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Ana Elisa Araújo Messias
A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E OS PROFISSIONAIS
DE SAÚDE PÚBLICA:
o caso de Marília –SP
Mestrado em Ciências Sociais
Universidade Estadual de Londrina
2008
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Ana Elisa Araújo Messias
A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E OS PROFISSIONAIS
DE SAÚDE PÚBLICA:
o caso de Marília –SP
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca
Examinadora para a obtenção do Título de
Mestre pelo Programa de Pós Graduação em
Ciências Sociais da Universidade Estadual de
Londrina. Orientadora: Prof.ª Dra. Maria Nilza
da Silva.
Londrina
2008
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Dedico este trabalho ao meu querido avô Uacir (26/04/1930
04/07/2007) que sempre me incentivou e apoiou a minha profissão...
E à minha querida avó Esther (15/04/1927 – 02/11/2007) por todas
as orações que aqueceram e fortaleceram o meu coração...
AGRADECIMENTOS
Agradeço de forma especial:
- À minha orientadora Maria Nilza da Silva pelos ensinamentos e
direcionamento neste processo...
- À CAPES pelo financiamento desta pesquisa...
- À Dra. Silvia Helena Cerqueira César Rojas e Dra. Selma Regina Miranda
Pereira, da Secretaria Municipal de Saúde de Marília, pelo apoio neste trabalho...
- À Rosane, Durva e Vicente, da Secretaria de Pós-Graduação em Ciências
Sociais da UEL, que sempre prontamente me ajudaram...
- À professora Sueli Andruccioli Felix que mesmo de longe colocou alguns
rumos nos meus dados coletados...
- Aos meus pais Ruti e Tércio, pelo carinho, compreensão e amor
incondicional...
- Aos meus irmãos Rafael e Ana Miriam, pelo encorajamento e
companheirismo...
- A toda a minha família: tios, tias, primos e primas pelo apoio e carinho...
- Aos meus amigos pesquisadores Leandro, Milena, Vanessa, Paulo e Luciana
que contribuíram para que esta pesquisa pudesse ser concluída...
- Às minhas amigas: Leda, Renata, Daniele, Ângela, Marcela, Carolina, Ana
Paula e Ana Carolina pela amizade e cumplicidade...
"É bom ter muitas personas, colecioná-las, costurar
algumas, recolhê-las à medida que avançamos na vida.
Quando vamos envelhecendo cada vez mais, com uma
coleção dessas à nossa disposição, descobrimos que podemos
ser qualquer coisa, a qualquer hora que desejemos".
Clarissa Pinkola Estés
RESUMO
A violência como fenômeno cultural e social sempre fez parte das relações sociais. E, em
relação às violências acometidas contra mulheres, podem-se multiplicar os embates
considerando os vários preconceitos dos quais historicamente são vítimas. Este trabalho tem
como objetivo analisar a atuação dos profissionais de saúde pública de Marília, atuantes em
Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Unidades de Saúde da Família (USF), às mulheres
vítimas de violência. Foram utilizadas as metodologias qualitativa e quantitativa. A qualitativa
com a realização de entrevistas com profissionais de saúde e a quantitativa com a análise de
1653 boletins de ocorrência de crimes relacionados à violência contra a mulher nos arquivos
das Delegacias de Polícia da cidade de Marília e no Banco de Dados do Projeto GUTO
(Unesp/Marília). E ainda, utilizou-se os dados do Censo do IBGE para a compreensão da
situação da mulher mariliense. Constatou-se que, apesar de Marília ser considerada como
referencial em atividades de prevenção à violência contra mulher, a cidade tem deixado a
desejar na efetivação de ações junto aos profissionais de saúde, através da Secretaria
Municipal de Saúde, especificamente através do Programa Municipal da Saúde da Mulher que
pudessem traduzir melhorias no atendimento à mulher vitimizada pela violência doméstica.
Palavras-chave: mulher, violência, saúde pública.
ABSTRACT
Violence as a cultural and social phenomenon has always been part of the social relationship.
And referring to the violence against women the shock can be greater considering the great
deal of discrimination which women are historically victims. The present work aims to
analyze the professionals’ performance of the public health of Marília who are acting on the
Basic Health Units (UBS) as well as the Family Health Units (USF) in benefit to women who
are victims of violence. The qualifying and quantitative methodologies were applied. The
qualifying methodology was performed through interviews with health professionals and the
quantitative one through the analysis of 1653 incident reports of crimes related to the
violence against women in the files of the Police Department of Marília city, as well as from
the Project Data Bank GUTO (Unesp/Marília). Besides that, the Census of IBGE data were
used to understand the situation of the citizen women of Marília. It was found that despite
Marília city is considered a reference in activities of prevention from the violence against
women, the city fails in terms of being effective to act together with the professionals of
health, through the Health City Secretary, specifically through the City Program for the
Women Health which could give improvements to help the women who are victims of
domestic violence.
Key words: women, violence, public health.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
p. 11
CAPÍTULO I – MULHER E VIOLÊNCIA
1.1. O fato de Ser Mulher... p. 19
1.2. A Violência contra a Mulher p. 26
CAPÍTULO II – POLÍTICAS PÚBLICAS, SAÚDE E VIOLÊNCIA
2.1. Políticas Públicas de Saúde no Brasil p. 38
2.2. A Saúde da Mulher: a Violência como Problema de Saúde Pública e a Importância
do Recorte Étnico/Racial
p. 48
CAPÍTULO III – MARÍLIA: REFERÊNCIA NO COMBATE À
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER?
3.1. A Cidade de Marília p. 60
3.2. Violência contra a Mulher: o que dizem os Dados Policiais p. 63
CAPÍTULO IV – MARÍLIA: OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE
4.1. A Saúde da Mulher e o Enfoque da Violência na cidade de Marília p. 88
4.2. A Pesquisa de Campo: Os Profissionais de Saúde p. 93
Considerações Finais p. 122
Referências Bibliográficas p. 127
Anexo I p. 141
Anexo II p. 142
Anexo III p. 143
Anexo IV p. 144
ÍNDICE DE TABELAS, GRÁFICOS E MAPAS
Gráfico 1: Distribuição de Zonas de Bairros (por n.ºde habitantes) onde residiam as
Vítimas
p. 66
Gráfico 2: Distribuição segundo a Cor/Raça das Vítimas
p. 68
Gráfico 3: Distribuição segundo Idade das Vítimas
p. 71
Gráfico 4: Distribuição segundo Estado Civil das Vítimas p. 73
Gráfico 5: Distribuição da Situação Relacional das Vítimas com seus (as) Agressores (as) p. 75
Tabela 1: Distribuição de Mulheres com 14 anos ou mais por Cor – Município de
Marília/SP – 2000
p. 69
Tabela 2: Distribuição de Mulheres com 14 anos ou mais por Idade Município de
Marília/SP – 2000
p. 72
Tabela 3: Distribuição de Mulheres com 14 anos ou mais por Estado Civil – Município de
Marília/SP – 2000
p. 74
Tabela 4: Distribuição dos Crimes Tipificados como “Comunicação de Fato”
p. 80
Tabela 5: Distribuição da Tipificação dos Crimes
p. 81
Tabela 6: Distribuição dos Crimes por Violência Sofrida
p. 82
Tabela 7: Distribuição dos Crimes Agrupados por Violência Sofrida
p. 82
Mapa: A cidade de Marília p. 145
INTRODUÇÃO
Os estudos sobre a violência contra a mulher marcaram nossa trajetória acadêmica no
curso de Ciências Sociais na Universidade Estadual Paulista (UNESP/ Campus de Marília-
SP). Concorri a uma Bolsa CNPq do “Grupo de Pesquisa e de Gestão Urbana de Trabalho
Organizado” – Projeto GUTO
1
, que desenvolvia o Projeto “A Geografia do Crime de Marília
SP: diagnósticos para uma ação social e comunitária”, e fomos integrada ao Grupo para
desenvolver pesquisas científicas sobre os estudos da mulher e a violência por ela sofrida. No
processo de seleção tivemos que apresentar propostas de ações de prevenção à violência
contra a mulher a serem desenvolvidas através do Comitê de Prevenção à Violência da cidade
de Marília. O diferencial em minha proposta que fora determinante para ser contemplada
com uma bolsa - era o destaque à importância de ações de prevenção à violência contra a
mulher através dos agentes comunitários de saúde
2
.
Estudar este tema foi muito prazeroso. As vivências de mulheres acompanhavam
nossas reflexões havia algum tempo em leituras. Os livros “Princesa” de Jean Sasson,
“Mulheres que correm com os lobos” de Clarissa Pinkola Estés e “O Cortiço” de Aluísio de
Azevedo, trouxeram-nos o gosto pelo universo feminino que circundam as diversas histórias
de mulheres, marcadas pelo amor, ódio, violências, conflitos familiares, conflitos culturais,
dogmas, crendices, etc., conduzindo-nos a leituras teóricas sobre os processos de exclusão que
esta categoria tem sofrido ao longo dos séculos. Não pude me desvencilhar mais desse
1
Grupo de Pesquisa e de Gestão Urbana de Trabalho Organizado GUTO. Unesp/Marília. Disponível em: <
http://www.guto.marilia.unesp.br >. Acesso em 15 de Abril de 2006.
2
Esta proposta determinou minha monografia apresentada na conclusão do Curso de Ciências Sociais no ano de
2003, com o título: “Políticas Públicas de Saúde e a Violência contra a Mulher: um estudo da problemática na
cidade de Marília”, onde foram entrevistados 24 agentes comunitários de saúde de uma determinada Unidade
Básica de Saúde da cidade de Marília, a fim de diagnosticar sua percepção sobre a violência contra a mulher.
universo, sendo impelida a continuar as reflexões e as pesquisas no em mestrado em Ciências
Sociais pela Universidade Estadual de Londrina, até a elaboração deste trabalho.
Assim, toda a pesquisa, tanto teórica quanto de campo (a que mais nos instiga), foi
realizada para que um sonho pudesse tornar-se realidade: o de que estratégias de prevenção à
violência contra a mulher atingissem de forma concreta, constante e significativa, não os
segmentos da saúde, mas também os da educação, segurança, bem-estar social, etc.
Segundo Maria Cecília de Souza Minayo (1994), no final de 1980, a violência é
colocada como um problema de saúde pública e, no Brasil, “a focalização sobre a área da
violência vem do impacto cada vez maior que ela representa na vida da população, bem como
por extensão no setor da saúde” (MINAYO, 1994, p. 5-6). A mulher é a maior usuária do
sistema público de saúde no país (TAVARES, 2000). Assim, destacamos estes locais como
centros de referência para ela, podendo ser utilizados, em atendimentos a saúde e como locais
de prevenção contra as violências sofridas.
Este trabalho teve como objetivo analisar a atuação prática e as percepções dos
profissionais de saúde sobre as políticas de saúde referentes à violência contra a mulher na
cidade de Marília/SP. Os profissionais atuavam em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e
Unidades de Saúde da Família (USF) situadas onde os índices de mulheres vítimas de
violência são mais expressivos. Procuramos, ainda, considerar a importância do recorte
étnico/racial no atendimento integral à saúde da mulher.
A violência atinge todas as mulheres sem distinção de cor, classe, religião, grau de
escolaridade. Mas não há como negar que as mulheres negras são expostas a uma carga a mais
de violência a étnico/racial. Para Benilda Brito, “a discriminação racial agrava o quadro da
realidade das mulheres negras, tornando-as extremamente vulneráveis a todo tipo de violência
e privações” (2004, p. 57); e, segundo Fátima Oliveira (2003), o somatório do recorte
étnico/racial potencializa a violência, indicando a necessidade de uma atenção diferenciada à
sua saúde.
Assim, inserimos nesta pesquisa um tema recente nas discussões acadêmicas há
poucos anos, mas que evidencia urgência nas ações o reconhecimento do recorte
étnico/racial na questão da saúde pública, em que o racismo é fator agravante na vida da
mulher negra. Porém, este recorte foi introduzido neste trabalho após a minha participação na
disciplina do Programa de Mestrado em Ciências Sociais da UEL sobre as relações raciais -
com a Prof.ª Dra. Maria Nilza da Silva – que me despertou para a importância desta temática.
Muitas questões nortearam este trabalho, entre as quais podemos elencar as seguintes:
será que os profissionais de saúde em Marília estão prontos para receber a demanda de
violência em seus atendimentos e a perceber que muitas patologias não são distúrbios
orgânicos, mas são provenientes de alguma violência sofrida? Estão amparados por políticas
públicas que os auxiliem com capacitações periódicas referentes ao tema? Será que as
Unidades de Saúde são locais de prevenção à violência contra a mulher na cidade? A
Secretaria Municipal de Saúde se articula na prevenção contra a violência à mulher? A
Secretaria Municipal de Saúde possui uma visão pautada na igualdade racial?
Quanto à metodologia, trabalhamos com a perspectiva qualitativa e quantitativa.
Realizamos pesquisas bibliográficas nas bibliotecas da Universidade Estadual de Londrina
(UEL), sendo, porém, a maior parte realizada na biblioteca da Universidade Estadual Paulista
(UNESP/Marília). Utilizamos artigos publicados no Scielo Brazil (Scientific Eletronic Library
Online), artigos publicados virtualmente em outras revistas ou jornais, sobretudo na Folha de
São Paulo. Realizamos pesquisas e análises em leis e diretrizes nacionais e Internacionais no
que diz referentes à saúde da mulher, a políticas públicas de saúde, à violência contra a
mulher, à saúde da mulher negra, aos profissionais de saúde, etc..
Quanto à pesquisa de campo junto aos profissionais de saúde, obtivemos a autorização
da Secretaria Municipal de Saúde de Marília
3
. Entrevistamos profissionais de saúde
4
das
Unidades de Saúde (UBS e USF) existentes nos bairros de maiores índices criminais da
violência contra a mulher. Elaboramos um termo de compromisso
5
, a ser assinado pelos
profissionais, explicitando o modo de coleta das entrevistas
6
(realizadas com gravação em
MP3 - MPEG Audio Layer-3 - e anotações em papel), garantindo ao profissional seu
anonimato, e a disposição de fornecer qualquer dado requerido. As entrevistas se deram em
nove Unidades de Saúde, das quais cinco Unidades de Saúde da Família e quatro Unidades
Básicas de Saúde, com vinte e dois profissionais: sete médicos, duas médicas, dez enfermeiras
e três psicólogas.
No que se refere à pesquisa quantitativa, utilizamos dados do Censo do IBGE de 2000
sobre a população de Marília, priorizando o recorte de sexo. Através de dados policiais da
cidade, traçamos o perfil da mulher mariliense, violentada, que denunciou a agressão.
Consideramos as variáveis de: cor, estado civil, relação com o agressor (a), idade, e o bairro
onde o crime ocorreu. Com esta última variável constatamos onde os crimes contra a mulher
têm maior incidência, e com isso pôde-se chegar às Unidades de Saúde.
Os dados policiais foram de extrema importância para esta pesquisa. Contudo, seria
necessário destacar a dificuldade em trabalhar com a fração total dos crimes ocorridos. Em
março de 2006 uma Delegacia de Polícia de Marília foi visitada para a coleta de dados de
2004 e 2005, por meio dos Boletins de Ocorrência
7
. Estabelecemos um novo recorte nas
estatísticas no mês de agosto de 2007 e, com isso, uma nova visita à Delegacia foi
3
Foram entregues uma Carta de Apresentação à Secretaria Municipal de Saúde de Marília, bem como uma cópia
do Projeto referente a esta pesquisa, vide Anexo I.
4
Seguimos um modelo de entrevista semi-estruturada que “combina perguntas fechadas (ou estruturadas) e
abertas, em que o entrevistado tem a possibilidade de discorrer o tema proposto, sem repostas ou condições
prefixadas pelo pesquisador”. MINAYO, Maria Cecília S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em
saúde. São Paulo: HUCITEC, 2000, p. 108.
5
Termo de Compromisso vide Anexo II.
6
Roteiro das Entrevistas vide Anexo III.
7
Documento expedido pelas Delegacias de Polícia contendo todas as informações sobre o crime, cedido à vítima
no ato da denúncia de qualquer crime.
imprescindível. Estes dados não mais existiam; os computadores foram trocados e os dados
não foram salvos. Infelizmente as Delegacias de Polícia, bem como seus funcionários, não
sabem como estes dados são importantes para futuras pesquisas científicas e estratégias de
prevenção à violência. Felizmente estes dados foram salvos em abril de 2007 pelo Projeto
GUTO
8
(Unesp/Marília) e os dados necessários a esta pesquisa resgatados.
Um outro impasse que merece destaque ao longo das análises se encontra na
disparidade dos critérios usados pelos escrivães na digitação e formatação dos Boletins de
Ocorrência, ou seja, não há uma metodologia específica para designar a tipificação dos
crimes
9
. Encontramos muitos boletins nos quais os crimes não condizem com o histórico
10
da
ocorrência. Podemos exemplificar isso nos inúmeros boletins caracterizados como
“comunicação de fato”
11
, sendo estes crimes, na verdade, crimes de “ameaça”
12
ou “lesão
corporal dolosa”
13
. Realizamos uma leitura atenta de todas as ocorrências bem como de seus
históricos, para que a estatística dos crimes fosse gerada da maneira mais fidedigna possível e
nós pudéssemos detectar sem disfarces a real violência sofrida pelas mulheres.
Assim, no primeiro capítulo fizemos uma breve abordagem da categoria gênero nos
estudos acerca das relações entre homens e mulheres, bem como de sua importância como
uma categoria analítica nas relações entre os sexos. E como tal categoria está presente nos
8
O Projeto tem como sede, o atual “Comitê Gestor de Segurança e Qualidade de Vida”, vinculado à Prefeitura
de Marília, que possui uma efetiva parceria com as Delegacias de Polícia da cidade, sendo que estas utilizam o
programa desenvolvido pelo Projeto GUTO, no preenchimento dos Boletins de Ocorrência.
9
“Tipificação do crime” refere-se à definição do crime, ou seja, agrupá-los conforme seu tipo de ocorrência.
10
Parte integrante do boletim de ocorrência que possui informações detalhadas de como ocorreu o crime de
acordo com a narrativa da vítima.
11
“Comunicação de fato” é a tipificação de uma denúncia sem ser designado o crime ocorrido. A utilização desta
tipificação por parte dos escrivães dificulta e mascara a realidade criminal, pois, no histórico consta como o
crime ocorreu, e com a leitura destes históricos pode-se obter qual crime na realidade esta denúncia está se
referindo.
12
Segundo o Art. 147 do Código Penal, o crime de ameaça significa intimidar, causar medo ou prometer fazer
algo nocivo a alguém, por palavras, gestos ou por escrito, como ameaça de morte, de agressão. SENADO
FEDERAL, Agência Senado. Cartilha “A mulher e as leis”, 2004. Disponível em
<http://www.senado.gov.br/comunica/agencia/cidadania/violcontmulher/not03.htm >. Acesso em 12 de Julho
de 2007.
13
À lesão corporal pode designar agressões físicas, com socos, tapas, pontapés, ou com uso de objetos que
prejudiquem a saúde da mulher (art. 129 do Código Penal). SENADO FEDERAL, Agência Senado. Cartilha A
mulher e as leis”, 2004. Disponível em
<
http://www.senado.gov.br/comunica/agencia/cidadania/violcontmulher/not03.htm >. Acesso em 12 de Julho de
2007.
processos de exclusão e dominação em que as mulheres estão inseridas, abordamos a
violência contra a mulher no contexto brasileiro.
No segundo capítulo, analisamos brevemente a implantação das Políticas Públicas de
Saúde no Brasil e seus desdobramentos, até a implantação do Sistema Único de Saúde,
avaliando as práticas de saúde brasileiras no que diz respeito à violência contra a mulher e à
importância do recorte étnico/racial na saúde da mulher. A cidade de Marília, cidade esta
situada no interior do Estado de São Paulo, foi base para nossa pesquisa de campo, pois foi
uma das cinco cidades selecionadas a implantar o Projeto “Articulando Redes Integradas de
Serviços e Controle Social sobre a Violência contra a Mulher”, idealizado pela Organização
de Mulheres Negras “Fala Preta” e pelo Conselho Estadual da Condição Feminina de São
Paulo, sendo considerada hoje referência no Estado, no atendimento à mulher vítima de
violência, pela Rede Mulher de Marília
14
. No terceiro capítulo resgatamos brevemente a
história da cidade
No quarto capítulo, a análise enfocou especificamente a estrutura do Sistema
Municipal de Saúde da cidade de Marília em suas ações na prevenção da violência contra a
mulher, por meio de entrevistas com os profissionais atuantes nas Unidades de Saúde
localizadas nos bairros em que há maior ocorrência desse tipo de violência.
Analisamos com o auxílio das entrevistas, a opinião dos profissionais quanto a uma
capacitação específica sobre o tema da violência contra a mulher; se carência de políticas
públicas que auxiliem o profissional (no tema); se eles têm conhecimento sobre pesquisas
realizadas a respeito do tema da violência contra a mulher do Ministério da Saúde e da
Secretaria de Saúde Municipal de Marília; se em suas Unidades foram realizadas
campanhas de prevenção à violência contra a mulher; se a violência já foi explicitada em seus
atendimentos de saúde com mulheres; se, implicitamente (em conversas e investigações
14
COMITÊ GESTOR DE SEGURANÇA E QUALIDADE DE VIDA. “Rede Mulher de Marília”. Disponível
em: < http://www.mariliasegura.com.br/Rede%20Mulher/rede_mulher_historico.php >. Acesso em 14 de Maio
de 2006.
acerca da história das mulheres), a violência foi percebida; quais os procedimentos
adotados pelos profissionais quando detectada violência contra mulheres; qual o perfil das
mulheres atendidas; e qual a opinião dos profissionais de saúde em relação pela qual a mulher
não sai do ciclo da violência.
Foi nas entrevistas com profissionais de saúde que se constatamos que a cidade de
Marília tem deixado a desejar no que diz respeito à realização de estratégias de prevenção à
violência contra à mulher através da Secretaria Municipal de Saúde. Pois, apesar da cidade ser
considerada um referencial em atividades de prevenção desse tipo de violência, percebemos
que a maioria dos profissionais se sentem despreparados para realizar atendimentos em casos
de violência, não sabendo, muitas vezes, que procedimentos adotar e a quem recorrer. E,
ainda, a maioria dos entrevistados enfatizou a importância da inserção da temática em seu
cotidiano profissional por meio de encontros, ações e debates que evidenciem o tema da
violência e suas complexidades na saúde da mulher.
CAPÍTULO I
MULHER E VIOLÊNCIA
1.1. O fato de ser Mulher...
A trajetória da mulher foi, desde sempre, marcada pela invisibilidade e desapreço aos
papéis que ela desempenha. É neste sentido que Michelle Perrot (2007) diz:
escrever a história das mulheres é sair do silêncio em que elas estavam
confinadas... nesse silêncio profundo, é claro que as mulheres não estão
sozinhas... ele envolve o continente perdido das vidas submersas no
esquecimento no qual se anula a massa da humanidade. Mas é sobre elas que
o silêncio pesa mais (PERROT, 2007, p. 16).
Segundo Magali Engels (2003), a condição feminina na história sempre se opôs à
condição masculina. Fazer dos estudos da mulher uma linguagem singular é, para a autora,
um dos maiores desafios a serem enfrentados, com vista a resgatar a sua história e reconhecer
suas especificidades étnicas, religiosas, econômicas, culturais, regionais e geracionais,
relativizando a universalização do ser mulher. Assim, não é suficiente afirmar que estas
relações são complexas e difíceis de serem decompostas; é necessário “desenvolver novas
linhas de investigação que sejam capazes de apreender as transformações culturais que
culminam em modificações nas relações de gênero” (GREGORI, 1993, p. 199).
A categoria gênero começou a ser utilizada pelas feministas americanas para que
retratasse as diferenças culturais e historicamente construídas, refutando as teorias de
diferenciações biológicas expressas nos termos de sexo e diferença sexual (ENGELS, 2003).
No Brasil, esta categoria, como uma categoria de análise, foi introduzida a partir da década de
80 através dos estudos feministas (STOLCKE, 1991).
Segundo Ruth Cardoso (1993), o conceito de gênero foi formulado a fim de tecer uma
rede de poderes e contra - poderes nas relações entre o masculino e o feminino. Por possuir
uma característica intrínseca e basicamente relacional, a categoria gênero nos oferece a
possibilidade de entendemos que a construção dos comportamentos femininos e masculinos é
definida, considerados estes, um em função do outro, e construídos historicamente em
determinado tempo e na estrutura social e cultural. “As relações sociais baseadas nas
diferenças hierárquicas que distinguem os sexos, são, portanto, uma forma primária de
relações significantes de poder” (MATOS, 2000, p. 17).
Visando-se interpretar as relações entre homens e mulheres, sob uma ótica cultural,
resultante de significações sociais, culturais e psicológicas, sobre as identidades sexuais,
tornou-se necessário “distinguir entre gênero’ como criação simbólica, ‘sexo’, que se refere
ao fator biológico que define a pessoa como fêmea ou macho, e ‘sexualidade’, que tem a ver
com preferências e comportamentos sexuais” (Showalter, 1989 e Caplan, 1987 apud
STOLCKE, 1991, p.103)
15
.
De forma simplificada, Miriam Pillar Grossi (1998) explicita a diferenciação de
gênero e sexo, em que “sexo é uma categoria que ilustra a diferença biológica entre homens e
mulheres” e “gênero é um conceito que remete à construção cultural coletiva dos atributos de
masculinidade e feminilidade (que nomeamos de papeis sexuais)” (GROSSI, 1998, p. 6).
Explica Verena Stolcke que a teoria de gênero:
introduziu uma abordagem relacional que envolvia o estudo das mulheres
em suas relações com os homens. Mas nem sempre fica claro que isso tenha
aberto caminho para a análise de formas culturalmente diversas de poder
masculino e de dominação das mulheres, e do que as causou historicamente.
Não obstante, apenas dessa perspectiva é que a teoria de gênero implica uma
nova e subversiva forma de política de gênero que não somente desafia o
poder masculino, mas também, as raízes políticas gerais da desigualdade de
gênero. Além disso, desse ponto de vista, o objetivo não é mais se tornar tão
semelhante aos homens quanto possível, mas transformar radicalmente as
relações de gênero, projeto político que, por sua vez, requer a superação de
todas as formas de desigualdade (STOLCKE, 1991, p. 104).
15
SHOWALTER,E (org.) Sppeaking of gender. New York, Routledge, 1989, p. 1-14. CAPLAN, P. (org.) The
cultural construction of sexualiry. London, Routledge, 1987.
Assim, por meio da categoria gênero pôde-se alargar o campo de conhecimentos sobre
os esquemas tradicionais de dominação, possibilitando-se a introdução de “questões novas
acerca das desigualdades para além das diferenças de classes e de sexos” (COSTA, 2001, p.
114); não obstante, permitiu-se demonstrar que as referências culturais são sexualmente
produzidas, ou seja, são determinadas pelo sexo do indivíduo, podendo este termo ser
entendido como um instrumento que facilita a percepção das desigualdades entre homens e
mulheres, não mais operando-se as diferenciações do sexo feminino e do sexo masculino sob
determinações biológicas. E é a partir deste reconhecimento que utilizamos tal categoria de
análise, para direcionar a reflexão acerca da problemática da violência contra a mulher,
provocada, na maioria das vezes, pelo conflito entre os sexos.
Apesar do silêncio e do descaso presente na história das mulheres, durante o passar
dos séculos, Geneviéve Fraisse e Michelle Perrot (1990) afirmam que as mudanças
econômicas e políticas, sociais e culturais do século XIX foram favoráveis às mulheres, não
podendo este século ser pensado somente como um tempo de repressão e submissão em sua
vida, pois foi nele que nasceu o feminismo, sendo causa de importantes mudanças
estruturais
16
. Nesse período, o feminismo é definido em sua fase universalista, de cunho
igualitário, ou seja, na luta por uma aquisição de direitos civis e políticos (SCAVONE, 2004).
Para Londa Schienbinger (2001) o termo feminismo significa:
coisas muito diferentes para diferentes pessoas; as muitas variantes do
feminismo se agrupam ao longo de um espectro de perspectivas filosóficas e
políticas. Feministas notáveis incluem homens tais como o cartesiano do
século XVII François Poullain de la Barre, que declarou que “a mente não
tem sexo”, e o liberal inglês do século XIX John Stuart Mill, que lutou pelos
direitos da mulher. Feminismo define uma perspectiva, não um sexo.
Embora, historicamente, a maioria das feministas tenham sido mulheres,
associar demasiado o termo estritamente a mulheres, aliena homens
simpáticos ao movimento e, de modo mais sério, deixa sem análise como os
16
A essas mudanças estruturais as autoras mencionam a autonomia do individuo civil, o trabalho assalariado e o
direito à instrução, fatos estes ligados ao aparecimento coletivo das mulheres na cena política. FRAISSE,
Geneviève, PERROT, Michelle. Introdução: Ordens e Liberdades In: História das Mulheres no ocidente, vol. 4:
O século XIX. São Paulo: EBRADIL, 1990, p. 9.
homens contribuíram para rígidas noções de masculinidade e foram por elas
constrangidos (SCHIEBINGER, 2001, p. 45).
No Brasil, o feminismo do fim do século XIX teve como foco o direito ao voto com
Bertha Lutz, que não inseriu, em suas lutas, debates sobre as desigualdades e os modos de
opressão vividos pelas mulheres. “A luta para a inclusão das mulheres à cidadania não se
caracterizava pelo desejo de alteração das relações de gênero, mas como um complemento
para o bom andamento da sociedade”, sendo este definido por Céli Pinto, de feminismo “bem
comportado”
17
(OTTO, 2004).
No começo do século XX, segundo Margareth Rago (2000), intensas discussões se
levantaram sobre o fato de a mulher trabalhar fora do seio familiar, inserindo-se nessas temas
sobre sua sexualidade, sobre casamento, prostituição, virgindade e adultério. “A crescente
inserção da mulher no mercado de trabalho o ocorreu de forma igual para todas as
mulheres” (SCHRAIBER, 2005, p.85), mas este era incentivado na classe mais pobre pelos
homens da elite, que pretendiam, como sempre, lucrar com a mão de obra barata de mulheres
e crianças, na afirmação de que, além destas mulheres e crianças precisarem trabalhar para
ajudar suas famílias no sustento da casa, ainda possuíam diferenciações em relação às
mulheres pertencentes à classe dominante. Afirma Margareth Rago:
acreditavam que as mulheres das camadas mais carentes da população, quer
devido à constituição física, quer à falta de formação moral, eram muito
inferiores às mulheres normais e mais inclinadas a vícios e às tentações do
mundo moderno (RAGO, 2000, p. 593).
Assim, no Brasil, o feminismo das primeiras três décadas do século XX é marcado por
um movimento liderado por uma heterogeneidade de mulheres - anarquistas, líderes operárias,
17
Claricia Otto em resenha comenta sobre o livro “Uma história do feminismo no Brasil” de Céli Pinto
publicado pela Fundação Perseu Abramo em 2003. OTTO, Clarissa. O feminismo no Brasil: suas múltiplas
faces. Revista Estudos Feministas. Florianópolis v.12, n. 2. 2004. Disponível em <
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2004000200015 >. Acesso em 18 de Abril
de 2007.
intelectuais, entre outras bem como pela inserção de temas como dominação masculina e
direito à educação, como divórcio e sexualidade. Com o golpe de 1937 “ocorre um longo
período de refluxo
18
do movimento feminista que se estende até as primeiras manifestações
nos anos 70” (OTTO, 2004).
