[...] em São Paulo, o jovem compositor Camargo Guarnieri, num aparente distanciamento
dos acontecimentos políticos e sociais [pois a década de 1930, no Brasil, é marcada pelo
início do Estado Novo e da Era Vargas], dedicava-se com afinco ao estudo de seus
contemporâneos europeus [Schenberg, Berg, Hindemith, entre outros] (GERLING,
2005, p. 102. Grifo meu).
A obra escolhida como objeto de trabalho nessa pesquisa é o terceiro movimento da Sonata
para piano composta em 1972. Essa sonata em particular, na produção composicional de Guarnieri,
possui algumas peculiaridades instigantes. A pianista Laís de Souza Brasil (1998), a quem a obra é
a dedicada, relatou como a obra fora possivelmente inspirada, quase como um desafio ao
compositor:
No segundo semestre de 1972, perguntei mais uma vez a Camargo Guarnieri por que ele
não escrevia sonatas para piano. Desde 1930, esse gênero já tinha sido por ele abordado
nos repertórios para violino, viola e violoncelo com piano, enquanto que, para o seu
próprio instrumento, ele havia composto “apenas” sonatinas (sete).
Em vez de me responder e como quem topa um desafio, ele me pediu pra tocar duas
notas. Dedilhei uma sétima descendente (sol# - lá). Ele disse qualquer coisa como “tudo
bem”.
Dois ou três meses depois, eu recebia a Sonata pelo correio. Aquele intervalo de
sétima havia se transformado na cabeça do único tema do primeiro movimento e o nutria
magicamente, de irradiante vitalidade. A doçura envolvendo o segundo e a picardia do
terceiro movimentos, acrescentados à tensão sempre crescente do primeiro, falavam de um
Guarnieri em fecunda transformação aclamada pela crítica.
Essa foi a única resposta do compositor à minha pergunta. Depois desse sucesso,
Camargo Guarnieri viveu mais vinte anos, escreveu (entre outras obras) mais uma sonatina
para piano e sonatas para duos de piano com violino e violoncelos. Sonata para piano
nunca mais! (BRASIL, 1998, p. 3).
“O gênero dessa obra é único”, conforme Verhaalen (2001), a qual aponta como o
compositor a considerava em sua produção composicional. Afirma também, como em seus 65 anos
de vida, com um catálogo de aproximadamente 600 abras, como o compositor aplica o título
“Sonata” para uma peça para solo de piano (VERHAALEN, 2001, p. 171). O próprio compositor
afirma como preponderante o fato dele, Camargo Guarnieri, ter esperado 44 anos para “... escrever
essa sonata...” (GUARNIERI, 1998, p. 4).
Verhaalen (2001) ainda mostra como Guarnieri pretendia dedicar essa obra a Lamberto