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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
FACULDADE DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGÜÍSTICA
HERBERT NUNES DE ALMEIDA SANTOS
DE ANGEL RAMA A JOÃO GUIMARÃES ROSA, A TRANSCULTURAÇÃO
NARRATIVA NA LITERATURA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DO CONTO
“FAMIGERADO”
MACEIÓ
2007
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2
HERBERT NUNES DE ALMEIDA SANTOS
DE ANGEL RAMA A JOÃO GUIMARÃES ROSA, A TRANSCULTURAÇÃO
NARRATIVA NA LITERATURA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DO CONTO
“FAMIGERADO”
Dissertação apresentada ao programa
de Pós-graduação em Letras e
Lingüística da Universidade Federal de
Alagoas para a obtenção do título de
Mestre em Letras. Área de concen-
tração em Literatura Brasileira.
Orientadora: Profª.Drª. Vera Lúcia Romariz Correia de Araújo
MACEIÓ
2007
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3
AGRADECIMENTOS
A Deus, meu tutor incondicional.
A minha mãe, Celuse, que, de forma guerreira e defensora, lapidou meus
passos rumo ao desconhecido. Aos meus “dois pais”, o biológico, Benedito Nunes, e
ao biológico transformado, Aderval Silva.
Ao meu irmão, Henrique Nunes, primogênito, pelo saciar da simplicidade e
acompanhamento, mesmo a distância. Ao meu eterno amigo-irmão Edwalber José,
que o destino tão precocemente recolheu.
Aos meus filhos, que aguardam ansiosamente vir ao mundo para comigo
compartilhar desta leitura.
Ao 04 de Setembro de 2005, eternas lembranças e encantamento.
Aos amigos do curso que, direta e indiretamente, torceram por mim, em
especial a Alexandre Bernardino, amigo incondicional dos livros e dos chocolates.
Aos professores(as) Roberto Sarmento, Edilma Acioli e Belmira Magalhães,
pelos exemplos de dedicação, simplicidade e força que deságuam na notoriedade
do saber.
Aos meus alunos amigos, aos quais de forma mínima espero ter podido
ajudar no decorrer de suas formações.
E, finalmente, à responsável por toda esta reflexão: Vera Romariz, mãe,
amiga, orientadora e minha fortaleza literária, gratidão eterna!
4
Ao meu irmão,
Henrique Nunes,
Os montes de areia eram os túneis
Para dar passagens aos carrinhos;
As estradas eram seus sobrepostos.
As idéias a erupção para esses momentos;
E meu irmão, o eterno companheiro das fantasias
Que não se perdiam.
5
RESUMO
Esta dissertação analisa, do ponto de vista estético-cultural, o conto
“Famigerado”, presente no conjunto de contos da obra Primeiras Estórias (1968) do
escritor brasileiro João Guimarães Rosa. Nosso objetivo na pesquisa é comprovar,
na narrativa deste autor, a existência da categoria da “transculturação narrativa”, o
conceito defendido pelo escritor uruguaio Angel Rama (1975), na narrativa latino-
americana. Estudamos alguns procedimentos apontados pelo referido crítico,
analisando-os e localizando-as como referentes de análise.
Objetivamos também mostrar um avanço do ponto de vista crítico-cultural,
fortalecendo e justificando o porquê da obra de Rosa ter sido escolhida. Assim, o
conceito de “transculturação narrativa” permitiu-nos estudar uma categoria
elementarmente presente na obra, pois esta expressa as diferentes fases do
processo transitivo de uma cultura para outra no tecido textual, com dificuldades e
conflitos representados em Guimarães Rosa.
6
RESUMEN
Esta disertación hace un análisis, de un punto de vista estético-cultural, del
cuento “Famigerado” presente en el conjunto de la obra Primeiras Estórias (1968)
del escritor brasileño João Guimarães Rosa. Nuestro objetivo en la investigación es
encontrar, en la narrativa de ese autor, la existência de la categoria “transculturación
narrativa”, concepto sostenido por el escritor uruguayo Angel Rama (1975), em la
narrativa latino-americana; estudiamos algunos procedimientos apuntados por el
critico, analizándolas y situándolas como referente de análisis.
Además de ello, objetivamos también apuntar un avanzo de un punto de vista
crítico-cultural, fortaleciendo y justificando el porqué de la obra de Rosa haber sido
elegida. Así, el concepto de “transculturación narrativa” nos permitió estudiar una
categoría elementalmente presente en la obra, pues están expresas las distintas
frases del proceso transitivo de una cultura a la otra en el tejido textual, con
dificultades y conflictos representados por Guimarães Rosa.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 07
CAPÍTULO 1
1- Do universo literário brasileiro
12
1.1 Os primórdios da transculturação
16
1.2 Notícias de Angel Rama
18
CAPÍTULO 2
2- João Guimarães Rosa, um transculturador
24
2.1 Apresentando um Famigerado
29
2.2 O foco transculturador em Rosa
38
CAPÍTULO 3
3-Da intenção à construção: a importância do
narrador/personagem em “Famigerado”
44
3.1. Dos valores discursivos: a importância semântica regional na fala
de um jagunço
55
3.2. Do estrato oral ao escrito: a força da palavra nos discursos de um
jagunço e de um letrado
62
CONCLUSÃO
71
REFERÊNCIAS
77
8
INTRODUÇÃO
Grandes questionamentos surgem, quando se tem como tema a cultura. Os
embates sempre ocorreram porque questões culturais envolvem, na maioria das
vezes, um ponto sensivelmente discutido da humanidade, a identidade cultural. Um
dos pontos desses questionamentos está na idéia defendida por críticos como Stuart
Hall (1997), que propôs a análise cultural de um mundo social em declínio. Hall
disserta sobre a identidade cultural, destacando seu caráter problemático, porque
ela integra, em sua concepção, um processo muito amplo de mudança que estava
deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e,
conseqüentemente, abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos
uma ancoragem estável no mundo social. Antes, essas identidades eram
consideradas sólidas localizações, em cuja base os indivíduos se encaixavam
socialmente; hoje, elas se encontram com fronteiras menos definidas, que provocam
no indivíduo uma crise de identidade.
A reflexão identitária cultural que subsidiará esta pesquisa terá como grande
referência a América Latina, pois é o contexto ao qual me reporto; reitero este
particular interesse, ao estudar relatos de escritores como Cornejo Polar (2000) que,
ao se referirem à questão identitária, afirmam que a América Latina não pode ser
tratada como uma comunidade homogênea nem como uma nação com múltiplas
etnias, mas sim como um continente de imensa diversidade.
9
O estudo que realizo busca identificar quais são as conseqüências dos
encontros culturais na América Latina, o que realmente acontece com culturas que
se encontram e quais são suas saídas (simbólicas ou históricas). Essas sempre
foram questões a serem respondidas por intelectuais que se engajaram em dar
respostas a conflitos existentes na história. Araújo (2000), em tese de doutorado
sobre o tema, afirma que ser um crítico cultural supõe uma atividade interdisciplinar
de base assimétrica, pois imaginar que o texto literário “reflete” o cultural, sem
deformá-lo, revitalizá-lo e reconstruí-lo é entender muito pouco do espaço da
liberdade da criação literária. Abro esses parênteses, pois são os críticos literários
que vêm dar algumas das respostas às crises identitárias mencionadas. Assim, é
através de uma análise textual muito bem integrada com o mundo referencial que
entendemos melhor o mundo, a sociedade e a cultura.
Apesar de não citá-los em profundidade nas análises subseqüentes, gostaria
de salientar que muitos foram os autores que discutiram, cada um em sua época,
algumas categorias culturais, tentando propor soluções alicerçadas para essas
questões. Alguns trazem o legado, por isso obtiveram respeito, de serem
culturalmente advindos de países considerados “periféricos” e terem se fixado em
países de cultura hegemônica, conseguindo, assim, discutir e problematizar, pela
experiência diaspórica, através de seus textos, as dicotomias percebidas. Homi
Bhabha, na década de 80 do século XX, afirmava que os diferentes têm de ter
posição ativa, ou representativa, da hegemonia. Esse autor configura o híbrido como
o lugar da enunciação, espaço fundamental na literatura e na crítica pós-coloniais,
em uma espécie de contra-modernidade pós-colonial. Para Rama, o escritor crítico
tem uma importância significativa em desmistificar “cânones” culturais, fazendo com
que países periféricos não se fechem a diálogos culturais, o que desaguaria,
10
segundo Angel Rama (1970), na rigidez cultural. E é este uruguaio quem, a nosso
ver, melhor discute essa questão.
Angel Rama vê em seus estudos embates culturais ocorridos e representados
literariamente em obras de autores como João Guimarães Rosa. Nesses “embates”,
ele observa quais saídas literárias eram encontradas por autores como Rosa, para
dar soluções a conseqüentes apagamentos identitários. A leitura de suas obras nos
mostra a representação do dialogar cultural, principalmente tendo o regionalismo
brasileiro como palco desse diálogo cultural. Nele, o conceito de representação,
ressurgido no período nacionalista e social, decorrido entre 1910 e 1940, será uma
categoria discutida em relação às específicas práticas performativas (lugar do
enunciador), nas esferas de poder hegemônico e na resistência subalterna.
Concebida como uma maneira de conseguir representação política e cultural dentro
da sociedade dominante, observaremos como a representativa “subalterna”
desarranja estereótipos que a sociedade dominante possa ter no que diz respeito
aos povos desprovidos.
Diante disso, Rama tem seu pensamento construído no sentido de rever a
visão anterior de representatividade cultural, mostrando uma América Latina e seus
países com enfoque nacionalista, fechado em uma identidade única e geralmente
rural (no Romantismo brasileiro, o indígena, que já estava em extinção, por
exemplo), ou no romance da década de 30 do século passado, rural e social. Rama,
com isso, alarga o conceito de representatividade com a idéia de transculturação,
que traz o diálogo com outras faces do país e com outras culturas. Assim nos
questiona com os elementos que nos representam e fazem dessa representatividade
um diálogo problematizado, avançado literariamente, mais híbrido. Araújo (2007,
p.4) enfatiza que, na medida em que os transculturadores trazem “as vozes
11
distantes dos rincões rurais da América latina”, há um enfrentamento entre imagens
da história da literatura, que se consolidam principalmente entre o imaginário
burguês (como o herói romanesco do Romantismo).
A noção de representatividade é citada com fundamental importância para
nosso trabalho, porque ela exclui a idéia romântica de identidade cultural, vista como
pura e nacionalista ufanista. Rama destaca que ser representativo é constituir-se e
identificar-se com nossa complexidade, em diálogo intra e intercultural, por isso
aliamos a essa idéia o conceito de “transculturação”, que vem dialogar com os
internos e os externos.
A obra de Rosa, especialmente o conto em análise, foi selecionada pela
resposta ficcional (de tema e forma) dada ao fluxo vanguardista, resposta que
restaura parte do regionalismo e rearticula saberes orais tradicionais, em nova
linguagem, representando com isso a riqueza plurissêmica e temática da cultura
brasileira.
Diante desses questionamentos, repartimos nossa análise nos seguintes
pontos: no Capítulo 1, apresentaremos o conceito de transculturação narrativa,
estudado e proposto por Rama a partir do conceito antropológico de transculturação
do cubano Fernando Ortiz. O crítico uruguaio Angel Rama (1970), preocupado em
estudar o tema América Latina e suas relações com o discurso europeu que
viabilizava processos experimentais, teve como grande mérito o seu empenho crítico
em associar as formulações etnográficas de Ortiz ao terreno literário,
problematizando o nacionalismo literário do romance de 30, no Brasil, de evidentes
marcas regionais, e o Realismo Social.
O Capítulo 2 discorrerá sobre as tendências literárias que surgiram na
década de 20 do século passado, a sua ruptura e um “certo avanço”, que ampliava
12
os limites temáticos e formais do movimento regionalista, mais atuante no Brasil na
década de 30. Rama propunha “o abastecimento e a incorporação do externo”; a
absorção de técnicas avançadas sem apenas o tratamento dos conteúdos, o que
poderia colocar em segundo plano as possíveis contribuições literárias latino-
americanas em contato com os experimentos europeus das vanguardas históricas.
Apresentaremos também o autor pesquisado, João Guimarães Rosa, e o porquê de
ele ter sido considerado um transculturador por Rama, analisando, assim, em sua
obra, o espaço e a língua literária.
No Capítulo 3, analisaremos mais verticalmente o conto selecionado para
nossos estudos; discutiremos os processos transculturadores presentes, assim
como o processo utilizado por Rosa para discutir, de forma dialogada, a suposta
massificação cultural que o modernismo provocaria. Analisaremos a importância dos
valores discursivos realizados pelo autor na trama narrativa e também como se deu
o diálogo entre os estratos oral e escrito, tão bem representados na obra rosiana.
13
CAPÍTULO 1
DO UNIVERSO LITERÁRIO BRASILEIRO
Quando optei por analisar questões culturais dentro do universo literário
brasileiro, pairavam grandes dúvidas a respeito de qual autor em específico poderia
ser estudado, visto que muitos autores poderiam trazer o perfil cultural
transculturativo procurado, que era principalmente trazer para a narrativa o campo
aliado à cidade.
O tema cultura na literatura brasileira sempre foi muito bem exposto por
escritores, principalmente por modernistas, como Mário de Andrade, Oswald de
Andrade, Raul Bopp e Cassiano Ricardo. A tendência estética crítica nacionalista de
Mário de Andrade e a visão literária antropofágica de Oswald de Andrade sempre
chamaram minha atenção. Observei atentamente, em Oswald, o que Bosi (1992)
relatava acerca das incorporações violentas e indiscriminadas dos conteúdos e das
formas internacionais pelo processo antropofágico brasileiro, que, em sua visão, tudo
devoraria e tudo fundiria no seu organismo inconsciente, entre anárquico e matriarcal.
A tendência de Mário de Andrade com a sondagem de uma psicologia
brasileira semiprimitiva, mestiça, fluida, romântica, dizia Alfredo Bosi (1992), mostrava
sua perícia técnica supranacional. Sua pesquisa bem elaborada sobre o negro e o
mestiço, e seu caminho de pesquisador etnográfico e escritor justificavam sua
presença em minhas pesquisas rumo à transculturação narrativa na Literatura
Brasileira. Sua ousada forma de construção cultural do romance/rapsódia
Macunaíma: o herói sem nenhum caráter (1928) faz-nos acompanhar as peripécias
do herói composto, em cuja obra dialoga com estratos diversos da cultura brasileira,
14
encenando seus choques e assimetrias. As duas inclinações desses geniais autores,
Guimarães Rosa e Mário de Andrade, apesar de tão distintas em sua formulação,
causavam-me certo fascínio, por saber que associavam pesquisa etnográfica e
representação literária. Ambos convergiam para um ponto comum em minha
pesquisa: a análise do processo identitário cultural brasileiro.
Mário de Andrade representava prováveis situações enfrentadas pelos
encontros culturais diversos no mundo literário de Macunaíma, cuja referência era o
Brasil histórico multicultural, com uma clara relação entre cultura erudita e cultura
popular.
Em minhas leituras, começava a perceber e avaliar o que relatava Rama
(1975):
A transculturação narrativa; e conseqüentemente seus escritores
transculturadores, reduziam sensivelmente o campo dos dialetismos
e dos termos estritamente americanos, desentendendo a fonografia
da fala popular [...]. E, além disso, se encurta a distância entre a
língua do narrador/escritor e a dos personagens, na crença de que o
uso dessa dualidade lingüística rompe o critério da unidade artística
da obra (p. 267).
Analisando a obra de Bosi (1992), instigava-me sua indagação, ao afirmar que
a exploração do Brasil pobre moderno seria obra dos romancistas regionalistas. Por
isso detive-me na busca de alguns escritores brasileiros que, com diferenciações e
particularidades, representaram a transculturação narrativa em suas obras, realizando
o encurtamento entre a língua do narrador/escritor e a de suas personagens. Além
disso, verifiquei que a forma literária desses autores era uma espécie de liberdade de
resposta a conflitos culturais existentes em suas épocas.
