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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA
ANÁLISE DA PROPOSTA DE PLANEJAMENTO DE AULAS
DE LEITURA DO MATERIAL DIDÁTICO DO PROJOVEM
CAMILA MARIA MARQUES PEIXOTO
Fortaleza - CE
2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA
ANÁLISE DA PROPOSTA DE PLANEJAMENTO DE AULAS
DE LEITURA DO MATERIAL DIDÁTICO DO PROJOVEM
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Lingüística da Universidade
Federal do Ceará, como requisito para
obtenção do grau de Mestre em Lingüística.
Orientadora: Profa. Dra. Eulália Vera Lúcia
Fraga Leurquin.
Fortaleza - CE
2007
2
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Esta dissertação foi submetida ao Programa de Pós-Graduação em Lingüística como
parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre em Lingüística,
outorgado pela Universidade Federal do Ceará, e coloca-se à disposição dos
interessados na Biblioteca de Humanidades da referida Universidade.
A citação de qualquer trecho da dissertação é permitida, desde que seja feita de acordo
com as normas científicas.
__________________________________________
Camila Maria Marques Peixoto
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________________
Profa. Dra. Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin – UFC
(Orientadora)
_________________________________________________________________
Émerson de Pietri - USP
(1° Examinador)
__________________________________________________________________
Profa. Dra. Mônica Magalhães Cavalcante – UFC
(2° Examinador)
___________________________________________________________
Profa. Dra. Lívia R. Baptista - UFC
(Suplente)
3
Quando um rio corta, corta-se de vez
o discurso-rio de água que ele fazia;
cortado, a água se quebra em pedaços,
em poços de água, em água paralítica.
Em situação de poço, a água equivale
a uma palavra em situação dicionária:
isolada, estanque no poço dela mesma,
e porque assim estanque, estancada,
e mais: porque assim estancada, muda,
e muda porque com nenhuma comunica,
porque cortou-se a sintaxe desse rio,
o fio de água por que ele discorria.
O curso de um rio, seu discurso-rio,
chega raramente a se reatar de vez;
um rio precisa de muito fio de água
para refazer o fio antigo que o fez.
Salvo a grandiloqüência de uma cheia
lhes imposto interina outra linguagem,
um rio precisa de muita água em fio
para que todos os poços se enfrasem:
se reatando, de um para outro poço,
em frases curtas, então frase e frase,
até a sentença-rio do discurso único
em que se tem a voz a seca ele
combate.”
(João Cabral de Melo Neto)
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, minha base e refúgio certo em todos os momentos da minha vida.
À Minha orientadora e amiga, Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin, pelo carinho e
parceria profissional e por acreditar sempre na realização desse trabalho.
Às professoras Mônica Magalhães Cavalcante e Lívia R. Baptista pelas sugestões e
contribuições dadas.
Aos colegas e professores do mestrado, em especial à Maria Valdênia Falcão do
Nascimento, que me apoiaram e consolaram nos momentos de angústia.
À minha família, Martha, José Vital, Karla e Carlinhos, que sempre estão a meu lado,
oferecendo amor e apoio para que meus objetivos sejam alcançados.
Ao meu marido querido, Clewton, pelo amor e dedicação, que são bases fundamentais
na minha vida.
Ao amigo Clóvis Neto, pelos conselhos, apoio e incentivo.
À amiga Margareth, pelo carinho e por acreditar em mim mais do que eu mesma.
Ao amigo Paulo Roberto, pelas longas conversas inspiradoras.
À amiga Luziana, pela ajuda na revisão do trabalho.
A todos os amigos do ProJovem, pela força e incentivo.
Ao CNPq, pelo incentivo à pesquisa e pelo apoio financeiro à realização deste trabalho.
5
RESUMO
Nesta pesquisa, lançamos um olhar sobre a sala de aula através do material didático,
focalizando especificamente a aula de leitura. Nesse sentido, optamos por analisar o
material didático do ProJovem, no que concerne ao planejamento da aula de leitura
proposto pelo autor desse material, baseando-nos nas etapas de uma aula comunicativa
de leitura (CICUREL,1991). Para isso, problematizamos as concepções de leitura que
subjazem a esse planejamento (BRAGGIO, 1992); analisamos o planejamento da aula
de leitura, segundo a expectativa do autor do material didático, do professor e do aluno
e, na análise das atividades de compreensão de texto, consideramos a recuperação das
condições de produção dos gêneros (BRONCKART, 1999). Para coleta dos dados,
detivemo-nos nos exercícios de compreensão de textos e nas orientações contidas no
Manual do educador do material didático do ProJovem que, segundo os autores,
desenvolvam habilidades de leitura e interpretação dos textos em “Vamos ler” e
Releitura”, bem como nos dados coletados das aulas gravadas em áudio e nos
resultados dos questionários aplicados a professores e alunos do Programa. Resultados
de análises feitas revelam-nos que o autor do material didático do ProJovem segue um
modelo de planejamento pouco engajado na formação crítica de leitores, limitando-se à
mobilização dos conhecimentos prévios do leitor sobre o tema tratado no texto e não
potencializa a construção dos sentidos. Nos exercícios de compreensão, percebemos
que o autor apresenta equívoco quanto à situação de construção dos gêneros; não
potencializando a interação entre a materialidade lingüística e os conhecimentos prévios
do leitor, nem a negociação dos sentidos do texto entre os sujeitos envolvidos no evento
de leitura. Tais equívocos compõem a expectativa de alunos e professores com relação
à aula de leitura e nos distanciam do ensino produtivo de língua que defendemos, da
formação de leitores críticos de que necessitamos.
Palavras-chave: Leitura; material didático; planejamento; contexto de produção dos
gêneros.
6
ABSTRACT
This research focus on teaching and it aims at analyzing the classroom material used for
reading classes in special. This way, we have chosen to look through the classroom
material used in ProJovem contrasting the principles of the Communicative Language
Teaching (CICUREL, 1991) and the plan for a reading class proposed by the author of
the analyzed material. In order to accomplish that, we have questioned the ideas that
conceive the steps of those reading lessons (BRAGGIO, 1992); we analyzed the
planning of those classes through the expectations of the author of the classroom
material, the teacher and the student. We have also considered the conditions to gender
production through the gender- related analysis of activities for text comprehension
(BRONCKART, 1999).
We verified exercises of reading comprehension as a way to collect data and followed
the Teacher’s Guide of ProJovem classroom material, whose authors believe to develop
reading skills and text comprehension in the sections “Vamos Ler” and “Releitura”.
Besides that, we have recorded classes to use as data, as well as questionnaires
answered by teachers and students of the ProJovem program. The result of the research
shows that the author of the analyzed classroom material is not committed to the growth
of critical reading in the readers. The activities are limited to activation of the reader’s
prior knowledge about the subject of the text and they do not build meaning. In the
activities of text comprehension, we can perceive mistakes in the way gender is built.
There is no interaction between linguistic material and the reader’s prior knowledge
and, besides that, there is no negotiation for meaning by the subjects involved in the
reading activity. Such mistakes make up students and teachers’ expectations about a
reading class and hinder productive language teaching and the formation of critical
readers.
Key- words: reading, classroom material, planning, context for gender production.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ………………………………………………………………......
10
I. REVISÃO TEÓRICA……………………………………………………….....
20
1 ETAPAS DE UMA AULA COMUNICATIVA E SEUS RESPECTIVOS
MODELOS E CONCEPÇÕES DE LEITURA.............................................................
20
1.1 Modelos de leitura ………………………………………………………............... 21
1.1.1 Modelo mecanicista de leitura………………………………………….............. 23
1.1.2 Modelo psicolingüístico de leitura …………………………………….............. 25
1.1.3 Modelo interacionista de leitura ………………………………………............. 29
1.1.4 Modelo sociopsicolingüístico de leitura ………………………………............. 32
1.2 A primeira etapa de uma aula comunicativa de leitura…………………............... 36
1.3 A segunda etapa de uma aula comunicativa de leitura …………………….......... 38
1.4 A terceira etapa de uma aula comunicativa de leitura ……………………........... 40
1.5 A quarta etapa de uma aula comunicativa de leitura ……………………............. 41
1.6 Uma entrada possível no texto: a recuperação do contexto de produção dos
gêneros.........................................................................................................................
44
2 O ESTUDO DO GÊNERO NA ESCOLA............................................................... 52
3 O LIVRO DIDÁTICO…………………………………………............................ 54
II PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
……………....................
63
1 CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA…………………………………............. 64
1.1 O que é o ProJovem? ……………………………………………………............. 64
1.2 Perfil dos alunos …………………………………………………………............ 66
8
1.3 Perfil dos educadores ………………………………………………….............. 67
1.4 Como se divide o material didático? ……………………………………........... 68
2 ENCAMINHAMENTOS PARA COLETA DE DADOS E PROCEDIMENTOS
DE ANÁLISE …………………………….................................................................
69
2.1 Objeto de análise e instrumento de coleta de dados…………………................. 72
2.1.1 Guia de estudos…………………………………………………..................... 72
2.1.2 Manual do educador ……………………………………………………......... 72
2.1.3 Aulas observadas e gravadas. …………………………………....................... 72
2.1.4 Questionários aplicados aos professores............................................................ 73
2.1.5 Questionários aplicados aos alunos ................................................................... 74
3. SISTEMATIZAÇÃO DAS ETAPAS DA PESQUISA ........................................... 75
III ANÁLISES DOS DADOS ………………………………………................
79
1 A PROPOSTA DE PLANEJAMENTO DA AULA DE LEITURA NO MANUAL
DO EDUCADOR DO PROJOVEM............................................................................
79
2 A PROPOSTA DE PLANEJAMENTO DA AULA DE LEITURA NO GUIA DE
ESTUDO DO ALUNO...................................................................................................
93
3 SITUAÇÕES DAS PRÁTICAS DE LEITURA: A SALA DE AULA...................... 117
4. OS SUJEITOS ENVOLVIDOS NO EVENTO DE LEITURA.............................
124
4.1. Questionários aplicados aos professores................................................................ 125
4.2. Questionários aplicados aos alunos ..................................................................... 129
IV CONSIDERAÇÕES FINAIS…………………………………………..........
131
V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................
137
ANEXOS ……………………………………………….....................................
141
9
INTRODUÇÃO
A leitura é um tema amplo e tem merecido inúmeros estudos dos quais podemos
destacar alguns autores como: Braggio (1992); Kato (1995); Leffa (1996); Solé (1998);
Smith (1999); Leurquin, (1997, 2001); Antunes (2003); Kleiman (1988, 1999, 2004); Koch
& Elias (2006); Koch (2006); Pietri (2007) entre outros. Na medida em que buscamos
compreender o processo de construção de sentidos do texto, configuram-se outras
dimensões a serem percebidas que tornam o assunto ainda mais complexo. Ler é dialogar
com a consciência do autor, com outros enunciados e vozes, não extraindo sentidos, mas
construindo-os. Nesse sentido, ler é um processo complexo de construção de sentidos que
acontece a partir da interação entre a materialidade lingüística e os conhecimentos prévios
do leitor. Esse processo torna-se ainda mais complexo quando pensamos na construção de
sentidos realizado na escola, onde os gêneros propostos para estudo são retirados de sua
circulação social de origem e postos em circulação em uma nova situação social – o
contexto escolar. Assim, a leitura dos gêneros textuais, em situação de ensino, não cumpre
os mesmos objetivos de interação que motivam a leitura do gênero fora do ambiente
escolar.
Dessa forma, a leitura não é uma atividade própria da escola, mas uma prática
escolarizada; há, na escola, um processo de escolarização dos gêneros que modifica os
objetivos de leitura. Dessa forma, não lemos na escola com os mesmos objetivos e da
mesma forma que lemos fora da escola (PIETRI, 2007).
Em situação de sala de aula, o gênero não é apenas mediador das atividades humanas,
mas passa a ser objeto de ensino formalizado, e essa dupla função do gênero torna a leitura
um processo ainda mais complexo, uma vez que não são apenas os objetivos da interação
do leitor e do produtor do texto que estão em jogo, mas também os objetivos didáticos do
10
formador de leitores dentro de um contexto escolar específico (SCHNEUWLY &
DOLZ,2004).
Nesta dissertação, investigamos o universo da leitura dos gêneros textuais em situação
escolar, revelado através do planejamento sugerido pelo autor do material didático do
ProJovem para a aula de leitura. Nesse sentido, observamos, no planejamento da aula de
leitura, o cumprimento das etapas que auxiliam a construção e a negociação dos sentidos do
texto (CICUREL,1991), estabelecendo parâmetros de análise lingüísticos que dêem conta
das especificidades dos gêneros estudados.
Em função dos nossos objetivos, colocamos os seguintes questionamentos: as
questões de compreensão e as orientações do autor do material didático do ProJovem
possibilitam a mobilização dos conhecimentos prévios do aluno para a construção ativa dos
sentidos do texto? Como o texto é tratado, nas questões de compreensão propostas pelo
autor do material, no que concerne à recuperação do contexto de produção dos gêneros? As
questões de compreensão possibilitam, em sala de aula, a negociação dos sentidos do texto
entre os sujeitos envolvidos no evento de leitura? Por quê? Qual o papel do planejamento
sugerido pelo autor do material didático do ProJovem na efetivação da aula de leitura e na
expectativa de alunos e professor?
Na construção deste trabalho, os estudos de Leurquin (2001) são centrais para
compreendermos o processo de leitura em situação escolar. A autora observou a mediação
do professor de língua portuguesa no processo de compreensão de textos escritos,
focalizando o contrato de comunicação estabelecido entre os sujeitos (alunos e professores)
envolvidos no evento de leitura. Na pesquisa, ela verificou as concepções de leitura que
sustentam o discurso e a prática do professor; analisou o planejamento da aula de leitura,
baseado nas etapas de uma aula comunicativa proposta por Cicurel (1991); descreveu e
interpretou as concepções implícitas no contrato de comunicação (CHARAUDEAU,
1998); bem como analisou o desempenho dos alunos durante a aula de leitura. Através
dessa pesquisa, podemos perceber que, na apresentação das aulas, o professor estabelece
11
um contrato de comunicação com seus alunos, e esse contrato permeia toda a prática de
leitura e influencia a participação dos alunos na construção dos sentidos do texto.
Focalizamos aspectos diferentes da mediação no processo de leitura. Assim, refletimos
sobre a construção e negociação dos sentidos do texto mediado pelo planejamento sugerido
pelo autor do livro didático. E, para isso, optamos por analisar o material didático do
ProJovem, utilizado na prática de compreensão de textos, assumindo aqui o autor do
material didático o seu papel efetivo de mediador no processo de leitura e, portanto, co-
responsável pela formação de leitores.
Consideramos que o material didático constitui-se, senão o único material de
ensino/aprendizagem, o mais importante, na maioria das escolas de nosso país. A
importância do material didático, em sala de aula, é tal que o interlocutor dos alunos não é
mais o professor, mas o autor do material didático. Este processo de centralização do
material didático está intrinsecamente relacionado à legitimação desse material como
detentor de verdades a serem seguidas por professores e alunos em sala de aula.
Devido à importância do material didático para alunos e professores, a preocupação
com análise e avaliação desses materiais tem sido bastante significativa. Podemos citar,
além de Programas de avaliação do Ministério da Educação como o Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD) e o Programa Nacional do Ensino Médio (PNLEM), a ampliação da
discussão feita por alguns pesquisadores que problematizam o uso e a constituição do livro
didático.
Nesse sentido, podemos destacar os trabalhos de autores, como: Coracini (1999), que
analisou o processo de legitimação do livro didático no Ensino Fundamental e Médio,
percebendo-o como um discurso de verdade, legitimado pelo professor e pela escola;
Grigoletto (1999), que discutiu os sentidos de leitura que embasam as propostas do livro
didático, a concepção sobre a natureza da tarefa do aluno enquanto leitor e o papel do
12
professor enquanto usuário do livro. Grigoletto parte do pressuposto de que o livro didático
se apresenta como um discurso de verdade, que se estabiliza pelos sentidos estabelecidos
pelo autor do material.Verificamos que esses trabalhos percebem o livro didático como um
lugar de estabilização, legitimado pela escola e pela sociedade, que traz representações
sobre o papel dos professores e dos alunos.
Também podemos citar os trabalhos de Marcuschi (2005). O autor constatou que
atividades de compreensão de textos são encontradas facilmente nos materiais didáticos
direcionados ao Ensino Médio e Fundamental. Para ele, o grande problema está na natureza
dessas atividades, pois, na maioria das vezes, as concepções de língua, de texto, de
compreensão, subjacentes a essas atividades, reforçam a adoção exclusiva do modelo
mecanicista de leitura. As questões, norteadas por esse modelo de leitura, consistem na
busca de elementos explícitos, contribuindo pouco para a interação necessária entre a
materialidade lingüística e os conhecimentos prévios do leitor. Dessa forma, mesmo
admitindo a necessidade de mediar e de facilitar a compreensão, a maioria dos autores
constrói suas atividades de leitura com base em concepções teóricas pouco engajadas em
conceber o texto como um espaço real de interação, investindo pouco na formação de
leitores críticos.
Marcuschi analisou as atividades de compreensão de textos de 25 livros do Ensino
Fundamental e Médio, e elaborou uma tipologia das perguntas de compreensão em livros
didáticos de língua portuguesa. Com relação às questões destinadas ao Ensino Médio, os
resultados foram muito preocupantes, já que 70% das questões são fundamentadas
unicamente no explícito do texto.
Sobre a classificação do tipo de questões, podemos citar, além de Marcuschi, autores
como Silva (1996), Solé (1987), Pearson e Gallagher (1983). Todos tipificam as questões
mais comuns encontradas em materiais didáticos destinados ao Ensino Médio e
Fundamental.
13
Não muito distante, temos o trabalho de Godinho (2004) sobre a análise das
atividades de leitura do livro didático do Ensino Médio. A pesquisadora adota o conceito de
leitura como um processo ativo e interativo de (re)criação do significado do texto. Investiga
como as atividades de leitura levam o aluno-leitor a operar com o texto. Verificou também
concepções de leitura e de texto subjacentes ao livro didático e ao manual do professor.
Optou pelas reflexões feitas por Marcuschi (2005) para classificar as questões de
compreensão de textos nos livros didáticos e constatou que, em linhas gerais, os exercícios
de compreensão falham em vários aspectos e não atingem os objetivos apresentados no
manual do professor, demonstrando uma noção de compreensão como simples processo de
decodificação.
Ainda no âmbito das pesquisas sobre o material didático, temos os estudos de Melo
(2000). A autora analisou a proposta curricular, o livro didático e o manual do educador,
além de questionários respondidos pelos alunos e pelos alfabetizadores de um programa de
alfabetização de jovens e adultos. A pesquisa teve como objetivo analisar as atividades de
produção textual. Os resultados mostram que, apesar de o manual do educador e da
proposta curricular basear-se em uma concepção de escrita atrelada ao seu aspecto sócio-
comunicativo, as atividades de produção textual acontecem permeadas por problemas com
relação à questão dos gêneros textuais. Uma das conclusões a que chega o estudo mostra
que há um “descompasso” entre o que o professor diz estar ensinando e o que ele ensina de
fato.
Apesar de problematizarem a qualidade de materiais didáticos avaliados pelo
Programa Nacional do Livro Didático, essas pesquisas se restringem a tipificar e analisar o
conjunto das questões de leitura, não considerando que as atividades propostas pelo autor
são também um trabalho didático e que necessita ser planejado de maneira a facilitar a
formação de leitores críticos. A análise dessa questão é para nós muito relevante, na medida
em que consideramos o material didático utilizado na aula de leitura como a materialização
das concepções teóricas do autor do material didático. Nesse sentido, a nossa pesquisa se
14
propõe a refletir sobre a prática de ensino por meio da análise do material didático do
ProJovem, voltando-se para o planejamento pedagógico sugerido pelo autor desse material
na tríade ensino, mediador dos conhecimentos e aluno, em constante interação.
Essas lacunas são preenchidas por nosso trabalho, na medida em que, para analisar as
atividades de leitura contidas no material didático do ProJovem, defendemos a importância
do planejamento da aula de leitura através do cumprimento de etapas com objetivos
diferentes (CICUREL, 1991), com base em modelos de leitura que potencializem a
formação de leitores críticos (BRAGGIO, 1991).
Sobre o planejamento da aula de leitura, Cicurel (1991) propõe que, em situação de
sala de aula, a compreensão textual deve ser concebida de forma processual, em que a
construção de sentidos acontece através do cumprimento de etapas planejadas com
objetivos diferentes. Essas etapas dão norte à aula de leitura e são classificadas em quatro:
orientar e ativar os conhecimentos prévios de leitor; observar e antecipar o conteúdo do
texto; ler com objetivo; e reagir ao texto.
Consideramos que essas etapas estão interligadas. Nesse sentido, o cumprimento das
primeiras - orientar e ativar os conhecimentos prévios de leitor; observar e antecipar o
conteúdo do texto – são bases para garantir, em etapas inicias, a participação ativa do leitor
na construção de sentidos do texto.
Sobre a terceira etapa, Cicurel (1991) propõe uma leitura criteriosa do texto, mediada
por entradas no texto que permitam ao leitor interagir com a materialidade lingüística.
Iremos propor, como critério de análise no cumprimento da terceira etapa, uma entrada,
que a nosso ver, é imprescindível para a construção de sentidos dos textos e que, na maioria
dos materiais didáticos, não é contemplada adequadamente: recuperar as condições de
produção dos gêneros (BRONCKART, 1999), uma vez que possibilita a discussão de
questões referentes às especificidades do gênero estudado.
15
Já a quarta etapa – religar os conhecimentos ou reagir diante do texto – faz do texto o
ponto de partida para uma discussão que permite o confrontamento entre as idéias do
produtor do texto e o leitor. Nessa etapa, os sujeitos envolvidos no evento de leitura
(professor, autor do material didático, alunos e produtor do texto) encontram-se para
construir e negociar novos sentidos para o texto.
Baseados nas análises feitas em materiais didáticos destinados à formação básica,
como Coracini (1999), Grigolleto (1999), Marcuschi (2005), Godinho (2004) etc, é um
pressuposto, assumido pela pesquisa, que a maioria das atividades de leitura, contidas em
materiais didáticos, tem como base modelos pouco engajados com a formação de leitores
críticos. Nesse sentido, não nos limitaremos à identificação do modelo de leitura
predominante, mas à caracterização dos modelos de leitura e à reflexão sobre a formação de
leitores. Para isso, iremos nos ancorar na classificação sugerida por Braggio (1992) em que
considera e caracteriza quatro modelos de leitura: mecanicistas, psicolingüístico,
interacionista e sociopsicolingüístico. É válido considerarmos que os modelos sugeridos
por Braggio (1992) não dão conta da realidade complexa em que estão inseridas as
atividades do material didático. Na verdade, nenhum modelo fechado de leitura pode
abarcar as diversas dimensões existentes nos eventos de leitura, sendo os modelos apenas
parâmetros necessários para compreendermos um pouco da realidade complexa envolvida
na leitura em situação escolar.
Nesse sentido, em nosso trabalho, aproximamo-nos das duas últimas concepções. Do
modelo interacionista, aproximamo-nos por conceber a leitura um processo complexo de
construção de sentido que se realiza através da interação entre os conhecimentos prévios do
leitor e a materialidade lingüística; assim, ao elaborar questões que facilitem essa interação,
o autor do material didático assumirá, de forma subjacente, o modelo interacionista de
leitura. Do modelo sociopsicolingüístico, aproximamo-nos por considerarmos de extrema
importância o papel do mediador dos conhecimentos no processo de construção de
significado. Assumimos aqui a atitude de perceber o autor do livro didático como um
16
professor de língua portuguesa, co-responsável pela formação de leitores, e as atividades de
compreensão de textos escritos como a materialização das orientações pedagógicas
respaldadas nas concepções teóricas do autor do material didático. Isto implica em uma
série de conseqüências que influenciam diretamente na formação crítica do aluno.
A partir do que foi exposto até aqui, apresentamos os nossos objetivos de pesquisa:
1. Investigar, na proposta de planejamento do autor do material didático do ProJovem,
o tratamento conferido às etapas iniciais de mobilização das representações mentais
do aluno na construção ativa dos sentidos do texto e a relevância desse
procedimento para a construção e negociação dos sentidos do texto na prática de
leitura;
2. Analisar as questões de compreensão e as orientações do autor do material didático
quando se propõem a mediar a interação da materialidade lingüística e os
conhecimentos prévios do aluno, com base na recuperação dos parâmetros
definidores do contexto de produção dos gêneros;
3. Verificar, no evento de leitura em sala de aula, a influência das questões de
compreensão no processo ativo e negociado de construção de novos sentidos pelos
sujeitos envolvidos no evento de leitura;
4. Analisar a influência do planejamento da aula de leitura sugerido pelo autor do
material didático do ProJovem na expectativa de planejamento de professores e de
alunos.
Muitas foram as razões que nos motivaram a optar pelo material didático do
ProJovem, vejamos algumas: (1) foi elaborado especificamente para esse Programa e tem
17
como uma das principais metas a formação de cidadãos críticos; (2 ) o material didático
contém toda seqüência do conteúdo formal, o professor, além de não ter nenhum controle
sobre a escolha desse material, ainda não tem opção sobre o conteúdo; (3) o processo de
avaliação é elaborado unicamente pelos autores do material didático que obviamente se
baseiam no conteúdo formal contido no material para elaboração das avaliações, e por isso
deveriam estar articulados com as propostas do governo federal no que concerne ao
ensino/aprendizagem da língua materna;(4) enquanto professora de língua portuguesa,
vimos que os alunos têm dificuldades em compreender os textos escritos, situação agravada
devido ao perfil plural na mesma sala de aula. Nossa opção por investigar esse material
didático também se justifica pelo fato de sermos (5) assistente da coordenação pedagógica
municipal do referido projeto, e nessa função ter auxiliado na minimização dos problemas
enfrentados pelos professores de língua portuguesa, através da formação continuada de
professores, e o material didático é um dos maiores desafios enfrentados pelos professores
de linguagens do Programa. Por último é relevante considerarmos que (6) o material do
ProJovem nunca foi avaliado pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) nem por
nenhum pesquisador, reforçando ainda mais a urgência de sua análise, reafirmando que a
formação de leitores críticos é base fundamental para o sucesso do Programa.
A pesquisa se ancora nos pressupostos do interacionismo sócio-discursivo e situa-se
na Lingüística Aplicada ao Ensino da Língua Materna, com base na Lingüística textual e
em pressupostos da Análise do Discurso.
Na primeira parte dessa dissertação, intitulada Revisão Teórica, apresentamos,
inicialmente, a caracterização de todos os modelos de leitura sugeridos por Braggio (1992).
Esta caracterização nos dará base para refletirmos, na análise, sobre o tipo de formação de
leitores; seguiremos a construção teórica caracterizando as etapas de uma aula
comunicativa de leitura com base em Cicurel (1991) e propomos, como entrada para a
terceira etapa, a recuperação do contexto de produção, tendo como base os pressuposto do
interacionismo sócio-discursivo (BRONCKART, 1999). Seguiremos a dissertação com um
tópico que contempla a discussão sobre o gênero transposto para o ambiente escolar
18
(SCHNEUWLY & DOLZ, 2004), intitulado: O estudo do gênero na escola; depois
abordamos sobre a centralidade e a funcionalidade do material didático em situação de sala
de aula no tópico: O livro didático; seguido dos procedimentos metodológicos e das
análises feitas no material didático, nas aulas observadas e nos questionários aplicados a
professores e a alunos. Por fim, apresentamos a bibliografia que deu conta das leituras e os
anexos dos instrumentos de coleta de dados.
19
I REVISÃO TEÓRICA
1. ETAPAS DE UMA AULA COMUNICATIVA, MODELOS DE LEITURA E
SITUAÇÃO DE CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS.
Nesta pesquisa, lançamos um olhar sobre a sala de aula através do livro didático. Não
queremos generalizar todas as experiências de leitura em sala de aula, mas problematizar
sobre a qualidade do material didático e, assim, possibilitar deslocamentos e possíveis
rupturas. Nesse sentido, optamos por analisar o material didático do ProJovem no que
concerne ao planejamento da aula de leitura, expresso nas atividades de compreensão de
texto
1
e nas orientações contidas no Manual do educador. E, para isso, baseamo-nos no
planejamento de uma aula comunicativa, proposto por Cicurel (1991).
Para Cicurel, a compreensão textual deve ser concebida de forma processual e ativa.
Dessa forma, a construção de sentidos, em situação de sala de aula, acontece através do
cumprimento de etapas planejadas com objetivos diferentes
2
. Essas etapas dão norte à aula
de leitura e são classificadas em quatro momentos: orientar e ativar os conhecimentos
prévios de leitor; observar e antecipar o conteúdo do texto; ler com objetivo; e reagir ao
texto ou religar os conhecimentos. Considerando que o autor do material didático orienta a
1
Adotamos, em nosso trabalho, as reflexões de Marcuschi (2005) sobre as atividades que exercitam a
habilidade de compreensão de textos nos livros didáticos. Para o autor, o livro didático rotula as atividades
que trabalham a habilidade de compreensão de texto de diversas formas, como exemplo, podemos citar alguns
títulos da seção de compreensão: relendo o texto; refletindo sobre o texto; vamos trabalhar o texto;
interpretando o texto. Assim, não há uma distinção entre a noção de interpretação e de compreensão nos
livros didáticos. No entanto, essa distinção deveria existir, uma vez que compreensão e interpretação são
noções diferentes. Segundo Orlandi (2006 [1988]), a primeira está relacionada à atribuição dos sentidos, que
leva em consideração apenas o contexto lingüístico, e a segunda noção considera que a construção de sentido
é um processo sócio-historicamente determinado. Esta questão não é foco em nosso trabalho, por isso não
fazemos análise do procedimento do autor com relação à essa distinção.
2
Cicurel (1991) trata da aula de leitura em língua estrangeira. Em nosso trabalho, consideramos pertinente
adotar as reflexões da autora, uma vez que as reflexões trazidas pelos estudos de Cicurel são perfeitamente
aplicáveis ao ensino da leitura em língua materna.
20
aula de leitura, acreditamos que ele deverá investir no planejamento da aula de leitura,
baseando-se nas etapas de uma aula comunicativa. Ao desconsiderar o cumprimento dessas
etapas, o autor do material didático pouco contribui para a formação de leitores críticos e
para o trabalho efetivo de mediação do professor.
Para análise da terceira etapa - ler com objetivo – propomos como critério de análise a
recuperação do contexto de produção com base em Bronckart (1999) que influencia na
produção do texto.
Antes de prosseguirmos com a descrição das etapas de uma aula comunicativa de
leitura, vale lembrar que estamos refletindo sobre o ensino de leitura, focalizando
especificamente o material didático utilizado em sala de aula. Nesse sentido, cabe
questionarmos sobre o modelo de leitura em que o autor do material didático respalda a
elaboração das questões de compreensão e, conseqüentemente, o planejamento da aula de
leitura sugerido no material.
Assim, para dar conta da necessidade de fazermos essa reflexão, tomaremos como
base a classificação sugerida por Braggio (1992). A autora considera quatro modelos de
leitura: mecanicista, psicolingüístico, interacionista e sociopsicolingüístico. A seguir,
iremos descrever cada um dos modelos de leitura, e, posteriormente, retomaremos a
discussão sobre o planejamento da aula de leitura.
1.1.Modelos de leitura
O surgimento dos modelos de leitura é influenciado pelo contexto sócio-histórico e
filosófico de determinado período da história da humanidade, e a adoção desses modelos,
em sala de aula, implica em uma série de conseqüências sócio-educacionais que
influenciam diretamente na formação de leitores.
21
Tais conseqüências precisam existir positivamente na vida dos alunos pois, assim
como Paulo Freire (2006), nós acreditamos que a educação é uma forma de intervenção no
mundo e não existe prática pedagógica ingênua. Portanto, a adoção de determinado modelo
de leitura está intimamente relacionada à reprodução da ideologia dominante ou ao seu
desmascaramento. Diante disso, o autor do material didático, co-responsável pela formação
de leitores, também faz uma opção teórica que facilita ou não a formação de leitores
críticos, engajados em transformar a realidade social na qual estamos inseridos. E essas
opções teóricas estão materializadas nas atividades contidas no material didático.
Não existe prática pedagógica sem tomada de decisão, assim como não existe, na
escola, espaço para a neutralidade. Dessa forma, ao adotar predominantemente o modelo
mecanicista de leitura, por exemplo, mesmo que de forma inconsciente, o professor e o
autor do material optaram por um trabalho descontextualizado com língua, em que o
sentido do texto está exclusivamente na materialidade lingüística, e em que não há
participação ativa do leitor no processo de compreensão textual.
Acreditamos que a aula de leitura sempre é respaldada, de forma consciente ou
inconsciente, por concepções teóricas assumidas pelo professor, formador de leitores, e
pelas concepções do autor do material didático, co-responsável pela formação de leitores.
Esse segundo norteia o trabalho do professor, através da proposta de aula de leitura,
expressa nas orientações contidas no manual do educador, e nas atividades de compreensão
de textos, contidas no Guia de estudo do aluno.
Para dar conta da nossa necessidade de identificarmos e refletirmos sobre as
concepções de leitura em que o autor do material didático se ancora para produzir suas
atividades de compreensão de textos escritos, utilizaremos a classificação sugerida por
Braggio (1992) em que considera quatro concepções de leitura: a mecanicista, a
psicolingüística, a interacionista e a sociopsicolingüística. Vale lembrar que os modelos de
leitura não conseguem abarcar a realidade complexa em que estão inseridos os eventos de
leitura. Nesse sentido, os modelos apresentados aqui não são percebidos de forma fechada.
22
1.1.1 Modelo mecanicista de leitura
O modelo mecanicista ou tradicional de leitura é baseado na psicologia behaviorista e
no estruturalismo americano de Bloomfield. Os seus defensores concebem a linguagem
como um sistema fechado, autônomo, em que o significado é retirado do texto e a leitura
“correta” é apenas a leitura autorizada pelo autor do texto. No nosso caso, a leitura
autorizada é a explicitada pelo autor do material didático.
Esse modelo foi largamente divulgado nos processos de alfabetação tradicionais e,
infelizmente, por mais que o discurso dos programas de intervenção na educação do país
seja a formação do cidadão crítico e, por sua vez, de um leitor também crítico, ainda é
bastante comum material didático utilizar como base esse modelo, expresso nas atividades
de compreensão de textos.
A língua é idealizada e expressa o pensamento. Assim quem não “sabe” se expressar,
através da variação padrão, não pensa direito. Tal entendimento condena todas as pessoas
que utilizam variações estigmatizadas ao silêncio, reforçando a massificação, através da
formação de leitores acríticos. O homem é idealizado e abstratamente concebido, entendido
como um ser em isolamento da sociedade, passivo, acrítico, isto é, incapaz de experimentar
contradições internas, de mudar a si mesmo e à sociedade. Para os estudiosos que
defendem esse modelo, a sociedade também é idealizada, abstrata, estática, homogênea e,
portanto, vazia de valores antagônicos, de luta de classes.
