentes com explicação de 35,03% (rotacionada pelo método Varimax).
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