O primeiro contato com o autor de minha pesquisa se deu de uma forma muito
sedutora, mas, ao mesmo tempo, essa aproximação me causou certa dificuldade
inicial, conseqüência, claro, da imaturidade do leitor. Fui finalmente apresentado à
15
excelência de minha busca transculturadora. Detive-me em João Guimarães Rosa,
autor que me proporcionou aportes curiosos e enriquecedores. O livro selecionado da
vasta obra deste escritor foi o livro de contos Primeiras Estórias (1962). Depois de
algumas leituras, selecionei, entre uma coletânea de 22 contos, a narrativa intitulada
“Famigerado”. Sua obra fascinou-me, convidou-me a nela entrar, pois Rosa é uma
“revolução” no que concerne à inovação formal e ao tratamento temático-cultural
inovador. Digo inovador para diferenciá-lo; Rosa, em sua forma de particularidade
literária, traz sempre com grande valor a oralidade, a “voz do povo” ressignificada. Ele
teve o empenho, pouco visto em outros autores, de trazer o meio cultural para
integrar sua jornada escrita, transformada em forma estética.
Como não referenciar como exemplo Sagarana, publicada em 1946, para
tentar explicar o caráter inovador que será levado também para a análise da obra em
estudo, que é Primeiras Estórias? Rosa consegue em Sagarana, se bem que, em
menor grau, fazer uma reinvenção da linguagem, com um estilo de desconstrução
lingüística, assim como de desarticulação da sintaxe tradicional e subversão da
semântica dicionarizada. Ou seja, há nele uma desconstrução da chamada “dicção
literária”, no sentido de trazer apenas a norma culta para o registro ficcional. A escrita
“palavra” perdia, segundo Afrânio Coutinho (2001), sua característica de termo,
entidade de contorno unívoco, para converter-se radicalmente em plurissigno,
realidade multissignificativa. O que é verdade, pois surgem, a partir daí, códigos
semânticos a serem decifrados com várias possibilidades conotativas.
A análise do conto “Famigerado” traz esses aportes e a possibilidade de ver na
narrativa desse autor a reinvenção lingüística e temática, já mencionada
anteriormente. Nessa renovação temática, quebra-se a dicotomia urbano x rural,
relativa aos valores culturais, comum na história literária brasileira, propondo uma
representação dialética do conflito, como ocorre em “Famigerado”. Essa possibilidade
16
encontra, no jogo lingüístico do autor, muitas sugestões e perspectivas: o que há por
trás dos contos e o que representa a desconstrução lingüística provocada nos relatos
que estão vinculados a um processo de profundos significados culturais, não apenas
a um jogo de significantes.
Diante disso e a partir de uma relação entre aspectos regionais e universais da
cultura brasileira e sua representação na forma narrativa, e centrada em uma
natureza relacional de base comparatista, esta dissertação descreve e discute a
relação entre a cultura brasileira que serviu de base para o texto selecionado e sua
forma literária, bem como o processo que desenvolveu o autor João Guimarães Rosa
no conto “Famigerado” da obra Primeiras Estórias (1962), ao traduzir poeticamente
as categorias culturais.
Reitero que a escolha do autor em estudo não foi aleatória, pois ele tematiza a
realidade cultural brasileira, dado fundamental para o desenvolvimento da
dissertação. A análise realizada através do levantamento das categorias
compositivas utilizadas no processo ficcional do escritor, como o narrador e a
personagem, em que a análise irá deter-se, foi fundamental para o registro da
estrutura e da passagem do dado externo, cultural, para o interior da obra, o tecido
literário.
Analisaremos, a partir do crítico uruguaio Angel Rama (1970), o fenômeno de
transferência ou transitividade cultural no texto, assim como estudaremos as relações
entre o universo latino-americano, que é o grande foco de estudo de Rama, e a
identidade nacional brasileira, considerando também suas distâncias e mediações,
que permitem aos autores construir, no tecido literário, uma síntese que elabora e
promove, sem desnaturalizá-los, os conteúdos latino-americanos e vernáculos.
Esclarecer o que representa o conceito de transculturação atualizado por Angel
Rama, na década de 70, como surgiu, localizando a perspectiva do principal
17
estudioso e propositor dessa categoria crítica, sua atualização posterior e aplicação
desta à análise literária da obra selecionada foram procedimentos fundamentais para
a comprovação da análise em curso.
1.1 OS PRIMÓRDIOS DA TRANSCULTURAÇÃO
É primordial fazer menção à historicidade e ao pioneirismo do autor Angel
Rama, ao propor o conceito de transculturação, apesar de o termo não ser de sua
autoria.
Na década de 40, o sociólogo cubano Fernando Ortiz
1
procurava explicar o
impacto das trocas culturais e econômicas, durante o empreendimento colonial
cubano. Havia uma percepção de que, dentro de contextos culturais, o mundo
estava em processos transformacionais devido a contatos com diferentes culturas no
processo colonial. Isso se deu pela tentativa de Ortiz em buscar substituir um
emaranhado de expressões existentes por um termo mais adequado à mutabilidade
cultural, pois, segundo Aguiar & Vasconcelos (2003), a carga etnocêntrica – seus
sentidos morais, normativos e valorativos, veiculados por um discurso comprometido
– teria viciado a compreensão do fenômeno da chegada dos colonizadores na
América
2
.
Partindo do processo existente no início da colonização cubana, de trocas
que ocorreram entre os espanhóis e índios na produção do tabaco e do açúcar, Ortiz
articulou seu pensamento, pois acreditava ter sido determinante este fato para a
reorganização social, econômica, política e cultural em Cuba. Ele descrevia um
1
Este neologismo foi proposto em seu Contrapunteo cubano Del tabaco y el azúcar, de 1940.
2
Ler O conceito de transculturação na obra de Angel Rama, em: ABDALA JUNIOR, Benjamin (org). Margens da
cultura, 2003.
18
processo no qual duas culturas, em situação de encontro ou confronto, resultam
modificadas, dando origem a algo novo, original e independente, fato que registrou
nos processos de trocas decorrentes da produção do tabaco e do açúcar, em Cuba
na década de 40. Tais mudanças determinaram grandes transformações na cultura
cubana, com seus modos de produção diversos e com as diversas formas que foram
criadas na organização de trabalho.
O processo de formação de Cuba como nação propicia-nos elaborar, com
Rama e Ortiz, uma visão dialética sobre a relação entre as culturas; este movimento
foi denominado por Ortiz de transculturação. Vale ressaltar que o pioneirismo da
explicação sobre a cultura americana e sua formação no mundo histórico vem
instigar, nos intelectuais latino-americanos mais comprometidos socialmente, a
retomada de estudos a conceitos existentes na época, como os de aculturação e
desculturação. Assim definiu Ortiz este processo:
O vocábulo transculturação expressa melhor as diferentes fases do
processo transitivo de uma cultura para a outra, porque este não
consiste somente em adquirir uma cultura distinta, que é o que a
rigor indica o vocábulo anglo-saxão aculturação, mas implica
também, e necessariamente, a perda ou desligamento de uma
cultura precedente, o que poderia ser chamado de uma
desculturação parcial e, além disso, significa a conseqüente criação
de novos fenômenos culturais que poderiam ser denominados
neoculturação (ORTIZ, 1987, p. 96, apud AGUIAR e
VASCONCELOS, 2003).
Expressões culturais como estas foram estudadas por Ortiz, inicialmente, e
constituíram a base para uma melhor definição do conceito da transculturação,
aprofundado posteriormente por Rama. Vale a pena ressaltar que este processo
transitivo a que Ortiz faz referência pode ser visto, por exemplo, em conflitos
19
histórico-culturais intensos, como nas regiões da Afro-América, em específico no
Haiti, que, durante décadas, começam a se acelerar em virtude do “êxodo” que
milhões de pessoas sofreram devido a perseguições políticas, militares ou
econômicas. Faço referência a esse tipo de conflito, pois participações culturais
migratórias como essas têm um grande amparo explicativo na transculturação, por
propiciarem análises e apontamentos determinantes que resultaram em suas
mudanças e transformações.
Os questionamentos acerca desses processos transitórios no modo de vida e
de análise de fluxos migratórios aparecerão também na conceituação de Homi
Bhaba na década de 70, que discute os hibridismos, os conceitos de transferência e
do “entre lugar”, quando faz referência às fronteiras e a suas limitações.
1.2 NOTÍCIAS DE ANGEL RAMA
Angel Rama (1915-1983) é um dos grandes críticos de uma “geração”
preocupada em estudar o tema América Latina. Rama tem como grande mérito seu
empenho crítico em associar suas formulações ao terreno literário. Ele dialogou com
autores que traziam o legado de terem nascido em uma mesma época e participado
de um mesmo contexto socioeconômico-cultural; a América Latina foi sua incansável
obsessão, principalmente com a conseqüente luta pela integração dos intelectuais
deste continente. Isso fica muito claro no semanário Marcha
3
, por exemplo, no qual
existiu uma significativa discussão e divulgação da cultura latino-americana. A
3
Rama assume em 1959 a revista semanário Marcha, que representou, na década de sessenta do século XX,
um definitivo caráter político, mas que teve suas páginas abertas para uma enorme gama de discussões
culturais.
20
grande defesa de uma América Latina integrada, dizia Rama (1970), se realizaria em
um projeto esmiuçado pelo trabalho intelectual, marca de sua existência.
Era forte sua proposta de unidade latino-americana, mas não representava
para ele um direcionamento restritivo e de pobreza nacionalista. Ele observava as
vias de formação pelas quais uma literatura e uma cultura profundamente ligadas e
de heranças advindas da cultura européia e ocidental, passo a passo, iam gerando
as inclinações, os mecanismos, as soluções convenientes às influências culturais de
onde provinham; culturas que se mantinham em contato freqüente com o outro para,
a partir daí, rearticularem um contexto próprio, original. Rama tinha um olhar
direcionado para o local e para o âmbito internacional; articulado para seu
continente, com uma postura intelectual advinda de dúvidas geradas de sua visão ou
imagem. Essas reflexões estão diretamente ligadas a questionamentos e
preocupações que Rama sempre construiu, tais como: o que é e como é feita uma
cultura em um país que tenta sua construção com ramificações ou “legados plurais”?
Ele localiza o problema maior em “o que somos”, e não naquilo que pareceria ser o
mais importante, dizia a chilena Ana Pizarro (2001), como a ocupação de um
território, a determinação de fronteiras, a criação de um Estado, a organização de
um exército. Rama conclui este pensamento dizendo: “Inventar un país es lo de
menos. Lo difícil es inventar una cultura” (RAMA, 1968, apud PIZZARO, 2001, p.
248). Essa era a indagação crítica incessante, na construção de um caminho cultural
próprio.
A partir da aplicação de seu conceito proposto no texto Transculturação
narrativa na América latina (1975)
4
e de trabalhos que se centraram na Literatura
Comparada, busquei estudar essa categoria crítica defendida pelo autor e
4
Em transculturação Narrativa na América Latina (1975), Rama reúne artigos dos anos setenta sobre o tema.
Seu estudo “Os processos de Transculturação na Narrativa Latino-americana” foi publicado originalmente na
Revista de Literatura Ibero-americana 5 (Abril de 1974), Maracaibo, Venezuela, Universidade de Zulla, Escola de
Letras.
21
posteriormente atualizada: o conceito de transculturação narrativa, que propõe que o
texto literário latino-americano se configura como uma tradução dos fenômenos
culturais do continente, o que constitui uma posição privilegiada do processo de
autoria (chamada por este crítico de transculturação). Para Rama:
O escritor com características transculturadoras conseguia captar e
expressar para os leitores tanto o diálogo que uma cultura tecia com
outras quanto o que estabelecia, no nível interno, com os diversos
estratos assimétricos que a constituíam”, falando do interior de suas
comunidades híbridas, descontínuas (ARAÚJO, 2001).
O autor uruguaio disserta sobre a transculturação, estudando os níveis
narrativos das sociedades latino-americanas, nos quais analisa a representação
literária dos conflitos das sociedades regionais face à modernização que foi
incorporada pelas culturas através de cidades e portos; estes constituíam espaços
mais cosmopolitas e abertos a novas tecnologias, operadas, sobretudo, pelas elites
dirigentes urbanas. É por essa tensão que Rama lembra que o termo
transculturação traduz melhor as diferentes fases do processo transitivo de uma
cultura para outra, pelo sentido de viagem, movimento e troca.
[...] o que realiza, aproveitando-se de seus melhores recursos, a
capital ou, sobretudo, o porto, já que é aqui que a pulsão exterrna
ganha suas melhores batalhas, e o segundo, que é o que realiza a
cultura regional interna, respondendo ao impacto da transculturação
que lhe translada a capital. Esses dois processos, esquematicamente
perfilados e distribuídos no espaço e no tempo, em muitos casos, se
resolveram graças à migração, em direção às cidades principais de
cada país, de muitos dos jovens escritores provincianos, mesmo que
nascidos na capital. As soluções estéticas que nasceram nos grupos
desses escritores mesclaram em várias doses os impulsos
modernizadores e as tradições localistas (RAMA, 1982, p. 36-7, apud
AGUIAR & VASCONCELOS, 2003).
22
Essa viagem literária rumo aos seus principais portos é muito bem
configurada por Guimarães Rosa, pois ele nasce no sertão mineiro e realiza parte de
sua formação literária na Europa. Essa “influência” sofrida nas viagens deste
intelectual ajuda-o a transladar os limites de sua cultura e a dar solução a questões
enfrentadas, provocando, com isso, saídas para os impactos gerados por elementos
modernizadores.
A “influência estrangeira” literária que Rosa traz para suas obras concerne a
novas técnicas narrativas, conscientemente implantadas pelo autor em suas obras,
que estão situadas entre dois pólos e dois estratos (oral e escrito). Enquadrar, nesse
espaço indeterminado, essas “influências” permite classificá-lo como um
transculturador literário, pois, segundo Rama (1970, p.211), autores como Rosa
“recompõem” sobre aqueles materiais, previamente dados, um discurso superior que
se homologara e enfrentam os produtos mais hierarquizados de uma literatura
universal”.
O aprofundamento do estudo transculturador realizado por Angel Rama, a
partir do legado de Fernando Ortiz, só é possível graças à percepção de uma tensão
existente entre um longo momento, que imperava há séculos, de formação dos
padrões nacionais, artificiosos ou não, em um novo continente que, muitas vezes,
sofriam adaptações violentas. Essa tensão provocaria um processo transculturador
que impressionaria
5
.
Rama concebeu a transculturação com uma perspectiva crítica
interdisciplinar, que propõe dar conta das dinâmicas globais de um continente que
deve a sua condição neocolonial não só as contradições violentas de sua história,
mas também as suas marcas de especificidades sócio-culturais, aí incluindo seu
5
É importante deixar claro que Fernando Ortiz estuda a transculturação como um trabalho antropológico, já
Angel Rama a estuda como projeto literário e cultural.
23
discurso simbólico. Essa observação possibilita uma reflexão acerca da teorização
do autor sobre a transculturação narrativa como práxis crítica, que se articula com as
alternativas de uma América Latina instigada pela polarização político-ideológica e a
fratura dos estados nacionais com efeitos da repressão ditatorial, com os exílios
massivos e a desarticulação das estruturas de resistência e organização popular, o
que representou um impacto nas teorizações da época. Como Cornejo Polar (2000)
faria muitos anos depois, Rama associava crítica e história cultural na América
Latina. Mas a grande conquista desse uruguaio de visão avançada foi renovar
criticamente o regionalismo, retirando-o do atrelamento ao modelo narrativo do
século XIX e propondo uma relação mais crítica e ativa com o impacto
modernizador.
O diálogo entre o regionalista e o vanguardista se fez através de um
sistema literário amplo, um campo de integração e mediação
funcional e autorregulado. A contribuição maior do período de
modernização (1870-1910) tinha preparado esta eventualidade, ao
construir na Hispano-América um sistema literário comum (RAMA,
1982, p. 56 apud REIS, 2005, p. 447).