A prática de ensino, ancorada nesse modelo de leitura, baseia-se na segmentação das
palavras em frases artificiais ou em unidades menores da língua em atividades de
compreensão do texto. Outro aspecto que o caracteriza é o fato de o componente gramatical
ter precedência sobre o semântico, e a palavra estar diretamente ligada ao seu referente no
mundo. Enfim, a linguagem é fragmentada em sílabas, palavras e sentenças isoladas entre si
e fora do contexto. Dessa forma, “leitura e a escrita são tratadas como mera aquisição da
23
técnica de ler e escrever, com ênfase no componente grafofônicos da língua, como fins em
si mesmas, circunscrita às quatro parede da sala de aula.” (BRAGGIO, 1992, p.9).
No material didático norteado por essa concepção de leitura, as atividades de leitura
contribuem pouco para a compreensão global do texto; são elaboradas aleatoriamente para
preencher as necessidades de ensino dos fonemas/grafemas seqüenciados e de conteúdos
gramaticais. Normalmente, as atividades são controladas pelo autor do material didático,
prevalecendo os exercícios mecânicos e repetitivos, em que são comumente encontrados os
seguintes verbos nos enunciados: cubra, ligue, marque as palavras certas com X, classifique
gramaticalmente, grife dígrafos, forme palavras com as sílabas etc.
O leitor não tem participação na significação do texto, assim não interessa o seu
posicionamento. Ele é concebido como uma tábula rasa, ou seja, não é levado em
consideração seu conhecimento anteriormente adquirido. O trabalho com a língua enfatiza
o estudo das regras normativas, a partir de frases artificiais e descontextualizadas,
excluindo, assim, o significado, as situações comunicativas e os objetivos dos sujeitos
envolvidos no processo da leitura. Normalmente, são exemplos de atividades de leitura,
respaldadas por esse modelo, as que utilizam o texto apenas como introdução para o
trabalho com a norma culta. Diante dessa forma de conceber o texto e a compreensão,
devemos questionar a formação de leitores baseados unicamente ou predominantemente
nesse modelo e, para essa reflexão, recorremos às palavras de Braggio (1991, p.30):
Que tipo de consciência pode ser aflorada quando a palavra é fragmentada,
automatizada, desprovida de sentido? Quando é controlada, quando se nega a
interação dialógica dos indivíduos no âmbito da sala de aula, quando predomina
o discurso do outro? Quando é ironizada e estigmatizada? Quando é calada?
Adotar como base teórica uma concepção de leitura que reforce a prática de silenciar
o aluno, em que a leitura autorizada é apenas a do autor do texto ou a do próprio elaborador
do material didático, dificilmente contribuirá de forma efetiva para a formação de leitores
críticos, capazes de interagir com o texto na construção de novos sentidos.
24
Acreditamos que ensinar exige a convicção de que a mudança é possível e de que o
papel do educador é instrumentalizar o educando para ser sujeito dessa mudança. E, para
essa mudança, a leitura é potencializadora, uma vez que ela pode provocar não apenas a
constatação do que deve ser mudado, mas também pode promover a intervenção necessária
para mudar as relações sociais (FREIRE, 2006).
2 Modelo psicolingüístico de leitura
Ainda percorrendo os modelos de leitura, podemos destacar a concepção
psicolingüística de leitura. Esta é calcada nas reflexões de Chomsky, e muda o foco da
leitura, que antes era o texto e o autor, para o leitor e seus conhecimentos prévios. O ato de
ler está intimamente relacionado à busca de significado, e a compreensão acontece quando
temos questões significativas a fazer ao texto e quando essas questões são respondidas no
texto, sendo muito importante o papel das memórias nesse processo de significação
(SMITH, 1989).
O leitor possui a capacidade inata de adquirir a linguagem e deixa de ser
compreendido como uma tábula rasa. Dessa forma, no processo de leitura, os
conhecimentos prévios do leitor são imprescindíveis e indispensáveis, pois quanto mais
informações não visuais um leitor possuir - informações que vão além dos elementos
gráficos materializados no texto -, maior será o grau de compreensão.
Nesse modelo, a aquisição da linguagem ocorre devido a estruturas biológicas
específicas do indivíduo para a linguagem. O sujeito é tomado como o foco de análise, não
mais considerado como uma tábula rasa, mas como um processador ativo, seletivo e
criativo de informações.
25
Apesar de promover um avanço na maneira de conceber a leitura, os autores que
defendem esse modelo ainda não consideram, no ato de ler, os aspectos sócio-culturais.
Concebem a linguagem como um objeto desprovido de suas funções sociais, vendo os
sujeitos envolvidos na comunicação de forma idealizada, inseridos em uma comunidade
lingüística homogênea. Esse modelo reforça o mito de que a linguagem é uma forma
idealizada e abstrata, como se fosse possível desvincular língua e sociedade. A leitura é
vista como um ato individual, particular para cada leitor por depender de seus
conhecimentos prévios, desprivilegiando o trabalho em grupos, em que um leitor mais
habilidoso pode mediar e facilitar o processo de significação dos sentidos do texto.
A linguagem é concebida como um sistema fechado, autônomo, abstraído das forças
históricas que lhe deram origem, desvinculado dos seus constituintes sócio-culturais, do seu
contexto de produção e da sua atualização em comunidades heterogêneas de fala. Prevalece
o componente sintático sobre o semântico.
O homem, embora visto como um ser ativo, ainda é idealizado e abstratamente
concebido, entendido isoladamente da sociedade. Este tem capacidade para criar, mas
dentro dos moldes de uma sociedade já estabelecida, onde lhe resta não a práxis da
transformação, mas o ajustamento social. A sociedade, como o homem, também é abstrata
e idealisticamente concebida, estática, homogênea e, portanto, esvaziada de valores
antagônicos e de luta de classes.
Apesar do propósito da leitura ser a reconstrução do significado, este está apenas na
mente do escritor e na mente do leitor e não na interação entre autor e leitor via texto.
Inscrevem-se, inicialmente, nesse modelo, autores como Goodman e Smith. O primeiro, em
sua primeira abordagem, toma como base as reflexões de Chomsky no desenvolvimento de
suas pesquisas. Percebeu que o leitor possui uma capacidade para predizer, confirmar,
rejeitar e refinar as informações contidas no texto. Esta capacidade tem base no
conhecimento de que o sujeito tem uma estrutura lingüística que organiza as representações
26
cognitivas do mundo e sua experiência com o texto escrito, concebendo, assim, a leitura
como um processo ativo de construção de sentidos.
Ler, para os autores desse modelo, é atribuir sentido ao texto; a linguagem é um
instrumento de comunicação, em que a língua é um sistema de código composto de signos
que se combinam segundo regras, capaz de transmitir uma mensagem de um emissor a um
receptor, e o ensino da língua é baseado na descrição dessas regras de funcionamento da
língua (LEURQUIN, 2001).
Segundo Goodman (1973), para compreendermos o processo de leitura, é necessário
conhecermos a natureza do input gráfico, entendermos o funcionamento da língua e em que
medida a compreensão depende dos conhecimentos prévios do leitor. A leitura é um jogo
de adivinhação em que o leitor utiliza-se do input gráfico e antecipa o significado das
palavras. Não existe linearidade na leitura. Na verdade, os olhos se movimentam em
círculos, saltos e pulos que recebem o rótulo técnico de sacada (saltos) ou ficam fixos em
intervalos muito curtos processando a informação visual.
Para Smith (1999), a leitura acontece quando temos questões relevantes a fazer para o
texto e quando somos capazes de encontrar respostas a elas. A compreensão é a base da
leitura e não a conseqüência. Não existe leitura sem a efetiva compreensão do texto. Para a
construção de sentido do texto, o autor propõe dois aspectos fundamentais: a informação
visual e a informação não-visual.
A informação visual está relacionada à materialidade lingüística, que é representada
pelas letras, pelas palavras, enfim pelo texto. Ela desaparece quando apagamos a luz. Já a
informação não-visual, está na mente do leitor, atrás dos olhos. Ambas são necessárias para
que haja o processo de leitura.Para Smith:
27
1. Quanto mais informações não-visuais você tiver quando estiver lendo,
menos informações visuais você precisará;
2. Quanto menos informações não visuais você tiver quando estiver lendo,
mais informações visuais você precisará. (SMITH, 1999, pág. 21)
Em outras palavras, quanto mais o leitor souber, menos precisará descobrir e quanto
mais contato com a língua escrita ou com o tema tratado no texto, maior será a quantidade
de informações não-visuais disponíveis na mente do leitor e menos recorrerá ao material
escrito. Os olhos podem ser aliviados do esforço da leitura se o leitor trouxer muitas
informações não visuais ou conhecimentos anteriores.
Para o referido autor, há um limite na quantidade de elementos que podem ser
processados pelo cérebro, no máximo quatro ou cinco elementos, havendo uma velocidade
máxima permitida, de quatro ou cinco por segundo, em que o cérebro pode identificar letras
aleatórias na leitura. É obvio que nós podemos ler mais rápido do que quatro ou cinco letras
por segundo, o que leva a essa rapidez na leitura é a utilização da informação não-visual no
processo de compreensão textual.
Outra contribuição do autor, que auxilia na compreensão do processo de leitura, é o
papel das memórias. Existem três tipos de memórias: armazém sensorial, lugar em que as
informações ficam enquanto o cérebro toma suas decisões; memória de curto prazo, ela é
instantânea e tem pouca capacidade de armazenagem; memória de longo prazo, que é
responsável pelas informações não-visuais.
Um grande problema, na leitura, apontado pelo autor é a sobrecarga da memória de
curto prazo. Essa memória é a nossa memória funcional, que retém brevemente aquilo a
que prestamos atenção. Em situação de sala de aula, alguns educadores podem pedir aos
alunos que leiam cada palavra corretamente, que diminuam a velocidade e leiam letra por
letra, palavra por palavra, principalmente as palavras difíceis. O problema é que esse tipo
de ensino prende-se aos detalhes em detrimento da significação; não possibilita o
armazenamento das informações novas advindas do texto na memória de longo prazo.
28
Segundo Leurquin (1991), em situação de sala de aula, essa maneira de conceber a
leitura é um avanço muito grande em relação ao modelo mecanicista de leitura, pois
considera o processo de leitura um ato ativo de compreensão. No entanto, deixa-nos as
seguintes lacunas:
1. Se cada leitor possui experiências prévias, o que diferencia sua leitura das
demais?
2. Se a leitura é uma atividade individual e individualizante, como podemos
desenvolver a sociabilidade nos aprendizes? (LEURQUIN, 1999, p.37)
Essa última questão e a desconsideração do contexto de produção, no processo de
compreensão de texto, afastam-nos da adoção desse modelo de leitura, considerando que o
nosso interesse é analisar as atividades de compreensão de texto no material didático do
ProJovem, percebendo-as como orientações pedagógicas sugeridas pelo autor do material
para a aula de leitura.
1.1.3 Modelo interacionista de leitura
Para Braggio (1992), o modelo interacionista de leitura, em meados dos anos 60,
surge com influência principalmente da Lingüística e da Psicologia. O interesse em
compreender como o cérebro funciona e os aspectos sociais constitutivos da linguagem
começam a apontar reações aos pressupostos estruturalistas e gerativistas.
O modelo interacionista difere dos outros expostos até aqui por conceber a linguagem
como algo concreto, dentro de uma situação real de comunicação, realizada por indivíduos
reais, dentro de comunidades discursivas heterogêneas e de cultura diversificada.
Destacam-se, como bases teóricas para esse modelo, os estudos da Sociolingüística e da
Psicolingüística. Nessa perspectiva, o conceito de competência comunicativa, diferente do
conceito adotado pelos cognitivistas, consiste não apenas no saber sobre a língua, mas no
uso que se dá a essa língua.
29
No modelo mecanicista ou tradicional, o foco da leitura está no texto, e o significado
é algo acabado e extraído da materialidade lingüística; no modelo psicolingüístico o foco
são os conhecimentos prévios do leitor; já, no modelo interacionista, é focalizada a
interação entre autor e leitor via texto. Dessa forma, o foco da leitura não está apenas no
texto ou no leitor, mas no processo de interação entre os dois. A leitura é um processo ativo
de busca de significado que se norteia pela necessidade real de comunicação.Vale ressaltar
que a noção de processo ativo envolvido na construção de sentido, assumido pelo modelo
psicolingüístico, é bem distinta da noção assumida pelo modelo interacionista. A noção
assumida pelo último modelo de leitura tem como base a necessidade real de comunicação;
diferente da noção de processamento ativo, orientadora do modelo psicolingüístico, que não
leva em consideração, na construção de sentidos do texto, os aspectos relacionados aos usos
da linguagem.
Os estudos de Goodman (1976) deixam clara a influência da lingüística
contemporânea na sua concepção de leitura e escrita. Comunicação e função são as palavras
que norteiam essa concepção de leitura. Ao argumentar “que as instruções devem ser
relacionadas às realidades da língua e da aprendizagem da linguagem em contextos
culturais, sociais”, deixa clara a necessidade de enfocar a linguagem escrita do ponto de
vista da comunicação. Os subsídios que dão base a essa forma de perceber a leitura advêm
principalmente dos trabalhos de Halliday (1969 apud LEURQUIN, 2001).
Adquirir a linguagem escrita é um processo ativo de procura do significado, guiado
pela necessidade de comunicação. Necessidade esta preenchida pelos papéis que a
linguagem escrita pode desempenhar nas sociedades letradas. Segundo Goodman (1970), a
sala de aula e a escola devem fundamentar seus programas de alfabetização, desde o início,
no uso funcional da linguagem. Diante dessa necessidade da escola, Goodman, inspirado
nas funções da linguagem de Halliday, afirma: a) o texto é visto como a unidade básica da
língua, em que esta é tomada holisticamente; b) o significado está na interação entre o texto
e os conhecimentos prévios do leitor; c) a leitura é um processo resultante desses dois
30
processos de significados interagindo; d) os “erros” são vistos como tentativas de chegar ao
significado, à leitura, à escrita convencional.
Para Solé (1998), a leitura é um processo de interação entre o leitor e o texto; nesse
processo, tenta-se obter uma informação pertinente para os objetivos que guiam a leitura do
texto. Dessa forma, a leitura, em situação de sala de aula, deve ter objetivo claro e
pertinente para o aluno. Este utilizará diversas estratégias para conseguir alcançar os
objetivos pretendidos, sendo o professor o responsável por essa mediação. A autora dá
pistas de como a leitura pode ser trabalhada em situação de sala de aula, e propõe a
formulação de atividades de leitura que definam objetivos de leitura pertinentes e
significativos para o aluno, assim como a adoção, por parte do aluno, de diversas
estratégias de leitura que facilitem o cumprimento dos objetivos.
Nesse mesmo sentido, Kleiman (2004) adota também o conceito interacionista de
leitura, em que são mobilizados vários conhecimentos do leitor na construção de sentido do
texto, sendo este um espaço real de interação. A autora concebe o processo de leitura um
ato individual de construção de sentido, uma vez que essa construção depende dos
interesses, objetivos e conhecimento prévio do leitor. Assim, o ensino de leitura só fará
sentido, caso privilegie o trabalho com atividades de leitura que desenvolva estratégias
metacognitivas necessárias para a ampliação das habilidades lingüísticas do aluno.
Estratégias metacognitivas são formas regulares de abordar o texto e, através do
desenvolvimento dessa habilidade, somos capazes de auto-avaliar constantemente a nossa
própria compreensão no processo de leitura. Concordamos com Kleiman sobre a
importância de criar objetivos significativos para a leitura. Dessa forma, a atividade de
compreensão de textos poderá ser um instrumento eficaz para suprir a ausência de objetivos
definidos pelo leitor.
Leitura, nas palavras de Leffa (1996), pode ser definida da seguinte forma:
A leitura é basicamente um processo de representação. Como esse processo
envolve o sentido da visão, ler é, na sua essência, olhar para uma coisa e ver
31
outra. A leitura não se dá por acesso direto à realidade, mas por intermédio de
outros elementos da realidade. Nessa triangulação da leitura, o elemento
intermediário funciona como um espelho; mostra um segmento do mundo que
normalmente nada tem a ver com a sua própria consciência física. Como esses
espelhos oferecem imagens fragmentadas do mundo, a verdadeira leitura só é
possível quando se tem um conhecimento prévio desse mundo. (LEFFA, 1996,
p. 10)
O autor compartilha também da concepção interacionista de leitura, em que o leitor
constrói os sentidos do texto a partir de seus conhecimentos prévios, e o texto é um espaço
de interação.
Modelo sociopsicolingüístico de leitura
Nos modelos de leitura que expusemos até aqui, o papel do professor, enquanto
formador de leitor, e a formação do leitor crítico não foram adequadamente questionados.
Essas dimensões são refletidas no modelo sociopsicolingüístico sugerido por Braggio
(1992). Para os autores que defendem esse modelo de leitura leitores e formador de leitores,
são concebidos em uma dimensão diferente, uma vez que a interação necessária para
ocorrer a construção de sentido do texto não acontece apenas entre leitor-autor do texto,
mas também através dos sujeitos envolvidos no evento de leitura (professores e alunos) na
construção de novos sentidos. Assim, a partir da mediação do formador de leitores, o texto
passa a ser um espaço de interação, construído coletivamente através do debate em sala de
aula. E o leitor utiliza-se da leitura para compreender a sua realidade em uma perspectiva
de transformação social que também é construída coletivamente. Assim, optamos por esse
modelo, na medida em que fortalece o papel do professor e do autor do material didático
como formadores de leitores e por isso mais que simples leitores. Na verdade, o formador
de leitor é responsável em mediar o conhecimento, tornando possível a construção coletiva
dos sentidos do texto pelos sujeitos envolvidos no evento de leitura em uma perspectiva de
transformação social.
32
Leitura, para os autores que defendem o modelo sociopsicolingüístico, é ao mesmo
tempo uma atividade pessoal, sócio-histórica e cultural. O evento de leitura só se realiza
concretamente nos contextos de sua realização, havendo variações de acordo com os
objetivos dos sujeitos envolvidos e com o momento de leitura na re-significação do texto.
É em Goodman (1980) que encontramos uma versão mais detalhada do modelo
sociopsicolingüístico. Na versão desse autor, o ato de ler deve ser visto como um evento
envolvendo um indivíduo e um texto em particular, acontecendo em um momento
específico, num contexto específico, como parte da vida envolvente do indivíduo e do
grupo. O processo de leitura transforma o leitor e o documento lido, uma vez que o
significado é sempre uma relação entre o texto e o contexto (sócio-hitórico-cultural).
Portanto, qualquer evento de leitura deve ser percebido em uma perspectiva pessoal, social,
histórica e cultural.
Outro aspecto fundamental é o papel do leitor e de sua transformação no ato de ler.
Ao caracterizar a leitura como um ato transacional (contrato oculto entre escritor/leitor na
construção de sentido), Goodman postula o papel altamente ativo do leitor. A premissa de
que as transações entre o leitor e o texto resultam num “outro” texto dão o norte a essa
teoria sobre a leitura.
Braggio (1991) amplia esse modelo sugerido por Goodman, na medida em que sente
nas propostas a ausência de uma concepção mais fundamentada sobre a linguagem escrita
como um instrumento formador da consciência do homem. Para a autora, é necessário
formarmos leitores críticos, capazes de pensar, de refletir e de atuar sobre a realidade como
agente sócio-histórico.
Na construção dessa abordagem, as teorias de Freire (2005 [1967]), Vygotsky (2005
[1987]) e Bakhtin (2003 [1979]) encontram-se e ampliam a compreensão de que a
linguagem humaniza o homem e ambos, no processo, são transformados. Dessa forma, as
33
atividades, em sala de aula, devem privilegiar o debate e o questionamento do texto a partir
de uma construção coletiva do sentido, em que o leitor mais experiente auxilia o menos
experiente na superação dos desafios propostos pelo texto. Nesse processo, o professor é
um formador de leitores, por isso mais que um mero leitor. No nosso caso, a mediação do
formador de leitores acontece norteada pelo material didático, através das questões
apresentadas.
Com relação ao processo de mediação, a noção de Zona de Desenvolvimento
Proximal (ZDP) de Vygotsky é muito importante para essa investigação, na medida em que
estamos considerando o professor como um formador de leitores e o autor do material
didático como um co-participador dessa formação. Nesse sentido, o autor estará presente
nos comandos das atividades de leitura e também nas questões por ele elaboradas, e o
professor estará presente, nessa mediação, através de sua participação na sala de aula.
Para esse contexto, Vygotsky chamou de Zona de Desenvolvimento Proximal a
distância entre aquilo que o indivíduo é capaz de fazer de forma autônoma (nível de
desenvolvimento real) e aquilo que ele realiza em colaboração com os outros elementos do
seu grupo social (nível de desenvolvimento potencial). É justamente nessa distância que o
professor e o autor do livro didático atuarão enquanto mediadores na formação de leitores.
É em Bakhtin (2005 [1979]) que o modelo sociopsicolingüístico respalda a natureza
do trabalho com a linguagem. Dessa forma, a linguagem, porque produto da interação entre
os homens, atualiza-se na enunciação dialógica, completa, num contexto de produção
concreto, heterogêneo e multifacetado, sendo sua natureza, portanto, intrinsecamente sócio-
histórica.
Também consideramos que o autor do material didático tem compromisso com a
ruptura que esperamos com as práticas pedagógicas tradicionais, uma vez que esse material
ocupa um lugar de centralidade na maioria das salas de aula de nosso país. Essa
34
centralidade é mais evidente e reforçada pela desvalorização e deslegitimação do papel do
educador ocasionadas por uma série de questões relacionas à crise instaurada na educação,
e para além dela. Nas palavras de Freire:
Não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí que dizer a palavra
verdadeira seja transformar o mundo. A palavra inautêntica, por outro lado, com
que não se pode transformar a realidade, resulta da dicotomia que se estabelece
entre seus elementos constitutivos. Assim é que, esgotada a palavra de sua
dimensão de ação, sacrificada, automaticamente, a reflexão também se
transforma em palavreria, verbalismo, blábláblá. Por tudo isso, alienada e
alienante. É uma palavra oca, da qual não se pode
esperar a denúncia do
mundo, pois não há denúncia verdadeira sem compromisso de
transformação, nem este sem ação (FREIRE,
2005, p. 89).
Compreender esses modelos de leitura, dentro de uma relação sócio-histórica, é
perceber que não existe prática pedagógica neutra, pois não havendo uma definição
ideológica na prática do educador, a sua postura será de reprodução do que já está posto.
Educar significa optar entre o rompimento dos limites impostos ou a reprodução de um
sistema massificador e excludente. Da mesma forma, respaldar as atividades de leitura,
desenvolvidas em sala de aula, em um modelo de leitura que contribua para a formação de
leitores não-passivos, questionadores e construtores do significado do texto, é optar pela
ruptura, pela mudança social e pela formação de um leitor crítico, capaz de confrontar-se
com o texto e de entender e modificar a sua realidade.
Reafirmamos a importância da formação do professor em bases teóricas sólidas. E,
nesse processo, reconhecemos o papel das instituições formadoras, responsáveis por parte
da formação dos educadores. Consideramos também a importância do papel do professor,
por reconhecer que não existe prática pedagógica eficaz, que aponte para mudanças no
sistema, sem pesquisa e compromisso ideológico do educador.
Diante disso, defendemos que o ensino de leitura, assim como toda prática educativa,
deve ser uma forma de intervenção no mundo e, quando falamos em educação como
intervenção, nos referimos à que aspira a mudanças radicais na sociedade, no campo na
35
economia, nas relações humanas, na propriedade, no direito ao trabalho, à terra, à educação,
à saúde. (FREIRE, 2006).
Para contribuir com a formação do leitor crítico, é necessária a elaboração de
atividades de leitura ancoradas em duas concepções de leitura: a interacionista e a
sociopsicolingüístico. Assim é possível um trabalho com a leitura que promova a interação
entre autor/texto/leitor na construção de sentido do texto, assumindo o autor do livro
didático, juntamente com o professor, o papel de formador de leitores críticos e ativos, que
utiliza a leitura para conhecer a sua realidade com intuito de transformá-la.
Podemos afirmar ainda que são perfeitamente compatíveis os modelos interacionista e
sociopsicolingüístico de leitura, adotados por esse trabalho, e a proposta de planejamento de
uma aula comunicativa de leitura sugerida por Cicurel (1991). Seguiremos explicitando o
planejamento da aula de leitura sugerido por Cicurel (1991).
1.2 A primeira etapa de uma aula comunicativa de leitura
A primeira etapa de uma aula comunicativa de leitura consiste em orientar e ativar os
conhecimentos prévios do leitor. Esse procedimento facilita, em etapas posteriores, a
interação entre os conhecimentos internalizados do leitor e a materialidade lingüística.
Essa etapa é considerada pré-leitura; acontece antes da distribuição do texto aos alunos e
tem, como objetivo, mobilizar o repertório mental do aluno, formado pelos conhecimentos
prévios
3
do leitor e representados através de esquemas mentais
4
que armazenam as
informações na memória do indivíduo.
3
. Sobre o papel das memórias e do conhecimento prévio no processo de leitura, indicamos a leitura
principalmente de Smith (1999
).
4
Segundo afirma Rumelhart (1980), a Teoria dos Esquemas é uma forma de entender como os
conhecimentos são representados e como essa representação pode auxiliar na compreensão de
determinadas informações específicas, sendo esse conhecimento armazenado em unidades que são
os esquemas. Assim para compreender o mundo o homem precisa ter dentro de si uma
representação do mundo que são os seus esquemas mentais.
36
A primeira etapa de uma aula comunicativa de leitura, proposta por Cicurel (1991),
aciona principalmente o esquema de conteúdo
5
do aluno. Possibilita a formulação de
hipóteses sobre o tema a ser tratado no texto que serão ou não confirmadas na terceira etapa
da aula de leitura. E, apesar de não promover a interação necessária à leitura efetiva do
texto, facilita a participação ativa do leitor desde o início do processo de leitura,
possibilitando a construção de sentidos, em etapas posteriores, através de atividades de
compreensão que invistam na interação entre a materialidade lingüística e os
conhecimentos prévios do leitor. Para a autora, a primeira etapa consiste na utilização de
três técnicas que podem ser utilizadas pelo autor do material didático e pelo professor em
situação de sala de aula. Sintetizamos essas técnicas da seguinte forma:
a) O acionamento dos conhecimentos prévios em uma conversa prévia sobre o tema
tratado no texto: o autor do livro didático pode fazer questionamentos sobre o tema de que
o texto tratará, através de questões que acionem a enciclopédia mental do aluno sobre o
tema tratado no texto. Poderemos saber, com essa etapa, o que o aluno já sabe sobre o tema
e prepará-lo para religar seus esquemas mentais a novos conhecimentos advindos do texto;
b) Antecipação dos cenários: é uma conseqüência da primeira técnica e consiste na
formação de scripts ou cenários mentais relacionados ao tema do texto; c)A associação de
idéias a partir de palavras chaves: fazer associações sobre o tema tratado no texto, a partir
da utilização de palavras chaves que evoquem cenários ou scripts relacionados ao tema.
Essa etapa, no material didático, pode não estar explicitada através de questões, mas
deverá constar nas orientações sugeridas no Manual do educador. Assim, o autor do
5
Esse modelo sobre a compreensão de textos, dentro de uma abordagem descendente e ascendente da língua
simultaneamente, foi defendido por autores associados à Teoria dos esquemas e inspiraram os estudos de
Carrel (1990) que retoma a Teoria dos Esquemas, defendida por Rumelhart e Ortony e divide os esquemas em
três tipos: esquema de conteúdo, ligado ao conhecimento de mundo e crença sobre o mundo; esquema formal,
relacionado ao tipo de texto, a organização desse texto e a sua estrutura típica e o esquema lingüístico, que diz
respeito aos conhecimentos lingüísticos e que abrange conhecimentos lexicais, sintáticos, semânticos e
pragmáticos.
37
material didático contribuirá para o planejamento necessário de uma aula de leitura,
comprometido com a participação ativa do leitor na construção de sentidos do texto.
Segundo Leurquin (2001), essa fase é muito importante uma vez que é responsável,
juntamente com a segunda etapa, pela formulação de questões que se confirmarão ou não
na terceira etapa. Para a autora, o professor, em situação de sala de aula, restringe a aula de
leitura ao cumprimento da primeira - orientar e ativar os conhecimentos prévios do leitor -
e na tentativa de realização da quarta etapa – reagir ao texto ou religar os conhecimentos.
Dessa forma, não há o momento efetivo da leitura pertencente à terceira etapa da aula de
leitura- ler com objetivo -. Na verdade, há apenas o prestígio dos esquemas de conteúdo
(conhecimento sobre a temática do texto), segundos os estudos de Carrel (1990). Em sala
de aula, o professor discute apenas os temas tratados no texto e não avança na construção
de sentido do texto através do confronto entre as hipóteses levantadas no inicio do texto e a
materialidade lingüística para acionar, assim, esquemas lingüísticos e esquemas formais.
Nesse sentido, reafirmamos a importância do planejamento da aula de leitura sugerido
pelo autor do material didático, com base no cumprimento de todas as etapas de uma aula
comunicativa de leitura e damos ênfase à terceira etapa, posteriormente apresentada.
1.3 A segunda etapa de uma aula comunicativa de leitura
A segunda etapa de uma aula de leitura, proposta por Cicurel (1991), caracteriza-se
pela observação e antecipação do conteúdo e da função do texto, através de uma leitura
rápida ou varredura. Essa etapa ainda é bastante apoiada nos conhecimentos prévios do
leitor e permite aos alunos familiarizarem-se com o texto. O autor do material didático pode
utilizar o repertório de sinais tipográficos para facilitar a leitura que será efetivada na
próxima etapa. Há, no material gráfico do texto, variáveis visuais em que o leitor poderá
apoiar-se para antecipar o tema tratado no texto, mas isso não quer dizer que o leitor
38
aprendiz, por ele mesmo, compreenderá imediatamente a função dessa diversidade visual
contida no texto. Assim, é necessário que o autor do material didático ou o professor criem
condições de leitura que facilitem essa percepção.
Essas variáveis visuais são sinais no texto que podem facilitar a compreensão por
antecipar algumas informações. Podemos considerar como sinais: os índices metatextuais, o
título do texto, a enumeração das partes e formato característicos de determinados gêneros,
as proeminências textuais (fontes, parênteses, ilustrações, citações, etc), as figuras e
legendas. A segunda etapa, apesar de o aluno fazer uma leitura rápida do texto, ainda não é
considerada, pela autora, como leitura efetiva. Essa etapa, como a primeira, privilegia os
conhecimentos prévios do leitor e possibilita a posterior interação entre os conhecimentos
prévios, que compõem o repertório mental do aluno, e a materialidade lingüística.
A nosso ver, é relevante o autor do material didático considerar algumas
características do gênero em situação real de produção e de uso nas atividades propostas.
Por exemplo, o gênero notícia traz elementos gráficos que são destacados de forma
estratégica pelo autor do texto, que têm o intuito de chamar a atenção do leitor. Podemos
destacar do gênero notícia: o lead, o título, a fotografia e a legenda. Transpor um gênero
como notícia para o material didático, sem a presença desses elementos que o compõem,
diminui as possibilidades de trabalhar a compreensão e a produção desse gênero.
O autor do material didático poderá formular questões que levem em consideração
esses sinais proeminentes no texto com intuito de antecipar o conteúdo. Esses sinais
funcionam como índices que facilitam a posterior leitura do texto e que permitem a
elaboração de hipóteses.
Segundo Leurquin (2001), a segunda etapa da aula de leitura, normalmente, é
desconsiderada pelos professores em sala de aula. Não há questionamentos sobre como o
texto está estruturado, sobre o conhecimento sobre o gênero e nem sobre as variáveis
39
visuais que compõem o texto. A leitura é realizada pelos alunos em silêncio, não há debate
sobre as estratégias utilizadas pelo autor para evidenciar o título, a cor das letras, as figuras
que compõem determinados gêneros. Essa atitude nega aos alunos a ampliação de
estratégias que facilitem a construção de sentido do texto.
1.4 A terceira etapa da aula
A terceira etapa de uma aula comunicativa de leitura, sugerida por Cicurel, consiste
em ler com objetivo. Trata-se de uma leitura criteriosa que tem como objetivo promover a
efetiva interação entre a materialidade lingüística e os conhecimentos prévios do leitor.
Essa etapa aproxima-se muito do modelo interativo de leitura descrito por Braggio (1992),
e deve ser um momento na aula de leitura que dará suporte para a quarta etapa, descrita
mais adiante, que é reagir diante do texto.
A terceira etapa é o momento em que o autor do material, co-responsável pela
formação de leitores, e o professor, em situação de sala de aula, facilitam a interação
necessária à leitura do texto, através de entradas propostas pelas questões de compreensão.
Assim, o formador de leitores deve pedir aos alunos para confrontarem as hipóteses
levantadas, nas etapas anteriores de leitura, com as informações contidas no texto. Cicurel
propõe várias entradas no texto que favorecem a interação entre as novas informações e
aquelas trazidas pelo conhecimento prévio do aluno. No entanto, não iremos adotar, em
nosso trabalho, as entradas propostas pela autora, uma vez que há, na proposta de Cicurel,
uma mistura de teorias com quadros epistemológicos bem diversos. Dessa forma,
avançamos, em relação ao trabalho da autora, ao propor parâmetros mais lingüísticos e
específicos para o estudo do gênero textual.
Nessa direção, propomos, para análise da terceira etapa da aula de leitura sugerida
pelo material didático do ProJovem, uma entrada, que a nosso ver, é imprescindível para a
40
compreensão de textos e que, na maioria dos materiais didáticos, não é contemplada
adequadamente: recuperar as condições de produção dos gêneros (BRONCKART, 1999)
Enfatizamos que, nessa etapa da aula comunicativa de leitura, a produção de sentidos
é uma atividade altamente complexa que se realiza com base na interação entre os
conhecimentos prévios do leitor e a materialidade lingüística. Isso significa que o sentido
de um texto, qualquer que seja a situação de comunicação, não depende apenas da estrutura
textual em si mesma. A produção de sentido realiza-se à medida que o leitor considera
aspectos relacionados ao contexto que dizem respeito aos conhecimentos da situação
comunicativa, do gênero, da forma como esse gênero é organizado etc.
Aspectos relacionados às condições e às finalidades comunicativas, envolvidos na
elaboração de um gênero são imprescindíveis na construção de sentido do texto. Nessa
perspectiva, aproximamo-nos do interacionismo sócio-discursivo desenvolvido
principalmente pelo grupo de Bronckart (1999). No item 1.6 (página 42), iremos nos deter
na entrada escolhida como critério de análise para o material didático do ProJovem: a
recuperação do contexto de produção.
1.5. A quarta etapa de uma aula comunicativa de leitura
A última etapa sugerida por Cicurel trata do confrontamento entre as informações
contidas na materialidade lingüística e do posicionamento do leitor. A quarta etapa é
chamada, pela autora, de religação dos conhecimentos ou reagir diante do texto.
Para Cicurel, nessa fase o texto passa a ser ponto de partida para uma reflexão e
aprofundamento que será construído coletivamente no debate em sala de aula. O trabalho
com o texto não pode reduzir-se apenas à compreensão da materialidade lingüística; a
leitura passa ser efetivamente crítica quando ancora as novas informações nos
41
conhecimentos prévios do leitor para uma reação do leitor diante do texto e de sua
realidade.