A partir da década de 70, o movimento feminista que se inicia é ligado a processos de
luta para a eliminação das discriminações sociais, econômicas, políticas e culturais que
vitimavam a mulher (GREGORI, 1993); pois, com a consolidação do capitalismo no século
anterior, as mulheres brasileiras, como foi explicitado anteriormente, são inseridas no
mercado de trabalho deixando a esfera privada para adentrar a esfera pública. Segundo
pesquisa realizada em 1984 sobre a população brasileira
19
, a década de 80 é marcada por um
aumento significativo de mulheres nas esferas política e profissional:
A população feminina economicamente ativa subiu de 18,5 por cento em
1970 para 26,9 por cento em 1980, correspondendo a 41 por cento do
aumento total da população economicamente ativa na década. O tipo de
ocupação feminina também mudou. A taxa da população feminina
economicamente ativa em cargos administrativos aumentou de 8,2 por cento
em 1960 para 15,4 por cento em 1980 e de 19.000 em 1970 para 95.800 em
1980 nas profissões de maior prestigio: engenharia, arquitetura, medicina,
odontologia, economia, ensino universitário e advocacia (THOMAS, 1991,
p.10).
a população economicamente ativa em 2003, especificamente em São Paulo,
segundo dados do PEA (População Economicamente Ativa)
20
, era de 19,6 milhões de
pessoas, sendo 8,5 milhões de mulheres (43,3%) e 11,1 milhões de homens (56,7%). Este
18
Na época da ditadura militar, o feminismo estava empenhado na luta pelas liberdades democráticas, e lutava
ao mesmo tempo pelos direitos das mulheres. Lucila Scavone (2004, p.16) faz referência à GOLDENBERG, A.
Tudo começou antes de 1975: idéias inspiradas pelo estudo da gestação de um feminismo “bom para o Brasil”.
Relações sociais de gênero x relações sociais de sexo. São Paulo: NEMGE, 1989.
19
BOSCHI, Renato Paul. A arte de associar: movimentos sociais, a classe média e a política de base no Brasil
urbano. Relatório Final para a Fundação Tinker, 1984 apud Dorothy Q. Thomas. Injustiça Criminal: a violência
contra as mulheres no Brasil. Divisões de Human Rights Watch: Americas Watch, 1991, p. 10.
20
IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Novo Perfil da População Economicamente Ativa de 40
anos ou mais. 2003. Disponível em: < http://www.seade.gov.br/produtos/mulher/index.php?bole=15&tip=02 >.
Acesso em 22 de Janeiro de 2008.
estudo refere que houve uma elevação do número de mulheres com 40 anos ou mais no
mercado de trabalho, enfatizando:
é preciso supor que os postos de trabalho gerados sejam passíveis de serem
ocupados por mulheres hipótese bastante plausível, tendo em vista que o
setor de serviços, muito mais permeável ao trabalho feminino que
determinados segmentos industriais, foi o que mais gerou ocupações nesse
período e que as mulheres estejam disponíveis para trabalhar, isto é, que
sejam capazes de conciliar seu papel na manutenção das famílias, no âmbito
doméstico, com as atividades produtivas fora do domicílio. Também essa
segunda hipótese é bastante plausível, seja pelas mudanças nos papéis de
homens e mulheres no âmbito familiar, seja pela transformação no padrão
reprodutivo da sociedade paulista, refletida na persistente diminuição da taxa
de fecundidade nas últimas décadas (IPEA, 2003)
21
.
Para Heleieth Saffioti (1979, p. 40), “o caráter submisso que há milênios as sociedades
vinham moldando nas mulheres facilitava enormemente a elevação do montante de seu
trabalho excedente”. Assim, com a implantação do sistema capitalista, muitas estruturas que
compunham a sociedade modificar-se-iam, inclusive a estrutura familiar.
Entende-se por família um grupo de pessoas que dividem o mesmo espaço doméstico
e cujas relações são formadas por graus de parentesco ou de afinidade. Segundo Lilia Blima
Schraiber (2005), a família é uma instituição histórica e social, e, ao mesmo tempo que
influencia, sofre influência de instituições como: o Estado, a Igreja, a economia, a política,
entre outras. E também diferenciações regionais, de classe, raça, etnia e faixa etária são
fatores determinantes, que marcam a diversidade nas relações cotidianas das pessoas
pertencentes a esta estrutura familiar.
A idéia de que o capitalismo mudaria toda a ordem familiar, permitindo a
institucionalização do trabalho da mulher fora do lar é correta; mas deve-se atentar para
alguns aspectos: as “facilidades” oferecidas com a indústria de eletrodomésticos, a existência
de produtos alimentícios semi-prontos, a limitação da natalidade, a antecipação do início da
educação, decorrentes da civilização moderna, são fatores que, de certa forma, poupam a
21
IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Novo Perfil da População Economicamente Ativa de 40
anos ou mais. 2003. Disponível em: < http://www.seade.gov.br/produtos/mulher/index.php?bole=15&tip=02 >.
Acesso em 22 de Janeiro de 2008.
mulher de serviços fatigantes e demorados. Apesar de serem amplamente ofertados para o
consumo, tais facilitadores existem no mercado como valores de troca. Sendo assim, nem
todas as mulheres têm acesso a eles, razão por que a escassez ou o não-acesso a estas
facilidades impedem o exercício pleno da mulher numa sociedade de classes (SAFIOTTI,
1979).
A emancipação econômica da mulher não constituiu uma libertação integral; pois não
foi suficiente para libertá-la dos diversos preconceitos que a discriminam socialmente;
“mesmo a mulher economicamente independente sofre na sua condição de mulher o impacto
de certas injunções” (SAFFIOTI, 1979, p.87). Com isso poder-se-ia afirmar que não é a
superação apenas da dimensão econômica que afetará ou não a emancipação feminina, mas o
reconhecimento de que o processo de naturalização da inferiorização da mulher é um processo
exclusivamente sociocultural. Magali Engels enfatiza que a inserção de “masculinidades e
feminilidades no âmbito das construções socioculturais” deve ser vista “como uma prioridade
política e acadêmica” (ENGELS, 2003, p. 8).
No Brasil, o feminismo do fim do século XX e começo do século XXI vai ao encontro
da perspectiva sob a qual homens e mulheres devem se posicionar. Expõe Lucila Scavone
(2004):
com suas respectivas identidades, tempos, situações políticas e sociais, nos
quais os modelos universais de dominação são cada vez mais questionados e,
no lugar deles, vão se construindo, lentamente novos modelos baseados na
multiplicidade dos sujeitos” (SCAVONE, 2004, p. 15).
Diversos aspectos fizeram com que ocorressem mudanças na vida das mulheres
brasileiras, afetando o interior de suas estruturas familiares, modificando também as relações
entre os sexos. Dessa forma, o feminismo, definido segundo Heleieth Saffioti, não representa
uma guerra contra os homens, mas:
ao contrário, a proposta consiste exatamente na humanização do homem,
também castrado em muitas dimensões da vida. E para que este processo de
humanização dos elementos masculinos tenha êxito faz-se necessário
humanizar mulheres e negros. Visa a estabelecer a igualdade entre seres
humanos para possibilitar-lhes o desfrute do prazer (SAFFIOTI, 1987, p.
115-116).
Com isso, uma das perspectivas mais urgentes na luta por uma igualdade entre os
gêneros se quando lançamos o nosso olhar para a questão da violência que acomete a
mulher, seja ela jovem, adulta ou idosa. Essa violência transforma as relações sociais,
desestruturando famílias e contribuindo para que o ciclo de desigualdade entre homens e
mulheres seja afirmado por ações violentas, concretizada nas relações íntimas, nas familiares,
trabalhistas e de amizade, etc. Para Lilia Blima Schraiber, a violência, que é um dos fatores a
ser estudado a seguir,
seria um dos possíveis resultados das profundas mudanças que se
processaram nas últimas décadas nos atributos da mulher na sociedade e na
família. E ainda, são nas delicadas relações (mulher independente, mulher
dependente; mulher com autonomia e mulher subjugada) que procuramos
respostas para as tensões e conflitos que resultam, por vezes, em violência
(SCHRAIBER, 2005, p.75; 85).
1.2. A Violência contra a Mulher
A década de 80 aparece como a década marcada pelo acirramento nas relações
decorrentes da violência. Como uma das preocupações mais latentes na atualidade, a violência
vem-se desdobrado em inúmeras modalidades: crime comum, crime organizado, violência
doméstica, violação dos direitos humanos, etc. (ADORNO, 1999). Sérgio Adorno (2002) diz
que neste período o crescimento econômico e o desenvolvimento social mudaram
radicalmente o perfil e a dinâmica da sociedade brasileira, e ainda afirma:
A sociedade brasileira tornou-se mais densa e mais complexa nas suas
relações de classe, nas suas relações intersubjetivas, nas lutas sociais pelo
reconhecimento de identidades e de direitos; mais reivindicativa, mais
participativa, cada vez mais inconformada com a persistência de seus
problemas, entre os quais a violência urbana cotidiana (ADORNO, 2002)
22
.
Alba Zaluar, explicita o desafio de estudar o tema da violência no Brasil:
Desde os anos 80, deu-se a primeira dicotomia entre os que estudaram e
escreveram sobre o tema, que continua sob nova terminologia até hoje. Os
que denunciavam a miséria, a perda do poder de ganho do salário, a
exploração, a ausência de investimentos na educação e na saúde para o
aumento da violência, que já começava a preocupar o governo federal,
postavam-se na esquerda do espectro político ou no que foi durante muitos
anos chamado de ‘a esquerda penal’, enquanto os que insistiram em analisar
a questão institucional, inclusive as práticas policiais de violência contra os
pobres e a eficiência da polícia em proteger a vida e a propriedade do
cidadão, em termos de política pública para todos, eram considerados ‘de
direita’. Os que desde logo tomaram a criminalidade como objeto digno de
atenção dos cientistas sociais permaneceram até certo ponto estigmatizados
como conservadores e empiristas até quase o fim dos anos 80. Mas partiu
deles grande parte do entendimento que hoje se tem a respeito dos
mecanismos perversos, círculos viciosos e obstáculos institucionais
rotineiros que alimentam as carreiras criminosas de jovens pobres, bem
como dos policiais envolvidos nas práticas ilegais do extermínio, da
extorsão, do seqüestro, da corrupção e da repetida violação dos direitos
humanos ou civis dos cidadãos brasileiros (ZALUAR, 1999, p. 19-20).
Maria Cecília de Souza Minayo (1999) entende que o acirramento dos conflitos sociais
se expressa no aprofundamento da violência estrutural fundamentada na economia que
acaba refletindo também na dinâmica das forças políticas e afetando os valores culturais do
país. É ainda:
aquela que oferece um marco à violência do comportamento e se aplica tanto
às estruturas organizadas e institucionalizadas da família como aos sistemas
econômicos, culturais e políticos que conduzem à opressão de grupos,
classes, nações e indivíduos, aos quais são negadas conquistas da sociedade,
22
ADORNO, Sérgio. Exclusão socioeconômica e violência urbana. Sociologias, Porto Alegre, n. 8, 2002.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-
45222002000200005&lng=pt&nrm=iso >. Acesso em 10 de Abril de 2007.
tomando-os mais vulneráveis que outros ao sofrimento e à morte
(MINAYO, 1994, p. 3)
Saúl Franco Agudelo (1997) afirma que a violência tem adentrado a vida cotidiana,
“disciplinado indivíduos, famílias, instituições e países” (p. 39) e ainda expõe:
A violência não é um ato marginal ou uma resposta ocasional nas relações
inter-humanas e sociais... é uma incomunicação e não acordo: não opção
para a vítima. Imposição assimétrica, seus saldos são múltiplos, feitos de
dor, morte, medo, impotência, ausências e desesperanças individuais e
grupais, que já há tempos demandam análises (AGUDELO, 1997, p. 40).
Em seu significado mais freqüente, violência quer dizer o uso da força física,
psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não quer. É um meio de
coagir e de submeter o outro e, acima de tudo, é violar os direitos essenciais que todo ser
humano possui, restringindo a liberdade de uma pessoa, ou ofendendo-a física e moralmente
(TELES, 2002). Já Maria Filomena Gregori afirma “a violência mantém a relação de mando e
a sujeição, e o faz mediante um processo de interiorização pela parte dominada das vontades e
ações da parte dominante” (1993, p.131).
O relatório da Anistia Internacional de 2007, no capítulo referente à República
Federativa do Brasil, aponta o fenômeno da violência como o maior problema enfrentado no
país:
Problemas nos sistemas judicial, prisional e de segurança pública, entre os
quais violações sistemáticas dos direitos humanos, contribuíram para os
níveis elevados e persistentes de violência criminal. A maioria das dezenas
de milhares de mortes causadas por armas de fogo ocorreu nas comunidades
mais pobres. Bem mais de mil pessoas foram mortas em confrontos com a
polícia, em incidentes classificados como “resistência seguida de morte”,
muitas em situações que sugerem o uso excessivo de força ou execuções
extrajudiciais. A tortura continuou a ocorrer de forma generalizada e
sistemática. O acesso à terra seguiu sendo um foco de violações dos direitos
humanos. Houve despejos forçados e ataques violentos contra ativistas
rurais, manifestantes contrários à construção de barragens, movimentos de
sem-teto e povos indígenas. Muitas pessoas continuaram a trabalhar em
condições análogas à escravidão ou sujeitas a servidão por dívida. Os
defensores dos direitos humanos continuaram a sofrer ameaças e ataques
(ANISTIA INTERNACIONAL, 2007, p.1)
23
.
Assim, para Rachel Soihet (2001), a violência sobre os segmentos populares tem sido
uma presença constante na sociedade brasileira, apesar dessa ser sistematicamente negada ao
nível ideológico em termos do mito da índole pacífica do brasileiro - fruto de uma mistura de
raças que teria dado lugar a uma sociedade harmônica. E é no interior destas fragmentações
que está inserida a violência contra a mulher, que é muitas vezes naturalizada e justificada.
E, a partir da década de 70
24
outro tema é incorporado ao movimento feminista: a
“violência contra a mulher”. Segundo Maria Amélia de Almeida Teles (2002), podemos
denominar a violência contra a mulher uma violência praticada contra o sexo feminino,
significando a intimidação da mulher pelo homem que desempenha o papel de agressor,
intimidador, dominador e disciplinador. Isso ocorre pela predeterminação dos papéis sociais
impostos a homens e mulheres, reforçados por culturas patriarcais e machistas que
estabelecem, no seio de suas relações, a violência entre os sexos. Refere Maria Filomena
Gregori:
A relação de violência homem versus mulher apresenta uma peculiaridade
frente a qualquer outra. O laço que une a mulher ao seu agressor não pode
ser igual àqueles que ligam os outros opressores e oprimidos (GREGORI,
1993, p. 193).
A violência contra a mulher é muitas vezes caracterizada como violência doméstica,
ou seja, violências ocorridas dentro do espaço doméstico por pessoas da mesma família ou
que possuem algum vínculo emocional ou conjugal - como namorados, companheiros e
23
ANISTIA INTERNACIONAL. Relatório 2007. Capítulo sobre o Brasil. Disponível em:
<http://www.br.amnesty.org/rel2007/AIR2007Brasil.pdf >. Acesso em 15 de Janeiro de 2008.
24
No ano de 1975 a ONU promoveu a Conferência Mundial do Ano Internacional da Mulher na cidade do
México, institucionalizando neste evento a “Década da Mulher” (1975-1985). Tendo o Brasil se comprometido a
lutar pelo fim de todas as formas de discriminação contra a mulher, em 1983 em São Paulo, criou-se o Conselho
Estadual da Condição Feminina. MASSUNO, Elizabete. Delegacia de Defesa da Mulher: uma resposta à
violência de nero. In: Igualdade de Oportunidade para as mulheres. São Paulo: Humanitas /FFLCH/USP,
2002, p. 26.
maridos. esta associação devido ao fato das vítimas destas violências serem, em sua
maioria, mulheres. Outro termo empregado é a violência intrafamiliar, praticada por entes da
família, mas não necessariamente no ambiente doméstico. Nos anos 1990, outra expressão é
incorporada pelo do movimento de mulheres: a violência de gênero a qual a radicalização
entre as desigualdades da relação entre homens e mulheres é afirmada na violência doméstica
como violência de gênero (SCHRAIBER, 2005). Para Lilia Blima Schraiber:
Esta expressão destaca que, se a violência ocorre no âmbito doméstico e diz
respeito aos conflitos familiares, aquela perpetrada contra a mulher,
sobretudo nessas circunstâncias domésticas, é proveniente dos conflitos de
gênero e da forma violenta de lidar com eles (SCHRAIBER, 2005, p. 31).
Para esta pesquisa o conceito violência contra a mulher foi mais adequado, pois nos
dados analisados
25
as violências foram, não em sua totalidade, mas em sua maioria, praticadas
por entes da família, ou em conflitos familiares.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), no Informe Mundial sobre
Violência e Saúde” (2002), em todo o mundo, 7% das mortes de mulheres entre 15 e 44 anos,
são acarretadas pela violência
26
. O relatório “Nem uma a mais. O direito de uma vida livre da
violência na América Latina e no Caribe”, divulgado pela UNIFEM Fundo de
Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher, no dia 16 de novembro de 2007, afirmou
que, no Brasil, três em cada dez mulheres com 15 anos ou mais sofreram violência física
extrema
27
. A violência contra a mulher sempre foi considerada como uma violência com
25
Refere-se aos dados provenientes das Delegacias de Polícia da cidade de Marília analisados nas páginas 62 a
85.
26
PORTAL DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. Disponível em: < http://www.patriciagalvao.org.br/apc-
aa-patriciagalvao/home/ >. Acesso em 20 de Agosto de 2006.
27
SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES. Disponível em:
<http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sepm/noticias/ultimas_noticias/not_unifem_relatorio_viol
encia/view?searchterm=unifem >. Acesso em 15 de Setembro de 2007.
menor grau de importância pela maioria dos governos mundiais e dos gestores de políticas
afirma, porém, a Organização Mundial de Saúde (2005)
28
:
desde a década de 90, os esforços empreendidos pelas organizações de
mulheres e alguns governos comprometidos com esta questão tem suposto
uma profunda transformação da sensibilização publica a respeito do
problema. Atualmente é uma questão amplamente reconhecida que a
violência constitui um grave problema de direitos humanos e saúde pública,
que afeta a todos os setores da sociedade (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE
SAÚDE, 2005, p. 13).
Estes esforços também foram sentidos na sociedade brasileira. Partindo dos intensos
esforços dos movimentos de mulheres pelo Brasil, em 1983, no Estado de São Paulo, foi
criado o Conselho Estadual da Condição Feminina e, depois disso, foram criados conselhos
em outros estados. Em 1985, por uma lei do Congresso Federal, foi formulado o Conselho
Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), e segundo Dorothy Thomas (1991), tanto os
conselhos estaduais como o conselho nacional, tiveram como principais objetivos, desde a sua
formação, combater a violência contra a mulher.
Em 1988, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizou o primeiro
levantamento nacional sobre a violência no país. Estes dados, segundo Leila Linhares Barsted
(2006)
29
, foram desagregados por sexo em relação aos crimes de lesão corporal dolosa
30
.Do
total das timas deste crime, 44,7% eram mulheres, 55% ocorreram no âmbito doméstico e o
agressor era o marido ou companheiro em 83% dos casos.
No decorrer da década de 80, as mulheres começaram a ter coragem de ir às ruas
mostrar os seus rostos marcados pela violência sofrida, sendo esta década marcada pelo
28
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Estudos múltiplos da OMS sobre a saúde da mulher e a violência
doméstica contra a mulher: primeiros resultados sobre a prevalência, eventos relativos à saúde e resposta das
mulheres a esta violência: resumo do informe. 2005. Disponível em
<http://www.who.int/gender/violence/who_multicountry_study/summary_report/summaryreportSpanishlow.pdf
>. Acesso em 20 de Outubro de 2007.
29
BARSTED, Leila Linhares. A violência contra as mulheres no Brasil e a Convenção de Belém do Pará dez
anos depois. In: O Progresso das Mulheres no Brasil. Disponível em:
<http://www.mulheresnobrasil.org.br/pdf/PMB_Cap8.pdf >. Acesso em 10 de Janeiro de 2008.
30
Sobre a definição do conceito de crime de “lesão corporal dolosa” ver pág. 14.
aumento significativo de denúncias no Brasil. Criaram-se serviços voluntários e anônimos de
ajuda à mulher, com apoio jurídico, social e psicológico às vítimas através do SOS Mulher e
de Centros de Defesa (TELES, 2002).
Neste período também foram implantadas, a começar por São Paulo, as Delegacias de
Defesa da Mulher (DDM), cujo objetivo era dar assistência diferenciada às mulheres timas
de violência. Para precisar, foi em 1985 a inauguração da primeira Delegacia de Polícia de
Defesa da Mulher (MASSUNO, 2002). Segundo Guita Grin Debert (2002), o Brasil foi
pioneiro na criação das DDMs, sendo seguido por outros países. Sua concepção foi no dizer
de Maria Filomena Gregori (2005, p. 7), “como uma deliberação governamental, a partir da
demanda feminista e do movimento de mulheres pela contenção da violência contra a
mulher”. Segue artigo do 1º decreto estadual 40.693 de 1º de março de 1996:
as Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher, criadas pela Lei 5467, de 24
de dezembro de 1986, têm em suas respectivas áreas de atuação, as seguintes
atribuições: I – a investigação e apuração dos delitos contra a pessoa do sexo
feminino, a criança, e o adolescente, previstos no Título I, Capítulos I,II,II,V
e Seções I e II do Capítulo IV, nos artigos 163 e 173 do Título II, nos Títulos
VI e VII e no artigo 305 do Título I, todos da Parte Especial do Código Penal
e os crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente; II – o
atendimento de pessoas do sexo feminino, crianças e adolescentes que
procurem auxílio e orientação e seu encaminhamento aos órgãos
competentes. Artigo No tocante aos artigos 121 e 163 do Código Penal, a
competência se restringe às ocorrências havidas no âmbito doméstico e de
autoria conhecida. Artigo As atribuições previstas no inciso deste artigo
serão exercidas concorrentemente com as demais unidades policiais
(MASSUNO, 2002, p. 8).
As Delegacias de Defesa da Mulher são, nos dias atuais, alvos de muitos estudos e
pesquisas científicas
31
, seja no campo das Ciências Sociais seja no campo do Direito. Porém o
31
Podemos citar a pesquisa de Benilda Regina Brito que analisou Delegacias Especializadas contra Mulheres de
Belo Horizonte no ano de 2002. BRITO, Benilda Regina. Violência doméstica e sexual: um olhar da mulher
negra. In: Violência contra a mulher e saúde um olhar da mulher negra. Belo Horizonte: Casa de Cultura da
Mulher Negra, 2003. p. 57-60.Também, a pesquisa de Guita Grin Debert que analisou Delegacias de Polícia de
Defesa da Mulher (DDM) nas cidades de São José do Rio Pardo SP, São Carlos SP, São Paulo SP e
Salvador –BA. Sua pesquisa sobre esta instituição consistiu em analisar “as representações das agentes
(mulheres que trabalham nas DDM’s) sobre suas práticas, a caracterização da clientela e o caráter dos
procedimentos adotados nas delegacias” (p. 11). DEBERT, Guita Grin. Arenas de Conflitos Éticos nas
real significado da dinâmica com que se movem as Delegacias de Defesa da Mulher deve ser
remetido à compreensão de como a “universalidade e a particularidade se articulam no
contexto brasileiro”, pois “os conflitos entre a universalidade e particularidade oferecem um
caráter específico ao que tem sido chamado a ‘judicialização das relações sociais’
(DEBERT, 2002, p. 6-7). E esta expressão como refere a autora, busca:
contemplar a crescente invasão do direito na organização da vida social. Nas
sociedades ocidentais contemporâneas, essa invasão do direito não se limita
à esfera propriamente política, mas tem alcançado a regulação da
sociabilidade e das práticas sociais em esferas tidas, tradicionalmente, como
natureza estritamente privada, como são os casos das relações de gênero e o
tratamento dado às crianças pelos pais ou aos pais pelos filhos adultos
(DEBERT, 2002, p. 7).
Sendo assim, é um desafio estudar dados provenientes das Delegacias, sobretudo das
especializadas, como é o caso da Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher (DDM), pois estas
“instituições são parte de um conjunto de ações levadas a cabo por organizações
governamentais e da sociedade civil empenhadas no combate às formas específicas pelas
quais a violência incide em grupos discriminados (...)”. Assim, “o dilema dos agentes em cada
uma dessas instâncias é combinar a ética policial com a defesa os interesses das minorias
atendidas” (DEBERT, 2002, p. 6-7).
Infelizmente, segundo entrevista concedida por Diva Moreira
32
, analista de programas
do PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, menos de 10% dos mais
de 5.000 municípios brasileiros ainda não contam com os serviços especializados das
Delegacias Especiais de Polícia. Primeira Versão. Campinas: IFCH/UNICAMP, 2002. E ainda, a pesquisa de
Maria Filomena Gregori, que teve como objetivo “a partir de observação, de entrevistas e de dados estatísticos,
de que modo as delegacias estão articuladas à rede de movimentos sociais, sobretudo os relativos à problemática
da mulher; ao universo de instituições de assistência social, psicológica e jurídica, e observar as relações da
delegacia em meio à Secretaria de Segurança Pública” (p. 4). GREGORI, Maria Filomena. Feixes, Paralelismo e
Entraves: as Delegacias de Defesa da Mulher em São Paulo e as Instituições. Primeira Versão. Campinas:
IFCH/UNICAMP, 2005.
32
MOREIRA, Diva. “Agressão atinge mulher de todas as classes”. Entrevista à Rádio Nações Unidas no dia 25
de Novembro de 2004. Disponível em:
<http://www.pnud.org.br/cidadania/entrevistas/index.php?id01=832&lay=cid >. Acesso em 08 de Novembro de
2007.
Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher (DDM) que, segundo Diva, é um importante
instrumento de defesa das mulheres apesar de suas limitações. E ainda afirma:
não basta criar as delegacias, é preciso equipá-las, para que elas possam
oferecer um bom atendimento às mulheres. Por exemplo, 60% das
delegacias não têm assistentes sociais nem psicólogos, profissionais que
deveriam estar lá para fazer um trabalho de aconselhamento, de mediação de
conflito, de apoio social e comunitário, de realização de palestras, etc.
(MOREIRA, 2004).
Em janeiro de 2003, através do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, pela
primeira vez na história do país é instituída uma Secretaria Especial de Políticas para as
Mulheres. Em 2004, foi lançado o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres tendo como
objetivo principal enfrentar as desigualdades de gênero e raça no país. O Plano foi definido
dentro de quatro áreas de atuação: autonomia; igualdade no mundo do trabalho e cidadania;
educação inclusiva e não sexista; saúde das mulheres, direitos sexuais e reprodutivos; e o
enfrentamento da violência contra a mulher. (BRASIL, Plano Nacional de Políticas para as
Mulheres, 2004, p. 11). Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PNUD essa conquista deve ser celebrada, em um país acostumado a gastar 10,5% do seu PIB
com o problema da violência doméstica (PNUD, 2004)
33
.
Foram alcançadas também algumas mudanças no que se refere à legislação sobre as
violências sofridas pelas mulheres. Em agosto de 2006 foi sancionada a lei 11.340/06 “Lei
Maria da Penha”. Por meio dela a violência contra mulher passou a ser encarada com maior
rigor, partindo de regras mais incisivas para a repressão de tal prática, dentre as quais se
destaca: prisão do agressor em flagrante ou prisão preventiva decretada; pena triplicada para o
indivíduo que praticou a violência; no caso de violência psicológica esta passa a ser
33
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. “Agressão atinge mulher de todas
as classes”. Entrevista à Rádio Nações Unidas no dia 25 de Novembro de 2004. Disponível em:
<http://www.pnud.org.br/cidadania/entrevistas/index.php?id01=832&lay=cid>. Acesso em 15 de Janeiro de
2008.
caracterizada como violência doméstica; também medidas de proteção à mulher - como a
saída do agressor de casa, proteção para os filhos e direito de reaver seus bens
34
.
A partir desta Lei regulamentaram-se como formas de violência doméstica e familiar
contra a mulher a: violência física, violência psicológica, violência sexual, violência
patrimonial e violência moral. No ano de 2007, o presidente, pela Lei 11.489 de 20 de junho
de 2007, decreta o dia 6 de dezembro como o “Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo
fim da Violência contra as Mulheres”
35
. Assim, a violência contra a mulher começa a ser
mais debatida e refletida no país.
Contudo alterações na legislação têm trazido grandes desafios para os que lidam
diretamente com casos referentes à violência contra a mulher. Segundo Silvana de Freitas
(2007)
36
, da Folha de São Paulo, um juiz de Sete Lagoas MG, Edílson Rodrigues, afirmou
que o mundo é masculino e que as mudanças promovidas pela Lei Maria da Penha são
diabólicas e inconstitucionais, rejeitando todas as medidas que chegaram às suas mãos contra
homens que agrediram e ameaçaram suas companheiras. Porém, o Conselho Nacional de
Justiça decidiu processar o juiz por ter-se excedido em seu linguajar nas decisões judiciais, e
por ter afirmado: “para não se ver eventualmente envolvido nas armadilhas dessa lei absurda,
o homem terá de se manter tolo, mole, no sentido de se ver na contingência de ter de ceder
facilmente às pressões” (FREITAS, 2007)
37
.
E é nesse processo de reivindicações e propostas de mudanças, a partir da legislação
brasileira, na institucionalização das Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher, na Secretaria
34
Notícia publicada no site da Fundação Perseu Abramo em 08 de agosto de 2006. Disponível em:
<http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=2891>. Acesso em 05 Março. de 2007.
35
BRASIL. Presidência da República. Lei nº. 11.489 de 20 de Junho de 2007. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11489.htm >. Acesso em 18 de Setembro de
2007.
36
FREITAS, Silvana. “Para juiz proteção à mulher é diabólica”. Cotidiano. Folha de São Paulo de 21 de outubro
de 2007. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2110200719.html>. Acesso em 08 de
Novembro de 2007.
37
FREITAS, Silvana. “Conselho irá processar juiz que criticou Lei Maria da Penha”. Cotidiano. Folha de São
Paulo de 21 de novembro de 2007. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u347259.shtml >. Acesso em 08 de Novembro de 2007.
Nacional de Políticas para as Mulheres, na promulgação da Lei Maria da Penha, entre outras,
que direitos e melhorias estão sendo conquistados no Brasil, no que diz respeito a processos
de prevenção da violência contra a mulher. No entanto, casos como o processo aberto contra o
juiz Edílson Rodrigues demonstram a dificuldade de colocar em prática estas conquistas e o
cumprimento destes direitos.
Segundo a Folha de São Paulo
38
, foi publicado em outubro de 2006 pela ONU
(Organização das Nações Unidas), um relatório denunciando o aumento da violência contra a
mulher no mundo. O documento relatava que “a persistência e o aumento da violência contra
as mulheres, e a impunidade com que se permite que esta continue, são claros indicadores do
fracasso dos Estados no cumprimento de suas obrigações de protegê-las”. Para o secretário
geral da ONU, Koffi Annan:
Acabar com a impunidade na violência contra a mulher é crucial. É
necessária uma ação coordenada e imediata por parte dos governos. Além
disso, estes devem demonstrar vontade política e traçar estratégias
sistemáticas e sustentáveis respaldada pelos recursos adequados (...) A
violência contra a mulher requer uma atenção prioritária e recursos para que
possa ser abordada com seriedade e visibilidade. Não podemos dizer que
fizemos um progresso real em direção à igualdade, ao desenvolvimento e à
paz enquanto esta violência continuar
39
.