Rama discute os projetos lingüístico-literários na narrativa de alguns autores,
como Guimarães Rosa, que introduzem nos textos expressões orais populares e
coloquiais, com técnicas sofisticadas da narrativa, com o fim de tornar sua escrita
representativa diante dos adventos modernizadores, o que possibilitou a integração
de expressões cultas com falas populares estilizadas no tecido literário.
A respeito do assunto, Cornejo Polar (2000) afirma que, diluindo as fronteiras
entre a oralidade e a escrita, o culto e o popular, haveria uma conciliação feliz dos
diversos estratos culturais. O espaço lingüístico assim criado se apresentaria como
24
homogêneo a uma leitura linear, mas, visto atentamente, representaria
discursivamente o complexo cultural brasileiro, entrecortado de diferenças.
Angel Rama, ao propor os três níveis de transculturação narrativa, níveis
estes que serão discutidos mais à frente, deixa claro que “frutos” existentes do
contato cultural com a modernização não se assemelham às meras criações
urbanas cosmopolitas, nem às do antigo regionalismo (REIS, 2005, p.477). Assim, o
diálogo alcançado por narradores transculturadores como Rosa dá-se a custo de
séculos de negociação puramente cultural, o que gerou, segundo Reis (2005), um
paulatino diálogo de formas culturais e literárias, ou assimilações de mensagens
culturais européias e a sua hibridação, ao longo da história. A concepção da
transculturação narrativa de Rama valoriza esses pontos; ela ilustra o efeito e o
avanço, dentro dos estudos latino-americanos, da antropologia cultural como
aproximação globalizante da práxis e de produtos culturais do continente.
25
CAPÍTULO 2
JOÃO GUIMARÃES ROSA, UM TRANSCULTURADOR
A concepção da “linguagem artística” aliada a uma consciência de caráter
nacional e à necessidade de atualização tão reivindicada pelos escritores da época,
traz uma linha de ruptura intensa com a literatura canônica no país, calcada, quase
sempre, em modelos narrativos do século XIX.
Começava, com essas tendências e com sua conseqüente ruptura, certo
avanço comparado com o movimento regionalista, que imperava na época, e que
obtinha uma aceitação, tanto em áreas de médio e escasso desenvolvimento
educativo, como nas mais avançadas, principalmente por esse movimento ter se
preocupado, em princípio, mais em imitar a história literária dos modelos europeus.
Rama observava este movimento como “o abastecimento e a incorporação do
externo” era a absorção de técnicas avançadas sem tratamento dos conteúdos;
colocando em segundo plano as possíveis contribuições literárias latino-americanas.
O modernismo tem como aliado a cidade, que apresentava um novo espaço de
circulação e uma nova tendência do protagonismo literário. Contudo, há em um
primeiro momento, por parte dos regionalistas, uma espécie de atitude defensiva
contra esta nova forma literária modernista, uma espécie de olhar e análise
esmiuçada para este novo momento literário. Não se almejava um imediato
enfrentamento que talvez resultasse, segundo Rama (1970), em um endurecimento
de posições. Instaurado e aceito o vanguardismo, cabia aos autores regionalistas
conservar e transladar para suas obras meios eficazes de resguardar conjuntos de
valores literários e de tradições locais. Emergia assim a necessidade de representar,
26
em novas modalidades narrativas, as tendências e estruturas literárias urbanas que
surgiam com muita força. Havia a percepção, por parte de muitos autores, de que a
modernidade não era renunciável, até porque esse embate não seria muito produtivo
para o regionalismo. Se este houvesse tido um enfrentamento direto com o
vanguardismo, com certeza, sofreria perdas consideráveis no campo da cultura, cuja
conseqüência talvez fosse a sua definitiva “extinção”. Rama ressalta que o resultado
desse embate ocasionaria perdas de conteúdos culturais regionalistas muito
importantes, uma aculturação talvez, e, conseqüentemente, cruciais particularidades
da estrutura global da sociedade latino-americana, particularidades estas que o
regionalismo havia conseguido transladar a muito custo para suas obras,
peculiaridades culturais que, em muitos casos, haviam sido forjadas em algumas
áreas ou sociedades internas, que o regionalismo havia conseguido atingir e que,
conseqüentemente, resultaram em seu perfil diferencial.
Diante da força e da conseqüente pressão impostas pelo avanço
modernizador, principalmente de uma forte inspiração de conteúdos estrangeiros,
surge uma importante resposta narrativa dos escritores regionalistas. Resposta esta
definida por Rama como plasticidade cultural, em referência à produção literária que
integrava estas novas estruturas formais sem recusar as próprias tradições. O autor
uruguaio ressalta que essa plasticidade cultural funciona como parâmetro para o
diálogo entre culturas que os escritores representarão, em narrativas denominadas de
transculturadoras.
A atuação importante dos escritores conscientes dessa dialética
permite - para Rama - uma “plasticidade cultural” propiciadora de um
diálogo ativo entre as várias culturas e entre seus espaços internos,
sem hierarquias, xenofobias e rigidez cultural. De um lado a
desarticulação a suposta universalidade e superioridade estética
que as vanguardas - no espaço da metrópole - apregoam; de outro
lado, evita o regionalismo fechado em si mesmo, de base cultural,
27
que rejeita o diálogo produtivo com outras fontes culturais. (RAMA,
1970, apud ARAÚJO, 1998, p. 35).
Há hoje, claramente, uma percepção de que o diálogo cultural adotado pelo
regionalismo foi crucial para conservação dos elementos do passado que tanto
haviam contribuído para a singularização cultural regionalista. Araújo (1998, p. 35)
lembra que pontos em comum uniam esses escritores: a consciência de suas
culturas, o uso de recursos expressivos da vanguarda para representarem suas
tradições e a revalorização do espaço rural que a literatura da modernidade, mas
citadina e cosmopolita, havia alijado como primitivo e anacrônico. Diante disso,
Rama, em sua proposta da transculturação narrativa, ao estudar os fenômenos
culturais na América Latina, citou como fundamentais autores que constituíam uma
forma particular artística de resposta à crise da modernização acelerada e à
integração forçada em um sistema mundial que havia sido causada por um
desenvolvimento adotado como modelo sócio-econômico. Assim, ele os definiu como
transculturadores e com ênfase cita escritores como: Juan Rulfo, José Maria
Arguedas, Gabriel Garcia Márquez e João Guimarães Rosa.
Rama cita o escritor brasileiro João Guimarães Rosa, ao perceber que, através
da representação do diálogo cultural, há em seus textos a ocorrência simultânea de
estratos orais e eruditos da cultura brasileira. Bosi (1992) relata que existem
potencialidades de expansão de várias faixas da cultura brasileira, fazendo referência
a tipos de culturas como a erudita, presente principalmente nas classes altas e nos
segmentos mais protegidos da classe média; a cultura de massas, que corta
verticalmente todos os estratos da sociedade crescendo principalmente no interior
das classes médias; e uma cultura popular, sendo esta pertencente, tradicionalmente,
28
aos estratos mais pobres, o que não impede, segundo Bosi (1992), seu
aproveitamento pelas já citadas culturas.
Rosa apresenta fórmulas extremamente particulares, trazendo avanços na
narrativa e conservando parcialmente características dos escritores regionalistas,
como a especificidade da cor local, lançando em suas obras novas articulações
literárias. A linguagem literária de Rosa permite que, na América Latina, seja
evidenciado o diálogo que, segundo Rama (1970), apresenta-se em dois eixos
diferenciados: o da cultura latino-americana e as outras, externas, com que dialoga. E
o que ocorre a partir do momento em que a cultura do continente dialoga com suas
regiões internas, urbanas, cosmopolita, em contato com as vanguardas estrangeiras,
assim como, do mundo rural tão bem representado por Guimarães Rosa, de
peculiaridades locais e nacionais (Cf. RAMA, 1978).
O autor brasileiro começa assim um questionamento da linguagem ficcional e
de suas experimentações, que acrescentaram direções novas ao curso literário
brasileiro, nos temas e na linguagem do narrador e das personagens, trazendo o
embate, por exemplo, entre o significado das experiências dos seres rurais e dos
urbanos, colocando sempre o sertão como espaço desse enfrentamento. E é o sertão
o espaço que será apreciado nesta análise. Aqui a plasticidade cultural ganha espaço
na dialética e na peculiaridade de um conto permeado por inovações
transculturadoras anteriormente mencionadas. E é na junção dos estratos oral e
escrito, no espaço dos jagunços, que começaremos a localizar nossa análise, com o
intuito de convidar os leitores ao fascínio literário transculturador que Rosa nos
apresenta.
29
2.1 APRESENTANDO UM FAMIGERADO
Como já mencionado, “Famigerado” foi o conto selecionado da coletânea
Primeiras Estórias (1962), para a análise da transculturação que o estudo realiza. O
conceito de transculturação narrativa, do crítico uruguaio Angel Rama (1970), serviu
de referencial para organizarmos as categorias culturais poetizadas por Guimarães
Rosa. A partir disso, selecionamos sua forma literária e o processo que Guimarães
Rosa desenvolveu artisticamente na narrativa, que no conto representa o
regionalismo cultural brasileiro. “Famigerado” é um dos contos que estudamos e no
qual pudemos observar a presença do que Angel Rama defende e que o autor em
estudo expressa muito bem em seu texto o processo de transculturação, que está
permeado pelo conflito existente entre o moderno e o regional, neste conto, também
permeado por características modernistas.
“Famigerado” é um conto que traz para discussão um tipo de homem muito
rústico (um matador), conhecido em sua região por Damázio dos Siqueiras,
tipicamente enraizado em sua cultura. Em uma visão limitada, Damázio julgava que,
no mundo dos homens letrados, todas as perguntas tinham respostas rápidas e
convincentes para qualquer tipo de situação. Desse modo, vemos que há, no conto,
a representação dos problemas mais rústicos, decorrentes do isolamento
geográfico-cultural do homem, situado no espaço rural. O conto referido é narrado
em primeira pessoa por uma personagem que dá consulta e receita, o que
imediatamente nos remete a um médico. Diante disso, é da perspectiva do morador
mais letrado de um tranqüilo arraial na maior parte do conto, e através de seu olhar,
que tomamos conhecimento da fábula, do espaço e das personagens. Mas, de uma
forma inesperada, há um acontecimento que marca fortemente o desenrolar do
enredo no conto de Guimarães Rosa; isto se dá quando as personagens letrada e
30
iletrada se deparam com uma situação “intranqüila”, entrando, assim, em um
choque cultural. Uma simples palavra, “famigerado”, com uma forte carga
semântica, faz uma personagem aparentemente forte, letrada, que conta o episódio
sob sua perspectiva, ser ironicamente desarticulada no relato. Frente à situação, a
personagem letrada mantém um olhar atento, tendo a percepção de que sua grande
arma para esta situação tensa será a palavra. Optando por escolher o melhor
significado do termo que se adeqüa à situação vivenciada, por ser possuidor da
palavra, a personagem terá, durante a narrativa, uma instigante trajetória, que foi
alvo de nossos estudos.
Foi de incerta feita-o evento. Quem poderia esperar coisa tão sem
pés nem cabeça? Eu estava em casa, o arraial sendo de todo
tranqüilo. Parou-me à porta o tropel. Cheguei à janela. Um grupo de
cavaleiros. Isto é vendo melhor: um cavaleiro rente, frente à minha
porta, equiparado, exato; e, embolados, de banda, três homens a
cavalo. [...] O cavaleiro com cara de nenhum amigo. Sei o que é
influência de fisionomia. [...] “Pergunte: respondeu-me que não
estava doente, nem vindo à receita ou consulta. Sua voz se
espaçava, querendo-se calma; [...] Muito de macio, mentalmente
comecei a me organizar. Ele falou: “Eu vim preguntar a vosmecê uma
opinião sua explicada...” _ “Vosmecê agora me faça à boa obra de
querer me ensinar o que é mesmo que é: fasmigerado... faz-me-
gerado. falmisgeraldo.. familhas-geraldo...? (grifos nossos)
6
.
Surge com isso uma tensão narrativa resultante do encontro entre duas
personagens de estratos culturais brasileiros diversos: o dos homens letrados e o
dos iletrados. Há, a partir daí, na construção da narrativa, uma ampliação do
procedimento particularizante e tipificador do regionalismo. Essa ampliação é
percebida quando o rústico personagem de Rosa busca o esclarecimento em outro
homem, que traz em suas raízes características do homem urbano letrado,
6
ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias. 6 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1962, p. 9. Todas as citações
do conto foram retiradas dessa edição, portanto, a partir de agora, será indicada apenas a página, entre
parênteses, após as citações de trechos de “Famigerado”.
31
confinando-se, desse modo, um choque entre o urbano e o rural. Há essa
percepção ampla, meio dissonante, pois o homem letrado no conto é receoso e se
vê diante do homem rural, temendo sua força física de jagunço. Guimarães Rosa
aborda este choque num tom de deboche e ironia, pois o letrado usa essa ironia
trazendo para si a malandragem e a racionalidade frente ao interiorano, optando por
enganá-lo ao responder a sua indagação. Isso ocorre porque o letrado,
evidentemente, domina os dois sentidos do termo: o que soaria elogioso e
pejorativo, que ofendera o jagunço. O dicionário Aurélio define o termo famigerado
como “aquele que é Célebre, notório, o que merece louvor e destaque” e é essa a
resposta dada pelo letrado em uma situação de defesa, excluindo, assim, o
significado mais conhecido no Brasil, que é o de quem é “tristemente afamado”.
[...] Disse, de golpe, trazia entre dentes aquela frase. Soara com riso
seco. Mas, o gesto, que se seguiu, imperava-se de toda a rudez
primitiva, de sua presença dilatada. Detinha minha resposta, não
queria que eu a desse de imediato. E já aí outro susto vertiginoso
suspendia-me: alguém podia ter feito intriga, invencionice de atribuir-
me a palavra de ofensa àquele homem; que muito, pois, que aqui
ele se famanasse, vindo para exigir-me, rosto a rosto [...]
Famigerado?
- “Sim senhor...” - e, alto, repetiu, vezes, o termo, enfim nos
vermelhões da raiva, sua voz fora de foco. E já me olhava,
interpelador, intimativo - apertava-me. Tinha eu que descobrir a
cara. - Famigerado? Habitei preâmbulos. [...] Como por socorro,
espiei os três outros, em seus cavalos, intugidos até então,
mumumudos. Mas, Damázio: - “Vosmecê declare. Estes aí são de
nada não. São da Serra. Só vieram comigo, pra testemunho...”.
Só tinha de desentalar-me. O homem queria estrito o caroço: o
verivérbio.
- Famigerado é inóxio, é “célebre”, “notório”, “notável”... (p. 12 -13).
32
O choque cultural, permeado pela linguagem das personagens e do narrador,
é bem captado por Rosa, com registros gramaticais trazidos do mundo da escrita e
confrontados com a sabedoria/ignorância do homem rústico. O processo
transculturador que se implanta em uma releitura da estética regionalista é ampliado
em possibilidades formais e de conteúdo, pois Guimarães Rosa oferece-nos um
avanço do ponto de vista crítico-cultural, fortalecendo e justificando o porquê de esta
obra ter sido escolhida. Ela reúne faces do país com suas contradições. O conceito
transculturador de Rama permite-nos estudar em Rosa uma categoria
elementarmente presente na obra, pois esta expressa as diferentes fases do
processo transitivo de uma cultura para outra, com as dificuldades e conflitos
representados em Guimarães Rosa.
Angel Rama já discutia essa possibilidade, afirmando que “Incorporar a
modernização através das cidades e portos que são transmissores do progresso [...]
operada pelas elites urbanas é algo inevitável” (1975, p.82).