Nesse sentido, o leitor reage ao texto, dá uma opinião que pode ser diferente do
posicionamento do autor do texto e do autor do material didático. O aluno busca outros
níveis de significação, que servirão de base para reposicioná-lo diante de sua realidade, em
uma perspectiva de transformação social. Essa etapa trata dos prolongamentos ou efeitos
que a compreensão do texto provoca no aluno.
A quarta etapa possibilita a leitura crítica do texto, defendida no modelo
sociopsicolingüístico, sugerido por Braggio (1992). Podemos perceber a aproximação entre
o modelo sociopsicolingüítico de leitura e a última etapa de uma aula comunicativa de
leitura através das palavras de Braggio:
(...) É necessário que o leitor também entre em confronto com o texto, com as
idéias do autor, com as suas intenções e possa avaliar em que medida os dados
disponíveis através do material escrito entram em contradição com sua realidade.
É preciso, através da linguagem escrita (mas não só através dela), construir a
consciência crítica do indivíduo, possibilitando-lhe uma reflexão sobre sua
realidade, uma leitura do mundo, uma leitura de sua realidade (BRAGGIO,
1991, p. 91).
Para Braggio, assim como para Cicurel, a aula de leitura não pode se limitar à
interação texto-leitor via texto. Essa interação deve ser antes ponto de partida para a
construção de um “outro” sentido do texto construído dialogicamente entre os envolvidos
no evento. Isto significa que a aula de leitura deve estar intimamente relacionada à
formação do leitor crítico, que, de posse da linguagem escrita, seja sujeito de sua práxis.
Cabe, ao autor do material didático, apontar caminhos para que o professor possa ser
de fato o mediador desses processos envolvidos na leitura. Esses caminhos podem ser
indicados através das atividades de compreensão de textos e das orientações expressas no
Manual do educador. O material didático deve potencializar, em sala de aula, a interação,
não apenas entre a materialidade lingüística e os conhecimentos prévios do aluno, mas
42
também entre os sujeitos envolvidos na situação de leitura, através do debate e de questões
que possibilitem o confrontamento entre o posicionamento do autor e o dos sujeitos
envolvidos na atividade de leitura.
Mas, para que haja efetivamente o cumprimento da quarta etapa, consideramos de
extrema importância a efetivação da terceira. Na verdade, todas as etapas estão interligadas;
a primeira e a segunda, que garantem o engajamento do leitor desde a expectativa da leitura
do texto, dão suporte à terceira, em que ocorre a interação entre os conhecimentos prévios
do leitor e a materialidade lingüística; e a terceira é base para a quarta etapa, uma vez que a
última etapa ancora-se no texto para religar os conhecimentos ou reagir diante do texto.
Nesse sentido, a quarta etapa só será efetivada caso haja entradas no texto que
possibilitem a interação entre os conhecimentos prévios do leitor e o texto. Assim, apenas a
presença de perguntas que questionem a opinião do aluno com relação ao tema tratado no
texto não garante o cumprimento da quarta etapa. Achamos que essa atitude constante em
materiais didáticos e na prática do professor é superficial e pouco engajada na formação de
leitores críticos.
Para o cumprimento da quarta etapa, é preciso que o aluno faça um confronto entre
seu posicionamento e as pistas do posicionamento do produtor do texto, contidas nas
informações (explícitas e implícitas) contidas no texto. Assim, o texto passa a ser ponto de
partida para a construção de um outro texto, construído através da interação dialógica entre
os envolvidos no evento de leitura.
No próximo item, detalharemos a entrada que escolhemos para análise do material
didático do ProJovem.
43
1.6.Uma entrada possível no texto: a recuperação do contexto de produção dos
gêneros.
A terceira etapa da aula de leitura – ler com objetivo – prevê entradas no texto mediadas
pela ação do professor em sala de aula. Em nosso trabalho, defendemos que o autor do
material didático, através das atividades de compreensão/interpretação de textos, deve
cumprir principalmente essa etapa, potencializando, assim, a efetivação da interação entre
a materialidade lingüística e os conhecimentos prévios do leitor na construção de sentido
do texto.
Tendo em vista que todos os textos, produzidos de forma oral ou escrita, se
manifestam sempre num ou noutro gênero, um maior conhecimento do funcionamento
dos gêneros textuais é importante tanto para a compreensão como para a produção de
textos
6
. Dessa forma, o estudo do gênero é imprescindível em aulas de compreensão de
texto, pois os objetivos da leitura estão relacionados à interação do homem em sociedade
e à apropriação da linguagem escrita em uma perspectiva de transformação social.
Nos materiais didáticos destinados ao ensino de língua portuguesa, percebemos que
há uma variedade de gêneros textuais, no entanto, uma observação mais apurada revela
que essa diversidade não corresponde a um trabalho centrado na apropriação do gênero
textual. Os gêneros que normalmente aparecem nas seções são tratados da mesma forma;
as especificidades que os tornam diferentes não são levadas em consideração. Essas
especificidades têm relação direta com o contexto de produção em que o gênero foi
escrito e devem ser objeto de estudo formalizado pela escola. Por isso defendemos que a
recuperação do contexto de produção do gênero é uma maneira segura de problematizar
algumas especificidades deste gênero, oriundas da situação comunicativa que o originou.
6
Para Bronckart (1999), a noção de texto designa toda unidade de produção verbal que veicula uma
mensagem lingüisticamente organizada e que tende a produzir efeito de coerência no destinatário. Dessa
forma, os textos são produtos das atividades de linguagem em funcionamento permanente nas formações
sociais. Essas formações elaboram diferentes espécies de textos, que apresentam características estáveis, e por
isso chamados de gêneros de texto. Assim, consideramos, nesse trabalho, que todo texto manifesta-se no
formato de um gênero.
44
A noção de gênero textual, da forma como a percebemos hoje, tem bases em Bakthin
(2003 [1979]). Para o autor, todos os campos da atividade humana estão indissociavelmente
ligados ao uso da linguagem. Dessa forma, compreende-se que os usos da linguagem sejam
tão múltiplos quanto a forma de organização e os tipos de atividades desenvolvidas pelo
homem. Assim, cada esfera das atividades humanas elabora tipos relativamente estáveis de
enunciados, ou melhor, elabora gêneros que são socialmente construídos, frutos da
experiência das gerações precedentes, sendo estes renovados e modificados pelas
especificidades da necessidade de comunicação. Os gêneros definem, dentro de
determinada esfera social, o que é dizível, e dialogicamente o que deve ser dito define a
escolha de um gênero.
Além dessa dimensão comunicativa do gênero, temos um desdobramento como
conseqüência das reflexões de Schneuwly e Dolz (2004), para quem o gênero não é apenas
instrumento de comunicação, pois passa a ser objeto de ensino, inserido em situação bem
diferente daquelas que determinam a adoção do gênero em contextos sociais reais, extra-
escolares.
Na mesma linha de raciocínio, vemos em Bronckart (1999) que a espécie humana
caracteriza-se pela extrema diversidade e pela complexidade de suas formas de organização
e de suas atividades. A evolução do homem está intimamente relacionada ao surgimento da
linguagem. As atividades humanas
7
, ao contrário das atividades dos animais irracionais,
são reguladas e mediadas por verdadeiras interações verbais que surgem a partir das
exigências sociais, sendo essa atividades realizadas através da medição de tipos
estabilizados de textos, ou melhor, de gêneros de textos. Para o autor, “ (...) conhecer um
gênero de texto também é conhecer suas condições de uso, sua pertinência, sua eficácia ou,
7
As atividades humanas, para o interacionismo sócio-discursivo, podem ser consideradas uma estrutura do
comportamento, norteada pelas condições sociais que a fazem nascer. A atividade de linguagem funciona
como mediadora entre o sujeito e o meio, e tem origem nas situações de comunicação.
45
de forma mais geral, sua adequação em relação às características físicas desse contexto
social (BRONCKART, 1999, p. 48).
Para o interacionismo sócio-discursivo (ISD), que considera a linguagem respaldada
pelas teorias derivadas de uma psicologia social orientada pelos princípios epistemológicos
do interacionismo social, a linguagem humana é percebida em duas dimensões: de um lado
é constitutiva do psiquismo especificamente humano, ou melhor, está relacionada aos
mecanismos de construção das experiências individuais do homem em interação social; e
de outro lado é constitutiva das relações sociais por fornecer um ponto de vista contextual e
social das experiências humanas. Na ontogênese humana, as atividades e as produções de
linguagem em ambiente social desempenham um papel central, pois são elas que levam o
desenvolvimento humano na direção de um pensamento consciente. No quadro dessa
atividade social de linguagem e no quadro da formação social, desenvolvem-se ações de
linguagem dos indivíduos particulares.
A ação de linguagem desenvolve-se em dois níveis. No primeiro, sociológico, como
uma porção da atividade de linguagem do grupo, recortada pelos mecanismos gerais das
avaliações sociais e imputadas a um organismo humano individual. No segundo nível,
psicológico, como o conhecimento disponível no indivíduo particular das diferentes facetas
da sua própria responsabilidade na intervenção verbal. É neste último nível que Bronckart
(1999) define a noção de ação de linguagem. Para o autor, a ação de linguagem integra as
representações dos parâmetros do contexto de produção e do conteúdo temático, tais como
um agente determinado as mobiliza quando realiza uma intervenção verbal. Tais ações
estão intimamente ligadas à utilização das formas comunicativas que se encontram em uso
numa determinada formação social, ou melhor, à utilização dos gêneros de texto.
46
Nesse contexto, a escolha do gênero, dentro do intertexto
8
, e de sua estrutura
composicional têm relação direta com os parâmetros internalizados do agente produtor que
definem o contexto de produção do texto. Para compreender as condições de produção dos
textos, é necessário fazermos uma análise dos parâmetros da situação de ação de linguagem
de um agente. A situação de ação de linguagem internalizada, diferente da situação de
linguagem externa (pertencente à representação dos mundos formais, tais como uma
comunidade de observadores poderia descrever), designa as propriedades dos mundos
formais internalizadas pelo agente produtor (produtor do texto), ou melhor, as
representações dos mundos físico, social e subjetivo que influenciam diretamente na
produção textual.
Para Bronckart, o contexto de produção pode ser definido como “o conjunto dos
parâmetros que exercem influência sobre a forma como um texto está organizado.(...)
Esses parâmetros estão reagrupados em dois conjuntos: mundo físico e mundo social e
subjetivo” (BRONCKART, 1999, p. 93).
Os mundos (físicos, sociais e subjetivos) são conjuntos de representações sociais que
o agente tem internalizado dentro de si. Na análise do contexto de produção, o analista
(pesquisador da área de linguagem) pode fazer apenas hipóteses sobre essas representações
específicas de que o agente dispõe de si e do quadro comunicativo no qual o evento está
inserido. Assim como o analista, o leitor (aluno-leitor, autor do material didático e
professor) também não poderá ter acesso à representação exata desses parâmetros
envolvidos na produção textual, mas buscará em seus conhecimentos internalizados do
mundo formal e (físico, subjetivo e sociais) e na materialidade lingüística as pistas que
permitirão refazer parte do contexto de produção, permitindo, assim, a construção de novos
sentidos para o texto escrito.
8
Para Bronckart (1999 pág 100), o intertexto é composto pelo conjunto de gêneros de textos
elaborados pelas gerações. Os gêneros, dentro desse intertexto, são eventualmente transformados e
reorientados pelas formações sociais contemporâneas.
47
Sobre o mundo físico, podemos afirmar que essa representação desenvolve-se no
indivíduo na primeira infância. Essa representação diz respeito ao contexto físico e ao
comportamento verbal concreto do autor do texto que se situa por coordenadas do espaço e
do tempo. Esse mundo físico pode ser definido por quatro parâmetros: o lugar de produção
que é o lugar concreto, geograficamente situado no qual o texto foi produzido; o momento
de produção que é a extensão do tempo durante a qual o texto é produzido; o emissor
(produtor ou locutor) que é quem produziu fisicamente o texto; e, por último, o receptor
que é a pessoa que pode receber ou perceber concretamente o texto.
Apesar de Bronckart não ter trabalhado esses parâmetros na compreensão/recepção
dos textos, não podemos desconsiderá-los na construção de sentido. Pelo contrário, a
compreensão também é influenciada por esses parâmetros, na medida em que o leitor, co-
produtor do texto em uma abordagem interativa e sociopsicolingüística de leitura, possui
também uma representação internalizada dos parâmetros definidores do mundo físico e
busca, a partir das pistas contidas na materialidade lingüística, recuperar parte dos
parâmetros definidores do mundo físico que influenciaram na produção do gênero.
Para Bronckart, a produção de texto também se inscreve no quadro das atividades de
uma formação social, ou seja, no quadro de uma forma de interação comunicativa que une
o mundo social e o mundo subjetivo. Essa formação social, envolvida na produção textual,
implica na representação do mundo social (normas, valores, regras etc) e do mundo
subjetivo (imagem que o autor faz de si ao agir). Diferente da representação do mundo
físico, o mundo social desenvolve-se de forma complexa e gradual no decorrer da vida do
indivíduo; muitos problemas na interação verbal são resultantes de falsas representações do
mundo social. Por exemplo, podemos desrespeitar a hierarquia pertencente a uma relação
empregador-empregado, em uma situação formal de comunicação, quando confundimos os
papéis exercidos socialmente pelo empregador; podemos, ainda, produzir determinado
gênero em uma situação inadequada.
48
O mundo sociosubjetivo pode ser decomposto em quatro parâmetros principais: lugar
social, que corresponde ao quadro de qual formação social ou instituição a interação é
efetivada (escola, família, exército, interação comercial etc); a posição social do emissor
(que lhe dá estatuto de enunciador) diz respeito ao papel social que o emissor desempenha
na interação em curso (papel de professor, papel de pai, papel de cliente, por exemplo); a
posição social do receptor (que lhe dá estatuto de destinatário) qual é o papel social
assumido pelo receptor (papel de aluno, de criança, de colega, de empregado, por
exemplo); o objetivo da interação que diz respeito, do ponto de vista do enunciador, ao
efeito que o texto deve produzir no destinatário.
Os parâmetros do mundo sociosubjetivo também devem ser levados em consideração
na construção de sentido do texto. O leitor, para compreender um texto, necessita
compartilhar com o autor de determinadas representações mentais envolvidas no contexto
de produção de um gênero textual. Ressaltamos que essas representações mentais do
mundo sociosubjetivo são internalizadas pelos indivíduos, que recorrem às representações
externas dos mundos formais, sendo estas últimas internalizadas e construídas
historicamente nas relações sociais.
Diante disso, devemos ressaltar que, assim como o agente produtor do texto, utiliza as
representações internalizadas do mundo social para produzir um texto, também o leitor
utilizará suas representações internalizadas do mundo social na construção de sentido. Estas
representações internalizadas pelo leitor compartilham alguns pontos de conexão com os
parâmetros que definiram o contexto de produção do texto. No entanto, as representações
internalizadas pelo leitor não podem ser as mesmas que definiram o contexto de produção
do texto, uma vez que esta internalização do mundo social tem relação com a história
individual de quem produz e de quem lê um texto. Por conseguinte, cada leitor poderá
atribuir ao texto novas relações, novos sentidos que poderão identificar-se ou não com o
posicionamento do autor do texto.
49
Para Bronckart, não podemos confundir os parâmetros do mundo físico e do mundo
sociosubjetivo. Dessa forma, quando tratamos de emissor/receptor, estamos nos referindo
aos organismos que produzem ou recebem um texto, ou seja, à representação física desses
parâmetros do contexto de produção; e, quando tratamos de enunciador/destinatário,
estamos referindo-nos ao papel social assumido pelo receptor e pelo emissor.
Na produção de um texto, além da mobilização dos parâmetros requeridos para a
formação do contexto de produção (mundo físico e mundo sociosubjetivo), o autor também
mobiliza as representações sobre o mundo na escolha do conteúdo temático que será
verbalizado nos textos. Para Bronckart:
O conteúdo temático de um texto pode ser definido como o conjunto de
informações que nele são explicitamente apresentadas, isto é, que são trazidas no
texto pelas unidades declarativas da língua natural.(...) assim como os
parâmetros do contexto, as informações constitutivas do conteúdo temático são
representações construídas pelo agente-produtor (
BRONCKART 1999, p.
97).
Esse conteúdo temático constitui-se de um conjunto de experiências armazenadas,
que revelam o conhecimento de mundo do autor e, para que o processo de interação verbal
se concretize, é preciso que autor e leitor compartilhem desses conhecimentos acumulados.
O autor do texto, dentro de um repertório de possibilidades, mobiliza, na escolha de
um gênero, os parâmetros definidores do contexto de produção e do conteúdo temático.
Dessa forma, descrever uma ação de linguagem consiste em identificar os valores precisos
que são atribuídos pelo autor do texto a cada um dos parâmetros do contexto de produção e
do conteúdo temático. É válido ressaltarmos que todas as considerações feitas até o
momento dizem respeito à enunciação do texto. Compete ao autor do material didático
apenas reconstruí-las.
50
Uma mesma ação de linguagem pode ser empiricamente observável em determinado
texto de forma variada. Essa variabilidade de realizações de uma mesma ação de linguagem
tem relação direta com as disponíveis características morfossintáticas e léxico-semânticas
próprias das línguas naturais.
Cabe ao autor do texto optar pelo gênero mais adequado e eficaz, dentre os gêneros de
textos disponíveis no intertexto, às condições e às finalidades da comunicação, bem como
ao planejamento do texto. Isso significa determinar também a forma como irá materializar e
organizar o seu texto.
Os gêneros são produtos da atividade humana e, como tais, estão articulados às
necessidades, aos interesses e às condições de funcionamento das formações socais no seio
das quais os produziram.
A emergência de uma espécie de texto pode estar relacionada ao surgimento de novas
motivações sociais; pode ser consecutivo de novas circunstâncias de comunicação ou ao
aparecimento de novos suportes de comunicação. Assim, não é possível desconsiderar o
contexto de produção e os elementos envolvidos na interação social no estudo dos gêneros
em sala de aula.
Com relação ao estudo do gênero, além dessa dimensão mediadora das relações
humanas, é pertinente considerarmos a complexidade do seu estudo na escola, uma vez que
o gênero, além de ser instrumento de comunicação, é, ao mesmo tempo, objeto de
ensino/aprendizagem. Sendo retirado de seu ambiente de produção e circulação, o gênero,
na escola, ultrapassa os seus objetivos primeiros de interação e passa a ter outros objetivos
próprios do ensino. Nesse sentido, podemos dialogar com o pensamento de Schneuwly e
Dolz (2004), relacionando a construção de sentidos do texto à situação de sala de aula.
51
2. O ESTUDO DO GÊNERO NA ESCOLA
Na missão de ensinar o aluno a produzir e a ler textos, a escola sempre trabalhou com
gêneros, pois toda forma de comunicação materializa-se em espécies de textos que fazem a
mediação das interações sociais. O problema do trabalho com o gênero na escola não é a
sua ausência, mas a natureza desse trabalho. Na verdade, a particularidade da situação
escolar reside no seguinte fato: há um desdobramento que se opera em que o gênero não é
somente instrumento de comunicação, mas é, ao mesmo tempo, objeto de
ensino/aprendizagem. Dessa forma, o gênero, além de ser instrumento de mediação social,
é objeto de ensino formalizado pela escola.
Para Schneuwly e Dolz (2004), normalmente a escola assume três formas de conceber
o estudo do gênero na escola. Elas podem ser definidas da seguinte forma: o
desaparecimento da comunicação; a escola como lugar de comunicação e a negação da
escola como lugar específico de comunicação. A primeira forma de conceber o gênero na
escola o esvazia da sua função comunicativa em prol da apropriação de formas
abstratamente concebidas. Essa atitude pode ser revelada em trabalhos baseados
unicamente na apropriação dos gêneros escolares (narração, descrição e argumentação). A
segunda forma de trabalho com o gênero faz da escola lugar autêntico de comunicação, em
que todos os gêneros nascem naturalmente da comunicação escolar, não havendo a
consideração de modelos externos à escola; assim, o aluno aprende a escrever e a ler os
gêneros de forma natural, sendo desnecessária a intervenção do professor. A última forma
de trabalho com gênero nega as particularidades das situações escolares como formas de
comunicação, o objetivo desta forma de ensino é levar o aluno ao domínio do gênero,
exatamente como este funciona nas práticas de linguagem.
Os autores propõem uma reavaliação das diferentes abordagens discutidas acima, a
partir de uma tomada de consciência do papel central dos gêneros como objeto de ensino e
instrumento de trabalho para o desenvolvimento da linguagem. Dessa forma, há dois pontos
52
de reflexão pertinentes na elaboração de uma proposta de intervenção didática que vise ao
trabalho de apropriação do gênero. O primeiro aspecto relaciona-se a objetivos precisos de
aprendizagem a partir dos gêneros, objetivos que, além de possibilitarem ao aluno dominar
determinado gênero, permitam o desenvolvimento de capacidades que ultrapassam o
gênero alvo e que são transferíveis para outros gêneros. O segundo aspecto diz respeito ao
fato de o gênero ter seu contexto de produção e circulação relacionado a um outro lugar
social diferente da escola; o gênero sofre transformações como gênero a apreender, apesar
de continuar sendo forma de mediação das atividades humanas. Dessa forma, o gênero na
escola é sempre uma variação do gênero de referência, construído em uma dinâmica
diferente, lido e produzido com objetivos relacionados ao ensino/aprendizagem.
A leitura do gênero na escola também deve ser compreendida como a variação da
leitura de um gênero de referência. Nesse sentido, para Pietri (2007), a leitura do gênero
não é uma prática apenas da escola, mas uma prática escolarizada. Lemos e produzimos
gêneros independentes do trabalho formalizado pela escola. Na verdade, a maioria dos
textos, que compõe os materiais didáticos utilizados na aula de leitura, não é produzida para
serem lidos pela escola, os textos são didatizados
9
, ou melhor, passam por um processo de
apropriação didática que transforma a maneira de ler e de produzir os textos. Dessa forma,
na leitura em sala de aula, os objetivos da interação estão relacionados não apenas aos
objetivos pessoais do aluno, mas também aos objetivos estabelecidos pelo professor, pela
instituição, pelo autor do material e pelas instâncias oficiais.
E nesse sentido, queremos enfatizar o papel do material didático utilizado em sala de
aula, compreendendo-o como a materialização das orientações pedagógicas do autor que
organiza os conteúdos e norteia a aula. A apropriação do texto pelo livro está diretamente
relacionada às características desse suporte; de seus objetivos, de seus leitores (professores
e alunos). Dessa forma, o autor do material organiza o livro didático com base nas
representações que ele tem do professor e do aluno. Assim, o livro precisa atender às
9
. Para obter mais informações sobre a diferença entre textos didáticos e didatizados, sugerimos a leitura de
Dabene (1990).
53
expectativas do professor com relação às suas concepções de ensino/aprendizagem, à
representação que tem de seus alunos e às condições de seu trabalho em sala de aula.
É nesse contexto essencialmente institucional que o livro didático se constitui. O autor
do livro didático passará sempre pelo crivo editorial que considera principalmente a
expectativa do professor. O aparato editorial funciona, de forma drástica, para manter
determinados padrões em termos de livro didático, motivado por uma combinação de
razões de ordem ideológica e por razões econômicas – o livro que terá melhor receptividade
será aquele que venderá mais exemplares.
Assim, o material didático é um instrumento importante para a atividade docente e
até mesmo o principal referencial do trabalho em sala de aula, em virtude, em boa parte, da
ausência de outros materiais que orientem os professores quanto ao que ensinar e como
ensinar; bem como em virtude da falta de acesso do aluno a outras fontes de pesquisa. A
utilização do material didático, em nossas salas de aula, é uma realidade e uma tendência
que deve ser questionada. Nesse sentido, a relação professor-aluno-ensino de língua,
necessariamente mediada pelo material didático, deve ser objeto de investigação. É sobre
isso que iremos tratar no próximo item desse referencial teórico.
3. O LIVRO DIDÁTICO
A relação material didático-professor-aluno é muito complexa e necessita ser
compreendida à luz da história da educação do país. Percebemos que essa tensa relação é
agravada quando tratamos do ensino de língua portuguesa, uma vez que, no âmbito dos
estudos sobre a linguagem, a análise meramente estrutural (tradição herdada dos estudos
clássicos) cede espaço para análise da língua em contextos de uso naturais e reais, sendo
essa postura consolidada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que, apesar dos
equívocos teóricos e da forma complexa como se apresenta a professores pouco habituados
com determinadas teorias lingüísticas, refletem as novas tendências evidenciadas pelos
54
estudos da linguagem. Nesse sentido, para compreendermos o processo de legitimação e de
centralidade do material didático, é necessário fazermos uma retrospectiva da história da
disciplina língua portuguesa e do livro didático.
Para Soares (2001), a disciplina Língua Portuguesa só passou a existir nos currículos
escolares brasileiros tardiamente, nas últimas décadas do século XIX, depois de já estar
muito organizado o ensino. O processo de formação dos professores de língua portuguesa
só teve início nos anos 30 do século XX, não havendo um profissional especializado e
habilitado a lecionar aulas de língua portuguesa.
Até meados do século XVIII, o ensino do português restringia-se à alfabetização; após
essa fase, os alunos que tinham uma educação mais prolongada passavam à aprendizagem
da gramática latina, da retórica e da poética. Quando a reforma instituída pelo Marquês de
Pombal tornou obrigatório o ensino da Língua Portuguesa, esse ensino seguiu a tradição do
ensino de latim, isto é, realizou-se como ensino da gramática normativa e da reprodução
dos modelos canônicos da língua padrão, não resultando, assim, em mudança significativa
no objeto e no objetivo dos estudos da língua.
Mesmo depois dessas reformas nas escolas brasileiras e portuguesas, o ensino de
língua consistia no ensino da gramática normativa e no estudo dos textos de autores
consagrados. O professor de língua portuguesa era, normalmente, um autodidata que tinha
conhecimento profundo de latim, de grego, de gramática etc. Nessa época, ainda não
existiam instituições de formação de professores, e o material, que era utilizado em sala de
aula, consistia em textos originais, retirados das grandes obras da literatura, e as fontes das
informações eram os próprios professores. As gramáticas não tinham caráter didático, eram
apenas exposições de uma gramática normativa, sem comentários pedagógicos, sem
proposta de exercícios e atividades a serem desenvolvidas pelos alunos; as antologias
limitavam-se à apresentação de trechos de autores consagrados também sem nenhum
contribuição pedagógica. Assim, os professores da disciplina língua portuguesa eram
médicos, advogados, engenheiros com uma sólida formação humanística e com
55
conhecimento da gramática e da literatura da língua, bem como da retórica e da poética;
bastava ter o manual didático que fornecesse o texto, cabendo a ele comentá-lo, discuti-lo e
analisá-lo. Dessa forma, o professor era a fonte de consulta, legitimado pelo seu saber
sobre os clássicos.
Na década de 1950, começa a ocorrer uma real modificação nas condições de ensino
e de aprendizagem da disciplina, reforçada por fatores externos, que modificam e
aumentam o alunado, e conseqüentemente aumentam a demanda de formação de mais
professores. Nesse período, as gramáticas e antologias são substituídas por um único livro
que apresentava conhecimentos gramaticais, textos para leitura e exercícios, assumindo o
autor do material didático a responsabilidade de selecionar os textos e criar atividades
capazes de exercitar os conhecimentos dos alunos. Nesse processo, o material didático
passa a ser fonte de consulta e de informação privilegiada.
Podemos mesmo afirmar que esta concepção de ensino aprendizagem “beletrista”,
voltada essencialmente para a formação literária ou propedêutica, é a base do ensino de
língua portuguesa que nos acompanha até hoje, mesmo depois da eliminação das
disciplinas retórica e poética do currículo e das mudanças no público, a ruptura é mínima.
Uma prova exemplar de que não é apenas uma questão de redefinir os objetos e disciplinas,
mas rediscutir as nossas crenças, valores, conceitos e posturas que impregnam os nossos
modos de ensinar língua materna.
Assim, depois do golpe de 64, os livros didáticos são lançados em grande escala, para
responder a uma nova realidade resultante de um processo de “democratização” do ensino
(fruto da reivindicação das classes populares), que resultou na mudança de perfil de alunos
e de professores. Para Soares (2001), o crescimento lucrativo do mercado do livro didático
foi concomitante ao processo de “sucateamento” do ensino público e conseqüente
desvalorização do papel do professor. Os resultados desse “sucateamento” foram as perdas
salariais, e muitos problemas estruturais na educação do país. Diante desse cenário, a voz
56
do autor do material didático passou a ocupar um lugar central em sala de aula: o de
mediação dos conhecimentos.
Dessa forma, apesar dessa mudança de cenário, não houve grandes alterações nos
fatores internos ao ensino, isto é, na forma de ensinar a língua. O ensino de língua
portuguesa continuou pautando-se pelo ensino da gramática normativa, e sendo instrumento
de expressão para fins retóricos. Essa situação, aliada à mudança de perfil dos professores,
reforçou a centralidade e a importância do material didático utilizado em sala de aula,
legitimando o livro didático como a fonte de consulta mais correta, a ser seguida de forma
inquestionável por professores e alunos.
Mesmo com essa centralidade do material didático, não havia nenhum compromisso,
por parte do governo, em subordinar a compra desses materiais a uma avaliação de
qualidade. Nesse sentido, em 1993, foi criada uma comissão para definir critérios de
avaliação do Livro Didático. E a partir de 1996, o MEC (Ministério da Educação) passou a
subordinar a compra do livro didático inscrito no Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD). E, somente em meados de 2003, foram elaborados os primeiros Princípios e
Critérios para Avaliação do Livro Didático de Português para o Ensino Médio (PNLEM,
2005), que definiram parâmetros para a primeira avaliação de LD de português e de
matemática. Desde então, mas não só por esse motivo, o livro didático tem despertado
interesse e inflamado o debate de muitos pesquisadores (RANGEL, 2005, p. 12). A
comissão responsável pela criação dos critérios foi composta principalmente por
pesquisadores da área, mas não houve nenhuma participação do professor, que utiliza o
livro em sala de aula para definir a qualidade dos materiais didáticos destinados à Educação
Básica.
Essa postura de excluir o professor do processo de avaliação do livro didático revela-
nos a representação que se tem do professor da formação básica como um sujeito que não
tem nada a dizer, por ter uma formação equivocada e ineficiente. O material, então, serviria
para minimizar os problemas de formação lingüística do professor de língua portuguesa e
57
aproximar o ensino das mudanças teóricas ocorridas no panorama nacional; cabendo ao
professor consumir o produto pronto e acabado, produto aplicado de forma inquestionável
em sala de aula.
Nesse sentido, parece-nos que a relação material didático-professor apresenta
encontros e desencontros (mais desencontros), uma vez que ambos estão em fase de
transição, buscando uma identidade que revele as transformações teóricas e políticas
ocorridas no panorama nacional. O Programa Nacional do Livro Didático, os PCN, o
PNLD em ação e os muitos sistemas de avaliação implantados recentemente, como: Exame
Nacional do Ensino médio (ENEM); Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB);
Programa Internacional de Sistema de Avaliação (PISA) etc, representam possibilidades de
mudanças no quadro nacional da educação brasileira que impulsionam as mudanças no
ensino de língua portuguesa.
É importante dizer que os autores dos materiais didáticos precisam atender às
exigências do PNLD e dos PCN; no entanto, essas exigências, muitas vezes não estão
verdadeiramente claras para eles e não deixam de ser, de acordo com Souza (1999), um
gesto de censura, com implicações didático-pedagógicas que influenciam no processo de
legitimação, autoridade e homogeneização do livro didático que compromete a qualidade
do ensino.
Diante das indefinições e da falta de clareza, parece haver, nos livros didáticos, uma
estratégia de marketing e não uma orientação teórica metodológica. Podemos encontrar
alguns livros didáticos de língua portuguesa em que o autor utiliza em seu “discurso”
palavras ou conceitos que remetem à determinada teoria lingüística. Outras vezes, os
autores explicitam um carimbo na capa do livro em que é exposta a preocupação em seu
“fazer” com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para legitimar a sua utilização em
sala de aula.
58
Segundo Bezerra (2005), o material didático de língua Portuguesa, entendido como
um livro composto por unidades (lições ou módulos) com conteúdos e atividades
preparados para serem seguidos por professores e alunos, é muito importante na condução
das aulas de língua portuguesa, tendo um papel tão grande que o interlocutor dos alunos
não é mais o professor, mas o autor do material: interlocutor distante e cheio de autoridade,
que dificulta, muitas vezes, a interação do professor com os alunos, sendo o professor um
porta-voz quase sem autonomia, seguindo página a página a proposta do autor.
Nesse mesmo sentido, Coracini (1999), ao falar sobre a legitimação do livro didático,
afirma:
(...) a legitimação do livro didático se daria, então, na escola, instituição a quem
é atribuída a função de preparar o cidadão para a vida em sociedade, segundo, é
evidente, os valores que essa sociedade reconhece como seus, ao mesmo tempo
em que os constrói (...). É nesse contexto que se insere o uso do livro didático
pelo professor que, autorizado pela instituição escolar (já que é portador de um
diploma legalmente reconhecido), legitima o material comercializado,
considerando-o a base para seu trabalho em sala de aula. Assim, o livro didático
funciona como o portador de verdades que devem ser assimiladas tanto por
professores quanto por alunos. (CORACINI, 1999, P.33)
Dessa forma, sendo o livro didático um portador de verdades, a proposta do autor
deve ser apenas executada por professores e alunos. Não há o que questionar, pois o uso
desse material é sustentado por um argumento de autoridade que legitima o papel superior
do autor do material didático.
Nesse mesmo sentido, podemos apontar Souza (1999), quando discute sobre a
questão da autoridade e da autoria no livro didático, compreende a escola como parte do
aparelho ideológico do estado e o livro didático como relação social de poder. Nas palavras
da autora:
O caráter de autoridade do livro didático encontra sua legitimação na crença de
que ele é depositório de um saber a ser decifrado, pois supõe-se que o livro
didático contenha uma verdade sacramentada a ser transmitida e compartilhada.
Verdade já dada que o professor, legitimado e institucionalmente autorizado a
manejar o livro didático, deve apenas reproduzir, cabendo ao aluno assimilá-la.
(SOUZA, 1999, p. 27)
59
O livro didático passa a ser um bem a ser consumido por professores e alunos e que
traz, subjacente a sua proposta, representações sobre a função do professor de língua
portuguesa e sobre a função do aluno. O professor, assim como o aluno, é visto como um
usuário, e não como um analista que escolhe o livro baseado em suas opções teóricas. Tais
representações, que estabelecem o livro didático como o detentor de “verdades”, revelam-
se, claramente, na prática de estabelecer as respostas “corretas” no manual do educador;
essa prática garante que não haja possibilidades de outras interpretações além da autorizada
pelo autor do material.
Também em relação ao aluno, raramente encontramos, nos livros didáticos,
explicações sobre as razões das atividades que lhe são propostas. O aluno, assim como o
professor, deve acatar as informações que são propostas pelo autor e ser guiado em todas as
suas intervenções. Nas palavras de Grigoletto (1999)
O poder do LD como um discurso de verdade, o seu poder disciplinar e,
sobretudo, talvez, no LD de português, a ênfase no conteúdo e numa relação
distanciada e exterior com a linguagem reforçam a manutenção do exercício
escolar como um exercício de reprodução e não de formação pela linguagem, de
burocratização e não de criação. O LD funciona pela ilusão de que os sentidos
podem não ser só domesticados, mas
também ditados e tomados na sua
suposta literalidade e univocidade.