Assim, a continuidade na luta pela conquista de direitos e melhorias na vida das
mulheres brasileiras e pelo reconhecimento da violência praticada como não natural se torna
algo imprescindível e necessário, para que se possa, um dia, vislumbrar um país com menos
violência e menos desigualdades entre homens e mulheres.
38
FOLHA DE SÃO PAULO ON-LINE. “ONU denuncia aumento da violência contra a mulher em todo o
mundo”. Mundo. 10 de outubro de 2006. Disponível em: <
http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u100779.shtml >. Acesso em 30 de Janeiro de 2008.
39
FOLHA DE SÃO PAULO ON-LINE. “ONU denuncia aumento da violência contra a mulher em todo o
mundo”. Mundo. 10 de outubro de 2006. Disponível em: <
http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u100779.shtml >. Acesso em 30 de Janeiro de 2008.
CAPÍTULO II
POLÍTICAS PÚBLICAS,
SAÚDE E VIOLÊNCIA
2.1. Políticas Públicas de Saúde no Brasil
Este capítulo tem como objetivo discutir a saúde blica no Brasil, refletindo sobre o
início das políticas públicas até a implantação do Sistema Único de Saúde, sendo feito um
recorte pautado nas relações de gênero e na importância da perspectiva étnico/racial nas
políticas de saúde brasileiras.
É perceptível que o Brasil avançou, no que diz respeito a propostas de leis, normas e
diretrizes relacionadas à Saúde Pública e à Saúde da Mulher. Porém, ainda é muito recente no
que tange à saúde da mulher em atender a perspectivas da violência e a questão étnico
racial. O atendimento a casos de violência contra a mulher no setor da saúde é prematuro e
deficiente, pois muitas destas propostas não são repassadas a todos os municípios e estados
brasileiros, servindo apenas de material teórico, nada prático, na prevenção da violência
contra a mulher.
Paulo Teixeira (1997) define políticas públicas como um “conjunto de diretrizes e
referências ético-legais adotados pelo Estado para fazer frente a um problema que a sociedade
lhe apresenta” (p. 43); é em razão de uma necessidade da sociedade que a resposta é dada pelo
Estado por meio de políticas públicas (TEIXEIRA, 1997). Segundo Celina Souza (2006)
40
,
pode-se sintetizar políticas públicas como um:
campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, "colocar o governo
em ação" e/ou analisar essa ação e, quando necessário, propor mudanças no
rumo ou curso dessas ações (SOUZA, 2006).
40
SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias , Porto Alegre, n. 16, 2006 .
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-
45222006000200003&lng=pt&nrm=iso >. Acesso em 05 de Outubro de 2007.
Para autora o estabelecimento de políticas públicas “constitui-se no estágio em que os
governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e
ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real”. Celina Souza continua:
do ponto de vista teórico-conceitual, a política pública em geral e a política
social em particular são campos multidisciplinares, e seu foco está nas
explicações sobre a natureza da política pública e seus processos. Por isso,
uma teoria geral da política pública implica a busca de sintetizar teorias
construídas no campo da sociologia, da ciência política e da economia. As
políticas públicas repercutem na economia e nas sociedades, daí por que
qualquer teoria da política pública precisa também explicar as inter-relações
entre Estado, política, economia e sociedade. Tal é também a razão pela qual
pesquisadores de tantas disciplinas - economia, ciência política, sociologia,
antropologia, geografia, planejamento, gestão e ciências sociais aplicadas -
partilham um interesse comum na área e têm contribuído para avanços
teóricos e empíricos (SOUZA, 2006)
41
.
O campo de estudos do conceito “política pública”, segundo Marcus André Melo, é
recente no Brasil, e é um campo de abordagem intelectual relativamente novo, pois foi
somente em 1984 que se deu a criação da primeira instituição universitária destinada a
analisar políticas públicas - Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEEP) da Universidade
Estadual de Campinas constituindo-se um “marco importante na institucionalização dessa
subárea no Brasil” (MELO, 1999, p. 66).
Neste trabalho faremos referências específicas a políticas públicas de saúde e a
políticas públicas ligadas à prevenção a violência contra a mulher no Brasil, seguindo recortes
de gênero e étnico – racial.
Segundo Nilson Rosário da Costa (1985), a saúde pública no Brasil, a partir do fim do
século XIX, caracterizou-se por se articular aos interesses econômicos e políticos das classes
dominantes nacionais, desenvolvendo uma medicina de massas preocupada em garantir
condições mínimas de saúde à população trabalhadora. Estas políticas visavam conservar a
manutenção das forças de trabalho e a expansão das atividades econômicas capitalistas, por
41
SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias , Porto Alegre, n. 16, 2006 .
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-
45222006000200003&lng=pt&nrm=iso >. Acesso em 05 de Outubro de 2007.
meio da erradicação de doenças que ameaçavam essas atividades no espaço das cidades e
áreas do campo. Para tanto desenvolver-se-iam ações sanitárias que obedecessem a padrões de
grupos de interesses internos, visando à expansão do capitalismo internacional. Dessa forma,
no Brasil, o surgimento das políticas públicas de saúde é marcado pela influência européia e,
conseqüentemente, pelos países capitalistas avançados.
Massako Yida (1992) afirma que o sistema de saúde público no Brasil deve ser
analisado no interior da formação do Estado brasileiro e de uma economia mundial capitalista
constituída tardiamente, que preservava relações não-capitalistas e formas de governo
altamente centralizadoras e autoritárias. Na época em que o capitalismo se encontrava numa
fase concorrencial e o Brasil estava envolvido nas lutas republicanas, a saúde passou a
desempenhar um papel importante na circulação de mercadorias e mão-de-obra estrangeira,
no que se diz respeito ao controle de doenças transmissíveis. O controle era dividido entre os
defensores da ordem e do progresso e daqueles pertencentes à velha ordem. Do mesmo modo
que a República queria criar uma identidade nacional em torno da nação, elemento
constituinte da sociedade burguesa, o Estado responsável pela saúde da população, do senhor
de escravo e das entidades filantrópicas, também queria conquistar uma identidade mais
abstrata (YDA, 1992, p. 53-57).
Assim, as campanhas sanitárias se estabeleceram dentro dos princípios de ordem e
progresso, uma área de atuação estatal - o controle de doenças. A contribuição da saúde, neste
momento, mais do que o controle de doenças é a difusão de idéias sanitárias, de valores e
normas, coagindo as classes populares através de um mecanismo de controle social. E foi
neste momento que se iniciou o processo de institucionalização da saúde pública, com a
aquisição de uma especificidade própria, quando houve a separação entre assistência social e
ajuda de entidades filantrópicas
42
(YDA, 1992, p. 53-57).
42
Nos séculos anteriores, algumas atividades na área de saúde já se delineavam devido ao alto índice de
morbidade e de mortalidade, mas estas estavam associadas a outras atividades assistenciais, não tendo um caráter
O discurso normativo e regulador da saúde teve por objetivo obter, das classes
subalternas uma conduta racional em face da doença. A política de saúde se limitou a superar
setorialmente as ameaças sanitárias, não questionando as causas e as relações sociais
geradoras de tais doenças que ameaçavam a classe trabalhadora, limitando a doença a um
âmbito simplesmente biológico. A saúde pública se afirmou como prática técnica no combate
às doenças epidêmicas, desempenhando também a função pedagógica de normatização dos
grupos sociais alheios às regras básicas de higiene (COSTA, 1985). Como exemplo, temos a
higienização realizada na cidade de São Paulo que, como refere Maria Nilza da Silva:
foi realizada na remoção não somente dos negros mas também de todos
aqueles que eram chamados nacionais”, os pobres da cidade, os caipiras
etc., a parcela da população de “descalços” e despossuídos. A justificativa
sempre foi a questão sanitária, mas as leis implementadas visavam não
apenas fazer o controle higiênico, tendo em vista a saúde, mas sobretudo
banir a presença daqueles que adotavam comportamentos indesejados para o
novo padrão da cidade (SILVA, 2006, p. 19).
A partir de 1930, a higiene, seguindo os preceitos sanitários da época, definiu para a
família brasileira uma educação física, moral, intelectual e sexual (COSTA, 2004). Nesta
mesma época, a saúde pública ganha espaço institucional, resultando, em 1931, na criação do
Ministério da Saúde no Brasil (IYDA, 1994, p. 59). A partir da década de 60, houve um
esvaziamento progressivo das ações campanhistas, gerando a hegemonização do modelo
médico-assistencial privatista. Este modelo médico assistencial foi gestado em paralelo a uma
“crescente integração e universalização da Previdência Social: das Caixas de Aposentadorias
e Pensões da década de 20, aos Institutos de Aposentadorias e Pensões dos anos 30 e 60”,
vindo a ser institucionalizado em 1966 com o Instituto Nacional da Previdência Social – INPS
(MENDES, 1999, p. 59). Em 1976 o Ministério da Saúde toma uma nova postura inserindo a
prestação de serviços médico-assistenciais:
específico. IYDA, Massako. Saúde Pública: Reprodução e Legitimação. In: Pesquisa Social em Saúde. Políticas.
São Paulo: HUCITEC, 1992, p.53-57.
a rede básica de assistência médico-sanitária; sistemas integrados de serviços
de saúde; ampliação de serviços de saúde em áreas de valorização
econômica; plano básico de ação sanitária do nordeste; interiorização das
ações sanitárias; proteção materno-infantil; saúde mental; controle do
câncer
43
.
Em 1986 ocorreu a VIII Conferência Nacional de Saúde, evento que influenciou
determinantemente na elaboração de uma Nova Constituição Federal
44
no Congresso
Nacional e na implantação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde, o SUDS, o qual
“avançou para a desconcentração estadualizada da saúde e da municipalização dos serviços.
Ao mesmo tempo, no Congresso Nacional, constituía-se, pelo consenso possível das forças
sociais representadas, o desenho constitucional da saúde” (MENDES, 1999, p. 62). Amélia
Cohn e Paulo Eduardo Elias (1999) afirmam:
A Constituição Federal contempla a Saúde como um direito social e dever
do Estado, prevendo a estruturação do Sistema Único de Saúde (SUS)
universal no acesso, igualitário no atendimento assistencial e equânime na
distribuição dos recursos. Segundo este texto legal a organização do SUS
deve obedecer as seguintes diretrizes: descentralização com a fixação das
direções pelas esferas do governo (Federal, Estadual e municipal),
atendimento integral que compatibilize as atividades preventivas e as
assistenciais, e a participação da comunidade, difundida como controle
social (no sentimento daquele controle exercido pela sociedade) (COHN,
ELIAS, 1999, p. 68).
Assim, segundo Eugênio Vilaça Mendes (1999), foi na década de 70 que o SUS
(Sistema Único de Saúde) foi forjado, sendo regulamentado constitucionalmente pelas Leis
8.080 de 19 de setembro de 1990 e 8.142 de 28 de dezembro de 1990, dando início a um novo
modelo de atenção à saúde. A sua estruturação, para Pedro Barros Silva (2003), teve como
43
BRASIL, Ministério da Saúde. Evolução Institucional da Saúde Pública, 1979, p. 38. Disponível em: <
http://www.univag.com.br/biblioteca/Enfermagem/Administra%C3%A7%C3%A3o%20e%20Planejamento%20
em%20saude/Evolu%C3%A7%C3%A3o%20institucional%20da%20saude%20publica/cd04_06.pdf >. Acesso
em 17 de Agosto de 2007.
44
“A saúde na Constituição é definida como resultante de políticas sociais e econômicas, como direito de
cidadania e dever de Estado, como parte da singularidade social e cujas ações e serviços devem ser providos por
um Sistema Único de Saúde, organizado segundo as seguintes diretrizes: descentralização, mando único em cada
esfera de governo, atendimento integral e participação comunitária. Ao mesmo tempo, o Art. 199 consagra a
liberdade da iniciativa privada” (MENDES, 1999, p. 62).
objetivo “ampliar os níveis de responsabilidade da gestão local e regional para solucionar,
simultaneamente, questões referentes à melhora da eficácia do gasto público e à ampliação do
acesso aos serviços”
45
. Roberto Gouveia (2000) expõe que o SUS:
tem raízes históricas nas lutas sociais das décadas de 70 e 80 com a
emergência de um conjunto de novos sujeitos sociais que viriam a marcar o
período, gerando importantes transformações que hoje se fazem presentes.
No estado de São Paulo, tomando como exemplo dessa argumentação, se
desenvolveram algumas das mais importantes lutas do período, e o
surgimento de novos personagens
46
: donas-de-casa de bairros da periferia,
militantes de comunidades de base da Igreja Católica e das oposições
sindicais e de entidades populares, entre outros (GOUVEIA, 2000, p.21-22).
O SUS foi criado no Brasil em um momento em que distintos atores sociais emergiam
da sociedade brasileira na luta para que seus direitos fossem institucionalizados. Esperava-se,
portanto, que muitos dos anseios e reivindicações fossem atendidos através de um Sistema
Único de Saúde disponível a todos os cidadãos brasileiros. Mas sabemos que até hoje isso não
se tornou efetivo.
Para Nivaldo Carneiro e Cássio Silveira (2003) o SUS ainda não alcançou os objetivos
e propostas com os quais foi criado e formado - por exemplo, no que diz respeito à morbidade
e mortalidade. Os autores destacam:
a conquista da legitimação do SUS, expresso na Constituição de 1988, ainda
não representou uma real efetivação de programas que transformem os
padrões de morbi-mortalidade pretendidos por meio das ações de saúde
voltadas à população em geral (CARNEIRO, SILVEIRA, 2003, p. 1828).
Segundo Pedro Barros Silva (2003), avalia-se que 10% da população esteja à margem
dos atendimentos oferecidos pelo Sistema Único de Saúde, sendo sua cobertura estimada para
45
SILVA, Pedro Luiz Barros. Serviços de Saúde: o dilema do SUS na nova década. São Paulo em Perspectiva.
São Paulo, v. 17, n. 1, 2003. Disponível em: <
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
88392003000100008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 12 de Setembro de 2007.
46
SADER, E. Quando novos personagens entram em cena: experiências e lutas dos trabalhadores na Grande São
Paulo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
99 milhões de brasileiros. Porém, segundo pesquisa do IBOPE (Instituto Brasileiro de
Opinião Pública e Estatística)
47
realizada em 1998, que esta cobertura pode ser ainda menor.
Há muitas críticas ao modelo deste Sistema de Saúde e também algumas propostas de
mudança.
Segundo Amélia Cohn e Paulo Eduardo Elias (1999), o Sistema Único de Saúde
padece de muitos problemas tanto na sua estruturação quanto no seu funcionamento. Já
Eugênio Vilaça Mendes (1999), desde o fim da década de 90, reitera que é tempo de construir
uma nova agenda para a saúde sem rejeitar os princípios do SUS e, ainda, enfatiza que estas
mudanças têm de ser efetivadas nos níveis político, ideológico e tecnológico:
A mudança será política porque envolve distintos atores sociais em situação,
portadores de diferentes projetos devendo, para hegemonizar-se, acumular
capital político. Tem, também, uma dimensão ideológica, uma vez que ao se
estruturar na lógica da atenção às necessidades de saúde da população,
implicitamente opta por nova concepção de processo saúde-doença e por
novo paradigma sanitário, cuja implantação tem nítido caráter de mudança
cultural. Por fim, apresenta uma dimensão cognitivo-tecnológica que exige a
produção e utilização de conhecimentos e técnicas coerentes com os
supostos políticos e ideológicos do projeto de produção social da saúde
(MENDES, 1999, p.234).
Assim, o Sistema Único de Saúde em vigência no Brasil deve ser reconstruído a fim
de firmar-se como espaço de saúde, mas isso implica segundo Eugênio Vilaça Mendes (1999),
um:
processo de construção social de um novo sistema de saúde o que vai exigir
mudanças que se darão, concomitante e dialeticamente, na concepção de
processo saúde-doença, no paradigma sanitário e na prática sanitária. E,
como conseqüência, na ordem governativa da saúde na cidade (MENDES,
1999, p.234).
47
Esta pesquisa foi encomendada pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde Conass e da
Fundação Nacional de Saúde FNS do Ministério da Saúde. Foi realizada através de 2000 entrevistas pessoais
domiciliares, com uma de 16 anos ou mais, sendo o perfil elaborado por cotas proporcionais de sexo, idade,
atividade e localização geográfica. SILVA, Pedro Luiz Barros. Serviços de Saúde: o dilema do SUS na nova
década. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, v. 17, n. 1, 2003. Disponível em:
<
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392003000100008&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em 12 de Setembro de 2007.
A seguir, refletiremos sobre a Atenção Básica em Saúde, que se sustenta em princípios
fundamentados no SUS, e:
fundamenta-se nos eixos transversais da universalidade, integralidade e
eqüidade, em um contexto de descentralização e controle social da gestão,
princípios assistenciais e organizativos do SUS, consignados na legislação
constitucional e infraconstitucional (BRASIL, Ministério da Saúde,
Departamento de Atenção Básica, 2004)
48
.
Desde 1978 a Organização Mundial em Saúde (OMS) tem defendido a atenção
primária em saúde e, mais de vinte e cinco anos, “tem sido reconhecida como um dos
componentes chave de um sistema de saúde eficaz” (OPAS, 2005, p. 3). A Conferência
Internacional sobre os Cuidados Primários com a Saúde, realizada em 1978, na cidade de
Alma-Ata na antiga União Soviética, teve como resultado a Declaração de Alma-Ata. Esta
declaração define:
Os cuidados primários de saúde são cuidados essenciais de saúde baseados
em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e
socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e
famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a
comunidade e o país possam manter em cada fase de seu desenvolvimento,
no espírito de autoconfiança e automedicação. Fazem parte integrante tanto
do sistema de saúde do país, do qual constituem a função central e o foco
principal, quanto do desenvolvimento social e econômico global da
comunidade. Representam o primeiro nível de contato dos indivíduos, da
família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, pelo qual os
cuidados de saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares
onde pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um
continuado processo de assistência à saúde (...) Baseiam-se, nos níveis locais
e de encaminhamento, nos que trabalham no campo da saúde, inclusive
médicos, enfermeiros, parteiras, auxiliares e agentes comunitários, conforme
seja aplicável, assim como em praticantes tradicionais, conforme seja
necessário, convenientemente treinados para trabalhar, social e
tecnicamente, ao lado da equipe de saúde e responder às necessidades
expressas de saúde da comunidade (DECLARAÇÃO DE ALMA-ATA,
1978, p. 1-2).
48
BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica, 2004.
Disponível em: < http://dtr2004.saude.gov.br/dab/atencaobasica.php >. Acesso em 07 de Junho de 2007.
No Brasil, a Atenção Básica em Saúde é confiada às Unidades Básicas de Saúde
(UBS) e às Unidades de Saúde da Família (USF)
49
, conhecidas popularmente como “postos
de saúde”. A atenção básica de saúde caracteriza-se no Brasil:
por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que
abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o
diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. É
desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias
democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a
populações de territórios bem delimitados, pelas quais assume a
responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no
território em que vivem essas populações... A Atenção Básica considera o
sujeito em sua singularidade, na complexidade, na integralidade e na
inserção sócio-cultural e busca a promoção de sua saúde, a prevenção e
tratamento de doenças e a redução de danos ou de sofrimentos que possam
comprometer suas possibilidades de viver de modo saudável (BRASIL,
Política Nacional de Atenção Básica, 2006, p. 10-11).
Em 28 de março de 2006, a Portaria nº648/GM aprovou a Política Nacional de
Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção
Básica para o Programa Saúde da Família - PSF e para o Programa Agentes Comunitários de
Saúde PACS
50
, pois considerou a expansão do Programa de Saúde da Família “como uma
estratégia prioritária para a reorganização da atenção básica no Brasil” (BRASIL, Política
Nacional de Atenção Básica, 2006, p. 7). Para o Ministério da Saúde, a Saúde da Família:
é entendida como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial,
operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais em
unidades básicas de saúde. Estas equipes são responsáveis pelo
acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma
área geográfica delimitada. As equipes atuam com ações de promoção da
saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais
freqüentes, e na manutenção da saúde desta comunidade. A responsabilidade
pelo acompanhamento das famílias coloca para as equipes saúde da família a
necessidade de ultrapassar os limites classicamente definidos para a atenção
básica no Brasil, especialmente no contexto do SUS... A Saúde da Família
como estratégia estruturante dos sistemas municipais de saúde tem
provocado um importante movimento com o intuito de reordenar o modelo
de atenção no SUS. Busca maior racionalidade na utilização dos demais
49
Conceitos definindo as Unidades Básicas de Saúde e Unidades de Saúde ver pág. 88.
50
Programa discutido nas págs. 115 e 116.
níveis assistenciais e tem produzido resultados positivos nos principais
indicadores de saúde das populações assistidas às equipes saúde da família
(BRASIL, Ministério da Saúde, Departamento de Atenção Básica, 2004)
51
.
O destaque acima dado à Atenção Básica em Saúde - estrutura que fundamenta as
bases e diretrizes das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e das Unidades de Saúde da Família
(USF) -se pelo fato de que é por meio destes espaços de saúde, pela atuação e percepção
dos profissionais de saúde, que se avaliará a eficácia das políticas públicas de saúde referentes
à violência contra a mulher, implementadas no município de Marília.
Acredita-se que estas unidades (UBS e USF), por estarem próximos à comunidade são
locais de referência para as mulheres, e podem ser usados para atendimentos a saúde –
realizados por médicos, enfermeiros e psicólogos - não em casos de obesidade, controle
dos cânceres do colo do útero e da mama, prevenção clínica de doença cardiovascular,
cérebro vascular e renal crônica, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, saúde bucal,
HIV/Aids, doenças hepáticas e outras DSTs, envelhecimento e saúde da pessoa idosa
52
; mas
também em casos de violência contra a mulher. Pois, como destaca Carneiro Júnior e Silveira
(2003), é nestes espaços de atendimento da atenção básica, que se efetiva com mais
autonomia a promoção e o cuidado à saúde, visto que essa modalidade de serviço está menos
aprisionada ao trabalho estritamente médico (CARNEIRO, SILVEIRA, 2003, p. 1828).
51
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política
Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. Disponível em:
<h
ttp://www.conselho.saude.gov.br/webpacto/text_atencao.pdf >. Acesso em 02 de Agosto de 2007.
52
Estes são os temas publicados pelos Cadernos de Atenção sica, e são distribuídos gratuitamente para os
profissionais de saúde do Brasil. Disponível em: <http://dtr2004.saude.gov.br/dab/caderno_ab.php >. Acesso em
19 de Junho de 2007.
2.2. A Saúde da Mulher: a Violência como Problema de Saúde
Pública e a Importância do Recorte Étnico/Racial
Como vimos no Capítulo I, a condição da mulher sempre esteve sujeita a
desigualdades e preconceitos. Na área da saúde estas desigualdades foram reforçadas por uma
ordem médica pautada em preceitos machistas e reguladores, e como reflexo da ordem social.
Diz Jurandir Freire Costa, na sociedade brasileira do século XIX:
o machismo foi fundamental à ordem médico-política por várias razões. Em
primeiro lugar, porque servia de corretivo aos homens menos hábeis,
estimulando-os a alcançar o mesmo desempenho, ora pela incitação
“cordial” à mudança, ora pela coerção brutal. Profundamente convencido de
que o verdadeiro homem era dono da mulher e fiscal dos filhos, o
“machista” tornava-se um ciumento guardião da moral higiênica. Estava
sempre disposto a reprimir com violências sicas e morais de todos aqueles
que, por incompetência ou rebeldia, ousassem contestar os novos
mandamentos da conduta masculina (COSTA, 2004, p. 253).
Porém, foi somente na década de 80, na II Conferência Internacional sobre Promoção
da Saúde
53
, realizada no ano de 1988 na Austrália, que a saúde da mulher foi incluída entre as
quatro áreas prioritárias na promoção de ações de políticas públicas saudáveis, através da
Declaração de Adelaide. Esta Conferência seguiu os mesmos preceitos da Declaração de
Alma-Ata, feita pela Assembléia Mundial de Saúde em 1977 e da I Conferência Internacional
sobre a Promoção de Saúde, realizada em 1986 em Ottawa. Segundo a Declaração de
Adelaide, em subitem intitulado “Apoio à Saúde da Mulher”, foi proposto:
que os países comecem a desenvolver planos nacionais para a promoção de
políticas públicas voltadas à saúde da mulher, nos quais os pontos da agenda
do movimento de mulheres fossem respeitados e priorizados, incluindo
53
DECLARAÇÃO DE ADELAIDE. II Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, 1988. Disponível
em: < http://www.opas.org.br/promocao/uploadArq/Adelaide.pdf >. Acesso em 05 de Setembro de 2007.
como sugestão as seguintes propostas: igualdade de direitos na divisão de
trabalho existente na sociedade; práticas de parto baseadas nas preferências e
necessidades das mulheres; mecanismos de apoio à mulher trabalhadora,
como: apoio a mulheres com crianças, licença-maternidade, licença para
acompanhamento dos cuidados a filhos doentes (DECLARAÇÃO DE
ADELAIDE, 1988, p. 4).
No Brasil, a Constituição Federal de 1988
54
incluiu a saúde como direito social,
proposto no Art. 6
o
: “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição”, dispondo ainda a saúde como:
direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação (BRASIL, Constituição de 1988, Seção II, Art. 196).
A Universidade de Campinas (UNICAMP), pioneira em atenção à saúde da mulher,
desenvolveu, desde o fim da década de 60, programas verticais que contemplassem a saúde da
mulher de forma diferenciada, com o objetivo de promover atendimentos voltados para a
“detecção e prevenção às mulheres de nível sócio-econômico mais baixo, integrada de uma
forma simples e prática sem acarretar gastos excessivos” (PINOTTI, FAÚNDES, ZEFRINO,
1988, p. 20). Com a implantação destes atendimentos diferenciados chegou-se ao Programa
de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM). Este Programa visava como primeiro
avanço: “conseguir que, pelo menos nos aspectos biomédicos, se pense na mulher inteira e
não em órgãos separados” (p. 22); pois, segundo José Aristodemo Pinotti, Aníbal Faúndes e
Luis Carlos Zeferino (1988), não era costume pensar na mulher como um ser individual, que
pensa e tem cultura própria. Pensar a mulher como um ser integral, biológico e psico-social
estava longe da conduta do sistema público de saúde, tanto público quanto privado. Assim, “a
54
BRASIL. Constituição de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm > . Acesso em 16 de Junho de
2007.
Unicamp reclama o mérito de ter influenciado o Ministério da Saúde para que adotasse esse
modelo” (PINOTTI, FAÚNDES, ZEFRINO, 1988, p. 23). Porém, quando o Ministério da
Saúde se refere à saúde da mulher, não cita em nenhuma das suas disposições a Universidade
de Campinas na implementação do PAISM:
Em 1984, o Ministério da Saúde, atendendo às reivindicações do movimento
de mulheres, elaborou o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher
(PAISM), marcando, sobretudo, uma ruptura conceitual com os princípios
norteadores da política de saúde das mulheres e os critérios para eleição de
prioridades neste campo. O PAISM incorporou como princípios e diretrizes
as propostas de descentralização, hierarquização e regionalização dos
serviços, bem como a integralidade e a eqüidade da atenção, num período
em que, paralelamente, no âmbito do Movimento Sanitário, se concebia o
arcabouço conceitual que embasaria a formulação do Sistema Único de
Saúde (SUS). incluía ações educativas, preventivas, de diagnóstico,
tratamento e recuperação, englobando a assistência à mulher em clínica
ginecológica, no pré-natal, parto e puerpério, no climatério, em planejamento
familiar, DST, câncer de colo de útero e de mama, além de outras
necessidades identificadas a partir do perfil populacional das mulheres
(BRASIL, Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher 2004, p.
16-17)
55
.
Suely Costa (2001) afirma que o PAISM se tornou um programa feito por mulheres e
exclusivo para as mulheres:
uma avaliação, mesmo que imprecisa dos resultados desse Programa, aponta
para os problemas engendrados por essa arquitetura programática: o da
recriação das obrigações femininas na esfera da reprodução e o da
conseqüente apartação masculina dessa experiência comum a homens e
mulheres. De forma original projetada, restou um Paism restrito ao
planejamento familiar. Os índices de mortalidade materna e perinatal,
embora conhecessem algumas quedas, entre os anos 70 e 80, voltaram, nos
anos 90, aos de 15 anos atrás, o que faz pensar na relativa eficiência dos
esforços iniciais (COSTA, 2001, 112-113).
A efetivação e estruturação de normas e disposições da saúde da mulher sob um
recorte de gênero sofreram e sofrem dificuldades até hoje. Da mesma forma a luta pela
55
BRASIL, Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher. Disponível em:
<http://www.conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/2007/politica_mulher.pdf >. Acesso em 06 de Junho de
2007.
inserção do recorte étnico racial na saúde do Brasil se deu cercada de dificuldades, como
ressaltou Fátima Oliveira (2003):
Todavia, não tem sido fácil demonstrar aos governos, à sociedade e inclusive
a profissionais e escolas de saúde, em âmbito mundial, a relevância de tais
afirmativas. São generalizadas a incompreensão e a ausência de políticas de
saúde como meios de combate ao racismo (OLIVEIRA, 2003, p. 95).
Ficou claro, pelo trabalho de Jurandir Freire Costa, que a higienização pautada no
controle dos corpos, disseminada a partir da década de 30, fez com que o racismo fosse
institucionalizado também nas práticas de saúde. Estes preceitos de higienização serviram
para incentivar o racismo e os preconceitos raciais, por defender um corpo sadio nos moldes
de uma classe e uma raça dominante, “corpo robusto e harmonioso, organicamente oposto ao
corpo relapso, flácido e doentio do indivíduo colonial” (COSTA, 2004, p. 13).
O cuidado higiênico com o corpo fez do preconceito racial um elemento
constitutivo da consciência de classe burguesa. O racismo não é acessório
ideológico, acidentalmente colocado ao ethos burguês. A consciência de
classe tem, na consciência da superioridade biológico-social do corpo, um
momento indispensável à sua formação. O indivíduo de extração burguesa,
desde a infância, aprende a julgar-se superior aos que se situam abaixo dela
na escala ideológica de valores sócio-raciais (COSTA, 2004, p. 13-14).
Assim, as práticas de saúde no Brasil estiveram sujeitas à discriminação e preconceito.
Porém, a partir da década de 80 houve um reconhecimento da necessidade do recorte étnico
racial na sistematização das práticas de saúde. A II Conferência Internacional sobre Promoção
da Saúde
56
, realizada em 1988 na Austrália dispôs também:
Todas as mulheres, especialmente aquelas de grupos étnicos, indígenas ou
outras minorias, têm o direito à autodeterminação de sua saúde e deveriam
ser parceiras plenas na formulação das políticas públicas voltadas à saúde,
56
DECLARAÇÃO DE ADELAIDE. II Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde. Disponível em
http://www.opas.org.br/promocao/uploadArq/Adelaide.pdf. Acesso em 05 de Setembro de 2007.
tendo assim assegurada sua identidade cultural. (DECLARAÇÃO DE
ADELAIDE, 1988, p. 4).