Essa visão renovadora que Rosa traz para a obra é um dos pontos passíveis
de observação e análise no conto “Famigerado”. Ele representa o diálogo do regional
x moderno, colocando duas personagens, uma iletrada e uma letrada, contrapondo-
se na trama narrativa; na qual as réplicas e ações são colocadas em tom de certo
enfrentamento, o que é adensado pela fala da personagem narradora, que expressa
sua perplexidade. O autor avança em sua narrativa, inserindo no espaço rural uma
personagem urbana, tensionando o enredo, para com isso operar experimentações
que fazem a tipificação de personagens habituais no texto narrativo regionalista. Rosa
implanta na narrativa conteúdos regionais e rurais como a violência e o não
letramento do jagunço, possuidor de um saber expresso pela oralidade do mundo
rural que desarticula o letrado, deslocando possíveis assimetrias e hierarquias. É o
33
regionalismo não fechado em si mesmo, o local abrindo-se para o outro cultural, é o
não rejeitar do diálogo produtivo com outras fontes culturais.
A desarticulação proposital no conto é um dos posicionamentos deste
confronto provocado pelo autor, que faz com que a personagem letrada use a palavra
aliada ao medo sentido, e este logro possibilita-lhe enganar o homem rural,
propositadamente, através de artifícios e manobras. Há uma clara ironia construída
por Rosa, ao enfatizar o medo do letrado, espécie de pacto auto-irônico do intelectual
consciente dos próprios limites.
Bakhtin (1990) lembrava que se a palavra se dirige a um interlocutor, variará se
se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não. Rosa tem essa percepção,
ele tem consciência dessas hierarquias sociais; é por isso que a indagação do
iletrado não poderá ser respondida no mesmo contexto social do letrado, o que
configura a ironia. O mundo da personagem iletrada espera que a palavra,
ironicamente, não fira sua honra, mas não sendo sua esta reflexão, a racionalidade
tem de partir da voz de uma personagem moderna, possuidora de mais reflexões do
que de ações. Desse modo, para enunciar esses pensamentos, a linguagem é o
material de que a personagem se serve para seus conteúdos.
Observada toda esta trajetória, na teoria de Angel Rama (1975) no âmbito do
avanço da técnica narrativa, faço menção a discussões do autor uruguaio, de que
esses apontamentos são cruciais para apontar três operações fundamentais que
ocorrem no interior das narrativas por ele consideradas transculturadoras: o uso da
língua, a estruturação literária e a cosmovisão, sendo a última considerada a grande
saída, o grande êxito dos regionalistas ao dialogar com os avanços do modernismo.
O uso da língua é o procedimento de que Rosa faz grande uso, pois ele
desenvolve as amplas possibilidades que a língua propicia, ele quebra a sintaxe
gramatical com registros orais, com termos do tipo “oh-homem-oh” e expressões
34
orais, traduzindo certo falar característico de um determinado espaço rural,
reduplicando propositadamente palavras ou expressões, isto é, alongando-as
sonoramente com o propósito de dar a entonação necessária, representativa,
marcando com isso as situações e os contextos sociais que pretende representar “Eu
estava em casa, o arraial sendo de todo tranqüilo [...] O cavaleiro esse o oh-homem-
oh - com cara de nenhum amigo” (p. 9, grifos nossos).
Guimarães Rosa realiza, no conto “Famigerado”, um sistema artístico de forma
consciente, que contribui para formar um corpus que possibilita à critica organizar
uma alternância da língua “culta” brasileira, aqui representada pela personagem
letrada, com o registro oral de suas personagens, em sua maioria de origem rural,
elaborando uma busca minuciosa do falar e dos valores, das possibilidades fonéticas
e semânticas, sem abandonar a reconstrução literária dos materiais. O avanço
transculturador de Rosa não está apenas no fato de ele fazer registros fonéticos, o
que seria tarefa de lingüistas, mas também na intenção de inserir em sua obra o
manuseio do léxico nas falas de suas personagens e do narrador, reconstruindo e
reinventando a linguagem literária.
[...] Eu tinha de entender-lhe as mínimas entonações, seguir seus
propósitos e silêncios. Assim no fechar-se com o jogo, sonso, no me
iludir, ele enigmava. E, pá: - “Vosmecê agora me faça à boa obra de
querer me ensinar o que é mesmo que é: fasmisgerado... faz-me-
gerado... falmisgeraldo... familhas-gerado...? (p.18, grifos nossos).
Rosa difere de alguns escritores modernistas, principalmente daqueles que
transladam para o interior de suas obras um afastamento lingüístico entre a fala do
narrador e a dos personagens, sugerindo uma distância entre autoria, narrador e
35
personagem. Nesse modelo, sugere-se uma formação social diferente das dos seus
personagens, passando o narrador, meio porta-voz onisciente do autor, a ocupar um
lugar de superioridade em relação aos estratos inferiores da sociedade. Os
narradores tradicionais, anteriores à proposta de Rosa, usam a norma culta do
idioma, lembrando que o uso da norma culta é controlado pelo narrador com recursos
como o uso das aspas e a adoção e inversão proposital por palavras dicionarizadas.
Rosa faz com que as palavras regionalizadas transmitam seu significado a partir de
seu contexto lingüístico, diminuindo, assim, a distância entre a fala do narrador
(mediador do escritor) e a fala das suas personagens, o que possibilita uma maior
unidade artística e lingüística na obra - “Eu vim preguntar a vosmecê uma opinião sua
explicada...”. (p.10). Esse é um procedimento transculturador realizado por Rosa.
Devemos lembrar que esta proposta de aproximar a língua literária do registro oral
também é realizada ficcionalmente por Mário de Andrade e por ele defendida em
manifestos e textos literários de 1922.
No processo transculturador no qual Rosa se insere, procedimentos como
estes que envolvem léxico, prosódia e a morfossintaxe transformam-se em
instrumentos primordiais, pois assim dão novas possibilidades discursivas ao
processo de criação artística na atualidade. Com isso, Rosa registra muitas
diferenças, não apenas as existentes no padrão culto oficial, procedimento revisto
pelos modernistas; ele hibridiza os registros e revitaliza a língua literária, passando
esta a ocupar um lugar marcante na obra. O lugar de narrador agora é mais plástico,
ao expressar uma visão e perspectiva mais adequadas ao espaço e conteúdo rural na
literatura, em tensão com os conteúdos de outros estratos.
Segundo a teoria de Rama, Rosa (bem como outros autores, como Juan
Rulfo, que ele também cita) realiza, com isso, uma reintegração dentro da
36
comunidade lingüística de suas personagens, passando a falar de dentro delas,
representando-as com seus usos e recursos idiomáticos e, conseqüentemente,
produzindo a quebra da distância entre o registro oral do narrador e o das
personagens.
[...] Tudo enxergara, tomando ganho da topografia. Os três seriam
seus prisioneiros, não seus sequazes. Aquele homem, para proceder
da forma, só podia ser um brabo sertanejo, jagunço até na escuma
do bofe. Senti que não me ficava útil dar cara amena, mostras de
temeroso. (p 10, grifos nossos).
Não há com isso, por parte do autor, um puro imitar do falar regional, o que
ocorreria na reprodução fonética, mas, ao se inserir dentro desta comunidade
lingüística, ele traz expressões como “jagunço até na escuma do bofe” (p.9, grifos
nossos), havendo uma conseqüente elaboração com finalidades artísticas,
ampliando as possibilidades da língua para uma construção especificamente
literária. Na expressão, o narrador configurado pelo autor erudito traz essas
expressões de camadas mais populares para a tessitura do conto.
A segunda operação narrativa transculturadora citada por Rama se dá na
estruturação literária da obra, constituindo outro direcionamento muito plausível para
uma solução dialogada com o modernismo, claro que com um pouco mais de
dificuldade, porque os autores transculturadores observavam que “a distância entre
as formas tradicionais (locais) e as modernas, (estrangeiras) era muito maior”
(RAMA, 1982, p. 43 apud REIS, 2005, p. 474). Isso se dá porque o regionalismo,
principalmente no romance, havia utilizado o modelo naturalista advindo do século
XIX, herdeiro de características extremante enraizadas no racionalismo cientificista
37
de descrição racional dos objetos representados. Aceitar um novo cânone
vanguardista realmente causou um grande embate e uma grande dificuldade, só
superadas gradualmente pelos escritores já citados, entre os quais se inclui Rosa.
A representação do diálogo cultural havia sido uma grande saída temática, de
ramificações formais, para escritores transculturadores como Rosa. Rama lembra
que o regionalismo havia retrocedido, pois não empreendera busca de estruturas
literárias próprias. Acredito que os novos escritores, de base regionalista,
“dialogaram” em busca de soluções literárias próprias, renovando temas e forma,
criando assim um novo projeto literário, para, com isso, dialogarem com o processo
vanguardista de renovação lingüístico-temática, sem abandonar os conteúdos
regionais. “Uma sutil oposição às propostas modernizadoras”, dizia Angel Rama
(1982).
[...] Muito de macio, mentalmente, comecei a me organizar. [...]
Carregara a celha. Causava outra inquietude, sua farrusca, a
catadura de canibal. [...] Sua máxima violência podia ser para
cada momento. Tivesse aceitado de entrar e um café, calmava-
me. [...] Sobressalto. Damázio, quem dele não ouvira? O feroz de
estórias de léguas, com dezenas de carregadas mortes, homem
perigosíssimo. Constando também, se verdade, que de para uns
anos ele se serenara - evitava o de evitar. Fie-se, porém, quem, em
tais tréguas de pantera? Ali, antenasal, de mim a palmo! (p.10-11,
grifos nossos).
Rosa faz isso em “Famigerado”, quando, através do discurso, resgata
expressões e conteúdos orais, tradicionais “Carregava a celha” (p.10, grifos
nossos), “Causava outra inquietude, sua farrusca, a catadura de canibal” (p.10,
grifos nossos) em contradição com situações inusitadas, Sua máxima violência
38
podia ser para cada momento” (p.10, grifos nossos), o que faz com que uma das
personagens reaja aparentemente sem espanto, de forma racionalizada “Muito de
macio, mentalmente comecei a me organizar” (p.10, grifos nossos).
Esses contatos com as fontes vivas das línguas, com seus conteúdos orais e
regionais, marcam a cosmovisão de Guimarães Rosa, em diálogo constante com
fontes consideradas tradicionais, sobretudo em comunidades rurais, com
criatividade, constituindo, desse modo, um sistema narrativo que traz em forma
renovada expressões orais, como “Celha” (p.10), e valores regionais, como a
violência do jagunço, “Sua farrusca, a catadura de canibal” (p.10), reconhecendo
e mesclando possibilidades de diferentes falares e as diferentes estruturas do narrar
popular. O projeto autoral de Rosa possui pontes indispensáveis para resgatar com
atualizada técnica literária as culturas regionais, que tendem a desnaturalizar-se por
efeito do fluxo modernizador, percebido como um projeto hegemônico e
homogeneizante instrumentado pelas elites urbanas. Contudo, a linguagem de
Guimarães Rosa não tem uma intenção realista de retratar a língua do sertão
exatamente como ela é, mas a de tomar como base a língua regional e recriá-la a
partir de termos em desuso, criando neologismos, ou seja, novas estruturas.
2.2 O FOCO TRANSCULTURADOR EM ROSA
Quando afirmamos que, em “Famigerado”, Rosa realiza uma transculturação
narrativa, é pela percepção de que ele começa a transladar para o campo literário
uma admirável liberdade lingüística, com uma aprimorada elaboração das
contribuições de falares, formando assim uma composição artística que aproveita
39
esteticamente a oralidade, sem reproduzi-la. A literatura e a oratória, dizia Antonio
Candido (1981), tornaram-se a forma preferencial dessas regiões e
conseqüentemente dos seus autores, para exprimirem a sua consciência e dar estilo
e expressão a sua cultura (Cf. CANDIDO, 1981, v. 2, p. 298). Mas vemos que
Guimarães Rosa foge a essa tendência oratória citada pelo crítico.
[...] Nenhum se apeava. Os outros, tristes três, mal me haviam
olhado, nem olhassem para nada. Semelhavam a gente receosa,
tropa desbaratada, sopitados, constrangidos - coagidos, sim.
Isso por isso, que o cavaleiro solerte tinha o ar de regê-los: a meio-
gesto, desprezivo, intimara-os de pegarem o lugar onde agora se
encostavam. Dado que a frente da minha casa reentrava, metros, da
linha da rua, e dos dois lados avançava a cerca, formava-se ali um
encantoável, espécie de resguardo (p.10, grifos nossos).
Essa liberdade lingüística utilizada por Rosa em enunciados como “tropa
desbaratada, sopitados, constrangidos - coagidos, sim” (p.9) faz com que ele mescle
uma linguagem “culta”, “o cavaleiro solerte tinha o ar de regê-los: a meio-gesto”
(p.10, grifos nossos) com a oral considerada “popular” e regionalizada, “Nenhum se
apeava” (p.10, grifos nossos). Se há com isso uma renúncia compreendida no
processo de incorporar a seu tratamento literário línguas e falares regionais, como
no termo “apeava” (p.9), há simultaneamente um esforço em tentar recuperá-los,
dentro do discurso literário, modificando artisticamente o material lingüístico. Nesse
nível, a grande contribuição original dos transculturadores, segundo Rama, irá
consistir na unificação lingüística do texto literário, respondendo aos princípios de
unificação artística, mas utilizando, em substituição a uma língua literária composta
e apreendida, a sua própria, como vimos, por exemplo, na fala do narrador, quando
afirma que “O medo me miava” (p.10). Há uma renúncia aos vocábulos e glossários
que corriqueiramente acompanhavam o romance regionalista, tendo, a partir disso,
40
um discurso como uma unidade lingüística na qual é possível que, diferentemente
do que acontecia antes, os diálogos das personagens passem a ser estruturas
intelectualizadas, refeitas conforme a intenção autoral.
A criação do conto, cujo espaço narrativo se localiza em um meio rural, traz
conteúdos como o cangaço, a violência e o não letramento, demonstrando que Rosa
buscava, através do sistema lingüístico, não imitar um falar regional, mas elaborá-lo
internamente com finalidades literárias, o que faz com uma reinvenção muito
instigante da linguagem.
A obra de Rosa busca especificamente trazer para o seu interior uma relação
sempre particular com a região focalizada, pois o meio rural é trazido também com
sua forma natural, clima e topografia, mostrando, assim, suas peculiaridades,
elementos de suma importância para a localização espacial da obra. Mas ele
também reinventa os conteúdos e dizeres orais e regionais, através do tratamento
literário:
[...] Sei desse tipo de valentão que nada alardeia, sem farroma.
Mas avessado, estranhão, perverso brusco, podendo desfechar
com algo, de repente, por um és-não-és. Carregara a celha.
Causava outra inquietude, sua farrusca, a catadura de canibal.
Desfranziu-se, porém, quase que sorriu. Daí, desceu do cavalo;
maneiro, imprevisto (p. 10-11, grifos nossos).
O emprego da língua regional não é, agora, resumido em termos de
vocabulário “valentão que nada alardeia, sem farroma” (p.10-11, grifos nossos),
mas trazido como novidade lingüística introduzida pelo uso do falar que recria, com
funções literárias, a fala do sertanejo tão bem conhecido e estudado por Rosa. Não
é só o vocabulário o que vai interessar, mas sua sintaxe (a construção das frases),
41
com sua melodia regionalbrusco, podendo desfechar com algo, de repente, por um
és-não-és” (p.10-11, grifos nossos). O uso de falares “maneiro”, “celha” (p.10-11,
grifos nossos), colocados por Rosa, no conto, como expressões marcantes do meio
rural, faz dessa recriação lingüística um recurso transculturador. “Famigerado” não
abandona a base local (regional) em determinado momento cultural, mas sim a
integra a novos falares e valores, reiventando-o a partir de um lugar literário.
Rosa evita que o conto se transforme em uma simples absorção das técnicas
modernas, com resgate criativo da tradição regional e rural, utilizando possibilidades
inerentes também à psicologia da personagem do conto. O tipo de homem rústico, já
relatado anteriormente, reflete, na obra, o processo transculturador de Rosa; isto é
percebido principalmente quando analisamos sua rusticidade inerente ao meio rural,
e que é muito bem definida por Guimarães Rosa:
[...] Quem poderia esperar coisa tão sem pés nem cabeça? Eu
estava em casa, o arraial sendo de todo tranqüilo. [...] Parou-me à
porta o tropel. Cheguei à janela. Um grupo de cavaleiros. Isto é
vendo melhor: um cavaleiro rente, frente à minha porta, equiparado,
exato; e, embolados, de banda, três homens a cavalo. [...] O
cavaleiro com cara de nenhum amigo. Sei o que é influência de
fisionomia. [...] “Pergunte: respondeu-me que não estava doente,
nem vindo à receita ou consulta”. Sua voz se espaçava, querendo-
se calma; [...] Muito de macio, mentalmente comecei a me organizar.