(GRIGOLETTO, 1999, P.75)
Esse poder de autoridade, exercido pelo autor do livro didático, controla professores e
alunos. Para romper com essa prática, consideramos de extrema importância uma formação
de professores que lhes possibilite saber o porquê dos conteúdos selecionados, as
implicações das concepções teóricas e das estratégias utilizadas pelo autor do livro didático.
Acreditamos ainda que a formação do professor de língua portuguesa, com base em estudos
sobre a linguagem, contribuiria para que o professor percebesse o material de forma mais
crítica, interferindo nas propostas trazidas pelo autor.
60
Caberia questionarmos em que medida a adoção do livro didático como detentor de
verdades absolutas não seria um dos principais motivos da atitude passiva de alguns
professores diante de modelo pré-estabelecido e homogêneo para a aula de leitura.
Nesse sentido, para refletirmos sobre a influência do planejamento sugerido pelo
autor do material didático do ProJovem na aula de leitura nos ancoramos em pressupostos
da Análise do Discurso de linha francesa, compreendendo a escola, o livro didático e todo o
aparato de censura estabelecido pelos programas de intervenção na educação como parte do
aparelho ideológico do estado.
61
62
II PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Refletimos sobre o ensino de língua materna no Ceará, focalizando o ensino de leitura
revelado através do material didático. Na tríade que constitui o complexo universo da sala
de aula - mediador dos conhecimentos (professor/ autor do material didático), aluno e
ensino – em constante interação, focalizamos o mediador dos conhecimentos na figura do
autor do livro didático, co-responsável pela formação de leitores.
Nessa perspectiva, analisamos a sugestão de planejamento da aula de leitura contida
no material didático do ProJovem, baseados nas etapas de uma aula comunicativa de
leitura, problematizando as concepções de leitura implícitas nessa proposta de aula; o
tratamento conferido ao gênero textual, quando o autor do livro didático propõe questões
que possibilitam a interação entre a materialidade lingüística e os conhecimentos prévios do
leitor, no que concerne ao contexto de produção dos gêneros.
Nesse sentido, delineamos os seguintes objetivos específicos:
1. Investigar, na proposta de planejamento do autor do material didático do ProJovem,
o tratamento conferido às etapas iniciais de mobilização das representações mentais
do aluno na construção ativa dos sentidos do texto e a relevância desse
procedimento para a construção e negociação dos sentidos do texto na prática de
leitura;
2. Analisar as questões de compreensão e as orientações do autor do material didático
quando se propõem a mediar a interação da materialidade lingüística e os
conhecimentos prévios do aluno, com base na recuperação dos parâmetros
definidores do contexto de produção dos gêneros;
63
3. Verificar, na situação de leitura em sala de aula, a influência das questões de
compreensão no processo ativo de negociação e construção coletiva dos sentidos
pelos sujeitos envolvidos no evento de leitura;
4. Analisar o planejamento a influência do planejamento da aula de leitura, proposto
no material didático do ProJovem, na perspectiva de professores e alunos.
1. CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA
1.1 O que é o ProJovem?
O Programa Nacional de Inclusão de Jovens – ProJovem - é uma iniciativa do
Governo Federal, vinculada à Secretaria Nacional de Juventude e funciona em parceria
com as prefeituras das capitais do país. Surgiu como uma política pública direcionada à
juventude em vulnerabilidade social, e atende a jovens de 18 a 24 anos, sem vínculos
empregatícios, que tenham concluído a quarta série e não tenham concluído a oitava. Visa
principalmente à certificação do Ensino Fundamental II em doze meses. Em Fortaleza, o
Programa concluiu o ano de 2006, com 9.000 jovens em seu quadro discente, distribuídos
em 86 escolas da periferia da cidade.
O ProJovem, em seu Projeto Político Pedagógico, surge com uma orientação de
trabalho distinta da Educação de Jovens e Adultos e do ensino regular, aproxima-se, em
muitos aspectos, do plano pedagógico e da organização institucional que compõem a
proposta de um currículo integrado. Essa proposta de integração dos currículos articula
dinamicamente trabalho, ensino, prática e teoria.
Assim, o ProJovem incorpora como princípio fundamental a integração das três
dimensões que o compõem: Formação Básica, Qualificação para o Trabalho e Ação
64
Comunitária a fim de oferecer ao jovem novas formas de interação que potencializem a
apropriação de outros conhecimentos, a re-elaboração de experiências e de visão de mundo
e, ao mesmo tempo, o reposicionamento no que se refere à inserção social e profissional.
O curso é organizado em unidades formativas que têm como objetivo possibilitar a
construção de uma grade curricular contínua e articulada, e, ao mesmo tempo, demarcar as
particularidades que a compõem. Cada unidade formativa é articulada em torno de eixos
estruturantes, de referências conceituais e de ações curriculares.
Os tempos educativos no ProJovem também são distintos dos do ensino regular, a
formação integral compreende atividades de formação escolar (800 horas), qualificação
profissional (350 horas) e desenvolvimento de ação comunitária (50 horas), somando 1.200
horas. O Programa agrega 400 horas de atividades não - presenciais às horas presenciais,
totalizando 1600 horas.
A organização do tempo no ProJovem segue algumas orientações gerais; assim, cada
unidade formativa deve ser concluída em doze semanas e meia, totalizando cinqüenta
semanas no final do curso. Além de momentos específicos para cada disciplina, e trabalhos
direcionados à qualificação para o trabalho, ação comunitária e informática, o Programa
cria a figura do professor orientador (PO). Na realidade, o PO é mais uma função do
professor especialista de cada disciplina, que acompanha diariamente o desenvolvimento de
uma turma do núcleo, participando de todas as atividades dos jovens e promovendo o
trabalho interdisciplinar e a integração de todas as ações curriculares.
O espaço do Projovem é organizado por Estações Juventude. Cada Estação é
composta por 8 núcleos que funcionam nas escolas da rede municipal. Em Fortaleza,
tivemos 13 Estações, no ano de 2006. Estas são coordenadas pelos coordenadores locais
pedagógicos e administrativos; essa equipe de coordenadores locais é administrada e
coordenada pela coordenação municipal. A equipe municipal é composta por uma
65
coordenação pedagógica, administrativa, da qualificação profissional e da ação
comunitária.
1.2 Perfil dos alunos
Sobre o perfil dos alunos do ProJovem, podemos perceber que a grande maioria dos
jovens possui uma história marcada por uma trajetória escolar repleta de interrupções,
abandonos, repetências e expulsões. São jovens que não “couberam” na escola, e que desde
a infância tiveram que enfrentar o desafio de lutar pela sobrevivência.
Dentre os jovens que participam do Programa, predominam as mulheres, que são em
torno de 60% dos jovens, e cujo principal motivo apontado pela descontinuidade dos
estudos é a gravidez precoce. Aproximadamente metade dos jovens estudantes tem um ou
mais filhos; 84% não exerciam nenhuma atividade remunerada quando entrou no
Programa; 44% nunca trabalhou ou está desempregado há mais de dois anos; 77% tem
renda familiar menor ou igual a um salário mínimo e somente 8% afirma possuir renda
familiar superior a dois salários mínimos; 64% não estava estudando no ano anterior e,
dentre os motivos por que parou de estudar, predominam a necessidade de trabalhar, a
gravidez precoce ou problemas familiares.
Os jovens entrevistados vieram para o Programa atraídos pela possibilidade de
elevação da escolaridade (76%), pela formação para o trabalho (67%) e pela bolsa de R$
100,00 (50%). Dos jovens entrevistados, 53,4% informaram ter sofrido algum tipo de
violência, dentre estas se destacam assalto, violência policial e violência doméstica. Todos
esses dados foram retirados de uma pesquisa feita pela coordenação municipal do
ProJovem em 2006, com cerca de 8.000 jovens matriculados no Programa.
66
Perfil dos educadores
A Educação Básica, no ProJovem, é composta por cinco áreas: ciências humanas,
português, matemática, inglês, ciências da natureza. Cada área é ministrada por um
professor especialista. A má remuneração desses profissionais, conseqüência da crise
instaurada na educação e para além dela, particularmente, associa-se a uma sobrecarga de
trabalho que impossibilita um planejamento maior das atividades em sala de aula. Nesse
contexto, o material didático acaba ocupando um lugar central em sala de aula.
Apesar dos problemas, temos depoimentos de educadores e dos próprios jovens que
dão conta de uma situação singular, marcada pela sensibilização diante dos desafios que se
impõem no cotidiano do ProJovem, que se constitui numa inédita experiência de formação,
e pela construção de uma sociabilidade bastante afetuosa com os jovens; essas
singularidades têm sido fundamentais para o desenvolvimento do Programa.
O processo de formação dos educadores do ProJovem constitui-se oficialmente de
dois momentos: a formação inicial, que apresenta o Programa ao educador; e o processo de
formação continuada, que ocorre no decorrer do Programa.
Ao longo do ano de 2006 e 2007, os espaços oficiais de formação do ProJovem
passaram por diversas reformulações causadas pela avaliação dos educadores, que o
aproximaram cada vez mais do cotidiano da sala de aula.
A formação dos educadores de Língua Portuguesa (doravante LP) tem sido essencial
para avançarmos nesse processo tão complexo de mudança de concepções e metodologia de
trabalho no sentido de construir uma proposta de trabalho que priorize a leitura como
atividade mediadora na apreensão do conhecimento.
67
Em 2006, tivemos experiências de formação por área para tratar dos desafios
impostos aos especialistas na integração das três dimensões do Programa. A formação de
língua portuguesa teve como objetivo principal a discussão de conceitos que norteiam a
prática do professor e a reformulação de outros conceitos que facilitariam a integração das
dimensões do Programa.
Como se divide o material didático?
O Programa é organizado em quatro unidades formativas, com duração de três meses.
Cada unidade corresponde a um volume do guia de estudo do aluno. As unidades
formativas focalizam temáticas que organizam os conteúdos e auxiliam na compreensão da
realidade do jovem. Seus títulos são: Juventude e Cidade, Juventude e Trabalho, Juventude
e Comunicação, Juventude e Cidadania. Em todas as quatro unidades, a formação básica,
qualificação para o trabalho e ação comunitária estão presentes em seções específicas para
cada dimensão.
Além do Guia de estudo do aluno, o Programa disponibiliza a agenda do estudante e
o Manual do educador. Este último dá orientações e sugestões de como devem ser
trabalhadas as atividades contidas no Guia de estudo do aluno.
A formação básica estrutura-se em matemática, ciências humanas, ciências da
natureza, inglês, língua portuguesa. A disciplina língua portuguesa consta formalmente no
Guia de estudo e faz referência aos temas das unidades formativas através dos textos que
são sugeridos para análise. Os objetivos explicitados pelo Manual do educador I da
disciplina são os seguintes: “retomar as habilidades de leitura, de compreensão de texto,
de expressão oral, de reflexão sobre o funcionamento da língua e da escrita”. O trabalho
dessas habilidades está organizado em cinco tipos de atividades que contemplam, segundo
as orientações dadas pelos autores, exercícios de leitura em “Vamos ler”, exercícios de
interpretação em Releitura, exercícios de desenvolvimento da linguagem oral em
68
“Vamos conversar”, exercícios de revisão da língua “A língua que usamos” e exercícios de
produção de textos em “Vamos escrever”.
2. ENCAMINHAMENTOS PARA COLETA DOS DADOS E
PROCEDIMENTO DE ANÁLISE
O nosso objetivo com essa pesquisa é investigar o material didático de língua
portuguesa do ProJovem. No construto metodológico dessa pesquisa, foi necessário ancora-
nos nos pressupostos gerais do paradigma interpretativista e no tipo de pesquisa de
avaliação.
Segundo Moreira & Caleffe (2006), o termo paradigma pode ser definido de várias
formas. O emprego do termo pelos autores tem relação com três elementos: uma antologia,
uma epistemologia e uma metodologia. A ontologia levanta questões básicas com relação à
natureza da realidade. A epistemologia pergunta: como nós conhecemos o mundo? Qual é a
relação entre o investigador e o investigado? A metodologia enfoca a maneira como nós
apreendemos o conhecimento a respeito do mundo. Os autores descrevem dois paradigmas
contrastantes: o positivista e o interpretativista.
A nossa pesquisa inscreve-se dentro do paradigma interpretativista. Este surge em
oposição ao positivismo, uma vez que a abordagem positivista pode ser adequada para o
estudo do mundo físico, mas não é apropriada para o estudo do mundo social. Dessa forma,
os pesquisadores interpretativistas rejeitam a visão dos positivistas de que o mundo social
pode ser entendido em termos de relações causais expressas em generalizações universais.
Para eles, as ações humanas têm por base os significados sociais, tais como crenças e
intenções. As pessoas, que vivem juntas, interpretam os significados entre elas e esses
significados transformam-se por meio da interação social. Para os pesquisadores
interpretativistas o propósito da pesquisa é descrever e interpretar os fenômenos do mundo
em uma tentativa de compartilhar significados com outros.
69
Dessa forma, consideramos, em nossa pesquisa, o material didático dentro do
contexto social em que está inserido, relacionando os diversos fatores envolvidos em sua
confecção e utilização em sala de aula. Também não nos distanciamos do objeto de
pesquisa, sabemos que o entendimento do problema tem bases na interação entre
investigador e investigado.
Quanto ao tipo de pesquisa adotado, aproximamo-nos da pesquisa de avaliação. Para
Moreira & Caleffe (2006), este tipo de pesquisa tem características particulares na
apresentação dos resultados, estes estão vinculados intimamente com os propósitos da
pesquisa. Para os autores é possível resumir as características desse tipo de pesquisa,
destacamos algumas características que nos aproximam deste tipo de pesquisa: A) não é
neutra; B) é sistêmica; C) é sobre produtos e processos; D) está preocupada com as
políticas e com as práticas E) define e explora a eficácia; F) pode ser um processo de
pesquisa em currículo; G) pode ser fundamental no processo educacional do professor; H) é
parte do processo de assegurar a qualidade; J) a avaliação e a melhoria estão vinculadas; K)
os avaliadores fazem julgamentos.
Para os autores, a pesquisa de avaliação visa esclarecer a questão a ser avaliada,
estabelecer critérios para avaliar e mostrar o grau de congruência entre os critérios e a
avaliação dos resultados.
Nesse sentido, fazemos uma avaliação do planejamento do autor do material didático
do ProJovem para a aula de leitura, com base em critérios advindos das teorias sobre o
texto e a leitura. Assim, percebemos, neste trabalho, a investigação do livro didático como
um trabalho complexo e amplo que necessita do cruzamento de informações diversas,
advindas da triangulação que compõe o amplo universo da sala de aula (mediador do
conhecimento, ensino e aluno).
70
Para análise do material didático do ProJovem, analisamos exercícios de
compreensão de textos do Guia de estudo das atividades intituladas “Vamos ler” e
“Releitura” e as orientações destas atividades nos Manuais do educador. Fizemos
anotações das aulas observadas, considerando também a gravação feita das aulas e os
resultados dos questionários aplicados a professores e alunos.
No primeiro momento da pesquisa, definimos os exercícios de compreensão de textos
escritos do Guia de estudos das atividades “Vamos ler” e “Releitura”. Foram, portanto,
selecionadas uma seqüência de atividade composta dos exercícios de “Vamos ler” e
“Releitura” de cada Guia de estudo.
Ainda nesse momento, analisamos as orientações didático-pedagógicas do autor do
material didático porque entendemos que, se o objeto maior do Manual do educador é
orientar o professor para um fazer consciente, crítico, em sala de aula, este material não
pode ser desconsiderado.
Ao final desse momento da pesquisa, sentimos a necessidade de vivenciar a prática
pedagógica para entender como o professor efetivamente utiliza o material didático em sala
de aula. Compreendemos que desconsiderando essa vivência estaríamos minimizando o
papel que exerce realmente o material didático no contexto do ensino/aprendizagem de
língua materna. Em função dessa compreensão, assistimos a cinco aulas de leitura e
aplicamos questionários a alunos e professores. Com relação à coleta dos dados,
apresentaremos mais detalhadamente os procedimentos e os instrumentos.
71
2.1 Objetos de análise e instrumento de coleta de dados
2.1.1. Guia de estudos
Com a análise do Guia de estudos, verificamos, em todos os tópicos “Vamos ler” e
“Releitura”, a proposta de planejamento subjacente ao material didático do ProJovem, com
base nas etapas de uma aula comunicativa de leitura.
Primeiramente, analisamos uma questão de cada Guia de estudo no que concerne ao
planejamento sugerido pelo autor do material didático; depois verificamos o tratamento
conferido ao texto com relação à recuperação do contexto de produção e problematizamos
o modelo de leitura adotado pelo autor.
2.1.2. Manual do educador
A análise do manual do educador deu conta das orientações do autor do material
didático, com relação às atividades analisadas. Essa análise tem como base o planejamento
da aula de leitura sugerido por Circurel (1991), bem como a percepção do tratamento
conferido ao texto, nas atividades de compreensão, quanto ao contexto de produção.
Problematizamos o modelo de leitura dotado pelo autor através das orientações contidas no
manual.
2.1.3. Observação das aulas e gravadas
Para dar conta da necessidade de pesquisar a influência que o planejamento sugerido
pelo autor do material didático exerce sobre a aula de leitura e o cumprimento das etapas de
uma aula comunicativa de leitura (Cicurel, 1991), analisamos cinco aulas de leitura,
ministradas por um professor do Programa que passou por todas as formações do ano de
2006.
72
Para coleta dos dados, registramos, em áudio e em anotações feitas pela pesquisadora,
aulas de língua portuguesa em atividade de leitura; consideramos o papel do planejamento
sugerido pelo autor do material didático para a aula de leitura em situação de sala de aula.
2.1.4. Questionários aplicados aos professores
Aplicamos um questionário (anexo 1), a oito professores. Esse total corresponde
a 20% do total de professores de língua portuguesa do Programa. O questionário serviu de
base para compreendermos as expectativas do professor com relação ao planejamento da
aula de leitura. O questionário aplicado ao professor era composto de dois blocos de
perguntas; o primeiro tratava da relação entre material didático e professor; o segundo
tratava do encaminhamento dado pelo professor à aula de leitura. O primeiro bloco é
composto pelas seguintes perguntas abertas: a) Na sua opinião, qual a concepção de leitura
adotada pelo autor do material? Justifique a sua resposta. b) A divisão interna do material
didático (“Vamos ler”, “Releitura”, “Vamos conversar”, “Vamos escrever”, “A língua que
usamos”) favorece o planejamento da aula? Por quê? Como? c) Você, normalmente,
consulta as orientações contidas no Manual do educador? Elas o ajudam? De que
maneira? d) Na sua opinião, as questões de compreensão expressas no tópico “Releitura”
do Guia de estudo do aluno efetivamente auxiliam na compreensão global do texto? Como?
O objetivo da primeira pergunta foi questionar o conhecimento do professor
com relação às concepções teóricas que orientam a confecção do material didático do
ProJovem, pois entendemos que, conscientemente ou não, o professor se ancora em teorias
da leitura para desenvolver a sua aula. Com a segunda questão, pretendíamos que o
professor explicitasse sua opinião sobre a influência da divisão interna do material, dada
pelo autor do material didático, no planejamento efetivo da aula. A terceira pergunta
questiona o papel, declarado pelo professor, das orientações contidas no Manual do
educador no planejamento do professor. Com a quarta questão, perguntamos ao professor a
73
eficácia das questões referentes ao tópico Releitura, que, segundo os autores, trabalha a
interpretação do texto, para a construção de sentido do texto realizada em sala de aula.
O segundo bloco de questões nos deu pistas do planejamento realizado pelo
professor para a aula de leitura, bem como nos revelou indícios da efetivação da aula de
leitura. Esse bloco foi composto das seguintes questões: 1) Como deve ser uma aula de
leitura? 2) Como é a participação dos alunos na sua aula de leitura? A primeira questão
revela-nos a expectativa de planejamento que o professor diz nortear a aula de leitura, bem
como do próprio desempenho do formador de leitores. O objetivo da segunda questão foi
sabermos sobre o que o professor diz da participação do aluno; posteriormente comparamos
essa questão às respostas dadas pelos alunos, nos questionários aplicados a eles.
Algumas dessas questões foram mais exploradas nas análises, tendo em vista as
questões e objetivos da pesquisa.
2.1.5. Questionários aplicados aos jovens
O questionário aplicado aos jovens era composto das seguintes questões: 1) Quantos
anos você tem? 2) Em que série estava quando entrou para o ProJovem? 3) Na sua opinião,
qual a importância de ler? 4) O seu professor (a) de língua portuguesa utiliza
freqüentemente o Guia de estudo? 5) São utilizados outros materiais, além do guia, em sala
de aula de língua portuguesa? Quais?
6) Como é a aula de leitura? 7) As questões de
compreensão, contidas no tópico “Releitura”, auxiliam na compreensão do texto? De que
maneira?
A primeira e a segunda questões tiveram como objetivo traçar um perfil do aluno. A
terceira questão revela-nos a expectativa do aluno com relação à funcionalidade da leitura.
Com a quarta questão, temos a intenção de compreender, a partir da percepção do aluno, o
papel exercido pelo material didático do Programa. A quinta questão revela-nos um pouco
74
do cotidiano da aula de leitura quanto da utilização de outros materiais além do material
didático do ProJovem. A sexta pergunta dá-nos pistas, a partir do olhar do aluno, do
planejamento que norteia a aula de leitura. Posteriormente cruzamos essa questão com os
resultados das respostas dadas pelos professores ao questionário aplicado. Também a sexta
questão tem como objetivo o cruzamento de informações contidas no questionário aplicado
aos professores sobre a eficácia das questões de compreensão na construção de sentido do
texto.
3. SISTEMATIZAÇÃO DAS ETAPAS DA PESQUISA
Depois de concluídas as etapas de coleta e organização do corpus, passamos à
interpretação dos dados, conforme a teoria explicitada na fundamentação teórica.
A pesquisa foi motivada, alimentada por quatro hipóteses. Para elas, construímos os
nossos objetivos e também os encaminhamentos metodológicos que passamos a expor em
um quadro por nós construído. O quadro a seguir relaciona os procedimentos
metodológicos, as hipóteses e os objetivos que norteiam a análise.
HIPÓTESES OBJETIVOS PROCEDIMENTOS
1. O autor do material
didático do ProJovem
possibilita, em sua sugestão
de planejamento para aula de
leitura, a mobilização dos
conhecimentos prévios do
aluno na construção de
sentidos do texto.
1. Investigar, na proposta de
planejamento do autor do
material didático do
ProJovem, o tratamento
conferido às etapas iniciais
de mobilização das
representações mentais do
aluno na construção ativa dos
sentidos do texto e a
relevância desse
procedimento para a
construção e negociação dos
sentidos do texto na prática
de leitura.
1. Análise de uma atividade
de leitura, nos tópicos
“Vamos ler” e “Releitura”,
de cada um dos quatro Guias
de estudo;
2. Análise das orientações
dos autores do material
didático, contidas nos
Manuais do educador,
referentes às atividades
analisadas dos Guias de
estudos;
3. Análise das gravações
feitas em áudio das aulas de
leitura observadas;
4. Análise das anotações
feitas durante as aulas
75
observadas e gravadas.
2. O contexto de produção
não é recuperado pelas
questões de compreensão,
resultando no tratamento
homogêneo dos gêneros
textuais e influenciando na
qualidade da mediação
facilitadora do processo de
interação entre o texto e os
conhecimentos prévios do
leitor.
2. Analisar as questões de
compreensão/interpretação e
as orientações do autor do
material didático quando se
propõem a mediar a interação
da materialidade lingüística e
os conhecimentos prévios do
aluno, com base na
recuperação dos parâmetros
definidores do contexto de
produção dos gêneros.
1. Análise de uma atividade
de leitura, nos tópicos
“Vamos ler” e “Releitura”,
de cada um dos quatro Guias
de estudo;
2. Análise das orientações
dos autores do material
didático, contidas nos
Manuais do educador,
referentes às atividades
analisadas dos Guias de
estudos.
3. O autor do material
didático do ProJovem não
possibilita, através do
planejamento sugerido para a
aula de leitura, a negociação
dos sentidos do texto entre os
outros sujeitos envolvidos no
evento de leitura.
3. Verificar, na situação de
leitura em sala de aula, o
papel das questões de
compreensão no processo
ativo de negociação e
construção coletiva dos
sentidos pelos sujeitos
envolvidos no evento de
leitura.
1. Análise de uma atividade
de leitura, nos tópicos
“Vamos ler” e “Releitura”,
de cada um dos quatro Guias
de estudo;
2. Análise das orientações
dos autores do material
didático, contidas nos
Manuais do educador,
referentes às atividades
analisadas dos Guias de
estudos;
3. Análise das gravações
feitas em áudio das aulas de
leitura observadas;
4. Análise das anotações
feitas durante as aulas
observadas e gravadas.
4. O modelo de planejamento
da aula de leitura, adotado
pelo autor do material
didático, influencia na prática
de leitura, na expectativa de
planejamento de professores
e de alunos.
4. Analisar a influência do
planejamento da aula de
leitura sugerido pelo autor do
material didático na
expectativa de professores e
de alunos.
1. Análise de uma atividade
de leitura, nos tópicos
“Vamos ler” e “Releitura”,
de cada um dos quatro Guias
de estudo;
2. Análise das orientações
dos autores do material
didático, contidas nos
Manuais do educador,
referentes às atividades
analisadas dos Guias de
estudos;
76
3. Análise das gravações
feitas em áudio das aulas de
leitura observadas;
4. Análise das anotações
feitas durante as aulas
observadas e gravadas.
5. Analise dos resultados dos
questionários aplicados a
professores e a alunos.
FONTE: Elaborado pela autora
Uma vez articuladas hipóteses, objetivos e procedimentos metodológicos, passamos a
apresentar os encaminhamentos das análises dos dados coletados no material didático do
ProJovem, enveredando pelo terceiro momento da pesquisa em que foi necessária a
observação das aulas e a aplicação de questionários a professores e alunos .
77
78
III ANÁLISES DOS DADOS
1. A PROPOSTA DE PLANEJAMENTO DA AULA DE LEITURA NO
MANUAL DO EDUCADOR
Reforçamos a proposta que toda aula de leitura deve ser planejada. Esse planejamento
deve estar no material didático do professor de língua portuguesa porque a situação de
leitura na sala de aula é particular. Lá temos uma situação de formação de leitores.
Normalmente, os materiais didáticos de língua portuguesa são acompanhados de um
livro/manual do educador, direcionado ao professor. A função desse material é aprofundar
as bases teórico-metodológicas que respaldam a proposta do autor do material didático,
propiciando ao professor mais segurança para desenvolver o trabalho em sala de aula, e
mais autonomia para intervir nas propostas.
Nesse sentido, o Manual do educador deveria trazer respostas (de forma explícita ou
não) a um conjunto de questionamentos importantes para o planejamento do professor,
como, por exemplo: que fundamentos teórico-metodológicos embasam a proposta do autor?
Que noções de língua, de texto e de leitura subjazem ao ensino/aprendizagem pretendido?
Que enfoque de avaliação é privilegiado? O manual do educador deveria explicitar ou
deixar pistas para que entendamos o porquê dos conteúdos selecionados, as implicações das
concepções teóricas e as estratégias utilizadas pelo autor.
Um material didático contribui positivamente ou não para o planejamento do
professor. No caso do material do ProJovem, observamos que o autor explicita o gabarito
das questões e sugere alguns procedimentos metodológicos. Em seu discurso, o referencial
teórico não aparece claramente construído. Essa falta de clareza quanto às opções teóricas
79
do autor reforça a afirmação de que o discurso do autor é um discurso de verdade
10
,
legitimado pela escola por intermédio do professor. Essa constatação foi estudada por
Grigolleto (1999), em suas pesquisas sobre o livro didático. Em nossa pesquisa, quase dez
anos depois, vemos que o livro didático ainda não avançou nesse requisito.
Toda aula de leitura deve ser planejada através do cumprimento de etapas que
possibilitem a construção ativa e negociada dos sentidos do texto. Essa sistematização
contribui positivamente para que o aluno possa compreender a importância da leitura no
seu dia-a-dia, para que entenda que a leitura não deve ser apenas uma atividade escolar,
mas também um ato político e para que fique claro que a leitura é uma atividade complexa
que mobiliza muitas competências e habilidades. Essas etapas que aqui defendemos dão
norte à aula de leitura e são classificadas, segundo Cicurel (1991), em quatro momentos:
orientar e ativar os conhecimentos prévios de leitor; observar e antecipar o conteúdo do
texto; ler com objetivo; e reagir ao texto ou religar os conhecimentos.
No Manual do educador do ProJovem, não há indicações que permitam ao professor
cumprir todas as etapas necessárias para construção ativa e negociada dos sentidos do texto.
Na verdade, parece-nos que o autor não tem a intenção de justificar os conteúdos, a
seqüência ou a abordagem metodológica adotada no material; essa atitude permite-nos
inferir a imagem passiva que o autor do material didático atribui à função do professor.
A seguir, analisamos as orientações pedagógicas, contidas no Manual do educador.
Todas as atividades, referente às orientações do autor do material didático, estão
explicitadas no tópico da dissertação, intitulado: A proposta de planejamento da aula de
leitura no guia de estudo do aluno (p. 91). No percurso das nossas análises, verificamos a
proposta do autor do material didático.
10
Para Grigolleto (1999), que analisa o LD à luz da Análise do Discurso, discurso de verdade é
aquele que ilusoriamente se estabelece como um lugar de completude de sentidos, e por isso
fechado, lugar onde os sentidos já estão estabelecidos pelo autor do material didático
.
80
Vejamos, no Manual do Educador I (p. 39 do Manual do educador I), o discurso do
autor sobre o trabalho com a língua portuguesa, em particular, sobre a leitura nos permite
entender a concepção de leitura em que ele se ancora, vejamos:
A leitura pode ter vários objetivos: decodificar e compreender; formar
habilidades cognitivas para uma leitura melhor; estimular o gosto pela leitura de
textos de diversos gêneros; informar sobre a história da literatura e a cultura
brasileira. (...) Todo texto merece inicialmente um trabalho ampliado que faça as
ligações necessárias com a vida do autor. Quem escreveu, quando, como, em
que gênero, com que objetivo, para passar que idéias, como essas idéias se
relacionam a outras...são as questões iniciais. (...) Associadas à leitura e à
compreensão, devem vir informações a respeito da produção do texto: autor,
veículo, editora etc. Só então, depois de bastante explorados, os textos podem se
prestar ao estudo da língua propriamente dita.(...) As atividades de leitura devem
ser bastante variadas: o professor lê em voz alta e os alunos acompanham em
silêncio; algum aluno lê em voz alta e os outros acompanham; todos fazem a
leitura silenciosa com debate posterior; o tema da leitura é discutido em dupla...
Sobre o posicionamento do autor a respeito do ato de ler e da formação de leitores,
percebemos sérios equívocos na exposição dos objetivos de leitura que irão nortear as
atividades propostas no Guia de estudo. Assim como o autor, nós entendemos que a leitura
faz parte da vida humana. Interagimos com o outro através da leitura e da produção de
gêneros textuais. Dessa maneira, a leitura de um gênero textual é motivada pelos objetivos
resultantes da necessidade do homem em sociedade. Na escola, além da dimensão da leitura
relacionada à interação do homem em sociedade, devemos levar em consideração as
especificidades da leitura em ambiente escolar. Retomamos seu discurso para problematizá-
lo. Para isso, dividimos sua fala em dois momentos: a concepção de leitura e a metodologia
da aula de leitura sugerida pelo autor do material didático. Como separar decodificar e ler,
ler e compreender? Dessa maneira, de que se constitui o processo de ler? Onde estão os
objetivos sociais e políticos? Segundo Smith (1989), a compreensão é a base da leitura e a
decodificação é apenas o passo inicial para o processo de leitura. Sentimos falta de um
objetivo relevante, sobretudo neste material didático, na formação de leitores críticos;
colocar a leitura como uma atividade que nos permite desenvolver no aluno o senso crítico,
a autonomia, uma consciência de que através da leitura ele pode estar sendo inserido no
81
mundo letrado. Nessa perspectiva, a leitura se configura como uma aliada, pois sai do
âmbito apenas do prazer, do lúdico para também alcançar o âmbito político.
Em seguida, queremos refletir sobre a metodologia proposta. Ela é generalizante, e
essa amplitude desemboca em uma atitude superficial. Esse modelo, comumente adotado
pelos autores de livros didáticos e reproduzido em sala de aula de leitura, contribui muito
pouco para a melhoria das competências leitoras, basta considerar os resultados do ENEM,
SAEB, por exemplo.
Um outro ponto também importante na prática de leitura é que, normalmente, os
textos estudados na escola não são produzidos para fins didáticos, eles passam por um
processo de didatização que modificam os objetivos de leitura; assim, não são apenas os
objetivos de leitura do aluno que motivam a leitura de um gênero na escola, mas também os
objetivos definidos pelo professor e pelo autor do material didático dentro de um contexto
escolar específico. Na verdade, os textos são lidos na escola de modo diferente de como são
lidos fora dela, e essas diferenças devem ficar claras para alunos e professores.
Dessa forma, os diferentes objetivos de leitura do gênero dentro e fora da escola
devem ser levados em consideração pelo autor do livro didático. Como vemos, no discurso
do autor retirado do Manual do educador, ele não faz a distinção entre os objetivos que
motivam a leitura fora e dentro da escola. Na verdade, no trecho acima, o autor apresenta os
objetivos estabelecidos por ele para a leitura de um texto, como: formar habilidades
cognitivas para uma leitura melhor; estimular o gosto pela leitura de textos de diversos
gêneros; informar sobre a história da literatura e a cultura brasileira. No entanto, não há
nenhum esclarecimento ao professor que estabeleça essa distinção tão importante na
construção de sentido do texto na escola.
As opções teórico-metodológicas que norteiam a confecção do material didático
pouco contribuem para a formação do leitor crítico, objetivo principal do ProJovem. Não há
82
claramente, nas indicações do autor, referências que possibilitem ao professor intervir no
planejamento sugerido para aula de leitura. Essa atitude revela a imagem que o autor tem
do papel do professor como simples consumidor do livro didático, e, como tal, incapaz de
avaliar e intervir na proposta sugerida pelo autor do material.
Sobre o planejamento sugerido para a aula de leitura, percebemos, no segmento
Todo texto merece inicialmente um trabalho ampliado que faça as ligações necessárias
com a vida do autor. Quem escreveu, quando, como, em que gênero, com que objetivo,
para passar que idéias, como essas idéias se relacionam a outras...são as questões
inicias”, que o autor anuncia um trabalho com a leitura que leve em consideração o
contexto de produção na construção de sentidos; mas o expressa de forma superficial e
sucinta. O trabalho de recuperação do contexto de produção é apenas anunciado pelo autor
do material didático, mas não se concretiza na proposta expressa no Guia de estudo do
aluno; a pouca relação entre o dizer e o fazer, a teoria e a prática pouco contribuem para a
efetivação do trabalho do professor em sala de aula.
