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esteticamente a oralidade, sem reproduzi-la. A literatura e a oratória, dizia Antonio
Candido (1981), tornaram-se a forma preferencial dessas regiões e
conseqüentemente dos seus autores, para exprimirem a sua consciência e dar estilo
e expressão a sua cultura (Cf. CANDIDO, 1981, v. 2, p. 298). Mas vemos que
Guimarães Rosa foge a essa tendência oratória citada pelo crítico.
[...] Nenhum se apeava. Os outros, tristes três, mal me haviam
olhado, nem olhassem para nada. Semelhavam a gente receosa,
tropa desbaratada, sopitados, constrangidos - coagidos, sim.
Isso por isso, que o cavaleiro solerte tinha o ar de regê-los: a meio-
gesto, desprezivo, intimara-os de pegarem o lugar onde agora se
encostavam. Dado que a frente da minha casa reentrava, metros, da
linha da rua, e dos dois lados avançava a cerca, formava-se ali um
encantoável, espécie de resguardo (p.10, grifos nossos).
Essa liberdade lingüística utilizada por Rosa em enunciados como “tropa
desbaratada, sopitados, constrangidos - coagidos, sim” (p.9) faz com que ele mescle
uma linguagem “culta”, “o cavaleiro solerte tinha o ar de regê-los: a meio-gesto”
(p.10, grifos nossos) com a oral considerada “popular” e regionalizada, “Nenhum se
apeava” (p.10, grifos nossos). Se há com isso uma renúncia compreendida no
processo de incorporar a seu tratamento literário línguas e falares regionais, como
no termo “apeava” (p.9), há simultaneamente um esforço em tentar recuperá-los,
dentro do discurso literário, modificando artisticamente o material lingüístico. Nesse
nível, a grande contribuição original dos transculturadores, segundo Rama, irá
consistir na unificação lingüística do texto literário, respondendo aos princípios de
unificação artística, mas utilizando, em substituição a uma língua literária composta
e apreendida, a sua própria, como vimos, por exemplo, na fala do narrador, quando
afirma que “O medo me miava” (p.10). Há uma renúncia aos vocábulos e glossários
que corriqueiramente acompanhavam o romance regionalista, tendo, a partir disso,