Ele falou: “Eu vim preguntar a vosmecê uma opinião sua
explicada... _ “Vosmecê agora me faça à boa obra de querer me
ensinar o que é mesmo que é: fasmigerado... faz-me-gerado.
falmisgeraldo.. familhas-geraldo...? (p. 9 -11, grifos nossos).
Tipicamente enraizado em sua cultura, Damázio é a representação dos
problemas mais rústicos do isolamento geográfico-cultural, confirmado
principalmente na própria leitura de um termo que não sabia repetir “fasmigerado..
faz-me-gerado, falmisgeraldo, familhas-gerado” (p.11). É a visão limitada de um
42
homem que julgava que no mundo letrado todas as perguntas tinham soluções
rápidas. Rosa, por meio da composição de uma personagem/narradora letrada,
realiza um confronto entre as personagens letrada e iletrada e provoca este
enfrentamento através jogo de falas e ações textuais que se confrontam e entram
em choque cultural, enriquecendo a tensão narrativa. Fica para nós clara a intenção
de Rosa, quando dispõe as duas personagens representando os dois estratos
culturais diversos, pois um precisa do outro para que, conseqüentemente, o
confronto se realize:
[...] Quem poderia esperar coisa tão sem pés nem cabeça? Eu
estava em casa, o arraial sendo de todo tranqüilo. [...] Parou-me à
porta o tropel. Cheguei à janela. Um grupo de cavaleiros. Isto é
vendo melhor: um cavaleiro rente, frente à minha porta, equiparado,
exato; e, embolados, de banda, três homens a cavalo. [...] O
cavaleiro com cara de nenhum amigo; [...] Muito de macio,
mentalmente comecei a me organizar (p. 9, 13, 39, grifos nossos).
O uso de uma palavra popular “famigerado” no texto realiza uma inversão de
significados, transformando uma personagem aparentemente forte, letrada, que
conta o episódio sob sua perspectiva, em um ser ironicamente desarticulado no
próprio relato “Muito de macio, mentalmente comecei a me organizar” (p.10). Um
exemplo típico é esse trecho, no qual a personagem, sem saber o motivo da visita,
analisa minuciosamente o porquê da presença da personagem jagunço ao seu
“arraial” e procura como que de imediato dar respostas para o fato. A
transculturação se consagra em cada leitura do conto de Rosa, quando o autor
consegue criar uma tensão, exemplo típico do que pode resultar do encontro de
culturas díspares, e, o melhor: realiza-a dentro do âmbito da criação artística.
43
Rama (1975) dissertava sobre o assunto lembrando que autores
(transculturadores) como Rosa, conseguiam reduzir sensivelmente este campo dos
dialetismos. Esses autores encurtavam uma suposta distância existente entre a
língua do narrador/escritor e a de seus personagens (Cf. RAMA, 1975). O ruído ou
tumulto que a tropa de Damázio provoca no seu “arraial sendo de todo tranqüilo”
(p.9, grifos nossos), artisticamente é substituído pelo uso do gramatical e moderno
“tropel” e já anuncia a riqueza semântica dicionarizada que, de imediato, inicia o
conto: “parou-me a porta o tropel” (p. 9), ao mesmo tempo em que o agito ou
desassossego observado inicialmente, “Quem poderia esperar coisa tão sem pés
nem cabeça?” (p.9), no decorrer da narrativa, será transformado em racionalidade,
muda-se o discurso, alteram-se as faces “Muito de macio, mentalmente comecei
a me organizar” (p.9, grifos nossos). Nos trechos acima transcritos, é observada tal
manifestação, quando literariamente fica clara a demarcação dos dois universos
representados por Rosa: apenas provisoriamente, como situação narrativa do
colonizador, aqui representado pela cultura letrada, e a do colonizado, representado
por um Damázio apegado a sua oralidade: “Eu vim preguntar a vosmecê uma
opinião sua explicada” (p.11, grifos nossos). As palavras, os termos típicos da
comunidade rural, assim, transmitem seu significado dentro do contexto lingüístico
em que estão inseridos, tradição em que a oralidade desempenha um papel
importante.
Rosa destaca a hegemonia do falar de um médico, que é um representante
de um lugar social de destaque, para desarticulá-lo e promover um novo “evento”.
Rosa surge, então, como mediador, integrado à comunidade lingüística de seus
falantes, para, através dela, falar com a arma crítica e desestabilizadora da arte,
mostrando um diálogo entre as culturas consideradas “oprimidas”, conseguindo
representar muito bem, através do encontro fictício entre a oralidade e escritura, um
44
espaço de liberdade. É a nossa complexidade em diálogo intra e intercultural, e é,
conseqüentemente, a transculturação realizando o dialogar com os estratos internos
e externos da sociedade.
45
CAPÍTULO 3
DA INTENÇÃO À CONSTRUÇÃO, A IMPORTÂNCIA DO
NARRADOR/PERSONAGEM EM “FAMIGERADO”
Em “Famigerado”, os universos culturais no texto (o jagunço e o letrado) são
postos em processo de confronto lingüístico e cultural, quando Rosa instaura a
possibilidade de uma nova recriação lingüística, que “É o diluir das fronteiras entre a
oralidade e a escrita, o culto e o popular” (CORNEJO-POLAR, 2000, p.158), dando
uma resposta aos procedimentos artísticos que poderiam ser previsíveis e
“inevitáveis”: deságua, então, no caminho excludente da aculturação ou da
neoculturação. De certa forma, aqui se reitera o contato que o médico Guimarães
Rosa teve com a tradição oral, em suas viagens pelo interior de Minas. A
transculturação tecida por Rosa em “Famigerado” fortalece a narrativa; há um
projeto lingüístico-literário de introdução no texto de expressões populares e
coloquiais, com o fim de tornar a escrita representativa de um complexo cultural, daí
a introdução da personagem letrada, culta, ao lado de uma personagem de falar
popular, mas ambos estilizados.
Rosa realiza, em sua trama narrativa, a possibilidade de serem observadas as
duas visões das personagens, relativizando a noção de hierarquia ou de assimetria.
O embate é mútuo; a palavra “famigerado” é posta para que, ao mesmo tempo em
que o iletrado seja interrogado, haja a possibilidade de uma nova visão, que oscila
entre o ser racional e instintivo e entre esclarecimento e o logro verbal:
46
Foi de incerta feita-o evento. Quem poderia esperar coisa tão
sem pés nem cabeça? [...] O cavaleiro com cara de nenhum
amigo. Sei o que é influência de fisionomia. [...] “Pergunte:
respondeu-me que não estava doente, nem vindo à receita ou
consulta”. Sua voz se espaçava, querendo-se calma; [...] Muito de
macio, mentalmente comecei a me organizar. (p.18-21, grifos
nossos).
É a visão de uma situação de confronto em que não há vencedores
ocorrendo, no conto, posições narrativas que dividem a função do protagonista.
Rosa quer, com isso, que o diálogo cultural esteja presente, mas, acima de tudo,
com posicionamento medido, direcionado, aqui representado pelas posições
ocupadas pelas duas personagens, um Damázio “com cara de nenhum amigo” (p.9)
e um doutor receoso “Muito de macio, mentalmente comecei a me organizar” (p.10).
Quando Rosa dá voz a uma personagem letrada, fazendo-a também narradora no
texto, já nos indica que esta personagem será, no decorrer da narrativa, a grande
representante do estrato cultural escrito, característica marcante do mundo
moderno. Sua inclusão no conto, em que seus titubeios e fragilidades contribuem
para a construção de um grande clímax, apresenta o confronto de dois estratos
representados pela oralidade e pela escrita, valores e dizeres, ambos pertencentes a
uma mesma cultura brasileira. É importante observar que, na construção desta
personagem, Guimarães Rosa traz o registro da fala regional em uma pesquisa
muito bem realizada, elaborando seus princípios formais, principalmente para que
fique claro o conteúdo dos registros orais da vida rústica de Damázio.
O cavaleiro esse o oh-homem-oh - com cara de nenhum amigo.
Sei o que é influência de fisionomia. Saíra e viera, aquele homem,
para morrer em guerra. Saudou-me seco, curto pesadamente. Seu
cavalo era alto, um alazão; bem arreado, ferrado, suado. E concebi
47
grande dúvida. [...] Os outros, tristes três, mal me haviam
olhado, nem olhassem para nada. Semelhavam a gente receosa,
tropa desbaratada, sopitados, constrangidos - coagidos, sim.
Isso por isso, que o cavaleiro solerte tinha o ar de regê-los: a meio-
gesto, desprezivo, intimara-os de pegarem o lugar onde agora se
encostavam. Valendo-se do que, o homem obrigara os outros ao
ponto donde seriam menos vistos, enquanto barrava-lhes qualquer
fuga; sem contar que, unidos assim, os cavalos se apertando, não
dispunham de rápida mobilidade. (p. 10-24, grifos nossos)
Com isso elabora, com finalidades artísticas, um novo contato, códigos novos
de comunicação com o mundo de leitores cultos da personagem/narradora. Rosa
atribui ao narrador/personagem, no conto, a função de situar o leitor no espaço,
destacando a atuação das personagens,
anunciando a importância deste para um
melhor entendimento da história; por isso, há uma intenção comedida do autor em
construir uma personagem que, às vezes, faz-se narrador “Foi de incerta feita - o
evento. Quem pode esperar coisa tão sem pés nem cabeça?” (p. 9, 39), “Tomei-me
nos nervos” (p. 9), mas também, através de um claro discurso, recua diante dos
encontros de forças “O cavaleiro esse o oh-homem-oh - com cara de nenhum amigo.
Sei o que é influência de fisionomia” (p.9). Alfredo Bosi (1970, p.156), destacando a
invenção revolucionária de Guimarães Rosa, dizia que ele conseguia universalizar
mensagens e formas de pensar de comunidades rurais através de uma bela
sondagem no âmbito dos significantes.
O narrador/personagem expressa a percepção de que a personagem
jagunço, com toda sua rusticidade, não é um homem muito pacífico, nem naquele
momento, nem em momento algum, pois o conto faz este anúncio o tempo todo e
isto é revelado em relatos do tipo (“oh-homem-oh-com cara de nenhum amigo”, p.9)
também deixando nítida a posição de assustados dos cavaleiros que o
acompanham, “Os outros, tristes três, mal me haviam olhado. Semelhavam a
48
gente receosa, tropa desbaratada, sopitados constrangidos - coagidos, sim
(p.9, grifos nossos), impedindo, assim, uma fuga, tanto destes cavaleiros, quanto do
próprio médico protagonista do conto. A grande importância dada neste momento
por Rosa ao conto é esta nova visão, implantada na personagem letrada com sua
conseqüente importância regional. O mundo de Damázio, quando confrontado com o
do narrador/personagem, ganha importância e valor cultural; é a grande ironia
imposta por Guimarães Rosa. É o despertar para a consciência de uma não
“independência” cultural, é o recuar diante de forças, desaguando em um provável
diálogo cultural.
Esses enfrentamentos existentes entre as forças internas dilaceram uma
suposta unidade nacionalista, para que, dentro das respostas transculturadoras,
sejam gerados, propositadamente, questionamentos culturais sobre “verdades”
letradas, ecos de intelectuais que falavam em nome de todos os “diferentes
brasileiros”. A composição transculturadora, instaurada em tema e forma pelo autor,
traz para o campo o desejo de colocar fundamentalmente em evidência uma cultura
que tem diferenças, força e, principalmente, planos espaciais, temporalidades e
discursos múltiplos, superpostos, como acontece no conto:
[...] Semelhavam a gente receosa, tropa desbaratada, sopitados,
constrangidos - coagidos, sim. [...] Saudou-me seco, curto
pesadamente. Seu cavalo era alto, um alazão; bem arreado, ferrado,
suado. E concebi grande dúvida. [...] Isso por isso, que o cavaleiro
solerte tinha o ar de regê-los: a meio-gesto, desprezivo, intimara-
os (p. 9, 28, grifos nossos).
49
O autor faz uso proposital de figuras de linguagem que, no desenrolar do
conto, quase que construirão uma categoria comum incorporada à fala de sua
personagem letrada: “Foi de incerta feita - o evento” (p -19, grifos nossos);
indetermina o tempo em uma construção consciente, o tempo assim como as
fábulas passam a ser situadas pelo leitor. Este enunciado faz com que um conflito
seja transformado ironicamente em “evento”, deixando claro que a única
localização evidente é a posição que sua personagem “culta” vai ocupar, fazendo
uso, ao mesmo tempo, de regras gramaticais como a dos superlativos,
insolitíssimo”, marca fixada no contexto escrito moderno e de palavras
regionalizadas, cultas e gramaticais: “receosa, desbaratada, sopitados”.
A minuciosa e bem situada descrição feita pelo narrador/personagem de
Guimarães Rosa traz um material inusitado para a trama narrativa, pois o letramento
se expõe fragilizado e fraturado, através do logro racional diante do não letramento
do jagunço, apesar de ter mais cumplicidade com o projeto do escritor:
[...] Mas avessado, estranhão, perverso, brusco, podendo
desfechar com algo, de repente, por um és-não-és. Muito de macio,
mentalmente, comecei a me organizar. Ele falou:- “Eu vim
preguntar a vosmecê uma opinião sua explicada...”. [...] - “Vosmecê
agora me faça a boa obra de querer me ensinar o que é mesmo que
é: fasmisgerado... faz-me-gerado... falmisgeraldo... familhas-
gerado...? (p. 9,13, 23, grifos nossos).
O autor, pela voz do personagem/narrador, traz os termos “avessado”,
“perverso” e “brusco”, relativos ao jagunço, para se opor aos termos “muito de
macio, mentalmente comecei a me organizar” (p.10) que são relativos à lenta
construção racional do letrado. São dois casos que o narrador traz para confrontar,
50
duas comunidades que passam a ser receptoras de um momento cultural ambíguo,
que deixa de ser moderno parcialmente, quando as duas se contrapõem.
Quando Rosa dá solução ao possível embate com uma resposta narrativa
centrada no logro, há ausência de lutas, violências, como que esperando, na lógica
interiorana, a solução pelo “entendimento”, ainda que sintamos na aparente
harmonia pelo logro racional um pacto irônico entre autor, narrador e leitor culto. E
essa solução aparente dada por Rosa é a maior indicação de que, com a língua
literária “culta” do modernismo e com o registro e localização do falar de seu
personagem rural em confronto com o outro falar, ele traz, com esses discursos os
diversos superpostos culturais em deslocamentos para o centro da narrativa. Ele
não quer apenas registrar foneticamente a língua, mas trazer junto a ela o universo
cultural, reconstruí-la a partir de um léxico regional interiorano, recuperando a
cosmovisão dos “vários Brasis”.
Antonio Candido (1987) dissertou sobre registros culturais realizados por
autores com Guimarães Rosa, Lembrando as características literárias que surgiram
com a idéia de “país novo” e fazendo referência à consciência de país
subdesenvolvido. Lembra também que, na década de 30, em específico, havia
existido uma mudança de orientação, sobretudo na ficção regionalista, surgindo
obras significativas marcadas pelo “refinamento técnico”. Aqui Candido chama a
atenção para a “universalidade regional”, classificando Rosa como um super-
regionalista (CANDIDO, 1987, p.142, 161-162, apud DINIZ, 2005, p. 426). A atitude
deste autor regionalista avançado será a de introduzir mudanças que são derivadas
principalmente dos efeitos modernizadores, sem esquecer a oralidade que se faz
criativa e ficcional pelos procedimentos da língua literária.