Podemos observar que o planejamento metodológico da aula de leitura, sugerido pelo
autor, não se distancia do padrão adotado pela maioria dos livros didáticos. Um padrão já
cristalizado pelos autores do livro didático e pouco engajado na formação crítica de leitores.
Assim, quando o autor sugere que “as atividades de leitura devem ser bastante variadas: o
professor lê em voz alta e os alunos acompanham em silêncio; algum aluno lê em voz alta e
os outros acompanham; todos fazem a leitura silenciosa com debate posterior; o tema da
leitura é discutido em dupla...”, deixa-nos perceber que o planejamento da aula de leitura,
sugerido pelo autor do material, é resumido à decodificação do texto e ao debate superficial
sobre o tema tratado no texto, não há a sugestão de entradas que facilitem o processo de
interação entre os conhecimentos prévios do leitor e a materialidade lingüística. Essa
atitude não potencializa a construção ativa e a posterior negociação dos sentidos do texto
entre os sujeitos envolvidos no evento de leitura. Nesse sentido, o autor do material didático
do ProJovem segue um tipo de planejamento que uniformiza a construção de sentidos dos
83
alunos. Na verdade, os alunos são levados a fazer a mesma leitura, da mesma forma e a
chegar às mesmas conclusões direcionadas pelo autor do material.
Com relação às orientações referentes à primeira atividade de compreensão de textos
contida no Guia de estudo I, percebemos que o autor continua seguindo o mesmo padrão
pouco engajado na formação de leitores críticos: o professor lê o texto em voz alta; o aluno
lê o texto em silêncio etc. Vejamos a orientação, referente à atividade de compreensão da
unidade I; a orientação está contida no Manual do educador I em “Vamos ler” e
“Releitura” (p. 39 do manual). A atividade correspondente a essa orientação será
aprofundada quando formos analisar especificamente as atividades de compreensão de
texto do Guia de estudos.
O texto a ser lido é parte de uma letra de música de Gabriel, O pensador. Veja se
os alunos a conhecem ou se sabem cantá-la. Estimule-os a conhecer a letra. Se
possível, leve o disco para ouvir a música com a turma.
Leia você primeiro, em voz alta, ou peça a algum aluno que o faça. Peça que
todos indiquem as palavras cujo significado não entenderam. Leve-os a usar o
dicionário e discuta com eles o sentido que melhor se ajusta ao texto. Depois,
peça que todos leiam silenciosamente. Volte a ler em voz alta.
Em releitura, temos:
Oriente a turma para que assinalem a resposta certa. A atividade pode ser feita
em pequenos grupos, e os alunos podem trocar idéias sobre as opções, mas todos
devem registrar a resposta individualmente.
O autor segue, no manual, explicitando as respostas “certas” da atividade de
compreensão, contida no Guia de estudo I.
As orientações, referentes aos tópicos “Vamos ler” e “Releitura”, revelam-nos muito
do planejamento do autor e do modelo de leitura adotado por ele. EmVamos ler,
percebemos que há uma preocupação do autor em acionar os conhecimentos prévios do
aluno; essa orientação possibilita ao professor o cumprimento da primeira etapa de uma
aula comunicativa de leitura que facilita o processo de construção ativa dos sentidos. Mas,
logo depois, o autor segue o padrão adotado pela maioria dos materiais didáticos, ou seja,
84
ler em voz alta, assinalar as palavras desconhecidas, ler em silêncio e nada avança. Tal
padrão se fortalece nas teorias mecanicistas de leitura. É um procedimento particularmente
incoerente com as exposições e posições anteriores feitas pelo autor.
Dessa forma, não percebemos o cumprimento do restante das etapas de leitura. A
terceira etapa (em que o professor deveria mediar efetivamente a interação entre os
conhecimentos prévios do aluno e a materialidade lingüística através das questões de
compreensão) acontece de forma equivocada, uma vez que o autor propõe apenas questões
de múltipla escolha que remetem a uma leitura linear e unilateral do texto, não
possibilitando a construção de outras leituras possíveis. Podemos perceber isso através do
gabarito das questões, expressas no Manual do educador I (p. 71 do manual I), e do esforço
do autor em garantir que os alunos assinalem a resposta “correta”. Segue a orientação do
autor
11
:
RELEITURA
Oriente a turma para que assinalem a resposta certa. A atividade pode ser feita
em pequenos grupos, e os alunos podem trocar idéias sobre as opções, mas todos
devem registrar a resposta individualmente.
As respostas corretas são:
A) O poeta focaliza um personagem bem sucedido no futebol (b)
B) De acordo com o poema, o sol do sucesso brilha para poucos(c)
C) O talento de Brazuca desperta o interesse dos empresários (d)
D) O nome do personagem principal é Brazuca.
E) Os jogadores citados no texto são: Pelé, Zico, Maradona, Mané.
Em “Releitura”, o autor adota unicamente o conceito mecanicista de leitura quando
considera apenas a leitura autorizada por ele como sendo a “correta”, excluindo professores
e alunos do processo de construção de sentido, limitando-se a localizar informações
explícitas no texto. Os sentidos já estão estabelecidos pelo autor do material didático para
serem apenas reconhecidos por professores e alunos. O objetivo da atividade é focalizar o
conteúdo gramatical, não há preocupação em potencializar a construção de sentidos do
11
A atividade completa está explicitada no anexo 4 da dissertação.
85
texto, uma vez que os sentidos já estão estabilizados pela atividade de múltipla escolha.
Dessa forma, também não é possível ocorrer o processo de negociação de sentidos –
característico da quarta etapa da aula de leitura - entre os sujeitos envolvidos no evento de
leitura, uma vez que não há espaço para outros sentidos; a leitura privilegiada já foi
estabelecida pelo gabarito proposto pelo autor do material didático.
Vejamos as orientações referente a “Vamos ler” e a “Releitura”, contidas no Manual
do educador II (p. 21 do manual II)
12
.
VAMOS LER
Leia o texto em voz alta com bastante expressividade. Peça que os alunos leiam
silenciosamente. Se houver necessidade, ajude os que ainda não completaram a
formação das habilidades básicas de leitura.
RELEITURA
F) (d) a vida de quem produz o açúcar
G) (d) provocar a reflexão por meio da emoção
H) (c ) poético.
I) (a) é solidário com os trabalhadores que produzem o açúcar.
J) (d) a repetição de frases.
K) (b) agradável
É bastante relevante problematizar a postura do autor do material didático. Há um
grande equívoco nos encaminhamentos didáticos pedagógicos, já que é solicitado que o
professor leia em voz alta e que o aluno leiam em silêncio. Cada encaminhamento dado
deve ter como base os seus objetivos, as suas particularidades. As estratégias de leitura
desenvolvidas na prática da oralização de um texto são bem diferentes das estratégias da
leitura em silêncio, e isso não é considerado pelo autor do livro. Também é importante
ressaltar que a prática comum, entre os livros didáticos, de fornecer todas as respostas
“corretas” (inclusive aquelas que subestimam professores e alunos) deixa-nos inferir as
concepções que subjazem ao planejamento sugerido por esse material. Percebemos que o
autor mais uma vez reduz o planejamento da aula de leitura ao padrão homogeneizante
12
Essa atividade está completa no anexo 4 da dissertação.
86
adotado pela maioria dos autores de livros didáticos, ou seja, o padrão da leitura silenciosa,
da leitura em voz alta etc; seguido pela atividade de compreensão expressa no material
didático. Não há espaço para o debate, para a construção de sentido; cabe aos professores e
aos alunos aceitar a resposta “correta” imposta e legitimada pelo autor do material didático,
reforçando, assim, a concepção mecanicista de leitura, e o planejamento pouco engajado
em conceber a leitura como um processo complexo de construção e negociação de sentidos.
Também em relação ao aluno, não encontramos, no material didático, explicações
sobre os objetivos das atividades propostas. Tal procedimento permite-nos acreditar que o
aluno não é concebido como um sujeito que deva ser informado sobre os propósitos de cada
atividade. Essa atitude, a nosso ver, também desconsidera o leitor como um sujeito ativo
que constrói e negocia os sentidos do texto.
Na Unidade Formativa III, percebemos que, no Manual do educador III
13
(p. 27 E 28
do manual III), o autor não foge ao padrão explicitado até agora, deixando poucas
explicações sobre suas opções teórico-metodológicas. Dessa forma, na atividade explicitada
abaixo, que trata de questões de compreensão sobre a música “Sinal fechado”, o autor, em
“Vamos ler”, não traz orientações direcionadas ao professor e prossegue explicitando
apenas as respostas “corretas” às perguntas de compreensão.
A) Dois
B) Dentro dos carros, no transito.
C) Eles estão no sinal fechado
D) b) No sinal fechado
E) b) Diálogo.
Atividade 17
A) Circule todos os verbos do texto.
B)Veja o texto no início do tópico (Ver página 96 da dissertação).
13
A atividade completa está explicitada no anexo 4 da dissertação.
87
Percebemos, através das orientações do autor, que há uma preocupação em garantir o
controle das respostas “corretas”, mesmo das respostas mais óbvias de simples localização
dentro do texto. Não sobra espaço para a discussão em sala de aula, as respostas já estão
dadas, cabendo ao aluno apenas extraí-las do texto.
Com relação à orientação de explorar os conhecimentos sobre os gêneros textuais
e/ou sobre alguns aspectos proeminentes nos textos – característica da segunda etapa da
aula de leitura proposta por Cicurel (1991), não há, nas indicações do Manual do educador
referente à atividade explicitada acima, nenhuma indicação de cumprimento dessa etapa da
aula de leitura. O autor não possibilita o trabalho de criar hipóteses sobre o tema tratado
no texto, utilizando, para isso, algumas pistas presentes na superfície textual, como por
exemplo: utilizar figuras, termos destacados dentro do texto ou ainda utilizar os
conhecimentos prévios do aluno sobre o gênero na inferência de algumas características do
texto a ser lido. Na verdade, o autor do material didático não explora esses recursos que
auxiliam na construção de hipóteses sobre o tema tratado no texto e sobre o posicionamento
do produtor do texto.
A análise vem mostrando que a entrada leitor no texto é proposta de forma
problemática. Percebemos que as questões de compreensão propõem entradas no texto que
não potencializam o processo de interação entre os conhecimentos do leitor e a
materialidade lingüística. Na verdade, o foco das questões é a informação que está explícita
no texto, não há espaço para a realização de inferências na construção de sentidos. Essa
afirmativa pode ser comprovada através da necessidade do autor de explicitar as respostas
“corretas” e, sobretudo, quando estas respostas representam partes extraídas do texto,
característica da concepção mecanicista de leitura. A resposta “correta” é apresentada e
espera-se que professores e alunos extraiam do texto.
A quarta etapa, que possibilita a negociação dos sentidos do texto entre os sujeitos
envolvidos no evento de leitura, também não é contemplada pela atividade. Como não há,
nas atividades de compreensão, a focalização no processo de interação entre os
conhecimentos prévios do leitor e a materialidade lingüística, necessária na efetivação da
88
terceira etapa da aula de leitura, não é possível o aluno partir do texto para uma outra
construção de sentidos. Na verdade, os sentidos já foram dados pelo autor do material, a
própria formulação das questões não deixa margem para outros sentidos. Outro problema,
na efetivação da quarta etapa da aula de leitura, consiste na continuidade das orientações
em negociar os sentidos do texto, considerando o papel que todos os envolvidos no novo
evento representam. O papel de mediador assumido pelo professor é negado, e o trabalho
feito pelo grupo é interrompido.
Percebemos que o Manual do educador IV revela a preocupação do autor em
trabalhar em uma perspectiva de apropriação de alguns gêneros textuais utilizados ao longo
das Unidades Formativas. Esse último Manual do educador traz uma espécie de síntese da
proposta do autor com relação ao trabalho com a linguagem. No entanto, percebemos que
mesmo nesse manual há uma fragmentação dos conteúdos e uma superficialidade no
esclarecimento das opções teóricas realizadas pelo autor. Essa postura, além de não auxiliar
o professor na compreensão da proposta, revela-nos a representação que o autor tem do
papel do professor em situação de sala de aula: o de aplicação dos conteúdos e dos
exercícios já estabelecidos pelo livro didático.
Assim, nas orientações abaixo expressa no Manual do educador IV (p. 25 e 26 do
manual IV), temos a seguinte indicação ao professor
14
:
Professor, aqui está um quadro mais completo dos gêneros (no material do aluno não
há a terceira coluna.)
Situações de linguagem Tipos de texto
predominante
Habilidade de
linguagem
dominante
Gêneros orais ou escritos
Literatura poética Expressão
Poética
Elaboração da
linguagem como
forma de expressão
Poesia
14
A atividade está explicitada no anexo 4 da dissertação.
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Verso
da interpretação
pessoal do mundo.
Literatura ficcional Narração Limitação da ação
pela criação de
enredo, personagens,
situações, tempo,
cenários, de forma
verrosimil.
Conto maravilhoso
Conto de fadas
Fábula
Lenda
Narrativa de aventura
Narrativa de ficção
científica
Narrativa de enigma
Narrativa mítica
Anedota
Biografia romanceada
Romance
Romance histórico
Novela fantástica
Conto
Paródia
Adivinha, piada
Documentação e memória
de fatos
Relato Representação pelo
discurso de
experiências vividas
situadas no tempo.
Relato de experiências
vividas
Relatos de viagem
Diário íntimo
Testemunho
Autobiografia
Curriculum vitae
Ata
Notícia, reportagem
Crônica social
Crônica esportiva
História
Relato histórico
Perfil biográfico
Levantamento de discussão
de problemas
Argumentação
Persuasiva
Sustentação,
refutação e
negociação de
tomada de posição.
Aviso
Convite
Sinais de orientação
Texto publicitário
comercial
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Texto publicitário
industrial
Cartazes
Slogans
Campanhas – folders
Cartilhas – folhetos
Discussão de problemas
sociais em que há opiniões
diferentes.
Argumentação Sustentação,
refutação e
negociação de
tomada de posição.
Textos de opinião
Diálogo argumentativo
Carta de leitor
Carta de reclamação
Carta de solicitação
Deliberação informal
Debate regrado
Editorial
Discurso de defesa
Requerimento
Ensaio
Resenha crítica
Estabelecimento,
construção e transmissão
de realidades e idéias.
Exposição Apresentação textual
de fatos e saberes da
realidade.
Contratos
Declarações
Documentos de registros
Pessoal
Atestado
Certidões
Estatutos
Regimentos
Analise o quadro:
A) Resposta pessoal, mas os alunos devem considerar os gêneros que já
foram lidos no material do ProJovem.
B) Resposta pessoal, mas os alunos devem considerar os gêneros que já
foram escritos no ProJovem.
C) 1. poema – 2. artigo-3. texto expositivo/explicativo – 4. poema – 5. conto
–6. poema –7. texto expositivo/explicativo-8. letra de música/poema –9.
biografia – 10.expositivo/explicativo.
D) Os alunos podem trazer propagandas, artigos, notícias etc. Professor
observe no quadro onde se encaixam, e converse com eles sobre a classificação.
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A única distinção entre o quadro apresentado ao aluno, no Guia de estudo IV, e o
quadro apresentado ao professor, no Manual do educador, é a terceira coluna. Nessa coluna,
há, segundo o autor, a explicitação da h
abilidade de linguagem dominante que deverá ser
desenvolvida através do trabalho de apropriação do conjunto de gêneros de texto que
compõem a quarta coluna. No entanto, esse trabalho de ampliação de habilidades,
resultantes da apropriação de determinados gêneros, não foi mencionado ao professor no
desenvolvimento das três Unidades Formativas anteriores. Essa postura do autor do
material torna muito difícil o trabalho de planejamento do professor, tendo em vista a
impossibilidade de compreensão da proposta que norteia a confecção do material didático,
não há possibilidades de intervenções, ajustes ou adaptações ao planejamento sugerido pelo
autor, cabendo ao professor a simples execução das tarefas propostas pelo material.
O quadro traz alguns termos que nos remetem principalmente ao interacionismo
sócio-discursivo, como: Situação de linguagem, gênero de texto, tipo de texto
predominante etc. Mas, mesmo o emprego desses termos está deslocado dentro do quatro
que é apresentado ao professor. O termo Situação de linguagem, explicitado na coluna 1,
nos faz lembrar o termo Situação de ação de linguagem utilizado por Bronckart (1999),
inspirado na teoria de Habermas e de Ricoeur, que designa as propriedades individuais dos
mundos formais que podem influenciar a produção textual. Para o autor do material
didático, há distinção ente literatura poética e literatura ficcional, sendo as duas formas
Situações de linguagem diferentes e que geram gêneros também diferentes. Na verdade, no
quadro, o termo referente à coluna 1 não retoma a dimensão psicológica que caracteriza a
situação de ação de linguagem proposta por Bronckart; há, no quadro explicitado pelo
autor do material didático do ProJovem, uma mistura de termos que não auxilia na
compreensão da proposta de planejamento para a aula de leitura.
As colunas 2 e 3 apresentam novos equívocos que não auxiliam em nada a proposta
do autor do material com relação ao trabalho com a linguagem. Na coluna 2, o autor
explicita a Tipologia textual predominante, levando-nos a considerar que ele reconhece a
heterogeneidade constitutiva do gênero no que concerne aos tipos de textos ou as
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seqüências textuais, nos termos de Adam (1992). No entanto, não percebemos, nas
atividades de compreensão, um trabalho voltado para a identificação, descrição e análise
dos tipos de textos que compõem os gêneros; há, na realidade, a simples identificação do
tipo predominante, que se realiza de forma equivocada por confundir a noção de gênero e
de tipo textual. Também há, na coluna 2, uma evidente confusão entre os termos que o
autor designa como tipo de texto. Na coluna 3, o autor explicita ao professor as habilidades
de linguagem dominantes que serão exploradas através do trabalho com o gênero. Essas
habilidades também são tratadas de forma superficial e fragmentada, não há nenhuma
explicação mais detalhada ao professor.
O autor explicita, na questão “A”, a preocupação de trabalhar em uma perspectiva
que leve em consideração o gênero textual. No entanto, percebemos que esse trabalho com
o gênero não é contemplado pelas atividades de compreensão, uma vez que todos os
gêneros, independente de suas características e das condições de produção que os
influenciou, são tratados da mesma maneira. A primeira questão limita-se a identificar os
gêneros de forma intuitiva e não leva em consideração a complexidade de ler e produzir
determinados gêneros secundários.
Uma vez problematizada a proposta de planejamento da aula de leitura, na
seqüência analisamos as atividades de compreensão, em particular considerando a
recuperação do contexto de produção (Bronckart, 1999).
2. A PROPOSTA DE PLANEJAMENTO DA AULA DE LEITURA NO GUIA DE
ESTUDO DO ALUNO
Apresentamos, nesse item, algumas considerações que dão conta da organização do
material destinado aos alunos. As seções que mais se destacam, pela ordem, são “Vamos
ler” (31 questões), “Releitura” (29 questões), “A língua que usamos” (28 questões),
“Vamos conversar” (23 questões) e “Vamos escrever” (19 questões). Somando as questões
93
referentes às seções “Vamos Ler” e “Releitura”, temos o total de 60 questões que
correspondem a quase 60% do total de atividades.
Esses dados indicam uma proposta de ensino de língua enfaticamente focada na
formação de leitores. Entretanto, cabe-nos questionar o tipo de formação de leitores que o
autor do material didático nos propõe, uma vez que são as concepções teóricas subjacentes
ao planejamento da aula de leitura, materializado nas atividades de compreensão e nas
orientações do Manual do educador, que efetivamente influenciam a formação de leitores.
Percebemos que todos os tópicos (“Vamos ler”, “Releitura”, “Vamos conversar”,
“Vamos escrever” e “A língua que usamos”) estão presentes nos quatro volumes; e, na
maioria das vezes, a seqüência em que esses tópicos são dispostos, no material, segue a
seguinte ordem: “Vamos ler”, onde consta o texto a ser lido; seguido pelo tópico “Vamos
conversar”, em que normalmente a conversa proposta é sobre o tema tratado no texto;
depois, temos “Releitura”, em que o autor propõe questões de compreensão do texto
escrito; seguido pelo tópico “Vamos escrever”, em que o texto lido é mote para a produção
textual, e por último o tópico “A língua que usamos”, onde alguns aspectos gramaticais são
evidenciados pela atividade. Desse planejamento, podemos dizer que há um percurso, um
planejamento que se inicia com a apresentação do texto através de uma conversa sobre o
tema e que continua em seguida com entradas no texto pelo viés das questões de
compreensão e de questões de gramática.
Apesar de o autor iniciar a seqüência de atividades a partir do texto, isso não quer
dizer que ele priorize a construção de sentidos; percebemos que há muitos equívocos,
quanto à natureza das atividades, que dificultam a formação de leitores críticos. Na
verdade, o excesso de perguntas de compreensão revela-nos a preocupação do autor em
abarcar tudo o que considera essencial a ser compreendido; essa atitude guia a leitura do
aluno, impossibilitando-o de construir outros sentidos ao texto.
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O conteúdo e a seqüência em que o autor do material didático apresenta as atividades
deixam-nos entrever a concepção de leitura que respalda o seu trabalho. Entende-se que é
necessário garantir, primeiramente, a compreensão dos fatos apresentados no texto.
Entretanto, as questões que conduzem o aluno a essa compreensão são frutos de uma leitura
- a do autor do material -, compreensão muitas vezes concretizada na própria maneira de se
formularem as questões e na priorização de determinados fatos.
Passemos à análise referente dos tópicos “Vamos ler” e “Releitura” que constam no
Guia de estudos I e II, III e IV. Analisamos o planejamento da aula de leitura, a partir da
proposta de uma aula comunicativa de leitura (CICUREL, 1991); problematizamos a
concepção de leitura, com base em Braggio (1992) e percebemos o tratamento conferido ao
texto a partir da recuperação das condições de produção, propostas por Bronckart ( 1999).
Nesse sentido, observamos todas as atividades, que segundo os autores trabalham
leitura e interpretação dos textos, contidas nos tópicos “Vamos ler” e “Releitura”. Por
limite de espaço e de tempo, optamos por apresentar os resultados das análises de apenas
uma atividade exemplar de cada Guia de estudo. Segue a análise retirada do Guia de
Estudo I e das respectivas orientações sugeridas no Manual do Educador I.
VAMOS LER
Brazuca
Gabriel O Pensador
Futebol? Futebol não se aprende na escola
No país do futebol o sol nasce para todos, mas só brilha para
poucos, e brilhou pela janela do barraco da favela onde morava
esse garoto chamado Brazuca
que não tinha nem comida na panela mas fazia embaixada na canela
e deixava a galera maluca
era novo e já diziam que era o novo Pelé
que fazia o que queria com uma bola no pé
que cobrava falta bem melhor que o Zico e o Maradona e que
driblava bem melhor que o Mané, pois é
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E o Brazuca cresceu, despertando o interesse de empresário e a
invejava nos otários.
RELEITURA
Leia novamente, em silêncio, bem devagar, apreciado as palavras e interpretando
as idéias.
A) O poeta focaliza
a) a dificuldade de se jogar futebol.
b) um personagem bem sucedido no futebol.
c) A falta de alimentação na favela.
d) A falta de oportunidade para a população.
B) De acordo com o poema,
a) o talento do futebol se desenvolve na escola.
b) quem nasce na favela não tem chance de sucesso.
c) o sol do sucesso brilha para poucos.
e) todos têm oportunidades iguais de vencer.
C) O talento de Brazuca desperta
a) desconfiança nos amigos.
b) competição com outros jogadores
c) preocupação na família
d) interesses dos empresários
D) Cite o nome do personagem principal
E) Quais são os jogadores citados no texto?
Há palavras que dão nomes às pessoas, aos lugares, às instituições – são os
substantivos próprios. Observe que os nomes próprios são escritos com letras
iniciais maiúsculas
.
Segundo os autores, o objetivo das atividades é “retomar e reforçar os conhecimentos
sobre a língua portuguesa, especialmente quanto à leitura e à escrita”. No entanto, na
indicação de trabalho de interpretação de texto (“Releitura”), o autor introduz o conteúdo
gramatical substantivo próprio de forma descontextualizada, não facilitando a compreensão
global do texto. A escolha do texto “Brazuca” não foi aleatória; foi provavelmente um forte
critério a introdução do conteúdo gramatical substantivo próprio, já que no corpo do texto
há vários nomes de jogadores. Assim, o texto serve principalmente como introdução ou
justificativa para o trabalho de classificação terminológica, baseado unicamente na
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Gramática Tradicional, como se a ativação do esquema lingüístico sozinho garantisse a
compreensão do texto.
De acordo com o Manual do educador I (p. 71 do Manual do educador I), “Este
tópico está voltado para a noção do nome pessoal, que é o primeiro elemento de afirmação
da identidade. Vamos oferecer oportunidade para que o aluno, a partir do texto, comece
uma reflexão a respeito dos nomes ou substantivos próprios”. Verificamos, através dessa
passagem, a explicitação do predomínio dos aspectos gramaticais que nortearam inclusive a
escolha do próprio texto. Dessa forma, apesar de atividade partir do texto, a leitura,
concebida aqui como construção ativa dos sentidos do texto, não é o objetivo, mas o meio
de treinar os aspectos considerados prioritários.
O predomínio do aspecto formal em detrimento do semântico faz-nos perceber a
predominância do modelo de leitura mecanicista ou tradicional. Esse modelo é baseado no
behaviorismo e concebe a linguagem como um sistema fechado, autônomo, em que o
significado é retirado do texto, e a leitura autorizada é a do autor, assim o leitor pouco
contribui na construção de significados, prendendo-se apenas à forma, à linearidade do
texto.
Quando analisamos as orientações do autor do material contidas no Manual do
educador I, verificamos que o cumprimento das etapas iniciais é contemplado. Assim,
seguem as orientações referentes à lição 1 contidas no Manual do educador I (p. 71 do
manual I): “O texto a ser lido é parte de uma letra de música de Gabriel, O Pensador. Veja
se os alunos a conhecem ou se sabem cantá-la. Estimule-os a conhecer a letra toda. Se
possível leve o disco para ouvir a música com a turma”. Percebemos que há uma
preocupação do autor em ativar os conhecimentos prévios do aluno sobre o texto que irá
analisar, além de sugerir uma leitura rápida ou varredura do texto através da indicação de
ouvir a música com a turma.
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Quando focalizamos o tópico “Releitura”, em que, segundo os autores, os alunos
desenvolvem habilidades de compreensão de texto, esperamos que efetivamente haja a
mediação do autor do livro didático na promoção da interação entre os conhecimentos
prévios do leitor e a materialidade lingüística; interação característica da terceira etapa da
aula de leitura. Dessa forma, esperamos que, no tópico “Releitura”, haja a intervenção
mais efetiva e de qualidade do autor do material didático na promoção da interação entre a
materialidade lingüística e as representações mentais do aluno. Esse procedimento deveria
ser potencializado pelo autor do material didático através de entradas no texto propostas
nas questões de compreensão do texto.
No entanto, essas questões pouco contribuem para que haja a efetiva interação entre
as informações contidas no texto e os conhecimentos do leitor, uma vez que a maioria das
atividades focaliza a localização de informações explícitas no texto. A questão “C) O talento
de Brazuca desperta”
é um exemplo de atividade que focaliza unicamente as informações
contidas no texto. Nesta questão, podemos encontrar a resposta pronta na linearidade
lingüística; não há espaço para inferências; o foco é o cotexto.
Percebemos também que as questões sugeridas pelo autor do material didático tratam
os textos, independente do gênero, da mesma forma; não há nos exercícios uma
preocupação com as especificidades de cada texto advindas principalmente das condições
de produção. Assim, os parâmetros do contexto de produção (BRONCKART,1999) não
são recuperados adequadamente pela atividade de compreensão em análise; não há
questionamentos que problematizem os parâmetros definidores do mundo físico, que diz
respeito aos parâmetros de localização espácio-temporal, e do mundo sociosubjetivo, que
diz respeito ao quadro social, como: quem escreveu o texto? Para quem? Quando? Onde?
Com que objetivo? De que lugar social? Qual o papel que autores e possíveis leitores
exercem na sociedade?
Assim, na questão “A)
O poeta focaliza, quando o autor questiona o quê o produtor do
texto focaliza, percebemos que há uma tentativa de recuperar o objetivo da escritura do
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texto, ou melhor, o objetivo da interação do ponto de vista do enunciador. Nesse sentido,
deve ficar claro que não é possível recuperar exatamente os parâmetros definidores do
contexto de produção referente ao mundo subjetivo do produtor, ou seja, não é possível,
para o leitor, afirmar qual o objetivo da interação que motivou a produção de determinado
gênero. Na verdade, o leitor poderá apenas, a partir das pistas contidas no texto e dos seus
conhecimentos internalizados sobre a situação de ação da linguagem, inferir sobre as
possíveis motivações ou intenções que possibilitaram ao autor do texto produzir
determinado gênero. Acreditamos que é essa impossibilidade de recuperação total dos
mundos definidores do contexto de produção que faz a construção de sentidos do texto ser
tão complexa, pois é na tentativa de o leitor recuperar os parâmetros definidores do
contexto de produção que acontece a interação entre as informações contidas no texto e os
conhecimentos prévios do leitor.
Nesse sentido, não é possível fechar as possibilidades de construção de sentidos
apenas na leitura realizada pelo autor do material didático. Na verdade, em uma questão
como “A” (O poeta focaliza), que de certa forma questiona a intenção do produtor do texto,
é possível darmos diversas respostas a essa pergunta, sendo a alternativa imposta pelo autor
do material didático mais uma possibilidade de leitura. Dessa forma, não é possível ao autor
do material didático afirmar o que o produtor do texto focaliza ou qual a intenção do
produtor ao escrever determinado gênero; o autor do material didático pode apenas
hipotetizar, assim como professores e alunos, sobre o contexto de produção definidor de
um gênero.
Na música “Brazuca”, percebemos que o tema um personagem bem sucedido no
futebol só faz sentido se compreendermos o contexto de produção que influencia na escrita
desse gênero. Assim, o lugar de produção, que é o lugar concreto, geograficamente situado
no qual o texto foi produzido, revela-nos qual é o país do futebol (o Brasil, país em que o
esporte é bastante valorizado, sendo até forma de ascensão social) indicado na letra da
música; o momento de produção, que é a extensão do tempo durante o qual o texto é
produzido (podemos recuperar, através do tipo de música RAP e do tipo de linguagem
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utilizada na construção do texto, que a música pertence à atualidade); o emissor que é quem
produziu fisicamente o texto (pode ser recuperado através das referências bibliográficas) e,
por último, os receptores, que são os interlocutores.
A produção da música também se inscreve no quadro das atividades de uma formação
social. Essa formação, envolvida na produção textual, implica a representação do mundo
social (normas, valores, regras, etc) e do mundo subjetivo (imagem que o autor faz de si ao
agir). Essa representação do mundo sociosubejetivo implica o lugar social em que foi
escrita a musica (no meio musical de produção de Rap, mídia); a posição social do emissor
da música que diz respeito ao papel social que o autor Gabriel, O pensador exerce na
sociedade (cantor de sucesso e bem aceito pela mídia); a posição social do receptor
(possivelmente jovens com um certo posicionamento crítico; fãs do Gabriel, O pensador); o
objetivo da interação, que diz respeito, do ponto de vista do enunciador, ao efeito que o
texto deve produzir no destinatário (provocar uma reflexão sobre a relação entre a falta de
oportunidade da população e o sonho de fazer fama no futebol; refletir sobre o sucesso do
esporte nas classes menos favorecidas etc).
A recuperação dos parâmetros definidores do mundo sociosubjetivo, que são
internalizados pelo agente produtor e que influenciam diretamente na produção de um
texto, deve ser bastante explorada pelas atividades de leitura, uma vez que esses
parâmetros, diferente dos parâmetros definidores do mundo objetivo ou físico, são
formulados de maneira gradual através das interações sociais. Os parâmetros definidores do
mundo sociosubjetivo são, muitas vezes, bastante específicos da situação comunicativa,
uma vez que dependem de leis ou normas regidas pelas interações sociais; e devido à sua
especificidade esses parâmetros podem ser de difícil percepção. Defendemos que é também
papel da escola abordar essas questões e discuti-las para a construção de sentido do texto.
Assim, provocar os alunos a questionarem sobre a função social de um músico bem
sucedido, dentro de um lugar social diretamente relacionado à mídia, que aborda
determinado tema, destinado a um público determinado, deve ser objeto de discussão em
100
sala de aula e formalizado pelas questões de leitura. Nesse sentido, reafirmamos o papel do
autor do material didático em suscitar essa discussão, através das questões propostas para o
estudo do texto. No material do ProJovem, esses questionamentos deveriam ser
contemplados nas questões de compreensão referente ao tópico “Releitura”; possibilitando,
assim, a efetivação da terceira etapa da aula de leitura, norteada por concepções de leitura
engajadas em promover a interação entre a materialidade lingüística e o repertório mental
do aluno.
Com relação à negociação dos sentidos do texto entre os sujeitos envolvidos no
evento de leitura, percebemos, através da atividade em análise, que essa etapa da leitura não
é uma preocupação do autor do material didático do ProJovem. Na verdade, não é possível
reagir diante do texto ou religar os conhecimentos quando o texto não é ponto de partida
para um debate que possibilita a negociação dos posicionamentos dos sujeitos envolvidos
no processo de leitura. Assim, o cumprimento da quarta etapa tem relação direta com a
própria funcionalidade da leitura, já que é a partir da reação diante do texto que o leitor se
apropria da linguagem escrita para interagir no mundo.
Vejamos outro exemplo de atividade de compreensão que foi retirado do Guia de
estudos II do aluno (p.21 do guia II) e dos comentários feitos pelo autor das orientações
contido no Manual do educador II (p.21 do manual II).
VAMOS LER
O açúcar
O branco açúcar que adoçará o meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.
Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.
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Este açúcar veio
da mercearia da esquina e tão pouco o fez o Oliveira,
dono da mercearia.
Este açúcar veio de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no estado do Rio
e tão pouco o fez o dono da usina.
Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.
Em lugares distantes, onde não há hospital
nem escola,
homens que não sabem ler e morrem
aos vinte e sete anos
plantaram e colheram a cana
que viraria açúcar.
Em usinas escuras,
homens de vida amarga
e dura
produziram esse açúcar
branco e puro
com que adoço meu café nesta manhã de Ipanema.
(Ferreira Gullar. Toda Poesia. Rio de Janeiro, 2000, p.165)
RELEITURA
Releia o texto para responder às questões que se seguem.
A) O tema do texto é
a) o sabor do açúcar no café
b) o comércio do açúcar na mercearia
c) o café da manhã em Ipanema
d) a vida de quem produz o açúcar.
B) A finalidade desse texto é
a) conclamar as pessoas para o trabalho
b) definir os procedimentos de um trabalho
c) orientar os trabalhadores sobre como trabalhar
d) provocar a reflexão por meio da emoção
C) Esse texto pode ser considerado
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a) narrativo.
b) argumentativo.
c) poético.
d) dissertativo.
D) Pelos sentidos do texto o poeta
a) é solidário com os trabalhadores que produzem o açúcar.
b) denuncia o preço alto do açúcar na mercearia da esquina.
c)defende os donos das usinas de açúcar de Pernambuco.
d)reconhece a eficiência de escolas e de hospitais públicos.