No Brasil, em 1996, o Ministério da Saúde, organizou uma Mesa Redonda sobre a
Saúde da População Negra em que constatou:
1. A população negra brasileira é muito particular do ponto de vista genético. Não
corresponde a nenhuma outra população de qualquer parte do mundo; 2. Os dados
históricos são bem conhecidos; estudos demonstram que essas diferenças, quanto a
seus aspectos biológicos, persistem até hoje; 3. Como conseqüência, a população
negra brasileira é única do ponto de vista genético. Da perspectiva médica, isso
significa que o conhecimento a respeito de todos os aspectos biológicos ligados às
etnias negras, incluindo as doenças, podem ter no Brasil características próprias;
particularmente as doenças podem ter comportamentos diversos daqueles
observados,
quer na África, quer
em outros países da América ou da Europa; e 4.
Até hoje os estudos que analisam as populações afro-brasileiras são muito escassos.
(OLIVEIRA, 2003, p. 93 – 94).
Fátima Oliveira (2003), em uma consultoria à Organização Pan-Americana de Saúde
(OPAS), de que resultou a publicação Saúde da População Negra: Brasil ano 2001”,
sistematizou o estado da arte sobre a saúde da população negra, apresentando o recorte
étnico/racial estabelecido no Brasil, mas que ainda sofre resistências no reconhecimento e
investimento na prevenção a doenças, que interferem na saúde reprodutiva da mulher negra e
na vida produtiva do homem negro, atingem precocemente um número significativo de
pessoas e são:
mortalidade precoce de afrodescendentes no Brasil; diabetes tipo II;
hipertensão arterial; miomas uterinos; anemia falciforme; deficiência de
glicose-6- fosfato desidrogenase; mortalidade infantil; mortalidade materna;
síndromes hipertensivas na gravidez e mortalidade materna; raça e acesso às
ações prioritárias na agenda de saúde reprodutiva; dados de estudos sobre a
Lei de Planejamento Familiar, esterilização, cesárea e quesito cor; violência,
violência de gênero, recorte racial/étnico e saúde; além de outras doenças
nas quais há indícios de incidência expressiva em mulheres negras, tais
como câncer cérvico-uterino, e no conjunto da população negra, como a
infecção por HIV/Aids (OLIVEIRA, 2003, p. 91)
No entanto, o compromisso efetivo do Ministério da Saúde com a saúde da mulher
negra foi efetivado somente em maio de 2003, quando se comprometeu, segundo Fátima
Oliveira (2004) a:
monitorar a inclusão do quesito “cor” nas pesquisas realizadas pelo
Ministério da Saúde, conforme determina a resolução do Conselho nacional
de Saúde; determinar a inclusão do quesito “cor” nos sistemas de informação
e em todos os documentos do Sistema Único de Saúde (SUS); determinar a
contratação de uma representante do movimento negro para assessorar a
inclusão das questões relacionadas à população negra, nas ações da saúde da
mulher; estimular e apoiar a implementação em todos os Estados da
Federação da política de atenção à anemia falciforme do Ministério da
Saúde, que prevê diagnostico, tratamento, atenção às questões étnicas, dando
ênfase às especificidades das mulheres falcêmicas, na idade fértil e no ciclo
gravídico-puerperal (OLIVEIRA, 2004, p. 48-49).
Constatou-se, portanto, que o racismo foi mantido também em práticas higiênicas do
fim do século XIX e começo do século XX, reforçando a ideologia racista e a desigualdade na
sociedade brasileira até os dias de hoje. Então, é urgente que se faça uma reflexão mais
profunda sobre as práticas de saúde destinadas à população negra no Brasil, especialmente à
população feminina, que sofre ainda mais com as diferenciações e desigualdades. Pois,
segundo Benilda Brito (2003), o fato de a mulher ser negra traz consigo a grande
particularidade de somar às suas relações sociais, afetivas, econômicas, políticas, culturais e
emocionais o fator racismo, que marca as relações tanto públicas como privadas.
Segundo Maria Cecília de Souza Minayo (2004), o tema da violência se torna um tema
do campo da saúde:
pelo impacto que provoca na qualidade de vida; pelas lesões sicas,
psíquicas e morais que acarreta e pelas exigências de atenção e cuidados dos
serviços médico-hospitalares; e também, pela concepção ampliada de saúde,
a violência é objeto da intersetorialidade, na qual o campo médico-social se
integra” (MINAYO, 2004, p. 646).
Já Saúl Franco Agudelo (1997) afirma:
Por seus efeitos contrários ao bem estar individual e coletivo, pela
destruição de milhares de vidas humanas e devido à intensa redução da
qualidade de vida para as pessoas próximas às vítimas afetiva, política e
socialmente, e ainda, pela limitação no exercício dos diferentes direitos, a
violência tem efeitos graves e negativos sobre a Saúde Pública (AGUDELO,
1997, p. 54-55).
No final de 1980, os estudos acerca da violência suscitaram reflexões das áreas de
filosofia, ciências humanas e epidemiologia. Porém, apesar do tema emergir em dados e
estatísticas, sendo os eventos violentos a segunda causa de óbitos no perfil da mortalidade em
geral, Maria Cecília de Souza Minayo (2004) afirma que não foi tarefa fácil integrar o assunto
de acidentes e violências nas políticas de saúde no Brasil.
Foi em 1998, após a Assembléia Mundial de Saúde em 1997, que o Brasil criou um
Comitê Técnico com o objetivo de propor ações específicas da violência no setor da saúde.
Diz a autora: “em 16 de maio de 2001 (não sem muitos percalços e delongas), o documento
foi oficializado por portaria com a seguinte denominação: ‘Política Nacional de Redução da
Morbimortalidade por Acidentes e Violências’(MINAYO, 2004, p. 646). E este documento
constata:
os homens sofrem mais violência que levam a óbito e tornam-se visíveis nos
índices de mortalidade. Em outros segmentos, porém, sobretudo o de
criança, adolescente, mulher e idoso, as violências não resultam
necessariamente em óbito, mas repercutem, em sua maioria, no perfil de
morbidade, devido ao seu impacto sobre a saúde (BRASIL, Política
Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências,
2001, p.11)
57
.
57
BRASIL, Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências, 2001. Disponível
em: < http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/portaria737.pdf >. Acesso em 29 de Agosto de 2007.
No começo de 1990 a Organização Pan-Americana de Saúde começou a advertir os
países membros para que incluíssem o tema da violência em suas agendas de intervenção. Em
1997, a Assembléia Mundial de Saúde deu atenção especial às causas da violência, tendo a
Organização Mundial de Saúde (OMS) publicado em 2002, o “Relatório Mundial sobre
Violência e Saúde” (MINAYO, 2004). Este relatório publicou as seguintes recomendações:
criar, colocar em prática e monitorar planos nacionais de prevenção da
violência; aumentar a capacidade de coleta de dados sobre violência; definir
prioridades e apoiar a pesquisa sobre as causas, conseqüências, custos e
atividades de prevenção da violência; promover respostas de atenção
primária; fortalecer respostas para as vítimas da violência; integrar a
prevenção da violência a políticas sociais, de educação e por onde promover
a eqüidade social e de gênero; incrementar a colaboração e intercâmbio de
informação em prevenção da violência; promover e monitorar a adesão de
nações a tratados internacionais, leis e outros mecanismos para proteger os
direitos humanos; buscar respostas práticas apoiadas a nível internacional
para controlar o tráfico de drogas e de armas (OPAS, Relatório Mundial
sobre a Violência e Saúde, 2002)
58
.
No Brasil, o enfoque à violência doméstica, como problema de saúde pública, destaca-
se a partir da década de 80 e representa a intersecção entre a violência contra a mulher e a
violência intrafamiliar “no sentido de sinalizar para o fato de que as mulheres sofrem
violências em diversos contextos, o familiar é sem dúvida, dos mais usuais e relevantes”
(SCHRAIBER, 2005, p. 30). Seus efeitos na saúde da mulher podem ser traduzidos, no dizer
de Lilia Bilma Schraiber (2002):
em diversas repercussões para a saúde das mulheres e sua qualidade de vida.
A violência conjugal e o estupro têm sido associados a maiores índices de
suicídio, abuso de drogas e álcool, queixas vagas, cefaléia, distúrbios
gastrointestinais e sofrimento psíquico em geral. Em relação à saúde
reprodutiva, a violência contra a mulher tem sido associada às dores pélvicas
crônicas, às doenças sexualmente transmissíveis, como a Síndrome da
58
OPAS, Relatório Mundial de Violência e Saúde, 2002. Disponível em: <
http://www.opas.org.br/coletiva/UploadArq/violencia.ppt#256,1,Slide1 >. Acesso em 05 de Setembro de 2007.
imunodeficiência Humana Adquirida (Aids), além de doenças pélvicas
inflamatórias e gravidez indesejada (SCHRAIBER, 2002)
59
.
Em 1998, o Ministério da Saúde publicou a Norma Técnica “Prevenção e Tratamento
dos Agravos resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes”, que teve como
intuito, segundo Maria Amélia de Almeida Teles (2002), estabelecer padrões para o
atendimento das mulheres vítimas de violência sexual em território nacional. Porém, segundo
documento publicado pela Articulação de Mulheres Brasileiras: “Políticas Públicas para as
Mulheres no Brasil: Balanço Nacional cinco anos após Beijing”, até o ano de 2000, somente
17 hospitais possuíam os padrões definidos pela Norma Técnica, sendo 11 pertencentes à
região Sudeste, e ainda registrou:
Infelizmente a implantação da norma técnica ainda se esbarra em questões
burocráticas, ou nas resistências de profissionais de saúde que se negam ao
atendimento das mulheres que procuram o serviço de abortamento legal; de
juízes que negam o (desnecessário) alvará que permite a realização do
procedimento nos casos previstos por lei; ou ainda por interferência de
membros da igreja católica, que têm lançado mão de liminares alegando
risco de vida para as mulheres/meninas (ARTICULAÇÃO DE MULHERES
BRASILEIRAS, 2000, p. 93).
Porém, vale ressaltar que em nenhuma das disposições da Norma Técnica, publicada
em 1998 pelo Ministério da Saúde, foi enfocado o recorte étnico racial referente à temática
da violência contra a mulher.
O tema da violência contra a mulher é tratado, em 2004 pelo Ministério da Saúde, na
elaboração da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher
60
, onde são
abordados:
59
SCHRAIBER, Lilia Blima et al. Violência contra a mulher: estudo em uma unidade de atenção primária à
saúde. Rev. Saúde blica, São Paulo, v. 36, n. 4, 2002 . Disponível em: <
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102002000400013&lng=pt&nrm=iso >.
Acesso em 15 de Julho de 2007.
60
BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas
Estratégicas. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: princípios e diretrizes. Brasília:
Ministério da Saúde, 2004. Disponível em:
o enfoque de gênero, a integralidade e a promoção da saúde como princípios
norteadores e busca consolidar os avanços no campo dos direitos sexuais e
reprodutivos, com ênfase na melhoria da atenção obstétrica, no planejamento
familiar, na atenção ao abortamento inseguro e no combate à violência
doméstica e sexual (BRASIL, Plano Nacional de Atenção Integral á Saúde
da Mulher, 2004, p. 5).
O documento da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (2004),
citou pesquisa realizada por Correa e Piolla (2002)
61
, na qual se constatou que, no período
entre 1998 e 2002, foi priorizada a saúde reprodutiva da mulher, tratando-se mais
especificamente da redução da mortalidade materna, que dificultava a atenção integral à saúde
da mulher. “Essa perspectiva de atuação também comprometeu a transversalidade de gênero e
raça” (p. 18). Porém, em nenhum momento esta política fez um recorte sobre a violência
contra a mulher quando citou a saúde da mulher negra.
No entanto, podemos citar a Casa da Cultura da Mulher Negra, uma entidade do
Estado de São Paulo, atuante em reflexões, palestras, encontros, debates sobre a questão da
violência contra a mulher, como problema de saúde, vinculado também a questão racial. Esta
entidade foi inaugurada em junho de 1990 na cidade de Santos SP por integrantes do
Coletivo de Mulheres Negras da Baixada Santista. Em 1999 promoveu o Seminário Nacional
“Saúde, Mulher e Violência Intrafamiliar”, que teve por principais objetivos “dar visibilidade
aos efeitos da violência doméstica, sexual e racial sobre a saúde da mulher, o papel estratégico
dos serviços de saúde na identificação dos casos e apoio às vítimas desses tipos de violência”
(p. 7)
62
e resultou na publicação coordenada por Alzira Rufino: “Violência contra a Mulher:
um novo olhar” (2002). Nessa publicação um rico material de capacitação para
profissionais de saúde no que diz respeito à violência contra a mulher. A publicação
<http://www.conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/2007/politica_mulher.pdf > . Acesso em 14 de Junho de
2007.
61
CORREA, S. O.; PIOLA, S. F. Balanço 1998-2002: aspectos estratégicos, programáticos e financeiros.
Brasília: Ministério da Saúde, 2003, p. 18.
62
CASA DE CULTURA DA MULHER NEGRA. Violência contra a mulher: um novo olhar. Ed. Santos:
Casa de Cultura da Mulher Negra, 2002.
“Violência contra a Mulher e Saúde: Um Olhar da Mulher Negra” (2004)
63
deu continuidade
à publicação anterior, que foi dirigida a profissionais da área da saúde e a organizações de
mulheres, dando atenção à violência contra a mulher e enfocando também a violência contra a
mulher negra.
Em agosto de 2007, esta pesquisa foi apresentada no II Seminário Interdisciplinar
sobre Violência contra a Mulher Jovem/Adolescente, realizado na cidade de Brasília
64
. Neste
evento foi publicado um módulo de auto-aprendizagem: “Mulher Adolescente/Jovem em
Situação de Violência: propostas de intervenção para o setor de saúde”, organizado por Stella
Regina Taquette, em parceria com o Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NESA/UERJ), e da Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM/PR)
65
. Este módulo mostrou a
dificuldade dos profissionais de saúde em reconhecer serviços de saúde que atendessem
situações de violência; pois nesses atendimentos, na maioria das vezes, não pessoal
habilitado a adotar estratégias ou propostas que dêem soluções para suas pacientes. Quanto a
isso, o resultado do módulo publicado em 2007 reconhece a necessidade da capacitação dos
profissionais de saúde na identificação de situações de violência sob uma perspectiva de
gênero e também sob um recorte étnico/racial.
E este é exatamente o nosso objetivo no Capítulo IV: analisar as práticas de saúde em
uma cidade de médio porte do interior de São Paulo, no que diz respeito ao enfrentamento da
violência contra a mulher no sistema público de saúde.
63
CASA DE CULTURA DA MULHER NEGRA. Violência contra a mulher e saúde: um olhar da mulher negra.
Santos: Casa de Cultura da Mulher Negra, 2004.
64
Neste evento recebi Menção Honrosa pela apresentação do trabalho: “Reflexos da Violência contra a Mulher
na Saúde Pública da cidade de Marília”, concedida pela Secretaria Especial de Política para as Mulheres,
Ministério da Saúde e Secretaria Especial de Direitos Humanos.
65
TAQUETTE, Stella Regina (org). Mulher Adolescente /Jovem em Situação de Violência: propostas de
intervenção para o setor da saúde. Brasília: NESSA/UERJ, SPM/PR, 2007.
CAPÍTULO III
MARÍLIA: REFERÊNCIA NO COMBATE
À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER?
3.1. A cidade de Marília...
Em 22 de dezembro de 1922, com a Lei nº 2.161, foi criado o Distrito de Paz de
Marília pelo fazendeiro Bento de Abreu Sampaio Vidal e em abril de 1929 a cidade de
Marília foi elevada à categoria de município. Está situada a centro-oeste do Estado de São
Paulo, a 450 km da capital paulista (LARA, 1991).
A cidade teve primeiramente como base de seu desenvolvimento a cultura de café,
sendo esta posteriormente, substituída pelo algodão, o que definiu sua entrada na
agroindústria consolidando seu primeiro ciclo industrial nas décadas de 40 e 60,
caracterizando-se este ciclo também pela indústria de óleo comestível, plantação de amoreiras
e pela sericicultura, transformando-se em grande produtora de casulos (LARA, 1991). O
segundo ciclo, na década de 70, foi marcado pelo início de indústrias baseadas não em
produtos agrícolas, mas em indústrias de metalurgia e alimentação. o terceiro ciclo,
iniciado a partir da década de 80, esteve relacionado com a implantação das universidades, o
que modificou sua população tendo a migração de jovens estudantes mudado, inclusive,
suas relações comerciais
66
.
Atualmente sua economia, segundo a Fundação SEADE
67
, é destacada principalmente
pela indústria de alimentos e bebidas, tendo recebido o título de “Capital do Alimento”.
Segundo o Guia de Investimentos e Geração de Emprego, da Fundação SEADE:
a indústria de alimentos e bebidas apresenta o maior potencial de expansão
na região, uma vez que no período 1996-2002 foi a que mais atraiu os
investimentos anunciados pelas empresas pesquisadas. Já em 2003,
destacava-se a construção civil, que recebeu 52,1% dos US$ 87,2 milhões
dos investimentos anunciados na região (FUNDAÇÃO SEADE, s.a., p. 4).
66
Histórico da cidade de Marília obtido no site da Prefeitura de Marília. Disponível em:
<http://www.marilia.sp.gov.br/prefeitura/index.html >. Acesso em 15 de Jun. 2007.
67
FUNDAÇÃO SEADE. Região Administrativa de Marília. Disponível em: <
http://www.seade.gov.br/produtos/iprs/analises/RAMarilia.pdf >. Acesso em 10 de Jan. 2008.
Em 2001, uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP) e pela Rede
Globo, constatou que a cidade de Marília está em primeiro lugar no desenvolvimento
econômico do Estado de São Paulo
68
.
Na área da educação, em 2006, Marília possuía 28 escolas municipais de educação
infantil (EMEI), 18 escolas municipais de ensino fundamental (EMEF), 3 classes municipais
de ensino infantil (CMEI), 4 berçários, 33 unidades de ensino médio e fundamental, 2
unidades de educação supletiva e 1 unidade de supletivo profissionalizante. A rede particular
contava com 32 unidades de ensino infantil, fundamental e médio e 2 unidades de educação
especial, bem como 6 universidades, sendo 3 públicas e 3 particulares (SECRETARIA
MUNICIPAL DE SAÚDE DE MARÍLIA, 2006). Por essa razão, a cidade foi reconhecida
pelo Instituto Ayrton Senna e pela Fundação Banco do Brasil como cidade modelo em
educação; e em 2002 foi apontada pela Unicef-ONU como a “Cidade amiga da Criança”,
ocupando o lugar no Brasil e o lugar do Estado no que diz respeito ao atendimento à
criança
69
.
na área da Saúde, possui atualmente, 28 unidades de saúde da família (USF), 12
unidades básicas de saúde (UBS), 3 Serviços de Pronto Atendimento
70
. Possui ainda 7
Hospitais, sendo estes, o Hospital das Clínicas, o Hospital Materno Infantil, a Associação
Feminina Gota de Leite, o Hospital São Francisco de Assis, o Hospital Universitário, a
Irmandade Santa Casa de Misericórdia e o Hospital Espírita de Marília. Já a área de segurança
à população mariliense possui 5 Delegacias de Polícia (DP), 1 Delegacia de Polícia de Defesa
68
A cidade. YES Marília: Guia de Turismo, Informação e Negócios. Disponível em:
<http://www.yesmarilia.com.br/index2.php?pag=cidade>. Acesso em 29 Nov. de 2007.
69
A cidade. YES Marília: Guia de Turismo, Informação e Negócios. Disponível em:
<http://www.yesmarilia.com.br/index2.php?pag=cidade >. Acesso em 29 Nov. de 2007.
70
RELATÓRIO DE GESTÃO. A saúde que temos, a saúde que queremos. Secretaria Municipal de Saúde da
cidade de Marília/SP. 2006.
da Mulher de Marília (DDM), 1 Delegacia de Investigações Gerais (DIG) e 1 Delegacia de
Investigações sobre Entorpecentes (DISE)
71
.
Segundo o Censo do IBGE de 2000
72
, a cidade de Marília possuía 197.342 habitantes.
em 2006
73
, a população mariliense somava um total de 224.094 habitantes. Segundo a
classificação do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) seu IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano), cresceu 6,07%, de 1991 a 2000, quando atingiu o IDH
de 0,821. Este crescimento foi gerado em primeiro lugar Pelos indicativos de “educação”,
seguidos pelos de “longevidade” e de “renda”. Em 2000, ocupava a 212ª posição em relação
aos demais municípios do Brasil, e a 58ª em relação aos municípios do Estado
74
.
A população feminina mariliense, segundo o Censo do IBGE 2000, de 14 anos ou
mais somava 78.304 mulheres, sendo o seu perfil traçado com de maioria branca (71,3%),
casada (46,5%), na faixa etária dos 21 a 30 anos (22%), e com 9 a 12 anos de estudo (28%).
Segundo o Relatório de Gestão da Secretaria de Saúde de Marília, no ano de 2006, percebeu-
se uma elevação de mulheres mais velhas na cidade, sendo necessário reestruturar os serviços
responsáveis pela saúde, seguridade social e previdenciário no município de Marília.
(RELATÓRIO DE GESTÃO, 2006).
71
Informações pesquisadas no site do Comitê Gestor de Segurança e Qualidade de Vida. Texto escrito 2005.
Disponível em: < http://www.mariliasegura.com.br >. Acesso em 03 de Julho de 2006.
72
Pesquisa por mim encomendada à Eliana Rodrigues da Fundação SEADE, que disponibilizou dados referentes
ao Censo do IBGE de 2000 sobre a população feminina mariliense.
73
Dados retirados do Relatório de Gestão da Secretaria Municipal de Saúde de Marília, p. 117.
74
ATLAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL. “Perfil Municipal: Marília/SP”. Disponível
em: < http://www.rc.unesp.br/igce/ceurb/basededados/pdf/marilia.PDF >. Acesso em 29 de Janeiro de 2008.
3.2. Violência contra a mulher: o que dizem os Dados Policiais
Algumas considerações sobre as estatísticas criminais
Segundo Teresa Caldeira (2000, p.102), os “estudos sobre crime partem do
pressuposto de que as estatísticas registram apenas uma fração do crime total”. Em muitos
casos de violência contra mulher, os registros policiais não são feitos de forma confiável,
estando estas distorções presentes tanto nos dados quantitativos quanto nos qualitativos. Nos
estudos realizados por Mingardi
75
apud Caldeira (2000), foi detectado que, nos casos em que
a mulher é vítima de violência e vai até a delegacia denunciar, os registros são preenchidos
com muita má vontade, pois os policiais acreditam que as mulheres irão mudar de idéia no dia
seguinte e retornar para retirar a queixa. Para a autora:
Tendo em vista que é a polícia que produz as estatísticas, sua visão do que
seja a população potencialmente criminosa, sua avaliação sobre os diversos
crimes e sua maneira de agir em relação aos diferentes tipos de eventos são
todos elementos que influenciam os resultados as estatísticas.
(CALDEIRA, 2000, p. 104)
Guita Grin Debert (2002) aponta uma questão que tem sido levantada por muitos
pesquisadores que estudam o dia-a-dia das Delegacias de Polícia:
independente da vítima da agressão perpetrada pelo acusado, surpreende o
fato de que as queixas em todas as delegacias são, na sua grande maioria,
tipificadas como lesão corporal leve ou ameaça. A suposição do desinteresse
da vítima na punição do agressor, mas também a percepção de que a
delegacia tem um papel subalterno no sistema judicial criminal, é acionada
para legitimar o modo como os crimes são tipificados mesmo no caso em
que uma identificação da delegada com o ideário feminista. Perguntar
porque não se registra como crime de tentativa de homicídio a queixa de
75
Guaracy Mingardi pesquisou sobre funcionamento da polícia civil paulista para a dissertação de Mestrado
defendida na UNICAMP, o que resultou na publicação do livro: MINGARDI, Guaracy. Tiras, gansos e trutas:
cotidiano e reforma na Policia Civil. SP: Scritta, 1992, p.46.
uma mulher que vem à delegacia com hematomas no pescoço, e conta que o
marido tentou enforcá-la com um cinto tem uma resposta taxativa
(DEBERT, 2002, p. 22).
Segundo a autora, é usual que crimes de tentativa de homicídio sejam tipificados como
lesão corporal, pois a tentativa de homicídio requer a abertura de um inquérito, o que “é pior”
para a delegacia (DEBERT, 2002). E é isso que se constatou na análise dos dados
provenientes de denúncias de violência contra a mulher nas Delegacias de Polícia na cidade
de Marília: só houve uma tipificação de tentativa de homicídio em 1.653 boletins lidos.
Assim, deve-se atentar para o fato de que o trabalho com estatísticas criminais exige o
cuidado de perceber que possibilidades de ser abarcados o total dos crimes denunciados,
nem com a veracidade do que realmente ocorreu.
O perfil da mulher mariliense que sofre violência...
Como fora discutido no Capítulo I, as mulheres são alvo primordial do fenômeno da
violência, pelo fato de estarem submetidas a uma educação pautada nos valores patriarcais e
machistas, sendo muitas vezes consideradas inferiores, desprovidas de inteligência, emoções,
desejos e quereres. A mulher mariliense não foge a esta regra, pois a cidade de Marília é
regida, como a maioria das cidades situadas no interior do Estado, por regras e valores morais,
nas quais a ordem e a passividade devem ser mantidas, silenciando, por vezes violências
sofridas anos a fio, no intuito de sustentar casamentos e relacionamentos falidos, na defesa de
um tradicionalismo imposto pelas relações sociais diversas.
A seguir, traçou-se, com o auxílio do Banco de Dados
76
do Grupo de Pesquisa e de
Gestão Urbana de Trabalho Organizado (GUTO) da UNESP/Marília e dos dados presentes na
Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher, o perfil da mulher que sofre violência na cidade de
Marília. A partir de cada boletim de ocorrência, as informações analisadas referentes às
vítimas
77
foram: a zona de bairro onde o crime ocorreu, a cor, a idade, o estado civil e a
relação da vítima com o indiciado
78
. Relacionaram-se, ainda, os Dados Policiais com os
Dados do Censo do IBGE 2000 referentes à população feminina mariliense, obtendo-se a
fração (porcentagem) das mulheres violentadas em relação ao total de mulheres marilienses.
Uma das preocupações que norteou este trabalho, a partir da utilização de dados
policiais, foi localizar os bairros com maiores índices criminais de violência contra a mulher,
para que Unidades de Saúde do Sistema Público da cidade de Marília fossem contatadas e
analisadas a partir dos seus profissionais de saúde.
Segundo o Plano Diretor proposto em 2006
79
, a cidade de Marília foi dividida em
cinco Zonas de Bairros
80
: Norte, Sul, Central (Centro Sul, Centro Norte, Centro Oeste,
Centro Leste), Oeste e Leste. Compete às Delegacias de Marília registrar Boletins de
Ocorrência de seus Distritos
81
. Serão encontrados registros de crimes destas localidades.
76
Este Banco de Dados foi criado em 2000, por um grupo de cientistas da computação do Projeto GUTO, que
desenvolveram um programa de preenchimento de boletins de ocorrência informatizado, facilitando a digitação
dos escrivães e também futuras pesquisas nos dados coletados. Este Programa é interligado entre todas as
Delegacias, neste sentido, a Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher continha em seu banco, dados referentes
às outras Delegacias da cidade. Assim, os dados analisados nesta pesquisa são provenientes dos 1º, 2º, , ,
Delegacias de Polícia, Delegacia de Policia de Defesa da Mulher (DDM), Plantão de Polícia (PL), Delegacia de
Investigações Gerais (DIG) e Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes (DISE).
77
Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa On-Line, vítima significa: “pessoa perseguida ou sacrificada pela
tirania ou injustiça de alguém; pessoa que é sacrificada aos interesses de outrem; pessoa que sucumbe à desgraça
ou ao infortúnio; pessoa ludibriada; tudo o que sofre qualquer dano”. Disponível em: <
http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx>. Acesso em 05 de Ago. 2007.
78
Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa On-Line, indiciado ou indiciada designa-se a um “indivíduo ou
designativo de réu que num processo criminal é declarado criminoso, para ser pronunciado e julgado”.
Disponível em: < http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx >. Acesso em 05 de Ago. 2007.
79
Plano Diretor da cidade de Marília. Disponível em:
<http://www.marilia.sp.gov.br/secretarias/urbano/2.0/downloads/lei_plano_diretor_marilia.pdf >. Acesso em
Jan. 2007.
80
Através do Plano Diretor da cidade Marília, os bairros foram agrupados em Zonas de Bairro, sendo definidas
em cinco Zonas: Zona Norte, Zona Sul, Zona Central, Zona Leste e Zona Oeste.
81
Distritos aqui, definem uma divisão territorial de regiões ao redor da cidade de Marília, e estas respondem
criminalmente à cidade de Marília, sendo estes: Padre Nóbrega, Avencas, Rosália, Dirceu e Lácio.
Primeiramente, dividiram-se as localidades encontradas nos registros dos boletins de
ocorrência pelo número total de crimes. Nessa divisão constatou-se que as mulheres vítimas
pertenciam às localidades ou Zonas: 260 eram da Sul (30,5%); 254, da Norte (30%); 126, da
Oeste (15%); 108, da Central (13%); 57, da Leste (6,7%); 28 não especificaram bairro (3%); 9
bairros não foram encontrados nos documentos da Prefeitura (1%); 5 eram Distritos (0,6%); e
2 eram da Zona Rural (0,2%).
Gráfico 1: Distribuição de Zonas de Bairros (por . de habitantes) onde
residiam as vítimas
0,00%
0,10%
0,20%
0,30%
0,40%
0,50%
Divisão de crimes por Zonas de Bairro(por nº. de
habitantes)
Zona Norte
Zona Oeste
Zona Sul
Zona Leste
Zona Central
Distritos
F
onte: Delegacias de Polícia de Marília e Banco de Dados do Projeto GUTO-01/2004 a 10/2005.
Já, ao analisar o número de crimes de violência contra a mulher em proporção ao
número de habitantes de cada Zona de Bairros
82
, da Sul 62.940 habitantes; da Norte 52.581
habitantes; da Zona Central 49.559 habitantes; da Oeste 28.238 habitantes; da Leste 16.632
habitantes e dos Distritos, mais ou menos 6.000 habitantes
83
constata-se que os dados se
82
Conforme foi especificado anteriormente, o novo abairramento que serve de base aos dados da cidade de
Marília foi proposto pelo Plano Diretor em 2006, assim, o número de habitantes que irá nos orientar nesta
pesquisa é seguido pelas informações deste novo abairramento. Disponível em:
http://www.mariliasegura.com.br/mapas.php. Acesso em Jan. 2007.
83
No novo abairramento não há referência ao número de habitantes da Zona Rural.
invertem, mudando completamente a pesquisa e os locais onde a violência contra a mulher é
mais significativa.
Com a divisão dos crimes pelo número de habitantes de cada Zona de Bairro obteve-se
em primeiro lugar a Norte, com 0,48% do total de crimes; segundo a Oeste com 0,44%; a Sul
com 0,41%; a Leste com 0,34%; a Zona Central com 0,21% e os Distritos com 0,08%.