51
[...] O medo o. O medo me miava. [...] - “Saiba vosmecê que saí
ind'hoje da Serra, que vim, sem parar, essas seis léguas, expresso
direto pra mor de lhe preguntar a pregunta, pelo claro...”.
“Vosmecê agora me faça a boa obra de querer me ensinar o que é
mesmo que é: fasmisgerado... faz-me-gerado... falmisgeraldo...
familhas-gerado...?Só tinha de desentalar-me. O homem queria
estrito o caroço: o verivérbio (p. 9,13,23,46, grifos nossos)
Rosa separa suas idéias e abre mão do glossário. Ele usa o termo
“famigerado” para que seu significado seja transmitido dentro do contexto lingüístico
discursivo, no qual suas personagens estão inseridas. A palavra será usada pelo
sujeito, não terá sentido fixo, como o termo “famigerado”, que surge para mostrar
que o sentido da palavra, agora moldada pelo contexto cultural, assume, em seu
texto, tantas possibilidades de significações quantos contextos possíveis, como: “O
medo o. O medo me miava” (p.9), em que a linguagem é introduzida por Rosa para
recriar ou resgatar, o vocabulário e a sintaxe regional em novas estruturas, através
de frases de sua melodia. “O medo o. O medo”. Rosa recompõe a linguagem a partir
de um conteúdo lingüístico que, em sua maioria, estava em desuso, trazendo essa
linguagem para transpor os limites do espaço regional. É o dialogar cultural que
atravessa a fronteira local e chega ao universal, e esta transposição traz para o texto
uma direção que o texto quer assumir, visto principalmente pelo uso de termos como
“verivérbio” (p.12) palavra latina que deriva –veriverbium- advinda do adjetivo –
verus- verdadeiro, que, no conto, é muito bem usado por Rosa para indicar a
veracidade das coisas, “o estrito caroço” (p.12), direcionando para uma opção de
resposta ao termo “famigerado”.
52
“Saiba vosmecê que saí ind'hoje da Serra, que vim, sem parar, essas seis
léguas, expresso direto pra mor de lhe preguntar a pregunta, pelo claro...” (p.11,
grifos nossos). Através dessa indagação, Rosa discute, por meio da racionalidade
de sua personagem letrada, a percepção da tensão cultural vivida neste momento. É
a reflexão que atinge o homem urbano. Ele consegue, via universalidade, atingir
suas inquietações, seus conflitos e anseios. Quando a personagem Damásio, que
não conhece o termo, indaga seu significado, “fasmisgerado... faz-me-gerado...
falmisgeraldo... familhas-gerado...?” (p.11, grifos nossos), Rosa faz com que, a
partir daí, encurte-se a distância entre a língua do narrador-personagem e a dos
outros personagens no conto. Essa inserção do autor evidencia o seu conhecimento
lingüístico e sua intenção, principalmente por seu contato com uma língua moderna,
realizando, de forma consciente, o uso de suas variações e possibilidades
lingüísticas.
É interessante observar que, quando Guimarães Rosa coloca em xeque a
compreensão e discussão em torno do termo, ele ressalta duas situações: a primeira
é de como se dá a compreensão da comunicação por parte de seus falantes, a
segunda é a de que o autor não pretende com isso que a cultura em estudo seja
resumida unicamente a um texto dicionarizado, pelo contrário, ele dá voz à vasta
cultura, mas agora vista com força, dialogada, transculturada. Revelam-se, assim, as
características transculturadoras realizadas por Rosa: a palavra não é isolada, não é
estabilizada, existe toda uma gama de possibilidades semânticas, agora trazidas
para o tecido lingüístico-literário, culminando no conto com o encontro de forças tão
bem resolvido e evidenciado pelo autor. Com essa resolução lingüístico-literária,
Guimarães Rosa, possuidor de uma bela técnica narrativa, traz o termo com um
novo tom, ampliado semanticamente.
53
[...] Disse, de golpe, trazia entre dentes aquela frase.
- Famigerado é inóxio, é “célebre”, “notório”, “notável”...
- “Vosmecê mal não veja em minha grossaria no não entender. Mais
me diga: é desaforado? E caçoável? E de arrenegar? Farsância?
Nome de ofensa?” [...] - Famigerado? Bem. É: “importante”, que
merece louvor, respeito... [...] (p.12, 20, grifos nossos).
O termo “famigerado” popular não dicionarizado (amaldiçoado, tristemente
afamado) com desvio de significado gramatical, “ inóxio”, “célebre”, “notório”,
notável” (p.12) culmina na trama em um novo significado, traz uma ampliação da
semântica, com o surgimento de uma textualidade aprimorada e bem elaborada,
desaguando, assim, em uma bela contribuição a respeito da importância da
linguagem no texto. O conhecimento da linguagem é determinado pelas posições
sociais e culturais, e são estas deduções que trazem para a narrativa o seu grande
clímax, pois Rosa constrói, a partir da significação pejorativa, uma tensa
convergência entre as duas culturas, os dois mundos.
A transculturação, vista por Angel Rama em Guimarães Rosa, justifica-se
porque o escritor registra e recupera os falares dos espaços rurais ou urbanos em
seu conto, o que culmina com as várias possibilidades semânticas que uma palavra
ou expressão pode assumir na cultura brasileira. Os diálogos realizados no conto
mostram isso. Uma única e mesma palavra se refere a dois contextos e esses são
representados pela interação e pelo conflito, no conto. Com isso, a palavra ganha
vida em “Famigerado” e é dialogada semanticamente, para mostrar sua vivacidade
em culturas consideradas inferiores, ou em vias de apagamento cultural.
54
A inserção de uma personagem letrada (com a voz autorizada de um
narrador) no conto vem mostrar que um termo que é gramatical se desloca e
assume novos significados, dependendo do percurso de sua migração, do contexto
cultural e lingüístico em que é inserido, até a sua reinscrição no literário. Isso é
unificar lingüisticamente o texto literário, pois, quando o significado é deslocado do
contexto lingüístico moderno e transferido artisticamente para um meio rural,
estamos diante da apreensão e inserção ficcional desse termo em sua própria
cultura. No conto, Rosa traz o significado em um confronto “armado” expressão que
se remete literalmente à personagem jagunço que se apresenta “de armas
alimpadas” (p.10. grifos nossos) para provocar medo na personagem letrada,
armada com a palavra.
Os transculturadores como João Guimarães Rosa têm essa visão artística, e
o melhor é que estruturam intelectualmente, sem apelo documental, suas
personagens rurais, passando assim a enriquecê-los discursivamente. É o poder
que a palavra assume, trazendo seus significados culturais. Quando Guimarães
Rosa cria o narrador/personagem deixa clara a utilização do logro verbal. Há, por
parte do autor, a necessidade de buscar o sentido mais primitivo das palavras, sua
originalidade, para com isso elaborar uma melhor depuração dos signos lingüísticos
para resgatar o sentido original das palavras e, a partir daí, explorar suas
potencialidades poéticas. A transculturação é representada na obra de Rosa em
processo de tradução cultural, por meio da inserção, por exemplo, de elementos de
uma determinada cultura, havendo, assim, uma conseqüente troca, com uma
unificação da dialética textual dos dois mundos.
55
[...] Disse, de golpe, trazia entre dentes aquela frase. Soara com
riso seco. Mas, o gesto, que se seguiu, imperava-se de toda a
rudez primitiva, de sua presença dilatada. [...] Detinha minha
resposta, não queria que eu a desse de imediato. E já aí outro susto
vertiginoso suspendia-me: alguém podia ter feito intriga,
invencionice de atribuir-me a palavra de ofensa àquele homem;
que muito, pois, que aqui ele se famanasse, vindo para exigir-me,
rosto a rosto, o fatal, a vexatória satisfação? [...] (p.10-11, grifos
nossos).
A unificação textual surge para responder literariamente à modernidade, e
deixa claro o objetivo lingüístico de restauração da riqueza plurissêmica regional.
Rama (1975), a esse respeito, relata que era no nível dos significados que as
operações transculturadoras proporcionariam os achados mais consideráveis, a
ponto de superar amplamente as propostas modernizadoras, suplantando-as no
próprio terreno em que eram formuladas. O trecho acima traz o letrado como
possuidor apenas de uma força simbólica, “Mas, o gesto, que se seguiu, imperava-
se de toda a rudez primitiva, de sua presença dilatada” (p.12), confrontada com a
força física do jagunço.
Esta riqueza plurissêmica nos faz retomar o conceito da cosmovisão, grande
espaço utilizado pelos transculturadores, pois Rosa, ao mesmo tempo em que é
possuidor de uma visão de mundo instigante, mantém-se fiel aos valores do meio
rural, meio no qual insere suas personagens, para, a partir dele, sair de uma mera
visão de reprodução documental, de expressões já estilizadas, reconstruindo
sintaticamente o universo lingüístico, híbrido, de sua cultura, “Disse, de golpe, trazia
entre dentes aquela frase. Soara com riso seco” (p.10). Ter conhecimento das
particularidades de sua cultura, em especial pelo reconhecimento do escritor de seu
enraizamento cultural interno, que é voltado principalmente para suas origens, é a
grande marca do escritor de “Famigerado”.
56
Sua inserção dentro da comunidade lingüística de suas personagens é
necessária para que lhe seja permitido um contato mais estreito e direto com o
funcionamento lingüístico e literário e para dar voz a elementos artísticos, antes sem
muita expressão. Araújo (1998) disserta acerca deste processo, lembrando que a
atuação de autores como Rosa configura a consciência dialética – para Rama – de
uma plasticidade cultural. É um diálogo ativo do autor com as comunidades aqui
representadas, sua consciência cultural, trazendo para o espaço rural expressões
que a literatura da modernidade havia classificado como primitivas, para serem
revalorizadas e reconhecidas, dentro de sua comunidade lingüística.
O novo regionalismo surge como um processo compositivo; não é mais
localista, restrito à fala de alguns personagens, pois já reintegrado, o autor traz seus
novos recursos enunciativos, seu ponto de vista, valorando-os e integrando-os ao
texto (Cf. ARAÚJO, 1998, p. 35-36.). Esta representatividade cultural discutida por
Rama, que Rosa realiza no universo lingüístico-literário, é vista principalmente no
léxico, na prosódia, na morfologia e na sintaxe da língua em estudo, mas, sobretudo,
no nível da composição literária. Não há mais a idealização das personagens
populares, ou a separação entre escritor narrador e personagem. O escritor agora é
a voz que “narra e abraça” a totalidade textual, tomando o partido e lugar do
narrador. A grande cosmovisão de Rosa, a nosso ver, foi construir no texto uma
nova visão, um regionalismo restaurado com o local e o diferente representando
uma cultura fortalecida e enriquecida, através dos diálogos construídos, dando
assim mais autenticidade cultural e artística, sem que para isso essa cultura tivesse
sofrido nenhum tipo de apagamento, sem destruição identitária.
57
3.1 DOS VALORES DISCURSIVOS: A IMPORTÂNCIA SEMÂNTICA REGIONAL
NA FALA DE UM JAGUNÇO
Ao analisar o percurso vivenciado pela personagem Damázio dos Siqueiras
na trama, observam-se os significados de valores construtivos orais inseridos na
personagem; evidencia-se a percepção de que Rosa nos surpreende com a
adeqüação ao uso das palavras em uma posição autoral consciente, muito bem
marcada e intencional. O nome dado à personagem por Rosa já é curioso, pois
carrega em si, segundo Guérios (1994, p.50), uma ambivalência: Damázio vem do
grego dámasos, que significa “vencedor”; e Siqueiras vem de “Sequeira”, lugar seco
que não foi regado”. Rosa faz com que o sentido da palavra seja moldado pelo
contexto cultural, apesar de superá-lo na língua literária, demonstrando já, a partir do
nome de sua personagem, que Damázio se transculturou, pois dialogou com os
significados da modernidade.
[...] Parou-me à porta o tropel. Cheguei à janela. Um grupo de
cavaleiros. [...] O cavaleiro com cara de nenhum amigo. [...]
“Pergunte: respondeu-me que não estava doente, nem vindo à
receita ou consulta. Sua voz se espaçava, querendo-se calma; [...]
Muito de macio, mentalmente comecei a me organizar. Ele falou: “Eu
vim preguntar a vosmecê uma opinião sua explicada...” _ “Vosmecê
agora me faça à boa obra de querer me ensinar o que é mesmo que
é: fasmigerado... faz-me-gerado. falmisgeraldo.. familhas-
geraldo...? (p. 20, grifos nossos).
Rosa traz ironicamente a personagem letrada, anunciando que: “O cavaleiro
com cara de nenhum amigo” (p.9) havia sido confundindo com um cliente “[...] não
estava à receita ou consulta” (p.10) para, posteriormente, mostrar o desacordo que
se criara entre os dois mundos. Coloca, de um lado, a força e a fama no sertão
rústico do jagunço Damázio, representante de um estrato estranho ao letramento
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exemplificado pelo desconhecimento da palavra que nem conseguira pronunciar:
fasmisgerado... faz-me-gerado... falmisgeraldo... familhas-gerado...?” (p. 11), e, de
outro, a personagem letrada racionalizada, observando o esforço do jagunço quando
relata que: “Sua voz se espaçava, querendo-se calma” (p.10). Aí se evidencia a
transculturação narrativa de Rosa, quando vemos no conto o espaço em que ele
situa personagens de mundos culturais diversos. A personagem é inserida na lógica
alicerçada dos costumes do sertão de Damázio. É nesse espaço que Rosa vai
representar a dubiedade no conto e mesclar os sentidos opostos da palavra
“Famigerado”. O espaço escolhido é o do jagunço, matador conhecido e famoso na
região, que é temido e respeitado por sua perversidade.
[...] Causava outra inquietude, sua farrusca, a catadura de
canibal. Desfranziu-se, porém, quase que sorriu. Daí, desceu do
cavalo; maneiro, imprevisto. [...] Dava para se sentir o peso da de
fogo, no cinturão, que usado baixo, para ela estar-se já ao nível
justo, ademão, tanto que ele se persistia de braço direito pendido,
pronto meneável (p. 12, grifos nossos).
A palavra de sentido gramatical apurado será inserida em um ambiente
tradicionalmente oral, avesso a regras gramaticais. Essa coexistência está presente
na leitura feita pelo narrador no conto; por exemplo, o letrado observa o jagunço, vê
que ele tem “cara de nenhum amigo” (p. 9), impõe respeito, na região, é quase uma
autoridade, não é “um qualquer, mas o feroz das estórias de léguas, com dezenas
de carregadas mortes matador perigosíssimo conhecido em toda região:[...] “quem
dele não ouvira?” (p.10). Rosa escolhe o espaço adequado, ao confrontar as
personagens. O uso pela personagem letrada, situada no lugar convencional do
conhecimento, acaba por revelar um outro lado da personagem jagunço, possuidor
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da força rústica, física; sua fragilidade, situação que nos leva a perceber os limites
de seu universo, pois, diante da resposta do significado da palavra, retrocede, aceita
e, conseqüentemente, respeita o poder da palavra:
[...] “Vosmecê declare. Estes aí são de nada não. São da Serra. Só
vieram comigo, pra testemunho...” [...] Só tinha de desentalar-me. O
homem queria estrito o caroço: o verivérbio.
- Famigerado é inóxio, é “célebre”, “notório”, “notável”...
- “Vosmecê mal não veja em minha grossaria no não entender.
Mais me diga: é desaforado? E caçoável? E de arrenegar?
Farsância? Nome de ofensa?” [...] - Famigerado? Bem. É:
“importante”, que merece louvor, respeito... [...] - “Vosmecê
agarante, pra a paz das mães, mão na Escritura?” [...] - “Ah, bem!...”
- soltou, exultante.
[...] Saltando na sela, ele se levantou de molas. Subiu em si,
desagravava-se, num desafogaréu. Sorriu-se, outro ( p.12, 20,
48, grifos nossos).