E) Uma das características da linguagem do texto é
a) a rima de sons finais de versos.
b) a repetição de sons inicias de palavras.
c)o exagero nas imagens criadas.
d)a repetição de frases.
F)No verso “e afável ao paladar” a palavra destacada significa
a)amargo
b)agradável
c) picante
d) estranho
Numa situação de atividade de leitura em material didático, nós temos o autor do
texto, o autor do livro, o professor e o aluno. É importante que a negociação no processo de
construção dos significados contemple todos os envolvidos na leitura, sendo o autor do
material didático, assim como o professor em situação de sala de aula, mediadores desse
processo. Como vimos, no tópico “Vamos ler”, a mediação do professor não é
potencializada, não há a indicação do cumprimento das etapas iniciais de leitura. A
mobilização dos conhecimentos prévios do leitor é possibilitada através do tópico “Vamos
Conversar” contido no Guia de estudos II (pág. 21 do guia II ):
Promova uma conversa sobre o autor e o poema. Procure ler para os alunos mais
poemas dele. Faça uma relação com o texto sobre arte que foi lido
anteriormente. Mostre que o autor procura explorar os sentidos, a sonoridade e o
ritmo da língua. Faça um trabalho interdisciplinar, promovendo um debate sobre
o que sabemos a respeito da produção de açúcar no Brasil. Aborde a questão do
trabalho nos canaviais, hoje, e sua relação com as migrações entre regiões e
estados do Brasil.
103
Através do tópico “Vamos Conversar”, explicitado acima, percebemos a sugestão
do autor em trabalhar com a antecipação dos cenários e mobilização do conhecimento
prévio do aluno para, em etapas posteriores, possibilitar a participação ativa do leitor na
construção de sentido do texto. Verificamos, no material didático, que normalmente o
tópico “Vamos Conversar” cumpre essas etapas iniciais, no entanto, dentro do
planejamento geral da aula de leitura, essa atitude tão importante para a aula de leitura é
vista como deslocada do processo de compreensão de texto, não faz parte dos tópicos que
envolvem a leitura por ampliar a habilidade de produção de textos orais. As etapas iniciais
deveriam ser abordadas na seqüência de tópicos que trabalham o processo de leitura, ou
melhor, em “Vamos ler” e “Releitura”.
No tópico “Releitura”, quando o aluno volta ao texto, no cumprimento da terceira
etapa da aula de leitura, é orientado a resolver questões de múltipla escolha que
necessariamente fecham a possibilidade de construção de outros sentidos ao texto,
prevalecendo a leitura legitimada pelo autor do material didático. Essa atitude nega ao leitor
a possibilidade de construir argumentos; negociar seu posicionamento a respeito do texto;
interagir de maneira significativa com o autor do texto e com o autor do livro.
A volta ao texto proposta pelo autor é aligeirada e dividida em: classificação do tema;
finalidade da produção do texto; classificação tipológica do texto, quanto à estrutura textual
e quanto aos aspectos da estrutura de um texto literário, relacionados apenas a aspectos
formais desse gênero.
Percebemos, através da seqüência de atividades, que, mesmo sendo um texto literário,
o qual é tradicionalmente concebido como um tipo de texto que oferece a possibilidade de
múltiplas leituras, as atividades de compreensão não se modificam, ou melhor, o tratamento
conferido ao texto é o mesmo; não há questões que levem em consideração as
especificidades do gênero poesia. A atividade solicita do aluno a mesma leitura “correta” e
única, legitimada pelo autor do material didático.
104
O resultado dessa atitude é a total banalização do texto literário, que passa a se
apresentar apenas como um conjunto de frases (no formato de versos), cujo conteúdo deve
ser compreendido em sua linearidade. Percebemos essa atitude de banalizar o texto literário
através da questão “A” sobre o poema de Ferreira Gullar, expressa no tópico “Releitura”. O
autor reduz o tema tratado no poema à resposta “d”, a vida de quem produz o açúcar; essa
atitude revela-nos uma concepção homogeneizante dos alunos, dos professores e do próprio
ato de ler, já que todas as outras possibilidades de leitura são sufocadas pela leitura do autor
do texto; na verdade, questionar sobre o tema de uma poesia ideologicamente engajada com
as rupturas sociais e não levar em consideração esses traços inerentes à própria constituição
do poema é, no mínimo, uma atitude redutora do autor do material. Ele espera do aluno
uma mesma leitura, que será direcionada (ou seria melhor interditada) pelas perguntas de
compreensão. As outras opções, referentes à questão “A”, são detalhes do texto expresso
através dos versos; são informações explícitas que têm pouca relação com o conteúdo
global do texto.
A questão “D” reforça o modelo mecanicista adotado pelo autor na maioria das
atividades de compreensão; a questão homogeneíza os alunos quando antecipa uma dúvida
de vocabulário. Dessa forma, o autor antecipa a dúvida do aluno e percebe a palavra
“afável” como sendo uma palavra difícil para o aluno.
Na questão “E”, o autor, quando trata de uma especificidade da composição textual
pertencente ao gênero poesia, aborda apenas aspectos formais (a repetição de frases); não
há uma preocupação em considerar a função dessa repetição dentro do sentido global do
texto. Essa atitude do autor reforça a nossa hipótese de que não há, no material didático,
questões que levem em consideração as especificidades dos gêneros. Nesse sentido,
consideramos de extrema importância a recuperação do contexto de produção específico de
cada gênero, uma vez que o contexto de produção está diretamente relacionado às escolhas
realizadas pelo produtor quanto à estrutura composicional de determinado gênero de texto.
105
Os parâmetros do mundo físico definidores do contexto de produção envolvidos na
construção da poesia de Ferreira Gullar, O açúcar, não são problematizados pelas questões
de compreensão; isso, ao nosso ver, reduz as possibilidades de construção de sentidos
diferentes dos já legitimados pelas informações explícitas no texto.
Podemos recuperar os seguintes aspectos envolvidos na construção do mundo físico: o
lugar de produção da poesia, onde geograficamente o autor produziu o texto, pode ser
recuperado pelas referências bibliográficas (Rio de janeiro) e pela referência, na poesia, ao
bairro de Ipanema; o momento de produção, extensão do tempo durante a qual o texto é
produzido, normalmente pode ser recuperado por alguma passagem no texto ou pelas
referências bibliográficas; no nosso caso, essa informação não pode ser definida, já que o
ano que consta na referência é o ano de publicação do livro; o emissor (produtor ou locutor)
que é quem produziu fisicamente o texto (Ferreira Gullar) e, por último, o receptor, que é a
pessoa que pode receber ou perceber concretamente o texto; sobre essa última questão, nós
poderíamos abrir um debate sobre quem efetivamente lê o gênero poesia.
Os parâmetros definidores do mundo sociosubjetivo, que também influenciam na
produção do texto, são pouco explorados pelas questões de compreensão de textos em
análise. A questão “B” trata da finalidade do texto e, para resolvê-la, o aluno precisa
recuperar, através das pistas textuais, um dos parâmetros definidores do contexto de
produção: o objetivo da interação. Os parâmetros definidores do contexto de produção não
podem ser recuperados tal qual pensou o produtor do texto; o leitor poderá fazer apenas
hipóteses sobre esse parâmetro na construção de sentido do texto. Assim, também o autor
do material didático só poderá hipotetizar sobre as intenções do produtor do texto, sendo
sua hipótese apenas mais uma leitura.
O que ocorre, na seqüência de atividades analisadas, é o silenciamento de outras
possibilidades de leitura; na questão “B”, o autor fecha as possibilidades de outras respostas
ao rotular como correta a opção “d” -
provocar a reflexão por meio da emoção – que também
106
banaliza o texto literário e pouco contribui para um debate entre os envolvidos na construção
de sentido do texto.
Assim, o lugar social da poesia, que corresponde ao quadro de qual formação social
ou instituição a interação é efetivada, seria a esfera das produções literárias; a posição
social do emissor, que diz respeito ao papel social que o emissor desempenha na interação,
seria de poeta reconhecido pelo público e pela crítica literária; a posição social do receptor,
que diz respeito ao papel social assumido pelo receptor, seria a de pessoas com nível de
letramento bem avançado e que têm interesse pelo gênero poesia; o objetivo da interação
poderia ser explicitado em várias questões, como: recriar a realidade através da arte, refletir
sobre a situação de quem produz o açúcar, suscitar nas pessoas o desejo de transformação
social etc.
Convém ressaltar que a situação de ação internalizada pelo agente-produtor
influencia sobremaneira produção do texto, pois é a partir dela que o agente toma decisões,
como a escolha do gênero adequado à situação, os tipos de seqüências textuais apropriados
ao gênero escolhido, entre outros. E, para reconhecer a situação de ação, o produtor do
texto precisa ter internalizado dentro de si os parâmetros definidores do contexto de
produção, ou melhor, os parâmetros do mundo físico, social e subjetivo.
Para compreender um texto, o leitor também precisa mobilizar as representações
internalizadas dos mundos formais. Assim, cabe ao leitor recuperar, a partir das
representações que possui sobre a situação de ação, o contexto de produção que
influenciou na produção do texto.
Segundo os autores, o objetivo, explícito na introdução da atividade, é “ampliar as
habilidades de leitura do texto literário em verso”. No entanto, percebemos que o objetivo
não foi atingido; não é possível ampliar a habilidade de leitura do texto literário através de
questões pouco engajadas com a compreensão global do texto.
107
Com relação à possibilidade de negociação dos sentidos do texto entre os sujeitos
envolvidos no evento de leitura, percebemos que a atividade analisada não potencializa esse
procedimento. Não é possível religar os conhecimentos ou fazer um confronto entre o
posicionamento do leitor e o posicionamento do produtor, uma vez que a leitura “correta”
já foi estabelecida pelo autor do material didático.
15
O exemplo que segue foi retirado do Guia de estudos III do aluno (p.43 e 44 do guia
III) e das orientações, feitas pelo autor, sobre a atividade contida no Manual do educador
III (p. 27 E 28 do manual III). O tema da Unidade Formativa III é Juventude e
Comunicação. A atividade explicitada abaixo tem como temática a discussão sobre “a
comunicação no cotidiano” e inicia explicitando os objetivos da lição que transcrevemos
aqui: “Desenvolver a habilidade de ler e interpretar letras de música; reconhecer o tipo de
texto estruturado como diálogo; desenvolver a habilidade de produzir cartas; aprofundar o
conhecimento sobre verbos no modo subjuntivo.” A seqüência de atividade inicia com
“Vamos ler”, seguida de “Vamos Conversar”, “Releitura” e “Vamos escrever”. Dessa
forma:
VAMOS LER
Olá, como vai?
Eu vou indo, e você, tudo bem?
Tudo bem, eu vou indo, correndo,
pegar meu futuro lugar no futuro. E você?
Tudo bem. Eu vou indo em busca de um sono
tranqüilo, quem sabe?
Quanto tempo...
Pois é, quanto tempo...
Me perdoe a pressa
é a alma dos nossos negócios...
Oh! Não tem de que.
Eu também só ando a cem.
15
. Para Cicurel (1991), o procedimento de negociação dos sentidos é estabelecido na quarta etapa da aula de
leitura. Em nossa pesquisa, iremos detalhar a análise desse procedimento através da verificação da aula de
leitura.
108
Quando é que você telefona,
precisamos nos ver por aí.
Pra semana, prometo, talvez
nos vejamos, quem sabe?
Quanto tempo...
Pois é, quanto tempo...
Tanta coisa que eu tinha a dizer,
Mas eu sumiu na poeira das ruas.
Eu também tenho algo a dizer,
mas me foge a lembrança.
Por favor telefone; eu preciso beber
alguma coisa rapidamente.
Pra semana...
O sinal...
Eu procuro você...
Vai abrir, vai abrir...
Prometo, não esqueço.
Por favor, não esqueça, não esqueça, não
esqueça.
Adeus...
(Paulinho da Viola meu tempo é hoje – trilha sonora do filme. Ministério da
Cultura, biscoito fino, 2003)
VAMOS CONVERSAR
Você conhece o sambista Paulinho da Viola? Já ouviu outras músicas dele?
O samba é um ritmo essencialmente brasileiro, originário dos batuques africanos
misturados a outros ritmos. Nessa letra o autor focaliza uma conversa informal.
Observe que a fala pode ser mais truncada que a escrita, pois o contexto permite
a compreensão.
RELEITURA
Releia o texto para responder às questões a seguir.
A) Quantos falantes participam da conversa?
B) Onde estão os falantes enquanto conversam?
C) Que se entende pela expressão “Vai abrir, vai abrir”?
D) Assinale o título adequado para o texto
a) Conversa de bar
b) No sinal fechado
c) Ao telefone
d) Na fila do banco.
109
E ) O texto está estruturado em forma de
a) descrição
b) diálogo
c) narrativa
d) dissertação.
A) Circule todos os verbos do texto.
B) Coloque travessão nas mudanças de interlocutor.
Na seqüência de atividades acima, percebemos que a escolha do texto tem relação
direta com a temática desenvolvida pela Unidade Formativa III – Juventude e
Comunicação. As primeiras etapas da aula de leitura são cumpridas pelo tópico “Vamos
conversar”, quando questiona sobre o produtor do texto e sobre o estilo de música. No
entanto, o tópico “Vamos ler”, segundo a indicação dos autores do material didático, serve
para ampliar a habilidade de produção de textos orais. Assim, o objetivo da atividade não é
a de antecipação dos cenários para uma construção ativa do sentido; a temática serve
apenas como pretexto para a produção oral.
No tópico “Releitura”, esperamos que haja indicações de entradas no texto que
facilitem a interação entre os conhecimentos prévios do aluno e a materialidade lingüística .
Apesar de serem questões abertas, as perguntas “A’, “B” e “C” recuperam fatos factuais do
texto, como: quem? Quantos? Onde? Facilmente recuperadas pelas palavras “o sinal” e “vai
abrir”. Essas questões, a nosso ver, são pouco engajadas em facilitar a interação necessária
no cumprimento da terceira etapa da aula de leitura, uma vez que exigem do leitor apenas a
“extração” de informações contidas na superfície textual. Esses tipos de questões reforçam
o modelo mecanicista de leitura e pouco contribuem para a construção dos sentidos do
texto.
O texto é reduzido ao enredo, recuperável por pistas que constam na superfície
textual. Assim, todos os questionamentos ideológicos sobre a falta de tempo do mundo
capitalista e sobre tantos outros temas implícitos não são questionados pelo autor do
material através da seqüência de atividades.
110
Já a questão “E) O texto está estruturado em forma de” propõe entrar no texto através da
sua estrutura composicional. No entanto, percebemos que há uma confusão nas opções. O
autor mistura tipologias, a do protótipo de Adam (1992), e a tipologia escolar. Ele
questiona a estrutura do texto e coloca entre as opções o gênero escolar dissertação, e não
trata disso no Manual do educador. Outro aspecto revelado pela atividade é o pouco
esforço que será depreendido pelo aluno para resolver a questão “E”, já que a resposta
“correta” está explicitada no tópico “Vamos conversar” quando o autor declara o seguinte:
Nessa letra o autor focaliza uma conversa informal”. Para o aluno, não é difícil
reconhecer conversa informal e diálogo como sendo termos semelhantes; não há o
questionamento sobre as características da seqüência dialogal.
As últimas questões prendem-se aos aspectos formais do texto, não havendo nenhuma
relação com a construção de sentido. Esse tipo de questão também reforça o modelo
mecanicista quando prioriza os aspectos formais do texto e explicita no comando da
atividade palavras como “circule” e “coloque”, verbos que não exigem do leitor um grau
maior de reflexão.
A seqüência de atividades propostas não recupera o contexto de produção que
influenciou na produção da música. Os aspectos definidores do mundo físico não são
questionados na atividade. Dessa forma, o produtor do texto, Paulinho da Viola, pode ser
recuperado pelas notas bibliográficas; para quem o texto é produzido, onde e quando são
informações que não podem ser recuperadas facilmente, pois não há indicações dessas
informações nem no texto e nem nas referências bibliográficas. Esses últimos parâmetros
definidores do mundo físico poderiam ser questionados nas atividades de compreensão
através de perguntas que fizessem o aluno refletir sobre o sentido dessa letra em uma
sociedade antiga, onde não havia sinal de trânsito e onde o tempo era contado de forma
diferente. Na verdade, o texto de Paulinho da Viola só faz sentido dentro da estrutura social
capitalista, em que o tempo e as relações sociais são dimensões também capitalizadas.
111
A música também faz parte de um quadro social, definido pelas relações em
sociedade. Assim, os parâmetros definidores do mundo sociosubjetivo devem ser
questionados nas atividades de compreensão/interpretação de texto. A música foi produzida
por Paulinho da Viola que ocupa um lugar social de sambista bem sucedido e que desperta
uma expectativa de música de qualidade para os fãs; o texto também foi produzido para
determinado público que ocupa um lugar social, dentro de um lugar social que poderíamos
definir como o meio musical ou a mídia; a música também cumpre determinado propósito
ou objetivo da interação que poderíamos inferir através das pistas deixadas pelo produtor
da música, como: reflexão sobre a pressa nas relações ocasionadas pela estrutura social
capitalista, o objetivo de entretenimento e tantos outros objetivos da interação que podem
ser hipotetizados. Na verdade, todos os parâmetros definidores do contexto de produção
não podem ser recuperados da forma como internalizou o produtor do texto, o leitor, assim
como o pesquisador, pode apenas inferir, através das pistas deixadas no texto e da sua
própria representação do mundo discursivo internalizado, o contexto de produção que
influenciou na escritura de um gênero.
A quarta etapa não é potencializada pela seqüência de atividades. O autor do material
didático, para cumprir a quarta etapa, poderia questionar alguns parâmetros definidores do
contexto de produção e posteriormente confortar o posicionamento do produtor do texto,
inferível através das pistas contidas na linearidade textual e nos parâmetros do mundo físico
e do mundo sociosubjetivo do leitor. Dessa forma, reforçamos o cumprimento de todas as
etapas, uma vez que elas estão interligadas e garantem o planejamento da aula de leitura
engajado com uma formação crítica de leitores.
O último Guia de estudos (p. 46 do guia IV) é uma espécie de síntese das unidades
anteriores. O tema proposto para essa Unidade Formativa é Juventude e Cidadania. O
conjunto de atividades que analisaremos é o único em que há um texto teórico sobre a
linguagem em “Vamos ler” e não há a repetição da seqüência estabelecida (“Vamos ler”,
“Vamos conversar”, “Releitura”, “Vamos escrever” e a “Língua que usamos); a atividade
112
encerra-se em “Vamos ler”. O objetivo explicitado pelo autor é o seguinte: conhecer os
diversos gêneros de textos.
Sempre que produzimos uma forma qualquer de comunicação estamos
utilizando um dos gêneros disponíveis na nossa cultura. Cada gênero já traz em
si escolhas prévias em relação a estruturas básicas de linguagem que são
automaticamente utilizadas pelo redator. Nós assimilamos esses formatos porque
convivemos com eles nas práticas sociais. Sabemos quase naturalmente qual é a
forma de uma carta, quais são as maneiras de começar uma ata, as diversas
possibilidades de participação de uma conversa, a melhor maneira de contar uma
anedota, como narrar um acontecimento.
Ao trabalharmos com um determinado gênero utilizamos tipologia variada de
texto. Assim, em um romance encontramos partes dialogadas, expositivas,
argumentativas e narrativas, que se sucedem compondo o enredo. Para produzir
cada tipo de texto, algumas habilidades de linguagem são necessárias.
Observe o quadro abaixo em que estão listados alguns dos gêneros mais
conhecidos:
Situações de linguagem Tipos de texto predominante Gêneros orais ou escritos
Literatura poética Expressão
Poética
Verso
Poesia
Literatura ficcional Narração Conto maravilhoso
Conto de fadas
Fábula
Lenda
Narrativa de aventura
Narrativa de ficção científica
Narrativa de enigma
Narrativa mítica
Anedota
Biografia romanceada
Romance
Romance histórico
Novela fantástica
Conto
Paródia
Adivinha, piada
Documentação e memória de
fatos
Relato Relato de experiências vividas
Relatos de viagem
113
Diário íntimo
Testemunho
Autobiografia
Curriculum vitae
Ata
Notícia, reportagem
Crônica social
Crônica esportiva
História
Relato histórico
Perfil biográfico
Levantamento de discussão de
problemas
Argumentação
Persuasiva
Aviso
Convite
Sinais de orientação
Texto publicitário comercial
Texto publicitário industrial
Cartazes
Slogans
Campanhas – folders
Cartilhas – folhetos
Discussão de problemas sociais
em que há opiniões diferentes.
Argumentação Textos de opinião
Diálogo argumentativo
Carta de leitor
Carta de reclamação
Carta de solicitação
Deliberação informal
Debate regrado
Editorial
Discurso de defesa
Requerimento
Ensaio
Resenha crítica
Estabelecimento, construção e
transmissão de realidades e idéias.
Exposição Contratos
Declarações
Documentos de registros
Pessoal
Atestado
114
Certidões
Estatutos
Regimentos
Na primeira coluna estão apresentadas as situações gerais, ou seja, as práticas
sociais em que os gêneros ocorrem. Na segunda coluna, os tipos de textos
predominantes em cada gênero. Na terceira coluna há uma lista dos gêneros
disponíveis na sociedade; essa lista é infinita e pode ser ampliada ou completada
a qualquer momento. Para a constituição de um gênero de texto entram em jogo
escolhas a respeito:
Da finalidade do texto;
Do tema;
Das estruturas textuais utilizadas;
Do vocabulário;
Do nível de linguagem.
O conjunto de escolhas do redator configura um determinado gênero de texto.
Às vezes um gênero está no limite em relação a outro gênero, pois esses limites
são fluidos.
Atividade 13
A) Na terceira coluna do quadro, grife os gêneros com os quais você já teve
contato.
B) Faça um X diante dos gêneros dos quais você produziu textos.
C) Volte aos tópicos anteriores e tente analisar os textos para localizá-los de
acordo com o gênero a que pertencem.
D) Recorte e traga para a classe exemplos de textos em três gêneros.
É curioso lembrar o fato de que o autor do material didático em seu discurso apresenta
um referencial teórico atualizado, mas nas atividades não propõe situações coerentes. Há,
no quadro explicitado na atividade acima, uma tentativa de reprodução do agrupamento
16
de gêneros de texto, feito por Schneuwly e Dolz (2004) quando trata do procedimento das
seqüências didáticas. No entanto, como vimos ao longo das análises, o trabalho de
apropriação do gênero não é estabelecido nas Unidades Formativas; assim, a proposta do
autor traz equívocos, quanto à natureza das atividades de compreensão, que o afastam de
uma concepção sócio-interativa de ensino/aprendizagem. A atividade acima não contribui
para a apropriação do gênero, uma vez que é apenas conceitualista; a noção de gênero é
16
Para Schneuwly e Dolz ( 2004), os gêneros dentro de determinado agrupamento não são estanques. No
máximo é possível determinar alguns gêneros que são mais prototípicos que outros e, assim, particularmente
aconselháveis para um trabalho didático.
115
explicita em um texto de uma página. Assim, a classificação terminológica do gênero passa
a ser objeto de ensino e efetivamente não há trabalho produtivo com a linguagem, fazendo,
assim, pouco sentido para professores e alunos.
Parece-nos que o objetivo da atividade é fazer com que o aluno infira sobre o
agrupamento de gêneros que, segundo os autores do material em conversa informal com a
coordenação municipal, norteia a construção do material didático. Podemos perceber essa
atitude através das questões “A”, “B” e “C”. Na questão “A”, o autor solicita que o aluno
grife os gêneros com os quais já teve contato, e para fazer a atividade o aluno necessita
saber o que é gênero, no entanto, em nenhum outro momento do material essa noção foi
discutida e, ao nosso ver, a explicitação da noção de gênero ao aluno não facilita a
produção e a leitura dos textos. A questão “B” e a “C” solicita que o aluno volte aos Guias
de estudos utilizados em sala de aula em busca dos gêneros produzidos e estudados no
Programa.
Apesar dessa aparente intenção dos autores em priorizar a apropriação dos gêneros
secundários, percebemos, através da análise das atividades de leitura, que o objetivo não é
atingido. O modelo de leitura adotado pelo autor é predominantemente mecanicista e o
trabalho com o texto não considera as especificidades dos gêneros. Essas afirmações podem
ser comprovadas através da análise das atividades que fizemos ao longo dessa dissertação.
Também não encontramos, nos manuais destinados ao educador, a explicitação desse
trabalho com o gênero. Há fragmentos de textos que nos remetem à determinada teoria
sobre a linguagem, mas não há explicações teórico-metodológicas relevantes, capazes de
auxiliar o professor na reformulação ou complementação da proposta sugerida pelo autor
do material didático.
116
3. SITUAÇÃO DAS PRÁTICAS DE LEITURA: A SALA DE AULA
No percurso da pesquisa, sentimos a necessidade de conhecer como se dá a utilização
do material didático. Por esse motivo, fomos à sala de aula de leitura do ProJovem. Essa
experiência será aprofundada nesse momento da dissertação.
A sala de aula é um espaço construído pelas relações sociais e por isso não pode ser
abstraído das forças histórica que o compõe. A escola é antes a instituição autorizada a
formar cidadãos preparados para viver em sociedade, segundo os valores que essa
sociedade (ou uma parte privilegiada dela) reconhece como corretos. Caberia, então, a
escola definir o que é melhor para alunos e professores.Essa normalização dos valores
dentro da escola define as relações de poder que sustentam a atribuição de valores a ser
seguidos pelos sujeitos envolvidos.
É nesse contexto que devemos perceber a utilização do livro didático dentro da
escola. Esse material é autorizado e legitimado pela instituição escolar como base para o
trabalho do professor. Este ancora o seu trabalho principalmente nas orientações
pedagógicas do autor e nas atividades propostas nesse material didático. Dessa forma, o
livro didático funciona como o portador de verdades que devem ser aceitas e seguidas por
professores e alunos. Essa forma de conceber o livro didático justifica o comportamento de
muitos professores do ProJovem, que não conseguem subverter nem mesmo a ordem
estabelecida pelo autor do material didático na disposição dos conteúdos, mesmo que essa
ordem não faça sentido para os alunos. E, embora reconhecendo alguns problemas do
material didático do Programa, muitos professores preferem adotar, em sala de aula, as
orientações pedagógicas, sem nenhuma adaptação na proposta do autor deste material.
Podemos perceber a força da legitimação e da autoridade do autor do livro didático na
fala de um professor na primeira aula observada. Quando questionado sobre a seqüência de
conteúdos do livro didático do Programa, ele respondeu: “Eu sigo a ordem do livro + sim
117
++ O autor sabe o que está fazendo + né. Diferente da gente que não sabe que ordem
seguir (transcrição aula 1).”
Mesmo não sabendo ou não compreendendo as bases teórico-metodológicas que
respaldam o planejamento sugerido pelo autor do material didático, o professor prefere não
desautorizar o autor, o que revela a imagem que esse professor faz do autor do material
didático. Essa atitude deixa-nos inferir que o professor percebe-se em uma situação inferior,
assume o papel ou a imagem de um sujeito menos qualificado que o autor. O plano
sugerido pelo autor do material didático para a aula de leitura será aplicado em sala de aula,
sem nenhuma intervenção do professor. Dessa forma, o professor pouco contribui na
mediação do processo de construção e negociação dos sentidos do texto entre os sujeitos
envolvidos no evento de leitura, sobressaindo-se a voz do autor do material didático.
A adoção única do planejamento sugerido pelo autor do material didático é
explicitada pelo professor (transcrição aula 1):
R1: Os alunos ficam sem referência para estudar e pedem que a gente siga a
ordem estabelecida pelo livro; a gente tem uma idéia +, principalmente em um
Programa novo, do que deve ou não ser ensinado e não perde tempo com
conteúdos menos importantes; “não temos tempo para preparar as aulas + o
Programa paga mal ++ você sabe++ ; os autores das provas vão seguir o
conteúdo do livro + tenho que dar ele todinho+ (grifo nosso)
A centralidade do material didático, agravada pelo processo de legitimação desse
material, tem relação direta com o planejamento da aula de leitura que é privilegiado em
sala de aula. A atuação do professor é muitas vezes silenciada, este passa a ser um
personagem que segue um roteiro estabelecido contido nas páginas do material didático. É
difícil existir, na aula de leitura, espaço para outras leituras, outros comportamentos fora do
roteiro; é esperado que o professor siga passo a passo a atividade do livro, assim como é
esperado que o aluno consiga decifrar a intenção do autor do livro didático a cada resposta
“correta” dada às atividades de compreensão de texto. Essas declarações revelam-nos que o
professor parece não perceber a limitação da sua própria liberdade; afinal de contas, cede-se
118
ao autor do livro didático a autoridade de delimitar os conteúdos e a metodologia a ser
aplicada em sala de aula.
Na aula 1, o professor segue as orientações do autor do material didático em
questionar sobre as palavras difíceis e garantir a compreensão de todas as palavras do texto.
Essa atitude revela-nos uma aproximação com a concepção mecanicista de leitura em que o
sentido do texto pode ser extraído do somatório de significados das palavras. Podemos
perceber essa postura do professor na seguinte passagem da aula (transcrição aula 1): “O
texto é difícil + mas depois que eu expliquei o sentido de cada palavra difícil fica fácil + né
+ e de que trata o texto?”. No decorrer da aula, o professor retira palavras do texto que
considera difíceis e questiona com os alunos o sentido das palavras destacadas. Há, nessa
atitude, uma preocupação em abarcar todos os sentidos do texto; até as possíveis dúvidas
são antecipadas pelo professor, não havendo espaço para a construção de outros sentidos.
Dessa forma, o aluno é silenciado, obrigado a prender-se aos detalhes do texto.
A preocupação do professor em seguir o conteúdo, no tempo estipulado pelo autor, é
outra manifestação da força do planejamento sugerido pelo autor do material didático.
Assim, na aula 3, o professor declara:
R1: Hoje vamos terminar logo essa atividade + já estamos atrasados ++ daqui a
pouco precisamos encerrar o módulo três ++ precisamos ver todo o conteúdo
++ como não sei o que vai cair na prova ++ Vocês lembram onde a gente
parou? Parece que foi na questão 23 ++ ALGUÉM pode fazer a leitura ++
Vamos lá ++ (grifo nosso).
Há, nesse segmento, a explicação do professor em seguir o que está estabelecido pelo
material. No ProJovem, especificamente, o professor não elabora a prova que será aplicada
aos alunos, esta é elaborada pelos autores do material. Esse fato específico do Programa
agrava ainda mais o processo de centralização do material didático, reforçando, assim, a
influência do material na prática do professor.
119
Assim, a aula de leitura sai pouco do roteiro estabelecido pelo autor do material
didático. Não há grande diferença entre o planejamento sugerido pelo autor, expresso no
material, e o planejamento efetivado em sala de aula. Há, em sala de aula, a repetição dos
equívocos encontrados no material didático.
Como vemos, na aula 1, o professor segue as orientações sugeridas pelo autor do
material didático para a aula de leitura. Podemos perceber o cumprimento da etapa inicial
através da fala do professor: “Do que vocês acham que o texto vai tratar? Alguém já leu em
casa esse texto? ++ vamos lá+ podem ler o título? A1. A linguagem dos atos e
comunicações oficiais.” No segmento da aula, percebemos que o professor segue a
orientação do autor em questionar, antes da leitura do texto, sobre o que os alunos sabem
sobre o tema que será tratado. No entanto, esse questionamento é quase automático, parece
servir apenas para o cumprimento do roteiro sugerido pelo autor. Observamos isso quando
o professor nem espera a resposta do aluno, não aguarda que o aluno explicite suas
hipóteses sobre o tema tratado no texto; a etapa fica reduzida à leitura do título, sem
grandes debates sobre o que os alunos sabem sobre o tema e não há, em momentos
posteriores, a retomada e confirmação das hipóteses feitas pelos alunos. Na seqüência, o
professor segue fazendo a “leitura” do texto, preocupando-se com a pronúncia correta. Não
há, na postura do professor, uma reflexão crítica sobre a importância da etapa de
mobilização dos conhecimentos prévios para a construção de sentido do texto.
A primeira etapa, assim como no material, também é cumprida pelo tópico “Vamos
conversar”. Na aula 2, o professor solicita que os alunos leiam esse tópico e façam
comentários sobre as perguntas indicadas pelo autor. A discussão inicia sem muito
entusiasmo. Acreditamos que a falta de interesse decorre do fato de que esse assunto não
chama a atenção dos alunos que se expressam com o silêncio ou com conversas paralelas
seus posicionamentos sobre o recorte feito pelo autor. A desmotivação também é percebida
pelo professor que afirma o seguinte: “Não sei o que acontece com vocês hoje ++ [creio
Camila que é o texto, não é muito motivador + você precisava ver quando trabalhamos a
música do Chico ++ foi muito bom+] Vamos lá pessoal ++”. Aos poucos, alguns alunos
120
começam a fazer parte do diálogo, mas a maioria da sala continua demonstrando o
desinteresse sobre o tema. A primeira etapa, então, não acontece da forma como o autor
planejou; pouco contribui para ativar os conhecimentos prévios do aluno.
O acionamento dos conhecimentos prévios do aluno, através da leitura varredura do
texto, não é contemplado nas aulas analisadas; não há o processo de fazer inferência do
tema que será tratado no texto através de figuras ou outros procedimentos. O material
didático pouco contribui para a qualidade da aula de leitura. A transposição do gênero para
o livro didático deveria manter algumas características próprias desse gênero. Por exemplo,
manter em um gênero como notícia alguns elementos, como: a figura, a legenda, o título e o
lead destacados, possibilitando, assim, a professores e a alunos fazer inferências e construir
hipóteses sobre o tema que o texto tratará ou sobre o posicionamento do produtor do texto.
No material didático do ProJovem, não percebemos essa preocupação em manter nos
textos didatizados (DABENE, 1990) alguns traços do domínio discursivo do gênero
analisado. O professor, nas aulas observadas, não tenta superar essa dificuldade no
material; segue obedecendo à orientação do autor, desconsiderando essa etapa da aula de
leitura.
No percurso de sua aula, o professor, na terceira etapa da aula de leitura – ler com
objetivo – que propõe entradas no texto, se apóia principalmente no material didático do
Programa, uma vez que este não sugere, em sala de aula, entradas no texto que facilitem a
interação entre os conhecimentos prévios do aluno e a materialidade lingüística. Assim, na
aula 2, o professor solicita a leitura do texto A linguagem dos atos e comunicações (anexo
3), no entanto, não propõe nenhuma entrada que facilite a compreensão do texto: limita-se
apenas a buscar sentidos para as palavras que considera difíceis. Dessa forma, a
compreensão textual fica a cargo das questões de compreensão sugeridas pelo autor do
material.
121
Nas questões de compreensão, percebemos muitos equívocos que também dificultam
o processo de interação necessário ao cumprimento da terceira etapa da aula de leitura.