Percebeu-se que a Zona Sul, a mais populosa da cidade de Marília, com 62.940
habitantes, quando analisada pelo número de crimes em proporção ao número de habitantes,
deixou de ser a mais violenta no que diz respeito à violência contra a mulher (pois na análise
anterior esta localidade ocupava o primeiro lugar no número de ocorrências), ocupando agora
o terceiro lugar. Já a localidade com maior número de ocorrências foi a Norte, que
anteriormente ocupava a segunda posição. A Oeste aparece como a segunda região com mais
ocorrências de violência contra a mulher, a qual na primeira análise aparecia como a terceira
em número de ocorrências.
Segundo Sueli Andruccioli Felix (1996), ao se analisarem os bairros de uma cidade,
deve-se considerar qual é sua característica, pois de um bairro para outro há diferenças quanto
à sua organização e aos habitantes, alterando também a sua tipologia criminal. Assim, na
relação entre espaço e criminalidade é importante detectar os espaços de ocorrências dos
crimes, mas acima de tudo é importante considerar qual a percepção das pessoas, ou seja,
como as pessoas lêem e sentem o ambiente, se percebem a fragmentação do bairro tanto do
ponto de vista social quanto do espacial
84
.
A análise dos locais de bairros onde moravam as vítimas foi necessária para que o
objetivo do trabalho fosse alcançado: analisar as práticas e percepções dos profissionais de
saúde quanto à violência contra a mulher, que atuam nas áreas onde estas violências são mais
84
Esta fragmentação se por fatores que desorganizam a sociedade tais como: o crime, o desemprego, a
circulação de drogas, a falência das instituições da comunidade, etc. (FÉLIX, 1993, p. 32).
significativas. Nesse caso estão analisadas com base nas entrevistas com profissionais de
saúde, as Zonas de Bairro: Norte, Oeste e Sul da cidade de Marília.
Gráfico 2: Distribuição segundo Cor/Raça das Vítimas
0
200
400
600
800
Cor das vítimas
Branca
Preta
Sem cor
especificada
Amarela
Fonte: Delegacias de Polícia de Marília e Banco de Dados do Projeto GUTO-01/2004 a 10/2005.
Quando analisada a cor das vítimas, foram encontrados os seguintes dados: 658
vítimas brancas (77,4%), 178 vítimas negras
85
(21%), 12 não especificaram a cor (1,4%), e 2
vítimas amarelas (0,2%). Das 658 mulheres brancas, 49% sofreram violência física, 48,5%
violência psicológica e moral e 2,5% violência sexual. Das 178 mulheres negras, 57%
sofreram violência física, 40,5% sofreram violência psicológica e moral e 3% sofreram
violência sexual. Já das duas mulheres de cor amarela, uma sofreu violência física e a outra
sofreu violência psicológica e moral.
85
A cor “negra” designa vítimas da cor parda e preta conjuntamente.
Tabela 1: Distribuição das Mulheres com 14 anos ou mais por Cor Município
de Marília/SP - 2000
Cor Freqüência %
Branca 55826 71,3
Parda 16412 21,0
Preta 3190 4,0
Amarela 2368 3,0
Ignorado 339 0,5
Indígena 169 0,2
Total 78304 100,0
F
onte: Censo do IBGE, 2000
.
A mulher mariliense, segundo o Censo do IBGE, de 2000, é primordialmente branca
(71,3%); seguidas das mulheres pardas (21%); das mulheres pretas (4%), ou seja, 25% são
mulheres negras; das amarelas (3%) e de indígenas (0,2%). Quando se comparou o Gráfico 2
com a Tabela 1, ou seja, o número de mulheres agredidas pelo total de mulheres marilienses,
referentes à sua cor, verificou-se que foram agredidas: 1,17% mulheres brancas, 0,9%
mulheres negras e 0,07% mulheres amarelas.
Assim, verificou-se que a mulher mariliense é na sua maioria branca, sendo também a
categoria que mais sofreu violência. Porém quando falamos em pesquisa criminal, neste caso
pesquisa em boletins de ocorrência, não temos a possibilidade de saber quem designa a cor da
vítima: se é a mulher que declara sua cor no ato da denúncia ou se é o (a) escrivão (ã) que a
determina, pois estas duas coisas podem acontecer. Assim, o que se percebe é que muitos dos
registros policiais não são fiéis à realidade (como foi discutido anteriormente sobre a
tipificação dos crimes), ocorrendo o mesmo com a cor/raça da tima. Os dados são
classificados muitas vezes segundo a percepção do funcionário (a) da delegacia (escrivão/ã),
sem seguir o critério adotado pelo IBGE e outras entidades – a auto declaração.
No quesito cor da pele, a cor branca tem predominância. Não sabemos se é realmente
a população feminina que sofre mais violência, ou se é descaso dos escrivães em digitar todos
os registros com esta especificação. A população negra feminina é bem menor que a branca,
correspondendo a 25% do total de mulheres marilienses, segundo o IBGE de 2000. Não
questionamos os dados pretendendo que a cor negra deveria ter sobressaído nas estatísticas,
apesar de estudiosos no assunto afirmarem que a mulher negra sofre mais violência que a
mulher branca
86
. Questionamos, sim, a veracidade das estatísticas criminais, porquanto, são os
escrivães que digitam os dados, sem se importar com a cor da mulher, ou é a mulher que não
se reconhece como branca ou negra? Deve-se, portanto, dar uma maior atenção em
conscientizar a população negra sobre a importância de se definir como tal
87
, como também,
em conscientizar os escrivães das Delegacias de Polícia sobre a importância da veracidade das
estatísticas criminais para estudos e pesquisas científicas.
ci
Através de uma pesquisa realizada em três Estados (não citados pela autora no artigo), no período de 1997 e
2002, Benilda Brito constatou que a maioria das mulheres que denunciaram a violência doméstica eram negras.
“As instituições que hoje atendem mulheres tanto para abrigar como para colher denúncia, são unânimes em
afirmar que a maioria das mulheres que sofreram violência doméstica são negras”. BRITO, Benilda Regina.
Violência Domestica e Sexual um olhar da mulher negra. Belo Horizonte: Casa de Cultura da Mulher Negra,
2003, p. 57. Também Edson França em artigo sobre a falta de políticas públicas com recorte racial, também
afirma que as mulheres negras lideram as estatísticas de violência doméstica. FRANÇA, Edson. Participação da
militância em espaços institucionais. AFROPRESS - Agência Afro-étnica de Notícias. Disponível em:
<http://www.afropress.com/colunista_2.asp?id=332 >. Acesso em 14 de Agosto de 2007.
87
“O próprio negro, em alguns casos, não se reconhece, e uma das principais lutas do movimento negro e de
estudiosos comprometidos com a defesa da dignidade humana é contribuir para o resgate da cidadania do negro”.
SILVA, Maria Nilza. A mulher negra. Revista Espaço Acadêmico, Maringá, ano II, 22, 2003. Disponível em:
< www.espacoacademico.com.br/022/22csilva.htm>. Acesso em 10 de Setembro de 2006.
Gráfico 3: Distribuição segundo a Idade das Vítimas
0
100
200
300
Idade das vítimas
14-20 anos 21-30 anos
31-40 anos 41-50 anos
51-60 anos 61-70 anos
71-80 anos Sem especificação de idade
Fonte: Delegacias de Polícia de Marília e Banco de Dados do Projeto GUTO-01/2004 a 10/2005.
Quanto à idade das mulheres, segundo os dados policiais, constatou-se que: 148
vítimas têm de 14 e 20 anos (17,5%); 273 vítimas entre 21 e 30 anos (32%); 229 vítimas entre
31 e 40 (27%); 125 vítimas entre 41 e 50 anos (14,5%); 41 vítimas entre 51 e 60 anos (5%);
16 vítimas entre 61 e 70 anos (2%); 4 vítimas entre 71 e 80 anos (0,5%); 14 vítimas não
especificaram a idade (1,5%).
Pesquisas como a de Lilia Blima Schraiber (2002) verificaram que quase 30% das
mulheres de São Paulo, na faixa etária dos 15 aos 49 anos, admitiram ter sofrido algum tipo
de violência física. Já Benilda Brito (2003) relata que a vítima feminina tem em potencial de
25 a 45 anos, segundo análise realizada em 2002 nas Delegacias de Belo Horizonte. Nesta
pesquisa encontraram-se os mesmos dados, sendo um total de 74% das vítimas da faixa dos
21 aos 50 anos, correspondendo a 79% das mulheres que sofreram violência psicológica e
moral e 69,5% das que sofreram violência física.
Tabela 2: Distribuição de Mulheres com 14 anos ou mais por Idade Município
Marília/SP – 2000
Idade Freqüência %
14 a 20 anos 13201 17,0
21 a 30 anos 17258 22,0
31 a 40 anos 15926 20,5
41 a 50 anos 12938 16,5
51 a 60 anos 8330 10,5
61 a 70 anos 6052 8,0
71 a 80 anos 3339 4,0
81 e mais anos 1261 1,5
Total 78304 100,0
F
onte: Censo do IBGE, 2000
.
Quanto às mulheres marilienses com 14 anos ou mais, segundo o Censo do IBGE de
2000, percebeu-se um maior percentual delas esteve na faixa etária de 21 a 30 anos de idade
(22%); seguido das mulheres de 31 a 40 anos (20,5%); de 14 a 20 anos (17%); de 41 a 50
anos (16,5%); de 51 a 60 anos (8%); de 71 a 80 anos (4%) e mulheres de mais de 81 anos
(1,5%).
Quando se analisou o Gráfico 3 e a Tabela 2, sobre o total de mulheres agredidas em
relação ao total de mulheres marilienses, segundo a idade, verificou-se que 1,12% das
mulheres foram agredidas na faixa etária de 14 a 20 anos; 1,58%, de 21 a 30 anos; 1,43%, de
31 a 40 anos; 0,97%, de 41 a 50 anos; 046%, de 51 a 60 anos; 0,2%, de 61 a 70 anos; 0,1%,
de 71 a 80 anos. Não houve registro de mulheres agredidas com idade de 81 anos ou mais.
Assim, a mulher que sofreu violência, em relação ao número total de mulheres marilienses, se
encontra em maior número na faixa etária de 21 a 30 anos.
Gráfico 4: Distribuição segundo Estado Civil das vítimas
0
100
200
300
400
Estado civil das vítimas
Solteira Casada
Amasiada Separada
Divorciada Viúva
Sem Especificação
Fonte: Delegacias de Polícia de Marília e Banco de Dados do Projeto GUTO-01/2004 a 10/2005.
Quanto ao estado civil das mulheres timas: 305 mulheres são solteiras (36%); 230,
casadas (27%); 158, amasiadas
88
(18,5%); 73, separadas (8,6%); 44, divorciadas (5,2%); 27,
viúvas (3,2%). Treze não especificaram o estado civil (1,5%).
A violência acometeu primordialmente a mulher que possuía algum tipo de ralação
estável com seu agressor; ou seja, as casadas e amasiadas - pois amasiada foi considerado
relação conjugal estável – somaram o índice de 45,5%.
As mulheres casadas e amasiadas sofreram mais violência física (52,5%), seguida da
violência psicológica e moral (45%) e da violência sexual (2,5%). Entre as mulheres solteiras
também a prevalência da violência física (52%), seguida da violência psicológica e moral
(45,5%) e da violência sexual (2,5%). As mulheres separadas sofreram violência psicológica e
moral (55%), violência física (42,5%) e violência sexual (2,5%). As mulheres divorciadas
sofreram violência psicológica e moral (66%) e violência física (34%) e não sofreram
88
Segundo o Dicionário de Língua Portuguesa On-line, a palavra “amasiada” deriva da palavra amásia, que quer
dizer concubina. Nesta pesquisa a palavra “amasiada” designa o estado civil de uma mulher, ou seja, viver
amasiada com um homem ou com uma mulher. Disponível em:
http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx. Acesso em Setembro de 2007.
violência sexual. Já as mulheres viúvas sofreram violência psicológica e moral (52%) e
violência física (48%). Assim, a violência física predominou sobre as mulheres casadas,
amasiadas e solteiras, e a violência psicológica e moral contra as mulheres separadas,
divorciadas e viúvas.
Tabela 3: Distribuição das Mulheres com 14 anos ou mais por Estado Civil
Município de Marília/SP – 2000
Estado Civil
Freqüência
%
Casada
36200
46,5
Solteira
28824
37,0
Viúva
7211
9,0
Desquitada/separada judicialmente
3241
4,0
Divorciada
2829
3,5
Total
78304
100,0
Fonte: Censo do IBGE, 2000
.
Em relação ao estado civil, segundo o Censo do IBGE de 2000, a maioria das
mulheres são casadas (46,5%), seguidas das mulheres solteiras (37%). o percentual das
viúvas (9%), é superior ao das desquitadas ou separaram judicialmente (4%), ou mesmo das
que se divorciadas (3,5%).
Por meio da análise do Gráfico 4 e da Tabela 3 que representava o número das
mulheres agredidas em relação ao total de mulheres marilienses segundo o estado civil
vimos que a maioria se encontrava entre as desquitadas/separadas judicialmente (2,25%);
seguidas das divorciadas (1,5%); das solteiras (1,05%); das casadas (0,63%) e das viúvas
(0,3%). Sobre as mulheres amasiadas não foi possível obter esta relação, pois a variável
“amasiada” não consta nos dados do IBGE.
Portanto, verificamos que a maioria das mulheres agredidas, do total de mulheres
marilienses, encontrava-se nos grupos onde há predominância das variáveis cor, idade e
estado civil. Ou seja, a maioria das mulheres marilienses é branca e foram também as mais
agredidas. Grande parte tem de 21 a 30 anos de idade e esta foi a que mais agressão sofreu.
Em relação ao estado civil, a maioria das mulheres marilienses, segundo o senso do IBGE de
2000, se declarou casada, e a maior parte dos casos de agressão foi contra as mulheres com
relações estáveis, ou seja, as casadas e amasiadas. E, ao mesclar essa variável (o número de
mulheres agredidas pelo número total de mulheres por estado civil), o maior índice de
agressões recai sobre as mulheres divorciadas/separadas judicialmente.
Gráfico 5: Distribuição da situação relacional das vítimas com seus (as)
agressores (as)
0
200
400
600
Relação das vítimas com seus (as
)
agressores (as)
Nenhuma
Conjugal
Familiar
Amizade
Profissional
Fonte: Delegacias de Polícia de Marília e Banco de Dados do Projeto GUTO-01/2004 a 10/2005.
Dos crimes analisados quando levamos em conta a relação das vítimas com o seu
agressor, verificamos que 290 mulheres (34%) possuíam uma relação conjugal (maridos, ex-
maridos, amásios, ex-amásios, ex-amásia, namorados, ex-namorados); 69 mulheres (8,15%)
possuíam relação familiar (pai, mãe, padrasto, tio, filho, filha, cunhado, cunhada, afilhado,
genro, irmão, irmã, sobrinho); 66 mulheres (7,75%) possuíam uma relação de amizade
(amigo, amiga, vizinho, vizinha, conhecido); 7 mulheres (1%) possuíam uma relação
profissional (patrão, patroa). Quatrocentos e dezoito mulheres (49%) não declararam
nenhuma relação com o agressor ou a ocorrência não foi devidamente preenchida pelo
profissional no ato da denúncia.
Mais uma vez a subnotificação dos dados foi evidente no decorrer da análise, que
49% dos boletins preenchidos em mais de um ano não registraram a relação da vítima com
seu agressor. O programa desenvolvido pelo Projeto GUTO levou em conta a relevância
destas informações a fim de servir de referência a pesquisas acadêmicas e científicas
realizadas por meio destes dados. Mas isto não foi suficiente para que os boletins de
ocorrência fossem preenchidos de maneira completa e condizente a realidade do crime
ocorrido. E, como vimos acima, Tereza Caldeira (2000), em sua pesquisa na cidade de São
Paulo, observou a mesma falta de vontade no preenchimento destes boletins.
Tiveram índice mais elevado (34%) as agressões sofridas pelas mulheres de seus
parceiros. Caso se somasse as que relataram algum vínculo afetivo (maridos, ex-maridos,
amásios, ex-amásios/as, namorados, ex-namorados, amigos e entes da família), o índice subiu
para 42,15%. Estes dados vêem corroborar as inúmeras pesquisas
89
feitas no Brasil com o
intuito de alertar sobre a violência contra a mulher. Na sua maioria o agressor é masculino,
conhecido e possui um vínculo afetivo com a vítima. Diz Maria Filomena Gregori:
A violência conjugal é vista pelo feminismo como expressão radical da
relação hierárquica entre os sexos no núcleo familiar. Nessa relação
assimétrica, o homem ocupa a posição de demanda, podendo fazer valer sua
autoridade para punir, exigir e, por vezes, agredir os outros componentes da
família. A mulher, cujo papel é o de lidar com as tarefas domésticas e cuidar
dos filhos, está subordinada aos desígnios do homem. (GREGORI, 1993, p.
123)
89
Schraiber (2005), Brito (2003), Oliveira (2003), Day et.al. (2003), Gregori (1993).
Segundo Guita Grin Debert
90
, a violência contra a mulher acima de 50 anos muda a
tipificação. A violência que era praticada na sua maioria por parceiros e ex-parceiros muda de
agressor. Os agressores passam a ser familiares. Na presente pesquisa, percebemos que
mulheres com mais de 50 anos foram violentadas na sua maioria por familiares ou por pessoas
que possuíram vínculos familiares como: filho/a, neto, genro, afilhado, enteado, sobrinho,
ex-nora, ex-sogra, somando um total de 26,5%. Já os que possuíam vínculos conjugais como:
marido, ex-marido, amásio, ex-namorado, somaram um total de 20%. Os vizinhos/as tiveram
a porcentagem de 10%; os patrões de 1,5%. E como não poderia deixar de ultrapassar os
dados, obtivemos um percentual de 42% de registros que não especificaram o tipo de relação
no ato da denúncia. Assim, verificamos que os agressores/as em potencial, de mulheres acima
de 50 anos, encontravam-se entre os membros da família e não mais entre parceiros íntimos.
São estes vínculos, sustentados muitas vezes por anos de sonhos, desejos, planos,
vivencias e experiências de vida que fazem com que as barreiras interpostas à denúncia e à
ruptura com uma vida de sofrimentos seja algo muito distante da maioria das mulheres que
sofrem violência.
Nesta pesquisa ficou claro que o tema da violência contra a mulher abrange um quadro
complexo de relações, sejam estas conjugais, afetivas, de amizade ou não, onde o agressor é
tanto o homem quanto a mulher. A mulher é agressora de outras tantas mulheres. Quase 20%
(19,2%) dos indiciados são mulheres: mães, patroas, sobrinhas, tias, filhas, vizinhas, ex-
amásias, ex-noras, ex-sogras.
Não queremos aqui deixar de lado os quase 80% dos homens agressores encontrados
na análise dessa pesquisa, pois eles estão, anos, no topo das estatísticas criminais e nos
casos de violência contra a mulher. Só queremos ressaltar que a mulher é uma voz ativa, que
também se rebela e agride o outro, transformando esse emaranhado de relações em uma
90
Dados apresentados pela autora na Mesa Redonda “Violência e Preconceito”, no Seminário Internacional
Fazendo Gênero 7, na Universidade Federal de Santa Catarina, no dia 30 de agosto de 2006.
cadeia de violência, e confirmando que violência gera mais violência entre familiares,
conhecidos e desconhecidos. Expõe Marilena Chauí apud Maria Filomena Gregori:
salientar o vitimismo na abordagem sobre o fenômeno da violência implica
em não considerar que nas relações familiares as mulheres, mesmo
partilhando uma condição de subalternidade, agem, condenam, exigem, e por
vezes, agridem. Qualificar tais gestos como reação ou reprodução pode, mais
do que estimular uma transformação, manter a “estrutura” básica que faz
operar a violência (GREGORI, 1993, p. 131).
Segundo Maria Filomena Gregori (1993), a mulher aparece no discurso feminista
como um ser vitimizado, mesmo quando age contra os outros. Nessa situação, “as mulheres
aparecem como passivas, seja do ponto de vista da condição que as define enquanto gênero,
seja nas situações concretas nas quais ocorrem os conflitos e embates” (p. 124-125). Porém,
nesta pesquisa, elas também fizeram parte dos agressores, gerando também violência.
Um fator que pode fazer com que a mulher participe ativamente no processo de
violência é o revide. O revidar à violência sofrida ocupa 21,1% dos casos de violência contra
a mulher na cidade de São Paulo. Embora assuma um papel de defesa, o revide não extingue a
violência gerada, ao contrário, perpetua como forma de interagir, sufocando as
possibilidades de entendimento comum” (SCHRAIBER, 2005, p.136):
Acreditamos que a comunicação voltada para o entendimento nas relações
interpessoais e a efetiva garantia dos direitos humanos internacionalmente
consagrados é que podem atuar contra a violência ou preveni-la. O uso da
violência como revide é a atitude de uma mulher com poucos recursos de
defesa, isolada de sua rede social e de instituições para lidar com o
problema. (SCHRAIBER, 2005, p.136)
É nesse sentido que ações efetivas de prevenção se fazem necessárias e
imprescindíveis, com o intuito de possibilitar a quebra desse ciclo de violências vivenciadas
pelas mulheres que estão historicamente imersas nessa realidade.
Os dados policiais e os tipos de crimes cometidos contra a mulher mariliense
Os dados analisados nesta pesquisa são de crimes de “lesão corporal dolosa”
91
,
“ameaça”
92
, “injúria”
93
, “atentado violento ao pudor”
94
, “estupro”
95
, “homicídio”
96
, bem
como os crimes designados como “comunicação de fato”
97
.
No período de janeiro de 2004 a outubro de 2005 foram encontradas 1653 ocorrências,
sendo descartadas 803 ocorrências pelos seguintes motivos: vítimas não femininas, ou seja,
algumas ocorrências continham erro de digitação vindo a vítima com nome masculino;
comunicações de fato contendo informações de: roubo, furto, perda de documentos, guarda de
filhos, problemas com linhas telefônicas/ celulares, contratos não cumpridos, acidentes de
trânsito, processo de separação e tentativas de suicídio
98
; vítimas menores de 14 anos e
duplicação de Boletins de Ocorrência - neste caso os dados considerados referem-se ao
primeiro que foi digitado. Assim, a pesquisa abarcou 850 boletins de ocorrências que foram
91
Crime conceituado na pág. 14.
92
Crime conceituado na pág. 14.
93
Segundo o Código Penal Art. 140, o crime de injúria significa injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o
decoro. PORTAL VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. Disponível em <http://www.patriciagalvao.org.br/apc-
aa-patriciagalvao/home/noticias.shtml?x=72>. Acesso em 20 de Agosto de 2006.
94
O crime de atentado violento ao pudor está inscrito no Artigo 214 do Código Penal, e ocorre quando a mulher
“é obrigada a manter relação sexual anal, oral e qualquer outro contato íntimo que não seja relação sexual
vaginal, ou quando é obrigada a presenciar outras pessoas tendo relações sexuais”. SENADO FEDERAL,
Agência Senado. Cartilha “A mulher e as leis”, 2004. Disponível em
http://www.senado.gov.br/comunica/agencia/cidadania/violcontmulher/not03.htm. Acesso em 12 de Julho de
2007.
95
Segundo o Art. 213 do digo Penal, estupro ocorre quando a mulher é obrigada a manter relação sexual
vaginal sob ameaça ou violência. SENADO FEDERAL, Agência Senado. Cartilha: “A mulher e as leis”, 2004.
Disponível em http://www.senado.gov.br/comunica/agencia/cidadania/violcontmulher/not03.htm. Acesso em 12
de Julho de 2007.
96
Segundo o Código Penal Art. 121 Homicídio significa matar alguém. Como nesta pesquisa o crime encontrado
foi “tentativa de homicídio”, este significa segundo o Art. 14 do Código Penal, o crime tentado que, quando
iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. PORTAL VIOLÊNCIA
CONTRA A MULHER. Disponível em <http://www.patriciagalvao.org.br/apc-aa-
patriciagalvao/home/noticias.shtml?x=72>. Acesso em 12 de Julho de 2007.
97
Crime conceituado na pág. 14.
98
Na pesquisa foram encontrados 3 tentativas de suicídio, mas segundo Daniel Ribeiro tal ato não pode ser
imputável legalmente, sendo impossível instauração penal. RIBEIRO, Daniel. Suicídio: critérios científicos e
legais de análise. Disponível em < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5670&p=2 >. Acesso em 12 de
Jul. de 2007. Segundo o Art. 122 do Código Penal na Lei 2.848 de 1940, disposição de crime por
“induzimento, instigação ou auxilio ao suicídio”, que não foi o caso dos registros encontrados nesta análise.
PORTAL DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. Disponível em <
http://www.patriciagalvao.org.br/apc-aa-
patriciagalvao/home/noticias.shtml?x=72>. Acesso em 12 de Julho de 2007.
analisados individualmente, sendo os dados apresentados, a seguir, referentes a este total de
crimes.
Tabela 4 – Distribuição dos Crimes Tipificados como “Comunicação de Fato”
Tipificação dos Crimes Números de Crimes %
Ameaça
61 48,5%
Injúria
30 24%
Lesão Corporal Dolosa (LCD)
25 19,5%
LCD e Injúria
4 3%
LCD e Ameaça
3 2,5%
Ameaça e Injúria
3 2,5%
TOTAL 126 100%
Fonte: Delegacias de Polícia de Marília e Banco de Dados do Projeto GUTO – 01/2004 a 10/2005.
Foi apontada, no item anterior, a dificuldade de trabalhar com dados policiais, ou seja,
com a fração total dos crimes ocorridos. E, ainda, com a disparidade dos critérios usados
pelos escrivães na digitação dos crimes denunciados. Nesta pesquisa encontramos 126
ocorrências classificadas como “comunicação de fato”, mas lendo seus históricos
constatamos: 61 crimes de ameaça (47%), 30 crimes de injúria (23,5%), 25 crimes de lesão
corporal dolosa (19%), 4 crimes de injúria e lesão corporal dolosa (3%), 3 crimes de ameaça e
lesão corporal dolosa (2,5%) e 3 crimes de ameaça e injúria (2,5%;).
Tabela 5 – Distribuição da Tipificação dos Crimes
Tipificação dos Crimes Números de crimes
%
LCD
348 48%
Ameaça
222 30,5%
Injúria
49 7%
Ameaça e LCD
42 6%
Ameaça e Injúria
31 4%
Atentado Violento ao Pudor
18 2,5%
LCD e Injúria
6 0,8%
Ameaça, LCD e Injúria
4 0,5%
Estupro Tentado e LCD
2 0,3%
LCD e Tentativa de Homicídio
1 0,15%
Estupro Tentado
1 0,15%
TOTAL 724 100%
Fonte: Delegacias de Polícia de Marília e Banco de Dados do Projeto GUTO – 01/2004 a 10/2005.
Dos 724 crimes (onde não estão inseridos os crimes com a classificação “comunicação
de fato”), constatamos: 348 crimes de lesão corporal dolosa (48%), 222 crimes de ameaça
(30,5%), 49 crimes de injúria (7%), 42 crimes de ameaça e lesão corporal dolosa (6%), 31
crimes de ameaça e injúria (4%), 18 crimes de atentado violento ao pudor (2,5%), 6 crimes de
lesão corporal dolosa e injúria (0,8%), 4 crimes de ameaça, lesão corporal dolosa e injúria
(0,5%), 2 crimes de tentativa de estupro e lesão corporal dolosa (0,3%), 1 lesão corporal
dolosa e tentativa de homicídio (0,15%), e 1 crime de tentativa de estupro (0,14%).
Tabela 6 – Distribuição dos Crimes por Violência Sofrida
Tipificação dos Crimes Números de crimes
%
LCD
373 44%
Ameaça
283 33%
Injúria
79 9,5%
Ameaça e LCD
45 5%
Ameaça e Injúria
34 4%
Atentado Violento ao Pudor
18 2%
LCD e Injúria
10 1,1%
Ameaça, LCD e Injúria
4 0,5%
Estupro Tentado e LCD
2 0,2%
Estupro Tentado
1 0,1%
LCD e Tentativa de Homicídio
1 0,1%
TOTAL 850 100%
Fonte: Delegacias de Polícia de Marília e Banco de Dados do Projeto GUTO – 01/2004 a 10/2005.
Tipificamos os crimes de forma separada na tabela acima, a fim de demonstrar que a
classificação dos crimes no ato da denúncia não é feita de forma a relatar o que realmente
consta no histórico. Se a leitura não tivesse sido feita e a análise fosse baseada em dados
brutos, perderíamos 126 crimes - ou 15% do total analisado - gerando assim grande
diferenciação nas futuras reflexões acerca da violência contra a mulher na cidade de Marília.
Porém, os dados apresentados na Tabela 6 representam a soma das Tabelas 4 e 5, ou seja, o
total de crimes analisados nesta pesquisa (850 ocorrências).
Tabela 7 – Distribuição de Crimes Agrupados por Violência Sofrida
Tipificação dos Crimes Números de crimes
%
Violência Física
433 51%
Violência Psicológica
283 33%
Violência Moral
79 9,5%
Violência Psicológica e
Moral
99
34 4%
Violência Sexual
21 2,5%
TOTAL 850 100%
Fonte: Delegacias de Polícia de Marília e Banco de Dados do Projeto GUTO – 01/2004 a 10/2005.
99
Em 34 boletins de ocorrência designou-se o crime como ameaça e injúria”, por isso aglutinamos as duas
violências, sendo estas analisadas conjuntamente.
A análise dos crimes foi dividida em categorias. Nela diferenciamo-los pela violência
praticada particularmente em cada um
100
, com base em suas definições na Legislação
Brasileira, segundo a Lei Maria da Penha Lei 11.340, sancionada no dia 7 de agosto de
2006. Regulamentaram-se como formas de violência doméstica e familiar contra a mulher:
violência física, violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial e violência
moral. Assim dividimos em violência sica: crimes de lesão corporal dolosa e tentativa de
homicídio
101
; violência psicológica: crime de ameaça; violência moral: crime de injúria;
violência sexual: crimes de atentado violento ao pudor e estupro. Nesta pesquisa o
encontramos crimes designados como violência patrimonial.
Como violência física podemos considerar ações como: “tapas, empurrões, chutes,
bofetadas, puxões de cabelo, beliscões, mordidas, queimaduras, tentativas de asfixia, ameaça
com faca, tentativa de homicídio” (SCHRAIBER, 2005, p.38). Segundo a Lei Maria da
Penha, violência física pode ser entendida qualquer conduta que ofenda sua integridade ou a
saúde corporal
102
.
A violência física foi a que mais atingiu a mulher mariliense, com 51% do total de
crimes. Os dados da cidade de Marília confirmam a Pesquisa de Opinião Pública Nacional
“Pesquisa sobre Violência Doméstica contra a Mulher”, coordenada pelo DataSenado
(Serviço de Pesquisa e Opinião) em 2007
103
, pela qual se detectou que 59% das mulheres
entrevistadas sofreram violência física. Em Pernambuco, no ano de 2006, entre os meses de
100
BRASIL. Presidência da República. Lei nº. 11.340 de 7 de Agosto de 2006. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>. Acesso em 18 de Junho de 2007.
101
Os crimes que contiverem mais de uma especificação, por exemplo: “lesão corporal dolosa e ameaça” ou
“lesão corporal e injúria”, foram analisados como violência física, pois a agressão física foi efetuada.
102
BRASIL. Presidência da República. Lei nº. 11.340 de 7 de Agosto de 2006. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>. Acesso em 18 de Junho de 2007.