Isso fica claro porque, ao ouvir o significado do termo “famigerado”, que é
dicionarizado, imediatamente assume uma nova posição; agora menos ranzinza,
Damázio assume uma posição menos agressiva, que não é mais aquela de jagunço
violento. Rama discute teoricamente a mediação letrada como apropriação e
representação dos conteúdos culturais, valor que é determinado fora do sistema,
pois discursos e valores diversos, ao se confrontarem, “integram-se” dialeticamente,
dando lugar ao que é do outro, modificando-se em uma determinada leitura pelos
personagens (Cf. MORAÑA, 1997, p. 141-142).
Guimarães Rosa reduz a distância existente entre diferentes pólos culturais,
respeitando os sujeitos confrontados, legitimando, desse modo, as influências
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sofridas e desaguando em um texto que tematiza um diálogo entre as culturas. A
transculturação mostra o desafio interpretativo que propunha a narrativa regionalista
avançada de Guimarães Rosa. Mesmo diante da grande renovação, que surgia para
colocar em crise os estilos literários anteriores a ela, Rosa conseguiu ao mesmo
tempo reciclar e integrar de forma inovadora no conto uma grande renovação
textual. Essa referência à riqueza textual realizada por Rosa é observada quando o
escritor inicialmente coloca Damázio dos Siqueiras, com “cara de nenhum amigo” (p.
9), impositivo, sério, poderoso para mais adiante mostrá-lo, através de uma
gradação, em uma outra posição. Depois Damázio “Sorriu-se outro”, para, em seu
projeto autoral, atuar como intérprete dos processos culturais existentes.
Rosa cria a personagem jagunço para nos instigar a perceber a narrativa
fluente, que desloca personagens diante dos embates culturais e dos
acontecimentos lingüísticos, que as fazem oscilarem entre o outro e eles mesmos,
em busca dos novos significados. O narrador/personagem é o grande mediador das
ações no conto, e por ser possuidor dessa função, é o elemento narrativo de que
dispõe o autor para tecer o jogo dos significados que são mais que retórica; pois
constituem uma reflexão sobre a cultura brasileira. Significado que será igualmente
problemático para as duas personagens. Altera-se a face das coisas, antes
estabilizadas e há uma modificação da ação, transformando a situação das
personagens na narrativa “Vosmecê declare. Estes aí são de nada não” (p.12), “Só
tinha de desentalar-me. O homem queria estrito o caroço: o verivérbio” (p.12). Essa
mediação faz com que Damázio, como personagem, tenha uma inicial resistência,
conseqüentemente, não se rendendo aos valores e mudanças advindas da
modernização. Rosa dá voz ao sertão “regional” de Damázio, marca-o, colocando-o
em evidência cultural. Essa é uma inserção vigente, em curso principalmente
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através de uma posição transculturadora que alia a isso a reintegração do autor à
comunidade lingüística de sua personagem. Desembaraços e descontrações são
agora recursos idiomáticos.
Rosa constrói Damázio dos Siqueiras em uma comunidade rural, possuidora
de recursos lingüísticos muito bem remontados, espaço perfeito para reelaborar a
língua artisticamente e assim responder em um dialogar rico com o moderno. Este
mesmo espaço cultural é agora a resposta narrativa ao desejo renovador
representado pela figura moderna; a intenção agora é colocar através de um diálogo
cultural, alicerçado, uma resposta aos ideais neoculturativos, aculturativos ou
desaculturativos. Uma personagem rural, forte, impositiva e tipificadora traz agora a
possibilidade de se enxergarem posições através da transculturação. Guimarães
Rosa, através de uma pesquisa lingüística apurada, consegue construir uma
significação a partir do alinhamento entre língua e ficção, conseqüentemente
realizando um recorte da realidade de diferentes mundos refletidos em sua língua.
[...] frouxo falava: de outras, diversas pessoas e coisas, da Serra, do
São Ão, travados assuntos, inseqüentes, como dificultação. A
conversa era para teias de aranha. Eu tinha de entender-lhe as
mínimas entonações, seguir seus propósitos e silêncios. Assim no
fechar-se com o jogo, sonso, no me iludir, ele enigmava. E, pá:
- “Vosmecê agora me faça a boa obra de querer me ensinar o que é
mesmo que é: fasmisgerado... faz-me-gerado... falmisgeraldo...
familhas-gerado...? (p 11, grifos nossos).
A operação transculturadora em “Famigerado” tem seu ponto alto na criação
dessa personagem. Rosa, ao mesmo tempo em que dá continuidade ao
regionalismo, transforma-o, “modelando-o” objetivamente. Aquele regionalismo que
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literariamente não trazia para suas linhas formas tensas, agora passa a responder a
um suposto apagamento cultural que a modernidade irá impor. Ele volta à ficção
brasileira com voz, fortalecido e agora suplantado em uma personagem iletrada que
impõe, provoca, na personagem letrada um tom inicial que agora é racional e não
mais tão impositivo.
Quando o termo “famigerado” surge traz em destaque os diferentes contextos
em que aparece uma palavra, mas aqui direcionada pelo autor para um único e
mesmo plano, o diálogo cultural entre esses mundos representados distintivamente.
O termo, seus usos e significados, surge com força, deixando em evidência para o
leitor as direções que uma palavra assume, sentidos opostos, conflitantes, bem
direcionados; uma enunciação que provoca um desacordo ou acordo. São reunidos
por Rosa para se encontrarem em uma situação de inicial “interação” e conflito que
se faz cada vez mais tensa.
[...] Saíra e viera, aquele homem, para morrer em guerra. Saudou-
me seco, curto pesadamente. Seu cavalo era alto, um alazão; bem
arreado, ferrado, suado. E concebi grande dúvida. [...] - “Sim
senhor...” - e, alto, repetiu, vezes, o termo, enfim nos vermelhões
da raiva, sua voz fora de foco. E já me olhava, interpelador,
intimativo - apertava-me. Tinha eu que descobrir a cara. -
Famigerado? (p. 9,12, grifos nossos).
O espaço tenso é o cenário sertanejo-rural. É parte da estratégia narrativa,
que se coaduna ao registro oral da língua utilizada para construção da personagem
“Seu cavalo era alto, um alazão; bem arreado, ferrado, suado” (p.9, grifos nossos).
Assim, o sistema narrativo popular se enraíza na fala de Damázio, com numerosos
arcaísmos, “vermelhões da raiva” que voltam a este cenário. O léxico traz como
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resultado uma bela pesquisa idiomática da cultura sertaneja, que resulta, no conto,
no encontro entre duas esferas culturais, o regional de Damázio e o universal do
narrador personagem.
Damázio, a partir de seu mundo, ganha voz no conto de Rosa, que retrocede
na busca de mananciais literários próprios da cultura regional, e adaptáveis a um
novo momento cultural. Suas fontes eram os meios orais da narração popular
impregnados em “Famigerado”. Vale registrar a observação de Angel Rama (1970),
quando diz que essas respostas aos adventos da modernidade são trazidas por
Guimarães Rosa, como pelos transculturadores latino-americanos, na construção de
seus personagens rurais para, ao mesmo tempo em que seu discurso seja
desenvolvido, simultaneamente, seja também observado. Há nesse sentido, uma
clara percepção da construção dessa personagem pois, segundo Rama, é um
sistema narrativo que constrói a pessoa, a personagem /narrador.
Há um esforço claro, objetivo, na construção da narração rural. Há
recuperação de formas lexicais, por exemplo, pois a personagem joga com sentidos
gramaticais como: “-Famigerado é inóxio, é “celebre”, “notório”, “notável” (pag. 12),
para, mesmo com toda essa ênfase gramatical, ir para o coloquial, propondo um
melhor entender do sertão de Damázio, - “Vosmecê mal não veja em minha
grossaria no não entender”. Mais me diga: é desaforado? E caçoável? E de
arrenegar? Farsância? Nome de ofensa?”(p.12). Aí surge a grande recuperação oral
que Rosa faz do sertão de Damázio, “Vilta nenhuma, nenhum doesto. São
expressões neutras, de outros usos” (p.12). Com isso responde ao já imperante
impacto modernizador, fazendo-nos lembrar que a transculturação traz implícito o
conceito de dominação, comprovado fundamentalmente através do embate existente
entre as forças, a “vitória” pelo logro do letrado no conto. O autor já integrado é
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agora transculturador, alicerçado em uma manifestação tradicional, representado
aqui pelo discurso falado, constante aliado narrativo neste conto. Rosa consegue
com isso uma saída muito bem montada, vista por Rama como a transculturação na
narrativa, uma grande saída encontrada para dar voz e representatividade às
culturas consideradas “inferiores” ou em vias de apagamentos culturais.
3.2 DO ESTRATO ORAL AO ESCRITO: A FORÇA DA PALAVRA NOS
DISCURSOS DE UM JAGUNÇO E DE UM LETRADO
A palavra em “Famigerado” assume um protagonismo impressionante. Em
todo o conto, há uma clara percepção do rompimento de vários campos lingüísticos
realizado por Rosa, mas o que é mais interessante é que ele faz com que esse
rompimento traga a riqueza em sua argumentação. Diante de um questionamento
considerado simples, o confronto entre o narrador/personagem e o jagunço
desencadeia acontecimentos inóspitos, que irão constituir as principais cenas do
conto e sustentar uma argumentação muito bem sucedida, fazendo com que a
identidade não seja solidificada, ela é móvel, pois a relação de forças muda,
intencionalmente, sendo que a última palavra é a do personagem/narrador, letrado,
que engana, a partir do domínio do letramento.
[...] - “Vosmecê declare. Estes aí são de nada não. São da Serra.
Só vieram comigo, pra testemunho...”
Só tinha de desentalar-me. O homem queria estrito o caroço: o
verivérbio.
- Famigerado é inóxio, é “célebre”, “notório”, “notável”...
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- “Vosmecê mal não veja em minha grossaria no não entender. Mais
me diga: é desaforado? E caçoável? E de arrenegar? Farsância?
Nome de ofensa?” (p.12, grifos nossos).
Mas esse enganar se dá, principalmente, por sua temerosidade, pois o medo
provoca, pela arma da racionalidade defensiva, uma estratégia de defesa verbal que
teme o enfrentamento, o embate físico, colocando em provisória hegemonia o
jagunço. “Vosmecê declare. Estes aí são de nada não. São da Serra. Só vieram
comigo, pra testemunho...” (p.12, grifos nossos). Observa-se o deslizamento; ora
um, ora outro, atrás do qual podemos perceber um direcionamento para a
cosmovisão realizada por Rosa, de que há uma sabedoria em todos os estratos
culturais, acima das diferenças de classe, de posição intelectual. Daí o porquê de a
identidade não ser considerada solidificada, pois fundamentalmente, o contato
cultural modifica o outro, é o dialogar. A grande novidade dos transculturadores
como Guimarães Rosa, é o que Rama relatava na década de 70 do século passado,
a possibilidade de se reduzir a rigidez cultural dos pólos representados, respeitando
a identidade cultural, mas tecendo um diálogo entre temas e formas.
A hierarquia aparente da personagem letrada é quebrada pelo autor para
desaguar na coordenação que irá acontecer entre as personagens. Rosa realiza-a
para que as réplicas e argumentações das personagens atinjam seus objetivos; por
isso, o discurso usado por eles não pode ser deixado de lado, pelo embate de
lugares, valores e dizeres.
- “Pois... e o que é que é, em fala de pobre, linguagem de em dia-
de-semana?”.
- Famigerado? Bem. É: “importante”, que merece louvor,
respeito...
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[...] - Olhe: eu, como o Sr. me vê, com vantagens, hum, o que eu
queria uma hora destas era ser famigerado - bem famigerado, o
mais que pudesse!...
- “Ah, bem!...” - soltou, exultante. (p.12, grifos nossos).
Essa complexidade semântica é enriquecida pelo significado adverso que
uma palavra pode assumir; daí sua grande força e importância, nessa sinuosa
cosmovisão realizada por Rosa. A visão do mundo modela uma expressão
adequando-a e direcionando-a ao ritmo da narrativa. “Famigerado? Bem. É:
importante”, que merece louvor, respeito..” (p.12, grifos nossos). O termo
“famigerado”, com sua forte carga semântica, tem de ser adequado pelo
narrador/personagem às situações no conto, solucionados pelo autor, principalmente
quando é respeitado o espaço social em suas personagens foram inseridas.
Guimarães Rosa traz a enunciação destes dois mundos para a narrativa, para
assim também mostrar que a palavra, apesar de assumir significações distintas, traz
as diferenças com traços de seus contextos. Se Damázio indaga o significado de um
termo que ele não domina, é porque existe aí uma busca para a apreensão de um
novo significado, “Pois... e o que é que é, em fala de pobre, linguagem de em dia-
de-semana?” (p.12, grifos nossos).
A personagem letrada domina sabiamente os significados da palavra, mas
com este enfrentamento, tem sua visão cultural ampliada, fazendo assim com que a
palavra, no conto de Guimarães Rosa, assuma um papel histórico social muito
intenso, forte, mas móvel, pois sua significação variará, se se tratar de uma pessoa
do mesmo grupo social ou não, inferior ou superior culturalmente na hierarquia.
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Rosa constrói o sujeito não mais como aculturado, em construção
apassivadora, mas transculturado; a palavra aqui não é mais unilateral, é agora a
procedência e a direção resultante da interação entre as duas personagens. A
discussão sobre a palavra “famigerado” e suas várias possibilidades na busca
comum de um significado tão conflituoso faz-se presente porque este significado
permite que as duas personagens passem, mesmo que de forma tensa, a dialogar
culturalmente, quiçá até a passar a ter entre esses dois mundos, um território
comum. E não poderia ser diferente. O letrado, usando a racionalidade para o logro,
com seu conhecimento gramatical consegue persuadir a personagem jagunço,
iletrada, ao expressar um outro significado mais conveniente para o tenso confronto.
- Olhe: eu, [...] o que eu queria uma hora destas era ser famigerado - bem
famigerado, o mais que pudesse! (p. 12, grifos nossos). E esta escolha se dá em
seu sentido positivo, sendo desconsiderado assim, sua total conotação negativa,
que é a de quem é pejorativamente afamado.
A palavra, no conto de Rosa, assume sua força quando, através da
racionalidade, característica extremamente moderna, contribui para que a
personagem letrada perceba, no espaço da personagem jagunço, sua hegemonia.
Isso é possível pela percepção do narrador/personagem da existência de um “ser
outro”, ainda que também brasileiro, distinto daquele que se faz presente na cidade,
sendo que sua especificidade se registra de diferentes maneiras, principalmente na
fala. O encontro discursivo desses dois estratos surpreende a cada linha e
acontecimento. Rosa consegue fazer com que eles dialoguem no conto, com uma
provisória suspensão textual das hierarquias sociais, desmonta, em recuos e
avanços, papéis, fixos. Por isso Rama (1970) vê este dialogar como uma grande
saída transculturadora encontrada por Guimarães Rosa, para dialogar com a
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modernidade; é uma solução cultural e artística encontrada para resolver questões
de identidade cultural e sua conseqüente alteridade, colocando frente a frente a
cidade e o campo, hegemonia e subalternidade, com o deslizar de posições, sem
que para isso haja um esquecimento dos problemas de uma sociedade e de uma
cultura.
A persuasão pela palavra da personagem letrada tem de ser realizada com
cuidados, com sutilezas racionais. “Senti que não me ficava útil dar cara amena,
mostras de temeroso” (p. 9). Não basta para a personagem letrada ser inocente ou
ter alguma razão, era preciso que seus argumentos tivessem direção,
sustentabilidade argumentativa frente ao jagunço. Por isso que o diálogo das
personagens construído por Rosa é tão rico, bem mediado, porque ele faz com que,
através de seu discurso, a palavra passe a superar a força bruta ou a violência,
Perelman (1999, p. 22) relata que ainda ontem era necessário cerrar os punhos para
ganhar, e já hoje era preciso ajustar as palavras. E Guimarães Rosa faz isso muito
bem, pois a palavra, através de uma comedida retórica, vem muito bem implantada
no conto. O trecho abaixo deixa isso bem claro.
Foi de incerta feita - o evento. Quem pode esperar coisa tão sem
pés nem cabeça? Eu estava em casa, o arraial sendo de todo
tranqüilo. Parou-me à porta o tropel. [...] O cavaleiro esse o oh-
homem-oh - com cara de nenhum amigo (p.18, 21, grifos nossos).