Assim, a primeira e a segunda perguntas, contidas no Guia de estudo IV (anexo 3), são
questões de localização no texto; não há, nas duas questões, espaço para nenhum tipo de
inferência, não sendo necessária a participação ativa do aluno na construção de sentidos. O
sentido já está estabelecido pelo autor, cabendo ao aluno apenas extraí-lo. Essa atitude
revela-nos uma concepção próxima ao modelo mecanicista de leitura, não possibilitando,
assim, o processo ativo de construção de sentidos presentes nos modelos interacionistas e
sociopsicolingüístico de leitura que defendemos nesse trabalho. A concepção mecanicista
de leitura norteia também a prática do professor, sendo esta concepção explicitada na
seguinte passagem da aula 2: E isso ++ os atos públicos ditam regras ++ pessoal não tem
dificuldade + é só tirar do texto + tá no texto ++(grifo nosso). Assim, para o professor,
os sentidos estão presentes na superfície do texto, não há espaço para a construção ativa dos
sentidos, o que reforça a concepção mecanicista de leitura.
A quarta etapa da aula de leitura – religar os conhecimentos ou reagir diante do texto
– faz do texto ponto de partida para uma construção coletiva dos sentidos que transforma o
texto e os sujeitos envolvidos no evento de leitura. O cumprimento desta etapa é
necessariamente mediado pelo formador de leitores – professor e autor do material
didático-, sendo imprescindível o cumprimento efetivo da terceira etapa da aula de leitura.
O cumprimento da quarta etapa está diretamente relacionado ao cumprimento da
terceira etapa da aula de leitura, pois como é possível religar os conhecimentos ou reagir
diante do texto sem efetivamente termos entradas no texto que possibilitem o processo de
interação? Dessa forma, a quarta etapa da aula de leitura não é possibilitada na sala de aula,
já que não houve, em etapas anteriores, entradas no texto que possibilitassem a interação
entre os conhecimentos prévios do leitor e a materialidade lingüística. O debate, que
possibilitaria a negociação de sentidos, é calado para dar espaço às respostas autorizadas
pelo autor do material. Na aula 4, o professor reconhece a importância, para a negociação
de sentidos, do trabalhar em grupo. Assim o professor declara:
122
Aatividade 24 + vamos ficar em grupos e responder ++ podem discutir entre
vocês as respostas ++ vocês tem 15 minutos para responder ++ tá bom ++
podem reler o texto também enquanto isso vou fazer a chamada++” (grifo
nosso).
Mas quando solicita a explicitação do debate, percebemos que há um retorno às
respostas esperadas pelo autor, não havendo a negociação dos sentidos, apenas a
confirmação das respostas estabelecidas pelo autor. Podemos perceber essa atitude na fala
do professor (transcrição da aula 1) :
Muito bem + é essa mesma ++ Retire do texto todas as expressões que
caracterizam uma linguagem informal ++ Vamos lá eu vou copiar na lousa + tá
bom++ Caxias (copia a palavra na lousa) ++ é assim podem dizer sem medo de
errar+(grifo nosso).
A resposta está no texto, na materialidade lingüística, explicitada de forma
transparente, “facilitada” pelo autor, que propõe apenas a confirmação da leitura
privilegiada por ele. Essa atitude nega ao aluno a percepção de que o texto é heterogêneo,
constituído de muitas vozes e passível de muitas leituras. Cria-se a ilusão de que os
sentidos são facilmente percebidos na materialidade lingüística, “facilita-se” a leitura do
texto, abstraindo da linguagem as forças históricas que a constituem. Dessa forma, como
vemos na fala do professor, não há por que errar; é só retirar do texto.
Enquanto gravávamos a aula, analisamos também o comportamento dos jovens
presentes. Percebemos alguns gestos que nos inquietaram profundamente, como: o pouco
interesse pelo assunto abordado, o silêncio quando questionados pelo professor, a troca de
bilhetes em sala de aula, a leitura da revista, a conversa paralela, o trânsito “indisciplinado”
em sala de aula e tantas outras reações. Na verdade, todos esses movimentos paralelos são
formas de resistência ao modelo estabilizado para a aula de leitura.
Esses pequenos gestos de resistência são, a nosso ver, uma forma de interação
implícita que acontece entre os sujeitos envolvidos no evento de leitura. Há, na atitude dos
123
alunos, algumas pistas de que algo precisa ser modificado na prática do professor. Este
reconhece que a aula poderia ser melhor, mais produtiva para os alunos; todas essas
reações, esboçadas por alunos, causam uma inquietação que desestabiliza as certezas dos
professores e, de certa forma, faz com que o roteiro estabelecido para a aula de leitura seja
questionado.
Diante desse cenário, aproximamo-nos das reflexões de Paulo Freire (2005), quando
trata da educação bancária como instrumento da opressão. Para o autor, esse modelo de
educação baseia-se na inconciliação entre educador – educandos, que delimita os papéis de
cada sujeito envolvido em situação de sala de aula. Assim, cabe ao formador de leitores -
professores e autor do material didático – ditar os sentidos do texto, tendo este último papel
privilegiado e legitimado por todo o contexto escolar. E aos alunos cabe o papel de extrair
os sentidos já estabelecidos pelo autor do material didático e reiterados pelos professores.
4. OS SUJEITOS ENVOLVIDOS NO EVENTO DE LEITURA
(PROFESSORES E ALUNOS): ANÁLISE DOS QUESTIONÁRIOS.
Como vimos na metodologia deste trabalho (p. 71 e 72 da dissertação), foi aplicado
um questionário a alunos e professores. Este tinha como objetivo recuperar, no discurso
desses sujeitos, a expectativa com relação ao planejamento da aula de leitura. Dessa forma,
é possível testar a última hipótese que norteia essa pesquisa.
Vale lembrar que a construção dos sentidos do texto, em situação de sala de aula, é
um processo motivado não apenas pelos objetivos estabelecidos pelo aluno-leitor, mas
também por todo complexo universo que envolve o contexto escolar. Assim, entram em
jogo os objetivos estabelecidos pelo professor, pelo autor do livro didático e por tantos
outros fatores relacionados ao contexto educacional.
124
Nesse complexo universo que é a sala de aula, verificamos que nem todos os sujeitos
envolvidos no evento de leitura – alunos, professores e autor do material – são percebidos,
na construção de sentidos do texto, como construtores ativos que norteiam a leitura do texto
com base em seus objetivos específicos. Na verdade, há um roteiro pré-estabelecido que
delimita os papéis de cada sujeito. Assim, o autor do livro didático, motivado por todos os
elementos que compõem o contexto escolar e pela representação que se estabelece com a
figura do professor e do aluno, assume um papel privilegiado nesse processo. E, ao mesmo
tempo, as expectativas de alunos e professores com relação à aula de leitura são construídas
através da experiência que estes sujeitos têm com a prática de leitura sempre mediada pelo
livro didático. Nesse sentido, buscamos perceber, a partir das respostas dadas por alunos e
professores do ProJovem, a influência do roteiro de planejamento da aula de leitura,
adotado pela maioria dos autores de livros didáticos como um discurso de verdade, capaz
de compor a expectativa desses sujeitos.
Questionários aplicados aos professores
O questionário aplicado aos professores é composto de seis perguntas, divididas em
dois blocos de questões. O primeiro bloco é composto de questões relacionadas ao material
didático de língua portuguesa do Programa e o segundo bloco relaciona-se à prática de
leitura do professor.
Os dados que colhemos confirmam que a maioria dos professores concorda com o
modelo de leitura assumido pelo autor do material didático. A concepção de leitura, que o
professor diz respaldar o material didático, coincide com o discurso fragmentado do autor
do material didático no Manual do educador, mas não corresponde ao “fazer”, expresso no
Guia de estudos do aluno. Podemos perceber essa atitude na resposta da primeira questão,
no item “a) Na sua opinião, qual a concepção de leitura adotada pelo autor do material”. As
respostas mais significativas foram as seguintes:
125
R1Leitura compreensiva, capaz de estabelecer diálogo com outros textos e
com situações vividas no cotidiano; R2 o autor procura especificar vários
gêneros de texto, fazendo com que o aluno tenha um conhecimento mais
aprofundado, assim facilitando sua aprendizagem tanto na leitura como na
escrita; R3 Uma concepção que se baseia na construção de competências e
habilidades a partir da realidade do jovem por meio da construção social e
pessoal. Porque a estrutura do material está coerente com essa concepção, apesar
de ter algumas aulas que temos textos com níveis de compreensão elevado” (...)
(grifo nosso).
Os professores consideram que o autor do material didático assume concepções de
leitura engajada com a formação crítica de leitores, no entanto, percebemos, por meio da
análise do material do ProJovem, que o autor respalda a confecção das atividades de leitura,
com base em concepções tradicionais e descontextualizadas de leitura. Tal atitude indica a
autoridade do discurso deste autor, pois, apesar de este propor atividades de leitura com
base no modelo mecanicista, o que é considerado pelo professor são as orientações
pedagógicas contidas no Manual do educador. Na verdade, para essa resposta, os
professores consideraram apenas o que o autor diz assumir como concepção de leitura.
Dessa forma, não há nenhuma restrição por parte do educador na utilização do material
didático do Programa.
Sobre a proposta de planejamento da aula de leitura, sugerida pelo autor do material
didático, as respostas confirmam que esta proposta é a principal norteadora da aula de
leitura. Podemos perceber esse encaminhamento, a partir da análise do item b) A divisão
interna do material (“Vamos ler”, “Releitura”, “Vamos conversar”, “Vamos escrever”, “A
língua que usamos”) favorece o planejamento da aula? Por quê? Destacamos as seguintes
respostas:
R1 Sigo a ordem do material e acho bem interessante a proposta do autor em
dividir a ampliação de cada habilidade. O aluno lê o texto, em Vamos ler, e
trabalha a compreensão em Releitura. Gosto da divisão, mas não gosto do
tratamento dado à gramática, acho que é pouco conteúdo; R2 Sim, facilita a
organização das tarefas e favorece a participação dos alunos nas atividades;
R3 Sim, pois são momentos que ajudam o professor a avaliar as maiores
deficiências dos alunos, dando ao professor a oportunidade de preparar um
material extra (...); R4 Favorece. Ajudando a compreensão do texto, a escrita e
os conteúdos a serem trabalhados; R5 Sim, pois a divisão motiva o diálogo, a
compreensão, a escrita e o entendimento sobre os aspectos da linguagem de uso
freqüente. Tal divisão possui uma lógica intencional (grifo nosso).
126
Como vimos, o professor concorda com divisão proposta pelo autor do material
didático. Não havendo nenhum motivo para intervir no planejamento sugerido pelo autor.
Dessa forma, o professor acredita que o livro didático facilita a aprendizagem trazendo
modelos a serem seguidos pelos alunos. Essa crença advém da certeza de que o autor do
livro didático conhece melhor do que o educador o que deve ser ensinado e, portanto, ele (o
professor) se sente à vontade para seguir o modelo proposto. A crença de que o autor é mais
habilitado para nortear a aula de leitura é reforçada pelo discurso do autor que faz uma
espécie de marketing do seu material, afirmando que este está em conformidade com as
novas teorias da lingüística e da educação. Dessa forma, como podemos perceber em R5 a
divisão do material “possui uma lógica intencional” que deve ser obedecida.
As questões “d) Você, normalmente, consulta as orientações contidas no Manual do
educador? Elas o ajudam? De que maneira? “ e “e) Na sua opinião, as questões de
compreensão, expressas no Guia de estudo, efetivamente auxiliam na compreensão global?
Como?” questionam sobre a opinião dos professores com relação às atividades de leitura e
as orientações pedagógicas do autor. Para essas questões, todos os professores, que
responderam ao questionário, declararam concordar com a proposta do autor. Não há
nenhuma oposição dos professores com relação à proposta contida no material. Assim, não
há motivos para não adotarem a sugestão de planejamento. Essa atitude revela a
naturalização do uso do livro didático pelo professor (e, conseqüentemente, pelos alunos).
Os professores parecem nem sequer perceber a limitação da proposta contida no material
didático. Isso, a nosso ver, é bastante problemático, pois não percebemos nenhuma tensão,
nas respostas dos professores, que force mudanças na prática de leitura.
Com relação ao segundo bloco de questões, perguntamos sobre a metodologia da aula
de leitura adotada pelo professor. Através das respostas dos professores, confirmamos a
nossa hipótese de que há uma grande coincidência entre o planejamento da aula de leitura,
assumido pelo professor, e a proposta sugerida pela maioria dos autores de livros didáticos.
Podemos perceber essa coincidência na resposta de um professor do Programa: “Deve-se
127
selecionar textos criativos, que tragam a realidade dos jovens, conversar sobre os textos,
fazer leitura silenciosa e depois oral, estimular o senso crítico do leitor”. Como vemos,
todas os procedimentos sugeridos pelo professor podem ser encontrados em diversos livros
à disposição no mercado, o que parece sugerir uma internalização desses procedimentos,
provenientes da experiência do professor com a aula de leitura sempre mediada pelo livro
didático. Esse procedimento é o mesmo adotado pelo autor do material didático do
ProJovem, que provavelmente respalda a confecção deste material no imaginário do
professor e na sua capacidade de compreensão. Compreendemos que essa relação entre a
expectativa do professor e a confecção do material garante a permanência do livro didático
e implica na lentidão das mudanças que esperamos na educação.
Esse resultado dos questionários aplicados aos professores faz oposição às pesquisas
realizadas sobre a relação entre o “fazer” e o “dizer” do professor, como, por exemplo,
Leurquin (2001), que analisou a relação entre a concepção de leitura que o professor diz
adotar e a concepção que realmente respalda a sua prática. A pesquisa de Leurquin (2001)
pôde constatar que há um descompasso entre o “dizer” e o “fazer” do professor, uma vez
que este assume em seu discurso concepções de leitura engajadas na construção ativa dos
sentidos do texto, mas baseia sua prática principalmente na concepção mecanicista de
leitura.
No nosso caso, questionamos sobre o planejamento que o professor diz assumir em
sua prática e a efetivação desse planejamento em situação de sala de aula. Percebemos que
80% dos professores questionados atribuem ao autor do material didático um lugar central
para o planejamento da aula de leitura, o que se confirma na prática de leitura em sala de
aula quando adota o planejamento sugerido pela maioria dos autores de livros didáticos.
Não há oposição entre o “dizer” e o “fazer” do professor com relação ao planejamento
assumido para a aula de leitura. Ele segue as orientações do autor do material com relação
ao planejamento sugerido para a aula de leitura. Questiona apenas sobre o conteúdo
gramatical insuficiente.
128
Quando discutimos sobre o livro didático, precisamos compreendê-lo como parte de
um universo complexo que compõe o contexto escolar. Assim, os autores de materiais
didáticos norteiam a confecção de seus livros baseados na expectativa que estes têm de
alunos e professores, uma vez que a boa recepção desses materiais didáticos está
diretamente associada à expectativa desses sujeitos.
No ProJovem, apesar de o material didático não ser comercializado no mercado
editorial, percebemos que a proposta do autor com relação ao planejamento da aula leitura
não difere do padrão adotado pela maiorias dos autores de materiais didáticos, sendo este
padrão o mesmo que compõe as expectativas de professores e alunos.
Questionários aplicados aos alunos
O questionário aplicado aos alunos era composto de sete questões. Na análise dos
dados, percebemos que apenas as questões seis e sete foram realmente pertinentes para os
objetivos desta pesquisa. Dessa forma, nos deteremos apenas nestas duas questões.Para a
questão seis (como é a aula de leitura?), destacamos as seguintes respostas:
R1 o professor o texto, pede que os alunos leiam em silêncio, depois pede que
a gente responda as questões do texto e tira dúvidas das palavras difíceis. R2 a
professora pede pra gente ler o texto em voz alta ou em silêncio, ela pega e
questões pra gente responder, as perguntas do livro, ela pede pra gente ler o texto
do livro outra vez e grifar as palavras que não conhecemos
As respostas dos alunos podem ser sintetizadas da seguinte forma: o professor lê o
texto do livro didático, manda ler o texto em voz alta, manda o aluno procurar as palavras
desconhecidas, pede a resolução das questões e diz as respostas “corretas”.
Esse procedimento metodológico corresponde a 100% das declarações dos alunos
sobre a aula de leitura. Essas declarações coincidem com a Proposta do autor do material
129
didático do ProJovem e com a metodologia assumida pelo professor, o que nos revela a
força do modelo pré-estabelecido para a aula de leitura na construção da expectativa do
aluno com relação à aula de leitura. Esse modelo efetivamente contribui pouco para a
construção ativa dos sentidos, mas é reproduzido pela maioria dos autores de livros
didáticos.
Observamos ainda que os verbos utilizados para definir os procedimentos da aula de
leitura estão sempre em terceira pessoa ou no imperativo, assim: “o professor manda a
gente lê o texto”, “ela manda a gente responder as questões”, “o professor pede para abrir
o livro” etc. Para nós, essa marca lingüística revela-nos a demarcação das tarefas atribuídas
a professores e alunos, uma vez que exclui estes últimos da construção de sentidos do texto.
Na questão sete, perguntamos sobre a opinião dos alunos com relação às questões de
compreensão de textos. Destacamos a resposta de alguns alunos:
R1 Com livro é muito melhor, a gente não precisa copiar. R2 as questões são
boas, o professor explica o que significa o texto. R3 os textos são difíceis, só
quando o professor explica é que consigo entender (grifo nosso).
Percebemos, nas respostas explicitadas acima, o que significa o livro didático para o
aluno. O livro didático é bem recebido pelo aluno, uma vez que este “não precisa copiar
o texto no caderno. Parece ser este o maior argumento dos alunos para receberem bem o
livro didático. Outro aspecto que nos foi revelado pelas respostas relaciona-se à própria
construção de sentidos do texto; o aluno atribui ao professor a tarefa de explicar “o que
significa o texto”. Dessa forma, a construção de sentidos não é uma tarefa do aluno. Na
verdade, os sentidos já estão prontos, explicitados no Manual do educador, cabendo aos
professores garantir as respostas “corretas” e aos alunos “extrair” essas respostas do texto.
130
IV CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ler é um processo ativo e complexo de construção e negociação de sentidos. Não
compreendemos apenas o que está explícito na materialidade lingüística, mas também toda
uma gama de implícitos construídos através de nossas representações mentais. Dessa
forma, ler é construir sentidos.
A leitura de um texto também deve ser percebida em sua dimensão social, uma vez
que interagimos, em sociedade, mediados pelos gêneros textuais que regulam as práticas
humanas. Assim, o homem interage com o outro através da leitura e da produção de
gêneros textuais.
Em sala de aula de língua portuguesa, o processo de leitura torna-se ainda mais
complexo, pois, além de mediador das atividades humanas, o gênero passa a ser objeto de
ensino formalizado e a leitura está inserida no contexto de ensino/aprendizagem. Esse
processo é necessariamente mediado pelo formador de leitores (professor e autor do livro
didático). Nesse sentido, a leitura deve ser percebida, na escola, como um processo
transacional que envolve vários objetivos na construção de sentido do texto, uma vez que
irão nortear a leitura do gênero não apenas os objetivos estabelecidos pelo aluno-leitor, mas
também os objetivos do formador de leitores dentro de um contexto escolar específico.
Assim, nesta pesquisa, lançamos um olhar, na sala de aula de leitura, revelado através
do material didático do Programa Nacional de Inclusão de Jovens – ProJovem. Focalizamos
o planejamento sugerido pelo autor desse material e a influência desse planejamento na
construção de sentidos, considerando, neste trabalho, o autor do material didático como
mediador no processo de leitura.
131
Dessa forma, é imprescindível questionarmos o material didático não como um
conjunto de atividades, mas como um norte teórico-metodológico respaldado nas
concepções teóricas do autor desse material, tendo o planejamento, sugerido pelo autor,
influência no trabalho do educador. Não defendemos, nesta pesquisa, que somente a
qualidade do material didático proporcionará as mudanças que esperamos na educação do
país, mas reconhecemos o seu importante papel na sala de aula de língua portuguesa,
sobretudo, porque ainda é, na maioria dos casos, o único material disponível para o
professor e para os alunos.
O livro didático, com base em determinações oficiais, é lugar de estabilização,
legitimado pelo professor e pela sociedade, definindo o que e como se deve ensinar e
aprender, estabelecendo um perfil para alunos e professores, como também um padrão para
o planejamento da aula de leitura com base em velhos esquemas e em velhos
procedimentos pouco engajados na formação crítica de leitores. Este planejamento
apresenta-se na seqüência de atividades de compreensão de textos e testemunha a
internalização de formas consagradas que compõem a expectativa de alunos e professores.
Dessa forma, autor do livro didático, professores e alunos assumem um papel já
estabelecido, em que a construção de sentido do texto está pronta, esperando para ser
extraída pelos sujeitos envolvidos no evento de leitura. As atividades do livro didático não
deixam espaço para outras leituras. Assim, o texto tem apenas uma leitura, garantida pelo
gabarito das questões de compreensão contido no Manual do educador, sendo a tarefa do
aluno captar os sentidos previamente estabelecidos pelo autor do material didático e a do
professor garantir que não haja deslizes nas respostas dadas pelos alunos.
Em relação ao primeiro objetivo traçado, propusemos-nos investigar, no planejamento
do autor do material didático do ProJovem, o tratamento conferido às etapas iniciais de
mobilização das representações mentais do aluno na construção ativa dos sentidos do texto
e a relevância desse procedimento para a construção e negociação dos sentidos do texto na
prática de leitura. Para tanto, analisamos as orientações contidas no Manual do educador,
132
as atividades de leitura contidas no Guia de estudo, bem como as aulas observadas e
gravadas. Hipotetizamos, para esse objetivo, que o autor do material didático do ProJovem
possibilita, em sua sugestão de planejamento para aula de leitura, a mobilização dos
conhecimentos prévios do aluno na construção de sentidos do texto.
Na análise do material, verificamos que o autor do material didático sugere o
procedimento de mobilização dos conhecimentos prévios do aluno, em etapas iniciais da
aula de leitura, através das orientações contidas no Manual do educador. No entanto, o
Manual do educador traz algumas referências conceituais e metodológicas fragmentadas,
não possibilitando ao professor intervir na proposta sugerida pelo autor; no Guia de estudo
do aluno, o procedimento de mobilização dos conhecimentos prévios, em etapas iniciais da
aula de leitura, é sugerido no tópico “Vamos conversar”. Este tópico, segundo os autores,
trabalham o desenvolvimento da habilidade de produção de textos orais, não estando
diretamente relacionado à construção de sentido do texto; nas aulas observadas, verificamos
que o professor, apesar de observar as orientações do autor do material didático com
relação à sugestão de planejamento para aula de leitura, não cumpre adequadamente o
procedimento de mobilização dos conhecimentos prévios do aluno, uma vez que este lança
algumas questões sobre o tema que será tratado no texto, mas não possibilita a retomada
dessas questões na confirmação das hipóteses lançadas pelos alunos. Esse equívoco de
procedimento se deve a uma provável falta de referência do professor com relação à
proposta do autor. Dessa forma, o professor cumpre as orientações do autor de forma
burocratizada e mecanizada.
Com relação ao segundo objetivo, propusemo-nos analisar as questões de
compreensão e as orientações do autor do material didático quando se propõem a mediar a
interação da materialidade lingüística e os conhecimentos prévios do aluno, com base na
recuperação dos parâmetros definidores do contexto de produção dos gêneros. Para
cumprir esse objetivo, verificamos o tratamento conferido aos textos no Manual do
educador e nas questões de compreensão do Guia de estudo. Nesse sentido, hipotetizamos
que o contexto de produção não é recuperado pelas questões de compreensão, resultando no
133
tratamento homogêneo dos gêneros textuais e influenciando na qualidade da mediação
facilitadora do processo de interação entre o texto e os conhecimentos prévios do leitor.
Através da análise do material, verificamos que, no Manual do educador, o autor
anuncia que levará em consideração, na construção de sentidos do texto, o trabalho de
recuperação do contexto de produção dos gêneros. No entanto, no Guia de estudo,
percebemos que as atividades de compreensão de textos não levam em consideração as
especificidades dos gêneros, não havendo questões que problematizem a recuperação do
contexto de produção. Essa atitude não potencializa a construção de sentidos centrada no
processo de interação entre a materialidade lingüística e as representações mentais do leitor.
Com relação ao terceiro objetivo, propusemo-nos verificar, na situação de leitura em
sala de aula, a influência das questões de compreensão no processo ativo de negociação e
construção coletiva dos sentidos pelos sujeitos envolvidos no evento de leitura. Para isso,
analisamos as orientações contidas no Manual do educador, as atividades de leitura
contidas no Guia de estudo, bem como as aulas observadas e gravadas. Hipotetizamos que
o autor do material didático do ProJovem não possibilita, através do planejamento sugerido
para a aula de leitura, a negociação dos sentidos do texto entre os outros sujeitos envolvidos
no evento de leitura.
Através das análises, no Guia de estudos do aluno, verificamos que as atividades de
compreensão não potencializam o processo de negociação dos sentidos do texto entre os
sujeitos envolvidos no evento de leitura. Como as questões apresentam problemas na
proposição de entradas no texto que facilitem o processo de interação, o foco das questões
passa a ser o explícito do texto, não possibilitando a negociação de outros sentidos.
Já com relação ao último objetivo traçado para essa pesquisa, propusemo-nos analisar
o planejamento da aula de leitura na perspectiva de professores e de alunos do Programa.
134
Para tanto, analisamos o Guia de estudos, o Manual do educador, as aulas observadas e o
resultado de questionários aplicados a professores e a alunos.
Verificamos, na pesquisa, que o autor do material didático segue um modelo de
planejamento, pré-estabelecido e legitimado pela maioria dos autores de livros didáticos,
que dificulta o processo de construção e negociação dos sentidos. Esse modelo de
planejamento da aula de leitura é muito próximo do modelo idealizado na expectativa de
alunos e professores com relação aos procedimentos de uma aula de leitura. Também
verificamos que o modelo de planejamento da aula de leitura, sugerido pelo autor do
material didático, assemelha-se ao planejamento que norteia o “dizer” e o “fazer” do
professor. Há, nessa semelhança, uma espécie de círculo vicioso, em que o autor elabora o
livro didático com base na expectativa de professores e alunos, e o professor formula sua
expectativa com base na experiência de sala de aula sempre mediada pelo livro didático.
O que se buscou neste trabalho foi evidenciar o tipo de planejamento sugerido pelo
autor do material didático do ProJovem e a influência desse planejamento na efetivação da
aula de leitura, compreendendo-o como um norte teórico-metodológico para o trabalho do
professor.
Apesar dos problemas apontados, esta pesquisa não se posiciona contra a utilização
do livro didático em sala de aula e muito menos aponta que a solução dos problemas para
ensino de língua portuguesa esteja apenas na qualidade do material didático utilizado em
sala de aula. Entendemos que o professor, enquanto mediador dos conhecimentos, precisa
estar ciente da sua função e da função do material didático. Nessa direção, o professor
necessita romper com o papel de simples consumidor do livro didático, passando a ser um
analista capaz de intervir na proposta sugerida pelo autor. Para tanto, é preciso que haja um
movimento de reflexão que permita perceber o sistema escolar como um lugar de conflitos
que estabelece papéis aos sujeitos envolvidos, mas que esses papéis podem ser subvertidos,
modificados e reinventados. Precisamos perceber os sujeitos, envolvidos no contexto
escolar (professores, alunos e autores dos livros didáticos, diretores de escola etc), como
135
força da criação histórica e do momento sócio-político em que vivemos, como agentes
históricos capazes de promover rupturas nos padrões estabelecidos e estabilizados de nossa
sociedade.
Esse movimento força deslocamentos e conseqüentes mudanças no padrão
estabilizado para a educação e, conseqüentemente, para aula de leitura. Assim, é possível
questionarmos o que parece inquestionável, discutir o que parece óbvio, natural,
homogêneo, fácil e transparente, cedendo lugar à heterogeneidade e à discussão da
complexidade do que aparentemente é unívoco. Quando esse movimento acontecer, com
certeza mudanças profundas ocorrerão na sala de aula e conseqüentemente no material
didático. Nesse sentido, consideramos a reflexão, a prática e a pesquisa como elementos
fundamentais na desestabilização dos padrões adotados e naturalizados em nossa sociedade.
136
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KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: Teorias e práticas. Campinas. Pontes, 2004
KLEIMAN, Ângela. O texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas.
Pontes, 1988.
VYGOTSKY,L.S. Pensamento e linguagem. 3. ed. São Paulo. Martins Fontes, 2005.
ZILBERMAN, Regina (org). Leitura em crise na escola. 5 ed. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1985.
______________________. A leitura e o ensino da literatura. São Paulo: Contexto,
1991.
______________________. & SILVA, Ezequiel T. da (orgs.). Leitura: perspectivas
interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1996.
140
ANEXOS
141
VI.ANEXOS
1. ANEXO 1: QUESTIONÁRIOS
Universidade Federal do Ceará
Programa de Pós-Graduação em Lingüística
Pesquisadora: Camila Maria Marques Peixoto
Orientadora: Profª. Drª Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin
O presente questionário é um instrumento que compõe a metodologia da dissertação em
andamento sobre as atividades de leitura do material didático de língua portuguesa do
ProJovem.
Fortaleza, 30 de julho de 2007.
Grata pela colaboração
1.
Sobre o material didático utilizado em sala de aula, responda:
a) Na sua opinião, qual a concepção de leitura adotada pelo autor do material
didático do ProJovem? Justifique a sua reposta.
b) A divisão interna do material didático (“Vamos ler”, “Releitura”, “Vamos
conversar”, “Vamos escrever”, “A língua que usamos”) favorece o
planejamento da aula de leitura? Por quê? Como?
c) Você, normalmente, consulta as orientações contidas no Manual do
educador? Elas o ajudam? De que maneira?
d) Na sua opinião, as questões de compreensão, expressas no tópico
“Releitura” do Guia de estudo do aluno efetivamente auxiliam na compreensão
global do texto? Como?
142
2. Sobre a aula de leitura, responda:
a)Como deve ser uma aula de leitura?
b)Como é a participação dos alunos na sua aula de leitura ?
143
Universidade Federal do Ceará
Programa de Pós-Graduação em Lingüística
Pesquisadora: Camila Maria Marques Peixoto
Orientadora: Profª. Drª Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin
O presente questionário é um instrumento que compõe a metodologia da dissertação em
andamento sobre as atividades de leitura do material didático de língua portuguesa do
ProJovem.
Fortaleza, 30 de julho de 2007.
Grata pela colaboração
QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ALUNOS
1. Quantos anos você tem?
2. Em que série estava quando entrou no ProJovem?
3. Na sua opinião, qual a importância de ler?
4. O seu professor (a) de língua portuguesa utiliza freqüentemente o Guia de estudos?
5. São utilizados outros materiais, além do guia, em sala de aula de língua portuguesa?
Quais?
6. Como é a aula de leitura?
7. As questões de compreensão, contidas no tópico “Releitura”, auxiliam na
compreensão do texto? De que maneira?
144
2. ANEXO 2: TRANSCRIÇÃO DAS AULAS
Legenda para a transcrição
1. [ ] observação feita pelo professor
2. ( ) observação feita pela pesquisadora
5.“P” corresponde a fala do professor
6. “A” corresponde a fala do aluno
7.+ corresponde a uma vírgula (tempo menor)
8. ++ corresponde a um ponto final (tempo maior)
9. . letra maiúscula corresponde a tom alto
TRANSCRIÇÃO DA AULA 1
DATA:16/06/07
Guia de estudo III – lição 8
(A aula iniciou às 18:45 e a sala de aula tinha aproximadamente 5 alunos. O professor
informou que a média de alunos normalmente é de 15 alunos por aula, mas a maioria
trabalha e necessita chegar atrasado.)
P. Bem+ eu informei a vocês que a coordenadora do ProJovem ia vir a aula
hoje+ e vai ficar vindo todas as quartas feiras + né + Camila ++ Como eu tava falando pra
ela a gente normalmente segue a seqüência do material didático + eu consulto o manual que
traz algumas dicas de como trabalhar + eu prefiro seguir a seqüência por que os alunos
ficam cobrando e não ficam perdidos+ né++ eu sigo a ordem por que o autor sabe o que
está fazendo, diferente da gente que não sabe que ordem seguir ++ os alunos ficam sem
referência para estudar e pedem que a gente siga a ordem estabelecida pelo livro ++ você
vai ver os alunos participam muito+ gostam da aula ++ Bem + vamos começar + na página
47 lição 8 + [o texto é longo demais+ eles têm muita dificuldade para entender + você veio
em uma aula ruim]
145
(A aula inicia com 10 alunos às 18:45 ++ O professor coloca o livro em cima da
mesa + as carteiras estão em fila ++ inicia a aula fazendo a chamada)
P. O que iremos fazer agora + (e os alunos lêem os objetivos explicitados no
início da unidade 8: “Desenvolver a habilidade de ler e interpretar as idéias de texto
informativo; apreender a noção de níveis de linguagem, padrão culto e diferenças entre o
oral e o escrito; desenvolver a habilidade de produção de correspondência oficial.” ).
P. Do que vocês acham que o texto vai tratar? Alguém já leu em casa esse texto?
++ vamos lá+ podem ler o título?
A1. A linguagem dos atos e comunicações oficiais
P. Vamos + por favor + alguém pode ler o texto? (ninguém se manifesta) +
VAMOS LER O TEXTO? (a aluna A1 inicia a leitura + o professor pára a leitura pois o
aluno não respeita a pontuação)
P. Vamos continuar + respeitando a PONTUAÇÃO ++ Vamos lá+ o texto é
como se fosse você contando uma história a alguém + aí + se você pára no lugar errado o
texto fica incompreensível + vamos ler ++ (a aluna não quer mais ler o texto e o professor
pergunta qual a dificuldade de fazer a leitura do texto ++ a aluna não responde.)
P.Então + vamos lá + eu mesmo vou ler + depois alguém faz a leitura + tudo
bem? (o professor segue a leitura parando em cada parágrafo e perguntando se há dúvida de
vocabulário ++ escreve algumas palavras que ele considera desconhecidas dos alunos e
pergunta o sentido de cada uma.)
(Depois da leitura do texto, o professor faz algumas perguntas direcionadas aos
alunos)
P. Deu pra entender o texto? Qual o objetivo do texto?
A 2 DEU PRA ENTENDER+
P. O texto é difícil + mas depois que eu expliquei o sentido de cada palavra
difícil fica fácil + né + e de que trata o texto?
A 2 não sei dizer bem, fala de muitas coisas.
146
P. fala sobre a linguagem nos órgãos públicos + vocês entenderam? Vamos
fazer o seguinte ++ vamos fazer uma outra leitura pra ver o que vocês entendem + ta bom?
(o professor pede para que cada aluno leia um parágrafo do texto).
P. A3 + por favor + leia o texto em voz alta.
(O aluno A3 faz a leitura, mas é interrompido a todo momento pelo professor
que corrige a pronúncia e a pontuação +)
P. a palavra ATOS vocês sabem o que significa?
A3 significa atitude++
(O professor escreve a palavra “atos” na lousa)
P. Na verdade + são as informações oficias + dentro da correspondência oficial+
E caráter público + o que é? (também escreve a palavra na lousa) vamos ver no texto (reler
o parágrafo) ++ parece que é responsabilidade + regras + digam outras palavras que a gente
pode substituir ++ (os alunos ficam calados).
P. Vamos continuar fazendo a leitura do texto + certo++ (A3 continua a leitura)
finalidade + o que significa finalidade (escreve a palavra na lousa).