103
Pesquisa DataSenado SECS 2007. Foram realizadas 797 entrevistas, por telefone, com mulheres maiores de
16 anos, em todas as capitais brasileiras de acordo com o sistema de cotas proporcionais obedecendo a
quantidade de mulheres residentes em cada capital, no período de 1 a 15 de fevereiro de 2007. A margem de erro
é de 3,5% para mais ou para menos e o intervalo de confiança estimado é de 95%. SENADO FEDERAL.
Pesquisa de Opinião Pública Nacional. Pesquisa sobre Violência Doméstica sobre a Mulher. Disponível em
<
http://ouvidoria.petrobras.com.br/objects/files/2007-
03/504_Relat%C3%B3rio%20anal%C3%ADtico%20Viol%C3%AAncia%20Dom%C3%A9stica.pdf>. Acesso
em 15 de Julho de 2007.
janeiro e maio, 120 mulheres foram assassinadas
104
; já em 2007, do mês de janeiro a junho,
haviam morrido 135 mulheres, quase uma morte por dia
105
. Segundo o Coletivo de Mulheres
Rosa Luxemburgo do Partido da Causa Operária, o governo do Estado não tem o mínimo
interesse em investigar estas mortes. Já a violência psicológica, segundo a Lei 11.340,
106
é:
qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima
ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise
degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões,
mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento,
vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,
ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer
outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação
(BRASIL, Presidência da República, Lei nº. 11.340, 2006).
Enquadra-se a violência moral “como qualquer conduta que configure calúnia,
difamação ou injúria”
107
. A violência simbólica é institucionalizada através de incorporações
de naturalização das ações entre dominantes e dominados. “O poder simbólico não pode se
exercer sem a colaboração dos que lhe são subordinados e que se subordinam a ele porque
o constroem como poder” (BOURDIEU, 1999, p. 52). Segundo Gregori (1993, p.131), “a
violência mantém a relação de mando e a sujeição, e o faz mediante um processo de
interiorização pela parte dominada das vontades e ações da parte dominante”.
Consideramos de extrema importância a criminalização de atos como “ameaça” e
“injúria”, pois estas violências simbólicas estão significativamente presentes nos dados
analisados. Os “crimes simbólicos” aqueles que ocorrem sem deixar marcas físicas, mas
deixam provavelmente seqüelas na saúde da mulher, correspondem a 46,5% do total dos
104
Coletivo de Mulheres Rosa Luxemburgo do Partido da Causa Operária. “Já são 120 o número de mulheres
mortas desde o início do ano”. Disponível em:
<http://www.pco.org.br/conoticias/mulheres_2006/3mai_violencia_pe.htm >. Acesso em 10 de Janeiro de 2007.
105
Coletivo de Mulheres Rosa Luxemburgo do Partido da Causa Operária. “Já são 135 mortes de mulheres em
Pernambuco”. Disponível em: <http://www.pco.org.br/mulheres/index.html >. Acesso em 10 de Janeiro de 2008.
106
BRASIL. Presidência da República. Lei nº. 11.340 de 7 de Agosto de 2006. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>. Acesso em 18 de Junho de 2007.
107
BRASIL. Presidência da República. Lei nº. 11.340 de 7 de Agosto de 2006. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>. Acesso em 18 de Junho de 2007.
crimes. Estes acontecimentos fazem parte das “pequenas mortes cotidianas”, provenientes da
violência simbólica a que mulheres são submetidas diariamente (PITANGUY, 2003, p. 41).
Como a violência sexual, Schraiber (2005, p. 38) considera: “expressões verbais ou
corporais que não são do agrado da pessoa, toques e carícias não desejados, exibicionismo e
voyerismo, prostituição forçada, participação forçada em pornografia, relações sexuais
forçadas (coerção física ou por medo do que venha a ocorrer)”. Já a Lei Maria da Penha
108
apresenta como esse tipo de violência:
qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de
relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso
da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua
sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a
force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante
coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o
exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
Este tipo de violência foi a menor encontrada entre as mulheres marilienses, com 2,5%
do total dos crimes. O presente estudo vem corroborar outros realizados em âmbito nacional
acerca da violência contra a mulher. No estudo realizado pela Universidade Federal de São
Paulo (UNIFESP), apenas 10% das vítimas de violência sexual vão à polícia prestar queixa
109
.
Segundo dados da pesquisa citada anteriormente, coordenada pelo DataSenado, a violência
sexual ocupa o menor índice: 5%. Os pesquisadores da UNIFESP concluíram que o baixo
nível de denúncia de crimes sexuais se deve ao fato da mulher não ter conhecimento de
delegacias especializadas e pelo receio de ser humilhada e mal-tratada pelas autoridades
108
BRASIL. Presidência da República. Lei nº. 11.340 de 7 de Agosto de 2006. Disponível em
<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>. Acesso em 18 de Junho de 2007.
109
Esta pesquisa foi realizada através dos prontuários de saúde em três hospitais de referência na capital paulista
entre 1998 e 2003. Causa Operária On-line. Disponível em
<http://www.pco.org.br/conoticias/mulheres_2005/23jun_violencia.htm>. Acesso em 15 de Agosto de 2007.
policiais. E ainda, segundo Vaz
110
o abuso sexual “consiste no mais difícil tipo de violência a
ser identificado e admitido”.
110
VAZ, Marlene. Abuso Sexual. Disponível em
<http://www.cedeca.org.br/PDF/abuso_sexual_marlene_vaz.pdf>. Acesso em 03 de Julho de 2007.
CAPÍTULO IV
MARÍLIA: OS PROFISSIONAIS DE
SAÚDE
4.1. A Saúde da Mulher e o Enfoque da Violência na cidade de
Marília
A Secretaria Municipal de Saúde de Marília SP foi criada em 1983, com o
surgimento de muitos postos de saúde nas periferias, culminando com a descentralização da
rede básica de saúde (ROJAS, 2001). Nesse período, no setor público de saúde predominou o
modelo assistencial centrado na ação médica, no qual as unidades de saúde eram
desarticuladas entre si, como ressalta Rojas:
A estrutura da rede primária e secundária não permitia a credibilidade por
parte dos usuários e, ao mesmo tempo, seu recurso humano sentia-se
desmotivado, para um trabalho de rotinas desgastantes e desvalorizadas tanto
pela comunidade, como por seus pares e pela estrutura administrativa (...) O
sistema de saúde do município de Marília/SP foi organizado ao longo dos
anos, segundo a lógica do modelo biomédico: expansão da rede física,
incorporação da tecnologia e atenção médica dirigida exclusivamente para a
anormalidade biológica (ROJAS, 2001, p. 35; 38).
No ano de 2001, a Secretaria Municipal de Saúde de Marília possuía 17 Unidades
Básicas de Saúde (UBS) e 7 Unidades de Saúde da Família (USF) (ROJAS, 2001). em
2006, o município de Marília contava com 12 Unidades Básicas de Saúde e 28 Unidades de
Saúde da Família, sendo todas as Unidades de Saúde atendidas pelo Programa de Agentes
Comunitários de Saúde (PACS). Pôde-se perceber um aumento de Unidades de Saúde da
Família e uma diminuição das Unidades Básica de Saúde. Isto se deveu ao fato do modelo de
atenção básica em saúde estar sendo reorientado no município, com vistas a uma
transformação progressiva do modelo da Saúde da Família
111
, para atender ao Projeto de
111
Sobre o conceito do modelo do Programa da Saúde da Família, ver págs. 45 e 46.
Expansão e Consolidação do Programa de Saúde da Família
112
. (RELATÓRIO DE
GESTÃO, 2006). A Secretaria Municipal de Saúde de Marília constitui as Unidades de Saúde
(UBS/USF), para a sua área de abrangência:
como maior porta de entrada do Sistema Municipal de Saúde, ficando
claramente estabelecido que cada UBS/USF é responsável pelos riscos e
agravos que ocorram em sua área, devendo ser capaz de identificar os
problemas de saúde mais relevantes, quais os indivíduos ou grupos mais
suscetíveis ao risco de adoecer e/ou morrer, assim como planejar e executar
ações mais adequadas para o seu enfrentamento. Fica sob sua
responsabilidade a articulação com os diversos equipamentos sociais, tais
como: escolas, creches, asilos, sociedades de amigos do bairro, grêmios
recreativos, ambientes de trabalho, etc., que estejam localizadas em sua área
de abrangência (bairro ou conjunto de bairros). É nelas que se o primeiro
contato e onde se estabelece o maior vínculo de equipe de saúde com a
população usuária do Sistema (RELATÓRIO DE GESTÃO, 2006, p. 12).
Quanto à saúde da mulher, o Programa Integral à Saúde da Mulher (PAISM)
113
foi
implantado no município no 3º trimestre de 1986, através das ações programáticas que,
segundo Rojas apud Tanaka
114
, se concentrou na assistência ao pré-natal e no controle e
prevenção do câncer ginecológico (ROJAS, 2001). E ainda, “particularmente, em relação à
mulher, a assistência à saúde, fragmentou-se ainda mais, priorizando a atenção à gestação”
(ROJAS, 2001, p. 38). Desde 1999, Marília conta com um Hospital Materno Infantil, sendo
referência na saúde da mulher e infantil
115
, vinculado à Faculdade de Medicina de Marília
(FAMEMA)
116
.
112
“O Projeto de Expansão e Consolidação da Saúde da Família - PROESF é uma iniciativa do Ministério da
Saúde, apoiada pelo Banco Mundial - BIRD, voltada para a organização e o fortalecimento da Atenção Básica à
Saúde no País. Visa contribuir para a implantação e consolidação da Estratégia de Saúde da Família por meio da
elevação da qualificação do processo de trabalho e desempenho dos serviços otimizando e assegurando respostas
efetivas para a população, em todos os municípios brasileiros”. O PROJETO DE EXPANSÃO E
CONSOLIDAÇÃO DE SAÚDE DA FAMÍLIA PROESF. Informe da Atenção Básica nº. 18, p.1. Disponível
em:
<http://cedoc.ensp.fiocruz.br/descentralizar/anexos/Qualifica%C3%A7%C3%A3o%20de%20munic%C3%ADpi
os%20no%20Proesf%20(Programa)_Outubro_2003.doc >. Acesso em 12 de Janeiro de 2008.
113
Programa este já discutido na pág. 49.
114
TANAKA, A.Y., SOUZA, E.C., JACOB, E., GURGEL, J. de A.H., REZENDE, K.T.A., MOREIRA, M.,
ROJAS, S.H.C.C., FERNANDES, S.F., BATISTA, W., RIBEIRO,Z.M.T. Municipalização. Marília, 1987. 78p.
(Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Saúde Pública da Faculdade de Medicina de Marília).
115
Segundo a Câmara Municipal de Marília, o Hospital Materno Infantil é referência na região, pois atende mais
de 50 mil crianças por ano, além de prestar atendimento a 62 cidades da região. Em novembro de 2007 o
Até o ano de 2003, a saúde da mulher era contemplada pelo “Programa de Prevenção
do Câncer de Colo Uterino e de Mama”. Porém a partir de 2004, a assistência à saúde da
mulher amplia-se no município, tendo um programa específico, designado como “Programa
Municipal de Saúde da Mulher”, que analisa separadamente as múltiplas faces da saúde da
mulher: pré-natal e atenção ao parto; características da população feminina; perfil da
mortalidade feminina; prevenção do câncer ginecológico e mamário; prevenção do câncer de
colo uterino
117
.
Segundo as coordenadoras do Programa Municipal da Saúde da Mulher de Marília,
Dra. Silvia Helena de Cerqueira César e Dra. Selma Regina Miranda Pereira, o tema da
violência contra a mulher foi inserido no sistema de saúde mariliense, entre os anos de 2001 e
2002, quando houve a elaboração do programa “Mulher, Violência e Saúde”, organizado pela
Dra. Silvia Helena de Cerqueira César Rojas e revisado pela Dra. Lidimar Rodrigues de
Souza. No entanto, este não foi citado em nenhum dos Relatórios de Gestão da Secretaria no
que diz respeito à saúde da mulher
118
. Ao ser indagada acerca da existência de um enfoque à
saúde da mulher negra, uma das coordenadoras do Programa Municipal de Saúde da Mulher,
deu resposta negativa, e enfatizou:
O que eu queria colocar é que todas as nossas ações na saúde da mulher
não são voltadas pra grupos específicos, o nosso olhar tem que ser
universal. Então, porque eu ter uma política voltada pra mulher negra, pode
até assim, priorizar algum enfoque, algum problema de saúde. Agora assim,
pré-natal - ele é universal, câncer de colo do útero - ele é universal, atenção
à patologia mamária - é universal, quer dizer, são todas as mulheres, aqui
nós não discriminamos (Silvia Helena de Cerqueira César Rojas,
Coordenadora do Programa Municipal da Saúde da Mulher em Marília ).
Hospital recebeu uma doação a qual será revertida para a construção de uma UTI (Unidade de Terapia
Intensiva). Disponível em: http://www.camar.sp.gov.br/noticias.php?id1=1216&oper=noticias . Acesso em 30 de
Janeiro de 2007.
116
FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA (FAMEMA). HC II Unidade Materno-Infantil. Disponível
em: <
http://www.famema.br/hc/hmi.html >. Acesso em 15 de Junho de 2007.
117
Análises realizadas a partir dos Relatórios de Gestão da Secretaria Municipal de Saúde da cidade de Marília,
referentes aos anos de 1999, 2001, 2002, 2003, 2004 e 2006.
118
Foram analisados os Relatórios de Gestão referentes aos anos de 1999, 2001, 2002, 2003, 2004 e 2006.
Como foi mencionado anteriormente no Capítulo II, diversos debates têm sido
travados acerca da dificuldade de inserir o recorte étnico racial nas políticas de saúde.
Apesar de medidas terem sido tomadas em que destaca a importância do recorte étnico
racial no cuidado da saúde da mulher, constatamos que em Marília esta medida é inexistente.
Porém, a justificativa por não se realizar qualquer ação com viés étnico/racial na Secretaria
Municipal de Saúde de Marília, por meio do Programa Municipal de Saúde da Mulher, firma-
se na “universalidade” da mulher, enquanto o Ministério da Saúde se compromete, em 2003,
em “determinar a contratação de uma representante do movimento negro para assessorar a
inclusão das questões relacionadas à população negra, nas ões da saúde da mulher”
(OLIVEIRA, 2004, p. 49). Infelizmente esta contratação não se efetivou na região de Marília.
A cidade de Marília é contemplada com discussões acerca da violência contra a
mulher desde 1990, através da Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher de Marília (DDM),
contando com a parceria das universidades, secretarias municipais, hospitais, ONG’s e
conselhos municipais. No ano de 2000 foi criado, por esta Delegacia, o Núcleo de
Atendimento Multidisciplinar (NAM), no intuito de proporcionar meios para a
implementação de uma rede de trabalho voltado à prevenção da violência contra a mulher em
diversos setores e segmentos. Assim, a “Rede Mulher de Marília” foi criada em 25 de
novembro de 2005, tendo como uma de suas parceiras a Secretaria Municipal de Saúde de
Marília. Esta Rede conta atualmente “com 31 entidades interligadas, das áreas de segurança,
saúde, assistência social e consultoria jurídica, que prestam serviços de atendimento às
mulheres vítimas de violência doméstica de forma integrada”
119
.
Esta Rede tem por objetivo, segundo Cássia Marina Giandon Silva, articuladora da
Rede Mulher, fortalecer os serviços de atendimento às vítimas de violência, a fim de
proporcionar a diferentes profissionais “uma escuta competente e afetiva, buscando a
119
COMITÊ GESTOR DE SEGURANÇA E QUALIDADE DE VIDA. Rede Mulher de Marília. Histórico.
Disponível em: < http://www.mariliasegura.com.br/Rede%20Mulher/rede_mulher_historico.php >. Acesso em
14 de Maio de2006.
humanização do atendimento e a eficácia da intervenção junto aos conflitos intra-familiares
através da mediação” (SILVA, 2007, p.2). Sem grandes surpresas, contatamos que o recorte
étnico – racial também não é incluído nas propostas da Rede Mulher de Marília.
A Rede Mulher proporcionou, em 2006, um Ciclo de Conferências, “objetivando uma
nova visão através de experiências de sucesso na resolução dos problemas relativos à
violência doméstica; como também, adequar essas experiências a nossa realidade de forma a
fortalecer os serviços pertencentes à Rede”
120
. Este ciclo contou com quatro conferências:
Área Jurídica; Área de Saúde; Área Psicossocial; Área Acessoria, Consultoria, Pesquisa,
contemplando, assim, também a área da saúde.
Por serem realizadas, desde a década de 90, ações em diversas áreas relacionadas à
prevenção da violência contra a mulher, a cidade de Marília é tida como uma referência. A
Rede Mulher de Marília “é referência no Estado de São Paulo” no que diz respeito a serviços
de atendimento às mulheres vítimas de violência contra a mulher
121
. Mas será verdade?
Podemos afirmar e reconhecer o município de Marília como modelo para outras regiões?
E é exatamente este o objetivo deste trabalho: verificar especificamente a saúde
pública da cidade de Marília e o viés da violência contra a mulher. Esta análise será realizada
pela percepção de profissionais atuantes na rede de atenção básica de saúde (UBS e USF),
situadas em regiões onde os índices destas violências são mais expressivos.
4.2. A Pesquisa de Campo: Os Profissionais de Saúde
120
COMITÊ GESTOR DE SEGURANÇA E QUALIDADE DE VIDA. Rede Mulher de Marília I Ciclo de
Conferências. Disponível em: <
http://www.mariliasegura.com.br/ciclo_mulher.php >. Acesso em 14 de Maio de
2006.
121
REDE MULHER DE MARÍLIA: serviços de atendimento ás mulheres. Folheto explicativo sobre a Rede
Mulher e seus serviços. Publicado em 2005, p. 1.
Conforme salientado anteriormente, esta parte da pesquisa teve como objetivo analisar
o conhecimento e o envolvimento dos profissionais de saúde, atuantes nas Unidades de Saúde
(UBS e USF), com o problema da violência contra a mulher
122
.
A formação dos profissionais de saúde no Brasil requer com urgência uma reforma na
educação que, segundo Ceccim e Feuerwerker (2004)
123
, deve ser expressa no:
atendimento dos interesses públicos no cumprimento das responsabilidades
de formação acadêmico-científica, ética e humanística para o desempenho
tecnoprofissional. Deve expressar ainda a produção de conhecimento e
promoção de avanços nos campos científico, tecnológico e cultural e
prestação de serviços, principalmente de cooperação e assessoramento
técnicos, de retaguarda e avaliação tecnológica e de documentação e
disseminação dos saberes produzidos nos serviços, nos movimentos sociais e
nas práticas populares (CECCIM, FEUERWERKER, 2004).
Para Luiz Meira e José Pinotti (1988) compete ao sistema educacional:
permitir que o indivíduo aprenda uma linguagem comum, social (...) o aluno
deve ser iniciado em todos os níveis do sistema de saúde, primeiramente
exercendo procedimentos simples e avaliando as ações desenvolvidas no
sistema como um todo e, posteriormente, executando assistência individual
em níveis de complexidade progressiva (MEIRA, PINOTTI, 1988, p. 26-27).
Uma pesquisa brasileira divulgada em agosto de 2007, coordenada por Edinilsa
Ramos, do Centro Latino-Americano de Estudos da Violência e Saúde (CLAVES – da
122
Constatamos uma diferenciação na estrutura das Unidades de Saúde da Família (USF) para as Unidades
Básicas de Saúde (UBS). Nas USF um médico atuando, sendo este o “médico (a) da saúde da família”.
nas UBS divisões por especialidades, podendo a mulher ser atendida por ginecologistas ou clínicos gerais.
Assim, entrevistamos, entre os médicos (as): três médicos ginecologistas, três médicos da saúde da família, duas
médicas da saúde da família e um médico clínico geral. Foram entrevistadas ainda dez enfermeiras e três
psicólogas. O nome das Unidades de Saúde não foi citado para a preservação dos profissionais que nelas
trabalham, e os nomes dos profissionais foram trocados por pseudônimos para a preservação de suas identidades.
123
CECCIM, Ricardo Burg; FEUERWERKER, Laura C. M.. A four-way approach to training in the health field:
teaching, management, care, and social control. Physis: Revista de Saúde Coletiva. Rio de
Janeiro, v.14,n.1, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
73312004000100004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 16 de Janeiro de 2008.
Fundação Oswaldo Cruz)
124
, teve por objetivo avaliar com base em um questionário proposto
a 90 docentes, com a inclusão do tema da violência nos currículos, e concluiu:
nos cursos de medicina, 23% das disciplinas abordam a violência. O tema
apareceu em 16,3% das disciplinas de enfermagem. Na maior parte dos
casos, a abordagem era feita de forma correlata. É uma porcentagem muito
baixa, que mostra a ausência do tema na formação desses profissionais
(CASTRO, 2007).
Segundo Fátima Oliveira (2004), a maioria das escolas de saúde do Brasil não inclui
em suas grades curriculares o tema da violência doméstica e algumas, no máximo, oferecem
cursos de extensão. O mesmo ocorre na França, pois, segundo os médicos Cécile Morvant,
Gilles Lazimi e Emmanuelle Piet (2007)
125
, a questão da violência contra a mulher não é
abordada em seus cursos de formação, sendo primordial a sensibilização e a formação dos
profissionais de saúde, os quais não têm consciência da amplitude do problema da violência.
Muitos profissionais de saúde não recebem nenhuma formação ao longo de seus estudos, nem
sabem como abordar o problema e como proceder, caso consigam identificá-lo. Com isso, as
violências crescem e se agravam. Para esses médicos, os profissionais de saúde:
não concebem ou imaginam que a violência ocorre em um terço dos
pacientes que vêem se consultar. Eles não compreendem que as violências se
manifestam em qualquer meio, não importando a idade, raça, grau de
instrução, religião, estado civil, e situação econômica (MORVANT,
LAZIMI, PIET, 2007).
Já para Jaques Lebas (2001):
124
CASTRO, Fábio. Violência fora dos currículos. Agência FAPESP. Disponível em: <
http://www.agencia.fapesp.br/boletim_dentro.php?id=7604 > . Acesso em 13 de Abril de 2007.
125
O manifesto “Os profissionais de saúde e o seu papel na luta contra a violência contra a mulher: uma urgência
da saúde pública” foi publicado no dia 8 de março de 2007 por cinco médicos franceses no intuito de sensibilizar
os profissionais de saúde no acompanhamento e rastreamento de casos de mulheres vitimas de violência. Dr.
Cécile Morvant, médico hospitalar do serviço de urgência; Dr. Gilles Lazimi, clínico geral; Dr. Emmanuelle
Piet, médico de proteção maternal e infantil; Dr. Gerard Lopez, psiquiatra; e Dr. Laure Vanwassenhove, clínico
geral. Tradução minha. Disponível em:
http://www.violences.fr/Actualités/Manifestedu8mars/tabid/94/Default.aspx . Acesso em 03 de Setembro de
2007.
A maioria dos profissionais de saúde na França não recebem formação
universitária e pós universitária sobre o tema da violência contra a mulher,
e ainda os cursos de intervenção médica se medicina se limitam no ensino de
tratamentos de lesões traumáticas e prescrições médicas (LEBAS, 2001,
p.10)
126
.
A análise do período de formação dos profissionais de saúde se justifica com o fim de
descobrir se o tema “violência contra a mulherfoi abordado de alguma forma, de modo a
capacitar o profissional, em sua formação acadêmica, a diagnosticar ou obter subsídios acerca
das atitudes ou dos procedimentos adequados ao se deparar com problemas relacionados com
a violência.
Quando indagados, 11 profissionais de saúde responderam que havia sido abordado o
tema no período de sua formação acadêmica; 8 profissionais responderam que o tema não
tinha sido abordado no período de sua formação acadêmica; e 3 profissionais não se
lembraram. Porém, os depoimentos dos profissionais, que relataram que o tema da violência
contra a mulher fora de alguma forma abordado no período de sua formação acadêmica,
enfatizaram uma abordagem realizada não de forma específica, mas de uma forma vaga,
superficial, simplificada, não aprofundada. Segue o depoimento da psicóloga Fernanda:
Foi. Não de forma curricular, de forma opcional. A partir do quarto ano do
meu curso a gente faz opção por estágio, e eu particularmente tinha feito
essa opção, participei de um projeto de pesquisa tb, tudo extra curricular,
além dessa possibilidade de ser extra curricular, na minha faculdade eram
desenvolvidos vários projetos no tema. Minha faculdade durou 5 anos, nesse
tempo eu passei por 2 ou 3 congressos que abordavam o tema (Fernanda,
psicóloga, 26 anos).
126
LEBAS, Jacques. Saúde e Violência Conjugal: quais as metas dos profissionais de saúde? ADSP, 36.
Tradução minha. Título original: Santé et violence conjugale: quels enjouex pour lês professionnels de santé?.
Dipsonível em: <
http://www.hcsp.fr/hcspi/docspdf/adsp/adsp-36/ad360910.pdf >. Acesso em 01 de Setembro de
2007.
No caso de Fernanda, o envolvimento com o problema da violência contra a mulher
foi uma opção particular; não que o tema tenha sido abordado na grade curricular, mas através
de opção de estágio. Assim, nem todos os profissionais dessa turma saíram capacitados ou
sensibilizados a um olhar especifico na abordagem da violência contra a mulher. Sendo assim,
é imprescindível que este tema componha as grades curriculares dos cursos de formação de
profissionais de saúde, sejam estes de formação em Medicina, Enfermagem ou Psicologia.
Pois dessa forma, tabus em torno deste tema tão delicado e complexo poderão ser
desmistificados no preparo de profissionais aptos a desenvolver um olhar mais sensível no
diagnóstico de casos que tenham a violência como agravo na saúde da mulher.
As Pesquisas e as ações realizadas em Marília
Ao serem indagados se tinham conhecimento de pesquisas realizadas pelo Ministério
da Saúde sobre o tema violência contra a mulher, foram 18 os profissionais de saúde que
responderam ignorarem a existência de tais pesquisas; apenas 4 afirmaram conhecer alguma
pesquisa ou ação.
Segundo o Diário Oficial da União
127
, em maio de 2004 pela portaria nº. 936, se
estruturou no Brasil a Rede Nacional de Prevenção da Violência e Promoção da Saúde” e a
“Implementação de Núcleos de Prevenção à Violência em Estados e Municípios”, sendo esta
implementada em virtude da Portaria nº. 737/GM de 16 de maio de 2001 que definiu a
Política Nacional da Redução da Morbidade por Acidentes e Violências.
Um dos objetivos da “Rede Nacional de Prevenção da Violência e Promoção da
Saúde” de 2004 está disposto no Art. 4º item g: “qualificar a gestão do SUS para o trabalho de
127
BRASIL. Ministério da Saúde. Portal da Saúde. Diário Oficial da União. Portaria 936, 2004. Disponível
em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/portaria936.pdf >. Acesso em 02 de Junho de 2007.
prevenção da violência e promoção da saúde”. Infelizmente isso não ocorreu nem vem
ocorrendo especificamente na cidade de Marília através do Ministério da Saúde.
O NEPAV – Núcleo de Estudos e Programas para os acidentes e violências da
Secretaria do Estado de Saúde do Distrito Federal - publicou em dezembro de 2006 uma
coletânea de artigos sobre diversos tipos de violências enfrentadas no sistema público do
Distrito Federal: “Enfrentando a violência na rede de saúde pública do Distrito Federal”.
Segundo o site Rede Paz Brasil
128
, o NEPAV é dos grupos que integram o Plano Nacional de
Prevenção à Violência e Promoção da Saúde. No entanto, apesar desta publicação ter como
parceira o Ministério de Saúde, não foi citada em nenhum relato dos profissionais na cidade
de Marília.
Em agosto de 2007 foi publicado em Brasília-DF um dulo de auto-aprendizagem:
“Mulher Adolescente/Jovem em situação de violência: propostas de intervenção para o setor
de saúde”, apresentadas no II Seminário Nacional de Prevenção à Violência contra a Mulher
Jovem/Adolescente. Até o mês de outubro, quando realizamos as últimas entrevistas, este
módulo não havia sido apresentado à Secretaria Municipal da cidade de Marília, bem como às
Unidades entrevistadas.
Em nenhuma entrevista foi citada com precisão alguma pesquisa, uma ação promovida
pelo Ministério da Saúde ou a ele ligado. Os 4 profissionais que afirmaram conhecer ações
ligadas ao Ministério da Saúde não souberam de nenhuma pesquisa ou ação. Como se pode
perceber, muitas são as produções e articulações para que a violência seja enfrentada no
sistema público de saúde brasileiro. Mas infelizmente estas medidas, ações e pesquisas não
chegam até o profissional que trabalha cotidianamente na rede pública enfrentando as mais
diversas situações; ou, melhor, muitas vezes não enfrenta por não estar preparado e apto a
perceber sinais de violência na população atendida. Perdem-se muitas chances de realizar o
128
REDE PAZ BRASIL. Disponível em: < http://www.redepazbrasil.ufms.br/default.php?pag=noticia&id=71 >.
Acesso em 15 de Junho de 2007.
combate e a prevenção da violência devido à falha de uma ação efetiva por parte dos que
promovem tais medidas, leis e pesquisas. Há, ainda, a falha em articulá-las para o destino a
que foram formuladas e pensadas O Sistema Público de Saúde, através do Ministério da
Saúde.
Todas as Unidades visitadas deveriam ter em mãos estas publicações, que elas são
vinculadas às propostas provenientes do governo: a primeira do Programa Nacional de
Prevenção à Violência e a segunda da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres - que
contém medidas, dicas e formas de combater a violência no campo da saúde. A primeira
publicação foi encontrada de forma completa e gratuita na internet. Este material, além de
informar o profissional sobre as diversas maneiras como a violência contra mulher pode ser
manifestada, contém dicas de como proceder em atendimentos relacionados a diversas
violências.
Provavelmente a prevenção da violência estaria mais próxima efetivamente da
realidade dos profissionais de saúde (nesta pesquisa dos profissionais de saúde atuantes nas
regiões onde os índices de violência contra a mulher são mais expressivos), se ações
inovadoras e ricas como esta publicação fossem viabilizadas pelos canais de prevenção à
violência os profissionais de saúde. Iniciativas como as relatadas acima são de extrema
importância quando geridas por um órgão que possui poder e abrangência nacional - neste
caso o Ministério da Saúde. Afinal, a disseminação de informações específicas para
profissionais de uma área específica, da saúde pública, facilitaria a atuação na prevenção das
diversas violências que acometem a mulher mariliense.
Quando indagados sobre se conhecem alguma pesquisa ou ação já realizada pela
Secretaria Municipal de Saúde de Marília, 15 profissionais afirmaram conhecer algumas
iniciativas relacionadas ao tema da violência contra a mulher, na maioria palestras ou
distribuição de folhetos, não porém capacitações efetivas. Como podemos constatar nos
depoimentos:
Também não. teve umas palestras aí, mas eu não sei se eu fui. Fiquei
sabendo, faz tempo, mais de ano (Fábio, médico, 55 anos).
A gente recebe alguma cartinha, do disk denúncia, então, como fazer a
denúncia. Mas uma capacitação... (Elenice, enfermeira, 37 anos).
Teve já, teve um programa eles distribuíram panfletos, foram nas Unidades
falar sobre, mas eu acho que foi uma divulgação pequena (Fabíola,
enfermeira, 24 anos).