Por exemplo, quando o “tropel” pára na porta da personagem letrada de forma
inabitual, com o arraial sendo de todo “tranqüilo”, a personagem letrada não
entende da situação. A voz do narrador/personagem descreve toda situação,
também descrevendo algumas características do bando que acompanha o visitante
jagunço inesperado.
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O texto faz uso do discurso oral “foi de incerta feita”, demonstrando
claramente a mescla constante das duas áreas discursivas. “Incerta feita” é um
discurso estritamente da oratória regional (da personagem iletrada) e é o resgate de
sua tradição regional, de sua riqueza semântica, diversificada, reconhecida por
Rosa, que a estudou profundamente e a valorizou, quando trouxe esses argumentos
para o seu texto. Ao lado do termo que demonstra o discurso oral de Damázio,
conclui a frase com a palavra “evento” ora; se o conto de Rosa é um contraponto
cultural constante, o termo gramatical moderno teria de vir aliado. O Dicionário
Aurélio traz o termo “evento” como qualquer acontecimento de especial interesse
(espetáculo, exposição, competição, etc.), capaz de atrair público.
Esta mobilização se realiza principalmente na força que as palavras
“tranqüilo” e “tropel” têm. A primeira por ter sua harmonia quebrada, quando
colocada em oposição ao ruído e ao tumulto produzido pela segunda, que chega e
causa agitação no arraial da personagem letrada. Rosa não brinca aleatoriamente
com as palavras, ele faz uso delas expondo sua consciência do que quer dizer.
Inicia a frase com a oralidade de Damázio e termina esta mesma frase com a
gramaticalidade da personagem letrada. Agora a frase é um todo, “Foi de incerta
feita – o evento” (p.9), contraposição já integrada, inclinada principalmente a todo
decorrer da trama narrativa desaguando em um grande “evento”.
Para desarticular, nem sempre eticamente, papéis de mando “Aquele homem,
para proceder de tal forma, só podia ser um brabo sertanejo, jagunço até na escuma
do bofe. Senti que não me ficava útil dar cara amena, mostras de temeroso” (p. 9),
aqui há um claro posicionamento das hierarquias frente aos valores observados a
partir deste encontro. Elas não mais existem fixamente, os lugares mudam. Rosa
coloca as personagens contrapondo-se na trama, pois surgem desequilíbrios que
podem resultar em deslocamentos fundamentais de posição. E isso se evidencia
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quando o letrado tem a percepção que está diante de “um brabo sertanejo, jagunço
até na escuma do bofe” (p.9, grifos nossos) e nesta nova visão de posição,
começava a perceber os valores prezados pelo jagunço: coragem, valentia e
braveza, ao passo que covardia, prostração e fragilidade, possuíam conotação
negativa. “Senti que não me ficava útil dar cara amena, mostras de temeroso” (p. 9).
É encantador esse trecho no conto, pois Rosa, pela voz do narrador, lembra
ao leitor que, se as mostras de temor ficassem em evidência, o diálogo estaria
comprometido, rompido. E é aí que entra o discurso, a retórica, a palavra forte que
se faz presente para dar força aos seus argumentos, na intenção de convencimento.
– Famigerado é inóxio, é “célebre”, “notório”, “notável”...
[...] Olhe: eu, como o Sr. me vê, com vantagens, hum, o que eu
queria uma hora destas era ser famigerado - bem famigerado, o
mais que pudesse!...
“Ah, bem!...” - soltou, exultante (p.60, grifos nossos).
O narrador/personagem é estruturado com sua fala expondo os próprios
sentimentos frente ao bando que “invade” seu arraial. Isso faz com que a posição
dos personagens na narrativa se alterne, à medida que a voz passa deste para o
jagunço; este, através de um reduzido discurso, indaga e busca respostas na
autoridade do conhecimento, trunfo do letrado. Assim, os discursos do letrado e do
jagunço no conto, são na maioria das vezes, estruturados através da voz do
narrador; tendo ele, assim, o domínio consciente do diálogo travado entre as
personagens, equilibrando os papéis, para que em seu tempo narrativo possa atingir
seus objetivos. Bakhtin (1977, p.135) lembra que isso é a significação objetiva que
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se forma graças à apreciação, indicando assim, que ela foi apreendida no mais
imediato horizonte ou grupo social. No texto literário analisado, a fala do narrador
ajuíza as posições, direcionando os significados, de forma objetiva, na enunciação.
[...] Saltando na sela, ele se levantou de molas. Subiu em si,
desagravava-se, num desafogaréu. Sorriu-se, outro. Satisfez
aqueles três: - “Vocês podem ir, compadres. Vocês escutaram
bem a boa descrição...” - e eles prestes se partiram. Só aí se
chegou, beirando-me a janela, aceitava um copo d’água. [...]
apagara-se-lhe a inquietação. Disse: - “A gente tem cada cisma de
dúvida boba, dessas desconfianças... Só pra azedar a
mandioca...” Mas mais sorriu, Agradeceu, quis me apertar a mão.
[...] Oh, pois. Esporou, foi-se, o alazão, não pensava no que o
trouxera, tese para alto rir, e mais, o famoso assunto (p.13, grifos
nossos).
Quando o letrado opta, para defender-se da possível violência, pelo
significado gramatical Famigerado é inóxio, é “célebre”, “notório”, “notável” (p.12) é
porque é esta a apreciação de significado almejada pelo jagunço. É o reconhecer
por parte do letrado de que a palavra pode ferir a honra. E esse deslocamento de
seu significado é também uma reavaliação que se articula entre os dois mundos.
Uma mudança em seu nível significativo que, inevitavelmente, destituiu a
personagem letrada de sua posição de superioridade social, fazendo com que os
mundos passassem, assim, a serem dialogados.
Rosa cria e dá poder às palavras no conto, para que elas adquiram status de
signos culturais, remetendo ao espaço, e à memória. Se antes um homem
perigosíssimo chegara à casa do narrador-personagem despertando-lhe medo
“extrema ignorância em momento muito agudo”, agora, pela racionalidade e bom
uso de argumentação, “o medo” se dissolve com o humor do texto, a “violência”
possível se dissolve com a instrução e a astúcia. Damásio queria saber o significado
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do nome pelo qual o xingara “certo moço do governo” (p.10), mas seu significado é
ajustado por um outro homem do governo que, optando por um significado positivo
do termo, acalma e desarma o iletrado. A partir disso, chega até a aceitar “um copo
d’água” (p.10) em atitude de pacificação e de alívio, o que depois da tensão, em
discurso catártico, surja um narrador-personagem refletindo sobre o acontecido e
fazendo deste acontecimento uma “tese para alto rir”, em um sertão agora
reinventado literariamente.
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CONCLUSÃO
O conceito de transculturação narrativa, desenvolvido por Angel Rama (1975-
1985), permitiu-nos um melhor entendimento de como, na Literatura Brasileira,
narrativas falam tanto das comunidades rurais, quanto das urbanas; de personagens
à margem dos centros hegemônicos ou de suas tradições mais antigas; ou, ainda,
de centros externos mais cosmopolitas, sem que um valor precise necessariamente
excluir o outro, no universo híbrido dos textos produzidos nos países periféricos.
Ao analisar o processo de diálogo utilizado na obra literária por nós escolhida,
sua forma artística modelada pela cultura brasileira e sua conseqüente
diversificação, observamos uma não linearidade, pois a obra Primeiras estórias
(1968) de João Guimarães Rosa se mostrou muito rica em possibilidades artísticas e
significados culturais.
A mobilidade cultural representada na obra literária nos permitiu analisar o
diálogo de escritores transculturadores como Rosa, dentro da perspectiva de
tradições móveis, defendida por Mário de Andrade como uma permanente e
atualizadora busca do passado cultural que não se imobiliza, nem no universo
empírico, nem no texto literário, conforme defende Araújo (2000). Os estudos
culturais nos permitiram uma visão ampliada do texto de Rosa; a criatividade verbo-
poética utilizada pelo autor configura-o como intérprete privilegiado, no nível
simbólico, de valores de uma cultura múltipla como a nossa. Esse caráter foi
estudado por Zilá Bernd (1999) como a hibridização ou o caráter compósito dos
textos híbridos. O conceito de transculturação narrativa, ajudou-nos a perceber o
texto literário de Guimarães Rosa como uma representação latino-americana, com
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sua conseqüente tradução de fenômenos culturais, evidenciando e colocando,
assim, este autor brasileiro em uma posição privilegiada do processo de autoria.
Essa percepção foi possível pela discussão que Rama realizou a partir da
leitura dos processos lingüístico-literários na narrativa de alguns autores, como
Guimarães Rosa, que introduziram em seus textos expressões orais, populares e
coloquiais, como ocorre em “Famigerado”. Essas técnicas sofisticadas da narrativa,
com o fim de tornar sua escrita representativa diante dos adventos modernizadores,
possibilitou, no conto de Rosa, uma integração de expressões cultas com falas
populares estilizadas dentro do texto literário.
Relembro a citação de Cornejo Polar (2000), quando afirma que o texto latino-
americano, lido por uma crítica não imanente encena o diluir das fronteiras entre a
oralidade e a escrita, o culto e o popular, tornando-se, assim, a feliz conciliação dos
diversos estratos culturais. O espaço lingüístico, assim criado, poderia apresentar-se
como homogêneo, a uma leitura linear, mas visto atentamente, representa
discursivamente o complexo cultural brasileiro, entrecortado de diferenças, tão bem
representado por Guimarães Rosa na criação do conto em questão.
O conto “Famigerado” realiza uma operação transculturadora, quando Rosa
relê o regionalismo ( o de 30, no Brasil) e amplia-o, construindo personagens menos
tipificadas como Damázio, ao mesmo tempo em que esse regionalismo surge
transformado, modelado artística e objetivamente. O que antes se situava em zonas
menos tensas, agora tem força e responde literariamente a um apagamento cultural,
que antes era tido como inevitável. Rosa traz para a ficção brasileira um conto que
tem voz singular e híbrida; ele surge fortalecido principalmente por configurar uma
personagem iletrada que impõe novos lugares sociais, provocando, desse modo, na
personagem letrada, um comportamento que se faz racional e não impositivo.
75
Damázio, a partir de seu mundo, ganhou voz no conto. O autor, ao modelá-lo, traz
para a ficção características literárias que eram próprias de sua cultura.
Características que se fazem presentes principalmente pela busca de uma oralidade
que representasse de forma rica a marca híbrida de sua identidade cultural. Por isso
o registro feito por Rama (1970) sobre Guimarães Rosa se dá de uma forma muito
adequada, quando afirma que essa busca pelo advento da modernidade, em diálogo
com a tradição rural e oral, é uma característica dos transculturadores latino-
americanos, pois a construção da sua personagem rural em confronto com a fala
urbana e o letramento em um espaço rural, traz simultaneamente vozes e valores
diversos. Daí o sistema narrativo de Rosa ser visto por Rama como um sistema que
constrói a pessoa, o personagem/narrador, e possibilidades novas na literatura
brasileira pós-30 do século XX.
Angel Rama vê, na obra de Guimarães Rosa, a possibilidade de o texto
narrativo latino-americano enriquecer-se formal e tematicamente com o diálogo com
o continente europeu, cujas vanguardas problematizaram a estrutura narrativa
tradicional. O modernismo brasileiro, por exemplo, com figuras como Mário de
Andrade, não buscava a defesa nem a conservação de tradições culturais do
passado, sem as incorporações formais advindas da tecnologia pela modernização.
Rosa responde a esse pensamento aproximando culturas díspares, em processo de
mudança, em situação de diálogo cultural. Ele mostra, através de sua narrativa
aprimorada, que é possível reelaborar e responder às novas imposições culturais,
pois não há, com isso, uma sujeição a esses novos valores e discursos, pelo
contrário, há uma tentativa clara de dialogar com essas possibilidades e tecnologias
que surgem com força. Por isso o conto “Famigerado” não pode ser visto como um
76
produto estanque do mundo rural (objeto do regionalismo) nem do cosmopolitismo
modernista (que elegeu o espaço urbano).
João Guimarães Rosa coloca o mundo rural brasileiro em contato direto com
o urbano; enfatiza suas relações e mostra-o resistente, com força. O autor brasileiro
consegue, com isso, fazer com que personagens como Damázio tenham voz e
passem a ser compreendido, quando colocado em enfretamento com o moderno
tornando-a fortalecido culturalmente. O conto “Famigerado” realiza uma operação
transculturadora, quando Rosa relê o regionalismo e amplia-o, construindo
personagens menos tipificadas como Damázio, ao mesmo tempo em que esse
regionalismo surge transformado, modelado artística e objetivamente.
João Guimarães Rosa representa o melhor exemplo de como se deu a
transculturação narrativa na América Latina. Ele se mostrou, pelos estudos que
realizamos um “Super Regionalista”, como afirmara Candido. Sua lucidez, sua
ousadia narrativa, sua plasticidade cultural, representa em “Famigerado” o
intelectual engajado em mostrar sua cultura na várias faces e defender o que é
genuíno. Através de Damázio dos Siqueiras, do seu trajeto e dos seus valores, o
autor conseguiu realimentar o regionalismo com o que é universal, trazendo à tona
as particularidades de sua região. É o implantar de um novo processo de
transformação narrativa que o caracteriza, por preservar valores fundamentais das
culturas regionais frente ao fluxo modernizador, em novas possibilidades narrativas.
O escritor e o texto Contaminam-se para poder gerar as respostas necessárias a
tudo isso, dizia Rama (1983).
Assim, João Guimarães Rosa, através de uma cosmovisão nova, calcada em
sua experiência de tradutor, diplomata e viajante observador do sertão brasileiro,
gera no conto respostas a um modelo cultural externo centrado, principalmente, nas
77
possibilidades presentes no contexto cultural interno; por isso, ele contribui
ricamente para uma releitura dos aspectos culturais, deixando claro que é possível
evitar, pelo uso desses recursos, um suposto apagamento cultural. E esses recursos
transculturadores trazem um dialogar cultural com a representatividade de que fala
Rama, centrada principalmente na captação da multiplicidade existente em cada
cultura, possibilitando, assim, uma não massificação de aspectos modernizadores,
ditos universalizantes e urbanos, que vigoram em sua época.
A visão, agora, é a de um regionalismo mais aberto, fazendo aportes a uma
noção mais definida de história, literatura e identidade cultural latino-americana,
processos em que o local e o universal constituiriam a base da nossa hibridização
de formas culturais. Dessa forma, vimos que uma narrativa do terceiro mundo, como
o Brasil, se apropria de novas tecnologias artísticas, via cidades cosmopolitas,
adotando com crítica a influência estrangeira, de países que são tecnologicamente
mais avançados. Constrói-se, assim, como Rosa o fez e Rama discutiu, uma
literatura com seus motivos e temas, mas em procedimentos mais atuais de escrita e
abstração e constituindo, com isso, uma forma simbólica de resistência.
Quando as literaturas dos países do terceiro mundo constroem, mesmo no
plano simbólico, suas produções, quer no mundo da crítica, quer no da literatura,
abrem frestas no poder hegemônico dos países do primeiro mundo, que têm (e
tinham muito antes dessas produções) imagens estereotipadas do terceiro mundo. A
obra de Rosa traz novas imagens, novas configurações narrativas, na literatura, e
novos olhares críticos para falar de nós.
Rosa demonstra, no conto, grande originalidade e uma profunda força
criadora, experimentando e subvertendo, tal qual um “mago das palavras”, a língua e
78
a linguagem, categorias que revelam seu vasto conhecimento da língua pátria e
também de outros idiomas. Os regionalismos, os neologismos, os registros da
oralidade e inventivas construções sintáticas e morfológicas retrataram a própria
linguagem e seu reflexo como instrumento de diferenciação social, fazendo com
que, no ato complexo de leitura da sua obra, fosse-nos possível observar que o
resgate cultural será sempre necessário para responder literariamente a insurgentes
e necessárias indiferenças culturais.
79
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