A5. O fim de alguma coisa ++
P. CERTO ++ é isso pode ser também “com objetivo” ++ e a palavra normativo
+ o que significa?
A5. Vem de normas?
P. isso mesmo + vocês estão entendendo o texto + é estabelecer normas ++ a
própria palavra já traz a significação + algumas palavras a gente precisa voltar ao texto ++
A palavra conduta + o que significa? (ninguém responde) conduta vem de dirigir + de
conduzir + as vezes as pessoas dizem fulano em boa conduta + que quer dizer que ele tem
bom caráter. (a leitura do texto continua sendo realizada e a medida que aparece uma
palavra que o professor julga difícil + ele pára a leitura e explica)
(No final da leitura + o professor inicia o debate)
147
P. Respondam + pensem no que eu vou falar ++ as gírias são próprias da
linguagem dos documentos oficiais?
A5. Não
P. muito bem ++ Os documentos oficiais são escritos com uma linguagem
padrão ++ Não pode haver regionalismos ++ a linguagem escrita é diferente da linguagem
oral + o texto oficial deve ser claro para ser entendido de uma única forma ++ é por isso
que é importante respeitar as normas da língua portuguesa quando escrevemos ++ afinal
não estamos perto dos leitores ++ as leis precisam ser claras ++ uma vírgula mal
empregada pode gerar muitos problemas na interpretação das leis.
A4. O que significa coloquial?
(o professor retorna ao texto e lê o parágrafo em que está expressa a palavra)
P. O que você acha que é? Pelo texto a gente vê que é o contrário de padrão + de
oficial + as correspondências oficiais precisam seguir as normas da língua portuguesa ++ o
objetivo de tudo isso é que a comunicação seja realizada com o maior grau de eficiência+
A5 Mas o que é o padrão culto?
P. As regras da gramática ++ Então vamos retomar + qual o objetivo do texto?
A1 Falar sobre a comunicação.
P. Aonde?
(silêncio na sala)
P. Nos órgãos públicos + Então + na próxima aula vamos resolver as atividades
referentes ao texto ++ até a próxima aula. [ é por isso que eu sigo a seqüência do livro + a
gente tem uma idéia, principalmente em um Programa novo, do que deve ou não ser
ensinado e não perde tempo com conteúdos menos importantes + muitos professores não
tem tempo para preparar as aulas, o Programa paga mal +
148
TRANSCRIÇÃO DA AULA 2
DATA: 24/06/07
(A aula iniciou às 18:45, havia 10 alunos em sala de aula. O professor fez a
chamada e iniciou a aula.)
P.Hoje nós iremos trabalhar as atividades do livro, vocês lembram do que
tratava o texto da semana passada? Podem falar sem medo + queremos ouvir o que vocês
tem a dizer sobre o texto.
A1: Podemos ler o texto outra vez?
P. Podem + mas dessa vez vamos fazer uma leitura silenciosa + ta bom ++
(Os alunos fizeram uma leitura silenciosa do texto e o professor andava pela sala
tirando as dúvidas de vocabulário + A turma conversava muito + mas com certeza não era
sobre a atividade proposta + A discussão sobre a atividade inicia às 19:30.)
P. Vamos lá + quem pode ler na página 48 a atividade? Vamos A1 você pode
fazer a leitura?
A1: Vamos conversar + Todo os cidadãos dependem de alguma forma do
serviço público. Por isso a comunicação que provém do serviço público deve ser clara,
simples, objetiva ++ Você tem alguma experiência com expedientes vindos do serviço
público – avisos, cartas, contas?Você trabalhou em algum órgão público ++
P. E aí ++ vamos conversar um pouco sobre o tema do texto? ++ alguém
recebeu algum documento oficial? Vamos pessoal ++
(Os alunos não sentiam motivação e respondiam com a cabeça ++)
P. Não sei o que acontece com vocês hoje ++ [creio Camila que é o texto, não é
muito motivador + você precisava ver quando trabalhamos a música do Chico ++ foi muito
bom+] Vamos lá pessoal ++
A2: Eu já recebi ++ vale conta do luz ++
P. Vale sim ++ E já trabalhou em algum órgão público? Sim ou não ++
(Todos responderam que não, em voz alta)
149
P. Vamos responder a atividade ++ alguém pode ler a atividade 22.
A3: Pode ser eu ++ Quais são as finalidades dos atos públicos?
P. E aí? Quais são? A3 o que você respondeu?
A3: Não sei não ++ não respondi.
P. alguém respondeu?
A1: fazer normas, regras.
P. E isso ++ os atos públicos ditam regras ++ pessoal não tem dificuldade + é
só tirar do texto + ta no texto ++
P. A segunda + Qual a finalidade dos expedientes públicos? ++ E aí.
A2:de informar com clareza e objetividade, + professor
P. é isso mesmo + transmitir as informações com clareza e objetividade ++
P. Quais são os tipos de expressões que devem ser evitados nos expedientes
públicos? E por quê?
A2: Não pode haver gírias + palavras erradas ++
P. É isso mesmo ++ Não pode haver esse tipo de variação + já que é adotado o
padrão culto da língua para a escrita de documentos oficiais ++ Caracterize a linguagem
falada e a linguagem escrita ++
A1: Falada é mais dinâmica + pode utilizar gestos ++ e a escrita é mais formal
++
P. é isso, vocês entenderam mesmo ++ a linguagem escrita sofre menos variação
com o tempo e por isso é mais formal ++ já a linguagem falada sofre mais a influência do
contexto.
(Observamos que apenas três alunos participavam do debate + o restante
continuava copiando com dificuldade ou conversando sobre outros assuntos.)
P. Que se entende por padrão culto da língua? Essa questão já foi bastante
debatida + Alguém pode ler o que respondeu?
150
A2. São as regras da língua portuguesa, não é?
P. É isso ++ é o respeito as regras da língua portuguesa ++ sem gírias + sem
problemas.
P. Com que objetivo se deve usar o padrão culto da língua nas comunicações
oficiais? Vamos responder ++ quem sabe essa?
A2. Com objetivo de dar mais clareza a comunicação.
P. Perfeito + é isso mesmo ++ quanto menos gírias ou palavras erradas melhor
++ haverá uma melhor comunicação ++ Vamos responder a atividade número 23 ++ creio
que essa é um pouco mais difícil que as outras ++ quem conseguiu responder? Vamos lá +
A1 pode dar a resposta?
A1: não entendi nada dessa questão + professor ++
P. Tá mesmo ruim ++ vocês precisam voltar ao texto e ver a que se refere cada
elemento da atividade ++ Vejam o modelo + fica mais claro assim++
(Já eram 20:00 e não havia tempo para concluir a atividade)
P. Vocês respondem em casa e agente na próxima aula conclui ++ respondam
também ao tópico Vamos escrever ++ vocês entenderam + né ++ é só escrever uma carta
fingindo que é um funcionário público ++ nada demais ++ até a próxima aula.
TRANSCRIÇÃO DA AULA 3
DATA: 30/06/07
(A aula iniciou às 19:00, houve um problema com a merenda dos alunos que
acabou atrasando o início da aula ++ O professor iniciou fazendo a chamada e perguntando
sobre alguns alunos que há muitas semanas não freqüentavam as aulas.)
P. Hoje vamos terminar logo essa atividade + já estamos atrasados ++ daqui a
pouco precisamos encerrar o módulo três ++ precisamos ver todo o conteúdo ++ como não
sei o que vai cair na prova ++ Vocês lembram onde a gente parou? Parece que foi na
questão 23 ++ ALGUÉM pode fazer a leitura ++ Vamos lá ++
151
A1. Conforme o modelo, encontre no texto o elemento a que o termo
apresentado faz referência ++ Veja o modelo ++ esse objeto é igual a ser compreendidas
por todo e qualquer cidadão brasileiro ++
P. Fica mais claro com o modelo ++ né ++ é só localizar no texto a que o
elemento se refere ++ vamos lá + a primeira + a palavra AQUELA se refere a que?
(Os alunos não entendem + pedem ao professor outra explicação+)
P. Bem + aquela (3.2) o três corresponde ao parágrafo e o 2 corresponde a linha
++ assim AQUELA está retomando língua falada ++ Vamos lá + respondam a segunda ++
A1 você sabe ++ não ++ quem fez + (os alunos ainda não entenderam) Vou dar quinze
minutos pra vocês pensarem um pouco sobre a atividade que é difícil mesmo + [ essa
atividade é mesmo difícil + acho melhor eu mesmo dar as resposta e aí eles entendem ++} a
questão B essa distância retoma a distância entre a língua falada e a escrita + deu dra
entender + pessoal ++ dela (4.2) retoma o que dentro do texto? Vamos ver A1 leia o quarto
parágrafo por favor + (A1 lê o parágrafo e não sabe resolver a questão)
P. Não é possível ++ ainda não deu pra entender ++ Vamos lá Nos dois casos
retoma no caso da linguagem escrita ou falada + deu pra perceber ou não...++ Vamos ver a
próxima retoma o que dentro do texto + “a” retoma linguagem ++ eles retoma quem ++ os
documentos oficiais ++ e ele retoma o padrão culto ++ essa atividade é mesmo difícil ++ é
preciso saber as relações dentro do texto ++ pra mim ficou mal elaborada.
(O professor copiou na lousa as respostas e deu mais quinze minutos para os
alunos fazerem a cópia.)
P. Pessoal + a aula está quase terminando + quem já escreveu a carta de
solicitação de férias? Vamos lá gente ++ quem já escreveu pode entregar que eu vou
corrigir ++ vou passar de carteira + em carteira tirando as dúvidas. (cinco minutos depois a
aula encerrou)++Na próxima aula agente termina de fazer os comentários sobre a carta.
TRANSCRIÇÃO DA AULA 4
DATA: 08/07/07
(A aula iniciou às 19:00 horas. O professor teve um problema e chegou nesse
horário).
152
Vamos começar a unidade 9 do livro ++ vamos falar sobre ainda a temática
dessa unidade formativa que é a comunicação ++ o nome do texto é profissões que
dependem da comunicação++ Alguém pode ler o objetivo da unidade+ A1 você pode fazer
a leitura ou não ++ Vamos pode começar++
(A1 faz a leitura do objetivo e do texto + o professor corrige a pronúncia, a
pontuação, questiona sobre o vocabulário do texto.)
P. Vocês entenderam o texto? deu pra entender? É um depoimento ++ meio
informal ++ não + é ++ diferente do texto que lemos na semana passada + parece que tem
menos palavras desconhecidas ++ Vamos seguir o roteiro em Vamos conversar ++ Você
saberia citar algumas profissões que necessita da comunicação? Vamos gente ++ essa aula
é de participar ++ não tem como++
A2. Sei ++ telefonista ++professor e muitas outras.
P.Muito bem ++essas precisam sim ++ Vocês já pensaram em trabalhar com a
comunicação ++ aqui quem é do arco do turismo ++ precisa muito + precisa até aprender
outras línguas para a comunicação ser melhor++ o que é necessário pra trabalhar com
comunicação? O que vocês acham++
A3:Eu acho que precisa saber se expressar bem ++
P. E o que mais ++saber se expressar ++ saber ouvir ++ saber falar outros
idiomas e tantas outras coisas ++ não precisa copiar é só prestar atenção++ a atividade 24
vamos ficar em grupos e responder ++ podem discutir entre vocês as respostas ++ vocês
tem 15 minutos para responder ++ tá bom ++ podem reler o texto também enquanto isso
vou fazer a chamada++
(Nesse momento, os alunos andavam de um lado para outro da sala + poucos
faziam a atividade + houve muita agitação.)
P. O texto se caracteriza como ++ vamos quem respondeu a atividade++
vamos++
A1. É a “c” um depoimento pessoal.
153
P. Muito bem é essa mesma ++ Retire do texto todas as expressões que
caracterizam uma linguagem informal ++ Vamos lá eu vou copiar na lousa + tá bom++
Caxias (copia a palavra na lousa) ++ é assim podem dizer sem medo de errar+
A2 ver qual era + né
P. Isso mesmo + em um documento oficial a gente pode botar essa palavra (a
sala em coro NÃO) pois é ++ não dá pra fazer isso++ Em que consiste a profissão de
designer? Vamos ver ++ quem sabe ++ A1 sabe++
A1 Eu não ++ não fiz essa++
P. fazer projeto de algo + por exemplo + fazer projeto industrial ++ ou designer
industrial ++ O que é fundamental para a profissão de designer? Vamos lá ++ tá no texto
++ quem sabe++
A2. Estar bem informado ++
P. ótimo é isso ++ você entendeu o texto++ Na próxima aula vamos fazer a
leitura de outro texto e para casa façam a atividade 25 na página 50 + que é reescrever o
texto em uma linguagem mais formal ++ tá bom ++
TRANSCRIÇÃO DA AULA 5
DATA: 16/07/07
(A aula iniciou às 18:50, havia 5 alunos em sala de aula. O professor iniciou a
aula fazendo a chamada e questionando sobre o atraso dos colegas. Segundo alguns alunos,
muitos ainda estavam lanchando.)
P.Bem + vamos participar muito + pra Camila ver o quanto a gente sabe e gosta
de ler ++ o próximo texto aborda sobre as profissões de dependem da comunicação ++ mas
antes de fazermos a leitura do texto alguém pode ler os objetivos ++ por favor ++ vamos
não temos a noite inteira ++ é só ler++ na página 49 ++ quem pode?
A1. Eu posso + professor ++ desenvolver a habilidade de ler e interpretar as
idéias de um texto de depoimento pessoal; reconhecer a informalidade na linguagem;
154
desenvolver a habilidade de reescrever texto, tornando-o mais formal; aprofundar o
conhecimento sobre a pontuação ++ pronto +né?
P. É ++ vamos ler o texto ++ é melhor a gente fazer assim ++ eu leio o texto
primeiro + vocês acompanham ++ depois cada um lê um parágrafo ++ tá beleza? Vamos
lá ++ não esqueçam de grifar as palavras desconhecidas ++ depois a gente discute o
significado++
(O professor fez a leitura do texto parando em algumas palavras que considerava
importante)
P. A palavra “cismava” significa o que pra vocês? ++ é melhor a gente ir ao
texto pra ver se a gente encontra algum sinônimo ++ vamos lá++ quem é que sabe dessa?
A2: É o mesmo que teimava?
P. pode ser ++ vamos lá continuando o texto (o professor continuava fazendo o
mesmo procedimento)
P. “Caxias”+ significa o que mesmo galera? VAMOS ++
(os alunos não sabiam o que a palavra significava. Nesse momento da aula,
haviam 12 alunos que tentavam acompanhar a leitura do texto)
P. Caxias é uma pessoa muito responsável ++ responsável até demais ++ tá
entendido? E a palavra codificar ++ será que dá pré gente saber pelo texto ++ A2 leia o
parágrafo 2 na passagem que tem a palavra (A2 faz a leitura do segmento) ++ dá pra
entender agora? Vamos A1 + A3+ vocês que chegaram agora ++ será que dá pra saber++
pode se escrever em uma linguagem familiar ++ entende ++ fazer co que o público
entenda++
(O professor terminou a leitura do texto e solicitou a leitura silenciosa do texto
e a resolução da atividade referente ao tópico “Releitura” em dupla. A atividade durou 20
minutos; depois o professor iniciou o debate sobre o texto.)
P. Vamos ++ na página 49 “Vamos conversar” (o professor fez a leitura do
tópico Vamos ler) ++Há profissões que dependem da comunicação. Você saberia citar
155
algumas? Você teria interesse em trabalhar com a comunicação? O que é necessário para
trabalhar com a comunicação?
P. vamos lá ++ primeiro a gente precisa perceber que o texto dessa aula + é
diferente da aula passada + a linguagem é mais solta ++ quantas palavras desconhecidas
vocês encontraram ++ dá pra saber que foram poucas (os alunos falaram que o texto
realmente era mais fácil que o anterior ++ e que não havia dificuldades na leitura) ++
podem dizer algumas profissões que dependem da comunicação? Vamos lá ++ sem medo a
gente tá aqui é pra aprender ++
A3. professor + telefonista ++ não lembro mais
P. Vamos quero outras ++ há tantas++
A2: Pode ser vendedora ++ recepcionista de hotel ++ acho que quase todas++
P. muito bem ++ é isso aí ++ a grande maioria das profissões necessita da
comunicação ++ pra falar a verdade não lembro de nenhuma de uma forma ou de outra que
não necessite da comunicação ++ mas o que tem a ver essa questão das profissões com o
texto que a gente acabou de lê?
A3: Pra mim ++ é por que fala do designer como uma profissão que necessita da
comunicação++
P. é isso mesmo ++ vamos para a próxima questão ++ Releitura ++ quem fez a
atividade ++ vou ler e vocês respondem ++ tá legal++ o texto de caracteriza como? E aí A4
o que você respondeu? (o aluno não havia respondido as questões) ++ assim não dá ++
vocês não vão apreender a interpretar texto nunca ++ e quando vem a prova não sabem de
nada++ turma qual é a opção? (os alunos optaram pela resposta “c”: depoimento pessoal)
++ é isso mesmo ++ o objetivo da atividade já diz tudo ++ e a “B” deu pra fazer? (o
professor passou a copiar na lousa as respostas dadas pelos alunos.)
(Na lousa, o professor copiou as seguintes palavras: legal, caxias, menos pior,
ver qual era, tá)
P. O que é a palavra designer? Pode tirar do texto ++ tem no próprio texto++
A2. PROJETO
156
P. é isso fazer um projeto sobre alguma coisa que se quer fazer++ e o que é
necessário para a profissão de designer? Tem no texto também++ é só tirar++ fazer a leitura
++ não tem nada demais ++ vamos lá++
A1. o mais importante é estar bem informado++
P. tá certo ++ tem no texto Informação é base da profissão.
(O professor fez a leitura literal do texto, apenas no segmento que correspondia
à resposta da questão.)
p. Agora + vou passar em cada carteira e ver quem fez a atividade de redação++
a gente só aprende a escrever escrevendo++ quem não fez ++ vamos começar.
(O professor concluiu a aula com esse procedimento e levou as redações para
fazer as correções em casa.)
157
3. ANEXO 3: UNIDADES FORMATIVAS TRABALHADAS NAS AULAS
ANALISADAS.
Lição 8 Unidade Formativa III (Atividade referente às aulas transcritas)
A COMUNICAÇÃO NO SERVIÇO PÚBLICO
Objetivo: Desenvolver a habilidade de ler e interpretar as idéias do texto
informativo; apreender a noção de níveis de linguagem, padrão culto e diferenças entre o
oral e o escrito; desenvolver a habilidade de produção de correspondência oficial.
VAMOS LER
A linguagem dos atos e comunicações oficiais
A necessidade de empregar determinado nível de linguagem nos atos públicos e
expedientes oficiais decorre, de um lado, do próprio caráter público desses atos e
comunicações; de outro, de sua finalidade. Os atos oficiais, aqui entendidos como atos de
caráter normativos, ou estabelecem regras para a conduta dos cidadãos, ou regulam o
funcionamento dos órgãos públicos, o que só é alcançado se em sua elaboração for
empregada a linguagem adequada. O mesmo se dá com os expedientes oficiais, cuja
finalidade precípua é a de informar com clareza e objetividade.
As comunicações que partem dos órgãos públicos devem ser compreendidas por
todo e qualquer cidadão brasileiro. Para atingir esse objetivo, há que evitar o uso de uma
linguagem restrita a determinados grupos. Não há dúvidas que um texto marcado por
expressões de circulação restrita, como a gíria, os regionalismos vocabulares ou o jargão
técnico, tem sua compreensão dificultada.
Ressalta-se que há necessariamente uma dinâmica entre a língua falada e a
escrita. Aquela é extremamente dinâmica, reflete de forma imediata qualquer alteração de
costumes, e pode eventualmente contar com outros elementos que auxiliam a sua
compreensão, como os gestos, a entonação etc, para mencionar apenas alguns dos fatores
responsáveis por essa distância. Já a língua escrita incorpora mais lentamente as
transformações, tem maior vocação para a permanência e vale-se apenas de si mesma para
comunicar.
158
A língua escrita, como a falada, compreende diferentes níveis, de acordo como o
uso que dela se faça. Por exemplo, em uma carta a um amigo, podemos nos valer de
determinado padrão de linguagem que incorpore expressões extremamente pessoais ou
coloquiais; em um parecer jurídico, não se há de estranhar a presença do vocabulário
técnico correspondente. Nos dois casos, há um padrão de linguagem que atende ao uso que
se faz da língua, à finalidade com que a empregamos.
O mesmo ocorre com os textos oficiais: por seu caráter impessoal, por sua
finalidade de informar com o máximo de clareza e concisão, eles requerem o uso do padrão
culto da língua. Há consenso de que o padrão culto é aquele em que a) se observam as
regras da gramática formal, e b) se emprega um vocabulário comum ao conjunto dos
usuários do idioma. É importante ressaltar que a obrigatoriedade uso do padrão culto na
redação oficial decorre do fato de que ele está acima das diferenças lexicais, morfológicas
ou sintáticas regionais, dos modismos vocabulares, permitindo, por essa razão, que se atinja
a pretendida compreensão por todos os cidadãos.
Lembre-se que o padrão culto nada tem contra a simplicidade da expressão,
desde que não seja confundida com pobreza de expressão. De alguma forma o uso do
padrão culto implica emprego de linguagem rebuscada, nem dos contorcionismos sintáticos
e figuras de linguagem próprios da língua literária.
Pode-se concluir, então, que não existe propriamente um “padrão oficial de
linguagem”; o que há é o uso do padrão culto nos atos e comunicações oficiais.
(https://www.planalto.gov.br/ccivil _03/manual/)
VAMOS CONVERSAR
Todos os cidadãos dependem de alguma forma do serviço público. Por isso a
comunicação que provém do serviço público deve ser clara, simples, objetiva.
Você tem alguma experiência com expedientes vindos do serviço público –
avisos, cartas, contas?
Você já trabalhou em algum órgão público?
159
RELEITURA
Releia o texto para responder as questões que seguem.
ATIVIDADE 22
E) Quais são as finalidades dos atos públicos?
F) Qual a finalidade dos expedientes públicos?
G) Quais são os tipos de expressões que devem ser evitados
nos expedientes públicos?
H) Por quê?
I) Caracterize: a) a língua falada b) a língua escrita.
J) Que se entende por padrão culto da língua?
K) Com que objetivo se deve usar o padrão culto da língua nas
comunicações oficiais?
ATIVIDADE 23
Conforme o modelo, encontre no texto o elemento a que se o termo apresentado
faz referência. Veja o modelo: esse objetivo (2.2) = ser compreendidas por todo e
qualquer cidadão brasileiro.
C) aquela (3.2) =
D) essa distância (3.5) =
E) dela (4.2) =
F) nos dois casos (4.5) =
G) a (4.6) =
H) eles (5.2) =
I) ele (5.6) =
160
VAMOS ESCREVER
Escrevam uma solicitação de férias ao seu chefe, como se fosse funcionário do
serviço público.
Lição 9
PROFISSÕES QUE DEPENDEM DA COMUNICAÇÃO
OBJETIVO: Desenvolver a habilidade de ler e interpretar as idéias de texto de
depoimento pessoal; reconhecer a informalidade na linguagem; desenvolver a
habilidade de reescrever texto, tornando-o mais formal; aprofundar o conhecimento
sobre a pontuação.
VAMOS LER
Desde pequena sempre gostei muito de desenhar ... vivia presenteando minha
mãe com desenhos, os mais divertidos... e o legal é que ela guardou a maioria! Assim,
pude ver como tinha épocas em que cismava com um determinado estilo de desenho, e
como isso acabou influenciando a minha vida... Quando tinha 14 anos, eu era bem
caxias e resolvi fazer o exame do CEFET só para testar se eu era inteligente
mesmo...escolhi o curso de desenho industrial porque era o menos pior, e também
porque eu gostava de desenhar... nem sabia do que se tratava!! Mas acabei passando e
resolvi ver qual era... Acabei me gostando e hoje não me imagino fazendo outra coisa...
Simplesmente adoro!
Tá, mas e o que é design desenho industrial? Design significa projeto... no caso
de design gráfico, é um projeto de comunicação. Existe a ser comunicado, e a função do
designer é codificar a linguagem da empresa para a linguagem que o consumidor fala.
Traduzir um produto ou serviço para seu público alvo, para que ele se interesse e assim
o compre. Assim, o designer gráfico é responsável pela comunicação eficiente, seja ela
em revistas, CD-ROMs, internet, livros... o importante é comunicar. E bem. Pra isso, se
aprende muito sobre teoria da cores, comportamento humano, princípios básicos de
composição e tipologia, história da arte, percepção e muitas outras coisas. Mas o mais
importante: é fundamental estar bem informado. Informação é a base da profissão. Pra
161
mim, o design é a profissão do futuro... mas ainda é preciso muito para que se conquiste
o respeito e o espaço necessários para se exercer a profissão de um modo digno...
(http//www.fabibettega.com.Br/design.html)
VAMOS CONVERSAR
Há muitas profissões que dependem da comunicação. Você saberia citar
algumas? Você teria interesse em trabalhar com comunicação? O que é necessário para
trabalhar com comunicação?
RELEITURA
Releia o texto para resolver as questões que se seguem.
Atividade 24
E) O texto se caracteriza como
e) ( ) uma narrativa
f) ( ) uma dissertação técnica
g) ( ) um depoimento pessoal
h) ( )uma comunicação oficial.
B)Retire do texto as expressões que caracterizam uma linguagem informal.
C)Em que consiste a profissão de designer?
D)O que é fundamental para a profissão de designer?
VAMOS ESCREVER
Atividade 25
Você observou como esse texto está perto da linguagem oral? Reescreva-o
modificando a pontuação. Onde a autora colocou reticências, altere a pontuação
(coloque vírgula ou ponto final) e as maiúsculas. Tente eliminar as expressões
coloquiais próprias da língua oral para que o texto fique de acordo com o padrão
culto de escrita.
162
4. ANEXO 4: ATIVIDADES REFERENTES À ANÁLISE DAS
ORIENTAÇÕES CONTIDAS NO MANUAL DO EDUCADOR (das páginas
76 a 90).
ATIVIDADE GUIA DE ESTUDO I
VAMOS LER
Brazuca
Gabriel O Pensador
Futebol? Futebol não se aprende na escola
No país do futebol o sol nasce para todos, mas só brilha para
poucos, e brilhou pela janela do barraco da favela onde morava
esse garoto chamado Brazuca
que não tinha nem comida na panela mas fazia embaixada na
canela
e deixava a galera maluca
era novo e já diziam que era o novo Pelé
que fazia o que queria com uma bola no pé
que cobrava falta bem melhor que o Zico e o Maradona e que
driblava bem melhor que o Mané, pois é
E o Brazuca cresceu, despertando o interesse de empresário e a
invejava nos otários.
RELEITURA
Leia novamente, em silêncio, bem devagar, apreciado as palavras e
interpretando as idéias.
B) O poeta focaliza
f) a dificuldade de se jogar futebol.
g) um personagem bem sucedido no futebol.
h) A falta de alimentação na favela.
i) A falta de oportunidade para a população.
B) De acordo com o poema,
a) o talento do futebol se desenvolve na escola.
b) quem nasce na favela não tem chance de sucesso.
163
c) o sol do sucesso brilha para poucos.
d)todos têm oportunidades iguais de vencer.
F) O talento de Brazuca desperta
e) desconfiança nos amigos.
f) competição com outros jogadores
g) preocupação na família
h) interesses dos empresários
G) Cite o nome do personagem principal
H) Quais são os jogadores citados no texto?
Há palavras que dão nomes às pessoas, aos lugares, às instituições
– são os substantivos próprios. Observe que os nomes próprios são
escritos com letras iniciais maiúsculas.
ATIVIDADE GUIA DE ESTUDO II
VAMOS LER
O açúcar
O branco açúcar que adoçará o meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.
Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.
Este açúcar veio
da mercearia da esquina e tão pouco o fez o Oliveira,
dono da mercearia.
Este açúcar veio de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no estado do Rio
e tão pouco o fez o dono da usina.
164
Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.
Em lugares distantes, onde não há hospital
nem escola,
homens que não sabem ler e morrem
aos vinte e sete anos
plantaram e colheram a cana
que viraria açúcar.
Em usinas escuras,
homens de vida amarga
e dura
produziram esse açúcar
branco e puro
com que adoço meu café nesta manhã de Ipanema.
(Ferreira Gullar. Toda Poesia. Rio de Janeiro, 2000, p.165)
RELEITURA
Releia o texto para responder às questões que se seguem.
E) O tema do texto é
e) o sabor do açúcar no café
f) o comércio do açúcar na mercearia
g) o café da manhã em Ipanema
h) a vida de quem produz o açúcar.
F) A finalidade desse texto é
a) conclamar as pessoas para o trabalho
b) definir os procedimentos de um trabalho
c) orientar os trabalhadores sobre como trabalhar
d) provocar a reflexão por meio da emoção
G) Esse texto pode ser considerado
a) narrativo.
165
b) argumentativo.
c) poético.
d) dissertativo.
H) Pelos sentidos do texto o poeta
a) é solidário com os trabalhadores que produzem o açúcar.
b) denuncia o preço alto do açúcar na mercearia da esquina.
c)defende os donos das usinas de açúcar de Pernambuco.
d)reconhece a eficiência de escolas e de hospitais públicos.
E) Uma das características da linguagem do texto é
a) a rima de sons finais de versos.
b) a repetição de sons inicias de palavras.
c)o exagero nas imagens criadas.
d)a repetição de frases.
F)No verso “e afável ao paladar” a palavra destacada significa
a)amargo
b)agradável
c) picante
d) estranho
ATIVIDADE DO GUIA DE ESTUDO III
VAMOS LER
Olá, como vai?
Eu vou indo, e você, tudo bem?
Tudo bem, eu vou indo, correndo,
pegar meu futuro lugar no futuro. E você?
Tudo bem. Eu vou indo em busca de um sono
tranqüilo, quem sabe?
Quanto tempo...
Pois é, quanto tempo...
Me perdoe a pressa
é a alma dos nossos negócios...
166
Oh! Não tem de que.
Eu também só ando a cem.
Quando é que você telefona,
precisamos nos ver por aí.
Pra semana, prometo, talvez
nos vejamos, quem sabe?
Quanto tempo...
Pois é, quanto tempo...
Tanta coisa que eu tinha a dizer,
Mas eu sumiu na poeira das ruas.
Eu também tenho algo a dizer,
mas me foge a lembrança.
Por favor telefone; eu preciso beber
alguma coisa rapidamente.
Pra semana...
O sinal...
Eu procuro você...
Vai abrir, vai abrir...
Prometo, não esqueço.
Por favor, não esqueça, não esqueça, não
esqueça.
Adeus...
(Paulinho da Viola meu tempo é hoje – trilha sonora do filme.
Ministério da Cultura, biscoito fino, 2003)
VAMOS CONVERSAR
Você conhece o sambista Paulinho da Viola? Já ouviu outras
músicas dele?
O samba é um ritmo essencialmente brasileiro, originário dos
batuques africanos misturados a outros ritmos. Nessa letra o autor
focaliza uma conversa informal. Observe que a fala pode ser mais
truncada que a escrita, pois o contexto permite a compreensão.
RELEITURA
Releia o texto para responder às questões a seguir.
A) Quantos falantes participam da conversa?
167
B) Onde estão os falantes enquanto conversam?
C) Que se entende pela expressão “Vai abrir, vai abrir”?
D) Assinale o título adequado para o texto
a) Conversa de bar
b) No sinal fechado
c) Ao telefone
d) Na fila do banco.
E ) O texto está estruturado em forma de
e) descrição
f) diálogo
g) narrativa
h) dissertação.
A) Circule todos os verbos do texto.
B) Coloque travessão nas mudanças de interlocutor.
ATIVIDADE DO GUIA DE ESTUDOS IV
Sempre que produzimos uma forma qualquer de comunicação
estamos utilizando um dos gêneros disponíveis na nossa cultura.
Cada gênero já traz em si escolhas prévias em relação a estruturas
básicas de linguagem que são automaticamente utilizadas pelo
redator. Nós assimilamos esses formatos porque convivemos com
eles nas práticas sociais. Sabemos quase naturalmente qual é a
forma de uma carta, quais são as maneiras de começar uma ata, as
diversas possibilidades de participação de uma conversa, a melhor
maneira de contar uma anedota, como narrar um acontecimento.
Ao trabalharmos com um determinado gênero utilizamos tipologia
variada de texto. Assim, em um romance encontramos partes
dialogadas, expositivas, argumentativas e narrativas, que se
sucedem compondo o enredo. Para produzir cada tipo de texto,
algumas habilidades de linguagem são necessárias.
Observe o quadro abaixo em que estão listados alguns dos gêneros
mais conhecidos:
Situações de linguagem Tipos de texto
predominante
Gêneros orais ou escritos
Literatura poética Expressão
Poética
Poesia
168
Verso
Literatura ficcional Narração Conto maravilhoso
Conto de fadas
Fábula
Lenda
Narrativa de aventura
Narrativa de ficção científica
Narrativa de enigma
Narrativa mítica
Anedota
Biografia romanceada
Romance
Romance histórico
Novela fantástica
Conto
Paródia
Adivinha, piada
Documentação e memória
de fatos
Relato Relato de experiências vividas
Relatos de viagem
Diário íntimo
Testemunho
Autobiografia
Curriculum vitae
Ata
Notícia, reportagem
Crônica social
Crônica esportiva
História
Relato histórico
Perfil biográfico
Levantamento de discussão
de problemas
Argumentação Aviso
169
Persuasiva Convite
Sinais de orientação
Texto publicitário comercial
Texto publicitário industrial
Cartazes
Slogans
Campanhas – folders
Cartilhas – folhetos
Discussão de problemas
sociais em que há opiniões
diferentes.
Argumentação Textos de opinião
Diálogo argumentativo
Carta de leitor
Carta de reclamação
Carta de solicitação
Deliberação informal
Debate regrado
Editorial
Discurso de defesa
Requerimento
Ensaio
Resenha crítica
Estabelecimento, construção
e transmissão de realidades
e idéias.
Exposição Contratos
Declarações
Documentos de registros
Pessoal
Atestado
Certidões
Estatutos
Regimentos
Na primeira coluna estão apresentadas as situações gerais, ou seja,
as práticas sociais em que os gêneros ocorrem. Na segunda coluna,
os tipos de textos predominantes em cada gênero. Na terceira
coluna há uma lista dos gêneros disponíveis na sociedade; essa lista
é infinita e pode ser ampliada ou completada a qualquer momento.
170
171
Para a constituição de um gênero de texto entram em jogo escolhas
a respeito:
Da finalidade do texto;
Do tema;
Das estruturas textuais utilizadas;
Do vocabulário;
Do nível de linguagem.
O conjunto de escolhas do redator configura um determinado
gênero de texto. Às vezes um gênero está no limite em relação a
outro gênero, pois esses limites são fluidos.
Atividade 13
A) Na terceira coluna do quadro, grife os gêneros com os quais você já teve
contato.
B) Faça um X diante dos gêneros dos quais você produziu textos.
C) Volte aos tópicos anteriores e tente analisar os textos para localizá-los de
acordo com o gênero a que pertencem.
D) Recorte e traga para a classe exemplos de textos em três gêneros.
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