Eu lembro que foi passado um folder faz um mês, dois meses, eu acho que a
coisa nova que apareceu foi esse folder, eu até achei que fosse uma palestra,
um curso, até eu fiquei muito interessada, aí eu vi o folder e disse: é uma
iniciativa, mas seria melhor ainda se tivesse algo mais (Débora, médica, 29
anos).
a Secretaria da Saúde da Mulher, órgão responsável por ações diretas à população
feminina na Secretaria Municipal de Saúde, baseada em entrevista com suas coordenadoras
municipais
129
, afirma que todos os profissionais de saúde foram capacitados para atuarem
em questões referentes ao tema. Infelizmente esta não é a realidade constatada: apenas 10
profissionais dos 22 entrevistados receberam da Secretaria Municipal de Saúde, alguma
capacitação efetiva
130
que os orientasse a tratar exclusivamente dos aspectos da violência
contra a mulher. Porém alguns citaram ações provenientes da Rede Mulher de Marília.
Vale ressaltar que um programa da Secretaria Municipal de Saúde, que trata
especificamente da prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e da AIDS, tem inserido
alguns aspectos da violência contra a mulher em reuniões com profissionais de saúde de
Marília. Mas, como foi ressaltado pela psicóloga Carolina, este tema não é tratado
especificamente:
129
Roteiro de Entrevista com Coordenadoras do Programa Municipal de Saúde da Mulher, vide Anexo IV.
130
Estas capacitações, segundo as coordenadoras, foram realizadas através de palestras com os profissionais de
saúde atuantes nas Unidades de Saúde da cidade de Marília.
Olha a gente participou de um projeto uns dois meses, uma capacitação
sobre drogas, sexualidade e dentro dessa capacitação veio um grupo de uma
instituição que lida com esse tipo de problema, de situação, de violência
doméstica, principalmente com a mulher (ela estava se referindo ao
Programa “Rede Mulher de Marília”). Tem até um programa desenvolvido
dentro da secretaria, tudo, tem um local de atendimento. Eles têm, parece,
advogados, eles têm toda uma equipe que dão assistência. E foi passado, a
Lei da Maria da Penha e eles passaram todo programa pra gente, que
não é tão divulgado como deveria. Acredito que falta mais informação,
porque foi divulgado num trabalho que se trabalhou prevenção de drogas e
não especificamente sobre um trabalho para as mulheres. Realmente não há
esse tipo de divulgação (Carolina, psicóloga, 29 anos).
Segundo pesquisa acerca da Rede Mulher de Marília, Ana Maria Camporez (2007)
constatou:
Na atenção primária, após o contato com diversos profissionais, constata-se
que, mesmo existindo uma parceria com a Secretaria Municipal da Saúde
com a Rede Mulher de Marília, ainda não uma estrutura de atendimento
em rede, visto que estes atendimentos realizados limitam-se a informações e
encaminhamentos baseados na rotina do profissional, não ocorrendo nenhum
registro dos encaminhamentos que possam ser vinculados com a Rede
Mulher (CAMPOREZ, 2007, p. 191).
Com relação a isso, constatamos que muitos profissionais ainda se encontram
despreparados para tratarem do tema da violência com suas pacientes e muitos ainda se
sentem inseguros em lidar com um assunto que envolve emoções e sentimentos provocados
pela violência. A Secretaria de Saúde de Marília já possui esta preocupação, tem-na também o
Programa “Rede Mulher”. No entanto, estas ações deveriam ser estruturadas e realizadas
periodicamente, abrangendo todos os profissionais de saúde, principalmente na atenção básica
à saúde. Pois, como foi constatado por Camporez (2007), a atenção básica não em pauta nas
propostas da Secretaria de Saúde em parceria com a Rede Mulher.
E pelo que se constatou a enfermeira Jussara, quando indagada se conhecia alguma
ação da Secretaria Municipal de Saúde, as ações que foram realizadas se perderam pela
falta de continuidade e pelo rodízio dos profissionais nas frentes de trabalho.
Já, teve sim. Desde a época que entrei, que faz em torno de quase 2 anos,
se, por exemplo, se tem uma capacitação que seja da secretaria municipal
de saúde de Marília, e o esquema é abordado, depois fica talvez um bom
tempo sem estar se falando. Só que assim, que acontece, o rodízio dos
profissionais acaba sendo grande nesse ínterim. você ouve da sua colega
que já teve sobre isso, é aonde você vai à busca querendo saber pelo teu
colega: “Opa! foi falado sobre isso, o que você tem de material, ou
aonde a gente pode estar procurando”... entendeu... Agora, se tivesse uma
continuidade, assim que a gente fala, periódica, seria mais interessante,
especialmente para àquelas pessoas que entram, entendeu, que entram Eu
sempre, às vezes falo, principalmente hoje eu sinto um contato mais presente
com a comunidade muito mais diretamente. Como eu trabalhei muito tempo
dentro do hospital, em alas específicas, não no pronto-atendimento, então, o
olhar era diferente. depois quando você cai na realidade da atenção
básica, que ai você começa a ter esse olhar, e ver o quanto é importante
essa inserção (Jussara, enfermeira, 40 anos).
Assim, além da complexidade do trabalhar, com um tema tão delicado, como a
violência contra a mulher, as ações se frustram, em razão da esporadicidade com que são
realizadas e do rodízio dos profissionais que atuam diretamente com a população. Foi
exatamente o que a articuladora da Rede Mulher e Coordenadora do Núcleo de Apoio
Multidisciplinar (NAM), da Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher de Marília, Cássia
Marina Silva, afirmou (em uma conversa informal conosco), a saber, que infelizmente
algumas ações da Rede Mulher estão desarticuladas, fazendo com que projetos realizados,
como o Ciclo de Conferências, venham a perder a sua eficácia pela não-frequência dos
debates, discussões e reflexões.
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, tanto as Unidades Básicas de Saúde (UBS)
como as Unidades de Saúde da Família (PSF) m autonomia para realizar ações que venham
ao encontro das necessidades da população atendida. Porém, dezoito dos profissionais
entrevistados, afirmaram nunca ter realizado qualquer ação referente à prevenção da violência
contra a mulher nas Unidades de Saúde onde atuam. Duas entrevistadas citaram ações
promovidas pelas políticas municipais, como a Secretaria Municipal de Saúde e a Rede
Mulher. Segue o depoimento de Cristina:
Quando da criação, da implantação desse programa (Rede Mulher), a gente
fez, fez uma divulgação, e procuramos levantar com os agentes comunitários
em suas micro-áreas casos que eles conheciam, tentou estudar uma maneira
de estar abordando, que às vezes nem sempre chega. A gente sabe mas ela
não chega até a Unidade. depois a gente já, na verdade, deu uma parada
porque a gente conheceu os casos que existiam, tentamos intervir em alguns,
alguns tiveram resultados, outros não né, mas a gente está sempre fazendo a
vigilância, entre aspas, assim, um mapeamento das agentes comunitárias
mesmo (Cristina, enfermeira, 33 anos).
Segundo a enfermeira, quando a Rede Mulher foi implantada na cidade de Marília, sua
Unidade levantou dados referentes à violência contra a mulher, mapeando sua área de
abrangência a partir de dados coletados pelas agentes comunitárias. Porém, Cristina enfatiza
que a equipe “deu uma parada” em relação à discussão e levantamento sobre o tema e
levantamento de dados relacionados a ele.
Foi essa, (se referindo a uma ação realizada em sua Unidade através da
Secretaria Municipal de Saúde), que eles disseram que iam panfletar, mas
eu nem vi as pessoas. Eu vi depois os cartazes colados mas acho que foi
pequeno porque nem a gente teve contato com quem estava panfletando
(Fabíola, enfermeira, 24 anos).
Os profissionais de saúde de sua Unidade não tiveram qualquer contato com quem
estava prestando informações sobre o tema. Ainda segundo os Relatórios de Gestão da
Secretaria Municipal de Saúde, referentes à saúde da mulher, nenhuma ação foi relatada
indicando qualquer iniciativa de prevenção à violência contra a mulher junto aos profissionais
atuantes em sua Rede Básica de Saúde
131
.
Carlos, médico da saúde da família, citou as iniciativas de sua própria equipe,
realizadas de forma particular e independente da Secretaria Municipal de Saúde, destacando
131
Análises realizadas com base nos Relatórios de Gestão da Secretaria Municipal de Saúde da cidade de
Marília, referentes aos anos de 1999, 2001, 2002, 2003, 2004 e 2006.
que a atividade se deu em parceria com a Delegacia de Política de Defesa da Mulher, mediada
pela delegada Dra. Rossana Camacho
132
. Ele afirmou:
Isso, nossa equipe que promoveu. Como a gente trabalha em equipe, a
gente, eu, a enfermeira, a dentista, a gente tenta promover essa coisa da
promoção da saúde, e trouxemos essa delegada da mulher, ela veio
conversar com a nossa população, numa reunião de comunidade, passar as
coisas, e tudo mais, e ela deixou claro pra gente que tinha isso aí. Mas eu
acredito que este fomento, essa coisa do governamental poderia ser maior...
(Carlos, médico, 38 anos).
Segundo a enfermeira Amanda, a discussão acerca da violência contra a mulher foi
promovida na Campanha Mundial de Luta contra a Aids, na Terapia Comunitária e no
planejamento familiar, não tendo sido realizado nenhum encontro específico para discutir a
prevenção da violência contra a mulher:
Já, porque a gente faz grupos de planejamento familiar, DST, Papa
Nicolau, Laqueadura, Vasectomia, e a gente sempre aborda esse tipo de
coisa. No dia Mundial da luta contra a AIDS, a gente aborda um pouco
disso. E a gente começou um grupo de Terapia Comunitária e a gente fala
um pouco disso (Amanda, enfermeira, 36 anos).
Problemas como hipertensão, diabetes, prevenção às doenças sexualmente
transmissíveis, dengue, entre outros, têm lugar privilegiado nas atividades realizadas nas
Unidades, pois são tratados na sua maioria pelo Ministério da Saúde. Assim, podemos
perceber que infelizmente o tema da violência contra a mulher é pouco abordado nas
Unidades de Saúde. Enfatizamos, mais uma vez, a falta de articulação da Secretaria Municipal
de Saúde, por meio de seu Programa Municipal de Saúde da Mulher, que não tem como foco
a saúde da mulher relacionada aos agravos decorrentes da violência sofrida.
132
Esta delgada é responsável por articular ações de prevenção à violência contra a mulher desde a década de 90,
enfatizadas na pág. 90.
O Tema da Violência contra a Mulher...
Ao tentarmos conhecer a opinião dos entrevistados quanto a uma capacitação
específica para fazer frente aos problemas relacionados à violência contra a mulher,
procuramos verificar o interesse deles nessa questão. Dos 22 profissionais entrevistados 20,
expressaram em seus depoimentos, a importância do profissional de saúde capacitar-se para
enfrentar os problemas que a violência contra a mulher provocam.
Eu acho assim, que a gente precisa, porque enquanto eu estou aqui nesta
unidade eu passei por duas situações que eu precisei atuar... Então eu acho
assim, se a gente tivesse um preparo anterior, a gente saberia lidar melhor
com a situação. Eu acho que precisa. A gente recebe folheto, ouve daqui e
dali, mas é uma coisa que a gente lê, não te capacita em nada. É uma
orientação muito breve (Elenice, enfermeira, 37 anos).
Entretanto, a enfermeira Amanda declarou que em relação à violência contra a mulher,
à criança e ao idoso, elaborou relatórios e os encaminhou à Saúde da Mulher da Secretaria
Municipal; mas ressaltou a falta de subsídios tanto aos profissionais de saúde quanto à
comunidade de Marília que orientem e ajudem a atender a mulher que sofreu violência.
Eu acho que tinha que ser com mais freqüência esse tema, porque o que a
gente atende aqui, em relação às mulheres que procuram, são coisas
absurdas. Tanto quanto a mulher quanto a criança menor. A gente faz a
denuncia, conselho tutelar, delegacia... Ás vezes eu faço um relatório e
mando pra Saúde da Mulher da Secretaria, Saúde da Criança, do Idoso
também, mas eu acho que teria que ser mais intenso essas palestras, tanto
para o profissional quanto para a comunidade. As mulheres não denunciam
a própria agressão que elas sofrem, têm medo, e vem pra Unidade achando
que a unidade vai fazer isso, vai apoiar, vai dar proteção pra ela, é isso que
a gente tenta fazer (Amanda, enfermeira, 36 anos).
Assim, percebemos que os profissionais de saúde acham importante receberem uma
capacitação específica para enfrentar os problemas da violência contra a mulher, para saber
como proceder diante de tais problemas, como abordá-los, onde procurar ajuda, se devem
denunciar ou não à polícia, ou recorrer a uma Rede especializada. Assim, ao afirmarem a
importância de uma capacitação específica, estão sugerindo que esta deve ser proporcionada
pelos órgãos competentes. A pesquisa coordenada por Edinilsa Ramos
133
, mostrou que os
docentes entrevistados sentem a necessidade de uma capacitação específica para tratar com a
violência: “é coerente que eles se sintam assim, uma vez que não tiveram capacitação para
trabalhar com o tema” (CASTRO, 2007). Porém, 2 profissionais acrescentaram que esta
capacitação seria necessária em certas áreas de atuação do médico. O depoimento de Fábio,
médico ginecologista, relacionou a questão acerca da violência contra mulher, à violência
sexual; ou seja, descartou as outras formas de violência e, enfatizando que é a área de
sexologia que deveria dar conta do recado, acrescentou que o tema deve interessar somente a
profissionais que tenham escolhido esta área de atuação:
Existem áreas específicas. Dentro da sexologia, hoje o pessoal deve saber,
depende da área do profissional. Dentro da ginecologia tem um tratamento
pra isso, lógico, depende se você segue uma área ligada à sexologia, que
está ligada à violência sexual (Fábio, médico, 46 anos).
Eu acho assim, é importante trabalhar na graduação e sensibilizar a pessoa,
o profissional, no caso o médico, sensibilizá-lo para isso. Porém a
impressão que eu tenho é que a capacitação ou o conhecimento ele teria
sentido na hora que você tivesse atendendo pessoas que são violentadas,
porque aprender uma coisa antes que ela aconteça na sua vida não tem
significado, é um aprendizado que está descolado do que você vive e o nosso
cérebro esta treinado a guardar, entender coisas que a gente vive, porque o
adulto aprende assim. Então na minha opinião é importante que a
capacitação ocorra no momento em que o profissional vive a situação. Se
ele esta trabalhando numa área que ele não vive violência, porque médico
tem em todo canto e em toda sociedade, vai ter profissional, como o
oftalmologista, por exemplo, que trabalha dentro de um consultório
raramente vai ter contato com pessoas violentadas, ou vai ser procurado
por essa situação. Então pra ele não vai fazer sentido. Agora um
profissional que trabalha como eu trabalho aqui no Programa num
ambiente interligado, um ambiente que aparece de tudo, e de tudo o que é
133
CASTRO, Fábio. Violência fora dos currículos. Agência FAPESP. Disponível em: <
http://www.agencia.fapesp.br/boletim_dentro.php?id=7604 >. Acesso em 13 de Abril de 2007.
comum, aqui faz muito sentido ser capacitado. Eu acho isso (Clara, médica,
29 anos).
Clara, médica da saúde da família, não acredita em um aprendizado integral antes da
real necessidade, mas em um conhecimento impulsionado pela necessidade de saber. Para ela,
o profissional de saúde deveria ser sensibilizado a um olhar especifico sobre a violência
contra a mulher somente quando se deparasse com um caso em que precisasse atuar. Assim,
enfatiza que os profissionais da rede básica de saúde deveriam estar sendo sensibilizados, pois
atuam diretamente com agravos decorrentes da violência em suas populações.
Já Ricardo, médico da saúde da família, discorda de uma atuação específica em
problemas de violência contra mulher, enfatizando que o profissional, nos dias atuais, deve
estar preparado a realizar atendimentos decorrentes não apenas em casos de violência contra a
mulher, mas também em casos de violência que acomete outros grupos, como as crianças e
idosos:
Eu acho que atualmente a gente vive numa sociedade extremamente
machista, então ficou muito a temática da violência contra a mulher. Mas eu
de certa forma discordo. Eu acho que hoje em dia o profissional hoje tem
que estar habilitado para investigar diversos tipos de violência, violência
contra a mulher, violência contra o idoso, infantil, e acho que a melhor
forma de você estar percebendo isso é através de um bom exame físico e
através de uma boa história (Ricardo, médico, 30 anos).
As Políticas Públicas e o cotidiano do profissional de saúde
Dos profissionais entrevistados, 18 declararam que faltam políticas articuladas que os
auxiliem a enfrentar a violência contra a mulher. Segundo Débora, médica da saúde da
família, políticas públicas de saúde dirigidas ao atendimento em casos de violência contra a
mulher são inexistentes na cidade de Marília. Ela afirma que nunca foi capacitada para isso e
o tema não foi discutido enquanto atuava como profissional de saúde:
Muito ruim, muito ruim, eu acho que não existe o reforço desta orientação,
porque você não muito, coisas que são tabus, que nem violência, se você
não fizer uma pesquisa ativa, uma busca ativa você não descobre, mesmo a
questão do abuso sexual ou outra forma de violência, se você não for
lembrado disso, se você não tiver isso introjetado, você fica perdido. Você
lida com muitas coisas, a hora que o médico introjetar a necessidade disso
ai fica mais fácil, mas como não houve um treinamento, uma
conscientização acaba não sendo diagnosticada (Débora, médica, 29 anos).
Percebemos que não houve preocupação com capacitação efetiva dos profissionais de
saúde em Marília. Contudo, para Clara, não precisamente falta de informação,
certamente informação, porém, teórica a respeito dos diferentes tipos de violências que
acometem as mulheres. Presume-se que os médicos e médicas estejam cientes desses
conceitos. Mas ressalta que é necessário que o médico se sensibilize ao perceber seu papel de
agente de prevenção à violência, preocupando-se com a saúde integral da população atendida,
não tratando somente da saúde física de seus pacientes, mas promovendo-os também
humanamente e socialmente. A seguir seu depoimento:
Sim, eu acho, porque é um assunto difícil, tem a ver com a visão do médico,
do papel dele, mexe até com coisas mais profundas, porque o médico sabe o
que é violência sexual, violência sica, qualquer tipo de violência contra a
mulher, ele sabe o que é. Não sei se falta informação, mas falta ele saber
que é papel dele promover saúde neste sentido, então ele acha que é coisa
de psicólogo, “isso é social, isso é psicológico, eu sou o biológico, eu trato
doença, se ela chegar toda cortada a gente sutura”. eu acho que tem a ver
mais com a visão do que com o conhecimento. Eu acho que o médico sabe o
que é, mas ele não identifica porque não acha que é o seu papel ficar
perguntando coisas da família (Clara, médica, 29 anos).
Maria Herminda Carbone (2000)
134
afirma:
apenas a atenção médica individual, de um ponto de vista biologicista, não
conseguirá atender as necessidades de saúde de uma população. Ela é apenas
uma parte do cuidado em saúde, conceito que é muito mais amplo e não
aceita o recorte excludente da medicalização do social. É um olhar
134
CARBONE, Maria Herminda. Tísica e rua: os dados de vida e seu jogo. Trabalho de Conclusão de Mestrado
em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública, 2000. Disponível em:
<http://portalteses.cict.fiocruz.br/transf.php?script=thes_chap&id=00000401&lng=pt&nrm=iso >. Acesso em 20
de Janeiro de 2008.
reducionista aquele em que uma problemática basicamente social é vista
como apenas biológica e restrita a atos médicos (CARBONE, 2000, s.p.).
Assim, como referimos anteriormente, 15 dos profissionais entrevistados já conheciam
alguma ação ou pesquisa municipal sobre o tema da violência contra a mulher, e 20
ressaltaram a importância de serem capacitados. No entanto, 18 destes profissionais ainda
afirmam a falta de políticas articuladas que os auxiliem quanto a conhecer o tema da violência
contra a mulher, sua complexidade e tabus, e a enfrentar os problemas relacionados á
violência.
Os Atendimentos de Saúde às Vítimas de Violência...
Como foi abordado, a violência contra a população feminina tem sido naturalizada
através de práticas sociais e médicas, tendo em razão disso, transformado, a mulher em alvo
primordial de ações violentas, perpetradas por companheiros, entes da família, amigos,
vizinhos, etc. Dinalva Menezes Tavares (2000) afirmou que a mulher é a maior usuária do
sistema de saúde brasileiro. Partindo dessa afirmação acreditamos que em sua vida ela passe
por ciclos violentos que podem ser prevenidos por ocasião dos à sua saúde. Esta pesquisa os
profissionais de saúde foram indagados se tais violências foram explicitadas ou mesmo se,
implicitamente, a mulher conseguiu verbalizar a violência sofrida.
Ao serem perguntados se a violência já foi explicitada, 17 profissionais disseram
nunca terem atendido uma mulher cujos problemas de saúde tenham sido ocasionados por
violência. Já quando indagados se, em conversas ou investigando a história das mulheres, ou
ainda, examinando suas queixas e dores, perceberam algum sinal de violência, 16 deles
relataram que a violência tem sido um agravante dos problemas de saúde da mulher. Assim, a
constatação de Lilia Blima Schraiber (2005) ao afirmar que dificilmente a mulher procura os
serviços de saúde devido à violência sofrida é confirmada.
Então, é certo que quando os profissionais procuraram conhecer a história de vida da
mulher, eles vêem aflorar processos de violência. Isso foi reiterado pelo depoimento da
psicóloga Fernanda:
Elas não manifestam a violência, não vem verbalizado de forma clara,
que no decorrer dos atendimentos eu consigo perceber que tem situações de
violência, até muito, principalmente violência psicológica, na forma de
coação. A maioria dessa população é casada ou tem companheiro, então
elas vivem ali, a violência dentro de casa. Tem violência física, mas a maior
parte é psicológica mesmo, violência sexual também aparece em alguns
casos, mas elas não me procuram porque sofreu violência, isso vem
disfarçado. Mesmo as que vêm com fratura não se queixaram disso, mas ai
no decorrer dos atendimentos elas conseguem, eu acho que com um pouco
mais, de até a afinidade comigo, ali no trabalho profissional, elas
conseguem verbalizar (Fernanda, psicóloga, 26 anos).
Marcadas por um processo de inferioridade tanto na sua vida social quanto na familiar,
a mulher, na maioria das vezes, não consegue explicitar a violência sofrida e lutar contra ela.
A violência vem escondida atrás de doenças diversas. Falar da violência também dói. Falar do
sofrimento causado por agressões físicas, psicológicas, verbais gera muitos sentimentos.
Ainda mais para a mulher casada ou amasiada. Pois, como expõe Jurandir Freire Costa:
historicamente, a redução da mulher ao papel de mãe e esposa devotada
representou esse compromisso entre o pai e o poder médico. O homem,
expropriado de terras, bens e escravos, através da higiene, colocou suas
genitais à serviço do Estado. Em contrapartida foi-lhe dado o direito de
concentrar sobre a mulher toda a carga de dominação antes distribuída sobre
o grupo familiar e demais dependentes da propriedade. A esposa passou a ser
sua única propriedade privada. De propriedade jurídico-religiosa, a mulher
passou a propriedade higiênico-amorosa do homem (COSTA, 2004, p. 252).
De acordo com exposições apresentadas, poucos profissionais foram capacitados
para perceber os sinais de violência nos seus atendimentos a mulheres. Afirma Cécile
Morvant (2007):
a maioria não enxerga o sofrimento, e participam desse fato indiretamente ao
seu isolamento e desinteresse. Muitos preferem ficar passivos em face das
violências ou no encontro de situações difíceis de gerenciar. Eles têm o
sentimento de ficarem isolados, impotentes e com medo de recorrer à lei
(MORVANT, 2007, p.4).
Débora, médica de saúde da família, ressaltou que sentiu-se sensibilizada em face da
violência por ocasião de um curso promovido não por órgão municipal de saúde, que
freqüentou por iniciativa própria:
Se você perguntar aparece, eu acho que tenho atendido nos últimos 3 meses,
abuso sexual, mas faço uma investigação ativa.... De novembro pra (3
meses), detectei 5 casos, porque eu comecei a investigar mais. E porque eu
comecei a investigar mais? Porque eu sou tutora do curso de Perpetração
da Saúde da Família em São Carlos
135
, e lá no curso apareceu alguns casos
de violência contra a mulher e eles (os profissionais de saúde) estudando
isso e eu participando das discussões eu me sensibilizei mais para esse
papel e aí eu comecei a perguntar e começou a chover. Eu falei: “meu Deus,
se eu não perguntar, elas não falam”... Investigando os sintomas, mas
perguntado: “Olha, desculpa, mas eu tenho que fazer uma pergunta pra
você. Seu pai, se você viu algum olhar diferente, te tocou de alguma
outra forma? E algumas dizem: Já. E ai eu quase caio da cadeira. Falo:
“meu Deus!” A gente não costuma perguntar e a não ouvir também
(Débora, médica, 29 anos).
Assim, Débora foi clara em dizer que sensibilizada por um grupo de estudos em que se
debateram casos de violência contra a mulher, seu olhar, sua percepção e atuação se
modificaram radicalmente. Segundo seu depoimento, com uma investigação mais efetiva nos
atendimentos à saúde das mulheres, os casos começaram “a chover”. Portanto, ela se tornou
sensível ao tema das violências que acometem as mulheres e começou, a partir de sua prática
profissional, a diagnosticar e a prevenir tais violências.
Segundo Lilia Blima Schraiber e Ana Flávia D’Oliveira (1999), as mulheres que
sofrem violência parecem utilizar mais os serviços de saúde. Porém, “os profissionais de
saúde não identificam ou pelo menos não registram a violência em prontuário como parte do
135
Na fala da médica não foi especificado onde este curso foi ministrado na cidade de São Carlos.
atendimento” (SCHRAIBER, D’OLIVEIRA 1999, p. 18). Para Orlando Saliba
136
, “a
notificação da violência doméstica pelos profissionais de saúde contribui para o
dimensionamento epidemiológico do problema, permitindo o desenvolvimento de programas
e ações específicas” (2007, p.472).
Em pesquisa realizada em São Paulo em um serviço de atenção primária, demonstrou-
se que “57% das mulheres atendidas relataram algum episódio de violência física na vida.
Apenas 10% dos casos estavam registrados em prontuário” (SCHRAIBER e D’OLIVEIRA,
1999, p. 18)
137
. Como na cidade de Marília existe a “Rede Mulher de Marília”, esta utiliza-se
de um protocolo desenvolvido pela Secretaria Municipal de Saúde, mais especificamente a
Saúde da Mulher, o qual o profissional, quando detecta a violência em um atendimento de
saúde, deve preencher e encaminhar à Rede Mulher. No entanto, somente 3 profissionais
entrevistados relataram utilizar ou conhecer este protocolo. E ainda, segundo a Rede Mulher
de Marília, em 2005 somente duas vítimas foram encaminhadas do sistema de saúde para a
Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher, e em 2006 foram 23 encaminhamentos da área da
saúde à Delegacia da Mulher, mas somente 7 vítimas compareceram para registrar ocorrência.
Refere o médico clínico geral Francisco:
A questão é, se você percebe vamos supor que existe uma questão
acontecendo (de violência), e a pessoa te nega, certo, eu não tenho como
obrigá-la, certo. Eu posso estar questionando, perguntando, mas se a
pessoa te nega eu não tenho como forçá-la a fazer uma coisa que ela não
quer. Isso ocorre, em varias situações... . Então assim, são situações que são
difíceis, tá certo, eu acho que são difíceis. Elas pedem (as mulheres) quando
é uma coisa, que não se anote no prontuário, tem um monte de coisas...
Anotar no prontuário é uma coisa do médico, quer dizer, isso aí a gente não
pode estar exigindo que não se anote, porque é o documento que eu tenho do
atendimento, é uma anotação minha, pode ser uma anotação pessoal, assim,
tão clara, que qualquer pessoa possa saber o que está acontecendo, a gente
136
SALIBA, Oswaldo. Responsabilidade do profissional de saúde sobre a notificação de casos de violência
doméstica. Revista Saúde Pública, 41 (3), 2007, p. 4725-477. Disponível em:
<h
ttp://www.scielo.br/pdf/rsp/v41n3/5805.pdf >. Acesso em 11 de Janeiro de 2008.
137
SCHRAIBER, L.B., D’OLIVEIRA,A.F.P.L. Violência, gênero e saúde: organização serviço e tecnologia de
atenção integral à mulher. São Paulo: Faculdade de Medicina USP, DMP; CSE Samuel Pessoa, 1999. (Relatório
Final de Pesquisa/CNPq).
tem uma norma de anotação que pode ser perfeitamente usada nestes casos
(Francisco, médico, 40 anos).
O fato da paciente não querer que queixas que envolvesse situações de violência sejam
detalhadas em seu prontuário, revela a vergonha, a insegurança e o medo de ser estigmatizada
pelos atendentes da unidade de saúde que posteriormente verão os detalhamentos de sua ficha.
Assim, a prevenção da violência se torna ainda mais complexa quando critérios éticos entram
em cena. Deve o médico anotar suas percepções acerca da violência sofrida por sua paciente,
caso estas se mostrem contrárias?
Para Oswaldo Saliba, apesar dos códigos de ética médica, de ética da enfermagem e de
ética da psicologia, “não apresentarem explicitamente a expressão violência doméstica, eles
deixam claro o dever que os profissionais têm de zelar pela saúde e dignidade de seus
pacientes” (2007, p. 476). Sendo assim, devem notificar processos de violência a que sua
paciente esteja sendo submetida. Todos os 16 profissionais que constataram violência de
forma explícita ou implícita em seus atendimentos, deram algum encaminhamento para a
paciente. Estes encaminhamentos foram: conselhos, orientações a procurar a Delegacia, o
Hospital, indicação de tratamento psicológico, da terapia comunitária da própria Unidade, etc.
Porém, constatou-se também que estes encaminhamentos muitas vezes são dados com
dúvidas e incertezas a respeito de que conduta utilizar, e isso expressa a falta de capacitação
específica do profissional, seja ele (a) médico (a), enfermeiro (a), ou psicólogo (a):
Então, por isso que eu digo, eu não tenho uma orientação de qual a
situação, de qual a conduta jurídica ou de acessoria pra dar. O que eu
posso é estabilizar o humor delas, trabalhar o lado psíquico, o psicológico
dela pra tentar estabilizar. Agora, no restante eu o posso interferir, eu
acabo não interferindo. Eu oriento a ver sempre a tentar haver uma
conciliação, uma conversa, e para a paciente procurar a delegacia da
mulher, procurar as autoridades competentes pra essa situação. Não sei se
cabe a nós interferir. Acho que o reparo sim, interferir eu não sei (Júlio,
médico, 30 anos).
Júlio, médico da saúde da família, afirma claramente sua dúvida quanto a interferir ou
não na vida da sua paciente e demonstra falta de preparo em prosseguir com o atendimento, e
cumprir com competência sua função de profissional da saúde, como salientou anteriormente
Oswaldo Saliba (2007) acerca do dever dos profissionais de saúde em promover a saúde e a
dignidade de seus pacientes. Assim, é necessário que o profissional de saúde saiba como
proceder ao atendimento em que ele nota estar qualquer violência, e é de extrema importância
mostrar à paciente alternativas para quebrar o ciclo da violência sofrida. Para Schraiber e
D’Oliveira (1999):
A resolução do problema, quando possível, não se dará no âmbito específico
da saúde. Portanto, é necessário que os serviços de saúde, ao abordarem o
problema, estabeleçam com cada mulher uma escuta responsável, exponham
as alternativas disponíveis em termos de acolhimento e intervenção (DDM,
apoio jurídico, apoio psicológico, casa abrigo, ONGs etc...) e decidam com
ela quais seriam as alternativas melhores para o caso, incluindo-a ativamente
na responsabilidade pelo destino de sua vida (SCHRAIBER e
D’OLIVEIRA, 1999, p. 23)
A Delegacia de Policia de Defesa da Mulher, como vimos no Capítulo I, foi criada
com o objetivo de proporcionar uma assistência diferenciada a mulheres vítimas de violência.
Assim, é de esperar que os serviços oferecidos pelas Delegacias abranjam os direitos e a
dignidade da mulher violentada. Porém, quando atendia uma mulher que a procurara em sua
Unidade em busca de auxílio, vítima de violência com marcas pelo corpo todo, a enfermeira
Elenice, entrou em contato com a Delegacia de Policia de Defesa da Mulher de Marília, com
o consentimento da paciente, na certeza de que esta instituição a auxiliaria neste atendimento
tão delicado. Infelizmente não foi o que ocorreu:
Eu liguei na delegacia da mulher, ai os policiais vieram. Primeiro eu
conversei com eles, depois nós fomos para uma sala fechada, e eu participei
da conversa deles com a paciente. Ela tava muito assustada... E eles
vieram, e ela contou. Ela estava muito chorona, muito nervosa... E eles
induziram ela a falar que não foi culpa dele que bateu nela, a conversa deles
com ela, eles queriam induzir ela a falar assim “vc apanhou porque você
teve culpa”. Foi muito ruim. Até a gente conversou aqui na Unidade: “tinha
que ser mulher pra atender essas ocorrências, eu liguei na delegacia da
mulher e vieram policiais homens...” (Elenice, enfermeira, 37 anos).
Este episódio ocorreu na Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher que é considerada
ativa desde a década de 90 em ações de prevenção à violência contra a mulher. Quando isso
ocorre em uma Delegacia considerada especializada, imagine-se o que pode ocorrer onde não
há serviço de atendimento à mulher?
Alguns entrevistados, mesmo não tendo capacitação específica no enfrentamento do
tema da violência contra a mulher, usaram procedimentos que achavam adequados ou
corretos. A criação de vínculo com as usuárias das unidades de saúde foi um dos recursos
utilizados por alguns profissionais para conseguir proceder a uma investigação acerca de
processos de violência que suas pacientes possam estar sofrendo. Para Fábio, médico
ginecologista, explica:
A pessoa que tem mais intimidade coloca de uma maneira informal,
dificilmente uma desconhecida fala, é mais por amizade que coloca o que
aconteceu. grávidas... converso bastante com a paciente, num ambiente
informal. A paciente vem pra falar que apanha do marido, mas que não quer
confusão (Fábio, médico, 46 anos).
Outra estratégia foi utilizada por Clara, no caso de uma mulher que passava por
atendimentos periódicos, mas a violência nunca havia sido explicitada. Através das visitas dos
agentes comunitários foi detectado que essa mulher apanhava muito do marido. Os agentes
comunitários alertaram a médica e esta tentou abordar a paciente:
A desculpa foi a de consultar a criança. ela veio, e na conversa eu fui
cutucando: “como é que em casa, com o marido”, e ai ela foi falando,
contou tudo, e a gente começou a fazer um acompanhamento de terapia
familiar e comunitária, ela veio nas sessões clínicas, chamei os filhos, desde
os mais velhos até os mais novos, conversei um por um, pra ter uma visão
deles. O marido é usuário de crack, bebe, agride, e chamei o marido pra vir
conversar. Mas até hoje ele não conseguiu vir. Ele fala que eu não tenho
nada a ver com a vida dele. Eu mandei carta pra ele dizendo que eu estava
acompanhando a família, que eu precisava conversar com ele, que eu tava a
fim de pensar junto um jeito de a família ser mais feliz. A reação dele foi
rasgar a carta, que eu não tinha nada a ver com a sua vida... (Clara,
médica, 29 anos).
Situações como esta podem fazer com que o profissional se sinta desestimulado a lutar
contra processos de violências que envolvam suas pacientes. Pelo depoimento de Clara,
percebemos que o papel dos agentes comunitários de saúde foi primordial para ela olhar com
sensibilidade para a mulher que sofria violência e para que essa família fosse atendida de
forma específica, no que diz respeito à prevenção da violência e na tentativa de erradicá-la de
seu cotidiano. A própria médica afirmou que se não fosse o alerta dos agentes comunitários de
saúde, ela não teria detectado o ciclo de violência que essa família vivia. Clara continua:
Comecei a ver que era importante dividir o olhar com o resto da equipe,
porque até chegar aqui, existe um processo, e os agentes, como eles estão
nas casas eles conseguem detectar mais precocemente um problema da
ordem da violência do que a gente aqui, eles falam pra gente. Por exemplo,
já aconteceu do agente me procurar: “na casa tal parece que bate na
mulher, parece que violenta”, e ai quando veio na consulta por outro motivo
eu consegui entrar, porque eu sabia, eu fiquei cutucando, “e você na sua
casa, com seu marido” e ai a pessoa contava que tinha violência. Mas foi o
agente que me tocou, pq se ele não tivesse falado nada pra mim, a consulta
era por uma lesão de pé, sei lá o que era, eu nem ia ficar perguntando “e aí
seu marido”, eu nem ia perguntar, e eu achei legal isso (Clara, médica, 29
anos).
O Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS)
138
foi institucionalizado pelo
Ministério da Saúde em 2001. Este programa é um importante passo no aprimoramento e na
consolidação do Sistema Único de Saúde, e foi inspirado:
138
BRASIL. Ministério da Saúde. Programa Agentes Comunitários de Saúde – PACS. Brasília: Ministério da
Saúde, 2001. Disponível em: < http://www.fm.usp.br/cedem/did/atencao/PACS.pdf >. Acesso em 22 de
Novembro de 2007.
em experiências de prevenção de doenças por meio de informações e de
orientações sobre cuidados de saúde. Sua meta se consubstancia na
contribuição para a reorganização dos serviços municipais de saúde e na
integração das ações entre os diversos profissionais, com vistas à ligação
efetiva entre a comunidade e as unidades de saúde (Ministério da Saúde,
Programa Agentes Comunitários de Saúde, 2001, p. 5).
O PACS criou a profissão dos agentes comunitários de saúde com o objetivo de que
atuassem nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Unidades de Saúde da Família (USF). O
agente comunitário deve residir no mínimo dois anos na comunidade em que atua, ter no
mínimo 18 anos e dispor de tempo integral para suas atividades. Entre as suas atribuições
estão:
visitar no mínimo uma vez por mês cada família da sua comunidade;
identificar situação de risco e encaminhar aos setores responsáveis; pesar e
medir mensalmente as crianças menores de dois anos e registrar a
informação no Carta da Criança; incentivar o aleitamento materno;
acompanhar a vacinação periódica das crianças por meio do cartão de
vacinação e de gestantes; orientar a família sobre o uso de soro de
reidratação oral para prevenir diarréias e desidratação em crianças;
identificar as gestantes e encaminha-las ao pré-natal; orientar sobre métodos
de planejamento familiar; orientar sobre prevenção da AIDS; orientar a
família sobre prevenção e cuidados em situação de endemias; monitorar
dermatoses e parasitoses em crianças; realizar ações educativas para a
prevenção do câncer cérvico-uterino e de mama; realizar ações educativas
referentes ao climatério; realizar atividades de educação em saúde bucal na
família, com ênfase no grupo infantil; supervisionar eventuais componentes
da família em tratamento domiciliar e dos pacientes com tuberculose,
hanseníase, hipertensão, diabetes e outras doenças crônicas; realizar
atividades de prevenção e promoção da saúde do idoso; identificar
portadores de doenças psico-física com orientação aos familiares para apoio
necessário no próprio domicílio (Ministério da Saúde, Programa Agentes
Comunitários de Saúde, 2001, p. 5-6).
Percebemos que a saúde da mulher está inserida nas propostas de trabalhos dos
agentes. Porém, o tema da prevenção à violência não foi mencionado no PACS. Assim, o
papel dos agentes comunitários se configura de extrema importância nas Unidades Básicas de
Saúde e Unidades de Saúde da Família, pois são eles que têm contato mensal com toda a
população em que a Unidade de Saúde está inserida, fazendo eles próprios parte da
comunidade.
Portanto, constatamos que os profissionais de saúde têm atendido mulheres que sofrem
processos de violência. Eles têm seus próprios recursos e táticas, tentado abordar a paciente
no ato da consulta. Em vista disso a necessidade de que os profissionais de saúde sejam
preparados de forma integral para o atendimento da mulher cujos problemas de saúde são
agravados pela violência. E é mister que esta capacitação também seja estendida aos agentes
comunitários de saúde.
O perfil da mulher vítima de violência...
Os 16 profissionais que, no atendimento á saúde, perceberam, de forma explícita ou
implícita, a violência como fator agravante da saúde da mulher, traçaram o perfil da mulher
violentada: possui, no geral, entre 20 e 50 anos; são casadas ou amasiadas; têm filhos; e, na
visão dos profissionais, são na sua maioria pardas. Porém, 4 profissionais não souberam
especificar a cor e um deles enfatizou:
Não tem uma cor específica, tanto negras, quanto brancas, quanto pardas,
não tem uma coisa que eu possa dizer: “olha acontece mais com branca,
com negra”, não achei que isso tivesse diferença (Carlos, médico, 36 anos).
Segundo Amália do Nascimento Sacramento (2005)
139
, em um estudo realizado em
Salvador, na Bahia sobre a importância do quesito cor quando se a assistência à saúde da
139
Texto realizado a partir de sua Dissertação de Mestrado em Enfermagem pela Universidade Estadual da
Bahia. SACRAMENTO, Amália do Nascimento. Controvérsias e importância do quesito cor. 2005. Jornal On-
line Írohín. Disponível em: < http://www.irohin.org.br/imp/n10/09.htm >. Acesso em 10 de Janeiro de 2008.
mulher no período de pré-natal, constatou-se que é complicado para o profissional de saúde
classificar a cor da gestante no preenchimento de documentos em assuntos de saúde:
A identificação da cor é representada ainda, tanto para gestantes quanto para
profissionais do estudo, como ofensa, preconceito, discriminação, racismo e
novidade, assinalando como é “complicado” a classificação da cor. Relatos
de profissionais de saúde que participaram do estudo indicam não haver
diferença no atendimento com base na cor, entretanto, muitos reportaram
ter presenciado práticas discriminatórias e preconceituosas de outro (a)s
profissionais, baseados na aparência, explicitando um racismo operando em
sua sutileza (SACRAMENTO, 2005).
A partir da década de 90, o movimento negro se engajou em reivindicações para a
introdução do quesito cor nas políticas públicas de saúde. Esta luta, diz Rubens Adorno
(2004)
140
:
se destaca como forma de sensibilização e de contribuição para a formação
do pessoal de saúde, a questão da discriminação social e racial, além de
demonstrar, como aliás os trabalhos de investigação realizados têm feito, as
diferenças na distribuição nas causas de morte, no acesso ao serviço etc.
entre brancos, pardos e negros (ADORNO, 2004).
Assim, a importância da introdução do quesito cor nos documentos da Saúde Pública
brasileira não reside somente no fato de que estas classificações auxiliariam pesquisas
científicas, mas também, como ressaltou Adorno, na sensibilização dos profissionais de saúde
para esta questão. Porém, como constatamos na cidade de Marília, a Secretaria Municipal de
Saúde não leva em conta a importância da questão étnico racial em seus planejamentos. Por
isso, não podemos esperar que os profissionais de saúde tenham esta questão como relevante
em suas percepções.
140
ADORNO, Rubens de C.F.; ALVARENGA, Augusta Thereza ; VASCONCELLOS, Maria da Penha. Quesito
cor no sistema de informação em saúde. Estudos Avançados, o Paulo, v. 18, n. 50, 2004 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000100011&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em 17 de Janeiro de 2008.
A opinião do profissional de saúde sobre a mulher não sair do ciclo da
violência
A maioria dos entrevistados relatou que o medo da reação violenta, a vergonha, a
dependência financeira e o receio de perder a guarda dos filhos como os principais motivos
para a mulher resistir e quebrar o ciclo de violência em que vive. Expõe Ricardo, médico da
saúde da família:
tem o medo envolvido, a questão da renda familiar, tem a questão do núcleo
familiar, que às vezes por mais que não esteja constituído, existe. Eu acho
que o medo da justiça funcionar, de ela tentar fazer alguma coisa e depois
sofrer as conseqüências disso (Ricardo, médico, 28 anos).
Primeiro tem uma questão de resistência, de ordem emocional mesmo,
porque ela vai ter que mexer com esse conflito, que pode até determinar
uma nova forma de organização dessa família, e ai muitas têm medo de
perder a estabilidade, que elas julgam que têm nessa família, por questões
financeiras também, não só esta estabilidade financeira, mas elas ficam
muito no nculo mesmo, na questão emocional , talvez de se sentir
desamparada, de se sentir sozinha, ela tem uma relação de dependência
muito grande com esse companheiro. Muitas vêm de histórias de conflitos
familiares desde a infância, onde não tinha sido instaurado aquele ambiente
familiar adequado. Então depois que elas formam novas famílias e acho que
se agarram nessa possibilidade de ter uma vida, de construírem nova
estabilidade familiar, e não tem, mas tem medo de aceitar essa condição,
medo de uma resistência mesmo de assumir o fracasso dessa relação. E
também acho que tem o medo concreto de ela sofrer uma represália
também, de ela ir procurar ajuda, e será que se ela voltar não vai sofrer
mais violência de novo, ou o filho não vai sofre violência também, Tem
questões emocionais, psicológicas, mas tem o medo real também (Fernanda,
psicóloga, 26 anos).
De acordo com uma pesquisa realizada em 2003, com agentes comunitários de saúde
sobre o tema da violência contra a mulher
141
, uma das agentes comunitárias expressou um alto
grau de desestímulo e impotência. Ela havia detectado um caso muito grave em que a mulher
141
Monografia apresentada para banca de conclusão de Curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual
Paulista. MESSIAS, Ana Elisa Araújo. Políticas Públicas de Saúde e a Violência contra a Mulher: um estudo da
problemática na cidade de Marília. Unesp/Marília, 2003. (mimeo).
era sistematicamente agredida pelo marido. A partir desta constatação, mobilizou toda a
equipe em discussões a respeito do caso. Conseguiu conversar com a mulher, levando-a a
denunciar as agressões. Arrumaram-lhe um emprego e um lugar onde pudesse morar em
segurança. No dia marcado para a mulher sair de casa, a agente comunitária chegou e a porta
não se abriu, mas um bilhete apareceu por debaixo do vão da porta. O bilhete agradecia todo o
empenho e ajuda que as agentes lhe tinham dispensado, mas ela não iria conseguir romper
com o seu marido, pois o amava (MESSIAS, 2003). Apesar desta mulher ter recebido
orientação do sistema público de saúde, ter utilizado a Delegacia de Polícia de Defesa da
Mulher a fim de denunciar a violência sofrida, ter conseguido um meio de se prover e um
local seguro para se refugiar do marido violento, mesmo com tudo isso, não conseguiu
romper, e decidiu permanecer. Mas por quê?
Foi exatamente esta pergunta que norteou o trabalho de Miriam Pillar Grossi em sua
pesquisa de doutorado, “Por que as mulheres ficam com os maridos depois de apanharem
tanto?”. Desde então suas reflexões procuram respostas para esta problemática, “partindo de
uma perspectiva que o uso da violência como parte constituinte de muitas relações afetivas
e não apenas como uma ‘anomalia’ do vínculo afetivo-conjugal” (1998, p. 8)
142
.
Casos como este ocorrem todos os dias. Segundo Maria Filomena Gregori (1993) a
queixa da mulher não pressupõe que conseguirá se livrar da vida sofrida que vive e,diz a
autora, a queixa é:
a revolta na imanência, expressão de um ódio que não favorece a evasão e a
ação de confronto. Não é um contradiscurso, nem permite a formação de um
contra universo. As mulheres reconhecem em suas queixas chances de
liberdade. No entanto, esse reconhecimento não supõe a criação de uma
identidade (GREGORI, 1993, p. 192).
142
Sobre a reflexão completa da autora sobre esta perspectiva, consultar o texto “Rimando Amor com Dor”
inserido no livro: PEDRO, Joana Maria. GROSSI, Miriam Pillar. “Masculino, Feminino, Plural: gênero na
interdisciplinariedade”. Ed. Mulheres: Florianópolis, 1998.
Elas se queixam, relatam processos violentos em que estão inseridas, mas a quebra
deste ciclo não é possível em razão da teia complexa de sentimentos que envolve o processo
violento. Segundo Débora, a mulher não procura o atendimento de saúde em decorrência da
violência, mas sim para desabafar, compartilhar suas frustrações. Para ela:
A mulher é difícil de vir porque sofreu a violência. Geralmente ela vem
porque está magoada ou deprimida por ter sofrido a violência, entende? Ela
não vem “eu aqui porque sofri uma violência”. Geralmente quando ela
vem a raiva até passou e fica mais uma mágoa, ela não vem quando
acontece,ela marca. Ela vem depois de algum tempo compartilhar a relação
(Débora, médica, 29 anos).
Pode-se até pensar que a mulher não espera que esta conversa modifique a sua
situação, muitas vezes ela só quer falar... falar... e falar... E como ressalta e D’Oliveira (1999):
Para que se possa abordar o problema (da violência contra a mulher) nos
serviços (de saúde), é necessário contar com um espaço de expressão para as
angústias e questões da clientela, que não se resuma à aproximação
biomédica estrita, ou à busca de patologias conforme definidas pelo saber
médico (...) Isto não significa, obviamente, abandonar a vocação específica
dos serviços, mas sim, em nome de sua melhor eficácia técnica, escutar a (o)
usuária (o) em toda a complexidade de sua demanda (SCHRAIBER,
D’OLIVEIRA, 1999, p. 23).
Portanto, as práticas dos profissionais de saúde devem embasar-se na escuta de sua
clientela, atendendo não sintomas no seu corpo biológico, mas também relacionando-os às
suas vivências pessoais, podendo, assim, muitas vezes, prevenir agravos da saúde da mulher,
provocadas pelas violências sofridas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve por objetivo não analisar o Sistema Público de Saúde da cidade
de Marília por meio das atuações e percepções de profissionais de saúde componentes da
atenção básica, as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Unidades de Saúde da Família (USF),
mas também estudar as questões relacionadas à violência contra a mulher.
Primeiro analisamos a realidade das exclusões e diferenciações vivenciadas pelas
mulheres e a discussão do tema da violência contra a mulher no Brasil. Discutimos as
políticas públicas de saúde no país e como elas se caracterizam nas relações de gênero e
étnico raciais, e apresentamos também a violência como problema de saúde pública. A
cidade de Marília/SP foi escolhida como campo por ser considerada referência no combate a
este tipo de violência.
Os Boletins de Ocorrência referentes a violência contra a mulher das Delegacias de
Polícia de Marília, no período de janeiro de 2004 a outubro de 2005, mostraram o perfil da
mulher violentada, bem como o tipo de violência que mais a acometeu nesse período.
Constatamos que a mulher mariliense sofreu mais a violência caracterizada como lesão
corporal dolosa, ou seja, violência através de socos, tapas, empurrões, surras, etc.; é branca,
sua faixa etária está entre 21 e 30 anos; é solteira; e tem como principais agressores maridos,
ex-maridos, amásios, ex-amásios, namorados, ex-namorados. Este perfil condiz perfeitamente
com a realidade nacional, como foi discutido no Capítulo I e III.
A pesquisa, baseada nos dados policiais, teve também como objetivo diagnosticar as
localidades onde os crimes de violência contra a mulher eram mais expressivos, para analisar
as Unidades de Saúde através de entrevistas com os profissionais atuantes na rede básica.
Constatamos que as Zonas Norte, Oeste e Sul da cidade de Marília, possuíam os maiores
índices criminais de à violência contra a mulher.
Nas entrevistas com os profissionais de saúde, quando analisamos a formação
acadêmica e a inclusão do tema da violência contra a mulher, constatamos que a maioria tinha
cursado disciplinas que discutiam o problema, ressaltando alguns deles que esta abordagem
foi de grande importância para a sua formação.
Ao indagar se os entrevistados tinham conhecimento de alguma ação relacionada à
prevenção da violência contra a mulher promovida pelo Ministério da Saúde, buscamos
detectar se a teoria estava em consonância com a prática. Infelizmente constatamos que não,
apesar do Ministério da Saúde ter implementado algumas medidas de combate à violência
contra a mulher e abordado os problemas da violência na área da saúde. Conforme discutido
no Capítulo II, estas medidas não foram implantadas na cidade de Marília. Aconteceu o
mesmo com algumas publicações articuladas pelo Ministério da Saúde, também estas não
foram repassadas às Unidades de Saúde da cidade de Marília.
Apesar da Secretaria Municipal de Saúde, com Programa Municipal de Saúde da
Mulher, ter elaborado o programa “Mulher, Violência e Saúde”, a maioria dos profissionais
entrevistados relatou não conhecê-lo. Nem mesmo os Relatórios de Gestão da Secretaria
Municipal de Saúde o mencionaram quando se referiram à saúde da mulher. Porém, a
Coordenação do Programa Municipal da Saúde da Mulher afirmou que todos os profissionais
já participaram de atividades relacionadas à prevenção da violência contra a mulher. Contudo,
somente a metade dos entrevistados afirmou ter participado de tais atividades. Isto foi
reiterado em um dos depoimentos da enfermeira Jussara que afirmou que estas atividades
foram muitas vezes prejudicadas pelo rodízio na participação dos profissionais. Para ela
todos, de uma forma geral, deveriam ter participado.
Percebemos também a falta de políticas públicas de saúde que auxiliem o profissional
nas questões referentes à violência contra a mulher. Os entrevistados se queixaram por
sentirem-se desamparados por parte do Sistema Público de Saúde de Marília, o que prejudica
a atuação do médico nos atendimentos em que a violência é sinalizada. A falta de políticas
públicas voltadas ao atendimento da mulher que sofre violência, desemboca na falta de
profissionais capacitados a realizarem atendimentos com olhar mais sensível às reais causas e
agravos da saúde da mulher. Schraiber e D’Oliveira (1999) destacaram o atendimento deveria
ser pautado na escuta da paciente, oferecendo alternativas para reverter a situação de
sofrimento, ou mesmo para a mulher refletir sobre a questão.
A enfermeira Elenice não fez ressalvas ao demonstrar um sentimento de total
despreparo quando precisou atuar no auxílio de uma paciente que chegou à sua Unidade de
Saúde toda machucada buscando socorro. Ela relatou que se tivesse sido capacitada
anteriormente, este atendimento poderia ter sido realizado com mais segurança e precisão. Os
profissionais, enquanto agentes promotores de saúde, muitas vezes não sabem como agir em
atendimentos em que a violência é sinalizada, e se sentem incapacitadas de dar um cuidado
integral e efetivo à saúde das mulheres.
Foi exatamente o que destacou Débora, médica da saúde da família, que, sensibilizada
por um grupo de estudos, modificou a sua abordagem no atendimento a mulheres jovens e
adultas, fazendo com que casos que envolvem diversos tipos de violências “chovessem”,
surpreendendo-a. Ressaltou que, se a violência não fosse abordada nesses casos que atendeu,
talvez nunca mais pudesse ser superada e combatida.
Um outro fato muito importante a ser destacado, foi a dificuldade dos profissionais em
definir a cor da mulher violentada. Houve depoimentos em que esta percepção nunca havia
sido feita por parte do profissional e depoimentos em que os profissionais não relataram a cor
da mulher. Assim, como muitos profissionais não estão aptos a lidar com atendimentos
relacionados à violência, percebemos também que não estão acostumados ou mesmo
preparados a refletir sobre a questão étnico – racial da população atendida. E como foi
demonstrado no Capítulo II, é urgente, no Brasil, que a Saúde Pública trate efetivamente da
saúde da mulher negra e das especificidades que este tema implica. Pois, como ressaltou
Oliveira:
Enfrentar a violência doméstica, sexual e racial exige entender que, sem
demolir os padrões culturais que a sustentam, nos limitaremos a cuidar de
suas decorrências físicas e psicológicas, isto é, da condição de seqüela da
violência doméstica, que é a marca das sobreviventes. (OLIVEIRA, 2003, p.
46)
Portanto, apesar da cidade de Marília ser considerada referência no Estado de São
Paulo, pela Rede Mulher de Marília, no que diz respeito à prevenção da violência contra a
mulher, ainda muito que percorrer. Os entrevistados acreditam que as ações devam
realizar-se com mais freqüência, alcançando todos os profissionais de saúde, principalmente
aqueles que pertencem a Unidades Básicas de Saúde e Unidades de Saúde da Família. Pois os
profissionais atuantes na rede básica de saúde estão mais próximos da comunidade, podendo
utilizar os vínculos criados com suas pacientes como forma de prevenir a violência em seus
atendimentos; muitas vezes sem saber o que sentir e onde dói, a mulher deixa de evidenciar a
sua real dor, a dor da violência.
O desafio do profissional das Unidades de Saúde e das Unidades de Saúde da Família
consiste em escutar, em interessar-se pelas queixas de suas pacientes, e em ter paciência em
recebê-las, apesar de, muitas vezes, repetirem os mesmos sintomas. É por meio desse
interesse que vínculos de confiança podem ser gerados, até o momento em que a mulher
perceba o profissional como alguém que pode auxiliá-la em suas dores e angústias provocadas
por qualquer tipo de agressão que venha sofrendo.
Esta pesquisa foi necessária a fim de sugerir que caminhos de prevenção da violência
contra a mulher e para que tais caminhos sejam construídos para um melhor atendimento a
saúde. Mas para que isso ocorra, de maneira concreta e efetiva deve-se pensar seriamente em
capacitar os profissionais de saúde e em articular políticas públicas que viabilizem esta
capacitação. Portanto, é necessário reiterar e continuar com a luta para que os locais de saúde,
bem como os atendimentos oferecidos por eles, sejam reconhecidos como locais de resistência
e prevenção à violência contra a mulher.
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ANEXOS
ANEXO I
Londrina, _____de ____________de 2007.
Carta de Apresentação
À
Secretaria Municipal de Saúde
Marília-SP
Prezado (a) Senhor (a),
Vimos por meio desta, solicitar a colaboração de V. Sª. para a realização da pesquisa
“ASPECTOS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA CIDADE DE MARÍLIA”,
coordenada por Ana Elisa Araújo Messias, sob minha orientação. A pesquisa tem como
parceria o Comitê de Segurança e Qualidade de Vida, da Prefeitura de Marília, coordenado
pela Professora Doutora Sueli Andruccioli Felix, na disponibilização de dados policiais da
cidade de Marília.
O objetivo da pesquisa é coletar dados sobre a violência contra a mulher, analisando o perfil
das mulheres que buscam o atendimento no sistema de saúde, em algumas Unidades de Saúde
da Zona Norte e Sul, Hospital de Clínicas e no Hospital da Mulher. A pesquisa resultará na
dissertação de Mestrado de Ana Elisa.
A colaboração de V. Sª. consiste em conceder uma entrevista sobre o problema, além disso,
gostaríamos de contar com o apoio para o fornecimento de dados sobre o tema, Informamos
que todos os dados coletados, assim como a identidade dos entrevistados serão mantidos sob
sigilo, preservando as identidades das pessoas relacionadas com a pesquisa.
Agradecemos intensamente a preciosa atenção e colocamo-nos à disposição para quaisquer
outros esclarecimentos.
Atenciosamente,
Profa. Dra. Maria Nilza da Silva
Departamento de Ciências Sociais da
Universidade Estadual de Londrina
Contato: 43 3371-4456 ou mnilz[email protected]
ANEXO II
Termo de Consentimento Esclarecido ao Profissional de Saúde UBS/PSF/Hospital
Eu,___________________________________________________________________,
(nome completo do Profissional de Saúde por extenso)
R.G.____________,desempenho minha função de _____________________________,
na Instituição __________________________________________________________,
(nome da UBS/ PSF ou Hospital)
concordo em colaborar para a realização da pesquisa “Aspectos da Violência contra a Mulher
na cidade de Marília”, realizada por Ana Elisa Araújo Messias, sob orientação da Professora
Doutora Maria Nilza da Silva, da Universidade Estadual de Londrina. A pesquisa tem como
objetivo levantar dados referentes à violência contra a mulher, bem como o perfil destas
mulheres que buscam atendimento no sistema de saúde.
Minha colaboração consiste em conceder uma entrevista sobre o problema e, se possível,
fornecer dados sobre a violência contra a mulher. Autorizo que sejam feitas anotações em
papel ou que a entrevista seja gravada. Estou ciente que tenho:
A segurança de que a minha participação não trará qualquer prejuízo a mim, aos
usuários ou à instituição;
A liberdade de retirar meu consentimento a qualquer momento e deixar de participar
da pesquisa;
A garantia de receber esclarecimentos a qualquer dúvida relacionada com a pesquisa;
A segurança de que não serei identificado e que será mantido o caráter confidencial da
informação;
As informações sobre os resultados do estudo quando solicitado.
Marília, ____de _______ de 2007.
_______________________________________
ANEXO III
Roteiro de Entrevista com Médicos/ Enfermeiros/ Psicólogos
POLÍTICAS PÚBLICAS
Foi abordado o tema “violência contra a mulher” no período de sua formação?
Qual sua opinião na capacitação específica do profissional de saúde no olhar da
violência contra a mulher?
Você conhece alguma pesquisa sobre a violência contra a mulher do Ministério da
Saúde?
Você conhece alguma pesquisa sobre a violência contra a mulher da Secretaria de
Saúde Municipal?
Na sua Unidade foram realizadas campanhas específicas sobre violência contra a
mulher?
Você acha que faltam políticas efetivamente articuladas no auxilio do profissional as
saúde, em assuntos como a violência contra a mulher?
ATENDIMENTO X VIOLÊNCIA
Qual a patologia mais presente (recorrente) em seus atendimentos?
Já foi explicitada a violência como causa geradora do paciente estar buscando consulta
médica?
o Se não, você detectou através de conversa ou exame algum sinal de
violência contra a mulher?
o Se sim, relate um exemplo.
Como é o procedimento do atendimento quando detectada a violência?
PERFIL DA MULHER
Você consegue traçar um perfil das mulheres que são atendidas nesta Unidade de
Saúde?
Qual a cor predominante das mulheres por você atendidas?
Para você, qual o fator que leva a maioria das mulheres a não procurarem ajuda para
saírem da situação de violência?
ANEXO IV
Análise do Programa Municipal de Saúde da Mulher de Marília-SP
Quando foi implantada em Marília uma Coordenação específica para a saúde da
mulher?
Quando o tema violência começou a ser abordado na Saúde da Mulher em Marilia?
foi abordado o tema da violência contra a mulher por meio de ações ou outras
atividades através da Secretaria de Saúde?
algum protocolo disponível nas Unidades de Saúde para o encaminhamento de
mulheres vítimas de violência?
alguma ramificação que trata especificamente da saúde da mulher negra em
Marília, tratando especificamente sobre o racismo, relações raciais, etc.
foram realizadas capacitações com os profissionais de saúde tratando
especificamente da saúde da mulher negra?
Qual é a autonomia dada aos profissionais de saúde na realização de campanhas
especificas em suas Unidades de Saúde?
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